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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ENCONTRO EM PAIRPOINT / David Gerrold
ENCONTRO EM PAIRPOINT / David Gerrold

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Jornada nas Estrelas

ENCONTRO EM PAIRPOINT

 

 

 

A primeira vez em que o capitão Jean-Luc Picard viu a nave estelar Enterprise, a suavidade de suas linhas o impressionou. Parecia-lhe ser correto que uma nave com aquelas dimensões e poder devesse, também, ser bela. Por que não deveriam as naves estelares ser uma demonstração de arte tanto quanto de força?

A terceira vez em que o capitão Jean-Luc Picard viu a nave estelar Enterprise, observou-a sob um ângulo diferente, e percebeu o senso de humor daquele que a projetara. Um sorriso sereno, quase imperceptível, passou pelo seu semblante normalmente austero.

O substantivo nave é feminino, mas esta nave estelar, em particular, era mais feminina do que a maioria das outras. Por alguma razão, este pensamento lhe agradou. Talvez mais tarde ele viesse a pensar um pouco mais a respeito, e se perguntasse por quê. Desde a morte de Celeste ele não se permitia pensar muito em relacionamentos.

A sétima vez em que o capitão Jean-Luc Picard viu a nave estelar Enterprise, ele estava para assumir o seu comando.

Segundo a tradição, o novo capitão de uma nave sempre deveria chegar até ela por meio de uma nave auxiliar, para ser recebido a bordo. Esta era uma tradição de aproximadamente cem anos, e havia se iniciado à época em que o legendário almirante James T. Kirk assumira o comando da primeira Enterprise (Poucas pessoas se lembravam hoje de que ele havia ido a bordo da Enterprise via nave auxiliar, apenas porque o teletransportador apresentara problemas técnicos naquele dia).

Picard não era um homem supersticioso, mas esta era a Enterprise e não seria apropriado ignorar a tradição que se havia iniciado com a primeira nave estelar a receber este nome.

A primeira vez em que Jean-Luc Picard andou pelos corredores da nova Enterprise, sentiu-se tomado por um sentimento de novidade em relação a tudo. Era como se esta nave ainda não fosse real. Sabia que tal sentimento desapareceria rapidamente; mas, mesmo assim, isso era um tanto perturbador.

Foi recebido a bordo por um andróide.

— Data? - perguntou ele, como se houvesse alguma dúvida quanto a isso. O andróide tinha a pele dourada, opalescente e olhos tão amarelos que pareciam possuir luz interior. Seu cabelo estava puxado todo para trás em um estilo eficaz mas pouco atraente.

O andróide apresentou-se e, com um acenar de cabeça, saudou o capitão.

Picard hesitou, e então retornou-lhe o aceno. Saudações formais eram uma daquelas tradições sobre as quais a Frota Estelar se mantinha um tanto ambígua. Seriam elas apropriadas para uma frota espacial não militar? Seriam elas uma homenagem a uma herança de viagens espaciais e, antes dessas, de explorações marítimas? Ele apreciava o ritual formal, mas desprezava algo que nele estava implícito.

Este momento - o primeiro momento a bordo - era sempre desconfortável. Picard olhou para a guarda de honra, ereta em sua posição de sentido, e decidiu deliberadamente quebrar o gelo. Estendeu a mão para Data. - Esperava muito conhecê-lo. Estive lendo sua folha de serviços. É extraordinária.

— Obrigado, senhor.

Picard notou que as mãos do andróide eram curiosamente frias - frias demais para serem reais. Teve uma sensação estranha. Mais tarde, ele teria de perguntar a Data a respeito de sua origem, sua história.

— A Ponte é por aqui, senhor.

— Obrigado. Posso fazer-lhe uma pergunta, comandante?

— Senhor?

— O seu nome, Data?

— Eu mesmo o escolhi, senhor. Eu aprecio o conhecimento. De fato, eu sou o próprio. Este corpo é meramente um recipiente. Aquilo que realmente sou é a somatória de tudo o que nele está armazenado. Que melhor identificação para mim do que esta? - O sorriso agradável de Data era desconcertante.

Picard concordou. Fazia sentido.

A primeira vez em que o capitão Jean-Luc Picard entrou na ponte da nave estelar Enterprise, ele foi surpreendido por sua aparência despojada. O contraste com a velha Stargazer era assombroso.

Havia apenas três oficiais na ponte. Não parecia ser o suficiente para se manobrar uma nave de tal porte. Todos se levantaram para olhar o capitão à medida em que entrava. Picard reconheceu Worf, o klingon. Teria sido impossível não reconhecê-lo. Quanto aos outros, viria a conhecê-los em breve.

Desceu a rampa da ferradura na parte posterior da ponte, em direção à cadeira de comando. Havia uma atmosfera de expectativa. O capitão Jean-Luc Picard assentou-se e perguntou a si mesmo se ele se sentia confortável ali. A resposta foi afirmativa. - Computador?

—Sim.

— Você pode me identificar?

— A análise vocal indica ser o capitão Jean-Luc Picard, designado para, nesta data, assumir o comando da nave estelar Enterprise NCC-1701-D.

— Eu estou agora assumindo o comando.

— Registrado - disse o computador.

— Ativar diário.

— Gravando.

Picard pigarreou. - Data estelar 41150.7. Diário de bordo. Primeiro registro: Estas são as viagens da nave estelar Enterprise, prosseguindo em sua missão para explorar novos mundos, pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde ninguém jamais esteve. Registro completo.

Picard olhou para seus oficiais. Eles estavam radiantes. Repentinamente, eles o aplaudiram. Picard sentou-se constrangido, e levantou a mão para conter a demonstração. - Adiem os aplausos até que façamos algo para merecê-los.

Então recolheu-se ao alojamento. Agradava-lhe que seu aquário já houvesse sido instalado. Apreciar "seus peixes" era seu único vício. Sentou-se à escrivaninha e instalou seu cartucho pessoal de memória no computador da mesa. O computador da nave agora possuía, à sua disposição, os arquivos pessoais de Picard.

— Tenho mensagens para o senhor, capitão - disse o computador.

Picard olhou para a tela de mesa. A maioria das mensagens eram de congratulações. Duas ostentavam a Insígnia da Frota Estelar: uma trazia as suas ordens; a outra carregava ordens seladas que não poderiam ser decodificadas até que a nave estivesse a caminho da Estação Farpoint. Havia também uma mensagem pessoal da almirante Hidalgo.

Jean-Luc Picard não era o tipo de homem a quem faltasse autoconfiança, mas... a nave estelar Enterprise era a jóia da Frota. Não havia responsabilidade maior que pudesse ser colocada sobre os ombros de um capitão. Ser nomeado capitão da Enterprise era uma honra, um reconhecimento e... e o quê?

Havia uma história, provavelmente apócrifa, de que James Kirk havia dito, certa vez, que comandar a Enterprise era como fazer amor em um aquário. Não se poderia fazer um movimento sequer sem que alguém emitisse uma opinião sobre a sua habilidade. Tal afirmação soava como algo que James T. Kirk pudesse ter dito, mas havia histórias a respeito de James Kirk que seriam suficientes para preencher a vida de vinte homens, mesmo que todos eles houvessem contado com a ajuda de um vulcano^ . Mas... havia algo mais que perturbava Jean-Luc Picard. Este seria o ápice de sua carreira - o posto pelo qual esperara por aproximadamente vinte anos. Ficou a cismar se seria capaz de lidar com isso, ou se simplesmente falharia. Outros comandantes haviam passado por esse posto e recebido grandes responsabilidades. Homens e mulheres bons, afáveis, solidários, que deveriam ter sido bem sucedidos, mas que não haviam sido. Picard examinara suas folhas de serviço, procurando por aquela única falha que poderia ter sido comum a todos, numa tentativa de perceber se ele mesmo possuía tal falha.

A única coisa que percebera era a possível presença de soberba - o tipo de orgulho que causa a sua própria derrota. Todas as falhas haviam sido provocadas pela fé cega que o capitão em questão possuía em sua própria retidão. Em conseqüência, haviam-se tornado rígidos, inflexíveis. Tijolos.

Picard sacudiu a cabeça. Este pensamento o perturbara ultimamente. Estendeu a mão e tocou os controles da tela. Melhor seria ver o que a almirante Hidalgo tinha a lhe dizer.

— Você já recebeu minhas congratulações, Jean-Luc. Agora é hora de receber alguns conselhos maternais.

Picard riu-se. Ele já não recebia conselhos maternais e paternais desde seu quadragésimo aniversário.

A mensagem de Hidalgo continuou. - Conheço-o, Jean-Luc. Provavelmente está sentado à sua mesa imaginando se é bom o suficiente para lidar com as responsabilidades da Enterprise. Acredite-me: você é. -O rosto largo da mulher abriu-se num sorriso franco. Apesar da idade, ainda era bonita.

— Eu o conheço, Jean-Luc. Sei que acha que se preocupa demais. Acha que os capitães de naves estelares não deveriam ter tantas dúvidas. Acha que, por tê-las, não é um bom capitão. Bem, deixe-me explicar-lhe algo, Jean-Luc. O que você sente não representa falta de autoconfiança. Representa ter autoconfiança. Apenas está reconsiderando suas decisões, a fim de determinar se algo escapou, foi desconsiderado ou apenas ignorado.

— Eis o porquê de escolhermos você, ou talvez eu devesse dizer que esta foi a maneira como você escolheu a si mesmo para este posto. Você sempre anda o quilômetro extra, para ter a certeza de que não cometeu um erro. É este o motivo pelo qual foi bem sucedido como oficial da Frota Estelar. É este o motivo pelo qual nós prezamos tanto o seu julgamento. É este o motivo pelo qual foi-lhe confiada a melhor nave da Frota e de toda a Federação' '.Ea melhor tripulação. Demos a você pessoas de quem nos orgulhamos. Todos têm uma folha de serviço extraordinária. Utilize-os, confie neles. Permita que usem toda a sua capacidade. Eles não o desapontarão.

— Ah, uma coisa mais. Provavelmente você está se perguntando agora sobre como teria eu adivinhado os seus pensamentos.

Picard sorriu. Talvez fosse verdade. Talvez a almirante fosse telepata.

— Não é nenhum segredo, Jean-Luc. Todo capitão passa por isso, sempre que ele assume o comando de uma nova nave. Tenho de enviar esta mesma mensagem a todos os meus capitães. - Ela riu-se. - Agora, permita-me compartilhar o segredo de como lidar com os momentos mais difíceis do comando. Sempre pense na pior coisa que pode acontecer, e não permita que aconteça. Nosso coração está com você, Jean-Luc. Sabemos que se sairá bem.

Picard desligou o visor, recostou-se em sua cadeira, e riu-se vigorosamente.

 

Jean-Luc Picard logo parou de contar quantas vezes entrara na ponte da Enterprise. Mas, a cada visita, aprendera a amá-la mais. Sua aparência, seus sons, seu cheiro. Os murmúrios da tripulação por detrás dele, o soar ocasional das vozes dos computadores; podia perceber o pulsar de toda a nave apenas por intermédio destes sons.

Neste exato momento, eram sons de satisfação.

A enorme nave estelar classe Galaxy era muito superior ao primeiro comando do capitão Picard, a nave de exploração e pesquisa Stargazer, da Frota Estelar, e muito superior ainda à nave estelar classe Constitution que primeiro recebera a designação NCC-1701 e o nome Enterprise.

Os olhos experientes de Picard passearam rapidamente pela ponte, notando a eficiência e interação de seu pessoal. A tenente Natasha Yar estava intrigada, olhando para alguma coisa que seu console registrava. O Controle de Armamentos e Posto Tático havia sido construído na ferradura, atrás da cadeira de comando.

Tasha possuía o corpo mais perfeito que Picard já vira. Não era especialmente bela - não como Celeste - mas também poucas mulheres eram bonitas como Celeste. No entanto, Tasha era uma mulher que chamava a atenção, com olhos verdes penetrantes, e cabelos curtos de um loiro cor de mel.

O enorme tenente klingon, Worf, estava sentado ao posto de operações da nave, na parte anterior da ponte. Sua herança klingon era-lhe uma fonte de grande orgulho e Picard já notara que o jovem oficial ainda possuía alguma dificuldade em controlar a sua agressividade natural. Aparentemente, Worf tinha a tendência de se considerar, acima de tudo, um soldado. Picard riu-se desse pensamento. Worf tinha muito a aprender. No entanto, havia um adágio da Frota Estelar: "Qualquer operação militar é automaticamente um fracasso". Isso significava que o capitão da nave havia falhado em seu dever como mantenedor da paz. E havia também um contra-adágio: "O exército mais caro do mundo é o segundo melhor do mundo". Mesmo no século XXIV e meio, o debate sobre a prontidão militar ainda era algo problemático.

A Enterprise possuía um efetivo de tripulação maior do que a de qualquer das outras naves da Frota. Os oitocentos tripulantes eram compostos de cientistas e técnicos em diversas áreas. A real tripulação de operação da nave provavelmente não era maior do que aquela a bordo das naves estelares da velha classe Constitution. Havia também uns duzentos passageiros a bordo - cônjuges e crianças. Este fato perturbava Picard. As viagens mais longas, de dez a quinze anos, as quais haviam sido designadas pela Frota às naves da classe Galaxy, tornava necessário que as tripulações dessas naves levassem suas famílias consigo. Picard nunca tivera que lidar com uma situação dessas antes, e a idéia de civis a bordo, especialmente crianças, francamente o perturbava.

Este era um assunto que ele gostaria de ter discutido com o seu imediato - só que ele ainda não possuía um primeiro-oficial a bordo. Estariam recolhendo o último grupo da tripulação da nave na Estação Farpoint, incluindo o oficial médico-chefe e o novo imediato.

Picard havia lido a folha de serviço de seu primeiro-oficial várias vezes, tentando "perceber" aquele homem. O comandante William T. Riker, 32 anos, havia recentemente ocupado o posto de imediato a bordo da USS Hood, de onde fora transferido para a Enterprise. Sua folha de serviço era praticamente impecável, e fora promovido ao posto de primeiro-oficial relativamente cedo em sua carreira, o que demonstrava ambição tanto quanto capacidade. Se houvesse algo a ser dito a respeito da folha de serviço de Riker, é que ela era um pouco perfeita demais. Aquele homem nunca tivera de lidar com as conseqüências de um erro. O fracasso era-lhe relativamente desconhecido. Picard ficou a perguntar-se se Riker seria capaz de lidar com uma circunstância desastrosa, ou se a sua autoconfiança ficaria irremediavelmente abalada. Apesar de todas as simulações, testes e entrevistas, nunca se sabia, até ser tarde demais, quando um homem estava ou não pronto para assumir suas responsabilidades.

Bem, ele descobriria isso logo - ao chegarem à Estação Farpoint. Picard orgulhava-se de sua própria habilidade em lidar com as pessoas. Sentia que isso se devia à sua disposição de escutar, ser empático às percepções alheias. Ele queria gostar deste homem, Riker.

Estação Farpoint - aqui estava outro enigma. O planeta ficava no ponto mais afastado do espaço já explorado. O primeiro grupo de contato que havia descido à superfície áspera do planeta encontrara os bandis, uma raça antiga e quase dizimada, vivendo na única cidade que ainda lhes restava. Embora não fossem exploradores espaciais, os bandis pareciam possuir uma tecnologia sofisticada que lhes permitia uma vida luxuosa, ao mesmo tempo em que se dedicavam ao conhecimento, às artes e manufaturas. O grupo de contato não havia relatado muito a respeito de como a cidade dos bandis funcionava, a não ser que possuíam abundante energia geotérmica. Os bandis haviam sido extremamente evasivos a respeito de sua tecnologia. Seu oficial sênior, groppler Zorn, havia-se fascinado com o conceito de uma Frota Estelar e de naves estelares poderosas que singravam pelas vastas profundezas do espaço. Havia questionado o grupo de contato extensivamente e finalmente feito uma promessa surpreendente. Os bandis construiriam um posto moderno e uma base em seu planeta se a Frota Estelar estabelecesse com eles um comércio regular.

Isso ocorrera há dezesseis meses. A Estação Farpoint, uma instalação incrivelmente complexa e avançada, estava agora concluída e à espera das naves estelares. Os melhores grupos de analistas da Frota não conseguiam entender como os bandis haviam conseguido construí-la.

As ordens seladas de Picard eram simples: Descubra como.

Como haviam feito isso? Como uma sociedade pastoril, aparentemente não industrial, pudera projetar, construir e ativar a base mais avançada do espaço conhecido, dentro de um período de tempo tão curto? Não havia dúvida de que a Frota Estelar desejava utilizar as instalações da Estação, mas primeiramente queria respostas.

Isto poderia significar uma estada prolongada em Farpoint. O último grupo de vigilância a ser enviado para lá retornara com as mesmas informações com que haviam partido. O grupo oficial de contato havia trazido resultados igualmente infrutíferos, mesmo após meses de pesquisa intensiva. Picard teria de fazer melhor do que isto.

— Difícil - murmurou Picard.

— Desculpe, senhor?

Picard voltou-se para seu segundo-oficial, Data, que o olhava. Seus luminosos olhos amarelos estavam ardentes de curiosidade.

— Instruções da Frota Estelar. Estava pensando em voz alta. Creio que será muito difícil implementá-las. Você não concorda, Data?

— Como assim, senhor? Simplesmente temos de solucionar o mistério que envolve a Estação Farpoint.

À esquerda de Picard, a tenente-comandante Deanna Troi inclinou-se em sua cadeira e sorriu para Data. - Simples, não é? - A voz da conselheira da nave era suavemente musical e possuía um leve sotaque. Como meio-betazóide, havia herdado dos betazóides a habilidade de se comunicar telepaticamente, mas sua comunicação telepática com outras espécies era limitada à capacidade de apenas captar suas emoções projetadas. Algumas delas, ela simplesmente não podia "sentir". Havia aprendido a falar por intermédio de seu pai humano, e as cadências do seu falar eram confortantes. Discernia o que as pessoas desejavam compartilhar com ela, e estas ouviam o que ela tinha a lhes dizer. Esta era uma das razões pelas quais escolhera sua profissão. Como conselheira pessoal do capitão, servia nas funções acumuladas de porta-voz, conselheira e intermediária entre ele e sua tripulação, o efetivo da nave, e as formas de vida em sua grande variedade.

Picard esboçou um sorriso diante de seu comentário. - Sim, Data. Talvez você possa encarar tudo isto como um simples mistério a ser resolvido. Vejo isto como um problema de lógica e estratégia, bem como de diplomacia. O problema, Data, é que uma outra forma de vida construiu aquela base. Como negociar um acordo amistoso para que a Frota Estelar utilize esta estação como base, e ao mesmo tempo bisbilhotar para tentar descobrir como e por que a construíram? Como fazê-lo sem ofendê-los?

Data franziu o cenho. - Pergunta. A palavra "bisbilhotar"?

Picard surpreendeu-se. - Data, como pode estar você programado para ser uma virtual enciclopédia de informação humana sem que conheça uma simples palavra como bisbilhotar!

O andróide fez uma breve pausa, e Picard podia imaginar que estava instantaneamente buscando a informação em seus prodigiosos bancos de memória. - Possibilidades. Um tipo de comportamento humano para o qual não estou programado a igualar. Ou um termo do vernáculo que ainda não encontrei. Creio que seja uma forma arcaica... - E Data continuou, franzindo o cenho para si mesmo.

— Significa "espionar... espreitar" - disse Picard.

— Ah! - interrompeu-o Data, deleitado. - "Investigar secretamente, andar às ocultas..."

— Quase isso - disse Picard, levantando a mão para pôr fim à recitação de Data.

Troi começou a sorrir, e tentou escondê-lo.

— "Deslizar, rastejar, esquivar-se" - continuou Data entusiasticamente. -"Andar silenciosa e furtivamente"... - Prosseguiu, dando-se conta, de repente, de um ar de aborrecimento no capitão. - Compreendo agora, senhor. Obrigado.

Picard fez menção de explicar a Data que a Frota Estelar esperava que ele funcionasse como algo mais do que uma enciclopédia ambulante, mas, antes que pudesse falar, Troi, ofegante, tentou agarrar-se à sua cadeira, e quase caiu ao chão. - Capitão! -

Picard voltou-se rapidamente para ela. Troi contorcia-se, como se estivesse sofrendo intensa dor física, que rasgava sua mente. - Capitão! -balbuciou ela. - Sinto ... uma presença poderosa...

— Procedência? - perguntou Picard.

Troi cegamente meneou a cabeça, incapaz de responder. O bloqueio mental foi abruptamente interrompido pelo disparar do alarme da ponte. Troi, fraca, aprumou-se em sua cadeira e os oficiais da ponte olhavam para seus consoles, perplexos e preocupados com as leituras que estavam obtendo. Data moveu-se rapidamente para o console no posto de ciências, e estudou o painel.

Worf parecia preocupado em seu posto. - Algo estranho nos circuitos detectores, senhor.

Sua voz foi abafada por um segundo alarme na ponte, que soou alto e insistente. Ao mesmo tempo, a grande tela principal na parte anterior da ponte oscilou. A visão do espaço à frente alterou-se subitamente. Picard involuntariamente segurou sua respiração ao ver uma rede brilhante aparecer e se estender pela extensão do espaço à frente deles. Parecia inacreditavelmente imensa, mas delicada como uma teia de aranha composta de formas geométricas que se interligavam.

Data olhou para a tela, sua face apenas levemente perturbada. Essa era a expressão mais surpresa que era capaz de demonstrar. - Leitura do objeto demonstra que é sólido, capitão. Ou um campo de força incrivelmente poderoso. Mas se colidirmos com ele, seja ele o que for, o efeito será igualmente desastroso...

Picard assentiu, e voltou-se para o tenente Torres , o oficial na posição de navegador, ao lado de Worf. - Passar para condição amarela. E desligue esse barulho infernal.

Torres obedeceu, e o irritante alarme ficou mudo. - Condição amarela, senhor.

— Escudos defletores armados, senhor - anunciou Worf. Tasha Yar tocara em seu console para dar um sinal. Olhou com certa expectativa para o turboelevador.

Picard olhou rapidamente para a tela onde a teia brilhante agigantava-se à medida que a Enterprise se aproximava. Então, voltou-se e ordenou, de forma simples. - Parada total.

— Sim, senhor - respondeu Torres.

Na tela, a brilhante teia de energia parecia perigosamente próxima. A Enterprise parou a quase um minuto-luz de distância.

— Parada total, senhor.

Repentinamente, um raio, com um som ensurdecedor, atingiu a ponte. Um facho cegante de luz concentrou-se em um ponto no ar, próximo a Picard. Instintivamente, o pessoal da ponte protegeu os olhos.

A coluna de luz tremeu, e logo em seguida concentrou-se em uma forma humana, diretamente à frente da cadeira de Picard. Por um momento, os contornos da figura tremularam - e então se estabilizaram na forma assumida.

Uma figura humana.

Picard piscou, mal conseguindo acreditar que o que via à sua frente era algo que parecia ser um homem vestido com trajes elizabetanos. Os detalhes de sua vestimenta, toda em preto, branco e prata, eram perfeitos -bordados ao redor do pescoço, colete fechado por passantes, calças justas, e meias cobertas por botas até os joelhos. Uma pequena capa pendia de seu ombro esquerdo; uma espada cerimonial embainhada ao lado. O ser possuía cabelos curtos, barba pontiaguda e bigode. Um elmo aninhava-se em seu braço esquerdo.

Tão logo sua forma se definiu, o ser fez uma mesura elaborada a Picard. As portas do turboelevador abriram-se, e o grupo de segurança que Tasha convocara de seu console fez menção de entrar na ponte. O alienígena meramente inclinou a cabeça, e uma versão miniaturizada da teia estendeu-se pela porta do turboelevador, impedindo-os. As portas, então, fecharam-se diante do olhar surpreso dos que ficaram presos.

O elisabetano virou-se com desdém para Picard, e fez-lhe outra mesura. A voz da criatura, entretanto, não tinha nada de amável. - Sois avisado de que vossa espécie infiltrou-se pela galáxia já em distância muito grande. Ordeno-vos que retorneis a vosso próprio sistema solar imediatamente.

Picard inclinou a cabeça de forma quase zombeteira. Considerou as palavras cuidadosamente, e decidiu ganhar tempo enquanto tentava descobrir com quem ou com o que estava lidando. - Esta é certamente uma ordem autoritária - disse ele calmamente. - Quem é você e com que direito profere tal ordem?

— Usando palavras que possais compreender, chamamo-nos de Q. Ou podeis assim me chamar. - Apontou para as próprias roupas. -Apresento-me a vós como capitão de uma nave companheira para que me compreendais melhor. - Sua voz assumiu um tom áspero. - Voltai para onde vieste.

— Não respondeu à minha outra pergunta. Com que direito profere tal ordem?

Q parecia levemente irritado. - Somos maiores que vós. Alcançamos nossa superioridade através de milênios. Vós ainda sois vermes que se rastejam na lama, quando comparados a nós. E contaminais a galáxia, onde quer que vades.

Tasha Yar lançou um olhar ao tenente Torres, que tentava alcançar o phaser ' manual em seu cinto. Antes que pudesse ordenar-lhe que parasse, ele apontou a arma para Q. O alienígena nem se incomodou em olhar para ele; simplesmente fez um aceno com a cabeça. Uma onda elétrica azul envolveu o jovem, abafando-lhe o grito. Tombou ao solo como se fora um objeto duro, uma pedra, ao mesmo tempo em que Picard pulava de sua cadeira.

— Permanecei onde estás! - ordenou Q.

Picard ignorou-o, lutando para controlar sua ira, à medida que se ajoelhava ao lado de Torres. O homem parecia haver sido instantaneamente congelado. Troi também adiantou-se, ajoelhando ao lado de Picard, tentando verificar os sinais vitais de Torres. Uma névoa branca levantou-se do seu corpo. Troi alarmou-se ao sentir o frio intenso que emanava do corpo quase marmorizado.

— Data, chame os médicos! - ordenou Picard.

O andróide esticou a mão para alcançar os comandos no braço esquerdo da cadeira do capitão, para entrar em contato com a enfermaria. Troi concluiu seu breve exame das condições de Torres. - Eu não acredito. Ele está congelado. Os sinais vitais ainda estão presentes, mas muito fracos.

Picard apanhou o phaser, prudentemente revertendo-o, e postou-se diante de Q, balançando-lhe o objeto. - Ele não o teria ferido! -Mostrou-lhe o phaser. - Você compreende isto - está programado para apenas tontear.

— Tontear? -

A sobrancelha esquerda do alienígena arqueou-se sardonicamente. -Tontear algumas formas de vida, capitão, pode matá-las. Teria o vosso oficial analisado a minha forma de vida antes de tentar usar esta arma? Além disso, mesmo que eu fosse apenas "tonteado", conhecendo os humanos como vós conheceis, permiti-vos-eis serdes capturado, indefeso, por eles? Meramente me protegi. Agora, voltai ou certamente morrereis!

— Esta nave não irá a lugar algum até que este homem tenha sido atendido.

Q considerou o olhar determinado de Picard, a tensão de sua postura, e retorquiu, divertido. - Típico, naturalmente. - Negligentemente puxou um lenço adamascado de um dos bolsos de sua calça. - Como desejardes.

O grupo médico chegou nesse momento pelo turboelevador. A minitela que havia obstruído os homens da segurança ainda não aparecera. Dr. Asenzi, o oficial médico-chefe assistente, lançou o olhar em direção a Q, e depois a Picard. O capitão apontou-lhe Torres, e ele rapidamente se encaminhou para atender o jovem. O restante do grupo adiantou-se com o equipamento de emergência, e uma maça flutuante. Asenzi examinou Torres rápida e eficientemente, sua voz baixa lendo os resultados. Finalmente, ele assentiu para seus homens, que colocaram Torres na maça flutuante, levando-o em direção ao turboelevador.

— Ele ainda está vivo? - perguntou Picard.

— Está em sono criogênico. Podemos cuidar disso - disse Asenzi; mas algo em seus olhos e em seu tom de voz dizia, - Mas talvez não possamos. - Asenzi acompanhou o grupo médico no turboelevador.

Picard voltou-se para Q, que ignorara todo esse interlúdio e voltara a atenção à inspeção de sua vestimenta elaborada. - É assim que demonstra sua superioridade moral?

— Pelo contrário. É assim que demonstro minha superioridade física. -Q franziu o cenho abruptamente, olhando a ponte como se a visse pela primeira vez. - Vejo que esta vestimenta está fora de época. Vossos pequenos séculos passam tão rapidamente, capitão. Talvez compreendais melhor a isto. - Q moveu a mão rapidamente.

Uma vez mais, o som de um trovão encheu o local. Uma luz varreu a ponte - brilhante o suficiente para ser cegante, mesmo através de pálpebras cerradas. Picard pôde ver os ossos da própria mão. Quando recobrou a visão normal, percebeu que Q mudara a vestimenta. A barba e o bigode haviam desaparecido. O traje do século XVI havia-se transformado em um uniforme da Marinha norte-americana da década de 80. Três fileiras de medalhas aninhavam-se em seu peito esquerdo, e as faixas prateadas em suas divisas indicavam seu posto de capitão.

— Na verdade, - disse Q, - o ponto em questão é o patriotismo. Precisam retornar ao seu mundo e pôr termo à agressão comunista. Tudo o de que precisam são uns poucos homens.

— O que? Do que está falando?

— Do império do mal, capitão - da luta pela liberdade. Da necessidade de tornar o mundo um lugar seguro para a Democracia.

Picard meneou a cabeça, como que para clareá-la. Sobre o que o alienígena estava falando? - Você ainda está na época errada! Esta tolice ficou para trás há séculos!

— Mas você não pode negar, capitão, que ainda são uma raça infantil, perigosa e selvagem.

— Eu certamente posso negar isso - retorquiu Picard. - Concordo que ainda o éramos, quando os homens usavam uniformes como esse há quatrocentos anos...

O fuzileiro naval Q aproximou-se de Picard, interrompendo-o abruptamente. - Quando então aniquilaram milhões com argumentos tolos sobre como dividir os recursos de seu pequeno e insignificante mundo. E, quatrocentos anos antes disso, vocês se exterminavam em disputas sobre imagens de deuses tribais. E, desde então, não tem havido a menor indicação de que os humanos venham a se modificar.

— Mas mesmo em um tempo distante como o desse uniforme, já havíamos começado a progredir. Havíamos iniciado todo um trabalho no sentido de exterminarmos a fome e a doença, pobreza e ignorância. Acabamos com as pragas e erradicamos a fome. Ensinamos nações a se reconstruírem a partir da devastação da guerra. Éramos crianças crescendo. Talvez não tenhamos aprendido a fazer as coisas da melhor maneira, mas fizemos nossa parte e aprendemos com nossos erros. Progredimos. Rapidamente. E ainda estamos progredindo.

Q olhou-o sardonicamente. - Oh? Vamos fazer uma revisão do seu assim chamado "rápido progresso"? - Moveu a mão novamente. Picard não se surpreendeu quando o trovão e o raio apareceram novamente. Picard reconheceu o truque por detrás disso - um pouco de mágica de auditório para assombrar a audiência, assustá-la e pegá-la desprevenida. Bem, dessa vez, não iria funcionar.

Desta feita, o uniforme da marinha transformara-se no uniforme de um oficial da época das guerras de meados do século XXI. Q agora era um mercenário do Quarto Mundo. Rude e feio. O pesadelo de todo historiador: os soldados que não podiam sentir, não podiam temer, não podiam ser impedidos. A aparência limpa e saudável do oficial de 1980 fora substituída pela de um autômato com barba por fazer. Se lhe fosse ordenado que capturasse ou destruísse um alvo, ele não retornaria até que houvesse cumprido a missão.

Q falou com voz vagarosa, um tanto quanto drogada. - Progresso rápido, capitão, em direção ao controle de seus militares com drogas.

— E sua espécie nunca cometeu um erro? Nunca aprendeu a fazer melhor?

Um bip soou no console de Worf. - Informe - murmurou ele. O relatório apresentado trouxe-lhe um sorriso aos lábios. Olhou para Picard e assentiu. - Senhor, Dr. Asenzi informa que o tenente Torres ficará bom.

Q percebeu o alívio de todo o efetivo da ponte. - Preocupação com um companheiro. Tocante.

Worf ficou tenso, seu olhar desviando-se do intruso para Picard.- Uma solicitação pessoal, senhor. Permissão para limpar a ponte? - Referia-se a Q.

Por mais satisfação que dizer "sim" pudesse trazer-lhe, Picard disse não. Worf fez menção de protestar, mas Picard conteve-o com o olhar. Já haviam tido um acidente. Picard não queria mais nenhum. Não arriscaria ninguém mais até saber com o quê estava lidando. Atrás dele, Tasha havia descido a rampa da ferradura, em direção à área de comando.

— O tenente Worf está certo, senhor. Como chefe da segurança, não posso ficar aqui e.. - Sim, você pode, tenente - ordenou Picard.

Tasha queria protestar. Podia vê-lo em seus olhos. Se ele ainda fosse chefe de segurança, teria protestado tão veementemente quanto ela. Todos os instintos dela diziam-lhe para lutar, para lidar fisicamente com essa intrusão, mesmo que fosse evidente que o alienígena era muito mais do que parecia ser. Mas ele era capitão agora, e isso envolvia responsabilidades muito diferentes.

Tasha abaixou os olhos. - Sim, senhor. - O capitão estava certo, naturalmente. Era esperar e ver. Mas Tasha não precisava fingir que gostava daquilo.

A figura de soldado do século XXI reproduzida por Q retirou um tubo de seu uniforme e colocou-o no nariz, aspirando seu conteúdo. Respirando profundamente, murmurou, - Ah, sim... melhor. - A droga pareceu fazer efeito imediato, e Q sorriu para Picard sarcasticamente. -Mais tarde, ao atingirem finalmente o espaço profundo, os humanos também lá encontraram inimigos com quem lutar. E a fim de ampliarem suas conquistas, - Q moveu a mão, indicando Worf e Troi, - uma vez mais encontraram aliados para seus assassínios. A mesma velha história de sempre.

Apesar de todo o seu treinamento, Picard via sua ira crescer. Quem era esse idiota pomposo? Com que direito invadia e fazia acusações? A julgar por suas maneiras, Q não podia reivindicar possuir moral superior. Picard aproximou-se do ser, permitindo-se demonstrar um pouco de sua ira. -Não. Não. Você não sabe do que está falando. Não possui qualquer noção sobre quem realmente somos. "A mesma velha história de sempre" mais perigosa é a que vejo à minha frente neste momento. Formas de vida que se julgam auto-suficientes, e que estão prontas não para aprender mas para julgar e condenar tudo o que não compreendem ou não podem tolerar.

Q olhou para Picard. Riu-se. - Que idéia interessante. Julgar e condenar! - Afastou-se de Picard, ponderando a idéia, e então voltou-se. -Suponha que na verdade compreendamos os humanos muito bem?

— Não temos receio do que os fatos sobre nós possam revelar.

— Os fatos sobre vocês? Oh, esplêndido, esplêndido! Você é um verdadeiro manancial de idéias incríveis. - Sorriu amistosamente para Picard. - Bem, agora podemos prosseguir. Naturalmente há preparativos a serem feitos, capitão, mas prometo-lhe que, quando nos encontrarmos novamente, prosseguiremos exatamente da forma como sugeriu. - Fez a curta saudação das tropas do século XXI. O som do trovão e a luz intensa do raio levaram-no dali.

 

A incrível luz desapareceu rapidamente, mas levou algum tempo até que a tripulação da ponte pudesse acreditar que o alienígena havia realmente partido. Entreolharam-se confusos, mas aliviados.

O estômago de Picard doía. Muito cedo. Isto tinha acontecido muito cedo. Ele não tinha um imediato a bordo. Não tivera a oportunidade de treinar sua tripulação e conhecê-la melhor. Não era justo. O espaço profundo não era justo.

Picard tocou uma veia no pescoço para checar seus batimentos cardíacos. Estavam rápidos. Medo? Tensão? Não importava. Sabia que nesse momento necessitava - mais do que qualquer outra coisa - de uma aparência de autocontrole. Fingir até conseguir, disse Picard a si mesmo. A tripulação sempre busca no capitão a fonte de todo o bem-estar da nave. Que assim seja.

Picard olhou ao redor calmamente. - Todos bem? - Houve sinais afirmativos um tanto incertos. - Ótimo. - Acomodou-se em sua cadeira de comando e olhou para Data. - Alguma leitura sobre o alienígena?

Data fez que não. - Os sensores da ponte não captaram nada. Ou ele não estava presente ou bloqueou os sensores. Uma vez que todos parecemos concordar que presenciamos tudo, eu diria que o alienígena bloqueou os sensores. Permita-me ainda sugerir uma terceira possibilidade: talvez o ser nem mesmo tenha estado fisicamente presente. Pode ter sido uma projeção ou uma ilusão de algum tipo. Mas, mesmo assim, isso iria requerer alguma espécie de efeito bloqueador nos sensores da ponte. Uma quarta possibilidade: o ser pode ter sido uma projeção telepática e, desta maneira, não detectável pelos sensores da ponte. Uma quinta possibilidade...

Picard levantou a mão. - Obrigado, Data. - Como sempre, Data não somente respondia a uma pergunta, como também praticamente a esgotava com possibilidades alternativas.

— Senhor, - adiantou-se Worf, aproximando-se do capitão. -Respeitosamente submeto à sua apreciação o comentário de que a nossa única alternativa é lutar.

Tasha desceu pela ferradura, postando-se ao lado de Worf. - Concordo, senhor. Lutamos ou tentamos escapar.

Picard levantou a mão novamente e voltou-se para Troi. - Você está captando algo, comandante?

Ela meneou a cabeça. - Sua mente é por demais poderosa, senhor - acrescentou. - Recomendo evitarmos contato.

— Interessante - disse Picard. - Muito interessante.

