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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Socorro Para a Terra / W. W. Shols
Socorro Para a Terra / W. W. Shols

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Socorro Para a Terra

 

Perry Rhodan foi a Vênus na Good Hope, uma das naves auxiliares do cruzador dos arcônidas destruído na Lua, a fim de instalar uma base e um centro de treinamento da Terceira Potência. Naquele planeta descobriu um segredo mais velho que a história da humanidade — tão velho que nem os arcônidas Crest e Thora sabiam dele.

Tratava-se de uma gigantesca central arconídica, dirigida por robôs, que atravessou os milênios e continua a funcionar tão bem como no dia em que foi construída.

É claro que essa descoberta representa um aumento enorme do poderio da Terceira Potência, que bem precisa disso, pois numa mensagem radiofônica que Perry Rhodan recebe em Vênus pede-se com urgência Socorro Para a Terra.

 

                  

 

Perry Rhodan comprimiu o botão vermelho com a estranha gravura branca. O sinal lembrava a letra F do alfabeto rúnico. Mas a essa hora pouco importava sua origem. Bastava saber que designava o botão que cortava o suprimento de energia do supercérebro positrônico.

A vibração monótona, só perceptível ao subconsciente, cessou. A série de luzes de controle com seu brilho mágico apagou-se. As membranas sonoras imobilizaram-se. O maior e mais potente dos cérebros positrônicos jamais instalados no sistema solar corria em ponto morto.

Perry Rhodan reclinou-se exausto. O diálogo com aquela máquina quase onisciente chegara ao fim. O silêncio que se espalhou pela caverna do subsolo de Vênus foi interrompido por outro zumbido. Rhodan acionou o aparelho de intercomunicação.

— Quem é?

— Sou eu.

A voz rouca de Reginald Bell não permitia a menor dúvida sobre a identidade da pessoa que se ocultava detrás da palavra “eu”. Sem levantar-se, Rhodan destravou a porta.

— Entre, Bell!

— Que diabo, Perry! Você me mete medo. Faz mais de vinte e quatro horas que se trancou nesta caverna misteriosa. Até parece que está no encalço do mistério fundamental do universo.

— Nunca deixamos de andar no encalço dele. Se não conseguimos aproximar-nos é porque o mistério está muito distante.

— Aposto que não comeu nada.

— Pois está enganado! Tinha comigo uma ração diária de alimentos desidratados. Já não posso me dar ao luxo de cometer os pequenos enganos do dia-a-dia.

— Mas acho que você está nutrindo uma falsa ambição ao...

— Também não me posso dar ao luxo das falsas ambições. Nenhum de nós pode.

— Toquei a campainha ontem de noite. Hoje de manhã toquei três vezes, e agora estava diante da porta há mais de duas horas, sem conseguir entrar. Por que não abriu?

— Porque não sabia que você estava lá fora. Não queria ser perturbado. O cérebro está regulado de tal forma que as reações vindas de fora penetram nele, enquanto está ativado.

— Dizem que nestes últimos dias você andou fazendo um bom número de regulagens neste cérebro. É verdade?

— Não sei a que está se referindo. Exprima-se com mais clareza.

— Crest falou no modelo das suas ondas cerebrais. Afirma que é bem possível que você conheça suas freqüências pessoais...

— E daí? Por enquanto suas insinuações continuam bastante confusas. Acho que não estarei errado ao supor que logo ouvirei uma recriminação.

— Acho que por aqui ninguém se julga com direito de dirigir recriminações a você.

— É por medo, não é? Mas sempre existe um pouco de inveja.

Bell não conseguiu enfrentar o olhar penetrante de Rhodan. Pegou um cigarro, que o fez recuperar um pouco da sua autoconfiança.

— Sempre há um pouco de inveja.

— Acontece que o pessoal confia em você. Sabem que é o mais forte entre nós. Sentem-se satisfeitos porque ainda existe uma pessoa à qual podem recorrer quando não sabem mais como agir diante dos problemas.

— O.K.! — confirmou Perry Rhodan. — Conheço minhas freqüências, e este cérebro robotizado foi regulado para elas. Nunca me deparei com tamanho volume de saber prestes a revelar-se a mim. Apesar disso ainda não consegui solucionar o problema. Penso em termos arconídicos, na medida em que isso é possível a alguém que carrega a condição humana desde o nascimento. Procuro raciocinar com o espírito de quem construiu esta máquina, mas defronto-me com problemas de semântica. Afinal, não podemos alcançar a interpretação do saber arconídico de um dia para outro. Não possuímos a consciência do passado dos arcônidas. Bell, você não tem nenhum motivo para invejar-me. Um diálogo de vinte e quatro horas com este cérebro representa um massacre físico e intelectual.

— Valeu a pena? — a pergunta de Bell exprimia curiosidade e esperança.

Perry Rhodan fez que sim.

— Nesta montanha existem hangares ocultos. O cérebro aludiu a seis naves espaciais.

— Isso seria mais do que os arcônidas desejam. Thora e Crest só precisam de uma nave para voltar para casa. Você não se entusiasma com essa perspectiva, não é?

— Preciso encontrar as naves.

— Mas não lhe faria nenhuma diferença se não as encontrasse. Sei perfeitamente o que está pensando, Perry. Precisamos de Thora e de Crest. Precisamos deles no planeta Terra e no nosso sistema solar, não a uma distância de trinta e quatro mil anos-luz. Se eu fosse você, não diria nada sobre a existência dessas naves.

— Acha que devo começar um jogo de intrigas? Acha que devo enganar e lograr os arcônidas, aos quais a Terra deve sua união política? Devo retribuir sua amizade por meio de uma prisão indireta? Não acredito que esse tipo de comportamento concorreria para promover o entendimento entre as duas raças.

— Para você seria uma traição; para mim, um ato de diplomacia.

Perry Rhodan fez um movimento violento com a mão, para espantar qualquer ambigüidade sobre seu ponto de vista.

— Localizaremos o que puder ser localizado, Bell. Não há dúvida de que devemos conservar Thora e Crest ao nosso lado para fortalecer a posição da humanidade e do planeta Terra. Mas nem por isso podemos cometer uma traição contra nossos amigos. Os hangares devem ficar ao norte. Vamos procurá-los; você virá comigo.

— Seis naves! — exclamou Bell espantado. — Nelas poderíamos transportar todo o pessoal da Terceira Potência. Conforme as circunstâncias seis naves arconídicas dariam para percorrer toda a galáxia.

— Então você estaria disposto a bater em retirada? Sabe o que aconteceria se eliminássemos a Terceira Potência?

— Aconteceria mais ou menos a mesma coisa que tem acontecido nos milênios da história da humanidade. Seria uma sucessão de inveja, malquerença, sede de mando, guerras. Talvez só houvesse mais uma guerra. A guerra definitiva.

— Então você sabe muito bem. Acontece que também somos homens, e por isso vamos desistir do cruzeiro pela galáxia, mesmo que as seis naves arconídicas estejam em condições de decolar.

Saíram. Perry Rhodan trancou a sala em que estava abrigado o cérebro positrônico, usando um novo código. Só ele o conhecia.

Diante deles abriu-se um labirinto cavernoso. Fazia mais de um mês que estavam no interior daquela montanha situada no hemisfério norte de Vênus. E fazia mais de um mês que se encontravam na pista dessa última testemunha de uma colônia arconídica de há muito caída no esquecimento.

Para termos uma .idéia dos acontecimentos, devemos recuar mais de dez mil anos na história da humanidade.

Quando Árcon se encontrava no auge, numa época em que seus habitantes ainda não apresentavam o menor sinal de degenerescência, uma nave expedicionária tripulada com mais de cem arcônidas pousara em Vênus e instalara aquela fortaleza de retaguarda. O raio de fusão atômica abrira um labirinto de corredores na rocha da montanha, fazendo surgir uma verdadeira cidade, que não podia ser vista do lado de fora. As instalações correspondiam em toda linha ao elevado nível da civilização e da tecnologia dos arcônidas. Para o homem do vigésimo século terreno eram algo de fabuloso e inacreditável, como o quadro vago do futuro distante da própria humanidade.

Ainda por outro motivo eram fabulosas.

Ao se depararem com elas, parecia que penetravam no castelo da bela adormecida. Os arcônidas daquela época já não existiam. Haviam descoberto a Terra e verificaram que era um mundo ideal para a colonização. A nova colônia dos emigrantes arconídicos surgira na Atlântida. Proporcionara uma época de elevado desenvolvimento tecnológico à Terra, mas submergira com o continente situado entre a África e a América.

Embora nessas quatro semanas os homens já tivessem tido tempo de acostumar-se ao novo ambiente, não podiam deixar de evocar constantemente essas ligações históricas.

— Não posso compreender que possam estar mortos — disse Reginald Bell enquanto subiam numa vagoneta que trafegava numa das vias principais da cidade subvenusiana. — Será que todos viviam na Terra quando a catástrofe diluviana irrompeu sobre a Atlântida?

