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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


FEITIÇO E SEDUÇÃO / Cathy Williams
FEITIÇO E SEDUÇÃO / Cathy Williams

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

FEITIÇO E SEDUÇÃO

 

O chefe milionário...

Para Gabriel Gessi, um italiano sedutor e arrogante, Rose nunca passou de uma secretária sensata e sem graça. Mas quando ela retorna das férias com um visual de tirar o fôlego, Gabriel resolve que precisa conhecê-la melhor... e intimamente!

... e a secretária sem atrativos...

Rose sempre foi apaixonada por Gabriel, mas não alimentava esperanças de que um dia ele a visse com outros olhos. Porém, quando aceita a idéia de que terá de esquecê-lo, os dois passam a trabalhar juntos mais vezes... até mesmo em uma ilha particular no Caribe! Será Rose capaz de resistir ao feitiço de Gabriel?...

 

Rose sabia que o conhecia bem demais para fingir não entender o sentido de suas palavras. Estava lhe dizendo para ceder à luxúria e aproveitar o momento, pois nada mais viria de sua parte, ou abandonar a brincadeira enquanto ele lhe permitia.

Rose sorriu.

— Mas sempre vou botar a culpa disso no tempo — murmurou, acariciando o rosto dele.

O tempo estava tão violento que era como se a terceira guerra mundial estivesse acontecendo lá fora, mas Rose sequer tinha consciência disso. Gabriel encostou de novo os colchões e voltou-se para ela.

— Não tire as roupas. Quero despi-la eu mesmo. Tenho essa fantasia há muito tempo...

 

 

Não eram ainda 7h30 e Gabriel Gessi já estava sentado em sua escrivaninha. Esta era sua rotina diária. Corria meia hora na esteira da academia, trabalhava meia hora no simulador de remo, tomava uma chuveirada rápida, fazia a barba e ia direto para o escritório, preparado para enfrentar a atribulação de um dia normal de trabalho.

Nem mesmo uma sucessão de irritações triviais, pouco comuns no cotidiano de um grande executivo como ele, prejudicara essa rotina nos três meses anteriores. Vivendo no estreito mundo dos extremamente ricos, Gabriel Gessi não tinha o hábito de lidar com as pequenas contrariedades da vida.

O primeiro contratempo viera sob a forma de uma funcionária temporária que, apesar de parecer eficiente durante a entrevista, uma semana mais tarde se revelara um trapo emocional sem cérebro, chorando a maior parte do tempo por ter problemas com o namorado.

Gabriel não tinha tempo para mulheres com problemas com o namorado, e ainda menos para as que tinham crises de choro. Fora preciso se livrar dela e, a partir daí, seguira-se um catálogo de mediocridades que fizera ranger de frustração seus dentes perfeitos. Pelo menos a última, despedida com um suspiro de alívio, durara mais de 15 dias — ele desconfiava que era porque conseguira engolir sua irritação e, com paciência louvável, tolerara nela a aborrecida tendência de se encolher quando ele falava e de se dirigir a ele com uma voz tão baixa que constantemente o fazia pedir que falasse mais alto.

Tinha sido um tormento e, por isso, Gabriel estava satisfeitíssimo ao pensar que sua vida agora ia voltar ao normal. Pela primeira vez em três longos meses, atravessara as portas de vidro fume de seu luxuoso escritório sem um ar carrancudo.

Rose ia voltar hoje. A vida retomaria o ritmo tranqüilo, permitindo-lhe gerir seu império sem ter que se preocupar com o cotidiano.

Bom, não eram ainda 8h e, por mais que achasse que Rose deveria mostrar entusiasmo por estar de volta, não podia esperar que ela viesse trabalhar ao raiar da aurora. Provavelmente ainda estaria se recuperando da diferença de fuso horário. Uma viagem de volta da Austrália era o bastante para desestabilizar um viajante experiente, o que não era o caso de Rose. Ainda que grande parte de sua firma se fundasse na indústria do lazer, compreendendo inclusive alguns hotéis exclusivos espalhados pelo mundo, sua secretária tinha um conhecimento limitado daqueles lugares longínquos.

Nos momentos de calma que antecediam a chegada dos funcionários — tempo que ele gastava em geral lendo os e-mails recebidos durante a noite —, Gabriel girou sua cadeira de couro reclinável de forma a ficar de frente para a grande janela, vislumbrando o perfil estranhamente belo da selva de concreto contra o céu claro e azul de maio.

Os três últimos meses lhe tinham mostrado o quanto dependia de Rose. Embora ela já recebesse um bom salário, estava pensando em lhe dar um aumento. Ou então ceder-lhe um carro da firma, que, se ela não quisesse usar para trabalhar, talvez utilizasse quando desejasse sair de Londres. Será que tinha carteira de motorista? Gabriel percebeu que conhecia muito pouco da vida pessoal de Rose, que sabia se esquivar diplomaticamente das perguntas indiscretas.

Envolto em seus pensamentos, nem percebeu a hora passar, e se espantou ao ver o reflexo de Rose no painel de vidro, de pé no umbral da porta que separava seu escritório do dela. Por alguns segundos, sentiu o coração bater de maneira pouco usual. Olhou para o relógio e virou a cadeira em direção a ela.

Involuntariamente, Rose respirou fundo, soltando o ar lentamente, para equilibrar os nervos. Ah, se ele imaginasse o estranho poder desestabilizador que exercia sobre ela com aquele físico dominador. Os três meses passados fora intensificaram esse efeito a ponto de ela se sentir desfalecer, ainda que seu rosto, como sempre, não o demonstrasse.

— São 9h — censurou Gabriel. — Você costuma chegar às 8h30.

O tom brusco fez com que se dirigisse até uma cadeira em frente à mesa dele e se sentasse.

— Você não mudou nada, Gabriel — comentou secamente. — Sempre ignorando as regras de polidez. Não vai perguntar como foi minha viagem à Austrália?

— Não é necessário. Seus e-mails mostraram que você se divertiu muito. Você está diferente, emagreceu.

Rose ruborizou-se, enquanto os olhos azuis de Gabriel a percorriam de alto a baixo. Procurou se lembrar do que sua irmã dizia sobre quebrar essa rotina e abandonar essa paixão sem esperança por um homem que era um pedaço de mau caminho. Mas ele era tão pecaminosamente sexy... Impossível não sentir os dedos do pé se contraírem ao observar a curva sensual da boca, a beleza das feições, a perfeição daquele corpo.

— É verdade — admitiu ela, alisando nervosamente com os dedos a carta em seu colo. — Fazia muito calor lá, eu só comia saladas. Lamento que tivesse tido problemas com minhas substitutas — disse, perturbada, mudando de assunto. — Honestamente pensei que Claire fosse dar conta do recado. Qual foi exatamente o problema?

Gabriel não sabia muito bem o que pensar sobre sua transformação. Fora-se a roliça Rose, vista pela última vez num prático costume azul-marinho, com uma blusa branca de gola alta. Em seu lugar havia uma Rose extremamente esbelta, exibindo uma imagem atraente, com uma saia xadrez marrom e preta, que revelava uma parte das coxas, e uma longa camiseta colante preta que mostrava os seios fartos. A única coisa sensata que restava eram os sapatos baixos.

— Nunca sequer percebi que você tinha pernas antes — pensou em voz alta.                                    

— E como eu iria de um lugar para o outro sem elas? Voando? — perguntou.

— Mas você sempre as escondeu... — Ele se sentou no braço da cadeira, avaliando-a com os olhos.

— Elas são bastante atraentes... Mas seria bom observar um pouco mais de decoro no lugar de trabalho.

— Rose ficou boquiaberta diante daquela observação sexista. — E o que fez com os cabelos? Parecem diferentes.

— Só os cortei um pouco... Será que podemos deixar esse assunto de lado agora...? — Ela brincou com a carta, sem saber muito bem como a entregaria.

— Por quê? Estou fascinado com a transformação. Pensei que fosse ajudar sua irmã com o novo bebê, não tinha idéia de que ia voltar inteiramente mudada.

— Mas fui mesmo ajudar Grace!

— E no processo, decidiu seguir uma dieta draconiana, cortar os cabelos e passar o dia inteiro de biquíni para se bronzear...?

Rose contou até dez. Que homem mais arrogante!

— Você já conviveu alguma vez com um bebê recém-nascido, Gabriel?

— Eis uma coisa que sempre procurei evitar.

— Foi o que pensei. Porque se tivesse, saberia que bebês que choram e bronzeados à beira de piscinas são coisas incompatíveis.

— Com certeza sua irmã não esperava que você tomasse conta dessa coisa o tempo inteiro!

— Não era uma coisa, era um lindo garotinho chamado Ben. — Sua voz se suavizou ao relembrar aquela coisinha fofa agitando-se em seus braços. Grace, dois anos mais velha do que ela, estava incrivelmente feliz. Perto dela, Rose sentira que sua vida era triste, cheia de limitações. Mais dois anos e faria 28, a idade da irmã, mas será que estaria embalando um bebê recém-nascido ao lado de um marido amoroso se continuasse a fazer o que sempre fizera, trabalhar para um homem que nem desconfiava que ela existia fora de seu papel de secretária eficiente? Ou se tornaria uma mulher de carreira, que passaria a vida reformando a casa e melhorando seu estilo de vida, sem nada que valesse a pena para mostrar no fim? Sua voz acusou uma certa nostalgia quando começou a falar da vida na Austrália. Tom, o marido de Grace, era cirurgião ortopedista e precisava repousar bem à noite para poder operar com segurança no dia seguinte. Rose ajudara muito, assumindo boa parte das noites em claro e pondo o bebê para dormir depois de mamar, mas tinha adorado cada minuto.

Gabriel ouvia de maneira distraída o discurso sobre o bebê. Um dia acabaria tendo um. Afinal, era meio italiano... mas por enquanto não dava a mínima para isso.

Para não parecer pateticamente libidinoso, Gabriel tentou prestar atenção no que ela dizia sobre o bebê. Nunca a tinha visto antes com aquele olhar tão doce e, de repente, franziu a testa.

— Espero que essa viagem não tenha posto idéias malucas em sua cabeça — disse, interrompendo-a no meio de uma frase. Rose piscou os olhos.

— Como?

— Viagem? Idéias? Cabeça?

— Não sei do que está falando — disse Rose secamente.

— Acho que minha secretária perfeita decidiu de repente que já é tempo de mergulhar na maternidade. Sei bem que essa coisa de bebês pode se tornar contagiosa.

— Ora, francamente, Gabriel... — disse Rose, sentindo uma raiva surda percorrer-lhe o corpo. — E como é que você poderia saber isso?

— Tenho um irmão e duas irmãs, e ambas têm filhos mais ou menos da mesma idade. Sei de boa fonte que outras mulheres se sentem afetadas por sentimentos maternais assim que se aproximam de um recém-nascido.

Rose olhou para aquele rosto perigosamente sexy e não se surpreendeu com seu tom indiferente quando se referia a bebês e à paternidade. Para aquele tipo de homem criar família era uma noção bastante longínqua.

— Não pretendo vivenciar a maternidade imediatamente — disse Rose friamente. — Para que uma mulher se decida a dar esse passo, tem que ter um parceiro sério.

Essa única frase deu a Gabriel uma percepção mais profunda de Rose do que jamais lhe fora possível ter. Sempre pensara que não havia nenhum homem em cena, mas apenas porque, ao contrário da maioria das mulheres, ela nunca o mencionara. A confirmação o deixou satisfeito.

— Não há nenhum homem em sua vida nesse momento? — pressionou-a, apesar de sua relutância.

Rose teve vontade de chutar as próprias canelas por ter aberto tal brecha em suas defesas. Sempre mantivera a relação deles num nível estritamente profissional, sem nunca revelar nada de pessoal. Instintivamente percebera que, quanto mais Gabriel soubesse sobre ela, mais perigosa se tornaria sua tonta paixão por ele.

Claro que isso não tinha mais nenhuma importância... Ela sorriu de maneira descontraída.

— Eles vão e vêm — respondeu. — Sabe como é. Neste momento, estou entre dois caras. — A mentirinha inocente valera a pena, só para ver a estupefação em seus olhos. Ela sorriu modestamente. — De - qualquer maneira... — manuseou nervosamente a carta — agora que lhe contei tudo sobre minha viagem à Austrália, preciso lhe entregar uma coisa... — Deu dois passos à frente e colocou o envelope branco sobre a mesa dele.

Ficou repentinamente nervosa, mas se lembrou a tempo de que estava fazendo o que devia. Tinha discutido o assunto exaustivamente com Grace, e o simples fato de ter conseguido expor seus pensamentos fez com que se desse conta de que precisava escapar da rede poderosa que Gabriel tecera ao seu redor durante todos aqueles anos, a ponto de estar sempre em sua cabeça, em qualquer lugar e a qualquer hora do dia ou da noite. Em mais quatro anos, suas emoções estariam tão atadas a ele que não poderia mais escolher um parceiro sem fazer comparações desfavoráveis.

Olhou para a carta desconfiado, mas acabou abrindo-a e percorreu por várias vezes o conteúdo, obviamente achando que tinha lido mal alguma coisa. Finalmente, quando os nervos dela estavam a ponto de ceder, ele disse com voz muito suave.

— O que está acontecendo aqui, Rose? — Seus olhos de um azul profundo refletiam choque e incredulidade, e Rose, automaticamente, sentiu que sua vivacidade normal a abandonara diante dessa energia concentrada.

— É minha carta... de... demissão...

— Sei muito bem o que é isso! Sou perfeitamente capaz de ler sozinho! O que não entendo é por que se encontra em minhas mãos!

O dia prazeroso que. antecipara desde que acordara, pensando com satisfação que sua vida ia retornar ao normal, parecia agora coisa do passado.

Chegara muito mais tarde do que de hábito, com uma nova aparência que teria virado a cabeça de qualquer homem. Como se isso não fosse suficiente, tinha jogado uma carta de demissão sobre sua mesa, parecendo não estar dando nenhuma importância a isso.

Gabriel, além da raiva e perturbação, foi dominado por um sentimento de amarga traição.

— Acho apenas...

— Quero dizer, nenhum aviso prévio! — disse ele, interrompendo-a brutalmente, sacudindo o pedaço de papel de maneira acusatória. — Você entra aqui sabe Deus a que horas...

— Às 8h45! — objetou Rose. — Quinze minutos antes da hora em que, tecnicamente, devo começar a trabalhar!

Gabriel ignorou sua intervenção.

— E, de repente, vem me dizer que está me abandonando!

— Não estou abandonando você — disse Rose, limpando a garganta e tentando ser forte o bastante para encará-lo. — Você está sendo melodramático...

— Não ouse me acusar de melodramático! — esbravejou Gabriel, que se pôs de pé, mãos espalmadas sobre a mesa, cada músculo de seu corpo retesado em ameaça. Sua demissão o chocara tanto quanto se tivesse entrado no escritório e se deparado com um buraco negro em seu lugar.

— Deixei que você fosse para a Austrália — trovejou ele — apesar dos enormes inconvenientes que isso me causaria...

Embora não querendo agitar bandeiras vermelhas diante de um touro já irritado, Rose não pretendia deixar que Gabriel prosseguisse com a insinuação de que ela caído se fora durante três meses, deixando-o numa posição vulnerável. Ela podia contar nos dedos de uma das mãos as vezes em que não estivera disponível para ele. Tinha trabalhado até tarde mais vezes do que conseguiria se lembrar, tinha jantado em sua sala várias vezes depois que o pessoal do escritório já fora embora, tinha cancelado em cima da hora compromissos com seus amigos para não deixá-lo na mão.

— Consegui uma boa substituta para você durante minha ausência — refutou tranqüilamente.

— Você deixou que um trapo emocional tomasse conta do escritório! Uma mulher que ficou o tempo todo à beira de uma crise de nervos! Não é essa minha idéia de uma boa substituta!

— E as outras? — retrucou Rose, já mantendo! a paciência com dificuldade.

— Todas umas inúteis. Não posso imaginar o que aquela agência tinha na cabeça quando as colocou no catálogo.

Suas tentativas de acalmá-lo só pioraram as coisas, fazendo com que ele pulasse da cadeira, desse a volta em torno da mesa e fosse até onde ela estava sentada, acuada contra o couro da cadeira, punhos contraídos no colo.

Rose sempre soubera que a carta de demissão não encontraria acolhida favorável. Era muito competente profissionalmente e, com o passar dos anos, Gabriel se acostumara com ela. Trabalhavam juntos em perfeita harmonia, por vezes sem necessidade sequer de se comunicar verbalmente para compreender o que o outro queria dizer. Diferentemente das outras secretárias que Gabriel tivera no passado, Rose nunca sentira medo dele. Presenciara seus acessos de raiva quando um empregado cometia alguma falta no trabalho por incompetência, mas sempre conseguira neutralizá-los, em geral, ignorando-os.

Sabia que sua imperturbabilidade significava muito para ele, e que não gostaria da enorme mudança de rotina que sua demissão acarretaria.

— Estou esperando!

— Não darei nem mais uma palavra, Gabriel, a menos que você... deixe de se inclinar sobre mim. Você está fazendo me sentir ameaçada... — Ele se afastou dela, correndo os dedos pelos espessos cabelos negros, em frustração. Rose sentiu sua respiração voltar instantaneamente ao normal. — Você intimida as pessoas, Gabriel. Provavelmente intimidou cada uma dessas substitutas.

— Eu?! Eu intimido as pessoas? — Ele voltou à posição anterior, empoleirado em sua mesa, podendo, portanto, olhá-la de cima. — Talvez ocasionalmente

— admitiu, relutante. — Mas você sabe que uma certa intimidação faz parte das ferramentas úteis no mundo dos negócios. É por isso que está indo embora? Por que simplesmente não gosta de trabalhar para mim?

— Gabriel franziu o cenho, tentando entender o que lhe parecia incompreensível. Antes de partir para a Austrália, ela parecia bastante satisfeita com seu trabalho. E agora aí estava ela ansiosa, de repente, por partir para gramados mais verdes.

Não que eles existissem. Sua situação trabalhista era excelente no escritório de Gabriel. Dificilmente outra companhia em Londres, talvez mesmo em toda a Inglaterra, poderia igualar seu salário.

Perguntou-se o que a irmã dela teria dito sobre seu trabalho em Londres. Enfurnada no interior australiano, ela provavelmente estimulara Rose a assumir uma situação idêntica à sua, talvez no sentido de abandonar o frenético ritmo urbano em prol de um lugar um pouco mais tranqüilo.

— Essa sua irmã tentou persuadi-la de que deixar Londres é uma boa idéia...? — Ele franziu as sobrancelhas enquanto as peças do quebra-cabeça se reajustavam em sua mente. — Não me diga que está pensando em se mudar para a Austrália! — Um choque misturado com alguma coisa indefinível cruzou o peito de Gabriel. — Apenas porque sua única parenta viva mora lá! E se ela decidir ir para outro lugar? E se o marido dela for transferido para algum lugar ainda mais improvável? Você arrancaria de novo suas raízes para segui-los? — Bufou com uma risada de descrença.

— Se sou tão estúpida assim, por que você se incomoda tanto com minha demissão?

Gabriel começou a andar pela sala, olhando-a com desaprovação acusatória.

— Você sabe que valorizo o que faz para mim. Não preciso reafirmar isso. Você está pensando em ir para a Austrália?

Tentou imaginá-la fazendo a vida no interior australiano, no meio do nada. Baixando os olhos azuis, observou a imagem esbelta à sua frente, a pele bronzeada e saudável dos três meses passados ao sol, os cabelos castanhos com luzes acobreadas, caindo num suave corte sobre os ombros. Qualquer rancheiro neandertalense do interior ficaria extremamente feliz em brincar de homem das cavernas com ela...

— Não — informou-lhe Rose, demonstrando cansaço. — Não estou pensando em me mudar para a Austrália e sei que você dá valor ao que faço aqui.

— Então por quê? — Ele lançou um olhar rápido e crítico à carta que jazia sobre a mesa. — Um parágrafo polido é tudo o que mereço depois de ter sido um patrão generoso e exemplar para você durante quatro anos?

— Nunca pensei que gostasse de discursos floreados. E de toda maneira, não havia mais nada a dizer. Estou partindo porque penso realmente que tenho outras coisas a fazer no mundo e é impossível realizá-las enquanto ainda estiver trabalhando aqui. — Gabriel franziu a testa. — Eu... sim...

— Que coisas?

— Na verdade, um curso de administração de empresas. — Entre outras coisas, pensou ela, como ter uma vida pessoal, encontrar um companheiro adequado, me estabelecer, ter uma família, fazer todas as coisas que a maioria das mulheres sonha em fazer desde a mais tenra idade.

— Você quer fazer um curso de administração de empresas? — Ele fazia isso soar como se ela tivesse revelado um desejo secreto de voar até a lua.

— Quero sim! — Rose levantou o queixo num movimento defensivo. — Saí de casa aos 18 anos — atalhou ela, revelando ainda um pouco mais da vida que antes mantivera cuidadosamente encoberta — para cuidar de minha mãe e, quando ela morreu, fiz um curso de secretariado, assumi uma série de empregos temporários até poder reunir fundos suficientes para seguir um curso realmente bom e intensivo... Se você bem se lembra, eu vim trabalhar para você como temporária... e acabei ficando aqui em caráter permanente.

— Mas você nunca disse... — murmurou Gabriel. Então sua fria, calma e razoável secretária tinha fogo nas veias. Claro que suspeitara disso desde o início. — O que fazia sua irmã enquanto você cuidava de sua mãe? — perguntou-lhe com curiosidade.

Rose contemplou seu rosto diabolicamente atraente e, após alguns instantes de silêncio pesado, tenso, ela deu de ombros e desviou os olhos.

— Grace estava na universidade, foi lá que ela encontrou Tome que tudo se tornou... muito atribulado para ela. Daí... De qualquer forma, isso é uma das coisas que desejo fazer...

— E você se informou sobre esses cursos de administração?

— Bem...

— Não adianta perder tempo fazendo um curso só para descobrir que ele a qualifica para voltar para cá...

— Obrigada pela informação, Gabriel. Procurarei examinar com cuidado o tipo de curso em que vou me inscrever.

Ele a examinava pensativamente, de um jeito que a fez esperar alguma observação da qual sabia que não iria gostar.

— Sem dúvida trabalharei durante o período de aviso prévio — disse ela durante o longo silêncio, sem obter resposta. Ela continuou, se perguntando se aquela tática silenciosa era destinada a fazê-la se sentir culpada. Gabriel não hesitaria em usar todos os truques do manual para conseguir que ela ficasse, se tal fosse seu objetivo, especialmente agora que, depois de três meses com funcionárias temporárias insatisfatórias, tinha um padrão com o qual compará-la. — Pretendo apenas tirar uns dois meses de férias depois que sair daqui, curtir o verão... talvez visitar algum país no exterior... e então fazer o curso que começará em setembro...

— E nunca lhe ocorreu que poderíamos discutir isso...? E talvez chegar a uma conclusão satisfatória para ambos...?

— Não, na verdade. Quero dizer...

— Por que não? Porque, no fundo, você tem um problema em trabalhar para mim?

— Claro que não! — A última coisa que queria era deixar o ego de Gabriel massageado pela impressão de que exercia algum efeito sobre ela.

— Então por que não veio discutir seu dilema comigo?

— Só pensei realmente nisso quando estava na Austrália — admitiu Rose. — Lá, tive tempo para refletir e perceber que precisava fazer umas mudanças, se quisesse progredir profissionalmente.

Lutando com a perspectiva de enfrentar uma sucessão de secretárias incompetentes, ele tornou a maldizer mentalmente a tal irmã, que introduzira a discórdia em sua vida profissional anteriormente tão simples.

— E estou de acordo com você — disse ele de repente.

— Está?

— Claro que estou. — Ele se recostou, cruzando os dedos atrás da cabeça, e examinou-a. —Você é jovem, inteligente... — Ele deu tempo para que o cumprimento fosse absorvido. — É normal que deseje algo mais do que receber ordens de mim. Não — sentiu-se obrigado a explicar — que eu não lhe tenha dado uma boa parcela de transferir ligações. Considerando que seus deveres originais eram arquivar, datilografar e desviar telefonemas, você percorreu um longo caminho. Mas isto é secundário.

Rose tentou compreender essa espantosa reviravolta. Gabriel era sempre muito imprevisível. Ela apenas não tinha previsto essa reação ao seu pedido de demissão. Então ele acabara aceitando. Por que sentir-se desapontada com um resultado que ela sabia ser perfeitamente inevitável?

— Posso entender seu desejo de ir mais longe... Afinal de contas, eu também passei por isso, tentei subir na vida...

— Não pretendo atingir alturas astronômicas...

— Já lhe contei que meus pais partiram do nada? Que o negócio de meu pai começou como um incipiente comércio de roupas? Ele só tinha dinheiro bastante para nos criar sem maiores dificuldades, mas não o suficiente para que não percebêssemos, desde muito jovens, a importância da educação e de extrair o máximo de nossos talentos...

— Não se preocupe, Gabriel, em dois anos ainda não terei nível para competir com você!

Seus olhos se encontraram num perfeito entendimento quando ele apreciou a gentil e provocadora ironia dessa observação. Ele a conhecia melhor do que ninguém e certamente compreendia seu senso de humor informal mais rapidamente do que os outros, até mesmo Grace.

— Se você tivesse me dito isso antes, eu teria financiado seu curso com muito prazer.

— Como disse?

— Teria liberado você durante dois dias na semana. Você conservaria o salário com o qual está acostumada, desde que treinasse alguém para substituí-la quando estivesse ausente. E quando seu curso acabasse, eu poderia lhe garantir uma posição de júnior nas mais altas esferas. Eu estava mesmo pensando em recompensar seus esforços com um carro da firma porque...

— Não sei se...

— Então voltamos à tal razão invisível de sua demissão; já que não tem nada a ver com os benefícios que tenho a lhe oferecer, deve ter algo a ver comigo pessoalmente...

— Claro que não! Já lhe disse, não é isso.

— Então, Rose, por que não tentar? — Gabriel pôs os cotovelos sobre a mesa. — Não quero que você vá embora... — Rose sentiu a carícia de seus olhos azul-escuros e estremeceu com um prazer culpado.

— Não quero que você vá embora — palavras de um amante. — Preciso de você — ele conciliou a ambígua intimidade de uma súplica prévia com um murmúrio profundo. — Se esse arranjo não a satisfizer, aí você poderá me deixar. Sem ressentimentos. — Então, ele fez uma coisa que jamais fizera antes: pediu por favor.

 

Rose passou a manhã seguinte pendurada ao telefone, fazendo uma pesquisa frenética sobre cursos de administração. Quando mencionara a Gabriel seu desejo de mudar de carreira, não tinha idéia do problema que criara. Se no mais profundo de sua alma, ela acalentara a idéia de ganhar mais qualificações, na realidade, seu desejo de partir se baseara em terreno mais pragmático, o de se desembaraçar da influência invasora de Gabriel em sua vida.

Mas ele a manobrara em direção à pouco invejável posição de embarcar num curso que supostamente teria analisado em profundidade. Ela teria ainda que recrutar e formar alguém para preencher suas funções quando não estivesse disponível.

Quando discutira sua situação com Grace, a renúncia lhe tinha parecido a solução mais apropriada. O fato de estar a muitos milhares de quilômetros de distância fizera com que Londres e seu emprego parecessem um sonho nublado, ao qual ela poderia dar um desfecho claro. Seu pedido de demissão, alguma surpresa por parte de Gabriel, a tentativa de persuadi-la a ficar, mas jamais se vira vacilando. Ela se imaginava dois anos mais tarde numa relação realizada com um desconhecido atencioso e cheio de consideração, com sinos de igreja tocando.

Jamais lhe ocorrera voltar ao escritório e rever Gabriel depois de três meses. Não levara em conta a força devastadora de seu sorriso nem imaginara que, com um jeito avassalador, o poderoso patrão iria encará-la dessa maneira suplicante, pedindo-lhe para ficar.

Deu graças a Deus que ele tivesse que ficar fora do escritório o dia inteiro, dando-lhe ampla oportunidade de começar sua pesquisa sobre os cursos. Na hora do almoço, já tinha selecionado dois que pretendia visitar até o fim da semana.

De qualquer modo, prometera a Gabriel apenas ir levando, o que lhe deixava a opção de dar o fora depois dos três meses, se assim preferisse. Às 18h30, ainda estava em sua mesa, botando em dia o trabalho que deixara de lado para telefonar para as universidades.

Só se deu conta da presença de Gabriel quando uma sombra se projetou sobre a mesa. Ergueu os olhos involuntariamente, prendendo a respiração quando seus olhos se encontraram.

— Acho que você sentiu falta disso... — ele sorriu. — Todo mundo já foi para casa... — Deixou cair algumas pastas sobre a mesa. — Mais algumas peças para mantê-la ocupada, mas pode deixar isso para amanhã. São problemas com esse novo hotel do Caribe. Precisamos encontrar um fornecedor mais confiável. Roberts, de Barbados, deve poder ajudá-la... Eu, no entanto, senti falta de sua eficiência — murmurou ele com sinceridade. — Saber que poderia sair do escritório e voltar sem encontrar as coisas num caos, com uma mulher incompetente chorando atrás da mesa...

Rose cerrou os dentes. Era justamente disso que ela não sentira falta! A eterna apreciação dele por ela como uma perfeita secretária.

— Por isso, queria levá-la para jantar fora esta noite.

— Como?

— Estou convidando você para jantar fora — repetiu Gabriel, meio ressabiado por sua patente falta de entusiasmo. — Você esteve fora do país durante três meses... — Ele tentou arduamente não se aborrecer diante de sua expressão vazia. — Há questões de trabalho a discutir e jamais teremos o tempo e a concentração necessários no escritório.

— Bem...

— Se não conseguir fazer você acelerar as coisas, você acabará ficando para trás.

— Está bem — respondeu Rose educadamente. — Vou só buscar meu casaco.

Desligou o computador, consciente de que os olhos dele seguiam todos os seus movimentos. Ela também tinha consciência de seu corpo, ao colocar o blazer de linho preto que comprara recentemente, peça apropriada para a noite quente daquela primavera tardia.

Junto com sua mudança de formas, ela renovara o guarda-roupa. Desfizera-se dos trajes manequim 42 fora de moda, atrás dos quais costumava se esconder; em vez disso, tinha agora roupas manequim 38, com formas, texturas e cores que nunca usara antes.