Considerou estas observações, relembrando os acontecimentos. Havia algo que poderiam tentar. Talvez não desse certo, mas havia a possibilidade de surpreenderem Q. Olhou para seu pessoal. - Muito bem. A partir deste momento, nenhum setor da nave, repito, nenhum setor, por qualquer motivo, fará uso de sinalizações, transmissões ou intercomunicadores. Todas as comunicações irão se restringir a mensagens escritas. Minha linha pessoal será a única em uso. Vamos ver se podemos surpreendê-los. Tenente Worf, informe à engenharia que se prepare para aceleração máxima, e descobriremos o que uma nave estelar da classe Galaxy pode fazer.

— Sim, senhor.

Worf já estava a caminho do turboelevador, quando Picard voltou-se para Data. - Busca de registros, Data. Resultados ao se tentar configuração de batalha em altas velocidades de dobra espacial.

— Como, senhor? - Data parecia honestamente confuso.

— Você me ouviu. É teoricamente possível. Quero saber se alguém já teve sucesso nessa manobra - ou teremos de ser os primeiros?

O andróide parecia infeliz com a pergunta, mas considerou-a, parecendo retirar-se para dentro de si mesmo, ao dar busca em seus bancos internos de memória. Então olhou impassível para Picard. - Tal manobra é desaconselhável em qualquer velocidade de dobra espacial, senhor.

— Busca hipotética. Quais as chances?

Data promoveu nova busca e deu de ombros. - É possível, senhor. Mas não há margem para erro. Portanto, não posso avaliar as chances.

— Entendo. Obrigado Data. - Picard considerou sua idéia uma vez mais. Era perigosa - muito além do que gostaria. Certamente, era um risco grande demais para as famílias da tripulação aceitarem. Mas eles já corriam riscos com Q...

Estavam entre a cruz e a espada - eis o dilema.

Picard suspirou ao examinar as falhas e as virtudes do plano uma vez mais. Era uma discussão que sabia não poder vencer, porque discutia consigo mesmo. No campo da lógica, era-lhe fácil saber o que fazer. Mas emocionalmente... bem, essa era uma outra questão.

Picard fez a escolha. Assentiu para consigo mesmo e levantou-se. Elevou a voz e disse: -Agora escutem todos - A tripulação voltou-se para ele, ansiosa. Esperou até que houvesse silêncio absoluto na ponte e todos os olhares estivessem sobre ele. - Utilizando-se apenas de mensagem escrita, notifiquem a todos os postos para se prepararem para aceleração máxima. Aceleração máxima, devem saber, significa que estaremos forçando nossos motores além dos limites de segurança. Esperamos surpreender o que quer que esteja lá fora e tentar escapar. Nossa única outra opção seria nos acovardarmos e retornar à Terra, conforme nos ordenaram.

 

O tenente Worf podia apressar-se sem que fosse preciso correr. Seus passos eram quase uma lenda entre os que os haviam tentado acompanhar. Adentrou a enorme seção de engenharia da Enterprise e parou, procurando o oficial encarregado.

O grande coração injetor dominava o centro daquela área de dois andares, atravessando-a do teto ao solo. Este era o coração da Enterprise, assim como a ponte era o seu cérebro. Correntes de matéria eram injetadas a partir do topo, e de anti-matéria a partir de baixo, convergindo no cristal de dilithium, uma magnífica dádiva da Natureza que tornara possível a dobra espacial.

A despeito dos avanços da tecnologia klingon com relação a viagens interestelares, Worf ainda se surpreendia com a tecnologia de dobra espacial dominada pela Frota Estelar. A dobra possuía mais poder e força de arremesso do que qualquer outro sistema existente dentro dos domínios da Federação e do Império Klingon combinados, e fora um dos fatores preponderantes dentro das negociações que os tornara aliados há vinte e cinco anos. Os estrategistas klingon sempre especulavam a respeito do que teria acontecido se as duas grandes potências não tivessem se unido. Na verdade, esse era um tema corriqueiro dos jogos táticos domésticos. Geralmente a avaliação que se fazia era a de que a aliança entre a Federação e o Império havia sido benéfica para ambos - e algumas vezes de maneira surpreendente. Ainda assim, agradava a Worf imaginar o que o Império Klingon teria sido se, há vinte e cinco anos, tivessem tido acesso a motores como este. Era um pensamento agradável, ainda que um tanto ilícito.

O engenheiro-chefe Argyle encaminhou-se para Worf. - Posso ajudá-lo, tenente?

— Ordens do capitão. Preparem-se para aceleração máxima. Os olhos de Argyle abriram-se em espanto. -Maximal

— Máxima. Ao sinal "acionar".

O engenheiro-chefe parecia infeliz. Ressentia-se quando alguém abusava dos motores. - É melhor que ele tenha uma boa razão para isso.

— Encontramos uma força alienígena. Não sabemos o que é - ou quem são. O capitão irá descobrir do que são feitos.

— Hum, o capitão irá descobrir do que somos feitos.- Argyle dirigiu-se a seus engenheiros, que trabalhavam em seus consoles. - Muito bem. Engenharia, alerta. A postos. Vamos acelerar até a dobra espacial máxima em um só pulo.

Muitos da tripulação de engenharia voltaram-se, surpresos e alarmados, para o engenheiro-chefe que, no entanto, permanecia impassível. Ir para aceleração máxima em um só pulo era um golpe duro para a nave e para os motores; mas podia ser feito. Já o haviam feito em um treinamento, em uma simulação. Já o haviam feito uma vez como parte dos testes de comissionamento da nave.

Ainda assim... não era uma boa idéia. Havia grande risco de defasagem na sincronia da operação. Mas, como a tripulação conhecia seu serviço, Argyle não tinha de se preocupar com isso. Alarmante era a situação que os forçava a fazê-lo. - O capitão dará da ponte o comando para acionar. Blake, quero carga máxima nas células de reserva.

Worf sorriu maliciosamente e pôs-se a caminho da ponte. Quando as portas da engenharia fecharam-se atrás dele, ouviu o ruído dos motores que estavam sendo acelerados.

Picard postou-se atrás de Data no comando principal, estudando a teia alienígena que brilhava na tela. Para onde quer que dirigissem suas cameras, a teia barrava-lhes o caminho - exceto atrás deles. Picard estava colocando suas esperanças no que seus ancestrais esportistas haviam denominado de "corrida entre gato e rato".

Worf surgiu na ponte, saindo do turboelevador, e dirigiu-se apressadamente ao seu posto de operações. - Sala de Engenharia a postos, senhor.

— Obrigado, Worf. Data?

— Condição verde, capitão...

O capitão voltou para sua cadeira de comando e nela acomodou-se. -Reverter curso, 180 marco 2. A postos. - Seu olhar percorreu a ponte e a tripulação colocou-se a postos em suas várias posições. Tocou os controles de comunicação no painel do braço esquerdo de sua cadeira. Acionar] Toda a ponte estremeceu ao som dos motores que iniciaram a aceleração. Picard imaginou, por um breve momento, que ele podia sentir a aceleração da Enterprise ao lançar-se no espaço. Naturalmente ele não podia. Teria sido esmagado contra a parede às suas costas se os ajustadores de gravidade inercial não estivessem sincronizados com a velocidade de dobra. Mesmo assim, Picard imaginou que podia sentir a aceleração. Todo capitão de nave assim o imaginava.

A Enterprise lançou-se à frente, sob o controle de Data, como um cavalo firmemente seguro pelas rédeas, e então - arremessou-se ao espaço, virando abruptamente para a esquerda, juntamente com o estômago de todos a bordo! Passaram perigosamente próximos à teia alienígena, mas então já estavam fora dela, ainda em aceleração máxima.

Ainda sob o rígido controle de Data, a nave espacial movia-se livremente. Atrás deles, a teia moveu-se, diminuindo o seu brilho. Subitamente encolheu-se, juntando em uma forma giratória de brilho colorido, que rapidamente se pôs em perseguição à Enterprise.

Picard ignorou o ruído crescente dos motores e prestou atenção aos relatórios de seus oficiais que lhe chegavam aos ouvidos. - Dobra nove ponto dois, - informou Worf, fazendo uma careta. Não podia aprovar a fuga a uma batalha - mas podia compreender o valor de uma "retirada estratégica". Particularmente uma retirada estratégica que demonstrava tanto força como astúcia. Afinal, não tinham lá os terráqueos um ditado? "Aquele que luta e foge, vive para lutar mais um dia?" Ou seria "- vive para fugir mais um dia?" Não importava.

— Curso três cinco um, marco zero, senhor - informou Data.

— A postos no curso.

Tasha falou do console de armamentos e posto tático atrás de Picard. -O inimigo nos persegue. Acelerando rapidamente, senhor.

Worf olhou para as telas em seu console. - Estamos agora em dobra nove ponto três, senhor.

— Obrigado. Avise-me quando passarmos da linha vermelha.

— Estamos ultrapassando-a agora em dobra nove ponto três cinco, senhor.

— Obrigado, tenente. Informe à engenharia que mantenha potência máxima.

— Sim, senhor.

— Continuar acelerando - disse Picard. Olhou para Troi, esboçando um meio-sorriso. - Conselheira, a essa altura estou pronto para ouvir especulações a respeito do que acabamos de encontrar. O que você captou a respeito?

Ela inclinou a cabeça por um momento, seus cabelos escuros encobrindo-lhe o rosto à medida que ponderava, analisando as sensações que captara quando Q estava na ponte. - ... Parecia algo além do que consideramos como uma "forma de vida"...

— Além? Explique.

— Muito, muito avançada, senhor. Ou... - Troi ponderou e então assentiu firmemente. - Avançada ou certamente muito, muito diferente!

Worf interrompeu. - Senhor, estamos em dobra nove ponto quatro.

— O inimigo está prestes a nos alcançar - anunciou Tasha, atrás de Picard.

— A velocidade do inimigo alcançou nove ponto seis, senhor -acrescentou Data, calmamente.

— Tem certeza? - Picard ressentiu-se da pergunta mesmo antes de terminar de fazê-la.

Data não se incomodou em olhar para Picard. Aceitava perguntas retóricas como um fator humano habitual. - Naturalmente, senhor. O inimigo está agora dentro do alcance de nossas telas. Devo ampliar a imagem?

—Sim.

A parede à sua frente brilhou, e o ponto de luz que havia permanecido em seu centro subitamente agigantou-se, tornando-se uma forma giratória, brilhante e indefinida.

Tasha ficou tensa ao captar as leituras em seu console. - Velocidade do inimigo agora em nove ponto sete, senhor.

Picard moveu-se em sua cadeira e, sem tirar os olhos da tela, acionou o sistema de comunicação. - Engenharia?

Argyle respondeu prontamente. - Senhor - devo adverti-lo de que..

— Para o inferno com os cuidados, engenheiro. Precisamos de mais velocidade. - Picard desligou a linha de comunicação. - Alerta amarelo.

Data tocou os controles de seu console e o sinal de alerta amarelo soou alto. Picard voltou-se para Tasha. - Armar torpedos fotônicos. A postos para disparar. - Percebeu o olhar alarmado de Troi, mas ignorou-o.

— Torpedos prontos, senhor.

Repentinamente a nave estremeceu. Um tremor enorme varreu a ponte, e muitos da tripulação tiveram de se agarrar rapidamente a seus consoles para manterem o equilíbrio - e houve um som, como se uma grande besta, adormecida no fundo do mais negro oceano houvesse sido perturbada em seu sono - uma besta a quem era melhor não despertar.

Troi olhou ao redor. Captava a sensação de medo e susto de alguns. Então o estremecimento foi-se tão subitamente quanto havia surgido.

Worf estava teclando seus controles apressadamente. Em seus dias de Academia, havia estudado os aspectos aerodinâmicos e de engenharia das naves estelares. Nunca havia sentido o ronco primitivo do misturador de matéria/antimatéria, mas aquele enorme ronco estremecedor não poderia ter sido outra coisa. Era um mau sinal. Os motores estavam sendo forçados muito além de sua capacidade, o que poderia provocar o rompimento do coração ejetor de matéria/antimatéria.

— Inimigo agora em dobra nove ponto oito, senhor - anunciou Tasha. Worf examinou rapidamente seu console. - Nossa velocidade se mantém em nove ponto cinco.

— Projeção - disse Data tranqüilamente. - Talvez possamos igualar os nove ponto oito do inimigo se forçarmos os motores à capacidade absoluta, mas correremos risco extremo, senhor.

— Inimigo agora em dobra nove ponto nove.

Picard considerou por um momento, analisando uma vez mais suas opções. Não havia mesmo muito o que analisar. Aprisionara-se a esse curso de ação desde o momento em que ordenara "acionar". Não havia como mudar de idéia agora. Finalmente levantou-se e ergueu a voz de modo a que chegasse a todos as áreas da ponte. - Agora ouçam todos. Mensagem escrita, urgente. Todos os postos em todos os setores, preparar para manobra de emergência de configuração de batalha.

Tasha olhou para Picard, alarmada. Troi olhou para Tasha no mesmo momento, captando seu temor. A nave espacial havia sido construída de maneira que o disco principal pudesse separar-se e operar como um veículo independente se necessário, embora pudesse mover-se apenas com força de impulso. A metade restante - a seção de batalha - possuía sua própria ponte, os lançadores de torpedos fotônicos e phasers pesados, e os motores de dobra espacial.

No design original da Frota Estelar, o disco superior fora projetado para ser um santuário para os não-combatentes, enquanto a seção de batalha era a sua defesa. A exploração espacial impetrada pela Frota Estelar havia incorrido em diversas situações difíceis, mas em muito poucas ocasiões um capitão ou outro vira-se obrigado a tomar a séria decisão de separar a nave em duas, enviando a seção do disco para um lugar seguro, enquanto a seção de batalha entrava em combate. Obviamente um capitão tinha de considerar a situação tão séria, que esta medida extrema tornava-se inevitável.

Picard fez sinal para Worf, dizendo: - Você comandará a ponte principal, tenente.

— Senhor! - O jovem klingon pulou de sua cadeira em protesto, seu ultraje sobrepondo-se ao respeito usual devido a um oficial superior. - Sou um klingon, senhor. Para mim, escapar enquanto meu capitão entra em combate...

— Anotado, - disse Picard rapidamente. Sua voz soou fria.- Mas você é também um oficial da Frota Estelar, tenente, e acaba de receber uma ordem.

Worf hesitou, pensando em protestar novamente. Os anos de disciplina e obediência incutida prevaleceram, e ele assentiu. - Sim, senhor. - Mas sua expressão indicava um profundo desagrado.

Picard acionou um controle no painel no braço esquerdo de sua cadeira, e falou calmamente. - Diário de bordo, Data estelar 41153.73. Neste momento, estou transferindo o comando para a ponte de batalha. -Dirigiu-se a Data. - Dê o sinal.

Data tocou levemente um dos controles e o tradicional chamado de "A seus postos" soou pela ponte. O sinal repetia-se fazendo os oficiais moverem-se rapidamente em direção ao turboelevador de batalha. Os substitutos começaram a chegar quase imediatamente nos dois outros elevadores, e a ponte principal, em momentos, já estava toda repovoada.

Relutantemente, Worf dirigiu-se para a cadeira de comando do capitão, e olhou-a, contrariado, antes de sentar-se. - Preparar para configuração de batalha - disse ele firmemente. - Ao comando do capitão. - Um pensamento ocorreu-lhe: Se um klingon estivesse comandando esta nave, não estaríamos fugindo. Mas ele era um oficial da Frota Estelar e - bem, o capitão poderia nem sempre estar certo, mas ele sempre era o capitão.

O turboelevador movia-se rapidamente para a ponte de batalha. Picard ponderava seu plano, ao olhar cegamente para as luzes direcionais do elevador. A separação do disco de comando em dobra espacial elevada era uma tática perigosa, mas eles precisavam de uma boa dianteira com relação à nave do Q (ou o que quer que fosse), para que pudessem voltar-se e enfrentá-la, enquanto o disco se afastasse com a maioria da tripulação da nave e seus não-combatentes.

O turbo parou e as portas se abriram para revelar uma ponte de batalha funcional. Picard entrou primeiro, seguido de sua tripulação de ponte que se dirigiu a seus postos. Data ativou os sensores e examinou o painel, enquanto Picard calmamente ditava o suplemento do diário de bordo, explicando sua estratégia.

— O inimigo ainda se aproxima, senhor. Sua velocidade mantém-se em dobra nove ponto nove.

— Interessante - observou Picard. - Quem ou o que quer que seja possui as mesmas limitações de velocidade que nós. Talvez não sejam tão poderosos quanto querem parecer. - Picard voltou-se para Tasha. -Tenente, quero uma rajada completa de torpedos fotônicos armados para detonarem perto do inimigo, o suficiente para cegá-lo no momento em que a nave se separar. A postos para disparar ao meu comando.

— Compreendido, senhor.

Picard acionou seus controles de comunicação. - Tenente Worf, aqui é o capitão.

A voz de Worf ressoou pelo comunicador. - Sim, senhor?

— Ao se iniciar a separação, reduziremos a força o suficiente para enviarmos a seção do disco para longe de nós.

— Compreendido, senhor.

— Iniciar contagem regressiva. - Picard parou, olhando para o invasor na tela, e então disse firmemente. - Disparar]

Os dedos de Tasha tocaram os controles de armas em seu console. -Torpedos fotônicos lançados.

Os torpedos saíram dos ejetores da Enterprise com um som sólido e satisfatório. Cada um deles brilhou ao ser lançado para trás.

Tasha era uma excelente oficial de armas, mas a precisão de que Picard necessitava dependia grandemente da suposição de que o inimigo estivesse viajando em velocidade máxima. Do contrário - se ele ainda pudesse aumentar sua velocidade -, então os torpedos muito provavelmente detonariam atrás dele, perdendo-se a vantagem de que o disco de comando necessitava para escapar. Picard contava com as limitações da tecnologia do alienígena.

— Contando - disse Data. - Seis, cinco, quatro, três, dois, um, separação. Na parte posterior da seção do disco, onde ele se acoplava à seção de batalha, uma fenda apareceu. Os maciços juntores de retenção destravaram-se. Jatos de vapor subiram ao vácuo à medida que as conexões se separavam.

— Diário de bordo. Momento da separação, data estelar 41153.75. Agora estamos livres para enfrentar o inimigo.

— Boa sorte, senhor - Worf murmurou, ao observá-los afastarem-se.

O grande disco afastou-se da seção de batalha. Ao completar-se a separação, os mecanismos de trava completaram sua rotação e voltaram a seu lugar com um ruído inaudível no espaço, mas sentido no disco. Worf checou a distância e ordenou que os motores fossem acionados à sua capacidade máxima. A resposta imediata rapidamente lançou a seção do disco ao espaço, de modo que a seção de batalha pudesse manobrar. A seção do disco desapareceu no instante em que se libertou da velocidade de dobra do módulo de batalha da Enterprise. Esta e seu perseguidor já haviam-na ultrapassado em um instante, veloz demais para que pudesse ser registrado por qualquer dos instrumentos.

Era o que Picard havia planejado - uma chance para a seção do disco libertar-se na vastidão do espaço e dirigir-se para a Estação Farpoint.

Na ponte de batalha, Data informou calmamente, - Separação bem sucedida, senhor.

Picard suspirou, aliviado. Não percebera que estivera segurando a respiração. - Grâce à Dieu. Onde está o inimigo?

Data verificou seus instrumentos, e a tela novamente mostrou o brilho da nave alienígena ao centro. Os clarões das explosões múltiplas dos torpedos fotônicos ainda brilhavam ao seu redor. Picard cerrou os punhos e bateu-os contra os joelhos, triunfantemente.

— Excelente! Parada total. Reverter curso.

A Enterprise restringiu sua velocidade de dobra e fez meia-volta para enfrentar seu inimigo cara a cara. Na grande tela à sua frente, Picard podia ver que os torpedos fotônicos aparentemente não haviam causado nenhum dano à nave de Q. Apesar dos diversos disparos quase diretos, a nave alienígena permanecia intacta. Continuava em direção à Enterprise, sem diminuir a velocidade. As duas naves estavam em curso de colisão.

Picard examinou a tela por mais um momento e disse, - Manter posição.

Data reprimiu um olhar de surpresa e respondeu calmamente, - Sim, senhor.

— Eles estarão sobre nós em questão de minutos - Troi começou a dizer.

— Sei disso, conselheira.

— Vamos lutar, capitão? - perguntou Tasha. - Se ao menos pudermos danificar sua nave...

Picard apontou para a tela e retrucou. - Tenente Yar, você está recomendando que lutemos contra uma forma de vida que já demonstrou possuir uma significativa superioridade militar? - Olhou-a fixamente, esperando. - Se acha que temos uma chance de vencer, gostaria de ouvir seu conselho.

A tenente Yar corou e baixou os olhos, incapaz de encarar o olhar desafiador de seu capitão. Ele tinha razão, naturalmente. E ela estava constrangida.

Tasha Yar sabia qual era o seu pior defeito. Reagia rápido demais. Eis por que era uma boa chefe de segurança. Mas era também por isso que freqüentemente tinha dificuldade em lidar com situações que comprometessem a segurança da nave. Ainda achava difícil dar lugar a considerações diplomáticas e estratégicas.

Na colônia renegada onde havia crescido não havia lei e os assassinatos grassavam. Ainda em sua infância havia sido obrigada a lutar pela sobrevivência, e sua experiência ensinara-lhe a agir primeiro e a tentar controlar a situação antes de analisá-la. Até entrar para a Academia da Frota, agira sob o conhecimento seguro de que a hesitação podia representar a morte. Os princípios humanitários em que a Frota Estelar baseava todas as suas decisões haviam, em um primeiro momento, causado-lhe choque. Mas ouvira e aprendera...

Alguma coisa nos princípios básicos da Frota Estelar a tocara. Não à pessoa que pretendia ser, ou à que fingia ser, ou mesmo à que desejaria ser - mas à pessoa que realmente era. Seu eu secreto. O eu que nunca havia compartilhado com ninguém.

As normas da Frota Estelar baseavam-se na assertiva única de que a Vida é sagrada. Em todos os lugares.

Tasha não havia confiado nisso. Não em um primeiro momento. Sua primeira reação fora de ceticismo e menosprezo. Os cursos de Ética e Filosofia Moral da Frota eram plenos dessas discussões. Mas com o tempo, Tasha começou a perceber que estavam, na verdade, falando das mesmas coisas sobre as quais sonhara por anos a fio.

A vida, como é vivida, não é necessariamente como deve ser. Podemos fazer melhor que isso. Todos somos capazes de ir além do que julgamos serem nossas limitações. Esta é nossa história. Faremos melhor.

Tasha compreendeu - como o surgir de uma grande luz reveladora - que a Frota Estelar verdadeiramente desejava as mesmas coisas que ela. As crianças não precisavam morrer de inanição, as pessoas não tinham de viver em estado de penúria, a ignorância não era inevitável. As condições sob as quais crescera eram uma terrível aberração, e não uma regra.

Esta era a vida com que sonhara - podia começar a vivê-la naquele momento. E ela aceitara tal fato com uma simples declaração: "Se tiver de ser, que comece comigo".

E desde aquele momento nunca mais foi a mesma pessoa.

Mas, mesmo assim, havia momentos outros - como este - quando ainda reagia com seus velhos instintos. - Eu... falei sem pensar, senhor. Devemos tentar impedi-los de perseguir a seção do disco.

— Assim está melhor, tenente - disse Picard, assentindo em aprovação.

— Parada total, senhor - informou Data. - Mantendo posição.

Picard olhou para Troi, que operava os sistemas de comunicação. -Troi, envie a seguinte mensagem em todas as línguas e freqüências. "Nós nos rendemos." Deixe claro que não colocamos nenhum termo nem condições.

Um tremor de consternação varreu a ponte de batalha enquanto a tripulação trocava olhares intrigados. Render-se? Jean-Luc Picard?

Somente Troi captou a tranqüilidade, a confiança, a certeza que emanavam do capitão. Não eram sentimentos de fracasso ou capitulação. Picard possuía uma clara convicção de que esta era a única coisa correta a ser feita.

— Sim, senhor - disse Troi, firmemente. - Todas as línguas e freqüências. - Abriu os canais de comunicação e acoplou o tradutor universal. -Enterprise para Q. Nós nos rendemos. Repetindo: nós nos rendemos. Nossa rendição é incondicional. Não há termos.

Enquanto Troi repetia a mensagem, todos se voltaram para a tela, onde se podia ver o alienígena aproximando-se. Ao chegar mais perto, a forma brilhante começou a expandir-se, revelando parcialmente a teia. Ela curvou-se e expandiu-se, envolvendo a Enterprise. Ao fazê-lo, uma cacofonia de sons varreu a nave, o som de metais sendo pressionados para além de seus limites. Toda a seção de batalha foi violentamente sacudida, obrigando a tripulação a se agarrar a qualquer coisa sólida. O som ensurdecedor atingiu seu máximo, e a violência da sacudida aumentou. Uma luz cegante inundou a ponte de batalha.

E então fez-se silêncio.

 

A luz enfraqueceu.

Picard não mais se encontrava na ponte de batalha. Ele, Data, Troi e Tasha estavam sentados no banco dos réus de uma imensa sala de tribunal. A sala era de metal e vidro, e extremamente funcional. A assistência ainda estava entrando, e um burburinho de especulação animada enchia o ar. Um corpo de soldados espalhava-se pela sala. Estavam armados e uniformizados. As vestimentas, penteados e expressões da assistência também indicavam que pertenciam à mesma época que os soldados. Picard sempre apreciara o estudo da História; mesmo dos capítulos mais desagradáveis podia-se extrair lições. Ele reconhecia a arquitetura e o tom deste cenário no qual haviam sido colocados, aparentemente como prisioneiros.

Picard não Unha muita certeza de como isto fora feito. Uma dobra espacial de tempo? Pouco provável. Transporte para um cenário cuidadosamente preparado? Possível; mas se assim fosse, onde estariam os outros oficiais da ponte? Por que apenas ele, Troi, Tasha e Data estavam ali? Teria porventura Q modificado a ponte de batalha de alguma maneira? Esta parecia ser a probabilidade mais viável. Q não tivera a menor dificuldade em alterar a sua aparência a bordo da Enterprise, e encerrara tais mudanças com uma caracterização desta época.

O som de um sino chamou sua atenção para um homem postado à frente da sala de tribunal. Era um asiático vestindo uma longa capa, e carregava uma tela portátil. Por meio de seus estudos, Picard sabia que este era um meirinho-mandarim. O homem acenou com a cabeça para um oficial da corte, que uma vez mais fez soar um antigo sino oriental para chamar a atenção.

— Os prisioneiros colocar-se-ão em pé - anunciou o meirinho-mandarin. Picard fez sinal a seus oficiais para que permanecessem sentados.

Data estivera estudando a sala com grande curiosidade. Picard quase podia sentir a intensidade da análise do andróide ao catalogar a sala do tribunal, assistência e os soldados. - Historicamente intrigante, capitão -comentou Data. - Muito, muito preciso.

Picard assentiu, contendo sua admiração diante do sentimento de que este cenário seria usado como uma arma contra eles. - Meados do século XXI, o horror pós-atômico... - Picard odiava a época. Havia sido uma época de profunda crise humana. Ainda ferida e sangrando com o terror da guerra nuclear, a humanidade havia buscado respostas à sua dor e problemas por meio da aplicação implacável de uma nova forma de governo e lei ditatoriais, que não representava nem o capitalismo nem o comunismo, mas que aproveitava coisas de ambos. Havia sido o último dos piores governos da Terra, porque, uma vez derrubado, a humanidade voltara a crescer dentro de seu verdadeiro potencial. Q, naturalmente, havia escolhido ignorar eras posteriores, que colocariam a humanidade sob uma luz mais favorável.

O oficial da corte fez soar novamente o sino. - Todos os presentes prestem respeitosa atenção ao meritíssimo juiz! - ordenou o meirinho.

A assistência, ainda se acotovelando para se acomodar, caiu em silêncio e levantou-se. Alguns precisaram ser colocados em pé pelos soldados fortemente armados. Picard estendeu sua mão, com a palma para baixo, em direção a Data, Tasha e Troi, indicando que não deveriam se levantar.

Troi meneou a cabeça, preocupada. - Cuidado, senhor. Isto não é uma ilusão ou um sonho.

— Estes tribunais tiveram lugar em nosso passado.

— Eu também não compreendo, mas isto é real. Posso senti-lo. Se Q criou uma realidade aqui, então as armas dos soldados são verdadeiras, e poderão atirar em nós se não obedecermos.

— Se estamos sendo julgados, Q não vai querer nos eliminar logo de saída - notou Picard.

— Não, ele pode nos dar um minuto - observou Tasha, amargamente. Um soldado encaminhou-se para junto deles, apontando-lhes a arma. -

Em pé, criminosos!

Os oficiais da Frota Estelar ignoraram-no. O oficial da corte fez soar o sino uma vez mais, e os últimos sussurros da assistência desapareceram. Data olhou para cima e acenou com a cabeça para Picard, indicando-lhe a direção para onde deveria olhar. - Ao menos conhecemos o juiz, capitão.

Picard não se surpreendeu ao ver o Q, que haviam conhecido na ponte de sua nave, assentado em uma cadeira de juiz, que flutuava pela sala. Ele havia-se apegado às palavras de Picard, a respeito de julgar e condenar, com um fervor que surpreendera Picard naquele momento. Agora Picard percebia que Q havia de alguma maneira criado esta situação, de modo a fazer exatamente isto: julgar e condenar. Se os humanos não iriam voluntariamente retornar ao seu próprio sistema solar, seriam sentenciados a fazê-lo.

Subitamente um oficial postado próximo a eles disparou uma rajada de tiros aos pés de Picard, e avançou sobre ele, gritando zangadamente. -Atenção! Em pé, atenção! - Antes que o capitão pudesse reagir, Tasha já se havia colocado em pé, girado sobre si mesma e arrancado a arma da mão do soldado. Ele tentou agarrá-la, mas ela, com facilidade, passou-lhe uma rasteira e fê-lo tombar de costas.

A cadeira de juiz adiantou-se, à medida que Q gritava - Você está fora de ordem!

— Tenente! - exclamou Picard.

Dois outros soldados adiantaram-se, empunhando suas armas. Mas não era uma sentença de morte para Tasha. Os dois homens dispararam no oficial caído. Seu corpo pulou à medida que as armas automáticas despejavam-lhe balas, e a assistência vibrava e aplaudia livremente a demonstração.

— Os prisioneiros não serão molestados - disse Q, satisfeito. - Até que sejam declarados culpados. - Lançou um olhar divertido para Picard, que não respondeu à provocação. Q moveu a mão negligentemente, apontando o oficial morto. - Livrem-se disso - disse friamente. - Agora, capitão...

Picard apanhou a arma automática ainda em poder de Tasha, ordenando-lhe com o olhar que se sentasse. Ela hesitou, e então obedeceu. Satisfeito, Picard moveu-se em direção a Q - Podemos presumir que este será um tribunal justo?

— Sim, totalmente imparcial.

Picard hesitou, e então devolveu a arma a um dos soldados. Q fez flutuar sua cadeira à frente da sala do tribunal e acenou com a cabeça para o meirinho. - Prossiga.

O meirinho-mandarim consultou sua tela portátil. - Perante esta corte misericordiosa comparecem agora estes prisioneiros, a fim de responderem pelas selvagerias múltiplas de sua espécie. Como se declaram, criminosos?

Data moveu-se cuidadosamente, e sussurrou ao capitão. - Com sua permissão, capitão... - Picard assentiu-lhe abruptamente. Havia pressentido de antemão o que viria a seguir. Podia vê-lo... o que em vernáculo histórico teria sido chamado de "armadilha". Nesse meio tempo, o andróide dirigira-se a Q. - Objeção, meritíssimo. No ano 2036, a nova Nações Unidas declarou que nenhum cidadão da Terra seria chamado para responder pelos crimes de sua raça ou de seus antepassados.

— Rejeitada! - Q retorquiu instantaneamente. O oficial soou o sino de maneira brusca, e a assistência manifestou-se entusiasticamente.

Picard meneou a cabeça, cansado. Conforme pensara, haviam sido rotulados de criminosos com antecedência, culpados até provarem inocência. Q já havia julgado o passado humano, não o presente nem sua promessa para o futuro, a fim de marcá-los como criaturas impróprias para se aventurarem pela galáxia com outras raças "mais avançadas". As palavras que Q proferiu a seguir apenas corroboraram a teoria de Picard.

— Este é um tribunal do século XXI, em cuja época um "progresso rápido" havia feito com que toda essa tolice de "Terra Unida" fosse abolida. - Sorriu para Picard, triunfantemente.

Tasha levantou-se uma vez mais, visivelmente zangada. - Por que você não julga o que somos agora?

Picard tentou impedi-la. - Tenente, não... - Ela desvencilhou-se dele, pela primeira vez esquecendo-se de que ele era o capitão, seu oficial superior, e um homem a quem idolatrava. - Eu preciso... - Voltou-se para encarar Q. - ... porque eu cresci em um mundo que permitia coisas como este tribunal. E foram pessoas como estas - disse apontando para seus colegas oficiais, - que me salvaram dele. Eu digo que este assim chamado tribunal deveria ajoelhar-se diante do que a Frota Estelar é, do que representa...

— Silêncio] - rugiu Q, movendo sua mão em direção a Tasha. Uma onda elétrica azul envolveu-a, instantaneamente enrijecendo-a. Data levantou-se de um salto para aparar seu corpo congelado antes que caísse, e então abaixou-a cuidadosamente ao solo.

— Está congelada em estado criogênico - disse Data. - Como o tenente Torres.

Troi tocou a forma congelada de Tasha, e explodiu, irada, de maneira que não lhe era peculiar. - Seu bárbaro! - gritou ela para Q. - Você se considera um ser de uma raça esclarecida, e tudo o que sabe fazer é punir aqueles que o ofendem. Esta mulher...

Picard agarrou seu braço, e ela interrompeu o que ia dizer. Ele lhe fez que não com a cabeça. Ela captou o aviso urgente que estava lhe enviando. Controlando sua ira, assentiu.

— Criminosos, façam silêncio! - ordenou o meirinho-mandarim.

— Exato! - concordou Q. - Exijo que os serviços deste tribunal prossigam em ordem. - Acenou com a cabeça em direção a Tasha. - Seres civilizados sabem como conduzir-se na presença de seus superiores.

— Você sabe muito pouco a respeito dos seres humanos se pensa que nos pode silenciar. - Picard voltou-se para Data que examinava os sinais vitais de Tasha. - Como está ela?

— Viva e em condição estável, senhor. Mas é incerto quanto tempo ela pode sobreviver se permanecer neste estado.

O meirinho-mandarim voltou-se para Picard. - Estão sendo acusados, criminosos. Como se declaram?

Picard ignorou-o. Por toda a sala de tribunal a assistência manifestou-se, irritada. O espetáculo por que esperavam não estava acontecendo, e ficaram zangados com isso. Q pressentiu-lhes o descontentamento e ele mesmo voltou-se para o capitão.

— Como se declaram? Responderão às acusações, criminosos.

— Há alguns instantes apenas você prometeu que "os prisioneiros não serão molestados". Não declararemos nada enquanto você quebrar suas próprias regras.

A audiência murmurou irritada, novamente. Os criminosos deveriam agir conforme o esperado deles, e não como rebeldes. O que estava havendo com eles?

— Sugiro que concentrem sua atenção neste tribunal, capitão - disse Q friamente. - Pode ser sua única esperança.

— E eu sugiro que você agora está mudando de idéia! Está achando que se conduzir este tribunal de maneira justa, segundo o que prometeu, pode vir a perder.

Q riu-se. - Perder?

— Sim - disse o capitão. - Mantenha o seu acordo e acataremos sua decisão. - Olhou significativamente para o corpo congelado de Tasha. -Agredir um prisioneiro dentro do tribunal não pode ser considerado justo.

Q ponderou isto. - Este é um tribunal misericordioso - disse ele finalmente. Moveu a mão em direção a Tasha, e uma luz azul envolveu-a. A jovem começou a mover-se, um pouco rigidamente a princípio, como se o frio ainda não a tivesse abandonado por completo. Então sentou-se vagarosamente, com a ajuda de Data.

A assistência estava tumultuada novamente, vociferando protestos contra este gesto inaceitável de bondade por parte do juiz. Alguns levantaram-se, subindo nos bancos, sacudindo os punhos cerrados. Q flutuou sua cadeira sobre suas cabeças e amplificou sua voz. - Silêncio*. -rugiu ele. Toda a sala estremeceu sob o impacto sônico de sua ordem. A irrequieta assistência afundou-se em seus assentos novamente, cabeças baixas, trocando olhares assustados.

Picard assistiu impassivamente à demonstração do poder de Q. Já havia presenciado valentes fazendo valer sua força. E até o momento, Q não o havia impressionado a ponto de considerá-lo como verdadeiramente superior, apenas mais poderoso. Superioridade, pelos padrões de Picard, era uma questão de inteligência, respeito e moralidade.

Para Picard, Q estava muito aquém dos meros padrões humanos, e mais aquém ainda dos elevados padrões de superioridade que fingia possuir.

Q abaixou sua cadeira para encarar Picard uma vez mais. -Continuando, devo preveni-lo de que apelações não são permitidas. Este é um tribunal de fatos.

Picard já pressentira o que estava por vir, e repetira junto com Q suas últimas palavras. - ...tribunal de fatos. Sim. Nós humanos conhecemos nosso passado, mesmo quando dele nos envergonhamos. Reconheço este sistema de tribunal como similar à sugestão de Shakespeare em Henrique IV, Parte II. A primeira coisa que se faz é matar todos os advogados.

— O que foi feito - retorquiu Q.

Naturalmente, pensou Picard. - O que conduz à regra: culpado até provar inocência.

— Naturalmente - assentiu Q, satisfeito. - Levar inocentes a julgamento seria injusto. - Reclinou-se, sorrindo malevolamente; e sua voz ressoou uma vez mais. - Agora responderão à acusação de serem uma raça selvagem.

Picard meneou a cabeça e manteve sua voz em tom neutro.

— Responderemos a acusações específicas. "Selvagem" pode significar muitas coisas.

— Obviamente significa causar danos a outras criaturas.