— É de supor que sim — respondeu Rhodan. — Mas tenho minhas dúvidas. Em Árcon não sabiam nada sobre a base de Vênus e sobre a colônia terrena. É bem possível que o cérebro montado na base venusiana nunca tenha tomado conhecimento de certos fatos importantes. Dependia das informações orais que lhe fossem transmitidas — esboçou um sorriso misterioso. — Os centros de memória falaram em ocorrências inexplicáveis que tiveram lugar em Vênus, em seres invisíveis que andaram pelas proximidades. É possível que a informação tenha sido ministrada por algum elemento perturbado que tenha permanecido aqui, nunca devemos esquecê-la, embora para nós só possa ter uma importância histórica.

— É claro que já compreendi a teoria concebida por você. Mas tenho lá minhas desconfianças. É bem possível que tudo se tenha passado de forma bem diferente.

— Queira explicar o motivo das suas desconfianças.

— Ora, é simples. Crest e Thora conseguiram convencer-nos de que esta base foi instalada por emigrantes que aqui aportaram numa nave arconídica. E agora você me fala em seis naves que estariam escondidas por aqui. Seis naves são uma frota. Se neste planeta chegaram a pousar seis naves arconídicas completas, não resta a menor dúvida que a base mantinha contato permanente com seu mundo natal. Dali se conclui que Thora e Crest mentiram.

— Você não devia ter proferido esta última frase. Só teremos uma conclusão desse tipo quando tivermos certeza de que os dados que induzem suspeitas são corretos.

Bell percebeu que Rhodan não estava disposto a prosseguir num debate apoiado apenas em probabilidades. Por isso ficou calado, reclinando-se na poltrona do pequeno veículo que os conduzia. Seguiu por um corredor secundário longo e retilíneo que, partindo do centro da fortaleza, penetrava na montanha cerca de dois quilômetros. A extensão total das instalações pareceria um exagero a qualquer homem terreno. Bell exprimiu esse sentimento em palavras e sacudiu a cabeça.

— Sem dúvida devemos admirar as realizações dos arcônidas. Mas acho um absurdo que uma simples fortaleza tenha estas dimensões. Deve ter sido montada por gente estúpida. Até se parece com alguém que queira matar pardais a tiro de canhão.

— Também parece que alguém que não aplica os padrões corretos sofre de uma falta grave de substância cerebral — respondeu Rhodan em tom áspero.

— E qual é o padrão correto?

— O dos arcônidas. Ao ver este labirinto, você logo pensa em termos de dispêndio de tecnologia terrena. Acontece que com os recursos dos arcônidas não há nada de extraordinário em perfurar corredores e cavernas de dez ou vinte quilômetros na rocha de uma montanha.

Rhodan interrompeu sua exposição didática e parou a vagoneta.

— Vamos! — disse em tom lacônico, e caminhou em direção a um dos grandes portões que a intervalos regulares ladeavam a estrada subvenusiana.

Um toque de dedo sobre o mecanismo da fechadura bastou para que dez toneladas de aço arconídico deslizassem para o lado.

Quando viu diante de si o enorme pavilhão, Reginald Bell deixou cair o queixo. Não é que se sentisse impressionado com as instalações e o tamanho, que na sua opinião era exagerado. Depois que tinham descoberto a fortaleza, já tivera oportunidade de admirar essas coisas. Tentara acostumar-se aos padrões que prevaleciam ali. Acontece que até então tudo parecia morto naquele pavilhão. E hoje a vida reinava por ali. Ruídos abafados em toda a gama de escala sonora atingiram seu ouvido. Os medidores, as agulhas dançantes, as células eletrônicas e positrônicas cintilavam em tons coloridos. Robôs dos mais variados formatos e tamanhos corriam por entre as máquinas.

— Feche a boca! — disse Perry Rhodan, permitindo-se um sorriso condescendente. — Você já conhece a fábrica.

— Mas nunca a vi trabalhando. Foi você que a pôs em funcionamento?

— Já estava na hora de uma instalação tão bem montada reiniciar a produção. Não estamos em condições de deixar ociosa essa capacidade produtiva que se encontra paralisada há dez mil anos.

— Hum! — fez Bell, esticando o som para que o amigo percebesse que não acreditava muito naquilo. — Há pouco você me disse que devia aplicar os padrões corretos. Você também devia fazer o que pede aos outros.

— O que quer dizer com isso?

— Acho que esta fortaleza foi instalada pelos arcônidas e para os arcônidas. O que for produzido aqui só pode ter uma utilidade para esses seres.

O rosto de Rhodan assumiu uma expressão séria. Bell sentiu a mão pesada do amigo sobre o ombro.

— Ouça, Bell! Não temos muito tempo, pois ando com esse assunto das seis naves espaciais atravessado na garganta. O que está sendo feito aqui corresponde a uma finalidade terrena, não arconídica. Seria difícil aplicar nosso conhecimento hipnótico sobre a ciência e a tecnologia arconídica às necessidades humanas. Ando meditando sobre isso há várias semanas. Examinei todos os recantos do saber arconídico a que tenho acesso e elaborei um minucioso plano esquemático. O que está sendo feito aqui terá utilidade única e exclusivamente para a humanidade terrena. Esta fábrica robotizada está produzindo robôs, mais exatamente autômatos de construção e armamento. Olhe a esteira automática ali à sua direita. Jamais um olho arconídico viu essas formas modificadas de máquinas inteiramente positronizadas.

— Você faz isso sem que Crest e Thora saibam?

— Faço porque acho melhor assim. Thora e Crest são arcônidas muito inteligentes, mas como homem acho que sei avaliar melhor o que poderá ser útil à Terra. Nem penso em enganá-los, se é isso que você quer dizer.

— Acontece que podem interpretar a coisa assim. A desconfiança reinante entre eles e nós ainda não foi eliminada. Até você não está muito seguro na sua concepção, Perry. Ao menos acredito que não esteja. Pense naquelas seis naves espaciais. Recorde a reconstituição do período histórico em que aqueles arcônidas emigraram. Sua colônia na Atlântida desapareceu. Se naquela época ainda havia arcônidas em Vênus, os mesmos morreram por não terem possibilidade de voltar para Árcon. As seis naves espaciais a que esse cérebro se referiu não combinam com o quadro. Talvez você pudesse ter a gentileza de informar o que conseguiu descobrir.

— Não é muita coisa. Com a palavra-chave “nave espacial” não consegui extrair maiores detalhes do cérebro. Só sei que as naves devem estar estacionadas numa caverna distinta junto à encosta norte. Vamos procurá-las.

Perry Rhodan montou um conjunto de aparelhos de medição de ondas sonoras e sondas de matéria que funcionavam com base no processo químico-analítico. Ativou um robô que se encontrava nas proximidades e ordenou-lhe que colocasse o equipamento sobre a vagoneta e tomasse lugar nela. Avançaram mais setecentos metros na direção norte, até chegarem ao fim do corredor. Uma parede lisa de concreto fechou-o contra a rocha da montanha.

— Você acha que o corredor continua depois dessa parede? — perguntou Bell enquanto saltava da vagoneta.

— O cérebro falou numa caverna distinta. Disso se conclui que daqui não existe qualquer acesso. Mas antes de mais nada devemos demarcar a situação da caverna. Robô, coloque o aparelho azul junto à vagoneta. Os outros instrumentos podem continuar onde estão.

Reginald Bell pediu a Rhodan que lhe explicasse o funcionamento dos aparelhos. Como seu cérebro também tivesse sido ativado pelo treinamento hipnótico, aprendeu em poucos minutos o suficiente para prestar assistência a Rhodan. Cada medição era submetida à dupla conferência; uma era realizada pelo processo da ecossonda, outra por via químico-analítica. Dessa forma conseguiram estabelecer em pouco tempo um quadro preciso da composição da montanha, ate a encosta norte.

A uma distância de oito quilômetros as escalas de medida indicaram uma perda total de pressão.

— É a caverna! — gritou Bell mais alto do que seria necessário.

— O.K.! — confirmou Rhodan com um aceno de cabeça. — Anote as coordenadas. Vamos prosseguir em sentido radial, para determinar o diâmetro da caverna. Depois ampliaremos as observações para os lados.

Em menos de meia hora completaram o diagrama sobre a lâmina eletrônica de desenho. Logo se viam dois queixos caídos.

— Você entende isso? — perguntou Bell.

— Ainda não consegui. De qualquer maneira realizamos duas medições, e sabemos que a caverna não tem mais de noventa e cinco metros de diâmetro. A hipótese de um engano está completamente excluída.

— Num buraco de ratos como esse não podem caber seis naves arconídicas completas. Talvez os hangares sejam separados.

— Mesmo uma única nave teria de ser muito pequena para caber ali. Nossa Good Hope mede seus bons sessenta metros, e não passa de uma nave auxiliar cujo raio de ação mal chega aos quinhentos anos-luz.

— Então deve tratar-se de veículos menores — concluiu Bell. — Talvez sejam naves de socorro ou de patrulha. Acho que nossa preocupação com Thora e Crest não tinha o menor fundamento. Os dois terão de ficar conosco.

