Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ENCONTRANDO O PERDIDO / Shannon K. Butcher
ENCONTRANDO O PERDIDO / Shannon K. Butcher

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ENCONTRANDO O PERDIDO

 

Três raças descendentes de antigos Guardiões da Humanidade, cada uma possui habilidades únicas em sua batalha para proteger a humanidade contra seus eternos inimigos - Os Synestryn.

O Guerreiro Sentinela Paul esteve procurando durante séculos uma mulher como Andra. Para encontrá-la, faz um acordo com um Caçador de Sangue que poderia custar sua própria vida. Agora, seu desejo por Andra ameaça destruir seu mais que necessitado controle.

Contra seus desejos, Angra aceita unir-se a Paul em uma viagem contra o perigo e que conduz diretamente ao Sinestryn que massacrou sua família há oito anos...

 

    

     Omaha, Nebraska

     14 de julho.

   Os aterrorizados murmúrios do menino se enfraqueciam a cada segundo. Andra Madison mal podia ouvi-los agora, embora pressionasse o ouvido contra uma fenda da parede do abandonado depósito nos subúrbios de Omaha. Aqueles abafados, prolongados e tristes sons de terror rompiam seu coração e faziam que quisesse destroçar aos monstros que sequestraram Sammy com as mãos nuas. Ou fazê-los voar em pedaços com sua pistola. Isso também valia.

     Inclusive às três da manhã, o ar de julho ainda estava quente e espesso pela umidade, tornando mais difícil respirar. Então, outra vez, talvez fosse só sua reação ao dito medo.

     Havia ao menos quatro monstros ali guardando Sammy, dois a mais dos que se encarregou de vencer antes. E nessa batalha foi por um fio. Nem sequer estava segura de como ia conseguir tirar o menino com vida. Teria que improvisar e rogar que saísse o melhor possível.

     Um dos monstros deixou escapar um profundo grunhido que enviou uma sacudida de medo rasgando através de seu organismo. O suor brotou da testa enquanto lutava com a urgência de fugir. Plantou as botas com firmeza e apertou os dentes até que a necessidade de fugir passou sobre ela e começou a desvanecer-se. Ficou trêmula e gotejando de suor, mas ao menos permaneceu no lugar.

     Andra sabia do que aquelas criaturas eram capazes, tinha visto com seus próprios olhos em mais de uma ocasião e o som que estavam fazendo agora não era um bom sinal. Os monstros estavam preparados para alimentar-se.

     A imagem do pequeno corpo de Sammy sendo despedaçado pelas garras e dentes encheu sua mente e fez que seu estômago se revolvesse. Não podia deixar que acontecesse. Esta vez não.

     Andra estava oficialmente ficando sem tempo para explorar o edifício e planejar seu ataque. Com um plano ou não, tinha que tirar o pequeno Sammy dali agora mesmo.

     Subiu com um salto as três escadas de cimento e girou a maçaneta da velha porta do armazém, mas estava fechada. É óbvio. As janelas eram muito altas para que penetrasse por elas, e não ia perder tempo procurando outra maneira de entrar. Não restava tempo, tinha prometido aos pais de Sammy que levaria seu bebê para casa com vida.

     Estúpida, estúpida, estúpida.

     Nunca devia ter feito promessas que talvez não fosse capaz de manter, mas quando se confrontou com tanto temor e pânico nos suplicantes olhos de seus desamparados pais com tanto amor não pôde evitar.

     Estupidamente quis dar esperança a eles.

     Depois de todas as vezes que falhou em encontrar meninos perdidos, ou resgatá-los antes que fosse muito tarde, deveria ter sabido fazer algo melhor que realizar promessas vazias.

     Andra respirou profundamente para criar coragem, dizendo uma rápida prece para ter sorte, agarrou a escopeta com força e lançou o salto da bota contra a porta podre. Os pedaços de madeira se pulverizaram pelo gigantesco cômodo aonde Sammy vinha sendo mantido prisioneiro. Andra se agachou, utilizando o marco da porta para ocultar-se enquanto observava o armazém, procurando freneticamente algum tipo de plano que conseguisse tirar a ambos com vida.

     Estava escuro, com apenas alguns raios de luz amarela da imunda lâmpada da rua flutuando através das janelas quebradas situadas no lugar mais alto das paredes. O edifício era velho e mostrava cada um de seus anos nas vigas caídas e no reboco rachado. Os grafites cobriam as paredes, e o lixo se amontoava em pequenos montões aqui e ali. O chão de madeira estava podre onde simplesmente tinha desaparecido, deixando buracos desiguais que davam para qualquer lugar que houvesse debaixo.

     No lado mais afastado do cômodo ela viu Sammy. Estava amarrado a uma das poucas colunas que ainda eram bastante fortes para sustentar o teto. Seus olhos estavam enormes pelo medo, e as lágrimas se derramavam por seu rosto, deixando estreitas linhas de pele limpa em seu rastro. Uma mordaça suja enchia sua boca, mas Andra podia ouvir os lastimosos gemidos de Sammy vindo de detrás da mordaça. Graças a Deus, ainda estava vivo. Agora tudo o que tinha que fazer era tirá-lo dali na mesma condição e devolvê-lo a sua casa, aonde pertencia.

     Um plano brilhante. Ou deveria ser, se não fosse pelos famintos e babões monstros que permaneciam entre ela e o menino.

     Andra esteve caçando aquelas coisas durante oito anos e ainda não tinha outra palavra para eles que não fosse monstros. Eram do tamanho de enormes cães, com a cabeça de um lobo e o corpo de um chimpanzé. Tinham longas e afiadas garras e dentes combinando. A oleosa pele negra cobria seus corpos e longos fiozinhos de saliva amarelada gotejavam de suas imensas bocas. E por razões que Andra ainda não conseguia adivinhar, as criaturas que mantinham essas coisas como mascotes gostavam de roubar meninos.

     Não tinha visto nenhum daqueles monstros insetóides de uns dois metros de altura pelos arredores, mas sabia que não estavam longe de seus preciosos mascotes.

     Sua entrada explosiva afastou a atenção dos monstros do menino e a voltou para ela, um lugar muito melhor para isso, no que a concernia.

     Arrastaram-se engatinhando para ela, suas longas garras deixando arranhões desiguais no velho chão de madeira.

     O temor ameaçou paralisá-la e, uma vez mais, teve que lutar contra a urgência de sair correndo e deixar que o menino se arrumasse sozinho. Não era fácil de assustar, mas aquelas coisas tinham a habilidade de fazer que seu sangue congelasse e o ar gelasse em seus pulmões. Havia algo desnaturado no temor que causavam. Era mais que só o fato de estar cara a cara com muitas garras e dentes. Era mais que simplesmente o temer por sua vida. Havia algum conhecimento instintivo enterrado profundamente em seu interior que a advertia que quando enfrentava a esses monstros, estava enfrentando a algo muito maior e mais sombrio do que era capaz de imaginar. E depois de todas as coisas que viu, tinha uma imaginação muito vívida.

     Andra se obrigou a respirar, a permanecer calma e a concentrar-se em tirar Sammy com vida. Desfez-se do temor desnaturado e fingiu que só estava enfrentando cães raivosos. Um aterrorizado lugar de sua mente saltou ante a ideia ridícula, mas a ignorou o melhor que pôde.

     Andra rogou que suas mãos deixassem de tremer o suficiente para conseguir um disparo limpo; então se levantou de seu esconderijo e apontou a arma para a maior das bestas. Ainda havia quase cem metros entre ela e eles, e tudo menos um categórico disparo os foderia.

     Permaneceu ali, justamente fora da soleira, onde só poderiam ir para ela de um em um, e esperou que os outros monstros fechassem a distância.

     — Estamos perto. — disse Logan.

     — Perto quanto? — perguntou Paul. A excitação bombeou através de seu organismo, o fazendo agarrar com mais força o volante.

     Olhou para o Sanguinar com quem esteve percorrendo a área industrial dos subúrbios de Omaha. Os olhos de Logan emitiam um estranho brilho prateado na escuridão, e estava contemplando algo na distância que Paul não podia ver. Não tinha certeza se Logan sabia o que estava fazendo, mas seguro como o inferno que esperava que o fizesse. O futuro de Paul, sua vida, pendia de um fio.

     Se encontrasse a mulher e ela fosse a única, o poder que esteve construindo em seu interior durante décadas, e a dor que causava, finalmente teriam uma saída.

     — Estivemos dirigindo pelo Meio Oeste durante dias. — grunhiu Madoc do assento de trás. — O maldito chupa sangue não sabe que infernos está fazendo. Só está levando você para passear.

     — Não tinha que vir com conosco. — disse Paul.

     Não se preocupava muito com solitário no assento de trás.

     Tomava muitas liberdades e não reconheceria um companheiro de equipe nem se ele tivesse sentado em seu colo. Era o tipo de homem que deixava sacos de cadáveres detrás dele. Sua única qualidade era que geralmente, era os caras maus que necessitavam mais desses sacos de cadáveres que os caras bons.

     — Joseph decidiu de outra maneira.

     — Desde quando segue suas ordens? — perguntou Paul.

     — Tenho minhas razões. — disse Madoc.

     — Como quais?

     — Nenhuma de sua fodida incumbência. E, para que conste, só porque estou aqui não quer dizer que penso que isto vale uma merda. Se é tão fácil para Logan encontrar fêmeas Theronai, então, por que não soubemos desse particular dom há cem anos, antes que nossos homens começassem a morrer?

     — E se estiver equivocado? — respondeu Paul. — E se Logan puder rastrear a linha de sangue de Helen e encontrar mais mulheres como ela?

     Pelo espelho retrovisor, Paul viu Madoc olhando com asco para Logan.

     — Estivemos tão ocupados seguindo esse suposto rastro que não matamos um demônio há dias. O braço de minha espada está se convertendo em uma enorme bola de melaço enquanto você segue toda essa merda de Logan. Está enganando você para conseguir seu sangue, cara. Não vê?

     Talvez isso fosse verdade. Paul sabia que era possível. Os Sanguinar não eram os homens mais confiáveis. Sua necessidade de sangue os tornava… Imprevisíveis. Se Paul não estivesse tão desesperado para encontrar uma mulher como Helen, nunca teria feito um acordo com Logan.

     Mas estava desesperado. A dor se tornou insuportável. Não estava seguro do por que seu corpo não tinha explodido, porque o poder que hospedava não rasgava através da pele e o osso e o despedaçava. Tinha que fazer três horas de meditação todos os dias só para ser capaz de funcionar, para sair da cama todas as noites. Só restavam duas folhas penduradas em sua marca de vida, e no momento que caíssem, não estava seguro de que sua alma vivesse além de outros dez dias. Depois disso, as coisas ficariam realmente feias.

   — Aqui, vire à esquerda. — sussurrou Logan em uma voz suave. — Encontrei-a.

     Uma brilhante bolha de esperança se expandiu dentro de Paul enquanto fazia o motor rugir e girava bruscamente. Avançou ultrapassando um sinal vermelho, mas eram mais de três da manhã e não havia ninguém nos arredores dessa velha área industrial. Além disso, se os tiras quisessem multá-lo, teriam que pegá-los primeiro.

     — Tem certeza? — perguntou Paul. — Encontrou realmente uma mulher Sangue Puro?

     — Você, fodido chupa sangue. — vociferou Madoc com desgosto. — Não há mulher. Vamos aparecer e ele vai contar a você alguma história de que a perdemos, igual a cada uma das outras noites desta semana.

     Logan não respondeu a acusação de Madoc. Seu rosto estava sereno enquanto ficava olhando a noite. Seus brilhantes olhos cintilaram durante um tempo e tomou uma profunda respiração.

     — Depressa, Paul. Não está sozinha. Sinto os Synestryn.

     O temor de perder a mulher que podia salvá-lo antes que sequer a encontrasse, fez que o estômago de Paul se encolhesse. Pisou no acelerador até o fundo justo quando viu um movimento no final da rua. Não havia muita luz, mas havia a suficiente para que visse a sombra de uma mulher de pé na soleira de uma porta.

     — Ali está ela!

     — Não acredito em uma fodida coisa disso. — disse Madoc.

     Nem tampouco Paul. Logan havia realmente rastreado a uma mulher que talvez fosse capaz de salvar sua vida. Uma mulher com algo do mesmo tipo de sangue de Helen correndo por suas veias, a qual era a primeira fêmea Theronai que nasceu em uns duzentos anos.

     Ainda não tinham nem ideia de onde Helen tinha vindo, mas depois de ver o milagre que havia feito em Drake, dificilmente se importaria.

     Paul parou repentinamente no exterior do velho armazém, quase roçando o SUV com o corrimão de metal que limitava o estacionamento. Os faróis brilharam sobre os restos de um largo marco de uma porta e a mulher que permanecia ali de pé.

     Ela era alta, quase um metro e oitenta embora talvez fosse sua postura de comando e o crédulo agarre sobre sua escopeta o que a faziam parecer mais alta.

     Paul já tinha escapulido do carro e desembainhava a espada quando viu dois demônios Sinestryn – sgath avançando para ela, e mais dois detrás deles. Com escopeta ou sem ela, não era rival para aquela quantidade de dentes e garras. Despedaçariam-na antes que tivesse tempo de apertar duas vezes o gatilho.

     — Sai daí! — gritou enquanto subia correndo de três em três a gretada escada de cimento para ela. Podia ouvir os pesados passos de Madoc e Logan ressoando detrás dele.

     Não se virou para ele, nem sequer se preocupou em reconhecer que o ouviu. De fato, não mostrava sinal do espesso e paralisante medo que os Synestryn geralmente causavam nos humanos. Parecia totalmente tranquila, como se esperasse que os demônios a atacassem todos os dias.

     O sgath se aproximou com seus quatro metros e meio e não mostrou sinais de ir mais devagar. Ainda estava muito longe para ajudá-la. Ia vê-la morrer antes que tivesse sequer uma oportunidade para tocá-la e descobrir se ela era a sua, se poderia salvá-lo.

     Ela disparou sua escopeta no sgath mais próximo. Seu corpo oscilou levemente contra a força da arma e o profundo disparo ecoou na calma da noite. Atingiu um dos demônios. Este voou uns sessenta centímetros para trás, orvalhando sangue negro pelo armazém. Sob as espessas e oleosas gotas, o chão de madeira começou a chispar enquanto o corrosivo sangue comia tudo a sua passagem.

     Se um pouco daquele sangue a tivesse alcançado, comeria sua pele com igual facilidade.

     Paul alcançou finalmente a mulher. Queria deter-se e tocá-la, mas não havia tempo. Outro sgath estava exatamente ali, só a alguns metros de distância.

     Independentemente de que ela pudesse salvá-lo ou não, o fato de que enfrentasse ao sgath sem temor provou que era um raro presente e tinha que ser protegida a todo custo.

     Paul a empurrou com o ombro afastando-a do caminho e avançou através da soleira, espada na mão e preparada para golpear. Ela bateu contra a parede com um pouco mais de força do que ele tinha esperado e deixou escapar um dolorido gemido, mas ao menos estava fora de perigo.

     Um ileso sgath viu Paul avançando e seus olhos se iluminaram com um doentio fogo verde de excitação e fome. Aquilo levantou o focinho e deixou escapar um uivo para avisar aos de sua espécie, como se os alertasse de que a comida acabava de chegar. Não havia nada que os demônios gostassem mais que comer a carne e o sangue de um Sentinela, e Paul e seus companheiros eram um banquete andante.

     Andra levou alguns segundos para recuperar-se de ser lançada contra a parede de tijolo. Foi bom que tivesse sido o ombro o que levou o primeiro golpe em vez da cabeça. Se não, teria ficado fora de combate. Quando isto acabasse, ia ter um longo bate-papo sobre maneiras com o homem que a empurrou, mas agora tinha que tirar Sammy dali.

     No momento que Andra se recuperou do impacto, dois dos três homens que tinham aparecido já estavam no interior do armazém. Não tinha certeza de quem eram, ou o que estavam fazendo ali, mas não ia questionar sua boa sorte. Ou suas espadas.

     O monstro em que disparou ainda estava no chão, mas se movia serpenteando, chapinhando nas piscinas de seu próprio sangue com aquela língua longa e bífida. Ela sabia por experiência que se conseguisse recuperar bastante de seu sangue, a coisa se levantaria outra vez, toda remendada e como nova.

     Andra não podia fazer nada exceto estremecer ante a visão. Era uma que ia persegui-la durante as muitas noites que seguiriam. Fantástico. Como se necessitasse de mais combustível para pesadelos.

     Outro monstro se virava para o homem que a empurrou. Ele tinha os cabelos loiros escuros e feições rígidas e afiladas. Manejava uma espada um pouco mais curta que seu braço e por seus longos e musculosos ombros e a facilidade com que esgrimia a arma, era óbvio que tinha muita prática com ela. Graças a Deus que estava do seu lado.

     O monstro se agachou, então fez uso de sua rapidez sobrenatural, mas o homem estava preparado para atacar. Deslizou-se sob o salto do monstro e fez a espada girar em um enorme arco de grande alcance que fatiou o ventre do monstro. O homem saltou rapidamente para um lado, esquivando-se do salpico de imundície e sangue que se derramava do monstro.

     A coisa lançou um úmido e delirante som e deixou escapar um rugido de desafio enquanto tentava permanecer de pé. O homem se moveu no que parecia ser quase um círculo lento, sua espada brilhava em um tênue arco de luz amarela. Quando este se deteve, a cabeça do monstro caiu a três metros de seu corpo.

     A escura fumaça que se elevava do atoleiro de sangue sobre o chão de madeira, ardia. A fumaça criou um fedor tão violento que Andra teve que conter o impulso de vomitar.

     — Como vamos, Madoc? — perguntou o homem, sem nunca afastar os olhos da ameaça restante.

     Em um lado afastado do armazém, Andra observou o segundo homem um cara com olhar de aborrecimento, com feições fortes e espessos cabelos pretos quando reduziu a outro dos monstros. Ele nem sequer ofegou.

     — Um a menos, resta outro. — disse enquanto se aproximava rodeando a posição do monstro.

     A coisa tinha retrocedido para um canto e Andra estava bastante segura que não ia escapar viva.

     — Cheiro a mais perto. — disse uma profunda voz detrás dela. Muito perto.

     Andra saltou surpresa e se virou, apontando com sua escopeta para o terceiro homem do grupo. Quando pousou os olhos sobre ele, o cérebro obscureceu os ouvidos e ficou ali de pé, olhando para ele, incapaz de fazer nada mais.

     Ele era bonito. Detinha o coração, aquela enorme e induzida beleza, com cabelos pretos, brilhantes olhos prateados e um rosto de modelo de capa de revista. Estava um pouco magro para seu gosto, mas fazia que aquilo funcionasse bastante bem para que ela mudasse de opinião aqui e agora.

     Ele dedicou a ela um sorriso conhecedor cheio de brilhantes e brancos dentes e disse:

     — Sou Logan. Meus amigos e eu estivemos procurando você.

     Andra se deu uma sacudida mental e piscou de modo que pudesse deixar de olhá-lo fixamente.

     — Nesse momento não vou aceitar nenhum caso. Tenho as mãos cheias com Sammy.

     Ele franziu o cenho ligeiramente confuso e ondeou uma elegante mão.

     — Falaremos depois. Agora, temos que entrar antes que o restante dos Synestryn apareça.

     Justo então, Andra olhou por cima do ombro dele para a escuridão que a rodeava e viu o intenso brilho dos olhos verdes de outros monstros que se aproximavam.

     — Já. Para dentro.

     Andra olhou fixamente através da porta do armazém e viu ambos os homens fatiando e cortando em pedacinhos os monstros restantes. Eles tinham as mãos completamente ocupadas nesse momento e Logan não parecia ser muito bom na luta magro como era. De fato, parecia que viria abaixo de um momento a outro, o que revelou seus instintos protetores.

     Andra agarrou Logan e o arrastou através da porta com ela. Recolheu o pedaço maior da porta que tinha derrubado e o apoiou através da entrada aberta. Graças a Deus esteve levantando pesos ultimamente ou nunca teria sido capaz de levantar a sólida prancha de carvalho.

     — Comece movendo essas velhas plataformas de madeira do caminho para atrasar essas coisas. — ordenou ela. — Eu vou pegar Sammy.

     Correu cruzando o recinto, saltando sobre um enorme buraco na madeira. Só tinham poucos segundos antes que aqueles novos monstros chegassem e com um pouco de sorte, poderiam libertar Sammy e encontrar a porta traseira para sair daquele lugar antes que os asquerosos irrompessem através da barricada.

     Alcançou Sammy, mas ele estava em silêncio e olhando fixamente o vazio, o que não era um bom sinal. Seus olhos estavam imensuravelmente abertos pelo choque e o medo, e se encolheu afastando-se dela quando se aproximou. As lágrimas inundavam seus olhos, e eram tão abundantes que molhavam a gola da camisa de seu pijama.

     Andra estava perdendo preciosos segundos, mas não podia pensar em acrescentar combustível ao seu medo. Encontrou em algum lugar um sorriso e se obrigou a mantê-lo.

     — Tudo bem, Sammy. Sua mamãe e seu papai me enviaram. Estou aqui para levar você para casa.

     Tão suavemente quanto pôde, tirou a suja mordaça de sua boca e cortou as cordas que o amarravam. Só levou alguns segundos, mas quando terminou, o loiro da espada estava a poucos metros dela, cobrindo suas costas.

     O monstro em quem atirou e apenas feriu estava agora estendido em vários pedaços pulverizados pelo chão do armazém. Ele fez por ela, e a julgar pelo sangue negro que escapava do resto dos monstros, havia feito isso mais que bem.

     — Está ferida? — perguntou a ela.

     — Não, mas Sammy não parece estar bem.

     O homem assentiu uma vez, como se entendesse exatamente o que queria dizer. Então de novo, pareceu preparado para lutar com algo como aquilo. Possivelmente sabia o que estava acontecendo ali.

     — Sou Paul. Vou tirar você e o menino daqui com vida.

     Isso não soava a um alarde em vão. Suas palavras eram sólidas e balanceadas, com confiança.

     —Assim, fez isto anteriormente, Paul? — perguntou a ele em um tom casual.

     Ele se virou e piscou um dos olhos para ela.

     — Uma ou duas vezes. Permaneça atrás de mim. Seu sangue é corrosivo.

     — Vou pegar Sammy e procurar uma porta traseira.

     — Não. Ficará onde eu possa ver você. Pode haver mais escondidos no edifício.

     Andra pensou em discutir e se deu conta que ele podia estar certo. Não estava disposta a arriscar-se, especialmente Sammy estando com ela.

     O primeiro monstro golpeou a barricada. Com a porta quebrada, as destroçadas plataformas de madeira cederam facilmente.

     Paul se moveu para a barricada. O homem de olhar furioso avançou até ficar ao lado de Paul, enfrentando a ameaça. Ambos levantaram as espadas como se soubessem como as usar. De fato, havia provas disso dispersadas por todo o chão do armazém.

     O bonito Logan se moveu para a parte de trás do armazém perto de Andra.

     — Vou localizar outra saída. Paul e Madoc se arrumaram antes com coisas piores, mas mantenha-se em guarda.

     — Não ouviu o que Paul disse? Pode haver mais se escondendo por aí.

     — Se houver, serei capaz de sentir o cheiro deles quando vierem. Não se preocupe. Não sou alguém que arrisca a vida desnecessariamente. — sorriu de novo para ela, só que dessa vez esteve bastante segura de que viu presas.

     Adorável.

     Andra levantou Sammy e retrocedeu até que ficaram contra a parede mais afastada. Quem quer que fossem aqueles homens, não eram normais. Até que descobrisse mais, não ia deixar que nenhum deles conseguisse se aproximar de Sammy.

     Deixou escapar um suave e desesperado gemido. Andra baixou os olhos e ele estava contemplando-a com olhos que não viam. Tinha visto esse mesmo olhar em uma noite como aquela, e cada semana após, nos últimos oito anos.

     Tinha chegado muito tarde. Inclusive se saísse com vida desta, Sammy estava perdido para sempre.

     Os monstros se chocaram contra a barricada, mais duas daquelas coisas lobo-chimpanzé e dois enormes monstros como escaravelhos que os mantinham como mascotes. Eram facilmente de um metro e oitenta e três de altura e caminhavam erguidos sobre curtas e espinhosas patas. Suas diminutas cabeças continham quatro olhos pretos como miçangas que se centraram justamente sobre Sammy.

     Um deles deixou escapar um protesto metálico que soou igual à palavra de um menino, então apontou para Sammy e Andra. O outro assentiu, soltou a correia que o sustentava e desdobrou um par de amplas asas. Saltou para o ar e aterrissou pendurando-se nas vigas que sustentavam o armazém.

     Os monstros peludos investiram contra o par de homens enquanto a segunda coisa escaravelho se mantinha atrás.

     Andra resguardou Sammy atrás dela e apontou com a escopeta a coisa com aspecto de escaravelho da viga. Disparou e o tiro arrancou um enorme pedaço onde tinha estado o monstro. Infelizmente, este tinha saltado, evitando o disparo. Examinou o teto enquanto voltava a recarregar, procurando-o, mas não estava em nenhum lugar a vista. Ouviu um zumbido atrás dela e se virou para encontrar a coisa escaravelho voando diretamente para ela e o menino.

     Não teria tempo para acabar de recarregar e poder disparar de novo. Agarrou a culatra da escopeta e a nivelou na frente do rosto para manter aquelas triturantes mandíbulas do inseto à distância.

     Este se precipitou sobre ela. Ouviu como se algo se quebrasse e a dor se estendeu por seu braço. Gritou em consequência, incapaz de conter o grito de agonia. A arma chocou-se ruidosamente contra o chão e Andra tentou arrastar as mãos para agarrar o pescoço do escaravelho, mas o braço esquerdo não respondeu. Pendurava inútil ao franco, com uma dor profunda ardendo até o osso que fez seu estômago revirar.

     Conseguiu pôr uma mão contra o peito do escaravelho, mas ele era forte. Empurrou-a com facilidade, fazendo que as botas deslizassem pelo chão de madeira. Sammy foi empurrado para trás com ela, seu pequeno corpo enfraquecido e girando exatamente detrás dela.

     Andra deu um rápido olhar sobre o ombro e viu que estavam sendo empurrados para perto de um dos enormes buracos no chão. Sammy cairia primeiro se não fizesse algo.

     Infelizmente, nada lhe veio à mente.

     Um rugido de ultraje chegou de algum lugar da sala, mas não pôde imaginar de onde tinha saído ou o que significava. Tudo o que podia fazer era ficar em pé e tentar reduzir a marcha da coisa.

     Pelo canto dos olhos, viu um brilho metálico cintilando além de onde estava ela. A cabeça daquela coisa parecida com um escaravelho passou voando e seu corpo começou a cair para frente.

     Cada batida do coração fazia seu braço palpitar, mas o ignorou e pôs até o último grama de sua força em empurrar o escaravelho para um lado. Este caiu e bateu no chão com um seco estalo continuado.

     — Está bem? — perguntou Paul.

     Sua espada estava coberta de limo e a cabeça do escaravelho rodava perto de seus pés. Ela fez um rápido exame do armazém e só viu cadáveres. Todos os monstros estavam mortos, graças a aqueles homens. Nunca teria sobrevivido esta noite sem eles.

     Andra assentiu.

     — Tenho o braço quebrado, mas viverei.

     Agora, se apenas pudesse manter-se de pé e não cair ante seus pés, seria fantástico.

     Muito profissional.

     Ela se concentrou em Paul em um esforço para não pensar na dor. Seus cabelos tinham o aspecto de estarem sempre despenteados. Era vários centímetros mais alto que Andra, o que não era uma façanha pequena, já que media um metro e oitenta descalça. Podia inclusive dizer que sob a roupa, ele era todo músculo, mas não tão volumosos que obstaculizassem seus movimentos. Tinha visto sua destreza de primeira mão e tinha que admirar qualquer pessoa que pudesse mover-se tão rápido, tão correntemente, enquanto parecia que não tinha feito mais esforço que o de descer pela rua.

     Mas mais que isso, era seu rosto o que a mantinha interessada. Não tinha a beleza de modelo de Logan. Nem sequer tinha certeza de chamá-lo de bonito, mas havia algo em seu rosto que a intrigava, que a atraía. Linhas de cansaço emolduravam sua boca como se tivesse passado um inferno, mas sua postura era forte e constante. Podia ser que tivesse sofrido, mas não o tinham derrotado.

     Andra não tinha nada a não ser respeito por um homem como ele, o que era absurdo, porque não sabia nada sobre ele. A noção de que podia lê-lo olhando seu rosto era só uma completa estupidez. Então, de novo, a estupidez era o tema da noite.

     Quem quer que fosse, tinha salvado sua vida naquela noite, e estava agradecida por isso.

     — Obrigado. — disse a ele.

     Paul se esticou para ela como se fosse tocar seu rosto.

     — É um prazer.

     — Não faça isso. — gritou Logan. — Aqui não. É muito perigoso. Sabe o que aconteceu a Drake quando tocou Helen.

     A mão de Paul se fechou em um punho e a deixou cair ao flanco.

     Possivelmente tivesse sido sua imaginação, mas quanto mais perto esteve sua mão dela, menos seu braço tinha doído. Agora que a tinha retirado, a dor cintilou por sua extremidade outra vez e fechou os joelhos para permanecer em pé.

     — Está ruim, não é mesmo?

     — Não é agradável. — ela admitiu.

     — Eu posso ajudar você. — ofereceu Logan. — Reparar seu braço e eliminar a dor.

     — Toque em seu sangue e é um homem morto. — disse Paul, a voz áspera com a ameaça.

     Andra olhou para o braço, aterrorizada de que possivelmente estivesse sangrando. Os monstros pareciam ser capazes de sentir o cheiro do sangue e algumas vezes isso os conduzia a ela.

     — Que sangue?

     — Não era a isso que ele se referia. — disse Logan. — Simplesmente está sendo um pouco possessivo.

     — Drake advertiu a todos do que fez com Helen. Não fará isso com ela.

     Andra não tinha ideia do que estavam falando, mas nesse momento, realmente, não se importava de forma alguma. Queria tirar Sammy dali e conseguir que arrumassem seu braço de modo que deixasse de pô-la doente a cada pulsar do coração.

     — Realmente aprecio o que todos fizeram aqui esta noite, e odeio pedir mais ajuda, mas não há forma de que possa conduzir. Algum de vocês pode nos levar em meu carro para o hospital e nos deixar lá?

     — Um hospital não ajudará ao menino. — disse Logan. — Mas eu posso.

     Andra não confiava nele. Nada naquele belo rosto era humano. Pelo que sabia, poderia ser um deles.

     Ela passou para frente de Sammy e avaliou Logan com os olhos.

     — Mantenha-se afastado dele. É minha responsabilidade e você não vai tocar nele.

     — Tem bons instintos. Tenho que conceder isso. — disse o homem de olhar zangado.

     A voz de Logan baixou para um tom de advertência.

     — Mantenha-se fora disto, Madoc. Isto não concerne a você.

     — Tampouco concerne a você, de fato. — disse Paul. — Seu trabalho era me ajudar a encontrá-la. E já o fez.

     — Temos um acordo. — disse Logan.

     — E o manterei até o final.

     — Sei. Mas e se ela não for a sua? Ainda não a tocou.

     Andra sentia muita dor para seguir a conversa. Sabia que estava no centro daquilo, mas não tinha ideia do por que. E francamente, naquele momento não podia permitir-se se importar.

     — Podemos, por favor, levar Sammy ao hospital?

     Logan a olhou como se fosse dizer algo, mas Paul falou antes do que quer que ele fosse dizer.

     — Absolutamente. — se ajoelhou em frente ao menino, mas ainda a olhava. —Qual é seu nome?

     — Andra.

     — Andra de quê? — exigiu o homem chamado Madoc.

     Tinha feições tão firmes que se rachariam se tentasse sorrir.

     Uma onda de dor rugiu sobre ela e teve que apertar os dentes para permanecer em pé. Já, podia sentir a pele debaixo do ombro começando a inchar.

   — Madison. — grasnou ela. — E só para que fique claro, não se incomodem de perguntar meu número de telefone. Não saio com caras que carregam espadas.

     O certo era que geralmente não saía. Nunca tinha tempo, não com o recente aumento nos desaparecimentos de meninos que havia no meio oeste. Tinha sorte se encontrasse tempo para dormir e comer. Mais meninos desapareciam a cada mês e precisava estar disponível para encontrá-los.

     Não era que seus esforços houvessem feito algum bem a Sammy. O pobre menino estava perdido agora, prenso dentro do terror do que viu naquela noite. Ao menos poderia dizer a seus pais em que instalações estaria mais bem cuidado. Tinha investigado todas elas.

     — Logan. — disse Paul. — Cure o braço dela.

     — É médico? — perguntou Andra.

     — Não exatamente. — disse Logan.

     — Então não vai me tocar. Tudo o que preciso é sair daqui e nos arrumaremos a nosso modo.

     — Posso reparar o osso. — disse Logan. — É fácil fazer isso logo depois de ter se quebrado.

     Tão estranhas quanto eram essas notícias, tão receosa quanto estava de aceitar mais ajuda daqueles estranhos que não eram humanos de forma alguma, Andra estava tentada a aceitar sua oferta. Ficar engessada durante seis semanas não soava absolutamente divertido. Fora que o tempo que estivesse sem trabalhar não ia ser bom de forma alguma para todos os meninos desaparecidos.

     — Como?

     — Simplesmente alcançaria seu interior com minha mente e voltaria a juntar as partes.

     Andra ficou por um momento em atônito silêncio. Parecia sério, um fato que a aterrorizava ainda mais.

     — Claro. Acredito que já estou preparada para ir.

     — Não deixaria que tocasse em você se não fosse seguro. — disse Paul.

     Ela respirou muito profundamente e outra dor aguda atravessou seu braço.

     — Não sei quem ou o que são todos vocês, mas não estou segura de querer saber mais. No que a mim concerne, este planeta já está bastante fodido como está.

     — Ainda não está preparada para nos aceitar, Paul. — disse Logan. — Dê um pouco de tempo a ela. Quando a dor for muita, cederá.

     Não particularmente, mas então de novo, eles não a conheciam tão bem, assim podia perdoar sua ignorância.

     — Se mudar de opinião. — disse Paul. — Faça-me saber.

     — Não o farei. Apenas ponha Sammy em meu carro, por favor.

     Paul baixou os olhos para o menino com tal compaixão que fez seu peito doer. Claramente, não sabia que era muito tarde. Que ela tinha chegado muito tarde. Tinha falhado. Outra vez. Essa falha a atravessou, doendo inclusive mais do que podia doer o osso quebrado.

     Talvez fosse a hora de pendurar sua escopeta. Deixar de usar suas habilidades para encontrar os meninos perdidos para o seu bem desta vez. Tentava permanecer à margem, mas em ocasiões como aquela, era difícil. Estava desesperada para salvar todos eles.

     — Oi, pequeno. — disse Paul em uma profunda e calmante voz. Uma longa mão cheia de cicatrizes percorreu os membros do menino como se procurasse ferimentos. Na mão esquerda do homem estava um estranho anel, uma simples faixa que pulsava colorido, girando em uma mistura matizada de pequenos arco-íris. Andra teve dificuldade de afastar os olhos dele. — Sou Paul, e quero que saiba que agora está a salvo. Nada vai machucar você. Não enquanto eu esteja por perto.

     E inclusive sendo tão cínica como Andra era, inclusive sabendo as coisas que sabia a respeito de quantos monstros vagavam na noite, acreditou que Paul dizia a verdade. Isso só era mais incrível do que o fato dos monstros existirem realmente.

     Logan farejou profundamente.

     —Temos que nos apressar com o menino. Está se afastando rapidamente. — se virou e olhou para Madoc. — Você deveria fazer isso.

     — De nenhuma fodida maneira, sanguessuga. Não fodo as mentes dos pirralhos. São muito fáceis de quebrar.

     — Quebrar? — perguntou Andra, deslizando o corpo entre Madoc e Sammy. — Isso não soa muito bem.

     — Não é isso. — disse Paul, então voltou sua atenção para Logan. — Se Madoc não o fizer, eu me ocuparei do menino.

     — Você está muito fraco. — disse Logan. — Tomei muito sangue de você anteriormente. Madoc tem que fazer isso.

     Madoc sacudiu a cabeça.

     — Eu não tenho esse tipo de delicadeza e você sabe. Se quiser que mate alguma coisa, sou seu homem, mas não vou remendar as pessoas. Esse é seu trabalho.

     Logan observou Madoc fixamente com um olhar brilhante.

     — Está se oferecendo para subministrar o poder que necessito para curar a mente do menino?

     O rosto de Madoc se torceu de desgosto e despiu os dentes.

     — Não vai tocar em meu sangue. Jamais.

     Andra olhava de um para o outro homem, tentando adivinhar o que estava acontecendo. Se ela fosse capaz de dirigir talvez tivesse tentado voar dali com Sammy enquanto discutiam. Mas nem sequer podia levantar o menino, muito menos dirigir, e se tentasse, as chances que tinha era mais de conseguir matar Sammy do que levá-lo para casa de seus pais.

     — Pode ajudar Sammy de verdade? — perguntou ao Logan. — Se tudo o que precisa é sangue, darei um pouco do meu.

     — Não! — gritaram Paul e Madoc ao mesmo tempo.

     Logan a perfurou com um olhar que a fez sentir-se imobilizada. Como um cervo sob a luz, condenado e imobilizando-se ainda mais em sua pressa por soltar-se.

     — Essa oferta é muito tentadora, no entanto, temo que estes homens me despedacem se despentear um só cabelo de sua cabeça. Talvez em outro momento.

     Ela não estava segura de deixar que aqueles dois indivíduos musculosos se colocassem no meio do futuro de Sammy. Não enquanto tinha uma escopeta atirada a alguns metros de distância. Tentou medir a distância até ela. Não tinha certeza de como ia recarregá-la apenas com um braço bom, mas se arrumaria de alguma forma.

     — Quero que ajude Sammy. — disse ela. — Custe o que custar.

     Se havia esperança para ele, talvez houvesse para Nika.

     Andra esmagou esse pensamento antes que florescesse. Não havia lugar em sua vida para falsas esperanças. Sabia que as coisas eram realmente tristes e era melhor que fosse realista, como sempre tinha sido.

     — Não se atreva a tocar em seu sangue. — grunhiu Paul em um tom que fez os pelos de seu pescoço se arrepiarem. — Eu ajudarei ao menino.

     — Tem certeza? —perguntou Logan. — Tomei muito de você esta noite de modo que pudesse encontrá-la.

     Os olhos de Paul se centraram em Andra tão brevemente que ela não teve a certeza de que tinha acontecido.

     — Valeu à pena. Tenho certeza de que estou forte o bastante para isto.

     — E se não estiver? — perguntou Madoc.

     Paul levou a mão ao peito como se ele doesse, então estendeu para Madoc sua espada.

     — Então já sabe o que fazer.

    

     Paul levou Sammy para fora, de noite, e encontrou um pedaço de terra fértil que ajudaria na cura do menino.

     Andra e Logan saíram atrás dele, enquanto Madoc vigiava a área, assegurando-se de saber se chegava companhia.

     Paul não queria nada mais que tocar Andra e averiguar se era a mulher que esteve procurando durante décadas. A única coisa que o retinha era a segurança dela, igualmente a de Sammy. Não devia fazer nada para prejudicar esse momento. Era sua última oportunidade. Se a tocasse, e passasse pela mesma dor incapacitante que Drake sofreu com Helen, não haveria forma de que fosse capaz de protegê-los se mais Synestryn viessem.

     E viriam, só era uma questão de tempo antes que ocorresse e, com sorte, não estariam mais ali.

     Quanto mais rápido a mente de Sammy estivesse limpa, mas rápido Paul poderia ajudar Logan a fixar o braço dela. Sabia que estava dolorida. Toda a cor tinha abandonado seu rosto e sustentava o braço em um ângulo estranho. A manga de sua jaqueta de couro já estava esticada e apertada sobre seu braço quebrado.

     — Será melhor que tire essa jaqueta antes que não possa. — disse a ela. — O inchaço está piorando.

     Ela deu um suave puxão, fez uma careta e perguntou:

     — Rapazes, algum de vocês tem uma faca?

     — Permita-me. — disse Logan.

     Uma garra afiada se estendeu da ponta de seu dedo, substituindo a unha manicurada.

     Andra estremeceu ante a visão, e gemeu de dor quando o movimento sacudiu o osso quebrado.

     — Merda! Que demônios é você?

     — Fique quieta. Não farei mal a você.

     — Será melhor que não. — disse Paul enquanto resistia a tentação de ir até ela e tranquilizá-la.

     Manter distância era a mais irritante forma de tortura possível. Há alguns instantes, outra folha caiu de sua marca de vida, deixando só uma, e ainda não tinha certeza se ela era a mulher que podia salvá-lo.

     Tinham dado duas oportunidades a ele antes. Inclusive desejar uma terceira parecia algum tipo de sacrilégio. Pena que isso não o impedisse de desejá-la de todo modo.

     Andra se despojou de sua destroçada jaqueta de couro com um pouco de ajuda de Logan. Embora seu braço esquerdo estivesse inchado e deformado, o resto dela era todo elegante músculo e fortes linhas femininas. A camisa justa mostrava seios pequenos e perfeitos e abdômen musculoso. Perguntou-se quanto tempo e esforço haviam custado a ela um corpo como aquele e se havia ou não um homem em sua vida que a apreciasse devidamente.

     Ele certamente o faria, se lhe desse a oportunidade.

     Paul afastou os olhos dela e se enfocou em Sammy. Os olhos do menino estavam abertos, sem pestanejar. A baba escorria da comissura de sua boca e Paul a secou suavemente com a barra da camisa.

     — Vou ajudar você a dormir agora, Sammy. Mas prometo a você que não terá sonhos ruins. Vou afastar todos eles, de acordo?

     Paul não esperava uma resposta, o menino estava muito atordoado. Fechou os olhos do menino e deixou a mão lá para mantê-los fechados. Enfocou-se na terra embaixo dele, cálida, aparentemente morta depois de longas semanas de seca. Sentiu a terra e as rochas de baixo, sentiu as raízes das árvores próximas procurando alimento e as pequenas sementes ocultas esperando a chuva para despertar à vida. A terra embaixo dele estava tranquila, paciente, aceitando o que viesse. Havia poder na aceitação e Paul extraiu um pouco desse poder para si mesmo.

     Instantaneamente, a dor com que vivia diariamente aumentou, caindo sobre ele, moendo seus ossos, e teve que apertar os dentes contra isso para não gritar. Seu coração pulsava com força e sua cabeça palpitava até que ficou cego pela pura força da pressão de tanto poder. O corpo já tinha muita energia, mas era energia que não podia usar, só armazená-la para empregá-la em alguém mais. Talvez Andra.

     Rezava para que fosse assim. Não ia viver o tempo suficiente para outra busca. Tinha levado duas semanas para encontrá-la e não acreditava que lhe restasse, inclusive, uma semana.

     A pele de Paul se esticou e ardeu, e parecia que seus olhos sairiam voando da cabeça se abrisse as pálpebras. Podia ouvir a respiração difícil, entrando e saindo muito rápido, como se os pulmões trabalhassem contra a dor.

     Logan tinha razão. Estava excessivamente fraco para isto, mas era muito tarde agora. Tinha recolhido poder suficiente para alcançar Sammy e entrar em sua mente. Ficaria preso no interior do menino até que houvesse feito o que tinha vindo fazer ali, levar seu medo, suas lembranças.

     As imagens dentro de Sammy eram um caótico torvelinho de dentes e garras, grunhidos e gritos. O menino mal tinha seis anos, e não havia forma de dar sentido ao que viu. A mente do menino tinha tomado à informação sensorial, tinha misturado-a com seu terror e criado uma série de imagens ainda mais terríveis que a realidade. Em um profundo lugar dentro da mente de Sammy, sentiu o pequeno menino fugindo de medo, gemendo, gritando “Não, não, não”.

     Paul sentiu que seu corpo físico se debilitava pela tensão da conexão com o menino. Não era muito bom nisso, mas conhecia o suficiente para saber que se morresse enquanto estivesse na mente do menino, mataria Sammy também.

     Instigado por esse pensamento, Paul abriu passagem através daqueles pesadelos até que encontrou o refúgio mental do menino. Era uma caixa de papelão com janelas dobradas desenhadas com lápis de cores brilhantes. Um lado da caixa tinha sido cortado para fazer uma porta grande o suficiente para que Sammy pudesse arrastar-se através dela.

     Paul agachou e mostrou-se na porta de papelão.

     — Vai ficar bem agora. Fique aqui até que me ouça dizer seu nome, e quando sair, todos os monstros terão ido embora.

     O menino se encolheu em um canto da caixa com as mãos cobrindo os ouvidos e os olhos fechados, mas de algum jeito, Paul sentiu que tinha sido ouvido.

     Levantou e enfrentou todas as imagens que Sammy criou, cada uma suficientemente horrível para conduzir o menino à loucura. Todas tinham que partir. Paul capturou o primeiro monstro com os olhos, muito parecido com um sgath, mas com dentes compridos e duas cabeças que pareciam de lobo. Normalmente, não o teria assustado, porque sabia que não era real. Mas Sammy pensava que era real e por isso, aquilo tinha poder.

     Paul se permitiu assustar-se, imaginar o que devia ser para Sammy, tão pequeno e indefeso. Imaginou como se sentiria ao ser arrancado da segurança de seu lar e seus pais e ser lançado em um pesadelo vivo. Sentiu o temor crescendo em seu interior até que suas mãos tremeram e a mandíbula doeu de lutar contra a necessidade de tremer. Aceitou o horror de Sammy como próprio, absorvendo-o até que tomou tudo em seu interior, então, colocou-o sem piedade na tolerante terra. Enterrando-o profundamente, onde não podia ferir ninguém.

     Lentamente, o monstro desapareceu.

     Paul estava sentindo-se fraco e enjoado, mal sendo capaz de permanecer em pé no contexto etéreo da mente do menino. Já não podia mover-se, assim absorveu mais poder mais dor e se obrigou a dar apenas mais um passo para o seguinte pesadelo. Isto o deixou suando e tremendo e fez que seu estômago se esticasse em sinal de protesto, mas não tinha escolha. O menino não podia viver com aquelas imagens na cabeça.

   O braço de Andra estava se convertendo rapidamente em um problema. Cada respiração movia o esqueleto o suficiente para enviar abrasadoras sacudidas de dor através de seu corpo. E estava perdendo a sensibilidade dos dedos, o que não podia ser bom. Mas nada disso incomodava-a realmente. O que na realidade a incomodava era o fato de estarem basicamente indefesos. Não confiava naqueles homens, não importava quão úteis parecessem. O que aconteceria se tentassem afastá-la de Sammy? Como os deteria em uma luta de três contra um, com um braço quebrado e uma escopeta sem munição?

     Paul estava profundamente concentrado e Madoc estava vigiando na escuridão. Logan e suas unhas monstruosamente afiadas observavam atentamente ali perto. Espreitando nas sombras. Havia algo inquietante em sua quietude, talvez sua beleza antinatural.

     — Não vamos machucar você. — disse ele como se lesse seus pensamentos.

   Então, outra vez, ela ficou olhando sua escopeta atirada a alguns metros de distância, assim talvez, em vez de ser psíquico, simplesmente não era idiota.

     — Perdoe-me se não estou toda contente e confiante. — respondeu.

     — Está se sentindo impotente, sem dúvida. Posso arrumar seu braço se quiser.

     — Como vai fazer isso?

     — Magia. Quer vê?

     — Não particularmente. Vi coisas estranhas o suficiente para uma noite, obrigado.

     Logan deu de ombros.

     — Faça o que quiser. A oferta é… — cheirou o ar e realmente lhe pareceu ver seus olhos emitir um brilho prateado. Virou-se para Madoc e disse — Temos companhia.

     Companhia. Isso não soava bem.

     — Quanto tempo? — exigiu Madoc.

     — Dois minutos. Talvez três.

     — Estão chegando mais daqueles monstros? — perguntou ela a Logan.

     Ele assentiu.

     Merda! Não era boa em uma luta como aquela.

     — Quanto tempo levará arrumar meu braço?

     Esta vez, teve certeza, viu seus olhos brilhar só um pouco, um frio resplendor faminto que a fez sentir-se como uma presa.

     — Só um momento, se estiver disposta.

     — Estou. Faça.

     — Paul vai matar você se tomar o sangue dela. — disse Madoc.

     — Paul não tem voz no que acontece comigo. — disse Andra. — Nem você.

     — Vou necessitar de seu sangue para recuperar minhas forças quanto estivermos fora de perigo, longe daqui.

     — Vai haver um montão dele sobre a grama se não se apressar.

    Tinha bastante certeza de que sabia exatamente como planejava tomar seu sangue. A palavra vampiro ressoou em sua cabeça, deixando sua pele arrepiada. Entretanto, se vivesse o suficiente para sangrar um pouco, estaria bem para ela. Geraria mais sangue.

   Logan estendeu uma mão elegante e magra ao redor da base de seu pescoço e fechou os olhos. O calor se filtrou pela pele, fazendo-a tremer. À medida que o calor aumentava, começou a preocupar-se. A pele dele estava muito quente. Ia queimá-la. Tinha que afastar-se.

     Justo quando pensou em mover-se, sentiu o outro braço dele segurá-la pela cintura, apertando-a contra seu corpo. Era mais forte do que parecia. Muito mais forte. E tinha se equivocado sobre ele ser simplesmente magro, era virtualmente um esqueleto sob a roupa, todo ângulos afiados e ossos irregulares.

     — Não tenho tempo nem força para ser amável. — sussurrou ele com voz tensa. — Sinto muito.

     Andra não estava segura do que queria dizer até que sentiu o osso do braço mover-se e todo seu mundo se converteu em dor. Deslizou através das veias e a cobriu de empolas de dentro para fora. Um grito brotou dela contra sua vontade. Um calor abrasador a queimou por dentro como se soldassem seus ossos juntos. O incêndio continuou e continuou até que ficou sem fôlego para gritar e o suor empapou sua roupa.

     Finalmente, terminou. Sentiu o braço dele se afrouxar, e se afastou. Ele cambaleou para trás. Tinha os olhos revirados como se tivesse desmaiado, e ela se apressou a agarrá-lo antes que sua cabeça batesse no cimento.

     Seu peso morto era difícil de aguentar, mas conseguiu suavizar sua queda no chão. O braço esquerdo deu uma pontada, mas funcionou, e isso era o que realmente importava.

     Andra não perdeu tempo verificando se ele estava bem. Não havia nada que pudesse fazer por ele agora exceto manter os monstros afastados até que todos pudessem sair daquele inferno.

     Foi procurar sua escopeta, recarregou-a e montou guarda sobre o grupo.

     — Realmente acredita que isso vai ajudar, pequena? — perguntou Madoc, olhando sua arma.

     — Seguro como o inferno que faz mal.

     — As espadas funcionam melhor.

     — Talvez, mas só se souber como usar uma. Eu fico com o que conheço.

     — Por mais que eu adorasse ficar e lutar, precisamos sair daqui. — disse Madoc.

     — Não posso estar mais de acordo. Alguma ideia?

     — Pode dirigir?

     À distância, ela viu um fraco par de brilhantes olhos verdes.

     — Agora posso.

     — Acredita que poderá arrastar Logan? Colocá-lo no carro?

     — Se isso for o que tiver que fazer. Com certeza.

     — Faça. Carregarei Paul e menino assim que tenha acabado aqui e estaremos todos saindo do inferno no Dodge .

     Pareceu uma eternidade, mas um por um, Paul conduziu cada pesadelo de Sammy para a terra. Nem sequer o ácido poder do medo era forte o suficiente para danificar as pedras debaixo dele.

     Paul se retirou da mente do menino, ofegando em busca de ar. Deixou-se cair de cansaço, mas braços fortes o seguraram. Estava muito cansado para abrir os olhos e ver quem estava ali.

     — Pode se levantar? — perguntou Madoc.

     Sua voz estava perto. Era quem evitava que Paul caísse no chão.

     — Ainda não. Dê-me um minuto.

     Estava ofegando e sua debilidade o deixava nervoso. Não queria mostrar o mínimo indício de debilidade a Andra ou dar a ela nenhuma outra razão para rechaçá-lo. Tinha que ser forte e demonstrar a ela que era digno dela.

     — Sammy vai ficar bem? — perguntou Andra.

   Sua voz fluiu sobre ele como água limpa e fresca, restaurando alguma das forças que seus esforços tinham esgotado. Queria aproximar-se dela e sentir sua pele sob a ponta dos dedos, mas os braços não o escutaram e ficaram bloqueados ao redor do corpo de Sammy.

     Paul assentiu com a cabeça em resposta a sua pergunta, mas inclusive esse pequeno movimento estava esgotando-o. O corpo estava machucado interiormente, e não tinha certeza de estar forte o suficiente para ficar em pé. Eliminar os pesadelos de Sam havia danificado seu corpo, e não sabia quanto tempo levaria para se recuperar.

     — Está dormindo agora. — ofegou Paul. — Mas despertará logo e, quando o fizer, necessitará de seus pais com ele. — apenas o suave toque de uma mãe e o abraço protetor de um pai iria terminar o processo de cura que Paul começou.

     — Não há tempo para conversar. — disse Madoc. — Precisamos começar a nos mover.

     Um profundo uivo sgath rompeu o silêncio prévio do amanhecer. Estava perto, e Paul não estava em condições de lutar.

     — Ajude-me a levantar e me recuperarei no carro.

     Paul se obrigou a abrir os olhos, esperando que o estômago revolto se assentasse. Não acreditava que vomitando nas botas de Andra fosse ganhar nenhum ponto.

     — Deixe-me pegar Sammy. — disse Andra. Os cabelos castanhos e curtos refletiam a luz da lâmpada sobre sua cabeça. A postura era rígida e os olhos azuis mostravam desconfiança. — Não quero que o deixe cair.

     Excelente. Agora ela pensava que não podia nem sequer carregar um menino pequeno. Fantástico. Quase disse a ela que nunca faria isso, mas seus braços tremiam e estava suficientemente fraco para não se arriscar. Embora parecesse um boneco de pano, ao menos o menino estaria a salvo.

     Ela tomou o peso inerte do menino nos braços justamente quando mais dois sgath irromperam através de uma distante linha de árvores.

     — Acabou-se o tempo. — disse Madoc, e puxou Paul cruzando o estacionamento para o SUV que tinha deixado ligado.

     As pernas de Paul tinham começado a cooperar justamente quando Madoc o empurrou pela porta de trás. Deslizou-se para o extremo do assento, dando espaço para que Andra se unisse a eles.

     Não o fez. De fato, nem sequer estava atrás dele. Já estava em seu próprio veículo — um desmantelado Ford que parecia que tinha sido o perdedor de uma briga ou duas — descendo a rua e afastando-se dos demônios Synestryn que se aproximavam.

     — Está indo! — gritou Paul.

     — Estamos exatamente detrás dela. Fique tranquilo.

     Madoc colocou de repente o SUV em marcha, e os pneus chiaram enquanto corria pela rua atrás dela. Ou ao menos, deveria está ali, mas não estava.

     Paul examinou as ruas e não viu nada.

     — Onde foi?

     — Como vou saber? Há um montão de ruas laterais por aqui. Provavelmente tomou uma delas.

     — Encontre-a, maldita seja. — o desespero tornava as palavras afiadas e ameaçadoras.

     — Temos um par de sgath em nossas costas, assim possivelmente encontrar ela e o menino não seja o melhor agora. Ao menos, se os Synestryn nos seguirem, não seguirão a ela.

     Paul olhou por cima do ombro, e realmente, havia dois demônios em seu para-choque, mantendo o ritmo do SUV como se ainda estivesse parado. De maneira nenhuma podiam levar aquelas coisas atrás de Andra e Sammy.

     — Desvie. Encontraremos um lugar para eliminá-los e depois iremos atrás dela. Logan a encontrou uma vez. Poderá encontrá-la de novo.

     Paul esperava que não fosse só uma expressão de seus desejos.

     O Sanguinar estava desmaiado no assento dianteiro, com a cabeça pendurada como um boneco de pano quando Madoc girou à direita bruscamente.

     — Se recuperar a consciência antes do amanhecer, quer dizer.

     O SUV acelerou, e os sgath começaram a ficar para trás, incapazes de seguir o ritmo.

     Madoc girou em uma curva e levou o SUV para uma parada brusca. Fez um gesto através do espelho retrovisor para Paul.

     — Há boas notícias e más notícias. Qual quer primeiro?

     Paul ainda se sentia fraco e frágil como o inferno, mas ao menos as pernas estavam mais fortes. Madoc saltou do veículo enquanto Paul descia de algum modo, logo, ele e Madoc, ficaram de pé em um campo recém-arado.

     Os sgath os viram ali e arremeteram.

     — As boas notícias estariam bem agora.

   — Logan será capaz de encontrar Andra não importa quando, assim não tem que se preocupar com isso.

     Isso era mais que boas notícias, eram grandiosas notícias. Não ia perdê-la.

     — Então, quais são as más notícias?

     Paul levantou a espada e se preparou para o ataque dos demônios. Madoc fez o mesmo.

     — Logan pode encontrá-la porque curou seu braço quebrado. Ela deve sangue a ele.

     Pagaria a dívida dela. De maneira nenhuma ia deixar Logan introduzir suas presas em seu belo pescoço, ou em qualquer outro lugar.

     — Sobre meu cadáver. — disse Paul.

     Madoc zombou uma vez mais.

     — Se você se sentir tão mau quanto parece, esse pode muito bem ser o caso. Levante a droga da espada, homem.

     O sgath mais próximo saltou no ar.

     Paul atacou o demônio, mas tinha os braços débeis, o alvo ficou fora do alcance, e em lugar de golpear qualquer ponto vital, só conseguiu amputar uma perna dele. A coisa aterrissou fortemente, uivando de dor, e se apressou a levantar-se desajeitadamente.

     Sentia a espada pesada, era a prova de que não estava completamente recuperado da cura da mente de Sammy. Mas pesada ou não, esteve lutando contra aquelas coisas durante séculos e sabia o que fazer. O corpo seguiu as ordens e driblou à direita, enganando o sgath levando-o a pensar que tinha deixado o flanco desprotegido. Seus dentes brilharam em um amarelo doentio quando foram para essa abertura. Paul trocou o peso no último segundo e dirigiu a espada através do crânio do sgath antes que seus dentes pudessem se conectar.

     Retorceu-se ali, ainda obstinado à vida, arranhando-o com suas garras dianteiras. Paul retorceu a espada e finalmente o sgath ficou inerte.

     Paul matou a coisa, mas estava respirando com muita dificuldade e mal foi capaz de recuperar a espada. Madoc o olhou, de pé sobre seu próprio assassinato, ao que cortou limpamente em dois, ou não tão limpamente, tendo em vista o que escapava das tripas do sgath.

     — Levou bastante tempo.

     — Podia ter me dado uma mão.

     Madoc deu de ombros.

     — O que teria de divertido nisso?

     Paul passou a espada pela grama para limpar o sangue oleoso e preto dela. Suas mãos tremiam o suficiente para lhe encher o saco. Não podia se dar ao luxo de ser fraco agora, não com Andra por aí, devendo sangue a um dos Sanguinar.

     — Logan já está acordado? — perguntou Paul.

     Madoc verificou o assento dianteiro.

     — Não. Continua frio.

     — Excelente. Agora como vamos encontrá-la?

     — Pode procurar seu número da placa.

     — Poderia se o tivesse.

     Madoc recitou o número.

     — Como sabe disso?

     — Vi-o quando arranquei atrás dela.

     — Eu também fiz isso, mas não o recordava.

     Madoc deu de ombros.

     — Não é grande coisa. Recordo números e merdas assim quando os vejo.

     Paul deu uma tapa no ombro de Madoc, desfrutando do modo que o contato físico o fazia retorcer-se incomodado.

     — É como um tipo de gênio, homem.

     — Sim, do tipo que vai atirar você no inferno a golpes se não deixar de falar disso e tirar as mãos de cima de mim.

     Paul levantou as mãos em sinal de rendição, mas não podia ocultar o sorriso.

     — Só estou dizendo que é um truque genial o que tem aí, cabeça de ovo.

     — Que o fodam.

     Paul não conhecia Madoc bem. Ele costumava passar a maior parte do tempo sozinho, mantendo-se distante do restante dos Theronai. Paul esteve bastante seguro de que não ia gostar do solitário, mas o tempo tinha demonstrado a ele que estava equivocado. Madoc estava sendo mais aceitável para ele. E era útil como o inferno.

     — Vou ligar para Nicholas para que rastreie sua placa. Importa-se de ficar vigiando?

     — O que seja.

     Paul se sentou no chão junto ao SUV para deixar que o corpo se recuperasse, tirou o telefone celular, e ligou para o chefe da segurança do recinto.

     — É melhor que seja bom. — foi como Nicholas respondeu ao telefone, com a voz seca, como se não a tivesse usado durante dias. Talvez não o tivesse feito. Nicholas era um pouco recluso, escolhia ficar em sua tecnoguarida a maioria das vezes.

     — Eu, uh, conheci alguém esta noite. Necessito que você faça uma verificação de antecedentes sobre ela.

     — O que, pediu dinheiro emprestado a você ou algo assim?

     — Não esse tipo de antecedentes. — disse Paul. — Ela nos ajudou a salvar um menino de alguns Synestryn esta noite. Necessito de você para saber se ela bateu no radar de alguém mais.

     — Só nosso radar ou o dos Sanguinar e dos Caçadores também?

     Paul olhou para Logan. Por isso podia dizer, o Sanguinar ainda estava inconsciente. Bem.

     — Qualquer um.

     — Acredita que é uma Dorjan? — perguntou Nicholas, usando o termo para um humano que trabalhava para os Synestryn em troca de dinheiro ou poder.

     — Não, mas enfrentou vários Synestryn armada só com uma escopeta.

     Paul ainda se recordava da maneira que ela ficou ali firme, com os pés separados em uma posição de batalha. Não tinha certeza se estava mais impressionado por sua valentia ou assustado por sua ignorância. Podia ter sido assassinada, e se era quem pensava que era, era muito importante para ele, nunca mais a deixaria assumir aquele risco. Sua vida era muito preciosa para arriscar-se.

     — Não, merda. — Nicholas deixou escapar um impressionado grunhido. — Provavelmente só é um desses valentes humanos com mais coragem que cérebro. Disse que havia um menino envolvido. Muita gente pode fazer coisas assombrosas quando há um menino em jogo.

     — Talvez, mas algo me diz que há mais que isso.

     Não ia contar a Nicholas que negociou com Logan para caçá-la, e ele sabia que era puro sangue, pelo menos. A maioria dos Theronai suspeitava dos Sanguinar, apesar de suas raças estarem atualmente em paz uma com a outra. Seu negócio era vinculante e não era o tipo de coisa com a que reagiriam bem os outros homens no recinto. Ligava-o ao Sanguinar e o poria em desvantagem se a paz não se mantivesse.

     — Mais? Como o quê? — perguntou Nicholas. — Nós gostaríamos de saber se é uma das nossas. Estava usando o anel dos Gerai. Viu algum?

     — Talvez tenha se esquecido de colocar ou talvez estejam trocando por um de outro tamanho. — as desculpas soavam ridículas inclusive para seus próprios ouvidos.

     — Ou talvez só esteja o enganando infernalmente e seja realmente uma Dorjan. Diga-me que não a deixou escapar antes que pudesse perguntar ou ao menos pôr uma marca de sangue nela.

     — Tinha que levar o menino a um hospital. Madoc tem o número da sua placa. Não irá muito longe.

     — Qual é seu nome?

     — Andra Madison. Placa de Nebraska. — deu a Nicholas seu número da placa.

     Paul ouviu uma rápida série de tecladas e esperou que Nicholas fizesse sua magia. Tinha acesso a mais informações tanto dos humanos como dos Sentinelas que qualquer outro homem vivo.

   Poucos segundos mais tarde, Nicholas deixou escapar um suave assobio.

     — Não é difícil de encontrar, isso é certeza. O nome da mulher está impresso sobre todos os jornais. É uma Caçadora de crianças perdidas, uma dessas pessoas que os pais contratam quando seus filhos se perdem e a polícia e o FBI não podem ajudar. Aparentemente, é bastante boa nisso, também. Tão boa que a polícia tem uma etiqueta com seu nome para manter um olho sobre ela. Parece que pensam que na realidade poderia estar por trás de alguns dos sequestros.

     — Porque não podem encontrar as crianças, mas ela pode. — adivinhou Paul.

     — Parece bastante correto. Aqui diz que só pega certos casos.

     — Pode ter uma ideia do tipo de casos que pega? — perguntou Paul.

     Poucas tecladas rápidas a mais e um momento de silêncio a seguir antes que Nicholas dissesse:

     — Paul, homem, acredito que temos um problema.

     — O quê?

     — Encontrou uma caçadora de Synestryn de boa fé. Uma humana sem conexões ou suporte de nenhum dos Sentinelas pelo que posso ver. O que significa…

     — O que significa que é melhor encontrá-la rápido ou vai se meter em uma situação que poderia matá-la.

     Paul não tinha mais tempo a perder. Obrigou-se a ficar de pé.

     — Não podemos perdê-la agora, não é verdade? — disse Nicholas. Paul escutou alguém falando por detrás, então Nicholas baixou tanto a voz que Paul mal pôde ouvi-lo. — Não vai acreditar quando eu disser quem acaba de entrar.

     — Quem?

     — Espere um segundo. Ela quer falar com você. Vou escrever o endereço para você.

     Houve alguns sons de arranhões e Nicholas passou o telefone para alguém, logo chegou uma voz pela linha. Era alta e infantil, mas imbuída em um ar inconfundível de comando. Sibyl. A única entre seu povo dotada com a capacidade de ver o futuro. Quando ela falava, todos escutavam.

     — Theronai. — disse Sibyl. — Devemos falar.

     Paul mal escondeu seu assombro. Tinha falado com ela duas vezes nesse século, incluindo agora, e ambas às vezes tinham sido no último mês. Sem dúvida tanta atenção não podia ser uma coisa boa.

     — Sim, minha senhora.

     — Encontrou-a. — não era uma pergunta.

     — Ela? Quer dizer Andra?

     — Andra. — disse ela lentamente, como se de repente reconhecesse o nome. — Sim. Andra. Traga ela para mim.

     Paul se debateu entre deixar ou não que Sibyl soubesse que apesar de tê-la encontrado, perdeu-a de novo. Definitivamente a encontraria, mas poderia demorar um pouco. Resguardou-se, dizendo:

     — Não tenho certeza de que queira vir comigo.

     — Então a amarre. Entregue-a inconsciente. Faça o que tiver que fazer, mas me traga ela.

     — Posso perguntar por quê?

     — Eu… Necessito dela.

     — Para quê? — perguntou Paul.

     Por mais que respeitasse Sibyl e seu dom, não ia colocar Andra em algo feio.

     — Faça o que estou dizendo, Theronai. — sua voz pura de menina ressoou com um estranho tipo de poder que fez seus cabelos da nuca se arrepiarem.

     — Agora não posso. Não está comigo.

     — Onde está?

     — Não sei.

     — Encontre-a. Traga-a. Hoje. Se falhar, as repercussões serão… Lamentáveis.

     Isso não parecia bom.

     — Farei o que puder. — prometeu.

     O poder de sua promessa envolveu-se ao seu redor quando vinculou sua palavra, lhe fazendo difícil respirar por um momento.

     — Vigie o que faz. Sua presença é vital. Para ambos.

     A linha ficou em silêncio e Paul enfiou o telefone no bolso.

     — Boas notícias, a meu entender. — disse Madoc.

     — Mais ou menos, mais ou menos. Pode dirigir?

     — Sempre. Aonde vamos?

     — Encontrar Andra e levá-la para Sibyl.

     — Não, merda. Sibyl?

     — Sim.

     Madoc sacudiu a cabeça.

     — Excelente. Se aquela boneca está envolvida, as coisas não podem ser boas.

    

     Andra levou mais de três horas para reunir Sammy com seus pais e convencer às autoridades que quem quer que o tenha raptado tinha desaparecido no momento em que o encontrou. Deu a eles a única história que podia: Não tinha nem ideia de quem era o sequestrador e se recordasse de algo novo, assegurar-se-ia de fazê-los saber.

     Odiava mentir para a polícia, mas era melhor que ficar presa às setenta e duas horas que mantinham aos psicopatas. Outra vez. A loucura está no sangue. Graças a Deus ninguém sabia sobre Nika.

     Deu o endereço do armazém à polícia, sabendo que no momento em que eles chegassem lá, o sol teria feito um bom trabalho queimando os restos dos monstros que mataram. Além das marcas de queimaduras no chão, não haveria evidência de que o menino tinha sido retido por monstros peludos com garras.

     Demônios Synestryn. Era assim que aqueles homens os chamaram.

     Normalmente pôr um nome em algo o fazia menos temível, mas não neste caso. Só saber que aquelas coisas eram tão comuns, que tinham um nome, era suficiente para secar sua boca de medo. Não se permitiu pensar nisso, porque não importava o quanto estivesse cansada, algo como isso rondando sua cabeça, far-lhe-ia impossível dormir.

     E agora, precisava dormir mais que nada. Seu corpo estava a ponto de entrar em greve. Tudo nela doía, sentia a cabeça como se tivesse uma máquina de névoa metida em uma das orelhas. Se não pudesse dormir logo, suas pernas falhariam e se negariam a impulsioná-la mais adiante. Esteve nesse ponto de “nem um passo a mais” antes e não era agradável. Talvez tivesse mais alguns minutos antes que o alcançasse de novo. Nesse ponto, onde quer que estivesse, adormecia.

     Em troca talvez seus sonhos fossem agradáveis, cheios de guerreiros másculos empunhado espadas e seus amigos os belos rapazes vampiros. Ela poderia trabalhar com aquelas imagens. E tinha um fraco por homens que gostavam de crianças. Paul fez um grande esforço para salvar Sammy de uma vida gritando de loucura, o que quer que houvesse feito funcionou. Sammy estava todo sorrisos e abraços no momento em que o entregou aos braços amorosos de sua mãe. Era como se nada tivesse acontecido com ele.

     Talvez Paul também pudesse ajudar Nika de algum jeito.

     Por outro lado, talvez estivesse apenas enganando a si mesma. Quando chegava a este cansaço, seus instintos não eram confiáveis, por isso não teria se surpreendido se soubesse que, apesar de Paul ter parecido um cara decente, fosse realmente algum tipo de curandeiro autoproclamado. Que carregava uma espada. Bonito conjunto.

     Andra colocou a caminhonete na garagem do complexo de apartamentos, rogando para permanecer acordada tempo suficiente para escovar os dentes antes de cair na cama.

     Atirou a bolsa sobre o balcão da cozinha, ignorando a pia cheia de pratos sujos e os montões de correspondência sem abrir. Nada disso importava tanto quanto subir no colchão.

     — Olá. — disse Paul do sofá, fazendo Andra saltar e inundando o sistema dela com um renovado montão de adrenalina.

     Tirou os sapatos e estava recostado ali como se tivesse todo o direito de estar em sua casa.

     — Espero que não se importe que eu tenha entrado. Deixou a porta do balcão aberta.

     Andra se deteve em seco, apesar do cérebro nublado ter alguns problemas para entender o que estava vendo. Levou poucos segundos para encontrar a língua através da emoção.

     — Nunca deixo minha porta aberta. — disse, como se fosse a coisa mais importante a destacar, mais que o fato dele está dentro de sua casa sem permissão. — E estamos no terceiro andar.

     — Como mais poderia ter entrado? — perguntou ele, atrevendo-se a oferecer a ela um encantador sorrisinho que fez seus olhos castanhos brilharem.

     Era uma pergunta lógica, estava tão terrivelmente cansada que não podia imaginar nenhum tipo de resposta inteligente.

     — O que está fazendo aqui?

     — Esperando você. — disse ele, como se ela devesse saber disso.

     — Como me encontrou?

     — A placa de sua caminhonete. Tenho um amigo no Departamento de Veículos a Motor.

     — Um amigo que está trabalhando muito cedo esta manhã? Não são nem oito ainda.

     Paul deu de ombros.

     — Parece esgotada.

     — Estou. Olhe, o problema é que não tendo a ir para a cama quando há estranhos em minha sala.

     Aquele encantador sorrisinho se ampliou para um sorriso.

     — Não somos estranhos. Sei tudo sobre você.

     Isso soava um pouco horripilante, fazendo-a desejar não ter deixado sua escopeta na caminhonete.

     — Escute. Não sei como entrou e realmente não me importo agora. Tudo o que quero é que vá embora para que possa dormir um pouco.

     Não podia nem sequer recordar que dia era. Isso era um mau sinal.

     Paul se levantou e ficou de pé diante dela. Era uns cinco centímetros mais alto que ela com botas e dessa distância podia ver cálidos estilhaços de fogo dourado em seus olhos castanhos. Não tinha se barbeado nesse dia, outorgando a sua mandíbula sombras adicionais que acentuavam os ângulos de seu rosto. Uma pequena cicatriz sobre sua sobrancelha esquerda ressaltava-se contra o bronzeado de sua pele e se os círculos sob seus olhos fossem um indício, estava tão cansado quanto ela.

     — Não posso ir sem você. Sinto muito.

     — Não vou a lugar nenhum. — disse.

     — Bom, então podemos simplesmente nos sentar e falar durante alguns minutos?

     Algo no modo que ele falou disse a ela que não estava nem sequer perto do que queria dizer realmente.

     — Seja o que for, podemos falar disso em poucas horas. Reunirei-me a você na cafeteria da esquina as seis, de acordo?

     Ele apertou a boca.

     — Isto não pode esperar.

     — Vai ter que fazê-lo.

     Virou-se e abriu a porta para ele, esperado que entendesse a indireta e saísse.

     — Sinto muito. Tenho que saber.

     Paul pôs uma mão sobre o ombro dela e a deteve repentinamente. A palma de sua mão era cálida, inclusive através da malha da camisa. A cabeça dela girou por um momento, seu toque trouxe uma estranha sensação de déjà vu para ela. Talvez tivesse conhecido ele antes em algum lugar? Não acreditava nisso, tendo em conta o fato de que estava bastante segura de que se recordaria de um homem como ele, uma alarmante mistura de homem atraente e a confiança em sua competência para respaldá-la. Para não falar da parte em que ele carregava uma espada.

     Virou-se para olhá-lo, esperando que isso a ajudasse a recordar quem era. Ele estava olhando para sua mão com uma estranha mescla de esperança e confusão cintilando em seus olhos castanhos. Depois de alguns segundos, esclareceu a garganta.

     — Sentiu algo?

     Oh, sim, mas ia jogar para torná-la interessante. Essas coisas eram todas muito estranhas para ela.

     — Como o quê?

     Deu de ombros, distraindo-a durante um segundo com a impressionante largura de seus ombros.

     — Não estou seguro. Talvez só funcione se tocar a pele nua.

     Andra tinha ouvido falar de muitas formas traçadas para tê-la nua antes, mas esta era de longe a mais estranha.

     — O que só funciona se tocar a pele nua?

     Ele deslizou a mão para baixo pelo braço dela até que as pontas de seus dedos entraram em contato com a pele sob a manga. O calor se filtrou a seu interior, junto com algo mais. Algo estranho, como uma descarga de eletricidade estática, mas uma que não lhe fez mal. De fato, sentia-se muito bem e se sentia melhor a cada segundo.

     Uma força rugiu através de seu sistema, fazendo que sua necessidade de dormir desvanecesse. Seu corpo ganhou vida, voando com uma corrente embriagadora de prazer que a fez ter certeza que podia flutuar. Seu cansaço se dissipou, deixando para trás uma débil energia zumbindo a sua passagem.

     Olhou para Paul, impressionada com o que ele estava fazendo com ela, mas o movimento súbito a fez ficar tonta e perder o equilíbrio e instintivamente se agarrou a ele para não cair.

     Atraiu-a para ele, ela foi sem lutar, incapaz de fazer outra coisa em meio à vertigem.

     — Calma, agora. — disse ele em voz baixa. — Peguei você.

     Quando as palavras deslizaram em seu interior, o chão do mundo de Andra parou. Tinha o nariz pressionado contra a garganta dele e ela podia cheirar o calor de sua pele, ver os batimentos de seu pulso ao longo da grossa coluna de seu pescoço. Uma pálida faixa luminosa brilhou a apenas alguns centímetros dos seus olhos, teve o irresistível impulso de alcançá-la e tirá-la dele. Ela queria aquilo. Necessitava-o. Aquela gargantilha era dela e sempre tinha sido.

     Era seu. Todo ele. Do fundo de seus amplos pés calçados com botas até o alto de seus cabelos despenteados e todos os encantadores lugares duros intermediários.

     Ela respirou profundamente, absorvendo seu aroma. Um baixo murmúrio de excitação formava redemoinhos em seu interior, afastando a inclemente fadiga que a tinha governado há apenas alguns minutos atrás. Ainda queria ir para a cama, mas não para dormir. Queria Paul ali com ela, nu e disposto para seu prazer. Ia levar um tempo aprendendo o que ele gostava. Montões e montões de tempo.

     Mas a cama estava muito longe para que ela esperasse. Precisava tocá-lo. Saboreá-lo. As mãos se dirigiram para baixo da barra de sua camiseta de tricô e deslizaram para baixo dela. Pele firme e cálida tentava seus dedos a lhe explorar mais, enquanto ela pressionava a boca aberta contra um lado de seu pescoço.

     Ela o ouviu fazer incoerentes sons de surpresa, mas ele não parecia se importar com o que ela estava fazendo. De fato, ele inclinou a cabeça para um lado para lhe dar espaço e que pudesse deslizar a língua sobre sua salgada pele.

     — Que inferno está acontecendo? — disse ele com a voz áspera.

     — Se não sabe, vou ter um tempo infernalmente bom para mostrar isso a você.    

     Isto era uma loucura, mas aparentemente não podia deter-se, nem se importava por não poder. Tirou a camiseta dele por cima da cabeça para chegar a mais pele, precisando sentir mais dele sob suas mãos. Era muito tatuado, exibindo um grande desenho de algum tipo de árvore que se estendia de seus ombros e a parte superior de seus braços até seu cinturão. Morria de vontade de ver quão longe chegava.

     Os ramos de sua tatuagem eram muito detalhados, quase nus exceto por uma única folha solitária, e tinha quase certeza que era algum tipo de metáfora da vida ou alguma merda assim. Não que se importasse. Podia ser tão filosófico quanto quisesse, sempre que o fizesse nu.

     Ela passou um dedo ao longo de um ramo, para baixo pelo tronco da árvore onde alcançava a cintura baixa de seu jeans. Seus músculos abdominais se contraíram como se tivessem sido golpeados, marcando seus músculos para desfrute dela.

     Paul estremeceu sob seu toque, mas quando ela se moveu para abrir o botão da sua braguilha, ele agarrou suas mãos e as sustentou em um forte apertão.

     — Temos que parar. — disse.

     Olhou-o nos olhos, os quais estavam obscurecidos de necessidade, todos aqueles brilhos dourados se tinham sumido agora, devorados por suas pupilas. Suas faces estavam avermelhadas e um sutil suor havia salpicado seus pelos.

     — Não me deseja? — perguntou.

   — Deus, sim. Não pode me sentir tremer?