— Oh? - perguntou Picard, inocentemente. - Da mesma maneira com que você agiu ao congelar um membro de minha tripulação? Da mesma maneira com que congelou esta mulher? Porventura juntar-se-á a nós no banco dos réus?

Q assumiu uma expressão pavorosa. Luzes brilharam ao seu redor. -Seu tolo. Tem certeza de que deseja uma exposição completa da feiúra humana? Que assim seja. - Moveu a mão em direção ao meirinho-mandarim. - Apresente as acusações."

O meirinho fez uma mesura e apresentou sua tela portátil a Picard. -Criminoso, você lera as acusações diante desta corte.

Picard tomou a tela nas mãos e examinou boa parte do que nela estava escrito. Olhou para Q e deu de ombros. - Não vejo acusações contra nós, meritíssimo.

O juiz bateu em sua cadeira com o punho cerrado, irado. - Criminoso, está fora de ordem!

Como se o sinal houvesse sido dado, soldados moveram-se em direção aos prisioneiros, apontando-lhes suas armas. Dois deles colocaram-nas na cabeça de Troi e Data. Q olhou ao redor, satisfeito, e seu tom de voz era ameno. - Soldados, vocês dispararão suas armas se este criminoso não se declarar culpado... - As armas foram preparadas para o disparo, e Q voltou-se para Picard. - Criminoso, como se declara?

Picard tentava ganhar tempo, avaliando a situação. Data, como era de se esperar, estava imóvel, totalmente desprovido de medo. O andróide desconhecia o significado da palavra morte no que se referia a ele. Os olhos de Troi estavam arregalados, apreensivos, mas isto podia indicar que estava captando a tensão agressiva que reinava na sala. Um dos soldados moveu-se, ansioso, prevendo que a demora de Picard poderia significar recusa. Tasha estava a seu lado, pronta, como sempre, para lutar.

Mas aqui, pensou Picard, lutar é morrer. E ainda não estou pronto para isso.

— Meritíssimo - disse ele vagarosamente, - declaramo-nos culpados. -Os soldados ao redor abaixaram suas armas, e a tensão que pairava no ar diminuiu. Data estudou-o cuidadosamente, e Tasha, ansiosamente. Q recostou-se em sua cadeira, com um sorriso de satisfação.

— Provisoriamente - acrescentou Picard.

Os soldados apontaram suas armas novamente. Olharam para Q, buscando instruções. O alienígena considerou o rebelde e intratável capitão humano. Finalmente, Q assentiu.

— A corte ouvirá o acusado.

— Colocamos em questão se esta corte está se pautando por suas próprias instruções. Tenho sua permissão para que o comandante Data mostre a gravação dos autos?

— Preveni-o, capitão, de que não haverá apelação! - retorquiu Q.

— Porventura sua raça superior vale-se de tal estratégia? - perguntou Picard. - Asseguro-lhe de que ouvirá suas próprias palavras. - O capitão prosseguiu imediatamente, antes que Q pudesse interrompê-lo. - Data, exatamente o que se seguiu à declaração do meritíssimo juiz de que os prisioneiros não seriam molestados?

Data olhou para dentro de si mesmo, reexaminando seus bancos de informação. Então aprumou-se e inclinou a cabeça em direção a Q. - O capitão fez a pergunta... - Sua voz transformou-se na voz de Picard. -Podemos presumir que este será um tribunal justo? - Sua voz reassumiu seu próprio tom agradável. - Em resposta, o juiz disse... - Sua voz transformou-se na voz de Q. - Sim, totalmente imparcial.

Q retorquiu, irado. - Testemunho imaterial, completamente imaterial!

Picard fez menção a Data para que se calasse. - Se agradar ao Meritíssimo, há uma maneira muito simples de elucidarmos esta situação. -Q levantou seu martelo novamente, mas Picard elevou sua voz com determinação. - Nós podemos elucidar esta situação.

Q conteve-se, observando Picard. O capitão prosseguiu. -Concordamos em que haja evidência para sustentar a declaração do tribunal de que os humanos têm sido assassinos e perigosos. Portanto, sugiro que nos ponha à prova. Teste-nos para averiguar se isto ainda é verdadeiro.

Q subitamente tornou-se alerta, talvez pressentindo perigo. - Entendo. - Observou Picard. - E você pede a esta corte que aceite a você e seus companheiros como prova daquilo em que a humanidade se tornou.

— Há muitas maneiras pelas quais podemos ser testados - retorquiu Picard. - Temos uma longa missão à frente...

— Sim... sim! - disse Q, como se uma idéia se estivesse formando em sua mente. - Uma nova brilhante sugestão, capitão. Mas a sua prova não requererá uma longa missão. - Q riu-se sardonicamente, parecendo saborear um conhecimento específico. - O lugar para onde estavam indo oferecer-lhes-á um desafio maior do que supõem. - Riu-se ainda mais, assentindo, satisfeito. - Sim, sim. A Estação Farpoint representará um excelente teste para vocês.

Picard olhou para os outros. Data parecia levemente intrigado, e as mulheres estavam ainda mais preocupadas. Q sabia exatamente para onde estavam indo - mais ainda, de alguma maneira sabia o que os aguardava. Agora o mistério que a Frota Estelar incumbira Picard de solucionar assumia maiores proporções e importância - e perigos. Mas seria inútil pedir a Q que lhes esclarecesse as coisas. Era tudo parte de um jogo seu, regido por suas próprias regras, e jogado em seu próprio terreno. A Enterprise, e mesmo a Estação Farpoint, eram meramente peças desse jogo. Picard e Q eram os oponentes. A presença e permanência de seres humanos no espaço era o prêmio da vitória.

Q fez sinal ao meirinho-mandarim, que levantou-se. - Todos em pé, em sinal de respeito! - A assistência atendeu de imediato. Picard fez sinal com a cabeça, e os outros levantaram-se.

Q flutuou sua cadeira até ficar à frente dos prisioneiros, voltado para a assistência. - Esta corte está adiada, para permitir que os prisioneiros sejam postos à prova.

O meirinho-mandarim fez sinal ao oficial, que prontamente fez soar duas vezes o sino. A voz do meirinho ressoou por sobre o som do sino. -Esta honorável sessão está adiada!

Picard olhou ao redor, surpreso em ver os soldados colocarem suas armas ao ombro, e retirarem-se juntamente com a assistência. Aparentemente estavam livres. Q voltou-se para eles, o sorriso sardônico novamente estampado em sua face.

— Você é um humano muito inteligente, capitão, mas talvez descubra que não é suficientemente inteligente para lidar com o que lhe espera. Talvez tivesse sido melhor aceitar sua sentença aqui.

— Sentença proferida por você? Em seus termos? Sinto muito. Se iremos ser colocados à prova, preferimos que os termos sejam justos.

— Tenho certeza de que assim preferem. E como sabem que assim será? - Rindo-se, Q moveu a mão na direção deles.

Picard procurou evitar a luz cegante. Quando ela desapareceu, piscou para eliminar os pontos luminosos provocados pelo brilho. Percebeu então o som familiar dos computadores e instrumentos da ponte. Estava de volta à ponte de batalha, assentado em sua cadeira de comando. Troi, Data e Tasha também estavam em seus postos, todos piscando e esfregando os olhos, desorientados com a súbita mudança. O restante do complemento da ponte de batalha não parecia haver percebido a luz brilhante, e nem mesmo o fato de que Picard e os outros haviam reaparecido em seus postos.

Data voltou-se para o navegador ao seu lado e perguntou... - Qual o curso atual?

O outro oficial olhou-o, surpreso. - Exatamente o curso ordenando pelo capitão, senhor. Direto para a Estação Farpoint.- O homem estava claramente intrigado com a pergunta, e mais ainda ao ver Data realizar um breve exame em seus instrumentos, afirmando ao capitão: - Confirmando, estamos nos dirigindo para a Estação Farpoint.

— Naturalmente que estamos - disse o navegador. - Eu lhe disse. Picard pigarreou. - Algum sinal do inimigo?

O navegador lançou-lhe um outro olhar intrigado, imaginando o que estaria acontecendo. - Não, desde que desapareceram em velocidade máxima há dez minutos. Sem explicação, sem nenhuma ação ofensiva após a perseguição. Eu não compreendo nada disso. E o senhor?

— Não importa, tenente - disse Picard. - Tenho certeza de que tudo será esclarecido na Estação Farpoint. - Imaginava se o "tempo" que haviam passado na corte de Q fora subjetivo, e se talvez nem mesmo tivesse acontecido exceto em sua mente. Ele, Tasha, Troi e Data haviam estado sob a mesma influência - algo tão poderoso que até mesmo Troi supusera ser real. Mas ninguém na ponte havia dado pela falta deles, o que poderia significar que eles não se haviam ausentado. A única outra explicação seria a de que, enquanto haviam sido fisicamente removidos da ponte por algum tempo, a tripulação estivera sob a ilusão de que ainda estavam lá, ocupando seus postos normalmente. Qualquer que fosse a resposta, era óbvio que Q possuía mais habilidades poderosas do que se suspeitava. O alienígena havia sugerido que o "teste" que os aguardava em Farpoint poderia ser controlado por ele. Mas seria mesmo assim? Ou seria isso apenas mais um truque calculado?

O navegador voltou-se para Data, perguntando, - Sabe algo a respeito da Estação Farpoint? Parece ser um lugarzinho monótono... A Frota Estelar ainda não penetrou lá.

Picard reclinou-se em sua cadeira, antes que Data pudesse responder. -Na verdade, navegador - disse ele calmamente, - ouvimos dizer que será muito interessante.

 

A primeira vez em que o comandante William T. Riker viu Deneb IV foi nas telas da USS Hood. Era uma bola amarelada de um planeta encoberto por nuvens achatadas. Aproximando-se de sua superfície, podia-se notar que era coberta de montanhas e grandes manchas desérticas, sujeitas a severas tempestades que a varriam impiedosamente.

A única cidade habitada era adjacente à moderna construção do espaçoporto denominado Estação Farpoint. Riker havia visto hologramas de algumas das outras cidades que os bandis haviam construído e posteriormente abandonado. As cidades mais antigas pareciam haver sido desgastadas pelos elementos, algumas até o ponto de serem apenas sulcos na terra; mas a cidade adjacente a Farpoint era muito mais interessante, muito mais avançada tecnologicamente. Riker não pudera determinar se os bandis haviam-se expandido para além das cidades que construíram, erguendo outras novas e melhores, ou se havia ocorrido uma consolidação da população bandi das cidades mais antigas para esta mais nova e melhor.

Quando Riker fora teleportado à superfície, notara imediatamente a superioridade do equipamento da Estação Farpoint, de suas instalações e de seu pessoal. Era a estação mais espaçosa, ambiciosa e elaborada em que já estivera.

Estava considerando estes fatos à medida que se barbeava, fazendo caretas para o reflexo no espelho que dominava a parede de um dos banheiros da suíte do apartamento que ocupava na estação. O homem refletido no espelho era alto, esguio, mas musculoso, e em boa forma física, devido aos exercícios praticados no ginásio da nave. Uma inteligência arguta e um senso de humor apurado brilhavam por detrás de seus olhos de um azul vivido. Riker tinha uma opinião pessoal de que sua aparência era aceitável. Apenas isso.

Naturalmente, se um grande número de mulheres atraentes de diversos sistemas solares achava que ele era muito mais do que isso, quem era ele para contestá-las.

Ouviu um som vindo da sala de estar e retirou a última faixa de espuma de seu pescoço antes de sair do banheiro. Uma mulher bandi, alta, estava recolhendo a bandeja com seu desjejum. Olhou para ele e sorriu. Riker retornou-lhe o sorriso, e então lembrou-se de que tinha apenas uma toalha ao redor da cintura. Arrumou-a melhor, de modo que ficasse mais seguramente encaixada.

— Não esperava que alguém viesse apanhar a bandeja tão depressa - disse ele.

— Uma hora é seguramente o tempo suficiente para que se tome o desjejum.

— Sim, habitualmente, sim- assentiu Riker.

A mulher observou o prato com os ovos, bacon e torradas praticamente intocados. Os ovos eram verdes - possivelmente algum fator inusitado nas galinhas criadas pelos bandis. - Não é saudável deixar restos de comida expostos ao ar - comentou ela.

— De fato - concordou Riker. - Se você me der licença...

— Você não ingeriu seus ovos, comandante Riker. Não estavam a seu gosto?

— Não, não - disse rapidamente, tentando evitar parecer indelicado. -Para ser sincero, após a noite de ontem, não tive muita vontade de comer ovos. - Ovos verdes, em particular, pensou ele. A festa de despedida que os oficiais mais antigos da USS Hood haviam-lhe oferecido avançara noite adentro, e ele consumira comida e bebidas generosamente. Seu estômago retorceu-se com o pensamento.

Os bandis não pareciam perceber essa fragilidade humana. A mulher observou os ovos de maneira crítica. - Entendo. Não estavam a seu gosto. Você preferiria outra coisa.

— Não, não quero comer nada. Não se preocupe com isso. - Como que se desculpando, indicou seu estado de seminudez. - Se me der licença... -disse novamente, e retornou ao banheiro. Ao ouvir a mulher sair do aposento, entrou no espaçoso quarto e colocou seu uniforme. O novo modelo da Frota Estelar (um macacão justo, preto, com uma faixa carmesim que designava o posto de oficial comandante) era tão confortável que ele quase o preferia às roupas civis. De fato, tudo acerca de sua estada na Estação Farpoint havia sido mais do que confortável até o momento.

Quando viu pela primeira vez a luxuosidade do apartamento que lhe havia sido dado, com dois quartos, dois banheiros, uma espaçosa sala de estar e de jantar, solicitou acomodações menores e menos ostensivas. Para sua surpresa, Zorn, o groppler ou administrador da estação, assegurara-lhe que não havia nada menor.

Muitas coisas o espantavam naquela estação e no pessoal que a operava. A mulher bandi que aparentemente cuidava do apartamento, dissera logo de saída que preferia óleos com paisagens espaciais, aos hologramas contemporâneos abstratos que enchiam as paredes. Havia então saído para visitar a estação por algumas poucas horas, e quando de seu retorno ao apartamento, encontrara nas paredes quadros clássicos de Chesley Bonestell e Robert McCall. Pareciam ser originais, mas sabia que os mesmos pertenciam exclusivamente a museus e galerias de arte, em sua maioria nos planetas do Sistema Solar. Havia também as plantas. Sua mãe apreciara avidamente a arte da jardinagem, cujo gosto havia incutido no filho. No dia anterior, notara um jardim muito parecido com os jardins da Terra, bem no meio de um shopping center, que parecia estar mal cuidado. As plantas que necessitavam de mais luz solar para poderem viscejar estavam à sombra, fato este que havia mencionado en passant ao groppler. Uma hora mais tarde, passara novamente pelo jardim, e notara que as plantas haviam sido removidas para outra posição, de modo a receberem mais luz solar. Pequenas coisas - mas elas haviam sido modificadas muito rapidamente.

Riker sabia que a Frota Estelar estava fazendo perguntas sobre os bandis e a Estação Farpoint, perguntas estas que necessitavam de respostas. Tivera um pressentimento de que o encontro da Hood com a Enterprise, aparentemente para que se efetuasse uma troca de pessoal, era apenas uma desculpa elaborada a fim de possibilitar uma investigação, numa tentativa de responder a estas perguntas.

O capitão Jean-Luc Picard era um homem de quem conhecia apenas a reputação - de perspicácia, lógica clara, e ação decisiva. Riker tinha o pressentimento de que o capitão não se importaria se seu novo imediato fizesse uma pequena investigação particular. Decidiu procurar por alguma coisa que pudesse fornecer a Picard informações sobre Farpoint e a estação.

A pequena e confortável área de lazer do shopping center possuía uma tela que se conectava ao sofisticado sistema perimétrico de satélite da Estação Farpoint - projetado para alertar o centro de controle quanto à aproximação de qualquer nave espacial. A área dava entrada a um jardim em declive que levava a uma piscina de dimensões olímpicas, mas os dois jovens oficiais da Frota Estelar estavam muito mais interessados na tela.

— Vamos lá - disse o alferes Hughes, impacientemente - onde está ela? - Mark Hughes era um agradável ruivo de vinte e um anos, recém-saído da Academia. Era um jovem entusiasta, cheio de energia, e ainda dado a falar primeiro e pensar depois.

Seu companheiro era um pouco mais velho, e sua maior experiência evidenciava-se na maneira como se movia e falava. - Dê um tempo, Mark -riu-se ele. - Ela está praticamente parada em seu cruzeiro de comissionamento.

— Geordi, dizem que ela nunca se atrasa - não desde que aquele velho ranzinza assumiu a cadeira de comando.

— Você não estaria se referindo à Enterprise, não é alferes Hughes? -disse Riker, às suas costas, sua voz denotando uma leve irritação.

Os dois jovens oficiais voltaram-se, surpresos. Tão logo perceberam que era um oficial superior que lhes dirigia a palavra, assumiram a posição de sentido. - Senhor, sim, senhor- rugiu Hughes.

Riker riu-se da resposta automática e tradicional do jovem. -Descansar, senhores - disse ele. - Ainda não estamos a bordo.

— Sabe que fomos engajados nela, senhor? - perguntou Hughes, constrangido.

— Naturalmente. - O comandante estendeu a mão. - Riker. Primeiro oficial. - Avaliou a ambos enquanto apertava-lhes a mão. Hughes era alto e magro, atraente de um modo estranhamente doméstico. O oficial negro, Geordi LaForge, era menor, mais forte, com um sorriso que destoava do aparelho que usava sobre os olhos. Riker sabia que LaForge nascera cego, com nervos óticos praticamente mortos. Cirurgiões haviam-lhe colocado implantes quando ainda bebê, o que lhe proporcionara uma visão superior à habitual vinte por vinte, por meio do uso de uma prótese chamada VISOR, que se constituía em um instrumento substituto dos órgãos da visão.

O VISOR era, na verdade, muito mais do que um substituto dos olhos. Permitia-lhe enxergar telescópica e microscopicamente, bem como enxergar todo o espectro de luz, do raio X ao infravermelho. LaForge também estivera servindo a bordo da Hood, como oficial de navegação; mas seus turnos não haviam coincidido com os de Riker, e este apenas o conhecia por sua reputação.

— A caminho daqui, li todas as folhas de serviço de todo o pessoal novo - disse Riker. - Excelente registro na Academia da Frota Estelar, Sr. Hughes.

— Obrigado, senhor.

— Notei também que era o artilheiro do time de Null-G.

Hughes sorriu. - Bem, não se joga sozinho. Tive muito apoio de meus companheiros de time.

— E quanto ao senhor, Sr. LaForge, o capitão DeSoto tinha uma excelente opinião a seu respeito como navegador a bordo da Hood. Por que solicitou transferência para a Enterprise?

O sorriso de LaForge abriu-se, entusiasticamente. - Quem não o faria, senhor? A maior, mais nova e mais rápida nave estelar da Frota...

— Comandada pelo melhor capitão da frota - interrompeu Riker suavemente. - Certo, Sr. Hughes?

Hughes corou, constrangido, de cima a baixo. Riker ouvira as palavras "velho ranzinza". Hughes corajosamente sustentou o olhar de Riker, mas sua resposta limitou-se a um tímido - Sim, senhor.

LaForge estivera lançando olhares rápidos à tela. - Ela está fora do horário, senhor - disse ele, repentinamente.

— Isso não se parece com Picard - ao menos com o que ouvi a seu respeito. - Riker parecia preocupado.

— O senhor precisa de nós para alguma coisa, senhor? - perguntou LaForge.

— Sim. - Riker voltou toda a atenção para os dois jovens oficiais. -Estou entrando em contato com todo o pessoal da Enterprise em trânsito aqui em Farpoint. A Frota Estelar está muito interessada nesta estação, e estou tentando elaborar um relatório preliminar para o capitão Picard. Gostaria que me mantivessem informado a respeito de qualquer coisa anormal ou diferente que perceberem.

— Anormal, senhor? Como assim?

Riker considerou a pergunta. Não era fácil de responder. - Qualquer coisa que não possam explicar. Qualquer coisa que fuja ao corriqueiro. Incidentes que mais se pareçam com... bem, com mágica, por assim dizer.

— Mas esta é uma estação moderna, senhor - protestou Hughes. -Mágica...

— É uma estação construída por alienígenas, alferes. Não sabemos muito a respeito dos bandis, e suspeito que deveríamos ter tentado descobrir mais antes de permitirmos que a construíssem.

Um sinal soou na tela do sistema de comunicações da estação, e uma agradável voz feminina anunciou, - Comandante Riker. Queira por gentileza dirigir-se ao escritório do groppler Zorn. Comandante Riker, por gentileza, dirija-se ao escritório do groppler Zorn.

— Com licença - disse Riker aos outros. Acenaram rapidamente com a cabeça, e voltaram-se para a tela.

O escritório do administrador ficava na cidade velha, ao lado da moderna estação. Uma esteira rolante carregou Riker diagonalmente através da parte mais ampla do complexo; e, quando saiu dela, levou apenas cinco minutos para caminhar até o escritório. Os corredores da velha cidade eram estreitos e altos - um tanto parecidos com os próprios bandis, refletiu Riker. Todos pareciam ter sessenta anos terrestres, mesmo os que Riker sabia serem mais jovens. Talvez a sua pele acinzentada lhe desse a aparência de ser mais velho; com certeza, sua altura e construção esguia denotavam a fragilidade óssea de idade mais avançada.

O assistente de Zorn levou Riker até o escritório do groppler. Zorn aguardava-o por detrás de uma enorme elegante mesa, mas de uma configuração peculiar. Suas gavetas pareciam encaixar-se na madeira extremamente polida, com uma graça e beleza de linhas quase orgânica. O restante dos móveis -sua cadeira, as mesas de canto, outras cadeiras para visitantes, mesmo um gracioso armário - eram de formatos diferentes, mas todos feitos da mesma madeira avermelhada. Frutas terrestres variadas estavam à disposição em uma fruteira de prata sobre a mesa.

O administrador levantou-se e estendeu a mão esquerda para Riker. Haviam-se encontrado quando o primeiro grupo de pessoal em trânsito para a Enterprise fora teleportado para Farpoint. Aparentemente, o cerimonial do aperto de mão havia escapado a Zorn, que se confundira com ele. Murmurando escusas quando Riker automaticamente estendeu-lhe a mão direita, Zorn trocou de mão e tentou colocar dedos e polegar na posição correta para efetuar o cumprimento.

— Vim tão logo quanto pude, groppler - disse Riker, sentando-se na cadeira à frente de Zorn.

— Obrigado. - Zorn sentou-se e pressionou alguns instrumentos de comunicação à sua frente. - Sua nave Enterprise não está no horário.

Riker lançou o olhar para o cronômetro de parede atrás de Zorn. -Está uma hora e quarenta minutos fora do horário.

— Ah, sim. Este era o horário previsto. Isto é um tanto inusitado, não? As naves da Frota Estelar têm a reputação de serem fielmente pontuais. Especialmente essa sua Enterprise.

— Correto. Se não houver nenhuma interferência.

— Naturalmente - assentiu Zorn, hesitando. - Mas o que poderia possivelmente interferir com uma nave estelar?

— Você se surpreenderia com a resposta - disse Riker calmamente. -"Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que supõe nossa vã filosofia.

— Ah, receio não compreender.

Riker observou cuidadosamente o administrador bandi. Zorn era o produto de uma herança cultural apegada àquele planeta. Os bandis haviam detectado o primeiro grupo de contato quase de imediato, e subseqüentemente demonstrado uma percepção instantânea a respeito de viagens e comunicação estelares, e o fato da presença da Federação. Ainda assim, o conceito dos perigos inerentes à viagem espacial parecia escapar-lhes, tanto quanto o cerimonial do aperto de mão.

— Não importa - disse Riker. - Uma gama muito variada de coisas pode tirar uma nave espacial de seu horário.

— Sim - sorriu Zorn agradavelmente. - Mas espero ter tornado a sua espera confortável?

— Luxuosa, diria eu. - Riker observou o administrador desconsiderar tal afirmativa, como se não fosse importante. - Pareceria ingrato se solicitasse algumas informações?

— Como desejar.

— Acho extremamente interessante que, em meio à sua cultura tão antiga, vocês tenham conseguido construir uma moderna estação de trilúrio e duraplaste. O suprimento de energia que abastece suas fábricas deve ser tão abundante quanto ouvi dizer que seria.

Zorn sorriu entusiasticamente, seus dentes brancos brilhando em sua face acinzentada. - A grande bênção deste planeta é a energia geotérmica. Enviarei aos seus aposentos todos os detalhes sobre nossa fonte de energia.

— Obrigado. - Zorn estava tão reticente quanto ao assunto, que Riker tinha certeza de que o relatório que lhe seria enviado seria praticamente inútil. - Mas ainda assim parece incrível que vocês construíssem esta imensa estação tão rápida e tão convenientemente no que diz respeito às nossas necessidades, ou melhor, às necessidades da Frota Estelar.

Zorn delicadamente apresentou a Riker a fruteira. - O comandante se serviria de uma fruta? Foi-me dito que estas frutas são consideradas uma iguaria na Terra.

— Bem, se houvesse uma maçã... - observou Riker. Viu uvas, laranjas, bananas, peras, pêssegos, tangerinas, morangos... mas não havia maçãs. -Acho que não há - disse, desapontado.

— Sinto muito, comandante.

— Não tem importância. O que eu dizia era que... - Olhou para o apoio atrás de Zorn e arregalou os olhos. - Macacos me mordam! — Zorn virou a cabeça, seguindo o olhar de Riker. Havia uma segunda fruteira lá e, entre as frutas, uma reluzente maçã vermelha.

— Ah, sim. Havia uma outra fruteira aqui. Sirva-se, por favor.

Riker levantou-se e, contornando a mesa de Zorn, apanhou a maçã. -Poderia jurar que isto não estava aqui. - Cheirou-a, e o doce aroma que lhe encheu as narinas fê-lo lembrar da macieira do jardim de sua casa.

— O fato de não a haver notado antes torna-a indesejável? Riker meneou a cabeça. - De forma alguma, groppler.

Zorn sorriu, confiante. - Creio que o mesmo se dará com a Estação Farpoint, comandante. Umas poucas perguntas respondidas casualmente não farão com que a Frota Estelar a aprecie menos.

Riker encarou Zorn pensativamente. Uma resposta muito amena, pensou ele. Sofismática. Mordeu a maçã, seu leve sabor acre comprimindo-lhe as bochechas. Zorn esperava por uma resposta, e Riker levou um tempo para dá-la. - Tenho certeza de que não, senhor. -Apontou para a maçã e sorriu. - Deliciosa, obrigado. - Encaminhou-se para a porta, e acrescentou - Bom dia, groppler Zorn.

Ao fechar-se a porta atrás de Riker, Zorn levantou-se com rapidez de sua cadeira. Girou sobre si mesmo, e esbravejou com a sala vazia.

— Já lhe avisamos para não fazer isso. Por que não pode compreender isto? Vai levantar-lhes suspeitas... - Cruzou firmemente os braços. - ...E se isso acontecer, teremos de puni-la. Nós o faremos, eu lhe prometo!

 

Hughes havia descoberto uma sorveteria escondida em um dos cantos da vasta área de vendas da estação. Geordi LaForge vibrou. Era uma réplica exata da mais tradicional sorveteria que já vira. O balcão de mármore; as máquinas de refrigerante; o sorvete; as coberturas de nozes, cerejas, chocolate; os bancos altos ao lado do balcão - todos os detalhes eram precisos.

Os dois jovens oficiais sentaram-se ao balcão, apreciando o ambiente. LaForge notou que os ventiladores do teto, que faziam circular o ar, eram belas reproduções dos ventiladores com hélices de madeira do início do século XX. O balconista, vestindo camisa listrada, calças e gorro brancos, deu a Hughes um sundae que LaForge achou muito simples. Uma grossa bola de sorvete de baunilha estava envolta por uma camada de chocolate, e coberta por creme chantilly.

Hughes sorriu, satisfeito. - Tenho desejado comer um desses. Na Hood não há um bom sorveteiro. Os sorvetes lá têm sempre aquele gosto sintético. - Enterrou a colher no sorvete, saboreando-o, e seus olhos se fecharam ao exclamar. - Ah, que delícia...

— O quê?

— É exatamente igual ao sorvete que minha avó fazia na fazenda.

Experimente.

— Não, obrigado. - LaForge inclinou a cabeça, sonhando de olhos abertos... relembrando. - Ninguém seria capaz de fazer o que eu gostaria de comer. - O balconista observou-o, ouvindo atentamente. - Havia somente um lugar em minha cidade natal que fazia um sundae de chocolate coberto com manteiga de amendoim, chantilly azul, e uma cereja no topo. - Meneou a cabeça e suspirou. - Deus, como aquilo era bom.

— Do que era feito o chantilly azul? - perguntou Hughes.

LaForge fez-lhe uma careta. - Quem sabe? É assim que tinha de ser. A última vez em que comi um desses foi antes de entrar para o primeiro ano da Academia...

O balconista colocou à sua frente um sundae de chocolate, coberto com manteiga de amendoim, chantilly azul, uma cereja ao maraschino no topo. LaForge olhou o sorvete demoradamente, pensativo, e então experimentou uma grande colherada.

Hughes o observou com curiosidade. - Está...

— Perfeito - suspirou LaForge. - Como mágica. - Percebendo as próprias palavras, olhou para Hughes, que lhe retribuiu o olhar. Como mágica.

— Acho que devemos conversar com o comandante Riker - disse LaForge.

— Certo - disse Hughes, levantando-se.

— Um momento - disse LaForge, segurando Hughes pelo ombro. - Depois que eu terminar.

 

A entrada do shopping center era feita de trilúrio e vidros, bem iluminada, arejada com árvores, arbustos e flores dispostos de maneira decorativa, sendo que alguns deles eram originários da Terra e os demais de outros planetas. Alguns oficiais da Frota Estelar estavam passando por ali, entrando ou saindo do shopping center. A maioria deles era visitante da Hood, sabia-o Riker, que estavam ali para conhecer a estação. Todo o pessoal que iria se transferir para a Enterprise havia recebido alojamentos provisórios na Estação Farpoint.

Na entrada, viu a doutora Crusher e seu filho Wesley. Beverly Crusher era a nova oficial médica-chefe da Enterprise. Riker sabia que o histórico de sua carreira era tão excepcional, que conseguira esta posição em apenas treze anos de Frota Estelar. Era também uma das mais belas mulheres que já vira.

— Doutora Crusher! - chamou ele.

Wesley olhou ao redor e voltou-se para a mãe. - É o comandante Riker.

A doutora Crusher diminuiu o passo para que Riker os alcançasse, mas não esboçou nenhum sorriso. Era naturalmente reservada com estranhos. Riker viu-a em algumas reuniões sociais a bordo da Hood em sua viagem para Farpoint. Não era de muita conversa, e a julgar pela maneira com que tratou alguns dos oficiais que tentaram se aproximar, decidiu não agir dessa forma.

Ao conhecer Beverly, notara que seu rosto e aparência geral sempre lhe assegurariam parecer ter dez anos menos do que tinha na realidade. Seus olhos muito azuis denotavam não apenas uma inteligência arguta, como também uma personalidade forte e vibrante. Se era pouco comunicativa em meio a estranhos, esse era um problema exclusivamente dela.

Wesley, seu filho, tinha cabelos castanho-claros, estrutura pequena e compacta, e denotava a mesma inteligência viva, multiplicada por quatro. Era apenas razoavelmente bonito, mas cheio de entusiasmo pela vida, com uma personalidade alegre e promissora. Durante a viagem, Riker havia conversado brevemente com ele a respeito de tecnologia de naves espaciais. Wesley fizera algumas perguntas, e Riker percebera que o rapaz ouvia as respostas.

— Olá, Wesley. Aproveitando sua estadia na Estação Farpoint?

— Sim, senhor.

Riker percebeu que Beverly notara sua presença e parará. - Eu os vi e pensei em juntar-me a vocês em seu passeio, se permitirem. - Sorriu amistosamente.

Beverly parecia estar em dúvida - e nem um pouco amistosa. -Planejávamos fazer compras.

Riker insistiu. - Gostaria de visitar o shopping center também. Posso acompanhá-los?

— Naturalmente. - Ela encaminhou-se para as portas de vidro que davam acesso à parte coberta. Riker acompanhou-lhe o passo, com Wesley seguindo-os um pouco atrás, a observar os dois adultos.

O shopping center, como a entrada, era luminoso e arejado, com áreas verdes agradáveis, flores aromáticas e coloridas. As lojas eram atraentes, e havia também os quiosques que vendiam alimentos, bebidas e mercadorias de todo tipo. Os comerciantes bandis eram bastante atenciosos e quase que corteses demais para com o pessoal da Frota Estelar, que lhes comprava as mercadorias. Beverly examinou as primeiras lojas e quiosques, ignorando Riker.

— Mamãe não é exatamente inamistosa, senhor. Ela se intimida na presença de homens que não conhece - disse Wesley com franqueza.

Beverly voltou-se subitamente para ele, seu rosto ardendo. - Wesley!

— Uma excelente política - disse Riker. - Sinto-me assim também em companhia de senhoras que acabo de conhecer. - Olhou para Beverly com um sorriso divertido, e esta viu-se forçada a sorrir-lhe de volta.

— Doutora Crusher... - começou Riker. - Embora ainda não sejamos oficialmente parte da Enterprise, acho que poderemos ser úteis enquanto esperamos.

Beverly olhou-o, levantando-lhe uma das sobrancelhas. - Úteis? Como, comandante?

— Investigando algumas coisas que percebi por aqui. - Beverly afastou-se dele, em direção a uma mesa à entrada de uma das lojas, cheia de tecidos e coisas exóticas. Os rolos de tecido estavam dispostos na mesa, e alguns deles estavam em pé, apoiados nela, um tanto desenrolados para mostrar porções maiores dos tecidos. Riker acompanhou a doutora e esperou, enquanto ela escolhia. - O capitão inspecionará esta estação para a Frota Estelar. Qualquer informação que possamos lhe adiantar será bastante útil.

— Uhm. - Beverly parecia mais interessada nos tecidos. Riker rapidamente relatou-lhe as coisas que ele mesmo havia observado: os quadros, o misterioso aparecimento da segunda fruteira com a maçã que pedira. Beverly ouviu tudo, enquanto pegava nas mãos um tecido alaranjado.

— Percebe quão estranhos são estes incidentes? - finalizou Riker.

— Acho que não. O que, de fato, aconteceu? Os bandis mudaram a decoração de seu apartamento.... Uma fruteira que o senhor não notara...

— Tenho certeza de que não estava lá antes.

— Uma fruteira que o senhor não notara - prosseguiu Beverly, com firmeza - continha uma fruta que desejava. Não creio que o capitão Picard achará isso importante. - Pegou um rolo de tecido marrom, e esticou uma parte contra a luz. - Isto ficaria lindo se tivesse estampa dourada - disse ela ao vendedor. O bandi assentiu e começou a olhar para os rolos sobre a mesa. Wesley observou-o atentamente, enquanto sua mãe voltava-se para Riker. Tenho certeza, comandante, de que há razões para que um jovem primeiro oficial queira demonstrar sua eficiência, astúcia e energia ao seu novo capitão.

— Um momento, doutora...

— Mas meu dever e interesses não dizem respeito à estrutura de comando. - Beverly interrompeu o que iria dizer a seguir, ao perceber que Riker olhava atentamente para algo atrás dela. O rolo de tecido que antes fora marrom e liso, tinha agora uma estampa em ouro e prata.

— Não é ótimo que o vendedor tivesse exatamente o que a senhora pediu? - perguntou Riker, com um leve toque de sarcasmo.

Beverly olhou para ele, e então para o vendedor que sorria serenamente, aguardando sua decisão. - Obrigada. Levarei o rolo todo. Envie-o para a Enterprise quando ela chegar, com a conta para a doutora Beverly Crusher.

O vendedor inclinou a cabeça e passou a informação para um monitor pendurado à cintura. Então apanhou o rolo de tecido e levou-o para dentro da loja para ser embrulhado. Beverly olhou para Riker, com uma expressão de assombro. Riker indicou o caminho com a mão. Ela assentiu e acompanhou-o.

— A senhora dizia, doutora? - perguntou Riker.

Beverly olhou-o, embaraçada. - Eu dizia que o senhor estava procurando impressionar seu novo capitão. - Levantou o queixo e encarou-o. - Peço desculpas por isso, comandante Riker.

— Meu nome é Bill.

— Sim, eu sei.

— Aquele tecido com estampa dourada não estava na pilha antes, mãe. Tenho certeza disso - disse Wesley.

— Concordo. - Beverly parou e olhou para trás, para a loja onde o vendedor uma vez mais aparecera por detrás da mesa para oferecer sua mercadoria. - Talvez isso seja algo que Jean-Luc tenha interesse em saber.

— Jean-Luc? A senhora conhece o capitão Picard?

Wesley interrompeu, com uma ponta de orgulho. - Ele serviu a bordo da Stargazer com meu pai.

Beverly colocou a mão no ombro do rapaz e sorriu para Riker, como que se desculpando. - Wesley, o comandante Riker não está interessado na história de nossa família. Não posso dizer que conheça o capitão Picard intimamente, comandante. Apenas fomos apresentados - isso é tudo. E há muito tempo. - Franziu o cenho, pensativamente. - O incidente com o tecido foi estranho. Vou-lhe dizer uma coisa: ficarei de olhos bem abertos e o informarei de tudo o que descobrir ou vir.

— Agradeço - Beverly, não é?

Ela assentiu, escondendo o sorriso. Em qualquer nave, a maioria dos oficiais superiores tratavam-se pelo primeiro nome, mas ela não tinha a menor intenção de permitir que o jovem Riker se tornasse íntimo tão depressa. Ainda assim, suas observações a respeito dos incidentes ocorridos pareciam ter uma base concreta. O que eram os bandis, e quais suas intenções ao construírem a estação? Riker tinha razão em pedir a todos que pudesse contatar que ficassem atentos e informassem a Picard sobre qualquer coisa inusitada.

— Senhor... - Voltaram-se, enquanto Geordi LaForge apressava-se em sua direção. - A Enterprise está chegando, mas...