— O acesso fica aqui — disse Rhodan, apontando para o mapa cujos contornos acabavam de formar-se. Não deu atenção às palavras de Bell. Mas de si para si fazia votos de que ele tivesse razão.

 

Decolaram com a Good Hope e voaram alguns quilômetros para o norte. Depois de vencerem os cumes mais elevados, deixaram que a nave descesse junto às encostas íngremes. Ao atingirem a altitude determinada através das medições, Perry Rhodan parou e ajustou o regulador gravitacional, até que a nave aparentemente sem peso, encontrou uma posição de equilíbrio a uns quinhentos metros do fundo do vale.

Logo encontraram o acesso para o misterioso hangar. Embora a encosta norte tivesse sido polida pela erosão provocada pela chuva venusiana, logo notaram a área alterada em que se encontravam as duas escotilhas.

Envergando seus trajes arconídicos, que também dispunham de um regulador gravitacional, Rhodan e Bell saíram da nave e aproximaram-se da encosta rochosa. A localização do mecanismo de travamento da escotilha e sua combinação não representavam qualquer problema. O treinamento hipnótico habilitara-os a pensar em termos arconídicos.

A área da encosta artificialmente criada deslizou para o lado, pondo a descoberto uma abertura de menos de vinte metros.

— É grande para um homem, mas pequena demais para uma nave espacial — constatou Reginald Bell.

Viram-se diante de uma galeria escura, que descia na vertical. A camada profunda de nuvens venusianas só deixou penetrar uma luz mortiça, que mal dava para iluminar os primeiros metros da galeria. Um ligeiro impulso propulsor dos seus trajes bastou para fazer os homens penetrarem na montanha. Regularam o antígravo para a posição zero e voltaram a sentir chão firme sob os pés.

Com o auxílio de lanternas descobriram um amplo painel de instrumentos. Rhodan acionou uma chave. No mesmo instante uma luz branco-azulada encheu a caverna.

Toda a instalação continuava a funcionar tal qual funcionara há dez mil anos.

Era outro fato que mereceria a admiração dos homens. Mas nos últimos anos estes tiveram de habituar-se a muitas maravilhas arconídicas. O choque do não querer acreditar já não tinha a mesma intensidade dos primeiros encontros com a nova tecnologia. E, mais interessante que a luz alimentada por fontes de energia instaladas a milênios era o próprio hangar.

— São seis! — exclamou Reginald Bell espantado. — Mas até parecem uns brinquedinhos. Faço votos de que não esteja decepcionado.

A atitude de Rhodan provou que não estava. Sentiu-se entusiasmado. Percebeu intuitivamente o que tinha diante de si. Tirou o traje desajeitado dos arcônidas e saltou sobre o aparelho mais próximo.

— Você acha que são brinquedos? Acontece que são uns brinquedos muito perigosos. Veja aqui! Nesta máquina cabe um único homem. Quem sabe se você não quer pensar um pouco e dizer o que vem a ser isto?

Reginald Bell segurou-se na borda de uma das asas em delta e subiu.

— Até parece um avião de caça. A fuselagem tem aspecto intergaláctico. Até me sinto tentado a estabelecer comparação com as naves dos habitantes de Fantan. Mas o dispositivo direcional aerodinâmico e as asas em forma de delta poderiam ter sido concebidas numa prancha de desenho terrena.

— Em qualquer assunto a razão e a lógica sempre conduzirão ao mesmo resultado. Aqui está a prova. Você ainda tem alguma dúvida de que estes caças espaciais são de origem arconídica?

— Nenhuma. A semelhança na disposição dos instrumentos prova que são. É verdade que tudo é menos complicado que na Good Hope, mas o princípio é o mesmo. O assento fica numa cabina pressurizada. Existe um painel de comando do mecanismo propulsor. Com isso fica garantida a saída das partículas à velocidade da luz. Aqui está a chave reguladora da alteração volumétrica da câmara de combustão, e este olho só pode servir para a observação do regulador do campo de saída dos jatos. Perry, como vejo, você não está nem um pouco decepcionado. Até acredito que aprecie mais esta esquadrilha que seis supernaves espaciais.

— Um belo dia nós também construiremos naves deste tipo, Bell. Acho que ainda precisam de nós no planeta Terra, e este caça à velocidade da luz é o melhor presente para nós. Que tal um vôo de experiência?

Nos olhos de Bell lia-se o entusiasmo.

— Você acha que sou capaz de pegar um aparelho destes e sair voando por aí sem mais aquela?

— Se não for, peça a Thora que lhe devolva a taxa de matrícula. Vamos embora! Pegue aquele ali. Eu vou neste.

 

No momento a guarnição da fortaleza de Vênus era muito reduzida.

Além dos dois arcônidas, Crest e Thora, nesse amplo labirinto de cavernas só residiam o Dr. Eric Manoli, a telecineta Anne Sloane e o teleportador Tako Kakuta, que pertenciam ao exército dos mutantes, bem como o tenente Michael Freyt, o capitão Rod Nyssen e o tenente Conrad Deringhouse, ex-oficiais da Força Espacial dos Estados Unidos.

Nas últimas semanas todos eles tinham desenvolvido uma atividade útil, contribuindo para o conhecimento daquela fortaleza esquecida em Vênus. Só os três oficiais sentiam-se um tanto inúteis quando os outros conversavam sobre assuntos que eles não entendiam. Não conheciam as concepções arconídicas, nem dispunham das vantagens de um mutante positivo. Eram apenas pessoas sadias, com uma mente sã num corpo são, e essas qualidades habilitaram-nos a atingir a Lua numa primitiva nave terrena.

No dia do aniversário do tenente Freyt surgiu uma modificação.

— O que você gostaria de receber, Freyt? — perguntou Rhodan com a voz bonachona.

— Gostaria de tornar-me um membro ativo da Terceira Potência — foi a resposta. — E meus camaradas desejam a mesma coisa. Sentimo-nos um tanto inúteis.

— De que se julgam capazes?

— Se possível gostaríamos de voar. É verdade que só conhecemos as máquinas convencionais produzidas pela nossa técnica.

— Estas eu não tenho, tenente. Mas gostaria de dar uma olhada na Good Hope?

Foi este o presente de aniversário de Freyt. Crest e Bell levaram o dia inteiro mostrando a nave aos três oficiais. Depois Rhodan submeteu-os a um treinamento hipnótico intensivo.

Aprenderam literalmente, dormindo, a pilotar as naves arconídicas. Depois de deitá-los em pequenas macas, ligaram seus braços, pernas e cérebros com o instrumento de ensino psicossensorial. Após isso ficaram entregues a uma série intensa de sonhos dirigidos, nos quais pilotaram naves arconídicas de todos os tipos de um grupo de estrelas a outro. Sem correr o menor perigo, aprenderam a realizar as manobras mais difíceis e a reparar defeitos em pleno vôo. Um aparelho positrônico de testes registrou automaticamente os resultados dos exames a que eram submetidos ininterruptamente. As falhas tornaram-se cada vez mais raras, e em menos de três dias os três oficiais anunciaram a Perry Rhodan que já eram capazes de pilotar sozinhos a Good Hope.

Um vôo experimental confirmou a informação. Logo após isso, Freyt, Nyssen e Deringhouse obtiveram uma licença bem merecida.

Aproveitaram-na em pequenas expedições pela selva de Vênus.

Pelo meio-dia de sete de julho — em Vênus ainda contavam o tempo segundo o calendário terreno — apressaram sua volta de um passeio, pois surpreenderam-se ao verem a Good Hope decolar. Foi Deringhouse quem primeiro viu a nave esférica.

— Será que pretendem voltar para casa sem nós?

— Não me consta que Rhodan queira retornar à Terra. Faz tempo que está metido com aquele cérebro, realizando conversas intelectualizadas.

— Gostaria de saber o que significa isso. Tomara que os arcônidas não estejam fazendo alguma tolice!

— Acha que Thora e Crest estão fugindo? — perguntou Freyt com um sorriso. — Você é muito esquentado, Deringhouse. Os arcônidas conhecem perfeitamente as suas limitações. Não pinte logo o diabo! Podemos nos apressar um pouco, se é que isso o tranqüiliza.

Dali a meia hora chegaram à posição de combate da fortaleza. Na cúpula gigantesca concentravam-se todas as armas ofensivas com os respectivos dispositivos de comando.

Um olhar bastou para que Freyt se convencesse de que nenhum veículo havia penetrado na atmosfera de Vênus. A capacidade de observação estendia-se até o pólo sul. A suspeita de Deringhouse já não parecia tão absurda. Mas quando o tenente se dispôs a falar, dois pontinhos surgiram na tela.

— Que diabo! O que será isso?

— Capitão! Localize os objetos e mantenha-os sob observação constante! — gritou Freyt. Nyssen obedeceu instantaneamente. Pouco depois o goniômetro localizou os dois caças espaciais e não deixou mais que escapassem, por mais complicadas que fossem as manobras que realizavam.