— Preferia que não nos demorássemos muito — disse ela, curvando-se para pegar a bolsa no chão, ao lado de sua mesa. —Ainda tenho que desfazer minhas malas. E não precisa se preocupar com o atraso do trabalho. Vou passar o fim de semana em casa estudando alguns arquivos, certificando-me de que sei exatamente o que se passa com todas as nossas contas.

— Perfeito.

— Onde vamos comer? — Rose deu uma olhada , em suas roupas de trabalho. — Não estou vestida adequadamente para ir a um lugar elegante. — Ela sabia que Gabriel não gostava do estilo barato e alegre, pois nunca tivera necessidade disso. Fizera reservas para ele em muitos restaurantes, no passado, para perceber que não gostava de toalhas xadrez e assoalhos nus. Teve um impulso meio malvado.

— Conheço um excelente restaurante italiano — disse ela, encarando-o. — Fica bem perto de onde moro, de forma que poderei voltar para casa com relativa rapidez quando acabarmos de jantar.

— Tudo bem. — Gabriel já estava lamentando o convite. Não o tinha feito com a menor intenção de discutir trabalho, e sim de relaxar um pouco. Se fosse honesto consigo mesmo admitiria que, na verdade, o que queria era descobrir um pouco mais sobre aquela mulher que voltara tão mudada da Austrália.

— Você não se importa, não é mesmo? Gabriel deu de ombros.

— Tanto faz um restaurante ou outro se vamos discutir trabalho.

Ele pediu ao motorista que os apanhasse na porta ,do edifício e percebeu que estava pouco interessado nas perguntas de Rose sobre o que tinha acontecido no escritório durante sua ausência.

Quando chegaram ao restaurante, ele já se cansara de discutir fusões e aquisições, mais ainda do tom impessoal da conversa. Não se lembrava de ter tido antes uma necessidade tão urgente de mergulhar além da superfície calma e tranqüila da mulher que o acompanhava.

— Espero que não seja muito informal para você, Gabriel.

Ele estreitou os olhos, tentando perceber se aquela preocupação polida escondia uma ponta de insolência.

— Por que seria? — perguntou enquanto entravam. Aquele lugar parecia mais um pub do que um restaurante, com pessoas recém-saídas do trabalho em volta do bar, enquanto pequenos grupos animados se sentavam às mesas de madeira. Rose parecia conhecer bem o lugar. Alguém se materializou bruscamente, sorrindo e beijando-a nos dois lados do rosto, antes de conduzi-los a uma mesa afastada, no fundo da sala.

— Porque sei que você tende a gostar de lugares mais caros.

— Ah, é assim?

— É. — Ela virou-se para ele, sorrindo secamente. — Não se esqueça de que era eu quem os reservava para você. — Ela se esgueirou em sua cadeira. — Você me disse um dia que mulheres bonitas gostam de restaurantes caros, gostam da sensação de estar num aquário cheio de peixes dourados. Por isso você as levava a lugares onde metade da graça era ver quem estava lá.

— Fico surpreso de que você não tivesse me acusado de ser leviano.

Rose deu de ombros.

— Cada um busca o melhor para si. Além disso, trabalho para você.

— Isso nunca a impediu de dizer o que pensava. Rose enrubesceu e ficou calada. Sim, nunca temera

discordar dele e sempre falara o que pensava, porque ele podia ser um chefe duro no trabalho, mas era também o homem mais justo que encontrara, permitindo que as pessoas expressassem suas opiniões desde que pudessem justificá-las.

— Você costuma vir aqui? — perguntou Gabriel, mudando de assunto. Olhou ao redor. — Não imaginei que gostasse disso.

— Por quê? — replicou Rose asperamente.

— Porque... é bastante barulhento.

— E pareço o tipo de pessoa mais chegada a uma biblioteca?

— Você está pondo palavras em minha boca, Rose.

— Estou cansada. — Ela ficou contente com a interrupção do garçom, e fez seu pedido sem nem olhar o cardápio. — Por que não me diz o que andou acontecendo? Seus e-mails me contaram algumas coisas, mas gostaria de mais detalhes para me situar.

— Esse vôo para a Austrália é bastante longo — disse Gabriel, evitando falar de trabalho. — Posso compreender por que se sente cansada. E sua irmã lhe faz falta, não?

— Claro que sim. Mas eles estão pensando em voltar para a Inglaterra no ano que vem. Ambos sentem que já é tempo de voltar para casa, agora que Ben chegou.

A comida foi servida, e Rose se divertiu ao ver a surpresa de Gabriel com a qualidade dos pratos. Ele sorriu.

— Agora vou ouvir um sermão sobre a loucura das pessoas que pagam muito mais por uma refeição que podem facilmente obter em outro lugar pela metade do preço...

— Não, imagine!

— Eu viria a lugares como esse, não fosse pelo fato de que os clientes e as mulheres esperam um divertimento mais elaborado.

— Posso entender quanto aos clientes, mas talvez você precise escolher outro tipo de mulher.

— Nunca soube o que você realmente pensava de minhas... mulheres... mas você deve ter desenvolvido uma opinião sobre elas ao longo dos anos. Afinal de contas, você conheceu todas...

— Na verdade, não... —Ah, sim, ela bem que forjara uma opinião sobre elas! Bonitas, cabeças ocas, totalmente inofensivas. Durante muito tempo ela se perguntara como um homem tão dinâmico e astuto como Gabriel podia se interessar por mulheres que eram a personificação da loura burra. Podia entender seu desejo de ter uma mulher bonita ao lado, mas ele não se sentiria mais desafiado por uma mulher capaz de ter sua própria opinião? Gradualmente se deu conta de que ele já tinha desafios suficientes no trabalho. Se um dia decidisse constituir família, exigiria, sem dúvida, uma vida doméstica calma e repousante, com uma mulher dócil que deveria ficar contente em servi-lo, gerar suas crianças e esperar pacientemente enquanto ele trabalhava.

— É por isso que você me olha com tanta desaprovação? — perguntou Gabriel, e Rose se deu conta disso com um ligeiro estremecimento.

Ele sorriu sobre o copo de vinho que segurava. Ela preferira água, mas Gabriel decidira tomar uns dois copos de vinho, já que o motorista os esperava.

— O que você faz em sua vida privada é assunto inteiramente seu — disse Rose, com voz afetada. — Se prefere sair com mulheres cujo QI se mede por um só algarismo, isso é problema seu!

— Ah, nunca pensei que você fosse uma esnobe intelectual! — murmurou Gabriel com voz cordial.

— Eu não sou uma esnobe intelectual! — defendeu-se Rose com raiva.

— Como é então — disse Gabriel — que condena as mulheres que gostam que se gaste dinheiro com elas? A menos que já tenha estado antes nessa posição... — Ele se interrompeu. — Você já esteve?

— Não, mas...

— Quero dizer, como é que pode saber que não gostaria de ser levada aos restaurantes mais finos? Que lhe oferecessem pérolas e diamantes? Que a levassem para passar o fim de semana em Paris ou Veneza?

— Não me lembro de ter reservado muitos vôos para fins de semana em Paris ou Veneza — disse Rose, com voz meio amarga. Gabriel gastava altas somas em presentes para as mulheres que iam e vinham em sua vida, mas dedicar tempo era coisa inteiramente diferente. Quando tinha tempo livre, o que era relativamente raro, ia invariavelmente à Itália visitar a família.

— Você sabe o que quero dizer — disse Gabriel, com voz irritada.

Por uma vez, Rose resolveu deixar de lado a determinação de calar seus pensamentos.

— Não preciso ter coisas caras para saber o que não quero. Meus pais sempre nos instilaram uma sadia consciência de que dinheiro não compra felicidade.

— Ora, também sei que dinheiro não compra felicidade — concordou Gabriel precipitadamente. — Pelo menos não uma felicidade duradoura... mas pode ser divertido...

— Tudo depende de se você considera divertido ter uma relação de seis meses, sacudir a poeira e passar adiante — balbuciou Rose.

— Imagino que você não pensa assim...

— Essa conversa está ficando ridícula. Não deveríamos estar discutindo trabalho?

Gabriel sabia muito bem que seu comentário era injustificado, mas que raios, não podia pensar em nada mais aborrecido do que convidar uma mulher para jantar e ficar discutindo compras, lucros, crises na oferta e na procura dos hotéis, quando a alternativa era muito mais interessante.

O garçom veio tirar os pratos e lhe ofereceu mais um copo de vinho. Diante de sua expressão, ele a olhou de maneira indagadora.

— Por favor, não me diga que sua crítica a esse conceito perverso chamado diversão abrange também um excesso ocasional de álcool... — Tinha certeza de que isso ia lhe provocar uma reação, como de fato aconteceu.

— Claro que bebo de vez em quando! Tenho uma vida fora do trabalho, Gabriel!

— Então me fale sobre ela. — Ele aproveitou a oportunidade e pediu ao garçom que trouxesse dois grandes copos de vinho. — Nenhum namorado com hábitos de prodigalidade, suponho... isso seria ruim para a saúde e para a alma...

Rose chegou a abrir a boca, mas preferiu dirigir-lhe apenas um olhar irônico.

— Sinto pena dessas pobres moças, Gabriel, se você agia assim com elas.

— Nenhuma delas tinha condições de lidar com isso.

— Se tivessem, talvez você as respeitasse mais... — insinuou Rose em voz baixa.

— Não seja ridícula. Você realmente pensa assim? Que não a respeito? Ou está apenas jogando verde para colher maduro? — Diante de seu silêncio, ele correu os dedos pelos cabelos e lhe dirigiu um olhar frustrado. — Nenhuma delas tinha muita utilidade. Estava sendo sincero quando disse que precisava de você, Rose. É a pura verdade. — Seus magníficos olhos azuis a examinaram detalhadamente e ele acrescentou, de maneira maliciosa. — Preciso de você e quero você...

As faces de Rose se incendiaram. Sentia-se vulnerável e inquieta diante daquele charme sedutor, que ela sempre presumira ser reservado às mulheres, com quem ele saía. Conseguiu dizer, com voz desprovida, de inflexão, tomando um gole de vinho.

— Você pensa que sim, Gabriel, mas ninguém é indispensável, muito menos uma secretária.

— Não se subestime.

— Não se trata disso. Não creio que sua vida profissional pare se eu não estiver presente.

— Talvez ela mo pare efetivamente — admitiu Gabriel. — Mas seu ritmo será bem menos suave. Tive três meses para me dar conta disso.

Ele estava se divertindo ao constatar que, pela primeira vez, ela ousara expressar sua opinião sobre as mulheres com as quais ele saía, dando igualmente a perceber um certo desagrado quanto à maneira pela qual ele conduzia sua vida privada. Levou um certo tempo para perceber que, com sua complacência, ela ultrapassara bastante os limites. Como é que isso fora possível? Um saudável espírito crítico no trabalho devia de fato ser encorajado, mas sua vida pessoal não estava em discussão.

Ela fora em frente e agora definia o papel de uma secretária explicando por que ele era relativamente fácil de ser executado. Gabriel grunhiu vagamente.

— Resumindo — concluiu ela — se quiser que eu seja bem-sucedida ao recrutar alguém, você terá de me dizer exatamente o que está procurando.

— Naturalmente, você continuará a lidar com os clientes mais suscetíveis e com tudo o que for de natureza confidencial. — Ele pediu a conta. —A principal qualidade que busco é a capacidade de exercer as funções sem se comportar como um coelhinho aterrorizado cada vez que eu abrir a boca.

— Já examinamos isso — disse Rose, com paciência. Era muito mais tarde do que imaginara e eles ainda não tinham abordado todas essas tarefas sobre as quais aparentemente ela precisava ser informada.

— Não chegamos nem mesmo a discutir sobre o trabalho — comentou ela.

— Você já tem que ir embora? Porque senão pode virar abóbora? Vou deixá-la em casa. — Ele digitou o número do cartão de crédito.

— Não é preciso, moro muito perto daqui.

— Que absurdo. Jamais deixaria uma mulher andar até em casa a essa hora da noite.

— Faço isso todos os dias, Gabriel. Você pensa que pego táxi para ir e voltar do trabalho? O ônibus pára bem aqui e ando até minha casa sem problemas, mesmo quando já está escuro. — Mas Gabriel sempre fazia exatamente o que bem entendia e, naquele momento, queria representar o papel do cavalheiro que a deixaria na porta de casa.

— Você precisa de um carro — disse ele abruptamente.

Rose se imobilizou e olhou para ele boquiaberta.

— Preciso de quê?

— De um carro da firma. Foi negligência minha nunca lhe ter oferecido um. Não é nada de mais que uma secretária pessoal da diretoria disponha de um carro da firma. — Ele abriu a porta do carro para ela.

— Onde é que você mora?

Rose deu as instruções ao motorista. Hoje, tinha sido um dia onde quase tudo acontecera pela primeira vez para ela. Era a primeira vez que Gabriel ultrapassara as barreiras que ela conservara cuidadosamente. Não tinham propriamente trocado confidencias frente à uma garrafa de vinho, mas sua máscara profissional escorregara, o que não era boa coisa. Tinha sido também a primeira vez que ele flertara com ela. Ou pelo menos, que lhe falara com aquela voz de veludo que usava ao telefone com algumas de suas mulheres. Era também a primeira vez que tinham partilhado uma refeição num restaurante, os dois sozinhos, sem nenhum programa particular de trabalho. Nenhuma dessas primeiras vezes contribuíra para acalmar seus nervos desgastados por estar de novo em companhia dele.

Era estranho, parecia que uma porta tinha se aberto entre os dois. Durante todo esse tempo, ela conseguira lidar com seus sentimentos tomando cuidado em manter os papéis muito bem definidos. Ele era o patrão, um homem que respeitava, com quem se dava bem, mas, em última instância, um homem que lhe dava ordens que ela era obrigada a cumprir. Nunca se iludira achando que era para ele algo mais do que um instrumento extremamente útil. Ele certamente lhe pedira para fazer coisas que ultrapassavam as funções de uma secretária. Comprar presentes para suas namoradas, enviar-lhes flores quando um caso chegava ao fim, reservar mesas em restaurantes... E ela as realizara sem discutir. Mas jamais omitira uma opinião não solicitada. Hoje à noite essas barreiras tinham se desfeito e Rose se sentia desprotegida.

Só de pensar nisso já ficava arrepiada. Ficou aliviada quando o carro parou em frente à sua casa. Saiu com um sorriso e um "obrigada" apressado e só se deu conta de que ele a seguira até a porta quando Gabriel estendeu a mão para apanhar o molho de chaves de sua mão.

— Minha mãe sempre dizia para levar uma mulher até a porta de sua casa. Você está tremendo.

— Está um pouco frio aqui fora. — Rose observou os longos dedos girarem a chave na fechadura. — Acho que me acostumei com o tempo mais ameno da Austrália. — Ele lhe devolveu as chaves, e seus dedos se roçaram. — Bem — Rose se plantou no meio da porta e o encarou de forma direta — boa noite e obrigada mais uma vez pelo jantar. Lamento que não tivéssemos podido discutir assuntos ligados ao trabalho. Talvez seja melhor eu consultar sua agenda da próxima semana e marcar uma hora conveniente para que possamos discutir os assuntos pendentes...?

— Vou deixar em sua mesa um bilhete sobre os arquivos que precisa consultar e você poderá dar uma olhada neles quando tiver um momento livre. — Sem que Rose notasse, ele pôs um pé no batente da porta. De repente ela ficou preocupada: se o trabalho podia se resolver de maneira tão simples, por que a convidara para sair?

— Você poderia ter começado por me dizer isso, Gabriel!

— É verdade — admitiu. — Mas na realidade queria discutir com você o assunto de sua substituição temporária.

— Meu curso só vai começar em setembro. Não há nenhuma urgência; estamos apenas em maio!

— Fim de maio — disse Gabriel, de modo soturno.

— Daqui a pouco estaremos em julho, e você sabe como tudo pára durante o verão. Depois que vi os fantásticos exemplos oferecidos, diria que o processo de entrevistas tem que começar mais cedo.

Rose soltou um suspiro frustrado.

— Vê algum problema nisso?

— Não, nenhum. É você quem paga meu salário. Como posso ver um problema nisso? — Ela sorriu, tentando dar um sentido brincalhão àquela frase, mas os olhos dele não reagiram ao humor.

— Em outras palavras, seu salário compra sua aquiescência, ainda que você não esteja de acordo com o que estou lhe pedindo.

A observação feita por ele estava tão próxima ao que ela mesma estivera pensando alguns minutos atrás que ela enrubesceu e olhou para baixo, vendo onde seu pé tinha se plantado com firmeza.

— Estou começando a achar que todo esse papo de que trabalhar para mim atrasa sua carreira profissional é uma grande bobagem... —. Ele meteu o pé um pouco mais firmemente na soleira da porta e se recostou contra o umbral, com os braços cruzados e uma expressão de suspeita. — Sinto cheiro de rebelião entre as tropas, e minha experiência me ensinou que a revolta sempre nasce em terreno pessoal...

— Você tem uma imaginação fértil, Gabriel...

— Umedeceu nervosamente os lábios, não via onde esse papo podia levá-los. — Se tivesse... qualquer problema pessoal em trabalhar para você, eu lhe teria dito...

— Teria mesmo? — Ele passou adiante dela, para sua grande surpresa. — Dinheiro pode comprar lealdade, mas isso não me convém. — Rose foi forçada a admirar a rapidez com que ele conseguira entrar em sua casa.

— Não poderíamos discutir isso amanhã de manhã?

— Por quê? Você sabe, passa apenas um pouco das 21h. Você se recuperará mais rapidamente ao jet lag se mantiver seus horários normais. E se há um problema subjacente, gostaria muito de saber qual é.

— Já lhe disse... — Ela esperava ser a única a se dar conta do desespero em sua voz.

— Jamais a impedirei de dizer o que pensa... — disse lentamente Gabriel, percorrendo com os olhos seu rosto embaraçado. — Sinto-me insultado que você me veja como um autocrata diante de quem você hesita em expressar suas opiniões com medo de que eu possa despedi-la... ou baixar seu salário...

— Mas nem pensei nisso!

Gabriel podia distinguir uma resposta sincera quando a ouvia. De qualquer forma, não pensava poder controlá-la mediante compensações financeiras, mas ela o tinha feito refletir. A começar por sua carta de demissão, e terminando com observações que, de um jeito que ele não conseguia distinguir, comportavam uma sombra de crítica. Algo no tom de sua voz, no baixar de seus olhos, tinha despertado sua curiosidade, emoção pouco explorada por Gabriel. Nenhuma mulher incitara tanto sua curiosidade quanto Rose, sobretudo agora com o desmoronamento das idéias preconcebidas que formara sobre ela.

— Por que você não faz um café para nós dois...?

— Eu não!

— Porque, apesar de todos os sim, senhor e não, senhor, você na verdade não agüenta ficar confinada comigo por muito tempo?

Isso estava tão distante da verdade que Rose começou a rir e, depois de um momento, Gabriel também permitiu, meio contra a vontade, que seus músculos relaxassem.

— Tudo bem. Uma pequena xícara rápida. Não quero deixar o motorista esperando. — Ela se dirigiu para a cozinha, mentalmente adicionando outra primeira vez àquela pilha já grande. Era a primeira vez que Gabriel entrava em sua casa. Ele saíra para informar ao motorista que haveria uma pequena espera. Quando voltou, o café estava pronto, forte, sem leite nem açúcar, como ele gostava.

Rose se sentara à mesa da cozinha e colocara a outra caneca do lado oposto.

— Fale comigo — disse Gabriel, sentando-se por sua vez.

— Quando você quer que eu comece a entrevistar as pessoas? Segunda-feira próxima? Ou ainda mais cedo?

— Quero que me explique sua observação de que só me obedece por causa do salário.

— Lamento ter dito isso, não era o que eu queria dizer.

— Desde quando você pensa dessa maneira? Desde que começou a trabalhar comigo? Nos últimos meses? Apenas depois que chegou da visita à sua irmã? Quando, exatamente?

— Isso não tem nenhuma importância, Gabriel.

— Para mim tem sim. Agora me diga: do que você discorda? Pode falar livremente, sei ser bastante simpático. Não quero perdê-la e, se acumulou algum ressentimento sobre meu modo de dirigir as coisas, agora é a hora de me falar sobre isso.

 

O restaurante do prédio comercial de vidro era, como todo o resto, espetacular. Era uma das vantagens invisíveis quando se trabalhava para Gabriel. Ficava aberto o dia inteiro, oferecia uma grande escolha de pratos de primeira classe e recebia tantos subsídios que as refeições custavam muito pouco.

Quando Gabriel não estava ocupado, costumava descer para almoçar, para manter contato com seus empregados. Conversava com eles, fazia-os falar, ouvia suas idéias. Mas sob essa superfície afável, era fácil ver a reverência com que eles lhe respondiam. Ele não era apenas rico e poderoso, mas aparentava isso, o que já era o bastante para que a maioria dos empregados suasse de nervoso na sua presença.

Às 14h30, o restaurante estava vazio, fora duas serventes da cozinha tomando café com rosquinhas e alguns homens conversando animadamente sobre folhas de gráficos e números. Condições perfeitas para que Rose fosse bebericar uma xícara de café e repassar morosamente os acontecimentos da noite anterior.

Ele solicitara as opiniões dela e, num primeiro momento, ela não tivera dificuldade alguma em aceitar o convite. Ela tinha se comportado da maneira habitual, observando-o interrogativamente, baixando os olhos sobre a xícara de café.

Ele também a tinha observado, sem pressa de ir embora. Ele a interrogara sobre o tipo de curso que queria fazer, que qualificação estava buscando, se gostaria de um emprego onde supervisionasse outras pessoas ou preferia trabalhar sozinha. Questões bobas. Até mesmo quando a questionara sobre seus pais, envolvera a pergunta numa observação inteligente sobre a influência dos pais sobre os filhos.

— Meus pais acham que deveria ter-me casado há muito tempo, ter filhos e um cachorro. — Ele sorriu para ela com ar de deboche, convidando-a a partilhar o leve espírito crítico sobre seu estilo de vida pouco convencional.

— Posso imaginar o cachorro — respondeu Rose, apoiando o queixo nas mãos. Jamais teria pensado que aquela carta de demissão a levaria a ficar sentada em sua cozinha, tomando uma xícara de café com ele, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. — Um muito grande.

— Porque tenho mais de um metro e noventa? Esse comentário a forçou a levantar os olhos para aquele metro e noventa de homem dominador de olhos azuis e cabelos negros.

— E melhor você ir embora — disse ela abruptamente, pondo-se de pé.

— Mais 15 minutinhos. Harry foi encher o tanque e acho que ainda não voltou.

— Por que você fez isso? — espantou-se Rose, dirigindo-se para a sala de estar.

— Porque — disse uma voz por trás dela — ele detesta ficar no carro esperando por mim no escuro.

— Poderia acender a luz e ler!

— Desde que tivesse trazido um livro. Rose lhe lançou um olhar conformado.

— Harry está sempre com um livro.

— Como é que você sabe disso?

— Porque uma vez perguntei como é que ele agüentava ficar esperando você, às vezes por horas, até que tivesse acabado a reunião ou qualquer outra coisa que estivesse fazendo.

— Você já conversou com meu motorista? — Seu tom de voz tentava mostrar que ela escondera dele um segredo indecente.

— Às vezes andávamos juntos até o ponto de ônibus. Não fique tão estupefato assim, Gabriel. As pessoas têm vidas fora de sua firma.

— Sei disso!

— Então pare de agir como se tudo o que se passa fora de seu pequeno mundo não existisse.

— Eu não vivo num pequeno mundo — irritou-se Gabriel.

— Claro que vive. — Ela suavizou a crítica com uma afirmação genérica. — Qualquer um em posição similar o faria. Você dirige uma grande corporação onde dita as regras, estala os dedos e sabe que vai ser obedecido... Isso não é o mundo real.

Os olhos de Gabriel se estreitaram.

— Então não passo de um pequeno ditador?

— Não foi o que disse, de maneira alguma!

Dou ordens, estalo meus dedos e espero ser obedecido. O próximo passo será publicar um edito real dizendo que meus súditos devem se ajoelhar quando eu passar!

— Desculpe se o ofendi.

— Você não me ofendeu — disse Gabriel friamente. — Como minha funcionária, gosto que dê sua opinião. Desejaria apenas que tivesse tido coragem de me dizer tudo isso um pouco antes, em vez de ficar sorrindo, obedecendo e alimentando ressentimentos.

Rose olhou para ele boquiaberta.

— Não estou alimentando nenhum ressentimento — negou, ruborizada.

— Não? — Gabriel sentiu como se lhe tivessem dado um golpe baixo e seu férreo autocontrole vacilou, sensação nada agradável, sobretudo vindo de uma mulher que não era mais do que sua secretária. Um membro valioso da equipe, sem dúvida, mas sem nenhum valor pessoal para ele.

— Não... se tivesse algum problema em trabalhar para você... bem, eu já lhe teria dito... — Rose podia ver como ele chegara àquela conclusão. Ela fazia seu trabalho e voltava para casa. Sua própria confusão e vulnerabilidade emocionais a tinham tornado mais silenciosa do que era por natureza. Ele via uma mulher quieta e eficiente, altamente competente, que só se manifestava sobre assuntos de trabalho. Uma mulher, até três meses antes, meio cheinha...

Rose conhecia a maioria das mulheres que ele namorara porque freqüentemente vinham encontrá-lo no escritório, esperando que terminasse de trabalhar. Elas ficavam sentadas, com as longas pernas cruzadas, e o aborrecimento inscrito nos rostos perfeitos. Louras, morenas, ruivas... Gabriel não tinha preferência; seu único critério era que fossem lindas e intelectualmente pouco exigentes.

Ela se via pelos olhos dele. Uma secretária gorducha correndo discretamente de um lado para outro, fazendo o que lhe fora pedido. Não era de surpreender que tivesse se espantado quando ela voltara da Austrália inteiramente mudada e agarrada à sua carta de demissão.

Ela era uma mulher diferente agora. Tinha mudado por dentro também. Ela não tinha nada a perder. Decidira que sua vida ia tomar um outro rumo e, se ainda continuava a trabalhar para ele, era porque estava dando tempo ao tempo.

Ela gostava dessas palavras, dar tempo ao tempo. Isso lhe dava coragem.

— Não tenho problema em trabalhar para você, Gabriel, não tenho medo de você. Trabalhei bastante tempo a seu lado para saber...

— Como lidar comigo...?

— Como avaliar seus diferentes humores...

— O que é uma coisa boa.

Rose percebeu sua expressão de auto-satisfação e cerrou os dentes.

— Sim, é mesmo. Agora que você me convenceu a continuar trabalhando para você, desde que isso não entre em conflito com meu curso... não quero que esqueça que vou tentar isso por três meses, tempo durante o qual treinarei alguém para assumir o trabalho de maneira independente, se eu decidir ir embora...

Ele quase a informou de que não gostava de chantagem, emocional ou de qualquer outro tipo, mas mordeu os lábios ao se lembrar da sucessão desesperadora de temporárias.

— Quais são suas exigências? Pensei que a negociação financeira tivesse sido bastante atraente.

— Não tem nada a ver com dinheiro. — Rose respirou profundamente e olhou firme para ele. — Em primeiro lugar, quero que me avise com maior antecedência quando eu tiver que trabalhar até mais tarde...

— Que a avise antes? — explodiu incredulamente Gabriel. — Quanto tempo antes? Uma semana? Duas semanas? Um mês? — Ele se levantou bruscamente e ficou andando pela sala, carrancudo. Sua secretária tão confiável desaparecera durante três meses e voltara pior do que um gato selvagem. Só Deus sabe que idéias a irmã tinha posto em sua cabeça.

— Um ou dois dias bastam — disse Rose calmamente. Gabriel parecia atravancara tranqüila sala creme, com sua pequena lareira e suas estantes de carvalho bem arrumadas. Ele não conseguia se comportar como um ser humano normal: observar as leis básicas da cortesia, sentar-se de maneira polida, ouvir o outro sem interromper!

— Eu teria que colocar isso por escrito? — perguntou sarcasticamente Gabriel.

— Não estou sendo pouco razoável...

— Não? Você acha que é comum uma pessoa, exercendo um emprego de responsabilidade, recebendo um salário bem mais alto do que a média nacional, se limitar apenas a cumprir o horário a menos que lhe seja dada uma notificação prévia?

Rose já tinha visto Gabriel em ação antes. Ele era fisicamente intimidador e não hesitava em forçar seus opositores à submissão.

— Não disse que vou apenas cumprir o horário, Gabriel. Não tenho nada contra trabalhar de vez em quando até tarde da noite, já fiquei tantas vezes no escritório até meia-noite para aprontar documentos que tinham prazo de entrega...

— Tantas vezes é um certo exagero — murmurou Gabriel.

— Que seja. Vou estar estudando e penso que é justo você respeitar isso.

— O que quer dizer “tarde da noite” para você?

— Qualquer coisa além de 18h30. — Rose, esperou por sua reação, que não veio. Ele a olhou como se a estivesse avaliando e deu de ombros.

— Tudo bem.

— Você não se importa?

— Vai ser inconveniente para mim, mas você tem razão. Vai estar estudando, a última coisa que desejaria é desviá-la disso... — Ele baixou os olhos. — Você tem que se certificar de que sua substituta não seja uma fanática por horários.

— Talvez você ache difícil encontrar uma substituta que não se incomode em ficar o tempo que você arbitrariamente decidir. — Sua substituta? O tom definitivo dessa frase lhe provocou um frio na espinha, embora isso fosse o que ela sempre quisera.

— Não se eu agitar bastante dinheiro diante dela... e lhe prometer o emprego em caráter permanente.

— Você já está me pondo para fora? — perguntou Rose suavemente. — Pensei que fosse indispensável.

— Eu também.

Mas em algum momento ele mudara de opinião, talvez ao compreender que ela só aceitava continuar no cargo sob uma ou duas condições difíceis de engolir. Queria alguém que o obedecesse cegamente, apesar do discurso vazio com que encorajava os empregados a se expressarem livremente. Ele queria poder lhe dizer, às 17h30, que receberia a visita de dois advogados às 18h e que ela teria que ficar até que todos os pontos de algum contrato tivessem sido aplainados. Compromissos exteriores não o interessavam e certamente não lhe convinha ter que dar uma notificação prévia pela inconveniência.

Enquanto ela fosse competente e silenciosamente invisível, tudo correria bem. O dinheiro lhe escorreria pelas mãos, ele lhe daria carros da firma. Rose passara quatro anos servindo-o exatamente assim.

— Há mais — disse ela, seguindo o provérbio "perdido por um, perdido por mil".