     Podia e isso a fez sorrir com uma sensação de vitória.

     — Meu quarto fica justamente detrás dessa porta.

     Paul gemeu e fechou os olhos.

     — Não é você, apesar de desejar como o inferno que fosse.

    — Como não sou eu?

     — Esta… Coisa que estamos sentindo.

     Tinha razão. Normalmente não despiria um estranho que tinha irrompido em sua casa. Algo estava fora do lugar ali.

     Andra agitou a cabeça, tentando esclarecê-la ou dar algum sentido ao emaranhado de pensamentos e sentimentos que passavam por seu cérebro.

     Enquanto estava distraída, Paul a soltou e retrocedeu. Sua postura dizia que pensava que ela poderia golpeá-lo ou algo, porque estava todo tenso como se estivesse esperando receber um murro.

     Não o golpeou, é óbvio, mas a necessidade de tê-lo nu também estava desaparecendo. Ainda estava excitada, especialmente com todos aqueles músculos em seu peito e abdômen se exibindo, mas ao menos agora podia manter a língua para si mesma.

    Não estava segura se isso era uma melhora ou não.

     As mãos de Andra estavam tremendo, assim as enfiou nos bolsos do jeans. O cansaço, profundo até os ossos, estava voltando rápido, como se nunca tivesse acabado de tudo.

     — Que inferno é isto? — perguntou a ele.

     — Não estou segura.

     Seu tom era duro, suas palavras cortantes.

     — Fiz algum mal a você?

     — Não.

     — Por que o faz soar como se isso fosse uma coisa ruim?

     Levantou a mão que tinha um anel das cores do arco-íris e o olhou como se sua vida dependesse disso. Pequenos arco-íris apanhados nele dançavam em um vendaval, dando voltas ao redor como se fossem levantados por algum vento invisível.

     — Vê a cor? —perguntou ele.

     — Sim, todas. De onde tirou isso?

     — É uma longa história. Olhe mais. Vê alguma cor mais que outra?

     Andra olhou a faixa, adorou o fluir dos arco-íris sobre a superfície. Era magnético. Hipnotizante. Belo. Mas não via nenhuma cor dominante.

     — Não. Não realmente.

     — Merda. — grunhiu.

     — O que está acontecendo?

     — Só a confundi com outra pessoa. Isso é tudo. Sinto muito.

        

   Não doeu quando Paul deixou de tocar Andra. Essa era a ideia que se mantinha ressoando no cérebro de Paul, o enlouquecendo. Imaginava que ia doer. Tinha necessitado que doesse.

     Tinha querido que Andra fosse a única para ele tão arduamente que começou a acreditar que era verdade.

     Que idiota era por pensar que merecia outra oportunidade! Drake encontrou Helen primeiro, assim falhou ali, nunca foi capaz de fazer Kate feliz, apesar do céu saber que tentou tudo o possível. Estava morta há duzentos anos e ainda não podia entender por que ela não pôde amá-lo, que mais ele podia ter dado a ela para fazê-la feliz?

     Paul se negou a deter-se nisso. Inclusive se Andra não fosse sua dama, poderia ser capaz de salvar a um de seus irmãos. Evidentemente era uma puro sangue. De fato, apoiando-se na forma que seu luceria reagiu, possivelmente era uma Theronai. Só que não a sua.

     Paul olhou para o peito. A última folha de sua marca de vida se balançava ao som do tempo com a brisa de verão exterior. Parecia um pouco mais marrom que verde hoje. Realmente não restava muito tempo e ainda tinha mais um trabalho a fazer: levar Andra a Dabyr, exatamente como Sibyl ordenou.

     — Temos que nos mover. — disse a Andra.

     — Não vou a nenhum lugar até que tenha umas dez horas de sono. Além disso, o que o faz pensar que eu iria a qualquer lugar com você? — perguntou.

     Paul não tinha paciência para isto. Havia muito em jogo ali. Inclusive se não estivesse obrigado por sua promessa a Sibyl de levar Andra para casa, precisava levá-la de volta para que pudessem ver se podia ser compatível com algum dos outros homens dali. Todos estavam morrendo, só que não tão rápido quanto ele. Podia ser capaz de salvar um de seus irmãos de armas. Levá-la a Dabyr era a última coisa que podia fazer por sua gente antes de ir para sua morte.

     Agarrou-a pelos ombros e a apoiou contra a parede. Era tão bom senti-la sob suas mãos, o que o zangava. Por que se sentia tão bem se não era dele?

     — Vamos. Venha com a gente. Pode caminhar, ou a levarei. Você decide.

     Para seu crédito, não se acovardou ou veio abaixo, inclusive quando enfrentava a um homem armado de seu tamanho. Seus olhos azuis brilharam ante o desafio e levantou a ponta do queixo até olhá-lo nos olhos.

     — Acredita que pode me empurrar? — perguntou ela.

     — Empurrar, puxar, arrastar. O que seja necessário.

     — Tenho responsabilidades. Pessoas que necessitam de mim. Não vou deixar você decidir aonde vou. Sinto por estourar sua bolha machista.

     Paul imaginou que tinha duas opções. Podia fazer valer as ameaças e arrastá-la dali esperneando e gritando, o que sem dúvida atrairia a atenção dos vizinhos, ou poderia utilizar um pouco de delicadeza.

     A delicadeza não era seu ponto forte, mas faria o que fosse para levá-la para Sibyl e aos homens.

     Deixou escapar um longo e lento suspiro, retirou as mãos de seu corpo, esperando que o ajudasse a manter a calma.

     — Que responsabilidades?

     Talvez pudesse se encarregar delas, deixando-a livre para voltar com ele.

     —Tenho um trabalho a fazer. Meninos que estão sendo sequestrados de seus lares todo o tempo. Preciso estar aqui para encontrá-los.

     — Ouvi falar de seu talento. Simplesmente como é capaz de encontrá-los quando ninguém mais pode? — perguntou.

     Ela se separou da parede, ele notou que seu equilíbrio estava um pouco instável. Talvez estivesse mais exausta do que pensava.

     Paul se aproximou para ajudá-la, mas ela afastou sua mão com uma tapa e afundou no sofá como se já não tivesse outra opção.

     — Sou boa no que faço. É por isso que me pagam muito bem.

     — Realmente duvido que essa seja a história completa, mas se for dinheiro o que está procurando, posso pagar. Tenho um montão e darei a você o que quiser se vier comigo.

     Viu um vislumbre de vitória cintilar nos olhos de Andra e soube que tinha encontrado a alavanca correta para usar com ela. Dinheiro.

     Ela se levantou, revolveu entre alguns papéis que havia sobre o balcão da cozinha e rabiscou algo em um bloco de papel de notas. Arrancou a primeira folha e a entregou a ele.

     — Este é o número da conta onde quero que envie o dinheiro. Ponha meio milhão aí hoje e irei onde quer que deseje. De acordo?

     Paul pegou o papel, algo nele murchou. Tinha pensado nela como uma grande heroína que fazia tudo o que fosse necessário para encontrar as crianças, não importando quanto dinheiro fizesse. Tinha pensado que era boa, como ele. Tinha se equivocado. Não era mais que outra pessoa tentando fazer dinheiro com a dor e o sofrimento dos outros.

     Como poderia ter se equivocado tanto? Normalmente seus instintos eram melhores que isso.

     Paul não podia olhá-la nos olhos. Não podia suportar ver a cobiça que sabia que ia estar à espreita ali.

     — Trato feito. — disse ele, mas não se atreveu a dar a mão a ela.

     — Vou tomar uma ducha rápida. — disse. — Se o dinheiro estiver lá quando sair, poderemos ir.

   Andra estava a ponto de chorar de alívio quando Paul aceitou suas condições. Já estava com o telefone celular fazendo a transferência de recursos para sua conta quando foi tomar banho. Não podia acreditar no quanto tinha sido fácil.

     Finalmente, Andra poderia ter certeza que Nika sempre ia ter um lugar para viver. Entre o meio milhão que Paul lhe dera e a grande apólice de seguro de vida de Andra, se algo acontecesse a Andra, Nika sempre seria cuidada. Estaria a salvo.

     Andra fez um rápido trabalho lavando o suor da dor e do medo da última noite, vestiu o primeiro jeans mais limpo que pôde encontrar. A roupa para lavar estava se convertendo em um problema, um que teria que enfrentar quando voltasse, mas não agora. Agora tinha que sair para a estrada com um homem que mal conhecia. Um homem que a deixava feito um purê com um só toque.

     Andra ia ter que ir com muito cuidado para não deixá-lo tocá-la mais.

     Foi para a sala, apresentável, mas de maneira nenhuma glamourosa. Os cabelos ainda estavam úmidos e não se incomodou de perder tempo maquiando-se. Estava malditamente cansada para se importar com a aparência.

     — Está feito. — disse Paul em um tom sombrio.

     A calidez de seus olhos tinha desaparecido, o que o tornava menos humano. Mais mortífero. Tinha visto ele em uma briga e sabia que o homem era um oponente formidável, mas ela nunca se preocupou de estar no extremo receptor de sua espada.

     Até agora.

     O dinheiro tinha mudado a forma que ele a olhava e não importava o quanto dissesse a si mesma que não se importava, sabia que era uma mentira. Queria que ele gostasse dela. Que a respeitasse. Não tinha nem ideia do por que se importava. Nunca tinha tido isso antes. Havia aborrecido muita gente com sua determinação de encontrar os meninos desaparecidos, mas com Paul era diferente. Esse leve desdém elevando seu lábio quando a olhava doía.

     Andra não conseguiu deixar de se importar com o que ele pensava, assim se negou a pensar nisso. Tinham um acordo. Nika estaria a salvo. Era hora de mover-se.

     — Aonde vamos?

     — Missouri.

     Andra quase gemeu. Estava muito cansada para dirigir para tão longe. Sabia que estava. Nunca chegaria lá com vida. Por outro lado, se não sobrevivesse, Nika receberia todo o dinheiro de seu seguro de vida.

     Assim decidiu pôr essa situação sob o título de ganhar-ganhar.

     Algo de seus pensamentos devia ter transparecido em seu rosto, porque Paul disse:

     — Eu dirijo. Não quero que bata sua caminhonete antes que tenha terminado de me dar o que meu dinheiro vale.

     Andra assentiu.

     — Certo.

     — Faça uma mala para dois dias, mas seja rápida.

     Andra pegou uma das duas bolsas para passar a noite que matinha arrumadas e prontas para sair a todo momento para o caso de receber uma ligação de pais desesperados.

     — Estou pronta.

     Acreditou ver um brilho de respeito cruzar os duros traços dele, mas não pôde ter certeza.

     Houve fortes batidas na porta, como se alguém estivesse tentando derrubá-la com pontapés.

     Paul desembainhou uma espada de nenhum lugar o que era o melhor truque que tinha visto e levou um dedo aos lábios pedindo silêncio.

     — Provavelmente é meu entregador de jornais querendo o pagamento. Afastaria-se, infernos?

     Deu um passo para olhar pelo olho mágico, mas Paul a deteve com um grosso e musculoso braço.

   Apenas roçou a pele de seu braço, mas foi suficiente para que Andra fechasse os lábios para evitar lançar um gemido de prazer. Um calor formigante se estendeu do ponto de contato e invadiu seus membros, fazendo-a sentir-se pesada e lânguida. Queria esfregar-se contra ele como um gato, desejava que ele não tivesse voltado a pôr a camisa enquanto estava na ducha. Teria sido tão bom passar os dedos por suas costas e conhecer todos os músculos rígidos que estavam sob sua carne.

     Sua pele esquentou até que esteve segura que estava vermelha brilhante. Uma dolorosa e vazia necessidade a roia, pressionou suas coxas juntando-as em um esforço para aliviar a dor. Não funcionou. Necessitava que Paul a estendesse e a enchesse, deslizando-se em seu interior uma e outra vez até que se afastassem do mundo e nada mais que eles dois existissem. Sem preocupações. Sem medos. Sem monstros. Só Paul e o contato de sua pele sobre a dela.

     Ele afastou-se, deixando-a cambaleante, quase se balançando com a força da poderosa necessidade. Agarrou-se à parede para apoiar-se, mas lhe fez pouco bem. Terminou sentando no traseiro, tremendo como se tivesse passado a última semana vomitando.

     Através da porta se ouviu:

     — É Madoc. Abram a droga da porta.

     Vagamente, foi consciente que Paul estava deixando o rude gigante entrar em sua casa. Estava carregando algo grande e pesado envolto em um lençol. Pés com botas saíam de um extremo.

     Meu Deus. Tinha levado um cadáver para seu apartamento.

     — Está mal. — disse Madoc.

     — O quanto está mau? — perguntou Paul.

     A preocupação tornava ásperas as bordas de suas palavras.

     — Começou a esticar-se faz alguns minutos. Pensei que o sol poderia piorar as coisas, assim o trouxe para dentro.

     — Não deixou que nenhuma luz o tocasse, não é verdade? — perguntou Paul. — Não necessitamos desse tipo de problemas agora.

     Madoc deixou a carga sobre o sofá e começou a fechar as cortinas sobre as janelas de Andra.

     — Pareço um idiota fodido? Tomei cuidado, envolvi-o bem apertado. Não necessitamos de mais nenhum sorriso.

     Andra se levantou.

     — O que está acontecendo? Esse é Logan?

     Paul nem sequer a olhou. Estava muito ocupado desembrulhando o casulo de lençóis ao redor do corpo de Logan. Quando terminou, deixou Logan sobre o sofá. De algum jeito tinha perdido mais peso e agora era um esqueleto envolto em pele. Sua pele estava pálida, quase azul e estava completamente imóvel.

     — Está morto? — perguntou Andra.

     — Quase. — Paul deu um olhar acusador para Madoc. — Por que inferno não o alimentou?

     — Passei séculos sem deixar que uma dessas sanguessugas me tocasse. Não vou começar agora.

     Pareceu ouvir Paul murmurar algo como “Filho da puta egoísta” dissimuladamente.

     — Você gostando ou não, ainda necessitamos dele.

     — Fale por você. — disse Madoc. — Não necessito de merda nenhuma.

     O corpo de Logan começou a agitar-se como se estivesse tendo um ataque.

     Paul apertou a parte superior do corpo contra a de Logan para segurá-lo. Estendeu o braço para Andra e apontou com a cabeça para sua espada que estava no chão junto ao sofá.

     — Corte meu pulso, depois mantenha sua boca aberta. — disse a ela.

     Vampiro. Aí estava de novo, aquela palavra tirada das esquinas assustadas de sua mente. Havia visto coisas suficientes para saber que os monstros eram reais, mas não gostou de saber que esse em particular existia. Era muito misterioso.

     Ou talvez fosse o fato de um estar em sua casa o que a incomodava.

     — Vamos, Andra. Corra. Está morrendo.

     E ela tinha prometido dar seu sangue a ele. Paul já tinha dado muito. Logan havia dito isso mais cedo. Não podia arriscar-se a deixar que ele se prejudicasse por algo que ela tinha prometido fazer.

     — Quanto sangue ele necessita?

     — Não sei, mas não será suficiente para me matar.

     Bom. Então tampouco a mataria. Andra pegou a espada justamente quando o corpo de Logan se arqueou no sofá em um ataque particularmente feroz. Antes que Paul pudesse detê-la, ela usou a espada para abrir um corte no pulso, abriu os lábios de Logan e sangrou em sua boca.

     Paul se deu conta do que ela tinha feito e gritou:

     — Andra, não!

     O ataque parou imediatamente. Os misteriosos olhos prateados de Logan se abriram amplamente e ele agarrou seu pulso com ambas as mãos, sustentando o braço dela contra sua absorvente boca com um agarre inquebrável.

     Imaginava que seria doloroso, mas não era. Nem sequer havia sentido a espada cortando seu braço, era muito afiada. Tudo o que podia sentir agora era um movimento suave contra a pele e uma espécie de leveza, como se estivesse sendo cheia com hélio. Era estranho, mas não desagradável.

   À distância, podia ouvir Paul gritando e ver Madoc o afastado fisicamente de Logan. Mas nada disso importava.

     Sentiu uma presença estranha tocando sua mente como uma carícia quente. Logan. Queria saber mais dela. Quem era. De onde tinha vindo.

   Andra o deixou entrar. Tê-lo em sua mente a fazia sentir-se bem e de todo modo estava muito fraca para lutar contra algo tão forte quanto ele era. Muito cansada.

     Ele queria que ela dormisse. Descansasse. Ela queria isso, também.

     Durante um tempo, preocupou-a ter se esquecido de fazer algo. Apagar o forno? Escovar os dentes? Não podia recordar o que era e de repente, nada mais parecia lhe importar. Fosse o que fosse, não era importante.

     Andra deixou-se ir e se afastou, o corpo sem peso flutuando para o sono.

     Andra ficou inerte e uma nauseante onda de pânico se elevou pela garganta de Paul. Retorcia-se contra o agarre de Madoc, tentando chegar a ela.

     — Que merda fez com ela, chupa sangue?

     Logan lambeu o pulso dela, não deixando para trás nenhum rastro do ferimento. Já não estava só os ossos, tão magro e pálido. O corpo se encheu e um saudável brilho impregnava sua pele. Em um tom calmo, explicou:

     — A pobre menina não tinha dormido por três dias. Estava exigindo muito de si mesma, assim que a pus para dormir.

     Paul conseguiu romper o agarre de Madoc e empurrou Logan para longe dela. Seu corpo caiu ao chão ao lado do sofá, mole e lânguido. Verificou seu pulso e o encontrou forte e constante.

     O alívio tirou o fôlego de seu corpo e baixou a cabeça contra a dela em agradecimento. O aroma de sua pele o acalmou, não podia deixar de afastar os cabelos de seu rosto. Ia ficar boa.

     Paul recolheu seu longo corpo nos braços e a levou para o quarto. O lugar estava um desastre, com roupa jogada por toda parte. As mantas estavam amassadas, mostrando sinais de onde dormiu a última vez.

     Há três dias.

     Paul deveria ter sido mais consciente de sua fadiga. Teria que ter insistido para que descansasse. Não era como se fosse cego à debilidade das pessoas que o rodeavam. Isso podia matar a um montão de gente na guerra contra os Synestryn.

     — Escondeu-o muito bem. — disse Logan da porta, como se estivesse lendo seus pensamentos.

     Então outra vez, seu juramento de sangue tornava possível realizar um montão de coisas para que Paul não se divertisse.

     Paul ainda queria bater no Sanguinar, mas não queria afastar os olhos de Andra, não importava o quanto lhe cairia bem derrubar Logan.

     — Deveria ter sabido disso, de todo modo. Se fosse minha dama, teria feito.

     A decepção deixou um sabor amargo na boca dele.

     Pôs Andra na cama, tirou seus sapatos e jogou as mantas ao redor de seu corpo magro. Estava indefeso ante isso, ela fazia que seus instintos protetores rugissem a vida. Nada ia aproximar-se dela até que ela tivesse tempo de se recuperar. Sibyl teria que esperar.

     — Não necessariamente. — disse Logan. — Passou um longo tempo desde que os Theronai encontraram companheiros. Sabemos tão pouco sobre essas mulheres. As coisas podem ser diferentes agora. Os sinais podem ser diferentes.

     Paul foi até a porta onde Logan estava, o Sanguinar se afastou. Um homem inteligente.

     — Não estou com humor para outra decepção, assim me perdoe se não comprar a merda que está vendendo. Não é minha.

     Dizer as palavras fez seu peito arder.

     Logan apenas sorriu.

     — Acredito pode estar equivocado.

     — Não estou.

     Paul se negava a permitir-se sentir até mesmo a menor agitação de esperança. Estava fora de tempo e ia ser um bom jogador e aceitar a derrota como um homem. Teve mais oportunidades que a maioria.

     Paul fechou a porta de Andra e foi procurar um pouco de comida, levando Logan com ele para que não pudesse ver-se tentado a entrar no quarto de Andra.

     Seu apartamento era pequeno, com cozinha, sala e sala de jantar apinhados um em cima do outro. O lugar parecia não ter sido limpo há meses, exceto pelo brilho de um pesado banco para realizar exercícios com pesos que enchia o que deveria ter sido a sala de jantar.

     O design aberto dava a ele uma visão clara de todo o espaço, incluindo a cozinha, a que necessitava de uma limpeza profunda.

     Madoc fez uma batida procurando alimento, já estava revolvendo os armários e a geladeira. Pela escassa oferta no balcão, duas latas de sopa e uma questionável carne do almoço, não tinha encontrado muito.

     Logan continuava espreitando atrás dele. Paul viu sua espada, ainda manchada com o sangue de Andra, e a recolheu.

     — Tenho quase certeza que é uma Theronai. — disse Logan.

     — Supus um pouco essa parte.

     Paul umedeceu uma toalha de papel e limpou sua espada, depois jogou a toalha no vaso sanitário, onde o aroma do sangue não podia trazer nenhum problema. Estavam bastante seguros durante o dia, mas não correria nenhum risco com Andra dormindo no quarto ao lado.

     Logan estava pisando em seus calcanhares.

     — O que o faz pensar que não é sua?

     — Meu anel não respondeu a ela como deveria. Não havia cor.

     — Ainda.

     Paul embainhou sua arma antes de decidir-se a usá-la em Logan e se virou. Ficaram cara a cara, mas havia algo diferente nele agora. Algo que Paul não podia citar. Era como se Logan soubesse um segredo que não estava disposto a compartilhar.

     — Pare já e vá para o inferno. Estou sem tempo, isso é tudo.

     — Quer ir procurar o ninho esta noite? — perguntou Madoc, completamente sério. — Irei e serei sua testemunha.

     Testemunha do último ato heroico de Paul. Era uma perigosa oferta por parte de Madoc, uma que poderia matá-lo. Paul podia meter-se em um ninho de Synestryn, sabendo que seria a última coisa que faria e se Madoc estivesse perto da ação, a espada de Paul seria levada de volta de forma segura ao Salão dos Caídos.

     Paul não ia gostar de usar uma espada diferente, mas não podia se dar ao luxo de deixar que a sua fosse tomada, e não era como se fosse sair com vida, de todo modo. O objetivo era eliminar tantos demônios quanto pudesse antes que o derrubassem.

     — Obrigado, homem, vou aceitar sua oferta, mas primeiro tenho que levar Andra para Sibyl. Prometi.

     Madoc assentiu com a cabeça e começou a mexer na geladeira de Andra, sem se alterar por falar de suicídio.

     — Vá matar-se se quiser, — disse Logan — mas estou lhe dizendo que está equivocado sobre ela.

     Paul ia lamentar por perguntar, mas de qualquer forma o fez.

     — O que o faz pensar isso?

     — Ela sentiu algo quando a tocou.

     Uma faísca de esperança se acendeu em seu interior, tão frágil e débil que mal podia senti-la.

     — Fez isso?

     — Sim.

     — Mas eu não. Não houve dor. Não… Nada.

     Logan deu de ombros.

     — Estive tentando dizer a você que sua experiência pode ser diferente da de Drake. Não sabemos inclusive como estas mulheres existem. Não há maneira de podermos predizer que tipo de reação causam, não depois de tantos anos de espera.

     — Mas eu acreditei que todos os Sanguinar tinham se reunido depois de Drake ter encontrado Helen e decidiram que essa dor era devido ao tempo que tinha carregado seu poder. Estive arrastando o meu aproximadamente o mesmo tempo, mas não doeu quando ela rompeu o contato.

     — Doeu para ela. De certa forma.

     Paul sentiu uma repugnante contração de culpa nas entranhas.

     — Fiz mal a ela?

     — Não exatamente. Digamos que ela apenas se sentiu melhor quando a tocava.

     Tinha excitado-a. Isso estava claro. Estava disposta a deixar que ele a possuísse. Talvez fosse isso o que Logan queria dizer.

     — Agora está captando. — disse Logan.

     — Que mais viu? — exigiu Paul.

     O raio de esperança estava crescendo, e como era muito idiota, estava permitindo isso. Queria saber tudo sobre ela assim desta vez as coisas seriam diferentes. Não como com Kate.

     — Não muito. Estava muito fraco para passar muito tempo em sua mente. Senti que ela não é tudo o que parece. Está passando por uma tragédia.

     Nunca mais. Não queria que a tragédia voltasse a tocar a vida dela de novo.

     — De que tipo?

     Logan deu de ombros.

     — A mesma de todos nós. Perdeu seus seres queridos. Sua mãe se foi, o que é uma vergonha. Esperava averiguar uma maneira de interrogá-la para ver se o pai de Andra tinha alguma conexão com o de Helen.

     — Poderiam ser irmãs?

     Paul não podia ver similitudes entre o exuberantemente e curvilíneo corpo de Helen e a elegante compleição musculosa de Andra. A cor de seus cabelos era similar, mas isso era tudo.

     — Não. Não acredito. Seus sangues não estão próximos o suficientemente.

     — Sabe algo mais?

     — Só que ela trabalha muito duro. Não come bem ou dorme o suficiente a maioria do tempo.

     — Nisso tem razão. — grunhiu Madoc da cozinha. — Não há muito aqui que seja comestível e infelizmente é muito cedo para pedir comida a domicílio. Nada está aberto. Vou dar uma corrida em busca de comida. Algum pedido?

     — Não. — disse Paul. — Apenas seja rápido. Assim que ela levantar, estaremos a caminho.

     — Isso vai levar um tempo. — disse Logan. — Você também poderia acomodar-se e tirar seu próprio descanso.

     — Isso não vai acontecer. Não enquanto ela estiver vulnerável.

     Logan sorriu com satisfação.

     — Já fala como um homem vinculado.

     Paul olhou para o anel. Parecia como o havia feito durante os últimos dois séculos, apenas descolorindo-se com o tempo. Queria acreditar, mas e se Logan estivesse equivocado?

     Madoc fechou a porta quando saiu.

     — E se eu não estiver equivocado? — perguntou Logan.

     — Fique fora de minha cabeça. — advertiu Paul. — Estou a um longo caminho de ver você sangrando Andra.

     — Ela se ofereceu.

     — Da próxima vez, não escute nenhuma oferta que ela faça.

     — Se não tivesse me alimentado dela, ainda estaria pensando que seus dias tinham chegado ao fim. Certamente essa esperança em algo valeu a pena.

     — Sim, a pena de dar uma surra em você se estiver equivocado.

     Logan apenas riu.

     — Vá proteger sua mulher. Ficará menos resmungão.

     Fosse ou não Andra dele, estar perto dela parecia uma boa ideia, assim aceitou o conselho do Sanguinar e foi para seu lado.

    

     Zillah odiava ser convocado por uma criança, mas seguiu o jogo dela, porque lhe convinha.

     — Minha senhora. — saudou Maura fazendo uma leve reverência, suficiente para acalmar seu ego. — No que posso lhe servir?

     Os cabelos claros de Maura resplandeciam em contraste com o resto de seu entorno. Tudo em seus aposentos pessoais era de um profundo e rico vermelho, a cor do sangue fresco. Cortinas de veludo revestiam a câmara e o espesso e macio tapete sobre o chão ajudava a silenciar o som de sua voz para que não ecoasse nas paredes da gruta. Sentia claustrofobia ali, embora nenhum dos cômodos menores tivesse esse efeito sobre ele. Estranho.

     Talvez fosse a companhia o que achava tão asfixiante.

     Seu pequeno e arredondado rosto adotou um ar depreciativo e irado para ele.

     — Ela fez de novo. — disse Maura.

     Zillah resistiu ao impulso de sacudir a garota. Necessitavam muito dela para matá-la justamente agora. Seria logo, mas não ainda.

     — Quem fez o quê? — perguntou em um tom paciente, como se ele não tivesse um centena de assuntos mais prementes que exigiam sua atenção.

     Seus cachos se agitaram furiosamente quando ela girou sobre seus calcanhares.

     — Andra Madison. Roubou o menino que eu necessitava antes que tivéssemos a chance de trazê-lo para cá para saber se era o adequado.

     — Encontraremos outro. — tranquilizou-a Zillah. — Não deve alterar-se.

     — Alterar-me? — perguntou, aparentemente com a voz tranquila.

     Maura caminhou para ele e embora só pesasse quase tanto quanto sua perna, apesar disso, o aterrorizava. Havia algo dentro daqueles olhos pretos que o fazia sentir frio. Medo. Não importava que governasse um exército de milhares de pessoas. Não importava que exercesse mais poder que todos os Theronai solteiros combinados. Nem sequer importava que ela fosse uma coisinha pequena que podia quebrar com um descuidado gesto da mão.

     Maura era poderosa de uma forma que não podia começar a entender. Ela sabia… Coisas. Podia destruí-lo, com nada mais nada menos que o esforço de soar seu delicado nariz e ele nem sequer o veria vir.

     Por tudo o que ele sabia, já tinha selado seu destino.

     — Não tinha intenção de dar pouca importância a seu sofrimento, minha senhora. Só queria dizer que tudo ficará bem. Vamos encontrar outro menino.

     — Não com sua linhagem. Não nasceu um menino humano tão forte quanto a dois séculos. Necessitamos dessa força se quisermos ter êxito.

     — Ainda há tempo. A garota só tem quatorze anos.

     — Por isso é que quero o menino agora. Ainda temos tempo de alterá-lo para que seja apropriado para ela. — disse como se ele fosse uma criança.

     Zillah resistiu à tentação de esbofeteá-la, e manteve sua voz firme.

     — Devo enviar outra unidade para recuperá-lo?

     — Não. Esta mulher é a única que deve ser detida. Andra. É a única que continua roubando meus brinquedos. Quero matá-la.

     — É óbvio, minha senhora. Será como você deseja. Vou enviar tropas imediatamente. — Zillah fez uma pequena reverência, despedindo-se, mais que preparado para ficar longe de sua companhia.

     Sua tática para ir embora não surtiu efeito. Os olhos de Maura tinham aquele olhar vidrado, o que significava que estava tendo uma visão.

     O momento era inconveniente, mas não tinha outro remédio se não ficar e inteirar-se do que ela estava vendo. Estas visões eram a única razão para suportar pacientemente sua petulância. A única razão de que não tivesse alimentado suas mascotes com ela.

     Ela desabou no chão, mas Zillah não se atreveu a ajudá-la. Ninguém tocava em Maura. Nunca. Ela se levantou, ofegando, seu corpo todo tremendo. Se ele tivesse algum instinto paternal, ele estaria retumbando em seus ouvidos neste momento. Mas não o tinha. Preferia vê-la morrer que prestar ajuda a ela. Desde que tinha vindo para lá, todas as criaturas que tocaram nela morreram em poucos dias, gritando de agonia.

     Se não fosse tão frágil, seria uma arma formidável contra os Sentinelas. Enviando-a, deixando-a interpretar o papel de criança abraçando todos eles. Um complexo inteiro poderia ser destruído em questão de dias.

     — O que viu? — perguntou ele, ansioso para saber e escapar de sua presença.

     Maura estava pálida, e se não soubesse que ela era incapaz disso, teria pensado que parecia assustada.

     — Esqueça o menino. Há outro a quem devemos encontrar e trazer para cá.

     — Outro? Quem?

     — Não quem. O quê.

     — O que, então?

     Afastou os cachos para longe do rosto da boneca.

     — Isca. Isca irresistível.

     — Não entendo. — disse ele.

     — Sei. — respondeu Maura com desajeitado e discordante desprezo na voz de menina — Nunca o faz.

   Assim que Logan teve certeza que Paul estava ocupado com Andra, ligou para Tynan, o líder dos Sanguinar.

     — Sim. — respondeu Tynan.

     — Pode falar?

     — Sim.

     — Sammy McMullins foi sequestrado pelos Synestryn ontem à noite.

     — Sinto muito, Logan. Sei que era um de seus êxitos mais recentes. Deve estar desolado. Encontrou o corpo?

     — Nós o temos com vida.

     Um atônito silêncio encheu a linha.

     — Como?

     — Uma mulher chamada Andra Madison. Procura até encontrar as crianças perdidas. Ela o encontrou.

     — Onde está agora?

     — Com seus pais.

     — E a mulher? — perguntou Tynan.

     — Estou em seu apartamento. Com Paul. Acredito que ela é sua mulher.

     — Outra mulher? — disse Tynan com medo. — De onde vem?

     — Ainda estou trabalhando nisso. Sua educação foi bastante normal, mas é forte. Talvez tão forte quanto Helen.

     — Pode localizar seus pais?

     — Sua mãe morreu. Não acredito que saiba muito a respeito de seu pai. Não fui capaz de procurar muito profundamente em sua mente, com dois Theronai de pé fazendo guarda sobre ela. Talvez se puder surpreendê-la sozinha.

     — Pode levá-la a Dabyr?

    — Sim. Esta noite. Sibyl ordenou a Paul que a apresente.

     — Bem. — disse Tynan. — Enquanto isso, averigue o que possa sobre Sammy. Vou visitar seus pais para consolá-los. Não queremos que se preocupem pensado que isto vai acontecer com a criança que estão esperando.

     — Ela está grávida de novo?

     — Sim, mas não sabe ainda. Vamos deixar que descubram por si mesmos. Nossa intervenção será menos evidente desta maneira.

     Outro êxito. Logan não podia acreditar que seu plano estivesse funcionando. Talvez tivesse valido a pena todo o sofrimento e a fome que tinham passado.

     — Terão que se mudar, para ficarem seguros.

     — Eu me ocuparei disso. Vou ver se posso convencer alguns dos Slayers a vigiar à família, também.

     Essa ideia aprisionou o peito de Logan.

     —Por quê? Acredita que os Slayers concordarão?

     Houve uma longa pausa, como se Tynan estivesse decidindo o que dizer. Ou se não dizer nada.

     — Talvez. Estive... Negociando com eles. Isto vai bem.

     O choque congelou o corpo de Logan. Nenhum de sua espécie tinha tido entendimentos com os Slayers desde que os Theronai declararam guerra a eles. Era uma raça violenta, orgulhosa e mortal de troca formas que há tempos tinha dado as costas aos humanos. Eles protegiam e mantinham a si mesmos.

     — E se os Theronai descobrirem que estamos negociando com os Slayers? Não gostarão de saber que nos aliamos com seus inimigos.

     — É por isso que nunca saberão. Esta guerra é ridícula, de qualquer forma. Nego-me a tomar partido.

     — Já o fizemos. Escolhemos o grupo dos Theronai.

     — Só porque seu sangue era mais puro. Não porque eles tivessem razão.

     Algo que Tynan disse disparou um alarme na mente de Logan.

     — Disse que as negociações iam bem. Que possível oferta poderia fazer aos Slayers?

     — Querem participar do projeto Lullaby.

     — Falou sobre isso a eles? Está louco?

     — Não dirão aos Theronai. Estão mais interessados em manter nosso segredo. Necessitam reforçar sua linhagem tanto quanto nós. Seus poderes virtualmente desapareceram.

     — Pensei que isso fosse o que queriam. Parar a lutar contra os Synestryn e estabelecerem-se para viver como os humanos.

     — Entre eles houve uma mudança de governo. Andreas Phelan chegou ao poder e exigiu que seu povo retornasse aos velhos costumes ou abandonasse a manada.

     — Ele era apenas um menino quando o vi pela última vez.

     — As coisas mudaram. Para melhor.

     Logan não tinha tanta certeza, mas não tinha outra opção se não confiar na liderança de Tynan, até que pudesse averiguar a verdade por si mesmo. Além disso, já era muito tarde. Os Slayers já sabiam muito, e não eram fáceis de matar.

     — Tome cuidado. — advertiu Logan. — Há muito em jogo para arriscar tantos anos de esforço.

     — Sempre tenho cuidado. — Tynan parecia cansado. Fraco.

     — Tenho sangue para compartilhar quando retornar. — disse Logan.

     Preferiria manter toda a força que Andra lhe deu para si mesmo, mas não podia ser tão egoísta. A sobrevivência de sua raça exigia que não fosse. As coisas logo mudariam para seu povo. O Projeto Lullaby se encarregaria disso.

     — Obrigado, irmão. É penosamente essencial.

     Logan ouviu os pesados passos de Madoc vindo pelo corredor para o apartamento de Andra.

     — Tenho que ir.

     Desligou o telefone justo antes que Madoc entrasse carregando duas grandes bolsas de comida. Lançou um olhar suspeitoso para Logan, como se soubesse sobre a conversa que acabava de ter. Por outro lado, Madoc sempre parecia desconfiado.

   — O que estava fazendo, sanguessuga?

     Logan odiava o termo depreciativo, mas se negou a dar evidência disso.

     — Só descansando. Sempre me sinto fraco quando o sol está levantado.

     — Sim, claro. Dou fé disso.

     — O que trouxe?

     — Café da manhã. Muito. Espero que tenha fome.

     — Sempre. — disse Logan.

        

   Madoc não tinha certeza de quanto tempo mais podia esperar para que a mulher aparecesse. Ficou com Logan amaldiçoando sempre que ele adormecia, e Madoc não queria que o chupa sangue soubesse o quanto estava grave. Ninguém podia saber.

     Apoiou-se na porta do apartamento de Andra, onde esteve esperando durante os últimos vinte minutos. A madeira fresca aliviou o ardor de sua pele, mas não fez nada pelo resto dele. A dor pulsava em seu interior, crescendo cada vez mais a cada pulsação do coração. As faíscas de energia no ar, o encontraram e o bombardearam, fazendo-o desejar gritar. Não podia receber mais poder. Tinha que desviar algum. Correto. Agora. Madoc estava bastante seguro de que hoje era o dia que ia morrer. E se não fosse, estava totalmente seguro de que não queria saber quanto pior podia ferir-se.

     Se ao menos tivesse sido capaz de conseguir mais combates nos últimos dias, teria purgado parte do poder dessa maneira. Ou ao menos, não acrescentá-los a gigantesca piscina de energia que ameaçava destruindo em um sangrento caos. Mas não foi capaz de lutar até a noite anterior. Tinham gasto muitos dias dirigindo daqui para lá em busca de Andra para que Paul pudesse sentir-se melhor.

     Maldito pensamento.

     É óbvio se Andra fosse à mulher de Madoc, teria valido a pena. Ele acreditava que quando sua alma começasse a morrer, não sentiria esperança alguma. Engraçado como estava equivocado. Não tinha certeza se ainda podia ser salvo ou não, mas sabia o que queria: pôr fim a seu sofrimento, de uma maneira ou de outra.

     No fundo a mente de Madoc, continuava sofrendo por não sentir conexão alguma com Andra.

     Uma vez mais, sua alma tinha começado a morrer há meses, e era cada vez mais difícil sentir algo. Era um dos do Bando dos Áridos, o grupo secreto dos Theronai que já não tinham folhas em suas marcas de vida. Suas almas estavam mortas, mas ajudavam uns aos outros a esconder isso dos outros Sentinelas, fingindo serem normais. Se algum outro Sentinelas soubesse, seriam marginalizados. Ou pior ainda, enviados para os Slayers.

     Madoc apertou a palma da mão contra o peito, onde a pressão era pior. O Bando era um tipo de grupo de “só com convite”, mas um dos irmãos o recrutou a tempo para frear a queda de sua última folha. Agora pendia meio caída na pele, movendo-se muito lentamente para que o olho visse. Os outros homens diziam que a desaceleração da queda o ajudaria a agarrar-se a seus princípios. Ou ao menos o suficiente para pretender enganar ao restante dos Sentinelas.

     Madoc não estava convencido de que estivesse funcionando. Ainda estava piorando dia a dia. Outra onda de pressão explodiu dentro dele, quase o rasgando em pedaços. Deslizou até o chão e se arrastou em uma apertada bola, com a esperança de manter as tripas sem vomitar o umbigo. Um grito de dor crescia dentro dele, mas tinha aprendido há muito tempo a não fazer ruído. Ninguém fora do Bando dos Áridos podia saber que estava perdido, que já não pertencia a eles.

     Uma suave batida na porta ecoou em seus ouvidos como sua salvação. Ela finalmente estava ali. Madoc encontrou a força para dar-se o impulso e ficar de pé para abrir a porta. A mulher do outro lado parecia ser uma quarentona, mas provavelmente era uma década mais jovem. Tinha cabelos loiros encaracolados, e a maquiagem da noite passada ainda rodeava seus apagados olhos castanhos. Não era bonita, mas vestia uma saia curta e isso era suficiente para ele.

     — Sou Candi. — disse com um sorriso falso.

     Madoc puxou-a para o interior do apartamento e fechou a porta.

     — Não importa. — disse ele rangendo os dentes.

     Sua voz era áspera, com dor, mas não importava, tampouco.

     Não havia uma verdadeira privacidade no pequeno apartamento, por isso levou Candi para a cozinha, que era o mais adequado que ele podia conseguir. Logan estava entorpecido no sofá, não muito longe, mas normalmente os Sanguinar dormiam como os mortos durante o dia.

     — Bom, não é do tipo conversador? — disse Candi.

     — Quanto? — exigiu ele.

     — Depende do que quer.

     — Foder você. Quanto?

     — Cem para uma fodida autêntica. As perversões custarão um extra.

     Madoc tirou algumas notas da carteira e as lançou para ela. Não tinha certeza de quanto havia, mas era mais que suficiente, apoiando-se na maneira que seus apagados olhos se iluminaram.

     — Cuidarei bem de você, querido. — ronronou.

     Madoc não podia esperar muito mais. Devia ter algum tipo de liberação para toda a pressão chiando em seu interior. O sexo funcionava melhor que qualquer coisa além de exterminar demônios Synestryn. Agarrou-a pelos quadris e a virou, de costas para ele. Realmente não queria olhá-la enquanto a utilizava, embora não tivesse certeza do por que se importava.

     Ela se agarrou ao balcão para não cair, dizendo a ele que estava sendo um pouco rude. Foderia ela assim. Era uma profissional. Podia suportar.

     Madoc empurrou sua saia curta e baixou sua calcinha com uma mão enquanto liberava o membro com a outra. Cheirava a drogas e a desespero, o que o teria incomodado em algum momento de sua vida. Já não. Agora, simplesmente se importava se não fodesse.

     — Acalme-se, rapazinho. Deve se proteger primeiro. — Candi segurou uma camisinha por cima do ombro.

     Madoc se aborreceu com a interrupção. A dor estava o golpeando solidamente para que a fodesse duro e rápido, mas sabia por experiência própria que colocar a coisa era a maneira mais rápida de conseguir o que queria. Não queria que gritasse e despertasse Logan ou Paul.

     Cobriu-se e usou uma mão para forçar seus ombros até o balcão da cozinha. Ela lançou um gemido, mas não se queixou. Madoc colocou o membro dentro dela e começou a trabalhar. Ela começou a fazer ruidinhos como se estivesse desfrutando.

     — Feche a maldita boca. — grunhiu para ela.

     Candi o fez.

     Madoc não levou muito tempo. Uns quarenta e cinco segundos. Ejaculou sem fazer um som, mas Candi era um profissional e sabia quando um homem tinha terminado.

     Ela se endireitou, mas Madoc empurrou suas costas para baixo.

     — Não terminei ainda.

     — Odeio discutir, mas senti que…

     — Dê-me outra camisinha ou farei sem nada.

     Candi desenganchou outra camisinha de seu sutiã e a entregou. Madoc tirou a usada e a jogou no lixo antes de colocar a limpa.

     A prostituta tentou mover-se, mas Madoc mantinha seus quadris fixados. Ainda estava duro, palpitante, como se não tivesse tido uma mulher há um ano. O orgasmo não havia feito muito, mas ao menos não sentia mais como se seu corpo fosse se destroçar.

     Talvez, as próximas três ou quatro vezes o fizessem sentir-se normal de novo. Ao menos por um curto tempo.

    

     Andra se sentia como se tivesse acabado de adormecer, mas olhando para o relógio viu que havia dormindo durante quase doze horas. Ao menos, sentia-se melhor. Mais forte e capaz de fazer todas as coisas que estavam esperando-a. Como a criança, que sem dúvida, seria raptada naquela noite. E se não naquela noite, então logo. Os sequestros nunca paravam.

     Estava justamente começando a escurecer lá fora. Os monstros provavelmente estavam preparando-se, planejando onde atacar.

     Era hora de trabalhar.

     Sentou-se lentamente, sentindo-se um pouco enjoada. Não tinha certeza de quanto sangue Longan tinha tomado, mas não comeu depois, e estava bastante segura de que isso não era bom para a recuperação do volume de sangue. Desceu as pernas pelo lado da cama e quase pisou em Paul. Estava ajoelhado no chão entre pilhas de roupas sujas, magnífico com o peito nu e com sua espada em frente a ele. Seus olhos estavam fechados, mas sentia que não estava dormido. Sua respiração era muito profunda e controlada para estar dormido. Parecia que estava meditando.

     Não querendo incomodá-lo, caminhou cuidadosamente rodeando-o dirigindo-se ao banheiro, tentando ser silenciosa. Esteve no serviço durante alguns minutos, e quando saiu, ele ainda não tinha se movido.

     Quase tinha conseguido chegar à porta quando os dedos de Paul aferraram seu tornozelo nu, justo por cima da meia. Aquele estremecedor zumbido deslizou-se ao longo da perna e esquentou a parte interna das coxas. Deixou sair um gemido rouco, incapaz de reter o som revelador.

     Deus, sentir seu toque era bom. Ficou ali, absorvendo-o, deixando que se afundasse até os ossos e se convertesse em parte dela. Era mais que um simples prazer físico, embora fosse isso. Era também um sentimento de satisfação, de apropriado. Quando a tocava, todas as coisas ruins de sua vida desapareciam durante um tempo, lhe deixando o sentimento de purificação e contentamento. Nenhum de seus erros a perseguia ali. Nenhum de seus medos. Nenhuma de suas penas. Era livre. Feliz.

     Seus longos dedos esfregaram o tornozelo dela, deslizando-se alguns centímetros por debaixo da bainha do jeans. Outro som de satisfação escapou dela, e desejou que movesse aqueles dedos arrastando-os até encima completamente. Se ele podia fazê-la sentir-se bem assim tocando seu tornozelo, só podia imaginar o quanto seria melhor se ele se concentrasse nos lugares mais sensíveis.

     Realmente queria descobrir isso.

     — Logan tinha razão. — disse Paul em uma voz tranquila e quase reverente. —Sente algo sim, não é verdade?

     — Sim. — a palavra sibilou saindo dela.

     Possivelmente não devia ter deixado ele saber o tipo de poder que tinha sobre ela, mas não se importava. Não agora. Estava desejando dar a ele quase tudo e, a verdade, era fácil de dar.

    Ele pegou a mão dela e se levantou da posição ajoelhada. Sentia falta de seu toque no tornozelo, mas o perdoou assim que seus dedos riscaram uma gentil linha pela face dela.

     Andra estremeceu o que fez os olhos castanhos de Paul se obscurecerem de satisfação. Ela se inclinou ante seu toque, incapaz de deter-se.

     — O que está me fazendo?

     — Agrado você? — perguntou parecendo satisfeito, como se já soubesse a resposta.

     Ela observou sua boca. Era uma boca bonita, parecia suave, com um lábio inferior cheio que a fazia desejar mordiscá-lo.

     — Sabe que sim.

     — Então não me deterei. Quanto mais perto ficarmos, mais fácil será para você.

     Andra não entendia o que ele queria dizer. Estava muito ocupada decidindo se ia beijá-lo. Com certeza, não o conhecia realmente, e sim, ele carregava uma espada e matava monstros, mas isso não fazia parte da equação para decidir beijá-lo. A questão era simples, precisava ver se o gosto dele era tão bom quanto intuía.

     Ela enredou as mãos em seus suaves e sedosos cabelos e se elevou sobre as pontas dos pés. Ele não tentou detê-la. De fato, encontrou-se com ela na metade do caminho.

     Os lábios tocaram os dele e o resto do mundo parou de existir. Sua boca era suave e firme. Perfeita. Não tentou apressá-la ou colocar sua língua na boca dela como tantos homens fizeram. Em vez disso, permitiu que ela tomasse seu tempo enquanto assimilava a sensação dele. Ela deslizou a língua para fora e provou a comissura de sua boca.

     Paul deixou sair um baixo gemido de apreciação e puxou seu corpo contra o dele. Ela podia sentir os músculos de seu peito e abdome, tão belamente definidos. Porém o que a distraia mais, era poder sentir sua ereção através do jeans, grande, dura e pronta por ela.

     — Isto não pode estar acontecendo. — ela inalou. — Nada bom assim pode ser real.

     Ele deslizou os dedos sob a camiseta dela e os estendeu por suas costas nuas.

     — Parece bastante real para mim.

     Ela voltou a beijá-lo, sugando seu cheio lábio inferior para sua boca. Os dedos dele se esticaram em suas costas, revelando o quanto gostava.

     Bem, porque não estava nem de perto disposta a acabar com ele. Havia uma cama a apenas meio metro de distância e de todo modo já estava desfeita. Podiam também fazer bom uso dela.

     Andra o empurrou para trás, até que suas pernas bateram no lado da cama, mas ele não se sentou, como ela esperava. Era muito forte e sólido para que ela o intimidasse a menos que ele permitisse, e nesse momento, não estava fazendo isso.

     Ela se separou de sua boca e o olhou.

     — Não está interessado.

     Simplesmente dizer as palavras quase a fez gritar. Tinha o corpo excitado, escorregadio e preparado para ser possuído.

     — Estou mais que interessado. Simplesmente não estou seguro de que isto seja inteligente.

     — Claro que não é inteligente. Nem sequer o conheço. Normalmente não me atiro a estranhos.

     — Exatamente. Esta não é você.

     Ele tinha razão. Quem quer que estivesse no assento do condutor de seu corpo, não era ela. Algo mais estava ocorrendo ali. Algo louco.

     Ainda assim, tinha o corpo excitado e quente por ele, e não acreditava ser forte o suficiente para apaziguá-lo. Não, quando sabia que a sombria realidade estava ali fora, esperando por ela. Isto era muito melhor.

     Voltou a beijá-lo, a prová-lo, permitindo que ele fizesse o mesmo. Suas línguas se entrelaçaram, fazendo-a atordoar-se. Deixou-se cair contra ele, mas Paul a elevou, sustentando seu peso facilmente.

     Quando ele afastou a boca ela estava respirando com dificuldade.

     — Vou parar isto agora. Antes que já não possa fazê-lo. Não quero assustar você.

     Sentou-a sobre a cama, mas não foi para muito longe, como se estivesse com medo de que ela pudesse desmaiar ou algo assim.

     Quando outra onda de enjoo a atravessou, não pensou que isso fosse tão má ideia. Aquela necessitada fascinação estava desvanecendo-se, mas desta vez não desapareceu. Não de tudo. Seus olhos estavam à altura do impressionante volume em seu jeans, e não havia nenhuma mulher com sangue vermelho lá fora que não ficasse um pouco admirada por uma visão como aquela.

     Ele a desejava, e a prova disso a estremecia até os pés.

     Andra tinha que parar de olhar. Deixou-se cair na cama e cobriu os olhos com o antebraço. O movimento repentino fez que sua cabeça girasse até que acreditou que poderia vomitar.

     Isso não o excitaria?

     Agora que já não estava tocando-o, não se sentia tão quente. De fato, sentia-se mais que um pouco doente. Suas articulações doíam e os olhos ardiam como se estivesse com febre. Que droga. Não era momento para ficar doente.

     — Devo tomar um pouco de água ou algo. Acredito que Logan pôde ter tomado um pouco mais que um copo.

     Ela não podia vê-lo, mas podia virtualmente sentir a vibração de seu aborrecimento enchendo o quarto.

     — Não ocorrerá novamente.

     Andra ondeou a mão.

     — Ficarei bem. Só necessito de um pouco de suco e bolachas.

     — Madoc pediu pizza. Está interessada?

     Pensar na comida a agitou seu estômago, mas sabia que se sentiria melhor se conseguisse engolir algo.

     — A pizza me vem tão bem como qualquer outra coisa. Dê-me um segundo e estarei pronta.

     Não pegou a mão de Paul quando ele a ofereceu para ajudá-la a levantar-se da cama. Ele franziu o cenho, mas podia continuar fazendo isso. Por mais que desfrutasse da maneira que ele a fazia sentir-se, tinha coisas mais importantes com que se preocupar. Igual a ele.

     Estava anoitecendo.

     O telefone de Andra tocou e ela agradeceu a distração. Levantou-se da cama sem nenhuma ajuda e o atendeu.

     — Alô.

     — Andra, é Melanie do Hospital Twin Oaks. Acredito que deveria vir aqui imediatamente. — a voz da mulher estava alta e aguda, quase frenética.

     Algo terrível tinha acontecido.

     Andra endireitou os joelhos para evitar cair no chão de medo. Muitas coisas horríveis relampejaram em sua mente. Nika era tão frágil. Podia ser ferida tão facilmente.

     — O que aconteceu, Melanie?

     — O doutor disse que não a incomodássemos, que daria um jeito, mas acredito que você ia querer saber disso.

     — Saber o quê?

     Por favor, Deus, permita que Nika esteja bem. Andra não acreditava que pudesse suportar perder outra irmã.

     — Nika ficou pior. Muito pior.

     Parte de Andra estava aliviada por ela ainda estar viva, embora o restante estivesse fervendo de fúria. Por que não a chamaram antes?

     — Ocorreu algo?

     — Não sei. Sua piora pareceu muito repentina. — disse Melanie. — Realmente, acredito que deveria vir. Ela necessita de você.

     Paul observou que o rosto de Andra empalidecia. Quem quer que estivesse ao telefone a assustou mais que alguns demônios atacando-a com as garras estendidas e os dentes nus. Não podia escutar o que estavam dizendo do outro lado, mas não tinha que ouvir para saber que era ruim.

     Diminuiu a distância entre eles, assegurando-se de estar perto o bastante para apanhá-la se ela desmaiasse ou algo assim. Parecia que estava a ponto de fazer justamente isso.

     — Está bem. — disse. — Estarei aí em vinte minutos.

     O telefone caiu dos dedos de Andra. Parecia vulnerável. Assustada.

     Paul se moveu para pôr os braços ao redor dela, mas ela escapuliu de seu toque.

     Como Kate fez tantas vezes.

     Não ia acontecer de novo. Não com Andra.

     Ela saiu do quarto com ele em seus calcanhares, negando-se a deixá-la afastar-se dele.

     — Diga-me o que está acontecendo. — urgiu.

     Logan dormia no sofá e despertou ante o ruído. Madoc estava vendo luta profissional e levantando pesos na impressionante miniacademia de Andra. Dirigiu a Paul um olhar interrogativo e Paul respondeu a ele com um encolhimento de ombros de “sei lá”.

     Andra se deteve na cozinha e começou a procurar entre os papéis e correspondências. Um resplandecente brilho de lágrimas enchia seus olhos, mas piscou várias vezes para limpá-las.

     — Eu, uh, preciso ir. É uma emergência.

     — Que emergência?

     Os movimentos se tornaram mais frenéticos e começou a jogar a correspondência no chão como se procurasse algo.

     — Apenas preciso ir. — disse. — Feche com chave quando sair.

     Ela estava tremendo. Pálida. Aquela confiança, dura como uma pedra, que tinha visto antes tinha desaparecido agora, deixando-a parecer despedaçada e assustada. Paul queria puxá-la para seus braços, mas não se atrevia a tocá-la. Tinha que recordar que ela só estava cooperando com ele porque havia oferecido um pagamento a ela.

     — Não vou abandonar você. — disse.

     Não acreditava que estivesse, de maneira nenhuma, bem para dirigir com segurança. Além disso, fosse o que fosse, queria estar lá para ela. Para o caso dela necessitar de ajuda. Ele trabalhava grátis.

     — Deixe que eu dirija.

     — Não, obrigado. Pode ficar aqui se quiser. Não me importo. Voltarei o mais rápido que puder. — cortou um pedaço do rolo de papel toalha e o esfregou nos olhos úmidos.

     — Posso fazer algo? — perguntou Madoc, parecendo muito esperançoso para a tranquilidade mental de Paul.

     — Viram minhas chaves?

     — Não, sinto muito.

     Sem ter nada mais que fazer para ajudá-la, Paul começou a procurar as chaves dela também.

     — Diga-me o que está ocorrendo. Talvez possa ajudar.

     — Valorizo o gesto, mas não há nada que possa fazer salvo sair de meu caminho para que assim possa encontrar minhas malditas chaves. — sua voz ficou presa em um soluço, um que tentou e falhou em esconder.

     Paul não pôde suportar mais. Tinha que consolá-la. Ajudá-la. Alguma coisa.

     Pegou-a pelo braço e a virou, e no segundo que a palma de sua mão tocou a pele dela viu-se invadido por sensações de prazer físico. Inspirou pela força daquilo. O corpo estremeceu. Cantava de alegria. Cada célula dentro dele estava realizando uma feliz pequena dança que o fazia querer romper-se em gargalhadas. Passou grande parte de sua vida com dor e se esqueceu o que era viver sem ela.

     Os olhos azuis de Andra se arregalaram e começou a observá-lo estupefata. As pupilas se dilataram e seus olhos desceram para sua boca.

     E logo o golpeou, uma onda de luxúria que se chocou contra ele e o percorreu por completo. O corpo se enrijeceu tão rápido que doeu, mas inclusive essa dor era um tipo de prazer. A pele se aqueceu e o sangue se espessou nas veias. Sua boca se encheu de água para prová-la, e os dedos se esticaram ao redor de sua pele, procurando um contato mais íntimo.

     Os lábios dela se abriram ao mesmo tempo em que aspirava um sobressaltado fôlego e ele soube que tinha que beijá-la. Ia forçá-la a abrir a boca e que o deixasse prová-la, e não ia parar ali. Ia deitá-la no chão e ia provar cada centímetro da pele suave, cada doce reentrância e curva. Ia despi-la e fazê-la sua da maneira mais básica e primitiva que conhecia.

     Minha, gritava sua alma, e sabia que se ele se movesse inclusive um centímetro para seus lábios, estaria perdido, incapaz de deter-se sem importar o que ela quisesse, sem importar que emergência tivesse que enfrentar. Nada mais na vida dela poderia, possivelmente, ser mais importante que sua necessidade por ela.

     E essa verdade penetrou nele como água gelada, extinguindo sua luxúria até que só restou uma pilha de cinzas de desejo.

     Com movimentos cuidadosos, Paul soltou Andra e afastou a mão. Perder o contato com ela o deixou ardendo e com coceira por toda parte, mas ele se regozijou daquela dor. Significava que havia esperança, esperança de que Andra fosse a mulher que poderia salvá-lo.

     Agora era Paul quem estava tremendo.

     Andra esfregou as mãos sobre o lugar onde ele a sustentou pelos ombros e o olhou com uma mistura de confusão e temor.

     — Nunca mais. — disse a ele. — Nunca volte a me tocar.

     Malditamente impossível, mas prudentemente manteve a boca fechada e continuou a procurar as chaves. Encontrou-as escondidas debaixo da tampa de uma caixa de pizza aberta e as agitou diante dela.

     — Não está bem para dirigir. Ao menos, me deixe levar você para aonde quer que se dirija.

     Ela vacilou e ele pôde sentir sua indecisão, assim utilizou sua última munição.

     — Seja o que for, não poderá arrumar se você se arrebentar no caminho.

     Quando seus ombros caíram, soube que tinha ganho.

     — Tudo bem. — disse. — Mas se não dirigir rápido o suficiente, jogarei você de minha caminhonete.

    

     Andra saltou da caminhonete assim que chegaram ao hospital psiquiátrico, deixando para Paul o trabalho de encontrar um lugar para estacionar. O pessoal da recepção devia saber que estava a caminho, porque estavam esperando-a com um crachá de visitante assim que a porta principal se fechou.

     O aroma de desinfetante e dor se aferravam às paredes daquele lugar, mas era melhor que o restante dos hospitais mentais que tinha visto. Cobravam um braço e uma perna para que Nika ficasse ali, mas ao menos cuidavam muito bem dela. Andra aparecia inesperadamente a cada duas semanas, além de suas visitas normais, e nenhuma só vez em oito anos viu nenhum sinal de maus tratos nos pacientes. Estavam limpos e tão tranquilos quanto eram capazes, apesar de tudo.

     Melanie se reuniu com Andra na sala fora do quarto de Nika. Estava em algum lugar em seus tardios quarenta anos com suave pele escura e grandes olhos. A mulher nunca sorria, mas transmitia consolo com o mínimo contato de sua mão gordinha.

     — Não sabia mais o que fazer, assim liguei para você. — disse Melanie. — Meu último plantão foi há dois dias, mas juro que então não estava tão magra. E ninguém mais parece ver isso. Nenhum dos doutores me escuta quando lhes digo que precisa ser alimentada mediante o tubo. É como se nem sequer vissem que ela está se consumindo.

     Andra sabia que Nika tinha tendência a passar dias sem comer, mas nunca tinha durado. Os doutores diziam que seria mais prejudicial forçá-la que deixá-la ter fome suficiente para que as necessidades de seu corpo superassem os temores imaginários de sua mente.

     Andra se aproximou da porta, mas Melanie a deteve.

     — Tivemos que amarrá-la hoje. Não bebeu o suficiente, e tivemos que pôr uma via intravenosa para mantê-la hidratada. Ela a tirava.

     — Odeia ficar amarrada. — disse Andra.

     A ira queimava seu peito, um bem-vindo alívio da constante tristeza que sentia por sua irmã.

     — Sei, carinho, mas foi para seu próprio bem. Continuava machucando-se, abrindo as veias. Conseguimos que parasse de sangrar, mas não podemos lhe dar outras oportunidades. Já está muito fraca. Não estou segura de que seja capaz de lutar contra uma infecção nesse momento.

     Melanie tinha razão. A pobre Nika estava tão delirante que tinham que fazer o necessário para protegê-la. Mantê-la a salvo.

     Na parte posterior de sua mente Andra, perguntava-se se manter Nika viva não era só uma cruel forma de tortura. Talvez fosse mais amável deixá-la ir. Deixá-la escapar do medo e da miséria que era sua vida.

    Se Andra fosse uma pessoa mais forte, talvez houvesse feito justamente isso. Mas não era. Era fraca e egoísta. Já tinha deixado uma irmã morrer. Não podia deixar que isso acontecesse à outra. Necessitava de Nika para viver.

     Andra pôs a mão sobre a porta e rezou pedindo forças.

     Melanie deu um rápido abraço em Andra.

     — Precisa saber que há um pouco de sangue em sua camisola. Normalmente a teríamos trocado, mas lhe causa tanta angústia que simplesmente a deixamos em paz. As roupas limpas podem esperar algumas poucas horas.

     Andra assentiu e abriu a porta do quarto de Nika.

     Tinha visto Nika angustiada antes, mas nada podia havê-la preparado para o selvagem olhar de medo nos olhos de sua irmã. Estava lutando contra as amarras que a mantinham na cama do hospital. Contusões inflamadas de cor púrpura danificavam seus braços onde arrancou as intravenosas. Sua camisola branca estava salpicada de gotas de sangue, e a mulher sob a camisola tinha se tornado perigosamente mais magra do que esteve só a cerca de quatro dias. Seu rosto estava macilento , seus claros olhos azuis estavam fundos e brilhavam como se estivessem febris de terror. Chorava com lágrimas gordas que empapavam os cabelos brancos em suas têmporas.

     Andra conteve um gemido de dor. Pobre Nika. Tão perdida em seu próprio mundo de pesadelos. Nada que Andra fazia tinha ajudado.

     Andra engoliu as lágrimas e foi para sua irmã.

     Paul viu Logan e Madoc entrar no estacionamento atrás dele. Madoc estava no assento do condutor, e Paul foi até sua janela.

     — Vão entrar?

     Logan estava na parte de atrás, coberto para evitar que os últimos raios de sol tocassem sua pele.

     — Onde estamos? — perguntou.

     — Hospital Twin Oaks.

     — É uma instituição psiquiátrica. — disse Logan.

     — Excelente. Andra está aí com um montão de loucos. — Paul realmente não se importava com a ideia, e morria de vontade de estar ao seu lado, onde pudesse mantê-la a salvo.

     — Alguma ideia do por que estamos aqui? — perguntou Madoc.

     — Nenhuma. Não disse nada enquanto vínhamos. Exceto para me dizer que dirigisse mais rápido.

     — Acredito que vou deixar isto para você, homem. É mais provável que assuste as pessoas daí que outra coisa.

     — De acordo. Não se mova. Chamarei você quando souber o que está acontecendo.

     Tomou um pouco de bate-papo rápido convencer a mulher à frente da recepção de que o deixasse entrar no hospital mental, mas Paul conseguiu ganhar seu passe para o interior. Um corpulento zelador o escoltou ao quarto onde Andra tinha ido, e entrou em silêncio.

     Andra estava sentada ao lado de uma cama sustentando a mão de uma frágil jovem, com um chamativo cabelo branco. A mulher se agitava na cama, lutando contra as amaras que a mantinham em seu lugar. Uma série de gemidos lamentosos enchia o quarto, ecoando nas nuas paredes.

     — Tudo bem, Nika. — tranquilizou-a Andra, afastando os cabelos claros da testa da mulher. — Estou aqui agora. Vai ficar bem.

     Lentamente, Nika começou a acalmar-se, Paul não tinha nem ideia se era pelas palavras de Andra ou por puro esgotamento.

     Assim que Nika relaxou e viu que Andra estava ali, o olhar de temor se desvaneceu das delicadas feições da mulher. Talvez tivesse vinte anos, e apesar de seus cabelos serem brancos onde os de Andra eram castanhos, não havia dúvida da semelhança familiar em seus rostos. Tinham os mesmos lábios cheios, maçãs dos rostos salientes e brilhantes olhos azuis, como um céu claro de inverno. Nika estava muito mais magra que Andra, até o ponto de ser fraca, e tinha uma frágil aparência etérea que contrastava duramente com a saudável força de Andra.

     Paul morria de vontade de saber a relação entre elas, mas não se atreveu a perguntar. Sentiu o desespero no quarto, um sutil zumbido de frenética energia que não se dissipava. Provinha de Nika, quase como se tivesse combatido a loucura a sua maneira porque Andra estava ali. Não faria nada para pôr isso em risco.

     — Andra? — perguntou a jovem mulher. Sua voz estava rouca de gritar e fraca de fadiga.

     — Estou aqui, Nika. Justamente aqui.

     O corpo de Nika ficou inerte, e se deteve em seu empenho de lutar contra as amarras.

     — Por favor, faça que me soltem. Não posso suportar estar presa.

     — Não está presa, carinho. Puseram estas restrições em você para evitar que tirasse a intravenosa.

     — Não vou tirá-la. Prometo. — as lágrimas encheram os olhos de Nika enquanto implorava por sua liberdade.

     Andra olhou para a enfermeira que estava discretamente no canto do quarto.

     — Quero soltar seus braços. — disse para a enfermeira.

     — Não é uma boa ideia. — disse a mulher.

     Andra ignorou o aviso e começou a desamarrar as amarras ao redor dos braços de Nika.

     — Ela não vai lutar mais, e não posso suportar vê-la assim.

     Assim que Nika ficou livre, sentou-se e agarrou Andra pelo pescoço em um forte abraço. Parecia pequena ao lado de Andra. Quase infantil.

     — Estou tão contente de que esteja aqui. Tentei chamar você, mas não me ouviu. — disse Nika.

     Paul sentiu que Andra estava mais tensa do que parecia.

     — Tudo o que tem que fazer é usar o telefone ou que uma das enfermeiras me ligue. Sempre virei.

     — Não havia telefones onde eu estava, Andra. Juro para você. Não estou inventando isso.

     Andra afastou os cabelos brancos do rosto de Nika e secou as lágrimas de sua face.

     — Sei que não está mentindo. Está bem. — ajudou Nika a deitar e subiu na cama ao lado dela, tomando a frágil mulher nos braços. — Disseram-me que não estava comendo. — disse Andra sem acusar.

     Nika engoliu.

     — Tento, mas não posso. Tudo o que ela traz para comer é sangue negro. Queima como ácido. Como posso me alimentar quando tudo o que trazem é sangue?

     Paul não tinha nem ideia de quem era “ela”, mas aparentemente Andra sim.

     — Ninguém está alimentando você com sangue, Nika. É só um truque de sua mente. Tem que comer.

     Nika sacudiu a cabeça.

     — Tento, mas tudo tem sabor de sangue e me deixa doente.

     Andra ficou em silêncio por um tempo, simplesmente passando uma mão tranquilizadora pelos cabelos da mulher.

     — Quer que encontrem outra maneira de alimentar você? Talvez por um tubo em seu estômago não a faria sentir-se tão doente?

     — Não! — Nika tentou sacudir-se, mas o corpo mais forte de Andra facilmente a conteve — Não, não, não. Tubos não!

     — Muito bem. — disse Andra em um tom conciliador. — Nada de tubos. Mas tem que comer. Tentará pelo menos?

     — Mas o sangue…

     — Não é real. É um truque. — Andra olhou para a enfermeira como se decidisse se devia confiar nela ou não.

     A astuta enfermeira viu o olhar e disse:

     —Vou procurar uma bandeja. —Quando se foi, olhou curiosamente para Paul quando passou ao seu lado.

     Quando a enfermeira se foi, Andra disse:

     — Falamos disto antes. Os monstros gostam de brincar e de zombar. Fazem você acreditar que as coisas são reais. Ninguém vai alimentá-la com sangue ninguém. Está a salvo.

     Nika pegou a mão de Andra e a apertou com força com seus esqueléticos dedos.

     — Estou a salvo, mas Tori não. Continuam machucando-a. Pondo coisas em seu interior. Mudando-a. Está tão assustada, Andra.

     A mandíbula de Andra tremeu durante um momento antes que a controlasse. Só o brilho dos olhos mostrava sua dor.

     — Tori não está mais assustada. Está morta, Nika. Lá encima no céu com mamãe.

     — Não, não está! Os monstros a têm. Estão fazendo algo com ela para torná-la… Diferente. Temos que encontrá-la logo ou será muito tarde.

     Paul viu a angústia retesar o corpo de Andra, apesar de sua expressão se manter calma. Sem dúvida, pelo bem de Nika.

     — Por favor, carinho, tente não se preocupar com Tori. Nada nunca poderá machucá-la de novo.

     A enfermeira voltou com uma bandeja de comida e a pôs sobre a mesa junto à cama.

     — Voltarei em poucos minutos. Necessita algo mais?

     — Não, ficaremos bem, Melanie. Obrigado.

     A enfermeira se foi e Andra tirou a cobertura metálica da bandeja de comida.

     — Parece um pouco de sopa de frango e purê de batatas. O que acha melhor?

     — As batatas, não. Muito espesso. Muito parecido…

     — Afaste esses pensamentos de sua mente. Enfoque-se em mim. Diga-me o que esteve desenhando ultimamente. — Andra verificou a temperatura da sopa com os lábios antes de levar a colher à boca de Nika.

     Nika fechou os olhos, inspirou profundamente e abriu a boca. Andra pôs uma pequena porção de sopa sobre sua língua, e imediatamente Nika começou a tremer. Seu corpo tremia e as lágrimas corriam por seu rosto. Paul podia ver o esforço que estava fazendo para engolir a sopa, mas não estava funcionando. A mente da pobre garota estava muito danificada, e não podia separar a comida real do sangue negro de seus delírios.

     Nika pegou o guardanapo e cuspiu a sopa.

     — Sinto muito, Andra. Sinto muito.

     Andra afastou a mesa e abraçou Nika.

     — De acordo. Tentou. Tentaremos de novo dentro de alguns minutos.

     Andra voltou a atenção para Paul. Esperava que o olhasse com raiva por espiar, mas em vez disso, seus olhos estavam implorando.

     — Pode ajudá-la como fez com Sammy? — perguntou.

     Paul se aproximou lentamente para não assustar Nika.

     — Quanto tempo está desta maneira?

     — Oito anos.

     Paul não tinha nem ideia de como tinha sobrevivido tanto. A maioria das pessoas não durava um ano depois de ser tocada pelos Synestryn.

     — Foi muito. Não acredito que possa ajudar, mas posso ser capaz de ajudar você a lhe dar de comer. Mas não será fácil.

     — O que posso fazer?

     Paul olhou para Nika, que o olhava com grandes olhos assustados.

     — Posso me aproximar mais? — perguntou a ela.

     Nika olhou para Andra, que disse:

     — É um amigo.

     Nika assentiu com a cabeça e Paul se moveu lentamente para o lado de Andra.

     — Dê-me sua mão. — disse a Andra, estendendo para ela a mão esquerda, que pulsava com o anel iridescente dos Theronai.

     Andra obedeceu e ele a sentiu tensa justo antes que uma onda de prazer girasse através deles partindo do ponto de contato. Ele viu os olhos dela dilatar-se e seus mamilos enrijecerem sob o tecido fino de sua camisa. Teve que lutar para conter-se e não apertá-la contra ele, ou inclusive melhor, atirá-la na cama, onde podia estendê-la e passar o tempo saboreando-a.

     Então se lembrou que Nika estava na cama e que necessitava de ambos enfocados. Paul afastou todos aqueles inapropriados pensamentos luxuriosos e esclareceu garganta.

     — O que posso fazer? — perguntou Andra.

     — Incline-se para mim. Ponha sua mão sobre a cabeça de Nika. Concentre-se na pele que nos une. Abra-se e não lute contra o que acontecer. Eu farei o resto.

     Paul não tinha acesso a terra, assim se enfocou no ar. Tirou dali pequenas faíscas de energia não maiores que bolinhas de pó. Tinha se esforçado muito recentemente e não tinha meditado o suficiente. Seu corpo tentou rechaçar o poder, afastá-lo para não ter que sofrer. Paul controlou seus instintos de autopreservação e os obrigou a ceder. A aceitar a dor. Sabia que não tinha muita força, e ainda menos tempo, mas rezou para que fosse suficiente para dar a Nika uma oportunidade.

     Em vez de tentar estabelecer uma conexão com Nika, usou a conexão que já tinha com Andra. Ambas se conheciam. Confiavam uma na outra. Nada do que pudesse dizer superaria alguma vez essa confiança. Deixou flutuar a energia através da mão, ao braço dela, cruzando seu peito, descendo pelo outro braço para Nika.

     Andra se retesou e sibilou um fôlego dolorido.

     — Está bem? —perguntou ele, lutando contra sua própria dor.

     — Apenas se apresse. — disse ela.

     Paul o fez. Renunciou a delicadeza e forçou o poder através da conexão de pele com pele até que tocou a mente de Nika. Assim que o fez, recuou, cambaleando pela agonia sombria que a mulher tinha sofrido. Nunca havia sentido nada como aquilo, e esperava nunca voltar a sentir. Era humana no exterior, mas no interior, era uma massa retorcendo-se pela tortura infligida pelos Synestryn. Não tinha nem ideia de como podia suportar o sofrimento. Não era de estranhar que a pobre não pudesse comer. Não estava seguro de que inclusive ele fosse capaz de ficar consciente se tivesse que viver com aquele nível de tortura. E Paul conhecia a tortura.

     Não havia maneira de que fosse capaz de meter-se em sua mente com sua limitada habilidade. Temia lhe causa um dano até mesmo maior. Tudo o que podia esperar era encerrar o horror o tempo suficiente para introduzir um pouco de alimento na mulher. Assim foi isso o que fez. Induziu a mente dela a dormir enquanto seu corpo ficava acordado. Fechou sua consciência com duras e inflexíveis ordens.

     Paul se separou de Nika tão rápido quanto foi possível. Tinha o corpo coberto por uma capa de suor frio e estava tremendo. Inclusive com o toque de Andra, tinha sido uma tortura.

     Nika estava danificada. Irrevogavelmente.

     — Oh, Deus. — exclamou Andra. — Como pode viver com isso?

     Paul forçou seu pescoço cansado a levantar a cabeça.

     — Viu o interior de sua mente? Isso não é possível.

     — Não, senti seu horror. Sua compaixão por ela.

     — Sinto muito. Não tinha me dado conta de que seria capaz de fazer isso. Se soubesse…

     — Sobreviverei. — disse Andra, seu tom de sombria aceitação. — Funcionou?

     — Acredito que sim. Tente alimentá-la agora, mas devagar. Sua mente está adormecida, assim não será capaz de prestar atenção ao que está fazendo. Ela se sufocará se for muito rápido.

     Andra levantou a colher de novo, e dessa vez Nika engoliu a sopa.

     — Está funcionando. — disse ela, oferecendo um sorriso de alívio a ele.

     As entranhas de Paul se retesaram em reação. Era a primeira vez que via seu sorriso, e não podia recordar ter visto algo tão belo nunca. Passaria a eternidade tentando fazê-la sorrir de novo, se lhe desse a oportunidade.

     O telefone celular de Paul zumbiu, uma advertência a tempo contra sua linha de pensamentos.

     — Vou atendê-lo na sala. — disse a ela.

     Saiu e atendeu ao telefone.

     — Sim?

     — Encontrei algo que deveria saber. — disse Nicholas.

     — Adiante.

     — Essa conta que me deu para transferir os recursos? Resulta ser parte de um fideicomisso de algum tipo estabelecido para pagar os gastos médicos de uma mulher chamada Nika Madison. Isto tem algum sentido?

     Paul olhou para trás para a porta do quarto de Nika. Um quarto particular em um lugar como aquele não podia ser barato. Era um lugar bonito. Tranquilo, elegante, bem administrado. Oh, sim, aquele lugar definitivamente custava uma fortuna.

     Uma estranha espécie de alívio o inundou ante a notícia. Andra não era a mulher faminta por dinheiro que tinha temido. Estava protegendo Nika.

     — Sim. — disse Paul ao telefone. — Tem um sentido perfeito.

 

     Andra deu quase toda comida a Nika antes que ela se deitasse e fechasse os olhos.

     Ela respirou deixando sair um suspiro de alívio e limpou a mancha de purê de batatas na comissura da boca de Nika. Nunca antes tinha visto nada como aquilo, mas outra vez, estava começando a pensar que havia muitas coisas que nunca tinha visto. Paul e seus amigos encabeçavam essa lista.

     Melanie entrou no quarto e olhou as terrinas vazias.

     — Conseguiu que comesse.

     — Paul ajudou. — disse ela, justamente quando ele voltou a entrar no quarto.

     — Seu noivo é um homem encantador é um bom sujeito. É realmente afortunada por encontrar um homem assim para se casar. É uma vergonha que não tenha me dito que estava comprometida. Nem sequer sabia que estava saindo a sério.

     Noivo? Ela abriu a boca para negar, mas antes que pudesse fazer isso, Paul disse:

     — Conhecemo-nos recentemente, mas quando é amor de verdade, por que esperar?

     Melanie observou Andra cuidadosamente, como se esperasse sua versão da história. Depois do que ele fez por Nika, não estava segura de chamá-lo mentiroso na frente de Melanie. De fato, queria lançar-se sobre ele em agradecimento pelo que tinha feito. Em vez disso, esticou-se e pegou a mão de Paul. Quente e vibrante o prazer percorreu seus membros e teve que esforçar-se para sufocar um tremor.

     Sua reação deve ter sido suficiente para convencer Melanie, porque ela apenas sorriu, felicitando os dois por sua iminente união, e deixou o quarto com a bandeja vazia.

     Andra tentou retirar a mão de modo que pudesse pensar corretamente, mas Paul não a soltou.

     — Noivo? — perguntou a ele.

     — Tinha que conseguir passar do balcão principal de alguma forma. — ele sorriu e ela se alegrou de vê-lo. Desde que tinha lhe pedido dinheiro, ele tinha olhado-a como se tivesse cometido algum crime atroz, e até agora, não tinha se dado conta de como sua má opinião a tinha preocupado.