— Este é um relatório oficial, tenente? - interrompeu Riker.

— Desculpe-me, comandante. - LaForge assumiu posição de sentido, e fez seu relatório de maneira formal. - Senhor. Tenente LaForge informando que a Enterprise está chegando, mas sem a seção do disco.

Riker e Beverly trocaram olhares rápidos e preocupados. - Só a seção de batalha? O que aconteceu?

— Nenhuma informação a esse respeito, senhor. O capitão Picard informou que deseja que o senhor se teletransporte a bordo imediatamente.

— Nosso novo capitão não perde tempo - observou Beverly.

— O que é uma boa regra para mim também - disse Riker, secamente. -Obrigado, tenente. Agradeço por encontrar-me tão rapidamente.

— Sim, senhor - disse LaForge. - Senhor, se me permite, o alferes Hughes e eu notamos algo que julgamos que devemos levar ao seu conhecimento...

Riker levantou a mão. - Envie-me um relatório a bordo da nave. -Tocou o comunicador em seu peito esquerdo, sobre o uniforme. -Enterprise, aqui é o comandante Riker na Estação Farpoint. Pronto para transporte.

— Enterprise para Riker. Acionando.

O ar ao redor de Riker brilhou e dançou. Vagarosamente, partículas brilhantes envolveram-no, e desvaneceram-se no ar. Beverly sempre se espantava com o processo de teletransporte, embora conhecesse plenamente seu princípio operacional. A tecnologia da Frota Estelar era repleta de conquistas maravilhosas, mas o método de desagregar átomos corpóreos de um objeto ou uma criatura, transportá-los por vastas distâncias no espaço, e então reagregá-los com perfeição, certamente era a maior delas. Colocou o braço ao redor de Wesley, e assentiu para LaForge.

— Se nos der licença, tenente, agora que a Enterprise está aqui, temos de tomar providências para nos teletransportarmos a bordo também.

— Apenas a seção de batalha chegou, senhora - disse LaForge. - Não sabemos o que aconteceu... nem aonde está a seção do disco.

Beverly encarou-o, sua expressão inalterada. - Então tenho certeza de que o capitão nos informará a respeito, quando achar que é hora de sabermos.

 

Ninguém jamais se lembra do momento exato em que é teletransportado. Simplesmente se está num lugar quando inicia, e se está em outro quando acaba.

Riker observou o efeito do teletransporte se esvanecer ao seu redor. Visto de dentro, esse efeito, criado pelo raio transportador, era uma bela dança de cores e luzes.

Quando o raio desapareceu, lançou um olhar automático de avaliação pela sala. Era maior que as salas de outras naves onde havia servido. Suas cores tinham tons suaves de bege e eram agradavelmente repousantes.

O oficial de teletransporte por detrás do console de controle assentiu para ele, mas foi a mulher loira e alta, uniformizada, quem se adiantou e falou.

— Comandante Riker? Tenente Yar, chefe da segurança.

Riker desceu da plataforma do transportador, estendendo-lhe a mão. -É um prazer...

— O capitão Picard o receberá na ponte de batalha - interrompeu Tasha. -Por aqui, por favor.- Fez meia-volta e começou a andar, as portas abrindo-se para lhe dar passagem. Riker teve de se apressar para acompanhá-la, apesar de suas passadas largas. Havia um turboelevador nas proximidades, e Tasha já estava dentro dele, aguardando-o impacientemente.

— Estando separados da seção do disco, posso presumir que algo interessante aconteceu a caminho daqui? - perguntou ele.

— Cabe ao capitão dar as explicações, senhor. - Voltou a cabeça para falar calmamente aos controles. - Ponte de batalha.

Riker observou-a, mas ela parecia não prestar atenção a isso. - Yar -disse Riker, pensativamente. - Creio que seus grupos de segurança venceram os campeonatos da Frota por três anos seguidos nos exercícios de busca e proteção.

— Isto é fato, senhor. Pretendemos continuar a vencer.

— Um recorde invejável, tenente. Diga-me, estava na ponte de batalha quando ela se separou da seção do disco?

— Sim, senhor.

— Você se importaria em me dizer o que aconteceu?

— Caberá ao capitão fazê-lo, senhor.

Riker meneou a cabeça. Talvez todos sejam um bando de velhos ranzinzas a bordo, pensou.

Na ponte de batalha, Picard olhava atentamente para a tela à sua frente. - Temos permissão? - perguntou ele a Data.

O andróide, da sua posição ao controle de operações, assentiu. - Sim, senhor. Podemos assumir órbita-padrão.

— Execute.

As portas do turboelevador abriram-se, e Tasha precedeu a Riker na ponte de batalha. - Comandante Riker, senhor - anunciou Tasha.

Riker parou ao lado da cadeira de Picard, em posição de sentido. -Riker, W. T, apresentando-se como ordenado, senhor. - Ele esperava que o capitão lhe desse a mão, mas Picard apenas olhou-o, e então a Tasha.

— A tela está pronta, tenente?

— Tudo pronto, senhor.

Picard notou que Riker ainda estava em posição de sentido, e moveu a mão negligentemente. - Descansar, comandante. Primeiramente, vamos informá-lo de nossa pequena... aventura a caminho daqui. Então nós dois conversaremos.

— Por aqui - disse Tasha, movendo-se instantaneamente para a tela na parte posterior da ponte.

Ele não desperdiça palavras, pensou Riker ao seguir a chefe de segurança. Esta apontou-lhe a cadeira em frente à tela e curvou-se para ligá-la. Riker gabava-se de sua habilidade para perceber cheiros, a ponto de poder identificar a fragrância exata que uma mulher estivesse usando. Tudo o que sentia em Tasha era o agradável aroma de sabonete e shampoo. A tenente Yar aparentemente desprezava o pequeno toque feminino e se contentava em apenas estar limpa. Interessante, observou Riker.

A tela foi ligada. Então começou a mostrar o registro da camera de bordo - as mais extraordinárias cenas que Riker já havia visto. O alienígena que se autodenominava Q apareceu na ponte e ordenou a Picard que levasse sua nave de volta ao sistema solar, ou sofreria as conseqüências. Riker chegou mais perto a fim de ouvir todos os detalhes do confronto, evitando os ruídos da rotina da nave que prosseguia em seu ritmo normal.

Data voltou-se e falou a Picard. - Mensagem do tenente Worf, senhor. A seção do disco chegará aqui em cinqüenta e um minutos. O tenente Worf envia seus cumprimentos.

— Informe ao tenente que nos reconectaremos tão logo ele chegue. - O capitão levantou-se de sua cadeira em direção à sala de reuniões adjacente à ponte. Ao passar por Tasha, disse - Envie o comandante a mim tão logo ele termine de assistir ao filme.

— Sim, senhor. - Tasha olhou para onde o novo imediato ainda se reclinava próximo à tela.

Riker meneou a cabeça e falou alto, com ninguém em particular. - Ele chama isto de "pequena aventura"?

Picard estava sentado à sua mesa, na sala de reuniões da ponte de batalha, estudando uma série de fórmulas de combustível matéria-antimatéria na tela, quando uma campainha soou à porta. Desligou a tela e disse - Entre.

A porta abriu-se, e Riker entrou. O capitão fez-lhe sinal para que se sentasse. Riker obedeceu, observando o homem a quem havia escolhido como seu superior. Jean-Luc Picard tinha cinqüenta e cinco anos, era calvo, com um rosto aquilino, dominado por olhos inteligentes e dominadores. Quando assim o desejava, podia suavizar a expressão normalmente severa com um sorriso charmoso. De estatura média, mantinha ereto seu corpo esguio e musculoso, dando a impressão de ser mais alto do que era. Riker havia-se impressionado com sua presença marcante quando o vira pela primeira vez na ponte de batalha. Aqui, nesta sala menor, sentia ainda mais fortemente a personalidade de Picard.

O homem nascera para comandar.

— Sinto que tenha sido necessário trazê-lo a bordo dessa maneira, comandante - disse Picard em um forte tom barítono. - Não era minha intenção dar as boas-vindas ao meu novo imediato com a nave pela metade.

Riker sorriu, compreendendo. - Este não é exatamente um acontecimento corriqueiro, capitão.

— Parece que estamos vivos apenas porque fomos colocados à prova... um tipo muito sério de prova. E possivelmente ainda seremos sentenciados.

— Sentenciados a que, senhor?

— A nunca mais viajarmos para fora de nosso sistema estelar. A questão é - como nos provarmos dignos de poder fazê-lo? E saberemos quando estivermos sendo testados? De qualquer maneira, parece que a Estação Farpoint será nosso campo de provas... - O intercomunicador soou, e Picard disse: - Prossiga.

A voz de Data ressoou. - A seção do disco está agora entrando em órbita conosco, senhor.

— Anotado. O comandante Riker conduzirá o acoplamento manualmente. Picard desliga.

As sobrancelhas de Riker levantaram-se em surpresa. - Senhor?

Picard lançou-lhe um olhar de desafio. - Você já se apresentou a seu posto, não? Está qualificado?

— Sim, senhor.

— Então eu digo que o faça agora, comandante.

Riker levantou-se e saiu. Picard recostou-se em sua cadeira, observando seu jovem imediato à medida que saía. Adequado, até agora, pensou ele. Ao menos não tem medo de um desafio. Levantou-se e seguiu Riker.

Riker sentara-se ao console de controle e estudava a tela principal, quando Picard ocupou sua cadeira de comando. Data sentou-se ao lado de Riker no console de operações, mas este estava muito ocupado, concentrando-se na manobra que tinha para realizar, para prestar atenção ao andróide. A tela agora mostrava a parte posterior da seção do disco, no momento em que passava à frente da seção de batalha. Riker podia ver a área de conexão. Parecia menor do que se lembrava. Perturbadoramente menor.

— À frente - velocidade de atracagem - disse Riker.

Data e Tasha, assim como Picard, observavam-no de seus próprios pontos de vista, avaliando o novo oficial. Suas mãos se moviam habilmente sobre o console, ao fazer os ajustes iniciais. Sua postura denotava tensão, mas sua voz era firme.

— Confirmando conexão manual - disse Data. - Sem automação. Riker nem olhou para ele. Estava se concentrando no ângulo e velocidade de aproximação. - Conforme ordenado - respondeu ele.

A seção de batalha movia-se lentamente em direção ao grande disco. Um pouco baixo ainda, observou Riker. - Velocidade a meio metro por segundo. Ajustar ângulo para três graus negativos. - Suas mãos moviam-se por sobre o painel, os longos dedos operando delicadamente os ajustes. -Todos os setores, preparar para reconexão.

As duas enormes seções estavam niveladas, bem próximas. A seção de batalha continuava a mover-se para frente. - Vôo nivelado - disse Riker. -Manter velocidade de atracagem. - As bordas da seção do disco apareceram na tela, a área de acoplamento bem à frente e se aproximando. As mãos de Riker moviam-se ligeiras pelo console agora. -Desligar propulsores, todas as velocidades zeradas. A própria inércia deve completar a operação agora.

As duas seções deslizavam juntas, suavemente. Os grandes mecanismos de trava começaram a mover-se. Riker tocou em dois controles do console. - Travar... Agora. Tripulação de atracagem - completar todas as reconexões. - Girou a cadeira para olhar para Picard. - Atracagem em condição verde, senhor.

Uma voz ressoou pelo intersistema de comunicações da nave. - Chefe de atracagem para a ponte. Todos os sistemas de reconexão estão completos.

Picard tocou o painel no braço direito de sua cadeira. - Obrigado, Chefe. Ponte desliga. - Levantou-se e assentiu para Riker. - Se me acompanhar, comandante, temos assuntos a tratar. Os dois homens entraram no turboelevador. Assim que as portas se fecharam, Picard ordenou aos controles: - Convés de Observação. - O elevador subiu rapidamente da ponte de batalha em direção à seção do disco recém-acoplada. Riker esperou até que Picard falasse; pareceria presunçoso se forçasse uma conversa a essa altura.

— Reconexão é uma manobra de rotina, mas você a operou bem. - Sabia perfeitamente que seria uma manobra perigosa se a pessoa no comando dela não possuísse boa percepção e reflexos rápidos. O simulador de reconexão da Academia era a câmara de horrores para os que não conseguiam aprender a manobra, e não conseguiam passar no treinamento de comando. Eram então encaminhados para as áreas de operação ou ciências, onde sua inabilidade naquela única área nunca colocaria uma nave em perigo.

— Obrigado, senhor - , disse Riker secamente. - Espero ter sido ao menos promissor. - Riker ressentia-se com o fato de estar sendo condenado por um fraco elogio. Obtivera a nota mais alta no simulador de reconexão em toda a história da Academia, e manobrara com sucesso a reconexão tanto da Yorktown quanto da Hood. A julgar pelo olhar de aprovação que Picard lançou a Riker, o primeiro provavelmente tinha conhecimento disso também.

— De fato, tenho alguns testes para você - disse o capitão em tons amenos, quando o elevador parou. As portas se abriram, e indicou ao jovem o corredor à sua esquerda.

— Sim, senhor. Achei que teria. - Riker não estava sendo sarcástico ou desrespeitoso, mas seu tom deixava claro que não tinha a intenção de se deixar intimidar.

O convés de observações era largo, ligeiramente curvo, encaixando-se perfeitamente ao grande arco da seção do disco. As janelas propiciavam uma visão panorâmica do corpo do disco e das vastas profundezas do espaço, que piscavam à luz gélida das estrelas. A superfície amarelada de Deneb IV brilhava suavemente abaixo deles, com a luz refletida de seu sol. Picard atravessou a sala em direção a um pequeno console na parede. -Café?

— Obrigado, senhor. Preto, por favor.

Picard tocou duas vezes um dos controles, e em segundos duas canecas fumegantes, contendo a bebida aromática, apareceram. Picard ofereceu uma delas a Riker e fez-lhe sinal para que se sentasse em uma das confortáveis cadeiras próximas a uma janela de observação.

— Esta não é sua primeira nave estelar.

Conforme é do seu conhecimento, pensou Riker. - Não, senhor. Servi por três anos como segundo oficial a bordo da Yorktown, antes de ser promovido a primeiro oficial na Hood.

— E agora você se transferiu novamente - para uma nave maior. Seria por que você simplesmente anseia por mais espaço, ou por que não aprecia ambientes estáveis, comandante?

Riker esboçou um sorriso amarelo e deu de ombros levemente. - O que poderia ser mais estável do que uma missão de vinte anos?

Picard ignorou o tom jocoso de Riker. - Vi em seus registros que o capitão DeSoto o considera muito. Respeito a opinião dele. Entretanto, uma coisa me intriga. Você se recusou a deixá-lo ser teletransportado para Altair III.

— Em minha opinião, senhor, as condições em Altair III eram por demais perigosas para arriscar expor o capitão a elas. - Riker fez uma breve pausa, e olhou firmemente para Picard. - Eu o faria novamente.

— Entendo. O posto de capitão não significa nada para você.

— Pelo contrário, senhor. A vida de um capitão significa muito para mim. Falharia em meu dever se permitisse que meu capitão negasse o seu dever para com a nave e a tripulação ao teleportar-se para um planeta onde sua vida corresse perigo.

A voz do capitão endureceu. - Já lhe ocorreu, comandante Riker, que não se chega a capitão de nave estelar sem que se saiba se é seguro ou não teleportar-se para algum lugar? Não seria um tanto presunçoso da parte de um imediato ir contra a decisão de seu capitão?

— Permissão para falar francamente, senhor?

— Sempre.

Riker inclinou-se, cotovelos nos joelhos, suas grandes mãos movendo-se com gestos eloqüentes à medida que falava. - Tendo o senhor mesmo sido imediato, sabe que assumir a responsabilidade pela segurança da nave inclui, necessariamente, a responsabilidade pela segurança do capitão. Não tenho dificuldade em seguir qualquer ordem que dê. Mas em nenhuma circunstância permitirei que comprometa a sua segurança pessoal. Se minha posição em relação a isso lhe desagradar, senhor, pode solicitar minha transferência e colocar-me de volta a bordo da Hood antes que ela parta.

— Você não pretende mudar de atitude?

— Não, senhor - replicou Riker com firmeza.

Picard observou-o cuidadosamente, e Riker sustentou-lhe o olhar. A folha de serviço de Riker indicava que era um oficial ambicioso, mas a contrabalancear sua ambição estava o simples fato de que esse homem era bom. A tripulação o obedecia naturalmente; trabalhava duramente; e era inteligente. Todos os seus oficiais comandantes haviam-se destacado em seus cursos extras em matérias não apenas relativas a comando de uma nave estelar, mas também a engenharia, comunicação e diversas ciências. Se houvesse prosseguido em seu curso de estudos, Riker poderia facilmente ter-se qualificado para diversos doutoramentos.

Quanto à sua obstinação a respeito dessa questão de recusar permitir que um capitão chefiasse um grupo de terra...

Picard finalmente assentiu. - Fico contente em ouvir isso, comandante. Teria recusado aceitar sua transferência para a Enterprise se você tivesse mudado de opinião. - Fez uma pausa. - Mais uma coisa... Um favor especial?

— Qualquer coisa, senhor.

Picard pigarreou, para encobrir um toque de constrangimento. -Ajude-me com as crianças.

— Senhor? - perguntou Riker, surpreso. Que problemas poderia ter esse homem tão cheio de si em relação a crianças?

— Não sou um homem com família, Riker, e no entanto a Frota Estelar me deu uma nave com crianças a bordo. Usando o mesmo tipo de determinação que demonstrou para com o capitão DeSoto, agradeceria se você me ajudasse a não fazer papel de tolo com elas.

— Sim, senhor.

— Elas me constrangem - prosseguiu Picard. - Mas uma vez que um capitão precisa ter uma imagem de "amabilidade" para com elas, você deve assegurar que seja isso que eu transmita.

Riker escondeu cuidadosamente um sorriso e tentou responder com um sério - Sim, senhor.

Picard pareceu não perceber o esforço de Riker para esconder o riso. -Não sei quanto a você, comandante, mas a idéia de ter crianças vivendo a bordo desta nave - isto não me agrada. Elas se intrometem nas coisas. Fazem confusão. Há que se implementar medidas especiais de segurança para mantê-las fora de certas áreas. E todas elas querem ir à ponte.

— Naturalmente. Podemos providenciar que a visitem, desde que apropriadamente acompanhadas. Acho que as crianças aprendem melhor com as experiências. E tudo parte do seu processo de crescimento.

Picard lançou-lhe um olhar despeitado. - Minha experiência tem-me mostrado que "processo de crescimento" é só uma desculpa para desordens. E desordens são a última coisa de que preciso a borda da ponte de minha nave. Sua expressão suavizou-se um pouco. - No entanto, teremos de lidar com as crianças nos outros setores da nave - e ainda comandar rigidamente a Enterprise.

— Sim, senhor. Podemos fazê-lo.

Picard sorriu e estendeu-lhe a mão. - Bem-vindo à Enterprise, comandante Riker.

Os dois trocaram um vigoroso aperto de mãos. Pela primeira vez, Riker sentiu a amabilidade do homem por detrás da férrea fachada de capitão. Picard certamente merecera a reputação de velho ranzinza - mas, por detrás disso, Riker o sabia, havia um homem solidário, justo e compreensivo.

Riker saiu do turboelevador, entrando na ponte principal da Enterprise, e soltou um longo e lento suspiro de aprovação. Era espaçosa, mesmo comparada à ponte principal da Hood; e suas linhas arquitetônicas não podiam esconder a mais avançada tecnologia que a Frota Estelar tinha a oferecer. A sua esquerda, a tela principal mostrava uma visão panorâmica do planeta abaixo, e o brilho do campo espacial além. Os consoles de controle e operações, com seus assentos baixos e inclinados para trás, estavam colocados imediatamente à frente da tela. Mais atrás, na curva em forma de ferradura que dividia a parte posterior da ponte da área de comando, estava a cadeira do capitão, ladeada por cadeiras para o primeiro oficial e a conselheira da nave, além de assentos confortáveis para convidados, visitantes ou oficiais da nave chamados à ponte. Rampas subiam a cada lado da ferradura, conduzindo à parte posterior da ponte, onde instrumentos e computadores serviam aos oficiais de ciência, engenheiros de sistemas de propulsão, sistemas manuais de emergência e sistemas de sustentação da vida. O turboelevador achava-se próximo aos armários de equipamento de emergência; e, imediatamente à direita de Riker, a sala principal de reuniões do capitão na ponte. Acima, uma cúpula oferecia um outro panorama das estrelas. Riker achou tudo assombroso, mas a tripulação reduzida da ponte cuidava de seus deveres como se fossem apenas rotina. Riker imaginou que também se acostumaria a isso; mas esperava nunca vir a perder o sentimento de orgulho que o envolvera ao pisar na ponte pela primeira vez.

O jovem tenente klingon, que ocupava a cadeira de comando, levantou-se respeitosamente ao reconhecer a insígnia de comandante. O único estranho que a envergava tinha de ser o novo imediato. -Comandante Riker?

— Sim - respondeu Riker, adiantando-se. - Você é...?

— Tenente Worf, senhor. Posso ajudá-lo?

— Onde posso encontrar o tenente-comandante Data?

— Ele está em missão especial, senhor. Está utilizando uma de nossas internaves para transferir um oficial superior de volta à Hood.

— Oficial superior?

Worf corrigiu seu erro. - Perdão, senhor. Um oficial superior aposentado. Ele estava a bordo desde que efetuamos a reconexão, para inspecionar a seção médica da nave.

Riker começou a sorrir. - Ah, o almirante.

— Sim, senhor - concordou Worf. - Um homem notável.

Data conduzia o ancião pelos corredores da Enterprise com especial atenção à sua fragilidade. O almirante era encurvado, enrugado, sua pele quase transparente devido à sua idade tão avançada. O que lhe restava de cabelos na cabeça era de um branco amarelado. - Quando chegaremos lá? - perguntou ele com voz envelhecida.

— Não está muito longe, senhor - disse Data. - Por aqui. O teletransporte o colocará a bordo da Hood em questão de segundos.

O almirante fincou teimosamente os pés no chão e empertigou-se tanto quanto pôde, olhando Data com olhos azuis brilhantes. - Um momento, rapaz. Pode parar já com essa conversa de teletransporte. A única razão pela qual permiti que me promovessem a almirante foi para que assim eu pudesse comandar uma internave sempre que assim o desejasse.

— Mas, senhor...

— E quero uma agora.

— Senhor, o teletransporte...

O almirante encarou Data bem de perto e fez-lhe uma carranca. - Você tem alguma razão especial para desejar que meus átomos se espalhem por todo o espaço? - perguntou ele, em tom de discussão.

— Não, senhor. - Se assim quisesse, Data poderia argumentar com um rinoceronte com dor de dentes e ressaca. - Mas, na sua idade, senhor, -disse ele, diplomaticamente, - achei que não fosse necessário enfrentar a perda de tempo e incômodos de uma viagem via internave...

O rosnar do almirante deixou-lhe claro que seguia a linha errada de abordagem. - O que tem a minha idade?

— Perdão, senhor. Se o assunto o incomoda...

— Incomodar a mim? O que há de errado em não se ter morrido ainda? Quantos anos pensa que eu tenho?

Finalmente uma pergunta à qual Data podia responder sem receio de ser mal interpretado. - Cento e trinta e sete anos, almirante, de acordo com os registros da Frota Estelar.

Os olhos do ancião estreitaram-se ao observar a face serena de Data. -Explique como se lembra disso com tanta precisão.

— Lembro-me de todo fato a mim apresentado, senhor.

O almirante aproximou-se, carrancudo, apertando um dos olhos para examinar as orelhas de Data. - Não vejo pontas em suas orelhas, rapaz, mas você fala como um vulcano.

— Não, senhor. Sou um andróide.

O almirante retorquiu, com desdém. - Bem, dá no mesmo. Construído por eles?

Data piscou os olhos amarelos. Sentia-se confuso, mas decidido a manter-se respeitoso ao agitado ancião. - Não, senhor. - Fez uma pausa e arriscou. - Penso ser amplamente reconhecido, senhor, que os vulcanos são uma raça avançada e das mais honradas.

O almirante encarou-o por um momento, e Data notou a mudança, seus severos olhos azuis suavizaram-se e desapareceu a carranca. Algo - talvez uma lembrança - pareceu atravessar-lhe o pensamento; tocou o braço de Data, assentindo brevemente. - Eles são, rapaz. Eles são. - Sua voz endureceu-se novamente. - E também terrivelmente chatos.

— Se assim o afirma, senhor.

O almirante recompôs-se, e a carranca voltou-lhe às feições. - Bem, vamos indo. Ao porto de naves auxiliares - não àquela droga de sala de teletransporte. Entendeu?

— Sim, senhor. Naturalmente. - Data colocou a mão sob o cotovelo do ancião e guiou-o até o turboelevador. - Por aqui, por favor.

O almirante Leonard McCoy, do Corpo Médico da Frota Estelar, aposentado, curvou os lábios num meio-sorriso. Vencera novamente. Esta vitória fora obtida mais facilmente do que a de tentar embarcar na Hood para viajar até aqui a fim de ver a nova USS Enterprise. Estava internado no Hospital Bethesda da Frota Estelar, quando ela recebera permissão para sair da doca espacial de Marte. Para os diabos com aquele acidente tolo! Quebrara o quadril e rompera os ligamentos do joelho ao tropeçar nos brinquedos de um de seus tataranetos. E por quê? Estava-se apressando para pegar o documentário tri-holográfico sobre a construção da nova nave, e a história que ela estaria levando ao espaço - história da qual ele tomara parte. Sua filha, Joanna, o havia acusado , dizendo que o acidente se devia a seu orgulho. Disse-lhe que ele queria assegurar-se de que seu nome seria mencionado!

Praguejara e gritara, mas isso não lhe permitiu sair logo do hospital. A medicina moderna fazia com que mesmo algumas de suas velhas técnicas parecessem curandeirismo primitivo - exatamente como Spock costumava afirmar-lhe, a fim de provocá-lo- mas, ainda assim, havia pouco a ser feito para se recuperar velhos ossos quebrados, em menos de dois dias. É uma brincadeira de mau gosto, pensou, insatisfeito. Fora forçado a acompanhar a cerimônia de comissionamento no maior e melhor aparelho de tri-holograma que pôde conseguir, mas isto não era o suficiente para ele. Queria estar lá com os outros. Vira as outras naves estelares que haviam envergado o nome Enterprise; servira a bordo de três delas, até que a Frota Estelar o promovera ao almirantado e lhe passara o comando do Corpo Médico da Frota Estelar.

Aposentara-se há dez anos, e mais ou menos acomodara-se a uma vida confortável em uma fazenda pequena, mas meticulosamente administrada, em uma área ainda rural da Geórgia. A notícia da construção de uma nova Enterprise - NCC-1701-D - trouxe-lhe um inesperado entusiasmo, e ele tinha de vê-la.

Foi então que "Magro" McCoy começou a fazer algo que nunca fizera antes na vida: Politicagem. Era um almirante aposentado... um antigo oficial superior da Frota Estelar... e aproveitou-se de velhos favores que prestara e dívidas de longa data não cobradas, com charme e perseverança, até conseguir colocar-se a bordo da Hood junto ao novo pessoal que estava sendo levado para encontrar a Enterprise na Estação Farpoint. Depois disso, tinha sido fácil conseguir uma visita de cortesia à nave, particularmente ao setor médico.

McCoy gostou dela. Esta Enterprise era maior que todas as naves da frota, mas apenas o seu tamanho não lhe teria conquistado o coração. Podia perceber traços da nave original, que tão bem conhecia, nas linhas deste novo alazão campeão. Ela era rápida, eficiente, a melhor de sua espécie; e McCoy sempre apreciara estilo. Sua tripulação era, uma vez mais, a melhor e mais brilhante. Impressionara-se com Jean-Luc Picard, um estilo diferente de capitão, mas decididamente um capitão brilhante. McCoy sentia-se sossegado em saber que esta nova Enterprise estava nas mãos deste homem.

Finalmente chegaram ao porto de naves auxiliares. McCoy soltou um murmúrio de queixa, cansado com o esforço de caminhar com sua perna ainda em recuperação. O andróide voltou-se para ele, preocupado.

— O senhor está bem?

McCoy assentiu rapidamente. - Sim. Quero que se lembre de uma coisa.

— Naturalmente, senhor.

— Esta é uma nova nave, rapaz, mas tem o nome certo. Lembre-se disso.

— Lembrar-me-ei, senhor.

— Trate-a como a uma dama. Ela sempre o levará de volta para casa.

 

Beverly Crusher havia servido em alguns dos melhores hospitais das bases estelares e em diversas naves, mas a tecnologia à sua disposição na enfermaria da Enterprise era impressionante, além de suas expectativas. Ismail Asenzi, o jovem médico que seria seu assistente, havia-lhe mostrado a maior parte do equipamento, bem como as camas hospitalares de que dispunham as instalações. Parecia conhecer seu dever, mas Beverly notou que ele considerava o equipamento, especialmente as operações controladas por computador, como auto-suficientes, onde o fator humano era desnecessário.

— Cada cama possui aparelhagem completa, - disse, ao chamar-lhe a atenção para as laterais das mesmas.

Beverly assentiu e esticou a mão para tocar um controle no lado esquerdo da cama. Uma bandeja com instrumentos apareceu, a qual examinou enquanto falava. - Sim. Esterelizados e examinados pelo computador da nave. Você alguma vez os examina, doutor?

— Mas não é necessário, doutora. O computador da nave dará o sinal de alerta na tela, se mostrarem qualquer defeito ou sinais de deterioração.

Beverly tocou o controle novamente e a bandeja recolheu-se, obedientemente. Levantou o olhar para Asenzi, e sua voz tornou-se gélida. - Não foi o que lhe perguntei, Dr. Asenzi. Perguntei-lhe se os examinava pessoalmente.

O jovem estava constrangido. Sabia que se requeria que os médicos e cirurgiões inspecionassem os instrumentos, a despeito dos computadores, mas acostumara-se a deixar que as máquinas o fizessem, porque elas nunca haviam falhado até agora. - Os computadores sempre o fizeram -admitiu ele.

— Não foi isso que você, assim como eu, aprendeu na escola de medicina. - A voz de Beverly suavizou-se. - É de responsabilidade de todo médico-cirurgião certificar-se de que os instrumentos estejam em perfeita ordem. Em minha enfermaria, isso significa que o médico os inspeciona pessoalmente.

Asenzi assentiu. - A senhora está certa. Tenho sido descuidado.

— Tenho certeza de que não acontecerá novamente. - Beverly moveu-se em direção a uma área vertical lustrosa em uma parede próxima. - O ACBM da enfermaria está em ordem, naturalmente.

No que dizia respeito a isso, Asenzi podia orgulhar-se. O Acesso do Computador à Biblioteca Médica e seus sistemas era sua preocupação mais séria.. A vida de um paciente poderia depender da precisão e abrangência dos registros do ACBM, e Asenzi despendia tempo considerável para mantê-lo atualizado. - Está tudo em ordem. Se quiser verificar...

— Obrigada. - Beverly voltou-se para o painel e falou com clareza. -Computador, mostre-me os resultados completos do último exame físico do capitão Picard. - A tela imediatamente começou a mostrar dados por escrito, radiografias, registros odontológicos e registros completos de todos os medicamentos prescritos. - Muito bom, Dr. Asenzi. E excepcionalmente completo. Vou encarregá-lo de promover a contínua manutenção desses registros, mas se tiver perguntas ou problemas, sinta-se à vontade para discuti-los comigo. Computador, cancelar. - A tela escureceu, e Beverly virou-se para encarar Asenzi. - Estou muito satisfeita com as condições da enfermaria e todo o seu equipamento, doutor. Está fazendo um excelente trabalho, e tenho certeza de que continuará assim. Gostaria de marcar uma reunião de pessoal o mais rápido possível.

— Que tal esta noite? Após o jantar, talvez?

— Ótimo. Obrigada... - Ela parou no meio da frase, ao olhar para a porta que se abria.

Jean-Luc Picard entrou na enfermaria e parou, olhando para os dois médicos. Hesitou. - -Com licença. Interrompo?

Beverly refez-se e esboçou um sorriso. - De forma alguma. Estávamos encerrando a inspeção da enfermaria.

— Se me der licença, doutora, cuidarei dos preparativos para a reunião. Às 20 horas?

— Ótimo. Obrigada.

Asenzi inclinou-se para Beverly e Picard e retirou-se. As portas fecharam-se atrás dele. Beverly e Picard ficaram ali, um silêncio constrangedor pairando no ar.

Ela está maravilhosa, pensou Picard. Quase como se quinze anos não se tivessem passado. Nunca pudera se esquecer da primeira vez em que a vira - nem da última, quando tivera o infeliz dever de trazer-lhe o corpo do marido. Picard pigarreou. - Achei que deveria vir vê-la pessoalmente, doutora Crusher.

— Estou atrasada para me apresentar, senhor? Tencionava vê-lo formalmente, assim que completasse a inspeção da enfermaria.

Picard não respondeu de imediato, e Beverly permitiu que o silêncio pesasse sobre eles. Finalmente, respirou e encarou-a. - Quero que você saiba que fiz objeção à sua nomeação para este posto. No entanto, acho que lhe devo explicar minhas razões.

— Acha que não estou qualificada?

— De forma nenhuma. Sua folha de serviço é invejável - de fato, é a melhor em toda a Frota. Não tenho nada a dizer a respeito de suas qualificações como oficial médica-chefe.

Beverly levantou o queixo desafiadoramente. Tomara conhecimento de que alguém havia tentado impedi-la de assumir este posto. Até este momento, jamais teria imaginado que fosse Jean-Luc Picard. - Então sua objeção deve ser de natureza pessoal - disse ela acidamente. - E o senhor terá de lutar muito para fazer com que uma objeção de natureza pessoal seja válida o suficiente para que a Frota Estelar me impeça de assumir permanentemente o meu posto nesta nave.

— Estou apenas tentando levar em conta os seus sentimentos- disse ele vagarosamente. - Servir junto a um oficial comandante que continuamente lhe recorde uma tragédia pessoal como a morte de seu marido, não seria fácil para você... - Estava sendo solidário. Esperava que ela compreendesse isso...

Beverly explodiu, irada, batendo com a mão sobre a cama a seu lado. -Você me subestima, Jean-Luc Picard. Em primeiro lugar, se eu tivesse qualquer objeção em servir junto a você, não teria solicitado qualquer posto nesta nave.

Picard estava surpreso. - Você solicitou o posto? - Ele havia concluído exatamente o oposto - antes de conhecer os fatos. Raramente procedia assim. E se enganara.

— Aparentemente interpretei mal seus sentimentos com relação a esse assunto - disse ele.

— Aparentemente sim - retorquiu Beverly.

— Retirarei minha objeção imediatamente. - Picard voltou-se para a porta. - Se me der licença...

Já estava quase à porta, quando ela chamou: - Capitão. - Ele parou e voltou-se, e por um breve momento ela não tinha certeza do que iria dizer. Então compreendeu o que tinha a lhe dizer, para o próprio bem dele. -Asseguro-lhe que os meus sentimentos com relação à morte de Jack nada têm a ver com você ou com meu posto nesta nave. Pretendo fazer tudo ao meu alcance para servir à Enterprise como médica.

Picard considerou suas palavras, e finalmente assentiu. - Obrigado, doutora. - O olhar que trocaram ainda era cheio de constrangimento; mas a hostilidade havia-se ido, evaporado numa tentativa de compreensão.

Beverly dirigiu-se ao seu escritório e deixou-se cair na cadeira. Não pretendera ser agressiva; mas pensou que teria de defender sua escolha de servir a bordo da Enterprise. Felizmente, Jean-Luc Picard ainda era o mesmo homem equilibrado e preocupado de há quinze anos, quando o encontrara pela primeira vez, antes da segunda viagem da Stargazer. Já havia-se graduado como médica e exercido a profissão por oito anos, quando Jack chegara em casa e contara-lhe que havia recebido o posto de primeiro oficial a bordo da Stargazer. Ele respeitava os feitos do capitão Picard durante a primeira missão de dez anos de exploração e pesquisa daquela nave. Era uma nave pequena, mas traria prestígio à sua carreira fazer parte de sua tripulação.

Três meses mais tarde, Beverly recebera a notícia da morte de Jack durante uma missão em um planeta alienígena. Na época, parecera ser apenas uma missão de pesquisa, um mero reconhecimento de uma área habitada, para onde haviam descido em trajes nativos. Nada indicara que houvesse perigo. Então, subitamente, os nativos caíram sobre o grupo de terra e o atacaram. Jack morrera no ataque, ao dar cobertura ao restante do grupo, enquanto este se teletransportava a bordo. Seu corpo fora deixado para trás, e os nativos não o tocaram. Picard descera pessoalmente à superfície durante a noite, para buscar o corpo de Jack e levá-lo a bordo.

Jack Crusher foi aclamado herói e seu corpo deveria ser devolvido à Terra para os serviços funerais da Frota Estelar. Beverly participara da cerimônia e se portara como a viúva de um herói abatido. Lembrava-se vividamente do dia, em novembro, quando o vento soprava forte, e da claridade do céu muito azul, que parecia cortar-lhe o coração. A Frota providenciara uma guarda de honra, convocara a banda oficial e uma demonstração da esquadra aérea em formação. Lembrava-se, também, da expressão de Picard, junto a ela; pareceu-lhe ser um homem abalado e abatido. As mensagens por rádio subespacial^ ' de Jack a Beverly sempre indicaram que se haviam tornado bons amigos e trabalhado bem durante o tempo em que serviram juntos.

A cerimônia tinha sido terrivelmente longa para ela. Já havia derramado todas as lágrimas quando a notícia lhe fora dada por um capelão e um dos amigos de Jack. Agora tudo o que lhe restava eram a tristeza e a dor - e, naturalmente, o filho de Jack. A guarda de honra da Frota Estelar havia removido a bandeira estrelada de cima do caixão, e meticulosamente a embrulhara na tradicional forma triangular. Recordava-se do jovem tenente que lhe passara a bandeira e a olhara, com respeito. Viúva de um herói. Pensava, então, amargamente, que daria tudo para ser novamente apenas uma médica na Terra, e a esposa de um oficial da Frota Estelar.

