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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


FORÇAS IRRESISTÍVEIS / Danielle Steel
FORÇAS IRRESISTÍVEIS / Danielle Steel

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

FORÇAS IRRESISTÍVEIS

 

Estava um quente dia de sol em Nova Iorque e a temperatura subira para além dos quarenta graus centígrados muito antes do meio-dia. Poder-se-ia estrelar um ovo no passeio. Garotos corriam de um lado para o outro, brincando e gritando, as pessoas estavam sentadas em bancos ou à entrada das casas, encostadas às paredes, protegidas por velhos toldos das lojas. As bocas de incêndio, à esquina da Rua 125 e da Segunda Avenida, estavam ambas abertas e a água jorrava, enquanto as crianças passavam de um lado para o outro, soltando gritinhos de alegria. A água que corria na valeta formava um pequeno rio que chegava à altura dos tornozelos. Às quatro da tarde parecia que metade dos habitantes do bairro se encontrava na rua, ao calor, conversando e observando as crianças...

 

 

Então, subitamente, às quatro e dez, o ruído de tiros cortou o som das conversas, dos risos e da água a correr. Não eram sons pouco familiares naquela parte da cidade, e todos pararam quando os ouviram. As pessoas pareceram ficar imóveis durante um momento, à espera do que se iria seguir. Recuaram para as portas das casas, encolheram-se contra as paredes, e duas mães correram para ir buscar os filhos que se encharcavam. Mas antes de poderem atingir a segurança das suas casas, ouviram-se novos tiros, dessa vez mais fortes e mais próximos e apareceram três rapazes a correr velozmente, lançando-se para o meio das pessoas que se encontravam perto das bocas de incêndio. Empurraram as crianças que se encontravam no seu caminho e chocaram tão violentamente com uma jovem mãe que a atiraram ao chão coberto de água. De repente ouviram-se gritos e apareceram dois polícias que corriam em perseguição dos rapazes, de armas em punho, fazendo voar balas sobre as pessoas ali aglomeradas.

 

Aconteceu tudo tão depressa que as pessoas não tiveram tempo de se desviar, nem de se avisarem umas às outras. À distância ouviam-se já as sereias dos carros da Polícia que se aproximavam. Nova rajada de tiros e um dos fugitivos foi atingido num ombro e caiu, sangrando abundantemente; quase ao mesmo tempo, um dos seus companheiros voltou-se e disparou sobre os polícias, atingindo um deles na cabeça. No mesmo instante, uma menina soltou um grito e caiu também na água que continuava a jorrar da boca de incêndio. Toda a gente gritava e corria em todas as direcções, enquanto a mãe da menina saía da entrada da porta de onde estivera a assistir a tudo, horrorizada, e se ajoelhava junto da filha caída.

 

Momentos depois, a perseguição tinha acabado. Dois dos rapazes estavam estendidos de barriga para baixo, com as mãos algemadas atrás das costas e rodeados por inúmeros polícias; um dos polícias estava morto, e o rapaz ferido estava a ser socorrido por um paramédico que lhe ligava o ombro. Mas, a pouca distância dali, uma criança estava a morrer devido à bala que a atingira no peito e que a fazia sangrar profusamente. A mãe, ajoelhada junto dela, encharcada pela água que não parava de correr, soluçava histericamente, apertando o corpo inconsciente da filha contra si, enquanto os paramédicos tentavam tirar-lha. Menos de um minuto depois, a menina encontrava-se na ambulância, acompanhada pela mãe, que continuava a soluçar, completamente atordoada. Era uma cena que todos eles tinham visto dúzias de vezes antes, ou mesmo centenas de vezes, mas que só significava verdadeiramente qualquer coisa quando se conheciam as pessoas envolvidas no drama, os delinquentes ou as vítimas. Aqueles que eram presos, ou os que eram mortos ou feridos.

 

À esquina da Rua 125 havia uma grande confusão de carros, enquanto a ambulância procurava sair dali a toda a velocidade com a sereia a apitar ruidosamente e as luzes a acenderem e a apagarem. As pessoas estavam paradas na rua, atordoadas pelo que acabava de se passar. Uma segunda ambulância levou o suspeito ferido, enquanto os carros azuis e brancos pareciam surgir de todo o lado, depois de ter sido transmitida a notícia de que um polícia fora abatido. As pessoas que ali viviam sabiam o que se ia passar logo que se soubesse que um polícia tinha sido morto. Os génios exaltar-se-iam e os ressentimentos viriam ao de cima. Pior ainda, com aquele calor mortífero qualquer coisa podia acontecer. Era o Harlém, estava-se em Agosto, a vida era dura e um polícia fora assassinado.

 

Na ambulância, que avançava vertiginosamente pelas ruas em direcção ao centro da cidade, Henrietta Washington tinha a mão da filha presa nas suas e observava, num terror silencioso, os paramédicos que faziam tudo para lhe salvar a vida. Mas, de momento, não parecia estarem a conseguir. A menina estava imóvel, tinha uma palidez acinzentada e o seu sangue estava por toda a parte, na maca, no lenço, no chão da ambulância, no rosto, nas mãos e no vestido da mãe. Parecia uma matança. E tudo porquê? Era mais uma vítima da guerra sem fim entre a Polícia e os homens maus, os membros de gangs, traficantes de drogas e os agentes dos narcóticos. Não passava de um peão num jogo do qual nada sabia, um pequeno sacrifício entre combatentes cujo objectivo era destruírem-se uns aos outros. Dinella Washington nada significava para eles, apenas para os seus amigos e vizinhos, para as irmãs e para a mãe. Era a mais velha dos quatro filhos que a mãe tivera entre os dezasseis e os vinte anos, mas por mais pobres que fossem, por mais difícil que fosse a vida, ou o ambiente em que tentavam sobreviver, a mãe amava-a.

 

Ela vai morrer? perguntou Henrietta com voz estrangulada, fitando o paramédico com os seus grandes olhos angustiados. O homem não lhe respondeu. Não sabia.

 

Estamos a fazer o que podemos, minha senhora.

 

Henrietta Washington tinha vinte e um anos. Era um estereótipo, um número, uma estatística, mas era muito mais do que isso. Era uma mulher, uma rapariga, uma mãe. Queria mais do que aquilo para os seus filhos. Queria um emprego, queria trabalhar, casar um dia com um homem bom, que a amasse e tomasse conta dos filhos dela. Mas nunca encontrara um homem assim. De momento, os filhos eram tudo quanto ela possuía e apenas lhes podia dar o seu amor.

 

Tinha um namorado que a levava a jantar fora uma vez por outra e que, por sua vez, era pai de três crianças que estavam a seu cargo. Esse namorado há seis meses que não arranjava emprego e quando saía com ela bebia de mais. Não existiam soluções fáceis para qualquer deles; tinham apenas o que recebiam da Segurança Social e de alguns trabalhos ocasionais de tempos a tempos. Era uma existência da mão para a boca. Nenhum deles acabara a escola secundária e viviam numa zona de guerra. A vida que levavam e o sítio onde viviam constituíam uma sentença de morte para os seus filhos.

 

A ambulância parou em frente do hospital e os paramédicos saíram com a maca, correndo Henrietta viu que a filha tinha soro num braço, uma máscara de oxigénio e que ainda respirava, mas debilmente. Correu para a sala das urgências atrás da maca, com o vestido manchado de sangue, mas nem sequer a deixaram aproximar-se da sua menina. Uma dúzia de médicos e enfermeiras rodeavam a maca e corriam pelo corredor em direcção a uma sala, seguidos por Henrietta, que queria saber o que se estava a passar, o que iam fazer. Queria saber se Dinella ia ficar boa. Passavam-lhe pela cabeça inúmeras interrogações, quando alguém lhe pôs um papel e uma caneta em frente da cara.

 

Assine isto’ ordenou a enfermeira.

 

O que é? quis saber Henrietta, tomada de pânico.

 

Temos de a operar! Depressa. Assine!

 

Henrietta fez o que a enfermeira lhe disse e um segundo depois viu-se sozinha no corredor, observando outras macas serem levadas apressadamente e médicos e enfermeiras dirigirem-se para outras salas de operação. Sentiu-se completamente perdida e aterrorizada e começou a soluçar. Daí a pouco, aproximou-se uma enfermeira, vestida com a roupa verde do hospital, que lhe pôs um braço por cima dos ombros, conduzindo-a para um sítio onde se via uma fila de cadeiras. Fê-la sentar-se e ajoelhou junto dela para a tranquilizar com voz suave

 

Vão fazer tudo para salvar a sua filha.

 

Mas a enfermeira já ouvira dizer que o estado da criança era muito crítico e que havia poucas esperanças de ser salva.

 

O que é que lhe vão fazer?

 

Vão tentar curar a ferida e deter a hemorragia. Perdeu muito sangue antes de chegar aqui.

 

Era uma afirmação escusada. Bastava ver o estado em que a mãe se encontrava, cheia de sangue, para se saber como a criança estaria.

 

Deram-lhe um tiro... deram-lhe um tiro. Henrrietta nem sequer sabia quem disparara sobre a filha

 

Se tinha sido a Polícia, ou os maus. Isso agora não lhe interessava. Se Dinella morresse, que importava quem a tinha morto? Os bons ou os maus.

 

Enquanto apertava as mãos de Henrietta, que chorava em silêncio com uma expressão de desespero, a enfermeira ouvia o sistema de comunicação interno chamar o Dr. Steven Whitman. Era o segundo na direcção das urgências e um dos melhores médicos traumatológico de Nova Iorque e foi isso mesmo que a enfermeira disse a Henrietta.

 

Se alguém a puder salvar, esse alguém é ele. É o melhor. Tem sorte em ele estar de serviço.

 

Henrietta, porém, não se sentia com sorte. Nunca se sentira com sorte em toda a sua vida. Seu pai morrera, abatido a tiro numa guerra de ruas como a que acabara de se dar. A mãe levara-a a ela, as irmãs e os irmãos para Nova Iorque, mas a vida ali não fora diferente. Apenas transferiram os seus problemas de um lado para o outro. Nada mudara. Se se pudesse falar em mudança, esta fora para pior. Tinham ido para Nova Iorque para a mãe conseguir arranjar um trabalho melhor, mas não conseguira. Ali, no Harlém, haviam tido sempre uma vida de pobreza, sem esperanças de um futuro mais feliz.

 

A enfermeira ofereceu a Henrietta um copo de água ou um café, mas ela abanou a cabeça, continuando sentada, a chorar e a mostrar-se tão miserável quanto se sentia, enquanto um enorme relógio de parede ia revelando a passagem dos minutos. Faltavam então cinco minutos para as cinco da tarde.

 

E às cinco em ponto, o Dr. Steven Whitman entrou na sala de operações a correr. Foi rapidamente posto a par da situação por um dos médicos que ali se encontravam. Steven Whitman era alto, sólido e enérgico, com cabelo preto curto e uns olhos que pareciam duas pedras negras num rosto zangado. Era o seu segundo caso de ferimentos com um tiro nessa tarde. O anterior morrera às duas horas, um rapaz de quinze anos que conseguira matar três elementos de um bando rival, antes de dispararem contra ele e eventualmente o matarem. Steve fizera tudo para o salvar, mas fora demasiado tarde. Dinella Washington, pelo menos, talvez tivesse uma hipótese. Mas segundo os médicos que ali se encontravam era apenas uma pequena probabilidade de se salvar. Os pulmões tinham sido perfurados e a bala passara-lhe de raspão pelo coração ao sair, causando estragos muito extensos. Contudo, mesmo enquanto ouvia a sombria descrição, Steven Whitman não estava disposto a perder a esperança. Pelo menos por enquanto.

 

Steve lutou durante uma hora para conseguir manter a criança viva, dando orientações aos outros médicos, e, quando começaram a ver que ela estava a morrer, ele próprio lhe massajou o coração durante mais de dez minutos. Os ferimentos tinham sido muito grandes, a criança muito pequena, as probabilidades de salvação muito diminutas, as forças do mal mais poderosas do que os seus conhecimentos e o seu empenho. Dinella Washington morreu às seis horas e um minuto e Steven Whitman soltou um longo e profundo suspiro. Sem uma palavra afastou-se da mesa de operações, tirou a máscara e as luvas com uma expressão furiosa. Detestava dias como aquele, odiava perder pacientes, especialmente uma criança que não era mais do que uma vítima inocente. Detestara até perder o rapaz que matara três pessoas antes de ser morto. Detestava tudo aquilo. A inutilidade. O desperdício. O desespero. A destruição inútil de vidas humanas. E, no entanto, quando vencia, quando conseguia arrancá-las à morte, tudo lhe parecia valer a pena, as longas horas, os longos dias que se transformavam em longas noites Não se importava do tempo que ali passava, nem do trabalho que fazia, desde que conseguisse salvar as pessoas.

 

Atirou as luvas para longe, tirou a touca e olhou-se ao espelho. O que viu foi a fadiga das últimas setenta e duas horas. Tentava não fazer turnos de serviço de mais de quarenta e oito horas. Era uma ideia agradável, mas raramente funcionava dessa maneira. Na unidade das urgências não se podia picar o ponto pontualmente à entrada e à saída. E sabia o que tinha de ir fazer agora. Precisava de ir dizer à mãe da criança. Os músculos do queixo ficaram tensos, enquanto ele saía da área da cirurgia e se encaminhava para o sítio onde sabia que estava a mãe da criança. Sentia-se como o Anjo da Morte ao dirigir-se para ela, pois sabia que ela nunca ia esquecer o rosto dele num momento que a assombraria durante todo o resto da sua vida. Recordava-se do nome da criança, como costumava suceder com todos os seus pacientes durante algum tempo, e sabia que também ele próprio seria perseguido por aquele momento. Recordaria o caso, as circunstâncias, o desfecho, e desejava que pudesse ser diferente. Por pouco que conhecesse os seus pacientes, preocupava-se acima de tudo com eles.

 

Mistress Washington? perguntou, depois de uma enfermeira lha ter indicado. Ela disse que sim, com os olhos apavorados. Sou o doutor Whitman. Há muitos anos que desempenhava aquela tarefa, há demasiado tempo, pensava às vezes, e tudo aquilo se lhe tornara demasiado familiar. Sabia que tinha de lhe dar a notícia depressa, para não criar esperanças que já não lhe podia oferecer. Tenho más notícias a respeito da sua filha.

 

Ela respirou fundo, viu o rosto, os olhos dele, e percebeu, mesmo antes de o médico proferir as palavras.

 

Ela morreu há cinco minutos.

 

Tocou-lhe ao de leve num braço ao dizer isso, mas ela não sentiu o toque dele, nem sequer a sua compaixão. Só ouviu as palavras: «Ela morreu... morreu...»

 

Fizemos tudo o que pudemos, mas a bala fez estragos muito grandes, tanto a entrar, como a sair. Steven Whitman sentia-se tolo e cruel ao dar aquelas explicações. Que diferença fazia o que a bala provocara e quando? Só interessava o facto de lhe ter morto a filha. Mais uma baixa na guerra sem esperança que travavam. Outra estatística. Tenho muita pena.

 

Henrietta agarrara-se às mãos dele, com um olhar desvairado, tentando respirar depois do impacte da notícia que lhe dera. Fora como se ele lhe tivesse dado um murro no peito.

 

Porque não se senta um minuto?

 

Henrietta levantara-se ao vê-lo aproximar-se e agora parecia prestes a perder os sentidos. Revirava os olhos. Steve forçou-a a sentar-se numa cadeira e fez sinal a uma enfermeira para lhe levar um copo de água.

 

A enfermeira levou-o rapidamente, mas a mãe da criança não conseguia engolir. Emitia uns sons terríveis, como se estivesse sufocada, estrangulada, enquanto tentava compreender o que ele lhe dissera, e Steven Whitman sentiu-se como se fosse o assassino, o homem que empunhara a arma. Gostaria de ter sido o salvador, e por vezes era-o. Havia mulheres, maridos e filhos que o abraçavam cheios de gratidão e alívio, mas desta vez não iria suceder isso. Odiava perder um paciente. E isso sucedia com demasiada frequência.

 

Permaneceu junto de Henrietta Washington todo o tempo que lhe foi possível; depois deixou-a com as enfermeiras. Chamaram-no outra vez para ir observar uma rapariga de catorze anos que caíra da janela de um segundo andar. Esteve quatro horas na sala de operações, mas às dez e meia da noite, ao sair da sala de operações, esperava tê-la salvo. Finalmente foi ao seu gabinete pela primeira vez desde há muitas horas. Era a parte da noite mais sossegada para ele, pois habitualmente os piores casos só começavam a aparecer depois da meia-noite. Levou uma chávena de café frio de cima da secretária e duas bolachas. Não voltara a ter tempo para comer desde o pequeno-almoço. Oficialmente estava de serviço há quarenta e oito horas, mas fizera outras quarenta e oito por um colega cuja mulher se encontrava em trabalho de parto. Já devia ter ido para casa há muito tempo, mas ainda não tivera coragem para sair dali. Tinha uma pilha de papéis para assinar em cima da secretária e sabia que, logo que o fizesse, poderia ir para casa. Já se encontrava ali outro médico de serviço para o substituir. Suspirou profundamente e estendeu a mão para o telefone. Sabia que Meredith ainda devia estar a pé, ou, talvez, ainda estivesse no escritório. Sabia como ela tinha andado ocupada nas últimas semanas, por isso não tinha a certeza se ainda estaria em reuniões ou se já teria ido para casa.

 

O telefone tocou uma vez e ela atendeu. A voz era tão calma e controlada como a própria Meredith. Eles equilibravam-se um ao outro. Ela sempre harmonizara a intensidade vulcânica de Steve com a sua suavidade especial. Por mais complicadas que as coisas estivessem, Meredith parecia sempre calma, elegante e fria. Toda ela era um contraste flagrante com o marido.

 

Está?

 

Suspeitava que fosse Steve, mas, como andava a trabalhar em coisas muito importantes, pensou que pudesse ser alguém do escritório a telefonar-lhe àquela hora, depois de ela ter ido para casa. Meredith Smith Whitman pertencia a uma das mais respeitadas firmas de investidores bancários de Wall Street e era altamente respeitada no seu trabalho. Vivia, respirava e comia o mundo da alta finança, tal como Steve vivia totalmente embrenhado no seu trabalho de urgências hospitalares, sobretudo em casos traumáticos. E ambos amavam o que faziam com paixão.

 

Olá, sou eu.

 

Steve parecia cansado e triste, mas ficou aliviado ao ver que ela atendera o telefone.

 

Pareces estafado disse Meredith afectuosamente.

 

E estou respondeu Steve. Mas sorriu ao ouvir as palavras dela.

 

Mais um dia de trabalho. Ou melhor, três.

 

Era sexta-feira e ele não a via desde terça-feira de manhã. Viviam assim há anos. Estavam habituados a isso e tinham aprendido a viver e a trabalhar assim. Meredith estava mais que familiarizada com os turnos de dois e três dias, com as urgências que o tiravam de casa poucas horas depois de ter chegado. Mas ambos manifestavam um saudável respeito pelo trabalho um do outro. O casamento durava há catorze anos e, pelo menos, a Steve, parecia-lhe que tinham decorrido apenas semanas. Haviam-se conhecido e casado quando Steve era ainda interno no hospital e ela estava a acabar o curso. Steve continuava loucamente apaixonado pela mulher, pelo menos tanto como no princípio. O seu casamento resultava bem para ambos. Com efeito, não tinham tempo para se aborrecer, praticamente não tinham tempo para nada. Devido às carreiras de ambos, nunca haviam tido qualquer inclinação para ter filhos, embora de tempos a tempos falassem nisso. Era uma opção que nenhum deles pusera inteiramente de parte.

 

Como vai o teu grande negócio? perguntou Steve. Nos últimos dois meses, Meredith trabalhara na perspectiva da oferta pública inicial de uma empresa de alta tecnologia, em Sillicon Valley. A companhia ia ser privatizada, e iam ser vendidas acções ao público. Tratava-se de um grande negócio para a firma de Meredith e isso fascinava-a, embora não fosse tão prestigiante como as ofertas de títulos que faziam. Mas Meredith estava muito mais interessada nas firmas de Sillicon Valley e nas oportunidades que estas apresentavam, mais interessantes do que os negócios mais tradicionais feitos em Boston e em Nova Iorque.

 

Vamos lá chegar respondeu ela, parecendo um pouco cansada. Permanecera no escritório até depois da meia-noite, na noite anterior. Era fácil fazer isso quando Steve estava a trabalhar. Ele sabia que seria ela a informar potenciais compradores a respeito da companhia, a encorajá-los a investir, e que nos próximos meses Meredith estaria muito tempo fora. Esperava poderem passar algum tempo juntos antes disso e ia arranjar maneira de ter o fim-de-semana livre, após o Dia do Trabalho, para estar com a mulher.

 

Já acabei os preliminares disse ela, sufocando um bocejo. Quando vens para casa, querido? perguntou. Trabalhara todo o dia e eram quase dez e meia.

 

Vou logo que acabe de assinar uma papelada que me deixaram na secretária. Já comeste?

 

Mostrava-se mais interessado nela do que naquilo que tinha de assinar, enquanto se encontrava ali estendido na cadeira, a olhar para a pilha de papéis

 

Mais ou menos. No escritório deram-me umas sandes, mas já há algumas horas.

 

Quando chegar a casa preparo uma omeleta. Ou queres que te leve alguma coisa da rua?

Apesar das longas horas de trabalho, era geralmente Steve quem cozinhava e gostava de se gabar de que o fazia melhor do que ela. E obviamente gostava mais de o fazer. Meredith nunca afirmara ser especialmente uma dona de casa. Preferia comer uma salada ou uma sande sentada à secretária do que ir para casa preparar um jantar com quatro pratos. E Steve gostava muito mais de cozinhar do que ela alguma vez gostara.

 

Uma omeleta seria bom disse, sorrindo. Quando estavam muitos dias sem se verem sentia a falta dele, mesmo quando estava muito ocupada O relacionamento deles era fácil, confortável, e a atracção que sentiam um pelo outro não diminuíra nos catorze anos de casamento. Continuavam a ser apaixonadamente devotados um ao outro, apesar das suas carreiras absorventes e das vidas agitadas.

 

Então o que se passou hoje?

 

Meredith conseguia sempre perceber na voz dele que alguma coisa não correra bem. Conheciam-se profundamente um ao outro e preocupavam-se muito com as derrotas e vitórias mútuas.

 

Perdi duas crianças respondeu Steve, mostrando-se novamente deprimido. Não podia deixar de pensar na jovem mulher negra que perdera a filha cinco horas antes, e de como teria gostado que as coisas se tivessem passado de maneira diferente. Mas era médico, não era mágico.

 

Um garoto de quinze anos que tomou parte num tiroteio contra um bando rival. Conseguiu atingir três antes de cair, mas mataram-no. E uma pequenita, há poucas horas. Uma inocente que foi apanhada entre os tiros disparados por três rapazes e a Polícia, no Harlém. Foi atingida no peito. Operámo-la, mas não resistiu. Tive de dizer à mãe. A pobre mulher estava arrasada. E depois disso operei uma rapariga de catorze anos, que caiu da janela de um segundo andar. Está em mau estado, mas tenho quase a certeza de que se vai aguentar.

 

Meredith teria detestado fazer o que Steve fazia, a angústia constante dos pacientes, o desespero, as perdas, o coração destroçado. Sabia muito bem o que lhe provocava, o preço que ele pagava por isso.

 

Parece-me que tiveste um dia terrível, querido. Porque não vens para casa descansar? Bem precisas.

 

Há três dias que não ia a casa e parecia exausto e desanimado.

 

Sim, preciso de descansar. Estarei aí dentro de vinte minutos. Não te deites antes de eu chegar.

 

Meredith sorriu do aviso.

 

Não há perigo. Trouxe uma pasta cheia de trabalho.

 

Bem, quando eu chegar mete-a em qualquer sítio. Quero toda a sua atenção, Mistress Whitman.

 

Steve estava ansioso por ver a mulher. Chegar a casa e estar junto dela era como entrar noutro planeta, como se fugisse de todo o seu trabalho e das suas responsabilidades. Era um refúgio para ele, um sopro de ar puro, de normalidade e de saúde, um porto seguro onde ficava a salvo da brutalidade e da violência que todos os dias tinha de enfrentar. Estava ansioso por ir ter com ela. Não queria chegar e encontrá-la a dormir ou a trabalhar.

 

Prometo-lhe que terá toda a minha atenção, doutor Mas trate de vir para casa.

 

Meredith sorriu e ele imaginou-a, bela e sedutora como sempre.

 

Bebe um copo de vinho, Merrie. Estarei aí dentro de minutos.

 

Steve mostrava-se sempre optimista a respeito do tempo, mas ela sabia disso.

 

Com efeito, Steve entrou no seu apartamento quase quarenta minutos depois. O médico de serviço quisera consultá-lo rapidamente acerca do caso de uma mulher de noventa e dois anos que fracturara o fémur, e a rapariga que ele operara estava a ter complicações. Acabou de assinar a papelada que tinha na secretária e preparou-se finalmente para sair. Só teria de voltar ao serviço na segunda-feira; estava ansioso por se ir embora. Bastava! Sentia-se tão cansado quando saiu, que nem era capaz de pensar direito.

 

Apanhou um táxi mesmo junto do hospital e dez minutos depois chegou a casa. Quando entrou ouviu uma música suave e chegou-lhe às narinas o aroma do perfume de Meredith. Era como se entrasse no céu, depois de passar três dias no inferno. Vivia para aqueles momentos que passava com Meredith, que sabia quanto ele amava também o seu trabalho, tal como ele sabia que ela gostava do que fazia.

 

Merrie’ chamou em voz alta ao abrir a porta do apartamento, mas não obteve resposta. Foi encontrá-la no duche, esbelta, loura e incrivelmente bonita e graciosa. Durante os anos que passara na faculdade trabalhara algumas vezes como modelo, para ter mais algum dinheiro. Tanto ela como ele tinham tido bolsas de estudo, e ambos haviam perdido os pais quando se encontravam na universidade. Os dela tinham morrido num acidente de automóvel no Sul de França, nas primeiras verdadeiras férias que faziam em vinte anos. Os pais dele haviam morrido com cancro, com um intervalo de seis meses um do outro. Meredith e Steve eram não só mulher e marido há muitos anos, mas também a única família que ambos tinham, por isso significavam tudo um para o outro

 

Quando o viu, ela sorriu e estendeu a mão para uma toalha. Os seus cabelos louros, que lhe chegavam aos ombros, pingavam água sobre os seios, e os seus olhos verdes fitavam-no com amor. Sentiu-se tão feliz por o ver como ele por a ver. Steve puxou-a para si e abraçou-a, sem se importar com o facto de ficar molhado. Só queria abraçá-la.

 

Quando venho para casa e te vejo assim, fico a pensar porque é que irei trabalhar todos os dias...

 

Vais salvar vidas, claro disse ela rodeando-lhe o pescoço com os braços e colando-se a ele.

 

Steve beijou-a e, apesar das desgastantes setenta e duas horas de trabalho, sentiu-se imediatamente desperto para o desejo. Ela fazia-o sentir-se vivo, fresco, melhor do que um feriado ou uma noite de sono. A mulher tinha um efeito poderoso sobre ele. Sempre tivera, desde que se conheciam.

 

O que é que queres primeiro? perguntou Steve com um sorriso agarotado. Eu ou a omeleta?

 

Ela olhou-o, fingindo consternação.

 

É uma escolha difícil. Estava a começar a ter fome.

 

Também eu respondeu Steve, sorrindo. Talvez então a omeleta primeiro e depois salto para o duche e vamos festejar o facto de estarmos ambos aqui esta noite. Começava a sentir que nunca mais iam deixar-me sair do hospital. Graças a Deus, tenho o fim-de-semana livre. Custa-me a crer que vamos poder passar dois dias inteiros juntos.

 

Os olhos de Meredith ensombraram-se quando ouviu essas palavras.

 

Parece-me que estás a esquecer que parto para a Califórnia no domingo lembrou com ar contrito. Detestava sair quando o marido estava de folga, pois era raro passarem todo um fim-de-semana juntos. Como subdirector da unidade das urgências, sucedia-lhe passar muitos fins-de-semana a trabalhar. E quando estava de folga durante a semana, encontrava-se ela no escritório. Tenho de ir falar com o Callan Dow antes da conclusão do negócio. Estamos a terminar e falta apenas acertar uns pequenos pormenores.

 

Steve sabia que ela era muito meticulosa no seu trabalho.

 

Eu sei. Não te preocupes com isso. Tinha-me esquecido.

 

Tentou não mostrar desapontamento, enquanto a via secar o cabelo com a toalha. Depois dirigiu-se para a cozinha, a fim de preparar a omeleta prometida

 

Cinco minutos depois ela foi ter com ele, tendo vestido um roupão de caxemira branca. O cabelo estava ainda húmido, vinha descalça e Steve percebeu que ela estava nua por baixo do roupão

 

Se me olhas assim deixo queimar a omeleta avisou Steve, deitando a mistura na frigideira e enchendo um copo de vinho branco para si com a outra mão. Meredith não disse nada, mas viu que ele estava exausto. Tinha grandes olheiras escuras em redor dos olhos e um ar esgotado devido às noites sem dormir. É bom estar em casa acrescentou Steve, olhando-a ternamente e com admiração. Tive saudades tuas, Merie

 

Também eu tive saudades tuas respondeu Merie lançando-lhe os braços ao pescoço e beijando-o. Depois sentou-se num banco alto em frente do balcão da cozinha. O apartamento deles era elegante e sofisticado, mais ao estilo de Meredith do que ao dele. Meredith era uma mulher cheia de classe, com um ar de competência e de sucesso. Steven, pelo contrário, tinha o aspecto um pouco descuidado e despreocupado de um médico com demasiado trabalho. Há semanas que não conseguia tempo para cortar o cabelo, e há dois dias que não fazia a barba. Parecia ter menos do que os seus quarenta e dois anos, e era difícil, vendo-o vestido como estava, imaginar como ficaria de fato e gravata. Calçava umas sapatilhas velhas, vestia umas calças de fato de treino bastante usadas, com as quais se sentia confortável para trabalhar. Era difícil imaginá-lo de blazer azul e calças cinzentas, mas a verdade é que lhe ficavam lindamente. No entanto, na maior parte das vezes, mesmo quando não se encontrava a trabalhar, vestia umas calças de ganga e uma camisola de algodão. Estava quase sempre demasiado cansado para vestir outra coisa

 

Então que vamos fazer amanhã além de dormir, fazer amor e ficar na cama até à hora do jantar’ perguntou Steve com ar malicioso, enquanto colocava a omeleta em cima do balcão de granito. A cozinha era muito bonita, toda branca e creme, e assemelhava-se às que se viam nas revistas de decoração

 

Tudo o que me disseste me parece bem respondeu Meredith, mas infelizmente tenho de ir ao escritório buscar uns papéis para os ler.

 

Não poderás lê-los no avião? quis saber Steve, mostrando-se desapontado e devorando a sua parte da omeleta.

 

Para isso teria de viajar até Tóquio Mas prometo não trabalhar mais do que o necessário respondeu Merie.

 

Isso parece-me assustador replicou Steve, com um sorriso, enquanto enchia novamente os dois copos. Sentia-se bem por ter saído de serviço. Estava finalmente em casa, sem quaisquer responsabilidades, a não ser para a mulher. Sentia-se ansioso por se deitar e fazer amor com ela, para depois dormir até ao meio-dia seguinte. Fala-me então do teu trabalho. Como vai essa OPA?

 

Sabia o que o trabalho representava para a mulher, e, com efeito, os olhos dela brilhavam ao responder-lhe.

 

Vai ser fantástico. Estou desejosa por começar disse ela, referindo-se ao percurso que iam fazer, passando por várias localidades onde poderiam vender acções, proporcionando oportunidades a potenciais investidores. Só sei que vai ser uma coisa em grande. Falei com o Dow esta manhã, e ele parecia uma criança à espera de receber um novo brinquedo. É uma pessoa simpática. Creio que gostarias dele, se o conhecesses. Construiu a empresa a partir do zero e sente-se justamente orgulhoso do que conseguiu. Agora vai iniciar esta oferta pública de aquisição, e isso é um sonho tornado realidade para ele. É excitante mostrar-lhe como funciona todo o processo.

 

Tem cuidado com o que lhe vais mostrar avisou Steve, agitando o garfo para ela ao ver um dos seus seios espreitar pela abertura do roupão. Ela riu das palavras dele

 

Trata-se estritamente de negócios respondeu Merie. Para ela era sempre assim

 

Para ti, talvez. Só espero que o tipo seja baixo, gordo, feio e que tenha uma namorada que não o perca de vista todo o dia. Deixar-te ir assim com um tipo qualquer é o mesmo que agitar um peixe em frente de uma foca... é terrivelmente tentador, minha querida.

 

Olhou-a com admiração. Era impossível não reparar na sua beleza espectacular, e Steve tinha a certeza de que os homens que trabalhavam com ela reparariam. Melhor ainda, era inteligente e de convívio agradável. Não só conseguira manter o interesse dele durante catorze anos, como continuava a despertar nele a paixão. Por mais cansado que estivesse, sentia-se sempre ansioso por ir para a cama com ela, e Merie gostava disso.

 

Esses homens só pensam nos seus negócios, acredita. O Callan Dow não é excepção. Esta operação é o sonho dele tornado realidade. É o amor da sua vida. Não repararia se eu me parecesse com o Godzilla. Além disso sorriu para o marido, tu é que és o homem que eu amo. Tanto me faz que ele se pareça com o Tom Cruise ou não. A ti é que eu amo.

 

Ainda bem disse Steve, satisfeito. Mas por falar nisso... parece-se?

 

Parece o quê? perguntou ela, surpreendida. Estava também cansada.

 

Se se parece com o Tom Cruise?

 

Claro que não. Riu e resolveu arreliá-lo É mais como o Gary Cooper Ou o Clark Gable.

 

Que graça!

 

Era um pouco verdade, mas ela não disse mais nada. Isso não era importante para si. Mas Steve continuou:

 

É bom que se pareça com o Peter Lorre, ou então que mandem outra pessoa acompanhá-lo. De resto, duas semanas é muito tempo e eu fico muito só quando estás tantos dias fora. Detesto isso.

 

Também eu.

 

Mas não era inteiramente verdade e ambos sabiam-no. Se a operação era suficientemente excitante e ela gostava da empresa que a realizava, o trabalho agradava-lhe. Gostava realmente do que fazia.

 

Visitar dez cidades em duas semanas não são propriamente férias acrescentou Merie.

 

Tu gostas disso e sabe-lo muito bem

 

Steve acabou de beber o vinho e olhou para a mulher com admiração. Merie tinha um ar calmo, era bonita e sexy. E ele sentia que precisava desesperadamente de um duche e de fazer a barba. Sabia que estava horrível. Quando trabalhava no hospital, a única coisa que não o preocupava era a sua aparência. Isso só lhe importava quando voltava para casa, para junto dela, e mesmo assim às vezes sentia-se demasiado exausto para se vestir

 

Às vezes, gosto. Nem sempre. Quando são bons, dão muito trabalho e são divertidos. Depende da companhia. Esta é boa. As acções vão subir muito.

 

Steve sabia que essa empresa fabricava equipamento médico de diagnóstico, tendo sido algum inventado pelo próprio Callan Dow. Também sabia, por Meredith, que o pai de Dow era cirurgião num hospital de uma cidade pequena e que desejara que o filho fosse também cirurgião. Mas Callan sentira-se fascinado pelos negócios e pelas invenções de alta tecnologia, por isso fundara uma firma que fabricava instrumentos cirúrgicos de alta tecnologia. Steven conhecia os seus produtos e ficara impressionado com eles, mas não estava particularmente interessado nas acções, embora Meredith dissesse que a empresa era fantástica. Steve deixava que Meredith dirigisse as finanças do casal, pois afinal era o que ela fazia melhor. E ele não percebia nada disso.

 

Meredith meteu os pratos na máquina, Steve foi tomar banho e, alguns minutos depois, ela apagou as luzes e foi ter com ele ao quarto. Já passava bastante da meia-noite e estavam ambos cansados. Meredith deitou-se e pouco depois Steve deitou-se também. Sorriu quando ele a tomou nos braços e a apertou contra si. Sentia como ele a desejava e isso era mútuo. Beijou-o e gemeu baixinho quando ele começou a acariciá-la. Dentro de poucos minutos, o hospital e o trabalho dela estavam esquecidos. Tudo quanto importava era o mundo privado que partilhavam e de que tanto gostavam.

 

No sábado de manhã, quando Steve acordou, Meredith tinha já saído para o escritório. Pensara sair e voltar antes de Steve acordar. Mas quando chegou, ele estava sentado no sofá, embrulhado numa toalha, acabado de sair do duche, lendo The New York Times, quando ela entrou no apartamento vestindo umas calças brancas e uma T-shirt também branca e trazendo a pasta na mão.

 

Não pareces ter idade suficiente para ser conselheira de investimentos disse Steve com um sorriso, logo que a viu. Meredith pousou a pasta no sofá e sentou-se junto dele. Tinha um aspecto fresco e descontraído. A noite deles fora tão boa como sempre, talvez melhor. A sua vida sexual sempre havia sido de quatro estrelas e gostavam sempre de estar juntos, o que era raro. Às vezes pensavam se não seriam os seus horários desencontrados que mantinham o romance entre eles e os faziam desejar-se mutuamente mais do que qualquer outro casal, após catorze anos de casamento.

 

Que tal irmos almoçar fora? Estava calor, mas estava ansioso por apanhar ar, por sair com ela. Que tal a Tavern-on-the-Green?

 

Seria bom disse ela, sentindo-se apenas ligeiramente culpada. Precisava de fazer a leitura dos papéis que fora buscar, mas sabia que poderia fazê-lo mais tarde. Sabia como o marido precisava de se distrair, depois de ter estado de serviço durante três dias. Necessitava de um contraponto para as desgraças que via no hospital e esperava que ela o acompanhasse. Não teve coragem de lhe dizer que precisava de trabalhar.

 

Ao meio-dia, ele fez a reserva para o restaurante. Saíram de mãos dadas e ficaram surpreendidos com o calor. O calor do Verão de Nova Iorque era sufocante, e a humidade era tal que tinham dificuldade em respirar.

 

Meteram-se num táxi para o restaurante e gozaram a companhia um do outro durante o almoço. Ela contou-lhe mais coisas sobre a oferta em que estava a trabalhar e ele ouviu-a com interesse. Gostava de a ouvir falar do trabalho. Era a sua única paixão de momento, mas ele gostava disso. Ela conseguia concentrar-se exclusivamente num assunto e dava toda a sua atenção ao trabalho que fazia em cada altura. Era em parte por isso que era tão boa naquilo que fazia, além do facto de ter um senso extraordinário para avaliar as coisas. Na sua firma respeitavam-na por isso, embora ela achasse que nem sempre lhe davam as mesmas oportunidades que aos homens. Era sócia da firma há quatro anos, e muitas vezes era quem fazia praticamente todo o trabalho e a parte verdadeiramente criativa, e um dos sócios masculinos é que ficava com os louros. Uma coisa que sempre a irritara, mas isso estava na própria natureza de certas firmas de Wall Street. Trabalhava para uma firma dita de «sapato branco», em que os homens mantinham o controlo do poder no seu pequeno mundo exclusivo. Era um modo antiquado de fazer negócio e sabia que tinha as suas limitações para ela. Escolhera trabalhar num mundo de homens e chegar ao topo, e eles nem sempre lhe agradeciam isso. Com efeito, ia para a costa ocidental acompanhada por um dos mais antigos sócios da firma e estava aborrecida por ele ter insistido em ir consigo. Ao princípio, ninguém quisera trabalhar com ela naquele negócio, e agora que percebiam como ia ser importante, tentavam subir para o pódio com ela. No entanto, pelo menos, Callan Dow sabia que fora Meredith quem defendera a causa dele desde o início.

 

Meredith e Steve falaram sobre alguns dos problemas do hospital enquanto tomavam café. Era há cinco anos o número dois na unidade das urgências e estava ansioso por ser ele a dirigi-la. Harvey Lucas, o director, ameaçava regularmente demitir-se, mas parecia não ir a parte alguma. Há anos que falava em mudar-se para Boston; contudo, não havia meio de conseguir decidir-se a fazê-lo, e Steve tinha as mãos amarradas enquanto ele não o fizesse. Devia contentar-se com o facto de ser o assistente do chefe do departamento. Mas tratava-se da melhor unidade de urgências da cidade e não desejava largá-la. Além disso, Lucas era um bom amigo seu.

 

Depois do almoço, Steve e Meredith passearam calmamente pelo parque, ouvindo tocar as bandas de metais e os músicos de jazz, enquanto passavam pelo lago onde as crianças brincavam com pequenos barcos De tempos a tempos ainda falavam em ter filhos, mas essa perspectiva parecia tornar-se mais remota de ano para ano. Ultimamente, Steve abordara várias vezes o assunto, mas Meredith não estava ainda preparada para o ouvir. E não tinha a certeza se alguma vez estaria. Tinha trinta e sete anos e não sabia se alguma vez haveria espaço na vida deles para filhos. As carreiras de ambos eram demasiado absorventes. Meredith sempre receara que um filho os afastasse em vez de os unir, como Steve achava que sucederia. Só a ideia de ter um bebé fazia com que Meredith se sentisse ameaçada. Não queria sentir-se dividida entre a sua carreira e um filho

 

O calor era ainda terrível e, quando chegaram ao apartamento, ambos cansados, deixaram-se cair lado a lado sobre o sofá.

 

Que dizes a irmos a um bom cinema com ar condicionado, depois de eu preparar um jantarinho para os dois? perguntou Steve. Parecia outro, feliz e descontraído, muito diferente do homem exausto que chegara ao apartamento na noite anterior, após três dias e meio de serviço no hospital. Bastara-lhe uma noite de sono e a companhia de Meredith para isso.

 

Não posso ir ao cinema, Steve. Olhou-o com pena. Tenho de fazer a mala e ainda nem sequer comecei a ler a papelada respondeu Meredith. Estivera toda a tarde fora, com ele.

 

É pena murmurou Steve, parecendo desapontado. Mas estava habituado a isso. Ela levava quase sempre trabalho para fazer em casa. A que horas partes?

 

Steve vestira umas calças de caqui e uma camisa azul e calçara uns sapatos frescos, sem meias. Meredith pensou que ele estava invulgarmente atraente. Teria ficado ainda melhor bronzeado, mas nunca tinha tempo para isso. O seu rosto pálido e anguloso fazia com que o cabelo e os olhos parecessem ainda mais escuros e intensos.

 

O avião parte ao meio-dia explicou Meredith. Isso quer dizer que tenho de estar no aeroporto às dez

 

Lá se vai o domingo murmurou ele. Mas nenhum deles podia fazer fosse o que fosse contra isso. Negócios eram negócios e ela tinha de falar com Callan Dow na Califórnia. Steve compreendia isso.

 

Nessa noite, Steve ficou a ver televisão, enquanto ela trabalhava na sala que usava como escritório. Estava cheia de livros de medicina e de livros que ela consultava sobre leis e regulamentos, livros sobre finança, além de, também, romances. Meredith tinha ali o seu computador. Steve também lá tinha o dele, mas raramente o utilizava. Os interesses deles divergiam de muitas maneiras e sempre haviam divergido, mas, no entanto, ambos se interessavam pelo trabalho um do outro. Steve costumava rir de não perceber praticamente nada de finanças. Ela percebia melhor o que o marido fazia e mostrava maior interesse pelo trabalho dele. Mas, ao mesmo tempo, Steve respeitava o facto de a mulher ganhar mais do que ele. Meredith ganhava muito, o que ele sabia que nunca lhe sucederia naquele género de trabalho. Meredith achava que devia ganhar mais do que ganhava, mas a verdade é que ambos possuíam mais do que o suficiente para manter o seu confortável estilo de vida. Viviam naquele apartamento há cinco anos e Meredith pagara-o por inteiro, quando passara a ser sócia da firma onde trabalhava. Steve gostaria de ter contribuído para isso, mas não podia fazê-lo. A disparidade dos seus vencimentos nunca os tinha preocupado. Era algo que ambos compreendiam e aceitavam. Ao contrário de outros casais, nunca discutiam por causa do dinheiro, discutiam apenas o facto se deviam ou não ter filhos.

 

Meredith esteve a ler até à meia-noite. Quando acabou, Steve dormia profundamente, sentado em frente da televisão. Bebera meia garrafa de vinho e sentia-se descontraído e satisfeito. Meredith fez a mala antes de o acordar. Nessa altura era uma hora da manhã e, quando o beijou, ele mexeu-se

 

Vamos deitar-nos, querido É tarde e eu tenho de me levantar cedo disse meigamente

 

Sabia que ele telefonara a um amigo com quem ia jogar ténis depois de ela ir para o aeroporto.

 

Steve seguiu-a, sonolento, e alguns minutos depois dormiam com os braços entrelaçados. Cinco minutos mais tarde, Steve ressonava. Ambos dormiram profundamente até às seis, quando o telefone tocou. Era do hospital, para ele. Harvey Lucas, o director da unidade de urgências, encontrava-se na sala de operações, com o chefe dos internos e dois outros médicos. Ocorrera uma colisão frontal e estavam ali quatro das vítimas. Precisavam de Steve. Ele podia recusar-se a ir, visto não estar de serviço, mas percebeu imediatamente que fazia falta e nunca seria capaz de recusar. Jamais o faria. Com um olhar para Meredith, disse a Harvey que iria o mais depressa que pudesse. Duas das vítimas eram crianças. Uma tinha um grave ferimento na cabeça, mas o neurocirurgião pediátrico já ia a caminho. Os pais estavam ambos em estado crítico, e os médicos não tinham a certeza se a segunda criança se salvaria. O pescoço estava partido e pensavam que a medula espinal fora atingida. Encontrava-se em coma.

 

Detesto sair antes de ti disse Steve enquanto enfiava umas calças de ganga e vestia uma camisola de algodão branca. No hospital vestiria a roupa que lá usava.

 

Não faz mal respondeu Meredith, sonolenta. Estava habituada a situações como aquela, tal como ele. Daqui a pouco tenho de me levantar também.

 

Lá se vai o ténis e um domingo tranquilo. Pode ser que volte daqui a umas horas.

 

Ambos estavam cientes de que era pouco provável que isso sucedesse. Meredith sabia que, assim que chegasse ao hospital, ele iria ver os seus outros doentes, ficaria por lá e que não regressaria a casa antes da meia-noite, se regressasse. De qualquer maneira, ela já ali não estaria. Podia dar-se até o caso de lá passar a noite, se tivesse que fazer, e na manhã seguinte entraria novamente de serviço. Meredith estaria de volta na terça-feira de manhã, mas Steve só regressaria a casa na quarta, portanto, só o veria nessa noite.

 

Telefono-te da Califórnia disse Meredith. Nem sequer sabia ainda onde iria ficar. Callan Dow dissera que trataria da sua instalação.

 

Vê lá se esse tal Gary Grant, ou Gary Cooper, ou quem diabo dizes que é, não te rapta enquanto eu estou a salvar vidas.

 

Steve sorriu ao dizer isso, mas Meredith viu nos olhos dele uma expressão ligeiramente ansiosa. Era óbvio que Callan Dow o preocupava.

 

Não precisas de te apoquentar disse Meredith, enquanto ele se sentava na beira da cama para a beijar.

 

Espero que não.

 

Tocou-lhe meigamente num seio nu quando se beijaram outra vez e olhou-a pesarosamente, antes de sair.

 

Tinha esperança de voltarmos a fazer amor antes de regressarmos às nossas guerras.

 

Era essa a história da vida deles e sempre fora. Esperanças adiadas, planos cancelados, promessas desfeitas. Estavam habituados a isso e, na maior parte das vezes, não se preocupavam

 

Não te esqueças disso. Vemo-nos na quarta-feira. Vou tentar não vir tarde

 

Sabia que ele sairia de serviço nessa altura

 

Está combinado.

 

Steve sorriu, prendeu o pager ao cinto, meteu os dedos no cabelo em vez de se pentear, lavou os dentes, mas não se preocupou em fazer a barba. O seu trabalho não requeria que estivesse elegante e bem arranjado, por isso, na maioria das vezes, nem sequer se preocupava em tentar. Tinha coisas mais importantes em que pensar.

 

Boa viagem disse Steve acenando-lhe da porta; um instante depois ouviu a porta da rua fechar-se. Ficou na cama, a pensar nele. Era exactamente como há catorze anos, quando se tinham conhecido e ele era um interno. Toda a sua vida evoluía em torno do que fazia, tal como a dela. Começou então a pensar na empresa que ia ser aberta à aquisição pública e naquilo que precisava ainda de fazer para que tudo corresse bem

 

Levantou-se para ir buscar uma pilha de papéis para ler na cama. Leu durante duas horas e, por fim, acabou por se achar suficientemente preparada para a sua reunião na Califórnia. Precisava de fazer ainda algumas perguntas. Queria estar apta a informar cabalmente Callan Dow do que era preciso fazer. Era a primeira vez que ele passava por um processo daqueles e apoiava-se inteiramente nela para conselhos e informações. De muitas maneiras, isso fazia com que Meredith se sentisse simultaneamente competente e importante. Às vezes, pensava se gostaria do que fazia por isso lhe dar uma sensação de poder e de independência. Apreciava o seu trabalho e o mundo da alta finança. Sentira-se sempre bem nesse mundo, desde que para ele entrara. Ela e Steve eram muito diferentes, mas ambos gostavam do que faziam e ambos sabiam que faziam qualquer coisa em prol das pessoas. Embora Steve salvasse vidas, ela ajudava as pessoas a concretizarem aquilo para que haviam trabalhado arduamente e isso não era de negligenciar também, apesar de ser muito diferente do que Steve fazia. O telefone tocou quando estava a vestir-se. Era Steve; acabara de sair da sala de operações onde se encontrava a criança com o pescoço partido. O ortopedista dissera que iria ficar bem. Tivera muita sorte. Steve ajudara a operar e queria dizer-lhe que iria ficar no hospital mais um bocado. A mãe morrera, pouco depois de ele chegar, e a criança mais velha continuava em coma. Era o stresse habitual, embora cada caso que aparecia parecesse sempre o mais importante. Meredith sorriu ao ouvir o marido. Ele entusiasmava-se tanto com o seu trabalho, como ela com a perspectiva de ir à Califórnia e tratar da OPA da empresa de Callan Dow.

 

Vou sentir a tua falta, Merrie disse Steve. Ela sorriu, pensando nele.

 

Eu também respondeu com sinceridade, mas Steve riu, ao ouvi-la. Conhecia-a bem.

 

Sim, vais sentir a minha falta durante uns dez minutos. Depois vais passar a pensar apenas no trabalho que vais fazer. Eu conheço-te.

 

Conheces, não conheces?

 

Enquanto acabava de se vestir, Meredith continuou a pensar no que o marido dissera. Conhecia-a tão bem quanto ela o conhecia a ele, as respectivas paixões pelos seus empregos, as ambições, as fraquezas, os receios. O total envolvimento no trabalho, que era a razão por que nunca tinham tido filhos. Onde estava o lugar para um filho, com ele três dias seguidos no hospital e ela a viajar de um lado para o outro? Que vida poderiam dar a um bebé? Não muito, com certeza, e fora por isso que ela, pelo menos até agora, não quisera filhos. Era boa no trabalho que fazia, tinha a certeza disso, mas já não estava tão segura de ir ser uma boa mãe. Pensava se alguma vez viria a lamentar essa decisão, mas a verdade é que, de momento, não via possibilidade de ter um filho. Guardou os papéis na pasta e abotou o casaco do fato, antes de se ver ao espelho. O seu aspecto era tão impecável e elegante como o de Steve era informal e descuidado ao sair de casa às seis da manhã. Claro que ele não precisava de parecer melhor para estar na sala de operações Bastava-lhe lá estar e saber o que fazia, para salvar as pessoas que ali chegavam às portas da morte Não precisava de parecer bem para isso. Meredith devia transmitir competência e eficiência e controlar tudo o que fazia. Precisava não só de ser competente, mas também de parecê-lo, e era isso mesmo que sucedia, ao pegar na pasta e sair do apartamento com o seu computador portátil e o seu telemóvel, além de um apanhado final da operação em que estivera a trabalhar com os advogados

 

Ao dirigir-se para o aeroporto de táxi, ao encontro de Paul Black, o sócio que iria com ela no avião, olhou pela janela para o horizonte de Nova Iorque, pensando em como gostava de ali viver. Na verdade, não havia coisa alguma que quisesse alterar na sua existência No que lhe dizia respeito, a vida era perfeita.

 

Meredith trabalhou no seu computador portátil durante a viagem de avião, e voltou a ler o material que preparara para Callan. Paul Black, o sócio com quem viajava, dormiu quase todo o percurso, mas durante a última meia hora conversaram a respeito da reunião do dia seguinte. Black tinha a certeza de que ela fizera todo o trabalho preparatório como devia ser e sabia que, como sempre, deixaria boa impressão no cliente, com tudo o que lhe organizara. Disse isso mesmo a Meredith durante a viagem, mas Meredith ficou irritada pelo facto de achar que ele lhe falava de um modo condescendente. Esperava sempre que ele pontuasse as suas frases com a palavra «menina». Paul Black era um dos mais antigos sócios da firma, mas nunca fora um dos seus preferidos. Achava que ele passava o tempo a gabar-se das suas relações sociais e a descansar sob os louros, e nenhuma das coisas agradava a Meredith. O conhecimento com Callan Dow fora feito por intermédio dele, através de um irmão da mulher. Mas depois de o ter pescado, como a um peixe gigantesco, Paul Black pouco mais fizera. Até agora, fora Meredith quem fizera todo o trabalho para concretizar a OPA da Dow Tech.

 

O avião aterrou às três e um quarto da tarde. No aeroporto esperava-os um carro enviado por Callan Dow. Reservara-lhes alojamentos no Rickie, em Palo Alto, que ficava perto do seu escritório. Depois de se instalar no hotel, Black saiu para ir encontrar-se com uns amigos com os quais iria jantar. Parecia ter conhecimentos em todos os sítios onde iam, mas não convidou Meredith para o acompanhar.

 

Meredith sentiu-se satisfeita por ficar no hotel, revendo o seu trabalho para a reunião do dia seguinte. E quando o telefone tocou, às oito horas da noite, teve a certeza de que seria Steven. Sabia que ele devia estar ainda no hospital e deixara-lhe o número do telefone do hotel no voice mail.

 

Olá, querido disse quando atendeu. Não havia mais ninguém que soubesse onde ela estava.

 

Olá, querida respondeu a voz do outro lado, rindo.

 

Não era Steve, e, ao princípio, ela não reconheceu a voz. Ficou admirada.

 

Então, como correu a viagem?

 

Óptima. Quem fala? perguntou Meredith, um pouco desconcertada.

 

Callan. Quis certificar-me de que está confortável e que o hotel lhe agrada. Agradeço-lhe ter vindo. Estou ansioso pela nossa reunião amanhã.

 

Também eu... Sorriu, embaraçada. Julguei que era o meu marido.

 

Calculei isso. Está tudo pronto?

 

Praticamente. Quero mostrar-lhe o resumo final da operação e acertar os últimos pormenores para a digressão.

 

Estou ansioso por isso confessou ele. Apesar da sua competência, sofisticação e sucesso no mundo dos negócios, parecia excitado como uma criança. Trabalhara duramente para construir a sua empresa e há muito que desejava abri-la ao público. Quando começamos?

 

Na terça-feira, a seguir ao Dia do Trabalho. Está tudo previsto, excepto uns pormenores em Minneapolis e Minnesota. Nas outras cidades, já temos certezas. Creio que vai haver excesso de investidores. Toda a gente está entusiasmada, não se fala noutra coisa.

 

Gostava de ter feito isto mais cedo observou Callan em voz baixa. A sua voz era profunda e, noutras circunstâncias, ela tê-la-ia considerado sensual, mas na altura pareceu-lhe apenas afectuosa e amigável. Gostara de trabalhar com ele durante todo o Verão.

 

Creio que é esta a altura própria, Cal. Se o tivesse feito mais cedo, poderia não estar ainda preparado.

 

Bem, creio que sim, que é esta a altura própria, Meredith, embora ainda tenha de lutar contra o meu contabilista, que acha errada esta OPA. Pensa que eu devia continuar a ser o único dono da empresa acrescentou como se estivesse a pedir-lhe desculpa. Sabia como ela trabalhara arduamente na OPA e como o seu contabilista lhe dera pouca ajuda. Com efeito, este resistira-lhe a cada passo.

 

É um ponto de vista muito antiquado disse Meredith, sorrindo. Ambos compreendiam que iria ser difícil viajar com Charlie, o contabilista, durante duas semanas.

 

Ele já está a queixar-se por causa da viagem.

 

Não se preocupe. Havemos de o trazer para o nosso campo. Pedirei ao Paul Black que fale com ele. É também muito conservador, mas está entusiasmado com esta operação.

 

Onde está ele? Pensei que estivessem a jantar.

 

Foi jantar com uns amigos a São Francisco. Eu estava a fazer uma última revisão ao trabalho e a tomar notas para a reunião de amanhã.

 

Você trabalha demasiado. Então, ele deixou-a sozinha? Já jantou?

 

Jantei aqui no quarto há cerca de uma hora e estou óptima. Trouxe bastante trabalho para fazer, acredite.

 

Fazia sempre isso. Nunca ia a parte alguma sem a sua pasta. Steven gracejava sempre com ela por causa disso.

 

Que diz a um pequeno-almoço amanhã, Meredith? Gostava de falar consigo antes de irmos para o escritório.

 

Parece-me bem. Às sete e meia, aqui no hotel? Vi uma casa de jantar quando aqui cheguei. Deixarei uma mensagem ao Paul esta noite, e amanhã podemos reunir-nos todos aqui.

 

Só pensava em negócios e estava tão ansiosa por iniciar a operação como ele.

 

Quer trazer o seu contabilista? perguntou. Parecia-lhe uma pergunta apropriada.

 

Não. Na verdade, prefiro falar primeiro consigo. Vamos depois encontrá-lo no escritório.

 

Bom. Então, até amanhã.

 

Não trabalhe toda a noite, Meredith. Temos tempo, amanhã.

 

Parecia quase paternal ao dizer aquilo. Era ainda um homem novo, catorze anos mais velho do que ela. Tinha cinquenta e um e não parecia muito mais velho do que Steven. Callan Dow era um homem saudável, enérgico, bronzeado e bem parecido, como bom californiano. Mas Meredith sentia-se fascinada apenas pela sua empresa. Nada mais a intrigava nele.

 

Até amanhã.

 

Meredith desligou, deixou uma mensagem no voice mail do telefone de Paul, informando-o da reunião da manhã seguinte, tomou um duche e foi-se deitar. Tentou novamente falar com Steven, mas este não atendeu a chamada e ela calculou, correctamente, que devia estar muito ocupado com os seus doentes. Quando por fim ele ligou, Meredith dormia profundamente. O ruído do telefone acordou-a Eram duas horas da manhã na Califórnia.

 

Olá, querida... Acordei-te?

 

Claro que não O Paul e eu estávamos aqui sentados a jogar póquer. A voz dela era sonolenta, mas ele estava demasiado cansado para se aperceber disso.

 

Isso é verdade?

 

Claro que sim. Sabes como o Paul é um sujeito divertido.

 

Desculpa. Não quis acordar-te. Aqui são cinco horas e estive na sala de operações desde a meia-noite. Recebi a tua mensagem quando de lá saí.

 

Como correram as coisas? perguntou Meredith sufocando um bocejo.

 

Desta vez ganhámos. Um condutor embriagado atropelou um rapazinho de sete anos e deixou-o em mau estado Mas vai ficar bom. Tem as pernas partidas, as costelas num estado lastimoso, mas não há danos permanentes.

 

Uma das costelas tinha perfurado um pulmão, mas a perícia de Steven fizera milagres.

 

Que estava ele a fazer na rua à meia-noite?

 

Estava sentado numa boca de incêndio que deitava água. Aqui está calor.

 

Chegaste a ir a casa? perguntou Meredith com outro bocejo, virando-se para o outro lado para olhar para o relógio. Era tarde, mas sentia-se contente por ter notícias dele

 

Não tinha motivo para ir a casa. Resolvi dormir aqui De qualquer modo, dentro de três horas teria de estar outra vez cá.

 

És o único ser humano que conheço que trabalha mais do que eu, Steven Whitman.

 

Foste tu que me ensinaste tudo quanto sei nesse campo. Então, como vão as coisas? Viste o teu cliente?

 

Não. Só o verei ao pequeno-almoço amanhã de manhã... isto é, daqui a umas horas. Mas estou preparada. Acabei todo o meu trabalho no avião. Falei com ele esta noite e pareceu-me muito interessado no assunto.

 

Meredith estava agora bem desperta e não sabia se conseguiria voltar a pegar no sono.

 

Creio que é melhor deixar-te voltar a adormecer... Só queria dizer-te que te amo e que sinto a tua falta.

 

Eu também sinto a tua, Steve. Sorriu no escuro, segurando o telefone, pensando nele. Estarei de volta antes de tu dares por isso.

 

Sim, e eu estarei preso aqui, como um rato numa ratoeira, como sempre. Já viste a loucura da nossa vida? perguntou Steve, olhando para o tecto, pensando nela. Eram ambos pessoas demasiado ocupadas. Por vezes, excessivamente, mas sabia que Meredith gostava daquilo que fazia, assim como ele.

 

Ainda hoje, quando me vim embora, pensei como seria impossível termos a vida que temos se tivéssemos filhos. Era impossível, Steve. Por isso é que nunca tivemos nenhum.

 

Se fosse preciso, havíamos de conseguir. Há pessoas tão ocupadas como nós que conseguem retorquiu Steve com ar melancólico.

 

Diz-me duas pediu ela. Ao menos uma. Não conheço ninguém que viva como nós. Tu nunca estás em casa, passas dias seguidos sem lá ires. Eu... ou ando em viagem, ou estou no escritório. Que grande vida para uma criança! Teríamos de usar cartões ao peito a dizer «mãe» e «pai» para eles nos reconhecerem quando nos vissem.

 

Eu sei, eu sei... Achas que não estamos preparados. Só tenho medo que, quando tu achares que estás preparada, eu seja demasiado velho para o fazer.

 

Nunca serás demasiado velho «para o fazer». Merrie riu, mas sabia que ele falava a sério, muito mais do que ela. Não se sentia preparada para pensar em ter filhos e não tinha a certeza se alguma vez estaria. Não podia imaginar a existência de filhos na vida já demasiado sobrecarregada que levavam. E a ideia começara a atraí-la cada vez menos no decorrer dos anos, apesar de detestar desapontá-lo. Sabia o que significava para ele ter filhos. Não fechara completamente a porta a esse assunto, mas nunca era algo que ela desejasse fazer.

 

Um dia destes teremos de ter uma conversa muito séria sobre o assunto, Merie.

 

Só depois de terminada a OPA da Dow Tech afirmou Merie, surpreendentemente desperta. O facto de ele falar em terem filhos punha-a sempre na defensiva. Mas havia sempre alguma companhia que pretendia realizar uma OPA, alguma empresa que precisava da ajuda dela, algum negócio que tinha de fazer, alguma digressão que devia concluir. Em catorze anos nunca houvera uma ocasião que lhe parecesse certa, e Steve começava a pensar que nunca haveria. Tinha uma verdadeira sensação de perda quando pensava que poderiam nunca ter filhos. Contudo, ele sempre desejara mais ter filhos do que ela. Merie sempre dissera que Steve era a única família de que precisava.

 

É melhor deixar-te dormir, Merie, ou amanhã estarás a dormir em pé.

 

Sabia que ela ia ter um longo dia pela frente, que iria apanhar o avião de regresso a Nova Iorque, onde aterraria às seis horas da manhã de terça-feira. E, conhecendo-a como a conhecia, tinha a certeza de que ela chegaria a casa, tomaria um duche e às oito e meia estaria no escritório.

 

Telefono-te amanhã, quando puder prometeu, sufocando um bocejo, esperando conseguir dormir umas horas antes de se levantar às seis e meia. Obrigada por teres telefonado. Amo-te. Boa noite.

 

Desligaram, então, mas ela levou meia hora para voltar a adormecer, pensando nele e depois na reunião com Callan Dow. Pareceu-lhe que tinham passado apenas uns minutos, quando o despertador tocou e a acordou.

 

Levantou-se, tomou um duche, vestiu-se e penteou-se, prendendo o cabelo na nuca, o que lhe dava um ar sóbrio que achava adequado para a reunião. Trouxera na mala um fato de linho azul-escuro e, quando apareceu na sala de jantar com a pasta na mão, a sua aparência era impecável. Calçava sapatos de salto alto e como únicas jóias uns brincos com uma pérola. Eram exactamente sete e trinta. E, embora ela própria não se apercebesse disso, causava sensação. Parecia mais uma modelo vestida como uma executiva, e muitas cabeças se voltaram para a olhar quando ela se dirigiu rapidamente para a mesa onde já se encontrava Paul Black. Este, com um fato de Verão cinzento-escuro, camisa branca e uma gravata elegantemente sóbria, parecia o que de facto era, um consultor financeiro de Wall Street.

 

Como correu o seu jantar? - perguntou delicadamente Meredith, enquanto se sentava e pedia um café.

 

Muito agradável. Mas o percurso daqui à cidade é bastante demorado. Vim mais tarde do que tinha pensado. Você fez bem em ficar aqui.

 

Meredith não lhe fez notar que ele não lhe dera outra opção e contou-lhe o telefonema de Callan Dow na noite anterior.

 

Está muito satisfeito com tudo o que fizemos para preparar a viagem.

 

Deve estar. Creio que vai ser uma boa operação, pelo que você me contou, Meredith. Acho que vai correr muito bem para eles.

 

Foi isso que eu lhe disse.

 

Mas antes de poder continuar, viu Callan Dow à entrada da sala olhando à sua volta, à procura deles. O seu aspecto era exactamente o que ela recordava. Alto, bem constituído, um bonito homem de cabelo claro, olhos azuis muito vivos e um ar atlético. Era quase bem-parecido de mais e, embora ela soubesse que ele nascera no Leste, parecia muito californiano. Vestia uma camisa azul, que fazia realçar o bronzeado da pele, uma gravata Hermes azul e amarela, um fato de caqui de bom corte e uns sapatos leves e reluzentes. Parecia um actor de cinema, e a descrição que ela fizera a Steve, de que lhe fazia lembrar Gary Cooper, parecia-lhe mais que correcta. Viu-os rapidamente e dirigiu-se para eles com um largo sorriso, apertando a mão a ambos com uma expressão de prazer.

 

Foram muito amáveis em deslocarem-se aqui disse com afabilidade, sentando-se à mesa. Pouco depois, pediram o pequeno-almoço. Ele escolheu ovos mexidos e uma taça com fruta, Meredith optou por café e torradas e Paul pediu ovos escalfados e leite com cereais.

 

Conversaram animadamente sobre o negócio, os planos dele e a digressão programada. Meredith acalmou quaisquer receios que ele tivesse tido ultimamente e entregou-lhe a pasta com o resumo da operação, que ele folheou rapidamente enquanto bebia a sua segunda chávena de café

 

Parece que vamos andar a correr de um lado para o outro.

 

E é isso mesmo que tem de ser. Começamos em Chicago, de amanhã a duas semanas.

 

Tinham decidido iniciar a viagem ali, por ser uma cidade menos importante para eles e lhes poder dar oportunidade de aperfeiçoar a sua apresentação. Daí iriam a Minneapolis e seguiriam para Los Angeles e São Francisco. Ele iria passar o fim-de-semana a casa e ela também, metendo-se num avião para Nova Iorque Na segunda-feira seguinte, encontrar-se-iam em Boston, fariam a sua apresentação final em Nova Iorque e depois seguiriam para a Europa. Ela já tinha tudo preparado para Edimburgo, Genebra, Londres e Paris. Depois disto, o trabalho dela estaria concluído. Esperava que o grupo de investidores se dissolvesse e que as acções fossem vendidas aos balcões do fluorescente mercado da aparelhagem electrónica. Os olhos dele brilhavam como os de uma criança ao falarem disso.

 

Enquanto terminavam o pequeno-almoço, Callan Dow falou outra vez nas dificuldades que estava a ter com o chefe do departamento de contabilidade da sua firma, Charles Mcintosh. Este continuava a fazer marcha atrás quando se tratava da OPA e era certamente um grande aborrecimento para Callan. Por causa das suas objecções aos objectivos de Callan em relação à empresa, estava decidido a cooperar o menos possível.

 

Tive grande dificuldade em o convencer de que estamos a fazer o que está certo. E sei que ele acha que tem razão quando tenta dissuadir-me. É uma excelente pessoa e conheço-o há muitos anos. É incrivelmente leal, mas também inacreditavelmente obstinado disse Cal, mostrando-se preocupado.

 

É bom que consigamos convencê-lo antes de iniciarmos a viagem observou Meredith com uma expressão inquieta. As pessoas vão ficar preocupadas se perceberem que há uma voz discordante, ou parecer que ele tem reservas acerca do que fazemos. As pessoas não compreenderão que as objecções dele são pessoais e poderão interpretar mal a sua posição afirmou com firmeza Meredith.

 

Não se preocupe, Meredith. Se ele fizer isso, não será um problema.

 

Porquê? quis saber Meredith, surpreendida.

 

Porque eu matá-lo-ei disse Callan Dow com uma gargalhada. Trabalhamos juntos há anos e ele é basicamente um resmungão. É uma dessas pessoas que, se dizemos para irmos para a direita, quer logo ir para a esquerda. É um tipo muito esperto, mas algumas das suas ideias são antiquadas.

 

Callan sabia bem o que queria para a sua empresa. Mas era mais novo que Charlie e tinha ideias incrivelmente avançadas.

 

Não tenho a certeza de que ele seja o seu maior trunfo disse Meredith, sorrindo. Confiava na sensatez de Callan e na sua capacidade de avaliar as pessoas. Ele chegara onde estava por saber avaliar as pessoas com quem trabalhava. E se achava que conseguia controlar o seu contabilista, certamente poderia fazê-lo.

 

Na verdade, Meredith continuou Callan, enquanto Paul Black assinava a conta, concordo consigo, mas essa é uma outra questão. Ele trabalha há muito tempo comigo e só espero que mude de ideias a respeito disto.

 

Meredith concordou e saíram os três do restaurante, dirigindo-se para o parque de estacionamento. Um carro com motorista esperava Callan e os seus convidados para os transportar ao escritório. Durante o caminho falaram descontraidamente dos seus negócios, da sua casa, que ficava perto, e dos seus três filhos. Meredith havia-se esquecido de que ele tinha filhos. Era evidente, pelo que dizia, que viviam com ele; pensou então onde estaria a mulher dele, se teria morrido ou se estariam divorciados. Mas achou estranho que um homem com tanto sucesso nos negócios educasse os filhos sozinho. Dissera que tinham estado os três a passar o Verão na sua casa do lago Tahoe, e acabara de os trazer consigo para ali por causa da OPA, mas que voltariam para lá no fim-de-semana. Gostava de estar com os filhos.

 

Geralmente tiro férias em Agosto para estar com eles, mas este ano teve de ser diferente.

 

Com efeito, houvera muito trabalho a fazer da parte dele, e fizera-o bem. Estava tudo impecavelmente preparado; todas as informações que ela e Paul pudessem desejar tinham sido analisadas e estavam à sua disposição Como já sucedera anteriormente, Meredith ficou muito impressionada com os conhecimentos de Callan sobre tecnologia e com a maneira como dirigia a sua empresa.