     — Obrigado. — disse ela. — Parece que estou dizendo muito isso a você ultimamente.

     — É um prazer. — olhou para onde Nika estava dormindo. — Importa-se de me dizer quem é ela?

     Andra vacilou. Não conhecia aquele homem, contudo, ele acabava de sofrer para ajudar a única pessoa na terra que Andra amava. Devia mais a ele do que jamais poderia lhe pagar.

     — Minha irmã.

     Os olhos de Paul dilataram com uma espécie de desesperada esperança.

     — Perdoe-me se isto for uma impertinência, mas, compartilham os mesmos pais?

   Andra ficou tão surpresa pela estranha pergunta que não considerou sequer se devia responder a ele ou não.

     — Acredito que sim. Mamãe tinha um namorado que vinha visitá-la a cada poucos anos. Nunca o conhecemos, mas o amava. Dizia que ele estava no exército e que por isso nunca chegávamos a vê-lo.

     — No exército?

     Andra deu de ombros, negando-se a deixar que os transtornos de sua infância regessem sua vida atual.

     — Acredito que era uma história que mamãe inventou para que não o odiássemos. Acreditei durante alguns anos, mas finalmente comecei a ressentir-me com ele. Que tipo diabólico de pai não pode enviar sequer um cartão de aniversário ou chamar por telefone ao menos uma vez? Acredito que só era um folgado que deixou mamãe grávida e foi embora deixando que ela se arrumasse sozinha.

     — Parece que era um verdadeiro conquistador. — disse Paul, mas não havia fogo em seu tom, só especulação.

     — Acho que minha vida foi melhor sem ele, sabe?

     — Estou seguro que tem razão. — disse, mas não soou como se acreditasse nem por um minuto.

     — Sabe algo que não está me dizendo? — perguntou ela.

     — Sobre seu pai? Acredito que não.

     Nika deixou escapar um murmúrio em seu sono e Andra foi para seu lado.

     — Shh, pequena. Durma.

     — Estão se aproximando. — balbuciou Nika. — Os monstros estão se aproximando.

     O coração de Andra se rompeu e caiu por sua irmã.

     — Aqui está a salvo. Não deixarei que ninguém faça mal a você.

     A porta do quarto se abriu e Logan e Madoc entraram nele como se o lugar lhes pertencesse. Andra estava começando a questionar a segurança.

     — Como conseguiram entrar?

     Logan ignorou sua pergunta. Estava muito ocupado farejando o ar por algo. Madoc encolheu os enormes ombros e disse.

     — Quando o sol se pôs, Logan exerceu sua rotina do Homem Invisível e viemos direto para cá. Sem problemas.

     — Tornou-se invisível realmente? — perguntou Andra.

     — Não exatamente. — disse Logan. — É mais um truque da mente.

     — Quem é a menina? — perguntou Madoc. Ele olhava para Nika com muito interesse para comodidade de Andra.

     Angra deu um passo lateral para bloquear sua linha de visão.

     — Acredito que deveriam partir.

     Os olhos claros de Logan brilharam e se moveu para Nika como se flutuasse.

     — Nunca disse que tinha uma irmã. — respirou profundamente pelo nariz. — O sangue dela é tão puro quanto o seu. Posso cheirá-lo.

     Andra viu os círculos escuros de sangue na camisola de Nika.

     — Pode cheirar que somos irmãs? Isso é muito estranho para pôr em palavras.

     — Logan. — disse Paul em tom de advertência. — Volte a apagar esse inferno.

     — Ela tem muita dor. Só quero aliviar sua mente. — ele se esticou para Nika.

     O som de metal contra metal encheu o ar quando ambos, Paul e Madoc, tiraram as espadas, fazendo-as aparecer do ar. A espada de Paul foi para a garganta de Logan, a de Madoc a sua entreperna.

     — Toque nela e morrerá de maneira muito dolorosa. — grunhiu Madoc.

     Logan elevou as elegantes mãos para o ar e a sobrenatural luz nos olhos diminuiu.

     — A menina está sofrendo. Eu posso ajudá-la.

     Andra não tinha certeza do que estava acontecendo.

     — Pode ajudá-la? — perguntou Andra a Paul.

     Paul dedicou a Andra um rápido olhar.

     — Vai querer beber o sangue dela.

     — É a única maneira de diagnosticar e de encontrar a verdadeira causa de sua ruptura mental. — explicou Logan.

     — Não caia nisso, Andra. — disse Madoc. — Veja a maneira como a olha. Quer seu sangue e está utilizando a desculpa de ajudá-la como forma de consegui-lo.

     — Isso não é completamente verdade. Quero seu sangue, mas também quero ajudá-la. Apenas deixe que eu me aproxime dela para ver se posso lhe dar um pouco de consolo.

     Andra tinha doado seu sangue ao vampiro e isso não a prejudicou, fora um acesso de enjoo. Ele também havia unido seu braço quebrado. Se podia ajudar Nika, estava disposta a enfrentar o risco e deixar que ele se aproximasse dela.

     — Pode olhá-la, mas não pode fazer nada mais.

     — Como desejar. — aceitou Logan.

   Madoc não quis afastar sua espada. Provavelmente ia necessitar dela a qualquer segundo de uma maneira ou de outra. Logan era um maldito predador, e ele parecia ser o único que via isso.

     Madoc não gostava da ideia de Logan se aproximar da menina. Não podia vê o rosto dela dali, mas mal via seu volume na cama, estava tão magra. Só os ossos dos joelhos e os dedos dos pés se sobressaíam o suficiente para levantar o lençol.

     Logan deslizou para frente e Andra se afastou para dar lugar a ele ao lado da cama. Madoc teve um vislumbre do rosto da menina e percebeu que não era uma menina. Era uma moça, muito mais velha que os dez ou doze anos que pensou por sua esquálida figura.

     A mulher se mexeu e Andra pôs a mão sobre o braço dela.

     — Tudo bem, Nika. Ele está aqui para ajudá-la.

     Madoc grunhiu de desgosto. Ele não podia ajudar em nada.

     — A única pessoa a quem Logan vai ajudar é a Logan.

     — Basta, Madoc. — disse Paul. — Não vai lhe machucar por olhá-la.

     Logan pôs as mãos sobre a cabeça de Nika. Justamente quando fez isso, Nika abriu os olhos como se alguém tivesse acendido uma lâmpada. Sua pele estava mortalmente pálida, quase tão branca quanto seus cabelos. Seus olhos estavam abertos desmesuradamente com temor, os quais eram de um puro e brilhante azul igual ao céu de inverno. E ali havia muito azul, muito. Suas pupilas se contraíram até serem uns pontos.

     Ela bateu com força na mão de Logan afastando-a e escapuliu dele, encolhendo-se em um pequeno espaço contra a grade de proteção mais afastada da cama. A bolsa usada para a intravenosa se sacudiu em seu suporte quando girou rodeando o tubo.

     — Ele quer meu sangue. — sussurrou ela, contemplando Logan com terror. — Quer meu sangue, quer meu sangue, quer meu sangue. — uma e outra vez, suas palavras subiam mais e mais de volume.

     Andra se precipitou rodeando a cama para acalmar a irmã. Madoc decidiu que o tempo de Logan com a mulher tinha terminado. Agarrou o corpo magro do Sanguinar rodeando seu peito com um só braço e o arrastou cruzando o quarto. Empurrou-o para o banheiro, fechou a porta e segurou a maçaneta de modo que Logan não pudesse sair até que ele deixasse.

     A porta se sacudia quando Logan lutava contra o agarre de Madoc, mas não se movia. Logan não era um enfermo, mas Madoc era muito mais forte.

     — Isso não vai ajudar. — disse ele do outro lado da porta.

     De fato, evidentemente o fazia. Nika tinha se acalmado, e agora se agarrava ao pescoço de Andra, soluçando. Madoc nunca se importou muito com as lágrimas, mas estas tiravam o inferno de golpes, ao vê-las naqueles olhos assustados no rosto dela, quão único queria era matar algo, qualquer coisa contanto que se detivessem.

     Paul lançou a Madoc um olhar amargo.

     — Tem razão e sabe. Não pode ajudá-la daí.

     — A menina não quer sua ajuda. — disse Madoc. — Pergunte a ela.

     Paul caminhou até Madoc e disse a ele quase em um sussurro:

     — Ela não está lúcida. Logan a assustou. Isso é tudo.

     — Ela não quer que ele tome seu sangue. No que a mim concerne, isso a faz a pessoa mais lúcida deste quarto.

     Paul sacudiu a cabeça e se virou.

     — O que quer fazer, Andra?

     Ela olhou por cima do abraço. As lágrimas corriam por sua face, e os olhos tão parecidos com os de Nika estavam cheios de dor.

     Algo nisso devastou Madoc. Ele teria pensado que era compaixão, mas certamente não restava nenhuma.

     — Não suporto vê-la assim transtornada. Vai adoecer depois que finalmente conseguimos que comesse algo.

     — De acordo. — disse Paul. — Que tal se esperássemos até que se acalme e lhe contássemos o que está acontecendo. Talvez se souber quem é Logan, não tenha medo dele. Ela não me temeu.

     — Porque você não quer beber seu sangue, idiota. — disse Madoc.

     Andra fungou e assentiu, ignorando aos dois.

     — Vale à pena tentar.

     — Os monstros se aproximam. — disse Nika. Sua voz partida quando falava, e Madoc teve uma quase incontrolável urgência de fazer uma visita a Logan no banheiro e sacudi-lo um pouco.

     — Shh, bebê. Os monstros não podem pegar você aqui. — disse Andra.

     Nika levantou o rosto molhado pelas lágrimas. As bochechas estavam fundas sob a pele.

     — Agora sabem onde estou. Eles me veem. E a você.

     — Não, não o fazem. Está a salvo aqui.

     — Não estou louca, Andra. Estão se aproximando.

     A pequena não parecia louca. Triste, assustada, cansada, é óbvio. Mas não louca.

     Madoc olhou pela janela para a grama verde de debaixo. Estava muito iluminado, e não viu nada, mas isso não queria dizer merda alguma.

     — Há sangue em sua camisola. — disse ele. — Se ela for uma de nós, eles possivelmente são capazes de cheirá-la.

     Nika virou a cabeça e o olhou pela primeira vez. Quando seus olhos encontraram os dele, sentiu como se tivessem dado um murro em seu estômago. Agarrou-se ao marco da porta para sustentar-se.

     Quem quer que fosse ela, tinha poder. Quase podia vê-lo flutuando a seu redor.

     Matando-a.

     Não tinha certeza de como sabia que esse era o caso, mas sabia, profundamente. Até seus ossos; da mesma maneira que sabia que sua alma se decompunha em um montão de cinzas mais e mais a cada dia que passava, e não havia uma maldita coisa que pudesse fazer.

     Logan abriu a porta detrás dele. Madoc se moveu de modo que Nika não pudesse ver o chupa sangue.

     — Sua proteção natural deveria mascarar a essência de seu sangue aos Synestryn. — disse Paul.

     — Não se ela souber a respeito deles.

     Paul perguntou a Andra:

     — Nika sabe sobre os Synestryn?

     Andra deu um trêmulo assentimento.

     — Atacaram-nos quando éramos crianças.

     Logan aspirou profundamente, cheirando o ar.

     — Nika tem razão. Os Synestryn estão se aproximando. Rapidamente.

     Madoc se preparou e deixou que um sorriso cobrisse seu rosto. Finalmente, algo que poderia matar.

     — Temos que sair daqui. — disse Paul.

     Andra sustentou o rosto de sua irmã contra o peito.

     — Não sem Nika.

     — Claro. Pode levá-la? — perguntou Paul a Angra.

     Ela assentiu e tirou a bolsa de soro do suporte.

     — Vamos, Nika. Você e eu vamos dar uma volta. — estendeu a bolsa para sua irmã e a apanhou com os fortes braços.

     Andra estava destroçada, e Madoc ficou um momento desfrutando da visão antes de tirar sua arma.

     — Ocuparei-me da frente.

     — Eu fecharei a retaguarda. — disse Paul. — Logan. Vai ter que resguardar a todos de serem vistos. Está forte o bastante?

     — Sim. — disse Logan, embora não parecesse convencido. Agora estava ficando perto de Paul, como se o preocupasse que ele possivelmente necessitasse de um guarda-costas.

     Maldito sanguessuga.

     — Terá que deixar a camisola ensanguentada para trás. — disse Logan.

     — Todos, virem-se. — ordenou Angra.

     Madoc o fez, assegurando-se que os outros também o fizessem. Ele ouviu uma gaveta abrir e fechar-se e o suave roce do tecido. Então o uivo de um sgath atravessou a noite, alto o bastante para que Madoc pudesse ouvi-lo através do vidro.

     Os Synestryn estavam perto.

     — Já estamos prontas. — disse Andra. — Vamos.

     Madoc girou os ombros e saiu pela porta, preparado para chutar traseiros.

     Andra sustentava Nika perto dela enquanto saíam correndo do edifício. Assombrosamente, ninguém pareceu perceber o avanço deles. Era como se fossem invisíveis, justamente como Madoc havia dito. Não só isso, os guardas abriram todas as portas para eles sem que houvessem feito o pedido. Ela não tinha ideia do que pensar exceto que Logan devia estar utilizando algum tipo de truque de controle mental. Era melhor não pensar muito no que ele poderia fazer com aquele tipo de poder.

     Nika se agarrava a ela com os débeis braços, tremendo e escondendo o rosto contra o pescoço de Andra. Ela agora estava coberta com uma camisola limpa, mas Andra tinha visto em que se converteu o corpo de sua irmã quando a ajudou a trocar-se. O pobre corpo de Nika era um esqueleto coberto por uma flácida e pálida pele. Seu ventre estava fundo e suas costelas e ossos dos quadris eram grotescas protuberâncias, que quebraram o coração de Andra. A única coisa reconhecível em seu corpo era a marca de nascimento em forma de anel sobre seu ombro esquerdo, a mesma que Andra tinha.

     Andra agarrou-se a cada grama de vontade para não romper em lágrimas ante a visão da silhueta perdida de sua irmã. Fez ela se perguntar como era que Nika ainda estava viva. Por que os médicos não haviam feito algo antes? Por que tinham esperado até que estivesse assim tão mal antes de forçá-la mais drasticamente. Seu estado psicológico era pior que seu estado físico para que não tivessem notado isso?

     Não tinha respostas, mas estava segura como o inferno que ia encontrar alguma.

     Eles se apressaram a entrar no estacionamento, e pelo canto do olho, Andra viu um movimento. Sustentou Nika com mais força e apressou os passos. Os uivos daqueles demônios se tornavam mais altos à medida que se aproximavam, e estava segura que virtualmente podia ouvir os sons de suas garras arranhando o pavimento.

     — Teremos que enfrentá-los aqui. — disse Logan por detrás dela.

     — Entre na caminhonete e vá. — ordenou Paul a Andra.

     Ela pensou em lhe dizer que não iria sem ele, mas a verdade era, que faria o que fosse para pôr Nika a salvo. Ele era um cara enorme, e sabia de primeira mão que era capaz de cuidar de si mesmo.

     — O que vai fazer?

     — Matar aos fodidos bastardos. — disse Madoc.

     A voz de Paul veio de trás dela, forte e penetrante.

     — Não se preocupe. Estaremos justo atrás de você.

     Ele pressionou o dedo contra seu braço nu por um momento e ela sentiu um golpe de energia saltar para seu interior, igual à eletricidade estática, só que esta não doía. Em vez disso, uma estranha sensação de paz se estendeu sobre a pele, fazendo-a sentir-se a salvo e protegida.

     Ela olhou para baixo e viu uma brilhante marca, vermelho sangue, sobre a pele onde ele a tocou.

     — O que é isso?

     — Uma marca de sangue. Agora serei capaz de encontrar você, onde quer que vá. — disse Paul. Algo em seu tom, a maneira que disse as palavras, comunicou a ela que isso era tanto uma declaração como uma promessa. Ele a encontraria.

     — Eles estão aqui. — murmurou Nika.

     Andra não parou para perguntar a ela se tinha certeza. O tremor em seu corpo dizia a Andra que tinha. Como sabia era outra história, uma para a qual não tinha tempo agora.

     Paul adotou uma postura de luta entre ela e a direção dos uivos. Ele deu um último olhar, então se afastou. Andra teve que conter a urgência de voltar e lutar ao seu lado. Ela pertencia a aquele lugar. Sabia que era verdade, embora não tivesse ideia de como sabia. Isso parecia estar acontecendo muito naquela noite.

     Andra colocou Nika dentro do carro, saltando para o assento do motorista, pôs o motor em marcha e se afastou. Pelo espelho retrovisor, viu meia dúzia daquelas coisas peludas nas sombras e investindo contra os homens. A espada de Paul cintilou sob as luzes do estacionamento lotado quando subjugou radicalmente um dos demônios, seu corpo forte e fluido enquanto se movia através do pavimento. Poderia ficar olhando-o durante horas e não se aborrecer. Ele fazia a luta parecer tão fácil, sem esforço. Quase bonita.

     Andra bateu na calçada e pôs de novo toda a atenção em conduzir. Não voltou a olhar para trás. Nika estava a salvo. Isso era o suficiente.

     Mas não era. Sentia como se estivesse abandonando as únicas pessoas sobre a terra que tinham lhe dado a mais leve esperança de salvar sua irmã da loucura. Para não mencionar que deixava para trás um homem que fazia seu corpo ganhar vida cada vez que a tocava. Tão egoísta como era sequer considerar colocá-lo na equação, fez isso. Queria mais tempo com ele para descobrir o que ele tinha que a atraia e fazia seu coração palpitar.

     — Vão morrer. — sussurrou Nika. — Há muitos monstros. E estão chegando mais.

     Andra olhou para os lados.

     — Não sabe.

     — Sei. Estão se aproximando, Andra. Sinto muito. — Nika parecia tão lúcida quanto ela, não que isso dissesse muito. — Por favor, temos que retornar.

     A mão de Andra se fechou com força sobre o volante de modo que não pudesse fazer nada estúpido e voltar.

     — Não posso arriscar. Você está muito fraca.

     — Por favor, Andra. Voltemos.

     — Você é mais importante.

     — Necessitamos deles.

     Merda. Talvez tivesse razão.

     Os nódulos dos dedos de Andra estavam brancos e o corpo tenso pela indecisão. Havia muito em jogo. A vida de Nika pendia na balança sem importar o que fizesse. Se voltasse, possivelmente os monstros a despedaçariam; mas se Andra não voltasse e os homens fossem massacrados, então Nika possivelmente passaria o resto de sua vida gritando de medo. Ao menos até que morresse de fome.

     — Por favor, Andra. Necessito dele.

     O tom de rogo em sua voz fez Andra finalmente decidir. Não foi capaz de fazer muito por sua irmã há oito anos. Em todo esse tempo, Nika nunca tinha pedido nada a Andra até agora. Isto era algo que podia lhe dar, e inclusive se fosse a escolha equivocada, era melhor que golpear o inferno e deixá-la morrer de fome. Não? O céu sabia que não gostava da ideia de que os homens que deixou para trás morressem. Para não mencionar o que aconteceria as pessoas do hospital se os monstros conseguissem entrar.

     Onde estava a camisola ensanguentada de Nika.

     — Ponha o cinto e se segure. — disse Andra.

     Estavam em uma estrada larga que levava a uma rua principal. Os únicos que trafegavam ali fora eram os granjeiros e as pessoas que se dirigiam ao hospital. Andra deu um giro de cento e oitenta graus e apertou o acelerador. A caminhonete virou chiando os pneus e se dirigiu de volta a colina.

     — Dê-me a minha escopeta. Está sob o assento.

     O estacionamento lotado estava diante. A luta ainda estava no auge. Parecia que Paul e Madoc tinham derrubado a três das quatro daquelas coisas. Não tinha certeza do que Logan estava fazendo, mas estava trabalhando com esforço permanecendo totalmente imóvel com as mãos levantadas e algum tipo de luz emanava desta, pulverizando-se contra a parede mais próxima do hospital. Alucinante.

     Andra pegou a arma que Nika lhe oferecia e disse:

     — Para o chão! E fique aí.

     Nika fez, mas Andra ouviu seu aterrador cântico:

     — Estão se aproximando, estão se aproximando, estão se aproximando…

     Já que tinha as mãos ocupadas para baixar a janela, Andra utilizou a culatra da arma para quebrar o vidro da janela do lado do motorista. Limpou os vidros o suficiente para tirar o canhão.

     Apareceram três daquelas coisas como escaravelhos, e estavam apinhados em um pequeno e encantador grupo.

     Andra apagou as luzes da caminhonete e apertou o acelerador para eles. Eles não a viram vir até que foi muito tarde. Acelerou e jogou a frente da caminhonete diretamente contra eles. As coisas se dispersaram igual a boliches. Um deles passou sob as rodas e fez que a caminhonete lançasse um desagradável ruído, o exoesqueleto se destroçou sob a roda.

     Executou outro duro giro, quase batendo em um BMW no estacionamento lotado, e virou por mais, apenas para caso deles não permanecerem no chão.

     — Está bem aí embaixo? — perguntou a Nika.

     — Sim. — disse, mas não parecia bem. Parecia como se estivesse desejando uma bolsa para vomitar.

    — Só aguente. Estamos quase lá.

     De seu ângulo, tinha uma fantástica vista de Paul e Madoc fatiando monstros, seus braços fortes e suas costas musculosas trabalhando quase em uníssono. Essa era uma bela vista para se contemplar. Puro combustível para as fantasias femininas.

     Ela afastou os olhos e se concentrou em seu trabalho. Uma das coisas em que ela bateu voltou a se levantar. Ele expelia uma matéria verde por uma brecha em seu peito, o que ela apreciava. Andra se armou e disparou naquela fenda, esperando que seu disparo fosse capaz de arrebentá-lo. A coisa explodiu igual a um melão de água cheio de dinamite. Voou em um montão de pedacinhos, tornando necessários os limpadores de para-brisas. Pedaços da carne verde sujavam o vidro, e seu estômago revirou.

     Andra engoliu para manter o controle. Agora não tinha tempo para adoecer, o estômago teria que esperar.

     Ela observou a área, mas tinha ficado sem objetivos. Os homens fizeram seu trabalho e agora estavam perto de uma pequena montanha de peles negras que emanava sangue negro.

     Nika não podia ver isso. Ainda estava muito frágil para enfrentar uma visão tirada diretamente do horror de sua própria mente.

     — Permaneça abaixada, bebê. — disse a Nika. — Estaremos fora daqui em um segundo.

     Ela conduziu a caminhonete para os homens que estavam limpando suas espadas. Logan parecia mais pálido e magro que antes, mas por outro lado, parecia estar bem. Paul respirava com força, mas não estava ferido. Madoc, por outro lado, tinha uma feia incisão em sua coxa.

     — Retornou. — disse Paul. Isso soou como uma acusação, mas estava disposta a deixá-la passar.

     — Não podia deixar que ficassem com toda a diversão.

     Madoc grunhiu para ela.

     — Saia daqui. Não é seguro.

     — Ele tem razão. — disse Paul. — Seu sangue só atrairá outras dessas coisas.

     — Estão perto. — sussurrou Nika de onde estava agachada.

     Desta vez, Andra acreditou.

     Madoc grunhiu igual a algum tipo de animal selvagem, então disse:

     — Vocês dois vão com elas. Eu os manterei entretidos.

     Nika agarrou-se a cabeça e começou a cantarolar.

     — Não, não, não, não…

     — Vá segurá-la e cuide dela. — ofereceu Paul. — Eu conduzirei.

     Andra ficou agradecida por isso. Puxou Nika para seu colo, assegurando-se que seus olhos estavam cobertos e que sua intravenosa permanecia em seu lugar. Logan meteu-se no lado do passageiro. A verdade é que não parecia bem. De fato, tinha a mesma aparência que quando Madoc o levou a seu apartamento — magro, pálido e trêmulo.

     Paul se adiantou, deixando Madoc para trás.

     — Vai ficar bem? — perguntou Andra.

     — Se continuar movendo-se, ficará bem. — algo em seu tom dizia que desejava que assim fosse. — Logan, alguém no hospital nos viu?

     — Não. — sussurrou Logan em um cansado suspiro. — Eu os defendi.

     Assim era isso o que estava fazendo lá fora. Santo Deus. Isto estava se tornando mais estranho a cada momento. Tinha a coisa de saber que os monstros eram reais, soube disso há anos, mas magia? Isso era um pouco mais difícil de digerir.

     E fazia que muitas coisas tivessem sentido, considerando as coisas que viu na década passada.

     Toda sua percepção do mundo mudou nesse momento, e foi como se ela estivesse olhando de repente entre os bastidores todos os mecanismos que aconteciam por trás das cenas. Inclusive havia muito mais do que sabia. Não tinha certeza se realmente queria saber nada mais. Sua vida já era bastante complicada como estava.

     — Aonde vamos agora? — perguntou Andra.

   Paul dedicou a ela um rápido olhar, então olhou para Nika. A compaixão saltou em seu cenho e sacudiu a cabeça.

     — Se vier para casa conosco, talvez sejamos capazes de ajudá-la.

     Nika ainda estava cantarolando:

     — Não, não, não…

     Andra não podia suportar vê-la assim. Se tivesse o poder de fazer algo para ajudá-la, teria tentado. Não importava quanto não queria se aprofundar naquele novo mundo de magia que tinha descoberto. Era a irmã mais velha de Nika, e faria o que tivesse que fazer para que ficasse boa de novo.

     Andra afastou os cabelos brancos do rosto de Nika, esperando consolá-la.

     — Essa é uma possibilidade.

   Madoc se assegurou de deixar um rastro de sangue atraente e fácil de seguir enquanto se afastava do campo de visão do hospital mental. Nenhum daqueles trabalhadores do interior precisava ver o tipo de coisa com quem ele combatia. Então suas mentes acabariam realmente fodidas.

     O hospital era encantador e isolado, o que queria dizer que havia um montão de granjas lá fora, todo emoldurado pelo crescimento das grossas árvores. Encontrou uma área escura e isolada para lutar antes de deter-se.

     Seu corpo cantarolava com poder. Este golpeava contra seus olhos e arranhava suas veias tentando sair. Diabos, sentia-se como se fosse despedaçar-se por isso se não fizesse algo logo, e aquela pequena escaramuça não tinha sido sequer um desafio. Graças a Deus a noite era jovem. Tinha horas de escuridão antes que todos os Synestryn voltassem a se confinar nos buracos em que viviam e não fosse capaz de encontrá-los e matá-los.

     Madoc arrancou a camiseta e a amarrou ao redor do ferimento na coxa para deter a hemorragia. Não queria perder sangue enquanto ainda tivesse lutas para enfrentar. Necessitava de cada grama de esforço que pudesse conseguir para diminuir a fodida dor que moía seus ossos. Para não mencionar que se a deixasse sair, isso seria a última coisa que faria. Literalmente.

     Talvez isso não fosse tão ruim. Não havia maneira de que a morte pudesse doer mais que a vida. De nenhuma fodida maneira.

     Um profundo grunhido sacudiu a terra. Os demônios se aproximavam. Tinham encontrado seu aroma e estariam ali a qualquer minuto.

     Bem. Mal podia esperar.

 

     Nika sentiu a fome dos monstros. Sua excitação.

     Não queria ir com eles, mas não tinha escolha. Um fragmento de sua mente estava dentro deles, arrastando-a para sua caça.

     Tentou pensar em outra coisa, mudar o canal de sua cabeça para ficar na caminhonete com Andra, sã e salva no colo de sua irmã. Gostava daquela parte de si mesma. Apesar de haver estranhos na caminhonete com ela, e que um deles queria beber seu sangue, estava melhor que nos outros lugares em que estava neste momento.

     Tantos lugares. Tantos monstros. Não podia seguir a pista deles. Sua mente se partiu em muitos pedaços e já não podia sentir se restava algo de seu ser real.

     Nika viu através dos olhos de um grupo de sgath como caçavam. Sentiu a relva úmida sob suas patas e o ar quente da noite agitando sua pele. Suas garras se cravavam profundamente na terra a cada poderoso e longo passo do corpo. A presa estava perto. Podia cheirar seu sangue, rico em poder.

     Seu ventre rugiu de fome e a boca encheu de água, jorrando brilhante saliva sobre o chão a sua passagem. Estava perto. Podia ouvir o lento batimento constante de sua presa.

     Seu grupo abriu passagem através das árvores e viu então o que caçavam. Tinha uma espada e usava o luminescente colar que o marcava como um Theronai, um guerreiro que queria matá-la e liberar à terra de todos os de sua espécie.

     A parte de Nika que sabia que era humana apoiava o homem, o mesmo homem que antes esteve perto de sua cama no hospital. Mas a parte de Nika que era uma besta grunhia de ódio. Ia afundar os dentes na carne e engolir seu sangue antes que pudesse ser absorvido pela terra e se desperdiçasse.

     Outros pedaços dela se abrigavam no interior de mais três sgath quando arremeteram contra o homem. Viu o ataque de todos os ângulos ao mesmo tempo e sua mente humana teve que lutar para converter as imagens em algo que pudesse traduzir. Era muita informação. Muito ódio e raiva vindos de todos os lados. Não queria ver a morte do homem, mas se ficasse entre os sgath, temia o que ia acontecer.

     O homem olhou para um par de olhos quando ela se lançou em sua garganta. Não a reconheceu. Não sabia que isto não era o que ela queria. Não queria vê-lo morrer.

     Ele nem sequer pareceu mover-se, mas ela sentiu o metal de sua espada deslizar por seu ventre. Aterrissou fortemente no chão e suas vísceras gotejaram para fora pela abertura. Suas patas estavam fracas e não podia empurrar todos os seus órgãos de volta ao interior. Seu próprio sangue cheirava a comida e estava tão faminta. Sabia que era inútil e que estava morrendo, mas não podia deixar de lambê-lo do chão enquanto sangrava.

   De volta ao interior da Nika real, seu estômago se rebelou ante o sabor ácido do sangue e o denso aroma de podridão do mesmo. Empurrou-se para fora da mente da coisa, só para encontrar-se presa dentro de outra. Estava se escondendo do homem, esperando para golpeá-lo assim que lhe desse as costas.

     Apenas os anos de prática permitiram que ela se retirasse para seu corpo real.

     Deus, estava tão fraca. Mal podia levantar a cabeça.

     — Ele está com problemas. — conseguiu dizer.

     — Quem? — perguntou Andra.

     — O Theronai que estava com você esta noite.

     — Não conheço nenhum Theronai, bebê. — disse Andra com a paciente e gentil voz que sempre utilizava com sua irmã louca.

     Nika tinha vontades de gritar que não estava louca — sua mente só estava quebrada em mil fragmentos que viviam dentro de outros — mas sabia por experiência própria que nunca funcionaria. Quando gritava, os assistentes vinham com agulhas e punham sua mente real para dormir para que não tivesse nenhum lugar para onde se retirar. Nenhum lugar para se esconder.

     Sonhar era uma horrível colagem de sangue, fome e guerra, com a mente presa dentro de tantos monstros. Mas isso não era o pior. Não podia mais suportar estar com Tori. As coisas que fizeram a ela foram horríveis. Desumanas. Nem sequer era Tori realmente, era o sombrio e retorcido objeto que os Synestryn planejavam utilizar como arma.

     Mas Nika tinha prometido a Tori que não a abandonaria, assim não podia. Nenhuma só vez em todos aqueles dolorosos e longos anos.

     — Tem que o advertir. — disse Nika. — Há um sgath escondido perto. Detrás dele.

     — De que demônios está falando? — perguntou Paul. — Como sabe sobre os Theronai e os sgath?

     — Não tenho nem ideia. — disse Andra. — Mas o que sei, é que esteve completamente certa toda a noite. Sugiro a você que a escute.

     A caminhonete freou e depois se deteve. Nika se obrigou a abrir os olhos, apesar de o esforço ser quase maior do que podia suportar. Sentia-se como um balão murcho, vazia e inerte. Inútil.

     — De quem está falando, bebê? — perguntou Andra.

     — O homem. Com você.

     — Madoc?

     O nome parecia o correto em sua mente, como se o vento que rugia dentro dela de repente se acalmasse e ela ouvisse a si mesma pensar de novo.

     — Sim. Madoc. Está com problemas.

     — Como sabe, filha? — perguntou uma nova voz.

     Virou a cabeça para ele e viu uma débil luz prateada proveniente do interior de seus olhos.

     Ela conhecia aquela luz. Aquela fome. O pânico lhe deu forças e se revolveu afastando-se do monstro.

     — Ele quer meu sangue. Não o deixe tê-lo.

     — Não vou machucar você. — disse ele.

     — Mentiroso, mentiroso, mentiroso.

     Oh, Deus, estava se perdendo, estendendo-se na noite, de volta às mentes dos monstros que perseguiam e assassinavam, e empurravam seus pecados em sua alma cada vez que o faziam.

     Chamou Tori para que a ajudasse, mas não houve resposta, e não pôde encontrar a mente de sua irmã caçula entre todas as demais. Eles puxavam-na, esticando-a em mil finos fios até que esteve segura que se romperia. Não podia suportar mais. Tinha que parar de lutar. Renunciar. Deixar que a tivessem.

     Nada mais lhe importava. Faria qualquer coisa para detê-los, mesmo que quebrasse sua promessa a Tori.

     — Sinto muito. — ouviu-se sussurrar. Era um bom som, sua própria voz real saindo de sua própria boca. Podia levar aquele som com ela e ficar em paz. —Sinto muito.

     Nika desabou nos braços de Andra. Sua respiração era laboriosa, e Andra pôde ver o rápido batimento de seu coração em sua veia ao longo da têmpora.

     — Está morrendo. — disse Logan.

     A indignação e o rechaço se elevaram em Andra, consumindo-a.

     — Não! — gritou. — Não está. Vai ficar bem. A bolsa da intravenosa está vazia. Isso é tudo. Necessitamos de outra.

     Rezava a Deus para que fosse verdade. Não podia perder Nika, também. Se perdesse, não teria mais ninguém. Sem família. Sem amigos.

     A mão de Paul ficou sobre seu braço, e a calidez e a compaixão caiu como uma manta sobre sua pele. Queria meter-se em seu colo e ficar ali, onde se sentia bem. Protegida. Onde Nika estaria a salvo.

     Mas era artificial. O que quer que fosse aquela coisa entre eles, não era real. Só um pouco de magia, provavelmente projetada para enganá-la. E inclusive se não fosse, não podia fazer uma maldita coisa por Nika.

     Andra puxou sua irmã para perto e a balançou. Tentou pensar em uma maneira de acalmá-la, mas nada lhe veio, nem sequer a débil lembrança de uma canção que estivessem acostumadas a cantar. Nada.

     — Precisamos chegar a um lugar onde possa descansar e comer. — disse Logan. — Está muito fraca para viajar.

     — Há uma casa Gerai não muito longe daqui. Iremos para lá.

     Não sabia o que era uma casa Gerai, mas acreditava que Paul sabia o que estava fazendo.

     — O que acontece a Madoc? — perguntou Andra. — Deveríamos ao menos fazê-lo saber o que ela disse.

     O corpo de Paul se moveu quando tirou o telefone celular e marcou. No silêncio da cabine da caminhonete, pôde ouvir o profundo som da voz de Madoc através do plástico fino.

     — Um pouco ocupado. — ofegou.

     — Nika disse que estava em perigo.

     Houve um grunhido e um monstruoso grito de dor.

     — Não, merda. Diga-me algo que não saiba.

     — Disse que há um sgath ai, escondido detrás de você.

     — Como demônios ela poderia..? Espere. — uma série de selvagens grunhidos encheu a linha, depois silêncio.

     — Madoc? — disse Paul. — Está aí?

     Sem resposta.

     — Madoc? — olhou para Andra e negou com a cabeça.

     Um agudo grito de dor encheu a linha. Parecia como se alguém tivesse dado um pontapé em um cão.

     — Sim, estou aqui. Encontrei o sacana. Matei-o.

     — Retiramo-nos por esta noite. Pode nos alcançar?

     — Continuo sangrando.

     — Então estanque a hemorragia e una-se a nós.

     — Por quê?

     — Porque seria agradável ter outra espada por perto cuidando das mulheres.

     Andra quase disse que podia cuidar-se sozinha, mas conteve aquela estúpida mentira autoindulgente. Quanto mais espadas tivessem entre Nika e aquelas coisas lá fora, melhor.

     — Tinha planos. — disse Madoc.

     — Mudou-os, não é mesmo?

     — Merda. Está bem. Irei me limpar no lago e logo me reunirei com vocês. Suficientemente bom?

     — Sim. Obrigado, homem.

     Madoc não se incomodou de responder. O cara não era exatamente o senhor Amistoso. Andra estava contente de que estivesse de seu lado.

     Paul instalou as mulheres em um dos quartos da casa Gerai. Como tantas outras casas, esta era isolada, longe dos vizinhos curiosos. Era um rancho de três quartos, abastecido com alimentos, roupas e produtos de primeiras necessidades, qualquer coisa que pudessem necessitar para se proverem de combustível e protegerem a si mesmos ou a qualquer humano do que poderia ser um longo passeio. Como esses lugares de refúgio eram mantidos pelos seres humanos puros-sangues conhecidos como Gerai, o termo pegava.

     Paul nunca esteve tão contente antes de ter um lugar seguro por perto. Nika não parecia bem.

     Andra colocou Nika sob as mantas, então se deitou ao seu lado e a sustentou com força. Nika parecia tão frágil ao lado de Andra, como se uma palavra dita com muita dureza quebrasse seus frágeis ossos.

     Inclusive se fosse uma Theronai como Andra, não poderia seguir adiante durante muito mais. Precisavam introduzir um pouco de comida nela e tirar a intravenosa de seu braço sem que sangrasse por toda parte. Realmente não necessitavam atrair mais Synestryn.

     Andra acariciou os cabelos de sua irmã e sussurrou para ele em uma voz tão baixa que Paul não a escutou. Independentemente do que dissesse, seu corpo estava rígido com tenso desespero.

     Andra devia saber o quanto Nika estava mau, inclusive se não quisesse admitir. Seu temor a delatava. Ele podia vê-lo no modo que seus dedos tremiam quando os passou na cabeça de Nika, o modo em que seus olhos olhavam freneticamente a magra forma de sua irmã como se estivesse procurando uma maneira de restaurá-la.

     Paul teve que apertar os dentes para impedir-se de ir a Andra. Queria consolá-la, colocá-la entre seus braços e protegê-la de todas as coisas ruins da vida. Irônico. Em sua linha de trabalho, era tudo o que tinha para oferecer. Nada mais que só uma ilusão temporária.

     Obrigou-se a sair do quarto e fechar a porta. Necessitava que Logan olhasse Nika e visse se havia algo que fazer por ela, não importava o pouco que fosse. Agora que estava adormecida, ao menos, não podia assustá-la.

     Logan estava lá fora, no pátio dianteiro da pequena casa, farejando o ar. A escuridão parecia fechar-se em torno dele, mas lhe caia bem. Pertencia ao lugar, lá fora, no meio da noite. Todos os Sanguinar pareciam estar mais à vontade na escuridão.

     Paul não entendia, mas chegou a aceitar isso ao longo das décadas. Preferia muito mais estar deitado em alguma praia inundada de sol, mas isso não estava nas planos para ele. Não podia fazer nada mais durante o dia que um boiadeiro em seu trabalho no meio de Manhattan. Isso, simplesmente, não ia acontecer.

     — Estamos tranquilos? — perguntou Paul.

     — Sim. Por enquanto.

     — Deveria ir ver o que pode fazer por Nika enquanto está dormindo.

     Logan não se virou. Continuou olhando para a noite.

     — Não há nada que possa fazer. Está morrendo.

     Os olhos de Paul se fecharam de dor. Pobre Andra. Amava muito a irmã. Podia ver isso em cada movimento que fazia. Nika era seu mundo, e ia perdê-la.

     O que fosse, tinha que ajudá-la a passar por isso. Estar lá para ela.

     — Por que está morrendo?

     — Não posso dizer isso a você sem tomar seu sangue, e está muito fraca para isso.

     — Não pode fazer nada? Ajudar a mantê-la durante um pouco mais de tempo para que possa ficar mais forte?

     — Por que deveria me importar com o que acontece com uma só alma? —perguntou Logan.

     Não se incomodou de recordá-lo que provavelmente Nika não era humana.

     — Não se importa?

     Logan se virou e olhou para Paul com aqueles olhos gélidos.

     — Não. Por que deveria? Foi criada como uma humana. Eles não se preocupam em nada com os de minha espécie. Chamam-nos de vampiros. Viu os filmes que fizeram sobre a minha gente? As mentiras que dizem a seus filhos sobre nós, como se fôssemos caçar a sua espécie até a extinção?

     — Eles são seu alimento. Isso faz qualquer um se sentir um pouco incômodo, não lhe parece?

     — Só tomo seu sangue. Esperava que esse fato os tranquilizasse se parassem para pensar um só momento. Por que eu ia matar algo que necessito para sobreviver? Seria como um agricultor que destruísse sua horta para colher mais frutos nesse mesmo ano.

     Uma repentina compressão chegou a Paul, uma que nunca tinha considerado inclusive.

     — Está ressentido com eles. Os humanos. Não é verdade?

     — É óbvio que não.

     — Está, está de saco cheio porque necessita deles. Ou de nós. Tenho que admitir, eu também estaria um pouco zangado, se dependesse tanto de outra pessoa.

     Logan bufou.

     — Diz isso como se não necessitasse de uma mulher para viver.

     Talvez Andra.

     Paul reprimiu um calafrio de emoção e encadeou suas necessidades até que se acalmaram. Ia ter que averiguar o que era essa coisa entre eles, mas não era o momento. Tinha coisas mais importantes em que pensar.

     — Necessito de uma mulher, mas vivi por mim mesmo durante um longo tempo. Você nunca o fará.

     — Basta disto. — Logan o empurrou passando por ele. — Vou entrar.

     — Tudo isto faz que tenha muito mais sentido. Vocês, os Sanguinar, não são totalmente sombrios e inquietantes. Está fazendo cara feia. Você não gosta das regras e não pode mudá-las, assim está fazendo cara feia.

     — Não sabe nada do que se sente sendo de minha espécie. Deixe de fingir que o faz.

     — Estou equivocado?

     Antes que Paul o visse chegar, Logan o agarrou e empurrou contra a porta. Logan estava fraco pelo esforço, mas inclusive débil, estava forte o suficientemente para fazer que Paul prestasse atenção.

     Podia sentir as bordas da pequena janela pressionando suas costas assim como os ossos do antebraço do homem tirando seu ar.

     — Não estamos fazendo cara feia. Estamos morrendo. Mais dois de meus irmãos morreram enquanto você dormia. Morreram de fome porque não há comida para nós e, entretanto, sua gente nos olha como se fôssemos abutres, ressentidos conosco pelo sangue que devemos tomar para viver.

     Paul manteve as mãos separadas de sua espada em um esforço de força de vontade. Não queria cortar a única pessoa nos arredores que poderia ser capaz de salvar Nika. Decidiu ser um homem mais magnânimo que isso e levantou as mãos em rendição.

     Logan o deixou ir, mas Paul ia levar uma contusão no pescoço durante dias, estava seguro.

     — Quer mais sangue? — grasnou Paul. — Tudo bem, tome um pouco do meu, mas o use para salvar a garota.

     Os olhos de Logan se iluminaram e uma fome predadora dilatou suas pupilas.

     — Dê-me seu braço.

 

   Logan entrou no quarto sem bater, fazendo que Andra saltasse da cama. Ela tentou dissimular o sobressalto, mas a leve elevação do canto de sua bela boca lhe dizia que sabia o que estava fazendo. E o achava divertido.

     Tinha uma cor melhor e parecia que tinha ganhado peso novamente. Tinha que ser algum tipo de ilusão de óptica, porque ninguém mudava de tamanho tão rápido. Não era possível.

     Por outro lado, recordou-se, tinha visto toda espécie de coisas impossíveis nas últimas vinte e quatro horas.

     — Deixe-nos. — ordenou, apontando para Nika.

     — Como o inferno que o farei. Vou ficar exatamente aqui onde posso vigiar você.

     — E fazer o quê? O que acredita que pode fazer se quiser me deter?

     Ele não estava desencaminhado. Ela nem sequer tinha sua escopeta. De acordo, hora de ser agradável.

     — Estou preocupada com ela.

     — Com toda razão. Não é provável que sobreviva.

     Andra apertou os joelhos e um nó se formou em sua garganta quando o pânico a embargou. Uma enorme dor se construía em seu interior, e a única coisa que evitava que se derramasse sobre ela era a esperança, a esperança de que estivesse equivocado. Alguém com toda a magia que viu poderia voltar a unir Nika.

     — Por favor. — rogou ela, sem se importar quão estúpido fosse seu orgulho. —Por favor, faça algo para salvá-la.

     A mandíbula de Logan se apertou e os olhos se fecharam em derrota. Deixou escapar um pesado suspiro.

     — Bom. Tentarei, mas há pouco que possa fazer sem seu sangue.

     — Quanto necessita?

     — Não muito, mas mais da que ela pode me dar.

     — Pode ter o meu. — disse Andra.

     Logan se inclinou para ela até que a tocou no pescoço com o nariz. Preparou-se para a dentada, mas esta nunca chegou. Em vez disso, respirou profundamente, como se cheirasse sua pele.

     Ele se endireitou e sacudiu a cabeça.

     — Hoje não. Tomei muito de você antes. Mas manterei sua oferta e beberei de você mais adiante, quando estiver plenamente recuperada.

     — Estou bem agora. O importante aqui é Nika.

     Logan a observou com um brilhante olhar.

     — Paul discutiria esse ponto. Além disso, ele necessita de você. Deveria ir até ele.

     Ela queria fazer isso, mas isso só era mais uma daquelas coisas artificiais do “hocus-pocus”. Sempre e quando não fosse real, ela poderia ignorá-lo.

     — Farei isso depois que você tentar ajudar Nika.

     Ele olhou-a durante um longo tempo antes de lhe dar um simples assentimento.

     — Vá encher a banheira com água, molhe uma toalha e me traga.

     Andra fez o que ele pediu. Quando voltou alguns segundos depois, Logan estava sentado sobre a cama de Nika com uma mão sobre sua testa e a outra entre seus frágeis seios. Tinha a cabeça inclinada como se rogasse e quase podia sentir uma espécie de calor vibrante emanando dele.

     Ele levantou a cabeça. A respiração era um pouco laboriosa.

     — Sustente a toalha perto.

     Andra se aproximou dele e a apresentou. Gotas de água deslizavam por suas mãos e caíam no chão de madeira.

     — Vou tirar a intravenosa do braço e pô-la na toalha. Quero que a envolva o mais rápido possível e a leve ao lavabo. Deixe a água correr sobre ela até que o aroma desapareça. Não queremos que o aroma de seu sangue se filtre no ar e atraia os Synestryn até nós.

     — Eles podem cheirá-lo também?

     Ele lhe dedicou um olhar que a fez sentisse uma idiota por não saber a resposta.

     — Quer comprovar?

     Andra sacudiu a cabeça.

     — De acordo. Aqui vamos. — tirou o cateter do braço de Nika. A fina e flácida pele se esticava muito, tornando o trabalho difícil. Ele levantou o braço dela. — Vou lamber o sangue e selar o ferimento com minha boca, assim se não quiser vê, não olhe.

     — Nika não pode lutar contra uma infecção. Por favor, me diga que está a salvo dos germes de sua boca. São mágicos ou algo assim, não é verdade?

     Ele sorriu então, e sua beleza quase fez Andra deixar a toalha cair. Perguntava-se quantas mulheres teriam caído aos seus pés por causa daquele sorriso. Essa seria uma grande arma natural.

     — Germes mágicos. Eu gosto disso. — disse. — Não se preocupe. É perfeitamente seguro para ela.

     — Seguro. Isso é bom.

     — Está preparada?

     — Sim.

     Ele extraiu a intravenosa do braço e a depositou sobre a toalha. Andra a envolveu com força e a levou ao banheiro, onde deixou a água correr sobre todo o desastre e voltou para assegurar-se que Nika não tinha sofrido nenhum estranho efeito por ser lambida por um vampiro.

     Seu braço estava bem e sua pele estava impoluta , como se nunca tivesse tido o cateter.

     — Isto é fantástico. — disse ela.

     Mas Logan não a escutou. Estava olhando fixamente para a parede com os olhos muito abertos que iam da esquerda à direita como se estivesse na fase REM do sonho. A cada segundo ou dois, seu corpo tremia igual a se tivesse sido golpeado por uma descarga elétrica.

     Não era bom.

     Andra balançou a mão na frente de seu rosto.

     — Oi. Está aí?

   Sua boca começou a se mover, mas não emitiu nenhum som.

     — Logan.

     Nada. Andra pôs a mão no ombro dele e o sacudiu.

     — Logan! Reaja.

     Finalmente o fez. Seus olhos piscaram lentamente e pararam a rotina do Ping-Pong. Respirou profundamente como se fosse a primeira baforada de ar que tinha em muito tempo.

     — Deixe-nos. Necessito de tempo para examiná-la.

     — Não vou sair.

     — Prometo a você que não farei mal a ela. E se não trouxer Paul para dentro, os Synestryn certamente o encontrarão antes que o sol saia.

     Trazer Paul?

     — Do que está falando?

     — Necessito de força para atender a sua irmã. Paul me ofereceu seu sangue. Infelizmente necessitei bastante há um momento e ele tinha me dado recentemente. Está lá fora. Recuperando-se.

     — Por que diabos não me disse isso antes? — disse Andra.

     — Fiz isso. Você escolheu me ignorar.

     Ela tinha que ir atrás de Paul. Não podia deixá-lo estendido lá fora na escuridão com todos os monstros rondando ao redor.

     — Se tocar em um só fio de cabelo dela, mato você. Ficou claro?

     Logan lhe dirigiu um educado sorriso.

     — Vá até seu Theronai. Nika está a salvo aos meus cuidados.

     Andra acreditou nele, o que poderia parecer incrível, mas assim era. Paul necessitava dela agora, e sem ele, Andra não estava segura de poder manter Nika a salvo dos monstros. Além disso, devia isso a ele. Ele tinha dado seu sangue para ajudar Nika, e em seu livro, isso o fazia um herói.

     Ela acabava de se virar para sair quando ele disse:

     — Oh, por certo, aquele colar que ele usa é seu se escolher pegá-lo.

     Andra parou repentinamente. Ela também havia sentido isso, mas o afastou como mais um sentimento irracional.

     — Paul nunca disse isso.

     — Porque estava protegendo você.

     Andra franziu o cenho.

     — Do quê?

     — Da responsabilidade do poder que dirigirá se decidir usá-lo.

     — Poder?

     Ele sustentou o olhar dela.

    — Mais do que pode imaginar. Suficiente para manter sua irmã a salvo. Talvez o bastante para curá-la também.

     Levou alguns segundos para processar o que ele dizia. Todo aquele assunto era tão estranho, que no princípio não sabia o que pensar, mas uma coisa estava clara. Se Paul podia ajudá-la a salvar Nika, ia fazer o que fosse.

     — É por isso que me sinto estranha quando o toco?

     — Sim. É a maneira que a natureza tem de ajudá-la a encontrá-lo. Sugiro que não espere muito tempo para ordenar sua mente independentemente de que vá ou não reclamar o que é seu. Nika já está fora de tempo. Será afortunada se sobreviver mais três dias a este passo.

     Três dias. A garganta de Andra se fechou enquanto lutava contra as lágrimas.

     — Não necessito de mais tempo. Sei o que devo fazer.

     Primeiro ia assegurar-se de que Logan não estava metido totalmente na merda. Depois ia fazer a única coisa que podia.

     Salvar Nika.

   Andra encontrou Paul jogado sobre o alpendre. Seu enorme corpo estava flácido e imóvel. O pânico se precipitou sobre sua pele enquanto corria para ele, procurando seus sinais vitais.

     Ela pressionou os dedos contra seu pescoço para sentir o pulso, e o calor se disparou por seu braço. Ele deu uma impressionante respiração, e os olhos de Andra se fecharam de alívio. Seu pulso estava forte e sua respiração estável. Agora tudo o que tinha que fazer era conseguir levá-lo para dentro, onde ao menos haveria uma porta entre ele e os monstros. Sabia por experiência que isso não os deteria muito tempo, mas ao menos os faria ir mais devagar.

     Ali fora, sem proteção na escuridão circundante, nada o faria.

     Andra puxou o braço dele tentativamente. Senhor, era pesado; quase trinta e seis quilogramas mais pesado que ela. Podia fazê-lo, mas um deles ia acabar com o ombro deslocado no processo.

     Talvez se o pusesse sobre as tábuas de madeira fosse mais fácil. Talvez acabasse com lascas no traseiro, mas se alegraria de tirá-lo desde que vivesse para poder fazê-lo. De toda forma estava bastante segura de que desfrutaria dando uma longa olhada em seu musculoso traseiro.

     Moveu-o de maneira que sua cabeça se inclinou. A gargantilha da cor do arco-íris que usava captava e mantinha a luz do único foco que brilhava sobre eles.

     Aquela gargantilha era dela. Sempre foi. Queria tirá-la.

     Toda aquela magia de abracadabra a deixou cambaleando na escuridão, mas tinha fortes instintos a respeito daquela coisa, e não temia segui-los, especialmente depois da demonstração de Logan. De toda forma se isto não ajudasse Nika, não tinha nada a perder.

     Andra se estirou e a acariciou com a ponta do dedo. Uma feliz e ressoante sensação varreu o braço dela e se assentou profundamente em seu peito, lhe dando a confiança de que estava fazendo o correto. As cores no interior da faixa fizeram redemoinhos ao redor do contato, como se soubesse que ela estava tocando-a. Um fio azul safira se estendeu de debaixo do dedo, ampliando-se em anéis concêntricos enquanto se movia cruzando o colar.

     A cor era tão bonita, tão exuberante e profunda, queria tê-la para ela e vê-la adornando sua garganta. Justo quando o pensamento passou por sua cabeça, a faixa deslizou abrindo-se e afastando-se do grosso pescoço de Paul. Andra recuperou o objeto escorregadio das tábuas de madeira e deixou que escorregasse entre os dedos, passando-o de uma mão a outra. Ainda tinha o calor do corpo de Paul e era mais pesado do que esperava.

     Tinha-lhe parecido como se fosse feita de algum tipo de plástico, mas agora que a sustentava e sentia seu peso, sabia que não era assim.

     Os extremos estavam rematados, sem fecho, mas ela supôs que a mesma magia que a abriu a seguraria outra vez. Colocou a gargantilha ao redor do pescoço e os extremos pareceram encontrar um ao outro como se fossem atraídos por ímãs. Logo sentiu o leve clique da gargantilha ao se fechar, os olhos de Paul se abriram. Faíscas douradas brilhavam sob o marrom mais profundo de seus olhos, fazendo-os cintilar à luz do alpendre. Seu olhar se moveu para a garganta dela e sua mão foi para sua própria garganta.

     — Como fez..? — sua voz era um sussurro atônito, quase inaudível sob o canto dos grilos próximo.

     Ele se esticou e colocou a ponta do dedo contra a gargantilha e a deslizou por esta, acariciando sua pele ao longo da borda enquanto passava. Suas pupilas se dilataram e as asas de seu nariz se alargaram. Ele deixou escapar um baixo e satisfeito gemido que provocou um tremor pela coluna dela.

     — É tão bom. — disse ele. — Provavelmente não devia ter feito isso, mas é tão bom não ter mais dor.

     — Está bem? — perguntou ela. — Estava inconsciente.

     — Agora estou perfeito. Graças a você. — moveu o dedo da gargantilha para um lado de seu pescoço e o baixou ao longo de sua mandíbula. — É uma de nós.

     — Quem somos nós?

     — Somos Theronai.

     — E o que é isso?

     — Somos uma das três raças de guardiões. Sentinelas. Vigiamos a porta do outro mundo, para protegê-lo de uma invasão Synestryn. Também protegemos aos humanos de caírem vítimas do mal.

     — Como fez com Sammy?

     Ele assentiu.

     — Estamos aqui para proteger aos outros. Está em nosso sangue, em seu sangue. É por isso que quase se matou tentando encontrar aquelas crianças perdidas, é por isso que nunca se rendeu. É como eu. Esperava que não fosse humana, mas sabendo a verdade…

     — É óbvio que sou humana. — inclusive quando dizia isso, questionava a verdade de suas palavras. Sempre foi diferente. Igual às suas irmãs. Andra tinha justificado suas peculiaridades como algum tipo de capricho genético aleatório, mas agora que Paul disse aquelas palavras, deu-se conta de que esteve equivocada. Era diferente dos outros humanos porque não era humana. Isto tinha muito sentido para não ser verdade, apesar de seu desejo de negá-lo.

     Sua mãe sempre foi reservada no que se referia a seu pai, evadindo-se das perguntas, mentindo quando lhe dava respostas. Andra sempre pensou que ela estava encobrindo algum folgado, mas possivelmente era algo mais que isso.

     Se ao menos sua mãe continuasse viva de modo que pudesse perguntar a ela e assim descobrir a verdade. Agora tudo o que tinha era a palavra de um homem que mal conhecia e seus instintos, instintos que lhe diziam que não era humana. Que era diferente. Era por isso que podia encontrar as crianças perdidas.

     O mundo de Andra mudou. As cores que pintaram as experiências de sua vida mudaram para uma massa distorcida, mesclada com as lembranças e os inexplicáveis eventos de algo claro e visível.

     Aquela estranha peça do quebra-cabeça nunca encaixou realmente em seu lugar.

     — Como pude não ter sabido disso?

     Paul acariciou sua face, os olhos brilhando de compaixão.

     — Ninguém nunca disse isso a você. Mas está bem. Não está sozinha.

     — Talvez não, mas toda minha vida foi uma mentira. — não podia fazer outra coisa exceto sentir-se traída por sua mãe. Quantas vezes perguntou a ela por seu pai? Quantas vezes sua mãe a olhou nos olhos e mentiu?

   — Essa mentira a protegeu. Provavelmente salvou sua vida. E me deu tempo para encontrá-la.

     — Isso não é desculpa para o que fez.

     — Possivelmente não mentiu. — disse Paul. — Talvez sua mãe não soubesse.

     — Ela sabia de algo. Agora posso vê isso, em perspectiva. Ela mentiu.

     — Mas agora sabe a verdade. É uma Theronai. Pode aceitar isso e seguir adiante ou estancar no passado. Você escolhe.

     Não tinha tempo para estancar. Logan lhe disse que Nika talvez não vivesse nem três dias.

     — Nika necessita de mim para seguir adiante.

     Um brilho de satisfação iluminou os olhos dele.

     — Então devemos acabar com isto, você e eu.

     — Acabar?

     Ele assentiu, contemplando sua boca.

     — E então mostrarei a verdade a você. Meu poder é seu poder agora. Vamos entrar.

     Andra se levantou e ofereceu a mão para ele. Ele a pegou, mas não porque cambaleasse. Sua postura era sólida e forte, igual ao restante dele.

     — Parece ter se recuperado.

     — Ainda estou um quarto ou dois abaixo do normal, mas me sinto fantástico. — deslizou a mão para a parte de trás do pescoço dela e a manteve imóvel. Ele era alguns centímetros mais alto, e ela se encontrou olhando diretamente para sua boca, desejando ter coragem de beijá-lo outra vez. O que teve já não era suficiente. Nunca seria.

     — Depois. — disse ele, e soou igual a uma promessa. — Quando for seguro. E tenhamos muito tempo.

     A mente de Andra se tornava mais confusa a cada minuto. Algo estava acontecendo em seu interior, algum tipo de calor que se estendia, assumindo o controle.

     — Tempo? — perguntou ela.

     Paul assentiu outra vez.

     — Montões de tempo. Chegarei a conhecer você. Descobrir o que você gosta.

     Gostava dele. Muito. Tanto que se sentia atordoada com a força disso e o que estava acontecendo a ela.

     Andra cambaleou e se agarrou aos braços dele para estabilizar-se. Seus músculos eram duros sob as pontas dos seus dedos, esculpidos de modo que suas mãos casassem perfeitamente contra eles.

     — Você e eu, podemos ter um “para sempre” se você quiser.

     Para sempre soava bastante bom nesse momento, considerando o que sentia.

     A parte lúcida dela disse:

     — Mas mal o conheço.

     — Isso mudará muito em breve. Vou levar você para dentro e vamos terminar o que você começou.

     Elevou-a nos braços e ela teve a sensação de voar durante um segundo. Uma risada borbulhou saindo dela, e soou quase eufórica em seus próprios ouvidos.

     Ela descansou a cabeça pesada sobre seu ombro e fechou os olhos enquanto aquele calor se expandia em seu interior.

     — O que está acontecendo comigo?

     Ele enterrou o nariz em seus cabelos e sussurrou baixinho no ouvido dela:

     — Shh. Só deixe ir. Agora é minha.

 

   Paul se sentiu como um deus. Nem sequer estavam completamente unidos e já tinha mudado sua vida. A dor se foi. Desvaneceu-se. A força atravessava seu corpo a cada pulsar do coração. Claro, não tinha tanto sangue quanto se supunha, mas dificilmente isso o importaria. Andra estava entre seus braços, e ele se sentia invencível, como se pudesse derrubar um ninho inteiro de Synestryn sem ajuda de ninguém e sem nem começar a suar.

     Era bom sentir o corpo dela contra ele e não queria que ela o deixasse. Nunca. Podia sentir a elegante firmeza dos músculos de suas costas e coxas, enquanto que as leves ondulações de seus seios eram suaves e brandas contra seu peito. Seus cabelos curtos faziam cócegas no nariz dele, finos como os de um bebê e tão suaves quanto uma pluma. E cheirava tão bem.

     Um homem podia perder-se em uma mulher como ela e nunca sentir-se privado, nunca lhe faltaria nada.

     Tinha que estabelecer sua reclamação e fazê-la definitiva. Uma pequena pontada de culpa o fez deter-se, mas a desprezou como não importante. Ela não tinha nem ideia de onde estava se metendo, mas não podia permitir-se detê-lo. Já não. Tinha aceitado sua luceria por vontade própria, e não ia deixar que aquele milagre passasse sem que ele o aproveitasse. Não agora, e provavelmente, nunca. Necessitava muito dela. Tinha que ficar com ele. Ser dele. Pertencer a ele e só a ele. Devia assegurar-se de que ela nunca lamentasse isso.

     Algo naquela linha de pensamento estava errado, mas não se importou. Era a hora.

     Paul a recostou no sofá, ajoelhou-se ao seu lado e tirou a camisa pela cabeça.

     Andra sorriu e se inclinou para ele, ronronando. Passou as mãos pelos ombros dele e para baixo, pela marca de vida. Os ramos se balançavam reagindo a seu contato, e a única folha que restava estremeceu. Seus dedos eram quentes e ondularam contra a carne, amassando seus músculos.

     O corpo de Paul respondeu previsivelmente ante as carícias de uma mulher bonita. A pele se avermelhou e o membro ficou duro, fazendo-o desejar poder perder os jeans, também. Estava tão bonita deitada ali, acariciando-o, olhando-o fixamente, como se fosse o único homem na face da terra. Tudo o que ele queria fazer era tirar a roupa dela e abrir aquelas longas pernas para poder tocá-la, saboreá-la e fazê-la gozar só para ele.

     Oh, sim. Esse era definitivamente um bom plano.

     Mas não até que seus vínculos estivessem completos. Inquebráveis. Não como fez com Kate. Quando Andra fosse dele, ele faria tudo isso e muito mais.

     Sua espada estava justo ao seu lado, preparada e esperando como sempre. Ele pegou as mãos dela e as imobilizou, para que não pudesse cortar-se acidentalmente quando a lâmina chegasse.

     — Minha vida pela sua. — disse enquanto fazia um pequeno corte sobre o peito, o que significava a disposição de derramar seu sangue por ela.

     A promessa o encheu, fazendo-o sentir-se mais forte e completo. Faria qualquer coisa para protegê-la, e porque ela aceitou sua luceria, poderia viver o suficiente para cumprir esse propósito.

     Pressionou o dedo contra o corte e manchou com um pouco de sangue a luceria. Esta, diminuiu para ajustar-se à pele dela e as cores se agitaram outra vez freneticamente. Azul. Havia mais azul agora que nenhuma outra cor.

     Uma incredulidade nervosa o atravessou, congelando-o no lugar, fazendo-o olhar fixamente.

     Estava funcionando. Andra era realmente sua dama. Inclusive vendo isso, ainda não podia acreditar na sua boa sorte. Estendeu a mão, com a intenção de abraçá-la contra ele em agradecimento, mas o mundo se dissolveu, e ela junto com ele.

     Sua visão falhou durante um momento antes de voltar de novo, mas quando o fez, já não estava na casa Gerai, em Nebraska. Estava em um pequeno quarto coberto de pôsteres de uma banda de rock e pedaços de babados infantis. Uma estola de plumas vermelhas pendurava sobre o espelho da penteadeira e um cachecol de seda de cor púrpura estava jogado sobre o abajur da mesinha de cabeceira. Uma garota adolescente estava deitada sobre o estômago, apoiada sobre os cotovelos, lendo uma revista na cama. Suas pernas nuas se agitavam no ar detrás dela, as unhas de seus pés estavam pintadas de cor rosa chiclete e seus pés se balançavam ao ritmo da música que o rádio emitia.

     A garota levantou os olhos de sua revista como se tivesse ouvido um ruído, e Paul pôde ver agora que era uma versão muito mais jovem de Andra. Tinha, possivelmente, dezenove ou vinte anos. Era magra, menos musculosa, e tão bonita que o fez sorrir.

     Essa era uma visão do passado dela, algo importante que a luceria escolheu para mostrar a ele. Paul percorreu a cena, absorvendo-a.

     Era bonita, mas de algum modo infantil. Preferia a maneira como se parecia agora, confiante, feminina e preparada para tudo o que ele tinha que lhe dar. Entretanto, teria dado quase tudo por havê-la conhecido então, quando ainda tinha tempo para ser paciente com ela e facilitar sua entrada em seu mundo cuidadosamente. Lentamente.

     Mas isso não era possível agora. Necessitava muito dela para ir divagar. A única coisa que podia fazer agora era aprender o que pudesse sobre ela para ajudá-la a fazer a transição da forma mais fácil possível.

     O ruído de vidros quebrados encheu o ar. Um gritou agudo o seguiu e, então, finalizou abruptamente, como se tivesse sido cortado. Andra saltou da cama e correu para fora do quarto. Paul a seguiu, sem ser visto. Três passos no corredor, e parou abruptamente em frente a uma porta. A porta estava aberta. Sangue fresco percorria a brilhante pintura branca e gotejava pela parte inferior da porta, empapando o tapete. Ela deu um relutante passo para frente e o pé descalço afundou no tapete. O sangue escorreu entre os dedos.

     Sacudiu o pé para trás e parecia que poderia vomitar.

     — Mamãe? — sussurrou. — Oh, Deus. — a mão se estendeu para algo no chão justamente quando outro grito soou de um quarto no final do corredor.

     Andra se virou e correu para o grito.

     Paul passou pela ensanguentada porta e viu os restos da mãe de Andra jazendo sobre o chão do quarto. O Synestryn deixou a cabeça e levou o resto. Os olhos sem vida da mulher o olhavam, a boca aberta congelada em um grito silencioso. Um grande rastro de sangue marcava o caminho por onde arrastaram o corpo até a janela. Pelos sons guturais que vinham de fora na escuridão, Paul teve a certeza de que continuavam ali, alimentando-se do cadáver.

     Aquela era a mãe de Andra. Provavelmente, a pessoa mais importante de sua vida. E agora estava morta.

     Andra abriu a porta no final do curto corredor. Outra janela tinha sido quebrada ali, também. Mas desta vez, o trabalho do sgath ainda não tinha terminado. Um deles se arrastava através da abertura, os olhos reluziam com uma cor verde brilhante. A negra língua bífida apareceu na frente, e deixou escapar um silvo selvagem.

     Andra ficou paralisada de medo. Ele podia ver o sutil tremor do corpo magro, ouvir a respiração muito rápida e difícil.

     — Mamãe! Andra! Ajudem! — gritou uma menina de dentro do quarto — Tori, volte!

     O sgath se lançou para frente e agarrou uma menina pequena pela cintura. Não podia ter mais de oito anos. Tinha os mesmos cabelos escuros e olhos azuis de Andra, só que seus cabelos estavam enredados em um selvagem emaranhado. A camisola infantil rosa se amontoava no braço peludo da coisa enquanto lutava para libertar-se.

     Outra garota, talvez de doze ou treze anos, agarrou a pata do sgath em um esforço para libertar sua irmã caçula. O sgath deu um giro estranho e rasgou com as garras a coxa dela. Ela gritou e o soltou, caindo contra a parede.

     Era Nika. Paul tinha certeza disso, seus cabelos eram igualmente escuros e também estava anos mais jovem.

     Nika ficou de pé e olhou para o ferimento com horror, depois de novo para sua irmã.

     — Vai levar Tori.

     Paul não tinha certeza de como Nika soube, mas parecia estar convencida. Não tinha nem ideia dos planos do sgath para a menina, mas estava claro que tinha algum outro propósito para ela que usá-la como comida.

     O aroma do sangue de Nika estava no ar agora. Outro sgath engatinhou através da janela quebrada.

     Andra saiu do estado de choque e procurou freneticamente por uma arma. Agarrou um abajur da mesinha de cabeceira próxima. Com um furioso rugido, lançou-se através do quarto e golpeou o sgath que sustentava Tori.

     É óbvio, o abajur não fez nada ao sgath. Quebrou-se contra a cabeça da coisa e caiu em um inútil montão de peças.

     O sangue se acumulava aos pés de Nika, gotejando em grande quantidade de seu ferimento. O veneno das garras do sgath já corria por seu sistema, fazendo o rosto dela avermelhasse de febre. Paul não tinha nem ideia de como tinha sobrevivido a esse ferimento, o veneno do sgath normalmente era fatal se não fosse tratado imediatamente, mas ele a viu no futuro e sabia que de algum jeito ela se obrigou a passar através daquilo.

     O monstro que tinha Tori se virou para ir embora, e Andra saltou sobre suas costas.

     Paul gritou para ela que se mantivesse afastada. Não era seguro. Estendeu a mão para sua espada, só para descobrir que não tinha nenhuma. Não tinha corpo ali. Tampouco a voz tinha som, era só um observador e não podia fazer nada para ajudar. Tudo o que ia acontecer já tinha ocorrido, e não podia mudar nada.

     Andra se agarrou às costas do sgath com as pernas e cravou seus dedos nos olhos dele. Aquilo uivou de dor e moveu a cabeça violentamente para jogá-la de suas costas.

     Andra continuou apertando, cravando e escavando. O sgath se empinou e a jogou contra a parede. A cabeça bateu com força. O gesso se esmagou sob o impacto, e Andra deixou sair um gemido rouco de dor. Afrouxou o agarre e o sgath se afastou, deixando que o corpo dela deslizasse até o chão em um frouxo montão.

     Paul gritou que se levantasse, mas nenhum som saiu de sua boca.

     No outro extremo do quarto, um sgath se agachou aos pés de Nika. Ela estava tremendo, mas era incapaz de mover-se. A língua do sgath saiu, lambendo o sangue à medida que saia da coxa dela. Os olhos dela estavam pesados e frágeis, mas seus lábios estavam se movendo e olhou para Tori, ignorando completamente o sgath que se alimentava dela.

     — Não a deixarei. — sussurrava para a irmã, uma e outra vez. — Não a deixarei.

     Tori gritava e lutava, mas o pequeno corpo não era rival para o sgath. Ele a levou pela janela e para a noite. A última coisa que Paul viu dela foi um pequeno braço esticando-se para suas irmãs em busca de ajuda.

     Andra ficou de pé. Mal podia se manter. O corpo dela tremia quando pegou uma cadeira de madeira da escrivaninha e se dirigiu a Nika. O sgath estava muito ocupado alimentando-se para perceber sua aproximação. Ela lançou a cadeira sobre a cabeça da coisa.

     Aquilo lançou um grito e se virou para atacar.

     Um homem armado entrou no quarto. Podia ser um oficial de polícia vestido a paisano ou, talvez, só um vizinho com uma arma. Quem quer que fosse, viu a coisa e abriu fogo. Algumas balas mais tarde, o sgath decidiu ir embora, saltou pela janela e saiu correndo.

     Andra caiu de joelhos junto a janela.

     — Tori! — gritou. — Tori! — seu grito se converteu em um soluço e Paul pôde ouvir seu coração se quebrar.

     Houve uma estranha mancha de movimento ao redor de Nika, mas Paul não se importou. Sua necessidade de testemunhar a dor de Andra era muito forte. Tinha perdido sua família naquela noite. Sua mãe e sua irmã tinham morrido, e Nika enlouqueceu por causa do veneno ou do trauma. Não era de estranhar que Andra fosse tão protetora com Nika. Era a única família que restou com vida para Andra.

     Paul se afligia por ela e desejou de novo tê-la encontrado antes. A tempo de salvá-la.

     — Ajudarei você a manter Nika segura. — disse Paul. Desta vez ouviu suas palavras e soube que tinha voltado ao presente. — Nunca ficará sozinha.

     Mas Andra não pareceu ouvi-lo. Estava perdida dentro de sua própria visão, o que fosse que a luceria escolheu para que ela visse.

   A energia pulsava ao redor de Andra, vibrando no ar. Podia sentir o poder fluindo do colar, mas ainda não podia tocá-lo. Faltava algo, mas não tinha nem ideia do quê.

     Aquele poder que estava suspenso ali, esperando-a, explodiu em uma onda de eletricidade. Seus cabelos se arrepiaram e a pele esquentou quando brilhantes faíscas voaram sobre seus membros. Os olhos arderam e sentiu que poderiam explodir.

     Andra fechou os olhos com força contra a pressão, e sua visão se encheu com cenas da vida de Paul. Viu-o como um menino aprendendo a usar sua espada, seus membros desajeitados enquanto se acostumava ao seu tamanho cada vez maior. Viu-o como um adolescente combatendo corpo a corpo com meia dúzia de demônios. Viu-o como um homem mais jovem de pé, ante as tumbas de sua mãe e irmã.

     Ouviu-o jurar naquele dia que faria todo o possível para libertar o mundo dos Synestryn. Daria sua liberdade, seu poder, sua vida – tudo para proteger aqueles a quem os Synestryn caçavam.

   Então viu uma mulher. Kate. Estava de pé sobre uma exuberante colina, seus longos cabelos loiros e ondulantes flutuavam atrás dela ao vento. Seus profundos olhos verdes combinavam com a cor do bosque circundante, e quando Paul se aproximou dela, sentiu sua resignação. Sua aceitação. Ele a amava, mas Kate amava outro. Ele tentou obrigá-la a ficar com ele, e ela o rechaçou.

     — Nunca serei sua. — disse a ele.

     Andra viu como tirava a luceria e voltava a colocá-la ao redor do pescoço dele. Paul caiu de joelhos e se agarrou ao peito nu enquanto a olhava, com o rosto calmo e impassível. As folhas caíram dos ramos da tatuagem até que ficaram quase nus, e ele estava suando e retorcendo-se de dor no chão.

     Kate também viu seu sofrimento, mas depois de olhar durante um longo tempo, deu as costas a ele e se afastou. Para outro homem.

     Horas mais tarde, dois homens jovens o encontraram caído no chão. Eles levaram seu corpo enfraquecido de volta a um povoado e o estenderam no chão sujo do interior de uma tosca cabana. Uma bela mulher com uma túnica cinza se ajoelhou ao seu lado. Pôs as mãos sobre seu peito e inclinou a cabeça como se estivesse rezando.

     Pouco a pouco, pequenos brotos começaram a formar-se nos ramos de sua árvore tatuada.

     A mulher desabou sobre ele e um homem com o rosto sulcado por rugas a segurou entre os braços antes que pudesse cair.

     O adolescente Paul abriu os olhos e viu o que a mulher tinha feito. Andra não conhecia a linguagem que falavam, mas entendeu as palavras de todos os modos.

     — Não terminou de crescer ainda, Theronai. — disse a mulher com uma voz fraca. — Isso salvou sua vida. Isso e o fato de não estar com ela há muito tempo. Felizmente, se recuperará desta vez.

     O ancião lhe lançou um olhar de advertência.

     — Não haverá uma próxima vez. Não vou permitir que Gilda faça isto por você de novo. Custou-lhe muito. Entendeu?

     — Sim, senhor.

     O homem idoso olhou para um dos meninos que tinha levado Paul ali.

     — Encontre Kate. Traga-a aqui para que responda por seus atos.

     O moço se inclinou e fugiu da casa.

     — Vá agora, Paul, e se assegure que os problemas que causou este dia valeram a pena.

   Paul ficou em pé e se dirigiu com passos vacilantes para a porta. Andra podia sentir sua ira e sua vergonha como se fossem dela. Também podia sentir sua determinação de fazer o bem e orgulhar aquele homem idoso.

     Os anos se precipitaram na cabeça de Andra. Viu pequenos vislumbres de sua vida. Suas lutas para viver à altura de suas expectativas. Suas batalhas. Lutou e matou milhares de monstros, salvou centenas de vidas, e sem dúvida fez valer a pena todos os problemas que causou.

     Por que, então, não sentia que havia feito o suficiente?

     Quando voltou a realidade, perguntou:

     — Que infernos foi isso?

     — O que viu?

     — Você quando era um moço. O que Kate fez a você. Não entendo o que aconteceu, mas esteve perto de matá-lo, não?

     Ele afastou os olhos.

     — Isso foi o passado. O que importa é o que faremos agora.

     — Logan disse que você poderia ser capaz de me fazer forte o suficiente para ajudar Nika.

     Fragmentos dourados de esperança iluminaram os olhos dele.

     — Isso é o que quer?

     — Sim.

     — Então devemos completar nossa união.

     — Como fazemos isso? — perguntou ela.

     Inclinou-se para ela, olhando sua boca.

     — Dei a você minha promessa de manter sua sagrada vida acima da minha, e agora, para nos vincular, terá que me dar uma promessa em troca.

 

     — Que tipo de promessa? — perguntou Andra.

     — A promessa de ficar comigo. — disse Paul.

     Esse era um voto de duração indefinida, e um que a amarraria a ele por toda vida. Parte dele sabia que enganá-la era errado, mas a outra não se importava de forma alguma. Queria conservá-la. Para sempre. Não queria lhe dar a oportunidade de afastar-se como Kate havia feito. Não queria voltar para aquela vida de tortura outra vez.

     — Não posso ficar com você. Nika necessita de mim.

     Seu rechaço o inundou de raiva e ressentimento. Queria rugir que também necessitava dela, mas conteve a língua. Agora não era o momento para perder a cabeça. Tinha que tomar cuidado ali. Precaução. Precipitou-se quando se vinculou a Kate, não incorreria no mesmo equívoco duas vezes. Agora estava mais velho. Um homem adulto com mais de três séculos de maturidade para mantê-lo estável.

     Mais de três séculos de dor que gritavam que fizesse aquilo funcionar daquela vez.

   Paul pegou a mão dela nas suas e adotou um tom paciente e pormenorizado.

     — Nunca me interporei na maneira em que cuida de sua irmã. Já disse a você que a ajudarei a mantê-la a salvo.

     Ela franziu o cenho como se tentasse averiguar algo.

     — Mas isto é uma promessa real, não é verdade? Posso sentir isso.