No dia seguinte inscreveu-se para entrar no Corpo Médico da Frota Estelar. Se Jack Crusher não mais podia ir às estrelas, ela e seu filho o fariam.

 

Wesley Crusher colocou as malas nos aposentos espaçosos que lhe haviam sido designados e à sua mãe, e saiu apressado para conhecer outros jovens de sua idade. Não precisava do localizador da nave para encontrar o caminho para o convés de recreação. Já o memorizara quando recebera o pacote informativo enviado à sua mãe antes da transferência e a memória de Wesley era eidética. Já era tarde e as aulas já teriam terminado. Achou que encontraria outros adolescentes no convés de recreação ou nos holodecks.

Encontrou os gêmeos Harris, Adam e Craig, próximo ao holodeck 4.

Eram da mesma idade que ele, e combinaram de assistirem juntos algumas das aulas. Adam e Craig estavam a bordo juntamente com seus pais, desde o comissionamento da Enterprise, e Wesley invejava-lhes a posição hierarquicamente superior à sua. No entanto, nenhum dos dois parecia dar qualquer importância a isso. O holodeck 4 estava pronto para ser programado e Wesley optou por uma floresta tropical, com céu avermelhado. Tão logo demonstrou uma habilidade de leitura altamente desenvolvida, sua mãe o presenteou com todos os clássicos de aventura. Apreciava particularmente os livros de Edgard Rice Burroughs; e, em sua imaginação, viajou com Tarzan e John Carter de Marte.

Em pouco tempo, os três jovens estavam pulando de galho em galho, sob uma quente chuva tropical, lançando gritos ao ar. As mãos molhadas de Wesley escorregaram, e ele foi ao chão com um ruído abafado. Caiu de costas, sobre a lama, rindo-se. Os dois outros rapazes desceram atrás dele, dirigindo-lhe "insultos" bem-humorados, aos quais aceitou com um sorriso divertido.

— Isto é fantástico - disse Wesley ao se levantar e inutilmente tentar tirar a lama da roupa. - Nunca vi um holodeck tão grande.

— Quer mudar o programa? - perguntou Adam. - Só levará um minuto.

— Tivemos o do Monte Everest ontem - disse Craig. - O programa não permite que tenhamos uma avalancha, mas há uma boa trilha do Abominável Homem das Neves para ser seguida.

— É, e com a programação de fatores aleatórios, algumas vezes até conseguimos pegá-lo.

Wesley sentiu fome e olhou para seu cronômetro. - Agora não posso. Tenho de voltar para o jantar. Que tal depois?

— Ok - disse Adam. - Podemos mostrar-lhe o convés de ecologia, também. Ninguém se importará se formos olhar os pássaros e animais.

O convés de ecologia era interessante, mas Wesley já o vira antes. Algumas vezes os técnicos permitiam que as crianças ajudassem a alimentar e domesticar os animais. Mas Wesley já havia decidido que queria visitar outro lugar. - Quero ver a ponte.

Craig meneou a cabeça. - Você não pode, Wes. É proibido.

— Não há visitas supervisionadas?

— Não a bordo da nave de Picard - retrucou Adam. - Nosso pai nos disse que noventa por cento da tripulação nunca foi à ponte. Não são bem-vindos lá.

— Hum, bem... Vejo vocês mais tarde. Convés de ecologia às vinte e quinze, ok?

Craig e Adam assentiram, e Wesley foi andando pela chuva até o portal de saída do holodeck. Tocou nos instrumentos do painel ao lado da porta, e esta abriu-se para lhe dar passagem para o corredor. Ao correr para seus alojamentos, foi deixando uma trilha de lama e água atrás de si.

Um membro da tripulação que passava por ali parou para olhar a entrada do holodeck, e meneou a cabeça. - Época das monções novamente - observou, entediado.

 

Riker estava diante da tela principal, observando a Hood sair de órbita. Sabia que o resto da tripulação de ponte estava atarefado, atrás dele, enquanto esperava ali, dizendo adeus em pensamento à nave onde servira por três anos. A Hood era uma bela nave da Frota, e o capitão DeSoto havia-lhe dado todas as oportunidades para crescer e aprender em seu posto de imediato. Sentiria falta dos dois. Ouviu as portas do turboelevador abrirem-se atrás dele, e voltou-se para ver Picard.

— Acostumando-se a ela, comandante Riker?

Riker alcançou-o perto da cadeira de comando. - Gostaria de levá-la para fora da órbita e colocá-la em dobra espacial cinco para ver como se sai. - Sacudiu a cabeça em direção à tela. - Poderíamos acompanhar a Hood em sua viagem de volta à Terra por alguns parsecs. - Sorriu alegremente. - Se o senhor não se importar.

— Receio que isto tenha de esperar um pouco - disse Picard secamente, - embora compreenda perfeitamente seu impulso. Já contactou a Hood?

— Sim, senhor. Enviei sua mensagem, conforme ordenado. Bon voyage, mon ami.

O capitão sorriu. - O capitão DeSoto é um velho amigo. -Encaminhou-se para a tela principal, ao mesmo tempo em que perguntava ao computador: - E qual a resposta, computador?

A grande tela piscou e então iluminou-se com um raio de luz. Uma imagem de Q, ainda vestido como juiz, apareceu, e sua voz retumbou pela ponte. - Você está desperdiçando tempo! Ou supôs que eu tivesse partido?

Picard e Riker sobressaltaram-se, surpresos; mas Picard recompôs-se quase de imediato. Worf, que estivera sentado ao console de navegação, reagiu instintivamente, levantando-se da cadeira, e ao mesmo tempo apanhando seu phaser. Com dois passos, havia-se colocado entre Picard e a tela, protegendo o capitão e apontando o phaser para a imagem.

— Você pretende fazer um buraco na tela, tenente? - perguntou Picard, em tom ameno.

Worf olhou para a tela e então para o capitão, e desculpou-se, constrangido. Colocou o phaser de volta ao seu lugar e Picard lhe fez um sinal para conversarem sobre isso mais tarde.

Picard olhou para a tela novamente, ainda mantendo o tom ameno que havia usado antes. - Se o propósito disto tudo é colocar os humanos à prova - disse ele, - devemos proceder à nossa própria maneira.

— Você está demorando! - rugiu Q. - Tem vinte e quatro horas. Mais um atraso e arriscará uma sentença sumária contra você, capitão. - A brilhante luz branca encheu novamente a tela, e então desapareceu, dando lugar à visão serena de Deneb IV

Riker olhou para Picard, meneando a cabeça. - Sentença sumária?

— Parece que Q é dado a dramaticidades. E por falar nisso... Sr. Worf.

— Sinto muito, senhor.

— Você reagiu rapidamente - disse Riker, com admiração. Apreciava a habilidade do klingon para instantaneamente se armar e defender.

— Mas futilmente - ressaltou Picard.

— Aprenderei a fazer melhor, senhor.

— Naturalmente que sim. Temos uma longa viagem à nossa frente. -Picard fez sinal com a cabeça para dispensar Worf, e um breve sorriso levou-lhe a aspereza de suas palavras. Worf, agradecido, sentou-se novamente à cadeira à frente do console de operações.

Riker moveu a mão em direção à tela principal, para indicar o desaparecimento de Q. - Que faremos agora, senhor? Se estão monitorando todos os nossos movimentos, todas as nossas palavras...

— Faremos exatamente o que faríamos se Q nunca tivesse existido. Se formos condenados, que o sejamos pelo que realmente somos.

 

A chegada, com atraso, tanto da seção de batalha quanto da seção do disco, havia tornado impossível a Picard marcar uma entrevista para se reunir com o groppler Zorn antes do dia seguinte. Riker fez seu relatório sobre os incidentes peculiares que havia testemunhado na Estação Farpoint, após o quê, Picard ordenara-lhe que voltasse aos seus deveres na ponte. Estava sentado à sua cadeira de comando, quando o oficial de aparência estranha a quem havia visto antes, adentrou a ponte.

— Tenente-comandante Data apresentando-se para seus deveres, senhor.

Riker observou-o atentamente. O oficial diante dele era de estatura média e possuía um porte esguio. O cabelo escuro estava penteado para trás e os olhos amarelos brilhavam em sua pele dourada. - Disseram-me que você estava apenas acompanhando o almirante McCoy a bordo da Hood, senhor Data. Já faz algum tempo desde que ela saiu de órbita.

— Peço desculpas, senhor. O almirante deteve-me a bordo até que a Hood estivesse quase fora do alcance da nave auxiliar. Insistiu em querer preparar-me algo chamado de julepo, mas não pode encontrar menta fresca a bordo. - Franziu o cenho, intrigado. - Pergunta: o que é um julepo?

— É uma bebida alcoólica, tenente - disse Riker, - originária da Terra. Está associada ao sul dos Estados Unidos - e ao almirante.

— Ah. - Data automaticamente arquivou a informação. - Mas, naturalmente, eu não bebo. Riker hesitou, percebendo a própria tensão. Então disse, - Seu registro pessoal está classificado como "somente para o capitão", Sr. Data - mas de alguma maneira esperava que fosse um alienígena.

— Bem, pode-se dizer que eu seja. Sou um andróide criado e programado por uma raça alienígena em relação à sua. Tudo depende do seu ponto-de-vista, não é, senhor?

— Senhor Data - começou Riker.

— Pode chamar-me de Data, senhor - interrompeu o andróide. - Todos o fazem. Devo inspecionar os sistemas da nave, senhor? O capitão gosta que o façamos a cada ciclo de doze horas.

— Muito bem, Senhor ...

— Data.

— Certo - disse Riker. Um computador como segundo oficial da Enterprise... odiava esse pensamento. Computadores lógicos eram excelentes, mas somente sabiam o que neles estava programado. Não podiam reagir espontaneamente a novas situações. Observou as costas eretas de Data, à medida em que o andróide se sentava ao console de operações, dando prosseguimento à inspeção dos sistemas. O que teria Picard em mente?

 

Riker levantou-se da cama na manhã seguinte, quando o computador despertou-o exatamente à hora que programara. Espreguiçou-se. Havia sonhado com ela novamente, acordando com freqüência porque sabia que era um sonho e queria livrar-se dele. Mas quando voltava a adormecer, a face adorável dela emergia à superfície do pensamento, a sorrir-lhe. Havia deixado-a para trás, transferindo-se da Yorktown sem, na verdade, haver-lhe dito adeus, escapando (admitia-o) de sua beleza e do sentimento que por ela nutria. Era ambicioso e desejava progredir, tanto na hierarquia quanto em termos de tipo de nave estelar; e sua lógica lhe dissera que se moveria mais longe e mais rapidamente se estivesse sozinho. Quando ela o chamara de Imzadi, sentira que era hora de partir - depressa. Não tinha certeza do exato significado daquela palavra, mas a sua implicação geral era a de um compromisso permanente. Não se admirava por havê-la deixado, mas finalmente acostumara-se àquela fraqueza pessoal. Ainda assim, nunca pudera dormir bem, quando as memórias de seu pensamento rebelde insistiam em trazer-lhe de volta a imagem dela sorrindo.

O console de alimentação forneceu-lhe um desjejum de presunto, ovos, torradas amanteigadas, e uma fumegante xícara de café. Já estava terminando, quando o painel do computador brilhou na parede e ressoou, - Comandante Riker, queira, por gentileza, apresentar-se ao capitão Picard em sua sala de reuniões. Confirmar.

Riker olhou demoradamente para seu prato e xícara. - Recebido -disse ele. - O capitão está com pressa ou um atraso de dez minutos seria aceitável?

Pôde sorver mais um gole de café e ligar o chuveiro antes que o computador novamente lhe falasse com sua voz agradável. - Dez minutos serão aceitáveis, comandante. - O agradecimento de Riker perdeu-se nas águas de seu banho quente.

Picard o aguardava com a oferta de uma outra xícara de café. Riker recusou e sentou-se à cadeira à frente do capitão. - Já se passaram onze horas, senhor, desde que Q...

— Tenho plena consciência do fator tempo, comandante. Não houve nenhum incidente hostil, mas não posso esquecer da predição de que teremos de enfrentar algum teste crítico.

— Em Farpoint.

— Ele mencionou este local especificamente. - Picard inclinou-se para frente, ligando a tela de mesa. - Estive revendo o que conhecemos até agora a respeito dos bandis, do planeta, da estação. Por isso, achei seu relatório muito interessante. A fonte de energia dos bandis, por exemplo.

— Sim, senhor. O calor interno do planeta produz energia geotérmica abundante. Mas isto é praticamente tudo o que este mundo realmente oferece.

— E você acredita que isso possibilitou-lhes construir esta base, seguindo os padrões da Frota Estelar.

Riker concordou fazendo referência às suas próprias observações. -Poderíamos presumir que têm trocado o excedente de sua energia pelos materiais de construção que utilizaram. Antes de sua chegada, o capitão DeSoto fez com que a Hood prosseguisse com diversas inspeções, e transferiu os resultados para os nossos registros aqui. As atuais inspeções da Enterprise confirmam que muitos dos materiais utilizados não são encontrados neste planeta. - Olhou para Picard e percebeu uma vez mais quão atentamente ele o escutava. Aqueles olhos escuros nunca se desviavam; tampouco a sua atenção. - A questão é: com quem estão comerciando? Nosso primeiro grupo de contato relatou que os bandis eram um povo sem sofisticação no que se refere a viagens espaciais...

— O que ainda são.

— Sim, senhor, mas ao grupo de contato foi afirmado que eles seriam os primeiros viajantes interestelares vistos pelos bandis. Assim, como poderiam os bandis estar realizando este tipo de comércio - se é que o têm feito - e com quem?

— Bem, os ferengi são os primeiros que me ocorrem.

— Deneb IV fica um tanto longe do território deles - disse Riker, com dúvidas.

Picard sorriu brevemente, e meneou a cabeça. - Comandante, tenho observado as operações dos ferengi pelos últimos vinte e cinco anos, e posso assegurar-lhe que, se há lucro envolvido, eles viajarão pela galáxia de cima a baixo - ida e volta - para obtê-lo.

Riker tinha de concordar com Picard. Os ferengi eram uma raça um tanto misteriosa, ainda não confrontada face a face pelos humanos, mas que deixava seus contratos atrás de si em muitos lugares aonde os humanos estavam agora se aventurando. Suspeitava-se de sua existência há cinqüenta e quatro anos em um quadrante da galáxia que a Frota Estelar estava apenas começando a explorar. Uma vez que a Aliança Ferengi estava constantemente ampliando suas fronteiras, assim como a Federação, os conflitos eram inevitáveis.

A Aliança Ferengi, tanto quanto se sabia, era uma união de planetas sob o domínio dos ferengi. Por meio de pesquisadores, comerciantes livres e outros viajantes, havia-se tomado conhecimento, através dos anos, da informação de que nem todas as raças sob o domínio ferengi estavam satisfeitas com isso. Alguns planetas estavam simplesmente próximos a eles e, portanto, incapazes de erradicar sua influência. Alguns haviam sido sobrepujados por poderio armado e não eram fortes o suficiente para se libertarem. Outros eram dominados por laços políticos ou dependência econômica. Economia era o ponto chave para os ferengi.

De diversas maneiras os ferengi eram semelhantes ao Barões da Borracha do século XIX. Provavelmente sentir-se-iam lisonjeados se acusados de ganância. Abraçavam o lucro como a uma amante. Todos os seus negócios envolviam um contrato e, inevitavelmente, lucro para eles. Eram conhecidos por serem negociadores duros e perigosos, mas também por cumprirem o contrato até sua última cláusula. Por outro lado, esperavam que a outra parte cumprisse o mesmo contrato à risca, exatamente da mesma maneira que eles. Havia algumas histórias horríveis sobre o destino dos que tentavam cancelar, ou trapacear, um acordo feito com os ferengi.

Como raça, os homens ferengi que já haviam sido vistos eram descritos como humanóides miúdos, de pequena estatura, com pele bronzeada, e extremamente fortes a despeito de seu tamanho. Eram totalmente desprovidos de cabelos. Suas orelhas avantajadas eram perpendiculares à cabeça, ao invés de paralelas. Ninguém jamais havia visto uma mulher ferengi, o que talvez demonstrava quão pouco - ou muito - eram consideradas por eles.

— Os ferengi poderiam ter entrado em contato com os bandis sem que a Frota Estelar o soubesse, e estabelecido uma cláusula em seu contrato de que sua presença deveria ser mantida em segredo - concordou Picard. -Ou - disse, sorrindo, - talvez tudo seja um daqueles incidentes descritos em seu relatório como sendo tentativas "quase mágicas" para nos agradar.

— Tais incidentes aconteceram. Se eu não pude observar claramente, pelo menos havia uma outra pessoa capaz de confirmar o meu testemunho. Não diria que os bandis sejam adeptos do que poderia ser chamado de mágica. Diria que parecem sê-lo.

Picard levantou rapidamente e disse. - E com o tempo, descobriremos a explicação. Enquanto isso, nenhum desses eventos sugere qualquer coisa que seja ameaçadora. Se toda forma de vida tivesse o mesmo desejo de agradar... Pronto para se teletransportar à superfície. Estou ansioso para conhecer este groppler Zorn. - Fez a porta se abrir e esperou por Riker.

— Ainda sinto que há mais nisso do que o simples desejo de nos agradar. - Riker levantou-se e fez sinal com a mão para que o capitão o precedesse em direção à ponte.

— Como algo que Q esteja fazendo para nos testar ou apanhar de surpresa?

Ao chegarem à ponte, Riker estava se concentrando em Picard, a ponto de nem perceber o som das portas do turboelevador. - O senhor encontrou-se com Q face a face. Poderia ele ter providenciado algo assim?

— A Estação Farpoint é uma construção muito material. Estou inclinado a crer que era uma ilusão extremamente poderosa... - Picard fez uma pausa, e fez sinal com a cabeça para uma pessoa. - Solicitei à conselheira de nossa nave que se juntasse a nós nesta reunião.

O capitão deu-lhe passagem, e o coração de Riker teve um sobressalto.

Estava tão bela quanto se recordava em sonhos. Os longos cabelos escuros, os olhos negros, o sorriso gentil. O corpo pequeno e perfeito ainda o fazia sentir-se desengonçado e um tanto grande quando próximo a ela.

Picard estava dizendo algo. Riker forçou uma expressão de neutralidade.

— Permita-me apresentar-lhe nosso novo imediato, comandante William Riker. comandante Riker, a conselheira da nave, Deanna Troi.

Ela estendeu-lhe a mão formalmente. Não parecia surpresa em vê-lo. Naturalmente, percebeu Riker, ela teria tomado conhecimento de sua transferência, ao examinar os arquivos de serviço do novo pessoal, pois isto fazia parte de seu trabalho como conselheira. Teria sido talvez por isto que, em seu sonho da noite anterior, a sua imagem lhe tivesse sido tão vivida? Sua proximidade teria talvez aguçado a sua percepção inconsciente. Os betazóides tinham uma habilidade telepática muito forte, mas a de Troi fora um tanto diluída pela parte humana de seu sangue. Muitas vezes podia perceber os sentimentos e estado de espírito de outras pessoas, mesmo alienígenas. No entanto, alguém com quem estivesse envolvida emocionalmente poderia receber seus pensamentos projetados claramente.

Trocaram um aperto de mão, e a voz dela sussurrou gentilmente na mente dele. - Você se lembra do que lhe ensinei, imzadi? Pode ainda captar meus pensamentos? - Mas o que disse em voz alta foi: - Muito prazer, comandante.

— Eu... ahn... Muito prazer, conselheira - balbuciou ele.

Picard olhou para os dois, intuitivamente consciente de que havia algo entre eles. - Vocês dois já se conheciam?

— Sim, já, senhor - Riker conseguiu dizer, nervosamente

Ora, pensou Picard. Podia perceber algo mais por detrás dessa resposta. Nenhum capitão de nave fazia qualquer objeção a relacionamentos entre oficiais. Riker, no entanto, parecia abalado. Queria dar segurança a seu novo oficial. - Excelente- disse Picard em tons neutros. - Considero importante que meus principais oficiais conheçam as habilidades uns dos outros.

— Conhecemos - disse Troi, calmamente. Riker fez menção de sair.

— Vamos? - Picard apontou para o turboelevador, e fez sinal para que o acompanhassem.

Troi sorriu serenamente para Riker, e sua voz tocou seu pensamento uma vez mais. - Nunca pude lhe dizer adeus, imzadi.

 

Havia muita poeira ao redor das áreas expostas da cidade velha, levantada por um vento cortante. O assistente de Zorn, com uma mesura, encaminhou Picard, Riker e Troi ao escritório do groppler. As rajadas de vento faziam balançar as janelas, e forçavam o pó amarelado por entre as frestas.

Embora a poeira jogada pelo vento sempre tivesse sido parte de sua vida, isto ainda irritava Zorn. A crosta amarela que encobria a cidade deprimia-o. Estava preparado para ser o mais atencioso possível com seus visitantes, até que viu a mulher betazóide com o capitão e o primeiro oficial Riker. A informação que recebera da Frota Estelar a respeito dos planetas e raças da Federação, havia detalhado os talentos telepáticos dos betazóides. Seria ela uma armadilha para apanhá-lo?

Recebeu-os formalmente, mas de forma um tanto brusca. Riker percebeu-o, e também o fato de que Zorn não havia tentado cumprimentá-los com um aperto de mão. Lançou um olhar para Picard, que não se deu conta de que isto não era comum. Zorn disfarçou, com o oferecimento de café, sucos, ou guloseimas, qualquer coisa que desejassem - o que foi polidamente recusado.

Zorn sentou-se à sua mesa à frente dos convidados, e cruzou os longos dedos cinzentos. As costas estavam eretas, e os olhos sempre voltavam-se para Troi. - Sim? Como posso ser-lhe útil, capitão?

— Agora que a estação está concluída, e que o senhor ofereceu oficialmente a sua utilização à Frota Estelar, recebi ordens de proceder a uma inspeção formal, antes de fazer as recomendações finais de aceitação.

— Não haverá objeções a isto - disse Zorn, lançando mais um olhar nervoso em direção a Troi. - Mas estou intrigado pelo fato de terem trazido uma betazóide para esta reunião. Se o seu propósito aqui é tentar adivinhar meus pensamentos, senhor...

Troi inclinou-se para frente em sua cadeira, sorrindo para acalmá-lo. -Posso apenas captar emoções fortes, groppler. Sou apenas meia-betazóide. Meu pai era oficial da Frota Estelar.

— Não tenho nada a esconder, naturalmente. Todas as instalações estão abertas à sua inspeção, capitão.

— Minha inspeção e de meus oficiais - disse Picard, firmemente. Zorn assentiu, acompanhando o gesto com um sorriso conturbado.

— Sim. Naturalmente. E de seus oficiais.

— Ótimo - disse Picard bruscamente, - uma vez que admiramos o que já pudemos ver acerca de suas técnicas de construção. Construir esta estação inteira, dentro de um período tão curto de tempo, como fizeram, requer um incrível conhecimento e técnica de engenharia. A Frota Estelar pode estar muito interessada em que construam bases estelares em outros locais.

— Capitão, não estamos interessados em construir outras dependências, especialmente quando isso se refere a outros planetas.

Troi ouvia atentamente a conversa, observando o rosto de Zorn e a linguagem de seu corpo, em busca de algo que ela, como conselheira treinada, pudesse interpretar. Seus sentidos aguçaram-se em relação a ele, e facilmente pôde sentir seu nervosismo. Então, bem no fundo de sua mente, percebeu algo mais... Alguma coisa que lhe causava dissabor e dor.

— Talvez a Frota Estelar pudesse utilizar os materiais que você tivesse para vender - sugeriu Picard.

— Mas eles são muito comuns, capitão. Podem ser encontrados em muitos planetas.

O sentimento tomou conta da mente de Troi. Uma dor contínua. Infinita. Solidão. Desesperança. Ao longe, ela podia ouvir Riker polidamente interrompendo Picard. Forçou sua atenção sobre os homens em sua companhia.

— Com sua permissão, capitão... - O capitão assentiu e Riker voltou-se para Zorn. - Talvez um negócio, groppler. Algumas coisas de que precisa em troca de emprestar-nos seus arquitetos e engenheiros para que pudessem demonstrar suas técnicas? Ou, a Frota poderia estar preparada para acomodá-los, pagar por seus serviços...

— O pagamento não está em questão, comandante. Os bandis não desejam deixar seu mundo natal. E se a Frota Estelar não puder aceitar esta pequena fraqueza, então seremos, infelizmente, forçados a buscar uma aliança com outras pessoas, como os ferengi, ou...

Troi soltou um murmúrio, incapaz de conter as ondas de dor e desespero que sentia. Picard voltou-se para ela instantaneamente. - Conselheira, o que há?

Troi reuniu suas forças, lutando para recompor-se e firmar a voz. -Quer que eu o descreva aqui, senhor?

— Sim! - disse Picard olhando para Zorn. - Não deve haver nenhum segredo aqui se todos devemos ser amigos. Concorda, groppler!

Zorn estava extremamente tenso, seus dedos cruzados quase brancos sobre a pele acinzentada. - Bem, nós não temos nada a esconder.

Troi reclamou uma vez mais, acometida por uma outra onda de emoção. - Dor... Dor, solidão... Terrível solidão, desespero... - Meneou a cabeça. -Isto não vem do groppler, senhor, ou de qualquer um de seu povo. Tenho certeza disso... Mas de alguma coisa que está muito perto de nós.

— Zorn, qual a origem disso? Tem alguma idéia? - perguntou Picard.

O groppler levantou-se rapidamente. - Não! Não, absolutamente não. E não consigo ver como isso possa ser produtivo ou de alguma ajuda!

Picard levantou-se para encará-lo. - Isto é tudo? Nenhum outro comentário?

— O que vocês esperam de nós? Construímos a Estação Farpoint exatamente como desejaram. Uma base projetada para atender às suas necessidades, luxuosa mesmo pelos padrões humanos - tudo o que podiam sonhar em possuir - e fizemos tudo isso para agradá-los! O que mais podem desejar de nós?

— Respostas - disse Picard friamente. - Você foi evasivo mesmo quanto às nossas perguntas mais simples. Adiaremos nossa reunião agora, enquanto todos consideramos nossas posições. - Fez sinal a Troi e Riker para que se levantassem, e o seguiram em direção à porta.

— Capitão. Os ferengi estariam muito interessados em uma base como esta.

Picard voltou-se e encarou-o com desprezo. - Muito bem. Espero que consiga achá-los tão "apetitosos" quanto eles acharam seus antigos associados.

Picard não bateu a porta, mas não teve de fazê-lo. Havia atingido seu objetivo. Os ferengi não eram seres em que se pudesse confiar - mesmo que literalmente não comessem seus associados. E talvez o fizessem. As alternativas eram um pacto mútuo de cooperação com a Frota Estelar - ou manter aquela base por si mesmos, esperando que o comércio e nave de passageiros se aventurassem nesse setor da galáxia ainda tão pouco mapeado.

Zorn bateu na mesa, angustiado. Todas as esperanças dos bandis estavam nesta estação. Eram uma raça dizimada, capazes de sobreviver em quaisquer situações confortáveis que desejassem; mas estavam totalmente desprovidos de esperança de sobrevivência enquanto raça, até que um grupo de contato da Frota Estelar havia-se teletransportado para a superfície. Ficaram surpresos com a curiosidade insaciável dos bandis acerca da Frota Estelar e das viagens interespaciais dos seres humanos. A Primeira Diretriz havia-lhes sido cuidadosamente explicada e haviam-na compreendido, mas Zorn mostrara-se implacável em sua insistência de que a interferência na civilização bandi, na verdade, a salvaria. A Frota Estelar teve que concordar com que Farpoint se tornasse uma de suas bases estelares. Tiveram de fazê-lo.

Picard saiu zangado do escritório de Zorn, com Riker e Troi tentando alcançá-lo. O capitão parou abruptamente após se refazer desse primeiro contato acalorado, e voltou-se para Troi. - Zorn está evitando demais responder às nossas perguntas. Captou algo específico em relação a ele?

— Tensão nervosa... frustração. Ira, não. Acho que estava fingindo senti-la, numa tentativa de forçar seus termos. E algo mais.

— Sim?

— Ficou muito agitado quando senti aquela profunda solidão e dor vinda de alguma parte nos arredores.- Troi olhou diretamente para o capitão, perturbada. - Creio que estava mentindo quando disse que não sabia sua procedência.

Ao soar a campainha da sala de reuniões, Picard disse - Entre. - ao mesmo tempo em que desligava a tela que, uma vez mais, mostrava-lhe um relatório sobre tudo o que se conhecia a respeito dos bandis e Deneb IV. Riker entrou, e Picard apontou-lhe a cadeira. - Riker, sente-se.

— Queria ver-me, senhor? -

— Sim. Conforme afirmei a Zorn em nossa reunião, quero fazer uma inspeção completa da Estação Farpoint. Uma inspeção completa. Você comandará o grupo de inspeção.

— Inspeção completa. De cima a baixo, senhor? Examinar os zíperes, as costuras e os botões?

— Você me compreendeu bem. Quero todas as teias de aranha contadas - se conseguir achar alguma.

— Sim, senhor. - Riker sorriu-lhe como de costume. - Contaremos ainda as moscas que encontrarmos nas teias de aranha.

— Quem sabe? Pode muito bem ser que isso tenha alguma importância. Riker aproximou a cadeira da mesa, e inclinou-se em direção a Picard, pensativo. - O senhor acha que Zorn falou sério sobre oferecer a estação aos ferengi? Sob o ponto-de-vista econômico pode fazer sentido. Talvez os ferengi tenham feito uma oferta melhor do que a da Frota pela base, depois de concluída. Seria vantajoso possuir uma base neste quadrante.

Picard meneou a cabeça. - Em primeiro lugar, a Frota Estelar não ofereceu nada aos bandis. Construíram Farpoint porque eles assim o desejaram. Por outro lado, podem estar esperando conseguir que a Frota Estelar lhes faça uma oferta monetária elevada, simplesmente fazendo uma ameaça.

— Se realmente quiserem entregar a estação à Aliança Ferengi, isto poderia criar um problema para a Frota neste setor. Como você mesmo disse, este quadrante fica muito longe de seu território. Isto, na verdade, não significará nada se Zorn não estiver blefando.

Fez-se silêncio entre eles, ao considerarem as implicações de um envolvimento genuíno dos ferengi na área. Já havia propostas de contratos comerciais sendo feitas em territórios que a Federação considerava como seus. Tratados diplomáticos geralmente se seguiam a estes contratos. A Federação descobrira que, não raro, encontravam um sistema estelar inteiro inclinado a aceitar a Aliança Ferengi. Todos os planetas que chegaram tão longe em seu envolvimento, não puderam retornar à Federação.

— Sugiro que leve Data consigo no grupo de inspeção, comandante. Suas habilidades analíticas... -

— São as de um computador. Levaremos tricorders. A informação que enviarmos de volta pode certamente ser adequadamente analisada pelo computador da nave.

— Entendo.- Picard observou Riker sob um novo angulo. Não imaginara que faria objeção em trabalhar com um dos oficiais mais notáveis da Frota Estelar. Naturalmente, já que Riker não podia encarar Data como oficial, mas apenas como máquina, não se podia esperar que apreciasse as qualidades do andróide. - Já deve saber que os registros técnicos e médicos pessoais de Data são reservados estritamente para mim. - Riker assentiu. - No entanto, sua folha de serviço está disponível a todos os oficiais superiores. Sugiro que dedique algum tempo a ela.

— Sim, senhor - disse Riker, contrariado.

— Sugiro ainda que dedique algum tempo para travar conhecimento pessoal com Data.

— Como pessoa, senhor?

Picard ignorou o sarcasmo mal disfarçado. - Como oficial companheiro, comandante Riker. Percebo que não tem problemas quanto a enquadrar nesta categoria os klingons ou vulcanos, ou quaisquer outros alienígenas dentro da Frota Estelar.

— Não, senhor.

— Poderá vir a descobrir que Data é muito mais fácil de ser aceito do que qualquer um deles. Aprenda como ele encara os humanos. Para os outros nós somos os alienígenas. Data tem uma visão diferente. Você se beneficiará ao conhecê-lo.

— Sim, senhor. Posso retirar-me? - Riker desviou o olhar, corando levemente. Estava verdadeiramente constrangido com a reprimenda amena. - Farei conforme sugere - acrescentou ele.

Picard assentiu brevemente e voltou-se para sua tela. Riker levantou-se e saiu da sala rapidamente. Picard olhou para a porta quando ela se fechou atrás de Riker. Sendo bom conhecedor do caráter humano, Picard tinha certeza de que o jovem comandante Riker iria se beneficiar com um estudo mais profundo a respeito de Data.

 

Riker passou meia hora estudando a folha de serviço do andróide. Havia um grande número de assuntos nos quais Data estava qualificado como um verdadeiro perito. Possuía dois bacharelados conferidos pela Frota Estelar. Esta dera a Data promoções dentro de períodos regulares acompanhadas de comendas outorgadas por seus capitães, em três naves antes de vir para a Enterprise como segundo oficial. Se fosse a folha de serviço de qualquer outro oficial da Frota, Riker a teria encarado como o registro de um oficial extremamente competente e bem sucedido. O fato de saber que Data era um andróide ainda deturpava seu julgamento a respeito dele. Obviamente Picard via mais nele do que os meros fatos que seu registro escrito pudesse demonstrar. Teria de encarar o homem -máquina - e explorar pessoalmente o que realmente era.

Riker pediu ao computador que localizasse Data, e foi informado de que o andróide estava no holodeck 2. Tomou o turboelevador, e saiu para o convés. Uma oficial de cabelos escuros, em uniforme de operações e serviços passou por ele, e Riker chamou-a.

— Com licença, alferes...

A jovem oficial voltou-se para ele, e imediatamente assumiu posição de sentido ao perceber os três pequenos discos dourados designativos de seu posto. - Senhor?

— Pode ajudar-me a localizar o tenente-comandante Data? Fui informado de que estaria em algum lugar deste convés.

— Sim, senhor. Por aqui, por favor.

Estendeu a mão, apontando-lhe uma superfície escura na parede do corredor que, sabia-o Riker, era uma interface de computador. - Deve ser novo nestas naves da classe Galaxy, senhor.

— Um pouco - admitiu Riker.

A alferes colocou a mão sobre a superfície escura. - Mostre-me a localização do tenente-comandante Data.

Ao toque de sua mão e ao ouvir a palavra chave "mostre-me", a superfície escura brilhou e mostrou as palavras: "Área 4-J". A voz do computador informou: - Tenente-comandante Data... agora localizado no holodeck área 4-J. - Um esboço do holodeck apareceu no luminoso, sobre o qual estava indicado o caminho de onde Riker estava para a área designada.

A alferes sorriu polidamente. - Como pode ver, senhor, está-lhe apontando o caminho. É só seguir os sinais que ele lhe der.

— Obrigado, alferes.

Afastou-se dela e esta ficou a observá-lo com olhos especulativos.

— Com prazer, senhor - disse com um sorriso ameno e vagamente esperançoso.

À medida que Riker movia-se pelo corredor, a superfície escura de um outro painel de computador veio à vida com um sinal direcional, apontando à frente. - A próxima à direita - disse o computador.

Respondeu automaticamente: - Obrigado.

— Não há de quê, comandante Riker - respondeu o computador. Riker olhou-o e percebeu que os computadores desta nave eram muito mais sensíveis e - hesitou em admiti-lo - perceptivos do que imaginara ser possível. Se os computadores, que eram meras máquinas a serviço da tripulação e da nave eram tão sofisticados, como seria Data?

Dobrou à direita, conforme lhe fora indicado, e parou. - O Sr. gostaria de entrar, comandante - prosseguiu o computador.

Riker lançou-lhe um olhar irritado e respondeu: - Eu quero. - A porta abriu-se de imediato, para permitir-lhe a entrada, revelando-lhe um panorama belo e selvagem. A rica vegetação era de um verde luxuriante, que estava disposta em alamedas, emanando um frescor extremamente convidativo. Um riacho fazia curvas, a curta distância, e o terreno que se estendia parecia alcançar o horizonte, quilômetros além. Nuvens brancas enormes pontilhavam o azul acima. À sua esquerda, ouviu o distinto chamado de um corvo, por sobre o piado de pequenos pássaros nas árvores. Sorriu ao ver um beija-flor passar por sobre ele em vôo rasante, para delicadamente pousar em um arbusto florido próximo a ele. Já vira holodecks antes que tentaram fazer o que este conseguia tão soberbamente. Se não soubesse exatamente onde estava, teria acreditado que estava na Terra. Uma outra máquina, falou consigo mesmo.

Então, em meio à canção dos pássaros e murmúrios dos esquilos nas árvores, ouviu alguém assoviando. Reconheceu a melodia, que estava sendo executada de maneira um tanto pobre e com esforço. Era uma velha canção que aprendera ainda em sua infância, e meneou a cabeça ao ouvir o assoviador desafinar as notas finais. Riker localizou a origem do som à sua frente e à direita, e moveu-se até a ela. Ao caminhar, escutou o assovio começar novamente, ainda de forma elaborada e cheia de semitons.

Parou no cimo de um pequeno monte de onde se vislumbrava um pequeno riacho, procurando ver a pessoa que assoviava. O som parecia estar vindo da margem oposta, mas as árvores e seus galhos ainda obstruíam-lhe a visão. - Olá! - chamou Riker. O assovio continuou.

No riacho havia pedras largas e achatadas, convenientemente dispostas de modo a se poder atravessar o riacho. Riker começou a travessia, facilmente indo de pedra em pedra com seu longo passo. A penúltima pedra balançou sob o peso de sua perna, e teve de equilibrar-se. Quando conseguiu, passou para a última pedra e alcançou a margem. Era muito peculiar o fato de que uma projeção holográfica tão perfeita pudesse colocar uma pedra solta no riacho - e, ainda assim, era o que se podia esperar encontrar em um riacho real. Concluiu que a pessoa que projetara este cenário programara "defeitos" que a Natureza poderia ter produzido.