— Desde quando você decidiu que me irritar é uma vantagem para sua carreira? — Seu tom suave deixava transparecer uma ponta de descontentamento.

— Pensei que recebesse bem as opiniões de seus empregados... — disse Rose inocentemente.

— Claro que quero escutar o que meus empregados pensam — respondeu Gabriel, irritado. Ele viu sua expressão irônica e rosnou. — Bem, o que mais tem a dizer? Que outras queixas ainda guarda?

Gabriel era mestre em virar a mesa, pensou Rose, e interpretar cada ponto válido como um golpe baixo.

— Essas suas mulheres...

— Que mulheres...? — Gabriel estreitou os olhos. — Não enverede por aí, Rose.

Rose sentiu alguns segundos de simpatia por ele. Além das exigências repentinas de mudar suas horas de trabalho, estava a ponto de informá-lo de que cuidar de suas mulheres não fazia parte de sua função e que pretendia parar de fazer isso. Se ele quisesse encomendar flores no fim de uma relação poderia telefonar ele mesmo ao florista. Se necessitasse urgentemente de uma lembrança cara para compensar o cancelamento de algum encontro poderia comprá-la pessoalmente.

— Preciso dizer o que penso, Gabriel...

— O que não inclui fazer sermões sobre a maneira como levo minha vida fora do trabalho. Isso, estou lhe avisando, vai bem além de suas funções. —A expressão peremptória, dura, fez com que Rose, de repente, reagisse.

— O que pensou que eu ia dizer, Gabriel? — Ela enfrentou placidamente seu olhar soturno. — Parece que, além de tudo, você ainda lê pensamentos?

— Não é preciso ser um gênio para saber o que você está pensando — falou Gabriel com voz áspera. Ele estava começando a lamentar o instinto que o fazia agarrar-se tanto à sua secretária maravilhosamente confiável. Parece que ela fora para a Austrália e ficara por lá. No lugar dela, voltara essa criatura direta, quase agressiva, que decidira fazer dele saco de pancadas. — Você deixou claro que desaprova meu comportamento com relação ao sexo oposto. Não lhe passou pela cabeça que as mulheres que namoro podem se divertir quando saem comigo, ainda que venhamos eventualmente a romper nossa relação?

Rose levantou as sobrancelhas, como se questionasse sua sanidade mental por sequer pensar uma coisa dessas, e Gabriel a fuzilou com o olhar.

— Elas se divertem bastante comigo — ele se ouviu dizer. — Entre outras coisas, levo-as para jantar, ofereço-lhes um bom vinho... E pode acreditar, Rose, quando digo que, com relação às outras coisas, dou-lhes bastante prazer... — Para sua satisfação, um lento rubor invadiu-lhe o rosto.

— Que bom para elas — disse ela, recuperando o sangue-frio. — Bons vinhos, bons jantares e boa cama até serem relegadas aos livros de história.

Gabriel ficou tão chocado quanto Rose. Ela enrubesceu e desviou o olhar, mas recusou-se a voltar atrás, a se desculpar. Sua irmã lhe fizera longos discursos sobre a loucura de se apaixonar por um homem que não a notava mesmo que dançasse nua sobre a mesa. Sua única chance de recuperar seu senso de dignidade era abandonar aquele emprego.

Bem, apesar de não o ter abandonado, ela ia ser uma mulher de caráter que não tinha medo de dizer o que pensava.

— Perdão? — disse Gabriel numa voz extremamente estressada.

— Você me ouviu, Gabriel.

O diagnóstico de sua irmã tinha sido extremamente correto. Rose superava qualquer um em matéria de competência e trabalho árduo. Inteligente e ambiciosa, poderia obter tudo o que queria. Diferente de mim, acrescentou Grace. Mas sob esse exterior capaz, seu coração aspirava por romance. Por isso ela tinha deixado que os sentimentos pelo patrão se desenvolvessem incontroladamente durante quatro anos. Já Grace, tão pouco prática no que se referia ao trabalho de um escritório, era inteiramente prática quanto a assuntos do coração. Jamais perdera tempo sonhando acordada com garotos inatingíveis, e Rose estava inclinada a seguir seus conselhos. Afinal de contas, comparando os dois casos, quem se encontrava em melhor situação?

— Na verdade, não dou a menor bola para o que você faz com as mulheres que passam pela sua vida. O que me interessa são seus impactos na minha.

— E quais são eles? — perguntou Gabriel, com súbito interesse.

— Olhe só, você encontra uma mulher e a cobre de presentes. Quem compra os presentes sou eu, quase sempre na minha hora de almoço ou no fim de semana, sempre em meu tempo livre. Depois, tenho que reservar restaurantes, enviar flores sem trocar as mensagens. Quantas vezes tive que rechaçar mulheres aos prantos que não viam as coisas como você; ou seja, que sair com você tinha sido um privilégio e que agora já era tempo de pegar a saída mais próxima? Algumas delas pareciam alimentar a ilusão de que você gostava delas. — Em sua voz estava implícito pobres idiotas.

As surpresas se acumulavam a cada minuto. Gabriel nunca sentira nenhum ressentimento quando lhe pedira para fazer o que sempre fizera parte das funções de um boa secretária pessoal, ou seja, cuidar dos incidentes dos quais ele não tinha tempo de se ocupar. Tempo ou vontade. Qual era o problema em encomendar algumas flores por telefone de vez em quando? Ou ir a uma joalheria comprar um bracelete?

— Você está com ciúmes? — A voz de Gabriel era uma seda e Rose sentiu o coração se acelerar. Ela admitira para si mesma, tarde da noite, que estava mesmo com ciúmes.

— Claro que não estou com ciúmes — respondeu friamente. — Você acha realmente... — Mas se interrompeu na hora exata.

— Acha realmente... o quê?

— Nada.

— Pode dizer. Afinal de contas , hoje é o dia das revelações.

Rose se perguntou como reagiria se lhe contasse a verdade. Se tinha se assombrado com as revelações que ela fizera hoje, entraria num estado de choque cataclísmico se ela realmente decidisse revelar tudo!

— Como queira. Você perguntou se eu realmente tenho ciúmes de todas essas mulheres que você namorou... — Rose riu sem humor. — Para começar, elas não são as mais espertas do planeta...

— E quem disse que eu as queria espertas? — Na verdade, ele pensou, quem foi que disse que eu gostaria de discutir esse assunto? Mas aquela mulher, cujos pensamentos jamais conhecera, estava se abrindo naquele momento, e isso o fascinava. Ele não conseguia desviar os olhos de seu rosto. — Uma mulher inteligente é uma espécie superestimada — disse ele, inspecionando os livros ao lado da lareira, mas sem deixar de observar seu rosto para ver como reagiria àquela observação incendiaria. Ao ver sua indignação ultrajada, decidiu prosseguir, para ver onde isso o levaria. — Quero dizer, uma mulher inteligente terminará por abalar os nervos de um homem. — Displicentemente pegou um livro e constatou, com surpresa, que era uma primeira edição e que não tinha sido barato. Aquela mulher era inteligente e tinha bom gosto. Repôs o livro no lugar e virou-se para encará-la. — As discussões intermináveis... a seriedade... o tédio de alguém com um ponto de vista... — Ele imitou um bocejo e divertiu-se com o brilho perigoso dos olhos dela. — Você já notou que uma mulher inteligente sempre defenderá seu ponto de vista, ainda que todo mundo já tenha concordado com ela por puro enfado?

— Você já notou — Rose embarcou na discussão, ainda que o bom senso lhe dissesse que aquilo era ridículo — que uma loura burra despejará tanta asneira que você acabará perdendo a vontade de viver...?

Gabriel riu alto. Quando se acalmou, murmurou com um deleite perverso:

— Não vou negar que algumas vezes elas despejam muitas asneiras, mas posso garantir-lhe que, quando estou na cama com uma delas, nunca perco a vontade de viver...

Rose respirou profundamente e teve a impressão de que ele estava se aproximando dela. Mas, em vez disso, ele se sentou com um olhar satisfeito, como se estivesse passando mentalmente em revista suas conquistas passadas. Um ciúme estúpido quase a fez desfalecer.

— Acho que sinto pena delas... — prosseguiu com voz glacial, ainda que a raiva estivesse fervendo dentro dela. — Você pode pensar que as trata bem, mas o que uma mulher deseja vai muito além das coisas que o dinheiro pode comprar.

— É mesmo?

— Já conversei com mulheres que você descartou para saber que sofrem muito mais do que você pensa! — disse Rose, na defensiva, consciente de que tinha traído bastante seus pensamentos.

A conversa parecia estar tomando um caminho indesejável, e Gabriel franziu o cenho.

— Não sei onde aonde pretendemos chegar com esse papo...

— Você me forçou a dar minha opinião...

— Como é que nunca vi em você essa mulher teimosa, obstinada, absolutamente enlouquecedora que você obviamente é? — falou Gabriel, irritado.

Então não devia se importar em se livrar de mim depois que tiver treinado uma substituta, pensou Rose, sem ousar dizê-lo em voz alta. Por razões que lhe eram próprias, queria ser ela a tomar a decisão de ir embora. Dessa maneira, provaria a si mesma que mantinha o controle, na medida em que seu estado emocional lhe permitisse.

Ela permaneceu num silêncio insubordinado, receando não ser discreta ao falar. Obstinada, estúpida, enlouquecedora não eram insultos fáceis de serem esquecidos com um sorriso polido e uma mudança de assunto.

Um silêncio prolongado se seguiu. Gabriel sabia se controlar formidavelmente quando se tratava de mulheres. Elas nunca o interessavam realmente, nunca se apaixonava por elas, nunca mesmo. O ar calmo de Rose emprestava a seu rosto um sentimento de frustração.

— As mulheres que namorei não têm porque achar que fizeram algo de errado — ouviu sua própria voz, reconhecendo ao mesmo tempo que dizer aquilo era uma fraqueza. — Seria diferente se não soubessem, desde o início, que o programa não incluía nenhum compromisso. Nenhuma pode me criticar por não ter sido justo. Os passeios no parque, as refeições caseiras, a lareira... são justamente essas pequenas cenas domésticas que poderiam lhes dar uma impressão errada... E voltando às suas queixas... — disse abruptamente Gabriel — não haverá longas horas de trabalho sem aviso prévio, nem tarefas adicionais além do definido pelo estrito dever.

— Bem, nenhuma tarefa adicional... que não tenha que ver com o trabalho — concordou Rose. — Desculpe... — sentiu-se obrigada a acrescentar, porque definir regras e regulamentos depois de quatro anos de trabalho conjunto era um ponto delicado.

— Mais alguma coisa?

— Não, isso é tudo. Gabriel, isso é só porque preciso estabelecer prioridades...

— Vamos esperar que valha a pena. — Ele se levantou, meteu as mãos nos bolsos e observou-a enquanto ela se erguia, alisando a roupa. Pelo menos esse hábito tranqüilizador não mudara!

— Vai valer — garantiu Rose, indo em direção à porta. — Vou ter que trabalhar muito mas, no fim de tudo, poderei construir uma carreira satisfatória. O que não quer dizer — apressou-se ela a acrescentar — que não tenha sido feliz trabalhando para você.

— Trabalhando comigo. Você quase me enganou... depois de tudo o que despejou em cima de mim nesta tarde.

Ambos fizeram uma pausa ao lado da porta de entrada. Seus olhares se cruzaram, olhos castanhos enfrentando olhos azul profundo. Rose teve que apoiar a mão no umbral para se firmar.

— Então você pretende ter tudo, não é? — enunciou Gabriel. — Emprego, carro, crianças e um marido que ficará em casa cuidando deles... — Ele nunca pensara que tudo aquilo pudesse interessá-la. Com honestidade irônica, tinha que confessar que, até então, pensara que ele lhe bastava.

— Quanto a isso, não saberia dizer. — Agora que ele ia embora, ela sentia que podia finalmente relaxar.

— Sou muito fora de moda para ser feliz nesse cenário do marido caseiro.

— Você ainda vê o homem como um protetor, não é verdade?

— Não, de maneira alguma! Bem, pelo menos não em termos tão simplistas. — A maneira como a meia-luz do corredor dava ângulos estranhos ao rosto dele a fascinava.

— Por quê? Concordo com você. Sou o tipo de homem que desejaria proteger minha mulher. É melhor você tomar cuidado, então. O homem das cavernas normal não se sente atraído por uma mulher que sabe caçar tão bem quanto ele. Não lute por muita independência. O feitiço pode virar contra a feiticeira.

— Jamais me sentiria atraída por um homem que se sentisse ameaçado por minha independência — disse Rose, um pouco sem fôlego demais para seu gosto, mas ele estava muito perto, não só perto como lhe dedicando uma total atenção masculina. Para evitar que visse o brilho intenso de seus olhos e o interpretasse mal, ou melhor, o interpretasse de maneira certa demais, ela disse: — E, para sua informação, posso não ser suficientemente feminista para ter um marido caseiro, mas certamente não vou querer um homem das cavernas.

— Touché — disse secamente Gabriel. Ambos se empertigaram. Sentiu um impulso intenso de tocá-la, de acariciar sua face, mas, em vez disso, abriu a porta. — Mas não sou o homem das cavernas que parece achar que sou no que se refere às mulheres...

— Não? Você poderia ter me enganado.

— Você não deveria dizer coisas como essa — reprovou ele suavemente, inclinando-se em sua direção de tal maneira que ela sentiu que suas pernas poderiam dobrar a qualquer instante. — Eu poderia ficar tentado a provar que está errada.

 

Sentado num canto afastado do restaurante dos funcionários, Gabriel tinha uma boa visão de Rose, que brincava com a salada, parecendo estar a quilômetros de distância, pensando só Deus sabe em quê. Aquele mês de junho estava quebrando recordes de temperatura, com o céu sem uma nuvem. Claro que, no restaurante, todos se sentiam como se, lá fora, fosse um lindo dia de outono. O ar-condicionado central explicava por que o lugar estava tão cheio.

Talvez por isso Rose não tivesse notado sua presença, escondido entre dois empregados da área financeira e um advogado da firma, discutindo sua mais recente aquisição. Gabriel se desligara da conversa há algum tempo. Na verdade, ele nem deveria estar ali. Delegara a seu principal executivo um almoço de negócios no Savoy Grill só para poder desfrutar, despudorada-mente, daquela visão panorâmica de sua secretária.

Certamente houvera uma mudança entre eles. Antes da ida dela para a Austrália, sua relação de trabalho sempre fora exemplar. Ele não tinha certeza se isso se devia à mudança física que sofrerá, ou se tinha sido causado pela noite que tinham passado juntos, primeiro no restaurante, em seguida na casa dela, durante a qual ele percebera vislumbres torturantes da mulher de sangue quente que se escondia sob aquela aparência competente.

Gabriel sabia apenas que, durante as últimas semanas, seus olhos eram involuntariamente atraídos para ela, notando detalhes de seu rosto, como a suave chuva de sardas no nariz, os mil matizes diferentes de marrom e cobre do cabelo liso, o contraste entre os olhos castanho-claros e as pestanas escuras.

Ele se surpreendera sonhando com seu corpo no meio de reuniões, diante de seu laptop, no escritório de casa. Enquanto falava ao telefone com um cliente, observando-a pelo painel de vidro que separava seus escritórios, seu olhar recaía sobre os seios grandes delineados pelos vestidos leves e pelas finas blusas sedosas que o verão a levava a usar no trabalho. Até bem pouco tempo, ele não tinha realmente se dado conta desse corpo, escondido sob camadas de roupas escuras, pelo menos não no sentido sexual da palavra. Agora, ele parecia passar boa parte do tempo em que ficava acordado no limite de uma excitação constrangedora.

No início, tinha achado graça em sua maneira intensa de reagir a ela. Mas ficara um pouco perplexo, nem parecia que tinha passado os quatro últimos anos em sua companhia!

Muito rapidamente, no entanto, seu cérebro chegou a uma conclusão lógica: estava sofrendo de carência sexual. Há pelo menos três meses estava sem companhia feminina. A última com quem saíra, uma modelo chamada Caitlin, tinha sido uma parceira disposta e capaz, mas evidentemente quisera mais do que presentes e jantares caros e o sexo criativo que ele podia proporcionar. Sentira-se aliviado quando ela terminara com ele.

Tendo diagnosticado o problema, Gabriel resolveu solucioná-lo com a rapidez e eficiência com que atacava todos os outros. Ele simplesmente folheara seu caderninho de telefones e escolhera um nome. Conhecera a mulher em questão alguns meses antes e, durante as várias ocasiões sociais em que tinham se encontrado, ela insinuara que gostaria que ele lhe telefonasse.

Infelizmente, isso não tinha funcionado. O primeiro encontro deles fora num clube fechado, mas muito animado, um dos lugares favoritos de Gabriel, que gostava da orquestra de jazz de lá e da atmosfera descontraída. A culpa da insipidez daquela noite foi atribuída à música, que matara a conversa. O segundo tinha sido num restaurante onde não havia música, e, assim, não havia nenhuma desculpa para o fato de que passara o jantar olhando para o relógio até se dar conta de que Arianna talvez não fosse o que desejava.

Era um problema inesperado, ter uma secretária de quem estava começando a gostar, mas que soubera manter distância desde aquela noite em que tinha se soltado um pouco mais. Mas seu corpinho continuava muito sexy e ela tinha um jeito de olhá-lo por sob as pestanas que o fazia querer fechar aquela maldita porta de comunicação com um pontapé, agarrá-la e fazer com ela tudo o que desejava sobre a grande mesa de mogno.

Sam Stewart, o advogado da firma, interrompeu aquele agradável sonho acordado que comportava Musas rasgadas e o arrancar de sutiãs de renda branca, com uma pergunta sobre o fundo de pensões de uma firma com quem estavam negociando. Quando Gabriel voltou à tona, notou que tinha perdido a maior parte daquela conversa tão importante e voltou sua atenção ao assunto em pauta. Nesse instante, Rose estava se levantando, olhando o relógio e alisando a saia, preparando-se para voltar ao escritório, onde ficaria até às 17h30 — quando arrumaria sua mesa e lhe desejaria cortesmente boa-noite.

Muito mais tarde, depois de uma noite passada sobre relatórios, em companhia de um copo de vinho branco gelado e um concerto de Mozart, Gabriel se deu conta de que essa situação preocupante requeria, providências urgentes.

A única solução para o problema estava na cama. Literalmente. Esse pensamento foi suficiente para fazer seu corpo enrijecer, em resposta imediata.

Na manhã seguinte, telefonou às 9hl5 para o escritório, e Rose atendeu.

— Você já não devia estar aqui, Gabriel? Conferi duas vezes as agendas, você tem uma reunião às 11h com a equipe Shipley...

— Desmarque todas as minhas reuniões de hoje, Rose. Frank pode resolver sozinho o caso da Shipley ou levar Jenkins com ele, para o caso de quererem uma opinião técnica.

— Onde é que você estar — Era tão raro que Gabriel fizesse algo imprevisto durante suas horas de trabalho que Rose sentiu um arrepio físico de apreensão.

— Em casa. Estou me sentindo mal.

— Você está se sentindo mal. Está doente! Mas você nunca fica doente, Gabriel!

— Diga isso aos estreptococos que invadiram minha garganta — disse ele, pigarreando de maneira convincente.

Rose pensou que, como um típico macho sem resistência, Gabriel simplesmente cedera a um resfriado, ou então estava realmente doente, a ponto de ir para o hospital.

— Mas você estava bem ontem — disse ela. — Tem certeza de que...você não está apenas com uma ressaca?

— Acho que tenho idade e experiência bastante para reconhecer quando estou de ressaca — respondeu Gabriel.

— Então você pegou apenas um micróbio. Há alguns pairando por aí. Vou cancelar suas reuniões e, ao longo do dia, você me dirá se tenho que marcar outras ou cancelar as que você marcou para amanhã.

— Você vai ter que vir aqui, Rose.

— Como disse?

— Vou precisar que você digite um material urgente para mim.

— Você não pode trabalhar se está doente!

— Você sabe meu endereço, não sabe?

— Não posso ir à sua casa, Gabriel!

— Por quê?

— Porque... porque tenho muito o que fazer aqui...

— Há muito que ser feito aqui também. Pegue um papel e anote meu endereço. E pelo amor de Deus, pegue um táxi. Quero que você esteja aqui antes do fim da semana.

— Mas...

— Estou me mantendo estritamente dentro de seu horário de expediente, Rose. Não estou lhe pedindo que trabalhe até mais tarde, apenas que mude de local de trabalho por umas duas horas. E então, pegou o lápis? — Sem lhe dar tempo de protestar, Gabriel ditou depressa o endereço e o repetiu lentamente. — Anotou direitinho?

— Sim, mas...

— Você deve levar uma meia hora para chegar aqui, mesmo com um pouco de trânsito. Eu a verei então por volta das 10h. Vou deixar a porta da frente aberta para que você possa entrar sem problema — desligou.

Rose ficou olhando para o telefone mudo durante alguns minutos, ordenando seus pensamentos. Dificilmente acreditava que Gabriel estivesse doente o bastante para tirar um dia de folga, ele era tão enérgico! Ficou olhando para o papel com o endereço. Quando imaginava que teria que ir à sua casa, apartamento, estúdio ou onde quer que ele morasse, ela se sentia fisicamente debilitada. Mas... e se ele estivesse realmente doente? Ela não podia imaginá-lo indo sozinho ao médico. Sabe Deus se tinha um médico!

Um mau pressentimento a fez juntar suas coisas rapidamente. Todos os CDs de que poderia precisar, o laptop que a firma colocara à sua disposição, algumas correspondências que necessitavam ser conferidas, cartas que precisavam da assinatura de Gabriel. Então remarcou seus compromissos e comunicou-s,e com as pessoas do setor financeiro que teriam que se responsabilizar pelas tarefas de Gabriel, pelo menos durante aquele dia. E tomou um táxi que acabara de deixar um passageiro bem em frente ao escritório.

Ao fechar a porta do táxi e dar o endereço de Gabriel ao motorista, já começou a sentir as faces acaloradas, a blusa de mangas curtas se colar ao corpo. A saia estampada com flores, que lhe parecera tão fresca esta manhã, começou a apertá-la horrivelmente. Mesmo seus cabelos pareciam colar-se ao crânio, fazendo-a desejar que os tivesse prendido.

Ao olhar pela janela, viu que todo mundo se sentia tão desconfortável quanto ela: rostos avermelhados, leques improvisados, pescoços suados.

Mas pelo menos o desconforto deles parava aí. Ela ia penetrar pela primeira vez no território de Gabriel e esperava que a vizinhança não fosse muito imponente.

Soube que se enganara tão logo o táxi parou diante de uma imponente casa vitoriana, localizada numa rua grã-fina em forma de meia-lua, com carros de luxo estacionados um atrás do outro. Ela pagou ao motorista e pediu um recibo, enquanto olhava impressionada aquela fileira de casas tão conservadas.

Como ele prometera, a porta não estava fechada a chave. Então ela entrou... na casa dele. O termo casa vitoriana era muito pouco imaginativo para o lugar onde se encontrava. O piso era de uma rica madeira escura, apenas interrompido no vestíbulo por um tapete de impressionante padrão geométrico azul e vermelho; as paredes creme serviam de mostruário para obras de arte que pareciam terrivelmente caras.

Rose resistiu ao impulso de dar uma olhadinha nos outros quartos e se dirigiu para a escada.

— Já cheguei!

Foi apanhada de surpresa pela voz dele, vinda de trás, e, virando-se, o viu de pé ao lado de uma porta. Ou melhor dizendo, pensou, indolentemente recostado na porta, vestido com um roupão de seda preta atado frouxamente ao redor da cintura, deixando entrever a pele nua.

O coração de Rose se acelerou e ela quase gritou, esforçando-se para não olhar as pernas nuas cobertas de pêlos pretos, a faixa de peito bronzeado que emergia das lapelas entreabertas. Será que pelo menos estava usando alguma roupa de baixo?, pensou ela.

— Estava esperando você mais cedo. Feche a porta da frente, por favor.

Rose obedeceu aliviada. Qualquer coisa que a protegesse dessa visão de Gabriel Gessi com tão pouca roupa era bem-vinda.

Quando voltou, ele tinha desaparecido num quarto, para onde ela se dirigiu.

O quarto era espantoso, não pelo tamanho, mas pela decoração. Azuis ricos e profundos forneciam um pano de fundo dramático ao piso de tábuas corridas e às paredes cobertas de estantes. As janelas de guilhotina estavam recobertas por camadas de musselina que se acumulavam sobre o chão. A peça era dominada por uma grande mesa de trabalho com todos os aparelhos modernos: um grande computador, um laptop, um fax, dois telefones. A única parede que não fora ocupada por estantes ou janelas ostentava um sofá longo e baixo, forrado num rico estampado Paisley, cuja beleza só era prejudicada pelo travesseiro e pelos lençóis.

Gabriel, constatou ela, estava deitado nesse sofá, olhando-a de maneira divertida enquanto ela observava o ambiente.

— Culpe minha mãe e minha irmã pela decoração. Por mim, queria tudo branco. Bem, não fique parada aí de boca aberta. Sente-se!

— Onde?

— Ora, só há uma cadeira disponível, não? A menos que queira sentar-se ao meu lado, aqui no sofá? — Ele bateu com a mão sobre o sofá e Rose rapidamente sentou-se atrás da mesa, pronta para a ação. Chegou mesmo a pegar a pilha de cartas que trouxera e começou a ordená-las por ordem de prioridade, esperando que lhe dissesse por onde queria começar. Sem olhar para ele, porque todo aquele corpo exposto tinha conseqüências desastrosas sobre seu sistema nervoso.

— Não vai me perguntar como estou?

— Desculpe... — Rose olhou para ele, perturbada. — Como está se sentindo, Gabriel?

— Muito mal.

— Você não parece tão mal assim — arriscou ela, dizendo a verdade.

— Porque estou enfrentando a situação com coragem. Mas tive uma noite horrível, sem descansar, rolando de um lado para o outro na cama.

Rose engoliu em seco. Seu pensamento a levou a imaginar Gabriel numa cama king size, seu corpo nu e Poderoso se debatendo. Ela se sentiu desfalecer.

— Nesse caso, deveríamos terminar as coisas aqui o mais rapidamente possível, para que você possa dormir um pouco! É a melhor maneira de se curar. Por onde quer que comecemos? Trouxe a correspondência; pensei que você poderia querer dar uma olhadinha nela...

— O que eu gostaria mesmo — disse Gabriel, fechando os olhos — era de comer alguma coisa. Sei que isso vai além de suas funções e você tem todo o direito de recusar... mas não como... hummm... talvez desde ontem, na hora do almoço.

— Você me fez vir até aqui para cozinhar para você?

Gabriel a encarou através de olhos semicerrados e se perguntou se deveria dizer a ela que esse tom de voz particular não tinha nada de atraente. O que havia de errado em cozinhar para ele? Não lhe pedira que assaltasse um banco! Ele perdera a conta das mulheres que ansiavam por entrar em sua cozinha e começar a fazer mágica com as frigideiras!

— Esqueça isso — disse Gabriel abruptamente. — Deveria saber que seria impensável lhe causar algum incômodo. Eu mesmo faço — começou a se erguer do sofá, mas Rose sacudiu relutantemente a cabeça.

— O que é que você quer comer?

Gabriel jogou-se de novo no sofá e pousou os sonolentos olhos azuis sobre ela.

— Você parece estar com calor.

— Estou com calor. — Rose ergueu o cabelo com uma das mãos e fez um rabo-de-cavalo, de maneira a poder abanar a nuca. Gabriel se perguntou se ela tinha

idéia de como estava provocante, como suas roupas delineavam o movimento de seus seios fartos.

— Você poderia tirar a roupa... — Ele se permitiu uma pausa ínfima. — E colocar algo mais fresco. Minhas irmãs costumam deixar algumas roupas lá em cima, nos quartos que elas usam; acho que são mais ou menos do seu tamanho. Você poderia pegar algumas emprestadas.

— Não! — disse Rose, horrorizada. Ela ainda ficava francamente horrorizada com a idéia de usar roupas de outras pessoas — sobretudo se, para isso, tivesse de tirar as suas... na casa de Gabriel...

— Foi só uma sugestão.

— Obrigada pelo oferecimento, mas estou bem. Agora, diga-me o que quer comer, verei o que posso fazer. Um sanduíche? Frutas?

— Uma omelete. Com torradas. E também um pouco de café... não, um chá, acho que é preferível quando se está doente. Com açúcar.

—Ah, espere um pouco. Vou pegar meu bloco para poder anotar isso tudo.

Gabriel sorriu. Sempre tinha apreciado seu seco senso de humor.

— Pense que está fazendo uma caridade para um homem doente.

— Só se você pensar que está se aproveitando de uma secretária de boa índole. — Rose saiu da sala ao som de seu riso tranqüilo. A casa não era uma mansão e ela conseguiu localizar a cozinha sem muita dificuldade. Era um paraíso de um homem rico e solteiro. Balcões de mármore negro, dupla geladeira cromada com congelador e distribuidor de gelo na porta, cafeteira elétrica que parecia requerer um diploma em eletrônica para ser manejada. Todo esse equipamento parecia ter sido raramente usado, o que significava que ou ele cozinhava para si próprio muito pouco ou tinha um produto de limpeza extremamente eficaz. A frigideira brilhava. Era quase um crime usá-la para algo corriqueiro como preparar comida.

Meia hora mais tarde ela ainda o encontrou re-costado no sofá. O roupão de seda negra revelava de maneira ainda mais pecaminosa o peito musculoso, e Rose pigarreou significativamente, para lhe dar tempo de se cobrir, o que ele não fez. Ele apenas se sentou, apoiando-se contra o braço de madeira do sofá.

— O cheiro está delicioso. Onde você encontrou essa bandeja?

Rose ergueu as sobrancelhas de maneira interrogadora, embora não se espantasse por ele não saber o que tinha em sua cozinha.

—Metida num buraco entre dois armários. Ninguém pensaria que já foi usada. Como o resto das coisas na cozinha. — Ela colocou a bandeja em seu colo, desviando os olhos da faixa tentadora de pele morena.

— Não cozinho muito — concordou Gabriel, metendo a comida na boca com evidente entusiasmo.

— Para dizer a verdade — e ele parou para olhá-la

— a última vez que comi em casa foi... há três meses, quando voltei de uma semana na Itália.

— Você não pode comer o tempo todo fora, Gabriel! — Rose mostrou-se chocada com esta idéia.

— É pouco prático, independentemente da despesa.

— Por quê?

— Porque... é. Não é nutritivo.