     Ela pressionou a mão contra o peito.

     — O que quer que prometa acontecerá, independentemente de que eu ainda queira ou não mantê-la até o final.

     Assim, ela conhecia os riscos. Ele tentou convencer-se de que era o melhor, mas falhou. Necessitava que o libertasse. Que o salvasse.

     — Então me prometa o que puder. Dê-me tanto quanto possa e me contentarei. — de algum jeito.

     Ela assentiu lentamente e fez sua promessa com palavras cuidadosas.

     — De acordo. Sempre e quando não interferir na maneira de manter Nika a salvo, prometo ficar com você durante três dias.

     Três dias. Uma mera piscada de tempo para um homem que viveu durante séculos. Até mesmo Kate ficou com ele mais tempo.

     As magníficas visões de Paul de um futuro livre de dor com Andra se converteram em pó. Não haveria um para sempre para eles, só uns poucos breves dias. Queria gritar para ela que isso não era suficiente, que tinha que retirar o que disse e lhe dar mais, mas era muito tarde. O vínculo estava feito, o pacto estava feito, e Paul já podia sentir a promessa tornando-se parte dele, embora fosse uma pequena parte.

     O ressentimento subiu por sua garganta, deixando um sabor amargo atrás dele. Passou toda sua vida lutando e sofrendo através da dor e solidão de modo que pudesse manter os humanos a salvo dos Synestryn. Nenhuma só vez fugiu dos deveres ou tentou evitar as missões mais perigosas de modo que algum outro ocupasse seu lugar. Quase morreu pelos ferimentos ou o veneno mais vezes do que podia contar, mas dessa vez, voltaria para as primeiras filas logo que fosse capaz, porque o necessitavam. E agora, para sobreviver, necessitava de uma companheira, a única coisa que ele sempre quis para si mesmo. Finalmente encontrou outra mulher que podia salvar sua vida de modo que pudesse seguir lutando. Estava disposto a dar tudo o que tinha a ela, incluindo sua vida, e tudo o que ela tinha para lhe oferecer em troca eram três dias.

     Como podia fazer isso com ele? Como podia traí-lo tão cruelmente sem lhe dar uma oportunidade para demonstrar o quanto tinha para oferecer?

     Podia ela ser igual à Kate?

     — Está zangado. — disse, franzindo o cenho confusa. — O que fiz de errado?

     Paul acalmou seus desenfreados pensamentos. Ela provavelmente já podia sentir suas emoções escapando através da conexão da luceria, seu anel e o colar dela.

   — Não fez nada errado. Só esperava mais tempo. Isso é tudo.

     Ela entrecerrou os olhos como se soubesse que ele não estava dizendo toda a verdade.

     — Não é suficiente?

     Ela não o entendia, mas por outro lado, como podia? Não fazia parte de seu mundo. Não sabia o que seu voto significava ou como afetava sua vida.

     — Ficarei bem. — tranquilizou-a.

     Ao menos era mais tempo do que provavelmente viveria sem ela. Devia estar feliz por isso. Mas não estava.

     — Então o que acontecerá quando nosso tempo terminar? — ela perguntou.

     — A luceria cairá e será livre. — e eu voltarei a morrer de dor.

     — Isso é tudo?

     Ele escolheu entender mal sua pergunta. Não queria que conhecesse sua debilidade, seu poder sobre ele, e a culpa que lhe causaria se descobrisse a verdade. Merecia algo melhor que isso.

     — Isso é tudo o que está disposta a dar.

     — Mas o que acontecerá se desejar permanecer com você mais tempo que esse?

     Paul estava tão ultrajado que não parou considerar isso. A esperança se elevou outra vez nele. Não tinha que morrer. Ela ainda podia salvá-lo. Tudo o que tinha que fazer era conseguir que ela o amasse antes que seu tempo acabasse.

     Então ela prometeria ficar com ele para sempre.

     Podia fazer aquilo. Tinha a habilidade, agora que estava conectado com Andra. Podia utilizar a luceria para invadir sua mente e sussurrar para sua alma que era o único homem para ela. Podia convencê-la de que estaria perdida sem ele, e que amavam um ao outro. Funcionaria.

     Elevou o queixo e a olhou nos olhos. Talvez devesse começar agora, enquanto ainda não sabia nada do que ele podia fazer. Tinha salvado sua vida e também a de Nika. Agora confiava mais nele, o que ia facilitar a entrada dele em suas defesas naturais. Para deslizar-se dentro dela. Fazendo que seu corpo necessitasse tanto dele quanto sua mente. Então não teria outra escolha a não ser ficar com ele.

     Parte desse plano ia ser fácil. Ela já o desejava. Tudo o que tinha que fazer agora era mostrar a ela o quanto isso podia ser bom entre eles.

     Paul inundou seu novo vínculo com o desejo por ela. Não tinha deixado de desejá-la desde que a conheceu, e era fácil deixar que esse sentimento se libertasse e se aprofundasse. Deixando-a sentir o que ele sentia, aquela urgente necessidade de tocá-la. De saboreá-la. De tê-la nua e úmida debaixo dele, onde podia tê-la completamente.

     Ela piscou por um momento, e gemeu. Então contemplou sua boca e como sua língua deslizava para umedecer os lábios. Oh, sim, definitivamente estava sentindo isso agora.

     Não havia nada que Paul pudesse fazer para evitar beijá-la, assim se rendeu. Posou a boca sobre a dela, unindo-as como se tivessem sido feitas para esse único propósito. Ela deixou escapar um pequeno ofego de surpresa, depois se derreteu com o beijo. Sua boca era cálida, suave e flexível e esticou a ponta da língua para acariciar o lábio inferior dela.

     As mãos de Paul a agarraram endireitando-a, fechando-se em suas costas. Sustentou-a no lugar enquanto desfrutava de sua boca, acariciando, provando e jogando até que ela correspondeu a cada movimento da língua com um próprio.

     Em algum lugar de sua mente soou os sinos de advertência, mas os ignorou. Andra estava em seus braços, disposta e impaciente, e nada mais importava.

     Deslizou as mãos por seus ombros nus, era tudo o que podia fazer para evitar grunhir de prazer. A faísca que sentiu quando a tocou antes tinha aumentado até torna-se um glorioso e ardente fogo nas vísceras. O mais leve de seus toques o acendia, fazendo-o desejar poder arrancar a roupa dela e afundar em seu flexível corpo. Ela adoraria. Assegurar-se-ia disso. Beijaria toda a extensão de sua lisa pele, exploraria cada tentadora reentrância e curva com a língua. Despojá-la-ia de qualquer reserva que tivesse com ternas carícias das mãos e boca. Tiraria a roupa dela e adoraria seu corpo com o dele até que não houvesse nenhum lugar entre eles que não fosse escorregadia paixão.

     Então ela seria dele. Totalmente. Completamente. Não haveria volta atrás.

     Ela estava realmente perto, justo a beira de lhe dar tudo o que queria. Não teria que empurrá-la muito para isso. Sua mente estava aberta, receptiva e débil nesse momento. Bastaria uma pequena fibra de poder sobre seus pensamentos e estaria a caminho da total devoção.

     Sua escrava.

     Esse pensamento o deteve em seco. Não queria isso para ela. Essa era a maneira que os Synestryn trabalhavam. Obrigavam seus serventes humanos, os Dorjan, a amá-los, a trabalhar para eles.

     Paul se afastou dela, tanto em mente como em corpo, antes que fizesse algo irrevogável.

     Imperdoável.

     Andra tentou puxá-lo de novo, mas estava muito fraca e não podia fazer nada, estava muito cansada agora mesmo.

     — Por que parou? — perguntou em uma voz cheia de desejo.

     — Não podemos. — ele disse em um sussurro. — Desejo isso, mas… Está errado. Não é real.

     — O que não é real? — ela perguntou. A voz aturdida. — Para mim com certeza parecia real.

     Paul se afastou alguns passos, deixando Andra ali deitada, toda exposta e sem respiração. Teve que afastar os olhos e concentrar-se no lar vazio da lareira para recuperar seu autodomínio.

     — Sim. Era. — porque ele era um maldito bastardo.

     Fazendo que fosse real para ela.

     O estômago de Paul se contraiu e teve que ajustar a calça e respirar profundamente sem se castrar.

     — Sinto muito.

     — Por quê? — perguntou com voz arrebatada. — Estava justo aqui com você, preparada, ofegante e impaciente.

     Os persistentes efeitos dos beijos ainda eram visíveis. Sua pele se aqueceu, e um precioso rubor rosado cobriu sua face. Seus lábios estavam inchados e separados em um convite, e a desajeitada posição de suas longas pernas fazia que Paul apertasse os punhos dolorosamente para impedir-se de ir para ela.

     — Sei. Nenhum de nós estava pensando corretamente. Logan e Nika estão a apenas uma porta de distância.

     — Nika. — ofegou como se tivesse esquecido até mesmos que tinha uma irmã. — No que estava pensando?

     Cobriu o rosto com as mãos e deixou escapar um gemido de frustração.

     A urgência de consolá-la o impelia, mas conseguiu manter distância.

     — Vou limpar esse sangue antes que seja um problema. — ficou de pé, ou melhor, essa foi a intenção. Em vez disso, cambaleou fazendo uma careta quando a ereção beliscou dolorosamente contra o zíper e coxeou para a cozinha.

     — Logan manipulou o sangue de Nika como se fosse algum tipo de lixo tóxico. Fez-me envolver a intravenosa em uma toalha molhada para que os monstros não pudessem sentir o cheiro dela e deixar tudo sob o jorro da água.

     — Provavelmente devia ter tido mais cuidado com o meu, mas não estava pensando corretamente.

     Seguiu-o até a cozinha, mas se manteve a uma prudente distância. Também havia uma mancha de sangue em sua camiseta. Ele a indicou com um movimento de cabeça.

     — Vai ter que se trocar. Tenho que queimar essa camiseta, junto com qualquer coisa que tenha sangue de Nika.

     Andra viu o sangue, olhou-o com horror, e tirou a camiseta, ficando apenas com seu sutiã esportivo. Era bastante modesto, mas nem de perto quão modesto teria que ser para evitar que Paul a desejasse.

     — Há algo limpo por aqui? — perguntou ela.

     — Ao menos um dos armários dos dormitórios está cheio de roupas. Pegue o que quiser.

     Virou-se para fazer isso, quando um grito atravessou a pequena casa. O grito de Nika.

   Andra abriu a porta do dormitório de repente, incapaz de conter o temor por sua irmã. Estava a apenas vinte passos do dormitório, mas nesse momento, a mente de Andra foi através de todas as horríveis coisas que Logan podia ter feito com ela. Ou talvez não fosse Logan depois de tudo. Talvez os monstros tivessem os encontrado por causa do sangue.

     Quando chegou ao quarto, Nika estava fora da cama chutando e golpeando Logan. Ele estava em frente à janela aberta, bloqueando a saída com o corpo.

     — Ela necessita de mim! — gritava Nika. — Tenho que ir a ela.

     — Estou aqui. — disse Andra, apressando-se a entrar. — Estou bem.

     Os olhos de Nika se encontraram com os de Andra, mas havia pouco da irmã que Andra recordava nesse momento em seu interior. Tudo o que restava era o aterrador desespero de medo. Andra o viu muitas vezes para desejar que tivessem algum tipo de tranquilizante com eles. Essa era a única coisa que tinha funcionado no hospital para acalmá-la de modo que não se ferisse.

     — Você não. — gritou Nika como se lhe doesse. — Tori. Estão fazendo mal a ela.

     Nika arranhou o corpo de Logan, mas ele nem se moveu nem tentou evitar seu assalto.

     Logan fez uma careta e olhou para Andra.

     — Não quero machucá-la, e se tentar detê-la, farei isso. Tem que acalmá-la.

     Nika gritou com frustração e pegou a moldura de um quadro da parede. Lançou-o contra o rosto de Logan. Ele se inclinou para um lado, mas não o suficiente. A moldura se estilhaçou, o vidro se quebrou e um pedaço dele bateu nele, abrindo uma fenda em sua têmpora.

     — Merda. — disse Paul de detrás dela, e correu para o banheiro.

     Nika pegou um pedaço do vidro dentado da moldura quebrada. Tinha uns vinte e cinco centímetros de comprimento e o sustentava como uma arma que estivesse disposta a utilizar. Os braços estavam trêmulos pelo esforço de sustentá-lo, e tremia como se estivesse a ponto de cair.

     Andra se adiantou lentamente.

     — Nika, por favor, baixe o vidro. Vai se machucar.

     Os olhos de Nika estavam selvagens, mas pediam a Andra que a entendesse.

     — Tenho que ir. Tori necessita de mim.

     — Tori se foi, bebê. Ninguém nunca mais vai machucá-la. — dizer as palavras fez que a garganta de Andra se comprimisse com a necessidade de gritar e amaldiçoar como Nika estava fazendo.

     Invejava a habilidade de Nika de deixar-se ir e evadir-se do mundo. Mas Andra tinha que ser mais forte. Permanecer controlada. Era a única que restava para cuidar de Nika.

     Uma fina lágrima desceu pela bochecha funda de Nika, rompendo o coração de Andra.

     — Estão fazendo mal a ela agora. Posso ver. Sentir. Ajude-a, por favor. Salve-a. — Nika ficou olhando para a noite. — Está dizendo seu nome. Não pode ouvi-la?

     Andra fechou os olhos outra vez contra a imagem de sua irmã pequena gritando pedindo ajuda. Tinha oito anos, vestia um pijama rosa, arranhando o braço do monstro que a segurava. Isso tinha acontecido de verdade, e embora tivesse sido há anos, era ainda tão horrível e devastador neste momento como tinha sido então. Andra falhou com a sua irmã e permitiu que os monstros a levassem.

     E agora iam matar Nika também. Lentamente. Horrivelmente.

     Andra engoliu a dor, apertou os dentes para lutar contra as lágrimas, e caminhou para Nika.

     — Tem que deixá-la ir. Sei que é duro de aceitar. Eu mesma levei anos para fazer isso, mas ela se foi, bebê. Procurei por ela durante muito tempo — durante anos — e nunca a encontrei.

     — Eu a vejo.

     — Não é ela. São os monstros mentindo para você, enganando sua mente. Tori não ia querer que sofresse desta maneira.

     Paul saiu do banheiro com uma toalha molhada. Logan trocou a camiseta que comprimiu contra o ferimento pela toalha.

     — Tenho que partir antes que os conduza até aqui. — disse a Paul.

     Paul assentiu, mas manteve os olhos sobre Nika e aquela arma improvisada.

     — Alimentar-me de modo que possa me curar e voltarei o mais breve possível.

     — Se não voltar antes que amanheça, as levarei a Dabyr.

     Logan assentiu e partiu.

     — Dê-me o vidro. — coagiu-a Andra.

     Nika agarrou com mais força o vidro, sua frágil pele somente a alguns milímetros de rasgar-se com a lâmina. Não podia suportar mais ferimentos. Estava muito fraca.

     — Que demônios acredita que está fazendo? — bramou Madoc da soleira. — Logan saiu daqui como se seu traseiro estivesse queimando. O que fez a ele? E por que demônios não me deixou olhar?

     Andra se virou para dizer a ele que estava tentando ajudar a sua irmã, mas ele não estava falando com ela. Estava falando com Nika.

     Cruzou a distância com longos passos, afastou Andra do caminho e disse:

     — Dê-me esta droga de vidro e mova seu traseiro para a cama antes que desabe.

     Nika inclinou o pescoço para olhá-lo e piscou poucas vezes. Então, assombrosamente, ofereceu a Madoc o vidro quebrado.

     Ele o pegou e o jogou sobre a janela sem olhar onde caía, quebrando-se. Estava muito ocupado fulminando Nika enquanto ela se movia lentamente para a cama. Ela se arrastou de novo sobre o colchão.

     Madoc deu um puxão na manta até que esta a cobriu até o pescoço, então assentiu uma vez mais como se estivesse satisfeito.

     Virou-se para Paul.

     — Nem sequer pode manter uma mulher esquálida na cama?

     — Não é culpa de Paul. — disse Andra. — Logan estava vigiando-a.

     — Fodida sanguessuga. — grunhiu Madoc em voz baixa.

     Andra se sentou sobre a cama e verificou as mãos de Nika a procura de cortes. Estava mais pálida que o normal e suava, mas parecia que não estava ferida. De fato, parecia estar novamente calma e ser ela mesma.

     — Está bem? — perguntou Andra.

     Nika assentiu. Tinha os olhos vermelhos de chorar, mas ao menos as lágrimas tinham deixado de cair.

     — Não, ela não está bem. — cuspiu Madoc. — Está malditamente magra. A menina necessita de um hambúrguer com queijo.

     Andra o fulminou com os olhos. Não a importava o quanto fosse enorme, não ia falar da Nika como se a conhecesse.

     — Tem problemas para comer. Retorna ao inferno.

     Madoc revirou os olhos e se sentou em uma cadeira perto da janela.

     — Melhor agora? Estou do outro lado do quarto.

     Nika agarrou a alça do sutiã de Andra recordando-a que não vestia uma camisa.

     — Tem que encontrá-la. Prometa-me que a encontrará.

     Andra reuniu o que restava de paciência.

     — Não posso, bebê. Tori está morta. Quando se sentir melhor, levarei você para ver sua tumba de modo que saiba que é verdade.

     — Buraco vazio, buraco vazio, buraco vazio. — aquele olhar vazio voltou, e Andra quis gritar de frustração e raiva.

     Em vez disso, afastou os cabelos brancos do rosto de Nika e se obrigou a utilizar um tom calmo.

     — Tente dormir um pouco. Logo teremos que ir, e quero que tente comer algo antes de irmos.

     — Sangue não. Não o beberei. Não pode me obrigar. — Nika tinha ido agora, só permanecia uma casca vazia de louco terror.

     Andra tinha visto aquele olhar suficiente vezes para saber que era inútil tentar raciocinar com ela. Sem as drogas que davam a ela no hospital, provavelmente tampouco seria capaz de dormir. Nika estava se consumindo ante os olhos de Andra e não havia nada que pudesse fazer para deter isso.

     A forte mão de Paul apertou seu ombro e o toque de sua pele nua sobre a dela ajudou-a a acalmar-se. Dando-lhe forças para não perder a esperança.

     — Nada de sangue. Prometo isso a você.

     — O pintinho pensa que está alimentando-a com sangue? — perguntou Madoc.

     —Deixe-a. — advertiu Paul. — Não tem ideia do que está acontecendo aqui.

     Madoc protestou.

     — Sei que morrerá se não se alimentar.

     A cólera emergiu dentro de Andra até que não teve mais opção que deixá-la sair. Separou-se da cama e se precipitou para onde Madoc se sentava.

     — Acredita que sabe o que é melhor para Nika quando nem sequer sua irmã ou uma equipe de médicos pôde ajudá-la? Bem. Cuide você dela então. Aparentemente é alguma espécie de perito.

     — Você a mima.

     — Está doente. Precisa ser mimada.

     Madoc se ergueu em toda sua estatura e a olhou de acima com os brilhantes olhos verdes desprovidos de misericórdia.

     — Protegida. Não mimada.

     — Estou protegendo-a.

     — Não de você mesma.

     Andra não podia suportar mais sua arrogância.

     — É um estúpido se acredita que sabe o que é o melhor para ela.

     — Então sou um idiota.

     — Bem. Cuide dela esta noite, mas juro por Deus, se a machucar, matarei você tão lentamente quanto um homem possa morrer. — isso era uma promessa, e sentiu a pesada raiva desta assentar-se nela.

     Cambaleou e Paul a agarrou, sustentando-a.

     Madoc lhe dedicou um frio e vazio olhar.

     — Não deveria fazer promessas que não pode cumprir. Não disse isso a ela Paul quando a vinculou?

     — Ainda não sabe a forma que as coisas funcionam em nosso mundo. — disse Paul. — Mas isso não importa, porque não vai machucar Nika, não é verdade?

     Madoc deu de ombros.

     — Suponho que veremos.

     — Não vou deixar você sozinho com ela. — disse Andra.

     — Claro que o fará. Temos um pacto. E enquanto todos nós fizermos esse tipo de promessas… — Madoc se ajoelhou diante de Andra. Tirou sua espada e cortou-se no peito, sem tirar a camisa. — Minha vida pela sua.

     Graças a Deus que Paul ainda a segurava pelo braço ou teria caído de traseiro então. O juramento de Madoc caiu igual a uma pesada manta sobre ela. Apanhando-a.

     — Que infernos? — exigiu com um pigarro.

     Madoc dedicou a ela outro sorriso vazio.

     — Será melhor que se acostume. Terá mais desta merda quando chegarmos em casa.

     Paul passou uma tranquilizadora mão sobre as costas dela.

     — Não se preocupe com isso. Tudo vai ficar bem. — lançou um significativo olhar ao peito de Madoc. — Limpe-se.

     — Claro que o farei. Assim os dois podem ir para o inferno. A garota louca e eu temos um trabalho a fazer.

     — Ela não vai trabalhar de maneira nenhuma. — disse ela a Madoc enquanto ele ia ao banheiro ao lado.

     Andra se moveu para segui-lo, preparada para golpeá-lo até que deixasse de ser um idiota. Paul se pôs diante dela e ela se chocou com seu corpo rígido.

     — Deixa-o em paz, Andra.

     — Não posso. É minha irmã. Está fraca e não pode cuidar de si mesma.

     — Madoc não a machucará. E alguém precisa ficar com ela de modo que não tente fugir outra vez pela janela.

     — Essa deveria ser eu. — disse Andra.

     — Disse a ele que podia ficar. Agora tem que viver com isso. Tentar detê-lo, só vai machucar você e não posso deixar que isso aconteça.

     Nika tinha se acalmado, mas estava contemplando o teto, os lábios movendo-se uma e outra vez em um silencioso cântico. Andra não tinha sido capaz de fazer nada por ela, mas Madoc parecia ao menos ser capaz de fazê-la escutá-lo. Talvez fosse melhor deixar que ele tentasse as coisas a sua maneira. Nada mais tinha funcionado.

    Exceto quando Paul a ajudou anteriormente e conseguiu que comesse. Talvez pudesse convencê-lo a lhe ensinar como fazer isso, ela mesma poderia ajudar Nika. Ele disse que agora tinha poder, e sabia exatamente como queria utilizá-lo.

     — De acordo. — disse Andra, sentindo uma centelha de esperança.

     — Você sabe o que ela gosta de comer. — disse Madoc quando saiu do banheiro. — Faça algo para ela e deixe fora da porta. Eu conseguirei que coma.

     Andra rogou que sua confiança não fosse em vão.

     — Só tome cuidado com ela.

     — Sim, sim. É frágil e toda essa merda. Já sei. Agora vá embora daqui.

 

     Paul se encarregou de queimar a roupa que ele e Madoc sujaram de sangue em seus juramentos a Andra. Enquanto o tecido queimava, ele encontrou uma camisa limpa para cobrir as tentadoras ondulações dos peitos.

     Quando retornou à cozinha, Andra fazia uma montanha de comida para Nika.

     — Não há maneira de que ela seja capaz de comer tudo isto. — disse.

     — Sei, mas fica muito louca com certas texturas e cores. Desta maneira terá onde escolher. Além disso, não me viria mal uma refeição e pensei que a todos vocês, tampouco.

     Seus movimentos eram bruscos e desajeitados, ele pôde ver um pedaço de pele de cor vermelha intensa onde queimou a mão com algo. Através da luceria, sentiu sua frustração. Seu temor pela vida de Nika. Sua determinação de não deixar a sua irmã.

     Não se atreveu a dizer que ela ia ficar bem. Frequentemente a vida lhe ensinou o contrário. Pessoas morriam todos os dias. No fim, Nika, também.

     — Quero tentar chegar a ela. — disse Andra. — Da mesma maneira que você fez com Sammy.

— Podemos tentar. — ele respondeu.

     A esperança iluminou seu rosto, mas ele levantou a mão antes que ela pudesse entusiasmar-se.

     — Não tenha muitas ilusões.

     — A esperança é a única coisa que tenho agora.

     — Entendo. Acredite. Mas há muitas probabilidades de que não funcione dado que o dano ocorreu há tanto tempo.

     — Não me importa quão pequena seja a possibilidade. Tenho que tentar. Apenas me diga o que fazer.

     — Tem que aprender a controlar meu poder para que possa usá-lo.

     — Como posso fazer isso? — perguntou.

     — Praticando. Vamos sair lá para fora, onde não possamos fazer nada explodir e começar a experimentar coisas para ver o que funciona. Com o tempo, pegará a manha.

     — Com o tempo não é suficiente. Vou ter que me esforçar, até que eu seja capaz de fazer o que for necessário para salvar Nika.

     Paul não ia deixar que ela se machucasse, mas a ideia de que precisasse dele era um pensamento embriagador. Se necessitasse dele, ela ficaria com ele.

     — Não farei nenhum tipo de promessa a você, mas faremos o que pudermos.

     Ela se virou e o olhou com uma espécie de frenético desespero.

     — Isto tem que funcionar, Paul. Simplesmente tem que fazê-lo.

     Nesse momento, Paul soube a verdade. Se Nika morresse, Andra o faria, também. Ela nunca seria capaz de se perdoar ou deixar a dor ir embora e seguir adiante. Os destinos das duas irmãs estavam unidos. Se Paul a queria viva, então tinha que encontrar uma maneira de salvar Nika.

     Assim era isso o que ele faria. Não importa o que lhe custasse.

   Andra seguiu Paul pela noite. A casa estava situada junto à lateral de um campo de milho, escondida detrás de um grupo de altas árvores e espessos matagais. Não podia ver a estrada, ou nenhuma outra casa dali, mas havia um débil resplendor longínquo no céu que ela supôs que pertencia a Omaha.

     Ele a levou para fora da casa, até a borda do milharal. Sua mão era cálida e firme, agarrou-se a ela como a um salva-vidas. Se isso falhasse…

     Não podia falhar. Isso tinha que funcionar.

     — Então, o que fazemos? — perguntou.

     — Em primeiro lugar, tem que conseguir utilizar o poder dentro de mim. Pense nisso como em uma grande piscina cheia de energia e que pode desviar tanto dela de uma vez como deseja.

     — Como posso chegar a ela?

     Ele deslizou um dedo sobre a faixa ao redor do pescoço dela.

     — A luceria nos conecta. — levantou a mão e mostrou o anel do conjunto a ela. — O poder pode fluir através deles, de meu anel a sua gargantilha.

     Andra quase podia ver o que aconteceria, enquanto ele explicava. Era como se tivesse nascido com o conhecimento instintivo do que devia fazer, e esse conhecimento acabasse de despertar em seu interior.

     — Experimente com algo simples no princípio. — apontou para um madeiro que se sobressaía do chão. — Tente incendiá-lo.

     — Como?

     — Feche os olhos e relaxe.

     Andra fez isso e sentiu seu corpo mover-se até que ele ficou de pé detrás dela. Sua voz era tranquila na escuridão, fluindo sobre sua pele como uma brisa. Os grilos cantavam ao redor e um vento suave sussurrava através do milharal. Podia sentir o cheiro da riqueza da terra elevando-se do quente chão, sentir o corpo forte de Paul apertando-se contra suas costas.

     Suas mãos acariciaram os braços dela em um lento e preguiçoso ritmo que acalmava os batimentos de seu coração. A pele das suas mãos era um pouco áspera, totalmente varonil.

     — É isso. — disse no ouvido dela. — Está fazendo muito bem. Agora, quero que se enfoque na luceria. Sinta seu peso contra sua pele, sua calidez, como mantém seu calor junto a seu corpo.

     Fez isso. Podia sentir isso e muito mais. Emitia uma sutil vibração, tão fraca que não tinha percebido antes. Era como se a gargantilha estivesse tremendo, a ponto de explodir pela energia. A mente de Andra tocou aquela energia e como um choque de eletricidade, deu uma aguda sacudida nela. Retrocedeu e deixou escapar um pequeno uivo.

     As mãos de Paul se apertaram em seus braços e a manteve em seu lugar.

     — É muito, sei. Sinto muito, mas não há outra maneira. Provavelmente vai doer um pouco.

     Como perder a virgindade. O melhor é simplesmente apertar os dentes e acabar de uma vez para poder chegar a melhor parte.

     Andra se obrigou a chegar até o fluxo de energia uma vez mais. Preparou-se para o choque, daquela vez não foi tão ruim. Aceitou a dor e deixou que fluísse sobre ela, deixando que a enchesse.

     — Bom. Agora vamos por isso. Libere o poder para que possa queimar o madeiro.

     Andra não estava muito segura de como fazê-lo, mas supôs que seria melhor que apontasse corretamente. Não desejava colocar fogo na casa ou chamuscar os dedos dos pés.

     Olhou o madeiro e imaginou que era o Super-Homem, enviando um raio de calor com os olhos. Isso não estava nem sequer perto do que aconteceu. Não houve nenhum raio de luz e o madeiro não explodiu em chamas, mas começou a fumegar enquanto sentia dissipar o poder em seu interior, fazendo-a sentir-se mais leve.

   A vitória se apoderou dela e pulou de emoção por isso, só para encontrar-se caindo no caminho, as pernas já não podiam sustentá-la.

     Os grossos braços de Paul a agarraram e a baixaram ao chão.

     — Com calma, agora.

     A cabeça de Andra dava voltas e sentia o corpo diluído, mas apesar disso tinha feito. Tinha golpeado ligeiramente uma fonte de poder que poderia salvar Nika.

     Paul a colocou no colo como se fosse muito delicada para acomodar-se, o que a fez sorrir. Nunca tinha conhecido um homem que a fizesse sentir-se tão feminina como ele fazia. Tinha trabalhado e desenvolvido os músculos porque necessitava da força para lutar contra os monstros, não porque gostasse. De fato, seria bastante agradável não ter que levantar pesos durante horas todas as semanas só para sentir que tinha uma chance de lutar pela sobrevivência. Com Paul e sua mortal espada por perto, talvez não tivesse que fazer isso.

     Só eram três dias, recordou-se. Nada mais. Não devia emocionar-se tanto por mudar seu estilo de vida só porque um homem estava hoje por perto. Isso não significaria quase nada manhã.

     Tinha que manter-se forte e continuar pressionando. Nika necessitava dela.

     — Vamos outra vez. — disse Andra.

     — Dê-se um minuto. — respondeu ele enquanto deslizava o dedo polegar sobre seu braço.

     Seu toque era agradável. Talvez muito agradável. Estava quase satisfeita de sentar-se ali toda a noite e deixar que ele a tocasse. Abraçasse-a.

     E quem sustentaria Nika? Seguro como o inferno que não seria Madoc.

     — Estou bem para continuar. — disse. — Qual é o próximo?

     — Que tal se eu a ensinar a ver na escuridão?

     — Prefiro aprender como ajudar Nika.

     Ele sacudiu a cabeça.

     — Isso é complexo. Vai levar um tempo.

     — Eu não tenho tempo. Nika não tem tempo. Está morrendo.

     — Sei, mas não há muito que possa fazer. Não pode começar lançando ao redor o tipo de poder que vai receber para ajudá-la. Ainda não. Nossa conexão é muito nova e pequena. Poderia terminar prejudicando-a.

     — Então vamos expandi-la.

     — Não é tão simples. Estas coisas levam tempo.

     Estava escondendo algo dela. Podia sentir.

     — Há algo que não está me dizendo. O que é?

     — Estou protegendo você.

   — Não necessito que me proteja. Necessito de você para proteger Nika.

     Pôs a mão em sua face, sentir seu toque era tão bom. Correto. Um zumbido de força fluiu para ela e quis mais.

     — Primeiro tem que chegar.

     — Então me ensine como obter poder o suficiente para ajudá-la. Sem ela, não tenho nada.

     Apertou a boca em uma sombria e lisa linha.

     — É muito cedo. Não podemos forçar isso.

     — À merda com isso. Quero forçar.

     Não podia continuar sentada em seu colo. Tinha que levantar-se e pôr um pouco de distância entre eles antes que fizesse algo que lamentaria, como dar um murro nele por não cooperar.

     Paul a seguiu. Seus olhos obscurecidos por um rico, marrom chocolate, como se a ideia de ir muito rápido, atraísse-o.

     — Não é inteligente. Não vou aceitar o risco de que possa se ferir.

     — Não é sua escolha. Vou fazer o que for necessário para ajudar Nika. Não importa quão perigoso seja. Se não puder salvá-la, nada importa. Não entende?

     — Entendo. Mais do acredita.

     — Então me ajude.

     Paul deu um passo para frente. Apoiou a palma da mão contra seu peito, justo abaixo da luceria e sobre a curva de seus seios.

     — O que está fazendo? — perguntou.

     — Estou dando o que você quer. Mais poder.

     — Isto parece uma maneira estranha de…

     Uma sacudida de quente energia rasgou através dela, passando como um raio de onde o anel se mantinha perto de sua pele com apenas a malha da camisa entre eles. A sacudida não era exatamente dolorosa, mas era um inferno de primo próximo.

     Andra estava respirando com dificuldade, tremendo. Débil. Sentia-se como se acabasse de correr um quilômetro e meio subindo uma ladeira depois de um ataque de gripe estomacal.

     — Dizia? — perguntou Paul, com um presumido e amplo sorriso levantando sua voz.

     — Foi suficiente? — perguntou ela, rezando para que assim fosse. — Claro que não me sinto mais forte.

     — Dificilmente. Trata-se de uma mera faísca. Se quiser ajudar Nika, vai precisar tomar muito mais que isso. Além disso, terá que aprender a canalizá-la.

     Andra não estava segura de quanto mais poderia tomar, mas sabia quanto mais precisava tirar dele, o suficiente para recompor Nika.

     — Então me mostre.

     Olhou-a nos olhos, com uma expressão muito séria.

     — Tenha certeza, Andra.

     — Estou segura.

     — Coloque a palma de sua mão no chão. — disse Paul.

     Ajoelhou-se no chão e cravou os dedos através da erva seca para poder sentir o caminho de terra. Ele se ajoelhou ao seu lado e sua mão cobriu a dela em seu lugar.

     — Agora, feche os olhos. O que sente?

     — Restolho s. É cálida. Um pouco úmida. Há uma rocha debaixo de meu dedo.

     — Isso é só a superfície. Veja mais profundo.

     — Não posso tocar nada mais profundo.

     — Tampouco poderá tocar a mente de Nika, mas tem que aprender como sentir o caminho em seu interior.

     Andra tinha seus motivos. Não disse a ele que esteve bisbilhotando no interior dos pensamentos dos meninos perdidos durante anos. Tudo o que ela era capaz de fazer com eles não funcionava com Nika — tinha tentado — por quem se obrigou a concentrar-se. O corpo dele estava quente e duro contra o dela. Era mais fácil sentir sua musculosa coxa roçando-a do que sentir o interior da terra, mas continuou tentando. Pensou sobre como seria estar dentro da terra, tudo escuro e pesado, mas sentia que ainda não estava certo.

     — Sinto muito. Não sinto nada.

     — Isso é porque está fazendo por sua conta. Tem que usar meu poder. Extraia-o de mim.      

     — Não sei como.

     — Eu ajudarei você. — disse Paul.

     Estendeu a mão sobre sua nuca e sentiu o anel bater contra o colar, aderiram-se como um ímã. Inclinou-se sobre ela até que pôde sentir seu fôlego abanar sua face, pôs sua mão livre junto a sua no chão. O pescoço esquentou sob a faixa e aquela calidez se estendeu por seu braço e por cada dedo. Não era como a sacudida anterior. Era mais suave, ou talvez apenas o sentisse dessa maneira porque o poder estava sendo drenando dela ao chão.

     — Pode sentir o chão exatamente debaixo da ponta de seus dedos?

   Andra assentiu. Aquela parte foi fácil.

     — Debaixo disso há uma capa de rocha gretada. As raízes das plantas escavaram seu caminho através de pequenas fendas, absorvendo a água que fica presa ali cada vez que chove.

     Andra fechou os olhos e tentou ver o que ele descrevia.

     — Uns trinta metros mais abaixo há uma grossa camada de pedra. Pedra antiga que esteve aqui desde antes que meus avós tivessem nascido.

     A cada palavra, o poder que fluía em seu interior parecia aumentar. Podia senti-lo expandindo-se para encher o braço e que vibrava mais rápido a cada segundo que passava.

     — Vê? — perguntou em um sussurro.

     — Posso imaginar isso, mas não posso ver.

     — Não está retendo-o. Meu poder está fluindo através de você, mas não está usando-o.

     — Sinto muito, mas não sei o que estou fazendo errado.

     — Nada. A falta de adequação é minha, mas posso arrumar isso. — tomou uma profunda respiração. — Não resista. Será mais fácil se o aceitar.

     Não sabia o que queria dizer até que sentiu uma pressão dentro do crânio como se algo tentasse abrir passagem ao interior. Os instintos lutavam contra a invasão, mas tentou deixar que passassem.

     — Relaxe. — ouviu-a chiar com um tom de dor.

     Deixou escapar o ar que estava retendo e insistiu em relaxar os músculos tensos. Não ia machucá-la. Paul nunca faria mal a ela.

     A pressão na cabeça se libertou repentinamente e pôde sentir um fragmento dele dentro de sua mente.

     — Apena me deixe tomar o leme. — disse.

     As palavras ressoaram em sua cabeça, assim como nos ouvidos. Era estranho, mas agradável, também. Sentia-se protegida. A salvo.

     Andra fez o que ele pediu e deixou a mente vagar.

     — Deus, é bonita. — sussurrou em seus pensamentos. — Desinteressada. Forte. Valente. Sinto-me subjugado.

     Não tinha nem ideia do que ele estava vendo, mas começou a sentir-se incomodada com a ideia de que pudesse olhar em seu interior.

     —Não. Não brigue comigo. Deixarei de bisbilhotar, juro isso a você.

   A presença dele em sua mente retrocedeu e sentiu que ele manteria sua palavra. Andra relaxou de novo e o deixou no comando.

     — Preparada? — ele perguntou.

     Estava, mas não tinha que dizer as palavras. Ele fazia parte dela e já sabia.

     — Aqui vamos.

     Sentiu outra terrível sacudida, só que esta foi menos dolorosa, mais como uma onda de pressão ao passar por ela. Sentia os olhos como se tivessem sido empurrados da cabeça, mas também se produziu um estranho zumbido neles. Tinha as pálpebras fechadas, mas viu algo enorme que espreitava em frente a ela.

     A rocha.

     — Posso ver. — sussurrou.

     — Bom. Diga-me o que vê.

     Não estava segura de que caminho seguir, por isso desceu mais, penetrando no atalho através da sólida rocha até que chegou a parte de baixo.

     — Água. — disse. — Há uma grande quantidade de água aqui embaixo. E algo brilhante. — ou ao menos seria brilhante se houvesse alguma luz. — Como posso ver sem luz?

     — Não está vendo realmente; entretanto, percebe-o como se estivesse vendo-o, dado que o estímulo visual é o que sua mente utiliza para a interpretação.

     — Isto é tão tranquilo.

     Sentia-o sorrir em sua orelha, notando sua presença reluzir com calidez dentro da sua mente.

     — Agora, quero que retroceda até que esteja perto da terra outra vez, quase na superfície, mas não de tudo.

     Pouco a pouco, Andra fez o que ele pediu.

     — Agora, sente todas as sementes no chão?

     — Sentir as sementes? — Andra escavou ao redor, tentando averiguar o que ele queria dizer, quando tropeçou com uma. Vida. O potencial de vida dentro da pequena mancha era incrível. Poderosa e decidida, esperando pacientemente o momento adequado.

     — Isso é tudo. — disse em voz baixa. — Agora diga a ela que cresça.

     — O quê?

     — Diga à semente que germine. Traga a água do chão e a convença a crescer.

     — Como posso falar com ela?

     — Apenas tente. Guiarei você.

     Andra manuseou a pequena coisa com a mente, estimulou-a, para despertá-la. Não aconteceu nada.

     — Não está funcionando.

     — Isso é porque não está me usando. Tire de mim a força necessária para fazê-la escutar.

     Tampouco sabia como fazer isso, porém sentia como se devesse saber.

     Um quente aro de poder brilhava ao redor de seu pescoço, assim foi lá primeiro. A luceria poderia desviar o poder dele. Foi isso o que ele disse. Concentrou-se no aro e se imaginou conectando um cabo a ele como fez a sua TV. No princípio, não acreditou que tivesse acontecido nada, mas logo sentiu outra daquelas ondas banhando-a.

     Deixou escapar um gemido e agradeceu a Deus que já estivesse no chão. Economizou-lhe um pouco de tempo, já que era onde tinha que ter terminado de todo modo. Sua cabeça dava voltas como se alguém tivesse dado um bom giro em seu cérebro, mas tinha se conectado ao poder de Paul e ficou dessa maneira. Podia sentir o enorme oceano de força profundamente dentro dele, só esperando por ela.

     E o queria. Ansiava por ele. Aquele oceano poderia salvar Nika e se pudesse ter encontrado uma maneira, teria drenado cada pedacinho dele.

     O problema era que parecia que não podia chegar a ele, ou ao menos não muito.

     — Não estamos próximos o suficiente. — disse — Não estamos unidos da forma que precisamos estar para que consiga o que quer. Ainda.

     Se era uma promessa ou uma advertência, não tinha certeza, mas o sentiu deslizar-se para fora de sua mente, deixando-a estranhamente só de novo.

     Abriu os olhos para olhá-lo e perguntar o que queria dizer, mas não chegou tão longe. O exuberante e rico tapete de ervas e flores sob seus corpos a distraiu. Inclusive na escuridão, pôde ver as cores vibrantes das flores silvestres que não estavam ali alguns minutos atrás.

     — Eu fiz isso? — perguntou a ele.

     — Claro que sim. — ficou de pé e pôs muita distância entre eles.

     — Assim, agora estou preparada? — perguntou ela. — Posso ajudar Nika?

     — Ainda não, mas logo.

     — Logo quando?

     Deu de ombros e afastou os olhos.

     — Depende.

     — Do quê?

     Ele enfiou as mãos nos cabelos revoltos e se afastou. Tratava-se de uma manobra evasiva e ela sabia.

     Andra o agarrou pelo ombro e o fez girar.

     — Depende do que, Paul?

     — Estamos precipitando as coisas. Temos que reduzir a velocidade.

     — Não. Não há tempo. Sou uma aluna rápida. Vamos terminar com isto.

     A boca dele se retorceu como se tivesse provado algo asqueroso.

     — Não é dessa maneira que funciona. Não pode simplesmente abrir caminho, como explodir através de uma escopeta. Necessita-se de tempo.

     — Temos três dias. Isso é suficiente?

     — Provavelmente não. — disse enquanto se afastava de novo, deslizando os olhos para a terra.

     — O que está escondendo de mim?

     Paul a olhou por cima do ombro e lhe lançou um sombrio e resignado olhar.

     — Sinto muito. Não ajudarei você a fazer isto. Não deixarei que se machuque.

     A frustração se levantou dentro dela e a empurrou com cólera nele. Mesmo sendo infantil, queria que sofresse tanto quanto ela o fazia, queria que ele soubesse como era ter tão perto os meios para ajudar Nika e ao mesmo tempo tão longe.

     Andra sentiu a frustração e a ira deslizar-se através de sua conexão e viu como seu rosto se obscurecia , enquanto ele sofria pelo remorso, com o sentimento de impotência que o obrigou a suportar.

     Segundos depois de que o tivesse feito, já se sentia mal. Não era culpa dele que não pudesse fazer isto. Era sua. Sempre foi culpa dela quando falhava.

     Instintivamente, estendeu-se por sua mente, com vontade de pedir perdão a ele, com a esperança de acalmá-lo. Deixou-a entrar e seus olhos se fecharam como se gostasse da sensação de tê-la em seu interior.

     Andra roçou seus pensamentos. Havia tantos sentimentos intensos, tantos, que mal podia dar sentido a nada. Viu sua necessidade de mantê-la segura brilhando como um farol, sombreando todo o resto. Aquela devoção era humilhante e não tinha nem ideia do por que ele se preocupava tanto com sua sobrevivência. Tinha algo a ver com a energia pulsando dentro dele, mas não podia catalogar o suficiente o nó de pensamentos e sentimentos, para averiguar isso.

     Também havia algo mais iminente dentro dele. Algo mais sombrio que escondia detrás desse farol. Andra se esticou para alcançá-lo e sentiu um indício de conhecimento piscando, conhecimento que estava escondendo dela.

     Curiosa, Andra se aproximou dele e o estudou. Ela sentiu Paul tentar empurrá-la para fora de sua mente, mas se arraigou e se negou a partir. Ela precisava inteirar-se do que era aquela coisa que estava escondendo e por que era tão importante para ele mantê-la afastada dela.

     — Isso é suficiente. — ouviu-o dizer, mas não deu importância.

    Ela protegeu os olhos da resplandecente luz e tomou o controle dos conhecimentos ocultos com mãos de ferro.

     Seu poder. Ela poderia ter todo ele se estivesse suficientemente perto dele. Era isso o que ele esteve escondendo.

     — Não está preparada. — protestou através dos dentes apertados. — É muito cedo.

     Confiança, amor, intimidade. Era isso o que precisava ter para fortalecer o suficiente a conexão para que ela salvasse Nika. Não é de estranhar que dissesse que levaria tempo. Essas coisas não se podiam conseguir da noite para o dia. Ao menos, não todas elas.

     Intimidade. Sexo. Podia compartilhar isso com ele.

     Andra sentiu outro forte impulso contra ela quando tentou averiguar a verdade.

     — Eu não quero que se prostitua dessa maneira.

     — Não é como se eu não o desejasse. — disse ela, embora não pudesse dizer se estava falando com a voz ou com a mente. — Normalmente não tenho relações sexuais com homens a quem acabo de conhecer, mas vou fazer uma exceção com você. — por Nika.

     — O sexo e a intimidade não são necessariamente a mesma coisa.

     — Talvez não, — disse. — mas só há uma maneira de averiguar se estão suficientemente perto.

     Paul gemeu e ela sentiu uma onda de desejo elevando-se em seu interior, eclipsando aquele farol que brilhava intensamente.

     — Eu não quero que seja assim entre nós. Queria fazer o correto desta vez.

     — Correto é tudo o que funciona. — faço qualquer coisa para salvar Nika.

     — Eu não quero fazer sexo com você porque pensa que salvará sua irmã. — disse.

     — Então, não faça por isso. Faça sexo comigo, porque eu quero. Porque você o deseja, também.

     E para ter certeza de que ele o fizesse, aninhou o corpo contra o dele. Embora presa dentro de sua mente, não podia vê-lo com claridade, mas podia sentir o calor de seu corpo, sentir seus poderosos músculos tremendo enquanto lutava contra si mesmo.

     Com uma quase violenta força de vontade, Paul a empurrou de seus pensamentos e ela aterrissou duramente de volta ao interior de seu corpo. Por um breve momento, o lugar pareceu estranho para ela, não se parecia com o lar que sempre foi. Mas logo que sentiu, a sensação desapareceu e tudo voltou à normalidade.

     Paul, de pé ante ela, com as mãos fechadas ao redor de seus bíceps. Ela podia sentir seus braços tremendo como se não pudesse decidir se devia puxá-la para mais perto ou afastar-se dela.

     Andra não necessitava de nenhuma ajuda para decidir o que queria. Estava de pé diante dela, uma embriagadora combinação de nobre sacrifício e bruta potência física. Era o tipo de homem com o qual as mulheres só podiam sonhar, dos que só existiam na fantasia e, entretanto ele estava de pé diante dela, sólido e real, e com a resposta a cada uma de suas orações.

     Estendeu a mão e entrelaçou os dedos ao redor de seu pescoço. Ele deixou cair às mãos aos lados e apertou os punhos. Tinha os braços rígidos e imóveis, mas Andra não cedeu. Aproximou-se nas pontas dos pés e deu um suave beijo na comissura de sua boca.

     Ele apertou os lábios, embora ela sentisse seu abdômen retesar-se e soube que estava lutando contra si mesmo. Desejava-a.

     — Tudo o que tem que fazer é se render. Dê-me o que quero. — sussurrou ela.

     Paul apertou os fechados olhos e aspirou um rápido fôlego.

     Andra se deslocava lentamente, beijando o caminho ao longo de sua angular mandíbula até que chegou a seu pescoço, exatamente debaixo da orelha. A língua dava leves golpes, mal roçando a pele.

     — Sei que você também deseja isso.

     — O que desejo não é importante.

     Estava sem fôlego e jurou que podia ouvir sua decisão debilitar-se a cada pulsar do coração.

     — É para mim. Sei que tomará cuidado comigo.

     Andra pegou o punho dele entre as mãos e afrouxou seus dedos. Beijou a palma de sua mão, depois instalou a mão sobre seu coração para que os dedos dele segurassem a curva do seio.

     — Confio em você.

     Essas três palavras o destroçaram. Sentiu que ele desmoronava e seu rosto mudou de uma máscara de incisiva determinação a um semblante de implacável fome. Agarrou um punhado de seus cabelos curtos e inclinando sua cabeça para trás obrigou-a a olhá-lo nos olhos. Não havia piedade ali. Já não.

     Sua voz era um murmúrio, quase ameaçador em sua ferocidade.

     — Não diga que não a adverti.

     Andra ia conseguir o que queria. Só esperava que fosse mulher o suficiente para tomá-lo.

 

     Madoc estava preparado para sair como um raio do quarto e deixar que Nika se alimentasse sozinha.

     A temerosa pintinha lunática quase escaldou seus colhões com uma tigela de sopa, e agora tinha posto os olhos na colher como se também tivesse planos para utilizá-la.

     — Nem pense nisso. — advertiu-a.

     Nika o fulminou com os olhos.

     — Não vai me obrigar a beber seu sangue sem importar o quanto o disfarce bem.

     Até agora, tinha sido o “Senhor Encantador” ou ao menos encantador segundo ele, mas isso não estava funcionando, assim era hora de passar para o plano B.

     — Não é meu sangue. Os Sanguinar não podem tê-lo e você menos ainda. Agora baixe a droga dessa coisa e coma algo.

     Nika apertou os lábios. Talvez não tivesse querido desafiá-lo assim, mas por desgraça. Ela o tinha feito.

     Madoc observou seu corpo frágil corpo. Odiava manipulá-la. Parecia que ia se partir em duas se roçasse sua pele, por isso tinha tomado cuidado de não fazê-lo, nem sequer por acidente.

     Mas que escolha ele tinha agora? Tinha que conseguir que comesse algo ou ia cair morta, e isso não podia acontecer. Ela talvez fosse capaz de salvar a vida de um de seus irmãos.

     Talvez inclusive a dele.

     Madoc olhou seu anel outra vez, pela bilionésima vez nos últimos dez minutos. Nada. Nada de redemoinhos de cores, nem vibrações. Nenhuma fodida coisa. Tudo o que via era a pouca cor que restava e que se desvaneceu inclusive mais desde ontem, as cores morriam ao mesmo tempo em que o fazia sua alma.

     Uma selvagem labareda de raiva o inundou até que quis gritar, quebrar os móveis e dar murros nas paredes até que só restasse pó e sangue. Não era justo. Depois de todos aqueles séculos de leal serviço, de trabalhar, suar e sangrar para cumprir seu juramento, não era justo que ela não pudesse ser a única que o salvasse. Libertasse-o de sua dor.

     Esta era uma doentia brincadeira de Solarc, não havia dúvida. Alguém tinha que atravessar o portal e dá um forte pontapé no traseiro do rei de Athanasia. Madoc não se importava de ser um descendente do Solarc.

     O infeliz merecia uma boa surra.

     Um suave ofego atraiu sua atenção de volta a Nika. Ele tinha quebrado a colher que estava segurando, dobrando-a até que já não servia para nada.

     Merda. Ao menos não havia tocado nela. Faria o mesmo com seus dedos ou seu braço.

     Madoc lançou a colher através do quarto. Os olhos azuis de Nika se abriram desmedidamente e tentou afastar-se dele cruzando a cama.

     Não mais. Já estava cansado daquele jogo.

     —Basta desses fodidos rodeios, Nika. Vai comer e ficar forte e descobriremos a qual dos homens pode salvar quando voltarmos para Dabyr. Entendido? Não vou permitir que morra de fome.

     Ela ainda tinha os olhos muito abertos e tremia, e o conhecimento de que tinha sido ele quem provocou isso fazia que cada porção de sua alma estremecesse de repugnância.

     Madoc respirou profundamente e reuniu cada pedacinho de paciência que pôde encontrar. O que realmente precisava era passar algumas horas puxando ferro, depois umas poucas mais bombeando em uma mulher. Não precisava brincar de enfermeira.

     Mas o era, e estava preso, assim se esticou lentamente e envolveu com a mão o pulso dela, que era tão grosso quanto dois de seus dedos e muito mais frágil. Nika congelou em seu agarre e seus olhos reviraram. Todo seu corpo começou a sacudir-se e ela deixou escapar um grito de dor.

     Madoc a soltou como se estivesse em chamas.

     — Oh, Deus. Sinto muito. — ouviu-se dizendo a si mesmo, esperando que o sangue começasse a sair do braço onde a tocou. Devia ter quebrado um osso ou algo, mas não via sinal algum de ruptura. Nem sequer uma marca vermelha.

     Ela se lançou ao outro lado da cama, fazendo voar comida para todos os lados. Quando começou a deslizar-se de lado, Madoc se apressou a rodear a cama e segurá-la antes que caísse.

     Possivelmente tinha tido algum tipo de ataque e não tinha nada a ver com ele.

     Sim, claro. E ele ia viver feliz para sempre, rodeado de coelhinhos, gatinhos e cachorrinhos e todo o algodão doce que pudesse comer.

     Se não fizesse algo, ia machucar a si mesma, assim arrastou-a para a cama e envolveu seu corpo com as mantas, usando os braços e pernas para puxar o tecido, tomando cuidado para não tocá-la de novo.

     Lentamente, o tremor parou e seu corpo ficou imóvel. Ele ainda não podia assegurar se estava respirando e o pânico o cobriu até que começou a suar por todos os poros.

     Madoc pressionou o ouvido sobre seu coração, desesperado por ouvir um batimento, sentir seu peito elevando-se com a respiração. Algo.

     Passaram os segundos e pensou que havia sentido algo, mas não estava seguro. Então ouviu um tênue batimento e seu pequeno e túrgido mamilo se pressionou contra a face dele quando ela respirou.

     Madoc fechou os olhos de alívio. Não tinha matado-a.

     Ela mudou de posição contra o agarre das mantas, assim que ele se levantou, ainda montando escarranchado em suas pernas, mas sem colocar nenhum peso sobre ela.

     Sua pele estava pálida e seus olhos estavam frágeis, mas ela o olhou, e pela primeira vez naquela noite, pareceu lúcida.

     — Sede. — sussurrou ela com voz seca. — Posso tomar um pouco de água?

     Madoc assentiu e saltou da cama. Recolheu o copo que estava no chão, lavou-o e o encheu no lavabo do banho. Quando voltou, viu Nika tentando sentar-se sem conseguir. Seus braços não eram fortes o bastante para suportar inclusive seu insignificante peso.

     O que queria dizer que teria que tocá-la outra vez. Droga, não queria fazer isso. Não é que o que ele queria houvesse realmente importado alguma vez no esquema das coisas.

     Ele baixou o copo e deslizou o braço detrás dos ombros dela para recliná-la. Estava tão ossuda quanto o inferno e pesava tão pouco quanto sua alegre disposição. Sustentou o copo de modo que não o derramasse, não é que fosse importar com o desastre de comida que já cobria a cama.

     Ela esvaziou o copo e caiu como se esse pequeno esforço a tivesse drenado.

     — Obrigado. — disse, e ainda parecia lúcida.

     Isso o assustava mais que só um pouco.

     — Posso pegar algumas torradas ou bolachas?

     — Quer comer? — perguntou Madoc, incapaz de ocultar a surpresa.

     — Se não for muito problema.

     Problema? E que merda pensava que havia sobre toda a cama? A ele isso parecia um enorme inferno de problemas.

     — Vai jogar isso em mim ou tentar cortar meu pênis com a borda da bolacha?

     Esta vez foi ela quem o olhou como se fosse ele o louco.

     — Essa não é minha primeira escolha, não. Prefiro comer.    

     Tinha chegado um pacote de bolachas junto com todas as outras comidas. Madoc o encontrou sob uma tigela de macarrão com queijo e limpou a maioria do desastre com sua camiseta, acrescentando-o a mistura de comida que já estava seca nela. Rasgou o plástico para abri-lo e o estendeu a ela.

     Ela se esticou para ele, mas sua mão tremia tanto, que Madoc a afastou.

     — Eu farei isso. — disse, soando aborrecido.

     Tirou uma bolacha salgada e a aproximou da boca dela. Ela deu uma dentada, mastigou, e seus olhos se fecharam com um ditoso gemido.

     — Deus, isto está bom.

     Madoc franziu o cenho ante o pacote e o olhou, procurando o ingrediente secreto que a fez tão feliz. Fosse o que fosse, teria gostado de cobrir-se com isso e deixá-la lambê-lo…

     Inferno. Não ia por esse caminho com ela. Nem em um milhão de anos. Nem sequer se todas as prostitutas sobre a face da terra morressem e ele não tivesse ninguém com quem transar.

     Nika era pura. Preciosa. Frágil. E não era dele.

     Além disso, não gostava dos pintinhos ossudos. Ao menos, acreditava que não gostava. Seu pênis pensava de forma diferente, mas é que sempre teve uma mente própria.

     — Mais? — ela pediu.

     Madoc a alimentou com outra dentada e observou-a comer. Era bastante bonita, embora pensasse que com uns nove ou treze quilogramas a mais seria realmente maravilhosa. Ficando fora de seu alcance.

     Além disso, mesmo que ela estivesse forte, provavelmente ainda seria muito frágil para o tipo de sexo que gostava de ter: duro, rápido e frequente. Infernos, provavelmente era o tipo de mulher que queria que depois se grudasse a ela e a abraçasse, também. Não podia suportar aquela merda. Ele apenas queria meter e tirar.

     A linha de pensamentos fez que seu pênis palpitasse e o restante da bolacha se converteu em pó em seu punho. Ele mudou os quadris de posição de modo que ela não pudesse ver sua ereção e pegou outra bolacha.

     Depois de comer seis bolachas, ela suspirou como se estivesse cheia.

     — Acredita que eu poderia convencê-lo a me dar um banho? — perguntou, olhando para as manchas de comida da roupa. — Estou um desastre.

     — Tem certeza que se manterá em pé?

     — O que sei, é que não dormirei toda a noite com esta imundície.

     — Sim, o que diga.

     — Se não tiver tempo, tenho certeza que Andra me ajudará.

     De forma alguma. Este era seu trabalho naquela noite e o estava fazendo malditamente bem.

     — Ela está ocupada.

     Nika lhe dedicou um cenho ferido que o fez querer beijá-lo para apagá-lo.

     Nossa. Realmente estava perdendo a cabeça. Desde quando queria beijar alguém? Nem sequer podia suportar beijar a mulher que fodia.

     Uma esperançosa suspeita se iluminou nele e baixou os olhos para seu anel outra vez procurando algum tipo de sinal. Nada. Nenhuma maldita coisa.

     A esperança morreu com rapidez, que era exatamente como devia ser.

     Não diga que não a adverti.

     Andra estava tendo sérios pensamentos a respeito de seduzir Paul, persuadi-lo para que se atrevesse a fazer sexo com ela. Algo nele tinha mudado no momento em que lhe deu essa advertência. Via-o em seus olhos era um tipo de brilho predador que acendia as aparas douradas. Inclusive sua postura tinha mudado. Já não estava lhe oferecendo comodidade. Seu agarre sobre ela era quente e duro. Possessivo.

     Andra tentou mudar de posição, só para que seu apertão se tornasse mais forte. Seu braço grosso a envolvia e a sustentava no lugar. Tinha a outra mão ainda enterrada em seus cabelos, sustentando-a tão forte que quase a machucava. Provavelmente teria podido escapar se realmente tivesse posto a mente nisso, mas não estava segura de que sua fuga pudesse durar. Ele emitia com força aquela predatória ansiedade, advertindo-a de que se fugisse, iria atrás dela. E aquelas pernas longas e poderosas não teriam problemas para alcançá-la.

     — O que está fazendo? — ela perguntou.

     Sua voz foi baixa, assim ela teve que esforçar-se para ouvi-lo acima do canto dos grilos.

     — Estou dando o que você quer. O poder para ajudar Nika.

     — Bom. Certo. Posso me encarregar disso.

     — Seja qual for a consequência? — disse ele, e acariciou a orelha dela com a boca, suas palavras vertendo-se nela igual a uma sombria sedução.

     O estômago de Andra se contraiu a sua boca secou. Assentiu.

     Ele soltou seus cabelos e moveu a mão ao redor de seu corpo até que rodeou sua garganta com os dedos, cobrindo a luceria. As faíscas saltaram das pontas dos dedos e se afundaram nela, escorregando por seu corpo até cair na terra. Ela se retesou ante a intensidade, mas Paul a acalmou com pequenos movimentos do polegar.

     — Shhh. Pararei se quiser, e iremos para dentro. Podemos tentar outro dia.

     Não restavam muitos dias para Nika se as coisas não mudassem.

     — Apenas faça. Eu posso com ele.

     Ele riu entre dentes e ela sentiu a vibração até os dedos dos pés. Aquele homem lhe subia rapidamente à cabeça e não tinha certeza de como guardar isso para ela.

     Seu polegar continuou acariciando-a em uma preguiçosa trajetória sobre o pescoço. Ela lutou contra o impulso de retorcer-se, para que de algum modo, ele se movesse mais para baixo.

     — Tão valente no exterior. Mas eu sei como se sente realmente. Seu coração está enlouquecido. — disse a ela. — Quase penso que tem medo.

     O orgulho se elevou em seu interior, fazendo-a endireitar as costas.

     — Não estou assustada. Simplesmente não sei o que está fazendo.

     — Sim, sabe. — disse baixando a cabeça para a dela.

     Aquele não foi um amável e sedutor beijo como antes. Aquele era quente e exigente, e roubou todo o ar dos seus pulmões. Ele empurrou a língua em seu interior e pressionou o corpo sobre o dela, obrigando-a a separar as pernas para dar lugar a ele.

     Provavelmente deveria ter empurrado ele para que se detivesse, mas não queria, que Deus a ajudasse. Queria o que ele lhe dava e mais ainda.

     Um momento depois, uma onda de energia acometeu através dela e a deixou trêmula com sua passagem. Sentia como se o corpo estivesse em chamas, queimando do interior para fora. Um faminto vazio se assentou em seu baixo ventre e precisava encontrar a maneira de detê-lo. Por não estar acostumada a relações a longo prazo, Andra conhecia a frustração sexual, mas isto ia além de qualquer coisa que houvesse sentido antes. Isto não era um desejo, e sim uma necessidade, como a de respirar.

     Não tinha certeza se queria sentir este desespero por alguém, mas não tinha muita escolha. Já não.

     Apertou-se contra sua coxa, tentando encontrar algum tipo de alívio, mas ali não havia nada que fazer. Havia muitas roupas bloqueando a pele. Ela necessitava de mais contato. Mais fricção.

     Um áspero gemido se elevou saindo dela, sobressaltando-a com o frenético som de necessidade.

     — Isso está bom. — murmurou Paul contra sua boca. — Agora estamos nos aproximando.

     Não sabia exatamente o que ele queria dizer com isso, mas a verdade é que não se importava. Necessitava dele nu e dentro dela. Agora mesmo.

     Andra puxou sua camiseta e ouviu o rasgão do tecido sob a força de seu desespero. O tecido desapareceu de seu peito, revelando a tatuagem da árvore que tinha visto antes, só que agora já não estava nua. Pequenos brotos se formaram ao longo dos ramos, fazendo-o parecer quase frondoso.

     Ela passou o dedo sobre aquilo, distraindo seu corpo do propósito principal.

     — Mais magia? — perguntou ela.

     — Nada comparada a que está armazenada para você.

 

   Paul tinha que controlar-se ou ia feri-la. Queria-a muito. Necessitava dela. Pensava que tinha sido ruim antes, mas agora que tinha visto no interior de sua mente, era muito, muito pior.

     Ela era bonita por dentro. Tão cuidadosa e generosa. Com tanto medo de ficar sozinha. Com tanto medo de falhar com Nika de novo. Aquele medo fez que todos os superdimensionados instintos protetores de Paul ficassem em pé e rugissem. Ia se assegurar de que nunca ficasse sozinha de novo, de que sua família estivesse a salvo. Independentemente do que lhe levasse, fosse o que fosse, custasse o que custasse, Paul ia protegê-la da única coisa que mais temia. Perder Nika.

     Não tinha nem ideia de como ia fazer isso, mas encontraria um modo. Juntos encontrariam um modo.

     E ia começar assegurando-se de que ela pudesse usar tanto de seu poder quanto pudesse suportar. Era o que ambos queriam. Tudo o que tinha que fazer era assegurar-se de reservar o suficiente para que ela não terminasse se machucando.

     Abriu os olhos e a olhou. Era tão bonita sob a luz da lua que dificilmente podia acreditar que era real. Tinha a face rubra e sua boca estava aberta, a respiração chegava em rápidas rajadas ofegantes. Juraria que quase podia ver o resplendor do calor elevando-se de sua pele.

     Minha.

     Ela aceitou sua luceria, e isso a fazia dele. Unia ela a ele.

     — Abra a boca. — ordenou ele.

     Esteve morrendo por beijá-la toda a noite e ela não se aproximou o suficiente para apaziguá-lo. Nem sequer de perto.

     Um olhar de preocupação cruzou o rosto dela.

     — Paul, está…?

     — Abra. A. Boca.

     Ela o fez, só um pouco, e Paul a beijou profunda e duramente. Não tinha aberto o suficiente para ele, assim insistiu para que lhe desse mais. Tomasse mais.

    Ela tinha um gosto tão condenadamente bom, nunca teria o suficiente. Passou a língua por seus lábios e inclinou sua cabeça para trás para poder obter um ângulo melhor, mais profundo. Seu suave suspiro lhe disse que não se importava absolutamente. De fato, passou os braços ao redor de seu pescoço e o apertou fortemente, como se tentasse evitar que ele escapasse.

     Como se ele quisesse parar agora. Não tinha nenhuma chance. Tinha advertido-a que isso poderia não ser seguro, mas não o escutou, e agora merecia tudo o que lhe acontecesse.

     O calor se derramou nele até que pensou que tinha pegado fogo. O membro estava tenso contra o jeans, rogando pela liberação. O coração pulsava forte e rápido, e o poder dentro dele cresceu e pulsou como se soubesse o que tinha planejado para ela e não pudesse esperar para ser deixado em liberdade.

     Paul empurrou para cima sua camisa e seu sutiã, expondo seus seios à luz da lua. Era bonita também ali. Perfeitamente formados para encher sua mão, com mamilos enrugados e túrgidos. Não fazia frio lá fora, o que deixava só outra razão. Ela o desejava, também. Talvez não tanto quanto ele o fazia, mas ia arrumar isso.

     Cobriu o seio dela com a palma da mão, gemendo ante a viciante sensação de sua pele nua contra ele. O tenso mamilo se elevava contra a mão, enlouquecendo-o. Sabia que as mãos estavam ásperas por anos de combate, mas não se importava. Tinha que tocá-la, sentir a pele nua contra a sua. Esfregou a palma contra ele, fazendo-a inspirar um suave fôlego. A mente dele estava muito nublada para averiguar se esse som era bom ou ruim, mas sabia uma coisa que ela com certeza gostaria, um lugar que não era muito áspero para ela.

     Afastou a boca da dela e se moveu lentamente por seu corpo, afastando as amontoadas roupas para fora de seu caminho, sobre sua cabeça e braços. Paul passou a língua por seu mamilo. Os quadris de Andra corcovearam e ela arrancou as roupas dos braços e agarrou seus cabelos com os punhos, segurando-o perto dela.

     — Mais. — ordenou.

     Paul obedeceu felizmente e o cobriu com a boca, puxando com força.

     Ela cravou as unhas em seu couro cabeludo e deixou escapar o mais belo som de prazer que já tinha ouvido.

     Dentro dele, algo estava acontecendo, algo verdadeiramente maravilhoso, mas não sabia o que era. Não podia pensar com clareza. Não com a boca grudada no seio dela e seu corpo retorcendo-se sob o dele. Não com a luz da lua banhando sua pele e o aroma de sua excitação flutuando fortemente no ar noturno.

     O poder fluiu para fora dele, gotejando por todas as partes onde as peles nuas se tocavam. Era erótico senti-la absorvê-lo, senti-la aceitar o que ele precisava lhe dar.

     — Oh. — respirou fundo e sentiu-a conter o fôlego durante um momento — Era isso o que queria dizer.

   Paul não podia falar. A garganta estava muito tensa pela necessidade de empurrar mais poder nela e forçá-la a tomá-lo todo. Só sua necessidade de protegê-la o conteve e lhe permitiu uma valiosa quantidade de controle.

     A feroz necessidade de possuí-la se apoderou dele. Se ela não podia tomar mais poder, malditamente bem ia tomar seu membro em seu interior tão profundamente quanto pudesse entrar.

     Os dedos foram ao cós do jeans, desesperado por tê-la nua. Queria sentir sua pele contra ele e averiguar se estava tão úmida e preparada para ele como necessitava que estivesse. Não acreditava mais que pudesse ser suave. Não na primeira vez. Talvez depois de algumas rodadas, depois de derrubar os aspectos mais ásperos de sua necessidade.

     Ela ficou rígida e se moveu para deter sua mão, mas Paul evitou a tentativa. Ela tentou de novo e ele grunhiu de frustração enquanto capturava suas mãos e as punha acima da cabeça contra a descartada camiseta.

     — Paul. — sussurrou seu nome como se estivesse assustada.

     Ele não queria parar, mas se viu obrigado ante sua promessa de olhar e descobrir o que a assustava. Quando o tivesse matado, poderia voltar para seu doce e firme corpo.

     Quando olhou ao redor, não viu nada.

     — O quê? — perguntou a ela com a voz turva de necessidade.

     — Está me segurando.

     — E?

     Estava tentando detê-lo. O que esperava que fizesse?

     — Solte-me. — os olhos estavam muito abertos e brilhantes, com franco medo.

     Paul olhou para onde a mão encadeava os pulsos dela. Sua pressão era suficiente para machucar. Suficientemente apertado para machucá-la.

     — Merda. — grunhiu Paul.

     Soltou-a e se empurrou afastando-se dela. Estava indo muito rápido em seu desespero. Forçando-a. Sua intenção não tinha sido essa.

     Tinha sido?

     A ereção palpitava ao ritmo do pulso acelerado e tinha a pele febril. Em seu interior, estava tremendo de necessidade, mas se arrumou para permanecer quieto deitado sobre a terra seca e não assaltá-la.

     O rosto dela entrou em sua linha de visão e tinha um vacilante cenho preocupado.

     — Está bem?

     Paul fechou os olhos. Nem sequer podia olhá-la sem lutar contra a necessidade de estabelecer sua reclamação. E inclusive com os olhos fechados, ainda podia sentir sua pele sob as mãos e seu mamilo contra a língua. Isso não era o tipo de coisas que um homem esquecia.

     Ela tocou seu rosto, e ele apertou os dentes contra a tentação de jogá-la para trás e possuí-la forte e rápido, antes que tivesse oportunidade de detê-lo.

     — Não temos que parar, mas mais lento é melhor. — disse ela. — Pode ir mais devagar?

     — Provavelmente não. Não sei o que me faz, mas estou morrendo por você. Preciso estar dentro de você. — só dizer isso quase o revirou pelo avesso de luxúria.

     Andra exalou um fôlego trêmulo. Seu seio roçou o braço dele, e pôde sentir a suavidade sedosa de sua pele. Ainda estava sem camisa.

     Paul abriu os olhos para olhar porque não tinha outra opção. Tinha que ver seus seios nus.

     Olhou-a fixamente e ficou de joelhos.

     — Mais lento, de acordo?

     Paul assentiu, incapaz de falar. Não tinha certeza de que poderia reduzir a marcha, mas sabia que tentaria. Faria qualquer coisa para conseguir tê-la deitada de costas debaixo dele, onde pertencia.

     Antes que pudesse encontrar a vontade para mover-se, Andra ficou escarranchada sobre seus quadris.

     — Funcionou. — disse a ele.

     — O que funcionou?

     — A intimidade. — ela pegou sua mão e a pressionou contra o seio. — Quando me beijou aqui, senti… Senti que nossa conexão se fazia mais forte.

     — Talvez devesse fazer isso de novo, só para termos certeza.

     Ela dedicou um sensual sorriso para ele que o fez querer sentir seus lábios rodeando seu membro enquanto o chupava. Seu corpo todo estremeceu com o esforço de permanecer imóvel e não obrigá-la a fazer precisamente isso.

     — É bonito. — disse ela.

     — Sou um homem.

     Ela passou os dedos pela marca de vida, arrastando-os para o jeans.

     — Continua sendo bonito. Todo rígido e musculoso. É realmente excitante.

     — Se está tão excitada, então não se importará de me deixar sentir você. Está úmida, Andra?

     Sustentou seu olhar enquanto desabotoava os jeans e deslizava o zíper tão lentamente que fez doer seus testículos. Em vez de deixá-lo fazer o trabalho, introduziu a mão dentro da calcinha. Seus olhos se tornaram lânguidos e sua cabeça caiu para trás quando ela moveu os dedos contra sua própria pele.

     Paul não podia aguentar mais. Nem um só segundo. Agarrou o pulso dela e tirou sua mão. Seus dedos brilhavam com sua excitação à luz da lua. Tinha provocado isso nela. Havia feito ela se umedecer e agora ia saboreá-la.

     Tomou os dedos dela na boca e esteve perto de gozar ali mesmo. Ela tinha sabor de sal, mulher e a necessidade insatisfeita. Mas não por muito tempo. Ele a satisfaria e a encheria com sua semente para que não houvesse mais dúvidas de que era sua mulher. Ela cheiraria à ele. Teria o gosto dele. Seria dele.

     Andra o olhou com as pálpebras pesadas e ele pôde sentir seu jeans áspero contra o estômago quando seus quadris se moveram como se tivessem mente própria.

     — Tire isso. — ordenou Paul. — Quero você nua.

     Andra levantou uma sobrancelha em desafio.

     — Você também.

     Algo que a despisse valeria para ele. Paul tirou o cinturão da espada e o deixou ao alcance. Assim que se separou do corpo, a arma se tornou visível, mostrando as complicadas gravuras de videiras na bainha. Tirou o jeans e as botas bem a tempo de vê-la fazer o mesmo.

     Ainda vestia a calcinha, mas ela lançou o restante de suas roupas para um lado e seus olhos se cravaram na dura ereção. Esta corcoveou em resposta a seu ansioso olhar.

     — Se continuar olhando, vou me desonrar.

     Um sorriso de pura cobiça feminina curvou a boca dela.

     — Oh, sim? — aproximou-se e envolveu os dedos ao redor dele, o fazendo aspirar um áspero fôlego. — Acredito que eu gostaria de ver isso.

     — Talvez mais tarde. — ele disse, e a pôs de costas na suave e espessa grama. — Agora, tenho outros planos.

     Ela o acariciou com o punho. Seus dedos eram longos o suficiente para fazer bem o trabalho, ele sentia-se no céu. Paul teve que apertar os dentes para conter-se de ejacular sobre a mão dela.

     Separou a mão dela e seu membro deu um batimento de ressentimento, que ele ignorou.

     — Ainda está com a roupa íntima. — disse ele.

     — Sou tímida.

     Paul deixou escapar uma gargalhada que não pôde conter. Ela não tinha um só osso tímido no corpo. Estava zombando dele e isso era bom. Os dois podiam jogar aquele jogo.

     Beijou-a na boca até que a deixou sem fôlego, e logo se transladou por seu pescoço e sobre suas clavículas. Amou cada seio com a boca e a língua, provocando doces gemidos de prazer nela até que não pôde aguentar mais. Arrastou beijos por suas costelas e sobre seu ventre tenso, deslizando a calcinha enquanto descia.

     Suas pernas eram longas e musculosas, como o restante dela. Mas inclusive com todos aqueles femininos músculos, ainda era uma suave e branda mulher. Tinha que tocá-la e desfrutar da sensação de sua pele embaixo dele. Não tinha certeza se alguma vez ia ter o suficiente dela, mas era malditamente bom ir tentar.

     Voltou para cima por seu corpo, abrindo suas pernas enquanto a acariciava. Cada centímetro que subia enviava um novo calafrio a ela, outro suave gemido. Conter-se quase o mata. Teria sido tão fácil simplesmente deslizar-se direito em seu interior. Mas ela pediu que fosse mais lento, assim o faria.

     Quando deslizou os dedos por seu sexo, abrindo os úmidos lábios, ela saltou ante o contato.

     — Oh. — exalou em um longo suspiro enquanto o corpo ficava inerte.

     Paul não esperou um convite. Separou as pernas dela o suficiente para dá espaço para seus ombros e se estabeleceu entre elas. A relva fez cócegas em seu corpo, mas era suficientemente suave para que não se preocupasse com as costas de Andra. Poderia montá-la tão forte quanto quisesse e não temer lhe machucar. O que era bom. Não confiava em sua contenção uma vez sentisse de perto seu corpo rodeando seu membro.

     O aroma de seu corpo excitado fez sua cabeça girar e encheu sua boca de água. Separou a carne dela, e o corpo de Andra se retesou. Não sabia se era porque estava impaciente ou ansiosa, mas pressionou suaves e brandos beijos no interior das coxas dela para tranquilizá-la e que deixasse que ele lhe desse prazer.

     Não funcionou. Estava nervosamente rígida, vibrando de tensão.

     A mente queria relaxá-la e aliviar sua ansiedade, mas o corpo tinha outras ideias. Precisava saboreá-la de novo, fazê-la gozar. Depois de um orgasmo ou dois, estaria plenamente relaxada.

     A ideia era muito potente para resistir, assim não o fez. Abriu as pernas dela, elevou-as e as sustentou ali enquanto a tomava com a boca.

     Andra agarrou seus cabelos em seus punhos e deixou escapar um grito agudo de necessidade. Seus quadris se moveram debaixo dele e ele os sustentou imóveis enquanto passava a língua por seu pequeno nó sensível.

     Então ele sentiu. Ela estava empurrando em sua mente freneticamente, tentando encontrar a maneira de entrar.

     Kate nunca quis essa união com ele. Sempre manteve distância. Fria e distante. Nunca permitiu a ele mais que beijá-la.

     Mas Andra não. Estava tentando aproximar-se dele, tentando converter-se em uma parte dele. A alma de Paul se encheu de satisfação e a deixou entrar, sentindo um misterioso sorriso na boca. Não tinha nada para esconder dela, já não, mas a orientou para o que ele mais queria que visse. Ia ver tudo dele, sentir o desejo por ela e isso aumentaria o dela.

     Em sua inocência, não se deu conta que ele estava canalizando-a através dos pensamentos, dirigindo-a para perto da vibrante e consumidora necessidade de tê-la e mantê-la para sempre. Ela o seguiu facilmente e ele a deixou senti-lo, liberou-a do controle e permitiu que ela sentisse o quanto a desejava.

     Um áspero gemido escapou dos lábios dela, e se arqueou, sustentando a cabeça dele apertada contra ela. Como se ele necessitasse de algum estímulo. Podia sentir o perto que estava, quanto o desejava. Necessitava-o. Seu corpo estava tremendo no limite, e tudo o que precisava era o mínimo empurrão para enviá-la sobre ele.