 

O único senão em tudo o que se passou nesse dia foi o procedimento de Charles Mcintosh, que parecia ter milhares de objecções sem fundamento a tudo o que eles faziam. E, pior ainda, mostrava claramente desconfiar deles e demonstrava o seu desagrado por a OPA ser dirigida por uma mulher, embora nunca o dissesse claramente. Mas tornou isso tão claro a toda a gente que, quando finalmente saíram da sala, Callan Dow pediu desculpa a Meredith.

 

Acho que o Charlie é irremediavelmente um velho chauvinista disse, e receio nada poder fazer contra isso.

 

Cal parecia verdadeiramente embaraçado, mas Meredith riu-se, de forma a afastar o embaraço dele, embora Mcintosh tivesse chegado a aborrecê-la várias vezes.

 

Não se preocupe. Estou habituada a isso respondeu calmamente. O Paul também não tem ideias muito modernas.

 

Tinham saído os dois com o intuito de irem conversar para o escritório de Charlie, deixando Callan e Meredith a tratar dos últimos pormenores. Viajar com Charlie iria ser difícil, mas Meredith sabia que, estando Callan por perto, aquele não se atreveria a dizer nada que causasse mau efeito no público. Ele não queria fazer nada que fizesse zangar Callan. Mas certamente não seria agradável viajarem juntos, e muito dificilmente conseguiriam fazê-lo endossar o projecto.

 

Não haverá problemas com Charlie insistiu Callan com optimismo. A verdade é que ele gosta da empresa e só quer o melhor para ela, embora não concorde comigo. É extremamente leal, apesar de ser de vistas curtas

 

Estou surpreendida por ele o ter deixado meter-se nisto.

 

Nada podia fazer respondeu Callan com firmeza. Meredith compreendeu então que Callan não aceitaria outra coisa que não fosse o total apoio de Charlie, e era óbvio que este o sabia. Só lamento que ele a aborreça.

 

Não tem importância. Já tenho visto pior. Sou capaz de enfrentar um pouco de chauvinismo. Ele não me assusta. Só receio que dê uma impressão errada às outras pessoas.

 

Prometo que não o fará.

 

Almoçaram os quatro na sala de reuniões e depois disso Charlie ofereceu-se para dar uma volta com Paul Black, ignorando completamente Meredith, o que lhe agradou imenso. Ficava satisfeita por passar o resto da tarde com Callan, analisando os factores de risco do processo. E quando os dois homens voltaram, Meredith e Callan tinham feito quase tudo o que precisavam; eram quase cinco e meia da tarde.

 

A que horas parte o seu avião? perguntou Callan a Meredith, com uma expressão preocupada. Até àquela altura nem sequer tinha pensado nisso. O trabalho absorvera-os durante a tarde inteira e Meredith estava extremamente satisfeita com o encontro. Não havia perguntas sem resposta. Até mesmo Charles Mcintosh parecia um pouco mais descontraído, na altura em que Meredith e Paul se preparavam para sair do escritório. Paul parecia tê-lo conquistado.

 

Só temos de estar no aeroporto às oito e meia.

 

E se fôssemos jantar mais cedo? perguntou Callan. Meredith não queria que ele perdesse mais tempo com eles do que o necessário, por isso respondeu:

 

Eu e o Paul podemos jantar no hotel e irmos directamente para o aeroporto disse. Temos muito que conversar.

 

Prefiro convidá-los para jantar respondeu Callan, incluindo Paul no convite. Nessa altura, já Charles Mcintosh os tinha deixado, tendo sido pouco delicado para com Meredith ao despedir-se dela. Era quase como se tivesse ciúmes dela e da sua influência sobre Callan. Realmente tinha qualquer problema contra ela, e tanto Meredith como Callan se apercebiam disso. Charlie censurava-lhe ter tornado possível fazer uma OPA da empresa. Dissera repetidamente a Cal que, quando houvesse accionistas, ele perderia completamente o controlo da empresa, e via isso como um desastre potencial Para eles. Ignorava completamente o enorme influxo de dinheiro e de oportunidades que a venda de acções lhes traria. E, mais do que tudo, Charlie via Meredith como a origem dos potenciais futuros problemas. A zanga contra ela devia-se a isso. Há muito que resolvera esquecer que a ideia de tal operação não fora de Meredith, mas sim de Callan.

 

Gostam de comida chinesa? perguntou Cal directamente a Meredith; enquanto esta hesitava, tentando arranjar uma desculpa airosa, Paul aceitou com agrado e saíram os três do escritório para ir jantar.

 

E, na verdade, o jantar foi muito agradável. Depois de terem trabalhado em conjunto durante o dia inteiro, os três sentiam-se completamente à vontade. Até Paul se descontraiu, parecendo mais condescendente do que de costume. Até contou algumas histórias muito engraçadas acerca de antigas digressões semelhantes à que iam realizar. Na altura em que Callan os deixou no hotel, sentiam-se como velhos amigos, e Paul e Meredith tiveram pena de o deixar

 

Até daqui a duas semanas disse Callan com um largo sorriso, quando lhes apertou as mãos no vestíbulo.

 

Se quiser saber mais alguma coisa, telefone encorajou Meredith Ou se estiver preocupado com qualquer coisa.

 

Provavelmente sou demasiado ignorante a respeito de tudo isto para saber com que devo preocupar-me.

 

Riu, bem-disposto. Tal como Meredith, o seu aspecto era tão impecável às oito da noite como havia sido às sete e meia da manhã. Tinham em comum esse ar elegante e impecável sem esforço. Com os cabelos louros, olhos claros e modos semelhantes, pareciam quase irmão e irmã. Acenou-lhes prazenteiramente ao sair do hotel e encaminhou-se para o carro que o esperava. Prometera enviar-lhes o carro daí a minutos para os levar ao aeroporto, pois ia voltar ao escritório para buscar o seu Ferrri. Meredith vira-o no parque de estacionamento nessa manhã, mas não sabia a quem pertencia. Era um descapotável vermelho, muito bonito

 

É um tipo simpático disse Paul Black, parecendo quase surpreendido, antes de se dirigirem aos respectivos quartos para ir buscar as bagagens. Vai fazer uma boa viagem com ele. Tem sentido de humor

 

Sim, tem concordou Meredith. E sabe o que está a fazer, o que é excelente. E quando não sabe, não receia confessá-lo

 

Embora suspeitasse de que Callan tinha um grande ego, de qualquer maneira a humildade na hora certa era muito adequada e também muito pouco habitual naquele género de negócios.

 

Creio que você vai ter um grande sucesso com isto, Meredith acrescentou Paul, antes de se dirigirem para os respectivos quartos. Encontrar-se-iam no vestíbulo daí a meia hora. Meredith telefonara para Steve, mas, como de costume, não conseguira contactá-lo, deixando uma mensagem. Meia hora depois, ela e Paul iam a caminho do aeroporto.

 

O avião partiu à hora marcada e ela trabalhou durante algum tempo, enquanto Paul dormia a seu lado. Passado um bocado, Meredith guardou os papéis, apagou a luz e fechou os olhos. Quando deu por si estavam a aterrar no Aeroporto Kennedy. Eram seis horas da manhã. Tal como Steven previra, meteu-se num táxi para casa, tomou um duche, mudou de roupa e às oito e meia estava no escritório, sentada à sua secretária, escrevendo notas sobre a reunião com Callan Dow. Em seguida, trabalhou com os advogados para dar os retoques finais à operação.

 

Steve ligou-lhe para o escritório ao meio-dia, entre duas operações, e ficou satisfeito por saber que ela regressara bem.

 

Gosto de saber que estás de volta declarou num tom de alívio. Quando sei que estás longe, sinto mais a tua falta.

 

Meredith não pôde deixar de pensar na diferença que isso lhe faria, visto que, de qualquer maneira, não poderiam ver-se. Às vezes tinha a sensação que ela e Steve viviam em planetas diferentes. O mundo dele parecia-lhe muito distante do dela. Quando pensava nisso, sentia-se só. Mas não podia pensar nisso agora. Tinha muito que fazer com a OPA da Dow Tech. Falou com Callan nessa tarde e viu que ele ficara encantado com a reunião do dia anterior. Estava entusiasmado com as perspectivas que via abrirem-se para a sua empresa.

 

Agora já não falta muito disse Meredith, encorajando-o, sentindo-se como a mãe galinha à espera que os seus filhos saíssem da casca. A verdade é que os clientes e as companhias deles representavam os filhos que ela nunca tivera. Eram Os seus bebés, os únicos que queria de momento. Nunca diria tal coisa a Steve, mas desconfiava que não precisava de o fazer. Ele sabia isso, tal como sabia tudo a respeito dela.

 

Quando estava sentada à sua secretária, já de noite, olhou para fora, pela janela, e pensou no marido. Ele estaria ainda nas urgências, a salvar uma vida, a reconfortar uma criança ou a tranquilizar uma mãe. Era um trabalho nobre. Contudo, no mais fundo de si própria, continuava a achar que o que ela fazia era mais excitante. Gostava de tudo o que fazia. Pensou em telefonar novamente a Steve, mas provavelmente não o apanharia e desistiu de o fazer. Permaneceu no escritório até às duas da manhã e saiu, então, com um sorriso satisfeito. Fechou a porta, desceu e chamou um táxi para a levar a casa, sempre com a pasta na mão. Aquela era a única vida que conhecia, tudo quanto amava e tudo quanto desejava.

 

Nas duas semanas seguintes, Steve e Meredith mal se encontraram. Ela ficava no escritório até perto da meia-noite, a trabalhar com os outros sócios na operação que tinha em mãos e noutros projectos de firmas que iriam investir na OPA da empresa de Callan Dow. As firmas que queriam fazer esses investimentos eram cerca de trinta. Meredith passou horas a falar com os analistas da sua empresa para ter a certeza de que elas apoiariam a operação desde o início. E passou outro tanto tempo a falar com os vendedores da sua firma, para confirmar se já haviam contactado instituições interessadas na aquisição das acções nas cidades por onde iriam passar na sua digressão. Tratava-se de companhias de seguros, de grandes universidades, de todo o género de instituições com grandes fundos para investir. Todas elas deviam ter conhecimento de que eles iriam ao local. E, é claro, que se reunia constantemente com os advogados da firma para preparar tudo, para ter a certeza de que as perguntas que lhes fizessem iriam ter respostas. Além disso, pensava no número final das acções que seriam vendidas e no preço final, embora houvesse números definidos no prospecto, que tinha agora mais de cem páginas. Era uma quantidade inacreditável de trabalho que requeria a sua atenção constante, e tinha a sensação de sair a meio do dia de trabalho, quando, por fim, ia para casa, já depois da meia-noite.

 

Callan Dow estava imensamente impressionado com o que ouvia quando falava com ela, e particularmente pelo modo como ela contornara o factor de risco, no prospecto, transformando-o num factor quase positivo a favor da companhia, uma forma de arte que desenvolvera cuidadosamente. Na verdade, Callan estava encantado com tudo o que Meredith fazia e não podia acreditar na sorte que tivera em trabalhar com ela.

 

Uma semana depois de se iniciar a digressão, os advogados que trabalhavam com eles enviaram o prospecto final para o SEC, a fim de ser aprovado. Callan Dow mostrou-se compreensivelmente nervoso com isso, mas Meredith tranquilizou-o. Disse-lhe que era uma das melhores OPAs em que trabalhara e que não devia estar preocupado

 

No fim da última semana, todos os pormenores haviam sido aperfeiçoados e Meredith sentia-se confiante em que nada fora deixado ao acaso. O grupo de investidores estava reunido, os analistas satisfeitos, os vendedores quase tão excitados com a Dow Tech como o próprio Callan, e nem o SEC lhes estava a causar qualquer problema. A única coisa que a preocupava, no fim-de-semana anterior ao do Dia do Trabalho, era o pouco tempo que passara com Steven e percebia, quando falava ao telefone com ele, que Steve estava desgostoso com isso. Mas nas últimas duas semanas fora-lhe impossível fazer outra coisa. Tivera de tratar de demasiados pormenores importantes, e isso impedira-a de passar mais tempo com o marido.

 

Sinto-me como se estivesse casado com uma amiga imaginária observou ele na quimta-feira à noite quando lhe telefonou do hospital. Era uma hora da manhã e ela estava ainda no escritório. Steve acabava de abandonar a sala de operações e só sairia de serviço na sexta-feira ao meio-dia. Encontrava-se no hospital desde terça-feira de manhã. Fora chamado quatro vezes para urgências durante o fim-de-semana em que ela trabalhara, por isso também não podia queixar-se muito.

 

Lamento retorquiu Meredith, parecendo cansada, mas satisfeita. Sentia-se encantada por ter corrido tudo tão bem. Fora um negócio invulgarmente bom para a firma, e um dos raros em que não tinham surgido contratempos à última hora. Isto tem sido uma loucura nas últimas semanas, mas valeu a pena. Creio que nunca estivemos tão bem preparados para uma oferta de aquisição como desta vez

 

Meredith sentia-se contente não só com a validade da companhia, mas também com os seus produtos. O próprio Steven lhe dissera que os instrumentos fabricados pela Dow Tech eram excepcionalmente bons. Meredith falara-lhe nisso desde o início e ele tranquilizara-a a esse respeito

 

Se me disseres que tens de trabalhar este fim-de-semana, Merie, mato-te! E desta vez parecia falar a sério

 

Juro que vou tentar acabar tudo até ao meio-dia de amanhã; depois sou toda tua até segunda-feira.

 

Prometera a si própria e a ele que o fim-de-semana do Dia do Trabalho seria sagrado para os dois. Steve bem o merecia.

 

Não estás de serviço, pois não, querido?

 

Nem pensar. Não quero saber se meia Nova Iorque se vai esvair em sangue, ou se um vulcão entrará em erupção no meio de Central Park. Não estou de serviço e vou atirar o meu pager para o caixote do lixo amanhã ao meio-dia. Tenciono passar o fim-de-semana na cama contigo, nem que para isso seja preciso amarrar-te à cama.

 

Isso parece-me demasiado rebuscado.

 

Meredith riu das palavras dele, mas percebeu que o marido estava também muito cansado. E quando ele, finalmente chegou a casa, ao meio-dia de sexta-feira, Meredith já lá estava à sua espera. Era outro desses dias quentes e húmidos que todos esperam em Nova Iorque em finais de Agosto, e ela andava de um lado para o outro no quarto, só com a roupa interior, quando Steve entrou, vestido com o seu velho fato de treino e com uma barba de dois dias. Fora uma semana diabólica para ele mas, como prometera, saíra de serviço ao meio-dia. Quando viu a mulher, sorriu e atirou o pager para cima do balcão da cozinha.

 

Se essa coisa tocar nos próximos três dias, vou matar alguém afirmou Steve, abrindo uma cerveja e atirando-se para o sofá com um olhar de admiração para o soutien de cetim branco e para as cuequinhas da mulher. Espero que não seja isso que vás usar durante a digressão. Podias vender uma quantidade de acções, mas irias causar distúrbios.

 

Meredith inclinou-se e beijou-o. Steve passou-lhe a mão pela coxa sedosa e bebeu outro gole de cerveja gelada, antes de pousar a lata sobre a mesa da sala.

 

Céus, estou cansado! confessou. Creio que metade dos habitantes de Nova Iorque deve ter disparado sobre a outra metade esta semana, e os restantes caíram e partiram qualquer coisa. Se vir mais algum ferido hoje, creio que vou ter um ataque de loucura.

 

Steve sorriu para a mulher, começando a sentir-se descontraído, depois da tensão constante de três dias de trabalho nas urgências

 

É bom ver-te disse. Começava a duvidar que continuássemos casados. Parecia-me que estava casado com uma hospedeira de bordo. Sempre que estava em casa, não estavas tu. Começava a ser um pouco de mais, não achas?

 

Acho, mas nas últimas duas semanas foi-me impossível fazer outra coisa. No entanto, quando regressar, tudo vai ser mais calmo. Prometo.

 

Sim. Cerca de dois minutos respondeu ele, parecendo extremamente cansado. Dormira apenas seis horas durante as últimas setenta e duas. Meredith admirava-se de ele conseguir fazer isso. Ela, pelo menos, conseguia vir todas as noites a casa descansar um bocado

 

Espero que não voltes a ter outra OPA nos próximos seis meses acrescentou Steve, fazendo-a sorrir.

 

Não sei se os meus sócios ficariam muito encantados com essa perspectiva retorquiu, bebendo um gole de cerveja e sentando-se ao lado dele no sofá. Mesmo com o ar condicionado no máximo, continuava a haver calor no apartamento. A temperatura passara dos quarenta graus toda a semana e até durante a noite o calor era insuportável. Houvera algumas falhas de energia, mas ela e os sócios continuaram a trabalhar mesmo assim. Só os hospitais não tinham sido afectados, pois possuíam os seus próprios geradores, não podendo sujeitar-se a ficar sem electricidade a meio de uma operação, nem os diferentes equipamentos destinados a preservar vidas deixarem de funcionar de repente.

 

Que queres fazer este fim-de-semana? perguntou Steve, olhando ternamente para a mulher e acariciando-lhe o cabelo louro. Estava terrivelmente cansado, mas não podia deixar de reparar como ela era bonita e sexy. Nunca pensava nela como uma conselheira de investimentos de alta finança, mas sim como uma mulher muito bonita. As suas capacidades profissionais eram apenas uma coincidência e tão pouco importantes para Steve como os honorários dela. Sentia-se orgulhoso em relação à mulher, mas nunca se preocupara em saber quanto ela ganhava. Quando a conhecera, Meredith era estudante, vivia de uma bolsa de estudos e não tinha dinheiro nenhum. O bom salário e as ricas recompensas que agora recebia com o seu trabalho pareciam-lhe agradáveis, mas não se importaria nada se vivessem num estúdio em Upper West Side e passassem fome. A disparidade financeira entre ambos não lhe interessava. Meredith ganhava muito e fizera bons investimentos no decorrer dos anos. Era bom para eles, mas nada que tivesse importância para Steve.

 

Gostava de ir a um jogo de basebol declarou, sorrindo. Meredith era uma entusiasta do basebol, e ele também, mas dessa vez não se mostrou muito entusiasmado com a sugestão.

 

Com este calor? Amo-te, mas acho que és doida. Que tal irmos ao cinema? Depois de passar as próximas vinte e quatro horas contigo na cama. Primeiro o mais importante, Mistress Whitman.

 

Sorriu lascivamente e ela riu-se. Steve desejava-a sempre, mesmo quando estava mortalmente cansado. Era raro estar tão exausto que não pudesse fazer amor, a não ser depois de um dia excessivamente deprimente no hospital, ou depois de perder um doente. Só ela sabia como o marido sofria com a morte de um paciente, especialmente se se tratava de uma criança.

 

Na verdade, estava a pensar em fazer as malas esta tarde, para não ter de pensar mais nisso disse Meredith. Podias tomar um banho, dormir uma sesta, e quando acordasses já eu estava despachada.

 

Não é má ideia. Estou exausto Mas só se me prometeres que, quando me apanhares a dormir, não voltas para o escritório.

 

Juro que não. Eles não esperam voltar a ver-me durante duas semanas inteiras, e quero lembrar-te de que virei a casa no próximo fim-de-semana para estar contigo, depois de terminarmos o que temos a fazer em São Francisco. O Callan irá passar o fim-de-semana com os filhos, e eu virei ter contigo na sexta à noite. Chegarei no sábado de manhã, às seis horas, e ficarei até partirmos para Boston, no domingo.

 

Já é alguma coisa. Creio que tenho de ficar grato pelos pequenos favores

 

Podias ir ter comigo a Londres ou a Paris, no fim-de-semana seguinte, depois de terminar a digressão.

 

Steve ficou momentaneamente intrigado com a proposta. Depois calculou rapidamente.

 

Que fim-de-semana é esse? Daqui a duas semanas? Ela assentiu com a cabeça. Merda. Estou de serviço. O Lucas tem de ir a uma reunião em Dallas e eu fico a dirigir a unidade nesse fim-de-semana.

 

Não te preocupes com isso. Eu venho para casa. Podemos ir a Paris noutra altura qualquer.

 

Meredith inclinou-se para o beijar e foi para o quarto começar a fazer as malas. Steve dirigiu-se para a casa de banho, deixando-se ficar debaixo do chuveiro durante meia hora, para fazer desaparecer o cheiro, a exaustão e o sofrimento das urgências. Depois disso, estendeu-se na cama, descontraído e nu, ficando a vê-la andar sem ruído de um lado para o outro a fazer as malas. Cinco minutos depois, dormia profundamente. Meredith, olhando-o, achou que era um homem bonito. Sorriu, continuando o seu trabalho. De vez em quando parava, para o ver dormir. Apesar dos desencontros das suas vidas, estavam ainda muito apaixonados um pelo outro, e ela sabia bem que, se o relacionamento deles era tão bom, isso se devia, em parte, ao facto de o marido ser um homem tolerante e compreensivo. Conhecia muitos homens que se sentiriam ameaçados pelas exigências do trabalho dela. Mas Steve nunca o mostrava. Sentia-se feliz por ela gostar daquilo que fazia e sentia-se realizado pelo seu próprio trabalho. Era uma combinação perfeita.

 

Meredith fechou a última mala perto das quatro da tarde. Em seguida, sentou-se para descansar e ler uma revista, coisa que raramente tinha tempo para fazer. Mas o seu trabalho estava completo, fizera uma revisão total, a pasta estava colocada junto das malas fechadas e, agora, só lhe restava gozar o fim-de-semana com o marido. Este dormia ainda calmamente, estendido na cama, e ela ouvia-o ressonar tranquilamente, quando escutou um zumbido vindo da cozinha. Quando lá entrou para ver o que era, percebeu que se tratava do pager. Ficou a olhá-lo com desconfiança durante um grande bocado, como se se tratasse de um animal que a pudesse atacar, caso se aproximasse de mais; contudo, também se sentia culpada se o ignorasse. Steve não estava de serviço e, se eles o chamavam, devia ser por alguma coisa importante, talvez alguma coisa que só Steve soubesse fazer. Meredith dirigiu-se lentamente para o balcão da cozinha e olhou para o mostrador do pager. Uma luz vermelha acendia e apagava, e os números 112 apareciam por todo o ecrã. Fosse o que fosse, não havia dúvida de que era urgente. Pegou no aparelho e olhou-o. De repente, soube o que devia fazer. Levava ainda o pequeno aparelho na mão quando entrou, sem ruído, no quarto e tocou ao de leve no ombro do marido. Ele mexeu-se, entreabriu os olhos e sorriu. Depois estendeu uma mão para lhe tocar num seio. Estava mais que disposto a cumprir as promessas que tinha feito antes. Mas ouviu o pager e franziu o sobrolho. Abriu completamente os olhos e estendeu a mão para o aparelho. Viu então os números.

 

Diz-me que estou a ter um pesadelo disse Steve, virando-se e acrescentando: O Lucas está lá este fim-de-semana. Não precisam de mim concluiu quase com um gemido.

 

Talvez seja melhor ligares para lá sugeriu Meredith em voz baixa, sentando-se na cama ao seu lado. Talvez te queira consultar sobre alguma coisa importante.

 

Lucas e Steve trabalhavam juntos e tinham uma enorme admiração e respeito um pelo outro.

 

Steve suspirou, sentou-se na cama e estendeu a mão para o telefone com uma expressão infeliz.

 

É bom que seja uma coisa importante murmurou enquanto carregava nas teclas para marcar o número. Como sempre, na sua opinião, levavam demasiado tempo a atender, mas tinham pouco pessoal e estavam sempre muito ocupados.

 

Daqui, doutor Whitman disse com voz irritada quando atenderam. Tenho uma urgência no meu pager, com luzes vermelhas. Diga-me que é um engano, Barbie proferiu ao reconhecer a voz que falava do outro lado. Depois ficou a ouvir durante muito tempo. Meredith não conseguiu perceber o que ele estava a ouvir. O rosto dele ficou inexpressivo durante um bocado, depois viu-o fechar os olhos com força. Merda. Quantos? E com quantos ficámos nós?

 

Gemeu audivelmente quando ouviu a resposta. E onde os puseram? Na garagem? São doidos? Que esperam que façamos com cento e oitenta pessoas em estado crítico. Parece a batalha de Gettysburgh. Que diabo. Está bem... Está bem... estarei aí dentro de dez minutos

 

Olhou para a mulher com ar triste. Tinham-lhe estragado não só a noite, como todo o fim-de-semana e, provavelmente, a semana inteira

 

É melhor ligares a televisão. Uns loucos tentaram fazer ir pelos ares o Empire State Building às quatro, mesmo a tempo de apanharem toda a gente nos escritórios e o edifício cheio de turistas. Morreram perto de cem pessoas e ficaram feridas mais de mil. Mandaram-nos perto de trezentas pessoas em estado crítico. Estão a dividir os feridos mais ligeiros por todos os hospitais da cidade. Tenho setenta e cinco camas disponíveis na minha unidade e agora mais de uma centena espalhada pelos corredores, com paramédicos, e estão a chegar outros cem. Estão a chamar pessoal médico de Long Island e de Nova Jérsia. Telefono-te quando tiver um minuto

 

No entanto, pelo que via na televisão, Meredith sabia que não seria em breve

 

Dois minutos mais tarde, Steven já estava vestido e tinha saído. Meredith ficou sentada na cama, olhando para a televisão com incredulidade e horror, vendo serem entrevistadas dezenas de vítimas. Não podia sequer imaginar o que Steve iria encontrar, especialmente se lhe iam enviar apenas os feridos mais graves. Fez-lhe lembrar, mas para muito pior, as bombas em Oklahoma

 

Nas vinte e quatro horas seguintes, não soube nada de Steven. Ficou no apartamento, desejando que ele tivesse um minuto livre e lhe telefonasse, o que não sucedeu. Passou novamente em revista o material para a viagem, por não ter nada melhor a fazer. Steve telefonou-lhe finalmente à meia-noite de sábado. Tinham decorrido trinta e uma horas desde que deixara o apartamento. Disse-lhe que não tinha dormido nem comido nada, a não ser batatas fritas de pacote e aperitivos de queijo, desde que saíra de casa Haviam perdido cinquenta e duas das quase trezentas pessoas em estado crítico que lhes tinham enviado. Entre as vítimas havia algumas crianças, como era inevitável, e um grupo inteiro de turistas

 

Estás bem’ perguntou Meredith, preocupada

 

Estou bem, querida. É esta a minha vida. Podia ter sido dermatologista, assim passaria as férias e os fins-de-semana em casa. Só tenho pena de não poder passar este contigo, antes de tu partires.

 

Mas a vida deles era assim e ambos o sabiam. Ela já estava habituada a isso.

 

Não creio que consiga ir a casa antes de te ires embora disse Steve, como que a desculpar-se.

 

Não te preocupes com isso. Ver-nos-emos no próximo fim-de-semana.

 

Provavelmente estarei aqui até essa altura. Depois volto a telefonar-te. Agora tenho de ir.

 

Steve estava ainda a fazer operações, e havia feridos a serem transferidos de outros hospitais onde não podiam tratar de casos tão graves. Sabia que iria trabalhar no meio do caos durante vários dias e quando voltou a telefonar à mulher, já tarde, durante a noite, as coisas não tinham melhorado muito. Meredith não voltou a ter notícias de Steve até domingo de manhã. Nessa altura pareceu-lhe exausto. Disse-lhe que tinha conseguido dormir duas horas na noite anterior, mas, além disso, não dormira mais desde que saíra de junto dela. Estava a viver à custa de café.

 

Tens de dormir um bocado, Steve.

 

Receava que ficasse demasiado cansado e que isso prejudicasse o seu trabalho, mas tal parecia nunca suceder. Steve tentava manter os seus horários dentro do razoável, porém, nas situações de emergência, ultrapassava todos os limites razoáveis. E num caso como aquele, Meredith sabia que o marido permaneceria no hospital enquanto fosse preciso. Ele parecia aguentar-se indefinidamente de pé, e, na verdade, sabia que gostava disso. Não gostava do que sucedia aos seus pacientes para irem ter às suas mãos, mas, logo que ficavam ao seu cuidado, dava-lhes tudo o que tinha e seria capaz de morrer por eles. Era o que o tornava tão bom no serviço de urgências. Tinha a energia de um cavalo de guerra.

 

Agora vou dormir umas horas prometeu Steve. Mais logo tenho outra vez operações marcadas. Mas o Lucas está aqui e substitui-me.

 

Formavam uma grande equipa e Meredith sabia que deviam ter salvo inúmeras vidas desde a explosão. Nesse dia, um grupo de fanáticos loucos tinha-se afirmado responsável pela explosão, mas, até agora, nenhum dos criminosos fora apanhado.

 

Telefonar-te-ei antes de partires, amanhã.

 

Era difícil acreditar que já estavam quase na segunda-feira. Mesmo a Meredith a sua viagem parecia mundana e pouco importante em comparação com o que o marido estava a fazer, perante uma tão grande tragédia que causara tantas vítimas inocentes.

 

É melhor ires para o aeroporto bem cedo, querida avisou Steve. A segurança vai estar muito apertada por toda a parte e poderás levar mais tempo no check-in.

 

Era um bom conselho. Meredith tomou mentalmente nota para sair cedo, embora fosse apenas para Chicago.

 

Telefono-te mais tarde, se conseguir entrar em contacto contigo. Não te preocupes, se não puderes telefonar-me. Sei que estás ocupado.

 

Steve riu ao ouvir a palavra «ocupado», pois nem por sombras se aproximava do que seria apropriado dizer. Ainda não se podia andar pelos corredores das enfermarias das urgências. Havia pessoas em macas, em camas isoladas, até mesmo em colchões colocados no chão. Todo o pessoal médico e paramédico se encontrava exausto.

 

Graças a Deus, a maior parte deles está a soro e não é preciso alimentá-los disse com ironia.

 

A Guarda Nacional pusera à disposição do hospital camiões com alimentos para o pessoal, e a Cruz Vermelha enviara-lhes um batalhão de voluntários especialistas em primeiros socorros para os ajudar.

 

Faz boa viagem, Merrie... Dá cabo deles em Chicago!

 

Obrigada, querido. Toma conta de ti. Não te canses de mais, se puderes.

 

Sim. Pensei em jogar um pouco de ténis amanhã e levar uma massagem a seguir... Sê boa rapariga... não andes de um lado para o outro em roupa interior... ou esse tal Dow... Lembrava-se ainda da comparação que ela fizera com Gary Cooper e não gostava disso, mas confiava nela e sabia que Meredith sempre lhe fora fiel. Detestava não poderem estar juntos e há semanas que isso estava a suceder. Steve esperava poder remediar esse facto logo que a situação de desastre acabasse e a viagem dela terminasse. Talvez possamos ir passar um fim-de-semana fora.

 

Gostaria disso.

 

Steve telefonou-lhe mesmo antes de ela sair para o aeroporto na segunda-feira à tarde, mas estava entre duas operações e tinha de ser breve. Depois disso, Meredith pegou nas malas e na pasta, desceu para chamar um táxi e dirigiu-se para o aeroporto. Ali, a confusão era total. Como Steve previra na véspera, a segurança era apertada. Meredith levou mais de uma hora para conseguir o seu check-in, a fim de embarcar para Chicago. Teve a sensação de estar a sair de uma zona de guerra. Havia até guardas armados e soldados com metralhadoras.

 

Foi um alívio entrar, por fim, no avião e desembarcar na relativa calma do Aeroporto O’Hare, de Chicago. Uma hora mais tarde estava no hotel e, quando chegou, Callan ainda não se encontrava ali. Meia hora depois, ele telefonou-lhe do quarto, parecendo um rapazinho que fosse acampar pela primeira vez, excitado e ao mesmo tempo receoso.

 

Você vive numa cidade terrível disse sem preâmbulos. Desde sexta-feira que tenho visto na televisão o que lá se está a passar. É horrível!

 

Sim, é. O meu marido trabalha nas urgências do principal hospital de Nova Iorque. Receberam lá cerca de trezentos feridos em estado crítico, desde sexta-feira.

 

Deve ser um homem muito ocupado disse com admiração Callan.

 

E... Desde esse dia que não o vejo. Pareceu-me exausto de todas as vezes que falei com ele. Há até agora cerca de duzentos mortos devido à explosão. Mas você, como está? Pronto para o grande espectáculo de amanhã?

 

Iriam começar com um almoço de trabalho na manhã seguinte, durante o qual ela o apresentaria aos representantes das instituições que constituíam potenciais investidores. Depois seriam exibidos slides, ela falaria durante alguns minutos para apresentar Callan Dow, que apresentaria então o seu Projecto, seguido do seu chefe contabilista, que daria mais explicações; haveria depois um breve espaço de tempo para perguntas e respostas. Após o almoço, recomeçariam tudo outra vez, para outros potenciais investidores. Meredith sabia que no fim da semana tudo aquilo seria familiar para Callan, mas, de momento, antes de tudo começar, esperava que estivesse um pouco nervoso. Era o grande momento para o qual tanto tinham trabalhado. Meredith não se sentia nada ansiosa. Encantava-a ver quem aparecia e orquestrar tudo com uma infinita precisão, especialmente se fossem bem recebidos. O livro com a explicação de toda a operação estava esgotado, o que significava que iriam ter mais pedidos de compra de acções do que acções. O objectivo deles fora ultrapassado, pois tinham mais encomendas do que as que poderiam satisfazer, o que asseguraria um preço alto no mercado, se não houvesse acções suficientes. Nesse caso, teria de ser feito um chamado «sapato verde» de mais cinco ou dez por cento de acções, mas não suficientes para corresponder a todas as encomendas. Era altamente desejável deixar os potenciais investidores ávidos de mais acções, o que seria uma verdadeira vitória para a firma de Callan Dow e para os seus subscritores. Meredith esperava que, naquele caso, isso viesse a suceder.

 

Detesto confessá-lo, mas estou um pouco nervoso disse Callan. Pareço uma virgem

 

Não o será por muito tempo retorquiu ela, rindo. Na altura que chegarmos a Nova Iorque vai ser um verdadeiro profissional nisto, e garanto-lhe que vai gostar. Cria dependência.

 

Se você o diz.

 

Meredith forneceu-lhe pormenores sobre as pessoas que iriam estar presentes, tanto ao pequeno-almoço como ao almoço no dia seguinte. E depois do almoço partiriam para Minneapolis, a fim de efectuarem aí um jantar e depois um pequeno-almoço no dia seguinte. Seguiriam, então, para Los Angeles para novo jantar, e ainda outro pequeno-almoço e almoço na sexta-feira. Depois, ele iria para casa e ela tomaria o avião para Nova Iorque, esperando poder passar o fim-de-semana com Steve. Nessa altura, faria já uma semana que não se viam e certamente estariam ambos exaustos, mas queria muito estar com ele. Entretanto, tinha muito trabalho a fazer.

 

Estou cansado só de a ouvir disse Callan Dow, parecendo satisfeito. Porém, basta que um dos nossos transportes falhe para prejudicar todo o plano.

 

Tenho tudo preparado para arranjar um avião charter em cada cidade por que iremos passar, se for preciso. Veremos como corre. Mas amanhã é um pulo daqui até Minneapolis. Vai ver.

 

Meredith parecia controlar tudo, como sempre. Pensara em tudo. Estava habituada àquilo, a não esquecer os mínimos pormenores. Descobrira até, por intermédio da secretária de Callan, o que este gostava de beber, e havia no quarto dele uma garrafa do seu chardonnay preferido e tudo o que era preciso para um martini saphire, o que constituía um pequeno toque que ele apreciou, quando examinou o quarto. Meredith era uma mulher fantástica.

 

Deve descansar bem esta noite, de forma a estar amanhã pronto para a sessão aconselhou Meredith, parecendo a directora de uma escola a falar a um rapaz.

 

Callan riu-se.

 

Na verdade, esperava que você jantasse comigo. Podemos jantar cedo, Meredith. Pois, se ficar sozinho a pensar no dia de amanhã, enlouqueço.

 

Ela pareceu hesitante durante um bocado. Passara o fim-de-semana sozinha em casa e um jantar fora agradava-lhe.

 

Não sei se devia deixar-lhe fazer isso, mas, talvez, se for cedo... Não quero que se deite tarde, Cal.

 

Ele riu e prometeu ir para o quarto imediatamente depois do jantar.

 

Pareço eu com os meus filhos. Vou portar-me bem, prometo. Irei para o quarto e beberei martinis até de manhã.

 

Bonito! exclamou Meredith, rindo. Parece-me que o melhor será dar-lhe um comprimido para dormir. Vai correr tudo bem, asseguro-lhe. Vai sentir-se orgulhoso da Dow Tech e de si. Vamos todos.

 

Estou muito grato por tudo o que fez por mim, Meredith. Tem sido incrível.

 

Parecia falar com sinceridade e humildade.

 

Não fiz mais do que qualquer outra pessoa da firma, Cal protestou ela modestamente. Há uma porção de pessoas envolvidas nisto, desde os analistas do mercado aos advogados, e aos sócios da minha firma.

 

Até o SEC tem sido bom para nós lembrou Callan, satisfeito. O projecto foi muito directo e, pelo menos até agora, parece ter-lhes agradado. Vamos jantar para festejar. É provavelmente a única refeição decente que iremos ter durante toda a semana.

 

Já ouvira dizer que as refeições durante digressões daquele género eram intragáveis, sendo o prato principal geralmente chamado «frango de borracha». Mas, de facto, não se preocupava com o que iriam comer. Queria apenas que as apresentações corressem bem. E nas mãos competentes de Meredith, começava a achar que seria assim e a ficar tão optimista como ela.

 

Concordaram em encontrar-se no vestíbulo às sete e meia, e ele disse-lhe que iria reservar uma mesa para o Pump Room, que era um dos restaurantes preferidos de Meredith, em Chicago. Tinha lá estado muitas vezes e gostava.

 

Como prometera, foi ter com ele ao vestíbulo à hora marcada. Callan tinha uma limusina à espera, para os conduzir ao restaurante, e estava tão elegante e bem vestido como sempre, com o seu saudável bronzeado californiano. Parecia sempre mais um actor ou um modelo masculino do que um homem de negócios, mas Meredith já trabalhava com ele há tempo suficiente para não prestar atenção a isso. O que lhe agradava mais nele era a inteligência viva, a boa disposição e o sentido de humor. Estava sempre bem-disposta ao pé dele.

 

Conversaram durante o percurso até ao restaurante, onde lhes foi indicada uma mesa num canto sossegado. Depois de terem pedido bifes e vinho, Callan voltou-se para Meredith, sorrindo, e disse-lhe então uma coisa que esta não esperava.

 

Fale-me desse doutor Kildare com quem é casada, Meredith. O trabalho numa unidade de urgências deve ser muito intenso, especialmente depois de um desastre como o do último fim-de-semana. Não deve passar muito tempo com ele.

 

Às vezes, não respondeu ela, sorrindo. Mas eu também sou uma pessoa muito ocupada. Estamos bem um para o outro. Está casada há muito tempo?

 

Parecia intrigado com ela. Meredith nunca falava da sua vida pessoal. Callan apenas conhecia dela o modo como tratava dos seus assuntos profissionais.

 

Estamos casados há catorze anos. Casámos quando eu ainda andava a estudar.

 

O vinho chegara entretanto e o criado enchera-lhes os copos.

 

Têm filhos?

 

Não.

 

Meredith disse aquilo num tom excepcionalmente firme, e ele ergueu as sobrancelhas ao ouvir a maneira como ela respondera.

 

O seu «não» foi muito decidido. Fiquei com a impressão de que a ideia não a atrai muito.

 

Callan sentia curiosidade a respeito dela.

 

Nesta altura, não. Nenhum de nós tem tempo. Sempre pensei que um dia os iríamos ter... mas, com franqueza, não posso dizer quando. Começo a pensar que poderá nunca suceder.

 

Seria um desapontamento para si se nunca os tivesse? Parecia desejoso de saber mais coisas a respeito dela, mas

 

Meredith sentia-se confortável a falar com ele. E nas duas semanas seguintes, iam estar muito tempo juntos. Não parecia haver qualquer mal em saberem mais acerca um do outro.

 

Para mim não seria um desapontamento disse com sinceridade. De certo modo, seria um alívio não ter de pensar mais em quando os poderíamos ter e se poderíamos tê-los, e ainda sermos leais para os filhos e um para o outro. Todavia, se não tivermos filhos, será um desapontamento para o meu marido. Ultimamente tem falado muito nisso.

 

E você? Também tem falado nisso? perguntou Cal. Meredith respondeu-lhe com um sorriso.

 

Eu tenho falado é a respeito da sua OPA e da digressão que vamos fazer.

 

Isso quer dizer alguma coisa, não quer? perguntou ele, sorrindo.

 

É que eu não consigo perceber para que havemos de ter filhos, quando estou muitas vezes no escritório até à meia-noite, ou, frequentemente, até às duas da manhã. E quando é preciso, o Steve fica no hospital sessenta e oito ou setenta e duas horas seguidas. Onde é que poderão caber crianças num cenário destes? Num ocasional fim-de-semana prolongado ou numas curtas férias no Verão? Não seria justo. As crianças merecem mais do que isso dos pais. E você? Como é que consegue? Da última vez que estive na Califórnia disse-me que tinha três filhos.

 

E tenho. A mãe deles era muito como você. É advogada. Vivia em Los Angeles quando a conheci Eu também lá vivia. Ela nem sequer queria casar. Convenci-a a casar comigo, «forcei-a a fazê-lo», como me disse mais tarde, e quando me mudei para Sillicon Valley há anos, por causa do negócio, recusou-se a ir comigo

 

E isso foi o fim? perguntou Meredith, surpreendida com a reacção da mulher dele. São Francisco não parecia um mau sítio para viver, e calculava que ela lá pudesse trabalhar também, embora não tanto como em Los Angeles. Mas Callan sorriu ao responder-lhe.

 

Não, não foi o fim. Ela cedeu. Era uma existência louca. Nunca estávamos os dois na mesma cidade ao mesmo tempo, e, quando estávamos, sentíamo-nos aborrecidos com qualquer coisa, não estávamos em contacto um com o outro, ou estávamos exaustos. O que é surpreendente é que foi nessa altura que decidimos ter filhos. Talvez decidimos não seja a palavra exacta. O primeiro foi um acidente, e os outros dois foram o resultado de eu a convencer de que não era bom ter só um filho

 

Eu sou filha única disse Meredith com um ar divertido.

 

Também eu retorquiu Callan, o que não a surpreendeu. Ele tinha o tipo de entusiasmo e de desejo de sucesso típicos de um filho único. Agora está tudo bem, mas não era assim tão bom quando eu era miúdo E achei que, por mais atarefados que estivéssemos, seria bom para eles terem irmãos

 

Estou surpreendida por a sua mulher concordar com essa teoria.

 

Era uma boa pessoa E tentou realmente durante uns tempos. Ambos queríamos que o nosso casamento resultasse, mas creio que não fui muito realista. Ela nunca se mostrou muito maternal e estava mais interessada nos negócios do que nos filhos. Contratou uma pessoa para tomar conta deles e, logo que podia, regressava a Los Angeles no primeiro avião. Quando vinha a casa aos fins-de-semana, agia mais como uma tia que fosse de visita do que como mãe. E, pouco a pouco, começou a ir menos vezes a casa. Dizia que a casa estava muito barulhenta e muito confusa. A verdade é que os garotos a põem doida, mas eu nunca lhes disse isso

 

Meredith achava aquilo triste e não queria que lhe sucedesse o mesmo. Pensou em como essas crianças seriam agora e que preço teriam a pagar, emocionalmente, devido ao mau procedimento da mãe.

 

Onde está ela agora?

 

Essa é outra história. O que eu não tinha percebido, no meio de tudo, é que ela estava ligada ao sócio com quem trabalhava há muitos anos, antes de nos conhecermos. E estávamos casados há sete quando me contou. Nessa altura tínhamos três filhos e ela queria o divórcio. Deu-me a custódia dos três filhos sem um piscar de olhos. Um ano mais tarde, fecharam a firma em Los Angeles e mudaram-se para Londres, onde abriram uma nova firma. Estamos divorciados há oito anos, eles casaram há pouco tempo. Julgo que são muito felizes. Escusado será dizer que não têm filhos.

 

Ela vê os filhos alguma vez?

 

Uma a duas vezes por ano vai vê-los, geralmente quando um dos seus clientes está a fazer um filme em Los Angeles E no Verão leva-os a passar umas semanas no Sul da França

 

Meredith achava que aquela mulher não tinha coração e tinha pena das crianças

 

Eles odeiam-na... ou sentem-se apenas infelizes?

 

Nem uma coisa, nem outra. Acho que a aceitam como ela é. Nunca conheceram outra coisa. E eu estou quase semPre por perto. Tento não ficar até muito tarde no escritório e Se tem algum problema podem telefonar-me. A minha casa fica apenas a cinco minutos do escritório. Os fins-de-semana são sagrados, e todos os anos tiro um mês de férias, no Verão, para ir com eles para Tahoe. Funciona muito bem, embora não seja exactamente o que tinha em mente no início. Julguei que íamos ser uma família feliz, com uma porção de crianças, a dizerem «mamã» e «papá». Assim, sou só eu e as crianças. Ou melhor, as crianças e eu. Sorriu. Passamos bons momentos juntos e eles mantêm-me bastante ocupado, especialmente aos fins-de-semana

 

Surpreende-me que não tenha voltado a casar disse com sinceridade Meredith. Não deve ser fácil criar três filhos sozinho.

 

De certo modo é mais fácil respondeu ele com surpreendente candura. Não é preciso discutir com outra pessoa sobre a maneira de os educar. Não há discussões sobre o que está certo e o que é bom ou mau para eles. Posso tomar as minhas decisões Entendemo-nos bem e creio que eles me respeitam. Para ser honesto, creio que a Charlotte me curou. Nunca mais me senti ansioso por me meter nesse género de relacionamento outra vez. Há algo de muito superficial e desonesto no casamento.

 

«Especialmente, se a mulher passava todo o período a dormir com o seu associado», pensou Meredith. Mas teve o cuidado de não o dizer Afinal, podiam ser amigos, mas ele não deixava de ser um cliente.

 

Deve ter ficado muito magoado quando ela lhe disse a verdade observou gentilmente Meredith. Ficou surpreendido ou suspeitava?

 

Não suspeitava de nada! Julgava que ela era a mulher mais honesta do mundo. E ela também. Com efeito, estava muito orgulhosa de si mesma por ele ter sido o único «outro» homem com quem dormira, enquanto era casada. Aos seus olhos, isso era quase tão bom como ser fiel. Eu é que não consegui ver as coisas da mesma maneira. Durante muito tempo, senti amargura por isso.

 

E agora? perguntou Meredith quando acabaram o primeiro copo de vinho e começaram a jantar

 

Fora uma conversa interessante e um relance sobre a vida particular daquele homem. Meredith tinha pena dele. Se Steve alguma vez a enganasse, ela ficaria com o coração destroçado. Mas sabia que Steve nunca o faria. A mulher de Callan devia ser uma pessoa muito diferente.

 

E agora? Ainda sente amargura?

 

Agora? Não. Ainda fico zangado algumas vezes quando penso nisso. Não foi exactamente um jogo limpo, mas às vezes as coisas são assim. Apenas não estou inclinado a voltar a fazer o mesmo disparate. Não preciso de pôr a minha cabeça no cepo e dar a uma pessoa oportunidade de a cortar, ou de me despedaçar o coração. O casamento pode ser um jogo muito duro, como os antigos jogos no Coliseu de Roma. Agora já não sinto desejo de me atirar aos leões.

 

Fora atraiçoado pela única mulher que amara e em quem confiara, a mãe dos seus filhos, e era óbvio que nunca lhe perdoara isso, nem recuperara inteiramente. E Meredith não tinha a certeza se o censurava.

 

Que idade têm os seus filhos agora?

 

Callan sorriu quando ela lhe fez a pergunta. Era fácil ver que era doido por eles.

 

A Mary Ellen tem catorze anos. Não é uma idade fácil, devo acrescentar. Até há cerca de um ano achava que eu era o maior. A partir de então, pensa que o meu QI tem vindo a baixar e que agora estou senil. A Julie tem doze e até aqui está tudo bem, mas está a começar a entrar na mesma zona vermelha. Mais um ano, e irei por aí abaixo. O Andrew tem nove e por milagre ainda acha que eu sou fantástico. Espero que venha a conhecê-los, Merrie.

 

Sem saber, adoptara o mesmo diminutivo que Steve, mas ela não se importou.

 

Espero que sim. Parecem-me simpáticos.

 

Todavia, não deixou de pensar que seria difícil para as crianças não terem uma figura maternal, especialmente para as raparigas, no começo da adolescência. Não podia imaginar que fosse fácil para elas, ou para Cal. Era uma história muito intrigante. Callan era um homem de muitas faces. Achava interessante saber alguma coisa a respeito dele. Não queria perguntar, mas tentava imaginar se ele teria uma namorada, ou se seria um desses homens que, uma vez magoados, preferiam ter uma companhia feminina ocasional, que afastavam logo que se sentiam mais próximos dela. Não parecia um homem disposto a assumir novo compromisso, depois da primeira experiência fracassada, e isso fazia-a ter pena dele.

 

Mas Callan surpreendeu-a com o que disse a seguir:

 

Porque acha que não quer ter filhos, Meredith? Está a perder uma experiência maravilhosa, que as pessoas sem filhos, desconhecem.

 

Nunca tive tempo para ter um bebé. Sou uma pessoa muito ocupada. Não seria justo para os meus filhos. Não quero fazer o que fez a sua mulher. Contratar uma empregada para olhar por eles e voltar a correr para o meu escritório. Creio que as crianças devem ter uma mãe a tempo inteiro e, para ser honesta, detestaria isso. Gosto muito de fazer o que faço.

 

Acha realmente que é isso, ou será mais uma afirmação acerca do seu nível de compromisso para com o seu marido?

 

Meredith ficou surpreendida ao ouvir aquelas palavras e apressou-se a responder:

 

Eu e o Steve somos o mais comprometidos um com o outro que é possível ser-se. Não é nada entre nós. Relaciona-se apenas com as nossas carreiras.

 

Foi isso que a Charlotte sugeriu quando eu lhe falei em termos filhos. Mas a verdade era algo muito diferente. Estava apaixonada por outro homem que nunca quisera casar com ela. E não creio que estivesse tão segura dos seus sentimentos por mim como julgava estar. Acho que, quando uma mulher confia realmente num homem, quer ter os filhos dele. Talvez não esteja tão segura sobre o doutor Kildare como julga estar, Meredith. Ou pelos seus sentimentos por ele.

 

A teoria chocava-a e nem sequer gostava de a ouvir. Certamente não era verdadeira em relação a si e a Steve, quer Callan Dow acreditasse ou não.

 

Garanto-lhe que não é esse o nosso caso. Estamos muito apaixonados um pelo outro. Eu sou apenas uma mulher que não precisa de ter filhos e suficientemente inteligente para o saber. Provavelmente, não seria uma boa mãe. Mas isso nada tem a ver com o comprometimento para com o meu marido.

 

Não sei se acredite, Meredith. Pode pensar que está ligada a ele, mas sendo verdadeiramente assim, quereria ter filhos dele. Meredith aborreceu-se por o ouvir dizer-lhe aquilo.

 

Isso é ridículo, Cal. Bem o sabe. Não posso crer que tenha ideias tão chauvinistas. Diga-me que está a brincar.

 

Não estou. Não tem de mo confessar, mas pense nisto quando estiver sozinha. Por que motivo é que não quer ter filhos dele?

 

Porque tenho passado os últimos doze anos a fazer o que faço agora para si. A organizar reuniões, a trabalhar em prospectos de OPAs, a levar clientes em digressões por várias cidades. Que tempo é que acha que teria para os meus filhos?

 

O tempo que quisesse. Os clientes não substituem um bebé nos seus braços. Todos vimos e vamos, um filho é para sempre. Mas talvez o seu casamento não seja.

 

Callan percebeu imediatamente que a tinha ofendido e mudou de assunto. Nas duas horas seguintes falaram na OPA e na viagem do dia seguinte.

 

No entanto, apesar da certeza que lhe mostrara, ele conseguira enervá-la. E quando voltou para o seu quarto no hotel, pouco depois das dez horas, ia ainda a pensar nisso. O que ele dissera era ridículo. Ela tinha todo o género de razões válidas que as mulheres usam para não cometer um erro terrível, o de terem filhos quando os não querem ter, ou quando não estão preparadas para isso. A sua carreira era tão importante para si como a de Steve para ele, e, à sua própria maneira, igualmente exigente. A não ser que a quisesse cortar radicalmente ou abandonar a firma, não tinha qualquer possibilidade de conciliar a vida profissional e o nascimento de filhos. Até Steve compreendia isso; como tal não percebia a razão por que Callan Dow não o entendia. Só por ele ter três filhos, não queria dizer que toda a gente estivesse apta para os ter. A mulher dele não era de facto pessoa disposta a ter filhos, e O que fizera parecia pior a Meredith, pois abandonara-os para ir com outro homem para outro país, continuar a sua carreira. Meredith achava que não seria capaz de fazer tal coisa. Ter filhos e renegar depois a sua posição de mãe. Meredith preferia mandar laquear as trompas, e tinha pensado muitas vezes em ° fazer, mas sabia que Steve ficaria muito triste se o fizesse. Com efeito, pedira-lhe que não o fizesse.

 

Meredith, porém, podia compreender porque não conseguia convencer Callan Dow de que o facto de não querer ter filhos não significava que não fosse completamente empenhada na sua vida conjugal com o marido. Pelo contrário, ela amava Steve de tal maneira que não queria partilhar esse amor com mais ninguém.

 

Estava ainda perturbada com o que Callan lhe dissera ao jantar e quando se deitou ficou a pensar nisso um bocado. Decidiu então telefonar a Steve, só para lhe dixer que o amava. A enfermeira que atendeu o telefone informou-a de que o vira dez minutos antes, mas que agora não sabia onde ele se encontrava. Talvez estivesse noutro andar, para ir buscar alguma radiografia. Por isso, Meredith deixou o número do telefone do hotel. Passados vinte minutos, Steve ainda não lhe tinha ligado e ela adormeceu, pensando nele, mas mesmo no sono tinha uma sensação incómoda, desagradável. No fundo de si mesma sabia que era inteiramente dedicada a Steve, que o amava muito, e não queria saber quem acreditava ou não nisso, desde que Steve acreditasse. E o facto de ela não querer filhos era irrelevante; queria apenas dizer que possuía outras prioridades na vida, garantiu a si própria. Contudo, passou a noite às voltas na cama, sonhando que Steve gritava com ela e que o fazia rodeado por uma multidão de crianças que berravam e se atiravam a ela como pequenos demónios.

 

A digressão que Meredith arranjara para Callan Dow decorreu brilhantemente. Chicago foi um enorme sucesso, o discurso dele foi muito bom e até Charlie Mcintosh se portou admiravelmente. As perguntas feitas pela assistência foram inteligentes e adequadas e as respostas de Cal revelaram exactamente o que queriam ouvir. Em Minneapolis as coisas correram ainda melhor.

 

Na altura em que chegaram a LA, Cal e Meredith estavam encantados. Todas as acções se encontravam já subscritas. Ia certamente haver um «sapato verde». De certeza que iriam ter mais investidores do que os que precisavam.

 

Meredith estava tão bem-disposta, passara um tempo tão agradável com Cal, que quase já lhe perdoara as coisas rídiculas que ele dissera acerca do seu casamento. Chegara à conclusão de que as opiniões dele se baseavam na sua própria experiência com o casamento.

 

Nenhum deles voltara a tocar no assunto, tendo estabelecido uma camaradagem fácil entre os dois, ao irem de cidade em cidade. Meredith falara duas vezes com Steve desde então. Ele fora finalmente a casa por uma noite, pois as coisas tinham acalmado consideravelmente na unidade de urgências. Sentia-se ansiosa por estar com ele.

 

Meredith organizou outro jantar em LA e mais três apresentações no dia seguinte. Entre o pequeno-almoço e o almoço tinham arranjado tempo para se reunirem com dois dos mais importantes investidores. As coisas corriam excepcionalmente bem para a sua oferta de aquisição e, após o segundo jantar em LA, na noite de quinta-feira, partiram para São Francisco, de avião. Aterraram às vinte e duas e quinze. Meredith tinha um carro com um motorista à espera dele, e outro para a conduzir ao Hotel Fairmont. Cal tencionava ir a casa para estar com os filhos e encontrar-se-ia com ela para O seu pequeno-almoço de apresentação no Fairmont. Tinham sido três dias extremamente longos para ambos, mas bastante compensadores.

 

Ficará bem? perguntou solicitamente Cal.

 

Estavam constantemente a inverter os papéis. Era Meredith quem se encarregava de tudo quando organizava os jantares, as apresentações e as deslocações. Ele, por seu lado, agia como irmão mais velho quando viajavam, ou conversavam entre as reuniões.

Sinto-me culpado de a deixar aqui sozinha no aero-porto. Depois de estarem juntos dia e noite, sentiam-se como se] fossem velhos amigos. Creio que não terei qualquer problema respondeu | ela, com um sorriso. Vá para casa e goze a companhia dos seus filhos. Eu vou para o hotel, tomar um banho quente e ] relaxar. Ver-nos-emos amanhã de manhã. Lá estarei às sete e meia prometeu ele. A apresentação estava marcada para as oito da manhã. Fariam outra ao almoço, encontrar-se-iam com outros dois investidores privados depois disso, ambos representantes de universidades, e a seguir ela apanharia o avião. Talvez você possa ir jantar a minha casa, com os meus filhos, depois da nossa reunião de | amanhã. Vamos ver o que você pensa amanhã disse sensatamente Meredith. Nessa altura já deve estar farto de mim. Não quero ser uma intrusa. Tenho muito trabalho para fazer.

 

Continuava a transportar a pasta, sempre presente.

 

Também precisa de descansar um pouco. E os meus filhos ficariam encantados por a conhecer. Amanhã logo se vê respondeu Meredith, enquanto saíam juntos do aeroporto. Até amanhã. Despediram-se e seguiu cada um para seu lado. Logo que| Meredith chegou ao seu quarto de hotel, Steve telefonou. Quando vens para casa? Estou cheio de saudades! Também eu, querido. Estarei em casa às sete da manhã de sábado. Estás a trabalhar? Agora estou. Mas saio amanhã à noite. Mete-te na cama quando chegares e acorda-me.

 

É a melhor proposta que tive toda a semana respondeu Meredith, sorrindo. As coisas feias que Cal dissera a respeito do casamento deles estavam quase esquecidas. Sabia que não se lhe aplicavam. Cal não passava de um cínico.

 

Espero que seja, de facto, a melhor proposta que tenhas tido durante toda a semana. O tipo não se está a meter contigo, não?

 

Claro que não. São apenas negócios.

 

Como tem corrido?

 

Fantasticamente bem. Estou ansiosa por chegar a Nova Iorque. Estaremos em Boston segunda-feira e depois em Nova Iorque na terça. Não tenho de partir para Boston antes de domingo à noite, por isso teremos quase duas noites inteiras para estarmos juntos.

 

Merda. Estava com receio disso. Trabalho no domingo para substituir o Lucas.

 

Não faz mal. Teremos o sábado todo.

 

Eu bem digo que é o mesmo que ser casado com uma hospedeira. Fazes tudo menos servir-me o jantar.

 

Posso levar-te umas garrafinhas de tequila do avião, se quiseres.

 

Basta trazeres-te a ti. Estou ansioso por te ver. Fora uma longa semana de trabalho para ambos e ela sentia-se igualmente ansiosa por o ver. Seguira o noticiário relativo à explosão da bomba no Empire State Building e ainda não tinham apanhado os homens que haviam feito aquilo. Mais pessoas tinham morrido desde a explosão inicial. As mortes ascendiam agora a mais de trezentas pessoas, apesar dos esforços de Steve e dos seus colegas. Conversaram durante mais uns minutos; depois Meredith foi tomar um banho. Estava a ler na cama, quando Callan lhe ligou para fazer algumas perguntas sem importância.

 

Parece-me estranho não estar no mesmo hotel que você. Pode estar a tornar-se um hábito.

 

Parecia descontraído e amigável.

 

Vai sentir-se feliz por se ver livre de mim quando acabarmos a nossa volta pela Europa, pode crer. Mas primeiro iremos a Nova Iorque. É o mais importante.

 

Eu sei. Estou ainda um pouco ansioso por causa disso.

 

Não esteja. Até agora tem sido fantástico. E agora já toda a gente sabe. O livro com o prospecto vai ser largamente vendido em Nova Iorque. E haverá grandes nomes do mundo das finanças entre os potenciais investidores, vai ver.

 

Referia-se a um anúncio que ma apareceu no The Wall Street Journal no dia seguinte ao da oferta de aquisição, divulgando o fim da operação e apresentando a lista dos subscritores das acções E, nesse caso, esses nomes seriam de monta

 

Graças a si, Meredith disse Callan, com gratidão. Sem você nunca teria conseguido fazer isto

 

Tretas retorquiu Meredith, irreverentemente

 

Ele riu-se. Gostava de trabalhar com ela e tinha pena que a convivência entre os dois fosse acabar em breve

 

Como estavam os seus filhos quando chegou a casa? Felizes por o verem, aposto

 

Especialmente devido ao facto de não terem a mãe com eles, achava que a presença do pai devia ser muito importante

 

Estavam a dormir. A minha governanta governa com mão-de-ferro. É bom para eles. Vê-los-ei amanhã à tarde quando chegar a casa. Pensei em passar primeiro pelo escritório. Talvez queira ir comigo

 

Com certeza. Posso é ir a caminho do aeroporto. Estava decidida a sentar-se na sala de espera da primeira classe com o seu material de leitura, a comer calmamente uma sanduíche, até chegar a hora de embarcar no avião

 

Falaremos a respeito disso amanhã respondeu discretamente Callan. Depois disse-lhe que dormisse e que se veriam na manhã seguinte

 

Depois de ele desligar, Meredith ficou deitada a pensar nele. Era um homem simpático e tinha tudo para ser um bom amigo, mas de certo modo tinha pena dele. Era óbvio, mesmo para ela, que ficara seriamente magoado com a traição e a deserção da mulher. Amava os filhos, mas era evidente que não havia no seu coração espaço para confiar noutra mulher. Era como se Charlotte tivesse destruído uma parte dele e agora, oito anos depois, essa parte ainda faltasse. Em resultado disso, não conseguia compreender a espécie de ligação que ela tinha com Steve e desconfiava dela. Isso levou-a a pensar novamente em Steve e sorriu para consigo, pensando como tinha saudades dele e como se sentiria feliz ao vê-lo no sábado de manhã. Tinham sorte, depois de catorze anos de casamento, ainda sentiam um pelo outro algo de muito especial. A teoria de Cal, de que ela não o amava suficientemente para ter filhos dele, parecia disparatada a Meredith. Mergulhou no sono a pensar em Steve, como de costume, e nessa noite os seus sonhos foram pacíficos.

 

Encontrou-se com Cal no vestíbulo do hotel, às sete e trinta, conforme o combinado. Deram um curto passeio por Huntington Park, para apanhar ar, e depois regressaram e tomaram café. Meredith ficou surpreendida com o frio que fazia. Havia vento e o nevoeiro ainda pairava sobre a cidade. Mas era agradável apanhar aquele ar fresco, antes de ir passar o resto do dia em salas abafadas.

 

Está pronto para o próximo round? perguntou Meredith enquanto partilhavam um bolo folhado.

 

Tudo preparado. E você? Ainda não está farta da Dow Tech?

 

Callan parecia descontraído e cheio de energia. Certamente lhe soubera bem dormir em casa e ficara feliz por ver os filhos de manhã, antes de se encontrar com Meredith para o pequeno-almoço.

 

Claro que não estou farta da Dow Tech respondeu ela, com um sorriso, enquanto a criada lhe servia uma segunda chávena de café. Ainda temos de conquistar Nova Iorque.

 

No entanto, ambos sabiam que São Francisco iria ser fácil. Era ali que vivia, e as pessoas conheciam o que ele conseguira já em Sillicon Valley.

 

A primeira apresentação do dia correu bem. Fizeram um pequeno intervalo a seguir, e Meredith aproveitou a oportunidade para falar para o seu escritório. Foram então almoçar e realizar a segunda apresentação. Comeram o habitual frango de «borracha», mas às duas e meia da tarde tinham acabado. Callan olhou para o relógio, disse que ia para o seu escritório e convidou Meredith a acompanhá-lo.

 

Creio que vou tentar apanhar um avião que parta mais cedo explicou Meredith. Havia um voo para Nova Iorque às cinco, o que lhe permitiria chegar a casa cerca da uma da manhã. E sabia que Steve ficaria encantado.

 

Porém, quando telefonou do hotel, disseram-lhe que todos os lugares estavam ocupados para esse voo. Tinha de esPerar até ao voo que inicialmente reservara. Disse a Callan que esperaria no hotel, aproveitando para ler umas coisas.

 

Mas Callan mostrou-se insistente. Queria que o acompanhasse a Palo Alto, ao seu escritório, antes de partir. E queria que fosse a casa dele, se tivesse tempo, para conhecer os filhos

 

Esteve fora toda a semana e deve ter muito que fazer sem me ter a mim a atrapalhar.

 

Não me atrapalha nada. Além disso, estou sempre aberto a conselhos desinteressados.

 

Cal tinha imenso respeito pelas opiniões dela e Meredith, agora, sabia quase tanto sobre a Dow Tech como ele. Callan sentia-se tão orgulhoso da sua empresa e da sua família que queria partilhá-las com ela. Insistiu tanto que Meredith receou ser indelicada se não aceitasse o convite. Foi ao quarto buscar as malas e dez minutos depois ia ao seu encontro no vestíbulo. Às três e meia da tarde estavam em Palo Alto. No escritório todos se mostraram satisfeitos por o ver e todos quiseram saber notícias a respeito da digressão.

 

Até aqui correu sobre rodas disse Callan, olhando para Meredith. Graças a Mistress Whitman.

 

Charles Mcintosh fora para casa depois do almoço. Já não era um homem novo e estava cansado depois de uma semana inteira de apresentações. Meredith detestaria ter de o confessar a Cal, mas era um alívio não ter de ouvir os comentários agressivos de Charlie. Tinha sido difícil trabalhar com o sujeito. E quando se sentaram no escritório de Cal, nessa tarde, este comentou-

 

Não sei o que hei-de fazer com ele, Meredith. Julguei que nesta altura ele já se tivesse rendido, contudo, continua furioso por eu ter aberto a empresa ao público. Opõe-se totalmente à ideia e fá-lo com seriedade, o que é, neste ponto, contraproducente. Mas, como se sente demasiado contrariado com isto, não lhe agrada o trabalho que terá de fazer com analistas de mercado e com o próprio SEC, além de com os accionistas. Pensa simplesmente que estamos a fazer mal tudo isto. E não quer ninguém a espreitar por cima do ombro dele, nem sequer a mim próprio, às vezes. Vai ganhar dinheiro com isto, mas creio que nem isso lhe interessa. Não quer mesmo é que eu o faça.

 

Deixe-me falar com ele pediu Meredith. Achava ainda que seria capaz de o convencer. Charlie ainda não dissera nada que os magoasse, mas também não os ajudara muito

 

Não tenho a certeza de que seja esse o procedimento certo avisou cautelosamente Cal, pois conhecia o ressentimento de Charlie contra Meredith e não o queria agravar ainda mais. Vejamos se ele se acalma e se é capaz de fazer a transição por si só. Francamente, não quero pressioná-lo.

 

Cal tinha muito respeito por Charlie, pois este fora amigo do seu pai.

 

Se ele não mudar de opinião, os seus accionistas podem não o achar muito simpático.

 

Meredith estava ainda preocupada com isso, assim como Callan.

 

Coitado do Charlie observou Callan. E daí a pouco mudou de assunto. Mostrou-lhe vários relatórios e falou-lhe de algumas ideias novas que estava a desenvolver. Meredith ficou mais uma vez impressionada ao ver como ele era criativo e como as suas ideias eram avançadas. Era em parte a isso que se devia o sucesso dele. Eram cinco e meia quando Callan a olhou e de repente lhe fez uma estranha pergunta:

 

Já alguma vez pensou em deixar a área de investimento?

 

Meredith era excepcionalmente boa nessa área, ele sabia isso melhor que ninguém, mas tinha também um profundo interesse pela alta tecnologia.

 

Você deve ser excelente no género de negócio que eu faço, e provavelmente ganharia muito mais dinheiro.

 

Não ganho nada mal assim respondeu Meredith com um sorriso tímido.

 

Ganharia mais aqui respondeu gentilmente Callan Dow. - Se alguma vez quiser mudar, gostaria que me dissesse.

 

Sinto-me muito lisonjeada, mas de momento não estou interessada em mudar.

 

Ela e Steve estavam muito presos a Nova Iorque para pensarem em ir para qualquer outro sítio. O marido gostava do seu trabalho no hospital, e ela estava ligada a Wall Street.

 

Mas isso pode vir a suceder, Meredith. Numa firma da velha guarda, como a sua, até onde é que você poderá chegar? Já é sócia, mas há uma porção de sócios mais velhos, ínais antigos, solidamente entrincheirados. Nunca vai chegar ao topo. Eles nunca permitirão que uma mulher lá chegue e você sabe-o bem.

 

Pode ser que isso venha a suceder. Os tempos estão a mudar.

 

Os tempos já mudaram praticamente em todo o sítio. Mas na sua área é diferente. Essa área é o último bastião dos cavalheiros que costumavam governar o mundo, e que, nalguns sítios, ainda governam. Penso que conseguiu já um lugar notável para si própria, especialmente no que diz respeito aos negócios de alta tecnologia. Mas a verdade é que continuam a enviar pessoas como o Paul Black para a acompanhar. Esses homens têm ainda mais poder do que você. A Meredith faz o trabalho e eles ficam com os louros.

 

Era algo que ela própria pensava há anos, mas não o queria confessar ali.

 

Você é um verdadeiro desmancha-prazeres, não é, Mister Dow? perguntou Meredith com um largo sorriso. O que é que quer que faça? Que chegue lá e me despeça?! Eles ficariam encantados. Não. Apenas gosto de agitar as coisas. Quando vejo| uma coisa boa, detesto não tomar parte na acção. Nós trabalhamos bem juntos, Meredith. Pensamos da mesma maneira: em muitas coisas. Detestava desperdiçar isso.

 

Meredith não podia deixar de concordar com ele, mas também não tinham exactamente perdido tempo.

 

Eu não diria que temos perdido tempo, não acha? Tinham posto de pé uma excelente OPA, trabalhando em conjunto.

 

Claro que não. Estou apenas a pensar como vou detestar quando acabar o nosso trabalho. Posso ter de lhe telefonar todos os dias a pedir-lhe conselho. Já começo a ter pesadelos só por pensar nisso.

 

Riu-se do que ele disse.

 

Já o avisei de que, quando este trabalho acabar, vai estar perto de mim, mas pode telefonar quando quiser.;

 

Provavelmente já andará na estrada com outro noviço ’ nervoso, preocupado e à espera que você faça tudo por ele para realizar a OPA da sua companhia.

 

Pelo menos por enquanto não irei fazê-lo. O Steve e eu quase não nos vimos durante todo o Verão.

 

Não sei como conseguem isso disse com admiração.

 

Talvez seja por isso que o nosso casamento tenha resultado tão bem durante catorze anos. Talvez seja melhor quando as pessoas não se estão sempre a ver.

 

Meredith sabia que isso não tinha resultado com ele, que o sabia bem.

 

O Steve diz que é o mesmo que estar casado com uma hospedeira de bordo.

 

Não é exactamente isso.

 

Cal sorriu-lhe. Parecia estar descontraído no fim daquela longa semana. Estava ansioso por ir passar o fim-de-semana com os filhos, antes de partir para Boston na segunda-feira.

 

Que diz a um jantar com os meus monstrozinhos? Cedo! Eu próprio a levarei ao aeroporto a tempo de apanhar o avião. Não precisará de sair antes das oito e meia.

 

Embora tivesse concordado em encontrar-se com ele, recusara inicialmente o convite para jantar, mas não sabia como continuar a recusar, depois de tanta insistência; além disso, tinha curiosidade em conhecer os filhos dele.

 

Tem a certeza de que quer levar uma estranha a sua casa, assim, de repente?

 

Não há problema. Eles estão habituados a mulheres de negócios, como a mãe. Não prestam muita atenção ao que eu faço. As minhas filhas só pensam em mini-saias e maquilhagens. E o Andy só pensa no meu Ferrari.

 

Provavelmente é assim mesmo. Vão ter muito tempo para se interessarem por outras coisas.

 

Regressámos de Tahoe a semana passada e começaram ontem as aulas. Esta manhã estavam todos a queixar-se disso.

 

Saíram juntos do escritório; nessa altura já quase todos tinham ido para casa. O Ferrari encontrava-se no parque de estacionamento. Trouxera Meredith de São Francisco nesse carro e as malas dela estavam ainda no porta-bagagens; quando voltaram a sentar-se nele, Cal pôs a capota para baixo.

 

Estamos a cinco minutos de casa disse. É agradável apanhar um pouco de ar.

 

Estava bastante mais calor ali do que na cidade, e Meredith gostou do passeio com a capota do carro descida.

 

Conversavam calmamente quando ele entrou numa alameda, com sebes dos dois lados, e o portão se abriu automaticamente com o comando à distância. E logo que se abriu, Meredith viu uma bonita casa de pedra, com um vasto relvado, árvores e uma grande piscina. Encontravam-se ali várias crianças e outras sentavam-se em cadeiras de repouso, embrulhadas em toalhas. Meredith viu também uma bonita mulher, que devia ter uns trinta e cinco anos, que os vigiava. Perto encontrava-se um cão de pêlo castanho-dourado que corria para ir buscar uma bola que um rapazinho lhe atirara. Era uma cena idílica que fazia um contraste flagrante com a sua vida de homem de negócios. Era aquele o mundo que Callan gostava de encontrar em casa. Várias crianças acenaram quando eles passaram para ir estacionar o carro, e Meredith reparou que uma das raparigas a observava com interesse

 

Olá, miúdos gritou Cal, enquanto se dirigia para eles, pelo meio do relvado. Estavam ali pelo menos umas dez crianças, mas logo que se aproximaram foi fácil ver quais eram os filhos de Callan. As duas raparigas, Mary Ellen e Julie, pareciam-se tanto com ele que era quase engraçado. Quanto a Andy, o filho, era uma miniatura do pai. Olharam os três para Meredith, como se ela tivesse chegado de outro planeta.

 

Acabámos de fazer uma viagem de negócios por Chicago, Minneapolis e Los Angeles. E para a próxima semana iremos para a Europa explicou Cal.

 

Andy olhou-a com desconfiança e perguntou.

 

É a nova namorada do meu pai?

 

Meredith sorriu da pergunta e Cal admoestou-o de imediato:

 

Andy, isso é indelicado e tu bem sabes...

 

Mas é’ insistiu o garoto, enquanto o cão colocava a bola a seus pés. Andy ignorou-o. Achava mais interessante interrogar Meredith do que brincar com o cão. E as irmãs pareciam ouvir com interesse

 

Na verdade, sou casada. Eu e o vosso pai apenas trabalhamos juntos. O meu marido é médico acrescentou, esperando que eles a deixassem em paz. Depois, os amigos rodearam-nos, enquanto as duas raparigas pareciam ansiosas por se juntarem a eles.

 

Que espécie de médico? perguntou Andy. Também trata de crianças?

 

Às vezes. Ele trata de pessoas que tiveram acidentes terríveis e estão muito mal.

 

Uma vez caí da bicicleta e parti um braço contou o garoto, sorrindo-lhe. Achava-a bonita e talvez não andasse atrás do pai.

 

Deve ter doído disse ela com simpatia.

 

Doeu. Tem filhos?

 

Não, não tenho respondeu Meredith, pensando se deveria desculpar-se por isso. As duas raparigas continuavam a olhá-la, mas nenhuma delas dissera mais do que «olá», depois do pai as ter apresentado. Ouviam as respostas dadas ao irmão e pareciam satisfazer-se com elas. Vou regressar a Nova Iorque daqui a poucas horas acrescentou, como se quisesse tranquilizá-los. De certo modo, pareciam considerá-la uma ameaça, embora sendo casada, e por isso queria assegurar-lhes de que se iria embora em breve.

 

Cal ofereceu-lhe um copo de vinho e as crianças voltaram para junto dos amigos. Meia hora depois, enquanto Cal e Meredith conversavam, sentados no terraço, os filhos subiram para o andar de cima para mudarem de roupa para jantar.

 

Os seus filhos são bonitos e parecem-se muito consigo disse Meredith.

 

A Charlotte dizia sempre que o Andy parecia meu clone, mesmo em bebé, e as duas parecem-se imenso com a minha mãe. Talvez fosse por isso que ela nunca lhes ligou muito.

 

Mas Meredith suspeitava de que deviam existir outras razões mais graves para a mãe não ligar às filhas, sobretudo a sua ligação com outro homem e o facto de nunca ter querido filhos.

 

Não estão habituadas a que eu traga aqui alguém. Só conheceram uma ou duas das mulheres com quem tenho saído.

 

Porquê?

 

Meredith estava surpreendida com isso e compreendia agora por que razão eles a tinham olhado com desconfiança.

 

Não creio que tenham algo a ver com essa parte da minha vida respondeu Callan um tanto abruptamente.

 

Nunca houve ninguém na minha vida que justificasse que eu apresentasse aos meus filhos.

 

Era difícil de acreditar que, nos oito anos decorridos desde o divórcio, ele nunca se tivesse envolvido seriamente com ninguém. Isso fê-la pensar que ele ficara verdadeiramente traumatizado com a traição da mulher, embora não quisesse admiti-lo.

 

Permaneceram sentados no terraço mais um bocado, gozando a suavidade da tarde, e em seguida ele convidou-a a entrar na grande e elegante sala, cheia de peças de mobiliário antigo e belas obras de arte. Minutos depois, a governanta veio dizer-lhes que o jantar estava pronto. Logo a seguir, os filhos de Callan desceram as escadas e ficaram parados à porta da sala a olhar para Meredith. Esta sentiu-se como um animal no Jardim Zoológico, enquanto as duas raparigas a olhavam, e não pôde deixar de tentar imaginar o que estariam a pensar.

 

Callan levantou-se e dirigiu-se para eles, seguido por Meredith.

 

Então como foi o primeiro dia de aulas? perguntou com ar prazenteiro.

 

Detesto a escola declarou Andy, mas sem qualquer entusiasmo especial. Parecia uma resposta habitual. Juhe falou de má vontade, dizendo que gostava da nova professora, mas Mary Ellen ficou calada

 

Estão na escola secundária’ perguntou delicadamente Meredith ao entrarem na casa de jantar. Cal puxou uma cadeira para que Meredith se sentasse.

 

Mary Ellen respondeu-lhe de mau modo. A rapariga era completamente o oposto do pai, com os seus modos prazenteiros e boa disposição. Era uma rapariga bonita, mas a sua falta de entusiasmo e de afectividade fazia-a parecer menos atraente. Pelo que Meredith podia ver, era pouco simpática e parecia sobretudo infeliz. Meredith tentou perceber se ela seria sempre assim, ou se a sua atitude se deveria a ver ali uma estranha na companhia do pai. Durante todo o jantar a conversa foi lenta e embaraçosa. As crianças pouco falaram e Callan fingiu não dar por isso. Meredith acabou por desistir de fazê-los tomar parte na conversa. A única coisa que eles haviam tornado bem claro, sem no entanto lho dizerem, era que não tinham qualquer interesse em falar com ela, ou sequer em responder às suas perguntas. Meredith, por seu lado, também não se sentia muito à vontade com crianças. Passado um bocado, não fazia ideia do que poderia dizer-lhes, e nem Callan conseguiu que os filhos falassem. Logo a seguir à sobremesa, as duas raparigas e Andy pediram licença para se levantar e desapareceram. Iam todos com tanta pressa que quase chocaram uns com os outros à porta.

 

Peço imensa desculpa, Meredith disse Callan, enquanto a governanta lhes servia o café, e Meredith descontraiu-se visivelmente. Fora grande a tensão durante o jantar com as três crianças.

 

Creio que eles estavam preocupados com a sua presença observou Callan. Habitualmente não são assim. São bons meninos. Creio que não conseguiram perceber quem você é, ou porque se encontrava aqui. Terei de lhes falar nisso.

 

Não seja tolo - repreendeu delicadamente Meredith. Se não estão habituados a ver ninguém aqui, não admira que ficassem perturbados. Não será uma atitude um pouco irreal? As mulheres que andam consigo não querem conhecer os seus filhos?

 

Parecia-lhe uma estranha maneira de viver. E, obviamente, tinha desvantagens, visto os filhos parecerem ficar petrificados por levar uma mulher a jantar lá a casa, embora sendo uma amiga a tratar de negócios.

 

Aquilo que as mulheres com quem ando querem e o que têm são duas coisas diferentes respondeu Cal, sorrindo. Não vale a pena apresentá-las, visto eu não pensar em andar com elas muito tempo.

 

Que afirmação espantosa! replicou Meredith. Como é que pode saber isso desde o início?

 

Porque é assim que tem sido desde há muito tempo e, provavelmente, como continuará a ser. Se mudar de ideias a esse respeito, estarei a tempo de fazer qualquer coisa mais tarde. É muito mais fácil apresentar alguém aos garotos quando for a altura própria, do que ter de lhes explicar por que motivo essa pessoa deixou de lhes aparecer. Eles não precisam de saber isso.

 

Penso que isso os torna muito possessivos em relação a si respondeu Meredith

 

O que era uma maneira delicada de dizer que as três crianças lhe tinham parecido três assassinas ao olharem-na Os seus olhos tinham aberto orifícios no corpo de Meredith, e isso não lhe agradara. Ninguém poderia gostar disso. Mas não queria falar de mais. Afinal, eram os filhos dele e não lhe competia a ela dizer-lhe que não os educava bem. Provavelmente, seriam crianças simpáticas. Eram saudáveis, bonitas e pareciam inteligentes, mas realmente não haviam manifestado grande simpatia. Meredith suspeitava de que, se tivessem oportunidade, poderiam ter-se mostrado odiosos para com ela, especialmente Mary Ellen. Meredith não podia deixar de sentir pena da mulher que entrasse ali por estar apaixonada por Callan. E isso poderia suceder um dia, apesar dos seus protestos

 

Voltaram a falar de negócios e, às oito horas em ponto, Callan conduziu-a ao aeroporto. Ajudou-a a fazer o check-in, acompanhou-a à sala de espera da primeira classe, ela agradeceu-lhe a tarde interessante que tinham passado e o excelente jantar, acrescentando que apreciara ter conhecido os filhos dele.

 

Gostava de poder acreditar nisso observou ele. Não foram exactamente amorosos e eu sei disso. Creio que preciso de começar a apresentá-los a outras pessoas, pessoas amigas como você, pelo menos

 

Sim, creio que a longo prazo isso facilitará as coisas para eles, se virem que não há qualquer ameaça. Nada têm a recear de mim acrescentou candidamente

 

Callan franziu o sobrolho

 

Não sei se terão acreditado nisso retorquiu Callan. Provavelmente, julgam que está envolvida comigo e que inventou a história acerca do seu marido.

 

Porque faria eu uma coisa dessas? exclamou Meredith, chocada com a sugestão.

 

Porque seria o género de coisas que a mãe deles faria, se isso servisse os seus propósitos. Mentiu-lhes a respeito do homem com quem veio a casar. Desconfiavam do envolvimento deles muito antes de ela lhes confessar isso. Eu tentei não lhes fazer a mesma coisa, não lhes dizendo coisa alguma

 

Talvez o que esteja certo seja algo intermédio.

 

Tenho de tentar isso.

 

Callan sorriu e desejou-lhe boa viagem, acrescentando que voltariam a encontrar.-se no Ritz Carlton, em Boston.

 

Provavelmente, só lá chegarei por volta da meia-noite disse-lhe Meredith. Quero passar algum tempo com o meu marido, mas sucede que ele hoje está a trabalhar, como de costume. Pelo menos, teremos o dia de amanhã. Tenho um avião a partir de Nova Iorque às dez da noite de domingo.

 

Eu devo estar no hotel por volta das sete informou Callan. Se o seu marido for trabalhar e estiver aborrecida, vá jantar comigo.

 

Telefonarei se resolver fazer isso. Entretanto, passe um bom fim-de-semana.

 

Amanhã tenciono jogar ténis com os meus filhos e passar o resto do dia junto da piscina. Estou ansioso.

 

Meredith sorriu, pensando no contraste.

 

Eu tenciono tratar da minha roupa.

 

Não sei porquê, não sou capaz de a imaginar a fazer isso.

 

Era demasiado bonita e atraente para fazer trabalhos domésticos, achava ele.

 

Alguém tem de o fazer, e o Steve limita-se a cozinhar.

 

Vou ter de conhecer esse homem um dia destes. Parece-me demasiado cheio de qualidades para ser verdade; salva vidas, cozinha. O marido perfeito.

 

Anda muito perto disso retorquiu Meredith, sorrindo.

 

Callan despediu-se; ela ficou na sala de espera com a sua pasta e meia hora mais tarde o avião levantava voo. Pouco depois da partida, Meredith pegou no seu computador portátil. No entanto, só trabalhou durante uma hora. Depois recostou-se para trás e começou a pensar em Cal. Não podia imaginar que género de mulher o poderia atrair. Se seriam apenas as mulheres bonitas, se as inteligentes, se apenas atraentes ou almas gémeas. Com a aversão que tinha ao casamento e a relacionamentos prolongados, era difícil imaginar com quem iria acabar. Mas, pensando bem, também não era assunto que lhe dissesse respeito.

 

A semana fora longa e ela estava cansada. E ansiosa por ver Steven. Mergulhou no sono a pensar nele. A hospedeira acordou-a quando se preparavam para aterrar. Meredith foi uma das primeiras a desembarcar, a recolher as suas malas e a chamar um táxi. Faltavam dez minutos para as sete horas da manhã quando entrou no seu apartamento.

 

Pousou as malas no vestíbulo, descalçou os sapatos e foi em bicos dos pés até ao quarto, para não o acordar. Steve dormia profundamente, nu, como de costume, e ela despiu-se e meteu-se na cama ao seu lado. Ele mexeu-se e puxou-a para si, como se ela tivesse estado ali toda a noite. Depois, abriu os olhos e percebeu o que se estava a passar.

 

Estás de volta sussurrou Steve, enquanto ela sorria e o beijava. Senti a tua falta acrescentou, puxando-a ainda mais para si. Meredith sentiu o calor do seu corpo junto ao dela, quando ele a beijou.

 

Eu também senti a tua falta respondeu com sinceridade Meredith. Steve passou uma mão pelas curvas suaves do corpo dela e ela apercebeu-se de como ansiara por estarem juntos. Tinha sido mais de uma semana, quase oito dias. Demasiado tempo, e estavam sedentos um do outro.

 

A partir daí não houve mais palavras entre ambos, apenas a paixão que ardia como uma chama eterna, desde o dia em que se tinham encontrado. Era algo que eles apreciavam, queriam e precisavam desesperadamente. E talvez o pouco tempo que passavam juntos tornasse cada momento ainda mais precioso para os dois. Decorreu muito tempo antes de voltarem a falar e, quando o fizeram, o longo cabelo louro de Meredith estava espalhado pela almofada e Steve olhava-a com um sorriso familiar. Ela pôs-lhe os braços em volta do pescoço e beijou-o.

 

Passaram um fim-de-semana calmo e feliz. No sábado estiveram na cama até ao meio-dia, dormiram, acordaram, voltaram a dormir, e quando se levantaram viram que estava a chover e resolveram ir ao cinema.

 

Assistiram a um filme que há muito queriam ver e voltaram para casa lentamente, de mãos dadas, embora caísse uma chuva miudinha. Pararam no caminho para comer um gelado. Mais tarde, falaram em voltar a sair para irem comer um hambúrguer, mas acabaram por optar ficar em casa, encomendar comida chinesa e ver um filme no vídeo. Dessa vez, Steve não foi chamado ao hospital. Não estava de serviço e não houve desastres que justificassem ser chamado. E, pela primeira vez desde há meses, Meredith nem sequer tocou na sua pasta.

 

Nessa noite, às onze horas, estavam na cama, abraçados. Steve detestava ter de ir trabalhar no dia seguinte e pensar que ela se iria novamente embora. Voltaria a Nova Iorque na segunda-feira à noite, com Cal. Estariam dois dias na cidade e na quarta-feira partiriam para a Europa. Mas ele iria estar no hospital até essa manhã, o que a levava a duvidar que chegasse a ver o marido. Iria passar a quinta-feira em Edimburgo, na sexta estaria em Londres e passaria aí o fim-de-semana. Por isso, acabaria por não ver Steve durante onze dias. Estavam habituados a isso. Mas dessa vez parecia-lhes uma eternidade.

 

Durante uns tempos não irei a parte alguma, prometo disse Meredith enroscada contra as costas dele, com os braços em volta do corpo de Steve.

 

Vou obrigar-te a cumprir essa promessa. Não quero saber do dinheiro que tu ganhas. Trabalhas demasiado e fazem-nos falta mais momentos como este. Talvez seja altura de abrandares um bocadinho.

 

Meredith, porém, sabia que os seus sócios não pensavam assim. Steve queria falar-lhe outra vez a respeito de ter um bebé, mas não merecia a pena falar disso até aquele negócio estar terminado e terem mais tempo para falar do assunto.

 

Meredith sabia que Steve gostava de ter três ou quatro filhos, mas contentar-se-ia com um. Achava que era chegada a altura, antes de qualquer deles ficar muito mais velho. E tinham dinheiro para contratar uma ama, se Meredith quisesse voltar a trabalhar depois de nascer o bebé. Steve, deitado junto da mulher, pensava nisso, mas não quis dizer nada. Não queria discutir o assunto nessa altura, podiam até zangar-se, e queria gozar aqueles momentos com ela. Achava que a mulher tinha medo de ter filhos, mas uma vez que se resolvesse a ter um iria adorar.

 

Dormiram profundamente nessa noite, abraçados um ao outro. Steve detestou ter de sair de junto dela quando o despertador tocou, às seis da manhã. Tinha de estar no hospital às sete. Meredith ainda dormitava quando ele saiu, e Steve teve de a sacudir um pouco para se despedir. Ela olhou-o com uma expressão de surpresa. Parecia-lhe impossível que a noite tivesse passado tão depressa.

 

Até à volta, Merie. Amo-te.

 

Eu também te amo. Logo telefono-te, de Boston. Steve disse que sim com a cabeça, beijou-a de novo e no minuto seguinte saiu, com o seu velho fato de treino e sapatilhas, preparado para salvar vidas que outros tentavam destruir, para lutar contra os seus moinhos de vento.

 

Meredith dormiu até às oito; depois levantou-se, fez café, leu o jornal e começou a fazer as malas. Fez também a mala que levaria para a Europa, pois pensava que poderia não ter tempo para tal, quando voltasse a Nova Iorque com Cal para a apresentação da empresa. Iam estar incrivelmente ocupados com as várias apresentações. Era a cidade mais importante para eles e a última antes de se dirigirem para a Europa. Queriam ter o livro completamente vendido antes da partida para a Europa, achando que havia boas possibilidades de isso vir a suceder. Pouco depois do meio-dia, tinha tudo pronto e acabara de fazer as malas. Não havia nada que quisesse fazer sozinha. E não lhe estava a apetecer ir a um museu. Por fim, acabou por decidir ir até Boston. Podia ir jantar com Cal, o que seria melhor do que ficar sozinha no apartamento vazio. Às três da tarde tomou um táxi para o Aeroporto de La Guardia, apanhou o voo das quatro e às seis entrava no vestíbulo do Ritz Carlton, mesmo antes de Cal chegar. Deixou um bilhete para ele na recepção, avisando-o de que chegara. O telefone tocou no quarto dela às sete em ponto.

 

Chegou primeiro que eu! Há quanto tempo está aqui?

 

Aproximadamente há uma hora.

 

Meredith sorriu quando ouviu a voz dele. Pareceu-lhe que estava satisfeito.

 

Como foi o seu voo?

 

Aborrecido.

 

E o seu fim-de-semana?

 

Descontraído. Não fizemos nada de especial. Fomos ao cinema.

 

Lavou a sua roupa?

 

Não. O Steve fez isso. Riu-se. Ele estraga-me com mimos.

 

Acho que está a inventar isso tudo. Não pode haver um marido tão bom. Cozinha, trata da roupa, salva vidas... Nós, os outros, parecemos autênticas lesmas ao pé dele. Creio que começo a odiá-lo, Meredith.

 

Tenho muita sorte afirmou ela. E como foi o seu fim-de-semana com os garotos?

 

Divertido. No sábado jogámos ténis e, mais tarde, o Andy e eu jogámos golfe.

 

Eu tenho o marido perfeito, mas você é o pai perfeito. Contudo, Meredith sabia que Steve seria também um pai perfeito se ela lhe desse oportunidade para isso, o que ainda não sucedera.

 

E você é a mulher perfeita declarou Callan num tom que a fez corar. Sabia, no entanto, que ele estava só a brincar. Mesmo durante as viagens, Cal nunca tentara ser mais do que um amigo para ela, e Meredith respeitava-o por isso.

 

Não. Espero ser apenas a conselheira financeira perfeita.

 

É a Supermulher. Que diz a jantar comigo?

 

Parece-me bem.

 

Afinal fora por isso que ela viera mais cedo. Concordaram em encontrar-se meia hora mais tarde no vestíbulo e irem procurar um sítio onde pudessem comer pasta ou piza. Nenhum deles tinha vontade de se vestir para ir jantar a um restaurante elegante.

 

Importa-se que eu vá de calças de ganga? perguntou, parecendo aliviado quando ela lhe respondeu:

 

Gostava muito.

 

Meredith trazia um simples vestido de algodão, que usara na viagem, e sandálias. E achava que estava bem vestida para irem comer piza.

 

Mas quando se encontraram no vestíbulo, Meredith achou que ele continuava a parecer um modelo masculino.;*’ Trazia calças de ganga, uma camisa branca com as mangas dobradas e uns sapatos leves, reluzentes. Tinha também um blazer sobre os ombros.

 

Isso é batota observou Meredith, enquanto ele a olhava com admiração. Ela parecia muito jovem, fresca e bonita. O quê?

 

Você parece demasiado elegante para ir a uma pizaria. Nunca veste uma T-shirt, nem aparenta um aspecto descuidado?

 

Não conseguia imaginá-lo assim, mas sucedia o mesmo ’ com ele em relação a ela. Quando foi a última vez que você teve um aspecto pouco cuidado, Meredith? Na escola primária? Ou antes disso?

 

Ela sorriu do cumprimento implícito e saíram do hotel rindo e conversando como bons amigos, que estavam rapidamente a tornar-se.

 

Descobriram um pequeno restaurante italiano a poucos quarteirões de distância, onde passaram o resto do serão a falar de negócios. Cal sentia-se fascinado com o que ela fazia e surpreendido por ver como gostava do que fazia. Mas, ao mesmo tempo, ela parecia ter também consideráveis conhecimentos sobre os meandros do negócio dele. Trocaram informações e opiniões, como dois jogadores de ténis em Wimbledon. Foram as últimas pessoas a sair do restaurante e não tinham vontade de acabar a conversa; porém, ambos precisavam de descansar e de dormir, antes da apresentação na manhã seguinte.

 

Meredith sabia que Charles Mcintosh, o chefe da contabilidade de Callan, também chegaria de São Francisco nesse dia, mas não devia estar ali antes da meia-noite. Ambos esperavam que ele modificasse um pouco a sua atitude em Boston e Nova Iorque, e também na última parte do percurso, na Europa.

 

Ontem à noite tive uma longa conversa com ele ao telefone prosseguiu Callan, enquanto subiam no elevador. Disse-lhe que precisava de pôr mais entusiasmo nas suas apresentações. Espero que ele me tenha compreendido e que perceba que falo a sério disse Cal, mas parecendo pouco convencido. Começava a ver como Charlie era intratável e como era pouco provável que modificasse a sua atitude num futuro próximo. Ainda na noite anterior, ao telefone, criticara Callan por querer abrir a sua empresa ao investimento público. Parecia um cão agarrado a um osso que não queria largar, apesar de Callan lhe pedir ansiosamente que o fizesse. Callan receava que a atitude de Charlie provocasse um abismo permanente entre ambos. Disse isso mesmo a Meredith, enquanto a acompanhava até à porta do quarto. Ela ouviu-o, demonstrando concordar.

 

São coisas difíceis de prever. Talvez ele mude de ideias e venha a surpreendê-lo com isso. Você poderá utilizar as suas acções na compra de outras empresas. Talvez isso possa atraí-lo.

 

Creio que um crescimento muito rápido e demasiado grande é exactamente o que o assusta observou Cal. Meredith ficou pensativa. Charlie era decididamente um problema complicado.

 

Daí a minutos, Cal despediu-se e combinaram encontrar-se ao pequeno-almoço, na companhia de Mcintosh. Meredith prometera fazer tudo, menos seduzi-lo, para o convencer.

 

Quando chegou ao quarto viu que tinha duas mensagens de Steve. Ligou-lhe e, dessa vez, a enfermeira que atendeu o telefone soube onde encontrá-lo. Steve disse que a noite fora tranquila, que continuava a chover em Nova Iorque e que toda a gente parecia ter ficado em casa, livre de sarilhos.

 

Talvez possas dormir um bocado sugeriu Meredith com um sorriso, pensando ainda na noite anterior que haviam passado juntos e em como tinham feito amor quando ela regressara a casa, no sábado Já lhe parecia que não o via há uma eternidade. As noites e os dias deles eram tão cheios que pareciam criar mais espaço entre ambos.

 

Tenta dormir também um pouco disse Steve. Essa gente faz-te andar por fora até tarde. Na manhã seguinte espera que tu sejas uma Dinah Shore e cantes com todo o coração em seu louvor

 

É para isso que me pagam. Estarei em casa amanhã à noite, querido. Pelo menos, poderia dormir na cama dela, mas infelizmente Steve não estaria lá. Dormiria num sofá-cama no gabinete, até o chamarem.

 

Eu telefono-te prometeu Steve, pensando que, antigamente, ela ia por vezes vê-lo ao hospital, quando estava de serviço, mas ambos sabiam que agora não valia a pena fazê-lo. Sempre que ela tentava fazer isso Steve estava demasiado ocupado e era difícil encontrá-lo, acabando por ser frustrante e aborrecido. Era mais fácil telefonar-lhe quando tinha uma aberta e conseguia encontrá-la.

 

Meredith ficou a pé até tarde, revendo o que iria dizer na apresentação do dia seguinte. Queria alterar algumas coisas na sua breve apresentação de Cal e tinha algumas sugestões a fazer sobre o que Charlie diria.

 

Porém, quando comunicou isso a Charlie no dia seguinte, ao pequeno-almoço, este ficou furioso, achando que ela estava a criticá-lo. No entanto, não se tratava de uma crítica. Estava apenas a querer melhorar a apresentação da Dow Tech aos potenciais investidores

 

Não sei se está a perceber o que eu estou a tentar dizer proferiu pacientemente, tentando que ele aceitasse as suas sugestões. Mas Charlie mostrou-se abertamente hostil para com Meredith.

 

Compreendo perfeitamente. Acha-se muito esperta, você, a rainha dos investimentos financeiros de Wall Street, mas deixe-me dizer-lhe uma coisa: não concordo com uma única palavra do que disse nos últimos dez minutos, ou nas últimas dez semanas. Tudo isto é um grande erro, e vocês deram de tal modo a volta à cabeça ao Cal que ele já nem sabe de que lado a tem.

 

Embora não o quisesse revelar, Meredith ficou chocada com o que ouviu e, sobretudo, com o modo como ele o disse. Conseguira insultar Callan e a ela de uma só vez, e reparou que Callan também não gostara nada do que ouvira.

 

Talvez se deixar de lutar contra o facto de a empresa ficar aberta ao investimento público, Mister Mcintosh, possa pensar na melhor maneira de nos ajudar. Porque a empresa vai ser aberta ao investimento público, quer o senhor queira, quer não. É isso o que Callan quer, e é isso que estamos a fazer. Pode pôr-se ao lado dele, ou pode ficar aí como uma pedra e recusar-se a cooperar, mas, se o fizer, garanto-lhe que o rio continuará a correr à sua volta. Não o vai deter neste ponto.

 

Charlie pareceu assombrado pelo que ela disse e pela veemência com que o disse. E Callan parecia uma nuvem a ameaçar tempestade, quando pagou a conta e acabou de beber o seu café. Ao saírem do restaurante, disse apenas que queria falar com Mcintosh depois da apresentação, e Meredith podia calcular o que isso significava. Callan ia dar-lhe uma descompostura e, talvez, até ameaçar despedi-lo, se ele não mudasse de atitude. Não era realmente altura de Mcintosh se revoltar, nem de ameaçar quem trabalhava com Callan.

 

Os três saíram da sala de jantar em silêncio. E quando Meredith o apresentou, um pouco mais tarde, achou que Mcintosh estava mais apaziguado e se comportava um pouco melhor, mas Callan não parecia ainda convencido disso. Depois de os potenciais investidores partirem, Cal estava furioso com ele e mostrou-o bem quando ficou a sós com Meredith durante alguns momentos antes da segunda apresentação.

 

Quem diabo julga ele que é para lhe falar daquela maneira?

 

Ficara mais aborrecido com o que ele dissera a Meredith do que com o que lhe dissera a si próprio.

 

É apenas um velho obstinado a resistir à mudança, Cal. Você pouco pode fazer a esse respeito. Pode tentar convencê-lo e sei que já tentou. Mas se ele continuar assim, terá de decidir o que há-de fazer depois de acabar a nossa viagem, porém, agora não é altura de balouçar o barco. Precisamos de fazer uma grande apresentação em Nova Iorque e ainda temos de passar uma semana na Europa.

 

Sei isso disse Callan, zangado. Sentia-se como se tivesse as mãos atadas, e Mcintosh não o ignorava.

 

Durante o almoço fizeram a segunda apresentação, e nessa tarde partiram os três para Nova Iorque de avião. Charlie Mcintosh falou muito pouco a qualquer deles. Meredith não podia deixar de pensar se ele estaria arrependido do que dissera, mas demasiado embaraçado para o confessar. Contudo, não lhe pediu desculpa e, quando chegaram a Nova Iorque, Callan mal lhe falava. Estava tão zangado com Charlie que Meredith quase tinha pena dele e da situação que criara. Fora ele próprio que forçara o seu isolamento, e Meredith sentia que Callan estava prestes a cortar as relações entre ambos.

 

Meredith alugara uma limusina para os ir esperar e foi com eles até ao Hotel Regency. Depois aproveitou a limusina para a levar ao seu apartamento. Sabia que Steve não estaria ali nessa noite; mesmo assim, era bom estar em casa e ter algum tempo para si própria antes de partir para a Europa.

 

A apresentação de terça-feira correu extremamente bem. Ao fim do primeiro dia já tinham excesso de subscritores, e os investidores queriam mais acções do que as que seria possível dar-lhes. Era exactamente a situação desejada. Mas, mesmo assim, Charles Mcintosh não mudou de atitude e, no fim da última apresentação, saiu apressadamente para regressar ao hotel.

 

Meredith levou Callan ao «21», e falaram sobre o grave problema que o chefe da contabilidade representava para ele.

 

Não precisa do apoio dele, Cal declarou Meredith com sensatez, mas realmente seria agradável tê-lo.

 

Juro-lhe que, se ele me incomodar na Europa, ou se incomodar alguém, lhe dou um soco mesmo no meio da sua apresentação.

 

Isso certamente que impressionaria os nossos investidores observou Meredith, rindo, pois sabia que Cal nunca seria capaz de fazer uma coisa dessas, no entanto, tinha toda a razão para estar furioso com Charlie por este lhe estar a dar uma dor de cabeça constante Mas o sucesso da OPA excedia de tal modo as suas expectativas que, mesmo assim, Cal estava bastante bem-disposto

 

Se estivesse no meu lugar, como é que trataria do assunto? perguntou Cal quando acabaram de jantar

 

Charlie fora o único motivo de conversa durante todo o serão. Cal respeitava os conselhos dela, a sua cabeça fria, as suas decisões sensatas, e ela pareceu ficar a pensar no assunto durante uns momentos antes de responder:

 

Creio que, provavelmente, teria de o matar. Talvez o envenenasse. Ele come muitos doces, sobretudo rebuçados de hortelã-pimenta. Seria fácil meter uma pastilha de cianeto no meio deles.

 

Meredith disse-o com um ar tão sério, que Cal chegou a pensar que falava a sério. Depois riu-se do que ela dissera, percebendo que quisera aliviar a tensão no momento exacto.

 

Está bem. Creio que vou acalmar e esperar até regressarmos da Europa.

 

Não creio que tenha qualquer alternativa. Pode tratar da situação quando estiver de volta à Califórnia.

 

Acho que terei de fazer isso.

 

Entretanto, devia estar a celebrar. Conquistou Nova Iorque. Eu não poderia desejar nada melhor.

 

Nem eu.

 

Callan estava muito satisfeito; por isso, os seus problemas com Charlie pareciam perder um pouco a gravidade. No dia seguinte encontrar-se-iam com outros investidores privados e nessa noite partiriam para a Europa.

 

Irá ter oportunidade de ver o seu marido antes de partir? perguntou Cal, mostrando-se preocupado. Começava a aperceber-se de que estava a ocupar muito tempo a Meredith, tornando-se dependente dela, e sentia-se um pouco culpado.

 

Não. Quando ele sair de serviço, estarei consigo numa reunião. Poderei vê-lo quando for a casa buscar as minhas malas, a caminho do aeroporto, a não ser que Steve seja chamado ao hospital antes disso.

 

- Que diabo de vida você tem, minha amiga. Não sei como consegue continuar casada.

 

Nós amamo-nos afirmou simplesmente Meredith. Depois decidiu picá-lo um pouco e acrescentou: Apesar de eu não querer ter filhos dele.

 

Começo a pensar que preciso de rever as minhas teorias a esse respeito. E começo a pensar que o vosso casamento é perfeito. Talvez por não terem filhos. Quem sabe!?

 

O que é que qualquer de nós sabe a respeito de relacionamentos? Às vezes penso que é apenas uma questão de sorte. Quem teria adivinhado, há catorze anos, que eu e o Steve sentiríamos esta loucura um pelo outro, ou que levássemos uma vida em que quase não nos vemos? Quando nos casámos, ele achava que iria preferir ser um médico rural em Vermont, e eu pensava ir estudar Direito Mas pouco depois ele apaixonou-se pelas urgências e eu apaixonei-me por Wall Street. As coisas nunca são como nós esperamos. De vez em quando, é preferível que assim seja

 

A vida de Callan também não correra como este esperara. Meredith, às vezes, pensava se a de alguém correria.

 

Se tivesse ficado em Vermont continuou Meredith, provavelmente aborrecer-me-ia E até podíamos ter-nos separado há anos. Não sei porquê, mas a vida que temos resulta para nós.

 

Tem muita sorte, Merrie

 

Sim, eu sei disse calmamente Meredith. Um dia destes tem de conhecer o Steve.

 

Desde que não seja como médico. Talvez possamos jantar juntos quando voltarmos da Europa.

 

O Steve gostaria imenso. Ele sabe o que você faz. Na verdade, foi ele a primeira pessoa a falar-me dos seus produtos e a dizer-me como são bons.

 

É obviamente um grande homem comentou Callan com um sorriso, enquanto pagava a conta e saíam do restaurante. Foram a pé, devagar, até ao hotel. Meredith deixou-o aí, chamou um táxi e foi para o seu apartamento.

 

Na manhã seguinte voltaram a encontrar-se para mais reuniões com investidores. Em seguida, almoçaram com alguns dos sócios da firma dela, falaram com novo grupo de investidores e finalmente terminaram o trabalho do dia. Quando os sócios o felicitaram pelo sucesso da operação, Callan quis dar a Meredith o maior crédito por esse êxito, mas eles não ligaram grande importância a isso, querendo só falar com ele. No que lhes dizia respeito, Meredith fizera apenas aquilo que esperavam que fizesse, não havendo motivo para ser elogiada.

 

Cal ficou aborrecido por ver a maneira como eles a tratavam e falou-lhe nisso no carro que os transportava para irem buscar as malas, a caminho do aeroporto.

 

Eles não lhe oferecem muitas rosas disse com ar aborrecido.

 

Teriam feito o mesmo que eu fiz. Sabem-no bem. E quanto a si, foi o Paul Black que o levou como cliente da firma. Não fui eu.

 

Isso é muito faccioso, não é? Black fez apenas o contacto inicial. Tudo o resto foi você quem o fez.

 

É mesmo assim. Não há heróis no nosso género de trabalho.

 

E também não existe muita gratidão.

 

Não espero isso. Ganharei muito dinheiro com esta operação. Todos nós ganharemos.

 

Não se trata apenas de dinheiro, Merrie, bem sabe. Não me diga que só faz isto por dinheiro. Faz isto, porque acredita nas empresas cuja OPA realiza, e gosta do seu trabalho.

 

Callan tinha mais respeito por Meredith do que eles mostravam ter e isso revoltava-o.

 

Tudo isso é verdade, mas neste trabalho não há nada de romântico. Eles calculam que eu vou ganhar muito dinheiro com isto e eles também. Não vêem qualquer razão para me atirarem beijos.

 

Creio que esperam mais de si por ser mulher. É quase como se tivesse de lhes provar alguma coisa, provar que é tão inteligente e competente como qualquer homem, e há algo de errado nisso. Você é muito mais inteligente do que muitos deles. Certamente do que o Paul Black. Esse não passa de um velho saco de vento com muitos conhecimentos sociais. Não passa de um manda-chuva.

 

Meredith achou graça à descrição dele.

 

Obrigada por reparar nas duas coisas. Mas há muita gente assim nesta profissão.

 

E não há gente suficiente como você. Gostei muito de trabalhar consigo.

 

Mais do que isso, Callan acabara por gostar realmente dela. Era leal, honesta e decente. Uma pessoa espectacular.

 

Além de tudo o mais, achava-a brilhante. Impressionava-o ouvi-la falar em termos tão elogiosos a respeito do marido.

 

Também gostei imenso de trabalhar consigo e isso é bom, Cal, porque ainda tem de me aturar mais uma semana.

 

Meredith disse isto a rir, e poucos minutos depois recolhiam a bagagem de Callan e de Charlie no hotel. Em seguida, dirigiram-se para o apartamento dela. Deixara as malas no vestíbulo, por isso correu a buscá-las, voltando menos de cinco minutos depois. Steve deixara-lhe um bilhete. Voltara para o hospital, para uma reunião, e tinha pena de não a ver. Meredith escreveu-lhe no mesmo bilhete, dizendo que também tinha pena de não o encontrar e que o amava

 

Viu o Steve? perguntou Cal com ar apreensivo. Começava a preocupar-se com ela, como se fosse uma irmã mais nova

 

Não. Teve de voltar ao hospital para uma reunião. Não faz mal. Não esperava vê-lo

 

Parecia desapontada, mas não aborrecida. A vida deles era assim e já estava habituada a isso.

 

Isso é mau. Aposto que ele ficou desapontado.

 

Vemo-nos daqui a uma semana disse Meredith, com um sorriso. Pode ser que tire mesmo uns dias de folga quando voltar. Iremos talvez passar uns dias a Vermont, se Steve puder deixar o hospital. Se não puder, passaremos um fim-de-semana prolongado em qualquer sítio.

 

É uma pena ele não poder ir ter connosco a Londres para o fim-de-semana.

 

Tentei fazer com que fosse ter comigo a Paris Mas não pode. Tem de ficar a substituir o director da unidade de urgências, que precisa de ir a Dallas.

 

Vocês levam uma vida terrível. Não sei como aguentam. Bem, em Londres podemos ir ao teatro. Ou ao Annabel’s. Gosta de dançar?

 

Charlie Mcintosh olhou para fora, pela janela, com ar aborrecido. Era evidente que desaprovava misturar negócios com prazer e ainda por cima com Meredith.

 

Adoro dançar respondeu ela com um sorriso, agradecida pelo convite e divertida com o ar desaprovador de Charlie. Divertia-a chocá-lo.

 

E adoro teatro acrescentou.

 

Então talvez possamos fazer as duas coisas.

 

Callan achava que a devia convidar para se distrair um pouco, depois de ela ter tido tanto trabalho consigo. E iriam estar os dois sozinhos em Londres, acompanhados apenas por Charlie.

 

Quando chegaram ao aeroporto, puseram-se a estudar uns documentos até ao momento de embarcarem. Quando entraram no avião para Edimburgo estavam os três cansados. O avião iria fazer uma paragem em Londres, mas, logo que acabaram de comer, Cal e Charlie reclinaram os assentos, apagaram as luzes e prepararam-se para descansar, cobertos com as mantas. Cal e Meredith iam sentados lado a lado, e Charlie ia sentado mesmo atrás deles. Logo que Callan inclinou a cadeira ao máximo, Meredith estendeu a mão para a sua pasta.

 

Merrie disse Cal em voz baixa. Que vai fazer?

 

Estou a pensar ler umas coisas.

 

Pare com isso! ordenou gentilmente. Você também precisa de dormir um bocado. Ordeno-lhe que apague a sua luz.

 

Ordena-me? Meredith parecia divertida. Isso é uma novidade.

 

Talvez seja altura de alguém lhe dizer isso mais vezes. Vá, desista por esta noite. Apague a luz.

 

Meredith hesitou; depois achou que ele talvez tivesse razão e que o trabalho poderia esperar até de manhã. Então, apagou calmamente a luz.

 

Bonita menina. O trabalho ainda lá estará amanhã. Cal falava em voz bondosa, paternal, e subitamente ela imaginou como ele era com os filhos. Soube instintivamente que era um bom pai.

 

É disso que costumo ter medo respondeu em voz baixa. Que o trabalho ainda lá esteja de manhã. Estou sempre à espera que a fada do trabalho apareça durante a noite e o faça por mim.

 

A fada do trabalho é você, Merrie. Mas mesmo as fadas precisam de descansar às vezes.

 

Callan sentia-se cada vez mais decidido a proporcionar a Meredith algumas distracções em Londres. Ela merecia. Fizera mais por ele do que qualquer outra pessoa desde há muito tempo. Talvez desde sempre.

 

Meredith puxou o encosto para trás, como ele o fizera, colocou uma almofada debaixo da cabeça e puxou a manta para cima. Depois deixou-se ficar quieta, imóvel, ao seu lado.

 

É capaz de dormir nos aviões? sussurrou Cal.

 

Às vezes. Depende do trabalho que trago na minha pasta respondeu ela, sorrindo.

 

Finja que deixou o trabalho em Nova Iorque. Finja que vai de férias.

 

Meredith sorriu do jogo e sussurrou em resposta:

 

Para onde iria eu, de férias?

 

Que diz ao Sul da França? Saint-Tropez... Que acha? Ele continuava a sussurrar e Meredith a sorrir.

 

Isso também é uma ordem? perguntou Meredith.

 

Sim... Agora fique quieta e pense apenas nisso.

 

E, surpreendendo-se a si própria, Meredith fez isso mesmo. Ficou quieta, de olhos fechados, «vendo» o Sul da França, o pequeno porto, as estreitas ruas sinuosas, o Mediterrâneo e o mercado das flores. Quando ele voltou a olhá-la, Meredith dormia profundamente. Cal puxou a manta mais para cima e prendeu-lha com cuidado em volta dos ombros.

 

O avião parou em Londres e continuou depois a viagem para Edimburgo. Meredith ficou surpreendida ao perceber que dormira durante a maior parte da viagem. Era de manhã na Escócia quando chegaram, e dirigiram-se directamente para o local onde iam fazer a sua apresentação perante os representantes de várias instituições escocesas. Era a rotina habitual, que Meredith conhecia bem.

 

Como sucedera nas últimas duas semanas, a digressão continuou a correr muito bem, e Callan ficou entusiasmado quando receberam um faxe do escritório dela em Nova Iorque, dizendo-lhes que havia excesso de subscritores, numa proporção de dez para um, o que significava que tinham dez vezes mais pedidos de compra de acções do que aquilo que precisavam.

 

Ao fim da tarde estavam preparados para continuar, e viajaram para Londres nessa noite. Quando chegaram ao Claridge, até o infatigável Callan se mostrava exausto. Fora um longo dia e haviam passado a noite anterior toda em viagem. Na manhã seguinte tinham de estar frescos para fazerem a sua apresentação em Londres. Callan estava satisfeito com tudo. A operação correra melhor do que alguma vez sonhara e tinha de agradecer tudo isso a Meredith.

 

O que quer fazer esta noite, Meredith? perguntou-lhe Callan, enquanto um empregado de libré lhes ia indicar os quartos. Charlie Mcintosh ficara noutro andar, mas os quartos deles ficavam ao lado um do outro.

 

O que eu quero fazer? Dormir, espero. Não sei como se sente, mas eu estou exausta. Vou-me deitar, para amanhã não baralhar as coisas.

 

Não há perigo disso. Quer sair para ir comer alguma coisa?

 

Apesar de estar cansado, como ela sabia que devia estar, Callan Dow queria ir sair à noite; trabalhava arduamente todo O dia, mas à noite gostava de se descontrair.

 

Hoje não, obrigada. Vou pedir que me levem qualquer coisa ao quarto e depois meto-me na cama.

 

Muito bem. E amanhã à noite quer ir ao Harry’s Bar jantar e a seguir ao Annabel’s?

 

Onde é que vai buscar a sua energia. Nunca se cansa?

 

Olhem quem fala. Você nunca pára. comentou Cal com admiração

 

Por hoje parei disse ela, parecendo cansada

 

A viagem, o longo dia e a segunda viagem tinham finalmente levado a melhor, e Meredith mal podia abrir os olhos de cansaço. quando lhe levaram a mala e a pasta O seu quarto estava lindamente decorado ao estilo de art déco. O de Callan tinha uma decoração com base em tafetá azul e chintz em tons pastel, com flores. Os dois pareciam ter sido recentemente redecorados Mas, nessa noite, Meredith seria capaz de dormir até sobre um fardo de palha, só queria estar fresca para o dia seguinte. Fariam a sua primeira apresentação às oito da manhã, mas Meredith não sentia tanta pressão como em Nova Iorque. O mercado europeu tinha ligeiramente menos interesse para eles. Tradicionalmente, mantinham o investimento estrangeiro abaixo do americano. O volume da OPA destinava-se aos investidores com base nos Estados Unidos, que fariam agitar mais o stock, gerando assim mais comissões

 

Cal foi para o quarto depois de lhe terem levado as malas para lá. Tentou convencer novamente Meredith a ir com ele, mas ela disse-lhe que nessa noite não saía. Pouco depois, ouviu a porta dele abrir-se e fechar-se e percebeu que tinha saído. Às nove horas, Meredith estava deitada e a dormir E na manhã seguinte, ao pequeno-almoço, estava fresca e bem-disposta

 

O que fez ontem à noite’ perguntou Meredith a Cal, enquanto comia scones e bebia café. Charlie ainda não se lhes juntara

 

Saí com uns amigos. Conheço muita gente aqui. Algumas pessoas por intermédio da minha ex-mulher

 

Eu estava morta para o mundo às nove horas disse Meredith com um sorriso

 

Logo, faremos melhor do que isso avisou Cal, com um sorriso, ao mesmo tempo que Charlie chegava junto da mesa. Dessa vez mostrou-se bastante bem-disposto, e os três conversaram amigavelmente, enquanto Charlie pedia ovos e salsichas. Às oito horas iniciaram a sua, agora, familiar apresentação. Foi um grande sucesso, tal como as outras haviam sido.

 

Reuniram-se com investidores privados ao meio-dia e à uma fizeram uma nova apresentação, durante o almoço. Às quatro, estavam os três de regresso ao hotel. Charlie tinha planos para passar o fim-de-semana em França com amigos. Combinaram então encontrar-se em Genebra domingo à noite. Com um gesto pouco característico nele, Charlie desejou-lhes um bom fim-de-semana, e Meredith teve esperanças de que ele estivesse a abrandar um pouco.

 

Pronta para uma noite na cidade? perguntou Cal ao acompanhá-la ao quarto, às cinco da tarde. Tinham reservado uma mesa no Harry’s Bar para as oito e depois disso tencionavam ir dançar ao Annabel’s.

 

Tem a certeza de que não se importa de perder tempo comigo? perguntou Meredith. Provavelmente divertia-se muito mais com outra pessoa.

 

Eles eram agora como dois irmãos e ambos pareciam gostar disso.

 

Prefiro sempre jantar com uma boa amiga replicou Callan, sorrindo. Ficaram a conversar um pouco mais sobre a apresentação que correra ainda melhor que todas as outras, se possível. Até Charlie se portara melhor e Cal não deixara de reparar nisso. Pelo menos não se mostrara tão truculento como em LA e em Nova Iorque.

 

Foi uma pena ele ter levado tanto tempo a aquecer. Callan não comentou e daí a pouco foram para os seus respectivos quartos. Callan disse-lhe que a iria buscar às oito menos um quarto, o que lhe dava muito tempo para descansar, relaxar, tomar um banho e arranjar-se. Logo que ela entrou na banheira, o telefone tocou no quarto.

 

Meredith embrulhou-se no lençol de banho, com o cabelo cheio de água, e foi atender. Como calculara, era Steve.

 

Como vão as coisas, querida? perguntou. Parecia

bem-disposto. Para ele era o princípio do dia de sexta-feira.

 

Tudo óptimo respondeu Meredith com um grande sorriso, embrulhando-se melhor no lençol por causa do ar condicionado. Estamos quase despachados, e os subscritores são de dez para um. Desta vez, é um verdadeiro «sapato verde». Steve sabia que iam ter entre cinco e dez por cento de acções a mais. Depois de estar ao lado dela durante doze anos de carreira em Wall Street, conhecia a terminologia.

 

O Callan está muito satisfeito

 

E o contabilista dele, que tal perguntou Steve com interesse.

 

Esteve um pouco melhor aqui. Até chegou a sorrir hoje, antes de partir para ir passar o fim-de-semana com uns amigos, em França. É um alívio vermo-nos livres dele. Parecia quase sempre um avô rabugento a implicar com tudo.

 

Mas Steve não pareceu satisfeito ao saber isso.

 

Isso quer dizer que ficaste sozinha com o Dow?

 

Mais ou menos. Juntamente com mais uns oito milhões de pessoas em Londres, parece-me bastante seguro.

 

Sabes o que eu quero dizer. Ele não está a atirar-se a ti, Merie?

 

Claro que não. É inteligente de mais para isso. Somos agora bons amigos. Depois destas viagens de apresentações, ou as pessoas ficam amigas para toda a vida, ou nunca mais querem voltar a ver-se. Ele tem-se mostrado sempre agradável e creio que vamos ficar amigos. Espero que venhas a conhecê-lo.

 

Está bem... Não sei porquê, mas não confio nele. Preferia estar eu a passar o fim-de-semana em Londres contigo.

 

Então, vem convidou ela Podes ir ter comigo a Paris, para a semana

 

Tem muita graça. Sabes que estou preso aqui. Trata mas é de voltares para aqui o mais depressa possível. Que vais fazer no fim-de-semana?

 

Fico por aqui. Pensei em fazer umas compras amanhã, e hoje vou jantar ao Harry’s Bar com o Callan.

 

Dado o que ele dissera, não valia a pena estar-lhe a dizer que iriam dançar ao Annabel’s. Sabia que não havia nenhum mal nisso, mas não valia a pena perturbar Steve. Era tudo inofensivo e Cal era um perfeito cavalheiro, tal como ela dissera

 

Se ele ficar embriagado, mete-te num táxi para o hotel. Não corras riscos.

 

Deixa de te preocupares, querido. Ninguém vai ficar embriagado. Vamos jantar e regressar ao hotel, mais nada. É melhor do que comer no quarto, mas nada de especial.

 

Está bem anuiu Steve, parecendo mais descansado, mas ainda ligeiramente inseguro. O tipo era demasiado novo, tinha demasiado sucesso e, segundo ouvira dizer e lera, era também bem-parecido. Não podia imaginar que um homem fosse capaz de resistir a Meredith Mas, se desconfiava de Callan, confiava inteiramente nela

 

E tu? Que vais fazer esta noite’ perguntou por sua vez Meredith.

 

Dormir. Amanhã volto a estar de serviço. De qualquer modo, não tenho mais nada que fazer. Na próxima semana estou de folga. Troquei para poder estar contigo.

 

Porque é que não vamos para qualquer sítio’ perguntou Meredith, parecendo feliz com essa perspectiva

 

Vamos ver

 

Desligaram pouco depois, e ela voltou para o banho que tinha arrefecido. Deixou correr mais alguma água quente e sentou-se na banheira sorrindo e pensando no marido. Achava graça ao facto de ele se mostrar ainda um pouco ciumento passados tantos anos. Não tinha motivo para ter ciúmes e sabia-o. Ela nunca pensara, nem por um breve instante, em ser-lhe infiel. Estava ainda muito apaixonada por Steve, como ele por ela.

 

Quando Callan a foi buscar, pouco antes das oito, ela vestia um vestido de cocktail, preto, curto, sandálias de salto alto, e tinha ao pescoço um pequeno colar de pérolas. Maquilhara-se e o seu cabelo brilhava como ouro. Estava muito bonita. Ao vê-la, Callan deu um passo atrás para a olhar e pareceu impressionado. Habitualmente, ela parecia uma executiva, mas nessa noite estava extremamente elegante e bonita. Costumava usar fatos de calça e casaco ou de saia e casaco de estilo muito sóbrio, azul-escuros ou pretos, mas o vestido de cocktail mostrava as suas costas nuas.

 

Uau! Se posso dizê-lo, Mistress Whitman, está estonteante. Talvez devesse estar assim vestida ao fazer o seu discurso de apresentação. Se assim fosse, as acções estariam de cem para um.

 

Obrigada, Callan agradeceu Meredith, corando ligeiramente. Era divertido vestir-se elegantemente e sair com ele.

 

Quando chegaram ao Harry’s viram que se encontrava ali toda uma multidão de nomes e rostos conhecidos. Era ainda um dos mais exclusivos restaurantes de Londres e, como se tratava de um clube, parecia mais ser uma festa numa casa particular do que um local público.

 

Tomaram umas bebidas no bar e depois foram encaminhados para a mesa. Meredith reconheceu as pessoas que se encontravam nas mesas dos dois lados. Numa delas estava um grupo de banqueiros internacionais, alguns ingleses, outros franceses, um saudita e outro do Bahreim. E na mesa do lado direito encontravam-se duas estrelas de cinema, um realizador cinematográfico e um bem conhecido príncipe italiano. Era uma multidão cravejada de estrelas, e Meredith achava divertido estar ali com Callan.

 

Dessa vez não falaram de negócios. Eram apenas duas pessoas que tinham ido jantar fora numa noite de sexta-feira. Exceptuando o facto de ser casada e ele ser um cliente, era quase como um encontro, mas melhor de muitas maneiras. Nenhum deles tinha de se preocupar com o desfecho ou com a’ impressão que estava a causar no parceiro, com as intenções’ ou com a agenda do outro. Eram apenas amigos a divertirem-se um pouco. O Steve deve ser um homem muito aberto, muito tolerante comentou Callan, enquanto o criado lhes servia um copo de Chateau d’Yquem com a sobremesa. Era um sau- ’ teme doce de que Meredith muito gostava e que saboreava lentamente. O que é que o faz dizer isso? Quando era casado, não sei se gostaria que a minha mulher fosse jantar e dançar com outro homem. Não sei se confiaria de tal maneira na Charlotte. Ambos sabiam que tivera razão em desconfiar dela. O Steve sabe que não tem razão para se preocupar. Eu sou segura afirmou com um sorriso, enquanto reparava numa mulher elegante, de cabelo preto e vestido vermelho, que acabava de entrar acompanhada por um homem atraente, mais velho que ela. Várias pessoas pareciam saber quem era, e ela parecia-lhe de certo modo familiar, mas não conseguia reconhecê-la. Finalmente, vendo-a conversar e rir com várias pessoas, de mesa para mesa, perguntou a Callan se sabia quem era.

 

É actriz?

 

Já não tinha idade para ser modelo, embora pudesse ter sido quando era mais nova.

 

Não. É advogada disse Cal, olhando-a e voltando-se em seguida para Meredith com uma expressão contrafeita.

 

Conhece-a? Eu já a vi em qualquer sítio, mas não consigo localizá-la.

 

Deve tê-la visto em várias revistas. Ela movimenta-se no mundo do jet set. Quase todos os seus clientes são pessoas importantes.

 

Mas quem é? Meredith mostrava-se perplexa e Cal despreocupado, mas quando lhe respondeu, os olhos dele tinham uma expressão dura.

 

É a minha ex-mulher disse, fitando Meredith de frente. Não parecia nada satisfeito.

 

Oh, lamento proferiu. Podia ver que era uma recordação desagradável. Fora pouca sorte ela estar ali.

 

Não lamente. Agora damo-nos bem. Vejo-a quando ela vai ver os filhos.

 

Contudo, por mais que Cal não o quisesse mostrar, Meredith via bem que o encontro era doloroso para ele. Pensou se iriam cumprimentar-se, mas logo a seguir a mulher de vestido vermelho estava junto da mesa e estendia a mão a Cal com um sorriso deslumbrante, que cintilava quase tanto como os diamantes que lhe enfeitavam as orelhas e os dedos.

 

Olá, Charlotte disse ele simplesmente. Como estás?

 

Óptima. E tu? Que fazes nesta parte do mundo? Olhou de relance para Meredith, com o seu vestido preto e o simples colar de pérolas e catalogou-a logo como não sendo importante.

 

Estou aqui em negócios, e esta é Meredith Whitman disse Callan, apresentando-a delicadamente.

 

Daí a um minuto, Charlotte afastou-se para se ir juntar ao grupo de amigos numa mesa reservada para uma festa particular. Depois de ela se ir embora, Meredith lembrou-se de que nem sequer perguntara pelos filhos. Disse qualquer coisa a Callan a respeito disso e este encolheu os ombros, respondendo com um sorriso amargo:

 

Já lhe disse que ela não se interessa pelos filhos. Gosta da vida de sociedade, do jet set, dos negócios e do luxo. Apenas se interessa pelas estrelas que são clientes dela. É muito feliz aqui.

 

Meredith tentou perceber se o encontro o teria perturbado, mas não quis tocar no assunto

 

É muito atraente e muito bonita comentou apenas. Vê-la dera a Meredith uma ideia das mulheres pelas quais ele se sentia atraído. Era impossível uma pessoa não ficar fascinada pelo aspecto daquela e, pelo que Cal dissera, era também uma mulher inteligente. Pareciam faltar-lhe outras qualidades, como integridade e ternura, segundo Cal lhe contara.

 

Ela foi modelo em criança. Tenho a impressão de que isso lhe subiu à cabeça. Habituou-se a todas as atenções e ao dinheiro, mas sabia que não duraria sempre Por isso, construiu para si algo que pudesse durar. É uma excelente advogada, e os seus clientes são quase todos estrelas de cinema. Adora movimentar-se nesse mundo E eles adoram-na; também Creio que vive muitas emoções através deles. Talvez seja por isso que não liga aos filhos. As grandes estrelas são os filhos para ela.

 

É parecida comigo disse Meredith. Os meus clientes, como você, são os meus filhos. Trato de tudo para que possam prosseguir a sua vida, ganhando muito dinheiro e tendo grandes sucessos.

 

Callan riu da comparação e abanou a cabeça.

 

Creio que não é bem a mesma coisa Mas o que ganha com isso, Meredith, além do que é óbvio?

 

Ambos sabiam que ela iria ganhar muito dinheiro com o trabalho que estava a fazer agora, mas Cal sabia também que não era só isso que a fazia trabalhar. Gostava do seu trabalho e fazia-o brilhantemente. Nos meses em que trabalhara com ela, especialmente nos últimos, ficara imensamente impressionado.

 

Gosto do que faço afirmou Meredith em resposta à pergunta dele. E, de certo modo, é verdade que os clientes são os meus filhos. Não preciso de filhos. Tenho tudo o que preciso com os meus clientes e com o Steve.

 

Mas não é a mesma coisa, asseguro-lhe. Pode crer que está a perder algo muito importante. Olhou para o outro lado da sala, para a mesa onde se encontrava Charlotte. Ela também nunca compreendeu o que estava a perder. E no caso dela isso foi um verdadeiro crime. Você, pelo menos, nunca teve filhos e não está a magoar ninguém com as suas decisões, a não ser o Steve e talvez você mesma. No caso dela, não só está a perder algo de muito importante, como está a privar os filhos de terem uma verdadeira mãe.

 

Talvez seja altura de você voltar a casar disse corajosamente Meredith. Não só por si como pelos seus filhos.

 

Óptimo! E depois? Deixo que eles tenham de passar por outro divórcio? Da primeira vez, eram, pelo menos, muito pequenos para se aperceberem bem do que lhes estava a suceder. A Mary Ellen tinha seis anos e isso destroçou-lhe o coração, mas a Julie e o Andy tinham, respectivamente, quatro anos e menos de dois e foi mais fácil para eles. Para a próxima não seria. Agora são mais velhos. Têm idade suficiente para ficarem magoados com isso.

 

Porque é que pensa que voltaria a divorciar-se, Cal? Não acha que aprendeu alguma coisa com a primeira vez?

 

Sim. Aprendi a não voltar a casar-me.

 

Riu, mas foi uma gargalhada desprovida de humor. Uma gargalhada repleta de amargura e de desgosto.

 

Sabe como é que a Charlotte se instalou aqui? Com o dinheiro que recebeu devido ao divórcio.

 

Sorte a dela.

 

Também pensei isso replicou Cal, fazendo sinal ao criado para lhe levar a conta. Além disso acrescentou com uma expressão mais alegre, os meus filhos não me deixariam casar outra vez. Creio que é bem claro que me querem só para eles.

 

Isso não é justo. Não é bom para si, nem para eles.

 

Para mim é bom. Eles são como três anjos-da-guarda que me impedem de voltar a fazer figura de parvo, ou de fazer algo estúpido.

 

Você é demasiado inteligente para ser tão cínico, ou tão cobarde

 

Meredith falava com ele como amiga e Callan sabia-o.

 

Porque é que está a querer vender-me um casamento? perguntou, intrigado pela persistência dela.

 

Porque acho que o casamento é uma grande coisa. A melhor que eu já fiz.

 

Então, tem muita sorte respondeu Callan sorrindo-lhe afectuosamente E o mesmo sucede com o Steve.

 

Callan parecia começar a descontrair outra vez

 

Vamos, menina, vamos dançar

 

Deu-lhe a mão e conduziu-a para fora do restaurante sem olhar sequer para a mesa onde se encontrava a sua ex-mulher. Para ele era um assunto encerrado, quanto a Meredith sentiu-se aliviada quando chegaram à rua. Apercebera-se da tensão e do desgosto que lhe causara o encontro com Charlotte. Era evidente que não nutria qualquer sentimento afectuoso por ela, embora tivessem três filhos.

 

Conversaram animadamente no caminho para o Annabel’s, no Daimler, conduzido por um motorista, que ele alugara no hotel. Meredith gostou de estar no Annabel’s. Cal pediu champanhe para os dois e levou-a para a pista de dança. Só uma hora mais tarde voltaram a sentar-se à mesa. Estava a divertir-se imenso com ele. Cal era um excelente dançarino e conversava com animação, Meredith tinha pena que se sentisse, por vezes, tão amargo. Fora seriamente magoado, mas exceptuando isso era um homem muito interessante, e ela achava que Callan merecia muito mais do que actualmente se permitia ter. De certo modo, o trabalho e os filhos não poderiam preencher inteiramente a vida de um homem como ele, embora ela não soubesse de outra coisa na vida dele. Durante todo o tempo em que viajavam juntos, Callan nunca falara de uma namorada ou de uma companheira, de uma mulher na sua vida. Que faria ele para se distrair, além de trabalhar e de dançar com a sua conselheira financeira?

 

Permaneceram no Annabel’s até às duas da madrugada e depois voltaram para o Clandge. Sentiam-se descontraídos e felizes; Meredith seria capaz de dançar a noite inteira com ele, sem pensar em mais nada que não fosse uma pura amizade.

 

Callan apertara-a confortavelmente nos braços, movendo-se perfeitamente com ela, mas sem nunca a apertar de mais. Meredith nunca se sentiu desconfortável nem um instante. Com efeito, sentia-se ainda mais amiga dele do que antes. E o facto de ter visto Charlotte no restaurante, e a reacção dele para com aquela, fizera-a ver de relance um pouco da sua vida.

 

Qual é a agenda para amanhã? perguntou Callan ao deixá-la à porta do quarto, no hotel.

 

Pensei em ir fazer umas compras. Gosto dos antiquários de Londres.

 

Também eu disse ele. Importa-se que eu vá consigo?

 

Claro que não.

 

Mas lembrou-se das obras de arte que vira em casa dele e acrescentou:

 

Mas você pode querer ir a sítios mais requintados que eu. Quero apenas passear um bocado.

 

Não posso pensar noutra coisa que gostasse mais de fazer, Meredith. Passei uma noite muito agradável consigo, hoje. Você é uma companhia maravilhosa.

 

Talvez, mas não era certamente tão sofisticada e deslumbrante como a ex-mulher dele. Charlotte era um género de mulher muito diferente, e Meredith pensou se ele não a acharia demasiado sóbria, em comparação. Era, sem dúvida, uma pessoa mais conservadora, mas também mais genuína.

 

Eu também passei uma noite muito agradável, Cal. O jantar estava delicioso e adorei dançar. Nunca consigo ir dançar com o Steve. Ou ele está muito cansado, ou a trabalhar, ou não lhe apetece dançar. Com o decorrer dos anos, cheguei à conclusão de que os cirurgiões não sabem dançar. Foi divertido. Muito obrigada concluiu com sinceridade.

 

Irei a Nova Iorque e levá-la-ei a dançar em qualquer altura. Seremos o novo par Ginger Rogers e Fred Astaire, além de bons amigos.

 

Meredith riu-se da comparação e, depois de lhe dar as boas-noites, fechou a porta do quarto. Estava cansada mas divertira-se. Quando olhou para o telefone viu que a luz das mensagens estava acesa; ligou para saber das mensagens, e disseram-lhe que Steve ligara três vezes, mas estava cheia de sono e decidiu falar com ele de manhã.

 

Atirou o vestido para cima de uma cadeira, descalçou os sapatos, vestiu a camisa de noite, lavou os dentes e deitou-se

 

Estava ainda a dormir na manhã seguinte, às oito horas, quando o telefone tocou. Era Steve

 

Onde estiveste toda a noite? perguntou ele, parecendo aborrecido dessa vez

 

Disse-te que ia sair com o Cal. Meredith ainda estava com sono e bocejou

 

A que horas chegaste? Às quatro?

 

Às duas. Fomos jantar ao Harry’s e depois tomar umas bebidas ao Annabel’s.

 

Não tinha segredos para ele. Tencionara contar-lhe da ida ao Annabel’s, mas não lhe falara nisso antes para não o aborrecer antecipadamente.

 

Dançaste com ele?

 

Não. Dancei com alguns dos criados. Claro que dancei com ele. Que tem isso?

 

Talvez tenha para mim. Parecia uma criança petulante e ela achou graça. Steve sabia bem que não tinha de se preocupar pelo facto de a mulher estar com outro homem. Mesmo tendo ido dançar.

 

Pois bem Não devia ser. Foi um serão perfeitamente respeitável. E até encontrámos a ex-mulher dele.

 

Isso deve ter sido divertido. De qualquer modo, peço desculpa se fui estúpido. Mas tenho saudades tuas e não me agrada a ideia de andares a viajar com outro homem.

 

Daqui em diante, apenas aceitarei clientes femininas. Vou avisar a firma.

 

Está bem, está bem. Fui estúpido. Mas amo-te e tu és demasiado bonita para andares a viajar com um homem sozinho e atraente

 

Que é um perfeito cavalheiro, asseguro-te. Meredith estava agora bem desperta e com pena que o marido estivesse aborrecido. Uma coisa era gracejar um pouco com ele e outra, muito diferente, era saber que estava genuinamente preocupado. Causar ciúmes um ao outro era um jogo que nunca nenhum deles jogara

 

Não voltaremos a ir dançar, prometo. Fizemo-lo porque tivemos de passar aqui o fim-de-semana e trabalhando duramente até aqui. Fomos festejar o sucesso, mas garanto-te que ele é inofensivo; somos apenas bons amigos. Vais gostar de o conhecer.

 

Está bem, Merrie. Confio em ti. Faz o que quiseres. Que tencionas fazer hoje?

 

Nada de especial. Gostava de fazer umas compras. E pedi, aqui no hotel, para me arranjarem bilhetes para o teatro.

 

Em Londres, havia sempre peças de teatro tão boas que Meredith nunca deixava de ir a um teatro quando lá se encontrava.

 

Amanhã à noite partiremos para Genebra e voltaremos ao trabalho.

 

Estou contente por faltar pouco para voltares para casa disse Steve, parecendo enervado. Meredith ficou aborrecida com isso. Steve era demasiado bom para merecer ficar enervado.

 

Ele continua a aconselhar-me a ter filhos.

 

Tenho esperança de que não sejam dele.

 

Steve pareceu medianamente preocupado e Meredith riu-se.

 

Não. Teus. Está sempre a dizer-me como temos sorte. Creio que ficou muito magoado com o procedimento da ex-mulher. Está divorciado há oito anos e continua desgostoso. Devias ver a ex-mulher dele. Muito bonita, linda mesmo, mas deixou-o com os filhos, vindo viver para aqui com o companheiro.

 

Uma mulher simpática. Um destes dias ainda terei de ver esse tipo.

 

É baixo, feio, gordo e tem verrugas.

 

Sim. E parece-se com o Gary Cooper. Nunca reparei que o Gary Cooper tivesse verrugas.

 

Talvez nunca tivesses visto muito de perto.

 

Bem, não olhes também muito de perto. Vem depressa para casa, querida. Sinto a tua falta.

 

Era óbvio que Steve se sentia preocupado em relação a Callan Dow, o que não era habitual nele. Geralmente, não ficava apreensivo com os homens com quem ela fazia negócios. Mas, por qualquer razão, dessa vez parecia diferente. Talvez tivesse lido demasiado a respeito dele, mostrando-o atraente, inteligente e, além disso, um feiticeiro das finanças.

 

Ele era todas essas coisas, mas também era humano como qualquer pessoa E Meredith estava muito apaixonada pelo marido.

 

O que é que vais fazer hoje?

 

Não sei. É aborrecido tu não estares aqui comigo.

 

Para a semana estarei em casa e poderemos brincar todo o fim-de-semana

 

Estou ansioso por te ver.

 

Steve parecia sentir-se mais só do que de costume e por qualquer razão mais inquieto. Talvez estivesse realmente enervado e com ciúmes por ela andar a viajar com Callan. Meredith ficou quase arrependida de lhe ter dito que tinha ido dançar, mas nunca lhe mentia e ele sabia isso

 

Diverte-te a fazer compras hoje. Telefona-me quando voltares ao hotel.

 

Está bem disse Meredith, pois era o que tencionava fazer. Mas aconteceu que ela e Callan percorreram as lojas até cerca das seis da tarde, depois foram rapidamente ao hotel para mudar de roupa, jantar e ir para o teatro.

 

Foram ao Rule’s jantar. Depois assistiram a uma nova produção de Romeu e Julieta, de que gostaram muito. Foram em seguida ao Mark’s Club, do qual Cal era membro, tomar umas bebidas. Quando chegaram ao hotel, Meredith estava cansada e acabou por não telefonar a Steve.

 

Ligou-lhe no domingo à tarde, antes de ir para Heathrow, mas ele não estava. Tentou novamente quando chegou a Genebra, mas nessa altura Steve estava a trabalhar. Desistiu, foi jantar com Callan e Charlie. Na manhã seguinte fizeram as suas apresentações aos investidores suíços. Charlie estava muito mais bem-disposto do que anteriormente e mostrou-se delicado para Meredith depois da reunião. Callan ficou satisfeito por ver isso.

 

Às quatro da tarde encontravam-se os três no avião que os levaria a Paris. Conversaram animadamente durante a viagem, o que fez com que Meredith pensasse que Charlie aderira às ideias deles. E a sua benevolência para com ela tinha sido grandemente aumentada pelos dois martinis que tomara no avião.

 

À hora do jantar chegaram ao Ritz. Antes de Meredith poder dizer alguma coisa, Callan anunciou que reservara mesa no Tour d’Argent. Charlie tinha outros planos. Para o jantar, Meredith vestiu o outro vestido de noite que levara para a viagem, um vestido verde-claro, da cor dos seus olhos. Quando apareceu no bar do Ritz, muitas cabeças se voltaram, e Callan sorriu-lhe.

 

Está deslumbrante, Meredith disse sem hesitação.

 

Obrigada.

 

O jantar foi fabuloso, como era de prever, e passaram grande parte da noite a falar de negócios, apesar do ambiente elegante que os rodeava. Meredith queria preparar Callan para a apresentação do dia seguinte. Os franceses nem sempre eram fáceis, mas a notícia da OPA da empresa de Callan já chegara ao conhecimento de importantes investidores franceses que estavam ansiosos por comprar acções da Dow Tech, como toda a gente. Meredith não achava que fossem ter qualquer problema.

 

O carro levou-os de regresso ao hotel, e Meredith e Cal passearam vagarosamente em redor da Place Vendôme, para apanhar ar. Era uma noite suave de meados de Setembro. Porém, quando voltavam para o hotel, Meredith sentiu frio, com o seu leve vestido de seda; então Callan despiu o casaco para lho pôr nos ombros. O casaco cheirava ao perfume dele e eles pareciam um casal feliz e bem-disposto, passeando e rindo, enquanto olhavam de relance para as montras das joalharias. Fora um serão muito agradável. Depois da última apresentação, no dia seguinte, seria a última noite que passariam em Paris. Na quarta-feira de manhã, bem cedo, partiriam para Nova Iorque, onde se realizaria uma última reunião com os sócios da firma dela, por causa dos preços das acções. As acções seriam negociadas no dia seguinte, a sociedade dissolver-se-ia e o seu trabalho com Meredith estaria acabado. Cal parecia já ter saudades dos momentos que estavam a passar, enquanto se encaminhavam lentamente para o hotel, atravessando a praça mais elegante de Paris.

 

Que irei fazer sem a ter todos os dias para falar comigo, Meredith?

 

Vai estar tão ocupado com os accionistas e com o que eles quererão que nem vai ter tempo para pensar em mim.

 

Sinto-me como se estivesse a ser empurrado para fora do ninho para voar sozinho declarou Callan, enquanto passavam pela Casa Boucheron e Meredith admirava um enorme colar de esmeraldas

 

Você fez tudo muito bem antes de me encontrar respondeu Meredith. Depois riu-se, puxando mais o casaco para o peito. Além disso, tem o Charlie para conversar.

 

É uma ideia assustadora retorquiu Callan, mais atraente do que nunca com a sua camisa branca e gravata azul-escura. Estava sempre impecável, com muita classe. Parecia mais um homem que só se preocupava com roupas do que o director de uma importante empresa de Sillicon Valley. Meredith pensou em Charlotte e em como eles teriam feito um belo casal; uns anos antes Cal parecia ser o homem certo para uma mulher elegante e bonita, sendo, decerto, agradável ser vista com ele. As pessoas olhavam-nos sempre quando estavam juntos.

 

De qualquer modo, minha cara, vou sentir a sua falta

 

Pode telefonar para pedir um conselho gratuito, todas as vezes que tenha um problema disse Meredith.

 

Se a conseguir encontrar. Se não estiver demasiado ocupada para retribuir os meus telefonemas declarou melancolicamente. Parecia realmente triste com isso e ela sorriu-lhe

 

O meu escritório sabe sempre onde me encontrar tranquilizou-o Meredith, ao subirem os degraus da entrada do Ritz e entrarem no vestíbulo

 

Passaram pelos compridos corredores repletos de vitrinas cheias de jóias e de objectos belíssimos e, quando pararam junto do quarto dela, Meredith devolveu-lhe o casaco. Fora outro serão encantador e concordou em jantar com ele no dia seguinte no Lucas Carton, mas esse jantar seria pago pela firma. Fora Cal que pagara o jantar no Tour d’Argent, e no Harry’s também, tendo sido ambos impressionantes. Callan gostava de jantar em restaurantes de quatro estrelas e não se importava de pagar por isso, mesmo quando não tinha de o fazer

 

No dia seguinte, encontraram-se novamente com Charles Mcintosh e fizeram a sua apresentação final. Os franceses

mostraram-se tão ansiosos em investir na Dow Tech como todos os outros, desde o início. Os resultados da OPA da empresa de Callan excediam as melhores expectativas, revelando-se muito melhores do que os analistas tinham previsto. Iam fazer uma entrada impressionante em cena, quando as primeiras acções fossem negociadas na quinta-feira O The Wall Street Journal revelaria os nomes de muitos dos importantes subscritores. E Meredith explicou a Callan que algumas das grandes firmas tinham concordado em ficar com menos acções do que as que queriam e estavam dispostas a aparecer por baixo dos nomes de empresas mais pequenas, especializadas em alta tecnologia. Era sinal de uma operação em grande escala, e isso seria muito prestigiante para eles. Fora mais um objectivo que Meredith conseguira atingir

 

Na altura em que voltaram ao hotel, às cinco da tarde, sentiam-se com direito a festejar a vitória. Podiam dizer que a digressão para apresentação da empresa havia terminado oficialmente. Ultrapassara tudo o que se esperava, e até Charlie sorria Apesar de não concordar com a OPA, tinha de reconhecer que fora uma coisa excepcionalmente bem feita. Chegou mesmo ao ponto de dizer a Cal que Meredith era uma mulher extraordinariamente competente. Apertou-lhe a mão e felicitou-a pelo que haviam conseguido. Tinha de os deixar dentro de minutos, pois iria apanhar o avião das oito para regressar à Califórnia. Cal partiria com Meredith para Nova Iorque, no dia seguinte, para o encontro final com os sócios da firma dela. Nessa altura esperavam vir a saber que o prospecto tivera a aprovação do SEC.

 

Meredith vestiu um fato preto, simples, para o jantar no Lucas Carton nessa noite. Foi um serão tranquilo, sem pressas. e a refeição maravilhosa. Callan disse-lhe que falara ao telefone com os filhos, que estavam bem, mas ansiosos pelo regresso dele a casa.

 

O Steve também murmurou Meredith, enquanto bebiam café e brande. Mas fizemos um excelente trabalho.

 

Meredith parecia satisfeita e feliz por ele. Gostava daquele trabalho e fora agradável viajar com Callan. Mais agradável do que com a maior parte dos seus clientes. Trabalhavam bem em conjunto e pareciam ter muitas coisas em comum. Partilhavam várias opiniões relativamente ao mundo da finança, e Meredith sempre se entusiasmara com as firmas de alta tecnologia com as quais trabalhava. Praticamente, especializara-se nelas nos últimos cinco anos e conhecia bem o seu trabalho, o que muito impressionara Callan. Fora avisado de que teria provavelmente de ensinar muita coisa a quem o ajudasse na elaboração da OPA, mas, na verdade, fora ela quem lhe ensinara muito, e admirava-a por isso.

 

Então, daqui vai para onde? perguntou Cal enquanto bebiam o brande.

 

Provavelmente trabalhar na próxima OPA que me aparecer. O mesmo de sempre. E você? Que pensa fazer a seguir para continuar a excitação?

 

Meredith falava-lhe com a camaradagem que se criara entre ambos. Tinha a impressão de que fazia ideia do que Callan iria fazer a seguir. Ele falara-lhe de uma nova gama de instrumentos cirúrgicos que pensava desenvolver.

 

Na verdade, estou a pensar em adquirir uma nova empresa confessou ele. Daqui a uns anos, a Dow Tech será dez vezes maior do que é hoje.

 

Contava com isso e planeava trabalhar para tal.

 

Gostaria muito de ver isso disse Meredith, sorrindo. Falaram sobre o assunto durante um bocado. Ele nunca lhe falara em novas aquisições. Estava cheio de boas ideias e queria abrir novos horizontes. Não era uma pessoa que repousasse sobre os louros conquistados, o que agradava a Meredith. Ela também não era assim. Eram ambos ambiciosos, de um modo muito semelhante.

 

Quando voltaram ao hotel, iam ainda a falar nas novas ideias de Cal, e estiveram ainda um bocado no bar a continuar a conversa. Callan bebeu outro brande, mas Meredith apenas lhe fez companhia. Não queria ter uma dor de cabeça quando voltassem a Nova Iorque no dia seguinte.

 

Callan mostrava-se confortável e descontraído, sentado ao lado de Meredith, conversando animadamente até depois da meia-noite. Tinham sempre muito que falar, partilhar e discutir. Concordavam em muitas coisas, mas Meredith não hesitava também em discordar dele, e isso agradava a Callan. Apreciavam um mundo que poucas pessoas conheciam bem e do qual poucas gostavam. Callan disse-lhe isso com um olhar de admiração.

 

Fala com o Steve a respeito de tudo isto? perguntou com curiosidade. Nunca conhecera nenhuma mulher com quem pudesse falar daqueles assuntos. Era muito raro, no seu campo de acção, e ele sabia-o bem.

 

Sim, falo-lhe de algumas coisas. Não do mundo da alta tecnologia. Mas acerca do mundo das finanças. Ele sabe o que é uma OPA, um «sapato verde». Às vezes, parece um banqueiro a falar e não um médico disse Meredith, sorrindo.

 

Continuo a pensar que é um homem cheio de sorte e espero que ele o saiba.

 

Sabe sorriu de novo. Eu também tenho sorte. Somos muito diferentes, mas funciona. Talvez por sempre termos estado juntos. Quase metade da minha vida.

 

Meredith era casada há catorze anos e tinha trinta e sete, o que era qualquer coisa.

 

Eu só fui casado metade desse tempo, no entanto, senti-me como se tivesse ido para o Vietname e tivesse sido feito refém dos Vietcongues. Na verdade, acho que gostei mais dos dois anos que passei em Da Nang do que de estar casado com a Charlotte.

 

Meredith podia perceber porquê e continuava a ter pena dele.

 

Pelo menos, ficou com três filhos maravilhosos lembrou ela.

 

É verdade. Estou-lhe grato por isso. Às vezes tenho dificuldade em acreditar que sejam seus filhos. Ela parece tão afastada deles! Mas é assim que quer...

 

Meredith não ficou surpreendida com isso. Realmente, ela não lhe tinha parecido uma pessoa afectuosa. Bonita, inteligente, mas fria como gelo. Meredith tentou imaginar o que é que Callan teria visto nela para se apaixonar. Talvez, nessa altura, só lhe importassem as aparências. E provavelmente continuavam a ser importantes.

 

Nessa noite ficaram muito tempo a conversar no bar, aproveitando os últimos momentos que iriam partilhar. No dia seguinte, cada um seguiria a sua vida, iria voltar para o seu trabalho, para as pessoas que amavam. No caso dele, os filhos.

 

E no dela, Steve. Mas naquele momento, nessa última noite, festejavam a sua vitória conjunta e o mundo comum que tinha partilhado por curto espaço de tempo

 

Por isso, Meredith não ficou surpreendida quando ele lhe tocou gentilmente na mão, dizendo

 

Não sabe como isto tem sido importante para mim. Você fez um trabalho incrível, Meredith, e foi uma amiga maravilhosa

 

Gostei de trabalhar consigo, Cal respondeu Meredith E de viajar, e de rir, e de conversar sobre tudo, desde OPAs a ter filhos. Ela também aprendera muito com ele

 

Espero que possamos ter oportunidade de voltarmos a trabalhar juntos disse Callan com uma certa melancolia

 

Bem, se está realmente a pensar em comprar outra empresa, é possível que eu o possa apresentar a alguém que esteja interessado em vender. Posso ver se sei de alguma para lhe dizer

 

Isso é quase uma boa razão para o fazer, apesar das objecções do Charlie respondeu Callan com um sorriso. Um pouco mais tarde, foi acompanhá-la ao quarto, como fazia sempre Mas dessa vez ficou um bocado parado, enquanto ela abria a porta com a pesada chave de metal

 

Boa noite, Meredith disse simplesmente Depois, sem qualquer palavra ou explicação, Meredith inclinou-se para ele, beijou-o na face e entrou no quarto

 

Boa noite, Cal retribuiu meigamente. Enquanto ele se afastava em direcção ao quarto, Meredith fechou a porta devagarinho. Sentou-se numa cadeira durante um bocado, a olhar para fora, pela janela, pensando nele. Nas últimas semanas tinham sucedido muitas coisas E esperava que, quer voltassem ou não a trabalhar juntos, ele ficasse para sempre seu amigo.

 

A viagem para Nova Iorque, na quarta-feira, pareceu-lhe muito rápida. Cal dormiu e Meredith trabalhou. O escritório dela enviara-lhe um monte de faxes antes de saírem de Paris. E estava ainda a trabalhar quando aterraram no JFK.

 

Cal acordou, olhou-a com um sorriso sonolento, depois olhou pela janela. O trem de aterragem acabara de tocar na pista.

 

Que horas são? perguntou, abafando um bocejo.

 

Catorze horas. Hora local. Esperam-nos no meu escritório às dezasseis.

 

Sabia que levariam esse tempo a recolher as malas, a passar na alfândega e a meterem-se numa limusina para a cidade.

 

Todos o querem felicitar disse ela.

 

Deviam era felicitá-la a si, Meredith. Espero que percebam isso.

 

Havia alturas em que se preocupava com ela. Vira claramente que Paul Black não a apreciava, e não sabia se os outros sócios seriam mais inteligentes.

 

Eles sabem isso disse com um sorriso, metendo os papéis na pasta.

 

Porém, quando se encontraram com os outros sócios às quatro da tarde, para a reunião destinada a estabelecer os preÇos das acções, todos apertaram a mão a Cal e todos se felicitaram uns aos outros. Na confusão das pessoas na sala de reuniões, Meredith quase foi esquecida, Paul Black fez questão em lhe dizer que ela fizera um óptimo trabalho, mas os outros só pensavam em falar com Callan e com os sócios mais antigos. Meredith estava habituada a isso e não ficou chocada. Era de certo modo, uma sociedade de homens, uma espécie de sociedade secreta que ainda tinha dificuldade em reconheCer valor às mulheres. Sabendo isso, significara muito para ela ter sido feita sócia. Mas, como Callan dissera durante uma das suas muitas conversas enquanto viajavam, havia a questão de saber até onde é que ela chegaria na firma, e se não teria já atingido o ponto mais alto. Por enquanto, recusava-se ainda a reconhecer isso.

 

Vocês deviam era estar todos a falar da Meredith disse-lhes Callan. Foi a fada que conseguiu tudo isto. Ela é incrível

 

Fez questão em dizer tudo isso, mas nenhum deles pareceu prestar-lhe grande atenção, o que o aborreceu. Foram interrompidos pela conferência por telefone com todos os vendedores das firmas subscritoras, para serem tratados os últimos aspectos da operação. Meredith anunciou a todos que a operação tivera a aprovação do SEC, e que seria efectivada na manhã seguinte, quando o mercado abrisse. Ficaram contentes por saberem que iria de facto haver um «sapato verde», e a única coisa que lhes restava fazer era determinar a dimensão da oferta e o preço de cada acção. Callan concordou em manter o número de acções inicialmente indicado, com apenas um prémio de vinte por cento sobre o do prospecto, por isso, na operação inicial, dado o tremendo excesso de subscrições que havia, as acções subiriam vertiginosamente e com rapidez. Meredith explicou isso como «deixar algo sobre a mesa», o que, sabia-o bem, faria com que toda a gente se sentisse confortável a respeito da oferta, e permitiria que o grupo apoiante se dissolvesse rapidamente. Era o acordo perfeito e chegara à conclusão perfeita. Callan não tinha dúvidas de que isso se devia a Meredith do princípio ao fim

 

Duas horas mais tarde, deixou-a junto do apartamento dela, a caminho do aeroporto, para regressar à Califórnia. A operação estava terminada, havia excesso de pedidos de acções da empresa, de onze para um, e o resultado apareceria no dia seguinte no The Wall Street Journal. Missão cumprida. Mas Callan continuava a achar que Meredith não tivera a parte que justamente lhe devia caber no reconhecimento das pessoas

 

Na reunião quase a ignoraram, Merie disse com um olhar de irritação. O que se passa com aquela gente

 

São assim mesmo. Isso nada significa. Eles sabem o que eu faço. Apenas não são muito generosos nas suas afirmações

 

Nada disso. Eles acham que você está segura e você bem o sabe. Você podia ter conduzido a operação de qualquer maneira e eles não ganhariam o que vão ganhar com isto. Não, você fez um trabalho de primeira qualidade e não acredito que houvesse estes resultados se não fosse você. Era o mínimo que eles podiam ter dito.

 

Isso não é importante observou simplesmente Meredith.

 

Então, você é melhor do que eu. Eu ficaria furioso se me fizessem tal coisa. Você trabalhou como uma moura para isto. Eles deviam levá-la sobre os ombros.

 

Callan estava realmente indignado com o assunto, mas Meredith replicou:

 

Está tudo bem, Cal. Sinceramente. Eu apenas me interesso por conseguir bons resultados. Não preciso de agradecimentos. É o meu trabalho.

 

Cal agradecera-lhe bastante. Meredith esperava que o preço das acções subisse, pelo menos, uns vinte por cento acima do preço da oferta de aquisição. Tudo correra exactamente como ela quisera. Mas Cal achava que os outros sócios lhe deviam mais do que apenas um obrigado.

 

Faça uma boa viagem desejou Meredith, saindo do carro à porta do edifício onde tinha o seu apartamento, enquanto o motorista entregava as malas ao porteiro para as levar para dentro.

 

Vou ter saudades suas disse Cal, mostrando-se triste.

 

Também eu respondeu Meredith. Falarei consigo quando as acções começarem a subir e mantê-lo-ei informado.

 

Meredith hesitou um instante antes de sair do carro, e Callan apertou-lhe a mão durante um minuto.

 

Obrigado por tudo, Meredith. Era um momento de grande emoção para ambos. Ela ajudara-o a realizar o seu grande sonho e isso representava muito para ele. Tenha cuidado consigo. E diga a esse tipo de sorte, que é o seu marido, que têm ambos um amigo na Califórnia.

 

Obrigada, Cal.

 

Meredith beijou-lhe a face e saiu do carro. Depois parou à porta e acenou quando o carro se pôs em movimento a caminho do aeroporto. Achou-se estranha quando chegou a casa. Parecia-lhe um anticlimax encontrar-se agora em casa, tanto mais por ela estar vazia.

 

Steve deixara-lhe um bilhete, dizendo-lhe que fora chamado ao hospital nessa noite, mas que prometia estar em casa no dia seguinte, na altura em que ela chegasse a casa vinda do escritório. «Bem-vimda a casa... Amo-te», dizia o bilhete, e ela sorriu ao ler aquelas palavras.

 

Meredith não ficou aborrecida por Steve não estar em casa, já estava habituada a isso. Podia passar o tempo a ler o seu correio, a pôr os papéis em ordem e a fazer umas máquinas de roupa. Mais tarde, sentiu-se feliz quando ele lhe telefonou. Estava a ler na cama e sobressaltou-se quando ouviu o telefone a tocar.

 

Bem-vinda a casa, Merie. Lamento não estar aí contigo.

 

Não faz mal Vou-me deitar cedo. Estou cansada. Para ela, pela hora francesa, eram seis horas mais tarde, quase cinco da manhã. Como vai o trabalho?

 

Uma loucura, como de costume. Os habituais bandos rivais a dispararem uns contra os outros, e um louco que se atirou para a frente do metropolitano.

 

Parece-me uma noite normal no teu mundo Sorriu. Para ele, aquilo era o habitual.

 

Sim. Esta noite não devia ter sido tão mau. Estarei em casa amanhã à noite. Está tudo bem contigo?

 

Óptimo. Estou apenas cansada. E por qualquer razão sentia-se também deprimida. Isso sucedia-lhe algumas vezes, quando voltava de uma digressão. Era bom estar em casa, mas parecia que lhe faltava qualquer coisa. O seu bebé deixara o ninho e voara, e o seu trabalho estava acabado. Agora era esperar pelo seguinte Mas era qualquer coisa que lhe causava um vazio.

 

Dormiu muito bem nessa noite e quando se levantou para ir para o escritório, foi ler o The Wall Street Journal, a fim de se certificar se tudo estava ali como pensava. Era tal qual como ela esperara, o nome deles estava à esquerda, o que indicava que a sua firma tinha sido a encarregada da OPA. Do lado direito, encontravam-se os nomes de firmas mais pequenas, ° que, como explicara a Cal, indicava como o negócio era importante E chegou ao escritório a tempo de ver se as acções estavam a ser bem comercializadas.

 

Toda a gente falava a respeito da Dow Tech. O preço das acções estava já a subir, mas não tanto nem tão depressa que a fizesse fazer má figura por ter calculado o seu valor demasiado alto. Era uma OPA exemplar, um modelo que todos quereriam seguir quando quisessem fazer o mesmo. Estava sentada à sua secretária, sentindo-se feliz com tudo isso, quando o telefone tocou. Era Callan.

 

Então, qual é a nossa próxima paragem, Meredith? Estou pronto para a próxima cidade.

 

Estava a gracejar e ela riu-se.

 

Também eu. Nem acredito que tenha acabado. Quando olho para trás parece-me tudo tão fácil!

 

Meredith sorriu ao dizer isto, mas a verdade é que correra tudo sobre rodas.

 

Sim, como um parto. Só pareceu fácil por ter corrido tudo tão bem, graças a si. E eu estou sem saber o que fazer, agora que voltei.

 

Há-de lembrar-se de alguma coisa.

 

Ela sabia que Cal tinha uma porção de projectos em mente. Tinham falado muito sobre isso.

 

Como estava o Steve quando chegou? perguntou Callan delicadamente. Agora falavam como velhos amigos.

 

Ainda não o vi. Estava a trabalhar. Mas tem o fim-de-semana livre e diz que vai fechar a minha pasta à chave.

 

Faz ele muito bem. Não o censuro. Eu faria o mesmo. Diga-lhe que a leve a dançar.

 

Meredith sorriu ao ouvir aquilo. Steve não era o Fred Astaire, como Callan. Com efeito, Steve detestava dançar. Preferia ficar em casa a ver televisão e a tomar uma bebida.

 

Ele não aprecia dançar. É mais provável irmos ao cinema ver um filme. Isso é mais do agrado dele. E você? Como vão os seus filhos?

 

Muito bem. Creio que nem deram pela minha falta. Cal e Meredith eram como dois garotos que tivessem regressado de um campo de férias ou de um colégio interno e agora não soubessem o que haviam de fazer em casa.

 

Têm grandes planos para me torturarem todo o fim-de-semana prosseguiu ele. As meninas querem que eu as leve à cidade e o Andy, aos treinos do futebol. Muito excitante.

 

Tinham ambos vidas bastante pacatas, mas Meredith suspeitava de que no caso de Callan não tivesse sido sempre assim. Charlotte fora uma boa indicação disso.

 

Este fim-de-semana não tem grandes reuniões sociais?

 

perguntou Meredith, ainda curiosa a respeito da vida dele, mesmo depois do tempo que tinham passado juntos, ou talvez por isso mesmo.

 

Refere-se ao bingo na minha igreja? gracejou ele.

 

Isso é às terças-feiras.

 

Sim, eu também disse Meredith, rindo. A verdade é que na próxima terça-feira terei uma reunião com um novo cliente por causa de uma OPA, que me parece bastante interessante. Trata-se de uma pequena firma de alta tecnologia, de Boston.

 

Vim-me embora há menos de um dia, e você já está a pensar em ser-me infiel. Julguei que quisesse desistir do seu trabalho depois disto e viver só de recordações - declarou poeticamente.

 

E a propósito de recordações, como está o Charlie? Feliz por voltar a casa?

 

Não tenho a certeza respondeu Callan. Pedíu-me para vir falar comigo esta tarde. Tenho a sensação de que ele tem alguma coisa na forja. Continua irritado com a OPA. Mas isso não é segredo. Você já o sabia.

 

O Charlie não costuma fazer segredo dos seus sentimentos, pois não? perguntou Meredith, rindo. Realmente não tinha saudades dele. Charlie mostrara-se quase sempre hostil. Só nos últimos momentos se revelara mais simpático e agradável. E até ele tivera de concordar que todo o processo correra melhor do que esperavam.

 

Bem, tenha um bom fim-de-semana e descanse bem, Meredith. Tem todo o direito a isso.

 

E você também, Cal.

 

Para a semana telefonar-lhe-ei para ver como vão as coisas prometeu ele.

 

Meredith desligou e esteve ocupada no seu gabinete durante toda a tarde. Quando chegou a casa, às seis da tarde, Steve estava à espera dela. Levantou-a do chão logo que ela entrou, fê-la girar e beijou-a.

 

Oh, como tive saudades tuas.

 

Mas só estive fora uma semana, seu pateta!

 

Pareceu muito mais tempo. Pelo menos a mim. Sorriu, beijou-a outra vez e encheu dois copos de vinho.

 

Daí a uma hora, depois de conversarem um bocado, ele começou a preparar o jantar. Estava desejoso de a ver, de falar com ela, de a sentir junto de si na cama, à noite.

 

Preparou massa, salada e pão de alho. A meio da refeição começaram a beijar-se, ele levantou-se, pegou-lhe ao colo e levou-a para a cama. Já não saíram de lá nessa noite e quando se levantaram, na manhã seguinte, ela deitou o resto da comida fora e meteu os pratos na máquina. Steve estava ainda a dormir. Quando deu uma vista de olhos pelo jornal, a notícia da OPA lá vinha, exactamente como ela previra.

 

Saiu para ir para o escritório sem fazer ruído, e Steve ligou-lhe para lá quando acordou, ao meio-dia. Nessa tarde conseguiu ir cedo para casa. Steve esperava-a na sala. Já adiantara o jantar e logo que acabaram de comer saíram para ir ao cinema.

 

Foi um fim-de-semana idílico sob todos os aspectos. Conversaram demoradamente e passearam no parque de mãos dadas. O tempo estava ainda quente mas não muito. Era a melhor época do ano em Nova Iorque. Parecia quase Primavera. Sucedia isso quase todos os anos, na última semana de Setembro.

 

No sábado à noite foram jantar a um restaurante dos arredores de que ambos muito gostavam. Era um local muito diferente do Harry’s Bar, onde ela jantara no sábado anterior com Callan, mas era exactamente o que ela queria. Ambos conseguiram passar uns dias seguidos um com o outro pela primeira vez desde há muitos meses. Steve não estava de serviço no fim-de-semana, e ela cumprira a promessa que lhe fizera de não tocar na pasta. Foi tudo perfeito. Na segunda-feira de manhã, saiu para o escritório e ele para o hospital. Nessa vez, iria estar fora dois dias, de serviço no hospital. Tinham ambos semanas tranquilas na frente deles, pelo menos no caso de Meredith. No caso de Steve era difícil de dizer.

 

Quando chegou ao escritório foi ver se as acções da Dow *ech continuavam a subir e verificou que sim, o que lhe agradou. Estava a pensar em telefonar a Cal para o felicitar por isso, quando a secretária lhe ligou pelo imtercomumicador

 

O Callan Dow ao telefone para si, Mistress Whitman anunciou. E Meredith interrompeu o que estava a fazer para lhe falar

 

Olá, Cal. O preço das acções está a subir muito bem

 

Meredith comprara uma boa porção de acções logo no início, visto que o SEC o permitia, tendo agora também um interesse pessoal no aumento do valor das acções. Que há de novo na Califórnia?

 

Bem, Meredith começou ele a dizer, parecendo-lhe um pouco estranho. As coisas por aqui têm estado muito mexidas

 

Tinham sucedido muitas coisas desde sexta-feira e ele não tivera oportunidade de lhe telefonar no fim-de-semana. Estivera sempre ocupado com os filhos

 

Que quer isso dizer’ perguntou Meredith, perplexa e ao mesmo tempo intrigada pelo modo como ele dissera aquilo

 

O Charlie entregou-me uma carta com o seu pedido de demissão na sexta-feira, o que poderia ser um problema se isso perturbasse os accionistas, ou desencadeasse um processo, o que espero não venha a suceder. Tivemos uma demorada conversa e ele disse-me que não pode aceitar continuar aqui pelo facto de a empresa ter sido aberta ao público. Não quer responder perante os accionistas e opõe-se terminantemente à ideia de eu vir a adquirir outra empresa. Falou-me com toda a seriedade, afirmando que me tornei demasiado importante para ele. Declarou ser velho de mais para mudar e, dado o que sente, creio que tomou a decisão acertada

 

Pode ser melhor, de facto disse Meredith, embora saiba que é amigo dele. Precisa agora de arranjar alguém que se ajuste à direcção que você quer dar à sua empresa, alguém que cresça consigo e com a empresa e que sinta entusiasmo por ela

 

É isso que eu espero respondeu simplesmente Callan. Já tem alguém em mente? Quanto tempo lhe deu ele para arranjar outra pessoa?

 

Já. E deu-me quinze dias, por essa ordem.

 

É muito pouco tempo.

 

Para lhe dizer a verdade, creio que ele já tinha decidido isso antes da nossa viagem. Só esteve à espera de voltar para me dar parte da sua decisão. Não creio que seja bom ele continuar a trabalhar comigo durante muito tempo, depois de decidir ir-se embora.

 

E também devia ser difícil para Charlie ir-se embora. Callan sabia isso melhor do que ela.

 

Então, em quem está a pensar para o lugar? Alguém de fora ou de dentro da empresa? perguntou Meredith, pensativa, tentando lembrar-se de alguém que conhecesse e que fosse apta para o lugar, mas sem o conseguir.

 

De fora respondeu Callan, sorrindo. Queria saber o que é que você pensa da minha ideia?

 

Eu conheço essa pessoa? perguntou Meredith, interessada e sensibilizada por Callan a ter querido consultar.

 

Intimamente. Com efeito, creio que essa pessoa é a substituta ideal para o Charlie.

 

Estou a morrer de curiosidade, Cal retorquiu ela. Quem é?

 

Veja-se ao espelho, Merrie disse ele suavemente. Houve uma longa pausa, enquanto ela absorvia o que acabava de ouvir.

 

Que significa isso? perguntou, parecendo assombrada.

 

Gostaria que fosse você a nossa nova chefe da contabilidade, Meredith. Você é exactamente aquilo que a nossa empresa precisa... e o que eu preciso. Você vê as coisas como eu, tem os mesmos objectivos para a empresa. Sabe tudo o que é preciso saber acerca deste negócio. E eu partilhei todos os meus segredos e planos futuros consigo. Você é perfeita, Merrie.

 

Ao princípio, Meredith julgou que ele estava a brincar, pelo menos esperava que estivesse. Era muito lisonjeiro, mas seria impossível aceitar tal coisa. Ela tinha emprego, casa e marido. Não poderia sair de Nova Iorque. E que faria Steve?

 

É a coisa mais simpática que ouço desde há muito tempo, Cal, mas sabe que me é impossível fazer isso respondeu Meredith, lamentando ter de lhe dizer que não.

 

Mas porquê? Parecia não aceitar um não como resposta. Claro que poderá fazê-lo, se quiser

 

Callan parecia sentir-se insultado pela recusa dela

 

Eu sou uma consultora financeira, Cal Na verdade, não sei o suficiente a respeito da sua empresa para poder ser uma contabilista eficiente. O Charlie sabe muito mais acerca desse género de trabalho do que eu. Além disso, sou sócia da minha firma e o meu marido trabalha aqui. Não posso abandonar tudo e mudar-me para a Califórnia

 

As pessoas fazem constantemente isso e você sabe-o muito bem. Mudam de carreira, de cidade, de campo. A vida é feita de mudanças e de crescimentos E digo-lhe outra coisa, você onde está já não sobe mais, É uma coisa que se vê. Eles não lhe dão o devido valor, Meredith E, embora eu não queira fazer realçar esse ponto, também lhe digo que iria ganhar muito mais dinheiro aqui. Isto podia ser uma coisa importante para si E o Steve também podia trabalhar aqui. Temos unidades de traumatologia aqui. O SF General possui uma das melhores unidades do género no país. Isto responde a todas as suas objecções.

 

Meredith ouvia-o, assombrada

 

A algumas Mas é uma decisão que não posso tomar assim de repente. Tenho de falar com o Steve. Ele tem aqui um lugar importante

 

Como número dois da unidade. Talvez aqui pudesse ser o número um. Porque não fala com ele sobre isto?

 

E digo-lhe o quê? Que vou desistir de uma carreira que levei doze anos a construir, e que quero que também ele abandone tudo e me siga para aí? É uma decisão muito importante, Cal

 

Meredith respondeu-lhe com voz ofegante. Ele tinha-a realmente assombrado

 

Sei disso, Meredith. Não espero que o faça de ânimo leve Mas, como seu amigo, posso dizer-lhe que acho que seria a melhor coisa que lhe poderia suceder. Porque não vem aqui no fim-de-semana para falar do assunto comigo?

 

Não posso respondeu Meredith parecendo tomada de pânico. Era a primeira vez que ele a ouvia falar assim.

 

Porquê

 

Callan era obstinado quando queria alguma coisa, e Meredith tinha a sensação de que um comboio rápido avançava em direcção a ela. Realmente, havia motivo para Callan Dow ter tanto sucesso. Quando queria uma coisa, perseguia-a até a obter.

 

Tenho reuniões esta semana disse debilmente.

 

Então, venha para o fim-de-semana seguinte. Em qualquer altura, desde que discuta o assunto comigo.

 

Eu conheço o trabalho, conheço a empresa e conheço-o a si. Não precisa de me explicar mais nada. Mas tenho a minha vida em Nova Iorque.

 

Podia ter uma vida melhor aqui. Quer que eu fale com o Steve a respeito disto?

 

Não. Eu mesma falarei com ele. Mas o Steve vai pensar que sou doida, ou que você é.

 

Meredith parecia preocupada, mas Callan mostrava-se eufórico, o que a preocupava. Não queria dar ouvidos às observações sensatas que ela lhe fazia.

 

Talvez eu seja louco, mas creio que foi a melhor ideia que tive desde há muitos anos. Acho que o Charlie Mcintosh me fez um grande favor.

 

E eu acho que o que ele fez foi voltar a minha vida do avesso respondeu Meredith, rindo e conseguindo, por fim, respirar. Cal era espantoso.

 

Irá pelo menos considerar a minha proposta? Fale com o Steve e veja o que ele pensa. É uma pessoa inteligente, pelo que a ouvi dizer. Pode ser que ele veja a grande oportunidade que isto representa. Estarei disposto a dar-lhe opções de adquirir até um por cento da empresa e pagar-lhe-ei muito mais do que eles lhe pagam.

 

Realmente a proposta que Callan lhe fazia era tentadora, mas continuava a ter a vida organizada em Nova Iorque e a ter de pensar no trabalho de Steve. Palo Alto ficava muito longe de Manhattan e de tudo o que eles tinham e conheciam ali.

 

A sua oferta é incrível, Cal. Mas não sei. Não creio que fosse fácil para o Steve deixar a unidade de traumatologia- Detesto até a ideia de lhe falar disso.

 

E se fosse ao contrário, se fosse ele que recebesse uma Proposta tentadora. Você acompanhá-lo-ia?

 

Callan estava a pô-la à prova. Sabia isso.

 

- Ele não me pediria tal, Cal. É demasiado decente para o fazer.

 

- Não se trata de decência, Merrie. Trata-se de negócios, de grandes negócios, e da oportunidade de você ganhar muito dinheiro e de terem ambos uma vida boa aqui.

 

- Vou falar com o Steve - respondeu finalmente Meredith. - Mas não tenha muitas esperanças. Tenho de respeitar o facto de ele ter aqui um bom lugar e poder não querer mudar-se. Provavelmente, você terá de encontrar alguém aí na Califórnia, talvez até alguém que já trabalhe na empresa e de quem não esteja a lembrar-se neste momento.

 

- Ninguém de entre os meus empregados pode comparar-se-lhe, Merrie. Foi o próprio Charlie quem sugeriu que eu falasse consigo. Ficou impressionado com o seu trabalho. Vá... venha... preciso de si... não pode abandonar-me agora, depois do que fizemos juntos. A empresa, tal como está, é uma principiante e em parte devido a si. Não me quer ajudar a torná-la ainda melhor do que é agora?

 

-Deixe-se de querer responsabilizar-me - disse ela, rindo. - Você é terrível!

 

- Só quero que venha falar comigo a respeito disto, Quanto mais cedo melhor. Virá esta semana, Merrie? -Deixe-me falar com o Steve a este respeito. Ele está no hospital, mas virá a casa na quarta-feira. E não quero falar sobre o assunto ao telefone.

 

- Não me apetece esperar tanto tempo. Vá falar com ele ao hospital. Pode vir aqui quarta-feira.

 

-E que deverei dizer aos meus sócios?

 

Meredith parecia outra vez enervada com a ideia de deixar tudo e correr para a Califórnia, a fim de falar com Callan a respeito de um novo emprego. A questão começava a parecer-lhe assustadora, mas intrigante.

 

- Diga-lhe que precisa de uns dias de férias. Bem os mereceu.

 

- Detesto mentir-lhes.

 

- Então, diga-lhes a verdade, bolas! Que não a sabem apreciar e que não merecem que trabalhe para eles. E que, portanto, precisa de vir à Califórnia falar comigo.

 

-Iam realmente adorar isso, Cal.

 

- É a verdade, Merrie. E você sabe-o muito bem. Agora vá falar com o seu marido ao hospital e logo à noite telefone-me.

 

-Não me pressione!

 

- Hei-de pressioná-la até a convencer a vir falar comigo. Pelo menos isso. Deve-o a si.

 

- Também devo muito ao meu marido, Cal. Não posso arrancar simplesmente a carreira dele pelas raizes e dizer-lhe que arranje um emprego na Califórnia, porque isso me agrada. Ele pode dizer-me que esqueça o assunto.

 

- Se for o tipo que você me diz que é, não o fará. Creio que ele poderá surpreendê-la.

 

E, de facto, assim sucedeu. Quando Meredith se encontrou com ele na cafetaria às nove da noite para lhe contar a conversa, sentia-se tola ao relatar-lhe a proposta que recebera de Callan Dow. Mas Steve olhou-a com intensidade e perguntou sem rodeios:

 

-É isso que tu queres, Merrie?

 

- Não sei o que quero, querido - respondeu Meredith com sinceridade. - É uma proposta fabulosa. Mas temos aqui a nossa vida. Eu sou sócia da firma onde estou há doze anos e gosto daquilo que faço. Tu tens aqui um grande trabalho. Creio que não é justo pedir-te que deixes tudo de um momento para o outro.

 

- Porque não, se for melhor para nós dois?

 

Quando ela começou a falar-lhe, Steve pensou de imediato que, se Merrie se afastasse de Wall Street, talvez quisesse finalmente ter filhos. E a Califórnia seria um bom lugar para criar uma família.

 

- Estarias realmente disposto a mudar-te para lá? - perguntou Meredith, admirada com o que ouvia.

 

- Talvez. Se tivesse trabalho- E não vejo razão para não ter. As pessoas também dão tiros umas nas outras, na Califórnia. Têm também bandos rivais - concluiu, sorrindo.

 

Steve aceitara a ideia muito melhor do que ela esperava. Parecia até entusiasmado com a sugestão, possivelmente mais do que ela. Meredith sentia-se nervosa. Seria uma grande mudança para si, a entrada numa carreira completamente diferente, embora a proposta de Callan fosse inegavelmente tentadora.

 

Porque não vais, pelo menos, falar com ele?

 

Isso foi o que ele disse.

 

Meredith estava ainda hesitante, mas Steve não. Sentia-se entusiasmado por ela.

 

Acho que devias fazer isso. Quando é que queria que tu lá fosses?

 

Talvez na quarta-feira. Tenho uma reunião amanhã com um novo cliente.

 

Então, vai. E se gostares, irei ter contigo este fim-de-semana. Estou de folga outra vez.

 

Como é que consegues isso?

 

Meredith ficou intrigada e sensibilizada por Steve se mostrar tão aberto à proposta de Cal. Era óbvio que Steve queria o que fosse melhor para ela e que estava disposto a fazer sacrifícios, mesmo grandes, para que Meredith conseguisse tudo na vida.

 

Vendi a minha alma para conseguir este fim-de-semana para nós, Merrie. Parece-me que foi uma sorte eu ter feito isso. Talvez possamos falar para alguns hospitais enquanto lá estivermos. Ele deve ter alguns contactos. E eu conheço uns tipos em Stanford. Estiveram a trabalhar aqui.

 

És incrível comentou emocionada, estendendo a mão por cima da mesa para agarrar a dele. Steve era ainda mais maravilhoso do que ela dissera a Cal.

 

Também tu. Vai então para casa e fala-lhe.

 

Posso falar amanhã.

 

Mas acabou por o fazer logo que chegou ao apartamento, e Cal ficou encantado por ouvir a voz dela.

 

Então, que disse o seu marido?

 

Disse para eu ir falar consigo. É fantástico! Nem sequer se opôs a sair de Nova Iorque.

 

Isso é por ser um tipo esperto e perceber o que é um bom negócio quando o vê. E, além disso, ama-a.

 

Eu também o amo. Tem de ser a melhor pessoa do mundo para estar disposto a fazer isto. Disse-me que, se eu quisesse, ia ter comigo na sexta-feira para darmos uma volta. Ele conhece umas pessoas em Stanford.

 

Eu posso ajudar, Merie. Conheço muitos médicos nos hospitais. O Steve pode ter o trabalho que quiser aqui. E você pode ser a minha contabilista e depois viveremos felizes para sempre.

 

Faz com que isso pareça simples observou Meredith. Mas ambos sabiam que não era. Não era simples transplantar duas carreiras de um lado para o outro. Ou talvez Cal tivesse razão e as coisas não fossem tão complicadas como ela imaginava. Não sabia o que havia de pensar agora. Os obstáculos, que primeiro lhe tinham parecido tão grandes, dissolviam-se um a um e precisava realmente de decidir se era o que queria fazer. Mas antes de poder tomar essa decisão precisava de falar com Cal.

 

Pode ser simples, se quisermos que seja, Meredith. Se tudo estiver certo, será simples disse confiantemente. Então, quando vem? Amanhã?

 

Tenho uma reunião com um novo cliente lembrou-lhe.

 

Com alguma sorte, esse estará a perder o seu tempo. Pelo menos assim o espero.

 

Ainda não sabemos isso, pois não? disse com firmeza Meredith. Tinha ainda responsabilidades para com os seus sócios de Nova Iorque e queria respeitá-las. E se for quarta-feira? Posso passar aí três dias consigo. Tenho o resto da semana bastante livre.

 

Parece-me perfeito.

 

Cal mostrou-se encantado com a decisão dela e Meredith também se sentiu satisfeita. Estava tudo a acontecer tão depressa que se sentia aterrorizada.

 

Irei buscá-la ao aeroporto. Basta-lhe avisar-me da sua chegada.

 

Tem a certeza de que não está a cometer um grande err”o, Cal? Só por termos realizado em conjunto uma OPA de sucesso, não quer dizer que eu venha a ser uma boa chefe da sua contabilidade.

 

Meredith nunca fizera nada disso. No entanto, conhecia muito bem a Dow Tech e o desafio fascinava-a.

 

Confie em mim, Meredith. Sei o que estou a fazer. Sei reconhecer um talento quando o vejo e há muitos anos que não ficava tão impressionado com uma pessoa. Se eu soubesse que você iria aceitar, teria sido capaz de beijar o Charlie quando se demitiu. Foi o maior favor que alguém me fez, desde há vários anos.

 

Bem Não fique entusiasmado. Temos de conversar primeiro.

 

Conversaremos tudo o que você quiser, prometo Quando chegar pode perguntar-me tudo o que quiser e eu prometo responder-lhe. Não tenho segredos para si.

 

Meredith apreciava isso nele. Era um homem honesto, íntegro e de uma inteligência brilhante. Era uma combinação fantástica, e Meredith já sabia que trabalhava bem com ele Mas era, contudo, uma decisão muito importante; não podia permitir que Steve prejudicasse a sua carreira por causa dela. Tinha de precaver os interesses dele, embora Steve estivesse disposto a ser generoso com ela. Meredith queria que Steve se sentisse também feliz. Isso era vital para si.

 

Estou ansioso por voltar a vê-la disse Callan.

 

E eu não pensava voltar a vê-lo tão cedo! Meredith riu-se. Tudo aquilo era novo e inesperado para ela. Nunca sonhara que tal lhe pudesse suceder, em resultado da oferta pública de aquisição e das viagens de apresentação da empresa. Parecia-lhe algo providencial. Mas estava ainda preocupada. Queria tomar a decisão certa para todos, e isso era uma responsabilidade assustadora.

 

Receava ter de fundar outra empresa, abri-la à oferta pública, só para a voltar a ver. Deu-me uma grande notícia, Merie. Nós fazemos um excelente trabalho conjunto

 

Fazemos, não fazemos?

 

Meredith sorriu. Continuava muito satisfeita com a evolução do preço das acções

 

Bem. Veremos o que acontece quando eu aí for

 

Vou começar a acender velas, Meredith., ou a fazer a dança da chuva, ou qualquer coisa. Farei tudo o que puder para a convencer a aceitar a minha proposta. Espero que saiba isso.

 

Já o suspeitava.

 

Meredith riu-se outra vez. Sabia que Callan não era pessoa que aceitasse um não como resposta. Porém, estava também muito grata ao marido por a deixar ir falar com Cal. Fora incrivelmente generoso ao encorajá-la a fazer uma coisa que, provavelmente, lhe acarretaria sacrifícios a ele próprio. Mas pelo bem dela estava disposto a correr esse risco, e ela amava-o ainda mais por isso.

 

Até quarta-feira disse Callan alegremente, antes de desligarem.

 

Depois disso, Meredith ficou sentada na sala silenciosa a olhar para o telefone e a tentar imaginar o que iria suceder na Califórnia.

 

O voo para a Califórnia decorreu sem incidentes. Callan esperava Meredith junto das saídas, quando ela apareceu transportando a sua habitual pasta. Ele estava num dos lados, a ver se a descobria no meio dos passageiros, e o seu rosto abriu-se num sorriso quando a viu.

 

Tive um momento de pânico enquanto a esperava disse. Imaginei que você resolvera não vir e que não tivera coragem de me telefonar.

 

Nunca faria uma coisa dessas respondeu Meredith com uma expressão de surpresa, enquanto ele lhe tirava da mão a pesada pasta.

 

Eu sei. Quando era criança costumava sentir-me também assim. Tinha sempre receio de que o meu pai não arranjasse bilhetes para o circo. Isso nunca sucedeu, mas eu preocupava-me sempre.

 

Pois bem, aqui estou.

 

Meredith pensara muito durante a viagem e ainda não percebia como é que Steve poderia deixar o seu lugar no hospital. Estava mais preocupada com ele do que com o que Callan lhe iria oferecer. Sabia como a empresa era sólida e quais as opções de compra de acções que Callan iria oferecer-lhe, mas a sua principal preocupação era Steve.

 

Quase nem posso acreditar que fiz isto disse, ainda atordoada por toda aquela proposta e pela disposição de Steve em deixar explorá-la.

 

Devia ter pensado nisto antes retorquiu Callan. Mas nunca me ocorreu que o Charlie quisesse demitir-se.

 

Callan estava ainda um pouco preocupado com a demissão de Charlie, receando que isso pudesse causar problemas com os accionistas, mas não havia nada no contrato de Charle que o impedisse de se demitir. Teria sido uma violação do contrato se ele se tivesse demitido durante a OPA. Fora por esse motivo que Charles não se demitira mais cedo e esperara pelo regresso à Califórnia.

 

Meredith, esta pode ser a decisão mais importante da sua carreira E não creio que possa vir a arrepender-se. Se eu fosse apenas seu amigo e nada tivesse a ver com o caso, dir-lhe-ia da mesma maneira que faria disparate em não aceitar.

 

Eu sei. Mas trata-se de uma grande mudança. Não apenas uma mudança na carreira, mas em toda a minha vida

 

Sei que está preocupada com o Steve observou Callan quando foram buscar as malas dela, mas aqui também há grandes hospitais. Já fiz alguns contactos no SF General por causa dele. E disse-me que ele tinha amigos em Stanford. Além disso, há um Hospital UC no centro da cidade e um excelente hospital para casos de traumatologias em Oakland. Existem várias opções para ele, aqui. Isto pode vir a ser muito excitante para o Steve.

 

Todavia, quem estava mais excitado era Callan. A caminho do escritório, em Palo Alto, não parou de falar em como ela ia ser importante para si. Meredith estava tão fascinada pela ideia como ele. De um ponto de vista puramente financeiro, era a oportunidade que só aparece uma vez na vida.

 

Às duas horas da tarde nem sequer tinham feito um intervalo para almoçar. Estavam a falar há três horas e, por fim, a secretária de Callan levou uma sanduíche a cada um. Tanto Callan como Meredith tinham a mesma ética de trabalho, o mesmo entusiasmo e paixão pelo que faziam. O amor que sentiam pelo trabalho era não só criativo, como obsessivo. Por isso, passaram o resto da tarde a falar de novos instrumentos de diagnóstico e de novos produtos.

 

Meredith disse Callan olhando-a intensamente, ao fim da tarde, não posso fazer isto sem você.

 

Sim, pode respondeu calmamente Meredith. Mas tinha gostado de tudo quanto ouvira desde as onze da manhã.

 

A questão é eu não querer fazê-lo. Quero-a junto de mim para partilhar tudo isto comigo

 

E a verdade é que eu quero estar aqui, mas não sei se terei o direito de o fazer

 

Meredith sentia-se terrivelmente dividida entre uma decisão importante para a sua carreira profissional e a sua vida particular. Continuava preocupada com Steve, apesar de Callan dizer como os hospitais locais podiam ser bons para o marido. Trabalhava há muitos anos numa unidade hospitalar de traumatologia, conhecida internacionalmente, e era o número dois dessa unidade E tanto ele como ela sabiam que um dia viria a ser o número um dessa unidade, talvez mais cedo do que pensavam. Harvey Lucas falava há muito tempo em se demitir, a fim de se dedicar apenas à pesquisa, e Steve estava convencido de que Lucas estava prestes a fazê-lo. Andava cansado, tinha problemas de coração e o trabalho na unidade começava a ser demasiado para ele. Era um trabalho extremamente cansativo e feito sob pressão, que não se podia aguentar para sempre

 

Tenho de dar oportunidade ao Steve de pensar seriamente nisto disse Meredith a Callan. Ele é o factor principal nesta decisão

 

Se for preciso arranjar-lhe-ei um lugar. Não quero perdê-la

 

Ainda não me tem replicou Meredith com um sorriso cansado

 

Mas a verdade é que ela desejava tanto como ele ficar e Gostava da sua companhia e sabia que trabalhavam bem juntos. Pensava poder fazer coisas importantes para ele, dadas as oportunidades certas. Convencera-a. Agora, o único problema era Steve. Nem sequer sentia muitos remorsos por abandonar a firma de que era sócia. Callan tinha razão. Eles não a apreciavam devidamente. Se ainda não atingira o topo ali, sabia que pouco mais longe poderia chegar, enquanto que, na Dow Tech, Cal afirmava-lhe que não haveria limites.

 

O que é que acha, Merie? Ficará aqui?

 

Tentara não a pressionar durante toda a tarde, mas era difícil conter-se. Desejava com todas as suas forças que ela aceitasse a sua proposta. Encontraram-se depois com Charlie Mcintosh, e Meredith ficou surpreendida por também este a encorajar a aceitar o lugar. Dada a direcção que a companhia estava agora a tomar, achava que ela seria óptima para o trabalho a ser feito

 

Se vier para aqui não o lamentará observou Charlle parecendo mais um velho amigo do que o desmancha”prazeres que se mostrara durante todas as viagens. Não haveria surpresas aqui para si continuou. Já conhece a empresa e o Cal é uma excelente pessoa. É um prazer trabalhar com ele

 

Charlie tratava Callan mais como um filho ou um sobrinho, do que como o director da empresa

 

Nunca trabalhei para uma empresa com accionistas e sou demasiado velho para começar agora explicou Charlie. Não quero ter de me preocupar com os accionistas e com a subida e descida do valor das acções. Mas vocês dois são novos e gostam disso. Espero que aceite o lugar, Meredith

 

Charlie parecia aliviado por ter tomado uma decisão, e Meredith sentiu que ali seria necessária e apreciada

 

Cal convidou-a para jantar nessa noite, mas ela disse que precisava de ficar sozinha para pensar no assunto. Pediu que lhe levassem uns ovos mexidos ao quarto, telefonou para o hospital para falar com Steve e teve a sorte de o encontrar

 

Como vão as coisas?

 

Infelizmente, muito bem

 

Meredith parecia atormentada. Pesara os prós e os contras toda a noite, no entanto sentia-se mais confusa do que nunca. Uma parte de si mesma queria aproveitar a oportunidade, a outra parte achava que devia ficar em Nova Iorque, por causa de Steve, e continuar a fazer o que fizera até ali. Sentia-se culpada só de pôr o assunto à consideração de Steve. Mas chegara até ali e agora tinha de o fazer

 

Parece-me formidável E creio que gostaria disto aqui, ou, pelo menos, do trabalho. Não faço ideia do que seja viver na Califórnia. O emprego é que me atrai verdadeiramente. E tu, querido’ O que é que pensas realmente a respeito disto?

 

Penso que é uma coisa que tu precisas de ver bem respondeu Steve com sinceridade. Por isso te disse que devias ir aí

 

Mas tu’ Se eu aceitar este emprego, que irás tu fazer?

 

Terei de arranjar outra unidade de traumatologia disse com simplicidade. Não parecia tão perturbado emocionalmente com a decisão como ela

 

Mas se tu não gostares de estar aqui?

 

Nova Iorque era um centro importante, uma cidade muito maior do que São Francisco. Realmente não se podiam comparar as duas cidades, embora Cal dissesse que a qualidade de vida era melhor na Califórnia. Mas tanto ela como Steve se tinham apaixonado por Nova Iorque, desde a universidade. Queres que eu vá ter contigo? perguntou sensatamente Steve. Creio que será a única maneira de tomarmos uma decisão correcta, não achas? Amanhã, quando sair do hospital, meto-me num avião, damos uma volta por aí e vamos ver com quem poderei falar para trabalhar nessa terra. Talvez consiga estar livre também segunda-feira e, dessa maneira, poderemos falar sabendo de quê

 

Amo-te, querido disse Meredith com lágrimas nos olhos. Steve estava sempre pronto a tornar as coisas mais simples para ela, não só as pequenas, mas também as grandes. Seria muito bom para mim se tu viesses, Steve

 

Óptimo. Então, farei isso. Além do mais, quero ver esse tipo para ter a certeza de que não é demasiado bem-parecido, antes de te deixar aceitar o emprego. Não sei o que pensar acerca dessa parecença com o Gary Cooper.

 

Steve estava a falar meio a sério e ela sabia-o. Mas Steve sabia também que nada tinha a recear. Levavam uma vida muito feliz, possuíam uma aliança muito sólida, e nada poderia estragar isso a qualquer deles. Ela tinha a certeza.

 

Não é isso que me atrai no emprego respondeu descontraidamente Meredith. Cal é uma boa companhia e é fácil trabalhar com ele E íntegro, possui uma tremenda energia e algumas ideias fantásticas para o futuro, para não falar dos lucros.

 

Então, deves pensar nisso muito a sério, Merie Estarei aí amanhã à noite. Só quero que me digas onde irei ter contigo

 

Diz-me qual é o teu voo e eu irei esperar-te ao aeroPorto E, Steve. Hesitou por uma fracção de segundo. Amava-o mais do que nunca por querer o melhor para ela. Steve era espantosamente desprovido de egoísmo e uma pessoa tão boa que ela o amava também por isso. Além do mais, Possuía um grande sentido de humor, era inteligente e trabalhava como um cão, gostava do trabalho que fazia e tinha um corpo fantástico. Continuava a achá-lo incrivelmente sexy.

Era uma combinação imbatível, por mais diferentes que fòssem as suas carreiras. Obrigado, querido, não sabes o que ° significa para mim disse meigamente

 

Ouve, talvez isto seja a melhor coisa que nos tenha sucedido. Talvez possamos até decidir ter filhos na Califórnia.

 

Meredith não fez qualquer comentário. Não queria falar no assunto e ele não prosseguiu. Ela achava que já tinha bastante em que pensar, com a ida para ali e com o novo emprego, sem estar a pensar em bebés. Ao desligar o telefone sentiu que uma força irresistível a impelia para a frente, quase como se aquilo tivesse de acontecer. O facto assustava-a um pouco, mas era também incrivelmente estimulante

 

Meredith passou a quinta-feira com Cal, acompanhando-o às reuniões e falando com os principais empregados da empresa. Estava a ficar com uma noção mais completa do pessoal da empresa do que tivera anteriormente, e até agora gostava de tudo o que via. Nessa tarde falou para a sua firma; não se passava nada de novo e eles não faziam ideia nenhuma de onde se encontrava, pois dissera-lhes que precisava de ir tratar de uns assuntos de família.

 

Não gostava de ir jantar hoje a minha casa? perguntou Cal quando se preparavam para sair, às seis da tarde Já todos tinham abandonado a empresa e ela reparou que ali não se trabalhava até tão tarde como em Nova Iorque. Não era invulgar ver pessoas a trabalhar até às nove ou dez horas no seu escritório, e às vezes consideravelmente mais tarde. Mas, como Cal lhe fizera notar desde o início, a qualidade de vida na Califórnia era consideravelmente diferente. As pessoas tomavam mais cuidado com a sua saúde, com as suas vidas pessoais, o seu tempo livre. Depois do trabalho iam para casa, ou jogar ténis, ou trabalhar fora. Parecia-lhe uma vida mais feliz, mais saudável, mais bem equilibrada. Em Nova Iorque, as pessoas que conhecia no mundo do trabalho eram pálidas, cheias de stresse e, na maior parte das vezes, ansiosas e com ar de doentes. Ali era realmente muito diferente.

 

Gostava muito de lá ir jantar, mas tenho de ir esperar o Steve às nove horas. Não quero estragar o seu jantar

 

Sorriram um para o outro, descontraidamente. Depois das viagens e do trabalho que estavam a fazer juntos, era quase como se fossem casados.

 

De qualquer modo tencionava jantar mais cedo, com os garotos. Posso levá-la ao aeroporto.

 

Não precisa de fazer isso. Meto-me num táxi e depois voltamos para o hotel e conversamos.

 

Cal arranjara uma entrevista para Steve no SF General e outra no hospital que ele mencionara, em Oakland. E Meredith sabia que Steve falara com os seus amigos em Stanford. Ele ia ter um dia muito ocupado, enquanto ela iria acompanhar Cal em reuniões com alguns clientes. Entretanto, tinham sabido que o valor das acções subira em flecha nessa semana. Tudo corria sobre rodas para Cal, sobretudo se pudesse conseguir que Meredith ficasse ali.

 

Porque é que não vem comigo? Posso grelhar uns hambúrgueres e umas salsichas. Que diz a isso?

 

Meredith achava graça a essa faceta da personalidade de Callan, que a imtrigava. Quem diria que aquele génio do mundo dos negócios gostava de fazer grelhados no pátio da sua casa?

 

Está bem, eu vou decidiu Meredith. Se achar que os seus filhos não irão importar-se.

 

Recordava-se ainda do frio acolhimento que lhe tinham dispensado na primeira visita

 

Não se importarão disse Callan.

 

E, na verdade, pareceram não se importar. Andy apertou-lhe a mão, dessa vez com um sorriso. Recordava-se até que o marido dela era médico. Julie mostrou-se reservada, mas mais delicada. Perguntou-lhe mesmo como correra a viagem e contou-lhe que o pai lhe trouxera uma bela camisola de Paris. Meredith não lhe disse que o ajudara a escolhê-la, mas ficou secretamente satisfeita por a rapariga ter gostado dela. Mary Ellen foi a única a mostrar-se distante. Pareceu ficar irritada logo que viu Meredith sair do carro com o pai e, momentos depois, desapareceu, subindo as escadas para o quarto. Voltou daí a pouco, mas só o tempo suficiente para comer metade de um hambúrguer e sair logo a seguir, dizendo que tinha de fazer os trabalhos de casa. Mas ficou surpreendida e especialmente insatisfeita quando Meredith lhe disse que

conhecera a mãe dela em Londres. Isso pareceu fazer com que ficasse ainda mais desconfiada.

 

Ela não se dá muito bem com a mãe explicou Cal. Quando os filhos se levantaram da mesa ao ar livre. Ele e Meredith bebiam então o café, e a simpática governanta, que tão bem tratava dos filhos de Callan, levantava tudo da mesa. Cal disse-lhe que ela trabalhava ali há anos e que era fantástica

 

Creio que a Charlotte sente uma certa rivalidade com a Mary Ellen e é dura com ela. A Mary Ellen acha que a mãe é má e ficou ainda mais furiosa quando ela se foi embora. Tinha nessa altura seis anos e não foi fácil.

 

Subitamente, Meredith teve pena da garota. Apesar de não ser simpática, nem sequer delicada, era óbvio que sofrera e talvez isso a tivesse tornado desconfiada em relação às mulheres. Charlotte não seria certamente uma mãe de sonho para ninguém.

 

Falaram novamente de negócios, e os filhos de Callan não voltaram a aparecer. Quando Cal foi nadar na piscina, Meredith ficou a olhá-lo. Era alto e tinha um corpo forte. Disse-lhe que fizera parte da equipa de nadadores na universidade. Parecia ter muito menos do que os seus cinquenta e um anos e era inegavelmente muito atraente. Porém, Meredith estava ansiosa por ver Steve e, quando chegou a altura de ir ao aeroporto, Callan chamou um táxi. Renovara o seu oferecimento de a levar ao aeroporto, mas Meredith recusara e ele não quisera insistir. Eles tinham muito que falar um com o outro e Cal não os queria pressionar.

 

Convidou-os para jantar na noite seguinte. Meredith aceitou, dizendo-lhe que Steve estava ansioso por o conhecer. Não lhe disse porquê, nem lhe contou que Steve se mostrara enervado por causa dele, até por achar que Steve estava sobretudo a gracejar. Mas achava importante, por várias razões, que Steve conhecesse Callan. Confiava nas opiniões de Steve. Pensava e esperava que os dois homens simpatizassem um com o outro; respeitava-os a ambos, mas por razões dife” rentes.

 

Esperou por Steve junto da porta das saídas e logo que o viu reparou que trazia umas calças de caqui cheias de rugas, uma camisa que parecia nunca ter sido passada a ferro, uns sapatos leves, sem meias, e um velho casaco de tweed, roto nos cotovelos. Fora directamente do hospital para o aeroporto. Era como estar a ver um rapazinho chegar a casa vindo de um internato e pensar o que teria ele feito às roupas decentes que lhe enviara.

 

Porque é que trouxeste esse casaco? perguntou Meredith.

 

Dois anos antes escondera-o no fundo do roupeiro, mas ele descobria-o sempre. Ainda não tivera coragem de o deitar fora. Certa vez fizera isso a umas velhas calças dele, facto que Steve nunca mais esquecera. Mas nem queria acreditar que ele tivesse trazido aquela velha relíquia para São Francisco.

 

O que tem de mal o casaco! exclamou como se a pergunta dela o espantasse. Não vamos a nenhum jantar formal, pois não?

 

Não, mas amanhã à noite vamos jantar a casa do Callan Dow. Espero que tenhas trazido outro casaco.

 

Era o género de conversa que os casais têm e que parece sempre estúpida aos outros.

 

Não te preocupes com isso. Os homens compreendem estas coisas. O casaco tem personalidade e história.

 

Creio que esse pequeno discurso a respeito de personalidade e história significa que não trouxeste outro casaco. Certo?

 

Correcto.

 

Steve sorriu e inclinou-se para a beijar, enquanto apanhavam a sua única mala que parecia estar cheia de tijolos.

 

Meu Deus, o que é que trazes aí? Uma bola de bowling?

 

Não respondeu, sorrindo. Umas leituras. Steve nunca ia a parte alguma sem levar consigo um monte de livros que achava que devia ler para se manter actualizado. Na verdade, era a única coisa que lhe interessava.

 

Steve era um médico brilhante, mas não ligava às roupas. Ao contrário de Cal, também brilhante no seu campo, mas que andava sempre impecável e elegante. Os dois homens não Podiam ser mais diferentes.

 

Então, como vão as coisas? Algo de novo hoje?

 

Steve parecia satisfeito por ali estar, o que a encantava. Não. E as coisas estão melhor do que nunca.

 

Meredith sorriu, satisfeita, e falou animadamente sobre a empresa de Callan durante todo o caminho para o hotel.

 

Depois, no quarto, conversaram até depois da meia-noite.

 

No dia seguinte, Meredith deixou Steve no hotel. Ia encontrar-se com clientes de Cal, e Steve alugou um carro para comparecer nas várias entrevistas. Ela sugerira-lhe que alugasse um carro com motorista, mas não era o estilo do marido. Comprou uns mapas no sítio onde alugou o carro e afirmou que seria capaz de encontrar os hospitais para onde se dirigia. Meredith beijou-o antes de sair, prometendo-lhe ir ter com ele ao hotel, ao fim do dia. Desejou-lhe sorte e apressou-se a ir para a Dow Tech ao encontro de Callan

 

Passou outro dia fantástico com ele. Visitaram três dos seus mais importantes clientes e foram a um dos hospitais onde os seus instrumentos de diagnóstico estavam a ser mais usados. Foi uma tarde fascinante para ela, e Callan ficou muito satisfeito com a sua reacção. Quando se separaram, ao fim da tarde, recordou-lhe que os esperava em casa dele às sete e meia

 

Estou ansioso por conhecer o Steve. Parece-me que somos já velhos amigos disse afectuosamente. Meredith falara-lhe tanto de Steve durante as viagens que, de facto, tinha a sensação de já o conhecer

 

Quando se encontrou com Steve no hotel, Meredith achou-o surpreendentemente entusiasmado. Ficara bem impressionado com os três hospitais que visitara e fora-lhe dada indicação para se dirigir a um quarto, onde eram tratados quase todos os casos de traumatologia. Tinham um heliporto e, aparentemente, possuíam uma unidade muito semelhante àquela em que Steve trabalhava em Nova Iorque. Steve estava ansioso por lá ir, na segunda-feira Tinha já uma entrevista marcada com o director. Os hospitais onde estivera mostraram-se muito interessados nele, contudo, não tinham vagas adequadas, embora ficassem muito impressionados com as suas credenciais. Como Steve possuía muita experiência e conhecimentos só lhe poderiam oferecer lugares de topo e nenhum desses se encontrava vago. Steve disse a Meredith que ficaria bem em qualquer deles, mas que tinha mais esperanças no de East Bay que visitaria segunda-feira

 

Então, o que é que achas’ perguntou Meredith sorrindo. Haviam tido ambos um óptimo dia e podia ver que a opinião do marido era muito positiva

 

Acho que gosto de São Francisco. A cidade é uma Pequena jóia e as pessoas são muito simpáticas. Não é como em Nova Iorque, onde toda a gente desconfia que os vão assaltar. Até mesmo nas unidades de traumatologia as pessoas parecem mais descontraídas aqui No de Oakland havia uma certa confusão, mas disseram que tinham chegado seis tipos feridos a tiro, dois minutos antes. Para ser sincero, isto agrada-me. Compreendo porque te mostras atraída

 

Meredith sentiu subitamente que uma nova vida se abria para os dois, havia algo de muito excitante nisso. O único problema era não terem lugar para ele, mas havia ainda o hospital de East Bay onde ina segunda-feira Steve enviara-lhes o seu currículo por faxe, mas tinham ainda de falar com ele

 

Onde é que gostarias de viver’ perguntou Steve, como se já tivessem tomado uma decisão, ou pelo menos estivessem perto disso. Na cidade, ou nos arredores? Os arredores agradam-me, mas não me importava se fosse noutro sítio

 

Para mim seria mais fácil aqui, mas seria contigo. Terias de ir e vir para o trabalho a horas mais insólitas do que as minhas e mais vezes

 

Veremos. A mim agradar-me-ia uma casa nos subúrbios e Fez uma pausa dramática, procurando uma reacção nos olhos dela. Acho que este local seria óptimo para termos filhos, muito melhor que Nova Iorque. Aqui não terias de andar de um lado para o outro, nem serias obrigada, espero bem, a trabalhar até à meia-noite. Pode ser a altura e o sítio certo para termos um filho

 

Steve quase conteve a respiração enquanto esperava pela resposta dela. Meredith ficou calada um minuto, como se pesasse bem tudo o que o marido acabara de dizer

 

Talvez disse por fim. Não queria discutir isso com ele. Pelo menos por enquanto. Havia ainda muitos factores em que pensar

 

Só isso’ exclamou ele, um tanto desapontado. Talvez. Creio que, se queremos ter filhos, é esta a altura certa para o fazermos. Que melhor vida para um garoto do que crescer na Califórnia?

 

Sim, para um garoto com outros pais. Sorriu e pareceu relaxar um pouco. Ficava sempre tensa quando ele falava em terem filhos. Mas tinha de admitir que ali podia não ser tão mau

 

Estavam ambos bem-dispostos quando se dirigiram para casa de Callan, às sete e um quarto. Chegaram lá às sete e meia em ponto. Callan esperava-os junto da piscina, com margantas e caviar. Os filhos tinham acabado de sair da piscina, e ele mostrava-se descontraído e tão elegante como sempre, com uma camisa azul, impecável, e umas calças de sarja castanho-claras. Calçava uns sapatos Guca, muito leves, sem meias. Steve vestia uma velha camisa às riscas e não largara o casaco de tweed. Meredith ficou arrependida por não lhe ter deixado a mala preparada antes de se vir embora. Para a próxima vez não se esqueceria, prometeu a si própria, enquanto os dois homens apertavam as mãos Cal dizia a Steve como estava ansioso por o conhecer, desde que ouvira Meredith falar dele durante as viagens

 

A sua mulher está sempre a fazer-lhe elogios, Steve Espero que saiba isso. Não pára de falar de si

 

Steve pareceu ficar satisfeito com o que Cal disse e olhou-o com ar prazenteiro

 

A conversa decorreu com facilidade, passando de um assunto para outro. Callan perguntou-lhe a opinião sobre os hospitais que vira e acabaram por falar do equipamento de diagnóstico fabricado pela Dow Tech. Steve fez uma avaliação crítica sobre esses instrumentos, elogiou entusiasticamente dois deles e deu-lhe algumas sugestões que lhe pareciam prementes sob o seu ponto de vista de médico E Callan pareceu ficar satisfeito com o que ouviu

 

Passado uma hora foram para dentro e Callan serviu-lhes um Mouton-Rothschúd que impressionou Steve E às onze horas estavam ainda a conversar e a beber brande. Era quase meia-noite quando saíram, e Meredith tinha a impressão de tudo ter corrido bem. Os dois homens pareciam ter simpatizado um com o outro

 

O que é que achas dele? perguntou Meredith quando iam no carro conduzido por Steve, de regresso ao hotel. Estava interessada na opinião do marido a respeito de Callan.

 

É uma pessoa brilhante E é bem-parecido, claro, mas depois de conversarmos um bocado com ele esquecemo-nos disso. Tem tantas ideias inovadoras e quer fazer tanta coisa que nos esquecemos do seu aspecto de galã de cinema. Posso compreender por que motivo simpatizas com ele. Depois sorriu meigamente para a mulher.

 

Lamento ter trazido este casaco, Merrie. Para a próxima vez trarei um melhor.

 

Quem se importa com isso? retorquiu Meredith, sorrindo para o homem que amava. Sentia-se orgulhosa dele e estava satisfeita por ter gostado de Callan. Mas ficou um pouco perplexa com o que ele disse a seguir.

 

Acho que deves aceitar o lugar. Creio que te arrependerias se não o fizesses. Ficarias sempre a pensar no que teria sucedido se não tivesses ficado aqui. Tens de aceitar, querida.

 

És espantoso! E tu?

 

Hei-de arranjar alguma coisa. Há muito trabalho. Têm apenas de arranjar lugar para mim. E tinha a certeza de que, com o tempo, acabariam por arranjar. Agora, o principal é este emprego para ti. Quero que te sintas feliz.

 

Meredith tinha lágrimas nos olhos ao ouvi-lo proferir aquelas palavras. Steve era tão bom para ela, tão generoso, tinha um espírito tão bondoso!

 

Não vou tomar nenhuma decisão sem saber em que pé estão as coisas para ti. Isto diz respeito aos dois e não apenas a mim, por mais altruísta que tu sejas.

 

Vamos ver o que sucede na segunda-feira. Entretanto, vamos passar um bom fim-de-semana.

 

Cal oferecera-se para passear com eles no dia seguinte, mas Steve dissera-lhe que queria descobrir a cidade sozinho e tinham concordado em ir a sua casa no domingo à tarde para tomarem banho na piscina e jantarem com ele e os filhos. Prometera-lhes um churrasco, mas Steve e Meredith estavam ansiosos por passearem sozinhos pela cidade.

 

No sábado foram a Marin e atravessaram a Ponte Golden Gate com a capota do carro alugado para baixo. Almoçaram em Sausalito, vaguearam pelas ruas, viram as lojas e jantaram na Scoria. A vista era espectacular; mais tarde, deram um passeio pela cidade e acabaram em Fisherman’s Wharf para beberem um irish coffee. Foram ao Top of the Mark à meia-noite para observarem a vista. Em seguida, voltaram para a Península e conversaram sobre o que tinham visto da cidade. Callan dissera-lhes que um bom sítio para eles viverem seria Pacific Heights, por isso tinham passado pelas ruas com as suas filas de bonitas casas vitorianas de tijolo e estuque colorido. Tudo possuía um aspecto bonito, limpo e bem arranjado e as ruas estavam imaculadas. Steve ficou apaixonado pela cidade

 

No domingo de manhã visitaram a Universidade Stanford e, em seguida, passearam por Palo Alto. Ficaram encantados com o que tinham visto. Chegaram a casa de Cal à tarde e foram todos para a piscina. Steve brincava ao Marco Polo com as crianças, na piscina, enquanto Meredith conversava com Callan

 

Acho que o Steve adora São Francisco disse Meredith

 

E você, Merrie?

 

Eu gosto da sua companhia e do trabalho respondeu Meredith. Mesmo no Pólo Norte se sentiria feliz com o lugar que ele lhe oferecera, e ambos o sabiam

 

Você é uma viciada no trabalho, como eu. Não temos emenda

 

Olhou para Steve a brincar com as crianças na piscina e depois olhou de novo para Meredith.

 

O seu marido é muito simpático, Merie. Você tinha razão. E ouvi dizer que é também um excelente médico.

 

Antes de o recomendar fizera discretamente algumas investigações a respeito de Steve

 

Como estão as coisas em relação a um lugar para ele?

 

Por enquanto não há nada. Ninguém tem vaga para ele, mas o Steve não parece muito preocupado com isso. Na segunda-feira tem uma entrevista em East Bay

 

Espero que resulte disse fervorosamente Callan. Cada vez desejava mais que Meredith ficasse a trabalhar consigo. Os últimos três dias tinham confirmado tudo o que pensara a respeito dela

 

Também eu respondeu calmamente Meredith, enquanto via Mary Ellen gritar de alegria por Steve lhe ter atirado uma bola. Apesar de se terem mostrado muito reservadas com Meredith, as crianças haviam-se revelado imediatamente simpáticas para com Steve. A verdade é que ela nunca se sentira muito bem na companhia de crianças, e estas apercebiam_se disso.

 

Foi uma tarde calma e agradável para todos. Meredith, Steve e Callan conversaram demoradamente nessa noite, sobretudo a respeito de política e do seu efeito sobre os negócios. Steve tinha as suas opiniões muito próprias no que dizia respeito à medicina, e, quando se foram embora, Callan desejou-lhe sorte para a sua próxima entrevista, dizendo a Meredith que a veria no dia seguinte.

 

Encontrava-se no escritório de Callan, quando Steve lhe telefonou ao meio-dia, mostrando-se entusiasmado.

 

Que se passa? perguntou Meredith, ainda distraída. Tinham estado a estudar algumas projecções para os três meses seguintes.

 

Julguei que quisesses saber notícias.

 

O que há? perguntou, sorrindo, enquanto Cal a observava atentamente.

 

Tenho emprego. E tu também, creio. Começarei no princípio de Janeiro. O director da unidade de traumatologia daqui vai-se embora, e se as minhas referências forem certificadas, como serão se telefonarem ao Lucas, serei eu o novo director da unidade. Que dizes a isto?

 

Uauu! Os olhos de Cal encontraram-se com os dela. Parabéns, querido!

 

Meredith ficou ofegante. Estava a resolver-se tudo quase sem esforço. Era como se já estivesse predestinado.

 

O mesmo digo eu a ti. Já disseste ao Callan que aceitavas o lugar?

 

O que é que achas? perguntou enigmaticamente. Queria ter a certeza de que Steve concordava com a ideia, antes de lhe responder. Mas agora tinham ambos bons empregos à sua espera e Meredith sentia-se como se lhe tivessem tirado de cima um peso de dez toneladas. Era agora livre de aceitar o lugar que Callan lhe oferecia e que tanto desejava aceitar.

 

Acho que, se não lhe disseres que aceitas o lugar, dir-lho-ei eu. Diz-lhe que aceitas, querida. Bem o mereces.

 

Obrigada, Steve disse ela, sentindo-se grata, feliz e aliviada ao mesmo tempo. Sorria ainda ao desligar o telefone alguns minutos mais tarde Cal observava-a com uma expressão preocupada

 

Pareceram-me boas notícias.

 

Melhor do que isso respondeu ela com um sorriso radiante. Deram-lhe um lugar.

 

O rosto de Cal abriu-se num largo sorriso. Estava tão aliviado como ela.

 

Então, em que ficamos, Merie?

 

Onde é que gostaria que ficássemos? retorquiu Meredith sem o desfitar um instante. Era como dançar outra vez com Fred Astaire. Estavam perfeitamente sincronizados. As suas mentes sempre a trabalharem em uníssono

 

Gostaria que ficasse como a nova directora da contabilidade da Dow Tech. Que diz a isso?

 

Ela disse que sim, em silêncio. Agora tinha a certeza. Parecia-lhe quase um casamento, um grande passo e um compromisso muito importante.

 

Sim, ficarei, se é realmente isso que quer.

 

Sabe bem que sim, Meredith. Estendeu a mão e apertou a dela. Combinado, Meredith?

 

Combinado. Custa-me a crer que isto esteja a suceder. E, de facto, passara-se tudo muito depressa. Duas semanas antes, andavam juntos em viagem a fazer a apresentação da empresa; agora oferecia-lhe emprego e ela mudava-se para a Califórnia.

 

Também a mim

 

Callan dirigiu-se para o pequeno bar colocado na sala contígua ao seu escritório, de onde trouxe uma garrafa de champanhe e dois copos. Quando voltou tinha um sorriso de orelha a orelha.

 

Vamos festejar. É a melhor notícia que recebo há anos. Talvez desde sempre.

 

Brindaram um ao outro e ficaram sentados a beber champanhe e a conversar durante um bocado. Sabiam que ela não poderia ficar ali imediatamente. Ia precisar de um certo tempo para arrumar os seus assuntos em Nova Iorque. Se começasse a trabalhar ali dentro de duas semanas, começaria a oito de Outubro, mas era impossível. Tinha de avisar a sua firma com uma antecedência adequada. Pensava que um mês chegaria. Além disso, teria de vender o apartamento de Nova Iorque. E Steve dissera que começaria a trabalhar no hospital de East Bay em Janeiro. Isso parecia-lhe bem.

 

Não pode ser depois de quinze de Outubro respondeu calmamente Cal. Meredith pensou que ele estava a gracejar. Soltou uma gargalhada.

 

Tem muita graça. Estou a falar a sério, Callan. O Steve tem de estar aqui no início de Janeiro. Posso vir a quinze de Dezembro, ou talvez depois do Natal?

 

Nem pensar, Meredith.

 

O astuto homem de negócios, que ela vira anteriormente em acção, veio ao de cima. Tinha de pensar nas suas necessidades e nas da empresa. Não ia esperar três meses para Meredith começar a trabalhar ali.

 

O Charlie já me disse que não ficará nem mais um dia, o que é péssimo da parte dele, mas o Charlie é mesmo assim. Está ansioso por se ir embora. Ele e a mulher já marcaram uma viagem de dois meses pela Ásia.

 

É impossível estar aqui dentro de três semanas, Callan. Isso é uma loucura.

 

Meredith ficara bastante surpreendida e não queria ir para ali dois meses e meio antes de Steve; isso não seria justo Para nenhum deles. Mas também percebia o ponto de vista de Callan.

 

- Não posso funcionar sem um director da contabilidade durante três meses. Gostaria realmente era de a ter aqui dentro de quinze dias, quando o Charlie se fosse embora. Posso ficar sem um director da contabilidade durante uma semana, mas não mais. Tem de vir mais cedo. O Steve pode vir cá aos fins-de-semana, ou você ir lá. Lamento fazer-lhe isto, Merrie, mas preciso de si.

 

Meredith gostou dessa última parte, mas detestou ter de Pensar em dizer a Steve que iriam estar separados durante tanto tempo. Entretanto, Cal não se mostrava disposto a ceder uma polegada.

 

Eu quero dar-lhe um bónus na assinatura do contrato, claro. Creio que sabe isso. Estava a pensar em duzentos e cinquenta mil dólares para suavizar o golpe.

 

Como é que ela havia de discutir com aquilo? Callan sabia o que estava a fazer.

 

Vou arranjar-lhe um apartamento aqui, em Palo Alto durante três meses, à nossa custa, claro, e durante mais tempo se for necessário. Isso dar-lhes-á tempo para decidirem onde querem viver e para encontrarem uma casa que lhes agrade

 

Callan queria fazer mais do que ela alguma vez pensaria em pedir.

 

É tudo muito generoso, Cal. Estou apenas um pouco perplexa e admirada por querer que eu venha para aqui tão depressa. Não esperava isso.

 

Estava ainda preocupada com tudo aquilo, apesar de o bónus ser fantástico.

 

Não esperava que o Charlie me desse só quinze dias. Lamento fazer pressão sobre si, Meredith, mas estamos todos a ser pressionados. Virá no dia quinze?

 

Creio que terá de ser. Terei de ir passar os fins-de-semana a Nova Iorque, quando o Steve não se encontrar a trabalhar. Ele poderá vir ao meio da semana quando estiver livre. Havemos de resolver o assunto.

 

No entanto, continuava ainda preocupada com o que Steve diria disso. Ia encontrar-se com ele no hotel às quatro da tarde e regressariam os dois a Nova Iorque no voo das seis.

 

Cal deu-lhe um grande abraço quando ela partiu e pediu que lhe telefonasse, se pudesse fazer alguma coisa para ajudar. Ela disse-lhe também que lhe telefonasse, se precisasse de alguma coisa antes de ela ali chegar, e ele riu-se disso.

 

Está a brincar? Vou segui-la minuto a minuto durante as próximas três semanas, Meredith. Espero que do seu lado corra tudo bem.

 

Sabia que os sócios dela iriam ficar aborrecidos, mas achava que mereciam; contudo, estava verdadeiramente preocupada era com o marido. Ia ser duro viverem um sem o outro durante dois meses e meio. Era uma coisa que não lhe agradava e sabia que a ele também não.

 

Mas, como de costume, Steve surpreendeu-a.

 

Se é isso que é preciso, querida, então que seja. Tens de aceitar o que te oferecem agora e, quando menos esperares, eu estarei junto de ti.

 

Continuaram a falar durante a viagem. Disse-lhe que podia tratar ele de vender o apartamento e tranquilizou-a dizendo que estava disposto a andar para trás e para diante para a ver, sempre que tivesse uns dias de folga no hospital.

 

Sabes confessou-lhe Steve quando voavam sobre as montanhas Rochosas, gostei muito mais do Callan do que pensava, pelo que tu me tinhas dito. Dantes sentia um pouco de ciúmes dele, mas creio que os seus motivos são puros. Acho que tem um grande respeito por ti, e que só se interessa pelos seus negócios.

 

Meredith ficou satisfeita por ouvir isso, aliás porque tivera sempre a mesma impressão. Tinham-se aproximado extraordinariamente um do outro nessa viagem, mas, de facto, ela nunca se preocupara verdadeiramente com isso. Eram bons amigos e colegas.

 

Também gosto dos filhos dele. São bons miúdos. Foi pena o que lhes sucedeu com a mãe.

 

Meredith assentiu com a cabeça, olhou pela janela e viu então que Steve a olhava enternecidamente e calculou o que se iria seguir.

 

Por falar disso, o que é que achas se, depois de estarmos ali uns meses, talvez uns seis... começarmos a pensar num bebé?

 

Nessa altura, teria trinta e oito anos e seria de facto altura de pensarem nisso, se fosse realmente aquilo que quisessem. Ela dissera que, se alguma vez tivessem filhos, queria tê-los antes de fazer os quarenta. E se fosse engravidar nos próximos seis meses, teria trinta e nove anos quando o bebé nascesse. Steve, como médico, sempre fora contra ela ter o primeiro filho mais tarde.

 

Porque é que não vemos primeiro como as coisas estão nessa altura?

 

Se continuamos à espera de «ver», hei-de ter noventa anos e ainda estaremos à espera. Meredith, um destes dias vais ter de enfrentar a gravidez disse Steve, parecendo perturbado.

 

Steve achava que ela tinha medo físico da gravidez e do parto, e em parte isso era verdade, mas Meredith receava ainda muito mais o compromisso que um filho representava.

 

Porque terei de fazer isso’ perguntou Meredith enervada

 

Sabia que devia muito a Steve pela boa vontade e pela generosidade revelada, mas não lhe queria fazer falsas promessas. Agora pensava apenas em ajudar Cal a expandir o seu negócio. Para ela, isso era muito mais excitante do que ter um filho

 

Cal parece ser capaz de dirigir a família e os negócios. Tu também podias fazê-lo, Merie. Eu ajudo-te

 

Eu sei que me ajudarias disse ela, mostrando-se apreensiva. Apenas eu ainda não sei o que quero

 

Talvez nunca o venhas a saber até o fazeres.

 

E depois? E se detestar? Se for demasiado para mim, se estragar a minha carreira, ou se virmos que não podemos criar um filho por causa dos nossos empregos. Não podemos mandá-lo para trás, se não gostarmos

 

Não consigo imaginar que não possas gostar de um bebé observou gentilmente Steve

 

As crianças assustam-me. Não sou como tu. Elas sentem-se sempre atraídas por ti. A mim olham-me sempre como se eu fosse a bruxa d’A Bela Adormecida

 

Steve riu-se da comparação e inclinou-se para a beijar

 

Nenhum filho meu vai pensar que és uma bruxa, prometo

 

Voltaremos a falar do assunto quando estivermos instalados

 

Pôs a ideia de lado tão sumariamente como o fizera durante os últimos catorze anos e pensou noutras coisas. Sempre ficara ansiosa quando pensava em ter filhos

 

Quando é que vais apresentar a tua demissão no hospital?

 

Meredith fez a pergunta, tanto por querer mudar de conversa pelo facto de o assunto a aborrecer, como por querer saber

 

Logo que regressemos, suponho. Quero avisá-los com três meses de antecedência. Desta maneira, posso estar contigo no Natal

 

Parecia tudo perfeito, excepto o tempo que teriam de passar longe um do outro, mas Steve garantira-lhe que tudo passaria depressa e ela estaria com certeza muito ocupada

 

E tu’ perguntou

 

Vou dizer-lhes amanhã

 

Ela tinha ficado fora mais um dia e começava a pensar se os sócios desconfiariam de qualquer coisa

 

Eles não vão gostar

 

O Cal tem razão nesse ponto. Eles merecem isso. Não te apreciam

 

Aparentemente, porém, apreciavam-na mais do que ele ou Cal pensavam. Quando anunciou a sua decisão aos sócios, na manhã seguinte, estes mostraram-se devastados. Nem queriam acreditar. Especialmente, quando souberam que ia partir dentro de três semanas para a Califórnia. Mas, depois do choque inicial, mostraram-se simpáticos e ofereceram-lhe um jantar de despedida na semana antes de ela partir. Era difícil perceber como uma carreira de doze anos ia terminar daquela maneira

 

Nessa noite, na véspera da partida, sentada no seu apartamento com Steve, rodeada de malas abertas por todos os lados, Meredith olhou para o marido com assombro

 

É como ir para a faculdade, ou coisa assim, não é? Ainda nem posso acreditar

 

Nem eu respondeu Steve, sorrindo. Mas agrada-me

 

Dissera no hospital que se ia embora e eles tinham ficado chocados, mas felizes por ele. Lucas ficou especialmente triste com isso, porque sabia que precisaria de, pelo menos, mais um ano antes de conseguir ter outra pessoa para o substituir. Porém, estavam já a procurar outra pessoa para o lugar de Steve, embora ainda não tivessem ninguém em perspectiva. Steve prometera-lhes que não se iria embora sem ter um substituto E o hospital na Califórnia concordara em esperar mais uns dias por ele. Tinham-se mostrado bastante razoáveis a esse respeito

 

No dia seguinte, Steve saiu para o hospital, quando ela partiu para o aeroporto. Era domingo, e fora uma semana cheia de emoções para ela. Meredith tinha ido ao escritório pela ultima vez na sexta-feira e sentira pena de deixar os seus amigos. Houvera algumas lágrimas, despedidas afectuosas e votos de felicidade E, quando se preparava para sair do apartamento, olhou à sua volta como se não mais devesse voltar ali, tentando recordar o que esquecera. Calma, querida. Estarás de volta no próximo fim-de -semana.

 

Eu sei. Creio que estou apenas um pouco nervosa

 

Não estejas. Vai tudo correr bem. Vai ser fantástico

 

Eu sei.

 

Meredith sorriu, saíram os dois e ela fechou a porta.

 

O trabalho na Califórnia era tudo quanto Meredith esperara que fosse. Excitante, desafiador. Trabalhar com Callan era ainda melhor do que ela esperara. E profissionalmente era a oportunidade de uma vida. Movimentavam-se em perfeita harmonia de reunião em reunião e ficavam sentados durante horas a falar sobre novos projectos. Meredith acabava sempre os dias excitada e bem-disposta.

 

O apartamento que Callan alugara para ela era arejado, espaçoso e agradável. Meredith telefonava a Steve sempre que podia, para lhe dizer o que ia sucedendo na sua vida, mas, como habitualmente, nem sempre era fácil apanhá-lo. Quando conseguiam falar, Steve mostrava-se sempre feliz por ela. Mostrou-se do mesmo modo compreensivo quando lhe anunciou que tinha muito trabalho e que não poderia ir a Nova Iorque e voltar, no primeiro fim-de-semana. Estava ainda a tentar estudar todos os projectos inacabados que Charlie Mcintosh lhe deixara.

 

Lamento, querido disse-lhe ela na noite de quinta-feira. Encontrava-se há quatro dias na Califórnia e no novo emprego, e não conseguira ainda respirar.

 

Não te preocupes com isso. Pode ser que possas ver casas para nós no fim-de-semana.

 

Tinham concordado que, visto ele ir trabalhar em East Bay, iriam procurar casa na cidade. Seria mais simples para Steve do que se vivessem em Palo Alto. Nesse caso, levaria duas horas a ir para casa e duas horas a ir para o trabalho, e isso seria demasiado cansativo. A cidade era melhor e Meredith concordara com isso.

 

No domingo, irei procurar prometeu. Tinha todas as intenções de o fazer, mas estava assoberbada pelo trabalho, rodeada de papéis por todos os lados, no terraço do seu apartamento. Cal convidou-a a ir jantar nessa noite, mas ela recusou o convite e comeu uma sanduíche enquanto trabalhaVa. Porém, quando ele lhe telefonou no domingo à tarde, como já adiantara bastante trabalho, cedeu.

 

Jantou com Cal e com os filhos e dessa vez todos se mostraram simpáticos para consigo. Começavam a estar habituados e, depois de terem visto Steve, até Mary Ellen deixou de pensar que ela era namorada do pai

 

A segunda semana na Dow Tech foi ainda melhor do que a primeira, e a meio já sabia que poderia ir a Nova Iorque sábado e domingo Mas, dessa vez, foi Steve quem telefonou. Harvey Lucas estava doente e ele tinha de o substituir. Meredith não ficou tão desapontada como ele. Ficou até satisfeita por poder ficar em Palo Alto e continuar a trabalhar

 

Não estamos exactamente a conseguir ver-nos todas as semanas, como combinámos comentou Steve, parecendo um pouco deprimido

 

Estava sempre muito ocupado com o seu trabalho, mas sentia a falta dela. Quando saía do hospital, à noite, e encontrava o apartamento vazio, sentia-se como uma criança que não tivesse ninguém com quem brincar. Não via a mulher há duas semanas

 

Todavia, o verdadeiro aborrecimento surgiu na terceira semana passada na Califórnia. Tinham prometido um ao outro que, dessa vez, nada os impediria de estarem juntos. Meredith já reservara lugar num voo para Nova Iorque sexta-feira à noite, mas, na quarta-feira, Cal soube que uns clientes que deviam receber na quinta-feira só poderiam chegar na sexta e, portanto, pediu-lhe para ficar. Os clientes eram importantes para ele

 

Sei que provavelmente estava a planear ir a Nova Iorque disse como que a desculpar-se, mas agradecia-lhe imenso se ficasse aqui Só desta vez. Creio que faria muita diferença às pessoas que vamos receber, pois não a conhecem ainda

 

Com certeza, Cal respondeu ela sem hesitação. Sabia como os clientes eram importantes e podia compreender o seu pedido. Esperava que Steve compreendesse também e ficou surpreendida e perturbada quando se zangou

 

Pelo amor de Deus, Merie. Já são três semanas. É assim que irá ser nos próximos dois meses? Quando é que te vou ver? Steve mostrou-se furioso com ela, que ficou aborrecida por o marido não ser mais compreensivo. Mas também se sentia um pouco culpada por não ir a Nova Iorque e isso fê-la reagir na defensiva.

 

Não vou ficar aqui para um torneio de ténis ou por causa de uma reunião no meu clube. Fico para trabalhar.

 

Tretas. O Cal pode recebê-los sem ti.

 

Não, não pode. Ou pelo menos não quer. E eu trabalho para ele. Não posso ir-me embora, depois de me ter pedido para ficar. São os nossos clientes mais importantes.

 

Muito bem. E eu, que devo fazer? Trabalho no domingo e por isso não posso ir. Tu sabias isso.

 

Parecia zangado e desapontado.

 

Na próxima sexta-feira estarei aí. Juro.

 

Steve desligou, ainda zangado, e mais tarde voltou a ligar-lhe e a queixar-se do mesmo. Estava muito aborrecido por não a ver. Mas Meredith nada podia fazer. Negócios eram negócios.

 

Cal encomendou o jantar a uma empresa de catering. Convidou mais três casais, e a noite passou-se muito agradavelmente. Cal pedira a Meredith que chegasse um pouco antes dos outros convidados, o que ela fizera. Comprara um vestido de cocktail novo, preto, elegante e muito chique, e ele ficou muito satisfeito quando a viu.

 

Você está um espanto, Merrie! exclamou.

 

Pô-la rapidamente ao corrente de quem eram os outros convidados. Sabia que Meredith fizera já extensas leituras para se informar de tudo o que se relacionava com a TIQ, a emPresa cliente de Callan.

 

E quando todos chegaram, Meredith mostrou-se uma anfitriã muito graciosa. Movimentava-se com facilidade entre os convidados, falava com os homens sobre negócios, conversava com as senhoras durante um bocado. Mas o assunto principal da conversa das senhoras eram os filhos, e Meredith voltou passado pouco tempo para junto dos homens, cuja conversa lhe dizia alguma coisa mais. Cal observava, encantado. Era perfeita.

Por fim, os convidados foram-se embora. Todos tinham Considerado o serão maravilhoso. Excelente jantar, pessoas interessantes e uma conversa animada. O homem da TIQ parecia apaixonado por Merrie.

 

Você hipnotizou-o completamente disse Cal com admiração. Foi fantástica. Obrigado por ter ficado aqui. Sei que tencionava ir a Nova Iorque, mas isto era importante para mim.

 

Eu sabia que era respondeu com simplicidade Meredith.

 

O Steve ficou aborrecido? perguntou Cal, parecendo preocupado. Ela hesitou.

 

Um pouco. Mas na próxima semana irei a casa. Meredith apercebera-se de que não era tão fácil ir a casa aos fins-de-semana como julgara. Mas só precisavam de fazer isso durante mais dois meses. Não seria para sempre. E Steve tinha de ser compreensivo a respeito disso. Ela estava a iniciar uma nova profissão.

 

Tenho muita pena disse Callan com sinceridade. Porque não vai mais cedo, sexta-feira?

 

Obrigada. Pode ser que vá. Vou utilizar este fim-de-semana para procurar casa na cidade disse Meredith, enquanto se dirigiam lentamente para o carro dela estacionado perto da garagem. Estava satisfeita por o serão ter corrido tão bem para Cal.

 

Posso acompanhá-la? perguntou inesperadamente Callan.

 

Vai ser muito aborrecido disse ela, que planeara também fazer algumas compras. Provavelmente, quererá estar com os seus filhos acrescentou Meredith, enquanto ele lhe abria a porta do carro.

 

Na verdade, eles vão estar todos muito ocupados. Os meus serviços de motorista nem sequer são necessários. E eu gosto de ver casas.

 

Está bem. Se realmente quer ir.

 

A que horas a devo ir buscar?

 

Que diz por volta das dez e meia? Queria ir ver uma às onze.

 

Irei às dez e um quarto, para jogar pelo seguro. E mais uma vez muito obrigado por esta noite... Você foi realmente fantástica disse ele com um sorriso afectuoso.

 

Minutos depois, ela punha o carro em andamento e afastava-se. Na manhã seguinte, Cal estava no apartamento dela às dez e um quarto, vestindo umas calças de caqui, uma camisola azul-escura de gola alta e um blazer, parecendo elegante como sempre. Meredith pensou se ele alguma vez se mostraria desgrenhado ou mal-arranjado. Depois de conhecer Cal, era difícil imaginar isso.

 

Callan conduziu-a para a cidade, enquanto os dois conversavam animadamente a respeito de negócios, como de costume. E a primeira casa que viram foi um desapontamento. Depois dessa, viram duas outras, ambas em Pacific Heights. Uma delas precisava de grandes obras, embora fosse bonita, e a outra pareceu-lhe um pouco pequena, embora Cal a considerasse agradável. Mas Meredith achava-a um pouco claustrofóbica.

 

Depende do número de filhos que quiser ter disse Callan quando voltaram para o carro. Acabara de sugerir que fossem almoçar a The Waterfront, pois estavam ambos com fome.

 

Tem muita graça! Você sabe que eu não quero filhos. Agora tenho a Dow Tech. É o meu novo filho.

 

Não tenho a certeza se o seu marido saberá isso tão bem como eu. Ele disse-me qualquer coisa sobre isso, depois de ter estado a brincar com os meus filhos na piscina.

 

Bem sei disse Meredith sentindo-se desconfortável. Era um assunto que a incomodava. Steve continua a insistir, e creio que é, em parte, por isso que quer vir para aqui. Mas eu não consigo ver-me como mãe de família, agora mais do que nunca.

 

Penso que você tem medo e continuo a acreditar na minha primeira teoria.

 

O quê? Que eu não me sinto ligada ao Steve? Como é que pode dizer uma coisa dessas depois de o conhecer?

 

Não estou a dizer isso emendou ele. Acho que está, tanto quanto uma pessoa pode estar. Talvez não confie no relacionamento, ou no futuro.

 

Era a velha teoria dele. Meredith já a ouvira e estava a escutá-la de novo.

 

’ Depois de estarmos casados quase há quinze anos, não Sei em que é que não poderei confiar. Confio apenas nos meus instintos. Conheço-me, e tal como disse a respeito da Charlotte, não sou muito maternal. Creio que é um erro ir contra isso.

 

Foi isso que combinaram logo desde o início? perguntou ele, enquanto caminhavam ao longo da Divisadero Street em direcção ao cais.

 

Meredith hesitou uns instantes antes de responder:

 

Provavelmente, não. Mas eu tinha vinte e três anos na altura e não me conhecia tão bem como agora, nem sabia o que a minha carreira iria significar para mim. Leva-se um certo tempo para se perceber isso claramente.

 

Bem sei, mas habitualmente é mais qualquer coisa do que uma carreira, e eu penso que você sabe o que é.

 

Não sei o que quer dizer com isso, Cal.

 

Conheço pessoas casadas durante muitos anos sem terem filhos, ou porque não queriam ou porque pensavam que não podiam. Depois, acabaram por se apaixonar por outra pessoa, divorciaram-se, casaram-se e de repente tiveram filhos. Não se trata de uma nova teoria. É apenas a natureza humana declarou prosaicamente.

 

Está a dizer que o Steve e eu nos vamos divorciar? Parecia chocada com a ideia. Era algo que nunca lhe passara pela cabeça.

 

Deus sabe que espero que não. Estou apenas a dizer que na vida nada é previsível, e que, se olhar bem para o fundo de si própria, verá que há outras razões para você não querer ter filhos, e que nem todas estão relacionadas com o trabalho. Talvez você não ache que iriam ser bons pais.

 

Penso que o Steve seria um bom pai, desde que não trabalhasse quarenta e oito horas a fio. Não tenho tanto a certeza de mim. No entanto, talvez você tenha razão. Se quiséssemos filhos, provavelmente já os teríamos. As pessoas parecem ter filhos em todas as alturas, sem quererem saber das circunstâncias.

 

Talvez ele também não os queira ter e se sirva de si como bode expiatório.

 

Todas essas ideias eram novas para Meredith; achava que algumas delas mereciam ser aprofundadas, e pensou que talvez Cal estivesse mais perto da verdade do que aquilo que ela queria admitir.

 

O almoço em The Waterfront foi agradável e a vista era espectacular. Depois foram ao Palace of the Legion of Honor e passearam durante um bocado, conversando e admirando os quadros. Quando saíram, Cal convidou-a a ir jantar com ele e com os filhos.

 

Vai ficar farto de mim se começar a comer as três refeições comigo declarou Meredith, gracejando.

 

Mas ele insistiu.

 

Visto que a prendi aqui todo o fim-de-semana, tenho, pelo menos, obrigação de a alimentar.

 

No entanto, sentia-se tão bem com ele que lhe seria difícil resistir ao convite. Cal era uma pessoa de convívio agradável e tinham sempre assuntos de conversa, sobretudo sobre os negócios dele.

 

Os garotos não ficaram surpreendidos por a ver nessa noite.

 

Mary Ellen encontrava-se em casa de uma amiga e Andy e Julie estavam a ver vídeos. Quando desceram para o jantar e a viram, cumprimentaram-na como se fosse uma velha amiga. Andy mostrava-se muito excitado por causa do jogo de futebol que iriam ver no domingo. Os ’Niners jogavam contra os Broncos.

 

Vem connosco? perguntou Andy com interesse durante o jantar.

 

Não, não vou disse delicadamente Meredith.

 

Porque não vem? perguntou Cal, sorrindo-lhe. É uma grande ideia. Gosta de futebol?

 

Às vezes. Sou uma grande apreciadora de basebol. Geralmente, está muito frio em Nova Iorque para ser agradável assistir a um jogo.

 

Aqui é melhor garantiu Julie. E sem saber como, Meredith deixou-se conquistar pelo entusiasmo deles e acabou por concordar em os acompanhar.

 

Tem a certeza de que as crianças não se importarão que eu vá? perguntou Meredith depois de se terem levantado da mesa.

 

Claro que não! Porque haviam de se importar? Sentem-se perfeitamente à vontade consigo.

 

Gostaram do Steve porque ele jogou Marco Polo com elas.

 

Sim, gostaram. Mas também gostam de si. A Julie acha-a inteligente e o Andy diz que é muito bonita. Tem bom gosto disse orgulhosamente. Sai a mim.

 

E a Mary Ellen detesta-me acrescentou Meredith rindo do duplo cumprimento. Talvez seja melhor perguntar a opinião dela.

 

Ela também gosta de si. Apenas leva mais tempo a mostrar-se afável para as pessoas do que os outros dois. Mas quando você aqui esteve no outro dia, gostou muito da roupa que você usava. Para uma rapariga de catorze anos isso é uma coisa importante. Ela acha-a «fixe», se quer saber. Eu não sou «fixe», porque sou pai dela. Considera que eu tenho uns duzentos anos e que a maior parte das vezes sou estúpido. Ainda a semana passada disse que eu era patético.

 

Vê o que eu quero dizer exclamou Meredith, parecendo assombrada pela maneira fácil com que ele tratava tudo, desde os negócios até à educação dos filhos. Se uma filha minha me dissesse que eu era patética ficava destroçada.

 

Decerto tornar-se-ia menos vulnerável. Depois de os filhos nos dizerem milhões de vezes «detesto-te», começamos a sentir a falta disso quando eles não o dizem. «Patético» é uma palavra altamente elogiosa vinda de uma rapariga de catorze anos. É melhor do que «atrasado». Fui «atrasado» o ano passado e «mau» no início deste Verão. A semana passada, a Julie disse-me que eu era verdadeiramente estúpido, mas foi por eu lhe ter dito que não podia pintar os lábios. É preciso aprender o vocabulário apropriado.

 

Cal ria-se a dizer essas coisas, e Meredith acabou por rir também. Ele fazia com que tudo parecesse fácil.

 

Creio que os meus estudos na universidade foram muito mais fáceis do que poderá ser ter filhos.

 

Isso é diferente afirmou ele, tocando-lhe ao de leve na mão. Você é uma mulher muito simpática e uma boa companhia. Obrigado por ter ficado aqui esta semana.

 

Sabia que fora um sacrifício para ela e queria compensá-la. E era tão agradável estar com Meredith! Gostara até de ir à procura de casas com ela. Ambos tinham rido quando o agente da imobiliária pensara que ele era o seu marido, mas fora uma suposição normal. Cal reparara que Meredith não se mostrara muito ansiosa por arranjar uma casa, pois parecia encontrar defeitos em todas. Não sabia se ela quereria realmente viver na cidade. Sabia que era uma concessão que fazia a Steve, mas começava a suspeitar de que preferia ficar em Palo Alto. Seria certamente mais fácil para ela.

 

- A propósito, que acha do seu apartamento? Sente-se confortável lá?

 

Gosto muito dele confessou ela. Mas vou ter de o deixar e de me mudar para a cidade. O Steve gostava de arranjar uma casa ali. Na verdade, eu prefiro um apartamento.

 

E aposto que sei porquê. Não há espaço para um bebé. Você é obstinada!

 

Olha quem fala! replicou ela. Lembrava-se de que, na semana anterior, Cal tomara umas posições não inteiramente razoáveis, não querendo dar o braço a torcer e mantendo o que começara por dizer, embora ela tivesse argumentado com ele.

 

Imaginou isso, não foi?

 

Cal mostrou-se vagamente embaraçado com a observação dela, mas continuaram sentados na confortável sala de estar a falar sobre negócios. Era quase meia-noite quando Meredith foi finalmente para casa. Às onze horas do dia seguinte, Callan encontrava-se novamente à porta do apartamento dela, acompanhado pelos filhos, para a levar ao jogo de futebol. Os três andaram de um lado para o outro, vendo tudo. As duas raparigas acharam-no «fixe» e Andy disse que gostava.

 

No jogo de futebol, os ânimos exaltaram-se. Os Broncos venceram, e Andy ficou muito aborrecido. Mas, exceptuando isso, divertiram-se imenso. Comeram cachorros-quentes, amendoins e gelados. Quando o jogo acabou, Meredith acompanhou-os até casa, sem sequer pensar, e ajudou Cal a preparar-lhes o jantar. Era agradável fazer parte da família e teve pena quando Cal a levou a casa nessa noite e ela lhe agradeceu o fim-de-semana maravilhoso.

 

Passei uns dias fantásticos.

 

Estivera com Cal várias vezes durante os três dias, em situações muito diferentes e nenhuma delas fora maçadora.

 

Espero que os seus filhos não se importem com a minha presença.

 

De modo algum. Eles adoram. Você é um grande exemplo para as garotas. Mostra-lhes que uma mulher pode ser simultaneamente inteligente, bonita, ter sucesso e ser simpática. Isso é importante para elas.

 

E eu gostei imenso de estar com eles. Agradeça-lhes por mim. E obrigada, Cal.

 

Você é a melhor coisa que me sucedeu desde há muito tempo, Meredith. Espero que saiba isso.

 

Parecia um momento muito sério entre eles, e Cal aligeirou-o imediatamente.

 

Além do mais, o Charlie Mcintosh não é tão bonito como você.

 

Ambos riram, e Callan foi-se embora depois de se ter despedido. Momentos depois de ela ter chegado, o telefone tocou. Era Steve.

 

Onde diabo te meteste todo o fim-de-semana? Meredith ficou surpreendida pelo tom de voz dele. Não era costume ficar tão zangado. Mas o modo como viviam actualmente causava-lhes grande tensão emocional, por isso estava disposta a mostrar-se compreensiva.

 

Estive em muitos sítios. O jantar com os clientes de que te falei foi na sexta-feira à noite. No sábado andei à procura de casas na cidade. Jantei em casa do Cal e hoje levaram-me a um jogo de futebol. Acabei de chegar há poucos minutos, querido.

 

Achava que relatara perfeitamente onde estivera, mas quando acabou, o marido estava ainda mais furioso com ela do que antes.

 

Queres dizer que passaste todo o fim-de-semana com ele? Porque não vais viver com ele?

 

Então, Steve. Não tinha mais nada que fazer.

 

Devias ter estado aqui! exclamou Steve, mostrando-se petulante e infantil.

 

Tu hoje estás a trabalhar, por isso também não podia ter estado contigo. Porquê arranjar um problema por causa disso?

 

Encontraste alguma casa? perguntou Steve com ar irritado. Meredith não gostou do tom de voz dele, mas pensou se ele teria tido um mau dia, ou se estaria cansado. Isso não a surpreenderia.

 

Ainda não. Mas estou a procurar.

 

Não pode ser assim tão difícil. O jornal estava cheio de casas para alugar, quando estive aí.

 

Não gostei de nada do que vi, Steve. Acalma-te. Ainda temos muito tempo e este apartamento é óptimo.

 

Então talvez devas tentar passar aí algum tempo em vez de estares sempre em casa do Callan.

 

Então, Steve, por amor de Deus! Estive lá na sexta-feira num jantar de negócios e hoje estive lá com os filhos dele. Que tem isso de especial?

 

Meredith ficou espantada por ver que ele estava com ciúmes.

 

Tu detestas crianças. Diz-me então qual é a grande atracção, ou já ambos sabemos qual é? É disso que se trata, Merrie? Estás a apaixonar-te por ele? É por isso que não vens a casa há três semanas? Estou aqui a fazer figura de parvo?

 

Claro que não. Somos apenas amigos, querido. Tu conhece-lo. Sabes isso. Não conheço muita gente aqui e ele sentiu-se culpado por me ter retido aqui o fim-de-semana.

 

Devia realmente sentir-se mal! Steve quase gritava. Passou o fim-de-semana com a minha mulher e eu não.

 

Acalma-te, querido. No próximo fim-de-semana estarei aí. Não existe absolutamente nada entre mim e o Callan Dow, a não ser trabalho e amizade.

 

Não estou tão certo disso. Eu vi-o. É um homem atraente, rico, encantador e parece que gostaria muito de se atirar a ti, se tiver oportunidade. Conheço o género.

 

Steve estava a ser completamente irracional, e ela sabia isso.

 

Se quisesse fazer uma coisa estúpida como essa, tê-lo-ia feito quando andámos em viagem, e eu não estaria agora a trabalhar para ele. Não tenho qualquer interesse em que se «atire» a mim, e ele não é desse género. É um perfeito cavalheiro e tu sabes isso.

 

Já não sei o que sei, mas seja o que for não me agrada, estás a levar uma vida completamente independente, como uma mulher solteira.

 

Isso é um perfeito disparate, Steve Whitman. Eu estou a fazer o meu trabalho e a procurar uma casa para nós. Isto não é fácil para nenhum de nós, mas, se vais ser estúpido e começar a fazer loucas acusações contra o Cal, vais tornar as coisas ainda mais difíceis. Ele é o meu patrão. Que queres que faça? Que me recuse a vê-lo?

 

A pergunta fazia sentido, mas Steve continuava a não gostar da situação.

 

Não... creio que não. Só detesto estar tão longe de ti. É pior do que eu julgava. Pensava que tu virias a casa todos os fins-de-semana. Não me passou pela cabeça que só te veria uma vez por mês. Isto não está a resultar.

 

Steve pareceu subitamente mais deprimido do que zangado.

 

Bem sei, querido. Prometo que na próxima sexta-feira estarei aí, faça chuva ou faça vento, prometo.

 

É bom que o faças.

 

Lá estarei.

 

E quando, na quimta-feira à noite, percebeu que estava a ficar engripada, não disse nada. Encheu-se de comprimidos no dia seguinte e meteu-se no avião. Mas quando chegou a Nova Iorque ia a tossir, tinha uma dor de cabeça terrível e dores de ouvidos. Atrasara-se no escritório e perdera o primeiro avião. Só chegou ao Aeroporto Kennedy perto da meia-noite.

 

Steve tinha o jantar à espera dela e uma garrafa de champanhe. Era uma da manhã quando Meredith entrou em casa, só lhe apetecendo ir para a cama, mas sentou-se a jantar com ele, bebeu champanhe e fingiu sentir-se melhor do que realmente estava. Steve, porém, percebeu que ela se sentia mal. Estava desejoso de fazer amor, mas, quando ela se deitou, todo o corpo lhe doía, até a pele E logo que Steve lhe tocou, apercebeu-se de que a mulher estava com febre.

 

Pobrezinha murmurou ele, com pena. Pôs-lhe o termómetro e viu que ela tinha trinta e nove graus de febre. Deu-lhe Tylenol e aconchegou-a bem, mas de manhã ela sentia-se ainda pior.

 

Provavelmente, não devias ter feito a viagem disse Steve, sentindo-se culpado

 

Eras capaz de me matar se eu não viesse respondeu, no meio de um ataque de tosse

 

Tens razão. Provavelmente matar-te-ia declarou Steve, sorrindo.

 

Meredith passou todo o fim-de-semana na cama. No domingo, a febre desaparecera e à tarde foram dar um passeio. Steve parecia deprimido, embora tivessem finalmente feito amor nessa manhã. Nenhum deles estava bem-disposto. Ela tencionava apanhar o último avião da noite para São Francisco, de modo a estar no escritório na manhã seguinte.

 

Faltam apenas sete semanas lembrou, enquanto ele fazia o jantar. Mas não lhe apetecia comer. Petiscou um pouco, só para lhe agradar.

 

Parece-me uma eternidade respondeu Steve com ar sombrio.

 

E parecia-lhes, aos dois, mas nada podiam fazer. Restava-lhes cerrar os dentes e deixar o tempo passar.

 

Meredith só tencionava voltar a Nova Iorque daí a quinze dias, para o Dia de Acção de Graças. Tinham prometido ir jantar a casa de Harvey Lucas

 

Nessa noite, Steve levou-a ao aeroporto e deu-lhe descongestionantes antes de ela entrar no avião. Meredith estava ainda com péssimo aspecto. Quanto a ele parecia ainda pior quando voltou para o apartamento. Tinha agora uma vida solitária, e as saudades que sentia da mulher causavam-lhe quase uma dor física. Deitou-se, quase chorando ao aspirar o aroma do perfume dela na almofada.

 

Como foi o fim-de-semana’ perguntou Cal logo que ela chegou ao escritório, na segunda-feira. Meredith estava ainda cheia de tosse e constipada. A viagem piorara o seu estado e sentia-se terrivelmente mal

 

Bastante mau respondeu com sinceridade. Eu estive doente e o Steve infeliz. Foi pouca sorte ter adoecido antes de partir.

 

Lamento, Merrie. Cuide de si. Estas viagens são muito cansativas, e na próxima semana vamos ter reuniões muito importantes

 

Bem sei. Nessa altura, já estarei bem

 

No entanto, sentiu-se mal toda a semana e passou o fim-de-semana seguinte na cama. A pior coisa que lhe podia suceder era estar demasiado doente e não poder ir ter com SteVe no Dia de Acção de Graças

 

Cal convidara-a a passar esse dia com ele, caso não fosse a Nova Iorque, mas Meredith garantiu-lhe que iria passar o feriado com o marido

 

É para se lembrar de que não está sozinha aqui observou ele afectuosamente

 

Meredith agradeceu. Callan era muito bom para ela. Tinha todo o interesse em mantê-la feliz, pois queria que ficasse para sempre com a Dow Tech

 

A semana seguinte passou sem problemas. Ninguém tratava de grandes negócios antes do feriado, e na tarde de quarta-feira Meredith meteu-se no avião para Nova Iorque, como planeara Já estava boa da constipação e ansiosa por ver Steve. Este prometera ir esperá-la ao aeroporto, mas não estava lá. Meredith ligou para ele quando chegou ao apartamento. Steve só conseguiu telefonar-lhe uma hora mais tarde

 

Não vais acreditar nisto disse ele. Houve um fogo no metropolitano à hora de ponta e mandaram-nos os feridos todos. Não há mortes, mas sim pessoas gravemente feridas. Não vou conseguir sair daqui antes de amanhã

 

Não te preocupes retorquiu jovialmente Meredith. Estarei aqui quando voltares para casa

 

Devo sair amanhã de manhã. O chefe dos internos vai ficar aqui para que eu e o Lucas possamos passar o Dia de Acção de Graças com a família. Coitado Sei o que isso é

 

Contudo, à meia-noite, o filho de seis anos do médico que devia ficar ali de serviço fez uma ruptura no apêndice, foi levado para outro hospital, e nem Steve nem Harvey tiveram coragem de o deixar entrar de serviço. A criança estava realmente mal e Harvey também não tinha andado bem toda a semana. Mais ninguém podia ficar a dirigir a unidade, a não ser Steve

 

Quando telefonou à mulher, Steve estava quase a chorar

 

Estou preso aqui declarou sem preâmbulos. Não posso sair, Merie

 

Ela hesitou um instante. Era sempre um grande problema quando um deles ficava detido pelo trabalho. Era como se estivessem a caminhar sobre ovos Mas Meredith recompôs-se rapidamente, para bem dele

 

Não te preocupes, querido Irei levar-te um jantar com peru

 

Como é que vais conseguir isso? perguntou, espantado.

 

Hei-de arranjar alguma coisa prometeu ela.

 

E, cumprindo a sua palavra, Meredith levou-lhe frango assado, que tinha comprado numa charcutaria da Segunda Avenida, salada de batata, recheio e molho de arando. Comeram em pratos de papel, no gabinete dele. Meredith comprara também tarte de abóbora. Steve sorriu ao ver o improvisado jantar e beijou-a.

 

És fantástica disse, abraçando-a. Uma enfermeira que passava viu-os e sorriu. Formavam um par engraçado.

 

Tu também não és mau replicou Meredith, com um sorriso.

 

Conseguiram ficar uma hora juntos, até Steve ter de ir para a sala de cirurgia operar um homem que fora atingido a tiro no baixo ventre. Os seus doentes conseguiam matar-se uns aos outros, mesmo no Dia de Acção de Graças.

 

Irei para casa logo que possa prometeu Steve. Conseguiu por fim ir, sexta-feira de manhã. E a partir daí estiveram três dias ininterruptamente juntos.

 

Foram ver vários filmes, andaram de mãos dadas, fizeram amor e ficaram na cama até tarde. Foram até patinar ao Rockefeller Center. Era exactamente do que precisavam, por isso quando ela entrou no avião, no domingo à noite, sentiam-se ambos renovados. Steve beijou-a ternamente antes de ela embarcar. Pareciam dois jovens apaixonados.

 

Foi um fim-de-semana maravilhoso, Merrie declarou ele, abraçando-a. Meredith teve de se arrancar dos braços dele para se afastar. Steve prometera ir vê-la no fim-de-semana seguinte. Faltavam apenas cinco semanas para ir para junto dela, quatro, se ele pudesse ir antes do Natal. O apartamento deles ainda não fora vendido. Havia várias pessoas interessadas, mas que ainda não se tinham decidido. Contudo, os últimos dias haviam-lhes dado forças para passarem a separação que lhes parecia interminável. Ela vivia na Califórnia, sem ele há seis semanas.

 

E o que tinham sentido, nos dias passados junto um do outro, fez com que os dias que se seguiram continuassem a Ser bons. Meredith ainda estava nas nuvens quando, na quinta-feira, Steve lhe telefonou.

 

Estás sentada? perguntou Steve. Meredith não fazia ideia do que ele lhe fosse dizer. Talvez tivesse vendido o apartamento pelo dobro do que ela pedira. Tinha de ser uma boa notícia, pela maneira como o dissera.

 

Sim. Porquê? perguntou com um sorriso. Já não tenho o lugar aí na Califórnia.

 

Ela teve a sensação de ter sido atingida por uma bomba.

 

O quê? Estás a brincar? É uma brincadeira, não é?

 

Não, não é. O director da unidade que ia sair... já não o quer fazer. Mudou de ideias. E eles não o podem forçar a sair. Além do mais, gostam dele. Deve ser a única unidade de traumatologia no mundo que não tem falta de pessoal. Não têm lugar para mim.

 

Steve parecia destroçado, que era exactamente como ela se sentia.

 

Telefonei para os outros hospitais onde fui quando aí estive e há apenas uma vaga como médico na equipa do SF General.

 

Meredith não podia pensar que Steve tivesse de aceitar um lugar desses.

 

Pediram imensas desculpas, quando me telefonaram, mas não podem forçar o homem a ir-se embora.

 

Que merda, Steve! E agora que vamos fazer?

 

Não sei. Temos de esperar, creio. Eventualmente poderá surgir alguma coisa. Entretanto, fico aqui. O Lucas ficou encantado quando soube da notícia.

 

Deve ter ficado. Não sei que dizer, querido. Nunca pensei que isso pudesse acontecer.

 

Se não tivesse ficado convencida de que o lugar para Steve estava garantido, não teria aceite o lugar na empresa de Callan. Agora, estavam metidos numa situação terrível.

 

Nessa tarde, depois de acabarem o trabalho, Meredith contou a Callan o que se passava.

 

Isso é terrível. Porque não me deixa fazer uns telefonemas para ver o que posso fazer?

 

No dia seguinte, porém, chegou à mesma conclusão a que Steve já chegara. Não havia nenhuma vaga para Steve, a não ser que ele aceitasse um lugar de categoria muito inferior ao actual. Cal disse a Meredith que achava que Steve não devia fazer isso.

 

Ele terá apenas de ser paciente.

 

No entanto, a situação já fora muito difícil para eles nas últimas sete semanas. Agora, sem qualquer esperança à vista, iria ser ainda pior. As viagens ao fim-de-semana nem sempre eram possíveis. Ora um, ora outro, tinham muitas vezes dificuldade em as fazer.

 

Meredith ficou deprimida com isso no resto da semana. Steve parecia-lhe cada vez pior quando lhe falava. Como era habitual, estaria a trabalhar nesse fim-de-semana, e ela não deveria ir a Nova Iorque até ao Natal. Tencionava ter uma semana de férias entre o Natal e o Ano Novo e tinham tencionado voltar os dois para a Califórnia para sempre. Mas agora estava tudo estragado. Restava, apenas, a esperança de surgir uma vaga numa unidade de traumatologia, rapidamente. Dezembro foi um mês terrível para os dois. No trabalho, Cal tentava concluir vários negócios antes do fim do ano e isso obrigava-os a trabalhar dia e noite. E com o gelo e a neve em Nova Iorque, sucediam constantemente acidentes, atropelamentos, ancas partidas, colisões frontais. Só as guerras entre os bandos pareciam ter diminuído com o mau tempo. E na semana anterior ao Natal, tiveram mais uma má notícia. Harvey Lucas dera uma queda grave no gelo, na sua casa de Connecticut, partira a anca e a pelve e teria de estar sem trabalhar durante dois meses. Isso queria dizer que, mesmo que Steve arranjasse outro lugar, não poderia deixar a unidade onde estava a substituir Lucas. Steve achava que devia isso a Lucas: não abandonar o seu lugar, antes de o amigo estar em condições de trabalhar. A única ajuda de Steve era uma médica especializada em traumas, uma substituta, contratada para trabalhar com ele na ausência de Lucas. O nome dela era Anna Gonzalez e fizera a sua carreira substituindo outros médicos. Steve achava-a inteligente e competente. A sua presença era a única coisa que tornava a vida de Steve suportável, de momento. Anna trabalhava como sua assistente, enquanto Steve ocupava o lugar de Lucas e dirigia a unidade.

 

Por isso, Steve e Meredith sabiam que, sucedesse o que sucedesse, tinham mais dez semanas de separação à sua frente. E Meredith encontrava-se sozinha na Califórnia há mais de dois meses.

 

O que é que teremos feito para merecer isto? disse Meredith, quase a chorar, quando falaram sobre o assunto

 

Pelo menos daqui a uma semana estarás em casa. Vou ver se posso tirar uns dias quando aqui estiveres. A Anna diz que me substitui.

 

Agradece-lhe por mim disse Meredith, sentindo-se completamente desanimada, desde que soubera a notícia a respeito de Harvey Lucas

 

Durante os dias seguintes, Meredith trabalhou como habitualmente e preparou tudo para ir a casa no Natal. Comprara já os presentes para Steve. Porém, uns dias antes de partir, quando já começara a fazer as malas, uma tempestade de neve atingiu toda a costa oriental. Isso só tornou as coisas mais difíceis para Steve, houve mais acidentes, mais ossos partidos, e ele parecia nunca ter um momento livre

 

Meredith tencionava partir para Nova Iorque na véspera de Natal, por isso na noite anterior jantou em casa de Callan com ele e com os filhos. Havia uma bonita árvore de Natal na sala e, em contraste com Nova Iorque, o tempo estava invulgarmente quente para a época, o que parecia uma ironia.

 

Talvez não possa viajar amanhã disse Andy, que estivera a ouvir o boletim meteorológico onde tinham falado no mau tempo no Leste e nas tempestades de neve que assolavam toda a costa. Nova Iorque estava agora coberta de neve e Steve dissera-lhe que a cidade estava parada.

 

Espero que isso não suceda, Andy.

 

Já dera os presentes a todos os filhos de Callan. Um vestido para Mary Ellen, que a fizera soltar gritinhos de alegria, outro para Julie, com um par de sapatos engraçados que ela achou «fixes», e um robô para Andy, que podia jogar futebol com ele e que ainda sabia abrir uma lata de refresco

 

O Steve vai ficar muito aborrecido se eu não chegar amanhã a casa.

 

E isso ainda era dizer pouco

 

Podia passar o Natal connosco sugeriu Julie. AS crianças iam passar o Natal com Cal, e a mãe viria buscá-las dois dias depois para irem esquiar em Sun Valley. Charlotte não via os filhos desde o Verão, contudo estes não estavam muito entusiasmados por irem com ela. Compreensivelmente tinham grandes reservas acerca da mãe.

 

Gostava muito de passar o Natal com vocês disse {Meredith, mas preciso de ir a casa, para junto do meu marido.

 

Cal ia para o México com uns amigos. Meredith sabia que ele alugara um iate ali, enquanto os filhos estivessem fora com a mãe. Meredith só queria ir passar uma semana a Nova Iorque com Steve. A vida deles parecia estar sempre cheia de problemas e desapontamentos, e de momento as suas preocupações com isso ultrapassavam o amor que tinha pelo trabalho. Como sabia que iriam estar separados mais uns meses, começava a preocupar-se com o seu casamento. E Cal percebia como ela andava perturbada.

 

Depois do jantar, conversou com ela e falou sobre o assunto.

 

Vocês dois têm de aguentar até Steve arranjar um lugar aqui. Alguma coisa há-de aparecer.

 

Receava que ela se sentisse pressionada e pedisse uma licença não remunerada, ou pior ainda, que ficasse com o marido em Nova Iorque.

 

Isto tem sido mais difícil do que esperávamos disse Meredith, mostrando-se deprimida.

 

São coisas que acontecem muitas vezes às pessoas. Há homens que arranjam emprego noutras cidades e esperam um ano até que as famílias possam ir ter com eles. Têm de vender as casas, de esperar que termine o ano escolar dos filhos. As pessoas suportam isso. E vocês também hão-de suportar. Só têm de ser pacientes.

 

Eu sou... nós somos... mas tenho a sensação de que o abandonei quando saí de Nova Iorque. E creio que é o que ele sente. Não sei se compreenderá.

 

Claro que compreende. É uma pessoa adulta. Sabe como este emprego é importante para si. E acabará por ser bom também para ele, Merrie. Creio que Steve está disposto a fazer alguns sacrifícios pela sua carreira, Merrie. Ele ama-a. As mulheres fazem muitas vezes sacrifícios deste género pelos maridos. Desistem dos empregos de que gostam, amigas, casas, para seguir os maridos, quando estes são transferidos. Ele só tem de ser paciente. Você fez bem em vir para aqui, Meredith, e tenho a certeza de que o Steve sabe isso.

 

Meredith já não sabia o que Steve pensava ou não. Sabia apenas que ele detestava o modo como viviam. Estava preso em Nova Iorque por força das circunstâncias e parecia achar que ela estava a divertir-se na Califórnia. Na verdade, gostava do seu trabalho, mas sentia a falta do marido.

 

Espero que ele arranje um lugar aqui, em breve. Mas um lugar bom, não um de categoria muito inferior ao dele, como o do SF General declarou, com ar triste, enquanto Cal lhe passava afectuosamente um braço por cima dos ombros. queria fazer qualquer coisa para a animar, e a única coisa de que se lembrou foi de lhe oferecer o seu presente de Natal.

 

Tenho aqui uma coisinha para si, Meredith. É apenas uma lembrança.

 

Entregou-lhe uma caixinha que tinha no bolso. Meredith comprara também um presente para ele. Deixara-o no vestíbulo, junto da mala dela, e foi buscá-lo antes de abrir o presente dele. Quando ela lho entregou, Callan reconheceu imediatamente a caixa e a fita. Era da Hermes. Meredith pensara no presente para ele na última vez que estivera na cidade.

 

Sentaram-se ao lado um do outro, começando a abrir as suas caixas. E quando Meredith abriu a dela soltou uma exclamação abafada. Callan comprara-lhe um bonito relógio de pulso, em ouro, da Bulgari. Era exactamente o que ela teria escolhido, se estivesse disposta a dar tanto dinheiro por um relógio.

 

Meu Deus, Cal. Não devia... É tão bonito... Colocou-o no braço e viu que lhe servia perfeitamente.

 

Cal ficou satisfeito por ver que ela gostava.

 

Cal abriu a caixa que ela lhe dera e ficou igualmente impressionado. Meredith comprara-lhe uma bonita pasta de cabedal Hermes. O cabedal macio e com um lindo tom condizia bem com a elegância habitual de Callan que gostou do presente, agradecendo-lhe com um beijo e um abraço.

 

Você exagerou, Merrie! disse ele, olhando a pasta chique e dispendiosa.

 

Olha quem fala! Nunca tive um relógio como este, Cal.

 

Mas devia ter! replicou ele.

 

Era uma coisa que podia usar todos os dias, com os seus fatos de saia e casaco ou calças e casaco, de bom corte, que ela levava para o escritório. Era ao mesmo tempo simples e requintado.

 

Ficaram mais um bocado a conversar e às onze da noite Cal quis ouvir o noticiário para saberem como estava o tempo. Havia casos de pessoas isoladas pela neve durante toda a semana, e em todas as grandes cidades os aeroportos estavam a ser encerrados devido às tempestades de neve. As coisas não tinham melhorado desde a hora do jantar. Aproximava-se outra frente, esperando-se mais neve sobre Nova Iorque, Nova Jérsia, Connecticut e Massachusetts.

 

Detesto dizer isto, Meredith, mas não sei se poderá viajar amanhã. É melhor ligar para o aeroporto antes de se dirigir para lá.

 

O Steve mata-me, se eu não conseguir ir passar o Natal a casa disse Meredith com ar triste. Seria o cúmulo, numa situação já de si difícil. E ela sentia muito a falta de Steve.

 

Se não for, a culpa não será sua retorquiu Cal. Steve terá de compreender.

 

Em seguida, Callan conduziu-a a casa e ela agradeceu-lhe novamente o presente. Tinha-o no pulso, e Callan sorriu quando a viu levantar um pouco a manga para o admirar.

 

Gosto muito dele. Obrigada, Cal.

 

Ainda bem disse ele com um sorriso satisfeito. Também gosto muito da minha pasta.

 

Vamos ser as duas pessoas mais requintadas do escritório comentou Meredith, sorrindo.

 

O que irá fazer se não puder ir a casa? perguntou Callan, preocupado com ela.

 

Vou chorar respondeu Meredith, soltando uma gargalhada melancólica. Se fecharem os aeroportos e cancelarem o meu voo, que hei-de fazer?

 

Se isso suceder, vá passar a véspera de Natal connosco. Não quero que fique aqui sozinha a chorar com pena de si Própria.

 

Obrigada, Cal. Agradeço. Mas tenho esperança de poder ir.

 

Também o espero. Mas se não for possível, não fique aqui sozinha com pena de si mesma.

 

Não ficarei, prometo. Terei pena de mim mesma em sua casa

 

Riram ambos, mas ela estava ansiosa por ir ter com Steve, e Cal sabia isso

 

Infelizmente, no dia seguinte, a neve continuava a cair em Nova Iorque, e às nove da manhã em Nova Iorque, o que equivalia ao meio-dia na Califórnia, o Aeroporto Kennedy foi encerrado. Meredith conseguiu falar com Steve, que se encontrava no hospital. Mostrou-se desapontado, mas encarou a situação filosoficamente, dizendo

 

Hás-de chegar aqui mais cedo ou mais tarde, querida. Temos apenas de adiar o Natal até tu chegares. Que vais fazer esta noite?

 

Não sei. Os Dow disseram-me para ir passar o serão com eles se isto sucedesse

 

Meredith não tinha mais amigos ali. Não tivera ainda tempo de conhecer outras pessoas, pois passava muitas horas no escritório

 

Pelo menos, estarás com os garotos disse Steve. Meredith percebeu pela voz dele que não ficara muito satisfeito com a ideia. Mas não podia esperar que ela passasse a véspera de Natal sozinha, portanto não lhe disse mais nada. Ele iria ficar no hospital. Também não queria estar sozinho E quase todo o pessoal estava a trabalhar

 

Cal ouvira também a notícia de que os aeroportos estavam encerrados e, antes de sair, ao meio-dia, lembrou-lhe o convite que lhe tinham feito. Ia dar umas voltas com os filhos, à tarde, mas por volta das quatro estariam em casa

 

Meredith chegou com uma grande caixa de pipocas caramelizadas e de frutas cristalizadas. As crianças atiraram-se a elas com satisfação. Sentaram-se em redor da árvore de Natal e Cal pôs um CD com canções de Natal. Jantaram cedo e daí a pouco as crianças foram para cima. Meredith e Cal ficaram sozinhos. Ele acendeu a lareira e ficaram os dois a conversar sobre o Natal e a infância de ambos. Cal contou-lhe que a mãe dele morrera quando ele ainda era criança e que, a partir daí, as festas tinham sido sempre tristes. Meredith julgou compreender, então, como lhe era difícil comprometer-se com uma mulher. Embora não o exprimisse dessa maneira, Cal devia achar que as mulheres que amava o abandonavam, de uma maneira ou de outra.

 

- O seu pai voltou a casar? perguntou Meredith com interesse.

 

Só depois de eu ser crescido. O meu pai e a minha madrasta morreram há muito tempo. Não tenho mais família, além dos meus filhos.

 

Eu só tenho o Steve. Ele também não tem família. Acho que é por isso que deseja tanto ter filhos, para ter uma família. Eu devo ser contranatural, visto que não os desejo.

 

Não será necessariamente assim. Talvez você queira o que for acertado para si. Foi por isso que eu quis ter filhos. Queria uma família perfeita e agora tenho-a... Apenas escolhi a esposa errada concluiu, servindo-se de uma mão-cheia de pipocas.

 

Os seus filhos são formidáveis afirmou Meredith comendo também algumas. Cal olhou-a com uma expressão afectuosa. A sala estava agradavelmente aquecida, as achas na lareira crepitavam suavemente.

 

Você também é formidável disse em voz baixa. Não esperara passar o Natal com ela. Era agradável ter uma pessoa adulta com quem falar. Quanto a Meredith sentia-se grata por não estar sozinha no apartamento. Meredith ficou sem saber que responder ao cumprimento e ficou a olhar para o lume, pensando em Steve. Sentia realmente a falta dele.

 

Não quis que se sentisse embaraçada, Meredith. Desculpe.

 

Não me embaraçou replicou ela, fitando-o de novo. Estava apenas a pensar... em si... e no Steve... e em como são diferentes. São ambos muito importantes para mim, por razões muito diferentes. Gosto da maneira como nós trabalhamos. Gosto de uma porção de coisas em si.

 

Não era o que lhe queria dizer, mas era verdade. Admirava-o muito e gostava da companhia dele. Tinham pontos de vista muito semelhantes, e no trabalho e na maneira de ser possuíam muito em comum. De certo modo, mais do que com Steve. Uma das coisas que sempre lhe agradara com Steve era serem tão diferentes. Pareciam completar-se um ao outro. Mas com Cal havia um sincronismo, uma identificação que tornava fácil o convívio.

 

Sinto-me confortável consigo.

 

E eu nunca me senti tão confortável com ninguém, na minha vida confessou ele. É o que o casamento devia ser sempre, e muitas vezes não é. Pelo menos, o meu casamento não foi.

 

O Steve e eu fomos sempre os melhores amigos. Mas agora sinto isso também consigo.

 

Meredith sentiu-se um pouco desleal para com Steve ao pronunciar aquelas palavras.

 

Talvez não seja mau, visto passarmos tanto tempo juntos. A maior parte das pessoas passa mais tempo com as secretárias e com os seus associados nos negócios do que com as mulheres

 

Sorriram ambos disso e ela serviu-se de mais pipocas

 

Quer ir à igreja connosco hoje, Meredith? Vamos à Missa do Galo, em Saint Mark

 

Gostaria de ir

 

Meredith sempre gostara de ir à igreja, mas Steve nunca fora religioso.

 

Continuaram a conversar até que, à um quarto para a meia-noite, Cal foi chamar os filhos. Andy estava quase a dormir, mas quis ir da mesma maneira E foram os cinco para a igreja no carro de Cal. Quando chegaram à igreja, Andy já ia a dormir. Cal pegou-lhe ao colo e transportou-o para dentro da igreja, deitando-o no banco ao lado das irmãs. Ele nem acordou. As duas raparigas cantaram os hinos e portaram-se com toda a gravidade. Meredith e Cal partilharam o mesmo missal e o mesmo livro com os hinos. Foi uma cerimónia encantadora. Meredith olhou para Cal uma vez ou duas e ele sorriu-lhe. Callan tinha uma voz profunda e melodiosa e as suas vozes ergueram-se em uníssono a cantar Noite de Paz Depois dirigiram-se juntos para o carro e Meredith teve uma sensação estranha por estar ali com eles. Era como se pertencesse ali, como se o seu lugar fosse junto daquela pequena família. Era uma ilusão estranha e, quando saiu do carro de Callan à porta do prédio onde ficava o seu apartamento, Meredith ia calada. Cal acompanhou-a lá acima, para ver se ela ficava bem e não lhe disse uma única palavra. Limitou-se a atraí-la para si e a beijá-la. E, sem hesitar, ela retribuiu o beijo. Callan ficou um longo momento com ela apertada nos seus braços e quando a olhou ficou surpreendido por a ver chorar.

 

Lamento, Cal... não sei o que se passa comigo... sinto-me como se o meu mundo estivesse a desmoronar-se. Faço parte de uma vida inteiramente nova aqui e nem sequer sei se é aqui o meu lugar.

 

Eu não devia ter feito isto, Merrie... desculpe...

 

Naquele instante, parecera-lhe bem beijá-la. Mas um beijo podia conduzi-los a um mundo a que ambos sabiam não terem direito.

 

Peço desculpa... não voltará a suceder... Creio que por momentos me perdi.

 

Também eu murmurou Meredith. Havia muitas coisas nele de que gostava, mas não tinha qualquer direito a elas e sabia-o bem. Foi o ambiente, a emoção. Creio que tudo isso me fez perder a noção das coisas. Estas ocasiões fazem-nos pensar naquilo que não temos e que devíamos ter. Estar em sua casa, com os seus filhos, esta noite, quase me fez desejar ter um filho.

 

Talvez deseje murmurou Cal, meigamente.

 

Mas ela abanou a cabeça. O que não lhe podia dizer era que o filho que julgara desejar seria dele, e não de Steve. E não entendia essa sensação. De repente, tudo na sua vida lhe parecia de pernas para o ar. Só tinha uma certeza: a de que precisava de voltar depressa para junto de Steve, antes que se perdessem os dois. Pela primeira vez tinha medo que isso sucedesse, que pudessem perder-se um para o outro, e a ideia aterrorizava-a.

 

Feliz Natal, Merrie disse Cal em voz baixa antes de se afastar.

 

Feliz Natal, Cal respondeu Meredith.

 

Estavam ambos perturbados pelo que sucedera. Era fácil explicá-lo de várias maneiras. Ambos se tinham deixado arrastar pela emoção do momento; além disso, estava a viver afastada do marido há três meses. Cal não tinha nenhuma mulher importante na vida dele. Ambos se sentiam sós. Mas ambos sabiam que não era razão para pôr em risco o casamento dela e destruir a amizade entre os dois.

 

No dia seguinte, telefonou a Cal e disse-lhe que não podia ir a casa dele.

 

Por causa do que sucedeu ontem à noite? perguntou ele.

 

Sim Acho que precisamos de respirar fundo, antes que façamos alguma tolice. Dizem que os aeroportos serão abertos ao tráfego dentro de poucas horas. Quando voltar de Nova Iorque, estarei bem. Esqueçamos isto, Cal.

 

Callan não queria que ela se despedisse por ter sido estúpido. Não se importava com o que tinha de fazer, ou não fazer, mas sobretudo não queria perdê-la.

 

Lamento ter sido tão tolo. Sei como ama o Steve. Não sei o que se passou de repente comigo

 

Mas sabia, e Meredith também. Sabiam ambos que tinham de parar rapidamente. Meredith tinha a certeza de que se nada mais fosse dito a esse respeito, o momento passaria e ambos esqueceriam. Poderiam voltar à agradável amizade que partilhavam há meses

 

Não gosto da ideia de a ver passar o dia de Natal sozinha no seu apartamento

 

Estou bem, asseguro-lhe.

 

Gostei tanto de falar consigo ontem à noite disse Cal. Há anos que não falava com ninguém acerca dos meus pais.

 

Não perderemos isso, Cal, prometo-lhe. Ficarei bem, depois de falar com o Steve. E você também, depois das suas férias no México. Foi um momento para esquecer, devido ao ambiente. Voltaremos a ver-nos depois do Ano Novo

 

Ficará realmente bem, Merie?

 

Callan estava preocupado com ela. Sabia que a tinha perturbado

 

Sim, ficarei bem. Ficaremos ambos. Feliz Natal, Cal. Dê um beijo aos seus filhos por mim.

 

E por qualquer razão disparatada, depois de desligar, Meredith sentiu que tinha saudades deles.

 

Foi um alívio quando o aeroporto de Nova Iorque abriu, nessa noite, e ela arranjou lugar num avião. Manteve-se sempre acordada durante toda a viagem para Nova Iorque, pensando em Cal e em como haviam quase perdido a cabeça.

 

Fora o suficiente para a manter desperta. Sabia que ela e Steve tinham de fazer qualquer coisa. Não podiam continuar indefinidamente assim.

 

Quando chegou meteu-se num táxi para casa; a cidade parecia-lhe o país das fadas, toda coberta de neve, tendo recomeçado a nevar, logo que entrou no apartamento. Era o dia seguinte ao Natal, mas pelo menos estava em casa. E quando entrou no quarto viu Steve deitado, dormindo profundamente. Despiu-se e meteu-se silenciosamente debaixo do lençol, ao lado dele. Mesmo a dormir, ele puxou-a para si e apertou-a nos seus braços.

 

A semana em Nova Iorque passou muito depressa. Steve conseguira tirar também uma semana de férias e passaram um tempo idílico. Brincaram na neve, andaram de trenó no parque, deram longos passeios e foram jantar fora. Fizeram amor mais vezes do que tinham feito em muitos anos, como se estivessem ambos desesperados por se agarrarem um ao outro. E passados os primeiros dias, conversaram, por fim, seriamente a respeito dos seus problemas.

 

O que vamos fazer? perguntou Meredith, que foi a primeira a falar. Não podemos viver assim para sempre.

 

Espero que não disse tristemente Steve. Estando Meredith ali e mostrando-se tão obviamente apaixonada por ele, estava mais calmo do que costumara sentir-se ultimamente.

 

Queres que deixe o meu emprego? Fá-lo-ei se tu quiseres disse com sinceridade. Estavam separados quase há três meses e não havia lugar para ele na costa ocidental, por isso não tinham perspectivas de ver acabar a sua separação.

 

Claro que não quero isso. Quero o que for melhor para ti. Algo há-de surgir mais cedo ou mais tarde retorquiu calmamente Steve.

 

E se demorar muito? E se levar seis meses? Ou um ano?

 

Então, teremos de aguentar. Se nada aparecer, aceitarei qualquer lugar num hospital qualquer para poder estar contigo, e esperarei que surja uma outra oportunidade. Isto não é uma tragédia. É apenas uma situação difícil. Há pessoas que conseguem.

 

E algumas não conseguem retorquiu ela, parecendo preocupada. O incidente com Cal na véspera de Natal mostrara-lhe que ninguém era invulnerável e, por mais que se amassem um ao outro, viver em costas opostas representava um verdadeiro perigo para eles. Para Meredith fora um aviso, mas não tinha intenção de lho dizer. Não queria magoá-lo.

 

Que queres dizer com isso? perguntou Steve, mostrando-se confuso.

 

Quero dizer que há pessoas cujos casamentos se desfazem por viverem assim. Causa-nos muita pressão aos dois. Não tem sido fácil

 

Sei disso Mas podemos fazê-lo. Merece a pena. Não quero que percas um emprego de que gostas, ou uma oportunidade como a que o Cal te proporcionou. Tu gostas de trabalhar com ele, é o trabalho mais excitante que alguma vez tiveste e estás a ganhar uma fortuna

 

Nada me interessa se fizer com que te perca disse claramente Meredith. Nada vale isso para mim, Steve. Nenhum emprego valeria isso, nem nenhum dinheiro

 

Eu sei anuiu Steve, atraindo-a para si e beijando-a. Daqui a dois meses estarei livre para sair daqui. Depois procurarei um lugar para mim e ainda nos havemos de rir disto tudo. Podes fazê-lo, Merie Garanto-te.

 

Meredith, porém, sentia-se por vezes puxada para longe dele, por uma força maior do que a deles, como se o destino conspirasse contra os dois Mas não queria dizer-lhe isso

 

Bem, vamos tentar e passarmos os fins-de-semana juntos mais frequentemente

 

A esse respeito, os últimos meses tinham sido um desastre. Ela parecia ficar detida em Palo Alto quase todos os fins-de-semana, e ele estivera quase sempre a trabalhar no hospital Entre reuniões, constipações e nevões, mal se tinham visto durante três meses

 

Acho que isso ajudará disse pensativamente Meredith

 

Entretanto, continuarei a procurar um lugar em São Francisco Durante os próximos dois meses não poderei ir para parte alguma, pois tenho de esperar que o Lucas recupere. Por isso, sabemos que nos próximos dois meses estarei aqui. Talvez, nessa altura, tenha aparecido um lugar para mim na Bay Area

 

Steve parecia ter realmente esperança de que as coisas se passassem assim. O facto de a mulher estar com ele animara-o

 

Também o espero concordou Meredith E depois dessa conversa foram de novo para a cama. Conseguiram passar a véspera de Ano Novo juntos, sem interferências do hospital

 

Isso deveu-se sobretudo a Anna Gonzalez, que estava a substituí-lo. Steve disse que ela proibira toda a gente de lhe telefonar.

 

Devo-lhe um obrigada gigantesco comentou Meredith, enquanto fazia as malas, no dia de Ano Novo, para voltar para a Califórnia. Estavam ambos tristes por ela se ir embora, mas fora uma grande semana para ambos, e até Meredith se sentia mais segura a respeito do seu relacionamento do que se sentira no dia de Natal. Achava que estavam de novo seguros. Tudo quanto Steve dissera fazia sentido. Havia de aparecer um lugar para ele, mais cedo ou mais tarde. Se não aparecesse, dizia que iria do mesmo modo, nem que fosse trabalhar como paramédico. Mas Meredith sabia que Steve não falava a sério.

 

Quando cá vieres da próxima vez quero que conheças a Anna disse Steve, enquanto jantavam a refeição que ele preparara. É uma mulher espantosa. Nasceu em San Juan, numa família muito pobre. Obteve uma bolsa de estudos completa para Yale e depois outra para medicina. Casou com um menino rico que estudava Direito, segundo percebi, mas a família dele não gostou do casamento e acabou por fazer com que se divorciassem. Nessa altura tinham uma filha. Ele deixou-a quando ela estava a fazer o internato, sem dinheiro e com um bebé de cinco meses. A filha tem agora cinco anos. Vivem num bairro miserável no West Side. É uma médica fantástica. Tivemos sorte em a arranjar.

 

Como é que ela é? perguntou Meredith.

 

Isso é mesmo pergunta de mulher observou Steve, rindo.

 

Eu sou uma mulher.

 

Também reparei.

 

Tinham feito outra vez amor uma hora antes. «Uma para o caminho», dissera ele.

 

É simpática, sem ser uma beldade. Um bocado franzina, um pouco nervosa, muito stressada. Tem uma filha para criar e ganha a vida a fazer substituições. Estou a tentar conseguir que a contratem em permanência. Faz-nos realmente falta na unidade. E quando eu me for embora, pode substituir-me. Ela iria gostar.

 

Parece-me um modelo de virtudes.

 

Havia algo no modo como Steve falava a respeito da colega que não agradava a Meredith. E a descrição muito vaga que fazia dela deixava-a incomodada.

 

Que idade tem?

 

Trinta e três anos. Não é nenhuma garota. E mostra-se muito amarga a respeito do seu ex-marido concluiu Steve, com simpatia

 

Ele não tem de dar uma pensão para a criança?

 

Manda-lhe duzentos dólares por mês. Aparentemente, nunca fala com a Anna, não vê a filha, e casou de novo com uma menina rica que acabou de ter gémeos.

 

Uma pessoa simpática comentou Meredith, percebendo que estava com ciúmes, o que era absurdo. Não fora Steve quem beijara Cal na véspera de Natal. Tinha ainda pena do que sucedera e sentia-se culpada por isso, porque sabia que Steve nunca teria feito o mesmo, pois fora-lhe sempre fiel, e ela também Mas sabia que tal coisa não mais voltaria a acontecer. Cal bem vira como ficara perturbada, e ela nunca mais permitiria que isso voltasse a suceder.

 

Steve acompanhou Meredith ao aeroporto; pareciam dois recém-casados a beijarem-se e a abraçarem-se. Ela prometera-lhe voltar daí a quinze dias, por mais atarefados que ambos estivessem Sabia agora, mais do que nunca, como as visitas eram vitais para os dois. Meredith deixou-o com um último beijo, entrou para o avião e pensou em Steve durante toda a viagem. Sentia-se bastante melhor do que quando chegara a Nova Iorque, uma semana antes, no dia seguinte ao Natal

 

Chegou ao seu apartamento de Palo Alto pouco depois da meia-noite e adormeceu a pensar em Steve. Na manhã seguinte levantou-se cedo, bem-disposta. Já estava sentada à sua secretária, atarefada e satisfeita, quando Cal chegou. Este ficou um bocado parado à porta, a olhá-la, procurando nela sinais de embaraço, mas não viu nenhuns. Ela ergueu os olhos, viu-o e sorriu. E Cal reparou que as coisas estavam diferentes do que tinham estado. por breves momentos Meredith parecia mais feliz do que nas últimas semanas e ele ficou contente com isso.

 

Como estava Nova Iorque? perguntou. Mas era escusado perguntar. Bastava olhar para ela

 

Fantástica. E o México?

 

Quente e soalheiro. Muita tequila e margaritas.

 

O verdadeiro turista...

 

Riu-se e ele sorriu, satisfeito. Sentia-se feliz por Meredith não se mostrar distante ou embaraçada consigo, depois da estupidez de a ter beijado na véspera de Natal. Aprendera uma importante lição. E tivera sorte. Ela poderia ter-se despedido ou ter ficado furiosa, mas isso não tinha sucedido.

 

Como estão as crianças?

 

Um pouco enervadas. Ficam sempre assim, depois de terem estado com a mãe.

 

Agora que voltaram para casa vão acalmar.

 

Como está o Steve? perguntou cautelosamente Callan. Trazia na mão a pasta que ela lhe oferecera e da qual gostava muito. Meredith pusera também o Bulgari que ele lhe dera, o qual não levara para Nova Iorque. Steve podia não gostar. Mas agora estava tudo bem para os dois, até os negócios continuavam florescentes.

 

O Steve teve a semana inteira de folga respondeu Meredith com ar satisfeito. E mostrou-se muito razoável com a situação relativa ao seu lugar aqui. De qualquer modo, nos próximos dois meses não pode deixar a unidade. Só vou ter de fazer mais esforço para ir a casa aos fins-de-semana. Voltarei lá daqui a duas semanas.

 

Quando ela disse isso, Callan lembrou-se de uma coisa.

 

Organizei um seminário para a alta administração no Havai, dentro de três semanas. Ia dizer-lhe isto. Creio que será bom para eles.

 

Meredith tomou nota das datas na sua agenda.

 

Acho bem concordou Meredith. Depois lembrou-lhe que iriam ter uma reunião com o comité das finanças daí a dez minutos.

 

Isto é uma escravatura. Onde está a minha margarita? Onde está a praia?

 

Não pense nisso, Mister Dow. As férias acabaram disse ela, rindo. Agora temos muito que fazer.

 

Sim, minha senhora respondeu Cal, fazendo-lhe a continência e entrando no seu gabinete para ir buscar uns papéis.

 

Depois da reunião das finanças, trabalharam durante toda a tarde, e Cal detectou uma mudança imperceptível na atitude dela em relação a si. Mostrava-se mais profissional, mais cautelosa, mas ao fim do dia tudo parecia ter voltado ao normal. Meredith despediu-se dele com um sorriso, dizendo-lhe «até amanhã. Era como se estivesse a afastá-lo um pouco, o que não podia achar que fizesse mal. Pensara muito nela quando estava no México e preocupara-se em imaginar como estariam as coisas quando ela voltasse Mas, pior do que isso, sentira a falta de lhe falar todos os dias, ficando surpreendido ao perceber, nessa manhã, como se sentira feliz ao vê-la.

 

Convidou-a para jantar em casa dele, com os filhos, nesse fim-de-semana, mas ela dissera-lhe que tinha muito trabalho a fazer. No sábado, passou o dia no escritório, e no domingo foi ver mais casas na cidade, e dessa vez ele não se ofereceu para a acompanhar. Quando os filhos lhe perguntaram onde ela estava, respondeu-lhes que andava ocupada. As crianças queixaram-se de não a ver, mas Cal achava bem que ambos se afastassem um pouco. Tinham-se aventurado em águas perigosas durante uns tempos e haviam tido a sorte de sair delas. Era melhor assim, sabia isso Mas, de cada vez que olhava para a sua pasta, durante o fim-de-semana, ficava surpreendido por perceber que sentia a falta de Meredith. Sentia-se estranhamente próximo dela, mais próximo do que de qualquer outra pessoa, desde há muitos anos.

 

Anna Gonzalez tinha ido para a unidade de traumatologia, a fim de trabalhar com Steve, mas dois dias após a sua chegada, Steve percebera que ela era extremamente independente. Sabia o que havia a fazer e tinha ideias próprias. Aceitava bem as directivas dele, mas tinha as suas próprias opiniões. E na altura em que Steve voltou ao hospital, depois de passar a semana de férias com Meredith, verificou que Anna conquistara o respeito de todos com quem trabalhava. Além disso, gostavam dela.

 

Na manhã em que Steve regressou, Anna pô-lo ao corrente de tudo o que fizera, entregando-lhe as notas que tivera o cuidado de tomar para ele. Quando as leu, Steve ficou espantado.

 

Fez isto tudo? perguntou com um olhar de assombro. Anna realizara reuniões com os departamentos, reorganizara algumas coisas para as tornar mais eficientes, alterara alguns horários e continuara a fazer operações e a tratar de um grande número de doentes. Você nunca vai a casa ver a sua filha? perguntou.

 

Não muitas vezes respondeu com ar severo. Apesar da vaga descrição que Steve fizera a Meredith, Anna era uma mulher bonita e parecia ter menos que os seus trinta e três anos, mas Steve não reparava nisso. Ela raramente sorria e trabalhava intensamente. Havia qualquer coisa nela que mostrava tratar-se de uma mulher severa e desembaraçada, mas Steve já vira que era muito meiga e paciente com os doentes. Era, sem dúvida, uma mulher com muitas facetas.

 

Anna começara a trabalhar ali antes de ele ter a semana de férias, mas só em meados de Janeiro é que Steve começou a achar que começava a conhecê-la. Era incansável e estava sempre disposta a trabalhar horas a fio. Nunca parecia ansiosa por ir a casa, embora Steve soubesse que ela era muito dedicada à filha, por coisas que dizia; quando lhe perguntou por que motivo estava disposta a trabalhar tantas horas e durante tantos dias seguidos, ela olhou-o de frente:

 

Por duas razões’ gosto do que faço e porque preciso do dinheiro.

 

O que é que faz à sua filha quando está aqui? quis saber Steve.

 

Havia qualquer coisa nela que o intrigava. Era simultaneamente muito reservada, mesmo dura. Talvez isso fosse apenas uma camada protectora, uma carapaça dura para proteger um interior sensível.

 

Deixo-a com os meus vizinhos. Têm cinco filhos e ela sente-se feliz com eles

 

E você? Não precisa de ir a casa de vez em quando? Todos nós precisamos de sair daqui para mantermos a nossa sanidade disse Steve com um sorriso cansado. Ele próprio não saía do hospital há quatro dias.

 

Você também não parece ir muitas vezes a casa retorquiu.

 

Anna tinha um abundante cabelo escuro e olhos castanhos, meigos, que pareciam de chocolate.

 

A minha mulher vive na Califórnia respondeu ele, como explicação.

 

É divorciado? Ele abanou a cabeça. Separado? Anna também sentia curiosidade a respeito dele. As pessoas diziam que era um excelente homem e que tinha um estranho relacionamento com a mulher, e Anna não sabia muito bem o que queriam dizer com aquilo Por isso perguntou-lhe. Anna Gonzalez não tinha medo de fazer perguntas e algo nos seus olhos dizia que esperava respostas. A melhor maneira que Steve teria para a descrever seria que, por fora, era mais dura do que Meredith e, por dentro, menos dura. Às vezes tinha uns modos ásperos e sacudidos de falar com ele, e logo a seguir dizia qualquer coisa que o comovia. Parecia sobretudo muito reservada. Era uma mulher que fora muito magoada e que não estava disposta a que isso voltasse a suceder-lhe. Era uma lutadora, uma sobrevivente.

 

Eu e a minha mulher somos «bicostais» disse Steve com um sorriso. Anna riu da resposta

 

Isso é uma preferência sexual, doutor, ou um diagnóstico?

 

As duas coisas. Significa que noventa por cento do tempo sou celibatário e que sou doido por uma mulher que trabalha numa cidade a quinhentos quilómetros daqui, onde parece ser difícil arranjar um emprego para mim. Mas procuro um emprego, não outra mulher.

 

Isso parece-me complicado comentou Anna. Estavam sentados no gabinete dele e bebiam café em copos de papel. Tinham acabado de realizar uma complicada operação abdominal. Ela conseguira, ao fim de muito tempo e de muito esforço, desalojar a bala. Os seus dedos finos, as suas técnicas delicadas e a sua obstinação tinham salvo o ferido. Steve tinha quase a certeza de que não teria conseguido fazê-lo sozinho.

 

É complicado, sem dúvida respondeu Steve, referindo-se ao seu relacionamento com a mulher. Estamos a viver assim há quatro meses. Ela aceitou um emprego na Califórnia, em Outubro, e o lugar que eu esperava ir ocupar lá falhou. E agora estou preso aqui por causa do Lucas.

 

Isso não me parece nada bom.

 

Os olhos dela fitaram-no, cheios de interrogações. Achava-o um excelente cirurgião e uma pessoa interessante, embora talvez um pouco excêntrico. Às vezes tinha opiniões que chocavam as enfermeiras.

 

E não é bom concordou Steve. Mas ela teve uma proposta de emprego extraordinária e eu encorajei-a a aceitá-lo. Também arranjei lá um lugar, para começar em Janeiro, mas eles voltaram com a palavra atrás. É uma situação muito difícil, mas por agora nada podemos fazer. Apenas me ofereceram um lugar de clínica geral num hospital de São Francisco, onde tratam sobretudo hemorroidal e tornozelos torcidos, ou um ou outro caso de cera nos ouvidos ou asma. A descrição quase me fez dormir.

 

Aqui não há perigo de adormecer retorquiu ela com o seu ar decidido. Vestia calças largas e bata idênticas às dele, mas nem mesmo esse vestuário ocultava que ela tinha uma bela figura.

 

Talvez. Mas pode ser que me faça bem descansar destas dores de cabeça e desta azáfama. Pode ser que me agrade fazer uma coisa mais fácil. Talvez seja um alívio.

 

Duvido. Tenho a impressão de que você está a querer convencer-se a si próprio. Como é que pode sair daqui para ir fazer uma coisa que não representa um desafio para si? Anna Gonzalez era uma pessoa prática. Toda ela era bom-senso. Tinha de ser.

 

É fácil Não quero que o meu casamento se desfaça

 

Se não tiver de se desfazer, não sucederá Mas se tiver, nada que você faça o poderá salvar.

 

Leva dinheiro por essa espécie de conselhos, doutora? gracejou Steve, sorrindo

 

Não Dou-os gratuitamente, porque eu própria não aceito esse género de conselhos.

 

Ouvi dizer que é divorciada disse Steve com simplicidade.

 

Muito.

 

Que quer dizer com isso?

 

- Quero dizer que nos detestamos e que não quero voltar a ver o filho da mãe. Deixou-me quando eu estava grávida de oito meses, porque os pais lhe ofereceram dinheiro se ele o fizesse.

 

Oh! Steve olhou-a nos olhos e viu que ela estava profundamente magoada

 

Nunca viu a filha.

 

Pelo que acabei de ouvir, isso não deve ser muito mau para ela. Ninguém precisa de um pai desses, Anna.

 

Não. Mas toda a gente precisa de um pai. Ele vai ser sempre um mistério para a minha filha, uma fantasia, uma espécie de herói desaparecido, porque não o conhece.

 

Talvez o venha a conhecer. Talvez um dia o encontre.

 

Talvez. Mas não creio que ele a procure. Sente-se embaraçado por minha causa.

 

Via-se que o ex-marido a fizera passar um mau bocado, e ela estava ainda zangada por isso. Nunca lhe perdoaria aquele procedimento

 

Então porque casou ele consigo?

 

Eu estava grávida. Primeiro quis ser nobre. Depois foi cobarde

 

É a raça humana e as suas fraquezas.

 

Acho que sim.

 

Era fácil conversarem sobre as suas vidas a meio da noite, quando se encontravam suspensos entre dois mundos, a salvar vidas e a ajudar os outros. O mundo exterior, o mundo para além das paredes do hospital, parecia-lhes às vezes pertencer a outro planeta. Existia apenas o seu trabalho e tinham-se uns aos outros. Era uma situação que formava estranhos elos entre as pessoas. Como se estivessem num barco, no meio do oceano. Steve sentiu pena dela. Anna estava magoada, azeda, desapontada e zangada. As únicas ocasiões em que os seus olhos se iluminavam e parecia mais nova, era quando falava a respeito da filha. Steve sabia que esta se chamava Felicia.

 

Foram chamados para uma emergência e só dois dias mais tarde, depois de uma folga, é que voltaram a trabalhar juntos. Era um fim-de-semana. À meia-noite estavam ambos com fome e encomendaram uma piza. Ela parecia mais satisfeita do que da última vez que tinham falado. Steve fê-la rir com umas anedotas sem graça e com histórias sucedidas ali na unidade, no decorrer dos anos.

 

Tem um namorado? perguntou Steve enquanto comiam a piza. Ela riu da pergunta.

 

Está a brincar? Quando? Alguém que aqui trabalhe tem um namorado? Como é que conseguem isso?

 

Alguns dos médicos têm disse Steve. Anna sorriu da resposta e ele acrescentou: Nenhuma das mulheres.

 

E você? quis saber Anna. Anda com outra mulher?

 

Claro que não. Steve mostrou-se chocado. Já lhe disse que sou casado.

 

Com uma mulher que vive noutra galáxia, muito longe daqui. Apenas pensei se...

 

Ouvira dizer que Steve era fiel à mulher e isso agradava-lhe. Ela precisava mais de um amigo do que de um namorado.

 

Quando é que ela cá vem?

 

Não vem as vezes suficientes. Virá no próximo fim-de-semana.

 

Isso é bom. Tem filhos, Steve?

 

Não tenho essa sorte.

 

Porquê? Vira-o com crianças hospitalizadas e era óbvio que gostava delas.

 

A minha mulher tem tido sempre uma vida muito ocupada. Temos tido os dois. Não a posso censurar. Ela acha que não quer filhos.

 

Se é isso que ela pensa e que diz, é porque não quer declarou Anna com toda a naturalidade. Acredite nela. Há maridos que querem convencer as mulheres a terem filhos, mas não conseguem. E se o fazem, cometem um grande erro.

 

Foi isso que lhe sucedeu?

 

Steve estava perplexo e não concordava com ela. Ainda julgava conseguir convencer Meredith a ter um filho. Achava que seria uma boa mãe se tivesse oportunidade de o ser

 

Não respondeu honestamente Anna. Era sempre sincera com ele. Era o seu estilo e simpatizava com Steve.

 

Eu caí que nem uma patinha. Saíamos juntos há dois meses e... pronto, sucedeu. Ele ficou em pânico e eu também não fiquei muito feliz.

 

Porque não abortou? Seria mais simples

 

Muito Eu sou católica. Não queria fazer um aborto; nem tinha dinheiro para o fazer. Sempre pensei que poderia fazer isso, se tivesse que o fazer. Mas não pude. O meu pai perdeu a cabeça. A minha mãe chorou. Os meus irmãos queriam matá-lo, as minhas irmãs tinham pena de mim. Não foi uma boa altura da minha vida. Estive quase a voltar para Porto Rico, depois de fazer o internato nos hospitais, para ajudar o meu povo, tratar dos pobres. Durante um tempo, pensei em especializar-me em doenças tropicais, mas é melhor para mim trabalhar aqui. De qualquer modo, é demasiado complicado voltar agora para Porto Rico. É mais fácil para mim e para eles. Não precisam de se desculpar por minha causa ou de mentir a respeito de Felicia. O meu pai diz que eu sou viúva

 

Era espantoso o que as famílias faziam às vezes aos seus. Steve tinha ouvido tantas histórias dessas que já nada o surpreendia. A de Anna também não o surpreendia. Só tinha pena dela. Era tão diferente de Meredith, com o seu emprego importante, o dinheiro que ganhava, as acções que comprava para os dois, o apartamento elegante! Steve sentia-se um pouco culpado por tudo isso, enquanto ouvia Anna Gonzalez falar da sua vida, a dele fora sempre muito mais fácil. Isso fazia com que quisesse ajudá-la de alguma maneira, mas não havia muita coisa que pudesse fazer por ela, a não ser arranjar-lhe um lugar permanente ali, em vez de ser apenas uma substituta

 

E você. perguntou-lhe então Anna Alguma vez pensou em fazer outra coisa? Clínica particular’ Ou, talvez, ir trabalhar para uma clínica num país do Terceiro Mundo?

 

Só nos meus piores pesadelos respondeu Steve, o que a fez rir. Isto já é bastante mau. Não preciso de cobras e de parasitas para tornar as coisas piores do que já são. É isso que você quer fazer quando for crescida, Anna?

 

Sim. Um dia Talvez, quando a Felicia for mais velha. Durante o internato especializei-me em doenças infecciosas Mas depois de a Felicia nascer mudei para cirurgia e fiquei em Nova Iorque. É mais seguro

 

Essa é uma afirmação deprimente. Se não levar um tiro aqui, não o levará em parte alguma. É mais seguro andar de metropolitano depois de escurecer do que aqui, com esses loucos todos a dispararem uns contra os outros, a virem parar ao hospital e poderem eventualmente disparar sobre si

 

Mas, pelo menos, a Felicia pode ter uma vida normal. Não lha poderia dar, se trabalhasse num país do Terceiro Mundo

 

Era uma opinião, contudo, Steve sabia que a vida dos porto-riquenhos também não era fácil ali

 

Continuaram a trabalhar os dois, dia após dia, e Steve foi-se afeiçoando cada vez mais a Anna. A carapaça exterior, eriçada, escondia um interior extremamente sensível E o físico também não era nada mau. Steve viu-a sair uma noite, com calças de ganga e blusão, os cabelos soltos, e ficou agradavelmente surpreendido. Nem podia imaginar como ficaria bonita com roupas elegantes e maquilhagem. Mas ela nunca usava nenhuma dessas coisas. Não as tinha e não as queria. Era uma mulher inteiramente natural, com um corpo muito bonito, um cérebro inteligente e um coração bondoso

 

Em meados de Janeiro tinham-se tornado grandes amigos, e ele habituara-se a confiar nela. Era uma pessoa em quem se Podia confiar, e Steve confiava Muitas vezes; era dura com ele e não se importava de lhe dizer que não concordava, quando achava que Steve estava errado Quanto a ele, isso surpreendia-o, por ser algo que lhe agradava. Tinha as suas próprias opiniões e dizia-as abertamente. De vez em quando, até gritava com ele em espanhol, o que o divertia

 

Uma vez chamou-lhe «hijo de putana», ele agradeceu-lhe e disse-lhe que nunca ninguém lhe chamara nada tão bonito

 

Mas eu chamei-lhe filho da p disse ela.

 

Que diabo, Anna’ respondeu Julguei que estava a dizer que me amava

 

Isso fê-la rir e a discussão acabou. Além disso, como Steve lhe recordava frequentemente, ele era seu superior hierárquico

 

Tal não significa que possa dar-me ordens replicava Anna E Steve aceitava o facto com filosofia

 

Infelizmente é verdade Mas posso divertir-me à brava tentando fazê-lo respondia Steve com um sorriso

 

Você é impossível. dizia ela. Gostava de refilar com Steve para o ver exaltado, mas era óbvio que gostava dele e o respeitava

 

Anna ficou feliz por ele quando Meredith veio passar o fim-de-semana a Nova Iorque. Porém, foram dois dias difíceis para eles. Tentavam desesperadamente conseguir uma vida normal com o pouco tempo que tinham para passar juntos, e isso parecia tornar-se mais difícil de semana para semana. Steve estivera a operar toda a noite anterior à chegada de Meredith, e, quando se encontraram, estava cansado e irritável por falta de sono. Meredith fizera tudo para tornar o fim-de-semana agradável. Comprara o pão ázimo de que ele gostava, caranguejo e duas garrafas de um excelente vinho da Califórnia Mas Steve estava demasiado cansado para comer ou para beber e, depois de terem discutido por uma ninharia, acabou por dormir toda a tarde. Meredith ficou à espera que ele acordasse, o que só veio a suceder por volta das nove da noite. Depois disso, conversaram durante algumas horas, mas era inegável que o ambiente entre eles não era o que costumava ser. Sentiam-se como estranhos e cada vez tinham maior consciência de viverem em mundos diferentes. Já não era fácil estarem de acordo, parecendo constantemente em desarmonia

 

Na altura em que Meredith se meteu no avião para regressar à Califórnia, estavam ambos deprimidos, e as iguarias que ela lhe levara de São Francisco continuavam no frigorífico.

 

Uma hora depois de Meredith ter partido, Anna telefonou a Steve para o convidar para jantar em casa dela. Num impulso, Steve levou o pão, o vinho e o caranguejo.

 

O apartamento dela era minúsculo, mal aquecido, tinha um vidro partido numa janela que o senhorio se recusara a mandar substituir, e um exército de baratas que andavam por toda a parte. Ficava um pouco adiante da Rua 102, mas era o melhor que conseguira arranjar para si e para a filha. Steve ficou chocado pela maneira como ela vivia, sobretudo devido ao facto de o pai da criança ser muito rico.

 

Não tem grande importância disse Anna a Steve. Mas tinha, e ambos sabiam isso. Algo na dignidade, orgulho e obstinação de Anna o comovia profundamente. A pequenita era adorável, uma versão loura da mãe. Parecia-se imenso com ela e, quando não gostava de qualquer coisa que a mãe lhe dizia, batia o pé e chamava-lhe má.

 

Tem a sua personalidade. Daqui a uns anos vai ter muito que fazer.

 

Eu sei anuiu Anna, sorrindo orgulhosamente. O pai dela era um perfeito cretino, mas jeitoso acrescentou Anna.

 

Steve riu-se da descrição. Alguma coisa nele devia ter atraído Anna, o aspecto, o intelecto ou a distinção. Steve não acreditava que fosse o dinheiro. Anna não ligava a isso. Steve gostaria de as convidar para jantar no seu apartamento, mas envergonhava-se da extravagância deste. Anna mostrou-se um pouco embaraçada por ele levar o vinho e o caranguejo, mas apreciou-os. Depois conversaram amigavelmente e falaram do stresse de viver a quinhentos quilómetros da mulher. Anna mostrou-se simpática, lamentando a situação de Steve. Quando foi para casa, nessa noite, Steve apercebeu-se de que bebera muito, mas que, apesar disso, se tinham portado ambos bem. Ele e Anna eram apenas bons amigos.

 

Quando se deitou, sentiu a falta de Meredith e pensou em telefonar-lhe para lhe dizer que lamentava que o fim-de-semana não tivesse sido melhor, mas ao olhar para o relógio percebeu que ela estava ainda no avião. Pensou em deixar-lhe uma mensagem no atendedor de chamadas, mas estava um pouco cansado e resolveu ir dormir.

 

No fim dessa semana, Steve jantou novamente com Anna e Felicia, depois de terem trabalhado juntos todo o dia Levou-as a uma cervejaria perto da casa dela para comerem sanduíches e gelados. Felicia mostrou-se encantada; depois, Steve acompanhou-as a casa e ficou a ler o jornal na pequena sala, enquanto Anna ia meter Felicia na cama. Era fácil e relaxante estar com as duas.

 

Você é um bom homem observou Anna ao voltar para a sala depois de ter deitado a filha. A sua mulher é uma tola em o deixar aqui à solta.

 

Estavam ambos cansados, mas sentiam-se bem ali na pequena sala. Era um serão agradável, após um longo dia de trabalho.

 

De momento, não tem alternativa disse ele com sinceridade, visto eu não conseguir encontrar trabalho adequado na Califórnia. Não podemos fazer nada, Anna disse tristemente, pensando outra vez no assunto.

 

Tem de haver alguma coisa para si, Steve afirmou Anna simpaticamente, enquanto ele tentava não reparar muito na figura dela vestida com uma simples camisola de algodão e umas calças justas. Não queria pensar nisso. A amizade entre eles era algo que não podiam perder.

 

É isso que digo a mim mesmo, Anna, que deve haver alguma coisa para mim em São Francisco, mas até agora nada

 

Falara para todos os hospitais de São Francisco para lhes dizer que estava disponível.

 

Estou quase habituado a isto.

 

Essas palavras, porém, não convenceram nenhum deles. Não ajudou nada o facto de Meredith ir na semana seguinte para um seminário no Havai. Só daí a duas semanas voltaria a vê-la

 

Isso não o preocupa? perguntou pensativamente Anna. Não o preocupa o facto de ela poder deixar-se envolver com o homem para quem trabalha?

 

Anna fazia perguntas que, por vezes, o incomodavam e o levavam a sentir-se desconfortável, mas que o forçavam apensar. E ele respondia-lhe sempre com sinceridade, por mais que isso lhe custasse.

 

Às vezes, preocupo-me com isso. Ele é um tipo bem-parecido e até simpatizo com ele. Mas confio na minha mulher. A Meredith não faria uma coisa dessas.

 

Anna teve a delicadeza de não lhe dizer que não estava tão certa disso. As pessoas podiam cometer loucuras quando se sentiam muito sós.

 

Nunca fomos infiéis um ao outro.

 

Admiro isso em si disse Anna, com franqueza. Sabia como ele se sentia só e infeliz, mas nunca lhe fizera qualquer avanço, nem sugerira coisa alguma, nem lhe dera a impressão de que poderia fazê-lo. Meredith era uma mulher com sorte. Talvez fossem ambos. Anna esperava isso, para bem dele.

 

Não me agrada a ideia de andar com outras mulheres. Além disso, a Meredith perceberia. Acho que ser honesto é a única maneira de fazer as coisas.

 

Tinham passado quase quatro meses desde que ela deixara o apartamento, e viverem separados fora o maior desafio que alguma vez haviam enfrentado. Significava que não tinha quem o acompanhasse aos fins-de-semana, ninguém com quem falar quando voltava para casa à noite, ninguém com quem desabafar quando as coisas corriam mal, ou com quem rir, ou com quem fazer amor de manhã. Era muito duro, mas seria apenas temporário e ambos sabiam isso. Ele não queria fazer nada de insensato que lhe estragasse definitivamente o casamento. E fora isso que dissera a Anna.

 

Bem, o melhor é pôr-se a andar daqui o mais depressa possível, Steve, antes que um de vocês se sinta demasiado só, ou beba demasiado numa festa e estrague tudo.

 

Eu sei assentiu Steve. Na verdade, andava a pensar em aceitar o lugar no SF General desde que Meredith partira, na semana anterior. Estava a tornar-se demasiado difícil permanecerem separados. Ela ofereceu-se para desistir do emçrego e voltar para aqui, mas eu não quero que faça isso. É um grande emprego e não seria justo para a Meredith concluiu com um suspiro.

 

Você é um bom homem, Steven Whitman. Espero que ela o mereça.

 

Merece garantiu. Porém, quando foi para casa nessa noite, deu por si a pensar em Anna e na vida dura que esta levava. Merecia muito mais. Era difícil aceitar como a vida se tornava às vezes injusta. Ele e Meredith tinham tanto, pessoas como Callan Dow e o ex-marido de Anna tinham muito mais, e ela tinha tão pouco, quase nada. No entanto, parecia não se importar com isso. Acreditava na integridade daquilo que fazia

 

Quando se deitou sozinho nessa noite, como agora sucedia sempre, começou a pensar no que Anna dissera a respeito de Meredith ir ao Havai, e dele se importar ou não. E o facto de, um dia, um deles se sentir demasiado só, ou beber de mais, ou, pior ainda, encontrar alguém de quem gostasse. A perspectiva era aterrorizadora, se pensasse bem nisso Mas sabia também que isso nunca lhes poderia acontecer, nem a ele, nem a Meredith. No entanto, ficou acordado durante muito tempo nessa noite, pensando em Meredith, ao princípio, depois em Anna e Felicia. Sentiu-se satisfeito por serem amigos. Em pouco tempo, as duas tinham adquirido um grande significado para ele.

 

O retiro que Callan planeara para os altos postos da direcção da Dow Tech estava marcado para durar quatro dias, e as reservas tinham sido feitas para Mauna Lani, na ilha de Havai. Haviam sido convidadas mais de trinta pessoas e dezoito delas levavam os cônjuges. Constituía um grande grupo, e tratar de tudo o que era necessário para a deslocação e instalação de tanta gente era quase como organizar o transporte de um exército invasor. Tinham de ser planeadas refeições, actividades para todas as noites, luaus, jantares, exibições de hula e, é claro, reuniões de trabalho.

 

Na véspera da partida, Meredith sentia vontade de os atirar a todos pela janela. Quando se queixou a Cal, este achou graça.

 

As pessoas transformam-se em crianças quando vão para qualquer sítio queixou-se ela, enquanto verificavam os últimos pormenores para as reuniões. Tinham de ser feitas de manhã para que, depois, tivessem os dias livres para jogar ténis, jogar golfe, ir à praia, dar passeios pela ilha ou fazer compras. As reuniões não deviam ser demasiado demoradas, nem muito exigentes, nem enfadonhas. Na verdade, o retiro era sobretudo uma oportunidade para as pessoas se conhecerem, mas havia alguns que pediam quartos especiais, refeições especiais e, em dois casos, massagens.

 

Façam o melhor que puderem disse Callan a Meredith e às duas secretárias encarregadas dos preparativos. Meredith estava envolvida nisso, porque tinha de controlar as despesas e Callan confiava no seu discernimento.

 

Porque é que não enviamos um cheque a cada um deles e lhes dizemos que vão passar o fim-de-semana a Las Vegas? resmungou Meredith.

 

Para o ano, vamos tentar isso concordou Callan, bem-humorado. Estava ansioso pelo dia da partida e só lamentava não poder levar os filhos. Conhecia bem o local, onde estivera várias vezes com eles e sabia que iriam adorar. Mas a viagem destinava-se exclusivamente a adultos, embora estes estivessem a portar-se como crianças que fossem num passeio com a escola. Mesmo antes de partirem, havia problemas por causa dos quartos. Alguns conheciam o hotel e tinham preferência por determinados andares, ou vistas, ou ar condicionado.

 

Meredith dissera a Steve onde ia e perguntara-lhe se quereria ir. Mas ele estava de serviço e sabia que Meredith estaria ocupada. De qualquer modo, era-lhe impossível sair do hospital durante tanto tempo.

 

Vou sentir a tua falta disse-lhe ela ao telefone na véspera de partirem.

 

Nem sequer vais dar pela minha falta. Deves estar muito ocupada a tratar do bem-estar de toda a gente.

 

Sentia-se satisfeito por ela. Seria uma mudança no trabalho que fazia todos os dias e, apesar das dores de cabeça, tinha a certeza de que ela ia gostar.

 

Meredith não estava tão certa disso. As pessoas haviam-se mostrado muito exigentes e tinham-lhe causado problemas

 

No dia da partida, reuniram-se todos no aeroporto vestidos das maneiras mais díspares, desde camisas estampadas até fatos de linho branco, e todos se mostravam bem-dispostos. Parecia um cocktail de viajantes. Quando se sentou ao lado de Cal, na primeira classe, Meredith sentia-se exausta. Apenas os directores das empresas viajavam em primeira classe. Todos os outros iam em classe turística, onde ela conseguira um bom desconto na compra de um tão grande número de lugares

 

Acha que eu quero saber o que isto nos está a custar’ perguntou Cal com um olhar divertido, enquanto a hospedeira lhes oferecia champanhe. Meredith recusou e pediu apenas um café.

 

Só vai querer saber se lhe derem oxigénio na descolagem? respondeu Meredith, bebendo o seu café.

 

Era o que eu pensava. Não me diga. Mais vale não saber.

 

Depois de iniciarem a viagem, Meredith descontraiu e recostou-se no seu lugar, preparando-se para ler uns documentos. Callan ralhou-lhe por ela ter levado a pasta

 

Não posso ir a parte alguma sem ela, Cal respondeu Meredith com um sorriso tímido. Se não a trouxer, sinto-me terrivelmente culpada.

 

Terá de ter umas lições de hula para se distrair. Não quero que esteja sempre a trabalhar, Meredith. Tem de se distrair um pouco. É o que todos vão fazer.

 

Não se distrairão se não tiverem as suas dietas especiais, ou se os quartos não forem nos andares certos, ou se não puderem entrar no luau.

 

Hão-de sobreviver a isso disse tranquilamente Cal. Verificaram uma vez mais os horários das reuniões, os grupos e os tópicos que ele tinha agendado para discutir. Meredith acabou por guardar os papéis na pasta e voltou a sua atenção para o filme. Iam num voo directo para Kona; a viagem era suficientemente longa para terem direito a uma refeição, um pequeno lanche, um filme e ainda poderiam dormir uma sesta entre a descolagem e a aterragem. A meio da viagem, Meredith viu que Callan olhava pensativamente para a janela e tentou imaginar em que estaria ele a pensar.

 

Está bem? perguntou em voz baixa.

 

Estou óptimo. Olhou-a. Estava a pensar que trouxemos esta empresa muito longe em pouco tempo. Sinto-me com sorte.

 

Não é sorte, Cal. Trabalhou duramente para isto.

 

E você também nos últimos quatro meses.

 

Nunca ninguém trabalhara mais arduamente. De cada vez que pensava nisso, Cal sentia-se grato por Charlie se ter demitido e por Meredith ter ido trabalhar consigo. Ela era um dos seus melhores trunfos.

 

Só espero que esteja tão satisfeita por trabalhar connosco, como nós estamos por trabalhar consigo.

 

Estou, sim. Se conseguirmos que o Steve arranje um lugar em São Francisco, a minha vida ficará perfeita.

 

Meredith disse isso com ar triste. Custava-lhe nunca o ter junto dela. Ele parecia-lhe agora muito distante. E estava. Era alguém que ela visitava uma ou duas vezes por mês, como um velho amigo ou um antigo namorado. Havia ocasiões em que Steve já não lhe parecia o seu marido. Já não fazia parte das suas actividades diárias, nunca estava em casa para se rirem juntos, ou para falar dos seus problemas. Falavam apenas pelo telefone. Ele estava cada vez menos em casa. Como ela, estava sempre a trabalhar. Não tinha mais nada a fazer, sem ela.

 

Sei que é duro para si, Meredith. Gostava de poder fazer alguma coisa para ajudar disse Callan.

 

Talvez um dia possa fazer. Entretanto, temos de passar estes meses.

 

Mas era difícil para ela. Steve era o único marido que não acompanhava a mulher na viagem. E Meredith detestava que ele não estivesse consigo.

 

Foi uma pena ter falhado o lugar em East Bay. Foi pouca sorte

 

Talvez fosse o destino disse filosoficamente Meredith. Talvez apareça algo ainda melhor.

 

Meredith ainda tinha esperanças.

 

Espero que sim.

 

Callan parecia sincero ao dizer aquelas palavras. Queria, acima de tudo, a felicidade dela. Se não se sentisse feliz, havia sempre a possibilidade de poder deixar a empresa e só a ideia o aterrorizava. A Dow Tech precisava dela, e ele também, para dirigir a parte financeira da firma Mas mais do que isso, Cal precisava pessoalmente dela. Contava-lhe tudo e partilhava com ela todas as suas alegrias e receios. Era como se fossem sócios nos negócios. Mais do que isso. Cal fazia-lhe confidências mesmo a respeito dos filhos. Eram confidentes, conspiradores e grandes amigos.

 

Foi uma pena o Steve não ter podido vir nesta viagem. Seria bom para os dois disse Cal.

 

Lamentava genuinamente que Steve não pudesse vir, por causa de Meredith que, sabia, ficara desapontada com isso.

 

Provavelmente será bom. Eu vou estar muito ocupada. Tinha de fazer três apresentações com Cal e uma sozinha.

 

É melhor arranjar tempo para se divertir também um pouco. Não a quero ver a correr de um lado para o outro por causa das outras pessoas. Elas que se arranjem. Você não é guia turística.

 

Diga-lhes isso respondeu ela, rindo. Devia ver a lista de pedidos que me fizeram.

 

Rasgue-a disse Callan. É uma ordem

 

Sim, senhor retorquiu ela fazendo a continência. Ele riu.

 

Conversaram então sobre outras coisas e ele contou-lhe algumas histórias engraçadas acerca de retiros anteriores, sobre as coisas loucas que as pessoas faziam quando se encontravam em ambientes totalmente diferentes do habitual. Charlie Mcintosh embriagara-se e dormira com uma das dançarinas de hula, mas depois não se lembrava de nada. A história circulara e toda a gente a conhecia, menos a mulher dele.

 

Tentarei portar-me bem prometeu Meredith, rindo. Ele olhou-a pensativamente durante um grande bocado e subitamente ela lembrou-se do Natal.

 

Espero que não, disse Callan em voz baixa. Meredith não lhe respondeu, mas por vezes estavam tão perto um do outro que ela se assustava. De muitas maneiras, Cal fazia o papel de Steve quando viviam os dois na mesma cidade. Não havia nada que ela não contasse a Cal. E a falta de à-vontade que se estabelecera entre ambos, devido ao que se passara no Natal, havia desaparecido depois de ela voltar de Nova Iorque. Tinham recuperado a confortável amizade que até então experimentavam um pelo outro. Porém, havia momentos em que a força da sua personalidade era como um íman que a atraía para ele, não necessariamente de uma forma romântica. Muitas vezes tinha a sensação de serem almas gémeas. Era como se estivessem destinados a encontrarem-se a trabalhar juntos para construir um império. Eram como duas metades de uma entidade que se enquadravam perfeitamente uma na outra, e, por vezes, isso era difícil de compreender. Parecia-lhe impossível que não se tivessem conhecido toda a vida. Frequentemente lhe parecia isso, ainda mais do que com Steve. De muitas maneiras, ela e Cal tinham mais em comum, os mesmos objectivos, o mesmo entusiasmo, a mesma paixão pelos negócios. Steve vivia num outro mundo, as motivações dele pareciam-lhe mais puras, era um ser humano diferente. E o dinheiro não lhe interessava absolutamente nada. Não compreendia o trabalho dela ou, na verdade, não queria compreender. Bastava-lhe saber que ela gostava do que fazia. Porque o fazia e como, não tinha qualquer importância para Steve. Mas Cal compreendia tudo isso. De certo modo, era mais fácil para ela.

 

O avião aterrou pouco depois do meio-dia, hora local, e Meredith e Cal encaminharam o grupo para o autocarro que os conduziria ao hotel. As bagagens chegariam a seguir. Tinham a tarde livre, pois só se reuniriam ao jantar. Fora preparado um luau para eles assistirem e mais tarde iriam dançar. As reuniões só teriam início a partir da manhã do dia seguinte. Ela e Cal fariam curtos discursos e em seguida seriam passados slides. Meredith organizara tudo e tinham falado a esse respeito no avião. Não havia mais nada a fazer a não ser descansar, ir à praia ou à piscina e reunirem-se com os outros à hora do jantar

 

Quer almoçar no meu quarto? perguntou Cal quando chegaram ao hotel. O quarto dele ficava ao lado do dela e o terraço era comum.

 

Está bem respondeu ela, sentindo-se à vontade. Quero ir nadar a seguir e talvez possamos escapar aos outros até ao jantar.

 

Acho bem assentiu Cal, pegando na pasta dela para a levar para o quarto. Meredith ficou surpreendida por ter uma suite, assim como ele, e percebeu que Cal fizera pessoalmente a reserva para ela. Tinha uma sala grande e confortável, decorada em tons de areia, e um quarto muito bonito, todo branco. Parecia uma fotografia de uma revista. Sobre a mesa de café viam-se graciosas conchas de prata. A suite tinha também uma pequena kitchnette e um bar, além da casa de banho. Quando entrou, seguida de Callan, ouviu uma música suave.

 

Isto é espectacular! exclamou Meredith, voltando-se para Cal, ao ver as palmeiras que emolduravam a vista do oceano.

 

Achei que o pôr do Sol devia ser bonito visto daqui disse Callan. E pu-la perto de mim para que os outros não a aborrecessem.

 

As outras pessoas estavam todas noutros andares, o que fora inteligente da parte dele. Meredith nem sequer pensou que as outras pessoas poderiam estranhar o facto de os seus quartos serem lado a lado. Nunca houvera má-língua a respeito deles. Toda a gente sabia que era casada, pois falava muitas vezes em Steve.

 

Cal foi para o quarto dele instalar-se, e a bagagem chegou poucos minutos depois. Aparentemente nada se perdera, o que era quase um milagre, com um grupo daquele tamanho. Cal pedira que lhes levassem sanduíches especiais e estava tudo pronto no terraço, quando Meredith foi ter com ele. Callan pedira mesmo um mai-tai para ela.

 

Se não tiver cuidado, vou seguir as pegadas do Charlie disse Meredith e vou ficar embriagada logo ao almoço.

 

Se começar a perseguir as bailarinas de hula, mando-a para casa disse Cal.

 

Vou tentar não o fazer replicou ela.

 

As sanduíches eram deliciosas e o mai-tai muito forte, mas mesmo assim ela bebeu um pouco. Ficaram sentados no terraço durante muito tempo, conversando e admirando a vista. Por fim, Meredith levantou-se e disse que ia nadar um bocado.

 

Faço-lhe companhia propôs ele. Foram ambos mudar de roupa e, daí a pouco, ela voltou com uma camisa comprida por cima do biquini e sandálias. Impecável, como sempre. Cal vestira um fato de banho com uma camisa a condizer e sapatos de praia. Formavam um par muito elegante e ninguém diria, ao vê-los, que não eram casados. Mostravam-se tão à vontade e tão descontraídos um com o outro que ninguém pensaria que nunca tinham dormido juntos. Cal fez um comentário a esse respeito e Meredith ficou surpreendida.

 

Acha realmente que as pessoas pensam que somos casados?

 

Isso divertia-a. Parecia-lhe uma estranha suposição, pelo menos a ela.

 

Sim, acho. Até somos parecidos. Somos ambos louros e temos olhos quase da mesma cor. Gostamos das mesmas coisas e até vestimos de modo semelhante.

 

Callan reparara nisso muitas vezes, mas Meredith abanou a cabeça e riu do que ele dizia.

 

Isso prova que está enganado. As pessoas nunca vêm aos pares como nós. É mais natural que um casal seja como eu e o Steve, um moreno e outro louro. E ele veste-se sempre como se o fizesse às escuras e com roupas velhas. Amo-o, mas veste-se muito mal. Apeteceu-me matá-lo quando me apareceu em São Francisco com aquele casaco que parece ter cem anos. Tenho tentado deitá-lo fora, mas o Steve gosta dele.

 

Acabei por desistir e aceitar o facto de o conservar para sempre. E o usar.

 

A mim pareceu-me bem disse Cal caridosamente Mas ela tinha razão. Steve parecia estranho ao lado dela

 

Meredith andava sempre impecavelmente vestida, a sua aparência era harmoniosa e perfeita. Cal achava, correctamente, que Steve se devia sentir mais à vontade com as batas do hospital do que com um fato completo. Duvidava até que ele tivesse algum Mas tinha. De facto, tinha vários que Meredith lhe comprara, mas nunca os usava.

 

Desceram até à praia e um dos banheiros arranjou-lhes cadeiras de praia e toalhas. Meredith despiu a camisa e estendeu-se na cadeira, apenas com o biquini. Embora estivesse tentado a isso, Cal não fez qualquer comentário. Era de cortar a respiração. Muito mais do que ele alguma vez sonhara. Callan pegou no livro, mas com Meredith tão perto, com a sua pele macia e curvas suaves, viu que era impossível concentrar-se na leitura.

 

O livro não tem interesse’ perguntou Meredith. Reparara que ele fitava o horizonte com uma expressão estranha e sorriu-lhe. Era como se tivesse visto de repente qualquer coisa que não esperava encontrar ali.

 

Não... não., isto é, sim.. estou bem... estava apenas a pensar noutra coisa.

 

Está alguma coisa mal?

 

Pensou de repente se teria feito alguma coisa que o pudesse ter ofendido. Contudo, Callan disse que não com a cabeça, levantou-se e começou a caminhar ao longo da praia, sozinho. Meredith ficou preocupada e alguns minutos depois seguiu-o. Não queria intrometer-se, mas tinha a estranha sensação de que estava perturbado.

 

Sente-se bem? perguntou quando o apanhou. Tinha relutância em o incomodar, mas ele parecera-lhe verdadeiramente perturbado. E dessa vez ele hesitou antes de lhe responder. Vira-o caminhar à beira da água, de cabeça baixa, com uma expressão estranha

 

Não é nada Estou bem, Merie afirmou, sem, no entanto, parecer convincente.

 

O que é que se passa?

 

Oh, não sei... a vida, creio. Nunca lhe acontece parar e interrogar-se, perguntar a si própria que fez na vida nos últimos dez anos e quais são os seus objectivos?

 

Meredith ficou surpreendida por ele se mostrar tão infeliz. Parecia que uma nuvem negra passara subitamente em frente de um sol radiante, fazendo com que tudo ficasse subitamente na sombra. Nunca o vira assim.

 

O que é que provocou isso? Ainda há minutos parecia bem-disposto.

 

E estava. E estou. Às vezes fico a pensar na minha vida. Concentro-me tanto numas coisas que esqueço outras.

 

Todos nós fazemos isso respondeu gentilmente Meredith. Aproximavam-se do fim do areal. Sentaram-se na areia, com a água quase a tocar-lhes nos pés, o oceano em frente deles e o hotel lá atrás. Não se encontrava mais ninguém ali.

 

Só se esqueceu daquilo que era importante, Cal. Tem uns filhos óptimos, uma boa vida, um negócio florescente. Não tem desperdiçado o seu tempo.

 

O que a torna tão segura disso? E como é que sabemos o que é realmente importante? Como é que hei-de saber se, daqui a dez anos, os meus filhos não me detestarão por qualquer coisa que eu tenha ou não tenha feito, por algo que não tenha compreendido? Penso que de uma maneira geral procedo acertadamente, mas às vezes imagino se caminharei na direcção certa. Às vezes chego a pensar se o que eu faço vale a pena. Dentro de cinquenta anos quem se importará com a Dow Tech e com aquilo que eu acho importante? Talvez o que interesse sejam as pessoas de quem gostamos... Hesitou e completou o seu pensamento, que fora o que o perturbara inicialmente. Ou a falta delas. Passei os últimos oito anos tão furioso com o que a Charlotte me fez, que nunca houve espaço na minha vida para mais ninguém. Só pensei na minha cólera, no quanto ela me ferira.

 

Era a primeira vez que dizia aquilo, a ela ou a outra pessoa qualquer.

 

Durante muito tempo achei que a odiava. Agora sinto ue desperdicei esse tempo em sentimentos que não me conduziram a parte alguma. E agora?

 

O que é que quer dizer com «e agora? Meredith estava assombrada com as palavras dele. Eram pensamentos muito sérios para se ter numa praia, em Kona, a apanhar sol.

 

E agora? Agora tenho cinquenta e um anos. Tenho estado zangado com alguém que desapareceu da minha vida há oito anos. Tenho três filhos fantásticos que em breve serão adultos. E tudo o que me resta são os negócios.

 

Está é com pena de si mesmo, Callan Dow! declarou Meredith com firmeza. Tem cinquenta e um anos, não tem noventa. Tem muito tempo à sua frente para fazer as coisas de maneira diferente. Não tem de ficar toda a vida a sentir-se magoado com a Charlotte. Não precisa de ficar sozinho, se é isso que quer dizer

 

Creio que já não sinto nada pela Charlotte respondeu ele. Talvez seja esse o problema. Além do que sinto pelos meus filhos, odiá-la foi a principal emoção da minha vida durante perto de dez anos. Sem isso, que me resta? Talvez não seja o suficiente, Merie.

 

Talvez seja altura de olhar para uma nova direcção sugeriu simplesmente Meredith, que tinha uma maneira de passar através de emoções e situações complicadas e ir direita ao âmago do problema. Era uma das coisas que Callan apreciava nela, nos negócios. Mas havia muito mais coisas de que ele gostava. Talvez demasiadas.

 

O que é que sugere? O que é que devo procurar? Para os meus filhos, para que eles sejam toda a minha vida, até eles me deixarem para seguirem as suas próprias vidas? Para alguma mulher sem importância que eu possa convidar uma dúzia de vezes para jantar, até perceber que ela me aborrece, ou alguém que se interesse mais pelo que eu tenho do que pelo que sou. Não tenho muito por onde escolher, Merrie.

 

Isso é um disparate, Callan afirmou Meredith estendendo as suas longas pernas para a água e mexendo os dedos dos pés, levantando a areia molhada, enquanto ele a olhava. Nem todas as mulheres são maçadoras, nem todas querem o seu dinheiro.

 

Não esteja tão certa disso. E você? Que fará você se o seu casamento com o Steve se desfizer? Já pensou nisso?

 

Tento não pensar.

 

Mas a verdade era que às vezes pensava. Viverem a tão grande distância um do outro causava a ambos uma grande tensão e, em certas ocasiões, ela sentia-se assustada. Como se tivessem sido separados pelo destino, por uma força maior do que eles. Nunca sentira isso e era algo de aterrorizador.

 

Não sei que faria confessou honestamente. O Steve tem sido toda a minha vida há muito tempo. Sem ele, sentir-me-ia perdida. Ele é bom para mim e eu amo-o. Sem ele, a minha vida seria um enorme buraco negro.

 

E sentia-se dessa maneira agora, como se fosse cair num abismo de infortúnio e de terror, se o perdesse. Detestava sequer pensar nisso. Mas sabia que, se um deles não fizesse qualquer coisa, depressa isso podia acontecer. Começava a encarar esse facto. Após quatro meses de separação quase total, pareciam estar a seguir em direcções diferentes e precisavam de fazer qualquer coisa para o evitar, muito em breve.

 

O que é que faria se se divorciassem?

 

Meredith detestava ouvir a pergunta e não queria sequer pensar nisso.

 

Matava-me respondeu, demasiado depressa para ser verdade. Depois ponderou a questão. Não sei. Recompôr-me e começar de novo, creio. Mas levaria muito tempo. É o que sucede consigo, Cal. Não é de surpreender. Investiu muito nesse casamento, durante sete anos. Teve três filhos. Obviamente, acreditava e confiava em Charlotte e ela atraiçoou-o. É natural que uma pessoa leve muito tempo a recuperar disso, se conseguir fazê-lo completamente.

 

Eu levei muito tempo declarou Callan, olhando-a. Meredith não percebia o efeito que causava nele, e ele sentia-se grato por isso. Assim era mais simples. Não iria cometer o mesmo erro que cometera no Natal. Talvez demasiado tempo. Começo a pensar que desperdicei os últimos oito anos. Quis mostrar aos outros como era duro e cínico, para que não vissem como ficara magoado. Mas fiquei. Muito e por demasiado tempo.

 

E agora? perguntou ela, pressionando-o, facto que não lhe importou. Era sempre franco com ela.

 

Agora, quero seguir em frente e ter outra vez uma vida própria. Sinto repentinamente a falta de tudo o que não tive durante todos estes anos, e estou para aqui sentado a pensar o que diabo andei a pensar e a fazer durante tanto tempo

 

E quer isso agora

 

Meredith riu-se Como em tudo, era impaciente e queria resultados imediatos e soluções instantâneas

 

Claro que sim retorquiu Callan, sorrindo e sentindo-se melhor. Gostava de falar com ela. Não só era uma brilhante aquisição para os seus negócios, como também a melhor amiga que ele tinha há anos. A sua boa estrela devia estar a brilhar no dia em que a conhecera Por isso, encontre-me a mulher perfeita

 

Tratava-a como a amiga que era, visto não ter mais opções com ela Apesar de todas as conversas teóricas sobre o que sucederia se as coisas não resultassem com Steve, Cal sabia que ela estava ainda muito apaixonada pelo marido e profundamente dedicada ao seu casamento. O único homem que queria era Steve, e Cal como o seu melhor amigo

 

No meu contrato de trabalho também há essa cláusula’ perguntou Meredith, divertida

 

Claro que sim. Estava em letra miudinha

 

Óptimo. E onde é que poderei encontrá-la?

 

Diabos me levem se sei disse com um sorriso agarotado. Eu não a encontrei. Não creio que haja muitas mulheres perfeitas. Há muitas em mau estado e outras estúpidas e maçadoras, como dizem os meus filhos As perfeitas estão escondidas ou são casadas acrescentou Cal olhando-a demoradamente

 

Meredith percebeu o cumprimento e ficou sensibilizada, mas não lhe disse nada

 

Ficaram sentados calmamente lado a lado, durante um tempo. Finalmente, ele levantou-se e ajudou-a a levantar-se. Depois caminharam ao longo da praia, de mãos dadas, como dois garotos. Cal sentia-se melhor depois de ter falado com ela. Quando chegaram junto das cadeiras viram que algumas das outras pessoas do grupo tinham descido também à praia. Mas Cal estava de novo bem-disposto, como sempre, e as nuvens que se tinham amontoado sobre ele haviam-se dissipado. Pediram bebidas e conversaram animadamente. Umas horas depois, Cal e Meredith recolheram aos seus quartos para mudar de roupa.

 

Meredith tomou um duche, vestiu um vestido de seda branca e pôs um colar de contas azuis. Calçou sandálias brancas, de salto alto, e quando Cal a viu achou-a espectacular. Mas mesmo assim não podia esquecer o aspecto dela na praia, apenas com o biquini. Tudo nela era inesquecível e quando ela lhe sorriu, no terraço que partilhavam, Cal sentiu qualquer coisa enfraquecer dentro de si. Meredith conhecia-o tão bem que ele receou que tivesse percebido. Mas ela não deu sinais disso.

 

Pronta para a matança? perguntou Cal, entregando-lhe um copo de vinho. Ficaram um momento juntos a beber o vinho e a olhar um maravilhoso pôr do Sol.

 

Isto é lindo, não é?

 

Lindíssimo.

 

Entristecia-a ver uma paisagem tão bela como aquela sem a poder partilhar com Steve. Havia demasiados momentos especiais que, agora, deixavam de partilhar. Quando ligara para o hospital, nessa manhã, as enfermeiras haviam-lhe dito que Steve ainda não parara de entrar e sair da sala de operações.

 

Quase desejava que não tivéssemos de ir ter com os outros. Era melhor ficarmos no terraço e jantarmos calmamente.

 

Não temos essa sorte, minha cara disse, rindo. Iam jantar com cinquenta pessoas, todas elas dispostas a divertirem-se. Seguir-se-ia um ruidoso luau. Mas também gostaria de ver realizado o desejo de Meredith e jantar ali tranquilamente.

 

Como sempre, Meredith mostrou-se graciosa para toda a gente; apresentava as pessoas que ainda não se conheciam e parecia resolver os problemas antes de eles surgirem. Ninguém se apercebia disso, a não ser Cal, que tinha consciência de tudo o que ela fazia para garantir que a noite fosse um sucesso para todos os que ali se encontravam.

 

Você é espantosa, Merrie disse-lhe Cal quando regressaram aos seus quartos à meia-noite. É como uma fada que passa por entre a multidão, agita a sua varinha mágica e torna toda a gente feliz. Até eu.

 

Meredith sabia que ele não gostava de comida do Havai. Confessara-lhe isso quando estavam a planear a viagem; então ela recomendara que lhe servissem bife, batatas fritas e salada. Callan ficara surpreendido quando lhe puseram o prato na frente e percebeu instantaneamente o que se passara

 

Há alguma coisa em que não pense?

 

Espero que não me esqueça de muita coisa disse Meredith, satisfeita por ele ter reparado. Não lhe competia tratar de todas aquelas coisas, mas gostava de as fazer e era óbvio que mais ninguém o faria.

 

Graças a si, foi uma grande noite, mas para si não deve ter sido muito divertida, pois esteve sempre a trabalhar.

 

Eu gostei de o fazer.

 

O cenário era espectacular e o ambiente confortável e festivo.

 

Quer sentar-se no terraço durante um bocado? sugeriu Callan.

 

Meredith concordou, com um gesto. Callan tinha uma garrafa de champanhe no bar do seu quarto e encheu uma taça para cada um deles. Ela não bebera mais nada, além do copo de vinho que partilhara com ele, durante o dia Estava de cabeça bem lúcida. Os outros tinham bebido inúmeros mai-tats, e adivinhava que no dia seguinte haveria algumas dores de cabeça. Meredith e Callan ficaram sentados lado a lado, sentindo-se em harmonia um com o outro.

 

Meredith pousou a sua taça; passado um bocado e sem dizer uma palavra, ele estendeu a mão e pousou-a sobre a dela, sorrindo um para o outro.

 

Obrigada por ter sido uma boa amiga para mim, Merie.

 

Você também fez muito por mim, Cal.

 

Isto é apenas o princípio

 

Iam fazer com que a empresa chegasse longe, e estava ainda a pensar em iniciar uma nova empresa com Meredith. Falavam nisso há meses, mas não era nisso que agora pensava ao olhá-la, e, como fizera seis semanas antes, inclinou-se para ela e beijou-a. Quando o fez sentiu uma corrente eléctrica atravessá-lo e uma sensação de pânico por estar a fazer o que não devia, mas não conseguiu resistir e ela também não. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e beijou-o, ficando os dois assim sentados durante um grande bocado, apertados um contra o outro. Callan sabia que devia pedir-lhe outra vez desculpa, mas dessa vez não conseguiu fazê-lo, porque sabia que o pedido de desculpa não seria sincero.

 

Sei que não lhe devia dizer isto, Merrie proferiu, em voz baixa. Mas amo-a.

 

Era um grito que partia do seu coração, da sua alma. Há tempo que o sabia. E ela sabia-o também. Soubera-o, sem o saber. Era essa a força que sentira afastá-la de Steve. Era Callan.

 

Também o amo, Cal murmurou. Não era só o desejo que se apoderara deles. Era muito mais. Era como se fossem ambos parte do mesmo corpo e da mesma alma. E, fosse o que fosse que se passasse a seguir, Meredith sabia que naquele momento era dele.

 

Cal tomou-a outra vez nos braços e apertou-a contra si. Cada partícula do seu corpo a desejava. Há muito que a desejava. Meredith beijou-o com uma paixão que nunca sentira por ninguém, nem sequer pelo marido. Meteu as mãos debaixo da camisa dele e tocou-lhe no peito, enquanto ele lhe puxava lentamente o vestido para baixo, afastando-o dos ombros. Quando ela se levantou, o vestido de seda branca caiu-lhe aos pés, ficando ali em toda a sua glória, apenas com as suas cuequinhas de cetim branco e as sandálias de salto alto. Cal estava deslumbrado, como ficara na praia, e um momento depois ergueu-a nos braços e levou-a para o quarto, pousando-a ternamente sobre a cama. Meredith deixou cair as sandálias dos pés, enquanto ele se despia e acabava de a despir completamente, admirando a sua beleza.

 

É incrível sussurrou Cal.

 

Nunca fiz isto murmurou ela, parecendo assustada.

 

Eu sei.

 

Meredith dissera-lhe que nunca fora infiel a Steve. Mas agora era diferente. Era um desejo tão intenso e tão profundo que nenhum deles conseguia resistir.

 

Não tenha medo, Merrie.

 

As mãos dele percorriam-lhe o corpo e, quando os seus lábios se encontraram, ela gemeu baixinho.

 

Amo-a tanto! Nunca amei ninguém assim disse Cal, repetindo tudo o que ela sentia e sabia estar nela desde o início. Queria acreditar que estava a proceder mal, mas no fundo do seu coração não podia. E na sua própria alma sabia que fora para aquilo que nascera e ali era onde devia estar.

 

O tempo que Callan e Meredith passaram no Havai foi meio conto de fadas, meio pesadelo. Nenhum deles se sentira tão feliz na vida, mas, ao mesmo tempo, sabiam que o fruto proibido, provado ali, iria mudar inexoravelmente as suas vidas. Meredith não fazia ideia de como havia de resolver a situação. Já não existia qualquer dúvida no seu espírito. Amava Cal e ele amava-a, mas a questão era o que devia fazer. Não tinham direito àquele amor e, no entanto, não queriam pensar que podia findar. O sonho acabara de começar.

 

Que havemos de fazer? perguntou a Callan quando estavam deitados ao lado um do outro, na cama, depois de terem finalmente conseguido escapar ao grupo. Mostravam-se totalmente circunspectos em público e tinham a certeza de que ninguém adivinhara o seu segredo, mas só pensavam agora em ir para o quarto e ficarem sós, fazer amor e falar durante longas horas.

 

Numa das noites conversaram até de madrugada, dormindo apenas algumas horas antes da reunião.

 

Trabalhavam juntos, como habitualmente, mas a nova dimensão que tinham dado ao seu relacionamento alterava tudo. E entre as diferenças horárias e os afazeres de um e outro, Meredith ainda não falara com Steve desde a sua chegada ao Havai.

 

Que vamos fazer, Meredith? perguntou gravemente Cal, olhando-a e percorrendo com os dedos as curvas graciosas do corpo dela. O que partilhavam eram vulcões de paixão e ilhas de calma. Mas o que os esperava quando saíssem dali constituía um temporal de proporções gigantescas e águas perigosamente profundas. Isso não era segredo para nenhum deles, mas Cal olhava-a com uma expressão de felicidade. Sabiam que se amavam, mas não sabiam mais do que isso. Callan não fazia qualquer ideia do que Meredith iria decidir: voltar-se para o passado, ou para o futuro. Ambas as coisas eram possíveis e até ela própria tinha a sensação de vogar ao acaso para o desconhecido. Era como um barco que se tivesse solto suavemente das amarras.

 

Não sei disse francamente Meredith, deixando-se ficar encostada a ele e captando a força e o calor do seu corpo. O que sentia por ele era poderoso e fascinante. Não sei. não posso fazer isso a Steve., deixá-lo.. Não posso

 

Mas também não podia deixar Cal, e isso ela sabia. Estava apanhada entre dois mundos e sentia-se puxada para direcções opostas

 

É melhor não tomarmos já decisões lembrou sensatamente Cal, tentando manter-se calmo e não a assustar. Não precisamos de fazer nada por enquanto. Porque não havemos de aproveitar o momento enquanto podemos?

 

Ela assentiu com a cabeça, lentamente, Cal beijou-a e começou novamente a acariciá-la.

 

Quando estavam juntos não podiam afastar-se um do outro, mas eram extremamente circunspectos logo que se encontravam junto de outras pessoas. Faziam os discursos que tinham preparado, conduziam pequenos grupos e juntavam-se a todo o grupo ao almoço e ao jantar. Mesmo o mais observador dos seus colegas teria dificuldade em notar alguma mudança no comportamento dos dois. Mas o que Meredith sentia mais do que qualquer outra coisa, quando estava com ele, era uma imperceptível intimidade cada vez maior e mais profunda entre ambos. Era algo intangível, mas pouco real, que valorizava tudo quanto tinham feito até àquele dia. E era tão óbvio para ela que achava estranho que mais ninguém se apercebesse disso.

 

Devem ser cegos disse Meredith a Cal, quando estavam ambos embrulhados em toalhas, no terraço, antes de se irem vestir para o jantar. Haviam nadado na praia, depois tomado um longo banho quente, juntos, e, inevitavelmente, tinham feito amor.

 

- Muitas vezes as pessoas não vêem o que está mesmo em frente delas observou Cal com ar satisfeito, bebendo um martini. Durante o dia não bebia, mas gostava de um cocktail antes do jantar e, ocasionalmente, Meredith acompanhava-o. Mas nesse dia não o fez. Queria ter a cabeça bem clara na reunião dessa noite. O que lhes estava a suceder era já suficientemente embriagador.

 

Sentes-te feliz? perguntou ele quando viam o pôr do Sol, estendidos em cadeiras de repouso, lado a lado

 

Mais do que aquilo que mereço respondeu Meredith.

 

O que tinham descoberto era muito especial para eles, mas sabiam também que, pelo menos de momento, aquela felicidade era emprestada, se não roubada. De momento, contudo, podiam desfrutar dela e nenhum deles resistia a fazê-lo. A força que os impelira um para o outro era mais poderosa do que eles.

 

Mereces tudo o que desejas disse Cal amorosamente, inclinando-se para a beijar.

 

Às vezes isso não é verdade respondeu Meredith. Nem sempre temos aquilo que queremos. Gostava que nos tivéssemos encontrado mais cedo.

 

Também eu respondeu Cal com um suspiro. Mas talvez nessa altura ainda nenhum de nós estivesse preparado.

 

Contudo, naquela altura também não estavam. Ele era livre, mas ela era casada.

 

Nós fazemos tudo tão bem em conjunto, Meredith.

 

Sim, eu sei respondeu Meredith, sorrindo. Como o Fred Astaire e a Ginger Rogers.

 

Não. Como a Meredith Whitman e o Callan Dow. Somos pessoas especiais, Merrie. Sabemos o que queremos e não receamos trabalhar como cães para o obter. O mesmo se poderia dizer de nós agora, se quisermos isto. Podemos ter uma vida maravilhosa os dois, se decidirmos ir em frente. Não te quero pressionar em coisa alguma. A questão é saber o que queres? Ir de um lado para outro pode não ser fácil para ti.

 

Era a primeira vez que ele lhe propunha partilhar a vida com ela e, mesmo assim, não era bem clara a base em que tal decorreria. Como mulher, como amante ou como namorada? E Meredith percebeu que talvez nem ele próprio o soubesse bem ainda.

 

Não estou disposta a magoar o Steve por nossa causa, Cal disse calmamente Meredith. Ele não merece isso.

 

Apesar daquilo que sentia por Cal, não podia imaginar a vida sem o marido. Este pertencera à vida dela demasiado tempo para agora desistir dele. Steve fazia parte dela, corpo e alma. Era mais complicado do que Cal pensava. Nunca fora infeliz com Steve. As circunstâncias haviam-nos afastado. Não fora por o terem escolhido. A única escolha que fizera fora a de ir para a Califórnia, e Steve alinhara consigo. Mesmo assim, não sabia se fora uma decisão acertada.

 

Jantaram com os outros nessa noite, como de costume, e ficaram até tarde a dançar à luz das estrelas. Depois foram dar um passeio pela praia, de mãos dadas e conversando em voz baixa. Nunca se beijavam quando estavam fora do quarto, com receio de que alguém os visse.

 

Finalmente, na manhã seguinte, Steve telefonou-lhe. Cal acabara de sair do quarto dela, e Meredith ficou sobressaltada quando o telefone tocou e percebeu que era o marido. No momento em que ouviu a voz de Steve, sentiu-se incrivelmente culpada.

 

Como vão as coisas, Merie disse Steve jovialmente. Tens-te divertido?

 

Até aqui tudo bem respondeu ela, procurando falar no tom de voz dele, mas sentindo-se como uma criminosa. Temos andado muito ocupados.

 

Aposto que sim. Deve ser quase o mesmo que um acampamento de escuteiros.

 

Mais ou menos.

 

Meredith riu, mas com um som cavo e quase gemeu ao pensar na dor que lhe poderia causar.

 

Falaram durante um bocado e, por fim, ela informou-o que tinha de ir para uma reunião

 

Telefono-te logo que possa disse como conclusão Mas ele quase a dispensou disso, dizendo:

 

Não te preocupes com isso, querida Sei que estás ocupada. Telefona só quando for conveniente para ti

 

Cada palavra que ele dizia a fazia sentir-se pior e quando se encontrou com Callan, depois da primeira reunião, este apercebeu-se imediatamente da tensão dela

 

Passa-se alguma coisa, Merie? perguntou Cal em voz baixa quando se dirigiam para a sala de jantar com os outros.

 

Falei com o Steve.

 

Parecia infeliz, e, por instantes, Callan sentiu-se tomado de pânico. Estava aterrorizado com o que Meredith lhe pudesse dizer a seguir. Não queria que o romance entre eles acabasse.

 

Falaste-lhe de nós?

 

Sabia que seria uma possibilidade eventual, mas parecia-lhe muito cedo para isso. Estavam ainda a apalpar terreno. Aquilo era ainda muito novo para ambos, mas, se fosse possível, queria um futuro com Meredith, um futuro que não incluísse Steve.

 

Não, claro que não respondeu. Mas ele foi tão querido ao telefone que me senti terrível. Cal, ele não merece isto.

 

Ele assentiu com a cabeça, sem ter a certeza do que devia dizer, depois murmurou:

 

Não, mas nós merecemos. Talvez tenhamos ganho esse direito.

 

Não à custa dele contrapôs Meredith. E não restavam dúvidas de que alguém iria ficar magoado. Naquela situação não podia haver três vencedores. Alguém ia perder.

 

O que é que me estás a dizer? perguntou Cal com um olhar de pânico, enquanto caminhavam lentamente atrás dos outros. Receava que ela já tivesse falado a Steve a respeito deles e que lhe estivesse a dizer que tudo acabara entre ambos, mas ela não podia ter feito isso.

 

Estou apenas a dizer que tenho pena dele, mas pelo menos não sabe nada do que se passa.

 

Compreendo disse Cal, aliviado. E entraram na sala de jantar lado a lado.

 

Durante o resto do tempo, fizeram o que tinham a fazer e o retiro correu extremamente bem sob todos os pontos de vista. E à noite descobriam novos mundos nos braços um do outro, cimentando o elo que crescia entre eles há meses. Na altura em que saíram do Havai, Meredith estava tão apaixonada por Cal que lhe apetecia partilhar a sua felicidade com os outros. Mas não havia maneira de poderem fazer isso. Precisavam mais do que nunca de ser discretos.

 

Quando chegaram, Cal acompanhou-a ao apartamento dela, onde permaneceu algumas horas. Quando o telefone tocou, ela não atendeu. Sabia que seria Steve e não se sentia caPaz de lhe falar.

 

Cal teve dificuldade em a deixar para ir para casa ter com os filhos. Depois de lá estar telefonou-lhe e, dessa vez, calculando quem fosse, Meredith atendeu.

 

Estou cheio de saudades disse em voz baixa; em resposta ela riu. Pareciam dois adolescentes, perdidamente apaixonados um pelo outro

 

Também tenho saudades. Não queres voltar mais tarde?

 

Julguei que nunca mais ias perguntar disse Cal, sorrindo para si próprio e feliz com ela. Deu as boas-noites aos filhos, deixou-os com a governanta, depois de se irem deitar e voltou a sair. Às onze da noite estava de novo com ela. Na manhã seguinte foram para o escritório juntos. Cal pedira à governanta que, se os filhos perguntassem por ele, de manhã, lhes dissesse que tinha tido uma reunião muito cedo.

 

Como é que vamos fazer? perguntou Meredith, enquanto lhe preparava o pequeno-almoço e lhe entregava o The Wall Street Journal.

 

Com cuidado, sensata, lentamente Temos de pensar bem nisto, Meredith.

 

Tinham pensado bem em tudo e ambos queriam proceder lentamente. Meredith dissera-lhe desde o início que não ia deixar Steve, o que Cal compreendia. Mas o que isso significava, para ambos, era que o seu romance tinha de ter um fim. Era só uma questão de saberem quanto tempo ia durar, quanto tempo iriam aguentar sem causar grandes danos a ninguém. De momento, pensavam que sim, que poderiam fazer isso, embora o seu futuro fosse limitado. Cal sabia que tinha de aceitar isso, embora não gostasse. Agora queria Merie na sua vida, mais do que como amiga e empregada.

 

Passaram o dia no escritório, como de costume. Steve telefonou antes do almoço. Estava muito ocupado, fazendo operações umas atrás das outras, ainda a substituir Harvey Lucas. Este devia manter-se em convalescença ainda mais um mês, ou pelo menos três semanas. Anna continuava a ajudá-lo. A unidade de traumatologia era como um espectáculo de circo, e Steve estava quase sempre a andar sobre o arame e a fazer malabarismos com tochas acesas.

 

Steve mal teve tempo de perguntar a Meredith sobre o Havai, mas quis saber se ela ia a casa nesse fim-de-semana. Disse-lhe que sim, mas lamentou tê-lo feito, quando Cal entrou no gabinete dela e lhe perguntou se queria ir com ele e com os filhos ao Carmel, no fim-de-semana.

 

Gostaria muito disse Meredith, mostrando-se desapontada, mas acabei de dizer ao Steve que iria a casa.

 

Viu qualquer coisa brilhar nos olhos de Cal, que ficou calado.

 

Talvez seja melhor telefonar-lhe e adiar a minha ida.

 

Isso é contigo disse calmamente Callan. Não queria pressioná-la. Mas Meredith começou a pensar que detestava ter de deixar Cal e não estava ainda preparada para enfrentar Steve, depois do que se passara no Havai.

 

Telefonou a Steve nessa tarde, dizendo-lhe que tinha surgido um trabalho inesperado no escritório e que, afinal, tinha de falar com clientes no fim-de-semana. Steve respondeu que compreendia, mas não pareceu ficar muito satisfeito. E quando desligou, sentiu-se outra vez como se fosse uma criminosa. Estava a fazer uma coisa que nunca fizera, a mentir a Steve. E ocorreu-lhe também que fazia exactamente o que a ex-mulher de Callan fizera, por isso, este a odiara. Dormia com o patrão e mentia ao marido. Não era um quadro bonito; nessa noite disse isso a Cal, quando este estava no apartamento dela. Fora ter com ela, depois de ter jantado com os filhos, e estava cansado. Mas não gostou do que Meredith disse a respeito de Charlotte.

 

Isto não é a mesma coisa, Merrie! disse enfaticamente.

 

Como é que não é a mesma coisa? A situação é igual.

 

Ela já andava metida com ele quando nos casámos, e nunca me disse. Continuou a relação sempre e, entretanto, fomos tendo filhos. Estivemos casados durante sete anos, e a relação deles durou sempre. Nunca me contou o que se passava e deixou-me por causa dele. É um milagre nenhum dos meus filhos ser dele. Se não fossem todos tão parecidos comigo, ficaria preocupado.

 

Deve ter sido terrível comentou Meredith, sentindo pena dele. Mas não deixava de ver as semelhanças entre as duas situações e era inegável que existiam.

 

Nesse fim-de-semana foram ao Carrnel com os filhos de Cal. Ficaram numa pousada de Pebble Beach, onde tinha um quarto separado do deles. Surpreendentemente, as crianças não se ressentiam nada com a presença dela. Como sabiam que era casada com Steve, não pensavam que fosse namorada do pai e aceitavam-na como uma amiga. Foi fazer compras com as raparigas, enquanto Andy e Cal jogavam golfe. Foram ao Platti, no Carmel, e comeram pasta ao jantar. E a conversa foi animada. As crianças faziam troça do pai a respeito de uma porção de coisas: do cabelo, do modo como se vestia, do género de mulheres de que gostava. A conversa foi animada. Era óbvio que, apesar das falhas que lhe encontravam, gostavam genuinamente dele

 

Deve ser duro não ter o seu marido aqui disse com simpatia Mary Ellen, o que surpreendeu Meredith, pois era um comentário de uma pessoa adulta Como resposta, limitou-se a concordar, com um baixar de cabeça.

 

Pois é. Ele está a tentar arranjar lugar num hospital aqui, mas não é muito fácil. De qualquer modo, agora está preso em Nova Iorque, porque o chefe dele teve um acidente

 

Ele trata de pessoas que levam tiros, não é? quis saber Andy

 

Faz isso e outras coisas

 

As pessoas em Nova Iorque devem dar muitos tiros umas nas outras para ser preciso um médico especial para isso acrescentou Andy, o que fez com que todos rissem. Era uma ideia muito interessante e não deixava de ser certa, mas fez lembrar a Meredith que Steve fazia parte da sua vida e que não podia evitá-lo para sempre.

 

Ela e Cal voltaram a falar nisso nessa noite e ela disse-lhe que precisava realmente de ir a casa no fim-de-semana seguinte. Mas quando chegou a quinta-feira soube que tinha, na realidade, de receber clientes vindos de Tóquio E ficou sem saber que dizer a Steve, visto se ter servido já dessa desculpa na semana anterior, que passara no Carmel com Cal e os filhos.

 

Outra vez? exclamou Steve quando lhe disse que não podia ir. Céus, Merie, não tencionas voltar aqui?

 

Não sabes que estou preso em Nova Iorque por causa do Lucas?

 

E a Anna? Não pode ficar a substituir-te para vires à Califórnia?

 

Esta semana, não. Trabalhou seis dias seguidos. Não vê a filha há dias. Disse-lhe que, pelo menos, no domingo estaria eu de serviço.

 

Então, se eu fosse também não estarias comigo. Se calhar, é melhor eu não ir.

 

Meredith começava a arranjar desculpas que Steve não estava a aceitar muito bem.

 

Ouve, Merrie, não quero saber quem vai aonde. Quero ver-te. A última informação que tive foi que ainda somos casados. E, sendo esse o caso, gostava de te ver mais do que uma vez por mês, se achares bem.

 

Steve estava realmente irritado com ela.

 

Para a próxima semana irei sem falta prometeu Meredith.

 

Isso é o que tu dizes todos os fins-de-semana, depois chegas à quinta-feira e dizes-me que tens de receber clientes, ou tens de ir ao Havai, ou deitar um papagaio com o Callan Dow. Não sei que diabo estás a fazer aí. Sei apenas que nunca te vejo.

 

Steve mostrava-se zangado, cansado e ciumento, e ela não podia censurá-lo.

 

Desculpa. Não sei que dizer.

 

Sentia-se terrivelmente culpada e um pouco assustada pelo que estava a fazer. Estava a pôr em risco o seu casamento e sabia-o. Não podia esperar que Steve aceitasse aquela situação para sempre.

 

Deixa lá, Meredith. Vejo-te quando te vir. Se vieres a Nova Iorque, telefona-me. Agora tenho de voltar para o trabalho.

 

Steve desligou o telefone. Meredith sentiu-se desconfortável com aquela conversa durante todo o dia, mas não disse nada a Cal. Steve era problema dela. E seu marido.

 

Na sexta-feira à noite serviu de anfitriã, com Cal, no Restaurante Fleur de Lys. Os japoneses gostavam da comida francesa e acharam o restaurante excelente. No sábado levaram-nos ao Masa’s. As reuniões com eles também correram bem e ficaram entusiasmados com um novo sistema que Cal estava a criar. Meredith andou constantemente com os clientes até estes partirem, no domingo. Quando telefonou a Steve, nessa noite, este não estava; assim, saiu para ir jantar com Cal e com os seus filhos

 

Steve trabalhou durante todo esse fim-de-semana em Nova Iorque, e se Meredith lá estivesse não se poderiam ter encontrado. Houve outro nevão e a temperatura desceu drasticamente. Havia lençóis de gelo no chão e Steve disse que nunca vira tantas fracturas. Ajudava os ortopedistas nas operações, dia e noite. Também houvera quatro colisões frontais, que envolveram crianças.

 

Dera o fim-de-semana de folga a Anna, mas ficou satisfeito quando esta regressou ao hospital, no domingo ao fim da tarde, e ele ainda estava a trabalhar.

 

Ouvi dizer que esteve muito animado este fim-de-semana disse-lhe ela, sorrindo. Divertira-se deslizando sobre a neve com a filha, em Central Park, utilizando tampas de caixotes de lixo e sacos de plástico. Obrigada pela folga Divertimo-nos muito.

 

Sorte a sua resmungou Steve. Todas as senhoras idosas de Nova Iorque estiveram aqui com o traseiro partido, desde sexta-feira.

 

Gosto do diagnóstico. Disse-lhes isso?

 

Sim Elas adoraram

 

Sorriu-lhe, ainda carrancudo. Desde quinta-feira que andava maldisposto.

 

A Meredith veio? perguntou casualmente, imaginando se teriam discutido, ou se ele a teria visto. Ultimamente tinha a sensação de que as coisas não corriam brilhantemente entre eles.

 

Não. Teve de receber outra vez clientes disse secamente.

 

Mesmo que tivesse vindo, não a poderia ter visto afirmou Anna, com o seu habitual sentido prático.

 

Isso foi o que ela disse. Mas podia pelo menos ter tentado.

 

Ouça, rapaz. Vocês estão ambos muito ocupados. Sabia que não ia ser fácil quando a deixou mudar-se. Pensou que ambos teriam trabalho lá. Mas você não tem e estão ambos a tentar levar as coisas o melhor possível. Ela não tem culpa de que lhe tenham faltado com o lugar.

 

Anna estava a ser razoável, mas Steve sentia-se aborrecido por achar que ela não o lamentava tanto quanto devia lamentar.

 

Tem de insistir nisso? Ou está a chatear-me por gosto? retorquiu Steve, zangado. Anna encolheu os ombros; um minuto depois ele pedia-lhe desculpa.

 

Desculpe. Tive um fim-de-semana de merda. Desde sexta-feira que não durmo. Estou exausto com tudo isto. Tenho saudades da minha mulher. E tenho a sensação de que ela não quer voltar mais aqui, e isso está a pôr-me doido.

 

Então, vá vê-la disse sensatamente Anna. No próximo sábado é Dia de São Valentim. Porque não lhe faz uma surpresa?

 

E se ela fizer o mesmo e vier para cá?

 

Steve estava demasiado cansado para pensar, mas Anna não. E no fundo do seu coração, apesar das suas palavras amargas e modos duros, era ainda uma romântica.

 

Diga-lhe que está outra vez de serviço e que não pode ir vê-la. Assim, ela não virá. Então, vai você e faz-lhe a surpresa... leva-lhe um presente... rosas, chocolates, essas coisas do Dia de São Valentim. Muito romântico. Ela vai gostar.

 

Anna sorriu-lhe, desejando que houvesse alguém que lhe fizesse isso a si. Mas não havia. Há anos que não havia.

 

Anna, você é um génio! exclamou Steve, feliz. Nessa noite fez as reservas para os voos. Tencionava partir na sexta-feira ao meio-dia, quando saísse do hospital. Com a diferença horária podia estar em Palo Alto antes de ela sair do escritório.

 

Obrigado agradeceu novamente a Anna, ao ir para casa dormir um pouco, prometendo-lhe estar no hospital na manhã seguinte.

 

Chame-me Cupido retorquiu ela, vendo-o afastar-se.

 

Estava tão cansado que cambaleava. Ficou satisfeita por ele não ir conduzir. Sabia que apanharia um táxi para ir para casa, o apartamento que ela ainda não vira. Calculava que Steve não quisesse que ela se sentisse mal ao ver o luxo do apartamento Mas Anna sabia que a mulher dele ganhava muito dinheiro Steve ia a casa dela algumas vezes para beber um copo ou comer um burrito quando ela os fazia. Ele e Felicia eram agora grandes amigos e ambas gostavam das visitas dele

 

Essa noite foi calma na unidade de traumatologia e Anna não precisou de o chamar. Ela dirigia tudo muito bem, e tanto as enfermeiras como os internos gostavam dela. Tinha esperanças de que o lugar passasse a ser permanentemente dela, mas, por enquanto, ainda não havia quaisquer sinais. Steve parecia não ir para parte alguma. Ao pensar nisso nessa noite, sentada no gabinete dele, Anna sentiu-se satisfeita.

 

Que vais fazer no sábado? perguntou Cal a Meredith na sexta-feira de manhã.

 

Nada de especial respondeu, sorrindo-lhe. Sabia que dia era e calculava em que é que ele estava a pensar. Sábado era Dia de São Valentim e Meredith ia passar mais um fim-de-semana na Califórnia. Steve já a avisara de que ia estar de serviço e que não valia a pena ela ir a Nova Iorque. Tinham cancelado mais um fim-de-semana, e preocupava-se com o facto de estarem a separar-se tão rapidamente. Além disso, sentia que a vida que estava a construir com Cal se ia tornando mais sólida de minuto a minuto. Viam-se todos os dias; e Cal passava a noite com ela sempre que podia. Jantava com ele e com os filhos e acompanhava-os a jogos de basquetebol, ao cinema e a outros sítios, todos os fins-de-semana. Tornara-se uma vivência constante a dois, e Cal começava a sentir-se como marido dela.

 

No trabalho ninguém dera por coisa alguma, e eles tinham um cuidado supremo em fazer com que assim continuasse. Os filhos dele também pareciam não ter suspeitas. Toda a gente achava que ela e Cal eram os mesmos amigos que sempre tinham mostrado ser, desde que trabalhavam juntos. Porém, mais cedo ou mais tarde, era inevitável que alguém viesse a saber e teriam então um grave problema. Seria muito mau as pessoas saberem que ela andava a enganar o marido.

 

Que dizes a irmos jantar ao Fleur de Lys amanhã à noite? sugeriu casualmente Cal.

 

Gostava muito respondeu ela, sorrindo com prazer. Meredith sentia estranheza por não passar o Dia de São

 

Valentim em companhia de Steve, e assaltava-a uma sensação de culpa por querer estar com Cal em São Francisco. Mas, na verdade, era com Cal que queria estar agora, não com Steve.

 

Porque é que não jantas lá em casa hoje? propôs Cal. Posso alugar uns vídeos e fazemos pipocas.

 

Queres que eu leve os vídeos? perguntou Meredith, guardando na pasta uns papéis que precisava de estudar.

 

Contudo, cada vez levava menos trabalho para fazer em casa. Em vez disso, passava o tempo com Cal e não tinha disposição para trabalhar em casa.

 

Está bem. Leva os vídeos. Eu preparo o jantar para nós, depois de os garotos comerem.

 

Era uma ideia que agradava aos dois e Meredith tentava não pensar no que andava a fazer. Viviam numa fantasia que nesse momento era boa, mas que não podia durar para sempre, especialmente depois de Steve arranjar trabalho e ir viver para ali. Por mais que evitassem pensar nisso, sabiam que iriam ter de enfrentar o problema. Mas por enquanto não, dizia Meredith para consigo. Por enquanto não O que partilhava com Cal era demasiado bom para se abandonar. Sabia que estava a ser egoísta, mas não conseguia decidir-se a acabar com a ligação com Cal, por mais culpada que se sentisse em relação a Steven.

 

Irei ter contigo dentro de duas horas prometeu. Primeiro queria ir a casa, tomar um banho, relaxar e deixar que Cal estivesse algum tempo com os filhos antes de ir ter com eles. Não queria que os garotos deixassem de a considerar bem-vinda

 

Meteu-se no carro e dirigiu-se para o apartamento mobilado onde continuava a viver. Ainda não encontrara uma casa que lhe agradasse e cada vez passava menos tempo à procura de uma. Estava sempre ocupada e, enquanto Steve estivesse em Nova Iorque, não via vantagem em sair de Palo Alto. Além disso, gostava de Palo Alto para estar perto de Cal. Este dissera-lhe que poderia ficar no apartamento o tempo que quisesse.

 

Abriu a porta do apartamento e quando entrou sentiu, mais do que viu, algo de diferente. Teve uma sensação estranha ao entrar na sala e pousar a sua pasta. Quando acabou de o fazer, Steve saiu do quarto com um grande ramo de flores na mão. Meredith quase deu um salto quando o viu. A última coisa que poderia esperar era ver Steven.

 

Que fazes aqui? perguntou, como se o marido fosse um intruso. E este olhou-a com estranheza ao dirigir-se para ela com o ramo de flores.

 

Julguei que ias ficar feliz por me ver respondeu Steve, parecendo desapontado.

 

E estou disse ela, recompondo-se imediatamente e dirigindo-se para ele. É que... não esperava... disseste que trabalhavas este fim-de-semana.

 

Quis fazer-te uma surpresa explicou Steve pousando as flores sobre a mesa. Steve puxou-a para si e Meredith rezou mentalmente para que ele não sentisse qualquer resistência. Não voltara a vê-lo desde que tudo mudara entre ela e Cal, e receava que Steve percebesse. Mas quando ele a beijou teve a certeza de que tal não sucedera.

 

Feliz Dia de São Valentim, Merrie disse Steve, satisfeito com o que fizera. Era óbvio pela expressão dela que não o esperara.

 

Que grande surpresa! exclamou corajosamente. E Steve não lhe disse que a sugestão fora de Anna.

 

Achei que era mais fácil vir eu aqui do que arrancar-te do teu trabalho. É bom que estejas livre este fim-de-semana. Amanhã quero levar-te a jantar fora.

 

Também Cal queria, pensou Meredith no momento em que Steve pronunciou aquelas palavras. Mas isso agora era impossível. Tinha de passar o Dia de São Valentim com o marido. Visto que ele viera, precisava de passar todos os minutos com o marido. E isso parecia-lhe ao mesmo tempo uma bênção e uma desventura.

 

Então que vamos fazer hoje à noite? perguntou Steve, sorrindo. Sabia que ela era a sua prioridade, mas depois tencionava levá-la a jantar fora ou a um cinema.

 

Não sei. Porque é que não ficamos aqui? Meredith sentia-se completamente desorientada e por qualquer razão tinha a impressão de estar a falar com um estranho. Tendo dormido com Cal, sentia que toda a sua vida estava desequilibrada.

 

Posso fazer o jantar ofereceu ele. Ou podemos encomendar uma piza, se quiseres.

 

Com certeza, querido. Como preferires proferiu amigavelmente. Deves estar exausto.

 

Pelo menos esperava que estivesse, mas Steve parecia surpreendentemente fresco, apesar da diferença horária e dos dias seguidos que estivera de serviço no hospital.

 

Dormi no avião. Agora sinto-me óptimo. Abraçou-a de novo. Senti muito a tua falta.

 

Não se viam há cinco semanas, e durante três semanas ela permitira a si própria iludir-se, como se Steve já não existisse Mas agora ele era bem real

 

Também senti a tua falta mentiu ela, embaraçada, mudando as flores para a mesa da casa de jantar. Ao observá-la, Steve achou que alguma coisa estava diferente, embora não pudesse dizer o quê. Talvez fosse a surpresa e ela ainda não tivesse tido tempo de a absorver.

 

Como foi a tua semana? perguntou Steve.

 

Boa.

 

Parece que nestes últimos dias tens trabalhado dia e noite disse Steve Telefonara-lhe todos os dias, mas ela raramente atendia, porque Cal estava com ela. Só falara com ele do escritório.

 

Tenho andado muito ocupada respondeu vagamente.

 

Porque é que não hei-de tomar um duche para depois descontrairmos durante um bocado. disse Steve com um sorriso

 

Meredith sabia o que aquilo significava. Às vezes, quando estavam mais dias sem se verem, depois de fazerem amor sentiam-se mais confortáveis um com o outro, mas dessa vez, só de pensar nisso, Meredith sentiu-se tomada de pânico.

 

Gostaria muito, mas tenho más notícias. Meredith corou ao dizer aquelas palavras, por várias razões

 

O que é? perguntou Steve, momentaneamente preocupado.

 

Não é a altura certa do mês para certas coisas. Tentou deixá-lo tirar as suas próprias conclusões.

 

Estás com o período? perguntou ele. Meredith assentiu com a cabeça. Não era verdade, mas não queria enfrentar os aspectos físicos da sua dupla vida e da sua complicada situação. Não se tinha preparado para o que sucederia, quando se encontrasse com ele.

 

Isso não tem grande importância disse Steve, sorrindo Isso nunca te incomodou quando andávamos a estudar, pois não?

 

Meredith ficou assombrada e tomada de pânico.

 

Se vamos viver tão longe um do outro, é preciso aproveitar o que temos quando nos encontramos.

 

Obrigada murmurou ela, enquanto Steve desaparecia no quarto para se despir e ir tomar duche. E logo que ouviu a água a correr, foi ao telefone e ligou para Callan. Este atendeu ao segundo toque e ficou satisfeito ao ouvir a voz dela.

 

Quando é que vens? Comprei dois belos bifes e uma garrafa de vinho.

 

Não posso ir respondeu apressadamente.

 

Porquê? Passa-se alguma coisa?

 

Cal percebeu a tensão na voz dela, dando-se conta de que falava num sussurro.

 

O Steve está aqui. Fez-me uma surpresa... Seguiu-se um silêncio doloroso.

 

Compreendo... bem, isso é interessante. A que devemos o prazer... Deixa-me adivinhar... Ele veio por ser o Dia de São Valentim, para um pouco de romance.

 

Cal mostrava-se cínico, a fim de esconder o seu desgosto. Mas era o preço que tinha de pagar por ter uma ligação com uma mulher casada.

 

Acho que sim. Não sei, Cal.

 

Agora mentia também a Cal. O sonho estava a transformar-se rapidamente num pesadelo, mas sabiam que isso iria suceder. Tinham estado a enganar-se a si próprios nas últimas semanas, mas agora deviam enfrentar a realidade. O único que não sabia o que se passava era Steve.

 

Não posso estar contigo amanhã disse com tristeza.

 

Obviamente. Depois, pareceu recompor-se. Tudo bem, Merrie. Compreendo.

 

Tinham adiado falar seriamente sobre o futuro deles porque sabiam que, até Steve aparecer, podiam viver a sua fantasia. Mas agora eram obrigados a encarar a realidade e todas as suas implicações.

 

Para a semana iremos jantar juntos e falaremos no assunto. Até segunda-feira. Calculo que ele parta para Nova Iorque no domingo à noite.

 

Ainda não me disse quando vai.

 

A água deixara de correr e ela sabia que tinha de desligar. A situação estava a deixá-la extremamente nervosa.

 

Telefono-te quando puder.

 

Não te preocupes com isso. Vou passar um fim-de-semana tranquilo com os meus filhos. Lembra-te só de uma coisa.

 

De quê? sussurrou.

 

Amo-te.

 

Ao ouvi-lo, pensou que Cal era melhor do que ela merecia. Eram ambos. Sentia-se culpada para com os dois. Eram bons homens e ela amava os dois. Mas dar a cada um deles metade do seu coração era menos do que qualquer um merecia e isso estava a enlouquecê-la.

 

Eu também disse ela, enquanto Steve entrava na sala embrulhado numa toalha, ainda a pingar.

 

Passa um bom fim-de-semana desejou Meredith, desligando, enquanto Steve lhe sorria.

 

Quem era?

 

A minha secretária. Joan... preciso que me faça algum trabalho este fim-de-semana

 

As mentiras não tinham fim, e Meredith detestava-se a si própria por as dizer. Mas não havia maneira de poder ser honesta com Steve. Que devia dizer-lhe? Que era Cal e que acabara de lhe dizer que o amava.

 

Vocês todos trabalham de mais anunciou Steve entrando na cozinha e abrindo o frigorífico. Gostava de cerveja, mas ela não tinha nenhuma. Tinha apenas uma garrafa de vinho que Cal lá deixara.

 

Não tens cerveja disse Steve, olhando para a garrafa e erguendo as sobrancelhas com uma expressão admirada. Andas a beber uma coisa muito cara. Nunca costumas beber quando estás só.

 

Era mais uma pergunta do que uma acusação

 

Vieram aqui umas pessoas. Os japoneses, no fim-de-semana passado

 

Foi pena não lhes teres comprado saque. Eles gostam mais. Depois podemos ir comprar umas cervejas.

 

Não te esperava, por isso não comprei.

 

Não há problema disse Steve com um sorriso agarotado. Parecia uma criança grande, em comparação com a sofisticação de Cal. Era estranho perceber que se sentia agora mais confortável com o amante do que com o marido. Os últimos quatro meses não tinham sido bons para eles.

 

Porque é que não nos metemos na cama um bocado?

- sugeriu com um sorriso malicioso, dando-lhe a mão e puxando-a para o quarto.

 

Meredith trazia ainda o fato de saia e casaco azul-escuro que levara para o trabalho, com um colar de ouro e brincos de pérolas. Tinha o aspecto de uma calma executiva e a última coisa que lhe apetecia era deitar-se. Mas parecia totalmente impossível recusar. Já tentara dizer-lhe que era a altura errada do mês e ele não aceitara. Se fosse antes de se apaixonar por Cal, estaria ansiosa por se deitar com ele, depois de estarem tanto tempo sem se verem. Tinham tido sempre uma vida sexual muito activa.

 

Meredith despiu o fato, colocou-o nas costas de uma cadeira, tirou os sapatos, tirou as jóias e a cinta, e um minuto depois meteu-se na cama apenas com a roupa interior, depois de uma breve passagem pela casa de banho. Sentia-se como uma dessas noivas lendárias que se trancavam na casa de banho e se recusavam a sair. Se fizesse isso, Steve iria pensar que estava louca.

 

Por instantes, ele ficou apenas estendido ao lado dela, abraçando-a. Meredith sentia como Steve a desejava e subitamente todos os sentimentos pelo marido voltaram, não na forma de paixão, mas de piedade.

 

O que se passa, querida?

 

Conhecia-a muito bem e ficou chocado por perceber que ela tremia.

 

Meredith respondeu-lhe com lágrimas nos olhos. Tinha sido tão desleal para com ele! Estragara tudo e nem sequer lho podia contar. Só o ia magoar. Não sabia bem o que lhe havia de dizer. Que havia de dizer? Que estava a ter um caso e se apaixonara por outro homem? Seria muito cruel dizer-lhe.

 

Não sei. Tentou explicar-lhe sem dizer nada que o ferisse. É duro não nos vermos durante tanto tempo e depois de repente tu apareces... É estranho, não é?

 

Para mim, não afirmou num tom meigo, com a voz rouca de desejo por ela. Mas as mulheres são diferentes.

 

«Sim», pensou Meredith, lembrando-se do que Cal lhe dissera certa vez a respeito de Charlotte: que as mulheres eram fundamentalmente desonestas. Detestava-se pelo que estava a fazer. E achava que não era melhor do que a outra.

 

Desculpa.

 

Agarrou-se a ele como uma criança perdida enquanto ele a abraçava. Steve fora o seu amigo, o seu mentor, o seu conforto, e agora era como se fosse um estranho para si.

 

Não peças desculpa, Merie. Deixa-me só abraçar-te. Abraçou-a durante longo tempo e ela acabou por relaxar.

 

Mas quando Steve tentou fazer amor, ela mostrou-se tão tensa e tão rígida que pensou que se tivesse tornado frígida. Com ele, pelo menos. Fora muito diferente o que se passara com Cal, no Havai. Finalmente Steve disse:

 

Talvez não tivesse sido boa ideia fazer-te uma surpresa.

 

Levantou-se. Não queria forçá-la a fazer amor consigo, mas também não queria desistir disso. Deu uma volta pelo quarto e viu o relógio de ouro que ela deixara sobre a mesa-de-cabeceira.

 

O que é isto? perguntou.

 

É o meu relógio respondeu ela, olhando-o.

 

Isso vejo eu. Onde o arranjaste?

 

É um Bulgan. Foi o presente de Natal do Cal. Não merecia a pena mentir também sobre isso. Tinha de ser honesta com qualquer coisa

 

Um presente e tanto disse Steve com ar infeliz. Deve ter custado muito dinheiro.

 

Ele é muito generoso com os empregados afirmou friamente, enquanto Steve a olhava com os olhos cheios de dor e de interrogações.

 

Preciso de te perguntar se és mais do que isso para ele?

 

perguntou Steve. E quando os olhos de ambos se encontraram, ela abanou lentamente a cabeça. Não queria que ele soubesse e não ia dizer-lhe. Agora tinha a certeza. Seria mais fácil dar-lhe um tiro do que contar-lhe. E não desejava fazê-lo, nem tinha coragem para isso.

 

Não, não precisas. O relógio não significa coisa alguma.

 

Steve pousou o relógio sobre a mesa e o nome de Callan não voltou a ser pronunciado durante o resto do fim-de-semana.

 

Nessa noite saíram para comer uma piza; no dia seguinte ficaram em casa quase todo o tempo e foram comer hambúrgueres, que era a ideia de Steve de uma celebração do Dia de São Valentim. Finalmente, sábado à noite, ela fez amor com ele, mas não foi nada como costumava ser, e Steve percebeu que qualquer coisa estava errada.

 

A vida que estamos a levar não nos está a fazer nada bem, pois não? perguntou Steve. Temos de fazer alguma coisa para não ir tudo por água abaixo, não achas?

 

Eu sei. Resta-nos ter paciência retorquiu Meredith em voz baixa.

 

Esta separação está a fazer-nos muito mal insistiu Steve, indo buscar uma cerveja. Tinham comprado uma embalagem com seis, nessa manhã. Mas o que ele não sabia era que o mal já começara a ser feito.

 

Quando regressar, vou tratar novamente do assunto. Isto não pode prolongar-se indefinidamente disse Steve.

 

Ela concordou, com um baixar de cabeça, e ficou calada. Durante essa noite ficou acordada durante horas, enquanto Steve dormia a seu lado. Estava ansiosa por telefonar a Cal, mas não se atrevia. Se Steve acordasse e a ouvisse, seria um desastre. Na manhã seguinte leram o jornal juntos para verem os anúncios de casas. Steve estranhou ela não ter ainda encontrado nenhuma, mas Meredith disse-lhe que não tivera tempo.

 

Creio que temos andado ambos demasiado ocupados observou Steve. Temos de andar mais vezes para trás e para diante.

 

O embaraço que haviam sentido perturbara-o verdadeiramente.

 

Steve não tentou voltar a fazer amor com ela. O que se passara na noite anterior não fora bom para nenhum deles. Ela acabara por ficar a chorar.

 

Jantaram os dois no aeroporto, antes de ele embarcar. Steve beijou-a amorosamente, ao despedir-se, e ela apertou-se contra ele. Sentia-se como se o fosse perder para sempre, se o deixasse ir-se embora. Queria-lhe pedir que ficasse, mas as palavras não lhe saíam da boca e, de qualquer modo, sabia que não ficaria. Tinha de voltar para Nova Iorque e para o seu trabalho.

 

Enquanto o avião se dirigia para a pista, Meredith voltou-se e afastou-se. Chorou durante todo o caminho para casa. Quando o telefone tocou, depois de chegar, julgou que fosse Cal e atendeu. Era Steve, do avião

 

Só quero que te lembres de uma coisa, Merie disse ele.

 

De quê? As palavras pareciam-lhe familiares.

 

De quanto eu te amo.

 

Fora exactamente o que Callan lhe dissera quando falara com ela, na quarta-feira

 

Eu também te amo respondeu com voz abafada. Desculpa ter sido um fim-de-semana tão mau.

 

Devia-lhe muito mais do que essas desculpas, mas também tinha sido demasiado para ela e agora não sabia o que havia de fazer com Cal.

 

Não foi assim tão mau. Precisa de uns pequenos ajustamentos quando voltarmos a estar juntos. Tentarei voltar aí dentro de quinze dias. Porque não vens tu na próxima semana? Havemos de voltar a entrar nos carris, minha querida. E se não arranjar um lugar aí rapidamente, irei nem que seja para guiar um táxi.

 

Não te deixaria fazer isso respondeu tristemente Meredith.

 

Vejamos o que vai suceder quando o Lucas voltar ao trabalho. São apenas mais duas semanas. Talvez eu me limite a fazer as malas e a ir ter contigo.

 

As palavras dele pareciam-lhe um dobre de finados. Ou teria de acabar tudo com Steve ou com Cal e qualquer das coisas lhe parecia terrível.

 

Amo-te, Steve murmurou. E dessa vez com sinceridade. Sentia-se horrivelmente infeliz e mais confusa do que nunca. E o pior é que sabia que merecia isso.

 

Também te amo, querida repetiu Steve, antes de desligar. Meredith ficou sentada a chorar, sem saber o que havia de fazer.

 

O telefonema seguinte, uma hora mais tarde, foi de Cal. Falou com voz triste e confessou-lhe que fora um fim-de-semana de pesadelo para ele. Quase enlouquecera a pensar nela Não lhe quis dizer como sentira ciúmes ao imaginá-la na cama com Steve E agora só queria vê-la

 

Posso ir aí?

 

Meredith queria dizer-lhe que não, mas sentia-se impelida para ele, mais pela atracção física do que pela razão.

 

Estou num estado lastimoso avisou Meredith. Foi o pior fim-de-semana da minha vida.

 

Também o meu. Vamos tentar ultrapassar isso juntos. Meredith não fazia ideia de como agiria quando o visse, nem de como se sentiria. Mas logo que lhe abriu a porta soube. Caiu-lhe nos braços e desfez-se em soluços, agarrada a ele. Cal abraçou-a e beijou-a até que, minutos depois, estavam na cama onde ela dormira com Steve na noite anterior. Mas naquela altura nem sequer pensava nisso. Apenas desejava Cal, desejava-o tão intensamente como ele a desejava, e ele possuiu-a com a força da paixão que partilhavam. Ficaram assim lado a lado, agarrados um ao outro como duas almas perdidas, até de manhã.

 

Então como correu? perguntou Anna a Steve na segunda-feira de manhã, quando este chegou ao hospital. Apanhara um táxi no aeroporto e fora directamente para o hospital. Tinha um ar triste e cansado e, como de costume, a sua roupa estava amarrotada.

 

Como correu? repetiu, olhando-a por instantes sem parecer compreender. Para ser sincero, correu pessimamente. Não sei o que está mal, mas acho que tudo. Ela agiu como se eu fosse um estranho. E quando não estava a recusar-se a fazer amor comigo, estava a chorar. Tive um fim-de-semana verdadeiramente fantástico. Obrigado por perguntar.

 

Parecia e estava exausto.

 

Merda!

 

Anna teve pena dele e pensou se teria feito uma sugestão errada quando lhe dissera que fizesse uma surpresa à mulher.

 

O que é que pensa que lhe esteja a suceder? Anna estava intrigada por aquilo que ele descrevia.

 

Sinceramente não sei. Creio que ela está a trabalhar de mais. E talvez se sinta esquisita por viver sozinha. Que sei eu?

 

Anna tinha uma pergunta na ponta da língua, mas receava fazê-la. Gostava demasiado dele para o querer magoar. Mas Steve percebeu que Anna estava a pensar em qualquer coisa e, enquanto se servia de uma chávena de café, perguntou:

 

O que é que não me quer dizer?

 

Nos dois meses que tinham trabalhado juntos haviam conseguido ficar a conhecer-se bem um ao outro.

 

Provavelmente é uma coisa disparatada. Ia perguntar se acha que ela anda com alguém. Talvez o tenha feito e se sinta culpada.

 

A Meredith? Steve pareceu achar graça. Nem pensar! Nunca fomos infiéis um ao outro. Confio inteiramente nela. Creio que o facto de estarmos separados está a torná-la frígida e neurótica. É uma óptima combinação.

 

Talvez precise de terapia declarou Anna, com o seu sentido prático.

 

Talvez precise de mim. E eu estou preso aqui, a trabalhar como um cão e sem um lugar à vista na Califórnia. É uma situação impossível.

 

Ninguém disse que ia ser fácil.

 

Obrigado, doutora, pela consulta de psiquiatria. Agora conte-me o que se passou aqui este fim-de-semana.

 

Steve tinha um ar abatido quando se sentou à sua secretária e começou a tratar dos assuntos do hospital.

 

Duas operações ao cérebro, uma fractura de fémur, três colisões frontais envolvendo um total de treze pessoas, e quatro cenas de tiros. Duas mortes em resultado disso; os outros foram para casa no dia seguinte. Acho que é tudo. Ah, e dois tornozelos torcidos concluiu Anna, como se estivesse a fazer a lista da roupa.

 

Não está a brincar?

 

Não. Tivemos um fim-de-semana muito ocupado. Contudo, parece ter sido melhor do que o seu.

 

Nisso tem razão.

 

Steve começou a sentir-se melhor depois de voltar ao trabalho. De certo modo, era um ambiente mais são e que ele entendia melhor. Pelo menos ali fazia falta.

 

Anna mostrou-lhe os boletins dos pacientes e visitou todos os casos com ele. Steve ficou impressionado e grato por tudo o que Anna fizera e soube-lhe bem tê-la como amiga com quem podia desabafar.

 

Trabalharam juntos toda a tarde; nessa noite fizeram operações e na terça-feira de manhã ela foi a casa ter com a filha. Steve sairia de serviço nessa noite e o chefe dos internos ficaria a substituí-lo.

 

Quer ir lá a casa comer macarrão com queijo e cachorros-quentes? convidou Anna.

 

Excelente combinação. E se eu levar uns bifes para si e para a Felicia?

 

Não precisamos de caridade disse ela, mostrando-se insultada. Se quer o que há na ementa, vá. Se lhe apetece algo mais requintado, vá a um restaurante.

 

Anna era orgulhosa e boa pessoa. Além disso, tinha mais tomates do que muitos homens que ele conhecia e apreciava isso nela. Não se sentia embaraçada por ser pobre e não queria ajudas de ninguém.

 

Não quis insultar os seus cozinhados. Adoro macarrão com queijo respondeu com um olhar de admiração. A que horas devo ir?

 

Vá quando sair do hospital. Pode tomar um duche em minha casa, ou pode ficar sentado com esse aspecto desmazelado, se isso o fizer sentir-se melhor. É rigorosamente ir como estiver.

 

Steve também apreciava isso nela. Não se dava ares, nem esperava que ele o fizesse. Era uma pessoa extremamente honesta e directa.

 

Irei por volta das sete. Posso levar cerveja ou também me dá um pontapé no traseiro se eu o fizer? É que não gosto muito de sumo de laranja. Era o que ela lhe dera a beber da última vez que lá estivera.

 

Está bem, pode levar cerveja. Mas nada de vinho ou champanhe.

 

Sabia como ele era rico, por causa da mulher, contudo não queria que partilhasse essa riqueza com ela. Na verdade, era muito rigorosa a esse respeito.

 

Posso ir na minha limusina?

 

Pode ir como quiser. Se preferir vá de avião a jacto. Anna sorriu, e Steve percebeu que a colega lhe perdoara

 

ter querido levar bifes. Ela era um porco-espinho por fora, mas por dentro um verdadeiro melaço.

 

O meu helicóptero pode pousar no terraço?

 

Vá-se lixar e volte para o trabalho respondeu Anna, antes de sair do hospital e ir ter com Felicia.

 

Steve chegou a casa de Anna, no West Side, às seis e meia. O médico que o ia substituir aparecera mais cedo, e ele aproveitara a oportunidade para sair antes que chegassem mais doentes e tivesse de acabar por ficar ali.

 

Quando lhe abriu a porta, Anna vestia umas calças de ganga justas e uma camisola de angora branca. Tinha um aspecto bonito e macio. O corpo, cujas formas desapareciam completamente sob as batas do hospital, era agora posto em evidência pela camisola de malha. Tinha o cabelo solto e calçava uns confortáveis sapatos de quarto. Felicia andava aos saltinhos pela sala, vestida com um bonito pijama de flanela cor-de-rosa. Daquela vez, as baratas tinham desaparecido. O dono da casa «exterminara-as» uns dias antes, embora Anna dissesse que não tardariam a voltar.

 

Apesar da sua simplicidade, o jantar que Anna preparara estava delicioso. O macarrão com queijo estava bom, os cachorros-quentes eram grandes e ela fizera também pão de milho. Steve levara duas embalagens de seis latas de cerveja, de modo a poder deixar uma para ela, e um bolo de chocolate que lhe parecera bom.

 

Não precisa de o comer, se acha que estou a comprá-la com o bolo.

 

Eu como! gritou Felicia.

 

Eu sirvo-te disse Steve, dando-lhe uma grande fatia. Anna sorriu-lhe. Steve era sempre muito simpático para Felicia, o que a levava a lamentar que ele não tivesse filhos. Ocasionalmente pensava em Meredith e tentava imaginar que género de mulher seria. Muitas vezes tinha a sensação de que Steve estava muito iludido a respeito dela.

 

Steve deu também a Anna uma fatia de bolo de chocolate e todos concordaram que era delicioso.

 

Às oito da noite, Anna foi deitar Felicia e Steve ofereceu-se para lhe ler uma história, enquanto Anna lavava a louça. Na altura em que ela acabou, já Felicia dormia profundamente e Steve voltou para a pequena cozinha.

 

O que é que lhe leu? perguntou Anna com curiosidade. Felicia tinha algumas histórias preferidas.

 

Um dos meus livros de medicina gracejou Steve. Achei que você gostaria que eu a influenciasse desde muito cedo.

 

Muito engraçado afirmou Anna, limpando as mãos a uma toalha. Tudo naquele apartamento minúsculo era da maior simplicidade, mas de um asseio absoluto. Anna conseguira transformar o local num lar confortável para si e para a filha, o que fora um grande desafio. As paredes estavam a ficar sem tinta e as divisões eram minúsculas. As janelas davam para outros edifícios semelhantes, igualmente feios. Parecia estar a anos-luz do apartamento dele, mas Anna nunca o vira.

 

Steve entregou-lhe outra cerveja e ficaram sentados lado a lado no sofá, a beber e a conversar. Falaram a respeito do hospital, como sempre, e depois falaram da família dela, dos amigos e de Porto Rico. Anna confessou que sentia a falta de tudo isso.

 

Tenho saudades da minha família, dos meus amigos, de uma porção de coisas. E falou-lhe acerca dos seus sonhos. Ainda queria ir para um país do Terceiro Mundo, um dia, e ajudar as pessoas que tinham mais necessidade do que os rapazes dos bandos rivais que apareciam frequentemente na unidade de traumatologia. Talvez um dia acrescentou ela, pousando a garrafa de cerveja sobre a mesinha da sala.

 

Eu apenas quero ir para a Califórnia um destes dias declarou Steve. Isso é o mais Terceiro Mundo que pode haver para mim. Você é muito mais corajosa do que eu.

 

Apenas não estou tão mimada replicou Anna. Estava sempre a dizer que não lhe interessavam os bens materiais; no entanto, como toda a gente, e até certo ponto, desejava que a vida lhe desse coisas boas, embora não fosse como a maior parte das pessoas que conhecia ou mesmo ele próprio ou Meredith. Às vezes tentava fazer com que ele se sentisse culpado, mas tal não acontecia.

 

A Anna é tão politicamente correcta que, por vezes, me põe doente declarou com um sorriso. Sentia-se descontraído com ela e muito feliz. O efeito do fim-de-semana desastroso na Califórnia começava a desanuviar-se. Talvez não tivesse sido tão terrível como pensara. Mas não queria falar com ela a respeito de Meredith. Conversaram apenas acerca de si próprios. Ela falou-lhe de Yale e a respeito dos seus sonhos para Felicia.

 

Quero que seja advogada. Ganham mais dinheiro do que nós.

 

O homem que recolhe o lixo ganha mais dinheiro do que nós. E, a propósito, julguei que não aprovava que as pessoas ganhassem muito dinheiro.

 

Não em relação à minha filha disse ela, sorrindo com bom humor. Era uma boa mãe, uma boa pessoa e Steve gostava dela. Além disso era bonita, sexy e de fácil convívio.

 

Como é que não tem um namorado? perguntou Steve passado um bocado, e ela sorriu. Tinham o hábito de fazer perguntas indiscretas um ao outro, a que ambos respondiam com sinceridade.

 

Não tenho tempo Trabalho demasiado. Além disso, há anos que não conheço ninguém que me interesse. Todos os homens que conheço são gays, cretinos ou casados

 

Isso é muito interessante afirmou Steve, mais descontraído. O que é que têm de mal os gays’? gracejou

 

Detesto que os homens com quem ando vistam a minha roupa. Geralmente fica-lhes melhor a eles do que a mim.

 

Isso não seria fácil retorquiu Steve, fazendo-lhe um cumprimento indirecto, o que a fez sorrir. Gostava de estar com ele

 

Bem, isso resolve o assunto com respeito aos gays. Acho que os cretinos são um pouco maçadores, mas podem ser interessantes. Têm um certo encanto, é preciso admiti-lo. E os casados?

 

Não me agradam declarou com franqueza. Não gosto de jogar quando sei que não posso ganhar. Aprendi isso muito cedo. As probabilidades tinham ido contra ela com o pai de Felicia. Nesse caso, fora a família dele quem ganhara.

 

Isso é sensato observou Steve tranquilamente. Eu nunca andei com outras mulheres. Não me parecia bem para com a Merrie e, além disso, nunca encontrei ninguém de quem gostasse mais

 

Nem mesmo agora, que ela não está cá’ perguntou Anna, fitando-o com atenção. Steve tentou não olhar para os seios dela, moldados pela camisola. É um homem muito leal, se consegue manter-se fiel a uma mulher que só vê uma ou duas vezes por mês, às vezes menos.

 

Creio que sou é estúpido murmurou Steve. Era uma excelente pessoa, e ela sabia-o

 

E se soubesse que ela estava a ser-lhe infiel, Steve?

 

Isso não pode ser. A Meredith só pensa no trabalho. Vive, dorme, come, respira sempre a pensar no trabalho.

 

Isso não é muito sexy declarou, com franqueza, Anna

 

Ultimamente, não tem sido

 

Steve era sincero com ela E havia algo de triste nos seus olhos ao dizer isso. Não acreditava que Meredith estivesse a enganá-lo, mas pensava que começavam a perder terreno de certa maneira, a perder o contacto e, pior ainda, a perderem-se um do outro. Sentira claramente isso no fim-de-semana anterior, na Califórnia.

 

Ama-a muito, não é verdade?

 

Ele assentiu com a cabeça, mas viu algo nos olhos dela que o fez continuar:

 

Amo-a, sim, mas tenho de admitir que algo mudou desde que ela se foi embora. Às vezes tenho a sensação de que já não somos casados e que apenas nos encontramos de vez em quando... ou que somos apenas amigos... ou uma coisa assim. Vivemos tão afastados que, quando nos encontramos, tenho a sensação de que não a possa alcançar. É uma sensação terrível.

 

Deve ser.

 

Anna tinha as suas próprias teorias a esse respeito, mas não queria magoá-lo e não lhe disse nada. Conhecia as mulheres melhor do que ele. Começara também a pensar que Steve podia nunca ir para a Califórnia. Não estava a suceder, e a mulher não parecia muito ansiosa por que ele lá estivesse. Mas também não lhe disse isso. Além do mais, Steve gostava do seu trabalho no hospital e não conseguia imaginá-lo a ir-se embora.

 

É estranho como as pessoas se afastam umas das outras. Uma vez, estive apaixonada por um tipo que se foi embora. Fiquei obcecada por ele durante um ano. Não conseguia pensar noutra coisa. Era uma fantasia minha que nada tinha a ver com a realidade. Na verdade, o tipo não passava de um cretino concluiu Anna.

 

Steve sorriu.

 

Pelo menos não era gay, nem casado. E devem existir outras categorias. Solteiros, talvez. Talvez você não esteja a tentar, Anna.

 

Não há assim muito, pode crer. E dá muito trabalho procurá-los.

 

Esse é que é o verdadeiro problema. Você é preguiçosa.

 

Anna era tudo menos preguiçosa, no hospital. O que tinha era antigas feridas e antigas cicatrizes a proteger. Escondia-se.

 

Ficaram sentados a conversar durante um grande bocado; às dez horas ela bocejou, e Steve olhou para o relógio.

 

Tenho de ir disse, embora não lhe apetecesse nada entrar no seu apartamento vazio. E gostava de falar com ela.

 

Não precisa de se ir embora. Geralmente, não me deito antes da meia-noite.

 

O que é que faz quando está aqui sozinha?

 

Leio. Sobretudo, leio.

 

Deve sentir-se só observou Steve afectuosamente. Estavam ambos sós numa cidade cheia de gente.

 

Muitas vezes sinto-me, mas não me importo. Às vezes é bom estar só. Faz-nos pensar e saber coisas que de outra maneira não saberíamos. Não tenho medo de me sentir só declarou corajosamente.

 

Eu sinto-me muitas vezes disse Steve com tristeza. A minha vida era muito melhor quando a minha mulher aqui estava. Agora, vou para casa e não tenho lá ninguém. A Anna tem a Felicia.

 

Isso é verdade.

 

Ela assentiu com a cabeça quando ele a olhou; quase instintivamente ele tocou-lhe na face e ficou surpreendido por sentir como a pele dela era sedosa. Anna era extraordinariamente atraente e muito sexy. E não se afastara quando lhe tocara, o que o surpreendeu. Isso tornou-o mais ousado e atraiu-a contra si beijando-a. E Anna não o deteve.

 

Estou a cometer alguma estupidez? perguntou num sussurro. Não sou gay, mas sou casado e pode vir a descobrir que sou um cretino.

 

Não creio respondeu ela também num sussurro. Sei o que faço... e conheço as regras.

 

Quais são elas?

 

Estava admirado por ver como se mostrava tão aberta em relação a ele. Eram duas pessoas solitárias, esfomeadas, e estava sobre a mesa uma refeição quase irresistível. Era difícil a ambos recusá-la. E sentiam-se seguros um com o outro.

 

As regras básicas são que ama a sua mulher e que pode acabar por ir para a Califórnia disse com simplicidade.

 

Não posso, vou. Steve não queria iludi-la

 

Compreendo respondeu Anna com a mesma simplicidade.

 

Depois enfiou-lhe as mãos por baixo da camisola e abraçou-o, ao mesmo tempo que perguntava:

 

Quer ficar aqui esta noite?

 

Ele anuiu com a cabeça e beijou-a, agora com mais ardor. Tudo nela o fazia desejá-la. Era tão diferente do que fora com Meredith no último fim-de-semana! Era algo de puro, doce e honesto e, quando Steve tocou em Anna, sentiu o desejo e a paixão que irradiavam dela. Ela não tinha ilusões a respeito dele, não queria que lhe fizesse promessas. O que desejava estava ali. Era imediato.

 

Vamos para o meu quarto.

 

Steve nunca enganara Meredith. No entanto, com Anna, parecia-lhe que não estava a praticar um acto reprovável e desejava-a ardentemente.

 

Seguiu-a até a um quarto do tamanho de um armário, pouco maior do que a cama. Havia ali um único candeeiro ao lado da cama. Anna acendeu-o um minuto, para se orientarem e depois apagou a luz e fechou a porta à chave. Steve despiu-a no escuro e deitou-se ao lado dela. Sentia-a mais do que a via. Mas a claridade que vinha da rua era mais que suficiente para se aperceber da beleza dela.

 

Não houve palavras trocadas entre eles, nem promessas, nem mentiras, mas apenas o desejo intenso que sentiam um pelo outro. Quando a tomou nos braços, ela gemeu e movimentou-se, despertando ainda mais o desejo dele. Steve sentiu-se completamente dominado pela paixão. Estar com Anna era como ser disparado de um canhão, explodir de paixão. Depois, quando ficou exausto nos seus braços, Anna acariciou-lhe meigamente o cabelo, como se ele fosse uma criança, apertando-o contra si. Há muito, muito tempo que Steve não se sentia tão feliz. Há tanto tempo que já não se lembrava.

 

Não quero magoar-te, Anna disse, por fim, com tristeza. Isto pode ter um fim desagradável para nós. Estava quase certo de que iria ter.

 

Também a vida pode respondeu serenamente Anna. Agora é bom. Se consegues viver assim, eu posso.

 

Ela queria tão pouco dele, ou não queria coisa alguma! E tudo quanto lhe podia dar estava nos braços dele naquele momento, mas era muito mais do que a mulher dele estava disposta a dar-lhe.

 

Basta que me digas quando quiseres acabar, ou quando te fores embora. Não precisas de bater com a porta. Podes fechá-la devagar.

 

Steve, porém, não queria fechar nenhuma porta naquela altura. Estava ainda a abri-las, e quando começou a acariciá-la de novo, com as mãos e com a língua, ela fez-lhe o mesmo e o que lhe deu foi uma noite que ele recordaria durante muito tempo.

 

Meredith não viu Steve durante o mês seguinte, após o fiasco da noite do Dia de São Valentim. Ela e Callan tiveram de ir a Tóquio e a Singapura, e Steve pareceu nunca mais poder sair do hospital. Cada dia se afastavam mais e cada vez falavam menos ao telefone.

 

Meredith fora para a Califórnia há cinco meses e envolvera-se romanticamente com Cal há quase dois. Agora sentia fazer mais parte da vida dele do que da de Steve. Andavam sempre juntos, no trabalho, em casa, no seu apartamento, com os filhos dele, nos fins-de-semana. E um dia Andy olhou para ela e fez-lhe uma pergunta que a chocou:

 

O seu marido vem realmente para cá?

 

O garoto não estava a ser grosseiro, apenas revelava curiosidade.

 

Não sei, Andy respondeu com sinceridade. Não parecia, e ela não tinha a certeza se queria que Steve viesse. Uma semana depois, Andy perguntou ao pai se Merrie era namorada dele.

 

Somos apenas amigos explicou Cal. Mary Ellen ergueu as sobrancelhas e não disse nada. Estavam a enganar-se apenas a eles próprios. Steve também deixara de falar em arranjar um lugar ali. Com efeito, nunca mais se queixara por ela não ir a Nova Iorque aos fins-de-semana. Meredith teria ficado preocupada se tivesse pensado no que isso poderia significar, mas fazia o possível por não pensar. E Cal não lhe fazia perguntas. Só queria era estar com ela, achando que mais tarde poderiam tomar uma decisão. Não estava preparado para ter um compromisso definitivo com ela. De certo modo, a situação era perfeita para todos eles. Meredith ligara algumas vezes para casa, à noite, e, não o encontrando, teria percebido que Steve não dormia no apartamento. Mas achava que dormia no hospital, e ficava satisfeita por não ter de falar com ele.

 

Harvey Lucas regressara ao trabalho há duas semanas, mas Steve não voltara a falar em ir-se embora. Falara a Harvey na possibilidade de contratar Anna permanentemente. E depois de trabalhar com ela durante duas semanas, Harvey achava-a também fantástica. Estavam a tentar conservá-la ali, ainda que numa base temporária.

 

Quando Meredith voltou de Singapura, Steve disse-lhe que queria falar com ela. Pensara muito no assunto e estava preocupado com o que andavam a fazer.

 

Dessa vez, falou com ela antes de lhe aparecer. Não queria fazer-lhe surpresa. Meredith pareceu hesitante, mas não tinha motivo para recusar vê-lo e sabia que não podia evitá-lo para sempre

 

O que é que lhe vais dizer? perguntou Cal, dessa vez. Vais-lhe contar a verdade?

 

Parecia estar dividido. Queria e não queria que ela lhe dissesse.

 

Dizer-lhe o quê? Que o nosso casamento está desfeito? Que tenho um caso contigo?

 

Meredith não sabia que dizer a Steve e nem sequer sabia o que pensar.

 

Isso é contigo, Merie.

 

Em que pé é que estamos, Cal

 

Isso faz alguma diferença?

 

Pode fazer respondeu ela.

 

Creio que tens de ser tu a tomar a decisão. Não quero ser responsável por desfazer o teu casamento

 

Meredith achou que Cal, com aquelas palavras, mostrava estar tão confuso como ela. A única coisa que Cal sabia é que não podia pensar na hipótese de ela ir passar o fim-de-semana com Steve, embora nada dissesse quando lhe contou Não queria, de modo algum, pressioná-la e tornar a situação ainda mais difícil.

 

Quando Meredith viu Steve, sentiu-se mais confusa do que nunca. Havia nele algo tão familiar e confortável... mas, dessa vez, ao sugerir fazerem amor, ela disse-lhe que queria conversar primeiro. Sentaram-se no sofá, sem que ela fizesse ideia do que ia dizer-lhe. Só sabia que não queria magoá-lo.

 

Tomei uma decisão, Meredith, disse Steve Meredith preparou-se para o ouvir. Pensava que ele ia dizer para se divorciarem e não o censurava por isso. Nem sequer sabia o que lhe responderia se o dissesse. Mas ele surpreendeu-a.

 

Acho que não nos resta muito tempo continuou Steve um instante depois. Se continuarmos mais alguns meses a viver assim, creio que tudo acabará entre nós, Merrie. Acho que ambos sabemos isso.

 

Steve falava calma e afectuosamente. Meredith concordou baixando imperceptivelmente a cabeça, pensando que ele iria perguntar-lhe se ela sabia porquê, mas Steve não o fez. Ocorreu-lhe que talvez ele soubesse e não o quisesse ouvir da boca dela. Ficou calada e continuou a ouvi-lo.

 

Vou deixar o hospital em Nova Iorque. Falei para um hospital aqui, em São Francisco. Têm uma vaga num serviço de urgências e estou disposto a aceitá-la. Não tratam grandes coisas, pequenas fracturas, ferimentos ligeiros, enfim... Mas se vou esperar por um lugar perfeito, quando este aparecer já não teremos casamento. Por isso, quando regressar a Nova Iorque vou pedir a minha demissão e depois virei para aqui.

 

Meredith ficou assombrada com o que ouvia, mas sabia tão bem como ele que, se o seu casamento tinha alguma hipótese de salvação, teria de ser Steve a salvá-lo.

 

Quando é que virás? perguntou Meredith, sem fazer qualquer comentário. Enquanto fazia a pergunta, o cérebro dela trabalhava rapidamente. A declaração que Steve lhe fizera significava que ela teria de terminar a sua ligação com Callan e não se sentia preparada para o fazer.

 

Daqui a duas semanas anunciou Steve. O Harvey está de volta e têm a Anna para me substituir.

 

Nem sequer dissera a Anna, pois primeiro quisera falar com Meredith, mas tinha a sensação de que Anna já se apercebera disso. No último mês tinham-se aproximado muito um do outro e isso era perigoso. Queria deixá-la antes que ela tivesse um verdadeiro desgosto. Nas últimas quatro semanas vivera praticamente com Anna, mas sabia que não podia comprometer-se. Poderia ser mau para ela e para Felicia, e gostava demasiado das duas para as fazer sofrer. Segundo as categorias de Anna, ele era casado e estava prestes a tornar-se um cretino.

 

Meredith parecia absorta com o que o marido acabara de lhe dizer.

 

Duas semanas? repetiu com voz fraca. Mas sabia que seria agora ou nunca. Sabiam ambos. E pelas mesmas razões, embora nenhum deles conhecesse os motivos do outro.

 

Não vale a pena esperar mais, Merie. O hospital quer-me a partir dessa altura. Quando eu vier, já teremos estado separados durante seis meses. É muito tempo. Demasiado, na minha opinião.

 

Eu sei murmurou Meredith Mas só conseguia pensar em Cal e em como ia dizer-lhe. E em como iria sentir a falta dele.

 

Não pareces muito satisfeita, Merie observou Steve com tristeza. Tinham chegado a uma situação difícil no casamento e ambos o sabiam. Mas ele queria fazer mais uma tentativa, antes de perder as esperanças, e Meredith também não estava preparada para ficar definitivamente sem ele. Parece-te que ainda podemos tentar? perguntou-lhe.

 

Eu quero fazê-lo respondeu ela em voz baixa. A verdade é que não sabia se conseguiria. Sabia, sim, que precisava de tentar. Não podia deitar fora quinze anos de um casamento feliz, por mais apaixonada que estivesse por Cal. Pensou se teria de se despedir quando lhe contasse. Não tinha maneira de saber qual seria a reacção de Cal. Teria de lhe dizer agora, antes de Steve se demitir. Se tivesse de se despedir, voltaria para Nova Iorque e Steve não deixaria o seu lugar no hospital.

 

Vamos tentar, Merie insistiu Steve. Ela concordou com um gesto. Não conseguia dizer fosse o que fosse. Estava esmagada pelas suas próprias emoções.

 

Depois disso, passaram um serão calmo, conversando, embora ele se apercebesse de algo muito diferente nela. Meredith parecia-lhe muito triste e Steve apercebia-se da sua tristeza sem compreender de onde é que esta vinha. Anna acabara por lhe dizer, uns dias antes, que pensava que Meredith estivesse envolvida com outra pessoa, mas Steve dissera-lhe que não era provável. E continuava a acreditar nisso.

 

Não fizeram amor para festejar o acordo. Não parecia a nenhum deles motivo para festejar, apesar de se tratar de uma decisão importante. Steve foi ao hospital, que ficava na cidade, no sábado. Quando ele saiu, Meredith ligou para Cal.

 

Preciso de falar contigo disse Meredith, sem mais explicações. E dez minutos mais tarde estava em casa dele.

 

O que se passa? quis saber Cal. Estava preocupado e tinha boas razões para isso. Meredith contou-lhe rapidamente o que se passava.

 

O Steve vem para cá dentro de duas semanas. Aceitou um lugar num pequeno hospital, nas urgências. Acha que, se não vier agora para aqui, o nosso casamento ficará desfeito e tem razão. Nem mesmo agora me sinto casada com ele. Sinto-me casada contigo, Cal, mas não creio que seja isso que queiras. E eu própria também não tenho a certeza se quero. Tenho de tentar pela última vez. Se não resultar, poderemos voltar a falar sobre nós mais tarde, se ainda quiseres. Mas agora devo ao Steve uma última tentativa. Não creio que reste muito do nosso casamento, mas temos em comum muitos anos que passámos juntos. Entre nós há apenas dois meses e um futuro muito incerto. Sempre soubemos que isto iria eventualmente suceder concluiu tristemente.

 

Cal não pronunciara uma única palavra enquanto ela lhe explicava tudo, mas parecia devastado. Embora soubesse que isso iria suceder, não estava preparado. Não discutiu com Meredith, não lhe propôs casarem, nem lhe disse que a amava. Não queria confundi-la ou pressioná-la. Ficou sentado com uma expressão fechada. Haviam passado dois meses e não sabia bem o que queria. Ou melhor, queria-a a ela, mas não sabia em que condições. Um compromisso mais sério era algo de muito importante, e não sabia se o queria tomar após sete semanas de paixão. Devia sentir-se aliviado por Meredith o estar a forçar a tomar essa decisão. E, no entanto, ao ouvi-la, sentia que o seu mundo tinha acabado. Com efeito, o seu mundo com ela tinha.

 

O que eu preciso de saber continuou Meredith é o que vai suceder com o meu lugar na empresa. Queres que eu me vá embora? Não quero que o Steve abandone o hospital e venha para aqui, para descobrir que eu fui despedida. Se queres que eu vá, demito-me já e digo ao Steve que vou voltar para Nova Iorque. O que queres, Cal? perguntou Meredith o mais gentilmente que pôde.

 

O emprego era o menor dos problemas deles e não os preocupava minimamente.

 

Quero que continues aqui, a trabalhar comigo respondeu simplesmente Callan, com voz rouca de emoção Não te quero perder

 

Também não queria perder a relação que tinham, mas sabia que não estava em posição de dizer isso, e ela também não estava a propor-lhe ficar com ele. Meredith dissera-lhe, desde o início, que não desistiria do seu casamento e, por mais que lhe custasse, tinha de respeitar isso.

 

Tens a certeza, Cal? insistiu Meredith. Vai ser muito duro para nós os dois. Se queres que eu continue a trabalhar contigo, não vai ser fácil

 

Quando é que ele virá?

 

Dentro de duas semanas. No dia um de Abril.

 

Quero passar grande parte desse mês na Europa, à procura de novos produtos. Isso dar-nos-á oportunidade de nos ajustarmos à nova situação e de tu veres o que estás a fazer. Ele poderá não estar aqui muito tempo Não o queria mostrar, mas parecia esperançado.

 

O Steve há-de fazer tudo para que o nosso casamento se salve disse Meredith, embora não soubesse se isso seria possível. Pode parecer horrível dizer isto, Cal, mas eu amo-te. Amo-te mais a ti do que a ele, neste momento Mas preciso de saber realmente o que é real O meu casamento, ou a ligação que tenho contigo. Creio que nenhum de nós o sabe

 

Cal não discutiu com ela, mas ao ouvi-la mostrou-se zangado. Callan Dow não gostava de perder, e o que lhe dissera nos últimos dois meses era verdade Amava-a. Mas já sabia que ela era casada e não podia fugir à realidade para sempre. E não estava preparado para lhe oferecer uma relação permanente, ou o casamento.

 

Partirei para a Europa antes de ele chegar aqui. E não quero que deixes a Dow Tech, Meredith Por favor, não esqueças isso.

 

Obrigada disse ela, levantando-se. Havia lágrimas nos olhos dela, mas não estendeu as mãos para Cal, nem se agarrou a ele. Olhou-o demoradamente e dirigiu-se para a porta, quando a voz dele a fez parar.

 

Quando é que ele se vai embora?

 

Amanhã de manhã respondeu Meredith sem se voltar. Tinha já a mão na porta e sentiu um aperto no coração quando ele lhe fez a pergunta. Ainda queria estar com Cal, mas sabia que não podia. Nunca mais podia. Ou, pelo menos, até saber o que se iria passar com Steve. Talvez nunca.

 

Eu telefono-te disse Cal, e o coração dela deu um salto, apesar de tudo o que lhe dissera. Queria ir-se embora enquanto podia. Se pudessem. Devia, pelo menos, tentar.

 

Não creio que devamos fazer isso disse em voz baixa. Callan ficou calado, enquanto ela fechou a porta devagarinho e saiu.

 

Quando Meredith chegou a casa, Steve estava à espera dela. Parecia tenso, mas disse-lhe que tinha tudo combinado com o hospital da cidade. Durante o resto do dia, conversaram e fizeram planos. Mas não fizeram amor no decorrer de todo o fim-de-semana. Era mais planeamento do que romance. Steve partiu no domingo, de manhã. Tinha agora muito que fazer em Nova Iorque. Depois de ele se ir embora, Meredith ficou sentada no apartamento, triste e infeliz. Precisava de procurar um apartamento na cidade e também não lhe apetecia fazer isso. Não queria fazer coisa alguma. Não queria deixar Cal. Não queria viver com Steve. Não queria coisa alguma, a não ser a vida que levara nos últimos dois meses, mas sabia que agora teria de desistir. Continuava ali sentada, pensando em Cal, quando a campainha da porta tocou nesse mesmo dia, à tarde.

 

Era Cal. Ficou parado à porta a olhar para ela e de repente, sem uma palavra, puxou-a para os seus braços e beijou-a. Parecia tão infeliz como ela. Quisera detestá-la pelo que ela dissera, e planeara fazê-lo. Mas não podia. Desejava-a terrivelmente. Sem dizer uma palavra, deu-lhe a mão e puxou-a para o quarto. E ela seguiu-o.

 

Temos duas semanas, Merrie foi tudo quanto disse. Para eles era mais um dobre de finados do que uma promessa. Mas agora não podiam parar. Só quando fossem obrigados a fazê-lo.

 

Passaram a tarde na cama, como se quisessem fazer provisão daquilo que em breve não iriam ter. Duas semanas. E depois acabaria.

 

Quando chegou a Nova Iorque, Steve ligou para o hospital, a fim de saber se Anna estava a trabalhar nesse dia. A enfermeira que o atendeu foi ver os horários e disse-lhe que ela estaria de folga até terça-feira. Ele próprio só iria trabalhar na segunda-feira à tarde, por isso na segunda de manhã foi ao apartamento dela para a ver. Felicia estava na escola e Anna encontrava-se sozinha em casa quando Steve lá chegou. Telefonara-lhe um pouco antes para a avisar de que iria ter com ela, e Anna parecera satisfeita por o ouvir.

 

Mas logo que viu a cara dele percebeu que alguma coisa se passava. Tinha um ar mais grave do que o habitual e sentou-se no sofá, muito calado, enquanto ela lhe preparava um café.

 

Devo perguntar como correu? perguntou calmamente Anna. Ou devo meter-me na minha vida?

 

Não sabia o que se teria passado, mas via nos olhos dele que algo mudara. E Steve não lhe telefonara durante todo o fim-de-semana. Sabia também que devia ter chegado domingo à noite e não fora ter com ela.

 

Correu bem disse Steve, aceitando a chávena de café e pousando-a sobre a mesa. Não foi tão mau como da última vez. Falámos bastante.

 

Uma boa ou uma má conversa? perguntou Anna, observando-o, tentando adivinhar o que a expressão dele queria dizer. Mas Steve mostrava-se reservado. Eles andavam juntos há quatro semanas, Anna conhecia-o bastante bem, mas às vezes sabia que ele era reservado. Especialmente a respeito de Meredith e da situação na Califórnia. Anna não queria ser intrometida, só queria ajudá-lo.

 

Uma boa conversa, creio respondeu ele. Depois respirou fundo e mergulhou em águas mais profundas. Sabia que ia ser difícil, mas tinha de o fazer. O que sobretudo não queria, era magoá-la.

 

Anna começou, e, só pela maneira como Steve pronunciou o nome dela, Anna sentiu-se arrepiada. Sentia, mais do que sabia, o que se iria passar.

 

Vou mudar-me para lá.

 

Isso não é exactamente uma novidade replicou calmamente Anna. Estava a tentar ganhar tempo para conseguir manter a sua compostura

 

Agora Dentro de duas semanas Vou demitir-me.

 

Encontraste um lugar?

 

Apesar de não o querer mostrar, Anna estava perplexa. O seu rosto tinha a expressão de um animal perseguido.

 

Mais ou menos. Arranjei um lugar nas urgências de um hospital. Não é grande coisa. Mas por enquanto serve. Quero que saibas que significas muito para mim afirmou Steve cuidadosamente. Escolhia as palavras como diamantes, mas sabia que, dissesse o que dissesse, a ia magoar. Por isso é que queria acabar com tudo agora e não mais tarde. Percebera que se estava a apaixonar por Anna e por causa disso decidira pressionar Meredith acerca da sua mudança para a Califórnia. E queria acabar já com Anna, antes que a sua decisão a fizesse sofrer mais ainda. Não quero estragar mais a tua vida do que o fiz nas últimas quatro semanas. Vivemos um sonho. Um sonho de que eu gosto. Gostava de estar aqui contigo, de trabalhar contigo, de dormir contigo, de brincar com a Felicia. Mas não posso. Sou casado com a Meredith e temos quinze anos atrás de nós. Por pior que a actual situação seja para mim, tenho de ir para junto dela e tentar salvar o nosso casamento.

 

É isso que ela quer? perguntou Anna. Tinha os braços cruzados sobre o peito e estava inclinada para a frente, como se lhe doesse o estômago, ou o coração. Steve detestava o que estava a fazer.

 

Ela concordou. Creio que ela sabe, tal como eu, que, se esperarmos mais tempo, o nosso casamento não tem salvação. É a vigésima quinta hora para nós. Ou salvamos o casamento, ou desistimos dele. E não quero que esperes por mim. Quero que assumas que me vou embora daqui. Tens de me esquecer.

 

Steve falava suavemente, mas com determinação; por instantes, Anna pensou que as palavras a iam matar

 

Isso não é assim tão fácil declarou Anna, enquanto os seus olhos se enchiam de lágrimas. Às vezes és um cretino, mas eu amo-te.

 

Lembra-te de que sou um cretino.

 

Isso não devia ser difícil respondeu Anna com os seus habituais modos desprendidos, mas Steve percebeu como ela estava a sofrer. E nem sequer queria pensar em Felicia. Também se apaixonara por ela. Era a filhinha que ele nunca tivera e merecia muito mais do que aquilo que a mãe lhe podia dar. Merecia um pai, precisava de um pai. Contudo, Steve não podia assumir esse papel, porque já tinha um: o de marido de Meredith.

 

Não sei que hei-de dizer-te murmurou, sufocado com as suas próprias palavras. Amo-te. Quero estar aqui contigo. Se fosse livre e tu fosses suficientemente estúpida para me quereres, casava contigo. Mas não te posso oferecer coisa alguma. Estou a iludir-te a ti e a mim, permanecendo aqui. Tenho responsabilidades para com a Merrie.

 

É uma mulher com sorte respondeu Anna com voz rouca. Depois perguntou: E se não resultar? Voltas?

 

Não retorquiu Steve. A palavra pareceu-lhe dura, mesmo a ele. Mas não queria dar qualquer esperança a Anna. Não seria justo. Com sorte, ficaria com Meredith. E se não ficasse, só Deus sabia o que sucederia.

 

Se não resultar disse Steve, tentando convencer-se com as suas próprias palavras, irei fazer algo muito diferente. Talvez vá passar alguns anos a dirigir uma clínica num país subdesenvolvido.

 

Vocês, os ricos, têm sorte observou amargamente Anna. Podem fazer sempre o que querem. Não têm de se preocupar com alimentar ninguém, ou pagar contas, ou criar os filhos. Pegam em vocês, fazem as malas e vão para onde diabo querem ir.

 

Steve sabia que ela gostaria de fazer o que ele acabava de sugerir que faria, provavelmente muito mais do que ele. Mas achava que, na verdade, seria uma boa ideia para si, se a sua tentativa de salvar o casamento falhasse. Era altura de fazer mais alguma coisa na vida do que tratar de tipos que disparavam uns contra os outros.

 

Eu não sou rico respondeu Steve. A minha mulher é que é. Isso é muito diferente. E o que é dela... é dela. Não quero nada de Meredith, a não ser filhos, um dia. Estou a roubar-te alguma coisa, Anna. Há um mês que o faço. A possibilidade de encontrares o homem certo, alguém que case contigo, tome conta de ti e da Felicia e te dê mais filhos. Steve sabia que ela gostaria de ter mais filhos, mas naquele momento mal podia sustentar a filha.

 

Não tenho o direito de te tirar essa oportunidade. Agora estou a devolver-te isso. Estou a devolver-te a tua vida e a tua liberdade.

 

Que nobreza comentou ela tristemente. Posso dizer alguma coisa sobre isso? perguntou lentamente, começando a sentir-se zangada com Steve. Que direito tinha ele de tomar todas as decisões, especialmente tratando-se de algo que a afectava tão profundamente? Amava-o mais do que amara qualquer homem; entrara naquela relação conhecendo as regras básicas desde o início. O que não esperara era apaixonar-se de tal modo por ele e tão rapidamente. Isso tornava mais difícil deixá-lo partir.

 

Não podes escolher disse Steve Podes odiar-me, se quiseres, ou decidir não voltar a falar-me Mas não podes modificar a minha decisão de ir para lá.

 

Nunca me passaria pela cabeça fazê-lo respondeu, furiosa. Nem quereria fazê-lo. Sempre tiveste a liberdade de fazer o que quisesses, e eu também. Sabia, desde o início, que isto poderia suceder. Mas não pensei que fosse tão depressa. Pensei que levasses pelo menos dois meses a arranjar trabalho lá, ou talvez mais. Não pensei que quisesses ir sem teres um lugar, ou que aceitasses um que não fosse digno de ti.

 

Isso fazia com que Anna percebesse bem como ele estava desesperado por salvar o seu casamento com Meredith, e achava que não merecia isso. Mas o importante era que Steve o queria fazer.

 

Há mais alguma coisa que me queiras dizer? perguntou Anna, levantando-se

 

Realmente, não. A não ser que te amo, Anna. Quero tudo de bom para ti. Podes ter uma vida feliz sem mim.

 

Compreendo. Sempre compreendi. Não me deves coisa alguma. Quero que saibas isso. Nunca quis nada de ti, a não ser algum tempo. Eras um cobertor quente, no Inverno.

 

Tu foste mais do que isso para mim confessou Steve.

 

Quero que saibas isso. Amo-te muito

 

E isso que tem? Vais-te embora da mesma maneira protestou Anna com os olhos cheios de lágrimas. O pai da Felicia também dizia que me amava, mas não teve coragem de enfrentar os pais. Talvez tu não tenhas coragem de enfrentar o facto de que o teu casamento está acabado.

 

Não sei se será assim. Por isso é que vou para lá. E se assim for, terei de enfrentar esse facto.

 

Ela assentiu com a cabeça, dirigiu-se lentamente para a porta e abriu-a. Steve queria apertá-la mais uma vez contra si, beijá-la e fazer amor com ela mais uma vez, mas amava-a demasiado para lhe fazer isso. Caminhou devagar para a porta, olhando para Anna como se quisesse gravar a imagem na sua memória para sempre. Iria ser duro trabalhar com ela nas próximas duas semanas, mas pelo menos poderia vê-la.

 

Steve deu um passo para fora da porta que ela segurava, e, com um último olhar para ele, sem dizer uma única palavra, Anna fechou-a lentamente. Steve ficou parado durante um momento, a pensar se devia voltar a entrar, pois ouvia-a chorar baixinho lá dentro, mas não bateu à porta, nem disse coisa alguma. Limitou-se a ficar parado, imóvel. Anna não abriu a porta e, passados uns minutos, Steve desceu lentamente as escadas, pensando o que significara para si estar ali durante as últimas quatro semanas. Fora para ele um lar, um refúgio, um porto de abrigo. E agora deixara tudo isso, abandonara-a e ia para a Califórnia, para uma vida sobre a qual não tinha qualquer certeza.

 

Dali seguiu para o hospital, passou uma hora com Harvey Lucas e disse-lhe que se ia embora. Harvey ficou desapontado, mas compreendeu. Disse a Steve que lhe agradecia ter ficado ali para o substituir depois do acidente. Mas sabia que ele queria ficar com Merrie. Achava uma pena que fosse ocupar um lugar tão insignificante, mas também compreendia. Sabia que Steve teria de ir para São Francisco se quisesse continuar casado com ela.

 

A propósito, o que é que fizeste à Anna Gonzalez? perguntou Harvey, no fim da entrevista.

 

Nada. Porquê? Sentiu-se embaraçado e pensou se Harvey teria tido conhecimento do que se passara entre eles. Anna e Steve tinham feito o possível para que ninguém percebesse. Achavam melhor assim.

 

Ligou-me pouco antes de tu chegares. Disse-me que tinhas sido duro com ela, devido a uma diferença de opiniões, e não quer trabalhar mais nos teus turnos. Pediu-me para lhe mudar o horário e para a manter afastada de ti. Tenho a sensação de que nem sequer quer ver-te.

 

Steve sentiu-se como se tivesse sido atingido por um golpe físico ao ouvir Harvey. Pensara vê-la todos os dias no hospital e trabalhar com ela até se ir embora Mas Anna tinha razão. Era preferível assim. Ela queria cortar de vez e ele tinha de respeitar isso. Pensou no que Anna iria dizer a Felicia e no que a criança pensaria. Provavelmente, que todos os homens a abandonavam, a ela e à mãe. Não era um quadro bonito. Mas também não o era o facto de as ter abandonado, e ele sabia-o.

 

Devo ter estado nos meus dias maus disse Steve a Harvey. Tivemos uns dias e umas noites com muito trabalho, sem dormir, e eu fui desagradável. Estávamos em desacordo por causa de um diagnóstico. Quem tinha razão era Anna, e eu pedi-lhe desculpa. Mas ela também é muito dura. Creio que não me perdoou. Contudo, é uma excelente médica. Vais gostar de trabalhar com ela, Harvey

 

Já gosto. Só tenho pena de te perder, Steve. E, é claro, fizeste com que o meu plano de me dedicar à pesquisa fosse por água abaixo. Agora não vou poder sair daqui. Precisamos de, pelo menos, dois anos para te substituir.

 

Isso são tretas, mas sinto-me lisonjeado. E lamento acerca do programa de pesquisas.

 

Também eu. Se as coisas não correrem bem na Califórnia, diz-me. Aceito-te em cinco minutos e demoro outros cinco a pôr-me daqui para fora. Estou farto disto

 

Tu gostas disto, bem o sabes. E depois concluiu pensativamente’ E eu vou sentir a falta.

 

Não, não vais, a não ser que fiques mortalmente aborrecido a pôr gelo em nódoas negras. Isso poderá tornar-se rapidamente maçador Mas deves encontrar outra coisa melhor. Mantém-me informado

 

Prometo. Depois, com a voz mais neutra que conseguiu arranjar, disse: Sê simpático com a Anna. Mais simpático do que eu fui.

 

E teve vontade de chorar ao dizer isso.

 

Godzilla seria mais simpático do que tu depois de estares a trabalhar quatro dias seguidos sem dormires há três. Céus, quando ficas assim até eu te detesto.

 

Riram e dirigiram-se para o bloco operatório. Tinham ambos cirurgias para efectuar e Steve pensou se voltaria a ver Anna. Mas não viu.

 

Durante as duas semanas seguintes esteve no hospital num horário diferente do dela. Passou também a estar lá menos horas, por ter imensas coisas para tratar, de fazer as malas e de vender o apartamento. A imobiliária com quem tratou arranjou-lhe um comprador ao fim da primeira semana, por um preço inferior ao que eles tinham pedido. Teve de discutir o assunto com Meredith. Por fim, esta achou que era preferível vender do que deixar o apartamento vazio ou tentar alugá-lo. Steve preparou tudo para despachar para Palo Alto e teve de deixar a casa antes de partir para a Califórnia. Passou três dias num hotel e no último dia que trabalhou na unidade as enfermeiras organizaram uma festa em sua honra. Anna não se encontrava lá, como de costume, e quase todas as enfermeiras choraram quando ele saiu. Não podiam imaginar a unidade sem Steve.

 

Chovia no dia em que ele partiu de Nova Iorque. Steve levava na mão apenas a sua maleta de médico e uma pequena mala. O resto fora levado pela empresa de mudanças. Ao entrar no avião, lembrou-se de que era o Dia das Mentiras. Mas ele só pensava em ver Merrie. Sentira terrivelmente a falta de Anna nas duas últimas semanas, mas sabia que fizera o que devia ser feito, tanto para ela como para ele. Se tivesse ficado e continuado a ligação, seria pior para os dois. Sabia que o que dissera a Anna era verdade. Ela tinha direito a mais do que aquilo que ele lhe podia dar. Queria que arranjasse um bom homem, nem casado, nem cretino. «Ela merece o melhor», pensava Steve, enquanto o avião descrevia um círculo, voando lentamente para oeste, e Nova Iorque ficava para trás.

 

Ao contrário de Anna e Steve em Nova Iorque, Meredith e Cal passaram juntos todos os momentos que puderam. Havia agora entre eles uma maior intensidade do que houvera antes e passaram o seu último fim-de-semana juntos num pequeno hotel em Carmel Valley. Permaneciam quase todo o dia na cama e davam longos passeios de mãos dadas, beijando-se constantemente. Estavam horas acordados a conversar, faziam amor, mas não falavam do futuro. Não havia futuro para eles. Apenas aqueles momentos finais.

 

No dia da chegada de Steve, estaria Cal a viajar para Londres. Na noite anterior, ficou no apartamento dela até depois da meia-noite. Até isso iria desaparecer. Meredith alugara um apartamento na cidade.

 

Queria dizer-te que desejo que tudo corra bem com o Steve proferiu Cal ao deixá-la, mas mentir-te-ia se o fizesse. Quero que as coisas corram mal; quero que voltes para mim. Telefona-me para a Europa e diz-me o que se está a passar, Merrie.

 

No entanto, o pior de tudo era que Meredith já não podia imaginar a vida sem Cal. Agora tinha a sensação de ser casada com Cal e de o ir enganar com Steven. Mas a relação que ela e Cal tinham partilhado era uma fantasia, uma ilusão, uma pausa no tempo. Estavam apaixonados, mas não tinham nenhum verdadeiro compromisso um com o outro. O seu compromisso era para com Steve, e Callan sabia-o. E, apesar de dizer que compreendia, Cal estava zangado com ela por deixar vir Steve e querer continuar o seu casamento, e zangado consigo mesmo, por não ter querido comprometer-se com Meredith. Agora, ambos sabiam que era demasiado tarde para isso. Tinham de ver como as coisas corriam com Steven.

 

Não posso deitar fora quinze anos de casamento sem lhe dar uma última oportunidade, Cal. Não posso fazer isso. Ficaria sempre a pensar no que teria sucedido se tivesse tentado.

 

Cal sabia que ela tinha razão, mas, de certo modo, ficava furioso por Meredith ser tão leal para com o marido. Contudo, uma das coisas que sempre apreciara nela fora o seu sentido de lealdade.

 

Não vai resultar e tu sabes bem isso comentou amargamente Cal. Está tudo acabado, Merie. Enfrenta isso. Ambos tinham dificuldade em encarar o facto de que ela ia voltar para Steve e que, pelo menos por enquanto, a relação com Cal teria de terminar. Meredith tinha pesadelos ao pensar nisso, enquanto Cal estava destroçado. E o pior era que achava que Steve não era a pessoa certa para ela

 

Vocês os dois não têm nada em comum

 

Temos o bastante para um casamento que durou catorze anos retorquiu ela. Mas também já não estava convencida.

 

Foi uma sorte e tu sabes bem isso. Vocês têm seguido carreiras diferentes ao longo dos anos. Nem sequer tenho a certeza de que Steve saiba ou compreenda o que fazes e como és competente no teu trabalho. Estás a perder-te com ele

 

Era uma súplica implícita, mas Meredith achava que tinha de tentar. Cal estava furioso e sentia-se repelido. Parecia um animal ferido, quando por fim a deixou.

 

Cuida de ti, Merie disse tristemente, beijando-a uma última vez antes de sair.

 

Depois disso, Meredith chorou durante algumas horas e quando Steve chegou, no dia seguinte, ela encontrava-se ainda em tal estado que parecia doente. Estava mortalmente pálida e tinha os olhos inchados.

 

Estás doente? perguntou ele, preocupado.

 

É uma constipação, uma alergia, ou qualquer outra coisa.

 

Estás com um aspecto terrível, querida.

 

Deu-lhe anti-histamínicos, que ela não tomou. E duas horas depois, Steve tinha posto a casa toda em desordem. Havia roupa dele espalhada por todo o lado, os seus objectos de toilette estavam no lavatório dela, enquanto ele fazia o jantar

 

Nada na sua chegada fazia lembrar uma celebração. Steve ficou desapontado por saber que ela alugara um apartamento na cidade em vez de comprar uma casa, como ele queria. E na noite em que chegou, Steve falou de novo em terem filhos, o que fazia parte do plano do reencontro deles. Achava que isso fortaleceria o elo entre os dois.

 

Não é altura de pensar sequer numa coisa dessas declarou Meredith rispidamente, pensando onde estaria Cal nessa altura. Pelos seus cálculos, devia ter acabado de chegar a Londres. Mas tinham prometido não ligar um ao outro, e ela estava a tentar fazer isso, pelo menos por enquanto. Steve nem sequer chegara a casa há uma noite.

 

Esta altura seria perfeita para termos um bebé insistiu Steve. Tu sentes-te feliz a trabalhar, mas eu não vou ter muito que fazer durante algum tempo. Se não te sentires bem durante os primeiros meses, eu estarei por perto para te ajudar. E se continuar a trabalhar neste hospital, até poderei ajudar-te a tomar conta do bebé.

 

Eu não quero um bebé. Nunca quis. Não compreendes isso? Nem sequer tinha a certeza se o queria a ele. Um bebé iria complicar tudo e estragar a minha vida. Não me quero sentir doente durante uns meses. Não quero!

 

Quando é que decidiste isso? Isto é, definitivamente?

 

Não sei disse ela, parecendo cansada. Os seus nervos não aguentavam mais. Steve estava em casa, iam mudar-se e acabara tudo com Cal. Só lhe faltava era um bebé!

 

Não creio que alguma vez tenha dito que queria um filho. Tu é que nunca me quiseste ouvir.

 

É simpático saber isso agora. Quando é que nos mudamos? perguntou ele, pondo de parte o assunto

 

Para a semana respondeu ela. Daí a pouco o telefone tocou, sobressaltando-a. Era um rapaz que lhes queria vender um jornal que eles já assinavam.

 

As nossas coisas devem chegar de Nova Iorque daqui a duas semanas.

 

E Steve devia iniciar o trabalho no hospital no domingo seguinte. Meredith sentia-se no meio do caos.

 

Foi um alívio ir trabalhar. Pelo menos ainda não precisava de ir para longe. Recebeu faxes de Cal durante toda a semana, acerca de potenciais clientes e de laboratórios de pesquisa que visitava na Europa. Mas todos os faxes eram impessoais e ela fazia parte, apenas, de uma lista de distribuição. E nunca lhe telefonou.

 

No fim da semana estava um destroço e não o escondia. Apresentava-se menos impecável do que habitualmente, tinha os nervos em franja, e achava que a desarrumação de Steve se espalhara por todo o apartamento. Já esquecera o que era viver com o marido. Apanhava constantemente meias e outras peças de vestuário espalhadas pela sala, e a ideia dele de comprar uns sapatos correspondia a um novo par de ténis Nyke. De súbito, tudo tinha importância para ela. Mentalmente comparava tudo com Cal, sempre impecavelmente arranjado e bem vestido desde que se levantava logo de manhã. E tudo quanto fazia, ou tudo em que tocava, parecia impecável.

 

Como seria de prever, a mudança no fim-de-semana foi um pesadelo. A cama que ela comprara não chegara. Metade dos pratos que adquirira no Gump’s foram deixados cair pelos homens das mudanças e partiram-se imediatamente. Não tinham sítio onde dormir, nem onde se sentar e pouco sítio em que comer.

 

Então, querida, tem calma disse Steve. Havemos de nos arranjar até as coisas chegarem de Nova Iorque. Podemos comer em pratos de papel e compro um fogão de campismo.

 

Não era essa a maneira como ela queria começar os seus dias antes de ir trabalhar para Palo Alto. Sentia-se já deprimida com a perspectiva de ter de passar uma hora e meia no trânsito até chegar ao escritório. E no domingo à noite, quando estavam sentados no chão a comer piza com as mãos, Meredith deu por si a pensar nos filhos de Cal Mas não disse nada a Steve. Era impossível conseguir explicar a Steve o que sentia.

 

A tensão ainda se tornou pior quando ele começou a trabalhar no hospital. Steve veio a verificar que lhe tinham mentido e que estavam a tratá-lo como se ele fosse um paramédico Até as enfermeiras tinham maiores responsabilidades do que ele. Nas primeiras semanas só fazia as fichas dos doentes. Detestava tudo aquilo mais do que dizia e quando Meredith chegava à noite, exausta do trabalho, encontrava-o sentado no chão, em frente da televisão, com uma embalagem de seis cervejas ao lado. Andava tão deprimido que nem se oferecia para fazer o jantar. Iam buscar comida chinesa, encomendavam pizas e burritos.

 

Isto está a tornar-se intolerável declarou Meredith uma noite, quando ele tivera um dia terrível no trabalho, sem absolutamente nada para fazer, a não ser entreter uma criança de quatro anos cuja mãe estava a ter um bebé. Tu detestas o teu trabalho e eu detesto as viagens que sou obrigada a fazer.

 

E estamos a começar a odiar-nos um ao outro comentou Steve.

 

Não disse isso.

 

Não, mas vê-se na tua cara. Vens irritada quando chegas a casa, à noite, e embirras comigo. O que é que te sucedeu?

 

Todavia, ela não podia dizer-lhe o que lhe sucedera. A verdade é que sentia a falta de Cal, e voltar a viver com Steve requeria um ajustamento mais difícil do que esperara. Vivera cinco meses e meio sozinha e dois e meio com Cal. Isso fizera com que ela mudasse. Não se sentia a mesma pessoa que era quando vivia em Nova Iorque com Steve. Agora tudo nele a irritava.

 

Detesto viver como se estivesse acampada a dormir no chão afirmou. E detesto a viagem de ida e volta para Palo Alto todos os dias.

 

E eu detesto o meu trabalho e este apartamento acrescentou ele. Mas a questão é esta: de que é que gostamos um no outro? Havia muitas coisas de que eu gostava em ti, Meredith: o teu aspecto, a tua inteligência, a tua paciência, o teu sentido de humor. Mas sentes-te tão infeliz agora, que destilas veneno.

 

Era verdade e ela sentiu remorsos logo que ouviu aquilo.

 

Desculpa, Steve. Tentarei melhorar. Prometo. Porém, o problema foi que as coisas não melhoraram.

 

E quando Cal regressou da Europa, no fim de quatro semanas, as coisas tornaram-se ainda piores. Tratava Meredith como uma inimiga ou uma estranha. Era como se nas últimas semanas tivesse fechado a porta sobre ela para sempre. Meredith esperava que pudessem ser amigos, como tinham sido no princípio. Mas percebeu que se haviam passado demasiadas coisas entre os dois. Demasiado amor, esperança, perda e desapontamento. E Cal estava obviamente zangado com ela pela maneira como tudo terminara. Com Cal, o desapontamento transformara-se em fúria. Passara as quatro semanas na Europa encolerizado por causa disso. Era quase um alívio para si vingar-se nela todos os dias. Parecia gostar disso. Embirrava constantemente com Meredith, pedia-lhe relatórios e projecções dez vezes por dia e discutia todas as opiniões e conclusões dela. Certa vez, quase discutiram abertamente numa reunião da direcção, coisa que nunca sucedera, e mais tarde ela mostrou-se furiosa com Cal, sentindo-se ofendida

 

Não me importo que estejas em desacordo comigo, Cal. Podes discutir o assunto comigo em particular, mas não precisas de me humilhar publicamente

 

Estás a exagerar a tua reacção replicou friamente Cal, saindo apressadamente do gabinete dela. Contudo, ele também o fazia. Isso era óbvio para qualquer pessoa. Os colegas de trabalho não conheciam os motivos, mas começavam a pensar que ele iria despedi-la, o que Meredith também temia. Callan parecia querer vingar-se nela. Mas a sua única vingança era contra si mesmo, por não lhe ter pedido mais cedo que casasse com ele. No entanto, tivera ainda medo de assumir um verdadeiro compromisso e deixara que a ligação entre os dois continuasse nos moldes em que estava. Não sabia se, mesmo que lhe tivesse pedido para casar, ela teria aceite, mas sabia que nesse caso se sentiria melhor. E estava zangado acima de tudo porque detestava perder.

 

Pareces realmente muito bem-disposta comentou Steve, sarcasticamente, nessa noite, quando ela chegou a casa.

 

As palavras dele foram a gota de água que fez transbordar o copo, e Meredith respondeu com mau modo:

 

Realmente não estou Tive um dia terrível. Detesto a vida que levo. E, além disso, rebentou-me um pneu na auto-estrada E o teu dia como foi?

 

Melhor do que o teu. Mas não muito. Tratei um caso de hemorroidal, tirei uma pastilha elástica do ouvido de um miúdo e pus uma tala num dedo partido. Acho que vou ganhar o Prémio Nobel por causa disso

 

Steve ia na sua quinta cerveja desde que chegara ao apartamento; continuavam sem mobília, pois o seu transporte fora adiado devido às cheias em Oklahoma.

 

Porque não vamos viver para um hotel até a mobília chegar? perguntou Meredith quando Steve a informara.

 

Porque podemos muito bem dormir no chão durante algumas semanas. As pessoas também viviam, antes de haver camas e sofás respondeu Steve com azedume.

 

Estou farta de estar acampada retorquiu Meredith. Não lhe apetecia viver assim. A verdade é que não lhe apetecia viver com ele. E estava furiosa com Cal por a tratar daquela maneira. O seu procedimento era infantil, petulante, e estava a fazer-lhe a vida num inferno no escritório. Nada na vida dela corria bem.

 

Lamento, Steve, mas não sou capaz de estar mais bem-disposta. Isto é muito duro. Estas malditas viagens de ida e volta para o escritório estão a dar cabo de mim. Porque não procuramos casas em Palo Alto?

 

Porque, se alguma vez arranjar um lugar decente aqui, vou precisar de estar perto do hospital. Não posso levar uma hora no caminho para chegar junto de um doente.

 

Para tirares uma pastilha elástica de um ouvido até podias demorar dois dias replicou Meredith.

 

Era uma frase que ela, habitualmente, não diria e, passado um momento, Steve saiu do apartamento atirando com a porta. Quando voltou estava embriagado, pois bebera mais do que cervejas. Bebera três tequilas e um brande. Meredith não lhe disse nada. Deitada no colchão que ele comprara, fingia dormir. Mas estivera a chorar desde que Steve saíra. Não era maneira de viver. Já não havia camaradagem, nem amizade entre os dois. E muito menos amor. Quando tinham relações sexuais, o que era raro, pareciam dois estranhos. Não falavam quase um com o outro, e cada vez o muro que os separava subia mais alto. A única coisa pior do que o mês de Abril foi o mês de Maio. Apesar do bom tempo, a vida deles parecia cheia de nuvens de tempestade, passando a maior parte do tempo a evitarem-se.

 

Quando as mobílias finalmente chegaram, o conforto foi pequeno. Pareciam-lhes relíquias de um mundo perdido, e nada se adaptava bem ao apartamento. Meredith achava tudo aquilo desanimador.

 

Em fins de Maio, pareciam prestes a matarem-se um ao outro, e Meredith estava a pensar em despedir-se. Cada vez se tornava mais difícil trabalhar com Callan.

 

O que é que queres de mim? perguntou Steve uma noite. Vim para aqui para salvar o nosso casamento. Aceitei um lugar que detestava para poder estar junto de ti. Desisti de tudo aquilo de que gostava em Nova Iorque. E tu tens estado irritada comigo desde o dia em que cheguei. O que é que detestas tanto em mim, Merrie?

 

A tragédia residia apenas num facto; detestava que ele não fosse Callan E, na verdade, nem sequer o detestava. Mas também já não o amava e não era capaz de enfrentar isso. Estava zangada com toda a gente, sobretudo consigo mesma, pelo que se passara. Entretanto, o tempo afastara-os, arrastara-os para longe um do outro como um rio tumultuoso, e ela já não conseguia encontrar o amor que em tempos sentira por Steve. Agora encontrava apenas os destroços do seu casamento.

 

Eu não te detesto, Steve disse em voz baixa. Apenas me sinto infeliz.

 

Também eu respondeu Steve tristemente

 

No dia seguinte, quando Meredith chegou a casa, vinda do trabalho, Steve esperava-a. E como nos velhos tempos, preparara o jantar para os dois. Quando lhe enchia o copo de vinho, no fim da refeição, falou-lhe na decisão que tinha tomado

 

Vou-me embora, Merrie disse meigamente, parecendo mais o homem de quem ela se recordava. Há dois meses que não o via assim. Tinham sido selváticos um para o outro. Mas havia entre eles demasiada distância e desapontamento.

 

Vais-te embora para onde?

 

Meredith mostrou-se confusa, mas ele já não. Chegara finalmente a uma conclusão. Não se sentia feliz, mas estava melhor.

 

Vou voltar para Nova Iorque.

 

Quando?

 

Amanhã.

 

Amanhã’ Porquê?

 

Porque está tudo acabado entre nós. Ambos o sabemos, mas nenhum de nós tem tido a coragem de o dizer. Isto não resulta para nenhum de nós. Não sei o que vais fazer a respeito do teu emprego. É contigo. Tu é que sabes. Eu, no entanto, não posso ficar aqui mais tempo. E não podemos continuar casados.

 

Falas a sério?

 

Meredith sentia-se atordoada. Durante dois meses batera-lhe como se ele fosse um saco de boxe, mas não lhe ocorrera que Steve quisesse deixá-la.

 

Muito a sério.

 

E o teu lugar no hospital?

 

Despedi-me esta manhã. Seria mais útil a enrolar ligaduras na Cruz Vermelha. Acredita que não sentirão a minha falta.

 

Vais voltar para a unidade de traumatologia?

 

Não o creio. Telefonei hoje para algumas pessoas em Nova Iorque. Vou informar-me sobre as condições para ir trabalhar para um país subdesenvolvido, ou algures neste país, talvez Apalaches, por exemplo. Ainda não sei. Falarei com essas pessoas quando chegar a Nova Iorque e verei o que me dizem.

 

Mas tu detestavas ir fazer esse género de coisas lembrou ela.

 

Steve sorriu tristemente. Meredith continuava bonita, mas já não era a mulher dele. Perdera-a quando ela deixara Nova Iorque. Não se apercebera disso. Mas agora sabia e estava finalmente disposto a encarar a situação.

 

Creio que crescemos disse calmamente. Penso que gostarei de fazer esse género de trabalho durante um certo tempo, para sentir que estou a fazer qualquer coisa pela raça humana e não apenas a remendar corpos.

 

E nós?

 

Não creio que agora possamos dizer «nós». Por isso é que me vou embora.

 

Não quero que vás murmurou Meredith estendendo as mãos para ele com as lágrimas a caírem-lhe pelas faces. Sentia-se tomada de pânico. Steve era a única pessoa que lhe restava no mundo. Não tinha família nem amigos ali. Não tinha ninguém. Só Steve, e este estava a dizer-lhe que tudo acabara. Era uma sensação terrível.

 

Não posso ficar aqui, Merie. Não é bom para nenhum de nós.

 

Queres que eu deixe o emprego e vá contigo? Steve abanou a cabeça.

 

Não, não quero. Tens a tua vida aqui. Eu não. Se precisares de mim, estarei sempre pronto a ajudar-te. Esteja onde estiver, se necessitares de mim, virei a correr. Não se esquecem quinze anos, Meredith. Mas não posso continuar aqui. Acabou.

 

Steve parecia calmo e aliviado. Sabia que o mesmo sucederia a Meredith, quando se habituasse à ideia.

 

Lamento, querida disse baixinho

 

Não me deixes sussurrou Meredith.

 

Não digas isso.

 

Steve deu a volta à mesa e foi abraçá-la, mas nada do que ela dissesse, fizesse ou prometesse poderia dissuadi-lo.

 

Quando é que vais? perguntou outra vez Meredith.

 

Amanhã de manhã.

 

E a respeito dos nossos investimentos e da tua parte do dinheiro na venda do apartamento? Não podes desaparecer assim. Temos de calcular isso tudo. Falaste com um advogado?

 

Meredith sentia-se chocada com o que Steve dissera.

 

Não, não falei com um advogado. Podes fazer isso quando quiseres. E não quero calcular coisa nenhuma. Não quero nada dos investimentos, nem do apartamento. Tu é que ganhaste o dinheiro para isso. É teu. Só te queria a ti, Merie. Mas isso acabou.

 

Não posso acreditar murmurou Meredith, horrorizada com o que acabava de ouvir. Queres realmente que seja assim?

 

Quero. Devíamos ter feito isto há meses, quando andavas a arranjar desculpas para não ires a Nova Iorque. Eu não quis ver o que se estava a passar e creio que tu também não quiseste.

 

Não lhe perguntou se havia alguém na vida dela, mas começava a suspeitar que houvesse. Ou melhor, que tivesse havido. Agora, Meredith parecia tão só e tão solitária como ele E não lhe falou de Anna. Já não era importante e não a queria magoar. Quando muito, fora ela que o inspirara para o salvar. Para ele, o casamento estava acabado e Anna pertencia ao passado. Sabia agora que nada poderia ter salvo o seu casamento. Era um alívio sabê-lo finalmente.

 

Nessa noite, Meredith chorou nos seus braços e na manhã seguinte ligou para o emprego, dizendo que estava doente e não ia trabalhar. Ficou com Steve enquanto este esteve em casa, e o momento em que ele abandonou o apartamento foi terrível. Meredith chorava copiosamente. Steve abraçou-a durante muito tempo, depois disse que tinha de partir. Não queria perder o avião e estava um táxi lá em baixo à espera para o levar ao aeroporto.

 

Amo-te, Steve disse ela, chorando. Tenho tanta pena...

 

Parecia quase incoerente.

 

Também eu.

 

Beijou-a mais uma vez, pegou na mala e desceu rapidamente a escada até ao táxi. Meredith ficou a vê-lo à janela, ele acenou e partiu. Ela ficou parada, incrédula. Tinham terminado quinze anos da sua vida. Agora não tinha ninguém. Nem Steve. Nem Cal. Ninguém. Só podia contar consigo mesma. Steve partira para uma nova vida. E, ao permanecer ali imóvel, olhando para fora, pela janela, teve a sensação de nada ter.

 

Meredith ficou dois dias em casa sem ir ao escritório e, quando finalmente voltou, sentia-se extraordinariamente calma. Callan mostrou-se desagradável para com ela, como sempre fazia agora, e Meredith nada disse. A sua vida pessoal deixara de ser problema dele. Não tinha nada para lhe dizer, a não ser no que dizia respeito à sua vida profissional.

 

À medida que o choque da partida de Steve foi diminuindo, Meredith começou a perceber que ele tinha razão. Haviam transportado um corpo morto, durante sete meses, que precisava de ser enterrado.

 

À medida que se ia sentindo mais calma, sentia-se mais apta a trabalhar. Steve ligara-lhe de Nova Iorque, para ter a certeza de que ela estava bem. Dissera-lhe que estava em casa de uns amigos e deixara-lhe o seu número de telefone. Mas, embora se sentisse muito só, Meredith não lhe telefonou. Steve tinha direito à sua nova vida, e ela sabia que precisava de se recompor.

 

Começava a pensar em deixar o seu lugar na Dow Tech e voltar para Nova Iorque. Contudo, decidira esperar um mês para ver se as coisas melhoravam com Callan. Este continuava zangado, mas ela mostrava-se mais firme e, quando Cal se mostrava pouco razoável, retorquia-lhe. Ele parecia ir recuando lentamente e começar a perceber a mensagem. O respeito que tinham tido outrora um pelo outro parecia estar a voltar, embora não a amizade.

 

E três semanas após a partida de Steve, Callan pediu-lhe para receber uns analistas de Londres. Meredith não se sentia ansiosa por sair com ele à noite, mas Cal disse-lhe que iam jantar na cidade e que lhe seria fácil ir com eles. Reservara a mesa no Fleur de Lys e que, de caminho, a iria buscar. Meredith disse-lhe que preferia ir lá ter, mas ele insistiu.

 

O jantar correu muito bem e Callan parecia mais descontraído. Meredith tinha um vestido novo, cortara o cabelo nessa manhã, começando finalmente a sentir-se ela própria, não como a mulher que se apaixonara por Cal, mas como a pessoa que fora antes. E Callan pareceu aperceber-se disso. Nessa noite, ao jantar, mostrou-se respeitoso e até agradável. Depois do jantar, levou-a no carro até ao apartamento dela.

 

Como está o Steve? perguntou delicadamente, ao parar em frente do edifício. Gosta do novo emprego?

 

Muito respondeu ela, agradecendo-lhe o jantar. E os teus filhos? perguntou.

 

Callan disse-lhe que eles partiriam dentro de dias para passarem um mês de férias com a mãe. Estavam no fim de Junho e as aulas haviam terminado. Meredith não lhe disse como tivera saudades deles, nem quis saber se tinham perguntado por ela. Já nada tinha a ver com a vida deles, assim como Callan nada tinha a ver com a dela.

 

Estás a gostar de viver na cidade? perguntou Callan quando ela ia a sair do carro.

 

As viagens de ida e volta são um pouco cansativas, mas gosto do apartamento.

 

Era também mentira, mas Callan não tinha o direito de conhecer a verdade. Havia muita coisa a que ela precisava de se habituar. A estar sozinha. A ser divorciada. Falara com um advogado para tratar do divórcio. Era tudo muito simples. Steve não queria coisa alguma. Partira de mãos vazias. Preferira assim.

 

Gostaria de ver o teu apartamento um dia disse ele ao acompanhá-la à porta do edifício. Teve vontade de lhe perguntar porquê, mas não disse nada.

 

Para a próxima vez que vieres à cidade, poderás vir tomar uma bebida sugeriu. Mas era só para fazer conversa. Não tencionava minimamente convidá-lo

 

Qual é o andar? perguntou Callan olhando para cima. Era um prédio bastante agradável em Pacific Heights, mas nada de especial.

 

O último disse Meredith, lembrando-se logo a seguir de que estava tudo escuro

 

O Steve está a trabalhar?

 

Não, está em Nova Iorque respondeu francamente, decidindo que não fazia mal que ele soubesse a verdade agora. Estava tudo acabado entre eles. Na verdade hesitou durante uma fracção de segundo, ele já não vive aqui.

 

Estamos a divorciar-nos. Foi-se embora o mês passado. Encontra-se agora em Nova Iorque. Vai trabalhar como médico num país subdesenvolvido.

 

Callan parecia que tinha levado uma bofetada.

 

Porque não me disseste, Meredith?

 

Não achei que fosse importante.

 

Teria sido em tempos murmurou ele, magoado. Mas a atitude dela dizia-lhe qualquer coisa. Informava-o que não esperava nada dele. E era verdade.

 

Isso foi há três meses, Cal. E nós fizemos um acordo. Quando o Steve voltasse, a nossa relação terminava. E nunca me disseste que querias mais do que isso. Não quis pressionar-te, quando o Steve se foi embora, Callan.

 

Depois da partida de Steve, Meredith percebera que não queria de novo uma relação como a que tivera com Callan. Queria mais, queria uma vida real com um homem que tivesse um compromisso profundo para consigo.

 

Não achei correcto comunicar-te quando Steve partiu. E tens andado sempre muito irritado comigo.

 

Sentia-me magoado e furioso comigo mesmo por ter sido tão estúpido. Receava assumir um compromisso. Na altura, achei que seria mais fácil deixar-te voltar para o Steve, embora te amasse muito, Meredith. Além disso, sabia que querias fazer uma tentativa com o Steve.

 

Meredith anuiu com a cabeça. Não podia negar isso.

 

E se não a tivesse feito? O que é que teria sido diferente? Não queres compromissos, Cal. Eu sei isso e respeito a tua opção.

 

Devem ter sido uns três meses muito difíceis observou Callan gentilmente, sem, contudo, escutar as palavras dela a respeito de um compromisso. Mas o que ele dissera a respeito de a amar fez com que as lágrimas lhe viessem aos olhos, e Meredith não queria que Cal as visse.

 

Foi duro. Mas aprendi bastante. Não só sobre o Steve, como sobre mim própria, sobre quem sou e o que quero.

 

Algo nela se suavizara nos últimos três meses e ele apercebeu-se disso.

 

O que queres, Merrie? perguntou, observando-a cuidadosamente. Parecia-lhe diferente e gostava do que via.

 

Quero uma porção de coisas. Honestidade, alguém e algo real. O que fiz foi errado e paguei um alto preço por isso. Um grande preço. Mas sei que quero dedicar-me a alguém e quero que esse alguém me seja dedicado. Não apenas nos bons momentos

 

Sorriu-lhe, mas mostrando-se muito distante.

 

Posso até vir a querer ter filhos, um dia prosseguiu ela. Creio que podes ter tido razão a respeito disso. Acho que nem tudo esteve sempre bem com o Steve. Ou, pelo menos, durante muito tempo. Éramos demasiado diferentes e eu creio que sabia isso. Depois, surpreendeu-o ainda mais.

 

Tenho andado a pensar em voltar para Nova Iorque. Ia falar-te sobre o assunto daqui a umas semanas. O meu lugar não é aqui

 

Julguei que gostavas de viver aqui. Callan pareceu ficar pessoalmente ofendido com a afirmação dela

 

Também pensava isso Mas julgo ter sido uma má decisão sair de Nova Iorque

 

Essa decisão custara-lhe o casamento. Podia ser ainda casada com Steve se tivesse ficado em Nova Iorque, mas agora era demasiado tarde para pensar nisso. Sentira-se compelida a ir para Palo Alto. Ela e Steve tinham sido afastados por forças irresistíveis.

 

Creio que farias mal em regressar a Nova Iorque afirmou firmemente Callan.

 

Não te preocupes. Avisar-te-ei com muito tempo. Não farei como o Charlie. Informar-te-ei quando decidir.

 

Quero falar contigo antes de tomares essa decisão.

 

Acho que não respondeu calmamente Meredith. Não temos muita coisa sobre que falar, pois não?

 

Julguei que éramos amigos disse ele, magoado com as palavras dela e confuso com tudo aquilo. Era muita coisa a digerir de uma só vez.

 

Também julguei replicou calmamente Meredith.

 

Mas talvez não fôssemos.

 

Fizeste coisas maravilhosas por mim, Merie. Não só nos negócios, mas por mim. Fiquei muito perturbado quando voltaste para o Steve Sabes isso.

 

Eu sei respondeu Meredith com voz triste. Lamento ter-te feito passar por isso.

 

Eu sabia o que estava a fazer. Não sabia era o que sucedeu depois. Na verdade, pensei que as coisas fossem correr bem com o Steve. Estou surpreendido por isso não ter acontecido.

 

Senti muito a tua falta. Mudei muito desde que saí de Nova Iorque. Cresci muito aqui. Em parte graças a ti.

 

Estou a ver. Seria inadequado se eu te convidasse para jantar amanhã?

 

Não seria inadequado respondeu ela, sorrindo. Mas tolo. Já estivemos aí. Desistimos. Ultrapassámos isso. Para quê fazê-lo?

 

Preciso de falar contigo respondeu Callan, olhando-a com intensidade.

 

É melhor não. Sobre o que é que iríamos falar? Do teu ódio aos compromissos? Das razões por que duas pessoas não devem confiar uma na outra, nem podem contar uma com a outra? Não quero falar disso, Cal. Já ouvi tudo isso. Já percebi. Já tivemos o nosso tempo. Mudámos ambos. Deixemos ficar as coisas assim.

 

Meredith disse as últimas palavras com ar determinado.

 

Não me dás nenhuma oportunidade. Meredith riu melancolicamente.

 

Estou a esforçar-me por não o fazer.

 

Não queria iniciar de novo uma relação com ele e correrem o risco de voltarem a magoar-se. Sentia-se mais velha, mais cautelosa e mais sensata.

 

Pelo menos, deixa-me tentar.

 

Cal sorriu e ela viu o homem por quem se apaixonara. Mas já não queria vê-lo. Steve partira. E Cal fora-se embora também. Meredith queria apenas ser directora financeira da empresa dele.

 

Telefono-te amanhã disse Callan firmemente. E ela disse a si própria que não atenderia o telefone. Agradeceu o jantar, despediu-se dele e subiu para o seu apartamento, enquanto Callan ficava no passeio. Estava ainda parado quando a viu acender as luzes. Meteu-se então no carro e afastou-se. Meredith ficou à janela, a pensar nele. Não iria jantar com ele. Não devia ir. Para ela, pelo menos, estava acabado.

 

Callan telefonou-lhe no dia seguinte, como dissera que faria, e ela disse-lhe que estava ocupada nessa noite e que se esquecera de lho dizer. E quando o telefone tocou, já tarde, não atendeu. Não tinha nada para lhe dizer. E também não queria ouvir nada do que ele tivesse para lhe dizer. Sentiu uma estranha paz ao deixar o telefone tocar.

 

No domingo de manhã, ao sair de casa para dar um passeio, encontrou-o à sua espera, na rua, e ficou admirada.

 

Que fazes aqui, Cal? perguntou, confusa. Ele sorriu

 

Estava à tua espera. Não atendes o telefone, não queres jantar comigo.. Não me dás qualquer alternativa que não seja andar por aí, como um delinquente juvenil

 

Podias falar comigo no escritório

 

Não é de negócios que quero falar contigo, Merie.

 

Porquê? De negócios percebo eu.

 

Eu sei. Percebemos ambos Mas somos péssimos neste outro assunto. Pelo menos, eu sou. Creio que tu és melhor, mas também tiveste mais prática. Além disso, és mais corajosa do que eu. A verdade é que passei os últimos nove anos cheio de medo. Assustado com tudo o que tu representavas. Amor, carinho, partilhar a vida com alguém, confiar, acreditar, sentir-me vulnerável.. Amo-te, Meredith. Volta para mim. Ensina-me tudo isso.

 

Callan parecia tão vulnerável como dizia, e Meredith ansiava abraçá-lo, mas não o fez.

 

Como é que hei-de ensinar-te alguma coisa se estraguei a minha própria vida? retorquiu Meredith com os olhos cheios de lágrimas.

 

Não estragaste. Fizeste o que devias fazer. Acho que estamos ambos assustados. Fiquei louco quando voltaste para o Steve. Andei pela Europa como um louco

 

Eu também não estive muito bem confessou Meredith. Fui horrível. Pobre Steve. Transformei a vida dele num inferno, enquanto aqui esteve.

 

Foi por isso que te deixou? perguntou Callan, com interesse.

 

Deixou-me porque foi suficientemente inteligente para perceber que já não nos amávamos. Não gostávamos suficientemente um do outro. E teve a coragem de fazer alguma coisa, enquanto eu não a tive. Ele fez o que devia ter feito, mas eu levei um certo tempo a perceber isso.

 

E eu levei muito tempo a perceber o que significavas para mim, Merrie... quanto significas para mim... Continuo a amar-te.

 

Sim. E depois? Andamos uns anos assim, com medo de estendermos a mão um para o outro. Quero mais do que isso, Cal. Preciso disso.

 

Também eu. Estou agora a estender-te a mão. Dá-me uma oportunidade. Vamos tentar. Faremos com que desta vez resulte. Não foi assim tão mau da última vez.

 

E depois? Se resultar?

 

Então, casamo-nos disse Callan, enquanto ela o olhava, tentando assimilar o que ele acabava de dizer. Mas Cal não acabara ainda. Com efeito continuou, parecendo horrorizado mas determinado, quero casar contigo. Quero casar contigo... agora.

 

Porquê?

 

Meredith ficou a olhá-lo, tentando perceber se ele falava a sério.

 

Porque te amo. Só por isso. Não é assim que deve ser?

 

Não sei, Cal. É?

 

Meredith tinha os olhos cheios de lágrimas quando ele a puxou para si e a abraçou.

 

Nunca deixei de te amar. Tentei odiar-te, mas não consegui. Senti tanto a tua falta! Julguei que o desgosto ia matar-me.

 

Também eu senti isso murmurou Meredith, querendo acreditar nele e com receio de o fazer.

 

Casa comigo, Merrie... por favor...

 

E se não resultar? sussurrou.

 

Acabara de ver quinze anos da sua vida irem por água abaixo. Era-lhe difícil confiar em qualquer outra coisa. Mas, no fundo do seu coração, sabia que precisava de confiar. Não tinha alternativa, como não tivera desde o início. Fora arrastada para ele por algo tão poderoso, tão real, tão profundo dentro de ambos que nenhum deles conseguira resistir-lhe.

 

Vai resultar, bem sabes afirmou Callan, apertando-a contra si. Isto está certo para nós, sabemo-lo bem.

 

Ela assentiu com a cabeça; Cal afastou-a apenas o bastante para lhe sorrir e depois a beijar. E quando se afastaram, de mãos dadas, Cal falava animadamente acerca dos seus planos e Meredith sorria.

 

Quando saiu do avião em Nova Iorque, Steve foi à agência para saber que género de trabalho poderia ir fazer. Ouvira falar disso a um colega seu na Faculdade de Medicina. A agência ficava situada num pequeno edifício muito danificado, com um velho letreiro à porta. Steve achou que o local parecia tão mau como os sítios para onde a agência enviava quem ali ia. Deram-lhe uma brochura com uma longa lista dos países que serviam e com o género de trabalho que propunham. Parecia-lhe a coisa certa a fazer. Disseram-lhe que levariam algumas semanas até lhe poderem dar uma resposta. Mas ele tinha todo o tempo do mundo. Nada o pressionava. Pensou em ir visitar Harvey Lucas, mas não se sentia com disposição para falar sobre Merrie ou sobre o que se passara na Califórnia; por isso decidiu não ir.

 

Estava em casa de um antigo colega e amigo, passando a maior parte do tempo a passear e a visitar museus. Era a primeira vez em muitos anos que tinha tempo de lazer. Foi à praia e viu todos os filmes que se iam estreando. Pensava constantemente em visitar Anna, mas achava que devia ser um capítulo encerrado.

 

E finalmente, em fins de Junho, a agência chamou-o. Tinham processado o pedido dele e apresentaram-lhe várias propostas. Propuseram-lhe o Peru, o Chile, o Kentucky e o Botswana. E os trabalhos que lhe propunham pareciam-lhe desconfortáveis, mas intrigantes. Por fim, acabou por optar pelo Kentucky. Já não sentia necessidade de fugir de Meredith. Disseram-lhe para voltar dentro de quatro dias para assinar o contrato. Era um compromisso para dois anos.

 

Sabendo agora que se iria embora outra vez, resolveu ir visitar Harvey Lucas. E a seguir, resolveu ir a casa de Anna. Queria despedir-se e dizer-lhe que lamentava ter sido tão duro para com ela, quando se despedira para ir para a Califórnia. Não tencionava recomeçar nada com ela. Sabia que não tinha o direito de o fazer. Só queria ter a certeza de que Anna estava bem e talvez ver Felicia. Tinha saudades da garota e detestava não se ter despedido dela. Não se devia fazer isso a uma criança; desaparecer de repente da sua vida, sem uma explicação ou um adeus. E sentia-se ainda pior pela maneira como deixara a mãe dela.

 

Estava um dia quente e ensolarado. Ainda não se abatera sobre a cidade a primeira vaga de calor, e as pessoas pareciam mais felizes do que de costume, e de bom humor. Telefonou para casa de Anna a saber se estava em casa, e uma baby-sitter disse-lhe que ela estaria de regresso às três da tarde. Por isso, decidiu esperar até às cinco para a ir visitar. Provavelmente, se lhe telefonasse primeiro, ela não o quereria ver.

 

Meteu-se no metro para subir a Broadway e depois percorreu a pé o resto do caminho até à Rua 102, ao edifício que lhe era tão familiar. Pareceu-lhe ligeiramente melhor à luz do Sol, mas não muito. Continuava a ser um péssimo sítio para viver. Steve detestava que Anna vivesse ali, mas não tanto como ela

 

Preparava-se para tocar à campainha da porta do prédio quando se aproximaram dois rapazes, vestidos com T-shirts e calças de ganga. Pareceu-lhe que lhe iam fazer uma pergunta. Um deles disse-lhe qualquer coisa e Steve voltou-se sem hesitação:

 

Desculpe, o que é que disse?

 

Estava a pensar em Anna e estivera muito tempo longe de Nova Iorque para se lembrar de ser cauteloso.

 

Disse que me desses a tua carteira, cretino.

 

Steve olhou-os durante um instante, indeciso sobre se havia de lhes dar a carteira ou tentar dissuadi-los. Enquanto hesitava, o segundo apontou-lhe uma arma. E viu que o primeiro tinha uma navalha.

 

Calma, rapazes, dou-lhes a minha carteira, mas tem pouco dinheiro

 

Quando levou a mão ao bolso para tirar a carteira sentiu a mão tremer-lhe. Estendeu então a carteira para o rapaz que tinha a navalha, enquanto o que empunhava a arma parecia nervoso

 

Despache-se, homem... não temos o dia todo..

 

O rapaz com a navalha agarrou na carteira, enquanto Steve o olhava, e, sem qualquer aviso, sem uma palavra, o outro disparou sobre ele à queima-roupa, atingindo-o no peito. Steve soltou um gemido abafado e instintivamente carregou no botão da campainha. Depois, caiu lentamente e ficou estendido sobre o degrau da entrada do prédio de Anna.

 

Manteve-se de barriga para baixo, sem se poder mexer. Uma a uma as janelas começaram a abrir-se e ouviu pessoas gritarem lá em cima. Mas nessa altura já os rapazes tinham fugido e não havia ninguém para os deter.

 

Steve ouvia vozes ao longe e sentiu alguém puxá-lo para ver o ferimento. Então, mergulhou lentamente na escuridão.

 

Estava inconsciente quando os moradores do prédio foram chamar Anna. Toda a gente sabia que ela era médica. Anna foi encontrá-lo no meio de uma pequena multidão. Levava na mão a sua maleta de médica. Tinham-lhe dito que alguém fora ferido. Ela ouvira o tiro, mas não prestara atenção. Pensara que talvez fosse o escape de um camião. Mas, ao chegar junto dele, ouviu o som de uma ambulância. Quando o viu, Anna compreendeu, horrorizada, que Steve devia ter ido ali para a ver.

 

Aplicava uma compressa contra o peito dele, quando os paramédicos chegaram, com a maca. Anna disse às vizinhas para tomarem conta de Felicia e preparou-se para ir na ambulância com ele.

 

Vai com ele? Os paramédicos mostraram-se surpreendidos quando lhes disse para seguirem para a unidade onde trabalhava. Steve estava ainda inconsciente e sangrava profusamente. Puseram-lhe soro, máscara de oxigénio e Anna continuou a comprimir a ferida. Há três meses que não tinha notícias dele e não esperara voltar a vê-lo.

 

Quando chegaram ao hospital, a tensão arterial de Steve continuava a baixar. Felizmente, Lucas estava de serviço. Anna explicou-lhe rapidamente o que se passava e Harvey correu para o bloco operatório, afim de se preparar. Anna ficou junto de Steve, mais a equipa da unidade que substituíra os paramédicos.

 

Alguém sabe o nome dele? perguntou uma enfermeira.

 

É o Steve Whitman respondeu Anna.

 

Que diabo está ele a fazer aqui! exclamou uma das enfermeiras, enquanto lhe cortava a roupa com uma tesoura Julguei que estivesse na Califórnia.

 

Bem, está aqui disse nervosamente Anna, seguindo a maca e vestindo ao mesmo tempo a bata esterilizada. E tem um buraco no peito do tamanho do Texas. Não podem andar mais depressa?

 

Estamos a andar, estamos a andar...

 

Mas estavam a perdê-lo; Anna via isso Estavam já à porta da sala de operações, onde Lucas esperava, pronto para o operar.

 

Estamos a perdê-lo, Harvey sussurrou Anna, enquanto ia desinfectar-se. Queria estar junto de Steve, mas para isso precisava de se desinfectar.

 

Na altura em que Anna chegou junto dele, a tensão arterial estava ainda mais baixa e já se encontrava entubado. Steve não sabia nada do que se passava. Continuava inconsciente, enquanto as pessoas que tinham sido amigas dele lutavam para lhe salvar a vida.

 

Que lhe sucedeu? perguntou Harvey, enquanto se esforçava para retirar a bala.

 

Creio que ia visitar-me disse Anna com os dentes cerrados. E alguém disparou sobre ele

 

É uma mulher perigosa observou Harvey, sem ser capaz de desalojar a bala, enquanto lhe iam introduzindo sangue no corpo o mais rapidamente possível.

 

E ele é um cretino disse Anna com as lágrimas a rolarem-lhe pelas faces, por baixo da máscara

 

Finalmente pediu a Lucas que a deixasse tentar.

 

Eu tenho jeito para isso disse.

 

É o que me têm dito

 

Anna tomou o lugar de Lucas e começou a procurar a bala mais profundamente. Daí a pouco, soltou um ligeiro gemido. Encontrara-a. Mas levou vinte minutos para a desalojar. A pressão arterial mantinha-se estável, mas a hemorragia continuava. Levaram mais uma hora para a deter. Três horas depois de terem entrado na sala de operações, Anna e Lucas faziam as suturas. O estado de Steve encontrava-se finalmente estabilizado

 

Creio que ele se safa afirmou Lucas, enquanto levavam Steve para a sala de recuperação. Olhou então para Anna.

 

- Também não está com muito bom aspecto, doutora Gonzalez.

 

Anna tinha o rosto cinzento e as pernas a tremer.

 

Obrigada, doutor Lucas respondeu Anna, afastando-se para se ir sentar ao lado de Steve.

 

Decorreram duas horas até que ele se mexesse; nessa altura estava ainda atordoado, mas viu-a sentada ao seu lado e sorriu.

 

Anna? Ia ver-te sussurrou.

 

Não chegaste a ir respondeu ela, sorrindo-lhe, enquanto as lágrimas lhe corriam pelas faces. Imaginara que nunca mais o veria e depois julgara que ele ia morrer, antes de o poderem salvar.

 

Que sucedeu? perguntou ele outra vez.

 

Deram-te um tiro.

 

Bela vizinhança murmurou. E Anna sorriu através das lágrimas.

 

O que é que lá ias fazer?

 

Ia despedir-me de ti.

 

Fizeste isso há três meses disse Anna, enquanto ele mergulhava no sono outra vez. Passado um bocado, Steve abriu os olhos e reiniciou a conversa.

 

Queria ver a Felicia. Tenho saudades dela.

 

Ela também tem saudades tuas. Depois, decidiu deixar-se de cautelas e acrescentou: E eu também, apesar de seres um cretino.

 

Steve sorriu de novo.

 

Estou a divorciar-me e vou para o Kentucky. Anna franziu a testa quando o ouviu.

 

Creio que está com alucinações disse para uma das enfermeiras.

 

Eu ouvi disse Steve. É verdade... divórcio... Kentucky acrescentou com voz fraca.

 

Não fales muito... podes explicar mais tarde. Porque não dormes um bocado? disse meigamente. Continuava preocupada.

 

Dói-me o peito.

 

Pára de te queixar. Tiveste um grande cirurgião murmurou Anna, olhando-o com ternura.

 

Quem foi?

 

Fui eu. Tinhas uma bala do tamanho de um ovo no peito. Agora cala-te e dorme antes que eu te bata.

 

Amo-te, Anna sussurrou debilmente Steve. Mas Anna ouviu-o.

 

Inclinou-se para ele para lhe falar ao ouvido, de modo que mais ninguém a escutasse.

 

Também te amo.

 

Casa comigo.

 

Steve estava sonolento, mas Anna percebeu que ele sabia o que estava a dizer.

 

Nunca. Sou alérgica a isso.

 

Boa coisa a fazer.. bom para a Felicia.. bom para mim.. bom para ti... mais filhos... um bebé...

 

Não preciso de um bebé, se tiver de olhar por ti. Dás mais trabalho que dez bebés.

 

Casas comigo?

 

Não. Além disso, ainda estás meio anestesiado. Não sabes o que estás a dizer.

 

Sei sim... e não sou casado... nem sou gay...

 

O que é que ele está a dizer’ perguntou Harvey Lucas que entrava naquele momento e só ouvira o fim da conversa.

 

Quem é que disse que ele era gay? Ele não é gay.

 

Não, mas é um cretino declarou firmemente Anna, olhando para Steve. Ele estava a sair muito bem da anestesia, e Lucas mostrava-se satisfeito quando saiu para os deixar continuar a conversa.

 

Julguei que te tivesses ido embora para sempre murmurou Anna.

 

Também eu... mas estou de volta

 

Estou a ver. Porque é que não ficas aqui? Depois explicas a respeito do Kentucky.

 

Porém, mesmo no seu estado, ainda meio anestesiado, Steve lembrou-se de que não assinara os papéis. Lembrou-se de umas poucas de coisas. De deixar Merie, de se estar a divorciar... de ir ver Anna.. mas depois disso não se recordava de mais nada... até a ver na sala de recuperação e lhe doer o peito.

 

Amo-te repetiu ele, decidido a convencê-la.

 

Eu também te amo. Agora descansa um bocado. Eu fico aqui. Não vou sair daqui, Steve.

 

Anna nunca se sentira tão feliz por ver um rosto, como quando vira o dele, especialmente depois de saber que estava livre de perigo. Durante três meses chorara todas as noites por causa de Steve. Mas ele fora ter consigo, fosse qual fosse a razão.

 

Porque não casas comigo?

 

Não preciso. Além disso, não gosto de homens ricos.

 

Eu não sou rico. Dei-lhe tudo... agora sou pobre...

 

És doido disse Anna, sorrindo-lhe.

 

Tu também murmurou Steve, sorrindo e mergulhando novamente no sono.

 

Como está ele? Está bem?

 

Harvey apareceu para ir observá-lo, verificar os seus sinais vitais e ficou satisfeito com o que viu.

 

Vai ficar bem respondeu Anna. E Harvey saiu outra vez, deixando-os sós. Steve estava em boas mãos. Tivera sorte, nessa tarde. Mas não mais do que merecia. Harvey olhou por cima do ombro, ao sair da sala de recuperação, e viu Anna a dar a mão a Steve e a sorrir-lhe.

 

É o Steve Whitman quem ali está? perguntou uma das enfermeiras. A informação passara de boca em boca por toda a unidade.

 

É verdade.

 

Que está ele a fazer aqui? Julgava-o na Califórnia.

 

Está a recuperar, espero respondeu Harvey, para poder voltar a ocupar o seu lugar aqui e permitir que eu vá, por fim, dedicar-me à pesquisa.

 

Vai voltar? quis saber a enfermeira da recepção.

 

É provável disse Harvey, sorrindo. Pode ser. Quem sabe? Sucederam coisas bem estranhas.

 

Sentada ao lado de Steve, Anna dava-lhe a mão e olhava-o. Nunca ambicionara mais do que poder estar junto dele. Não precisava de promessas, nem de aliança de casamento, nem de dinheiro. Só queria estar junto dele. E Steve voltara. Para ambos, o pesadelo e a solidão tinham acabado.

 

                                                                                Danielle Steel  

 

                      

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