— São naves muito pequenas — constatou Deringhouse. — E não são da Good Hope. Vamos chamar Crest!

Freyt já cuidara disso. Dali a alguns segundos o arcônida respondeu pelo vídeo-fone.

— O que deseja, tenente?

— Estamos na cúpula de observação. Será que podia dar um pulo até aqui agora?

— É muito urgente? Tenho uma coisa mais importante a fazer.

— Descobri dois objetos voadores, que aparentemente não deviam estar aqui. Passaram bem perto, por cima da montanha e depois subiram quase na vertical. No momento encontram-se a uma altitude de 14.000 quilômetros.

— Você está vendo fantasmas, Freyt. Nossos dispositivos de alarma captariam e reportariam qualquer nave estranha. Não há nada que possa penetrar até esta montanha sem ser reconhecido.

— Por favor, olhe!

Freyt afastou-se, para que Crest pudesse ver a tela através do videofone. Os três notaram um ligeiro tremor em seu rosto.

— Irei imediatamente — disse o arcônida.

Subiu no elevador expresso e precipitou-se para o painel das telas de defesa.

— Tudo pronto para abrir fogo, tenente. A cúpula foi reforçada. Entre em contato com aqueles desconhecidos e avise-os de que serão destruídos imediatamente se não seguirem nossas instruções.

Freyt mexeu apressadamente no telecomunicador. Antes que tivesse tempo de falar, o alto-falante transmitiu um diálogo exaltado, que os apanhou de surpresa. Rhodan e Bell comunicavam-se pela mesma forma, porque isso correspondia ao que os arcônidas falecidos há dez mil anos haviam feito.

— ...voltarei imediatamente, meu caro. Não estou com vontade de ser abatido por Crest.

— Para voltar é tarde. Você já foi localizado. Sugiro que entre em contato com a base. Talvez seja possível conversar com essa gente.

No início parecia que não era possível. Freyt, Nyssen e Deringhouse tinham perdido a fala. Até Crest teve de vencer a surpresa antes que conseguisse proferir uma palavra.

— O que é isso, Rhodan? Como conseguiu pôr as mãos nesses modelos dos fantanitas?

— Está vendo? — interveio Bell. — Ele diz que são modelos fantanitas. Eu disse logo quando vi o formato em fuso.

— Deixe de tolices! O que você está vendo, Crest, são verdadeiros caças arconídicos. Revire sua memória e descobrirá que há dez mil anos seus antepassados construíram estes modelos.

Crest logo compreendeu.

— Você descobriu os caças estacionados na fortaleza! É isso mesmo! Assim os fatos combinam. Só faz dois mil anos que os habitantes de Fantan imitaram nossas naves-fuso. Onde encontrou esses aparelhos?

— No interior da montanha. E há mais quatro. Todos eles estão equipados com canhões de impulso superpotentes — Perry Rhodan riu. — Você cancelou o alarma, não foi, Crest? Do contrário não vejo outra alternativa senão arriscar uma catástrofe.

— Não brinque, Rhodan! Com o armamento de um caça espacial você pode destruir um planeta. Logo após a explosão espontânea, as bombas-foguetes arconídicas ocasionam um incêndio atômico que atinge todos os elementos pesados acima do grau dez. Os núcleos podem ser regulados para desencadear uma reação nuclear em cadeia.

— É possível — respondeu Rhodan. — Mas posso tranqüilizá-los. As bombas não se encontram a bordo. Mas poderemos carregá-las no próximo vôo. É que acabo de ter uma idéia.

Perry Rhodan não expôs a idéia antes do pouso. Bell teve de recolocar o caça no hangar e levar a Good Hope à fortaleza. Rhodan veio na sua pequena maravilha. Pousou junto à entrada da fortaleza. Enquanto explicava a Crest como havia descoberto os seis caças espaciais, os três oficiais dispensaram suas atenções à máquina. Finalmente haviam encontrado em Vênus algo que correspondia à sua paixão.

— Estão gostando? — perguntou Rhodan.

— Um astronauta só pode sonhar com uma coisa destas.

— Que pena que seu aniversário já passou, Freyt.

— Até parece que estes caças espaciais serão dados de presente.

— Não é isso. Proponho um acordo, tenente. Você, Nyssen e Deringhouse submetem-se a um novo ciclo de treinamento hipnótico, concebido especialmente para estas coisinhas. Depois disso as receberão em custódia, como representantes da Terceira Potência.

Os olhos de Freyt brilhavam.

— Não sei como agradecer! Pode confiar em mim em quaisquer circunstâncias.

— Isto é uma das condições do acordo — confirmou Rhodan em tom sério. — Preciso de uma frota bem combativa. Pode ser pequena, mas tem de ser veloz e invencível.

Como sabem, os acontecimentos que se desenrolaram nos últimos meses em nosso sistema solar despertaram a atenção de muitas inteligências. Conseguimos repelir os primeiros ataques. Os que se seguirem serão mais intensos. Se quisermos sobreviver, teremos que nos prevenir. A potência de que dispúnhamos ontem poderá ser insuficiente para as lutas de amanhã. Aí vem Bell com a Good Hope. Ele levará vocês à encosta norte e lhes mostrará o local exato. Observem tudo. Hoje de noite falaremos sobre o novo ciclo de treinamento. Acho que começaremos nas próximas vinte e quatro horas.

Reginald Bell esperou que os três oficiais subissem a bordo e voltou a decolar em direção ao norte. Crest e Rhodan dirigiram-se à entrada do forte. Quando abriram o portão, Thora veio ao seu encontro. Rhodan teve a impressão de que estava esperando. Seu olhar era rígido e sombrio; passando pelos dois homens, dirigiu-se ao caça espacial.

— Este aparelho pertencia a um dos nossos antigos cruzadores espaciais, não é?

Crest fez que sim.

— Foi Rhodan que os encontrou. São seis.

— Para vocês homens trata-se de um achado, não é?

— E para vocês, o que é? — perguntou

Rhodan. Sentiu a recriminação na pergunta de Thora.

— Para nós é roubo — respondeu Thora com a voz áspera. — Isso mesmo, Perry Rhodan: para nós é roubo. E depois que conheci a humanidade fiquei sabendo que ela tem uma ética semelhante. Sabemos perfeitamente que você é um ladrão, tanto aos olhos dos homens como dos arcônidas. Aliás, onde foi buscar todo esse orgulho?

— Só me resta muito pouco. Você me tirou quase todo. Mas ficarei com um restinho de orgulho. Preciso dele para salvar a humanidade.

— Você fala na salvação da humanidade, mas esquece a galáxia.

— A galáxia terá de esperar até que consigamos estabelecer a ordem no sistema solar. Para construirmos uma obra gigantesca, temos de começar de baixo. A mais bela das torres desabará se não tiver um alicerce sólido.

— E este alicerce são os homens, não são? Alguns bilhões de seres estúpidos. Acha que são bastante fortes e amadurecidos para suportar todo um grupo de mundos?

— Acho que são bastante jovens, Thora. Tudo depende da juventude. Das reservas de vitalidade. O amadurecimento é um processo lento. Por que insiste em voltar constantemente a este tema?

— Porque fico perguntando de mim para mim se ainda sou comandante. A esta altura minha nave é a Good Hope. É um nome terreno.

— Também é um nome belo e esperançoso. Não gosta?

— Gostaria de saber se ainda sou comandante — obstinou-se Thora.

— Voltará a ser quando tiver dado provas de sua boa vontade e confiabilidade.

— Quer dizer que sou uma prisioneira. E o nome Good Hope continua a ser um nome terreno, por mais belo que seja.

— A imagem dos arcônidas está modificada. Vocês se tornaram sentimentais demais para o orgulho que andam ostentando. E, mais que tudo, tornaram-se mais fracos. O Grande Império de vocês está caindo aos pedaços. Qual é a esperança que lhes resta, Thora?

Thora não respondeu.

— Fale, Crest! — ordenou Rhodan. — Diga uma palavra definitiva de esclarecimento. Não se esqueça do seu orgulho de arcônida. Mas deixe que a razão decida.

— A galáxia é um mundo de caos — explicou Crest. — Nosso império chegou ao fim. Seres insensíveis destroçam as culturas criadas por nós e a cada ano vão se aproximando do centro do Império. A Via Láctea precisa de uma mão forte. Até aqui temos plena consciência do curso ameaçador que os acontecimentos estão tomando.

Também tenho consciência do papel que você, Rhodan, poderia desempenhar. Mas não sei se está disposto a desempenhá-lo.

— Que papel seria este?

— Você está entusiasmado pela humanidade do planeta Terra. Ama esses poucos bilhões de seres e faz tudo por eles. Daria a eles de bom grado o domínio de toda a galáxia. Mas há um detalhe: o caminho do domínio para a opressão é muito curto.

— A desconfiança é uma reação sadia, Crest, mas não o liberta do dever de decidir. E você não pode passar sem um pinguinho de confiança. Ninguém aqui é profeta. Basta que estejamos dispostos a dar o melhor de nós.

— Você está disposto, Rhodan? Está disposto a permitir que também os outros tenham o seu, desde que isso lhes caiba pelo direito da liberdade? Falarei claro e sem rebuços, e também direi uma palavra definitiva, conforme pediu. Os homens e os arcônidas são parecidos. Seria totalmente contrário aos nossos interesses comuns se um belo dia uma inteligência totalmente desumana assumisse o poder nas estrelas do nosso sistema. Quis o destino que os homens e os arcônidas se encontrassem. Caso esteja disposto a lutar por nós todos e empenhar as forças da humanidade a bem de toda a galáxia, você pode contar com a nossa confiança, Rhodan.

— Estou disposto.

 

Dali a dois dias.

Tempestades furiosas açoitam o hemisfério norte de Vênus, tangem a água e as massas de nuvens para dentro dos vales cercados de montanhas e fazem com que os lagos e os rios cubram grandes extensões de terra junto às margens.

Por entre o relampejar ininterrupto das trovoadas rivais surgem sinais de um desempenho matemático retilíneo: cinco caças espaciais decolaram.

Concluído o treinamento hipnótico especializado dos pilotos de caça Freyt, Nyssen e Deringhouse, Perry Rhodan ordenou a realização das manobras finais.

A comunicação entre os cinco pilotos foi um verdadeiro festival de satisfação.

— O desempenho destes aparelhos é inacreditável — disse Nyssen. — Se pensarmos que foram construídos há mais de dez mil anos, só nos resta pedir aos engenheiros terrenos que peçam de volta o dinheiro gasto em estudos.

— Nada de ofensas contra qualquer grupo profissional — advertiu Bell com uma seriedade fingida. — Se não fosse o treinamento hipnótico, este seu vôo exibicionista também teria caído à água, capitão.

— Basta! — soou a voz de comando de Rhodan. — Estamos saindo da atmosfera de Vênus e passamos por cima do pólo norte a uma altitude de cento e vinte mil quilômetros. Entrar em forma para o vôo em fila e aguardar comandos de frenagem e mudança de rumo!

Dentro de trinta segundos as cinco máquinas deixaram para trás a furiosa trovoada de Vênus. Diante deles estendia-se o preto aveludado do espaço, onde a brancura do sol formava o centro aparente. As comunicações radiofônicas voltaram a funcionar normalmente, permitindo a captação de um emissor menos potente.

O pedido de socorro da Terra foi captado com igual intensidade nas cinco naves.

E nas cinco naves os pilotos souberam que o último comando de Rhodan perdera sua finalidade.

— ...solicitamos retorno imediato. A Terceira Potência. A pedido de John Marshall... Aqui fala a Terceira Potência. Estamos chamando Perry Rhodan. Certo número de naves ovais, ao que tudo indica tripuladas por Deformadores Individuais, pousaram na Lua, segundo relata a estação espacial Freedom I, e logo depois voltaram a decolar e desapareceram no espaço. Devemos contar com nova manobra de aproximação. Ao mesmo tempo o exército de mutantes reporta fenômenos de deformação suspeita em personalidades expostas. Estamos fornecendo maiores detalhes pela faixa secreta AK III. Rhodan, solicitamos retorno imediato. A Terceira Potência, a pedido de John Marshall. Terceira potência chamando Perry Rhodan. Naves ovais...

Perry Rhodan ordenou o retorno imediato ao forte de Vênus. Descrevendo uma curva fechada, que homens e máquinas só suportavam graças ao compensador automático de força centrífuga, os caças espaciais desceram e penetraram no furacão. Mas as cúpulas energéticas protetoras eliminavam os efeitos atmosféricos em torno das naves e permitiram que descessem sem sofrer dano.

Na fortaleza o ambiente também estava tenso. Crest também captara a mensagem radiofônica do deserto de Gobi e recomendou aos homens que se preparassem para uma decolagem de emergência.

— Tudo em ordem! — confirmou Rhodan com um aceno de cabeça. — Faça os homens subirem, Bell. Não é necessário que ninguém fique para trás. Não se esqueça de colocar a bordo três dos caças espaciais. Venha, Crest! Quero ouvir o que eles têm a nos dizer pela faixa AK III.

Rhodan e Crest tomaram o elevador e subiram para a cabina de comando. O grande receptor arconídico já expelira uma fita escrita. Depois de ler apressadamente alguns nomes desconhecidos, Rhodan não prosseguiu. Ligou seu próprio receptor que, acionado pelos impulsos pentadimensionais, funcionava a velocidade superior à da luz, isto é, sem qualquer perda de tempo determinada pela distância. Ao contrário do intercâmbio radiofônico normal, onde na posição atual da Terra e de Vênus a transmissão de uma mensagem levava mais de doze minutos, a faixa pentadimensional AK III permitia um intercâmbio instantâneo.

— Aqui fala Perry Rhodan. Estou chamando a base de Gobi. O que houve, Marshall?

— Alô, Rhodan. Graças a Deus que está chamando. Recebeu nossa mensagem?

— Naturalmente! A Good Hope está pronta para decolar. Faça o favor de me dizer quais foram as mensagens transmitidas pela faixa AK III.

— Vou colocá-lo em contato com Mercant. Ele está aqui.

— Alô, Rhodan. Aqui é Mercant.

— Bom dia. O que houve?

— Há dois dias recebi um chamado do coronel Kaats, da Polícia Federal. Há mais de um ano está atrás do sindicato de bandidos Blue Bird, mas a única coisa que conseguiu descobrir foi esse nome misterioso. Finalmente conseguiu uma pista. Pelo que afirma, um dos três cabeças é um sujeito chamado de Clive Cannon, que possui uma residência confortável na Michigan Avenue, em Chicago.

— Isso é muito interessante. Todavia, peço licença para salientar que a Terceira Potência não pretende intrometer-se nos assuntos internos de outros países.

— Será que você acha que não tenho um bom motivo para contar-lhe isso, Rhodan? Um homem do FBI descobriu Cannon por acaso. E esse acaso por certo não deixará de ser interessante para você. Cannon tem um pastor-alemão bem treinado. Desde o início da semana o animal não o reconhece mais como dono. Daí não se pode Concluir muita coisa. Há longo tempo o homem é conhecido na sociedade como comerciante idôneo; além disso, sabia-se alguma coisa sobre seus hábitos e relacionamentos. Pelo que diz o coronel Kaats, Cannon já não é o mesmo.

— Quer dizer que na sua opinião os DI apossaram-se dele?

— Tenho certeza quase absoluta. Continuaremos a manter o sindicato sob controle. Se é que os DI apoderaram-se dele, deverá ocorrer um deslocamento de interesses políticos e econômicos. Os invasores extraterrenos não se limitarão a desenvolver uma atividade puramente criminal.

— O que significam os outros nomes incluídos em sua mensagem?

— Trata-se de suspeitos, que serão vigiados. Tenho certeza de que os DI serão bastante inteligentes para apoderar-se em primeiro lugar das pessoas mais influentes. E o começo é o presidente dos Estados Unidos.

— Já avisou as potências mundiais?

— Ainda não. Não quis tomar uma decisão dessas por minha conta.

— Pois eu lhe ordeno que faça. O Conselho Internacional de Defesa dispõe das melhores ligações possíveis com o comando das forças armadas do Bloco Oriental e da Federação Asiática. Entre imediatamente em contato com Kosselov e Mao Tsen. Avise os terráqueos de que cada um deve cuidar de seu próximo, pois o melhor amigo poderá transformar-se no pior inimigo. Mas antes de mais nada, ponha em ação o exército de mutantes, na medida em que está treinado. Por enquanto você assume o comando.

— Obrigado! Já formulei algumas sugestões e elaborei alguns detalhes sobre a atuação de nossos homens. Mas quero ponderar que, embora sejamos dotados de capacidades sobre-humanas, nosso número é muito reduzido. Só poderemos lançar mão de seis ou sete pessoas. Enquanto isso a frente de ataque do inimigo abrange todo o planeta e a humanidade inteira. Além disso, só nossos telepatas estão em condições de reconhecer ao primeiro contato uma pessoa que se encontra sob o poder de um DI. Precisamos de um instrumento, Rhodan.

— Sei disso — respondeu Rhodan em tom pensativo. — Os arcônidas nos presentearam com uma porção de instrumentos. Mas nenhum deles serve para o que estamos precisando no momento.

— Você não tem um rastreador de ondas cerebrais? Estou me referindo ao aparelho que Bell e Kakuta usaram no Japão para procurar mutantes.

— O rastreador só pode localizar cérebros que se afastam do modelo normal. Não serviu sequer para determinar o tipo de capacidade parapsicológica de que era dotado um mutante. Esse aparelho não nos servirá de nada.

— Deve ser aperfeiçoado.

— Sinto-me honrado pela confiança que deposita em mim — disse Rhodan em tom sarcástico. — Mas não pense que sou Deus. Verei o que posso fazer.

— Tem alguma idéia?

— Apenas uma esperança. Exploraremos todas as possibilidades. Não deixaremos de tentar, seja lá o que for. Para isso preciso do seu auxílio.

— O que devo fazer?

— Fale com Kaats e peça-lhe que deixe Clive Cannon em paz. Deve limitar-se a um tipo de vigilância que não dê na vista.

— Procurarei transmitir-lhe a mensagem de forma diplomática. Não acredito que aceite ordens suas.

— Isso é problema seu, Mercant.

Reginald Bell anunciou que a Good Hope estava pronta para decolar. Rhodan mandou que esperasse. O chefe da Terceira Potência tinha um traço típico: quando surgia uma situação de alarma, costumava desenvolver uma atividade enervante em coisas aparentemente secundárias.

— Gostaria de ter os nervos desse homem! — gemeu o Dr. Manoli, exprimindo o sentimento de todos.

Dali a duas horas Rhodan finalmente subiu a bordo. Carregava uma pasta com pilhas de cartões perfurados, positrogramas e fórmulas. Guardou-a sem dizer uma palavra. Não fez a menor referência ao trabalho que desenvolvera junto ao cérebro.

— Os caças espaciais estão a bordo?

— Sim! — confirmou Freyt.

— Muito bem. Vamos embora, Bell. Faço votos de que não gaste mais de três horas.

Reginald Bell liberou a potência dos reatores HHE. A Good Hope acelerou lentamente para uma velocidade de 18,2 km/seg e, uma vez fora da influência da gravitação de Vênus, disparou para o espaço com uma força de empuxo cujo valor absoluto era de 800.000 toneladas. A aceleração atingiu o valor máximo de 500 km/seg. Nem por isso seria possível atingir, numa viagem curta como a de Vênus à Terra, uma velocidade próxima à da luz. Todavia, talvez Reginald Bell conseguisse cumprir o desejo de Rhodan, que pedira uma viagem-relâmpago.

Depois de uma hora de viagem foram ligados os instrumentos de localização de velocidade superior à da luz que, graças ao impulso pentadimensional de que eram dotados, não poderiam ser reconhecidos por um eventual atacante localizado no universo normal. A desvantagem desse tipo de observação consistia no fato de só permitir a exploração de setores limitados do espaço. Havia amplas regiões do espaço quadridimensional, situadas sobre a linha direta da luz, que ficavam fora do alcance da observação. Por isso realizava-se uma observação paralela pelo radar, que na distância atual trabalhava com alguns minutos de atraso.

Logo se verificou que as providências adotadas por Rhodan eram acertadas. Sempre que os DI aparecem e voltam a desaparecer espontaneamente, deve-se contar a qualquer momento com um novo ataque.

Quando haviam atingido a velocidade máxima e Bell já se preparava para inverter a aceleração, iniciando a frenagem, a tela de radar mostrou duas naves ovais.

— São os DI! — foi o grito saído de muitas bocas. — Dirigem-se à Lua.

— Pode ser coincidência. É possível que estejam voando diretamente para a Terra. Ligue a mira automática, Bell.

Os raios tateadores atravessaram o hiperespaço a velocidade superior à da luz e alcançaram o alvo cuja posição aproximada já era conhecida. Dentro de poucos segundos ajustaram-se ao inimigo. As células de reação de contato garantiam que o raio direcional não mais largaria as naves dos DI, fossem quais fossem as manobras diversionistas que realizassem.

— Distância: vinte e cinco milhões de quilômetros da Terra, quarenta e quatro milhões de quilômetros das naves dos DI.

— Qual é a distância entre os DI e a Terra?

— Menos de dezoito milhões de quilômetros.

— Só isso? O cartograma, por favor! — ordenou Rhodan.

A luz fosca de uma lâmina vermelha iluminou-se no painel de comando.

— Ângulo entre os DI e a Terra exatamente oito graus, quarenta e cinco minutos e trinta segundos — disse Bell — Os DI voam em direção quase oposta à nossa, pois vêm praticamente do outro lado. A velocidade deles é ligeiramente inferior à nossa. Também já iniciaram a manobra de frenagem.

— Uma simples estimativa não nos serve de nada.

— Nunca se pode saber antes o que o inimigo vai fazer. No momento prosseguem normalmente; ao que parece ainda não sabem que foram descobertos. Assim que nos localizarem, deverão acelerar de novo. Você já viu com que empuxo essa gente trabalha.

— Não assumiremos o menor risco. Mantenha a aceleração positiva por mais dez minutos. Se necessário passaremos ao lado da Terra. Freyt!

— Sim.

— Prepare-se para decolar juntamente com Nyssen e Deringhouse. Os três aparelhos conduzirão o armamento completo.

— Cada caça já traz a bordo uma bomba-foguete com carga nuclear. Os canhões de radiação estão em condições de funcionar.

— Muito bem. Já conhecem a situação. Pretendo pegar as duas naves antes que atinjam a Terra. Enquanto for possível, a Good Hope prosseguirá sem aceleração negativa de frenagem. Assim que invertermos a aceleração, vocês deixam a nave nos seus caças e prosseguem, voltando a acelerar. Prendam-se bem entre os colchões pneumáticos, pois é bem provável que no momento da pontaria tenham de desacelerar em 500 km/seg. Os projetores antigravitacionais não poderão compensar isso.

— Fui treinado em 20g e até mais.

— Isso é bom, mas é pouco para os valores de aceleração usados pelos arcônidas. Só lhes posso recomendar que se cuidem e não exagerem. Assim que perceberem que os antígravos não dão mais conta do recado, reduzam a força dos reatores. Quero que o inimigo seja destruído, mas o mais importante é que vocês e os três caças voltem sãos e salvos. São muito valiosos para mim.

— Sim! — responderam os três oficiais.

Fizeram continência e retiraram-se.

 

Tudo decorreu com extrema precisão. Pelo menos no início. Segundo as informações de Crest, o sistema de alarma dos DI era menos aperfeiçoado, e seus instrumentos de localização tinham um alcance de menos de dez milhões de quilômetros. Dali a pouco a Good Hope teria que desacelerar, para dar a precedência aos caças espaciais que, graças às superfícies refletoras, tinham boa chance de se aproximar mais um pedaço do inimigo sem serem detectados.

E tinham de aproximar-se sem serem detectados para terem alguma chance de êxito. A força dos DI eram as cúpulas energéticas, que podiam cercar a nave em poucos segundos. E um canhão de radiação dos arcônidas nada poderia contra elas. Outro fator de vantagem dos DI era a extrema maleabilidade de suas naves. Assim que descobrissem que um dos seus ataques traiçoeiros fora descoberto e, portanto, frustrado, recorriam à fuga. E isso de nada adiantava aos homens. Um DI voltaria depois de ter fugido. Surgiria a qualquer momento, em qualquer lugar. E então o fator surpresa estaria novamente de seu lado.

— Alô, Freyt! Avise quando estiver pronto para decolar! — gritou Perry Rhodan.

— Os três caças estão prontos para passar pela comporta.

— Muito bem! Ligue os reatores. Acelere, conforme combinamos. Dentro de vinte segundos a Good Hope vai desacelerar. Aí vocês já deverão estar do lado de fora.

Assim que Reginald Bell inverteu os jatos, dando início à desaceleração, três minúsculos pontinhos cinzentos desapareceram no espaço. Dentro de poucos segundos cessaram os efeitos luminosos produzidos pelas superfícies metálicas dos caças sobre as telas de observação visual. Outro super-raio localizador atingiu-os pela quinta dimensão, tornando-os visíveis aos ocupantes da nave.

Estabeleceram contato radiofônico pela faixa AK III. Não haveria possibilidade de detectá-lo no espaço contínuo quadridimensional.

Perry Rhodan observaria todas as fases do confronto que se aproximava. Se necessário, anunciaria modificações estratégicas.

— Mudar o rumo dois graus para estibordo! — foi a ordem que se seguiu.

Bell estava surpreso, pois esperara poder conduzir a Good Hope para casa ao seu bel-prazer. Mas ao que parecia ela ainda tinha um papel a desempenhar nos planos de Rhodan. Executou a manobra sem discutir.

A maior parte das pessoas que se encontravam a bordo imaginaram o que Rhodan pretendia com a mudança de rumo. Mas só tiveram certeza quando chamou Freyt.

— Mantenho o mesmo rumo, tenente. Levamos a Good Hope dois graus para estibordo. Com isso devemos aparecer a uma distância de seis milhões de quilômetros do seu ponto de encontro com os DI. Além disso, daqui a pouco iremos a uma velocidade bastante reduzida, para atrair a atenção do inimigo. Com isso serão maiores as chances de vocês se aproximarem sem serem percebidos. Boa sorte!

Dali a quarenta e oito minutos uma manobra dos DI fez concluir que a Good Hope fora descoberta.

— Não perca a calma, meu filho! — disse Rhodan. “Meu filho” era Bell. — Prosseguiremos sem mudar de rumo. Também manteremos a mesma desaceleração. O inimigo pensará que procuramos atingir um ponto situado além da Terra. Se continuarmos assim, só poderá pensar que não o descobrimos.