     O membro de Paul palpitou quando deslizou um dedo para dentro de seu apertado e quente corpo. Ela deixou escapar um gemido quase doloroso, assim a chupou com força, dando a ela o que necessitava. Isso foi tudo o que necessitou.

     Sentiu o orgasmo a varrer atravessando-a e sentiu seus músculos se contraírem quando explodiu contra ela. Deixou sair um alto grito de liberação que fez que o mundo de Paul mudasse embaixo dele. O eco nem sequer tinha cessado ainda e já queria que voltasse a fazê-lo de novo. E outra vez.

     Seu corpo relaxou embaixo dele, tornando-se suave e flexível. Ainda estava flutuando dentro da mente dele, mas sua presença era débil e contida. Suas pernas estavam amplamente abertas, seu sexo brilhando com a luz da lua.

     Se fosse um homem melhor, teria se afastado e a deixado descansar. Mas não era bom. Necessitava muito dela. O suor cobria sua pele e os músculos estavam retesados de dor. Tinha que tê-la. Agora, antes que tivesse a chance de negar-se.

     Subiu por seu corpo beijando o caminho, rezando para que ela compreendesse sua necessidade.

     — Sinto muito. — disse contrariado quando alinhou o corpo para adaptar-se a ela.

     Ela abriu os olhos. Paul esperava ver emoção ou talvez rechaço, mas em vez disso, abraçou-o e o puxou para ela. Os quadris dele se moveram por vontade própria, facilitando a entrada da ereção. Estava apertada, mas relaxada e tão úmida que deslizou sem machucá-la. Graças a Deus.

     Os braços se sacudiram em contenção enquanto escorava o peso sobre o corpo dela. Estava morrendo por empurrar mais profundamente e cravar-se em seu interior, mas se conteve.

     — Está bem? — encontrou forças para perguntar.

     Ela ronronou e arqueou as costas para que ele deslizasse mais profundamente. Paul tomou ar e apertou os dentes para evitar o orgasmo só um pouco mais. Por mais que precisasse gozar, precisava estar seguro de que esta não seria a única vez. Tinha que ser bom para ela. Só tinha poucos dias para lhe demonstrar que ela não poderia viver sem ele, e ejacular em seu interior em escassos trinta segundos não era o modo de fazer isso.

     Acalmou seu corpo e se concentrou no rosto dela, a suave curva de suas bochechas, o brando volume de sua boca, o modo como suas pálpebras batiam as asas quando seu membro se contraía dentro dela.

     — Não está se movendo. — sussurrou ela, e apertou os músculos a seu redor.

     Paul ofegou por ar.

     — Estou tentando manter um pouco de controle aqui. Não está ajudando.

     — Não quero seu controle. Quero você.

     — Seria muito rude agora mesmo.

     Ela lhe devolveu um sexy sorriso conhecedor.

     — Rude é agradável de vez em quando. — pegou o lábio inferior dele entre os dentes e deslizou a língua por ele antes de deixá-lo ir. — Além disso, sou resistente. Posso tomá-lo.

     Não só podia tomá-lo, queria isso. Ele podia ver o desejo brilhando em seus olhos, senti-lo piscar através da conexão.

     O controle de Paul se quebrou. Deslizou em seu corpo e afundou nela de novo, forçando-a a tomar tudo dele. Os olhos de Andra se abriram amplamente e suas pupilas se dilataram quando ficou profundamente em seu interior e encaixou os quadris contra ela.

     — Oh, Deus. — exalou e se agarrou a seu traseiro. — Outra vez.

     Ele obedeceu, mas não porque ela tivesse pedido. Não tinha outra opção. Os instintos eram violentos agora, o corpo movendo-se forte e rápido em resposta. Em algum lugar no fundo de sua mente, pensou que deveria fazer algo mais. Beijá-la, acariciá-la? Já não estava seguro. Nada importava exceto o férreo controle de seu sexo contra o membro e o calor escorregadio formado entre eles. Estava apertada e escorregadia, e seu corpo amortecia seus embates, aceitando o que ele dava a ela.

     A base da coluna vertebral se retesou e faíscas se formaram em seus olhos. Estava perto e queria ela ali mesmo com ele, afundando-se no limite.

     Paul forçou passagem ao interior da mente dela e a deixou sentir o que estava sentindo. Canalizou o poder para seu corpo, estreitando os limites do vínculo tão forte quanto pôde, obrigando-a a tomar mais do que nunca tinha tomado antes. Andra gritou contra a pressão, mas ele não cedeu. Isto era o que ela queria o que necessitava para ajudar Nika e ele ia dar isso a ela.

     Ela arqueou o corpo, elevando os quadris dele com ela. Isso o enterrou mais profundamente em seu interior, e Paul se perdeu, deleitando-se nas sensações de seu corpo e mente quando a encheram. Seu orgasmo comprimiu sua garganta e estrangulou o ar do seu corpo. Empurrou-a de volta a terra e se introduziu até o punho enquanto disparava a semente em seu interior.

     Os pulsos de energia a encheram ao mesmo tempo em que os de seu corpo até que ele pôde sentir seus esforços contra a sensação. Era muito para ela, e quando o seguiu, gritando, quando chegou ao clímax sacudiu os quadris contra ele. Seu estômago se retesou ritmicamente e uma luz resplandecente fluiu de seus braços e saiu da ponta de seus dedos, afundando-se na terra.

     Lentamente, a luz se desvaneceu e o silêncio desceu sobre eles. Inclusive os grilos estavam silenciosos. Uma suave brisa refrescou sua pele enquanto lutava para frear a respiração irregular.

     Teve séculos de sexo e nunca foi assim. Ou tinha algo a ver com a relação que compartilhavam, ou estivera fazendo algo realmente ruim durante um tempo muito longo.

     — Acredito que você me matou. — disse ela. A voz estava rouca e áspera.

     — Talvez, mas é uma boa maneira de morrer.

     Paul se separou do corpo dela, mas não foi longe. A crua e selvagem necessidade que tinha sentido se foi por agora, mas quando olhou seu esgotado e úmido corpo deitado ali e viu a prova da união brilhando no membro e nas coxas dela, soube que não se afastaria por muito tempo. Ela era sua agora e não ia deixá-la esquecer disso.

     — É só um pouco possessivo, hein? — ela perguntou sem abrir os olhos.

     Ela percebia seus pensamentos. Paul se deleitou com o conhecimento de que eram próximos o suficientemente para que ela pudesse senti-los.

     — Absolutamente. Sugiro que se acostume.

     Um pequeno sorriso elevou um lado de sua boca.

     — Uma garota pode acostumar-se a este tipo de sexo realmente rápido.

     E só com isso, Paul ficou rígido e pronto para começar de novo.

     — Nunca seria igual com ninguém mais. — disse a ela. A voz soou áspera, quase zangada, mas tinha que fazê-la saber que não era substituível.

     Ela abriu um olho.

     — Quieto, moço. Não sou de sair correndo. Pode relaxar.

     Não, não podia, mas se não recuasse, ia assustá-la ou zangá-la tanto que nunca deixaria que ele a tivesse assim de novo. E isso não podia acontecer. Tinha que acalmá-la. Rápido.

     Ela se levantou e olhou entre as coxas. Um olhar preocupado cruzou seu rosto, depois se converteu em aflição.

     — Não posso acreditar que me esqueci de fazer você se cobrir.

     — Cobrir?

     Não sabia o que queria dizer, mas parecia tão desgostosa que precisava solucionar isso. O que quer que fosse.

     — Não usou uma camisinha. Por favor, me diga que não está sofrendo de algum tipo de mágica podridão na entreperna.

     Paul piscou, completamente perdido. Seu corpo ainda estava cantarolando, a mente ainda não se pôs em dia e tinha que obter a cota de fornecimento de sangue.

     — Mágica o quê?

     — DST. — disse ela, como se ele devesse saber que queria dizer. — Já sabe, doenças sexualmente transmissíveis.

     Finalmente, ele pegou.

     — Oh, entendo. Enfermidades humanas. Não, não tem que se preocupar. Nossa espécie não adoece, ao menos não assim.

     Ela levantou a mão.

     — Não quero saber nada mais agora. Talvez mais tarde.

     — Tampouco posso dar uma criança a você. — disse por obrigação.

     Sabia que poderia significar que ela o abandonasse por um homem que pudesse ser o pai de seus filhos, mas tinha que correr esse risco. Era algo muito grande para passar por alto.

     Ela ficou quieta e inclinou a cabeça para um lado.

     — Fala a sério ou simplesmente está dizendo para que deixe você fazer sem camisinha de novo? Porque isso não vai acontecer.

     — Poria um traje de materiais perigosos e um tutú se isso fosse o que necessitaria para voltar para dentro de seu doce corpo. O que você quiser. Mas digo a sério. Nossos homens não podem engendrar filhos. Fizeram-nos algo. Não sabemos o que, mas todos nos somos estéreis agora.

     Ela franziu o cenho e o alcançou. Talvez houvesse sentido a ira que roubou sua alegria, ou talvez algo em seu rosto o desse a entender. Não estava seguro. Mas o que fosse, acariciava sua mão como se lhe oferecesse condolências, o que supôs ser apropriado. A ausência de vida era quase tão desoladora quanto a perda da mesma.

     — Sinto muito. Quero dizer, não estou procurando ser mãe nesse momento, e com o louco caminho que leva minha vida, provavelmente nunca, mas ao menos tenho a opção. Lamento que você não.

     — Eu também lamento. Mas são velhas notícias. Não tem sentido demorar-se nela. Só pensei que devia saber.

     Esteve estranhamente tranquila durante um momento enquanto recolhia sua roupa. Quando se virou, tinha os olhos brilhantes, como se estivesse contendo as lágrimas.

     — Sabe, de algum modo, é afortunado. Nunca terá que se preocupar de que seu filho lhe seja arrebatado no meio da noite, ou que se torne uma babona casca aterrorizada em lugar do que foi uma vez. Nunca terá que se preocupar de ser suficientemente bom para mantê-los a salvo e protegê-los do perigo. Nunca conhecerá a angústia de falhar com eles.

     Agora estava falando de sua irmã Tori, aquela que foi sequestrada naquela noite por volta de oito anos. Sabia por que viu acontecer, e sentia a culpa dela por não ter sido forte o suficiente para deter aquilo.

     Paul tomou-a nos braços porque não podia deixar de abraçá-la. Necessitava dele agora, e era seu dever sua honra dar a ela o que necessitasse.

     — Não falhou com suas irmãs. — disse.

     — Sim. Fiz. Ainda estou falhando com Nika.

     — Talvez não. — disse Paul. — É mais forte agora. Somos mais fortes agora. Podemos tentar de novo.

     Ela deixou escapar um trêmulo suspiro e se aferrou a ele com desesperada força.

     — E se falhar outra vez?

     — Então falhou, mas não pode perder a esperança. Conheço pessoas que podem ser capazes de ajudá-la inclusive se nós não pudermos. Faremos o que for necessário, de acordo?

     Sentiu seu gesto de assentimento contra a face.

     — Não tenho certeza de quanta esperança resta em mim.

     — Não se preocupe. — disse, apertando o abraço. — Tenho esperança suficiente para ambos.

 

     O Príncipe Eron estava de pé no balcão, olhando do alto para a cidade a seus pés. O vento glacial açoitava seus longos cabelos ao redor da cabeça, causando coceira em seus olhos. As luas gêmeas estavam se desvanecendo. Amanhã, a porta para a Terra se abriria e através dela se encontraria com suas filhas. Ali seria verão, se seu calendário estivesse correto. O oitavo verão desde que viu suas filhas pela última vez.

     Nem sequer passou um ano em Athanasia desde o ataque Synestryn a sua família da Terra. Sem dúvida, não o tempo suficiente para que deixasse de afligir-se por Celine. Para deter a melancolia a cada respiração que dava.

     Pesados passos soaram detrás dele no chão de pedra.

     Eron nem sequer precisou virar-se para ver a expressão de desgosto no rosto de seu irmão mais velho. Pôde ouvi-lo suspenso no tom sério de voz.

     — Não irá. — disse Lucien.

     — Sim. Irei.

     — Não é seguro. Poderiam matar você.

     A ira se apoderou de Eron, embora tentasse controlá-la. Se esperava sobreviver a viagem através do portal, precisava manter a calma e concentrar-se.

     — Está matando do mesmo modo não saber se minhas filhas estão vivas ou mortas.

     — Encontrarei-as para você e o informarei. Assim é mais seguro.

     — E se necessitarem de mim?

     Lucien colocou a ampla mão sobre o ombro de Eron. A voz se suavizou com compreensão.

     — Esse é o risco que todos assumimos quando nos decidimos a percorrer este caminho. Sabíamos que nossos filhos cresceriam sem saber de nós. É o preço que devemos pagar.

     Eron se virou afastando a mão de seu meio-irmão. O cuidadoso controle despedaçado em escombros, sem possibilidade de reparação.

     — Minhas filhas podem estar mortas. Nenhum de nossos irmãos foi capaz de encontrar algum rastro delas. Tenho que voltar. Preciso saber.

     Os amarelos e dourados olhos de Lucien se agitaram, formando redemoinhos e retorcendo-se ao redor das pupilas. A compaixão serenou seus traços, e pôs a mão sobre o peito de Eron.

     — Este caminho se tornou mais difícil do que nenhum de nós tinha imaginado, mas temos que continuar concentrados em nossa missão.

     — Só quero ver minhas meninas. Não vou interferir em nossos planos.

     — Sabe que não é tão simples. Continua fraco depois de sua última viagem, para libertar Nika do veneno dos sgath. Não será capaz de defender sua entrada, e advertirá o pai que cruzou.

     — Estou suficientemente forte.

     — Não. Não está. Ainda não. Pai o matará e então, o que acontecerá a suas filhas?

     Eron inclinou a cabeça sobre o braço de Lucien. Tinha razão. Ficavam tão pouco tempo na Terra, que nenhum dos outros poderia conseguir mais para cuidar de suas meninas.

     Tinham os seus próprios para cuidar.

     — Não posso continuar fazendo isso, — afirmou Eron — o preço é muito alto.

     — É igual para os outros, mas os informes mostram que nossas previsões estavam corretas. Os Synestryn são cada vez mais poderosos, e não restam Sentinelas suficientes para conter a porta. Devemos perseverar.

     — Assim, volta a começar.

     Não era uma pergunta. Eron sabia que Lucien era o mais entregue de todos eles, sem importar o custo pessoal. Mas por outro lado, se seus planos fracassassem teria mais a perder ali que qualquer deles.

     — Vou. Sozinho.

     Eron negou com a cabeça.

     — Como pode continuar insistindo, depois de saber o que minhas filhas sofreram?

     Lucien olhou com cuidado as luas, depois para baixo, ao interior da campina salpicada pelas luzes das casas que se estendiam através dela.

     — Eu vou porque é a única maneira de salvar o que temos aqui. A única maneira de proteger meu lar. Minha família. — se virou para olhar para Eron com os olhos girando velozmente com o dourado fogo da determinação. — Não devemos falhar.

     Eron suspirou com resignação. No princípio o caminho lhe pareceu tão glorioso, tão justo.

     Mas agora... Eron tirou sua posse mais apreciada da bolsa que pendurava sobre seu coração. A fotografia usada e descolorida de sua mulher e suas três filhas, embora não fosse necessária para recordar as linhas do rosto de sua amada Celine, ou a doce curva das bochechas de seus bebês. Tinha a imagem gravada na memória, onde os rostos felizes e o conhecimento de que tinha falhado com eles viveriam pela eternidade.

     Com a mão trêmula entregou a fotografia a Lucien.

     — Procurará elas por mim? Averiguará se minha caçula escapou da captura?

     Lucien olhou a imagem e fez uma solene inclinação de cabeça.

     — Tentarei.

     — Quantas horas permanecerá na Terra?

     — Nove. Não mais.

     Eron rezou para que fossem suficientes.

     — O verão sempre nos priva de nosso tempo com eles.

     Lucien deu de ombros.

     — É como deve ser.

     — Sei. Suponho que não deveria continuar me machucando mais por isso. Celine está morta, e meu tempo com ela acabou.

   — Talvez os humanos tenham razão e seu céu exista.

     — É uma bela ideia, poder reunir-se com aqueles que amamos para viver para sempre em paz. Celine acreditava.

     Se alguém merecia semelhante destino, essa era a amada de Eron.

     Com apressadas e agudas batidas dos saltos pelo corredor, Aurora deslizou dando a volta na esquina. Os cabelos logos e claros estavam alvoroçados pela corrida, e a face ruborizadas em uma cor rosa brilhante. Os olhos da cor de um pôr do sol estavam muito abertos por causa do medo, os lábios suaves entreabertos para facilitar a respiração difícil. Era a mais bela das mulheres em seu mundo, e inclusive Eron, cujo coração pertencia a outra, tinha que parar por um momento cada vez que ela entrava no quarto. Era uma serva, mas como o tesouro mais prezado de Solarc, conhecia mais a liberdade que a maioria.

     Também era sua aliada mais poderosa.

     — O Solarc está vindo. — sussurrou.

     Lucien escondeu a fotografia na jaqueta.

     — Devo ir agora. A porta estará alinhada para abrir-se dentro de alguns minutos.

     — Vá, então. Ficarei aqui e distrairei com o pai. Se encontrar minhas filhas, dê a elas meu amor.

     — Juro isso. — os olhos de Lucien brilharam na escuridão, os redemoinhos de cores ativando-se em resposta ao seu voto. Segurou a face de Aurora e lhe falou em um tom tranquilizador, mas urgente. — O Solarc não pode saber onde fui, ou nossas vidas e as de nossos filhos na Terra estarão perdidas. Não vou permitir que isso aconteça.

     Ela baixou a cabeça.

     — Sim, Alteza. Entendo.

     Lucien saiu através de uma porta oculta, e Eron virando-se para Aurora lhe estendeu a mão.

     — Venha comigo. Vamos distrair o pai e, ao mesmo tempo, cobriremos os sinais de sua rápida corrida.

     Aurora foi para seus braços sem titubear. Quando Eron a beijou, ela fingiu desfrutar disso como uma boa serva faria, deixando escapar um suave gemido. Eron não sentiu nada. Mesmo sendo tão bela, não era Celine. Não cheirava como sua Celine, nem tinha seu sabor. Mas, de todo modo, falseou sua resposta no abraço, sabendo que distrairia seu pai como nada mais poderia. A vida das meninas de Eron, se ainda estivessem vivas, dependia disso. Se o Solarc descobrisse que seus filhos descumpriram a lei, massacraria a todos sem levar em conta o fato de que aquelas crianças também eram seus netos.

     Eron sabia. Tinha visto isso ocorrer antes.

   Paul foi tão doce que fez Andra chorar, maldito seja. Secou as lágrimas e deslizou a amassada calça jeans sobre os quadris. Não tinha tempo para chorar. Tinha uma irmã para salvar. A energia pulsava em seu interior, fazendo-a sentir a pele como se estivesse em vermelho vivo. Tal como disse, a intimidade que compartilhou com Paul funcionou, e agora queria ver se tinha a capacidade de ajudar Nika. Ou se talvez necessitava de outra transa com Paul sobre a relva.

     Ambas as opções eram atraentes.

     Seu corpo cantava, satisfeito e completo. Normalmente se sentiria como se precisasse dormir durante meio-dia, mas isto não era normal. Nem sequer de perto. Por um momento, no final, pensou que poderia ser capaz de ver através de seus olhos, sentir através de sua pele.

     Certamente era só uma ilusão, um efeito secundário do sexo mágico ou algo do estilo.

    — Acredita que agora nossa conexão é suficientemente forte? — perguntou.

     Paul descansava nu na relva, observando-a vestir-se com olhos sonolentos.

     — É possível, mas se não for, não pode correr este tipo de risco. Não é seguro para ela.

     — Se puder conseguir que coma será suficiente. Só tenho que mantê-la com vida o tempo necessário para torná-la mais forte. — o suficiente para que Andra também ficasse mais forte. O processo ia ser definitivamente divertido.

     — Então o quê? — perguntou Paul.

     Houve uma estranha nota em sua voz, um indício de desafio, talvez? Não estava segura.

     — O que quer dizer?

     — Caso possa curar Nika, depois o quê?

     Andra vestiu a camiseta sobre o sutiã.

     — Não cheguei tão longe. Suponho que morará comigo. Terminará a escola. Esse tipo de coisas. Tem um montão de vida para colocar em dia.

     — Quero dizer, o que acontecerá a nós quando já não necessitar mais de mim?

     Ela penteou os cabelos curtos dando-se um tempo para pensar. Tudo lhe veio em cima muito rápido. Não podia manter o ritmo.

     — Não sei, Paul. Conheci você ontem à noite. Isso não é muito para pensar sobre “nós”. Eu gosto de você, mas Nika vem primeiro.

     Ele afastou os olhos, mas tinha a mandíbula apertada de cólera ou frustração. Não o conhecia bem o bastante para notar a diferença, o que só servia para demonstrar seu ponto.

     No entanto, se deitou com ele, e desfrutou de cada momento. Desfrutou tanto que já se perguntava se teria a chance de fazê-lo de novo.

     — Está me usando. — respondeu Paul.

     Não podia negar. Depois do que havia feito por ela, devia a sinceridade a ele.

     — Estou.

     — Pelo menos sei a que me ater. Isso é mais do que tive na última vez. — ficou de pé e partiu ainda nu, detendo-se só o suficiente para recolher a espada.

     A última vez. Com Kate.

     Um ataque de ira se filtrou através da conexão antes que ela a sentisse fechar-se definitivamente. Andra esfregou as mãos sobre o rosto. Era um bom homem, não merecia ser usado daquela maneira, mas não tinha escolha. Foi honesta com ele desde o começo. Nika vinha primeiro. Era a única maneira que Andra poderia viver consigo mesma.

   Paul resistiu a tentação de fechar bruscamente a porta traseira da casa Gerai ao entrar na cozinha.

     Não deveria ter se sentido tão ferido por Andra estar usando-o. Diabos, de certo modo ele também estava fazendo isso. Era uma relação simbiótica. Ela necessitava que ele ajudasse Nika, e ele necessitava dela para sobreviver. Era um acordo justo, um onde se beneficiava mais do que ela o fazia.

     Mas se esse era o caso, então, por que lhe enchia tanto o saco?

     Madoc estava na cozinha com um montão de sanduíches diante dele. Não se incomodou de engolir antes de dizer:

     — Que diabos se arrastou por seu traseiro?

     Paul realmente desejou ter recordado de recolher a roupa antes de voltar para dentro. Não havia nada tão incômodo quanto falar do próprio traseiro com outro homem enquanto estava de pé nu. Assim ignorou a pergunta.

     — Como está Nika?

     — Dormindo.

     — Bom. Ficará atento vigiando Andra para mim enquanto me visto? Estou seguro de que estará aqui dentro em um segundo.

     — O que seja.

     Paul pensou que isso era o mais próximo de um sim que obteria de Madoc.

     — Obrigado.

     — As únicas roupas de reposição estão no quarto de Nika, mas se a acordar cortarei suas bolas.

     — Sim. Obrigado pela advertência, homem. — respondeu Paul.

     Madoc grunhiu em resposta e voltou para os sanduíches.

     Quando Paul deslizou a porta do dormitório para abri-la, Nika nem sequer mudou de posição. De fato estava tão quieta que ficou com o olhar fixo, tentando detectar o leve movimento dos lençóis sobre o peito enquanto respirava. Quando a manta se moveu deixou escapar um suspiro de alívio. Graças a Deus que ainda estava aguentando. Se tivesse morrido enquanto Andra e ele encontravam lá fora fazendo amor, nunca teria se perdoado, embora não houvesse nada que pudesse ter feito para impedir aquilo.

     Paul foi em silêncio para o closet, procurando entre as roupas cuidadosamente etiquetadas para seu tamanho. Todas eram novas e rígidas, mas a roupa estava limpa, caia bem nele, e o cobria completamente.

     — Sabe, poderia ter saído para recolher sua roupa. — disse Andra da porta do closet.

     Não a ouviu entrar no dormitório, o que o fez se perguntar onde tinha a cabeça. Talvez simplesmente fosse muito silenciosa.

     Sua face estava ruborizada, e os cabelos ainda tinham restos de relva. Os lábios estavam vermelhos e inchados onde a beijou com muita força, e a luceria ao redor da garganta se aprofundou em um redemoinho de ricos azuis safira. A Dama Safira. Gostava.

     Infernos, adorava. Só pensar em conservá-la fez seu membro enrijece de antecipação. De maneira nenhuma podiam ficar juntos muito tempo sem repetir o que tinha ocorrido lá fora.

     — Normalmente não parto furioso e nu. — ele assegurou.

     Ela deu de ombros.

     — Não me importei. Desfrutei vendo o espetáculo, tem um traseiro estupendo.

     Um amplo sorriso fez cócegas em sua boca e ele cedeu. Gostava de como ela o conseguia, como podia fazê-lo sorrir quando não parecia haver nenhuma razão para fazê-lo.

     — O seu também é bastante bonito.

     — Então, esse é o motivo pelo qual veio para cá zangado. Quer falar disso?

     Como podia explicar o que sentia por ela sem parecer um filho da puta necessitado? Sem dúvida não queria dizer que morreria sem ela. Ninguém deveria ter que viver com uma pressão como aquela. Não queria ser uma carga. Se fosse ficar com ele, queria que fosse por uma razão verdadeira. Não por culpa.

     — Talvez mais tarde. Acredito que primeiro deveríamos ver o que podemos fazer por Nika.

     Andra assentiu.

     — Está bem. Então em outra ocasião.

     — Claro.

     Viu-a mudar o olhar para a Nika. Aquele familiar olhar de culpada preocupação que chegou a reconhecer encheu seus olhos, e ela deu uma olhada por cima do ombro, para onde jazia Nika.

     — O que faremos? — perguntou.

     — Oxalá soubesse com segurança. Não sei o que acontece com ela, assim temos que improvisar. Ir devagar e com calma.

     — Existe o risco de que possa lhe causar dano?

     Não podia mentir para ela.

     — Sim. Mas chegando a este ponto, que opções tem? E ela?

     — Disse que havia pessoas em sua casa que poderiam ser capazes de ajudá-la, não? — a voz tremeu com insegurança.

     Paul ignorou seus próprios problemas. Preocuparia-se mais tarde. Neste momento Andra necessitava dele. Pegou-a pela mão e uma sutil rajada de calor fluiu entre os dedos. Seria tão fácil concentrar-se no físico e ignorar os problemas ao seu redor, mas isso não ia resolver nada.

     — Os Sanguinar, os homens como Logan, são nossos curadores. Poderiam ser capazes de ajudar, se pudermos recuperá-la até o ponto em que possa dar seu sangue a eles.

   — Isso eu não sei se ela fará, mas podemos tentar.

     — Podem tornar indolor para ela. Tomar seu sangue enquanto dorme, assegurando-se de que nunca saiba.

     — Isso não lhe parece um pouco horripilante? Como sabe que nunca aconteceu com você?

     Paul tinha vivido com isso durante tanto tempo que já não se incomodava.

     — Não sei. Apenas escolhi não me preocupar com isso. Assim que estivermos lá, estará a salvo. Nunca permitirei que ninguém faça mal a você mais do que você o deseje. Mas essa não é nossa única opção. Inclusive se o Sanguinar não puder ajudá-la, Sibyl pode saber o que fazer.

     — Quem é Sibyl?

     — É uma vidente. Sabe coisas que ninguém mais sabe. Poderia ser capaz de ver o que temos que fazer para curar Nika. Há artefatos mágicos ao redor do mundo que podem fazer coisas assombrosas. Pode conhecer algum que poderia ajudar, e nos dizer onde encontrá-lo.

     — Assim há esperança. — comentou Andra apertando sua mão com força.

     Paul deslizou o dedo ao longo de sua face, deleitando-se com a suavidade da pele.

     — Há muitas esperanças.

     — Se existirem todas estas pessoas que podem ajudar, talvez eu não deva interferir com ela. Poderia piorar as coisas. Apenas deveríamos levá-la para sua casa, onde essas pessoas sabem o que devem fazer.

     — Tenha um pouco de fé em si mesma. Conhece Nika. Você a ama. Não vai fazer nada que lhe faça mal. Além disso, Logan disse que ela estava muito fraca para viajar. — não queria dizer a ela que temeu que estivesse morta quando entrou no quarto. Inclusive não havia nenhuma garantia de que sobrevivesse àquela noite.

     Andra olhou-o nos olhos, rogando silenciosamente a ele que a ajudasse.

     — Não sei o que fazer, Paul. Não sei como ajudá-la.

     — Está bem. Mostrarei isso a você.

 

   Nika nem sequer se moveu quando Andra deitou na cama ao seu lado. Sob o peso de Andra, sua magra figura se afundou no colchão, embora sequer tenha piscado. Andra pressionou a mão sobre a cabeça de Nika. Estava fria ao toque. O pulso que revoava em seu pescoço era fraco e instável.

     — Faremos como fizemos antes, recorda? — perguntou Paul. — Só tem que abrir-se e deixar que eu a guie. Primeiro só daremos uma olhada.

     Andra assentiu. A mão de Paul rodeou sua nuca, seu anel travando-se com a gargantilha. Ela sentiu a faixa quente ao redor do pescoço. A respiração se acelerou, e uma espécie de borbulhante pressão se acumulou em seu interior. A cabeça começou a pulsar e o estômago se revolveu com náusea.

     — Está lutando contra isso. — disse ele.

     — Não é minha intenção fazê-lo.

     Ela tentou relaxar, apertando a mandíbula contra a dor e as náuseas. Não ia ser capaz de fazer aquilo. Ia ser como perder Tori mais uma vez. Simplesmente ia levantar e observar, enquanto sua irmã escapulia e…

     — Já basta. — reprovou Paul. — Isso não vai acontecer. Concentre-se.

     Andra respirou profundamente e tentou fazer o que ele dizia. A pressão aumentou até que o suor irrompeu sobre a pele, estava tremendo pela força da mesma.

     Entretanto, não aconteceu nada.

     Andra abriu os olhos e olhou o pequeno corpo de Nika. Ela estava tão fraca. Indefesa. Sua mente era uma retorcida massa de loucura e imagens muito horríveis para serem reais. Aquela noite a destruiu. Talvez fosse o trauma, ou talvez fosse algum tipo de infecção causada pela saliva amarela do monstro. Tinha lambido os ferimentos dela, bebendo seu sangue com lambidas. Algo poderia ter entrado em seu corpo e infectado-a com aquela enfermidade. Talvez, necessitasse de um antibiótico mágico.

     A pressão dentro de Andra se liberou de repente, como se uma bolha tivesse estourado. Deixou escapar o fôlego que esteve contendo e, quando levantou os olhos, já não estava no dormitório com Nika. Estava em algum lugar escuro.

     Ouvia-se a destilação constante de água ricocheteando nas duras paredes e o aroma de mofo da umidade no ar. Fazia frio ali, o tipo de frio que penetrava no sangue e roubava a vontade de mover-se.

     — Não deveria estar aqui. — disse Nika.

     Ela apareceu perto de uma parede de rocha, sua imagem translúcida e brilhando sutilmente, como uma espécie de holograma. Estava mais jovem, talvez dezesseis, e seu cabelos escuros e ondulados, como foram antes da noite em que Tori e mamãe morreram. Vestia um vestido preto, e embora estivesse magra, não era fraca.

     — Em que lugar estou? — perguntou Andra, olhando ao seu redor.

     Era algum tipo de caverna, mas não daquelas com bonitas formações brilhantes. Tratava-se de um opressivo buraco negro na profundeza da terra.

     — Shh. — sussurrou Nika. — Vão ouvir. Tem que ir.

     — Não posso. Tenho que ajudar você.

     — Não há nada que possa fazer por mim. Já não.

     — Por favor, Nika. Deixe-me ajudá-la.

     Nika franziu o cenho confusa, inclinando a cabeça.

     — Você me vê e, entretanto, ainda não acredita em mim.

   — Acreditar em quê?

     Nika se virou repentinamente, arregalando os olhos.

     — Já vêm. Tem que ir. Não tente voltar. Encontrarão você e matarão a ambas.

     Antes que Andra pudesse perguntar a ela quem vinha ou o que quis dizer com ambas, foi empurrada para fora da mente de Nika retornando de novo ao quarto.

     Nika se moveu agitadamente na cama com os olhos exagerados e temerosos.

     — Vêm por ela.

     Andra engoliu um grito de angústia e manteve Nika segura.

     — Do que está falando, carinho?

     — Tori. Vêm por ela. Vão machucá-la outra vez. — se agarrou na camisa de Andra com um agarre surpreendentemente forte. — Tem que ir procurá-la. Salvá-la.

     A porta do dormitório se abriu tão bruscamente que tirou parte do revestimento da parede. Madoc entrou carregando a espada desembainhada. Tinha a boca torcida em uma careta de fúria, e as veias do pescoço e os braços se sobressaíam totalmente em relevo.

     — Que demônios fez a ela? — exigiu.

     Paul se levantou e pôs o corpo entre Madoc e as mulheres.

     — Estávamos tentando ajudá-la.

     — Grande ajuda. Estava dormindo há um minuto. Disse a você o que lhe faria se a despertasse.

     O claro convite para cruzar metal contra metal, fez que os cabelos da nuca de Andra se arrepiassem.

     — Poderia tentar. — disse Paul.

     — Estou bem. — disse Nika, lutando para sentar-se.

     Andra não ia permitir que aqueles homens matassem um ao outro por um simples caso de envenenamento por testosterona. Não estava segura do que estava fazendo, mas pensou que qualquer coisa era melhor que não fazer nada, assim puxou o poder de Paul e o utilizou para separar com um empurrão ambos os homens com um rígido muro de ar.

     Os homens bateram nas paredes do dormitório com uma sacudida e ali ficaram, como se estivessem grudados com cola.

     Caramba! Não esperava que funcionasse tão bem.

     — Já basta. — ordenou. — Vocês dois vão se acalmar e agir como seres humanos racionais. Não me importa que sejam homens.

     A voz de Nika tremeu vinda da cama.

   — Deveria liberá-los, Andra. Não acredito que isto seja inteligente.

     — Não me importa quão inteligente é. Não vão a nenhum lugar até que esteja segura de que não vão matar um ao outro.

     A sobrecarga de energia através dos membros a fez tremer, mas manteria a pressão contra os dois homens até que estivesse segura de que não era perigoso. Paul se tranquilizou primeiro, seu rosto perdendo rapidamente a raiva. Nika deslizou da cama e se aproximou de onde estava cravado Madoc que grunhia. Parecia estar mais estável sobre seus pés agora. Mais forte.

     Talvez o que havia feito a ajudou de algum jeito, embora Andra não tivesse nem ideia do que havia feito para ajudar.

     Paul esfregou o ombro como se doesse enquanto o orgulho brilhava em seu rosto.

     — Essa foi uma maldita façanha. Não sabia que podia fazer isso.

     — Nem eu. — disse Andra.

     Nika pôs a mão sobre o peito de Madoc e seu corpo ficou imóvel, como se temesse danificá-la se respirasse.

     — Volte para a cama. — disse a ela bruscamente.

     — Não até que se acalme.

     — Vou chutar seu traseiro, se não voltar para a cama.

     — Não, não fará isso. — disse Nika com total confiança. — Você nunca bateria em mim.

   — Eu não o provocaria. — advertiu Paul.

     Os olhos verdes de Madoc se iluminaram com uma promessa de violência.

     — Escute os adultos, doçura, ou terminará se lamentando.

     — Sou uma adulta. — disse Nika.

     Madoc bufou.

     Isto não ia acabar bem. Andra se aproximou de sua irmã antes que ela espetasse muitas vezes a fera enjaulada. Pegou Nika pelos ombros e a levou de volta à cama.

     — Ele tem razão. Não devia estar levantada e caminhando ainda. Continua fraca.

     — Sinto-me melhor desde que comi. — disse Nika.

     — Comeu? — perguntou Andra. A faixa de medo ao redor do peito se afrouxou um pouco, deixando espaço para ela respirar. — Essa é uma grande notícia, carinho.

     Nika olhou para onde Madoc estava cravado.

     — Ele me ajudou.

     Tanto Paul quanto Andra olharam para Madoc em estado de choque. Ele tinha razão. Tinha obrigado ela a comer. Como ele fez isso? Em agradecimento, Andra deixou que a força da sujeição contra a parede se dissipasse. Não tentou lançar-se sobre ela ou atacá-la, embora a olhasse como se o desejasse ardentemente. Seus grandes punhos se abriam e fechavam repetidas vezes, fazendo ranger os ossos quando se moviam.

     — Agora eu vou. Que nenhum de vocês me siga. — apontou com o grosso dedo para Nika. — Especialmente você.

     Saiu do quarto, fechando a porta atrás dele.

     Nika se deixou cair sobre os travesseiros. Estava pálida, mas a ferocidade em seus olhos se desvaneceu. Por agora.

     Andra aceitaria o presente sem perguntar e entesouraria o tempo que tivesse com sua irmã tanto quanto durasse.

     — Acredita que poderia comer um pouco mais?

     Nika sacudiu a cabeça. As pálpebras caídas.

     — Agora não. Tenho que dormir mais. Talvez mais tarde.

     Andra retirou os cabelos brancos para trás e sentiu que seu corpo relaxava e deslizava quase instantaneamente ao sono.

     — Não sei o que fizemos, mas parece ter ajudado. — disse Andra.

     Paul continuava observando o caminho pelo qual Madoc se foi, com olhar especulativo.

     — Não tenho certeza de que fizéssemos nada. — disse ele. — Quero dizer, eu adoraria dizer o contrário, mas estaria mentindo.

     Outro fracasso, mas este quase não doía tão horrivelmente quanto se tivesse sido de qualquer outra forma. Não se importava como Nika conseguiu a ajuda, desde que a tivesse.

     — Parecia lúcida nesse momento.

     Paul continuava olhando para a porta, com o cenho franzido.

     — Sim, parecia.

     — E comeu. Isso é mais do que eu esperava. Acredita que já é seguro movê-la?

     Ele assentiu com a cabeça.

     — Vamos ver como se sente quando despertar, mas acredito que seria mais seguro transladá-la a Dabyr que ficar aqui outra noite. Além disso, Sibyl está esperando. Ela queria que estivesse lá esta noite, assim já estamos atrasados.

     — Se viajarmos durante o dia, os monstros não podem nos encontrar, não é verdade?

     — Correto.

     — Sairemos pela manhã, então. — inclinou-se e beijou a cabeça de Nika. —Ouviu isso, neném? Vai ficar bem. Vamos conseguir ajuda.

     O sol estava se escondendo no horizonte no mesmo momento em que Paul chegava com a caminhonete de Andra à porta do recinto sentinela, ao que ele considerava seu lar. Dabyr. A fortaleza dos guerreiros.

     Andra e Nika dormiram a maior parte do trajeto para lá, e ele odiava ter que despertá-la agora. Andra estava tão bonita dormindo, sua face rosada, os cabelos curtos alvoroçados ao redor do rosto e sua exuberante boca separada como se esperasse um beijo.

     Sorriu para a câmera, sabendo que Nicholas estava de serviço, deslizou o cartão de identificação na ranhura e esperou que as portas se abrissem.

     Paul estacionou a caminhonete em sua vaga na garagem. O complexo era uma estranha combinação de estação de esqui e base militar. As paredes de pedras do edifício principal brilhavam rosadas com a última luz do dia, e neste momento, Dabyr se enchia de atividades. Mais de quinhentas almas consideravam aquele lugar seu lar, e entre eles estavam os Theronai, Sanguinar, e alguns dos Gerai, os seres humanos que serviam em sua causa.

     Paul desligou o motor da caminhonete e acariciou a face de Andra para despertá-la. Sua pele era tão cálida e suave para as mãos cheias de cicatrizes dos combates, que o estremecimento de prazer que correu por seu braço só intensificou a sensação. Ainda não podia acreditar que fosse sua ao menos durante mais dois dias.

     Andra suspirou e jogou a cabeça para trás, oferecendo a Paul mais da suave pele para acariciar. Ele sabia como aproveitar-se de uma boa situação, mas o orgulho o deteve, embora sem poder evitar deslizar um dedo sobre a luceria. Nas horas que necessitou para chegar, as cores se definiram ainda mais, seus redemoinhos cada vez mais lentos e relaxados.

     O tamborilar de dedos no vidro jogou Paul para fora do feliz devaneio, afastando a mão como se o tivessem pegado fazendo algo indevido.

     Morgan Valens estava de pé, no exterior da porta do motorista, lançando a Paul um conhecedor sorriso zombador. Os brancos dentes destacavam-se em contraste com a pele morena de Morgan. Sua herança egípcia era evidente na remarcada boca e nos rasgados olhos castanhos. As mulheres adoravam Morgan. Paul tinha ouvido murmúrios a respeito de sua resistência e destreza na cama, e o último que queria era que Morgan fosse o primeiro que Andra visse quando despertasse. Não necessitava desse tipo de concorrência.

     Paul baixou a janela.

     — O que quer? — perguntou um pouco mais bruscamente do que seu amigo merecia.

     Nika se moveu em seu sono, deixando escapar um som suave, choramingado. Morgan se inclinou para assim poder ver melhor as mulheres.

     — Joseph está procurando você. Está aborrecido porque não o informou ontem.

     — Sim, bom, ele pode estar aborrecido. Eu estava ocupado.

     Morgan espiou a forma adormecido de Andra, e Paul interpôs o corpo para bloquear sua visão.

     — Ocupado. Estou vendo. Duas mulheres sem dúvida fazem isso a um homem.

     — Elas necessitam de nossa ajuda. Nika estava muita fraca para viajar ontem, se não estaríamos aqui antes.

     Como Sibyl pediu a ele. Não desejava enfrentar seu desgosto.

     — É melhor que diga a Joseph antes que ponha seu traseiro para fazer a guarda do perímetro durante a temporada de chuvas.

     — Acredito que fará uma exceção desta vez.

     Morgan sacudiu a cabeça com assombro, os olhos deslizando sobre a luceria que adornava o pescoço de Andra.

     — Outra fêmea Theronai. Este lugar já enlouqueceu desde que Helen chegou. Quando os homens se inteirarem de que há outra…

     — Dará esperanças a eles. — disse Paul.

     — Enviará aos poucos que restam aqui correndo aos quatro ventos, em busca de suas próprias mulheres.

     — Isso significa que ficará aqui enquanto todos os outros vão em busca?

     A porta de um carro se fechou com força, seguida de perto por uma segunda. O som ecoou nas grossas paredes de concreto da gigantesca garagem. Madoc devia ter chegado justamente detrás deles.

     — Diabos, não. Não, a menos que uma delas apareça por acaso antes que termine de fazer a bagagem. — Morgan apontou com a cabeça para Nika. — Ela está bem?

     — Espero que sim.

     — Quer que a leve para dentro? Serei verdadeiramente suave para que não desperte.

     — Toque-a e morre, Romeu. — disse Madoc detrás de Morgan.

     Logan estava junto a ele, com um semblante um pouco verde.

     — Alcançou-nos rápido. — disse Paul.

     Madoc tinha esperado por Logan para alimentá-lo antes de seguir Paul e as mulheres. Tinham que ter chegado, ao menos, uma hora depois de Paul.

     — Dirige como um velho. — disse Madoc.

     — Não. — argumentou Logan. — Você conduz como um louco.

    — Eu, felizmente o deixaria em qualquer lugar que você quisesse, sanguessuga.

     — À luz do dia? Como você é cavalheiresco. — disse Logan.

     Madoc dedicou a ele um sorriso cheio de dentes afiados.

     — Por mais que eu adore sua companhia, vou para dentro. Tenho trabalho a fazer. — Logan partiu para a entrada da sala principal.

     Andra mudou de posição ao lado de Paul, esfregando-se contra a coxa. Despertou lentamente, o corpo no princípio, e Paul não podia fazer nada exceto olhar. Ela esticou as longas pernas, depois os braços, logo se endireitou tanto quanto a cabine da caminhonete permitiu antes de incomodar-se de abrir os olhos. O espetáculo que, sem saber, apresentava com aquele encantador esticamento fez que cada homem ali a olhasse fixamente. Ele se moveu para que ela não estivesse à vista, ao menos para ninguém que não fosse ele.

     — Onde estamos? — perguntou com um bocejo.

     — Em casa.

     Ele não disse de quem. Esperava mais do que devia que fosse dela, tanto quanto ela seria sua muito em breve.

     — Já? Que rápido! — olhou para Nika e apertou a mão contra a testa de sua irmã. Nika não se moveu. — Esteve dormindo todo o tempo?

     — Sim. Mas, esteve fazendo alguns ruídos.

     Madoc rodeou a caminhonete, o som de suas ruidosas e pesadas botas retumbando sobre o cimento.

     — Que espécie de ruídos? — perguntou Andra.

     — Nada horrível. — disse Paul quando Madoc abriu a porta lateral dos passageiros.

     Os gemidos estiveram partindo seu coração, mas não sentia a necessidade de compartilhar aquela informação com Andra.

     — Andra, este é Morgan Valens.

     — Encantada em conhecê-lo. — disse através da janela aberta.

     Morgan sorriu, baixou a cabeça em uma pequena reverência formal, e ofereceu a mão a ela.

     — É um prazer, minha senhora.

     Deu a mão a ele com um breve apertão e os olhos de Paul se fixaram na luceria de Morgan, procurando o mais mínimo sinal de que pudessem ser compatíveis. Nada mudou, e Paul deixou escapar em silêncio um suspiro de alívio.

     O sorriso de Morgan se desvaneceu quando se deu conta do mesmo. Ela não podia salvá-lo.

     — Quando é sua cerimônia? — perguntou Morgan.

     — Ainda não estou seguro.

     — Que cerimônia? — perguntou Andra, franzindo o cenho.

     — Algo que fazemos para as mulheres como você. Não se preocupe com nada.

     Madoc desabotoou o cinto de segurança de Nika e deslizou os braços por debaixo de seu corpo.

     — Aonde a levo? — perguntou ele.

     — Eu posso levá-la. — disse Andra, esfregando o rosto com as mãos como se tentasse despertar. — Não tem que se incomodar.

     Madoc bufou.

     — Ela não pesa o suficiente para ser uma moléstia. Para onde?

     Andra deixou escapar um suspiro de resignação.

     — Onde quer que estejam as instalações médicas, suponho.

     — Nossos médicos visitam a domicílio. — disse Paul. — Temos uma enfermaria, mas não acredito que gostasse dela. Muito estéril e fria. Sentirá-se mais cômoda se você estiver perto.

     — Onde eu ficarei?

     Paul baixou a voz.

     — Eu esperava que ficasse em meu quarto. — de preferência nua, mas aceitaria o que pudesse conseguir.

     Ela ruborizou como se tivesse lido seu pensamento, o que fez que Paul soltasse uma gargalhada. Talvez ela tivesse uma nervura de acanhamento em algum lugar depois de tudo.

     Andra inspirou e expirou com ar de indiferença.

     — Vamos para o quarto de Paul. Sabe o caminho?

     Madoc não respondeu, mas mudou de direção levando Nika nos braços para a porta.

     — Farei Joseph saber que chegou. — disse Morgan. — Mas irei devagar para que tenha tempo de… Instalá-la. — piscou um olho para Andra e correu atrás de Madoc, abrindo a porta para que ele não tivesse que empurrar Nika.

     Andra ainda estava ruborizada, o que decidiu Paul, era uma boa aparência para ela. Especialmente quando seu rubor se estendia por seus seios nus e abdômen, sendo ele a causa disso.

     A porta do edifício principal se fechou detrás dos homens, deixando-os a sós.

     Paul a puxou pela mão e deslizou a ponta dos dedos pela sedosa pele.

     — Aqui há um montão de gente que quer conhecer você. Especialmente nossos homens. Todos eles vão querer fazer seu juramento a você. Essa é a cerimônia da qual Morgan estava falando.

     — Reunirei-me com quem quer que seja, e deixarei que todos eles batam no peito ou cortem a si mesmos ou o que seja necessário para conseguir ajuda para Nika.

     — Imaginei que era isso o que sentiria. Simplesmente, não queria que a pegasse de surpresa. Aconteceu muitas coisas com você em um tempo realmente curto.

     Ela girou a mão e entrelaçou os dedos com os dele. Seu agarre era apertado, quase desesperado.

     — Sou dura. Não se preocupe comigo.

     — Sinto muito. É meu trabalho. Além disso, alguém tem que fazê-lo.

     Ela afastou seus olhos, mas não antes que ele pudesse ver o brilho das lágrimas iluminando seus olhos.

     — Devemos ir. Eu não gosto de deixar Nika sozinha.

     — Não está sozinha. Madoc está com ela. — disse Paul, e depois de suas palavras, deu-se conta da conotação. — Correto. Devemos ir.

 

   Andra seguiu Paul através do túnel subterrâneo que conduzia da garagem ao que ele chamava de salão principal. Não estava segura de que salão fosse a palavra correta para um cômodo com teto de vidro a quinze metros acima de suas cabeças e com espaço suficiente para albergar um campo de futebol. Os salões eram escuros, compridos e esquálidos, não enormes, brilhantes e cheios de planta vivas em todos os cantos.

     O cômodo era dividido em seções. A metade tinha mesas desemparelhadas de cozinha, com assentos de dois a doze. Todas as mesas estavam decoradas com um vaso de flores frescas e uma brilhante e alegre toalha amarela. A outra metade do cômodo era dividido em mais duas áreas, uma com uma enorme televisão e um montão de poltronas macias, e a outra com uma mesa de bilhar e vários sistemas de videogames conectados a mais televisões grandes.

     Várias crianças vadiavam por ali, e alguns adultos estavam tomando café, vigiando tudo. Quando Andra entrou, todos deixaram o que estavam fazendo e a olharam.

     — O que é este lugar? — perguntou a Paul.

     — O chamamos de Dabyr. É o lar de cerca de quinhentos homens, mulheres e crianças.

     — Refere-se a essas crianças, vivem aqui? Não é apenas um lugar de férias?

     — Correto.

     — Por quê?

     — Alguns porque seus pais vivem aqui, embora a maioria seja de órfãos aos nossos cuidados. Hoje é dia de escola, mas agora que a jornada escolar terminou, passam o tempo e fazem coisas de crianças.

     — Mas é verão.

     Paul sorriu.

     — Nós gostamos de mantê-los ocupados para que se mantenham fora dos problemas.

     — Não me parece que estejam causando nenhum problema. — disse Andra.

     — Isso é normal quando estão em seu pior momento. Especialmente os adolescentes. Sempre estão planejando algo, lutando contra os limites deste lugar.

     — Teria gostado de ter um lugar como este para ir quando era uma criança.

     — Diz isso agora, mas muitos desses meninos não têm escolha sobre estar aqui. Podem ficar aqui, ou podem morrer quando os Synestryn os caçarem para comer. Esse tipo de coisas chia sobre os adolescentes mais rebeldes.

     — Fazem-nos de outra espécie? — perguntou ela.

     — Não desde que estou vivo.

     Passaram através da área do refeitório e giraram à direita, entrando em um longo corredor.

     — Aonde vamos?

     — Pensei que devíamos verificar para nos assegurar que Nika se instalou em minha casa antes de ir ver Joseph Rayd.

     Seus amplos ombros estendiam a malha de tricô cinza da camiseta, deixando-a ver os deliciosos vultos dos músculos de suas costas. Seu cabelo loiro escuro estava alvoroçado, e de sua vista lateral podia dizer que ele tinha uma desesperada necessidade de um barbeador.

     Ou talvez não. Os suaves arranhões daquela barba sobre a pele podia ser uma espécie de dor prazerosa, do tipo que uma mulher definitivamente poderia acostumar-se. Paul sabia o que fazia quando se tratava de dar prazer a ela.

     — Quem é Joseph Rayd?

     — O bastardo desafortunado que foi eleito para nos liderar. Tem a todos firmes, como ninguém pode fazê-lo. Ele precisa saber sobre você e Nika.

     — Vai aceitar ajudá-la, não é mesmo?

     — Fará isso. Nika é uma de nós agora.

     Andra deixou escapar um lento suspiro de alívio. Estava segura que se alguém podia ajudar a Nika, eram aquelas pessoas.

     Paul a levou por outro comprido corredor que a lembrou ao de um hotel. Portas alinhadas de cada lado, embora estivessem mais separadas que em qualquer hotel que esteve. Em uma porta perto do final do corredor, ele deslizou um cartão chave na fechadura e abriu a porta para que ela passasse primeiro.

     Andra se surpreendeu ao encontrar o que apesar de parecer um quarto de hotel do exterior, no interior parecia um lar normal. O lugar era limpo, com algumas poucas peças de arte nas paredes, todas de paisagens marinhas. Uma parede estava cheia de prateleiras que se queixavam pelo peso de centenas de livros. O sofá e a poltrona combinando estavam gastos, mas pareciam confortáveis, e a televisão de tela plana quase enchia uma parede ela sozinha. Uma pequena cozinha estava metida em um canto, com uma mesa redonda e duas cadeiras ocupando o espaço.

     — Você demorou bastante tempo. — disse Madoc em voz baixa. Silenciosamente fechou a porta pela qual acabava de sair, sem que fizesse nem um clique. Na mão tinha um copo de água vazio.

     — Como entrou em meu quarto? — perguntou Paul.

     — Morgan tem Nicholas abrindo as fechaduras remotamente. — Madoc foi para a cozinha de Paul e agachou a cabeça para olhar na geladeira.

     Andra apontou com a cabeça o copo.

     — Deu-lhe de beber?

     — Sim. Entretanto, está dormindo de novo.

     — Bom. Onde foi Morgan? — perguntou Andra.

     Madoc tirou uma cerveja, abriu-a e tomou um longo gole da garrafa.

     — Estou seguro que foi dizer a todos que encontramos mais duas mulheres. Este lugar vai se encher de homens dentro de uma hora.

     — Tenho que ir ver Joseph. — disse Paul.

     — Então ficarei aqui com Nika. — Madoc tirou uma cadeira da pequena mesa da cozinha e apertou o corpo no estreito espaço. Reclinou-se e se acomodou, como se não planejasse deixá-la em um curto prazo.

     Paul assentiu a contra gosto.

     — Bem. Fique — virou-se para Andra. — Devia ficar aqui também.

     — Acredito que devo falar com essa espécie de líder, com você. Para o caso de que necessite de algo para convencê-lo a ajudar Nika.

     Paul apertou a boca.

     — Não acredito que isso vá ser um problema.

     — Talvez não, mas se for, então poderei me assegurar de que não seja.

     — Faça o que quiser.

     Andra deixou a bolsa de viagem cair e seguiu Paul à porta. Ele a abriu e a sustentou para que ela saísse. Quando voltou para corredor no estilo de um hotel, voltou a se surpreender com o fato de que não estarem em alguma casa dos subúrbios. E então se surpreendeu inclusive mais quando colidiu com o peito de um homem que vinha pelo corredor.

     Andra ricocheteou contra o homem e Paul a estabilizou antes que caísse de traseiro e se humilhasse ainda mais. As mãos de Paul eram surpreendentemente fortes, inclusive para um cara tão grande como era, e a pesar dela se manter em pé, não a soltou. Manteve um frouxo apoio sobre sua cintura e cotovelo, seu contato provocou uma onda de calor que atravessou o estômago dela. Ela sabia que devia afastar-se, mas era muito bom ser tocada por suas fortes e capazes mãos. Tinha visto o que o homem podia fazer com uma espada a brutal letalidade que era capaz, mas nesse momento, tudo o que sentia era doçura, calidez e alvoroçados formigamentos em espiral no ventre.

     — Joseph. — disse Paul como saudação. — Eu gostaria que conhecesse Andra Madison.

     Joseph era mais alto que Paul, perto de dois metros. Tinha ombros largos, mas estavam inclinados, como se ele carregasse o peso de uma carga invisível. Tinha profundas linhas de preocupação gravadas no rosto bonito, e os olhos castanhos estavam fundos e rodeados de vermelho pela falta de sono. Os cabelos curtos tinham cabelos brancos nas têmporas, e parecia que tinha dormido com as roupas que vestia. Em mais de uma ocasião.

     Andra automaticamente estendeu a mão em sinal de saudação e sentiu Paul retesar-se a seu lado. Joseph deu um firme apertão na mão dela.

     — É maravilhoso conhecer você, minha senhora.

     Minha senhora? Andra olhou para trás só para se assegurar que ele não estava falando com alguém mais.

     — Uh. Obrigado.

     — É um termo formal. Não se preocupe. Acostumará-se a isso.

     Sim, claro.

     Quando Joseph soltou a mão dela, Paul relaxou, embora ela pudesse ver seu intenso olhar escrutinando Joseph como se procurasse algo.

     Andra ignorou a excentricidade de Paul. Talvez aqueles dois não estivessem nos melhores termos. Realmente não se importava desde que ele pudesse ajudar Nika.

     — Sabe por que estamos aqui?

     Joseph assentiu, mas estava franzindo o cenho para o anel de sua mão esquerda, que todos aqueles homens pareciam usar.

     — Ouvi que sua irmã está doente. Morgan disse que estava perigosamente magra.

     — Ela esta… Com problemas. — as bochechas de Andra ruborizaram de vergonha, não porque sua irmã estivesse doente, mas sim porque Andra tinha deixado que isso acontecesse. Foi seu fracasso que quase matou Nika.

     — É sua mente que está mais em risco, Joseph. — disse Paul. — Vive com isso há oito anos.

     Joseph abriu a boca surpreso.

     — Não pode ser correto. Oito anos? E ainda está viva?

     — É forte. — disse Andra. — Não parece agora, mas é uma lutadora. Tenta duramente superar as imagens em sua cabeça. Esteve em terapia durante anos, mas nada parece ajudar.

     — É óbvio que não. As terapias humanas não fariam nada para ajudá-la. Vou chamar Tynan. — Joseph tirou o celular do bolso.

     — Logan disse que estava muito fraca para que lhe desse seu sangue.

     — Então encontraremos outra maneira. Não vamos deixá-la morrer. É muito valiosa.

     Andra não estava segura do que queria dizer com isso, mas se pensava que era valiosa, e isso o fazia agir mais rápido, então isso era válido para ela.

     — Todos os homens querem vê-la e tocá-la. — disse Paul. — Acredito que isso só pioraria as coisas.

     Andra agarrou o braço de Paul.

     — Não vou deixar que um punhado de homens desfile por seu quarto manuseando-a.

     Paul segurou a face de Andra.

     — É óbvio que não. Mas tem que entender o quanto esses homens estão sofrendo. Se for compatível com um ou mais deles, da maneira que você é comigo, poderia ser outra forma de ajudá-la.

     Andra estava destroçada. Queria fazer tudo que pudesse pela Nika, mas tinha visto como eram aquelas pessoas. Eram agressivos, exigentes. Assustavam. Ao menos, assim seria para Nika.

     — Viu a forma que ela reagiu a Logan.

     — Parece estar bem com Madoc. — disse Paul.

     As escuras sobrancelhas de Joseph se elevaram.

     — Não acreditará que..?

     — Não. Verifiquei isso. Sua luceria não reagiu a ela. De fato, as cores desapareceram. — disse aquela ultima parte como se tivesse algum tipo de significado especial.

     — Acredita que temos que vigiá-lo? — perguntou Joseph.

     — Sim. Sei que nunca a machucaria enquanto sua marca de vida resistir, mas quando ficar seco…

     — Terei Nicholas mantendo um olho eletrônico sobre ele. Suas câmaras de segurança recolhem tudo.

     Andra olhava para ambos os homens, tentando averiguar sobre o que estavam falando.

     — Meninos, estão dizendo que Nika poderia estar em perigo com Madoc?

     — Estou seguro que ele está bem agora. Só… Está ficando sem tempo.

     — Está morrendo?

     Paul abriu a boca e a fechou de novo como se tentasse decidir o que dizer.

     — Sim, mas não é contagioso. Só precisamos estar atentos aos sinais que mostrem que ele está mudando. Tornando-se… Mais sombrio.

     — O homem já está zangado sem os sinais. Vou voltar para dentro para ficar com minha irmã.

     — Precisamos conversar Paul. — disse Joseph.

     Paul deu a Andra o cartão chave.

     — Voltarei assim que puder.

     — Não se preocupe. Não vou necessitar de sua ajuda com isto.

     Andra voltou para o quarto e encontrou Madoc na porta do quarto de Nika. Ele enchia o espaço, assim mal podia ver sua irmã dormindo placidamente na cama. Mas estava, e algo no interior de Andra se soltou e relaxou.

     — O que está fazendo? — exigiu Andra em um sussurro.

     Madoc se virou como se não a tivesse ouvido aproximar-se. Franziu o cenho e fechou a porta antes de avançar além dela, ignorando sua pergunta.

     — Não me ignore. Perguntei a você o que estava fazendo.

     — Só estava vigiando-a.

     — Paul disse que você está morrendo, e soou como que antes que o faça vai se converter em algo desagradável. É verdade?

     — O suficiente perto. — deixou-se cair no sofá e ligou a televisão.

     Andra arrebatou o controle remoto dele e a desligou. O aspecto ameaçador que cruzou seu rosto a fez deter-se, mas não recuou.

     — Quero que se mantenha afastado dela. Muito longe.

     — Que infernos acredita que vou fazer, senhora?

     — Não sei, e esse é o problema. Não sei nada sobre vocês rapazes, o que fazem ou o que são capazes. O que sei, é que Paul está preocupado, o que deve ser ruim, porque sabe como dirigir você. Nika não.

     — Está louca se acredita que vou fazer algo só porque está dizendo.

     — Sou sua irmã. É minha responsabilidade. Posso não ser capaz de ganhar em uma luta limpa, mas se não se afastar, o encontrarei e o matarei enquanto estiver dormindo. Está claro?

     Madoc se levantou lentamente do sofá, com os músculos rígidos das poderosas pernas. Uma luz realmente aterradora brilhou dentro dos selvagens olhos verdes. Tão zangado quanto estava no exterior, no interior era pior. Muito, muito pior. Havia algo sombrio ali. Algo perigoso à espreita detrás da fachada que ele mostrava ao mundo.

     Sua voz se reduziu a uma ameaça baixa e tranquila:

     — Sinta-se livre para vir e obter seu melhor tiro. Quarto duzentos e dezenove. Deixarei minha porta aberta. Mas já que quer que sejamos claros, se vier, estará em meu território. Minhas regras. Não vou jogar limpo.

     — O que supõe que isso significa?

     — Significa que se eu quiser ver Nika, não há uma maldita coisa que possa fazer para me deter. E se tentar, se arrependerá.

     — Ela é muito boa para você.

     Madoc estremeceu, mas encobriu isso rapidamente.

     — Aparentemente, também é muito boa para você. Estava lá na noite que aquilo aconteceu com ela, não?

     — Vá. Se. Foder.

     Madoc dedicou a ela um sorriso zombador.

     — Todas as vezes que quiser.

     — Mantenha-se longe dela. É muito inocente para proteger-se de gente como você.

     — Ao menos sou capaz de mantê-la a salvo. Protegê-la. Você nem sequer pode fazê-la comer.

     Oh, Deus. Tinha razão. Andra se sentia como se a tivessem golpeado, mas tentou não deixá-lo vê isso.

     — Eu a trouxe para cá, não? Paul se assegurará de que esteja a salvo.

     Madoc bufou.

     — Paul só está ajudando-a para meter-se em suas calças. Manter você com o colar. Se acredita em algo mais, está cheia de merda.

     A mão de Andra foi para a luceria ao redor do pescoço. Estava vibrando agora, cálida sob o contato. Um segundo depois, a porta do apartamento de Paul se abriu bruscamente e Paul e Joseph entraram armados com suas espadas nas mãos.

     — Que infernos está acontecendo? — exigiu Paul.

     Madoc deu um passo atrás.

     — Já ia. Parece que já não me quer aqui.

     Paul estava vermelho, e parecia que estava preparado para derrubar Madoc.

     — Fez mal a você?

     Andra teve que engolir para encontrar a voz.

     — Não. Estou bem. Simplesmente não o quero mais perto de Nika.

     — Ouvi você da primeira vez. — grunhiu Madoc. Abriu passagem através dos dois homens armados e abandonou o quarto.

     Paul chegou até Andra e a abraçou.

     — Tem certeza de que não fez mal a você?

     — Sim. Só me incomodou.

     Beijou-a na têmpora e apertou seu abraço.

     — Ele é bom nisso.

     Joseph esclareceu garganta.

     — Vou comprovar aquela coisa sobre a qual me perguntou, Paul.

     — Obrigado.

     — Nos poremos em dia depois. — Joseph saiu e fechou a porta atrás dele.

     Paul levantou o rosto dela para que o olhasse.

     — Pude sentir sua dor tão claramente como se fosse a minha própria. O que ele disse a você?

     — Nada que eu mesma não tenha me dito mil vezes. Esqueça.

     — Isso não vai acontecer. Mata-me ver você sofrer.

     Seu tom era tão doce, tão carinhoso, que ia fazê-la chorar.

     Ela se separou dele antes que pudesse fazer isso.

     — Só deixe-o ir. Quero saber o que vamos fazer pela Nika.

     Paul retesou a mandíbula de frustração, e tomou um profundo fôlego.

     — Tynan está a caminho e Joseph está indo solicitar uma audiência com Sibyl.

     — Bem. Isso é bom, não é verdade?

     — Sim. Isso é bom. Vamos cuidar dela.

     — Madoc disse que você só está ajudando Nika para chegar a mim.

     — Madoc é um imbecil.

     — Isso não significa que não tenha razão. — disse Andra.

     Paul se sentou no sofá e puxou-a para seu lado.

     — Embora nunca tivesse conhecido você, ainda estaria fazendo todo o possível para salvar Nika.

     — Porque é valiosa para você?

     — Porque isso é o que faço. Isso é o que todos nós fazemos. Cada um de nós fez um voto de proteger aos humanos dos Synestryn. Assim inclusive se ela não fosse uma dos nossos, ainda estaria aqui, lutando por ela. Essa é a razão pela qual existo.

     Andra sentia a verdade de suas palavras ressoando através do vínculo. Sentiu sua convicção, sua honestidade, envolvendo-a e apertando-a fortemente. Era tão bom não estar sozinha. Inclusive se fosse só por poucos dias.

     Seus olhos arderam, e não pôde piscar rápido o suficiente para fazer dissipar as lágrimas. Uma deslizou por sua face, e ela se virou para que Paul não pudesse ver sua debilidade.

     — Não. — disse a ela. — Não se separe de mim. Não tem que ser forte e controlada todo o tempo.

     — Sim, tenho que ser. Tenho que continuar inteira. Por favor, tente entender.

     Ele ficou calado durante um tempo, e ela pôde sentir um pouco de sua frustração pulsando através do enlace. Não desfrutava o frustrando, mas sabia que se rachasse agora, quebraria-se amplamente e se destruiria. Tinha que manter-se forte.

     — Que tal se eu for buscar algo para nos comermos? Dou a você alguns minutos a sós?

     Andra assentiu.

     — Isso seria bom.

     — Algum pedido?

     — Surpreenda-me.

   Quando a porta do quarto de Torr se abriu, ele sabia que seria ela. Grace Norman. Era a última pessoa na face da terra que ele queria que o visse assim, tão impotente quanto um bebê.

     Se seu corpo não fosse uma pilha de carne sem valor, simplesmente teria se reunido com ela na porta e suavemente a teria mandado para outro lugar. Era uma criatura tímida, e não lhe custaria muito fazê-la fugir.

     Ao menos, era tímida com os outros. Não com ele. Estava paralisado do pescoço para baixo, incapaz de danificar uma mosca. Ninguém mais o temia. Nem sequer podia sustentar sua espada, muito menos balançá-la.

     Grace ofereceu a ele um sorriso alegre quando entrou no quarto levando uma caixa de plástico cheia de seus instrumentos de tortura.

     — Como está hoje? — ela perguntou.

     Deslizou pelo chão com passos silenciosos. Seu nome lhe caia bem, mas Torr estava seguro que seus naturalmente rápidos e elegantes movimentos não eram produto de longas horas de aulas de dança. O que ele aprendeu sobre ela, era que tinha aprendido a esquivar-se de punhos e garrafas que voavam em uma idade bem precoce.

     Nunca mais. Seu padrasto estava apodrecendo em um buraco no chão, e ela estava a salvo ali.

     Desejou dizer-se que aliviaria o nó de tensão que sentia entre eles cada vez que a via, mas não o fez. De algum jeito não era suficiente. Queria fazer mais.

     Por outro lado, essa era a história de sua vida nesses dias. Não podia nem sequer alimentar-se, muito menos proteger Grace de ameaças imaginárias.

     — Estou cansado. Vá embora. — grunhiu para ela.

     Ela fez um estalo com a língua.

     — Não é agradável, Torr. Estou aqui para ajudá-lo, deseje isso ou não.

     Ela era uma coisa tão bonita, especialmente quando sorria. O sorriso nunca tocava seus tristes olhos castanhos, mas tinha se acostumado a isso nas últimas semanas. Vinha vê-lo todos os dias, e nada do que ele dissesse ou fizesse a afugentava.

     — Envie outra pessoa. — disse ele.

     O halo de encaracolados cabelos pretos ao redor de sua cabeça a fazia parecer mais jovem que seus vinte e dois anos. Devia ser capaz de vê-la como uma menina, tendo em conta que ele estava perto dos quatrocentos, mas com ela, isso simplesmente não acontecia. Era uma mulher uma que achava tão sexy como o inferno e isso era parte do problema. Havia muitas coisas em sua vida que queria agora e não podia ter. Não apreciava a adição dela ao montão.

     — Por quê? — perguntou ela. — Não acredita que sei o que estou fazendo?

     É óbvio que ela o fazia. Ela sabia o quanto ele estava desesperado. Sabia que ficaria paralisado durante o resto de sua longa vida, e se compadecia dele. Era por isso que ela estava ali. Era muito amável para não agir com essa piedade.

     — Não tenho tempo para isto. — ele disse.

     Ela continuou sorrindo e pôs a caixa sobre a mesa perto da cadeira de rodas.

     — Não seja um bebê. Não vou machucar você.

     — É óbvio que não. Não posso sentir uma maldita coisa.

     — De acordo, Senhor Calções Irritáveis. Seja assim. Ainda não vou. Tenho uma hora antes que comece meu turno.

     Não havia nada que pudesse fazer para detê-la. Estava débil. Indefeso.

     Se tivesse restado algum tipo de força nele, teria usado-a para pôr fim a sua miserável vida assim que percebeu que os Sanguinar eram incapazes de curá-lo, antes que desperdiçassem mais sangue precioso tentando curá-lo.

     Grace o conduziu à cama, a qual era o ponto central da sala de estar. Todo o equipamento que se necessitava para manter seu lamentável traseiro limpo e alimentado era muito grande para seu quarto, assim agora vivia ali. O dia todo. Todos os dias.

     Desejava tanto a liberdade que tinha certeza que sua mente rasgaria. Até o momento, não tinha sido tão afortunado.

     — Ouviu as notícias? — perguntou a ele enquanto ajustava a cadeira até que esteve colocado. Amarrou-o com umas correias e manipulou a alavanca que o acomodou de volta na cama.

     Aquele maldito dispositivo tornava fácil para alguém tão pequeno como Grace movê-lo, mas também significava que ela não necessitava nenhuma ajuda. Significava que tinha que estar a sós com ela.

     Quanto mais tempo estivesse a sós com ela, mais de si mesmo se perderia. Seu orgulho foi a primeira coisa em ir-se. Em seu lugar havia uma ardente bola de vergonha e humilhação da que não podia escapar.

     — Que notícias? — Perguntou, incapaz de evitar a curiosidade sobre o mundo exterior.

     Grace deslizou as mãos no interior do cós do moletom e o tirou de suas pernas, deixando-o de boxers. Olhou-o fixamente por muito tempo, fazendo-o perguntar-se quão feio teria se convertido seu corpo enquanto a carne se consumia pelo desuso.

     Ela engoliu saliva visivelmente antes de responder.

     — Encontraram mais duas mulheres como a Helen. Estão aqui.

     Torr se negou a pensar no que isso significava, ou ao menos tentou. Mais mulheres tão rápido depois de Helen? Não parecia possível, entretanto estava acontecendo. Talvez ela não fosse uma anomalia genética depois de tudo. Talvez seus irmãos pudessem ser salvos.

     A notícia não fez nenhum bem para ele, mas até que estava contente por o restante dos Theronai terem esperança.

     — Quer ir vê-las? — ela perguntou.

     — Não. — nunca nem sequer consideraria ver se alguma delas era compatível enquanto tivesse o corpo inútil. E não importava com que mentiras o alimentavam os Sanguinar, Torr estava bastante seguro que não tinham nem ideia de como arrumar sua paralisia.

     Grace elevou a cabeceira e lutou com sua camiseta. Sua massa muscular tinha começado a murchar, mas com sua corpulência, ainda era uma grande carga para que ela manobrasse. Ela não era muito grande, talvez um pouco mais que um metro e meio de altura, mas nunca se queixou que fosse muito pesado. Também podia ser que fosse mais forte do que parecia no exterior.

     Diferente de muitos de seus irmãos, ainda tinha um bom número de folhas na marca de vida. Sempre havia se sentido abençoado por não estar sofrendo como tantos outros, agora essa bênção se converteu em maldição. Restavam anos antes que sua árvore ficasse seca, o que obrigaria Joseph a terminar com a vida de Torr.

     Ela conseguiu passar a camiseta pela cabeça dele, e ele teve uma agradável vista de seus seios, suaves e cheios seios que se escondiam atrás da roupa folgada. Sabia que eram suaves porque acidentalmente roçou-os com a face uma vez enquanto o despia.

     Ele ainda tinha sonhos com aquele inocente acidente, só que em seus sonhos, ela estava nua e ele era um homem completo. Sempre despertava antes de chegar à parte realmente boa, mas desfrutava da fantasia durante o tempo que durava.

     — Tem certeza? — perguntou ela.

     — Sim, tenho certeza. Nem sequer posso dar meu voto a elas. Que possível bem pode me fazer vê-las?

     Ela passou os dedos pelos cabelos para alisá-los. Torr apertou os dentes contra a sensação dos dedos sobre a pele. Ela tinha passado horas tocando-o massageando seus músculos e exercitando seus membros para que se mantivessem flexíveis, mas nunca havia sentido nada disso. Acabava de ver as mãos deslizando-se pelas pernas, deixando um rastro brilhante de óleo de massagens a sua passagem.

     Por todo o bem que isso fazia a ele, ela poderia estar esfregando o corpo de algum outro homem.

     Esse pensamento encheu sua cabeça com a necessidade de violência. Queria atacar e esmagar tudo a sua passagem. Não é como se o que queria importasse de todos os modos.

     — Não sei. — ela respondeu. — Só pensei que se uma delas fosse compatível com você, talvez pudesse ajudá-lo.

     — Quer dizer me curar? — perguntou em um amargo e zangado tom.

     — Sim. Esse pensamento cruzou minha mente.

     — Não é dessa maneira que funciona. Por que não deixa que as sanguessugas me tratem e se pega a seus deveres na cozinha.

     Grace estremeceu como se tivesse batido nela, e até que ele viu isso, não pensou que pudesse sentir-se pior.

     Estava equivocado. Sentia-se totalmente uma merda por ferir seus sentimentos assim. Ela só estava tentando ajudar.

     Todo mundo estava tentando ajudar. Não era culpa dela que estivesse farto de necessitar de ajuda.

     — Sinto muito. — sussurrou. — Não quis dizer isso.

     Ela assentiu, mas não o olhou nos olhos.

     Colocou um pouco de óleo na palma da mão e esfregou as mãos juntas para esquentá-lo. Ele não podia sentir frio, mas ela ainda tomava o tempo de ver sua comodidade.

     Era muito amável para estar perto dele. Era tóxico, tão venenoso quanto a lesma com presas gigante que o pegou sobre a coluna vertebral e arrebatou sua vida. Se ela ficasse, só terminaria por prejudicá-la ainda mais.

     — Realmente desejo que me deixe sozinho. — disse a ela, tentando manter sua voz calma.

     Suas mãos deslizaram pela perna até a entreperna. Ele viu, mas não sentiu nada. Sua mente estava excitada por seu contato, lhe pedindo silenciosamente que se movesse para cima e agarrasse seu membro com suas mãos hábeis, embora soubesse que era uma inútil perda de tempo. Tampouco sentiria isso. Não importava quão retorcida estivesse a mente, o corpo se negava a responder.

     Nunca voltaria a conhecer o prazer da carne, o íntimo abraço do corpo de uma mulher, o tórrido deslizar de pele contra pele.

   — Sei o que quer, mas não vou. Quando os Sanguinar averiguarem como curar você, vai agradecer por seu corpo não estar enroscado sobre si mesmo. Ainda levará um pouco de tempo para recuperar sua força, mas ao menos seu corpo será capaz de mover-se para que possa recuperá-la.

     — Os Sanguinar não têm nem ideia de como me curar.

     — São inteligentes. Eles averiguarão.

     — Depois do tipo de vida que teve, — as surras, ver sua mãe morrer de uma morte lenta — como pode ainda ter esperança?

     — Tenho esperança pela vida que tive. Durante quinze anos rezei todas as noites que alguém viesse salvar a mim e a meu irmão do inferno que se converteu nossas vidas. E então você chegou.

     — E?

     — E, só passaram umas poucas semanas desde que ficou paralisado. Se eu pude esperar quinze anos por um milagre, então você pode.

     Quinze anos? De maneira nenhuma.

     — Não. Não posso. Não assim.

     Grace deu de ombros e continuou massageando suas panturrilhas.

     — Não tem escolha. Não vou deixar que se renda.

     — A decisão não é sua.

     Levantou os olhos para olhá-lo e as lágrimas brilharam nos tristes olhos castanhos.

     — Até que possa se mover, tampouco é sua.

 

   Paul viu Zach vindo pelo corredor para ele como um aríete . Seus olhos verdes de leopardo estavam vermelhos, fundos pela falta de sono, e sua pele de moreno claro tinha um tom cinza doentio. Paul não tinha visto ele há duas semanas e, nesse tempo, tinha aumentado sua magreza, estava mais desesperado.

     Todos os Theronai ouviram os rumores de que possivelmente tinha encontrado sua mulher no mês passado, e que ela fugiu dele. Esteve procurando-a após isso. Sem sorte.

     — Onde estão? — exigiu Zach.

     — Quem?

     — As mulheres que trouxe para cá. Preciso vê-las. Assegurar-me de que não são minha Lexi.

     Paul sustentou as mãos no alto para deter Zach, evitando que se movesse.

     — Não são Lexi. Prometo isso a você.

     Zach lutou contra o agarre de Paul.

     — Pode estar equivocado.

     Não estava, mas não disse isso a ele. Neste caso a diplomacia era o melhor e seguro caminho de ação.

     — Andra mede 1,78, com cabelos escuros e curtos. Nika mede aproximadamente 1,70 e há muito tempo, tem os cabelos brancos. Ambas têm os olhos azuis. Elas se parecem com Lexi?

     Os ombros de Zach afundaram com derrota e a cabeça caiu para frente.

     — Não. Ela é pequena. Não é tão alta. Maldita seja.

     — Sinto muito, homem. Sei que isto está matando você. Houve alguma pista?

     — Algumas. Ela sempre foi embora antes que eu chegasse.