— Você cozinha todos os dias para você?

— Sim, claro, adoro cozinhar. É extremamente re-laxante.

— Talvez você possa vir cozinhar para mim de vez em quando. — Ele viu a expressão em seu rosto e reteve sua repentina impaciência. — É só uma brincadeira, Rose. Não há necessidade de pedir os sais por medo de desmaiar só de pensar nisso.

— Minha comida não é sofisticada — disse ela, tentando acalmar um pouco a situação. Um Gabriel confinado podia se tornar perigoso, especialmente agora que as fronteiras entre eles tinham se diluído. — Não é o tipo de comida que você aprecia.

— Estou gostando dessa aqui.

— Pare de ser difícil, Gabriel. Você entendeu o que quero dizer.

— Você sabe que é a única mulher que pode falar assim comigo? Além de minha mãe e, claro, de minhas irmãs, que pensam ter o dever de me manter em meu lugar.

Rose sorriu ao pensar que alguém podia tentar manter Gabriel em seu lugar.

— O que autoriza você a pensar que sabe o tipo de comida de que eu gosto?

Era sua imaginação ou ele estava prolongando esse café-da-manhã? Normalmente Gabriel trabalhava a pleno vapor, parando apenas para respirar. Não era o jeito dele, chamá-la com urgência apenas para bater papo.

— Não tenho a menor idéia. — Rose deu de ombros e olhou seus dedos, em cujas unhas tinha aplicado esmalte rosa pálido no dia anterior. Estava gostando do jeito delas, faziam com que se sentisse muito feminina.

— E os cursos, já descobriu algum que lhe convenha? Já se decidiu por algum? — Como sua tentativa de levar a conversa para um terreno mais pessoal não estava dando frutos, Gabriel mudou de rumo.

Ele não sabia exatamente porque tinha se metido nessa farsa ridícula. Sentia-se em plena forma, mas fora incapaz de resistir ao impulso de fazê-la vir ao seu território, para ver como ele era quando estava nele. Por quê? Ele se achava acima da curiosidade sexual, mas claramente não estava, considerando que tivera que encontrar uma desculpa idiota para que ela viesse à sua casa num dia de semana, quando ele deveria estar em reunião. Que diabos, ele trabalhava quase todas as horas do dia, decidiu ele, calando sua consciência culpada. Merecia uma pausa de vez em quando. E quando fora mesmo a última vez que uma mulher povoara sua imaginação?

— Sim, acho que sim. — Ela ruborizou e olhou de novo para as unhas. Se ele soubesse que a pesquisa de um curso a tinha levado para terrenos muito interessantes...

— Você acha? E já não deveria ter-se inscrito?

— Na verdade, já me inscrevi.

Os olhos de Gabriel se apertaram, fixando seu rosto embaraçado. Sentia que ela estava lhe escondendo alguma coisa e perguntou-se o que seria. Não precisaria assumir esse ar de segredo para discutir cursos de administração de empresas. Passou-lhe pela cabeça que sua eficiente secretária não tinha se inscrito em nenhum curso de administração de empresas, mas talvez num curso de pole dancing. Isso sim poderia deixar seu rosto ruborizado de culpa.

— E? — provocou ele.

— Começa no início de outubro, mas terei que tirar um dia em setembro para a orientação. Eu lhe informarei quando chegar a hora.

— E o que mais?

— O quê?

— Tudo aquilo que você ainda pretende jogar para cima de mim?

— Não há mais nada a dizer! Se está tão interessado, posso lhe mostrar os prospectos. — Quando não estava de bom humor, como agora, Gabriel podia levar a loucura a um alto grau de requinte, olhando-a de um modo que fazia seu estômago revirar, abrindo caminho em sua vida privada como um rolo compressor, mesmo que ela tivesse mostrado claramente que queria mantê-lo afastado.

— Vamos voltar para o trabalho?

Rose ficou surpreendida com a nova mudança de rumo, mas topou alegremente Meia hora depois, seu pulso e sua voz haviam voltado ao normal.

Ela olhou para o relógio, já era hora do almoço. Haviam trabalhado intensamente por quase três horas!

— Vamos parar. — Gabriel a observou enquanto ela flexionava os dedos e tentava se descontrair. — Venha aqui.

— O que disse?

— Venha aqui.

Obedientemente, Rose reuniu seu material e se aproximou dele.

— Sente-se. — Gabriel moveu as pernas, abrindo um espaço a seu lado, no sofá. — Não se preocupe, não mordo... — A hesitação dela tinha algo de extremamente feminino. Era uma mudança refrescante no que dizia respeito a mulheres tão sexualmente agressivas como os homens, que não precisavam de convite para se aproximar e se comportar como se fossem íntimas.

— Não quero pegar nada.

— Você não vai se contagiar. — Como isso era verdade, pensou ele ironicamente. — Vou simplesmente massagear seus ombros, para livrá-la dessa tensão. Venha, sente-se aqui. Sou um excelente massagista.

Rose respirou fundo. Suas juntas ficaram brancas quando se agarrou desesperadamente à pilha de papéis. Ele estava falando sério? Massagear suas costas? Que sugestão maluca! Deu um passo para trás, mas depois pensou que poderia estar reagindo excessivamente, ele não encostaria um dedo nela. Recuou ainda dois passos mais e foi aí que as coisas aconteceram. Era a Lei de Murphy, pensou ela, lutando para se levantar, esse raio de tamborete tinha que estar justo atrás de seu tornozelo esquerdo. Somente mais tarde, Rose se deu conta de que, para alguém que estava supostamente doente, Gabriel tinha se levantado do sofá com uma celeridade espantosa e, horror dos horrores, estava inclinado sobre ela, o roupão escancarado, permitindo que percebesse, num relance, suas cuecas.

Meu Deus, será que as coisas podiam ficar ainda piores?

Rose conseguiu se levantar e puxar a saia para baixo, justo no momento em que Gabriel a agarrou, ignorando seus gritinhos de desespero. A saia subiu de novo expondo um grande pedaço das coxas. Os braços em volta dela pareciam de aço, forçando sua cabeça em direção a seu peito nu.

Todo esse episódio deve ter durado cinco segundos no total, mas para Rose foi uma eternidade. Tudo parecia se passar em câmara lenta, até que ele a pôs no sofá e se ajoelhou diante dela.

— O que você está fazendo?

— Gire seu pé. Você caiu de mau jeito, precisamos nos assegurar de que não torceu nada.

— Estou bem.

— Se você não tivesse se precipitado como um coelhinho assustado, não teria tropeçado.

Rose teve vontade de quebrar a cabeça dele com o objeto mais próximo.

— Se você não tivesse sido...

— Tivesse sido o quê?

— Você se incomoda em me devolver meu pé? — Ele tirara o sapato dela e estava massageando seu pé, os dedos trabalhando a sola macia, girando-o com uma pressão deliciosa até ela ter vontade de gritar ou de gemer. — Não há nada errado com ele! Está tudo bem!

— Não tivesse sido o quê? — Gabriel se levantou, ficando na mesma altura que ela e perigosamente próximo. Ela poderia escorregar facilmente a mão sob o roupão de seda. Quatro anos de fantasias a varreram como uma onda na maré alta e Rose fechou os olhos.

— Então?

Ela reabriu os olhos e percebeu que ele estava ainda mais perto. Divertindo-se. Aqueles olhos que pretendiam ser sérios e interessados escondiam um sorriso. Ela tentou desesperadamente combater o efeito que ele tinha sobre ela. Não era justo! Quatro anos lutando contra essa atração letal e, de repente, aquele homem decidira que podia ser divertido flertar com ela, quando não tinha nada melhor a fazer.

Cada fibra de seu ser lamentava a decisão que tomara de ficar lá um pouco mais.

— Se você não estivesse flertando comigo... — disse Rose friamente. — Isso é bem pouco apropriado. Esperava mais de você.

— Flertando... — Ele inclinou a cabeça para um lado, como se estivesse refletindo sobre o novo conceito. — Você tem razão. Talvez flertar não seja uma má idéia. Talvez... — Sua voz era macia como veludo e rica de uma sexualidade velada. — É isso que eu realmente deveria ter feito...

O tempo permaneceu estático durante três segundos. Sua boca procurou a dela com delicada curiosidade, depois com uma urgência febril, que a fez agarrar-se a ele, igualando seu desejo ao dela. A dura realidade levou dez segundos para se manifestar.

— Não faça isso! — Rose o empurrou de maneira tão violenta que ele tropeçou para trás, dando-lhe tempo de se afastar dele. — Como é que você se atrever.

Gabriel se levantou, mas não estava zangado. De jeito nenhum. O que era ainda mais amedrontador. A expressão em seu rosto deixava ver que ele resolvera alguma coisa em sua cabeça.

— Vou fazer de conta que isso nunca aconteceu — falou Rose por entre os dentes. — Mas se acontecer de novo, vou embora! Está me ouvindo? — Ela enfiou o pé no sapato e inclinou-se para pegar todos os papéis, de qualquer jeito. O silêncio dele era desconcertante. Ela sentia que ele a estava observando. Será que se dava conta de como seus seios ainda estavam palpitantes, ansiando para serem acariciados? Ou da umidade que invadia o vão entre suas pernas, orvalho de mel gritando por seu toque? Rose queria morrer mil mortes. Finalmente, ela conseguiu apanhar os últimos papéis e o encarou com um olhar gelado.

— Está bem. — Gabriel olhou para ela. — Vamos fazer isso. Vou fingir que isso nunca aconteceu e você pode fingir que não queria que isso acontecesse...

 

As entrevistas não estavam correndo como Rose imaginara. Ela previra encontrar e acomodar rapidamente alguém de forma que, em tempo hábil, ela pudesse entregar de novo a Gabriel a carta de demissão e ir embora, desta vez com a consciência tranqüila.

Gabriel a estava deixando louca. Ele nunca mais mencionara aquele beijo, mas cada vez que chegava a dois passos dela, ela podia sentir seu corpo ficar tenso por antecipação, receando qualquer contato físico.

Não faltaram ocasiões para isso. Um leve toque de seus dedos no braço dela, quando se inclinava para ler sobre seu ombro, um roçar de dedos quando ela lhe entregava a xícara de café ou quando ele se sentava perto dela para verificar algum detalhe de um relatório sobre o qual ambos trabalhavam.

Seu corpo não lhe permitia fingir que nada acontecera. Bastava ele chegar perto e ela se sentia desfalecer. O desafio da semana anterior, de que ele fingiria esquecer o que acontecera se ela pudesse fingir que não queria que aquilo acontecesse, se mostrara profético.

Daí seu crescente desespero para achar o mais rapidamente possível alguém que pudesse substituí-la. E Gabriel estava se mostrando muito pouco cooperativo. Eles tinham passado assim os três últimos dias, lendo currículos e entrevistando candidatas, cada vez que Gabriel tinha um momento livre. Duas que pareciam preencher as exigências tinham sido recusadas por Gabriel, sob o pretexto de que não podia se ver numa relação de trabalho prolongada e sem problemas com nenhuma delas.

— Mas seria apenas por dois dias na semana — murmurou Rose de maneira pouco convincente porque, em sua cabeça, já tinha planejado sua substituição em tempo integral,

— Será? —perguntou ele, soturno; e ela lhe devolveu um sorriso meio sem graça.

Às 17h30, eles tinham justamente acabado de ver a última daquele dia e Rose pressentia que seria mais uma entrevista inútil.

Ela detestava a hora em que era obrigada a descer para a grande área de recepção, fazendo o máximo para evitar perguntas precisas e ansiosas sobre o resultado da entrevista. Esta tarde até que não fora muito ruim. As escassas qualificações de Elaine Forbes haviam tornado a rejeição mais fácil do que de hábito. Cinco minutos para prestar contas a Gabriel e ela poderia começar seu fim de semana.

Quando ela voltou à sua sala, ele estava reclinado na cadeira dela, com os pés em cima da mesa e as mãos cruzadas atrás da cabeça.

— Então? — perguntou. — O que achou da senhora Forbes?

— Acho que podemos riscar seu nome da lista — disse-lhe Rose, juntando suas coisas para ir embora. Ela podia sentir seus olhos sobre ela e odiou-se quando percebeu que estava excitada. Ela também detestava quando ele invadia seu espaço. Era muito mais fácil sair do escritório dele e fechar a porta.

— O que a faz dizer isso? — perguntou Gabriel com voz surpresa, e Rose parou para lançar-lhe um olhar preconceituoso.

— Ah, sei lá, Gabriel. Talvez sua espantosa incompetência em dominar o teste básico que lhe apliquei para verificar sua familiaridade com nosso sistema de computação. Ou talvez a lentidão e incapacidade em tomar notas precisas do que eu estava ditando. — Rose conhecia Gabriel bastante bem para saber que não costumava repetir o que dizia e esperava uma compreensão imediata. Ele não gostava de pessoas desajeitadas e Elaine Forbes tinha se comportado assim durante todo o tempo.

— Ela era extremamente atraente, você notou?

Rose enrubesceu. Sim, ela se dera conta, impossível não fazê-lo. Um metro e oitenta de curvas dentro de uma microssaia e um bustiê que mal lhe chegava à cintura. Sob os longos cabelos louros, seus imensos olhos verdes mediram Gabriel de alto a baixo e claramente não o acharam insatisfatório.

— Não sei o que isso tem a ver com o resto.

— Seu currículo não suportava um exame mais profundo — disse ela, irritada com o sorriso que brincava no canto de seus lábios.

— O que não quer dizer que não sejamos capazes de fazê-la aumentar um pouco sua velocidade. Desde que tenha a atitude correta...

— E como... — começou a dizer Rose, correndo o risco de perder o controle — você definiria uma atitude correta'?

— A habilidade de trabalhar comigo em perfeita harmonia. Quer dizer, fazer o que eu quiser sem se queixar.

Rose esteve a ponto de perguntar se ele tinha um problema com ela apenas porque ousara fazer duas pequenas queixas em quatro anos, mas se deu conta de que ele estava brincando.

— Ah, ah, ah.

— Admito que ela não tem as qualidades intelectuais para preencher a vaga — concedeu Gabriel — apesar de todas as outras vantagens tão evidentes.

Rose estava ficando cansada de ser provocada.

— Realmente, Gabriel, tenho que ir embora.

— Calma.

— Bem, não há muito mais a dizer sobre a senhorita Forbes. Fico satisfeita em ver que estamos de acordo sobre o fato de que a pessoa que preencher o cargo deverá possuir mais do que pernas longas, cabelos compridos e belos seios.

— Não quero prolongar a discussão sobre a adorável senhorita Forbes. Ia dizer a você que preciso mandar alguns e-mails ainda hoje. Você terá que ficar mais uma hora ou duas. — Ele estendeu as mãos, como se estivesse se defendendo de um possível ataque. — Sei que isso provavelmente afeta sua noção de cumprimento de horário, mas gostaria de lembrá-la de que seu salário é muito generoso.

— Nenhum problema em trabalhar uma ou duas horas a mais, Gabriel. Você sabe disso! Só tenho problemas quando você me pede para trabalhar numas horas ridículas e, como vou estudar, preciso definir prioridades.

Gabriel estava começando a se perguntar como nunca notara aquele lado suscetível, provocador, da personalidade de sua perfeita secretária. Como pudera algum dia achar que ela o apaziguava? Ela era tão capaz de apaziguar quanto um tubarão sedento de sangue. Felizmente, ele era homem bastante para enfrentar qualquer tipo de tubarão e ainda se divertir com a luta árdua. Agorinha mesmo, ele se divertira muito ao vê-la ficar toda cor-de-rosa porque a provocara. Fora a atração que sentia, ele apreciava também o fato de ver que, sob aquela aparência fria e cuidadosamente cultivada, que o enganara por tanto tempo, ela reagia a ele enquanto homem. Tinha certeza de que ela não conseguira relegar aquele beijo ao fundo de sua memória, da mesma maneira que ele não fora capaz de esquecê-lo. Sentir seus frios lábios contra os dele, pensar, naquele instante passageiro em que ela correspondera ao beijo com um calor que não pudera disfarçar, era o bastante para fazê-lo ficar excitado como um adolescente na agonia de sua primeira paixão.

— Sei disso! Fico contente em saber que você não vê nenhum inconveniente em terminar este trabalho. — Ele se esticou e esfregou a nuca. — Se você vier para o meu escritório, podemos começar baixando os arquivos de que vamos precisar. Você tem minha palavra de que não a reterei além da meia-noite, hora das bruxas.

— Receio que haja um certo problema para hoje à noite — disse ela meio sem jeito, acompanhando-o, mas ficando na porta, com as mãos nos bolsos do blazer.

Gabriel, que estava inclinado sobre a mesa, preparando o computador, a encarou e franziu o cenho.

— Pensei que tivéssemos resolvido isso — disse abruptamente.

— Você não está entendendo. Não posso trabalhar hoje à noite porque estou ocupada...

— Você está ocupada?

Ele parecia estar realmente chocado. Durante os quatro anos que trabalhara para ele, Rose raramente negara seus pedidos para trabalhar além da hora, pois colocava o trabalho acima de tudo. Com o passar do tempo, formara a idéia de que ela não tinha vida social, nada que a distraísse de sua dedicação servil a ele.

Ela sentiu um arrepio travesso de prazer ao esclarecer a situação.

— Estou ocupada — repetiu, com uma ligeira inclinação de cabeça. — Posso trabalhar até tarde na segunda-feira.

— Não vai ser possível esperar até lá — disse Gabriel irritado. — Coisas deste porte não podem esperar indefinidamente, Rose. Os negócios não tiram férias...

Isso era o frio humor sarcástico de Gabriel, a voz que reservava para quando estava verdadeiramente irado. Não chegara àquelas alturas sendo bondoso, contido e tendo consideração pelos outros. Por mais encantador, bem-humorado e descontraído que fosse, havia sempre a mão de ferro sob a luva de pelica.

— Bem, Gabriel, não posso fazer nada quanto a isso. Se quiser, posso ver se Emily está livre e não se importa de trabalhar hoje até tarde

— Tenho uma idéia melhor. Por que não cancela o que vai fazer? Diga às suas amigas que, por mim, estão todas convidadas para sair na semana que vem, onde quiserem ir, pouco importa o preço. Uma espécie de compensação pela inconveniência.

— Não vou sair com minhas amigas — respondeu Rose.

— Não?

— Não.

— Então o que é tão importante que você não pode cancelar...?

— Realmente, Gabriel, você não tem nada a ver com isso. — Ela não entendia por que estava resistindo tanto, ela não estava escondendo nenhum segredo vergonhoso...

— Creio que mereço uma desculpa decente...

— Vou sair com um homem, se quer saber. Vou ao teatro ver Les misérables. Sempre quis ver essa peça, mas as entradas estavam sempre esgotadas. Depois, Joe e eu vamos comer alguma coisa. Você vê que realmente não posso ficar até mais tarde esta noite. Lamento.

Teatro? Joe? Mas quem diabos será esse Joe? Uma aventura passageira?

— Vou ter que ir ou vou chegar atrasada.

— Quem é esse tal de Joe?

— Tenha um bom fim de semana; até segunda-feira, Gabriel. — Com essas palavras, Rose desapareceu, movendo-se depressa a fim de evitar uma enxurrada de perguntas por parte de Gabriel. Ela só respirou aliviada quando já estava no táxi, e só ficou totalmente descontraída ao parar na porta do teatro e ver Joe acenando para ela no meio da multidão.

Ia ser o primeiro encontro deles, e Rose hesitava entre ansiedade e apreensão. Afinal de contas, ela não o conhecia tão bem assim. Eles tinham se encontrado apenas umas poucas vezes antes disso. Rose tinha ido a uma das faculdades de sua lista e, ao buscar o departamento de administração, terminara batendo na porta errada. Felizmente para ela, fora Joe quem abrira aquela porta. Ele se mostrara tão simpático e a ajudara tanto que, enquanto tomavam café na cantina da faculdade, Rose se viu fazendo-lhe confidencias sobre sua completa ignorância do sistema de educação a distância. Espantou-se também ao se ver rodeada de estudantes carregando laptops, com iPods nos ouvidos, que a faziam se sentir como se pertencesse a uma outra era. Numa tentativa de se misturar, pusera jeans e tênis para ir à faculdade, mas suas roupas eram da marca errada, um pouco fora de moda. O curso não era exatamente o que ela desejava, e aquela faculdade fora descartada, mas ela tinha feito um novo amigo, eles trocaram telefones e uma crescente amizade desabrochara a partir desse encontro peculiar. Rose não sabia ainda quais seriam as conseqüências disso, mas queria ver onde esse caminho ia dar.

A noite foi um grande sucesso. A peça foi ótima, e eles conversaram sobre ela, entre mil outras coisas, durante um jantar bastante tardio. Ela chegou mesmo a lhe falar de Gabriel e de seus modos imprevisíveis. Depois, falaram tranqüilamente sobre o que Joe fazia e, antes que ela se desse conta, passava da meia-noite, e ele foi chamar um táxi para ela.

— Acho que já é hora de perguntar se você se arriscará a sair comigo outra vez — disse ele, segurando-a e beijando-a na testa. Um fim perfeito para uma noite perfeita, pensou Rose. Nenhuma pressão para irem para a cama, nenhuma agressividade. E, além do mais, ele era uma gracinha: cabelos louros, olhos azuis que se franziam quando sorria, e ele sorria bastante.

— Acho que consigo fazer isso... — disse Rose, sorrindo de volta para ele. — A noite foi ótima.

— E acabamos não discutindo que tipo de curso você escolheu finalmente.

— Ah, essa é a conversa mais fascinante do mundo!

— Extremamente fascinante. Não se esqueça de que sou um educador. Gosto de saber o que interessa a vocês, estudantes. — Ele sorriu de novo e se virou para abrir a porta do carro para ela, — Portanto, não tem desculpa, temos que nos encontrar de novo. Ligo para você na segunda-feira assim que acordar. 0 monstro do seu patrão permite que você use o telefone para chamadas pessoais ou tenho que ligar para o celular?

— Para o celular... — disse Rose depressa. — Sem dúvida, para o celular.

— Será que ele vai amarrar você ao computador e forçá-la a digitar mil vezes... Não devo desobedecer às regras da firma...

— Ah, não. Gabriel é muito justo.

— Estava brincando, Rose — interrompeu gentilmente Joe. — Agora, dê o fora, Cinderela, antes que o táxi decida deixá-la para trás. Ligo para você segunda-feira.

Ele o faria. Havia em Joe essa confiabilidade que todas as mulheres desejam. Se dizia que iria telefonar, ele o faria. Ela foi dormir murmurando que ele era um homem decente, incapaz de enganar uma mulher ou achar que ter carinho equivalia a dar presentes caros. Mas tampouco era um homem capaz de deixá-la arrepiada cada vez que se aproximava dela.

Seu andar era saltitante quando chegou ao trabalho na segunda-feira seguinte. Joe lhe tinha enviado algumas pequenas mensagens, fazendo-a rir com suas histórias.

Quando ela chegou, Gabriel já estava em sua escrivaninha e, a julgar pelas mangas arregaçadas e ausência de gravata, já estava lá há algum tempo. E não parecia estar em seu melhor humor.

Rose decidiu que não permitiria que isso a desanimasse. Antes de entrar no escritório, apanhou um café para ele e manteve seu sorriso quando ele ergueu a cabeça e franziu o cenho para ela.

— Fico feliz em ver que pelo menos um de nós teve um bom fim de semana.

— Bom dia, Gabriel! — Ela se sentou em sua cadeira habitual, diante da escrivaninha dele, bloco no colo, pronta para começar o dia. Ele apenas grunhiu.

— Trouxe café para você. Há alguma coisa urgente ou devo apenas abrir os e-mails de sexta-feira? Não se esqueça de que ainda temos duas pessoas para ver esta tarde. Já fiz entrevistas preliminares com cada uma delas e ambas parecem promissoras.

— Cancele-as.

— O quê? Por quê?

— Porque um de nossos prédios no Caribe está com a construção atrasada e, como há uma restrição de equipamentos essenciais, temos que resolver isso antes do fim da semana, de preferência antes do fim do dia.

— Por que tanta urgência? — Rose sabia bem de que empreendimento específico se tratava. Desde o primeiro dia, tinham tido problemas com ele. A ilha era muito pequena e de difícil acesso. Nas primeiras fases da construção tinha sido um pesadelo embarcar o material, e as coisas, tinham prosseguido assim. Esse empreendimento perdera sua atração como projeto comercial mas, por seu jeito de falar, ela sabia que Gabriel desenvolvera uma espécie de afeição por aquele lugar. O projeto original do hotel tinha gradualmente se transformado em uma vila implantada sobre o lado selvagem do Atlântico, mais apropriada para uma residência privada do que para um local turístico. Gabriel acalentava agora o plano de transformá-la numa casa de campo exclusiva de 14 quartos, que seria alugada a firmas, para férias coletivas, ou então a pessoas extremamente ricas.

— Parece que há um furacão se aproximando. Eileen está varrendo tudo em direção à Flórida, mas pode ser que se desvie de seu itinerário. Se vier em nossa direção, isso seria fatal para o projeto. A construção não tem sequer tijolos suficientes para agüentar um furacão de nível quatro.

— Vou ver o que posso fazer... — disse Rose, pensando consigo mesma que não podia fazer nada. Pelo que lera nos arquivos, a infra-estrutura da ilha era mínima: algumas lojas, uma escola, transporte para ir e voltar da ilha. Os negócios aconteciam em terra firme, na maior parte das vezes.

— Nesse meio-tempo, vá selecionando vôos para que eu vá para lá. Quero viajar amanhã de manhã cedo, ou até mesmo hoje, se não houver passagens para amanhã.

— Viajar? — Rose o olhou espantada, sentindo o sangue sumir do seu rosto. — Viajar para uma ilha em alerta de furacão? Onde você vai se hospedar quando chegar lá? Você já esteve lá, Gabriel, e vimos fotografias detalhadas desse lugar. Não há hotéis.

— Sempre posso acampar na praia. — Ele se levantou e começou a percorrer o escritório de um lado para outro, imerso em seus pensamentos. Enquanto isso, Rose imaginava Gabriel no meio de um furacão, a mercê das forças da natureza. A viagem para aquela ilha era complicada, envolvendo dois aeroportos e uma travessia de barco. E se o furacão o pegasse na travessia? Ele estaria tão vulnerável quanto uma formiga dentro de uma caixa de fósforos precipitada de uma cachoeira. Ela despertou daquele sonho acordado, que mais parecia um pesadelo, para encontrá-lo inclinado sobre ela, com o rosto irado.

— Acorde, Rose!

— Desculpe... — Ela ergueu o queixo de maneira defensiva e deu graças a Deus que ele não soubesse ler pensamentos. Se fosse o caso, não levaria muito tempo para decifrar o pavor que sentia, ao ver a loucura que ele se propunha a fazer.

— Você não me serve para nada se ficar aí sonhando — disse ele de maneira cortante, avançando agressivamente o rosto em direção ao dela. — Você veio aqui para trabalhar, Rose, deixe seus assuntos amorosos em casa!

Ela percebeu ao que ele estava se referindo e abriu a boca para protestar, mas pensou melhor. Tinha havido muita mistura entre sua vida privada e sua vida profissional, já era tempo de redefinir as fronteiras.

— Tudo bem — disse prontamente, recebendo de volta um cenho ainda mais fechado quando ele voltou a se sentar atrás da mesa de trabalho.

— Cancele tudo que tenho na agenda para a próxima semana. Não devo ficar lá mais do que uns dois dias, mas as previsões do tempo não são confiáveis.

— É um plano ridículo, Gabriel.

— Obrigado por sua opinião. Isso será tudo por enquanto. — Ele achava inteiramente errado que sua secretária perfeita passasse a noite fazendo amor apaixonadamente com um homem que mal conhecia. Mas ela não tinha negado, e ele a conhecia o suficiente para saber que ela se defenderia vigorosamente caso fosse inocente. Apesar da mudança de aparência, seu senso de moralidade continuava muito arraigado.

O que ela fazia ou deixava de fazer era, na verdade, um problema secundário. Havia outros muito maiores na balança para que ele se importasse com a idéia de Rose nos braços de outro homem, mas estava achando muito difícil se livrar dessa imagem.

— Como foi sua ida ao teatro na sexta-feira? — pegou-se perguntando. — Vocês se divertiram?

— O quê?

— O teatro, na sexta-feira passada?! Você ia ver Les Misérables.

— Ah, é verdade. Claro, foi sim. Genial. Muito obrigada. — Rose imaginou que essa mudança de assunto era apenas uma maneira encontrada por Gabriel de liberar a mente dos enormes problemas que envolviam centenas de milhares de libras investidas numa construção inacabada, que corria o risco iminente de ser reduzida a pó. Na verdade, ele parecia prestar-lhe um mínimo de atenção. — Joe é uma companhia maravilhosa! — acrescentou ela, para lembrar-se de que existiam nesse planeta homens normais, genuínos, carinhosos, homens que mereciam muito mais seu carinho do que a pessoa incansável e melancólica sentada diante dela.

O que significava isso?, perguntou-se Gabriel. O mero fato de estar se interrogando era bastante para suscitar raiva contra sua própria fraqueza. Ao contrário da maior parte dos homens, ele pessoalmente nunca tinha achado que as mulheres eram uma espécie incompreensível, muito pelo contrário. As que ele tinha levado para jantar, e depois, para a cama, tinham sido transparentes como vidro. Rose era de uma feitura genética diferente. Em certos momentos, ela se enquadrava muito bem nas categorias preestabelecidas de sua cabeça; no minuto seguinte, já estava mostrando que tudo o que ele pensara sobre ela estava errado. De uma secretária capaz, controlada, reservada, inofensiva, levemente fria, ela passara a ser uma mulher sexy, com novo estilo, nova aparência, de repente ambiciosa, com fogo interior, para passar, mais tarde, aparentemente, a uma devassa que dormiria alegremente com o primeiro homem que conhecesse.

Será que ela estava realmente pensando que ele queria conversar sobre o joão-ninguém que ela estava namorando, quando tinha tantas coisas importantes na cabeça?

— Essa é a linguagem feminina para o perfeito cavalheiro! — perguntou Gabriel com desprezo.

— Imagino que, no mundo de Gabriel Gessi, ser um perfeito cavalheiro seja um crime. — disse Rose zangada.

— Um crime, não. Apenas algo um pouco... sem graça.

— Joe é tudo menos sem graça...

— Não há necessidade de ficar tão na defensiva, Rose! Acredito em você! Jamais poderia imaginar você saindo com alguém sem graça. De fato, não sei como alguém assim saberia como lidar com você!

