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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


FEBRE DE ATRAÇÃO / Cathy Williams
FEBRE DE ATRAÇÃO / Cathy Williams

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

FEBRE DE ATRAÇÃO

 

Nick Papaeliou, um homem rico, poderoso e sempre cercado de lindas mulheres, de repente se sente atraí­do por Rose. Para todos, esse é um grande mistério, já que ela é comum e sem graça. E mais: ela não é do tipo que se atira aos pés de Nick...

Rose gostaria de poder detestar seu arrogante chefe grego, mas precisa do emprego. Quando a impiedosa sedução de Nick começa a minar sua convicção, ela rapidamente lembra a si mesma de que, após con­seguir o que quer, ele a dispensará.

Mas Nick terá uma surpresa! Porque, sob as roupas nada reveladoras, se esconde a mulher mais fas­cinante que ele jamais imaginou amar...

— Não desperdicei minha vida passando de cama em cama.

— E eu gosto disso — murmurou Nick, surpreso por realmente estar falando a verdade, embora não tenha vivido uma situação semelhante antes. Algu­mas das mulheres com quem dividira o leito eram até mais ativas do que ele. —Além do mais... — ele não conseguiu terminar a frase por conta de se ocu­par em dar um beijo terno na curvatura do pescoço dela e sentir a reação prazerosa.

— Você não está esperando... bem, é que garo­tas como Lily... ou seja, as modelos geralmente são magras e...

— Por que se preocupa com isso? Você é linda, Rose.

— Ora, por favor. Não precisa exagerar.

— Precisa parar com esse complexo. — Ele li­bertou com gentileza os dedos que ela mantinha en­trelaçados e depois a induziu a deitar-se. Os cabelos soltos espalhados em volta do rosto lhe davam uma aparência angelical. Bem devagar, começou a livrá-la da camisola...

 

 

Para Nick Papaeliou a noite se transformara num verdadeiro desastre! Ele odiava cenas em público, como a que acabava de acontecer. Assim que Susanna soube que ele pretendia romper o namoro, iniciou um confronto verbal com mais de quarenta pessoas como testemunhas!

Naturalmente ele se retirou após as lágrimas, os gritos, as súplicas... E tudo multiplicado por conta do excesso de vinho consumido durante o jantar.

Nick sabia que deveria ter posto um ponto final no relacionamento logo que desconfiou que ela pretendia algo mais sério do que um romance sem compromisso. Porém, estava tão ocupado com um negócio importante que resolveu deixar para falar no último jantar que pretendia comparecer com ela, patrocinado por um casal de estilistas, loucos por ostentar uma elevada posição no mundo da moda.

Ainda exibindo as feições contrariadas pelo dis­sabor do acontecido, ele postou-se junto à calçada à espera de um táxi. Quem sabe quando estivesse em sua cobertura em Mayfair e trabalhasse por umas duas horas no laptop teria condições de se acalmar.

Enquanto olhava impaciente para os ambos os la­dos da rua, avistou o táxi que parava à sua frente e uma jovem loura acomodada no banco traseiro ace­nava insistentemente para que ele entrasse no car­ro. Nick reconheceu que era a garçonete com quem conversara momentos antes, no balcão do restau­rante, onde decidira tomar um café forte para rela­xar. E que, coincidentemente, saíra no mesmo mo­mento que ele. Abatido pelo escândalo acontecido com Susanna, ele havia trocado algumas palavras com a linda jovem. Contudo, não estava interessado em nada além de um desabafo. Depois, ouviu todos os sonhos dela em desejar ser uma atriz famosa. O otimismo transbordava nas linhas de expressão da jovem, que gesticulava sem parar. Oh, Deus! Como ele estava cansado de ouvir as mesmas histórias! Quando, gentilmente, encontrou uma forma de se retirar, sentia-se mais exausto do que nunca.

Por quanto tempo ainda ele suportaria sua con­dição de solteirão? O pai falecera quando ele tinha 20 anos de idade e a mãe, oito anos depois. Será que era por isso?, ele se perguntava. A falta dos pais para pressioná-lo a fazer o que todos fazem? Casa­mento e dois filhos? Ou seria a carreira meteórica que o levara a uma posição privilegiada de riqueza e poder que o permitia comprar tudo o que desejas­se? E um mundo no qual nenhuma mulher conse­guia permanecer por muito tempo?

Nem ele mesmo saberia dizer. Só sabia que Lily, a moça do café que revelara trabalhar meio perío­do como modelo, era quem insistia na companhia dele. Provavelmente, animada com o fato dele ter-lhe dado toda a atenção nas suas ilusões de se tornar uma atriz, ela desenvolvera um inesperado interes­se paternal por Nick.

Ela afastou-se para o lado no banco do táxi para dar lugar a ele. E, agora, lá estava Nick aceitando um convite da moça para um último drinque na casa dela. E a jovem espantou-se quando ele revelou que não pretendia demorar, pois tinha muito trabalho para realizar naquela noite.

— Ninguém trabalha em um sábado, em pleno inverno e depois da meia-noite!

Ela imaginava que ele deveria saber que estava lhe oferecendo companhia para superar o desagra­dável incidente no restaurante que ela mesma e inúmeras pessoas presenciavam. Ele podia perce­ber nos olhos azuis da jovem a sinceridade dos seus propósitos. O fato de não desejar nada em troca sig­nificava um grande alívio para Nick. Estava acos­tumado a ser perseguido apenas por ser um homem rico.

O motorista do táxi, após rodar por ruas desertas e mal iluminadas, finalmente estacionou em frente a uma residência modesta. E, para surpresa de Nick, Lily recusou-se a deixá-lo pagar a corrida, mesmo sabendo que ele deveria ser um milionário.

— Desculpe, mas o convite foi meu... — Ela afirmou enquanto pagava ao motorista. Depois que desceram, Lily começou a vasculhar a bolsa em busca da chave da fechadura da porta da entrada principal.

A casa ficava em uma área onde antigamente ha­via uma região elegante, porém com o tempo, se de­teriora e se tornara um lugar nada convidativo. Nick crescera num lugar como aquele e trabalhara feito louco para obter as qualificações que o libertariam de uma vida medíocre nos arredores de Londres, onde o pai conseguira com dificuldade sustentar a família, através de serviços de mão-de-obra nas "casas grandes", como costumava chamar as man­sões, as quais ele jamais teria condições sequer de sonhar. Era um grego inculto e nunca ousara aspirar a nada além de seu modesto mundo. Nick, porém, jamais tivera a intenção de seguir o exemplo do pai. Freqüentar uma universidade foi seu primeiro pas­so. Depois se introduziu no mundo dos negócios, através de empregos em instituições financeiras, cujo desempenho deixou os colegas de famílias ricas boquiabertos com sua capacidade e feeling extraordinários. Agora Nick não trabalhava mais para outros. Havia construído seu próprio império financeiro através de palpites certeiros. Quando ele abria a boca o mundo financeiro o ouvia e pagava por isso.

E, junto com o sucesso vieram as comodidades: Uma casa na praia, que raramente visitava; uma pro­priedade no campo, onde relaxava sempre que os negócios permitiam; o carro luxuoso com um moto­rista contratado; o helicóptero para viagens urgentes e a magnífica cobertura de um prédio luxuoso no co­ração de um dos bairros mais elegantes de Londres.

Já havia se passado muitos anos desde que ele dera adeus ao tipo de casa semelhante a que Lily morava: O pequeno jardim na entrada; telhas es­curas precisando de reparos; e o estreito corre­dor planejado para a distribuição dos cômodos e que, geralmente, acabava na cozinha. A pintu­ra das paredes desbotada pelo tempo e o carpete desgastado.

Enquanto Lily se inclinava para abrir o zíper das botas e suspirava com alívio, Nick aproveitou para fechar a porta. Não tinha escutado nenhum som de passos e só descobriu que havia mais alguém na casa quando Lily ergueu-se, sobressaltada:

— Rose! O que está fazendo acordada?

— Quem está com você?

No instante em que Nick terminou de trancar a porta e girou o corpo, deparou-se com um par de olhos azuis e que o olhavam com indignação. De­pois prestou atenção nos demais detalhes. A moça tinha um porte miúdo, principalmente se compa­rada a Lily, que estava ao seu lado. Não parecia ter um corpo curvilíneo ou bem definido, embora fosse difícil dizer por conta dos pijamas largos que ela usava.

— Sinceramente, Rose! Já lhe disse um milhão de vezes para não ficar esperando por mim. Já sou bem crescida para saber tomar conta da minha pró­pria vida!

— Se isso fosse verdade, não estaria chegando em casa com um completo estranho, quase uma hora da madrugada! Além disso, disse que chegaria cedo.

— Eu pretendia chegar cedo, mas... Rose, esse é o Nick. Nick Papaeliou. Já ouviu falar dele?

— Não. Não ouvi. Sabe que não presto atenção nesses seus amigos modelos.

Modelo? Nick não podia acreditar no que ouvia. E nem na razão do olhar feroz que ela lhe lançava.

— Está pensando que sou um modelo? — per­guntou Nick, espantado.

— E o que mais eu poderia pensar? Naquele momento, Lily resolveu intervir:

— Oh, Rose! Por favor! — e olhando para Nick, acrescentou: — Peço que a desculpe. Minha irmã é do tipo "protetor". Sempre acha que há algum lobo mau querendo me enganar.

— Vocês são irmãs? — Ele dirigiu a pergunta para a moça mais velha que ainda o olhava com desconfiança, embora ele pudesse jurar que notara um leve rubor inundar-lhe a face.

— Não sei por que isso o surpreendeu tanto! — exclamou Rose com frieza.

— Na verdade, somos meio-irmãs. — Lily expli­cou com um sorriso. — Não é espantoso? Quero di­zer, já deve ter ouvido falar de histórias sobre como as meio-irmãs são distantes uma da outra. Nós duas, porém, não podíamos ser mais apegadas se fosse­mos irmãs, completamente. — E, dizendo aquilo, ela deu um abraço carinhoso na outra. — Convidei Nick para um último drinque. Você se importaria em oferecer-lhe algo para beber enquanto eu vou ao banheiro por um minuto?

É claro que Rose se importaria. Estava escrito nas feições dela. Contudo, Lily se afastou rápido, seguindo na direção da escadaria e galgou os de­graus de dois em dois, como costumava fazer desde a infância.

A doce e alegre Lily costumava ver nas pessoas apenas o lado bom, analisava Rose, enquanto a se­guia com o olhar. Até mesmo naqueles onde parecia evidente o mau-caratismo, como o homem bem à sua frente. Com certeza ele teria vindo na esperança de encontrar uma casa agradavelmente vazia para poder se relacionar com alguém que era diferente dela, como a água do vinho.

Rose permaneceu com os olhos fixos no homem de aparência elegante: as linhas do rosto eram se­veras, mas a boca revelava um apelo sensual. Os cabelos escuros combinavam com os cílios espes­sos. Seria preciso muita força de vontade para não ceder diante daquele olhar penetrante. Talvez ele fosse um ator de segunda categoria, acostumado a um papel sem importância em alguma novela, mas, não sabia quando deveria abandonar a atuação. Ela nem mesmo sabia por que imaginou que ele fosse um modelo. Não era tão bonito assim.

— E então, meio-irmã, Rose? Sempre fica espe­rando por Lily quando ela sai?

Rose odiou o sarcasmo contido na voz dele e revidou com um olhar de desprezo. Depois, pediu que a seguisse e liderou no caminho até a cozinha:

— Não vou me desculpar pelo fato de estar sendo rude, sr. Papaeliou. — Ela declarou no instante em que entraram na cozinha e ela lhe apontou uma das cadeiras ao redor da mesa de pinho, esperando que ele se acomodasse. — Lily tem se envolvido demais com tipos atraentes e sedutores. E não quero que aconteça novamente...

Rose havia acabado de preparar um bule de café para ela mesma, por isso, nem foi preciso esquentar o líquido. E o "último drinque de Nick" em vez de um vinho do porto ou um bom licor, acabou sendo uma xícara de café, oferecida a ele de uma maneira que não deixava dúvidas quanto à ansiedade de sua partida. E, cruzando as mãos na frente do peito, ela parou à sua frente.

— Lily pode achar que não precisa de proteção, e, é claro que já é capaz de cuidar da própria vida. Porém, quando se trata de sentimentos, ela é muito ingênua. Por isso não quero vê-la envolvida com um ator de segunda classe.

— Ator de segunda classe? Por que acha isso?

— O que mais você seria? Pode representar o pa­pel de machão ou de herói nos filmes ou novelas nos quais atua, mas a mim não engana. Tudo o que sei é que Lily se deixa levar pelas aparências e uma boa conversa. No fim sempre acaba com o coração partido!

"Ator de segunda categoria?" "Herói machão?" O que aquela mulher pretendia dizer com aquilo? Nick percebeu que era o momento de virar o jogo. Não iria permitir que alguém parecendo um rottweiler o atacasse daquela maneira.

— Então você se considera o cão de guarda de sua irmã? Acho isso muito nobre — afirmou Nick, friamente. — Mas, será que Lily aprova sua condu­ta? Ou sempre precisam discutir quando ela chega acompanhada? — Ele devolveu a xícara ao pires, sem ao menos provar o café. — Lamento desapon­tá-la, mas não sou um modelo tentando dormir com uma jovem atraente e nem um ator com problemas de identidade.

— Bem, isso não importa. Modelo, ator... Diretor precisando de alguém para o elenco... dá no mesmo. Lily acabou de sair de um relacionamento desas­troso e eu quero ter certeza de que não se envolva outra vez com alguém de muita aparência e pouco escrúpulo. Gostaria de dizer isso de uma maneira mais polida, mas é o que penso.

Nick estava acostumado a ser bajulado pelas mu­lheres e admirado pela sua personalidade marcante. Aquela noite poderia ter sido pior? Desde o escân­dalo no restaurante, que certamente faria parte da seção de "fofocas" da coluna social nos jornais do dia seguinte, até a confrontação com uma perfeita estranha que o considerava um mau-caráter, sem ao menos conhecê-lo.

Antes que ele tivesse tempo de rebater a injusta acusação, Lily irrompeu na cozinha desculpando-se pela demora. Ela transpirava frescor e alegria, próprios de sua jovialidade. Era ridículo que a irmã considerasse que Nick Papaeliou, que poderia ter a mulher que desejasse, estivesse interessado em uma quase adolescente.

— Vocês tiveram tempo de se conhecer melhor? — perguntou Lily entusiasmada.

Nick direcionou seu olhar através dos longos e espessos cílios para Rose, que insistia em observá-lo com suspeita.

Lily aproximou-se da pia e serviu-se de um copo com água. Em seguida recostou-se no balcão, para poder observá-los, enquanto servia sua água, len­tamente.

— Diria que nos relacionamos como cão e gato. — gracejou Nick.

— Ah, não! — exclamou Lily encarando a irmã:

— O pobre Nick terminou o namoro esta noite. E eu pretendia lhe oferecer apoio. Não há quem não goste de ter companhia quando está depressivo!

Nick interveio:

— Eu não estou depressivo, Lily. Meu relaciona­mento com Susanna já estava condenado há muito tempo. Eu só não esperava tanto escândalo — ele revelou, desgostoso por ter que compartilhar seus problemas com duas completas estranhas.

— Se pretendia romper o namoro, por que par­ticipou do jantar com ela? — perguntou Rose inocentemente. Nick cerrou os dentes. — Quero dizer, a pobre mulher com certeza não esperava por isso!

— Se conhecesse Susanna, a última palavra que usaria para descrevê-la seria "pobre"! — devolveu Nick com ironia.

— Bem... — Rose iniciou a frase, mas depois se arrependeu e permaneceu em silêncio.

— Bem, o quê? — insistiu Nick, ignorando a presença de Lily e olhando diretamente nos olhos de Rose.

— Deve ser horrível terminar com alguém que a gente gosta, na frente de outras pessoas. Eu sempre tive pena das celebridades que são apontadas nos jornais pela separação e que são obrigadas a "lavar a roupa suja" em público. E, de certa forma, não deve ser muito diferente na frente de amigos. Ela deve ter se sentido humilhada.

Lily temia que a discussão entre eles pudesse acabar em confusão. Nick parecia tão envolvido no assunto que ela nem parecia existir, embora estives­se bem à sua frente.

— Será mesmo? — ele indagou com sarcasmo e levantou-se.

— Já vai? — perguntou Lily. — Quer que eu chame um táxi?

— Não vai encontrar nenhum táxi a essa hora, Lily. Sabe que moramos num bairro afastado. Por que não vai deitar enquanto eu espero até Nick po­der ir embora?

— De jeito nenhum, Rose! Convidei Nick para um último drinque e não posso simplesmente ir para a cama e deixá-lo aqui.

— Eu já ofereci um drinque a ele. Quero dizer, uma xícara de café.

— Rose detesta bebidas alcoólicas... — Lily re­velou para Nick, com um sorriso. — Não é mesmo, Rose?

— Não acredito que o sr. Papaeliou esteja inte­ressado em minhas preferências.

— Prefiro que me chame de Nick.

— Você está caindo de sono, Lily. Vá dormir que eu me encarrego do sr. Pa..., digo, Nick — insistiu Rose.

— Mas... — Lily hesitou.

— Não tem mais nem menos. Você precisa acor­dar cedo. Eu não tenho nenhum compromisso ama­nhã. — E, enquanto argumentava, Rose ia condu­zindo a irmã na direção das escadas.

Decidindo ceder, Lily apenas lançou um sorriso sem graça na direção de Nick e subiu os degraus, desaparecendo em direção ao quarto.

Assim que viu a irmã se afastar, Rose ajustou o robe que mantinha sob o pijama e, empinando o nariz, retornou a atenção para Nick, que a encarou com tamanho espanto que a deixou desconcertada por um instante:

— Deixe-me adivinhar: Agora que obrigou Lily a ir para a cama é a minha vez de ser expulso, não é?

— Eu não a obriguei. Ela sabe que é o melhor para ela. E, quanto a você, vou tentar encontrar um táxi para terminar logo com isso.

Nick a seguiu até a cozinha. Rose apanhou o ce­lular e acomodou-se à mesa. Depois de consultar a agenda, discou um número e solicitou um táxi. E enquanto fazia isso, observava Nick e tentava não se intimidar com a presença dele. Ele lhe parecia o tipo de homem que conquistava as mulheres para depois abandoná-las quando não tivesse mais inte­resse, sem um mínimo de compaixão. Como deve­ria ter acontecido com a pobre Susanna, descartada como um objeto inútil na frente dos amigos.

O táxi deveria levar uns 15 minutos para chegar. Nesse meio tempo, Rose pensava em algo para con­versar a fim de passar o tempo. Porém, antes que dissesse uma só palavra, ele aproximou-se e, inclinando-se de forma a impedir que ela se retirasse, argumentou:

— Agora é a minha vez de falar.

Rose recusou-se a sentir-se intimidada, mas não podia negar que a personalidade envolvente dele lhe provocava arrepios, que iniciavam na base da coluna e se espalhavam por toda a espinha. Sen­do forçada a olhar de perto os olhos escuros de Nick, podia notar um profundo verde-esmeralda que lembrava os mistérios do fundo do mar.

— Por que você não deixa que sua irmã cuide da própria vida, em vez de ficar vigiando-a como se fosse uma criancinha? Isso não é saudável para ne­nhuma das duas! — ele exclamou, mal acreditando no que estava dizendo, enquanto ela o fuzilava com aqueles imensos olhos azuis.

Rose corou e por alguns segundos permaneceu calada, sem saber o que dizer. No fundo, ela sabia que ele tinha razão, contudo, vigiar o que acontecia com a irmã era um hábito tão antigo que passara a ser inconsciente. Quando sua mãe e o padrasto faleceram, elas eram muito jovens e foram levadas para morar com os tios, cujo estilo de vida era o de permanecerem viajando de um lugar para outro, sem nenhuma pretensão de fixar raízes. E nem mes­mo se importavam com o que as meninas faziam ou deixavam de fazer. Além disso, pelo fato de ser sete anos mais velha que Lily, desde os 10 anos Rose assumira a responsabilidade de proteger a irmã. En­tretanto, Lily agora já tinha 22. Será que ainda ha­via necessidade de prosseguir com aquela proteção exagerada?

— Francamente, não me importo com o que pen­sa a respeito da minha atitude.

— O que sua irmã diria se soubesse que está me expulsando de sua casa?

— Entenderia como um gesto de amor e pro­teção.

— Ou, talvez, entendesse como uma interferên­cia no direito dela de conduzir sua vida da maneira que acha melhor.

Rose quase explodiu de indignação:

— Quem pensa que é para julgar o que eu devo ou não fazer?

— Bem. Com certeza não sou um modelo e nem um ator de segunda categoria. E, nem mesmo, um diretor de cinema procurando por um figurante. — Nick aproveitou para arrastar uma cadeira e aco­modar-se. Mas tomou o cuidado de permanecer na frente dela, a fim de não deixá-la escapar. Onde ele pretendia chegar com toda aquela conversa, nem ele mesmo sabia.

— Não estou interessada em sua profissão, sr. Papaeliou...

— Mas eu estou interessado em lhe dizer que sou um financista, para justificar que não preci­so inventar histórias para atrair a atenção de uma mulher.

— O que quer que diga não muda o fato de que é um homem insensível e capaz de humilhar uma mulher na frente de amigos.

Nick ficou furioso. Jamais havia sido atacado de forma tão injusta por alguém que não o conhecia. Poderia afirmar sem pretender bancar o orgulhoso que as pessoas o respeitavam até demais. Com ex­ceção das mulheres em final de namoro. Como o que havia acontecido com Susanna, que agira com um histerismo inesperado. Porém, isso era algo que ele superaria sem problemas, porque sua consciên­cia estava tranqüila. Ele nunca cometia o erro de fazer promessas que não pretendia cumprir. Mas não tinha meios de provar isso para Rose. Ergueu-se lentamente e sem mais nada dizer começou a caminhar na direção do corredor que conduzia à saída principal.

Rose também se levantou e, ajustando novamente o robe, o seguiu em silêncio. Analisou por um momento o homem que caminhava na sua frente e chegou à conclusão de que ele era mais sexy do que ela imaginara. E é claro que alguém como ele não precisaria inventar histórias para conquistar uma mulher. O mesmo frio na espinha se repetiu e Rose , ficou aliviada por ter tomado a decisão certa ao tirar da frente de Lily um conquistador inveterado.

Antes de entrar no táxi, Nick despediu-se com um gesto de cabeça e agradeceu com um tom frio na voz:

— Obrigado pelo café. E não se esqueça de apro­veitar a vida em vez de desperdiçar os sábados vi­giando sua irmã.

Da maneira como estava contrariado, Nick nem mesmo percebeu o trajeto até a cobertura. Quando entrou, verificou que havia uma mensagem deixada na secretária eletrônica. Era Susanna, que pe­dia desculpas com a voz estremecida. Ele apagou o recado sem nem mesmo se importar em ouvir as justificativas.

Praguejou em voz baixa o nome de Rose. A mulher que surgira do nada em sua vida para criti­cá-lo furiosamente sem nem mesmo conhecê-lo. E agora ele não conseguia afastá-la da mente. Um homem experiente como ele, que sempre conse­guira dirigir a própria vida de maneira discreta e sensata, inesperadamente fora literalmente expul­so por uma estranha que conseguira acabar com o que restava da noite desastrada. Nem mesmo o trabalho lhe dava ânimo para prosseguir e tentar distrair os pensamentos.

Rose permanecia deitada de costas sobre o col­chão macio e com os olhos fixos no teto. Estava menos nervosa do que 20 minutos antes, quando batera a porta assim que Nick partira. Aquele ho­mem definitivamente mexera com seus sentimen­tos. Não se esqueça de aproveitar a vida, eram as palavras que ele dissera e que ficavam martelando em sua mente. Já estava com 29 anos, embora não aparentasse, mas o que estava fazendo em pleno sábado à noite? De pijamas e bancando a babá da irmã que há muito tempo não precisava de uma? Onde teriam ido parar todas as festas que deveria ter freqüentado? Será que ainda restaria alguma? Os tios Tony e Flora já haviam cansado de ligar e encorajá-la a um estilo de vida mais liberal. Já sabia de cor o que eles diriam sobre a importân­cia de aproveitar o tempo que pudesse em lazer e distração. Porém, o tipo de distração que agrada­va os tios, não era bem o que Rose considerava como certo. Ela havia desenvolvido uma verda­deira aversão a mudanças inesperadas, refeições ligeiras e vestidos ciganos, comprados nas lojas de Oxfam. E fora por essa razão que decidira pro­teger Lily e afastá-la o quanto pudesse de um tipo de vida tão inseguro. E, quando os tios resolve­ram transferir o trailer para Cornish Coast, onde ainda estavam morando, Rose decidira permane­cer em Londres e sacrificar sua juventude a fim de cuidar da própria vida e a da irmã. Trabalhou duro, freqüentou a universidade e dedicou-se o mais que podia para garantir o lar que tinha ago­ra. Segurança fora o lema mais importante para ela nos últimos anos. E era o que desejava para a irmã. Porém, via Lily entrar e sair de empregos, inscrever-se em programas de comerciais de TV para os quais nunca era chamada e viver rodeada de homens e "aproveitadores", por isso pretendia ao menos representar um porto seguro para esta­bilizar o caótico mundo da irmã.

Depois de passados alguns dias, em uma das ra­ras noites em que as duas compartilhavam um prato de massa tranqüilamente, sem que Lily precisasse sair apressada, Rose aproveitou para perguntar:

— Soube mais alguma coisa daquele homem... não me lembro o nome... que veio com você depois de uma festa em que terminou o namoro...

— Ah! Nick! — interrompeu Lily. — Nick Papaeliou. Como pode esquecer um nome como o dele? Na verdade, eu o vi por duas vezes depois daquela noite.

— Duas vezes? — perguntou Rose espantada, quase se engasgando com o espaguete. E, após to­mar um gole de água para aliviar a garganta, prosseguiu: — É mais do que eu imaginava, consideran­do que não me contou nada.

— Eu pensei em lhe contar Rose, mas...

— Mas o quê? — perguntou Rose casualmente, fingindo ignorar o olhar de culpa nos olhos da irmã, enquanto garfava outro bocado da massa.

— Achava que iria brigar comigo. Nick também teve a impressão de que não gostou nem um pouco dele.

Rose sorriu:

— Eu? Ele é paranóico, isso sim!

— Nick não é um paranóico, Rose. E um ho­mem gentil e sempre procura ajudar a todos que o procuram. — E com um sorriso matreiro ela con­fidenciou: — Ele me contou que você pensou que ele fosse um ator de segunda categoria. Gostaria de ser uma das moscas na parede para ter presencia­do a cara dele quando você lhe disse isso. Ele me confessou que ainda se sente ofendido quando se lembra disso.

— Admito que possa ter errado nas minhas con­clusões. Mas ele não me parece ser um homem muito confiável.

— O que significa "confiável" para você?

— Ah, o tipo sério e durão. Só acho que não de­vemos nos impressionar apenas pela boa aparência ou riqueza.

— Sei que está se referindo ao fato de eu me envolver com homens errados. — admitiu Lily. — Mas não é o caso de Nick. Não estou impressionada com a aparência ou riqueza dele. Apenas o considero uma ótima pessoa.

"Ótima pessoa?", pensou Rose. Será que estavam falando da mesma pessoa?

Pensou que, talvez, ele parecesse dessa manei­ra para Lily. Um rosto atraente e um físico sensu­al, provavelmente, contariam pontos para a irmã. Contudo, para ela, Nick mostrara o lado arrogante e verdadeiro.

— Se o conhecesse um pouco melhor, tenho cer­teza de que concordaria comigo. E seria muito bom se... — insistiu Lily e se mostrou reticente no que pretendia dizer.

— Seria muito bom o quê? — perguntou Rose.