Parou e reajustou sua direção, à medida que a canção desafinada persistia. Então prosseguiu, tomando o caminho, por entre arbustos densos, que o levou a uma clareira, onde violetas cor-de-púrpura e verdes trepadeiras cresciam timidamente à sombra refrescante das árvores. Programado para primavera, observou Riker.

O assoviador reiniciara a velha canção, e Riker seguiu o som até uma árvore forquilhada, cujos galhos formavam um "Y". Data estava empoleirado ali, tentando, em vão, assoviar corretamente as últimas notas. Desafinara de novo. Aparentemente, assoviar era uma arte difícil para uma máquina. Riker rapidamente assoviou o último compasso de forma correta, e o andróide arregalou os olhos. Percebendo quem era, desempoleirou-se e, de um salto, desceu da árvore e ficou à frente do primeiro oficial.

— É maravilhoso quão facilmente os humanos podem fazer isso - disse, com admiração. - Ainda necessito praticar. O senhor deseja alguma coisa?

— Há alguns fatos intrigantes no planeta para os quais o capitão Picard deseja encontrar respostas.

— Sim. Os relatórios com respeito aos bandis e a construção da estação estão um tanto incompletos.

— Ele sugeriu que o leve no grupo de terra que estarei comandando.

— Envidarei meus melhores esforços para funcionar adequadamente. Riker observou o andróide que lhe sustentava o olhar, pacientemente esperando que prosseguisse. - Tenho certeza de que o fará. - Riker hesitou, e então disse. - Também sugeriu que eu estudasse a sua folha de serviço.

— Sim, senhor. Sempre um procedimento correto. Não lhe sou conhecido, e provavelmente desejaria familiarizar-se com minha capacidade e áreas de conhecimento.

Riker sentia-se desconfortável. Por que este homem - máquina -conseguia desarmá-lo? Os modos de Data eram suaves e a voz era gentil e polida. Não era obsequioso, nem tampouco ansioso em agradar -simplesmente factual. Seu rosto podia demonstrar uma gama variada de expressões, mas Riker tinha o pressentimento de que nunca registraria extremos de qualquer espécie.

— O registro diz que você foi encontrado em um planeta que sofreu uma catástrofe biológica total que destruiu toda a vida sobre ele.

— Está correto, senhor.

— O planeta era uma colônia da Terra.

— Sim, senhor.

— Mas você me disse que foi construído por uma raça alienígena.

— Isto também está correto - replicou Data calmamente. - Aconteceu em Kiron III, onde uma colônia humana enfrentou extinção acidental. Desconhecida aos habitantes da colônia, uma raça alienígena de máquinas altamente avançadas habitava o planeta também. Percebendo que os humanos estavam para ser destruídos, os alienígenas me construíram. Desejavam preservar o que consideravam a mais importante qualidade dos humanos - seu conhecimento. Sendo eles mesmos máquinas, naturalmente consideraram que a informação era a qualidade mais importante de todas. Parece que fui completado e programado pouco antes da catástrofe final.

— O que aconteceu?

— Receio não saber, senhor. Possuo memória consciente apenas do que aconteceu após todos estarem mortos. Alguém havia programado um sinal de socorro, à órbita do planeta, para que se repetisse continuamente. Uma nave da Frota Estelar finalmente respondeu e descobriu que eu era o único ser vivo naquele planeta. Os humanos são a primeira forma de vida consciente que encontrei. - Sorriu, timidamente. - Fui levado à Terra para ser estudado pela Frota Estelar, mas no que se refere a como a catástrofe ocorreu ou o que a provocou, não disponho de informação programada.

— Os alienígenas?

— Seu destino também me é um mistério. Aparentemente também morreram.

— Estranho que o tenham construído à semelhança da forma dos humanos e não segundo a própria.

— Talvez tenham considerado que os humanos se relacionariam melhor comigo se tivesse esta forma. Ao menos construíram-me de maneira a emular o que julgavam ser a forma humana.

— Hum. - Riker observou os olhos amarelos de Data e sua pele cor-de-ouro, opalescente. Os dois únicos traços que indicavam a sua natureza não humana. - Você é biomecânico. Pode comer?

— Posso consumir quase todo tipo de material sólido e convertê-lo em combustível, meus sistemas requerem oxigênio para efetuar certos balanços químicos. Líquidos comuns não me são úteis, foi por isto que fiquei intrigado quando o almirante insistiu em tentar fazer com que eu bebesse.

— Não se preocupe com isso. - Riker sorriu. - O velho almirante é assim mesmo.

— Sim, senhor, compreendo - disse Data ansiosamente. - Talvez o senhor possa me explicar algo mais. O senhor compreende por que ele insistia em me chamar de "rapaz"? Naturalmente eu fui projetado como um macho completamente operacional.

Riker pigarreou, não tendo muita certeza de que resposta dar-lhe. -Creio... que é apenas uma expressão que o almirante usa para qualquer um que seja mais jovem do que ele.

— Ah. - No que dizia respeito a Data, tal resposta era satisfatória.

Riker ainda sentia-se desconfortável e decidiu dirigir a conversa para áreas que o preocupavam. - Você tem o posto de tenente-comandante. Honorário, naturalmente.

Data meneou a cabeça e respondeu alegremente. - Não, senhor. Classe de 78 da Academia da Frota Estelar; desempenho honroso em mecânica de probabilidades e exobiologia.

O andróide sorriu diante da expressão de surpresa de Riker. - Na verdade, senhor, o regulamento da Frota Estelar permite a aceitação de qualquer candidato qualificado, contanto que ele ou ela passe no teste de forma de vida consciente. Algo nisso o perturba, senhor? - perguntou Data.

— Para ser honesto... sim, um pouco.

Data assentiu. - Compreendido, senhor. Preconceito é uma característica humana.

— Bem, isso me perturba. Considera-se superior a nós?

— Eu sou superior de diversas maneiras, mas... - hesitou Data. - Eu alegremente abriria mão disso para ser apenas humano.

Riker observou-o por um momento, analisando suas próprias emoções.

O fato de que Data era um andróide parecia-lhe assumir cada vez menos importância diante de sua franca honestidade, sua filosofia amena, e seu óbvio desejo de ser mais do que uma mera construção biomecânica. Finalmente, Riker disse: - Prazer em conhecê-lo, Pinóquio - Data arregalou os olhos, sem compreender nada.

— Uma piada- explicou Riker.

— Ah! Intrigante - disse Data. - O senhor precisa explicar-me isto.

Riker sorriu espontaneamente. - Você será um companheiro interessante, Data. - Percebendo a hora, acrescentou: - Devemos retornar. O capitão deseja que o grupo de inspeção seja transportado assim que possível.

Voltaram pelo mesmo caminho que Riker havia utilizado para atingir a clareira. Riker olhou ao redor uma vez mais, para a folhagem incrivelmente convincente, e meneou a cabeça. - Isto é maravilhoso - disse ele. - A Hood tinha um holodeck, mas não era nada parecido com este. Foi -me dito que pode ser programado com combinações quase infinitas.

— Sim, senhor. Algumas parecem ser mais requisitadas do que outras. Por exemplo, este padrão de mata é bastante popular. Talvez porque ele recrie tão bem paisagens terráqueas, vir aqui... quase me faz sentir como se fosse humano também.

Riker fez uma pausa, e apanhou uma comprida folha de grama. Não conseguia crer que estas simulações pudessem ser tão reais.

— Grande parte delas é real. Se o transportador pode converter nossos corpos em um raio de energia e então revertê-los ao padrão original...

— Sim, naturalmente. - Riker apontou para a folha de grama. - As rochas e vegetação aqui têm padrões muito mais simples. Vi um beija-flor a caminho daqui... e ouvi esquilos e um corvo...

— Projeções, senhor. - Data apontou para uma área próxima. - A parede posterior.

Riker parou e examinou-a. O bosque estendia-se por entre densas árvores e arbustos rasteiros. Umas poucas manchas de cor eram visíveis aonde as flores silvestres se espalhavam como um tapete de botões entremeado por fileiras de grama. - Não posso vê-la.

— Estamos praticamente ao lado dela. - O andróide curvou-se e pegou uma pequena pedra, enquanto Riker procurava, em vão, vislumbrar a parede. Data atirou a pedra a quase quatro metros, em limha reta à frente de Riker. A pedra atingiu algo no ar com um barulho seco, e então caiu em meio à grama espessa. - Logo ali, senhor - disse Data.

— Incrível. - Riker sabia que tinha visão vinte por vinte; no entanto, por mais que se esforçasse, não podia perceber a parede que envolvia o holodeck. A voz de Wesley, próxima dali, fez com que Riker se voltasse para o chamado do rapaz.

— Isto não é incrível.

Wes estava correndo pela encosta oposta, em direção ao riacho. - Este

é um dos padrões simples, comandante Riker. Eles têm milhares de outros e o senhor jamais acreditaria em alguns deles. Começou a atravessar o riacho, pulando de pedra em pedra. - Estava agora mesmo sobre os Himalaias perseguindo o Abominável Homem das Neves...

Riker subitamente lembrou-se da pedra, que havia balançado perigosamente sob seus pés, quando de sua travessia.

— Cuidado - gritou ele. A próxima pedra está solta!

Wes pisou-a e ela moveu-se. Seus braços esticaram-se no ar, e perdeu o equilíbrio, caindo no riacho com grande barulho. Data desceu rapidamente a encosta do monte com grandes pulos, e parou com perfeito equilíbrio sobre a pedra solta, abaixando-se para pegar o rapaz pela roupa. Riker observou, surpreso, quando o andróide facilmente tirou Wesley da água com uma das mãos, levantando-o no ar, acima da cabeça. Wes tirou o cabelo molhado do rosto, e olhou para Data com assombro. -Puxa!. - Data sorriu levemente e colocou-o no chão. - Você deve ser o andróide, quer dizer, senhor... ahn, obrigado. Posso nadar, mas...

— A água está a 10 graus centígrados a fim de emular um riacho de montanha. Creio que você deva retornar aos seus alojamentos agora e colocar roupas secas o mais depressa possível. É um velho remédio terráqueo para esse tipo de acidente.

— Tenho de concordar com ele, Wes - disse Riker. Viu o pedido dançando nos olhos do rapaz, e sabia o que ele mesmo teria desejado nessa idade. - Tenente-comandante Data - disse ele formalmente, -permita-me apresentar-lhe Wesley Crusher.

— Muito prazer, Sr. Crusher - disse Data. Estendeu-lhe a mão e trocou um firme aperto de mãos com o rapaz. Wesley adorou isso. Agora ele havia tido uma aventura que poderia relatar a Adam e Craig Harris.

O portão intrincado que levava à entrada da área 4-J do holodeck e que dava acesso ao corredor, abriu-se suavemente, à medida que se aproximaram dele. Data, Riker e um Wesley muito molhado passaram por ele. O rapaz estava alegremente deixando uma trilha de água lamacenta, à medida que os dois oficiais conversavam.

Picard estava passando pelo holodeck com o comandante Reasons de armazenamento e suprimentos, quando viu as três figuras emergindo do bosque. Duas delas foram instantaneamente reconhecidas como sendo Riker e Data. O rapaz molhado e desalinhado era-lhe desconhecido, mas estava claramente sujando um convés antes escrupulosamente limpo. Reasons fez uma pausa e olhou-o com uma pergunta nos olhos. Picard deu-lhe permissão, - Adiante, Mark. Eu o encontrarei no escritório de armazenamento. - Picard esperou até que os três se aproximassem dele.

Wesley procurou esconder-se inutilmente, consciente das roupas molhadas, dos sapatos encharcados e da longa trilha de pegadas lamacentas que estava deixando atrás de si. Em sua mente, não havia dúvida quanto à identidade do homem intimidador, com olhos severos, que esperava por eles na intersecção de corredores. Mesmo que não tivesse reconhecido de imediato os quatro pequenos discos dourados de um capitão da Frota Estelar, já vira a imagem holográfica de sua mãe, seu pai e Jean-Luc Picard muitas vezes. Ao parar em frente ao capitão, Wes gostaria de ter podido desaparecer - mas tinha de estar ali, as roupas molhadas formando uma poça de água ao redor dos pés.

— Estou feliz em encontrá-lo, capitão - disse Riker. - Estava para me apresentar e fazer-lhe um relatório tão logo voltasse à ponte. - Olhou para Data e então para Picard novamente. - Investiguei o assunto que me recomendou. Extremamente informativo, senhor.

— Alegro-me em que o tenha achado instrutivo, comandante - disse Picard. Seus olhos desceram até a poça aos pés de Wesley.

— Sim, senhor - continuou Riker. - Data concordou em fazer parte de meu grupo de terra. Decidi incluir a tenente Yar e a tenente-comandante Troi.

— Uma excelente escolha.

Wesley sentia-se mal com a água que pingava de suas roupas, no que agora parecia ser um rio. São apenas umas poucas gotas, continuava a dizer a si mesmo. E sabia muito bem que mesmo uma gota no convés de Picard era uma ofensa ao capitão.

— Tenho uma outra sugestão, senhor. Há um jovem tenente que apresentou-se a bordo juntamente comigo. Segundo seu registro médico, ele tem algumas habilidades visuais interessantes que poderiam ser-nos de grande ajuda. Seu nome é LaForge.

— Muito bem. - Picard lançou um novo olhar em direção à poça que se avolumava ao redor dos pés de Wesley.

Wes pigarreou e fez um esforço para dizer timidamente, - Senhor, talvez eu devesse pegar alguma coisa para secar esta água.

— Boa idéia- replicou Picard, gelidamente. Voltou-se e saiu.

Wesley continuou a gotejar. Encontrou sua mãe na enfermaria e implorou por uma toalha. Assim que terminou de limpar toda a trilha lamacenta que deixara do holodeck até a enfermaria, enxugou-se no escritório de Beverly, enquanto lhe narrava suas aventuras.

— ... e há também o ginásio com baixa gravidade. Você sabia que eles têm um casal de javalis no convés de ecologia? Seria muito difícil ficar entediado nesta nave.

— Tudo o que quero saber é como se molhou tanto. - Beverly apanhou uma outra toalha encharcada e suja de lama. - Olhe para esta sujeira.

— Não deu para evitar, mãe. Pisei uma pedra solta, caí no riacho, e o comandante Data teve de me puxar para fora.

Ela voltou-se para a inspeção dos suprimentos médicos em que já estava trabalhando anteriormente, a fim de estabelecer a situação do inventário que tinha em mãos. - Tenho certeza de que há uma longa história que acompanha esta sinopse. Vou ouvi-la ao jantar?

— Sim, senhora.

— Muito bem. Agora vá e limpe-se adequadamente.

— Ok. - Olhou para ela, esperançoso, decidido a pedir o favor que estivera ensaiando para pedir desde o dia anterior. - Mãe... será que você conseguiria permissão para que eu desse uma olhada na ponte?

— Isto é contra as ordens do capitão. A menos que haja uma emergência médica, ou que o capitão faça um pedido específico para que eu me apresente, mesmo eu não sou bem-vinda na ponte.

— Você também tem medo do capitão?

Beverly voltou para ele seu rosto ardendo como fogo. - Certamente que não?

— Mas o capitão Picard é um chato, não é?

Beverly fez uma pausa e considerou cuidadosamente sua resposta. Seria fácil concordar, para fazer com que Wes a deixasse em paz por algum tempo. Mas sempre estivera consciente de suas responsabilidades de mãe e pai - ao mesmo tempo - para com ele, e havia tentado responder honestamente às perguntas de seu filho. - Seu pai gostava muito dele. Grandes exploradores... grandes capitães... geralmente são pessoas solitárias... Não têm nenhuma oportunidade de ter família.

— Apenas uma olhada, mãe. Poderia ficar no turboelevador, e apenas conseguir dar uma olhada quando as portas se abrirem. Elas vão-se abrir e fechar de qualquer maneira, não é? Não sairei de dentro dele.

— Você está procurando encrenca, Wes - disse Beverly. Olhou para ele e percebeu o grande desejo em seus olhos. Suspirou. Nunca pude negar-lhe nada. - Vamos ver o que podemos fazer.

 

Geordi LaForge espantou-se ao ouvir o seu nome ser chamado pelo intercomunicador. - Tenente LaForge, queira, por gentileza, apresentar-se ao primeiro oficial Riker na sala de transporte no 3. Tenente LaForge, para a sala de transporte no 3 imediatamente.

Hughes olhou-o, igualmente surpreso. - Para que ele estaria lhe chamando?

— Não sei, mas é melhor que eu vá para a sala de transporte ne 3.

— E quanto ao comandante Barton? Ele queria que nos apresentássemos às 13 horas. Já é quase isso.

Geordi deu de ombros. - O posto de primeiro oficial é superior ao dele.

Ao chegar à sala de transporte, Geordi encontrou Riker esperando-o, juntamente com dois outros oficiais de serviço e um oficial de ciências. Dirigiu-se ao comandante Riker, em posição de sentido, e anunciou formalmente, - Tenente LaForge apresentando-se conforme ordenado.

— Certo, LaForge. Você vai teletransportar-se conosco em uma missão de terra. Estes são o comandante Data, a comandante Troi e tenente Yar.

Geordi reconheceu os oficiais superiores, sentindo-se um tanto desconfortável com tantas altas patentes. Então olhou de volta para Riker. - Senhor, eu deveria apresentar-me ao comandante Barton.

— Estamos cientes disso. O capitão Picard o liberará junto ao comandante. Para a plataforma, tenente.

Geordi rapidamente tomou seu lugar na plataforma de transporte junto aos outros. - Posso perguntar qual será meu dever, senhor?

— Preciso dos seus olhos, tenente. - Riker fez sinal para o chefe de teletransporte. - Acionar.

Materializaram-se próximo à entrada da área de acesso ao shopping center. Estava lotado com o pessoal da Enterprise que estava de licença, e civis efetuando suas compras. Os bandis estavam atarefados, atendendo aos visitantes, e Riker até mesmo notou que a maioria deles parecia feliz, ao invés de meramente acomodados.

Tasha observou a área e aproximou-se de Riker. - Recomendo que um de nós comece por examinar o subsolo da estação, senhor. Se este lugar tiver sido construído da mesma maneira que o resto, haverá túneis de serviço sob todo o complexo. Algumas vezes, olhar para os subterrâneos pode propiciar uma visão melhor acerca do que está à superfície.

— Nossos sensores mostram que há algumas passagens lá. Talvez o senhor e eu? - Troi acompanhou a sugestão com um olhar que carregava uma outra implicação. Riker desviou o olhar, perturbado.

— Tasha, você e a conselheira.

— Sim senhor. - Tasha partiu rapidamente. Troi lançou a Riker um outro olhar um tanto divertido, e então acompanhou a tenente.

Riker voltou-se para Geordi e Data, e fez sinal para que o acompanhassem. - Vamos começar com a parte de cima. Tenente LaForge?

— Senhor, eu ainda não compreendo exatamente o que devo procurar.

— Há muitas perguntas sobre a construção da estação, Sr. LaForge -explicou Data. - As perguntas chaves parecem ser sobre como os bandis construíram tudo isso tão rapidamente e que materiais utilizaram.

— Dê uma boa olhada ao seu redor, tenente. Vê alguma coisa fora do comum com relação aos materiais estruturais?

Geordi começou o exame movendo a cabeça lentamente. O VISOR permitia-lhe ajustar a visão de várias maneiras de modo a obter, entre outros, registros microscópicos, telescópicos e térmicos.

— Bem, tenente? - perguntou Riker.

Geordi voltou-se para Riker e Data, meneando a cabeça. - Não posso ver através desta matéria sólida, senhor, mas o material, até agora, parece-me bastante comum. Metais fundidos, metais puros, madeira, plasticreto, sintéticos. Todos parecem ser o que deveriam ser.

As sobrancelhas de Data levantaram-se levemente. - Uma habilidade intrigante, tenente. Tem certeza de que todos são materiais naturais?

— Com exceção dos sintéticos, sim.

— E não é uma ilusão? É real? - perguntou Riker.

— Sim, senhor. Nenhuma dúvida quanto a isto.

Riker estava desapontado, mas ainda era cedo para se desencorajar. -Obrigado, tenente. Você deve se juntar à tenente Yar e à comandante Troi, e efetuar o mesmo tipo de exame na área que elas investigam. Data, comigo, por favor.

Ao se separarem, Geordi tocou o seu comunicador. - LaForge para Yar. Sua localização, por favor.

Riker conduziu Data à parte posterior do shopping center, que dava passagem à cidade velha. - Data, você está familiarizado com as informações que os bandis enviaram à Frota quando da solicitação de status de estação espacial?

— Sim, senhor, a Enterprise tem uma cópia desses registros em seus bancos de memória. Poderei repeti-lo para o senhor, folha por folha se assim o desejar.

— Está bem. Materiais de construção da estação.

Data pareceu olhar para dentro de si mesmo por um breve momento e seus olhos se concentraram em algo. Então disse, - Há desenhos e plantas detalhadas da arquitetura, mas nenhuma requisição para materiais de construção. Nenhum pedido de manufatura. O primeiro grupo de contato relatou que os bandis não possuíam nenhuma fábrica ou laboratórios conhecidos que produzissem tais materiais, mas possuíam materiais luxuosos de comércio para oferecer. Tudo o que o grupo de contato poderia imaginar.

— É possível que tivessem fábricas escondidas em subterrâneos, não detectáveis por nossos sensores.

Riker tocou o comunicador e falou suavemente, - Yar?

— Aqui Yar - respondeu Tasha.

— Os bandis podem ter escondido laboratórios ou fábricas nos níveis inferiores da estação ou, ainda, sob a cidade velha. Procure por vias de acesso, tubos de ventilação, rampas de equipamento, qualquer coisa que possa indicar um centro industrial e tecnológico aí em baixo.

— Sim, senhor.

Tasha estava inspecionando o local quando Geordi juntou-se a ela e Troi, suas botas fazendo barulho pela escada de acesso que usou para chegar até elas. Ao chegar, sorriu-lhes. - O comandante Riker considerou que meus olhos lhe poderiam ser úteis aqui em baixo.

— Estava para contatá-lo quando ele o fez. O que você acha disso? - Fez um gesto com a mão, dirigindo o olhar de Geordi para o túnel.

Geordi assoviou. - O quê é isto?

As paredes do túnel de serviço não eram absolutamente o que se esperava encontrar. Eram lisas, com superfícies levemente arredondadas, que mostravam marcas distintas, de significado desconhecido, e brilhavam, refletindo a luz exígua que entrava pelo túnel.

— Esta também era a minha pergunta, - disse Tasha.

Geordi examinou as superfícies de perto. Estas paredes são feitas de algo que eu nunca vi antes.

— Relate isto ao comandante, - disse Troi. - Ele vai querer tomar conhecimento disto.

Tasha tocou o comunicador novamente. - Comandante do grupo, encontramos algo interessante.

— Localização? - perguntou Riker.

—Estamos em uma passagem diretamente sob a área central do shopping center. O tenente LaForge está estudando um dos materiais estruturais daqui, e diz que nunca viu algo parecido.

— De que maneira você os está analisando, LaForge?

— Sob o ponto-de-vista microscópico e térmico, e como reflete o espectro eletromagnético. Nada disso é familiar. Muito intrigante, senhor.

A voz de Riker soou preocupada. - Intrigante. Uma boa palavra para isto, tenente. E quanto a você Troi? Está captando algo incomum?

Troi franziu o cenho ao ativar o comunicador. Relutava em responder, porque sabia o que ele iria lhe pedir, e ela não estava muito ansiosa em fazê-lo. - Senhor, tentei evitar abrir a mente. O que quer que tenha captado no escritório do groppler tornou-se muito desconfortável.

— Sinto muito, conselheira - a voz de Riker soou suave, mas insistente. Compreendia que era necessário coragem para fazê-lo. - Precisamos de mais informações.

— Sim senhor, eu compreendo. - Troi olhou para Tasha e Geordi. Tasha entendia mas não podia compreender totalmente o que acontecia quando Troi abaixava as barreiras que cuidadosamente mantinha. O jovem LaForge poderia talvez compreender isto um pouco melhor. Sua visão era melhorada mecanicamente, da mesma maneira que sua sensibilidade de percepção mental era telepaticamente melhorada. Talvez ele pudesse compreender como ela, algumas vezes, pudesse ressentir-se do "dom" dessa melhoria.

Vagarosamente, Troi foi abaixando o escudo mental que mantinha. Havia muitas mentes ao seu redor, cada uma com seus próprios pensamentos. Não podia ler o conteúdo de tais pensamentos, mas meramente os sentimentos que os acompanhavam. A torrente de emoções que captava agora era normal, com alguns poucos picos fortes de sentimento aparecendo aqui e ali. A curiosidade de LaForge e, um pouco mais distante, a faixa emocional muito específica que era Riker, sua preocupação. Um sorriso apareceu-lhe nos lábios. Teria reconhecido sua emanação mental em qualquer lugar, de tão próximos que eram um do outro.

Tasha a observava com cuidado, esperando pacientemente por alguma ação. Subitamente, Troi deu um grito agudo e caiu de joelhos. - Que dor -balbuciou ela. Tasha aproximou-se, colocando-lhe o braço ao redor dos ombros. Troi estava sob o efeito dos sentimentos de agonia que esbofeteavam-lhe a mente. - Dor... Dor...

Podia vagamente ouvir a voz de Riker em seu comunicador. - Agüente. Estou indo. Enterprise, ligue-nos ao sinal dela...

Geordi havia-se juntado a Tasha, tentando confortar Troi. Ela podia ouvir o sussurro de sua voz, mas a dor tomava conta de sua mente tão intensamente, que era forçada a fechar sua sensibilidade novamente. Tentou colocar de volta as barreiras, quando o raio do teletransporte começou a brilhar no ar, próximo a eles, e Data e Riker apareceram em sua forma sólida.

Riker rapidamente aproximou-se de Troi, pegando-lhe as mãos e gentilmente ajudando-a a se levantar. - Sinto muito, você pode acabar com a dor?

Troi assentiu, apoiando-se nele por um momento. A mulher que havia nela extraiu forças da preocupação amorosa que dele emanava. Ela colocou de lado tal revelação por um momento, e a profissional dentro dela prevaleceu. -Relatório, senhor - começou ela. - Eu...

— O que foi? - disse Riker. - Foi apenas dor ou...

— Não, muito mais do que isto. Infelicidade... Desespero terrível.

— Quem? - perguntou ele.

— Eu não sei! Nenhuma forma de vida parecida com a nossa. Também não é semelhante à dos bandis. Os padrões de sua mente são completamente diferente do que senti.

— Mas então quem está sofrendo? - perguntou Data, pensativamente. Riker meneou a cabeça e olhou ao redor para as paredes que brilhavam. -Mas que diabo de lugar é este?

 

A ponte da Enterprise contava apenas com tripulação mínima. Picard sentia que era quase como se ele próprio tivesse de manejá-la. Worf estava sentado ao painel de operações, na parte anterior da ponte, mas o resto do pessoal de tripulação trabalhava nas outras estações, rotineiramente monitorando os sistemas da nave. Picard sentira-se nervoso em ficar fechado em sua sala de reuniões, esperando pelo relatório do grupo de terra. A espaçosa ponte ao menos lhe permitia caminhar, se assim o desejasse. O som das portas do turboelevador automaticamente fez com que voltasse a cabeça para ver quem era. Picard enrijeceu-se em sua cadeira, ao perceber quem estava lá.

Beverly Crusher estava dentro do turboelevador. O olhar desaprovador de Picard atingiu-a em cheio, e fez uma carranca para ela e Wes, que estava em pé ao lado dela no elevador. Olhou rapidamente para seu filho. Estava olhando para a ponte de seus sonhos com assombro, procurando captar tudo quanto pudesse ver do ângulo limitado de que dispunha. Começou a entrar na ponte, fazendo sinal a Wes para que permanecesse no elevador. É melhor acabar logo com isso, pensou ela.

Tinha preparado um pequeno discurso e uma razão decente para que viesse pessoalmente à ponte para falar com Picard, em vez de simplesmente apresentar-se a ele pelo intercomunicador. Descobrira que alguns de seus suprimentos médicos essenciais estavam em falta. Seu inventário tinha trazido à tona o fato de que a Enterprise carregava suprimentos superabundantes de vitaminas e complementos alimentares, e perigosamente desfalcados dos elementos que criavam sangue artificial, o que poderia ser fatal em uma emergência. O erro aparentemente ocorrera devido a uma troca de etiquetas nos frascos médicos. Este era um erro que tinha de ser retificado o mais rápido possível, e ela estava justificada em trazê-lo à atenção de Picard.

— Permissão para me apresentar ao capitão... - Beverly começou. O tom gélido de Picard fez a temperatura na ponte cair ao menos dez graus. -Não se permite crianças na ponte, doutora.

Beverly parou onde estava. Admitia para si mesma que sabia que este poderia ser o problema quando decidira-se a fazê-lo, mas ainda assim ele estava sendo um pouco teimoso demais. - Respeitosamente desejo enfatizar que meu filho não está na ponte. Ele apenas me acompanhou.

Picard hesitou. - Seu filho? - Este era o rapaz que vira com Riker e Data, despejando uma quantidade incrível de lama e água no holodeck.

— Seu nome é Wesley. O senhor o viu há anos atrás, quando...

— Oh! - disse Picard abruptamente. - Sim. - Lembrava-se de haver visto a criança quando trouxera o corpo de seu marido de volta.

O rapaz que estava no turboelevador, seus olhos abertos como o de uma coruja, parecia pequeno para sua idade - teria agora por volta de quinze anos - tinha um pouco dos cabelos vermelhos de sua mãe. Tinha os mesmos traços finos também. Não havia muito de Jack nele, exceto os olhos inteligentes. E se Jack ainda estivesse vivo, teria Picard permitido que seu filho estivesse na ponte, uma cortesia para um homem a quem respeitara e prezara como amigo?

Picard pigarreou. - Bem, uma vez que já está aqui... - Os olhos esperançosos de Wesley brilharam. Um pedido presente neles, alto e claro. Beverly aguardava.

Picard tentou fazer com que sua voz soasse amigavelmente. - Conheci seu pai, Wesley. Gostaria de dar uma olhada na ponte?- Em um minuto, o rapaz estava fora do turboelevador. - Mas não toque em nada - , acrescentou Picard.

A ponte era bem maior do que Wesley havia imaginado. Mesmo a tela principal era a maior que havia visto. Os postos de operações desse nível acima da área de comando empolgaram-no, mas sua mãe desceu a rampa em direção a Picard, e ele, obedientemente, seguiu-a. Teve o cuidado de andar devagar, mas com firmeza, a fim de não arrastar os pés pelo carpete - ou irritar o capitão.

Picard levantou-se à medida que Beverly e Wesley aproximaram-se dele. O que aquele rapaz estava querendo? Bem, o que ele desejaria se tivesse aquela idade e estivesse ali? Fez um breve sinal com a mão, apontando para cadeira de comando. - Experimente sentar-se aqui por um minuto.

O rosto de Wesley brilhou como um grande candelabro. Sentou-se e olhou para os painéis nos braços da cadeira.

Picard inclinou-se para ele e mostrou-lhe os comandos, à medida que discorria sobre os mesmos. - O painel à sua esquerda recebe os registros do diário de bordo, dá acesso à biblioteca do computador e registros, controle da tela, intercomunicadores etc. Não toque em nada.

— Não, senhor. - Wesley apontou para o painel do braço direito. - Aqui, sistemas extras dos painéis de navegação e sensores, além dos controles de armamentos e escudos.

— Cuidado com isso.

— Sim, senhor. - Wes olhou ao redor, com admiração. - Esta nave está realmente muito bem equipada e armada.

Picard olhou para Beverly, e novamente para Wes, perplexo. - Devo considerar isto um elogio?

Beverly assentiu, sorrindo. - No vernáculo corrente, é...

— A melhor nave - interpôs Wes. - Ela é linda, senhor.

— Compreendo. Obrigado - disse Picard secamente. - Talvez se interesse pela tela. É controlada da posição de comando...

Wes prosseguiu, animadamente. - ...utilizando-se os sistemas externos, resolução de ultra-intensidade, sistemas de sensores multi-espectral de imagem, podendo selecionar qualquer magnificação desejada.

— Como sabe disso, rapaz? - perguntou Picard. O rapaz era extremamente inteligente.

Antes que Beverly ou Wes pudessem responder, um sinal soou no painel do braço esquerdo da cadeira de comando. O rapaz, instintivamente, tocou um dos controles do painel. - Alerta perimétrico, capitão! - Ao perceber o que havia feito, ficou imediatamente petrificado.

Beverly corou, constrangida, e Picard estava furioso. Três vozes soaram ao mesmo tempo, indignadas.

— Wes, você não deveria ter tocado nisso.

— Sinto muito! - disse Wesley, pulando da cadeira. - Não tive a intenção. Eu apenas sabia o que fazer.

— Saiam da ponte, os dois - rugiu Picard.

Do console de operações, Worf olhava para eles, sem saber ao certo o que fazer. O sinal tinha de ser respondido, mas o capitão parecia... ocupado.

Beverly puxou Wes em direção ao turboelevador, olhando de volta para Picard. - Sinto tanto...

— Eu disse a ele que não tocasse em nada.

O sinal soou novamente, e Worf decidiu que deveria fazer algo. - Alerta perimétrico, capitão.

Beverly parou, e virou-se para encarar Picard. Wesley podia ter ofendido o capitão, mas não permitiria que o rapaz levasse a culpa, uma vez que estava certo. - Como meu filho tentou dizer-lhe! - disse ela com firmeza. Então, de cabeça erguida, entrou com Wesley no turboelevador e ordenou, - Alojamentos, Deck 3.

Quando as portas se fecharam, Picard bateu com o punho direito na palma da outra mão, frustrado. Então tocou os controles de sua cadeira para abrir sua linha de comunicações, ao sinal tocar novamente. - Aqui Picard.

A voz do chefe-assistente de segurança ressoou pelo intercomunicador. - Os sensores da nave detectaram a presença de uma nave se aproximando de Deneb IV. Não há registro de nenhuma nave que deva chegar nesse horário.

— Poderia ser a Hood retornando?

— Esta nave não possui a configuração ou tonelagem da Hood, senhor.

— Worf, coloque-a na tela.

Worf rapidamente tocou seu painel de operações. A grande tela à frente de Picard instantaneamente mostrou a imagem de uma nave. Ainda estava distante; mas, mesmo pelos padrões normais, era grande, sombria e assustadora. Possuía apenas algumas luzes, e seu casco escuro refletia muito pouco a luz das estrelas. De fato, parecia mais absorvê-la. Até mesmo o brilho do sol de Deneb IV a refletia como uma sombra que se movia com rapidez pelo panorama galático atrás de si. Aproximava-se rapidamente.

— Identificação? - perguntou Picard.

Worf tinha as respostas, mas não eram boas. - Nave desconhecida. Configuração desconhecida. Origem desconhecida, senhor.

— Faça contato com ela!

— É o que tenho tentado fazer, senhor. Identificação automática enviada com o mesmo pedido. Nenhuma resposta.

— Levantar todos os escudos, tenente.

As mãos de Worf moveram-se sobre o painel. - Escudos levantados, senhor. Força total.

— Phasers prontos.

— Phasers carregados e prontos, senhor - respondeu o oficial de segurança ao console de armamentos e posto tático, atrás dele.

— Alerta amarelo.

O sinal de alerta soou por toda a nave, e o pessoal de bordo começou a chegar com rapidez aos turboelevadores para assumirem seus postos. Picard observou a nave que ainda se aproximava. Como os outros, nunca vira algo assim, o que não significava que não pertencesse a uma raça que, de fato, conhecessem. - Quero falar com o groppler Zorn, tenente. Prossiga com a saudação universal em todas as freqüências.

Worf tocou seu painel. Houve um bip agudo, e então a voz de Zorn ecoou pela ponte.

— Sim. Este é o groppler Zorn, capitão.

Picard não perdeu tempo com gentilezas. O que quer que esta nave fosse, tinha um forte pressentimento de que não estava ali em missão de paz. Seria isso obra de Q - ou de outra pessoa? - Há uma nave não identificada aproximando-se rapidamente do planeta. Recusa-se a responder nossas tentativas de contato. Sabe de quem se trata?

A voz de Zorn tremia, nervosa. - Ah. Sim. Mas não fizemos nenhum negócio com eles, capitão. Foi apenas uma... uma idéia.

— Tem certeza de que isso é tudo? Ou você teria enviado uma mensagem para um encontro com uma das naves da Aliança Ferengi? Talvez uma mensagem da qual se lamente agora.

— Não. - Zorn parecia desesperado. - Capitão, asseguro-lhe de que aquela foi apenas uma ameaça vã. Queria sua cooperação, seu endosso junto à Frota Estelar. Perdoe-me...

— A nave já atingiu a trajetória orbital, senhor - informou Worf. - Os sensores indicam que possui doze vezes o nosso volume.

— O que poderiam querer? - lamentou-se Zorn. Conhecia o tamanho e tonelagem da Enterprise. Qualquer coisa tão maior do que ela representa uma ameaça terrível à estação e aos bandis.

— Não falarão conosco para nos dizer - replicou Picard com frieza.

— Capitão, pode forçá-los a se identificarem? Se forem hostis...

— Nós os defenderemos da melhor maneira que pudermos, groppler. Picard desliga.

— E se for o Q, senhor?

Este pensamento ainda estava na mente de Picard. Meneou a cabeça. -Podemos esperar que se mostre, como já fez. Mas esta não é a nave que já vimos antes.

Ao observarem a tela com grande tensão, a enorme nave aproximou-se e colocou-se em órbita geossíncrona acima e a boreste da Enterprise. Picard podia quase sentir o peso opressivo da nave maciça sobre eles. Subitamente, um facho de luz saiu da parte inferior da nave misteriosa em direção à Enterprise.

A luz passou por tudo e todos na ponte. Picard observou os detalhes dos objetos e pessoas sendo iluminados de forma espetacular. A tripulação estava assombrada, mas ninguém parecia estar com dores ou passando por qualquer desconforto físico ou mental.

