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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Estação Sideral do Nada / Kurt Mahr
Estação Sideral do Nada / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Estação Sideral do Nada

 

Pelos padrões cósmicos, os homens do planeta Terra são principiantes no palco galático. Apesar disso Perry Rhodan e seus leais companheiros conseguiram, até o ano 2.400, transformar o Império Solar da Humanidade no principal fator de poder político, econômico e militar da Via Láctea.

1.112 planetas pertencentes a 1.017 sistemas solares foram colonizados por humanos. 1.220 mundos, além de numerosas luas e estações espaciais espalhadas pelos mais diversos setores da Galáxia, foram transformados em bases do comércio ou da frota solar. Com a inclusão do grupo de estrelas independentes Presépio na constelação de Câncer e a exploração das Plêiades, pertencentes à constelação do Touro, formou-se um império compacto, que a poderosa frota solar pode proteger e percorrer com a maior facilidade.

Nestas condições não é de admirar que Perry Rhodan tenha resolvido, em agosto do ano 2.400 dedicar-se, com a nova nave-capitânia solar, a Crest II, à solução de um novo problema, que é a busca do planeta Kahalo, cuja posição no centro da concentração estelar do centro da Via Láctea nunca pôde ser determinada exatamente.

Durante as buscas a Crest encontra o hexágono de sóis, penetra no campo de ação de um gigantesco transmissor — e atinge a Estação Sideral no Nada...

 

                                     

 

Perplexo, o jovem tenente acompanhava o espetáculo fascinante. Nunca assistira à dissolução de um planeta.

O veículo estava parado na extremidade norte de um planalto. Lá fora a tempestade rugia numa fúria incrível na direção norte. O sargento Bryan, que acompanhava o tenente na viagem, registrou velocidades do vento superiores a duzentos quilômetros por hora. O veículo descansava sobre uma almofada de gravitação artificial, cinqüenta centímetros acima do solo rochoso. O estabilizador funcionava quase ao máximo de sua capacidade, para manter o carro voador no lugar.

A frente da proa do veículo a paisagem caía quase verticalmente, ligando o planalto à planície. A tempestade carregava areia e poeira, tornando quase impossível a visão de detalhes na planície. Mas não conseguia escurecer o raio gigantesco de fogo alaranjado, que subia no meio da planície que nem uma enorme coluna luminosa.

Conrad Nosinsky olhou pelo pára-brisa. Queria ver a borda, a traiçoeira linha fronteiriça, em cujo interior o planeta já tinha deixado de existir, mas a poeira encobria tudo. O jovem oficial sentiu-se dominado pela curiosidade.

— Então, Bryan... como é? — perguntou.

O sargento levantou os olhos dos instrumentos e pegou o quadro no qual fizera algumas anotações apressadas.

— As coisas estão ruins, senhor — disse a título de introdução. — A temperatura exterior é de quarenta e três graus, velocidade do vento duzentos e vinte.

— Constatou oscilações da gravitação?

Bryan acenou com a cabeça.

— Sim senhor. São bem nítidas. Até parece que lá na frente está sendo cavado um enorme buraco e a sujeira é atirada lá fora.

Nosinsky fitou-o com uma expressão pensativa.

— Deus abençoe seu senso de humor, sargento — disse em tom irônico. — Todo mundo sabe disso.

O sargento não se abalou com a suave recriminação. Bryan era uma massa de um homem. Tinha quase dois metros de altura e sua largura era tamanha que ocupava metade do assento dianteiro do veículo, feito para três pessoas.

— Queira desculpar, senhor — disse Bryan sem olhar para o tenente. — Não pude deixar de dizer isto. — Levantou a mão e apontou para o lado em que ficava o pára-brisa. — Ninguém consegue ver isso e ficar indiferente.

Nosinsky bateu ruidosamente com ambas as mãos na coluna de direção.

— Ninguém, Herb — reconheceu. — Isto nos perseguirá nos nossos sonhos, a não ser que olhemos de perto para termos certeza de que o fenômeno é apenas mais uma obra da natureza.

Bryan virou a cabeça para ele.

— Quer descer para lá, senhor? — perguntou em tom hesitante.

— Se tivermos uma chance, quero.

Uma das características de Conrad Nosinsky era o hábito de tomar as decisões críticas de forma rápida e definitiva, como se tivesse medo de que a própria coragem pudesse abandoná-lo se demorasse demais. Diante do enorme sargento a figura do tenente quase chegava a ser delicada. Não era muito alto, mas tinha um corpo robusto. Tinha o hábito de manter a cabeça ligeiramente inclinada para a frente, dando a impressão de estar sempre preparado para precipitar-se sobre um inimigo imaginário. Nosinsky tinha vinte e um anos, mas havia alguma coisa em seu rosto e em seu modo de agir que fazia com que parecesse ter trinta anos.

— E possível descobrir alguma coisa sobre as condições do vento no pé deste paredão? — perguntou ao companheiro.

— A tempestade vem do sul, e o paredão está voltado para o norte — respondeu Bryan. — É de supor que no pé do paredão haja uma faixa bastante larga sem vento. Mais adiante enfrentaremos torvelinhos, formados pela borda superior do paredão, e ainda mais ao norte a tempestade voltará a atingir-nos com toda força.

Conrad Nosinsky puxou a coluna de direção para mais perto. O veículo subiu mais um pouco e foi deslizando em direção ao paredão. Bryan guardou o quadro em que estivera fazendo anotações e comprimiu as mãos contra o assento. Teve a impressão de que precisava segurar-se. O que o tenente pretendia fazer era simplesmente uma cavalgada pelo inferno.

— Deseje-nos boa sorte, Herb — resmungou Nosinsky. — E feche o capacete. Droga!

No mesmo instante o carro voador atingiu a borda superior do paredão e foi descendo rapidamente.

 

Poucas centenas de quilômetros ao sul estava pousada a Crest II, nave-capitânia da frota terrana, que já fora o orgulho do Império Solar. Mas com o pouso forçado no planeta Power ficara meio fora de forma, com as colunas de pouso vergadas e o sistema de propulsão bastante avariado. Desde o momento em que os tripulantes recuperaram os sentidos após o choque tremendo provocado pela transição, o Administrador Geral Perry Rhodan passara a dedicar sua atenção exclusivamente ao problema de voltar a colocar a nave em condições de vôo. Os outros projetos, como a exploração do estranho planeta em que tinham pousado, a coleta de dados sobre o incrível sistema de estrelas gêmeas situado em pleno espaço vazio intergaláctico, até mesmo as pesquisas sobre os fenômenos apavorantes que haviam causado a destruição de quatro espaçonaves terranas e, ao que tudo indicavam, estavam prestes a destruir o próprio planeta, tinham de ficar em segundo plano. Se não conseguisse sair antes que fosse tarde, a Crest II estaria perdida. Mil e oitocentos dos dois mil tripulantes trabalhavam nos reparos das avarias que impediam a gigantesca nave de decolar.

Evidentemente seria impossível ignorar completamente o mundo exterior. Era necessário observar e registrar a destruição progressiva do planeta. A Crest II encontrava-se a pequena distância do pólo norte do pequeno planeta desértico. E era do pólo norte que partia o processo de dissolução. Um fenômeno que por enquanto permanecia inexplicável arrancava a matéria dos lugares em que estava pousada, envolvia-a num campo de transporte da quinta dimensão e arremessava-a para o espaço, em direção ao centro de gravidade do sistema de sóis gêmeos. Se o fenômeno não fosse interrompido, dentro em breve o planeta Power desapareceria por completo, e com ele tudo que se encontrava em sua superfície.

Uns poucos homens tinham sido enviados para determinar a velocidade do avanço do processo de dissolução. Era importante saber quanta substância o planeta perdia por unidade de tempo, pois com base neste dado podia-se calcular por quanto tempo a Crest II ainda estaria em segurança no lugar em que se encontrava.

A sala de rádio mantinha contato ininterrupto com os homens aos quais tinha sido atribuída esta tarefa. O chefe da central de rádio era o major Kinser Wholey. Tratava-se de um homem bastante jovem para o posto, que naquelas horas perdera boa parte do seu bom-humor, já que as ordens do Administrador o obrigavam a guarnecer com somente três homens uma instalação que previa a atuação constante de vinte pessoas.

O próprio Kinser cuidava de um dos aparelhos. Estava falando com S-3, um dos carros voadores que observavam a área de dissolução, quando um dos seus subordinados se aproximou. Kinser interrompeu a palestra e levantou os olhos.

— Que houve? — limitou-se a perguntar.

— S-4 não responde.

Até parecia que Kinser estava sorrindo.

— S-4... — repetiu. — Nosinsky e Bryan?

— Sim senhor.

Kinser não perdeu tempo.

— Transfira a freqüência acústica para meu aparelho. Cuide de S-três, Eyseman e Nuuri. Mantenha contato. Entendido?

O homem atravessou à sala correndo e ao atingir seu aparelho moveu apressadamente alguns controles. No quadro de comando de Kinser Wholey os algarismos de uma escala luminosa começaram a deslizar, confundiram-se numa série de traços brancos e voltaram a aparecer nitidamente quando a escala se adaptou aos novos valores. O aparelho estava regulado para a freqüência acústica do veículo S-4. Kinser segurou o microfone e comprimiu o botão de ligação.

— Cacique chamando S-4, responda S-4!

Na verdade, não esperara ser bem sucedido em sua tentativa de contato. Podia confiar em seus homens. Se um deles afirmava que não havia contato com S-4, era porque não havia.

Mas Kinser tinha o hábito de sempre querer certificar-se pessoalmente. Especialmente em Power, onde um homem perdido era um homem morto. Um carro voador inteiramente estabilizado estava protegido contra todos os perigos. Se S-4 não respondia mais, só se podia concluir que Nosinsky e Bryan se tinham aproximado demais da área de dissolução.

Tinham-se aproximado tanto que também acabaram dissolvidos.

Kinser Wholey traçou mentalmente uma cruz atrás de dois nomes da lista de tripulantes. Mas para qualquer eventualidade ligou seu receptor na posição de espera.

 

— Está vendo alguma coisa, Herb? — gritou Nosinsky.

— Não senhor, não vejo nada.

O carro voador avançara até a extremidade norte da zona turbulenta. A tempestade rugia pouco acima dele; parecia soprar mais furiosa que no planalto. Para o lado da popa a visibilidade era razoável, mas do lado da proa não alcançava mais de dois metros, por causa da poeira tangida pela tempestade. Tinha-se a impressão de que uma muralha compacta se erguia logo à frente do veículo. A tempestade, que só aqui voltava a tocar a superfície, depois de ter passado pela extremidade do planalto, antes parecia um órgão cujas vibrações se comunicassem às camadas exteriores do campo estabilizador, de onde eram transmitidas para o interior do veículo. Nosinsky e Bryan tinham colocado o traje protetor completo. Conversavam pelos receptores e transmissores embutidos em seus capacetes. Só podiam comunicar-se aos gritos.

Mais adiante o raio vermelho-alaranjado do campo transportador brilhava com a mesma força de antes através das poeiras agitadas. Herb Bryan fizera algumas operações de rastreamento durante a viagem. Conforme mostravam os resultados, o ponto de origem do raio luminoso ainda estava a cerca de dois quilômetros de distância.

— Vamos chegar mais perto — decidiu o tenente. — Dê o sinal ao carro, Herb!

O veículo partiu com um solavanco e saiu para a tempestade. Os geradores emitiram sons agudos e furiosos, quando os estabilizadores solicitaram novas quantidades de energia para manter o carro numa rota constante. Conrad lançou um olhar preocupado para os instrumentos. Por enquanto os maquinismos não estavam trabalhando a toda potência. Restava saber o que aconteceria se um deles falhasse de repente.

Não deu atenção a Bryan. O sargento acabara de ligar o transmissor de bordo. O mesmo possuía um aparelho que permitia transmitir mensagens em código gravadas numa fita. O equipamento se tornava necessário quando os ocupantes do veículo usavam trajes protetores, com o que o uso do microfone se tornava mais difícil. Havia várias mensagens em código. No momento Bryan estava procurando uma que dizia o seguinte:

— Encontro-me próximo ao foco do perigo e vou chegar mais perto.

A luz verde do identificador de códigos acendeu-se no momento em que a mensagem estava disponível para a transmissão. Bryan comprimiu a tecla que acionava o transmissor. Tratava-se de um movimento automático, que executava pelo menos vinte vezes em cada viagem que fazia num carro voador. Estava acostumado a ver a luz verde acender-se e receber uma resposta em seguida.

Mas desta vez aconteceu uma coisa diferente.

Nenhuma luz verde se acendeu. Em compensação surgiu uma luz de advertência vermelha. Sua claridade variava. Bryan comprimiu outra tecla para informar-se sobre o motivo do atraso. Uma fita de plástico estreita saída de uma fenda caiu-lhe na mão. O texto era o seguinte:

“Energia do transmissor não é suficiente. Forte campo de interferência.”

Bryan virou a cabeça e bateu no ombro do tenente. Nosinsky examinou a fita e acenou com a cabeça.

— Isto os deixará um pouco preocupados — gritou. — Mas vamos prosseguir.

Não parecia muito surpreso. O raio vermelho-alaranjado que viam à sua frente era a energia tornada visível depois de espalhada por um campo de transporte da quinta dimensão. Esse campo, cuja tarefa consistia em devorar o planeta Power, tinha um teor energético extremamente elevado. A energia disseminada era suficiente para abafar completamente o transmissor de um carro voador, cuja potência não era muito elevada. Deveriam ter contato com a possibilidade de que nas proximidades do raio chamejante as comunicações pelo rádio se tornassem impossíveis. Mas havia um problema. A bordo da Crest II ninguém esperaria que alguém se atrevesse a aproximar-se do raio a ponto de ficar submetido à influência do campo de disseminação.

Conrad Nosinsky viu os ponteiros do medidor de carga dos geradores subirem para a marca máxima. Como oficial técnico que era, sabia que as indicações deste medidor incluem um fator de segurança. O limite de desempenho dos conjuntos energéticos ficava bastante além das marcas vermelhas de advertência. Nos últimos segundos a violência da tempestade crescera ainda mais. Somente a estabilização do veículo exigia um volume de energia superior ao máximo que segundo as instruções podia ser extraído dos geradores. Conrad teve uma sensação desconfortável ao lembrar-se dos estranhos robôs que há pouco tinham aparecido nas proximidades da Crest II, até que alguém teve a idéia genial de desligar todos os mecanismos hipergravitacionais e livrar as máquinas da idéia maluca de que a nave era outro transmissor que funcionava na base da desmaterialização. Suponhamos que um desses robôs apareça ao nosso lado e nos ataque, pensou Conrad. Neste caso os geradores não poderiam fornecer um décimo de watt que fosse para ativar o campo defensivo.

Estava disposto a assumir o risco. Fazia três dias que os últimos robôs tinham sido vistos. Havia bons motivos para acreditar que os mesmos se tinham retirado ou haviam sido desativados. E havia motivos ainda melhores para supor que máquinas preciosas como estas não andassem vagando nas proximidades do raio vermelho-alaranjado, que de repente poderia atingi-los, desmaterializá-los e arremessá-los para o espaço.

O veículo reduziu rapidamente a velocidade. A tempestade já não soprava sempre da mesma direção. Rajadas terríveis vinham ora de um lado, ora de outro. Estavam próximos ao centro da área de dissolução. Os instrumentos de Bryan não paravam de registrar a direção e a velocidade do vento. Os dados seriam usados para calcular a velocidade de dissolução do planeta. A causa da tempestade não era outra senão a tendência natural das massas de ar mais próximas de encher o vácuo produzido pelo fenômeno da dissolução.

O leme, que permanecera quieto nas mãos de Nosinsky, começou a sacudir e a bater, o que era sinal de que o campo estabilizador já não conseguia proteger o veículo contra a tempestade. Conrad inclinou o corpo para a frente e esforçou-se para enxergar através do pára-brisa. A única coisa que viu foi uma muralha compacta de poeira e areia. Mais vinte ou trinta metros, e seria obrigado a voltar.

E voltaria sem ter visto com os próprios olhos o que estava acontecendo lá na frente.

De repente Bryan soltou um grito. Conrad virou-se abruptamente.

— Lá na frente! — exclamou Bryan. — Uma área de calmaria!

Conrad inclinou-se para a direita, para ler melhor os instrumentos de Bryan. Um dos rastreadores indicou na direção da proa uma velocidade do vento muito inferior à que se verificava nas imediações. Conrad bateu com o dedo no vidro do indicador, mas o instrumento sabia o que estava fazendo. Poucos metros à frente do veículo havia uma área na qual a tempestade perdera a força.

O veículo foi avançando lentamente. Conrad segurava o leme com toda força. Não podia desistir nessa altura. Mais alguns metros, e teriam conseguido o que queriam.

A luz alaranjada do gigantesco campo transportador espalhava uma claridade fantasmagórica pelo cenário poeirento. Para Conrad Nosinsky o mundo que o cercava estava desaparecendo, e com ele desapareciam todas as dúvidas que pudessem existir em seu subconsciente contra o arrojado avanço em direção ao campo transportador. Olhando fixamente para a cortina de poeira à sua frente e com os uivos e as marteladas infernais da tempestade nos microfones, fazia o carro avançar metro após metro.

De repente a cortina abriu-se. De um instante para outro o leme parou de sacudir nas mãos de Conrad. Um instante atrás só vira poeira e areia à sua frente, e agora um pedaço de chão plano se estendia diante dele. O raio luminoso alaranjado subia ao céu bem no centro dessa área.

Conrad parou o veículo e o fez descansar na almofada gravitacional. Recostou-se e, sem pressa, contemplou o cenário. Herb Bryan, o sargento, que estava sentado a seu lado, permaneceu imóvel.

Um fenômeno aerodinâmico que Conrad não compreendia fazia com que neste lugar, ao qual convergiam os deslocamentos de ar vindos de todos os lados, reunindo-se num mesmo ponto, estes se elevassem alguns metros sobre o solo. A tempestade não desaparecera. Turbilhonava dois metros acima do chão, atirando as massas de areia revoltas para, depois de descrever uma curva elegante, voltar à superfície junto ao fenômeno luminoso.

— Está vendo o traço escuro lá na frente? — perguntou Bryan. Em meio ao silêncio sua voz retumbava como se estivesse falando num alto-falante muito grande.

Conrad ficou com os olhos semicerrados. Não muito longe, a uns cem metros, um traço negro atravessava a paisagem plana, A primeira vista parecia reto, como se tivesse sido traçado com a régua. Mas quando Conrad o acompanhou para o leste e o oeste até onde alcançava a vista, notou que apresentava uma curvatura para o norte.

— Está se movimentando — disse Bryan, com a voz um tanto trêmula.

Conrad acenou com a cabeça.

— É a extremidade do funil de dissolução — disse em tom tranqüilo. — Conseguimos chegar a ele, Herb!

Desatou os cintos e levantou-se. Antes que o sargento pudesse formular uma pergunta, disse:

— Vou olhar de perto, Herb. Fique aqui e mantenha o carro preparado para partir a qualquer momento. Não sairei de seu campo de visão. O senhor me enxergará todo o tempo. Entendido?

Viu o rosto grosseiro e perplexo de Herb Bryan através do visor de seu capacete.

— S... sim senhor — gaguejou o sargento. — Qualquer coisa que o senhor disser.

Conrad saiu pela eclusa de passageiros. Mal colocou os pés no solo rochoso, compreendeu que as indicações dos instrumentos, segundo as quais se encontravam numa área de calmaria, só possuíam um valor relativo. O rugido da tempestade, que soprava pouco acima dele, também movimentava as massas de ar mais próximas ao solo, provocando movimentos giratórios nas mesmas. Se o furacão que passava a dois metros de altura parecia ter uma força sobrenatural, a movimentação do ar junto ao solo ainda representava, segundo os padrões terranos, uma tempestade muito violenta. Conrad cravou os pés no solo e inclinou o corpo para a frente, para resistir ao vento que ameaçava arrastá-lo.

Aproximou-se da linha negra passo após passo, cambaleando que nem um bêbedo. Só parou duas vezes. A primeira vez virou a cabeça para verificar se o carro voador que se encontrava atrás dele ainda era bem visível. Da segunda vez ativou a câmara embutida em seu traje protetor, na altura do peito. Dali em diante a mesma passaria a registrar os fenômenos que se desenrolavam na periferia da zona de desmaterialização.

As observações de Bryan eram corretas. O traço negro permanecia em constante movimento. Vinha ao encontro do tenente. Conrad procurou reconhecer o que acontecia atrás do mesmo. Viu a parede de um funil que descia suavemente, e que de ambos os lados logo saía do campo de visão. Traços de areia turbilhonantes surgiam no interior do funil, dando a impressão de que pequenas fitas de vento dançavam sobre os mesmos. Mais adiante, no centro do funil, erguia-se a coluna de luz ofuscante, que devorava a cada segundo milhões de toneladas da massa planetária para arremessá-la no espaço cósmico.

Além da borda do funil a planície fustigada pela tempestade descia rapidamente. A areia arrastada pelo furacão movimentava-se numa velocidade incrível em direção ao fenômeno luminoso. Mais embaixo entrava em contacto com a parede do funil, levantando, novas massas de poeira.

Conrad parou a vinte metros da borda do funil. Observava atentamente o chão à sua frente. Viu que o solo rochoso duro começava a esfacelar-se, fazendo rolar os fragmentos para dentro do funil, à medida que a beira da área de destruição continuava a avançar. Ajoelhou-se, pegou uma pedra solta e fê-la rolar para perto da borda do funil. Não demorou mais de alguns segundos que a extremidade do funil atingisse a pedra. O chão cedeu embaixo da mesma, fazendo com que ela se inclinasse e rolasse funil abaixo.

Conrad registrou a observação que acabara de fazer cuidadosamente em sua memória. A mesma provava que a borda do funil de forma alguma era o limite da zona de desmaterialização propriamente dita. O funil formava-se porque a matéria se deslocava para o lugar em que pouco antes outras porções de matéria tinham desaparecido.

Virou-se para o lado e, inclinando o corpo contra a tempestade, caminhou dez metros paralelamente à borda do funil. O cenário continuava sempre o mesmo. A borda aproximava-se, e Conrad recuava.

De repente ouviu ruídos saídos de seu receptor de capacete. Ouviu a voz de Herb Bryan em meios aos chiados e estalos provocados pela interferência.

— Tudo bem, senhor? Quer que vá aí?

Conrad respondeu que estava tudo em ordem, e que Bryan devia ficar onde estava.

— Ok, senhor — disse Bryan.

De repente soltou um grito.

— Cuidado! Atrás do senhor, à esquerda. Conrad virou-se abruptamente. O grito de Bryan o assustara. Esqueceu a tempestade e perdeu o equilíbrio. No mesmo instante viu-se jogado ao chão.

Mas viu o que o sargento quis dizer.

Uma máquina foi avançando por entre as poeiras. Era uma figura esquisita, de formato oval e com algumas saliências achatadas, que à primeira vista lhe davam o aspecto de uma miniatura de nave de guerra antiga. A máquina deslocava-se um palmo acima da superfície. Pela maneira de aproximar-se da borda do funil via-se que a tempestade podia causar-lhe problemas, mas que seus estabilizadores funcionavam muito bem.

Conrad já tinha visto máquinas desse tipo. Até três dias atrás cercavam a Crest II, tentando isolar a nave do resto do planeta. Desapareceram de repente, sem que ninguém soubesse para onde tinham ido. Não se sabia quem as comandava ou o que estavam fazendo em Power. Eram produtos de uma civilização estranha, e a questão da vida ou morte dos tripulantes da nave poderia estar decidida no momento em que se conseguisse ou não reconhecer as funções e as intenções daquela técnica desconhecida.