— Bem, eu pretendia lhe dizer mais tarde. Mas, já que estamos falando de Nick, quero informá-la de que ele nos convidou para uma festa no sába­do. E, embora você o tenha rotulado de ator de se­gunda categoria... — Lily interrompeu-se para um riso debochado — ...ele ainda insiste que você nos acompanhe. Ele não é um encanto? E nós precisa­remos fazer compras. Parece que se trata de uma reunião particular em um clube da propriedade dele e que só participarão pessoas escolhidas. E, nós, é claro!

— Não posso ir — disse Rose de imediato. — Quero dizer... não sei se devo... — Só o pensamento de estar em um clube privativo de Nick Papaeliou a deixou em pânico.

— Não vou permitir que você recuse o convi­te dele sem lhe dar uma segunda chance. — Lily protestou e apelou para o mais antigo truque emo­cional que conhecia: — Se realmente se importasse comigo, da forma como fala, não hesitaria em me acompanhar!

 

Nick serviu-se de outro drinque. Sentia-se impa­ciente. Havia promovido aquela reunião apenas para ajudar Lily, embora não pretendesse contar a ela. Convidara algumas modelos conhecidas e em­presários interessados em descobrir talentos para o mundo do teatro e do cinema. Ninguém deixou de comparecer, ainda que o convite tivesse sido feito de última hora. As festas promovidas por Nick Papaeliou eram raras, mas muito badaladas nas colu­nas sociais. Contudo, a principal convidada e sua irmã ainda não haviam chegado.

Nick olhou novamente para a porta de entrada principal e consultou o relógio de pulso. Não era preciso ser um gênio para supor a razão do atraso. Com certeza Rose decidira não comparecer ou es­taria improvisando alguma tática no último instante para fazer a irmã desistir também. Teria sido muito mais sensato se ele não a tivesse convidado. Porém, a lembrança da última conversa que tivera com Rose o deixara tão desgostoso, que Nick encarava como um desafio mostrar a ela quem ele realmente era. E que não precisava perseguir mulheres jovens e bonitas até suas casas para conseguir ganhar pon­tos. Rose o expulsara e Nick Papaeliou não era homem de tolerar tamanha ofensa. Principalmente por conta de motivos equivocados.

Ele ainda mantinha o olhar fixo na porta, quan­do de repente ela foi aberta para Lily, trajando um vestido curto de seda azul-claro e um decote discre­to. Percebeu que ela percorria o salão com o olhar, provavelmente na expectativa de avistá-lo. Nick es­tendeu o pescoço para poder espiar se Rose estava atrás dela ou não. Terminou o drinque e seguiu para a entrada a fim de recepcioná-la. Somente quando chegou muito perto é que pode ver Rose meio es­condida atrás da porta.

— Ah, até que enfim! — ele exclamou dando um sorriso cordial para Lily. Em seguida deu mais um passo na direção de Rose, que parecia insegura por estar ali. — Estou surpreso que tenha vindo! Imagi­nava que acabaria desistindo por não apreciar esse tipo de diversão!

Nick nem imaginava o quanto estava certo. Du­rante os quatro últimos dias, Rose havia feito inúme­ras tentativas de escapar da promessa feita à irmã de acompanhá-la na festa promovida por Nick. Primeiro a de que não tinha um vestido adequado para a oca­sião; depois, a desculpa de que não queria atrapalhar o relacionamento dela com os amigos; e, por fim, o fato de não se sentir à vontade em uma festa repleta de moças bonitas e ansiosas por conhecerem alguém que lhes abrisse caminho no mundo artístico.

Entretanto, a grande verdade era a que Rose não desejava ver Nick outra vez. Ela desaprovava o envolvimento dele com a irmã, e sabendo o quanto ele era arrogante, imaginava que a trataria com distân­cia e descaso.

No entanto, agora que o percebia tão gentil, o ressentimento que guardava parecia ter desvaneci­do como a neve sob o sol.

Nick estava magnífico! Em vez do terno social que ela esperava encontrá-lo, trajava calça preta es­portiva e uma camisa branca, com os punhos dobra­dos até a altura dos cotovelos. O bronzeado da pele o tornava ainda mais sexy.

— Tem razão. Festas não fazem o meu tipo pre­ferido de entretenimento. — confessou Rose, ten­tando não franzir o cenho.

— Bem, de qualquer forma, que tal entrarem para conhecer todo aquele pessoal maravilhoso?

Lily respondeu com um sorriso entusiasmado e logo aceitou o braço que Nick oferecia. Rose olhou para o outro braço que ele também ofertava e, fin­gindo ignorar, preferiu segui-los sozinha e a uma distância segura.

Ela já estava se sentindo deslocada por causa das roupas escuras e folgadas que usava para es­conder uns quilinhos a mais e a sua baixa estatura. Não precisava que a olhassem com curiosidade e se perguntassem quem seria a "gordinha" ao lado do atraente anfitrião? Lily poderia tranqüilamente acompanhar Nick com toda a segurança. Era alta, charmosa e esbelta. Enquanto Rose era exatamente o oposto.

Depois de conduzi-las a um canto agradável do balcão no bar, de onde se podia avistar todo o salão, ele ofereceu:

— O que gostariam de beber?

— Champanhe estará ótimo para mim — res­pondeu Lily de imediato, enquanto girava os olhos ao redor, tão entusiasmada quanto uma criança em uma loja de brinquedos.

— E para você?

— No momento não quero nada, obrigada — res­pondeu Rose.

— Não concordo — ele gracejou com um olhar divertido. — Vou lhe trazer um pouco de vinho branco. Ajuda a relaxar.

— Estou bem. — Rose mentiu e ele abriu um sorriso largo.

— Nesse caso, está fazendo uma imitação per­feita de alguém que gostaria de estar em qualquer outro lugar que não fosse aqui.

E dizendo aquelas palavras Nick afastou-se para buscar os drinques. Sentia-se realizado. Jamais se gabara de seu altruísmo, e embora costumasse fazer polpudos donativos para casas de caridade, deixava a administração por conta de seus advogados. Po­rém, ele fizera questão de organizar pessoalmente a festa para ajudar Lily, contudo, não esperava nada em troca. Com exceção da gratidão dela. Apesar de que gratidão era algo com que nunca contava e nem mesmo esperava de ninguém. No fundo, ser uma boa pessoa já era bastante recompensador. E, é claro, que um pouco de admiração de Rose seria muito gratificante.

Quando Nick voltou, Rose estava no mesmo lu­gar e sozinha.

— Lily sumiu! — exclamou Rose, assim que ele se aproximou.

— É. Estou vendo.

— Parece que ela reconheceu um grupo de ami­gos do teatro.

— Que indelicadeza de Lily em não apresentá-la — salientou Nick.

— Bem... Eu falei para ela ir adiante — improvi­sou Rose com ar de desafio. — É importante para ela se entrosar com o pessoal. Parece que é assim que funciona no mundo dos artistas. Não se deve comparecer a uma reunião dessas e perder a oportu­nidade se escondendo em um canto qualquer. — Ela argumentou enquanto aceitava a taça de vinho que ele lhe oferecia. A outra taça que continha cham­panhe, Nick depositou no balcão. Muitos bancos estavam vagos. Rose imaginou que em festas como aquela o pessoal preferia circular e agrupar-se em pequenos círculos para conversarem.

— Com certeza é preciso formar uma rede de co­municação para se obter sucesso.

— Bem... Eu realmente não pretendo formar ne­nhum tipo de comunicação como essa. Mas não que­ro que se prenda por minha causa.

— Eu não preciso de entrosamentos. — decla­rou Nick, dando de ombros. — Apenas os convidei para que se divirtam. Pode ser que haja oportunida­des que interessem uns aos outros. Os artistas pre­cisam de empresários. Os empresários de pessoas ricas que os financiem. Por essa razão os homens de negócio são cobiçados pelas modelos que são fascinadas por se tornarem celebridades...

— E você fica apenas observando-os — inter­rompeu Rose com ar de crítica.

— E o que há de errado nisso?

— E que fica parecendo um cientista olhando para o resto do mundo através de um microscópio, examinando as pessoas como se fossem pequenos insetos.

Nick franziu o cenho diante do olhar frio que ela lhe lançava:

— Sabe de uma coisa? Acho que eu não deveria deixar você livre por aí, com toda essa habilidade de julgar as pessoas da maneira errada.

Rose corou.

— Não tinha percebido que estava julgando você de forma errada. Apenas quis fazer uma ob­servação.

— A única maneira de acertar no julgamento de alguém é desenvolver a capacidade de entender as pessoas como elas realmente são — argumentou Nick, encarando-a diretamente nos olhos.

Ele permanecia intrigado com a personalidade de Rose. E isso comprovava o fato de que ele precisa­va de um pouco de agitação em sua vida. Ganhar dinheiro já não era o suficiente para ele. Quando concluía negócios milionários havia um pouco de adrenalina, mas durava apenas pouco tempo. E, quanto às mulheres que conhecia, havia muito pou­co a descobrir. Pelo menos até agora. Por isso, re­solveu despender mais alguns minutos com Rose, tentando amenizar a aversão dela em relação a fazer amizades. Em outras palavras, mais como uma boa ação.

— Ah, é mesmo? — ela questionou com polidez, mas demonstrando desinteresse pela conversa.

Nick mais uma vez franziu o cenho, estranhando a indiferença que podia sentir naquele tom de voz.

— Veja você, por exemplo — ele apontou. — Está aqui, odiando cada momento dessa festa, só para satisfazer Lily, que por sua vez é teimosa como uma mula...

Rose interrompeu-o:

— Não sei aonde pretende chegar com essa con­versa. Já lhe disse que não gosto de reuniões e...

— Mas adora se colocar acima dos outros. E aposto que no fundo se sente frustrada e desajeita­da. Não estou certo? — desabafou Nick, perdendo o controle. Desde quando uma mulher poderia con­siderar sua companhia entediante? Isso era incon­cebível!

— Não. Não está certo! — Ela jamais deveria ter colocado aquele vestido escuro e solto. As mulhe­res magras poderiam usá-los sem problemas, por­que todos sabiam que por baixo da roupa haveria um corpo esbelto. E é claro que ela estava se sentindo muito mal no meio de tantas mulheres elegan­tes. Não era preciso que ninguém lhe dissesse isso. — E, a propósito, por que foi que me convidou se já sabia que eu não me sentiria bem em uma festa como essa? Se acaso acha que desenvolveu a capa­cidade de entender as pessoas, como você mesmo apregoa, já deveria prever que eu não me encaixaria nesse tipo de reunião.

— Talvez porque eu achei que você deva enfren­tar seus medos.

— Ah! Então quer dizer que está querendo me fazer um favor?

— E, pelo jeito, não está nem um pouco agra­decida.

Rose bebeu o último gole do vinho, de uma ma­neira inapropriada para uma mulher. Em seguida, apanhou a taça de champanhe que Nick havia dei­xado sobre o balcão e sorveu um grande gole. Es­tava furiosa só em pensar que ele estava zombando dela e achando-a sem graça e desajeitada. Quando acabou com o champanhe espiou ao redor para ve­rificar se havia algum garçom por ali, para solicitar outro drinque.

— Venha. Vamos circular um pouco — anunciou Nick com a voz aborrecida.

— Não se preocupe comigo.

— Mas eu me preocupo. — As duas taças de bebida haviam provocado uma coloração rubra na face de Rose. — Organizei a festa e é meu dever assegurar que ninguém seja deixado sozinho num canto do salão, bebendo até se embriagar.

Rose sentiu o calor da face se espalhar por todo o seu corpo. Ela era acompanhante de Lily e por conseguinte uma convidada dele também. Se ela perdesse o controle poderia prejudicar a imagem da irmã e arruinar a noite de Lily. A sensação de leve­za provocada pelo álcool subitamente a abandonou. Estava sendo tola demais.

— Não pretendo me embriagar. Não vou emba­raçá-lo na frente de seus distintos convidados.

— Embaraçar a mim?

— Sim. Se eu beber demais e cair no chão.

— E por que eu ficaria embaraçado se seria você quem daria o espetáculo? — Ele suspirou impa­ciente e a conduziu até uma das mesas espalhadas em outro ambiente e insistiu que Rose se acomo­dasse. Ela era tão teimosa que Nick se surpreendeu por estar se importando em protegê-la embaixo de suas asas. Talvez fosse por causa de Lily. Para ele, tanto fazia se ela quisesse beber até cair, porém, para a irmã seria um desastre. Então, como um bom cavalheiro, poderia deixar de lado a função de anfitrião por uns momentos e perder alguns ins­tantes com Rose. Afinal, os convidados pareciam estar bem à vontade.

— Pensei que devesse estar recepcionando os convidados — comentou Rose, enquanto observa­va o copo com suco de laranja, que, misteriosamen­te, surgira em sua frente. — Não estou sendo uma pessoa sensata, não é?

Nick sacudiu a cabeça e repousou um braço no espaldar da cadeira que ela ocupava.

— Bem, você também não é!

Nick sorriu e ergueu as sobrancelhas:

— Esse é o pior pedido de desculpas que já ouvi!

— Não estava pedindo desculpas.

— Ah! Então vamos considerar como uma auto-analise.

Rose decidiu mudar de assunto.

— Este local é bem sofisticado.

— Não diga que resolveu de repente ser uma pes­soa gentil e polida.

Como se ele não tivesse dito nada, Rose pros­seguiu:

— Como conseguiu ganhar tanto dinheiro?

— Força de vontade, audácia e muito tato.

Rose não estava acostumada a flertar, por isso, quando sentiu o impacto do olhar expressivo de Nick repousar em seu rosto, ficou desconfortável e assustada ao mesmo tempo. Podia parecer loucura, mas o coração disparou de tal maneira que parecia um tambor dentro do peito.

— E, como fez isso? — ela insistiu.

— Trilhando meu próprio caminho para conseguir sair... — Nick fez um aceno para um garçom que es­tava próximo e pediu um uísque com soda.

— Sair de onde?

— É uma longa e entediante história.

— Parece que não gosta de expor sua vida a ou­tras pessoas. Mas não se importa em observar a dos outros, não é?

Na verdade, Nick não era adepto de confidenciar sua vida com ninguém, principalmente em se tra­tando de mulheres. Contudo, seu passado não era segredo. Qualquer um que acessasse seu site na Internet saberia como obtivera sucesso financeiro. Por isso, resolveu satisfazer a curiosidade que ela demonstrava.

— Sou filho de um imigrante grego que se apai­xonou por uma bela moça inglesa. Eram pessoas simples que batalharam muito para que eu pudesse freqüentar uma escola particular. Não há muito que dizer.

— Isso é maravilhoso! —Acha mesmo?

— Claro que sim! — Ela preferia pensar que ele teria se saído bem em qualquer escola que freqüen­tasse. Porém, o que achava fantástico era a sorte dele ter tido pais dedicados a fazer qualquer coisa pela educação do filho. — E, onde estão seus pais, agora?

— Faleceram há algum tempo. — ele revelou distanciando o olhar. Não gostava de tocar no as­sunto que o entristecia.

— Sinto muito.

— Se não se importa, agora preciso cuidar dos convidados. Quer que eu a apresente a algumas pes­soas ou prefere ficar por aqui?

— Vou procurar Lily. Sinto por ter tomado muito do seu tempo.

Nick ergueu-se e sem dizer mais nada seguiu para o meio do salão.

Rose contornou os pequenos grupos que conver­savam animadamente, cada pessoa com um drinque nas mãos. Quase ninguém a notara. Ela realmente se sentia invisível naquele meio artístico. Avistou Lily acompanhada de alguns homens bem vestidos. Ela ouvia mais do que falava. E estava perfeitamen­te sóbria. O que era muito bom, pensou Rose. Era uma excelente oportunidade de conhecer pessoas influentes que a ajudassem a construir a carreira que tanto desejava. Quanto a ela, não via a hora em que a noite terminasse para poder voltar para casa e retomar sua rotina.

Prosseguiu vagando mais um pouco pelo salão e, depois de beber mais duas taças de vinho, concluiu que a conversa que ouvia do pessoal não era tão fútil quanto imaginava. Presumia que Nick deve­ria estar observando-a de algum lugar, contudo não conseguiu descobrir onde ele estava.

Por volta da meia-noite, ela estava pronta para ir embora. Mas parecia ser a única a querer encerrar a noite. As bebidas ainda eram fartamente servidas. Lily estava absorta em uma conversa com um casal e não demonstrava o mínimo sinal de cansaço. E Rose já não agüentava mais ouvir tantas histórias sobre astros de cinema, diretores de teatro e tudo o mais que se referia ao mundo artístico. Já havia experimentado diversos petiscos que considerara os melhores que já provara. E quanto à bebida, já consumira o suficiente. Agora só o que desejava era ir embora. Porém, depois de tentar inutilmente cha­mar a atenção de Lily, acabou desistindo e se enca­minhou para fora do salão, em busca de um pouco de ar fresco.

Do lado de fora havia um corredor circular, atra­vés do qual ela resolveu caminhar um pouco. Notou várias portas fechadas ao longo do trajeto, que da­vam a impressão de se tratarem de salas comerciais. Havia decidido dar um passeio de mais ou menos uma hora e meia, para proporcionar um tempo maior para Lily, antes de chamá-la para irem embora. Quando notou, através do vão entre a porta e o piso, que havia luz em uma das salas, não resistiu à curiosidade e decidiu empurrar um pouco a porta para verificar se estava aberta.

Não sabia o que esperava encontrar, mas com certeza não seria Nick acomodado em uma escriva­ninha à frente de um computador.

— Oh, desculpe! — Rose exclamou e fez men­ção de se retirar. Porém, eleja havia arrastado a ca­deira e a olhava intrigado. Ela sentiu que deveria dar-lhe uma explicação, porém as palavras não a acudiram.

Nick afundou as costas no espaldar da cadeira e cruzou as mãos atrás da cabeça.

— Procurando alguém? — ele perguntou em um tom jocoso e as sobrancelhas erguidas.

Rose limpou a garganta com um pequeno ruído.

— Não. E que...

— Apenas fugindo do barulho? Se quiser pode entrar e fechar a porta. — Diante da hesitação dela, ele acrescentou: — Não se preocupe, eu não mordo. A menos que seja convidado, é claro.

Rose pretendia agradecer o convite e retirar-se sem maiores delongas. Sabia muito bem o perigo que representaria ficar a sós com ele naquela sala. Contudo, uma força estranha fez com que ela en­trasse e trancasse a porta. Porém, logo depois, sen­tiu as pernas fraquejaram e se recusarem a prosse­guir na direção da cadeira que ele apontava para que ela sentasse.

— Obrigada. — ela finalmente conseguiu se con­trolar e depois de se sentar explicou: — Estava to­mando um pouco de ar e... bem... vendo que havia uma luz acesa... Mas o que está fazendo aqui?

— O que acha que estou fazendo?

— Não considera uma atitude rude trabalhar du­rante a própria festa que está oferecendo?

— Acredito que ninguém vai notar ausência do anfitrião — defendeu-se Nick, enquanto permane­cia com o olhar fixo nela.

Rose estava se sentindo tão mal naquele vestido que se arrependera amargamente de tê-lo comprado. Em vez de escolher algo que a destacasse, como a maioria das mulheres faria, ela preferiu um modelo em que se escondia literalmente. Nick se pergunta­va como seria a verdadeira Rose sob aquelas roupas escuras e folgadas. E, antes de prosseguir, deu um suspiro involuntário.

— Além do mais, não tive escolha. Precisava es­perar um telefonema urgente da Austrália antes de enviar algumas informações por e-mail.

— Nunca pára de trabalhar?

— De vez em quando. — Ele respondeu e tentou disfarçar que olhava para os seios de Rose, notan­do os bicos enrijecidos por baixo do tecido. O que lhe perturbava a atenção. — Lily parece estar se divertindo.

— Oh, sim. E está!

— Quanto a você, imagino que está achando isso tudo muito... sem graça.

Rose encolheu os ombros.

— Nem tanto — respondeu com polidez.

— Então por que parecia tão aborrecida?

— Estava me espionando?

Nick não gostou da entonação que ela usou na voz.

— É meu dever observar os convidados para ga­rantir que estejam se divertindo.

— Se é assim, fico surpresa por ter abandona­do a festa para trabalhar. — Novamente ela teve a desagradável sensação de que ele a olhava com piedade. — De qualquer forma, acho que está enganado. É sempre interessante conhecer pessoas diferentes.

— Não sei por que tenho a impressão de que o que está me dizendo não é realmente o que acha.

Ela não respondeu.

— O que faz para viver? — ele perguntou.

— Como?

— Qual é o seu trabalho?

— Eu... trabalho com computadores. — Rose sa­bia que sua resposta fora muito vaga, mas o que po­deria dizer para alguém tão bem situado no mundo da comunicação?

— Isso é muito bom... Mas, o que faz exatamente com computadores?

— Nada de especial.

Diante das claras evasivas, Nick sabia que deve­ria desistir, contudo, não conseguiu resistir à tenta­ção de prosseguir e descobrir um pouco mais sobre a enigmática Rose:

— O que isso significa?

— Olhe, sei que provavelmente sente pena de mim...

— Por que eu deveria sentir pena de você?

—Porque não me encaixo nos seus padrões de mulheres interessantes.

—Não foi você quem disse que é muito interes­sante conhecer pessoas diferentes?

— Está bem. Já que insiste em saber, posso lhe dizer que faço um pouco de tudo. Programas, sistemas de atualização, desenvolvimento de sites... — Quando ela percebeu que estava praticamente recitando um currículo entediante, encerrou com uma única frase: — É realmente muito apaixonante.

— Tenho certeza disso — concordou Nick com um sorriso. — É curioso saber que você e sua irmã tenham se decidido por caminhos completamente opostos. Computação e representação artística...

Rose deu de ombros e levantou-se.

— Preciso ir e encontrar Lily. Já é muito tarde.

Nick descobriu, então, que ela era uma mulher inteligente e devotada a uma carreira sólida. Com freqüência ele contratava advogadas para concluir seus negócios. Muitas delas tentavam flertar com ele, porém Nick nunca se interessara em ter ne­nhum tipo de relacionamento com elas fora do escritório. Preferia namorar mulheres bonitas e não tão cultas em seus momentos de lazer, e que não lhe trouxessem nenhum tipo de desafio mental. Já enfrentava demasiadas pressões psicológicas em seu trabalho.

E era assim que pretendia continuar em seus rela­cionamentos amorosos.

Contudo, no momento, estava curioso em saber o que a pequena "prodígio" em computação fazia em seus momentos de folga.

— Não gosta de curtir a noite? — ele perguntou com a voz branda.

Rose sentiu-se um pouco irritada com a ironia que percebeu na pergunta.

— Não se trata disso — ela mentiu. — É que existe um limite de tolerância que não consigo ul­trapassar quando converso com pessoas de idéias diferentes, com as quais não tenho interesse em compartilhar nada.

— E o que gostaria estar fazendo neste exato momento?

— Para dizer a verdade, dormindo.

— Com alguém em particular?

Rose ficou boquiaberta com a audácia da pergun­ta que ele formulara, mas que depois de pronuncia­da pareceu inundar o ambiente como uma tensão luxuriosa.

— Não acho que isso seja de sua conta — ela, finalmente, conseguiu dizer. E com a face corada caminhou na direção da porta, tentando manter a cabeça erguida. Ele podia ser mais do que um mi­lionário, mas isso não lhe dava o direito de dizer o que quisesse e perguntar o que quer que fosse sem a mínima discrição.

Ela percebeu que ele a seguia e antes que al­cançasse a saída Nick bloqueou a passagem com o próprio corpo. Ela cerrou as mãos para controlar os nervos.

— Eu gosto de saber de coisas que não sejam da minha conta — murmurou Nick, vagarosamente. — Conte-me o que faz em suas horas vagas. Princi­palmente à noite...

Nick inclinou a cabeça e Rose pensou que fosse sufocar de emoção. Será que ele estava brincando com ela? Só poderia ser isso, ela concluiu. Com certeza não estaria interessado no que ela fazia em seus momentos de lazer. Provavelmente, estava en­fadado com a própria festa e resolvera se divertir um pouco à sua custa. Mas como faria para sair dali se ele bloqueava a porta como se a estivesse apri­sionando feito um carcereiro sádico?

Rose o considerou repulsivo. Claro que ele era um homem muito bonito e transpirava charme por todos os poros, capaz de enfeitiçar as mulheres e transformá-las em robôs a postos para fazer o que quer que ele desejasse. Mas para Rose, ele signi­ficava alguém que ficava feliz em brincar com as pessoas, apenas pelo prazer de conquistá-las.

— Não preciso ter que fazer alguma coisa fora do trabalho — ela respondeu friamente. — Lily costu­ma freqüentar as danceterias.

— E você? Freqüenta o quê? — ele insistiu.

Nick percebia que ela enrubescia cada vez mais, contudo nunca vira uma mulher que fizesse tão pouco caso da atenção que ele lhe estava dispen­sando. E, sem querer, isso implicava em um desafio divertido.

— De vez em quando um barzinho com mi­nhas amigas. Mas não preciso beber em excesso, nem ouvir músicas em volume alto para poder me divertir.

Nick notava o sarcasmo contido naquelas pala­vras e isso o divertia ainda mais.

— E o que faz depois que sai do bar?

— Como assim?

— Quando começa a ver o mundo girar em sua volta?

— Eu não vejo o mundo girar em minha vol­ta! — ela exclamou rangendo os dentes. Depois se lembrou de que ele só a estava provocando e a última coisa que faria seria entrar no seu "jogo". — E se eu pretendesse me embriagar até ver o mundo girar, garanto que teria mais amarguras do que diversão. Estou cansada de ver as pessoas se embebedarem e depois ficarem se lamentando da vida.

— Está se referindo a alguém em particular?

— Não. Mas se entrar no salão agora mesmo po­derá ver alguns dos seus amigos nessa situação.

Se ela pretendia insultá-lo, estava equivocada, porque Nick caiu em uma risada estrondosa. E, vendo-o sorrir de um jeito tão descontraído, Rose sentiu a pele se arrepiar por conta de uma inespera­da excitação.

— Ainda bem que achou divertido — ela comen­tou, esperando que ele não percebesse o nervosismo em sua voz. E, embora não soubesse bem a razão, precisava sair dali o mais rápido possível.

— E é divertido — ele concordou ainda com um soluço de riso na voz. — Mas você não respondeu à minha pergunta.

— Não percebi que havia feito uma pergunta — ela respondeu com um suspiro exagerado de quem está no limite de perder a paciência.

— Perguntei o que faz depois que sai do bar. Na solidão do quarto. Após alguns copos revigorantes de água mineral.

Na verdade, Nick havia se retirado da festa ape­nas para se aliviar do barulho. Promovera a festa apenas para beneficiar Lily. Estava admirado con­sigo mesmo por estar se tornando tão altruísta. O trabalho sempre representava um refúgio aprazível para ele. No momento, porém, trocara o trabalho pela curiosidade sobre a mulher em sua frente, que mal conseguia disfarçar a vontade de socá-lo o mais forte que pudesse. E ele estava certo de que ela teria condições de dar-lhe um murro perfeito. Nada de tapinhas leves e femininos antes de explo­dir em lágrimas, como faria qualquer outra mulher que conhecesse.

— Não sei o que você está falando e acho que de­veria voltar para o salão antes que seus convidados iniciem uma busca.

— Considerando que os convidados devem estar embriagados nesse momento, acho difícil sentirem a minha falta. E, quanto a você, acho que quando sai do bar e deixa suas amigas, volta para seu quarto e sonha com uma noite de amor, não é?

— Já lhe disse que não é da sua conta! — Agora sim é que ela deveria sair correndo dali, antes que fosse tarde. Algo fora de controle estava acontecen­do e ela não sabia bem o que era, mas podia pres­sentir o perigo.