A luz foi-se esmaecendo vagarosamente, e Picard tocou o controle de sua linha de intercomunicação. - Todos os posto. Relatório de danos. -Olhou ao redor da ponte rapidamente. - Relatório de condições.

— Nenhum dano aparente, senhor - disse Worf.

Os outros postos responderam com igual rapidez. Cada um deles informou a respeito da luz, mas nenhum dano foi observado. Nenhuma baixa. Todas as funções da nave estavam inalteradas e operando normalmente.

— Ciência - análise do que nos atingiu.

O oficial de ciências checou seus instrumentos. - Sonda não mecânica, senhor. Provavelmente de natureza sensorial ou telepática.

Worf, de seu painel de operações, informou: - Sensores confirmam que acabamos de ser analisados pela sonda, senhor.

 

O túnel subterrâneo de serviço era um tanto opressivo apesar de seu tamanho. As paredes - brilhantes, estranhas e lisas - com suas marcas curiosas, brilhavam à luz suave que provinha não se sabe de onde. Troi não se deu conta desta sensação ou de seus companheiros ao recostar-se à parede, ainda se concentrando nas ondas empáticas que se impunham à sua mente. Riker observou-a, sabendo que ela se havia fechado para elas, para permitir que alguém mais "andasse" pelas alamedas de sua mente. Geordi estava tentando examinar a superfície das paredes e Data tentava comunicar-se com a Enterprise.

Tasha aproximou-se de Troi e tocou-lhe os ombros. - Sentindo dor novamente? - Franca e honesta, Tasha intelectualmente compreendia que Troi era uma espécie de receptora de emanações emocionais provindas de terceiros; mas por que ela mesma não as recebia, desconhecia o que Troi sentia ou percebia.

— Troi, agora chega! - disse Riker.

— Não - disse ela, meneando a cabeça. - Sinto que estou chegando perto de obter uma resposta. Há uma... necessidade profunda... uma fome. - Lágrimas rolaram-lhe dos olhos, as quais ela enxugou impacientemente.

Data continuava a tentar contactar a Enterprise em todas as freqüências possíveis de seu comunicador. Voltou-se para Riker, um tanto perplexo. -Comandante, algo está obstruindo nossa comunicação.

— Até onde descemos por estes túneis?

— Não muito longe. O alcance dos novos comunicadores vai muito além deles, e materiais comumente utilizados na construção de túneis não deveriam interferir.

— Estes materiais não são comuns - interpôs Geordi.

Troi olhou para eles, forçando sua concentração. Uma parte de sua mente estivera escutando a conversa, e reagia a ambas as impressões, reunindo-as. - Este é exatamente o sentimento que tenho captado - disse ela, assentindo para Data. - Como se alguém não desejasse que contactássemos a nave.

— Vamos lá - disse Riker. - Vamos para a superfície.

A tela mostrava a nave invasora em sua órbita ao redor do planeta, próxima à da Enterprise. Isto preocupava Picard- grande demais, sombria demais, silenciosa demais. - Worf, alguma coisa?

O enorme klingon meneou a cabeça. - Já examinamos todos os registros conhecidos, senhor. Não temos nada referente a uma nave como esta. Nada que nem mesmo se aproxime disto.

O navegador informou a Picard: - Ainda nenhuma resposta aos nossos sinais, senhor. Já enviamos sinais de todo tipo - menos de ameaças.

— Sensores, Sr. Worf.

— Nossos sensores parecem não conseguir penetrar, senhor.

— Você não consegue ler absolutamente nada neles?

— Nada, senhor. - Worf olhou para a tela - observando a nave sombria e de formato estranho. - Quem são eles?

Subitamente, um estranho raio branco-azulado saiu da nave alienígena em direção à superfície, seguido de outro. Worf voltou-se para Picard, com uma expressão de alarme tomando conta de suas feições.

— Estão atirando na Estação, senhor!

— Preparar torpedos fotônicos -gritou Picard para a chefe-assistente de segurança. - Relatório de danos, tenente Worf. Os disparos foram feitos contra a Estação.

Worf tocou os instrumentos no console e informou. - Nenhum dano aparente, senhor. O alvo foi a cidade velha dos bandis - não a Estação.

No túnel de serviço, Riker e seu grupo locomoviam-se ao longo das passagens com Troi e Tasha conduzindo-os. Riker notou a estrutura lisa e arredondada das paredes do túnel, até chegarem a um corredor retangular comum com pedras e cimento. Parou um minuto para examinar mais de perto a área onde as duas seções se juntavam quase que imperceptivelmente. Olhando para Geordi, Riker fez sinal para que o jovem tenente se aproximasse.

— LaForge?

— Neste ponto a estrutura é apenas de pedra comum, senhor. O que combina com os materiais da superfície. - As sobrancelhas juntaram-se em uma expressão de preocupação. - Uma junta extraordinária. As duas parecem haver-se fundido.

— Tasha e eu chegamos até aqui pelos degraus à frente, senhor -interpôs Troi.

Riker podia ver os degraus de pedra a aproximadamente vinte metros, local em que o túnel se abria. Subitamente, uma longa explosão jogou-os ao solo. Tasha refez-se primeiro. - Explosão. Disparos de phaser.

— Negativo - disse Data calmamente. Mas é algo similar.

— Localização? - perguntou Riker.

Data rapidamente consultou seu tricorder. - A um quilômetro e meio. Na cidade velha. - Uma nova explosão sacudiu a área, o chão tremendo sob o impacto.

Riker rapidamente olhou para Troi. - Tente contactar a nave novamente. Você, Yar e LaForge, transportem-se a bordo. Já! - Voltando-se para Data, fez-lhe sinal, apontando para as escadas. - Data, comigo. Quero ver o que realmente está acontecendo. - Moveu-se em direção às escadas, e Data seguiu-o.

— Não - disse Troi involuntariamente. Riker voltou-se. Ela sabia que não devia, mas não pôde se conter. Sua mente penetrou na dele. Não. Se você se ferir...

A expressão de Riker endureceu. - Já tem suas ordens, comandante! Cumpra-as!

Repreendida, Troi baixou o olhar, corando. Lera a ira em sua mente, e o constrangimento sentido por ele diante da demonstração de intimidade. — Sim, senhor. Sinto muito. - Riker e Data já se moviam pelas escadas em direção à superfície, quando Troi tocou em seu comunicador. - Enterprise, três para subir.

Riker e Data saíram no shopping center, que estava em pleno caos. Embora a área não houvesse sido atingida, os bandis fugiam em pânico. Uma outra explosão fez-se ouvir, e uma nuvem de poeira levantada das construções atingidas podia ser vista da parte posterior do shopping center, onde este se ligava à cidade velha. Riker fez sinal a Data para que se dirigissem para a área atingida.

Mark Hughes fora designado para ajudar o chefe de teletransporte na Sala de Teletransporte Sete. Estava um tanto aborrecido por ter de ficar ali olhando, enquanto o chefe desempenhava seus deveres. Afinal, Mark recebera todas as instruções relativas às funções básicas do transportador, na Academia, e suas aulas de treinamento haviam-lhe rendido notas altas. Ainda assim, era apenas um alferes, recentemente designado; e sabia que deveria servir, em seu primeiro ano a bordo, na qualidade de aprendiz, em todos os departamentos da nave.

O chefe recebeu ordens de Troi e ajustou as coordenadas para os sinais dos três comunicadores na Estação Farpoint. - O que eles estão fazendo nos subterrâneos? - perguntou-se em voz alta. No entanto, deu de ombros e começou a transportá-los.

Partículas brilhantes encheram três colunas que se materializaram nas figuras sólidas de Tasha Yar, Deanna Troi e Geordi LaForge. Ao saírem da plataforma, Hughes moveu-se em direção ao amigo. Tasha ignorou Hughes e disse secamente: - Sr. LaForge, para a ponte, por favor.

— Sim, senhora. - Geordi hesitou e ficou um pouco atrás das duas mulheres, enquanto Hughes se aproximava dele.

— Geordi, o que está acontecendo? - perguntou Hughes. - Você mal veio a bordo e já foi comissionado para uma missão de terra. Agora eles o querem na ponte...

— Senhor LaForge - disse Tasha, ao olhar para trás e perceber que ele não a seguia.

— Estou indo - disse Geordi. Olhou para Hughes, deu de ombros e correu para alcançar as outras duas oficiais.

Hughes observou-o saindo da sala, e então olhou para o chefe de teletransporte. - Algumas pessoas fariam qualquer coisa para terem a lua e as estrelas... e algumas as recebem de mão beijada, sem nem mesmo haverem pedido por isso. - Sentiu inveja da boa sorte de Geordi, embora tivesse de admitir que este lhe era hierarquicamente superior. Mas nem tanto, pensou amargamente. Era suficientemente honesto para consigo mesmo para admitir que havia sido deixado para trás... não apenas no que se referia a sentir-se como parte da tripulação, mas também pelo fato de que Geordi parecia estar-se distanciando dele... talvez indo para um lugar onde um simples amigo alferes não seria desejável.

No planeta, Riker e Data haviam alcançado um dos limites que ligavam a cidade velha dos bandis à Estação Farpoint. Era um pátio quadrado, quase como uma praça; mas seu aspecto agradável fora arruinado pelo fogo que tomara conta de uma construção atingida pelas explosões, próximo dali. Uma porta de metal separava as duas seções e, quando Riker e Data chegaram até ela, encontraram-na trancada.

— Atire com o phaser - ordenou Riker. Quando Data ajustou o phaser para corte, o primeiro oficial tocou seu comunicador e falou: - Enterprise, aqui é Riker. - Não houve resposta imediata. Data olhou para ele, e então disparou o phaser no mecanismo de trava da porta. A trava não resistiu ao disparo, e Data pôde abrir a porta sem um mínimo de esforço.

— Enterprise, responda - disse Riker. Meneou a cabeça e seguiu Data porta adentro. - Devem estar muito ocupados lá em cima - com o que quer que seja...

A explosão de um raio de algum tipo de energia abafou-lhe as palavras. Quando Riker e Data olharam para o lugar de onde a explosão viera, observaram uma outra construção ser destruída. Ao verem-na desmoronar, Riker tocou seu comunicador novamente.

Picard observava a tela principal. A nave lançou um novo raio de energia ao planeta, mas nem mesmo o grau máximo de ampliação de que a tela dispunha conseguia fornecer-lhe detalhes específicos. Worf estava impaciente ao console de operações à sua frente. Picard podia vê-lo movendo-se em sua cadeira, musculatura tensa. Finalmente, Worf informou, com um certo grau de insistência. - Pronto para disparar, senhor.

Picard esperou até que respirasse profundamente, antes de começar a falar - Continue a postos para disparar. Afinal, qual é o alvo dos disparos da nave?

— Difícil dizer, senhor. Parece que é a cidade velhas, mas alguns dos disparos parecem ter atingido áreas bem próximas de onde ela se liga à Estação.

— Nenhum comunicado de Riker, ainda?

— Não, senhor. Um sinal contínuo está sendo enviado para ele. Talvez tenha ficado preso no meio disso tudo - disse Worf, fazendo um sinal com a cabeça em direção à tela, para indicar a cidade sob ataque.

Subitamente, a voz de Zorn ressoou pelo comunicador. - Enterprise, Enterprise, ajude-nos! Responda, por favor!

— A nave está atirando novamente, senhor - informou Worf.

— Que faremos? - implorou Zorn.

Picard tocou o painel de comunicações à sua esquerda. - Groppler Zorn...

— Capitão! O senhor deve salvar-nos! Estamos sob ataque... temos baixas...

— Enviaremos socorro, groppler - interrompeu Picard, bruscamente. -Onde ocorreram as baixas?

— Na cidade - disse Zorn. O som de uma nova explosão abafou o que disse a seguir. - A cidade. O centro da cidade. Depressa, por favor!

— Agora mesmo - respondeu Picard. Tocou os comunicadores novamente. - Enfermaria. Doutora Crusher.

A voz de Beverly respondeu imediatamente. - Aqui Crusher.

— Há baixas na cidade bandi. Precisamos de um grupo médico de emergência...

— Providenciando, senhor. Crusher desliga.

Picard uma vez mais tocou os comunicadores. - Comandante Riker, responda. Onde você está? - O som das portas do turboelevador que se abriam fez Picard voltar-se para ver Troi, Tasha e Geordi entrando na ponte. - Riker? - perguntou Picard rapidamente.

— Ainda no planeta, senhor - respondeu Troi.

— Entendo. Senhor LaForge?

— Senhor.

— Você é oficial de navegação, não? - Geordi assentiu, e Picard apontou-lhe o painel de navegação que estava vago no momento, ao lado de Worf. - Queira tomar posição. Talvez tenhamos de manobrar a qualquer momento.

— Sim, senhor. - Geordi apressou-se para sentar-se. Atrás dele, Tasha liberou o chefe-assistente de segurança do console de armamentos e posto tático. Troi sentou-se em sua cadeira à esquerda de Picard.

— Onde estava Riker na última vez em que o viram? - perguntou Picard a Troi.

A própria voz de Riker ressoou pelo comunicador. - Riker para a Enterprise. Responda.

— Finalmente - murmurou Picard. - Comandante, onde você está?

— Com Data, à entrada da cidade velha, capitão. Ela está sendo duramente atacada.

— Assim fui informado. E a Estação Farpoint? Algum dano lá?

Uma nova explosão ressoou pelos comunicadores, antes da voz de Riker aparecer novamente. — Nenhum dano na Estação, senhor. Quem quer que sejam, parecem que estão tendo muito cuidado para não atingirem Farpoint.

— Trata-se de uma nave não identificada que está em órbita junto conosco. Nenhuma identificação, nenhuma resposta aos nossos sinais...

— Estão atingindo duramente a cidade velha dos bandis, senhor. É provável que haja muitas baixas.

— Compreendido, comandante. Socorro já está a caminho. - Picard fez uma pausa. Uma hora para pensar, uma hora para agir. Disse, com cuidado.

— Você faria objeção a uma ordem de seu capitão para fazer um seqüestro ilegal?

— Nenhuma objeção, senhor... se achar isso necessário.

— Acho. Zorn pode ter as respostas de que precisamos. Traga-o aqui!

— Sim, senhor! - respondeu Riker, firmemente. - Riker desliga.

— Senhor Worf, coloque nossa nave misteriosa de volta à tela.- Worf obedeceu prontamente, e a tela principal mostrou a imagem sombria da nave que pairava por sobre Farpoint. Picard observou-a silente, incapaz de compreender os propósitos dela. Meneou a cabeça e voltou-se para Troi. -Por que atacam somente a cidade velha? Se têm algo contra nós, deveriam disparar sobre nós... ou sobre a estação que supostamente nos pertence. Por que limitar o ataque à cidade bandi?

— E importa se têm algo apenas contra os bandis? - perguntou Troi. -Temos a obrigação moral de defender aquelas pessoas.

— Estão compelindo-me a uma decisão difícil, Conselheira.

— Duvido que proteger os bandis violaria a Primeira Diretriz. Eles pediram nossa ajuda. É bem verdade que eles não são aliados ainda...

— Mas estamos em meio a negociações diplomáticas com eles. Devemo-lhes ao menos isso. - Picard falou sem olhar para Tasha. -Aponte os phasers para aquela nave, tenente.

Os dedos finos de Tasha moveram-se sobre o painel. - Phasers apontados, capitão.

O raio de luz branca intensa que banhou a ponte fez Picard pular de sua cadeira. Naturalmente, tratava-se de Q. A criatura trajava o mesmo manto vermelho e negro de juiz que usara durante o julgamento. Com desdém, olhou para Picard, para o pessoal da ponte, e então para Tasha em seu console de armamentos e posto tático. - Típico, muito típico - disse ele. -Formas selvagens de vida nunca seguem suas próprias regras. Ou as regras que dizem possuir.

— E o que quer dizer isto, Q?

Q voltou a atenção para Picard, e os cantos de sua boca levantaram-se.

— Lembro-me de um discurso apaixonado - há não muito tempo- de uma jovem que conheci... - Voltou o olhar para Tasha novamente. - Como é mesmo? Ah, sim. "Este assim chamado tribunal deveria ajoelhar-se diante do que a Frota Estelar é, do que representa." Lembra-se disso, não, capitão? E você também tinha algo a dizer. Vamos ver... - Q estalou os dedos. - Sim. "Concordamos que haja evidência para sustentar a declaração do tribunal de que os humanos têm sido assassinos e perigosos. Portanto, sugiro que nos ponha à prova... Teste-nos para averiguar se isto ainda é verdadeiro." Gostei disso, capitão. Muito persuasivo. De fato, tão persuasivo que permiti que retornassem à sua nave e viessem até aqui para serem testados.

— Saia já da minha ponte! - gritou Picard.

Q sorriu com tristeza, e meneou a cabeça. - Interessante essa sua ordem com relação aos phasers.

— Phasers prontos para disparar, capitão - disse Tasha fria e rapidamente. Q lançou-lhe um olhar, mas ela ignorou-o e manteve os olhos em Picard.

Q voltou-se para Picard e levantou as mãos. - Por favor, não desejo interferir. - Baixou o tom de voz, de maneira insinuante. - Use suas armas.

— Não tendo qualquer idéia sobre quem está a bordo daquela nave, minha ordem baseou-se em simples rotina de precaução. Não atiraram em nós. A nave está dirigindo o ataque à cidade bandi, e desconhecemos a hostilidade que possa haver entre...

Q começou a rir. - É mesmo? Nenhuma idéia do que aquela nave representa? - Meneou a cabeça. Não podia mesmo compreender a estupidez destas criaturas. - O que aquela nave representa é tão claro quanto - quanto o nariz em suas feias e pequenas faces primitivas. E se fossem realmente civilizados, capitão, não estariam fazendo algo a respeito das baixas que estão ocorrendo no planeta?

Ah!, pensou Picard. Talvez ele não saiba de tudo, afinal. Tocou os controles do painel em sua cadeira e disse: - Capitão à enfermaria. Estão na escuta?

A voz de Beverly ressoou quase imediatamente. - Grupos médicos prontos para se transportarem à superfície, capitão. Estarão lá em cinco minutos.

— Meus cumprimentos, doutora. - Picard voltou-se para Q, que lhe sorria ironicamente. - Alguma pergunta? O pessoal da Frota Estelar está treinado a prestar assistência e socorro sempre que...

— Sempre que permitem que outras pessoas sejam atingidas?

— Esta é uma insinuação injusta - disse Picard.

— Sim, porém verdadeira. E vou-lhe fazer outra afirmação injusta, porém verdadeira, capitão. O pessoal da Frota Estelar não está treinado para pensar claramente; do contrário, já teria percebido o que está acontecendo, e os bandis não teriam sofrido baixas se vocês tivessem agido.

— Vamos analisar os seus pensamentos. Chama-nos de "selvagens" e, no entanto, aparentemente você sabia que aquelas pessoas lá em baixo seriam mortas e feridas. Por que não disse algo a respeito? Por que não o impediu? Será que o "colocar-nos à prova" compensa o preço pago com vidas inocentes? Eu digo que a sua conduta é que não é civilizada.

— Senhor, estão disparando sobre o planeta novamente - interrompeu Worf.

A tripulação da ponte rapidamente olhou para a tela principal, a tempo de ver o disparo branco-azulado atingir a cidade bandi uma vez mais. A Picard pareceu que atingiu o centro do velho complexo. Um outro disparo seguiu-se.

— Passar para força de impulso! Coloque-nos entre a nave e o planeta. Escudos levantados, força total!

— Sim, senhor - respondeu Geordi, movendo as mãos rapidamente pelo painel de navegação. - Força de impulso... - Ele parou o que ia dizer, olhando para o painel, que gradualmente se desligava. - Não temos controle da nave, senhor. Tudo desligado!

Riker e Data correram pelos corredores da cidade velha em direção ao escritório de Zorn. O raio de transporte poderia tê-los colocado lá instantaneamente; mas tão logo Riker recebera as ordens de Picard, sua linha de comunicação com a Enterprise emudeceu novamente. Riker não estava ferido, mas ofegava após a corrida pela cidade velha. Data, naturalmente, não tinha esse tipo de problema. Estavam a uns poucos metros do escritório de Zorn, quando uma raio energético extremamente possante atingiu a área próxima à porta. O corredor estremeceu ante o impacto. Riker e Data foram atirados ao solo. O teto ruiu parcialmente, cobrindo-os com pó de gesso e areia. Data sentou-se. A seu lado, Riker vagarosamente fez o mesmo, desviando de uma outra pequena porção do teto que desmoronava.

— O senhor não está ferido? - perguntou Data.

— Não, não estou. E você?

Os olhos de Data pareciam fazer um exame interno. Após alguns segundos, piscou e assentiu para Riker. - Todos os sistemas operando.

— Então vamos.

Levantaram-se e dirigiram-se para o escritório de Zorn. A porta estava presa apenas por uma das dobradiças, e a sala estava coberta de pó. Havia sido duramente atingida; aparentemente, o último disparo, ou um antes deste, atingira diretamente este local. Do lado de fora, outro disparo ressoou com um enorme estrondo. Riker e Data entraram cuidadosamente no escritório, olhando consternados para a mobília toda em pedaços. Apenas a bela mesa parecia haver sobrevivido, razoavelmente intacta.

— Zorn?

Um som abafado veio de sob a mesa. Riker dirigiu-se para lá rapidamente. - Groppler Zorn? - Encontrou o velho administrador bandi escondido sob a elegante mesa, tremendo e soluçando de medo. – Por favor, saia, senhor. Vamos levá-lo para a Enterprise. - Agachou-se e gentilmente ajudou Zorn a sair e se levantar.

Zorn não parecia ouvi-lo, e olhava-o com uma súplica nos olhos. - Por favor. Vocês podem fazê-lo parar. Mande-o embora.

— Mandar o que embora, groppler?

Zorn encolheu-se, como se tivesse percebido que dissera algo que não deveria. - Eu não sei - disse, com rapidez.

— Improvável, senhor - disse Data, positivamente. Voltou-se para Zorn. - Nossos registros indicam que o senhor supervisionou todos os contatos bandis com a Frota Estelar. Podemos presumir que tenha feito contato com outros fora de seu planeta também.

— Não fizemos nada de errado!

— Se é assim, então não tem nada a temer. A Enterprise será um abrigo seguro para o senhor...

— Nada tenho a dizer ao seu capitão.

— Então receio que teremos de partir. Adeus, senhor - disse Riker firmemente. Começou a sair, e Data fez menção de segui-lo.

— Não! - gritou Zorn, com voz amedrontada. Recompôs-se e sua voz tremia apenas levemente ao prosseguir. - Não, não partam. Eu... tentarei explicar...

O ar ao redor de Zorn assumiu um brilho sinistro. O groppler olhou para si mesmo, apavorado.

— Não - gritou ele novamente. - Não...

Riker adiantou-se, mas a luminescência cobriu completamente o administrador bandi.

Zorn agarrou desesperadamente o braço de Riker. - Ajude-me —implorou ele. - Ajude-me!

O brilho começou a se espalhar pelo corpo de Riker. Sentiu um formigamento tomar-lhe o braço...

— Senhor, não! - Data agarrou o braço de Riker e puxou-o para fora. O primeiro oficial surpreendeu-se ao sentir a imensa força dos dedos de Data, e igualmente surpreso ao perceber que o andróide o puxara para fora com apenas dois deles.

Os gritos de Zorn cessaram subitamente. Data e Riker olharam ao redor.

A não ser pelos dois, a sala estava vazia.

 

Riker piscou, olhando fixamente para o espaço que Zorn ocupara até momentos antes. Atrás dele, Data murmurou: - Suspeito de que isto criará uma certa dificuldade.

— Você tem um talento especial para eufemismos. - Riker tocou seu comunicador e falou: - Primeiro oficial para a Enterprise.

A voz de Picard ressoou imediatamente. - Prossiga, Riker.

Ele não irá gostar disso, mas não sei que diabo posso fazer a respeito, pensou Riker. Meneou a cabeça levemente, respirou profundamente, e prosseguiu. - Perdemos Zorn, senhor. Alguma coisa parecida com um raio de teletransporte o levou daqui.

— Parecida com um raio de teletransporte? Não dos nossos? -Alienígena, eu diria, senhor - interpôs Data.

— Pergunta, senhor - prosseguiu Riker. - Poderia ter sido este Q?

Q arqueou as sobrancelhas e sorriu diante da expressão azeda de Picard. Era tudo tão simples, e estes tolos nunca iriam compreender. -Nenhum de vocês sabe quem o transportou? Seu tempo se esgota, capitão.

Troi mexeu-se em sua cadeira, sua concentração voltando-se para dentro de si mesma. Percebera a hostilidade de Picard e os insultos zombeteiros de Q, até que algo mais penetrara em sua mente, sutilmente. Franziu o cenho, analisando e separando os elementos. - Capitão - disse ela, finalmente. Ele voltou-se para ela. - Satisfação. Imensa satisfação.

— Oh, muito bom - riu-se Q.

Picard ignorou-o. - Mesma procedência de antes?

— Não, antes vinha do planeta. Esta está muito mais próxima.

O capitão voltou-se para a tela, onde a nave misteriosa pairava sombriamente, em órbita. Q balançou-se para frente e para trás, sorrindo sarcasticamente para Troi. - Excelente, conselheira! - Fez sinal com a cabeça, apontando para Picard. - Ele é mesmo estúpido, não?

— Talvez - respondeu rapidamente Picard. - Mas você parece pensar que isto é meramente uma charada - e gostaria de relembrá-lo de que temos algo sério nas mãos.

Uma voz ressoou pelo intercomunicador, interrompendo-os. - Sala de Teletransporte 6 para o capitão. O primeiro oficial e o Sr. Data transportaram-se a bordo. Estão a caminho da ponte, senhor.

— Ah - disse Q, sorrindo prazerosamente. - Excelente! Talvez com mais umas pequenas mentes para ajudá-lo, você irá...

Picard voltou-se para ele, explodindo. Raramente perdia o controle, por julgar que isto pouco ou nenhum benefício trazia. Mas esta criatura era arrogante e presunçosa ao extremo - demais para que se pudesse tolerar. -Já chega, diabos!

Q deu um passo para trás, as sobrancelhas uma vez mais arqueando-se sardonicamente. - Já se esqueceu de que temos um acordo? Estou tão somente compelindo-o a mantê-lo.

Picard percebeu que as portas do turboelevador haviam-se aberto e que alguém entrara na ponte. Data e Riker, na certa. Sua atenção continuava concentrada no alienígena à sua frente. Q afastara-se, distanciarão-se um pouco. O treinamento que Picard recebera para enfrentar disputas emergiu de imediato e, instintivamente, deu um, passo à frente. Quando o oponente está encurralado, adiante-se; ataque com ousadia. - Temos um acordo que você, neste momento, está desrespeitando ao tomar minha nave, interferindo em minhas decisões! - Estava cara a cara com Q, e sua voz assumiu um tom autoritário, sem contudo havê-la levantado. - Vá-se embora ou acabe conosco.

Q fez uma pausa, refletindo e analisando Picard. Todos os demais na ponte estavam segurando a respiração, aguardando para ver como o vivaz alienígena reagiria. De fato, embora Picard o tivesse surpreendido com a veemência de seu ataque, Q divertia-se. Finalmente, permitiu que um sorriso doce lhe iluminasse o rosto; e sua voz soou suavemente. - Mas que mau humor, mon capitaine. Estou meramente tentando auxiliar uma espécie desprezível a alcançar um pequeno sucesso antes de retornar ao seu ínfimo planeta - e lá permanecer. Talvez eu me vá, se o comandante Riker me proporcionar algum divertimento.

— Não faça nada do que pedir! - retorquiu Picard imediatamente, dirigindo-se a Riker.

Riker não tinha mesmo a menor intenção de fazê-lo, e meramente retornou o olhar de seu comandante, assentindo. Q moveu-se em sua direção, sua voz assumindo tons amenos e persuasivos. - Mas peço tão pouco. E é necessário, se realmente desejarem solucionar esta questão.

— O que você quer? - perguntou Riker.

Q moveu casualmente a mão em direção à tela e à nave alienígena. -Teletransporte-se com seu... - Fez uma pausa e voltou-se para Picard. -Como é mesmo que vocês o chamam? Grupo de inspeção?

— Não arriscarei vidas em algo tão desconhecido - disse Picard, firmemente.

O alienígena meneou a cabeça, penalizado. Que difíceis, esses humanos. Recusavam-se a permitir que os ajudasse. - Mas vocês já sabem o que irão encontrar lá. No entanto, talvez este seja um enigma por demais adulto para vocês, complexo demais. Muito além de seus insignificantes esforços... - Fez uma pausa. - Talvez devessem usar seus phasers...

— Q, estou-lhe avisando...

— Capitão - disse Riker. - Com todo o respeito, gostaria de me teletransportar para lá.

Q voltou-se rapidamente para Riker. - Ah, você me parece promissor, meu bom rapaz.

Riker interrompeu-o abruptamente, apontando Picard com a cabeça. -Será que entendeu alguma coisa do que ele lhe disse? A humanidade não é mais uma raça selvagem!

— O que diziam mesmo, lá pelo seu século XX? Ah, sim. "Falar é fácil." Belas palavras, comandante Riker. Mas ainda precisam provar que é assim! - A luz brilhante que costumava acompanhar sua retirada explodiu diante de seus olhos, o que fez com que todos os protegessem.

Riker voltou-se para Picard assim que a luz se foi. Esta deixara a ponte de modo a que parecesse estar quase às escuras, exceto por suas cores suaves. - Senhor, repito minha solicitação para levar um grupo de inspeção a bordo daquela nave. Se há respostas, estão lá.

— Estou surpreso em ver que acha isso também - disse Picard.

Riker deu de ombros. - É o único lugar em que ainda não olhamos, senhor. Por que não?

Picard considerou isto. Riker estava certo, naturalmente; e Picard soube que aceitaria tal pedido assim que Riker o fizera. Concordou.

— Se houver algo lá, nós o encontraremos, senhor.

Picard assentiu uma vez mais e subiu a rampa em direção às portas do turboelevador. - Senhor? - perguntou Riker. - Se ele não estiver propenso a aceitar evidências a nosso favor, o que fará?

Picard parou no topo da rampa e voltou-se para olhar para Riker. -Cumprirei o meu dever.

— Até o amargo fim?

O capitão inclinou a cabeça levemente para o lado, ponderando. Então seus lábios se curvaram num meio-sorriso. - Não vejo nada de amargo nisso. - Riker assentiu com seriedade, e então levantou-lhe o polegar. O capitão encaminhou-se para o turboelevador, que obedientemente abriu-lhe as portas. - Enfermaria - disse ele, e as portas se fecharam.

Riker percebeu que gostava muito desse homem - e se conseguissem sair desta, certamente apreciaria estar sob o comando do capitão Jean-Luc Picard.

 

Beverly Crusher estivera atarefada recebendo o novo pessoal a bordo, examinado-os e correlacionando os resultados ao seu último registro médico. O tenente LaForge estava passando pelos exames nesse momento, que demonstraram estar gozando de plena saúde, confirmando seu último registro médico. Ela estava interessada na prótese visual que, neste momento, estava ao lado dele, sobre a mesa de exames. Seus olhos olhavam cegamente para frente, sem piscar; as íris acinzentadas, desprovidas de pupilas, perturbavam-na. Ao terminar de examinar-lhe os olhos, o que fez com os instrumentos de mão, disse: - Naturalmente, li a respeito de seu caso. Você consegue compensar - e muito bem - a ausência de visão, com o aparelho que utiliza - o VISOR...

— Sim, sim, uma peça notável de engenharia biomecânica, através da qual "vejo" a maior parte do espectro, das simples ondas de calor e infravermelho até ondas de rádio etc., etc. - discorreu Geordi, enfadonhamente. - Desculpe-me, mas já disse e ouvi isso centenas de vezes.

— Seus registros indicam que foi cego a vida toda.

Geordi levantou-se, pulando da mesa. - Nasci assim - disse em tom neutro. Este era um fato com o qual vivia. Ponto final. Do mesmo modo que aceitava o VISOR que lhe permitia ver, também aceitava o fato de que a Natureza determinara que não enxergaria da mesma maneira que as outras pessoas. Beverly apanhou o aparelho e colocou-o nas mãos de Geordi.

— E tem sentido dores durante todos os anos em que tem usado isto? Geordi assentiu, com serenidade. - Dizem que é porque ele utiliza meus sentidos naturais de maneiras diversas.

Beverly hesitou, pensativa. Podia ver opções, mas certamente outros já as haviam apresentado ao rapaz. O jovem tenente parecia resignado. Ainda assim, parecia-lhe justo falar-lhe delas. - Vejo duas opções. A primeira seria a utilização de lenitivos...

— O que afetaria o seu funcionamento - interrompeu Geordi. Colocou o VISOR e olhou-a diretamente. - Não.

As portas da enfermaria abriram-se, e Picard entrou. Beverly, ao vê-lo, ficou um tanto tensa, e então sua atenção foi atraída pela pergunta de LaForge. - Opção número dois?

— Cirurgia exploratória, para desensibilizar a área cerebral que o incomoda.

Geordi saiu da mesa de exame e meneou a cabeça. Já ouvira isto antes também. - Mesma coisa. Não, obrigado.

Beverly sorriu-lhe, compreendendo. - Pensei apenas que deveria relembrá-lo de que as opções existem. E tenho certeza de que haverá outras no futuro.

— Esperarei por elas, doutora.

Picard adiantou-se, olhando para os dois. - Problemas, doutora? Tenente?

— Não, senhor. Nenhum problema - respondeu Geordi. Olhou para Beverly e encaminhou-se para a porta.

Picard olhou-o até que saísse, e então voltou-se para Beverly, que se adiantou: - Posso ajudá-lo, capitão?

Estava constrangido, mas também não era o tipo de homem que deixava mal entendidos sem solução. Era melhor dizer o que pensava, e resolver a situação. - Bem, gostaria que falássemos a respeito de nosso incidente. Não quero que me considere mal.

A sobrancelha direita de Beverly arqueou-se, e ela tentou esconder o sorriso; mas sua voz deixou-o transparecer. - E por que eu o faria?

Ela estava rindo-se dele. Picard relaxou um pouco, percebendo que ela lhe permitiria falar. Pensara que talvez não o recebesse bem ou lhe fosse hostil depois de tudo, mas parecia demonstrar que sua reação não seria, de forma alguma, a que previra. Isto era interessante.

...Imediatamente conteve os pensamentos e voltou a atenção para o motivo de sua presença ali. - Não a recepcionei a bordo condignamente, quer do ponto-de-vista pessoal quer do profissional. Gritei com seu filho que, conforme você mesma me disse, estava certo quanto à interpretação de uma situação ocorrida na ponte. Ele realmente parece entender como funciona uma nave estelar. Gostaria de me desculpar por haver gritado com ele. Eu... ahn, não tenho muita experiência com crianças.

Beverly sorriu-lhe, aceitando suas desculpas. - Compreendo, capitão. Asseguro-lhe que nem eu nem Wesley nos deixamos abalar pelo ocorrido.

Picard considerou o comentário por um momento e, por fim, estendeu-lhe a mão. - Nesse caso, bem-vinda a bordo, doutora. Espero que possamos ser amigos.

Ela permitiu-lhe um aperto de mãos superficial e rápido. - Obrigada. -De maneira igualmente rápida, retirou a mão e parou de sorrir. Picard observou-a, enfrentando o fato de que não lhe restava outra coisa a não ser sair. Assentiu-lhe e saiu. Beverly respirou profundamente. Por um momento, ficara a imaginar se seus comentários breves o haviam ofendido tão profundamente que ele teria decidido não aceitá-la como sua oficial médica-chefe. Aparentemente, tudo o que Jack havia-lhe dito a respeito de Picard era correto. Ele era duro, mas justo. Aceitava o fato de que podia errar e reconhecia-o quando o fazia. Talvez, apenas talvez, ela viesse a gostar dele, assim como Jack. Um pensamento um tanto perturbador passou-lhe pela mente e se foi, rapidamente. Talvez pudesse vir a gostar mais dele.

 

O grupo de inspeção de Riker colocou-se na plataforma de transporte, examinando rápida e eficientemente o equipamento. Escolhera a tenente Yar, Troi e o tenente-comandante Data não apenas pelas suas habilidades individuais, mas também porque haviam desempenhado bem suas funções durante a breve missão na superfície antes do ataque da nave misteriosa. Justificara a inclusão de Troi no grupo devido à sua sensitividade em relação a outras formas de vida, sensitividade esta de que, certamente, necessitariam a bordo da nave alienígena. O andróide provara-se igualmente valioso por sua habilidade para analisar informações e apresentar conclusões - ainda que fosse um tanto persistente quanto às especulações que desenvolvia em torno de referências que não representavam fatos literais.

— Programar phasers para tontear - ordenou Riker. Assim que o grupo terminou a inspeção do equipamento e se colocou em seus lugares, Riker olhou para o chefe. - Todos prontos.

O chefe de teletransporte examinou cuidadosamente, uma vez mais, seu console de operações. - Tenho coordenadas que os colocarão bem no meio daquela nave, senhor, mas nossos sensores não conseguem ler mais do que isto. Não sei ao certo onde se materializarão, mas não será nos motores deles. Pudemos localizá-los devido à sua alta intensidade de energia.

Riker assentiu. - Entendido. Acionar.

O raio de teletransporte os colocou no que parecia ser um túnel. Riker instantaneamente reconheceu as formas simétricas e o brilho suave. Data procurava obter informações com seu tricorder. - Muito interessante, senhor. Há luz, mas não se pode determinar sua procedência. Construção das paredes - desconhecida. O tricorder não pode analisá-las.

— É o mesmo tipo de construção que vimos no túnel sob a Estação Farpoint - interrompeu Tasha.

Data tirou os olhos do tricorder. - Conforme o que estava para dizer -afirmou ele. Riker poderia jurar que o andróide estava um tanto vexado. -Mas, como podem notar, não há sons de energia ou quaisquer outros sons comuns a uma nave. Não há sinal de nenhum equipamento a bordo.

— E como esta nave é operada?