Na oportunidade em que os robôs se movimentavam em torno da Crest II, não havia oportunidade para isso. Mas agora Conrad Nosinsky via uma dessas máquinas bem à sua frente.

Pôs-se de pé. Caminhou em direção à máquina com o corpo inclinado para a frente. Com um movimento automático tirou a arma energética do coldre e destravou-a.

O robô não tomou conhecimento de sua presença. Caminhava inabalavelmente na direção da borda do funil. Conrad conseguiu colocar-se no seu caminho. A máquina contornou-o, descrevendo uma curva elegante para a esquerda. Não se interessava por ele. Tinha sua tarefa e, enquanto a mesma não tivesse sido cumprida, não cuidaria de outra coisa.

Conrad sabia o que fazer. Levantou a arma e atirou contra uma das saliências que se viam no corpo do estranho maquinismo. Um cubo metálico cinzento dissolveu-se em vapores vermelhos, em meio ao chiado do tiro.

A máquina prosseguiu em direção ao funil.

Conrad saiu correndo atrás dela.

O robô parou na borda do funil. Enquanto corria atrás da máquina, Conrad viu alguns acessórios movimentarem-se em sua parte superior. Uma rajada de tempestade agarrou-o e atirou-o para a frente. Encontrou apoio na parte traseira do robô. Segurou-se no mesmo e conseguiu pôr-se de pé.

O que viu então fez com; que alguns segundos se esquecesse do motivo que o levara até ali.

Das saliências que se viam na parte dianteira do robô saiu um jato de fogo branco. O mesmo descia no funil, numa trajetória suavemente inclinada, unindo-se ao raio alaranjado. Por alguns segundos teve-se a impressão de que o raio transportador perderia o equilíbrio. Parecia balançar, e por alguns instantes o rugido do furacão perdeu em intensidade.

Mas logo tudo voltou a ser como era antes. O robô parou de atirar fogo, o manto vermelho-alaranjado do campo de transporte, que tinha pelo menos cem metros de diâmetro, voltou a subir na vertical, e a tormenta voltou a soprar com a mesma força.

Conrad compreendeu.

A tarefa da máquina consistia em deter o processo de desmaterialização. Os robôs não pretendiam fazer outra coisa ao atacar a Crest II, se bem que naquela oportunidade estavam enganados. A máquina tentava, com os recursos modestos de que era dotada, extinguir um campo transportador em cujo interior bramiam as forças de vários sóis. Não possuía cérebro capaz de raciocinar logicamente e havia necessidade somente de uma experiência para levá-lo a concluir que seus esforços eram inúteis.

Conrad esperou que a máquina voltasse. Queria levá-la. Queria levá-la, nem que tivesse de fazê-la em pedaços com sua arma energética. No momento a coisa mais importante deste mundo era possuir um robô como este para examiná-lo.

Mas a máquina não voltou.

A conclusão que extraíra do insucesso não era uma conclusão definitiva.

Voltou a movimentar-se, e desta vez passou pela borda do funil, inclinou-se ligeiramente e precipitou-se para o abismo, rente à parede do funil.

Conrad soltou um grito furioso e saiu correndo atrás do robô. Ao correr destruiu uma das saliências da máquina após a outra, mas a mesma não deixou que nada a perturbasse. Prosseguia inabalavelmente em direção ao centro do funil. Conrad alcançou-a. Numa súbita decisão subiu por uma saliência e sentou em cima do aparelho. A pequena distância o efeito dos tiros energéticos era muito maior. A parte superior do robô derreteu-se, transformando-se numa nuvem de vapores metálicos incandescentes.

Apesar de tudo, a máquina prosseguia em sua caminhada.

Conrad perdeu o autocontrole. Segurou a arma pelo cano e bateu no robô. Gritava, na esperança de que a criatura mecânica reagisse à voz de um ser humano. Não prestava atenção ao que o cercava. Não sabia que distância já tinha percorrido além da borda do funil. Queria o robô. Não conseguia pensar em outra coisa.

Um solavanco repentino atirou-o para a frente. Foi parar num lugar que pouco antes tinha sido atingido pelos tiros de sua arma. O calor atravessou o traje protetor. O robô parara de movimentar-se segundo um plano previamente estabelecido. Aproximava-se do centro do funil com movimentos convulsos e irregulares. A cortina de poeira trazida pelo furacão vindo de cima ficava a apenas dez metros.

Conrad começou a compreender. O mesmo campo energético difuso que paralisava as comunicações pelo rádio punha fora de ação o mecanismo de controle do robô. O mesmo descera no funil para extinguir o campo transportador. Mas muito antes que se aproximasse bastante, a energia do campo difuso tirava-lhe a capacidade de desempenhar suas funções. Era apenas uma máquina destroçada, na qual só o sistema de locomoção continuava a funcionar. Pousado numa almofada gravitacional fora de controle, descia cambaleando, rumo à destruição.

As contínuas sacudidelas provocaram tonturas em Conrad. Perdeu a capacidade de orientação. Só sabia que não devia aproximar-se demais da parede de poeira, pois nesse caso estaria perdido. Procurou desprender-se da parte superior do robô, mas o calor derretera a camada exterior de seu traje protetor, ligando-a firmemente com o metal da máquina. Conrad forçou o corpo para cima. O traje rasgou-se com um ruído desagradável, que superou até mesmo o rugido da tempestade.

O ar quente e poeirento penetrou no traje protetor. Conrad atirou-se para o lado e bateu fortemente no chão arenoso do funil. Até parecia que as massas de areia só estavam esperando o aumento de carga: começaram a escorregar. Conrad precipitou-se para o fundo, mais depressa que o próprio robô. Viu-se cercado de areia e poeira. Por uma única vez viu os contornos da máquina estranha por perto.

Logo viu-se só no meio do inferno.

Em torno dele era noite. A única coisa que se via era a luminosidade alaranjada do campo transportador. Conrad ficara com os braços estendidos. Enquanto as areias rolantes o arrastavam para baixo, conseguira agarrar-se a uma rocha que saía do chão em forma de chifre. As mãos fecharam-se instintivamente em torno do obstáculo, segurando-o.

Conrad concedeu-se alguns segundos de descanso para recuperar-se do choque. Levantou os olhos. A cortina escura da poeira o cercava de todos os lados. A luminosidade alaranjada atingia seu olho, vinda não sabia de onde. Seu ponto de origem não se encontrava no campo de visão de Conrad; logo, estava olhando funil acima. O furacão comprimia-o contra o chão com tanta força que quase chegou a quebrar-lhe a espinha. O ar quente e a areia fina penetravam pela fenda aberta em seu traje protetor. A areia rangia entre os dentes.

Puxou-se para cima, passando ao lado da rocha. Conseguiu apoiar os pés na saliência em forma de chifre para subir mais um pouco. Mas assim que perdeu o apoio embaixo das solas, a subida chegou ao fim. As areias que se estendiam embaixo dele escorregaram, arrastando-o para baixo. Fez três tentativas inúteis e desistiu. Voltou a apoiar-se na rocha como fizera antes e começou a chamar Bryan.

Mas Bryan não respondeu. Ao ouvir o crepitar constante em seu receptor, Conrad compreendeu que no interior do funil as interferências eram tão fortes que seu transmissor fraquíssimo não conseguiria chegar ao veículo.

Descansou um pouco, enquanto em torno dele bramia a tempestade e ameaçava esmagá-lo. Depois fez outra tentativa.

Aprendera com os próprios erros. Em vez de movimentar-se lentamente, aos solavancos, passou a encolher e esticar os joelhos o mais depressa que podia. Cada movimento fazia deslizar a areia com certa velocidade. Se conseguisse fazer avançar o corpo mais depressa, então estaria progredindo.

Não sabia quanto tempo lutara dessa forma, fazendo de conta que precisava vencer uma corrida de cem metros deslocando-se de quatro. A escuridão abriu-se à frente, e por um segundo enxergou a parede lisa do funil, que parecia, subir ao infinito. Alcançara o limite da área tempestuosa.

Estava exausto. Conseguira sair do funil, mas se parasse de avançar, a areia, ao deslizar, levá-lo-ia para baixo — exatamente ao lugar do qual tinha vindo. Conrad continuava a espernear com os olhos arregalados e chorando de raiva. Atravessou a cortina de poeira e atingiu a parte mais clara do funil. Mas ainda havia pelo menos cem metros de parede de funil à sua frente, e suas forças davam no máximo para mais três metros.

Conrad Nosinsky sabia quando devia desistir. Com os pulmões sem ar e a boca e o nariz cheios de poeira ardente, deixou-se cair na areia. O colchão granulado voltou a movimentar-se imediatamente. De início devagar, depois cada vez mais depressa. Conrad voltou a escorregar em direção à ameaçadora parede de poeira da qual escapara dois ou três minutos atrás.

No último instante, quando estava perdendo os sentidos, viu uma sombra em cima dele. Pela última vez suas forças reagiram. Virou de lado e olhou para cima.

Uma sombra confusa descia das brumas tangidas pela tormenta e precipitava-se em sua direção.

 

Um após o outro três dos quatro veículos enviados para examinar o terreno voltaram para bordo da Crest II: o S-3, o S-8 e o S-12. O S-4 estava faltando, e ninguém sabia dar informações sobre o paradeiro de seus ocupantes.

O centro de computação iniciou o processamento dos dados colhidos. Os motoristas dos carros voadores tinham recebido ordem de não se aproximar da zona de desmaterialização além dos limites de segurança para o veículo e seus ocupantes. Como os efeitos do processo de desmaterialização se faziam sentir a grande distância, como por exemplo, através da tempestade, a qual os estabilizadores mal e mal conseguiam resistir, a observação direta do fenômeno tornava-se impossível.

Dessa forma os dados mais importantes que foram introduzidos no centro de computação positrônica de bordo consistiram em indicações sobre a direção e a velocidade do vento e sobre as alterações do campo gravitacional de Power junto à superfície. A gravitação é uma emanação da massa. Em torno de qualquer corpo cuja massa seja diferente de zero forma-se um campo gravitacional. O campo de gravitação de Power era uma resultante da massa total do planeta, e agora que a matéria planetária era transportada para o espaço à razão de vários milhões de toneladas por segundo, este campo gravitacional forçosamente teria de sofrer uma alteração.

Constatou-se que a medição do vento e da força da gravidade produziu resultados praticamente idênticos para a velocidade de dissolução do planeta. Esta velocidade era bem maior do que se esperara. Atingia 1012 kg/seg, ou seja, dez bilhões de toneladas por segundo. Se o processo de dissolução prosseguisse sempre com a mesma velocidade, cerca de 3.200 anos se passariam até que o planeta tivesse desaparecido. Mas não se tratava de um cálculo realista. O planeta Power não continuaria a ser uma porção de matéria sólida até o último instante. A acomodação das diversas camadas romperia sua superfície muito antes, e ainda antes disso os tremores de terra e as irrupções de lava tornariam impossível a permanência no planeta.

Apesar de tudo, o centro de computação positrônica chegou à conclusão de que a Crest II estaria em segurança em sua atual posição pelo menos por mais dez dias.

Em virtude disso o estado de ânimo da tripulação melhorou. Contara-se com uma margem de segurança muito menor. Perry Rhodan deu ordem para que os membros das equipes de reparos, que tinham trabalhado quase ininterruptamente durante quarenta horas, descansassem algumas horas.

Dez dias representava muito. Era mais que suficiente para que a Crest II pudesse transferir-se para as proximidades do pólo sul, onde os efeitos do processo de dissolução se fariam sentir bem mais tarde. Desta forma havia bastante tempo para a conclusão dos reparos.

Era a primeira vez desde o momento em que a nave realizara o pouso forçado que algo parecido com o bom humor se fez sentir na nave.

Isso até que Conrad Nosinsky trouxesse uma notícia alarmante.

 

Conrad comprimiu o corpo contra o solo. Cobriu instintivamente o capacete com os braços, para proteger a cabeça contra o impacto. De repente ouviu a voz rouca de Herb Bryan, que parecia vir de longe e quase não podia ser ouvido em meio aos chiados e ao crepitar da interferência.

— Pode levantar? — gritou Bryan.

Conrad deitou do lado. O carro voador estava parado obliquamente em cima dele. O campo estabilizador, solicitado até o limite de sua capacidade, brilhava que nem uma auréola. A escotilha da eclusa de passageiros estava aberta.

— Vou tentar — respondeu Conrad.

Quando levantou, a areia na qual estava pisando começou a escorregar mais depressa. Era o que Conrad esperava. Deu um salto furioso e conseguiu agarrar a extremidade inferior da eclusa. Mais uma vez, numa angústia máxima, o corpo maltratado entesou os músculos. Um solavanco, e os pés de Conrad estavam balançando cinqüenta centímetros acima do solo traiçoeiro. Outro solavanco, e viu-se são e salvo no interior da eclusa.

A escotilha fechou-se. Conrad não viu o veículo subir lenta e obstinadamente pela parede do funil. Não percebeu que depois de meia hora, que Herb Bryan nunca mais esqueceria, se inclinaria suavemente sobre a borda do funil para passar a deslizar rapidamente pela planície, até que penetrou novamente na área atingida pela tempestade e mais uma vez teve de lutar contra a fúria dos elementos.

Bryan levou duas horas para conduzir o veículo para cima do planalto, retirando-o pelo menos da área em que havia um risco imediato. Durante todo este tempo Conrad Nosinsky ficara deitado na pequena eclusa, quase inconsciente, com o nariz, a boca e os olhos cheios de areia, a garganta ressequida e os pulmões doloridos. Bryan não teve tempo para cuidar dele. Quando o carro voador finalmente estava fora de perigo, o tenente já estava em condições de cuidar de si mesmo. Abriu a escotilha interna e entrou na cabine. Fungando fortemente, atirou-se no assento ao lado de Bryan e fitou-o com os olhos injetados de sangue. Já abrira o capacete e apesar das dores provocadas pela pele esfolada e dilacerada, encontrou forças para esboçar um sorriso.

— Conseguimos — disse com a voz rouca, enquanto a areia rangia entre seus dentes. — Se não fosse você, Herb, a esta hora eu estaria em algum lugar lá em cima.

Fez um gesto em direção ao teto da cabine.

Emocionado pelo tratamento íntimo, Herb Bryan acenou lentamente com a cabeça.

— É verdade, senhor. Mas nem queira saber como meus joelhos tremeram.

Conrad deu uma gostosa gargalhada. Depois pegou o microfone. Dali a alguns segundos sua voz anunciou para quem quisesse ouvi-lo:

— S-4 chamando cacique. Estamos de volta.

Trinta segundos passaram-se. Tudo permaneceu em silêncio. Conrad repetiu a mensagem. Ouviu-se um estalo no receptor, e a voz rouca e aguda de Kinser Wholey se fez ouvir:

— Cacique chamando S-4. Onde foi que vocês se meteram?

— Depois contaremos, senhor — respondeu Conrad. — Levamos uma presa muito abundante. Estamos voltando. Deveremos chegar dentro de quarenta minutos. Mas pelo menos um de nós precisa de um médico. Poderia fazer o...

— Entendido, tenente — interrompeu Kinser. — Médico de prontidão. Procure apressar-se.

Conrad respondeu que de qualquer maneira faria isso e Kinser interrompeu a ligação. Conrad parecia contrariado.

— O mínimo que poderia ter feito era mandar alguém ao nosso encontro — resmungou.

Bryan sorriu.

— Os outros já devem estar de volta há muito tempo — disse. — A interpretação dos dados certamente já foi concluída, e os matemáticos devem saber a quantas andam. Não precisam mais dos dados por nós recolhidos. A única coisa interessante que lhes comunicamos é que alguém precisa de um médico. Tenho a impressão de que o senhor estava aludindo a si mesmo. — Conrad acenou com a cabeça, um tanto contrariado. — Era impossível que alguém que seguisse as instruções se tivesse ferido. Quer dizer que avançamos demais, desobedecendo a uma ordem. — Suspirou, fingindo-se de desesperado. — Receio que a única coisa que nos espera seja uma boa bronca.

Conrad foi tirando um maço de cigarros do bolso.

— Talvez você tenha razão, Herb — disse. Acendeu um cigarro e começou a tossir assim que deu a primeira tragada.

Grandes quantidades de areia pareciam ter penetrado em sua laringe. Fez mais uma tentativa. Mais uma vez fracassou e apagou o cigarro.

— Está bem — resmungou, aborrecido. — Vamos para lá. — Virou-se para o lado e apontou para Herb. — Você vai ficar fora disso. A idéia foi minha.

Herb não respondeu. Conrad voltou a recostar-se confortavelmente no assento e ficou olhando para a frente.

Havia um aspecto irônico na situação. Conrad nem desconfiava de que era portador de notícias catastróficas.

 

Kinser Wholey cumpriu sua palavra. Quando a S-4 entrou na eclusa principal, o médico já estava de prontidão. Um carro de maca de direção automática levou Conrad Nosinsky ao hospital da nave, enquanto Herb Bryan entregava ao setor de computação os registros de seus instrumentos, inclusive os da câmara que Conrad trouxera sobre o peito.

O estado de Conrad era bastante grave para justificar sua permanência por vários dias no hospital. Além de queimaduras de segundo grau por todo o corpo, o tenente adquirira uma inflamação muito forte do aparelho respiratório. Conrad não ficou nada satisfeito com a decisão do médico, mas por enquanto não tinha outra alternativa senão submeter-se à mesma. Foi levado ao setor dos oficiais, onde era o único paciente, onde ficou entregue a si mesmo. Conrad procurou aproveitar o lado bom da situação: virou para o lado e adormeceu.

Dali a pouco foi acordado pelo alarme. Despertou tossindo fortemente e com dores no pulmão. O som estridente das campainhas encheu o hospital até o último canto. Conrad pôs as pernas para fora da cama e começou a vestir o traje espacial.

O intercomunicador deu um sinal. A voz forte e enérgica do coronel Rudo saiu dos alto-falantes. Disse que todas as folgas estavam suspensas e mandou que os homens voltassem imediatamente a seus postos. Não deu qualquer informação sobre o motivo do alarme. Ao que parecia, não se tratava de um ataque inimigo, pois os postos a que Rudo aludiu eram somente aqueles que tinham sofrido avarias por ocasião do pouso de emergência. Só então Conrad ficou sabendo que os reparos tinham sido interrompidos. Os homens estavam sendo mandados de volta aos seus postos. Certamente acontecera alguma coisa que tornava necessário a aceleração dos trabalhos.

Conrad sacudiu a cabeça, espantado. Naquela altura nem desconfiava de que fora ele mesmo que dera causa ao tumulto.

Ninguém se preocupou com ele. Assim que acabou de colocar o traje, saiu da enfermaria e dirigiu-se à ante-sala. As poltronas e os bancos estavam vazios. O som estridente das campainhas de alarme já tinha parado. Um estranho silêncio o cercava. Conrad seguiu para a esquerda, onde havia uma porta com uma placa que indicava tratar-se do gabinete do médico-chefe de plantão. Quando Conrad chegou mais perto da porta, esta abriu-se. Na pequena sala o médico que examinara Conrad e constatara sua doença estava inclinado sobre uma escrivaninha.

Levantou os olhos, espantado. Quando reconheceu Conrad, sorriu.

— Isso o tirou da cama, não foi? — perguntou.

Conrad franziu as sobrancelhas.

— Não pedi que me considerasse doente — respondeu em tom sério.

O médico afastou uma pilha de papéis:

— Como? Ah, não quis soltar uma indireta. É claro que o senhor está doente mesmo. — Parecia distraído. — O que quero dizer é que a esta hora não faz muita diferença que alguém...

Bateu na testa e levantou-se.

— O que estou dizendo? — disse em tom de auto-recriminação. — Sente, tenente. O que posso...

Conrad interrompeu-o com um gesto.

— Por que não conta logo o que houve, senhor? — perguntou enquanto se acomodava na poltrona.

O médico fitou-o com uma expressão de espanto.

— Quer dizer que ainda não sabe? — Contornou a escrivaninha. — Não sabe que a Crest está perdida se dentro de três horas, no máximo, não levantar vôo e fugir para o sul?

 

Conrad sentiu-se como alguém que leva um balde de água fria na cabeça. Olhou para o médico com uma expressão de perplexidade.

— Três horas...?

O médico confirmou com um aceno de cabeça. Conrad levantou-se de um salto.

— Espere aí! — protestou o médico. — O senhor vai ficar onde está. Será que pretende...

Conrad abriu a porta.

— Pretendo ajudar — exclamou em tom exaltado. — Estão precisando de toda ajuda possível.

— Acontece que o senhor está doente.

Conrad sorriu.

— Isto me vai adiantar muito... daqui a três horas, não é mesmo?

O médico tinha mais algumas objeções na ponta da língua, mas naquele momento o intercomunicador emitiu um zumbido. O oficial voltou para trás da escrivaninha e ligou o receptor. Conrad quis aproveitar a oportunidade para sair de fininho. Mas teve a curiosidade despertada ao ver o médico empertigar-se no momento em que a tela se iluminou. A voz saída do alto-falante era muito baixa. Conrad não entendeu o que dizia. Mas ouviu a resposta do médico.

— Sim senhor, ele está aqui.

Conrad teve a impressão de que estavam falando nele. Fechou a porta e foi caminhando devagar para perto do oficial.

— Providenciarei imediatamente, comandante. — estava dizendo o médico.

Fez uma ligeira mesura e desligou. Ao olhar para Conrad, respirava entre os dentes e passou a mão pela testa como quem está transpirando.

— Alguém tem muita pressa de ver o senhor — disse, ainda bastante espantado.

— Quem é? — perguntou Conrad.

O médico acenou com a cabeça.

— É uma boa pergunta. Quase não consigo acreditar. Mas tenho a impressão de que o homem que apareceu na tela é o Administrador em pessoa.

Conrad sobressaltou-se.

— Está brin...

O médico interrompeu-o com um gesto.

— Não estou brincando coisa alguma. Foi Rhodan, e ele quer vê-lo imediatamente.

Conrad passou os olhos pelo próprio corpo. O médico adivinhou seus pensamentos.

— Nem pense em mudar de roupa — aconselhou. — No momento o Administrador não faz nenhuma questão das formalidades. Vamos, saia correndo!

Conrad obedeceu. O hospital ficava na parte central da nave, que não tinha sofrido avarias durante o pouso forçado. Os corredores com as largas esteiras transportadoras de alta velocidade estavam vazios e em silêncio. Conrad passou por dois elevadores antigravitacionais que, segundo dizia a respectiva placa, não possuíam saída para o convés do Chefe. O convés do chefe era chamado assim porque nele ficavam os camarotes particulares do Administrador e de seus colaboradores mais chegados. Era o único convés que não ocupava todo o plano da nave, pois só se estendia a uma área limitada junto ao centro da mesma. Ficava a meio caminho entre o convés de comando e o convés A, e só alguns dos elevadores possuíam saída para o convés do chefe.

Finalmente Conrad encontrou um desses elevadores. Saltou rapidamente para dentro do mesmo e deixou que o campo de gravitação artificial o levasse para cima. Os pensamentos atropelavam-se em seu cérebro. Não tinha a menor idéia do que Rhodan queria com ele. Esperava uma repreensão por causa da infração aos regulamentos que cometera ao observar a zona de desmaterialização, mas isso caberia ao seu superior direto ou, quando muito, ao chefe de seção. Perry Rhodan não costumava perder tempo com ninharias desse tipo.

A incerteza estava deixando Conrad nervoso. Quando chegou ao convés do chefe, saltou para fora do elevador com tanta força que bateu na parede oposta e por pouco não caiu. Conseguiu equilibrar-se e olhou em torno. O elevador dava para um corredor largo, fortemente iluminado que, ao contrário dos outros corredores, não possuía esteira transportadora. Mais aos fundos havia uma bifurcação. Como não havia nenhuma indicação, Conrad não sabia que direção tomar. Hesitou um pouco, quando uma voz disse:

— Siga para a direita, tenente. A porta está aberta.