     — É verdade que a marca de sangue que pôs nela não está funcionando? —Paul tinha ouvido rumores, mas não tinha acreditado neles.

     — Sim, é verdade. Não sei como fez isso, mas foi capaz de bloqueá-la de algum jeito.

     Paul pôs a mão sobre o ombro de seu irmão.

     — Tenho certeza de que a encontrará.

     — Ou morrerei tentando. — disse Zach, e se virou retornando por onde tinha vindo.

     Paul cravou os olhos em seu amigo, ao vê-lo virtualmente cambalear. Zach sempre foi orgulhoso e forte, e agora estava reduzido a uma desesperada confusão.

     E só tinha passado alguns minutos com Lexi.

     Paul esteve com Andra durante dois dias. Se ela se afastasse dele, ia sofrer muito mais que Zach antes de morrer.

     Ao menos, ainda tinha esperança. Era possível que Andra desejasse ficar. Zach foi rechaçado categoricamente. Era um milagre que ainda respirasse.

     Se Zach não encontrasse Lexi logo, ia ser outra espada pendurada no Salão dos Caídos antes que passasse muito mais tempo. Paul estava seguro disso.

     Outro irmão perdido.

     A dor brotou em Paul até que ameaçou estrangulá-lo. Estavam morrendo muito rápido. Todos eles. Não só seus irmãos, também os Sanguinar. Inclusive tinha ouvido que as filas dos Slayers estavam se extinguindo a um ritmo alarmante, sua reduzida descendência já não era capaz de suportar a magia que uma vez exerceram.

     Se algo não mudasse logo, os Synestryn iriam ganhar e invadir a Terra. Matariam todos os humanos vivos, sem importar quão pequeno fosse o indício do poderoso sangue que eles possuíssem, e usariam esse poder para abrir a porta do reino de Solarc. Não haveria ninguém para detê-los.

     Um problema de cada vez. Era nisso que precisava concentrar-se. Se pensasse em seu futuro, ou na ausência dele, não seria capaz de seguir adiante, e isso era o que Andra necessitava que fizesse. Seguir adiante.

     Assim que terminaram de comer, Andra retornou para verificar o estado de Nika, quando Paul ouviu uma baixa batida na porta. Abriu-a para encontrar Joseph ali de pé com Tynan, um dos Sanguinar.

     Paul duvidou em deixá-los entrar. Não queria incomodar o descanso de Nika, mas mais que isso, não queria um dos Sanguinar em nenhum lugar perto das mulheres. Tynan ia querer o sangue delas. Seu instinto de proteção fez que fosse difícil aceitar isso, apesar de saber que Tynan estava de seu lado.

     — Sinto muito. — disse Joseph. — Sibyl já se foi.

     — Quando vai voltar?

     — Não sei. Deixou um bilhete dizendo que deveria ter chegado antes, como ela pediu a você.

     — Não pude trazê-las mais rápido. Era muito arriscado para Nika. Ela deveria saber disso malditamente bem.

     — Talvez soubesse. Pode perguntar a ela quando voltar. Enquanto isso, trouxe Tynan para ajudar.

     — Tenho que ver as mulheres. — disse Tynan.

     Paul os deixou entrar.

     — Não precisa ver Andra. Nika é a única doente.

     — Também devo catalogar o sangue de Andra. — disse Tynan.

     — De nenhuma fodida maneira. Logan já tomou o suficiente. Obrigue-o a compartilhar.

     — Tudo o que ele tomou já foi consumido. Utilizado para evitar que os ocupantes do hospital vissem o ataque. Necessitamos de mais.

     — Merda.

     O rosto muito bonito de Tynan era liso e impassível. Era desumanamente pálido e seus olhos azuis desceram para o pescoço nu de Paul.

     — Reclamaste-a. Ela é um das nossas agora. Não pode negar a necessidade de estudar seu sangue.

     O sangue de Andra. Só um pouco, porém mais do que Paul estava disposto a dar a ele.

     — Não necessita dele agora. Talvez mais tarde.

     — Mais adiante pode ser muito tarde. — disse Joseph. — Ninguém nunca sabe o que pode acontecer, e temos que ser capazes de averiguar de onde ela vem. Outra mulher capaz de unir-se a nossos homens simplesmente aparece, com uma irmã de sangue, nada menos e está aí me dizendo que não é importante que façamos um seguimento de sua linha de sangue?

     — Não é importante para mim.

     As feições de Joseph se obscureceram com ira.

     — É óbvio que não. Você já tem sua mulher. E o que acontece ao restante de nós? Estamos perdendo terreno dia-a-dia e você dificulta o caminho de nossa investigação de sua linha de sangue? Não pensei que fosse tão egoísta.

     Paul fez uma careta. Era egoísta, mas a ideia de derramar o sangue de Andra e dá-lo a outro Sanguinar era mais do que podia suportar.

     — É sua escolha. Não a minha.

     — Sua vida está aos seus cuidados. — disse Tynan. — Reclamou-a como sua. Quem melhor que você para tomar a decisão de derramar uma pequena porção de seu sangue? Com você aqui, cuidando dela, como poderia chegar a prejudicá-la? Você me mataria antes que tivesse a oportunidade de tomar muito.

     Paul sentiu que deslizava a mão para sua espada. Não seria necessário muito para alcançá-la e pegá-la. Nunca gostou de Tynan. Era muito falso. Sem muitas emoções. Igual a um réptil.

     — Isto não é negociável, Paul. — disse Joseph. — Não vou dar a você ou as mulheres uma opção. Temos que saber de onde vêm e como não pudemos as encontrar até agora, e o único homem que pode fazer isso é Tynan. Assim nos leve até as mulheres ou simplesmente se afaste de nosso caminho de uma maldita vez, porque isto vai ocorrer.

     — O que está acontecendo? — perguntou Andra detrás dele.

     Paul se aproximou e colocou o corpo diante dela, em um gesto abertamente protetor.

     — Querem um pouco de seu sangue.

     — Para propósitos de investigação. — esclareceu Joseph. — Esperamos encontrar mais informações a respeito de você, sobre como é capaz de absorver o poder de Paul sem nenhum dano.

     — Acredita que meu sangue dirá a você por que sou uma esponja mágica? —perguntou ela.

     Tynan riu, deixando escapar um melodioso e totalmente desumano som.

     — Encantadora imagem. Apropriada. Penso que vou gostar de você.

     — Deixe de paquerar com minha mulher. — grunhiu Paul.

     — Sua mulher? — perguntou Andra em um tom que era em parte alerta, em parte curiosidade feminina.

     Paul sentiu seu rosto arder. Estava ultrapassando os limites. Tinha que recordar isso. Não lhe pertencia, não importava o quanto desejasse o contrário. Ela podia fazer o que quisesse. A ideia encheu muito seu saco.

     Paul se afastou, por isso já não estava protegendo o corpo dela da sanguessuga.

     — Quer que ele sugue você? Estupendo. Sirva-se.

     — Uh. Igual a um vampiro sanguessuga? Como Logan? Esse tipo de sucção?

     — Sim. — disse Paul, sentindo-se encantado com seu apropriado desgosto.

     — Não. — disseram Joseph e Tynan, ao mesmo tempo.

     Andra olhou para os três homens e deu um curto passo aproximando-se de Paul.

     — Sinto muito. Assustei-me. — disse aos homens.

     Tynan disparou contra ela um fabuloso e belo sorriso de modelo cheio de dentes brancos.

     — É indolor. Prometo isso a você.

     — Isso é o que dizem todos os vampiros. — disse ela.

     — Encantadora criatura. Espero que sua irmã seja como você. Poderíamos usar um pouco de humor para aliviar o lugar. Todos estes velhos e aborrecidos Theronai são quase tão divertidos quanto um funeral.

     Joseph deixou escapar um grunhido de advertência.

     — Para trás, sanguessuga.

     — Vê o que quero dizer? Nenhuma diversão absolutamente. Exceto você e eu, querida, poderíamos nos divertir muito juntos.

     A voz de Tynan gotejava promessas. Deu um passo para mais perto de Andra, e no mesmo segundo, Paul desembainhou sua espada e manteve a lâmina nua diante do pescoço muito belo de Tynan.

     — Nem um passo a mais. — advertiu ao Sanguinar.

     Tynan, levantou as mãos em sinal de rendição, mas não eram as mãos que eram perigosas. Eram os olhos azuis, do tipo que subjuga as presas e as mantêm assim enquanto come. Os olhos estavam firmemente fixos em Andra e ela não afastou os olhos para o outro lado.

     — Aparentemente, este é um mau momento. — disse Tynan.

     — Qualquer momento é ruim para que beba o sangue de minha mulher. — disse Paul.

     — Irei, mas retornarei quando estiver mais disposta. Tenho certeza que sua irmã aguentará esse tempo.

     — Pode ajudar Nika? — perguntou Andra.

     — Estou aqui por isso.

     — Então faça isso. — estendeu os braços como se o deixasse decidir qual deles era mais saboroso. — Tome tanto quanto queira. Apenas ajude-a.

     Os olhos de Tynan brilharam com fome.

     — Tão generosa. Que desinteressada. Sua irmã tem sorte de ter você.

     Paul aumentou a pressão sobre a espada.

     — Também quer o sangue de Nika, Andra.

     — Não pode ter o dela. Está muito doente. Terá que tomar o meu em seu lugar.

     — Não é dessa maneira que funciona, preciosa. — disse Tynan. — Vou necessitar do dela, também.

     — Logan disse que está muito fraca.

     — Não sou Logan. Minhas habilidades são muito maiores que as dele, é por isso que estou aqui agora.

     — Já basta! — gritou Joseph. — Eu estou no comando aqui. Todos me escolheram como líder e fará malditamente bem em aceitar esta liderança, porque estou seguro como o inferno que não faço este trabalho para me divertir.

     Paul olhou para Joseph, aturdido. Aquela grosseria não era de forma alguma própria dele.

     — Agora. — disse Joseph. — Tynan vai tomar um pouco e quero dizer um pouco do sangue de Andra para que possamos tentar averiguar de onde vem. Paul, simplesmente vai se sentar e permitir isso. E, Tynan, se sentir o mais leve indício de magia saindo de você, cortarei a extremidade mais próxima com minha espada, provavelmente sua cabeça. Pode ficar com seus cupinchas sanguessugas para voltem a unir você, se acredita que são bons o suficiente.

     Paul olhou para Andra, ignorando as ordens de Joseph. Não se importava que o expulsassem por desafiá-lo. Era sua protegida, e não ia renunciar um dia depois de ter feito seu juramento a ela. Adiantou-se para que só ela pudesse vê-lo.

     — Vai permitir que Tynan tome um pouco de seu sangue? Podemos lutar contra eles.

     Os olhos azuis de Andra se abriram com surpresa.

     — Está brincando, não é verdade?

     — Estou mortalmente sério. Essas são nossas duas únicas opções.

     — Não podemos lutar contra estes caras. São os bons, não?

     Paul assentiu com a cabeça.

     — Embora “bons” possa ser um pouco exagerado. Estamos do mesmo lado na guerra, se isso for o que quer dizer.

     — Assim é. Além disso, ele é o único que pode ajudar Nika.

     — Farei o que puder. — disse Tynan.

     Andra respirou profundamente enquanto dizia a Tynan:

     — Está bem. Tome um pouco de meu sangue, mas é melhor que haja um maldito suco com bolachas me esperando quando terminar.

     Andra estava começando a não gostar dos vampiros quase tanto quanto Paul e Madoc. Se isto se mantivesse, ia estar seca antes que a semana terminasse.

     Paul se aproximou dela, com a mão em sua espada, enquanto Andra se sentava junto à mesa da cozinha, ao lado de Tynan. Joseph tinha se desculpado para se encarregar de algum tipo de emergência, advertindo Tynan que andasse com muito cuidado e prudência.

     — Prometo que não a machucarei. — disse Tynan, quando se inclinou para frente.

     — Toque seu pescoço e morrerá aqui mesmo. — advertiu Paul.

     Andra levantou os olhos e não pôde deixar de olhá-lo. Nunca o tinha visto com um aspecto tão feroz, nem sequer quando enfrentou aos demônios que tinham sequestrado Sammy. Parecia um guerreiro decidido a se vingar, quase sem poder controlar a ira. Os ombros largos bloqueavam a luz da sala de estar detrás dele, moldando a silhueta de seu corpo. As sombras fluíam pelos lados de seu rosto, projetando os traços másculos para um rude relevo. A mandíbula estava apertada e as asas do nariz flamejavam.

     Andra tocou no braço dele em uma tentativa de acalmá-lo, mas só conseguiu sobressaltá-lo.

     — Apresse-se em terminar! — disse a Tynan.

   — Seu braço, minha senhora. — disse Tynan.

     Andra não era a senhora de ninguém, mas não parou para discutir o ponto. Não estava segura de quanto tempo mais poderia resistir a Paul. Podia sentir sua possessividade pulsando a fogo lento através de sua união.

     Andra estendeu o braço.

     — Promete-me que não doerá?

     Tynan dedicou a ela um suave sorriso que teria feito derreter as calcinhas da maioria das mulheres.

     — Basta com que me olhe nos olhos e tudo terá terminado antes que se dê conta.

     — Não. — gritou Paul. — Ela é minha. — sua voz era tão rude que as palavras mal foram decifráveis.

     Andra não tinha certeza se a possessividade de Paul a deleitava ou a incomodava. Se não fosse por sua conexão e o medo que sentia saindo por ela em ondas dele, poderia ter ficado furiosa com sua bárbara declaração. Como era, sabia que ele só estava tentando protegê-la do que percebia como uma ameaça.

     — Se não quer que eu o olhe, talvez, deva ser você quem me distraia. — disse Andra, com o que esperava ser um sedutor sorriso.

     Ele se inclinou, agarrou os cabelos curtos com a mão em punho, reclinou a cabeça dela para trás, e tomou posse de sua boca em um beijo abrasador. O mundo de Andra se inclinou para a borda e suspirou na boca dele. A mão livre se aproximou e se envolveu ao redor da nuca dele para segurá-lo no lugar e que não pudesse afastar-se desta vez. Em algum lugar além da esfera flutuante do beijo de Paul, Andra mal era consciente de que estavam fazendo algo no outro braço dela. Não lhe importava o quê.

     A língua de Paul brincou com sua boca aberta e ela saboreou seu grunhido de aprovação enquanto deslizava em seu interior. Sua mão se retesou em seus cabelos uma agradável dentada de dor. Ele pressionou as costas dela contra a cadeira, com os lábios e a língua deslizando sobre ela com uma necessidade quase frenética.

     O ventre de Andra esquentou e os membros se tornaram maleáveis e dispostos. A luceria zumbiu felizmente, ressoando com o ronrono do anel contra seu pescoço. Seus dedos quentes se pressionaram contra o pulso, e estava segura de que o sangue que pulsava ali esquentou perto da ebulição.

     Sua respiração acelerou, e ela pôde sentir o ardor do desejo enrolando pelo peito. Tudo além deles dois se desvaneceu em insignificância. Ela nunca havia sentido nada tão devorador antes, e se tivesse restado algum lugar dentro de seu formigante corpo para o temor, teria se aterrorizado. Este não era o tipo de beijo que chegava ao final com cada um deles indo por caminhos diferentes. Este era o tipo de beijo que mesclava os corações entre si e mudava vidas. Havia uma espécie de magia nisso — uma espécie de poder — que eles teciam conjuntamente com delicados elos de necessidade. Andra estava segura de que não havia nada além do nu, suarento sexo que pudesse apagar o fogo que queimava em seu ventre. Estava totalmente a favor disso.

     O corpo de Paul se retesou com o esforço; então ela sentiu que ele começava a afastar-se. Andra apertou o agarre sobre ele, usando toda sua força para segurá-lo no lugar. Mas ele era mais forte e, pegando-a pela mão, manteve-a na linha.

     Andra ficou ofegante, necessitada e dolorida. Agora que estavam separados, podia sentir a luxúria de Paul separada da sua própria batendo contra ela em violentas ondas. Desejava-a tanto quanto ela tinha desejado a ele e, entretanto, deteve-se.

     Lentamente, à medida que sua confusa mente se limpava, recordou que tinham audiência. O rosto de Andra já estava ruborizado pela paixão, de modo que estava segura que ninguém notaria seu rubor.

     Tynan esclareceu a garganta com uma delicada tosse.

     — Eu já, ah, terminei.

     Andra retirou a mão com força e olhou para o pulso. Ali não havia nada, exceto a pele imaculada.

     — Não senti nada. — ela admitiu.

     — Não estou de acordo. — murmurou Tynan. — Mas me alegro por não ter machucado-a.

     — Vá ajudar Nika. — ordenou Paul.

     Estava de pé a poucos metros, com o rosto voltado para as janelas. Andra podia ver a expressão de dor em seu semblante, e o rígido controle que estava tentando manter.

     Tynan elevou as escuras sobrancelhas.

     — Está doente, Theronai?

     — Estou bem. Vá ajudar Nika.

     Andra se levantou, precisando tocá-lo para acalmá-lo. Tentou alcançá-lo. Mas Paul se separou com um puxão.

     — Não se aproxime mais, ou a terei nua debaixo de mim sobre o chão em trinta segundos. Não importa quem esteja observando.

     O interior do corpo de Andra brilhava suavemente, com os efeitos residuais do beijo. Ela precisou de força de vontade para manter a compostura e evitar dirigir as mãos sobre as costas tensas de Paul.

     — Ele tem razão. — disse Andra, dando uma olhada para Tynan. — Nika necessita de você.

     Tynan inclinou respeitosamente a cabeça.

     — Como quiser.

     — Ficará bem? — ela perguntou a Paul, começando a preocupar-se.

     — Sim. Isto é simplesmente a versão dos Sanguinar de uma brincadeira. Estarei lá em um minuto.

     Andra não estava rindo. Doía-lhe muito para achar algo daquilo engraçado. Olhou o rosto de Tynan e não pôde ver nenhum rastro de humor espreitando em seus olhos.

     — Onde está sua irmã? — ele perguntou.

     — Mostrarei a você.

     Andra levou Tynan para o quarto onde Nika estava descansando. Abriu a porta silenciosamente. Estava escuro, por isso Andra acendeu as luzes. Nika não se moveu, mas tinha passado anos com médicos e enfermeiras invadindo seu sono, assim a estas alturas provavelmente estava acostumada.

     Estava tão magra e frágil, quase esquelética. Os cabelos claros se mesclavam com os travesseiros brancos brilhantes. As veias azuis se estendiam através das têmporas e sobre o dorso das mãos. Os hematomas das correias e das intravenosas eram escuros, desagradáveis marcas que ainda não tinham começado a curar.

     O destroçado coração de Andra se abriu e sangrou por sua irmã. Se isto não funcionasse…

     — Há quanto tempo está dormindo? — ele perguntou, franzindo o cenho para Nika.

     — Horas. Despertou e comeu algo antes de sair de Nebraska, mas dormiu o restante do caminho até aqui. Madoc deu um pouco de água a ela quando chegamos, para ir direto a dormir.

     Tynan se sentou na beira da cama. Pegou a ossuda mão com um cuidado extremo. Os longos dedos revoaram sobre o pulso dela por um tempo. Quando olhou para Andra, o rosto estava sombrio.

     — Já não está dormindo. Está inconsciente.

 

   Andra fechou os joelhos para evitar cair.

     — Está seguro? Pensei que estava melhorando quando Madoc conseguiu que comesse. Nunca teria me afastado de seu lado se pensasse o contrário.

     A culpa a consumia revolvendo seu estômago. Estava tão enredada com Paul e seu mundo que nem sequer tinha notado que sua irmã tinha piorado.

     — Não está inconsciente há muito tempo, posso senti-la desvanecendo-se. Seu corpo está enfraquecendo.

     — O que fazemos?

     — Não saberei até que tome um pouco de seu sangue.

     — Se está fraca, isso só piorará as coisas.

     — Não. Só necessito de uma ou duas gotas. — manteve o olhar pedindo permissão.

     Andra não tinha escolha. Nenhuma opção.

     — Está bem, mas não muito.

     Tynan assentiu com a cabeça, e enfiou o dedo de Nika na boca. Andra o viu perfurar a ponta com as afiadas presas, e com a mesma rapidez deslizou a língua por ela, selando a pele.

     Ficou paralisado. A mão de Nika deslizou das suas e caiu de volta à cama. Os olhos começaram a girar rapidamente como loucos, exatamente como Logan fez, e um profundo gemido brotou de sua garganta.

     Andra conteve o pânico. Não sabia o que estava acontecendo, mas não ia deixar Nika no meio se Tynan começasse a retorcer-se. Rodeou a cama para pegar Nika nos braços e tirá-la dali quando os olhos de Tynan desaceleraram, deixando escapar um duro suspiro.

     — Está bem? — perguntou Andra.

     Não parecia escutá-la.

     — Esta pobre menina. — sussurrou olhando Nika como se já estivesse morta.

     — O que aconteceu? — exigiu Andra.

     — Seu sangue. — limpou a boca como se não quisesse se arriscar a provar mais. — Sei por que está sofrendo. — olhou para Andra e sua expressão era a de um médico que dava a um membro da família a pior noticia possível. —Sinto muito. — prosseguiu. — Posso obrigá-la a comer, e ajudar o corpo a curar, mas não há nada que possa fazer por sua mente.

     Andra conteve as lágrimas graças à força de vontade.

     — O que é? O que está acontecendo com ela?

     — De algum jeito um Synestryn conseguiu seu sangue.

     Andra sabia como.

     — Nossa família foi atacada quando tinha doze anos. Um desses monstros rasgou sua perna.

     Não se atrevia a dizer a ele que o monstro bebeu o sangue do ferimento de Nika, e que não havia feito nada para detê-lo. Simplesmente continuou de pé, deixando que acontecesse.

     — É um milagre que esteja viva. As garras e saliva são venenosas.

     — Ficou doente durante muito tempo, mas melhorou. Ao menos pensei que o fazia. Levei um tempo para perceber que não era... Ela mesma.

     Aquelas primeiras semanas foram quase mais do que poderia suportar. Sua mãe tinha morrido. Sua irmã açula tinha desaparecido e supostamente morrido, embora Andra se negasse a acreditar nisso. Nika estava no hospital, aferrando-se à vida por um fio. Andra estava sozinha, tomando todas as decisões. Tinha dezenove anos, acaba de começar a universidade. Mal tinha a idade suficiente para viver por sua conta, e muito menos carregar nas mãos o futuro de duas meninas. Debatia-se entre a busca de Tori, ou permanecer com Nika. Tentou fazer ambas as coisas, por isso o esgotamento a levou ao hospital, assim tomaram a escolha por ela.

     Queria sua mãe de volta a todo custo, agarra-se a ela e que ela lhe dissesse que tudo ia ficar bem. Mas a mãe tinha morrido, e os médicos continuavam procurando Andra para todas as decisões. Não tinha mais remédio que aguentar. E o fez.

     — Sua irmã é psíquica, não é verdade? — perguntou Tynan.

     Andra assentiu lentamente. Sempre as considerou como horripilantes coincidências, mas era verdade. Nika sabia de um montão de fatos que não deveria conhecer.

     — Por isso está assim? Por que acredita que vê coisas que não estão aí?

     — O sangue que foi tomado criou uma relação com o sgath que o bebeu, uma espécie de conexão mental. Poderia ter resistido a isso, mas ficou pior. De algum jeito o sangue da criatura foi consumido por muitos outros. A presença de Nika dentro desse sgath se dividia cada vez que seu sangue era transmitido a outro. Por isso posso dizer, isso ocorreu mais de uma vez.

     — Pode me dizer tudo isso a partir de uma ou duas gotas de sangue?

     — Sim. — não parecia muito feliz com isso.

     — Então por que não pode solucionar isso?

     — Não sou suficientemente perito. Há um Sanguinar na Europa que pode ser, mas não é certeza.

     Raiva desesperada inundou Andra até fazê-la estremecer.

     — Por que diabos não?

     — Porque Nika foi seccionada em muitos fragmentos. Não é suficiente tentar uni-los. Inclusive se pudéssemos, é provável que as cicatrizes arruínem sua mente. É melhor deixá-la ir. Pôr fim a seu sofrimento.

     — Não. — sussurrou Andra. Não podia deixar Nika partir também. Não podia ficar sozinha.

     Calor, mãos fortes posaram em seus ombros. Paul. Nem sequer o viu entrar no quarto.

     — Já a ouviu, Tynan. — disse Paul. — Não vamos deixá-la partir. Pode ter todo o sangue que necessitar, mas não pode abandoná-la.

     Tynan ficou em pé.

     — Como desejar. Vou investigar o que deve fazer-se.

     — Quanto tempo levará? — perguntou Andra.

     — Não devo agir sem falar com meus irmãos e reunir forças.

     — Vou chamar os Theronai para doarem sangue pela causa. Todos os homens estão esperando que Nika seja sua dama. Deve conseguir muitos voluntários. — afirmou Paul.

     — Faça que se reúnam comigo no salão depois do pôr do sol de amanhã. Vou necessitar ao menos desse tempo para me preparar.

     — Também vamos falar com Sibyl, assim que volte.

     — Bom. — disse Tynan. — Qualquer conselho que possa dar será bem-vindo.

     — Desde quando segue seus conselhos? — perguntou Paul.

     — Desde que a vida desta mulher ficou pendurada por um fio. — Tynan deu meia volta e se foi.

     Andra não podia mover-se, não podia falar. Tinha lutado tanto tempo e tão duramente por Nika, e ainda não tinha sido suficiente. Nada do que havia feito nunca foi bom o suficiente quando se tratava de sua família. Tinha fracassado uma e outra vez, e nada do que tinha ouvido a fazia acreditar que esta vez seria diferente.

     — Sinto muito. — sussurrou para sua irmã. — Sinto muito, neném.

     Paul uniu as costas dela contra seu peito, apertando-a. Os braços estavam quentes, fortes, e reconfortantes. Parte dela queria virar-se para ele e esconder-se em sua força, mas o restante queria afastá-lo com um empurrão e gritar com ele por fazê-la sentir-se frágil. Não podia ser frágil agora.

     — Já basta. — exclamou. — Deixe de me afastar. Estamos juntos nisto.

     — É minha irmã.

     — E você é minha esposa, o que a converte também em minha irmã.

     A emoção congelou a língua dela por um momento. Virou-se e o olhou.

     — Esposa? Nunca concordei com isso.

     — Usa minha luceria. É o mais próximo do matrimônio para meu povo.

     — Não estamos casados.

     Ele fez uma careta endurecendo a mandíbula.

     — Bem, não estamos casados como você o conhece, mas ainda sinto que ela é minha família. Faria qualquer coisa em meu poder para salvá-la.

     Tinha razão. Andra estava afastando o único aliado que tinha.

     — Sinto muito. Sei que está tentando ajudar.

     — Igual à Madoc. Mas você o mandou embora.

     — Porque é instável. Você mesmo disse isso.

     Paul alisou o cabelo dela afastando-o da têmpora. O toque era suave, quase carinhoso.

     — Não pode compreender como é para nós viver com a dor da maneira em que o fazemos há séculos. Torna-nos vulneráveis. Ficamos violentos e desesperados.

     — Séculos? Vivem tanto tempo?

     — Você também.

     O choque percorreu Andra fazendo-a calar. Não parecia possível, mas ultimamente havia muito disso ao seu redor.

     Reuniu suficiente engenho para falar, embora não o bastante para abster-se de expressar impulsivamente a verdade.

     —Viver oito anos com a culpa de deixar minha família morrer, de não ser capaz de ajudar Nika, é mais que suficiente. Não posso imaginar várias vidas com este tipo de tortura.

     — Ninguém disse que a longevidade é fácil. Todos nós carregamos uma carga, e no caso dos homens Theronai também podem suportar décadas de esmagante dor. Essa dor torna Madoc brutal, mas juro a você que nunca faria mal a Nika.

     — Não podemos correr nenhum risco.

     — Ela parecia melhor quando ele estava perto.

     — Foi uma coincidência.

     Paul negou com a cabeça.

     — E se não for? Nika necessita de toda a ajuda que puder obter.

     — Pensarei nisso.

     — Está bem. Muito bem. — beijou a cabeça dela e se afastou. — Irei reunir os homens e conseguir que alimentem Tynan, assim estará suficientemente forte para ajudá-la.

     — Quero que volte logo, assim também podemos tentar ajudá-la outra vez.

     — O que quiser, Andra. É seu.

   Paul teve que lutar para sair e deixar Andra. Ela necessitava de consolo, e queria ficar ali, onde podia abraçá-la. Mas ela necessitava mais de Nika, por isso obrigou-se a sair e fazer o que pudesse para ajudar.

     Encontrou Joseph sentado no escritório apesar de já ter passado da hora que deveria ter terminado de trabalhar por hoje. Através da janela detrás dele, Paul viu vários Theronai e humanos no pátio de treinamento praticando esgrima ou levantamento de pesos. Joseph deveria estar lá com eles, desafogando um pouco de força para aliviar a dor que Paul sabia que sentia. Em vez disso Joseph estava ali em seu escritório, estudando minuciosamente um grande mapa. Negligentemente, deslizava os dedos de um lugar a outro sobre a luceria ao redor do pescoço. Apesar de Joseph estar desvinculado, negou-se a visitar Nika para ver se poderia ser sua companheira.

     Paul ia ter que fazer algo para mudar aquela mentalidade. Mais que qualquer dos Theronai, Joseph precisava manter-se forte para poder guiar seu povo. Sem ele seria o caos, e as pessoas que amava morreria.

     Paul entrou na sala para ter uma visão melhor, e reconheceu o mapa como uma cópia do que utilizavam para seguir os ninhos e espiarem os Synestryn. Pontos vermelhos cobriam o plano, circundando todo Dabyr como se fosse um olho de boi.

     Estavam se aproximando. Nenhum dos Synestryn tinha penetrado através de sua segurança ainda, mas era só uma questão de tempo antes que encontrassem uma maneira de entrar.

     Daí o motivo do treinamento dos humanos. Não havia nenhuma garantia de que os Sentinelas vivessem o suficiente para protegê-los dessa eventualidade. Tinham que aprender a se protegerem, embora Paul não tivesse nem ideia de como o fariam. Simplesmente não eram fisicamente capazes desse tipo de força.

     — Não queria incomodá-lo, mas necessito de um favor. — disse Paul.

     Joseph se reclinou esfregando os olhos. Parecia não ter dormido há vários dias.

     — Claro. O que é mais um?

     — Sinto muito. Sei que está muito ocupado, mas na realidade poderia ajudar a longo prazo.

     Joseph indicou a Paul com a mão onde sentar-se.

     — Estou escutando.

     — A irmã de Andra não pode recuperar-se, embora Tynan vá tentar ajudá-la. Necessito que faça uma chamada por sangue a todos os Theronai e Gerai.

     Joseph deixou escapar um profundo suspiro.

     — Desde que Helen se apresentou no mês passado, mais e mais homens foram procurar suas próprias companheiras. Agora que encontrou Andra vai ser ainda pior. Não ficaram muitos Theronai aqui, mas vou dar a ordem.

     — Talvez deva chamar os homens que estão fora, os atrair de novo com a esperança da sobrevivência de Nika. Se ela viver, pode ser compatível com algum deles.

     — Inclusive se for, o que acontece aqueles que não forem compatíveis? Vou ter um montão de Theronai de saco cheio em minhas mãos.

     — É melhor que uma mulher morta.

     Joseph levantou a mão como se tentasse evitar mais pressão.

     — Sei, sei. Farei isso.

     — Quer conhecê-la primeiro? — perguntou Paul. — Para ver se pode ser sua?

     Joseph manteve a cabeça baixa, embora não pudesse ocultar a luz de esperança que brilhou em seus olhos por um momento.

     — Não posso fazer isso. Ainda as mantenho unidas. Restavam dezesseis folhas esta manhã. Deixe que outros vão primeiro.

    — Sempre o último da fila, não é?

     — Esse é só um dos muitos benefícios da liderança. — disse Joseph com um suspiro. Parecia cansado. Consumido.

     Paul sentia a preocupação arrastando-se por ele. Se Joseph não sobrevivesse, tinham poucas esperanças de manter alguma aparência de ordem.

     — Ainda restam outros oito anos a mais de mandato. Vai continuar?

     O homem deu de ombros.

     — Provavelmente não, mas vou chegar tão longe quanto possa em minhas duas décadas.

     — Vá ver Nika. — insistiu Paul. Seu líder precisava ser forte. Se ter uma dama ao seu lado não garantia isso, nada mais poderia fazê-lo.

     — Talvez mais tarde. Tenho que fazer algumas coisas primeiro. Não se preocupe. Farei a petição por sangue em uma hora. Nicholas tem alguma forma de chamar todos os homens de volta automaticamente através de mensagens de texto, ou algo assim.

     — Obrigado. Isto significa muito para mim.

     — Não me agradeça ainda. Quando todos os homens aparecerem, não vai ter um minuto de paz.

     — Ninguém salvo você se aproximará de Nika até que esteja melhor.

     Joseph se recostou na cadeira, os olhos cor avelã obscurecidos com preocupação.

     — Então vou ter que atribuir um guarda. Sabe o quanto vai ser difícil manter os homens afastados.

     — Não é má ideia. Talvez Angus ou Drake seja uma boa escolha.

     Joseph assentiu. Os dois homens Theronai estavam vinculados. Ela estaria a salvo com eles.

     — Estão caçando, mas também os informarei. Quem sabe? Talvez até Gilda possa ajudá-la. Tem suficiente capacidade de cura em seu interior, e não nos custaria nenhum sangue se o fizesse.

     — Vamos reunir toda a ajuda que possamos conseguir. — disse Paul.

     Os olhos de Joseph voltaram para o mapa, e repentinamente parecia mais velho do que deveria ser.

     — Espero que Nika viva. — disse. — Necessitamos dela para conter os Synestryn.

     — Embora viva, não vai estar em condições de lutar.

     — Quero dar tempo para ela curar, é óbvio, mas necessitamos de todos lutando na fronteira. Você e Andra também terão que ir.

     Paul não podia olhá-lo nos olhos, mas tinha que contar seu fracasso a ele. O homem não necessitava de mais notícias ruins, mas Paul devia a verdade a ele.

     — Acredito que cometi um engano.

     — Una-se ao clube. — disse Joseph.

     — Não, refiro-me a um grande.

     Joseph esfregou as têmporas, como se elas palpitassem. A exasperação encheu sua voz.

     — Todos nós cometemos os grandes. Em nosso trabalho, esses são os únicos que há. O que eu não daria para ter contas a pagar, ou uma privada com vazamento ou, diabos, inclusive um adolescente drogado com o que lidar? Em vez disso tenho que enfrentar e resolver o destino do maldito planeta. E a maioria das pessoas que tento que salvar nem sequer sabe que existo. Se cometer um erro, é o fim da raça humana. Então me diga, o que é que você acredita ser assim tão ruim?

     — Vinculei uma mulher que não posso reter.

     Joseph se levantou devagar, todos os sinais de fadiga desaparecidos.

     — O que quer dizer com não pode reter? É óbvio que vai ficar com ela.

     Paul olhou para o anel. Três tons de azul giravam e se retorciam na faixa iridescente. Enquanto a cor não se fixasse ainda tinha tempo para desistir, mas ele estaria de volta onde começou com apenas alguns dias de vida.

     — Só me deu três dias.

     Os ombros de Joseph se curvaram sob o peso da notícia.

     — Está brincando. Não sabe o que está em jogo?

     — Agora tudo o que pode preocupá-la é sua irmã. Dê um pouco de tempo a ela.

     Joseph golpeou ruidosamente o punho sobre o mapa coberto de vermelho.

     — Não temos mais tempo. Necessitamos dela. Faça o que for, mas a vincule a você para sempre.

     — Não sei…

     — Jurou, Paul. — exigiu Joseph dando sinais de autoridade em sua voz. — Jurou que faria isso.

     A urgência em ceder e cumprir seu juramento era tão forte que o estômago de Paul deu um nó.

     — Não posso. Ela não tem lugar em nosso mundo. Se não quiser ficar aqui, não a obrigarei a ficar. Depois que nosso tempo acabar deixarei ela ir.

     — Venha já aqui! — Joseph se inclinou sobre a mesa mostrando a Paul um profundo cenho franzido. — Faça que funcione. Necessitamos dela. É seu dever convencê-la a ficar e se assegurar que seja feliz quando o fizer.

     — Não é tão simples.

     — Maldito seja, Paul! É melhor que leve isto a sério. Todos nós contamos com você. Todos os Theronai necessitam que você consiga que funcione.

     — Não posso obrigá-la a ficar.

     — É óbvio que pode. Nossos homens estão lá fora todos os dias arriscando suas vidas para que outros nem sequer conheçam os perigos aos que nós enfrentamos. Permitimos que os humanos vivam na sorte da ignorância, e tudo o que pedimos em troca é que quando encontremos um deles capaz de ajudar em nossa luta, faça-o. Não é pedir muito.

     — Além de que esse alguém seja o bastante desafortunado para unir-se à guerra.

     — À merda com isso. — espetou Joseph. — Deixei de liberar uma guerra nobre. Estamos lutando contra os demônios. E o que é pior. Estão aproximando-se cada dia mais. Todos nós vamos morrer se não impedir isso.

     — Assim, agora também sou responsável pelas vidas de todos os Theronai? Não acredita que tenho suficiente pressão?

     —Aparentemente não, ou encontraria uma maneira de amarrá-la a você tão fortemente que nunca poderia escapar.

     — Ela não quer, Joseph.

     — À merda com o que ela quer. Faça-a ela desejar o mesmo que você.

     Magia. Coação. Era disso que Joseph estava falando. Paul sabia, porque tinha tido os mesmos pensamentos.

     — Não vê nenhum problema isso?

     Joseph rodeou a mesa agarrando o braço de Paul, e o arrastando para a janela com vista para o campo de treinamento. Apontou com um grosso dedo o vidro.

     — Olhe lá fora. Vejo sete bons homens aos que não restam mais que um ano de vida. Tenho um problema com isso.

     Paul quis afastar os olhos, mas não pôde. Aqueles homens eram seus amigos. Sua família. Não podia deixar que perdessem a esperança. Talvez Joseph tivesse razão. Talvez o que Andra queria não fosse tão importante quanto dar a seu povo uma razão para viver, a esperança de que poderia haver mais mulheres lá fora como ela. A esperança de que não podiam perder aquela guerra.

     — Olhe bem para eles. — disse Joseph. — Recorde desses rostos quando ver sua mulher. Cada um desses homens faria o que fosse para salvar você. Acredito que deve o mesmo a eles.

     Ele devia. Devia a eles sua vida. Sua alma.

     Mas não estava em jogo só sua vida. Era a vida de Andra.

     Se ela não quisesse ficar com ele, não a obrigaria. Sabia que a situação era desesperadora, mas se tivesse que forçar a conformidade de Andra, não a mereceria.

     Paul acalmou os nervos. Não gostava disto mais do que o Joseph, mas não podia ceder.

     — Sinto muito, mas não vou obrigá-la. Tem que ser sua escolha.

     — Então, rogo a Deus que ela faça o correto. — a voz soava séria, preocupada.

     — O que é que não está me contando? — perguntou Paul.

     Joseph sacudiu a cabeça. Os ombros pareciam inclinar-se um pouco mais para baixo, com uma carga invisível.

     — Não podemos deixá-la partir. Se não fizer o que for necessário, encontrarei um homem que o faça. Com certeza é compatível com algum de nossos homens.

     A ira se elevou no interior de Paul, furiosa e desagradável.

     — Se o fizer, é melhor que espere até depois que eu der meu último suspiro, já que qualquer homem que tentar tomá-la pela força terá que vir por mim primeiro.

     — Não mataria um de seus irmãos de armas.

     Paul odiou a si mesmo ao dar-se conta da verdade. Talvez seus sentimentos por Andra tivessem se intensificado pela união que compartilhavam, ou talvez tivesse se sentido desta maneira, independentemente do vínculo. De qualquer forma, não ia permitir que a forçassem a uma vida de morte e medo, a não ser que fosse sua escolha.

     — Por ela, — respondeu a Joseph — por ela eu mataria.

 

   Madoc sentiu como se sua pele fosse arrebentar. Necessitava de sexo, mas não podia consegui-lo ali... Ao menos, não do tipo que necessitava para se afastar do limite. As mulheres Gerai... — especialmente Tea — Não estavam dispostas a receber o que ele precisava dar. Simplesmente não podia fazê-lo. Terminaria machucando uma delas, e então haveria muito que pagar.

     A violência era sua segunda escolha. Havia um mundo inteiro cheio do Synestryn lá fora que precisava ser assassinado, mas não podia resignar-se a deixar Dabyr para fazer o trabalho. Não podia resignar-se a deixar Nika.

     Merda.

     Empurrou a pesada barra dos pesos para cima outra vez, esperando que o esforço físico de levantar pesos o mantivesse concentrado só algumas horas mais. O suor brotou de seu corpo e sentiu o coração como se fosse explodir, mas continuou empurrando.

     — Necessita de algo? — perguntou Neal.

     O corpo do Theronai estava repleto de músculos. Era mais que capaz de dar uma mão a Madoc.

     — Para trás. — grunhiu Madoc.

     — Como quiser. — disse Neal. — Preciso retornar ao treinamento de todos os modos. A hora do recreio acabou.

     Mas o homem não se foi. Ficou ali, observando silenciosamente enquanto Madoc empurrava a barra de novo para cima.

     — Que diabos está olhando? — perguntou Madoc.

     Neal encolheu os enormes ombros.

     — Nada. Simplesmente me perguntava se escutou a chamada por sangue.

     — Não estou interessado.

     Os braços de Madoc estremeceram enquanto trazia de novo o peso até o peito.

     — Tem certeza? Escutei que Paul encontrou uma fêmea Theronai. Ela tem uma irmã totalmente de sangue que está doente.

     — Eu estava lá. Sei tudo sobre isso.

     Neal se agachou e os olhos se iluminaram com interesse.

     — Conhece-a?

     — Sim.

     — Assim, vai doar sangue?

     — Não é minha mulher. Não é meu problema.

     Neal fez um som de desgosto.

     — Bastardo egoísta. Somente porque não é sua não significa que não deva ajudar.

     — Claro que sim.

     Os braços começaram a tremer sob a tensão do peso. Seus músculos ardiam e aspirou um pouco de ar para lhes jogar combustível.

     — Ela pode não ser compatível comigo, tampouco, mas vou doar.

     — Bom para você. Melhor para os sanguessugas. — disse Madoc.

     Esta ordem de sangue o recordava muito a maneira em que foi com Torr. Quase todos os homem dali sangraram para Tynan e, ainda assim, não foi o suficiente para salvar Torr. O pobre desgraçado ainda estava vivo, mas preso dentro de seu corpo inútil, preso e incapaz de sair.

     Madoc teria preferido morrer.

     O que aconteceria se isso fosse o que acontecesse a Nika? O que aconteceria se não pudessem salvá-la?

     Merda.

     — Melhor para a mulher. — respondeu Neal. — Como pode viver com você mesmo, homem? Não se preocupa com ninguém, só com você mesmo?

     — Não.

     Madoc sacudiu a barra e ficou de pé. Não podia ficar ali e não fazer nada, por isso tinha que sair dali antes que enlouquecesse. Iria procurar uma prostituta. Ter sexo. Talvez seguisse a pista de alguns indesejáveis.

     —É uma vergonha — disse Neal. — Fizemos um voto para proteger aos outros inclusive se custasse nossas próprias vidas. Doar sangue nem sequer faz mal.

     A camiseta de Madoc escondia o fato de que sua marca de vida estava em sua maior parte nua. O Bando tinha pintado duas folhas falsas nele que eram bastante boas para enganar alguém que não olhasse muito de perto, mas Madoc não confiava em que Neal não as visse. Nada conseguia escapar daquele homem. Se descobrisse que seu tempo tinha acabado, poderia enviá-lo aos Slayers antes do amanhecer. Fim do jogo.

     — Não deixarei que nenhuma sanguessuga parasita entre em minha cabeça. — disse Madoc.

     — Embora signifique que a morte da mulher?

     — Ela não vai morrer.

     Madoc pegou uma toalha e limpou o suor do corpo. Estava cansado de estar em público, cansado de pretender ser ainda um deles.

     — Você não sabe disso, mas espero que tenha razão. Tanto para seu bem, como pelo dela. Esse tipo de culpa é uma carga pesada.

     O que aconteceria se Neal tivesse razão? O que aconteceria se não conseguissem o sangue suficiente para ela? A maioria dos homens estava longe procurando suas próprias mulheres e quase ninguém estava em casa. Podiam passar dias para que todos eles retornassem. Dias que Nika não tinha.

     Merda.

     Não podia deixar que isso ocorresse. Não a Nika.

     Saiu pisando forte para longe de Neal e ligou para Nicholas.

     A voz surpresa de Nicholas chegou do outro lado da linha.

     — Madoc. Você nunca liga. Nunca escreve. Começava a pensar que não se importava.

     — Para merda com o bate-papo. Onde está Tynan?

     — Parece sério. Espere um momento. — disse Nicholas. Havia alguém escrevendo ao fundo. Então, o líder da segurança retornou à linha. — Dirige-se ao refeitório, na ala Sanguinar.

     — Pode detê-lo?

     — Com certeza. Fecharei as portas, mas por que...

     Madoc desligou o telefone e pôs-se a correr. As pessoas o olhavam surpresas enquanto passava rapidamente, mas não disse droga nenhuma a elas.

     Tynan estava fechando a porta quando Madoc o encontrou. A sanguessuga se virou e seus olhos gelados se arregalaram de medo.

     Bom. Isso ia facilitar o assunto.

     Madoc examinou as paredes procurando a câmara de segurança, encontrou-a e a arrancou. Pedacinhos de plástico desmoronaram de seu punho e ele deixou cair à quebrada desordem no chão de ladrilhos.

     — Madoc. — disse Tynan. Sustentou as mãos levantadas, em frente a ele. — O que está fazendo?

     — Ela está morrendo, não é verdade?

     Tynan pestanejou durante um momento, como se não tivesse esperado a pergunta, e levou um segundo para entender.

     — Nika?

     — Sim. Nika.

     — Vou fazer tudo o que puder por ela.

     — Não respondeu a pergunta.

     Os olhos de Tynan se moveram ao redor como se procurasse um escapamento.

     — Sinto muito. Temo que seja assim.

     — Pode curá-la?

     — Ainda não sei. Ainda tenho que fazer um pouco de investigação e ver se isto ocorreu antes. E sempre há o assunto de ter forças para ajudá-la quando averiguar como.

     Madoc se aproximou mais e falou baixo para que ninguém mais pudesse escutá-lo.

     — Tome o meu.

     Tynan se apertou mais forte contra a porta, como se tentasse escapar.

     — O quê?

     Madoc estendeu o braço.

     — Tome meu sangue. Use-o para salvá-la.

     Os olhos do Sanguinar flamejaram com fome.

     — Você nunca deu seu sangue a nenhum de nós.

     — Sei muito bem disso. Quer ele ou não? — Madoc oscilou de cima a baixo o grosso braço diante da sanguessuga.

     — Sim.

     Foi um silvo arrepiante, que fez Madoc duvidar durante uma fração de segundo. Sabia que ia arrepender-se disso... Só que não se importava.

     — Quanto? — perguntou Tynan, lambendo os lábios.

     — O que necessitar para salvá-la.

     Madoc não ia durar muito mais tempo de qualquer maneira. Ao menos, podia fazer algo decente com seu sangue.

     Tentativamente, Tynan envolveu os dedos magros ao redor do braço de Madoc e levou seu pulso até a boca. Madoc esperava que isso doesse, mas em sua vida tinha lidado com tanta dor durante tanto tempo, que duas espetadas de presas nem sequer foram notadas. Tudo o que sentiu foi um movimento forte puxando sua pele e, mesmo isso, começou a desvanecer-se em alguns minutos.

     Lentamente, uma espécie de nebulosa debilidade encheu as extremidades de Madoc. Não o incomodou ou preocupou, mas soube que não estava bem. O corpo se tornou pesado, e decidiu que era uma boa ideia sentar-se. Tynan pareceu mais forte que o normal e não teve nenhum problema em descê-lo ao chão sem interromper o agarre no braço de Madoc.

     Um zumbido encheu sua cabeça e seus olhos se tornaram pesados. Na realidade, necessitava de uma sesta e desejava como o inferno poder enroscar-se ao redor de Nika para que ninguém pudesse chegar até ela.

     O estranho pensamento se foi tão rapidamente quanto chegou. De qualquer maneira, Madoc não tinha forças para caminhar nesse momento. Não é que se importasse. Não se preocupava com uma maldita coisa.

   Tynan se sentiu como se voasse. Pela primeira vez em decênios não estava faminto. Não estava frio. O poder gritou através de suas veias, uma mistura tóxica de força e invencibilidade. O sangue de Madoc era puro. Ninguém nunca tinha compartilhado seu vasto poder, o qual cresceu através dos séculos. Tynan nunca tinha saboreado nada como aquilo, e provavelmente nunca o faria outra vez.

     O que bebeu de Madoc era suficiente para alimentar seu corpo durante decênios se limitasse a quantidade de magia que usava. Pena que não pudesse guardar todo aquele atordoante poder. Tinha que compartilhá-lo.

     Nika não era a única necessitada. O egoísmo não era uma opção se sua espécie fosse sobreviver. Três vintenas de Sanguinar ocupavam a câmara dormitório nas profundezas do recinto, e distribuído entre eles, depois de ajudar Nika, só duraria alguns meses no melhor dos casos. Mas ao menos, esses eram alguns meses há mais dos que tinham agora.

     Tynan fechou violentamente a porta aberta com um estrépito metálico, deixando Madoc caído no corredor detrás dele. Já que a câmara de segurança tinha sido inutilizada, Tynan estava seguro que Nicholas viria há qualquer momento para ver o que tinha acontecido com sua preciosa tecnologia. Os irmãos de Madoc se ocupariam de cuidar dele.

     Tynan se perguntou se os outros sabiam o que Madoc estava escondendo de todos eles... Que sua alma tinha começado a morrer.

     Pensava em dizer a eles em breve, mas não era seu assunto e não queria que soubessem o quanto podia saber de uma pessoa quando bebia dela. Só afugentaria aos outros quando seu tempo se tornasse curto.

     Além disso, Tynan tinha muitos segredos próprios que guardar. Tinha planos mais importantes para o restante daquele poder.

     Tynan desceu até o nível inferior da ala sul e quatro lances de escada, além de seis fases de segurança que asseguravam que só os de sua espécie pudessem passar. Havia atualmente paz entre eles e os Theronai, mas nem sempre foi assim. Os Sanguinar eram muito vulneráveis quando dormiam. Seria muito fácil arrasá-los se outra guerra se instalasse. O segredo e sua utilidade para curar eram a única proteção que tinham, e utilizavam ambos com a melhor vantagem possível.

     Abriu a pesada porta de aço, que usualmente teria deslocado com a força dos braços, mas hoje necessitou apenas de uma leve ajuda para enviá-la voando. Chocando-se contra o muro de pedra com um estalo metálico, sobressaltando ao Sanguinar que vigiava os que dormiam.

     Connal disparou sobre seus pés, escondendo o livro que estava lendo atrás das costas. Era meio pequeno para um de sua espécie, mas mais musculoso. Era como se a falta de sangue não tivesse imposto obstáculos à força de seu corpo. Connal tinha olhos verde folha postos em um rosto infantil que nem três séculos tinham podido envelhecer. O Sanguinar aparentava perpetuamente dezoito anos e era, tipicamente, tratado com o mesmo nível de respeito.

     — Surpreendeu-me. — disse Connal.

     — Pondo-se em dia com a leitura? — perguntou Tynan.

     — Pedi-o emprestado a Briant.

     Tynan enrugou o nariz de aversão.

     — Diga-me que não é um de seus romances eróticos com vampiros.

     A cara de menino de Connal se avermelhou.

     — Ele disse que era um dos melhores. Só pensei em dar uma olhada.

     Tynan sacudiu a cabeça.

     — Deveria ser fiel aos clássicos. Isso apodrecerá sua mente.

     — Não prejudicou Briant. Aquele homem é mais preparado que o restante de nós juntos. — Connal marcou a página no livro e o deixou de lado. — O que está fazendo aqui, de todos os modos?

     — Vim alimentar aos outros.

     Os olhos de Connal se obscureceram de fome e excitação.

     — A garota nova? Foi sangrada?

     Tynan decidiu manter a fonte verdadeira do poder para si mesmo.

     — A mesma, mas sugiro a você que mantenha distância. Seu Theronai é muito… Protetor.

     — Não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Encontrarei-a a sós e…

     — Não fará nada disso. Deixará a garota sozinha. — Tynan imbuiu as palavras com um indício do poder recém-adquirido, obrigando Connal a escutar e obedecer.

     Connal dirigiu a ele uma rápida inclinação de cabeça.

     Tynan foi para o final de uma longa parede. Encerrados nessa parede, estavam dúzias de Sanguinar adormecidos. Permaneceriam em seu sono, induzido magicamente, durante cinquenta anos antes de despertar. Era a única maneira de resistir ao decrescente fornecimento de alimento. A cada ano, mais Sanguinar iam dormir e menos despertavam. Ainda no sono, alguns deles morriam de fome. Sem mais alimento... Sem mais do poderoso sangue... Havia pouco que alguém pudesse fazer.

     Tynan comprimiu uma seção da parede que se abriu para revelar uma pequena tigela de pedra. No pé da tigela havia um buraco que se dirigia a uma série de tubos que alimentavam todos os Sanguinar adormecidos. Não era necessário muito sangue para mantê-los vivos, mas tinham que ter algo, e tinha passado quase dois meses desde sua última alimentação.

     Ao menos dormindo não sentiam fome. Tynan desejava poder dizer o mesmo.

     Sustentou o pulso sobre a tigela e desejou que a carne se abrisse. Sangue vermelho escuro gotejou da pequena ferida na tigela. A cada gota que fluía, Tynan sentia seu poder minguar. Antes que estivesse muito fraco, fechou a carne e lambeu o resto do sangue no pulso. Não podia desperdiçar nenhuma gota.

     A intensa sensação de satisfação se foi e as ferroadas familiares da fome voltaram. Não tanto quanto antes, mas não eram agradáveis. Era fácil afogá-las por completo quando estava trabalhando, e tinha um montão de trabalho a fazer. Não só a situação de Nika requeria sua completa atenção, mas também tinha que descobrir como tinham passado despercebidas semelhantes linhas de sangue puro. Primeiro Helen e agora Andra e Nika. Se pudessem encontrar mais mulheres como elas, poderia salvar sua gente da fome.

     Era mais esperança de que já teve em décadas.

     — Vai compartilhar comigo, irmão? — perguntou Connal.

     Deu a Tynan uma jarra de solução salina para limpar o interior do sistema de tubos e fazer possível que todo o precioso sangue fosse para o interior dos Sanguinar.

     Tynan estimava o homem de aspecto jovem. Connal nunca o chamou de irmão antes. Que estranho que o fizesse agora.

     — Quando estiver dormido e necessitado como um bebê, alimentarei você. Até então, deve encontrar seu próprio alimento. Restam muitos humanos fornecedores de sangue no complexo. Peça a eles que o sustentem.

     — Nenhum de seus sangues corre tão puro como o que farejei em suas veias quando chegou. O poder deve ser incrível.

     Os olhos de Connal estavam muito brilhantes. Muito avaros. Talvez já fosse a hora dele entrar em estado de letargia. Qualquer Sanguinar que se tornasse muito desesperado se convertia em uma responsabilidade. Sua espécie não podia permitir-se mais debilidades do que as que já sofriam.

     — Enviarei alguém para que o exima de seu dever de guarda enquanto encontra sustento. — disse Tynan enquanto saía da câmara.

     Mal conseguiu fechar a pesada porta, e quando o fez, tremia pelo esforço.

     Não ia durar muito mais tempo antes que, também, tivesse que dormir. Antes desse momento, tinha que descobrir como salvar sua gente da inanição, e aquelas mulheres eram a chave.

     Assegurou-se disso enquanto se alimentava de Andra… Alterando a essência dela ligeiramente para assegurar que sua espécie fosse alimentada.

     Tynan, particularmente, não gostava de manipular as pessoas, mas não teve alternativa. Sua gente morria de fome e estava desesperado para agir enquanto tinha a chance. Paul era um guerreiro formidável e teve bastante tempo a sós para manchar a percepção de Andra por sua raça. Os Theronai olhavam por cima do ombro aos Sanguinar... Pensando neles como bárbaros por sua necessidade de beber sangue.

     Tynan não pediu para nascer como era... Incapaz de viver sem o sangue dos outros. Era vítima das escolhas de seus pais assim como qualquer outra criança. Não podia evitar a sede de sangue mais do que uma criança disforme podia evitar seu defeito de nascimento. Não era justo que sua gente tivesse que sofrer, e era seu dever conseguir que sobrevivessem.

     Fez a única coisa que pôde, enquanto Paul estava distraindo Andra com seus beijos com tanto afã. Só rezava para que o que fez a ela funcionasse. O tempo estava acabando para os Sanguinar, e os remanescentes do sangue de Solarc na descendência humana eram muito fracos para sustentar sua raça durante mais tempo.

     Não teve alternativa. Fez o que se viu forçado a fazer. Esperava que um dia, se alguma vez se inteirasse de sua manipulação, Andra visse isso e o perdoasse.

 

   Madoc despertou com a visão do rosto preocupado de Nicholas e desejou como o demônio ter permanecido dormindo. Sua cabeça palpitava mais que o normal, o que, combinado com tudo dando voltas, fez que seu estômago desse um empurrão perigoso.

     Não tinha nem ideia do que estava errado. Talvez tivesse caído e batido a cabeça, ou recebido um golpe no combate duro o suficiente para sacudir seu cérebro. Não seria a primeira vez.

     Então tudo retornou. Tynan. Tinha dado sangue ao sanguessuga.

     Pisando nos calcanhares desse pensamento chegou um ainda mais inquietante.

     — Quanto tempo estive fora? Como está a garota?

     Nicholas franziu o cenho confuso.

     — Não por muito tempo e qual garota?

     — Nika. A irmã de Andra.

     Madoc se empurrou para cima para sentar-se e lutou contra outra onda de maquiavélica náusea. Ia golpear a bonita cara de Tynan na próxima vez que o visse por beber tanto.

     Não obstante, talvez fosse isso o que ia necessitar para ajudar Nika.

     — Não sei, homem. Vi a câmera ficar preta e estava seguro de que ia chegar aqui e encontrar Tynan morto no chão. Em vez disso você estava deitado aqui. O que aconteceu?

     — Não é de sua conta. — grunhiu Madoc.

     — Golpeou você? Bateu em você com a porta?

     — Não.

     Nicholas esfregou uma mão sobre o rosto e olhou para a porta que conduzia a ala Sanguinar.

     — Então, que diabos aconteceu? — perguntou.

     Madoc moveu a cabeça lentamente para que não girasse e viu as ruínas da porta de aço. Parecia que tinha sido aberta de repente com um aríete. O metal estava disforme e esmigalhado onde antes estava o ferrolho.

     — Não sei. — disse Madoc.

     Talvez Tynan tivesse consumido um pouco de sua dor quando tomou o sangue e isso o deixou furioso. O filho da puta bem que tinha merecido, se esse fosse o caso.

     — Desejava que não tivesse acabado com minha câmera. Isso teria sido todo um espetáculo. Tem certeza que não sabe?

     Madoc ignorou a pergunta.

     — Colocou alguma dessas câmaras na suíte de Paul?

     — Não.

     — Maldição.

     — Por que simplesmente não vai ver a garota se está tão preocupado?

     — Sua irmã não me deixaria.

     Soava como uma desculpa pouco convincente, inclusive para ele. Desde quando permitia que uma mulher desse ordens a ele?

     Provavelmente porque ela tinha razão. Não tinha direito de estar perto de Nika. Se ela fosse sua mulher, seria diferente, mas não era.

     Madoc olhou para seu anel pela milionésima vez, só para assegurar-se de que não tinha perdido nada. As cores ainda eram iguais. Mudas, descoloridas, quase imóveis. Moribundas.

     — Acredita que é compatível? — perguntou Nicholas em um tom reverente.

     — Não.

     Madoc ficou de pé, usando a parede para estabilizar-se. O enjoo aliviou, mas não muito. Necessitava de líquidos, e bastante deles, se ia preencher o que Tynan tinha tomado.

     Nicholas olhou para seu próprio anel, o qual, formava redemoinhos com montões de cores. Ainda tinha muito tempo e Madoc estava ressentido com ele por isso.

     — Não consegui conhecê-la ainda. Joseph ordenou a todos que mantivéssemos afastados até que ela esteja melhor.

     Se alguma vez melhorar. Ninguém parecia estar fazendo nada para ajudá-la, e isso desgostava muito Madoc.

     — Traz alguma dessas chaves mestras com você?

     Nicholas franziu o cenho, fazendo que as pequenas cicatrizes do rosto se enrugassem.

     — Sempre. Por quê?

     — Necessito de uma.

     — E espera que eu simplesmente entregue isso a você?

     Madoc golpeou Nicholas contra a parede e o segurou ali pelos ombros. Tentou esconder o quanto estava instável... O perto que estava de vomitar sobre os sapatos do homem.

     — A menos que prefira que arrebate isso de você.

     Nicholas não estava nem um pouco assustado. O filho da puta.

     — O que vai fazer com ela? — perguntou, completamente despreocupado por sua posição.

     — Nada que seja de sua maldita conta.

     — Parece que muitas coisas caem nessa categoria com você.

     Nicholas se moveu mais rápido do que a cabeça imprecisa de Madoc podia seguir, e um segundo mais tarde, Madoc estava com o rosto contra a parede. Nicholas o cravou ali, o grosso antebraço direito na base do crânio de Madoc.

     — Perguntarei outra vez a você. — disse Nicholas em um tom paciente. — O que vai fazer com ela?

     A urgência de brigar elevou-se dentro de Madoc, gritando por liberação. A pressão constante dentro dele o golpeava para que se deixasse ir e destroçasse Nicholas. Era tão bom ceder e conduzir os punhos contra algo. Desafogar-se de uma parte de sua fúria por Nika não ser dele, e nunca seria. Ela não podia salvá-lo.

     — Poderia tentar. — sussurrou Nicholas, aparentemente sabendo o que Madoc estava pensando. — Normalmente, diria que teria uma chance, mas não hoje. Está fraco. Posso sentir suas pernas tremendo apenas por sustentá-lo. Teria você no chão e sangrando em segundos, e isso não vai conseguir que nenhum de nós chegue a lugar nenhum. Assim, por que não fingimos que somos cavalheiros e me diz para que quer a chave?

     Madoc mordeu um pouco os lábios com os dentes, enquanto o rosto era amassado mais duramente contra a parede. Nem sequer podia deter o que ocorria. Nicholas tinha razão. Estava fraco. A única opção era jogar bem. Não era seu forte.

     — Só quero ficar junto dela para o caso de necessitar de ajuda.

     — Que diabos o faz pensar que quereriam sua ajuda?

     — Não a querem. Por isso é que necessito da chave.

     — Não vou deixar você entrar na suíte de Paul, onde pode ir causar mais problemas.

     — Não quero entrar na suíte de Paul. É justamente na porta seguinte. Juro.

     A pressão contra o pescoço de Madoc se aliviou enquanto Nicholas retrocedia. Madoc se virou a tempo de vê-lo deixar cair um cartão chave plástico detrás dele, enquanto retornava pelo longo vestíbulo.

     — Estarei observando. — disse Nicholas sem se virar. — Quebre outra câmara e o farei comê-la.

   Andra não parecia poder fazer que aquelas coisas de magia funcionassem outra vez. Podia sentir o fio invisível de poder conectando-a a Paul, mas não parecia poder fazer nada com ele. Sem importar quão forte o tentasse, não podia encontrar a maneira de entrar na cabeça de Nika. Queria ajudá-la, obrigá-la a despertar, possivelmente comer outra vez, mas nada do que tentou funcionou. Talvez, estivesse apenas muito cansada, ou Paul precisava estar mais perto dela.

     Ou, simplesmente, não tinha o que necessitava para fazer o trabalho.

     Seus olhos ardiam e seus joelhos doíam... Um sinal seguro de que se aproximava o final de suas forças. Outra vez.

     Andra colocou a cabeça sobre o travesseiro junto a de Nika e rezou para que a debilidade arremetesse. Só por um momento.

     O quarto estava tranquilo e agradável. Os sóbrios azuis e verdes lhe recordavam o oceano em um dia calmo. Não havia desordem ali dentro, simplesmente as necessidades nuas de uma cama, uma mesa de cabeceira e uma penteadeira. Embora tivesse a sensação de abandono, nada estava poeirento ou mofado.

     Nika estava mais segura ali do que alguma vez esteve na casa de Andra. Paul lhe jurou que nenhum Synestryn tinha atravessado suas defesas mágicas.

     Mesmo que uma das pessoas dali sangrasse, os monstros não poderiam sentir o cheiro dela.

     Andra sentiu o peso do desespero esmagando seu coração, e tentou recordar-se que ainda havia esperança. Tynan estava procurando uma cura. Sibyl poderia ser capaz de ver o que precisavam fazer.

     Ainda havia esperança. Só tinha que ter paciência, dar a esta gente tempo para fazer sua magia.

     Andra observou a subida e descida constante do peito de Nika. Estava tranquila e quieta. Cheia de paz. Ao menos, não sofria. Se estivesse sofrendo, a paciência não seria uma opção.

   Paul bateu levemente com os nódulos dos dedos no marco da porta do dormitório, fazendo Andra saltar. Não o tinha ouvido retornar, mas estava muito contente de vê-lo. Quis lançar-se em seus braços e deixar que a abraçasse. Ele era a única pessoa que parecia fazer com que um pouco da angústia se afastasse e, realmente, necessitava um pouco disso justamente agora.

     Sentou-se direito na cama e viu que seu rosto de aparência agradável estava delineado com preocupação e algo mais. Um pouco mais profundo do que a ela concernia.

     Sem pensar nisso, tocou em seus pensamentos, procurando a fonte. Não era hábil nisto, e só podia apanhar fragmentos e retalhos, mas viu o rosto furioso de Joseph de frente na mente de Paul.

     Chocou-se contra uma massa retorcida de emoção dolorosa e a reconheceu pelo que era. Culpa. Havia sentido isso muitas vezes para não conhecer instantaneamente. Ele se sentia como se tivesse cometido uma espécie de engano... Um que não podia ser apagado.

     Uma gentil pressão encheu a cabeça dela enquanto ele a jogava fora de sua mente.

     — Nada disso. — disse.

     — Mas está sofrendo.

     — Falaremos mais tarde. Trouxe ajuda.

     Uma jovem saiu de detrás dele. Era roliça, com os cabelos pretos encaracolado e tristes olhos cafés, apesar do intento de sorriso em seu rosto. Aproximava-se do queixo de Paul, mas a maneira que se enroscava em si mesma a fazia parecer menor. Mais jovem.

     Não levantou os olhos para olhar Andra, como se dessa maneira fosse desrespeitosa.

     — Minha senhora. — saudou-a com uma reverência embaraçosa.

     Senhora? Ali estava outra vez. Andra olhou para Paul duvidosa.

     — Prometo que se acostumará.

     Nem em sonhos.

     — Chame-me de Andra. Qualquer outra coisa só me confunde.

     A mulher assentiu, mas mesmo assim, não levantou os olhos.

     — Sou Grace. Informaram-me que poderia necessitar de ajuda para cuidar de sua irmã.

     — Obrigado, mas estamos bem.

     — Não, não está, Andra. — disse Paul. — Necessita de um descanso, e Grace aqui sabe o que está fazendo. Deixa-a ajudar.

     Andra não queria nenhuma ajuda. Nika era sua responsabilidade.

     — Não estou interessada.

     Grace ruborizou com um profundo e humilhado vermelho.

     — Eu, eh, sinto por abusar. Parece que faço bastante isso ultimamente. Não a incomodarei de novo.

     Começou a ir embora, mas Paul foi mais rápido e a segurou pelo braço.

     Grace se sobressaltou como se tivesse recebido uma palmada, e se acovardou, cobrindo a cabeça com os braços. Foi uma reação reflexiva. Uma que ela se acostumou a fazer, aparentemente.

     Alguém tinha machucado Grace. Frequentemente.

     A mandíbula de Paul se apertou enquanto via a reação de Grace pelo que era, mas não pareceu se assombrar. Afrouxou o agarre e fingiu que Grace não tinha pensado que ia feri-la.

     Grace se recuperou e forçou o corpo a endireitar-se. A face se ruborizou ainda mais com a vergonha e fixou os olhos no chão.

     — Por favor, fique Grace. — disse Paul com uma voz gentil, suave.

     Ver seus longos dedos envoltos em outra mulher fez que o estômago de Andra revirasse. Não importava que fosse simplesmente seu braço. Podia também estar sentindo-o, de forma que fez Andra arder de ciúmes.

     Antes que percebesse o que estava fazendo, Andra estava fora da cama com os punhos apertados.

     A boca de Paul se curvou com um sorriso de conhecimento. Olhou para Andra com as sobrancelhas levantadas.

     — Algum problema?

     — Não. — quase se engasgou.

    — Mentirosa.

     Grace puxou o braço do agarre de Paul.

     — Realmente deveria ir. Sinto ter incomodado, senhora. — a pobre estava quase fora de si de vergonha. Não era sua culpa que Paul a tocasse.

     — Solte-a, Paul.

     — Não até que concorde em deixá-la ajudar. Sabe como cuidar de Nika. Não, Grace?

     Grace fez uma trêmula inclinação de cabeça.

     — Sim, senhor.

     — Conte a Andra o que sabe para que relaxe e deixe você ajudar.

     — Minha mãe esteve em coma durante dois anos antes que morresse. Não podíamos nos permitir um hospital, assim cuidei dela. — pela maneira que sua voz se partiu, Andra teve certeza que a morte foi recente.

     Todo o resíduo do ciúme ardente de Andra se evaporou. Grace tinha perdido sua mãe, também. Isso as unia de alguma forma. Irmanava-as.

     Grace poderia necessitar de uma distração... Algo que a mantivesse ocupada. Alguém com quem falar.

     — Solte-a, Paul. Pode ficar.

     Paul a liberou, e Grace permaneceu quieta, vibrando com a tensão e insegura do que fazer depois.

     Andra teve piedade dela.

     — Venha aqui e apresentarei minha irmã, Nika.

     Paul saiu do quarto.

     Grace deu um passo vacilante para frente. Baixou os olhos para Nika, e o olhar de compaixão que encheu seus olhos com lágrimas disse a Andra que sua irmã estaria a salvo com aquela mulher. Grace não deixaria que ela sofresse nenhum dano.

     — Quanto tempo está assim?

     — Não muito. Sempre foi muito magra, mas piorou esta semana.

     — Tem um tubo de alimentação?

     — Não. Não quis nenhum.

     Grace assentiu.

     — Teremos que colocar um pouco de líquido nela. Quando foi a última vez que foi trocada?

     — Trocada?

     — Não está usando uma fralda?

     Andra nem sequer tinha pensado nisso. Negou com a cabeça.

     — Isso está bem. Posso me encarregar disso. Trouxe algumas almofadas absorventes, assim como também lençóis adicionais. Para o caso de precisar.

     Paul retornou trazendo uma grande caixa. Colocou-a na penteadeira.

     — Vai necessitar de algo mais?

     — Terei que fazer um pedido de fraldas, mas os fornecimentos de Torr servirão até então.

     A mandíbula de Paul se apertou.

     — Como ele está?

     Grace deu batidinhas na mão de Nika como se estivesse dizendo a ela que tudo ficaria bem. Foi tão natural, um gesto tão inconsciente, que Andra pensou que ela nem sequer era consciente do que estava fazendo. Talvez fosse assim enquanto estava com sua mãe.

     — Está igual. — disse Grace.

     — Deveria ir vê-lo. — a voz de Paul estava carregada de pesar, fazendo Andra pensar em quem era Torr.

   — Por favor, não faça isso. — Grace ruborizou e olhou para o chão. — Quero dizer, acredito que seria melhor que não o fizesse. Não estou segura de que ele possa ficar tranquilo vendo-o… Assim. — apontou para o pescoço e a faixa clara de pele ao redor da garganta dele, onde a luceria esteve pendurada antes que Andra a pegasse.

     — Entendo. Dará a ele meus melhores desejos quando o ver de novo?

     — Sim, senhor. Farei isso. Obrigado.

     — Alegramo-nos de que esteja conosco, Grace. Cuidou tão bem dele.

     — Não estou segura de que ele esteja de acordo.

     Paul dirigiu a ela um sorriso amargo.

     — É um homem orgulhoso.

     Andra olhou dentro da caixa e viu lençóis, alguns travesseiros adicionais, latas de comida de hospital e vitaminas de substituição. Talvez, Grace soubesse o que estava fazendo. Certamente, pensou em atravessar isto melhor do que Andra o fez.

     — É um bom homem. Rezo para que os Sanguinar encontrem a maneira de ajudá-lo. — disse Grace.

     — Estou seguro de que o farão. — disse Paul, mas não parecia convencido.

     O rosto de Grace se iluminou de esperança.

     Paul se aproximou de Andra por trás. Ela podia sentir o calor de seu corpo fazendo contato com ela, atraindo-a.

     — Está na hora de sua cerimônia, Andra.

     — Preciso ficar e ajudar.

     Grace negou com a cabeça, mantendo os olhos baixos.

     — É mais conveniente se não o fizer, minha senhora. Quando ela ficar melhor, se alegrará de que seja um estranho que cuida de suas necessidades em vez de você. É menos embaraçoso desse modo.

     Para Andra isso não importava. Ela faria o que fosse necessário para cuidar de Nika.

     — Grace tem razão. — disse Paul. — E todos os homens estão esperando. Não demorará muito.

     Andra olhou o rosto doce de Grace. Já estava revisando as coisas da caixa, seus movimentos eram confiantes e seguros. Sabia o que estava fazendo melhor que Andra.

     Paul envolveu o braço ao redor de seus ombros.

     — Estará bem. Prometo.

     Andra cedeu. Estar alguns minutos longe, onde pudesse pensar com clareza, provavelmente ia fazer mais bem a Nika do que se Andra ficasse e fizesse uma confusão das coisas. Além disso, as cerimônias eram aborrecidas. Teria um montão de tempo para pensar enquanto eles discutiam sobre não importa que lixo formal os interessasse. Talvez, até mesmo, desse um rápido cochilo.

     Assim que chegaram a grande sala utilizada como auditório, e Andra ficou cara a cara com dúzias de homens grandes de olhar intenso, soube que tirar um cochilo não estaria em um futuro imediato. Todos os pares de olhos estavam fixos sobre ela... Ou mais exatamente, sobre seu pescoço.

     Levou a mão para o pescoço em um gesto nervoso.

     — Estes caras são vampiros? — perguntou.

     — Não. Theronai. Como nós.

     — Por que estão me olhando como se tivessem fome realmente eu fosse um filé mignon?

     Ele baixou a voz e se inclinou perto de seu ouvido.

     — É certamente comestível, mas estão olhando-a fixamente porque todos eles esperam que possa ser compatível com eles assim como é comigo.

     — Posso me vincular com mais de um de vocês?

     Paul vacilou e ela sentiu uma onda de medo bloquear a conexão.

     — Somente um de cada vez. — disse, soando como se pronunciar as palavras houvesse custado muito caro a ele.

     Andra lhe dirigiu um olhar de relance, mas seu rosto era uma máscara estoica. Guiou-a sobre uma plataforma elevada, e um por um, os homens começaram a tirar as camisas e a se organizarem nas escadas.

     — Sabe, — murmurou ao ouvido de Paul, esperando aliviar seu estranho estado de ânimo — tive alguns sonhos que começavam exatamente assim.

     Ele elevou uma sobrancelha e assentiu para o primeiro homem da formação.

     — É mesmo? Entretanto, aposto que nenhum deles terminou assim.

     O primeiro homem tinha um rosto de aparência não muito agradável que estava entrecruzada com cicatrizes finas, mas ela mal notou nada mais que seus olhos azul laser. Aproximou-se dela, ajoelhou-se a seus pés, fez-se um corte no peito com sua espada e, com uma voz profunda e solene, disse:

     — Minha vida pela sua, minha senhora.

     Um calor se enroscou ao redor dela, então, solidificou-se em uma letargia que pesava sobre seus ombros. O braço forte de Paul segurou sua cintura e a manteve estável.

   — Esse é Nicholas Latí. — disse Paul.

     O homem se levantou, dirigiu a ela um sorriso e uma piscada, e saltou para fora da plataforma para deixar o espaço para o homem seguinte.

     Cada um deles experimentou a mesma rotina, e cada vez, aquele peso invisível se tornava mais pesado. Quando a cerimônia terminou, Andra mal podia ficar de pé. O suor se formou ao longo da raiz dos cabelos e entre os seios, e tremia de pés a cabeça.

     — Quase terminamos. — disse Paul.

     O último homem chegou até ela. Manteve-se atento na parte de trás da sala todo o tempo, observando silenciosamente, destacando-se sobre o restante. Tinha os cabelos curtos e castanhos e olhos pretos vigilantes. Quando se aproximou, Andra captou o aroma quase que imperceptível de um bosque durante o inverno emanando dele… Limpo e frio. Ele não tirou a camisa, o que causou uma agitação de sussurros entre os outros homens. Em vez disso, atravessou o tecido, cortando mais profundo que o restante dos homens, pela quantidade de sangue que derramou.

     — Minha vida pela sua. — jurou, recusando-se a inclinar a cabeça, a não ser o contrário, olhando-a diretamente nos olhos enquanto entregava as palavras.

     Andra tropeçou sob o peso, mas Paul a sustentou. O homem estendeu a mão, e o anel que usava estava quase branco. Só o rastro mais fraco de azul safira formou redemoinhos debaixo da superfície.

     Andra sentiu o corpo de Paul retesar-se ao redor do dela. O homem não disse nada, mas havia um silencioso ar de desafio em sua posição.

     — Não a entregarei, Iain. — disse Paul. Sua voz era áspera, quase um grunhido feroz de som.

     Iain ficou em silêncio, mas levantou a mão de Andra e pressionou um beijo quente em sua palma. Ela sentiu sua língua golpear sobre a pele e rapidamente arrancou a mão de seu agarre.

     No centro de sua palma havia uma marca vermelha escura, como a que Paul tinha colocado nela antes.

     — Como se atreve a pôr uma marca de sangue em minha dama? —perguntou Paul.

     Alguma necessidade primitiva, instintiva de matar se elevou em Paul, bloqueando o enlace com seu poder. Andra não compreendia a causa, mas sabia o que significava.

     Ele tentou alcançar sua espada, mas a do Iain já estava desembainhada. Se ela não detivesse isso, ia terminar em derramamento de sangue. Bastante sangue.

     Andra se interpôs entre os homens, orando para que Iain mantivesse aquela espada letal separada de sua pele.

     — Não vai ocorrer, mocinho. — disse a Paul.

     Obrigou-o a baixar os olhos para ela, distraindo-o da necessidade de ferir Iain.

     Ele cravou os olhos em Iain, respirando forte, seu calor era elevado. Ainda não estava escutando.

     Andra pressionou as mãos no peito de Paul, cravando os dedos nele justo o suficiente para obrigá-lo a escutar.

