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Um Amante Indiscreto / Adele Ashworth
Um Amante Indiscreto / Adele Ashworth

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Um Amante Indiscreto

 

Ela era o desejo de cada homem, mas o que deseja é a indiscrição do duque.

Lady Charlotte Hughes leva uma vida dupla, durante o dia é a simples e comedida irmã de um homem dominante que o único desejo é vê-la casada e longe dele. De noite é a encantadora e intrigante famosa cantora de ópera que deixa loucos de luxúria os homens. Mas o único homem que ela deseja é Colin Ramsey, Duque de Newarkm, embora o elegante nobre nunca fosse manchar sua reputação por uma mulher como ela. Por isso fica surpreendida quando o duque começa a persegui-la como seus outros admiradores. E tentando seduzi-la descobrirá sua verdadeira identidade.

Charlotte se submeterá aos desejos do atraente duque, mas só como esposa, uma proposta que Colin aceita ansiosamente. Mas seu secreto dever com a Coroa irá expor Charlotte a um perigo muito real, e ameaçará a paixão que os une.

 

CAPITULO 01

Londres, Inglaterra, fevereiro de 1861.

Colin Ramsey, o distinto terceiro duque de Newark, levava três anos e meio apaixonado por Lottie English. Bom, o mais provável era que esse não fosse seu verdadeiro nome, e é obvio não foram apresentados formalmente. Não obstante, essa parte dela que tanto o fascinava quando a via cantar nos cenários jamais se afastava de seus pensamentos e, conforme suspeitava seguiria sendo o núcleo de suas fantasias eróticas até que exalasse seu último fôlego... Ou até que se deitasse com ela.

E essa era a imagem que tinha em mente quando entrou no magnífico Royal Italian Opera House de Covent Garden e se fez a solene promessa de que essa noite falaria com ela por fim. Tinha tentado apresentar-se ante ela em duas ocasiões penetrando entre os bastidores depois de suas atuações, mas ela tinha conseguido evitá-lo: depois de inclinar-se ante o público que a adorava pela última vez tinha abandonado o teatro a toda pressa e se afastou em uma carruagem de aluguel para lugares desconhecidos sem que ele conseguisse alcançá-la.

Esse era o mistério de Lottie English e a razão, supunha Colin, pela qual a diva ocupava seus sonhos e suas fantasias. Ninguém sabia nada dessa mulher, além de que era uma das maiores sopranos da Inglaterra.

Essa noite, como sempre, desfrutaria de sua interpretação de Susanna nas núpcias de Fígaro, de Mozart, mas não tentaria apresentar-se ante ela depois da atuação como tinha feito outras vezes. Essa noite a pegaria despreparada durante o intervalo. Era improvável que se negasse a receber o duque de Newark.

Seguro de si mesmo, Colin se sentia tão entusiasmado como um garoto de escola enquanto observava seus amigos: Samson Carlisle, duque de Durham, e sua flamejante esposa, Olivia, que bebiam champanha no centro do vestíbulo do teatro. Como era de esperar, toda as pessoas que conhecia pessoalmente tinha chegado a inteirar-se com o tempo dos libidinosos sentimentos que alimentava pela encantada Lottie, e todos achavam muito divertido..., o bastante para ficar embasbacado de vez em quando, algo que sem dúvida fariam também essa noite.

A magia da iminente atuação impregnava o ar quando Colin inclinou a cabeça para saudar umas quantas damas que lhe fizeram uma reverência enquanto atravessava o cheio vestíbulo iluminado pelos lustres de cristal e os candelabros das paredes. Essa noite usava um traje formal; tinha escolhido seu melhor traje de seda negra com gola e punhos de veludo, uma camisa branca com babados vincados, um colete cinza escuro e uma gravata combinando presa por um alfinete de ônix. Penteou o cabelo para trás e se colocou umas gotas de água de colônia almiscarada. Lottie English merecia o melhor.

Foi Olivia quem o viu primeiro, e seus escuros olhos azuis brilharam sagazes quando Colin se aproximou dela.

-Vejo que pôs seus melhores ornamentos para Lottie English.

Sam soltou um bufo.

Colin esboçou um sorriso e pegou a mão enluvada de sua amiga antes de lhe dar um beijo na bochecha.

-Eu estava pensando o mesmo.

-Ao parecer não pensa em outra coisa. - Queixou-se Sam. - Ao menos de um tempo para cá.

Ele encolheu os ombros.

-É a temporada invernal de ópera.

-Certo. – Concordou Olivia, depois de realizar um gesto com a cabeça para que a seguissem, dirigiu-se à parede que havia a sua direita e os afastou da multidão. Bebeu um gole de champanha e murmurou com malícia. - Ouvi certo rumor sobre ela...

Colin arqueou as sobrancelhas.

-De verdade? Adoro os rumores.

-Em especial se for sobre essa mulher. – Disse Sam tentando dissimular um sorriso zombeteiro.

Colin passou por cima do comentário e observou Olivia, embargado pela espera.

-E bem?

Ela começou a balançar-se um pouco para frente e para trás enquanto o contemplava com um meio sorriso.

-Acabo de retornar do salão das damas, onde muitas das pessoas que sempre estão a par de tudo asseguram que é filha de um visconde.

Sam pôs-se a rir baixo e levou a taça de champanha aos lábios.

-Uma fofoca ridícula.

A Colin também lhe parecia muito difícil de acreditar.

-As filhas dos aristocratas não trabalham no teatro. - Disse suspirando com exagero. - Temo-me que não é mais que outro beco sem saída.

-Entretanto, existem alguns rumores que são certos, não é? - Insistiu Olivia, enquanto enrolava no dedo uma das mechas que lhe caíam sobre o pescoço. - Ao menos todos os rumores que ouvi sobre ti parecem sê-lo.

-O que esteve contando seu marido sobre mim, milady? - Perguntou Colin com fingida indignação.

Sam respondeu por ela.

-Nada que não tenha escutado primeiro no salão das damas, isso asseguro.

Colin inclinou a cabeça para ela.

-Se é ali onde ouviu rumores sobre mim, então sim, são todos certos.

-Não me diga? - Replicou Olivia. - É todo um sedutor, verdade?

Colin pegou uma taça de champanha da bandeja de um dos criados que passava perto.

-Saberei com certeza esta mesma noite.

Sam meneou a cabeça e sorriu com ironia.

-Já estamos outra vez... Suponho que nos fará saber se conseguir conquistá-la.

Era uma afirmação, não uma pergunta, de modo que Colin somente pôde dar de ombros.

-Garanto-lhes neste mesmo momento que a exuberante e encantadora senhorita Lottie English cairá aos meus pés algum dia. - Deu um gole à taça e depois assinalou a ambos com ela. - Acreditem no que digo.

Olivia começou a rir de novo.

-A determinação é o que conta, não lhe parece, querido?

Sam negou com a cabeça, mas não disse nada.

-Sobre o que estamos conversando nesta tormentosa noite? - Perguntou uma alegre voz de barítono a suas costas.

Colin se deu a volta e descobriu que se tratava de seu amigo e supervisor em seu trabalho para a Coroa, Sir Thomas Kilborne, um cavalheiro corpulento e imponente, com bochechas rosadas e escasso cabelo negro penteado de uma orelha a outra para cobrir sua cabeça.

-Boa noite, Sir Thomas. - Saudou-o com amabilidade. - Conversávamos sobre as damas que se rendem a nossos pés.

-Vá... Assim que se trata de Lottie English outra vez.

Olivia deu alguns passos para frente para lhe dar um beijo na bochecha.

-Boa noite, Sir Thomas.

-Milady, está preciosa, como sempre. - Replicou ele, enquanto se voltava um pouco para trás para contemplá-la bela com o suntuoso vestido de cetim vermelho escuro. Depois se virou para Sam e se inclinou em uma leve reverência. - Excelência.

Sam lhe respondeu com uma inclinação de cabeça.

-Onde está sua encantadora esposa, Sir Thomas?

O homem suspirou de forma exagerada.

-Não tenho a menor idéia. Deixou-me para conversar com um grupo de damas assim que entramos.

-As mulheres costumam fazer esse tipo de coisa, não é certo? - Comentou Colin.

Sir Thomas sorriu de tal forma que suas costeletas se agitaram.

-Para falar a verdade, é um alívio. Passará toda a noite me golpeando com o leque para se assegurar de que permaneço acordado.

-Parece que você está tão emocionado por estar aqui como eu. - Assinalou Sam com certo sarcasmo.

Olivia soprou com força e deu um golpe no braço de seu marido com o leque, algo que parecia funcionar para todas as mulheres.

-Em certas ocasiões é necessário fazer alguns sacrifícios pelas pessoas às quais amamos.

Sir Thomas riu entre dentes enquanto afastava o cabelo no alto da cabeça.

-Foi ela quem o arrastou até aqui, verdade?

Sam tomou um gole de champanha.

-Não vou entrar em detalhes, mas sim, foi ela. Minha paixão pela ópera se limita ao momento em que escovo os dentes.

Uma campainha ressonou por cima das risadas, do frufru das saias e das vozes que enchiam o vestíbulo, para lhes recordar que faltavam poucos minutos para o começo da atuação.

-Bom. - Brincou Olivia, enquanto rodeava o cotovelo de seu marido com a mão. - Não queremos perder a apresentação, verdade, céu?

Com a intenção de demorar o possível sua partida, Sam olhou de esguelha a seu amigo.

-E por que está tão seguro de que esta noite conhecerá a famosa senhorita English?

Colin sorriu uma vez mais e fingiu arrumar gravata.

-Penso saltar no cenário e lhe declarar meu amor durante a primeira parte. Não poderá se esquivar de me receber frente a ela.

-Pelo amor de Deus. - Interveio Sir Thomas. - Só espero que não comece a cantar.

Olivia soltou uma gargalhada.

Sam o olhou fixamente.

-Sabe que se fizer algo tão desonroso terei que deixar de te chamar amigo, verdade?

Colin encolheu os ombros.

-É o preço do amor...

Olivia lhe deu uns tapinhas na bochecha.

-Necessita uma esposa.

-Tanto como uma dor de dente. - Protestou ele. - A menos, é obvio que Sam tenha pensado em se desfazer de ti.

-Nem sonhe. - Replicou o aludido com muita rapidez. Olivia sorriu de orelha a orelha.

-Bem, que ao parece não estou disponível, talvez Lottie English aceitasse casar-se contigo.

Colin bebeu uns goles de champanha.

-Acredito que isso é muito improvável.

Sir Thomas soprou por baixo.

-Só porque ela não se atreveria. Não se te põe em ridículo saltando no cenário durante a atuação. Converterá-te no bobo de toda a Inglaterra.

Olivia inclinou a cabeça a um lado para estudá-lo com expressão animada.

-E como espera conhecer a que pretende que seja você... «amiga», por assim chamá-la?

Colin elevou um de seus ombros.

-Entrarei nos bastidores durante o intervalo para me apresentar.

Todos começaram rir, incluído Sam, o que significava que o consideravam um doente de amor e que não acreditavam em suas palavras.

-Durante o intervalo... - Repetiu Olivia, que franzia o cenho com assombro.

Colin piscou um olho.

-Que outra coisa poderia fazer um homem só e desesperado?

Sir Thomas esclareceu garganta.

-Bom, enquanto planeja você... bem... «sua proposta»...

-Em realidade quis dizer «assalto» - Interveio Sam. - Pobre mulher.

-Isso sem dúvida. - Concordou Sir Thomas. - Mas eu gostaria de falar contigo, Colin, antes que perca a cabeça pela beleza do cenário e te levem a Bedlam.

-Gente de pouca fé... - Respondeu Colin antes de beber o conteúdo de sua taça.

-Devemos nos sentar já, querido. – Insistiu Olivia enquanto puxava a manga de seu marido. - Sei que não iria querer perder a abertura por nada do mundo.

-Nem me havia passado pela cabeça algo assim. - Mentiu Sam, que tentou dissimular um sorriso enquanto contemplava sua esposa.

Olivia levantou as saias com intenção de partir antes de dirigir sua atenção à mais velhos dos homens.

-Bom, Sir Thomas, talvez nos vejamos durante o intervalo.

O cavalheiro bateu os calcanhares.

-Aqui estarei, é obvio, com minha senhora. Cumpro com minhas obrigações sempre que posso.

-Estupendo. E Colin, querido. - Disse enquanto sacudia a cabeça e o percorria com o olhar de cima abaixo. - Se comporte.

-Farei o que puder para me controlar, milady. - Replicou ele com fingida seriedade. - Mas te garanto que será uma noite memorável. Ao menos para mim.

Olivia endireitou os ombros com um suspiro.

-Nesse caso, espero escutar todos os detalhes, é obvio. Vê-lo-emos em seu camarote, querido. - Depois disso, deu a volta e arrastou seu marido para as portas interiores, oculta nesse momento por muitos assistentes do teatro que se dispunham a entrar para ocupar seus assentos.

Colin colocou a taça de champanha vazia junto a outras muitas em uma pequena bandeja auxiliar que havia a sua esquerda e depois caminhou em silêncio junto a Sir Thomas para o extremo oposto do vestíbulo, a fim de aguardar a que o lugar se limpasse antes de iniciar a conversa. O nervosismo que sentia com o iminente encontro com Lottie English se incrementava com cada segundo que passava, assim decidiu acabar quanto antes com o assunto que Sir Thomas e ele traziam entre mãos, para poder ver como subia o pano de fundo e contemplar à mulher de seus sonhos.

-O que tem para mim? - Perguntou logo que estiveram a sós, revelando sua impaciência.

Sir Thomas lançou um olhar a seu redor, embora tentasse não parecer vigilante.

-Charles Hughes. - Disse em voz baixa, enquanto levava a taça de champanha aos lábios.

-Charles Hughes? - Repetiu Colin, que passou a palma da mão pelo pescoço suado.

Sir Thomas franziu o cenho. A grossa papada do homem se elevou por cima do pescoço engomado de sua camisa quando assentiu com a cabeça.

-O conde de Brixham. Conforme parece, mantém relações das mais interessantes com os governos estrangeiros.

Colin enlaçou as mãos às costas para manter a raia a crescente agitação que o embargava.

-Que classe de relações?

Seu superior respirou fundo, conteve o ar por um momento e depois o soltou muito devagar enquanto contemplava o tapete que havia a seus pés.

-Não é certo, mas suspeitamos que tenta vender certa informação que conseguiu graças a sua participação em várias comissões da Câmara.

A Câmara dos Lordes. Colin meditou durante uns instantes. Só conhecia de vista o conde de Brixham, embora possivelmente estreitaram as mãos em um par de ocasiões. Contudo, parecia improvável que acusassem o homem de algo semelhante sem uma boa razão.

-Por que? - Perguntou sem mais. - O que se sabe dele?

Sir Thomas voltou a olhá-lo no rosto; sua expressão se tornou séria e tinha os escuros olhos castanhos entrecerrados.

-Está terrivelmente endividado. Má sorte com as cartas e tudo isso. - Fez uma pausa antes de acrescentar. - Acredito que chegou a tal extremo que estaria disposto a fazer algo para conseguir dinheiro.

Colin tentou concentrar sua mente nos detalhes que tinha proporcionado Sir Thomas e afastar das luxuriosas curvas da famosa soprano que apareceria sobre o cenário de um momento a outro.

-E o que acha que eu posso fazer? - Perguntou em uma tentativa de ser direto.

Sir Thomas bebeu sua taça de champanha um único gole.

-Necessito que se reúna com ele. - Respondeu depois de lamber os lábios. - Que vá a sua casa...

-Sabe que não sou um investigador, Thomas. - Interveio Colin, que inclinou um pouco a cabeça para contemplar seu superior com ceticismo. - Não tem outro que possa se encarregar disto?

O ancião negou com a cabeça em um gesto obstinado.

-Não. Com certeza o homem começaria a suspeitar se enviamos algum dos nossos; você só é um aristocrata preguiçoso com muito dinheiro que quer comprar seu antigo piano.

Colin riu baixo, incrédulo.

-Não pode estar falando sério...

-Pois sim. - Foi a rápida resposta.

-Não necessito um piano. - Assinalou Colin com amabilidade, sabendo de que essa observação era muito discutível. - Tenho um piano estupendo que, como bem sabe, jamais utilizo.

Sir Thomas arranhou as costeletas sorrindo com ironia, enquanto voltava a percorrer com o olhar o vestíbulo quase vazio.

-É uma boa desculpa, e está claro que ele se mostrará disposto a vendê-lo. Acreditam que se encontra em sérias dificuldades econômicas, e o piano vale uma boa soma. - Suspirou. - Mas também quero que entre em sua casa, que veja como vive esse homem, que faça uma estimativa geral de suas posses e esse tipo de coisas. Quando lhe fizer uma oferta pelo instrumento, lhe peça uma escritura de venda. E isso é tudo. Pode conseguir ao menos isso, não é?

É obvio que podia conseguir uma escritura de venda; depois de tudo, era um profissional. Entretanto, Colin ficou em silêncio enquanto refletia sobre esse estranho pedido de seu superior.

Sir Thomas percebeu sua reserva e disse em tom jovial:

-É pelo bem da Inglaterra, rapaz.

E com isso terminou o assunto. Como ia negar-se?

-Dê-me ao menos uma semana. - Aceitou Colin suspirando.

Sir Thomas sorriu de orelha a orelha.

-Não há problema. Conforme entendi, o tipo tem uma irmã que rechaçou todos seus pretendentes durante as últimas três ou quatro temporadas. Talvez queira cortejá-la.

Colin soltou um suspiro antes de voltar a rir.

-Nem pensar.

Seu superior sacudiu a cabeça com fingido pesar.

-Tal e como acaba de assinalar a adorável duquesa de Durham, necessita uma esposa.

Depois desse conselho, Sir Thomas levantou a mão e lhe deu uns tapinhas no ombro antes de partir a toda pressa... para procurar a sua própria esposa e evitar que esta lhe recordasse o quão importante era estar sentado quando começava o espetáculo, supôs Colin. As esposas não traziam mais que problemas: gastavam o dinheiro com frivolidades, choramingavam quando lhes negavam algum luxo e se queixavam sem cessar por coisas sem importância. O que ele precisava era uma boa amante que não pudesse fazer nenhuma dessas coisas sem arriscar-se a perder tudo o que tinha conseguido durante a relação. Havia passado uma eternidade, ou isso lhe parecia, desde a última vez que se deitou com uma mulher; e a única que desejava nesses momentos era a linda e brilhante Lottie English.

Com essa idéia em mente, reprimiu parte da antecipação que sentia e se dirigiu para as escadas no preciso instante em que a orquestra começou a tocar.

 

CAPITULO 02

Como sempre, Lottie English estava deslumbrante sobre o cenário. Colin estava sentado com Sam e Olivia no terceiro camarote, o mesmo camarote que tinha adquirido a quase quatro anos atrás, justo depois que a célebre soprano cantou pela primeira vez, antes de converter-se na estrela do momento. Essa noite conseguiu fasciná-lo por completo uma vez mais, não só com sua magnífica atuação e sua voz espetacular, mas também com sua estranha habilidade para apropriar-se da cena, para cativar toda a audiência. Contemplou seu disfarce, a enorme peruca branca que ocultava a cor de seu cabelo e os cosméticos que cobriam seu rosto. Até assim, essa mulher era capaz de parecer elegante e majestosa, inclusive arrebatadora, embora Colin supunha que era sua interpretação o que o tinha cativado.

Tinha as maçãs do rosto altas, um rosto oval, uma cintura fina e um busto bem dotado, algo que não havia passado despercebido ao longo dos anos. Além disso, cantava como os anjos.

-É magnífica. - Sussurrou-lhe Olivia quando concluiu a primeira cena de Lottie e o público rompeu em aplausos.

Colin esboçou um sorriso radiante, invadido por uma estúpida sensação de orgulho que o tinha acompanhado durante cada segundo da representação; uma satisfação que não tinha razão de ser, já que Lottie ainda não lhe pertencia. Entretanto, com a ajuda de Deus e com uma boa dose de persuasão própria, logo o faria. Muito em breve.

Aproximava-se por fim do último intervalo, e seu coração começou a pulsar com força, preso de um súbito golpe de excitação. Quase tinha chegado o momento de entrar nos bastidores para conhecê-la, e ela não poderia negar-se a recebê-lo se  entrasse ante ela como o distinto duque de Newark. Colin não estava acostumado a utilizar seu título para conseguir o que queria, mas não lhe ocorria nenhuma outra forma, e por desgraça estava desesperado. Devia averiguar se lhe acendia o sangue da mesma forma que ao vê-la de perto do que ao contemplá-la da distância.

Lançou um olhar para Olivia e a Sam durante a última cena antes do descanso e descobriu com certa diversão que seu amigo quase não conseguia manter os olhos abertos; isso lhe fez perguntar-se quantos dos espectadores masculinos tinham o mesmo problema essa noite. Olivia, em troca, parecia tão cativada como ele, embora por razões muito diferentes, claro. Colin se inclinou para frente para lhe apertar a mão, lhe suplicando em silêncio que lhe desejasse sorte. Ela o olhou e sacudiu a cabeça.

-Se comporte... - Articulou com os lábios.

Ele se limitou a lhe piscar um olho antes de ficar em pé e abandonar o camarote em silêncio.

Jamais tinha estado entre bastidores durante uma obra, assim não estava seguro do que devia esperar. Não obstante, pensava fazer tudo o que estivesse em sua mão para passar despercebido e evitar qualquer pessoa que não fizesse parte do pessoal do teatro. Não queria nem imaginar a humilhação que sofreria se Lottie English risse dele diante de seu nariz antes de rechaçá-lo se houvesse algum espectador por ali para presenciar.

Enquanto a música soava no cenário, Colin levantou o queixo e fingiu saber exatamente para onde se dirigia. Desceu com cautela a escada e avançou a toda pressa pelo corredor da esquerda, que conduzia para o estrado inferior da orquestra, sem encontrar-se mais que a um par de pessoas que apenas lhe prestaram atenção. Faltavam poucos segundos para que começassem os aplausos, o que assinalaria o final da cena e queria entrar antes que alguém se fixasse nele. Ao fim, viu uma espécie de vigilante situado em frente às portas de madeira que davam acesso à zona de bastidores; sem dúvida, seu trabalho consistia em impedir a entrada de pessoas que, como ele, pretendiam criar problemas aos intérpretes de maneira intencional.

Depois de esboçar seu sorriso mais encantador, Colin avançou para o empregado do teatro com passos decididos e expressão solene. Uma vez na frente dele percebeu que esse homem fraco não teria mais de vinte anos.

-Sua excelência o duque de Newark deseja ver a senhorita English, por favor. -Disse ao moço com aprumo, enquanto puxava os punhos de veludo. - Não levará mais de um minuto.

Assombrado, o jovem o olhou de cima abaixo com expressão receosa.

-Ela o espera?

Posto que tinha previsto essa pergunta, Colin entrelaçou as mãos à costas sem deixar de olhá-lo nos olhos.

-É obvio. Trata-se de um assunto importante.

Depois de decidir por uns segundos que era melhor não enfrentar-se com um homem de tal posição, o jovem assentiu com a cabeça.

-Só terá uns minutos, excelência. - Advertiu-lhe o vigilante com um toque de desaprovação. - Antes de que comece o ato final.

-Não necessitarei mais. - Replicou Colin com calma.

O moço passou para o lado, abriu a porta o justo para que ele entrasse e depois a fechou a suas costas.

Colin permaneceu imóvel na escuridão enquanto aguardava que seus olhos se adaptassem e logo abriu caminho entre caixas, gigantescos cenários, cordas, polias e todo tipo de tábuas. Escutou as repentinas risadas e os aplausos dos espectadores enquanto se aproximava das pequenas estadias onde os protagonistas e os intérpretes passariam uns minutos de descanso antes de retornar ao cenário para finalizar a ópera.

Ouviu alguns sussurros e risadas quando os membros do elenco e a equipe começaram a aproximar-se da parte posterior, mas atuou como se soubesse com exatidão o que estava fazendo e inclinou a cabeça um par de vezes para saudar os imundos trabalhadores, que faziam uma expressão sentida ou talvez confusa, ao ver um homem vestido em traje de gala em um lugar onde não deveria estar. Colin sabia qual era o camarim de Lottie, já que tinha tentado reunir-se ali com ela em outra ocasião, assim que se dirigiu para o lugar sem deter-se. Respirou fundo para dar-se ânimos e, depois de assegurar-se de que não ouvia nenhum ruído no interior, girou o trinco e entrou no lugar.

O camarim estava um tanto mais iluminado do que esperava, já que havia três abajures acesos: uma a cada lado da penteadeira, cuja luz se refletia no enorme espelho de marco dourado, e a outra no fundo da habitação, em cima de um velho armário de carvalho.

O primeiro que viu Colin foi à donzela que estava colocando cosméticos, pincéis e pequenos frasquinhos de quem sabe o que sobre a mesa situada em frente ao espelho. A jovem levantou a cabeça quando o ouviu entrar e o olhou boquiaberta, confusa.

-É você...? Posso ajudá-lo em algo, senhor? - Perguntou com os olhos totalmente abertos enquanto apertava uma grossa escova contra os seios.

Colin sorriu.

-Vim me reunir com a senhorita English.

-Ah. Vacilante, a donzela o percorreu de cima abaixo com o mesmo olhar do ossudo moço da porta.

-Ela o espera?

Colin desejou poder lhe dizer que partisse sem mais e que as razões pelas quais se encontrava ali não eram assunto dela. Entretanto, imaginou que era bastante incomum que a famosa soprano se visse abordada por homens desconhecidos do público durante a atuação.

-Sim - Respondeu enquanto contemplava a habitação. De repente percebeu que os elementos decorativos revelavam um toque decididamente feminino, do pequeno canapé de veludo verde esmeralda que havia junto à parede,decorada com um desenho floral, até as dúzias de rosas de todas as cores que enchiam os numerosos vasos de cristal convocados em todas as superfícies disponíveis do lugar. Estava claro que não era o único admirador de Lottie, pensou divertido e envergonhado ao mesmo tempo.

Voltou a olhar à moça, que ainda o contemplava com expressão perplexa.

-Pode nos deixar a sós, por favor? - Exigiu em um tom amável embora autoritário.

A jovem piscou com rapidez e tragou saliva.

-Mas... mas devo ajudá-la no que necessite...

Colin avançou muito devagar para ela.

-Eu me encarregarei de suas necessidades esta noite.

-E que necessidades são essas, excelência?

Sobressaltado, Colin deu a volta a toda pressa para encarar a deliciosa figura e a voz rouca e sensual da grande Lottie English, que nesse instante se encontrava no vão da porta, com o ombro apoiado contra o marco e os braços cruzados à altura do peito. Não tinha feito reverência alguma e o contemplava com curiosidade.

Colin notou que se arrepiava e que se ruborizava sob a apertada gola da camisa, de modo que levou as mãos à costas para evitar que tremessem.

-Senhorita English. - Saudou em tom grave e controlado. - Por fim nos conhecemos.

A famosa soprano o observou fixamente durante longos e incômodos segundos. Depois se endireitou e entrou no camarim com certa dificuldade devido aos gigantescos aros do disfarce.

-Pode partir, Lucy Beth. Eu me encarregarei dele.

Encarregar-se de mim? Pensou Colin. Pelo visto tinha lhe incomodado bastante que tivesse aparecido de improviso, e a frieza de suas maneiras o deixou perplexo.

Ainda um tanto confusa, a jovem donzela fez o que lhe pedia e se inclinou um par de vezes.

-Senhora. Excelência. - Depois, saiu pela porta como um coelho assustado e fechou com força.

Colin quase não foi consciente de sua saída, já que tinha o olhar cravado na protagonista de suas fantasias, que se encontrava em frente a ele pela primeira vez. Essa noite estava radiante, muito mais encantadora do que a tinha imaginado. Usava um vestido de época de luxuoso cetim em cor branca e verde azulada; o decote era baixo e o espartilho elevava os seios da diva até seu mais alto esplendor. Seus enormes olhos, de um maravilhoso azul, estavam perfilados com uma grossa linha negra que enfatizava sua cor e sua vivacidade no cenário; seu perfeito rosto oval estava pintado com uma densa capa de nata branca e pós que combinavam com a peruca, cheia de laços dourados que resplandeciam à luz dos abajures.

-Está me olhando fixamente. - Assinalou ela, que passou de repente a seu lado para dirigir-se a penteadeira. Sentou-se na pequena cadeira acolchoada com tanta elegância como permitiram os gigantescos aros do vestido e se tomou um instante para contemplar sua imagem no cristal.

Colin não percebeu o que fazia, mas não podia negá-lo.

-É você uma fantasia feita realidade. - Admitiu com voz séria enquanto se aproximava da penteadeira. Não podia deixar de olhá-la, fascinado, enquanto ela aplicava mais pó nas bochechas.

-Por que está aqui, excelência? Seguro que tem coisas mais importantes que fazer que interromper uma atuação.

-Como sabe quem sou? - Perguntou ele, que se tinha concentrado em controlar sua respiração para não parecer enfeitiçado.

Uma das comissuras de seus lábios pintados de vermelho se elevou com falsa timidez enquanto o contemplava através do espelho.

-Acredito que todo mundo sabe quem é você.

-Uma resposta boa. - Replicou Colin, que não pôde evitar esboçar um sorriso malicioso. - Mas me interessa muito mais você e o que sabe sobre mim.

-Não me diga? - Inquiriu ela. Depois, sem olhá-lo acrescentou. - Há muito tempo que o conheço.

A senhorita English jamais chegaria a imaginar o muito que o tinham animado essas poucas palavras.

A soprano suspirou, deixou a caixa de pós e abriu um diminuto pote de ruge de cor vermelha brilhante.

-Acha que não vi como aplaudia do camarote número três depois de cada atuação?

Esse comentário adicional o desanimou um pouco, já que pela primeira vez percebeu que a ela devia parecer um estúpido.

-Não posso evitá-lo, senhorita English. – Respondeu com sinceridade. - Você... deslumbra-me.

A mulher sorriu de orelha a orelha enquanto aplicava o ruge nas bochechas.

-Isso me resulta do mais interessante.

Colin se aproximou um passo mais.

-É certo. E ao parecer há muitos cavalheiros tão deslumbrados como eu. Embora sem dúvida são merecidas, jamais tinha visto tantas rosas em uma habitação em toda minha vida.

O sorriso feminino se atenuou um pouco e Colin não pôde evitar perguntar-se se suas palavras a tinham incomodado tanto como sua súbita aparição. Isso era o último que desejava, agora que tinha conseguido por fim falar com ela.

-Lottie English é a sensação do momento. - Comentou ela com voz rouca e pensativa. - Mas nenhum dos homens que me enviam flores, jóias ou bombons me conhece absolutamente. Só gostam do que vêem, ou o que finjo ser. - Percorreu o rosto de Colin refletido no espelho e depois voltou a prestar atenção aos cosméticos. - Conhecem-me tão pouco como você, excelência.

-Entendo. - Confessou ele em voz baixa.

-De verdade? - Perguntou ela em tom frívolo.

-Sim.

A mulher se concentrou em seus brilhantes lábios vermelhos enquanto aplicava com mestria o mesmo tom carmesim com pequenos toques de pincel.

-Essa é a razão pela qual nenhuma vez me enviou rosas?

Para falar a verdade, jamais tinha lhe ocorrido dar de presente flores, e nesses momentos se alegrou de não havê-lo feito. Lhe enviar rosas teria feito parecer-se com o resto dos admiradores, aos que ela parecia considerar uma chateação.

Deu uns passos mais para situar-se atrás de sua cadeira e a observou no espelho.

-É você muito linda. - Assegurou em um sussurro grave. - Um buquê de flores jamais poderia lhe fazer justiça.

Colin percebeu uma ligeira hesitação em seus movimentos enquanto pintava os lábios, mas ela não o olhou.

-Adula-me você, milord. Contudo, o certo é que os cosméticos fazem maravilhas com um rosto pálido e ordinário.

Ele franziu um pouco o cenho ao escutá-la.

-Ordinário jamais, querida Lottie. Tem um rosto delicioso.Como o resto de sua pessoa, incluída sua voz.

A mulher piscou, desconcertada por sua sinceridade. Seus vibrantes olhos azuis se cravaram nele através do cristal.

-Por que está aqui?

Nessa ocasião a pergunta revelava um verdadeiro interesse, e o calor de seu olhar, somado à intensidade de seu tom de voz, produziu-lhe uma súbita onda de satisfação.

-Quero conhecê-la melhor. - Respondeu com um sorriso amável.

A diva entrecerrou os olhos para estudá-lo detalhadamente. Logo deixou escapar um longo suspiro e desceu as pálpebras antes de concentrar sua atenção na mesa de cosméticos para pegar uma escova.

-Duvido muito que tenha vindo até aqui para me convidar para jantar.

-Eu adoraria jantar com você. - Apressou-se a replicar Colin.

Ela encolheu os ombros com resignação.

-Por desgraça, não poderá ser. Não pode me cortejar, excelência, assim para que?

Para que? Para te colocar em minha cama, é obvio, pensou Colin exasperado. Ela tinha que sabê-lo.

Devagar, com muita cautela, levantou uma mão e deslizou os dedos por seu pescoço para desfrutar da suavidade de sua pele, embora desejasse fazer muito mais. Para seu alívio, ela não se afastou nem o repreendeu. A senhorita English se estremeceu de maneira quase imperceptível, e foi então quando Colin compreendeu o muito que gostava dessa mulher.

-Acredito que me investigou, Lottie. Por isso sabe quem sou. - Disse com voz séria enquanto arrastava os dedos até apoiá-los em sua garganta e aproximava sua palma à clavícula nua.

Ela esteve a ponto de sorrir.

-Eu também tenho fantasias, excelência. - Replicou em um tom rouco e sensual enquanto fechava os olhos para desfrutar de suas carícias.

Colin apenas pôde conter as reações físicas e mentais que lhe provocou essa resposta. Teve uma ereção ante o simples fato de escutar sua voz, de saber que tinha chamado sua atenção o suficiente para que o investigasse; o suficiente para expressar certo interesse por ele, para mostrar que necessitava suas carícias, para revelar que o desejava quase tanto como ele a ela.

Sim. Seriam amantes. Jamais tinha tido algo tão claro.

-Nesse caso deveríamos compartilhar nossas fantasias. - Murmurou. - E o certo é que eu gostaria que nos convertêssemos em... amigos íntimos o antes possível.

As comissuras dos lábios femininos se elevaram um pouco, e Lottie abriu os olhos para estudá-lo com atenção.

-De modo que essa era a necessidade a que se referia quando disse que iria ajudar-me, não é assim?

Colin sorriu e admitiu com voz calma:

-Será um prazer para mim, e lhe prometo que também para você, ajudá-la em tudo o que necessitar. Não desejo outra coisa que estar a seu lado.

A mulher assentiu e entrelaçou as mãos sobre seu colo.

-Entendo. - Desceu o olhar antes de adicionar em um murmúrio.

-Devo admitir que jamais me senti tão tentada...

Uma súbita batida à porta surpreendeu a ambos. Colin afastou com rapidez as mãos de seu pescoço para deixá-las aos flancos.

-Sim? - Perguntou Lottie imediatamente, em um tom de voz que já tinha recuperado seu aprumo e sofisticação.

A porta se abriu com um rangido e uma mulher com o traje da cena apareceu no interior da sala; ao ver Colin, abriu a boca em um gesto de surpresa.

-Huy, perdão. Cinco minutos, Lottie.

-Obrigado, Sadie, sairei agora mesmo.

Depois de uma muito breve pausa, a mulher fechou a porta de novo.

Colin se voltou para Lottie, o sensual anjo de seus sonhos, desejando dispor de mais tempo. Uns minutos em sua presença pareciam segundos.

-Então aceitará reunir-se comigo? - Perguntou em um tenso sussurro. - Em privado?

Ela tomou ar de forma trêmula e ficou em pé; os enormes aros do vestido giraram a seu redor quando deu a volta para olhá-lo no rosto.

Colin enfrentou seu olhar resolvido e se perguntou que tipo de beleza ocultava atrás do disfarce, os cosméticos, a peruca e toda essa afetação, impaciente por começar a descobri-la.

Ela esboçou um sorriso lânguido e entreabriu as pálpebras com malícia.

-Isso gostaria, verdade? - Perguntou com graça. - Me levar para sua cama, fazer amor com infinita paixão. Fazer-me sua.

Seu descaramento o excitou tanto que teve que tomar ar e apertar os dentes. Formigavam-lhe as mãos pelo desejo de tocá-la e tinha a nuca empapada de suor.

-Sonhei com isso durante anos. - Sussurrou, revelando mais do que tinha pretendido em um princípio. Depois acrescentou com voz rouca. - Você e só você se converteu no objeto de minhas mais íntimas fantasias.

Queria que soubesse o que provocava nele. Se a tinha escandalizado ao lhe revelar que pensava nela nesses momentos, ela não demonstrou, e isso dizia muito de sua experiência com os homens.

Lottie levantou um pouco o queixo para contemplá-lo com ar pensativo enquanto enredava entre seus dedos a réstia de pérolas que lhe pendurava sobre o seio.

-Conforme tenho entendido, os homens se cansam logo de seus brinquedos. - Murmurou. - Talvez deseje algo mais de um cavalheiro que sua devoção íntima.

Colin tragou saliva com tamanha amostra de sinceridade e não soube muito bem o que responder.

-Acredito que isso poderá resolver-se com o tempo. - Disse surpreso diante de sua própria ambiguidade. Mas lhe asseguro que nunca a consideraria um brinquedo. Quero tudo de você.

Isso pareceu desconcertá-la, já que seu olhar vacilou um pouco. Instantes depois, e para o mais absoluto assombro de Colin, a diva ficou nas pontas dos pés, apoiou os lábios pintados sobre os seus e o beijou com suavidade; não obstante, sua fachada de serenidade ocultava um desespero que Colin percebeu sem dificuldade. Teve que segurar toda sua força de vontade para não lhe rodear a cintura, lhe levantar as saias e saboreá-la por inteiro ali mesmo, no camarim. Conteve-se para não assustá-la com uma reação muito brusca, mas no momento que ela notou que seu desejo ia aumentando, afastou-se com lentidão.

Com a respiração agitada e os olhos fechados, a soprano apoiou a palma da mão sobre seu peito.

-Pensarei, excelência.

Em seguida recolheu as saias, afastou o olhar, aproximou-se da porta e a abriu.

-Lottie? - Chamou-a Colin, eufórico e cheio de esperança. Ela respirou fundo e se voltou para olhá-lo com a mão apoiada no marco da porta. – Colin é meu nome.

Esperava que lhe revelasse também qual era seu verdadeiro nome, mas não o fez. Em troca, esboçou um leve sorriso e levantou a mão para percorrer com os dedos o beirada do decote do vestido.

-Sei. - Replicou com voz grave e sensual.

Uma vez dito isso, partiu.

Colin se deixou cair na cadeira da penteadeira que ela tinha ocupado momentos antes, estupefato ante sua reação, entusiasmado como nunca antes e tremendo da cabeça aos pés.

Ela o desejava. E o tinha beijado, pelo amor de Deus. Enterrou os dedos em seu cabelo. Nenhuma de suas fantasias podia comparar-se com o que tinha experimentado ao sentir esses lábios contra os seus; esses lábios que o tinham provocado e incitado. Esses lábios que lhe tinham suplicado mais.

Assim que se recuperou um pouco, ficou em pé, tirou o colete e saiu virtualmente correndo do camarim. Passou por cima dos olhares de esguelha e as expressões estranhas do pessoal e dos atores enquanto atravessava sem problemas a porta custodiada para sair ao corredor.

Chegou ao camarote e ocupou seu assento justo quando a orquestra começava a tocar.

-E bem? - Perguntou Olivia com impaciência, enquanto o golpeava suavemente com o cotovelo.

Colin não pôde reprimir um sorriso.

-E bem... o que?

Ela abriu a boca em uma expressão de surpresa.

-Deus santo, beijou-a!

Imediatamente, Sam colocou a cabeça por trás da de sua esposa e, depois de olhá-lo durante um par de segundos, estalou em gargalhadas.

-O que acontece? - Inquiriu Colin molesto.

Olivia começou a rir baixinho e depois se tirou uma das luvas para lhe esfregar os lábios com o polegar.

-Deixou seu rastro em seus lábios, querido. - Disse-lhe.

Nesse momento entendeu, mas não lhe importou nada. Ficou de novo de cara ao cenário.

-Não voltarei a lavar a boca jamais.

-É terrível. - Comentou Olivia com fingido desagrado.

-A verdade é que sim. - Concordou ele com um suspiro. - Mas preste atenção. Ela me saudará antes que termine a noite.

E o fez. Quando a representação chegou a seu fim deram começo aos agradecimentos, e após inclinar-se ante seu público com um ramo de rosas na mão, a soprano elevou a vista até seu camarote e sorriu.

 

CAPITULO  03

Para Colin, a semana tinha sido um inferno. Além de ter se visto obrigado a se despedir de um dos membros de seu pessoal de serviço por causa de sua folga e a repassar os livros de conta para descobrir um engano enorme que tinha cometido seu banqueiro, tinha-o embargado uma entristecedora necessidade de ver Lottie de novo, de tocá-la, de beijá-la com paixão, de fazer amor muito devagar e acariciá-la até que lhe suplicasse mais. Havia passado quase uma semana desde aquela maravilhosa noite em que a conheceu por fim e, contra seus desejos, teve que se resignar e lavar os lábios, embora a lembrança de seus lábios suaves tinha aceso um fogo que ainda não tinha conseguido apagar.

Tinha a intenção de voltar a reunir-se com ela na noite do dia seguinte, depois de sua atuação no teatro, mas esperar toda uma semana para vê-la de novo tinha sido um autêntico calvário. Ter-lhe-ia encantado saber quem era e onde vivia para poder visitá-la em sua casa, mas supunha que os segredos eram uma parte muito importante de seu ar misterioso e de seu atrativo. A essas alturas, não lhe teria importado nada descobrir que era a filha de um varredor; o único que queria era afundar-se naquele delicioso corpo.

Depois de deixar a impaciência de lado, bateu na porta da casa que o conde de Brixham tinha na cidade, escassas três ruas de distância da sua. Imediatamente, um altivo mordomo abriu a gigantesca porta e Colin lhe informou de suas intenções. Convidaram-no para entrar e o levaram imediatamente até o escritório para que esperasse o conde ali. Nada mais entrar, examinou a estadia para averiguar tudo que o fosse possível sobre o nível de vida do dono.

Brixham tinha decorado o escritório com muita elegância, sempre que não tivesse em conta a escassez de móveis. A habitação tinha duas cadeiras de balanço estofadas em couro negro em bom estado, situadas em frente a uma robusta e envelhecida escrivaninha de carvalho, sobre a qual havia vários montões de papéis desordenados e um solitário tinteiro. O papel das paredes se desprendia em um dos cantos, embora nenhum visitante ocasional se fixaria nisso. O carvão ardia lentamente na chaminé que havia a sua direita, embora no suporte não houvesse mais que uma pequena aquarela que representava a ladeira de uma colina cheia de árvores.

Para aproveitar o tempo até a chegada do conde, Colin lançou um olhar à escrivaninha e afastou um par de papéis a fim de avaliar seu conteúdo. Procurava alguma anomalia nos negócios comerciais do homem, mas não encontrou nada incomum à exceção de uma pequena anotação em um papel em que aparecia uma lista de números que poderia proporcionar uma pista sobre seu estado financeiro. Colocou o papel no bolso a toda pressa e tomou assento em uma das cadeiras de balanço de couro justo quando o conde de Brixham entrava na habitação.

Colin se fixou em sua estatura, em seu aspecto pulcro e asseado, no traje informal de cor castanho claro, em seu cabelo loiro avermelhado e em sua pele sardenta. O conde era mais velho do que esperava. Brixham parecia ter perto de quarenta anos e estava claro que era um solteiro contumaz, igual a ele.

-Boa tarde, excelência. - Saudou o homem com educação, enquanto avançava para ele para lhe estreitar a mão. Logo acrescentou com um sorriso sincero. - Tenho a esperança de que tenha vindo perguntar por minha irmã.

Colin arqueou as sobrancelhas.

-Sua irmã?

O sorriso de Brixham se apagou um tanto enquanto rodeava a escrivaninha e se sentava na cadeira de balanço que havia atrás dele.

-Vá, esperava... Bom, não importa. - Fez um gesto com a mão no ar. - O que posso fazer por você?

Colin o estudou com atenção. Era evidente que o conde estava impaciente para encontrar um marido para sua irmã, provavelmente para diminuir os gastos. Não havia nada mau nisso, é obvio, em especial se a mulher estivesse em idade de se casar, mas não seria ele quem a tiraria das mãos. Contudo, esse fato resultava do mais revelador; Sir Thomas não se equivocou sobre seu estado de endividamento.

Colin se reclinou no assento e contemplou o homem com ar despreocupado.

-Em realidade, Brixham, vim perguntar por seu piano.

O conde ficou atônito.

-Meu piano?

Colin enlaçou as mãos no colo.

-Ouvi que é muito antigo e eu gostaria de comprá-lo. Por uma soma razoável, é obvio.

Brixham se acomodou também na cadeira de balanço e cruzou as mãos sobre o colo enquanto o estudava com cautela.

-Entendo.

Colin inclinou a cabeça a um lado.

-Coleciono antiguidades.

Era provável que isso tivesse soado muito ridículo, mas já tinha informado Sir Thomas de seus escassos dotes para a investigação, e todo mundo sabia que não lhe dava muito bem mentir. Não obstante, o homem sentado em frente a ele não parecia ter percebido nenhuma falsidade em seu comentário, já que esfregou os dedos e enrugou a testa sem perceber.

-O piano é de minha irmã. - Disse, e suas sobrancelhas avermelhadas se converteram em uma só linha.

Isso o deixou desconcertado durante um momento; não tinha se preparado para uma complicação semelhante.

-Vá...

Brixham se inclinou para frente de repente e enlaçou as mãos sobre os papéis que havia em sua escrivaninha.

-Entretanto, e posto que ela está a meu cargo, suponho que posso vender-lhe se assim o desejo. – Encolheu os ombros antes de soltar uma gargalhada. - Além disso, ela tem que casar-se; deixaremos que seu marido lhe compre outro piano, não lhe parece?

Colin decidiu que Brixham não lhe caía muito bem, ou ao menos essa parte de sua personalidade que mostrava tão pouco interesse pelos sentimentos de sua irmã.

-Certamente que sim. - Respondeu assentindo com a cabeça. - Quantos anos têm sua irmã?

Não tinha nem a menor idéia do por que perguntou isso, embora sentisse uma vaga curiosidade.

-Quase vinte e quatro. - Apressou-se a responder o conde, incapaz de ocultar sua irritação. - Rechaçou a todos e cada um de seus pretendentes, e a estas alturas estou mais que disposto a colocá-la na rua se não aceitar o próximo.

Depois disso, chegou à conclusão de que o tipo lhe caía bastante mal, mas dissimulou bem seu desagrado.

-As mulheres são uma lata, verdade? - Comentou, rindo baixo.

Brixham meneou a cabeça.

-Não tem nem idéia... - Replicou. - A menos que você também tenha irmãs.

-Tenho duas. - Informou-lhe Colin com expressão pensativa. - Mas ambas se casaram antes dos vinte e me deram mais sobrinhos e sobrinhas dos quais posso recordar.

-Como deveria fazer toda dama que se aprecie de sê-lo. - Assinalou Brixham.

De repente, Colin ouviu o tênue som de uma melodia procedente de algum outro lugar da casa.

-É ela que toca?

O conde assentiu.

-Não posso afastá-la dessa coisa, embora suponha que uma vez que o venda a você terá o dever de escolher marido com muita mais seriedade.

-Sem dúvida. - Replicou Colin, que não pôde evitar remover-se com desconforto no assento.

-Gostaria de vê-lo? - Perguntou Brixham, que já tinha começado a ficar em pé.

-Muitíssimo. - Respondeu ele; o aspecto do antigo piano não podia lhe importar menos, mas sentia um estranho desejo de conhecer a pobre moça.

O conde caminhou a toda pressa para a porta.

-Poderá fazer uma idéia de seu estado ao escutar como toca Charlotte. Por desgraça, é muito boa.

Por desgraça? Ao parecer, esse homem pensava que sua irmã passava muito tempo ocupada com bagatelas.

O conde de Brixham o guiou através do corredor em penumbra e parou em frente à última porta da direita.

-Não se desgoste se ela se comportar de maneira grosseira. - Avisou-lhe sem voltar-se para ele. - Isto não vai fazer-lhe nenhuma graça.

-Compreendo. - Replicou Colin em um tom mais seco do que pretendia.

Depois de colocar sua enorme mão no trinco, Brixham abriu a porta da sala de música e entrou em seu interior. A melodia se interrompeu imediatamente.

-Já bordei esta manhã, irmão, e eu gostaria de tocar um momento.

Colin escutou sua voz suave antes de vê-la. Logo rodeou seu gigantesco irmão para poder ver pela primeira vez à teimosa e sem dúvida talentosa Charlotte Hughes.

Em lugar de apresentar-se, tal e como ele esperava, a jovem afogou uma exclamação e colocou melhor os grossos óculos sobre a ponte do nariz para poder vê-lo com claridade.

-Não seja insolente comigo, moça. - Ordenou-lhe Brixham com um suspiro. - Sua excelência o duque de Newark deseja ver o piano.

Charlotte mordeu os lábios, envergonhada. Ou mas bem os mastigou. Colin permaneceu em pé de frente a ela com as mãos nas costas, desfrutando em silêncio de sua expressão consternada enquanto avaliava a parte dela que podia apreciar-se por cima do instrumento. Sua magra figura estava coberta por um vestido de musselina em tom nata. parecia-se bastante com seu irmão, embora seus traços fossem mais refinados. Tinha afastado de seu rosto os abundantes cachos avermelhados com presilhas e um laço na nuca que não faziam a não ser ressaltar a amplitude de sua testa e os óculos, o que subtraía feminilidade a seu rosto. Tinha umas quantas sardas nas bochechas e no nariz que, conforme pôde apreciar Colin, tinham perdido parte de sua cor enquanto ela o contemplava por cima da tampa do piano.

-Bom, não fique aí sentada, moça. - Rugiu Brixham. - Toque algo para este homem ou se afaste daí.

Os cílios loiros da jovem se agitaram com rapidez quando percebeu que estava olhando fixamente a Colin.

-Excelência. - Murmurou a modo de saudação enquanto tentava levantar-se, ainda um pouco confusa.

Colin lhe fez uma leve reverência e lhe ofereceu seu sorriso mais encantador.

-É um prazer conhecê-la, Lady Charlotte.

Ela pareceu perplexa durante uns instantes e lançou uma breve olhada antes de voltar a olhar para seu irmão.

-O que está acontecendo aqui? - Perguntou com voz suave.

De repente, Colin sentiu lástima pela moça e desejou por seu bem que encontrasse marido quanto antes.

Brixham começou a puxar as mangas de sua camisa.

-Sua excelência deseja comprar o piano, e tenho a intenção de vender-lhe por um preço justo, é obvio.

-É obvio. - Repetiu ele.

Em questão de segundos, o rosto de Charlotte se tingiu com rubor da fúria.

-Não... não está à venda.

Colin a olhou e inclinou a cabeça para um lado, perguntando-se se sua docilidade e sua voz suave eram fingidas. Parecia tão determinada como o estaria qualquer dama nessas circunstâncias, mas não soava absolutamente desafiadora.

-Que não está à venda? - Repetiu seu irmão, incrédulo. - Não é você quem deve decidir isso. Dedique-se a seus assuntos, moça, temos negócios que discutir.

Com os lábios apertados por causa de uma fúria que não conseguia dissimular, a jovem se afastou do objeto da polêmica e Colin não pôde deixar de admirá-la: possuía uma figura sensual e cheia de curvas, com seios grandes e erguidos que encheriam as mãos de um homem. Embora tivesse um cabelo ingovernável e um rosto cheio de sardas, com um corpo como esse poderia conseguir a qualquer um. Perguntou-se por que continuava rechaçando aos pretendentes; se estivesse em seu lugar, teria aceitado a primeira proposta, embora só fosse para livrar-se de seu irmão. Mas não estava em seu lugar, e depois de tudo ela era uma mulher sem opções.

A moça colocou os braços em jarras e cravou o olhar em seu irmão antes de começar a avançar para eles muito devagar.

-Está arruinando minha vida.

-Não teria que fazê-lo se tivesse se casado já. - Assinalou o conde com os dentes apertados; era óbvio que tentava manter a calma na presença de seu convidado, mas não estava tendo muito êxito.

Lady Charlotte lançou um rápido olhar de relance e Colin ficou pasmado ao contemplar a expressão resolvida e furiosa de seu semblante. Resultava-lhe estranhamente familiar, embora não soubesse muito bem por que e não queria ficar pensando nisso nesses instantes. Sentia-se mais e mais incômodo com cada momento que passava. A culpa lhe ardia no peito e tinha toda a intenção de dizer a Sir Thomas que devolvesse a jovem seu maldito piano. A pobre não tinha nenhuma outra coisa que a fizesse feliz.

Com as bochechas rosadas e os olhos convertidos em simples frestas, Charlotte apertou os punhos e o fulminou com o olhar.

-Jamais esquecerei isto, excelência. - Disse com voz tensa.

Depois do qual, passou a seu lado a toda velocidade e partiu da sala batendo a porta.

Brixham esfregou os olhos emitindo um gemido.

-Vê a que me refiro? É incorrigível.

Colin fervia de fúria. Precisava acabar com aquilo, e rápido.

-Na realidade me pareceu bastante atraente, e é óbvio que tem talento.

O conde soprou com força e agitou a mão para revelar sua irritação.

-Está muito absorta em sua música, isso é tudo.

O comentário lhe fez pensar em Lottie English, a descarada sedutora que havia o deixado louco com sua voz feiticeira e seu aspecto sensual.

Colin esclareceu a garganta e se passou a palma da mão pela nuca.

-Por que não utiliza o dinheiro que vou lhe dar pelo piano para comprar um piano novo? - Sugeriu em tom casual. - Pode que dessa forma ela aceite melhor sua idéia de entregá-la ao próximo homem que apareça.

Brixham o olhou com receio. A tensão de seus traços e de seu corpo manifestava a fúria que o embargava.

-Deixe que eu seja quem se ocupe de Charlotte. - Disse de maneira brusca. - Agora nos dediquemos aos negócios, parece-lhe?

Colin percebeu que se fizesse algum outro comentário sobre a moça ou sobre como deveria tratá-la, o convidaria a partir sem mais demora. E se isso ocorresse, não conseguiria a escritura de venda, nem a assinatura e certamente, nem o piano.

Sorriu, embora aquilo não tivesse a menor graça.

-É obvio, Brixham. nos dediquemos aos negócios.

 

CAPITULO  04

Charlotte Hughes tinha se apaixonado por Colin Ramsey, o maravilhoso e arrumado duque de Newark, há três anos e meio. Sim, sabia muito bem que o que sentia por ele não era amor no verdadeiro sentido da palavra, e conhecia a perfeição sua reputação de libertino. Não obstante, esse homem conseguia prender sua atenção cada vez que o via, e isso mesmo tinha acontecido na primeira noite que lhe escutou gritar «Bravo!» do camarote número três. O duque fazia o amor com o olhar cada vez que aparecia em cena, e tinha chegado a contar com sua presença ali quando cantava... para apoiá-la, para adulá-la e, sobre tudo, para comer-lhe com os olhos. Além disso, nunca tinha utilizado o recurso de lhe mandar flores.

Ao princípio isso a incomodava, mas depois percebeu que a devoção que o homem mostrava por ela e para suas atuações era muito mais intensa que a da maioria dos cavalheiros. Não só a admirava; podia dizer-se que a adorava sem lhe suplicar amostras de afeto em troca. E com o passar do tempo, Charlotte tinha chegado a compreender que essa teimosia a distância podia rivalizar-se com a sua própria. Salvo que ele não a conhecia absolutamente, embora isso estivesse a ponto de mudar graças a sua extravagância de apresentar-se ante ela por fim. E nada menos que durante o intervalo! Esse homem tinha coragem, e um pingo de algo do que careciam todos outros admiradores que tinha conhecido.

Ficou estupefata ao vê-lo em seu camarim na apresentação da semana anterior. Ao princípio, quando ouviu Lucy Beth falar com alguém, perguntou-se que classe de pessoa podia chegar a ser tão grosseira para incomodar a uma cantora durante o intervalo. Entretanto, soube de quem se tratava antes inclusive de vê-lo e adorava esses emocionantes momentos nos quais pôde observar sua esbelta, distinguida e elegante figura sem que ele percebesse.

Tanta fogosidade a tinha impressionado, mas tinha feito um trabalho soberbo na hora de dissimular sua vulnerabilidade. Além disso, tinha conseguido parecer calma quando ele insinuou que desejava manter uma aventura amorosa com ela. Para falar a verdade, não tinha sucumbido até que o duque lhe acariciou a nuca com delicadeza, presa de um desejo tão intenso que pôde percebê-lo através das pontas de seus dedos. Era uma atriz acima de tudo, e tinha sido um verdadeiro prazer representar o papel de sedutora para enfrentar-se às descaradas insinuações do homem, algo que lhe tinha permitido conhecer o poder da sensualidade feminina. Como Charlotte Hughes jamais teria feito uma coisa parecida, não teria dito nada e nem teria atuado de forma semelhante. Entretanto, como Lottie podia ser o que quisesse e a adorava sobremaneira que Newark desejasse com tanto desespero o que ela tinha para oferecer.

Charlotte não se iludia a respeito do duque, nem sobre os perigos de converter-se em sua amante. Melhor dizendo, era Lottie quem não se iludia. Não obstante, como filha de um conde e irmã do atual conde de Brixham, nem sequer podia expor-se a algo semelhante. Tinha sido criada para comportar-se como era devido, e Colin Ramsey o descobriria muito em breve. Quando se apresentou em sua casa no dia anterior com o propósito de comprar seu adorado piano, ficou tão pasma como na noite que entrou em seu camarim. Mas o dia anterior tinha sido diferente em muitos sentidos. Uma vez superado o desconcerto que lhe tinha provocado vê-lo em sua sala de música, seu único temor tinha sido que ele a reconhecesse e a delatasse ante seu irmão. Entretanto, não a tinha reconhecido. No princípio isso só a tinha alarmado um pouco, mas depois se havia sentido certamente perturbada. Contudo, ao final achou graça que Newark apenas se fixasse nela... salvo no momento em que a percorreu com o olhar quando por fim ficou em pé. Esse olhar lhe tinha provocado um formigamento que a tinha percorrido por dentro. Gostava inclusive como Charlotte, embora só fosse por suas curvas. E isso já era algo.

Assim, depois de uma noite de escasso descanso e enfurecida pelo fato de que Charles considerasse sequer a idéia de vender uma antiguidade que lhe tinha proporcionado tanto prazer, Charlotte sopesou umas quantas coisas e armou alguns planos. Por essa razão se encontrava em frente à casa do duque de Newark, disposta a lhe fazer uma proposta que não acreditava que ele pudesse rechaçar.

Ergueu os ombros, segurou a bolsa com a mão esquerda e fez soar a campainha antes de olhar para assegurar-sede que o vestido verde bosque estava em perfeito estado.

A porta se abriu quase imediatamente e pôde ver o mordomo do duque, um homem entrado em anos com abundante cabelo branco e costeletas que lhe chegavam até a comissura dos lábios.

Sorriu com educação e tirou o cartão de apresentação da bolsa.

-Lady Charlotte Hughes deseja ver sua excelência. Está em casa?

O homem soltou um grunhido do mais desagradável e logo passou para o lado para lhe permitir entrar.

-Espere aqui, por favor. - Indicou-lhe rude.

Charlotte permaneceu na entrada e sorriu de orelha a orelha ao contemplar o delicioso gosto que o duque tinha para os objetos caros: um precioso chão de mármore, grossos painéis de carvalho que tinham sido polidos recentemente e maravilhosas obras de arte penduradas nas paredes. Contra a parede a sua esquerda havia uma mesa sem mais adorno em cima que um vaso com flores frescas; justo ao lado se encontrava uma cadeira de estilo Luis XV estofada em veludo castanho; e um gigantesco lustre de cristal, que sem dúvida iluminava a sala com a luz de centenas de velas, pendurada do teto. E aquilo era só o vestíbulo.

Reprimiu uma risada nervosa. O infame e mulherengo duque de Newark tinha muito dinheiro, e isso era fundamental.

De repente, o mordomo apareceu a sua direita.

-Siga-me, por favor, Lady Charlotte. Sua excelência a receberá no estúdio.

Ela assentiu com a cabeça e seguiu o ancião sem mediar palavra, procurando fazer com que os sapatos não fizessem ruído sobre o chão de mármore. O mordomo a conduziu através de um longo corredor, nu à exceção dos distintos retratos familiares que estavam pendurados nas paredes.

Charlotte parou por fim quando o criado bateu na porta do estúdio. Respirou fundo para reunir coragem e apertou a bolsa com ambas as mãos a fim de impedir que tremessem. A seguir, o ancião anunciou sua chegada e ela entrou na sala.

Viu Newark assim que entrou e sentiu o coração saltar ao contemplar seu arrumado rosto. Era um homem espetacular. Estava sentado atrás da enorme escrivaninha de carvalho, olhando algo que escrevia enquanto o sol que entrava pela janela que havia atrás dele fazia brilhar seu cabelo loiro escuro.

Tinha uma pele perfeita, como já tinha podido comprovar na semana anterior ao observá-lo de perto à luz do abajur, e seus perspicazes olhos de cor avelã estavam rodeados por abundantes cílios. Devia admitir que estava incrivelmente arrumado, e seu instinto lhe dizia que ele sabia disso muito bem. Isso o fazia mais vulnerável aos elegantes encantos das damas, é obvio, mas não importava. Charlotte tinha pensado conseguir dele algo mais que umas quantas quedas entre os lençóis.

-Lady Charlotte Hughes, excelência. - Anunciou o mordomo, tirando-a de seus fascinantes pensamentos.

Charlotte ergueu os ombros e observou Newark com atenção enquanto ele ficava em pé para saudá-la sem afastar a vista dos papéis que tinha adiante.

-Boa tarde, Lady Charlotte. Entre e tome assento, por favor.

Chateou-lhe um pouco que nem sequer a olhado no rosto. Mas o aceitou com elegância, sabendo de que a comoção que estava a ponto de provocar o compensaria com acréscimo.

O duque se despediu do mordomo com um gesto da cabeça e voltou a sentar-se enquanto o criado abandonava a sala e fechava a porta.

Charlotte se aproximou da escrivaninha em silêncio e se sentou na poltrona de couro negro que havia na frente. Depois se dedicou a contemplá-lo enquanto ele continuava concentrado nos documentos.

-Estarei com você em um segundo. - Disse com voz monótona, ainda absorto no que fazia.

Charlotte se sentou na beirada da poltrona e aguardou com a formalidade própria de toda dama de bom berço enquanto examinava a sala. O estudo, elegante e masculino, estava decorado em tons verdes e marrons. A sua direita havia uma chaminé na qual a lenha ardia a fogo lento.

Por fim, o duque levantou o olhar, deixou a pluma no tinteiro e se reclinou com ar despreocupado na cadeira de balanço de carvalho para observá-la sem rodeios.

Charlotte se sentiu um pouco incômoda sob aquele escrutínio. Os olhos avelã do duque a percorreram de cima abaixo, embora prestassem especial atenção a seu rosto.

-Deixou os óculos em casa - Comentou com um sorriso malicioso.

Ela tentou não olhar sua boca, essa boca linda e sensual que com tanto descaramento tinha beijado na semana anterior.

-Só os necessito para ler, excelência. - Respondeu com voz suave. - Utilizo-os quando leio livros ou partituras, e claro também para bordar.

-É obvio. - Newark inclinou a cabeça a um lado e arranhou o queixo. - É você muito bonita.

Isso a pegou tão despreparada que piscou com rapidez, segura de que seu rosto se ficou vermelho ante essa inesperada observação e de que isso tinha contribuído para incrementar a evidente arrogância masculina. Entretanto, era um elogio que não podia tomar-se à ligeira. Muito poucos homens que a conheciam como a singela Charlotte Hughes a consideravam bonita, e menos ainda o tinham mencionado de uma forma tão explícita como ele.

-Vá... é você muito amável excelência. - Replicou depois de um breve instante de vacilação.

Newark pareceu divertido, e Charlotte adorou essa faceta dele, amigável e relaxada.

O duque uniu as mãos sobre o colo e entrelaçou os dedos sem deixar de olhá-la.

-Por que não se casou? - Perguntou sem rodeios.

Com o coração desbocado, Charlotte esfregou o cordão da bolsa ao perceber que ainda não a tinha reconhecido como a infame Lottie English, embora já não usasse os óculos. Para falar a verdade, tinha esperado que não o fizesse, já que pretendia tirar vantagem de sua ignorância.

-Por que não me casei? - Repetiu, fingindo-se surpreendida com a pergunta.

Ele encolheu os ombros.

-Seu irmão disse que tinha rejeitado vários pretendentes, mas depois de observá-la com atenção, tenho certeza de que teve muitos.

Com atenção? Embora lhe tivesse feito um elogio, seguia sem saber quem era ela. Charlotte se esforçou para conter a risada.

-Estive muito ocupada, excelência.

-Ocupada?

Charlotte esboçou um pequeno sorriso.

-Com minha música.

O homem arqueou as sobrancelhas.

-Ah, entendo.

Não entendia nada, e isso também lhe fez graça. Estava claro que o duque assumia, como todos outros cavalheiros, que ela não tinha nada mais que fazer que esperar casar-se. Charlotte ia desfrutar muitíssimo com aquela conversa.

-Suponho que por isso está aqui. - Disse Newark, interrompendo seus pensamentos.

-Que por isso estou aqui? - Não tinha nem a menor idéia do que queria dizer, pois era óbvio que não estava interessado em casar-se com a tímida e afetada Lady Charlotte.

-Quer que lhe devolva seu piano. - Explicou sem mais.

Assim a isso se referia. Tinha assumido que estava ali para suplicar que lhe devolvesse seu piano.

-Bom... é... sim, claro que sim.

O duque suspirou e uniu os dedos das mãos.

-Estou seguro de que o instrumento seria um bom dote por si só. Você poderia vendê-lo por uma bonita soma e depois comprar um piano novo para... desfrutar de seus momentos de solidão.

Charlotte não pôde evitar olhá-lo como se fosse estúpido. Contemplou-o com a testa enrugada e chegou à imediata conclusão de que seu irmão estava endividado desde seus preguiçosos pés até o último e gordurento cabelo de sua cabeça, e o duque de Newark pensava que a única razão pela qual tinha ido visitá-lo era recuperar algo que valorizava muito. Estava-lhe dando um conselho, o pobre diabo, e os momentos seguintes não teriam preço.

Charlotte ficou em pé de repente e deixou cair o bolsa na poltrona. Logo se aproximou da chaminé para observar a magnífica pintura o óleo que representava a duas mulheres sentadas em um exuberante e colorido jardim. Deviam ter algum parentesco familiar, deduziu, já que as damas se pareciam muito a ele.

-Em realidade, excelência. - Começou enquanto observava o retrato. - Vim aqui para algo mais que para lhe pedir que me devolva o piano.

Sabia sem necessidade de olhá-lo que Newark a examinaria detalhadamente, e por esse motivo pôs seu melhor vestido, muito apertado e de decote baixo; por esse motivo penteou o revoltoso cabelo em um recolhido elaborado e elegante coque em lugar de utilizar um singelo laço. Queria que se fixasse nela.

-Não sei muito bem o que posso fazer por você, Lady Charlotte. - Disse ele ao fim. - Embora esteja disposto a lhe devolver o instrumento que deseja.

«O instrumento que deseja.» Se ele soubesse...

Sem afastar a vista da pintura e com um nó no estômago, esboçou um sorriso antes de declarar com acanhamento:

-Poderia casar-se comigo.

Depois de longos instantes de silêncio, Charlotte temeu que ele estalasse em incontroláveis gargalhadas e se preparou para uma reação semelhante. Mas a resposta do duque foi muito mais comedida, e isso dizia muito a seu favor. Newark parecia estar refletindo, mas não sobre a maravilhosa proposta que lhe tinha feito, a não ser sobre a forma mais rápida de tirá-la de sua casa.

Charlotte sorriu e se voltou para observá-lo. A expressão masculina era, sem dúvida alguma, um pouco digna de contemplar. Os traços do duque se contraíram em uma expressão com mescla de consternação e desconcerto; franzia o cenho com força e tinha a boca aberta, o que revelava a estupefação que lhe tinha provocado sua escandalosa proposta.

Posto que ele parecia haver ficado sem palavras, Charlotte encolheu os ombros e acrescentou:

-Você necessita uma esposa e é óbvio que eu preciso me casar quanto antes. Que outra união poderia resultar mais... adequada?

Ao final, uma vez recuperado, o duque ficou em pé muito devagar e apoiou uma mão no quadril enquanto passava a outra pelo cabelo.

Ela esperou, sabendo de que Newark não tinha nem a menor idéia do que lhe dizer e de que provavelmente a considerava uma louca.

-Bom... Lady Charlotte... -Começou com voz controlada embora séria. - Eu... isto... bom, não necessito uma esposa mais do que necessito um piano.

-Mas sei tocar muito bem. - Replicou ela, toda ingenuidade. Teve que fazer um verdadeiro esforço para reprimir o regozijo que lhe tinha provocado essa deliciosa resposta.

O duque meneou a cabeça e esfregou os olhos com a ponta dos dedos.

-Consta-me que é certo, mas essa não é a questão.

Pobre homem. Estava passando mal, embora tivesse que reconhecer o mérito de não ter tentado sequer tirá-la dali a pontapés.

- Sei muito bem que o piano não tem nada que ver com matrimônio, excelência, mas não acha você que o matrimônio seria muito mais... aceitável socialmente do que me converter em sua amante?

Isso foi como um murro no estômago. Newark levantou a cabeça de repente e abriu os olhos de par em par para observá-la horrorizado.

-Como disse?

Charlotte caminhou para ele muito devagar, com as mãos enlaçadas à costas. Desceu os olhos até o caro tapete que tinha aos pés para impedir que o homem visse o prazer e a satisfação que brilhavam em seu olhar.

-Consta-me que é você consciente, milord, de que todo mundo especula sobre seu último... caso, por assim chamá-lo. E eu poderia lhe proporcionar a respeitabilidade necessária para se livrar de tão indesejável rumor. Sou a irmã de um conde, embora um conde endividado, como você muito bem sabe. Acredito que poderíamos... ajudar um ao outro com nossas... necessidades mútuas.

Levantou os olhos para olhá-lo. Nesses momentos estava muito perto dele e pôde ver que a olhava boquiaberto. Seu formoso rosto estava ruborizado, pela vergonha, esperava ela, e os incríveis músculos de seu peito esticavam a imaculada camisa de linho. Parecia completamente desconcertado por sua audácia.

Sem afastar o olhar de seus olhos, Charlotte aguardou que respondesse a que dissesse algo.

De repente, o duque recuperou a compostura e se endireitou enquanto apertava os punhos. Seus traços faciais se endureceram e sua mandíbula se esticou ao contemplá-la, enfurecido por sua ousadia.

-Acredito. - Disse com frieza. - Que já disse muito mais do que se espera de uma dama de sua posição. Esqueceremos este incidente e nenhum dos dois mencionará jamais seu escandaloso comportamento ante ninguém. - Desceu o olhar até a escrivaninha e recolocou alguns papéis. - Tenho muito que fazer Lady Charlotte. Peço-lhe por favor que parta.

Em lugar de fazer o que lhe pedia, ela cortou a distância que os separava e se situou a escassos centímetros de sua autoritária presença; a barra de suas saias lhe roçava.

-Ainda temos muitas coisas que discutir, excelência.

Newark era ao menos quinze centímetros mais alto que ela, mas Charlotte sabia que seu «escandaloso comportamento», como ele o tinha chamado, tinha-o desconcertado. E a intuição lhe dizia que o homem tinha chegado a um ponto no qual estava mais que disposto a chamar o mordomo para que a acompanhasse até a porta.

-Deixe que lhe esclareça as coisas. - Disse ele sem rodeios, interrompendo suas divagações em um tom tenso e indignado. – Por baixo dessa fachada afetada e esses traços ordinários, é você uma golpista descarada, e não me ocorre nada para o que eu pudesse necessitar a uma mulher assim. Do mesmo modo que nunca lhe pediria que limpasse o pó de minha casa, jamais me ocorreria lhe pedir que fosse minha amante...

-Bom, eu acredito que sim. - Replicou ela enquanto contemplava seu peito. Tinha baixado o tom de voz até convertê-lo no sussurro rouco que Lottie tinha utilizado na noite em que o conheceu. - De fato, estou bastante segura disso.

O homem estava muito mais que desconcertado.

-Você tem a mínima idéia de com quem está falando, senhora? - Inquiriu com os dentes apertados.

Charlotte levantou a cabeça para voltar a olhá-lo nos olhos e lhe ofereceu a mais sedutora de seus sorrisos.

-Acredito que a pergunta adequada seria: Tem você a mínima idéia de com quem está falando..., Colin?

Uma repentina tensão impregnou a atmosfera e os arrastou para a tempestade de emoções ardentes que faiscavam entre eles. Por um segundo, Charlotte temeu que a golpeasse; tal era a fúria que revelava seu rosto.

Então, o duque baixou o olhar até seus seios, elevados e expostos graças ao espartilho, lhe provocando a mesma onda de paixão que havia sentido naquela memorável noite em seu camarim.

Cheia de audácia, elevou uma mão para apoiá-la sobre a pele cálida de sua nuca. Newark deu um coice ao sentir o contato, mas não fez nenhum outro movimento.

-Querido Colin. - Sussurrou enquanto se inclinava para ele para deixar a boca a um suspiro de seu queixo. - Mostraria-se mais sensível a minhas necessidades se primeiro cantasse para você?

O homem levantou a cabeça imediatamente. E ficou estupefato ao compreender tudo.

Boquiaberto e com os olhos exagerados, Colin cambaleou para trás. Seus traços mostravam o mais absoluto desconcerto quando se deixou cair na cadeira de balanço.

-Santa mãe de Deus... - Murmurou.

Charlotte sorriu e se inclinou a um lado para apoiar a mão sobre os papéis e o quadril contra a beirada da escrivaninha.

-Vejo que lhe desconcertei. - Assinalou enquanto arqueava uma sobrancelha.

Ele não disse nada; limitou-se a olhá-la fixamente com uma expressão de pânico e perplexidade.

Charlotte brincou com a pluma do tinteiro e a fez girar entre seus dedos com ar distraído.

-Vim vê-lo porque esperava que ainda... bom... precisasse de mim. - Acrescentou com uma voz que apenas revelava a excitação que sentia.

Newark voltou a olhá-la de cima abaixo, embora essa vez quase com estranheza, e se fixou em seu cabelo, em seus seios e na estreita cintura. Estudou com atenção cada centímetro de seu rosto antes de olhá-la nos olhos de novo.

-Santa mãe de Deus... Lottie...

De repente, presa de uma intensa onda de satisfação, Charlotte se ergueu de novo e caminhou ao redor da escrivaninha para sentar-se na poltrona que havia na frente dele. A sensual Lottie desapareceu para ser substituída por sua verdadeira personalidade, Lady Charlotte Hughes.

Colin continuou olhando-a, como se tão só quisesse compreender como era possível que o tivessem enganado dessa maneira. Concedeu-lhe uns instantes para esclarecer as idéias. Colocou as saias ao redor dos tornozelos e se sentou erguida uma vez mais antes de segurar a bolsa sobre o colo.

Por fim, o duque fez um gesto negativo com a cabeça e esclareceu garganta. Voltou a inclinar-se para frente para apoiar as mãos entrelaçadas sobre a escrivaninha, embora não conseguisse ocultar o tremor que as sacudia.

-Sinto muito... Sinto muito. Lottie...

-O mais adequado seria que se dirigisse a mim como Lady Charlotte, excelência. -Interrompeu ela em tom agradável. - Mas pode me chamar Charlotte a secas.

Ele abriu a boca para dizer algo, mas a fechou de repente e franziu o cenho um pouco ao ver a sua mudança de atitude.

-Charlotte... Eu... Eu só...

-Ficou sem fala, ao que parece. - Disse antes de fazer uma careta com os lábios. - Supus que aconteceria algo assim, mas não queria me limitar a lhe dizer quem sou; queria que visse com seus próprios olhos.

O duque esfregou o rosto com a palma da mão antes de entrelaçar os dedos uma vez mais.

-Por quê?

Charlotte encolheu os ombros; seus olhos tinham um brilho especial.

-Foi divertido.

Essa singela resposta fez com que a irritação do duque se avivasse de novo. Seus traços se endureceram uma vez mais enquanto a observava com suspeita.

O sorriso de Charlotte se desvaneceu quando voltou ao motivo de sua visita.

-Excelência, é óbvio que vim aqui hoje com um propósito, e não é o de envergonhá-lo nem o de suplicar que me devolva um piano que, para começar, jamais deveriam lhe haver vendido. - Tomou fôlego sem deixar de olhá-lo. - Falava muito sério quando propus um acordo entre nós, um matrimônio legal, mas com... «benefícios» para ambos.

-Para ambos... - Repetiu ele com expressão ausente.

Charlotte sabia que o homem tentava assimilar a informação, de modo que se decidiu a continuar.

-Exato. - Inclinou-se para frente, mostrando um brilho de determinação nos olhos. - Não vou brincar com você. Necessito um marido, um marido rico que possa permitir-se me levar ao estrangeiro e apoiar minha carreira como cantora. Eu tampouco sinto o menor desejo de me casar, mas um matrimônio singelo entre nós acabaria com os problemas de ambos.

O duque inflou as bochechas, possivelmente com a intenção de reprimir uma gargalhada.

-«Um matrimônio singelo», disse?

Charlotte passou por cima dessa pergunta retórica e sorriu com indiferença.

-Pense um momento, excelência. Sou uma dama com título e uma reputação irrepreensível, conveniente em todos os sentidos e com a melhor educação. Sei bordar, exercer de anfitriã, organizar o pessoal de serviço e tocar piano em qualquer situação. Satisfarei todas suas necessidades, incluindo as do dormitório, já que me consta que você deseja um herdeiro. Não tenho intenção de lhe negar nada do que merece como duque de Newark.

Com um brilho divertido nos olhos, Colin se reclinou em seu assento e inclinou a cabeça para observá-la.

-Parece que pensou em tudo. - Disse muito devagar.

-Também sou uma mulher muito prática. - Replicou ela.

-Sim, isso é evidente.

-Entretanto, há uma condição. - Assinalou Charlotte, quase com muita indiferença.

-Sempre há. - Declarou o duque, que apoiou o cotovelo no braço da cadeira de balanço antes de descansar o queixo sobre a palma da mão.

Charlotte se sentiu acalorada de repente, como se ele a estivesse provocando de maneira intencionada para deixá-la nervosa. E funcionava, na verdade, embora se negasse a permitir que Newark o descobrisse.

-Eu gostaria que financiasse uma excursão para mim. - Explicou com muita cautela. - Quero cantar por toda a Europa, excelência. Posso fazê-lo, e sei que o público ficará assombrado com meu talento, mas como irmã do conde de Brixham não tenho a oportunidade e os meios econômicos necessários. - Soprou com força. - Por não mencionar que meu irmão jamais me permitiria fazer o que para ele seria uma ignonimia.

O duque meditou uns instantes antes de dizer algo.

-E se eu... financiasse sua excursão, o que me daria você em troca? - Perguntou.

Ela arqueou as sobrancelhas.

-Já disse. Proporcionarei um bom lar, uma esposa adequada e um herdeiro, se é que o deseja.

-Ai, Lady Charlotte. - Sussurrou o duque com voz rouca. - Se de verdade estivesse disposto a suportar os imensos problemas que me ocasionaria um matrimônio singelo, desejaria um sem dúvida.

Essa rápida resposta e a falta de tato pegaram-a despreparada. Piscou com rapidez, aturdida.

-Mas na verdade. - Adicionou ele com um sorriso malicioso. - Posso financiar sua excursão sem entrar nas questões legais que requereria o matrimônio.

Isso lhe doeu um pouco, embora tentasse desprezar a amargura que lhe provocava que ele não a acreditasse digna do cortejo apropriado para uma dama.

-Não aprova o matrimônio, excelência? - Inquiriu em um tom que apenas delatava parte de sua incredulidade.

-Aprovo-o de todo coração. - Replicou ele imediatamente. - Para todo mundo menos para mim.

O comentário a deixou estupefata. Não tinha esperado que o duque se mostrasse tão contrário a cumprir com o que se requeria dele e com seu dever de ter filhos.

-Mas sua obrigação é ter um herdeiro.

-Sim, isso me diz todo mundo que conheço. Frequentemente. - Seu sorriso perdeu a força. - Mesmo assim, preferiria ser eu quem escolhesse a minha dama e o momento de me casar com ela.

Charlotte percebeu de repente que Newark podia a rejeitar, tanto a ela como a sua generosa oferta. Inclinou-se para frente e voltou a encarnar a Lottie que ele conhecia a fantasia que com tanto desespero desejava.

-É obvio que sim, Colin. - Concordou em um apaixonado sussurro. - Só estou sugerindo que consideremos nossas opções em conjunto, já que é o momento idôneo para ambos e sei o muito que gosta de me ver cantar, de me ver... sobre o cenário.

O duque elevou um pouco as sobrancelhas, embora seus olhos se quase se fechassem em uma expressão receosa quando ela mudou seu comportamento.

-Isso é certo. Mas não tenho claro que importância poderia ter.

-De verdade? O que foi que me disse? Possivelmente que estar com Lottie English era algo que tinha desejado durante anos? Colin ficou sério e cravou nela um olhar desafiante.

-Acredito que me lembro ter dito algo parecido.

-Então me permita assinalar, milord, que sou uma dama de bom berço; a irmã de um conde para ser exata. Jamais me converterei na amante de ninguém, sem importar quão atraente seja... ou o muito, muitíssimo que o deseje. Entretanto, estaria mais que disposta a me entregar a meu marido.

Pronunciou essas palavras em um sussurro rouco e insinuante enquanto acariciava o vale entre seus seios com a ponta dos dedos. Sentiu uma enorme satisfação ao ver que o olhar do homem descia para esse lugar.

Colin reacomodou seu enorme e masculino corpo no assento, apoiou as mãos nos braços da cadeira e começou a balançar-se sem deixar de estudá-la.

-Imagino que isso é o que faria toda dama que se preze. - Comentou com secura.

Tinha-o apanhado, e ele sabia. Não havia possibilidade alguma de que Lottie English se convertesse em sua amante sem que Lady Charlotte Hughes primeiro fosse sua esposa. E ela era a candidata perfeita para esse posto. A decisão, pois, dependia do muito que a necessitasse fisicamente; do muito que a desejasse como mulher.

-Encontra-me atraente, Charlotte? - Perguntou momentos depois. - Tanto me deseja? Ou acaso sua interpretação de Lottie é... isso somente, uma interpretação?

Charlotte notou uma onda de calor no pescoço e nas bochechas, mas não podia vir-se abaixo depois de provocá-lo como tinha feito. Encolheu um de seus ombros antes de responder.

-Acaso importa?

Colin começou a rir, embora o som não tivesse rastro de bom humor.

-Sim, acredito que sim. Casaria-me com uma dama fria que só cumpre com seu dever de esposa ou desfrutaria de uma apaixonada relação amorosa com a mulher de meus sonhos?

«A mulher de meus sonhos...»

Charlotte se removeu com desconforto; o rubor se estendeu até o nascimento de seu cabelo e lhe acelerou o pulso. Não tinha nem a menor idéia de como responder a essa pergunta de modo satisfatório.

-Devo assumir que prefere a relação amorosa, excelência? - Perguntou.

Ele a observou uns instantes sem revelar nada.

-Só se o sentimento for mútuo, Lady Charlotte.

Ela tragou saliva e depois se permitiu admitir o que sentia.

-Acredito milord, que é você o homem mais atraente que conheci, ou inclusive tenha visto, em toda minha vida.

Os olhos dele se iluminaram com um pingo de diversão, talvez inclusive de orgulho, e um sorriso apareceu em seus lábios.

-A maioria das damas opina o mesmo. - Adicionou Charlotte em tom prático antes que ele pudesse dizer nada. - Mas isso já sabe, estou segura.

Os traços do duque se esticaram e o indício de um sorriso se endureceu pouco a pouco. Ela continuou a perder a coragem.

-Estou mais que disposta a me converter em sua amante, excelência, a lhe entregar tudo que esteja em minha mão em questões íntimas, mas não o farei sem me casar primeiro. A eleição é sua.

Parecia irritado de novo, e o certo era que tinha motivos para estar, já que lhe estava pondo a prova, obrigando-o a escolher entre suas necessidades racionais e os desejos mais básicos de sua natureza.

-E uma coisa mais, milorde. – Disse com pés de chumbo, observando-o com atenção.

O homem soprou.

-Não quero nem imaginar o que possa ser... - Replicou com voz tensa.

Charlotte passou por cima do sarcasmo.

-Sou uma dama muito pormenorizada com os homens como você.

Colin franziu o cenho e cruzou os braços sobre o peito.

-Os homens como eu?

Charlotte começou a alisar saias sobre os joelhos sem perceber.

-Os homens que têm... certos problemas para ser fiel a sua esposa durante longos períodos de tempo.

A ousadia do comentário lhe chateou uma vez mais, mas não disse uma palavra; limitou-se a olhá-la com olhos frios e especulativos.

Ela esboçou um sorriso tranquilizador.

-Não tenho ilusões a respeito do que seria nossa vida matrimonial, milord, e sempre serei uma pessoa prática. Isso, é obvio, se você aceitar minha proposta.

O duque se balançou para trás com a cabeça inclinada de lado.

-É obvio...

-Sou uma mulher inteligente. - Assegurou-lhe Charlotte depois de uma muito breve vacilação. - E sei que os homens têm certas... necessidades básicas. Pode ter certeza de que sempre olharei para outro lado quando se cansar de mim e escolher outra. Nunca fui, nem serei uma mulher dada a ataques de ciúmes.

Colin nem sequer piscou.

-É bom saber. - Replicou com ar pensativo. - E bastante generoso de sua parte, Lady Charlotte.

Ela sorriu de orelha a orelha e se relaxou ao ver que se mostrava tão tranquilo.

-Sim, assim acredito. Além disso, viajarei bastante e é mais que provável que não nos vejamos muito, algo que lhe parecerá muito conveniente, sem dúvida.

-Isso acredita?

-Certamente.

Newark a estudou durante um instante e desceu o olhar até seus seios uma vez mais. Charlotte agradeceu a Deus por ter seios generosos. A voz era a melhor de suas qualidades, isso era evidente, mas era consciente de que os homens se importavam muito pouco com o quão bem cantasse uma dama. Entretanto, sempre mostravam bastante interesse pelos seios.

-E o que aconteceria se eu não quisesse arrumar um amante, Charlotte? - Perguntou ele enquanto esfregava a mandíbula com a palma da mão.

A questão a pôs nervosa.

-Como disse?

Ele se endireitou um pouco na cadeira de balanço.

-O que aconteceria eu a quisesse só para mim? Deveria lhe permitir realizar essa turnê de opera pela Europa que a separaria de mim e lhe dar a oportunidade de procurar amantes na França, na Itália ou na Espanha? - Riu entre dentes e enlaçou as mãos no colo. - É isso o que espera de mim?

Para ser sincera, Charlotte jamais parou para pensar nisso. O ato sexual, tal e como ela o conhecia, consistia em homens que grunhiam e em esposas submissas que entregavam a seus maridos os prazeres que necessitavam a fim de que eles pudessem retornar o antes possível a suas importantes obrigações. Embora tivesse brincado com o duque de Newark sobre a idéia de converter-se em sua amante à noite em que se conheceram no camarim, nunca tinha considerado a idéia de fazer tal coisa com nenhum outro.

-Não tem uma resposta? - Inquiriu ele com bastante brutalidade.

Charlotte sacudiu a cabeça e piscou confusa.

-Não, é obvio que não. Quero dizer que... bom... nunca tinha pensado.

Newark começou a rir com genuíno assombro.

-Está me dizendo que sou o único homem ao que considerou como amante?

Isso a enfureceu.

-Minha vida é a música, excelência. - Assegurou com os olhos soltando faíscas. - Suas necessidades, seus desejos e suas amantes não me importam nada e nem sequer pensei na possibilidade de aceitar a... outros homens em minha cama. Assim não, posso dizer sem medo a me equivocar que não sinto o menor desejo de ter outro amante além de você. - Depois de acalmar-se um pouco, acrescentou. - E só quando estivermos casados.

Algo em suas palavras ou em seu comportamento conseguiu aplacá-lo. Os traços de Newark se suavizaram e seus lábios esboçaram um novo sorriso antes que apoiasse a cabeça no respaldo da cadeira de balanço de madeira.

-Oferece-me você uma proposta inestimável, Charlotte.

Com elegância e um balanço das saias, Charlotte ficou em pé muito devagar e apertou a bolsa contra a cintura antes de olhá-lo com expressão resolvida.

-Tenho a esperança de que considere minha proposta com atenção, milord. O fiz muito, muito a sério. Não pretendo tomar os votos matrimoniais à ligeira, e farei tudo que esteja em minha mão para honrá-lo com toda minha devoção.

Colin esboçou um sorriso irônico.

-Como o faria uma abnegada esposa?

Por um momento, Charlotte se perguntou se zombava dela, mas chegou à conclusão de que não queria saber.

-Sim, exato. - Respondeu despretensioso.

O duque respirou fundo e deixou escapar o ar muito lentamente antes de ficar em pé para enfrentar o olhar desafiante de Charlotte. Mas em lugar de limitar-se a despedi-la ou a lhe desejar um bom dia do outro lado da escrivaninha, rodeou o móvel a toda pressa e se situou a escassos centímetros dela com uma expressão de grande satisfação. Charlotte não sabia o que fazer a respeito.

-Excelência? - Murmurou em tom preocupado.

Newark esboçou um sorriso diabólico.

-Suponho que não me permitirá beijá-la até que estejamos devidamente casados, verdade?

Ela contemplou seu formoso e atraente rosto, que mostrava uma expressão cheia de humor.

-Devo entender que vai aceitar minha proposta?

Conteve o fôlego, com esperança, enquanto sonhava com o que sentiria ao pisar no cenário de Melam pela primeira vez, com as rosas que lhe arrojariam, com os brindes e os elogios.

-É... a oferta de matrimônio mais tentadora que uma dama já me fez, isso devo admitir.

Isso era tudo?

-Ofereci-lhe tudo o que tenho, excelência. É uma oportunidade perfeita para ambos. Necessitamos um ao outro.

O sorriso do duque se desvaneceu e seus olhos se entrecerraram. Por um par de segundos, Charlotte temeu ter cometido um engano ao suplicar-lhe.

Logo, em lugar de beijá-la como ela temia e desejava que fizesse, Newark estirou o braço e colocou a mão sob o queixo para levantar a cabeça enquanto acariciava seus lábios com o polegar.

Ela estremeceu e tentou de afastar-se, mas a parte posterior de seus joelhos se chocou contra a cadeira em que pouco antes se sentou.

-É um verdadeiro tesouro, verdade? - Murmurou o duque, que contemplava com o cenho enrugado cada centímetro de seu rosto.

Charlotte aspirou com força quando ele afastou o polegar de seus lábios.

-Meu irmão me considera uma carga. Mas tentarei me comportar como é devido quando estiver com você, sobre tudo quando estivermos com outras pessoas em um lugar público.

Ele sorriu com malícia.

-Alegra-me saber.

Charlotte esperou; estava impaciente para partir, mas se sentia incapaz de se afastar da calidez desse corpo tão próximo ao dela.

-Temos um acordo então, excelência? - Perguntou com ousadia.

-Colin. - Corrigiu-a ele.

-Temos um acordo, Colin?

-Pensarei Charlotte. - Respondeu depois de um inquietante momento de silêncio.

Percebeu imediatamente que tinha utilizado exatamente as mesmas palavras que ela tinha pronunciado na noite que lhe fez sua proposta no teatro. Estava claro que tinha feito de propósito, e não era a resposta que ela desejava. Contudo, tampouco era uma rejeição. Supôs que devia lhe conceder tempo para que se acostumasse à idéia. O matrimônio, depois de tudo, era um passo muito importante para qualquer pessoa.

-Eu... tenho que ir. Devo estar logo no teatro a fim de me preparar para a atuação desta noite.

O duque se afastou sem pigarrear e fez um gesto com a mão para lhe indicar que podia passar.

-Nesse caso, não permita que te prive de seus devotos admiradores.

Charlotte fez uma ligeira reverência e se afastou dele. Uma vez que chegou à porta, deteve-se e olhou para trás.

Ele continuava olhando com os braços cruzados à altura do peito.

-Virá você esta noite? - Perguntou com amabilidade.

O olhar masculino se voltou sombrio.

-Quer que vá? - Inquiriu com ar pensativo.

Parecia ter verdadeiro interesse em saber e de repente Charlotte quis que soubesse o muito que desfrutava de seu apoio e de sua adoração durante as atuações.

-Sempre desejei que fosse, Colin.

O duque suspirou com força e cravou nela um olhar ardente antes de assentir com a cabeça.

-Já veremos, Lady Charlotte. Boa tarde.

Era uma despedida em toda regra, assim que a aceitou com um pequeno sorriso.

-Boa tarde, excelência.

Recolheu as saias e saiu de seu escritório com a cabeça bem alta.

 

CAPITULO  05

Colin bateu na porta do escritório que Sir Thomas tinha em Yard e entrou sem esperar uma resposta.

Não estava exatamente furioso, mas a expressão de seu rosto e de seus olhos devia revelar sua agitação, porque o secretário de Sir Thomas, John Blaine, levantou a cabeça de seus documentos imediatamente e o olhou assustado.

-Está dentro? Preciso vê-lo imediatamente. - Declarou Colin enquanto se aproximava da porta fechada do escritório interior.

Blaine ficou em pé e puxou a jaqueta, que ficava muito ajustada na cintura.

-Está dentro, mas preferiria lhe anunciar primeiro sua chegada, excelência. Está bastante ocupado esta...

-Então faça agora mesmo. - Interrompeu-o, em um tom um pouco mais frio do que pretendia.

Blaine o olhou de soslaio através de uns grandes óculos que recordavam aos que usava Charlotte: singelos, grossos e muito pouco favorecedores. Entretanto, embora Charlotte conservasse sua beleza atrás deles, esse homem não poderia ser menos atraente. Seu rosto parecia tenso, como se tudo na vida lhe pusesse tenso, e seus traços eram similares aos de um guaxinim: olhos grandes e escuros, bochechas arredondadas, lábios finos e um queixo plano e retraído. Contudo, devia ser muito bom no que fazia, já que Sir Thomas confiava plenamente nele. E a aparência carecia de importância nesse trabalho.

Blaine bateu na porta interior e depois girou o trinco para abri a porta.

-Sua excelência o duque de Newark deseja vê-lo, senhor. - Disse com voz suave.

-Faz-o passar. - Foi a rápida resposta.

Antes que Blaine pudesse lhe indicar que entrasse, Colin passou a seu lado e entrou no escritório sem fixar-se na neblina de fumaça de tabaco que envolvia a escura e mal ventilada sala.

Sir Thomas estava sentado, e parecia ocupado com os documentos que havia sobre a escrivaninha à luz de um singelo abajur de azeite. Entretanto, ficou em pé e inclinou a cabeça com formalidade quando Colin sentou-se em uma velha cadeira de balanço que havia frente à sua.

-Colocou-me em uma armadilha, meu amigo. - Declarou Colin com certa irritação, passando por alto o fato de que Blaine se encontrava a suas costas com a porta aberta, à espera de instruções.

Sir Thomas suspirou e se deixou cair de novo em seu assento apenas olhando para ele.

-Isso é tudo, John. - Disse a seu secretário.

-E não queremos que nos incomodem. - Acrescentou Colin sem dar sequer uma olhada por cima do ombro.

Sir Thomas sorriu.

-Não, não queremos que nos incomodem.

-Muito bem, senhor. - Replicou Blaine em tom impassível antes de fechar a porta.

Colin não afastou o olhar de seu mentor, que estava sentado diante dele, olhando-o a sua vez. O escritório de Sir Thomas, uma sala pequena e estreita cheia de papéis desordenados, estantes com livros poeirentos e objetos estranhos, parecia esse dia mais carregado e gélido que nunca, já que as janelas permaneciam fechadas por causa da garoa e o ar frio. Mas Colin apenas prestou atenção a esse fato. Sua mente estava concentrada em descobrir a verdade.

-E bem? - Insistiu sem afastar o olhar de seu amigo.

Sir Thomas se relaxou um pouco, afrouxou a gravata e apoiou os cotovelos nos braços de madeira do assento para entrelaçar os dedos por cima do peito.

-Em realidade, surpreende-me que não viesse ver-me em casa ontem. - Disse com despreocupação.

Irritado por essa resposta indiferente, Colin esticou uma de suas pernas e cruzou os braços sobre o peito.

-Pensei em fazer, mas decidi que o melhor seria clarear as idéias.

-Ah, entendo.

Colin soprou.

-Não, não entende. -Depois de esfregar o rosto com a palma da mão, adicionou. - Tem idéia dos problemas que me causou?

O homem mais velho elevou as sobrancelhas em um gesto inocente.

-Problemas? Queria conhecer Lottie English e eu fiz o possível.

Colin sacudiu a cabeça e fechou os olhos por um momento antes de voltar a olhar seu companheiro.

-Deveria ter me dito sobre sua identidade. Não estava preparado.

-Preparado para que?

-Como que preparado para que? Para ela, pelo amor de Deus. - Replicou seco.

Sir Thomas o observou com atenção durante uns instantes antes de inclinar-se para frente e colocar as mãos entrelaçadas sobre a escrivaninha.

-O que aconteceu para te pôr neste estado de nervos, Colin?

Embora tecnicamente Sir Thomas fosse seu chefe, também tinha um título inferior e quase nunca utilizava seu nome de batismo. O fato de que o fizesse nesse momento o surpreendeu bastante e aumentou sua irritação.

Incapaz de permanecer quieto nem um segundo mais, levantou-se de repente e meteu as mãos nos bolsos do casaco empapado pela chuva, enquanto se aproximava da janela para olhar à escuridão que reinava nas primeiras horas da tarde.

-Encurralou-me. - Comentou com seriedade.

Sir Thomas riu baixo e Colin voltou a cabeça para lhe lançar um olhar assassino.

-Não tem nenhuma graça. Essa mulher quer casar-se comigo, pelo amor de Deus, e utiliza sua... encarnação de Lottie English com o único fim de me enrolar para que aceite.

-Te enrolar?

-Sim, me enrolar.

Permaneceram em silêncio uns instantes e Colin voltou a olhar pela janela sem ver nada na realidade, enquanto a chuva salpicava o cristal.

-Não tem por que se casar com ninguém se não querer fazê-lo. E me consta que não é necessário que eu lhe diga isso, rapaz. Assim que qual é o problema?

Colin esfregou os olhos.

-Ainda não estou preparado para me atar dessa maneira.

-Sim, isso deixou bem claro. - Replicou Sir Thomas. - Acima de tudo o mundo, diria eu.

Passou por cima da segunda parte do comentário.

-Não quero me casar com uma pessoa a que apenas conheço. E menos ainda com uma garota simples que toca piano melhor que eu.

-Todo mundo toca piano melhor que você...

-Essa não é a questão.

-... além disso, ela não é tão simples.

Colin soltou um grunhido.

-É inteligente.

-Sim, é. Mas o que em realidade eu gostaria de saber. - Acrescentou seu supervisor. - É que demônios o fez acreditar que tem que te casar com essa garota.

Tinha assumido que Sir Thomas fazia parte de todo aquele maldito assunto, mas o tom de perplexidade do homem o fez suspeitar que a idéia de um matrimônio «conveniente» era coisa só de Charlotte.

Voltou-se para enfrentar de novo seu superior e descobriu que os traços de Sir Thomas tinham adquirido uma expressão dura. Não parecia zangado, só irritado, como se ainda lhe custasse trabalho assimilar a gravidade da situação que tão mal lhe estava explicando.

De repente, Colin se sentiu exausto. Tirou o casaco e se aproximou da cadeira que tinha ocupado pouco antes. Deixou o objeto no respaldo e se sentou, desabando esta vez no assento.

-Tal e como me pediu. – Começou. - Fiz uma visita ao conde de Brixham na sexta-feira passada para lhe oferecer uma bonita soma pelo piano. O homem se mostrou de acordo e me vendeu. Enquanto estava ali, tive a fortuna de conhecer a ardilosa Lady Charlotte, quem, como depois cheguei a descobrir, reconheceu-me como o homem que tinha conhecido na semana anterior, enquanto atuava nos cenários como Lottie English. É obvio, eu não tinha nem idéia de que ambas as mulheres eram a mesma pessoa.

Sua voz ia aumentando de volume durante a narração, assim que se obrigou a controlar a irritação. Sir Thomas se limitava a olhá-lo e assentir com a cabeça, de modo que continuou.

-No dia seguinte, teve a ousadia de vir me visitar com uma proposta de matrimônio. Matrimônio, pelo amor de Deus... - Sacudiu a cabeça. - Terá que reconhecer que essa mulher tem coragem.

-Suponho que se refere à dama...

É obvio que sabia que era uma dama.

-Aonde quer chegar?

Sir Thomas se incorporou um pouco para acomodar-se na cadeira, que parecia incapaz de suportar seu peso.

-Parece-me um enlace do mais proveitoso. - Assinalou com um encolhimento de ombros.

-Isso é irrelevante. - Rugiu Colin.

Sir Thomas voltou a reclinar-se em seu assento e o observou de maneira especulativa.

-Por que veio aqui se não queria saber o que penso sobre este assunto?

Colin estudou o homem de cima abaixo.

-Quero saber se seu irmão está endividado e se é realmente um problema para o qual se fazem necessárias minhas habilidades. - Fez uma pausa antes de acrescentar em voz baixa. - Não me deu um trabalho que não é nada mais que uma brincadeira, verdade, Thomas?

Percebeu que seu superior demorava bastante em responder, embora albergasse a esperança de que não estivesse utilizando esse tempo para idear uma resposta razoável. Necessitava sinceridade.

Sir Thomas respirou fundo e deixou escapar o ar muito devagar através de seus grossos lábios.

-Está endividado; essa parte é verdade. - Aguardou uns instantes antes de admitir com ar reflexivo. - Mas devo confessar que te enviei ali para te dar a oportunidade de conhecer Lady Charlotte.

-Porque já sabia que era Lottie English? - Inquiriu Colin, que sentiu como os músculos se esticavam de forma dolorosa sob suas roupas.

Sir Thomas assentiu.

-Sim.

Esperava algo mais que uma simples admissão, embora tivesse obtido a sinceridade que desejava.

-Por que não se limitou a me dizer quem era? - Perguntou exasperado. - Ao menos assim teria podido estar preparado para sua insolente intromissão em minha casa.

Sir Thomas soprou.

-Tolice. Além disso, isso não estava em minhas mãos. Ela não queria... não quer... que ninguém saiba.

-E como o descobriu? - Inquiriu empregando um tom sarcástico.

O homem encolheu os ombros.

-A Coroa me paga para saber esse tipo de coisas.

-Isso é ridículo.

Sir Thomas aparou o cabelo.

-Digamos simplesmente que adivinhei.

Colin ficou em pé de repente.

-Conhece a família.

-Sim, e conheci seu pai muito bem. Entretanto, não confio em seu irmão. Foi ele quem a manteve encerrada sob seu domínio durante os três últimos anos; pelo visto, detesta a... carreira, chamemos assim, que ela escolheu.

-Assim pensou que possivelmente eu estivesse disposto a tirá-la da desafortunada situação que vive em seu lar me casando com ela, verdade? - Perguntou estupefato.

Sir Thomas entrecerrou os olhos.

-Absolutamente. Mas queria conhecer Lottie English. E me encarreguei de que o fizesse.

-E agora fiquei como um estúpido. - Assinalou Colin com certa ofuscação.

-Estou seguro de que Lady Charlotte não pensa isso; caso contrário, não teria ido a sua casa para oferecer-se como possível esposa.

Com os nervos a flor de pele, Colin esfregou os olhos.

-Por pior que pareça, não pode ter uma idéia do que ocorreu entre nós a noite na ópera.

Depois de um longo momento de silêncio, Sir Thomas suspirou.

-Equivoca-se, Colin. Asseguro-te que posso fazer uma idéia bastante aproximada.

O vento aumentou e a chuva, cada vez mais forte, começou a açoitar as janelas com uma força que rivalizava com a da tumultuosa corrente de sangue que lhe percorria as veias.

É obvio que sabia. Todo mundo conhecia sua reputação com as damas. Incomodou-lhe muito ser alguém tão transparente para a aristocracia, em especial quando jamais se gabou de seus escarcéus sexuais. Para falar a verdade, o único que queria era passar bem, desfrutar o possível da vida de solteiro antes que o dever o atasse a uma esposa protestante e a uma casa cheia de crianças. O que tinha de mau nisso?

Deixou escapar um gemido e começou a passear pela pequena sala com as mãos apoiadas nos quadris e a cabeça encurvada.

-Não sei o que fazer. - Admitiu com vacilação. Umas palavras que preferiria não ter que repetir nunca ante nenhuma outra pessoa no mundo.

Sir Thomas riu baixo uma vez mais.

-Essa é a parte fácil. É um matrimônio socialmente perfeito, e além disso poderá conseguir à senhorita English. Aconselho-te que se case com essa moça.

-Não quero me casar. - Balbuciou. Logo, ao perceber que tinha respondido como uma criança acrescentou em tom sério. - Refiro-me a que não quero me casar agora. Não estou preparado.

-Preparado para que?

Colin não tinha uma resposta para isso e foi evidente que Sir Thomas se precaveu da confusão que embargava sua mente.

-Permita-me o atrevimento de te dar um conselho?

Colin deixou de passear e se ergueu em toda sua estatura antes de olhar a seu superior uma vez mais.

-Por favor. - Disse, fazendo um gesto despreocupado com a mão.

Sir Thomas o olhou nos olhos com as pálpebras entreabertas.

-Ninguém está preparado para o matrimônio. Não de tudo. Entretanto, é um passo que todos temos que dar no final, sobre tudo alguém de sua posição social. Necessita um herdeiro e, agora que seu pai morreu, chegou a hora de que tenha um. Essa é a responsabilidade para um homem com seu título, e tenho certeza de que já pensou nisso em mais de uma ocasião. Lady Charlotte pode te dar isso...

-Parece com ela, sempre tão prática...

Sir Thomas esboçou um sorriso.

-Como você mesmo disse, é uma mulher inteligente. Se te for sincero, acredito que ela pensou nisto com muita mais clareza que você, e isso não é muito usual, porque as mulheres podem chegar a serem muito irracionais em ocasiões.

-Não estou sendo irracional. - Disse à defensiva. - Tento ser lógico. Nem sequer a conheço.

-Sem importar o tempo que dure o cortejo, ninguém conhece nunca a seu cônjuge até que se casa. - Assinalou seu chefe com franqueza, enquanto enlaçava as mãos sobre o colo. - Poderia cortejar Lady Charlotte durante meses, chegar inclusive a se deitar com Lottie English, mas isso não te prepararia para o matrimônio. - Baixou a voz até convertê-la em um sussurro antes de concluir. - É óbvio que se sentem atraídos um pelo outro. Esse é o primeiro passo. Tem a obrigação de aceitar sua... proposta. Conseguirá uma esposa e um herdeiro. O resto será o que tem que ser.

-O resto? Refere aos problemas? - Inquiriu Colin mal-humorado.

Sir Thomas encolheu um ombro.

-Talvez. Mas o matrimônio também traz consigo muitas coisas boas. Só tem que mergulhar de cabeça nele.

Colin esboçou um sorriso.

-Se não soubesse o contrário, diria que planejou todo este assunto.

O homem arqueou as sobrancelhas em um gesto de inocência.

-Eu? Jamais teria a ousadia de tentar planejar seu futuro, rapaz.

Colin soltou um suspiro antes de estirar o braço para agarrar seu casaco.

-Bem dito, meu amigo.

-Mas Lottie English encarna as fantasias de qualquer homem. - Acrescentou Sir Thomas com um suspiro exagerado, enquanto voltava a reclinar-se em seu assento. - Invejo-te.

Colin tomou uma profunda baforada de ar quando por fim percebeu que seu futuro havia mudado no momento em que pousou os olhos nessas sensuais curvas, tantos anos atrás.

Desejava-a. Levava muito tempo desejando-a, e agora podia tê-la de maneira legal, por vontade própria e para sempre. Tudo o que havia dito Sir Thomas, todos os argumentos que tinha esgrimido chegavam a essa mesma conclusão.

Depois de pegar o casaco com movimentos bruscos, voltou-se para a porta.

-Asseguro-te que me pagará isso por isso, Thomas. - Advertiu esboçando um sorriso.

-Me convidará para o casamento, verdade?

Colin calou uma resposta sarcástica enquanto fechava a porta do escritório e saudava Blaine com uma inclinação de cabeça antes de dirigir-se para o corredor.

Por Deus, seus amigos morreriam da risada quando se inteirassem daquilo. O magnífico espetáculo que tinha sido sua vida até esses momentos estava a ponto de chegar a seu fim. Logo seria substituído por uma vida rotineira nas mãos de uma ardilosa mulher que o desejava por seus próprios e egoístas motivos. Por tudo menos pelo o que ele era como pessoa.

Embora isso não fosse importante, pensou enquanto atravessava as portas principais de Yard para sair ao pátio naquela lúgubre tarde, embargado por uma estranha sensação de tristeza que o sacudiu como um estremecimento.

Na realidade, ninguém o conhecia.

 

CAPITULO 06

Colin se encontrava na austera sala de estar do conde de Brixham, penteando o cabelo úmido com os dedos enquanto esperava a chegada de Lady Charlotte. Tinha ido ali diretamente depois de deixar Sir Thomas. Queria aceitar sua proposta antes de pensar melhor nas consequências em longo prazo e mudar de opinião. Depois de entregar o casaco ao mordomo e solicitar uma audiência com o conde, passeou-se pela gélida sala e se deteve para contemplar o horroroso papel das paredes, cheio de pêssegos e cerejas de brilhantes cores, com a esperança de que o gosto da dama em questões de decoração fosse algo mais sofisticado. Essa habitação, embora carente de móveis supérfluos e ninharias inúteis, revelava um mau gosto indisputável com toda essa cacofonia de tintas estridentes: vermelho vivo, amarelo limão e tangerina. Não era uma sala de estar, e sim um posto de frutas. Talvez sua futura esposa tivesse escolhido essa decoração, embora não pudesse acreditar que Lottie English fosse tão pouco elegante.

Em que confusão se colocou, Por Deus. Já a considerava dele e ainda não lhe tinha pedido a mão. Embora a petição em si era irrelevante a essas alturas. Ainda não tinha conseguido decidir se lhe incomodava ou lhe adulava que lhe tivesse jogado todo seu encanto, com toda probabilidade, seria a única proposta de matrimônio que faria em sua vida. Não obstante, nunca tinha tido as coisas fáceis e suas expectativas jamais tinham sido as usuais.

-Que agradável surpresa, excelência.

Colin endireitou os ombros para adotar uma postura imponente e entrelaçou as mãos às costas enquanto o conde de Brixham entrava na sala a toda pressa. O tom de sua voz denotava uma mescla de impaciência e falso bom humor, mas seu olhar era implacável. A julgar por sua expressão, o homem não desejava visitas nesse dia.

-Venho em mau momento, Brixham? - Perguntou, lutando contra o impulso de esfregar os olhos e deixar cair seu esgotado corpo no canapé que havia a suas costas.

-Não, não, é obvio que não. - Exclamou o conde fazendo um gesto despreocupado com a mão, antes de fechar as portas da sala de estar para assegurar a privacidade. Mas de repente pareceu inquieto. - Espero que não tenha vindo porque há mudou de idéia a respeito do piano.

-Não, absolutamente. - Replicou Colin sem rodeios.

As grossas sobrancelhas do conde se uniram em um cenho enquanto fazia um gesto para convidá-lo a sentar-se no canapé.

-A que devo a honra de sua visita então, milord?

Como seu primeiro encontro, havia algo no comportamento do conde que o irritava. Era óbvio que não esperava convidados para o chá, já que estava vestido com um traje informal consistente em uma calça escura simples e uma modesta camisa com o pescoço desabotoado. Não usava jóia alguma, embora a Colin lhe desse a impressão de que era o tipo de homem que as usava sempre que lhe resultasse possível. Seu aspecto e seu comportamento pareciam os típicos de um inglês que se sentia a gosto em seu lar e em seu ambiente, mas havia algo debaixo dessa disposição tranquila que revelava certa tensão, talvez uma frustração causada pela incerteza de sua mais que questionável situação econômica. Contudo, o conde de Brixham não havia dito ou feito nada inapropriado ou grosseiro; não tinha feito nada para ganhar semelhante desconfiança de sua parte. Mas esse homem se converteria muito em breve em seu cunhado e Colin não conseguia ver nada agradável nele.

Depois de fazer um esforço para relaxar no estragado canapé, cruzou as pernas e entrelaçou os dedos das mãos sobre o colo.

-Vim a fazer uma proposta a Charlotte. - Disse sem rodeios.

O conde nem sequer o olhou enquanto se aproximava dele.

-Outra oferta? Asseguro-lhe que já não possui mais antiguidades para sua coleção.

Se não estivesse tão irritado com toda aquela situação, Colin teria achado graça da impertinente ignorância do conde.

-Acaso insinua que uma dama como ela não tem nenhum valor? - Perguntou em tom seco.

Brixham se deteve junto a uma poltrona com a coxa apoiada sobre o braço do assento.

-Como?

Colin encolheu os ombros.

-Você disse que ela necessitava um marido, e depois de pensar bem, cheguei à conclusão de que um matrimônio entre Lady Charlotte e eu seria... ótimo. assim, vim pedir sua mão.

Foi algo do mais inesperado, sem dúvida, já que o conde de Brixham pareceu empalidecer ante seus olhos e ficou boquiaberto por causa da incredulidade.

Colin aguardou com expressão despreocupada, desfrutando da perturbação do homem.

Ao final, Brixham tragou saliva e se aferrou ao braço ao braço da poltrona que estava a seu lado antes de deixar cair no assento.

-Por que Charlotte?

-Por que não? - Colin esboçou um sorriso. - Acaso importa?

Passaram-se uns segundos de silêncio. Logo o conde se recuperou de repente de seu assombro inicial e começou a arrumar os punhos da camisa enquanto se erguia na poltrona e assumia uma postura formal.

-Peço-lhe desculpas, excelência. É só que não esperava uma oferta de matrimônio, em especial quando você pareceu tão... pouco atraído por minha irmã em nosso anterior encontro. Há um par de semanas me pareceu óbvio que a você não interessava casar-se, e agora... bom... aqui está. - Riu entre dentes e aparou o cabelo da parte posterior da cabeça. - Estou surpreso, isso é tudo.

Colin se obrigou a permanecer quieto, irritado por não ter considerado o caráter repentino da proposta e o que esta poderia lhe parecer ao irmão da dama. Entretanto, não tinha necessidade de explicar seus atos; o tipo precisava de apoio financeiro e estava claro que desejava livrar-se da possibilidade de ter que cuidar de uma irmã solteirona durante toda sua vida. Colin podia fazer isso por ele, e ambos sabiam.

Uniu as pontas dos dedos na frente do peito e assentiu com a cabeça, como se compreendesse as inquietações do conde.

-Tem razão, é obvio, mas depois de considerar as coisas estes últimos dias, decidi que chegou o momento de cumprir com meu dever e me casar. Lady Charlotte resulta uma opção lógica e socialmente aceitável. – Ficou em silêncio um instante para dar consistência ao que iria acrescentar. - Além disso, necessito um herdeiro.

Brixham o estudou com atenção enquanto esfregava o queixo com a ponta dos dedos.

-Estou mais que disposto a aceitar sua oferta, excelência. - Admitiu com um suspiro. - Mas acredito que lhe será muito mais difícil convencer Charlotte. Você apenas a conhece e ela já rejeitou todos os cavalheiros que tentaram cortejá-la, apesar de que a um ou dois deles os conhecia desde que era menina.

Por inexplicável que parecesse, esse comentário o tirou de suas casinhas.

-Possivelmente se pedir em pessoa em lugar de fazer com que você insista em que aceite minha proposta, ela se mostre um pouco mais... complacente, não acredita?

Tinha-o expresso em forma de pergunta a fim de não insultar o conde e para lhe fazer saber que jamais utilizaria a força ou ameaças com Charlotte, já que era evidente que não funcionavam. Brixham desejava com desespero livrar-se da carga que supunha sua irmã, mas não sabia que a dama já lhe pertencia e que qualquer tipo de coerção estava desconjurada.

Ao final, o conde riu baixo e meneou a cabeça.

-Não posso negar que o enlace seria do mais conveniente, excelência, mas Charlotte pode chegar a ser todo um desafio.

-Nesse caso, suponho que se converterá em meu problema. - Replicou com um suspiro.

-Sim, bom, é uma moça muito teimosa. - Adicionou o homem. - Bastante inteligente, e pode chegar a ser do mais retorcida quando quer algo.

Se você soubesse..., pensou Colin.

-Acredito que desfrutarei com esse tipo de desafio. - Assegurou ele com um sorriso.

Brixham permaneceu em silêncio durante uns instantes. Não deixava de arranhar as costeletas enquanto sua mente assimilava todos os detalhes e se deleitava com a importância que lhe reportaria converter-se no parente político do endinheirado duque de Newark. Não demorou muito tempo para aceitar.

-Suponho que podemos esclarecer os detalhes algum dia desta mesma semana.

Colin sabia no que pensava o homem e fez um gesto com a mão enquanto negava com a cabeça.

-Não há pressa. Preocupa-me menos seu dote que a obrigação de ter um herdeiro.

Os traços de Brixham se contraíram em um sorriso de autêntico alívio.

-Muito bem, excelência. - Disse, endireitando-se com renovada confiança. - Se espera aqui, irei procurar minha irmã.

Colin assentiu com a cabeça, mas não se moveu.

Passaram-se escassos minutos antes que Charlotte entrasse na sala. Seu rosto expressou certa surpresa ao vê-lo, embora depois pareceu satisfeita e esboçou um diminuto sorriso. Usava um simples vestido de cor azul escura com decote quadrado e apertado, cujas saias caíam em uma cascata de seda até o chão. Tinha uma figura magnífica, e Colin não pôde evitar perguntar-se como era possível que uma mulher com um corpo tão esplêndido pudesse cantar tão bem com um espartilho tão apertado. Mas essa pergunta não tinha importância nesses momentos. Não demoraria em descobrir.

Resignado, Colin ficou em pé, tal e como exigia o decoro, mas procurou que sua expressão não revelasse nada.

-Excelência. - Saudou em um sussurro, enquanto se inclinava em uma reverência.

-Lady Charlotte. - Disse ele muito devagar.

Passaram-se uns instantes de incômodo silêncio enquanto ela passeava o olhar entre seu irmão e ele. Brixham captou a indireta e esclareceu a garganta antes de partir.

-Bom, suponho que devo deixá-los a sós para que falem. - Deteve-se frente às portas para acrescentar. - Estarei no final do corredor, em meu escritório, se alguém me necessitar.

Colin notou a tensão que faiscava entre ambos os irmãos e se perguntou qual era a natureza da relação que mantinham, enquanto observava o olhar penetrante que dirigiu o conde a sua irmã antes de sair da sala e fechar as portas. Ela, entretanto, pareceu ignorá-la sem problemas, já que sorriu com ar satisfeito enquanto enlaçava as mãos à costas e concentrava sua atenção nele.

-Surpreende-me vê-lo aqui. - Afirmou em tom jovial.

Colin elevou as sobrancelhas ante esse intento de lhe subtrair importância ao assunto.

-De verdade?

Na realidade não era uma pergunta, e ela não sentiu a necessidade de respondê-la. Não obstante, depois de uns inquietantes segundos de silêncio, a espera do momento foi muito para ela. Sabia muito bem por que tinha ido vê-la, embora ao parecer acabasse de dar-se conta de que ele não pensava pôr nada de sua parte para que aquele encontro resultasse fácil. Colin cruzou os braços sobre o peito, à espera, enquanto se fixava no rubor que tingia suas bochechas. O mais provável era que estivesse mais nervoso que ela, mas jamais o admitiria ante ninguém e sabia dissimulá-lo muito bem.

-Hoje tem um aspecto encantador. - Assinalou enquanto a olhava de acima debaixo.

-Obrigada. - Replicou ela arqueando uma sobrancelha. - Devo dizer, milord, que você está tão elegante como sempre.

Colin teve que esforçar-se para reprimir o sorriso que ameaçava aparecer em seus lábios.

-É você muito amável.

Durante alguns segundos, limitaram-se a olhar um para o outro. Logo, depois de respirar fundo para dar ânimo, ela perguntou com insolência:

-Veio para me fazer algum tipo de proposta, excelência?

A Colin se admirou com tanta franqueza.

-É você um pouco presunçosa, não lhe parece?

Charlotte teve a coragem de sorrir, destemida ante sua irritação, e lhe dirigiu um olhar de soslaio enquanto se aproximava do canapé.

-Não me ocorre nenhuma outra razão para sua visita, milord.

-Possivelmente para rejeitar de forma educada sua proposta?

Os passos femininos vacilaram e sua testa se enrugou por um momento. Não tinha esperado essa resposta, e Colin sentiu uma absurda satisfação ao saber que atingiu o alvo, por pequeno que fora.

Então Charlotte sorriu de orelha a orelha, enquanto avançava para ele sem afastar o olhar de seus olhos.

-Poderia ser excelência, mas não posso evitar recordar o... entusiasmo que o embargava na noite que nos conhecemos na ópera.

-Entusiasmo? - Repetiu Colin, tentando que sua voz e seu semblante parecessem tão indiferentes como os dela.

Charlotte o olhou com expressão inocente.

-Como o chamaria você? A mim não me ocorre outra coisa.

Colin não conseguia decidir se sua audácia o enfurecia ou o excitava. Observou-a em silêncio uns minutos e se fixou em sua pele cremosa salpicada de bondade, na inteligência que mostravam seus grandes olhos azuis, que destacavam até sem a aplicação de cosméticos, nas maçãs do rosto alto e nos cachos avermelhados que tinham escapado da trança que caía até a metade de suas costas. Sim, era um homem muito, muito entusiasmado, embora negasse admitir diante dela.

-Eu o chamaria fascinação? Disse por fim. Manteve seus olhos fixos nos dela para tentar intimidá-la, mas pareceu não funcionar.

Charlotte apertou os lábios para conter a risada.

-Bobagem. É muito livre de me rebater, e se ainda não o tem feito é porque sabe que lhe fiz uma proposta não só tentadora, mas também necessária para ambos. - Baixou a voz e se inclinou para ele antes de adicionar com malícia. - Excita-lhe tanto a perspectiva como a mim, embora entenda que sua excitação se deva a um motivo um pouco diferente.

- Um pouco diferente? Seus motivos não podiam ser mais distintos. Colin meteu as mãos nos bolsos para resistir à tentação de lhe rodear o pescoço e sacudi-la ou aproximá-la um pouco mais para poder lhe acariciar a garganta enquanto beijava outra vez essa linda boca.

-Excitam-me muitas coisas. - Replicou com serenidade, como muito bem sabe. Entretanto, não me agrada no mínimo a idéia de que alguém, quem seja possa me arrebatar minha esposa, seja qual seja o motivo.

Ela o observou com a cabeça inclinada para um lado.

-Suponho que poderia dizer que desinchei suas velas, verdade? Isso deve resultar muito difícil de aceitar para um cavalheiro.

Colin esteve a ponto de soltar um suspiro.

-Aprecio sua preocupação, Charlotte, mas acredito que minhas velas se encontram em perfeito estado.

Ela se removeu com desconforto e suas bochechas se ruborizaram.

-Sei que, como homem, necessita variedade em suas perspectivas, e que atar-se a uma só dama poderia acabar aborrecendo-o. Entretanto, como já lhe disse em outra ocasião, a fidelidade no matrimônio não é uma de minhas preocupações. Ambos nos beneficiaremos muito desta união, e lhe asseguro milord, que ninguém além de nós conhecerá nunca a verdade.

Essa singela e significativa declaração o desconcertou um pouco e teve que conter uma réplica sarcástica. Cada vez mais zangado, massageou os duros músculos do pescoço com a palma da mão enquanto dava as costas a Charlotte para aproximar-se da solitária poltrona que havia junto à chaminé apagada, cuja tapeçaria de veludo em cor tangerina estava quase tão puída como a do canapé. Situou-se atrás da poltrona, entrelaçou os dedos e apoiou os braços sobre o respaldo antes de encará-la  com um nó no estomago.

Charlotte cruzou os braços por debaixo dos seios em um gesto defensivo, inconsciente ao parecer de que a única coisa que conseguia dessa forma era fazer que o decote resultasse ainda mais provocador.

-Em minha opinião, a verdade é que está super valorizando, Lady Charlotte. - Murmurou segundos mais tarde enquanto a percorria muito devagar com o olhar. -Sua generosidade nesse assunto é sem dúvida incomensurável, mas por que ia querer me desencaminhar Lottie English, esquentar meus lençóis todas as noites?

A insolência da pergunta a deixou desconcertada. Ruborizou-se de novo ao ver que tinha a vista cravada em seu decote e depois deu a volta para caminhar até a janela a fim de contemplar o jardim, oculto atrás da gélida e persistente chuva.

-Fez-se outro longo silêncio, embora Colin não tivesse problemas para suportar a confusão feminina e a incômoda tensão que se estabeleceu entre eles. Tinha a intenção de manter-se implacável em sua colocação, de lhe fazer saber, além de toda dúvida, que embora talvez aceitasse um matrimônio de conveniência, ele seria a figura autoritária em sua relação, que apesar do feitiço que Lottie English tinha tecido a seu redor, não permitiria que o tratassem como um estúpido. Mesmo assim, ao observá-la nesses momentos, aturdida por sua chegada inesperada e por seus comentários lascivos, não podia diminuir a importância da sua beleza nem passar por cima da sua inteligência, sua sofisticação ou seu exuberante atrativo sexual, tudo dissimulado sob o modesto disfarce de dama de bom berço.

Sim. Essa iria desfrutar dessa mulher durante muito tempo.

Fingiu sentir-se derrotado e se sorveu o desassossego antes de anunciar.

-Muito bem, milady. Conforme parece, sem mais rodeios, venho lhe pedir formalmente que seja minha esposa.

Soube imediatamente por sua postura rígida e o fato de que nem sequer se dignou olhá-lo que sua petição de mão não a tinha adulado muito. Mas o que esperava depois de havê-lo obrigado a fazer isso? Que se ajoelhasse para lhe oferecer flores e um anel? Com um grunhido de chateação ante sua própria inaptidão, apertou o respaldo com as mãos e acrescentou em voz baixa:

-Teria a honra de se casar comigo, Charlotte?

Era o mais que podia dizer nessas circunstâncias, e ambos sabiam que ela não ia rejeitá-lo.

Depois de longos e tensos instantes, Charlotte jogou a cabeça para trás e suspirou com delicadeza. Colin aguardou uma resposta que sabia qual seria, mas mesmo assim sentiu que lhe secava a boca enquanto passava o tempo e se alargava aquele silencio enlouquecedor.

Ao final, ela se voltou para olhá-lo com as mãos enlaçadas às costas. Permanecia erguida e arrogante, com uma expressão calma e indecifrável.

-Será uma honra para mim aceitar sua proposta de matrimônio, excelência. - Afirmou quase sem fôlego.

Uma inesperada mescla de desamparo e luxúria desenfreada o percorreu por dentro. Colin se endireitou ao perceber que estava apertando com muita força o respaldo da poltrona. Depois de recuperar a postura, assentiu com a cabeça e não sabia muito bem se devia dizer algo depois de ter obtido sua resposta, mas decidiu que não importava. Charlotte se limitou a olhá-lo sem dizer o que pensava e, passados uns instantes, ele decidiu seguir adiante e deixar claros os términos do acordo, por assim chamá-lo, a fim de evitar qualquer mal-entendido por sua parte com respeito às condições do matrimônio que logo se celebraria.

Esfregou o respaldo aveludado da poltrona antes de se afastar dele e enlaçar as mãos às costas. Cravou o olhar na chaminé durante uns instantes e logo deu meia volta para observá-la do outro lado da sala.

-Agora que estamos... comprometidos. - Anunciou com indolência, há uns quantos detalhes sem importância que devemos discutir.

-É obvio. - Replicou ela. Será um prazer para mim planejar o casamento, embora eu gostaria de me casar o quanto antes.

-A mim também. - Concordou Colin antes de lhe explicar que suas razões diferiam muito das dela. E me consta que organizará um casamento precioso, mas não me referia a isso.

Charlotte franziu o cenho tempo suficiente para que Colin percebesse que não tinha esperado lhe expor exigência alguma ou que pudesse impor sua própria condição ao matrimônio e isso lhe deu a coragem necessária para continuar. Teve que reprimir um sorriso de absoluta satisfação ao compreender que voltava a ter certa vantagem sobre ela.

-Muito bem, excelência. - Declarou ela com um breve assentimento de cabeça.

-Suponho que deveria ter imaginado que você teria suas próprias preocupações.

Colin sorriu ao escutá-la, mas só em seu benefício.

-Preocupações, não. Requisitos, sim.

Ela mordeu os lábios com incerteza, mas manteve uma postura o mais digna possível em seu lugar frente à janela, com uma mão às costas e a outra brincando com a corrente de ouro que levava no pescoço.

-Já lhe disse que serei uma boa esposa em todos os sentidos possíveis. Não imagino que outros requisitos pode haver. - De repente uma expressão horrorizada atravessou seu rosto. - Não espera que deixe...

-Jamais te pediria que abandonasse o teatro, Charlotte. Não deve preocupar-se com isso.

Ela, aliviada, relaxou um pouco as costas.

Colin permaneceu calado para instigar sua curiosidade, desfrutando do momento. Ao final, encolheu os ombros.

-Não, refiro-me aos requisitos dentro do dormitório. Devemos falar sobre eles antes de... ficarmos íntimos.

Charlotte afogou uma exclamação de surpresa e abriu os olhos de par em par por causa da indignação.

Por fora, Colin permaneceu impassível ante sua resposta por dentro, sentia-se encantado por seu sobressalto e desfrutou ao ver como suas bochechas se tingiam de novo de um intenso rubor.

-Não é necessário que discutamos algo semelhante. - Replicou ela desafiante. Acredito que já disse que estou disposta a lhe proporcionar um herdeiro. Não há nada mais a dizer a esse respeito, excelência.

Ainda com as mãos às costas, Colin franziu o cenho e começou a caminhar muito devagar para ela.

-Não é tão simples. Espero que me proporcione um herdeiro em troca dos problemas que implicam os vínculos do matrimônio, é obvio, mas há muitas mais coisas em jogo até que fique grávida.

Ela piscou perplexa e retrocedeu um pouco ao ver que se aproximava. Nesses momentos, esfregava a cadeia entre os dedos com ferocidade.

Colin enfrentou seu olhar atônito com naturalidade.

-Embora tenha a intenção de te fazer minha em nossa noite de núpcias, não penso te deixar grávida nessa ocasião. Não espero um filho imediatamente, e não quero ter um tão rápido. - Afirmou em voz mais baixa.

Ela afastou a mão de seu pescoço e se rodeou com os braços enquanto o olhava da cabeça aos pés desconcertada.

-Isso... não tem nenhum sentido, milorde. Um homem com sua posição necessita um filho e eu necessito... - Respirou fundo e elevou o queixo antes de adicionar com um aprumo que não sentia. -Temos um acordo.

-Ah, sim. O acordo. - Colin cruzou os braços sobre o peito para contemplá-la sem disfarces, enfrentando seu lindo e aturdido olhar. - Deixa que te explique a situação, Charlotte. Te financiarei uma excursão, mas só sob minhas condições e no momento que eu escolher.

Ela o olhou boquiaberto.

-Em recompensa pelos problemas que tudo isto vai ocasionar-me continuou, espero passar um pouco de tempo contigo antes que fique grávida e quando isto acontecer, entregaremos o bebê a uma babá e a todo um exército de serventes que se encarregarão de criá-lo enquanto você parte para o continente com seu piano. Até então, pode continuar cantando aqui em Londres como até agora e eu continuarei apoiando seus esforços de todo coração, sempre e quando estiver em casa cada noite para esquentar minha cama. - Sorriu com malícia e se inclinou para ela para murmurar. - Quero o que combinamos Charlotte, quer dizer te ter em minha cama atendendo todos meus desejos, depois você poderá seguir adiante com os teus.

O desassossego foi substituído pela fúria, e Charlotte se ruborizou de cima abaixo antes de entrecerrar os olhos e fulminá-lo com o olhar.

-Quer dizer que terei que ser seu brinquedo até que se canse de mim? Que conveniente para você.

Colin tentou não demonstrar a surpresa que lhe tinha causado essa pergunta sobre algo que, para ser sincero, jamais lhe havia passado pela cabeça. E devia reconhecer que Charlotte tinha tido a coragem de permanecer em seu lugar em uma discussão que devia resultar da mais incômoda para uma dama.

-Não acredito ter dito isso. – Replicou. - Embora me parece recordar que fazia parte de seu argumento quando tentou me convencer de que um matrimônio entre nós seria o mais conveniente.

Ela vacilou, mas respondeu com sinceridade.

-Me diga uma coisa, milorde, como espera me manter em sua cama sem me deixar grávida?

Colin se endireitou enquanto esfregava a mandíbula com a palma, sem saber muito bem se ela pretendia tirá-lo do sério com uma pergunta tão ridícula ou se de verdade não tinha nenhuma informação com respeito ao ato sexual.

-Quer que lhe explique isso aqui? - Inquiriu em tom grave e desafiante.

-Certamente que não. - Respondeu ela furiosa, enquanto lançava uma olhada à porta e se separava dele.

Rodeou-se a parte superior dos braços com as mãos, sem dúvida para evitar lhe dar um murro.

-O que eu espero Charlotte, é lealdade, devoção e obediência durante nossos interlúdios íntimos. - Disse com suavidade em uma tentativa de tranquilizá-la. E em troca disso, entregarei tudo àquilo que sempre desejou... em seu devido tempo.

Durante um bom momento, ela não se moveu, não retrocedeu, não disse nada. Colin sabia que não estava sendo do todo irracional e ela também, o que explicava sua relutância em alargar a discussão. Tinha a certeza de que sua futura esposa lutava para encontrar as palavras necessárias para mostrar seu acordo, ou ao menos para aceitar a suas demandas. Estava seguro de que não lhe negaria nada.

-Está tarde e devo partir.  - Disse-lhe em tom sério e pensativo.

Charlotte relaxou de maneira visível.

-É obvio excelência. Porei-me em contato com você para os preparativos do casamento e para averiguar que membros de sua família...

Ele a interrompeu lhe rodeando a cintura com um braço com força para apoderar-se de sua boca.

Muito aturdida para reagir, durante alguns segundos Charlotte se limitou a ficar quieta entre seus braços, com seu corpo grudado ao dele, sem responder ao beijo. Depois deixou escapar um diminuto gemido e se rendeu ao abraço, rodeou-lhe o pescoço com as mãos e o puxou para aproximá-lo mais. Colin lhe segurou a cabeça com uma mão e lhe colocou a outra na parte baixa das costas antes de incrementar a intensidade do beijo. A paixão que lhe provocava o contato de sua voluptuosa figura prendeu um fogo em seu interior que não tinha esperado absolutamente. Deleitou-se com a resposta feminina e saboreou seus deliciosos lábios durante gloriosos momentos antes de invadir a calidez do interior com a língua. Mas nesse preciso instante recuperou a prudência e começou a afastar-se dela a contra gosto.

Fez-se um instante de consternação mútua e Charlotte respirava de uma forma tão irregular como ele e ainda não tinha afastado as mãos de seus ombros. Logo, trêmula, deixou cair os braços e se aproximou da janela, onde fechou os olhos e se cobriu a boca com a ponta dos dedos.

Confuso e inclusive frustrado por seu próprio comportamento, Colin se ergueu e apertou os dentes, desejando que os batimentos de seu coração diminuíssem. Não pretendia beijá-la com paixão. Sua intenção, embora não tivesse meditado muito, era lhe dar um breve beijo de afeto na bochecha antes de partir. Nesse momento estava excitado, embora não fosse culpa de Charlotte, e o único que desejava era tombá-la no canapé e beijá-la uma vez mais... nos seios, nas coxas, entre as pernas. Tinha que sair dali.

-Acabe logo com os preparativos do casamento. - Ordenou com voz rouca, quase sem fôlego.

Ela não deu amostras de tê-lo ouvido.

Depois de pentear o cabelo com os dedos, Colin passou com pressa a seu lado para sair da sala.

 

CAPITULO 07

Charlotte estava sentada na cadeira de cetim branco que havia em seu novo e formoso quarto de vestir, contemplando seu reflexo no espelho de marco dourado enquanto sua donzela de sempre, Yvette, escovava-lhe em silêncio o abundante cabelo encaracolado.

Parecia bastante tranquila, decidiu. Sua pele resplandecia e tinha uma cor rosada devida à agitação da semana anterior, e o brilho de seus olhos ficava acentuado pelo cetim branco do robe, confeccionado especialmente para essa noite. Tinha sido um dia cansativo, o casamento da temporada, e embora estivesse exausta, ainda não tinha sono. E isso era bom, já que aquele que se converteu em seu marido poucas horas atrás a aguardava no dormitório adjacente e tinha deixado muito claro que não tinha intenção de manter-se afastado durante muito tempo.

Havia-o visto só três vezes desde que lhe pediu a mão seis semanas antes, e nessas três ocasiões se comportou de maneira séria e formal. Bom, sempre tinha estado incrivelmente bonito e bastante atento, mas as coisas tinham transcorrido tal e como a sociedade requeria, em especial às fofocas.

Entretanto, lhe fez um nó no estômago ao vê-lo quando por fim se dispunha a caminhar para o altar para converter-se em sua esposa. Nunca, em toda sua vida, tinha conhecido um homem mais bonito que o duque de Newark, e esse dia tinha um aspecto esplêndido, com o cabelo escuro penteado para trás para deixar ao descoberto os masculinos traços de seu rosto e esses olhos penetrantes que a estudavam detalhadamente, da tiara até o formoso vestido. Ele usava um traje negro de seda com camisa branca feito para a ocasião, e Charlotte supôs que todo mundo percebeu que não tinha deixado de olhá-lo com admiração do começo da missa até os momentos finais, quando lhe deu um beijo breve e quente nos lábios para selar seu destino. O certo era que tinha sido um casamento grandioso, e a única pena era saber que ela o tinha obrigado a estar ali.

Contudo, o duque tinha sido um companheiro excelente e atento com o passar do dia, e tinha permanecido a seu lado durante a recepção e o delicioso jantar que teve lugar a seguir. Tinha conversado durante um bom momento com Charles, que parecia mais que feliz pelo fato de que sua irmã tivesse conseguido um matrimônio tão conveniente, como se o casamento fosse obra dele. Charlotte passou esse fato por alto, sabendo de que por fim se livraria das garras de seu irmão e de que podia fazer o que quisesse sem necessidade de escutar as críticas sobre suas idéias e decisões.

Nessas poucas horas também tinha averiguado algo mais sobre a personalidade de seu marido, já que tinha conhecido seus amigos. Todos lhe tinham caído muito bem, embora gostasse especialmente de suas esposas Vivian, a duquesa de Trent, e Olivia, a duquesa de Durham eram umas mulheres encantadoras que se mostraram amáveis com ela desde o começo e lhe tinham proporcionado algumas pistas sobre a forma de pensar de seu marido e sobre seu famoso senso de humor. Ainda não tinha amostra alguma deste último, mas algum dia chegaria a conhecer Colin em qualquer circunstância. Com o tempo chegaria a apreciar seu marido, a conhecer seus estados de ânimo e suas ocupações. Ao menos, isso esperava.

No momento, devia lhe dar uma boa nota por lhe haver concedido plena autoridade sobre seu lar e seus criados e por voltar a decorar seu dormitório antes de sua chegada. Disso se inteirou graças a sua governanta, Trudy, uma temperamental viúva de meia idade com quatro filhos já crescidos. Só levava três meses trabalhando ali, mas a mulher se assegurou de que o duque soubesse que tinha tirado todos os móveis e os adornos da casa para decorar as paredes com lilás e colocado rendas que combinavam com as cortinas novas, também tinha comprado um armário enorme, uma cama com dossel e um pequeno sofá de veludo para o dormitório propriamente dito, tudo a jogo com a penteadeira de madeira branca com incrustações douradas que se encontrava no quarto de vestir em frente ao qual se encontrava sentada nesses momentos. Para completar o desenho e dar um toque de calidez ao ambiente, acrescentaram-se grossos tapetes de cor lavanda que ocupavam quase a totalidade dos chãos de madeira polida. A Charlotte tinha encantado no primeiro momento e estava impaciente por deitar-se em sua nova cama, cobrir-se com a colcha de estampado floral até os ombros e dormir toda uma semana. Mas isso teria que esperar.

De repente, a porta que havia a suas costas se abriu um pouco e Charlotte retornou uma vez mais ao presente quando percebeu que seu brilhante marido tinha entrado em seu dormitório sem anunciar-se. Observou-o durante um momento através do espelho e se fixou em quão bonito estava até depois de um dia tão exaustivo. Apesar de que seu rosto estava apenas iluminado pela luz do abajur, sua expressão resultava indecifrável quando passeou o olhar entre ela e Yvette, que tinha deixado de lhe escovar o cabelo ao vê-lo entrar.

-Pode se retirar. - Disse sem olhar à donzela.

-Sim, milorde. - Respondeu Yvette com uma reverência. Depois deixou a escova sobre a penteadeira e partiu com pressa pela porta que dava ao corredor.

Charlotte permaneceu sentada, um pouco desconcertada por sua intromissão e um pouco envergonhada pelo fato de que a donzela o tinha visto entrar através da porta que conectava ambos os dormitórios, como se não pudesse esperar para consumar o matrimônio. Ainda estava vestido com a roupa do casamento, embora tivesse tirado tudo menos a calça e a camisa. O pescoço da camisa de seda branca estava desabotoado, o que permitia espionar o suave pêlo encaracolado que cobria seu imenso peito. Essa visão provocou em Charlotte um formigamento nos dedos dos pés e teve que engolir a saliva para controlar seu nervosismo.

-Ainda necessito um pouco mais de tempo, excelência. - Disse em tom arrogante enquanto fechava o robe sobre o seio.

Ele não disse nada, nem sequer prestou atenção à sala. Limitou-se a estudar com ar distraído seu rosto, o comprido cabelo que caía sobre seus ombros e a pele de sua garganta. Logo desenhou um sorriso em sua linda boca e trouxe para frente às mãos que tinha enlaçadas as costas.

-Para ti, querida esposa. - Disse ao fim com voz rouca e grave enquanto avançava em sua direção.

Charlotte não se moveu de sua cadeira sentia-se mais insegura com cada segundo que passava, assim cravou o olhar até a brilhante caixa dourada adornada com um laço de cetim vermelho que ele sustentava na palma da mão.

-Um presente? - Perguntou confusa, em uma tentativa de romper a tensão que ameaçava invadir toda a sala.

-É obvio. - Disse ele. Depois acrescentou em um murmúrio malicioso. - Algo que mandei fazer especialmente para ti, Charlotte.

Ela sentiu que lhe secava a boca. Não sabia muito bem o que dizer, já que não compreendia absolutamente os motivos pelos quais seu marido trazia um presente. Colin já estava a seu lado, ainda sorridente, embora parecesse algo mais pensativo que animado. Estava muito perto para que ela sentisse a calidez de seu corpo e percebesse a tênue essência de sua exclusiva colônia.

Depois de parar à beirada da penteadeira com ambas as mãos para controlar o tremor das mesmas, ficou em pé muito devagar e enlaçou os dedos no colo antes de encará-lo cara a cara.

-É que não pensa aceitá-lo? Perguntou ele, que sustentava a caixa entre eles.

Charlotte piscou com rapidez enquanto descia o olhar. O primeiro que lhe veio à cabeça foi que a caixa era muito pequena para conter um casaco de pele ou algum tipo de roupa, mas muito grande para jóias.

Seu marido riu baixo.

- Abre-a, Charlotte.

Tinha um nó no estômago e o pulso acelerado, mas não podia evitar sua insistência por mais tempo. Sem fazer comentário algum, agarrou a caixa que lhe oferecia e desatou o laço com muita lentidão. Podia sentir seu olhar no rosto, e tinha a certeza de que ele já tinha reparado no muito que lhe tremiam as mãos.

O laço de cetim se soltou sem problemas e seu marido o tirou das mãos. Charlotte levantou a tampa da caixa e deixou ao descoberto um pacote de seda vermelho escuro que se apressou a retirar para revelar a criação que tanto parecia entusiasmar Colin.

Sentiu-se desconcertada nada mais que vê-la, não só pelo que parecia ser, mas sim pelo fato de que ele quisesse agradá-la. Colocou a mão na caixa para elevar com um dedo uma magra tira de renda e não pôde decidir se desejava rir como uma histérica ou esbofeteá-lo por semelhante loucura.

Confeccionada em cetim escarlate e negro, essa... coisa que ele desejava que usasse em sua noite de núpcias não lhe cobriria o peito e menos ainda às pernas, os braços e o seio. Era um pouco parecido a um espartilho, mas não tinha mangas nem suspensórios para mantê-lo em seu lugar; só contava com uma capa de renda negra transparente sobre o cetim vermelho que cobria as baleias, as quais se ajustariam à perfeição a suas costelas e elevariam seus seios até alturas inimagináveis.

O sutiã se é que podia chamá-lo assim, segurava-se com quatro diminutos ganchos de ferro forrados com cetim que se introduziam em outros tantos laços de renda negra situados da linha sob o seio até um dedo por debaixo do umbigo, onde o tecido de cetim se abria para deixar exposta a parte mais íntima de uma mulher. Ao parecer não havia nada mais nesse obsceno objeto, e quando lhe deu a volta notou que as costas de cetim desapareciam na parte superior das nádegas, onde era substituída pela renda transparente, que caía até os joelhos em um diáfano babado. Para coroar tão escandaloso traje, na caixa havia uns sapatos com saltos enormes (mais ou menos dez centímetros), cujas pontas estavam cobertas com plumas vermelhas.

Não, Charlotte não estava desconcertada estava muda de assombro. A simples idéia de que uma dama vestisse algo como aquilo... Voltou a olhar seu marido nos olhos e riu  baixo.

A ele não pareceu lhe fazer graça essa risada. De fato, olhou-a com mais intensidade, com um brilho de luxúria nos olhos que fez desaparecer o sorriso de Charlotte e acelerou os batimentos do seu coração.

-Não... Voltou a contemplar a pequena peça que tinha na mão antes de olhá-lo nos olhos uma vez mais. Não espera que eu ponha isto, milorde... Não era uma pergunta, a não ser uma afirmação, e esperava havê-la pronunciado com firmeza.

Newark avançou um passo mais e deixou a caixa sobre a penteadeira.

-Não lhe teria dado se não desejasse que pusesse isso.

Charlotte deixou cair o objeto na caixa como se lhe queimasse os dedos e decidiu lhe explicar suas razões.

-Desculpe minha relutância, milorde, mas me seria impossível dormir com essa coisa. Congelaria.

Colin riu entre dentes. Colocou-lhe a mão sob o queixo para lhe elevar um pouco a cabeça e poder olhá-la nos olhos.

-Não se congelará e não dormirá com isso, querida esposa. - Sussurrou com voz rouca. Este objeto serve para provocar, para fazer amor. Para isso foi criada.

Charlotte abriu os olhos de par em par... Cada vez mais aterrada.

-Não.

Em lugar de continuar discutindo com ela, seu marido desceu a mão, desatou o cinto e abriu o robe antes que ela percebesse sequer o que fazia.

-O que está fazendo? Perguntou enquanto dava um passo para trás e se segurava o robe à altura do pescoço para mantê-lo fechado.

Ele esboçou um sorriso malicioso.

-Te despindo.

Os olhos de Charlotte se abriram em um gesto de horror.

-Não penso permitir.

Depois de endireitar-se um pouco, Colin cruzou os braços sobre o peito e a olhou sem rodeios.

-Nesse caso, dou-te cinco minutos, Charlotte. Cinco minutos para pôr o espartilho e vir a meu quarto, ou...

Ela o olhou de cima abaixo, furiosa.

-Ou o que?

Colin encolheu os ombros.

-O que eu tenha vontade de fazer, posto que sou seu marido. - Dito isso, deu a volta para caminhar em direção à habitação adjacente. Sem voltar-se para olhá-la, acrescentou. - Estarei te esperando, não esqueça.

Charlotte desejou gritar quando ele fechou a porta e a deixou sozinha durante cinco minutos antes de... do que? Não queria nem imaginar, sabia que não tinha direito a lhe negar nada, não se desejasse que ele financiasse seu sonho.

Desmoralizada, desceu o olhar para contemplar o espartilho e os sapatos que havia na caixa.

Meu deus, me ajude esta noite..., rogou em silêncio.

-Casei-me com um bruto. - Sussurrou enquanto acariciava a renda com os dedos. Logo, depois de respirar fundo para reunir coragem, começou a tirar o robe muito devagar.

 

Colin contemplava a piscada do fogo da chaminé enquanto tomava uma taça de brandy, incapaz de controlar o desejo que o embargava durante a espera. Haviam passado ao menos dez minutos desde que partiu de seu quarto, mas sabia muito bem que ela demoraria muito mais, embora só fosse para chateá-lo. Ou para desafiá-lo.

Charlotte vacilava na hora de aceitar suas obrigações como esposa. Sabia. Mas embora compreendesse seu medo, não podia esquecer que fazer amor com Lottie English seria a experiência mais memorável de toda a vida de seu marido e a única razão pela qual este se encontrava ali nesses momentos. Desejava com desespero o prazer que logo compartilharia com a mulher a que tinha desejado durante anos e que então era legalmente dele.

Tinha reprimido suas necessidades com o passar do dia sabendo de que a noite brindaria a ambos. A semana tinha sido longa, tediosa e ocupada, e Charlotte tinha representado à perfeição o papel de futura duquesa de Newark, sempre majestosa embora recatada, elegante embora despretensiosa. Sempre uma dama.

Como era de esperar, o seu tinha sido o casamento da temporada. Colin tinha ficado surpreso ao contemplar o sofisticado e radiante aspecto de sua esposa, já que pela primeira vez desde que conheceu a irmã do conde de Brixham, ela tinha a gloriosa aparência de uma mescla entre Lottie English e Charlotte. Mesmo assim, não acreditava que ninguém reconhecesse nela à famosa cantora de ópera; nenhum dos assistentes imaginaria jamais que a nova duquesa de Newark era a sedutora soprano que ganhava vida sobre os cenários. Tão só Sam e Will, seus dois amigos íntimos, tinham averiguado a verdade depois do anúncio oficial do casamento e eles jamais a contariam a ninguém salvo as suas esposas. E tinha sido obrigado a dizer-lhes porque esse súbito matrimônio de conveniência lhes pareceria algo do mais estranho nele, que tinha chegado até extremos insuspeitáveis para supor suas obrigações maritais.

Lançou uma nova olhada ao relógio situado no suporte da chaminé. Às doze e trinta da madrugada. Haviam passado ao menos vinte minutos desde que partiu do seu quarto e começava a esgotar sua paciência. Encolheu os ombros antes de relaxá-los e estirar o pescoço para aliviar a tensão que o embargava, decidindo que lhe daria uns minutos mais. Depois, entraria em seu dormitório e a seduziria, os detalhes podiam ir-se ao inferno...

O estalo do trinco o devolveu à realidade, e Colin voltou à cabeça para a porta da habitação adjacente com o coração desbocado.

Charlotte tinha apagado a luz do quarto de vestir, de modo que não via mais que escuridão atrás dela. Tampouco escutava outra coisa que sua própria e agitada respiração e o suave crepitar do fogo que ardia a seu lado. De repente, muito devagar, sua esposa saiu de entre as sombras e entrou em seu dormitório.

O primeiro que sentiu ao vê-la foi um pingo de irritação, já que ainda estava vestida com o robe e o tinha amarrado com força à cintura. Logo, quando lançou uma olhada aos pés e viu que os sapatos com plumas que lhe eram agradáveis apareciam sob a prega da recatada do robe de seda, sentiu-se invadido pela luxúria mais selvagem que jamais tinha experimentado ate ali.

Charlotte tinha colocado espartilho que lhe tinha dado e o tinha escondido de propósito com a intenção de seduzi-lo. O simples feito de pensar no prazer que lhe proporcionaria tirá-lo para vê-la nua esteve a ponto de cair de joelhos.

Iria acontecer de verdade...

-Pelo amor de Deus... - Sussurrou enquanto deixava a taça de brandy sobre o suporte com dedos trêmulos. Não podia deixar de olhá-la.

Ela pareceu vacilar enquanto entrava um pouco mais no quarto, e sua confusão se fez evidente quando percorreu com a vista a enorme cama de lençóis escuros que ele mesmo tinha afastado e as velas que tinha colocado nas mesinhas situadas a ambos os lados do cabeceira para dar um ar íntimo à atmosfera, o canapé de couro e a mesa coberta de livros que havia atrás dele. Logo, por fim, olhou-o nos olhos.

Colin tragou saliva, ergueu-se o quanto pôde e respirou fundo para controlar seus movimentos e, devia ser sincero consigo mesmo, também as emoções encontradas que o embargavam. Estava muito linda com o cabelo solto caindo por cima de um de seus ombros e de suas costas até a cintura, o tinha afastado do rosto, que nesses momentos resplandecia sob a luz tênue do fogo. Tinha o cenho ligeiramente franzido, mordiam-se os lábios e puxava com delicadeza das lapelas do robe para fechá-lo à altura do pescoço.

-Excelência. - Murmurou com voz rouca e grave.

Colin esboçou um pequeno sorriso.

-É  uma visão.

Ela se moveu com desconforto.

-Eu... sinto muito ter demorado tanto.

-A espera valeu à pena. - Disse ele em tom tranquilizador.

Charlotte piscou com rapidez e olhou de novo a seu redor, nervosa.

-Tem um quarto bonito, milorde. Muito masculino. E não lhe havia dito o quanto que lhe agradeço pela decoração e os novos móveis de meu dormitório.

Colin não sabia com certeza se falava a sério ou só pretendia deixá-lo louco, mas não pensava ficar discutindo sobre decoração nesses momentos.

-Vêem aqui, Charlotte. - Ordenou-lhe com suavidade.

Depois de um segundo de indecisão, ela levantou o queixo e avançou para ele. Os altos saltos dos sapatos repicaram sobre o chão de madeira.

Colin começou a desabotoar a camisa sem tirar os olhos de cima, sabendo que não poderia lhe pedir que se despisse para ele nessa primeira vez, seria algo muito embaraçoso para Charlotte, já que nunca tinham estado juntos. Mas o faria algum dia.

Sua esposa se deteve apenas um passo de distância e contemplou o fogo que tinha a sua esquerda.

-Não faz um pouco de calor, milorde?

Colin franziu o cenho e reprimiu uma gargalhada.

-Isso parece.

Ela o olhou antes de baixar a vista para observar como tirava a camisa da calça e começava a cair.

-Possivelmente deveria esperá-lo deitada na cama. - Comentou enquanto se rodeava com os braços.

-Na cama? - Repetiu ele. Não, minha querida Lottie. De momento, quero que fique onde está.

Ela deu um passo para trás com expressão preocupada. Colin estendeu o braço para puxar o laço que lhe rodeava a cintura a fim de estreitá-la contra ele.

Sua esposa deixou escapar uma exclamação afogada, mas antes que pudesse dizer algo, Colin se apoderou de sua boca.

Apenas podia conter a paixão que estalou em seu interior ante o simples feito de sentir esses lábios suaves sob os seus. Intensificou o beijo imediatamente, animando-a a imitá-lo enquanto levantava uma mão para lhe acariciar a cabeça e enterrava os dedos em seu sedoso cabelo. Charlotte elevou as mãos e as apoiou timidamente sobre seus ombros enquanto começava a lhe devolver o beijo, a apertar a boca contra seu marido com crescente abandono.

Sua aceitação o acendeu por dentro. Tinha conhecido muitas mulheres em seus trinta e seis anos, mas nenhuma tinha provocado um desejo como esse, assim decidiu desfrutar do momento, saborear cada segundo enquanto ela se rendia pouco a pouco à paixão.

Com um gemido gutural, Colin desatou o laço de cetim de sua cintura até que conseguiu afrouxá-lo e o robe se abriu para ele. Durante um muito breve instante, temeu que ela abaixasse as mãos para fechar de novo, assim se apressou em deslizar os lábios por seu rosto e seu pescoço antes de mordiscar com suavidade o lóbulo de sua orelha em uma tentativa de lhe acelerar o pulso, de lhe arrepiar a pele... de fazer com que se esquecesse das circunstâncias e se rendesse à necessidade.

Charlotte fechou os olhos e jogou a cabeça para trás para lhe permitir um melhor acesso. Com um suave gemido, deixou de lado a prudência e se apertou contra a calidez de seu corpo, roçando pela primeira vez sua ereção com os quadris e levando-o a beira da loucura.

Ela começou a lhe massagear os ombros com os dedos e, depois de aspirar com força entre dentes, Colin decidiu que não podia esperar um momento mais para despi-la e vê-la por inteiro.

-Me deixe vê-la.  - Pediu-lhe em um rouco murmúrio, enquanto se afastava o suficiente para poder agarrar as lapelas do robe à altura do pescoço.

Charlotte levantou as pálpebras e o olhou.

-O que...? O que?

- Tire o robe, Charlotte. - Repetiu ele antes de colocar o polegar sobre seus lábios úmidos. Quero te ver.

Sua esposa estremeceu de vergonha, ou por algo parecido, e jogou uma olhada à gigantesca cama antes de baixar o olhar ao chão. Colin não deixou de observá-la com a esperança de que ela tirasse o robe sem ajuda e o provocasse com o espartilho com o qual tinha lhe presenteado. E embora permanecesse imóvel durante uns instantes, ao final concedeu seu desejo. Charlotte respirou fundo e elevou as mãos para retirar o cetim que lhe cobria os ombros e os braços antes de deixar que caísse no chão.

Colin ficou sem fôlego e retrocedeu alguns passos para estudá-la com atenção à luz do fogo.

Era uma mulher deslumbrante... uma deusa sedutora coberta por cetim vermelho e espartilho negro transparente.

Ela mantinha os olhos fechados e os punhos apertados ao lado. Colin não pôde evitar perguntar-se por que se sentia tão incômoda quando era óbvio o muito que a desejava.

-É muito mais linda que em meus sonhos, Lottie. - Sussurrou com voz rouca e a boca seca.

Ela negou com a cabeça muito devagar, mas Colin recusou aceitar semelhante resposta e se fixou na perfeição de sua silhueta, no abundante e sedoso cabelo que lhe caía pelos ombros e as costas, até os dedos de seus pés, que apareciam sob o penacho de plumas dos sapatos.

Pousou a vista uns instantes em seus seios deliciosos, firmes e redondos, e em seus mamilos eretos, que se insinuavam sob o espartilho transparente. Depois, com deliberada lentidão, seguiu a linha do espartilho, que se estreitava à altura de sua cintura para terminar justo por debaixo de seu umbigo, onde se abria dos lados para lhe oferecer uma excitante visão do triângulo de cachos claros situado entre suas grossas e firmes pernas.

-Deus, é perfeita... - Sussurrou com um nó de desejo na garganta.

Charlotte ainda tinha os olhos fechados e não tinha deixado de tremer. Colin desabotoou as calças com pressa e as desceu até os pés. Depois abraçou sua esposa uma vez mais e a estreitou contra seu corpo nu.

Ela ofegou, mas antes que pudesse protestar ou lutar, Colin a abraçou com força para que não pudesse mover-se e se apoderou de sua boca com um beijo dominante e implacável que pretendia conseguir sua rendição. Sua esposa resistiu uns instantes, mas cedeu pouco a pouco quando ele deslizou a língua por seu lábio superior e a introduziu na suavidade de sua boca.

Suas respirações se mesclaram enquanto ele se deleitava com a deliciosa sensação que lhe provocada vê-la vestida com este espartilho tão provocante e apertava seu membro ereto contra o cetim que lhe cobria o ventre. Segurou-lhe a cabeça de novo com uma mão e desceu a outra para lhe acariciar as nádegas através da peça intima, o que lhe provocou um formigamento nos dedos.

Charlotte lhe rodeou o pescoço com os braços e começou a lhe devolver o beijo com frenesi, provocando-o com os movimentos de sua língua. Deixou escapar um gemido quando ele colocou a mão sob a calcinha e acariciou a pele nua da parte superior da coxa.

Nenhuma mulher lhe tinha feito sentir jamais uma luxúria tão forte e premente. Por fim estava fazendo amor à embriagadora mulher que dominava todas suas fantasias, e em seu próprio dormitório, como seu marido. Charlotte jamais estaria com outro homem, e ele se converteria na inveja de todos outros. Resultava-lhe fascinante pensar que poderia tê-la cada noite, aplacar o desejo que o impulsionava a afundar-se nela nesse mesmo momento e aliviar a dor que crescia em suas vísceras em cada segundo que passava.

Sem deixar de beijá-la, desceu o braço e situou a mão atrás de seu joelho para apoiar sua perna sobre o quadril.

Charlotte interrompeu o beijo de repente.

-O que está fazendo? - Inquiriu com voz rouca, ruborizada pela paixão.

Colin pousou os lábios sobre seu pescoço e, em lugar de responder a sua pergunta, decidiu lhe mostrar exatamente o que estava fazendo por meio de carícias e sensações.

Lambeu com delicadeza sua pele suave e acalorada. Charlotte soltou um gemido e elevou de maneira instintiva a cabeça para lhe proporcionar um melhor acesso. Colin esfregou sua garganta com o nariz e percorreu a linha de sua mandíbula com a língua antes de lhe sugar o lóbulo da orelha. Depois, sem prévio aviso, colocou a mão sob a coxa que tinha apoiada contra o quadril e moveu os dedos para a suavidade íntima e sensível entre suas pernas. Primeiro se limitou a acariciar os cachos com a ponta dos dedos, mas depois os introduzi-los na suavidade quente para acariciá-la por dentro, para desfrutar da umidade que a alagava e que cobria seus dedos como se de mel morno se tratasse.

Sua esposa gemeu... e Colin esteve a ponto de chegar ao orgasmo.

-Pelo amor de Deus, Lottie... disse em um sussurro atormentado. Não posso esperar mais.

-Por favor...

Sabia o que queria ela e precisava dar-lhe nesse mesmo instante, antes de sofrer a humilhação de acabar depressa e derramar-se sobre o cetim vermelho do espartilho.

Com um rápido movimento, rodeou-lhe a cintura com um braço e colocou o outro sob o joelho que lhe rodeava o quadril antes de elevá-la e retroceder com ela até o canapé que tinha atrás. Colou-se em sua boca com um beijo abrasador, mas não fez nada mais até que notou que ela se rendia de novo à paixão. Depois, lhe segurando a perna com uma mão e a parte posterior da cabeça com a outra para que não pudesse interromper o beijo de novo, arrastou-a consigo até o suave assento de couro.

Desconcertada, Charlotte deixou escapar um grito afogado quando aterrissou sobre seu colo e tentou afastar-se dele ao sentir seu membro ereto contra a pele cálida e úmida entre suas pernas.

Colin a segurou com força enquanto lutava para recuperar o controle e aumentava a intensidade do beijo. Brincou com sua língua e a sugou até que ela começou a gemer de novo.

Charlotte se aferrou a seus ombros com tanta força que lhe arranhou a pele, mas isso só conseguiu excitá-lo mais, aumentar sua necessidade de estar dentro dela.

A umidade de seu sexo o empapava e os mamilos cobertos pelo espartilho lhe roçavam o peito. Soltou-lhe a perna e mudou de posição para que ela pudesse sentar-se sobre ele. Depois lhe cobriu o seio com a mão e deslizou o polegar sobre o mamilo antes de apertá-lo com suavidade através do espartilho. Quando sua esposa ofegou e começou a retorcer de novo, Colin soube que não poderia suportá-lo mais.

Resignado, segurou-lhe os quadris com ambas as mãos a fim de levantá-la o suficiente para poder liberar sua ereção desse quente paraíso. Logo agarrou seu membro pela base com uma mão e interrompeu por fim o beijo.

Contemplou seu formoso rosto e se fixou em que tinha os olhos entreabertos deleitou-se com sua agitada respiração e com a faísca de desejo que revelou ao lamber os lábios.

Percorreu-a com o olhar; estava coberta tão só com um pequeno espartilho de cetim e renda, e os cachos de seu sexo entre as pernas roçavam a pele sensível de sua enorme ereção.

-Tenho que... me afundar dentro de ti, Lottie... - Murmurou com voz rouca enquanto colocava a ponta de seu membro contra suas partes íntimas e apertava os dentes em uma deliciosa tentativa de retardar o orgasmo. Aguardou uma eternidade a que ela dissesse ou fizesse algo. Charlotte se esticou, sacudida por um estremecimento, mas depois permaneceu imóvel. Tinha os olhos fechados e mordia o lábio inferior... E Colin não pôde aguentar mais.

Começou a introduzir-se em seu interior enquanto lhe empurrava os quadris para baixo para apertá-la contra seu sexo. Notou imediatamente uma tensão pouco familiar, a barreira de sua virgindade, e se sentiu desconcertado. Entretanto, quando lhe cravou as unhas nos ombros emitindo um gemido, soube que estava perdido.

Foi um orgasmo tão intenso, tão prazeroso, que investiu com força para afundar-se em seu interior... uma, duas, cem vezes. Charlotte gritou e lutou para se afastar, mas ele segurou seus quadris com ambas às mãos enquanto jogava a cabeça para trás. Penetrou-a uma e outra vez com o corpo coberto de suor, desejando experimentar a força do orgasmo feminino antes de diminuir o ritmo e soltá-la.

Sua esposa estremeceu e Colin lhe colocou a mão sobre as costas para estreitá-la contra seu corpo. Enterrou a rosto em seu cabelo e a embalou em seu colo para deleitar-se com suas curvas, com o perfume de seu cabelo, enquanto aguardava a que sua respiração se normalizasse e os batimentos do coração de seu coração diminuíssem um pouco.

Abraçou-a durante muito tempo, e ela não fez tentativa nenhuma para mover-se, nem para falar. Limitou-se a aconchegar-se contra ele, a desfrutar da paz e a intimidade que se estabeleceu entre eles.

Ao final, Colin notou que seu membro se deslizava para fora dela e, a contra gosto, afastou-lhe os quadris com suavidade para pô-la em pé frente a ele. Esboçou um sorriso ao perceber que ainda usava os ridículos sapatos de salto alto que tinha comprado.

-Vamos à cama. - Sussurrou com voz rouca enquanto se situava junto a ela, embargada por uma súbita sonolência.

Com um suspiro trêmulo, Charlotte deu a volta para procurar o robe.

-Deixe onde está. - Pediu-lhe Colin antes de lhe agarrar a mão. Puxou ela para a cama e esta o permitiu sem pigarrear. Ditou-se sobre os lençóis frescos a seu lado depois de tirar os sapatos dos pés.

Colin puxou as mantas para cobrir ambos. Logo se amontoou contra ela, enterrou a rosto na calidez de seu pescoço, apoiou a mão sobre a parte superior do espartilho para ficar sobre um seio coberto e se deixou arrastar para um sono tranquilo e reparador.

 

CAPITULO 08

Charlotte estava sentada no escritório de Colin, sobre a banqueta acolchoada situada em frente a seu adorado piano, contemplando o teclado sob a tênue luz que vinha de fora. A sala cheirava levemente a tabaco, a couro e a carvalho, aromas masculinos que a incomodavam porque o recordavam. Não pôde evitar perguntar-se se seu marido tinha colocado o piano em seu escritório de propósito para que se lembrasse dele sempre que o tocasse.

Devia estar a ponto de amanhecer, mas ainda não tinha nenhum pingo de sono. Sentia-se nervosa, incapaz de dormir depois do que o duque lhe tinha feito essa noite. Ele nem sequer percebeu quando saiu com cuidado de sua cama, e Charlotte esperava que continuasse dormindo durante horas, alheio a sua ausência. Supôs que isso não lhe resultaria difícil, já que tinha ficado exausto enquanto procurava prazer em seu corpo..., e essa idéia lhe provocou um novo estremecimento de vergonha que a percorreu de cima abaixo.

Já não usava esse... objeto indecente, áspero e rendado que lhe havia dado de presente. Quase o tinha arrancado do corpo quando o deixou ali dormindo, e p tinha substituído por sua formosa camisola tecida à mão e o robe que tinha elegido por seu aspecto cômodo e sensual para a noite de núpcias.

Minha noite de núpcias..., pensou.

Não sabia se chorava ou ria com sua situação atual. Sentia palpitações na cabeça e ainda lhe ardia entre pernas. Não sabia que sentiria uma dor tão aguda e não podia compreender por que tinha acreditado que a consumação do matrimônio seria uma experiência agradável. Talvez quando o amor estava presente na união havia... uma conexão mais agradável. Não sabia. Colin parecia havê-lo passado bem, mas ela não desejava repetir semelhante experiência com seu flamejante marido nunca mais. A essas alturas, nem sequer lhe preocupava não lhe proporcionar um herdeiro. Preferia ficar na Inglaterra e atuar ali que reviver a vergonha que havia passado essa noite.

Piscou com rapidez para conter as lágrimas de frustração e estirou o braço para colocar um dedo sobre o piano deixando que as notas ressonassem no silêncio da sala. A música sempre tinha conseguido acalmá-la e desejou por um momento que não fosse madrugada para poder tocar e cantar como queria.

-O que está fazendo aqui?

Surpreendida por tão inesperada interrupção, afastou as mãos do teclado e olhou por cima do ombro. Foi então quando o viu no vão da porta, escondido entre as sombras. Voltou-se para o piano e uniu as mãos sobre o colo em um gesto recatado. Teve que respirar fundo para aplacar a fúria que a invadia porque, apesar de confusa com o que sentia, o simples fato de vê-lo lhe acendia o sangue, e lhe preocupava que ele pudesse perceber.

-Charlotte? - Perguntou ele. Por que está aí sentada em plena noite?

Supôs que devia responder. Fechou os olhos e agachou um pouco a cabeça.

-Não podia dormir. - Respondeu com uma voz que lhe soou seca e distante inclusive a ela.

Depois de um longo momento de silêncio, escutou o ranger das tábuas de madeira do chão e os passos masculinos sobre o tapete. Uns segundos depois, Colin acendeu o abajur de sua escrivaninha. Charlotte abriu os olhos de novo, mas manteve a vista fixa no teclado até que ele se colocou a seu lado e não teve como ficar sem olhá-lo.

Só vestia a calça e tinha as mãos metidas nos bolsos, com o que seu maravilhoso peito nu ficava ante seus olhos. Embora isso não parecesse envergonhá-lo no mínimo. Por mais que Charlotte desejasse dar bofetadas por permitir que o nervosismo cobrisse de rubor suas bochechas, o único pensamento claro em sua cabeça era quão bonito estava com o cabelo revolto e os olhos sonolentos.

-Suponho que não terá vindo aqui para praticar às quatro e meia da madrugada. - Disse com evidente diversão, enquanto apoiava o quadril junto ao teclado.

Charlotte se endireitou no banco e fez tudo que podia para ignorar seu olhar... e a calidez de seu musculoso corpo. Esticou o braço para agarrar uma partitura que havia a sua esquerda e começou a folheá-la.

-Como já lhe havia dito excelência, não podia dormir. Posto que ainda não conheço bem sua casa, não me ocorreu outro lugar ao que acudir.

Colin ficou em silêncio uns instantes, depois encheu os pulmões de ar e deixou escapar ruidosamente, sentou-se na banqueta a seu lado sem perguntar. Charlotte passou a um lado para lhe deixar lugar, com a absoluta certeza de que ele não se moveria dali embora lhe suplicasse que o fizesse. Sua única esperança era que se fartasse da aborrecida e direta conversa e retornasse sozinha a sua cama.

-Toque algo. - Disse.

Quase pôde sentir a carícia de seus olhos sobre a pele do rosto, e isso fez com que se encolhesse por dentro e que se sentisse acalorada. Mas não se atreveu a olhá-lo. Em lugar disso, prometeu se comportar do modo mais aborrecido possível.

-Não quero despertar os criados...

-Ora, ao diabo com os criados. - Interrompeu-a enquanto que lhe afastava o cabelo do ombro. - Quero ouvir você tocar para mim.

Charlotte tentou não intimidar-se ante essa forma tão íntima de falar, a forma com que seus dedos lhe roçavam o pescoço e lhe arrepiavam a pele.

-Acredito que o melhor seria ir à cama, milorde. - Replicou enquanto tentava ficar em pé.

Colin a segurou imediatamente pelo pulso para detê-la.

-Qual é o problema, Charlotte? Por que saiu do meu lado?

Ela apertou a mandíbula com força e fez um gesto decidido antes de voltar-se para fulminá-lo com o olhar.

-Quer saber a verdade?

-Só a verdade. - Respondeu seu marido, que inclinou a cabeça para um lado com expressão curiosa.

Charlotte não pôde calar-se agora que a ferida se abria de novo.

-Resultava-me um pouco..., não, resultava-me impossível dormir com esse incômodo espartilho, milorde.

Colin piscou surpreso, e a olhou de cima abaixo como se percebesse pela primeira vez de que havia mudado de roupa. Logo voltou a olhá-la nos olhos sorrindo.

-Esperava poder ficar na cama contigo, Charlotte. - Declarou com malícia, mas os homens estão acostumados a... dormir depois de fazer amor com tanto vigor. Mas te asseguro que não teria dormido muito tempo tendo você ao meu lado.

Charlotte franziu o cenho enquanto meneava a cabeça com incredulidade.

-Está você louco milorde? Ou não é mais que um idiota?

Colin permaneceu imóvel uns instantes. Depois, pouco a pouco, muito devagar, afastou-se dela e lhe soltou o pulso. Ela pôde contemplar como endurecia sua expressão.

-Como disse? - Inquiriu em um sussurro rouco.

Charlotte sorriu com desdém sem afastar o olhar dos traços implacáveis de seu elegante rosto.

-Em primeiro lugar, o que fizemos foi muito longe da cama. E em segundo, estou bastante segura de que amor tem pouco a ver com esse assunto, já que apenas pôde contê-lo para recordar com quem estava.

A amargura de semelhante declaração o deixou desconcertado... tanto que aspirou entre dentes e se inclinou para trás como se ela o tivesse esbofeteado.

-Não irá dizer-me que você não desfrutou minha senhora. - Disse com tom sério. - Percebi como respondia cada centímetro desse esplêndido corpo ante minhas carícias.

Uma nova onda de rubor tingiu suas bochechas, mas Charlotte reprimiu o impulso de afastar a vista de seu intimidante olhar. Em vez disso, apertou os punhos sobre o colo e se inclinou para ele para continuar falando, presa pela fúria.

-Que desfrutei? -Resmungou. - Você não me acariciou, milorde, só utilizou meu corpo e me humilhou para satisfazer suas lascivas necessidades. Eu estava disposta a me entregar como sua esposa, mas você me obrigou a me pôr um objeto ridículo com sapatos e me chamou por meu nome artístico enquanto se atirava sobre mim para me sentar em seu colo. As lágrimas lhe enchiam os olhos e decidiu não seguir lutando contra elas. Machucou-me milorde, ao não ter em conta meus sentimentos ou o fato de que jamais tinha estado com um homem, e ainda sinto a dor que me provocou com essa desumana... aquisição de seus direitos. Se isso era fazer amor, só me cabe a esperança de ter ficado grávida nesta mesma noite para não ter que suportar seu contato nunca mais.

Colin a olhou boquiaberto, sem fala. Seu rosto empalideceu por momentos, um pouco evidente inclusive sob a tênue luz do abajur. Incapaz de suportar sua companhia nem um momento mais, Charlotte ficou em pé de repente e rodeou a banqueta do piano para retroceder para a porta, afligida pela ira.

-Estava impaciente para saciar sua luxúria com meu corpo da forma mais egoísta que se possa imaginar, e, entretanto nem sequer me pediu ainda que o chamasse de Colin.

Dito isso, deu a volta e saiu do escritório com a cabeça em alto e as costas rígidas, para deixá-lo sozinho junto ao piano, perdido em seus pensamentos.

O único esperava era que ele se sentisse tão miserável como ela.

 

Colin se reclinou no sofá de seu dormitório, com uma perna apoiada no chão e a outra flexionada sobre o braço do móvel. Tinha uma garrafa de uísque meio vazia na mão que balançava por cima da beirada do assento enquanto contemplava o teto. Por fim tinha chegado o amanhecer, mas não tinha vontade de mover-se, de falar com ninguém nem trabalhar. Nem sequer tinha vontade de tomar banho.

Havia passado um bom momento tentando pensar com praticidades, em assuntos domésticos ou em um trabalho que tivesse que realizar para Sir Thomas, enquanto bebia o muito caro licor com entusiasmo e sem olhar nada em particular. Não tinha funcionado. O certo era que não podia deixar de reviver a noite que havia passado com sua flamejante esposa, a enlouquecedora luxúria que o tinha embargado, a forma com que ela tinha respondido ao desejo arrebatador que os consumia, a cada uma de suas carícias, a cada beijo e a cada roce de seus lábios sobre a pele. Sabia que Charlotte tinha respondido fisicamente, disso estava seguro, mas jamais teria imaginado que não tinha desfrutado com ele nem do ato em si. Estava claro que o tinha enganado de algum jeito... ou que ele estava cego.

Nesses momentos estava bastante bêbado e se sentia ferido, inclusive envergonhado, enquanto pensava em cada instante do interlúdio que tinham compartilhado, na paixão com a que ela tinha respondido a seus beijos e na umidade que havia em seus os dedos, claro que tinha que aceitar que o traje era dúvida incômodo, em especial para uma virgem. E sabia que era virgem. Sabia muito antes de casar-se com lady Charlotte Hughes, é obvio, embora a linha entre a Charlotte e a exótica e sensual Lottie parecia esfumar-se em sua mente, como lhe tinha jogado no rosto quando o repreendeu por utilizar seu nome artístico. Embora fosse certo que desejava deitar-se com sua esposa para legalizar o matrimônio, não tinha considerado as possíveis conseqüências que teria fazer amor à mulher de seus sonhos. Seu maior desejo tinha sido tomar Lottie em uma tormenta de luxúria e paixão, de gemidos e ofegos; levá-la ao orgasmo uma e outra vez antes de obrigá-la a satisfazer suas próprias necessidades sexuais. Queria converter-se no melhor de seus amantes, mas só tinha conseguido deixá-la dolorida por ser o primeiro.

De repente, preso por uma onda de náuseas, escutou uma tênue melodia que penetrava em seu dormitório que havia mais abaixo. Charlotte tocava as mil maravilhas um minueto que ele apenas reconhecia.

Fechou os olhos e levou a garrafa à boca uma vez mais para tomar um bom gole de uísque. Notou como lhe abrasava o estômago e, por estranho que parecesse, deleitou-se com a sensação.

Tinha sido um estúpido ao imaginar que poderia passar toda uma semana com ela na cama entre risadas, carícias e abraços apaixonados? Depois da noite anterior, sua esposa não queria saber nada dele. Jamais tinha contemplado a uma mulher tão linda e, pensar que jamais o tinham insultado de semelhante maneira ao menosprezar suas habilidades sexuais. Ele era Colin Ramsey, o nobre duque de Newark, um homem admirado por todas as mulheres do país e casado com uma dama respeitável. Sabia como tratar às mulheres e o mais provável era que sua esposa tivesse esperado uma magnífica sessão de amor de alguém com sua reputação... mesmo que a sociedade tivesse exagerado um pouquinho a dita reputação, admitiu para si mesmo. Contudo, havia dito que a tinha deixado dolorida, e isso não só lhe partia o coração, também o deixava estranhamente humilhado.

Nesses instantes, deitado de costas em seu dormitório, com a calça do casamento e a camisa desabotoada, escutou como tocava ao ritmo das palpitações que sacudiam sua cabeça. E quanto mais tocava Charlotte, mais incomodava a ele que a que se converteu em sua esposa menos de vinte e quatro antes o tinha afastado de seu lado depois de uma única noite e tinha retornado a sua paixão pelo piano. Aquilo era absurdo, e se converteria no bobo de todo Londres se alguém chegasse a saber como tinha conseguido manipulá-lo sua esposa em um só dia. Não pensava permitir que ganhasse essa batalha.

Decidido, tentou erguer-se no sofá, mas a habitação começou a dar voltas de repente. Uma vez que seu agitado estômago se acalmou um pouco, ficou em pé muito devagar sem soltar a garrafa meio vazia.

Que demônios! Tragou saliva com força uma vez mais, esfregou-se o rosto com a palma da mão e caminhou com certa dificuldade para o corredor. Respirou fundo duas ou três vezes para recuperar o equilíbrio e depois desceu a tropicões a escada, seguindo o som da música até a porta de seu estúdio. Uma vez ali, abriu-a só o justo para observá-la e escutar uns instantes antes de entrar.

Sua esposa não lhe tinha ouvido, não tinha percebido sua presença, e isso lhe dava certa margem de tempo para pensar em como iniciar a conversa. Charlotte tinha o cabelo preso em um coque. Ia vestida com um simples vestido de cor verde clara, com amplas saias que se estendiam ao redor da banqueta do piano e umas mangas inchadas que roçavam o lóbulo de suas orelhas com cada movimento de seus hábeis dedos.

Abatido por uma insuportável dor de cabeça, Colin apoiou seu instável corpo contra o marco da porta e cruzou os braços à altura do peito, segurando a garrafa de uísque aberta com uma mão.

-Que linda... - Disse em um tom de voz o bastante alto para que ela o ouvisse.

Surpreendida, afastou os dedos do teclado e deu a volta para olhá-lo com sua deliciosa boca aberta.

Colin esboçou um meio sorriso, mas não disse nada; limitou-se a desfrutar de seu desconcerto.

Charlotte tirou os óculos antes de olhá-lo de cima abaixo. Colin imaginou que já tinha se fixado na garrafa que sustentava na mão e em que ainda usava a mesma roupa que na noite anterior, embora parecesse não podia afastar a vista de seu peito, o que constatava que gostava de seu corpo, ao menos de um ponto de vista artístico.

-Eu gosto que me olhe. - Disse em voz baixa arrastando as palavras. Entreabriu as pálpebras para observar seu rosto.

Sua esposa compôs uma expressão tensa antes de erguer-se do assento e colocar as mãos sobre o colo.

-Está bêbado, milorde.

Ele assentiu com a cabeça.

-A verdade é que sim, milady. Estudou a procura de algum tipo de reação, mas ela ocultou muito bem o que sentia atrás de uma expressão irritada.

-Partirei dentro de uns minutos. - Declarou em tom arrogante. Programei uma aula com meu instrutor vocal e ao meio-dia devo ir ao teatro. Vamos começar com os ensaios de The Bohemian Girl, de Balfe, hoje mesmo.

Colin se ergueu de novo e começou a caminhar até ela.

-Parece muito ocupada para ser uma dama recém casada. - Replicou enquanto coçava a barba de um dia que lhe cobria o rosto.

Ela soprou com força.

-Diferente de você, eu tenho um trabalho...

-Diferente de mim? - Interrompeu tentando com todas suas forças não parecer bêbado. Acaso acha que não tenho trabalho que fazer?

-Para falar a verdade, não tenho nem idéia de com o que ocupa seu tempo, milorde. - Respondeu ela.

-Disso não cabe a menor duvida. - Falou com a mesma rapidez sem acrescentar nada mais.

Charlotte enrugou o cenho, confusa por semelhante evasiva, embora Colin percebesse com satisfação que ela não podia deixar de olhar seu peito nu. De repente, como se percebesse o que fazia e onde tinha a vista cravada, notou que as bochechas se ruborizavam e deu a volta. Depois de ficar em pé com elegância, dobrou os óculos e os guardou em um bolso lateral do vestido antes de pegar uma pasta de partituras para colocá-las em ordem demonstrando que estava de partida.

Isso tirou Colin de seus devaneios, que desejou lhe rodear a cintura e estreitá-la contra seu corpo para que não tivesse mais saída que lhe prestar toda sua atenção. Mas com isso só conseguiria zangá-la e impedir que lhe falasse com franqueza sobre o que pensava.

Apressou-se em aproximar-se dela e colocou uma perna entre a banqueta e o instrumento, de forma que as saias de seu vestido lhe cobriram a panturrilhas. Logo se inclinou para um lado para poder olhá-la. Charlotte nem sequer reagiu limitou-se a seguir ignorando o fato de que ele se encontrasse na casa.

-Deixarei você em paz para que vá se ocupar de seus assuntos, Charlotte. – Murmurou com aspereza. - Mas antes tem que responder a uma pergunta.

Ela deixou escapar um suspiro exagerado antes de pôr os braços em jarras e voltar-se para ele.

-E qual pergunta é essa, excelência?

Colin respirou fundo e esticou um braço para tomar uma de suas mãos. Não tentou de afastar dele só o olhou com exasperação.

-Quero saber. - sussurrou ele muito devagar. - Se ficou satisfeita ontem à noite.

Charlotte inclinou a cabeça e percorreu seu corpo com o olhar uma vez mais, notando especialmente na garrafa que sustentava.

-Se não recorda o que ocorreu ontem à noite, excelência, é melhor. Eu estou tentando esquecer esse incidente.

Incidente? O comentário reavivou sua indignação, como sem dúvida pretendia sua esposa.

-Minha memória funciona à perfeição, minha senhora. - Replicou ele com um grunhido grave e isso fez com que sua resposta fosse até mais importante. Recordo o que senti quando tinha você em cima de mim, mas estava muito absorto em mi... própria satisfação. Quero ouvir de seus lábios que você também ficou satisfeita.

Charlotte entrecerrou os olhos e se esforçou em vão para libertar seu pulso.

-Nego-me a falar da intimidade que compartilhamos milorde, sobre tudo porque não compreendo a que se refere. - Incapaz de articular uma palavra assinalou.

-Agora, se fizer o favor...

-Ficou satisfeita, Charlotte? Isso é  única coisa que quero saber depois deixarei que parta.

Ela meneou a cabeça, desconcertada.

-Sua pergunta não tem sentido. Todo o incidente resultou insatisfatório como união marital, em especial porque ia vestida com um traje ridículo. É óbvio que recorda essa parte, e acredito que podemos dar isto por terminado. Soltou um suspiro e se ergueu ainda mais antes de olhar-lo da cabeça aos pés uma última vez. Está muito bêbado e o melhor seria que voltasse para a cama para dormir toda a noite. Agora mesmo.

Como era de esperar, em semelhante estado de embriaguez não pôde reagir com rapidez quando ela deu um puxão para soltar sua mão e retrocedeu com as partituras musicais apertadas contra o peito a modo de escudo até deixar o piano entre eles.

-Agora devo partir.  - Afirmou assim se me desculpa...

-Não.

Isso a deixou atônita.

-Como disse?

Colin perdeu o equilíbrio por um instante, mas apoiou o quadril de novo contra o piano em uma tentativa de manter-se em pé.

-Disse que não ao menos, ainda não. - Disse, fazendo o possível por concentrar-se em seu rosto.

A resposta a deixou desconcertada. Contemplou-o com os olhos espantados e depois os entrecerrou para fulminá-lo com o olhar e percebeu que, como esposa, não podia desafiar sua autoridade, e isso a deixava furiosa.

Colin esfregou os olhos enquanto refletia. Havia algo em sua resposta que o atormentava, embora graças ao maldito uísque e a terrível dor de cabeça não conseguia saber com exatidão o que. Precisava dar outro gole à garrafa, mas se absteve de fazê-lo porque sabia que sua esposa se zangaria ainda mais se bebesse diante dela.

Charlotte seguia olhando-o com uma fúria quase evidente tinha os lábios apertados e uma expressão desafiante enquanto aguardava como uma boa esposa a que lhe desse as instruções pertinentes. De repente, como se tivesse golpeado a cabeça contra uma parede de tijolos, Colin chegou à conclusão de que era possível que ela não tivesse compreendido a pergunta, que talvez não soubesse nada a respeito dos prazeres  do sexo. Era possível que ignorasse por completo que...

-Chegou ao clímax, Charlotte? Perguntou com voz rouca.

Ela pareceu confusa durante uns segundos, e não deixou de apertar as partituras contra o peito. Logo se sentiu escandalizada e afogou uma exclamação e suas bochechas se alagaram de rubor, algo que a Colin lhe agradou sobremaneira. Decidiu aproximar-se um pouco mais, de modo que se afastou do piano e rodeou a banqueta para avançar para ela com passos cuidadosos.

-Sabe o que é chegar ao clímax, verdade?- Afirmou em lugar de perguntar. Ela continuou olhando-o com os olhos exagerados o tom verde do vestido acentuava o rubor de sua pele e os reflexos avermelhados de seu cabelo.

-Quero saber se chegou ao clímax quando me introduzi em seu interior ontem à noite. Verá... me pareceu que o fez, que desfrutou tanto como eu. Estou equivocado?

Charlotte tragou saliva, mas depois recuperou a compostura e se ergueu uma vez mais diante  dele.

-Esta conversa é um disparate, milorde. - Sussurrou. - Nego-me a...

Colin a agarrou por um braço e a arrastou contra seu corpo, embora ela tentasse livrar-se imediatamente.

-Me solte. - Vaiou com os dentes apertados.

Ele a abraçou com força e agachou a cabeça para contemplar seu formoso rosto ruborizado.

-Responde à pergunta.

-Possivelmente, quando passar a bebedeira, talvez capaz de recordar que detestei o que me fez. Foi escandaloso, desagradável e humilhante em todos os sentidos. Não houve nada prazeroso nisso.

Colin soltou seu braço como se o queimasse e deu uns passos para trás, mas estirou o braço para agarrar-se ao suporte da chaminé quando a habitação começou a girar. Charlotte voltou a passar a seu lado com as partituras em uma mão, as saias na outra e a cabeça bem alta.

-Charlotte? - Chamou-a quando ela chegou à porta.

Sua esposa se deteve, mas não o olhou.

-Sim? - Respondeu com fúria.

-Eu gostaria que me chamasse de Colin a partir de agora. - Murmurou com amargura e já articulado mal todas as palavras, mas já não lhe importava. - Sobre tudo quando compartilharmos momentos íntimos no futuro.

Durante um longo e silencioso instante, ela não fez nada. Depois, sem dizer nada, nem dignar-se sequer a fulminá-lo com o olhar, saiu da sala com o queixo alto, como se tivesse coisas muito mais importantes a fazer.

Colin permaneceu onde estava por muito tempo, mais decepcionado como nunca tinha estado em toda sua vida. Ainda segurava obstinado a garrafa de uísque, que finalmente deixou sobre o suporte da chaminé.

-Sou um maldito imbecil. - Admitiu em voz alta.

Depois se abotoou a camisa e procurou para ver se encontrava algum criado pelo caminho e retornou cambaleando a seu quarto. Ali vomitou e se arrastou para a cama.

 

CAPITULO 09

A Charlotte lhe resultava difícil concentrar-se na tediosa fala que estavam tendo sobre a partilha da última produção de Balfe, The Bohemian Girl, que se estrearia no Royal Italian Opera House de Covent Garden no outono seguinte. Ao ver os atores soube com certeza que seria uma apresentação magnífica... sempre que conseguissem que Adamo Porano, um dos melhores tenores italianos deixasse de queixar-se por tudo, incluído a qualidade dos mantimentos que lhes proporcionavam durante os ensaios. O gerente do teatro, Edward Hibbert, tinha dado ao famoso Porano o papel principal com a esperança de poder atrair também a Balfe, o compositor britânico moderno mais prestigiado, que se encontrava no continente finalizando a versão francesa em quatro atos de La Bohémienne, cuja estréia estava programada para o ano seguinte em Ruán. E se Balfe fosse, o teatro poderia ser honrado também com a presença da rainha Vitória, o que suportaria vendas esplêndidas e um incremento de salário e publicidade para todos. Se cumprir todos os desejos de Porano fizesse com que isso fosse possível, ela mesma contrataria um chef italiano e o alimentaria. Por curioso que parecesse e apesar de que se encontrava em um cenário de opera e profissional, pensar no grande Balfe fez com que recordasse a seu marido, um aristocrata com mais dinheiro e contatos entre a elite da sociedade que nenhuma outra pessoa que conhecesse. Possivelmente Colin poderia consertar uma apresentação ou inclusive levá-la a Ruán para conhecer o homem se ela o pedisse. Mas era provável que o elegante e generoso duque de Newark exigiria que colocasse um novo espartilho para lhe fazer amor em troca do favor, e essa idéia a fez estremecer por dentro.

-Não está prestando atenção. - Sussurrou Sadie, situada a sua esquerda.

Charlotte ofereceu a sua amiga e companheira soprano um sorriso irônico e se endireitou um pouco em uma tentativa de concentrar-se no que dizia Walter Barrington Graham, o diretor da obra, que os repreendia por ter esquecido ou assassinado algumas nota, ou ambas as coisas, durante o segundo ato.

Tinham-lhe dado o papel da soprano principal e interpretaria Arline  era a primeira vez que representava esse papel, embora, há anos que cantava nenhuma das partes lhe resultava desconhecida. Ser repreendida por Barrington Graham tampouco era algo novo para ela, assim abriu o leque e começou a agitá-lo contra seu peito para tentar não bocejar.

A partilha tinha tomado assento no cenário do teatro vazio, onde se reuniam quase diariamente durante os dois meses seguintes a fim de praticar, coordenar-se e preparar-se para a noite da estréia. Os ensaios duraram várias horas todos os dias ao princípio por não haver mais que um pianista e sua música apenas seguiriam com a colocação no cenário, e ao final começariam os ensaios gerais com os disfarces, a maquiagem e a orquestra por fim, conduzida pelo célebre diretor francês Adrien Beaufort. Enquanto isso, ela se veria submetida às recriminações diárias de Barrington-Graham, que afirmava que atuavam tão mau em público, o governo restituiria o desterro a Austrália e ele seria o primeiro em partir, desonrado. Era uma idéia absurda, mas assim eram os dramas.

Charlotte não pôde evitar soltar um gemido e voltou a afundar-se na cadeira quando Adamo a empreendeu com o diretor e o pianista ao mais puro estilo italiano. Os que trabalhavam entre bastidores não tinham deixado de martelar e serrar ao redor do cenário enquanto fabricavam os cenários, e tinha se distraído tanto com Adamo que este acreditou necessário queixar-se da animação que dava por terra sua concentração e o fazia trocar as notas. Charlotte encontrou essa desculpa bastante graciosa, já que o tipo levava trabalhando no teatro ao redor de vinte e cinco anos e sem dúvida podia praticar em meio de um alvoroço. Mas claro, ele era a estrela.

Sadie lhe deu umas batidinhas impaciente com o leque no colo e Charlotte se viu obrigada a pensar de novo nos assuntos relacionados com os ensaios... e em Colin. Havia passado uma semana desde o fiasco de sua noite de núpcias e durante esse tempo não o tinha visto mais que alguns instantes, pelo corredor quando passava a seu lado ou nos almoços. Pelo visto tinha decidido respeitar seus desejos e deixá-la em paz e a Charlotte parecia muito bem e, para ser franca, esperava que ele não voltasse a mencionar jamais a conversa ébria e humilhante que tinham mantido em seu escritório. Pequeno pesadelo. Em certo sentido, tinha se surpreendido que seu marido não a obrigasse a meter-se em sua cama todas as noites, embora possivelmente ele ainda se sentisse envergonhado pela forma como se comportou com ela uma semana atrás.

Mas o celibato imposto de Charlotte não duraria muito. Tinha começado com a menstruação no dia anterior e ela se deprimiu o bastante, já que depois de refletir com atenção sobre sua espantosa noite de núpcias, desejava com toda sua alma haver ficado grávida. Ao menos, dessa forma teria cumprido com as obrigações para com seu marido. Contudo, também sabia o que aconteceria se ficasse grávida. A Sociedade de Fofoqueiros Londrinos, como gostava de chamar os fofoqueiros, ficariam sabendo que Lottie English tinha desaparecido ou se casou, e ela teria que esconder-se ou fingir-se doente durante muitos meses. Qualquer dessas opções danificaria seriamente sua carreira, e esse era um risco que não desejava assumir ainda.

Mesmo assim, agora era a duquesa de Newark e tinha um marido que a controlava sua limitação e significava que precisava manter em segredo sua identidade mais que nunca e representar seu papel à perfeição. Isso implicava ir ao teatro tal e como tinha feito com antecedência, vestir-se com roupas modestas e práticas que não chamassem a atenção e pentear-se com um estilo conservador. Nada de glamour. Não obstante, a noite da estréia e durante um ou dois meses depois seria a fascinante Lottie English, entregue ao público que a adorava. Ela seria a estrela.

-Lottie!

O grito a tirou de suas reflexões e deu um salto antes de endireitar-se e sorrir ao senhor Barrington-Graham, quem ao parecer estava falando sem que ela se inteirasse.

-Como disse Walter?

-Por favor, ocupe seu lugar à esquerda do cenário. - Ordenou-lhe com exasperação o homem alto e um pouco velho, enquanto alisava as espaçadas mechas de seu oleoso cabelo. - Todos outros... fora!

Charlotte pôs os olhos em Sadie e ela esboçou um sorriso sarcástico, estreitou-lhe a mão e avançou junto com o resto da partilha para as saídas. Levavam todo o dia ensaiando o segundo ato, mas perceberam que Walter confiava em que ela pudesse ajudar Porano a continuar com os exercícios, de modo que repetiriam o dueto. Uma vez mais. Depois a esperava uma apertada e calorosa viagem até casa, um banho morno, um jantar ligeiro e a cama. Apenas podia esperar...

Porano situou sua corpulenta figura na parte central do cenário e começou a coçar a barba negra e frisada enquanto estudava a partitura. Charlotte recolheu as saias e se colocou à esquerda, tal e como lhe tinham pedido. Era provável que Walter os quisesse separado e o Porano mais perto do piano para que pudesse escutar a melodia desde sua direita e a ela cantando a sua esquerda enquanto Walter batia palmas desde sua posição à frente do estrado da orquestra.

A equipe tinha abandonado seus assentos, assim não havia ninguém salvo eles no cenário. Uma vez que o senhor Quintin, o pianista habitual, assinalou que estava preparado para tocar, Walter começou a bater palmas para marcar o tempo e elevou a mão para dirigir.

A melodia começou.

Com os joelhos ligeiramente flexionados e os ombros para trás, Charlotte escutou a música, permaneceu erguida para elevar o diafragma, respirou fundo através do nariz... e então chegou o caos.

Primeiro um chiado, depois um rangido das vigas. Charlotte levantou os olhos imediatamente.

-Corra, Lottie!

A pesar do pânico, a voz de seu marido penetrou em sua cabeça e ela saltou para frente no preciso momento em que uma travessa de madeira se precipitava do alto. Walter a agarrou pelo braço e a puxou, mas não antes que a esquina da viga a golpeasse na parte posterior da coxa e a fizesse cair de bruços perto da beirada do cenário.

De repente, os membros da partilha e da equipe que trabalhava entre bastidores se situaram a seu redor sem deixar de lhe dizer coisas e de empurrá-la. Seu coração pulsava com força dentro do peito, sentia a boca seca e  ficou sem voz.

-Lottie! Ai, Meu deus, Lottie, está ferida? - Perguntou Sadie, que abriu passo entre o pequeno grupo de gente para ajoelhar-se a seu lado. Tremia-lhe a voz e parecia alarmada.

Charlotte ainda tentava se recuperar do ocorrido quando Walter colocou chegou.

-Para trás todo mundo. Para trás. - Disse em um tom autoritário e preocupado-. Deixem-na respirar, por favor.

Todos começaram a falar de uma vez e, embora a comoção já tivesse começado a desvanecer-se, Charlotte não podia deixar de pensar em Colin, sentado na parte traseira do teatro. Era muito provável que seu oportuno grito de advertência lhe tivesse salvado a vida. Tão confusa como estava, não conseguia decidir se sentia agradecida por sua interferência ou furiosa pelo fato de que a tivesse seguido às escondidas. Mas no momento carecia de importância. De repente, seu marido se ajoelhou junto a ela, rodeou-lhe os ombros com um de seus fortes braços e a ajudou a sentar-se.

-Está ferida? - Inquiriu com voz grave e séria.

Charlotte elevou uma mão trêmula para a boca e maneou a cabeça, passando do atordoamento inicial à incredulidade.

-Golpeou-me... golpeou-me na perna.

Ele a olhou nos olhos com expressão crítica.

-Está ferida? - Perguntou de novo.

-Não. - Respondeu ela em um sussurro. Não... não acredito... Ao tentar mover a perna. A dor na coxa se converteu em um ferroar, e Charlotte tomou fôlego com os dentes apertados. Possivelmente um pouco, mas... já estou melhor.

Colin entreabriu as pálpebras e continuou olhando.

-Pode se levantar?

Charlotte assentiu e se apoiou em seus braços enquanto seu marido a pegava com delicadeza para ajudá-la a levantar-se. Apoiou-se nele e colocou seu peso sobre a perna sã e depois sobre a outra, da ponta do pé até o calcanhar, até que a dor começou a dissipar-se.

-Estou bem. - Disse com fingida jovialidade.

-Excelência? - Chamou-o Sadie.

Colin deu a volta e agarrou a xícara que lhe ofereciam.

-É brandy - Explicou, enquanto dava tapinhas em Charlotte no braço.

-Beba isto - Pediu seu marido, que o cheirou antes de colocar o copo junto aos lábios.

Charlotte fez o que lhe pedia sem pigarrear e deu vários goles ao forte licor que lhe abrasaram a língua antes de deslizar-se por sua garganta.

A multidão começou a dispersar-se entre sussurros. Dois dos musculosos membros da equipe de cenografia se encarregaram de levantar a viga e levá-la para a parte posterior do cenário e Adamo a deu um de seus chiliques italianos e não deixou de agitar as mãos no ar enquanto se afastava Edward Hibbert, o diretor do teatro, caminhou ate Walter puxou-o para um lado para conversar com ele em voz baixa. Charlotte se sentia melhor e tinha recuperado o controle de suas emoções, assim que se concentrou na respiração para poder manter-se calma. Não se atrevia a olhar ferida ali, já que teria que levantar a saia até um ponto da indecência, mas sabia que não estava sangrando. Não se tratava dessa classe de ferida, embora fosse muito provável que tivesse um horrível hematoma na manhã seguinte. Contudo, pensou que devia sentir-se agradecida. Se a viga a tivesse golpeado na cabeça, a essas alturas estaria morta.

Quando Colin se colocou atrás dela por fim, Charlotte notou imediatamente que as pessoas se afastavam instintivamente de sua presença autoritária e vários dos membros secundários da partilha e dos encarregados de vestuário o olharam sobressaltados antes de efetuar uma reverência ou inclinar a cabeça a modo de saudação. Inclusive nesses momentos, Charlotte sabia que todos se questionavam a razão pela qual se encontrava em um ensaio a portas fechadas e sua pronta reação ante o percalço. Estava claro que mexericariam durante dias sobre a forma de atuar de seu marido e a evidente preocupação que mostrava por ela. E embora nenhum deles conhecesse o duque de Newark pessoalmente, estava a par de sua reputação, de modo que as especulações se transformariam muito em breve em rumores. Quão único cabia era esperar era que seus companheiros de partilha fossem bastante discretos para não formular nenhuma pergunta delicada a respeito das razões que tinha o duque para assistir o teatro e vê-la um dia atrás de outro.

-Excelência. - Disse com um sorriso forçado nos lábios, agradeço-lhe muito sua ajuda, mas acredito que já estou bem. De verdade.

Colin passou os dedos pelo cabelo e a olhou de cima abaixo com os olhos semicerrados.

-Meu chofer a levará a casa.

Era uma afirmação que não admitia réplicas e pegou a todos despreparados, incluindo a ela. Estava acostumado a utilizar o transporte público para que ninguém suspeitasse nada. Entretanto, não podia ficar a discutir com ele diante de todo mundo. E nenhum deles se atreveria a questionar a um aristocrata, embora aquele espetacular giro dos acontecimentos se convertesse na fofoca do teatro uma vez que partissem... sobre tudo entre as mulheres.

Depois de assegurar a Walter, a Sadie, e inclusive a Porano, de que ela se sentia muito melhor e que estaria bem, Colin fez um gesto com a mão e disse:

-Por aqui, senhorita English.

Enquanto caminhava para a porta dos bastidores com a mão de seu marido sob um cotovelo, Charlotte lançou uma última olhada por cima do ombro aos trabalhadores que se encontravam ao redor da zona onde tinha sofrido a ferida todos eles estudavam as vigas e murmuravam entre si.

Logo, sem mais, subiu a uma dos ornamentadas carruagens de seu marido para retornar a casa.

 

O trajeto até a casa foi lento e caloroso. As ruas estavam abarrotadas e o ambiente do interior da carruagem parecia parado, assim que o que estava acostumado a ser uma viagem se converteu em algo pesado, de balanço e incômodo.

Charlotte estava sentada em frente a ele e olhava pela janela que estava entreaberta com a esperança de desfrutar de uma brisa que jamais chegava. Tinha a testa enrugada em um gesto pensativo e sua pele estava pálida apesar do calor que tentava aplacar agitando de vez em quando o leque. Colin não havia dito grande coisa desde que abandonaram o teatro, e ela não parecia ter vontade de falar, algo de tudo compreensível, dados os acontecimentos que tinham tido lugar pouco antes. Mesmo assim, devia sentir-se bastante chocada e ele supôs que, como seu marido e protetor tinha a obrigação de exigir respostas a várias perguntas delicadas sobre um acidente que, depois de notáveis considerações, parecia altamente suspeito. Tinha escutado o martelar e depois um rangido, um grito e um estrépito entre as vigas. Tinha sido o instinto que lhe tinha feito gritar. Aquela tinha sido a única vez em três horas que Charlotte estava de pé sozinha, sem os outros membros da partilha a seu redor, e todo o episódio parecia... planejado. Ou um acidente extraordinariamente oportuno. Embora possivelmente ele fosse muito suspicaz.

Mudou de posição no abrasador assento de couro e subiu as mangas da camisa em uma tentativa de aliviar o calor antes de decidir se falava sobre o assunto com ela.

-Se importa que seja franco contigo, Charlotte? - Perguntou em um tom um tanto mais protetor do que esperava.

Ela piscou com rapidez e se voltou para olhá-lo.

-Como disse?

Colin esboçou um sorriso tranquilizador.

-Não acredito que o que aconteceu hoje no cenário tenha sido um acidente.

Ela se limitou a olhá-lo durante um bom momento, embora seu rosto mostrasse uma agitação que Colin pôde ler como se fosse um livro aberto. Depois alisou as saias e voltou a afastar o olhar.

-Claro que foi um acidente. - Replicou suspirando. Os acidentes são muito frequentes no teatro, excelência...

-Não os acidentes intencionais. - Interrompeu-a, irritado por sua relutância em aceitar que se tratava de um assunto importante ou admitir diante dele que também tinha suas dúvidas.

-Os acidentes, por definição, não podem ser intencionais. - Disse exasperada, antes de unir as mãos sobre o colo. Mas a verdade é que não posso entender por que pensa que alguém tentaria me fazer mal de forma deliberada.

-De verdade? Replicou ele com as sobrancelhas arqueadas.

-É uma idéia absurda. - Reprovou ela.

Depois de encolher os ombros, Colin a pressionou em busca de detalhes.

-Não acha que pode haver um par de pessoas na obra que sintam ciúmes de seu êxito, que poderiam conseguir algo se você... ficasse incapacitada de algum modo?

Charlotte se moveu com desconforto em seu assento.

-Pelo amor de Deus, hoje faz muitíssimo calor...

-Deixe de evitar o assunto e fale comigo, Charlotte.

Ela o olhou de repente com os olhos entreabertos e uma expressão indecifrável.

-Quer falar? Muito bem, então me responda uma pergunta, milord por que estava você ali?

Por um breve instante, lhe pareceu que ela considerava a sério a possibilidade de culpá-lo pelo ocorrido, já que tinha sido ele quem a tinha avisado do perigo, a única pessoa no teatro nesses momentos que não tinha motivos para estar ali e o único de quem ela desconfiava. Não obstante, custava-lhe acreditar que sua esposa duvidasse dele até esses extremos. Era muito mais provável que houvesse ficado furiosa ao descobrir que estava vigiando todos seus movimentos sem que soubesse e sem seu consentimento.

-Estava ali porque eu adoro o teatro. - Respondeu em um tom despreocupado. - E agora que... bom, agora que minha esposa é a soprano estrela da próxima produção da ópera mais famosa de Balfe, me ocorreu que poderia passar por ali e comprovar por mim mesmo a que se dedica todos os dias quando se afasta de mim.

Charlotte soprou para afastar uma mecha encaracolada da bochecha.

-Não deveria estar ali, milorde.

Colin sorriu.

-Acredito que ninguém em seu são julgamento me negaria à entrada.

Isso pareceu desconcertá-la. Olhou-o no rosto com as pálpebras quase fechadas em um gesto pensativo e com a cabeça inclinada para um lado.

-Acaso não tem nada mais importante em que ocupar seu tempo, milorde?

Colin desejava conhecê-la melhor, confiar mais nela, antes de lhe revelar no que consistia com exatidão seu trabalho para a Coroa. Assim, em lugar de lhe dizer a verdade, respondeu com indiferença:

-O certo é que não. Tenho uns empregados magníficos que se encarregam de administrar minha propriedade às mil maravilhas, e isso me deixa todo o tempo do mundo para desfrutar te vendo.

Charlotte esboçou um meio sorriso e voltou a afastar o olhar sem dignar-se a fazer comentário algum. Colin intuiu que isso era uma mostra da pouca avaliação que mereciam tanto ele como sua aparente vadiagem. Não importava. Com o tempo descobriria a verdade, e seria um prazer ver a expressão de seu rosto quando o fizesse.

Tentou estirar-se um pouco, já que sentia as pernas intumescidas e doloridas. Ainda estavam a umas quantas ruas de distância de seu lar e avançavam com muita lentidão, já que deviam deter-se de vez em quando para ceder passo aos pedestres e às carruagens de aluguel, o que dava tempo a que os ruídos e os aromas da ocupada cidade penetrassem através das janelas e assaltassem seus sentidos.

-Hoje cantou muito bem, como sempre. - Comentou em uma nova tentativa de lhe surrupiar informação, dado que dispunham da privacidade necessária e ainda demorariam em chegar.

-Conheço bem a música. - Admitiu enquanto olhava através do cristal. - Mas ainda me custa harmonizar a oitava mais alta do segundo ato com o senhor Porano. Ele afirma que a culpa de que não fique perfeito é minha, mas todos sabemos que a verdade é que tem problemas com o tempo...

-O senhor Porano tem problemas com o tempo? - Interveio Colin com um sorriso.

Ela o olhou de soslaio, com seus preciosos lábios entreaberto, mas os fechou imediatamente e soprou com força.

-Sim. Estou segura de que isto o deixa muito aborrecido.

Colin aguardou uns instantes antes de falar.

-A verdade é que não. Estou a par das excentricidades do grande tenor italiano. Não esqueça que sou um fervoroso admirador da ópera, Charlotte.

Ela meneou a cabeça muito devagar e sorriu com sarcasmo ao perceber que estava tirando sarro.

-O tipo é um bobo com muito talento, mas, é obvio, jamais admitirei haver dito algo assim, milorde.

Colin esboçou um sorriso, gostando das brincadeiras.

-Um bobo então, não é? E os outros intérpretes?

Charlotte abriu o leque uma vez mais e começou a agitá-lo com ar distraído.

-Cantei com a maioria deles em outras ocasiões, assim conheço suas aptidões e sua maneira de interpretar a música.

-Já vejo. Em realidade não se importava com os outros, seu talento ou a falta dele, mas falar com ela daria a oportunidade de descobrir quem entre eles tinha razões para estar ressentidos com sua esposa, ou para odiá-la o suficiente para tentar matá-la.

-Bom, pois me conte os quais são. - Insistiu enquanto enxugava o suor do pescoço com a palma da mão.

-Quais são?

-Seus companheiros de concerto. – Encolheu os ombros.

-Quem interpreta cada papel?

Durante uns segundos, Charlotte se limitou a olhá-lo com descrença, como se quisesse lhe perguntar que demônios importava isso a ele. Ao final se decidiu por não fazê-lo e respondeu à pergunta.

-Bom. - Começou depois de um rápido suspiro. Porano interpreta Tadeo, o líder, embora em minha opinião seja muito velho para esse papel... um problema insignificante que não parece ter muita importância na ópera. Anne Balstone, quem por certo é uma magnífica contralto, interpreta à rainha dos ciganos. Somente atuei com ela em uma ocasião, mas é uma pessoa encantadora, embora um pouco presunçosa.

-Não o são todos? - Inquiriu ele com expressão zombeteira. Charlotte sorriu com sarcasmo.

-Geralmente não é mais que uma fachada. Segundo minha experiência, muitos cantores de talento, inclusive aqueles mais famosos, são bastante inseguros.

-E você?

-Haa! Certamente que não.

Colin a observou com atenção, durante uns instantes estava desfrutando bastante com aquele bate-papo, e o sorriso genuíno que resplandecia no rosto de sua esposa o tinha embevecido. Era uma mulher preciosa, até mesmo usando esse vestido marrom e simples e com o cabelo preso. Mas não queria estragar o momento dirigindo a conversa para assuntos mais íntimos.

-Continue. - Apressou-a com um gesto da mão. - Quem mais faz parte do concerto?

Ela franziu os lábios e esfregou o nariz com um dedo.

-Eu interpreto Arline, como bem sabe a soprano principal. Sadie Piaget, uma jovem soprano francesa que atuou comigo em todos os cenários de Inglaterra durante quase três anos, desempenha o papel de Buda, a acompanhante de Arline. Por desgraça, Buda não canta nesta ópera, de modo que também faz parte do coro. Pode que seja a única pessoa do grupo a quem eu consideraria minha amiga. - Deu umas batidinhas nos dedos com o leque enquanto refletia.

-Logo está Raúl Calvello, um baixo italiano que está atuando nos teatros britânicos durante ao redor de trinta e cinco anos e que se considera quase inglês. É um homem muito calado, muito agradável.

-Conheço-o. - Afirmou Colin.

-Parece-me um pouco estranho. Nunca se casou e ocupa seu tempo livre fazendo trabalhos de jardinagem no campo.

Charlotte arqueou as sobrancelhas em um gesto de surpresa.

-Vá, é certo que o conhece. Sorriu de novo. Cai-me bem e jamais se mostra exigente nem intimidante.

E seguro que planta suas rosas em ambos os lados da redondeza, pensou Colin, embora jamais mencionasse algo assim a sua esposa.

-É obvio, também há papéis menores. – Continuou. - Interpretado por cantores procedentes de toda a Inglaterra, entre os quais se encontram Stanton Lloyd, que interpreta o patriarca dos ciganos, e John Marks, no papel do sobrinho de Raúl.

-E nenhuma ópera estaria completa sem os músicos, os trabalhadores da cenografia, o diretor da apresentação, o da orquestra, o do teatro... acrescentou com um movimento circular do pulso.

-Muito certo. - Concordou Charlotte, embora nem todo mundo esteja presente em cada ensaio. De fato, não nos reuniremos todos até que comecemos com as provas de vestuário, para as quais ainda faltam várias semanas. Até então, iremos ao teatro em diferentes horas.

Colin se inclinou para frente no assento da carruagem suave a causa do maldito calor, mas comprovou agradecido que já quase estavam em casa. Queria chegar ao centro da conversa antes que chegassem e ela desaparecesse durante o resto da noite, deixando-o uma vez mais sozinho com seus pensamentos e presa de um desejo implacável.

-Me diga uma coisa. - Começou em voz baixa enquanto esfregava as mãos. - Quem dentre os quais mencionou, ganharia algo te fazendo mal ou te obrigando a deixar a ópera por qualquer meio possível?

Ela se sentou para trás, perturbada de novo.

-Ninguém, milorde. Essa é a razão pelo qual tentei lhe explicar que este... acidente que aconteceu hoje não foi mais que um acidente.

Havia muito mais nesse incidente do que ela queria admitir. Charlotte sabia algo mais. Algo dentro dele lhe dizia isso.

-O que me diz de Sadie? Obteria seu papel se abandonasse a obra? Não a converteria isso na estrela?

Charlotte começou a rir.

-Sadie? Sadie e eu somos amigas.

-Isso não responde a minha pergunta.

-Não, suponho que não. - Replicou ela com serenidade. Depois de uma pausa para esclarecer as idéias, explicou. - Se eu chegasse a me sentir... indisposta, por dizê-lo assim ou cancelariam a produção ou trariam outra soprano famosa da Irlanda ou da Europa para interpretar o papel de Arline, provavelmente alguma que já tivesse feito esse papel. Se for sincera, Sadie carece da experiência e da fama necessárias para cantar com Porano ou para gerar o dinheiro que se precisa para pagar a ópera, e muito menos toda a orquestra e o resto dos trabalhadores. Se lhe dessem o papel protagonista, sem dúvida o teatro perderia muito dinheiro e, se isso acontecesse, desataria todo tipo de rumores. No pior dos casos, desse momento em adiante, os cantores famosos declinariam os convites acreditando que jamais lhes pagariam ou, ainda pior, que teriam que atuar com uma protagonista desconhecida ou para camarotes vazios. Os espectadores não veriam razão alguma para comprar poltronas, e ao final, a Royal Italian Opera House perderia sua reputação como um dos melhores teatros da Grã-Bretanha, se não da Europa. Relaxou um pouco no assento.

-E acredite milorde, todos os que fazemos parte da apresentação sabemos muito bem.

Colin não pôde reprimir um sorriso.

-Está me dizendo que você é a responsável pelo êxito do melhor teatro de opera da Inglaterra?

Charlotte mudou a posição dos pés sobre o chão da carruagem.

-Isso não é o que disse nem o que pretendia dizer, e você sabe.

-Sei, replicou ele com ar despreocupado. - Porque tem toda razão. Se sentisse indisposta, tal e como vocês o chamam, eu renunciaria a meu camarote. Por que iria assistir à ópera se a grande Lottie English não estiver no cenário?

Isso a fez titubear e unir as sobrancelhas em um gesto de incerteza.

-Está tentando me bajular, excelência?

Colin se acomodou melhor no assento acolchoado.

-Não preciso fazê-lo. Você é sempre fascinante.

Charlotte maneou a cabeça e sorriu com fingido desagrado antes de voltar a prestar atenção ao que ocorria lá fora.

Ele esperou um momento sem deixar de observá-la.

-Não está um pouco zangada pelo que aconteceu? - Perguntou com seriedade.

-Se estou zangada por algo, milorde. - Respondeu ela imediatamente sem dignar-se a olhá-lo - É porque todas as pessoas que estavam hoje no teatro acreditam agora que você e eu somos amantes...

-Bom, dado que não perceberam, não somos amantes, não mentirá quando disse a eles sobre seu engano. – Interrompeu-o em um tom irônico com a esperança de ressaltar esse fato.

E ao parecer funcionou. Ela começou a mover-se com nervosismo e mudou a posição dos ombros e golpeou os dedos com a ponta do leque.

-Mesmo assim, as especulações se estenderão como pólvora. - Assegurou segundos depois.

-Mas sua reputação está a salvo - Replicou ele.

-As estrelas da ópera de todo o mundo sempre têm amantes, Charlotte, e geralmente são admiradas por isso.

Ela o olhou com ar pensativo.

-Sei que esta é a profissão que eu mesma escolhi, mas o certo é que no fundo sigo sendo uma dama.

Colin assentiu.

-Sim, e o é. E uma dama casada. Se alguém descobrisse sua identidade, todos saberiam que está casada com seu amante.

Charlotte continuou olhando-o uns instantes, como se tentasse memorizar seus traços faciais. Logo fechou os olhos e apoiou a cabeça no respaldo do assento, com um sorriso de satisfação nos lábios.

-E todos se equivocariam...

Esse comentário com tanta falta de tato o pôs furioso. Era sua esposa, embora certamente não fosse sua amante, e se ela fugisse de suas investidas jamais voltariam a sê-lo. Colin não tinha nenhuma intenção de permitir que isso acontecesse.

Levantou-se de seu assento e com pressa e se sentou ao lado de sua esposa, sobre as amplas saias de seu vestido.

Charlotte não podia mover-se e abriu os olhos de par em par antes de olhá-lo com incredulidade.

-Que demônios está fazendo?

Decidido, Colin lhe segurou o rosto com ambas as mãos e atraiu os lábios femininos para os seus.

Sua esposa não lutou contra ele. De fato, e para seu mais absoluto deleite, depois da surpresa inicial começou a responder ao inesperado contato e o beijou com frenesi antes de lhe rodear o pescoço com os braços para estreitá-lo com força.

O beijo não demorou a adquirir um caráter ardente e apaixonado que lhe provocou uma dolorosa ereção. Charlotte gemeu e lhe enterrou as unhas nos ombros através da camisa, ele apanhou sua língua e a sugou, perdido em uma nuvem de desejo. Começaram a respirar rápido e Colin se viu obrigado a utilizar toda sua força de vontade para reprimir o impulso de despi-la e lhe fazer amor ali mesmo, no sufocante interior da carruagem. Pelo amor de Deus, teria abandonado tudo se ela o acariciasse onde mais o necessitava!

Afastou-se um pouco para deixar vários beijos úmidos e abrasadores ao longo de seu pescoço. Charlotte jogou a cabeça para trás e se segurou em seus ombros com veemência, lhe suplicando mais sem palavras. Colin afastou a mão de sua bochecha e a colocou sobre seu peito, justo por cima do decote do vestido. Ela não pareceu notá-lo.

Charlotte gemeu quando deslizou a língua pela linha de sua mandíbula, presa mesma tormenta de sensações que o sacudia. Colin tinha o corpo empapado em suor, sua ereção se apertava contra a apertada calça e, justo no momento em que decidiu descer a mão para cobrir um dos seios por cima do vestido e apertá-lo com suavidade, a carruagem se deteve em frente a sua casa.

Surpreendida, sua esposa ficou imóvel entre seus braços.

-Basta. Basta! - Sussurrou enquanto afastava o rosto do seu.

Enjoado, Colin respirou fundo, embora não afastou a mão de seu seio até que ela a tirou de cima como se ardesse.

De repente, o chofer abriu a portinhola e Charlotte deu um empurrão em Colin nos ombros com todas suas forças, para afastar- se dele o mais rápido possível.

Colin reagiu rapidamente. Com um movimento rápido, inclinou-se a um lado, agarrou o trinco e abriu a porta para arrancar das mãos do condutor e fechar a porta de repente.

-Não terminamos. - Murmurou com voz rouca enquanto lhe segurava o queixo com a mão livre.

-Está louco, milorde. - Sussurrou ela com desassossego e a frustração brilhando em seus olhos.

Colin lhe colocou os dedos sobre os lábios com suavidade.

-É você quem me deixa louco, Charlotte. Necessito-te, e você sabe.

Ela piscou umas quantas vezes, tragou saliva e se endireitou antes de lhe afastar os dedos.

-Estamos dando um espetáculo e os criados começarão com as especulações...

-Não me importa o falatório dos criados. - Interveio Colin com a mandíbula tensa. Estamos casados, carinho, e me dói não atuar como tal, tão dentro como fora do dormitório em especial quando a forma com que responde a meus beijos diz que você me necessita tanto como eu a ti.

O rubor das bochechas femininas se acentuou.

-Você sabe o que necessito. - Foi tudo o que ocorreu a Charlotte dizer.

Colin esteve a ponto de soltar uma gargalhada.

-Sim, sei, e quero ouvir lhe dizer isso.

Ela lutou para liberar-se, mas Colin não estava disposto a soltá-la.

-Diga. - Repetiu em um murmúrio grave e veemente.

-O que é o que quer que diga? - Perguntou Charlotte furiosa. Se necessito o seu dinheiro? Pois sim, necessito. Agora, me solte.

-Também me necessita fisicamente. - Insistiu ele enquanto lhe percorria o lábio inferior com o polegar.

Charlotte lhe afastou os dedos com um tapa.

Colin não se intimidou.

-Admita isso, ao menos.

-Não seja ridículo. - Replicou ela.

-Me diga uma coisa. - Começou Colin muito devagar que tinha a intenção de demonstrar que o desejo de sua esposa era inclusive maior que o seu para conseguir que acreditasse. - Diga-me que sabe que existe paixão entre nós, que se sente atraída por mim e que me necessita fisicamente.

Charlotte desviou a vista para a portinhola antes de voltar a olhá-lo nos olhos.

-E se me nego?

-Farei amor com você aqui e agora.

Ela fez uma expressão horrorizada.

-Não se atreveria.

-E você permitiria isso. Disso não me cabe nenhuma dúvida. - Sussurrou ele enquanto deslizava a mão desde seu pescoço até o seio.

De repente, e para seu mais absoluto assombro, os olhos de Charlotte se encheram de lágrimas.

-Não sou nenhuma estúpida, Colin. - Sussurrou com voz trêmula. Não me deseja. Deseja à sofisticada e sensual Lottie English, a fantasia que conheceu no camarim durante a atuação. Sempre a desejou. Agora, me solte.

Foi um momento realmente decisivo para ele. Limitou-se a piscar com um nó no estômago. Charlotte o tinha deixado sem fala e, durante esses breves instantes de confusão e passividade, ela escorregou sob seu braço, aferrou-se ao trinco e abriu a porta.

Com majestosa dignidade, ofereceu uma mão ao chofer, que permanecia junto à portinhola com expressão circunspeta.

-Acredito que me retirarei cedo. - Afirmou por cima do ombro. Boa noite, excelência.

Colin nem sequer olhou o criado enquanto desembarcava da carruagem e a seguia em silêncio. Pela primeira vez em toda sua vida, uma mulher e suas emoções o tinham comovido profundamente.

 

CAPITULO 10

O jantar tinha sido monótono e muito tranquilo, apesar da tensão que invadia a atmosfera. Embora tivessem acabado de comer a sobremesa tão só uns minutos antes, Colin nem sequer recordava qual tinha sido o prato principal. Galinha assada, possivelmente. Ou tinha sido pato?

Como tinha feito desde que se beijaram na carruagem três semanas atrás, havia passado toda a noite concentrado em sua esposa, usando um vestido de seda cor pêssego e com um recolhido e frouxo coque. Suas bochechas rosadas resplandeciam enquanto ria, partia o assado e conversava alegremente com as esposas de seus dois amigos, Viviam e Olivia, como se ele nem sequer estivesse ali. Tampouco tinha prestado atenção aos outros dois homens, já que as três damas estavam entretidas em uma conversa sobre trivialidades femininas tais como os perfumes, as costureiras e a última moda, assuntos que não lhe importava absolutamente e sobre os quais, para dizer a verdade, não sabia nada.

Will e Sam o tinham animado um pouco ao recordar algumas de suas travessuras infantis, mas sabia que seus amigos se perguntavam por que parecia tão absorto. Sempre era o mais brincalhão dos três, e, entretanto essa noite se mostrou bastante retraído, absorto em suas reflexões e preocupações internas, pensando pela primeira vez em quão linda estava Charlotte à luz das velas.

-Bom, tomamos um brandy no escritório, cavalheiros? - Disse Sam, interrompendo seus pensamentos.

Colin afastou a vista das framboesas com nata que ficaram no prato e se obrigou a esboçar um sorriso.

-Excelente idéia.

-Sim, saiam já, por favor. - Insistiu Viviam com um gesto da mão. Estão nos aborrecendo muitíssimo.

-Que estamos aborrecendo vocês? - Replicou Will com fingida indignação, enquanto ficava em pé e deixava o guardanapo sobre a mesa.

- Acredito que esta noite escutei tudo que preciso saber sobre perfumes.

Sam também ficou em pé.

-Não é muito emocionante, não é?

Colin fez girar a haste da taça de vinho entre os dedos.

-Talvez essa perfumista que tem por esposa possa encontrar uma essência apropriada para a proprietária de meu coração, Samson. Minha querida Lottie deveria utilizar uma fragrância cálida e exótica há um tempo.

Tão evidente sarcasmo fez que todos ficassem em silêncio. As cinco pessoas que ocupavam a sala se voltaram para olhá-lo com distintas expressões de desconforto e desconcerto, incluindo Charlotte, que depois de uns segundos ruborizou e abaixou a vista até seu colo. Aquilo foi suficiente para aplacar a irritação que o embargava.

Depois de deixar o restante do copo de vinho na mesa, Colin ficou em pé e fez uma pequena reverência.

-Desculpem-nos então, senhoras?

-Certamente. - Assinalou Olivia quase com arrogância.

Sam começou a rir baixo, e isso o enfureceu ainda mais, mas os três partiram da sala de jantar e se dirigiram para o escritório sem dizer nenhuma palavra mais. Uma vez dentro, Colin rodeou o piano e avançou sem vacilar para o aparador de carvalho.

-Isto é antigo. - Disse Will, que estava situado atrás dele, em frente ao teclado. - É dela?

-É obvio que é dela. - Respondeu Colin de mau humor. Viu-me tocar alguma vez?

-Ultimamente não, por sorte.

Colin deixou escapar um grunhido.

-Se por acaso querem sabê-lo, sim, Charlotte toca muito bem, como deveria fazer qualquer boa esposa.

-Ah. - Interveio Sam enquanto se sentava em uma das poltronas de couro. E é uma boa esposa?

-Pergunta do século. - Disse Colin, que se serviu de um líquido ambarino da prateleira de cristal em três copos. O que quer dizer exatamente com uma boa esposa?

Will riu entre dentes e se aproximou dele para agarrar sua bebida, antes de rodear o piano e colocar-se de costas à chaminé apagada.

-Porque pergunta isso se acaba de se casar? Eu ainda estou tentando descobrir no que consiste ser um bom marido.

-Antes que te abandone? - Inquiriu Sam entre risadas.

-Pois sim. - Replicou Will. Sou muito velho para procurar outra mulher que me volte louco com suas manias.

Colin apenas escutava as brincadeiras enquanto caminhava com os dois copos restantes na mão para oferecer um a Sam depois rodeou a escrivaninha e deixou-se cair em sua cadeira de balanço. Aproveitou os momentos de silêncio que seguiram para levantar uma perna e apoiar o tornozelo na beirada da escrivaninha. Sabia que seus amigos mexericavam sobre seu matrimônio e a atitude distraída que tinha mostrado esta noite, sobre tudo porque se negou em redondo a atar-se a uma esposa durante quase trinta e cinco anos. Como era de esperar, não lhe decepcionaram.

-Bom, ela também te volta louco com suas manias? - Quis saber Sam, que arqueou as sobrancelhas enquanto dava voltas ao copo na mão. Ou tudo é como acreditou que seria?

-Ambas as coisas. - Colin deu um gole ao brandy e sorriu com ironia antes de murmurar - E mais.

-Mais? - Sam estirou as pernas e as cruzou à altura dos tornozelos. - Assim tão mal estão as coisas?

-Acaso disse isso? - Replicou ele. Zangou-se de novo, mas tentou por todos os meios que seus amigos não percebessem.

Will estendeu um braço em cima do suporte da chaminé.

-A julgar pelo que vi esta noite, eu diria que as coisas... não vão conforme o planejado.

Colin sorriu com ironia e elevou a taça em uma paródia de brinde.

-Esse, meus amigos, é o segredo do matrimônio. Não fazer planos.

-Sim, mas... bom... - Sam pigarreou

- Você é o único homem que conheci em minha vida que jamais fracassou na hora de conquistar às mulheres. E está claro que esta noite não tem pensado fazer isso.

Confuso, Colin esfregou os olhos com a ponta dos dedos.

-Não entendo.

-O que quero dizer. - Explicou Sam. - É que, embora ao parecer não possa tirar os olhos de cima dela, e sua esposa apenas te presta atenção, e isso que esta casado a menos de um mês. E em lugar de tentar de flertar com ela ou tentar ganhar sua atenção, mostra-se sarcástico e taciturno, algo do mais incomum em ti. – Encolheu os ombros antes de acrescentar.

- Will e eu alguma vez fomos encantadores, mas você? Aqui acontece algo que não sabemos.

O primeiro impulso de Colin foi dizer a ambos que tudo ia às mil maravilhas em sua vida matrimonial e, até mais importante, que não tinham nenhum maldito direito a perguntar como ia a sua esposa e ele. Não obstante, sabia que estavam preocupados de verdade, e isso fez com que pensasse duas vezes. Para falar a verdade, podia deixar todo aquele assunto de lado mentindo, mas aqueles eram seus melhores amigos e lhe tinham perguntado de maneira indireta se podiam ajudá-lo em algo. Falar dos assuntos íntimos com os amigos não era algo que estivesse acostumado a fazer, mas tampouco era algo estranho. Não sabia muito bem como comentar certas coisas sem humilhar a si mesmo, mas talvez um pouco de humilhação merecesse a pena se eles podiam lhe dar algum conselho sobre como dirigir-se a uma esposa... em especial quando lhe ocultava coisas a propósito, sobre tudo durante os momentos íntimos. A esse respeito, só podia assumir que as mulheres de seus amigos não eram tão insensíveis como sua própria esposa, já que Vivian tinha dado um filho a Will e Olivia estava grávida do bebê de Sam. Decidiu que valia a pena provar.

Cada vez mais incômodo Colin esfregou a nuca com a palma da mão, desceu a perna ao chão e se inclinou para diante para apoiar os braços sobre a escrivaninha antes de começar a dar voltas à taça enquanto a olhava fixamente.

-Confesso que meu matrimônio com a famosa soprano foi um pouco mais... complicado do que esperava a princípio. - Revelou por fim com voz tensa. Para seu alívio, nenhum de seus companheiros começou a rir.

-O matrimônio sempre é complicado a princípio. - Assegurou-lhe Will com tranquilidade. Em especial quando, como você, casa-se com alguém a quem em realidade não conhece.

-E todo mundo demora algum tempo em sentir-se verdadeiramente cômodo dentro do matrimônio. - Acrescentou Sam.

Frustrado ao ver que nenhum deles lhe oferecia mais que os comentários que poderia ter obtido falando com qualquer uma de suas irmãs, Colin penteou o cabelo com os dedos de maneira brusca.

-Agradeço-lhes tão simples respostas, cavalheiros, mas não têm nem a mínima idéia do que estou falando.

Sam sorriu.

-Acha que não sofremos tanto como você?

Colin bebeu o brandy de um só gole, ficou em pé de repente e começou a passear sobre o tapete até ao piano.

-Não. - Assegurou com fingido bom humor. Acredito que nenhum de vocês dois sofreu tanto como estou sofrendo.

Will tomou um sorvo de seu copo.

-Qual é o problema em realidade?

Colin se deteve e desceu a vista para o chão.

-É difícil de explicar.

-Ai, Meu deus... - Murmurou Sam.

Ele levantou a cabeça de repente.

-O que?

-Já necessita uma amante?

Aturdido pela pergunta, Colin começou a rir.

-Perdeu a razão? Nada complicaria mais as coisas que isso. Sobre tudo antes que Charlotte e eu...

Fez-se um silêncio sepulcral na estadia.

-O problema é Charlotte? - Perguntou ao final Will com genuína preocupação.

Colin fechou os olhos e beliscou a ponta do nariz antes de tragar o orgulho.

-O problema é que pode que tenha... cometido um engano com ela.

-Um engano? - Perguntaram seus amigos em uníssono.

Por Deus, assim não chegaria a nenhum lugar. Ergueu os ombros, enlaçou as mãos nas costas e baixou a voz para evitar que os criados pudessem escutá-lo.

-Está zangada comigo porque não... não gostou de nossa noite de núpcias.

Nada poderia ter chocado mais seus dois amigos, disso estava seguro. Ambos o olhavam boquiaberto e com o cenho franzido. Sam começou a negar com a cabeça, já que essa admissão de sua inaptidão na cama o tinha deixado desconcertado.

Supôs que todo aquele assunto resultava bastante gracioso vindo dele, já que ostentava uma infame, ou melhor, dizendo, uma grata e escandalosa reputação quanto a suas proezas sexuais e seus métodos de sedução. Se seus problemas na cama chegavam a conhecer-se, cairia em desgraça até extremos que não queria nem imaginar-se. Embora o certo fosse que isso carecia de importância nesses momentos.

Começou a rir de repente e isso pareceu tirar outros de seu estupor. Pouco depois, todos riram a gargalhadas não zombando, mas sim porque esses dois homens, que sempre tinham sido uns amigos maravilhosos, compreendiam a perfeição quão estranha devia lhe resultar essa situação.

-Santa mãe de Deus... - Disse Sam.

- Não fala a sério, verdade?

Colin se serenou imediatamente e sacudiu a cabeça, enojado consigo mesmo.

-Temo que sim. E não sei o que fazer a respeito.

Todos ficaram calados de novo com a amostra de sinceridade. A casa também estava em silêncio, e as damas sem dúvida continuavam discutindo sobre a moda atual, sobre o iminente parto de Olivia, ou sobre as fofocas cotidianas, quaisquer que fossem. E ali estava ele, no meio do escritório, cansado e exausto, semanas de incessante desejo, pedindo ajuda a seus amigos mais íntimos para seduzir a sua esposa. Jamais tinha vivido uma situação tão estranha.

-Bom... - Disse Will depois de soltar um ruidoso suspiro. Afastou-se da chaminé para sentar-se na poltrona que estava livre e esticou as pernas antes de cruzá-las pelos tornozelos a fim de ficar a vontade.

-Bom, sim. - Repetiu Colin. Sentia o corpo tenso, assim começou a caminhar de novo pela frente do piano.

-Sente-se, Colin, está me deixando nervoso. - Exigiu Sam com um gesto da mão.

Colin se deixou cair imediatamente na banqueta acolchoada do piano e se inclinou para frente para apoiar os cotovelos em cima dos joelhos e entrelaçar os dedos das mãos. Baixou a vista ao chão quando notou que um desagradável rubor subia por sua garganta. Como demônios podia lhes contar algo como aquilo?

Will pigarreou com força.

-Possivelmente deveria começar pelo princípio. Quer nosso conselho, não é assim?

Colin esboçou um sorriso irônico e levantou a vista sem elevar a cabeça.

-Está claro que deveria pedir a alguém.

Sam coçou a parte posterior do pescoço.

-Não faz falta..., bom, não faz falta que nos dê muitos detalhes, mas qual é exatamente o problema?

Ele fechou os olhos um momento, enquanto as lembranças dessa noite o assaltavam como se não tivesse passado mais de uma hora depois. Recordava o intenso desejo que tinha sentido ao vê-la nua pela primeira vez, vestida com o sedutor espartilho de cetim que não deixava nada à imaginação. Supôs que deveria começar por aí.

-Tudo foi bem durante o casamento e o jantar. - Começou em voz baixa enquanto olhava de um a outro. - Mas enquanto se preparava para a noite, dei-lhe um presente especialmente feito para ela, ou, mas bem a obriguei a colocá-lo para mim. Quando chegou a meu quarto estava... impressionante. Linda. Mas na manhã seguinte estava furiosa e me disse que não queria que fizesse amor com ela nunca mais. – Pelo menos comigo, pensou, mas isso não o disse em voz alta.

Durante uns instantes ninguém disse nada, nenhum deles se moveu sequer. Então, Sam coçou a mandíbula com os dedos com expressão pensativa.

-Nos explique como era esse presente.

Colin tragou saliva.

-Era... um pouco parecido a um espartilho... Um objeto confeccionado com cetim vermelho e renda negra, com sapatos combinando.

Will começou a rir uma vez mais.

-Em nome de Deus, meu amigo, em que demônios estava pensando?

-Não pensava. - Respondeu Sam em seu lugar, enquanto tentava conter suas próprias gargalhadas tampando a boca com a mão.

A Colin lhe retorceram as vísceras.

-Admito que foi algo audaz de minha parte, pode que inclusive me equivocasse. Mas acabava de me casar com Lottie English...

-Não. - Interveio Sam. - Acabava de se casar com Lady Charlotte Hughes.

Chateado, Colin apertou as mãos com força.

-Sim, mas é que Charlotte é Lottie.

-Não, não é. A dama reservada com a qual jantamos esta noite e encantadora por direito próprio, sem dúvida não é a mesma mulher sofisticada e exuberante que vi na ópera. - Murmurou Sam, que parecia chateado. Lottie é a fantasia de qualquer homem. Charlotte é Sua, uma aristocrata que foi a ti, seu marido, como qualquer virgem em sua noite de núpcias.

Colin fez uma careta.

-Não entende. Sei que são pessoas diferentes, mas não pode sugerir que têm personalidades distintas. Casei-me com a mulher mais sensual e excitante...

-Quando está sobre o cenário. - Demarcou Will. - Atuando.

-E me consta que assim a fez sentir-se, com semelhante presente, como uma atriz que estava ali para levar a cabo uma representação em sua noite de núpcias. - Disse Sam em um tom tingido de humor e com um pingo de desagrado. Não é de estranhar que não queira saber nada mais de ti.

Depois de uma pequena pausa, acrescentou com cautela. - Pense uma coisa, Colin de verdade quer que ela atue para ti na cama? Porque isso é provavelmente o que ela acha.

Colin levantou a cabeça de repente, desconcertado por essas palavras. Seus dois amigos o olhavam com receio, como se de verdade esperassem que admitisse que só desejasse a Charlotte por isso. De repente começou a compreender, e as palavras que havia lhe dito sua esposa retornaram para atormentá-lo... “Obrigou-me a me pôr um objeto ridículo com sapatos combinando e me chamou por meu nome artístico... Não me deseja. Deseja à sofisticada e sensual Lottie English...”.

Nesse momento entendeu tudo. Colin se ergueu muito devagar e respirou fundo enquanto baixava a vista até o grosso tapete que havia a seus pés.

Até então, jamais lhe havia passado pela cabeça algo semelhante. Sim, como todo mundo sabia, desejava a essa mulher de fantasia que o tinha encantado durante três anos e todos sabiam também, incluindo Charlotte, que essa era a razão fundamental pela qual se casou com ela. Disso não havia nenhuma dúvida. Não obstante, nunca quis nem esperou que ela atuasse em seu benefício, que interpretasse um papel no qual não se sentia cômoda. Atuar na cama seria como fingir ao fazer amor, e fingir fazendo amor não requeria sentimento algum. E ao fim e ao cabo, sem sentimentos não havia intimidade real, e muito menos diversão. Foi necessário o tremendo impacto dessa idéia para que percebesse o muito que tinha ofendido a sua esposa.

-Não, é obvio que não é isso o que quero. - Replicou por fim, enquanto se reclinava sobre as teclas ao descoberto, que emitiram um som discordante e desagradável. Fui um estúpido.

-Possivelmente um estúpido não, mas sem dúvida desconsiderado. - Corrigiu-o Sam. O espartilho deve ter surpreendido-a bastante.

Ou assustá-la, pensou.

-E é provável que não compreendesse absolutamente o que desejava dela. - Interveio Will.

Não teve a menor oportunidade de fazê-lo, disse Colin.

-Bem, o que sugerem que faça agora? - Murmurou.

Will soprou.

-Por que não a seduz? É o que deveria ter feito em primeiro lugar.

Colin penteou o cabelo com os dedos.

-Estou seguro de que a vocês dois parece algo muito fácil, mas é óbvio que eu troquei os pés pelas mãos na primeira vez, e agora me parece uma estupidez fazer algo assim.

Arrependeu-se de ter respondido aquilo quase imediatamente. Ele era o único deles três que jamais tinha tido problemas para seduzir a uma mulher, o único que sempre resultava encantador, e sabia com toda certeza que seus amigos estavam pensando isso mesmo.

Fez-se um longo e incômodo silêncio, um momento lamentável que Colin não esqueceria embora vivesse cem anos. Nunca tinha feito nada tão difícil... como admitir diante seus amigos que sua brilhante esposa, deixava-o de lado mesmo atraída  por ele, não o desejava como homem. A humilhação que sentia nesses momentos devia ser quase evidente.

Ao final, Sam deixou escapar um prolongado suspiro e disse com franqueza:

-O problema é seu, obvio, mas te sugiro que tire partido de sua inocência. Não espere que se comporte como uma mulher experimentada, Colin, porque é óbvio que não o é. Cometeu um engano, mas ainda é sua esposa e pode se deitar com ela. Comece desde o princípio. Não espere nada dela e ensine você.

-Embora ela não mostre o mínimo interesse? - Replicou ele com mordacidade.

-Não está pensando com claridade. - Acrescentou Will em tom grave.

-Não há duvida de que a dama gosta e de que se sente atraída por ti. Tire partido disso também. Dê-lhe o que deseja não o que espera. Seduza-a quando menos o espere. E, pelo amor de Deus, com calma.

Pouco a pouco. Estava a ponto de estalar por causa do desejo insatisfeito enquanto sua esposa dormia no quarto ao lado noite após noite, mas o mais provável era que essas, fossem palavras sobre o que às mulheres gostariam. Will e Sam, ambos casados, sabiam. Seu verdadeiro problema, tal e como ele o via, era que na realidade jamais teve que esforçar-se para seduzir uma mulher. As mulheres podiam desejá-lo ou não, mas, segundo sua experiência, seu encanto falhava em muitas estranhas ocasiões. O fato de que Charlotte fosse seu primeiro desafio autêntico era o cúmulo da ironia. Seu encanto teria que superar a inteligência dela se quisesse ter êxito em uma sedução prolongada, mas se tivesse, a recompensa seria enorme.

Uma vez considerada a idéia, Colin ficou em pé de novo e se aproximou da janela que havia atrás de sua escrivaninha. Cruzou os braços à altura do peito e apoiou um ombro contra um dos painéis de cristal. Tudo estava em silêncio e não se via nada mais que o céu negro, não havia lua, nem chuva, nem sequer estrela. Só silêncio. A calma antes da tormenta.

-Há uma coisa mais. - Disse com tranquilidade. Voltou-se para olhá-los uma vez mais antes de acrescentar. - Estiveram a ponto de matá-la no teatro há três semanas.

-O que?

A pergunta provinha de Will, que tinha a expressão séria. Sam permanecia imóvel em seu assento, com ar pensativo.

Colin atirou para trás a cadeira que havia junto a sua escrivaninha e se deixou cair nela antes de reclinar-se e enlaçar as mãos sobre o colo.

-Caiu uma viga do teto quando ela estava sozinha no cenário. Passou a escassos centímetros da cabeça, e só porque eu gritei a tempo para que se movesse. Ela subtraiu a importância do assunto e insistiu em que não era mais que um simples acidente. Mas eu fiz algumas indagações por conta própria e pelo visto não é a primeira vez que acontece algo assim nesse teatro. Ou mente a si mesma ou mente por alguma razão que desconheço. Em qualquer caso, começo a acreditar que tem problemas.

Nenhum de seus amigos disse nada enquanto assimilavam, preocuparam-se com a informação.

-Acha que esses... percalços têm algo a ver contigo? - Perguntou Sam por fim.

Colin encolheu os ombros.

-Não saberia dizer. Não fui capaz de intimar o bastante com ela para averiguá-lo.

-E por que não? - Quis saber Will. Embora não mostre interesse algum pelo sexo, continua sendo sua esposa.

“Não mostre interesse algum pelo sexo”. Escutar isso fez que Colin desejasse romper algo. Em lugar de fazê-lo, esboçou um sorriso amargo e se levantou da cadeira.

-Querem outro gole, meus amigos? Eu necessito.

Sam fez um gesto negativo com a cabeça; Will lhe entregou seu copo quando passou a seu lado. Colin se aproximou a toda pressa do aparador e serviu licor para ambos. Seu copo continha algo mais do que deveria, mas decidiu que não lhe importava nada levantar-se com dor de cabeça.

-Eu posso protegê-la em casa. - Disse por fim, voltando-se para olhar seus amigos com os dois copos nas mãos. - Mas no teatro será difícil. Quando apareço a deixo nervosa, e para ser sincero, me apresentar ali todo o dia resultaria algo... incomum, por dizer de maneira suave. Estranho, inclusive. Todo mundo se perguntaria que demônios estou fazendo ali. - Fez uma pausa antes de acrescentar com sarcasmo. - Todo mundo salvo o grande Porano, que ao parecer só pensa em si mesmo.

Sam se acomodou melhor na poltrona.

-O grande quem?

Colin meneou a cabeça e se afastou do aparador.

-Dá igual.

-Poderia lhes dizer a verdade também ou, melhor ainda, lhes deixar assumir que tem certo interesse romântico por Lottie English. - Propôs Will enquanto que agarrava seu copo. - Ninguém sabe que vocês dois estão casados. Imagina quantas possibilidades te dá isso.

-Imagina os rumores que despertaria. - Disse ele. Deu um bom gole ao brandy e depois se sentou uma vez mais na cadeira. - E embora essa fosse uma desculpa maravilhosa para permanecer perto dela, não acredito que Charlotte aprecie que interfira em seu trabalho.

-Se acha seriamente que se encontra em perigo, talvez deva alertar às autoridades. - Sugeriu Sam.

Colin negou com a cabeça.

-Não posso. - Disse com voz séria. - Já tinha pensado, mas não tenho prova alguma de que haja uma conspiração para lhe machucar, somente... uma intuição. E, ao parecer, a ninguém preocupa.

-Podemos tentar outra coisa. - Começou Will, que tinha os olhos quase fechados enquanto contemplava o brandy que girava muito devagar no interior de seu copo. - Deve haver mais mulheres no teatro nas quais você poderia... concentrar sua atenção.

-Vá, essa sim que é uma boa idéia. - Replicou ele em tom amargo antes de tomas uns de goles de sua bebida. - Deixar que minha esposa me veja paquerando outra e acreditar que minha reputação segue intacta.

-Espera um momento. - Interveio Sam, que esboçou um meio sorriso enquanto passava os olhos entre seus dois amigos. - Não é uma má idéia, Colin. Há outras mulheres jovens no teatro diariamente?

Colin soltou um grunhido.

-É obvio que sim. Ou isso acredito.

-Nesse caso, pense bem. - Prosseguiu Sam. - Charlotte não poderá evitar se você for ali com a falsa pretensão de cortejar outra, e isso evitaria que ela se visse obrigada a revelar a relação que tem contigo a qualquer muito curioso. - Sorriu de orelha a orelha-. E, deixando as boas intenções de lado, possivelmente conseguiria deixá-la um pouco ciumenta se vir que dedica sua atenção a outra.

Colin albergava certas dúvidas. Não tinha o menor interesse em cortejar outra mulher nesses momentos, mas gostava da idéia de despertar o ciúmes de sua esposa. Isso poderia levá-la até sua cama mais rápido que uma lenta sedução. Ou possivelmente não. Também era possível que não lhe importasse absolutamente. Teria que ser muito cauteloso com essa colocação. Mesmo assim, havia uma coisa que ainda o preocupava.

-Todo o país sabe que estou casado com Lady Charlotte, a respeitável irmã do conde de Brixham. - Disse, zangado de novo sem nenhuma razão. - Se for muito descarado, muito óbvio, o mais provável é que a sociedade se inteire de que sou infiel.

Sam piscou.

-E isso lhe perturba?

A pergunta, embora sincera, o deixou furioso.

-É obvio que me perturba. Não sou nenhum canalha, pelo amor de Deus.

-Então não seja descarado. - Assinalou Will enquanto encolhia um de seus ombros. - Se tomar cuidado, não haverá mais que especulações sobre o que faz e com quem. Rumores sem provas reais. Ao final, só Charlotte e você saberão a verdade, e isso é o que importa.

Colin esfregou os olhos. Doía-lhe a cabeça, tanto a causa do álcool que tinha bebido como de tanto pensar sob sua influência. Precisava dormir.

Por fim, Sam lançou uma olhada ao relógio da parede e ficou em pé.

-É quase meia-noite e estou exausto.

-Que você está exausto? - Replicou Colin com um débil sorriso.

Sam passou os dedos pelo cabelo.

-Um dia, quando deixar grávida sua esposa, saberá do que falo. Mas a sério, devo levar Olivia para casa.

Will terminou seu brandy antes de se levantar da poltrona.

-Nós deveríamos partir também. Partimos por volta para Cornwall a semana que vem e seguro que há coisas que Vivian precisa incluir na bagagem.

Colin se afastou da cadeira pela última vez e se espreguiçou.

-Resulta assombroso o dóceis que se tornaram. É uma pena, de verdade.

-Ser dócil tem suas vantagens. - Admitiu Sam enquanto os três avançavam para a porta do escritório. - E se te sou sincero, é muito melhor que viver sozinho, em todos os sentidos.

Sozinho. Com minha esposa na habitação do lado, pensou Colin.

Levaria em conta os conselhos que lhe tinham dado essa noite, todos. O certo era que estava farto de sentir-se confuso e de ter que andar com pés de chumbo para não incomodá-la. Era um homem casado; tinha uma esposa a que devia proteger e cujo corpo necessitava com desespero. Tinha chegado o momento de tomar algumas decisões.

Tinha chegado o momento de atuar.

 

CAPITULO  11

Vestida com uma prática camisola de algodão, Charlotte estava sentada em frente a sua penteadeira e contemplava o reflexo de seu rosto no espelho. Suas bochechas estavam rosadas por causa dos efeitos do vinho. Tinha dado as instruções a Yvette, que acabava de partir para dormir, para que não a incomodassem até as oito da manhã se não despertasse por si só antes. Depois das quatro horas de ensaio no teatro, o jantar e o bate-papo com os amigos de Colin, sentia-se completamente esgotada e estava impaciente para deitar-se sob os lençóis e ter uma larga e merecida noite de sono.

Não voltou a ver seu marido desde que partiu para tomar um brandy com os cavalheiros, e isso estava muito bem. Essa incômoda tensão que os invadia sempre que estavam perto um do outro lhe provocava uma estranha agitação e lhe impedia de concentrar-se em coisas mais importantes. De fato, era muito consciente de que ele havia passado todo o jantar olhando-a, do mesmo modo que era consciente dele como homem. Bom, possivelmente essa não fosse a forma correta de expressar. Era de tudo normal que ela, como mulher, reagisse a sua masculinidade, a esse físico poderoso e a esse rosto tão elegante. O que havia entre eles não era mais que uma inoportuna atração física que sem dúvida desapareceria com o passar do tempo. Até então, teria que ser inteligente e manter-se afastada dele quanto fosse possível. E ao parecer, o trabalho era uma boa maneira de fazer isso, embora em ocasiões seus pensamentos girassem em torno dele inclusive enquanto trabalhava.

O beijo que lhe tinha dado na carruagem há três semanas ainda perdurava em sua memória... e em seus, lábios. Recordava-o sem cessar, para sua mais absoluta irritação. Esse homem havia tecido um feitiço a seu redor e lhe tirava de do sério e a deixava consciente de que não era necessário sequer que ele estivesse na habitação para que desejasse que a beijasse de novo. Por toda parte.

Estremeceu-se de cima abaixo e agarrou a escova da penteadeira para retorcê-la entre as mãos antes de começar a pentear-se.

Sabia que o «acidente» do teatro era intencional; mas não estava destinado a lhe fazer dano, a não ser a assustá-la. Também sabia a que eram devidos, embora, apesar de que tinha pensado muito no assunto, seguia sem poder determinar quem de entre seus amigos e colegas podia haver-se aliado a seu irmão. E Charles devia estar atrás de tudo aquilo. Embora não soubesse sobre a partitura de Händel que ela possuía, seu irmão era a única pessoa que desejava que renunciasse ao teatro para evitar que seu bom nome caísse em desgraça no caso de sua identidade chegar a conhecer-se entre os membros da alta sociedade. Contudo, não estava atuando sozinho, já que, salvo a noite da estréia, nunca se rebaixava a mostrar seu rosto em semelhante lugar. Tinha conseguido a ajuda de alguém, e o único que Charlotte podia descartar era Porano; o tenor não tinha tempo para pensar mais que em sua própria fama, e, além disso, o mais provável era que esse assunto nem sequer lhe interessasse.

Colin iria a ajudaria se ela o pedia, mas não estava disposta a fazê-lo. Ainda não o conhecia bem, não sabia se podia confiar seu segredo ou se tentaria vender a única propriedade que era tão somente dela, a peça que podia lhe assegurar a independência durante o resto de sua vida, com a simples desculpa de que lhe pertencia legalmente por ser seu marido. Estava claro que seu marido não necessitava o dinheiro que proporcionaria sua venda, mas Charlotte ainda não tinha claro suas intenções no que a ela se referia, em nenhum dos aspectos de sua vida matrimonial, e isso lhe dava o que pensar.

-Tem um cabelo muito bonito.

Surpreendida, Charlotte afogou uma exclamação ao ouvir o som rouco de sua voz na porta adjacente.

-Estava a ponto de ir à cama, milorde. -Disse enquanto deixava a escova sobre a penteadeira.

Pôde ver como ele avançava em sua direção com um sorriso malicioso.

-Passou bem esta noite? - Inquiriu Colin com ar despreocupado.

O coração de Charlotte começou a pulsar com força.

-É obvio, excelência. Seus amigos são pessoas adoráveis.

Ele assentiu como se esperasse uma resposta semelhante e se situou atrás dela para contemplar seu reflexo. Os traços masculinos tinham uma expressão reflexiva enquanto a estudava através do espelho. Colin esticou uma mão e lhe agarrou algumas mechas de cabelo antes de enredar-lhe nos dedos. Preocupada com suas possíveis intenções, Charlotte abriu os olhos de par em par, mas se manteve imóvel, concentrada em sua postura, por medo de despertar sua ira se afastasse de repente.

Por fim, ele soltou os sedosos fios de seu cabelo e lhe apoiou as mãos sobre os ombros antes de observar uma vez mais seu rosto refletido no espelho.

Charlotte sentia a pele cálida de suas mãos incluso através do tecido da camisola, mas não se moveu.

-Sabe? - Murmurou seu marido com suavidade, enquanto inclinava a cabeça para um lado. – Lembro-me de ter pedido que me chamasse de Colin no dia seguinte ao nosso casamento, mas ainda não te ouvi pronunciar meu nome durante uma conversa informal.

O que podia fazer ante um comentário semelhante? Desculpar-se? Para ser sincera, nem sequer podia recordar se tinha utilizado alguma vez seu nome de batismo ou não, mas o comportamento pouco habitual de seu marido e sua inesperada presença em seu dormitório começavam a intimidá-la. E embora não lhe assustasse sua proximidade, nem o fato de que lhe tivesse colocado as mãos em cima de seu ombro e a olhasse com ar pensativo, jamais se havia sentido tão vulnerável em toda sua vida.

-A verdade é que estou muito cansada, Colin...

-Se levante Charlotte. - Interrompeu-a ele com amável insistência.

Ela piscou um par de vezes.

-Que me levante? - Repetiu.

Seu marido quase fechou os olhos para observá-la e esboçou um pequeno sorriso.

-Ainda não está na cama, verdade?

Charlotte sentiu como acelerava o pulso.

-É certo, mas...

-Nesse caso, se levante. - Afastou as mãos de seus ombros e retrocedeu um passo. - Aqui mesmo.

Não podia lhe negar um pedido de aparência tão simples e inocente; não lhe ocorria nenhuma razão para fazê-lo. Depois de apoiar as mãos na penteadeira e sem atrever-se a enfrentar o intenso olhar que a contemplava através do espelho, Charlotte fez o que lhe pedia e se levantou muito devagar.

Com um rápido movimento, seu marido afastou a cadeira que havia atrás dela e ocupou seu lugar com seu poderoso corpo, deixando-a presa sem sequer tocá-la. Charlotte sentiu a boca seca. Não podia mover-se.

-O que está fazendo? - Sussurrou.

Sem dar nenhuma explicação, ele se inclinou um pouco para poder situar a bochecha junto à sua, sem deixar de observá-la através do espelho. Então, uma vez mais, pôs as mãos nos ombros por cima da camisola e começou a massagear-lhe brandamente com os dedos.

-Feche os olhos. - Pediu-lhe com voz rouca. Seus lábios quase lhe roçavam a orelha.

Em um estado de ânimo próximo ao pânico, Charlotte tragou saliva.

-Excelência...

-Feche os olhos, Charlotte. - Repetiu com um pouco mais de insistência. - Relaxe.

Como demônios iria relaxar? Tinha-a enfeitiçada, quase cativa entre seus braços. Contudo, ela sabia de maneira instintiva que se o empurrasse para afastá-lo ou se o repreendia com fúria, ele a deixaria partir. Ao menos, confiava em que o fizesse.

Depois de respirar fundo para infundir-se coragem, fez o que lhe pedia e baixou as pálpebras. Sentia seu fôlego quente sobre a pele, percebia o tênue aroma da colônia e o brandy, e as pontas de seu cabelo loiro escuro lhe faziam cócegas na mandíbula, lhe provocando calafrios.

Seu marido começou a incrementar a pressão das mãos sobre seus ombros. Baixou-as pouco a pouco para a parte superior dos braços e logo voltou a subir para lhe massagear o pescoço. Logo estirou os dedos para frente para lhe acariciar com suavidade a clavícula, justo por debaixo do pescoço da camisola. Charlotte não pôde evitar deixar-se levar. Era maravilhoso, e, quase sem perceber, inclinou-se um pouco para trás para aproximar-se mais de seu peito.

-Por que faz isto? - Perguntou em um sussurro.

-Chist. Nada de perguntas. - Replicou ele em voz baixa. – Irei embora dentro de uns instantes, mas antes quero te mostrar algo.

Charlotte se aproximou ainda mais de seu amplo e musculoso peito. Não tinha nem a mínima idéia do que era o que iria mostrar-lhe, e muito menos de quais eram suas intenções, mas nesse momento não se importava. Suas evasivas, junto com essa maneira perita de lhe massagear os músculos doloridos, estavam-na excitando até o inexprimível.

-Vou te dar a primeira ordem direta como teu marido, Charlotte.

De repente sentiu que lhe dobravam os joelhos e esteve a ponto de render-se, a ponto de deixar que seu corpo se relaxasse contra ele. Viu-se obrigada a recorrer a toda sua força de vontade para manter a postura.

-A ordem é a seguinte. - Continuou ele sem aguardar uma resposta. - Enquanto te mostro o que quero te ensinar, terá que ficar aí sem se mover e sem falar, e manter os olhos fechados. Assente com a cabeça se entendeu.

Entender? Uma diminuta parte dela queria afastar-se de seu lado, correr para a cama e esconder-se sob os lençóis. Mas ao parecer não era capaz de fazer o que lhe ditava a lógica enquanto lhe massageava os ombros e os braços, enquanto lhe percorria os omoplatas com os polegares e deslizava a ponta dos dedos por sua garganta em carícias suaves como plumas. Ao final, obedeceu e assentiu com a cabeça.

Imediatamente, a respiração de seu marido se acelerou e este começou a deslizar o nariz ao longo de sua orelha para depois, depois de uma pequena pausa, percorrer o lóbulo com os lábios. Charlotte se estremeceu e aspirou com força entre dentes, rendida ao desejo líquido que alagava seu ventre. Sabia que era muito provável que ele tivesse notado sua reação, mas decidiu que carecia de importância. Ao final, Colin a puxou para apoiá-la contra seu peito amplo e duro, e o calor que emanava de seu corpo chegou as suas costas apesar das roupas. Começou a lhe percorrer os braços de cima abaixo com a ponta dos dedos até que Charlotte notou que se arrepiava; não a estava tocando de maneira indecorosa, mas a fazia desejar... algo que estava fora de seu alcance. Fossem quais fossem os propósitos de seu marido, ela não podia seguir lutando contra esse delicioso esforço de sua parte, embora pedisse a Deus ajuda para não gemer e dar a volta para entregar-se a ele. Em lugar disso, e incapaz de evitá-lo, limitou-se a apoiar a cabeça sobre seu ombro para desfrutar da ternura e a força que a envolviam.

-Um minuto mais. - Sussurrou ele contra sua garganta. - E te deixarei em paz.

Deixá-la em paz? Não queria que a deixasse em paz, queria que a tocasse dessa forma durante horas.

Colin continuou acariciando os braços um par de minutos mais antes de deter-se.

-Agora abre os olhos... - Murmurou.

Charlotte demorou um pouco em reagir e depois, muito devagar, abriu as pálpebras e enfrentou seu olhar no espelho.

Contemplou seu próprio reflexo e se fixou no rubor de suas bochechas, em seus lábios úmidos e entreabertos, no pulso acelerado de sua garganta. Entretanto, quando pousou a vista nele, ficou sem fôlego e embargada por uma incrível sensação de assombro. Nunca em sua vida tinha presenciado essa veemência em um homem, essa escura determinação que lhe esticava a mandíbula, esse desejo no olhar. E tinha sido ela quem lhe tinha provocado essa reação... sem fazer nada.

-É uma mulher muito linda, Charlotte. - Disse com voz grave e tensa, com a bochecha contra sua têmpora.

Ela não pôde responder. Tinha um nó na garganta e sentia o corpo ardente e trêmulo.

Colin percebeu sua debilidade. Apertou os lábios e a rodeou com os braços para estreitá-la com força enquanto percorria com os lábios a linha de nascimento do cabelo na testa. Logo posou um dos braços sob seus seios e deslizou o outro para lhe segurar o quadril e lhe empurrar o traseiro para trás, contra ele.

Charlotte aspirou de maneira brusca ao sentir a prova rígida do desejo que lhe inspirava. Entretanto, por muito que desejasse escapar de seu lado, não pôde fazê-lo. Tinha-a enfeitiçado.

-Isto é o que acontece quando te toco, quando estou tão perto de ti, quando penso em ti, Charlotte. - Sussurrou-lhe ao ouvido sem afastar o olhar da dela. - E penso em ti cada minuto do dia.

Charlotte abriu os olhos em um gesto de incredulidade; seu marido os fechou quando levantou a mão com audácia para lhe cobrir um seio por cima da camisola. Não fez nada mais; permaneceu imóvel, tentando-a, à espera.

-Colin... - Sussurrou ela.

Ele tomou uma profunda baforada de ar e logo, ante o atento olhar de Charlotte, abaixou a cabeça para lhe beijar a bochecha enquanto colocava a mão sob a camisola a fim de lhe cobrir o mamilo nu com a palma.

Incapaz de resistir, Charlotte soltou um gemido ante tão deliciosa carícia e lhe apertou os braços com as mãos por medo de que lhe fraquejassem as pernas.

-Você gosta disto? - Perguntou seu marido, que a olhou uma vez mais nos olhos através do espelho.

-Sim... - Sussurrou ela, enquanto assentia com a cabeça de forma quase imperceptível.

Colin deslizou a ponta dos dedos pelo mamilo algumas vezes e ela lambeu os lábios antes de apertar-se contra sua mão, presa de uma súbita necessidade que percorreu seu corpo de cima abaixo. Seu marido percebeu, mas não deixou de acariciá-la nem de olhá-la com esse brilho abrasador nos olhos. Foi nesse momento que se afastou dela.

-Boa noite, querida esposa. - Sussurrou depois de lhe beijar a orelha pela última vez.

E ato seguido, retrocedeu e saiu através da porta do dormitório contiguo sem fazer o menor ruído, deixando-a só no fria de seus quarto.

 

CAPITULO  12

Charlotte estava sentada o mais erguida possível em frente a seu marido na carruagem que ele tinha alugado essa manhã para levá-la ao ensaio, olhando as partituras de música para não ter que olhá-lo ou iniciar uma conversa.

Tinha-a observado em silêncio durante quase uma hora, embora fingisse estar adormecido, com as mãos enlaçadas sobre o colo e o corpo, como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. Ela, entretanto, era incapaz de aplacar os batimentos acelerados de seu coração, o nervosismo que a embargava e o formigamento que sentia por dentro sempre que recordava o que lhe tinha feito a noite anterior. Para falar a verdade, tampouco era que tivesse ido muito longe às carícias, mas fosse qual fosse seu propósito, tinha tido êxito. O resultado tinha sido do mais desagradável, tanto pelo que lhe tinha feito sentir antes de deixá-la sozinha e frustrada por sua debilidade, como porque não sabia se ele tentaria fazer algo parecido de novo. E de ser assim, muito temia não ser capaz de resistir.

Para ser sincera, não teria feito aquilo inclusive se ele não tivesse feito nada mais que tocá-la. Mas tinha feito muito mais que isso. Tinha-a encantado, confundido e sim, também tinha conseguido que se assustasse quando mais tarde ficou pensando como conseguia despertar nela uns sentimentos que nem sequer compreendia com o simples feito de lhe tocar os ombros e lhe sussurrar no ouvido. Deixando de lado que estavam casados e que Colin tinha o direito legal de aproximar-se dela com qualquer desculpa, o certo era que não a tinha obrigado a entregar-se. Entretanto, a lembrança a tinha mantido acordada toda a noite, a lembrança que, por estranho que parecesse, envergonhava-a e a estremecia ao mesmo tempo, era a de seu membro rígido apertado contra ela, o fato de saber que o tinha excitado sem fazer absolutamente nada. Tomara soubesse como utilizar isso para tirar partido para sua situação.

-No que pensa?

Charlotte deu um pulo ao ouvir a pergunta que interrompia suas reflexões e por um momento temeu que ele pudesse ler sua mente. Depois de repreender a si mesma pela tão ridícula idéia, replicou:

-No terceiro ato.

Colin esboçou um sorriso e a olhou com as pálpebras quase fechadas.

-Surpreende-me bastante, porque esteve contemplando a mesma página durante dez minutos.

Ela deixou correr o comentário e começou a passar as páginas sobre seu colo.

-Dormiu bem? - Inquiriu seu marido momentos depois.

A pergunta lhe acelerou os batimentos do coração. O que esperava que lhe respondesse?

-Descansei muito bem, obrigado. - Respondeu com voz aborrecida e sem olhá-lo.

-Trouxe um montão de música. - Assinalou com ar casual.

Charlotte encolheu os ombros.

-O trajeto até o teatro é muito longo.

-Ah. - Esperou uns segundos antes de perguntar. - E necessita tudo isso para hoje?

Ela levantou a vista um momento. Se seu marido estava decidido a manter uma conversa, o mais provável era que não houvesse forma de evitar. A menos, o assunto da música assegurava um bate-papo neutro.

-Não, não necessito tudo isto para hoje. - Admitiu suspirando. - Mas tenho um montão de peças em meu camarim e as olho com frequência; e de vez enquando aquelas que guardo em casa. - Elevou umas quantas páginas com ambas as mãos. - Em sua maioria são exercícios de prática.

-Exercícios de prática? – Repetiu ele enquanto arqueava as sobrancelhas.

Não parecia interessado absolutamente, embora Charlotte devesse admitir que tampouco tinha evitado o assunto.

-Isto. - Explicou enquanto levantava um pequeno maço de papéis. - São vocalizações, séries de nota criadas segundo distintas escalas e arranjos, ou às vezes melodias, que geralmente se cantam a capela, com o pianista só como guia. Todos os cantores devem esquentar as cordas vocais diariamente.

-Entendo. - Disse Colin. - Jamais acreditei que cantar fosse tão complicado.

Charlotte sorriu, cativada por seu bom humor.

-Cantar é fácil. A música pode ser complicada. Unir as duas coisas resulta quase sempre ou muito frustrante ou muito gratificante. Em ocasiões ambas as coisas.

-Como o problema com o tempo do senhor Porano?

Charlotte sabia que tirava sarro, mas, por surpreendente que parecesse, estava-o passando bem. Sorriu e assentiu com a cabeça.

-Exato, embora para ser justa devo dizer que todos os cantores têm problemas aos enfrentar-se, já sejam grandes ou pequenos.

-E qual é seu problema?

-Eu sou uma exceção. - Assegurou ela suspirando exageradamente. - Também sou a soprano principal. Portanto, não tenho problemas.

Colin esboçou um sorriso.

-Também é muito modesta.

Charlotte encolheu os ombros e voltou a concentrar sua atenção na música.

-Todos devemos nos esforçar para fazer as coisas o melhor possível. Eu me esforço para ser a pessoa mais modesta que conheço.

Isso o fez rir.

-E onde estão seus óculos? - Inquiriu segundos mais tarde.

Ela elevou a vista.

-Como disse?

Colin assinalou com o dorso da mão.

-Seus óculos. Não os usa, embora me dissesse que os necessitava para ler música.

A verdade era que se sentia muito pouco atraente com essas enormes lentes sobre o rosto e, por simples vaidade, não gostava de usá-los quando seu marido estava perto. Não obstante, jamais admitiria algo semelhante diante dele.

-Acho que os esqueci. - Disse sem mais, enquanto baixava a vista uma vez mais para as partituras que tinha no colo.

-Seguro que tinha a cabeça em outras coisas esta manhã. - Comentou Colin suspirando afetado. - Qualquer um pode distrair-se, sobre tudo depois de uma noite semelhante.

Charlotte ficou paralisada, e embora notasse que lhe ruborizavam as bochechas, não se atreveu a olhá-lo no rosto. Havia dito isso de propósito para deixá-la nervosa, e se negava a lhe dar a satisfação de saber que sua tática tinha funcionado. Negou-se a responder e, graças a Deus, ele não a pressionou para que o fizesse.

Permaneceram em silêncio durante alguns minutos, até que a carruagem, que serpenteava através do tráfico, tomou a curva final do caminho para o teatro.

Charlotte começou a amontoar os papéis que tinha no colo.

-Bom, e quais são seus planos para hoje, milorde? - Perguntou com ar jovial, contente por poder livrar-se por fim de sua dominante presencia.

Colin respirou fundo e se endireitou no assento.

-Não estou seguro.

Ela franziu o cenho, um pouco nervosa ante a evasiva.

-Não pode ficar a meu lado todo o tempo, milorde. Não tem assuntos que atender relacionados com a propriedade?

Seu marido negou com a cabeça.

-Não.

Charlotte não sabia se brincava ou tentava pô-la furiosa.

Zangada, empilhou as partituras com ar indignado e depois enlaçou as mãos justo em cima do montão.

-Nesse caso, talvez devesse encontrar uma causa para ocupar seu tempo, excelência. - Assinalou. - A verdade é que não estou disposta a suportar sua perturbadora presença nos ensaios dia a dia.

Fez-se um momento de incômodo silêncio.

-Minha presença lhe perturba, Charlotte? - Murmurou ele ao final.

Tinha-o perguntado de tal forma que ela esteve a ponto de repreender-se a si mesma por ter sido tão cruel. Mas era melhor ser honesta.

-Não pretendia ser grosseira, excelência. - Admitiu, embora, mas calma. - Mas o certo é que você... põe-me nervosa. Não sei por que. Além disso, não entendo por que lhe resulta tão interessante meu trabalho.

Colin sorriu de boa vontade.

-Seu trabalho não me interessa absolutamente.

Ela se removeu incômoda no assento.

-Eu não sou uma causa, excelência.

Seu marido inclinou a cabeça a um lado enquanto percorria o rosto com o olhar.

-Pensou em mim depois de que me fui ontem à noite? - Perguntou em voz baixa momentos depois.

Charlotte notou como o calor lhe subia pelo pescoço até as bochechas.

-Isso não tem nada que ver com esta conversa.

-Sim, claro que tem que ver. - Replicou ele com expressão ardilosa.

Ela apertou os lábios, irritada.

-Importaria-lhe deixar de mostrar-se tão evasivo? Perguntei-lhe em numerosas ocasiões a que dedica seu tempo, onde vai e por que se mostra tão interessado em mim e no que faço, mas em lugar de me dar respostas decidiu começar a me seguir. - Soprou com força e acrescentou sem pensar. - Talvez necessite uma amante, milorde.

Tinha falado sem pensar e desejou imediatamente poder retirar suas palavras.

Colin arqueou as sobrancelhas, desconcertado.

-É isso o que quer, Charlotte? Que me busque uma amante? - Deslizou a ponta de seu sapato de cima abaixo por sua panturrilha, coberta pelas saias do vestido, e baixou a voz para confessar. - Não acredito, de verdade. Além disso, jamais pensaria algo assim depois dos maravilhosos momentos que compartilhamos ontem à noite e o muito que excitamos a ambos. Por agora não necessito a ninguém mais que a ti.

Aturdida por tanta sinceridade, Charlotte o olhou boquiaberta enquanto seu corpo parecia derreter-se como manteiga. Devia gostar de deixá-la perplexa, porque de repente se inclinou para frente e sussurrou:

-Chegamos querida minha. Quer que te acompanhe dentro?

Charlotte não poderia ter reagido mais depressa. Saltou do assento, pegou o trinco e abriu a portinhola antes que o chofer descesse para lhe oferecer sua ajuda.

 

Colin não acreditava ter desfrutado nunca de uma viagem em uma carruagem alugada em toda sua vida. A princípio tinha pensado em tomar uma de suas carruagens menores para ficar mais cômodo, mas Charlotte o tinha convencido de que não o fizesse. Imaginou que ela tinha suas razões, já que muitos os veriam chegar e se perguntariam que classe de relação tinham. Não lhe importava nada o que pensariam as pessoas, mas sabia que Charlotte não pensava o mesmo, assim tinha aceitar agradá-la. Possivelmente deveria, já que a noite anterior a tinha manipulado com maestria e tinha conseguido lhe provocar uma dolorosa necessidade que a tinha deixado insatisfeita. Tinham sido uns momentos do mais excitante para ambos, e algo sem precedentes para ele, o que sem dúvida tinha feito com que a situação lhe parecesse muito mais erótica.

Havia-lhe custado muito dormir depois de deixá-la. Ficou contemplando o teto, recordando suas reações quando a tocava aqui e lá, o muito que lhe tinha endurecido o mamilo e como tinha gemido quando o esfregou com os dedos. Entretanto, o que mais lhe surpreendeu foi sua própria reação. Se não recordava mau, jamais tinha deixado a uma mulher desejando mais. Sempre que se embarcava em um lance de sedução, ambos obtinham o máximo prazer possível. Mas Charlotte era diferente. O único prazer que podia obter dela era o desafio. E estava desfrutando muito bem.

Nesses momentos, depois do ameno e de certo modo ocupado trajeto até o teatro, seguia-a para a entrada traseira do edifício enquanto observava o suave vaivém de seus quadris e pensando em seus mamilos, não desaparecia sua ereção em todo o maldito dia. E a roupa de Charlotte não ajudava absolutamente. Embora estivesse com um simples vestido verde oliva com mangas inchadas e decote recatado, um vestido que não tinha sido criado para a sedução, tinha um aspecto magnífico. Nenhum estilo ou tecido conseguia ocultar sua maravilhosa figura. Ao menos, isso lhe permitia entreter o olhar, já que não lhe permitia tocá-la.

Fazia calor no teatro quando entraram, e Colin puxou o pescoço da camisa para afrouxar o lenço. Imediatamente, o aroma de pintura fresca assaltou seus sentidos, e escutou alguém cantando, certamente Porano, enquanto outra pessoa bata palmas ao compasso da música. Charlotte não prestava a menor atenção, mas ele a seguiu de todas as formas... para o camarim. Encontravam-se atrás do cenário, mas as cortinas estavam corridas, assim que lhe resultava impossível ver outra coisa que um par de pés diante de seu rosto. Não obstante, sua esposa parecia saber muito bem aonde ia.

-Acha que esta manhã o tempo estará bom? -Perguntou.

-Chist. - Replicou ela sem voltar-se. - Esse homem ouve tudo.

-Exceto o ritmo, conforme parece.

Charlotte riu baixo ao escutá-lo, e Colin percebeu que o único lugar no qual a tinha ouvido rir era sobre o cenário. Comoveu-o pensar que ela tinha encontrado gracioso algo que havia dito, e desejou poder lhe ver o rosto.

-Quem mais está aqui tão cedo? - Perguntou enquanto se aproximavam de seu camarim, que estava mais ou menos no meio da parte posterior do teatro.

-Uns quantos membros da equipe de bastidores; hoje deveriam começar a trabalhar na cenografia. - Respondeu ela enquanto girava o trinco para abrir a porta. - Anne e Sadie chegarão de um momento a outro, e...

Deteve-se de repente e soltou uma exclamação. Colin se situou a toda pressa atrás dela e não pôde evitar ficar boquiaberto ao contemplar a cena que tinha ante seus olhos.

Graças à tênue luz que penetrava pela janela, ambos puderam observar a confusão de partituras musicais de Charlotte que alguém tinha jogado pelo chão depois de tirá-las as das caixas e as gavetas.

Em um primeiro momento, Colin acreditou que alguém tinha registrado a fundo o camarim, mas mudou de parecer depois de observar tudo com atenção. O enorme armário seguia fechado e nenhum dos frascos de cosméticos e as escovas que havia sobre a penteadeira tinham sido tocados. Aquilo era um pouco deliberado, uma advertência de algum tipo. Alguém tinha destruído as partituras de maneira deliberada, possivelmente em procura de outra coisa.

Embora ainda não houvesse dito uma palavra, Charlotte parecia serena..., muito serena, na opinião de Colin, como se já esperasse que alguém fosse roubar seu camarim. De fato, não parecia surpreendida absolutamente.

Colin entrou em ação imediatamente. Agarrou-a do pulso e a obrigou a avançar para tirá-la do caminho a fim de poder entrar e fechar a porta.

-O que está fazendo? - Perguntou ela, dando meia volta para olhá-lo com expressão perturbada.

-Baixe a voz. - Ordenou-lhe Colin em um sussurro. - Tem fechadura?

Charlotte franziu o cenho.

-A porta?

-Sim, a porta. Tem fechadura?

Ela sacudiu a mão para soltar-se.

-Acredito que sim, mas jamais a utilizei. Não tenho a chave, se é isso o que quer saber.

Depois de passar os dedos pelo cabelo, Colin caminhou com rapidez para o armário, com muito cuidado para não pisar nas partituras disseminadas pelo chão, e abriu ambas as portas para estudar o conteúdo e assegurar de que estavam sozinhos. Depois se voltou para sua esposa uma vez mais com os braços em jarras.

-O que está acontecendo aqui, Charlotte?

Ela deu um passo atrás, na defensiva.

-Não tenho nem idéia...

-Sim, sim que a tema - Afirmou Colin com voz grave e firme. - Do contrário, estaria assustada. E entretanto nem sequer parece surpreendida.

Charlotte vacilou e seu rosto se transformou em uma máscara inexpressiva enquanto estreitava contra seu peito, a modo de escudo, as partituras que havia trazido consigo.

-Acabaram-se as evasivas. - Espetou-lhe, olhando-a nos olhos. - Me diga o que me está ocultando.

Tanta insistência a tirou de suas casinhas. Colin percebeu na forma em que apertava os lábios e no rubor de suas bochechas. Tinha-a presa, e ela sabia.

-Quero a verdade. - Insistiu, enquanto começava a caminhar para ela. - Agora.

Curvada, Charlotte esfregou a testa com a palma da mão e afastou o olhar, como se não soubesse muito bem por onde começar. Colin aguardou. Passou por seu lado para situar-se uma vez mais junto à porta fechada, a fim de evitar que escapasse em uma tentativa de lhe evitar. Ao vê-lo, ela se afastou da porta em direção a penteadeira e deixou em cima as partituras que ainda apertava sob o braço.

-Tenho em meu poder uma coisa que alguém deseja. - Disse hesitante.

Colin inclinou a cabeça e cruzou os braços à altura do peito.

-E do que se trata? De música?

-Sim. - Replicou ela imediatamente.

Tinha sido uma pergunta sarcástica, já que tinha assumido que não valia a pena roubar música ou arriscar a vida por ela, mas não teve mais que observar o rosto de sua esposa do outro extremo da escura habitação para saber que dizia a verdade.

Deu um passo para ela.

-Que classe de música é essa? Por que alguém chegaria até semelhantes extremos para consegui-la?

Ela o olhou com expressão sentida saudades.

-A música vale muito dinheiro, excelência.

-É obvio. - Replicou ele com um sorriso malicioso. Muito valiosa.

Charlotte cruzou os braços sobre o peito em um gesto defensivo quando viu que ele se aproximava. Mas não afastou o olhar.

-Não disse que é valiosa, milorde, disse que vale muito dinheiro.

Colin se deteve e olhou a seu redor antes de falar.

-Bom, pois é evidente que não a encontraram, já que do contrário estaria mais preocupada.

Sua esposa esteve a ponto de sorrir.

-Não está aqui.

Ele se inclinou para frente.

-Onde está? - Quis saber.

-Escondida.

Nesses momentos se encontrava justo em frente dela, furioso, e se inclinou para adiante até que seus rostos quase se tocaram.

-Charlotte, querida, me conte que demônios está ocorrendo aqui. Já.

A veemência de seu tom sereno a fez piscar. Logo deixou cair seu formoso traseiro sobre a cadeira da penteadeira que tinha atrás, sem prestar a menor atenção a quão retorcidas tinham ficado as saias do vestido.

Colin aguardou sem dizer nada, sabendo que de momento a verdade tinha chegado.

-Posso confiar em ti, Colin? - Perguntou ela em um sussurro.

Ele franziu o cenho, perplexo.

-Não sei muito bem o que responder a isso.

Charlotte se removeu na cadeira, incômoda, e retorceu as mãos sobre o regaço.

-Antes de te dizer nada preciso saber se posso confiar em ti.

Colin se inclinou a um lado e apoiou um ombro no marco dourado do espelho, com os braços cruzados sobre o peito e o olhar cravado nela.

-Se o que me pergunta é se acreditarei no que me diga, a resposta é sim. Se o que quer saber é se confiarei em seu critério, devo te dizer que não sei, Charlotte. até agora não me facilitou nada.

Era a resposta mais sincera que podia lhe dar, e embora tinham sido muitos ambíguas, as palavras obtiveram o efeito desejado.

-Meu primeiro instrutor vocal foi o célebre barítono Sir Randolph Hillman. Comecei minha carreira como cantora quando não tinha mais que onze anos e ele me treinou para que fosse a melhor. Eu não tinha pai, e com o passar dos anos chegou a se afeiçoar muito a mim, o mesmo que sentiria um pai orgulhoso por sua talentosa filha.

Embora não lhe surpreendesse, Colin percebeu o quão pequeno era o mundo ao saber que quem tinha sido seu instrutor vocal tantos anos atrás era um homem que conhecia, um homem com o que tinha falado em alguma reunião social e ao que havia visto muitas vezes sobre os cenários. Mas não queria falar disso; necessitava que ela fosse direta.

-Continue. - Disse depois de uma pequena pausa.

Charlotte respirou fundo e relaxou um pouco apoiando as costas no pequeno respaldo da cadeira da penteadeira.

-Quando fiz dezessete anos. - Disse cabisbaixa. - Meu irmão, que naquela época era meu tutor, decidiu que já era hora de que deixasse de cantar estupidezes e quis que dedicasse todos meus esforços em encontrar um marido. Como poderá supor, eu não obedeci muito bem. Desejava um pouco mais de tempo antes de renunciar a meu sonho de cantar no teatro, mas Charles se mostrou bastante impaciente. Poderia dizer-se que me obrigou a abandonar as lições com Sir Randolph sem ter em conta meus sentimentos.

-Deve ter sido difícil para ti. - Interveio Colin; seu tom de voz era sincero.

Ela esboçou um sorriso amargo.

-Foi. Mas era uma moça muito decidida. - Acrescentou. - Foi na aquela mesma época que Sir Randolph caiu doente, depois de muitos anos de ataques cardíacos. Graças a um golpe de sorte, Charles sentiu muita pena para me permitir visitá-lo. Depois de tudo, meu irmão assumiu que não poderia perder tempo «cantando estupidezes» se o homem estava doente.

Colin a observava absorto na história, e tentou não sorrir ante seu sarcasmo. A verdade é que sua esposa se convertia em alguém espetacular, e do mais adorável, quando se zangava.

-Só fui vê-lo duas vezes durante a larga semana que esteve em cama. - Continuou com voz apagada. - Na primeira vez, ele me fez prometer que jamais deixaria de cantar. O prometi, mas não mencionei que não poderia custear nenhum tipo de turnê, é obvio, nem cantar nos cenários como soprano principal. Meu irmão jamais teria me permitido fazer algo assim, e tampouco teria dado o dinheiro necessário, nem sequer no caso de ter podido fazê-lo. Charles insistia em que me casasse com um bom partido, me estabelecesse e tivesse filhos com os quais ocupar meu tempo.

Colin arranhou a nuca, confuso.

-Foi Sir Randolph quem te deu de presente essa partitura de valor incalculável?

Charlotte se inclinou para ele com os olhos brilhantes e um autêntico sorriso de entusiasmo.

-Sim. Sir Randolph ficou furioso com Charles que me entregou o único que me asseguraria um futuro como cantora profissional, se esse fosse meu desejo, durante o resto de minha vida.

-Que classe de música é tão valiosa para poder financiar sua carreira durante anos? - Perguntou. Sorriu com picardia antes de acrescentar. - Morro por sabê-lo.

Charlotte ficou séria uma vez mais.

-O que vou dizer deve ficar entre nós, Colin. Entendido?

Ele encolheu os ombros.

-Se tiver secretos, Charlotte, farei tudo que esteja em minha mão para guardá-los... sempre que não a ponham em perigo.

Por uns instantes, sua esposa se limitou a olhá-lo com ceticismo, como se tentasse decidir se sua resposta era aceitável ou não. Mas Colin não cederia nesse ponto, e ela sabia.

Depois de inclinar-se para frente, Charlotte apoiou os cotovelos sobre suas coxas e entrelaçou as mãos.

-Sir Randolph me entregou uma peça original inédita do grande Georg Friedrich Handel. - Anunciou em um sussurro apenas audível.

A princípio, Colin não fez mais que olhá-la, assombrado. Logo, quando começou a assimilar o significado do que lhe tinha contado, começou a ficar gelado. Certamente, a expressão de seu rosto, igual à maldita partitura, não tinha preço, porque Charlotte começou a rir baixo e se cobriu a boca para não fazer ruído.

-Não está brincando, verdade? - Perguntou depois de uns momentos nos quais ficou sem fala.

Ela deixou cair as mãos e se inclinou para trás horrorizada.

-É obvio que não. Não tem mais que ver toda esta confusão de papéis.

Colin baixou a vista ao chão enquanto penteava o cabelo com os dedos.

-Se não estar aqui, onde está? - Inquiriu com um nó na garganta.

Charlotte o observou com curiosidade.

-Em um lugar seguro. - Respondeu.

Uma vez recuperado, Colin se afastou do espelho e avançou para sua esposa com os nervos a flor de pele.

-Em um lugar seguro? Isso não é uma resposta, Charlotte. Quero vê-la.

-Não está aqui. – Repetiu ela uma vez mais.

-Sim, isso já deixou claro. - Replicou Colin com tanta paciência como conseguiu reunir. - Mas mesmo assim quero vê-la. Preciso vê-la. Onde está?

Durante longos instantes, Charlotte permaneceu em silêncio, mordendo os lábios em um gesto de indecisão enquanto ele a observava.

-Se confia em mim. - Acrescentou Colin com suavidade. - Tem que me confiar isso tudo, Charlotte...

-Para ser sincera. - Disse ao fim depois de tragar saliva. - Preocupa-me um pouco que, já que estamos casados, queira...

-Não tenho nenhuma intenção de vendê-la. - Interveio ele, que compreendeu imediatamente o que era o que temia. - Mas poderia te ajudar se confiar em mim.

Charlotte contemplou seu próprio reflexo no espelho que tinha ao lado antes de baixar a vista até seu colo.

-Está em casa.

Colin piscou.

-Em casa? Em nossa casa?

Ela assentiu.

Colin fechou os olhos e levantou os braços para entrelaçar os dedos por detrás da nuca.

Santa mãe de Deus... Tinha estado vivendo com uma obra original de Händel sob seu telhado, provavelmente desde dia de seu casamento, e ainda não o tinha visto porque sua esposa tinha medo de que quisesse vendê-lo. Nesse momento, presa de por uma de onda de frustração, desejou ter lhe haver falado sobre sua profissão quando se conheceram. Se ela soubesse o que era capaz de fazer...

-Verificou a autenticidade da partitura? - Perguntou com um grunhido assim que a idéia lhe passou pela cabeça.

-Não precisa. - Replicou ela, um pouco à defensiva.

Colin abaixou os braços e começou a rir entre dentes antes de voltar a cravar a vista em sua esposa.

-Que não precisa? - Meneou a cabeça. - Charlotte, pode que isso que tem em seu poder não valha nada. Possivelmente seja uma falsificação...

-Nesse caso, me diga uma coisa. - Interrompeu-o ela furiosa. - Por que ia alguém querer roubar uma falsificação?

Antes que pudesse responder, ouviu-se uma súbita gargalhada feminina junto à porta do camarim que sobressaltou a ambos.

-Sadie e Anne já estão aqui. - Sussurrou Charlotte. - Virão me buscar.

A Colin não lhe importava. Sua mente seguia concentrada nessa peça de incalculável valor que se encontrava em algum lugar de sua casa.

-Temos que guardar a partitura em uma caixa forte. - Suspirou para si mesmo. - Embora suponha que não pensa me dizer onde encontrá-la para que possa voltar para casa e pegá-la eu mesmo.

-Certamente que não. Além disso, jamais a encontraria; nunca saberia onde procurar, até no caso de que te dissesse onde está. - Assegurou-lhe ela, que ficou em pé para enfrentar seu olhar e alisar as saias. - E, como pode imaginar, eu não posso ir agora. Todo mundo questionaria o motivo de minha ausência.

-Incluída a pessoa que fez isto. - Refletiu Colin enquanto tirava suas próprias conclusões e começava a organizar um plano. Depois acrescentou seco. - Me ajude a ordenar isto.

Charlotte se agachou sem pigarrear e começou a recolher as partituras que havia pelo chão.

-No que está pensando?

-Em que precisamos manter isto em segredo no momento. - Respondeu Colin antes de ajudá-la a reunir os papéis. - A pessoa responsável por esta desordem quer te assustar, Charlotte; caso contrário, teria sido muito mais discreto e não teria deixado nada para recolher.

Sua esposa levantou os olhos e franziu o cenho.

-Mas isso não tem sentido. Por que quer me assustar? Por que iria querer alguém me informar de que deseja me roubar?

Colin fechou os olhos enquanto refletia e empilhou as partituras restantes sem muitos olhares.

-Não sei. Quantas pessoas sabem que essa peça está em seu poder?

-Acredito que ninguém sabe. - Murmurou ela. - Não contei a ninguém mais que a ti. Hoje.

-Então, Sir Randolph deve ter mencionado a alguém. - Replicou Colin.

-Impossível. - Insistiu Charlotte, que se situou a seu lado para observar o camarim. - Conforme Sir Randolph, ninguém sabia que possuía essa partitura, e me fez prometer que não contaria a ninguém até que estivesse disposta a fazê-la pública e vendê-la eu mesma.

Colin a segurou pelo cotovelo e a obrigou a voltar-se para poder olhá-la no rosto.

-Alguém sabe, Charlotte.

Ela franziu o cenho confusa, mas se limitou a negar com a cabeça.

-Preciso ver essa partitura, de verdade. - Acrescentou ele segundos depois.

-Verá. - Disse Charlotte, perturbada com sua insistência. - Embora não tenha nem idéia do que acha que pode descobrir.

Certo. Não tem nem idéia..., disse a si mesmo Colin.

Com um sorriso, soltou-lhe o cotovelo e lhe ofereceu as partituras que tinha recolhido para que ela as acrescentasse às suas. Ato seguido, Charlotte se aproximou do armário e abriu uma das portas para colocar a música em uma das prateleiras antes de fechar a porta de novo.

Colin observou como se voltava para ele com um brilho especial em seus adoráveis olhos, possivelmente um pouco preocupada com o que acaba de acontecer entre eles, e experimentou um arrebatamento de excitação que não tinha sentido em décadas.

-Tenho que começar a trabalhar. - Assegurou Charlotte enquanto alisava as mangas do vestido com as mãos. - Podemos falar disto mais tarde.

De repente a Colin lhe ocorreu outra idéia, uma idéia que ao princípio o desconcertou e logo lhe fez retroceder alguns passos para impedir que sua esposa saísse pela porta.

Charlotte se deteve diante dele.

-O que está fazendo?

Colin a olhou e esboçou um meio sorriso enquanto assimilava o que acabava de descobrir.

-Não precisava se casar comigo, verdade, Charlotte? - Perguntou em um sussurro.

Era provável que a expressão de seu rosto a pegasse despreparada. Charlotte deu um passo atrás e o olhou de cima abaixo.

-Do que está falando?

Colin não pôde conter o amplo sorriso de satisfação que apareceu em seus lábios.

-Acredito que sabe muito bem.

-Saber o que? - Inquiriu ela exasperada.

Ele negou com a cabeça muito devagar.

-Poderia ter trazido a partitura à luz a qualquer momento, havê-la vendido e ter vivido comodamente durante o resto de sua vida, fazer uma excursão por todos os cenários do mundo. E em lugar disso, foi até mim. - Estendeu um braço e riscou uma linha desde seu pescoço até seu ombro com a ponta do dedo, fazendo com que ela estremecesse. - Por que?

Charlotte pareceu aterrada durante uns momentos, mas depois, para sua mais absoluta surpresa, sorriu com malícia e se inclinou para ele tal e como Lottie o teria feito.

-Porque sabia que me desejava Colin. - Respondeu em um tom sedutor, enquanto apoiava a palma da mão sobre o peito. Não precisava vendê-la.

Colin sentiu que lhe acelerava o pulso ao ver transformar-se a sua esposa nessa mulher sedutora com a qual a princípio acreditava haver-se casado. Mas a brincadeira já não tinha graça. Não sabia dizer se Charlotte estava zombando ou admitindo que tinha utilizado seus encantos para enrolá-lo. De qualquer forma, a resposta o deixou frio.

-Assim decidiu se vender em seu lugar. - Replicou em voz baixa. - Não sei muito bem se devo me sentir adulado ou insultado.

Charlotte percebeu a mudança em seu comportamento, a crueldade que continham suas palavras, e percebeu imediatamente que o tinha ofendido. Seu sorriso desapareceu pouco a pouco e afastou a mão enquanto dava um passo atrás.

-Não queria dizer...

-Sim, sim que queria. - Interrompeu-a em um sussurro. - Mas ao menos foi sincera.

Charlotte lambeu os lábios e meneou a cabeça um par de vezes. Tinha as bochechas rosadas por causa da vergonha.

Colin compôs uma expressão indiferente e estendeu o braço para trás para abrir a porta.

-A fama te espera, Lottie.

Isso a deixou sem fala. Segundos mais tarde, sem dizer uma palavra, Charlotte passou a seu lado e abandonou o camarim.

 

CAPITULO  13

Charlotte não tinha atuado tão bem em toda sua vida. Estava furiosa, absolutamente furiosa com ele... e também confusa, incômoda e zangada consigo mesma por experimentar tão vulgares sentimentos e expressá-los em voz alta. Mas não podia permitir de nenhuma maneira que ele conhecesse as emoções que lhe tinha provocado, o qual resultava ser o mais difícil que já fez.

A primeira hora de ensaio tinha ido bastante bem se levasse em conta os acontecimentos anterior em seu camarim. Ninguém no teatro parecia suspeitar dela nem tratá-la de maneira diferente de qualquer outro dia. A maioria eram atores profissionais, é obvio, mas ao menos uma pessoa devia saber que tinham entrado em seu camarim e não havia dito uma palavra a respeito a ninguém.

Não obstante, depois que Porano e ela cantassem seu primeiro dueto e a partilha parasse para um descanso de cinco minutos, decidiu procurar Colin. Sentia-se bastante consternada pela forma como ele tinha reagido à última conversa que tiveram, e queria lhe pedir desculpas, embora, sobre tudo, queria ser honesta. Mas quando o encontrou em um canto escuro atrás do cenário conversando quase nariz com nariz com Sadie, qualquer possível desculpa se desvaneceu de sua mente.

Intranquila, e desconcertada pela proximidade entre eles, observou-os em silêncio, das sombras a certa distância, o que lhe impediu escutar o que diziam. Entretanto, à medida que passavam os minutos, ficava mais e mais furiosa, inclusive preocupada, já que não sabia se podia confiar em que seu marido guardasse o segredo da partitura de Händel. de repente o escutou rir por algo que havia dito sua amiga e Sadie lhe acariciou o braço como resposta. Charlotte se enfureceu ainda mais em questão de segundos e decidiu que não podia confiar nele. Para nada. Colin Ramsey, sempre um galã.

A verdade era que não tinha feito nada mal; paquerar era algo natural para muitas pessoas e Sadie estava vestida de maneira simples e decente. Não obstante, no momento em que chegaram a casa estava furiosa de novo por todo aquele incidente, mas sobre tudo consigo mesma, já que não podia lhe dizer nada sem parecer uma harpia. Em especial quando essa mesma manhã lhe tinha sugerido que necessitava uma amante.

Assim, quando entraram na casa, Charlotte não desejava outra coisa que tomar um banho, jantar em sua habitação e ir à cama. Contudo, seu marido não lhe permitiria fazer nada disso, já que tinha esperado durante todo o dia para ver o tesouro.

-Está em seu estúdio. - Disse com voz cortante, enquanto o precedia pelo corredor, segurando na mão as partituras musicais que levou para casa dentro de uma bolsa de linho.

-No piano, não? - Inquiriu ele.

-Que inteligente é você, excelência... - Disse ela, embora tentasse fazer com que suas palavras não parecessem muito sarcásticas.

-Isso é certo. – Concordou Colin. - E seria o primeiro lugar no qual teria procurado se tivesse chegado a casa antes. - Fez uma pausa e se inclinou para lhe sussurrar ao ouvido. - Depois de olhar na gaveta de suas meias.

Charlotte não sabia se lhe dava um bofetão ou começava a rir ante tão escandaloso comentário. Mas ao final decidiu fulminá-lo com o olhar por cima do ombro e deixá-lo passar.

Colin a seguiu sem dizer uma palavra até o estúdio. Uma vez dentro, fechou a porta e esperou que ela se aproximasse do piano.

De maneira deliberada, Charlotte se tomou seu tempo e o fez esperar para ver a obra original. Não obstante, seu marido parecia bastante paciente; quando deixou cair a bolsa com as partituras em uma das poltronas que havia em frente a sua escrivaninha e se voltou para olhá-lo, a expressão divertida de seu rosto a deixou mais irritada. Que vagabundo.

-Há algum problema? - Perguntou com os olhos muito abertos.

-É obvio que não. - Apressou-se a replicar ela. - Estou faminta e pensava que poderíamos jantar primeiro.

Colin arqueou as sobrancelhas.

-Nem pensar. - Disse.

Com o queixo em alto e uma careta zombeteira nos lábios, Charlotte se aproximou de seu antigo e adorado instrumento e respirou fundo. Logo levantou a tampa o suficiente para ver umas quantas cordas poeirentas na escuridão e colocou a mão no interior.

Seus dedos o roçaram imediatamente, justo no lugar onde o tinha escondido no dia que se mudou a essa casa.

Com muito cuidado, agarrou um dos cantos da tampa que o protegia e puxou com suavidade para tirá-lo. Depois abaixou outra vez a tampa do piano.

-Não interfere no som da música quando toca? - Quis saber Colin, que já se movia para ela.

Charlotte segurou o envelope na palma e se voltou para oferecer a peça a seu marido.

-Não, tinha-o posto no oco, não sobre as cordas. – Encolheu os ombros. - Que melhor lugar para esconder algo que um lugar onde a ninguém ocorreria olhar?

-Claro, claro. - Comentou ele. Contemplou a peça durante uns instantes com expressão séria e pensativa; logo, com muito cuidado, estendeu uma mão para agarrá-la.

-Como poderá comprovar, está bem protegida. - Afirmou Charlotte enquanto o seguia para sua escrivaninha. - Envolvi-o com papel dentro do envelope. Não conhecia outra maneira de protegê-lo, embora tenha feito tudo que estava em minhas mãos para mantê-lo afastado dos elementos, junto com outras partituras.

-Até que começaram os acidentes, suponho. - Disse ele, antes de retirar a cadeira com uma mão para sentar-se.

Charlotte o imitou e retornou à poltrona que havia em frente. Deixou a bolsa das partituras no chão e tomou assento.

Observou seu marido, muito impressionada por tão meticulosa inspeção. Fixou-se em seu cenho franzido e na veemência que brilhava em seu olhar enquanto abria o envelope muito devagar.

-Quer fechar a porta com chave? - Perguntou-lhe um momento depois, enquanto jogava uma olhada por cima do ombro.

-Eu não tenho problemas desse tipo com meus serventes, Charlotte. - Assegurou-lhe Colin, que a olhou nos olhos um instante antes de voltar a concentrar-se no envelope.

Quanto mais descobria a respeito de seu novo marido e sua personalidade, mais confusa se sentia. Encontrava-o jovial e encantador, como todo mundo, mas também muito frívolo com os serventes e com seu tempo. Parecia não ter nenhuma outra preocupação no mundo enquanto segurava essa obra de incalculável valor entre as mãos, que ainda não tinha visto, porque se limitava a examiná-la com uma intensidade que jamais tinha percebido antes nele. Salvo possivelmente na noite que vestiu para ele esse... ridículo espartilho.

Charlotte começou a impacientar-se.

-Asseguro-te que o envelope vale nada. Já o abri em outras ocasiões.

Colin esboçou um pequeno sorriso.

-Devo estudar tudo.

Ela decidiu não discutir.

-Como foi o ensaio? - Perguntou Colin segundos depois.

Atônita ante tanta despreocupação depois de muito que tinha insistido em ver a extraordinária partitura durante todo o dia, Charlotte não soube o que responder. Se não a tirasse do envelope logo, ela mesma a faria migalhas com as unhas.

-O ensaio foi... bem. - Respondeu enquanto lutava para manter a raia a exasperação. - Quer que peça um chá? O que é o que está levando tanto tempo?

-Tão ansiosa está para abandonar minha companhia, Charlotte?

Ela alisou as saias em uma tentativa de ocupar as mãos com algo.

-Essa não é a questão. Sabe muito bem que o que quero é voltar a esconder a obra o antes possível.

Seu marido riu baixo antes de endireitar-se um pouco e colocar o polegar sob a lapela.

-Tomo meu tempo para me assegurar de não danificar nada. Quanto mais antiga é uma obra, mais fácil é que se rompa ante o mínimo movimento. Inclusive. –Acrescentou.  - Quando está guardada dentro de tão barato e ordinário pacote.

Charlotte desejava lhe perguntar como sabia, mas optou por não fazê-lo, já que era muito possível que tivesse razão e não tinha nenhuma vontade de discutir... nem de receber uma lição de um aficionado sobre o delicado processo de envelhecimento das partituras musicais.

Por fim, uma vez aberta a lapela do envelope protetor, Colin levantou os cantos para abri-lo um pouco e olhar dentro.

-Suponho que me viu falando com Sadie hoje. - Comentou em um tom casual.

Desconcertada, Charlotte abriu um pouco a boca e notou que seu rosto ficava vermelho.

-Eu... acho que não. Hoje estive bastante ocupada.

Colin nem sequer se dignou olhá-la.

-Pois eu acredito que sim. - Disse antes de, ao fim, introduzir os dedos no envelope.

Com o coração em um punho, Charlotte tragou saliva e evitou o comentário.

Seu marido começou a tirar a partitura do envelope com o dedo indicador e o polegar, realizando uns movimentos mais lentos que o do mel no inverno, pensou ela.

Posto que estava envolta em papel de jornal, levou-lhe um par de minutos deixá-la ao descoberto por completo sobre a escrivaninha. Continuando, arrojou o envelope no chão. Para surpresa de Charlotte, em lugar de estender o papel para estudar a obra, jogou a cadeira para trás e abriu uma das gavetas que tinha à esquerda para procurar algo que ela não podia ver, embora tentasse em vão olhar por cima da escrivaninha.

-O que está fazendo?

-Procurando as ferramentas adequadas. - Respondeu ele distraído.

Isso a confundiu.

-Ferramentas? Que ferramentas?

-Já o verá. Só pretendo ser o mais cuidadoso possível, Charlotte. - Assegurou-lhe com voz tranquilizadora.

Não podia lhe pedir que não o fosse, assim que se limitou a observá-lo, à espera, embora com cada minuto que passava aumentava seu temor de que entrasse alguém e visse o tesouro que tinha entre as mãos. Não obstante, certamente era um medo ridículo, posto que, para qualquer alheio à situação, seu marido teria o aspecto de alguém que lia o jornal ou uma partitura de música. Mesmo assim, estava nervosa, já que seu futuro estava em jogo.

Colin se ergueu de novo. Nas mãos levava uma lupa muito grande e o que parecia uma estranha pinça, similar às que utilizavam os cirurgiões, que deixou sobre a escrivaninha ao lado do jornal.

Cada vez mais intrigada e a beira do entusiasmo, Charlotte se inclinou para frente uma vez mais, tanto que já tinha o traseiro na beirada do assento. Embora não a visse muito frequentemente, jamais se cansava de contemplar a valiosa partitura de música assinada por um gênio. Uma verdadeira maravilha.

-Não te interessa nem um pouquinho saber do que falamos Sadie e eu? -Perguntou Colin com ar despreocupado.

A princípio não entendeu o que queria dizer. Logo compreendeu o significado do comentário e sentiu um nó no estômago. Devia havê-la visto observando-os no teatro, ou sabia que tinha estado ali; por que se não ia tratar de zangá-la falando de Sadie em um momento como esse? O que mais a desorientava era que seu marido parecia acreditar que devia sentir-se ciumenta e que possuía a habilidade de fazer que o reconhecesse. Era óbvio que não conhecia seu talento para a atuação.

Suspirou com força.

-Interessa-me muito mais saber por que guardas essas coisas em uma gaveta de sua escrivaninha.

-Todos temos nossos segredos, verdade? - Declarou antes de olhá-la brevemente nos olhos.

Charlotte ignorou o comentário.

Colin se concentrou uma vez mais em seu trabalho. Sua expressão se voltou tensa quando pegou as pinças e começou às utilizar para retirar o jornal com muito cuidado, centímetro a centímetro, parte por parte, até que a partitura musical que havia debaixo ficou ao descoberto.

Charlotte se inclinou sobre a escrivaninha, excitada ao vê-la de novo.

-Verdade que é magnífica?

Ele não respondeu. A partitura, que era na realidade uma sonata para violino na menor inconclusa embora quase completa, incluía várias páginas amareladas pelo passar do tempo. Com absoluta concentração, Colin agarrou a lupa com a mão livre e começou a estudar com atenção as bordas, a escritura, cada nota, cada compasso e a medida da primeira página antes de continuar com a seguinte, e assim até a última, levantando cada página com as pinças. Logo deu a volta à obra e examinou o papel da parte traseira, suas bordas e rugas. Ao final voltou a centrar-se na assinatura, e seus olhos, através da lupa, estiveram a ponto de tocar a composição enquanto seguia cada curva, desde a primeira letra até a última.

Charlotte o observava completamente fascinada. Desde que o conhecia, nunca o tinha visto tão concentrado em nada; jamais o tinha visto mover-se de uma forma tão lenta e precisa. Para ser sincera, não sabia muito bem o que pensar desse encantador aristocrata que tinha por marido e que de repente parecia mais um... o que? Um «autentificador»? Podia alguém dedicar-se a isso como passatempo?

Depois de reclinar-se no assento e sem atrever-se a dizer nada, seguiu-o com o olhar até que ele deixou as pinças a um lado da partitura. Contudo, a expressão do rosto de seu marido o dizia tudo.

-Acha que é autêntica, verdade? - Sussurrou emocionada.

-Acredito que é uma obra original, sim. - Repôs ele com um sorriso. - A idade do papel é a correta, já que tem ao menos cem anos. A tinta está bastante esfumada, impregnada no papel, e parece também da época adequada. Não obstante, preciso examinar a assinatura de Händel para sabê-lo com segurança.

-Com segurança? - Repetiu Charlotte com os olhos exagerados. - Parece um profissional.

-Sou um profissional - Assinalou ele com um pingo de arrogância.

-Um profissional... no que, exatamente?

-Já tocou esta melodia? - Perguntou, como se a idéia lhe houvesse passado pela cabeça nesse mesmo momento.

Charlotte começou a rir.

-É obvio que sim. Com muito cuidado.

Seu marido assentiu com a cabeça.

-Parece-te uma obra de Händel? Você é a profissional no que a música se refere.

O simples feito de lhe ouvir utilizar esse término para descrevê-la a encheu de uma estranha sensação de calma e satisfação. Não pôde evitar sorrir de orelha a orelha.

-Acredito que sim. Não é muito longa, mas se parece muito a outras de suas obras para violino.

Colin se reclinou na cadeira e enlaçou as mãos em cima de seu ventre enquanto a estudava com atenção.

-Solte o cabelo, Charlotte.

-Que me... - Meneou a cabeça muito devagar. O que disse?

-Tem um cabelo muito bonito. - Disse encolhendo os ombros. - E quero vê-lo solto.

Perplexa, Charlotte soltou um suspiro e se acomodou um pouco na poltrona.

-Não acredito que seja o momento adequado, na verdade.

Colin começou a tamborilar com os dedos.

-Eu tenho meus próprios segredos, mas não te contarei nenhum a menos que solte o cabelo. Agora mesmo.

Charlotte ficou aniquilada e não fez mais que olhá-lo fixamente. Sentia-se mais intrigada pelo que havia dito sobre os segredos que escandalizada pela condição que tinha imposto para revelar-lhe. – São grandes secretos.

- Tudo depende do valor desses segredos. - Disse com os olhos quase fechados e a cabeça inclinada para um lado. - E de quantos tenha.

Ele começou a rir e logo se ergueu para apoiar os pulsos na beirada da escrivaninha.

-São grandes secretos.

Charlotte o observou sem rodeios durante uns instantes.

-E esses grandes secretos estão relacionados com suas ferramentas?

-Talvez. - Replicou ele com indolência. - Mas nunca saberá se te nega a fazer o que te pedi.

Sabia que zombava e, por estranho que parecesse, mesmo assim estava desfrutando da conversa. Não podia resistir a uma tentação semelhante, e ele sabia muito bem. Lançando um exagerado suspiro, levantou os braços e começou a tirar as presilhas de seu rebelde cabelo antes de deixá-las sobre a bolsa das partituras que tinha ao lado, no chão. Quando retirou a última, sacudiu a cabeça para que os abundantes cachos avermelhados lhe caíssem sobre os ombros e as costas.

Colin voltou a reclinar-se na cadeira de balanço, apoiou um cotovelo no braço do assento e o queixo no punho, e começou a percorrer com o olhar cada centímetro do rosto, do cabelo e do peito de sua esposa.

Incômoda, Charlotte se moveu um pouco em seu assento, embora tentasse manter a calma.

-E bem?

Ele sorriu com malícia.

-O primeiro segredo, querida esposa, é que sou um profissional.

-E no que, se pode saber, é um profissional?

Ele permaneceu em silêncio durante um momento, balançando-se em seu assento.

-A verdade é que me deixa sem fôlego quando deixa o cabelo solto. - Admitiu em voz baixa.

O comentário lhe provocou uma súbita onda de calor. A conversa tinha dado um giro do mais estranho... um giro no qual ela não queria participar.

-E você é um homem muito elegante. - Disse com um sorriso sereno. - Bem, em que campo é um profissional um homem tão bonito como você?

Colin entrecerrou os olhos e se golpeou o queixo com os dedos enquanto sorria com ironia.

-Realizo atos ilegais de forma profissional.

Charlotte perdeu o sorriso e ficou imóvel.

-Você gosta desse segredo? - Inquiriu momentos depois com voz rouca e grave.

-Eu... não estou segura. - Reconheceu depois de tragar saliva. Seu coração pulsava desbocado no peito.

Colin a observou com uma expressão mais séria. Logo, de repente, ficou em pé e começou a rodear a escrivaninha para aproximar-se dela.

-Levante Charlotte. - Ordenou-lhe uma vez a seu lado.

Ela levantou a vista para olhá-lo no rosto.

-Por quê?

Colin esboçou um sorriso zombeteiro.

-Porque lhe pedi.

De repente, Charlotte sentiu que seu corpo pesava tanto como chumbo, mas não demorou mais que um momento para começar a ficar em pé.

-Quer escutar outro segredo? - Perguntou-lhe Colin enquanto colocava a palma da mão sobre sua garganta.

Charlotte notou a calidez de sua pele sobre o pescoço, a força de seus dedos, e abriu os olhos de par em par quando lhe passou pela cabeça uma terrível idéia.

-Se dedica a matar as pessoas de maneira profissional, não quero saber.

Ele soltou uma gargalhada.

-Não, jamais matei a ninguém, embora o certo é que me senti tentado a assassinar algumas mulheres.

Charlotte ficou rígida ao escutá-lo, e seu marido o percebeu.

-Refiro a minhas irmãs, Charlotte.

-Ah. - Murmurou a modo resposta, cativada pela intensidade de seu olhar, pelo calor que desprendia seu corpo, tão perto dela.

Nesse momento, Colin se inclinou para frente para percorrer sua mandíbula com os lábios. Ela respirou entre dentes, inclinou-se para trás e fechou os olhos de maneira instintiva enquanto seu marido deixava um rastro de pequenos beijos por sua garganta.

-Suponho que quer que te conte outro segredo. - Sussurrou.

Enjoada, Charlotte não soube o que dizer.

-Quer que te conte outro? - Insistiu ele.

Sentia que lhe dobravam os joelhos e se agarrou aos braços de seu marido por temer cair.

-Não. Eu... quero que diga a que atos ilegais se dedica.

Colin deslizou a ponta do nariz ao longo de seu pescoço até que roçou o lóbulo da orelha.

-Eu gostaria... mas... - Murmurou então.

-Mas...?

-Mas agora não...

Charlotte estava disposta a afastá-lo com um empurrão por causa da frustração, mas esteve a ponto de se deprimir quando seu marido moveu a cabeça para um lado e pousou os lábios sobre os seus, roçando-os apenas, antes de incitá-la a beijá-lo com pequenos e lentos beijos, até que por fim se apoderou de sua boca por completo.

Resistiu quanto pôde enquanto refletia sobre os motivos que Colin podia ter para beijá-la nesses momentos. Não obstante, todo pensamento desapareceu de sua cabeça quando ele deslizou a língua por seu lábio superior e enterrou os dedos em seu cabelo para aproximá-la de seu corpo.

Por instinto, Charlotte lhe rodeou o pescoço com os braços e o estreitou com força para lhe devolver o beijo enquanto lhe segurava a cabeça entre as mãos. Teceu seu feitiço sobre ela e a acendeu pouco a pouco. Indagou com a língua em sua boca para provocá-la e saboreá-la, e também ele começou respirar com dificuldade. E então, tão de repente como tinha começado aquele delicioso assalto a seu corpo, soltou-a e se afastou muito devagar depois de lhe acariciar a bochecha pela última vez.

Estremecendo, Charlotte demorou o que lhe pareceu uma eternidade para abrir os olhos para olhá-lo. Sua cabeça era um caos de desconcerto e perguntas, e sentia o corpo quente, ofegante. Colin não tinha deixado de olhá-la, mas sua respiração se acelerou e seus olhos pareciam frágeis. O primeiro pensamento que ocorreu a Charlotte foi que lhe tinha provocado essa reação.

Permaneceram imóveis durante uns momentos, olhando-se nos olhos. Depois Colin levantou uma mão e lhe cobriu um seio com a palma.

Isso a deixou sem fôlego, paralisada.

-Quero te contar todos meus segredos. - Disse-lhe com voz rouca. - Mas primeiro devo confiar em ti.

Ela piscou umas quantas vezes; sentia um estranho calor entre as pernas e era incapaz de articular uma palavra. Um instante depois, Colin levantou a outra mão para cobrir o seio que ficava e, depois de uma pequena pausa, começou a mover os polegares sobre os mamilos, de um lado a outro.

Charlotte gemeu, hipnotizada, enquanto se segurava em seus braços para não cair no chão.

-Posso confiar em ti, Charlotte? - Sussurrou com voz trêmula e a mandíbula tensa.

Ela acreditou que se derreteria.

-Sim...

O duque de Newark fechou os olhos e apoiou a testa sobre a sua enquanto lhe massageava os seios com ambas as mãos.

-Colin... - Murmurou ela.

Depois disso, retirou os lábios de sua testa, soltou-a e se afastou dela desprendendo as mãos dela de seus braços e lhe beijando a seguir os nós.

Charlotte fechou os olhos uma vez mais; estava aturdida, e não só porque a houvesse tocado. Não tinha sido um simples manuseio. Tinham sido carícias que expressavam uma intimidade que não tinha existido entre eles com antecedência e que nem sequer entendia de tudo. E desejava mais.

-Há um montão de coisas que quero te contar, e temos que tomar algumas decisões. - Murmurou Colin.

Ela assentiu.

-Mas estou faminto, e você também. Além disso, terá que esconder de novo a partitura de Handel. - Acrescentou. Deu-lhe um apertão nas mãos antes de soltar-lhe

Desconcertada, Charlotte abriu os olhos e se afastou dele para agarrar a bolsa que tinha aos pés.

-Obrigado. - Disse com uma voz que lhe soou pastosa e débil até a ela mesma.

-Guardarei a partitura em um lugar seguro, atrás de minha escrivaninha. - Assinalou Colin. - Mas poderá vê-la sempre que quiser.

Depois de passar mão pela testa para afastar os cachos, Charlotte se ergueu e esboçou um fraco sorriso e se obrigou a olhá-lo no rosto de novo.

Colin tinha cruzado os braços à altura do peito e seu rosto conservava ainda o rubor da paixão. Entretanto, o brilho de seus olhos delatava certa diversão. De repente Charlotte sentiu a desesperada necessidade de afastar-se dele e de resguardar-se na intimidade de seu próprio dormitório.

-Estou... cansada, na verdade. - Disse, tentado que seu tom parecesse despreocupado. - Acredito que me retirarei a meu quarto e farei com que me tragam o jantar.

Colin ficou em silêncio durante uns instantes. O agradável momento que tinham compartilhado se evaporou.

-Como quiser. - Disse depois de lhe dar as costas.

Imediatamente, Charlotte se viu assaltada por uma sensação de hipocrisia, como se tivesse tentado seduzi-lo e depois o tivesse deixado sofrendo. Mas tinha sido ele quem lhe tinha feito isso, disse a si mesma. Tinha sido ele quem a tinha beijado em primeiro lugar.

Respirou fundo para reunir coragem.

-Quando pensa me dizer?

Ele levantou o olhar um momento.

-Te dizer o que?

Charlotte se mordeu os lábios e apertou a bolsa das partituras que tinha na mão.

-A que se dedica. - Respondeu.

Colin esteve a ponto de sorrir. Charlotte pôde ver como uma das comissuras de seus lábios se contraía, embora nesses momentos houvesse tornado a contemplar a partitura de Händel e estava concentrado em voltar a cobri-la com o jornal.

-Logo. - Assegurou-lhe sem mais.

Isso era tudo? «Logo»? Aturdida e confusa, Charlotte chegou à conclusão de que seu marido já não ia contar nada mais sobre si mesmo. Sabia também que estava zangado com ela por abandonar sua companhia depois do... fascinante momento que acabavam de compartilhar. Estava claro que já não tinha nada ali.

Assim, e com a dignidade intacta, desculpou-se e o deixou sozinho em seu estúdio para que escondesse seu tesouro. Não pôde evitar perguntar-se se seu marido teria percebido que o fato de lhe permitir fazê-lo era a primeira amostra do muito que confiava nele.

 

CAPITULO 14

Preso em sua própria determinação, Colin aguardou até que ouviu que Yvette abandonava o quarto de Charlotte, e depois se situou junto à porta do dormitório conjugado uns instantes para lhe dar tempo de acomodar-se antes de surpreendê-la com uma visita noturna.

Haviam passado quatro longas horas desde que estiveram juntos no escritório, desde que examinou o tesouro de incalculável valor que ela possuía. Em qualquer outra circunstância, teria passado essas poucas horas só examinando a originalidade da obra, embargado por uma excitação que só um antigo ladrão e falsificador podia sentir, disposto a criar uma cópia sem outra razão que saber que podia realizar uma reprodução perfeita e indetectável. Se tivesse beijado a outra mulher como tinha beijado a sua esposa, teria podido deixá-la sem pensar duas vezes para estudar com atenção assim, a fim de verificá-la. Entretanto, e por estranho que parecesse algo havia mudado nele durante o tempo transcorrido entre a noite de núpcias e essa mesma tarde. Nas últimas horas não tinha feito mais que pensar nela, nessa abundante e maravilhosa juba; em seus olhos azuis, inteligentes e formosos; na voz rouca que se voltava quando a excitava; nesse corpo perfeito cheio de curvas que desejava ver outra vez... e outra, e outra e outra. Era algo surpreendente que uma mulher conseguisse fazer com que pensasse mais nela que em um novo projeto, mas Charlotte o tinha conseguido sem propor-lhe sequer. Sem transformar-se nessa Lottie English que sempre conseguia deixá-lo excitado. Durante as últimas horas, seus pensamentos tinham girado em torno do desejo que lhe inspirava sua esposa e à forma de obter que respondesse a ele no plano sexual. Satisfazê-la na cama se converteu em sua única meta.

Depois de apoiar a testa na porta que comunicava seus dormitórios, apertou as pálpebras com força e respirou fundo a fim de acalmar seus nervos antes de entrar. Logo, decidido, endireitou-se uma vez mais, girou o corpo e entrou na habitação de sua esposa.

Era uma noite escura, sem lua, e ela já tinha apagado a luz da mesinha. Seus olhos demoraram uns instantes em acostumar-se à escuridão, embora percebesse imediatamente sua silhueta curvilínea nas sombras da cama que havia a sua direita e ouviu o sussurro dos lençóis quando ela descobriu que tinha entrado.

-Colin?

-Charlotte posso falar contigo um momento? - Perguntou em tom calmo.

-É obvio, entre. - Respondeu ela depois de um instante de vacilação, enquanto se incorporava um pouco sob as mantas.

-Pode deixar o abajur apagado; não demorarei mais que um minuto. - Mentiu enquanto se aproximava devagar à cama.

Tinha deixado a porta entreaberta de forma deliberada, para que a luz de sua habitação lhe permitisse ver o que estava fazendo. Aproximou-se da cama e se sentou aos pés, ao lado de onde ela estava tombada.

-Do que se trata? - Inquiriu Charlotte preocupada.

Colin elevou um joelho, acomodou-se na beirada do colchão e se inclinou para trás, apoiado sobre uma mão, para olhá-la na escuridão quase total.

-Me ocorreu uma idéia com respeito à sonata de Händel.

-Uma idéia?

-Hmmm... mas bem uma forma de utilizá-la.

Ela se incorporou um pouco mais.

Parecia mais atenta, e Colin sorriu para si mesmo ao perceber certo matiz de intriga em sua voz, sabendo de que isso despertaria o suficiente para precaver de seu intento de sedução.

-Pensei. – Continuou. - Que poderíamos fazer uma cópia da composição de Händel. Uma cópia perfeita.

Charlotte ficou de lado, apoiou o cotovelo no travesseiro e a cabeça na mão.

-Não o entendo. Para que quer fazer uma cópia?

Ele sorriu.

-Para descobrir à pessoa ou pessoas que querem te roubar o original.

Fez-se o silêncio durante um momento e Colin quase pôde escutar como funcionavam as engrenagens do cérebro de sua esposa.

-Quer preparar uma armadilha. - Disse ela por fim.

Ele assentiu com a cabeça.

-Exato.

Charlotte se espreguiçou sob os lençóis e suas largas pernas lhe golpearam o braço, embora ela não parecesse notá-lo.

-Acha que poderá encontrar a alguém capaz de copiar uma peça semelhante? -Quis saber.

Colin se relaxou sobre o colchão e se inclinou de tal maneira que as pernas femininas ficaram mais ou menos presas sob seu braço. Depois apoiou também a cabeça na mão.

-Eu posso fazê-lo. - Declarou com voz séria.

Ela suspirou.

-É uma idéia interessante, mas não conheço ninguém que seja capaz de copiá-la com a habilidade necessária para enganar a uma pessoa que conheça o trabalho de Händel, ou inclusive que saiba um pouco de música em geral. E é de esperar que a pessoa que tenta roubar a partitura conheça sua música. - Fez uma pausa para refletir antes de acrescentar. - Teria que encontrar um perito, e estou segura de que custará uma fortuna. Além disso, tampouco tenho claro que deva confiar a existência do documento a ninguém mais.

Charlotte não o tinha entendido, e Colin sentiu um imenso prazer ante a possibilidade de explicar-lhe nesse mesmo momento.

-O que quero dizer, querida esposa, é que eu mesmo posso fazê-lo. Posso fazer uma cópia.

Esperava deixá-la muda de assombro, perplexa e escandalizada. Mas em lugar disso, sua esposa começou a rir.

-Colin, querido. - Ronronou de maneira afetada. - É esse acaso outro de seus segredos?

Colin não soube se sentia adulado ou molesto por sua aparente falta de fé. Entretanto, ela não tinha nem a menor idéia de quais eram seus verdadeiros talentos nem do que podia fazer com eles. Tampouco sabia no que ocupava seu tempo, como lhe tinha reprovado frequentemente, assim que esse seria um momento que ele entesouraria em sua memória durante muito tempo.

Começou a deslizar os dedos sobre a colcha, justo por cima de sua perna, com a pressão suficiente para que ela o notasse.

-Disse-te que tinha uns quantos segredos. A falsificação é um deles.

Notou que ela tentava encolher a perna, mas a segurou com firmeza e sua esposa deixou de tentar.

-E se te digo que isso me resulta um pouco difícil de acreditar? - Perguntou com expressão cética.

-Diria que ainda não confia em mim.

A resposta pareceu impressioná-la, em mais de um sentido. Removeu-se um pouco contra o travesseiro e, apesar da escassa luz que se filtrava desde sua habitação, Colin pôde apreciar que tinha os olhos muito abertos e a cabeça inclinada a um lado.

-Não está de brincadeira, verdade?

Ele respirou fundo e meneou a cabeça.

-Não, não estou de brincadeira, Charlotte. Jamais te menti, e a verdade é que sou um falsificador. A isso me dedico.

Charlotte tomou ar com os dentes apertados.

-Isso... é um absurdo, mas...

-Mas acha que é verdade? - Terminou em seu lugar. Viu como estudei a partitura, as peculiares ferramentas que utilizei para comprovar sua autenticidade e o tempo que demorei em examinar o papel. Com isso ganho a vida.

-Com isso ganha a vida? - Replicou ela imediatamente. - É um cavalheiro com título, possuidor de uma enorme propriedade, milorde. Prefiro pensar que fingiu saber o que fazia só para me impressionar.

Colin reprimiu uma gargalhada.

-Te impressionar? Querida, não preciso fingir nada para tentar te impressionar.

-Tudo isto é ridículo. - Assegurou Charlotte.

Esfregou-lhe o joelho com o polegar.

-Mesmo assim,disse a verdade.

Isso a sossegou durante uns instantes, mas afastou a perna com um gesto irritado. Não obstante, Colin sabia que sua mente trabalhava muitas possibilidades e lhe deu tempo para processar a informação antes de lhe revelar seu passado.

-Assim... esta é essa atividade secreta e ilegal que me ocultava. - Disse em um tom sombrio carregado de recriminações. Falsifica documentos.

Colin pressionou a palma contra o colchão e se mexeu para sentar-se um pouco mais perto dela. Seus quadris estavam juntos e esperou que ela não percebesse ou, ao menos, que não se afastasse.

-Sim. E um muito bom, muito bom.

-E para quem realiza essas falsificações? - Inquiriu Charlotte, dando ênfase na última palavra. Não pode haver muita gente que necessite os serviços de um perito, de um profissional, como você.

Colin refletiu uns instantes. Tinha entrado em seu quarto essa noite para lhe contar tudo, e também para conseguir sua aceitação, sua confiança e inclusive sua admiração. Mas algo em sua forma de reagir fez com que pensasse duas vezes. Tinha-lhe ocultado alguns segredos durante seu breve matrimônio, e tinha mostrado bastante contrariedade em confessar, mesmo que ele já as tinha descoberto por si mesmo. Talvez o mais prudente fosse lhe ocultar algum segredo próprio, possivelmente o mais importante, embora a verdade fosse que não sabia o que o fazia acreditar em algo semelhante. Era um profissional da falsificação, certo, mas não queria que ela acreditasse que se casou com um mentiroso infame e um criminoso. Por alguma inexplicável razão, percebeu de repente de que queria que ela o admirasse e o desejasse por ser quem era nesses momentos, um homem com um passado desafortunado e boas intenções, e não por ser o herói da Coroa no qual se converteu. Pela primeira vez em sua vida queria que uma mulher prestasse atenção a algo mais que seus encantos, e isso o deixou desconcertado.

-Charlotte, uma vez perguntou a que dedicava meu tempo. - Disse quase em um sussurro. Pois o certo é que meu tempo é meu e faço com ele o que dá vontade desde que terminei a universidade.

Isso prendeu sua atenção. Ela se incorporou um pouco mais na cama, sem fazer o menor esforço para ocultar a curiosidade que sentia.

Colin sorriu com malícia.

-Tenho um doutorado em química.

-Como disse?

-Em química. - Repetiu. Encolheu-se os ombros e acrescentou. De menino me interessavam muito os explosivos.

Charlotte afogou uma exclamação antes de começar a rir.

Ele riu ao observar sua reação.

-Não é tão mau como parece. Possivelmente seria mais apropriado dizer que me divertia fabricando pólvora.

-Divertia-te fabricar pólvora... - Repetiu ela em um tom tingido de assombro.

-Sim... e outras substâncias interessantes que alguém podia mesclar para obter um bom estouro.

Charlotte ficou sem fala durante uns segundos. Depois maneou a cabeça e enterrou os dedos em seu cabelo.

-Não... não o entendo. O que tem a ver a fascinação pela pólvora com a falsificação?

-Ah, sim, a falsificação. - Inclinou-se para frente para voltar a apoiar a cabeça na mão, embora nessa ocasião tivesse o peito muito mais perto de seus quadris, a escassos centímetros.

- Meu interesse por ela não apareceu do nada, é obvio. Pode ser que soe algo ostentoso, mas a verdade é que no princípio estudei química básica porque era o único que me interessava quando era menino. Mais tarde, em Cambridge, realizei um estudo intensivo sobre a composição química de substâncias como a pintura, o papel e a tinta, já que tive a boa sorte de para trabalhar com um erudito alemão chamado Rolf Nuerenberg, que havia passado toda sua carreira transcrevendo antigos documentos persas.

Estendeu o braço muito devagar e colocou a palma da mão sobre seu quadril, por cima do lençol, com tão boa sorte ela nem percebeu.

-Não tinha nem idéia de que fosse um homem tão interessante e tão sábio, excelência. - Replicou ela com um pingo de ironia.

-E muito inteligente Charlotte. - Acrescentou ele enquanto contemplava seus olhos obscurecidos.

Sua esposa suspirou e voltou a relaxar-se sobre os travesseiros.

-Isso soube na noite em que te conheci.

Colin arqueou as sobrancelhas.

-De verdade?

Ela sorriu.

-Nego-me a dar mais explicações.

-É uma lástima. - Brincou ele.

-Sim. - Foi sua única resposta.

Colin não pôde conter um sorriso enquanto levantava a mão de seu quadril para tomar a dela. No princípio se limitou a cobri-la com a sua, mas logo começou a lhe acariciar os dedos com suavidade.

-Quando retornei para casa, uma vez terminado meus estudos, tudo me resultava aborrecido. - Confessou com voz grave. Minha família esperava que cumprisse com minhas obrigações como herdeiro, que me mudasse para a corte e apoiasse certas causas, que me relacionasse socialmente e me casasse com uma aristocrata. Em outras palavras, acabaram-se a pólvora e o fascinante trabalho com documentos antigos. Para mim, nada poderia ter sido tão deprimente.

Escutou que sua esposa exalava um comprido suspiro de compreensão e percebeu de repente os muitos pontos em comum que tinham suas vidas; o dever era o primeiro e teria que renunciar aos sonhos.

-Quando tinha ao redor de vinte e cinco anos. -Disse enquanto lhe acariciava os nós, fui detido por tentar falsificar dinheiro.

Percebeu que o corpo de Charlotte se esticava, embora ela não fizesse a menor tentativa de afastar-se. Continuou antes que sua esposa pudesse articular palavra.

-Sabia que isso estava mau, é obvio, e não necessitava o dinheiro. Não o fiz por dinheiro. Fiz pelo desafio, pela emoção. Só queria ver se era capaz de fazê-lo, se o que fabricava seria aceito como autêntico.

-Isto é incrível... - Sussurrou Charlotte.

Ele assentiu.

-Certo, mas não é mais que a verdade.

-Casei-me com um criminoso...

-Jamais fui declarado culpado de um crime, Charlotte. - Replicou com seriedade.

-Embora sim que o cometeu.

-Não. – Insistiu. - Jamais enganei a ninguém e nunca cheguei a vender o dinheiro falso. Quando me apanharam me encontrava na etapa de planejamento, trabalhando no processo. Concedeu-lhe uns momentos para assimilar a informação antes de acrescentar.

- Houve três coisas que impediram meu ingresso na prisão. A primeira, embora me envergonhe admiti-lo, foi meu título. Também jurei que não voltaria a fazê-lo de novo. Além disso, pus minha experiência a serviço de outros sempre que o necessitassem. O único do que me sinto culpado é de quão estúpido fui. Nos últimos dez anos não tenho feito mais que tentar emendar meus enganos, e até a data acredito havê-lo obtido.

Durante uma eternidade, ou isso lhe pareceu, Charlotte se limitou a olhá-lo na escuridão, sem perceber o perto que estava dela nem de que lhe estava acariciando os dedos e os nós.

-Assim é capaz de falsificar dinheiro, partituras musicais... e que mais? -Perguntou ao fim em um tom frio e calculador.

-Na realidade, a sonata de Händel será minha primeira partitura.

-Essa não é a questão. - Assegurou-a exasperada.

Colin ficou um pouco sério.

-Sei. O certo é que tenho um... dom especial, por chamá-lo assim, para perceber e recriar os detalhes. Sou capaz de analisar qualquer tipo de caligrafia e de falsificar documentos, e com o passar do tempo aprendi muito bem meu ofício. Posso saber se um documento é original ou uma cópia depois de um meticuloso exame.

Charlotte ficou calada um momento e o observou como se pudesse averiguar se mentia estudando seu rosto na escuridão.

-Suponho que então não necessita nenhum outro passatempo, verdade? -Perguntou ao final.

Colin não sabia se falava a sério ou só pretendia ignorar o assunto.

-O único que necessito, Charlotte. – Disse. - É que confie no que digo e no que faço.

Ela tomou uma trêmula baforada de ar.

-E se não o fizer?

Não tinha esperado que ela o desafiasse, mas respondeu sem vacilar.

-Nesse caso nosso matrimônio jamais poderá chegar a ser verdadeiro.

Sua esposa ficou paralisada, e Colin aproveitou o momento.

Depois de inclinar-se para frente, colocou seu rosto a um centímetro escasso do dela e a olhou nos olhos.

-Confia em mim, Charlotte. Asseguro-te que prefiro estar casado...

Ela não teve tempo para reagir. Um rápido movimento, e Colin se apoderou de sua boca e lhe deu um beijo abrasador, que lhe transmitiu o sabor da paixão que despertava nele.

Charlotte não tinha sentido emoções tão complexas em toda sua vida. E quando seu marido se inclinou para ela para beijá-la por fim, não soube como reagir. Entretanto, o contato de seus lábios lhe produziu um maravilhoso e quente formigamento que se estendeu por todo seu corpo.

Deixou que a beijasse, mesmo que sua mente fosse contrária à idéia. Sua boca era cálida e tinha o gosto de brandy; além disso, não tinha feito nenhuma tentativa para obrigá-la a aceitar outra coisa que as suaves carícias de seus lábios.

Fechou os olhos quando o beijo ficou mais apaixonado e todo pensamento coerente abandonou sua cabeça no momento em que começou a render-se a aquele delicioso assalto. Seu marido ainda estava completamente vestido e a colcha e os lençóis se interpunham entre eles, assim podia relaxar-se e desfrutar da sensação de tê-lo a seu lado, do roce de seus dedos nas mãos.

Uma embriagadora força se apoderou dela e a obrigou a levantar a mão livre até seu pescoço, onde pôde sentir o pulso acelerado sob a pele.

-Charlotte. - Sussurrou ele contra seus lábios. - Confia em mim?

Notou um estranho bater de asas no coração, mas não por causa de suas palavras, mas sim pelo tom esperançoso de sua voz, por esse desejo de ouvi-la dizer o que desejava.

Quando Colin percorreu sua bochecha com os lábios e deixou um rastro de pequenos beijos ao longo de sua mandíbula, Charlotte abandonou toda lógica.

-Sim... - Respondeu, deixando de lado qualquer sombra de dúvida.

Ele gemeu e voltou a beijá-la com uma súbita e premente necessidade. Ela reagiu do mesmo modo e se entregou como nunca antes para desfrutar de seu contato, do desejo que Colin despertava em seu interior e que já não podia negar.

Seu marido lhe percorreu o lábio superior com a língua antes de introduzi-la em sua boca para explorá-la e acariciá-la. Sua respiração era mais rápida e irregular.

Sem prévio aviso, Colin lhe aferrou os dedos que tinha estado acariciando e lhe levantou a mão além da cabeça para apoiar por cima do travesseiro antes de soltá-la. Fez o mesmo com a palma que ela tinha apoiado em seu pescoço e logo lhe segurou ambos os pulsos com a mão esquerda.

Charlotte não sabia quais eram suas intenções, assim que se mexeu um pouco sob os lençóis, mas ele se limitou a imobilizá-la, inundando-a cada vez mais no reino da irrealidade com cada carícia de seus lábios, com cada fôlego, com cada beijo arrebatador.

Sua mente se converteu em um torvelinho de sensações e seu corpo desejava algo que ela se negava a considerar. Essa segunda vez ia desfazer-se das inibições devido à confiança que lhe tinha prometido; ia render-se ao implacável desejo masculino.

Colin se afastou de sua boca e deslizou a língua por sua mandíbula até a orelha antes de sugar o lóbulo. Charlotte gemeu e levantou a cabeça para lhe proporcionar um melhor acesso. Ele o aceitou de bom grado e arriscou um caminho descendente de beijos ao longo da garganta até seu peito, onde se fechava o decote da camisola. Levantou a mão direita para desabotoar com maestria e rapidez os três primeiros botões, e Charlotte, presa de uma necessidade cada vez mais premente, arqueou-se para lhe exigir mais sem palavras.

Colin a agradou. Deslizou os lábios pelo mamilo e logo o rodeou com a língua. A calidez de seu fôlego lhe acendeu a pele quando por fim fechou a boca em torno da dura e excitada ponta para sugá-la com delicadeza.

Charlotte ofegou ante a intensa rajada de prazer e gemeu de novo. Foi consciente de que ele tinha afastado os lençóis a um lado e lhe tinha subido a camisola quando sentiu a palma de sua mão lhe acariciando a perna do tornozelo até o joelho. Juntou os pés de maneira instintiva quando a mão subiu até sua coxa, mas ao parecer só conseguiu aumentar a resolução de seu marido. Colin começou a lhe acariciar a pele com os dedos e lhe arrancou pequenos e delicados gemidos quando voltou a lhe acariciar os mamilos com os lábios e a beijá-los com suavidade antes de meter um deles na boca.

Em uma última tentativa de recuperar a prudência, Charlotte tentou liberar suas mãos, mas ele as mantinha bem seguras contra o travesseiro. Nesse momento, com um movimento tão rápido como alarmante, seu marido colocou a mão entre suas pernas para procurar o tesouro oculto que albergava o núcleo de seu prazer.

Charlotte lutou contra ele e agitou as pernas para liberar-se.

-Confia em mim, Charlotte. - Rogou-lhe uma vez mais com voz rouca e grave, enquanto lhe acariciava a boca com os lábios.

Ela negou com a cabeça e fechou as pálpebras com força. Seu coração ficou descompassado quando os dedos masculinos começaram a lhe acariciar os cachos suaves aninhados entre suas coxas.

-Confia em mim...

Depois desse último sussurro de premente necessidade, Colin se apropriou de sua boca uma vez mais mediante um beijo profundo e abrasador..., e ela se rendeu.

Permaneceu imóvel quando ele começou a acariciá-la com suavidade enquanto brincava com a língua em sua boca. Ainda não lhe tinha soltado os pulsos, mas Charlotte só sentia o calor que emanava de seu musculoso corpo, a calidez de seu fôlego sobre as bochechas e a tensão que crescia no interior de seu corpo.

Colin gemeu ao uníssono com ela, apanhado na mesma tormenta de paixão, e incrementou o ritmo e a pressão das carícias de seus dedos para levá-la mais perto do final daquele deliciosa tortura. Charlotte começou a balançar os quadris contra ele e soltou um suspiro ao notar que um dedo se introduzia em seu interior.

Perdida em um novo e maravilhoso delírio, agarrou à mão que lhe segurava os pulsos enquanto lhe devolvia os beijos com abandono e arqueava os quadris ao ritmo de suas peritas carícias. Colin deslizava o dedo dentro e fora dela, enquanto esfregava com o polegar o núcleo carnudo que encerrava seu prazer, implacável em seu empenho de levá-la à beira da loucura.

E em um preciso instante, o mundo estalou em mil pedaços. Charlotte gritou por causa das intensas ondas de prazer que percorriam seu corpo e apertavam o dedo que se encontrava em seu interior. Colin cobriu sua boca com os lábios para amortecer o longo gemido de êxtase e ela desfrutou até mais ao escutar o forte grunhido de satisfação que escapou de sua garganta.

Acariciou-a com suavidade uns momentos mais antes de retirar o dedo de seu interior e afastar a mão de entre as pernas a fim de permitir que seu corpo se relaxasse, que sua respiração voltasse à normalidade. Logo afastou a boca de seus lábios e apoiou a testa sobre a sua, enquanto afrouxava pouco a pouco a pressão que exercia sobre seus pulsos.

Permaneceram imóveis uns instantes, sem dizer nada. Charlotte percebia a tensão de seu corpo, o muito que lhe custava respirar, e percebeu que tentava controlar-se. Por um efêmero momento temeu que tirasse a roupa e se afundasse nela para aplacar suas próprias necessidades. Em lugar disso, seu marido lhe beijou as pálpebras e levantou a mão que minutos antes a tinha acariciado com tanta intimidade para voltar a lhe cobrir os seios com a camisola.

-Espero que agora saiba o que se sente quando se chega ao clímax. - Sussurrou antes de lhe roçar a orelha com os lábios. Nunca voltarei a cometer esse engano. Ficou em pé com rapidez e caminhou até a porta que comunicava seus dormitórios. Durma bem, minha esposa...

Charlotte não abriu os olhos. Confusa pelo que acabava de acontecer entre eles, pelas inexplicáveis emoções que a alagavam, e depois de ouvir o estalo da porta ao fechar-se, ficou de lado na cama e começou a chorar.

 

CAPITULO 15

Charlotte não havia sentido umas emoções tão conflituosas em toda sua vida. Dizer que o giro dos acontecimentos provocado pela inesperada visita de seu marido na noite anterior a tinha deixado confusa teria sido um eufemismo de gigantescas proporções. Colin não só tinha compartilhado com ela os detalhes mais íntimos de seu passado sabendo que a impressionariam; também tinha feito coisas com seu corpo que, inclusive nesses momentos, horas depois, provocavam-lhe uma excitação entristecedora e o terrível desejo de voltar a fazê-lo. E o mais assombroso de tudo era que, embora recordasse cada segundo maravilhoso do que tinham compartilhado não se sentia envergonhada no mínimo.

Só tinha visto seu marido durante o café da manhã nessa manhã de domingo; depois o tinha acompanhado a missa como a flamejante duquesa de Newark, vestida com um conservador vestido de seda malva e volante cor nata, e com o cabelo preso em coque sob um chapéu a jogo adornado com rendas também malva. Por estranho que parecesse, sentia-se muito bonita, embora não lhe havia dito nada mais que os comentários habituais. Durante a missa, Colin tinha estado tão agradável e encantador como de costume e havia passado por cima os olhares fascinados de todas as jovenzinhas, mas a tinha tratado como se nada entre eles houvesse mudado, como se nada tivesse acontecido. Para ser sincera, não sabia muito bem como lidar com semelhante indiferença, e por essa razão se encaminhava nesses momentos para o lar da duquesa de Durham, a apenas duas ruas de distância, para tomar o chá com a francesa.

Olivia Carlisle a havia convidado já em duas ocasiões, e em ambas Charlotte se viu obrigada a apresentar suas desculpas, já que tinha estado ocupada no teatro. Entretanto, aos domingos não trabalhava, e dado que seu marido pensava ficar em casa para trabalhar com a partitura de Händel, decidiu que não lhe viria mal manter um bate-papo com outra mulher.

Chamou à campainha e estendeu um cartão de apresentação ao mordomo, que a convidou a passar imediatamente. Com um sorriso e um tom profissional, o homem lhe indicou que a duquesa se encontrava em casa e que a esperava na sala de estar.

Charlotte se fixou no suave aroma que flutuava no ar e na acolhedora decoração a base de móveis provincianos ressaltados com tons brancos e dourados enquanto avançava pelo corredor atrás do alto mordomo, rodeando uma escada de caracol em mármore branco coberta com tapetes de cor esverdeada que combinavam com os tapetes persas disseminados pelo andar de baixo. O homem parou na parte traseira do espaçoso vestíbulo, em frente às portas duplas de vidro, e golpeou o painel de cristal com os nódulos. Entraram na sala assim que receberam a aprovação da pessoa que aguardava dentro.

-Alegra-me muitíssimo que tenha podido vir hoje, Charlotte! - Exclamou Olivia com um leve acento estrangeiro, levantando-se com certa dificuldade do enorme sofá estofado em veludo azul que havia no centro da sala.

Charlotte sorriu um pouco afligida na presença de uma mulher tão linda.

-Por favor, não se levante. - Insistiu, enquanto tirava o chapéu e arrumava um pouco o cabelo. - Também me alegra ter podido vir.

A gravidez de Olivia tinha começado a notar-se, mas o aspecto da mulher continuava sendo arrebatador, vestida como com um simples vestido em tons chapeados e azuis, que combinava com a cor de seus olhos e acentuava os cachos escuros recolhidos no alto de sua cabeça. A sala, espaçosa e perfumada, tinha os mesmos tons brancos, azuis e dourados do vestíbulo, o que proporcionava uma encantadora ambientação.

Charlotte se aproximou do sofá enquanto Olivia se separava da mesinha de chá para tomar ambas as mãos e lhe dar uns beijos nas bochechas. Logo olhou ao mordomo, que aguardava suas instruções com paciência junto à porta.

-Tomaremos chá, James... Ah! E o bolo de chocolate que fez Elsie ontem, se é que sobrou algo. - Disse com uma voz alegre cm um sotaque estrangeiro apenas perceptível.

O ancião assentiu com a cabeça.

-Sim, milady. - E com isso abandonou a sala e fechou as portas.

-Bom, me conte. - Começou Olivia, que ainda não tinha soltado suas mãos, enquanto puxava ela para o sofá. – O que se sente ao estar casada com esse arrumado demônio?

Charlotte começou a rir enquanto tomava assento. Olivia lhe soltou as mãos e se sentou junto a ela. Ambas começaram a alisar as saias, como se preparassem para uma longa conversa.

-E bem? - Insistiu Olivia com um brilho interessado nos olhos.

Charlotte não pôde reprimir um sorriso; o entusiasmo da francesa resultava contagioso.

-É um demônio. - Respondeu impaciente por lhe explicar os assuntos pessoais que a atormentavam e sem saber muito bem como fazê-lo.

Como se lesse o pensamento, Olivia inclinou a cabeça para um lado e entreabriu as pálpebras.

-O que é que me está ocultando?

Charlotte deu um passo para trás.

-Nada. - Assegurou-lhe, possivelmente com muita rapidez. Nada, de verdade. Colin é...

-Um demônio. - Repetiu Olivia, que deixou de sorrir pouco a pouco ao perceber que a conversa adquiria um tom sério. Mas é um bom homem. Sam confia plenamente nele.

Charlotte relaxou no sofá sem prestar atenção às leves espetadas do apertado espartilho.

-Sei. É certo que é um bom homem. Se for sincera, não me falta nada e nenhuma dama poderia desejar um marido melhor.

A francesa jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.

-Que não te falta de nada? -Tomou uma de suas mãos para lhe dar um suave apertão. Charlotte, que demônios me oculta?

A chamada à porta as interrompeu, e Olivia soltou um grunhido.

-Passa, James.

Imediatamente, o mordomo entrou na sala com uma bandeja que deixou sobre a mesinha de chá sem o mais leve tinido da porcelana. Levantou um bule de prata com maestria e encheu duas xícaras quase até o beirada com um aromático chá de jasmim.

-Quer o bolo agora, senhora? - Inquiriu, enquanto retirava os guardanapos de renda de ambos os pratos para deixá-las a um lado.

O bolo de chocolate parecia delicioso, embora Charlotte se sentisse aliviada quando sua companheira expressou em voz alta seus próprios pensamentos.

-Esperaremos um pouco, James, e nos serviremos isso nós mesmas. Pode se retirar.

O criado assentiu com a cabeça, deu-se a volta e saiu uma vez mais da sala de estar, fechando as portas depois de sim.

Esquecidos os refrigérios, Olivia a contemplou sem rodeios.

-Agora se explique querida Charlotte.

Turvada de certo modo pelo assunto a tratar, Charlotte decidiu ir direto ao ponto e explicar-lhe rapidamente antes de mudar de opinião.

Esfregou as palmas no colo e admitiu o evidente.

-Suponho que... preocupa-me um pouco nossa relação matrimonial. - Murmurou.

Com a testa enrugada, Olivia se reclinou no fofo encosto do sofá e cruzou os braços à altura do peito.

-Consta-me que as coisas devem resultar bastante difíceis quando duas pessoas se casam sem conhecer-se muito bem.

-Isso é certo. - Repôs Charlotte com um leve sorriso. - Mas Colin... na realidade esse não é o verdadeiro problema.

A francesa arqueou as sobrancelhas, embora permanecesse em silêncio para lhe permitir que continuasse a seu próprio ritmo.

-Posso ser sincera contigo? - Perguntou Charlotte depois de um rápido suspiro.

-É obvio. - Assegurou-lhe Olivia imediatamente, surpreendida.

-Para falar a verdade, pode que necessite seu conselho. - Admitiu assim que reuniu a coragem suficiente.

-Meu conselho?

-Colin... bom, estou bastante confusa... no aspecto sentimental. - Sussurrou; notou que o rubor subia por seu pescoço, mas o passou por cima.

Olivia a olhou boquiaberta e franziu o cenho em um gesto de incredulidade.

-Colin...? No aspecto sentimental?

Charlotte manteve o queixo alto, embora o certo era que lhe envergonhava falar dessas coisas.

-Sinto muito, possivelmente não seja apropriado...

-Não, não, não. - Interrompeu-a Olivia lhe dando suaves tapinhas no braço. - É obvio que é apropriado. Ambas somos mulheres casadas que vão converter-se em boas amigas, ou isso espero. O que passa é que... - Meneou a cabeça. A verdade é que me surpreende escutar algo assim da esposa de um homem que se gaba de... seus muitos encantos, digamos assim.

Aliviada, Charlotte esboçou um meio sorriso.

-Sim, exato. - Concordou. É um homem encantador, bastante inteligente e incrivelmente elegante, mas...

-Mas...? - Pressionou Olivia, que voltou a reclinar-se de novo antes de apoiar o braço no encosto do sofá.

Charlotte  aparou o cabelo da nuca.

-Mas acredito que não o atraio absolutamente.

Olivia jogou a cabeça para trás para soltar uma ruidosa gargalhada.

-Não pode falar sério, querida Charlotte. - Replicou momentos depois com um brilho malicioso nos olhos. Esse homem está louco por ti.

Embora parecesse estranho, sentiu-se animada e quase orgulhosa ao saber que a francesa corroboraria seus sentimentos assim que lhe contasse tudo. Ou quase tudo.

-Não está louco por mim, Olivia. - Revelou em voz baixa. Está louco por Lottie English, e possivelmente também, em certa medida, por sua fama.

Olivia a observou durante alguns momentos antes de baixar pouco a pouco o braço do encosto e inclinar-se para a mesinha de chá com expressão pensativa.

-Leite e açúcar?

-Só leite, por favor. - Respondeu ela. Observou como a francesa lhe servia com delicadeza o que tinha pedido antes de lhe oferecer a xícara e o pires.

-Agora que estou grávida nunca me farto das coisas doces. - Confessou Olivia enquanto entornava duas colheradas de açúcar na xícara, antes de agarrá-la e voltar a acomodar-se no sofá.

Charlotte deu um gole ao chá morno enquanto aguardava, embora não pôde evitar perguntar-se se a mulher faria algum comentário sobre sua última contribuição. Ainda não estava preparada para começar uma conversa sobre meninos e famílias felizes.

-Me explique uma coisa, Charlotte. - Pediu-lhe Olivia depois de tomar um gole. Quem acha você que é?

Essa pergunta a pegou completamente despreparada.

-Como disse?

Olivia esboçou um sorriso ardiloso e voltou a deixar a xícara e o pires sobre a mesa.

-Como definiria a ti mesma? É Lottie English, a soprano glamorosa e sensual dos cenários, ou a honorável duquesa de Newark?

Meditou a pergunta durante uns instantes.

-Não sei muito bem como responder a isso - Respondeu com sinceridade. - Quando estou no teatro, sou Lottie. Aqui, tomando um chá em sua sala de estar, sou Charlotte.

Olivia a estudou com os olhos quase fechados.

-Assim acha que Colin está encaprichado com o personagem que representa sobre os cenários e que não se sente interessado no mínimo pela dama com que se casou verdade?

Essa linha de pergunta há incomodava um pouco, embora não sabia com exatidão por que. De fato, não sabia como explicar algo semelhante a deslumbrante mulher sentada junto a ela.

Olivia suspirou e enlaçou as mãos sobre o colo.

-Charlotte, quando conheci meu marido ele sentia uma clara antipatia pelas mulheres francesas, por causa de muitas e complicadas razões que não é necessário expor aqui. Durante muito tempo desconfiou de mim, já que eu sempre me tinha considerado tanto inglesa como francesa. Para ele, isso não tinha nenhum sentido. - Esboçou um sorriso. Até que chegamos a amar um ao outro, ele se zangava bastante cada vez que lhe mencionava o fato de que sou ambas as coisas.

Charlotte deu um gole ao chá.

-Entendo.

-Não, não acredito que entenda nada, na verdade. - Assinalou Olivia com franqueza. Você se descreve como duas pessoas diferentes: Charlotte, a dama honorável, e Lottie, a talentosa e fascinante soprano. E, posto que separa ambas as personalidades, chegou à conclusão de que seu marido não te quer tal como é.

Charlotte se mexeu em seu assento. De repente se sentia acalorada e incômoda, e não tinha claro se desejava seguir com esse assunto.

Olivia esboçou um sorriso zombeteiro.

-Está apaixonada por Colin?

Ela piscou umas quantas vezes.

-Apaixonada?

-Mmm...

Tentou deixar a xícara e o pires com cuidado sobre a bandeja chapeada, mas não pôde evitar que tilintassem.

-Estou segura de que meu marido e eu não havemos passado tempo suficiente juntos para saber algo assim. - Respondeu com tanta indiferença como pôde, enquanto alisava as saias para não ter que olhar à francesa nos olhos.

Olivia não se deixou intimidar.

-Charlotte, querida. - Disse, soltando um riso abafado e procurando sua mão de novo para lhe dar um aperto, alguém pode apaixonar-se muito rápido, às vezes quase imediatamente. Está ou não está apaixonada por seu marido?

Para falar a verdade, Charlotte jamais tinha pensado muito nisso, mas fazê-lo nesses momentos lhe provocou um enorme desassossego.

-Isso é o que acontecesse entre seu marido e você? - Perguntou com tanta amabilidade como foi possível.

Olivia fez um gesto negativo com a cabeça.

-Não exatamente, embora agora não falamos de mim. Não obstante, direi uma coisa: se estivesse apaixonada por Colin, saberia, e não te custaria nada responder essa pergunta.

-Se for sincera, Olivia. - Repôs desanimada, não pensei muito no amor. Casei-me com ele por... outras razões, sobre tudo para que financiasse minhas ambições profissionais na Europa, e ele sabe. O que me preocupa, a razão pela qual desejava vir hoje falar contigo, é que me parece que Colin está encaprichado com Lottie English; acredita que sou Lottie English e quer manter uma aventura amorosa com ela. - Meneou a cabeça. - A verdade é que não sei o que fazer a respeito.

-Se te entendi bem, o que lhe perturbada é que você não acha que é essa mulher. - Assinalou a francesa.

Charlotte gemeu para si mesma e se esfregou as bochechas com as palmas.

-Não é tão simples. - repôs, tentando explicar em poucas palavras algo que nem sequer ela entendia de tudo.

Olivia sorriu de novo ao compreendê-la.

-Não é tão simples porque está claro, ou ao menos para mim, que alberga certos sentimentos românticos por seu marido e pensa que ele não quer saber nada da decorosa e honorável dama que lhe ensinaram a ser. - Estalou a língua. - Ao parecer, espera que ele se apaixone sozinho por uma parte de ti, e não acredito que isso seja possível.

Aturdida e perturbada por uma conversa que não parecia levar a nenhum lugar, Charlotte não pôde continuar sentada. Depois de se levantar do sofá, levou-se uma mão ao quadril e outra à testa e atravessou a grosso tapete persa para situar-se junto à janela, de onde se contemplava o pequeno jardim de rosas cheio de flores de todas as cores.

Fez-se um tenso silêncio que lhe concedeu o tempo necessário para pensar na sua mais íntima revelação. Era preciso chegar à medula do assunto que tinha em mente, já que não conhecia ninguém mais em quem confiar que pudesse ajudá-la a entender.

-Acredito que espera que seja Lottie English durante nossas relações íntimas. - Admitiu em um murmúrio.

Fechou os olhos à espera que Olivia soltasse uma gargalhada ou negasse de pronto, embora o único que escutou foi um longo suspiro e um rangido do sofá.

Decidiu ignorar o rubor que tingia as bochechas e se voltou com valentia para enfrentar a bela francesa uma vez mais, embora com muito cuidado em manter a cabeça alta e a postura erguida a fim de que a duquesa de Durham não soubesse o muito que lhe envergonhava revelar segredos conjugais.

Olivia tinha se acomodado melhor para poder contemplá-la junto à janela e não parecia impressionada no mínimo. Seu semblante parecia sereno, embora tivesse franzido um pouco o cenho. Ao final, deu uns tapinhas no sofá para lhe pedir que se sentasse junto a ela.

-Venha se sentar e não se envergonhe por nada. - Disse. Como já te havia dito, somos mulheres casadas e é óbvio que a ti isso incomoda. - Arqueou as sobrancelhas antes de acrescentar. - Também me incomodaria, na verdade.

Durante uns segundos, Charlotte não fez movimento algum. Logo fez o que lhe tinha pedido. Talvez Olivia simpatizasse com sua situação, depois de tudo.

Depois de alisar as saias em torno dos joelhos, enlaçou as mãos no colo.

-Peço-te desculpas se este for um assunto muito delicado...

-Vamos, não diga tolices. - Brincou Olivia agitando uma mão. Comamos um pouco de bolo antes de ir ao assunto.

Charlotte não pôde dissimular um sorriso.

-Agradeço-lhe isso, mas o certo é que não deveria. Dentro de pouco não me caberá a cintura nos trajes de cena.

Olivia a olhou de soslaio antes de cortar  parte do bolo.

-Colin só mencionou a Sam uma coisa sobre ti. - Comentou enquanto colocava uma fatia de bolo de chocolate em um prato de porcelana. Ao parecer, opina que tem um corpo maravilhoso. De fato, suas curvas o maravilham. Eu não me preocuparia muito com um pedaço de bolo.

Charlotte tossiu e passou os dedos pelo lábio superior, aturdida por tão emocionante adulação.

-Colin... bom... de verdade disse isso a seu marido? - Perguntou.

Olivia começou a rir uma vez mais antes de lhe servir uma generosa porção de bolo.

-Em mais de uma ocasião, conforme tenho entendido. - Agarrou seu próprio prato e fez uma pausa. Sam acredita que está louco por ti.

-Por Lottie. - Corrigiu-a com uma incômoda opressão no estômago.

-Claro... - Apressou-se a dizer a outra mulher enquanto partia uma parte de sua porção. Meteu-se o bocado na boca e o mastigou com os olhos fechados.

Charlotte contemplou a deliciosa sobremesa de chocolate que tinha no prato, mas nesses momentos não tinha nada de fome.

-Bom. - Continuou Olivia depois de tragar e lamber os lábios. – Explique-me como muda de corpo em casa.

Charlotte contemplou à francesa com perplexidade.

-Como disse?

Olivia fez um gesto com a mão assinalando-a.

-Refiro-me a essa maravilhosa figura. Se Colin estiver tão apaixonado por Lottie, como consegue voltar a ser sua esposa quando se retira para dormir pelas noites?

Não tinha claro se a duquesa de Durham zombava dela ou se só tentava arrumar as coisas, mas compreendia muito bem suas intenções.

-Eu não sou só um corpo. - Assegurou, possivelmente com algo mais de brutalidade do que pretendia.

Olivia sorriu.

-Sei. - Deixou o garfo no prato e se inclinou para frente para olhá-la fixamente. Mas sabe a que me refiro. Você é ambas as mulheres em uma só pessoa, Charlotte, do mesmo modo que eu sou inglesa e francesa ao mesmo tempo. Não pode mudar o que é, nem sequer quando está sobre o cenário. Vejamos desta forma: a Charlotte que nasceu com uma voz prodigiosa e sobe aos cenários como Lottie está sentada aqui, em minha sala de estar, comendo..., ou talvez devesse dizer sem comer..., meu bolo de chocolate.

Ergueu-se um pouco no assento e agarrou o garfo de novo para cortar outro pedacinho. É uma mescla dessas duas maravilhosas qualidades, Lottie. - Sorriu de orelha a orelha, muito satisfeita ao parecer com seu raciocínio. - De fato, preferiria te chamar Lottie. Fica bem, e suponho que Colin opina o mesmo.

A Charlotte ninguém tinha falado com tanta audácia em toda sua vida, e ficou um pouco desconcertada. Conforme parecia, Olivia não percebeu como seu comentário a afetou, já que continuou bolo até que o prato ficou limpo e depois o deixou junto com o garfo sobre a mesinha de chá.

-Deveria provar um pouco. - Disse depois de limpar os lábios com o guardanapo. Está deliciosa.

Charlotte baixou o olhar até o bolo de chocolate enquanto tentava assimilar o que lhe havia dito a francesa.

-Comprou-me um espartilho para nossa noite de núpcias. - Murmurou com voz tensa. Ou melhor, dizendo, comprou para Lottie algo... parecido a um espartilho. - Mortificada, acrescentou em um sussurro. - Para fazer realidade suas fantasias.

Olivia ficou calada um momento e logo se relaxou de novo sobre o sofá, com as mãos no colo.

-Não entendo.

Charlotte respirou fundo em uma tentativa de reunir uma coragem que não tinha e logo olhou a sua companheira nos olhos. Nesses momentos não teria podido mudar de assunto, nem sequer embora tivesse desejado fazê-lo. Tinha chegado muito longe para isso, e o certo era que necessitava respostas.

-Deu-me um presente em nossa noite de núpcias. Eu, estúpida, acreditei que seria algo prático, ou considerado, ou... não sei. Meneou a cabeça. Mas em lugar disso, quando abri o pacote me encontrei com uma espécie de... um espartilho de cetim vermelho e renda negra que não cobria nada de nada, uma indumentária inexistente que deve ter sido confeccionada para uma bailarina dos cenários franceses ou algo pelo estilo. Insistiu para que eu vestisse esta roupa, e o fiz porque... porque queria agradá-lo, suponho. - Tragou saliva antes de acrescentar em um sussurro.

- Queria fazer amor à mulher que vestido esse espartilho, à idéia que ele tinha de Lottie, não de mim. Eu jamais teria posto algo semelhante na minha noite de núpcias.

Durante um bom momento, Olivia se limitou a olhá-la com a testa enrugada sem dizer nada. Charlotte temia que a mulher começasse a rir de novo ou que lhe dissesse sem mais que todos os homens, sem ter em conta sua natureza ou posição social, desejavam essas coisas e obrigavam a suas esposas a colocar objetos escandalosos.

Ao final, a duquesa de Durham começou a mover muito devagar a cabeça.

-Incrível. - Murmurou. Está visto que até os cavalheiros mais inteligentes podem comportar-se como verdadeiros estúpidos quando o desejo entra em jogo. E seus atos não fizeram mais que incrementar suas dúvidas, verdade, Lottie? Pelo amor de Deus, em que demônios estava pensando Colin?

Charlotte experimentou uma imensa onda de alívio. Ao perceber que estava contendo o fôlego, deixou escapar o ar através dos dentes e se relaxou um pouco.

-Alegra-me saber que compartilha meu ponto de vista. É óbvio que pensava em Lottie, a mulher dos cenários que fica disfarçada e...

-Não, absolutamente. - Interveio Olivia enquanto negava decididamente com a cabeça. - Não me entendeu. Possivelmente isso fosse o que ele esperava, e é muito provável que tivesse fantasiado fazer amor enquanto usava esta roupa. Mas ele sabe que ambas são a mesma pessoa, disso não me cabe a menor dúvida.

Jesus, já havia voltado outra vez na mesma. Charlotte sentiu vontades de gritar. Olivia devia  ter lido a frustração em seu rosto, porque nesse momento lhe agarrou a mão de novo para encerrá-la entre as suas.

-Você é Lottie, quem a sua vez é uma parte de Charlotte. - Disse com sinceridade. - E nunca duvide de que Colin sabe. Ele admira seu talento, sua aparência e certamente todos os atrativos que há em ti. - Apertou-lhe a mão antes de continuar. - Suspeito que o que precisa saber é o que sente por ti. Estou certo?

Para falar a verdade, Charlotte jamais o tinha visto dessa maneira. Contudo, enquanto pensava nesses momentos, chegou à conclusão de que suas dúvidas giravam em torno de suas relações íntimas, com o que a fazia sentir, a sua forma de acariciá-la e levá-la até esse delicioso abismo de...

Descartou imediatamente tão indecorosas lembranças antes de afirmar:

-Não estou segura do que é o que deseja de mim.

Olivia sorriu de novo em um gesto de compreensão.

-Quer uma esposa, Lottie. Quer uma companheira, uma mulher sedutora no dormitório. Mas o mais possível é que queira, mais que nenhuma outra coisa, que se apaixone por ele tal e como é.

O comentário lhe provocou um nó no estômago.

-Colin jamais mencionou amor. Nem sequer acredito que pense nisso.

-Ja! Os cavalheiros jamais falam de amor, ao menos não diretamente. - A francesa encolheu os ombros.

- Para te dizer, escondem e não o reconhecem até que o têm diante de seus narizes, justo quando estamos a um passo de abandoná-los.

Charlotte começou a rir. Quanto mais conhecia Olivia, quanto mais amigas se faziam, mais a adorava.

-Quer que se apaixone por ti? - Perguntou a francesa.

Charlotte sentiu um suor no pescoço e entre os seios. Tragou saliva.

-Eu... nem sequer tinha pensado nisso.

-É obvio que tinha pensado, todas as mulheres o fazemos. - Replicou Olivia imediatamente. E sempre é melhor amar a seu marido, e que ele te corresponda, para que nenhum dos dois procure o amor em algum outro lugar.

Amor, amor, amor. Os franceses sempre falavam de amor. Contudo, o mais provável era que grande parte do que havia dito fosse certo, decidiu Charlotte depois de meditar durante uns momentos. Nunca tinha pensado nisso desde essa perspectiva, os complexos sentimentos que sentia por seu marido.

-O único que quero é que ele... sinta-se satisfeito comigo. - Admitiu, embora esperasse que sua voz não revelasse a confusão que sentia.

-Satisfeito contigo? - Repetiu Olivia com uns olhos no prato.

- Nesse caso deveria esquecer essa estúpida idéia de que não é Lottie English.

Charlotte grunhiu para si mesma.

-E depois. - Acrescentou a mulher antes que ela pudesse dizer uma palavra.

- Se de verdade quer agradar a seu marido, se converta na sedutora que ele deseja na cama e deixe reluzir essa parte de sua personalidade que só aparece nos cenários. E sim, isso implica colocar o traje que te deu de presente e lhe fazer saber que deseja agradá-lo.

Charlotte abriu um pouco a boca.

-Não estou segura de...

-É obvio que pode. - Interveio a francesa, lendo os pensamentos, antes de esboçar um sorriso picante. - Suspeito que já seja uma boa esposa como duquesa de Newark. O que deve fazer agora é seguir as diretrizes de Lottie e deixar que Colin saiba quão bem pode combinar as duas partes de sua personalidade para se converter na amante que ele deseja, e possivelmente na única dama a que poderá amar sem condições e levar sempre no coração.

Charlotte não pôde negar a satisfação que sentiu quando essa idéia começou a tomar forma em sua mente. Tampouco pôde dizer que essa noção a confundisse ou a ultrapassasse, já que compreendia tudo o que Olivia lhe tinha sugerido e sabia por instinto o que fazer para seduzi-lo. O que não tinha claro era se poderia atuar como uma sedutora na intimidade do dormitório. Mas seria de verdade uma atuação? Não, sempre e quando deixasse de tentar ressaltar os limites entre a Lottie que aparecia nos cenários e essa parte de sua personalidade que mostrava a todo mundo. Tinha fingido ser duas pessoas distintas durante tanto tempo que tinha chegado a lhe resultar natural, mas o certo era que essa mulher sofisticada e tentadora devia ser parte dela, igual à soprano.

O que mais a confundia, decidiu, era essa complicada emoção chamada amor. Seus pais nunca estiveram apaixonados, embora se comportassem de uma maneira tão decente como podia se esperar de qualquer membro da nobreza. A verdade era que jamais tinha dedicado muito tempo para pensar no amor, e naqueles momentos, de repente, converteu-se no protagonista principal da relação que mantinha com seu marido.

Amava Colin? Acreditava que não, e tinha bastante claro que ele não a amava e sentia a luxúria que Lottie lhe inspirava. Ela também o desejava, supôs, embora a simples idéia a inquietasse. As damas não desejavam os cavalheiros. Mesmo assim, depois do ocorrido na noite anterior, sabia sem sombra de dúvidas que o queria em sua cama de novo, e isso complicava tudo. O que aconteceria se ficasse grávida? Tinha-lhe assegurado que lhe proporcionaria um herdeiro, mas depois do fiasco da noite de núpcias havia mudado de opinião. Colin lhe havia dito antes do casamento que queria esperar um tempo antes de ter filhos e mesmo assim tinha derramado sua semente dentro dela na primeira vez que estiveram juntos. A essas alturas, a única coisa que estava segura era de que no que se referia a Colin e a ela como casal não havia nada seguro e era óbvio que nenhum deles sabia o que queria do outro.

Charlotte suspirou e esfregou a testa com a palma da mão. Notou seu aquecimento e soube  que parecia tão mortificada por fora como se sentia por dentro ante aquela conversa. Entretanto, não podia partir ainda, não quando Olivia se mostrou tão alentadora com ela. Assim, agarrou a fatia de bolo que lhe tinha dado, plantou um sorriso resplandecente em seu rosto e centrou a conversa no futuro bebê de Olivia..., um assunto muito mais agradável que não tinha nada a ver com ela.

 

CAPITULO 16

Charlotte contemplou sua imagem refletida no espelho. Seu coração pulsava desbocado no peito, já que em poucos minutos tentaria seduzir seu marido.

Sabia com certeza que ele a desejava, ou ao menos essa era sua esperança, em especial depois de usar o espartilho que lhe tinha dado na noite de núpcias. No momento, enquanto se estudava no espelho, tinha que reconhecer o mérito de ter conseguido um objeto que se ajustava a seu corpo à perfeição. Sim, era um objeto rodeado, áspera e bastante incômodo, mas dava a seu corpo um aspecto mais sedutor, a renda apenas ocultava seus seios e o cetim ressaltava suas curvas, e supôs que o espartilho tinha sido criado com esse mesmo propósito.

Tinham jantado juntos na sala de jantar, embora ela estivesse muito nervosa para comer muita coisa. De todos os modos, Colin não parecia haver percebido, já que estava concentrado em seu próprio prato. Ela tinha se retirado depois do jantar para tomar um relaxante banho com o agradável azeite de aroma de rosas que Olivia lhe tinha dado. Depois vestiu o espartilho e aplicou um toque de ruge nas bochechas para acentuar o tom rosado de sua pele. E já tinha chegado a hora de surpreender a seu marido.

Com os ombros erguidos, o pulso acelerado e um nó no estômago colocou o robe branca de seda e deixou o cinto bastante solto, descartando os ridículos sapatos. Dessa forma o surpreenderia ainda mais quando  tirasse a bata para lhe mostrar o que havia debaixo.

Depois de respirar fundo e soltar o ar muito devagar, sacudiu a cabeça para soltar o cabelo e caminhou em silêncio até a porta que comunicava ambos os dormitórios. Girou a maçaneta sem chamar e a abriu sem fazer ruído.

A única luz procedia do abajur da mesinha de noite, e Charlotte demorou uns instantes em encontrar seu marido, já que não estava na cama. Quando seus olhos se acostumaram à falta de luz, viu que estava no sofá tão nu como no dia em que chegou ao mundo. Tinha a cabeça apoiada no braço do móvel, os olhos fechados e um brandy na mão esquerda. Sua mão direita, entretanto, jazia sobre sua zona íntima, e parecia mover o polegar de um lado ao outro do extremo de seu...

Charlotte afogou uma exclamação e se levou a mão à boca. Entretanto, e para seu mais absoluto horror, Colin a ouviu. Sentou-se de repente e olhou em sua direção com expressão confusa.

-Charlotte?

Ela não pôde mover-se. Que Deus me ajude..., pensou.

-Estava pensando em ti. - Admitiu com um murmúrio rouco e grave.

Charlotte era incapaz de fechar os olhos, de afastar o olhar. A impressão de vê-lo daquele modo (nu, forte e musculoso) provocou-lhe uma maré de desejo que a percorreu da cabeça aos pés.

Seu marido ficou em pé muito devagar, sem o mínimo rastro de vergonha, e ela não pôde evitar olhar essa parte íntima e poderosa, rodeada de cachos crespos e escuros, que se erguia rígida entre suas coxas por causa da excitação.

Por um momento, acreditou que não conseguiria.

-Por que veio? - Perguntou Colin em tom sério e reflexivo.

Interpreta o papel, disse ela.

-Queria te trazer um presente. – Respondeu. Afogando qualquer possível ansiedade que a invadia.

Colin apoiou as mãos nos quadris e a olhou sem rodeios. A Charlotte custou um soberano esforço levantar a vista até seu rosto.

-E que presente é esse? - Inquiriu ele com um pingo de malícia.

Deus bendito, acaso este homem não tem vergonha? Perguntou-se. Devia saber o muito que a envergonhava havê-lo descoberto desta forma, e fazendo... o que estava fazendo? Estremeceu-se só  em recordá-lo.

-Venha aqui. - Sussurrou ele, enquanto começava a aproximar-se dela.

Charlotte vacilou, mas seu atraente físico, combinado com essa mescla única de humor e avaliação, era muito para negar-se. Sentia o batimento do coração de seu coração nas têmporas e a perigosa tensão que o desejo lhe provocava no ventre, mas sabia com certeza que podia ser tudo aquilo que ele desejava.

-Deseja-me, Colin? - Inquiriu empregando um tom rouco e sensual.

Colin ficou sério imediatamente e entreabriu as pálpebras.

-Por que veio, Charlotte? - Repetiu uma vez mais, embora nessa ocasião com certo receio.

-Vim te entregar Lottie. - Confessou enquanto avançava para ele.

Colin se deteve a meio passo e a percorreu com o olhar, desde seu rosto até seus pés nus, com expressão calculadora.

Charlotte compreendeu imediatamente que não confiava nela. Ao perceber, converteu-se rapidamente na Lottie English de seus sonhos, essa Lottie que também fazia parte dela, e caminhou para ele sem a menor hesitação.

Com um sorriso provocador em seus lábios, começou a desatar muito devagar o cinto do robe. Colin baixou a vista até suas mãos antes de voltar a cravá-la em seus olhos. Tinha a mandíbula tensa, e os músculos de seu peito ondulavam à medida que desaparecia por completo sua expressão maliciosa e era substituída por outra de pura necessidade sexual. Charlotte quase pôde senti-la..., do mesmo modo que sentiu o poder que tinha sobre ele. Foi nesse momento que todas suas dúvidas e seus medos se evaporaram por fim.

Desfez o nó e permitiu que o objeto de seda se abrisse enquanto cortava a distância que os separava. Colin não deixou de olhá-la nos olhos até que ela levou as mãos aos ombros e afastou a seda que os cobria permitindo que o robe caísse com suavidade no chão.

Seu marido não se moveu, mas lhe ouviu tomar ar com força ao ver que tinha vestido o espartilho que lhe tinha dado.

-Deseja-me, Colin? - Sussurrou quando chegou a seu lado por fim. Concentrou-se nos formosos e masculinos traços de seu rosto e em seus lábios apertados, sabendo de que seu membro ereto se interpunha entre eles, a escassos centímetros de seu próprio corpo.

- Responde. - Insistiu com voz rouca, antes de esboçar o que esperava que fosse um sorriso tentador.

Com as janelas do nariz dilatadas, Colin entreabriu as pálpebras.

-Sim. - Respondeu em um murmúrio.

Com crescente aprumo, ela estendeu um braço e apoiou a palma da mão sobre a cálida pele de seu peito.

-Quanto?

Notou que ficava tenso, e nesse momento começou a riscar uma linha descendente com o dedo do estômago até o umbigo.

Em menos de um segundo, Colin pegou a renda que lhe cobria os seios e a puxou para apoiá-la contra seu peito.

Charlotte gemeu e se segurou em seus ombros enquanto ele baixava a cabeça para situar o rosto a escassos centímetros do dele.

-Por que está brincando comigo, Charlotte? - Perguntou em um tom áspero e duro.

Ela piscou.

-Não estou brincando.

-Tem a mínima idéia do que me está fazendo? Do que me faz sentir? Do aspecto que tem com isso, vestida assim? - Sacudiu a cabeça enquanto a percorria de cima abaixo com o olhar. - Não deveria me provocar se não tiver vindo por iniciativa própria.

A tensão de sua voz a pegou despreparada. Compreendeu de repente que Colin sentia debilidade por ela, que se negava a deixar-se enganar se ela não sentisse verdadeiros desejos de agradá-lo. Que era vulnerável.

-Fez com que te desejasse. - Repôs ela, tremendo por dentro. - Quero que me faça sentir de novo o que senti ontem à noite. Quero ser sua esposa, sua companheira de cama, a única amante que necessita em sua vida.

Durante um longo e tenso momento, ele não disse nada; apenas respirava enquanto a olhava nos olhos a procura de alguma mentira enterrada naquela sincera declaração de desejo.

Apareceu-lhe um tic na bochecha.

-Essa amante que pretendia ser na noite que nos conhecemos?

Charlotte se derreteu por dentro e, com uma determinação que não acreditava possuir, desceu a mão e acariciou com a ponta dos dedos a carne cálida de seu membro em ereção, lhe provocando um estremecimento.

-A mulher que deseje que seja neste momento. - Murmurou com voz rouca e suave.

Colin tragou saliva e estudou seu rosto com atenção. Logo segurou a parte posterior de sua cabeça com uma mão e esmagou os lábios contra os seus com tanta força que Charlotte gritou desconcertada.

De repente começou a tocá-la por toda parte, cobriu seu seio com uma mão e lhe beliscou o mamilo por cima da renda; explorou sua boca com a língua enquanto afastava a mão de sua cabeça para lhe massagear as nádegas durante uns segundos e apertá-la contra seus quadris.

A ereção lhe queimou entre pernas e uma maravilhosa maré de desejo a atravessou por dentro, lhe arrancando um gemido, obrigando-a a lhe rodear o pescoço com os braços e a estreitá-lo com força.

Com um rápido movimento, Colin a agarrou em seus braços e a levou até a cama sem deixar de beijá-la. Deixou-a cair e ficou em cima dela, embora apoiasse as mãos no colchão para não esmagá-la com seu peso.

Beijou-a com veemência enquanto introduzia uma perna entre suas coxas e tentava desabotoar o espartilho sem muito êxito. Ao final se deu por vencido e rasgou os broches com uma de suas fortes mãos. Charlotte aspirou com força quando ele desceu a cabeça até seus seios e sugou com frenesi um de seus mamilos, para depois dedicar a mesma atenção ao outro.

-Me toque outra vez, Charlotte. - Pediu-lhe com voz tensa, atormentada. Não imagina o quanto eu gosto...

Saber que podia excitá-lo tanto lhe produziu tal prazer que esqueceu todas suas inquietações. Charlotte colocou a mão entre seus corpos, fechou a palma em torno de sua virilidade e gemeu ante esse novo e excitante contato, deleitando-se com o desejo que provocava nele. Depois esfregou a ponta com o polegar, tal e como o tinha visto fazer antes.

-Santa mãe de Deus... - Sussurrou ele, enquanto jogava os quadris para trás e transladava a boca até seu pescoço.

A paixão masculina a acendeu. Ambos respiravam de maneira irregular, e justo quando acabava de começar a acariciar de maneira instintiva a carne dura de seu membro, ele estirou um braço e lhe afastou a mão.

-Ainda não. - Disse em um tom carregado de necessidade. Gozaria logo.

-Quero te agradar. - Murmurou Charlotte, que elevou os quadris em busca dos seus.

Colin gemeu e retrocedeu um pouco.

-Pelo amor de Deus, querida, não há nada em ti que não me agrade.

A sinceridade de sua voz a voltou louca de desejo. Desejava-o com desespero, como Charlotte, como Lottie...

-Quero te tocar aí. - Disse sem fôlego. - Quero... quero te sentir chegar ao clímax, Colin.

Ele ficou imóvel por cima dela e respirou tão fundo como pôde. Charlotte fechou os olhos por medo de ter ido muito longe. As damas jamais diziam...

-Deus santo, Charlotte. - Sussurrou Colin, interrompendo seus pensamentos. - É um sonho feito realidade...

Ela abriu as pálpebras e pôde ver a luxúria implacável que tingia seu olhar surpreendido. Uma luxúria que tinha provocado ela e que a estremeceu de paixão.

Seu marido lhe acariciou os lábios com a ponta do polegar antes de descer a mão e colocá-la entre suas pernas. Ela gemeu e abriu mais os olhos quando começou a acariciá-la. Colin não deixou de olhá-la nos olhos enquanto deslizava os dedos por seu sexo, levando-a a beira do abismo.

Momentos depois agachou a cabeça e começou a lhe beijar a zona do decote, os seios, o ventre. Charlotte se aferrou à colcha com ambas as mãos e elevou os quadris de novo para compassar o ritmo de suas peritas carícias... até que sentiu que os lábios masculinos roçavam o triângulo de cachos que havia entre suas coxas.

Aturdida, incorporou-se sobre os cotovelos e observou como Colin se situava entre suas pernas. Um instante depois colocou a boca ali onde tinha estado sua mão.

-Colin...

Ele ignorou seu sobressalto e começou a lhe acariciar o clitóris com a língua. Charlotte o observou, embora a fascinação inicial se transformasse muito em breve em uma sensação de prazer que jamais teria podido chegar a imaginar e que a levou até o limite uma vez mais.

Colin moveu a língua mais rápida, mais forte, e ela se perdeu na tormenta de sensações; jogou a cabeça para trás entre gemidos e balançou os quadris por instinto contra sua boca. Não pôde reprimir um grito quando ele começou a introduzir a língua em seu interior para depois retirá-la, devagar, uma e outra vez... levando-a ao beira da loucura.

Voltou a relaxar-se sobre o colchão, aferrou a colcha entre os punhos e investiu contra ele, faminta, ofegante. Desesperada. E então sentiu uma maravilhosa explosão de prazer. Com o corpo estremecendo, ofegou em busca de ar e se deleitou com cada sacudida de êxtase, rendida às carícias de sua boca e de suas fortes mãos.

Antes que pudesse estender um braço para tocá-lo, Colin a liberou e se situou sobre ela uma vez mais. Olhou-a com os olhos nublados pelo desejo. Charlotte sentiu a dureza aninhada entre suas pernas e se preparou com entusiasmo para a penetração.

-Me toque agora, querida. - Faz que eu chegue ao clímax. - Suplicou-lhe em um sussurro afogado, pondo os quadris em frente a ela.

Ela fez o que lhe pedia sem pensar. Desceu o braço e o olhou nos olhos enquanto fechava a mão em torno de sua rígida ereção. Colin gemeu ao sentir a calidez da palma a seu redor e Charlotte notou como se sacudia entre seus dedos. Essa evidente necessidade de alívio lhe arrancou um gemido de satisfação. Seu marido aspirou entre dentes quando ela percorreu o extremo de seu membro com o polegar e logo vacilou uns segundos, sem saber muito bem o que fazer.

Instantes depois, como se lhe tivesse lido a mente, Colin balançou os quadris e a olhou com olhos frágeis; seus músculos estavam contraídos, e sua mandíbula, tensa. A carícia surgiu de maneira natural quando se moveu e lhe mostrou sem palavras como fazê-lo. Jogou a cabeça para trás enquanto subia para seu próprio topo de prazer.

Charlotte observava seu rosto, fascinada por sua beleza, absorta na paixão do momento.

-Deus, Charlotte. - Ofegou, fechando as pálpebras com força. - Sim, faz com que...

Charlotte jamais havia se sentido tão capitalista em toda sua vida. Sentia-se cativada pelas emoções masculinas, comovida pela necessidade que o embargava; notava sua força na palma da mão e estava preparada para vê-lo chegar ao orgasmo.

-Colin... - Murmurou com suavidade.

Ele abriu os olhos de novo e a olhou com paixão.

-Mais depressa, Lottie. -Suplicou-lhe com os dentes apertados, ofegante. - Acaricie-me, Por Deus...

De repente, Charlotte o sentiu contrair-se.

-Ai, Deus... Deus, Charlotte...

E nesse momento se balançou contra sua mão uma, duas, três vezes; gemeu com força e apertou os dentes enquanto o fluido pegajoso que emanava dele com cada pulsação se derramava sobre seus dedos e seu ventre.

Charlotte soube imediatamente que jamais experimentaria algo tão intenso em toda sua vida. Lambeu os lábios e fechou os olhos para senti-lo, para acariciá-lo com suavidade, até que ele retrocedeu para se libertar de sua mão.

Colin se tombou na cama junto a ela e a estreitou com força antes de lhe embalar a cabeça contra seu peito enquanto seu corpo se relaxava.

Charlotte fechou os olhos e se amontoou contra ele com um sorriso nos lábios. Tinha a certeza de que por fim tinha feito as pazes com Lottie.

 

Colin permaneceu acordado durante muito tempo. Estava deitado de costas sobre o colchão, com as mãos colocadas sob o travesseiro e seu corpo nu oculto sob o lençol. Contemplava a escuridão do teto sem ver nada, muito inquieto para dormir. Charlotte roncava ligeiramente a seu lado, algo que mais tarde lhe jogaria na cara com enorme satisfação. Dormiu depois que Colin insistiu em que passasse a noite com ele, e o simples feito de recordar a expressão escandalizada que tinha aparecido em seu rosto ante semelhante sugestão lhe fez sorrir na escuridão. Tinha entrado em sua habitação encarnando à mulher sedutora com a qual todo homem fantasiava, e, entretanto lhe ofendia a simples idéia de dormir toda a noite com seu marido. Essa esposa sua era... uma criatura muito complexa.

Essa noite tinha sido a mais erótica de toda sua vida. Nunca, jamais, teria imaginado que o sexo dentro do matrimônio pudesse ser tão... imprevisível, tão lascivo e impregnado de sensualidade. Tão perfeito. Charlotte se tinha convertido na Lottie English de suas fantasias; na mulher com a qual tinha sonhado deitar-se durante anos. Entretanto, converteu-se em muito mais que isso. O fato de saber que só tinha estado com ele e que jamais teria outro amante em sua vida o enchia de uma satisfação impossível de descrever.

Para falar a verdade, ficou pasmo quando a viu o observando do vão da porta e tinha estado a ponto de chegar ao clímax só vê-la. Estava excitado e pensando nela, imaginando como o tocava embargado pelo desejo. Não obstante, era o desejo de Charlotte o que o desconcertava. Tinha estado com muitas mulheres em sua vida, mas nenhuma delas o tinha acariciado até o orgasmo, e sua esposa lhe tinha pedido que lhe permitisse fazê-lo. Depois de saborear a deliciosa doçura que tinha fluido de seu interior, de perceber o orgasmo feminino, havia se sentido desesperado para afundar-se nela e gozar em seu interior. Entretanto, essa diminuta parte dele que tinha desejado Lottie durante tantos anos o tinha retido tempo suficiente para descobrir se ela ainda desejava acariciá-lo e, para sua mais absoluta satisfação, tinha-o feito sem reservas. Antes de dormir, Charlotte lhe tinha perguntado se o tinha feito bem e ele começou a rir. Não pela pergunta, mas sim porque ela não tinha nem a menor idéia do que sua sinceridade e sua alegria na cama significavam para ele.

Compartilhariam um amor maravilhoso. Disso não lhe cabia nenhuma dúvida. Charlotte era mais que uma esposa, mais que uma amante. Era sua companheira de cama e Colin lhe entregaria o que desejasse. Depois dessa noite, tinha a certeza de que jamais necessitaria outra mulher, jamais necessitaria nenhuma outra coisa.

E com esse pensamento em mente, deixou que o envolvesse a calma e fechou finalmente os olhos para deixar que o sono o arrastasse.

 

CAPITULO 17

Por surpreendente que parecesse e apesar de que não tinha dormido muito bem na cama de seu marido, Charlotte se sentia descansada essa manhã. Despertou cedo e colocou modesto vestido de gaze cor lavanda (provavelmente o mais bonito que se pôs para ir aos ensaios no teatro) com a esperança de que Colin se fixasse e comentasse seu traje, ou melhor, ainda, que assinalasse o bem que ficava. Por desgraça, não viu Colin essa manhã, já que Betsy, a nova governanta, informou-lhe que estava trabalhando em seu estúdio e não queria que o incomodassem. Suspeitava que estivesse imerso na cópia da partitura de Händel, embora, dado que jamais o tinha visto trabalhando e que ainda não tinha visto seus progressos, não tinha nem a menor idéia de se tinha conseguido realizar ou não uma cópia convincente. Entretanto, apenas conseguiu concentrar-se nisso, já que não podia afastar sua memória o acontecido da noite anterior, com o que Colin fez com seu corpo, com o que ela havia sentido. Desiludiu-se um pouco quando não se reuniu com ela para tomar o café da manhã, nem para dar um passeio a cavalo essa manhã. Mas não importava. Trabalharia melhor esse dia, já que seria mais fácil concentrar-se na atuação se ele não estivesse ali para distraí-la. Embora tentasse não pensar nisso, ainda sentia um formigamento no corpo ao recordar suas carícias, seus deliciosos beijos, a maestria com a que lhe tinha feito...

A pesar do calor de sol, estremeceu ao abrir a porta traseira do teatro. De caminho para seu camarim não pôde evitar sentir certa vergonha ao lembrar-se da noite anterior..., e não pela audácia de ter ido vê-lo, mas sim porque ao final o tinha acariciado de uma maneira escandalosa e ele tinha desfrutado em extremo..., inclusive tinha chegado a lhe exigir que o acariciasse dessa forma. As incessantes reflexões lhe recordaram de repente o dia que se reuniram na casa de seu irmão antes de casar-se, quando Colin lhe tinha deixado bem claro que não desejava deixá-la grávida até que se cansasse de deitar-se com ela. Não o havia dito com essas palavras, é obvio, mas o simples feito de recordar sua insistência aquele desafortunado dia a ajudou a compreender com exatidão por que não tinha querido arriscar-se a deixá-la grávida na noite anterior. Charlotte era primeira em admitir que não sabia nada na realidade sobre a mente masculina e sua lógica, embora para ela tivesse sentido.

-Veio cedo.

Deteve-se a meio passo e se voltou para contemplar uma sorridente Sadie, que avançava para seu próprio camarim, situado ao outro lado.

-Sim, verdade? - Respondeu com amabilidade. Apertou as partituras do dia contra seu peito e lhe devolveu o sorriso.

- Acredito que Walter começa a zangar-se comigo porque todo o dia está distraída.

Sadie começou a rir enquanto colocava as presilhas que seguravam sua larga juba mogno na parte posterior da cabeça.

-Claro que não. - Repôs com seu leve acento francês. - Não pode te repreender muito se não quer que o ameace partindo para o continente. Onde nos deixaria isso a outros?

-Suponho que você seria a soprano principal. - Respondeu Charlotte imediatamente; desejava lhe fazer um elogio, embora fosse muito possível que não fosse certo.

-Ja! Eu nunca seguiria seus passos, Lottie. - Brincou Sadie antes de abaixar os braços.

Seu sorriso diminuiu um pouco ao perguntar-se se a francesa havia dito de forma deliberada que nunca seguiria em lugar de nunca poderia seguir ou se o havia dito mal por causa de seu desconhecimento do idioma. Seu marido lhe tinha feito duvidar de sua amiga quando não havia razão para fazê-lo.

-Entretanto. - Acrescentou Sadie com um sorriso matreiro. - Estava te procurando faz um tempo.

Charlotte se curvou um pouco.

-Por quê? Acabo de chegar. - Disse exasperada.

Sadie encolheu os ombros e enlaçou as mãos à altura do colo.

-Não tenho nem idéia, embora não parecesse zangado, se isso fizer com que se sinta melhor.

Charlotte grunhiu para si mesma e abriu a porta de seu camarim.

-Irei vê-lo dentro de um momento.

-Onde está seu elegante duque hoje?

Voltou-se de repente, atônita ante o fato de que Sadie tivesse mencionado Colin; conforme parecia, a mulher dava por sentado que mantinham algum tipo de relação, talvez até um romance.

-Não tenho nem idéia. - Disse suspirando, interpretando seu melhor papel.

-Já, entendo. - Assegurou Sadie com expressão incrédula enquanto cruzou os braços. Depois de lhe dar uma rápida olhada por cima do ombro, acrescentou com malícia. - Sabe que se casou com uma aristocrata, verdade?

Charlotte sentiu que lhe ardiam as bochechas, mas ignorou e utilizou as partituras que tinha entre os braços a modo de escudo.

-De verdade? A verdade é que acredito que tinha ouvido algo a respeito.

-E estou segura de que sabe que esse homem está disposto a jogar com qualquer.

 Acrescentou Sadie esboçando um meio sorriso, enquanto a olhava de cima abaixo. - Parece que gosta dele.

Charlotte não sabia dizer se sua amiga queria lhe advertir sobre um suposto conquistador ou se sugeria que mantivesse um romance com ele. De qualquer modo, intranquilizou-lhe um pouco que outros membros da partilha acreditassem que mantinha uma relação às escondidas com o duque de Newark.

-Ah... sim estão aqui. - Interveio Anne, que saiu de trás do pano de fundo que havia à esquerda para avançar para elas.

Charlotte suspirou aliviada.

-Bom dia. - Saudou em tom alegre.

-Bom dia. - Respondeu a mulher enquanto sacudia o vestido verde oliva à altura dos quadris e a olhava da cabeça aos pés. - Meu deus, hoje está preciosa, Lottie.

Tinha esquecido por completo que se pôs um vestido de gaze em lugar dos simples trajes de linho que utilizava para trabalhar, que sempre pareciam mais práticos que bonitos. Além disso, tinha feito um coque meio solto em lugar de fazer um coque na nuca. Ao parecer, Anne tinha notado, e era possível que Sadie também, razão pela qual Colin tinha saído a reluzir na conversa em primeiro lugar.

-Obrigado. - Disse com uma inclinação de cabeça.

-Por Deus, eu nem sequer tinha percebido. - Comentou Sadie, que tomou uma parte de gaze das saias entre os dedos.

- Quase poderia passar por uma dama da aristocracia com este vestido.

Anne começou a rir.

-Certo. E, além disso, fala igual ou até melhor que elas. Embora suponha que isso se deve a que tem um ouvido excelente.

-Acham que a rainha me convidará para tomar o chá? - Brincou Charlotte fazendo uma reverência.

As duas mulheres soltaram uma gargalhada.

-Bom, milady, antes que isso aconteça será melhor que vá ver o diretor. Walter está  te procurando.

-Sim, isso ouvi. - Admitiu Charlotte já séria. - Assim suponho que será melhor que vá vê-lo antes que fique vermelho de ira e venha me buscar.

Sadie se aproximou da mulher mais velha e enlaçou seu braço com o dela.

-Vamos, Anne. - Disse com fingida rabugice. - È evidente que não nos necessitam.

-Graças a Deus. - Replicou Anne piscando um olho. - É uma verdadeira sorte não ser a estrela do teatro. Veremo-nos no cenário, Lottie.

E com isso, as duas mulheres se afastaram de braço dado. Sadie lhe disse algo ao ouvido a sua companheira e Anne começou a rir.

Charlotte ficou um pouco desanimada; sabia que só brincavam com ela, mas lhe inquietava de qualquer modo. Era impossível que conhecessem sua identidade, embora vestisse um vestido bonito tinha sido um engano e tinha aprendido bem a lição.

Caminhou depressa para o camarim e deixou as partituras na cadeira da penteadeira; logo se arrumou um pouco, alisou as saias e se dirigiu ao escritório do diretor, no segundo andar.

Deteve-se frente à porta fechada para ouvir vozes masculinas no interior. Reconheceu imediatamente a de Porano e o imaginou agitando os braços dramático já que parecia bastante irritado. Entretanto, não conseguiu ouvir o que diziam.

Depois de erguer-se, chamou à porta e entrou no escritório de Walter quando este lhe deu permissão.

Como sempre, a pequena sala sem janelas estava imaculada. Walter era um meticuloso perfeccionista, e Charlotte não pôde evitar perguntar-se o que pensaria a esposa do diretor, que levava vinte e cinco anos casada com ele, de um homem que arquivava tudo, das notas de produção e os recibos de vestuário até o horário semanal do banho de sua terrier, Coco, que o seguia a todas as partes, inclusive ao teatro.

A primeira que viu Charlotte foi a cachorra, que se levantou da cama que tinha em um dos cantos da sala se aproximou dela movendo a cauda para chamar sua atenção.

-Olá, Coco bonita. - Disse enquanto se ajoelhava para acariciar o pêlo limpo e recém escovado do animal.

Coco lhe lambeu as mãos e lhe mordiscou os dedos, e ela a arranhou atrás das orelhas enquanto levantava a vista para Porano.

Percebeu imediatamente que a discussão que mantinham não era agradável. Porano tinha o nariz e as bochechas da cor vermelha, embora tivesse conseguido permanecer calado desde que ela entrou. Walter parecia algo contrito e esfregava o gorduroso cabelo sem parar enquanto a observava do outro lado de sua limpa e espaçosa escrivaninha.

-Queria falar comigo, Walter? - Perguntou sem deixar de acariciar Coco, que tentava em vão subir a seu colo.

Porano lhe deu as costas e se dedicou a estudar os arquivos que Walter armazenava na estante que tinha a sua esquerda.

Barrington-Graham esclareceu a garganta enquanto puxava sua gravata de raia negra e branca.

-Ontem recebi uma carta do diretor de La Scala de Milão. - Declarou um pouco mais calmo. Os... bom... os italianos ouviram falar sobre seu magnífico talento, Lottie, e querem saber qual é sua resposta.

Charlotte ficou em pé muito devagar e passou o olhar entre Porano e o diretor, intrigada.

-Minha resposta a que? - Perguntou ao ver que não acrescentavam nada mais.

O magro rosto de Walter adquiriu uma expressão séria sob a brilhante luz do abajur e sua testa se enrugou no que parecia um gesto de preocupação.

-Em realidade. - Explicou enquanto puxava o apertado pescoço da camisa com um dedo. - Querem que vá a Itália com Adamo para cantar em La Scala durante todo o ano que vem, ou possivelmente mais tempo ainda.

Charlotte demorou um momento em compreender o que o diretor queria dizer com esse assombroso anúncio. Seu coração deixou de pulsar e lhe dobraram os joelhos quando assimilou o significado de suas palavras.

-Querem... querem que cante em La Scala? - Murmurou com voz trêmula.

-Como soprano principal. – Barrington Graham tentou sorrir. Itália te quer Lottie. E por muito que deteste a idéia de te perder durante uma temporada ou mais, vejo-me na obrigação de te informar sobre o interesse deles.

Charlotte precisava se sentar para esclarecer as idéias e digerir a notícias tão... incrível e formidável. Mas de repente, como se tudo aquilo estivesse relacionado com ele, Porano fez um gesto de exasperação com os braços e se dirigiu à única cadeira que havia em toda a sala, em frente à escrivaninha de Walter, para deixar cair sobre ela seu enorme corpo.

Barrington-Graham não pareceu perceber essa terrível falta de decoro e hospedou seu ossudo traseiro em sua própria cadeira, do outro lado da mesa.

Charlotte permaneceu de pé, olhando de um para outro com uma expressão desconcertada e a boca aberta de uma forma da mais imprópria para uma dama.

-Gostam. Querem-lhe. - Exclamou Porano com seu forte acento, rompendo o silêncio por fim.

Nesse momento chegou à conclusão de que a Porano não tinham feito muita graça a notícia, e o primeiro que passou pela cabeça de Charlotte foi como tinha conseguido inteirar-se antes que ela. Embora carecesse de importância. Ali, de pé no escritório do diretor, começou a perceber que aquela incrível oportunidade significava para ela, para seu futuro.

O diretor de La Scala, o teatro mais importante de Milão, tinha-lhe devotado a oportunidade de cantar na Itália. Ela sozinha tinha visto o edifício em pintura, mas parecia muito grande para albergar a milhares de espectadores. Era um dos mais importantes do mundo, e suporia o primeiro passo na realização de seus sonhos.

Ao parecer, Barrington-Graham notou a aflição que sentia e lhe ofereceu um pequeno sorriso.

-É uma oferta maravilhosa, Lottie. - Disse em voz baixa sem prestar a mínima atenção a Porano. Mas espero que cumpra o compromisso que tem com o The Bohemian Girl, como Porano. - Inclinou-se para frente para apoiar os antebraços sobre a escrivaninha e depois entrelaçou os dedos das mãos. O teatro não sairia adiante, e você sabe se partisse antes da próxima temporada.

Charlotte apenas foi consciente de que Coco tinha começado a ladrar e a puxar a prega de gaze com os dentes para chamar sua atenção. Sem pensar sequer, agachou um pouco para agarrar a cachorra em braços e começou a acariciá-la.

Itália. Por Deus, aquela era a oportunidade de sua vida.

-Eu... devo aceitar uma oferta tão generosa. - Disse momentos depois com a boca seca.

Adamo meneou a cabeça antes de cravar a vista no colo.

-Supõe-lhe algum problema compartilhar o cenário comigo em Milão, senhor Porano? - Perguntou Charlotte, que recuperou a sensatez ao observar o comportamento pueril do homem.

Adamo lhe jogou uma olhada por cima do ombro.

-É obvio que não. - Repôs em tom áspero.

Charlotte agradecia seriamente sua reação, e para falar a verdade, esperava-a. O tenor se considerava, e sempre se consideraria a maior estrela italiana. Compartilhar o cenário de La Scala com um cantor inglês, fosse qual fosse seu sexo, subtrairia de certo modo parte de sua glória. Contudo, disse a si mesma Charlotte, também devia saber o muito que favoreceria sua carreira na Europa se fosse capaz de administrar da maneira adequada.

Alvoroçada, Charlotte rejeitou qualquer possível negativa e incerteza. Tinham-lhe devotado um presente e tinha a intenção de aceitá-lo.

-É obvio que ficarei aqui durante toda a temporada, Walter. - Disse, tentando dar um tom prático a algo que, para ele mais que para ninguém, era um assunto de negócios. - Mas sabe tão bem como eu que não posso rejeitar uma oferta semelhante de uma das melhores óperas da Europa.

Adamo se afundou ainda mais no assento. Barrington-Graham assentiu com a cabeça, embora tivesse uma expressão séria.

-Nesse caso, suponho que devo te felicitar. - Comentou em tom apagado. Coco e eu  sentiremos  sua falta.

E eu sentirei falta da Coco, pensou ela.

-Obrigado, senhor. - Respondeu, tremendo por dentro.

– Quer que comece a praticar já?

Walter fez um gesto com a mão a modo de despedida.

-Sim, faça-o. Descerei dentro de uns minutos. Ah, Lottie...

-Sim?

-Por agora não mencione isto a ninguém. - Acrescentou. Não quero que o resto da partilha se preocupe com o trabalho da próxima temporada, quando você não estiver aqui para atrair os espectadores.

Isso a serenou um pouco.

-É obvio Walter. Não direi nenhuma palavra disto a ninguém até que você o faça.

Porano nem sequer se dignou olhá-la quando, depois de deixar a cachorra no chão, saiu do escritório e fechou a porta muito devagar com um enorme sorriso desenhado em seus lábios, enquanto Coco começava a ladrar de novo.

Itália. Seu sonho  feito realidade.

Não foi até que desceu as escadas que conduziam ao vestíbulo e atravessou os cortinados do cenário quando começou a perceber o quão difícil seria dizer a Colin.

 

CAPITULO 18

Colin estava sentado na escuridão do teatro, na última fila de assentos, escutando os homens da partilha cantar sua parte. Supôs que teria que suportar também o repertório das damas quando aquela tortura finalizasse. Logo, segundo Charlotte, todos fariam um repasse completo do terceiro ato, momento durante o qual podia dormir se as circunstâncias tivessem sido outras. Esse dia, entretanto, tinha ido ver a atuação de sua esposa, algo que, por estranho que parecesse, enchia-o de um tremendo orgulho.

Fazia já três semanas que Charlotte se converteu em sua apaixonada amante e o certo era que Colin tinha desfrutado de cada momento vendo como se retorcia entre os lençóis, como aprendia o que gostava e como desfrutava ao lhe proporcionar prazer. E lhe proporcionava muitíssimo prazer, sem dúvida. Da mesma forma, ele tinha satisfeito todos seus desejos na cama; em algumas ocasiões a tinha surpreendido adivinhando-os antes inclusive de que a ela mesma lhe passasse pela cabeça. Havia passado tão condenadamente bem em sua companhia durante esse tempo que parecia estar vivendo um sonho. Um sonho muito, muito bom.

Contudo, e apesar de que sua relação era do mais satisfatório no plano físico, havia algo que o inquietava, algo que não podia explicar ou que talvez ignorasse. Faltava algo entre eles, e depois de pensar bem durante esses dias, tinha chegado à conclusão de que devia ser a relutância de Charlotte a antepô-lo, como marido dela à fama e seu desejo de cantar no estrangeiro. Fiel a sua palavra, ele tinha feito tudo o possível para não deixá-la grávida, e ela parecia desfrutar das relações sexuais sem necessidade de penetração. Entretanto, a idéia de lhe permitir fazer uma excursão pelo continente não fazia muita graça. Tinha sido um estúpido ao supor que se cansaria dela, tal e como lhe tinha ocorrido com outras amantes. As coisas entre Lottie e ele eram distintas. Quanto mais tempo passavam casados, mais a queria a seu lado, e não só em sua cama. Se a deixasse grávida, ficaria ela pelo bebê? A condição que lhe tinha imposto para financiar sua excursão tinha sido que lhe proporcionasse um herdeiro, embora durante as últimas semanas Colin tivesse começado a questionar sua própria ingenuidade ao acreditar que poderia deixá-la partir tão facilmente. Nesses momentos não tinha nem idéia do que fazer.

A súbita aparição de Charlotte no cenário nesse instante o devolveu ao presente. Conseguia cativá-lo até sem o disfarce, usando com um vestido de dia bastante simples e sem cosméticos. Nunca se cansava de ouvi-la cantar, já fosse em uma grande produção ou em casa, na intimidade de seu estúdio. Em algumas ocasiões, quando ela praticava as escalas, Colin se detinha onde estava, fechava os olhos e se deleitava com a beleza de semelhante talento. Nesse momento, Porano e ela pareciam preparar-se para cantar um dueto, já que os homens partiram do cenário e as mulheres ainda não tinham feito sua aparição.

Colin bocejou. Não tinha se aborrecido a ir ver os ensaios, mas escutar a mesma música uma e outra vez, dia atrás dia, sabendo que um dos membros da partilha, talvez mais, desejava sua valiosa partitura musical e estava disposto a algo para consegui-la, começava a pô-lo nervoso. Estava farto de esperar respostas.

Durante as últimas três semanas, havia passado os dias conhecendo, observando e escutando as pessoas que iam àquele teatro; e as noites, trabalhando na cópia. Tinha conseguido eliminar da lista de suspeitos a todo mundo salvo os poucos que trabalhavam mais de perto de Charlotte.

Em primeiro lugar e depois de muito refletir, tinha chegado à conclusão de que fosse quem fosse o responsável pelo desabamento da viga, e do resto dos desafortunados acidentes, não tentava matá-la, lhe provocar danos graves nem afastá-la do papel protagonista; só queria tirá-la do meio, já que assumia que a partitura de Händel estava no teatro. Se Lottie desaparecesse durante uns dias por causa de uma ferida, teria liberdade para investigar o camarim e todas as caixas de antigas e poeirentas partituras que havia em seu interior. A única falha nesse raciocínio era que ela poderia levar consigo a partitura, embora quanto mais pensasse nisso, mais improvável lhe parecia. Charlotte não poderia guardar sem mais em um bolso devido à antiguidade e o delicado estado do papel. E quem quer que deseje a obra original sabia. Além disso, posto que não tivesse percebido que alguém tivesse seguido Charlotte durante o caminho de ida ou de volta a casa, já fosse à sua ou a de Brixham, e dado que nem seu irmão nem ele tinham sofrido ataque algum, o culpado devia acreditar que a partitura estava oculta em algum lugar desse edifício. Por agora, era uma hipótese bastante lógica. Não obstante, posto que o vândalo que tinha roubado seu camarim não tinha encontrado a partitura em questão, era muito provável que estivesse desesperado para averiguar seu paradeiro. Também era possível que o suposto ladrão não pretendesse deixar as partituras sem valor disseminadas pelo chão; alguém, já fosse Charlotte ou outra pessoa, poderia ter interrompido sua busca e havê-lo obrigado a sair do camarim a toda pressa sem recolher nada.

Durante as semanas anteriores e com a desculpa de ser um mecenas das artes que desejava assistir aos ensaios para assegurar-se de que suas doações monetárias se utilizavam como era devido, tinha chegado a conhecer melhor o diretor e o administrador do teatro. Como era de esperar, todo mundo assumia que Lottie era sua amante ou que o seria muito em breve, e embora os membros do pessoal do teatro e da partilha estavam acostumados a ignorar sua presença, todos sabiam que se casou com a tímida irmã do conde de Brixham. Todo aquele que lesse as páginas da sociedade ou se mantivesse a par das excentricidades da aristocracia sabia. Entretanto, Colin não acreditava que ninguém tivesse averiguado ainda que Lottie e a duquesa de Newark fossem a mesma pessoa, de modo que pela primeira vez em sua vida poderia fazer um bom uso de sua reputação de libertino.

Assim, tinha descartado depois de muitas conjeturas os músicos da orquestra, os membros secundários da partilha e os trabalhadores de cenografia. Nenhum dos que trabalhavam com os cenários ou com o vestuário saberia distinguir uma valiosa partitura de Händel de uma cópia recente do hino nacional. Os membros secundários da equipe não estavam no teatro no dia que caiu a viga, e tampouco tinham chegado ainda os poucos convocados esse dia quando Charlotte e ele encontraram a bagunça no camarim. O mesmo podia dizer dos músicos da orquestra, já que só o pianista estava disponível e não se afastou do cenário quase em nenhum momento. Era certo que nem Anne nem Sadie tinham papéis muito importantes na obra, mas Sadie sempre parecia andar à espreita, já fora da  vista de todos ou entre bastidores, como se não tivesse nada melhor que fazer. Embora o mesmo podia dizer dele, pensou Colin.

A chave do enigma, concluiu, era que Charlotte tinha a certeza de não ter comentado com ninguém que o tesouro estava em seu poder, nem sequer a seu irmão. O conde de Brixham não se relacionava com ninguém do teatro, nem com os diretores nem com a partilha, por medo a desvelar a identidade de Lottie e a arruinar sua própria reputação; além disso, até onde Colin sabia, nem sequer se tinha posto em contato com Charlotte desde o dia de seu casamento.

Durante a análise final, chegou à conclusão de que tão somente havia quatro possíveis suspeitos: o diretor, Walter Barrington-Graham; Anne Balstone; Sadie Piaget; e o gerente do teatro, Edward Hibbert.

Hibbert não assistia frequentemente aos ensaios e, depois de realizar algumas discretas averiguações no ministério do Interior, Colin tinha descoberto que o teatro gozava de boas condições econômicas. Também era certo que se Lottie English abandonasse a produção, o teatro perderia uma enorme quantidade de dinheiro. Assim, o mais recomendável para Hibbert seria que ela se encontrasse em perfeitas condições de saúde para atuar. Além disso, tampouco era músico, e embora trabalhasse com gente de muito talento musical, era muito provável que não soubesse que aspecto tinha uma partitura original nem como ou onde poderia vendê-la. Ao menos não sem ajuda.

Barrington-Graham, decidiu, também era um candidato improvável dado seu posto no teatro. Pelo que tinha averiguado, era um homem muito respeitado entre os colegas, a sociedade e inclusive a nobreza, devido à relação que mantinha desde tempos imemoriais com a ópera londrina e o mundo das artes. O único que podia considerar-se remotamente suspeito no homem era o pouco que se sabia de sua vida privada, embora isso em si mesmo não significasse nada. Tinha casado a mais de duas décadas, e sua esposa era uma mulher tranquila que se dedicava à criação de cães para as exposições. Ninguém parecia saber nada sobre o estado de suas finanças. Sem dúvida tinha um salário mais que decente, e nunca lhe tinham conhecido dívidas, embora ele sim que saberia muito bem onde e como vender uma partitura musical, tanto pela via legal como pela ilegal. O ponto fraco nessa teoria, pensou Colin, eram as escassas possibilidades que tinha o diretor de passar despercebido no teatro. Todo mundo se fixava nele, e a maioria das vezes ficava no cenário durante os ensaios. Se Barrington-Graham estava comprometido naquele assunto, o mais provável era que tivesse um cúmplice, alguém que manteria a boca fechada nos anos vindouros.

Assim, só ficavam Anne e Sadie. Ambas reconheceriam o valor de um original de Händel e poderiam utilizar o dinheiro de sua venda para viajar e cantar no estrangeiro. Anne, entretanto, estava casada e era uma mulher de meia idade. O único que tinha a seu favor como possível candidata era sua capacidade de plantar-se frente a um homem, inclusive ante o diretor do teatro, e utilizar sua experiência para pressioná-lo ou lhe denegar algo sem olhares. Sadie, em troca, era jovem, solteira, linda, sensual e francesa. E graças a sua considerável experiência com as mulheres, Colin sabia com certeza que a perícia sexual sempre obtinha melhores resultados que as exigências matrimoniais. Segundo suas valorações, era muito provável que Sadie estivesse implicada de algum modo no assunto.

Embora também pudesse haver-se equivocado em tudo.

Esfregou os olhos. Charlotte e Porano estavam imersos nas práticas e o resto da partilha se acomodou nas cadeiras dos espectadores ou andava entre bastidores, fora do alcance de sua vista. Supôs que não haveria um momento melhor que esse para pôr em marcha seu plano, para começar a investigar Sadie, a pessoa cuja implicação parecia mais razoável. Não havia dito nenhuma palavra de tudo aquilo a Charlotte, já que o único modo que lhe ocorria de aproximar-se da francesa era fingir que a cortejava. Tinha sido toda uma surpresa para ele descobrir o pouco que gostava de fazê-lo, embora não fosse mais que um cortejo fingido, agora que Charlotte lhe enfraquecia a cama. Sorriu para si mesmo ao pensá-lo. Se Sam e Will se inteirassem de sua falta de interesse por outras damas, jamais o deixariam em paz com suas brincadeiras.

Uma vez em pé e sem que ninguém o visse, Colin se deu a volta e atravessou sem problemas os cortinados que havia a suas costas antes de descer a toda pressa até a porta de bastidores. Sadie não estava sentada na zona destinada aos espectadores, e posto que Lottie continuasse cantando com Porano, sabia que a encontraria depois do cenário, em seu camarim ou em algum lugar próximo.

Quase imediatamente ouviu uma fraca gargalhada feminina atrás dos enormes cortinados que os separavam do cenário propriamente dito. Embora estivesse bastante escuro, reconheceu imediatamente as vozes de Anne, de Sadie e de uma das moças que trabalhava no vestuário chamada Alice Newman. Não obstante, dado que não tinha mais de dezesseis anos e que procedia de uma família modesta, estava seguro de que a garota não supunha uma ameaça para Charlotte.

As três estavam justo ao lado do camarim de Lottie, cuja porta estava fechada. Posto que ainda não o tivessem visto, Colin se deteve um momento e arregaçou a camisa até os antebraços. Depois passou os dedos pelo cabelo um par de vezes e se ergueu com confiança para enfrentar-las.

Foi Anne a primeira que o viu aproximar-se, e seu gordinho rosto mudou da jovialidade à surpresa. A conversa cessou de repente. A mulher lhe fez uma reverência enquanto as demais se voltavam e faziam o mesmo.

-Senhoras. - Saudou Colin, enquanto se situava em frente a elas.

-Excelência. - Murmuraram as três ao uníssono.

Ele sorriu e cruzou os braços sobre o peito.

-Espero não interromper nada importante.

-Não, não, é obvio que não. - Replicou Anne, que parecia nervosa de repente. Passou o dorso da mão por sua ampla testa e olhou primeiro Sadie e depois à moça, cuja juventude e acanhamento lhe impediam de levantar a vista mais à frente do chão.

-A obra vai muito bem, não é. - Perguntou empregando um tom despreocupado.

-Sim, assim é. – Concordou Anne com um assentimento de cabeça.

- Somos muito afortunados ao ter o grande Porano no papel de Tadeo.

-Mas a estrela é Lottie, é obvio. - Acrescentou Sadie olhando-o nos olhos.

Colin sorriu e enfrentou seu olhar.

-Sim, mas acredito que você esteve tão deslumbrante como ela quando cantou ontem.

Sadie o observou com curiosidade. Fez-se um momento incômodo para todos os presentes salvo para ele. Logo Anne deixou escapar um longo suspiro.

-Bom. - Disse enquanto esfregava as palmas das mãos nas saias.

- Alice estava a ponto de me ajustar o traje. Desculpa-nos, excelência?

Foi o mais oportuna, pensou Colin.

-Não deixe que a entretenha, por favor, senhora Balstone. Senhorita Newman.

Sadie não disse nada, embora Colin pudesse notar seu olhar sobre ele enquanto as outras duas damas faziam uma reverência e se afastavam para a escuridão pelo lado esquerdo do cenário.

Voltou a escutar Charlotte, que cantava sozinha nessa ocasião, e se voltou para Sadie com um sorriso.

-Bom, parece que nós ficamos sozinhos.

-Isso parece, sim. - Ronronou ela com um marcado sotaque, enquanto o olhava de cima abaixo com as mãos enlaçadas às costas.

Deus, algumas vezes desejava não estar certo com respeito às mulheres.

Aproximou-se um passo e apoiou o ombro contra o marco da porta do camarim de sua esposa.

-E por que não está você no cenário, senhorita Piaget? - Inquiriu com voz cálida e grave.

Ela meneou a cabeça e esboçou um sorriso.

-Por favor, excelência, a última vez que conversamos lhe pedi que me chamasse Sadie.

Devia referir-se a vez que Charlotte os viu juntos, já que não tinha falado com ela a sós depois. Embora às vezes chateasse a sua esposa com isso, a conversa que tinham mantido então tinha girado em torno de trivialidades. E certamente não lhe tinha pedido que utilizasse seu nome de batismo. Teria recordado algo semelhante.

-Faltaria mais, Sadie - Murmurou.

- E preferiria que você me chamasse Colin.

Ela sorriu e assentiu com a cabeça.

-Muito bem, Colin.

-Esta zona é bastante silenciosa e escura, não lhe parece? - Assinalou enquanto jogava uma olhada à área de bastidores.

-Suponho que aqui todo mundo está muito ocupado. - Repôs ela encolhendo os ombros.

Ali ninguém estava ocupado e Colin sabia, mas isso carecia de importância.

-Ah... E quando canta de novo?

-Dentro de alguns segundos. - Respondeu Sadie lançando um suspiro. Não me necessitarão até que comece o ensaio do seguinte ato.

-Entendo.

Sadie permaneceu em silêncio enquanto o observava com atenção. Depois se aproximou tanto dele que suas saias lhe roçaram as pernas.

-Tem uma esposa esperando-o em casa, verdade?

Colin encolheu um de seus ombros e interpretou à perfeição o papel do marido desinteressado.

-Assim é, mas ela está muito ocupada com suas causas benéficas e ajudando à duquesa de Durham a preparar-se para a chegada de seu bebê. Deixou escapar um suspiro. - Temo-me que não a vejo muito frequentemente.

-Então não está apaixonado por ela?

Colin piscou desconcertado. Até esse momento nem sequer o tinha exposto.

-O que é o amor? - Respondeu com outro encolhimento de ombros, obrigando-se a concentrar-se na tarefa que tinha entre mãos.

Sadie inclinou a cabeça.

-É uma lástima. - Murmurou. - Se amasse a sua esposa, saberia.

-Suponho que sim. – Concordou enquanto arrastava a ponta do pé de um lado a outro sobre o chão de madeira.

-E agora Lottie e você são amantes? - Perguntou Sadie com voz suave e sagaz.

Colin sorriu, um pouco surpreso ao ver que se mostrava tão descarada.

-Não seria um cavalheiro se admitisse algo assim. - Sussurrou com uma piscada, enquanto tentava decidir se essa mulher sabia que Lottie e sua esposa eram a mesma pessoa. A essas alturas, não sabia o que pensar.

Sadie começou a rir e jogou a cabeça para trás, como se Colin lhe tivesse feito um elogio.

-Então guarda muito bem os segredos, milorde. - Brincou ela, enquanto lhe roçava o peito com o cotovelo em um gesto pícaro.

- Conheço-a muito bem e sei que jamais esteve tão apaixonada por ninguém. Falou de você e de suas encantadoras maneiras durante anos.

O primeiro que pensou Colin era que a mulher tinha acentuado a palavra apaixonada como se necessitasse que lhe recordassem que era francesa. Mas esse pensamento se desvaneceu a toda pressa de sua cabeça quando começou a meditar o que lhe havia dito. Pensar que Charlotte podia levar anos louca por ele o impressionou de uma maneira que não teria podido descrever nem mesmo no caso de desejar fazê-lo. Percorreu-o uma onda de calidez e se sentiu enormemente satisfeito consigo mesmo, embora nunca, nem em um milhão de anos, admitiria ante ninguém.

-De verdade? - Respondeu enquanto esfregava o pescoço, como se a adulação o tivesse envergonhado.

-E eu estou de acordo com ela. - Sussurrou Sadie.

– É você muito elegante e encantador, Colin. Dei-me conta na primeira vez que o vi.

A Colin não podia lhe importar menos o que Sadie pensasse dele. Para falar a verdade, era uma francesa muito bela, sensual e sem dúvida experiente na cama. Mas embora seis meses antes a teria açoitado sem questionar-lhe, pensar em fazê-lo nesses momentos lhe parecia estúpido. Ocorreu-lhe de repente o muito que gostava de estar casado com Charlotte, o muito que lhe importava a sinceridade e a confiança dentro do matrimônio.

-E você é preciosa. - Repôs, embora tentasse não parecer tão indiferente como se sentia.

Sadie deixou escapar um suspiro exagerado e o olhou nos olhos enquanto apoiava as costas na parede.

-Possivelmente chegue a se cansar de Lottie.

O conde de Newark reprimiu uma gargalhada ante semelhante idéia.

-Possivelmente. - Disse com voz rouca. - Mas tinha entendido que vocês eram boas amigas.

Sadie virou os olhos e descobrir que essa mulher estava longe de ser a boa amiga que acreditava Charlotte o pôs furioso.

-Somos amigas. – Concordou ela.

- Mas quando partir para a Itália eu ficarei aqui. Sozinha.

Colin ficou imóvel, petrificado.

-Quando partir para a Itália?

Sadie piscou em um gesto de fingida surpresa.

-Vá Por Deus, não me diga que não sabia... acompanhará a monsieur Porano a Milão quando a apresentação de The Bohemian Girl chegue a seu fim. Os italianos a convidaram a cantar em La Scala a temporada que vem.

Ardia-lhe o peito como se lhe tivesse incendiado e sentia um nó nas vísceras, mas fez todo o possível por dissimular seu assombro e sua ira.

-Não me havia dito. - Admitiu, tentando parecer abatido e não furioso.

Sadie lhe ofereceu um sorriso.

-Talvez não lhe importe tanto a Lottie como você acredita.

Esse comentário passou tão perto do alvo que Colin sentiu o impulso de esmagar o punho contra a porta de seu camarim, embora se contivesse pelo bem de sua dignidade. Não podia acreditar em nada do que lhe dissesse essa francesa sem confirmar primeiro. E sabia..., tinha a certeza de que Charlotte se importava o suficiente para lhe confessar a enorme oportunidade que lhe tinham apresentado antes de aceitá-la.

-Talvez. - Repetiu, embora sua voz soasse tensa inclusive a ele mesmo.

- Onde se inteirou de que Lottie recebeu tão maravilhosa oferta?

Não tinha nem a menor idéia do por que tinha perguntado isso, mas a expressão do rosto feminino foi resposta suficiente.

Sadie franziu o cenho e começou a brincar com a corrente pendurava em seu pescoço.

-Suponho que todos sabem há vários dias; possivelmente há uma semana.

Colin assentiu, embora pela primeira vez em sua vida se sentisse traído por uma mulher. Seu corpo se cobriu de um suor frio enquanto sua mente se convertia em um efervescer de emoções complexas que jamais havia sentido com antecedência: frustração, ofensa, desconcerto e fúria.

Sua esposa pensava abandoná-lo; sabia desde uma semana e não lhe tinha comentado nenhuma palavra. O que dizia isso de seu matrimônio e de sua recente relação amorosa? Que lhe importava mais a ópera que todo o resto? O certo era que ele sempre soube que assim seria. O que passava era que não estava preparado para admitir ante si mesmo, em especial depois de tudo o que tinham averiguado um do outro, de tudo o que tinham compartilhado ultimamente.

Sadie estendeu um braço e lhe apoiou a mão no peito.

-Vejo que  levou uma surpresa, Colin.

Ele encolheu os ombros.

-Haverá outras amantes em minha vida. - Murmurou, embora tentasse não parecer tão ferido como se sentia.

-Isso espero. - Sussurrou ela. E então, antes que Colin pudesse averiguar suas intenções, Sadie se inclinou para frente e lhe rodeou o pescoço com o braço livre antes de atirar-se para beijá-lo.

A mulher moveu a língua com perícia enquanto lhe cobria as bochechas com as mãos. Aturdido, Colin demorou uns segundos para reagir. Logo apoiou as mãos em seus ombros e decidiu interpretar bem seu papel.

Lottie, Lottie, Lottie... Não posso te perder agora...

Supôs que Sadie beijava bem; mostrava-se entusiasmada e era evidente que tinha muita experiência. Entretanto, Colin não podia pensar mais que em sua esposa, em seu delicioso corpo, em suas risadas suaves e em seus maravilhosos olhos azuis..., em sua inocência, tão dentro como fora da cama. Era a única mulher que lhe importava nesses momentos, e logo que Sadie lhe agarrou a mão para levar-lhe a um dos seios, afastou-se dela e deu um passo atrás.

-Não podemos fazer isto aqui; agora não, doçura. - Murmurou, enquanto jogava uma olhada por cima do ombro e enlaçava as mãos às costas.

Colin esteve a ponto de soprar ao ver que ela fazia uma careta.

-Lottie virá me buscar dentro de uns momentos. - Explicou em uma tentativa de apaziguá-la.

-Claro, entendo. - Replicou Sadie. Sua voz revelava o perturbada que se sentia, embora tentasse se mostrar mais doce. - Mas sempre poderá me encontrar aqui, disposta a ajudá-lo em seus momentos de necessidade.

Colin percebeu que a francesa zombava dele no momento quando a viu alisar as saias e sorrir de maneira afetada, disposta a descartá-lo como se não fosse mais que um brinquedo.

Inclinou-se para ela uma vez mais e lhe percorreu o ombro com a ponta de um dedo.

-Alegra-me sabê-lo. Sempre encontro utilidade à... companhia feminina, Sadie. Ato seguido acrescentou em voz mais baixa.

- Mas meu interesse por Lottie English se apóia também em outras coisas.

Sadie arqueou as sobrancelhas com renovado interesse.

-De verdade?

-Ouvi que tem em seu poder uma partitura do mais singular. - Afirmou olhando-a nos olhos. Eu gostaria de encontrá-la.

Colin a observou com atenção a procura de algum tipo de reação. Tinha utilizado a palavra encontrar em lugar de ver porque esperava que Sadie assumisse que desejava ficar com ela sem que Lottie soubesse.

Os músculos da francesa passaram de intriga a inexpressividade..., a primeira reação honesta que tinha obtido dela, pensou Colin. Depois, Sadie franziu o cenho e negou com a cabeça.

-Não sei nada sobre nenhuma partitura. - Disse ela com calma, enquanto voltava a brincar com a corrente no pescoço e a esfregava com nervosismo. Por que quer encontrá-la?

Essa pergunta lhe revelou muitas coisas. Sadie não tinha perguntado de que tipo de música se tratava ou quem a tinha composto; se tinha um valor sentimental, monetário ou como antiguidade; nem sequer tinha ignorado o comentário, como se não soubesse nada ou não lhe importasse. Em troca lhe tinha perguntado por que queria encontrar a partitura. Certo era que podia estar completamente equivocado com respeito a sua implicação em todo aquele assunto, mas até suas menores dúvidas começavam a dissipar-se.

-Possivelmente seria melhor haver dito que me sinto intrigado. Posto que você compartilha meu interesse pela música e o teatro, estou seguro de que me entenderá.

Ela sorriu e o percorreu da cabeça aos pés com o olhar.

-Nunca teria imaginado que o motivo de suas visitas diárias era tão secreto e... arrevesado, Colin.

-Você sabe onde está? - Insistiu ele em tom afável, tentando voltar a centrar a conversa.

Sadie se mordeu o lábio inferior e o olhou com receio durante uns segundos.

-Não tenho nem a menor idéia, mas se descobrir algo sobre música estranha, será o primeiro em inteirar-se.

Colin estendeu um braço e deslizou o polegar ao longo de seu pescoço.

-E eu me mostrarei do mais agradecido com você.

Agarrou-lhe a mão para lhe apertar os dedos.

-Nesse caso, porei todo meu empenho na busca.

De repente, Sadie o soltou, ergueu-se e retrocedeu um passo.

-E agora devo partir e lhe permitir que siga procurando  Lottie, excelência.

Depois de realizar uma reverência formal, deu-se a volta e se afastou com elegância.

Colin permaneceu imóvel durante uns instantes, escutando como cantava Porano. Depois se voltou um pouco e apoiou as costas na porta do camarim de Charlotte... e a viu escassos metros de distância, com os braços ao lado, olhando-o como se acabasse de esbofeteá-la.

Maldição que inferno...

Ela começou a avançar em sua direção e Colin percebeu imediatamente, apesar da escuridão, de que tinha o rosto pálido.

-Lottie...

-Nestes momentos estou muito ocupada, Colin. - Disse com voz baixa e trêmula enquanto tratava de passar a toda pressa a seu lado para entrar no camarim.

Colin a segurou pelos ombros a fim de detê-la antes que abrisse a porta.

-O que aconteceu? - Perguntou em tom sério. - Viu-me falando com Sadie?

Ela permaneceu em silêncio durante alguns segundos. Depois o olhou nos olhos com expressão indiferente e esboçou um sorriso encantador.

-Asseguro-te que não sei do que falavam, mas o que faz com seu tempo é seu assunto.

Posto que não queria que ninguém os visse discutir, estendeu um braço para abrir a porta, empurrou-a com suavidade para o interior do camarim e fechou.

-O que está fazendo? - Inquiriu ela, indignada por seu descaramento.

Colin lhe bloqueou a saída e apoiou as mãos nos quadris.

-Foi ela  que me beijou, Charlotte.

-Ela... - Abriu os olhos de par em par e piscou várias vezes. Logo abriu a boca e começou a retroceder para afastar dele.

Colin demorou uns instantes em compreender que sua esposa não tinha presenciado o assalto de Sadie. Soltou um grunhido e esfregou os olhos. Por Deus, que pesadelo.

-Charlotte...

-Tenho que voltar para cenário. - Sussurrou ela.

Por absurdo que parecesse, isso o enfureceu.

-Sadie sabe algo sobre a partitura.

Depois de recuperar a compostura, Charlotte soprou com força.

-Equivoca-se, seguro.

-Não, não me equivoco. - Insistiu ele em voz baixa.

Os olhos de sua esposa relampejaram de fúria.

-E acreditou que a beijando poderia conseguir esse tipo de informação? -Inquiriu com fúria. - Não há nenhuma mulher com vida que não deseje te beijar.

Colin não sabia se sentir-se adulado ou abatido.

-Foi ela que me beijou. - Repetiu. - Eu lhe segui o jogo para ganhar sua confiança.

-Sua confiança? - Charlotte meneou a cabeça.

- E suponho que desfrutou, não? - Perguntou com sarcasmo.

Colin gemeu.

-Essa não é a questão.

-Claro que não. Acredito que sei muito bem qual é a questão. - Espetou-lhe.

- Sei muito bem que fui eu quem te disse que tomasse uma amante quando quisesse. O único que me põe furiosa é que tenha decidido seduzir a uma amiga minha.

Colin deu um par de passos para ela e a agarrou pelos ombros antes de estreitá-la com força.

-Me solte! - Exclamou Charlotte em um sussurro.

Ele ignorou sua exigência.

-Em primeiro lugar, essa mulher não pode considerar-se sua amiga se faz parte do complô para te prejudicar e roubar a partitura. - Murmurou sem rodeios, enquanto a olhava nos olhos. E em segundo lugar, não pode considerar-se sua amiga se beijar sem rodeios o seu amante; e ela sabe que somos amantes.

Charlotte o fulminou com o olhar.

-E o que fez você para animá-la a fazê-lo, Colin?

Não tinha resposta para isso, e ela sabia. Todo mundo na Inglaterra o considerava o libertino mais célebre do país, mesmo que não o fosse em realidade. Entretanto, até onde podia recordar, jamais tinha detestado tanto sua reputação como nesses momentos.

-Charlotte. - Começou de novo sem lhe soltar os ombros. -Só tento descobrir a verdade, e Sadie sabe algo. Disso estou seguro. Respirou fundo e decidiu que tinha chegado a hora de lhe confessar o que sentia.

-Mas o mais importante para mim, o que mais me importa neste mundo, é você. Não quero a ninguém salvo a ti em minha cama. O que compartilhamos quando fazemos amor...

A gargalhada desagradável de Charlotte o deteve em seco.

-Na cama não compartilhamos nada, Colin. Só corpos. E que oferece é muito, muito bom para compartilhar. Agora me solte.

Colin nunca se havia sentido tão doído por um comentário em toda sua vida. Atônito, deixou cair os braços ao lado. Sua esposa se afastou imediatamente, abriu a porta e saiu do camarim.

 

CAPITULO 19

O trajeto de volta a casa foi o mais tenso e incômodo que tinham compartilhado. Ela optou por ignorar sua presença, como se não estivesse ali, e Colin não se incomodou em tentar de iniciar uma conversa, consciente sem dúvida da fúria que revelavam sua postura rígida e seu olhar esquivo. Por desgraça, a viagem lhe concedeu tempo mais que suficiente para recrear-se com os miseráveis pensamentos que lhe buliam na cabeça.

Devia ter sido uma das piores semanas de toda sua vida. Depois de passar vários dias procurando a melhor forma de contar a seu marido a oferta que tinha recebido para cantar na Itália e lhe pedir sua permissão e suas benções, seu ordenado mundo tinha ficado de pernas para cima ao saber que uma de suas melhores amigas tinha beijado seu marido. Por estranho que parecesse, tinha acreditado em Colin quando lhe havia dito que tinha sido Sadie quem iniciou tudo; mas, à luz de sua reputação, estava segura de que ele também tinha desfrutado, e isso era o que mais a entristecia.

Uma parte dela queria chorar; a outra gritar, embora se negasse a fazer nenhuma dessas duas coisas ali na carruagem, diante de Colin..., e menos quando ele mantinha os olhos fechados, o corpo esticado e os braços cruzados sobre o ventre, como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo. A essas alturas, estava impaciente para retirar-se a sua habitação e meter-se na cama, onde poderia descarregar sua fúria contra o travesseiro.

O que mais a zangava de tudo era não saber se o odiava ou o amava. Não obstante, percebeu que seu marido era muito mais complexo do que nunca teria podido imaginar, e que gostava de muito... muitíssimo. Casou-se com um falsificador, um criminoso, uma cavalheiro divertido e encantador; mas o que mais a surpreendia era saber o muito que tinha desfrutado com ele apesar desses defeitos. E no que a convertia isso, se não em uma estúpida? Contudo, e até no caso de que seguisse apegada a ele emocionalmente, não podia negar que riu muito com suas engenhosas conversas, que vibrava por dentro só em vê-lo, e, sim, que seu corpo cobrava vida com ele na cama. Em poucas palavras esse homem a fascinava, e quanto mais refletia sobre quão bom havia nele, mais culpada se sentia por lhe haver dito que não compartilhavam mais que seus corpos quando faziam amor. Isso esteve mal de sua parte, tanto se fosse certo como se não, já que não tinha feito falta mais que ver a expressão do rosto de Colin ao escutar essas palavras para saber o quanto que o tinha ferido.

Em qualquer caso, havia dito a verdade, embora até esse dia não lhe tivesse ocorrido pensar que sentia algo em falta quando mantinham relações íntimas. Devia assumir que ele tinha feito as mesmas coisas na cama às demais mulheres, o que significava que nada do que tinham compartilhado a convertia em especial. E isso era o que mais lhe doía de tudo, em especial depois de havê-lo visto tão perto de Sadie.

Nesses momentos, enquanto a carruagem se detinha em frente à casa, refletiu sobre qual seria a melhor maneira de comunicar a Colin a oferta que tinha recebido para cantar no estrangeiro, sabendo que as circunstâncias haviam mudado. Não lhe havia dito uma palavra desde que abandonaram o teatro, assim Charlotte tinha dado por feito que continuava zangado com ela por seu último comentário. Não obstante, queria esclarecer tudo à luz, lhe fazer saber que já não necessitava seu apoio financeiro para a excursão na Europa, ao menos durante a temporada em Milão. De todos os modos, talvez não lhe importasse o que ela fizesse depois da discussão dessa tarde. Em qualquer caso, Charlotte não tinha intenção de sacar o assunto essa noite.

Ambos permaneceram em silêncio enquanto entravam na casa, mas logo, antes que pudesse lhe desejar boa noite e partir para seu quarto, Colin a agarrou pela mão e começou a puxá-la para seu escritório.

-Temos que falar de algumas coisas, Charlotte. - Disse sem mais explicações.

Ela protestou.

-Agora não, Colin. Estou cansada...

-Eu também estou cansado - Interrompeu-a, negando-se a soltá-la. Estou cansado de que ter segredos entre nós. Chegou o momento de falar tudo. Olhou-a por cima do ombro com uma careta zombeteira nos lábios. - Não está de acordo?

Charlotte não podia se livrar da mão que a segurava, e muito menos da determinação do homem, assim sorriu com indiferença e respondeu:

-É obvio que sim. Eu sempre estou de acordo. Você primeiro, cavalheiro.

Colin lhe deu outro olhar rápido, mas não a soltou enquanto avançavam pelo corredor. Entretanto, em lugar de deter-se no escritório, onde sempre conversavam, seguiu adiante. Deixou atrás o salão para entrar na sala de jantar, que já tinha a porcelana e o faqueiro preparados para o jantar, e a conduziu para as portas oscilantes da cozinha.

Três dos criados e a governanta, Betsy, trabalhavam no interior na preparação do jantar que, a julgar pelo aroma, devia ser vitela assada com cebolas. Todos se fixaram nela e em seu marido, fizeram uma reverência de rigor e retornaram a seus lugares; ao parecer, não lhes surpreendia nem o mínimo que o duque de Newark passasse junto a eles com sua esposa de mão.

Embora se sentisse algo perturbada pela implacável resolução de seu marido, ficou muito surpresa ao ver que a levava para a dispensa situada sob a escada traseira, que conduzia aos dormitórios do segundo andar.

-O que está fazendo? - Perguntou quando lhe viu abrir a porta com a mão livre.

Sem dizer uma palavra, Colin a empurrou para o interior escuro e limitado da dispensa, onde o aroma dos produtos de limpeza e da farinha assaltou seus sentidos. Rodeou-a  com pressa e lhe soltou a mão por fim para poder afastar uma alta estantes com frigideiras e panelas, deixando ao descoberto uma segunda porta quase invisível que contava com uma enorme e sólida fechadura.

O aborrecimento de Charlotte foi substituído por uma tremenda curiosidade quando lhe viu elevar a mão até a parte superior da estante e tirar uma chave do interior de uma caçarola. Introduziu-a na fechadura, girou-a até que se escutou um estalo e logo a tirou para voltar a deixá-la na caçarola. Depois abriu a porta.

Charlotte percebeu imediatamente o aroma de fechado e a tabaco que impregnava a estadia. Sem dizer nada, Colin voltou a lhe agarrar a mão, embora com suavidade nessa ocasião, e a introduziu nessa sala que estava completamente às escuras.

-Colin? -sussurrou.

-Espera um momento.

Um pouco desconcertada, Charlotte ficou onde estava enquanto ele desaparecia  na escuridão. Segundos mais tarde, quando seu marido acendeu um abajur, ela afogou uma exclamação e deu um passo atrás. Abriu os olhos de par em par enquanto contemplava a sala com total incredulidade.

Encontrava-se em um quartinho sem janelas de uns dois metros quadrados. Três das paredes estavam ocupadas do chão ao teto por prateleiras carregadas com livros, montões de papéis, manuscritos e periódicos, muitos deles antigos, a julgar pela cor amarelada de suas bordas. Contra a parede que havia a sua direita havia três enormes prateleiras de madeira cheias de frascos de cristal e garrafinhas que continham distintos líquidos de todas as cores, montões de pinceis, lápis - carvões, pranchas de metal de todas as formas e tamanhos, e uma cesta com ferramentas similares às que tinha utilizado no dia que analisou a partitura de Händel. Justo diante dela, na parede oposta, havia uma escada de madeira apoiada contra os livros empilhados que conduzia até um alçapão do teto. A sua esquerda viu um enorme abajur de leitura e uma cadeira de balanço exatamente igual à que havia no estudo e em meio da estadia, sobre uma mesa de madeira bastante alta, dois abajures mais. Era uma dessas últimas a que seu marido tinha acendido ao entrar.

-Feche a porta. - Disse Colin, que apoiou a palma de uma mão sobre a mesa e a olhou com um pingo de regozijo.

Pouco a pouco a curiosidade superou o assombro, e Charlotte fez o que lhe tinha pedido. Fechou a porta e ambos ficaram a sós, em silêncio. Logo cruzou os braços à altura do peito e caminhou para ele com os olhos cravados na mesa.

Em uma caixa de madeira situada perto do extremo oposto havia três pincéis de distintos tamanhos e três frascos selados de tinta, convocados em outras tantos vazios praticados na madeira para evitar derramamentos acidentais. E no meio se encontrava a partitura de Händel que lhe tinha entregado, aberta pela terceira página.

-Esta é a cópia, Charlotte. - Disse Colin em voz baixa. A original está em minha caixa forte. A tiro dali só quando trabalho.

Ela tragou saliva e o olhou brevemente antes de voltar a cravar a vista na magnífica cópia. Se ele não tivesse mencionado que se tratava de uma cópia, o teria repreendido por deixar sua partitura tão perto dos frascos de tinta, por mais selados que estivessem. Mas estava claro que era um profissional, e Charlotte não pôde evitar admirar seu talento enquanto observava a falsificação. Para falar a verdade, parecia um original.

-É muito bom. - Murmurou, embora fervesse umas centenas de perguntas na cabeça.

Colin soprou.

-Não, sou melhor que bom. Sou o melhor da Inglaterra talvez inclusive o melhor da Europa.

Charlotte se endireitou e o olhou do outro lado da mesa com um sorriso zombeteiro.

-O melhor o que? O melhor falsificador?

Ele cruzou os braços sobre o seio.

-Sim.

Charlotte riu baixo e negou com a cabeça, confusa.

-Parece bastante seguro de ti mesmo, embora não acredito que ser falsificador seja algo do que estar orgulhoso, Colin.

Embora seu semblante não perdesse a expressão séria, Colin inclinou a cabeça a um lado para estudá-la.

-Sente-se, Charlotte. - Ordenou em voz baixa.

Ela franziu o cenho.

-Por quê?

-Porque quero que se sente. - Replicou, enquanto tomava assento sobre um lado da mesa. Um de seus pés seguia apoiado no chão e o outro pendurado na beirada.

Charlotte percebeu a extrema solenidade de seu comportamento, e o simples fato de pensar que seu marido estava a ponto de lhe revelar algum muito importante segredo fez com que caminhasse até a cadeira e se sentasse com as mãos entrelaçadas sobre o colo. Nem sequer lhe ocorreu alisar as saias.

Depois de um bom momento de silêncio, deixou escapar um suspiro de exasperação.

-Quanto pensa me fazer esperar?

Colin esboçou um pequeno sorriso.

-Tento esclarecer às idéias. - Respondeu.

Charlotte arqueou as sobrancelhas e se reclinou na cadeira.

-De verdade? Nunca antes tinha tido problemas para te expressar.

-Hoje estava preciosa no cenário. - Murmurou sem deixar de observá-la com atenção. E cantou que é uma maravilha.

A mudança de assunto a deixou perplexa.

-Obrigada.

-E... -continuou ele... - Sinto muito o que ocorreu no teatro.

Charlotte sentiu que se ruborizava e lhe encolheu o coração.

-Não quero falar sobre isso. - Falou com calma.

-Pois vamos falar, vamos falar sobre isso porque necessito sua confiança, Charlotte. - Assegurou ele com voz rouca. - Posso confiar em ti?

Aturdida, não soube muito bem como interpretar o funcionamento da mente de seu marido.

-O que é este lugar?

-Posso confiar em ti? - Repetiu ele.

O olhar franco e esse comportamento comedido pareciam estranhos nele, embora devesse admitir que semelhante combinação a tinha fascinado.

-Sim, pode confiar em mim. - Disse resignada. Já respondi a isso nas vezes que o perguntou.

Colin respirou fundo e penteou o cabelo com os dedos.

-Isso é porque a confiança é importante no matrimônio. Sobre tudo em meu matrimônio.

Ela esteve a ponto de voltar a rir.

-Tão especial é?

Seu marido sorriu.

-Sou especialista, mas bem.

Charlotte sacudiu a cabeça.

-Sinto muito, Colin, mas não te entendo.

-Perguntou-me em numerosas ocasiões. - Começou depois de uns momentos de indecisão.

- No que ocupo meu tempo. Bom, pois aqui o tem. Fez um gesto com a cabeça para assinalar tudo o que o rodeava . Esta é minha oficina.

-Como diz? - Replicou ela com o cenho franzido.

Seu marido esboçou um lânguido e lindo sorriso que lhe produziu uma intensa onda de calor.

-Quando me prenderam há alguns anos. Explicou - Tive a oportunidade de conhecer Sir Thomas Kilborne, quem agora é meu superior. Este homem considerou que meu trabalho era extraordinário e me ofereceu um acordo que não pude recusar. Já te contei as razões pelas quais jamais fui à prisão; todas exceto uma a que aceitei pôr meu talento a serviço da Coroa algo pelo qual me pagam muito bem.

Charlotte o olhou boquiaberta. Tinha-lhe acelerado o pulso com cada palavra que saía sua boca.

-Assim, faz dez anos. – Continuou. - Comecei a trabalhar para o ramo do governo que se encarrega dos falsificadores, as falsificações e os falsários. Para for sincero, a princípio acreditei que não me dariam muito trabalho, mas logo descobri que teria muitas coisas para fazer. - Sorriu. Resulta surpreendente a quantidade de falsificadores que há no mundo, Charlotte. Alguns são profissionais, embora a maioria seja aficionados..., e muito maus, é verdade. Mas o certo é que um grande número deles está respaldado por seus respectivos países.

-Isto é incrível... - Sussurrou ela.

Colin encolheu os ombros.

-Na realidade, não. Eu posso falsificar algo, já seja dinheiro, ensaios, documentos antigos ou recentes, assinaturas... Também sou capaz de detectar falsificações, e isso é geralmente o que meus patrões desejam de mim. - Assinalou com a mão os papéis que havia na estante situada a sua direita.

- Entre esses papéis se encontram as assinaturas de quase todos os dignitários do mundo civilizado de hoje em dia, e é obvio fui acrescentando ou tirando alguma segunda. Também tenho acesso às assinaturas e às amostras de caligrafia de personagens que foram importantes ao longo da história, filósofos da Antiga a Grécia, Shakespeare, Napoleão, imperadores romanos e chineses, presidentes americanos e, como é natural, também as dos membros de nossa monarquia. São propriedade do governo e se guardam em uma área de máxima segurança, no interior de uma quarto selado a que posso entrar sempre que o necessito. - Relaxou um pouco os ombros.

-O único que não posso falsificar é a arte criativa, embora seja capaz de descobrir cópias muito brilhantes analisando o papel ou as bordas na quais foram pintados ou desenhados, e é obvio a assinatura do artista. Contudo, temo que a detecção de falsificações nas obras de arte recai sobre tudo em mãos de gente com talento artístico. Eu não poderia pintar um quadro nem que minha vida dependesse disso.

Charlotte não pôde fazer outra coisa que permanecer sentada, absolutamente estupefata. Jamais teria podido chegar a imaginar que o célebre aristocrata preguiçoso, descarado e encantador que tinha por marido, o mesmo que havia passado as últimas semanas seguindo-a pelo teatro como se não tivesse nada melhor que fazer, fosse um empregado do governo britânico com um trabalho tão secreto e especializado que não tinha podido revelar-lhe até esse momento, depois de meses de casados. O simples fato de pensar que, apesar de seu incorrigível passado e graças a sua destreza, ganhou o respeito dos distinguidos oficiais do governo, fazia com que se sentisse eufórica e incrivelmente orgulhosa dele.

Depois de tomar uns instantes para esclarecer as idéias e organizar os pensamentos, murmurou:

-Não... não sei o que dizer.

-Isso resulta muito estranho em ti, querida Lottie. - Brincou Colin.

Ela ignorou o comentário.

-Quantas pessoas sabem?

Colin inclinou a cabeça a um lado.

-Bom, vejamos... uns quantos membros seletos do ministério do Interior, em sua maioria trabalhadores do ramo de falsificações. Will e Sam, porque são meus melhores amigos e me apoiaram de maneira incondicional depois da detenção. Suas esposas sabem também, embora nunca falei sobre o assunto com as damas e, é obvio, elas nunca pisaram nesta habitação. E também estão à corrente todos meus criados.

Charlotte piscou, incrédula.

-Seus criados? Confia este tipo de informação a seus criados e não me conta isso até agora?

Ele começou a rir.

-Está com ciúmes, Charlotte?

-Estou segura de que não tem feito nada que me deixasse ciumenta, querido Colin. - Replicou com um brilho malicioso nos olhos.

Seu marido entreabriu os olhos e se inclinou para frente para apoiar a palma da mão na mesa.

-Eu adoro que me chame querido. - Murmurou com voz rouca.

-Acredito que nunca tinha te chamado querido até agora. - Replicou Charlotte imediatamente, enquanto se acomodava melhor na cadeira.

-Nesse caso deveria fazê-lo mais frequentemente, minha querida Charlotte.

Ela fechou os olhos um momento, exasperada.

-Colin...

-Meus criados sabem por que também são empregados do governo. - Continuou em um tom carregado de bom humor.

- Necessito que sejam absolutamente dignos de confiança para poder ir e vir a meu desejo sem me preocupar com o fato de que alguém alheio ao governo entre nesta habitação e descubra meu trabalho ou algum destes valiosos documentos.

-Não fala sério... - Disse ela soltando uma gargalhada.

Colin apagou o sorriso de seu rosto.

-Falo muito a sério. Não percebeu que a cada certo tempo há serventes novos em casa? - Arranhou-se a têmpora. Na realidade, com bastante frequência. E isso se deve a que rodam as casas de outros empregados da Coroa. Enviam-me uma nova equipe de serventes a cada dois ou três projetos atribuídos. Dessa forma, os que trabalham aqui não sabem em que projetos trabalhei com antecedência nem nos que trabalharei depois, no caso de algum ouviu falar de algo ou ver uma falsificação. É mais seguro para eles, suponho.

-É um espião? - Perguntou Charlotte com o cenho franzido.

-Não. E tampouco sou um detetive. Sou um falsificador. Isso é tudo.

Charlotte voltou a contemplar a estadia e todo lhe pareceu distinto à luz do que seu marido lhe tinha contado. Todo aquilo soava tão desatinado, tão extravagante...

-Aonde conduz essa escada? - Perguntou enquanto assinalava com a testa.

Colin lançou uma olhada por cima do ombro.

-Leva ao segundo andar, a meu dormitório, embora acredite que nunca a usei. Suponho que poderia considerar uma via de escape em caso necessário.

-Vá... - Charlotte estava aniquilada... e também fascinada, a verdade.

-Bem. - Prosseguiu Colin enquanto descia a perna ao chão e ficava em pé junto à mesa, com o quadril apoiado contra a beirada. Posto que estamos falando de segredos, não tem nenhum que queira compartilhar comigo?

Charlotte voltou a olhá-lo, embora essa vez sob uma nova luz. Fixou-se nos musculosos braços que revelavam as mangas enroladas da camisa, na força de seu peito e nesses músculos duros de seu rosto pelos quais qualquer mulher suspiraria. Era um homem espetacular. E depois do que lhe tinha contado nesse dia em sua oficina secreta, Charlotte percebeu pela primeira vez o muito que o admirava. Não queria abandoná-lo. Nem perdê-lo.

Depois de tomar uma profunda baforada de ar para reunir coragem, disse com suavidade:

-Não sei se tenho algum. Ao menos, nenhum que possa comparar-se com esta... sua confissão.

-De verdade? - Arqueou as sobrancelhas enquanto começava a avançar muito devagar em sua direção. Sadie mencionou que tinha recebido uma maravilhosa oferta para cantar em Milão.

Charlotte ficou boquiaberta pela surpresa.

-Isso é impossível.

-Impossível? Quer dizer que está equivocada?

Colin se deteve o chegar ao extremo da mesa, a meio metro dela. Sua expressão incrédula a pôs nervosa.

-Não... quero dizer... Sim, falei com o senhor Barrington-Graham há uns dias, mas me surpreende que ela saiba.

-Surpreende-te que ela saiba?

-Sim, surpreende-me que ela saiba. - Repetiu.

- Porano também sabe; estava no escritório quando Walter me disse isso. Mas o diretor me pediu que não contasse nada no momento, até que ele estivesse preparado para explicar à partilha. Não tenho nem a menor idéia de como se inteirou Sadie da oferta, embora suponha que é possível que Porano o contasse, ou que tenha escutado algum rumor e o tenha dado por certo. Não deveria saber nada a respeito.

-Pois sabe. - Espetou Colin.

- É mais, insinuou que era de domínio público no teatro. Ao parecer, fez-lhe bastante ilusão me contar isso.

-Disse isso antes ou depois do beijo? - Perguntou Charlotte zangada.

O duque de Newark piscou desconcertado, e ela sorriu com suficiência.

-Acredito que antes de me beijar. - Respondeu ele com um sorriso lânguido.

Charlotte sabia que se ruborizou.

-E me diga uma coisa, excelência, como beija Sadie?

-Minha querida Lottie. - Respondeu ele muito devagar. - Seus beijos não se parecem em nada aos teus. Mas essa não é a questão.

-Qual é a questão, então?

Estudou-a com os olhos entrecerrados e expressão pensativa.

-A questão é que há pessoas que conhecem seus planos há dias, e eu, que sou seu marido, não sabia nada. Como é possível?

Exasperada, Charlotte agitou as mãos no ar.

-Porque tentava encontrar a forma mais adequada de lhe dizer isso para que não repelisse a idéia antes que as palavras saíssem de meus lábios.

Colin retrocedeu um pouco com o cenho franzido.

-Por que acha que ia negar-te semelhante oportunidade sem... considerá-lo, sem falar sequer?

Ela o olhou como se fosse estúpido.

-Porque conforme parece ainda não se cansou de me ter em sua cama. Além disso, tampouco te proporcionei o herdeiro que acordamos.

Colin permaneceu em silêncio durante o que pareceu uma eternidade, embora sua mandíbula estivesse tensa e seus ombros pareciam haverem aumentado sob o fino tecido de linho da camisa. Contudo, seu olhar penetrante não se afastou de sua esposa.

-De verdade acha que não há nada mais entre nós que o que havia quando nos casamos?

Desanimada, Charlotte se afastou da cadeira a toda pressa e passou junto a ele para situar-se ao outro lado da sala. Cravou a vista nas fileiras de pinturas e substâncias químicas.

-Por que insiste em pôr as coisas mais difíceis ainda? - Perguntou.

Ele ficou calado uns instantes.

-E o que é o que te estou pondo difícil, se pode saber-se?

Por Deus, de verdade não entendia nada ou só tentava conseguir que fosse ela quem o dissesse?

Deu a volta, pôs os braços cruzados e o fulminou com o olhar.

-Vai me converter em sua amante?

Colin inclinou a cabeça para um lado para olhá-la com curiosidade e com um pingo de malícia.

-E Sadie?

-Sim. Ou... a qualquer outra.

Ele encolheu de ombros.

-Não o tinha pensado, não.

Isso era tudo? Charlotte estava com vontade de gritar por causa da frustração. Fechou os olhos um momento e respirou fundo. Tinha chegado a hora de ser totalmente honesta.

-Está apaixonado por alguém, Colin? - Perguntou olhando-o nos olhos uma vez mais.

O sorriso afável do rosto masculino desapareceu muito, muito devagar e sua expressão se voltou séria uma vez mais.

-O que é o que me está perguntando, Charlotte?

Ela tragou saliva e sentiu um nó no estômago, mas não deixou de olhá-lo.

-Pensa manter uma aventura amorosa com outra pessoa enquanto estamos casados?

Os segundos transcorreram muito devagar, em um silêncio sepulcral. Logo Colin elevou um pouco o queixo e suspirou com força.

-Não se você me dá tudo que desejo. - Admitiu com delicadeza.

Charlotte mudou o peso de seu corpo de um a outro pé, inquieta.

-E o que é o que deseja de mim exatamente, Colin?

O ardor de seu olhar a abrasou por dentro e fez com que lhe dobrassem os joelhos. De repente, dava-lhe muito medo escutar sua resposta.

-Quero que fique aqui, na Inglaterra, comigo. - Murmurou com seriedade. Não quero que me deixe para partir para a Itália. Agora não. Não até que tenhamos tido a oportunidade de passar mais tempo juntos. - Apertou os dentes antes de acrescentar com voz rouca.

-Necessito a você Charlotte.

-Para te satisfazer na cama. - Replicou ela.

Ele negou com a cabeça.

-Para tudo.

Jamais teria esperado que admitisse algo semelhante de uma forma tão clara. Algo em seu interior começou a derreter-se, a desejar coisas, a querer saber o que lhe daria ele em troca. Tinha assumido que falavam de sexo, mas estavam discutindo algo um pouco mais importante que isso, muito mais. E Colin também sabia.

A tensão entre eles se incrementou imediatamente e impregnou o ambiente. Colin se endireitou e começou a aproximar-se dela sem deixar de olhá-la.

-E agora que lhe disse isso.  - Assinalou em um tom grave e calmo.

- É sua vez. O que é o que quer de mim exatamente, Charlotte?

Ela começou a tremer e jogou as mãos para trás para segurar-se à prateleira com os dedos.

-Se for sincera, não sei.

O duque negou com a cabeça muito devagar.

-Não acredito.

Nesses momentos já estava a seu lado, tinha-a encurralada para lhe impedir qualquer movimento e a olhava nos olhos como se esperasse lhe ouvir dizer uma verdade de vital importância. Mas Charlotte se negava a deixar-se intimidar.

-Não sei. - Disse com voz tensa. Eu... a parte lógica e teimosa de mim quer que busque uma amante, que encontre o amor e a paixão em outra parte e que me permita viajar, cantar, me sentir satisfeita e cumprir meus sonhos...

-E a outra parte? - Interrompeu-a com brutalidade.

Charlotte se mordeu os lábios. Sabia que seus olhos revelavam a confusão que sentia e os desejos que guardava em seu interior.

-A parte emotiva e irracional de mim mesma. - Disse por fim após respirar fundo.

- Quer que me chame Lottie todos os dias, que... que permaneça a meu lado e não me deixe nunca, esteja onde esteja, para que não só possa me sentir satisfeita, mas também ser feliz. Quer que me diga que sou mais excitante, mais bonita e... que beijo melhor que Sadie.

A expressão no rosto de Colin era de absoluta incredulidade.

Charlotte fechou os olhos e  passou a palma da mão pela testa.

-Sei que é uma estupidez...

Colin lhe levantou o queixo com um dedo e ela não pôde evitar abrir os olhos para enfrentar seu intenso olhar.

Ele contemplou seu rosto, seus lábios, com um sorriso.

-Jamais conheci ninguém que beije tão bem como você, Charlotte. - Murmurou, e nunca conheci uma mulher tão linda. É assombrosa e merece que todos seus sonhos se façam realidade. O único tem que fazer é pedi-lo.

Os olhos de Charlotte se encheram de lágrimas, embora não afastou a vista do fascinante rosto dele.

-Quero o que nos falta. - Sussurrou com veemência, presa de uma crescente determinação.

Nesse efêmero momento tudo mudou entre eles. Colin permaneceu imóvel durante um instante eterno, quase sem respirar, com o olhar cravado em seu rosto. Logo, muito lentamente, desceu os olhos até sua boca e lhe roçou os lábios com o polegar enquanto tragava saliva com força.

Charlotte não podia mover-se, não podia afastar os olhos de seu rosto enquanto piscava para se desfazer das lágrimas. Tremia-lhe o corpo e ele deve ter notado, porque voltou a olhá-la nos olhos, cobriu-lhe o queixo com a palma e se inclinou para beijar a umidade de suas pestanas.

Ela suspirou e lhe rodeou o pescoço com os braços. Ao ver que se rendia, Colin se apoderou de seus lábios e, com um rápido movimento, agarrou-a em seus braços e a tirou da oficina.

 

CAPITULO 20

Tirou-a da despensa e atravessou a cozinha, interrompendo o beijo o tempo necessário para dizer a Betsy que fechasse com chave a porta da oficina.

Não lhe importava o que pensassem os criados, não lhe importava nada mais que ela e esses lábios exuberantes, esses seios suaves que se apertavam contra seu eito, esses braços que rodeavam seu pescoço como se temesse que a deixasse cair.

Quero o que nos falta...

Esse desejo desesperado expresso em voz baixa era a chave que tinha aberto as portas mais recônditas de seu coração e tinha deixado ao descoberto as incertezas que compartilhavam. Tinha desejado Lottie English durante tanto tempo que se conformou tendo-a em sua cama. Mas nesse momento desejava algo mais. Queria converter-se na paixão principal de sua esposa e lhe entregar quanto quisesse em troca.

A toda pressa e sem muito esforço, levou-a escada acima até seu dormitório, onde parou só o necessário para fechar a porta com um chute.

-Colin...

-Chist... - Sussurrou-lhe junto à bochecha. Vou fazer amor, Lottie...

-Ainda é pleno dia. - Disse ela vacilante.

Roçou-lhe a boca com os lábios enquanto a deixava no chão, justo ao lado da cama.

-É o momento perfeito... tire a roupa.

Ela fez o que lhe pedia sem pigarrear. Colin lhe desabotoou o vestido com dedos hábeis e depois introduziu as mãos sob o suave tecido para baixar-lhe pelos ombros. Charlotte tirou os braços das mangas e puxou o sutiã que lhe apertava os seios enquanto lhe desatava o espartilho. Menos de um minuto depois estava nua, de pé entre um montão de seda e anáguas. Colin percorreu suas costas nuas com as palmas das mãos e deslizou os lábios por seu pescoço, lhe provocando um calafrio.

- Solte o cabelo. - Murmurou enquanto começava a desabotoar a camisa.

Charlotte levantou os braços e começou a tirar as presilhas que lhe seguravam as tranças enroladas na cabeça. Ato seguido introduziu os dedos entre as mechas para soltá-los e sacudiu a cabeça a fim de que os cachos ficassem livres. Manteve-se de costas a ele, de rosto para a cama, enquanto Colin tirava a roupa e a jogava a um lado.

Duro e preparado deu um passo para frente a fim de apertar seu corpo contra o dela. Charlotte ofegou ao sentir seu seio contra as omoplatas e seu membro rígido contra a curva da parte baixa das costas. Afastou-lhe o cabelo a um lado para voltar a lhe beijar o pescoço e percorreu com os lábios o beirada de sua orelha. Logo a rodeou com os braços para lhe cobrir os seios e massageá-los com suavidade.

-Quero te dar o que falta. - Sussurrou.

Charlotte deixou escapar um gemido gutural. Jogou a cabeça para trás para apoiá-la contra seu peito e lhe cobriu as mãos com as suas antes de começar a lhe acariciar os nós com a ponta dos dedos.

Um golpe de excitação lhe percorreu a virilha ao sentir os mamilos endurecidos contra as palmas das mãos. Apanhou o polegar de sua esposa e começou a arrastar sua mão direita muito devagar por seu ventre, acariciando cada centímetro dessa pele suave. Continuou a descida até alcançar sua parte intima entre pernas e introduziu os dedos de ambos entre o suave pêlo encaracolado, até que ela separou as coxas de maneira instintiva para lhe proporcionar um melhor acesso.

Semeou uma fileira de beijos ao longo de seu ombro, lhe acariciando a pele com os lábios, enquanto lhe massageava um seio com a mão esquerda e mantinha a direita imóvel entre suas pernas. Logo lhe soltou o polegar e cobriu a mão de Charlotte com a palma para introduzir os dedos femininos entre as dobras de seu sexo.

-Me deixe sentir como se toca. - Sussurrou. Percorreu-lhe o pescoço com os lábios e notou que a calidez de seu fôlego lhe arrepiava a pele.

Percebeu a vacilação de Charlotte, mas com um suave beliscão no mamilo e o movimento de seus próprios dedos sobre os dela conseguiu que abandonasse qualquer possível inibição e começasse a acariciar a si mesma seguindo suas indicações.

Fechou os olhos para sentir como sua esposa se excitava enquanto ele a estreitava com força e a incentivava a aprofundar-se ainda mais nas curvas de sua feminilidade. A umidade de seu sexo empapava os dedos de ambos quando ela começou a fazer pequenos círculos ao redor do clitóris. Colin seguiu seu exemplo e logo retrocedeu o suficiente para situar sua ereção entre as nádegas femininas antes de apertar-se contra ela e lhe beijar o pescoço.

Ambos começaram a respirar com dificuldade e, quando por fim ela começou a gemer e a mover os quadris ao ritmo das carícias, quando deixou de acariciar os nódulos da mão que lhe cobria o seio para concentrar-se na sensações provocadas pelos dedos que tinha entre as pernas, Colin soube que estava a ponto de chegar ao orgasmo. Afastou-lhe a mão com suavidade para aplacar o prazer que crescia em seus interior e ela emitiu um gemido de agonia.

Sentiu-a tremer enquanto lhe agarrava a mão e a passava por cima o ombro para meter-se seus dedos úmidos na boca e sugá-los com um grunhido.

Charlotte conteve o fôlego e quando apertou com mais força a mão que ainda lhe cobria o seio, Colin se sentiu embargado por uma necessidade que não havia sentido nunca antes. Estava a ponto de chegar ao clímax com o simples fato de cheirá-la, de saboreá-la, de contemplar sua excitação e seu implacável desejo de agradá-lo.

Com isso em mente, não pôde esperar mais para tomá-la. Com um rápido movimento, afastou-se um pouco dela e puxou a colcha e os lençóis para deixá-los aos pés da cama. Logo lhe apoiou as mãos nos quadris e a colocou de joelhos sobre o colchão. Charlotte o agradou no momento e separou um tanto as pernas antes de apoiar a bochecha sobre o lençol. Tinha os olhos fechados, o rosto ruborizado e o formoso cabelo estendido, sobre o travesseiro.

Colin se deleitou com a beleza de suas costas, suas curvas graciosas e perfeitas, sua pele suave e resplandecente e os torneados músculos de seus braços e de suas pernas. Depois se ajoelhou na beirada da cama e introduziu a rosto entre suas coxas para inalar sua essência antes de deslizar a língua ao longo de seu sexo.

Quando Charlotte se esticou e deixou escapar um gemido, ele se apressou a subir à cama e a fez dar a volta para poder olhá-la a rosto.

Ela tinha as pálpebras fechadas e lambeu os lábios enquanto se estirava por debaixo dele.

-Me olhe. - Murmurou Colin com uma voz grave e tensa.

Charlotte abriu os olhos e o observou com desejo, aceitação e ternura. Logo levantou uma mão e lhe cobriu a bochecha com a palma.

-Colin...

Ele respirou fundo, cativado pela disposição de sua esposa a lhe entregar tudo que desejava, e percorreu seu rosto com o olhar para gravar sua face na memória antes de voltar a centrar-se em seus olhos.

-Lottie, minha linda duquesa. - Sussurrou, enquanto lhe cobria um seio com a mão para lhe acariciar o mamilo.

Charlotte piscou com rapidez e os profundos sentimentos que albergava por ele flutuaram entre eles, sem palavras. Foi nesse preciso momento quando Colin soube que as coisas entre eles não só haviam mudado, mas sim haviam mudado para sempre. Soube com exatidão o que era o que faltava em sua relação, e a idéia o deixou aturdido.

Tragou saliva com força, apertou a mandíbula e acariciou seu maravilhoso corpo sem deixar de olhá-la nos olhos. Logo afastou a mão feminina de seu rosto para colocar-la em cima do peito, sobre o coração.

-Me entregue sua alma, Lottie. -Sussurrou, e eu te entregarei o mundo.

Ela o observou com atenção durante alguns segundos e depois lhe enchessem os olhos de lágrimas. Antes de deixar-se levar por suas próprias e confusas emoções, Colin se inclinou para frente para se apoderar de sua boca.

Beijou-a com a paixão acumulada durante anos de desejo e acariciou sua boca com os lábios antes de invadi-la com a língua.

Charlotte lhe rodeou o pescoço com os braços e o estreitou com força enquanto introduzia os dedos em seu cabelo. Presa pelo súbito impulso de penetrá-la e ficar ali para sempre, Colin colocou uma perna sobre as dela e apertou seu membro ereto contra o quadril feminino.

Sua esposa gemeu com suavidade contra seus lábios quando lhe massageou o seio e lhe acariciou o mamilo com os dedos. O desejo estalou de novo entre eles e por fim chegou o momento de acabar com aquela deliciosa tortura.

Afastou-se de seus lábios, colocou a mão sob seu joelho a fim de elevar-lhe um pouco e procurou o núcleo úmido de sua feminilidade com os dedos antes de começar acariciá-la, cada vez mais profundamente, para levá-la ainda mais perto do paraíso.

Charlotte gemeu, fechou os olhos e se mordeu os lábios enquanto balançava os quadris de maneira instintiva ao ritmo de suas carícias.

Colin se percebeu que ela estava a ponto de chegar ao clímax e se apressou a afastar os dedos do tesouro oculto que o aguardava antes de acomodar-se entre suas pernas. Agachou a cabeça para lhe beijar um mamilo e deslizou a língua pela ponta erguida antes de colocá-lo na boca para sugá-lo.

Charlotte se agitou sob seu corpo, ofegando quase tanto como ele. Colocou os dedos sob seu joelho uma vez mais e lhe levantou uma perna enquanto se apoiava sob a mão livre e colocava sua ereção na entrada de sua feminilidade.

Sua esposa o notou e abriu as pálpebras para olhá-lo.

Colin apertou a mandíbula e, com um movimento rápido, afundou-se até o fundo em seu interior, quente e tenso. Charlotte ficou rígida ao notar aquela pressão, mas foi relaxando pouco a pouco enquanto ele permanecia imóvel, sem deixar de olhá-la.

Ela se aferrou a seus ombros com as mãos.

-Eu adoro te ter dentro... - Sussurrou.

O sincero comentário lhe arrancou um grunhido. Contemplou maravilhado sua beleza, o desejo que a invadia. Era um momento de vital importância para ambos, e ele sabia. Estavam unidos da maneira mais íntima possível e desfrutavam de essa nova sensação de plenitude.

Afastou a mão de seu joelho para introduzi-la entre seus corpos e elevar os quadris o justo para poder acariciá-la e levá-la de novo a beira do abismo.

Não deixou de observá-la enquanto a paixão crescia em seu interior, mas se manteve imóvel, concentrado nela. Temia mover-se e chegar ao orgasmo muito rápido.

Charlotte não afastou o olhar nem um só instante; tinha os olhos escuros e frágeis por causa da paixão. Começou a ofegar e a balançar os quadris à medida que o prazer se incrementava. Colin aumentou o ritmo das carícias, afligido pela imperiosa necessidade de vê-la alcançar o êxtase.

Momentos depois, lhe cravou as unhas nos ombros e abriu os olhos de par em par. Ele continuava sem mover-se, fascinado ao vê-la à beira do orgasmo. E justo nesse instante, Charlotte investiu contra ele um par de vezes, jogou a cabeça para trás e fechou as pálpebras com força, perdida entre gemidos de deliciosa agonia.

Colin ficou quieto. O simples fato de ver como se excitava, de sentir as contrações de prazer que apertavam seu membro, fez-lhe perder a batalha e o levou a um ponto sem retorno.

Segurou-lhe o queixo para beijá-la com paixão e sossegar dessa forma o ruidoso grunhido de satisfação nascido na profundidade de seu próprio peito. Charlotte lhe devolveu o beijo com abandono enquanto ele se retirava de novo para voltar a entrar até o fundo de seu interior. E com essa única estocada chegou ao orgasmo, uma onda atrás da outra de um prazer incrível, um intenso pedacinho de céu que percorreu seu corpo enquanto se derramava dentro dela.

 

Charlotte se estirou e se espreguiçou sob os lençóis. Sentiu-se um pouco confusa durante uns minutos, até que roçou a perna de Colin com a suas e as lembranças do acontecido durante as últimas horas assaltaram sua mente.

Sorrindo, amontoou-se sob as mantas.

Sempre recordaria essa noite a forma com a tinha excitado, seu olhar carregado de desejo e, sobre tudo, as emoções provocadas pelo que sentia por ela..., algo que seu marido não lhe tinha mostrado nunca antes e que, com certeza, jamais tinha experimentado. Claro estava que esses sentimentos não eram mais que uma conjetura por sua parte, já que Colin não os tinha expressado verbalmente. Mas ela não era nenhuma estúpida. Era evidente que se ainda não se apaixonou por ela, estava muito, muito perto de fazê-lo. Ao menos preferia acreditar, mesmo que Colin continuasse tendo dúvidas a respeito de sua relação. De momento, estava feliz e contente.

Sentiu-o mover-se a seu lado na escuridão e se colocou de lado para lhe pôr uma perna em cima das suas.

Ele passou uma mão por trás para aproximá-la mais a seu corpo e estreitá-la contra seu seio.

-Ronca. - Disse Colin com voz sonolenta.

Charlotte conteve a risada.

-Sei.

Colin soltou um grunhido.

-E não me disse?

-Por que ia dizer algo assim? - Acariciou-lhe o pescoço com o nariz. É provável que tivesse se negado a casar-se comigo.

Colin acomodou a cabeça no travesseiro e cravou o olhar nela, embora Charlotte suspeitasse que, dada a escuridão não a via muito bem.

-Você gostaria de saber um segredo, querida esposa? - Perguntou ele em um tom carregado de bom humor.

-Hmmm... É obvio. Sempre me oculta os melhores segredos.

Colin começou a percorrer sua coxa com os dedos da mão livre.

-Decidi que me casaria contigo assim que saiu de meu escritório no dia que veio para ver-me com essa incrível e... descarada proposta.

Ela sorriu e lhe deu um pequeno beijo no queixo.

-Isso não é um segredo, Colin. Acredito que teria sido capaz de fazer algo tão cruel como dar uma patada em um cachorro do que de se casar com Lottie English.

O duque riu baixo e o som reverberou através de seu peito.

-Isso não é certo. Não me teria suposto nenhum problema me deitar com Lottie English. O matrimônio, entretanto, é uma possibilidade muito mais arriscada; não obstante, no momento em que me fez tão incomum proposta, soube com certeza que aceitaria. Só necessitava um pouco de persuasão. - Deu-lhe um beijo na cabeça.

- E para que veja quão bom sou, direi que jamais maltratei a um cachorro.

Charlotte sorriu enquanto acariciava o escasso pêlo de seu peito com os dedos.

-Não me deu essa impressão, na verdade. Zangou-te bastante o fato de te encontrar em semelhante situação. Percebi assim que foi à casa de meu irmão para pedir minha mão.

Ele gemeu.

-Mas isso se deve a que um cavalheiro sempre prefere ser o primeiro em fazer a proposta. Pôs-me em uma situação muito pouco masculina.

Charlotte meditou durante uns instantes antes de perguntar:

-Nesse caso, que motivos tinha para aceitar uma proposta tão... pouco refinada se não era se deitar com Lottie? Posso te garantir milorde, que não teria sido nada fácil me seduzir.

Ele se voltou um pouco para poder ver seus olhos na escuridão.

-Ah, não? Acredito que seria incrivelmente fácil te seduzir, querida. - Brincou.

- Mas escolhi o matrimônio porque é uma mulher extraordinária em todos os aspectos, minha querida Charlotte.

Tirou o braço de debaixo dela para poder virar-se, e apoiar sua cabeça no travesseiro junto à sua e olhá-la.

-Por que não se casou antes? - Quis saber Charlotte, que até esse momento não fez essa pergunta. Estou segura de que tinha muitas candidatas.

Depois de um suspiro, Colin colocou o braço sob as mantas para lhe agarrar o joelho e lhe colocar a perna sobre seu quadril a fim de poder acariciá-la entre as coxas.

-Não pára de fazer perguntas. - Respondeu com doçura.

Posto que não lhe via bem o rosto, Charlotte não soube com segurança se isso era engraçado para ele ou só pretendia evitar o assunto.

-Acaso é um segredo que não está disposto a compartilhar comigo? - Insistiu.

-Lottie, Lottie, Lottie... - Disse suspirando de novo. De verdade quer saber?

Isso sim que a deixou intrigada.

-É obvio. - Respondeu, possivelmente com muito entusiasmo. - Sabe o muito que eu gosto dos segredos.

-O certo é que resulta da mais encantadora quando quer algo. - Murmurou enquanto levantava uma mão para lhe afastar uma mecha de cabelo da bochecha.

-Obrigada pelo elogio, meu lindo duque. - Agarrou sua mão para lhe beijar os dedos.

- Mas me diga por que um homem de sua posição ao que lhe resulta tão fácil seduzir às damas permaneceu solteiro durante tantos anos.

-Esperava você. - Respondeu em um tom carregado de malícia.

De certo modo, Charlotte esperava que dissesse algo similar, embora isso não impedisse que se sentisse comovida. Não obstante, também incrementou sua curiosidade.

-Sinto-me adulada, é obvio, mas essa resposta é muito simples e do mais conveniente.

Colin permaneceu em silêncio durante um bom momento, estudando-a na escuridão que reinava. Ela aguardou enquanto lhe acariciava a perna com os pés.

-O certo é. - Murmurou por fim depois de tomar uma profunda baforada de ar.

- Que meu pai se casou com minha mãe aos vinte e dois anos. Ela o amava profundamente, mas aos vinte e cinco meu pai já tinha se cansado de sua esposa e se deitava com qualquer coisa que usasse saias. Eu... não queria ser como ele.

Charlotte sentiu que a ternura invadia seu coração; não pelo que havia dito, mas sim pela doçura de sua voz, pela sinceridade com que tinha relatado algo que sem dúvida o tinha traumatizado em sua juventude.

-Seu pai não amava a sua mãe? - Perguntou com muito tato.

Ele encolheu os ombros.

-Não sei, mas não acredito que o amor tenha nada que ver com o desejo que despertavam outras mulheres.

Charlotte não soube o que responder a isso.

-O de meus pais foi um matrimônio de conveniência. - Revelou em voz baixa. Não acredito que estivessem apaixonados, mas tampouco que fossem infiéis um ao outro.

-Charlotte não acredito que possa ter certeza disso. - Afirmou Colin com voz apagada.

- A maioria das pessoas mantém aventuras discretas. Meu pai alardeava as suas.

Havia certo matiz irado em suas palavras, e o último que desejava Charlotte nesses momentos, quando estavam concentrados um no outro, tanto física como emocionalmente, era fazer reluzir lembranças que o incomodavam.

Virou-se de costas e cravou o olhar no teto.

-Possivelmente esse seja o segredo de um bom matrimônio. - Comentou. - Se nunca esperar muito, jamais poderão te romper o coração.

Fez-se o silêncio, embora Charlotte soubesse que seu marido a observava com atenção. Pouco depois, Colin se incorporou um pouco sobre um cotovelo e desceu o olhar para chamar sua atenção, mas permaneceu calado até que ela o olhou nos olhos.

-Não há nenhum segredo. - Sussurrou cortante.

- Algumas pessoas são felizes e outras não. E não acredito que o amor tenha muito a ver com isso.

-Não acha que o amor no matrimônio faça uma diferença? - Inquiriu ela, que de repente se sentia abatida.

Apesar da escuridão, percebeu um sorriso nos lábios de seu marido.

-Eu não disse isso.Levantou uma mão para lhe afastar os cachos da testa.

- Pelo que pude ver, há pessoas que se casam por muitos motivos que nada têm a ver com amor e são fiéis durante toda sua vida. Não sei por que. Também há pessoas que se casam por amor e se desencaminha muito pouco tempo depois. Ninguém sabe por que acontecem essas coisas, embora acredite que o simples fato de que duas pessoas jurem fidelidade ante Deus não garante que vão ser fiéis.

Embora entendesse o que queria dizer, e inclusive estava de acordo, havia algo em sua atitude cínica que a feria profundamente. Pela primeira vez desde que se casaram, Charlotte desejava saber o que sentia por ela, se lhe seria fiel, se a amaria. Entretanto, não podia perguntar-lhe. Não nesses momentos.

-Então o que tem a ver tudo isto com o fato de que esperou para se casar? -Perguntou vacilante.

Ele a observou durante uns instantes antes de lhe acariciar a bochecha com o dorso da mão.

-Não acredito que este seja o melhor momento para falar disso. - Disse com voz suave.

Charlotte se negava a deixar que a conversa acabasse daquele modo.

-Diga-me Colin. - Insistiu, empregando um tom cheio de incerteza.

O duque deixou escapar um suspiro antes de apoiar a mão justo por cima dos seios, e lhe acariciar a clavícula com o polegar.

-Conhece muito bem minha reputação de sedutor. - Disse a contra gosto.

Ela esboçou um amplo sorriso.

-Sim, Colin, conheço-a.

Ele parou um momento para pensar bem o que iria dizer.

-Grande parte do que dizem os rumores são exageros. Não obstante, acredito que..., acredito que desejava desfrutar da variedade tanto como me fosse possível antes de sentar a cabeça com uma única dama. - Baixou a voz para convertê-la em um sussurro. O certo é que não queria ferir minha esposa, como meu pai fez com minha mãe.

Charlotte se sentiu invadida por uma maravilhosa serenidade. Deu-se conta de que seu marido tinha sido o bastante cavalheiro para escolher com cuidado suas palavras a fim de economizá-la da vulgaridade de mencionar diante dela que se deitou com outras mulheres. Não obstante, entendia-o muito bem. Ela trabalhava no teatro, onde a luxúria e a indecência estavam sempre presente e eram aceitas como parte da vida cotidiana. Sabia à perfeição que os homens se deixavam dominar pela paixão.

Mesmo assim, não podia negar o golpe de ciúmes que a percorreu por dentro quando o ouviu falar de suas anteriores indiscrições. Não obstante, como ele tinha disse muito bem, sua reputação sempre o precedia. Contudo, o mais importante para ela era que seu marido não tinha nenhuma intenção de prejudicar seu matrimônio com o tipo de dor que tinha escurecido o de seus pais.

Esticou uma mão para lhe tocar o rosto, sem saber muito bem o que dizer.

Colin lhe deu um beijo na palma.

-Se há algo que deve recordar Charlotte, é que meu passado não tem nada a ver conosco.

-Tem muito que ver conosco. - Falou ela sorrindo. Mas deveria saber que, cada vez que me conta um segredo, sinto-me mais e mais agradecida de que tenha se casado comigo.

Colin tomou fôlego com dificuldade. Logo, com um movimento rápido, colocou-a sobre seu corpo, apoiou uma mão em suas nádegas e lhe afastou os cachos da testa com a outra.

-Minha preciosa Lottie. - Sussurrou olhando-a nos olhos. Não há uma mulher no mundo mais perfeita para mim que você.

Charlotte desejou gritar ao escutar suas palavras, ao perceber a sinceridade que tingia sua voz. Em lugar disso, inclinou-se para frente para apoderar-se de sua boca com os lábios e desfrutar do momento.

 

CAPITULO 21

Colin entrou às escondidas no camarim de Charlotte e fechou a porta sem fazer ruído, com a falsificação da partitura colocada dentro da meia três - quartos. Aproximou-se com pressa do guarda-roupa e o abriu; procurava uma das caixas de música que pudesse ser aberta com facilidade e permitisse um fácil descobrimento.

Escolheu a primeira das quatro caixas que ficavam à altura da cintura e a agarrou. Colocou-a no chão, ajoelhou-se ao lado e levantou a tampa.

Dentro havia duas filas de distintos tipos de música vocal, entre as quais se incluíam papéis soltos e livros; tudo estava muito empoeirado e a primeira vista não seguia nenhuma ordem lógica.

Posto que não ouvisse nada do outro lado da porta que pudesse interrompê-lo, lançou um olhar por cima do ombro a fim de se assegurar de que estava sozinho; logo levantou a perna da calça o joelho, desceu a meia com muito cuidado e extraiu as seis páginas de sua primeira falsificação musical. Uma vez feito isto, deixou a partitura sobre as outras enquanto voltava a subir a meia e alisava a calça, e depois empilhou as páginas com cuidado e se assegurou de que estivessem em ordem.

Sabendo de que tinha pouco tempo, escolheu imediatamente a que Charlotte havia descrito como um livro de vocalizações abriu-o na terceira página e colocou a cópia no interior. Depois de assegurar-se que estava bem escondido e de uma vez fácil de localizar, voltou a colocar o livro na caixa, embora essa vez o colocasses de pé junto a um montão de partituras soltas, de tal maneira que ao redor de um centímetro da cópia se sobressaísse o livro e se confundisse com o resto dos papéis de redor.

Logo ficou em pé, tirou outra caixa e trocou o lugar de ambas no armário, de modo que a que continha a falsificação fosse a segunda começando por acima, menos evidente para qualquer que tentasse roubar.

A súbita chamada à porta lhe fez entrar em ação. Logo fechou o armário, as portas do camarim se abriram e Sadie pôs a cabeça no interior.

-Lottie? - Perguntou. Tinha o rosto maquiado para o ensaio final de vestuário antes da noite da estréia e suas sobrancelhas pintadas se arquearam ao vê-lo. - Excelência?

Embora estivesse com o coração desbocado, Colin plantou um sorriso em seu rosto e tentou parecer envergonhado.

-Anne Balstone veio buscá-la há uns minutos. - Disse.

- Acredito que o diretor queria vê-la imediatamente .

-Ah... claro. Esqueci que a buscava. - Respondeu ela sorrindo satisfeita enquanto entrava no camarim. Depois de fechar a porta, acrescentou.

- Achei que estaria aqui, vestindo-se.

Colin não engoliu nem por um momento. Essa mulher tinha encontrado justo à pessoa que procurava, assim que lhe seguiu a corrente e lhe permitiu ficar a sós com ele enquanto Lottie continuava entretida em outra parte.

-Vejo que já está preparada para o ensaio. - Comentou enquanto assinalava seu traje com um gesto de cabeça.

Ela lançou um olhar e alisou com as mãos a cintura do disfarce de faxineira.

-Sim, bom, sei bem meu papel e estou impaciente para que chegue o dia da estréia. Começou a passar por ele com as mãos nos quadris. - O que está fazendo aqui, excelência?

Colin tinha suposto que não teria que falar com ela sobre a partitura até mais tarde, possivelmente até bem entrada a noite, depois de encontrar uma forma de falar sobre o assunto sem parecer muito óbvio. Mas a súbita aparição de Sadie lhe tinha proporcionado uma excelente oportunidade. Sempre que sua esposa não aparecesse ali e os descobrisse.

-Só... esperava que retornasse Lottie. - Respondeu enquanto arranhava a nuca sem deixar de observar como se aproximava.

-Eu acredito que na realidade estava procurando essa partitura tão singular.

- Declarou ela com falso acanhamento e um meio sorriso em seus lábios pintados.

Colin riu entre dentes e deixou cair às mãos ao lado.

-É você uma mulher muita esperta.

-Posso ajudá-lo? - Ofereceu-se, já muito perto dele.

Embora tivesse sido uma magnífica oportunidade de descobrir quanto sabia Sadie, Colin vacilou, preocupado com a possibilidade de que entrasse Charlotte. Sua esposa ficaria bastante perplexa, sem dúvida, já que fazer com que Sadie procurasse a partitura com ele não fazia parte do plano.

-Não se preocupe. - Ronronou a francesa, que ao parecer tinha lido seus pensamentos, Lottie e o senhor Barrington-Graham estarão absortos em sua conversa até que comece o ensaio. Ainda temos tempo.

-Não pode estar segura disso. - Replicou ele, jogando uma deliberada olhada à porta.

Sadie riu.

-Sim, sim que posso, já que ela também foi convidada cantar em Florência e o diretor irá querer falar sobre sua iminente partida para Itália. Os pormenores são agora muito mais complexos.

Essa assombrosa informação o pegou despreparado e o inquietou ao extremo.

-Está segura? - Inquiriu com o cenho franzido.

Ela parecia indignada.

-É obvio que estou segura.

-Como é possível que você saiba desses convites antes que ela mesma?

Sadie esfregou os seios com descaramento contra seu peito e o olhou nos olhos com um interesse evidente.

-Eu observo e escuto Colin. Pode acreditar se lhe disser que sei tudo o que ocorre neste teatro.

Disso não lhe cabia a menor dúvida. Entretanto, o mais importante era que, se a informação de Sadie fosse correta, Charlotte se sentiria ainda mais tentada a viajar ao estrangeiro, e ele não tinha muito claro se sua esposa deixaria que uma oportunidade semelhante lhe escapasse de entre os dedos.

Depois de concentrar-se uma vez mais no que acontecia nesse momento, passou por cima das insinuações sexuais de Sadie e falou com voz rouca:

-Nesse caso sim que temos um pouco de tempo para procurar.

Justo quando ela parecia disposta a apanhá-lo em outro longo beijo, Colin deu a volta e abriu a porta do armário. Sadie suspirou, mas ao parecer decidiu que valia a pena renunciar a um abraço em troca de uma fortuna. Isso, claro estava, sempre que a francesa dispusesse realmente de informação adicional sobre a partitura e fosse capaz de reconhecer uma obra original só de vê-la, e Colin continuava pensando que assim era.

-Já registrei a primeira caixa. - Disse o duque enquanto levantava a caixa de cima para permitir acesso a seguinte. Não vi nada importante, embora não estou muito seguro do aspecto que tem uma partitura valiosa.

Sadie agarrou a segunda caixa e a puxou com facilidade.

-Asseguro-lhe que eu não terei nenhum problema para reconhecer uma música estranha se a encontrar aqui. - Falou ela, muito segura de si mesma.

Colin permaneceu em silêncio enquanto ela colocava a caixa com a cópia da partitura no chão, ajoelhava-se ao lado e tirava a toda pressa a tampa.

Tinha-a escondido bem, disse-se, mas dado que não queria lhe dar indicações, começou a remexer entre a música que permanecia sobre o fundo para lhe permitir indagar naquela que ele tinha deixado em pé.

Examinaram o conteúdo durante uns minutos. Colin fingindo não saber nada e ela absorta na busca.

-Como sabe que a escondeu em seu camarim? - Inquiriu Sadie sem olhá-lo.

Colin encolheu os ombros com ar despreocupado.

-Não sei. Mas ouvi que tem uma partitura de valor incalculável e suponho que irá querer vendê-la antes de partir ao estrangeiro. Assim... que melhor lugar para escondê-la que junto com outras partituras?

-Não acredita que é possível que Lottie a guarde em sua casa?

-É possível, suponho. - Fez uma pausa para lhe dar efeito antes de replicar. - Mas teria mais sentido escondê-la em um lugar acessível, onde a ninguém lhe ocorreria procurá-la.

-Entendo... - Murmurou Sadie, que agarrou por fim o livro de vocalizações. - A um ladrão nunca lhe ocorreria procurá-la entre a música que ela utiliza cada dia.

-Sim, exato.

-E ela vem aqui todos os dias, assim sempre a tem à mão - Acrescentou.

-Assim é. - Disse ele a modo de elogio.

Sadie levantou a vista e sorriu.

-Ainda não me disse como chegou a saber da existência dessa partitura.

Colin se sentou no chão, como se o desanimasse a falta de progressos, e se dedicou a observá-la.

-Conforme ouvi foi um presente de despedida de um instrutor vocal faz anos.

Sadie ficou imóvel durante uns segundos, mas continuou examinando as partituras que tinha entre os dedos. O sorriso desapareceu de seus lábios quando se aproximou do livro de vocalizações.

-E a quem ouviu dizer isso?

Colin teve que pensar rápido.

-A um aristocrata bêbado durante uma partida de cartas.

Lançou um olhar rápido de relance e franziu o cenho.

-Um membro da aristocracia?

-Sim, embora não recordo seu nome.

-Já vejo. - Agarrou o livro ao fim. E o que pensa fazer com a partitura se a encontrar, Colin?

Fez-lhe um nó no estômago ao ver que ela abria o tomo pela terceira página e começava a folhear a cópia.

-Não sei, Sadie - Respondeu com tanta calma como pôde. - Possivelmente acrescentá-la a minha coleção pessoal. Ou vendê-la, talvez. O que faria você?

Ela passou as páginas uma a uma com muito cuidado.

-Eu... o mais seguro é que a vendesse, embora tudo dependesse do quanto valha. - Olhou-o no rosto com um brilho malicioso nos olhos.

- Se é que alguém pode vender algo que não tem preço.

A Colin lhe parou o coração enquanto ela o estudava com expressão calculadora.

E de repente, nesse preciso instante, teve a resposta que procurava. Sadie fechou o livro de repente e voltou a deixá-lo em seu lugar para agarrar outro.

Garota esperta.

-Tenho certeza de que pode vender. - Disse ele, que sentia a boca tão seca como um pergaminho. Depois soltou um grunhido para enfatizar suas palavras. – Quem dera soubesse o que é com exatidão o que estou procurando.

Deu-lhe uns tapinhas na coxa antes de acariciar-lhe.

-Não se preocupe excelência. Se estiver aqui, eu a encontrarei.

Sadie seguiu examinando as partituras restantes da caixa durante uns momentos logo voltou a amontoar tudo ordenadamente e se sentou sobre os calcanhares.

-Por desgraça, não vi nada nesta caixa que se pareça com uma obra de incalculável valor. - Comentou suspirando.

-Está segura de que a reconheceria se a visse? - Perguntou ele uma vez mais para lhe dar uma última oportunidade de dizer a verdade.

Sadie o olhou nos olhos sorrindo.

-Sim, se for muito antiga e é a obra de um gênio. - Inclinou-se para ele antes de sussurrar-: Sou muito boa em tudo o que faço, Colin.

Ele sorriu com malícia.

-Disso não me cabe dúvida, Sadie.

Por sorte, as vozes femininas que se escutaram do outro lado da porta fez com que se movimentassem. Colin ficou em pé de um salto e agarrou a caixa para deixá-la em seu lugar com pressa. Logo retrocedeu para que Sadie pudesse fechar a porta do armário.

 

Charlotte sabia que Colin a esperava no camarim, e posto que não viu Sadie desde que a francesa saiu do escritório de Walter, suspeitava que estivesse com ele.

Confiava em seu marido com toda sua alma, embora não pudesse negar que se sentia um pouco preocupada, e inclusive ciumenta, ante o simples fato de saber que estavam juntos e sozinhos. Só esperava que Colin tivesse tido tempo de esconder a cópia e, caso contrário, que não tivesse despido à mulher a que já não considerava sua amiga. Embora isso não lhe parecesse provável. Não depois dessa forma mágica de lhe fazer amor.

De caminho ao camarim saudou Anne e a outras duas garotas da partilha, embora se detivesse sozinha tempo suficiente para lhes fazer saber que Walter estava a caminho e que o ensaio começaria breve. Logo girou a maçaneta da porta e entrou na estadia.

Ver seu marido tão perto de Sadie a angustiou um pouco, embora conseguiu atuar como se não lhe importasse vê-los sozinhos. Sadie parecia algo contrita, mas Colin a percorreu com o olhar como se a despisse com os olhos. Charlotte o encontrou do mais gracioso, já que tinha posto o disfarce, um montão de maquiagem e uma peruca.

-Excelência. -Disse com uma ligeira reverência. Sadie.

Deixou a porta entreaberta e caminhou para o centro do camarim muito devagar.

-O que fazem aqui? - Perguntou com delicadeza, esperando que seu marido já houvesse planejado uma resposta.

Sadie se situou diante dele.

-Eu tinha vindo te buscar para te dizer que começaremos em menos de dez minutos. – Lançou um olhar por cima do ombro. - Sua excelência e eu falávamos sobre música.

-Sobre música? - Levantou os braços para ajustar a peruca enquanto se aproximava da penteadeira.

- Espero não ter interrompido nada importante.

-É obvio que não, Lottie, meu amor. - Respondeu Colin em um tom carregado de ironia. - Está espetacular, como sempre.

Charlotte o observou através do espelho. Teve que conter a risada e utilizar toda sua força de vontade para não lhe dizer que não lhe dava nada bem atuar.

-Obrigado, milorde. - Respondeu com indiferença enquanto acendia o abajur que havia perto de sua caixa de cosméticos.

Fez-se um momento de incômodo silêncio.

Sadie esclareceu garganta.

-Bom, acredito que deveria partir já. - Disse com voz animada enquanto se deslizava para a porta.

– Vejo-te no cenário, Lottie.

-Não demorarei mais que um momento. - Disse ela, contemplando seu rosto no espelho.

Logo que se fechou a porta depois da saída da francesa, Charlotte se deu a volta para olhar seu marido.

-O que aconteceu? - Sussurrou à medida que se aproximava dele.

Colin sorriu.

-Sabe. Viu-a e não disse nenhuma palavra a respeito de seu valor.

Ela cruzou os braços e o olhou com descrença.

-Acha que percebeu que é uma falsificação?

Colin fez uma expressão horrorizada, mas logo sorriu uma vez mais e puxou pelo do pescoço do disfarce para apertá-la contra seu corpo.

-Você a viu. - Brincou. - Acha que se parece com o original?

Rodeou-lhe o pescoço com os braços.

-Tem razão, querido; se eu acreditei que se tratava do original, seguro que ela também. Mas que demônios fizeram aqui?

Colin abaixou as mãos até sua cintura e examinou seu rosto.

-A maquiagem te transformou em um personagem fascinante.

Ela riu baixo.

-Responda a minha pergunta, homem. - Repreendeu-o.

O duque encolheu os ombros.

-Acabava de escondê-la quando entrou sem chamar e me perguntou o que estava fazendo. - Beijou-lhe a ponta do nariz antes de acrescentar.

-Temo que tive que improvisar.

Charlotte se afastou um pouco e sua expressão se voltou séria uma vez mais.

-Mas, até que saiba, é bastante possível que não trabalhe com ninguém e que lhe tenha revelado o esconderijo secreto de um tesouro que ela irá querer roubar para si mesma.

-Já o tinha pensado.

Ela arqueou as sobrancelhas com descrença.

-De verdade? - Perguntou.

-Pois sim, e por essa razão vou eliminá-la.

-O que?

Colin esboçou um sorriso.

-Bom, na realidade não vou me desfazer da partitura, tão só a trocar de lugar, agora.

Charlotte meneou a cabeça com ar confuso.

-Que sentido tem fazer isso?

-Tem muito sentido querida. - Explicou em voz baixa.

-Posto que fingi não ter nem a menor idéia do tipo de música que procurava, Sadie não suspeita de mim nestes momentos... Bom, isso sempre que tenha acreditado no que lhe disse. Vou tirar daí à cópia; dessa forma, se por acaso ela voltar a buscá-la, descobrirá que desapareceu, o que só poderia significar ao menos para ela, que está em meu poder.

-E depois o que? - Inquiriu Charlotte, entusiasmada ante esse novo e emocionante giro dos acontecimentos. - Enfrentaremos a ela?

Colin puxou ela para ter seus seios apertados contra o torso uma vez mais.

-Chantagearemos ela e descobriremos quem está detrás de tudo isto.

Ela o olhou boquiaberto.

-Chantageá-la?

-Direi-lhe que estou disposto a pagar um preço razoável. Percorreu sua coluna vertebral com os dedos. - Isso deveria agitar o vespeiro.

O som da música da orquestra interrompeu o diálogo de repente.

-Já começaram a fazer exercícios de aquecimento com os instrumentos. - Disse, enquanto se afastava dele. Tenho que ir ao cenário antes que alguém sinta minha falta...

Colin a agarrou pelo braço para detê-la.

-Uma coisa mais. - Murmurou com voz séria, olhando-a nos olhos. - Inteirei-me que lhe ofereceram a possibilidade de cantar também em Florença.

Ela piscou, aturdida e confusa durante uns segundos... até que compreendeu que Sadie devia lhe haver falado sobre sua reunião com Walter. Com uma horrível sensação na boca do estômago, lutou para liberar seu braço, e Colin o permitiu.

-Por que Sadie sabe essas coisas antes que eu? - Perguntou frustrada.

Colin entreabriu as pálpebras e ficou rígido.

-Isso é a única coisa que a preocupa? - Perguntou em voz baixa uma vez que cruzava os braços sobre o peito.

Charlotte percebeu sua súbita mudança de humor e soube imediatamente que não estava muito contente com as notícias. Deu-se a volta e se aproximou da penteadeira para contemplar a confusão de creme e frascos de maquiagem.

-Acabo de me inteirar, Colin. - Falou sem mais. - E sim, preocupa-me. Como é possível que saiba?

O duque respirou fundo e se inclinou para um lado para apoiar o ombro na porta do armário.

-Não sei, Charlotte. Possivelmente tenha uma aventura com Barrington-Graham. Talvez ele seja o tipo que está atrás de sua partitura original de Händel. Pode que Sadie tenha escutado às escondidas atrás da porta, porque no fundo é uma pessoa muito ruim.

-Não posso acreditar em nenhuma dessas coisas. - Replicou Charlotte, que fez um gesto negativo com a cabeça. Trabalhei com ela durante três anos, Colin, e jamais a tive por uma embusteira. Agitou a mão no ar. - Exceto no referente a ti e à... atração que desperta nela.

Ele permaneceu em silêncio durante uns instantes, embora Charlotte soubesse com certeza que a estava olhando; percebia sua insegurança. Logo o ouviu avançar em sua direção e, justo quando abriu as pálpebras de novo, ele a rodeou com os braços por trás, deu-lhe um pequeno beijo no pescoço e a olhou nos olhos através do espelho.

-Também sabe da partitura, disso estou seguro. - Assegurou com convicção. - Examinou duas ou três das páginas e logo voltou a deixá-la onde eu a tinha escondido. Seja quem é seu cúmplice, logo se inteirará do descobrimento, e então nós averiguaremos mais coisas.

Charlotte assentiu e lhe rodeou os braços com os seus.

-Tenho que ir. Amanhã é a noite da estréia e este ensaio é de vital importância. Além disso, não quero que Sadie suspeite de nada.

Colin respirou fundo outra vez, mas não afastou os braços.

-Ainda não me disse nada de Florença.

Ela tragou saliva e contemplou o formoso rosto de seu marido no reflexo.

-O diretor do Teatro della Pérgola se inteirou da oferta de Milão e se pôs em contato com Edward Hibbert. Walter me disse sobre a oferta faz apenas um momento, mas ainda não conheço os pormenores. Inteirarei-me amanhã, quando falar com Edward sobre os detalhes.

-Claro... - Respondeu Colin.

Olharam-se um ao outro durante um momento. Depois, Charlotte se voltou e lhe deu um beijo fugaz.

-O que pensa fazer com o Sadie? - Perguntou a seu marido enquanto se afastava dele.

Colin se passou os dedos pelo cabelo.

-Vou deixar lhe uma nota anônima para lhe explicar que tenho a partitura e que quero me reunir com a pessoa a cargo amanhã de noite. Estou seguro de que entrarão em contato comigo.

Charlotte franziu o cenho.

-Anônima?

Ele encolheu os ombros sorrindo.

-Só para lhe expor algumas duvida.

Charlotte lhe acariciou a bochecha com a palma da mão e percorreu com o olhar cada centímetro de seu rosto.

-Obrigado, Colin. Por tudo.

O rosto de seu marido se voltou sério enquanto a observava com atenção. Entretanto, antes que dissesse algo, Charlotte recolheu as saias e partiu do camarim.

Colin contemplou a nota que tinha escrito.

Tenho a partitura original de Händel. Quero me reunir com a pessoa para a qual trabalha durante o segundo intervalo na noite da estréia, em seu camarim. Não deve haver nenhuma pessoa mais. Leve-o ali ou jamais voltará a ver a obra.

 

Dobrou a nota sem assinar, escreveu o nome de Sadie na parte dianteira e a deixou sem selar. Todos os membros da partilha e do coro se encontravam no cenário, mas fez uma pausa em frente ao camarim de Charlotte para assegurar-se de que ninguém o tinha visto; depois se dirigiu com rapidez para sua direita, deixou atrás dois quartos sem importância e se situou em frente ao camarim de Sadie. Lançou uma rápida olhada a seu redor para se certificar de que não havia ninguém por ali e se ajoelhou para colocar o papel por debaixo da porta. Uma vez completo seu objetivo, ficou em pé imediatamente e abriu caminho através dos gigantescos cortinados negros para a zona do público para contemplar a última atuação antes da noite da estréia.

O plano de ataque se pôs em marcha.

 

CAPITULO 22

O teatro inteiro rugia de entusiasmo e o tom das risadas e conversas aumentou de volume quando a partilha e os membros da equipe de cenografia da reposição londrino de The Bohemian Girlde Balfe chegaram ao edifício na noite da estréia.

Charlotte estava em seu camarim há mais de uma hora, alheia à excitação que reinava a seu redor. Começaram a chegar notas, vasos e ramos de flores de pessoas que lhe desejava sorte, dos dignitários e dos membros da aristocracia que tinham assistido a suas representações durante anos e planejavam sentar-se entre os espectadores essa noite.

Tinha chegado cedo esse dia porque queria reunir-se com Walter e com Edward Hibbert a fim de averiguar os detalhes da oferta para cantar na Itália. E tal e como tinha previsto, tratava-se de uma proposta maravilhosa em todos os sentidos, razão pela qual estava nesses momentos sentada em frente a penteadeira com o vestuário de cena, contemplando seu reflexo com uma imensa sensação de tristeza e de pesar, apenas consciente de que sua donzela, Lucy Beth, encontrava-se atrás dela, colocando as últimas presilhas à peruca.

Jamais em sua vida tinha imaginado que chegaria a receber uma proposta semelhante, uma excursão financiada integralmente pelos teatros italianos que tinham solicitado sua presença. Cantar nos cenários de Milão e de Florença lhe proporcionaria sem dúvida muita fama em toda a Europa, algo que tinha aspirado desde que tinha uso da razão. Mas até depois de casar-se Colin, nunca teria acreditado que lhe resultaria tão difícil afastar-se dele.

Nunca teria podido chegar a sonhar que o amor que lhe inspirava a música e o teatro estaria por debaixo do que sentia por seu marido; possivelmente por isso mesmo seus sonhos nunca tinham girado em torno de Colin. Tinha crescido com a certeza de que se casaria algum dia, pelo simples fato de que era sua obrigação; entretanto, para ela o matrimônio significava a classe de vida que tinham levado seus pais: isolamento em lugar de liberdade, perder oportunidades em lugar de aferrar-se a elas, obrigações em lugar de risadas. Se sua vida tivesse resultado ser do mesmo modo, a ópera continuaria sendo sua maior paixão. Mas não, sua vida não era desse modo. Casou-se com um homem intrigante, único, inteligente, honrado e de muito talento que lhe tinha mostrado o que era o prazer na cama e lhe tinha mostrado seu mais escuro secreto. Um homem que a admirava, que desfrutava de sua companhia. Para falar a verdade, a oportunidade de estar com semelhante homem era um presente que superava com acréscimo a música.

Mas estava realmente apaixonado por ela? Essa pergunta a tinha atormentado sem cessar durante os últimos dias, tanto que tinha tido problemas para concentrar-se em todo o resto. Acreditava que sim, mas como poderia um homem com um passado tão excitante chegar a amar sem reservas a uma só mulher? E se a amasse, admitiria ante ela antes que se embarcasse em uma fabulosa carreira?

Enquanto Lucy Beth continuava penteando a peruca e colocando as presilhas, Charlotte fechou os olhos para escutar o som distante dos músicos da orquestra esquentando antes do começo da obra, que teria lugar em menos de uma hora. Tinha dormido muito mal na noite anterior, e não só pelo nervosismo de atuar de novo ante a elite londrina, mas sim porque descobriria ao fim quem tinha chegado até semelhantes extremos para lhe roubar sua apreciada partitura. Só esperava que a confrontação com os implicados seguisse o curso que Colin tinha previsto e que descobrir a verdade não a perturbasse tanto que desafinasse no último ato.

Essa noite pensava dar o melhor de si mesma, como sempre, embora com o consolo acrescentado de saber que seu marido, o homem ao que amava, estaria ali para observá-la e protegê-la, tal e como tinha vindo fazendo desde o dia em que se casaram vários meses atrás.

A chamada à porta interrompeu seus pensamentos e a devolveu ao presente, assim abriu os olhos e se sentou como era devido. Sem aguardar sua resposta, seu marido entrou na sala. Estava espetacular vestido com um traje de noite feito a medida consistente em uma jaqueta negra com as lapelas e o interior em seda branca, uma camisa e um colete cruzado que ficava perfeito em seu magnífico peito. Para Charlotte, Colin jamais teve um aspecto tão poderoso e aristocrático como nesses momentos. Extraordinariamente arrumado o duque de Newark a deixou sem fôlego.

Lucy Beth abriu um pouco a boca por causa da surpresa, mas se voltou e lhe fez uma reverência com o pente e as forquilhas na mão. Charlotte lhe sorriu através do espelho.

-Excelência. - Disse em tom agradável.

Ele inclinou a cabeça a modo de saudação.

-Por favor, não deixe que lhes interrompa.

-Acabamos de terminar. Obrigado, Lucy Beth, acredito que isso é tudo.

-Sim, senhorita English. - Replicou a moça com acanhamento antes de fazer uma última reverência. Logo deixou o pente e as presilhas sobre a penteadeira e saiu a toda pressa do camarim.

Colin fechou a porta e se voltou para enfrentar seu olhar.

-Está muito linda, minha querida Lottie. - Disse enquanto se aproximava dela muito devagar.

Charlotte soltou uma breve gargalhada e ficou em pé.

-Vestida como uma faxineira e com o rosto melado de maquiagem?

O duque de Newark encolheu os ombros, mas continuou seu avanço.

-Tem umas curvas magníficas, ponha o que for. E a cor de seus olhos e de seus lábios me fascina, sobre tudo de longe.

Ela esboçou um sorriso sarcástico.

-E a peruca?

-A peruca é atroz. - Assegurou Colin. Ninguém no mundo tem um cabelo mais formosos que o seus.

Charlotte assentiu com a cabeça.

-Adula-me você, cavalheiro.

Já frente a ela, seu marido desceu o olhar até seus olhos e ficou sério.

-Está nervosa? - Perguntou com tato.

Referia-se ao plano, já que muito em breve Sadie e seu cúmplice cairiam na armadilha que ele lhes tinha preparado no dia anterior. Para falar a verdade, estava preocupada com ele, mas não queria que soubesse disso.

-Não muito. – Respondeu. - Embora esteja um pouco nervosa pelo começo da apresentação.

-Viu  Sadie hoje?

Ela negou com a cabeça.

-E me alegra não havê-lo feito. Não sei se saberia atuar bem para fingir que não sei nada.

Ao parecer, Colin não acreditou necessário dizer nada a respeito, já que continuou observando-a. Charlotte o entendia muito bem. Ainda havia certa tensão entre eles devido à discussão sobre Florença no dia anterior, e sabia com certeza que seu marido desejava escutar os detalhes.

Ao final se decidiu sacar o assunto a colação.

-Falou já com Barrington-Graham e com Hibbert, verdade?

-Sim. - Concordou sem rodeios. Esse viajem ao estrangeiro seria uma magnífica oportunidade para mim e eles sabem, mas não estão muito contentes com a situação. Walter terá que procurar uma nova soprano para a temporada que vem, e Edward se preocupa com as dificuldades econômicas que o teatro poderia chegar a ter...

Colin a rodeou com os braços e lhe deu um suave beijo nos lábios para interrompê-la.

-Não temos por que falar disto agora. - Sussurrou contra sua boca.

Ela assentiu e se afastou um pouco.

-Mesmo assim... quero que saiba...

-O que é o que quer que saiba? - Pressionou-a Colin depois de um instante, com um olhar severo e a mandíbula tensa.

Charlotte deu uma trêmula baforada de ar.

-Não estou segura de querer ir. - Sussurrou.

Durante um momento eterno, o duque se limitou a olhá-la com intensidade.

-Por quê? - Murmurou ao fim.

Sabia que a conversa chegaria a esse ponto, que se veria obrigada a confessar que estava disposta a renunciar ao desejo de fama e reconhecimento se seu marido admitisse que a amava. Se Colin lhe pedisse que ficasse porque a amava, ela ficaria.

-Não quero te deixar, Colin.

Sentiu que ele se relaxava.

-Não tem por que fazê-lo.

-Pode vir comigo. - Sugeriu em voz baixa.

Ele fechou os olhos antes de soltá-la e retrocedeu muito devagar.

-Em qualidade de que, Charlotte? Quem seria? - Perguntou.

-Nossas prioridades e desejos mudaram desde que nos casamos. Já não quero que parta. Acreditei que tinha sido mais que claro a esse respeito.

Charlotte ergueu os ombros e se enfrentou a ele com expressão desafiante.

-Sim, Colin, foi muito claro. - Falou com total sinceridade.

-Mas não te ocorreu pensar que poderia me acompanhar como meu marido?

Desejou poder retirar essas palavras no mesmo instante que saíram de seus lábios. Embora ele jamais houvesse dito, sabia com certeza que revelar o fato de que Lottie English era a duquesa de Newark danificaria de forma irreparável sua reputação como aristocrata. E de ser assim, ela se veria obrigada a renunciar aos cenários para sempre, e sabia no fundo de sua alma que Colin nunca perdoaria a si por tê-la obrigado a escolher entre ele e sua paixão pela música.

Charlotte estendeu um braço para lhe colocar a mão sobre  seu peito.

-É dono de minha alma, Colin. Pediu-me que lhe entregasse isso e o fiz. A seguir acrescentou com lágrimas nos olhos.

- Agora deve cumprir sua promessa e me entregar o mundo.

Ele franziu o cenho e meneou a cabeça perplexo. Mas assim que compreendeu o que queria dizer, seu rosto se converteu em uma máscara inexpressiva e ficou imóvel frente a ela.

-O que é o que quer de mim, Charlotte? Que te dê permissão para partir? -Sussurrou com voz rouca. -O que é o que quer que diga?

Charlotte apertou com força os babados da camisa.

-Sabe muito bem o que é o que te peço. - Afirmou com veemência. Me entregue o mundo e ficarei.

Colin esticou a mandíbula e a olhou com ferocidade.

Ela aguardou e lhe concedeu uns instantes, mas seu marido não disse nenhuma palavra. Ou não compreendia o que desejava ouvir dizer ou se negava a expressá-lo por razões desconhecidas. Fosse qual fosse o caso, ela não estava disposta a coagi-lo, nem a envergonhá-lo, para que admitisse que a amasse. Isso teria que descobri-lo por si mesmo. E teria que fazê-lo a tempo.

Muito devagar, afastou a mão de seu peito, fechou as pálpebras e, sem dizer nada mais, dirigiu-se para a porta para sair do camarim.

 

A noite de estréia na Royal Italian Opera House de Covent Garden era um espetáculo digno de contemplar, uma noite mágica cheia de luz e glamour, de risadas e romances. Entretanto, Colin era alheio a tudo isso. Estava muito preocupado e não pensava em outra coisa que na súplica apaixonada que lhe tinha feito sua esposa.

Me entregue o mundo e ficarei...

Sabia o que ela queria ouvir, não era nenhum estúpido. Não obstante, sabia que, se admitisse que estava apaixonado por ela, Charlotte ficaria a seu lado e se arrependeria sempre de ter deixado atrás o maior sonho de sua vida.

Negava-se a considerar a possibilidade de deixá-la partir, e a acompanharia de boa vontade até os limites do mundo se ela pedisse. Mas antes devia saber sem o menor gênero de dúvida que Charlotte o amava mais que a nenhuma outra coisa em sua vida. Não só ouvir dizer, a não ser sabê-lo, senti-lo.

Essa noite seria o gran finale de vários meses de preparação tanto para ela no teatro como para ambos, já que descobririam quem cobiçava seu prezado manuscrito. E a excitação que lhe provocavam ambas as coisas não fez mais que aumentar quando entrou no vestíbulo principal do teatro da ópera.

Apenas se fixou nas damas vestidas com sedas, cetins e jóias, e só saudou brevemente aos membros da nobreza que encontrou de caminho ao camarote. Tinha-lhe pedido a sir Thomas que fosse também essa noite e lhe tinha proporcionado os detalhes do iminente enfrentamento, embora não acreditava que fosse necessário prender ninguém. Seu objetivo era descobrir a verdade, e se Sir Thomas podia ajudar em algo, tão melhor.

Colin tomou assento em seu camarote, mas os espectadores não deixavam de chegar. Contemplou de acima a elite da aristocracia que enchia as poltronas que havia mais abaixo e também em frente a ele, embora soubesse que os acontecimentos mais importantes teriam lugar mais tarde depois do cenário. Embora, é obvio isso só ocorreria se as coisas saíam como esperava. Não sabia se Sadie tinha lido a nota, mas dava por feito que sim e que à francesa a punha mais nervosa esse encontro que o começo da obra.

Por fim, o diretor da orquestra fez sua aparição entre fanfarras e aplausos. Ocupou sem demora seu lugar em frente os músicos e levantou as mãos com a batuta, momento no qual os espectadores ficaram em silêncio e deu começo ao espetáculo.

Posto que tinha assistido diariamente os ensaios, Colin conhecia bem a música e a apresentação, e sabia que sua esposa não apareceria até o segundo ato. Não obstante, o primeiro ato era bastante curto a fim de que Porano pudesse monopolizar a atenção que desejava enquanto ocupava seu lugar no cenário.

Sadie fez sua aparição como Buda, e Colin a observou com atenção do camarote, embora desde seu assento não pudesse ver se estava nervosa ou distraída. Cantou como uma profissional no coro, mas seu único solo na obra era falado. Em sua opinião, entretanto, jamais chegaria a cantar com a habilidade e o talento de sua esposa, nem sequer a uma idade mais amadurecida ou em circunstâncias diferentes.

Colin permaneceu no camarote durante o primeiro ato sem deixar de vigiar à audiência, embora não viu nada fora do normal. Quando começou o segundo ato, inclinou-se para frente no assento com os binóculos na mão, preparado para a aparição de Charlotte no cenário.

A extraordinária Lottie English foi recebida com uma ovação de aplausos entusiastas, possivelmente mais entusiastas que os que tinha obtido Porano. Começou a cantar de maneira soberba e Colin se reclinou no assento, enfeitiçado por sua atuação.

Jamais em sua vida se havia sentido tão orgulhoso de alguém. Sua esposa resplandecia no cenário com uma voz tão linda como seu aspecto, e sua reação foi a mesma a dos espectadores. Casou-se com uma mulher incrível e escutá-la nesses momentos, vê-la atuar, produziu-lhe uma assombrosa sensação de sobressalto, inclusive de paz.

Não acreditava ter estado apaixonado nunca. Tinha açoitado a muitas mulheres daqui e de lá, tinha-lhes feito amor em ocasiões, mas nunca lhe tinham concedido um presente tão valioso. Nunca tinha tido  alguém que pertencesse unicamente a ele. Se tinha amado a alguém antes dessa noite, nem sequer merecia comparação; nunca havia sentido a maré abrasadora de felicidade que o alagava nesses momentos.

Entretanto, embora sorrisse a sua esposa embargado por uma incrível sensação de satisfação, seu primeiro solo o deixou cativado, e isso não lhe tinha ocorrido nas muitas vezes que a tinha ouvido cantar com antecedência. Inclinou-se para frente no assento, escutando extasiado as palavras enquanto ela interpretava uma das maiores árias de Balfe.

 

Sonhei que morava em estádias de mármore,

Com servos e vassalos a meu redor,

E que, de todos os reunidos dentro desses muros,

Eu era o orgulho e a ilusão.

Possuía riquezas de incalculável valor,

E podia fazer ornamento de um importante sobrenome familiar.

Mas também sonhei, e isso foi o que eu gostei mais,

Que você continuava me amando como...

 

Colin tragou saliva emocionado ao escutar essas palavras cantadas por sua bela, fascinante e carinhosa esposa. Converteu-se em Arline, a garota boêmia que recordava ter nascido aristocrata, que sonhava com isso. Do mesmo modo Charlotte tinha sonhado sendo ela mesma no mundo de Lottie English. Durante o tempo que tinha vivido com seu irmão, tinha sido uma dama a que lhe tinham negado o reconhecimento que merecia sobre os cenários; e durante sua vida como duquesa de Newark ele não tinha feito mais que lhe proporcionar a aclamação que merecia.

Me entregue o mundo e ficarei...

Nesse momento compreendeu com exatidão o que ela desejava, seu sobrenome e seu amor. Queria-o tudo, e para ele suporia um enorme prazer entregar-lhe.

 

CAPITULO 23

Perto do final do segundo ato, Colin se levantou de seu assento e saiu do camarote sem que ninguém percebesse. Do mesmo modo que tinha feito meses atrás, quando conheceu a maravilhosa Lottie English, atravessou os cortinados para chegar ao corredor que conduzia à zona de bastidores. Nesta ocasião, entretanto, não precisava anunciar-se, assim que se limitou a saudar com uma inclinação de cabeça o homem que custodiava a porta antes de entrar na escuridão em direção ao camarim de Sadie.

Tinha os nervos a flor de pele e o coração lhe pulsava desbocado no peito enquanto escutava o coro desde atrás dos cortinados, sabendo que tinha pouco tempo antes que começasse o segundo intervalo. Entretanto, a diferença da última vez que se aventurou na zona de bastidores durante uma atuação, essa noite ninguém lhe prestava a mínima atenção. Todas as pessoas que trabalhavam na obra se acostumaram a vê-lo e o tomavam como o preguiçoso amante de Lottie English. Algo que, no momento, estava resultando ser uma vantagem.

Depois de passar junto ao camarim de Lottie, lançou um olhar a seu redor para assegurar-se de que ninguém o via e logo girou a maçaneta da porta de Sadie e a abriu.

Havia um pequeno abajur aceso sobre a penteadeira situado ao fundo, mas não viu ninguém na estadia. Entrou no quarto a toda pressa e fechou a porta atrás de si.

Posto que fosse muito menor que o de Lottie, no camarim de Sadie só havia uma pequena penteadeira com um espelho para a aplicação dos cosméticos e uma cadeira ao lado. E não só era mais modesto em seu tamanho, também carecia de janelas, do espaço necessário para um armário e do aroma das flores oferecidas pelos admiradores.

Colin só demorou um segundo para perceber que Sadie devia sentir-se muito mais ciumenta do que Charlotte acreditava. Estava claro que possuía a ambição de sua esposa, embora não o talento nem a celebridade entre um público que a adorava e o fato de estar sempre à sombra de Lottie faziam com que o desespero da francesa resultasse muito mais compreensível.

De repente, os espectadores romperam em vitórias e aplausos, e Colin retrocedeu de novo até a porta com a intenção de surpreender os implicados, que com um pouco de sorte chegariam a uns minutos.

Não demoraram tanto. Em questão de segundos, a maçaneta girou e Sadie entrou no camarim... Acompanhada por Charles Hughes, conde de Brixham.

Colin não havia ficado tão surpreso em toda sua vida. Nessa diminuta sala, ao lado da francesa, estava seu cunhado, vestido para o espetáculo com um excelente traje azul marinho de alto pescoço e gravata. Por um momento, o tipo pareceu confuso. Logo, quando se deu a volta e o viu, ficou boquiaberto e pálido.

-Vá, Brixham, surpreende-me vê-lo aqui. - Disse em tom agradável. Manteve a fúria a raia enquanto fechava a porta e se situava na frente para impedir um motim indesejado. - E com uma atriz, nada menos. Tinha entendido que você se acreditava muito por cima de semelhantes damas.

A súbita fúria de Charles Hughes se fez quase evidente no ambiente quando o conde começou a atar cabos. As narinas se inflaram e seu rosto passou do branco a um desagradável tom avermelhado. Sadie não se moveu de seu lado, embora entreabriu as pálpebras com receio.

Colin se limitou a sorrir a ambos antes de apoiar as costas contra a porta e cruzar os braços à altura do peito.

-Excelência. - Começou Sadie, cujo acento se mesclava com o sarcasmo, não tinha nem idéia de que podia chegar a ser tão embusteiro.

-Eu adoro a boa música. - Respondeu o conde com um encolhimento de ombros e sem afastar o olhar de Brixham.

-Onde está? - Inquiriu a francesa. Que classe de acordo quer? Por que nos fez vir aqui quando poderia havê-la vendido você mesmo?

-Cale-se já. - Disse Brixham por fim em tom tenso. Isto não tem nada que ver com a partitura.

Sadie olhou ao conde durante uns instantes com expressão enfastiada. Logo lhe deu as costas e ignorou a ordem que lhe tinha dado.

-Por que nos trouxe aqui, Colin? - Quis saber a francesa, que começou a aproximar-se dele muito devagar. - Onde está a partitura?

-Quero que o conde me dê algumas respostas. - Replicou ele, que manteve um tom frívolo face à fúria e o ressentimento que o embargavam.

- Por que está aqui, Brixham?

-Como que se conhecem? - Perguntou Sadie, cada vez mais escamada.

A súbita chamada à porta os sobressaltou a todos. Colin estendeu uma mão para trás para girar o trinco sem afastar os olhos de seu cunhado.

-Que conveniente... – Disse com voz alegre. - Chegou a polícia.

Tanto o conde como Sadie deram um passo atrás, aterrados, quando Sir Thomas entrou no camarim puxando os punhos de sua camisa.

-Excelência. - Disse com uma inclinação de cabeça, exibindo sua habitual formalidade. Depois se voltou para saudar Brixham. - Parece você está um pouco alterado, milorde.

Para falar a verdade, o conde parecia muito incômodo tinha o rosto avermelhado e os lábios brancos, apertados contra os dentes.

-Não está alterado, Sir Thomas. - Falou Colin em seu lugar enquanto fechava a porta uma vez mais. - O que passa é que não gosta de muito de ópera, em especial quando existe a possibilidade de que alguém perceba o muito que se parece com a soprano principal.

Sadie se recuperou em seguida.

-Acredito que me necessitam em cena...

-Não tão depressa, senhorita. - Interrompeu-sir Thomas sorrindo. Vim aqui a pedido de sua excelência o duque de Newark, e acredito que ele deseja que esta pequena festa continue. - Olhou a Colin. - Equivoco-me?

-Certamente que não. - Assegurou Colin. - E dado que a dama não é mais que um membro mais do coro, acredito que ninguém notará sua ausência se não retornar para o ato final.

Sadie piscou ficando muda de assombro e se limitou a olhá-lo de cima abaixo.

Colin não lhe prestou nem a menor atenção, já que continuava concentrado em seu cunhado. Deixou de lado o sarcasmo e compôs uma expressão de desdém.

-Perguntarei pela última vez por que está aqui, Brixham?

A chegada de Lottie provocou uma súbita comoção, e sua voz do outro lado da porta do camarim impediu que o conde respondesse imediatamente, embora tivesse a testa coberta de suor e puxasse o pescoço de sua camisa como se o afogasse.

-Sir Thomas não pertence à polícia. - Assinalou Brixham com voz aguda, e esta pequena pesquisa judicial não é mais que uma farsa. Só estou aqui na apresentação de minha irmã, porque me inteirei que alguém tentava lhe roubar sua valiosa partitura.

Sadie afogou uma exclamação.

-Isso não é certo. Lottie não é sua irmã...

-Cale-se já, moça ignorante. - Espetou Brixham, cujos olhos se converteram em simples frestas.

-O que está ocorrendo aqui? - Perguntou a francesa, já mais furiosa que confusa.

Colin encolheu os ombros.

-Perguntemos a Lottie, o que parece-lhe?

Atendo-se ao plano, Colin abriu a porta pela segunda vez para deixar entrar sua esposa. Charlotte tinha os olhos brilhantes e as bochechas rosadas por causa da atuação sobre o cenário..., mas perdeu a cor ao ver seu irmão ao lado de Sadie.

Deteve-se de repente junto a Colin, lançou um rápido olhar a todas as pessoas que se encontravam no camarim e ficou à pálida ao compreender quem estava por trás de tudo aquilo. Ao ver que começava a tremer, Colin lhe agarrou uma mão e a apertou com força.

-O que dizia, Brixham? - Repetiu. - Por favor, explique a sua irmã por que fez isto.

-Não fiz feito nada. - Sussurrou o homem com voz furiosa.

Sadie retrocedeu um par de passos e se deixou cair sobre a cadeira da penteadeira, olhando-os com a boca aberta.

-Ela não é uma dama... não o é. - Murmurou em uma tentativa de convencer a si própria do que dizia.

Colin respirou fundo e se dirigiu a ela pela primeira vez.

-Não só é uma dama, senhorita Piaget, mas sim também é minha esposa, a duquesa de Newark. E acredito que já é hora de que lhe mostre algo mais que respeito do que lhe mostrou até o momento.

Sadie abriu os olhos como pratos e, pela primeira vez, pareceu a ponto a deprimir-se.

Brixham se ergueu de repente e puxou as abas de sua jaqueta antes de caminhar para a porta com a intenção de partir dali. Sir Thomas se situou rapidamente diante do homem com uma expressão de desprezo desenhada em seu rosto.

-Também eu gostaria de escutar suas explicações, milorde. - Disse seco-. É certo que tentou fazer mal a sua irmã para apoderar-se de uma singular partitura musical?

Brixham deu um passo para trás e percorreu sir Thomas com o olhar, horrorizado.

-É obvio que não.

-Ele jamais me fez mal. - Disse Charlotte por fim com voz afogada. - Mas sim que me teria roubado a partitura original de Händel, verdade, Charles? Pensava vendê-la para pagar suas dívidas?

O conde enxugou o suor de sua enorme testa com o dorso da mão.

-Este não é lugar para falar sobre isso...

-De verdade? Pois me parece o lugar perfeito para falar sobre isto. - Alegou, ruborizava pela fúria por momentos.

-Todos vieram vestidos para a ocasião. - Acrescentou Colin. - Tem cinco minutos para explicar-se antes que sua irmã retorne ao cenário.

Charlotte lhe soltou a mão e pôs os braços em jarras enquanto se aproximava de seu irmão.

-Como se inteirou de que estava em meu poder, Charles?

-Viu a partitura. - Respondeu Sadie em seu lugar, um pouco mais recuperada.

-Ao menos, isso foi o que me disse.

-Fecha a boca! - Gritou Brixham.

-Não penso fazê-lo. - Replicou a francesa, que se levantou de novo para enfrentar-se a ele. - Disse-me que a tinha visto uma vez, mas não me contou os detalhes. Por quê? Porque não queria que soubesse que Lottie English é sua irmã?

O conde de Brixham parecia a ponto de estalar.

Colin cruzou os braços enquanto avançava lentamente para seu cunhado.

-Como se inteirou da existência da partitura? Charlotte a mantinha escondida e não disse a ninguém que a tinha.

O conde guardou silêncio até que, ao fim, Sir Thomas esclareceu garganta.

-Talvez se encontrasse você mais cômodo falando disto com um detetive, milorde...

-Certamente que não. - Interveio Brixham. - Pelo visto, o medo a arruinar seu bom nome lhe tinha soltado a língua. - Não quero ter nada que ver com a polícia.

-Estupendo. - Respondeu Sir Thomas. - Nesse caso, o que estava a ponto de nos dizer?

Brixham tragou saliva com tanta força que a noz de sua garganta pareceu ficar entupida. Depois cravou um olhar furioso em Charlotte.

-Sabia que estava em seu poder. Seu instrutor veio para ver-me pouco depois de que te proibi continuar com essas ridículas lições. Expliquei-lhe que devia se casar deixar essa tolice de canto e se comportar como a dama que é. O lugar da irmã de um conde não está nos cenários!

Sadie se encolheu e Sir Thomas meneou a cabeça e baixou a vista. Inclusive a Colin lhe surpreendeu a veemência do conde. Entretanto, Charlotte permaneceu impassível ante a confissão de seu irmão e guardou a compostura enquanto tirava suas próprias conclusões.

-Sir Randolph te disse que tinha planejado me entregar verdade, Charles? -Perguntou sem rodeios. - Disse-te que conhecia meus sonhos, que ia me dar a partitura para assegurar meu futuro.

-Meneou a cabeça com desdém. - Mas por que a busca agora? Faz anos que a tenho.

Brixham a fulminou com o olhar.

-Porque não a vendeu para financiar sua excursão pelo continente, verdade, Charlotte? E aqui está esta noite, em Londres, pondo em perigo o bom nome de nossa família vestida com esse... disfarce. Olhou para Colin com expressão enojada. - Nem sequer seu marido foi capaz de acabar com esta indecência.

-A ópera não tem nada de indecente. - Disse Charlotte, que mantinha a raia a fúria que a embargava. - E meu marido é um homem justo que sabe que meu lugar está sobre o cenário.

-Seu lugar está em casa, cuidando de seus filhos!

Cheio de ira, Colin se aproximou de seu cunhado, agarrou-o pela gravata e o empurrou contra a parede.

-O que Charlotte faça ou deixe de fazer já não é assunto seu. - Murmurou com os dentes apertados.

-Basta, Colin. - Disse Charlotte, que se encontrava detrás dele.

Colin se controlou um pouco e afrouxou a mão que lhe segurava pelo pescoço, mas não deixou de olhá-lo.

-Por que agora?

-Queria que Lottie English desaparecesse. - Replicou o conde imediatamente em um tom carregado de raiva. - Se vendesse essa valiosa partitura poderia me liberar da ameaça de que a descobrissem, pagar minhas dívidas e viver na opulência durante o resto de minha vida. Elevou o queixo e olhou para Charlotte.

-Se você não estava disposta a vendê-la para nos salvar, eu sim.

Colin deu um passo atrás. De repente compreendia tudo.

-Você é o responsável pela oferta da viagem a Itália, verdade?

-O que? - Inquiriu Charlotte ofegando.

Brixham entreabriu as pálpebras.

-Me solte, milorde.

Colin afastou a mão, mas depois de olhar para Sadie e o sorriso malicioso e satisfeito de seu rosto, soube com certeza que não se equivocou.

-E você sabia, não é assim? - Perguntou à francesa.

-Não posso acreditar. - Gemeu Charlotte a suas costas.

-É certo, verdade, Brixham? - Murmurou enquanto apertava os punhos do lado.

-O que foi o que fez? Entrou em contato com os gerentes dos teatros diretamente? Ofereceu-lhes dinheiro para pagar a sua irmã com a idéia de que logo conseguiria os recursos necessários para fazê-lo? Haveria se sentido muito aliviado se ela partisse para a Europa, não é assim?

-Charles, me diga que não é verdade. - Sussurrou Charlotte antes de avançar para seu irmão.

-É obvio que é. – Falou Colin em seu lugar. - E o disse a Sadie por isso ela se inteirava das ofertas antes que você. - Olhou à francesa uma vez mais. - O que lhe prometeu? Dinheiro? Fez-lhe acreditar na absurda idéia de que seria você quem ocuparia seu lugar aqui?

Fez-se um silêncio sepulcral que reinou durante um longo e tenso momento. Entretanto, e apesar de ser descoberto, Brixham não admitiu nada.

Finalmente, Sir Thomas tomou uma profunda baforada de ar e o soltou em um ruidoso suspiro.

-Por desgraça, embora ambos mereçam converter-se no alimento dos ferozes leões da sociedade, não vejo nenhum possível crime aqui...

-Pois há. - Interveio Colin antes de olhar para Sadie. - Alguém tentou fazer mal a minha esposa.

-Eu não tive nada que ver com isso. - Balbuciou Brixham à defensiva. - Jamais ordenei que fizessem mal a minha irmã; a só idéia me horroriza.

-Porque conseguiu ajudá-lo com suas dívidas casando-se comigo? - Perguntou Colin com perspicácia.

O conde guardou silêncio, embora seus lábios se franzissem em um gesto de desagrado, como se tivesse que morder a língua para não responder.

A francesa fervia de fúria. Passeou o olhar entre um e outro e seu semblante se encheu de horror ao dar-se conta de que todos olhavam a ela.

Cruzou os braços sobre o peito e elevou o queixo.

-O desafio a demonstrar que tive algo que ver com isso.

Colin sabia que não poderia fazê-lo, e outros também. Mesmo assim, não pôde evitar esporear à mulher para que se incriminasse por si só.

-Demonstrá-lo? Talvez não. Mas acredito que farei com que Lottie elabore uma lista de todos os acidentes que lhe ocorreram ultimamente e pedirei à polícia que os investigue até que comprove onde se encontrava você em cada uma dessas ocasiões. Entrecerrou os olhos e esboçou um meio sorriso. - As pessoas estão acostumadas a falarem como loucos quando são interrogados pelas autoridades, senhorita Piaget. Faria bem em pôr em ordem seus assuntos. Suspeito que está a ponto de afundar-se em águas muito profundas.

-Ou de ser presa. - Interveio Sir Thomas com amabilidade.

Sadie abriu os olhos de par em par, retrocedeu um passo e lambeu os lábios. De repente bateram na porta e todos deram um passo. Sem esperar resposta, uma das garotas da partilha apareceu e arqueou suas sobrancelhas pintadas ao contemplar a estranha cena que tinha ante si.

-Né... faltam um poucos de minutos, Lottie. - Murmurou com vacilação. - E tem que trocar de traje.

Colin voltou a olhar a sua esposa. Parecia pálida nervosa e fora de si por causa da raiva e a tristeza. Podia ler a expressão de seu rosto como se fosse um livro aberto.

Escutou-se de novo o som distante da música, o que evitou que Colin avançasse três passos e matasse seu cunhado por ter causado tanto prejuízo a Charlotte durante tantos anos. Em lugar disso, agarrou a mão de sua esposa e a obrigou a voltar-se para olhá-lo.

-Acabaremos com isto mais tarde. - Disse com um sorriso hesitante. - Agora deve retornar ao cenário.

Pôde apreciar a indecisão em seus olhos, a mescla de abatimento, perplexidade e frustração que encerravam em seu rosto. Cobriu-lhe a bochecha com a palma de uma mão e murmurou:

-Cante e faça com que me sinta orgulhoso, minha linda duquesa. Você é a estrela.

Ela assentiu e tentou lhe devolver o sorriso. Depois jogou uma olhada a seu irmão.

-Esta conversa não acabou, Charles. - Murmurou.

Brixham soprou com força e afastou o olhar enquanto sua irmã saía do camarim. Sadie ficou em pé e se alisou as saias do disfarce.

-Eu também devo ir.

-Acredito que não. - Interveio Sir Thomas. - De fato, acredito que é o momento idôneo para que comecemos a investigar sua participação neste assunto.

Sadie o fulminou com o olhar.

-Tenho que ir cantar.

-Como já havia dito antes. - Replicou Colin, você faz parte do coro. Ninguém sentirá falta de você.

-Como se atreve!

-Suponho que poderia vigiá-la. - Assinalou Sir Thomas. - Para me assegurar de que não tente arruinar a representação com suas más artes.

A francesa afogou uma exclamação.

-Más artes?

-Excelente idéia. - Disse Colin. - Deve ir à cena, Sir Thomas a vigiará desde atrás dos cortinados e assim poderão prosseguir com seu pequeno bate-papo uma vez que finalize a atuação.

-Isto é ridículo. - Espetou-a.

-Não tanto, como o fato de que você ter acreditado alguma vez que podia rivalizar em elegância, beleza e talento com Lottie English. - Assegurou em um murmúrio carregado de desprezo.

Sadie ficou boquiaberta ante semelhante insulto.

Colin deixou de lhe prestar atenção e cravou o olhar pela última vez em seu cunhado.

-Estou seguro de que não irá querer perder o terceiro ato, Brixham. - Disse seco. - Chegou o momento de que todo mundo se inteire de quem é Lottie na realidade.

O conde o olhou com os olhos exagerados e o suor que lhe cobria a testa começou a deslizar-se por suas ruborizadas bochechas.

-Não o faça. - Advertiu-lhe em um sussurro afogado.

Colin meneou a cabeça e riu entre dentes.

-É obvio que o farei. Para falar a verdade, será para mim um prazer.

Dito isso, deu-lhes as costas e se despediu de Sir Thomas com uma inclinação de cabeça antes de abandonar o camarim.

 

CAPITULO 24

Apesar do calvário que acabava de passar, da ira e o pesar que alagavam seu coração, Charlotte se comportaria como a profissional era, a soprano estrela da ópera inglesa que seu país adorava. Embora sua identidade permanecesse em segredo no momento, sempre daria o melhor de si mesma em cada atuação, sem importar o papel que representasse nem onde se encontrasse.

E assim o fez.

O terceiro ato foi tão perfeito como jamais teria sonhado; inclusive Porano, alheio a tudo o que tinha ocorrido, cantou sem cometer nenhum engano. A noite tinha sido mágica, e mais porque seu marido tinha estado a seu lado, de todas as maneiras possíveis. Não só tinha defendido sua honra, mas também suas alternativas como mulher ante o patife de seu irmão e a estúpida a que tinha considerado sua amiga.

Não tinha nem idéia do que lhe proporcionaria o futuro agora que tinha averiguado o motivo oculto das ofertas que tinha recebido na Itália. Mas enquanto cantava pela última vez essa noite, ao final da estréia da apresentação da obra de Balfe, decidiu que já não lhe importava.

Quando escutou os aplausos e os espectadores começaram a ficar em pé para homenagear sua atuação, Charlotte se inclinou com lágrimas nos olhos ante o público que a adorava. Nunca se havia sentido mais venerada que durante esses minutos de intermináveis de aplausos. Alguém gritou Bravo! E muitas das damas vestidas com traje de gala se aproximaram do cenário para lhe entregar flores.

Charlotte se virou para a orquestra para agradecer sua participação e depois para Porano e Walter, que estavam atrás dela e se inclinavam ante a multidão. Adamo fez um grande alarde da jovialidade italiana quando a segurou nos braços e lhe plantou um beijo em cada bochecha.

Depois, de uma forma tão rápida como estranha, fez-se silêncio entre os espectadores; os elogios e os aplausos se transformaram em murmúrios e os gritos de louvor deram lugar ao rumor das conversas.

Charlotte deu meia volta e compreendeu imediatamente o que era o que tinha causado semelhante comoção.

Seu marido tinha aparecido ao lado do cenário e se aproximava dela, tão impressionante e encantador como sempre.

-O que faz seu amante no cenário? - Sussurrou Porano com um sorriso forçado.

Charlotte não respondeu. A emoção e a ternura estiveram a ponto de afligi-la quando viu o enorme ramo de rosas que levava na mão.

Em todos os anos que a tinha admirado a distância, jamais lhe tinha mandado flores. Que essa noite fosse a primeira fez com que o gesto fosse muito mais significativo e lhe recordou imediatamente a noite que se conheceram em seu camarim, meses atrás. Aquela noite havia se sentido nervosa e coibida ante o elegante homem que fazia sutis insinuações. Essa noite, sem afastar o olhar dela e mais elegante do que Charlotte o tinha visto jamais, irradiava uma devoção tão grande que a deixou sem fôlego.

Durante alguns segundos foi incapaz de dizer nada. Logo, com a garganta constrangida por causa da emoção, sussurrou:

-Colin...

-Minha querida Lottie. - Interveio ele com os olhos cheios de adoração e um pingo de malícia.

- É, e sempre será a prima Donna da ópera londrino.

Como se saísse de um transe, Charlotte percebeu que as pessoas do público a observavam com atenção. Era óbvio que alguns deles se sentiam escandalizados pelo fato de um homem casado como o duque de Newark tivesse a coragem de aparecer no cenário para felicitar sua amante.

Uma vez recuperada, inclinou-se em uma reverência e aceitou as flores que lhe oferecia.

-Obrigado, excelência. Me... alegra muito que tenha podido assistir à estréia esta noite.

Ninguém se moveu. Passaram longos e incômodos segundos enquanto o público assistia, formado por aristocratas, membros da alta sociedade e dignitários, aguardavam espectadores.

De repente, Charlotte ouviu uma exclamação seguida de um grito no anfiteatro.

Colin lhe piscou um olho antes de situar-se a seu lado.

-Estimado senhor Michael William Balfe. - Disse elevando a voz. – Permita-me apresentar a minha esposa Charlotte, a duquesa de Newark.

Durante um momento eterno de absoluta incredulidade, a Italian Opera House ao completo aguardou um atônito silêncio. Charlotte ficou imóvel, alagada pelo pânico e o desconcerto.

Por trás de seu marido apareceu a corpulenta figura do compositor britânico mais célebre do século XIX, com o cabelo penteado para trás e uma barba que delineava suas bochechas. Nesses momentos, o homem sorria de orelha a orelha.

Charlotte sentiu que lhe dobravam os joelhos ao ver que o compositor se colocava a seu lado e estendia uma mão para saudá-la.

-Interpretou magnificamente minha música, minha senhora. É para mim é uma honra conhecê-la. - Disse com absoluta sinceridade antes de lhe beijar as faces.

Charlotte acreditou que desmaiaria, embora conseguisse lhe fazer uma reverência.

-Senhor Balfe. - Murmurou com a garganta seca.

Ouviu que Porano murmurava algo em italiano a suas costas e decidiu apresentar-lhe embora só recuperasse o bom julgamento quando viu que os membros da partilha, da orquestra e inclusive da audiência, seguiam mudos de assombro.

Era óbvio que Balfe percebeu essa reação, já que fez um gesto para saudar a multidão antes de inclinar-se e lhe dizer em voz baixa:

-Seu marido me enviou um convite para ir a seu camarote na noite da estréia há algumas semanas. Acredito que pretendia lhe dar uma surpresa.

Charlotte voltou a olhar para Colin, que estava um pouco afastado e tinha as mãos enlaçadas às costas. Seu marido a olhava com um sorriso diabólico nos lábios.

-Nesse caso, terei que agradecer-lhe mais tarde. - Respondeu ela, notando que seu nervosismo começava a aplacar-se.

Balfe riu baixo.

-O certo é que a senhora, que possui você um magnífico instrumento. Talvez queira me fazer a honra de representar uma de minhas novas composições algum dia.

Arranhou as costeletas. - De fato, retornarei a São Petersburgo nos próximos meses, e é muito provável que visite Viena também. Possivelmente você e seu marido possam me acompanhar. Eu gostaria que cantasse na Europa uma temporada.

Charlotte teve que conter as lágrimas de alegria.

-Seria um enorme prazer para mim, senhor. Mas... bom... terei que falar com ele, é obvio.

-Eu também falarei com ele em seu nome. - Assegurou Balfe, cujos olhos resplandeciam de bom humor.

- Mas não acredito que seja necessária muita persuasão.

Charlotte começou a rir e o ambiente se relaxou um pouco a seu redor. O público tinha começado a dispersar-se. Alguns dos espectadores se aproximaram com vacilação ao cenário para conhecer o compositor, mas outros se dirigiram à parte traseira do teatro para sair ao vestíbulo. A partilha e a orquestra começaram a rodeá-los, posto que todos desejassem ter a oportunidade de conhecer também ao grande homem.

-Olhe o cartão, Charlotte. - Murmurou Colin, que tinha aproximado dela.

Charlotte piscou e não sabia a que se referia.

-O cartão?

-O cartão que vem com o ramo. - Explicou ele enquanto assinalava com a cabeça as flores que sustentava na mão.

Charlotte desceu o olhar até as maravilhosas rosas que seu marido lhe tinha dado momentos antes. Havia ao menos duas dúzias de rosas atadas com um laço branco de cetim, e demorou uns segundos para encontrar o cartão inserido entre a fita e a base do caule das flores.

Olhou de esguelha a seu marido e depois ofereceu um sorriso a Balfe, quem observava tudo com os braços cruzados sobre o peito.

Os murmúrios se sossegaram uma vez mais e Charlotte se viu embargada por uma súbita e intensa sensação de antecipação.

Colin se aproximou um pouco mais, e ela soube que não afastava o olhar de seu rosto.

Agarrou o cartão e começou a lê-lo.

 

Sua alma é meu único tesouro, minha fonte de alegria.

Agora tem o mundo na palma da mão.

Me ame, Charlotte, como eu te amo. Como te amarei sempre.

Seu marido,

Colin

 

Durante uns segundos não pôde mover-se, não pôde afastar os olhos da nota. Logo começou a tremer e muito, muito devagar, levantou as pálpebras para olhá-lo aos olhos.

Só viu um pingo de incerteza em seu olhar sincero.

-Ama-me? - Sussurrou Colin.

O rosto de seu marido se tornou impreciso quando seus olhos se encheram de lágrimas.

-Amo-te. Amarei-te sempre. - Murmurou ela com um fio de voz.

Instantes depois, alheia a tudo e a todos menos a ele, deixou cair o ramo de rosas no chão e se jogou em seus braços.

 

EPILOGO

Penzance, setembro de 1864.

Colin se esticou após ter ficado transposto e elevou a vista para o sol do entardecer. Logo apertou as pálpebras para livrar-se da bruma que alagava sua mente e procurou sua esposa.

Demorou só uns instantes para encontrá-la. Estava junto ao mar, com Matthew, o segundo filho de Olivia e Sam, entre seus braços. Sustentava o bebê de oito meses enquanto falava com Gracie, a irmã maior de Matthew, que já tinha três anos e que parecia estar fazendo um castelo de areia. Ou tentando, ao menos. Colin os contemplou por um momento e percebeu que Henry, o filho de Will e Viviam, soltava-se de repente da mão de sua mãe e corria para a borda para dar um chute aos montões de areia antes de ficar a saltar sobre a criação com grande regozijo.

Gracie começou a gritar, o que a sua vez fez chorar o bebê. Sua esposa o olhou e o saudou com a mão antes de esboçar um enorme sorriso, devia sem dúvida ao feito de que eles, até o momento, livraram-se dos atormentadores gritos dos meninos.

Colin ficou de lado e apoiou a cabeça na palma da mão enquanto contemplava o desenvolvimento da cena. Will e Sam, que mantinham uma conversa a escassa distância, lançaram um breve olhar por cima do ombro ao escutar o alvoroço e depois seguiram com a conversa como se nada tivesse acontecido. Viviam se afastou da borda para chamar a atenção de seu filho, quem também começou a gritar com birra, para diversão de todos outros.

Sorriu ao refletir sobre o muito que haviam mudado suas vidas ao longo dos anos. Dos três, tinha sido ele quem mais tinha demorado para casar-se por medo a perder sua independência, e agora era incapaz de recordar como era sua vida sem Charlotte a seu lado consolando-o, zangando-se com ele e fazendo amor. Em muitos aspectos, seus amigos e ele se uniram ainda mais desde seu matrimônio, provavelmente porque suas esposas se converteram também em grandes amigas. Só se viam uma ou duas vezes ao ano, mas sempre se reuniam em Penzance antes que acabasse o verão. Os meninos gritalhões nem sequer o incomodavam já. Eram parte da vida, uma das alegrias de envelhecer que desejava experimentar logo.

Ainda não tinham falado sobre ter filhos, já que Charlotte tinha estado de turnê pela Europa, e com muito êxito, durante os últimos anos. Para falar a verdade, tinham tido bastante cuidado na hora de fazer o amor, mas uma pequena parte dele começava a temer que sua esposa não pudesse conceber filhos. Não tinha mencionado suas preocupações a Charlotte, e ela parecia mais que satisfeita o tendo a seu lado durante as viagens, assim até esse momento o assunto não o tinha inquietado muito.

Tinha-a acompanhado ao estrangeiro, é obvio, e tinha desfrutado muito da experiência; dos jantares, reuniões e conversas com diversos dignitários, aristocratas e indivíduos que venerava a ópera e o talento de sua esposa. Embora já se sentisse orgulhoso dela, nada podia comparar-se ao que tinha sentido ao vê-la cantar nos teatros mais importantes da Itália, Áustria e Rússia. Era magnífica e cada dia a amava mais.

Como se soubesse que de repente a necessitava a seu lado, Charlotte deixou  Matthew nos braços de Olivia e começou a caminhar em sua direção enquanto  separava do rosto as ingovernáveis mechas de cabelo que a brisa tinha arrancado do laço que os mantinha seguro na nuca. Colin sorriu e sentiu um arrebatamento de luxúria ao ver como o vento varria suas saias a um lado e delineava as deliciosas curvas de seu corpo dos seios até os tornozelos.

-Acredito que dormi. - Comentou enquanto ela se aproximava.

-Mmm... Horrorizaria-te se te digo que roncava tão alto que assustou aos pássaros, querido?

Ele começou a rir baixo.

-Não é certo.

Charlotte se sentou a seu lado colocou as saias ao redor das pernas antes de rodear os joelhos com os braços.

-Sim que é.

Colin permaneceu em silêncio uns instantes, contemplando o mar.

-É um lugar lindo.

Sua esposa suspirou.

-Sei. Acredito que não me importaria viver aqui.

Lhe agarrou uma mão e começou a lhe acariciar os dedos.

-Charlotte, estive pensando...

Ela voltou a cabeça para olhá-lo.

-Acreditei que dormia. - Brincou. - Bom, ao menos até que Henry destroçou o maravilhoso castelo arquitetônico de Gracie - Matizou.

- Acredito que ninguém em um quilômetro na redondeza pôde continuar dormindo depois disso.

Colin riu entre dentes.

-Isso era justo o que estava pensando.

-Pensava em meninos gritalhões?

Ele encolheu os ombros.

-Por que não?

Charlotte lançou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada.

-Quer que tenhamos um filho, Colin, meu amor?

Rodeou-lhe a cintura com os braços e puxou ela para deitá-la sobre a manta, a seu lado, antes de imobilizá-la e começar a lhe fazer cócegas no pescoço com o nariz.

-Tenhamos cinco ou seis.

Sua esposa deu um chiado.

-Para já, isto é uma indecência.

-Importa-me nada. - Sussurrou contra sua pele.

Charlotte colocou a palma da mão sob seu queixo e o separou um pouco.

-Tem idéia do muito que te amo? - Sussurrou depois de percorrer seu rosto com o olhar.

Colin a adorava quando lhe perguntava isso.

-Quanto?

Ela deslizou o polegar ao longo de sua mandíbula.

-O suficiente para te entregar o mundo.

-Lottie... - Brincou ele, enquanto esfregava o nariz com o seu.

-Isso já o tem feito.

-Nesse caso... – Sussurrou. - O que te pareceria um bebê... para o próximo mês de março?

Colin se afastou um pouco e a contemplou com expressão incrédula.

Charlotte esboçou um sorriso zombador.

-Para que falar sobre isso se já estiver grávida?

 

Em 25 de março de 1865, sua filha, Sophia Vitória, chegou ao mundo forte e saudável, gritando mais alto que nenhum outro menino que Colin tivesse conhecido em sua vida. Todas as noites a contemplava enquanto dormia e pensava no muito que a amava, no feliz que se sentia. Entretanto, dado a forte voz que tinha, não podia evitar perguntar-se se seria capaz de financiar sua excursão quando lhe suplicasse permissão para cantar sobre os cenários aos vinte anos.

 

                                                                                            Adele Ashworth

 

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

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