— Eu não preciso que lidem comigo. Não sou nenhum animal selvagem.

— Em todo caso, você tampouco corresponde à idéia que a maioria dos homens faz de uma mulher submissa. Pelo menos no que se refere a trabalho.

— Não vou cair nessa — Respirou fundo para se acalmar. Até bem pouco tempo atrás, ela tinha sido bastante submissa justamente no que dizia respeito ao trabalho. — Não quero falar sobre Joe.

— Foi você mesma quem trouxe o assunto à baila — disse Gabriel, sacudindo os ombros. Perfeitos cavalheiros normalmente não costumam levar as mulheres para a cama no primeiro encontro. Assim, aquela noite provavelmente não acabara com uma vigorosa travessura no colchão, o que já bastava para melhorar seu humor. — Você tem razão, há coisas mais importantes a serem discutidas. Quando tiver selecionado os vôos e as conexões, avise-me imediatamente. Vou precisar me reunir também algum tempo com os rapazes do setor financeiro para informá-los dás coisas que terão de gerir na minha ausência.

Sua atenção já se afastara dela e de seu encontro. Era típico de sua parte intrometer-se num assunto e passar rapidamente adiante, deixando-a a encaixar seus pensamentos esparsos e confusos.

— Ainda não sei como pensa em ir lá se há um alerta de furacão — disse Rose, vendo de novo Gabriel como vítima do furacão. — Não há nada de engraçado nesta situação, Gabriel. — Seu coração se contraiu dolorosamente. — Pessoas morrem em situações similares e é perfeitamente ridículo adotar uma atitude machista e pensar que você pode lidar com isso.

— Alguém tem que fazê-lo — falou seriamente Gabriel — e não vai ser o administrador local. Esse projeto é responsabilidade minha.

— Isso é tão incrivelmente típico de você, Gabriel Gessi! — explodiu Rose com uma combinação de medo doentio e pura frustração. — Você acha que pode resolver qualquer coisa! Que você é invencível, quando não é Não admitir nunca que você pode ser fraco não é uma prova às forçai

— Você está preocupada comigo?

— Claro que estou! Qualquer um estaria!

— Não há necessidade — disse Gabriel gentilmente. Estava louco para chegar perto dela e apertá-la contra o peito. — O edifício não está pronto, mas é estruturalmente sólido, pode resistir. Terei um teto sólido sobre minha cabeça. Imagino que ficaremos sem água e eletricidade se o furacão realmente passar mas, fora isso, estarei bem. — Ele sorriu. — Todo mundo não anseia por estar perto da natureza? Essa vai ser minha grande oportunidade.

Rose olhou para aquele rosto diabolicamente belo e suspirou. Ela acreditava quando dizia que a estrutura era sólida, mas sabia que ele teria ido para a ilha de qualquer maneira. Em sua vida pregressa, ele fora um piloto de Fórmula 1, brincando de desafiar a morte. As lágrimas pareciam querer saltar de seus olhos, mas ela não podia se permitir esse nível de emoção.

— Se você está tão preocupada assim — ronronou ele com voz macia — poderia vir comigo. Excelente oportunidade para ver exatamente quanto trabalho ainda precisa ser feito no local, em vez de confiar em e-mails e relatórios...

 

Quanto mais Gabriel pensava no assunto, mais gostava da idéia de fazer Rose acompanhá-lo até a ilha. Estava convencido de que não correriam perigo físico e a idéia de tê-la como companhia era muito atraente.

— Poderemos fazer progressos na resolução dos problemas que tanto prejudicaram esse projeto — ressaltou ele. — Ter você comigo significa trabalhar duas vezes mais depressa porque não terei que fazer transcrições. Em quatro dias, tudo estaria sob controle.

Rose o encarou como se ele tivesse perdido o juízo.

— Você espera trabalhar enquanto um furacão varre tudo lá fora?

 

— Não há certeza de que o furacão passará pela ilha.

— O pessoal da meteorologia parecia bastante convencido disso.         .

— As previsões meteorológicas estão sempre erradas. Em qualquer outro setor de trabalho, já teriam sido postos na rua por ineficiência.

— De qualquer jeito, não vai haver ninguém nessa ilha — observou Rose. — Com quem você está pensando em discutir o que está acontecendo se não vai haver ninguém lá?

— Claro que tem gente lá! Você acha que eles vão desaparecer cada vez que há um aviso de furacão?

Rose enrubesceu.

— Vou verificar os vôos disponíveis.

— Reserve duas passagens.

Rose parou junto à porta, com o coração palpitando no peito.

— Receio não poder fazer isso, Gabriel... Os olhos de Gabriel se estreitaram.

— Não é por causa desse homem, é?

— Claro que não! — No fundo de sua mente, sabia que não havia qualquer necessidade imperiosa de defender sua decisão, mas o silêncio cortante de Gabriel e seu infinitesimal levantar de sobrancelhas eram o bastante para desencadear seus mecanismos de defesa.

— Joe nunca seria chauvinista a ponto de ditar minha conduta de trabalho...

— Não, tinha esquecido que ele é o perfeito cavalheiro. — Gabriel sorriu, obtendo em resposta uma bem merecida careta.

— Não posso ir com você porque...

— Você poderia me ajudar incrivelmente... Rose ignorou a interrupção.

— Porque... há muito o que fazer aqui...

— O patrão sou eu. Estou liberando você nos próximos quatro dias. Há muito a ganhar em termos de rapidez, se você me acompanhar...

— Você pode levar Ralph... Uma pessoa do conselho será mais útil a você lá...

— Por alguma razão, não consigo imaginar Ralph muito interessado em desempenhar o papel de minha secretária. E duvido que saiba digitar tão rápido quanto você. Não estou entendendo, Rose... Você nunca teve problemas para me acompanhar em viagens...

— Não para ilhas sacudidas por tempestades no meio do oceano...

— O que nos traz de volta às previsões pessimistas daqueles malditos caras da meteorologia. Por que você não reserva as passagens? Se decidir ir, ficarei muito agradecido.

Voltou a atenção para a tela do computador e Rose, percebendo a indireta, saiu do escritório. Tudo bem, ela reservaria duas passagens, já que ele lhe permitira mudar de idéia. A firma podia perfeitamente arcar com o prejuízo.

As passagens foram reservadas para o dia seguinte de manhã. Segundo a Internet, as probabilidades de que o furacão passasse sobre a ilha eram bastante remotas. Ela parou para pensar sobre a facilidade com que tinha decidido acompanhá-lo.

Afinal, ele tinha razão. Ela nunca se queixara antes de ir com ele a reuniões ou de passar a noite no mesmo hotel. Sua recusa poderia levá-lo a pensar que ela tinha se transformado numa dondoca cuja vida privada influenciava a vida profissional ou, ainda pior, que ela temia sua companhia. Além disso, ela sabia, no fundo de sua mente, que gostaria de estar a seu lado, se ele corresse perigo.

Ela teria que lidar mais tarde com a questão de Joe, o perfeito cavalheiro, a síntese de tudo o que uma mãe desejaria para sua filha.

Quatro dias não eram muita coisa e, dependendo das circunstâncias, talvez demorasse até menos, pensou enquanto fazia a mala. Ainda que Gabriel levasse seu laptop, Rose achou melhor colocar na mala blocos de anotações e canetas. Os velhos instrumentos eram freqüentemente os melhores, quando se trabalhava sob pressão.

Eles trabalharam durante boa parte do vôo para uma das ilhas maiores. O resto do dia foi perdido nas correspondências. Finalmente, pegaram um barco, cujo responsável disse que eles eram malucos de fazer aquela viagem quando o tempo ia mudar.

Quando finalmente chegaram ao destino, Rose estava morta de cansaço, mal podendo apreciar o cenário. Tudo que queria era dormir. Como é que Gabriel conseguia funcionar tanto tempo sem sinais de fadiga? Ele nem parecia amassado, talvez porque tivesse escolhido suas roupas de forma mais inteligente. Em resposta ao que ele lhe estava dizendo, Rose abriu a boca num bocejo.

— Não é o tipo de reação que geralmente desperto numa mulher — murmurou ele. Quando ela bocejou de novo, ele bateu no ombro, convite irresistível para que ela repousasse ali sua cabeça. Ela só despertou quando o carro estava parando. Que horror, havia uma mancha úmida no ombro dele, ela tinha babado! Quando seus olhos se encontraram, ele deu um sorriso meio sem graça para ela.

— Não se preocupe, isso é humano. Achei até simpático você descansar a cabeça no meu ombro e babar um pouquinho.

Tão logo Rose olhou para a obra diante dela, sua mortificação se dissolveu. Era algo tão ambicioso e impressionante que, mesmo naquele estado inacabado, a fez perder o fôlego.

— Gostou? — Gabriel estava bem atrás dela, curvando-se para murmurar em seu ouvido.

— Ainda há muito que fazer — respondeu ela prosaicamente.

— Covarde. Por que não admite que gostou? E uma aventura arquitetônica.

— Quem fez o projeto?

— Eu mesmo.

— Você?

— Não precisa ficar tão espantada. Não é só você que tem segredos.

O hotel, cujo projeto original contava com uma ampla rede de apartamentos ultra-modemos, tinha sido transformado em três casas contíguas, cada uma com uma pequena torre, em volta das quais havia um amplo pátio, ainda em construção, que seria feito de madeira resistente às intempéries.

A terra originalmente reservada para a vila seria um campo de golfe — uma pista de nove buracos, curta mas mortal, que se beneficiaria da brisa marítima.

Essa mesma brisa marítima ainda permanecia suave, apesar de que o motorista lhes dissera que as pessoas que podiam já tinham começado a abandonar a ilha, e as que não podiam estavam se preparando para o pior, estocando comida enlatada e água.

Rose tentou ansiosamente imaginar a estatura dessa estrutura sob um furacão violento, Parecia bastante sólida e quase inteiramente acabada, mas ela tinha como avaliar o estado das fundações.

— O céu está tão azul... difícil pensar que um furacão está a caminho.

— Nesta parte do mundo o tempo pode mudar numa questão de minutos, não é mesmo, Júnior?

Júnior, o motorista, do alto da experiência de seus setenta anos, enveredou por um longo monólogo informativo sobre os padrões do tempo nas ilhas do Caribe.

Se a fachada já era bastante impressionante, a parte interna fora concebida por uma imaginação extremamente fértil. Ladrilhos pretos e brancos constituíam o pano de fundo para uma cascata no canto mais afastado da entrada. As peças do primeiro andar seriam destinadas às cozinhas, ao restaurante e às necessidades domésticas, inclusive um spa. O segundo andar abrigava quartos e salas que os hóspedes poderiam utilizar a qualquer momento, para terem a impressão de estar em casa longe de casa.

—Não conheço ninguém que tenha uma casa como essa — murmurou Rose, observando os detalhes da carpintaria e do trabalho artístico. — Você bolou tudo isso sozinho?

— Sou um arquiteto frustrado — disse Gabriel, sem sorrir. — Pode deixar as malas aqui, Júnior. Vá para casa. Vamos ficar bem, temos comida e bebida suficiente. Você voltará quando o pior tiver passado.

Rose avançou para o interior da casa, notando que estava finalmente bem mais acabada do que esperara. O piso de cerâmica da entrada conduzia a esplêndidos assoalhos de madeira, as janelas estavam protegidas por venezianas coloniais, as paredes e o teto estavam inteiramente pintados. Só faltava a água da cascata e as plantas para ornamentar.

— Não tinha idéia de que este lugar estava praticamente pronto! — disse Rose de maneira acusadora. — Onde está Júnior?

— Saiu para cuidar da família.

O que deixava os dois sozinhos. Na urgência dos planos, com a natureza brusca da viagem, Rose não considerara qual seria a situação real deles quando chegassem ao seu destino. Em sua ingenuidade, pensara que o hotel estaria inabitável e que teriam que se alojar numa pousada qualquer. Mas a casa estava habitável, só que não havia mais ninguém lá. Seu coração bateu mais devagar. Uma enorme quantidade de quartos vazios e apenas eles dois. Partilhando as refeições. Esperando a tempestade iminente. E se a corrente elétrica falhasse, como sem dúvida aconteceria? Ela os imaginou metidos num quarto escuro, tendo apenas um ao outro como companhia. Não era uma situação ideal para um papo seguro sobre trabalho.

— Vamos ver o que conseguimos nas cozinhas e, depois, arrumar as coisas para dormir.

Rose podia ouvir o som das ondas lá fora e os ruídos das criaturas noturnas. Isso fez com que se lembrasse da Austrália, o que, por sua vez, lembrou-a de que não deveria estar aqui com Gabriel. Na verdade, deveria ter pedido demissão do emprego e procurado trabalho em outro lugar.

Ao vê-lo se afastar em largas passadas, Rose correu atrás dele. Estava cansada e com calor depois da longa viagem. Uma boa chuveirada e algumas horas de repouso lhe permitiriam recarregar suas baterias. Eles atravessaram várias peças, todas praticamente terminadas.

— Pensei que você tivesse dito que ainda havia muito trabalho a ser feito, que precisava estar aqui, para o caso de acontecer alguma coisa à estrutura, na hipótese de que o furacão viesse.

Finalmente chegaram às cozinhas, equipadas de forma rudimentar. Havia uma geladeira, obviamente utilizada pelos operários que trabalhavam na casa de campo, e vários outros utensílios. Não havia forno, apenas um pequeno fogão portátil onde seria possível cozinhar refeições simples. Uma mesa tosca.

— Tudo isso será removido mais cedo ou mais tarde. — Ele abriu a geladeira e ficou contente ao ver alguns alimentos perecíveis, inclusive queijo, ovos e manteiga. Ele já sabia o que havia nos armários porque, assim que decidira voar para ilha, tinha pedido ao gerente que fizesse um estoque, antes de saber que Rose viria com ele.

Gabriel ainda estava um pouco surpreso de que ela estivesse lá com ele. Apesar de sua mania de ditar regras, Rose era uma perfeccionista em tudo o que dizia respeito ao trabalho. Fora educada dessa maneira, e ele a admirava por isso. Entrava de cabeça em tudo que fazia. Ele tinha visado seu calcanhar-de-Aquiles, ou seja, seu senso do dever, ao evocar o que tinha sido um problema espinhoso para ambos durante muito tempo. A construção daquela vila sofrerá muitos contratempos e ela não pôde resistir ao convite para acompanhá-lo à ilha para averiguar como estava. Diferentemente da maioria das outras mulheres, na verdade, de todas as outras mulheres que conhecera, saber que um furacão poderia passar por ali não a tinha desencorajado. Ela não se amedrontava facilmente.

Considerando-se que passara a maior parte do dia viajando em transportes nem sempre confortáveis, ela estava em forma. Os cabelos, soltos no início, estavam agora presos num rabo-de-cavalo, mas ela ainda parecia sexy; sem qualquer maquiagem, seu rosto parecia tão lavado como no início da viagem. Estava também um pouco aborrecida e, provavelmente, faminta.

— O que é que você quer? — Rose lançou-lhe um olhar mal-humorado.

— Você está com fome?

— Não, estou bem.

— Não dê uma de mártir, Rose. Não há nada mais aborrecido.

— Ah, claro. Atravessei metade do Atlântico porque pensei que precisasse de mim para ajudá-lo a resolver os problemas desse lugar e, de repente, estou dando uma de mártir.

— Vou lhe preparar alguma coisa para comer, você vai dizer gentilmente obrigada e parar de ficar na defensiva.

— Tudo isso e mais o quê?... — perguntou Rose, amuada, olhando Gabriel tirar panelas e pacotes dos armários. Nada mais justo, pensou. Ela cozinhara uma vez para ele, ele bem podia retribuir a gentileza, considerando que a trouxera para cá sob falsos pretextos.

Gabriel olhou-a de relance, e Rose se perguntou de novo como podia parecer tão fantasticamente bem vestido após horas de viagem, enquanto ela se sentia como se tivesse sido vomitada por um gato.

— Pensei que estivesse construindo um hotel aqui, Gabriel. Não tinha idéia de que tinha mudado as especificações.

— Ainda é um hotel, mas numa escala muito mais pessoal do que tinha sido previsto no projeto original.

— Não há nada disso no computador...

— Você provavelmente não pôde acompanhar a papelada toda. Esse lugar não está mais sob o controle da firma. Ele é agora minha cria pessoal, por assim dizer.

— Sua cria pessoal?

— Claro, ele ainda é uma opção rentável, mas essa não é sua função primária.

— Você me trouxe aqui para trabalhar num projeto que não tem nada a ver com afirmar.

— Foi você que decidiu vir.

Ele parecia se virar bem com os utensílios básicos: o que preparara no fogão provisório tinha um cheiro muito bom, mesmo feito a partir de algumas latas e de um pacote de macarrão.

Rose percebeu que ele interrompera o que fazia para olhar para ela e enrubesceu.

— Pensei que precisasse de mim para trabalhar.

— E é verdade. Ainda tem muita coisa a ser resolvida aqui.

— Mas coisas que não têm nada a ver com o trabalho.

— Para que ficar esmiuçando as coisas, Rose? Não Podemos voltar imediatamente. Você já está aqui, ficar discutindo se queria ou não queria vir é perda de tempo. Quando voltarmos para Londres, tratarei de compensá-la financeiramente.

— Isso não tem nada a ver com dinheiro — disse Rose, sentindo-se mesquinha por estar especulando sobre ninharias. A quem ela pensava enganar? Estava curiosa para ver aquele local que ele decidira adotar como seu, interessada em saber um pouquinho mais sobre aquele homem.

— Ora, pelo amor de Deus. — Gabriel correu os dedos pelos cabelos de pura exasperação. — Por que não tenta assumir um pouco de responsabilidade sobre as coisas aqui, Rose? Você sabe que os planos foram alterados. Pensei que tivesse lido os relatórios financeiros e visto que o projeto inteiro fora transferido para fora da alçada da firma e posto sob a responsabilidade do meu banco particular.

— Eu... só dei uma olhada no relatório financeiro. Ah, você está certo. Já que estou aqui... por que não me informa o que o fez você mudar de idéia sobre... o objetivo deste lugar...?

Entre seus muitos investimentos financeiros, Gabriel possuía uma pequena cadeia de hotéis de elite em lugares pouco usuais, a cujos objetivos aquela ilha se adaptava perfeitamente. Afastada, sem um turista à vista, pequena o bastante para ser deliciosa, mas não para impedir a instalação de certas amenidades imprescindíveis. Depois de lidar muito tempo com as reclamações dos turistas, Rose descobrira que gostavam de coisas exóticas, mas não desconfortáveis. Exótico era o ventilador de teto associado à opção do ar-condicionado, em oposição ao ventilador de pé associado às janelas abertas para deixar entrar a brisa.

— Foi muito simples, acabei me envolvendo com o projeto. — Ele trouxe dois pratos de macarrão com molho de tomate recoberto de queijo, fatias de pão e manteiga. Quando Rose atacou avidamente o seu, descobriu que o gosto era tão bom quanto o cheiro.

— Você termina envolvido com todos os seus projetos — sublinhou ela. — A propósito, isto aqui está ótimo.

— Que bom que você acha — disse secamente Gabriel. — E trate de aproveitar, pois não costumo cozinhar para mulheres.

Isso era óbvio, pensou Rose. Refeições caseiras faziam par com a domesticidade, que não era algo que ele gostasse que suas namoradas experimentassem. Divertimento, excitação, sim. Domesticidade, de modo algum.

— Você estava me contando por que mudou de idéia quanto a este projeto.

— Há dois meses, tivemos problemas aqui. Despedi o arquiteto que trabalhava nele e decidi eu mesmo experimentar.

— Você é formado em arquitetura?

— Eu... — Gabriel ficou olhando para ela, com o garfo na mão. O olhar de Rose brilhava de curiosidade. — Sou formado em engenharia. E sempre gostei de arte... Ou será que admitir isso não é coisa de macho?

— Ao contrário, é coisa de macho sim. — Rose sentiu a boca seca quando seus olhos se encontraram.

— Você não sabe que um homem sensível é a coisa mais sexy do mundo?

— Essa é sua maneira de dizer que me acha sexy?

— É apenas minha maneira de dizer que arte é uma coisa maravilhosa. — Ela podia sentir a transpiração escorrendo enquanto os olhos dele percorriam seu rosto enrubescido. — Sei que você gosta de arte. Apenas nunca me dera conta de que gostava disso na prática...

— Arte foi uma das áreas em que me destaquei. Junto com matemática, francês e física.

— Quer dizer que poderia ter sido um pintor?

— Não exatamente. — Gabriel deu um sorriso meio torto. — Tinha pouca criatividade que, combinada com matemática, e, mais tarde, com minha graduação em engenharia, provou ser bastante prática quando se tratava de projetar alguma coisa. Não havia lugar para ela no mundo dos negócios, mas acabou aflorando quando despedi Jones deste projeto.

Quando Rose acabou de comer, Gabriel fez o serviço, ordenando-lhe que ficasse sentada enquanto ele lavava os pratos e arrumava a cozinha. Afinal de contas, sublinhou, ela estava lá apenas por sua grande generosidade.

— Então tudo isso... é criação sua?

— A maior parte. O que acha?

— Bem, suponho que todo mundo tem que fazer alguma coisa em seu tempo livre — disse Rose prosaicamente, para não alimentar aquele ego já inflado.

— Fale-me disso.

Rose esqueceu que estava cansada, com calor e suada. Ouviu atentamente tudo o que ele dizia enquanto lavava os pratos. Quando Gabriel acabou de lhe preparar uma xícara de café com leite, ela partilhava o sonho dele por aquele projeto, a vontade de, com o tempo, vê-lo expandir-se e virar um condomínio em estilo campestre, que poderia acomodar todos os membros de sua extensa família. Ela quis perguntar-lhe se isso incluía sua própria família, seus filhos, mas não teve coragem.

— Amanhã será um dia longo — disse Gabriel em conclusão. — Se vier para cá, o furacão passará dentro das próximas 24 horas. Temos que dormir um pouco.

Rose se sentiu meio alquebrada ao levantar.

— Preciso tomar uma boa chuveirada. Está tudo devidamente instalado?

— Instalado e pronto para funcionar. Como disse, as interrupções foram irritantes e prolongadas, mas o essencial está feito, o que é uma bênção.

Ela trouxera toalha e sabonete, como ele aconselhara. E também uma certa quantidade de repelente para mosquito. Não havia camas, apenas colchões no chão, trazidos especialmente para eles. E ainda havia eletricidade, embora ele a tivesse prevenido de que não contasse mais com isso se o furacão passasse no dia seguinte.

O quarto para onde ele a levou era bastante adequado. Não havia móveis, mas era uma suíte grande e arejada, com um imenso banheiro. O piso era de madeira nobre, como o do resto das peças. As paredes estavam até mesmo pintadas, e havia venezianas nos janelões que se abriam diretamente para o pórtico externo.

— Quando esse lugar estiver pronto e funcionando, vou instalar aqui e ali algumas redes para que as pessoas possam relaxar protegidas do sol, mas ao ar fresco.

— Idéia sua?

— Com um empurrãozinho de minhas irmãs, que alegam precisar mais de relaxamento do que eu, porque têm filhos. — Ele andou até o banheiro e percorreu-o com os olhos. — Não há mosquiteiro — disse-lhe, recostando-se na parede — nem ar-condicionado, portanto, cuidado com os insetos. Você pode acender uma dessas espirais espanta-mosquito

— ele apontou para o chão do banheiro — mas sua eficácia é limitada. Aconselho você a dormir com as janelas fechadas, deixando apenas uma pequena fresta para que entre uma corrente de ar fresco. Pode deixar também a porta aberta. Você não vai morrer de calor, pois aqui costuma esfriar à noite. Vou levantar muito cedo amanhã e a acordarei. Provavelmente você ainda estará cansada, mas precisamos cuidar de pôr as coisas em segurança e nos preparar para o pior.

— Certo.

— Está com medo?

— De quê?

— Dos seres rastejantes? De passar a noite num lugar desconhecido? Da ameaça de um furacão?

Rose deu de ombros e sacudiu a cabeça. Nada era tão ameaçador quanto a presença daquele homem re-costado preguiçosamente na parede diante dela.

— Moça corajosa — murmurou Gabriel, com uma ponta de sarcasmo na voz.

— Nem toda mulher gosta do papel de donzela desvalida.

— A maior parte delas nunca tem que representá-lo — comentou ironicamente Gabriel. — Elas entram em pânico naturalmente ao pensar em insetos, tempestades e trovões. Bem... Boa noite. Se precisar de alguma coisa... estou no quarto ao lado...

— Obrigada, mas não será necessário.

Ela se assegurou de que a porta estava bem trancada, caso ele imaginasse que, no fundo, ela fosse mesmo uma donzela desvalida, que realmente precisasse dele para verificar se não estava encolhida entre os lençóis, com medo dos mosquitos. Suspeitava que ele estava se sentindo culpado por tê-la atraído até ali sob pretextos falsos, apesar de ter dito que ela deveria conhecer suficientemente a situação. A culpa bem poderia transformá-lo num cavalheiro.

Trancou também a porta do banheiro, embora seu banho tenha sido curto e frio. Pendurou a toalha molhada na janela do banheiro para que secasse naturalmente, porque os secadores de toalha ainda não tinham sido instalados, e o chão ficou molhado porque o boxe do chuveiro ainda não tinha porta.

Mas, por mais simples que fosse, o colchão era confortável e, através da janela aberta, os sons da vida noturna eram estranhamente soporíficos. Rose caiu rapidamente no sono. Mas acordou abruptamente, com a sensação aguda de que alguma coisa não estava certa. Levou alguns segundos para se orientar e dar sentido ao contexto. Foi aí que ela percebeu o que estava errado.

 

A calmaria a acordara. Os sons noturnos tinham cessado, sons aos quais a vida em Londres a acostumara. Sua ausência dava medo.

Ela se levantou, abriu as venezianas e a janela. O silêncio era profundo, o ar sem brisa. Amedrontada, Rose se perguntou o que deveria fazer. Acordar Gabriel? Ela não sabia nada sobre furacões. Estava assustada, mas esse silêncio bem podia ser característico dos trópicos. Sem parar para pensar no assunto, Rose enfiou uma calça jeans, permanecendo com a camiseta larga que usara para dormir. Parecia-lhe urgente ir até onde estava Gabriel, acordá-lo, mesmo que ele debochasse dela e a mandasse voltar para a cama.

Rose empurrou a porta. Gabriel dormia profundamente, espalhado no colchão. Esta seria a única vez em que o veria desprevenido. Assim, esqueceu o medo elementar que a tinha trazido até seu quarto e se aproximou dele na ponta dos pés. Rose umedeceu nervosamente os lábios, incapaz de se livrar do fascínio daquele corpo perfeito. Ele parecia muito moreno, em contraste com os lençóis brancos. O peito era largo e musculoso, recoberto de másculos pêlos negros. Decidiu que seria bobagem acordá-lo, o medo acabaria passando. Estava quase indo embora quando ouviu sua voz ligeiramente divertida.

— Já acabou de me admirar ou quer olhar mais um pouco?

Rose quase bateu os dentes, de tão chocada.

— Pensei que estivesse dormindo!

— Estava mesmo, até que você entrou. O que houve? — Ele se sentou, expondo outras partes de seu corpo.

— Sei que vai parecer meio estúpido mas eu... não consegui ouvir nenhum ruído e fiquei um pouco nervosa...

— O que quer dizer com não consegui ouvir nenhum ruído!

— Tudo está quieto demais lá fora. — Rose riu nervosamente. — Sei que você vai apenas me dizer que volte para a cama...

— O que vou lhe dizer é que vá tratando de olhar para outro lado, se não quiser ver mais de mim do que gostaria... — Ele jogou longe os lençóis e Rose deu um gritinho, ao notar que ele estava inteiramente nu.

Ele estava falando algo sobre furacões, mas tudo o que sua mente pôde captar foi que, a cerca de um metro e meio de distância, seu patrão sexy estava vestindo as calças enquanto ela, de costas para ele, tentava não pensar no que poderia ver se se virasse.

—... por isso, precisamos ir lá fora e controlar tudo. Você pode ficar aqui, mas dois pares de mãos e de olhos podem ser mais úteis do que apenas um...

Ela o encarou, preocupada.

— O que você quer dizer?

— Pensei que tivesse sido claro. — Gabriel ainda estava superando a sensação agradável e loucamente sexy de pegá-la a olhar para ele. E agora ela o fitava com aquele jeito bem feminino, de olhos arregalados, depois de lhe ter afirmado, na noite anterior, que não gostava do papel de donzela desvalida.

Tinham que verificar tudo enquanto era dia. Mas ele não podia deixar de observar que ela estava sem sutiã sob a camiseta frouxa.

— A calmaria antes da tempestade... — Ele se dirigiu para a porta e ela o seguiu, ainda mais amedrontada porque ele parecia realmente preocupado. Gabriel não era homem de ficar nervoso por qualquer coisa. Mas estava se movendo depressa, acendendo as luzes na casa, prevenindo-a de que poderiam ficar sem eletricidade dentro em pouco.

— Vamos percorrer juntos o lugar — disse-lhe, fazendo uma pausa quando chegaram do lado de fora, para julgar a gravidade da situação.

O tom de sua voz fez Rose estremecer e chegar mais perto dele.

O lado de fora estava quente, úmido e muito escuro. As luzes internas da casa iluminavam apenas uma pequena área na frente da porta principal, mas todo o resto estava escuro como breu. Rose nunca vira nada assim.

— Vai acontecer, não vai?

— Não precisa sussurrar. — À luz das duas tochas trazidas por ele, percorreram a casa e constataram, Para satisfação de Gabriel, que tudo estava como devia.

— Tudo bem. Vamos verificar a parte interna. Como não há linha telefônica, não podemos ver na Internet as previsões meteorológicas mais recentes, mas vamos encher alguns baldes de água e cobri-los, para nos lavarmos amanhã cedo. Vamos também começar a acender algumas lâmpadas a óleo e velas, mas evite acender velas onde haja risco de incêndio. Acha que pode fazer isso?

Rose se indagou o que ele diria caso ela dissesse não. Ele não a tinha trazido para cá para tomar conta dela. Antes de mais nada, ela era sua secretária muito prática!

— Acho que sim — afirmou.

— Boa menina.

Mal tinham chegado às portas da frente quando a ameaçadora calmaria foi quebrada por um raio, imediatamente acompanhado pelo ruído ensurdecedor de um trovão. Seguiu-se um som ameaçador que ficava cada vez mais alto enquanto eles corriam para casa, evitando os restos de construção que estavam no caminho.