     — Estou cansada. Leve-me de volta a sua casa.

     Isso conseguiu captar sua atenção. Pestanejou algumas vezes e dirigiu a ela uma rígida reverência.

     — Mantenha-se longe de minha mulher. — advertiu Paul.

     — Enquanto for sua, farei isso. — disse Iain.

     Andra ignorou o comentário possessivo a favor de evitar o desastre. Falaria com Paul mais tarde sobre o fato dela ser sua mulher, mas agora, precisava tirá-lo dali.

     — Por favor, Paul. — disse, deixando que o cansaço se refletisse no tom. —Preciso me deitar.

     Ela puxou fortemente dele e finalmente ele começou a ir embora. Andra olhou sobre o ombro enquanto saíam da sala e aqueles olhos pretos vigilantes estavam fixos justamente sobre ela. Não havia calor dentro daquele homem. Nenhum absolutamente. Se ela própria não tivesse visto seu sangue, teria jurado que tinha gelo fluindo dentro das veias.

 

   Paul precisava assegurar seu posto, assegurar-se de que Andra entendia que não a deixaria ir com outro homem. Não enquanto ele respirasse.

     Não ia terminar com ele do mesmo modo que Kate fez.

     Paul levava Andra pela mão, puxando-a pelo corredor mais rápido do que era cômodo para ela. Obrigou-se a reduzir a velocidade e levar em conta sua fadiga. Não era sua culpa que Iain fosse compatível com ela.

     Podia sentir leves tremores de preocupação e cansaço caindo em cascata pelo braço. O Theronai dentro dele exigia que tomasse medidas e a obrigasse a relaxar, mas o homem compreendeu que havia pouco que pudesse fazer para que isso acontecesse, além de conseguir que Nika estivesse sã de novo.

     — O que foi tudo isso? — ela perguntou a ele. — Por que esse cara deixou uma marca em minha mão?

     — Assim ele poderá encontrar você mais tarde.

     — Por que precisará me encontrar?

     A última coisa que desejava fazer era dizer a ela a verdade, mas devia pelo menos isso a ela.

     — Quando nosso tempo juntos acabar, ficará livre para se vincular com outro homem, se desejar. Iain quer assegurar-se de ser capaz de encontrá-la quando isso ocorrer.

     — O que acontecerá se não quiser ficar unida a ninguém por um tempo?

     — Eu gostaria de ser capaz de dizer a você que é sua escolha, mas o tempo é desesperador. Iain fará qualquer coisa que esteja em seu poder para convencer você a ficar com ele. — fez uma pausa, debatendo-se entre dizer ou não o restante a ela. No fim, não pôde conter-se. — Eu também.

     — Ainda resta algum tempo antes de ter que pensar nisso. Neste momento, tenho suficiente o que fazer pela frente.

     — Primeiro, precisa descansar um pouco. Está esgotada, e a cerimônia não pode ter sido fácil para você.

     — Podemos sair e tomar um pouco de ar fresco em primeiro lugar? Quero apenas me sentir normal outra vez durante alguns minutos.

     — Claro. O que você quiser.

     Andra assentiu e o seguiu através de sua casa, para sair pela porta de trilho de vidro. Estava quente, o ar estava quente e pesado com a umidade. Os terrenos eram muito bem cuidados, e as flores floresciam por perto, fazendo que o ar cheirasse doce. Não havia ruídos artificiais, não havia tráfico nem aviões voando pelo céu para arruinar a solidão de seu lar.

     Paul tomou uma profunda respiração e tentou transmitir uma sensação de paz a Andra através do vínculo.

     Ela se agarrou a sua mão e envolveu a mão livre ao redor de seu pulso, como se a preocupasse que ele tentasse afastar-se. Ele podia sentir a suave pressão de seus seios por cima do cotovelo, sentir o rápido batimento de seu coração, sutil, mas firme contra a pele.

     — Isto é lindo. — disse ela. — Privado.

     Nunca tinha desfrutado tanto como agora, com ela.

     — Sempre será bem-vinda em Dabyr. Não importa o que aconteça.

     — Acredito que Nika gostará disto quando despertar.

     Não se, e sim quando. Ao menos Andra não tinha perdido a esperança. Isso era bom.

     — Estou seguro de que gostará.

     Ela se apoiou em seu ombro e Paul quis gritar de alegria. Não só estava tocando-o, mas também o buscava para maior comodidade. Necessitava dele, embora fosse só um pouco. Não podia decepcioná-la, de modo que enroscou o braço ao seu redor e a abraçou. Acariciou o braço dela e ela deixou escapar um profundo e satisfeito suspiro, permitindo que ele apalpasse sua sensação de satisfação e completa harmonia. Se nunca tivesse nada mais dela, este presente de confiança que ela lhe oferecia sempre estaria com ele para aliviar seus últimos dias.

     — Há uma espécie de paz neste lugar, não é verdade? — perguntou ela.

     — Há. Os Gerai fizeram um belo lar para nós. E seguro. Nada pode ferir você aqui com tantos Sentinelas ao redor.

     Ela o olhou. Tinha os olhos injetados de sangue. Era um sinal seguro de que ela esteve usando seu poder, forçando-se. Ele não havia sentido o puxão da energia abandonando seu corpo, por isso ela não deveria ter usado muita. Por outro lado, sua canalização ainda era muito nova, por isso só poderia obter uma destilação dela.

     Talvez a confiança que ela estava lhe demonstrando agora ao deixar vê-la fraca poderia ajudar nessa mudança. Ele tinha essa esperança.

     — Quando Nika estiver melhor, permitirá que ela fique aqui, não? — perguntou ela.

     — É óbvio. Queremos que tanto ela quanto você fique.

     Ela afastou os olhos então, mas não se retirou. Ficou pressionada contra seu corpo, deixando que ela a abraçasse.

     — Virei visitar, mas não posso viver aqui.

     — Por que não?

     — Preciso trabalhar. Não posso permitir que mais meninos terminem como minhas irmãs.

     — Por isso trabalharemos juntos. Recuperamos Sammy, não?

     Ele sentiu que algo se elevava no interior dela, algo que a assustava e o havia feito durante tanto tempo que nem sequer o notava. Tentou averiguá-lo, mas ela o bloqueou, mantendo-o fora. Paul não acreditava que ela nem sequer se desse conta do que estava fazendo. Era como se estivesse tão acostumada a esconder este aspecto de si mesma que nem sequer tinha que se esforçar.

     — Está bisbilhotando de novo? — perguntou ela. Deslizando seus dedos pelo peito dele e brincando com a gola de sua camisa.

     — Talvez um pouco.

     — Viu algo interessante?

     — Sempre. Tudo em você me intriga.

     Sentiu-a suavizar-se um pouco contra ele, reclinar-se um pouco mais forte, confiando nele para manter o equilíbrio. Paul fechou os olhos e se deleitou com a confiança dela, por pequena que fosse.

     — Quem é Torr? — perguntou ela. — O homem sobre quem Grace falou.

     — É um Theronai. Um de nossos mais fortes e mais capazes lutadores.

     — O que aconteceu com ele?

     O peito de Paul se apertou com dor.

     — Foi ferido na noite em que encontramos Grace e seu irmão e os resgatamos dos Synestryn.

     Andra deu alguns tapinhas no braço dele, acalmando-o.

     — O que aconteceu?

     — Foi envenenado por um Synestryn que nunca antes tínhamos visto. Nenhum dos Sanguinar sabe como curá-lo, e está paralisado do pescoço para baixo depois disso.

     — Pobre homem. — disse Andra suspirando. — Desejaria que houvesse algo que pudéssemos fazer para ajudar.

     — Eu também.

     — Por que Grace não quis que você fosse vê-lo? — perguntou ela.

     Os braços de Paul se apertaram ao redor de Andra. Ela era mais valiosa do que ela jamais compreenderia.

     — Encontrei você. Ver-me, só tornará a situação mais difícil para ele.

     — Por quê?

     — Por que está preso. Não pode sair e procurar uma mulher como você para si mesmo. A menos que os Sanguinar encontrem uma maneira de curá-lo, estará encerrado aqui, dependente dos cuidados dos outros até que morra. É um homem orgulhoso. Isso deve ser uma espécie de inferno em vida.

     — Talvez os Sanguinar averiguem como ajudá-lo igual a com a Nika.

     — Talvez.

     A esperança era um pensamento muito poderoso, mas era malditamente escassa nesse momento.

     Ela se virou em seus braços até que ficou de frente para ele.

     — Não acredita que possam ajudá-lo, não é verdade?

     Paul suspirou.

     — Estiveram tratando dele durante semanas sem êxito. Inclusive com todas as doações de sangue que estiveram recebendo, simplesmente não são suficientemente poderosos para remediar tudo.

     — Quando se encarregarem de Nika, darei meu sangue a Tynan para ele.

     Era tão generosa, tão forte e bela. Não podia deixar de amá-la.

     Paul não estava seguro de que ela pudesse suportar nenhuma sincera confissão nesse momento, assim manteve os sentimentos para si mesmo. Se ela se incomodasse em olhar, veria como se sentia por ela.

     Ele puxou a face dela, deleitando-se com a suavidade de sua pele.

     — Isso seria bom. Obrigado.

     — É o mínimo que posso fazer.

     Paul viu-a mover os lábios e desejou como o inferno estar beijando-a.

     — Seu trabalho é perigoso. — disse ela. Deslizou os dedos por seus cabelos e puxou sua cabeça para baixo aproximando-a da dela. — Se algo… Ruim alguma vez ocorresse a você, eu gostaria que alguém me avisasse para que pudesse retornar e ajudar você também.

     Ela já estava falando em partir como se tratasse de uma conclusão inevitável. Nem sequer estava pensando em ficar.

     “Obrigue-a a ficar… Vincule-a a você”.

     Era a ordem de Joseph e exatamente o que Paul queria. Ele queria amarrá-la a ele com tanta força que não seria capaz de dizer onde começava um e acabava outro.

    Mas e o que ela queria?

     “Faça que ela o deseje”.

     Ele poderia fazer isso. Simplesmente não tinha certeza se devia. Seu povo necessitava dela, mas não tinha direito de obrigá-la a fazer nada. Tinha?

     Paul fechou os olhos para bloquear a visão dela. Era muito tentadora para os sentidos. Inclusive com os olhos fechados ainda podia cheirar sua pele, aquecida pelo ar da noite. Seu próprio corpo ardeu em resposta e sentiu um fino fio de suor ao longo da testa.

     Nunca faria nada para machucá-la. Nem sequer por seus irmãos. Mas qual era o prejuízo de usar as habilidades para convencê-la a ficar? Nika estaria ali, assim poderia estar perto de sua irmã. Estaria mais segura ali que voltando para Omaha. Ele tinha um montão de dinheiro ao seu dispor, por isso poderia dar coisas materiais a ela, também. Não que isso parecesse ser importante para ela, mas poderia desfrutar delas. Estaria rodeada de amigos, sempre preocupados com ela. Sempre querida.

     — Paul? Está bem?

     Parecia preocupada, mas Paul não se atreveu a falar. Esta decisão era muito importante e ele estava sobrevoando o limite.

     Seus dedos se fixaram sobre a mandíbula. Não tinha se barbeado hoje e, provavelmente, estava arranhando sua pele com a barba. Ela não pareceu se importar.

     Perguntou-se se ela se importaria que a barba raspasse contra seus seios e ventre, enquanto beijava. Talvez, o interior de suas coxas.

     Ela estremeceu em seus braços e deixou escapar um pequeno gemido de excitação.

   Então, ele se deu conta de que ela tinha entrado em seus pensamentos, tentando averiguar o que estava errado quando não respondeu a ela. Tinha visto as imagens que dançavam em sua cabeça, imagens dela colocada diante dele nua, excitada e com a boca rosada.

     Paul ficou tão quieto quanto um Sentinela de pedra. Se ele a sobressaltasse o mínimo que fosse, poderia correr em outra direção. Queria muito ela, e de uma maneira que ela mal podia começar a entender, apoiada em sua educação humana.

     Ela aconchegou seus quadris contra ele e estava seguro de que era capaz de sentir o que estava provocando nele. Como estava rígido por ela.

     — Não estou correndo. — disse ela.

     — Deveria.

     — Talvez. Mas não o faço. Ao menos não ainda.

     Ela o beijou na comissura da boca e Paul teve que resistir a tomar o controle e beijá-la como realmente queria.

     — E se for embora agora ou alguma vez? O que acontecerá se não deixar você ir? — perguntou ele.

     Ela soltou uma doce e feminina risada.

     — Suponho que teremos que ver como funciona para você. Por agora, sou sua. — passou as mãos por suas costas até que esteve apertando seu traseiro. — E você é meu.

     — Sim, sou.

     Levantou o rosto dela e a beijou, tentando lhe dizer sem palavras o muito que significava para ele e seu povo. O quanto era preciosa. O muito que a amava.

     O anel zumbia felizmente, esquentando seu dedo.

     Andra se fundiu a ele, e abriu a boca sob a dele. Sua pequena língua malvada dançou com a dele enviando uma descarga de prazer por sua coluna vertebral. Ele gemeu em sua boca e inclinou a cabeça dela, assim poderia beijá-la mais profundamente.

     Toda luxúria que Tynan semeou nele como uma brincadeira voltou bramando à vida. Sentia o sangue como se estivesse em chamas e seu coração pulsava com tanta força que tinha certeza de que poderiam ouvi-lo até no final do refeitório. Paul tentou manter o controle, mas era um esforço inútil, uma batalha perdida mesmo antes de começar. Levantou-a e levou-a para dentro do dormitório antes que perdesse a cabeça e a possuísse ali fora, onde qualquer pessoa podia passar. Por agora, ela era dele e só dele, e ele não queria que ninguém mais a visse nua.

     E ela definitivamente ia estar nua assim que ele pudesse pensar em uma maneira de conseguir isso.

     Andra separou bruscamente a boca da dele, justamente quando ele abria a porta para o dormitório.

     — Aqui não. Grace nos ouvirá.

     — Não me importo.

     — Eu sim.

     — Então, bloqueie o som. Levante uma barreira para evitar que saia do quarto.

     — Posso fazer isso?

     Paul não queria falar ou ensinar nada a ela agora. Queria possuí-la e fazê-la gozar tão duramente e tantas vezes que nunca fosse capaz de viver sem ele.

     — Sim. — disse entre dentes.

     Paul deixou-a na cama e sentiu um puxão de poder abandonando seu corpo. O ar ao redor deles mudou e os ouvidos se taparam quando ela colocou a barreira em seu lugar.

     Ele a empurrou sobre o colchão e a cobriu com seu corpo de maneira que não pudesse escapar. Um sorriso misterioso projetou-se em sua boca.

     — Agora pode gritar tanto quanto quiser.

     — Acredita que pode me fazer gritar?

     Era um desafio. Um que Paul estava mais que disposto a aceitar.

     As ações falam mais que mil palavras, assim em vez de lhe responder, simplesmente juntou toda a abrasadora luxúria que se retorcia dentro dele e a empurrou através do enlace. O conduto de conexão tremeu ante a força da necessidade por ela.

     Andra fez o mesmo.

     Ela se arqueou sobre a cama e aspirou ofegante. Seus olhos se ampliaram em estado de choque e suas unhas se cravaram nos resistentes braços o suficiente para deixar marcas.

     — Oh. Meu. Deus. — sua voz era áspera pela luxúria insatisfeita, mas não por muito tempo.

     Paul não podia afastar os olhos dela. Adorava vê-la assim, quase indefesa em sua necessidade, sabendo que era o único homem que poderia aliviá-la e dar o que ela queria.

     — Ninguém mais pode fazer você se sentir assim. — grunhiu. — Só eu.

     — Não se detenha. Por favor.

     Paul montou escarranchado sobre os quadris dela e deslizou os dedos sob a barra de sua camisa, roçando os nódulos dos dedos através de seu estômago. Ela era suave, flexível, e ele nunca a tocaria o suficiente, nem que vivesse para sempre.

     — Você gosta disto?

     Seu gemido baixo foi a única resposta.

     — Fique quieta e darei o que você quer.

     Ela o olhou interrogando-o. Seus olhos azuis estavam obscurecidos pelo desejo. Sua boca já estava ruborizada pelos beijos. Quando ele acabasse, estaria muito mais.

     Andra tentou alcançá-lo, mas ele capturou sua mão e a colocou sobre o travesseiro ao lado de sua cabeça.

     — Não se mova ou me deterei.

     Ela assentiu compreendendo e Paul deslizou outra onda de luxúria através do enlace. Fluiu mais fácil desta vez, mal lhe dando algum esforço para fazê-la ofegar e retorcer-se debaixo dele.

     Magnífica.

     Paul desabotoou o cinturão de couro da espada e o apoiou contra a mesinha de cabeceira para que ainda estivesse facilmente ao alcance. Agora que estava fora de seu caminho, poderia mover-se com mais facilidade sem temor de arranhá-la. Deslizou por suas pernas o bastante para poder desabotoar os jeans dela. Baixou a zíper e afastou o tecido jeans. Sua delicada calcinha rosa fez seu estômago se contrair de desejo. Andra gemeu como se o sentisse, também. Talvez tenha feito isso. Não estava bloqueando-o. Estava aberta e receptiva com ele, absorvendo tudo o que ele lhe dava.

     Ela esticou o braço para agarrá-lo, mas Paul disse:

   — Não, não. Não terminei ainda.

     Seu braço caiu ao lado, mas apertou o punho com frustração. Seus olhos o avisaram da desforra, mas não se importou. Mal podia esperar para ver o que lhe ocorreria. Paul se inclinou e soprou uma baforada de ar sobre seu umbigo. Andra suspirou e seu estômago se retesou, mostrando os músculos de seus abdominais. Tão bonita. Os dedos mal roçaram sua pele, só agitando o fino pelo.

     Ela estremeceu e a respiração acelerou. Um caloroso rubor se estendeu por seu corpo, Paul tinha que despi-la completamente e ver exatamente o longe que chegava.

     Demorou despindo-a, beijando cada novo pedaço de pele enquanto era revelado. Quando acabou, os dois estavam suando e tremendo de excitação. Ele podia sentir o aroma de sua necessidade e isso só serviu para aumentar a sua. Não tinha certeza de quanto mais poderia suportar. Quando quis provocá-la, indo tão lentamente, havia feito o mesmo a ele. Desfrutou de cada beijo, cada golpe da língua sobre sua pele, mas não era suficiente. De forma alguma. Queria estar dentro de seu doce corpo tão profundamente quanto estava dentro de sua mente. Enchendo-a até que não houvesse espaço para nenhum outro homem, exceto ele.

     Despiu-se enquanto a olhava.

     O anel estava quente com a reclamação que estava pondo sobre a luceria. A conexão ainda era muito nova e frágil para a quantidade de energia fluindo entre eles e, entretanto, não podia parar. Precisava estimulá-la mais, vinculá-los mais estreitamente com seu poder.

     “Obrigue-a a ficar”.

     A pele sob a gargantilha estava de um vermelho brilhante. Passou o dedo através da escorregadia faixa e estava quente e fervendo com ricas nuvens de cor azul safira.

     — Está me matando. — suspirou ela, apertando os lençóis com o punho.

     Paul cobriu-a com seu corpo e separou suavemente suas coxas, de maneira que houvesse espaço suficiente para ele entre elas. Ela se arqueou, tentando uni-los, mas ele se evadiu e a imobilizou contra a cama, segurando-a ali com seu peso. Sua ereção palpitava com urgência, derramando gotas de líquido contra a face interna da coxa dela.

     — Diga-me que deseja isso. — exigiu ele.

     Sua feroz e pequena guerreira o olhou com frustração, o que o fez ficar mais rígido.

     — Sabe que o faço, maldito seja.

     — Nenhum outro homem nunca vai poder fazer você se sentir desta maneira, fazer que o deseje da forma que eu o faço. Sabe disso, não é mesmo?

     Enviou uma imagem ao interior dela, junto com as palavras. Mostrou a ela o quanto se mostrou bonita quando gozou ao redor de seu membro, recordando-a do quanto foi bom quando o fez.

     — Deus, sim. Mais.

     No fim, não pôde negar nada a ele. Tudo o que tivesse para dar, era dela. Assim deslizou em seu interior, desfrutando do escorregadio calor de seu corpo rendendo-se ao dele.

     — Olhe-me.

     Ela abriu os olhos, que tinham se obscurecido com a paixão, até que ficaram do mesmo azul safira da luceria. Quando tentou alcançá-lo desta vez, ele não a deteve. Seus dedos roçaram sua testa e face até que se fixaram como as mariposas a luz na mandíbula. Seu corpo se apertava ao redor da ereção, sugando-o em um entrecortado fôlego. Ao mesmo tempo, sentiu-a usar o vínculo para devolver alguns dos desejos que sentia por ele, igual a ele havia feito com ela.

     Sua urgência era mais suave, menos aguçada e dura que a sua, mas não menos exigente. Deixou que o enchesse e se inflamasse dentro dele, esquentando todos os lugares escuros, que tinham permanecido vazios e frios durante tanto tempo. Ele nunca soube o quanto esteve só até agora, até que ela varreu tudo e o fez um.

     — Agora entendo. — murmurou.

     — Entende o quê?

     — Intimidade. Os dois juntos, assim, compartilhar o mesmo espaço. É como uma espécie de magia.

     Isso o fez sorrir.

     — Assim é. Quer ver outro truque?

     — Mmm. Quase não posso esperar.

     Não o fez. Baixou a boca e se ajustou perfeitamente a dela. Ela tinha sabor de esperança e desejos silenciosos, e ele não podia ter o bastante dela.

     Deslizou a mão ao longo de seu flanco, absorvendo seu calor enquanto deslizava dentro da mente dela, deixando que se unisse totalmente com a sua. Ela não resistiu. De fato, recebeu-o com um suspiro de entrega.

     Imediatamente, as percepções de Paul mudaram até que pôde ver o que ela via, sentir o que ela sentia.

     Através de sua mente, viu a si mesmo e como se alçava sobre ela. Tinha o rosto rígido, com o esforço do autocontrole. Os músculos do peito e braços inflados, as veias palpitando com o sangue aquecido pela luxúria. A marca de vida estava em plena floração, de cor verde brilhante com mero indício de pequenas folhas brotando apenas começando a formar-se. Os cabelos estavam um desastre, mas lhe resultava encantador. Tinha a pele tão quente e sensível ao toque que no momento ela podia sentir os sulcos dos sinais que ele deixava ao roçar contra sua pele. Seus seios doíam pelo úmido calor da boca e o escorregadio deslizamento da língua dele. As paredes de seu sexo se esticavam ao aceitá-lo e, entretanto, não tinha se queixado.

     — Caramba! — disse ela. — Isto é… Caramba!

     Assim ela também estava sentindo isso, o que significava que podia sentir que não havia nada suave em sua necessidade. Provocou-o para que empurrasse duro e profundo, para possuí-la e gozar em seu interior. Seu tom era alto e desesperado.

     — Realmente é necessário que se mova agora.

     Paul se moveu. Deslizou dentro e fora dela, deixando que o corpo se movesse para agradá-la em um grau supremo. Inclinou-se, de maneira que pudesse beijar os seios dela e amar seus mamilos com a língua e dentes. Andra se apertou ao redor dele, e pôde senti-la já se aproximando do orgasmo. Ela respondeu tão rapidamente a ele que o humilhou. Nunca teve uma amante tão receptiva como ela.

     — Não se atreva a pensar em outra mulher agora. — advertiu-o.

     O ciúme se apoderou dela, fazendo que as palavras saíssem em um grunhido feroz. Cravou as unhas no couro cabeludo dele e enviou uma corrente de excitação que se envolveu ao longo de sua coluna vertebral.

     Neste ritmo, não ia durar muito, nenhum dos dois. Não que se importasse. Ela estava ali com ele, mostrando a ele o que necessitava, e estava mais que disposto a dar a ela. Qualquer coisa que ela quisesse.

     Empurrou-a até o limite e a manteve ali suspensa, dirigindo-se mais profundamente em seu interior a cada poderoso impulso dos quadris. Sabia exatamente quando retirar-se para mantê-la no limite, acalmando-a com suaves carícias da mão. Finalmente, depois da terceira vez que fez isso, ela o agarrou pelos ombros e usou uma onda de poder magicamente acentuado para girá-los, até que ela ficou escarranchada sobre ele.

     Jogou a cabeça para trás com um suspiro de prazer enquanto se deixava cair sobre a ereção. Tinha os seios avermelhados por sua barba, e os mamilos franzidos e dilatados por sua boca. As costelas se expandiam a cada pesada respiração que dava, e o suor brilhava sobre a pele ruborizada.

     Andra estabilizou-se com as mãos no peito dele e balançou os quadris. Os ramos da marca de vida se balançavam em resposta ao seu contato, arqueando-se para seus dedos estendidos.

     Paul sentia um tumulto de sensações todas as vezes que ela se unia contra ele assim, de maneira perfeita. Se era dela ou dele, não podia saber. Já não importava. Já não podia separar todas as emoções que sentia, que compartilhavam. Ela o apertou intensamente e agora ele era o único que estava no limite, apertando os dentes para conter o orgasmo só um pouco mais.

     Não funcionou. Ela acelerou o ritmo e o enviou voando de cabeça ao orgasmo. Paul ficou imediatamente com ela. O corpo se retesou e deixou escapar um áspero grito de consumação enquanto a primeira onda de liberação bateu contra ele. A voz de Andra se elevou, junto com a sua, ressoando na barreira que ela criou em torno deles dois.

     Paul puxou-a para ele e beijou sua boca aberta quando gozou em seu interior. Perdeu a vista, mas não se importou. Sentia ela contra seu corpo e em sua mente, o som de sua voz cantando em seus ouvidos, seu sabor na língua e seu aroma nos pulmões. E, entretanto, não foi suficiente para saciá-lo. Nunca teria o bastante dela.

     Seus corpos se acalmaram até que só restaram pequenos tremores da culminação. Ela estava estendida indolentemente sobre seu peito, respirando duramente. Paul uniu as pernas e a girou, mas não se atreveu a sair de seu corpo. Ainda não.

     Colocou-a nos braços até que ela pareceu confortável. No momento em que terminou, ela se afastou dele, saindo de sua mente de maneira que sentiu o espaço de algum jeito vazio e escuro.

     — Deixa-me?

     — Pensei que queria seu espaço agora que terminamos. — disse ela.

     Ela ainda não o entendia.

     — Esta é a forma que se supõe que será entre nós. Não somente durante o sexo, para qualquer dos dois.

     — Não acredito que possa lidar com você em minha cabeça todo o tempo. Está um pouco concorrido aí encima.

     O comentário feriu seus sentimentos, mas ele tentou não deixar que se notasse.

     — Não o senti cheio de mim.

     — Está acostumado a tudo isto.

     Empurrou o peito dele e ele tomou isso como uma sutil insinuação de que queria afastar-se.

     Paul não se moveu. Gostava muito de estar dentro dela. De fato, provavelmente, poderia fazer outras duas vezes antes de esgotar-se o suficiente para deter-se. Apenas olhá-la, sabendo que o rubor de sua pele tinha sido provocado por ele, o fez enrijecer.

     — Acostumará-se, também, se deixar.

     — Estou dando a você quase uma semana. Que mais quer?

     — Toda uma vida. — disparou por sua vez. — Várias, na realidade.

     Ela franziu o cenho, como se não tivesse entendido o que ele dizia, para logo abrir mais os olhos sobressaltada quando se deu conta que ele estava falando literalmente. Ela aguilhoou a mente dele, procurando a verdade; depois o empurrou completamente e uma grossa parede se fechou de repente entre eles.

     Merda. Tinha perdido ela. Assustando-a completamente.

     — Não pode querer dizer isso.

     — Posso. É minha, e estou retendo você. — para enfatizar seu propósito, moveu os quadris contra os dela, fazendo-a sentir cada centímetro do ainda quente e rígido membro em seu interior.

     Seus olhos fortemente fechados se agitaram e mordeu o lábio para conter um suave som de prazer. De todo modo ele o ouviu.

     — Pare. Por favor. Isto é muito.

     Não era suficiente. A urgência de possuí-la estava em seu apogeu dentro dele. Tinha que encontrar uma maneira de retê-la para sempre. Três dias não iriam ser suficientes. Maldita seja, para sempre, tampouco ia ser.

     “Obrigue-a a ficar”.

     Era uma ordem, dada a ele por seu líder. Desafiá-lo era o mesmo que trair ao seu povo. Devia obrigá-la a ficar.

     Aquela brilhante e resplandecente piscina de poder dentro dele se inflamou em resposta. Nunca foi capaz de acessá-la antes de Andra, mas agora que estavam conectados, poderia utilizar seu vínculo para recorrer a esse poder e canalizá-lo através dela durante curtos períodos de tempo. Poderia utilizá-lo para fazer sua vontade. Obrigar Andra a fazer o mesmo.

     — O que está fazendo? — perguntou com voz fraca, assustada.

     Paul não respondeu. Em vez disso, chamou seu poder e sentiu as ferventes ondas elevarem-se para cumprir seus desejos. Lançou uma densa coluna para o vínculo.

     — Paul. — ela sussurrou. — Não pode. Não posso tomar mais.

     — Pode. Fará isso.

     Aquele som não parecia dele. Havia uma sombria e discordante nota em suas palavras, como se houvesse outra voz falando junto à dele, áspera e sem harmonia. Quanto mais perto a coluna de candente energia chegava do vínculo, mais parecia que ele estava tentando canalizar uma cascata através de um canudo. Talvez ela tivesse razão. Talvez fosse muito.

     Mas se sentia tão bem. Estava muito perto de algo importante, algum tipo de avanço que mudaria sua vida.

     — Por favor. — a voz de Andra soava fraca e longínqua.

     — Relaxe. — disse ele com voz confusa. — Será mais fácil para você.

     As primeiras gotas de energia golpearam o enlace. O poder puxado dele disparou como um estilingue para ela e de retorno a ele. A sensação era incrível. As faíscas gotejavam dos dedos e deslizavam sobre a pele de Andra, deixando um rastro de furiosos vergões vermelhos.

     Ele poderia curá-la mais tarde, quando tudo tivesse terminado e ela lhe pertencesse para sempre.

     — Está me machucando.

     Ele fez uma pausa. Algo ali não estava certo. Simplesmente não podia entender o que era.

     — Paul! — seu nome foi um grito de dor.

     Estava ferindo Andra. Matando-a com sua reclamação para que permanecesse ao seu lado. Amava-a e estava matando-a.

     Não podia fazer isso. Tinha que parar.

     Aquela colossal coluna de poder caiu de novo dentro do resplandecente oceano em seu interior. Abrasadora agonia passou como um raio através dos membros, mas ele apertou os dentes e a recebeu. O corpo enfrentando cara a cara a dor.

     — Tem que respirar, maldito seja. — ouviu Andra dizer.

     Ela estava tão longe.

     Tinha os pulmões esmagados sob uma onda de pressão. Não havia espaço para respirar.

     Então, a boca dela ficou sobre a sua, beijando-o, enchendo-o de ar. Ele desejou poder vê-la. Era tão bonita. Queria vê-la outra vez antes de morrer.

     — Não vai morrer a menos que seja eu quem o mate.

     Outro fôlego o encheu.

     Andra deu um puxão em seu poder, embora não tivesse nem ideia do que estava fazendo com ele. Fosse o que fosse, era bom. Fresco. Limpo. Igual a ela.

     Minha.

     Esse pensamento ricocheteou em sua cabeça tão forte que estava seguro que ela o ouviu. Estava seguro de que ela não ia gostar dele.

 

   Andra retrocedeu emocionada ante a possessividade dele. Não estava só brincando com a atitude de homem das cavernas. Falava a sério. Como o “para sempre”, que para ele era realmente muito tempo.

     Não tinha nem ideia do por que ele quereria estar junto de uma pessoa tanto tempo, muito menos de alguém que tinha falhado tão frequentemente como ela tinha feito. Tinha que ter sofrido algum tipo de dano cerebral em algum momento. Era a única explicação que lhe ocorria.

     Tinha visto ela por dentro. Sabia que tinha falhado horrivelmente com sua família quando ter êxito teria significado tudo para ela. Tinha visto as consequências de seu fracasso em cada um dos delírios terroríficos de Nika.

     Nika estava morrendo porque Andra tinha falhado, e, entretanto Paul ainda a desejava. Não sabia que só terminaria conseguindo que o matassem também?

     Estava dormindo agora. Podia sentir as ondas de descanso fluindo dele. Acalmava-a o suficiente da frenética necessidade de fugir, para se permitir ficar ao seu lado.

     Afastou os cabelos alvoroçados do rosto dele. Era um homem tão sexy, tão bonito de um modo rude, com o suficiente de menino mau para fazer que suas calcinhas estivessem perpetuamente úmidas. Era uma fantasia andante. A grossa ereção exigente era só um benefício adicional.

     Ele tinha culminado, mas continuava rígido. Por ela. Tinha visto com suficiente clareza para saber a verdade. Não estava fechando os olhos e pensando em outra pessoa quando a tocava. Desejava só a ela.

     Parte dela brilhava pelo conhecimento, mas o restante se perguntava como ele podia sentir-se assim quando sabia o quanto era defeituosa na realidade.

     Talvez não se importasse com o quanto era covarde enquanto gostasse de seu corpo. Sim, isso era provável. Fazia perfeito sentido.

     E doía como o inferno.

     Esfregou o rosto com as mãos. Estava tão confusa desde que o conheceu. Tudo tinha virado pelo avesso e sempre estava um passo a trás, tentando freneticamente ficar em dia e descobrir o que estava acontecendo.

     Se isso ajudasse Nika, tudo valeria a pena. Ela continuaria seu caminho, e talvez quando voltasse para visitar a irmã, também pudesse ver Paul.

     Isso seria bom. Não queria pertencer a ele ou amarrá-lo, mas tampouco desejava não voltar a vê-lo nunca mais. Podiam ficar quando as coisas não fossem tão perturbadoras e talvez se conhecerem como pessoas normais. Ou, ao menos tão normais como as pessoas como eles podiam ser.

     Desfrutaria se acostumando a ter um guerreiro grande e sexy, que manejava uma espada com uma ereção perpétua por perto. Que garota não o faria?

     Poderia funcionar. Poderiam até mesmo terminar tão próximos que ela estaria disposta a dar uma oportunidade a essa coisa de “para sempre”, quando estivesse segura de que ele sabia que não era do tipo confiável. Quando se desfizesse das ilusões a respeito dela, estaria disposta a tentar.

     Havia possibilidades de que não funcionasse, mas com certeza se divertiria lhe dando uma oportunidade.

   Madoc apoiou a face contra a parede nua, desejando deslizar através da pintura desbotada. Sabia que as paredes dos apartamentos em Dabyr eram isoladas contra o ruído, e não havia maneira de que pudesse ouvir o coração de Nika pulsando. Mas podia senti-lo. Justo do outro lado da parede. Débil, mas constante. Ainda estava viva.

     A dor atormentava seu corpo, mas ainda assim, um pouco da fragilidade dos ossos se filtrava para fora enquanto se apertava tão perto quanto podia para chegar a ela.

     O apartamento contíguo ao de Paul, em que Madoc estava, estava vazio. Ninguém ia vir. Os olhos eletrônicos de Nicholas não podiam vê-lo ali. Era somente ele e o batimento regular do coração de Nika. Juntos, a sós.

     Não sabia por que estava ali. Não tinha nada para fazer ali. Precisava sair, lutar. Foder. Expulsar um pouco da pressão para poder seguir adiante só um pouco mais. Só o tempo suficiente para saber que ela ia ficar bem.

     Não deveria se importar, mas aparentemente restava o suficiente de sua alma para que o fizesse. Já não estava seguro de quanto de bom tinha isso, mas o aceitou, como aceitava a dor pulsando através dele a cada respiração.

     Assim que ela despertasse, prometeu-se que partiria. Partiria e nunca voltaria. Não estava seguro de quanto tempo poderia confiar em si mesmo para permanecer longe dela.

     E se ela se vinculasse a um dos homens dali, estava bastante seguro que ele seria letal. Era melhor ir embora antes que isso acontecesse. Mas não até que estivesse melhor. Não até que estivesse a salvo.

   Zach tirou Torr para fora onde pudesse ver o pôr do sol. Ambos necessitavam um pouco de ar fresco e Zach realmente necessitava de um pouco de prudência. Todos os seu amigos estavam desaparecendo. Kevin e Thomas estavam mortos, ambos nas últimas semanas. Drake tinha Helen agora. Continuavam passando todos os segundos juntos, e embora estivesse feliz por seu amigo, também estava com tanto ciúmes que seu estômago ardia. Dificilmente poderia olhar para Drake sem desejar para si mesmo aquele tipo de felicidade com tanta força que até seus ossos doíam.

   Lexi tinha ido embora. Não podia senti-la hoje, embora de vez em quando, a cada poucos dias, a marca de sangue começasse de repente a fazer seu trabalho e o punha na pista de sua direção. Nunca durava o bastante para localizá-la, e cada vez que teve aquela pequena sensação, procedia de um lugar diferente.

     Ela sempre estava movendo-se. Sempre correndo.

     Nem sequer sabia por que estava com tanto medo dele. Nunca tinha parado o suficiente para averiguar isso.

     Zach estacionou a cadeira de rodas perto de um banco colocado ao lado do meio-fio. A terra ali parecia um parque, grama perfeitamente cortada intercalada com leitos de flores e enormes árvores cobriam a terra. Seu novo jardineiro chefe parecia ter um dom para o trabalho. O lugar nunca esteve melhor.

     Torr olhava fixamente para frente, sem incomodar-se de virar-se para Zach apesar de ainda poder mover a cabeça. O resto estava paralisado, e os fortes músculos que tinham movido seu corpo já estavam diminuindo e desaparecendo, deixando só um indício do que tinha sido uma vez. A deterioração tinha sido tão rápida, que estava seguro que o homem nem ia durar muito mais tempo.

     — Como está, homem? — perguntou Zach.

     Os olhos de cor âmbar de Torr brilhavam de ira.

     — Como acredita que estou? Quão bem estaria se seu corpo fosse um montão inútil de ossos e tivesse um tubo no membro para não se molhar?

     Queria oferecer paz a Torr, mas ele não tinha nada a perder.

     — Sinto muito.

     — Sim, todos lamentam enormemente. Todos, exceto Joseph. Negou minha solicitação de novo. — a ira vibrava em seu tom, e um toque de algo mais. Algo impotente e desesperado.

     — Não vai deixá-lo morrer ainda. Não deu tempo o suficiente aos Sanguinar.

     — Se estivesse sentado aqui, saberia que isso é uma mentira. Cada dia neste corpo é uma eternidade. É hora de desistir.

     Zach apertou o braço dele, embora soubesse que ele não podia senti-lo.

     — Não podemos renunciar a você ainda.

     — Assim, em vez disso, torturam-me? Que amável.

     — Como se sentiria se eu estivesse aí sentado? Renunciaria a mim?

     Então, Torr virou a cabeça. Olhou-o fixamente com tanta fúria nos olhos que Zach quase afastou os olhos. Mas não o fez. Devia a seu amigo mais que uma troca de negação e evasão.

     — Se estivesse sentado nesta cadeira, gosto de você o suficiente para cortar sua garganta e vê-lo morrer.

     — Não, não o faria. Estaria por aí procurando a coisa que me mordeu. Estaria sangrando na boca de uma sanguessuga a cada dois dias. Estaria lutando para salvar minha vida.

     Torr afastou os olhos e sua voz se converteu em um tom tranquilo e solene.

     — Está equivocado, mas o perdoo.

     Isso soava como se estivesse lhe dizendo adeus, e Zach sentiu uma pontada de preocupação.

     — Não vai morrer, Torr. Vamos solucionar isto.

     — Melhor se apressar, então.

     — Por quê? Por que vai desistir?

     — Já o fiz. Se Joseph não me matar, eu farei o maldito trabalho.

     — Como vai fazer isso? Ninguém vai ajudar você.

     — Ouvi falar das mulheres que Paul trouxe para cá. Grace me disse que tinha que ir ajudar porque uma delas estava morrendo já que não pode comer.

     Zach uniu as peças.

     — De nenhuma maldita maneira.

     — Deixei de comer. Não sei por que não pensei nisso antes. Suponho que não estava pensando com clareza.

     — Joseph não vai permitir que isso aconteça.

     — Não vou dar a oportunidade a ele. Estou acabado. Quatrocentos anos é bastante para qualquer homem.

     Não podia deixar que seu amigo desistisse assim. Sabia que ele estava sofrendo, mas se aguentasse só um pouco mais, os Sanguinar averiguariam algo.

     — Não faça isso. Venha comigo para encontrar Lexi.

     Torr riu sem humor.

     — Claro. Por que infernos não? Apenas me amarre ao teto de seu carro e viajaremos pela rodovia.

     — Digo a sério. Vamos tirar você daqui durante um tempo. A mudança de cenário pode fazer algum bem a você.

     Torr apertou a mandíbula.

     — A única coisa que vai me fazer algum bem é uma espada em meu coração.

     — Não. Começamos a encontrar nossas mulheres de novo. O que acontecerá se a sua estiver lá fora, também?

     — E o que acontecerá se estiver? Não vai fazer diferença agora. Não vou me vincular a uma mulher quando ela pode ser capaz de salvar um homem que pode fazer algo bom realmente.

     — Não posso acreditar que esteja desistindo.

     — Não? Tente se sentar aqui durante um tempo e acreditará. Estou acabado. Tive uma boa trajetória. É hora de deixar isso. Tenho que fazer isso.

     — Não vou desistir de você ainda.

     — De acordo. Perca seu tempo. Simplesmente não me importo.

     — Faço-o. Quero ajudar você a passar por isso.

     Torr olhou fixamente para a noite, mas estava vendo outra coisa.

     — Há uma coisa que pode fazer por mim.

     — Não vou matar você.

     Apertou os lábios com frustração.

     — Não. É outra coisa.

     — Nomeia-a.

     — Não quero que Grace cuide mais de mim.

     — Por que não? Não está tratando você bem? Pensei que era…

     — Esse é o problema. É muito agradável. Muito inocente. Não deveria ter que ver o que vou fazer a mim mesmo.

     — Então não faça.

     — Já tomei minha decisão. — disse.

     — Sinto muito. Não vou tornar isto mais fácil para você. Por isso no que a mim concerne, Grace fica.

     O rosto de Torr se sombreou de humilhação.

     — Não a quero ao meu redor, maldito seja.

     Zach estava começando a suspeitar que houvesse algo mais que preocupação de Torr por ela.

     — Você gosta dela.

     — Estou protegendo-a, como meu voto exige. É muito suave para seu próprio bem.

     Torr sentia algo pela mulher. Tinha quase certeza. Quase.

     — Eu gosto das suaves. Poderia tirá-la de suas mãos durante um tempo, suponho. Rastrear Lexi me manteve tão ocupado que passou bastante tempo desde que me deitei com alguém.

     As asas do nariz de Torr flamejaram de ira e sua voz o golpeou como um látego.

     — Não toque nela, merda.

     Zach sorriu.

     — Sabia. Você gosta dela.

     — É um filho da puta. — grunhiu. — Melhor rezar para que eu nunca volte a caminhar, porque a primeira coisa que faria seria chutar seu traseiro.

     Cruzou os braços sobre o peito e o brindou com um sorriso zombador. Não tinha conseguido a prova de prudência que necessitava, mas encontrou uma razão para Torr viver. Era bom o suficiente para ele.

   Andra tinha ido quando Paul despertou. Esticou-se para ela antes de recordar o que tinha acontecido. No momento em que a mão encontrou os lençóis frios e vazios, recordou tudo o que tinha feito e soube que não estaria ali.

     Levantou-se da cama, envolveu o lençol ao redor dos quadris, e a procurou. Não podia olhar na cara dela nesse momento, não depois do que quase tinha feito, mas tinha que saber que estava a salvo e perto.

     Encontrou Andra no quarto de Nika, deitada junto a ela com as costas para a porta, acariciando os cabelos brancos de Nika. Suaves palavras de consolo saíam dela, mas não podia ouvir o que dizia. Grace estava sentada em um canto do quarto, fazendo tricô, crochê ou algo no que participavam grande quantidade de fios. Cantarolava para si mesma enquanto os dedos se moviam tão rápidos que eram imprecisos.

     Grace o olhou, finalmente dando-se conta de sua presença, e retesou o corpo como se estivesse a ponto de saltar. Não sabia por que ficava tão nervosa perto dele, mas levantou a mão livre e agitou a cabeça, dizendo a ela que ficasse onde estava.

     Necessitava de uma ducha e de um pouco de tempo para recompor-se e encontrar a maneira de arrumar o que tinha feito.

     O desgosto deixou um sabor amargo em sua garganta que não desaparecia. Tomou banho, se vestiu e não tinha nem ideia de como aproximar-se de Andra com desculpas por seu erro de julgamento.

   Nem sequer estava seguro de que realmente soubesse o que havia tentando fazer a ela. Ele sabia que doeu, mas podia não saber o porquê.

     Esteve a ponto de escravizá-la. Até mesmo o pensamento fez mal a ele.

     Uma batida na porta o tirou da angústia. Terminou de ajustar a espada ao redor dos quadris e foi atender.

     Cain estava ali, enchendo a porta com sua corpulência. Os olhos verde musgo estavam opacos e avermelhados, como se não tivesse dormido há dias. O aroma do combate se aferrava a sua pele, e o pó cobria sua roupa. Em qualquer lugar que esteve, não foi divertido.

     — Sibyl me enviou. — disse sem preâmbulos.

     — Aceitou nosso pedido?

     Cain assentiu, mas não parecia satisfeito.

     — Disse que o veria nas primeiras horas da manhã.

     — Por que não agora? A noite ainda é jovem.

     — Acabamos de voltar da caça e estamos exaustos. A menina necessita de descanso.

     — O que aconteceu?

     Cain esfregou as têmporas. O cansaço pesava em seu corpo, abatendo-o.

     — Pergunte a Angus, mas provavelmente não vai querer saber disso. Vou desmoronar.

     — Obrigado. — disse— Andra se sentirá aliviada ao saber que ainda há esperança.

     Cain parecia que ia lhe dizer algo mais, mas atacou:

    — Não esperem nenhum milagre. Sibyl esteve agindo de uma maneira um pouco estranha ultimamente.

     — Sibyl sempre age estranhamente. — tinha perpetuamente oito anos e podia ver o futuro. Isso era estranho em qualquer escala.

     — Mais que o normal, quero dizer. Só lhe dê um pouco de espaço, De acordo?

     — Necessitamos dela.

     Cain suspirou.

     — Sei. Todo mundo necessita. Esse é o problema.

     — Juraria que isto é mais difícil para você do que para ela.

     — É como uma filha para mim. — disse.

     Paul se perguntou como deveria ser isso, ter uma criança que pudesse chamar de sua.

     — Isso parece bom.

     — Alguns dias, sim.

     Mas não hoje, ao que parece.

     Cain se separou do marco da porta.

     — Vou dormir. Verei você amanhã por volta das oito da manhã. De acordo?

     — Estaremos ali.

 

   Gilda não podia parar de tremer. Cada grama de força tinha sido arrancada dela quando abriu aquele portal. Nem sequer podia sustentar-se enquanto Angus a levava de volta nos braços ao seu apartamento. Não era como se ele necessitasse de ajuda. Os braços eram fortes e sólidos, rodeando-a, sustentando-a tão facilmente contra o peito como se não tivesse passado as últimas horas lutando sem parar.

     A marcha era um pouco instável devido ao ferimento que tinha na coxa esquerda. Sua vida não corria perigo, mas a necessidade de repará-lo era quase entristecedora.

     — Mais tarde. — disse ele, conhecendo seus pensamentos. — Estarei bem dentro de poucas horas. Precisa descansar.

     A ideia de dormir fez que um grito borbulhasse em sua garganta. Cada vez que fechava os olhos via aquela… Abominação. Ainda não estava segura se era real ou se a imaginou.

     — Era real. — grunhiu Angus. Apertou um pouco os braços ao seu redor como se tentasse protegê-la daquilo até mesmo agora.

     — Preciso me lavar.

     — O banho pode esperar. Precisa descansar.

     Ainda podia cheirar o fedor daquela coisa queimando, ouvir os gritos que escapavam dos pequenos pulmões.

     Deus, o que tinha feito? Aquilo era apenas uma criança.

     — Não era uma criança, era um demônio. Tentou assassinar Sibyl. Fizemos o que tínhamos que fazer.

     — Parecia tão… Humano. Como é possível? — Gilda engoliu saliva, tentando evitar as lágrimas.

     Tinha matado um menino naquela noite. E amanhã, ia ter que procurar mais e matá-lo, também.

    — Não pense nisso agora. Mais tarde, depois que tiver descansado, verá as coisas com mais clareza.

     Aproximaram-se do apartamento e a porta se abriu para Angus. Assentiu para a câmera de frente da moradia, um silencioso agradecimento para Nicholas, que sem dúvida era quem estava do outro lado.

     — Nada disto faz sentido. — disse ao marido enquanto ele a deixava na cama.

     — É óbvio que não. Estamos todos muito cansados para dar algum sentido a isso. Deixa-o esta noite. Amanhã averiguaremos o que teremos que fazer.

     — Necessito de um banho. — soava desesperada, mas tinha que lavar os cabelos para tirar o aroma da carne queimada daqueles meninos.

     — De acordo, amor. Prepararei um para você. Não se mova.

     Gilda não podia suportar seu peso o suficiente para ficar erguida. Desabou sobre os travesseiros e sentiu as lágrimas deslizarem pelas têmporas, ensopando as mantas. Seus olhos ardiam e sabia que provavelmente estavam injetados de sangue pela quantidade de poder que canalizou naquela noite.

     Ao menos Angus não saberia que tinha chorado. Amava-o muito para fazê-lo sofrer por suas lágrimas.

     A queda da água chapinhando na banheira a encheu de tranquilidade e a ajudou a bloquear os ecos daqueles pequenos gritando.

     Não poderia fazer isso de novo. Nunca. Tinha perdido muitos de seus próprios bebês durante séculos para tomá-los de alguma outra mãe. Nem sequer ela era tão cruel.

     Os Synestryn ganharam finalmente. Encontraram uma maneira de proteger sua origem dos Sentinelas lhes dando caras humanas.

     Se não tivesse visto com seus próprios olhos, nunca teria acreditado.

     — O banho está preparado. — disse Angus.

     O corpo forte estava delineado pela luz do banheiro. Inclusive depois de todos aqueles séculos, continuava sendo tão forte e firme quanto tinha sido desde que o conheceu.

     Ainda não entendia por que a amava. Fez tantas coisas horríveis. Aquela noite foi só mais uma.

     — Já basta. — disse Angus com o tom que usava para ordenar aos Theronai. —Fez o correto esta noite. Não vou ter você se matando de culpa.

     Apesar do tom duro, os dedos estavam gentis quando desabotoaram a fila de botões da parte da frente do vestido. Teria que queimar a seda cinza. Nunca seria capaz de vesti-lo de novo sem pensar no que havia feito naquela noite vestindo-o.

     Angus a despiu, depois fez o mesmo consigo. O corpo magro estava envolvido por músculos, e apesar de ter mais cabelos grisalhos agora, mais cicatrizes, ainda era bonito para ela.

     Recolheu-a de novo e se dirigiu para o banheiro.

     — Isso. — sussurrou. — Pense em coisas boas agora. Estamos juntos. Amamo-nos. Estamos a salvo, sãs e rodeados de amigos.

     — Como pode fazer isso? Como pode sempre ver o lado bom das coisas?

     Ele pôs a ambos na grande banheira, sustentando o débil corpo dela para que não deslizasse para baixo da água.

     — Porque tenho você. Todo o resto do mundo pode desmoronar enquanto tiver você, consideraria-me afortunado.

     Era muito bom para ela, mas sempre soube disso. Era só um de seus muitos segredos.

     Talvez fosse o momento de falar para ele sua traição. Se alguém era capaz de perdoá-la, esse era Angus.

     Sim.

    Esse era o problema. Sem ele, estaria perdida. Tão egoísta como era, não podia correr esse risco. Necessitava muito dele. Tinha afugentado a todos os outros que amava.

     Gilda reforçou a porta daquela parte secreta de sua mente, assegurando-se de que estava fortemente fechada e trancada para que ele nunca a visse, nem sequer suspeitasse o que havia ali. Faria qualquer coisa para retroceder no que tinha feito, mas era muito tarde para isso. Ia ter que viver com aquilo, um erro a mais para acrescentar a lista dos erros imperdoáveis que cometeu. Havia tantos, desejava perder a conta, mas nunca o fazia. Recordava cada um deles.

     — Boas notícias. — disse Paul da porta. — Sibyl aceitou ver você.

     Andra fechou os olhos e fez uma breve oração de agradecimento. Beijou a cabeça de Nika e se levantou da cama.

     Paul estava sem camisa, e a visão de todos aqueles músculos másculos fazia seus coração pulsar. Não importava que o tivesse tido há apenas algumas horas. Queria mais. Provavelmente sempre o faria.

     — Acredita que ela pode ajudar? — perguntou.

     — É possível.

     Grace esteve tecendo no canto do quarto durante horas, mas as agulhas se detiveram então. Manteve os olhos baixo quando falou.

     — Ouvi falar de algumas das coisas que Sibyl sabe. É incrível, minha senhora. Estou segura que será capaz de ajudar Nika.

     Andra queria abraçar Grace por ser tão doce. Poderia ser tímida e envergonhada, mas não deixava que isso a impedisse de confortar outra pessoa.

     — Obrigado, Grace.

     Ela ruborizou e as agulhas começaram a mover-se de novo, embora não tão suavemente quanto antes.

     — Vamos dar um passeio. — disse Paul, com evidente gana de falar com ela. — Grace pode controlar o forte, não é mesmo?

     — Sim, senhor.

     Andra assentiu e o seguiu para fora. O amanhecer estava começando a fazer o mais mínimo resplendor no horizonte. O restante do céu estava cheio de estrelas.

     Paul estava estranhamente tranquilo, quase sombrio. E não a tocava, não era ele absolutamente.

     — Aconteceu algo? — perguntou ela.

     Parecia que ele não queria falar. A mandíbula estava apertada, mas finalmente abandonou a luta.

     — Sim. Não deveria ter feito o que fiz a você na noite passada. É imperdoável.

     Andra franziu o cenho, completamente perdida. Inclusive tentou olhar na mente dele para averiguar o que queria dizer, mas tudo o que encontrou foi um muro sólido. Não ia deixá-la passar e isso a fazia sentir-se… Sozinha. Acostumou-se a compartilhar os pensamentos com ele e se deu conta do muito que ia perder quando se fosse.

     — Não deveríamos ter feito sexo?

     — Não. É óbvio que não é isso. Estou falando do que aconteceu depois.

     Quando a machucou.

     — Esqueça isso. — disse. — Eu esqueci.

     — Como pode dizer isso? Tentei tirar seu livre-arbítrio na noite passada. Tentei escravizar você.

     — E doeu como o inferno, assim não tente outra vez ou terei que chutar seu traseiro.

     Puxou-a e a fez parar sob um enorme arce . A sensação de sua mão sobre o braço a aqueceu. Gostava muito da maneira que ele a tocava para seu próprio bem.

     — Ainda não entendeu, não é verdade? — disse. —Violei você. Tentei fazer com você a mesma coisa pela qual mato os outros por fazer.

     Realmente ele estava dando mais importância a ela do que tinha.

     — Escute, sei que não faria isso. Não é assim. Não está em você.

     — Como sabe?

     — Estive bisbilhotando sua cabeça há dois dias até agora. É um bom menino. Só perdeu a cabeça durante um minuto. Não é grande coisa.

     A boca dele caiu de emoção. Andra sorriu e deu um rápido beijo nele.

     Ao menos, tentou que fosse rápido. Em troca, ele a agarrou pelos braços e se aferrou a ela, devolvendo seu beijo com um desespero tão forte que a sobressaltou.

     Quando finalmente a deixou voltar a respirar, estava atordoada e se aferrou a seus ombros largos.

     — O que foi isso?

     — Por ser a mulher perfeita.

     Andra bufou.

     — Acredito que necessita dormir um pouco mais. Não está pensando direito.

     Ele se ajoelhou aos seus pés e apertou suas mãos entre as dele. Podia sentir os calos que a espada tinha posto em sua pele e eram estranhamente consoladores para ela. Era um guerreiro, capaz das manter ela e Nika seguras.

     Se ficasse.

     A resolução de abandoná-lo vacilou. Não tinha muito lá fora esperando por ela. Ele tinha razão, podia fazer seu trabalho em qualquer lugar que estivesse. E ele podia ajudá-la. Estava segura disso. Nunca deixaria uma criança só e assustada.

     Paul pressionou a mão sobre a terra e ela sentiu o mesmo tipo de zumbido que havia sentido antes naquela noite. Só que desta vez não doeu. O poder fluiu através dela facilmente em uma gentil destilação que esquentou sua pele.

     O chão baixo eles tremeu. Paul levantou o punho para ela, e quando abriu a mão, um anel de ouro brilhou contra sua palma.

     — Pensei que poderia se sentir mais confortável estando comigo à maneira dos humanos, porque acreditava que era um deles.

   Piscou, insegura de que seus olhos estivessem trabalhando. Paul ficou em pé e deslizou o anel de ouro na mão esquerda dela.

     — Case-se comigo, Andra. Fique comigo.

     A emoção congelou-a em seu lugar e roubou o ar de seus pulmões. Olhou para baixo, ao anel no dedo. Ficou perfeito, brilhando sem uma mancha ou arranhão. Não tinha nem ideia de como o tinha feito.

     Não tinha nem ideia de por que a queria.

     — Não posso. — sussurrou. Queria dizer sim, mas não podia fazer isso a ele. Ou a si mesma. Ele queria uma companheira, alguém que pudesse estar ao seu lado e lutar contra os Synestryn, alguém com quem pudesse contar. Não era essa pessoa. Falhava quando era mais importante, e não queria isso para Paul.

     Não poderia ser o que ele queria. Se o amasse, tinha que deixá-lo livre para que encontrasse outra mulher que pudesse. E o amava. Sabia que o fazia porque seu coração se quebrava e sangrava por ter que deixá-lo ir.

     — Sinto muito, Paul. Não posso.

     Sua expressão se endureceu, escondendo a rejeição que ela sabia que tinha que estar sentindo. Ele abriu a boca para dizer algo, mas antes que pudesse, as sirenes soaram um alarme na noite.

     — Nika. — Andra se virou e correu para a casa de Paul, ouvindo os passos dele batendo justamente detrás dela.

     Quando chegaram ao quarto, Grace estava de pé na porta e Andra pôde ver Nika detrás dela. Não havia sangue, nem monstros. Estava a salvo.

     Paul alcançou o telefone e discou.

     — O que está acontecendo? — perguntou Grace.

     — Não sei.

     Paul desligou o telefone e foi ao armário em frente da porta principal. Tirou uma pesada jaqueta de couro e a fechou com um zíper, tirou um óculos de segurança claro do bolso, e o pôs também.

     — O recinto foi violado. — disse. — Tenho que ir ajudar a repelir o ataque.

     — Vou com você. — disse Andra.

     O rosto era de pedra fria quando a olhou.

     — O que seja. Mas não vou esperar. — tirou outra jaqueta de couro do armário e jogou para ela. — Não saia sem pôr um pouco de proteção.

   Andra assentiu e perguntou a Grace:

     — Pode manter Nika a salvo?

     — Sim, minha senhora. Vou transferi-la para um dos quartos seguros.

     Vestiu a jaqueta e procurou os óculos de segurança no bolso.

     — Necessita de ajuda?

     Paul se foi e não olhou para trás.

     Grace sacudiu a cabeça, fazendo que os cachos se balançassem.

     — Não. Posso conseguir que um dos homens humanos me ajude a removê-la. É melhor que você vá. Vão necessitar de você.

     Assentiu e correu atrás de Paul.

 

     Andra não viu Paul, mas encontrou a luta com muita facilidade. Era atroz, um campo aberto na parte de trás do recinto próxima ao refeitório. Uivos sobrenaturais se elevavam da briga, coincidindo com os asquerosos golpes surdos de aço golpeando ossos. As espadas brilhavam na luz da alvorada enquanto aproximadamente duas dúzias de homens repeliam o ataque.

     O campo estava cheio de corpos dos Synestryn, mas mais desses monstros saiam das árvores pelo oeste. Tinha visto alguns antes, a outros não. Cada um deles dava medo o suficiente para fazê-la desejar uma cama onde esconder-se debaixo. Isso e sua escopeta.

     Esteve em combates antes, mas nunca como aquele. Havia muitos deles. Dúzias. Talvez centenas. Não podia dizer com todos aqueles corpos destroçados. Não havia luz externa ainda, e embora as luzes de segurança ajudassem, ainda havia muitas sombras. Muitos lugares para que mais daquelas coisas se escondessem.

     O temor deslizou sob sua pele, por isso estava fria e úmida. Ficou lá dentro, olhando tudo através do vidro, tentando absorver o suficiente para mover-se.

     Tinha que fazer algo. As pessoas iam morrer.

     No outro extremo do campo havia uma mulher que nem sequer chegava ao ombro de Andra. Estava vestida com uma túnica de seda cinza e os longos cabelos escuros caíam quase até seus quadris. Tinha uma estrutura óssea tão delicada que fez Andra sentir-se como um elefante, mas não havia nada fraco nela. Quatro monstros similares a lobos, com uma antinatural altura e musculatura, corriam para ela. Ela ficou em pé com calma, levantando a mão enquanto eles atacavam.

     O primeiro demônio que se aproximou dela saiu voando para trás e se chocou contra um segundo que havia detrás. Ambos rodaram para o bosque tão facilmente como se fossem plantas rodantes. O segundo a se aproximar chocou-se contra algum muro invisível e ricocheteou com um ruído audível. O terceiro usou a distração para precipitar-se atrás da mulher e levantar as garras para golpear.

     Andra tentou chamá-la para adverti-la, mas o fôlego ficou no peito, assim fez a única coisa podia fazer. Correu pela porta e cruzou o pátio de treinamento, esquivando-se dos homens e monstros em uma tentativa desesperada de chegar à mulher antes que fosse assassinada.

     Só havia se distanciado uns poucos metros quando a pequena mulher saltou três metros no ar e aterrissou sobre um grosso ramo de uma árvore próxima.

     O monstro que tinha tentado matá-la rasgou o ar onde ela tinha estado há um segundo, seu próprio impulso o enviou para cima de forma que aterrissou no chão. Um homem que não tinha visto um momento antes, saiu de detrás de um montão de monstros mortos e cortou a coisa do crânio até a pélvis.

     Andra deslizou até deter-se e se deu conta que estava de pé no meio de um campo de batalha. Algo a agarrou pelo braço e a afastou justo quando outro daqueles lobos aterrissou onde estava parada uma fração de segundo antes.

     — Que infernos está fazendo? — grunhiu Paul. Não a olhou, mas a empurrou para trás dele e retrocedeu até o grosso tronco de uma árvore próxima, a única cobertura disponível.

     — Devo ajudar.

     — Então ajude, mas não se deixe matar.

     — Bom plano. O que devo fazer?

     Algo com mais pernas do que podia contar desceu da árvore. Paul o viu e cortou sua cabeça. Aquilo não deixou de mover-se.

     Apunhalou-o com sua espada e jogou o longo corpo para longe deles.

     — Acabe com algo.

     De acordo. Podia fazer isso. Encontrou o poder esperando-a, só que desta vez estava fervendo de antecipação, como se precisasse ser usado. Saltou ante sua chamada e a encheu com uma espécie de brilhante pressão. O corpo dela vibrava com força quando escolheu seu primeiro objetivo.

     Um dos monstros estava a poucos metros, aproximando-se do flanco de Morgan. Andra contraiu uma rajada de poder em uma apertada bola e a expulsou do corpo para a coisa. A bomba sacudiu a terra e uma onda de ar se moveu sobre eles. Quando pôde ver de novo, tudo o que restava do monstro era uma nuvem de pedacinhos vaporizados caindo lentamente na terra.

     Paul lançou para ela um rápido olhar por cima do ombro.

     — Queria dizer fogo, mas isso também funciona. Bom trabalho.

     Seu louvor a fez sorrir, e decidiu que realmente podia meter-se em toda aquela coisa do combate mágico. Fazia que sua escopeta parecesse uma pistola de água.

     Não tinha tempo para desfrutar da vitória. Havia monstros para matar.

   Paul manteve os Synestryn afastados de Andra, dando espaço para ela trabalhar. A mulher tinha um dom para a destruição. Ria enquanto dirigia seu poder, convertendo demônio detrás demônio em pilhas de lama.

     Angus abriu passagem cruzando o campo até o lado de Paul. A Senhora Cinza, Gilda, não parecia tão bem. De fato, se não fosse pelo grosso braço de Angus em sua cintura, Paul não acreditava que fosse capaz de manter-se em pé.

     Ele deixou Gilda no chão detrás de Paul e Andra, e tomou uma posição defensiva detrás dela.

     — Gilda não pode fazer mais nada. — disse, esfaqueando um demônio enquanto este atacava.

     — Mais para mim. — gritou Andra. Outro grupo de sgath explodiu em uma nuvem de sangue negro e pedaços de pele.

     — Acabo de ver Logan abandonando o campo. — disse Paul. — O sol se elevará a qualquer segundo.

     Como se suas palavras tivessem convocado o amanhecer, os primeiros raios diretos de luz apareceram sobre o muro. Uns dez metros a frente deles, um Synestryn começou a fumegar. Um breve instante mais tarde, explodiu em chamas e correu para as árvores.

     — O lago! — gritou Angus, alto o suficiente para ser ouvido sobre os sons do combate. — Dirijam-se ao lago!

     Andra olhou para Paul. Custava-lhe respirar, suava e tremia, e tinha os olhos de um furioso vermelho sangue.

     — Por onde?

     Paul apontou para o este.

     — Do outro lado dessas árvores.

     Gilda agarrou o tornozelo de Andra antes que pudesse correr.

     — A fumaça. — ofegou. — Pode fazer mal às crianças humanas.

     Andra assentiu.

     — Ocuparei-me delas.

     Paul sentiu o puxão do poder, mas ela estava debilitada. Já tinha usado muito e ainda era nova naquilo.

     Instintivamente, colocou a mão esquerda na parte de trás de seu pescoço, unindo as duas partes da luceria. A energia passou por seu braço e deslizou dentro dela.

     Uma brisa se agitou ao redor deles, depois começou a girar mais rápido. A fumaça de vários Synestryn queimando subiu em espiral afastando-se do recinto.

     — Pode continuar assim se caminharmos? — perguntou ele.

     Aparentemente, não o escutou. O rosto era uma máscara de concentração e tinha o lábio inferior entre os dentes.

     — Leve-a. — disse Angus, dobrando-se para a terra para fazer o mesmo com Gilda. — Temos que seguir os homens e ajudá-los.

     Paul teve que romper o contato com o colar, mas não havia nada que fazer. Agarrou-a e a levantou, deu-se conta que levar uma mulher enquanto manejava uma lâmina nua era um talento a ser aprendido. Angus o fazia sem esforço, aparentava ter nascido para fazer aquilo, mas Paul estava incômodo. Sua espada se balançava ao redor e estava convencido que cortaria a um deles.

     O ar continuou girando em espiral ao redor deles enquanto corriam, levando consigo o fedor dos demônios queimando. Quando chegaram ao lago, só restava um punhado de Synestryn, e todos estavam queimando, retorcendo-se na água em um inútil esforço para apagar as chamas da luz solar.

     Quando o último demônio afundou sob a água, Paul sussurrou:

     — De acordo. Pode parar agora.

     Andra deixou escapar um longo suspiro e deixou a cabeça cair contra seu ombro.

     — O ar é pesado. — ofegou.

     Paul sorriu e a beijou na têmpora.

     — Fez isso de forma genial.

     — Levem os feridos para dentro. — gritou Angus.

     Joseph estava a alguns metros de distância, mas sua voz profunda ressoou, fácil de escutar.

     — Os Sanguinar estão colocando camas no refeitório. Todos os homem que não estiverem feridos, venham comigo. Vamos ver o que obtiveram os Synestryn.

     Felizmente, só havia um punhado de homens feridos, e os ferimentos pareciam superficiais. Morgan tinha um desagradável corte cruzando sua sobrancelha, mas enxugou o sangue e se alinhou junto a Joseph.

     Paul disse a Andra:

     — Vou levar você para dentro para que possa descansar durante alguns minutos.

     — Tem certeza de que não necessitam de mim?

     — Se o fizer, saberá.

     O telefone de Angus tocou. Desceu Gilda e o tirou do jeans amassado. Depois de alguns minutos, o áspero rosto se torceu com um grunhido.

     — Há algum sinal de onde a levaram?

     — Não. — disse Gilda, com os olhos abertos amplamente pela emoção.

     Angus pôs uma mão em sua cabeça, oferecendo consolo a ela.

     — Vai viver? — perguntou com a voz turva, quase descontrolada. — Faça o que puder. Estamos a caminho.

     — O que é? — perguntou Paul.

     Gilda ficou de pé e tentou correr para o edifício. Só deu poucos passos antes que as pernas debilitadas falhassem e ela caísse.

     Angus correu para seu lado e a ajudou a levantar-se. Lutou contra ele como se tentasse escapar, mas Angus a abraçou com força.

     — É muito tarde. — disse. — Está muito fraca para fazer algo agora.

     Gilda deixou de lutar e se agarrou ao marido. Seus ombros se agitavam com silenciosos soluços. Paul nunca a viu chorar assim antes, e algo em seu interior se quebrou ante a visão. Sempre era tão forte e estoica, não importava o que a lançassem.

     Angus a embalava nos braços, mas seu rosto era tudo menos consolador. Parecia preparado para matar.

     — O que aconteceu? — perguntou Paul.

     Os olhos de Angus se fecharam pelo remorso, e a boca se torceu em um gesto de ódio a si mesmo.

     — A luta só era uma distração. Conseguiram o que queriam.

     — O quê?

     — Sibyl.

     Levou um tempo para que as palavras penetrassem em Paul.

     — Sibyl se foi?

     — Sim. — resmungou Angus. — E não há sinal de onde a levaram. — acreditou ver um brilho de lágrimas nos olhos do homem idoso. — Logan rastreou o sangue de Cain e o encontrou meio morto. Disse que não havia rastro de aroma a seguir.

     Inclusive se houvesse um, provavelmente teria queimado ao amanhecer.

     — Não ficou nada? Cain tirou sangue de algum?

     — Não. Nenhum.

     — Temos que encontrá-la. — disse Gilda. Sua voz foi alta e desesperada contra o ombro de Angus. Olhou para ele e Paul pôde ver as lágrimas rolando pela face suave. — Não podem deixar que eles tenham Sibyl, também.

     A vaga lembrança de um rumor que Paul ouviu uma vez fez cócegas em sua mente, mas não pôde recordar o que era.

     — Nós a encontraremos, amor. — era um voto, e Paul sentiu a energia saindo de Angus feito ondas.

     — Como? — exigiu Gilda. — Da mesma maneira que encontramos Maura?

     Maura? Tinha escutado esse nome quando era um menino, mas não podia recordar quem era.

     O corpo de Angus se retesou como se tivesse recebido um murro.

     — Isso não voltará a acontecer.

     Aparentemente Joseph tinha visto a agitação e se aproximou deles.

     — O que está acontecendo?

     — Levaram Sibyl durante a luta. — disse Paul para salvar Angus de ter que dizer as palavras de novo.

     — Porei os homens nisso neste mesmo momento. Nós a encontraremos antes do pôr do sol.

     — Não há um rastro. — disse Angus.

     — Quem disse isso? — exigiu Joseph.

     — Logan.

     O rosto de Joseph se transformou, drenado de toda esperança. Os ombros afundaram um pouco mais, e Paul voltou a se perguntar quanto tempo mais conseguiria manter-se como líder de seu povo.

     Andra esteve olhando silenciosamente o intercâmbio, mantendo-se enfocada em Gilda e Angus. Empurrou Paul, indicando que queria sustentar-se por si mesma. A contra gosto, desceu-a, mas manteve o corpo apertado contra o dela.

     Ela aproximou-se e pôs a mão contra o ombro de Gilda. A voz era suave, mas cheia de confiança.

     — Posso encontrar sua filha. — disse.

     — Filha? Sibyl não é sua filha. — disse Paul.

     Ninguém prestou atenção nele. Todos os olhos estavam sobre Andra. Especialmente os de Gilda.

     — Como?

   Andra deu de ombros.

     — Encontrar aos perdidos é o que faço.

     Gilda se separou de Angus e pegou a mão de Andra em um agarre delicado. As lágrimas rolavam por seu rosto.

     — Não posso perdê-la também. — sussurrou. — Por favor, encontre meu bebê. Traga ela de volta para mim.

     Andra fechou os olhos como se tentasse bloquear o olhar de angústia do rosto de Gilda. Paul podia senti-la lutando contra si mesma, o coração e a mente em guerra um com o outro. Finalmente, exalou um profundo suspiro resignado.

     — Prometo.

   Andra desabou contra o chão, impotente sob o peso da promessa a uma mãe aflita.

     — Não devia ter feito isso. — disse Paul. Ajoelhou-se ao seu lado, passando as mãos pelo rosto e braços dela como se estivesse com medo que tivesse se machucado.

     — Que outra coisa podia fazer? Sempre fui uma boba ante um pai aflito. As pessoas pensam que a estas alturas devia ter aprendido a lição. — recompôs-se e reuniu as poucas forças que restavam. — De qualquer forma, se Sibyl pode ajudar Nika, então também necessito que ela volte.

     — Obrigado. — disse Angus. — Por tudo o que for capaz de fazer.

     — Preciso ir ver de onde a levaram. Quanto mais tempo esperar para fazer isto, mais difícil será.

     — O quê?

     Ondeou uma mão para ele. Ainda não se sentia confortável falando sobre seu talento.

     — Pode me mostrar onde é seu quarto?

     — Precisa descansar primeiro.

     — Não há tempo. Entretanto, não diria não a uma grande xícara de café.

     Angus disse:

     — Não há outra maneira. Paul, você pode extrair força da terra e alimentá-la. Não é seguro fazer muito isso, mas isto a manterá durante mais um tempo.

     — Faça. — disse Andra.

     Paul a olhou como se fosse discutir, mas logo assentiu com a cabeça.

     — Como desejar, minha senhora.

 

     Paul levou Andra ao quarto de Sibyl e permaneceu de pé sem atrapalhar no canto enquanto ela olhava a seu redor. Nada tinha sido movido desde que descobriram que Sibyl se foi, e o quarto estava em perfeito estado, com tudo em seu lugar. Inclusive as franzidas e onduladas cortinas permaneciam inalteráveis diante da janela aberta. O único sinal de que uma criança estava naquele quarto era o amassado cobertor rosa que estava meio para fora da janela. Ao que parecia, Sibyl tinha sido arrancada de debaixo das mantas enquanto dormia.

     O segundo dormitório da suíte de Sibyl, em que seu guarda-costas, Cain, dormia, era uma história diferente. Aquele quarto era um desastre total. Os móveis quebrados onde Cain ou os Synestryn com quem se topou lutaram. O sangue vermelho salpicava as paredes e o tapete, mas não encontrou nenhum sangue oleoso e preto. Os Sanguinar ainda não tinham certeza se Cain ia viver ou não.

     Paul rezou para que não o perdessem. De todos os homens dali, era o único que melhor resistiu à passagem do tempo. Talvez esse fosse seu papel como protetor de uma menina que manteve sua alma jovem e sua marca de vida forte e sã. Se fosse assim, então o que ia acontecer com ele agora que tinha falhado nesse papel?

     Talvez fosse melhor que morresse. Ao menos então não teria que sofrer com a culpa de saber que falhou com Sibyl.

     Paul suspirou. Nesse momento havia muito perigo em seu mundo. Todos eles necessitavam de Andra para encontrar e trazer de volta a única criança que restava.

     Andra andou pelo quarto, recolhendo objetos arbitrariamente aqui e ali. Recolheu a boneca favorita de Sibyl, que tinha caído no chão perto da cama. Os cristalinos olhos pretos contemplando-a. Ela acariciou os cachos da boneca e Paul teve certeza de ter visto o brilho de lágrimas nos olhos de Andra justo um momento antes que as afastasse com uma piscada.

     Paul ansiava aproximar-se e consolá-la, mas não se atrevia a interferir. Tinha que encontrar Sibyl.

     — Como soube? — perguntou a ela.

     — Soube o quê?

     — Que Sibyl era filha de Gilda.

     — Vi aquele olhar muitas vezes antes para me equivocar em algo assim. Não há outro olhar mais necessitado e desesperado que o de um pai que perdeu seu filho.

     Isso tinha sentido, mas também fazia que Paul se perguntasse por que ele não soube quem Sibyl realmente era. Por que não era de conhecimento público?

     — Realmente desejo que me deixe sozinha por um momento. — disse.

     — Sinto muito. Isso não vai acontecer. — não se afastaria dela nem que tivesse colocado uma espada em seu pescoço. Necessitava dele, quisesse admitir ou não.

     Andra suspirou.

     — Não vai rir de mim?

     Houve um brilho de insegurança cruzando seu rosto que surpreendeu Paul. Sempre a viu confiante, e essa pequena amostra de incerteza fazia que desejasse poder puxá-la para seus braços e consolá-la.

     — Nunca. Como poderia quando está aqui para me ajudar?

     — Tenho que imaginar que sou ela. Dormir em sua cama. Reviver o que viu nesta noite. Parece algo estúpido de fazer, mas funciona. — engoliu com dificuldade, e o único sinal de medo foi o delicado tremor dos dedos ao redor da boneca.

     Assim, não só se dava bem encontrando crianças perdidas. Tinha um dom, um em que a magia abundava, se o que estava dizendo era verdade. Paul fez uma nota mental para transmitir essa informação. Aquilo poderia ajudar aos outros homens a encontrarem mais mulheres como ela.

     — Como isto funciona? — perguntou a ela.

     — Conecto-me com elas. Ponho-me no lugar onde começa seu terror e sigo esse medo.

     Paul conhecia Sibyl por toda a vida e nunca a viu assustada. Não era igual às crianças normais. Não tinha envelhecido um dia há várias centenas de anos e podia ver o futuro.

     — O que acontece se ela não tiver medo? — perguntou.

     Andra levantou ligeiramente um ombro.

     — Como pode uma criança não sentir medo quando a tiram a força de sua casa?

     Ela não é realmente uma criança, pensou, mas não expressou sua preocupação. Agora ela necessitava de sua confiança.

     — Suponho que isso é verdade. Terá que tentar.

     Andra assentiu e se sentou na beira da cama.

     — Sabe o que vestia na noite passada?

     — Não exatamente, mas sempre gostou das coisas com babados. Todos os tons pastéis com pequenas rendas no pescoço.

     — E esta é sua boneca. Dormia com ela?

     — Provavelmente. Sempre está com ela.

     Andra se deitou na cama e se cobriu com as mantas. Abraçou a boneca contra o peito e fechou os olhos.

     — Dê-me um pouco de tempo em silêncio, ok?

     Paul se recostou contra a porta e ficou olhando-a. Amava olhá-la. Era bonita. Tão perfeita. As coisas infantis colocadas no quarto mantinham sob controle a sempre presente luxúria, mas isso fazia pouco para deter o encolhimento que se formava em seu peito ao contemplá-la.