Logo se ouviram as mensagens de comando de Freyt. As pessoas que se encontravam a bordo da Good Hope acompanharam-nas pela superfaixa AK IH.

— Abrir um grau. Nyssen para bom-bordo. Deringhouse para estibordo. Nyssen, aumente a aceleração em dois km/seg. Deringhouse, reduza em dois km/seg. Você se encarregará do primeiro, isso se eu falhar. Nyssen atacará o segundo.

— O.K.! Entendido!

A fileira de caças espaciais abriu-se em leque. Depois de modificada a aceleração, voavam um atrás do outro, em diagonal. O capitão Rod Nyssen ia na ponta. Teria de passar pelo primeiro inimigo para abrir fogo contra o segundo, antes que fosse prevenido pelo ataque contra a primeira nave.

Os DI limitaram-se a uma mudança insignificante de rumo. Ao que parecia tratava-se de uma reação instintiva, provocada pelo surgimento da nave dos arcônidas. Como Rhodan prosseguisse no mesmo rumo, os DI tornaram-se mais confiantes e, mantendo a mesma desaceleração, prosseguiram na direção Lua—Terra.

Os três caças espaciais, submetidos a uma aceleração constante, haviam atingido uma velocidade próxima à da luz. Para estabilizar a massa que tendia para o infinito, os astronautas proporcionaram um apoio adicional ao raio de partículas, injetando um elemento de sustentação no mecanismo propulsor. Com isso se atingiam velocidades que excediam tudo que o homem jamais vira no sistema solar.

O mais importante era que o inimigo não contava com esse ataque súbito.

A distância prevista de dois milhões de quilômetros os caças abriram fogo com seus canhões de radiação. Ao mesmo tempo Nyssen e Freyt lançaram os torpedos espaciais com carga nuclear.

Os DI não tiveram tempo de levantar a cúpula energética. Quando viram a luminosidade dos canhões, já era tarde. A onda mortal aproximou-se com a velocidade da luz.

As duas naves desmancharam-se em pura energia.

Os três astronautas não tiveram tempo para apreciar o espetáculo infernal. Os caças também corriam perigo. A enorme velocidade aproximava-os a cada instante daquela fornalha de energias em fúria.

Imediatamente após o disparo tiveram de eliminar toda a aceleração e mudar de rumo. Com isso surgiu uma pressão lateral que perdurou por mais de quinze segundos.

Os astronautas jaziam imóveis nas suas poltronas anatômicas e contaram instintivamente até quinze. Só ao chegarem a esse número em plena consciência souberam que estavam salvos.

— Iniciar manobra de frenagem! — A voz de comando de Perry Rhodan soou abruptamente nas pequenas cabinas pressurizadas. — Foi um trabalho muito bem feito, cavalheiros. Sigam um curso comum e retornem à Terra assim que tiverem atingido uma velocidade que permita o pouso. Encontramo-nos na órbita lunar, onde voltaremos a recolhê-los a bordo da Good Hope.

Os homens que se encontravam a bordo da Good Hope dispuseram-se a uma soneca reconfortante. Foi quando subitamente o hiperlocalizador voltou a reagir.

— Que inferno! O que será isso? — suspirou Reginald Bell.

— Sem dúvida é um objeto voador — explicou Crest. — E procede exatamente do setor do espaço que os três caças acabam de abastecer com energia. Deve ser uma nave salva-vidas dos DI. Trata-se de veículos menores que nossos caças, e que podem abrigar no máximo dez seres.

— É impossível. Nosso ataque destruiu tudo que...

— Não se exalte. Esse veículo praticamente não conduz nenhum armamento. Não pode fazer-nos nenhum mal.

— Não se trata disso, Crest. Trata-se de saber como é que alguém conseguiu escapar.

— Tenho certeza de que não tiveram tempo para decolar da nave — constatou Perry Rhodan.

— É verdade — confirmou Crest. Suponho que a nave já tenha sido tirada de bordo antes, para cumprir uma missão especial. Vamos segui-la por algum tempo. Já podemos permitir-nos esse luxo.

A minúscula nave salva-vidas dos DI tomara o curso da Lua. Rhodan voltou a estabelecer contato com Michael Freyt. Os três caças voltaram, depois de descrever uma curva de 800.000 quilômetros de raio e dentro de noventa minutos atingiram, pouco antes da nave esférica dos arcônidas, a órbita previamente indicada.

— Freyt, pelos meus cálculos é você que se encontra mais próximo da nave.

— Sim, Rhodan.

— Peço-lhe que se ponha a persegui-la. Nada de ataque. Sempre será possível pegar uma mosca dessas, enquanto não se dirigir diretamente à Terra. Gostaria de receber as coordenadas exatas do local de pouso.

— Correto! Quais são as instruções para Nyssen e Deringhouse?

— Podem se aproximar. Vamos abrir as comportas.

A nave dos DI foi submetida a uma dupla vigilância. Além do tenente, também o raio hiperlocalizador ficou grudado nela. E as pessoas que se encontravam na nave, inclusive Thora, acompanhavam com o maior interesse todos os seus movimentos.

Freyt acelerou e chegou bem perto do inimigo.

— Tenha cuidado, tenente! É possível que os DI disponham de uma base fixa na Lua. De lá você poderia ser alvejado.

— O.K.! Cuidarei. Está nos seguindo?

— Sim, por precaução. Mas nem por isso você deve relaxar.

Freyt riu.

— Com o equipamento de que disponho aqui tenho pouca chance de relaxar. Quero experimentar tudo. Tenho, por exemplo, uma câmera maravilhosa que permite tirar quinhentas fotografias por segundo. Ela alcança freqüências que vão do infravermelho ao ultravioleta e é dotada de um cérebro positrônico rastreador físico-químico, além de ter um revelador embutido que libera as fotografias imediatamente. Quer que eu leve um filme?

— A idéia não é má. Trabalhe com a câmera.

Realmente o tenente Freyt operou um filme aproveitável.

A nave dos DI desaparecera na face oculta da Lua, na altura da linha equatorial. As medições realizadas por Freyt indicavam a área da cratera de Mendelejew, no 80o grau de longitude. Estranhamente naquele lugar havia vestígios de metal que, segundo o cérebro positrônico, não ocorriam em estado natural.

— Quer dizer que conseguimos localizá-los — constatou Eric Manoli. — Convém cuidar deles.

— É o que vamos fazer. Mas não quero arriscar a vida de qualquer homem.

— Usaremos robôs. Acho que com eles os DI vão quebrar os dentes.

Pouco tempo depois a Good Hope desembarcou na cratera Anaxágoras um contingente de tropas robotizadas completamente equipado, que foi incumbido de missões de esclarecimento de âmbito restrito. Seu raio de ação era de seis mil quilômetros.

 

A Good Hope pousou num verdadeiro ninho de marimbondos.

O ninho de marimbondos era o território da Terceira Potência, situado no deserto de Gobi. É bem verdade que a designação “deserto” já não era correta. A desolação e a solidão haviam desaparecido. Além da cúpula energética de dez quilômetros de diâmetro outros dez mil quilômetros quadrados de terra foram incluídos no plano de cultivo. Centenas de técnicos e trabalhadores especializados ajudados por um exército de robôs estavam ocupados na montagem de um complexo industrial integrado.

A terra florescia. Chuvas artificiais puseram fim à seca eterna. O oásis natural crescera, atraindo um número cada vez maior de camponeses mongóis, que montavam suas tendas junto aos limites do território da Terceira Potência, a fim de aproveitar o milagre do paraíso que ia crescendo aos poucos.

Visto de cima, o conjunto oferecia um quadro encantador. Por alguns minutos a esfera arconídica flutuou a pequena altura acima daquela azáfama, seguindo a sugestão de Allan D. Mercant, que se opusera decididamente a um pouso fora da cúpula energética.

— Você me mete medo — disse Rhodan. — Estou interessado em saber o que aconteceu no território da Terceira Potência. Pelo que vejo, muita coisa boa e positiva foi feita. Será que tudo isso muda de figura quando nos aproximamos?

— Faça a nave pousar, Rhodan. Depois que os DI fizeram sua mais recente aparição, não permiti que a cúpula fosse aberta.

— Não estão precisando de você no quartel-general da Groenlândia?

— Em toda a parte precisam de mim. Mas jurei ficar aqui até que você retornasse. Mandarei abrir a cúpula. Por três segundos no máximo. O risco é muito grande.

— Não haverá problema.

Reginald Bell executou um pouso exemplar.

No campo de pouso foram recebidos pelos colaboradores mais chegados.

Mercant aproximou-se. Estava acompanhado de John Marshall e do Dr. Haggard. Rhodan apertou-lhes a mão.

— Fale logo, Mercant! O que houve?

— Se examinar os jornais de hoje, encontrará pelo menos trezentos casos de gente que é suspeita de ter sido apossada pelos DI. Mesmo que em noventa por cento dos casos isso não passe de fantasia, ainda há motivo mais que suficiente para nos alarmarmos. Para mim os casos não reportados são os mais perigosos.