— Chuva! — gritou Gabriel, exatamente na hora em que uma pancada raivosa de água caiu sobre eles, acompanhada pelos uivos dos ventos que se aceleravam.

Rose nunca tinha vivido nada semelhante. Em trinta segundos, ela ficou ensopada, tendo que lutar para não ser levada para trás. Podia ver as palmeiras se curvando, como se uma força poderosa tentasse arrancá-las do solo.

Tão logo se sentiram em segurança dentro de casa, Gabriel começou a se mover rápida e objetivamente, sabendo exatamente onde procurar as lâmpadas a óleo. Obviamente, tinha pensado em tudo e dado instruções detalhadas ao gerente antes de viajar.

— Sei que deve estar se sentindo desconfortável nessas roupas molhadas, mas vamos primeiro arrumar as lâmpadas aqui e depois vamos ambos trocar de roupa.

Mesmo com a atenção concentrada em outra parte, Rose tinha a perfeita consciência de que a camiseta molhada aderia a seu corpo mostrando os seios, não deixando nada à imaginação. Disfarçadamente, tentou fazer com que ficasse mais conveniente, mas foi inútil. Ela não podia escapar para mudar de roupa, porque a situação de emergência que estavam enfrentando requeria todas as forças disponíveis.

Do lado de fora vinha o som aterrador dos fortes ventos sacudindo as paredes e os ruídos distantes de objetos sendo levados pelo ar.

Ela estava começando a sentir frio nas roupas molhadas e tinha que fazer um grande esforço para que seus dentes não batessem. Num golpe de sorte, tinham acabado de acender a última das quatro lâmpadas a óleo quando faltou eletricidade, deixando-os na mais total escuridão, não fosse sua débil luz.

— Tudo bem. — Gabriel lhe estendeu duas das lâmpadas. — Pelo menos acendemos estas e há velas nos quartos, mas, por enquanto, estas são suficientes. Você está bem?

Não.

— Estou. Sou uma especialista em situações de crise como esta!

Apesar da escuridão, ela soube que Gabriel sorrira.

— Quando não resta mais nada, o senso de humor é tudo de que se precisa para ir em frente. Mantenha-o!

— Vou tentar, mas nunca tive alma de mascote. Eles se encontravam de volta no quarto dela.

— Você precisa mudar de roupa e depois vamos dormir no mesmo quarto. Só por precaução.

— Precaução contra o quê?

— Caso esse mau tempo piore ainda mais. Um furacão forte pode até levantar o teto de uma casa, embora não creia que corramos esse risco aqui. Mas é melhor prevenir do que remediar. Se a situação piorar, não quero ter ainda que sair procurando você.

Rose concordou. Tudo o que não queria era ficar sozinha naquela hora.

— Venho ficar junto com você daqui a um minuto, assim que tiver trocado de roupa.

Rapidamente, ela vestiu a outra calça jeans que trouxera e uma camiseta de algodão, por cima de um sutiã; depois estendeu cuidadosamente no chão suas roupas molhadas para que secassem.

O vento penetrava por todo tipo de frestas com um barulho incrível. Ela temia que pudesse arrancar as paredes e levá-la pelos ares, mas claro que isso não ia acontecer. Ainda assim, era um alívio estar batendo à porta do quarto de Gabriel, prevenindo-o de que ia entrar, aliviada ao ver que ele também já trocara de roupa, uma bermuda e uma camiseta.

— Você vai ficar confortável tentando dormir com essa roupa?

— Vou ficar bem. Vamos buscar meu colchão?

— Só um minutinho.

Um minuto depois, ele estava de volta, trazendo o colchão dela e colocando-o ao lado do seu. De repente, a presença confortadora de outro corpo a seu lado, quando o mundo inteiro parecia ter enlouquecido lá fora, não lhe parecia uma idéia tão boa.

— Você está meio verde — disse Gabriel. — Não fique preocupada. O prédio não vai cair em volta de nós. Verifiquei tudo, desde as fundações até as paredes, e conheço um bocado sobre estruturas de construções.

Rose ficou satisfeita que ele interpretasse sua aparência doentia de maneira errada. Ela se sentiu também muito aliviada pelo fato de que a única luz daquele quarto viesse de duas lâmpadas a óleo, porque as duas outras, diminuídas ao máximo, tinham sido postas no banheiro.

— Você quer comer alguma coisa? — perguntou ele, interrompendo o curso desastroso de seu pensamento. Ela balançou a cabeça.

— Certo. De qualquer forma, precisa beber alguma coisa. Espere aqui.

Ele nem lhe deu tempo de argumentar. Ela podia sentir a exaustão invadir seu corpo, mas a ansiedade de ter que deitar ao lado dele prometia mantê-la de olhos abertos pelo resto da noite. Não podia imaginar melhor momento para um ou dois copos da bebida 4ue ele fosse capaz de desencavar.

Ele trouxera rum da Jamaica e soda, cujas reservas pareciam ser copiosas. Ele tinha trazido uma garrafa de rum, seis pequenas garrafas plásticas de soda e dois copos.

O gosto era fantástico. Ela bebeu rapidamente o primeiro, sentindo seus efeitos quase imediatamente. Seus nervos começaram a se acalmar. Depois do segundo drinque, ela se sentiu bem de estar sentada no colchão diante dele, conversando sobre as experiências de ambos com relação a mau tempo. O dilúvio batendo nas paredes e no telhado e o barulho zangado do vento que soprava na costa ficavam muito mais fáceis de suportar depois de algumas doses de álcool. Finalmente, Rose bocejou.

— Está com sono?

— De repente.

— Você nunca vai conseguir dormir nessas calças, sabe? Quando conciliar o sono, vai acordar de novo porque vai sentir muito calor. — Ele diminuiu tanto a luz que o quarto ficou mergulhado numa quase escuridão. Ele se cobrira com seus próprios lençóis e Rose se sentiu bem abrigada, em segurança. — Você vai perceber também que são muito apertadas para que você respire à vontade, e amanhã vai se sentir fora de forma porque passou uma noite mal dormida — bocejou com prazer, dando as costas para ela, deixando-a refletir sobre seu conselho.

Ela esperou alguns minutos, pensando que, como ele dissera, as calças jeans eram mesmo muito apertadas. Sentiu-se também meio ridícula por estar querendo dormir inteiramente vestida. Era psicológico, claro, mas uma vez que metera na cabeça que se sentia desconfortável, não podia se livrar da idéia de que não pregaria o olho a menos que as despisse. E assim ela o fez, da maneira mais discreta que pôde, decidindo tirar também o sutiã, com um suspiro de alívio. Colocou ambas as coisas ao lado do colchão, para poder apanhá-las com facilidade se necessitasse.

Gabriel já estava dormindo. Ela podia observar o rítmico abaixar e levantar de seus ombros, e as pálpebras dela também começaram a ficar pesadas. O álcool agia nela como um anestésico. Podia sentir fisicamente como a fazia ir caindo no sono e, de repente, apagou.

A paz durou cerca de uma hora e meia, quando sentiu necessidade de ir ao banheiro. O vento ainda estava uivando furiosamente, mas Rose preferiu ir até o banheiro apenas à luz das lâmpadas que tinham sido colocadas lá. Mas seus olhos caíram sobre a única coisa que preferiria não ver: bem ali, em cima da porta, havia algo vivo do tamanho de um pires. Estava imóvel, mas era vivo e cabeludo. Seu coração batia mais alto do que o som da tempestade lá fora. Será que aranhas podiam sentir o cheiro do medo? Como os tubarões? — perguntou-se.

Na volta, andou na ponta dos pés até a porta com um olho na aranha, outro no caminho pelo qual ia fugir, abriu a porta e literalmente se atirou no colchão, colidindo com Gabriel que acordou de repente, alerta como um gato.

— Que diabos está acontecendo?

— Há uma tarântula no banheiro! — Ambos falaram ao mesmo tempo, mas ela gritou bem mais alto do que ele. — Levante-se! — pediu freneticamente. — Você tem que ir matá-la! Já!

— Você quer dizer, antes que ela nos mate?

— Não tem a menor graça, Gabriel! — Rose estava a ponto de desatar em lágrimas. — Eu realmente... morro de medo de aranhas. — Ela a imaginou arrastando-se para fora do banheiro, correndo até chegar ao seu colchão e começou a suar frio.

— Tudo bem, espere aqui. — Ele se levantou, olhou em volta em busca de alguma coisa, pegou um dos copos e desapareceu no banheiro, tendo o cuidado de fechar a porta atrás de si. Em sua ausência, Rose se embrulhou o mais possível nos lençóis, tentando não pensar que criaturas pequenas e peludas poderiam entrar sob eles.

Onde estava agora a secretária calma e prática?, grunhiu para si mesma. Quando ele saiu do banheiro com um sorriso, mal pôde olhar para ele.

— Onde está ela? — perguntou Rose numa voz tímida. — Sinto muito. Não estou servindo para grande coisa, não é mesmo?

Gabriel se deitou, virando-se para olhar para ela.

— Joguei-a pela janela. Ela tinha mais medo de mim do que eu dela. — Tirou os cabelos do rosto de Rose, que não ficou tensa, como aconteceria normalmente. — Sei que não gosta desse papel de donzela desvalida, mas não precisa pedir desculpas por ter medo de uma aranha. A maior parte das pessoas tem medo delas.

— Menos você.

— Eu não tenho medo de nada.

Isso lhe arrancou um sorriso e ela disse suavemente.

— Mas não é por isso que estou aqui. Para ser um peso que necessita ser cuidada, com medo de aranhas, com medo do trovão e dos raios. Receio não estar funcionando adequadamente neste momento.

— Talvez você esteja com saudades de casa. — Gabriel nunca tivera tanta consciência de uma mulher como naquele momento. Se ela se aproximasse mais alguns centímetros, ele explodiria. — Ou talvez esteja sentindo falta do... como é mesmo o nome dele?

— Ele se surpreendeu ao ver que aquele cara, cujo nome nem sabia, tinha estado presente em sua cabeça.

— Você chegou a me dizer o nome dele? Ah, sim, é Joe. Talvez você esteja sentindo falta do Joe. A paixão provoca coisas estranhas no coração de uma mulher.

Em segurança naquele casulo, protegida contra os ventos violentos e a chuva barulhenta, a menção a Joe trouxe Rose à realidade. Ela esquecera inteiramente o simpático Joe, seu passaporte para superar seus sentimentos pelo inconveniente Gabriel Gessi. Ela se afastou, horrorizada por estar naquela posição comprometedora.

— Será que provoca mesmo? Sim, suponho que sim.

Não era a resposta que Gabriel esperava. Naquele momento, ele estava a ponto de admitir para si mesmo que queria aquela mulher, por razões que escapavam à sua compreensão.

— O que quer dizer isso? — disse ele, quase sem querer.

— Quer dizer que essa conversa é bastante inconveniente.

— Nada do que está acontecendo aqui e agora é conveniente, não percebeu? Estamos no meio do nada, com um furacão soprando lá fora, dividindo um colchão no chão e, ainda por cima, eu e você estamos quase nus.

— Eu.... eu...

— Sim? — disse suavemente Gabriel. — Você... quer discordar de algo que eu disse?

—Acho que a gente não devia estar tendo essa conversa! — Rose ouviu o pânico em sua voz, perguntando-se se ele o teria notado também.

— Por quê? Podíamos conversar sobre o trabalho, mas... não creio que as circunstâncias sejam apropriadas para isso tampouco.

— Devíamos ir dormir. Amanhã será um longo dia, com muita coisa para fazer.

— Eu estava dormindo quando você pulou em cima de mim.

— Mas eu tinha uma razão!

— Agora que estou inteiramente acordado e você também, vamos discutir esse súbito amor que você acha que descobriu. Engraçado, aconteceu tão de repente!

— Estou curiosa para saber por que você está tão intrigado. — O desespero começara a se misturar ao pânico, mas voltar para seu próprio quarto era impensável, depois do episódio da tarântula.

— Porque é incongruente — disse-lhe Gabriel. — E tudo que é incongruente não pode estar direito.

— Você acha que me conhece, mas não é verdade

— murmurou Rose, pensando que ele ignorava tudo o que ela sentia por ele.

— Você quer dizer que sempre foi para a cama com homens que tinha acabado de conhecer?

— Não fui para a cama com ninguém! — objetou Rose, e, ao ver seu sorriso satisfeito, lamentou ter dito a verdade.

— Bem, isso é mais condizente com a minha Rose.

— Gabriel sabia que as mulheres detestam ser estereotipadas. Rose era mais inteligente, mais engraçada e muito mais atenta do que as mulheres que namorara no passado, mas ainda assim era mulher. Uma mulher que ele queria cada vez mais. Tudo que lhe dizia respeito o tinha afetado recentemente, e estar deitado no mesmo colchão, em condições bastante estranhas, não fazia com que essa atração diminuísse.

Todos os seus instintos primitivos afloravam. Ele nunca sentira nada igual. Seu desejo de tê-la para si aqui e agora era extremamente poderoso. Acostumado a controlar seus sentimentos, aquela sensação de estar sendo levado numa montanha-russa de desejo era estranhamente erótica.

— Acha que sou insípida? — cortou Rose.

— De forma alguma.

— Não dormi com Joe porque ainda estamos nos conhecendo. — Ficou se perguntando como é que essa situação e a necessidade de reprimir sua excitação se encaixariam nos planos de tentar encontrar

alguém mais saudável para namorar. Como poderia avançar numa relação com outro homem se seu corpo ainda reagia de maneira tão obstinada e frenética a seu patrão? — Não acredito em apressar as coisas. Não se esperamos que sejam duradouras.

— E você pensa que uma relação com um homem com quem falou apenas algumas vezes vai durar!

— Por que não? — disse Rose, na defensiva. Era-lhe muito difícil desviar os olhos dele e o jeito lento e macio de sua voz parecia anular o caos do tempo lá fora.

— Todas as relações têm que começar por alguma coisa — murmurou ela, virando-se abruptamente no colchão e olhando para o teto. Ele não tinha encostado um dedo nela, mas seu corpo reagia à sua proximidade como se tivesse uma inteligência autônoma. A dor nos seios e a umidade entre as pernas a lembravam de maneira vergonhosa sua atração por ele.

— Nunca ouvi palavras mais verdadeiras — murmurou Gabriel.

O toque macio e suave de um dedo em seu braço fez com que se virasse para ele.

— O que é que você está fazendo? — grunhiu ela.

— Tocando em você. Gosta?

— Não. — Rose se sentiu a ponto de desmaiar.

— Gosta sim. — A voz de Gabriel era macia como seda. — Toda relação tem que começar por alguma coisa. Você tem a mais absoluta razão.

— Não sei o que está querendo dizer, Gabriel. — Suas palavras foram enfatizadas pelo som das venezianas sacudidas pelo forte vento que tentava penetrar na casa. Gabriel se levantou, lutando para colocá-las no lugar. Quando terminou, dirigiu-se para onde ela estava, meio sentada no colchão.

—Vou verificar o resto da casa — disse-lhe. — Certificar-me de que tudo está o mais seguro possível.

— Vou com você.

— Não.

— Mas...

— Você não vai ajudar, se qualquer coisa tiver que ser posta em segurança. Não sou nenhum chauvinista, mas tenho que reconhecer que sou mais eficiente no que diz respeito à força bruta. — E, além disso, pensou consigo mesmo, não queria vê-la assumir de novo a função de secretária. Não queria que ela enfiasse os jeans e recuperasse a consciência. Ele a queria quente, inocente, deitada ao lado dele. Ele a queria...

Seu corpo respondeu ao pensamento do que ele realmente desejava.

— Voltarei em meia hora. Fique aqui.

Certo, pensou Rose, tão logo ele deixou o quarto. Tempo de pensar, de pôr a cabeça para funcionar. Vou me vestir. Talvez até levar o colchão de volta para meu quarto.

Ela podia ter medo de tarântulas errantes, mas muito mais apavorante era a idéia de ver Gabriel voltar, tocá-la de novo, falando naquele tom velado, que fazia picadinho de suas boas intenções.

Gemeu docemente e sua mão moveu-se em direção a calcinha de algodão, inteiramente molhada. Ele não fizera mais do que falar com ela, mas só isso deixara

seu corpo palpitante e em chamas. Bastaria tocar ali e ela sabia que enlouqueceria de prazer.

Não!

Antes que ficasse pensando no calor que percorria seu corpo e em seu próprio desejo de tê-lo ali, saciando-o com seu toque, ela pulou do colchão e começou a puxá-lo em direção à porta. Era bastante pesado e desajeitado. Parecera leve quando Gabriel o puxara mas, como ele mesmo dissera, tinha jeito para as tarefas pesadas.

Ela estava de costas para a porta, tentando desesperadamente agarrá-lo de jeito que lhe permitisse puxá-lo melhor quando ouviu a voz dele e quase pulou de susto.

— Mas o que é que você está fazendo? Rose piscou de surpresa.

— Pensei que fosse demorar pelo menos meia hora. Para ver se tudo estava bem sólido. — Ela ainda segurava uma ponta do colchão e notou que o corpo dele estava úmido e seus cabelos negros brilhavam, provavelmente da chuva que penetrara em algum quarto.

— Tudo está bem firme. O que é que você está fazendo?

— Estou voltando para meu quarto — gaguejou Rose. —Acho que é melhor assim.

— Posso perguntar por quê?

Rose deixou cair o colchão, que bateu em sua perna, fazendo-a tropeçar. A menos que descobrisse de repente o segredo do deslocamento da matéria, ela não poderia deixar aquele quarto enquanto Gabriel ficasse parado em frente da porta com os braços cruzados.

— Porque essa situação parece ter escapado um pouco ao meu controle. — Rose buscou falar com a voz firme de costume, mas não lhe foi possível. Em seu lugar, saiu uma voz nervosa e pouco segura, e seus olhos se desviaram.

— Não vim para cá... para... porque... — Ela hesitou e pigarreou. — Esse tempo está fazendo com que nos comportemos de maneira incongruente.

— O tempo não tem nada a ver com isso — disse Gabriel, indiferente. — E estamos ambos nos comportando de maneira perfeitamente adequada...

— Não sei o que quer dizer — disse Rose, sem convicção.

— Pode correr de volta para o quarto se quiser, Rose. Não vou ficar em seu caminho, mas não se engane — nós desejamos um ao outro. Não adianta fingir que você tem o homem perfeito de reserva. Ele pode ser perfeito, mas não é perfeito para você, ou seu corpo não vibraria dessa forma quando eu toco você.

— Como é que você se atreve!? — disse Rose debilmente. — Isso não é verdade...

— Não? Então você não se incomodaria se eu testasse isso?

A mente de Rose gritou um frenético Sim! sim! Eu me incomodaria!, mas, quando abriu a boca, não conseguiu emitir uma só palavra. Pior, suas pálpebras bateram e, quando sua boca tocou a dela, cada osso de seu corpo se liquefez. Talvez por isso tenha se encontrado de repente apertada contra ele, as mãos em torno de seu pescoço, puxando sua cabeça para baixo enquanto ela retribuía seu beijo de modo ávido..

Nada a tinha preparado para isso. Aquele primeiro beijo tinha sido uma amostra, mas esse era de verdade. Ele tinha dito que a desejava e aquele beijo o estava mostrando.

A língua dele invadiu sua boca ansiosa e sua mão apertou-lhe a cintura, pressionando-a contra ele a ponto de sentir a rigidez de sua excitação.

Rose emitiu um lamento, mas, quando ele se afastou um pouco, ela se queixou, querendo-o mais perto de novo.

— Ainda quer voltar para o seu quarto? — murmurou Gabriel. — Porque se quiser, tem que me dizer agorinha mesmo, e levarei o colchão para você. Mas se ficar... — Rose sabia exatamente o que aquela frase inacabada queria dizer. Se ficasse, não havia volta possível. Eles fariam amor e azar para o que pudesse acontecer depois, azar para a realidade que os esperava logo ali na esquina. Ele estava lhe dando a oportunidade de mudar de idéia.

— E... amanhã? — Ela tinha que perguntar aquilo e ele entendeu perfeitamente, sabendo que amanhã não significava literalmente o dia seguinte.

— Para mim, o amanhã é uma incógnita. Mas não agora. Planejar indefinidamente o amanhã dilui a oportunidade de desfrutar do hoje. Eu penso assim. Você tem que decidir agora, Rose.

Rose sabia que o conhecia bem demais para fingir não entender o sentido de suas palavras. Estava lhe dizendo para ceder à luxúria e aproveitar o momento, pois nada mais viria de sua parte, ou abandonar a brincadeira enquanto ele lhe permitia.

Rose sorriu com pesar:

— Mas sempre vou botar a culpa disso no tempo — murmurou, acariciando o rosto dele com a palma da mão.

 

O tempo estava tão violento que era como se uma terceira guerra mundial estivesse acontecendo lá fora, mas Rose nem tinha consciência disso. Gabriel encostou de novo os colchões e voltou-se para ela.

— Não tire as roupas, quero despi-la eu mesmo. Tenho essa fantasia há muito tempo.

— Tem mesmo? — Ela jamais pensara poder escutar essa observação sexy da boca de Gabriel, há anos objeto de suas próprias fantasias.

— Se tenho — murmurou ele. — Você não tem idéia de como seus terninhos abotoados até em cima podiam ser eróticos. — Ele começou a tirar muito lentamente sua camiseta, saboreando cada instante da progressiva nudez. O ventre liso, de pele doce e sedosa; os seios, plenos, de formas perfeitas, com grandes mamilos cor-de-rosa pedindo para serem sugados.

Ele a imaginou sentada a sua frente no escritório, pernas cruzadas, bloco nos joelhos, a síntese da eficiência sensata, comparando-a com a mulher que tinha diante de si, semidespida, gemendo quando tomou seus seios entre suas mãos... Teve que se controlar para ir mais devagar.

Ele a levou para a cama improvisada, desejando poder fazer amor com ela na cama king size de sua casa. Mas havia muitos outros lugares em que gosta-

ria de fazer amor com ela, de forma que dois colchões no chão também podiam servir.

A tempestade do lado de fora emprestava uma certa tensão ao ambiente.

Ele começou a se despir quando ela já estava deitada, olhando-o. Nunca fora esse tipo de homem que se vangloriava da aparência, mas era incrivelmente excitante fazer esse striptease improvisado diante dela.

Ele adorava suas calcinhas de algodão branco, muito mais do que as de renda, que deixavam muito pouca coisa à imaginação. Deitou-se lentamente sobre ela, querendo fazer amor bem devagar, para saborear cada minuto. Começaria com sua boca carnuda e convidativa. Ele cuidaria mais tarde daqueles seios macios. A expectativa era quase dolorosa.

Tê-lo deitado sobre ela, sentir a rigidez de seu corpo contra suas coxas... Rose não tinha dúvidas de que estava fazendo a coisa certa. O passar dos anos tinha transformado sua paixão em algo muito profundo e, mesmo que aquilo não fosse para ele senão um ato físico, para ela era tudo. Gemeu docemente à medida que sua boca percorria, com suaves beijinhos, a distância entre seu pescoço e os ombros. Quando atingiu seus seios, ela mudou de posição, e só então suspirou em êxtase quando ele tomou entre os lábios um mamilo ereto, começando a sugá-lo.

A tempestade dentro dela chegara ao ápice. O barulho selvagem da chuva e do vento não impediam que ela se ouvisse gemendo enquanto se contorcia sob sua boca gulosa.

Ele não tinha pressa. Parecia querer se demorar para sempre em seus seios. Rose sempre sentira vergonha de seu corpo, os seios eram muito grandes. Nunca se recuperara totalmente da vergonha de ter sido a primeira da classe a ver despontar os seios, de tamanho considerável. Tinha engordado para camuflá-los um pouco. O excesso de peso tinha, por sua vez, feito com que sentisse vergonha diante dos homens, e nunca tinha apreciado o sexo com qualquer dos dois parceiros que tivera anteriormente.

Estava recuperando o tempo perdido. Não sentia vergonha ou reserva enquanto Gabriel continuava concentrado em seus seios. Quando ele ergueu a cabeça e lhe disse que seus seios eram os mais lindos que tinha visto, sentiu-se louca de prazer.

— Mamilos fantásticos — murmurou ele. — Podia sugá-los para sempre. Você gostou?

Rose acenou que sim. Ele murmurou em seu ouvido:

— Então por que é que não me diz ...?

— Eu disse. Gostei, você sabe que sim.

— Será que sei mesmo?

— Deveria... Se ainda tem dúvidas... adorei que lambesse os bicos dos meus seios, brincando com eles com sua língua...

— Ótimo.

Rose sentiu seu riso contra o pescoço.

— Quero que você continue a dizer essas coisas eróticas para mim enquanto exploro um pouco mais seu corpo...

Dito e feito. Massageou os seios, sentindo seu peso nas mãos. As mulheres tendiam a ser tão esqueléticas! Apesar de ter emagrecido, Rose ainda tinha curvas. Ele agarrou a ponta de um mamilo entre os dentes, fazendo com que Rose soltasse um gritinho e sentiu-a ofegar quando rodeou seu umbigo com a língua.

Ele colocou as duas mãos em seus quadris e enfiou a cabeça na calcinha de algodão, respirando o doce odor almiscarado de sua feminilidade. Rose o agarrou pelos cabelos, puxando-os até que olhasse para ela.

— Não, não...

— Você nunca fez...? Prometo que não farei nada que você não curta...

Gabriel se esforçou para se concentrar. Estava tão perto do limite que teve que fazer uma pausa de alguns segundos para se controlar. Ele olhou de relance para ela: suas costas estavam arqueadas, a cabeça jogada para trás, os seios ofegantes. Estava à beira do orgasmo. Tudo o que tinha que fazer era possuí-la e ambos chegariam ao clímax juntos. Mas ainda não queria fazer isso, ainda não.

Ele puxou a calcinha para o lado e respirou sobre os pêlos finos e macios de Rose. Quando passou a língua sobre a fenda úmida, ela se contorceu e depois avançou com os quadris, oferecendo-se à sua boca ansiosa.

Gabriel lhe tirou a calcinha. Agora ambos estavam inteiramente nus, carne contra carne. Ele apoiou suas pernas sobre os ombros e, sob o barulho da chuva e do vento, levou-a até onde nunca suspeitara ser possível.

Sua língua invasora desencadeou nela um êxtase selvagem. Rose arquejou e gemeu e teria gozado ali mesmo, contra sua boca, se ele não tivesse recuado, sentindo a fragilidade do momento, penetrando-a imediatamente. Ambos não demoraram muito a gozar. Rose permaneceu encaixada nele e suspirou.

— É minha imaginação ou parece que a tempestade está amainando?

— Isso é tudo o que você tem a dizer, minha querida?

Ele a chamara mesmo de minha querida? Será que falava assim quando acabava de fazer amor com todas as mulheres?

— O que você queria que eu dissesse? — provocou ela, colando-se contra ele. Mesmo depois do amor, ainda podia sentir a rigidez de sua excitação, o que lhe dava um senso de poder intoxicante. Incrível o que podia fazer com ele!

— Você poderia ter-me dito que a terra tinha se movido...

— Não... não creio que fosse moralmente responsável fazer um comentário que pudesse contribuir para inflar ainda mais o seu ego... — Gabriel riu baixinho, seus lábios acariciaram os dela.

— Então me diga se ainda está interessada naquele... como é mesmo que ele se chama?

Rose ficou imóvel.

— É por isso que... você... porque você queria provar que eu o achava mais atraente?

— Que tipo de homem você pensa que sou? — Perguntou Gabriel. — Nunca dormiria com você apenas para mostrar que estou certo. Mas não quero que você acorde de manhã e diga que vai ter que fingir que tudo isso nunca aconteceu, para poder fingir que está interessada em alguém para quem você visivelmente não dá muita bola.

— Mas gosto muito do Joe. — No entanto, era cada vez mais difícil até mesmo se lembrar de como ele era. O charme infantil de seus cabelos louros e dos olhos azuis tinham sido completamente esquecidos por causa de um homem charmoso, com diabólicos encantos morenos.

— Mas você não se sente atraída por ele. Pode ser conveniente levar as coisas na maciota, mas... é característico da atração física ser rápida e violenta! — disse ele, com um sorriso meio de lado.

Rose não tinha como discordar dele.

— Nem sempre é conveniente que as coisas aconteçam rápida e violentamente — disse ela.

— Mas é muito mais divertido. — Gabriel acariciou sua coxa e agarrou sua feminilidade com um gesto quase de proprietário... e extremamente prazeroso, por mais que lhe custasse admitir.

— Quero que você reconheça isso porque egoisticamente pretendo que continuemos a desfrutar disso tudo...

Por quanto tempo?

O patrão é você.

— Então posso dizer a você o que tem que fazer... humm?

Rose não resistiu. Seus lábios se contraíram.

— Apenas quando tem a ver com o trabalho — respondeu com voz grave.

— Então se lhe disser que vamos transar de novo...?

— Posso concordar ou não... — Mas os dedos dele já tinham começado a explorar de novo seu corpo, fazendo com que seus pensamentos se dissipassem por completo.

Ela pegou o membro ereto entre os dedos, massageando-o sensualmente, apertando-o contra ela.

— E que tal se eu disser a você que nós vamos transar agora de novo...? — disse Rose maliciosamente. — Você está preparado para que a situação se inverta?

— Claro que sim, mais do que preparado para aceitar ordens de uma mulher. Sou feminista...

Mais tarde, depois de fazer amor longa e lentamente, adormeceram. Quando Rose abriu os olhos e se espreguiçou, descobriu que Gabriel não estava mais na cama, e que o sol penetrava através das venezianas de madeira.

Ela ficou recostada alguns segundos, saboreando as lembranças da noite passada. Correu ao banheiro para mudar de roupa. Queria evitar que Gabriel voltasse, possivelmente lamentando as ações da noite anterior, e a encontrasse sonhadoramente esperando sua volta. Vestiu rapidamente uma minissaia de seda que comprara na Austrália e uma camiseta azul. Sem saber o nível de destruição que encontraria do lado de fora, preferiu usar as sandálias de dedo com que viajara.

Ela se encaminhou para a porta da frente, e a casa lhe pareceu intacta. Havia alguns destroços, mas não parecia haver danos estruturais. O cenário era inteiramente diferente quando se aventurou para fora da casa. Jamais havia testemunhado em primeira mão o grau de destruição que podia acarretar uma tempestade daquelas: árvores desenraizadas, ramos jogados a distância, material de construção espalhado pelos quatro cantos da ilha. Parecia incrível ver o sol brilhando agora e o mar azul e calmo. Podia supor que a praia estava tão coberta de detritos quanto os jardins.