Conrad lançou um olhar de espanto para o alto-falante muito bem escondido e saiu andando. Ao chegar à bifurcação, tomou o corredor da direita e depois de ter dado mais alguns passos encontrou uma porta aberta do lado esquerdo desse corredor. Ficou parado, respirou profundamente e entrou.

A sala que viu à sua frente surpreendeu-o pela simplicidade. Estava escassamente mobiliada. A única coisa que chamou a atenção de Conrad foi a enorme tela na parede oposta à porta, que parecia uma janela e mostrava a paisagem desértica que cercava a nave.

Naturalmente o homem que se encontrava mais para o lado e fitava Conrad com uma expressão de expectativa também chamou sua atenção. Conrad conhecia Perry Rhodan, Administrador Geral do Império Solar, dos retratos. Uma única vez vira-o em pessoa. Fora há três anos, numa solenidade realizada na escola de cadetes. O Administrador estava usando um uniforme de campanha muito simples, sem distintivos. Mas Conrad teve certeza de que apesar disso ninguém acreditaria que fosse um homem sem importância.

Conrad ficou em posição de sentido e fez continência. Rhodan respondeu com um gesto atencioso, sem demonstrar a indiferença que Conrad tantas vezes notara em oficiais superiores.

— Fique à vontade, tenente — pediu Rhodan. — Ou melhor, chegue mais perto e sente.

Conrad obedeceu. No centro da sala havia uma mesa alongada com oito cadeiras. Não havia nada sobre a mesa, além de quatro cinzeiros. Rhodan sentou na ponta da mesa e Conrad pegou uma cadeira na face lateral.

— Fui informado sobre a operação de reconhecimento realizada pelo senhor, tenente — principiou Perry Rhodan, indo diretamente ao assunto. — Sabe que desobedeceu às instruções.

Conrad engoliu em seco.

— Sim senhor.

Sentiu-se decepcionado. Num momento de grande perigo, quando cada minuto pode ser decisivo na luta pela vida de uma tripulação de duas mil pessoas, um homem como Perry Rhodan não tinha outra coisa a fazer senão fazer um sermão baseado na letra do regulamento.

— Conhece as conseqüências?

— Existem duas possibilidades, senhor — respondeu Conrad imediatamente. — Se a infração for considerada grave, terei de enfrentar a corte material. Caso seja considerado de pouca importância, escaparei com uma repreensão.

Perry Rhodan confirmou com um gesto. Dava a impressão de estar sorrindo, mas Conrad não teve certeza.

— O senhor se sente culpado, tenente? — perguntou de surpresa.

— Segundo a letra do regulamento, sim senhor. Desobedeci a uma ordem. Mas quero ponderar que apenas arrisquei minha própria vida, já que não obriguei o sargento Bryan a ir atrás de mim, além de um equipamento no valor de oitocentos solares, ou seja, meu traje com os instrumentos. Tive a impressão de que a operação poderia render informações valiosas. Se não as conseguisse, a única coisa perdida seria minha própria vida e a importância de oitocentos solares. Se conseguisse, teríamos feito um bom progresso.

— Com uma defesa destas, o senhor teria uma chance até mesmo perante uma corte bastante rigorosa — disse o Administrador em tom elogio. — Mas o senhor não vai enfrentar nenhuma corte. Seu capitão lhe aplicará uma repreensão, pois isso não pode ser evitado, mas ele provavelmente o fará com o rosto risonho, porque não estará falando sério, — Levantou-se e Conrad o fitou com uma expressão de perplexidade enquanto dava alguns passos lentos em direção à tela de imagem: — O motivo é — prosseguiu depois de algum tempo, sem olhar para Conrad — que o senhor salvou a nave.

 

De repente a imagem do deserto desapareceu da tela. Escureceu um pouco. Conrad ainda não compreendia o que acabara de ouvir.

— Os resultados das medições realizadas pelos outros grupos — prosseguiu Rhodan — pareciam indicar que poderíamos ficar neste lugar por mais dez dias, até que o fenômeno da desmaterialização passasse a representar um perigo para a nave. Todos os resultados levavam à mesma conclusão. Não havia motivo para duvidar dos mesmos.

— Mas aí apareceu o senhor com as medições realizadas in loco e o filme da câmara que trazia sobre o peito. A situação logo mudou de figura. Olhe!

A tela voltou a iluminar-se. Uma imagem trêmula apareceu na mesma. Era a borda do funil, as areias agitadas e a coluna luminosa, tudo fotografado com a câmara que Conrad trazia na altura dó peito. O robô estranho entrou no campo de visão, vindo da esquerda.

— Preste atenção à borda do funil — ordenou Perry Rhodan.

Conrad obedeceu. Viu a borda aproximar-se, mas já vira a mesma coisa quando se encontrava perto da mesma, perseguindo o robô. Não notou mais nada.

— Provavelmente a diferença é tão pequena que o senhor não a percebe — disse o Administrador, dando a impressão de que adivinhara os pensamentos de Conrad. — Mas os instrumentos a registram. A velocidade com que avança a borda do funil não é constante: aumenta a cada segundo que passa.

Ouviu-se o estalo de um interruptor. A tela voltou a apagar-se.

— A borda do funil aparece durante uns cinco minutos no filme — prosseguiu Perry Rhodan, com o rosto virado para Conrad. — Naturalmente esperávamos oscilações na velocidade com que o funil se amplia, mas o que observamos não foram propriamente oscilações, mas antes um movimento pendular em contínua ascensão. Em outras palavras, a velocidade com que a superfície do planeta é atingida e destruída pelo fenômeno de desmaterialização cresce ininterruptamente.

Voltou a sentar junto à mesa.

— As medições realizadas pelos outros grupos não permitiram que se notasse este fato. A gravitação e a velocidade do vento são pouco afetadas por estas variações. As medições não foram bastante prolongadas para acusar o aumento da velocidade.

Rhodan fez uma pausa. Conrad apressou-se em fazer uma pergunta.

— Não existe nenhuma dúvida sobre a exatidão da interpretação, senhor?

Rhodan abanou a cabeça.

— Nenhuma.

Conrad mordeu o lábio.

— Quer dizer que a Crest II está perdida?

— Ainda não — respondeu o Administrador com um sorriso. — Os reparos que se tornam necessário para que a nave possa voar ao pólo sul do planeta podem ser concluídos em pouco menos de três horas. Segundo os cálculos dos especialistas, dentro de pouco mais de três horas as alterações que se verificam nas camadas superiores do planeta provocarão tremores e tempestades magnéticas. Seria preferível que até lá não estivéssemos mais por perto. Pode ficar tranqüilo, que conseguiremos. Resta saber se no pólo sul teremos tempo para concluir todos os reparos.

Conrad respirou aliviado.

— A propósito — principiou Perry Rhodan de novo. — O senhor nos colocou na pista de um novo fenômeno científico.

Conrad levantou os olhos. Espantou-se com os resultados que sua excursão temerária para o interior do funil tinham produzido.

— As fotografias feitas pelo senhor — explicou Rhodan — permitiram a determinação mais precisa da intensidade luminosa do raio transportador. Constatou-se que a densidade das radiações do estranho campo de desmaterialização aumenta constantemente, na mesma proporção do aumento da velocidade do avanço da borda do funil. Não existe a menor dúvida de que existe uma ligação entre os dois fenômenos. A densidade das radiações do campo transportador aumenta na medida em que aumenta a massa que é transportada para o espaço em cada segundo. A ligação salta aos olhos. Parece haver uma espécie de processo de realimentação, que faz com que o desempenho do campo transportador aumente com o próprio aumento da quantidade de matéria que é transportada. A teoria prevê há algum tempo um efeito como este. Acontece que o teor energético dos campos transportadores por nós usados não era bastante elevado. Quer dizer que a observação realizada pelo senhor veio confirmar uma hipótese da qual muita gente ainda duvidava.

Levantou-se e aproximou-se de Conrad. Este também se levantou. Perry Rhodan, o Administrador Geral, estendeu-lhe a mão.

Mais tarde Conrad Nosinsky não saberia dizer exatamente como saíra do convés do chefe e fora parar em regiões mais conhecidas da nave. Sua cabeça zumbia. Quando finalmente conseguiu chegar ao hospital, deixou o médico confuso com algumas informações confusas. O médico teve muita dificuldade em convencê-lo a mudar de roupa e voltar à cama. Só bem mais tarde ficou sabendo que tipo de honraria fora dispensado a Conrad.

Dali a duas horas um forte solavanco sacudiu a nave. A tripulação foi informada pelo intercomunicador de que o limite da zona de desmaterialização estava a apenas cinqüenta quilômetros da Crest II, e que o primeiro tremor mais forte acabara de ser registrado.

Dali a mais alguns minutos a nave decolou. No televisor emprestado pelo médico Conrad viu a Crest II erguer-se em meio ao oceano de destruição. A extensa planície estava coberta de névoas e vapores. O manto gigantesco do campo transportador subia ao céu com sua ofuscante luminosidade. Lampejos tremulantes dividiam as brumas, indicando os lugares em que as massas incandescentes do interior do planeta tinham aberto caminho até a superfície.

Estava em cima da hora. Mais trinta minutos, e a nave estaria irremediavelmente perdida.

Conrad sentiu-se aliviado, mas continuava um tanto deprimido. Será que, diante da destruição que avançava com tamanha rapidez, teriam tempo no pólo sul para concluir os reparos da nave-capitânea, colocando-a em condições de singrar o espaço?

 

O mundo Power descrevia, com mais sete planetas, uma órbita em torno de um sol gêmeo. Se a simples existência de uma órbita planetária estável num sistema de sóis gêmeos é um fato surpreendente, os outros parâmetros do sistema Gêmeos, nome dado ao conjunto, era de causar arrepios.

Os dois sóis, Gêmeos A e Gêmeos B, São do tipo G1, sendo um pouco menores que o sol terrano, com um diâmetro de aproximadamente 1,1 milhões de quilômetros. Twin-A e Twin-B se parecem tanto como gêmeos uni-ovulares. Segundo as teorias mais modernas da astrogênese, o processo de formação em que de uma mesma nebulosa pré-estelar nascem dois sóis absolutamente idênticos é um fenômeno tão pouco provável que ocorre no máximo uma vez em 1.012. Normalmente um dos novos astros se formará mais cedo e graças à sua gravitação atrairá maiores volumes de matéria que a estrela-irmã, dando lugar ao aparecimento de dois sóis com massa e intensidade de radiações diferentes.

A distância entre Twin-A e Twin-B, medida entre os respectivos centros de gravidade, era de apenas cinco milhões de quilômetros, aproximadamente. Isso significa que na linha que liga os centros de gravidade os dois sóis se aproximam a 3,9 milhões de quilômetros. No espaço intersolar verificam-se condições gravitacionais muito estranhas. Gêmeos-A e B descrevem um movimento de rotação em alta velocidade em torno do centro de gravidade comum.

Os oito planetas zombavam de todos os hábitos astronômicos, movimentando-se na mesma órbita. Como se tratava de uma órbita circular, a distância que separava estes planetas do sol era idêntica a qualquer momento, correspondendo a oitenta milhões de quilômetros. Os eixos dos planetas estavam numa posição tal que em sua superfície não se verificavam as estações do ano. Até mesmo o tempo de rotação dos planetas era idêntico. Em todos os deles o dia era de trinta horas.

Se a formação de um par de sóis absolutamente idênticos num espaço tão limitado era difícil de compreender, parecia totalmente impossível conhecer o fenômeno que tinha levado oito planetas de características absolutamente iguais, com exceção do tamanho, a percorrer a mesma órbita. A pesquisa matemática revelou que uma formação destas era altamente instável e que sua duração de vida não ultrapassaria algumas décadas — isto se chegasse a ser formado.

O fato de o sistema de Gêmeos se ter mantido estável por alguns milênios trazia à luz a característica mais surpreendente do mesmo. O sistema de Gêmeos não era obra da natureza. Tratava-se de uma formação artificial, e forças poderosas, que ainda permaneciam desconhecidas, garantiam sua estabilidade.

Mas mesmo uma pessoa que não fosse muito entendida em astronomia e coisas parecidas não demoraria a chegar à conclusão de que havia algo de muito estranho com o sistema de Gêmeos.

É o que o mesmo ficava num lugar em que a rigor só deveria existir o nada — no vazio intergaláctico, a novecentos mil anos-luz da galáxia de origem dos astronautas e a quinhentos e cinqüenta mil anos-luz da misteriosa nebulosa de Andrômeda.

 

Conrad Nosinsky recebeu uma repreensão suave e sofreu uma transferência punitiva. Esta última era uma verdadeira ironia, pois correspondia a um desejo que Conrad sentia há muito tempo e que fora manifestado num requerimento oficial. Passou a colaborar com a equipe científica. Seu novo chefe era o major Hefrich, engenheiro-chefe da nave. O major Hefrich dirigia um grupo de trinta e quatro cientistas e engenheiros, trinta dos quais no momento estavam trabalhando com os problemas diretamente ligados aos reparos da nave. Os quatro restantes estavam ocupados no estudo dos fenômenos astrofísicos em que o sistema de Gêmeos era tão abundante. Conrad Nosinsky passou a ser o quinto homem desta equipe.

A única coisa que não lhe agradou na transferência foi que não pôde levar consigo o sargento Herb Bryan.

Naquela altura ainda não sabia que o destino lhe reservava para breve um novo encontro com Bryan, quando então se dedicariam uma tarefa na qual arriscariam tudo, e que, vista de longe e guardadas as devidas proporções, contribuiu para que a nave e seus tripulantes não malograssem no primeiro obstáculo encontrado na estrada de Andrômeda.

Como recebera um excelente treinamento de oficial, Conrad estava familiarizado com a teoria dos campos energéticos da quinta dimensão, os chamados hipercampos. Sabia que a bordo da nave-capitânea se acreditava que o hexágono de sóis em cujo centro, conforme devia parecer ao mundo exterior, a existência galáctica da Crest II tivera um fim repentino, era um gigantesco transmissor, ou seja, o projetar de um hipercampo transportador, que arremessara a nave bem longe no espaço intergaláctico. A hipótese de forma alguma parava ali. A própria destruição do planeta Power era um fenômeno de hipertransporte. Nada mais natural, portanto, do que acreditar que os dois sóis gêmeos não passavam de uma gigantesca estação projetora, menor que o hexágono de sóis, mas com potência suficiente para atrair dentro de poucos dias a massa imensa do planeta e arremessá-la para algum lugar situado no nada.

Diante disso foram principalmente os estrategistas, e não os cientistas, que criaram a teoria de que se tinha descoberto a pista de uma estrada formada por transmissores, que tornava possível vencer o abismo que separa a Via Láctea e a galáxia denominada Andrômeda. Não havia nenhuma informação sobre quem tinha construído a estrada e há quanto tempo a mesma existia. Ao que parecia, a energia de um único transmissor não era suficiente para vencer a distância a ser percorrida, motivo por que fora instalada a estação intermediária do sistema Gêmeos; ou então os construtores da estrada queriam ter certeza de que a mesma não seria utilizada por quem não estivesse autorização, caso em que o sistema de Gêmeos seria somente uma armadilha que destruiria os intrusos antes que os mesmos pudessem prosseguir viagem.

Nas últimas horas esta última hipótese ganhara muitos adeptos. Ao que tudo indicava, a dissolução de Power visava menos ao desaparecimento do planeta, mas antes à destruição da espaçonave que tivera a audácia de usar o transmissor do hexágono de estrelas para saciar sua curiosidade no vazio intergaláctico.

A tarefa de Conrad e seus quatro colaboradores consistia em colher informações sobre a estrutura do campo transportador, apurar o potencial de saída do projetor e descobrir que espécie de tecnologia tinha criado o mesmo. Era de esperar que um dia a Crest II se encontrasse com os construtores do sistema de transmissores. E quando isso acontecesse precisavam saber a quantas andavam.

Enquanto isso os reparos do sistema de propulsão da nave prosseguiam rapidamente. Era bem verdade que mesmo junto ao pólo sul a superfície do planeta poderia ser tudo, menos calma. As acomodações em grande escala na estrutura das camadas do planeta, provocadas pelo processo de desmaterialização, davam origem a tremores de intensidade extraordinária. Mas já havia possibilidade de pôr em funcionamento pelo menos parte dos geradores que alimentavam os campos defensivos, a fim de proteger a Crest II das influências do ambiente.

O tempo de que a nave ainda dispunha tinha sido avaliado em quarenta horas. Findo este prazo, o planeta Power entraria no estágio de decomposição. Em virtude da tremenda perda de massa, o campo de gravitação seria enfraquecido a tal ponto que partes da superfície, tangidas pela lava, se desprenderiam e seriam arremessadas para o espaço. Quando isso acontecer, a Crest II já deverá estar longe do planeta.

Ninguém sabia dizer quais seriam os efeitos que a dissolução de Power provocaria nos demais planetas do sistema. Se se tratasse de uma constelação natural, o desaparecimento de Power seria o fim do sistema de Gêmeos. Realmente, a estabilidade da órbita de qualquer planeta resulta do fato de que os outros planetas se encontram exatamente na posição correta. Com o desaparecimento de Power, esta condição deixaria de ser cumprida. Mas como se acreditava que Twin era um sistema artificial, havia razões para supor que seus construtores tivessem tomado as medidas necessárias para conservar os planetas na órbita caso acontecesse alguma coisa com um deles. Não demorariam a descobrir se essa suposição era correta. Se não fosse, a dissolução de Power acarretaria a destruição do sistema de Gêmeos e a Crest II estaria perdida, já que com suas próprias forças não poderia atingir nem a galáxia de origem, nem a nebulosa de Andrômeda.

Conrad Nosinsky dedicou-se entusiasticamente à sua nova tarefa. Pegara um carro voador e fazia excursões prolongadas nas cercanias da nave. Aproximava-se da área de desmaterialização sem arriscar sua segurança, tirava fotografia e fazia medições. Assim que regressava à nave, dava início à interpretação dos resultados. Dentro em breve a tarefa o deixara tão arrebatado que nem percebia que o tempo estava passando. Sabia perfeitamente que o que interessava no momento era fazer o maior número possível de medições, pois quando Power tivesse desaparecido, não haveria mais oportunidade para isso. A interpretação dos dados poderia ficar para depois.

Mas Conrad tivera uma idéia, e era impossível saber se era uma idéia aproveitável ou não sem interpretar pelo menos parte dos resultados. Um dos outros membros da equipe, um cabo, estava diretamente subordinado a ele. Conrad tocava-o de um lado para outro para revelar fotografias, classificar os resultados das medições e introduzir tudo num programa de computação positrônico. Mais tarde o cabo diria que nunca trabalhara tanto como nas doze horas que precederam a destruição do planeta Power.

Finalmente o programa ficou pronto. Entre as informações que compunham o mesmo incluía-se grande parte dos resultados das medições. O computador positrônico da nave foi incumbido de, com base nestes resultados, descobrir a estrutura do campo transportador e fornecer a respectiva fórmula.

No meio da noite a máquina finalmente entrou em funcionamento. Conrad e o cabo concederam-se o luxo de uma pequena pausa, com uma xícara de café e dois cigarros. Na parede lateral da sala dos computadores havia uma grande tela que mostrava um setor do planalto desértico no qual estava pousada a Crest II. Fazia tempo que o sol gêmeo tinha mergulhado atrás da linha do horizonte, mas uma penumbra vermelha, produzida pelo raio transportador que a essa altura já media alguns quilômetros de diâmetro, dava um ar fantasmagórico ao cenário. De vez em quando raios fulgurantes rompiam a penumbra vermelho-alaranjada, assinalando os lugares em que o núcleo líquido do planeta conseguira romper a superfície.

O computador positrônico gastou um total de quatro minutos para dar conta do programa. Os receios de Conrad, de que as informações introduzidas na máquina não fossem suficientes para resolver o problema, revelaram-se infundados. Enquanto o cabo continuava a sorver seu café e deleitar-se com a pausa, Conrad pegou a folha impressa expelida pelo computador e examinou-a com a maior atenção.

Depois de algum tempo pegou um lápis e pôs-se a traduzir a forma de expressão um tanto complicada da máquina na linguagem usual de fórmulas. O resultado que obteve foi uma fórmula estrutural da quinta dimensão, que exprimia os componentes do campo transportador em termos de espaço, tempo e i. As expressões numéricas dos coeficientes também tinham sido apuradas pela máquina. Conforme Conrad pôde constatar, essa determinação fora feita com uma margem de erro extremamente reduzida.

Conrad dobrou ruidosamente as folhas impressas e atirou-as numa mesinha à sua frente. Depois recostou-se na poltrona e pôs-se a refletir.

Ele, Conrad Nosinsky, acabara de fazer uma descoberta notável.

 

A reação de Hefrich era exatamente a que seria de esperar de um homem ocupado até o limite de sua capacidade com coisas bem diferentes. Quando Conrad lhe expôs sua idéia, a resposta foi a seguinte:

— Sinto-me inclinado a acreditar que o senhor tenha enlouquecido, meu jovem, mas talvez possa ter a gentileza de voltar a conferir seus cálculos. Em algum lugar deve haver um erro.

Bert Hefrich era um homem de estatura mediana com pouco mais de trinta anos. Os cabelos crespos louro-castanhos mal penteados não lhe davam o aspecto de um apóstolo das ciências exatas, e quem o ouvisse falar em termos precisos e tom penetrante, por vezes com uma ironia mordaz, veria nele um jornalista experimentado. Mas era uma impressão enganosa. Bert Hefrich era um dos cientistas mais competentes do Império, tanto que ocupava o posto de engenheiro-chefe na nave-capitânia.

A palestra foi realizada no escritório de Hefrich. Nos fundos da sala dois oficiais estavam mergulhados no seu trabalho. O próprio Hefrich estava inclinado sobre o croquis de um quadro de comando quando Conrad entrou. Via-se que não descansava há quarenta horas. Só usava camisa e a calça do uniforme. O cabelo desgrenhado caía-lhe na testa, e havia grandes olheiras em seu rosto. Um cigarro estava pendurado no canto da boca de Hefrich, nem mesmo ao falar ele o tirava. Isso significava que Hefrich, que costumava fazer muita questão das normas, encontrava-se próximo à exaustão.

Conrad sabia perfeitamente que escolhera a pior oportunidade possível para apresentar um novo projeto. Mas achava que o assunto era importante, muito importante até, e por isso não iria deixar que o mandassem embora assim.

— Com sua permissão, senhor — respondeu em tom persistente. — O computador positrônico processou dois programas diferentes, e o resultado sempre foi o mesmo.

Bert Hefrich fitou-o com uma expressão furiosa.

— Pois então. E daí? — resmungou.

Conrad ergueu as sobrancelhas.

— Poderia fazer o favor de repetir, senhor?

Hefrich acabou tirando o cigarro da boca e fez um gesto apressado na direção de Conrad.

— Será que o senhor é surdo? — gritou. — O que eu disse foi: Pois então, e...

Deu a impressão de ter tido uma idéia no meio da frase. Refletiu atentamente por alguns segundos e seu rosto carrancudo assumiu uma expressão um pouco mais amável.

— O computador positrônico? — perguntou em tom pensativo. — Bem, nesse caso dificilmente pode haver um erro. A máquina o teria...

Voltou a interromper-se. Saiu de trás da escrivaninha com um movimento juvenil, atirou o cigarro no chão e apagou-o com o pé. Depois plantou-se à frente de Conrad.

— O senhor ganhou o primeiro haund, meu jovem — disse com a voz tranqüila. — O que descobriu mesmo?