Riker fez sinal com a cabeça em direção ao túnel. - Vamos descobrir.

Tasha imediatamente tomou a dianteira, locomovendo-se na direção indicada. Data manteve seu tricorder em funcionamento, mas meneou a cabeça para Riker para indicar que as leituras que estava obtendo eram inúteis.

Troi cambaleou, como se tivesse sido atingida. Riker colocou-se a seu lado rapidamente.

— Troi, o que é? O mesmo que sentiu no planeta?

— Não, isto é... diferente. - Cuidadosamente abaixou o escudo mental que levantara ao ser atingida. Analisou o sentimento com cuidado, e então olhou para Riker, franzindo o cenho. - É um sentimento muito mais poderoso... cheio de ira... ódio.

— Para conosco?

— Não. Para com a cidade velha dos bandis.

Data adiantou-se, ansioso. - Uma vez mais, deveras intrigante. Esta nave não atacou a Estação Farpoint, mas os lares daqueles que a construíram... - Parou abruptamente, olhando para Riker com um certo constrangimento. - Sinto muito, senhor. Parece que estou sempre tecendo algum comentário.

Riker abafou um sorriso. - Pois continue. Seus comentários são valiosos... e bem-vindos.

Retomaram a caminhada com cuidado, notando as paredes sempre iguais do túnel aparentemente sem fun. Este se ramificava em outras direções mas, seguindo as instruções de Riker, Tasha os conduzia sempre em direção à direita.

— Estes corredores não parecem conduzir a lugar algum - apenas continuam não se sabe para onde - observou Riker. - Como alcançarmos outros níveis?

— Especulação - disse Data. - Os alienígenas são capazes de atravessar as paredes, talvez até mesmo dimensões.

Tasha olhou-o, inquisitiva. - Então por que construiriam paredes, afinal? - perguntou, sempre denotando seu raciocínio prático. Data assentiu, pensativo; ela tinha razão. Subitamente, o comunicador de Riker ressoou, e a voz de Picard fez-se ouvir.

— Picard para Riker. Informe.

— Aqui Riker. Fomos transportados para um túnel ou corredor muito comprido, senhor. Não há sinal da tripulação, nem de mecanismos, ou de circuitos...

— Mantenha-me informado, comandante. Picard desliga.

Riker olhou para os outros. - Nosso capitão parece estar um tanto impaciente.

— Oh, não, senhor - disse Data. - Ele apenas não gosta de perder tempo com novos oficiais.

— Obrigado por me dizer isso, Data.

— Não há de quê, senhor.

Data teria prosseguido, se Troi não tivesse interrompido rapidamente. -Groppler Zorn, senhor... está muito amedrontado. - Apontou para uma intersecção do túnel. - Bem à frente. - Apressaram-se, Troi conduzindo-os. Moveu a mão em direção a Riker, para indicar algo mais. Ele colocou-se a seu lado, enquanto ela parava para analisar o novo sentimento. - Há um sentimento diferente neste corredor aqui, senhor. Muito diferente...

A voz de Zorn encheu o ar, tremulando de dor. - Não, por favor! Chega!

O grupo correu pela intersecção, e parou de repente, ao olharem, surpresos, para o que estava à sua frente. Zorn estava suspenso no ar, no meio de um campo de força cilíndrico. Podiam distinguir nitidamente algumas de suas bordas, pelo brilho suave que emitiam. O campo de força cintilou, e ouviu-se um ruído atemorizador. Zorn contorceu-se e gritou de dor.

— Não! Por favor! Chega! Por favor, chega!

Riker e Tasha adiantaram-se, mas foram impedidos pelo campo de força. - Data, verifique a extensão do campo de força. - Data assentiu, mas, na verdade, já havia acionado seu tricorder no momento em que divisara o campo de força. Zorn contorceu-se novamente, e Riker dirigiu-se ao desafortunado administrador bandi. - Zorn, pode ouvir-me?

Zorn, num esforço, levantou a cabeça com vagar, para olhar para eles. Riker chocou-se com a nítida dor demonstrada em sua face, que se contorcia em agonia intensa. - Por favor, não posso conversar com ele. Faça com que pare a dor. Por favor...

— O alienígena já se comunicou...? - Troi interrompeu a si mesma, voltando-se para Riker ao compreender o que se passava. - É isso, senhor! Posso captar apenas um alienígena aqui.

Zorn gemeu e contorceu-se uma vez mais, como se algo no campo de força o houvesse atingido. - Por favor! Não sei o que ele quer.

Troi olhou para Riker e meneou-lhe a cabeça. - Não é verdade. Ele sabe - e tem medo.

Data completou a análise do campo de força, e encaminhou-se para Riker, mostrando-lhe o tricorder para que o pudesse ler. - O campo de força possui um metro de diâmetro, mas vai do teto ao chão. Não posso localizar a origem dele. Mas veja isto, senhor... - Apontou para uma leitura muito específica do tricorder, e a sobrancelhas de Riker levantaram-se em surpresa. Riker apanhou seu phaser e reajustou-o.

— Ajustar para tontear fortemente - ordenou ele. - Concentre seu disparo no meu. - Ele e Data apontaram as armas diretamente para Zorn.

— Não, não! Por favor, não! - gritou Zorn.

O disparo atingiu o campo de força, e um brilho colorido intenso envolveu-o. Subitamente, desfez-se, e o corpo de Zorn caiu ao chão, livre. Tasha e Data correram para ajudá-lo. Riker ativou o comunicador. - Riker para. Enterprise.

Troi sentia agora o toque familiar da mente do alienígena na sua, e isto a perturbou. Ainda havia a ira, mas percebeu que era dirigida exclusivamente a Zorn. E havia perguntas... De repente, Troi alarmou-se. Um estranho tentáculo contorcido de plasma saiu da parede em direção a Riker. Imzadi, gritou em sua mente.

Outros tentáculos saíram igualmente da parede em direção a Data e Tasha. Troi foi pega por trás, por um tentáculo que a envolveu pela cintura, segurando-a. Riker ainda tentava se comunicar com a sua nave, -Enterprise, responda! Transporte-nos... - Um outro tentáculo envolveu-lhe a garganta, sufocando-o.

 

Da Enterprise, Picard podia ouvir o som abafado da voz de Riker no comunicador. Debruçou-se sobre o próprio painel de comunicações, e ordenou, ansioso: - Chefe de teletransporte. Traga-os de volta! Agora!

Worf, no posto de operações, subitamente voltou-se para Picard, apontando para a tela. - Capitão!

Picard olhou para a tela. Esta mostrava uma imagem inacreditável. A imensa nave estava-se modificando, seus contornos rígidos transformando-se em algo macio, algo inexplicável. - Mas que diabos...?

Um facho de luz cegante inundou a ponte, anunciando o retorno de Q. Desta feita, o alienígena envergava o uniforme de capitão da Frota Estelar, completo, com insígnias e tudo o mais. Picard ficou furioso, ressentindo-se do fato de Q haver-se colocado no mesmo grau de hierarquia que ele.

— Seu tempo se esgotou, capitão - disse Q.

Picard ignorou-o e tocou em seu painel da cadeira de comando novamente. - Chefe de teletransporte, você tem as coordenadas do grupo?

— Esperou por um segundo, aguardando a resposta. Quando ela não veio, repetiu, ansiosamente. - Chefe de teletransporte!

Q postou-se calmamente ao lado da cadeira de comando, sorrindo com satisfação. - Ele não pode ouvi-lo, capitão.

Picard tocou o próprio comunicador, em seu peito esquerdo. - Chefe de teletransporte, responda! - Nada. O sorriso de Q alargou-se. Picard voltou-se para ele, irado. - Q, meu pessoal está em dificuldades...!

Q sentou-se confortavelmente na cadeira de comando, esticando as pernas. Picard levantou a mão para impedir o pessoal da ponte que se adiantava. - Todos em seus lugares! Isto é uma ordem. - Eles voltaram a seus postos, ainda zangados, mas obedientemente. Picard odiava ter de suplicar ao alienígena, mas tinha de fazer algo a respeito do grupo de inspeção. - Meu pessoal está em dificuldades, Q. Permita que eu os ajude.

— Fez uma pausa, tomou fôlego. - Farei o que quiser.

O alienígena lançou-lhe um estranho e doce sorriso, e colocou a mão com a palma para baixo, os dedos abertos. Quase que instantaneamente ouviu-se um ruído que Picard não pôde identificar. Parecia-se com o raio de teletransporte, mas certamente não o utilizado pela Frota Estelar. Um brilho estranho apareceu entre a cadeira de comando e as estações da parte anterior da nave. Condensou-se em cinco formas distintas e, para o alívio de Picard, finalmente materializou-se: eram Riker, Data, Troi, Tasha e Zorn - todos sãos e salvos.

— Você fará o que eu quiser? - perguntou Q, com suavidade.

Picard hesitou e finalmente assentiu. Era um homem de palavra, e ele a havia empenhado. Não voltaria atrás, mesmo que o que o alienígena desejava fosse algo que Picard não estava disposto a fazer - e pressentia que isso seria exatamente o que Q iria exigir. - Parece que fiz mesmo este acordo se você os devolvesse sãos e salvos.

— Nesse caso, o acordo não é válido, senhor - disse Troi. - Não foi Q que nos salvou.

Picard lançou-lhe um olhar, mas Q já estava em pé, falando rapidamente. - Salvem-se! - Apontou para a tela. - Eles podem atacar a qualquer minuto.

O capitão voltou-se para a tela principal e percebeu que a nave misteriosa, totalmente transformada, aproximava-se da Enterprise. - O que é aquilo?

— Foi o que nos mandou de volta, capitão - disse Riker.

— Como sabem disso?

Troi adiantou-se novamente, decidida. - Posso senti-lo. Não é meramente uma nave. De alguma maneira, está viva!

— Ela está mentindo! - gritou Q. - Destrua-a enquanto podem. -Aproximou-se de Tasha, no console de armamentos e posto tático. -Armar phasers e torpedos fotônicos!

— Não! Não faça nada do que ele diz - ordenou Picard. Voltou-se para Q, irado. - Você parece pensar que porque usa este uniforme isto lhe dá o direito de dar ordens à minha tripulação. Pois não é assim.

Zorn adiantou-se, exausto e ainda fraco. - Mas aquilo estava matando meu povo, capitão...

— Isto é verdade, e a pergunta é: por quê? Havia uma razão?

Zorn abaixou os olhos e meneou a cabeça. Q interferiu uma vez mais, pressionando Picard. - A razão é desconhecida, capitão. Isto não é suficiente?

— Se tivesse merecido este uniforme, saberia que é justamente o desconhecido que nos traz aqui! - respondeu Picard.

Q afastou-se com arrogância. - Um esforço inútil - disse ele, -considerando-se seu grau de inteligência.

Picard percebeu que o alienígena retrocedia em sua atitude. Não estava proferindo ameaças nem atormentando - não era mais o valentão. Q restringia-se a umas poucas farpas verbais. A experiência de Picard demonstrara-lhe que, quando isso acontece, é porque a posição do oponente se enfraqueceu. - Vamos por isso à prova - disse ele, em tom agradável. Voltou-se para Zorn. - Comecemos com os túneis que você tem sob Farpoint, groppler.

— Idênticos aos túneis da nave espacial - interpôs Riker. - Por quê estaria punindo-os, Zorn? Talvez tenha-lhe devolvido a dor que vocês teriam causado a uma outra forma de vida?

Picard continuou a pressionar o administrador bandi. Zorn recuou, incapaz de sustentar-lhe o olhar. - Não fizemos nada de errado! - disse afinal. - A criatura desceu ao lado de nossa cidade. Estava fraca... faminta... ferira-se no espaço. Não somos cruéis. Tentamos ajudá-la...

— Obrigado - interrompeu Picard. - Esta era a parte da história que faltava. Tenente Yar, arme os bancos principais de phasers de modo a lançarem um raio de energia.

— Sim, senhor. - Tasha estava intrigada. Qual seria a intenção de Picard? No entanto, seus longos dedos automaticamente teclaram o console de armamentos e posto tático, armando os phasers conforme ordenado.

Picard olhou novamente para Zorn. - Você disse que tentaram ajudar. Isto não teria feito com que esta criatura se zangasse a ponto de querer exterminar todos os bandis.

Zorn movia-se, constrangido. Os bandis necessitavam muito daquela criatura. Ela fizera tudo o que lhe pediram, ainda que, para tanto, tivesse sido necessário um pouco de... coerção. - A criatura necessita de energia para viver, e isto tínhamos em abundância. Ela pode ler imagens que a mente projeta. Podia criar qualquer coisa em que pudéssemos pensar... mas unhamos de racionar sua energia, de modo a controlá-la...

Riker suspirou. - É concebível que, em algum lugar da galáxia, haja criaturas capazes de converter energia em matéria.

— E em padrões específicos de matéria, como nosso transportador - e nossos holodecks - acrescentou Data.

Tasha estivera observando a tela principal à medida que dirigia e refinava o raio de energia, conforme ordenara Picard. Informou: - A tela, capitão.

A nave começara a se transformar uma vez mais, assumindo uma bela composição amorfa, banhada por cores suaves e pulsantes. - Zorn, vocês capturaram algo assim, não? E a usaram.

— Ela queria fazer tudo o que fez - protestou Zorn. - Para retribuir nossa bondade.

— Vocês aprisionaram-na - disse Tasha rispidamente. - Para utilizá-la para seus próprios propósitos.

— Não, apenas pedimos-lhe para construir algo... grande.

— Ela criou a Estação Farpoint para vocês - disse Riker. Então corrigiu: - Não... como aquela nave lá fora, ela é a Estação Farpoint.

Na tela, podiam divisar a criatura assumindo outra forma. Estendia tentáculos à medida que baixava em direção ao planeta e à estação.

— Avise meu povo, por favor! - suplicou Zorn, em pânico. - Estão em perigo. Diga-lhes que abandonem a Estação Farpoint imediatamente!

Q entrou na conversa novamente. - Ele mentiu para você, capitão. Você não deveria, por acaso, permitir que o povo dele morresse?

— É isso que você, em sua civilização tão avançada, recomendaria? -perguntou Picard. Não esperou pela resposta. Voltou-se para Data, ao console de navegação. - Transmita esta mensagem aos bandis: "Abandonem imediatamente a Estação Farpoint, para sua própria segurança." Continue a transmitir, quer receba resposta ou não.

— Sim, senhor. - O andróide começou a imediatamente operar os instrumentos que enviariam a mensagem contínua.

Troi sentara-se em sua cadeira à esquerda da cadeira de comando do capitão, e olhava para a tela que mostrava a criatura ainda descendo em direção ao planeta. - Captei duas criaturas. Uma no planeta, em dor e sofrimento, e faminta; a outra aqui, cheia de ira e ódio...

— E que disparava não contra a nova estação espacial, mas contra os bandis e sua cidade.

Picard olhou para Troi, buscando confirmação para as palavras que iria dizer. - Atacando àqueles que capturaram sua... companheira?

Ela rapidamente examinou os sentimentos que captara e meneou a cabeça. - Este não é bem o termo exato, senhor. - Lançou um olhar para Riker. - Talvez a palavra betazóide " imzadi" seja mais precisa.

O primeiro oficial corou.

— Raio de energia pronto, senhor - disse Tasha.

— Dirija-o para a Estação Farpoint, tenente Yar.

Q começava a se aborrecer por estar sendo ignorado. Será que estes humanos haviam-se esquecido do acordo que Picard fizera? Ninguém estava fazendo o que ele queria. Pareciam ter decidido que ele não era importante. - Percebo agora que este enigma é, na verdade, muito simples. Mas generosidade sempre foi meu fraco.

Picard continuou a ignorar Q. Fez sinal com a cabeça em direção a Tasha. - Deixe que receba toda a energia que puder absorver. Acionar.

Tasha tocou seus instrumentos e olhou para a tela principal. A imagem começou a alterar-se à medida que Data operava os seus instrumentos para acompanhar o grosso raio azulado de energia sendo lançado sobre a Estação Farpoint. Atingiu o centro da grande base estelar, e parecia estar sendo totalmente absorvido naquele ponto. Tasha observava o painel atentamente. Captou um sinal e informou: - Recebendo energia de volta, senhor.

— Interrompa - disse Picard. Groppler Zorn, se estou certo, logo não haverá Estação Farpoint.

— Sorte de principiante! - interpôs Q.

Os outros continuavam a ignorá-lo. Zorn, que não tinha a menor idéia a respeito de quem era o alienígena, fez o mesmo e fez um apelo direto a Picard. - Por favor, creia-me, capitão, não tínhamos a intenção de ferir a criatura. Estava faminta de energia...

— Uma necessidade de que vocês se aproveitaram para seus próprios fins.

— Mas nós a alimentamos! - retorquiu Zorn, como se tal generosidade ínfima absolvesse o crime. Haviam cuidado da criatura; se ela tivesse morrido, teriam ficado desolados. Naturalmente, ter-se-iam ressentido muito mais da perda dos bens materiais que teriam perdido do que da morte da criatura; mas teriam lamentado sua perda.

— Vocês a alimentaram somente o suficiente para mantê-la viva, para forçá-la a assumir a forma que desejassem...

— Senhor - interpôs Data. Fez sinal com a cabeça, apontando para a tela.

A Estação Farpoint brilhava, coalescendo. Vagarosamente, assumiu a forma de uma criatura tênue, leve, libertando-se de seu cativeiro. A outra criatura, maior, mas igualmente bela, descia em direção à companheira.

— Senhor - disse Troi, - é maravilhoso! Sentimentos de júbilo. E gratidão.

A tripulação da ponte, Zorn e Q observavam a tela à medida que os dois alienígenas se aproximavam um do outro, tocando-se com tentáculos de delicada matéria/energia. Então, as duas criaturas começaram a subir, e passaram pela Enterprise em órbita.

— Grande júbilo e gratidão - disse Troi calmamente. - Dos dois.

Q torceu o nariz em desdém, à medida que os alienígenas moviam-se com graça, afastando-se do planeta, em direção às profundezas do espaço. - Tudo é tão enfadonho, quando se sabe as respostas.

Picard voltou-se para ele, com ira. - Você se utiliza de outras formas de vida para o seu próprio divertimento?

— Se assim é, você certamente não me divertiu muito.

— Deixe-nos em paz! Passamos em seu pequeno teste. Dançamos conforme a sua música, e não mais apreciamos a canção.

Q sorriu, estendendo a mão num gesto comedido. - Mas que mau humor, mon capitaine...

Isto não funcionara antes. Não funcionava agora. - Saia de minha nave!- gritou Picard.

Ao menos Q sabia quando devia retirar-se. Fez uma mesura zombeteira para Picard, e riu-se. - Retiro-me, apenas porque assim me é conveniente. Mas não prometo que não voltarei. - O raio de luz levou-o, deixando o complemento da ponte sozinho com Zorn.

— Agora, com relação à Estação Farpoint - começou Picard.

O administrador bandi parecia perdido e desolado, sua face transtornada com desespero. Apontou para a tela principal que, sob o comando de Data, mostrava o que havia sido a então Estação Farpoint. A cidade bandi ainda estava lá, semi-destruída pelo ataque da criatura. Ao lado, os amarelados ventos do deserto espelhavam pó pelo espaço vazio outrora ocupado pela base. - Não há Estação Farpoint, capitão. O senhor terá de relatar à Frota Estelar que os bandis não têm nada a lhe oferecer.

Picard observou a tela por um momento, e então voltou-se para Zorn, pensativamente. - Vocês ainda têm um lugar ideal para uma estação.

— Sim, mas nada mais. Esperávamos que Farpoint fosse o nosso elo de ligação com os outros mundos... uma possibilidade para nosso povo florescer novamente. Percebo agora que escolhemos a maneira incorreta de fazê-lo - em detrimento próprio.

— A Frota Estelar ainda está interessada em Farpoint. Com trabalho e cooperação de sua parte, e com a ajuda da Federação, este ainda pode ser um planeta-base valioso para nós. Os bandis estariam dispostos a tentar?

Zorn olhou para Picard. Um raio de esperança começou a varrer as linhas de preocupação em sua face. Na verdade, tudo o que desejavam era a oportunidade de continuarem a viver, de estenderem pelo tempo a sua herança racial, e de crescerem por meio do contato com outras culturas. -Acho - disse vagarosamente, - que estamos totalmente dispostos a tentar.

— Ótimo - disse Picard, sorrindo. - Nesse caso, temos muito a discutir.

— Será uma honra - disse Zorn. Dirigiu a Picard uma humilde mesura, mas o capitão apontou-lhe o assento próximo à cadeira de comando, para que se reunissem e conversassem.

Riker notou que Data estava trabalhando com um programa na Estação de Ciências 1, e aproximou-se dele, subindo a rampa. Data olhou para ele. - Estava fazendo uma leitura final das criaturas. Considero interessante que sua conversão de energia em matéria fosse tão completa que nossos instrumentos não tenham sido capazes de detectá-las como sendo formas de vida, quando naquele estado.

— Muito interessante, comandante...

— Apenas Data, senhor.

Riker sorriu e prosseguiu. - Data, quero que saiba que considerei seu desempenho absolutamente impecável.

— Minha programação é de qualidade excepcional, senhor - respondeu serenamente o andróide.

— Sim, o que quero dizer é que... não foi tão difícil trabalhar com você quanto julguei que seria.

— Posso dizer o mesmo, senhor.

Riker persistiu. - Estou tentando me desculpar, caso tenha dito algo que o ofendesse.

A voz conciliadora de Picard interrompeou-os. - Bem, Número Um...

— Ele o aprova, senhor - disse Data, - ou não o teria chamado de Número Um.

Riker olhou para Data, e percebeu que aqueles olhos amarelos eram sinceros. Imagino como ele consegue isso, pensou Riker. Mas o capitão o chamara, e locomoveu-se para a área de comando. - Sim, senhor.

Picard levantara-se de sua cadeira de comando para acompanhar Zorn até a sala de reuniões. - Esta foi certamente uma recepção a bordo muito incomum. Mas ainda há muito o que fazer antes de deixarmos a órbita do planeta. - Notou a expressão confusa de Riker, que se assentava à sua cadeira de primeiro oficial. - Algum problema, comandante?

— Apenas espero que esta não seja a maneira como nossas missões se conduzirão daqui por diante, senhor.

Picard fez uma expressão de mofa e finalmente meneou a cabeça. - Oh, não, Número Um. Tenho certeza de que elas serão muito mais interessantes.

 

 

Este glossário contém nomes e termos específicos mencionados neste livro. Procuramos destacar os nomes próprios que tem alguma importância na trama e os termos técnicos que são comumente mencionados na série Jornada nas Estrelas.

 

TELETRANSPORTADOR: Um aparelho de teleportação que desmaterializa qualquer coisa, desintegrando sua estrutura atômica, e materializando-a novamente em qualquer outra parte. Um transportador permite o desembarque da tripulação ou da carga de uma nave sem necessidade de uma nave auxiliar.

FROTA ESTELAR: Uma divisão de segurança e pesquisa da Federação Unida de Planetas que controla a navegação espacial. Freqüentemente toma decisões no tocante ao bem-estar das civilizações. Apesar de ser taxada de "braço militar" da Federação, a Frota é controlada por leis muito rígidas como, por exemplo, a chamada Primeira Diretriz, que proíbe a interferência física, política ou ideológica em outras civilizações.

STARGAZER: Sob o comando do capitão Picard, a U.S.S. Stargazer virou sinônimo de viagem e exploração espacial. A nave terminou sua carreira após 22 anos em missão, quando encontrou uma nave desconhecida no que veio a ser um dos primeiros encontros da Federação com os ferengi. Tão logo a nave pirata começou o ataque, Picard ordenou uma dobra de micro-segundo, o que fez a Stargazer aparecer em dois lugares ao mesmo tempo, confundindo seu atacante e permitindo a destruição do nave ferengi. Esse salto de dobra ficou conhecido como "Manobra Picard".

KLINGON: No passado, o Império Klingon era a maior ameaça militar para a Federação de Planetas. Só recentemente tornaram-se aliados da Federação. Por muitos anos a sua verdadeira aparência ficou desconhecida, pois os klingons encontrados ao longo da fronteira eram uma combinação klingon/humano criada geneticamente para permitir infiltrações em territórios da Federação. A interceptação de transmissões durante a missão contra Vger revelou a verdadeira natureza da raça klingon. Após a descoberta dessa capacidade em engenharia genética avançada, foi feita uma grande reavaliação no que se refere ao nível da tecnologia dos klingons. Ao mesmo tempo, devido à virtual aniquilação de vários mundos, de ambos os lados, Federação e Império estabeleceram uma aliança de paz. Facções esparsas dos klingons ainda mantém os velhos costumes de guerra, conceito central da sua religião - um complexo código de ritual, honra e crueldade - que tem suas bases firmadas na conquista de outros planetas. Mas os seus limitados adeptos não são mais que piratas do espaço.

VULCANO: Natural de Vulcano, um dos principais planetas da Federação de Planetas. Conhecido por suas temperaturas elevadas durante o dia e muito baixas durante a noite, esse exótico mundo tem uma atmosfera muito rarefeita que dificulta a respiração para os humanos. Vulcano passou por um sangrento período onde diversas tribos combateram entre si para obter a soberania do planeta. Surak, um mestre da filosofia, política e história, usando seus grandes conhecimentos e sua superior capacidade de comunicação telepática, iniciou uma campanha para substituir as emoções pela lógica. Graças à essa "disciplina lógica" os vulcanos conseguiram escapar da destruição e floresceram como uma das civilizações mais inteligentes, sábias e pacíficas do universo conhecido.

FEDERAÇÃO UNIDA DE PLANETAS: Uma organização política, econômica e social, fundamentada no conceito da diversidade, com diferentes mundos, raças e culturas. Reconhece os direitos individuais de todos os seres à autodeterminação e o direito de escolher e seguir seu próprio destino. Seus membros não podem interferir com o desenvolvimento natural de qualquer cultura ou civilização. Os fundadores da Federação são: Terra, Vulcano, Tellar, Andor e Alpha Centauri. É organizada pelo Conselho da Federação, órgão de maior autoridade, que constantemente reavalia suas próprias decisões. O Conselho se autofiscaliza e se autogerencia. Fazem parte dele as mentes mais sábias da Federação de Planetas, o que inclui diplomatas, educadores, dirigentes, cientistas e outros profissionais.

BETAZÓIDES: Raça humanóide do planeta Betazed, um mundo extraordinariamente bonito, chamado de "a jóia da coroa sideral". São tão semelhantes aos humanos terrestres que o casamento entre essas raças é muito comum. São telepatas avançados e o fato de deixarem suas mentes abertas para os outros resultou numa cultura baseada na sinceridade absoluta.

ESCUDO DEFLETOR: Uma barreira física invisível que suporta cargas (disparos e impactos) de altíssima intensidade. Todos os escudos do sistema de defesa são ativados automaticamente por qualquer objeto em curso de colisão com a nave.

PHASER: Armamento básico da Frota Estelar, que sobrepujou o antigo laser. É usado em armas portáteis para defesa pessoal; canhões de pequeno porte e em bancos de armazenamento de naves para ataque e defesa em manobras no espaço.

DOBRA ESPACIAL: Conceito físico que se utiliza das características métricas do espaço-tempo. Para ir de um ponto à outro de um mesmo espaço, em vez de percorrer todos os pontos entre eles, "dobra-se" o espaço, fazendo os dois pontos ficarem mais "próximos". Sua utilização para vencer distâncias interestelares foi proposta pelo cientista Zefram Edark Cochrane, um nativo de Alpha Centauri, e propiciou um avanço da exploração espacial, derrubando as barreiras das distâncias interestelares.

ACADEMIA: Centro de treinamento e formação dos novos oficiais da Frota Estelar.

RÁDIO SUBESPACIAL: Instrumento de comunicação que garante contato instantâneo entre dois pontos do espaço. Entretanto, dependendo da localização de uma nave, sua transmissão pode demorar dias para alcançar o local desejado mesmo em freqüência subespacial. Tem importância preponderante na exploração espacial.

HOLODECK: Local onde o computador da nave cria e controla cenários e situações à escolha do usuário. Utilizado como área de lazer da nave, o holodeck cria e modela imagens holográficas com o auxílio dos bancos de memória do computador central, tornando possível aos tripulantes criarem desde florestas até cidades com prédios, carros, e até mesmo pessoas que são os personagens da aventura escolhida. O funcionamento do holodeck é feito utilizando-se dois subsistemas principais: o subsistema de imagem holográfica, que cria um cenário ambiental realístico; e o subsistema de conversão de matéria, que cria objetos físicos a partir dos suprimentos de matéria-prima da nave. Em condições normais, o participante numa simulação no holodeck não é capaz de perceber diferenças entre um objeto real e um simulado. 0 holodeck produz recriações extraordinárias de humanóides e outras formas de vida. Tais personagens animados são compostos de matéria sólida organizada pelos replicadores básicos do teletransportador e manipulados por raios tratores dirigidos por computadores altamente articulados. O resultado são bonecos excepcionalmente realistas que exibem comportamentos quase idênticos aos seres vivos, dependendo dos limites do software. A replicação de matéria pelo teletransportador é incapaz de duplicar um ser vivo real. Os objetos criados que são imagens holográficas puras não podem ser removidos do holodeck, mesmo parecendo possuir realidade física porque a imagem é dirigida pelo raio-trator em ação. Objetos criados pelo conversor de matéria têm realidade física e podem de fato serem removidos do holodeck mesmo já não estando sob o controle do computador.

PRIMEIRA DIRETRIZ: Afirma que o direito de cada espécie senciente de viver de acordo com a sua evolução cultural natural é inviolável. Ninguém da Frota Estelar pode interferir com o desenvolvimento da vida e cultura alienígena. Tal interferência inclui a introdução de conhecimento superior, força ou tecnologia para o mundo cuja sociedade é incapaz de usar tais vantagens de maneira sábia. Ninguém da Frota pode violar esta primeira diretriz, até mesmo para salvar sua vida e/ou nave, a menos que esteja atuando no caso de uma violação anterior ou contaminação acidental de tal cultura. Esta Diretriz tem precedência sobre quaisquer outras considerações, e assume a mais alta obrigação moral.

TRICORDER: Aparelho portátil de múltiplas funções, misto de computador e sensor. Mede, analisa e arquiva uma infinidade de parâmetros. Existem várias versões, dependendo das especialidades: o tricorder médico tem suas funções voltadas para análise de órgãos internos de seres vivos; o de engenharia para análise de materiais, e assim por diante.

 

Este Glossário contém verbetes sobre diversos ramos do conhecimento humano. Objetiva não apenas uma compreensão de alguns termos usados neste livro, mas procura também servir de alicerce, estímulo e motivação para a ampliação e busca de novos conhecimentos.

 

ANDRÓIDE: A palavra grega andros quer dizer homem A palavra andróide significa "semelhante ao homem" e é usada para definir um ser artificial com aparência humana. Ele pode ser totalmente eletromecânico, como alguns robots de Isaac Asimov; parcialmente mecânico e biológico, como os andróides do filme Exterminador do Futuro I e II; ou ainda, totalmente biológico, como os andróides do filme Blade Runner - Caçador de Andróides. Não confundir andróide com cyborg, ser humano "normal" transformado em algo parcialmente mecânico através de implantes e manipulações, (p. e.: RoboCop)

DATA: Além do significado usual em Português (indicação do tempo), atualmente passou a designar "conjunto de informações", incorporado da tecnologia americana de Informática. Em latim o termo datum significa dado, informação, registro. O plural de datum é data, como o de quantum é quanta. Da mesma forma, o plural de medium é media, consequentemente, o correto para designar os meios de comunicação é os media, e não a mídia, usada por um erro de pronúncia. Portanto, o nome do andróide da Enterprise se pronuncia "data" e não "deita".

ENERGIA GEOTÉRMICA: Quando um planeta se forma, a partir de uma nuvem de poeira e gás, ocorre uma condensação de matéria. O que antes estava espalhado por uma vasta região do espaço acaba, sob a ação da atração gravitacional, se condensando num corpo compacto. Uma enorme quantidade de energia potencial gravitacional se transforma, então, em energia térmica, aquecendo até altas temperaturas (milhares de graus) o planeta recém formado. Apesar de existir um esfriamento devido à irradiação de calor para o espaço, um planeta do tamanho da Terra armazena tanta energia térmica em sua massa que demora muitos bilhões de anos para conseguir esfriar totalmente. Isso significa que no interior da Terra persistem, até hoje, temperaturas elevadíssimas. Uma insignificante fração dessa energia geotérmica é liberada nas erupções vulcânicas. A energia geotérmica, a das marés, a nuclear e a solar representam as únicas fontes de energia disponíveis e aproveitáveis do nosso planeta.

ELIZABETANO: Adjetivo referente à época em que reinou Elizabeth I (1533-1603) rainha da Inglaterra e Irlanda. Sob seu reinado floresceram o comércio, a indústria e o que se denominou Renascença inglesa. Sob seu reinado foi derrotada a armada espanhola (1588), transformando a Inglaterra na maior potência naval da época. Alguns dicionários registram a grafia "Elisabetano".

SONO CRIOGÊNICO: Criogenia é uma técnica de produção de baixas temperaturas que permite, entre outras coisas, a hibernação de organismos vivos por longo tempo. Como durante a hibernação há o retardamento do metabolismo, é possível, por exemplo, manter astronautas em animação suspensa (vivendo "em câmara lenta") durantes as longas viagens espaciais. Recentemente descobriu-se que alguns pequenos animais, ao hibernarem, conseguem fazer seu metabolismo cair a zero, ou seja, congelam e, virtualmente, "morrem". Com a chegada da Primavera, porém, retomam suas atividades vitais como que num verdadeiro "ressuscitar".

GRAVIDADE INERCIAL: Nós sentimos a gravidade como uma força de atração em direção à Terra. Quando um elevador pára, tem-se a impressão de que o peso (e a gravidade) se altera. Se ele estava subindo, parecemos mais leves. Se estava descendo, parecemos mais pesados. Na verdade a gravidade não se alterou, mas a mudança do movimento do elevador em relação às pessoas em seu interior cria o que se denomina de gravidade inercial. O termo vem de "inércia", tendência que os corpos tem de manter seu estado de movimento. Coisa semelhante ocorre em uma montanha russa quando se fazem loops (volta de ponta-cabeça). Sentimo-nos sempre atraídos em direção aos trilhos, mesmo estando de cabeça para baixo. Nas naves espaciais, as enormes acelerações podem produzir gravidade inercial muito intensa.

MATÉRIA, ANTI-MATÉRIA: Toda matéria é constituída de átomos, e estes, de partículas elementares. As principais partículas são o proton, o neutron e o elétron. Existem partículas quase idênticas a essas, mas com características magnéticas e elétricas opostas. Assim sendo, temos por exemplo, elétrons positivos chamados anti-elétrons ou positrons. Com essas partículas é possível a formação de anti-átomos, os constituintes da anti-matéria. Quando matéria e anti-matéria entram em contato, ocorre uma enorme liberação de energia. De fato, essa é a forma mais eficiente de produção de energia através do aniquilamento de matéria.

SHAKESPEARE: William Shakespeare (1564-1616) é considerado um dos maiores gênios da dramaturgia universal. Serviu-se da linguagem teatral para expressar sua visão da condição humana. Produziu uma obra universal: para todos os homens, para todas as épocas. Henrique IV (1591) é seu primeiro drama histórico. Uma recriação da lenda heróica do primeiro monarca inglês da casa dos Lancasters. Com seus cavaleiros em discórdia e sempre em luta por interesses dinásticos é um verdadeiro flagrante da vida da sociedade inglesa de seu tempo.

HOLOGRAMA: Imagem que se forma através de figuras de interferência de ondas eletromagnéticas. Cada pedaço do holograma contém informações suficientes para reconstruir a imagem inteira. Quando um holograma é convenientemente iluminado, apresenta imagens ligeiramente diferentes em função do ângulo de que está sendo observado. Desta forma a imagem observada pelo olho esquerdo é diferente da observada pelo olho direito, criando uma ilusão perfeita de tridimensional idade.

HÁ MAIS COISAS: Referência à Hamlet, tragédia em 5 atos de Shakespeare onde cabe à Hamlet, príncipe da Dinamarca, vingar a morte do pai e arrancar do trono seu tio Cláudio, o assassino. A incumbência lhe foi transmitida pelo próprio morto, que lhe fala na forma de um fantasma. Quando Hamlet diz que "há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia" se refere à filosofia da natureza, ou seja, à ciência.

MEMÓRIA EIDÉTICA: Termo que vem do grego (eidos = imagem). A pessoa vê a imagem da cena que está recordando de maneira fotográfica, podendo discriminar detalhes minuciosos. Essa capacidade é mais comum em crianças, desaparecendo com a puberdade.

EDGAR RICE BURROUGHS: Escritor norte-americano (1875-1950), autor de histórias a respeito do planeta Vênus, histórias sobre índios, faroeste, comentários sociais, histórias policiais, contos passados na Lua e no centro da Terra. Ficou famoso com suas histórias de ficção científica, Uma Princesa de Marte, Pellucidar, John Carter de Marte e, principalmente, pela criação de Tarzan dos Macacos.

MONÇÕES: Ventos que sopram do mar para a terra ou vice-versa, durante meses, principalmente no Sudeste da Ásia onde a linha costeira corre, grosso modo, na direção leste-oeste. No Brasil, onde a linha costeira vai, aproximadamente, na direção norte-sul, esse fenômeno não ocorre.

PARSEC: Unidade de distância usada em Astronomia. Equivale à distância que deveria se encontrar um astro para apresentar uma para-laxe anual (aparente deslocamento sobre o fundo de estrelas afastadas) de 1 segundo de arco (1"). Corresponde a cerca de 3,26 anos-luz ou 3,08 x 1013 km.

PINÓQUIO: Personagem, criado em 1881 pelo escritor e jornalista florentino Carlo Lorenzini, que usava o pseudônimo de Carlo Collodi, (1826-1890). A história narra as aventuras de um boneco de madeira que adquire vida e, depois de várias atribulações, transforma-se em um menino de carne e osso.

 

                                                                                David Gerrold  

 

                      

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