Olhando à esquerda, localizou Gabriel, absorto numa conversa com dois habitantes locais, rindo e gesticulando. De bermuda e camiseta, parecia informal, descontraído, mas totalmente senhor da situação. Ela respirou profundamente e dirigiu-se para onde eles estavam, parecendo estar explorando o horizonte.

Não podia esquecer que seu papel na ilha era de natureza prática, ainda que este papel tivesse ficado um tanto indefinido após a última noite. Também não podia esquecer que, para Gabriel, o sexo não indicava que as coisas tivessem importância, pelo menos não no sentido que ela atribuía à palavra importância. Podia ser que não quisesse nem se lembrar do que acontecera entre eles na noite anterior e, ainda que quisesse, não esperava que sua atitude com relação a ele tivesse se alterado.

Rose queria estar preparada para qualquer eventualidade e se comportar como adulta. Dormira com seu Patrão mas não ia permitir que isso afetasse sua razão.

Ela se aproximou, escondendo a ansiedade sob um sorriso simpático.

Quanto viu Gabriel retribuir o sorriso, soube que, pelo menos, não ia olhar para ela com repulsa pelo comportamento da noite anterior. Quando pôs a mão sobre seu ombro, Rose teve que se esforçar para não atribuir a isso um grande significado; tratava-se apenas de um homem satisfeito que previa que suas necessidades continuariam a ser satisfeitas. Mas, depois de algum tempo, parecia-lhe natural estar colada a ele. E só então começou a prestar atenção à conversa.

Por mais terrível que aquela destruição pudesse lhe parecer, a ilha tinha sido atingida apenas pelo rabo do furacão. Seu poder devastador se dirigira às praias americanas. A pequena ilha não chegara a sofrer uma verdadeira devastação: a única estrada principal e suas poucas tributárias estavam intactas, assim como os prédios. A eletricidade seria normalmente restabelecida no decorrer da manhã, e o programa de limpeza levaria apenas alguns dias. A limpeza dos jardins seria feita rapidamente. A maioria dos operários estaria de volta na manhã seguinte e colocaria tudo em ordem.

As previsões de Wilson, o intendente, eram perfeitamente otimistas no que dizia respeito à finalização do projeto. Na ausência do intendente, eles poderiam tratar do pouco que restava a ser feito. Estaria tudo pronto na época do Natal, e eles poderiam voltar para passar os feriados ali, desfrutando do sol. Rose pensou que as chances de que os dois ainda estivessem juntos no Natal eram inimagináveis.

Rose estava começando a sentir calor e muita fome. Eram quase 11h e tinham ido dormir de madrugada. Só Deus sabia a que horas Gabriel tinha se levantado!

— Desculpe-me por ter acordado tão tarde — foi a primeira coisa que lhe disse, para que ele não pensasse que ela já estava tomando liberdades por terem dormido juntos. — Você devia ter me acordado.

— Você está muito sexy — disse Gabriel, fazendo-a virar de frente para ele e apertando-a contra si. — Trouxe essa saia pensando em me provocar?

— É claro que não. — Mas quase não teve tempo de protestar, pois ele pressionou sua boca sobre a dela e seu corpo reagiu automaticamente. Ela lhe devolveu o beijo avidamente. A mão dele tocou levemente seu seio por sob a camiseta.

— Você botou um sutiã — murmurou em seu ouvido. — Não gosto disso. Com esse calor, restringir a circulação do sangue pode ser extremamente perigoso.

Rose riu veladamente.

— Você recomendaria que eu o tirasse?

— Sem hesitação. Imediatamente, na verdade.

Rose olhou em volta. Ser sexy e ousada entre as paredes do quarto, à noite, era uma coisa, mas no meio do dia, em presença de espectadores...

— Não há ninguém aqui — disse Gabriel, colocando ambas as mãos em suas nádegas e apertando-a contra ele. — Você poderia estar em trajes de Eva, livre de olhos indiscretos.

E Wilson e aquele outro cara?

— Foram embora. Todos os outros estarão muito ocupados limpando os estragos da tempestade e aposentaram seus binóculos. — Ele desatou seu sutiã com eficiência e riu maliciosamente, quando notou sua expressão chocada. — Você nunca fez isso, não é mesmo, Rose?

— Não tenho muita oportunidade de me despir n meu quintal — disse ela — a menos que queira um platéia.

— Você nunca transou num lugar público?

— Não!

— Feche os olhos e deixe-se levar... Foi o que ela fez. Era fantástico sentir o calor do sol sobre a pele nua. Gabriel inspirou fundo ao ver, subitamente, aqueles seios abundantes. Ele tinha um milhão de coisas para fazer: tinha que ir à cidade, ver se achava um telefone que os pudesse ligar com o mundo exterior para começar a trabalhar. A vida em Londres não tinha parado por causa de uma tempestade numa ilha perdida no meio do Atlântico. Tinha também que pensar em verificar que danos haviam sido causados no interior da casa, ver o que podia ou não ser coberto pelo seguro e tomar as providências necessárias.

Por outro lado... poderia, como aconselhara a Rose, abandonar-se e deixar-se levar... Que mal haveria em vagabundear um dia ou dois, quando tinha tais delícias ao alcance da mão? A tentação era forte demais...

— Se quiser curtir o sol, tem que usar protetor solar. — Os seios nus faziam seu corpo estremecer de desejo. — Vamos dar uma olhadinha nos arredores para ver os prejuízos, depois poderemos fazer um piquenique na praia? Para verificar os danos que houve por lá? Hummm? — Gabriel apertou os rijos bicos do seio e Rose sentiu sua respiração se interromper.

— Boa idéia! — gemeu.

— Vou tirar minha camisa, para fazer companhia a você. Nós dois vamos precisar daquele protetor solar...

Aquela viagem estava se tornando uma experiência maravilhosa, surrealista. Jamais sonhara ver Gabriel espalhar protetor solar em seus seios nus. Pela primeira vez na vida, estava vivendo o momento presente e gozando cada minuto.

Os arredores não tinham sido excessivamente danificados pelo vento. Gabriel mostrou-lhe o que restava a ser feito e contou-lhe seus planos para aquele lugar, mostrando o que queria fazer, onde e por que, perguntando sua opinião sobre isto ou aquilo e parecendo ouvi-la com muita atenção.

Era-lhe impossível permanecer como a secretária consumada depois de ter dormido com o patrão e de estar andando ao lado dele apenas com uma minissaia. Como podia continuar a ser eficiente e metódica quando, com muita freqüência, como se não pudesse evitar, ele vinha beijá-la, tocar seus seios, acariciá-los, brincar com os bicos até que se eriçassem? Impossível.

Enquanto preparavam um almoço leve para levar Para a praia, conversaram como se se conhecessem há anos — como de fato se conheciam, refletiu Rose. Quatro anos juntando todos os detalhes que compõem a personalidade de alguém. Jamais tinham experimentado um momento de intimidade durante todos aqueles anos, mas ela se sentia como se o conhecesse intimamente e se surpreendia porque ele também parecia conhecê-la, embora nunca lhe tivesse permitido entrar em sua vida privada.

A praia estava exatamente como eles esperavam. Ela tinha começado a se habituar a ter os seios expostos ao sol, uma estranha sensação de liberdade. Na frente dela, Gabriel segurava uma caixa improvisada com sanduíches de carne, água e um pacote de biscoitos, o melhor que puderam desencavar. Gabriel parecia não se importar. Para alguém que podia ter caviar e champanhe servidos por um mordomo em toalha de linho engomado, parecia contente com o pouco que o armário tivera para oferecer.

Para Rose, nenhum piquenique podia ser melhor. A desordem dos galhos, os cocos caídos na praia ou os corais e as algas que tinham se acumulado depois da tempestade, não chegavam a destruir a perfeição daquele momento. Eles tinham conseguido desencavar uma coberta grosseira, possivelmente usada pelos operários. Para Rose, isso era o mais perto do paraíso que ela jamais poderia imaginar.

— Agora — disse Gabriel, instalando-se junto a ela sobre a coberta — você terá que tirar essa saia bem pouco prática que está usando, para que eu possa terminar de lhe passar o protetor solar.

Ele encheu as mãos de creme, e Rose se deixou — levar pelo prazer de sentir o cheiro do ar salgado, o calor do sol e a perícia de suas mãos. Ela se sentia como um gato voluptuoso, mas ele lhe dizia para deitar e relaxar. Precisava que ela ficasse absolutamente imóvel para poder trabalhar direito.

— Feche os olhos — mandou. Seu desejo de possuí-la mental e fisicamente era avassalador. Foi descendo dos seios até seu ventre, percorrendo a pele macia e quente do sol. Mas antes que pudesse chegar até aquele ponto sem volta, Rose se ergueu e empurrou-o para a coberta.

— Quem vai fazer amor com você agora sou eu — disse-lhe ela. — Você vai fazer tudo o que eu disser... Ficar absolutamente quieto... para que eu possa passar protetor em cada centímetro de seu corpo...

Ela pensou que aprenderia rapidamente a fazer amor num lugar público com aquele homem. O homem que ela amava e sempre amaria até o fim do mundo. Não queria pensar além da sensação de estar deitada naquela coberta, ao som do mar lambendo a areia, com a brisa marinha refrescando seus corpos.

Rose pensou que gostaria de guardar aquele momento numa garrafa, para que durasse para sempre. Sabia que, se o perdessem, jamais o recuperariam. Tampouco poderiam existir numa bolha, vivendo de momento em momento...

—... como eu gostaria de fazer... — terminou ela de explicar. Tinham acabado de fazer amor de maneira surpreendente e tinham dado um mergulho naquelas águas azuis tão transparentes e tranqüilas que era impossível pensar nelas açoitando as rochas na noite anterior.

Gabriel se apoiou num cotovelo e a imobilizou de todo a que ela não pudesse desviar o olhar.

— Quem falou alguma coisa sobre viver numa bolha? — perguntou ele.

— Como é que você chama isso...?

— Chamo de... minha secretária perfeita... — Ele passou um dedo entre seus seios, circundou um mamilo, depois o outro, esfregando finalmente sua extremidade com os dedos. Seus olhos fizeram um festim de seu corpo, das lisas planícies de seu ventre já cor de ouro velho, do V de pêlos macios que protegia sua feminilidade. Seu gosto ainda permanecia em sua boca.

Rose olhou-o seriamente.

— Mas isso não é a realidade — insistiu ela com voz suave. — A realidade é Londres. A realidade é que eu trabalho para você, que vou trabalhar de ter-ninho, que me sento em frente a uma escrivaninha... Nós dois numa praia, isso não é a realidade, é tempo roubado.

— Só é roubado se o deixarmos aqui — disse Gabriel, curvando-se para beijar o canto de seus lábios perfeitos, cheios e bem definidos. — Quando voltarmos a Londres, as coisas podem continuar como sempre... no escritório. E exatamente como estão se passando aqui, com você na minha cama.

Mas ela queria passar o resto de sua vida levando isso adiante.

O beijo no canto da boca se tornou mais urgente, fazendo com que seu corpo se derretesse imediatamente. Ela se entregou a ele, cabeça jogada para trás, narinas abertas num puro prazer sensual diante de sua excitação pressionada contra ela. Quando meteu a coxa entre suas pernas e começou a penetrá-la, todos os pensamentos fugiram de sua mente.

Para Gabriel, aquela conversa tinha terminado. Rose sabia disso com instinto certeiro e preparou-se para desfrutar a oferta espetacular que lhe fora feita. Eles fizeram amor com uma intensidade e uma paixão crescentes, quase incontroláveis. Prolongaram a estada além do projeto original de quatro dias, coisa quase impensável para Gabriel. Ficariam uma semana inteira, dissera-lhe Gabriel. Havia coisas sendo feitas nas casas e, além disso, ele bem precisava de umas férias. A semana acabou virando duas e encheram o tempo com viagens às outras ilhas, um pouco de trabalho e muito sexo. Escolheram juntos azulejos e acessórios. À noite, sentindo-se ainda quente do toque de Gabriel em seu corpo, Rose ficou acordada refletindo nas opções que se apresentavam para ela.

Mais cedo ou mais tarde Gabriel despertaria daquele sonho pouco familiar e voltaria à luta. Ele podia querer continuar aquela relação pouco comprometedora com ela em Londres, mas Rose sabia o que acontecia com as mulheres que dormiam com ele depois que seu tempo já 'havia passado. Mais cedo ou mais tarde, provavelmente mais cedo, terminaria mandando flores de adeus para si mesma. Gabriel não tinha intenção de ter outra coisa com ela que não um caso. Até agora, nunca tivera nem nunca teria vontade de assumir qualquer compromisso, enquanto não encontrasse a mulher certa — que certamente não era ela.

Rose não ia esperar até se tornar um empecilho. Nem ia tentar aprisioná-lo com questões de permanência. Assim, quando, depois de duas semanas, ele começou a falar sobre a necessidade lamentável de ter que voltar a trabalhar, ela fez a única coisa em que pôde pensar: inventou um telefonema para si mesma.

Isso tinha exigido uma certa astúcia: ela telefonara para sua vizinha, deixando-lhe instruções para que ligasse para ela, deixando uma mensagem urgente. Rose lhe responderia dali mesmo. A vizinha ficou espantada, mas felizmente teve tato e, durante o almoço seguinte, saindo de um telefone público na cidade com uma expressão ansiosa, Rose disse a Gabriel que tinha que voltar a Londres imediatamente. Uma emergência.

— Uma morte na família — disse-lhe, fazendo a mala para não olhar para ele. — Minha tia... — ela cruzou os dedos — repentinamente. Preciso ir. Mamãe... bem, pode-se dizer que elas eram próximas...

O nítido corte que planejara ao voltar da Austrália era agora a única alternativa. Se não seguisse esse caminho, sabia que, em algum momento, seu amor e seu desejo por ele se transmitiriam apenas por osmose, dela para ele. Ficava paralisada só de pensar na humilhação de uma situação como essa.

Ela o veria quando voltasse a Londres, mentiu, jogando as coisas na mala, sabendo bem que deveria apagar da memória todas essas lembranças. Três dias — ela sorriu, virando-se para ele — não era muito tempo!

Havia uma pungência agridoce quando ele a abraçou por trás, quando sua mão encontrou aqueles lugares que podiam mandar sua alma às alturas, quando fizeram amor mais tarde, desfrutando um do outro pelo que parecia ser uma eternidade.

Ela queria guardar cada um daqueles segundos em sua memória, porque ela precisaria durar.

 

Gabriel olhou para as fotografias da vila que tinham sido escaneadas e enviadas para ele. Cobriam virtualmente tudo. Dois meses e meio antes, ela tinha suportado a fúria do tempo e era como se isso tivesse sido o catalisador de uma mudança. Os equipamentos e materiais difíceis de encontrar de repente se tornaram disponíveis. Os operários recomeçaram a trabalhar com ânimo renovado. Cada coisa tinha encontrado claramente seu lugar.

Ele desligou o computador e se afastou da mesa de trabalho, girando sua cadeira e contemplando pela janela um dia cada vez mais sombrio.

O sol, a ilha, a paixão, aquela noite de chuva, vento e sexo selvagem, seguida por duas semanas do sexo mais liberado que jamais experimentara, pareciam um sonho. Ela mesma parecia um sonho. E Gabriel detestava mergulhar naquele sonho quando menos esperava, como naquele instante. Três dias depois ela o tinha deixado, aparentemente para ir ao enterro de uma parente, e Gabriel voltara para Londres para encontrar um escritório vazio e um bilhete.

Não acho que isso vá funcionar, afinal. Por favor, não tente me contatar. Já providenciei para que minha substituta comece a trabalhar assim que você chegar.

Rose

Ele sabia de cor cada palavra, porque guardara esse bilhete, que levava no bolso para se lembrar de que qualquer envolvimento emocional com uma mulher era um erro. Sim, ele tinha se envolvido emocional-mente com ela. Mais do que devia...

Seguira sua tendência natural de substituí-la por outra pessoa: tinha se apresentado nos lugares certos com a companhia certa, uma loura de um metro e oitenta de longas pernas agarrando-se a seu braço e olhando-o com admiração, mas aquela fórmula de esquecimento não funcionara. Ele fora incapaz de encontrar energia para cortejá-la; por sua vez, ela se sentira ferida, mortificada e, finalmente, com raiva.

Gabriel se entregara imediatamente ao trabalho, o que poderia ter funcionado, não fosse por momentos como esse, quando se encontrava sujeito ao poder impiedoso da memória.

A inconveniente imagem dela surgia em seu pensamento como uma projeção. Ele pensou que era porque, pela primeira vez na vida, uma mulher lhe tinha passado a perna. Sempre fora ele quem fizera o discurso contrito de que já era tempo de seguir adiante. Agora provara de seu próprio remédio e não gostara. Mas não tinha a menor intenção de procurá-la para reatar a discussão. Isso seria impensável.

Gabriel ficou de pé, espreguiçou-se, foi até a janela e ficou olhando o dia que terminava. A curiosidade mordia tenazmente o fundo de sua mente. O que pretendia ela? Teria já começado seu curso? Estaria vendo alguém? Com certeza, retomara a relação com aquele cara de quem tinha se separado. Seus dentes rangeram de raiva. Depois de ter dormido com ele, de ter provado que o cara não era compatível sexualmente com ela, ia voltar para ele só porque representava Deus sabe o quê... segurança, supunha ele!

Gabriel ficou olhando zangado através da janela. Naqueles três meses, chegara à conclusão de que dentro do peito daquela mulher sexy e sensível batia um coração que só buscava segurança. Ele deveria ter adivinhado que ela se sentiria aterrorizada por ter um caso com ele, com a liberdade sem limites que lhe oferecera. Ele a fizera liberar seu lado sexual quente e ávido, e isso fora um pouco demais. Pior para ela, se ia terminar vivendo uma vida de labuta e monotonia com um homem que claramente não amava e que nunca amaria!

Gabriel voltou a se sentar em sua mesa, bateu levemente numa das teclas do computador e a primeira versão de um relatório que precisava ser revisto apareceu na tela.

Era bem melhor que tivesse desaparecido, se tudo o que ela buscava era segurança! Ela devia saber muito bem que ele seria o último homem do mundo a oferecer uma jóia daquele preço a uma mulher. Quando chegasse seu tempo, ele se acomodaria, mas ainda faltava muito! A última coisa de que necessitava era uma situação confusa, envolvendo alguém que trabalhava para ele!

Sua satisfação era especular que, provavelmente, ela estava lamentando amargamente seu impulso apressado de partir. Quando voltasse ao normal, ele se daria conta das condições financeiras que tinha jogado fora. Quantas firmas estariam dispostas a oferecer a um empregado um tempo parcial com um salário daquele porte sem pedir garantias de que não as deixaria na mão quando terminasse seus estudos? Francamente, nenhuma. Não, ele estava quase certo de que ela estava sofrendo.

Fortalecido por esse pensamento, Gabriel voltou a contemplar as fotos da vila com a mente mais tranqüila. O local parecia incrível mesmo antes de estar acabado! Os aspectos paisagísticos, inclusive o campo de golfe, ainda tinham que ser terminados, mas isso viria por último; e as piscinas, três pequenas e uma grande, dando para o mar, estavam quase prontas.

Ele se perguntou se ia anunciá-lo de maneira agressiva como um hotel luxuoso e extremamente privado, acessível apenas a um punhado de gente seleta, ou se conservaria aquele tesouro para si, para emprestar aos amigos e passar tempo com sua família, cada vez que pudesse. Sua mãe estava sempre querendo fazer reuniões de família, poderia fazer reuniões incríveis lá!

Ele estava começando a contemplar a miríade de usos que podia dar àquela vila quando sua secretária bateu hesitantemente na porta.

Karen Davis estava provando ser uma excelente secretária substituta, se eficiência fosse o único pré-requisito. Infelizmente, na maior parte dos outros setores, eles não tinham se acertado. Aos vinte anos, ela era muito jovem, muito tímida e muito hesitante para tomar iniciativas. Realmente, tinha que lhe dar mais tempo para que ela se acostumasse com seu jeito mas... sempre que pensava dessa maneira, sua mente se voltava para Rose e disparava descontroladamente.

— O que é? — atalhou ele, adoçando a voz para um Sim? mais polido, quando Karen meteu a cabeça pela porta.

Ela era magra como exigia a moda mas, a seus olhos, parecia emaciada. Era bastante pálida, tinha cabelos longos e uma tendência a desviar os olhos cada vez que ele lhe dirigia a palavra. Era, no entanto, extremamente eficiente no que se refere aos mecanismos básicos de sua profissão. Gabriel relembrou a sucessão de nulidades que tinha empregado quando Rose fora para a Austrália e tentou suavizar sua expressão.

— Alguém quer falar com o senhor...

Gabriel tinha feito tudo para que ela o chamasse por seu nome de batismo, mas ela continuava a dizer senhor e ele tinha desistido.

— Quem é? Não há nada em minha agenda.

— Não, bem, senhor...

— Diga-lhe para marcar um encontro por seu intermédio. Não quero ficar até tarde hoje.

Karen hesitou e olhou por cima do ombro.

Parada onde Gabriel não podia vê-la, Rose olhou para a menina compassivamente. Pobre menina, tinha acabado de se diplomar no curso de secretariado. Aquele era provavelmente seu primeiro emprego real, mas não tinha nenhuma experiência em lidar com homens como Gabriel. Ela levou delicadamente um dedo à boca, instruindo a jovem para não continuar com aquele assunto e notou o lampejo de alívio em seus olhos.

Gabriel já tinha perdido interesse na identidade do misterioso visitante. Karen saiu e fechou a porta suavemente.

— Vá para casa — disse Rose delicadamente. — Eu vou entrar.

— Mas... — Karen voltou a olhar para a porta fechada e mordeu nervosamente os lábios — ele vai me matar se você entrar assim no escritório dele. Uma parte de minhas funções é justamente... você sabe... vetar as pessoas que desejam vê-lo...

— Não se preocupe com isso. Não se esqueça de que já trabalhei para ele, não sou uma estranha. — Rose encontrara Karen rapidamente, no mesmo dia em que viera limpar sua mesa, dois dias antes que Gabriel voltasse da ilha. Percebera que a menina estava curiosa em saber por que tinha sido recrutada com tanta urgência, mas fora convencida sobretudo pela generosidade do pagamento. O rosto de Rose lhe era familiar. Apesar de suspeitar que Rose não fosse uma visitante extremamente bem-vinda, Karen se limitou a seguir o caminho da menor resistência e deu o fora do escritório silenciosa e rapidamente.

Quando a porta se fechou, Rose tomou fôlego. Passara os quatro últimos dias tentando prever como se sentiria ao se ver dentro do escritório. Conhecia os horários de funcionamento e queria chegar quando a maioria do pessoal já estivesse saindo.

Seu estômago se contraía de ansiedade. Ela limpou na saia as mãos molhadas de suor e se forçou a caminhar até à porta, onde bateu.

— Sim! O que é agora?! — interpelou ele, ainda menos cortês do que quando Karen batera um pouco antes.

Ela abriu a porta de comunicação. Concentrado na tela do computador, Gabriel nem levantou a cabeça, permitindo que Rose ficasse contemplando-o por alguns segundos.

Como sempre, sua beleza masculina a tomou de assalto, mas ele lhe pareceu mais magro do que a última vez em que o vira, naquela noite fatídica em que ela se fora de sua vida. Para sempre. Ou pelo menos, era o que ela imaginara naquele momento.

— Gabriel! — Sua voz ecoou na sala. A cabeça de Gabriel se ergueu sob o choque, mas seu rosto assumiu uma expressão de quietude enigmática. Eles se encararam por alguns instantes que pareceram horas. Suas pernas pareciam que iam desmoronar. Ele foi o primeiro a romper o silêncio.

— O que é que você está fazendo aqui? — Gabriel se afastou da escrivaninha para cruzar as pernas e poder vigiar aquela mulher que estava ali diante dele, parecendo nervosa. O fato*de que tinha acabado de pensar nela deixara um gosto amargo em sua boca.

Rose sentiu que o discurso que ensaiara cuidadosa mente não sairia de sua boca seca.

— Sente-se. Embora tenha que lhe dizer... — ei olhou de relance para o relógio... — que não tenho muito tempo para conversas sociais. Estou saindo para um encontro e não creio que a moça em questão aprecie ficar me esperando por causa de um caso antigo. — Na verdade, ele não tinha nenhum encontro. Tinha desmarcado o encontro com uma ruiva alguns dias antes, preferindo a companhia de seu fiel laptop, mas não hesitou em mentir. Ele sabia que rejeitá-la como um caso antigo a feriria, que certamente sua fisionomia se contrairia — mas ela não desviou os olhos do seu rosto.

— Então, o que é que você quer?

— Eu...eu...

— ...você estava passando e quis dar um pulinho aqui pára ver como estou? — Gabriel ergueu suas sobrancelhas, incrédulo. — Acho meio difícil acreditar nisso.

— Sei que você ficou surpreso quando regressou a Londres... e encontrou.... encontrou o que lhe deixei. — Isso não era exatamente o que ela preparara para dizer, mas olhar para ele a tinha deixado fora de si.

— Mas o que foi que lhe deu essa idéia?! — perguntou Gabriel com um laivo de sarcasmo. — Será porque, na noite anterior à sua partida, fizemos amor de maneira apaixonada? Com certeza eu me iludi ao imaginar que você ia querer continuar nosso caso.

— As coisas mudam.

— Quando foi que decidiu que dar o fora era uma boa idéia? Foi quando voltou para o Reino Unido? — Ele percebeu o ínfimo sinal de hesitação em seu rosto e atacou com precisão mortal. — Você já tinha decidido isso antes, não tinha...? — disse Gabriel devagar. O silêncio dela era em si mesmo uma resposta. Ele tinha sido usado. Gabriel sentiu como se uma marreta o tivesse atingido na cabeça.

— Você não entendeu, Gabriel... — Rose se viu numa situação complicada.

— Ah, entendi perfeitamente. Posso lhe dizer como é que vejo as coisas...?

— Não!

Rose tentou controlar o tremor das mãos, mas aquele rosto cruel e magnífico a fascinava. Ela podia perceber suas intenções. E não tinha muita escolha porque, quando estava daquele jeito, Gabriel era uma força que nada podia deter.

— Você se tornou minha amante porque estava frustrada com o namoradinho que deixou aqui... Não me pergunte o porquê... talvez você tenha achado que ele não podia satisfazê-la... — Rose respirou com dificuldade, incrédula. Ela teria dado uma grande risada se ele não estivesse tão absorto naquela ridícula teoria. — E, como o destino escreveu, a gente acabou na cama. Embora... pode ser que a parte do destino tenha sido menor do que pensei... Afinal de contas, foi você que veio correndo para minha cama quando ouviu o primeiro trovão, foi você que saiu correndo do banheiro com essa história de aranha, e por acaso acabou caindo em cima de mim...

— Se você está bem lembrado, fui eu também quem disse que não queria que nada... acontecesse entre nós!

— Isso era impossível e você bem o sabia! — rejeitou Gabriel. — Você sabia que terminaríamos transando de qualquer jeito. Diga-me uma coisa, você repassou para seu namoradinho tudo o que aprendeu comigo?

Rose cerrou os punhos. Se estivesse mais perto dele, teria dado um soco naquele rosto sexy, debochado. Como é que ele ousava chegar àquelas conclusões horrendas? E por que se incomodar em lhe dizer que Joe nem existia mais? Joe, o homem que durara apenas um encontro!

Quando voltara, ela sabia, sem sombra de dúvida, que não poderia haver mais ninguém, exceto Gabriel. Pelo menos por algum tempo. Não era justo que qualquer outro homem sofresse a humilhação de ser comparado a ele.

— Como você pode pensar isso de mim, Gabriel? Como pode pensar que eu seria... calculista o bastante para ir para a cama com um homem apenas para me exercitar?

— Então, quando foi que você tomou a decisão de partir e por quê? — Com horror de si mesmo devido à sua fraqueza em querer saber, Gabriel lançou-lhe um olhar de frio desprezo.

— Na verdade, fiz um favor para você, Gabriel. — Ela o encarou firmemente, ainda que, por dentro, seus nervos estivessem em frangalhos. — Sabia que ia se cansar de mim mais cedo ou mais tarde. Evitei-lhe o embaraço de ter que se livrar de mim e evitei para mim a dor de...

— A dor de quê?

— Deixe para lá. Não tem nenhuma importância. Nem tem nada a ver com a razão pela qual estou aqui.

Quando ela passara em revista na cabeça as possíveis conseqüências de sua visita, nenhuma lhe parecia muito confortadora. Quando ele não respondeu, ela perguntou, insegura.

— Você não quer saber por que estou aqui?

— Eu já sei.

Os olhos de Rose se arregalaram.

— Não sabe! Como poderia saber?

— É muito fácil. — Gabriel deu de ombros elegantemente. — Quando se ultrapassa todas essas besteiras, o que fala mais alto é o dinheiro.

— Mas...

Ele ergueu uma mão imperiosa.

— Como é que você está indo no curso?

— Na verdade... nem comecei. Mas o que tem isso a ver com o resto?

Gabriel não escondeu a amarga punhalada de desapontamento. Teria ele realmente pensado que ela era diferente do resto do gênero humano?

— Quanto?

— Quanto o quê? — perguntou Rose, estupefata.

— Quanto é que você quer para financiar o curso? — Ele andou até a janela, sentando-se no parapeito e olhando para ela com desprezo. — Fiquei imaginando quanto tempo levaria para se dar conta das excelentes condições financeiras às quais renunciou quando saiu daqui. Eu poderia ser implacável e mandar você dar o fora, mas que diabos, o que é um pouco de dinheiro em compensação pelo seu... esforço?

— Esqueça isso, Gabriel. — Rose se levantou com as pernas tremendo e se encaminhou para a porta.

Ir lá tinha sido um enorme erro, mas ela tinha discutido com a irmã, que vira aquele passo como a coisa correta e decente a ser feita. Naquele momento, ela se perguntava que aspectos do que era direito e decente um homem como Gabriel Gessi podia entender, dado que seu mundo era regido pelo dinheiro.

— Sente-se aí! — ordenou ele, mas ela já estava quase na porta.

Mas não chegou até lá. Ele correu até onde ela estava, agarrou-a pelos ombros e forçou-a a encará-lo. O toque da mão em seu corpo foi como a queimadura de um ferro em brasa. Ele a encarou, os dedos enterrando-se em sua carne, até que ela se afastou.