Conrad respirou aliviado. Um dos outros oficiais também teve despertada a atenção e virou a cabeça.

— A estrutura do campo transportador de forma alguma é a coisa misteriosa que acreditávamos — principiou Conrad. — Assemelha-se à estruturação de certos hipercampos que conhecemos. Em outras palavras, poderíamos construir dentro de pouco tempo, e com recursos relativamente modestos, um gerador-projetor capaz de criar a mesma estrutura desse raio vermelho-alaranjado.

Hefrich acenou lentamente com a cabeça.

— Isso realmente é um progresso, tenente — confessou. — As observações e medições foram feitas pelo senhor?

Conrad respondeu afirmativamente. Hefrich chegou ao ponto de estender o braço e dar uma palmadinha no ombro de seu interlocutor.

— Excelente, excelente — disse. Seus pensamentos já tinham voltado ao esquema do quadro de comando. — Isso ainda nos poderá ser muito útil.

Deu as costas a Conrad e desapareceu atrás da escrivaninha. Sem dar atenção ao seu interlocutor, fez um movimento instintivo para tirar um cigarro e acendê-lo. Conrad pigarreou.

— Pois não. O que houve? — perguntou Hefrich sem levantar os olhos.

— Senhor, o que eu disse não é tudo — respondeu Conrad.

Hefrich levantou abruptamente a cabeça e fitou Conrad com uma expressão furiosa.

— Ouça, meu chapa — principiou numa voz perigosamente calma. — O senhor fez uma descoberta que poderá ser muito útil, mas já lhe dispensei os devidos elogios e, se não me engano, até dei uma palmadinha em seu ombro. O senhor não pode exigir mais que isto. Devo acrescentar que estou ocupado e se continuar a perturbar-me no trabalho a Crest II não sairá daqui em tempo e estaremos todos fritos. Entendido?

Conrad ficou furioso.

— Entendido, sim senhor — respondeu. — Mas também entendi que o assunto já estaria encerrado há cinco minutos, se o senhor não fizesse tanto alvoroço.

Hefrich praticamente não esboçou nenhuma reação. Só abriu mais um pouco os olhos, e nestes havia uma ligeira expressão de espanto. Conrad sabia que com suas falas estava arriscando o posto de que tanto gostava. Mas havia uma oportunidade de aplicar seu projeto, e não queria deixar de aproveitá-la.

— Poderíamos construir um projetor capaz de produzir um campo idêntico ao campo transportador. Em conformidade com o princípio do intercâmbio dos componentes, este campo poderia ser usado para eliminar os efeitos do campo transportador dentro de certo volume. Um veículo equipado com este projetor poderia penetrar tranqüilamente no raio vermelho-alaranjado e colher todas as informações que não podemos obter do lado de fora.

Hefrich continuava de pé, imóvel.

— É só, senhor — disse Conrad. — Lamento ter tomado seu precioso tempo. — Fez continência e saiu caminhando em direção à porta.

A escotilha abriu-se e Conrad estava prestes a sair para o corredor, quando uma voz rouca berrou atrás dele.

— Não vá embora! Espere aí...

 

Dali a três horas o projetor estava pronto. Sua potência bastava para criar um campo defensivo suficientemente forte em torno do carro voador, para que o mesmo pudesse penetrar no raio transportador. Era bem verdade que isso tinha de ser feito alguns quilômetros acima da superfície do planeta Power, onde a atmosfera era bastante rarefeita para que os estabilizadores do veículo pudessem resistir à energia mecânica da tempestade.

Bert Hefrich parecia completamente transformado. Obteve pessoalmente do coronel Rudo plenos poderes para retirar alguns técnicos dos trabalhos de reparos e destacá-los para a construção do projetor. Conseguiu convencer Cart Rudo de que a experiência planejada por Conrad era muito importante. Rudo acabou dando permissão para que um único homem penetrasse no campo transportador com um carro voador, mas isso somente depois que tivesse sido feito um teste com um veículo teleguiado.

O teste foi iniciado logo após o nascer do sol. Uma nave-girino rebocou o carro voador com o projetor a uma altitude de doze quilômetros. Bert Hefrich não participou do teste, porque na Crest II sua presença era muito mais necessária. Mas mantinha contato audiovisual com a nave-girino e pediu que fosse informado regularmente sobre o andamento do teste.

O carro voador foi retirado da eclusa da nave-girino. O próprio Conrad ficou sentado à frente do console do controle remoto. Duas telas mostravam a imagem do carro, visto de bordo do barco auxiliar, e a dos cenários colhidos com a câmara instalada no carro voador.

A extremidade do campo transportador encontrava-se a duzentos quilômetros. Conrad fez o carro voador avançar em direção ao mesmo com a velocidade máxima. Demorou apenas alguns minutos até que o veículo desaparecesse de uma das duas telas. A outra mostrava a parede de fogo do campo vermelho-alaranjado, que se aproximava rapidamente.

O carro penetrou com a maior facilidade no raio transportador. Línguas de fogo vermelhas atravessavam a tela de imagem. Não se reconheciam os detalhes, mas percebia-se perfeitamente que as forças tremendas do hipercampo não atingiam o veículo.

Conrad deixou que o veículo circulasse durante quinze minutos no interior do campo. Depois fê-lo regressar. Dentro de alguns minutos entrou no campo da objetiva da nave-girino. Todo mundo percebeu que o carro não tinha sofrido nenhuma avaria. Foi recolhido a bordo e Conrad em pessoa informou o engenheiro-chefe, Bert Hefrich, de que a experiência tinha sido bem sucedida.

Hefrich mostrou-se francamente entusiasmado. Mas dentro de alguns segundos ficou com o rosto sério.

— Ainda insiste em voar para lá pessoalmente?

— Sim senhor — respondeu Conrad. — Ninguém melhor que eu para saber o que procurar por lá. Os instrumentos a serem colocados no carro voador estão a bordo da nave-girino. Sua montagem não demorará mais de trinta minutos. Quando a mesma estiver concluída, irei para lá.

Notou que Hefrich, cuja imagem aparecia na tela, refletia intensamente.

— Quer saber uma coisa? — resmungou. — Desde hoje de manhã, quando o senhor gritou de forma tão insolente comigo, passei a simpatizar com sua pessoa. Bem que gostaria que houvesse mais gente disposta a revelar tanta coragem para uma boa causa.

Levantou a cabeça e olhou diretamente para a lente da objetiva.

— Vamos logo. O que está esperando? — disse em tom contrariado, como se estivesse envergonhado da confissão que acabara de prestar. — Ande logo, meu jovem.

Conrad fez continência e desligou.

Depois disso concedeu-se um minuto para descansar. Perguntou-se se por acaso tinha feito uma bobagem. Era bem verdade que o carro não tripulado tinha voltado são e salvo.

Mas será que isso significava que ele mesmo também conseguiria atravessar o inferno são e salvo?

 

O cenário que se estendia em baixo dele era tão selvagem e fantástica que a fantasia apocalíptica dificilmente poderia imaginar igual. Um planeta em agonia!

Mas Conrad nem viu este cenário. Olhava fixamente para a frente, na direção da cortina alaranjada formada pelo terrível campo transportador que estava devorando o planeta.. Na parte lateral do painel tinha sido parafusado um pequeno instrumento, que registrava o volume da energia disseminada pelo campo transportador. Conrad usou-o como uma espécie de telêmetro. Quanto mais intensa a energia, mais próximo se encontrava do campo. Não era um método muito preciso, mas sem dúvida era melhor que a avaliação ótica. A manta vermelho-alaranjada. apresentava-se em contornos vagos e o olho humano era incapaz de distinguir se estava a dez ou a um quilômetro de distância.

Bem atrás de Conrad a nave-girino de sessenta metros de diâmetro parecia urna bola suspensa no céu violeta-escuro. As comunicações pelo rádio eram excelentes. O campo defensor gerado pelo novo projetor não parecia perturbar o funcionamento do telecomunicador.

Mesmo naquela altitude a velocidade do vento era bastante elevada. Por vezes chegava mesmo a ser superior às velocidades que Conrad e Herb Bryan tinham medido durante a excursão ao pólo norte. Mas como a densidade atmosférica era muito menor que na superfície, os estabilizadores não encontraram a menor dificuldade em manter o carro voador na rota.

Conrad inclinou o corpo para a frente e olhou pelo pára-brisa. A parede de fogo do campo transportador parecia estar bem próxima. Subia em silêncio, mas com uma força tremenda, e uma ligeira cintilância da luz alaranjada era o único sinal de que por ali a matéria e a energia executavam simultaneamente uma série de movimentos selvagens.

O aparelho parafusado na parte lateral do painel de comando emitiu um clique ao deixar de funcionar. Os campos de disseminação tinham atingido uma intensidade muito elevada. O receptor queimara. Conrad entesou instintivamente os músculos. Bem à sua frente subia a cortina de fogo ondulante, estendendo-se a perder de vista de lado a lado. Conrad interessava-se exclusivamente pela beleza apavorante do campo mortífero. Prendeu a respiração, como se temesse a força do impacto que se verificaria quando o carro tocasse a extremidade do campo.

De repente, antes que se desse conta disso, aconteceu.

A luminosidade alaranjada cercava-o de todos os lados, de trás, da frente, da direita e da esquerda, de cima e de baixo. Estava no interior do campo transportador, e a passagem para o mesmo fora imperceptível que nem a saída do carro da sombra de uma nuvem para a luz ofuscante do sol. A claridade chamejante não apresentava contornos definidos. Estendia-se ao infinito, mas seu aspecto não o revelava. Parecia perigosa, mas na verdade não oferecia o menor perigo.

Aos poucos Conrad foi ficando menos tenso. Fez avançar o carro voador, mas só os instrumentos mostravam que o mesmo continuava em movimento — estava em movimento relativamente a um ponto que Conrad não via, que ficava situado fora do universo alaranjado que o cercava.

Alguns minutos se passaram sem que acontecesse nada. Conrad já estava mais calmo. Sabia que nada lhe aconteceria e pôs-se a trabalhar.

Os instrumentos estavam preparados. A única coisa que tinha que fazer era ligá-los e esperar que recolhessem um volume suficiente de dados. Era difícil saber que volume seria este. Conrad resolver permanecer no máximo uma hora no interior do campo. Caso mais tarde verificasse que as informações obtidas não eram Suficientes para desvendar o segredo da estranha tecnologia de hipercampos, sempre poderia voltar.

Estava condenado à inatividade e começou a sentir tédio. Olhou para trás e viu o projetor que se encontrava no compartimento de carga do carro voador. Havia uma ligação provisória, por meio da qual Conrad podia regular o aparelho sem sair do assento.

Sentiu-se tentado a experimentar o que aconteceria se aumentasse a potência do projetor. Estendeu a mão para mover a chave, mas logo a retirou. O que teria a ganhar com suas experiências. No momento estava em segurança. As informações de que precisava estavam sendo coletadas pelos instrumentos. Provavelmente o aumento da potência do campo defensivo não mudaria em nada a situação. Em compensação seria bem possível que o projetor sobrecarregado queimasse, e então...

O telecomunicador chamou, interrompendo as reflexões de Conrad. Ficou curioso, à espera de que a pequena tela se iluminasse. O rosto do piloto da nave-girino apareceu na mesma. Parecia preocupado. Conrad teve a curiosidade despertada. O que tinha acontecido?

O piloto começou a falar, e de repente Conrad compreendeu o que havia.

Ouvia perfeitamente a voz do piloto, mas não entendia uma palavra do que o mesmo dizia. E que voz! Era muito aguda, dando a impressão de que tinha sido gravada em fita e que esta era tocada a uma velocidade cinco vezes superior à normal. Na tela de imagem os lábios do oficial moviam-se com tamanha rapidez que seus contornos se apagaram.

Neste momento Conrad compreendeu que sua hipótese relativa à estrutura do campo transportador deixara de considerar um fator muito importante.

 

Trinta minutos se passaram a bordo da nave-girino, sem que Conrad desse sinal de vida. Tinha sido combinado que Conrad chamaria assim que observasse uma coisa extraordinária, ou então dentro de meia hora.

O piloto deu um minuto de folga. Depois chamou o carro voador. A ligação foi completada sem nenhuma dificuldade. Ao menos o veículo estava intacto. A tela iluminou-se e o rosto de Conrad apareceu na mesma.

— C-10 chamando carro voador de Nosinsky — disse o piloto. — O senhor já deveria ter chamado. Por que não deu notícias?

Só agora o piloto notou que o rosto de Nosinsky apresentava uma estranha rigidez. Nenhum músculo se movia. Estava com a boca entreaberta, como se a estranha rigidez tivesse atingido o tenente num momento de surpresa.

— Nosinsky! — gritou o piloto. — O que houve? Responda!

Conrad fez alguns movimentos. A boca abriu-se mais um pouco, com tamanha lentidão que até parecia que os músculos tinham de lutar contra uma força tremenda. Pela primeira vez o piloto viu Conrad piscar com os olhos. O movimento rapidíssimo das pálpebras, que normalmente só demora uma fração de segundo, transformou-se num lento movimento ascendente e descendente, que demorou dois ou três segundos.

Antes que o piloto tivesse tempo de formular outra pergunta, ouviu-se um ruído saído do receptor. Parecia um trovejar longínquo, um murmúrio que aumentava e diminuía num estranho ritmo.

Alguns segundos passaram antes que o piloto compreendesse o que estava acontecendo. O que estava ouvindo era a voz de Conrad Nosinsky. Algum fator estranho distorcia a mesma, dando a impressão de que a musculatura da fonação de Nosinsky se tinha tornado muito mais lenta. Só havia uma possibilidade de comunicar-se com ele, pois era provável que do outro lado o mesmo efeito se verificava em sentido inverso.

Com um movimento apressado o piloto pegou um bloco e traçou algumas palavras na primeira folha, colocando-a à frente da objetiva de tal maneira que Conrad pudesse ler o que estava escrito. Ficou segurando o bloco até que seu braço começasse a doer. Se do lado de Conrad a fluência do tempo se tornara muito mais lento, era necessário ter paciência com ele.

Ao que parecia, Conrad começara a escrever assim que vira o bloco. Sua mão foi aparecendo na margem inferior da tela. Os dedos seguravam uma folha pequena. A mão e a folha movimentavam-se que nem um objeto que tem de atravessar um líquido viscoso.

Na folha lia-se o seguinte:

— De acordo. Mais nada.

 

Conrad viu o piloto apresentar um bilhete numa velocidade incrível. Mal teve tempo para ler o que estava escrito, e o bilhete desapareceu. O texto era o seguinte:

— O senhor se encontra num campo de distorção temporal. Volte!

A tela de imagem do telecomunicador voltou a ficar vazia. A ligação com a C-10 fora interrompida. A esta hora o piloto provavelmente estava informando a Crest II. Conrad começou a virar seu carro voador.

Cometera um erro ridículo. Medira o campo transportador alaranjado do lado de fora e calculara a fórmula estrutural com base nos dados assim obtidos. Segundo esta fórmula, o campo transportador não apresentava nenhuma anomalia temporal. A passagem da atmosfera para o campo não deveria acarretar nenhuma distorção do tempo.

Acontece que em certas estruturas a componente temporal depende da intensidade do hiper-campo. Não havia dúvida de que na periferia, onde se via a luminosidade da cortina alaranjada, a intensidade do campo transportador era menor. A intensidade era maior no centro, em direção ao qual Conrad vinha se deslocando. Não pôde reconhecer nenhuma anomalia do tempo, pois medira somente a periferia do campo. Seu erro consistira em acreditar que tudo que se aplica à periferia do campo também se aplicaria ao interior do mesmo.

Segundo seus cálculos, o fator de anomalia devia chegar a mais cinco. Durante o lapso de tempo que para ele representava um segundo, cinco segundos se passariam do lado de fora. Isso não era muito grave. O mais importante era não perder a cabeça. Devia encontrar quanto antes o caminho de volta, pois à medida que se aproximava do centro do campo maior era o fator de anomalia e mais tempo se passaria lá fora enquanto no lugar em que se encontrava tinha passado um segundo.

A cintilância alaranjada que o cercava não ajudava em nada a navegação. Era impossível distinguir a direção em que se deslocava. As únicas noções de espaço que Conrad ainda conseguia distinguir eram em cima e em baixo. O campo transportador não exercia uma influência sensível na gravitação do planeta.

O mais depressa que lhe parecia compatível com a segurança, Conrad colocou os controles do sistema de propulsão do carro na posição zero. Ficou bastante contrariado ao dar-se conta de que com isso não eliminara o movimento do veículo. O atrito no interior do campo transportador era desconhecido. Era perfeitamente possível que o carro voador prosseguisse em direção ao centro do campo à mesma velocidade que desenvolvia ao penetrar no mesmo.

Conrad resolveu acionar o freio. Os bocais de jato da proa começaram a expelir fluxos de partículas fortemente aceleradas. O indicador do velocímetro voltou à marca zero e passou a indicar valores negativos. Mas os números não serviam para nada. Não havia qualquer ponto de referência fixo, em relação ao qual pudesse ser avaliada a velocidade.

Apesar disso Conrad acreditava poder escapar ao campo se deixasse o propulsor de proa funcionar com uma potência suficiente para voltar pela mesma rota que seguira ao entrar. Agia na suposição de que o campo transportador não influenciava os movimentos do veículo. A julgar pelos instrumentos, penetrara no mesmo em linha reta. Se os diversos bocais funcionassem com a mesma potência, também deveria sair em linha reta.

Minutos preciosos passaram antes que descobrisse que sua suposição não era correta. Não sabia por quê. Viu a tela de imagem do telecomunicador iluminar-se e, ao reconhecer o rosto do piloto, cujos traços pareciam executar movimentos ininterruptos, compreendeu que o fator de anomalia tinha crescido pelo menos para cem.

 

Cart Rudo sacudiu furiosamente o gigantesco crânio. Viu na tela que Bert Hefrich estava estreitando os lábios.

— Não adianta — rugiu a voz potente de Rudo. — Não podemos arriscar a nave por causa de um único homem. Decolaremos assim que os reparos estiverem concluídos. Quer dizer, se então ainda pudermos decolar. As coisas lá fora não parecem nada boas. Em hipótese alguma poderemos demorar as quarenta horas que prevíamos.

Olhou Hefrich e ficou à espera da resposta do mesmo.

— Pelo menos deixe a eclusa principal aberta até o último instante, senhor — resmungou Hefrich. — A C-10 ainda está lá em cima, à procura de Nosinsky. Mesmo que seja obrigada a retirar-se, ainda existe uma chance muito pequena de que...

Rudo interrompeu-o com um gesto rápido da mão enorme.

— Está bem, major. Deixarei a eclusa aberta enquanto a lava não entrar nave a dentro.

A ligação foi interrompida. Bert Hefrich estava sentado atrás da escrivaninha, em seu gabinete. Fitava a tela vazia do intercomunicador que se encontrava sobre a escrivaninha. Nunca se sentira tão desesperado e furioso como naquele instante.

Hefrich estava prestes a sofrer um esgotamento nervoso. Há algumas horas os reparos prosseguiam sem que ele os supervisionasse. Precisava cuidar de Conrad Nosinsky, um homem que arriscava a vida para colher mais algumas informações.

Levantou-se e foi até o telecomunicador. Ligou o aparelho e esperou o sinal de linha livre.

— Hefrich chamando C-10 — disse em tom zangado. — Como estão as coisas aí em cima?

O piloto parecia confiante.

— No momento ainda não estão muito boas, senhor. Nosinsky está perdido. Pelos meus cálculos, o fator de anomalia deve chegar a cerca de menos duzentos.

Hefrich contemplou-o com ar contrariado.

— Por que está sorrindo? — perguntou em tom áspero.

— Nosinsky teve mais uma idéia, senhor — respondeu o piloto, radiante.

 

Conrad sabia que os nervos da pessoa que se encontrava do outro lado ficariam desgastados, mas não havia outra saída. Precisava escrever uma mensagem, mesmo que para quem estava do lado de fora cada letra demorasse alguns minutos.

Fez um gesto desesperado, o mais rapidamente possível, para pedir ao piloto que esperasse. O piloto parecia compreender. A ligação foi mantida, enquanto Conrad se pôs a escrever às pressas. Não levou mais de dez segundos para colocar sua mensagem no papel, mas dez segundos no carro voador correspondiam a mais de quinze minutos na nave-girino, e havia tanta coisa em jogo que até mesmo um minuto de espera passiva se tornava insuportável.

Conrad colocou o bilhete à frente da objetiva. A mensagem era a seguinte:

— Coloquem um relógio à frente da objetiva.

A instrução foi cumprida tão depressa que Conrad ainda não tinha compreendido os movimentos vagos que via na tela quando o relógio apareceu à sua frente. Tratava-se de um dos aparelhos do tipo luminoso que existem na parte superior do quadro de comando de qualquer oficial, com indicador de segundos luminoso e uma escala numerada que indicava as horas e os minutos.

Para Conrad o indicador de segundos não passava de uma sombra fugaz, e a escala dos minutos passava tão depressa que mal conseguia distinguir as diversas cifras. Teve a impressão de que mal acabara de enxergar o relógio, quando a escala das horas avançou mais um número.

Errara nos cálculos. O fator de anomalia era bem superior a cem.

Pôs-se a trabalhar. A única coisa que tinha que fazer era ter cuidado para que o funcionamento dos jatos fosse uniforme. Já possuía um indicador. Se a escala dos minutos começasse a movimentar-se mais devagar, isso seria sinal de que estava na rota certa. Se a velocidade permanecia inalterada, podia ter certeza de que a situação pelo menos não estava piorando. Se começasse a andar mais depressa, isso era sinal de que estava avançando em direção ao centro do campo e precisava fazer meia-volta.

A operação acabou sendo um pouco mais difícil do que acreditara. Pelo menos em certos setores, a sensibilidade do olho humano é bem baixa. Quando viu a escala dos minutos andar mais depressa, Conrad não sabia se realmente era o que estava vendo, ou se os nervos lhe estavam pregando uma peça. De qualquer maneira corrigiu a rota e descreveu uma curva que, segundo acreditava, era de 180 graus.

Demorou bastante até que o resultado aparecesse. Por uma pequena eternidade a escala dos minutos movimentava-se em velocidade constante. Finalmente começou a andar mais devagar. Sem que o percebesse, Conrad soltou um grito de entusiasmo. Tentou mais algumas correções de rota e descobriu que desta forma conseguia retardar ainda mais a velocidade da escala dos minutos. Finalmente chegou a hora em que conseguiu distinguir perfeitamente as cifras do indicador de segundos.

— Consegui! — berrou.

Sua voz quase se atropelou. Um trovão formidável encheu a sala de comando da nave-girino.

Isso aconteceu cerca de dez minutos, ou alguns segundos segundo a escala de tempo de Conrad, antes que se verificasse a catástrofe.

 

— Está voltando — ouviu Bert Hefrich dali a alguns segundos. — É ao menos o que parece berrar ao nosso ouvido.

Hefrich respirou aliviado. Deu uma olhada para o relógio e verificou que faltava pouco menos de três horas para a hora de decolagem prevista.

Concluiu que Conrad Nosinsky voltaria são e salvo, e as informações que traria lançariam uma luz bem forte pelo menos em parte, ou talvez até na totalidade do espectro da tecnologia estranha. Saberiam que estágio de civilização o povo desconhecido tinha atingido, descobririam se levavam vantagem ou desvantagem sobre os terranos, e até se sua tecnologia estava marcada principalmente pelas guerras, como a do planeta Terra, ou se tinha passado por uma evolução mais pacífica. Era muito importante saber isso. Uma raça belicosa poderia tornar-se perigosa à Terra, mesmo se sua tecnologia fosse inferior. De outro lado, o Império Solar estaria em condições de enfrentar um amigo tecnicamente superior, mas que possuísse pouca experiência na arte da guerra.

Naquela altura nem mesmo os filósofos acreditavam que o encontro com uma nova raça pudesse tomar um curso pacífico e harmonioso desde o início.

Quem seriam aqueles desconhecidos? Suas estações de transmissores ficavam na estrada de Andrômeda. Onde ficava seu mundo? Na galáxia terrana ou em Andrômeda?

Havia outra pergunta. Será que os desconhecidos ainda existiam? Ou seria somente sua tecnologia que havia atravessado os milênios e continuava a desempenhar as mesmas funções de antes, embora não houvesse mais ninguém que se interessasse por elas?

Bert Hefrich sentiu-se dominado pelo entusiasmo. A caminhada em direção às ilhas siderais distantes fora iniciada mais cedo do que a Humanidade acreditara. O acaso apontara o caminho aos terranos. O que importavam as dúvidas? Era possível que o sistema de Gêmeos fosse uma armadilha. A Crest II se libertaria da mesma e continuaria a avançar na direção de Andrômeda. Conrad traria as informações necessárias para desarmar a armadilha. O caminho estava praticamente aberto.

Muito nervoso, Hefrich levantou-se e deu alguns passos apressados. Quando chegou à porta e se dispunha a voltar, o telecomunicador emitiu um zumbido.

De um salto Hefrich colocou-se perto do receptor e ligou-o. O rosto do piloto fitou-o com uma expressão preocupada:

— Nosinsky desapareceu, senhor. Perdemos o contato.

 

O relógio desapareceu.

De repente a tela de imagem transformou-se numa superfície vazia.

Conrad soltou um grito. Olhou para o lado do pára-brisa e constatou que a luminosidade alaranjada tinha desaparecido. Em torno dele só se via um vazio branco-acinzentado sem contornos nítidos.

O choque foi tamanho que Conrad sentiu tonturas. Por alguns segundos teve de lutar contra o enjôo martirizante e ficou com os olhos fechados. Quando voltou a abri-los, já não se encontrava mais no nada.

Não sabia onde estava. Nos primeiros instantes os olhos recusaram-se a identificar o quadro que viam. Mas não havia a menor dúvida de que o carro voador estava imobilizado numa base sólida, e que o campo transportador vermelho-alaranjado desaparecera por completo.

Conrad olhou em torno, fazendo um esforço desesperado para não perder o autocontrole. Para além do pára-brisa via-se uma grande superfície plana, que não apresentava a menor elevação, motivo por que de forma alguma poderia ter surgido de forma natural.

A luz era pálida, um branco esquisito que descambava para o cinza-claro. Conrad olhou para cima e viu bem no alto um corpo luminoso eliptóide. A claridade que penetrava de lado iluminava parte de um teto abobadado que descia em curva suave, a partir do zênite.

O recinto coberto pelo teto abobadado era circular — ou ao menor parecia — e tinha cerca de duzentos metros de diâmetro. Pelos cálculos de Conrad, a altura do ponto culminante chegava a setenta ou oitenta metros.

Era um quadro alucinante. O teto abobadado era liso, que nem o chão. Não havia a menor saliência. À medida que Conrad olhava em torno, diminuía a capacidade de avaliar as distâncias.

Não havia janelas. O carro voador não projetava nenhuma sombra. Estava pousado bem embaixo do corpo luminoso. Conrad não conseguia compreender como viera parar dentro do recinto. Os controles continuavam na mesma posição em que Conrad os colocara pouco antes do incidente. Na verdade, o veículo deveria deslocar-se para trás em alta velocidade. Mas o propulsor tinha sido silenciado e o carro permanecia imóvel, dando a impressão de estar ali há muito tempo.

Para prevenir qualquer eventualidade, Conrad desligou os propulsores. Nunca se podia saber quando a situação mudaria de novo. Depois disso examinou os instrumentos, sentiu-se bastante aliviado ao descobrir que ainda estavam funcionando e fez uma rápida análise da atmosfera que o cercava. O resultado foi satisfatório. O ar contido no recinto tinha um teor de oxigênio suficientemente elevado para permitir a respiração em condições normais. Os outros ingredientes eram o nitrogênio, os gases nobres e uma percentagem bastante elevada de dióxido de carbono. A temperatura exterior era de quarenta e oito graus centígrados, e a gravitação acusava um valor normal, em torno de 0,9.

Este último resultado foi o que mais surpreendeu Conrad. A gravitação do planeta Power correspondia a 0,76 do normal. Qual era a origem da gravitação adicional? Que edifício seria este?

Chegou à conclusão de que, se permanecesse inativo no interior de seu veículo, nunca encontraria resposta a estas perguntas. Precisava sair. Ainda não sabia muito bem de que forma poderia obter do lado de fora informações que não estavam ao seu alcance no interior do veículo, mas precisava tentar. Não havia um único pavilhão em todo o cosmos que não possuísse uma entrada ou uma saída, e para encontrá-la teria de locomover-se a pé.

Antes de sair do veículo ligou o telecomunicador e chamou a nave-girino. Não tinha muita esperança de ser bem sucedido, mas assim mesmo sentiu-se deprimido ao ver a tela branca e vazia e ouvir somente os estalos das interferências. Voltou a ligar o aparelho, abriu a eclusa e saiu.

O piso do pavilhão era liso e duro, permitindo que Conrad visse sua imagem refletida no mesmo. Abaixou-se e examinou o material estranho com as unhas e com a lâmina de seu canivete. Nem por isso conseguiu saber qual era o material do piso. Resistia ao aço e mais ainda às unhas.

Conrad caminhou um pedaço e sentiu perfeitamente a gravitação mais elevada. Seu espanto começou a condensar-se numa suspeita grotesca. Será que ainda se encontrava em Power?

Afastou a idéia, que lhe parecia absurda, e caminhou resolutamente em direção à parede do pavilhão. Escolhera a direção ao acaso. Nenhum lugar da parede se distinguia dos demais. Constatou que o material da parede era o mesmo de que era feito o piso, e pela primeira vez a idéia terrível de que talvez nunca conseguisse sair dali lhe veio à cabeça.

Deu uma volta completa no pavilhão. Marcou o ponto inicial pela posição do carro voador. Dali a dez minutos voltou ao mesmo lugar, sem que tivesse encontrado qualquer coisa. Em toda parte a parede era igual.

Conrad examinou-a de repente sentiu-se dominado por uma raiva selvagem. Quem estava fazendo esta brincadeira? Alguém tinha o direito de levá-lo de um lugar para outro e deixá-lo trancado?

Puxou a arma energética e apontou-a para a parede. Recuou alguns passos e disparou. A parede podia ser muito dura, mas não estava em condições de resistir ao raio incandescente concentrado. O material liso começou a abaular-se, formando bolhas e estourando com um ruído esquisito. A parede começou a transpirar. Pingos vermelhos de matéria incandescente desceram pela mesma e ao atingirem o chão endureceram, formando poças grotescas.

Conrad não esperara ser bem sucedido nas primeiras tentativas. Era possível que a parede tivesse alguns metros de espessura e que levasse algumas horas para abrir um buraco de alguns centímetros na mesma. Era ao menos o que pensava, mas não demorou a perceber que sua falta de otimismo não tinha fundamento.

De repente viu-se surpreendido ao notar que alguns metros à sua direita uma área extensa, quase quadrática, da parede lisa tinha desaparecido. No início Conrad não percebeu. Só quando se sentiu atingido de lado por uma lufada de ar frio resolveu olhar para trás e descobriu a abertura.

Saiu caminhando cautelosamente em direção à mesma. Os contornos da abertura eram regulares, de forma que a mesma não poderia ter sido formada pelos abalos provocados pelos tiros energéticos. As bordas eram lisas e Conrad viu que a parede realmente tinha mais de um metro de espessura. Tratava-se de uma espécie de porta. Conrad não tinha a menor idéia do lugar para onde poderia ter ido o material desaparecido. Mas sabia que existia uma tecnologia avançada, que substituía as portas deslizantes ou giratórias por outras que se desmaterializavam. Conrad viu à sua frente uma espécie de pátio pavimentado com placas irregulares. A forma de iluminação para além das paredes era ainda mais estranha que no interior do pavilhão. Havia uma claridade pálida e uniforme vinda de todos os lados. O céu era branco, e não se via o menor sinal dos dois sóis. Em virtude da diferença de pressão, uma corrente de ar suave entrou pela abertura, e depois de ficar exposto à mesma por algum tempo Conrad percebeu que de forma alguma a mesma era fresca e agradável como lhe parecera de início. A parede à sua frente tinha sido aquecida pelo tiro energético. Em comparação com isso o ar lhe parecera fresco. No entanto, a temperatura devia ser bastante superior a quarenta graus.

Mediu o lado do quadrado e chegou à conclusão de que seria possível manobrar o carro voador através da abertura. Isso se o propulsor voltasse a funcionar. Por estranho que pudesse parecer, este ponto quase não o preocupava. A parede abrira-se assim que ele resolvera tomar uma atitude mais séria. Ao que parecia, o inimigo invisível preferia ceder a sofrer um prejuízo. Com a abertura da porta, o bombardeio energético da parede fora suspenso, e era perfeitamente possível que o propulsor voltasse a funcionar, nem que fosse somente para que pudesse sair quanto antes do pavilhão.

Resolveu fazer uma experiência e chegou à conclusão de que não se enganara. Foi ligando o propulsor e os conjuntos começaram a subir. Moveu uma alavanca e a máquina ergueu-se suavemente. Conrad a fez deslizar em direção à abertura. Teve muito trabalho em fazer o aparelho passar pelo quadrado, cujas dimensões só eram pouco maiores que as do veículo. Mas conseguiu. Não descansou enquanto não tinha manobrado o carro através da porta e estacionado o mesmo cinco metros além da parede abobadada.

Olhou para trás.

Atrás dele erguia-se a parede fria e reluzente.

Não havia mais nenhuma abertura.

A parede se fechara. Conrad não teve a menor dúvida de que nunca mais conseguiria entrar no pavilhão.

Não era mesmo o que eu queria, pensou. Já formara um quadro da situação. A construção abobadada que cobria o pavilhão não era o único edifício que se via nos arredores. Havia numerosas construções, algumas pequenas, outras de dimensões impressionantes. Algumas eram redondas, outras angulosas. Nenhuma delas possuía janelas ou outro tipo de aberturas visíveis, e todas elas formavam figuras geométricas perfeitos, como cubos, prismas, trapézios, semi-esferas ou figuras elípticas. Conrad teve a impressão de ter entrado repentinamente numa exposição de arquitetura moderna.

Mas o que mais o impressionou não foi o estranho conjunto de edifícios, mas a luz pálida que enchia o ambiente. Não pôde ver sua origem, mas tinha certeza de que alguma coisa se escondia atrás dela. O que via acima de sua cabeça não era o verdadeiro céu. Antes parecia uma camada de névoas luminosas, suspensa acima do solo numa altura difícil de avaliar. Enquanto contemplava os arredores, um tanto pensativo, teve a impressão de estar sentindo uma vibração suave, que provavelmente vinha do chão e se transmitia a seu corpo através da estrutura do veículo. Ao que parecia, as vibrações eram entremeadas de solavancos mais fortes, que ocorriam a intervalos irregulares. Conrad tentou explicar o fenômeno, mas não encontrou nenhuma explicação.

Finalmente voltou a colocar em movimento o carro. Passava ao acaso entre os estranhos edifícios, à procura de algum sinal de vida inteligente. As construções pareciam abandonadas, até mesmo um tanto desleixadas. Mas dificilmente poderia extrair uma conclusão aproveitável deste fato, enquanto não conhecesse as condições do meio-ambiente. Era possível que na região ocorressem tempestades de poeira, que apagavam todos os vestígios numa questão de minutos.

No curso da excursão Conrad contou trinta e seis edifícios ao todo. Constatou que de forma alguma a construção abobadada da qual acabara de sair era a maior. Na extremidade da área coberta por edifícios havia um bloco em forma de cubo de cerca de rocha maciça. Não se via nenhuma abertura. Conrad contornou o edifício, mas o mesmo continuava envolto em mistério.

Quando estava refletindo sobre se devia descer e entrar em um dos edifícios, fez uma descoberta decisiva.

Uma nuvem de poeira baixa e extensa deslocava-se rente ao solo bem ao longe. Além da correnteza de ar que sentira quando a parede da construção abobadada se abrira não tinha notado qualquer sinal de movimentação do ar. Estava interessado em saber que tipo de vento tinha dado origem à estranha formação de poeira e de onde vinha a mesma. Foi de encontro à nuvem de poeira e fez o carro voador passar por cima da mesma. Os instrumentos registraram a velocidade do vento, que chegava a quinze quilômetros por hora embaixo do veículo e cinco quilômetros por hora em cima do mesmo.

Conrad ainda estava refletindo sobre o estranho resultado, quando viu a solução do mistério através do pára-brisa. Uns duzentos metros à sua frente a luz branca e pálida parecia passar para um marrom indefinido. A faixa marrom era pouco espessa e ficava rente ao chão ou pouco acima do mesmo. Conrad teve uma estranha suspeita.

À medida que se aproximava, a situação tornava-se mais clara. A névoa luminosa não passava para o marrom indefinido, mas parava de repente. Terminava cerca de três metros acima do solo. Embaixo dela soprava o vento, tangendo a areia marrom. De repente Conrad compreendeu o que estava acontecendo. A névoa luminosa era um campo defensivo que cercava o conjunto de edifícios em forma de sino. Por algum motivo seus construtores tinham julgado desnecessário fazê-lo descer à superfície, mas fizeram com que terminasse três metros acima da mesma. Conrad não imaginava os motivos por que alguém poderia ter procedido dessa forma. Mas concordava plenamente com este procedimento, pois só assim tinha possibilidade de abandonar a área em que tinham sido construídos os edifícios e ver o que havia lá adiante.

Parou antes da fresta que se estendia a perder de vista para a direita e para a esquerda e tentou reconhecer o terreno além do campo defensivo. Viu algumas coisas estranhas. Por exemplo, a areia tangida pelo vento subia alguns metros, como se tivesse sido impelida por uma mola, assim que tinha ultrapassado a extremidade do campo defensivo. Mas não conseguiu descobrir o que havia mesmo lá fora. Uma terrível tempestade parecia soprar por lá, encobrindo todos os contornos com suas nuvens de poeira.

Os resultados da operação do rastreador de microondas foram muito mais satisfatórios. Conrad viu a imagem de cadeias de montanhas entrecortadas projetada na tela. Para além do campo defensivo estendia-se uma faixa estreita coberta por uma planície sem vegetação. Atrás da mesma erguiam-se as montanhas. Conrad tentou lembrar-se dos mapas visuais de Power que já vira, mas não conseguiu identificar a paisagem que se estendia à sua frente. Em outras palavras, não tinha a menor idéia de onde estava.

Pensativo, contemplou as montanhas que o rastreador desenhava na tela. Pareciam mais altas, extensas e maciças que qualquer coisa que já tivesse visto em Power. Voltou a lembrar-se da gravitação anormalmente alta. E a mesma pergunta lhe veio à mente: Será que realmente estou em Power?

Se ficasse parado onde estava, nunca descobriria. Voltou a movimentar o veículo e fê-lo sair por baixo do campo defensivo branco e brilhante, enfrentando a tormenta.

O que aconteceu depois foi tão surpreendente que não pôde fazer nada para evitá-lo.

De repente o carro tombou para a frente. A proa bateu ruidosamente num pedaço de rocha que apareceu abruptamente em meio à poeira. Tentou fazer subir o veículo, mas uma pressão terrível baixou sobre ele e o comprimiu contra o assento. Uma carga terrível o comprimia, expelindo o ar de seus pulmões. Tentou levantar-se à força, mas uma algema invisível parecia prendê-lo. Ouviu o ruído do carro que tentava resistir à súbita carga. O painel que se encontrava à sua frente desapareceu atrás de uma cortina formada por bolas e anéis de fogo. Teve a impressão de que seu peito iria estourar. Pôs a mão na garganta, como se isso pudesse ajudá-lo a respirar.

Logo perdeu os sentidos.

 

A Crest II decolou e o nome de Conrad Nosinsky foi riscado da lista dos tripulantes.

Perry Rhodan em pessoa anunciou pelo intercomunicador que o tenente Nosinsky perdera a vida numa operação para a qual ele mesmo se oferecera, numa demonstração de consciência do dever e capacidade de sacrifício.

Bert Hefrich não conseguia conformar-se com a morte de Nosinsky, e o sargento Bryan também não se acalmava. No caso de Herb Bryan tratava-se apenas de um sentimento pessoal de luto, enquanto Bert Hefrich, além disso, não sabia explicar por que um homem que estava praticamente em segurança podia desaparecer tão de repente, sem deixar nenhum vestígio.

O planeta Power foi deixado para trás. Só no último instante a Crest II conseguira afastar-se do planeta do desastre, que neste meio-tempo já entrara na fase final do processo de dissolução. A nave entrou numa órbita estacionaria a noventa milhões de quilômetros do sistema, de onde o quadro de destruição do planeta parecia um filme em câmara lenta de uma gigantesca explosão. Viam-se perfeitamente blocos que correspondiam à superfície de países inteiros se desprenderem da superfície do planeta e, tangidos pelas correntes de lava, saírem espaço a fora. Do espaço não se via o campo transportador propriamente dito, que neste meio-tempo já se transformara num raio vermelho-alaranjado com a espessura de um continente. Em compensação os lampejos e a cintilância incessante na área situada entre os dois sóis, para onde era atraída a matéria desmaterializada, aparecia com toda nitidez. Já se sabia que o pólo propriamente dito do transmissor ficava entre os dois sóis. Era lá que a massa de um planeta inteiro desaparecia não se sabia para onde.

Os reparos a bordo da nave estavam prosseguindo. Pelos cálculos de Bert Hefrich, os trabalhos deveriam consumir um total de cerca de duzentas horas. Depois disso a Crest II estaria em condições de operar normalmente, mas apesar disso não tinha a menor chance de atingir com suas próprias forças uma das duas galáxias entre as quais se encontrava. A salvação só poderia ser encontrada em um dos sete planetas restantes. Sabia-se que o sistema de Gêmeos na verdade era uma estação de transmissor que funcionava com as energias de dois sóis. O problema era encontrar o comando por meio do qual o transmissor poderia ser ativado na direção desejada.

Cerca de dois dias depois da decolagem da nave a dissolução do planeta Power chegou ao fim. A última porção de matéria do mesmo desapareceu. No entanto, os instrumentos bastante sensíveis da Crest II não detectaram qualquer alteração nas condições gravitacionais. Um planeta inteiro estava faltando, mas a gravitação nos arredores do anel de oito planetas continuava a mesma. Devia haver um mecanismo que compensava a perda de gravitação, provavelmente a partir dos sóis gêmeos, garantindo a estabilidade do sistema.

A cintilância que se via no espaço situado entre os dois sóis desapareceu. Os demais planetas prosseguiram em sua órbita, aparentemente calmos e pacatos. Uma pessoa que chegasse ao sistema de Gêmeos nesse momento nem imaginaria que há pouco havia oito mundos por lá.

Dali a mais um dia a Crest II encontrava-se novamente em condições normais de vôo. Seus propulsores possibilitavam a operação da nave no universo einsteiniano dentro dos limites normais de autonomia. Faltava reparar as avarias dos hiperpropulsores, usados no vôo linear. Perry Rhodan chegou à conclusão de que estes reparos também deveriam ser realizados no espaço. Os mundos do sistema de Gêmeos eram tão perigosos que não convinha confiar novamente nos mesmos.

Teoricamente a Crest II estaria em condições de atingir sua galáxia de origem, usando somente os propulsores normais, que acabavam de ser reparados. Graças a sua enorme capacidade de aceleração, a distância de novecentos mil anos-luz poderia ser percorrida em menos de oito meses, tempo de bordo. Mas em virtude do deslocamento relativístico da dimensão normal, novecentos mil anos se passariam neste lapso de tempo no planeta Terra, e o Administrador Geral não tinha a intenção de fazer o Império aguardar seu regresso por tanto tempo.

De qualquer maneira, a ameaça imediata à vida da tripulação fora afastada e a vida a bordo tornou-se um pouco mais descontraída. A esperança voltara a animar as pessoas. O velho otimismo voltou a reinar a bordo. Até mesmo os pessimistas lembraram-se de repente de que na verdade nunca chegaram a acreditar na existência de um perigo mais grave.

Os cronômetros estavam registrando o dia 27 de agosto de 2.400, 16 horas, tempo de Terrânia, quando os tripulantes da nave tiveram a certeza aterradora de que as manhas do sistema de Gêmeos não tinham cessado com o desaparecimento do planeta Power. No espaço de algumas horas as duas mil pessoas que se encontravam a bordo da nave-capitânia foram derrubadas das alturas de um otimismo refrescante para as trevas do desânimo e da depressão.

O Administrador Geral Perry Rhodan estava tendo uma conferência particular com Atlan, o arcônida. O encontro foi realizado nos aposentos particulares de Perry Rhodan. O problema a ser resolvido era o funcionamento do transmissor solar, sobre o qual Atlan e Perry Rhodan haviam criado hipóteses diferentes.

A conversa foi travada em tom descontraído, às vezes um pouco irônico. Cada um dos interlocutores esforçava-se para dar a impressão de que queria provar ao outro que este não atendia absolutamente nada do assunto. Pelas 16 horas a conversa agradável foi interrompida por um chamado do intercomunicador.

O rosto do intendente-chefe, major Bernard, apareceu na tela. Bernard parecia estar extremamente nervoso. Fez uma continência menos solene que de costume e foi diretamente ao assunto:

— Os tanques de água estão vazios, senhor. Não temos uma gota de água a bordo!

Perry Rhodan ergueu-se ligeiramente na poltrona e inclinou o corpo para a frente. A informação que acabara de receber era tão estranha que não podia aceitá-la sem mais aquela. Pediu ao major Bernard que repetisse a mensagem.

Foi o que Bernard fez, e Perry Rhodan o conhecia bastante bem para saber que estava falando sério. O inventário de rotina e o registro da massa tinham revelado que todos os tanques de água estavam vazios. Alarmado pela descoberta, Bernard também mandara verificar os reservatórios secundários, que alimentavam os sistemas de refrigeração de vários aparelhos. Também estavam vazios.

Ao mesmo tempo a umidade relativa do ar a bordo da nave tinha descido abaixo dos níveis regulamentares. As instalações de climatização funcionavam a plena potência, mas o ar continuava seco, porque não havia como arranjar água.

O Administrador agradeceu a Bernard pela cautela que tivera e desligou. Ficou sentado algum tempo à frente do intercomunicador, em atitude pensativa. Atlan não o perturbou.

A perda da água não perturbava Perry Rhodan, pois tinha certeza de que as quantidades de água de que precisavam poderiam ser obtidas mediante a queima do oxigênio e do hidrogênio.

O motivo de suas preocupações era outro. Queria saber que processo tinham usado para privar a nave de toda a água, sem que a tripulação o percebesse.

E precisava ter certeza de que uma coisa parecida não iria acontecer com o oxigênio contido no ar.

 

Quando Conrad recuperou os sentidos, o carro voador estava parado entre duas rochas gigantescas. Parecia estar preso. Conrad procurou levantar e conseguiu com a maior facilidade. Estupefato, procurou recordar o que tinha acontecido antes que perdesse os sentidos. Tivera a impressão de que o acidente se verificara porque as condições gravitacionais fora do campo defensivo leitoso eram diferentes das que reinavam no interior do mesmo. Como é que agora, que acabara de recuperar os sentidos, conseguia movimentar-se livremente?

Olhou para o painel. Os instrumentos ainda estavam funcionando. O carro resistira muito bem à queda. O gerador antigravitacional trabalhava a toda força. Os indicadores mostravam que lutava contra uma gravitação que quase chegava a seis vezes a normal.

Conrad endireitou-se no assento e constatou que a idéia que tivera não era tão errada. Fora do campo defensivo, que não via por causa das rochas, a gravitação era pouco inferior a seis gravos. Mais precisamente, chegava a 5,9 gravos. A esta altura já não teve a menor dúvida de que não se encontrava em Power. Por algum motivo que ele não conhecia, os construtores dos estranhos edifícios tinham julgado conveniente criar uma gravitação mais baixa no interior do campo defensivo. Quando o carro saiu do mesmo, o choque gravitacional fora mais rápido que a reação dos aparelhos. Os mesmos só se adaptaram às novas condições depois que Conrad já tinha desmaiado.

Restava saber como o carro fora parar entre as rochas. Conrad olhou para cima e viu bem no alto as faixas de areia e poeira que deslizavam velozmente pelo céu e o encobriam completamente. Nem mesmo em Power vira uma tempestade tão forte de perto. Sem dúvida o piloto automático percebera que não teria como lutar contra a violência do furacão e levara o veículo para o abrigo mais próximo.

Conrad verificou os controles e constatou que o carro estava em perfeitas condições. Os propulsores, os geradores, os dois canhões de pequeno calibre embutidos no veículo, tudo estava em ordem. A única coisa que tinha que fazer era esperar que a tempestade passasse para investigar a área. Conrad estava decidido a voltar para o interior do estranho campo defensivo, caso as outras porções da superfície do planeta desconhecido apresentassem as mesmas condições inóspitas. O que mais o preocupava era a gravitação muito elevada. Os geradores trabalhavam quase a plena potência para alimentar o campo antigravitacional. Se o carro fosse atacado — e ninguém sabia que tipo de surpresas ainda lhe estavam reservadas neste mundo — Conrad nem sequer poderia ativar um campo defensivo razoavelmente seguro.

Lá no alto a tempestade continuava a rugir com toda força. Contrariado, Conrad contemplou as nuvens de poeira amarela. Finalmente pôs-se a examinar alguns dos dados coletados por seus instrumentos enquanto o veículo se deslocava no interior do campo transportador de Power. O que mais lhe interessou foi o registro do espetro eletromagnético elaborado no interior do campo. Tirou do instrumento a fita em que estavam registrados os resultados, alisou-a cuidadosamente e examinou-a. Conforme esperara, tratava-se de um espetro contínuo. Começava nas ondas ultravioletas, atingia um máximo bastante pronunciado em torno de 6.000 angstrom e depois disso começou a cair rapidamente, para mais adiante terminar numa queda mais suave. A marca máxima era a causa do brilho vermelho-alaranjado emitido pelo campo.

Quando estava prestes a guardar a fita por considerá-la pouco interessante, Conrad fez uma descoberta. Algumas pontas finas erguiam-se em meio à linha regular do espetro. Não a vira logo, mas agora que acabara de notá-las teve a impressão de que sua disposição não lhe era desconhecida.

Leu o respectivo comprimento de onda na escala gravada na própria fita e pôs-se a refletir. Não era possível que no interior do campo transportador existisse qualquer porção de matéria. Se restasse algum vestígio, o mesmo só poderia pertencer às formações mais rudimentares, que por causa de seu grau de entropia mais elevado resistiam por mais tempo ao processo de dissolução. Uma das formações mais simples que a física conhecia era o átomo de hidrogênio. Será que as linhas espectrais registradas na fita correspondiam ao hidrogênio atômico?

Bastante nervoso, Conrad pôs-se a trabalhar. Anotava os comprimentos de ondas, fazia cálculos, cocava a cabeça e voltava a fazer cálculos. O resultado conferia com aquilo que trazia na memória, com um desvio insignificante. Este desvio o deixava preocupado. Voltou a fazer cálculos. Desta vez procurou responder à seguinte pergunta: Como seria um átomo de hidrogênio capaz de produzir estas linhas?

Levou bastante tempo para obter o resultado. Examinou-o e abanou a cabeça. Conferiu novamente os cálculos e não encontrou nenhum erro. Apesar disso recusava-se a aceitar o resultado. Não podia ser correto!

Respirava apressadamente quando finalmente se recostou, obrigando-se a ficar calmo e formulou outra pergunta: O que aconteceria se o resultado fosse correto?

Diante desta pergunta recuperou os movimentos. Levantou-se de um salto, contornou o assento do piloto e correu para a parte traseira do veículo onde estavam guardadas num nicho as rações de emergência que qualquer veículo costumava levar, mesmo que saísse apenas para dar um passeio de alguns minutos. Abriu o armário com os dedos nervosos, tirou o tanque de água dos suportes e quis examiná-lo.

No momento em que os suportes voltaram à posição primitiva compreendeu que o resultado que obtivera era correto. O tanque era leve que nem uma pena. Não havia mais nenhuma água no mesmo. Conrad abriu a tampa e virou o recipiente de tal maneira que ficasse com a abertura voltada para baixo. As últimas dúvidas desapareceram.

Deixou cair o tanque e voltou para a parte da frente do veículo. Segundo seus cálculos, a camada interior de elétrons de um átomo capaz de produzir um espectro como o que tinha visto ficava saturada com um único elétron. Em sua versão normal, o átomo só ficava saturado com dois elétrons. Este tipo de oxigênio tinha um lugar livre em seu envoltório de elétrons. Por isso tinha uma tendência natural de ocupar este lugar, motivo por que entrava em reação com outros elementos que tinham um ou mais elétrons a mais, como por exemplo, o oxigênio, que formava a segunda componente da água. Já o hélio possuía dois elétrons em órbita. Esta estava preenchida, e por isso o hélio não revelava a menor tendência de entrar em reação com outros elementos.

Mas no caso alguma influência estranha produzira uma modificação das condições. A saturação do envoltório interior já não exigia dois, mas somente um elétron. O hidrogênio possuía esse elétron. Sua órbita de elétrons estava preenchida, e por causa disso não tinha uma tendência maior para as reações químicas que o hélio do planeta Terra. Não podia ligar-se ao oxigênio para formar água e até chegava a eliminar a ligação já existente, volatilizando-se e difundindo-se através das paredes de recipientes sólidos. Conrad tinha certeza absoluta de que o tanque de seu veículo tinha sido verificado na Crest II antes que ele partisse em direção ao raio transportador.

Enquanto refletia sobre os fatos aterradores, uma idéia apavorante surgiu em sua mente. Levantou-se de um salto e começou a apalpar o próprio corpo. Por alguns minutos não fez outra coisa senão beliscar a pele e observar os pontos em que tinha sido exercida a pressão. Só quando o pânico passou reconheceu o absurdo de sua idéia e riu de raiva. Se a água de seu corpo tivesse desaparecido, nunca teria acordado do estado de inconsciência.

Voltou a pensar e pôs-se a refletir sobre as causas do fenômeno. A água havia desaparecido do tanque, enquanto o líquido contido em seu corpo continuava no mesmo lugar. Desde logo cabia lembrar que o hidrogênio contido num corpo orgânico estava ligado a moléculas grandes. Era perfeitamente possível que a estranha modificação que havia atingido o hidrogênio livre e o que entrava na composição da água não afetasse os átomos das substâncias orgânicas.

Também não se podia excluir a possibilidade de que certas influências produzidas pela matéria viva neutralizassem os efeitos destrutivos vindos de fora. Conrad não podia dizer muita coisa sobre isso, pois era pouco entendido na matéria. Por enquanto deu-se por satisfeito por ter certeza de que apesar das estranhas alterações continuava vivo e não sofria o menor incômodo, com exceção de um angustiante sentimento de sede, que talvez fosse puramente imaginária. Não sabia dizer se as coisas continuariam assim.

Olhou para cima e notou que a tempestade soprava com menos intensidade.

 

A notícia do desaparecimento de toda a água produziu o efeito de uma bomba a bordo da Crest II. Mas quando descobriram que a falta de água não poderia ser remediado com os recursos que se encontravam a bordo da nave, o abalo foi muito mais violento.

A equipe científica tentou produzir água a partir de seus componentes a fim de encher os tanques vazios. Havia oxigênio e hidrogênio em quantidades enormes a bordo da nave. Parecia facílimo resolver a situação. Mas a tentativa não foi bem sucedida. Uma análise realizada às pressas mostrou que o hidrogênio utilizado era uma versão até então desconhecida do mais simples de todos os elementos. Esta versão apresentava uma resistência às reações igual à de um gás nobre.

A novecentos mil anos-luz de seu mundo de origem um produto da tecnologia mais avançada como a Crest II teve de enfrentar os mesmos problemas que alguns séculos atrás se tinham mostrado fatais para as caravelas do planeta Terra.

Bert Hefrich foi o primeiro a saber que as experiências tinham fracassado. Transmitiu a notícia imediatamente para a sala de comando e enquanto ainda refletia sobre os fatores que poderiam ter transformado o átomo de hidrogênio numa entidade tão rebelde, recebeu mensagem de intercomunicador do Administrador. Perry Rhodan mandou que o engenheiro-chefe comparecesse à sala de comando. Uma vez lá, Hefrich ficou sabendo que pretendia pedir a Icho Tolot, o halutense, que o orientasse na matéria. O Administrador escolhera seu engenheiro-chefe para acompanhá-lo para junto de Tolot.

Icho Tolot ocupava uma série de aposentos situados num canto do convés de comando. Foram especialmente preparados para ele e decorados de tal maneira que não sentisse muito a falta de seu mundo.

Os dois visitantes já tinham sido anunciados. A porta da sala de recepção, que era da altura e da largura do portal de uma catedral, estava aberta. Bert Hefrich viu o halutense de pé nos fundos da enorme sala e reprimiu o sentimento desagradável que experimentava toda vez que Icho Tolot aparecia à sua frente.

Tratava-se de uma figura impressionante. Com seus três metros e meio de altura, a pele negra e os seis membros parecia uma figura saída de um pesadelo. O enorme crânio semi-esférico estava assentado sobre os ombros que nem a torre de canhão giratória de um tanque, e os três olhos vermelhos, muito brilhantes, um deles no alto da testa, olhavam fixamente para algum lugar, sem que uma pessoa normal pudesse dizer para onde. Como de costume, Icho trajava um conjunto verde, que o cobria da parte inferior do crânio até os tornozelos das pernas curtas e grossas. Os quatro braços também eram envolvidos pelo estranho tecido, diante do qual os êxitos alcançados pela indústria têxtil terrana não passaram de brincadeiras de criança. Além disso, Icho Tolot usava o cinto com a arma, dando a impressão de que esperava ter de travar uma luta pesada num futuro próximo.

Imitando um gesto que vira nos terranos, seus lábios finos contorceram-se num sorriso amável.

— Entrem, amigos — retumbou sua voz cheia e profunda. — Já estava à sua espera.

Icho falava o intercosmo. Aprendera a língua sem nenhuma dificuldade e a dominava perfeitamente. A única coisa que o preocupava era que não podia falar tão alto como estava acostumado, pois nesse caso faria tremer as paredes.

Havia poucos móveis na sala. Três deles eram poltronas confortáveis de fabricação terrana, que usava porque queria receber seus visitantes em grande estilo. Além disso, havia uma armação com as dimensões de uma estante de livros senhorial, na qual Icho costumava sentar quando recebia visita. Na parede via-se a tela de imagem que costumava ser encontrada em toda parte. Junto ao portal via-se o intercomunicador sobre uma mesa de pernas altas. Era só. Icho Tolot apreciava as coisas simples.

Convidou os visitantes a sentarem. Só depois que Perry Rhodan e Bert Hefrich se tinham acomodado, tomou lugar na armação. Principiou antes que alguém pudesse dizer alguma coisa.

— Vieram por causa da água?

Bert sobressaltou-se. Icho Tolot ouvira falar no desaparecimento da água, mas ninguém o informara de que a tentativa de produzir o líquido tinha fracassado.

— Sim, viemos por causa da água — respondeu Perry Rhodan. Bert teve a impressão de que o mesmo também ficara um tanto surpreso. — O senhor sabia?

— Naturalmente — respondeu Icho. — Ouvi dizer que toda a água existente na nave desapareceu e fiquei pensando a respeito. Uma coisa dessas deve ter sua causa. Ninguém andou tirando água dos nossos tanques. O que poderia ter acontecido? Quando os tanques foram abertos, os mesmos continham principalmente oxigênio. O hidrogênio tinha desaparecido. Para onde teria ido? Difundiu-se através das paredes dos tanques. É bem difícil manter preso o hidrogênio. Conclui-se que a substância composta que os senhores costumam designar como água foi separada em seus elementos. Qual foi a causa da separação? — Fez um gesto amplo com o mais comprido dos dois braços direitos que possuía. — Vou explicar.

Começou a falar em funções oscilantes, em números, quanta e em fenômenos de degeneração. Traçou um quadro inteiramente novo do átomo de hidrogênio, surgido sob a influência de um campo como o que em sua opinião era gerado pelos dois sóis e estava relacionado com a destruição do planeta Power. Em sua opinião o estado deformado do hidrogênio era um fenômeno passageiro. Algum fenômeno que atuou na destruição do planeta Power teria produzido a nova versão do hidrogênio. Era algo semelhante com a produção de material radioativo por meio do bombardeio da matéria em seu estado normal por nêutrons. Para continuarmos no mesmo exemplo, prosseguiu, não era de esperar que o hidrogênio deformado retornaria imediatamente ao seu estado primitivo, uma vez cessado o fenômeno que causou a transformação. Devia-se contar com certo tempo de decomposição e, conforme a extensão do mesmo, o fenômeno poderia representar um perigo grave para a nave-capitânea e sua tripulação.

A seguir Icho expôs certas hipóteses prolixas, mas bem fundamentadas, sobre as causas por que apesar do desaparecimento de toda a água a tripulação ainda estava viva, embora a maior parte de seus corpos fosse formada por água. Sem que o soubesse, Icho Tolot chegara à mesma conclusão que Conrad Nosinsky, mas havia uma diferença. Com suas faculdades mentais sobre-humanas o halutense desenvolvera uma teoria completa, enquanto Nosinsky tivera de contentar-se com um esboço.

Às vezes Perry Rhodan e Bert Hefrich não estavam em condições de acompanhar a exposição do halutense. Este utilizava uma linguagem de fórmulas muito avançada, que só os especialistas entendiam.

Mas compreendeu-se perfeitamente o que queria dizer. O estranho fenômeno fora causado pela função desempenhada pelo sistema de Gêmeos, e no desaparecimento do planeta Power. O efeito não seria permanente. Sua duração era limitada. Icho mostrou-se disposto a calcular o tempo de vida deste efeito através da teoria por ele desenvolvida.

Perry Rhodan agradeceu em palavras lacônicas. Só nesse momento Icho Tolot ficou sabendo que as tentativas de produzir água, por assim dizer por meios sintéticos, não tinham sido bem sucedidos. Tratava-se de um fato que reforçava a teoria de Icho.

— Mais uma pergunta, caro amigo — disse o Administrador depois de algum tempo. — O que sugere que façamos em seguida?

Bert Hefrich ficou perplexo. O Administrador Geral do Império Solar estava pedindo conselhos a um ser pertencente a outra raça. Mas na opinião do halutense parecia ser uma pergunta perfeitamente cabível. As pálpebras desceram sobre os dois olhos frontais que nem os obturadores de câmaras fotográficas, enquanto o olho da testa permanecia aberto, dando a impressão de que procurava a solução lá no alto.

— Não existe nada que possa ser feito a bordo desta nave para conseguir um alívio rápido da situação — respondeu. — Desta forma não nos resta nada senão irmos a um dos outros planetas, para procurar água. Nossas chances serão tanto maiores quanto maior for a distância que separa este planeta de Power.

Despediu os visitantes com gestos amáveis e comedidos, conforme convinha a um membro da raça mais antiga da Galáxia. Uma vez no corredor, Perry Rhodan saltou para cima da esteira transportadora que levava à sala de comando. Bert Hefrich seguiu-o de perto.

— Fico-lhe muito grato — disse Perry de repente — porque ele se ocupa com os problemas que não lhe dizem respeito. Afinal, pode arranjar a qualquer momento toda água de que precisa.

Bert acenou com a cabeça. Já ouvira falar no estranho metabolismo dos halutenses. Todas as funções de seus corpos enormes podiam ser conscientemente comandadas. Um halutense era capaz de alimentar-se de rochas, absorvendo a energia química contida nas mesmas. Uma peça de plástico, que contém quantidades suficientes de hidrogênio e oxigênio, substituía a água.

Infelizmente nem mesmo Icho Tolot estava em condições de remediar a falta de água fora de seu organismo. Mesmo que fosse possível extrair água de seu organismo, a mesma logo se decomporia em seus elementos.

Quando já se encontravam perto da sala de comando, o intercomunicador se fez ouvir de repente. Uma voz nervosa, transmitida por uma dezena de alto-falantes dispostos ao longo do corredor, exclamou numa pressa exaltada:

— Comandante chamando Administrador! Senhor, faça o favor de comunicar-se imediatamente com a sala de comando! Repito...

Antes que a repetição fosse iniciada, a escotilha dá sala de comando abriu-se. Perry Rhodan saltou da esteira transportadora e correu para o interior da grande sala circular, a partir da qual era dirigida a nave. Os consoles que se viam em toda parte estavam guarnecidos por oficiais. Cart Rudo, o epsalense, estava parado na plataforma um pouco mais elevada no centro da sala, de onde eram dirigidas as manobras, e berrou com sua voz retumbante para dentro do microfone.

Deteve-se assim que viu Perry Rhodan chegar.

— Senhor, — gritou de longe — aconteceu uma coisa!

Apesar de seu corpo enorme, parecia desorientado e um pouco ridículo, parado sobre a plataforma e agitando o microfone com gestos violentos. Perry Rhodan cumprimentou-o com um gesto amável e subiu os degraus que levavam à plataforma.

— Era o que eu imaginava, coronel — ouviu Hefrich. — Que foi?

Cart Rudo descansou o microfone. Sua resposta foi dada em tom indiferente:

— Há poucos minutos todos os planetas do sistema envolveram-se subitamente num campo luminoso vermelho-alaranjado. Acreditamos que se trate de um campo defensivo que separa os mesmos do resto do mundo.

Bert Hefrich seguira o Administrador a passos lentos. Estava no primeiro degrau da pequena escada que levava à plataforma quando Perry Rhodan perguntou:

— Todos os planetas?

— Com exceção de um, senhor — respondeu Cart Rudo. — Faça o favor de ver o senhor mesmo.

Bert Hefrich sentiu-se dominado pela curiosidade. Colocou-se atrás de Perry Rhodan, numa posição em que podia ver a tela que Cart Rudo acabara de ligar.

— Cada um dos planetas — explicou o epsalense — encontra-se no campo de visão de uma câmara diferente. Aqui vemos...

Não teve necessidade de prosseguir. A imagem era nítida. Uma pequena esfera alaranjada destacava-se contra o fundo escuro formado pelo espaço cósmico. O envoltório que cercava a esfera não apresentava contornos nítidos. Bert já vira fotografias dos planetas de Gêmeos. As câmaras da Crest II eram excelentes. Por maior que fosse a distância, seu poder de resolução permitia que se reconhecessem os detalhes da superfície.

Cart Rudo mudou a ligação. Outro planeta apareceu na tela, maior e mais próximo, igualmente envolvido pelo estranho campo. As imagens dos outros planetas do sistema de Gêmeos seguiram-se a pequenos intervalos, até que finalmente se viu uma esfera verde-azulada que emitia um brilho fosco, e em cuja superfície se viam perfeitamente as áreas de solo firme e as manchas claras que representavam os mares.

— É o sétimo? — perguntou Perry Rhodan.

— Sim senhor, é Septim.

O mundo parecia girar em torno de Bert Hefrich. Só teve uma percepção confusa do Administrador, que quis saber se já havia sido feita uma análise de Septim, e da resposta de Cart Rudo, segundo a qual Septim devia ser um mundo tépido com características semelhantes às da Terra.

Bert virou-se. Compreendia perfeitamente quais eram as intenções dos estranhos invisíveis. A Crest II pousara em Power, e Power fora destruído, obrigando a nave a retirar-se para o espaço. O veículo espacial ficara sem seu suprimento de água e não conseguia produzir o líquido. Era obrigado a descer em um dos sete mundos restantes.

Quando chegou a hora, seis dos sete planetas foram bloqueados. Bert não teve a menor dúvida de que não havia como atravessar os campos defensivos alaranjados. Quer dizer que só restava Septim. A Crest II estava sendo obrigada a descer em Septim.

Era um plano simples, fácil de compreender. O que deixou Bert Hefrich tão confuso foi a idéia de que uma tecnologia estranha pudesse ser capaz de criar campos energéticos de proporções planetárias e lidar com quantidades imensas de energia com a mesma facilidade com que um menino terrano manipula a pilha de sua lanterninha.

 

O carro saiu com a maior facilidade do abrigo que encontrara entre os dois blocos de rocha e saiu para uma planície cheia de pedras. Conrad olhou em torno. A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi uma abóbada luminosa alaranjada que brilhava bem ao longe. Era opaca e encontrava-se tão distante que não havia como avaliar suas dimensões. Apesar disso Conrad não teve a menor dúvida de que se tratava de um campo energético que protegia as estranhas construções. Visto de dentro, o campo energético parecera leitoso. Muitas vezes um hiper-campo muda de aspecto, conforme é visto de um ou de outro lado. O que mais impressionou Conrad foi a distância que o piloto automático tinha percorrido enquanto ele, Conrad, estivera inconsciente. Pelos seus cálculos, a distância que o separava da abóbada protetora devia ser de dez quilômetros. Diante da violência da tempestade que soprara até pouco antes, era de admirar que o veículo tivesse chegado aos dois monolitos sem sofrer qualquer avaria.

A planície em que Conrad se encontrava estava cercada de todos os lados por montanhas altas. Os cumes entrecortados, que apresentavam formas grotescas, exibiam os traços de uma erosão persistente. A planície propriamente dita parecia uma forma oval cujo eixo longitudinal media trinta quilômetros. Mesmo naquele momento, logo após a tempestade, o ar apresentava um grau incrível de pureza, e Conrad deixou a determinação da distância por conta dos instrumentos, já que nessas condições o olho humano se engana facilmente.

O sol Gêmeos aparecia sobre os cumes das montanhas, numa direção que Conrad designara arbitrariamente como o sul. O céu no qual o mesmo brilhava era de uma estranha cor cinza-turquesa. A atmosfera do planeta era extremamente densa. Os fenômenos de retração muito intensos produziam estranhos efeitos em cores. Os instrumentos de Conrad registraram uma pressão externa de quinze atmosferas. Além do campo defensivo que protege os estranhos edifícios, pensou, deve haver um mecanismo invisível que impede a equalização da pressão entre a área protegida pelo campo energético e o mundo exterior. No interior do campo Conrad pudera movimentar-se livremente sem capacete protetor e, segundo se lembrava, a pressão era de aproximadamente 0,9 atmosfera.

A planície dava a impressão de abandono e desolação. Era difícil imaginar que alguma vez tivesse existido uma forma de vida por ali. As montanhas e a planície apresentavam a mesma coloração marrom uniforme; o campo defensivo luminoso e os dois monolitos eram os únicos elementos que introduziam um pouco de variedade no quadro. Apesar do vazio Conrad experimentou uma sensação de perigo indefinido. Até parecia que as montanhas, as rochas e o campo defensivos emitiam uma advertência secreta e silenciosa. Afinal, aqueles edifícios tinham sido construídos por alguém e alguém instalara o campo defensivo. As aparências enganavam. O mundo em que Conrad se encontrava não era um mundo morto, conforme parecia. A qualquer momento e em qualquer lugar poderia aparecer um inimigo. O carro voador, cujos geradores resistiam com toda força contra a força tremenda da gravitação, estava praticamente indefeso.

Conrad resolveu tomar uma medida drástica. Regulou o dispositivo antigravitacional de forma a neutralizar apenas quatro dos 5,9 gravos que reinavam lá fora. As conseqüências não eram agradáveis, pois no interior do veículo passava a haver uma gravitação que quase equivalia ao dobro do normal. No entanto, com isso os geradores estavam em condições de alimentar o campo defensivo com sua potência nominal.

Uma vez tomada esta precaução, Conrad passou a ocupar a mente com um enigma que o interessava mais que qualquer outra coisa.

Onde estava, e como fora parar ali?

Leu os registros dos instrumentos. Os mesmos começavam num momento em que o carro voador ainda se encontrava no interior do campo transportador de Power, e dali em diante prosseguiam ininterruptamente. A fita cronométrica mostrava uma linha reta, o que deixou Conrad bastante satisfeito, já que provava que não houvera nenhuma distorção de seu tempo individual. O momento exato em que abandonara o campo transportador pôde ser determinado por meio dos registros espectrométricos. O espectro contínuo do campo com as linhas salientes produzidas pelo hidrogênio transformado foi interrompido de repente. Um ponto ainda mais interessante foram os registros feitos com o hipersensor. No interior do campo transportador o estilete automático movimentara-se constantemente na extremidade superior da escala. No mesmo instante em que o espectrômetro parou de registrar o espectro contínuo, o sensor registrou uma novidade.

Conrad estudou atentamente a fita e desenvolveu uma boa dose de criatividade. O resultado a que chegou ainda precisaria ser confirmado por provas robustas, mas parecia perfeitamente plausível, e Conrad não teve a menor dúvida de que as coisas realmente tinham acontecido conforme ele imaginava.

O transporte da matéria planetária de Power para o espaço intersolar não exigia somente o campo transportador propriamente dito que, segundo tudo indicava, recebia sua energia do sol gêmeo, mas ainda um eflúvio orientador, que regulava a potência do campo e fazia o campo transportador atuar no lugar desejado. Era perfeitamente imaginável que, além disso, houvera uma unidade de rastreamento, cuja finalidade consistira em detectar eventuais corpos ou influências estranhas no interior do campo transportador. Conrad teve a impressão de que não estaria errado ao supor que originariamente esta influência partira do triângulo de pirâmides, que o halutense Icho Tolot havia destruído com o fogo dos canhões desintegradores antes que a nave pousasse em Power. A estrutura do sistema de Gêmeos era tão sofisticada que se tornava fácil imaginar que seus construtores teriam feito planos para o caso em que um dos sistemas de comando falhasse. O campo transportador que devorava Power precisava ser orientado. Certamente não seria muito difícil para uma tecnologia tão avançada utilizar num caso como este o sistema de orientação de outro planeta.

Em outras palavras, um mecanismo instalado em outro planeta incumbira-se da tarefa de regular e orientar o campo transportador de Power. Ficara atento a corpos e influências estranhas e identificara o carro voador que se deslocava no interior do campo. Um corpo estranho no interior de um campo. O mesmo não poderia estar lá se não dispusesse de um dispositivo de proteção. E um dispositivo de proteção só poderia ser criado por seres inteligentes. Dessa forma praticamente não havia a menor dúvida de que para os mecanismos do sistema de Gêmeos todas as formas de vida inteligente eram perigosas.

Por isso mesmo o corpo estranho fora removido. Fora levado, provavelmente através de uma ramificação do campo de Power, ao mundo do qual partia a influência orientadora. Fora examinado neste mundo. Era ao menos o que Conrad acreditava. Não sabia quantos olhos e rastreadores se tinham ocupado com seu veículo enquanto o mesmo ficou parado no hall em forma de abóbada. Depois de algum tempo o corpo estranho adotara um comportamento obstinado. A parede do pavilhão tinha sido atacada. Chegou-se à conclusão de que seria preferível deixar o objeto em liberdade a arriscar maiores danos.

Era só. Será que é lógico? — perguntou-se Conrad. — Que a lógica vá para o inferno. Quem seria capaz de dizer com que espécie de inimigo estava lidando? Talvez fossem apenas máquinas que, depois de terem sido deixadas a sós por milênios a fio, começavam a agir segundo seus próprios critérios. Mas era possível que funcionassem segundo uma programação desenvolvida por seres que pensavam de forma diferente que nós. A pergunta sobre se os acontecimentos das últimas horas se enquadravam no esquema da lógica terrana não tinha razão de ser.

Quando finalmente chegou a esta conclusão, Conrad respirou aliviado. Ao menos sabia qual era a situação. Aliás, restava descobrir em qual dos planetas do sistema fora parar e de que forma poderia comunicar-se com a Crest II. Não tinha a menor dúvida de que a nave tinha escapado ao processo de destruição que se desenvolvera em Power.

Ainda estava refletindo sobre o que fazer a seguir, quando a situação sofreu uma modificação radical.

Por um instante teve a impressão de que um terceiro sol acabara de nascer em cima das montanhas. Uma bola de fogo branca surgiu repentinamente sobre os cumes entrecortados do oeste. Enquanto Conrad a contemplava, perplexo, a mesma inchou. Numa questão de segundos transformou-se numa esfera gigantesca, cuja claridade era muito superior à dos dois sóis. Conrad abaixou-se instintivamente no assento. A luz ofuscante incomodava seus olhos. Viu fagulhas e anéis coloridos dançarem diante de seus olhos. E também viu a bola branca desmanchar-se de repente. Transformou-se com uma rapidez incrível num raio fino como uma agulha, que se precipitou diretamente sobre o carro voador.

Foi um verdadeiro inferno. O mundo parecia mergulhar num oceano de cores chamejantes. O carro começou a sacudir e balançar. O material forçado parecia gritar. Conrad perdeu o apoio e foi atirado para fora do assento. Sua cabeça bateu numa coisa dura. Ficou inconsciente por alguns segundos.

Quando voltou a erguer-se, o veículo tinha dado partida. Deslocava-se à velocidade máxima em direção à parede formada pelas montanhas. O piloto automático encarregara-se da direção. A lógica infalível ensinara-lhe que só encontraria proteção nas grotas. Os dois monolitos já não eram suficientes, já que o raio era capaz de pulverizar até mesmo a rocha mais robusta numa questão de segundos.

Desorientado e um pouco atordoado, Conrad agarrou-se à coluna de direção. O piloto automático podia ser dotado de um raciocínio muito inteligente, mas no momento fazia correr o veículo exatamente em direção ao lugar em que a esfera luminosa aparecera sobre as montanhas. Conrad soltou um grito de pavor ao ver pela segunda vez o reflexo da claridade ofuscante entre os cumes.

A segunda esfera apareceu numa fração de segundo. Desta vez mostrava uma luminosidade alaranjada menos intensa que a da primeira. Incapaz de fazer qualquer movimento, Conrad limitou-se a registrar o quadro. Da mesma forma que a primeira esfera, a que se encontrava à sua frente começou a inchar e, ao atingir o máximo de dilatação, transformou-se num raio finíssimo de energia mortífera, que atingiu com uma segurança absoluta o campo defensivo do carro.

O espetáculo repetiu-se. O volume energético representava o máximo que o campo defensivo conseguia absorver. O campo iluminou-se. Parte da tremenda energia mecânica do impacto transmitiu-se ao próprio veículo, sacudindo-o como se fosse um barquinho no meio do furacão. Desta vez Conrad tinha tomado suas precauções. Não perdeu o apoio. Por várias vezes viu o solo aproximar-se a uma velocidade apavorante em meio à luminosidade trêmula do campo defensivo forçado ao máximo. Mas o piloto automático sempre conseguia controlar o veículo no último instante para colocá-lo de novo na rota.

Quando o efeito do impacto começou a diminuir, a encosta da montanha encontrava-se a apenas algumas centenas de metros de distância. Conrad respirou aliviado. Sem dúvida conseguiria proteger-se nas grotas e desfiladeiros.

O piloto automático guiou-se pela mesma lógica. Antes que aparecesse a terceira esfera, o carro entrou numa fenda que se abria num paredão de rocha de quase mil metros de altura. O fundo da depressão ficava cem metros acima do nível do deserto. As paredes da fenda não eram verticais, mas subiam obliquamente para o norte.

No momento em que o carro entrou na fenda, Conrad viu-se cercado pela escuridão. Ficou desconfiado; ligou um farol móvel e examinou o ambiente em que acabara de penetrar. As paredes da fenda eram de rocha pura. Não havia o menor sinal de vida. O chão estava coberto de pó de rocha, depositado pela erosão no curso dos milênios. Em nenhum lugar a distância que separava as duas paredes era superior a seis ou sete metros. Conrad tinha bastante certeza de que até mesmo um inimigo que possuísse uma tecnologia muito superior à sua teria dificuldade em encontrá-lo no lugar em que estava.

O carro avançou até a parte dos fundos da depressão. Uma vez lá, o piloto automático colocou o veículo no chão e desligou o mecanismo propulsor. Bastante nervoso, Conrad deixou passar quinze minutos. Só então, e como nada acontecesse, estava disposto a acreditar que por enquanto estava numa relativa segurança.

Na segurança de uma armadilha construída por mim mesmo. — pensou. Não poderia ficar ali para sempre. Precisava tentar comunicar-se com a Crest II. Se a mesma se encontrasse no espaço, haveria uma chance de alcançá-la com o transmissor de pequena potência do carro voador. Além disso, sentia sede, uma sede terrível e embora soubesse que depois da transformação do hidrogênio não podia existir água em nenhum lugar, entregou-se à esperança ilusória de que ainda acabaria por encontrar o líquido em algum canto escondido.

Mas assim que saísse do esconderijo as esferas luminosas voltariam a subir atrás das montanhas para bombardear o carro. Por enquanto o campo defensivo tinha resistido, mas por ocasião de cada impacto os geradores tinham sido forçados. Bastaria que duas esferas aparecessem com um pequeno intervalo, e Conrad estaria perdido.

No seu íntimo felicitou-se por ter preferido submeter-se a um nível incômodo de gravitação a dispensar o campo defensivo. Quase chegara a habituar-se à gravitação duplicada. Se não fosse o campo defensivo, a esta hora já teria deixado de existir.

Surpreendeu-se refletindo sobre as intenções do inimigo invisível. Quais eram seus planos? Se quisesse destruí-lo, por que não o tinha feito no interior do pavilhão abobadado, onde estava completamente indefeso? Será que no mundo em que se encontrava existiam duas forças que se combatiam?

Afastou estas idéias. Não adiantava quebrar a cabeça com coisas que ele não entendia. Havia coisa mais importante para fazer. Dormir, por exemplo. Depois da sede, o cansaço era a sensação mais nítida de que tinha consciência. Não poderia matar a sede, mas era facílimo esticar-se no assento, deitar de lado e dormir.

Acordou com a boca tão seca que a cada movimento da língua a mesma arranhava dolorosamente o céu da boca. Nunca ansiara tanto por um gole de água. Sentiu-se dominado pelo desespero. Precisava ir embora, sair desse lugar onde nem dali a mil anos existiria uma gota de água.

O sono não o deixara mais descansado. Pelo contrário, sentia-se mais acabado que antes. A sede martirizava-o, e cada segundo que passasse sem água deixá-lo-ia ainda mais fraco.

Conseguiu erguer o corpo a muito custo e ligou o sistema de propulsão. A fenda escura era tão estreita que não havia como virar o carro. Tinha de sair em marcha-a-ré. Quando segurou o volante, suas mãos tremiam tanto que o veículo começou a sacudir assim que se desprendeu do solo. Conrad ligou o piloto automático e deixou que o mesmo se encarregasse da manobra.

Dali a alguns minutos voltou a ver a luz do dia. Não dormira muito. Os dois sóis continuavam no céu, mas naquele momento encontravam-se em cima das montanhas do ocidente, motivo por que não podia vê-los quando o carro foi saindo lentamente da fenda. Voltou a pegar a direção e manteve o carro junto ao paredão de rocha. Muito desconfiado, espiava de vez em quando para os lados, para ver se aparecia outra esfera luminosa. Mas tudo continuou em silêncio. Ao que parecia, o inimigo perdera o interesse na caçada. Ou então não sabia onde procurar a vítima.

Indeciso sobre o que fazer a seguir, Conrad foi voando alguns quilômetros junto ao paredão. Depois de algum tempo a superfície lisa foi substituída por um terreno acidentado, menos íngreme. Conrad acompanhou pacientemente as saliências e os nichos que se abriam na rocha, para não ficar ao alcance das esferas luminosas. Um dos nichos penetrava profundamente na montanha, formando uma espécie de fenda. Por dez minutos ou mais Conrad perdeu a visão do planalto cercado por montanhas, no qual o campo defensivo alaranjado brilhava bem ao longe, no nordeste. Quando finalmente chegou ao outro lado do nicho, o cenário do planalto estava modificado.

Conrad não acreditava no que seus olhos viam. Segurou o volante com tanta força que o carro desceu alguns metros antes de parar. Os olhos injetados de sangue fitaram um objeto situado ao norte, parado obliquamente em cima do campo defensivo luminoso.

Uma figura esférica reluzente desprendera-se do céu cor de chumbo e ia descendo lentamente para a planície. Era possível que a perspectiva o enganasse, mas Conrad tinha certeza de que a esfera desceria na areia nas imediações do campo defensivo.

Não tinha certeza do que era aquilo que se encontrava à sua frente. Todas as esferas se parecem, e, além disso, a distância era muito grande. Mas o olho costuma transmitir certos detalhes ao subconsciente, sem que a inteligência se dê conta disso. São detalhes que permitem o reconhecimento de um objeto, mesmo que este aparentemente não possua nenhuma característica capaz de identificá-lo.

A esfera que Conrad estava vendo era a Crest II.

 

Que mulher, pensou Bert Hefrich, e achou difícil concentrar-se no problema que ocupava sua mente.

O objeto de sua admiração era Mory Abro, filha do lorde dos neutralistas Kositch Abro e esposa do Administrador Geral Perry Rhodan. De início Bert se espantara por a mesma ter sido convidada a participar da conferência dos oficiais mais importantes realizada na sala de comando. Mas à medida que prestava atenção ao que ela dizia, melhor compreendia que Mory podia rivalizar com qualquer oficial em criatividade e capacidade de decisão, em intuição e capacidade de raciocinar logicamente.

Da conferência ainda participavam Cart Rudo, comandante da nave, Atlan o arcônida, o primeiro tenente Huise, imediato da Crest, Perry Rhodan e finalmente o halutense Icho Tolot. Bert não saberia dizer que sorte imerecida lhe dera o privilégio de participar da conferência. Não se sentia muito à vontade na presença das grandes figuras, algumas das quais já se tinham transformado em personagens lendários da história terrana.

Mory estava expondo um projeto segundo o qual os líquidos eliminados pelo corpo seriam recolhidos e regenerados sob a influência de um campo estrutural. Este campo evitaria a transformação do hidrogênio, fazendo com que o mesmo conservasse a capacidade de ligar-se ao oxigênio. O projeto serviria para satisfazer as necessidades mais urgentes. Uma vez colhida a necessária experiência na manipulação dos campos estruturais, os mesmos poderiam ser montados em base mais ampla, a fim de produzir água com o hidrogênio contido no material plástico. Em outras palavras, algumas paredes divisórias da nave poderiam ser derrubadas e transformadas em água.

A sugestão obteve aceitação geral. Mas havia um problema. Como criar um campo estrutural apropriado? Os presentes pediram auxílio a Icho Tolot, que era quem melhor entendia destas coisas, e que logo se prontificou a ajudar.

A situação a bordo era bastante grave. Vários colapsos tinham ocorrido, e o hospital de bordo estava ocupado até o último leito. O estado dos médicos praticamente não era melhor que o dos pacientes. A única pessoa que não foi atingida pela falta de água foi Icho Tolot, pois seu estranho metabolismo ajudava-o a superar com a maior facilidade obstáculos como este.

Alguns barcos espaciais tinham sido enviados para examinar os campos defensivos vermelho-alaranjados que cercavam seis planetas do sistema de Gêmeos. Verificou-se que esses campos eram formados por estruturas situadas numa dimensão superior, contra as quais os recursos de que dispunha a Crest II eram impotentes. No momento os seis planetas do sistema eram inatingíveis, e não havia alternativa senão descer no sétimo, que era o único em torno do qual não havia nenhum campo defensivo.

Septim era um mundo estranho. Os instrumentos revelaram que dele partia uma influência energética que atingia todos os outros planetas do sistema. Segundo a hipótese geralmente aceita, havia em Septim uma unidade energética que alimentava os campos defensivos alaranjados dos outros planetas. Os rastreadores conseguiram apurar com uma razoável exatidão em que ponto de Septim ficava essa unidade energética. Mas os telescópios só descobriram um pedaço de oceano azul neste lugar. Naturalmente era possível que se tratasse de uma usina submarina.

O aspecto de Septim estimulava o otimismo. Seria difícil imaginar um mundo mais parecido com a Terra que este planeta, cujo diâmetro era somente dez por cento superior ao da Terra, cuja gravitação superficial ficava em torno de 1,09 do valor normal e que apresentava cerca de uma e meia vezes mais superfícies terrestres e aquáticas. Era bem verdade que os ocupantes da Crest II já tinham aprendido a ficar desconfiados. Como se explicava que em Septim existissem grandes oceanos, quando todos sabiam que em virtude da destruição do planeta Power o elemento hidrogênio sofrerá uma transformação que o tornava incapaz de associar-se a qualquer outro elemento? Que motivo poderia ter um inimigo que até então se revelara impiedoso para atrair a nave terrana para um planeta que devia parecer familiar aos seus tripulantes, já que se assemelhava bastante ao seu mundo de origem?

Estas perguntas foram colocadas durante a conferência. Perderam-se muitas palavras em torno da possibilidade de que o inimigo desconhecido e invisível pudesse agir segundo uma lógica estranha, inacessível ao raciocínio humano. Os participantes foram-se enleando em considerações filosóficas, a tal ponto que Bert Hefrich, que teve dificuldade em acompanhá-los, a cada segundo que passava sentia-se mais constrangido. Enquanto a Crest II descia em direção a Septim tivera uma idéia que diante das teorias abstratas dos outros participantes da conferência parecia ter a vantagem de ser facilmente compreensível, além do que, consideradas as potencialidades tecnológicas do inimigo, não se situava fora do campo do possível.

Finalmente pediu a palavra. Perry Rhodan, que dirigia os debates, pediu que manifestasse sua opinião.

— Tenho a impressão — principiou Bert Hefrich em tom hesitante — de que existe uma explicação bem mais simples para o mistério de Septim. Quem nos garante que do lugar em que estamos enxergamos o planeta como ele realmente é? Em torno dele não existe um campo defensivo igual ao que protege os outros mundos do sistema. Não deveríamos admitir a possibilidade de que o mesmo possui um campo que nos transmite a imagem falsa de um mundo semelhante à Terra, enquanto lá embaixo se esconde uma superfície inóspita, um mundo desértico que nem Power ou um inferno de amoníaco e metano parecido com Júpiter e Saturno? O inimigo que temos pela frente certamente está em condições de criar ilusões que nem mesmo nossos instrumentos conseguem detectar.

Depois destas palavras, o silêncio reinou na sala de comando. Como estava cercado de tantas sumidades intelectuais, Bert esperara alguma reação. O fato de que esta não veio deixou-o confuso. Teria sido realmente, o único que havia percebido esta possibilidade?

De repente Mory Abro começou a rir. Bert estremeceu. Pensou que estivesse escarnecendo dele. Mas antes que pudesse esboçar qualquer reação, Mory exclamou:

— Pelo amor de Deus, tive medo o tempo todo de falar sobre isso. — Fez um gesto de gratidão para Bert. — Agora, que o cientista manifestou a mesma opinião que eu tenho, já podemos discutir o assunto. Será que ninguém compreende que...

Foi interrompida. Mais tarde Bert se sentiria muito favorecido pelo destino porque justamente neste momento o setor de rastreamento da Crest II tomou conhecimento do verdadeiro estado de coisas, pois dessa forma viu-se dispensado da tarefa de defender e fundamentar sua opinião.

O sinal de emergência soou no intercomunicador. Um zumbido agudo fez-se ouvir três vezes. A grande tela do intercomunicador foi ligada automaticamente. O homem que se encontrava do outro lado da linha dava a impressão de ter-se encontrado com o diabo em pessoa.

— Rastreamento chamando comandante! — gritou. — Dê uma olhada em Septim! O planeta está modificado. Parece... parece um verdadeiro inferno!

Cart Rudo saiu correndo para seu console de comando. Dali a segundos as telas de visão global acenderam-se. Septim, que ainda se encontrava a quinhentos mil quilômetros de distância, apareceu nas superfícies de projeção.

Bert teve um calafrio. Levou algum tempo para compreender que aquilo que estava vendo era a realidade que ele mesmo tinha anunciado. O globo hospitaleiro, verde-azulado, transformara-se numa gigantesca esfera cinza-amarelada. Septim preenchia toda a tela. Dava a impressão de querer precipitar-se sobre a nave para despedaçá-la. A mudança foi tão repentina que Bert sentiu uma tendência irresistível de recuar diante da tela e sair correndo até onde os pés agüentassem.

Obrigou-se a ficar. Um pouco mais tranqüilo, esforçou-se para compreender a nova situação. Não se precisava ter muitos conhecimentos astronômicos para perceber que o verdadeiro Septim era um planeta gigantesco, várias vezes maior que Júpiter. Considerada a distância que o separava da nave, Bert calculou seu diâmetro em quatrocentos mil quilômetros, o que correspondia ao triplo de Júpiter.

A cobertura atmosférica do gigante devia ter uma densidade incrível, mas assim mesmo a mesma não impedia a visão da superfície. Até mesmo a esta distância via-se a olho nu que lá embaixo devia ser um inferno. Grandes rios de lava traçavam sua trilha reluzente sobre o fundo marrom. Áreas de proporções continentais estavam cobertas por véus impenetráveis, que se moviam lentamente. Ao que tudo indicava, tratava-se de tempestades de areia de violência incrível. Não se via o menor sinal de água. Septim era um mundo morto, tal qual fora Power.

A alucinação tinha desaparecido. De repente a lógica do inimigo já não parecia tão estranha. A armadilha colocada por ele poderia ser tudo, menos genial, mas sem dúvida era eficiente.

Medições realizadas às pressas revelaram que a gravitação superficial de Septim era de aproximadamente 5,9 do normal. A atmosfera era formada principalmente por gases inertes, mas continha oxigênio em quantidades suficientes para permitir a respiração ao ar livre, isso naturalmente se a pressão na superfície do gigante planetário não fosse muito elevada.

As pessoas que se encontravam na sala de comando ainda se esforçavam para absorver o choque provocado pela súbita mudança, quando o rastreador voltou a dar sinal. Desta vez anunciou a descoberta de uma misteriosa unidade geradora. A mesma encontrava-se num planalto cercado de montanhas e era protegida por um campo defensivo alaranjado.

Perry Rhodan levantou-se.

— Sejam quais forem as condições que vamos encontrar lá embaixo, — disse em tom resoluto — devemos pousar. A única tarefa que teremos de cumprir em Septim é destruir a usina de energia, para que os outros seis planetas percam seus campos defensivos. Queiram voltar aos seus postos.

Bert Hefrich cerrou os dentes. Estavam arriscando tudo. A Crest II teria de lutar pela vida. Sem dúvida a usina geradora estava muito bem protegida, e ninguém sabia qual seria o preço em canseiras e sofrimento que a destruição da barreira e o avanço até os geradores exigiria.

Normalmente Bert não se teria preocupado com isso. Estava acostumado à luta. Era bem verdade que preferiria entrar na mesma com a barriga cheia de água.

 

A voz de Conrad Nosinsky atropelou-se de tão nervoso que estava quando chamou a nave. Só depois da terceira repetição da chamada uma voz espantada respondeu:

— Nosinsky? Onde é que o senhor estava metido?

O rosto estupefato de Cart Rudo apareceu na tela.

— Permita que eu lhe explique isto mais tarde — respondeu Conrad. — Quero comunicar algumas observações importantes.

Cart acenou com a cabeça.

— Pode falar.

Conrad fez uma descrição do conjunto de edifícios existente no interior do campo defensivo. Preveniu contra as tempestades de areia que costumavam soprar no planalto. Finalmente mencionou as bolas de fogo brancas e alaranjadas, que há pouco lhe tinham esquentado o inferno. Recomendou que os geradores dos campos defensivos da Crest II fossem postos a funcionar a plena carga.

Cart Rudo mostrou-se bastante impressionado.

— Pode voltar para bordo? — perguntou.

— Se deixar aberta uma passagem no campo defensivo, posso — respondeu Conrad.

Quando se lembrou das bolas luminosas, sentiu um calafrio. A Crest II encontrava-se a vários quilômetros de distância. O carro teria de agüentar o impacto de algumas esferas luminosas. Pensou em pedir a Cart que se aproximasse para recolhê-lo. Mas acreditava que teria uma boa chance de escapar às bolas de fogo, e, além disso, teria a oportunidade de apresentar o estranho fenômeno às pessoas que se encontravam a bordo. Talvez precisassem deste tipo de informação para enfrentar o inimigo invisível.

Cart Rudo transmitiu algumas instruções. Explicou por que a Crest II tinha vindo para Septim. Era a primeira vez que Conrad ouvia o nome do planeta. Cart mandou que em hipótese alguma subisse a bordo. Deveria ficar ao abrigo do campo defensivo, embaixo da eclusa principal, para encarregar-se dos carros voadores que não demorariam a sair.

— O senhor conhece as condições no interior do campo defensivo — disse Cart. — É necessário que nos sirva de guia. Hefrich ficará no comando da coluna de veículos. Quando chegar a hora, entrará em contato com o senhor.

Conrad confirmou o recebimento da mensagem e disse:

— Já estou de saída, senhor. Faça o favor de observar o terreno.

Cart acenou com a cabeça e sorriu.

— É o que vou fazer, tenente. Boa sorte!

A tela apagou-se. Conrad desligou o aparelho. Fez o carro recuar cautelosamente para o interior do nicho do qual acabara de sair. Se quisesse chegar são e salvo à nave, teria de voar desde o início à velocidade máxima. O nicho cujo interior, ao que parecia, o inimigo não podia ver, proporcionava-lhe o necessário impulso.

Conrad fez outra coisa. Regulou o dispositivo antigravitacional de maneira a absorver somente um dos quase seis gravos. A energia liberada foi conduzida ao campo defensivo. A gravitação extremamente elevada quase o impedia de respirar e comprimia-o tão fortemente contra o assento que teve a impressão de que quebraria a espinha. Além disso, havia a sede martirizante, mas desta vez a mesma revelou-se útil, pois Conrad não sabia dizer qual das duas sensações era a pior. Sentiu-se como um homem que dá uma mordida no dedo para agüentar melhor uma dor de cabeça.

O carro partiu com um solavanco. Quando chegou à saída do nicho, desenvolvia quase a velocidade máxima. Conrad lançou um olhar para trás. Era estranho, mas o que primeiro lhe chamou a atenção não tinha nada a ver com as esferas energéticas luminosas. Era a parede marrom-acinzentada da tempestade de areia que se aproximava.

Dali a alguns segundos surgiu uma luminosidade atrás dele. Mesmo sem virar a cabeça, Conrad sabia o que estava acontecendo. Fez o carro descrever uma curva fechada e quase ficou cego com a profusão de claridade ofuscante que chiou ao passar por ele e volatilizou o chão desértico alguns quilômetros à sua frente.

Sentiu-se dominado por um entusiasmo selvagem mesclado com raiva. Fez com que o carro percorresse uma linha em ziguezague, e dessa forma escapou a vários impactos. Ao que parecia, o mecanismo de mira do inimigo não tinha qualquer influência sobre o projétil energético depois que o mesmo havia sido disparado. Naturalmente não conseguiu escapar a algumas salvas. Os campos defensivos do carro iluminaram-se, envolvendo o pequeno veículo num manto de cores fulgurantes. Os geradores uivaram como se estivessem zangados, mas agüentaram a carga. Numa pausa do bombardeio Conrad viu o casco da Crest II apenas algumas centenas de metros à sua frente. O retângulo brilhante da brecha deixada no campo defensivo erguia-se pouco acima do solo. Conrad fez o carro descrever uma curva bem aberta e tomou a direção da brecha.

Foi quando a tempestade o alcançou.

No mesmo instante o mundo mergulhou na escuridão. Conrad sentiu que o carro estava sendo arrancado da trajetória. O campo defensivo protegia-o contra os efeitos diretos do furacão, mas transmitia a energia mecânica com que a tempestade investia contra o obstáculo. Conrad fez baixar o carro, até que as linhas confusas da superfície desértica aparecessem à sua frente.

O furacão evitava que os projéteis energéticos o atingissem. Praticamente indefeso diante da fúria dos elementos, o veículo foi atirado de um lado para outro. Os raios fulgurantes disparados ao acaso rompiam a escuridão e atingiam o solo. Chegou um momento em que nem mesmo Conrad tinha certeza se seu veículo aproximava-se ou afastava-se da nave. Mas no momento em que pretendia entrar em contato com Cart Rudo para pedir que este lhe fornecesse a indicação da rota, o retângulo da brecha aberta no campo defensivo iluminou-se à sua frente.

Soltou um grito de alívio, fez o carro atravessar a brecha e no mesmo instante sentiu a calmaria reinante no interior do enorme campo que envolvia a Crest II. O mundo continuava envolto na escuridão, mas a tempestade não atravessava o campo defensivo. Certamente Rudo fechara a brecha assim que o carro a tinha atravessado. Conrad dirigiu o veículo para a eclusa principal, segundo as instruções que lhe haviam sido fornecidas.

Ao que parecia, as pessoas que se encontravam a bordo só tinham esperado por ele. Mal o carro se imobilizou, e quando Conrad nem chegara a desfrutar integralmente o luxo da regulagem total da gravitação, quando a escotilha da eclusa deslizou para o lado. O receptor de bordo chamou, e Bert Hefrich cumprimentou-o com um sorriso.

— De volta tão cedo? — ironizou Hefrich, passando a língua pelos lábios. — Como estão suas provisões de água?

De repente Conrad voltou a sentir a sequidão da garganta, que chegara a esquecer de tão nervoso que estava.

— Seu miserável — disse com a voz rouca. — Estou com sede.

Hefrich deu uma risada. Parecia contrariado.

— Todo mundo está — resmungou. — Se não conseguirmos desatar este nó, nunca mais veremos uma gota de água.

Familiarizou Conrad com seu plano. A coluna era formada por quinze veículos versáteis, além do carro voador. Cada um dos veículos versáteis levava vários micro-detonadores, e a carga de um deles era suficiente para transformar em escombros todo o conjunto de edifícios. Bastaria que um dos veículos chegasse ao destino para que a missão fosse cumprida. Os detonadores seriam colocados no centro do conjunto de edifícios. Bert Hefrich não receava que a tempestade fosse causar complicações, já que a mesma era retida em grande parte pelo campo defensivo da usina energética. Em compensação tinha certeza absoluta de que no interior do mesmo havia equipamentos de segurança que tinham por fim impedir o avanço da coluna.

— Não devemos esquecer uma coisa — interrompeu Conrad, sem preocupar-se em saber se a interrupção da fala de seu superior representava uma violação das regras da hierarquia. — Estamos bem longe do campo defensivo. Da eclusa até o chão são setecentos metros. Além disso, teremos de contornar quase metade da extensão da Crest II. Isso representa um quilômetro e meio, e nesse trajeto teremos por mais de uma vez notícias dos célebres artilheiros energéticos.

Bert Hefrich estava de acordo com a ponderação.

— Permaneceremos no interior de nosso campo defensivo enquanto isso for possível. Cart Rudo está à espera de suas instruções. Abrirá a brecha no lugar que o senhor indicar. Fique à nossa frente e mostre-nos o caminho.

Conrad prometeu fazer tudo que estivesse ao seu alcance. Esperou que todos os veículos versáteis saíssem da nave e colocou-se à frente da coluna, conduzindo-a para a superfície, na direção em que ficava a usina energética.

Neste meio-tempo a violência da tempestade que soprava fora do campo defensivo aumentara. As nuvens de areia e poeira pareciam uma parede compacta que envolvia a nave. Conrad orientou-se pelas indicações dos rastreadores, fornecidas pela Crest. Até mesmo a forte luminosidade alaranjada do campo defensivo tinha desaparecido na escuridão produzida pela tormenta. Conrad advertiu os ocupantes dos outros veículos sobre os perigos da gravitação extremamente elevada que reinava fora do campo defensivo. Explicou que teriam de suportar cinco gravos, para chegar sãos e salvos ao interior da estação.

Finalmente atingiu a extremidade do campo defensivo da Crest. Esperou que os veículos se reunissem atrás dele. Por enquanto a nave não fora atacada, mas Conrad tinha certeza de que os lampejos energéticos voltariam a aparecer assim que os veículos se afastassem do campo defensivo. Pediu a Cart Rudo que abrisse a maior brecha possível.

Dali a um segundo os contornos da brecha iluminaram-se à sua frente. Conrad comprimiu furiosamente o acelerador e precipitou-se para fora. Ficou satisfeito ao notar que a coluna compacta dos veículos versáteis o seguia de perto. De repente viu-se envolvido pela tempestade e pela escuridão.

A única coisa de que tinha uma idéia precisa era a direção em que ficava a usina energética. Também sabia que a distância que separava a mesma do campo defensivo da Crest II chegava a cerca de um quilômetro. Era só. Não via nenhum dos veículos que o acompanhavam, mas uma porção de pontinhos verdes dançava na pequena tela de seu rastreador. Só podiam ser eles.

De repente a escuridão foi rompida perto dele por um raio ofuscante, que doeu nos seus olhos. Estava com o receptor ligado. Gritos de pavor superaram o ruído crepitante provocado pela descarga energética. Dali a pouco tudo ficou em silêncio. Dali a pouco ouviu a voz de Bert Hefrich.

— S-18 foi posto fora de ação. O resto... vamos à frente!

Conrad cerrou os dentes. Queria que os invisíveis fossem para o inferno. Certamente tiveram conhecimento do ataque e estavam usando volumes maiores de energia.

Mais um raio apareceu. Por uma fração de segundo um canal incandescente de poeira evaporada atravessou a escuridão. Conrad fez o carro baixar mais um pouco. Avançou em direção ao campo defensivo rente ao solo. Às manobras exigiam o máximo de atenção. Às vezes a tempestade o comprimia fortemente, ameaçando arremessar o veículo contra o solo. Quando isso acontecia, Conrad puxava o volante para trás com toda força e afastava o veículo da área perigosa.

Os raios surgiam um atrás do outro. O receptor só transmitia gritos de angústia e furiosos berros de comando. Três veículos tinham sido perdidos, juntamente com sua tripulação. Havia dezenove mortos.

E Conrad ainda não via o campo defensivo alaranjado.

Mais uma descarga roçou seu campo energético, provocando uma cintilância colorida no mesmo. Conrad jogou o carro para o lado, fê-lo subir alguns metros e voltou a baixá-lo. Por enquanto os geradores estavam em perfeitas condições. Percebeu pelo ruído. Só levara um tiro de raspão.

De repente viu uma luz em meio à escuridão. Por enquanto parecia uma centelha que restava de uma fogueira extinta. Mas à medida que se aproximava da mesma, tornava-se cada vez mais forte e finalmente exibiu o brilho forte do metal incandescente. Conrad assustou-se. Estava vendo os destroços de um veículo atingido por uma descarga energética. Quando pretendia informar Bert Hefrich sobre a perda mais recente, viu uma figura pesada arrastar-se desajeitadamente pela tempestade, fazendo um esforço desesperado de afastar-se o mais depressa possível dos destroços incandescentes.

Conrad seguiu a figura. Não acreditou no que seus olhos viram. O homem que estava à sua frente só usava um traje protetor, que o protegia apenas contra o calor e a poeira. Estava totalmente exposto à tremenda gravitação e à violência da tempestade, assim mesmo continuava a movimentar-se, arrastando uma espécie de cesto.

Conrad resolveu arriscar tudo. Fez o carro chegar rente ao solo e colocou-o na mesma altura do homem que estava rastejando. Este parecia não ter notado sua presença. Conrad deslocou o carro para o lado e encostou o campo defensivo ao desconhecido. Este sentiu.

Perplexo, rolou de lado e olhou para cima. Viu o carro e compreendeu o que tinha que fazer. Puxou o cesto para perto e encurvou o corpo. Conrad arriscou-se a desligar o campo defensivo por uma fração de segundo. O carro deu um salto para o lado. Quando o campo voltou a formar-se, o homem que arrastava o cesto encontrava-se no interior de sua área de influência.

Conrad abriu a escotilha da eclusa. Revelando uma força que causou admiração em Conrad, o homem ergueu-se do chão, enfiou o cesto na eclusa e só depois entrou na mesma. Enquanto em torno dele os lampejos dos projéteis energéticos cortavam a escuridão e o furacão fazia o carro balançar para um lado e outro, entrou no pequeníssimo recinto da eclusa e esperou que a escotilha se fechasse atrás dele. Depois disso pôs-se de pé e atravessou apressadamente a escotilha interna, que fora aberta por Conrad. Este não teve tempo nem mesmo para virar a cabeça. Se deixasse de cuidar do volante por um segundo que fosse, o carro estaria perdido.

Fungando fortemente, o desconhecido ocupou o assento ao lado de Conrad. Colocou o cesto cautelosamente num canto. Ficou em silêncio por algum tempo, observando Conrad enquanto este lutava contra a tempestade. Conrad ainda não sabia quem era o homem que estava sentado ao seu lado. De repente o silêncio começou a incomodá-lo. Pigarreou. Finalmente Conrad ouviu uma voz que já lhe era familiar.

— E uma forma estranha de nos reencontrarmos, senhor.

Esquecendo suas intenções, Conrad virou a cabeça. Herb Bryan, que já fora seu sargento, ocupava o assento ao lado.

 

— O que está lá embaixo já foi o S-39 — explicou Bryan. — Foi atingido de leve, mas num instante o carro se transformou em metal derretido. Se não estivesse perto da escotilha, ainda estaria lá dentro.

Conrad ouvia-o sem olhar para ele. O furacão soprava com a mesma violência, e os raios sucediam-se ininterruptamente.

— O que há nesse cesto? — perguntou.

— Detonadores — respondeu Bryan. — Consegui salvar toda a carga.

Conrad tirou o microfone do suporte e informou Hefrich sobre a perda do veículo S-39. Dali a alguns segundos Hefrich chamou.

— S-5 chamando todos os veículos. Voltem imediatamente. Não adianta mais. Perdemos vinte e quatro homens e praticamente não avançamos um metro. A nave transmitirá raios vetores. Repito: Voltem imediatamente.

Conrad pôs-se a refletir. Hefrich tinha razão. A missão estava exigindo um preço muito elevado. Se esperassem até que a tempestade passasse, seria mais fácil chegar à estação. Era bem verdade que isso teria de acontecer antes que a bordo da nave todo mundo morresse de sede.

Com muito cuidado começou a virar o veículo. Quando ainda não tinha completado a quarta parte da volta, Herb Bryan soltou um grito.

— Olhe a parede! Ali na frente!

Conrad olhou obliquamente pelo pára-brisa. Por pouco não foi tarde. Só por uma fração de segundo viu um brilho alaranjado num lugar em que a parede de areia e poeira se abrira por um instante. Imediatamente fez o carro mudar novamente de direção. Segurou o microfone com os dedos trêmulos e gritou no mesmo:

— Nosinsky chamando S-5! Vejo o campo defensivo bem à minha frente. Prosseguirei.

Bert Hefrich não respondeu. Conrad não sabia se tinha recebido a mensagem. A luminosidade tinha desaparecido; fora engolida pelo furacão. Mas Conrad sabia em que direção devia seguir.

— Fique com os olhos bem abertos, Herb — pediu Conrad.

Herb Bryan inclinou o corpo para a frente, como se isto o ajudasse a enxergar melhor.

O fogo energético parecia mais denso. Tinha-se a impressão de que o inimigo colocara uma barreira bem à frente do campo defensivo. A escuridão, que até então só fora rompida por algumas descargas isoladas, transformou-se num inferno de fogo.

Conrad fez o carro baixar até que o veículo quase roçasse a superfície. Depois puxou a alavanca do acelerador bem para trás. Balançando fortemente, o veículo começou a acelerar.

— Ali está! — berrou Bryan, entusiasmado.

Via-se perfeitamente a parede alaranjada nas ligeiras pausas que separavam as salvas. A cada minuto que passava sua luminosidade se tornava mais forte, e a cada segundo o espanto de Conrad por ainda não terem sido atingidos por um tiro energético tornava-se mais intenso.

Mais tarde não saberia dizer como conseguiu. O fato é que de repente o carro deu um salto para cima, por ter penetrado numa área em que a gravitação era mais reduzida. Quando o dispositivo antigravitacional conseguiu adaptar-se à nova situação, a poeira e a areia que os cercava tinham desaparecido, permitindo que distinguissem perfeitamente os contornos dos edifícios em meio à bruma.

Conrad não quis perder tempo. Mandou que Bryan ficasse com o cesto preparado e os olhos bem abertos. Fez o carro penetrar com a velocidade máxima na confusão de edifícios. Não tinha a menor idéia de onde ficava o centro da usina. Só lhe restava confiar em que a potência dos detonadores fosse suficiente para destruir o conjunto a partir de qualquer lugar. Não sabia se existia algum dispositivo de segurança que naquele instante já tivesse o carro voador na mira. Só sabia que devia largar os detonadores e voltar à nave quanto antes. Os petardos tinham sido regulados para explodir dentro de uma hora. Se até lá não conseguisse chegar à Crest II, o carro seria sugado para a cratera da explosão.

Parou entre duas construções, uma cilíndrica e outra em forma de cubo. Bryan não precisava que ninguém lhe desse ordens. Pegou o cesto e saiu pela eclusa. Conrad viu-o encostar o cesto à parede do cubo e puxar um cabo. Depois voltou correndo. Assim que ouviu Bryan entrar na eclusa, Conrad colocou em movimento o carro.

 

O furacão continuava a soprar com a mesma intensidade, mas os canhões energéticos permaneceram em silêncio. Conrad não sabia por quê, mas o fato é que isso o deixava feliz. Chamou a Crest II, e Cart Rudo em pessoa prometeu que iria transmitir um raio vetor. Conrad orientou-se por esse raio e dentro de alguns minutos viu a luminosidade do campo defensivo da nave. No momento em que o carro descia em direção à brecha luminosa, um raio ofuscante rompeu a escuridão.

O veículo foi arremessado através da brecha. Herb Bryan deu uma risada.

— Ainda estão lá — exclamou. — Não sabiam que também continuamos por perto.

Conrad pôs-se a refletir. O mecanismo que comandava os canhões energéticos suspendera o fogo assim que não conseguiu detectar mais nenhum veículo. Isso acontecera depois que os veículos de Hefrich se tinham recolhido no interior do campo defensivo da nave e o carro voador já se encontrava no interior da usina. O carro voltara a sair, e o mecanismo notara sua presença. Os canhões voltaram a disparar. O estranho era o tempo decorrido antes desta reação. Afinal, o carro levava sete ou oito minutos para percorrer a distância que separava a usina do campo energético da nave.

Conrad sentiu-se exausto e esgotado como nunca. Não tinha forças para quebrar a cabeça com os enigmas do planeta. Com os olhos injetados de sangue dirigiu o carro através da escotilha grande da eclusa de carga e estacionou-o no hangar. Desligou o propulsor e recostou-se no assento. Bryan abriu a escotilha do veículo. Conrad experimentou a sensação angustiante da sede violenta, mas o que mais o impressionou foi a sensação de cansaço infinito. Ouviu Herb Bryan gritar alguma coisa. As palavras não chegaram à sua consciência. Finalmente mergulhou num sono profundo, que antes parecia um desmaio.

 

Quando acordou, estava deitado em sua cama. Bryan estava sentado na mesma. Conrad ergueu-se abruptamente.

— Onde estamos? — perguntou.

Bryan fez um gesto de pouco caso.

— Bem em cima — resmungou. — Uns cem mil quilômetros acima de Septim.

— E daí? Conte logo.

— A estação foi pelos ares conforme planejávamos — respondeu Bryan num tom de voz que dava a entender que não gostara.

Apesar da sede martirizante, Conrad sentiu-se entusiasmado. Segurou Bryan pelos ombros e sacudiu-o.

— Será que isso não vale nada? — gritou com a voz rouca. — Quer dizer que já saimos da pior! Por que...

O olhar triste de Bryan fez com que compreendesse que havia alguma coisa que ele ainda não sabia.

— Só metade da tripulação continua nos postos — disse Bryan com a voz cansada. — A outra metade agita-se no delírio da sede. A estação foi destruída, mas os campos defensivos dos outros planetas continuam no mesmo lugar. Não podemos descer em nenhum deles, e ninguém está interessado em ir para Septim.

Conrad deixou-se cair para trás. Sua mente recusava-se a aceitar o que ele acabara de ouvir.

— Só mudaram de cor — prosseguiu Bryan. No início Conrad não compreendeu o que ele quis dizer. — Eram alaranjados, e quando a estação foi para os ares mudaram para o verde. Refiro-me aos campos defensivos. — Respirou profundamente e prosseguiu em tom resignado: — Só os que estão bem lá em cima devem saber o que isso significa, e eles não dizem.

 

O único passageiro da Crest II cujo raciocínio ainda não ficara embotado por causa da sede estava sentado num canto da sala de comando, forçando os dois cérebros para encontrar a solução do problema.

Icho Tolot, o halutense, acompanhara com a maior atenção os acontecimentos que se tinham desenrolado dentro e fora da nave. Sabia que dentro de dois ou três dias do calendário terrano, no máximo, a nave estaria perdida. Nem mesmo o plano drástico de Mory Abro permitiria a obtenção das quantidades necessárias de água antes que fosse tarde.

A mudança de cor dos campos defensivos planetários parecia provar que os mesmos não eram alimentados exclusivamente pela estação energética de Septim, mas que sua carga estrutural era determinada por ela. Em outras palavras, quando a estação ainda existia, os campos defensivos situavam-se numa dimensão mais elevada.

Era possível que isso representasse uma chance de salvação. Certamente seria possível atravessar um campo da quinta dimensão com os recursos de que dispunha a Crest II. E, uma vez escolhido o planeta certo, encontrariam água em abundância atrás do campo defensivo.

O círculo começava a fechar-se. Para atacar um dos campos defensivos, todos os tripulantes da nave deveriam estar a postos. A Crest II não preenchia esta exigência. Metade da tripulação tinha sido posta fora de ação, e a cada minuto que passava aumentava o número das pessoas que se viam obrigadas a abandonar seus postos.

A situação parecia desesperadora.

Nem mesmo Icho Tolot, o halutense, teve qualquer idéia de como resolver o problema.

 

                                                                                            Kurt Mahr  

 

                      

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