Felizmente, Nick resolveu ceder e liberar a pas­sagem. Até abriu a porta para ela como gentileza, mas antes que ela cruzasse o vão ele inclinou-se e sussurrou em um dos seus ouvidos:

— Devo encarar isso como uma recusa?

Rose pôde sentir o hálito quente da boca sensual de Nick e estremeceu. Sentiu vontade de correr, po­rém, controlou-se e seguiu com passos lentos sem se importar em responder.

 

Rose olhava furiosa para a tela do computador. Em vez de enxergar o programa que estava exe­cutando, só o que a mente captava era a imagem de Nick Papaeliou. Já não bastava o fato dele tê-la perturbado na festa, uma semana antes, ele ainda continuava a atormentar seus sentimentos, o que a impedia de trabalhar. Ela não conseguia entender a razão daquela obsessão, já que evitara comentar com Lily qualquer coisa a respeito dele. E, pelo que sempre ouvira dizer, longe do pensamento, longe do coração.

A empresa na qual trabalhava não era uma da­quelas empresas em que um vigiava o outro e por isso, ninguém poderia saber que ela estava com o olhar fixo no mesmo ponto por mais de 15 minutos. Aliás, sentia um verdadeiro pavor em trabalhar em uma daquelas modernas companhias de informática, embora seus amigos a aconselhassem a fazer isso. Eles diziam que seria melhor para desenvolver seu talento. Rose, porém, considerava a hipótese com certa reserva. Afinal, a Fedco, seu local de trabalho há mais de cinco anos, lhe inspirava segurança pelo porte, embora se sentisse mais como um número do que propriamente uma pessoa, em meio aos inúmeros funcionários e a vastidão das instalações. Além disso, o acesso fácil de carro evitava o transtorno de precisar utilizar o sistema público de transporte londrino.

Ela franziu as sobrancelhas até formar uma pro­funda ruga entre os olhos e consultou o relógio. Não costumava ter pressa para sair do trabalho, mas, na­quele dia em particular, estava tão estressada que não via o momento de chegar em casa e estirar-se no sofá para descansar as pernas e ver TV. Quem sabe assim pudesse afastar o pensamento do arro­gante namorado de Lily.

Faltavam apenas 15 minutos para encerrar o expediente, quando Maggie aproximou-se de sua mesa e falou baixinho que havia um homem espe­rando na recepção para falar com ela.

— Ele disse o nome? — perguntou Rose e apro­veitou para cobrir o computador e apanhar seus per­tences pessoais.

— Não. Mas posso garantir que é muito sexy!

— Não conheço nenhum homem sexy... como ele é?

— Bem... Alto, bronzeado e lindo de morrer!

— Que "diabos" ele está fazendo aqui? — Rose praguejou e logo sentiu a face esquentar.

— Ele quem?

— O namorado da minha irmã — explicou Rose, enquanto apanhava algumas fichas e as colocava dentro de sua bolsa. — É o homem mais arrogante que existe na face da Terra!

— Então Lily fisgou mais um peixão! — excla­mou Maggie e distraidamente teceu um comentário desastrado. — Deve ser difícil ter uma irmã com a qual não se possa competir. Ah... quer dizer...

— Eu sei o que quer dizer, Mags. E tem toda a razão. Lily é linda, educada, meiga e... difícil de se competir. Embora eu deva lhe dizer que com relação a esse homem, nenhuma mulher em sã consciência lutaria por ele. É do tipo que conside­ra as mulheres como artigos descartáveis. — En­quanto ela falava, observava os funcionários que começavam a abandonar o trabalho, alegres e fe­lizes na expectativa do fim de semana. — O que quero dizer é que o melhor que uma mulher faria com um homem dessa categoria seria manter a máxima distância.

— Obrigado pela consideração!

A voz de Nick soou tão próxima que Rose tor­ceu para estar enganada. Girou o corpo devagar e constatou que ele estava bem atrás dela. Maggie, de uma maneira comportada, desculpou-se e saiu rapidamente da presença do homem que mantinha as feições severas. Rose gostaria de fazer o mesmo, porém, como era impossível, resolveu disfarçar o embaraço, perguntando:

— O que está fazendo aqui? Lily está com você?

— Não. Ela deveria estar?

— Então o que está fazendo? Espionando? — ela retrucou, imaginando que o ataque seria a melhor defesa. Ao mesmo tempo observou que ele deve­ria ter vindo diretamente do trabalho, porque estava surpreendente-mente lindo naquele terno azul-marinho e camisa social de seda branca. Além de muito sexy. Talvez as pessoas ricas tivessem um aspecto diferente ao findar o dia de trabalho, ela conside­rou, comparando-o com o estado em que ela mesma se encontrava: cabelos desalinhados e maquiagem desfeita. Além do batom que havia desaparecido entre o café-da-manhã e o sanduíche devorado às pressas na hora do almoço.

— Precisamos conversar sobre... Lily...

— Lily? Por quê? O que aconteceu?

— Será que poderíamos ter essa conversa em algum outro lugar? — Nick decidiu que discutiria sobre os insultos depois. Por enquanto o que mais interessava era sair do confinamento do trabalho dela. Nem precisava olhar ao redor para notar que a presença dele estava atraindo a curiosidade dos colegas de Rose e isso daria a ela uma enorme mu­nição para atacá-lo ainda mais.

Ele mesmo se perguntava o que estava fazendo ali e se expondo ao ridículo. E tudo por ter se envol­vido com duas irmãs que conhecera a menos de um mês. Ele até poderia entender Lily, uma moça linda, agradável, que o ajudara muito a afastar o aborre­cimento no dia do escândalo com Susanne. Mas e quanto a Rose?

— Não. Não pretendo ir a lugar algum com você. O que você tem a dizer pode falar aqui mesmo. — Ela determinou, temerosa do que poderia ouvir. Drogas, dívidas, gravidez... "Deus!", seria possível que Lily estivesse grávida dele e sem coragem de contar? Tentou lembrar-se de quanto tempo fazia que a irmã o conhecia.

— Melhor aceitar minha sugestão.

— Já disse que não vou a lugar algum com você!

— Tudo bem. Só pretendia lhe fazer um favor, mas já que é assim, vou dar meia-volta e deixá-la sozinha com sua teimosia.

— Não se trata de teimosia. É que ainda tenho trabalho a fazer.

— Com o casaco e a bolsa nas mãos e o compu­tador desligado?

Rose corou e desviou o olhar. Quanto mais discutia com ele, mais chamava a atenção dos colegas.

— Qual é o problema? Por que Lily não veio para falar por si mesma?

— Não teve coragem e pediu que eu intercedesse. Agora vamos embora daqui. Rose resolveu concordar e menos de cinco minu­tos depois eles abandonavam o edifício. Ela não se conformava com o comportamento da irmã. Sem­pre foram tão confidentes... pelo menos até aquele homem aparecer em suas vidas.

— Quer que eu o siga com o meu carro? — per­guntou Rose.

— Meu motorista está aguardando. Poderemos seguir juntos no meu carro e depois a trago de volta para apanhar o seu.

Rose abriu a boca para protestar, porém percebeu que ele estava justamente esperando que ela fizesse isso.

— Está bem — ela concordou.

— Está bem? Que surpresa! Pensei que fosse le­vantar a bandeira feminista de que é capaz de dirigir seu próprio carro!

— Não costumo levantar bandeiras feministas. Apenas luto pelas coisas que acredito. E para dizer a verdade, não gosto quando me impõem o que devo fazer.

— Da mesma maneira que eu não gosto de ouvir fofocas a meu respeito, pelas minhas costas. Po­rém, é bom saber que de alguma maneira pensa em mim.

— Eu não penso em você!

Naquele instante eles alcançaram o carro de Nick e ele abriu a porta traseira do veículo para que ela entrasse. Depois, contornou o carro e en­trou pelo outro lado, acomodando-se ao lado dela. Percebeu que ela ajustou o casaco numa atitude reservada.

Nick havia saído mais cedo do trabalho para fa­zer um favor para Lily. Mas não se arrependera. Es­tava até se divertindo com a atitude defensiva que Rose tomava. Afinal, era algo novo para ele, que já estava cansado de ter o que queria no momento em que desejasse.

— Aonde vamos? — ela quis saber.

— Se preferir, estamos próximos de sua casa. Po­deremos ter uma conversa em sua sala de estar.

— Não. Há uma lanchonete no caminho que se­ria ideal. É o Joe's Brasserie e nessa hora deve estar tranqüilo para podermos conversar.

Nick concordou e pediu que ela orientasse o motorista.

Houve um silêncio e ela desviou o olhar para a janela a fim de distrair a atenção das coxas musculosas dele, tão próximas das suas. Esta perturbação a fazia se sentir culpada. Ele pertencia a Lily e ao mundo dela. Não deveria estar nem mesmo pres­tando atenção nos atributos físicos de Nick, embora pudesse dar a desculpa de ser apenas um instinto de mulher. Nem mesmo gostava daquele homem arrogante!

— Parece estar tão tensa! É porque está sentada comigo nesse banco de carro?

— Claro que não! Estou tensa pois não sei o que tem a me dizer sobre Lily.

— Então que tal espairecer e me contar alguma coisa sobre o seu trabalho? Não sabia que trabalha­va em uma empresa tão grande.

Rose deu de ombros.

— Gosto do que faço e o tamanho da empresa não me incomoda. E quanto à sua empresa?

Nick sorriu.

— Digamos que fui mais cuidadoso no projeto.

— Como assim?

— Projetei uma distribuição melhor dos depar­tamentos.

— Você mesmo fiscalizou a obra?

— Sim. Cada estágio tinha que ser aprovado por mim. Consegue me imaginar visitando andar por andar e pressionando os funcionários até que a obra ficasse da maneira que eu queria?

— Nem preciso me esforçar para imaginar como deve ter sido sufocante para os coitados. Basta olhar para você.

Nick deu uma gargalhada estrondosa e lançou um olhar divertido para Rose. De todas as mu­lheres que passara em sua vida, não conseguia se lembrar de nenhuma que o fizesse se sentir tão relaxado.

Pouco tempo depois, eles entravam no Joe's Brasserie e Rose ficou satisfeita ao notar que ha­via muitas pessoas. Pelo menos não precisaria en­frentar o desconforto que sentia ao ficar sozinha com ele.

— E então? — ela foi logo ao assunto, assim que sentaram em uma mesa circular cromada, depois de a garçonete anotar seus pedidos. — O que queria contar sobre Lily?

— Estou vendo que não perde tempo! Quando Lily lhe contou sobre... nosso relacionamento?

— Ela não me disse nada. E eu também não tive o mínimo interesse em perguntar.

— Que estranho, considerando que você fala so­bre mim até com colegas de trabalho!

Rose ficou sem graça, mas sustentou o olhar:

— Lily não gostaria de ouvir minha opinião e não quero brigar com ela.

— Quanta discrição, estou admirado!

— Bem, eu sei que vocês saem juntos, mas não tenho idéia do quanto estão envolvidos. Por acaso está tentando falar que o que tem a me dizer é... sério?

— Muito sério! — exclamou Nick e reclinou as costas no espaldar da cadeira enquanto sorvia um gole de cerveja, apreciando o frescor da bebida. — Agora acho que irá começar com a história de que sou um lobo mau.

— Só acho que a própria Lily poderia falar comigo.

— Talvez ela esteja com receio de que você não aceite a notícia.

— Foi o que ela disse?

— Não. Mas sou capaz de ler nas entrelinhas.

— Você não sabe nada sobre o bom relaciona­mento que temos. Somos confidentes. Lily sempre aceita de bom grado todas as minhas opiniões.

— Entendi o que você está dizendo. Você faz as regras e Lily apenas obedece.

Rose sentiu vontade de mandá-lo para o "infer­no". Contudo conseguiu conter o ímpeto e falar com moderação. Não seria conveniente discutir com o homem que talvez viesse a ser seu cunhado.

— Apenas diga logo o que tem a dizer. Se ela está grávida, espero que seja homem o suficiente para se casar com ela.

Pela primeira vez, Nick ficou sem palavras. Rose notou a expressão confusa no rosto dele, porém es­perou que ele se pronunciasse primeiro. E o que ela mais temia era que realmente a irmã tivesse feito a estupidez de engravidar. Mas, se isso realmente ti­vesse acontecido, então ela estaria ao seu lado para lutar até o fim por seus direitos.

— Está pensando que... — Nick por fim quebrou o silêncio e balançou a cabeça com incredulidade. — Não costuma raciocinar antes de falar?

— E o que eu deveria pensar? Você me procura em meu trabalho e diz que tem algo a dizer sobre minha irmã e que ela não tem coragem de falar por si mesma.

— E você acredita que uma gravidez não espera­da é a coisa mais terrível que possa acontecer com uma mulher?

— Depende da situação. Quando um casal se ama e têm uma relação estável, a gravidez é a coisa mais linda que pode acontecer a uma mulher, mas no caso de Lily...

— Nunca pensei que fosse tão romântica...

— O que eu sou ou não, não vem ao caso. O fato é que se Lily estiver grávida...

— Oh, por Deus! — exclamou Nick, interrompendo-a. — Lily não está grávida! — e, in­clinando o corpo para a frente, pôs os cotovelos na mesa e desabafou: — Vamos deixar algo bem claro, Rose. Não sou idiota. Sempre uso proteção. Acredite, jamais permitiria ser arrastado para um casamento por alguma espertinha que se deixasse engravidar para poder por as mãos na minha conta bancária.

— Essa é a coisa mais cínica que já ouvi em toda a minha vida!

Nick lançou um olhar enfurecido para Rose. Res­peito era algo que ele sempre exigira das pessoas. E das mulheres, em particular, além do respeito sem­pre recebera admiração. E, agora, além da ofensa, Rose se atrevia a julgá-lo! Justamente ele, Nick Papaeliou, o homem cuja habilidade em inspirar con­fiança era lendária.

Ele não podia acreditar no que estava ouvindo.

— Não pode se considerar um homem feliz achando que a única razão de uma mulher se inte­ressar por você seja a sua condição financeira. Sua obsessão parece tão grande que chega até a imagi­nar que uma mulher se sujeitaria a uma gravidez propositada por dinheiro...

— Não. Não acredito que estou sentado aqui para ouvir isso. Será que você vive no mesmo mundo que eu, Rose? Ou será do tipo que faz coi­sas miraculosas no computador e quando se trata da realidade não tem idéia do que acontece? Por que deve ser muito ingênua para ignorar que o dinheiro é a principal mola que faz o mundo girar. Já conheci mais mulheres interesseiras do que os jantares que você já consumiu em toda a sua vida.

— Se isso for verdade, então, sinto pena de você.

— Acho que vou precisar de outra cerveja. — Ele acenou para a garçonete e depois tornou a fixar os olhos em Rose. — Lily não está grávida. E isso é tudo o que precisa saber.

— Que alívio! — ela exclamou com sinceridade. E achou prudente não prosseguir na crítica sobre a maneira como ele julgava as mulheres. Era uma pena que ele não acreditasse que com todo aquele porte magnífico, ainda que fosse um pobretão, não faltariam mulheres que o cobiçassem. — Peço des­culpas se fui um pouco... rude.

— Só um pouco?

— Bem, você também exagerou na defesa de suas opiniões. Não acredito que o mundo seja tão cruel.

Nick se perguntou como poderia estar sendo acu­sado se fora sincero com ela. Contudo, precisava considerar o fato de que não lidava com uma mu­lher normal que vivesse no século XXI.

— Está bem. Desculpas aceitas. — Ele apressou-se em concordar para poder encerrar o assunto.

— Ótimo. Será que agora poderia me dizer o que queria me contar sobre Lily?

— Gosto muito de sua irmã. E, antes que tire conclusões erradas, deixe-me esclarecer que nós não estamos tendo nenhum relacionamento. Pelo menos, não no sentido em que provavelmente você está deduzindo.

— O que quer dizer com isso?

— Será que preciso soletrar? — Com impaciên­cia, Nick aliviou o nó da gravata e abriu os dois botões superiores da camisa. Não sabia se era psi­cológico, mas o lugar, de repente, se tornara insu­portavelmente abafado. — Lily e eu não temos um "caso". Isto significa que não existe relacionamento íntimo entre nós.

— E que tipo de relacionamento existe entre vocês?

— Apenas amizade. Ela é uma doce criatura e estou tentando ajudá-la.

— Ajudá-la em quê?

— Na carreira que ela sonha. Conheço figuras importantes no meio artístico.

— E está pensando em apresentá-la a quem? Atores, produtores, empresários... — Rose sabia muito bem o que acontecia nos bastidores. E tudo aquilo estava distante da vida modesta que ambas levavam.

— Em contato com pessoas que realmente pos­sam ajudá-la.

— Parece muito gentil de sua parte. Só não enten­di por que Lily não poderia ter me dito ela mesma.

— Já ouviu falar de Damien Hicks?

— Não. Por quê? Deveria?

— Ele é um produtor de filmes que está muito bem cotado.

Rose esboçou um sorriso enigmático, como se perguntasse aonde ele queria chegar com toda aquela conversa.

— Embora esse não seja o tipo de trabalho que faz parte dos meus interesses, existe algo em parti­cular sobre ele que eu talvez possa identificar?

— Ele adora fumar charutos. — ironizou Nick. E depois de uma breve pausa, prosseguiu: — Co­nheci Damien quando fiz um comercial de uma das minhas empresas nas Ilhas Maldivas, no sudoeste da Índia, há cinco anos. Naquela época, ele esta­va apenas começando a carreira. Então fizemos um acordo: ele faria a campanha publicitária e eu finan­ciaria seu primeiro filme. Apenas um curta. Mas, depois disso, seu sucesso foi meteórico. E Damien adora conhecer novos talentos.

— E isso quer dizer que Lily é um novo talento? — Rose deduziu com um sorriso. — Ela deve estar louca para me contar a novidade depois de tantas decepções que já enfrentou.

— Acontece que Lily irá fazer o papel principal no próximo lançamento dele. Damien entrevistou inúmeras jovens e acabou se decidindo por sua irmã. E, antes que julgue de maneira errada, não pense que ele a escolheu por minha causa. Eu ape­nas a apresentei e o verdadeiro talento de Lily foi o que contou.

— Por que será que estou tendo um pressen­timento de que existe algo mais em toda essa conversa?

— Talvez Lily tenha medo de discutir com você o fato de que o filme deverá ser rodado na América. E, em Hollywood, com certeza ela terá novas ofer­tas. Principalmente depois de ser a atriz principal em um filme de Damien Hicks...

Rose sentiu o sangue sumir de sua face.

— Então Lily pretende se mudar para a América?

— Pelo menos quer tentar a oportunidade. E gos­taria de ir com a sua aprovação.

— Ah... — Rose não conseguia imaginar a vida sem a irmã ao seu lado. Sempre viveram uma para a outra e Rose nunca se preocupou em discutir com Lily a possibilidade de um dia seguirem caminhos diferentes. Era como se de repente surgisse uma ponte que devesse ser cruzada e para a qual ela não havia se preparado. — É claro que ela terá minha aprovação. Só... só não sei se isso será o melhor para ela. Quero dizer... se realmente sig­nifica a realização dos sonhos dela. Mas se for... quem sou eu para impedi-la? — Ela pronunciava as palavras certas, porém uma sensação de vazio a atordoava, fazendo com que a palidez do rosto se acentuasse.

— Vamos sair daqui. — sugeriu Nick, perceben­do que ela não estava bem.

Rose ergueu-se e deu um longo suspiro.

— Não precisa me acompanhar. Já deu o seu re­cado. Sou capaz de tomar conta de mim mesma.

— Será? Eu a aconselharia a se olhar no espelho antes de me dispensar.

Rose tentou apanhar a bolsa, mas um ligeiro tor­por a impediu de alcançá-la. Embora soubesse que ele havia proporcionado uma grande oportunidade para Lily, não conseguia deixar de culpá-lo pela iminente e dolorosa separação. Porém, não poderia agir de forma tão egoísta e preferir que a irmã re­nunciasse aos sonhos para permanecer em casa ao lado dela. Contudo, só de pensar em Lily vivendo do outro lado do Atlântico lhe dava uma vontade de explodir em lágrimas.

Apesar de ouvir alguns protestos, Nick conse­guiu convencê-la a aceitar sua ajuda. Logo de­pois, entravam na cozinha da casa onde as irmãs moravam.

— Sente-se que lhe trarei um copo com água — ordenou Nick.

— Não estou com sede — afirmou Rose e osten­tou seu melhor sorriso. — Ainda não acredita que estou bem?

— Lily deve estar chegando. Quer que ela a veja dessa maneira?

— Já disse que estou bem — ela afirmou, porém sentiu o lábio inferior tremer, e percebeu que não conseguiria mais conter o choro convulsivo.

Nick a abraçou e, sentindo que ela se derretia em seus braços, aconchegou-a em seu peito másculo. Lily já havia prevenido-o da possível reação da irmã, mas ele não imaginara a extensão dos sentimentos dela. Podia perceber a camisa encharcada de lágrimas abundantes, enquanto ela soluçava baixinho, talvez por vergonha de fazer muito barulho.

Ele procurou o lenço que mantinha no bolso traseiro da calça e o estendeu a Rose. Quando ela recuou um passo e começou a enxugar os olhos,     Nick quase a puxou de volta para abraçá-la. Não sabia bem o que deveria fazer. A experiência que tinha com mulheres chorando se limitava ao final dos relacionamentos, o que de certa forma o irritava. Mas o que deveria dizer para Rose a fim de consolá-la?

— Depois eu devolvo o lenço — ela declarou com os olhos cheios d'água. Ele fez apenas o que podia pensar no momento: afastou algumas lágri­mas do rosto dela, usando os próprios polegares. E o toque gentil a recordou de quem ele era e o que ocasionara em sua vida. Instintivamente deu um passo atrás. — Obrigada pela carona — ela agradeceu, notando piedade nos olhos dele. Isso a fez se sentir ainda mais tola. Na certa ele estaria pensando que apesar de querer parecer forte ela estava se comportando feito um bebê ao saber que a irmã iria se mudar para longe. — Eu realmente estou feliz por Lily e espero que ela consiga fazer sucesso.

— Quer que eu prepare um chá para você? — ele ofereceu, embora nem lembrasse mais da última vez em que preparara um chá.

— Desculpe. Mas eu prefiro que me deixe sozinha.

— Não farei isso!

— Não? — ela perguntou indignada.

Nick sorriu satisfeito, pelo menos o costumeiro mau humor dela já se manifestava.

— Agora sente aí que voltarei num minuto. Embora Nick tivesse prometido preparar um chá para Rose, decidiu que uma bebida mais forte seria melhor.

— Foi apenas o choque pelo que me contou. — Rose defendeu-se e estendeu a mão para receber o copo que ele lhe oferecia. — O que é isso?

— Um antigo remédio de família para nervos abalados.

Ela aproximou o copo do nariz para sentir o aroma.

— Não consigo descobrir o que é.

— Vodka misturada com a um suco que encontrei na geladeira. — Ele acomodou-se ao lado dela no sofá e aguardou que ela provasse a bebida. — Lily afirmou que se você ficasse muito aborrecida com a idéia, ela desistiria da oferta feita por Damien.

— Que loucura! — Rose olhou para ele e depois sorveu mais um gole do drinque. — Ainda não pos­so acreditar que foi só você aparecer para nossas vidas virarem de pernas para o ar.

— Eu já estava me perguntando quanto tempo iria demorar até você começar a me culpar — de­sabafou Nick.

Rose lembrou-se de como ele a consolara com tanto carinho alguns minutos antes, por isso resol­veu se controlar.

— Não estou acusando você. Foi só um comen­tário. — Rose sentia-se tremendamente ressentida ao lembrar-se de quantos sonhos deixara para trás a fim de proteger a irmã, quando os pais faleceram e precisaram morar com Tony e Flora.

— Já pensou que algumas vezes a vida pode se tornar mais atraente se abandonar os velhos hábitos?

— Não acredito. Fui obrigada a mudar os hábitos quando era muito jovem e não me lembro de ter sido mais feliz.

— Está se referindo aos seus tios?

— Sim. Havia mudanças radicais a cada seis me­ses e nem por isso a vida era mais atraente.

— Talvez Lily tenha um espírito de aventura mais aguçado do que você.

Rose podia notar o tom carinhoso na voz dele quando se referia a Lily. A maioria das pessoas agia da mesma forma. Ela era uma garota alegre, gentil e cheia de vida. Pela primeira vez, Rose experimentou uma sensação de ciúme que lhe arrancou um profundo suspiro:

— Está bem. Você está certo — ela concordou com frieza. Sabia que Nick admirava mulheres so­fisticadas e aventureiras e não uma pessoa metódica e enfadonha feito ela. — E, se me permite — pediu no mesmo momento em que se levantou —, prefiro estar sozinha no momento em que Lily chegar. Pre­ciso ter uma conversa particular com minha irmã. E não precisa ficar preocupado. Estou feliz por ela e não farei nada que possa prejudicar a decisão que Lily já tomou.

Nick hesitou, mas acabou por erguer-se. Ela o acompanhou até a porta.

— Acho que não nos veremos tão cedo — Rose falou no instante em que ele vestia o paletó e por puro hábito conferia se as chaves do apartamento estavam no bolso.

— Por que está dizendo isso?

— Porque Lily deve partir em breve. Acredito que um diretor de filmes não gosta de esperar mui­to tempo para começar o trabalho. Por isso, se não tivermos a chance de conversar novamente, gosta­ria que não comentasse com Lily a respeito do fato de eu...

— Se debulhar em lágrimas? — ele completou.

— Ter perdido o controle temporariamente — corrigiu ela, e empinou o nariz ao mesmo tempo em que escancarava a porta para que ele saísse.

Por alguma razão desconhecida, Nick não dese­java ir embora, mas não havia escolha.

— Prometo que não direi nada a ela.

Rose assentiu com a cabeça e sem dizer uma pa­lavra fechou a porta.

 

Enviar e-mails para Lily estava se tornando uma rotina para Rose.

Depois de três meses ficava cada vez mais evidente que Lily estava muito feliz em sua nova vida. Escrevia páginas e páginas para contar sobre o ta­lento de Damien Hicks e as fabulosas quatro garo­tas com quem dividia o apartamento. Todas novatas como ela. Descrevia com entusiasmo o flat, que não era dos mais caros, mas havia uma piscina no pré­dio. Para Lily tudo era maravilhoso: desde o filme até o seu novo modo de vida.

Rose estava feliz pela irmã. O que, infelizmente, não resolvia os problemas financeiros que pareciam ter piorado desde quando Lily partira.

Um vazamento no banheiro forçou Rose a con­tratar um encanador, que precisou trocar uma in­finidade de peças hidráulicas. Depois foi a vez da máquina de lavar roupas quebrar de vez. E agora, sentada à mesa da cozinha reparava em uma man­cha no teto que, provavelmente, tratava-se de um vazamento que iria lhe custar um rombo a mais nas poucas economias.

Rose suspirou desanimada.

De que maneira poderia dizer que estava preci­sando de dinheiro sem que Lily tivesse ataques de culpa e arrependimento? Ela já havia se desculpa­do por ainda não ter enviado qualquer quantia e disse que o faria assim que pudesse. Por enquan­to, o que recebia mal dava para pagar sua par­te no aluguel e as idas e vindas aos estúdios de Hollywood.

Rose não pretendia estragar o entusiasmo da irmã, porém pagar as despesas apenas com seu salário es­tava ficando cada vez mais difícil. Principalmente com o teto da casa caindo sobre sua cabeça.

Literalmente!

Uma semana depois a umidade havia se alas­trado tanto que até mesmo o banheiro ficara sem condições de uso. Rose contratou uma equipe de reforma que trabalhou por quase dois dias. Para piorar, foi avisada de que a única saída seria ins­talar um sistema mais moderno de encanamento. Ela concordou com o trabalho a ser feito sem nem mesmo fazer um orçamento. Mas, só de olhar para os canos de cobre novinhos em folha, sentiu o de­sespero crescer.