   Amava-a tanto. Tinha que encontrar um modo de convencê-la a ficar ali com ele. Tinha rejeitado sua oferta, mas ainda não tinha tirado o anel que ele lhe deu. A faixa de ouro brilhava ao redor de seu dedo, dando a ele uma profunda satisfação. Não o assombrava que tantos homens humanos gostassem de adornar suas mulheres daquela maneira, dizendo aos outros que elas já estavam reivindicadas.

     Se apenas aceitasse usá-lo para sempre em vez de rejeitá-lo. Não é que a culpasse. Depois do que tentou fazer na noite passada, era uma maravilha que não houvesse lhe devolvido o anel, ou o fizesse engoli-lo.

     Os minutos passaram e permaneceu em silêncio, sem atrever-se a mover-se por medo de arruinar sua concentração. Depois de um tempo, perguntou-se se simplesmente teria dormido. Sabia o quanto estava cansada, o quanto devia se sentir abatida depois da batalha.

     Estava a ponto de ir até ela quando viu seu corpo enrijecer-se. A respiração se tornar mais rápida e apertou a boneca com mais força. Já tinha cruzado a metade do quanto antes que se detivesse. E se isso fosse o que devia acontecer?

     — Vejo-a. — disse Andra em uma voz que soava débil e distante. — Os monstros a têm.

     — Que tipo de monstros? — perguntou antes de poder deter-se.

     Não respondeu a sua pergunta, mas não estava seguro se era porque não o ouviu ou porque não sabia como responder. Não foi criada como os de sua espécie e talvez não conhecesse vários tipos de Synestryn.

     — Está viva. Sedenta. Não está assustada. Como pode não estar assustada? —o tom de Andra estava cheio de curiosidade antes de torna-se apavorado. — Oh, Deus! Veem-me. Conhecem-me.

     Paul sentiu o pânico fechando sua garganta, tornando difícil respirar. Ela havia feito algum tipo de conexão com os Synestryn, e isso podia não ser uma boa coisa.

     Ajoelhou-se ao lado de Andra e a sacudiu.

     — Volte, carinho. — a urgiu. Puxou o corpo enfraquecido para seus braços e a sacudiu, esperando tirá-la do transe ou sonho em que estava. — Acorde.

     — Como podem me conhecer? — ofegou e seu corpo se retesou. — Querem meu sangue. O sangue de minha família. Conseguiram o de Tori e o de Nika e agora querem o meu.

     — Acorde! —Gritou Paul, e forçou uma aguilhoada de poder nas palavras, obrigando-a a obedecer.

     Os olhos de Andra se abriram e o medo afugentou a cor de seu rosto.

     Puxou-a para mais perto e embalou seu corpo como se fosse uma criança.

     — Agora está bem. — sussurrou. — Vai ficar bem.

     — Não. Não estou. — disse. — Não posso fazer isso.

     — Por que não? O que ocorreu?

     — Os monstros levaram Sibyl para o mesmo lugar onde mataram minha irmã caçula.

     — Tem certeza?

     — Sim. Eu… Senti que ela esteve ali. — sacudiu a cabeça como se tentasse buscar sentido para aquilo. — Estive procurando durante anos para encontrar seu corpo e poder enterrá-la ao lado de mamãe. Embora pudesse senti-lo, nunca fui capaz de encontrar esse lugar, não importa quanto tenha tentado. Está muito bem escondido. — cravou os dedos em suas costas e sussurrou contra o pescoço dele. — Já fracassei, Paul. Levaram Sibyl para o lugar onde Tori estava, e nunca serei capaz de encontrá-la.

   Andra respirou profundamente várias vezes, tentando acalmar-se o suficiente para pensar. O peso do fracasso a dobrava, afundando toda esperança.

     — Tenho certeza que isso não é verdade. — disse. As enormes mãos estavam acariciando suas costas, tentando apagar um pouco da tensão. — Juntos encontraremos Sibyl.

     Mesmo se soubesse aonde ir, como poderia chegar ali? Como poderia enfrentar o lugar sabendo que já tinha deixado que matassem Tori?

     — E se não pudermos?

     Podia sentir a força de seu juramento a Gilda puxando-a, exigindo que ela tentasse outra vez. O lugar que viu era tão escuro e tão cheio de maldade que não queria voltar. Não queria enfrentar o que tinha acontecido a Tori. O que deixou acontecer à menina que tinha acreditado que Andra a manteria a salvo.

     — Podemos. — disse Paul, a total segurança empapando seu tom. — Pode não ter tido êxito antes. Mas agora me tem. Com toda minha força.

     Não outra escolha se não tentar. Inclusive se não tivesse dado o juramento a Gilda, ainda tinha que pensar em Nika. Se ainda houvesse a mais leve possibilidade de que Sibyl pudesse ajudá-la, tinha que encontrá-la, sem importar quanto o lugar fosse horrível.

     Afastou Paul. Apoiar-se nele era bom, mas não a fazia sentir-se forte, e realmente agora era disso que necessitava.

     — Tenho que averiguar como chegar lá. Vou tentar outra vez.

     Paul segurou seu rosto e deslizou o polegar pela face dela. Os olhos castanhos estavam cheios de amor e compaixão, embora tivesse se negado a casar com ele há menos de uma hora. Não tinha ideia de como podia olhá-la dessa maneira sabendo as coisas que tinha feito.

     — Estarei exatamente aqui. — disse a ela, e pressionou um suave beijo em sua boca. — Sei que pode fazer isso.

     Sua fé nela era humilhante e não queria decepcioná-lo.

     Deitou de novo sobre a cama, fechou os olhos, respirando profundamente. O agradável calor da mão de Paul sobre ela a distraiu durante alguns minutos até que se acostumou a seu toque. Devagar, a pele se aqueceu para a mesma temperatura e a mão se tornou parte dela. Eliminou todos os pensamentos desnecessários e se concentrou unicamente em Sibyl.

     Imaginou à menina deitada dormindo em sua cama, abraçando sua boneca favorita, completamente inconsciente de que estava em perigo. Era fácil vê-la dormir placidamente com a face rosada e os cabelos revoltos ao redor do rosto. Agora que tinha aquela imagem, tentou imaginar o que aconteceu depois. Sibyl ouviu algum som e despertou, ou dormiu até o momento em que a arrancaram da cama? Andra examinou cada possibilidade até que uma certa sensação a tomou, assumindo sua mente, fazendo-a entrar até que a imagem a rodeou.

     Sibyl estava acordada quando a coisa veio atrás dela. Estava escuro, tanto dentro como fora. Ela tinha ouvido aquelas garras sobre a janela quando deslizaram pelo vidro. Tinha permanecido ali deitada, congelada no lugar, mas não pelo medo. Por aceitação. Sabia que ia acontecer, que não havia nada que pudesse ter feito para impedir isso.

     Ou melhor, que não havia nada que ela fosse fazer para impedir isso, o que inclusive era pior. De qualquer modo, não tinha tido medo, o qual era o que sempre utilizou como rastro para seguir o caminho pelo que tinham levado uma criança sequestrada. Sem esse rastro, não tinha como descobrir onde Sibyl tinha ido.

     Andra procurou algo em que se agarrar. Algo que pudesse utilizar. Esforçou-se para permanecer relaxada e abriu a mente às possibilidades. Talvez o monstro tivesse deixado um rastro que poderia seguir.

     Sentiu-se rodeada por uma sensação de satisfação, supôs que possivelmente a coisa sentisse que ganhou seu prêmio. Ali não havia nada com que pudesse se conectar. A coisa era muito desumana, quase estúpida exceto pela palpitante presença da fome que o controlava, e isso era muito aterrador para concentrar-se nisso.

     Fracamente, Andra se conscientizou que seu corpo já fatigado estava caindo sob a tensão de permanecer nesse estado de transe muito tempo. Tinha que se apressar. A que se agarrou antes quando encontrou Sibyl pela primeira vez? Esteve na cabeça de Sibyl, sim, só por um momento. Ali tinha que haver algo que pudesse utilizar como rastro. O que era?

     A visão que tinha criado na mente começou a se desvanecer quando o corpo se rendeu; então recordou que não estava sozinha. Paul estava ali. Podia usar seu poder.

     Alcançou dentro de si aquele brilhante ponto quente onde a pele fazia contato com a dela. A luceria ao redor do pescoço vibrou com energia. Tudo o que tinha que fazer era averiguar como usá-lo para algo tão delicado como aquilo. Lutar era fácil; sempre teve destreza para fazer as coisas explodirem. Mas isto era completamente diferente.

     Nada mudou, e estava perdendo as forças rapidamente. Podia sentir o corpo físico sacudindo-se sob o estresse e tentou ignorá-lo.

     Desesperada para encontrar Sibyl, concentrou-se no ponto exato onde a luceria tocava o anel do conjunto. Podia sentir ali uma tênue faísca, igual à eletricidade estática arqueando-se entre dois pontos. Esticou-se para esse ponto, agarrando-se a isso com todo o desespero e esperança. O poder flamejou em seu interior, enchendo o peito dela de calor. Já não estava cansada. Já não estava fraca. Sentia-se invencível.

     Os instintos gritavam para ela que se apressasse, que não tinha tempo a perder, assim levantou a mão e enfocou todo aquele poder de modo que formasse uma esfera ao redor de seu corpo. Queria que a esfera lhe mostrasse onde procurar o rastro, para iluminá-lo de modo que pudesse segui-lo. Um lado do globo irradiou ganhado vida e soube que esse era o rastro. Examinou-o. Empurrando-o até que sentiu o que era.

     Aceitação.

     Sibyl tinha aceitado seu destino, e a força dessa emoção era tão poderosa que deixou um rastro, não tão forte quanto o medo, mas forte o bastante para que pudesse segui-lo.

     Concentrou-se nessa aceitação, memorizando-a até que conhecesse a sensação onde quer que estivesse, que fosse capaz de segui-la onde quer que conduzisse.

     Seguiu o rastro para o sul, sua mente indo atrás daquilo até que se chocou contra uma dura barreira. Encontrou-se em um quarto escuro com apenas uma lâmpada sobre a cabeça. Os limites do quarto estavam ocultos nas sombras, mas de algum jeito ainda pulsavam colorido. Redemoinhos de azul e verde floresciam ao longo das bordas do quarto vazio. Recordava-lhe o mar que remoinhava sobre as rochas enquanto a água era sugada pela maré de volta ao oceano.

     Andra esteve ali antes, por um breve momento. Esta era a mente de Sibyl.

     Das sombras dessas nuvens cheias de cor, veio uma menina. Sibyl. Vestia um vestido branco com babados e meias soquetes de renda com brilhantes sapatos de verniz. Seus cabelos eram uma cascata de cachos loiros perfeitos amarrados atrás com um laço de cetim rosa. Nos braços, carregava uma boneca que parecia sua gêmea em miniatura, mas em vez dos olhos claros de Sibyl, a boneca tinha olhos pretos frágeis e mortos como os de um tubarão. Era a boneca que o corpo de Andra estava segurando agora.

     — Não veio para mim a tempo. — disse Sibyl. — Agora é muito tarde.

   — Lamento não ter chegado antes. Nós acabamos de descobrir que tinha desaparecido.

     — Não. O que quero dizer é que disse a Paul que trouxesse você para mim na noite que a encontrou. Fracassou em fazer isso e agora é muito tarde.

     — Não entendo. — disse Andra.

     — É óbvio que não. Ninguém o faz. — as cores detrás dela escureceram em um profundo e desolador púrpura. — Não deveria ter vindo aqui. Ela está procurando você.

     — Quem é “ela”?

     Sibyl olhou por cima do ombro, como se esperasse que alguém se materializasse detrás dela.

     — Mantenha-se afastada. Isto não é seguro.

     — Sei. E é por isso que vou levar você para casa. — explicou Andra.

     — Se vier aqui, lamentará. — advertiu a agradável voz infantil.

     — Nunca me arrependerei de ajudar você a voltar para casa, para sua família.

     As bochechas gordinhas eram uma máscara branca e aquela familiar sensação de aceitação que Andra memorizou inundou seus sentidos.

     — Se tiver que vir, ao menos espere até que seja seguro. Até que ela se vá.

     — Ela? Quem?

     Sibyl vacilou um momento, como se sopesasse uma decisão.

     — A única que me trouxe para cá.

     — Machucou você?

     — Não mais que a maioria.

     Andra não tinha nenhuma pista do que fazer sobre isso, assim o ignorou no momento. Não sabia quanto tempo mais ia ser capaz de manter a conexão com Sibyl, tão fraco como estava o corpo.

     — Diga-me onde está de modo que possa encontrar você.

     — Encontrára-me por si mesma ou não o fará. Não a ajudarei a sofrer.

     — Não vou sofrer a menos que falhe em trazer você para casa a salvo. Por favor, me ajude.

     — Devo permanecer neutra. — disse Sibyl.

     — Neutra? O que quer dizer?

     — Não posso escolher um lado. Seria dar a liberdade para você agir. Não posso permitir isso. Não agora, quando há tanto na balança.

     — Do que está falando, bebê? O que diz não tem sentido. Bateu com a cabeça?

     Os olhos azuis de Sibyl cintilaram até se tornarem de um brilhante amarelo. Apertou a boca com cólera e Andra teve a impressão de que tinha crescido alguns centímetros. As paredes detrás dela pulsaram com furiosos penachos laranja entre outras cores confusas.

     — Estou perfeitamente lúcida, Theronai. Não questione minha prudência. Não lhe fará nenhum bem acabar aqui. Só tentava evitar seu sofrimento.

     — Não tem que se preocupar comigo.

     — Alguém deve fazer isso. Os Sentinelas necessitam mais de você do que eu.

     — Você é a única a quem quero ajudar. — disse.

     Os diminutos ombros se endireitaram em uma pose de falsa confiança que Andra conhecia muito bem.

     — Eu sou… Dispensável. — disse Sibyl.

     — Não. Não é. Nenhuma criança é.

     Sibyl sorriu, mas não era o sorriso de uma menina. Era muito ardiloso e condescendente para isso.

     — E se eu disser que mais de uma criança morrerá se você morrer tentando me salvar?

     — Não pode saber disso.

     — Pergunte a Paul o que não posso saber. — disse Sibyl, zombando da ignorância de Andra. — Quantas coisas impossíveis viu em sua curta vida com Paul, jovem Theronai?

     A horripilante menina tinha um ponto, mas isso não ia fazê-la mudar de opinião.

     — Prometi trazer você para casa, e isso é o que pretendo fazer.

     — Ah, Gilda. Moça ardilosa. — disse em um tom de aprovação. — Procura apenas proteger os seus, mas sempre tomou as decisões às cegas. Desejaria ser abençoada com a cegueira.

     — Só está tentando ajudar você.

     — Não necessito mais da ajuda dela.

     De acordo, aparentemente ali havia um pouco de rancor.

     — Então deixe que eu a ajude. — disse.

     — Se o fizer, Paul estará ao seu lado. Mas se deu conta que ele acha que sua vida não é mais importante que um grão de areia da praia. Há muitos mais como ele e a ausência de um passará despercebida. Não vacilará em acabar com sua vida de modo que a sua possa continuar.

     “Minha vida pela sua”, tinha jurado a ela. Ela acreditava no que ele disse, mas não deixaria ele morrer para salvá-la.

     — Tomaremos cuidado. — disse.

     — Devia ficar com sua irmã. Meus captores não procuram me machucar.

     — Então por que a sequestraram?

     — Por que sim? Talvez deva perguntar para si mesma até que chegue a mesma conclusão que eu.

     — Qual é?

     — Algo que terá que descobrir por si mesma. — a menina sorriu, ondeando negligentemente a mão, e Andra expulsa da mente de Sibyl sem outra opção se não sair. Voou através da escuridão até aterrissar com um ruído surdo no interior de sua própria cabeça.

     Lentamente, voltou a conectar-se ao corpo e desejou não havê-lo incomodado. A fadiga a sobressaltou, e os músculos estavam doloridos por causa do prolongado tremor. Sentia frio. Sentia-se fraca. Muito cansada inclusive para abrir os olhos.

     — Está bem? — perguntou Paul. A voz era áspera devido ao pânico controlado.

     Andra fez um som afirmativo, mas não pôde fazer mais que isso.

   — Esteve fora muito tempo. Levarei você para a cama. — disse.

     Sentiu como a elevava nos braços. Devia ter sido capaz de abrir a boca, teria o repreendido por tratá-la como a uma criança, mas tal e como se encontrava, não tinha força para que se importasse. Ele estava sustentando-a e isso era suficiente.

     Ela tinha uma menina para salvar, e ia necessitar de cada pingo de ajuda que pudesse obter.

 

   Paul estava preocupado. Andra não resistiu quando a colocou na cama, o que queria dizer que estava muito pior do que esperava. Ela disse que tinha que ir assim que pudesse encontrar o rastro, e que reunisse tantos homens quanto pudesse.

     Esteve a ponto de fazer isso quando viu Angus dobrar a esquina no final do corredor. O velho homem não estava se movendo com sua habitual fluidez. Em vez disso, os movimentos eram pesados e rígidos, como se estivesse ferido.

     Por outro lado, sua filha estava desaparecida. Isso era dor mais que suficiente para que qualquer homem suportasse.

     — Pode ajudar? — perguntou a Paul sem rodeios.

     Paul assentiu.

     — Vai tentar. Diz que fez contato com Sibyl e que ainda estava viva e sem lesões.

   Angus cobriu o rosto e deixou escapar um suspiro de alívio.

     — Também disse que Sibyl não queria que fosse.

     — Meu pobre bebê. — sussurrou Angus. — Provavelmente pensa que Andra é mais importante para nós do que ela. Sempre se sentiu assim, porque nunca alcançou a maturidade e não pode vincular-se a nenhum de nossos homens, que de algum modo é defeituosa e sem importância.

     — Isso é ridículo. Quantas vezes salvou nossas vidas com suas predições?

     — Isso é o que sempre digo a ela, mas suponho que a opinião de um pai não conta.

     —Não sabia que era sua filha. Como pude não ter sabido disso?

     Angus deu de ombros.

     — Sibyl e Gilda não se dão bem. Não restam muitos homens com vida que estavam lá quando Sibyl nasceu, e em alguma parte do caminho, ela apenas deixou de nos reconhecer. Embora tenha o corpo de uma menina, cresceu como mulher há muito tempo. Era o mínimo que podíamos fazer para respeitar seus desejos.

     — Por que nunca cresceu?

     Os olhos claros de Angus se nublaram com uma mescla de raiva e tristeza.

     — Não responderei a isso. Pergunte a ela se quiser saber, embora duvide que diga isso a você.

     Isso queria dizer oficialmente que não era assunto dele.

     — Vamos encontrá-la, Angus. Sei que Andra pode fazer isso.

     — Então por que ainda não partiu?

     — Quase se matou fazendo contato com Sibyl. Necessita de alguns minutos para descansar antes de encontrar o rastro. Além disso, vou precisar reunir os homens que sejam capazes de vir com a gente.

     — Eu quero ir.

     Paul pôs a mão no ombro de Angus.

     — É óbvio que irá. Não o faria sem contar com você.

     — De quantos homens necessitaremos?

     — Ia ver Joseph para falar sobre isso. Não sei quantos homens podemos levar sem quebrar a segurança. Não podemos deixar o lugar desprotegido.

     — Deixe-me falar com ele. — disse Angus. — Vá reunir seus homens e me encarregarei dos meus.

     — Não deixará os humanos desprotegidos.

     — Não perguntarei a ele, mas me deve alguns favores e vou pedir a ele. Ela é minha filha.

     Paul assentiu.

     — Encontre-se comigo em minha casa em uma hora. Estaremos preparados para partir.

   Estiveram dirigindo em direção ao sul a maior parte do dia quando Andra perdeu o rastro. A frustração borbulhava em seu interior, fazendo-a querer gritar.

     — Pare. — disse a Madoc, que dirigia o enorme SUV que tinham conseguido. A coisa podia suportar oito pessoas de tamanho normal, mas apenas a cinco Theronai e a ela mesma. Estava lotado com os guerreiros cujos enormes ombros se apertavam uns contra os outros, todos eles olhavam agora para ela.

     — É este o lugar? — perguntou Morgan do assento dianteiro. A pele bronzeada e a expressão feroz faziam que os olhos se vissem como se estivessem resplandecendo. Havia algo predador nele, movimentos gráceis e sossegados, como se estivesse à caça de algo sem importar onde fosse.

     — Não. — disse Andra, ouvindo o tom de pesar em sua voz. — Perdi o rastro.

     Madoc verificou o relógio sobre o painel do carro.

     — Escurecerá em outras duas horas.

     — Quer tentar de novo, ou deixaremos por esta noite? — Paul perguntou a ela. Não parou de tocá-la desde que saíram de Dabyr. Tinha seu braço ao redor dos ombros dela, mantendo-a ao seu lado. Inclusive com o calor de seu corpo, estava gelada, e tão cansada que mal podia manter os olhos abertos.

     — Não posso deixá-la passar a noite com aquelas coisas. Tenho que tentar outra vez.

     Paul assentiu compreendendo.

     — Todo mundo para fora. — ordenou. —Dê-nos alguns minutos. Madoc, vá dizer a Angus e aos outros o que está acontecendo.

     Madoc assentiu e os quatro homens saíram do veículo.

     — Deite no assento. — disse a ela.

     Andra não necessitou que ele dissesse duas vezes. Tinha o corpo tão pesado e dormente pela fadiga, que sentia como se a pele fosse de chumbo. Paul tinha encaixado seu enorme corpo no espaço entre os dois assentos dianteiros e o assento de trás onde ela estava estendida. Quase parecia cômico agachado ali no pequeno espaço, e por alguma razão, fez que o coração dela saltasse um batimento no peito.

     Compreendeu nesse momento que aquele homem faria qualquer coisa por ela. Era a fidelidade e a lealdade personalizada. Enquanto respirasse, faria o que tivesse que fazer para mantê-la a salvo e feliz. Incluindo perder a vida.

     Não podia deixar que isso acontecesse. Precisava devolver o anel a ele e separar-se dele antes que não pudesse fazer isso. A ideia de ficar estava se tornando mais tentadora do que podia suportar. Se não partisse logo, nunca o faria e isso a assustava como o inferno, porque sabia como acabaria, da mesma maneira que tinha terminado sua mamãe, Tori e Nika. Ela faria algo errado e teria que ver outra pessoa que amava sofrer ou morrer.

     A compreensão de que o amava a deixou atônita por um estúpido momento, e não ouviu o que ele disse.

     — O quê? — perguntou.

     — Está confortável?

     Dificilmente, mas assentiu de todo modo.

     — O que está passando por sua cabeça? — perguntou, com os olhos entrecerrados pela suspeita.

     — Só estou preocupada com Sibyl. — mentiu.

     Paul afastou os cabelos do rosto dela e lhe ofereceu um sorriso alentador.

     — Não se preocupe. Nós a encontraremos.

     Quanta fé. Não tinha ideia de onde ela se encontrava depois de tudo que passaram, mas se ele podia ter fé, então ela também.

     Andra agarrou a mão esquerda dele e beijou sua palma antes de pousá-la ao redor do pescoço. As duas partes da luceria se uniram e foi inundada por um embriagador ataque de poder que nunca parava de assombrá-la.

     Ia sentir falta disso quase tanto quanto ia sentir falta de Paul.

     — Não vou deixar você ir. — disse a ela como se lesse seus pensamentos. — Está advertida.

     Ela não podia pensar nisso nesse momento. Tinha que concentrar-se.

     Fechou os olhos e procurou o rastro de aceitação. Não pôde localizá-lo em nenhum lugar.

     — Dê-me a boneca. — disse ela.

     Paul a tirou de uma bolsa de tecido e a entregou. O peso frio da cabeça da boneca de porcelana descansou sobre seu coração. Cheirou o fraco aroma de luz do sol e rosas agarrados a ela. O aroma de Sibyl. Aquela boneca era de algum jeito parte dela, vibrava com uma espécie de energia própria que Andra não entendia.

     Talvez fosse isso o que os psíquicos sentiam quando se conectavam a um objeto. Não era doloroso, mas tampouco era completamente cômodo. A boneca tinha uma confusão daquela caótica sensação, uma sombra ou mancha que Andra não podia ver, mas podia sentir. À medida que o corpo caía, foi jogada através do céu e afundou na terra. Sua cabeça deu voltas e sentiu náuseas embora já não estivesse dentro do corpo.

     Uma só lâmpada pendia do teto em um cômodo sem paredes, apenas rodopiantes penachos coloridos. Reconheceu aquilo como sendo a mente de Sibyl, embora as cores agora fossem escuras. Não havia as consoladoras tonalidades de cores pastéis, apenas profundos e apagados tons marrons e cinzas.

     Sibyl saiu das sombras. Desta vez vestia um vestido preto de babados coberto artisticamente por detalhes com laços. Os olhos estavam circundados com delineador e os lábios cobertos com um brilhante vermelho berrante. As unhas estavam longas e pintadas de preto.

     — Provando um novo visual? — perguntou, incapaz de conter a paternalista consternação no tom.

     Sibyl franziu o cenho durante um tempo; então um sorriso satisfeito esticou os lábios pintados. A aparência mudou de novo para um traje mais apropriado a uma menina, completado com meias soquete e laços rosa. Não mais uma pequena puta.

     — Melhor? — perguntou.

     — Muito.

     — Alegro-me de que tenha vindo. — disse.

     — Pensei que queria que me mantivesse afastada.

     O sorriso se alargou.

     — Mudei de ideia. Este lugar é horrível.

     — Sabe onde está? — perguntou Andra.

     — Acredito que sim.

     Ela ondeou uma mão e um mapa parecido com a imagem de um satélite, mas recortado em um ângulo baixo, apareceu. Assinalou uma área enquanto Andra tentava freneticamente memorizar as estradas e ruas próximas. Era ao norte do Alabama, a duas ou três horas de onde eles estavam.

     — Pode me encontrar? — perguntou Sibyl com uma voz sacudida por um leve tom de medo. Não estava assustada antes, mas talvez as coisas tivessem ficado pior onde estava.

     Andra encheu a voz com um tom de confiança para ajudar a tranquilizar a menina.

     — Agora posso. Não se preocupe. Estamos a caminho.

     — Estamos? Quem está com você?

     — Há dez homens comigo, Gilda e Helen. — ela não teve tempo para mais que conhecer Helen, mas Paul lhe havia dito que era poderosa.

   — Tiraremos você daí.

     Os olhos de Sibyl brilharam com um brilho de raiva ante a menção do nome da mãe. Foi então que percebeu que os olhos dela já não eram azuis. Eram completamente pretos.

     Ali havia algo que não estava certo.

     — O que ocorreu a seus olhos? — perguntou.

     Sibyl encolheu o delicado ombro.

     — É a escuridão. Os olhos de todos os Theronai se tornam pretos quando estão longe da luz durante um tempo.

     Pobrezinha. Toda aquela escuridão tinha que ser difícil de tolerar, inclusive se não se assustasse facilmente.

     — Estarei aí assim que puder. Apenas aguente, pequena.

     A voz era fraca e revestida de dor:

     — Tentarei. Por favor, apresse-se. Não sei quanto tempo mais poderei suportar. Prenderam-me em uma caixa com o esqueleto de outra menina. Sei que vão me deixar morrer aqui.

     Sua garganta se fechou, estrangulando-a com a angústia.

     — O quê?

     — Veste uma camisola rosa como a minha. Deixaram-na morrer nesta caixa completamente sozinha.

     Oh, Deus, Tori. Ela estava usando uma camisola rosa na noite em que a raptaram. Seu corpo ainda estava lá.

     Andra sentiu que seu coração se quebrava de novo. A angústia sangrando por ela, mas não diminuiu. Ainda podia sentir cada aguda punhalada de culpa, cada onda de pesar, como se Tori tivesse sido sequestrada apenas na noite anterior.

     Antes que percebesse o que estava fazendo, voltou para seu corpo, soluçando.

     — Shhh. — Paul a sustentou, balançando-a contra o peito sólido. — Tenho você.

     — Encontrei-a. — disse.

     — Isso é bom, não é verdade? Agora poderemos trazê-la de volta.

     — Não. Quero dizer que encontrei Tori. Seu corpo está lá com Sibyl. — Tori tinha morrido sozinha presa em uma caixa na escuridão.

     A presença de Paul deslizou em sua mente, fria e calmante. Sentiu-o tentando consolá-la, sussurrando palavras suaves diretamente a sua alma.

     Empapou-se disso e deixou que ele lhe desse a força para respirar de novo. Não sabia como teria sobrevivido a isso sem ele. Inclusive agora, o coração lutava para combater a pressão da dor. Sua irmãzinha morreu sozinha em uma caverna, e foi incapaz de evitar isso.

     — Recuperaremos seu corpo. — sussurrou Paul. — Nós a traremos para casa.

     Andra tentou controlar a respiração e aquietar os soluços que a sacudiam. Queria render-se, se enrodilhar e chorar até que nada mais importasse e toda a dor tivesse partido. Mas Sibyl necessitava dela. Devia a Tori evitar que outra menina morresse sozinha na escuridão.

     Afastou-se de Paul, já sentindo saudades da comodidade de seu corpo quente.

     — Temos que nos pôr em movimento. Não estamos muito longe, e a noite está se aproximando.

     Paul grunhiu deixando-a ir. Limpou gentilmente suas lágrimas e beijou-a na testa.

     — Sibyl tem sorte de ter alguém tão valente e forte ao seu lado. Igual a mim.

     Ia sentir saudades dele. Seu tempo juntos acabaria em apenas algumas horas. Os amáveis olhos castanhos percorreram seu rosto como se quisessem impregnar-se dela.

     — Não pense nisso agora. Já tem suficientes coisas das quais se encarregar sem estar pensando também em nosso futuro.

     Não tinham futuro. Não realmente. E apesar do quanto seria duro afastar-se dele agora que o amava, voltaria a passar por tudo em um batimento de coração. Agora tinha a verdadeira prova da coragem e da honra que existia em lutar contra as coisas horríveis que havia no mundo.

     — Devemos ir. — disse.

     Olhou-a como se quisesse lhe dizer algo mais, mas em vez disso assentiu.

     — Sibyl necessita de nós.

   Três horas depois, encontravam-se na caverna onde Sibyl estava sendo retida. A tensão em Andra era quase mais do que Paul podia suportar. Estava forçando a si mesma, e se ele não houvesse sentido sua desesperada necessidade de ver, se ele não soubesse que fracassar acabaria com algo em seu interior, teria exigido que ela ficasse para trás no SUV.

     Não é que tivesse algum direito para exigir nada a ela. Restava menos de uma hora antes que sua luceria caísse do pescoço dela e ele ficasse sozinho uma vez mais.

     Olhou para o anel. As cores tinham se solidificado completamente, o que queria dizer que o vínculo estava completo. Rompê-lo o mataria. A menos que ela mudasse de opinião a respeito de deixá-lo, não ia viver para ver o pôr do sol. Se tentasse retê-la, Andra acabaria pagando o preço. Já tinha tentado obrigá-la a ficar com ele uma vez. Assim que sua alma começasse a morrer, não haveria nada que o impedisse de acabar o que tinha começado. A única maneira de mantê-la a salvo era afastar-se para o bem dela.

     A parte triste era saber, não que sua vida estava chegando ao fim, teve uma longa e completa vida. A parte triste era ter que deixar Andra sozinha. Não merecia isso. Merecia ser feliz. Ser amada.

     Talvez Ian pudesse dar a ela o que realmente necessitava quando Paul estivesse fora do caminho.

     Agora estava completamente escuro, e apoiando-se na sujeira e na vegetação pisoteadas perto da entrada da caverna, a maior parte dos Synestryn já tinham saído para caçar.

     — Onde ela está? — perguntou Gilda, a Dama Cinza. A mulher parecia como se fosse apenas capaz de se manter inteira. O braço de Angus a segurava, evitando que cambaleasse pela debilidade.

     — Dentro. — disse Andra. — A quinhentos metros daqui.

     Nicholas examinou a terra circundante.

     — Esta área é completamente baixa. Acabaremos nos colocando na água.

     Merda. Isso tornava todo aquele esforço de resgate muito mais perigoso. Não só teriam que lutar com demônios; também teriam que assegurar-se de não se afogarem.

   — Os rastros que deixaram não são lamacentos, talvez tenhamos sorte. — disse Paul.

     — Sim. — bufou Madoc. — Porque isso acontece todo o maldito tempo.

     — Já basta. — ordenou Angus. — Vamos entrar, custe o que custar. Paul, Andra, Madoc, Nicholas, Gilda e eu vamos entrar. O restante de vocês protegerá nossa saída. Não deixem que nada volte a entrar e ir furtivamente atrás de nós.

     Todo mundo assentiu. Helen jogou as tranças para trás dos ombros, levantou as mãos e um anel de fogo surgiu ao redor dos veículos e da entrada.

     — Terão que atravessar isso primeiro. — disse.

     — Bom. — respondeu Angus — Isso ajudará. Andra, você ficará detrás de mim e Gilda.

     Andra deu um passo para frente.

     — Preciso entrar primeiro de modo que possa ver o caminho. Além disso, Gilda parece que vai desmaiar.

     A Dama Cinza endireitou os ombros.

     — Estou bem, mais forte que uma menina como você em seu melhor dia.

     Angus ficou diante da esposa e levantou seu queixo.

     — Já basta. Faremos a sua maneira. Já nos trouxe até aqui de longe, não?

     Gilda deu um leve assentimento e afastou os olhos.

     — Tudo bem. Deixa-a ir primeiro.

     Andra já estava na entrada da caverna quando Paul a reteve.

     — Precisa estar em constante contato com meu poder. Algo asqueroso pode aparecer, e não terá tempo de reagir se não estiver preparada.

     — De acordo. Posso fazer isso.

     Sentiu-a esticar-se para ele e abrir a si mesma. O vínculo era agora mais intenso do que tinha sido há apenas algumas horas. O poder fluía facilmente dele, fazendo que seu corpo cantasse.

     — Fale sobre essa coisa de ver na escuridão. — disse Helen. — Vou necessitar disso.

     — Certo. Se canalizar um pouco de poder para seus olhos, poderá ver na escuridão. No entanto tome cuidado de não pôr muito. Poderia machucar você.

     — Tenho-o. Posso ver tudo. Obrigado.

     O túnel descia de forma íngreme uns seis metros antes de nivelar-se. Não era uma agradável e bem construída mina. Era uma caverna natural com muitos giros e voltas e nenhuma superfície plana sobre a qual caminhar.

     Neste ponto, tiveram que passar de um em um por uma abertura não mais larga que um par de ombros.

     O aroma da terra úmida e decadência saturavam o ar. Uma destilação constante procedente de centenas de lugares ecoava nas paredes. As botas derraparam detrás deles, e Madoc grunhiu enquanto tentava fazer seu corpo entrar através do buraco.

     Andra e Paul esperaram do outro lado da pequena abertura para que todos passassem. Gilda deslizou facilmente através deste, mas Angus não foi tão afortunado. Nicholas tinha o mesmo problema e terminou por perder um pedaço da camisa no processo.

     Paul podia sentir os nervos de Andra saltando de ansiedade. Queria continuar movendo-se, e não podia culpá-la. Cada segundo que Sibyl estava com os Synestryn, estava em perigo. Assim que Nicholas passou, Andra e Paul se moveram para outro túnel que entrava ainda mais na terra. Ali tiveram que arrastar-se sobre as mãos e joelhos, e os ombros de Paul raspavam as paredes do túnel.

     O túnel se ampliou até que Andra foi capaz de ficar de pé. Paul tinha que manter a cabeça baixa, mas ao menos deu um descanso a seus joelhos.

     — Assim... — disse ela, rompendo o espesso silêncio. — Quanto tempo terei que ficar na escuridão antes que meus olhos se tornem pretos?

     Paul não nem tinha ideia de que ela estava falando.

     — Por que seus olhos deveriam ficar pretos?

     O túnel acabou e a boca deste se abriu a uma enorme caverna com espaço suficiente para respirar. Todos a encheram e Andra avançou cruzando uma abertura à esquerda.

     — Foi o que Sibyl me disse. Seus olhos estavam pretos na última vez que a vi, e disse que era por ter ficado tanto tempo na escuridão.

     De detrás deles, escutou-se Gilda, e seu tom foi muito estranho, tão cheio de surpresa e temor, que todo mundo se deteve repentinamente.

     — Viu uma menina que se parecia com Sibyl com olhos pretos?

     — Sim.

     Angus desembainhou a espada.

    Toda a cor sumiu do rosto de Gilda.

     — O que disse?

     — Mostrou-me um mapa para que pudesse encontrá-la. — disse.

     Gilda apertou o braço de Angus.

     — Essa não era Sibyl. Era Maura. Dirigimo-nos diretamente a uma armadilha.

 

   Um estrondo sacudiu o chão ao redor do corpo de Andra. O pó se derramou do teto, seguido de pequenas rochas. Olhou para cima chocada e viu que uma fenda estava se formando. E se aumentava.

     Paul tirou Andra do caminho e a empurrou para o túnel para cobri-la justo quando as grandes rochas começavam a cair.

     Os gritos se elevavam do lado contrário da caverna. Gilda gritou. Então Andra não pôde ouvir nada exceto o som de rochas rangendo umas contra as outras enquanto enchiam o espaço.

     — Desça para o túnel. — gritou Paul, empurrando-a para pô-la em movimento.

     Andra se moveu. A adrenalina fez que os braços e pernas se movessem tão rápido quanto os batimentos do coração. Correu pelo túnel até que se lançou em uma vala pouco profunda. Deslizou para fora da abertura e desceu até que ficou de pé sobre um nicho de rocha. Moveu-se para frente para que houvesse espaço suficiente ao seu lado para Paul.

     O pó cobria seu corpo, e tinha um feio arranhão na face.

     — Está bem? — perguntou a ela no meio de uma tossida.

     — Sim. E você?

     Ele assentiu distraidamente, mas estava olhando o caminho pelo qual chegaram, como se esperasse ver o restante do grupo.

     — Ficaram presos do outro lado, não é verdade? Não debaixo de todas aquelas rochas? — ela rezou para que fosse verdade.

     A expressão sombria de Paul não lhe deu muito consolo. Tinha a mandíbula apertada com fúria, e os olhos prometiam retribuição.

     — Estamos por nossa conta agora. Podemos retornar ou avançar para a armadilha. O que quer fazer?

     — Mesmo se for uma armadilha, não podemos deixar Tori aqui. Ou Sibyl. Ao menos agora sabemos o que está por chegar.

     — Se as resgatarmos, não vamos ter nenhuma diversão tentando encontrar uma saída.

     — Explodirei uma abertura se necessário.

     Nesse momento, a luceria caiu de seu pescoço. Andra a apanhou antes que pudesse tocar o chão.

     Paul soltou um suspiro dolorido.

     — Nosso tempo terminou.

     — Necessitamos de mais. — disse Andra.

     — Essa decisão é sua. Não minha.

     — O que faço?

     — Ponha ela e me dê um novo voto. — parecia que estava a ponto de dizer algo mais, então apertou os lábios.

     Andra prendeu a luceria de volta a seu lugar. Os olhos de Paul foram para lá e o olhar de nostalgia em seu rosto quase a fez chorar. Ele caiu de joelhos e cortou uma linha na pele, através da camisa.

     — Minha vida pela sua, Andra. Sempre.

     Ela vacilou. Necessitava de tempo para pensar. O que ocorreria a Paul se morresse usando aquela coisa? O que aconteceria se não conseguisse sair com vida? Era uma armadilha. Tinha que recordar disso.

     Ele queria um para sempre. Não podia se permitir querer isso também. Ao menos não até que tivesse certeza de que não seria uma carga para ele... Até que sua gente soubesse se havia mais mulheres como ela lá fora, que pudessem ser uma companheira melhor para ele.

     Ele acreditava que queria um para sempre agora, mas o que aconteceria se encontrassem mais mulheres na semana que vem? Não queria prendê-lo. Não queria que morresse junto com ela se estragasse aquilo e falhasse em tirar todo mundo vivo.

     — Uma hora. — sussurrou. — Isso deve ser suficiente para que saiamos daqui, não é verdade? Se não, podemos ir por outra hora.

     A boca de Paul se apertou e a mandíbula se travou com fúria.

     — Uma hora. Agora entendo.

     Não tinha certeza do que ele entendia, mas não deixou que ela entrasse em sua mente para que pudesse esclarecer isso. Estava frio e rígido ao seu lado.

   A faixa ao redor de seu pescoço se apertou, acomodando-se sobre a pele. Não apareceu nenhuma visão, mas realmente não necessitava de nenhuma para saber como ele se sentia. Estava de saco cheio.

     — Será melhor que nos movamos.

     Andra desejava explicar a ele, mas não havia tempo.

     — Não é muito mais à frente.

     Moveram-se o resto do caminho cuidadosamente. Paul manteve os olhos no teto de rocha por cima deles, procurando mais sinais de perigo.

     A maior parte daquela hora tinha passado quando se aproximaram de um canto e Andra sentiu que uma onda de intenção maliciosa varreu sobre ela. Roubou o calor de seu corpo até que os ossos dela doeram de frio. Parou repentinamente, incapaz de dar outro passo.

     Um gemido profundo de Paul lhe disse que ele havia sentido também.

     — Isto não é bom. — disse ele.

     — E você vem dizer para mim?

     — Não. Quero dizer que não podemos permanecer muito aqui. Isto nos matará.

     A ideia não a incomodava.

     — Essa não é você. É a névoa falando. Ignore-a. Pense em algo feliz e ponha-se em movimento.

     Algo feliz. O rosto de Tori surgiu em sua cabeça. O sorriso torto exibindo o espaço dos dois dentes frontais. O aroma de seus cabelos quando descansaram juntas sobre o sofá e viam desenhos animados. O som de sua risada nervosa quando a fez girar a seu redor segurando-a pelos braços.

     Ela teria dezesseis anos se estivesse viva... Muito grande para fazê-la girar.

     Sentia a bolsa vazia sobre o ombro como se pesasse uma tonelada. Não era grande, mas Paul prometeu que seria suficientemente espaçosa para conter os ossos.

     — Isso não é feliz. — disse Paul.

     Andra tentou enfocar novamente os pensamentos, mas não foi fácil. Tinha muitas coisas dançando ao redor do cérebro para concentrar-se.

     — Vamos terminar com isto.

     Paul desembainhou a espada e juntos deram um passo para a esquina. Uma jaula de metal de aproximadamente três metros de cada lado estava no canto longínquo da caverna. O chão estava coberto de lixo, ossos e pedacinhos de pelagem. Dentro da jaula, Sibyl estava sentada abraçando as pernas. Ao lado dela havia uma pilha de ossos e restos andrajosos de roupa. Uma camisola rosa. A cor da camisola no esqueleto se desvaneceu pouco a pouco com o passar do tempo, e estava coberta de pó, mas sabia que era rosa porque a reconheceu. Tinha sido a favorita de Tori... Uma que pedia a Andra que lavasse para poder usá-la de novo todas as noites.

     Alcançou o braço de Paul para estabilizar-se. Mal podia respirar. Ver o corpo de sua irmã depois de todos aqueles anos era mais do que podia aguentar. O pesar quase a esmagou e rasgou seu coração até que já não se importou se aspirava ao seguinte fôlego. Se a morte aliviasse aquela dor, então daria boas-vindas a ela. Envolveria-se ao redor de sua irmã e deixaria que a morte viesse e a leva-se.    

     — Detenha isso. — grunhiu Paul. — Está deixando-se entrar na névoa.

     Ante o som de sua voz, Sibyl levantou a cabeça. Andra esperava ver lágrimas, mas os olhos azuis estavam secos e seu rosto estava tranquilo. Só a voz revelou sua decepção.

     — Não deveria ter vindo. Minha irmã vai matar a todos agora.

     Outra Sibyl descia flutuando de uma cornija acima deles. A saia negra se inflou enquanto ela se situava no chão. Esta Sibyl tinha olhos pretos e um sorriso cruel curvando a boca pintada.

     — Não vou matar todos. — disse a garota. — Necessito de você, irmã, e de sua bela alma brilhante.

     Repentinamente, as coisas começaram a encaixar em seu lugar para Andra. Todas as pequenas diferenças fizeram sentido. Havia duas delas. Andra de algum jeito tinha terminado na cabeça daquela menina quando foi procurar Sibyl. Tinha encontrado Sibyl quando esteve em sua cama, mas quando teve a boneca para contatá-la... A de olhos pretos frágeis... De algum jeito tinha alcançado a outra menina em vez dela.

     Paul deu um passo para frente dela.

     — Quem diabos é você?

     — Maura. Sibyl é minha irmã. Pensei que a semelhança fosse um sinal óbvio.

     — Mantenha-se longe dela. — advertiu Sibyl. — É perigosa.

     — Muito tarde para isso. Deveria ter escutado quando teve a oportunidade. — disse Maura. Levantou a mão diminuta e monstros fluíram como água, babando para fora dos altos túneis acima das paredes. Aterrissavam como pesadas gotas de chuva ou se arrastavam para baixo pelas paredes da caverna, aderindo-se como aranhas.

     O medo se apoderou com firmeza de Andra e grudou seus pés na terra. Havia muitos deles. Ela e Paul não iriam passar por isso com vida.

     — Não há tempo para isso. — disse Paul. — Trabalharemos cotovelo com cotovelo. — agarrou o braço dela e a arrastou para a jaula que continha Sibyl. — Vamos, Andra. Necessito de você aqui comigo.

     Correto. Sibyl necessitava dela, também.

     Andra se deu uma palmada mental e tentou pensar no que poderia fazer para salvá-los. Não havia forma de que pudessem combater com todos eles. O que na realidade precisava era encontrar a maneira de impedir que os monstros os machucassem.

     Não sabendo mais o que fazer, formou uma bolha ao redor deles para manter os monstros babões distantes. Requereu-se uma enorme quantidade de poder... Mais do que alguma vez tinha usado antes. As terminações nervosas gritaram ante a força daquela quantidade de energia viajando através dela, mas arrumou-se para transpor a dor.

     Coisas peludas, com garras ecoaram do lado de fora do escudo enquanto atacavam, fazendo o escudo ondear como ondas sobre um lago.

     — Isso funcionará. — disse Paul, o orgulho vibrando na voz. — Quanto tempo pode sustentá-lo?

     O suor já começava a salpicar a pele pelo esforço.

     — Não sei.

     — Apressarei-me.

     A correia da bolsa sobre o ombro desapareceu. Ela não podia se permitir distrair-se pensando no que isso significava, assim não o fez. Ouviu o rangido do metal dobrando-se muito rápido e uma suave palavra de agradecimento de Sibyl.

     Os monstros golpearam o escudo, e ela sentiu cada um dos impactos como um martelo pesado explodindo seu cérebro. O suor deslizou por suas têmporas e as pernas começaram a tremer. O poder de Paul fluiu nela, mas destinou tudo o que chegava a ela ao escudo, não deixando nada para recuperar as forças. Sentiu-se oca... Uma fina proteção de pele quebradiça era tudo o que restava dela, e que ameaçava desmoronar.

     A seca batida de ossos encheu seus ouvidos, teve que cobri-los e bloquear o som. Paul estava recolhendo o que restava de sua irmã. Pobre, doce Tori.

     Sinto muito, carinho.

     As lágrimas se uniram ao suor que corria por seu rosto.

     O escudo vacilou e uma das coisas com olhos verdes acesos o atravessou.

     — Paul! — gritou, e levantou as mãos para canalizar mais poder para a brecha. Não estava segura se o movimento da mão servia de algo, mas valia a pena tentar.

     A espada de Paul entrou dentro de seu campo visual. Cortou o ar entre ela e o monstro que investia, cerceando uma das patas da besta. A coisa uivou e o sangue negro saiu a jorros sobre as rochas.

     Terminou com ele com uma série rápida de cortes que enviaram a cabeça rodando para longe. Chutou o corpo até onde o escudo permitiu, onde se retorceu enquanto o sangue se drenava daquilo.

     Andra voltou a formar o escudo para conseguir que a coisa se afastasse de todos eles antes que o sangue pudesse queimá-los. Sentiu o calor da luceria enquanto forçava ainda mais poder para dentro do corpo. O suor se evaporou da pele em pequenas mechas de vapor. Sua cabeça pulsava ao ritmo dos choques dos monstros contra o escudo.

     Não ia poder sustentá-lo muito mais tempo.

     Uma mão pequena e fria se meteu silenciosamente na dela.

     — Pode fazer isto. — disse Sibyl, a voz infantil estável e confiante, como se não tivesse passado esse dia encerrada em uma jaula com os restos da irmã que Andra não tinha podido salvar.

     — Hora de ir embora. — gritou Paul.

     — Ir aonde? — ofegou Andra. Estavam cercados. Só a bolha que tinha construído mantinha os demônios afastados. Os monstros já estavam cobrindo-o, arranhando e arranhando, como se tentassem encontrar um caminho para dentro.

     — Como se sente sobre voar? — perguntou Paul.

   — É genial se estiver dentro de uma bonita carapaça de metal.

     — O caminho por onde entramos está bloqueado. Não vejo nenhuma escolha aqui.

     Nem tampouco Andra. Merda. Queria tanto não fazer isto.

     — Para cima será. Agarre-se.

     Paul deslizou a mão ao redor da nuca dela, travando-os, liberando mais de seu poder para que fluísse dentro dela. Sibyl agarrou-se a sua cintura e Andra agarrou-se aos ombros de Paul.

     — Não posso acreditar que esteja fazendo isto. — resmungou antes de pôr toda sua atenção na tarefa.

     A energia brotava de Paul, lançando-se ao seu dispor. Ela deixou que a bolha se encolhesse até que ficaram cara a cara com os monstros famintos. Teve que fechar os olhos para bloqueá-los do lado de fora, para poder concentrar-se, mas de algum jeito imaginou usar uma explosão de força para empurrar a bolha do chão. Não foi muito longe, e tentaram aconchegar-se no centro da esfera, mas se elevou, dando a ela a confiança de que realmente poderia funcionar.

     Empurrou mais duro, e um por um, os monstros começaram a deslizar para fora do suave escudo, aliviando-o e facilitando a locomoção. Alguns ainda se aferravam com as pernas de insetos, mas não podiam impedi-los.

     O teto estava chegando a eles rápido agora, e não podia encontrar a maneira de baixar a velocidade.

     — Vai ter que abrir uma passagem. — disse Paul.

     — Há muita rocha acima.

     — Não. — disse Sibyl. — Estamos a apenas alguns metros de profundidade.

     Alguns metros. Poderia fazer se isso era o que necessitava para levar Sibyl e Paul para a segurança. Para colocar o corpo de sua irmã na tumba vazia junto a de sua mãe.

     Andra contemplou a rocha, procurando um ponto fraco. Apenas uma fenda se estendia por toda a longitude do espaço de um canto, assim apontou para isso.

     Ela formou uma cunha de ar, igual a bolha do escudo, endureceu-a com a mente, e empurrou a coisa na fenda.

     O corpo dela vibrou sob a pressão, e sentiu os olhos como se fossem evaporar sob o calor que brotava dela. Em algum ponto tinha deixado de suar, ou talvez só secasse mais rápido do que o corpo gerava. Qualquer que fosse o caso, estimou que tinha outros poucos segundos antes que desmaiasse completamente e todos eles aterrissassem no centro da massa de dentes e garras de debaixo.

     Não ia permitir que terminassem assim.

     Pontos brancos se formavam em seus olhos, tornando difícil ver, mas podia sentir a respiração de Paul em sua orelha enquanto lhe falava.

     — Está fazendo muito bem. Só mais um pouco.

     Estava empurrando energia dentro dela agora, ajudando-a tanto quanto podia. Recolheu-a, enchendo-se até que a pressão foi muita para segurá-la. Mal podia ver agora, justo o suficiente para distinguir o lugar onde tinha empurrado a cunha.

     Andra a soltou, golpeando esse ponto com a força de um aríete. As rochas choveram sobre eles, e por baixo do trovão de pedras, podia ouvir os gritos de dor dos monstros enquanto eram esmagados. A bolha se manteve, resguardando-os dos pedaços grandes, mas os grãozinhos de areia começaram a atravessá-la. O escudo estava enfraquecendo, e não ia resistir por muito mais tempo.

     — Uma vez mais. — ofegou Paul. Pareceu sem fôlego.

     Não podia vê-lo agora. Não podia ver nada. Deixou que o instinto a guiasse enquanto reunia a força e esmurrava a cunha outra vez. Mais rochas caíram em cascata. Desta vez pedaços do tamanho de cascalho estavam atravessando-a.

     — Vejo as estrelas! — gritou Sibyl.

     Andra não podia, mas acreditou na voz excitada da garota, e guiou a bolha para cima para que pudessem sair do inferno.

     — À esquerda. — disse Paul. — Ali.

     Os ouvidos começaram a zumbir e agora não podia ouvir nada, tampouco. Não tinha certeza se estavam fora do buraco da caverna ou não, até que sentiu o triunfo de Paul cantando através do enlace.

     Conduziu a bolha lateralmente, assegurando-se de que não caíssem de novo dentro do buraco se a bolha arrebentasse de repente.

     Estamos a salvo. Pode deixá-la ir agora.

     Era a voz de Paul em sua cabeça, a presença reconfortante; assim que a deixou ir. Aterrissaram com uma batida.

     Aspirou enormes baforadas de ar e se recostou no pasto frio. Seu coração martelava, desacelerando a cada pulsação. Podia sentir os dedos de Paul entrelaçando-se com os dela e deleitou-se com o orgulho que irradiava dele. Tinha conseguido. Tinha tirado-os vivos.

     E então sua presença se foi como se alguém tivesse apagado um interruptor. Tentou alcançar a mente dele, mas chocou-se contra uma parede. Não estava lá. Estava sozinha outra vez.

     A luceria se abriu e deslizou do pescoço até o pasto. Tentou alcançá-la, mas os braços não funcionavam. Nada funcionava. Tudo estava quebrado agora, e Paul se foi.

     O mundo se desvaneceu e não houve nada que pudesse fazer para deter isso.

 

   Paul esperava que fosse doloroso. Viu a luceria cair. Preparou-se para a agonia que sabia estava chegando, mas nada aconteceu. Andra utilizou tanto poder que já não pulsava nada em seu interior, tentando despedaçá-lo.

     Ia morrer, mas ao menos não seria tão doloroso. Estava agradecido por isso.

     Paul tomou-a entre os braços e a abraçou enquanto seu corpo se recuperava. Os outros Theronai os encontraram e estavam correndo para eles. Viu Gilda, junto com outros que desceram ali com ele. Estavam a salvo. Um pouco poeirentos, mas a salvo.

     Paul inclinou a cabeça de alívio. Todo mundo conseguiu sair com vida. Resgataram Sibyl, e os restos da irmã de Andra estava em segurança na bolsa de lona. Contudo, foi um êxito total. Pena que não tivesse vontade de celebrar.

     Helen se inclinou e verificou o pulso de Andra.

     — Está bem?

     — Acredito que sim. Só sobrecarregada.

     Pelo canto do olho, viu Angus esmagando a filha em um abraço desesperado. Gilda ficou para trás, observando, retorcendo as mãos como se estivesse ansiosa para unir-se a eles. Não o fez.

     — Sei o que é isso. — disse Helen. Colocou uma mão na relva e pegou a luceria. — Parece que perdeu isto.

    A mão de Paul tremeu quando a pegou. As cores formavam redemoinhos dentro do colar, ainda mais azuis, mas não completamente.

     Ela não podia sequer dar outra semana a ele. Apenas uma hora. Por mais que tivesse a esperança de mais, entendeu. Tinha cometido enganos com ela, alguns imperdoáveis. Não merecia outra semana e sabia. Ela também.

     Prendeu a luceria ao redor do pescoço e sentiu a primeira folha cair da marca de vida. Agitou-se sobre as costelas, e antes que parasse de cair, outra se uniu a ela. Logo outra.

     Viver até a saída do sol tinha sido uma estimativa otimista. Nesse ritmo, só teria poucas horas no máximo.

     Queria passá-las com Andra, por mais egoísta que fosse isso. Jurou a si mesmo que não a deixaria vê-lo morrer, mas morria por estar com ela apenas um pouco mais.

     Tinha apenas poucas horas antes que sua alma começasse a desvanecer-se e tinha que deixá-la. Não podia confiar em si mesmo, que não a obrigaria a usar a luceria de novo. Não podia confiar que não faria mal a ela ou tentaria escravizá-la como fez antes. Queria um “para sempre” com ela, muito para arriscar-se. Estaria mais segura se ele fosse cumprir seu destino como planejou fazer durante décadas.

     Levantou-a e seguiu os homens aos veículos. Inclusive suja de terra e pálida pelo esforço, continuava sendo bonita à luz da lua. Era um homem sortudo por tê-la conhecido, embora tivesse sido por poucos dias.

     Poucos dias com Andra valiam mais a pena que toda uma vida com qualquer outra mulher.

   Andra sentia ressaca. Sua cabeça latejava, tinha a garganta irritada, e estava bastante segura que ia vomitar. Essa ideia fez que se movesse o suficiente para sentar-se. Não queria adoecer em sua cama.

     Quando se sentou, rapidamente se deu conta que não estava em sua cama. Estava em um carro do lado de fora de uma desagradável caverna. As portas estavam abertas e uma brisa de verão deslizava sobre sua pele. Morgan e Madoc montavam guarda não muito longe, percorrendo a área com os olhos, falando muito baixo para que os ouvisse.

     A noite completa chegou, inundando-a. Tinha feito. Tirou-a a salvo.

     Encontrou sua irmã, também. Depois de oito anos, podia finalmente pôr Tori para descansar.

     As lágrimas arderam em seus olhos enquanto se inclinava e abria o zíper da bolsa de lona. A andrajosa camisola rosa não era mais que farrapos agora. Os ossos do interior estavam poeirentos, e não se atrevia a tocá-los. Era o corpo de Tori, mas não era tudo o que ela tinha deixado para trás. Havia trazido alegria para todos os que a rodearam. Deu a Andra as melhores lembranças que alguém merece ter. Não viveu muito tempo, mas os anos que teve foram bons, e os utilizou para derramar mais amor no mundo que qualquer outro ser que já tinha conhecido.

     As lágrimas gotejaram sobre a bolsa vermelha, deixando pontos escuros.

     — Amo você, bebê. — sussurrou. — Pode descansar agora.

     Com isso, fechou o zíper da bolsa e deixou o passado para trás. Tori não teria querido vê-la triste. Teria querido que vivesse, risse e amasse.

     Paul.

     Não estava em nenhum lugar, mas quando passou sobre a bolsa para sair e encontrá-lo, viu um brilho metálico. Sua espada estava enrolada, estendida sob os ossos de Tori no piso do SUV.

     Ele nunca ia a nenhuma lugar sem ela. Por que teria deixado-a para trás?

     A menos que não fosse voltar.

     Começou a entrar em pânico e tentou alcançá-lo para poder encontrá-lo, mas não havia nada ali. Levou a mão à garganta e só encontrou pele nua. A luceria tinha sumido. O tempo deles tinha terminado.

     Ele a deixou. Mas por quê?

     Arrastou-se para fora do veículo e suas pernas falharam. Caiu no cimento e suas mãos arderam pelo impacto. Madoc correu para ela e a ajudou a levantar-se.

     — Está ferida? — perguntou.

     — Onde está Paul?

     — Estava justamente aqui há alguns minutos.

     Andra apontou para a espada.

     — Deixou-a para trás. Onde está?

     Madoc a olhou, com o rosto inexpressivo.

     — Foi morrer.

     Morgan deu uma cotovelada nas costelas dele.

     — Não tem que falar disso. Onde infernos está sua honra?

     — Merda de honra. — grunhiu Madoc. — Ela merece saber o resultado.

     — Se ele escondeu isso, — disse Morgan — é porque essa era sua escolha. Não queria que ela soubesse o que estava fazendo.

     Ela sofreu em silêncio durante um segundo, então olhou para Madoc.

     — O que ele está fazendo exatamente?

     — Ia derrubar um montão de Synestryn em seu caminho de volta à caverna.

     — O quê? Por que infernos ele faria..? — não tinha tempo para isso. Logo bateria em Paul quando o encontrasse. — Por onde ele foi?

     Madoc sabia. Podia ver em seus olhos.

     Andra o agarrou pela camisa e o sacudiu. Era muito grande para que o agitasse muito, mas ele compreendeu a ideia.

     — Onde foi?

     Os olhos verdes de Madoc se moveram para a direita, para o bosque.

     — O sol quase saiu e ele se foi com tempo suficiente para fazer o trabalho. Não o encontrará a tempo.

     Infernos que não o faria. Pegou o telefone celular de Madoc de seu cinturão e correu enquanto procurava em sua agenda de telefones. Tinha as pernas trêmulas, mas a sustentavam porque isto era importante.

     O telefone tocou, mas ele não o atendeu. Não se incomodou em deixar uma mensagem na secretária eletrônica. Apenas voltou a ligar. Finalmente, na quarta tentativa, ele atendeu.

     — Deixe-me em paz, homem. — grunhiu Paul.

     — Não. — disse ela. — Não o farei.

     Era evidente que ele não esperava encontrá-la na linha.

     — Disseram isso a você, não é mesmo?

     — Sim, e não vou deixar você fazer isso. — estava ofegando, mal era capaz de fazer as palavras saírem.

     — Isso não é uma opção, Andra. Não vou me permitir viver o suficiente para que minha alma morra. Amo tanto você, que lhe faria mal. — ele conteve uma sibilante respiração.

     — Já perdi mamãe e Tori. Não posso perder você, também. — a mera ideia a dilacerava. Já tinha perdido muito. Merecia um pouco de felicidade em troca.

     Entrou no bosque, utilizando o instinto para guiar-se. Desejava ainda ter aquela conexão com ele, poderia caçá-lo e capturá-lo com a mente.

     — Não quero que se vincule a mim por obrigação. — disse. A voz era cada vez mais fraca.

     Não tinha nem ideia do que ele queria dizer.

     — Que obrigação? O amor nunca é uma obrigação.

     O mato e os ramos baixos batiam em seu rosto, mas continuou.

     — Ama-me? — perguntou, elevando a voz esperançoso.

     Normalmente, teria desdito o que disse e posto um pouco de distância entre eles. Tudo estava indo muito rápido, e ainda tinha responsabilidades que tinham que vir primeiro. Amar alguém ia ser uma complicação enorme, para não mencionar o fato de que se admitisse, não poderia mais esconder isso. Não poderia mentir mais para si mesma.

     Se o amasse, ele poderia machucá-la. Se o amasse e ele morresse, nunca se recuperaria.

     — Sim. — sussurrou, embora não tivesse certeza se era porque estava sem fôlego ou porque tinha medo de dizer aquilo muito alto. — Amo você.

     — Oxalá tivesse sabido disso. É muito tarde agora.

     Ele lançou um profundo gemido de dor. Podia ouvi-lo perto, e uma fração de segundo depois, ressoou pelo telefone. Estava perto.

     — Pode me ouvir? — gritou.

     — Amo você… Também. — as palavras eram tão fracas que mal pôde ouvi-las.

     Viu um vislumbre de azul que não pertencia ao bosque. Desejava como o inferno ter os olhos mágicos de novo para que a ajudassem a ver. A luz rosada do amanhecer iminente mal era suficiente para guiá-la.

     À medida que se aproximava, viu que o azul eram seu jeans. Tinha o encontrado.

     Andra cambaleou através das árvores e caiu ao lado dele. Estava recostado em um tronco grosso, caído e imóvel. Os cadáveres dos Synestryn cobriam o chão a poucos metros de distância. Dúzias deles. Vários cortes profundos na carne de Paul gotejavam o sangue vermelho. A pele estava mais pálida a cada segundo. Tinha o peito nu, com a camisa rasgada do lado direito onde garras a arrancou, junto com a pele.

     A tatuagem sobre o peito estava nua. Todas as folhas estavam mortas, amontoadas ao longo da cintura.

     As cores formavam redemoinhos na luceria, mas estavam desvanecendo rapidamente.

     Rezando para que não fosse muito tarde, arrancou-a do pescoço dele e a prendeu ao redor do dela. Os extremos se fecharam, mas nada mais aconteceu. Ainda não podia senti-lo.

     Não estava respirando.

     O pânico a fez tremer. Pressionou os dedos no lateral do pescoço dele, tentando sentir seu pulso. Era fraco e não estava totalmente segura de que não fosse o dela, mas lhe deu esperança.

     Esticou seu corpo, sem dar importância as folhas ensanguentadas e gravetos que cobriam o chão, insuflou ar na boca dele. Seu peito se expandiu. Fez isso uma e outra vez.

     Então sentiu. Uma faísca de poder arqueando-se entre suas bocas. Ainda estava com ela. Podia senti-lo lutando para retornar.

     — Não se atreva a me deixar. — disse. — Necessito de você.

     O total de poder dentro dele era pouco, mas ela desviou o que pôde e o utilizou para unir a pele dele. Não sabia o que estava fazendo, mas tinha que tentar algo para evitar que sangrasse.

     Cobriu a boca dele com a sua para respirar por ele de novo, mas desta vez ele não necessitou de nenhuma ajuda. Tomou o ar dos seus pulmões e a beijou de volta.

     Deslizou a língua sobre seus lábios e um baixo gemido de prazer vibrou em seu peito. Tinha o gosto tão bom. Tão vivo. O coração dela se encheu de alívio e gratidão.

     Os braços a rodearam e ele sentou a ambos. A boca deixou a dela e ela pôde ver seus olhos brilhando de emoção.

     — Diga-me isso outra vez. — ordenou ele.

     Ela sabia o que ele queria ouvir. Podiam sentir o indício de insegurança que ainda permanecia em seu interior, e o amava tanto que não pôde negá-lo.

     — Amo você.

     Os olhos se fecharam de prazer.

     — Deus, soa tão bem.

     Pegou a espada emprestada de onde tinha aterrissado sobre as folhas, ajoelhou-se ante ela e fez um corte superficial sobre o coração.

     — Minha vida pela sua, Andra. Sempre e para sempre.

     O sangue gotejou do seu peito, fazendo o estômago dela retorcer mais fortemente.

     — Realmente desejo que deixe de fazer isso. Acabo de remendá-lo.

     Ignorou a reclamação e a olhou com tal intensidade que ela quis afastar os olhos.

     — Dê-me seu voto. Necessito dele.

     Necessitava dela. Para sempre. Isso era o que queria, e a assustava como o inferno.

     Mesmo assim, a pesar de ter medo de vinculá-lo a uma mulher que cometeu tantos erros, estava mais assustada de deixá-lo ir. Tinha visto todas as suas falhas. Sabia que havia decepcionado um montão de gente. Sabia que ela tinha os deixado morrer. E ainda a amava. Confiava nela.

     Ele a fazia sentir-se humilde e, entretanto lhe dava forças para confiar em si mesma. Não era perfeita, mas não tinha que ser. Sempre estaria lá para ela quando fosse fraca. Sempre estaria lá para ela, e ponto.

     — Também necessito de você. Assim, enquanto não se cansar de mim, vou estar ao seu lado.

     Enquanto a calidez da promessa se apoderava dela, um sorriso de masculina satisfação curvou a boca dele.

     — É minha agora, Andra, porque nunca vou me cansar de você.

     — Então, talvez deva voltar a formular meu voto. — brincou.

     — Oh, não, não o fará. Tenho você justamente onde a quero. Para sempre. —puxou-a para ele e inclinou a cabeça para beijá-la enquanto os primeiros raios do amanhecer rompiam através das árvores.

 

   Andra conteve a respiração. Sibyl ficou junto à cama de Nika. Tynan tinha utilizado todo o poder que recolheu no ataque a Dabyr e deixou de ajudar Nika, ao menos durante outra semana, por isso Sibyl era a melhor oportunidade que ela tinha agora.

     Paul estava ao seu lado, seu braço forte ao redor dela. Seu dedo polegar acariciava sua cintura, aliviando algumas das tensões que tinham ido crescendo em seu interior desde que chegaram a casa.

     E Dabyr era seu lar agora, embora um estranho.

   Sibyl franziu o cenho e pôs sua pequena mão sobre a testa de Nika. Um tempo depois, retirou-a como se a queimasse.

     — Pobre garota. — disse Sibyl. — Se ela se recuperar não será por sua mão.

     Andra se apoiou contra Paul, fraca pela decepção. Ele a acolheu em seus braços, sólido e inflexível.

     — O que quer dizer? Não há nada que possa fazer?

     — Temo que não.

     A frustração brilhava em seu interior. Sentia-se impotente. Inclusive com todo o poder que agora possuía, ainda não podia ajudar Nika.

     — Entretanto, há esperança. — disse Sibyl. — Você me resgatou, assim eu ofereço a você este benefício.

     — Qual? Qualquer esperança que possa me dar será mais que bem-vinda.

     — Não há ninguém aqui que possa ajudá-la. Não posso ver quem é, mas sinto que ele já começou o processo.

     — Ele? Então, Grace, não?

     — Não. Grace, não. Ela é uma alma de cura, e dá a Nika um grande consolo, mas isso é tudo.

     — O que devo fazer, então? — perguntou Andra.

     Sibyl dirigiu a ela um sorriso tão cheio de sabedoria que nenhuma menina de oito anos deveria possuir.

     — Nada.

     — Nada?

     — Já fez tudo o que pôde. Trouxe-a aqui. Que, ou será suficiente ou não será.

     — E não pode dizer isso?

     — Não, não o direi. Já não é meu turno.

     Andra estava tentando averiguar o que queria dizer, mas estava tendo dificuldades para seguir a linha de todas aquelas enigmáticas palavras.

     — O que quer dizer, não é seu turno?

     Sibyl inclinou a cabeça fazendo que seus cachos também se inclinassem.

     — Você é uma irmã. Sabe o que é ter que compartilhar. Alguma vez aprendeu a fazê-lo por turnos?

     O corpo de Paul se retesou ao seu lado.

     — Está dizendo que Maura pode ver as coisas da mesma maneira que você faz?

     — Não disse nada disso. Isso iria contra as regras.

     Deu meia volta e se foi, mas se deteve na porta. Sem se virar, disse:

     — Vão ser felizes juntos. Não tenho que quebrar nenhuma regra para dizer isso a você.

     Depois que partiu, a casa pareceu estranhamente vazia.

     — De acordo. — disse Paul. — É evidente que ainda há algumas coisas que não sei por aqui.

     — Bem-vindo ao clube. Santo céu, essa garota é muito estranha!

     — Acostumará-se a ela. — disse Paul.

     — Suponho que vou ter que fazer isso, não?

     Ele se inclinou e beijou um lado do pescoço dela, fazendo com que a pele acalorasse. Era bom sentir seus braços ao redor dela. Não sabia como tinha sobrevivido sem ele. Era tão parte dela que mal podia distinguir a diferença entre a presença dele no interior de sua mente e a sua.

     Sua língua deslizou para baixo até que tocou a borda da luceria. Assim que o fez, não foi só a pele que ficou quente. Ela derreteu por dentro, só por ele. Seu malvado sorriso lhe disse que ele sabia disso também.

     — Sim. Por você. Porque nunca vou deixá-la ir.

     Nika despertou de repente, como se alguém tivesse gritado seu nome. A mulher no canto do quarto adormeceu com um pulôver de tricô no colo. Nika não a conhecia, mas não tinha medo.

     Pela primeira vez em oito anos, não estava assustada.

     A sensação a embriagou, e embora tivesse o corpo fraco, levantou-se da cama deixando a carne fraca para trás. Tinha que ir agora.

     Levou um tempo para acostumar-se a sensação de flutuar fora do corpo. Estava tão acostumada a fome insaciável e a dor profunda que a perda a deixou nervosa, quase a fez sentir-se só sem sua companhia constante. Nika voltou a olhar para cama onde jazia seu corpo. Não reconhecia aquela pessoa. Esse esqueleto.

     Uma vez mais, sentiu uma onda de reconhecimento, como se alguém estivesse chamando-a.

     Tinha que ir para ele. Necessitava-a.

     Nika saiu da sala, pela porta que estava em frente, para um longo corredor. Não sabia onde estava, mas sabia aonde ia. O instinto a guiava como uma flecha, e correu através dos escuros e desertos corredores, flutuando sobre o chão.

     Estava perto agora. Podia senti-lo, sentir seu poder. Tinha chegado a casa, embora não tivesse nem ideia de como sabia que era o caso.

     A porta se parecia com todas as demais, mas para ela, era um manancial de poder. Pressionou as mãos contra ela e deslizou através da madeira com facilidade. Ele estava ali. Dormindo. Não queria despertá-lo. Precisava descansar; era a única maneira de escapar de sua dor. Não queria machucá-lo. Por isso precisava estar perto dele. Para acalmá-lo. Para levar sua dor.

     Nika deslizou através da porta do quarto que se parecia muito com o que ela acabou de deixar, mas só na superfície. Aquele lugar era uma casa de dor e tortura. Era uma casa de tristeza e desespero. Mesmo assim, era o lugar mais reconfortante em que esteve porque ele estava ali.

     Quando flutuou pelo quarto e caiu na cama, ele não despertou. Não estava segura de que ele pudesse senti-la ou não, mas se aproximou dele e cobriu seu corpo com o dela. A calidez de sua pele se uniu a dela, afugentando o frio constante das extremidades.

     Como se sentisse sua necessidade de calor, ele se moveu dormindo. Colocou seu grosso braço ao redor do corpo dela, segurando-a no lugar com sua grossa coxa. Não passou através dela. Era como se ele fosse a única coisa real naquele mundo etéreo.

     Tinha o espírito rodeado por seu calor, por seu aroma.

     Isto era o que necessitava. Ele era o que ela necessitava. Afugentava o terror que sempre a perseguia. Inclusive a mais vil das criaturas tremia ante ele. Enquanto estivesse com ele, não poderiam machucá-la.

     Já não.

 

     Lexi estava ali. Zach sentia sua presença como se tivesse caminhado através de um portal dentro de Dabyr.

     Saltou do pesado banco e correu pelos corredores para ela. Não ia perdê-la. Não outra vez.

     Girou na esquina e se lançou contra a porta de Drake. Esta se sacudiu, mas não caiu. Estava lá. Tinha que chegar a ela antes que desaparecesse de novo.

     Zach acabava de levantar a perna para derrubar a porta com um pontapé quando esta se abriu. Drake o olhava como se tivesse perdido o juízo, obstruindo a entrada para evitar que a loucura de Zach alcançasse a sua amada Helen.

   — Onde está? — exigiu.

     — Helen está ao telefone. Que diabos quer?

     — Helen, não. Lexi. Ela está aqui, sei. Estão escondendo-a. — Zach o empurrou para entrar, mas Drake manteve seu corpo entre ele e Helen.

     Ela saiu da cozinha com o celular grudado a orelha. Quando o viu, seu rosto passou por todas as cores. Colocou o dedo nos lábios para lhe pedir silêncio e falou ao telefone:

     — Não, Lexi, estou bem. Ninguém me feriu.

     Lexi não estava lá. Estava ao telefone.

     Merda.

     Zach demorou um bom tempo para se recuperar da esmagante decepção. Não estava ali. Não podia vê-la. Tocá-la. Cuidar dela.

     Não podia açoitar o traseiro dela por fugir dele.

     — É óbvio que estou segura. — disse Helen. — Está equivocada a respeito deles. Não sei o que sua mãe contou para você, mas também estava equivocada. São bons meninos.

     Zach olhou para Drake, que ainda se interpunha em seu caminho.

     — Deixe-me falar com ela. — pediu a Helen.

     Os olhos de Helen se arregalaram e negou com a cabeça, fazendo suas tranças balançarem.

     — Ao menos, me diga onde podemos nos ver para conversar. Juro a você que irei sozinha.

     — Um inferno que o fará. — disseram ao mesmo tempo Drake e Zach.

     Zach aproveitou a distração de Drake para passar ao seu lado e pegar o telefone da mão de Helen.

     — Olá, carinho. — disse com voz calma quando o que na verdade queria fazer era gritar com Lexi por havê-lo abandonado.

     — Zach. — Sua voz estava carregada de medo e não pôde dissimular a fadiga que fluía através dessa única palavra.

     — Onde está?

     — Em Phoenix. Ou, talvez, em Madison. Não consigo diferenciar uma da outra.

     — Já basta desta cansada rotina. Onde está?

     — Estou a salvo. Em um lugar onde você e seus monstros nunca poderão me encontrar.

     Zach apertou a mão e o celular chiou sob o agarre. A ira bombeou através dele, junto com algo mais: necessidade, desespero e medo.

     — Onde está, carinho? Preciso ir buscar você.

   — Não. — embora a palavra não soasse tão contundente quanto ela tinha querido.

     — Por favor, Lexi. Necessito de você. — sua voz estava tão cheia de súplica que Drake o olhou divertido, mas não se importou. Ela era mais importante que o orgulho.

    — Não. Está tentando me enganar outra vez. Isso não acontecerá. E juro Por Deus que se tocar em um só cabelo da cabeça de Helen, caçarei você eu mesma e o asfixiarei com suas próprias bolas.

     — Nunca faríamos mal a Helen. É uma das nossas.

     Escutou-se um soluço abafado.

     — Oh, Deus. O que fizeram a ela?

     —Demos um lar. Uma família. Nós a protegeremos e a manteremos a salvo. E queremos fazer o mesmo por você, carinho.

     —Mentiroso! Mamãe dizia que todos vocês mentiam tão bem quanto o próprio Satanás. Agora sei que tinha razão. Sobre tudo.

     — Não sei o que ela disse a você, mas nenhum de nós faria mal a você. Deixe-me conhecê-la. Falar com você.

     — Tentará me abduzir outra vez.

     — Não o farei. — mentiu.

     Ela emitiu outro suave soluço, que quebrou seu coração. Sentia dor. Estava sofrendo. Cansada. Tudo em Zach gritava que fosse procurá-la, mas não sabia aonde ir.

     — Por favor, Lexi. Dê-me uma oportunidade. Quero ajudar você.

     — Desejaria que fosse verdade, Zach. Deus, desejo isso de verdade. Estou metida em uma grande confusão. Eu...

     Ouviu-se o forte ruído de um golpe do outro lado da linha. O pânico percorreu Zach, o fazendo alcançar a espada.

     — Lexi? O que está acontecendo?

     Ela baixou a voz a um sussurro.

     — Tenho que ir. Estão aqui.

     — Quem está aí? E onde caralho você está?

     — Não quem, o quê. Os monstros voltaram a me encontrar.

     Monstros? Referia-se aos Synestryn.

     Escutou-se outra forte explosão.

     Zach saiu correndo do quarto para a garagem.

     — Lexi. Diga-me onde está. Vou ajudar você.

     — Já sabe onde estou. Você os enviou.

     Seu coração pulsava tão forte que mal podia falar.

     — Não, carinho. Eu não. Onde está?

     Ela vacilou. Outra forte explosão foi seguida de um estrondo, como de vidros quebrando-se.

     — Texas. — sussurrou. — Denton, Texas.

     A linha se cortou.

     — Lexi! — gritou ao telefone, mas não obteve resposta. Ela já tinha ido.

     Ouviu os pesados passos de Drake detrás dele enquanto corria pela garagem e o corredor, mas ele não diminuiu a marcha. Subiu na caminhonete e chiou pelo recinto da garagem, tomando o caminho para a entrada. Se a porta não estivesse aberta quando a alcançasse, passaria como o vento através dela.

 

                                                                                            Shannon K. Butcher  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades