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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


OVERDOSE (a última viagem) / Carlos Cunha
OVERDOSE (a última viagem) / Carlos Cunha

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

OVERDOSE

(a última viagem)

 

 

De tempos em tempos ele costumava passar horas naquele lugar para saborear o doce contato com a solidão absoluta que ali conseguia.

Sempre que lhe era possível encontrava uma brecha em seus compromissos, para conseguir esses momentos tão necessários para a sua paz interior.

Aquele era um local de difícil acesso, por ser bastante trabalhosa e demorada a caminhada para ele alcançar. Só que quando ali chegava seu espírito encontrava total liberdade.

Em todas as vezes, que ali estivera, só em uma delas encontrara alguém. Alguns jovens que estavam, há alguns dias acampados, em suas barracas na beira do lago.

Sempre que retornou nunca mais encontrou ninguém e ele tinha aquele recanto do paraiso sobre a terra como um local de refúgio para a sua alma.

Nesse dia ele chegou bem cedinho. Desceu do primeiro trem que acordou a pequena cidade, mais próxima dali, com o ranger estridente provocado pelo atrito provocado por suas rodas enormes com os trilhos de aço e se pôs a caminhar pela linha férrea saborendo o cantar dos passarinhos que soava para ele como um hino de louvor ao dia que estava nascendo.

Além desse trajeto, pela linha do trem, teve de vencer um caminho cheio de obstáculos, que avançava pela mata adentro para ali chegar.

Quando chegou tirou o cansaço adquirido, na estafante caminhada que fezera, entrando debaixo das águas geladas e cristalinas que despencavam arrojadas e furiosas, tomando um delicioso banho de cachoeira.

Depois do banho subiu em uma pedra enorme, que havia na beira do lago, e sentou-se sobre uma toalha que estendeu nela. Pegou a sua sacola e tirou dela os cogumelos que encontrou, em um pasto que cruzou no caminho dali, e começou a mastiga-los, saboreando o sabor divino daquele alimento da alma.

Aquele mastigar lento, que amargava a sua boca, era um doce ritual que precedia a abertura da porta de um plano astral pelo qual o seu espírito entraria. Sua viagem começava ali.

 

Logo depois a sua alma, afastada alguns metros dele, observava encantada aquele corpo sentado sobre a pedra. Tinha consciência de que aqueles olhos brilhantes e meditativos que via, era a porta de entrada e saida do seu habitat.

Nesse momento um anjo, na forma da mais linda mulher concebida por Deus, olhava aquela cena.

Ele estava semioculto pela forte torrente de água da cachoeira, que atingia e acariciava o seu corpo nu.

Duas lágrimas grossas desceram dos seus olhos, e se confundiram com a água que escorria pelo seu rosto, quando ele estendeu os braços em direção daquela alma e falou:

 

- Vem comigo, não tenha medo. Sinto separa-los, mas só você pode me acompanhar ao local aonde vamos.

 

De mãos dadas, aquela alma e o anjo que na forma de uma mulher bela viera busca-la, se elevaram lentamente e pouco a pouco se confundiram com a imensidão que envolvia aquele lugar.

 

Dias depois um corpo foi encontrado sobre a grande pedra, que havia ao lado do lago em que caiam as águas da cachoeira. A pessoa encontrada havia tido uma overdose.

Foi constatado que o que motivou a sua morte foi a quantidade excessiva de ácido psilocibina, que tinha nos cogumelos alucinógenos que ele comeu.

 

 

Carlos CunhaAutoria & Produção Visual