De acordo com o e-mail recebido no dia an­terior, Lily iria passar duas semanas no Arizona, onde parte do filme deveria ser rodado. Rose sabia que a irmã tentava passar uma imagem de que se tratava apenas de um trabalho, mas não era difícil perceber que Lily estava exultante.

E, enquanto isso, ela estava ali "segurando o teto com as próprias mãos", pensou desconsolada, enquanto tomava um pouco de chá, acomodada à mesa da cozinha.

O som da campainha naquele exato momento a fez estremecer. Quem poderia ser? O que mais a vida lhe reservava? Um vizinho avisando que o car­ro dela havia sido roubado ou o muro da frente da casa havia caído?

O melhor seria enfrentar logo o inevitável, pen­sou. Encaminhou-se para a porta sem se importar de estar usando um velho macacão jeans e chinelos. Do jeito como a casa estava empoeirada não com­pensava usar uma roupa mais arrumada.

Quando, finalmente, abriu a porta, lá estava ele: o homem que ela evitara mencionar nos e-mails que enviava para a irmã; o homem cuja imagem não saía de sua mente, embora enganasse a si mesma dizendo que se livrara dele.

Sentiu o estômago se contrair ao deparar com o brilho dos incríveis olhos verde-escuros. Teve que se esforçar para disfarçar a emoção.

— O que está fazendo aqui?

— Como sempre indo direto ao ponto, não é? O que está acontecendo?

— Como assim? — ela seguiu o olhar curioso dele que se estendia para o interior da casa e deu de ombros. — Ah! O barulho... É apenas uma pequena reforma.

— Não vai me convidar para entrar?

— Lily pediu que entrasse em contato comigo? — Ela havia sido cuidadosa em não mencionar os problemas financeiros. Mas quem sabe? Talvez a irmã tivesse suspeitado e inocentemente comenta­do com Nick. E, como ele se importava muito em agradar Lily, talvez não estivesse apenas dando uma passada por ali a fim de se assegurar de que estava tudo bem.

Só de pensar em estar sendo alvo de pena, Rose apertou com força a maçaneta da porta.

— Não. Apenas estava passando por perto e re­solvi ver como você está.

— É mesmo? Que estranho! Nunca imaginei que esta região fosse um lugar por onde costumasse passar.

— Pare de discutir e abra logo essa porta, Rose — ele falou com voz de comando, perdendo a paciência.

Ela permaneceu imóvel e ele resolveu empurrar a porta e entrar assim mesmo. Não queria lhe dar a oportunidade de tornar a fechá-la e deixá-lo do lado de fora.

Nick havia se afastado para tratar dos negócios que sempre o obrigavam a fazer longas viagens e reuniões de emergência. Porém, tinha de admitir que apesar de estar acostumado a uma vida de sol­teiro, nas últimas semanas não parava de pensar em Rose e em como ela deveria estar se sentindo.

Em sua última conversa com Lily ao telefo­ne, ela lhe havia dito que estava preocupada com Rose. E, que apesar dela ter dito que estava tudo bem, Lily a achou ansiosa. E ele percebeu que essa seria uma oportunidade para rever Rose. Por isso, prometeu a Lily que entraria em contato com Rose pessoalmente.

Nick não sabia por que se importava com uma mulher que não fazia outra coisa a não ser criticá-lo. Porém, com relação ao sexo oposto ele raramen­te conseguia ter uma opinião segura. Apenas seguia os instintos até normalizar o nível de testosterona. O que não era o caso com Rose. Não pensava nela no sentido sexual.

— Por que toda essa bagunça? — perguntou Nick, assombrado com a quantidade de poeira que cobria o chão do extenso corredor.

— Já disse. Trata-se de uma pequena reforma. Os homens estão trocando os encanamentos.

— Imagina se fosse uma grande reforma... Não daria nem para respirar!

— Ainda não me disse o que está fazendo aqui. Se foi Lily quem lhe pediu para me visitar, então pode tranqüilizá-la de que está tudo bem.

— Ainda que a casa esteja caindo?

— Minha casa não está caindo!

Nick havia se esquecido da maneira fácil com que ela se irritava. Também havia se esquecido do quanto era divertido provocá-la. Era uma maneira diferente de se relacionar com uma mulher. Uma maneira que certamente não acabaria na cama e nas complicações futuras que ele estava determinado a evitar. Pelo menos por enquanto.

— Que tal me oferecer um café e depois me con­tar a razão de estar tão estressada?

Rose engoliu a saliva. É claro que estava estres­sada. E quem não estaria ao saber que um exército de pedreiros estavam levando-a à falência? E, como se não bastasse, o último homem que desejava ver batendo em sua porta agora estava bem na sua fren­te, a fim de fazer um favor para a querida e bem-intencionada Lily.

E, para completar, sentia-se embaraçada por es­tar usando roupas que mais pareciam um uniforme de presidiário. Muito diferente do jeans claro e da camiseta pólo vermelha, provavelmente comprados em algum shopping e que o deixavam ainda mais sexy.

— Estou mais estressada agora que você apare­ceu por aqui.

Nick pretendeu devolver o insulto, mas precipi­tou-se na resposta:

— Pelo menos admitiu o estresse. Lily disse que você não parecia bem quando falaram ao telefone pela última vez.

Rose gostaria de estrangular a irmã.

— Ah, então admite ter vindo a pedido de Lily? Quer saber se não estou a ponto de pular da ponte mais próxima?

— Está encarando tudo de um jeito trágico!

Naquele instante um forte estrondo no andar de cima a alarmou. Rose respirou fundo e aguardou pela voz de Andy solicitando que ela subisse, pro­vavelmente para falar sobre um novo e inesperado problema. A velha casa parecia estar revelando a idade de uma só vez! E quando subiu a escadaria, já podia perceber no sorriso sem graça do encarregado da reforma que se tratava de más notícias.

— Sinto muito, Rose.

Com medo de perguntar, ela permaneceu rígida e em silêncio. Podia perceber a presença de Nick bem atrás dela.

—Encontramos asbestos embaixo do assoalho. Nem dá para perceber, mas posso detectá-lo a uma milha de distância — revelou Andy com seriedade.

Rose podia ver o que restava de todas as econo­mias voando pela janela. Cerrou as mãos em punho para conter o nervosismo e perguntou:

— Como?

— O asbesto é um mineral incombustível e por isso era usado nas construções antigas para evitar incêndios. Mais tarde foi comprovado que o ma­terial pode ser tóxico quando aspirado por muito tempo e ocasionar doenças graves no pulmão. Prin­cipalmente se for danificado. Por enquanto ele está intacto. O que podemos fazer é recolocar as placas do piso novamente no lugar e aguardar que seja removido por pessoas especializadas. Não somos treinados para isso.

— Por acaso não está brincando comigo, não é?

— Gostaria muito que fosse uma piada.

— E suponho que não imagina o quanto terei que gastar para remover os asbestos.

O homem deu de ombros, enquanto os auxiliares colocavam com cuidado as peças no lugar.

— Já que não existe opção, o melhor é se livrar dele logo.

Rose agradeceu a Andy, sem conseguir esconder o desânimo, e em seguida acompanhou os homens até a saída.

Assim que fechou a porta e girou o corpo para iniciar a caminhada pelo corredor, avistou Nick parado no vão da porta da cozinha. Rose nem mais se importava se ele estava ali para verificar se ela era capaz de cuidar de si mesma sem a ajuda da irmã.

— Como pode perceber, a casa está caindo, o di­nheiro sumindo e o estresse aumentando. Em outras palavras, um mundo de péssimas notícias para re­latar a Lily — desabafou Rose. Em seguida apelou para os sentimentos dele: — Espero, sinceramente, que não conte nada disso para ela. Não quero que Lily prejudique as oportunidades que está tendo na América por conta do que está acontecendo aqui.

— Há quanto tempo os problemas com a casa começaram?

Rose encolheu os ombros.

— Algumas semanas atrás. Parece que estavam só esperando a partida de Lily. — Estava cansa­da demais e muito aborrecida para discutir sobre a presença e o testemunho de tudo o que estava acontecendo.

— E você não comentou nada só para não abor­recê-la? — perguntou Nick, ao mesmo tempo em que lhe virava as costas para se encaminhar até o armário. Depois de apanhar uma xícara, gentilmen­te lhe ofereceu um pouco de chá.

Rose aceitou e agradeceu. Após provar a bebida, comentou:

— Não poderia arriscar que ela tomasse uma atitude precipitada e voltasse correndo. Isso re­presentaria o final de uma carreira pela qual tanto sonhou.

— Então preferiu suportar o estresse sozinha? — Ele arrastou uma banqueta e depois de se sentar, estirou as pernas e a olhou pensativamente. — Só que agora está encarando contas que não consegue bancar.

— Resolverei o problema com algumas horas ex­tras no trabalho — ela declarou confiante.

— Será preciso bem mais do que "algumas" ho­ras extras — ele opinou, olhando para a mancha es­curecida do teto.

— Talvez. Mas não será impossível — respondeu contrariada. — Imagino que não esteja acostuma­do a enfrentar esse tipo de problema. Basta estalar os dedos e se resolve. E suponho que não conheça muitas mulheres que precisam batalhar para pagar suas contas.

— Criticar meu estilo de vida não irá resolver sua crise financeira.

Na realidade, a situação financeira não era o que a incomodava mais. O difícil era suportar a inten­sidade dos olhos verdes que pareciam enxergar até a sua alma.

— Acho que agora você já pode ir embora. Preci­so entrar em contato com o gerente da minha conta bancária.

— Em pleno sábado?

— Não sei como não pensei nisso antes! O ge­rente poderá me liberar um empréstimo.

— O qual terá que ser devolvido com juros.

— Mas, pelo menos, terei condições de concluir as obras. E se permanecer sentado aí, me dizendo o óbvio, é melhor terminar seu chá e partir.

— Aonde pretende morar enquanto a reformar não acabar?

— Aqui mesmo, é claro!

— Com toda essa poeira e o perigo da contami­nação pelos asbestos? Pretende dormir com uma máscara de oxigênio?

Rose sentiu os olhos marejarem. Estava frustrada e furiosa ao mesmo tempo.

— Por favor, vá embora e me deixe em paz.

— Para que possa desabafar a sua autopiedade?

— Não vou fazer isso! — ela exclamou com os dentes cerrados. — Já encontrei a solução e as­sim que o banco abrir na segunda-feira, já estarei a postos.

— Mas não poderá continuar morando aqui.

— Ah, claro que não. Já pedi ao mordomo para fazer uma reserva no Savoy até que a reforma termine.

Nick sorriu.

— Tenho uma idéia melhor. Está precisando de dinheiro e eu sou um homem rico.

— Esqueça, Nick. Pode prestar muitos favores para minha irmã, mas eu não preciso de nada que venha de você. — afirmou Rose com um olhar tão fulminante que Nick preferiu ignorar.

Será que haveria no mundo outra mulher tão tei­mosa quanto aquela?, ele se perguntava, enquanto sentia um súbito desejo de tomar as rédeas e derru­bar a muralha que ela construíra para evitá-lo.

— Está se deixando levar pelo orgulho. Se pegar o empréstimo bancário vai ter pela frente grande di­ficuldade financeira para pagar as prestações.

— E se você me emprestar o dinheiro, o que terei que fazer para recompensá-lo?

Uma rápida visão dela nua em sua cama surgiu sem querer. Nick afastou o pensamento.

— O que acho é que não pode esconder de sua irmã um problema de tamanha importância. Não poderá protegê-la para sempre. E Lily tem o direito de saber o que está acontecendo aqui. Apenas diga-lhe que não precisa abandonar tudo e voltar cor­rendo para a Inglaterra. O que, aliás, não resolveria nada. Se ela descobrir que está ocultando a verdade é capaz de sentir-se traída.

— Está querendo dizer que conhece minha irmã melhor do que eu? — rebateu Rose.

Entretanto, as palavras dele a fizeram pensar sobre o comportamento que sempre tivera em re­lação à irmã. Estava acostumada a ser superprotetora, que às vezes beirava a dominação.

Nick percebeu a incerteza nos olhos dela e apro­veitou para repetir:

— Não disse isso. Apenas acho que deveria contar a ela sobre a casa. E é claro que não con­cordo que ela abandone o que está fazendo a fim de se certificar de que você está bem. E ela não faria isso se...

— Se o quê?

— Se soubesse que eu estou cuidando de você. — Nick sugeriu sem nem mesmo acreditar no que estava oferecendo. Desde quando se importava em tomar conta de uma mulher? As regras em seu jogo sempre foram simples: nada de dependência, nem amarras. Rose havia despertado nele um sentimento desconhecido. Ela nem mesmo fazia o tipo físico que ele apreciava. Por isso, não se tratava de desejo. Mas o que quer que fosse era algo novo e tenta­dor. Muito diferente dos relacionamentos fúteis dos quais já estava cansado.

— Ora, por favor...

— Estou apenas tentando ajudar — falou Nick com irritação na voz. — Por que não pode simples­mente aceitar?

— É que não vejo você como o tipo de cava­lheiro que gosta de salvar damas em apuros — sa­lientou Rose. — Apenas está compadecido por ter testemunhado o que está acontecendo com a casa e sente que deve prestar alguma ajuda por causa da amizade com Lily.

— Não estou pretendendo lhe dar dinheiro e de­pois desaparecer. Está esquecendo que sou um ho­mem de negócios?

— Não. Não estou esquecendo. Mas não existe possibilidade de eu aceitar sua oferta.

— Só porque é muito teimosa.

— Não quero ficar em débito com ninguém.

— Exceto com o banco.

— Isso é diferente — Rose corou, sentindo-se presa no jogo de palavras que ele usava.

Nick ficava cada vez mais empolgado com o de­safio.

— Precisa tirar uns dois meses de licença do tra­balho e...

— O quê? Dois meses de licença do trabalho? — Será que ele estava maluco? — Será que pres­tou atenção em tudo que eu disse? — Ela sacudiu a cabeça com desalento e depositou a xícara vazia na pia. — Sabendo de todas as dificuldades que estou enfrentando, como pode pensar que a solução seria tirar dois meses de licença do trabalho? Por acaso a licença pagaria as contas?

— Quanto recebe por mês de salário?

— Quanto ganho não é da sua conta — ela res­pondeu, constrangida. Sabia que deveria ter soli­citado aumento há muito tempo atrás. Era boa no que fazia e trabalhava mais horas do que qualquer de seus colegas. Se tivesse uma bola de cristal para prever aqueles acontecimentos, com certeza sua ati­tude teria sido muito diferente. Mas, apesar do em­baraço, acabou decidindo contar o quanto recebia de salário. Ficou surpresa por ele não ter zombado dela. Ao contrário, ficou pensativo por alguns se­gundos antes de se pronunciar.

— Agora que já estou estabilizado no ramo de mercado financeiro, pretendo começar a investir em algo diferente: uma butique de hotel.

— Butique de hotel?

— Sim. Os hotéis de luxo costumam ofere­cer um comércio restrito para hóspedes especiais. Aqueles que não gostam de andar muito para fazer compras.

— E o preço que devem pagar por essa comodi­dade deve ser muito alto, não é?

— Claro. Como já lhe disse, sou um homem do negócios. Vou fazer uma experiência com uma bu­tique em Bornéo.

— Em Bornéo? — indagou Rose, desconfiada.

— Sim. É uma ilha muito badalada na Malásia. Estou em negociação com um novo hotel que está sendo construído. E uma das butiques ficará por minha conta. A princípio estou pensando em um ambiente pequeno e aconchegante. O importante é ter um design moderno. — E, olhando-a com uma expressão entusiasmada, prosseguiu: — E é aí que você entra: poderia fazer um projeto completo no computador para avaliar os custos, trabalhando em conjunto com um arquiteto. E isso deverá levar em torno de uns dois meses.

— Mas eu não entendo nada de hotéis. Nem me lembro da última vez que estive em um hotel.

— Deixe isso comigo — murmurou Nick. — Posso providenciar para que fique hospedada em três hotéis diferentes nos próximos dois meses, aqui mesmo em Londres. Além do mais, poderá ganhar o dobro do que está recebendo na Fedco. Pense bem. Terá um lugar para ficar enquanto termina a reforma da casa e ainda poderá ganhar mais para pagar as despesas.

Na verdade, Nick poderia pagar até dez vezes mais do que lhe oferecia e não faria diferença em sua conta bancária. Porém, sabia que Rose era uma mulher inteligente e poderia levar a oferta mais como uma caridade do que realmente um trabalho. Por isso, preferiu não correr o risco propôs uma quantia razoável.

— Você já não tem pessoas à disposição para esse projeto?

— Será que não poderia simplesmente agradecer e aceitar a oferta?

— Porque tenho um pressentimento de que existe um algo mais — confessou Rose com um suspiro. Ela trabalhava há muito tempo para a Fedco e sa­bia que não haveria problema em pedir uma licença não-remunerada para tratar de interesses particu­lares. Estava tentada em aceitar a oferta de Nick, porém, assustada ao mesmo tempo.

— Você está sempre desconfiada de alguma coi­sa. — Nick ergueu-se e deu de ombros. — Se não estiver interessada, tudo bem. Permaneça na casa e conte com o empréstimo do banco.

Depois de dizer aquelas palavras, ele simples­mente acenou uma despedida com um gesto de ca­beça e caminhou em direção à porta da casa.

— Espere! — exclamou Rose enquanto o seguia, e acabou por alcançá-lo antes que saísse.

— E se eu não conseguir fazer o projeto? Não entendo nada de hotéis e...

— Precisa ter mais confiança em você mesma. Tenho certeza de que conseguirá. Devo considerar isso como um "sim"?

— Primeiro preciso falar com meu chefe.

— Está bem. E se resolver aceitar o convite... — ele percorreu com os olhos os chinelos e o fol­gado macacão jeans, depois concluiu: — ...terá que pensar em uma mudança radical no seu guar­da-roupas.

Ela enrubesceu. Talvez trabalhar com aquele ho­mem fosse mais tenso do que resolver outra situa­ção, pensou.

— Não trabalho com essas roupas — ela res­pondeu com aspereza. — E se está pensando que vou reformular todo meu guarda-roupa apenas por causa de dois meses de trabalho é melhor me dizer agora. E também... — ela o encarou diretamente nos olhos — ...se eu aceitar trabalhar para você, não quero que pense que estou fazendo isso para conquistá-lo.

— Muito bem colocado.

— Apenas estou sendo sincera.

— Estou achando isso ótimo — disse Nick com sinceridade. Estava tão acostumado a ver as mulhe­res usando roupas insinuantes para atrair atenção dele a fim de conseguir o que queriam, que o des­dém de Rose o deixava contente.

— Pode ser que precise viajar. Por acaso tem passaporte?

Ela assentiu.

— Como vai trabalhar para mim, vou providen­ciar um escritório para você na minha cobertura.

— Não acho que essa seja uma boa idéia.

— Por quê?

— É que... não me parece muito profissional tra­balhar no seu apartamento. — Ela temia a tortura de precisar ficar o dia inteiro exposta à essência mas­culina penetrante. Poderia representar uma porta aberta para o quarto dele.

— Mas ficará independente em uma sala — ar­gumentou Nick, divertindo-se com o constrangi­mento dela. — E mais uma coisa: como se trata de um investimento particular, não seria conveniente trabalhar na minha empresa. Os funcionários fica­riam curiosos.

— Mas poderia dizer que...

— Não adiantaria explicar que está trabalhando em um projeto particular. Todos pensariam que so­mos amantes.

— Mas não somos amantes!

— Eu sei. Mas ninguém consegue conter fofo­cas. Sem contar que isso também prejudicaria mi­nha imagem como patrão.

— Eu entendo seu ponto de vista... porém, tam­bém precisa entender o meu.

— Então, qual é a sua sugestão? — perguntou Nick, enfiando as mãos nos bolsos detrás da calça e recostando-se sobre o batente da porta.

— Bem... — Rose procurou pensar em alguma outra solução. Só não poderia explicar que o mo­tivo da recusa em trabalhar no apartamento dele seria por conta da atração inevitável que ocorreria se ela arriscasse ficar a sós com ele durante tanto tempo.

Como se adivinhasse os pensamentos dela ele acrescentou:

— Não precisará se preocupar comigo. Eu es­tarei fora a maior parte do dia. E, se estiver com medo de mim, poderemos tirar as dúvidas do dia em um campo neutro. Há um bar bem na esquina do prédio.

— Não tenho medo de você.

— Ótimo. Mesmo porque não há nenhuma razão para isso. — Ele afirmou com um sorriso ameno para tranqüilizá-la.

 

Rose ficou mortificada. Interpretou aquele sorriso como um deboche. Provavelmente ele es­tava querendo dizer, de maneira educada, que não iria cortejá-la, nem que fosse a última mulher sobre a face da Terra.

— Está bem — ela conseguiu concordar sem de­monstrar o desconforto. — Eu lhe darei a resposta assim que falar com meu chefe.

Um mês depois Rose já estava familiarizada com o projeto que deveria executar. O fato de estar hos­pedada em um hotel cinco estrelas no centro do Convent Garden lhe proporcionara a oportunidade de conhecer em detalhes o funcionamento dos ser­viços hoteleiros e permitiu que elaborasse um re­latório inicial para aprovação de Nick. Ele deveria chegar ao apartamento por volta das 18h30. Embora ela se comunicasse constantemente com ele através de e-mails, ele fazia questão de que ela o aguardas­se para que tivessem a oportunidade de estenderem o assunto.

Rose não se importava em ter de esperá-lo. Havia decidido desde o início que se limitaria ao espaço que lhe tinha sido destinado sem maiores preocupações. Contudo, a curiosidade não a impe­dira procurar algo que revelasse qualquer detalhe sobre a personalidade marcante de Nick. O que não aconteceu. O apartamento em si era amplo e sofisticado, o que indicava apenas que o proprie­tário era um homem muito rico. Não havia fotos de família nas prateleiras, nem adornos sobre os móveis. Duas faxineiras chegavam todos os dias às 8h em ponto e se retiravam às 10h, deixando a cobertura impecável. Até mesmo a sala que ela ocupava.

Nick costumava ser pontual em sua chegada às 18h30. Ela ouvia a porta da cozinha sendo aberta e logo depois o som do molho de chaves sendo jo­gado no balcão da pia. Daí, ele aparecia no vão da porta da sala onde ela trabalhava, folgava o nó da gravata e recostava-se no batente. Permanecia em silêncio, enquanto ela desligava o computador.

Aquela era uma rotina diária pela qual ela ansiava durante todo o dia. E aquela tarde não era uma exceção. Sentia o estômago embrulhar cada vez que ele se aproximava. Sabia que estava errada, mas o que poderia fazer para impedir a atração que sentia? Sua única defesa era se prender aos assuntos profis­sionais para manter o autocontrole.

— Consegui elaborar a tabela de custos — ela revelou, assim que pressentiu que ele estava no vão da porta. Havia decidido não olhar diretamente nos olhos dele, mas, enquanto ele aliviava o nó da gra­vata, sem querer dava uma rápida espiada na pele bronzeada que era revelada depois que ele livrava os dois primeiros botões da camisa.

— E eu trouxe algo para você...

— O quê?

— Dê uma espiada. — Ele caminhou até a mesa dela e posicionando-se atrás da poltrona giratória na qual ela se acomodava, depositou sobre o tecla­do do computador um bilhete de reserva de vôo. Rose pôde sentir seu calor no momento em que ele se curvou para falar. — Não se esqueça de separar as roupas de verão. O calor em Bornéo nesta época é de arrasar.

 

Enquanto degustavam um bom vinho e saborea­vam a comida chinesa que Nick encomendara por telefone, ele aproveitava para interar Rose de tudo que ela precisaria saber sobre os motivos pelos quais ele escolhera Bornéo e como ela deveria ela­borar o projeto.

Ela fazia o possível para disfarçar o entusiasmo e agir com profissionalismo. Contudo, o pensamen­to divagava imaginando como seria emocionante a viagem aérea e a oportunidade de conhecer uma ilha paradisíaca. A única coisa que a amedrontava era o fato de saber que estaria ao lado dele 24h por dia, durante uma semana inteira. Por quanto tempo suportaria usar a máscara de frieza antes que ele descobrisse a verdade e ela acabasse se sentindo uma tola? Até o momento, Nick não havia perce­bido o quanto o seu porte majestoso a perturbava, a maneira como sorria e até mesmo os gestos que ele fazia quando estava mal-humorado. Tudo isso fazia parte de um segredo que ela guardava a sete chaves.

Quanto a ele, ela imaginava representar o "pati­nho feio" que Nick ajudara por consideração a Lily, mas que estava se revelando uma eficiente auxiliar nos seus projetos. Ocasionalmente, ela era recom­pensada com um sorriso esplendoroso ou um olhar charmoso, daqueles que costumava ver nos olhos de um homem apaixonado. Contudo, para ela, que fora acostumada a viver na sombra de uma irmã de beleza estonteante, a realidade era algo que sem­pre enxergava. Homens bonitos, ricos e charmosos também gostavam de mulheres lindas e chamativas. E se Nick Papaeliou às vezes lhe lançava um olhar sedutor, seria por conta do hábito, jamais um in­teresse real. Ela estremecia só de pensar como ele reagiria se descobrisse o seu amor secreto.

— Seu passaporte está em ordem?

A voz grave de Nick a tirou subitamente do devaneio.

— O passaporte? Ah... sim... está em ordem.

— Você parece estar muito longe — observou Nick que, estreitando os olhos, inclinou a cabeça na direção dela. — Há algo que deveria me dizer?

— A... algo que... eu deveria lhe dizer? — ela re­petiu hesitante. Por alguns segundos imaginou que ele tivesse adivinhado o que lhe passava na mente e descoberto seu pequeno segredo.

— Medo de voar, talvez? Sei que não está acostu­mada a fazer viagens para o exterior. E, se for isso, posso lhe assegurar que há mais chance de sofrer um acidente de carro do que um avião cair.

— Obrigada por me garantir que aquele pássa­ro de metal pode se manter no ar sem muito risco — ela respondeu aliviada.

— Há mais algum problema?

— Não.

Sem querer, ela tornou a pensar na viagem. Nick dissera que havia uma piscina no hotel. Será que deveria levar um biquíni? Só de pensar em entrar na água com ele, sentiu a pele se arrepiar. O melhor seria comprar uma peça única bem discreta.

— Ah, lá vai você outra vez!

— O quê?

— Franzir o cenho e entrar no mundo dos deva­neios. — Nick estendeu um braço e com o polegar alisou o ponto sensível entre os olhos dela. O gesto foi tão inesperado que Rose deu um sobres­salto. — Nossa! Por que está tão assustada? Se não é por medo de voar, então o que é? Receio do desco­nhecido?

— Desculpe — ela sentia vontade de passar a mão no lugar onde ele havia tocado para afastar a sensação prazerosa que a deixara fora de controle.

— Acho que tem razão. Estou apavorada por ter que sair dos limites conhecidos.

— Ah! Eu sabia! — exclamou Nick, satisfeito.

— Embora eu não entenda a razão, uma vez que foi criada em uma família nômade. O esperado se­ria estar ansiosa por uma aventura em um lugar estranho.

Rose sempre evitara conversar sobre sua vida pessoal com ele. Sentia-se mais segura atendo-se estritamente ao campo profissional. É claro que Nick lhe perguntava sobre a reforma da casa e ela respondia com prazer. Afinal era o principal motivo pelo qual agora trabalhava para ele. Ademais, ela nunca revelara o que fazia nos finais de semana e nem mesmo se havia feito amizades ou não no ho­tel onde estava hospedada. Contudo, ficara feliz por ele ter interpretado sua expressão preocupada como um pânico tolo de enfrentar uma viagem. Melhor assim do que se estivesse desconfiado das verdadei­ras razões que a atormentavam.

— Nem sempre as coisas são como deveriam — ela declarou, e para evitar maiores constrangi­mentos, ergueu-se e começou a recolher as emba­lagens que ainda continham sobras dos alimentos servidos.

Nick aproximou uma banqueta e apoiou os pés sobre o assento de couro. Após algumas semanas de trabalho com Rose, já estava se acostumando a tê-la por perto. No entanto, não sabia nada a respeito de sua vida particular. E isso instigava sua curiosidade:

— Está querendo me convencer de que uma pes­soa pode ter medo de conhecer um lugar diferente mesmo tendo passado a maior parte da vida se mu­dando de um lado para outro?

Rose apenas deu de ombros e tentou se desvencilhar do assunto com uma brincadeira:

— Você é quem deveria estar limpando a mesa. Afinal, a casa é sua.

— Acontece que você é a mulher e eu o homem. Diante da exibição machista, Rose pretendeu lhe dar uma resposta adequada, mas quando viu o sorriso debochado que ele ostentava, sem nem mesmo pensar atirou o pano de prato na direção dele. Nick conseguiu apanhá-lo no ar, antes que atingisse o rosto dele:

— Sabe que eu poderia processá-la por isso? Tentativa de agressão ao patrão é crime.

— Com um pano de prato? Só se fosse delicado como uma porcelana!

— Devo entender como um elogio? E que me considera forte e poderoso? — Ele murmurou com uma entonação provocativa. E, pela primeira vez, desde que estavam trabalhando juntos, Nick sen­tiu-se subitamente irado. Havia dado a ela uma oportunidade que muitas mulheres fariam de tudo para conseguir e, no entanto, Rose continuava tratando-o como um completo estranho. E todas às vezes em que ele tentara ser gentil com ela, sem­pre era repelido com críticas. — Esqueça o que eu disse. — Ele abanou uma das mãos em sinal de descaso.

Rose percebeu a contrariedade de Nick e ficou abalada. Como poderia confessar que na realidade o medo que sentia era de si própria?

— Sinto muito — ela balbuciou.

— Sobre o quê?

— Eu estou muito animada com a viagem para Bornéo. Apenas me sinto um pouco insegura.

— Por quê?

Rose deu um suspiro e se acomodou em uma das cadeiras. Fincou ambos os cotovelos sobre a mesa e apoiou o rosto entre as mãos. Em seguida revelou:

— Tony e Flora acreditavam que perambular pelo país poderiam me transformar em uma pessoa corajosa e destemida. Mas isso nunca aconteceu. Do contrário, eu me sentia perdida cada vez que precisava mudar de escola. Talvez por isso estou há tantos anos na Fedco.

— Mesmo com um salário tão baixo?

— Pelo menos me sinto segura. Já quanto a Bornéo é um caso diferente.

— Tony e Flora gostarão de saber que você irá conhecer a ilha.

Rose ostentou um deslumbrante sorriso.

— Mais do que isso. Ficarão radiantes. Precisava ver o entusiasmo deles quando souberam que Lily estava do outro lado do oceano para tentar fazer fama. Acho que eles sentem que contribuíram de alguma forma para o sucesso dela.

— E quanto a você?

— Nunca me imaginei vivendo do outro lado do Atlântico.

— Mas não fica estimulada ao saber do sucesso dela?

— Já me acostumei. Sinto muita falta de Lily, mas fico feliz de saber que ela está feliz e realizada.

— E você?

— Eu o quê?

— Também se sente feliz e realizada?

— Bem... O que posso dizer é que estou contente com a reforma da minha casa. Eu lhe contei que resolvi redecorá-la por inteiro? Agora sim, o ficará como sempre sonhei.

— Do jeito que fala parece que pretende ficar lá por muito tempo.

— Pelo menos por enquanto — ela respondeu de uma maneira vaga. — Agora me fale mais sobre Bornéo... o que mais preciso saber...?

A viagem parecia interminável. Isso era algo que ele não contara a Rose. Ainda bem, porque se ela soubesse que iria passar tanto tempo sentada ao lado dele no avião, teria ficado angustiada três dias antes. E já tivera atribulações suficientes só para comprar as coisas que imaginava que precisaria usar. E, mesmo agora, em pleno vôo, não conseguia pensar em outra coisa que não fosse o que deveria fazer logo que chegassem a Bornéo.

— Tudo bem. Pode desabafar — avisou Nick.

— Desabafar o quê?

— Há algo perturbando sua mente. Pode dizer. Nick fechou o laptop e depois de se recostar na poltrona, aguardou pacientemente que ela se manifestasse.

— Não sei do que está falando.

— Estamos voando a mais de quatro horas e você quase não disse uma palavra. Está olhando para a mesma página da revista há pelo menos uma hora. E se beliscar mais uma vez o lábio inferior, preci­saremos verificar se existe algum médico a bordo. Não me diga que está preocupada em como o sol prejudicará seus cabelos?

— Parei de me preocupar com meus cabelos há muitos anos.

— Então relaxe e aproveite a viagem.

— Mas eu estou aproveitando. Nick franziu o cenho.

Se Rose estava realmente aproveitando a viagem não era o que demonstrava, ele pensava com des­gosto. Será que haveria algo no mundo capaz de fa­zer aquela mulher ficar entusiasmada? Ele mesmo, que tinha condições de viajar para qualquer lugar do mundo na hora que quisesse e na companhia da mulher mais linda que escolhesse, ficara ansioso pela viagem de negócios.

Será que o comportamento incoerente dela seria por medo de que ele estivesse esperando algum tipo de gratidão?, ele ponderou e resolveu arriscar:

— Quero deixar claro que não estou esperando nenhum tipo de agradecimento, Rose.

— Sei disso.

— Então o que a está aborrecendo?

— Não sei se vou conseguir fazer direito o traba­lho de pesquisa. Lido apenas com computadores e não tenho idéia sobre mercadorias de conveniência que interessariam a um hotel.

— Não é preciso. Meu contato na Malásia é mui­to competente. Ele é quem fornecerá a idéia certa do que deverá ser investido.

— Então por que estou aqui?

— Digamos que é para dar o "toque feminino".

— O que isso significa exatamente?

— Você discute demais.

— Só com você — ela devolveu, sarcástica.

— É mesmo? Acho ótimo saber que eu a perturbo.

Rose cerrou os dentes e Nick deu uma estrondosa gargalhada que até chamou a atenção dos passagei­ros vizinhos.

— Pense nas coisas que mais lhe chamaram a atenção no hotel que está hospedada em Londres e procure transportar a idéia para a butique em Bornéo. Já sabe o que eu quero. — "Eu quero você", um pensamento inconveniente, de repente, aflorou em sua mente e o deixou inexplicável-mente sur­preso. Talvez, no fundo, ele já soubesse que Rose significava mais do que um desafio para ele. Ele a desejava. E, sem nem mesmo prestar atenção no que ela respondia, Nick fixou os olhos em sua boca rosada e carnuda e depois nos seios empinados e perfeitos que podia imaginar pelo contorno pro­porcionado pela blusa listrada de algodão macio, que acompanhava os gestos que ela fazia enquanto falava.

Quem diria que um dia Rose estaria feliz dentro de um avião com destino a um lugar desconhecido?

E, no entanto, ali estava ela: no compartimento de primeira classe de um avião rumo a Kota Kina-balu e Kuala Lumpur, a capital da Malásia. Lugares dos quais ela nunca ouvira em toda sua vida. E não podia negar que estava excitada.

Com o canto dos olhos ela espiou Nick e percebeu que ele adormecera. E, sem querer, sentiu o fami­liar e eletrizante arrepio na espinha ao contemplar o peito largo que se expandia a cada respiração.

Os assentos na primeira classe podiam ser reclinados até formarem um leito improvisado. E, apesar de Rose ter reclinado o banco na posição máxima e a penumbra do ambiente induzir a um relaxamento forçado, ainda assim não conseguia dormir. Agora podia entender o entusiasmo dos tios quando se mudavam para algum lugar que os atraía. O desconhecido não era tão assustador quanto ela pensava. Ou até seria. Um pouco, tal­vez. Mas também era repleto de novas e instigantes possibilidades.

O dia estava no fim quando o avião pousou em seu destino final, mas ainda assim fazia muito calor. Depois de terminadas todas as checagens rotineiras no aeroporto, eles finalmente pegaram um táxi com destino ao hotel.

Ao perceber os vários bocejos involuntários dela, Nick aconselhou:

— A primeira coisa que deverá fazer assim que chegarmos ao hotel será tirar um bom cochilo. Mal consegue manter os olhos abertos!

— Você parece tão disposto!

— É que estou acostumado a fazer viagens lon­gas — ele declarou com um sorriso de mofa.

O táxi contornou uma esquina e entrou num ca­minho asfaltado e ladeado por um extenso gramado muito bem aparado. E lá estava o hotel. Assim que ela desceu do veículo notou o som de milhares de grilos ecoando na noite.

— Sei que devemos preservar o ecossistema, mas não precisava haver tantos insetos assim para perturbar o silêncio — murmurou Nick divertido em um dos ouvidos dela. — Vamos preencher os formulários de registro de entrada no hotel e depois poderá ir para o seu chalé e descansar.

— Eu deveria ter trazido um mapa da região — lamentou Rose.

— Não seria preciso. Lee Peng conhece este lu­gar como a palma da mão. E um guia personalizado é muito mais interessante que o melhor dos mapas.

— Estou me sentindo mal por ter que deixá-lo e ir dormir... Talvez se tomar uma boa ducha poderei me refazer do cansaço e me juntar a você para dis­cutirmos os planos de amanhã...

Nick ignorou o comentário dela e aproximou-se da recepção para receber os formulários. Enquanto isso, Rose admirava o piso de mármore e a elegân­cia da decoração em estilo colonial do espaçoso sa­lão de entrada.

Logo depois, ela foi conduzida por um sorriden­te carregador de bagagens ao chalé que lhe fora reservado. Quando o funcionário saiu e ela tran­cou a porta é que se deu conta do quanto estava cansada.

Fez uma rápida vistoria no local e notou vários ventiladores presos ao teto, cortinas e móveis fabricados com bambu e um enorme mosquiteiro armado sobre a cama de casal, posta no centro do ambiente. Tudo aquilo significava que o calor naquele lugar deveria ser de arrasar! Pelo menos havia uma ba­nheira grande, onde ela pretendia relaxar um bom tempo pela manhã.

Vestiu um pijama folgado e um robe de tecido fino e depois se encaminhou para a cama. Pretendia descansar apenas por alguns minutos. Depois se re­frescaria um pouco e procuraria por Nick.

Quando tornou a abrir os olhos, os raios lumi­nosos do sol infiltravam-se pelos vãos da persiana. Ela consultou o relógio de pulso e confirmou para, seu desgosto, que eram 8h30 da manhã. Ela havia dormido por quase dez horas!

Alguém bateu na porta e ela supôs que fosse o serviço de limpeza do bangalô. Provavelmente Nick a julgaria uma preguiçosa e não a mulher que estava ali a negócios. Ela não sabia em qual chalé ele se instalara, mas ligaria para a portaria e em seguida o avisaria que estaria disponível em 15 minutos.

Porém não foi preciso nada disso. No momento em que ela afastou a cortina de bambu e abriu a porta, lá estava Nick em pessoa!

— Ah, é você?

— Quem pensou que fosse?

— O serviço de limpeza. Eu... acabei dormindo demais... mas já estava pensando em ligar para você e dizer que estava à disposição.

— Não vai precisar de telefone para falar comi­go. Estou no bangalô ao lado do seu. É só dar al­guns passos e já estará na minha porta.

Rose tentou não ficar embaraçada com a infor­mação.

— Tenho certeza de que não precisarei incomo­dá-lo. Se me der 15 minutos, nos encontraremos no lobby.

— Não é preciso tanta formalidade, Rose — ele pediu, recostando-se no batente da porta. — Orde­nei o café-da-manhã para dois em meu chalé. As­sim que estiver pronta é só aparecer. Depois pode­remos dar um passeio pela área de lazer do hotel e também conhecer a praia. Vamos deixar o trabalho para amanhã quando Lee estará de volta de Kuala Lumpur.

O que Nick acabava de dizer a deixou em pânico. Dividir o café-da-manhã servido no quarto dele e depois darem um passeio?

Ela limpou a garganta com um ruído, enquanto pensava em uma maneira gentil de recusar o ofe­recimento. Mas, quando abriu a boca para falar, ele já tinha dado meia-volta e acenado um "até logo".

Rose sabia que não trouxera nenhuma roupa ade­quada para acompanhar o sexy patrão. Apesar de ficar atordoada com o convite, não deixara de notar que ele usava uma elegante bermuda caqui e uma camiseta vermelha justa e sem golas. As pernas musculosas, pontilhadas de pêlos negros evidencia­vam o bronzeado da pele.

Vasculhando a bagagem ela decidiu por uma ca­miseta folgada e uma calça de moletom. Provavel­mente, estaria morta de calor antes de o dia termi­nar. Pelo menos ganharia alguma cor, ela pensou.

Quando Rose se aproximou do chalé de Nick, encontrou-o na varanda, saboreando um café, com as pernas estiradas e os pés repousados em outra cadeira. De propósito ele havia deixado a única ca­deira restante bem ao lado dele.

— Que vista maravilhosa, não é? — ela comen­tou assim que se acomodou e se serviu de um copo de suco de laranja. O coração batia acelerado.

— Fantástica — ele concordou, olhando na di­reção que ela apontava e de onde se podia ter uma excelente visão da piscina. — Não deveria estar de calça comprida, Rose. Está muito calor.

— É que... ainda não desfiz as malas. Apanhei o que estava mais fácil.

— Sei... sugiro que após o desjejum pegue seu biquíni. Pode deixar que eu apanharei as toalhas na portaria. — Nick estava louco para vê-la sem aque­las roupas folgadas e descobrir se haviam algumas curvas por baixo daquela "couraça".

— Mas... não viemos trabalhar? — ela perguntou em desespero ao mesmo tempo em que partia um croissant ao meio e o provava.

— Como disse, pensaremos nisso amanhã — afirmou Nick. A brisa estava refrescante e convidativa. O trabalho era importante, mas tinha que admitir que fazia muito tempo não se sentia tão relaxado.

— Pensei que tivéssemos reuniões agendadas. E quanto à inspeção do prédio?

— Temos dez dias pela frente. Quer um pouco mais de café? — ele ofereceu. E, depois de ser­vi-la, recostou no espaldar da cadeira e cruzou as mãos atrás da cabeça. — Você sabia que Bornéo é a terceira maior ilha do mundo? E também possui uma das florestas mais antigas do planeta? Há ex­cursões para conhecer os orangotangos nativos da ilha.

— Vamos ver orangotangos?

— Não antes de mergulharmos naquela piscina e conhecermos a praia. — Ele ergueu-se e enfiando as mãos nos bolsas da bermuda olhou na direção do mar. — Este lugar é tão fascinante! Onde mais você pode contemplar florestas espessas e a areia branca da praia ao mesmo tempo?

O dia estava glorioso e o sol tão quente que não haveria desculpa para evitar um mergulho nas águas frescas do mar do Sul da China. E, de qual­quer forma, os pedidos de Nick soavam mais como um comando. Afinal, ela estava sendo muito bem paga e não poderia recusar-se ao que ele mesmo determinara.

Rose estava indecisa sobre qual das três peças que comprara deveria usar. Decidiu provar cada uma delas na frente do espelho. Escolheu a mais simples, embora tivesse um decote ousado que va­lorizava o busto de modo espetacular.

Suspirou pro­fundamente. Onde estaria indo parar o autocontrole que sempre mantinha em alerta?

 

A praia estava quase deserta. Talvez ainda fosse muito cedo para a maioria dos hóspedes, pensou Rose. Os mesmos estilos de guarda-sóis que vira em torno da piscina eram espalhados ao longo da praia. Algumas cadeiras coloridas eram ocupadas por senhoras que usavam chapéus de palha com abas largas. A maioria entretida com alguma leitura. Mais adiante ela podia avistar uma península estrei­ta de terra que se alongava para dentro do oceano e que poderia ser confundida com um porto, não fossem os coqueiros na superfície.

A vista era de tirar o fôlego de qualquer um. Uma verdadeira visão do paraíso. Desde a brancura das areias entremeada pela sombra de coqueiros até o azul ofuscante do mar.

Rose admirava a paisagem através da proteção dos óculos de lentes grossas e escuras. Decidira manter o hábito de esconder sua miúda silhueta através de uma saída de banho em tecido fino que se estendia até os joelhos. E já sentia o efeito dos raios de sol incendiando o excesso de roupa que usava.

Ainda não avistara Nick em lugar algum. Mas, antes que começasse a se preocupar, sentiu a mão dele em seu ombro e a voz em tom jocoso:

— Por que está usando um lençol? Rose girou a cabeça e o olhou por detrás das len­tes escuras dos óculos:

— Estou tentando me proteger do sol. Para você não é problema por causa da pele bronzeada, mas para mim que estou branca como a neve, nem mes­mo deveria estar me expondo dessa maneira.

Embora ela estivesse usando um argumento fra­co, porque era muito cedo e o horário propício para um banho de sol, não havia outro modo de justificar sua timidez.

Nick, é claro, até pareceria um nativo da ilha, não fosse a toalha estendida casualmente sobre os om­bros. E, como o prometido, apanhara uma toalha para ela e agora a oferecia ainda ostentando um sor­riso de diversão.

— Deveria ter trazido um sombreiro como o da­quelas mulheres — ele comentou olhando na dire­ção dos poucos banhistas.

Ela não respondeu e, apanhando a toalha, come­çou a caminhar sem esperar por ele. Depois, arre­pendeu-se e diminuiu o passo ao pensar que talvez ele estivesse rindo de suas costas brancas.

Eles prosseguiram juntos na caminhada, mas quando ela percebeu que estavam se afastando de­mais das poucas pessoas na praia, sugeriu que se acomodassem próximos de uma senhora idosa que se abanava com o próprio livro que mantinha em uma das mãos.

— Não vai tirar o excesso de roupas? — pergun­tou Nick. — O sol por aqui costuma ser muito mais quente do que na Inglaterra.

— Por falar na Inglaterra, eu trouxe o notebook para o caso de querer fazer contato com os funcio­nários da empresa — informou Rose, sentindo-se segura com os óculos escuros e espiando ele esten­der a toalha na areia e ignorar a cadeira de praia.

Depois de se acomodar sobre a toalha, Nick co­meçou a espalhar o protetor solar sobre o corpo.

— Até eu que tenho a pele morena preciso de proteção — ele afirmou enquanto tomava consciên­cia de que ela o observava. Embora estivesse acos­tumado ao assédio das mulheres, a maneira reser­vada com que ela o olhava, sem querer despertava um poderoso interesse. Ele a desejava, sem dúvida, mas sabia que não iria conquistá-la através de pre­sentes caros ou jogos de sedução.

Após ter espalhado a loção por todo o corpo, Nick deitou-se de costas e cerrou as pálpebras. Rose es­forçava-se para afastar o olhar da tentadora visão do corpo másculo e quase nu.

— Por que resolveu entrar no ramo de... bem... hotéis?

— Está soando como uma entrevista — caçoou Nick.

— É apenas uma curiosidade. Todo mundo tem um motivo para fazer o que faz.

— E quanto a você? Por que se interessa por pro­gramação?

— Não é sobre mim que estamos falando. — O sol começava a torná-la relaxada e em paz. Não queria iniciar uma discussão. — Aposto que não fica muito tempo dentro de hotéis, não é?

— Pelo contrário. Raramente estou fora deles.

— Estou me referindo a lazer e não negócios. — Ela baixou os olhos e percebeu que Nick mal a ouvia. Permanecia com os olhos fechados e, pro­vavelmente, com o pensamento longe. Aproveitou para retirar a saída de banho e lentamente começou a espalhar a loção protetora sobre a pele. Contudo, não tirava os olhos dele. Tinha receio de que Nick pudesse acordar antes que ela se deitasse sobre a toalha. Sabia que na posição horizontal o excesso de gordura do abdome seria disfarçado e assim evi­taria uma provável crítica pela falta de exercícios regulares em uma academia.

Ou, talvez, ele iria compará-la com Lily, que ti­nha o abdome definido em qualquer posição que estivesse.

Terminada a tarefa, Rose deitou-se de costas so­bre a toalha e protegeu o rosto com a revista que havia trazido.

— Hotéis para lazer... hum... bem, talvez seja o prazer do desafio de continuar produzindo adrena­lina que me fez embarcar em um ramo do qual não tenho a mínima experiência.

Rose tinha consciência de que Nick havia vira­do o corpo na direção dela, mesmo assim, preferiu manter os olhos protegidos na sombra proporciona­da pela revista.

— Eu já conquistei o mercado financeiro. Melhor dizendo, já tenho dinheiro suficiente para passar o resto da vida sem precisar trabalhar. O que deve fa­zer um homem nessa posição?

— Aposentar-se e desfrutar do melhor que a vida pode lhe oferecer. — Rose opinou e depois falou com surpresa: — Mas com quem você comparti­lharia o lazer?

Nick sentou-se e afastou a revista do rosto dela a fim de poder encará-la diretamente nos olhos.

— Sinto muito. As palavras escorregaram da mi­nha boca.

— Trabalhar com computadores não parece ser a carreira ideal para você.

— E por quê?

— Não tem o mínimo senso de diplomacia. — Nick jamais permitiria que mulher alguma cruzasse as fronteiras da amizade e invadisse sua privacida­de. Contudo, estava ali com uma mulher com a qual nem mesmo havia um relacionamento amistoso e que acabava de se intrometer em sua vida. Ele não pretendia voltar atrás em seus princípios, mas tam­bém não estava com a mínima disposição de com­prar uma briga. Principalmente em um dia tão esplendoroso e convidativo. — Vou dar um mergulho — ele decidiu e ergueu-se. Depois espiando sobre o ombro perguntou: — Quer vir comigo?

— Obrigada pelo convite, mas prefiro prosseguir com meu banho de sol. — E dito aquilo, ela tornou a colocar a revista sobre o rosto.

Rose olhou para a bolsa na qual pusera o notebook para lembrá-la da razão pela qual estava ali. Era uma maneira de acalmá-la ao recordar-se da arrogância com que ele lhe dissera que não ti­nha o mínimo senso de diplomacia. Mesmo assim, sentiu-se magoada. E para afastar a ansiedade er­gueu-se para caminhar um pouco. O sol começava o caminho ascendente no firmamento e o calor se intensificava a cada minuto. Rose procurou afastar os pensamentos furiosos e sentou-se outra vez so­bre a toalha. Consultou o relógio e levou um susto: Nick já estava na água por 40 minutos e quando ela percorreu o mar com os olhos, não viu nem sinal dele.

Tomada de pânico ela ergueu-se e aproximou-se da beirada da água. Com a palma de uma das mãos protegeu os olhos do sol e vasculhou a área até onde a visão podia alcançar. Agora já havia mais pessoas na praia, embora a maioria estivesse na água. Po­rém, não conseguiu avistar Nick entre elas.

Obedecendo ao instinto natural, ela não pensou duas vezes para lançar-se no mar. Se havia uma coisa que ela não havia esquecido eram as lições de natação que os tios lhe haviam proporcionado. Tony e Flora, com seus conceitos hippies, consi­deravam a natação uma interação importante com a natureza e por isso insistiam que as meninas aprendessem a nadar como uma importante de li­ção de vida. Lily desistira cedo por causa do dano que provocava nos cabelos. Rose, ao contrário, gostava tanto de nadar que o estado dos cabelos pouco lhe importava.

Enquanto nadava ela se perguntava se não teria sido melhor ter procurado um salva-vidas. Mas, agora era tarde demais.

Ela prosseguiu dando longas braçadas até per­ceber que a praia estava ficando muito distante. E então começou a ficar com medo de deparar com algum animal que vivesse naquela profundidade. Embora a água fosse cristalina e calma, o que acon­teceria se de repente fosse sugada por algum tipo de monstro marinho? O pensamento alarmante foi su­ficiente para que ela decidisse retornar para a praia e solicitar ajuda profissional.

De repente ela sentiu algo agarrá-la pela cintura e soltou um grito de pânico.

— Estava preocupada comigo? — perguntou Nick com um riso escancarado.

Sentindo um misto de alívio e raiva ela precisou controlar-se para não chutá-lo. Qualquer tipo de agressão dentro da água seria perigoso. Era o que tinha aprendido com os tios.

— Só estava com calor — ela mentiu e tornou a nadar na direção da praia.

Ele a seguiu e segurou-a de novo. Dessa vez pelo tornozelo. Ela se debateu e gritou:

— Não sabe que é perigoso brigar na água?

— Quem é que está brigando? E no caso de estar se perguntando como não me viu antes, devo infor­má-la de que eu estava naquela península estreita. Vi quando você entrou na água e a segui. Pensou que eu estivesse com problemas?

— Não poderia arriscar ao vê-la tão longe da praia.

—Acontece que sou uma excelente nadadora.

— É... eu percebi...

Rose não saberia dizer se estava gostando do jei­to que ele a olhava enquanto nadavam.

— Que tal apostarmos quem chega primeiro na península? Depois poderemos ir caminhando até a praia. Será um ótimo exercício.

Rose não achava que ele precisasse de exercício algum. Ao contrário dela. Contudo queria provar a ele o quanto era boa em natação. Ela concordou e os dois começaram a nadar ligeiro na direção da faixa estreita de terra que avançava no mar. A prin­cípio ela ficou à frente, depois emparelharam e no final ele ultrapassou-a e chegou alguns minutos an­tes dela.

Quando Rose saiu da água, Nick estava sentado no tronco caído de um coqueiro apenas observando-a. Só então ela se deu conta de que a peça de banho colada ao corpo, por estar encharcada, de­nunciava cada centímetro de sua intimidade. Pro­curando disfarçar o embaraço, cruzou os braços na frente do peito e acomodou-se ao lado dele no tron­co de madeira.

— Nunca pensei que isso fosse fazer parte da viagem! — ela exclamou com um sorriso acanha­do. Sentia-se minúscula e sem graça ao lado do porte atlético e bonito de Nick. O fato de perceber que ele a olhava de cima a baixo piorava a situ­ação. Imaginava que ele estivesse zombando in­timamente de sua baixa estatura e da ausência de curvas provocantes.

Nick notou que ela sentou-se o mais distante possível. Algum tempo atrás ele até se divertiria com a timidez dela. Mas não agora. Sentia vontade de lhe dizer que não precisava esconder o corpo com as mãos. O que atraia Nick não eram curvas a mais ou a menos. Nem os centímetros que falta­vam para colocá-la na média das modelos. Con­teve a vontade de abraçá-la e aconchegá-la. Com Rose ele sabia que precisaria ir com calma para não assustá-la.

— E o que está achando desse lugar?

Ela suspirou aliviada. Pelo menos ele estava en­trando em um campo onde ela se sentia mais segura. Começou a fazer intermináveis perguntas sobre Bornéo e quando se iniciava uma pausa na conversa, ela retornava ao assunto. De vez em quando ele obser­vava com preocupação o sol castigando a pele clara e desprotegida de Rose, que não parava de falar.

— Não acha que já se informou o suficiente so­bre as atrações da ilha?

— É que estou muito interessada.

— Está é ficando torrada, isso sim.

— O quê? — Ela lembrou-se de que estava ex­posta ao sol há muito tempo e levou as mãos ao ros­to em desespero. O gesto permitiu que ele pudesse ter uma visão generosa do busto que ela escondia até então.

— Bem aqui. — ele apontou com um dedo e ro­çou-lhe a ponta do nariz. — Precisamos voltar para a praia e apanhar as toalhas.

— Será que ninguém mexeu em minhas coisas? — ela perguntou alarmada.

— Fique tranqüila. Essa parte da praia só é fre­qüentada pelos hóspedes do hotel — ele revelou e estendeu a mão para ajudá-la a erguer-se.

Enquanto caminhavam na direção da areia, Rose perguntou:

— Você ainda não me disse por que resolveu en­trar no ramo de comércio em hotéis.

— Você mesma não me chamou de solitário e que só freqüento hotéis para negócios?

— Não foi o que eu quis dizer. Sei que tem opor­tunidades para se divertir enquanto está hospedado a trabalho.

— Talvez. Mas, para dizer a verdade, não saio com uma mulher desde o dia em que conheci sua irmã.

Por alguns segundos Rose ficou desorientada. Ele havia dito que o relacionamento com Lily era apenas de amizade. E ela acreditara. E agora, o simples fato de imaginar que havia algo mais com a irmã lhe provocou um desconforto na boca do estômago.

— Lily sempre causa esse efeito nos homens — declarou Rose com um fio de voz.

— Que efeito? Ela deu de ombros.

— Deixá-los deslumbrados no primeiro mo­mento.

— Não foi isso que eu quis dizer, minha querida. Estava me referindo ao fato de que no dia em que conheci Lily eu tinha acabado de terminar um na­moro e desde o rompimento não procurei por outra mulher. Achei que precisava de um tempo longe de complicações.

Rose sabia que o fato dele tê-la chamado de "querida" não passava de uma força de expressão. Contudo, sentiu que de alguma maneira ele a estava incluindo em seu círculo de amizades íntimas.

— Acho que às vezes dar um tempo é muito con­veniente. Afinal, sexo não é tudo na vida.

Nick ficou satisfeito de ter conseguido levar a conversa para um assunto que o interessava. Princi­palmente sentindo a testosterona à flor da pele.

Porém, para sua frustração, ela prosseguiu com um ponto de vista nada animador:

— Contudo esse problema não é o que interessa a nós dois no momento. Estamos aqui para trabalhar e não discutirmos a privacidade um do outro.

"Um passo à frente e dois para trás", concluiu Nick cerrando os dentes.

— Quer que eu faça uma lista das atrações que deseja visitar?

— Não é preciso, Rose. Lee saberá o que existe de melhor para ser visitado.

Florestas, montanhas, cascatas... o famoso santuá­rio dos orangotangos... Lee Peng com sua fantástica simpatia... e inúmeros contatos de negócios.

Nos cinco dias que se seguiram, mal tiveram tempo para respirar. Rose se comportara como uma eficiente colaboradora, mas mantivera-se o mais distante possível de uma proximidade eventual com Nick. Recusara polidamente caminhadas após o jantar e pedia o café-da-manhã em seu próprio chalé com a desculpa de precisar iniciar os relató­rios logo cedo.

Nick, cada vez mais contrariado, sentia-se de volta aos tempos da adolescência, contentando-se apenas com um flerte a distância. E passava parte da noite acordado e olhando para o teto em com­pleto desapontamento. Um homem que tinha tan­tas mulheres à disposição agora se via, sem querer, pensando em uma que não fazia outra coisa a não ser ignorá-lo.

E aquela prometia ser mais uma das noites frustrantes. Rose havia se recolhido cedo com a antiga desculpa da "dor de cabeça". Nick consultou o reló­gio e descobriu que já passava da meia-noite. Para ser preciso, 1:15h da madrugada. Ele considerou as opções: permanecer observando o teto ou tomar um banho frio para acalmar os ânimos. Decidiu pela segunda hipótese e levantou-se. Sentiu uma agra­dável sensação ao pisar descalço no piso frio. Os ventiladores ligados na velocidade máxima propor­cionavam um grande alívio do calor incessante. To­mar banho ou ligar o computador como costumava fazer quando estava sem sono? Nenhuma das idéias o atraía de verdade. Sentia-se tão inquieto que re­solveu vestir um short e se acomodar na varanda para apreciar a noite. Nem mesmo se incomodou em acender a luz.

Uma sombra representando uma silhueta de mu­lher na varanda do chalé vizinho lhe chamou a aten­ção. Com certeza era Rose, que talvez não estivesse conseguindo dormir também. Ele sentiu a adrenali­na aumentar. Sem parar para pensar e deixando-se levar pelos instintos masculinos desceu rapidamen­te os dois degraus de madeira e num instante estava na frente dela:

— Costuma ficar na varanda a essa hora da madrugada? — ele perguntou, enquanto observava a camisola transparente que ela usava e que cobria o corpo feminino até a altura dos joelhos.

Com um pouco de imaginação poderia até vislumbrar o exato formato dos mamilos.

— O que está fazendo aqui?

— Como você, não consigo dormir.

Rose ficou sem palavras. Não esperava vê-lo ali, naquele horário. Ela se comportara com a máxima discrição e disciplina durante todos aqueles dias. Mas as noites eram seu especial refugio, quando podia dar vazão aos sentimentos de solidão que a acompanhavam. Como ele ousava invadir seu espaço?

— Acho melhor que vá embora — ela declarou com frieza e terminando de beber o último gole de água que trouxera em um copo, girou nos calcanha­res e ameaçou entrar no chalé.

Nick tocou em um dos seus cotovelos e afirmou:

— Espere um pouco.

— O que quer?

— Por que sempre foge de mim?

— Eu não "fujo" de você. — Se pelo menos a voz soasse mais convincente, ele acreditaria. Ou as pernas não estivessem tão trêmulas...

— Quer me convencer de que "de repente" sen­tiu um sono incontrolável?

— Quero dizer que... — Rose hesitou. A situação era tão intimidante. Os dois sozinhos ali, enquan­to o "mundo" dormia. A quase nudez dele era per­turbadora, embora ela estivesse fazendo o possível para evitar olhar diretamente para toda aquela exu­berância masculina. — Quero dizer que embora eu trabalhe para você não é certo invadir minha priva­cidade dessa maneira.

— Não pretendia invadir sua privacidade. Quan­do a vi na varanda a essa hora da madrugada quis me certificar de que estava tudo bem com você.

— Estou muito bem.

— Não é o que parece. Está tremendo. Está com frio por conta da pouca roupa que está vestindo?

— Pelo menos estou mais decente do que você!

— Desculpe. Não esperava companhia. E seria este short ou nada.

Rose engoliu a saliva.

— Não possuo pijamas.

— Todo mundo sempre tem ao menos um pijama.

— Eu não. E faço um desafio se quiser compro­var na minha bagagem.

— O que disse?

— Deixa para lá. Não acha melhor entrarmos? Ou prefere que alguém nos veja e inicie uma in­triga? — ele insistiu, e aproveitando o momento de dúvida que ela demonstrou, adentrou no recinto sem maiores cerimônias.

Quando olhou para trás, viu que Rose cruzara os braços sobre o peito, aparentemente tomando cons­ciência da transparência da camisola e obviamente pensando em um modo de fazer com que ele saísse.

Nick ficara por dias em um estado de frustração tão grande que não pretendia desperdiçar a chance que agora se apresentava. Ele a desejava e por sua experiência com mulheres poderia assegurar que ela também o queria.

— É loucura estarmos acordados até essa hora! — ela exclamou com um sorriso nervoso e manten­do distância. — Temos trabalho logo cedo e estare­mos cansados!

Ele aproximou-se e Rose sentiu um calafrio. Entretanto, um raciocínio frio a acalmou. Não havia razão para temê-lo. Afinal, o que ele iria fazer? Beijá-la? Um homem como Nick não se interessava por mulheres como ela. E se o co­ração estava disparado era por medo de que a proximidade dele fizesse com que ela perdesse o controle e acabasse por fazer algo idiota como "desmaiar".

— Às vezes uma loucura pode ser divertida. Você nunca fez algo maluco em sua vida?

— Não. Loucuras não combinam comigo.

— Como sabe se nunca tentou?

Como pura reação instintiva ela recostou-se na parede. E foi a pior escolha. Nick apoiou as palmas das mãos na madeira, aprisionando-a entre seus braços fortes.

— Aqui estamos, Rose. Sozinhos em um dos lu­gares mais lindos do mundo. Preciso lhe dizer o que me passa pela cabeça?

— O quê? — indagou ela, fingindo ignorância.

— Isto... — Ele murmurou enquanto inclinava a cabeça e retirava uma das mãos da parede para segurar a nuca de Rose.

Rose mal podia acreditar no que estava acon­tecendo.

— Não... — tentou protestar com a voz fraca. Nick sorriu. Estava mais do que certo de que ela o desejava. O que o surpreendeu foi a fúria com que ele tomou os lábios de Rose, que se abriram automaticamente para receber a carícia. Rose apoiou as palmas das mãos no dorso poderoso e sentiu a musculatura rígida que ela pretendia afas­tar. Porém, o apelo do prazer a venceu e os dedos delgados começaram a acariciar a pele bronzeada enquanto os lábios dele pareciam querer devorar sua boca pequena e extasiada com o gosto do beijo espetacular.

Quando ele finalmente interrompeu o beijo para que pudessem respirar, ela ainda tentou um fraco protesto. Entretanto, os seios pressionados contra o imenso tórax revelavam-se doloridos e sensíveis ao mesmo tempo. A essência masculina a inebria­va. Os poucos homens com quem se relacionara eram gentis e amigos. Nick não era nem gentil nem amigo, ela pensava. Era um homem rico e bonito, acostumado a se relacionar com mulheres que cos­tumavam sair em capas de revistas famosas. O que estava acontecendo parecia mais um milagre do que uma realidade.

— Esta é a última chance — disse Nick estrei­tando o olhar.

— Última chance para quê?

— Para você decidir. Não quero ser acusado de tirar vantagem da situação.

— Eu não faria isso.

— Não está me entendendo. Quero ir para a cama com você, mas só se consentir. Caso contrário, irei embora agora mesmo.

"Ir embora e fazer o quê?", pensou Nick, angus­tiado, caso ela decidisse que ele deveria se retirar. "Tomar uma ducha fria ou trabalhar no computa­dor e depois ficar olhando para o teto e pensar nela durante a maior parte da noite?" Ele nunca se vira em uma situação como essa. Totalmente à mercê da vontade de uma mulher e ainda rezar para que ela o aceitasse!

Rose, por sua vez, não sabia o que fazer. O bom senso a avisava que o melhor seria evitar o envolvi­mento físico. Contudo, enlouquecida pelo fogo da poderosa e sensual masculinidade...

 

A emoção que Nick sentia superava a sua fantasia de quando era apenas um garoto. Mas ele tomou o cuidado de não revelar isso para Rose enquanto a carregava nos braços até a cama. Com cuidado a introduziu no véu de proteção contra os mosquitos através da brecha que ela deixara aberta quando saiu para a varanda.

O short folgado mal podia esconder a intensidade de sua ereção, mas ele pretendia conter o entusias­mo e fazer amor devagar e com carinho.

— Está segura sobre isso? — ele quis saber, espiando através da abertura do mosquiteiro para Rose, que se mantinha sentada sobre o colchão.

— Sim. E acho que você está certo. Todo mundo precisa fazer uma loucura de vez em quando.

— Nesse caso, por que parece tão assustada? Rose enrubesceu.

— Pareço?

Nick estava a ponto de retirar o short, porém hesitou e preferiu juntar-se a ela na cama antes de despir-se. Quando eliminou a abertura do véu, a im­pressão era a de que ambos estavam em um ninho de amor. Num passado distante ele até tomava ati­tudes românticas como a de mandar flores ou presentes. Mas nunca se julgara um homem romântico. No entanto, a visão dela com os lábios róseos semi-abertos e os dedos das mãos entrelaçados sobre o busto para encobrir a transparência do tecido deixa­va-o muito emocionado.

— Do que está com medo? Nós não decidimos que queríamos... a mesma coisa? — Nick estendeu um braço e segurou gentilmente o queixo mimo­so. Depois desceu a mão até onde ela mantinha os dedos entrelaçados. — Não precisa se preocupar. Serei carinhoso.

— É que você não entenderia...

— Não me diga que é virgem?

— Claro que não! — ela exclamou, indignada. Embora soubesse que sua experiência estava mais nas palavras do que em atitudes.

— Se importa em me contar por que parece tão apavorada?

— Você está seguro porque deve fazer essas coi­sas há muito tempo, não é?

— Dormir com mulheres? Claro, Rose. Sou um homem normal.

— Eu sei. Mas o que quero dizer é que... bem... não sou muito ousada na cama, Nick. — Ela limpou a garganta e o olhou com desafio: — Pode rir se quiser, mas a verdade é essa. Eu não desperdicei minha vida passando de cama em cama.

— E eu gosto disso — murmurou Nick, surpre­so por realmente estar falando a verdade, embora não tenha vivido uma situação semelhante antes.

Algumas das mulheres com quem dividira o leito eram até mais ativas do que ele.

— Além do mais... — ele não conseguiu terminar a frase por conta de se ocupar em dar um beijo terno na curvatura do pescoço dela e sentir a reação prazerosa.

— Você não está esperando... bem, é que garo­tas como Lily... ou seja, as modelos geralmente são magras e...

— Por que se preocupa com isso? Você é linda, Rose.

— Ora, por favor. Não precisa exagerar.

— Precisa parar com esse complexo. — Ele li­bertou com gentileza os dedos que ela mantinha en­trelaçados e depois a induziu a deitar-se. Os cabelos soltos espalhados em volta do rosto lhe davam uma aparência angelical. Bem devagar começou a livrá-la da camisola e em seguida de sua calcinha.

Após alguns segundos ele contemplava a nudez de Rose e estava satisfeito com o que via. As curvas não eram tão generosas, mas em compensação os seios eram mais fartos e as coxas mais robustas. Ela o observava através dos longos cílios e percebia o sorriso de aprovação que ele exibia. Em questão de segundos todo o receio que Rose tinha em relação a Nick não gostar do seu corpo, se comparado às mulheres esbeltas com quem costumava sair, desa­pareceu por completo. E a inibição começou a ser substituída por um abandono apaixonado.

Nick aproveitou a mudança de comportamento e com um gemido de satisfação inclinou-se para mergulhar nos seios volumosos. A textura da pele de Rose era suave como o veludo. Justamente como ele imaginara. Macia e sedosa. Pouco de­pois, com relutância, abandonou a área exuberante para se apossar dos lábios carnudos e sugá-los com intensidade.

— Toque-me outra vez...

— Onde?

— Onde estava antes... — Ela nunca imaginara que era tão bom sentir os seios acariciados. Perde­ra tanto tempo na vida com vergonha do volume de seus seios que agora resolvera liberá-los de vez. Para o deleite de Nick.

— Gosta dos meus lábios nos seus seios, não é? E eu nunca provei mamilos tão gostosos!

Rose ficou chocada com a linguagem sensual que ele usava, contudo o tom de voz rouco e carinhoso a excitava. Pretendendo retribuir o prazer ela tentou tocá-lo com uma das mãos. Ele a impediu:

— Ainda não, querida. Precisamos ir com calma ou acabaremos no meio do caminho.

— Como assim?

— Deixe apenas comigo. Não temos pressa.

Rose sorriu satisfeita com o efeito que era capaz de provocar em Nick. Suspirava enquanto ele massageava-lhe os seios e mordiscava-lhe os mamilos. Em alguns momentos ela chegou a se curvar de maneira lasciva para permitir-lhe melhor acesso e chegava quase a gritar com a fúria da boca máscula que parecia dilacerar os bicos sensíveis.

Quando ele iniciou um caminho descendente, ex­plorando com a língua a pele rosada, até culminar no centro de sua feminilidade, Rose sentiu que es­tava saindo de órbita. Nunca se imaginou capaz de permitir tamanha liberalidade.

Com um pequeno puxão ela forçou Nick a aban­donar a carícia.

— Está com medo de perder o controle? — ele perguntou com um sorriso malicioso. E, antes que ela encontrasse uma resposta adequada, ele afastou as coxas dela com uma das pernas musculosas. — Deixe-me mostrar o que realmente a deixará.

A investida foi de uma só vez. Ela estava tão preparada que não houve resistência. Em seguida ele começou os movimentos rítmicos. Como se co­nhecesse perfeitamente a reação do corpo de Rose, a cada vez que percebia que ela se aproximava do clímax ele se interrompia, para recomeçar depois que a via se acalmar. Pretendia protelar o mais que pudesse o clímax.

Rose estava tão perdida em um mundo de novas sensações que nem mesmo percebeu quando trocou de posição com ele e acabou sobrepondo seu corpo ao de Nick e liderou os movimentos frenéticos.

Não tardou ficar impossível adiar por mais tem­po a agonia de finalizar o ato de amor. Quando o ápice aconteceu ao mesmo tempo para ambos, ar­rancou das gargantas ressecadas gritos alucinantes de prazer que perduraram alguns segundos antes de tombarem exaustos lado a lado.

— Acho que deveríamos dormir um pouco ou estaremos exaustos pela manhã — sugeriu Rose, preocupada com o trabalho a ser feito. Estar ao lado dele lhe parecia a realização de um sonho impossí­vel. Embora tivesse lutado com todas as suas forças, não conseguira impedir de se apaixonar por Nick. Mas precisava manter esse sentimento em segredo.

Mas... seria impossível que ele também se apai­xonasse por ela, apesar de tantos obstáculos?, Rose se perguntava mentalmente. Tinha certeza de que ela não era o tipo físico de mulher que Nick preferia. Mas ele se atraíra por ela e parecia ter gostado. Analisando por esse aspecto e contando os dias que ainda restavam para permanecerem em Bornéo, ela concluiu que pelo menos teria uma chance.

— Estando deitado na mesma cama que você, como pode me pedir que eu durma? — retrucou Nick com um sorriso malicioso enquanto alisava as coxas de Rose. Dormir era a última coisa que ele tinha em mente no momento.

Rose também sorriu e cerrou as pálpebras. Ele a fazia se sentir desejada. E isso era algo que ela jamais esperava acontecer. Principalmente em se tratando de Nick.

Fizeram amor por mais vezes até o dia quase amanhecer, quando finalmente adormeceram abra­çados e satisfeitos.

Quando Rose acordou, os raios de sol invadiam o quarto e ao lado dela havia apenas um espaço vazio onde antes estava Nick.

Os sonhos da noite maravilhosa pareciam come­çar a desvanecer, quando um suave clique da fecha­dura da porta se abrindo a tranqüilizou. Era Nick que entrava com uma xícara de café nas mãos.

Rose sentou-se na cama e puxou o lençol até a altura dos seios. Dobrou as pernas e as enlaçou. De­pois sorriu para ele.

— Para você — ele ofereceu o café.

— Faz tempo que levantou?

— Umas duas horas.

— Devia ter me acordado — ela lamentou en­quanto recebia a xícara das mãos dele. Quem sabe um pouco de cafeína recupere suas forças.

— E perder a visão de vê-la dormindo feito um anjo?

Rose ficou admirada de vê-lo tão bonito apesar de estar usando uma bermuda jeans desbotada e uma camiseta velha.

— Não me sinto tão inocente esta manhã — ela confessou, afastando o corpo para dar espaço sufi­ciente para que ele sentasse na beirada do colchão. — De fato, estou me sentindo...

— Pecadora? — ele completou com um sorriso de mofa e puxou o lençol, descobrindo-a. — Agora está melhor.

Rose corou e tomou um gole de café. Em seguida declarou:

— Mais ou menos isso. Eu nunca... tive uma noi­te como essa. Não sou esse tipo de garota, acredite ou não.

— Eu acredito em você. Só não creio que essa será a única noite que passará acordada — ele afir­mou com um toque de malícia na voz.

— Espere 15 minutos e estarei pronta — disfar­çou ela e mudou o assunto. — O que temos agen­dado para hoje?

— Acho que teremos que improvisar algo para passarmos o restante dos dias a sós. Lee Peng pre­cisou sair da cidade para cuidar de outro projeto. Os outros compromissos não serão mais necessários. Então, o que acha de participarmos de uma excur­são de mergulho?

Rose imaginou que qualquer atividade na com­panhia de Nick Papaeliou seria fantástica.

Nick imaginou que depois de uns dias acabaria se entediando da companhia dela, como sempre acontecia com as mulheres com quem saía. Para sua surpresa isso não aconteceu. Pelo contrário. Sentia-se cada vez melhor ao lado de Rose. Fizeram vários passeios e conheceram grande parte da região e dos costumes locais. E também, é claro, fizeram amor muitas vezes.

Rose conhecera um outro lado dele. Nick ria muito e era divertido demais quando ficava des­contraído. Ela já estava tão acostumada com ele que nem se preocupara com o fato de que podia estar se afeiçoando demais. Queria acreditar que seus sonhos de amor perfeito também eram senti­dos por Nick.

Contudo, na última noite deles em Bornéo, Rose resolveu tocar no assunto para saber exatamente as intenções dele em relação a ela:

— O jantar dessa noite estava fantástico! Ado­rei experimentar os pratos exóticos! — exclamou ela, para enfatizar que as férias haviam chegado ao fim.

— Está falando demais, Rose. Por que não deita logo e aprecia as estrelas e o barulho das ondas?

Rose fez como ele disse e se acomodou na toa­lha, cortesia do hotel. Tentou se concentrar na bele­za da noite, mas os pensamentos repetitivos não a deixavam em paz.

— Nem acredito que estaremos de volta a Lon­dres amanhã. Parece que está tão distante daqui.

— Não para mim. Estou tão acostumado a essas viagens que as cidades me parecem interligadas.

— Vai sentir saudades de estar aqui comigo?

— As coisas boas também têm seu final. A vida é assim mesmo — ele comentou e deu de ombros.

— E como... — Rose decidiu revelar logo o pon­to que interessava em vez de ficar fazendo rodeios e não chegar a lugar algum — ...nós ficamos?

Nick endureceu as feições. Tinha sido tolo em pensar que Rose, por estar acostumada a ser uma mulher independente, fosse diferente, e por isso não começaria a questionar sobre o futuro e tentar forçá-lo a promessas que ele não tinha a mínima intenção de fazer.

— Bem, o que posso afirmar é que seu trabalho temporário para mim está terminado. E acho que você deve estar ansiosa para voltar à sua antiga rotina.

— Sim. Claro que estou.

Na verdade ela não sentia a mínima falta de seu trabalho anterior, principalmente depois de experi­mentar os empolgantes desafios da atividade que desempenhara para Nick. Contudo não era nenhuma tola. Ela poderia ter abandonado o bom senso e ousa­do sonhar com um relacionamento sério com Nick. Mas a experiência lhe dizia que o que quer que fosse que ele sentira por ela, não se tratava de amor. E nem mesmo algo que representasse uma obrigação. E, agora, ele tentava de uma maneira sutil escapar da pressão que ela exercia. Rose sentiu como se o sangue estivesse sumindo de suas veias.

Também, o que é que ela esperava? Que a manei­ra ávida com que ele a observava quando estava nua representasse amor? Ou o companheirismo agradá­vel quando riam, brincavam e se tocavam poderia significar algo mais sério?

A súbita consciência da realidade doía tanto que ela mal conseguia olhar nos olhos de Nick. Contu­do, procurou se controlar o mais que podia para não se expor ao ridículo diante dele.

— É claro que isso não representa o fim do... que tivemos — murmurou Nick.

Rose podia intuir que ele falava olhando para ela. Sentiu vontade de perguntar a ele o que exatamente eles tiveram? Mas já sabia a resposta. Para ele um ponto a mais no seu ranking de conquistas satisfató­rias. E, para ela, um envolvimento que acabaria em desilusão e o coração desfeito em mil pedaços.

— Ah, sim. Claro...

— Você não parece muito certa do que está di­zendo. — Nick girou o corpo e beijou-lhe a curvatura do pescoço.

Ela encolheu os ombros para evitá-lo e decidiu erguer o corpo e sentar.

— Tenho certeza, sim — afirmou Rose e depois o espiou por sobre um dos ombros. Como pode­ria ter sido tão estúpida de pensar que um homem como aquele poderia ter se apaixonado da mesma maneira que ela? Ele jamais gostaria de ser visto acompanhado por ela, quando retornassem. Ele cansara de lhe dizer que a achara incrivelmen­te sexy. Muito mais do que as modelos elegantes com quem costumava sair. Mas isso era ali, em um lugar onde tudo parecia fazer parte de um sonho. Poderia apostar que quando retornassem ele pros­seguiria com o tipo de mulher que combinava com seu estilo, ou seja, as modelos altas e esbeltas. Ela havia sido estúpida idiota de acreditar que poderia ser diferente. Ele estava e sempre estaria fora de alcance para ela.

Rose ergueu-se e espanou a areia da roupa. Ele permaneceu deitado, com as mãos atrás da nuca.

Provavelmente pensando que a teria convencido a algumas escapadas em Londres, desde que o rela­cionamento fosse mantido em segredo.

— Tudo aqui é maravilhoso. Pena que tenha ter­minado. — Ela falou com a voz firme, gesticulando na direção do oceano.

— Você me perguntou como ficaríamos — falou Nick enquanto se sentava. — Depende do que você tem em mente.

— Estava me referindo ao trabalho — ela men­tiu. — Será estranho ficarmos grudados um no ou­tro e fingir que nada aconteceu entre nós.

— Grudados um no outro?

— Desculpe. É apenas uma força de expressão. O que quero dizer é que estou feliz de ter tido essa oportunidade. Tinha uma impressão errada sobre você. Agora sei que é uma pessoa maravilhosa e adorei cada minuto que estivemos juntos. Foi muito divertido, não foi?

Ele ergueu-se, mal acreditando no que ouvia. Não era sempre ele quem punha um ponto final no relacionamento e se esquivava de uma maneira po­lida? Além do mais, quem é que decidira que estava tudo terminado? É claro que ele não desejava um compromisso sério e talvez nunca quisesse. Mas isso não significava que não poderiam prosseguir desfrutando da companhia um do outro até que por algum motivo resolvessem se afastar.

— Claro que foi divertido — concordou Nick, enfiando os polegares nos bolsos dianteiros do jeans. Se aquela era uma decisão dela, tudo bem.

— Estou feliz que esteja tão tranqüila.

— O que esperava? Lágrimas e histerismo? Nick encolheu os ombros e começou a caminhar na direção dos chalés. Aquela não era definitiva­mente a maneira como pretendia passar a última noite em Bornéo.

— Nada tão drástico — ele murmurou no mo­mento em que ela o alcançou. — Sei que você não é do tipo que se deixa abater dessa maneira.

— Não mesmo — confirmou Rose. Pelo menos não em público e principalmente por ter sido ela mesma a culpada por se iludir feito uma colegial.

— Ainda bem. — Ele estacou, enquanto ela deu alguns passos antes de girar o corpo e encará-lo.

— Não gostaria de saber que a teria magoado de alguma maneira. — Nick esboçou um sorriso para disfarçar a frustração de ter sido posto de lado. Era um sentimento que nunca havia experimentado.

— Você me conhece. Não posso fazer promessas que não iria cumprir.

— Não preciso delas, Nick. Tivemos nossos mo­mentos na cama, mas isso não representa o tipo de relacionamento que duraria para sempre.

Nick não tinha certeza se concordava com o que ela dizia, contudo assentiu com um gesto de cabeça.

— Nunca pensei que um dia eu diria isso — pros­seguiu Rose —, mas sou grata a você, não só pelo passeio como por ter me livrado do apuro financei­ro em que me encontrava.

— Fico feliz por isso.

— Terei os relatórios prontos para lhe entregar na segunda-feira.

— Não será preciso.

— O que quer dizer com isso?

— Não estou convencido a investir nesse hotel em Bornéo.

— Por que não? É um lugar maravilhoso!

— Concordo. Mas primeiro é preciso que o tu­rismo aumente. Não quero ser o primeiro a arriscar. — improvisou Nick. Na verdade ele havia desistido pois Bornéo significaria uma lembrança eterna do que havia vivido com Rose. Ele jamais poderia vol­tar ali sem recordar os dias maravilhosos que pas­sara ao lado dela.

Ela ainda tentou convencê-lo, mas foi em vão.

— Seus argumentos são válidos, mas já tomei minha decisão. E então? Já aprontou sua bagagem? — perguntou Nick, tentando imprimir um tom su­ave na voz.

— Sim. Podemos ir.

— Até mesmo aqueles suvenires ridículos que insistiu em comprar?

— Não são ridículos! Vai se arrepender do que disse quando estiverem pendurados na parede da sala de sua cobertura.

— Não consigo imaginar onde é que eles pode­riam se encaixar.

Rose ficou feliz de estar conseguindo manter uma conversa normal e agradável, embora se man­tivesse reservada.

Quando o avião pousou em Heathrow, Rose pensou em como a despedida seria difícil. Porém, quando desembarcaram, Nick encontrou alguém com quem precisava ter uma conversa e, desculpando-se, depositou um beijo rápido em sua face e saiu apressado. Ele apenas perguntou se ela não se importaria em conseguir um táxi. O que Rose confirmou com um gesto de cabeça.

Ela seguiu direto para casa. Precisava permanecer lá de agora em diante para supervisionar a finali­zação da reforma. Quando entrou, percebeu que o trabalho estava excelente. Tudo parecia novo. E o principal é que tinha o dinheiro para pagar. Pelo me­nos havia um motivo para se alegrar.

Alguns dias depois ela recebeu um telefonema de Lily informando que estava vindo para Londres. Estaria livre por duas semanas porque o diretor do filme havia sofrido um traumatismo no tornozelo. A gravação ainda prosseguiria, mas as cenas de sua personagem já haviam sido filmadas.

Lily percebeu que a irmã estava triste e insistiu que lhe contasse o que estava acontecendo. Pela primeira vez era Lily quem estava no comando da situação.

— Não se preocupe, Rose. Estou chegando em casa. Tudo vai ficar bem.

Lily sorriu no momento em que desligou o tele­fone. Rose estava precisando dela e ela faria tudo para ajudar a irmã. Agora era a sua vez de fazer o papel de superprotetora.

 

— Agora que já faz mais de duas semanas que retomou de Bornéo, acho que está na hora de sair para se distrair um pouco. Vou voltar para os Es­tados Unidos na próxima quarta-feira e não posso suportar a idéia de deixá-la tão desanimada.

Rose apenas olhou para Lily. Duvidava que fos­se capaz de se divertir. Não tivera notícias de Nick desde que retomaram a Londres. Nem mesmo um telefonema ou um recado deixado na secretária ele­trônica. Nada. Era como se ela não tivesse existido para ele.

Por insistência de Lily, ela havia admitido que se envolvera com Nick. Porém estava receosa de que isso pudesse perturbar a carreira da irmã.

— Não estou triste, Lily. Estou cansada. E tam­bém não tenho tido tempo para poder me divertir — afirmou Rose, espiando sobre a borda da xícara, enquanto bebia um pouco de chá.

— Mas isso não faz sentido.

— Claro que faz. Eu retomei ao meu antigo em­prego há apenas alguns dias. Não imagina a quan­tidade de serviço acumulado. — Pretendia acres­centar o desgosto que estava passando por conta da decepção amorosa, mas decidiu não dizer mais nenhuma palavra a respeito do assunto. Tivera seu momento de loucura e agora só lhe restava juntar os pedaços e seguir adiante. Não adiantava nada exercer o papel de vítima e ficar sentindo pena de si mesma. Pelo menos não em público.

— Mas hoje é sábado, Rose!

— Não se preocupe comigo. Quero que você saia e se divirta. Precisa encontrar seus amigos antes de partir — sugeriu Rose com um sorriso. — O telefo­ne não pára de tocar desde que você chegou.

— Nada feito. Eu e você sairemos juntas esta noite. Há um agradável clube de jazz na zona oeste da cidade. Muitos amigos meus estarão lá. Pode­mos sair à tarde para fazer compras. — Lily não estava a fim de aceitar um "não" como resposta, por isso insistiu até conseguir superar a resistência da irmã.

Algumas horas depois, Rose ainda não tinha cer­teza se estava alegre ou alarmada com o recente há­bito da irmã em ganhar pela insistência.

Vagava de uma loja para outra dizendo que com­prar roupas era uma das terapias mais eficientes para uma mulher. Após as compras seguiram para o salão de beleza, onde Lily havia marcado horário sem que Rose soubesse.

Quando chegaram em casa, Lily segurava muitas sacolas e Rose estava com um visual completamen­te diferente. Os reflexos dourados e o corte moderno feito nos cabelos lhe deram um visual mais sofisticado. Sabia que nunca teria o mesmo glamour da irmã, entretanto, quando estava provando as roupas na loja, gostou de sua aparência.

— Você perdeu peso, Rose — salientou Lily, enquanto depositava as sacolas na mesa da cozinha. Depois encheu duas taças com vinho e convidou a irmã a acompanhá-la. — Embora eu gostasse do seu jeito simples e acolhedor — ela acrescentou, acomodando-se em uma das cadeiras.

Seria daquela maneira que Nick a considerara. Simples e acolhedora, pensou Rose. Como um colchão velho para dormir quando não havia nada melhor disponível no momento. Procurou livrar-se do pensamento infeliz e passou a prestar atenção nas histórias que a irmã começava a contar sobre os costumes das pessoas que conhecera nos Estados Unidos e a obsessão por comida. Alguns comiam muito pouco e outros demais. As confeitarias di­vidiam espaço com restaurantes vegetarianos. Ela cansava de ver pessoas que saíam das academias e se encaminhavam direto para a carrocinha de cachorro-quente mais próxima.

Rose estava convencida de que a irmã ainda re­tornaria para a Inglaterra. Ela havia confidenciado mais de uma vez que havia muita competição por um "lugar ao sol" em Hollywood e isso a deixava muito tensa. E, como se adivinhasse seus pensa­mentos, Lily declarou:

— Quando terminar a gravação do filme, talvez eu retorne para Londres. Graças a Nick, meu currículo estará mais valioso. Quem sabe eu consiga um espaço para trabalhar em novelas.

Nick... Rose não perguntara nem uma vez se a irmã tinha visto Nick. Procurava convencer a si mesma de que não sentia mais nada por ele. No fun­do sabia que estava com medo. Medo do que a irmã pudesse revelar a respeito dele. Medo de abrir as portas que lutara tanto para fechar. E, se as abrisse, outra vez estaria perdida.

Lily ergueu-se e após pôr mais um pouco de vinho na taça da irmã avisou que depois que ela trocasse de roupa, deixasse a maquiagem por conta dela.

— Não vai acreditar nas dicas que consegui das maquiadoras do estúdio.

Rose sorriu. Era tão bom ver o entusiasmo da irmã. Tinha sentido a ausência de Lily, mas só agora percebia o quanto a companhia dela era im­portante.

— Está bem. Será como você quiser, já que está no comando.

— E é tão bom! Agora entendo por que você me protegia tanto quando eu era criança.

Ainda havia muito tempo, por isso Rose se aprontou com muita calma. Mirando-se no espe­lho ela comprovou que realmente havia perdido peso. Isso a agradava. Comprou um vestido que jamais ousaria vestir alguns meses antes. O decote em "V" expunha uma generosa visão dos seios volumosos. O comprimento até os joelhos e as sandálias de saltos altos realçavam as pernas torneadas.

Depois que Lily produziu uma excelente maquia­gem, Rose sentiu o ânimo se elevar ainda mais.

Contudo, quando estavam no táxi a caminho do bar, Lily lançou a bomba:

— Nick vai estar lá. Mas não se aborreça. Será muito bom provar a ele que você está ótima.

Rose ficou tão desesperada que quase pediu ao motorista que retornasse. Depois pensou melhor e decidiu que não poderia passar o resto da vida fugindo. Teria de contar com a possibilidade de mais cedo ou mais tarde ser obrigada a vê-lo. Afinal, Lily e ele permaneciam bons amigos. E a irmã era muito grata por tudo que ele fizera por ela.

Além disso, não havia razão para entrar em pânico. Nick não sabia nada sobre os sentimentos dela. Nem deveria supor que o que significou apenas uma aventura para ele, representou para ela o amor de sua vida.

E se havia algo que devia a ele era a confiança em si mesma que ela nunca tivera. Nick a fizera sentir-se sexy. Por isso usava uma roupa mais ou­sada. E se ele estivesse no bar ela faria questão de mostrar o quanto progredira.

O clube de jazz localizava-se em uma estrada secundária e bem afastada do centro de Londres. Rose não tinha idéia de como a irmã descobrira o lugar. Ainda era cedo quando chegaram, mas já começava a ficar repleto de pessoas. Ela nem mes­mo teve tempo de ficar nervosa ao encontrar Nick, porque a irmã a manteve ocupada apresentando-a a inúmeros amigos. Alguns deles eram america­nos e estavam adorando conhecer um típico bar londrino.

Tudo era novidade para Rose. Ela estava deter­minada a não beber demais, contudo a cada vez que apanhava o copo notava que estava cheio. Com certeza, alguém repunha a bebida sem que ela pe­disse.

O vestido que usava estava chamando mais aten­ção do que ela imaginava. Muitos homens a olha­vam com interesse. E um deles em particular não saía do seu lado e era responsável pelos dois últi­mos copos de vinho que ela degustava bem deva­gar, enquanto prestava atenção no que ele contava a respeito do último filme que produzira e que fora premiado no festival de Cannes.

Rose nunca imaginara conhecer tanta gente liga­da ao mundo artístico. A maioria dos homens usa­va cabelos longos e atados na altura da nuca. Isso a lembrou de uma conversa que tivera com Nick. Para ele, que era conservador, um homem que usas­se cabelos longos e brincos só poderia ser um hippie. E ela o acusou de preconceituoso.

A lembrança provocou um aperto em seu coração. Ainda bem que ele não estava por perto. Ela ficara em alerta o tempo todo para poder se comportar de maneira adequada quando o visse. Mas já passava das 22h e ele ainda não havia chegado. Talvez esti­vesse ocupado demais e não pudesse comparecer.

E nesse instante ele apareceu. Contudo, o desa­pontamento foi muito grande quando ela notou que ele estava acompanhado por uma jovem bonita e de cabelos ruivos.

Rose sentiu o coração perder o compasso e tudo que a rodeava desaparecer, apenas para vislumbrar o homem trajando calça preta e camisa branca com as mangas dobradas nos punhos. Estava tão sexy quanto se lembrava.

E, pelo que ela podia constatar, ele a relegara de uma vez para tornar a sair com as mulheres de ca­pas de revista. Era exatamente como ela previra.

Ela sorveu o que restava de vinho e procurou se concentrar outra vez no que o homem ao seu lado dizia. O nome dele era Ted, embora seus amigos, por motivos que ela desconhecia, o chamassem de Splice. Por mais que se esforçasse, Rose desviava a atenção para Nick, que agora deixava a acompa­nhante em um grupo de amigos e se dirigia ao bal­cão do bar.

Rose aceitou outra taça de vinho que Ted ofe­receu e evitou olhar na direção da mulher ruiva. Não queria que por acaso Nick a visse olhando para a moça. Foi quando sentiu um toque no om­bro. Girou o corpo e lá estava ele. Com certeza a tinha visto quando se encaminhara para o balcão do bar.

— Que surpresa vê-la aqui! Como vai? — per­guntou Nick em um tom distante e formal. Rose sentiu como se tivesse levado um balde de água fria. — Parece que está se divertindo — ele acres­centou lançando um olhar irônico.

— Ah, estou sim.

— Que grande mudança! Quero dizer, gostar desse tipo de reunião.

— Bem, sempre é tempo de mudar os hábitos.

— Estou vendo...

A voz dele soava fria como o gelo. Rose se per­guntava se ele esperava que ela se mantivesse tran­cada em casa e chorando por causa dele. Por pouco ele estaria certo. Era o que ela fizera nos dias que antecederam a chegada de Lily.

— E quanto a você? Está tudo bem? Veio so­zinho? — ela perguntou, fingindo não tê-lo visto quando entrara.

— Na verdade estou acompanhado. Ela está logo ali — revelou Nick com um dedo apontado na dire­ção de um grupo que estava próximo. A moça ruiva não parava de encarar Rose.

— Sua acompanhante não parece estar feliz por tê-la abandonado. É melhor voltar logo, antes que ela apronte uma confusão.

Ele franziu o cenho.

— Ela é capaz de tomar conta de si mesma por alguns minutos — ele afirmou com um riso força­do. — Além do mais, não acho que ela ficaria com ciúmes por eu estar cumprimentando uma... velha amiga.

— Pois é. Mas não há muito para lhe dizer. Re­tornei ao meu antigo trabalho e estou adorando — ela declarou com a mesma entonação fria que ele usara com ela. — E, como pode ver, segui os seus conselhos de que fazer alguma loucura de vez em quando não é nada mal. Algum tempo atrás eu jamais concordaria em participar de uma reunião como essa.

— Mas há uma diferença entre loucura e estu­pidez — afirmou Nick com os dentes cerrados.

— Loucura é estar aqui.

— E estupidez? — ela perguntou, tendo a certeza de que não gostaria da resposta.

— Estupidez é usar esse vestido.

Rose ficou boquiaberta.

— Está criticando minha roupa? — ela respon­deu assombrada e lançou um olhar significativo na direção da jovem raiva cujo vestido mal cobria as partes íntimas.

— Isso é completamente diferente — resmungou Nick.

— Por quê? Por ela ser alta e magra?

— Porque você pode ter de enfrentar uma situa­ção para a qual não está preparada, estando vestida desse jeito. Por acaso se olhou no espelho antes de sair de casa? Tem idéia do show que está dando?

— Foi ótimo conversar com você, Nick — ela dissimulou. — Agora vou provar o drinque que Splice está trazendo para mim.

— Splice?

— Sim. É como costumam chamá-lo. — E com um sorriso gentil ela se afastou sem dar chance a ele de prosseguir com a conversa. Com o canto dos olhos percebeu que Lily os observava. Mas não queria aborrecer a irmã com seus problemas. Por isso, fingiu não tê-la visto.

Porém Lily não era nada boba. No instante em que teve uma oportunidade aproximou-se de Rose e perguntou:

— O que Nick estava dizendo a você?

— Não importa Lily. Não quero estragar seu últi­mo sábado em Londres repetindo o que aquele ho­mem disse.

Próximo de 1h da madrugada o salão começou a esvaziar. A maioria dos amigos de Lily já ha­via ido embora. Dois deles insistiram em deixar o número de seus telefones para Rose. Contudo, ela não prometera ligar. Estava lisonjeada com o su­cesso, embora não tirasse da cabeça a crítica cruel de Nick à maneira como estava vestida. E ele ain­da estava lá, com a ruiva pendurada em seu braço de um jeito possessivo, como se tivesse medo de que ele desaparecesse no ar. Rose fazia questão de demonstrar que estava se divertindo muito. E, na verdade, estava mesmo. Ted até pedira que ela considerasse uma proposta de participar de um de seus próximos filmes. Ela apenas sorrira e esperava que Nick tivesse testemunhado o quanto os homens a assediavam.

Após Lily insistir novamente em saber o que Nick lhe dissera, Rose finalmente revelou a crítica que ele fizera à sua roupa. E que ela estava dando uma impressão errada aos homens, a qual não teria condições de suportar as conseqüências.

— Você não deve aceitar a opinião dele e sim­plesmente deixar para lá.

— Como assim?

— Precisa demonstrar confiança.

— Sim... mas...

— Deveria procurá-lo e dizer que não é nenhuma tola. E que sabe muito bem cuidar de si mesma. Sa­bia que Splice ficou bastante impressionado? Nick precisa saber que não é o único homem do mundo interessado em você.

— Nick não está interessado em mim.

— Sabe o que vou fazer? Vou distrair Cat e...

— Quem é Cat?

— A acompanhante de Nick. É como ela gosta de ser chamada. Embora seu nome verdadeiro seja Nancy. Eu a encontrei algumas vezes no tempo em que era modelo.

— Não acho que...

— Não precisa "achar" nada, Rose. Pensar de­mais complica as coisas. — E, dizendo isso, Lily conduziu a irmã pela mão até Nick, que naquele instante conversava em uma roda de artistas, todos usando os famosos rabos-de-cavalo.

Rose notou que Lily estava outra vez coman­dando conta da situação. O que ela iria dizer para Nick? O que mais gostaria naquele momento seria ir direto para casa. Contudo, a irmã se apressou em se afastar com a jovem ruiva, e os homens de cabe­los longos e atados na altura da nuca aos poucos se retiraram para outro lugar, deixando Rose e Nick sozinhos.

— Minha irmã quer apresentar sua namorada a um amigo... — foi apenas o que Rose foi capaz de dizer.

— Ela não é minha namorada.

— Ah, acompanhante... Bem, de qualquer forma foi um prazer revê-lo. Estou de saída.

— Espere um pouco. — Ele segurou um dos bra­ços dela, no momento em que Rose começava a se afastar. — Você bebeu muito?

— Acho que isso não é da sua conta.

— Não? E como pretende voltar para casa?

— Eu e Lily tomaremos um táxi. — ela revelou, angustiada com o toque da mão dele, que a fazia recordar momentos que se esforçava em esquecer.

— Eu a levarei para casa.

— Não vai fazer isso! — ela exclamou tão alar­mada que até deu um passo para trás.

— Sua irmã não está por aqui e nem aqueles ga­viões que a cortejaram a noite inteira.

— Eles não são gaviões. Ted até me convidou para participar de um de seus filmes.

Nick balançou a cabeça. Ela nem imaginava o que a esperava se embarcasse naquela ilusão. Ele conhecia muito bem aquele meio para saber o que poderia acontecer.

— Trouxe algum agasalho?

— Você não vai me levar para casa — protestou Rose e olhou ao redor para tentar avistar a irmã.

— Além disso, como sua namorada irá para casa? Não pode trazer uma acompanhante e depois aban­doná-la.

— Espere aqui que eu já volto.

Rose não tinha intenção de fazer isso. Por isso seguiu Nick. Encontrou-o no momento em que falava com Lily.

— Vou acompanhar Rose, caso não tenha a in­tenção de ir embora agora.

— Pretendo ficar até a última pessoa ir embora — disse Lily com um sorriso e ignorando a irmã que estava bem atrás de Nick. — E acho que Cat também não quer ir agora. Acabei de lhe apresentar Joe Carr. Não é mesmo Cat?

Rose nunca viu alguém ficar em tamanha dú­vida. É lógico que estava furiosa pelo fato de seu acompanhante ir embora com outra mulher. Ain­da que essa mulher não representasse uma ameaça para ela. Porém, a oportunidade de estreitar laços com alguém poderoso na indústria de filmes era irresistível.

— Ligue assim que puder querido. — A moça finalmente decidiu e despediu-se de Nick com um beijo carinhoso.

Rose, que vira a cena, podia garantir que ele apreciara o beijo de Cat. Que provas mais ela pre­cisava para ter certeza de que Nick a esquecera? Ela se perguntava sentindo o estômago enjoar. O fato de ter usado um vestido sexy e flertado com homens cujos nomes mal podia se lembrar de re­pente a entristeceram. Lily percebeu a mudança nas feições da irmã e a olhou com preocupação. Rose disfarçou e empinou o nariz, adotando uma postura de indiferença. E manteve o mesmo com­portamento enquanto saía do bar, acompanhada de Nick.

O motorista já o aguardava. Rose se acomodou no banco traseiro do carro e se manteve em silêncio.

— Por que está tão quieta? — perguntou Nick logo depois que se acomodou ao seu lado.

— Estou cansada.

— Ainda temos um assunto para terminar.

— Que assunto? Pelo que eu saiba ambos resol­vemos nos afastar.

— Isso não significa que eu não tenha mais nenhum sentimento por você. Afinal de contas, quer você goste ou não, fomos amantes. Por isso sinto uma espécie de senso de proteção com re­lação a você.

— Pois eu o libero de qualquer responsabilidade. Não preciso de sua proteção. Já me ajudou o sufi­ciente quando ofereceu um trabalho para me livrar das dívidas. E fez isso por causa da amizade com Lily. Agora, se está sentindo pena de mim...

— Não estou sentindo pena de você!

— Então por que está se envolvendo em minha vida? Sempre se preocupa com as mulheres infeli­zes depois que o relacionamento termina?

— Considera-se infeliz?

— Considero-me... mudada.

— As pessoas não mudam do dia para a noite, Rose. Talvez você nunca fosse o tipo de pessoa que se forçava a ser. Lembra-se de que me contou que Tony e Flora insistiam para que aproveitasse a vida em vez de se enfiar nos livros e deixar o tempo passar?

— Sim. Eu era muito jovem para ter certeza do que queria. Agora sei que eles estavam certos.

— E por isso resolveu se rebelar de uma vez ves­tindo roupas ousadas?

— E se for? O que você tem a ver com isso? Naquele momento o carro se aproximava da casa dela. Rose colocou o agasalho sobre os om­bros, pronta para sair do veículo o mais rápido possível.

— Não precisa ficar aguardando que eu entre. — Rose o dispensou com um sorriso, ao mes­mo tempo em que girava a chave no buraco da fechadura.

Aquela mulher era louca, pensava Nick. Não ti­nha idéia da tentação que representava para um ho­mem ao usar um vestido daqueles. O decote ousado o fazia recordar o sabor dos seios fartos que mal se continham dentro do tecido fino. Se ela fosse sua mulher ele jamais permitiria que saísse de casa ves­tida dessa maneira.

— Não vai se livrar de mim tão facilmente. — Ele revelou e escancarou a porta com a palma de uma das mãos e a seguir atravessou o vão antes que ela tivesse a oportunidade de bater a porta em sua cara.

Rose cruzou os braços na frente do peito.

— Não temos nada para dizer um ao outro, Nick.

— Nunca mais deverá sair de casa com um vesti­do como esse. O que lhe deu na cabeça?

— Por acaso está dizendo como devo me vestir?

— É para o seu próprio bem — ele afirmou com a face corada de raiva. Depois seguiu para a sala e estacou junto à janela. Através do reflexo da vidra­ça podia perceber que Rose permanecia no vão da porta.

— Para o meu próprio bem?

— Pare de repetir o que eu digo! — exclamou ele, irritado. Não entendia por que ela o olhava com desafio se ele estava apenas ditando regras de de­cência. — Pode até achar divertido, mas não é o que parece aos olhos dos homens.

Rose ficou indignada. Ele podia se exibir com uma mulher usando apenas alguns pedaços de te­cido sobre o corpo. E ainda se sentia no direito de repreendê-la por conta de um decote mais ousa­do. Ela nunca vira algo tão hipócrita em toda sua vida!

— Além de causar uma impressão errada — ele prosseguiu —, estava se exibindo para uma platéia inconveniente. Metade dos homens que estavam lá são gays e a outra metade deixaria Casanova enver­gonhado no tocante a escrúpulos.

— E como você não pertence à classe dos gays... deve fazer parte da outra metade, não é?

— Não estamos falando de mim.

— Não. Estamos falando sobre padrões de com­portamento. Talvez eu goste de homens inescrupulosos. Já pensou nisso?

— Não está falando sério.

— Não? — Rose vasculhou a bolsa até encon­trar o cartão de Ted Splice e sacudi-lo no ar. Apenas para provocá-lo. Jamais ela levaria a sério um caso com um homem como aquele. — Eu não lhe contei, mas eu e Ted combinamos um encontro no próximo sábado. — Ela falou o primeiro nome de restaurante que lhe veio à mente. Infelizmente era o de uma pizzaria popular, não muito distante de onde ela morava. — E quem sabe o que poderá acontecer depois do jantar?

 

A vantagem de um restaurante popular é o tamanho. Normalmente o salão é espaçoso e nos sábados fica lotado de famílias que saem para jantar fora.

Nick não tinha a mínima intenção de estar numa pizzaria naquele sábado. Durante a maior parte da semana ele passara dizendo a si mesmo que tinha coisas mais importantes para fazer do que desper­diçar seu tempo com uma mulher teimosa e temperamental. E se ela se achava competente para arcar com as conseqüências do comportamento leviano que estava tendo, então que arcasse com as desilu­sões que por certo enfrentaria. E se tinha resolvido se entregar a um homem como Ted, seria melhor colocar um aviso de "disponível" na testa.

Ele havia se informado a respeito do caráter de Ted e descobrira que ele era o tipo de pessoa in­constante, o que não era uma boa característica no mundo artístico. Nick não se conformava que Rose pretendia se envolver com alguém como Ted. A verdade era que ele descobrira que não suportava a idéia de vê-la com qualquer homem que fosse sem sentir uma espécie de ciúmes.

Nick com ciúmes?

A sensação era tão surpreendente que chegava a ser hilária. Ele nunca se considerara um homem possessivo ou ciumento. Pelo contrário. Até se van­gloriava do seu autocontrole em relação a seus ca­sos amorosos.

Mas não era o que estava acontecendo com ele nos últimos seis dias. Sua mente estava atormenta­da com a visão de Ted despindo o vestido de Rose e, após liberá-la do sutiã, extasiar-se com a visão dos seios exuberantes.

Ele nunca deveria ter permitido que se separas­sem tão cedo. Esse era o problema. As relações que terminam prematuramente permanecem como ob­jeto de desejo porque os instintos não foram plena­mente satisfeitos.

Nick estava certo de que tinha o controle da situa­ção sobre o que acontecera entre ele e Rose. Agora percebia que era ele quem estava sendo controlado pela lembrança do que viveram.

E, ainda que não pretendesse ir até a pizzaria, de alguma forma estava estacionando o carro na frente do restaurante. E chegara bem cedo para poder observar o momento em que Rose chega­ria acompanhada de Ted. Escolheu uma mesa num canto calmo e discreto atrás de um vaso com uma planta robusta. Ele não acreditava no que estava fazendo.

A pizza que pedira estava muito boa. O vinho nem tanto, mas era tolerável.

Por volta das 20h30 ele já havia terminado a re­feição e nem sinal de Rose com seu acompanhante. Por um momento ele teve um agradável palpite de que Ted resolvera não aparecer e a deixara frustra­da. E isso seria ótimo. Só assim Rose se convence­ria de que ele tinha razão quanto aos conselhos que lhe dera.

Estava tão entretido na fantasia que quase perdeu o momento em que eles entraram no recinto. Sen­tiu-se ridículo porque, apesar de seus conselhos, podia perceber que ambos estavam tranqüilamente acomodados em meio às famílias que significavam a maioria da clientela.

Rose usava uma saia cinza e uma blusa bem-comportada. Exceto pelos dois botões abertos que lhe proporcionavam uma leve sensualidade. E, se Nick notara aquele pequeno detalhe, tinha certeza de que Ted também percebera. Nick não podia vis­lumbrar as feições dele porque o homem estava de costas para ele. Mas era fácil imaginá-lo com um olhar ávido, mal esperando a hora de levá-la para a cama.

Nick sentiu os músculos enrijecerem e terminou o que restava do vinho. Depois acenou para o gar­çom. Pediu uma sobremesa para poder se entreter. Não poderia se arriscar a sair dali e acabar sendo visto por eles. E já que teria de permanecer ainda por algum tempo, recostou-se no espaldar da cadei­ra e cruzando os braços na frente do peito, obser­vando os acontecimentos.

Rose estava quase arrependida do impulso de ter ligado para Ted e marcado o jantar. Agira apenas como represália à atitude petulante de Nick. Embo­ra Ted tivesse sido uma boa companhia por uma ou duas horas no bar, estava muito longe de ser uma pessoa com quem ela desejasse qualquer tipo de envolvimento.

Ligara para Ted apenas porque sentira ciúmes ao ver Nick acompanhado da moça ruiva e ter a cora­gem de anunciar que estava cheio de boas intenções ao tentar protegê-la do mundo. Ela não precisava da piedade de Nick Papaeliou.

E se ela havia dito que iria ao Ângelo's Pizza Emporium com Ted Splice, então iria. Nem que fosse para provar que era uma mulher livre e inde­pendente das correntes de medo que a mantiveram presa por toda a vida.

Sentiu vontade de ligar para Lily, que já estava nos Estados Unidos, e falar sobre sua nova con­duta. Mas desistiu ao lembrar que a irmã já havia ficado contrariada com o comportamento de Nick na festa.

E agora, sentada naquela mesa e ouvindo as his­tórias de Ted, lembrava-se da confidencia que ele lhe fizera enquanto estavam no táxi. Ele baixara o tom de voz para que o motorista não o ouvisse e confessou sua preferência.

— É claro que adoro as mulheres, mas...

Rose fez um gesto compreensivo com a cabeça e resignou-se a uma noite ouvindo as piadas dele e olhando para o relógio. Ainda bem que o lugar era espaçoso e estava lotado. Assim poderiam facilmente mascarar ati­tudes próprias de um casal. E por uma vez ou duas enquanto beliscava a pizza ela riu divertida de algo que ele dizia. Ele, aparentemente, gostou muito de Rose por descobrir que ela era uma ou­vinte atenciosa.

Já passava das 22h quando Ted pediu a conta.

Quando saíram do restaurante, Ted gentilmente a enlaçou pela cintura e saíram abraçados.

Ao chegar em casa, Rose lavou o rosto e depois de retirar as sandálias de salto alto enfiou-se em uma calça larga de moletom e uma camiseta velha com uma estampa desbotada da Minnie.

O coração partido afinal tinha o seu lado bom. Ela havia mudado os hábitos de alimentação. Per­dera o apetite e por isso aproveitara o momento para selecionar alimentos sem muita caloria. E es­tava dando certo. Apanhou uma tigela e picou al­gumas cenouras para acompanhar os programas de TV que pretendia assistir. Não queria ir cedo para a cama porque sabia que não conseguiria dormir. Era sempre assim: primeiro pensava no que precisava fazer com os relatórios do dia seguinte; depois fica­va pensando em Nick.

Levou mais de 15 minutos trocando de um canal para o outro até que finalmente encontrou algo que valesse a pena.

Estava bebendo o chá com limão que havia preparado para comer com as cenouras quando a campainha da porta soou. Ela consultou o relógio e franziu o cenho. Será que era Ted? O fato de ter sido atenciosa talvez o tivesse encorajado a vir até a casa dela para fazer mais alguma confidencia.

Ergueu-se e caminhou na direção da porta. Esta­va decidida a lhe oferecer uma xícara de chá e nada mais. Ele que encontrasse um horário mais conve­niente se quisesse conversar com ela.

Quando abriu a porta teve uma grande surpresa: Era Nick. Ela ficou tão atônita que precisou de al­guns segundos para se recuperar.

— O que está fazendo aqui?

— Não vai me convidar para entrar?

— Não!

— Por que "não"?

— Porque tenho coisas melhores para fazer do que ficar conversando com você.

— Não está vestida com roupas inadequadas para o que tem em mente? — Ele havia visto quando ela saiu abraçada com Ted.

— Não tenho idéia do que está falando. E não estou gostando da sua atitude.

— Desculpe. Posso entender seu ponto de vista. Apareço de repente e sem nem mesmo um ramalhete de fores ou uma caixa de bombons...

— E por que me traria flores ou bombons?

— Deixe-me entrar que eu explico. — Ele falava tentando manter o tom de voz suave, mas por dentro estava fervendo de ciúmes. Será que Ted estaria escondido em algum lugar? Talvez no quarto dela?

— Está muito tarde.

— Sei disso. E peço que me desculpe.

— Pare de pedir desculpas, Nick. Não combina com você.

— Tem razão. Mas posso entrar?

— Oh, Deus! Como você é insistente! Está bem. Entre e sente-se no sofá enquanto vou buscar um café.

Flores? Chocolate? O que é que estava se passan­do com ele? Ela se perguntava enquanto preparava o café.

Quando voltou para a sala com uma xícara de café nas mãos, Nick lia uma revista sobre computadores que ela de vez em quando comprava para se manter atualizada. Ele abandonou a revista para aceitar o café que ela lhe oferecia.

— Muito interessante essa matéria — ele comen­tou. E sem conseguir esconder a ansiedade por mais tempo, fez uma pergunta direta: — Seu acompa­nhante já foi embora?

— Como pode ver estou sozinha. Está aqui para exercer o seu papel de protetor?

— Não.

— Então por que veio?

— Não sou bom em admitir coisas como a que vou lhe dizer. Acontece que não gostei de ver você dando atenção àqueles homens na festa da semana passada.

— Estou surpresa que tenha notado o que eu fa­zia. Não estava ocupado com a sua acompanhante?

— Sabe muito bem que eu não estava interessado nela.

— Então por que a convidou?

— Porque achei que ela me ajudaria a esquecer você. Mas não funcionou. — Ele repousou a xícara na mesinha de centro e depois resolveu sentar-se ao lado dela no outro sofá. — Ainda sou louco por você. Sentiu saudades de mim?

— Eu... bem...

— Sentiu ou não? Porque eu estou ficando louco de tanto pensar em você. — Ele apanhou uma das mãos dela e depois de acariciar a palma com o polegar, depositou um beijo suave na pele delicada. Em seguida garantiu que a jovem ruiva não significava nada para ele. Nem mesmo a tinha visto depois do dia da festa. — Tenho sonhado com seu corpo sen­sual... seus seios...

Ao ouvir os devaneios eróticos que ele murmura­va, Rose não conteve a reação natural dos mamilos, que se enrijeceram de imediato.

— Posso tocá-los?

— Não — ela protestou com a voz enfraquecida.

— Sabe tão bem quanto eu que as coisas não ter­minaram entre nós dois.

— Não vai funcionar, Nick.

— O sexo entre nós sempre funciona.

— Não é isso que estou dizendo.

Ela tentou cruzar as pernas para se proteger. En­tretanto, elas estavam tão trêmulas que não obe­deceram ao comando do cérebro. E, quando ele deslizou uma das mãos pelo interior de suas coxas, elas se abriram permitindo que ele prosseguisse nas carícias íntimas.

— Vai me dizer que não me deseja tanto quanto eu a desejo?

A voz de Nick soava rouca e sedutora e as mãos, agora mais atrevidas, se enfiavam por baixo do teci­do de moletom e provocavam o ponto mais sensível do seu corpo.

— Acho que deve ir embora.

— Se realmente quisesse isso, eu iria. Mas não é o que seu corpo está me dizendo. — Com a mão que estava livre ele explorou os seios por baixo da camiseta e percebeu que ela não estava usando su­tiã. Provocou um dos bicos rígidos com o polegar até que ela suspirasse de prazer. — Quer que eu os beije?

— Não... sim... não sei...

Mas ele sabia. E depois de inclinar a cabeça se apossou de um dos mamilos róseos com a boca se­denta. Ela mal oferecia resistência. Os dedos trêmu­los se afundaram nos cabelos escuros de Nick e o impeliam a continuar.

Quando ele sentiu que não poderiam mais espe­rar livrou-a das roupas e em seguida das suas pró­prias vestes. O que não levou mais do que cinco minutos para ambos estarem nus e prontos para o ato de amor que se fazia urgente.

Estavam tão carentes um do outro que bastaram alguns minutos para que o ápice glorioso os levasse à loucura.

Quando Rose se recuperou, tomou consciência de que havia cometido o mesmo erro anterior. Ha­via cedido aos anseios de seu corpo enquanto o bom senso lhe ditava outra coisa.

— Preciso tomar um banho — ela declarou com a voz fria.

Nick franziu o cenho ao perceber o tom de distanciamento.

— Não está arrependida do que fizemos, está?

— Retornamos ao mesmo ponto, Nick.

— Precisamos um do outro, Rose — ele afir­mou no momento em que ela se levantava e lhe dava as costas. Ele a puxou pela cintura e ela caiu sobre o seu colo. Assim estava melhor, ele con­cluiu. — Não ouviu o que eu disse? Sinto a sua falta desde o minuto em que nos despedimos no aeroporto.

— E foi por isso que resolveu me substituir por uma jovem ruiva?

— Já expliquei. Queria esquecer você. Mas esta­va errado. Eu preciso de você. E embora diga que não me quer, o seu corpo fala o contrário.

— Eu quero você. Mas o que desejo é muito mais do que sexo.

— Então venha morar comigo. — Ele nem mes­mo acreditava no que acabava de falar. Nunca na vida convidara uma mulher para compartilhar de sua casa.

Embora Rose estivesse ciente de que, conhecen­do Nick, aquela proposta era o máximo que ele po­dia oferecer, ainda não era o suficiente. Ele a queria sim. Porém, era uma decisão baseada no sexo e não no amor. E, embora fosse algo tentador, ela não es­tava a fim de aceitar uma situação que no final seria mais dolorosa.

— Não.

— Por que "não"? — ele indagou com surpresa enquanto a via se erguer e começar a apanhar as roupas que estavam jogadas no chão. — Tem idéia do comprometimento a que estou disposto aceitar ao dividir meu espaço com uma mulher?

— Estou lisonjeada, mas...

— O que pretende é um casamento, não é? — Estava abismado. Acabava de oferecer a ela o que nunca oferecera a mulher alguma e ainda assim ela queria mais.

— Isso mesmo — ela confirmou. Não pretendia mascarar a verdade. Sentou-se na beirada do sofá e, olhando-o diretamente nos olhos, falou pausada-mente: — Você me disse que sentia a minha falta. Pois bem. Eu nunca quis me envolver com você, mas aconteceu. E eu me apaixonei. Por isso eu lhe pergunto: Você quer se casar comigo? — Se alguém tivesse pedido a ela para se jogar de uma ponte, não estaria mais assustada do que naquele momento. Abandonara o orgulho para realmente abrir seu co­ração. Não queria se arrepender pelo resto da vida por não ter dito a verdade.

Nick, perplexo, a observou.

Casamento? Ele não podia nem mesmo ouvir aquela palavra. Seu senso de liberdade estava tão enraizado que só de pensar em um compromisso daquele porte o apavorava.

E desde quando é a mulher quem faz a proposta?

Ele sentiu uma súbita raiva por ela não ter sido capaz de enxergar a grande oportunidade que ele estava dando a ela.

— Não se preocupe em responder — disse Rose com naturalidade e caminhou na direção da porta. — Está escrito em seu rosto. — Ela nem conseguia mais olhar para ele. Por isso, manteve os olhos fi­xos em um ponto do corredor, até que ele terminas­se de se vestir.

— Não sou do tipo que se casa, Rose. Você sem­pre soube disso. Por que não procura me entender e aceitar o máximo que posso lhe oferecer?

Ela deu um profundo suspiro antes de encará-lo. Mantinha os braços cruzados e podia sentir as unhas fincadas na pele. Se não fosse assim, na certa estaria tremendo sem parar.

— Sinto muito, Nick. O que desejo é uma vida de verdade e não algo como "vamos ficar juntos enquanto der certo".

— O único compromisso que tenho para sempre é com o meu trabalho — confessou ele. — Você foi a mulher que chegou mais próximo de uma promes­sa de divisão de espaço. Mas casamento...

— É um passo que não está ao seu alcance, não é? — Ela sorriu e abriu a porta. Estava mortificada, mas feliz por ter tido a coragem de lhe dizer toda a verdade. Imaginava que Nick sairia para sempre de sua vida agora que ela revelara sua real intenção.

— Poderíamos ter excelentes momentos juntos — ele ainda insistiu.

— Boa sorte, Nick.

Rose nem mesmo quis vê-lo partir. Fechou a por­ta e recostou-se atrás dela. Ouviu o ronco do motor do carro e depois o silêncio.

Subiu as escadas devagar e se dirigiu para-o banheiro. Precisava urgentemente de um banho relaxante.

Ao deitar na cama tentando conciliar o sono, as imagens daquela noite desfilavam em sua mente. Lembrou-se dos dias em Bornéo. E por mais difícil que fosse aceitar a separação definitiva, era melhor do que manter sonhos que jamais se concretizariam. Pelo menos agora haviam chegado a um ponto fi­nal. E isso não a deixava feliz e nem infeliz. Apenas sentia que estava morta por dentro.

A vida prosseguiu sem maiores novidades para Rose. Permanecia dedicada ao trabalho e gentil no seu círculo de amizades.

A única surpresa fora o descontentamento de Lily com o rumo dos acontecimentos em Hollywood. Mas Rose a encorajou a prosseguir:

— Você vai superar isso, Lily. E eu também me esquecerei de Nick. Você vai ver. Daqui a um ano estaremos considerando a situação como mais uma experiência em nossas vidas. Não há mal que dure para sempre. — E era exatamente o que ela pensava. Corações partidos também acabavam por se cicatri­zarem. Pelo menos era o que diziam as revistas.

Seis semanas se passaram desde a última vez que vira Nick, e Rose ainda encontrava dificuldades em aceitar que tudo estava terminado. Sentia-se como um robô. Sem sentimentos e sem ilusões.

Não tinha a mínima idéia do que Nick estava fa­zendo e evitava comprar jornais por medo de ler al­guma notícia na coluna social e saber que ele estava envolvido com uma nova modelo.

E em meio a todas essas emoções ela fazia um esforço enorme para continuar vivendo e fingir que tudo estava bem. Mas um acontecimento inespera­do transformou sua rotina e acabou por lhe trazer um transtorno que não imaginava.

O que faria agora?

 

Rose estava a caminho do escritório de Nick. Eram 15h e ela já o havia avisado de que precisava falar com ele.

Ele não tinha idéia do que ela queria. Já haviam se passado quase dois meses desde a última vez que tinham se visto na casa dela. Para ele, já que ela não aceitara sua proposta de morarem juntos, a melhor alternativa era a ausência dela em sua vida. Ele repassara inúmeras vezes em sua mente, o momento em que ela lhe confessara que o ama­va. Mas se aquilo fosse verdade, ela teria aceita­do a proposta que ele fizera. E não insistido em transformá-lo em uma presa doméstica através de um casamento. E isso ele não aceitava e nunca aceitaria.

A discordância de pontos de vista o deixara tão frustrado que ele ainda não conseguira tirá-la da cabeça, onde ela parecia ter fixado residência e se negava a sair.

Com isso, sabia que seu trabalho estava sendo afetado. Não sua habilidade, que era um dom inato de sua personalidade, e sim o seu comportamento.

Mais de uma vez ele tivera vontade de ligar para Rose, mas conseguira resistir. O orgulho nunca lhe permitira pegar o telefone e discar o número.

Mas quando era tarde da noite e não havia nada que o distraísse ele ainda ansiava por ela. Ele queria que ela o amasse e sentia falta dela. Mas não sabia dizer por quê.

Naquele momento a secretária avisou pelo interfone que havia uma moça chamada Rose Taylor na recepção e que pretendia falar com ele. Pela pri­meira vez em semanas Nick sentiu uma curiosa sensação de paz. Imediatamente disse a secretária que estava ocupado. Pediu que a moça aguardasse cerca de meia hora até que ele conseguisse se desvencilhar de uma tarefa importante. Só então ele a atenderia.

Sabia que estava sendo infantil, mas ela sempre o fizera se sentir assim.

Afundou-se no encosto macio de couro e girou a poltrona para o lado da janela. Ficou observando a cidade de Londres através das enormes vidraças enquanto analisava o que ela queria com ele.

O único pensamento que lhe ocorria era o de que ela estava arrependida de não ter aceitado sua oferta e viera para se justificar. Nick contemplou a idéia com imensa satisfação. Poderia até arriscar dizer que estava exultante. Ter Rose de volta em sua vida e sem mais conversa sobre um casamento era o me­lhor que poderia lhe acontecer.

Se ela o amava de verdade é claro que iria vol­tar. Ele deveria esperar por isso. Estava ansioso só de pensar em tê-la de volta. Antes, é claro, deixa­ria acertado de que ele não mudara de opinião. Ter uma amante era o máximo a que poderia chegar. Um matrimônio não estava em seus planos.

Contudo, era melhor ele esperar pelo que Rose tinha a dizer e não antecipar os acontecimentos.

Após 40 minutos de espera, ele avisou a secre­tária, pelo interfone, que estava esperando Rose. Acomodou as costas na poltrona e relaxou. Depois fixou o olhar na porta de entrada de seu gabinete e aguardou que ela entrasse.

— Como você está magra! — ele exclamou, antes mesmo que Rose fechasse a porta depois de entrar.

Ela havia se preparado para aquele encontro. Contudo, as horas que passou reunindo coragem para procurá-lo agora pareciam inúteis ao olhar para Nick e sentir as pernas fraquejarem da mesma maneira que sempre acontecia quando o via. O tem­po havia passado, mas o seu sentimento permanecia o mesmo.

Ficou paralisada diante da porta sem coragem de prosseguir. Até pensou em dar meia-volta e sair dali. Nick ergueu-se e convidou-a a se sentar. Ela aproximou-se e acomodou-se na cadeira que ele lhe indicara. Ele contornou a mesa e recostou-se na escrivaninha. Rose precisou sentar de uma maneira desajeitada a fim de evitar o contato com as pernas dele.

— O que aconteceu? Não tem se alimentado direito?

— Não vim até aqui para falarmos sobre a minha alimentação, Nick — ela respondeu com irritação na voz. Percebeu que estava amassando a barra da saia com os dedos inquietos e esforçou-se para con­ter o gesto. Na verdade estava com os nervos à flor da pele. Havia passado as duas semanas anteriores em um estado que quase beirava o pânico. Na ver­dade, desde que sua menstruação ficou atrasada. Ela havia comprado um teste de gravidez que o far­macêutico garantira ter cem por cento de eficácia, e que lhe dera a certeza de estar esperando um filho de Nick. Na última vez que fizeram sexo ele não havia usado preservativo. Tinha acontecido de uma maneira inesperada.

Era verdade que ela havia perdido peso. Não se alimentava adequadamente, pois cada vez que se olhava no espelho após o banho e via o seu ventre aumentado, o desespero aumentava.

Ela fechou os olhos ao sentir uma tontura. Ain­da bem que estava sentada. Desmaiar no escritó­rio dele não seria uma boa maneira de iniciar uma conversa.

— Qual é o problema? — quis saber Nick. Por um momento estava certo de que ela iria desmaiar. Um medo inconsciente de que ela pudesse estar doente o apavorou. Ele tornou a sentar-se na poltrona atrás da mesa e tentou controlar os nervos. Só a idéia de que ela estivesse ali para lhe dar uma notícia terrível de que estaria com uma doença gra­ve o abalou.

Pela primeira vez desde que a secretária tinha anunciado a presença de Rose no escritório, ele encarou a possibilidade de que ela talvez não es­tivesse ali para propor uma reconciliação. Já tinha feito tantos planos de como iria abraçá-la, beijá-la e talvez até tirar o resto do dia para levá-la até seu apartamento e desfrutarem de uma tarde de amor.

Agora, notando a palidez do rosto de Rose, ele tinha certeza de que aquela não era a imagem de uma mulher que tivesse vindo ali para se entregar aos prazeres que ele poderia lhe oferecer.

Parecia mais o comportamento de alguém prestes a dar uma má notícia. Nick estava tão acostumado a analisar as pessoas através da linguagem corporal que não tinha mais nenhuma dúvida. Sentiu uma angústia tão grande que o deixou estarrecido.

Tudo em volta parecia estar ruindo e ele come­çou a transpirar. Mal conseguiu fazer a gentileza de perguntar se ela aceitava um café ou um chá.

Só de pensar em café ou chá fez Rose enjoar. E com o rosto ainda mais pálido ela negou com um gesto de cabeça.

— Obrigada, Nick. Mas não pretendo me de­morar.

— Não há pressa. Não se importaria se eu pedis­se um café para mim? — ele murmurou e, falando no interfone com a secretária solicitou, que lhe ser­visse um cappuccino.

Rose sorriu.

— Desde quando você pede permissão para algu­ma coisa, Nick?

Desde quando pretendia ganhar tempo antes de receber uma má notícia. Nick pensou, mas não disse nada.

Ele já estava plenamente convencido de que ha­via algo errado com ela. Algo muito sério. Rose estava branca como um lençol. O que não era um bom sinal. Por um momento ele ficou pensando em todas as coisas que não poderia mais viver com ela por conta de sua teimosia. Nick Papaeliou, o ho­mem que poderia ter a mulher que desejasse. O ho­mem que passara a vida afirmando para si mesmo que a liberdade era a coisa mais importante que possuía. Quanta besteira! Ele havia cometido o erro de achar que a falta que sentia de Rose era apenas por causa do sexo. E quando propôs que morassem juntos não podia negar para si mesmo que o fizera pensando em desfrutar de uma vida prazerosa com ela até que enjoasse. Ele sempre acabava enjoando das mulheres com quem saía. Mas Rose não estava incluída nesta categoria. Ele deveria ter percebido desde o início. Mas estava cego pelo orgulho. Ela havia confessado que o amava e o que ele fizera? Ofereceu-lhe algo que ela jamais aceitaria: morar com ele.

E agora que ela estava ali para lhe dar uma notícia terrível é que ele se deu conta do quanto a amava.

Só de pensar em receber uma notícia drástica ele sentiu as mãos tremerem, bem no instante em que a secretária colocou o cappuccino sobre sua mesa.

Rose estava tentando tomar coragem e encará-lo, mas ainda não conseguia. Ele notou a hesitação dela e ficou ainda mais apavorado.

— Não poderemos ter uma conversa dessas aqui no escritório — ele decidiu repentinamente.

E isso fez com que ela erguesse os olhos para ele:

— Mas você ainda nem sabe o que pretendo dizer!

— Não. Mas o que quer que seja deve ser muito sério — Nick afastou a xícara e ergueu-se.

Rose permaneceu onde estava enquanto o obser­vava vestir o paletó.

— Não quero ir a lugar algum, Nick. Vou revelar o que tenho para falar aqui mesmo.

Nick lançou-lhe um olhar de dúvida e hesitou antes de tirar o paletó novamente e pendurá-lo no cabideiro ao lado da porta. Depois se dirigiu para a janela e ficou observando os carros na rua en­quanto procurava se recompor. Quem dera pudes­se afastar a angústia do peito antes de ouvir o que Rose tinha para falar. Podia pressentir que ela o observava.

— Olhe — ele começou. — Não sei como... di­zer isso... — Sacudiu a cabeça e em seguida passou a mão sobre os cabelos. — Nunca disse isso a ninguém...

Rose, que estava ensaiando o tempo todo para dizer o que precisava e sair dali o mais rápido possí­vel, suspirou aliviada ao imaginar que ele já estava deduzindo a questão. Contudo, estava curiosa. Es­perava que quando ele soubesse da gravidez faria acusações e recriminações. Mas nada parecido com o que estava testemunhando.

Nick arrastou uma cadeira e sentou-se de manei­ra a ficar em frente a ela.

— Estou muito feliz que esteja aqui — ele reve­lou com a voz embargada.

Ele não estava feliz coisa nenhuma, pensou Rose. Não tinha o mínimo indício de felicidade nas fei­ções severas que exibia.

— Nas semanas que se passaram... — ele passou a mão nos cabelos outra vez. — Não é bem isso que quero dizer...

De repente Rose fez uma suposição que até agora não tinha imaginado. Será que ele estava pensando que ela estaria ali para aceitar a proposta de ir morar com ele? E agora ele achava que deveria repetir a oferta, pois sentia que ainda a queria?

— Não estou aqui para falar sobre a possibilida­de de morarmos juntos, se é o que está pensando.

— Você não entende, Rose. Eu preciso falar sobre isso. Preciso falar sobre o idiota que tenho sido. — Ele tomou as mãos dela entre as suas e prosseguiu: — Eu permiti que a mulher que amo fosse embora.

— Não vim aqui para culpá-lo, Nick. Você fez o que achava melhor para você. Não tenho nenhum ressentimento. E nem quero discutir o passado. — Ela fez um esforço para retirar as mãos que ele mantinha presas nas dele. Inútil. Ele as apertou ain­da mais.

— Sempre considerei o amor complicado. Por isso era algo que não desejava em minha vida. Nun­ca permiti que uma mulher interferisse em minha vida particular. Meu objetivo era apenas diversão. Nunca pretendi nenhum envolvimento maior. Mui­to menos um casamento.

As últimas palavras dele jogaram um balde de água fria nos sentimentos de Rose.

— É... eu sei...

— Eu estava errado.

Rose levou dois segundos para conseguir assimi­lar aquela afirmação.

— O que foi que disse?

— Que eu estava errado — ele repetiu. Sentiu um alívio no peito ao admitir aquela verdade. Deve­ria ter descoberto isso há muito tempo atrás, pensou com desgosto. O que lhe faltou foi coragem para revelar seu amor.

Rose não tinha certeza se estava entendendo di­reito o que estava ouvindo. Apesar de saber que aquilo seria exatamente o que gostaria de ouvir.

— Você está brincando comigo, Nick. — Dessa vez ela conseguiu recolher as mãos que ele prendia e apoiou-as no colo. Assim ficava mais fácil dizer o que pretendia. Não queria se deixar enganar por aquelas palavras. Ele sempre fizera questão de dei­xar bem claro que jamais se envolveria seriamente com alguém. Mas o que não faria para conseguir levá-la para a cama outra vez? Seduzi-la com as pa­lavras que ele sabia que ela gostaria de ouvir?

Não. Ela não cairia naquela armadilha. Primei­ro falaria o que precisava dizer e provavelmente o veria cair de costas. Seria melhor assim do que se iludir com uma falsa segurança que desabaria no minuto em que ela lhe desse a notícia.

— Apenas me ouça, Nick. E pare com essa confusão.

Nick teve o pressentimento de que se arrepende­ra tarde demais. Agora teria o resto da vida para se arrepender dos seus erros.

— Eu... — agora era a vez de Rose estreme­cer. Ela respirou fundo e despejou de uma só vez: — Eu estou grávida! Sinto muito. Mas aconteceu. Não quero que se sinta culpado. Apenas vim aqui porque achei que deveria saber, mas espero algo de você. Não quero dinheiro nem seu tempo. Só achei que seria seu direito saber que vai ser pai.

Houve um silêncio.

— Você está grávida?

— Sim. Sinto muito.

— Você está grávida...

— Imagino que seja a última coisa que quisesse.

— Não posso acreditar! — Ele sacudiu a cabeça com vigor. A idéia nunca lhe ocorrera. Como fora ingênuo! Primeiro ele imaginara que ela o estava procurando para aceitar a proposta de morarem jun­tos; depois desconfiara de uma doença grave e tal­vez fatal. Mas que estava esperando um filho dele... Ele a olhou e sorriu com ternura.

— Não está zangado? — ela quis saber.

— Vai ter um filho meu... — ele sentiu vontade de erguê-la nos braços e rodopiar com ela pela sala. — Eu a amo, Rose. Eu a amo — ele repetiu várias vezes. — Não posso viver sem você. E muito me­nos agora que me deu a melhor notícia que eu po­deria receber. Deus! Quando você entrou por aque­la porta, pálida como um fantasma, imaginei que fosse revelar que estava gravemente doente. Fiquei desesperado por não ter tido a chance de lhe dizer o quanto você significava para mim.

— Se me amava por que não me disse antes?

— Porque eu não entendia a mim mesmo. Achava que sempre estava no controle da situação. Quando soube que você estava no escritório senti meu mun­do retornar ao devido lugar.

— E se eu não tivesse vindo? Permitiria que eu desaparecesse de sua vida?

— Eu nunca deveria ter permitido que as coi­sas chegassem a este ponto. Ainda bem que perce­bi que não poderia viver sem você. E agora, saben­do que vou ser pai... Venha, vamos dar o fora daqui. Quero comemorar e depois...

— Depois?

— Quero me casar com você.

— Hoje? — ela gracejou.

— Podemos deixar para o fim da semana. Pre­cisa de alguém para tomar conta de você. Por isso, quanto antes, melhor.

 

                                                                                Cathy Williams  

 

                      

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