— Não vim aqui para ouvir suas acusações — disse ela apressadamente. — Não vim aqui para ser acusada de ser uma interesseira ou coisa desse tipo.

— Por que você veio, afinal? Para conferir e se certificar de que a secretária que pôs em seu lugar estava fazendo tudo direitinho? Está, sim. Não precisa se preocupar com isso.

— Vim para lhe dizer que estou grávida!

O silêncio que se instalou era tão profundo que chegava a ser ensurdecedor. Pela primeira vez desde que o conhecera, Rose viu o patrão perder literalmente a fala. As cores se retiraram de seu rosto e ele ficou olhando fixamente para ela por alguns segundos, durante os quais ela podia jurar que seu coração parou.

Mas ele se recuperou rapidamente. O choque cedeu lugar à suspeita.

— Impossível. Tomamos todo o cuidado.

— Não naquela primeira noite... Posso me sentar um pouco agora? — Se não o fizesse, suas pernas corriam o risco de desmoronar, elas pareciam de borracha. Ela se sentou na cadeira e, por um certo tempo, ele ficou de pé atrás dela, como se estivesse imobilizado. Rose se recusou a girar a cadeira para encará-lo. Não podia imaginar o que lhe passava pela cabeça, mas tinha certeza de que não era boa coisa. A paternidade era um preço muito alto a pagar por duas semanas de sexo com uma mulher destinada a ser apenas mais uma. Ela jamais figuraria em sua agenda se não tivesse voltado da Austrália com alguns quilos a menos, um pouco mais morena, mais condizente com seu padrão de mulher atraente.

Não ousou enfrentar o horror que devia ter-se estampado em seu belo rosto. Finalmente, ele andou em direção a ela, ultrapassou-a, foi até a janela e ficou olhando para fora no mais perfeito e revelador silêncio.

Ela queria muito lhe dizer que nunca lhe tinha ocorrido que podia ficar grávida apenas por um único deslize. Ela tinha estupidamente permitido que a paixão a fizesse esquecer as mais simples precauções. Gabriel, equivocadamente, pensara que estava tomando pílula e, no dia seguinte, quando lhe garantira que não estava protegida, ele assumira a questão da contracepção.

Ela nunca poderia imaginar que então já era tarde demais. Sua irmã levara seis meses tentando conceber uma criança!

— Quando foi que você descobriu? — perguntou friamente Gabriel, virando-se para ela.

— Há dez dias. — Seus olhos se desviaram da expressão fria e fechada. — Foi... quando fui ao dentista e ela me perguntou se havia possibilidade de que eu estivesse grávida, porque tinha que tirar uma radiografia. Daí me lembrei que a última vez que eu menstruara tinha sido há muito tempo. — Suas palavras tropeçavam umas nas outras, mas aquela expressão em seus olhos...

Quando ela ensaiara o que ia dizer, a cena nunca tinha se desenrolado assim em sua cabeça. Claro, ela previra que ficaria nervosa, mas tinha decorado bem seu discurso. Ela estava grávida e assumia inteira responsabilidade pelo que acontecera. Apenas achara justo que ele tomasse conhecimento da situação, mas não queria impor-lhe nada, financeira ou emocionalmente. Em sua cabeça, ela se via emergir dessa situação orgulhosamente independente, aberta e desejosa de negociar quaisquer direitos de visita que ele pudesse reivindicar, mas também aberta ao fato de que pudesse desejar muito pouco quanto a isso. Afinal de contas, uma criança nunca fizera parte de seus planos...

— Por que acha que vou acreditar em você? — perguntou Gabriel.

Rose o encarou, o ventre contraído de apreensão.

— O que quer dizer com isso?

— Quero dizer — disse ele, num tom que não admitia contestação — que descobri de repente que você me achava irresistível. Você trabalhou anos para mim e, cinco segundos antes de chegar naquela ilha, de repente eu me tornei o homem de seus sonhos. Estranho, não acha? — Rose preferiu ficar calada, esperando que ele desenvolvesse seu raciocínio. — Particularmente estranho — prosseguiu Gabriel — considerando que você acabara de arranjar um namorado...

— Seu orgulho de macho ferido o levava a acusações que a expressão no rosto dela desmentia. Mas ele não podia parar. Sobretudo ao pensar na possibilidade de que ela estivesse vendo de novo aquele cara, dormindo com ele.

— Meses depois de abandonar seu emprego, você aparece aqui com essa história de que está grávida.-

— Sua boca se contraiu num esgar cínico. — Se você está mesmo grávida, quem me garante que já não estava quando viajou comigo? Quem me garante que aquela repentina urgência de pular na cama comigo não era um artifício para que você e seu amante viessem me extorquir dinheiro?

O choque de Rose podia ser visto em seu rosto branco e incrédulo; o bastante para que Gabriel sentisse uma pontada de culpa por ter descrito o caráter dela daquela maneira. Ela tentou se levantar, mas ele ficou na frente dela, seus braços prendendo-a como barras de aço.

— Nem pense nisso! — grunhiu. — Não pense que pode vir aqui, dizer que está carregando um filho meu e dar o fora de repente!

— E você, não pense que pode me acusar de ser uma alpinista social que só fez usá-lo Isso foi a coisa mais insultante que alguém me disse na vida! Como pode pensar que eu tinha um motivo oculto para dormir com você? O fato de que você possa dizer tais coisas sobre outra pessoa revela bastante sobre quem é você, Gabriel Gessi!

Gabriel recuou, enfiou fundo as mãos nos bolsos e virou-se para encará-la.

— O que você podia esperar? — gaguejou. — Você entra aqui com uma bomba e acaba de detoná-la na minha cara.

— Lamento. — Ela recuperara inteiramente a calma. Sua reação extremada era mais fácil de suportar do que se ele lhe tivesse oferecido ajuda ou compaixão. Ela não tinha nem certeza se estava mesmo assim tão surpreendida ou ferida diante daquelas acusações cruas. Gabriel era obscenamente rico e tinha a mente instintivamente desconfiada de alguém que era obscenamente rico. E ela reconhecia que, efetivamente, a gravidez podia ser o caminho mais rápido para o bolso de um homem. O que mais doía não era a interpretação fria do que ela dissera, era que ele pensara aquilo tudo, que tinha deixado sua mente tortuosa prevalecer sobre o conhecimento que certamente tinha dela depois de tanto tempo. — Sei que você está chocado — disse ela, sem entonação. — Pensei muito se devia vir aqui e dizer tudo a você ou não, mas, afinal, achei que tinha o direito de saber. E antes que você chegue a conclusões erradas, deixe-me dizer de cara que não estou atrás de seu dinheiro, não elaborei nenhum plano para arrancar dinheiro de você. Não posso voltar atrás no tempo e anular o que aconteceu entre nós naquela ilha, mas não fui cúmplice do que aconteceu.

— Ao olhar para ele, ela sentiu uma pontada de compaixão. — E é mesmo seu, Gabriel. Não me encontrei com Joe desde que voltei à Inglaterra e, de qualquer jeito, nunca fui para a cama com ele.

Ela se sentiu de repente exausta. Os últimos dez dias tinham sido uma luta. Ao voltar para Londres, tinha rapidamente encontrado um emprego temporário bastante decente. Mas era pouco inspirador e lhe deixava muito tempo livre para fazer o luto do que abandonara. Ela se torturava dizendo que devia ter ficado e aproveitado o trato que ele lhe oferecera, esperando para ver o que ia acontecer. Tinha salvaguardado seu orgulho, evitado o possível abandono, mas sua cama estava fria e sua mente não cessava de repassar argumentos e contra-argumentos durante a noite.

Ela também abandonara seus planos de formação. Não tinha cabeça para fazer um curso de administração de empresas naquele momento.

Ela vivera então numa espécie de torpor depressivo, um dia atrás do outro, até dez dias antes, quando o teste de gravidez lhe mostrara duas brilhantes linhas azuis.

E aí estava ela, depois de ter feito o que achava correto, enfrentando um bombardeio de acusações. Apertou os dentes para não chorar.

— Tudo bem, vamos dizer que acredito em você... — Ele acreditava mesmo, a verdade estava escrita no rosto dela. Não pensara nem por um segundo que ela fosse capaz de dormir com ele só para poder mais tarde jogar-lhe aquele conto trágico de gravidez na cara. Tampouco sabia o que o levara a agredi-la com tanta violência. Mas acreditava nela: ela estava carregando um filho seu.

Gabriel ficou chocado ao se dar conta de que seus sentimentos iniciais eram de pura satisfação viril. Ele se sentia como se tivesse triunfado.

— Acredita mesmo? — disse Rose com voz cansada.

— O que não me impede — acrescentou ele — de pedir um teste de DNA a qualquer momento... — Ele sabia que jamais o faria.

— Não estou mentindo para você, Gabriel. Você acreditaria mais facilmente em mim se lhe disser que vim aqui hoje porque julguei que era a coisa moralmente certa a ser feita?

— Você deve saber que, de jeito algum, deixarei um filho meu sem...

— Filho? Espere aí...

— Ou filha, claro. — Ele sacudiu os ombros de maneira elegante e começou a andar pela sala, obrigando-a a se virar para poder segui-lo com os olhos. — Seja lá o que for. Não permitirei que qualquer filho meu viva sem mim.

— Naturalmente, você pode decidir contribuir para o bem-estar dele ou dela, isso será decisão sua.

— Contribuir? — Ele soltou uma gargalhada. — Contribuir? Você fala como se minha própria carne e meu próprio sangue fossem receber uma doação ocasional! Não, meu envolvimento será muito mais profundo do que um cheque enviado uma vez por mês...

Pela primeira vez, desde que ela desaparecera, Gabriel sentiu que a inquietação irritada dentro dele começara a ceder, diante da perspectiva de um futuro com que nunca sonhara.

— Em que está pensando? — perguntou Rose, com voz contida.

— Vamos colocar as coisas assim, Rose... — Ele voltou a se sentar atrás de sua escrivaninha e a encarou. Podia ver agora que ela tinha engordado um pouco e que parecia iluminada. — Nenhum filho meu será um bastardo.

— O que quer dizer...?

— Quero dizer que você terá que se casar comigo. Essa solução drástica deixou Rose chocada.

— Nem pensar! — falou ela de maneira inflexível. — Não estamos mais na Idade Média, Gabriel. Há montes de crianças nascendo sem que os pais sejam casados. Não há mais nenhum estigma social ligado a isso.

— Isso é irrelevante.

— Não, não é irrelevante! — Casar com ele? Viver a vida inteira sabendo que tinha se ligado a ela por causa de uma criança? Havia maneira melhor de fazer com que o casamento azedasse a relação entre duas pessoas? — Não posso me casar com você só porque estou grávida! — Rose, lutou para que ele aceitasse esse ponto de vista, sabendo que ele era um dinossauro tradicionalista. — É a pior idéia que já ouvi. Isso não foi escolha sua.

— Não vou negar isso.

— Desculpe, não vou deixar que você se enterre num casamento comigo só por obrigação...

— Não creio ter dado a você alguma escolha.

Os sonhos de casamento de Rose não incluíam ter um filho do homem que amava e ficar à espera de que ele viesse a amá-la por isso. Nem a eventualidade de que seu marido se cansasse dela e fosse dar suas voltinhas. Um casamento artificialmente sustentado por uma criança seria certamente forjado no inferno.

— Você vai se casar comigo, Rose. Pode escolher uma cerimônia simples e discreta ou um grande casamento com todo o luxo, mas vai se casar comigo de qualquer jeito!

 

Gabriel, com a desagradável incerteza que vinha se tornando familiar, desligou o celular. Estava seguro de que ouvira uma voz de homem no fundo. Seria sua imaginação?

Rose determinara que não haveria casamento. Ele tentara, naturalmente, vencer suas objeções e, para cada ponto que ela levantara, respondera com dez.

Quando ela dizia que ele estava agindo como um tirano da época vitoriana, ele dizia que sua intenção era apenas assumir suas responsabilidades e garantir à sua prole, ao nascer, as melhores condições possíveis, tendo uma mãe e um pai vivendo sob o mesmo teto.

— Você jamais poderá me acusar de não estar fazendo o que é direito — disse-lhe com orgulho.

Ele tinha contado nos dedos as razões para que ela se casasse com ele. A segurança de seu filho. Ou filha, apressara-se em acrescentar. O benefício de uma segurança financeira para ela também, permitindo-lhe apreciar a maternidade sem ter que trabalhar. Além disso, eles se davam bem e sentiam atração um pelo outro. Não era como se fossem inimigos jurados forçados a uma aliança pouco natural!

Para evitar futuros obstáculos e tranqüilizar um orgulho inadequado, ele lhe dissera que poderiam encarar aquilo como um acordo de negócios.

Para culminar, aquilo tudo fazia com que se sentisse bem. Sempre afirmara na esfera privada que a maioria dos homens, incluindo ele mesmo, via a instituição do casamento como o término do vigor e da excitação da caça. Mas, para sua surpresa, não estava se sentindo assim, e podia apenas supor que a perspectiva da paternidade era mais poderosa do que jamais imaginara.

Assim, sentiu um choque brutal quando ela insistiu em manter sua posição. Nada de casamento.

Suas ameaças de arrastá-la igreja adentro encontraram um silêncio sepulcral. Passou, então, a recorrer a todo tipo de sedução financeira, e foi nessa altura que ela lhe deu as costas e respondeu que, a menos que parasse de apoquentá-la, ela não apenas manteria sua objeção ao casamento, como acharia difícil ter qualquer tipo de relação com ele.

Apoquentá-la! A simples lembrança disso fazia com que Gabriel rangesse os dentes de raiva.

Não havia nenhuma dúvida de que ela não era, de jeito algum, uma alpinista social! Às vezes ele até se surpreendia pensando que gostaria que ela se sentisse um pouco mais impressionada por sua riqueza. Assim, poderia forçá-la a se definir!

Do jeito que as coisas estavam, ela já estava no sexto mês de gravidez, sem qualquer perspectiva de colocar um anel no dedo.

Gabriel consultara até mesmo a mãe sobre a melhor maneira de passar o laço no pescoço de Rose, esperando todo apoio desse lado, pois sua família era tradicionalista, mas sem sucesso. Sua mãe o sabatinara devidamente, levantando todas as questões pertinentes, se solidarizara com seu dilema, que, como ele indicou, era o dilema irracional de um homem que estava tentando fazer tudo corretamente, mas o deixou confuso ao dizer que ele não podia obrigar ninguém a agir contra sua vontade.

Ele fora reduzido a visitá-la, tantas vezes quantas pudesse, e tentou arrumar sua vida profissional segundo essas possibilidades.

Ele não gostava que ela continuasse a trabalhar mas, quando mencionava isso, ela ria e lhe respondia que gravidez era uma condição perfeitamente natural e ficar em casa com os pés para cima só a faria engordar. Ficou, no entanto, mais tranqüilo quando ela decidiu adiar o curso de administração de empresas.

Excetuando o casamento, as coisas pareciam ir progredindo bastante bem, e Gabriel, secretamente, estava fazendo planos para comprar uma casa para eles. Ele a deixaria escolher, deixaria que se apaixonasse por ela. Podia ser que, então, pudesse levá-la a realizar o que ele parecia querer cada vez mais.

Mas agora isso.

Será que tinha escutado mesmo a voz de um homem? Ela lhe parecera um pouco sem fôlego ao atender o telefone. Eram 21h! Por que ela estaria sem fôlego? A caminho do aeroporto, Gabriel bateu no vidro que o separava do motorista, dando-lhe instruções para voltar imediatamente.

Não estava voltando para controlá-la, disse com seus botões. Claro que não havia nenhum homem da casa! Ela estava grávida de seis meses! E com o correr do tempo, ele percebera que ela não era uma mentirosa crônica. Por outro lado, não era como se fossem casados, era? Ela mantivera sua liberdade, ainda que ele estivesse convencido de que não tinha qualquer intenção de fazer uso dela. Raios, eles ainda faziam amor! Ele lera todos os livros sobre gravidez e se convencera de que o sexo podia ser muito bom nos últimos meses de gravidez, desde que não houvesse contra-indicações.

Por alguns segundos, a mente de Gabriel se deixou levar pela lembrança eminentemente prazerosa do amor apaixonado que faziam. Seu corpo maduro o excitava. Os seios eram ainda mais generosos do que antes, e os mamilos tinham inchado e ficado mais escuros, parecendo supersensíveis, a julgar pela maneira como ela se retorcia quando ele lambia os bicos duros.

Seu corpo reagiu inevitavelmente às imagens mentais que povoavam sua cabeça e ele disse ao motorista, numa voz tensa, que andasse mais depressa.

O negócio que ia fazer do outro lado do mundo ia ter que esperar. Telefonou para a secretária e lhe disse para anular os compromissos dos dias seguintes. Jogada às feras, ela certamente melhorara sua atuação. Ele ainda tinha que soletrar certas coisas para ela e não atingiria nunca o nível de responsabilidade de Rose, mas saberia o que fazer naquela circunstância.

Uma vez que resolvera tudo isso, Gabriel ficou olhando pela janela enquanto o carro atravessava a noite escura, úmida, fria, de uma quinta-feira londrina.

Seus pensamentos estavam bastante desordenados. Tomou a decisão de que não deixaria a casa dela sem a promessa de que iriam morar juntos. Tudo bem, ela não quisera se casar, mas viveriam juntos. Não era o ideal, mas desse jeito poderia ficar de olho nela.

Mas quando o Jaguar parou na porta de sua casa, Gabriel testemunhou a única coisa que não queria ver.

Afinal, aquela voz masculina não tinha sido produto de sua imaginação. Tinha sido bem real, e Gabriel não precisou procurar muito para descobrir a identidade do misterioso visitante. Só podia ser seu antigo namorado.

Ficou sentado em silêncio por alguns minutos, contraindo e descontraindo as mãos, vendo o homem vestir o casaco e descer a rua, afastando-se do Jaguar, lembrando-o de que, em última análise, não tinha qualquer controle sobre a vida dela.

Foi invadido por um sentimento de fracasso, um vazio, inteiramente estranho à sua maneira habitual de ser. Esfregou os olhos com os polegares, esfriando a cabeça, tentando calar o rumor interno, e disse ao motorista que podia voltar.

— Voltarei para casa sozinho — disse Gabriel, abrindo a porta do carro. O ciúme ameaçava destruir o que lhe restava de autocontrole. Chegou à porta antes mesmo que ela pudesse alcançar a escada.

Rose ouviu o barulho da porta e imediatamente pensou que Joe tinha esquecido alguma coisa. Não estava preparada para ver Gabriel parado diante de sua porta, embora isso fosse uma agradável surpresa. Pensara que já estava em Heathrow, esperando o avião. Ela sorriu e esperou que ele lhe sorrisse de volta, em vão. Em vez disso, ele entrou no vestíbulo sem uma palavra e virou-se para encará-la.

— O que é que você está fazendo aqui? — perguntou Rose, hesitando ao ver a expressão de seu rosto. — Pensei que já estivesse a caminho de Hong-Kong...

— Parece ter havido uma mudança de planos. — Seu instinto lhe dizia para perguntar o que aquele homem estava fazendo em sua casa, mas se conteve. Durante os últimos meses, cultivara uma reserva de paciência da qual não se sabia capaz. Não lhe faria bem discutir naquela condição e, além disso, lembrou-se ele a tempo, quase nunca a vencia numa discussão.

Claro que Rose se sentiu lisonjeada: os planos dele mudavam e ele imediatamente corria para a casa dela! Aquele homem, que nunca perseguira abertamente uma mulher, a perseguia agora! Mas havia uma razão: o bebê. Se não fosse pelo .bebê, ela não faria mais parte de sua vida. Ele nem a procurara quando voltara da ilha e descobrira que ela deixara o emprego. Sua proposta de casamento também tinha a ver com o bebê. Ela o respeitava por aceitar a responsabilidade com tanta rapidez; mas ele ainda não conseguia perceber que uma união sem amor era pior do que não ter nenhuma, e ele não a amava. Estava pronto a assumir a responsabilidade porque ela seria a mãe de seu filho e, como dissera algumas vezes, ele era um italiano que respeitava as tradições até a medula. Mas nem uma só vez ele tinha mencionado a palavra amor.

Rose podia ver todas as vantagens que teria ao se casar com ele. Ele seria um marido generoso e um excelente pai, mas ela o conhecia bem. Representar o papel do marido consciencioso para uma mulher que não amava seria demais e, com o passar do tempo, inevitavelmente, seus olhos recomeçariam a procurar em torno. Com sua aparência, a tentação encontraria rapidamente uma oportunidade.

Nenhum casamento podia garantir fidelidade mas, pelo que Rose sabia, a maior parte deles começava, pelo menos, com uma esperança. Não queria, de modo algum, ficar com um cutelo sobre a cabeça.

Mas era muito difícil. Quando faziam amor, o sentimento de total complementaridade era tão animador quanto doloroso.

— Que mudança de planos foi essa? — perguntou Rose, levando-o para o salão. Ficar muito tempo de pé a cansava bastante nos últimos tempos.

Normalmente, ele se sentaria junto a ela no sofá mas, desta vez, preferiu a cadeira em frente à lareira.

— Precisamos resolver essa situação — disse Gabriel abruptamente. Ele esperara que ela levantasse espontaneamente o assunto do homem saindo de sua casa, mas não o tinha feito. Obviamente pensava que não tinham se cruzado, e ele é que não ia lhe perguntar isso. Mas estava doente de raiva e de ciúme.

— Resolver...? — Aquela afirmação desconcertou Rose. Ela bocejou e ficou espantada quando ele lhe perguntou, friamente, se poderia ficar acordada para ouvir o que tinha a lhe dizer. — O que está acontecendo? — perguntou Rose de repente, sentando-se. — O que há de errado? É alguma coisa com o trabalho?

— Está tudo ótimo no trabalho — respondeu Gabriel com voz gelada. — Se pareço estar de mau humor é porque estou zangado comigo mesmo por ter permitido que essa situação fosse tão longe assim. Não podemos mais viver separados. Daqui a três meses, você vai ter nosso bebê e não pretendo ser um visitante ocasional desta casa. — Nem pretendo, pensou com selvageria, deixar que outro homem mantenha contato com meu filho!

— Mas, Gabriel, já conversamos sobre isso!

— E, como um louco, respeitei seu desejo de manter a independência!

— Isso não tem nada a ver com minha independência! — disse-lhe Rose dolorosamente. — Onde exatamente você pensa que vou com essa tal liberdade que quero manter desesperadamente, se vou estar em casa com um bebê recém-nascido?

Gabriel ignorou esse argumento. Ele não estava conseguindo pensar direito, a única coisa que via era aquele homem saindo da casa. Ele queria agredi-la, perguntar-lhe que jogo era aquele em que convidava homens estranhos para a casa dela, mas se detestava por aquela fraqueza.

— Muito bem. Então vamos estabelecer um compromisso. E pouco me importa se você vai ou não recusar, Rose, porque simplesmente ficarei aqui sentado até você concordar.

— A que se deve essa mudança de humor?

— A uma cabeça fria — atalhou Gabriel. — Você não quer se casar comigo, tudo bem. Você tem razão. Não posso arrastar você gritando e se debatendo pela igreja adentro, embora ache difícil compreender como é que sua consciência permite que você prejudique a estabilidade de nosso futuro filho.

— Não sei como...

Gabriel silenciou seus protestos erguendo uma mão imperiosa.

— Mas há um limite para o que posso tolerar. Se não se casar comigo, terá pelo menos que viver comigo.

— Ser sua amante?

— Dê a isso o nome que lhe aprouver. Pouco importa. — Ele deu de ombros com aquele seu jeito descontraído, embora sem desviar os olhos de seu rosto estupefato.

— Não vejo a utilidade disso — murmurou Rose, exausta de lutar contra sua insistência. Com o tempo, ele se tornara mestre na arte das sutilezas, estabelecendo pequenas mas consistentes regras para ir desgastando sua resolução. Ela suspeitava que parte de sua persistência se devia ao fato de que ela representava um desafio para ele. — Qual era a urgência em discutir esse assunto para que você se desse ao trabalho de vir aqui a essa hora da noite? — perguntou ela, abafando um bocejo. — Estou realmente cansada.

— Com certeza.

Alguma coisa na voz de Gabriel fez Rose contrair o corpo. Agora sabia que havia mesmo algo de errado.

— O que significa isso?

— O que você acha que significa? — avançou Gabriel de maneira beligerante.

— Não tenho a menor idéia. Você vai me dizer ou quer que adivinhe?

— Quem era ele? — Gabriel ouviu-se perguntar, sem jamais ter tido a menor intenção de fazer essa pergunta.

— Quem era quem? Sobre o que você está falando?

— Não me venha com esse jogo de nunca faço nada de errado! Não nasci ontem, Rose! — Ele ficou subitamente de pé e começou a andar pela sala, liberando um pouco da adrenalina que parecia querer fazê-lo explodir. Não ia ficar olhando para aquela expressão espantada, quando devia ser óbvio para ela o que estava dizendo. Quantos homens recebera quando ele não estava presente?

Francamente perturbada agora, Rose foi até onde ele estava, de braços cruzados, olhos como duas fendas agressivas. Preocupada, colocou a mão em seu braço, mas ele a sacudiu fora.

— Não tenho a menor idéia do que você está falando.

— Havia um homem saindo dessa casa quando cheguei de carro — disse Gabriel, lutando para manter o sangue-frio. — Por que acha que corri para cá? O que imaginou quando disse que meus planos tinham mudado? Ouvi a voz dele quando falei com você ao telefone e, quando cheguei aqui, o que foi que vi? Um homem deixando esta casa! Com toda tranqüilidade. E você agindo como se nada tivesse acontecido! Bem, assim não pode ser! Você vai se mudar e vir morar junto comigo e está acabado!

— Você está com ciúmes, Gabriel? — Rose não pôde disfarçar uma certa esperança. Se ele estava com ciúmes, isso queria dizer que sentia por ela algo mais do que um simples desejo, que terminaria por passar, ou um sentimento de dever?

— Deveria estar? Venho aqui, vejo um homem estranho deixar sua casa tarde da noite... Diga-me, deveria estar? Além disso, você ainda não me disse quem diabos era ele! Não precisa, posso adivinhar! É o cara do qual nunca me lembro o nome, do curso de administração de empresas! Estou certo? — Ele evitou olhar para ela e tentou não imaginar o pior. Sabia no fundo que seus medos não tinham fundamento mas, como uma folha na tempestade, foi incapaz de encontrar um porto seguro. — Não tinha me dado conta de que vocês dois ainda estavam se vendo.

— Não estamos nos vendo.

— Não? A figura que vi saindo da casa era apenas um produto de minha imaginação?

— Joe me telefonou algumas vezes...

— Joe lhe telefonou algumas vezes...

— Isso mesmo. — Agora ficou se sentindo culpada por nunca ter mencionado aqueles telefonemas e corou de vergonha. Sabia que a reação de Gabriel não seria muito compreensiva, mas jamais pensara que pudesse ser tão extremada. Gabriel se deu conta disso no ato.

— Mas não há nenhuma necessidade de ficar com ciúmes... — disse Rose, rindo um pouco envergonhada. — Olhe para mim, Gabriel, e diga o que está vendo! — Com seu vestido tipo bata e um casaco espesso e amplo, ela parecia um navio com as velas içadas.

— Uma mulher extremamente sexy... — afirmou Gabriel, com os dentes cerrados.

Alguma coisa se derreteu dentro de Rose. Ela foi até sua bolsa e, depois de mexer muito dentro, tirou um cartão branco, que lhe estendeu em silêncio. Gabriel deu uma olhada, depois leu até o fim.

— Ele veio nos convidar para sua festa de noivado — disse Rose. — Telefonou algumas semanas atrás porque é um cara simpático e queria saber como eu estava passando com a gravidez. Daí contou que tinha encontrado uma mulher e que as coisas estavam bastante sérias entre eles. Fiquei contente.

Gabriel ficou olhando para o convite. Sua reação desproporcionada não o alarmara porque sabia por que estava reagindo daquela maneira. Queria muito casar com ela e, diante de sua constante recusa, ficara desesperado para fazer com que ela viesse ao menos viver com ele. Olhou para ela e segurou seu rosto suavemente interrogador entre as mãos.

— Está bem. Eis minha proposta — disse ele sombriamente. — Você tem que vir morar comigo porque viver longe de você está me deixando louco.

— O que é que você está dizendo? — Rose queria prender a respiração, fechar os olhos e desejar que ele dissesse o que ela queria tanto ouvir, mas a realidade nunca funcionava assim... Então, ela sustentou seu olhar e esperou.

— Estou dizendo... — Gabriel correu os dedos por entre os cabelos e se mexeu nervosamente. Finalmente, ele a levou para o sofá e a obrigou a se sentar bastante perto dele para que pudesse tocar seu rosto.

— Estou dizendo... que não consigo pensar direito com você morando sozinha aqui. Já faz algum tempo que senti isso, mas estava negando. Agora, sei. — Ele suspirou e olhou como se estivesse querendo ordenar seus pensamentos de maneira coerente. — Ver aquele homem sair daqui... ficar imaginando... nem sei como explicar... parece coisa de doido, mas você tem esse efeito sobre mim. Você me deixa louco. — Ele a beijou docemente nos lábios e se afastou antes que fosse tarde demais, pois precisava falar sem ceder às distrações de seu corpo maravilhoso. Mas, como se precisasse manter algum contato com ela, colocou a mão sobre seu ventre e, em retorno, ela colocou sua mão sobre a dele.

— Não posso me concentrar direito. Fico preocupado com você. — Ele olhou cuidadosamente para ela. — Pensei que quisesse casar com você apenas por causa do bebê — disse-lhe Gabriel. — Mas em algum momento as coisas mudaram... Não... as coisas já tinham mudado antes. Às vezes me pergunto se o que sentia por você já não estava aí desde muito tempo, apenas esperando para ser revelado...

— O que você sentia por mim? E o que é que você sente por mim...?

— Preciso de você... — Gabriel sentiu como se estivesse caindo num precipício. — Eu amo você...

Rose sorriu, um sorriso lento, fascinado, que revelava como sua felicidade era profunda.

— Você quer se casar comigo? — perguntou ela.

— Porque eu também amo você e você não imagina... esperei tanto tempo para ouvir você dizer que me

amava... nunca ousei ter esperanças... — O bebê deu um chute e ambos olharam para sua barriga.

— Minha querida — murmurou Gabriel, maravilhando-se diante do sentido que sua vida louca adquirira de repente. — Sou seu para sempre...

 

                                                                                Cathy Williams  

 

                      

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