— Em poucas palavras, receia um ataque em massa contra a Terceira Potência.

— Isso está na cara. O primeiro DI que se apossar de um grande político ou economista estará orientado sobre o significado de nossa nação. Quem quiser dominar a Terra terá que dominar a Terceira Potência. É uma conclusão perfeitamente lógica.

— É verdade. Foi por isso que determinou o bloqueio total entre a cúpula e os territórios adjacentes.

— Não dispomos de meios para controlar todo o território e evitar uma infiltração. Por isso limitamo-nos à cúpula. Enquanto o cerne continuar intacto, disporemos de um núcleo sadio para revidar qualquer golpe.

— Estou satisfeito com sua atuação. O que você acha que devemos fazer daqui por diante? Segundo deduzi do nosso contato pela faixa AK III, você já tomou algumas providências.

— Falei com os colegas do Bloco Oriental e da Federação Asiática. Submeterão nossas propostas aos respectivos governos.

— Isso me cheira a burocracia.

— Desta vez tudo será mais rápido. A estação espacial Freedom I observou seu combate com as naves dos DI. A notícia dessa vitória estrondosa já se encontra em todas as agências de notícias do mundo. Todos reconhecem o perigo. A idéia até chegou a ser propagada excessivamente e entregue às massas. Por isso torna-se difícil reprimir as manifestações de pânico. As potências não tiveram outra alternativa senão decretar o estado de exceção. Acontece que essa desconfiança de homem para homem não nos ajudará em nada. Há meia hora a rádio de Cingapura transmitiu a notícia de que em Manila um homem matou a esposa porque, segundo diz, estava possuída. Mas os vizinhos informam que o casamento não estava dando certo. Quem poderá fazer prevalecer o direito, se um homem mata o outro e dá a culpa aos DI?

— Precisamos de uma força policial — disse Rhodan. — Quero que seja recrutada entre os homens de seu serviço secreto. Por enquanto teremos de nos contentar com quinhentos homens.

— Quinhentos? — exclamou Mercant apavorado.

— Quinhentos — confirmou Rhodan com um ligeiro sorriso. — Afinal, o que são quinhentos homens em comparação com o problema que estamos enfrentando e os numerosos problemas que teremos de enfrentar no futuro? Não devemos ser otimistas a ponto de supor que todas as posições podem ser preenchidas com mutantes. O número dos mutantes positivos nem chega a tanto.

— Arranjarei os quinhentos homens. Dentro de uma semana aproximadamente. Mas não lhe garanto que entre eles não haja nenhum elemento possuído pelos DI.

— Não exijo tanto. Você não deve ver as coisas tão pretas. Se apenas um dos seus quinhentos homens for um possuído, isso significa que os DI já se apossaram de um em cada quinhentos habitantes da Terra. Não é nada provável que a percentagem seja tão grande.

— Permita que conteste esse seu cálculo de probabilidades — disse Mercant. — Já chegamos à conclusão de que os DI agem racionalmente, que não mexem na grande massa de pessoas que não exercem qualquer influência. A meu ver, além dos políticos e dos economistas, as pessoas preferidas pelos DI devem ser os agentes secretos.

— Você é teimoso, Mercant — disse Rhodan com um sorriso. — Faz questão de abordar um tema que só estará maduro dentro de uma semana. Vamos adiar esta discussão por sete dias. Talvez então tenhamos uma base bem mais sólida que hoje.

— Na sua opinião conseguirá descobrir tão depressa uma possibilidade de identificar as pessoas possuídas pelos DI?

— Ainda não dispomos de um profeta em nosso exército de mutantes. Só disponho de planos e esperanças. Fiquemos nos fatos do presente. Cada um tem sua tarefa. A sua consiste em arranjar quinhentos policiais que mereçam toda confiança. De início procederá segundo o regulamento a que já está sujeito. Nenhum estranho pode penetrar na cúpula energética. Todos os elementos novos serão alojados fora dela. Na área central só podem penetrar homens e mulheres que já tenham provado serem elementos de primeira ordem, merecedores de toda confiança. Quem posso nomear como seu assistente?

— Gostaria que fosse um mutante.

— Que tal Marshall?

— Bem, simpatizo com ele. Acontece que eu mesmo entendo um pouco de telepatia. Preciso de um teleportador. Assim nos completaríamos mutuamente.

— Está bem. Leve Tako Kakuta. Qual é seu itinerário?

— De início terei de ir à Groenlândia. Dali vou a Nova Iorque e possivelmente a Washington.

— Muito bem. Desejo-lhe uma boa viagem. Quando tiver alguma mensagem importante, procure ater-se às horas combinadas para o tráfego radiofônico, para que não tenhamos de abandonar o trabalho a todo instante. Mas quando se tratar de um assunto inadiável, estarei à sua disposição a qualquer hora.

Enquanto Mercant e Kakuta se preparavam para a viagem, Rhodan classificou os dados resultantes de sua última palestra com o cérebro robotizado estacionado em Vênus.

— Companheiros — disse Perry depois de algum tempo. — Acho que não há necessidade de fazer um discurso. Todos conhecem a situação. Defrontamo-nos com um inimigo mais traiçoeiro que qualquer um com que a humanidade já se viu a braços. Não conhecemos sua força numérica, nem sua posição. Não sabemos onde fica o front; a única coisa que sabemos é que se estende em inúmeras ramificações, e pode passar pelo nosso acampamento. Um ataque contra os DI só se justifica no espaço, onde podemos localizar suas naves. Ainda temos de preparar a luta em terra. Antes de golpearmos aqui, temos de conhecer a situação do front. No momento nos defrontamos com duas necessidades de ordem estratégica. Uma é a vigilância espacial e o reconhecimento em terra. Tenente Freyt!

— Sim, Rhodan!

— Nos próximos dias você terá uma missão muito difícil. É imprescindível que a qualquer hora do dia e da noite um comando de dois caças espaciais patrulhe o espaço até uma altitude de quinhentos mil quilômetros. Você vai se encarregar disso juntamente com o capitão Nyssen e o tenente Deringhouse. Só um de vocês poderá ficar de folga de cada vez. Combinem entre si.

— Correto!

— Muito obrigado! Espero que decolem dentro de cinco minutos.

Os três astronautas saíram da sala.

— Agora você, Dr. Haggard. Quero que se recolha em si mesmo e procure pensar sobre as possibilidades, puramente teóricas, de atingir os DI segundo sua biologia. Se as instalações de seu laboratório não forem suficientes, avise imediatamente. O dinheiro e o material não serão nenhum problema.

— Sinto-me honrado com a sua confiança. Mas não espere muito deste tipo de trabalho, que deve ser considerado de pesquisa pura. E uma pesquisa num terreno inteiramente novo pode levar anos.

— Não fixei prazo, doutor. Está claro? Aliás, faço questão de que os mutantes continuem a dispor de assistência médica. Prepare essa gente para uma próxima transferência para Vênus, onde serão submetidos a um treinamento final.

— Me dedicarei ao trabalho teórico, sem prejuízo das tarefas que tenho de executar. Se fizer questão de uma solução rápida, peço-lhe que faça o possível para providenciar o material necessário.

— Que material é este?

— Um Deformador Individual, ou seu cadáver, e um homem possuído.

— Verei o que posso fazer.

Com isso o Dr. Haggard foi dispensado. Perry Rhodan e Reginald Bell estavam a sós.

— Agora chegou minha vez — disse Bell laconicamente. — Não seria conveniente reforçar os vôos de patrulhamento? — sugeriu.

— Você gostaria de acompanhar Freyt?

— Não pense que é porque isso me dá prazer. A tarefa de Freyt é a mais importante. Temos de impedir a todo custo qualquer novo pouso dos DI, pois sem isso os contragolpes que teremos de preparar com um trabalho extenuante chegarão tarde. Até você lutará em vão contra um mundo de DI.

— Não subestimo a tarefa de Freyt.

— Mas ele terá de dar conta dela juntamente com Nyssen e Deringhouse. De você precisamos para o novo comando.

— Mercant cuidará disso.

— Ele vai conseguir apenas quinhentos homens dentro de uma semana, e ainda teremos de verificar se os mesmos nos servem. Depois de dois ou três testes não sobrarão muitos. Você terá de arranjar mais uns quinhentos ou mil voluntários. Também dentro de uma semana.

— Como poderei fazer isso? Não disponho de uma organização montada, como Mercant, onde poderia recrutar minha gente.

— Você precisa de voluntários. Voluntários de todo o mundo. Só os agentes não nos servirão de muita coisa, mesmo que sejam superdotados. Precisamos de soldados, técnicos, cientistas, juristas.

— Suas exigências aumentam de dia para dia. Já lhe disse que não disponho de ligações pessoais que...

— Se quiser coloque anúncios de página inteira nos jornais mais importantes. Você pode arranjar isso com Adams em Nova Iorque. Ele dispõe de relações.

— Quer dizer que vou a Nova Iorque?

— Entre outros lugares. Antes irá a Chicago. Mais precisamente, à Michigan Avenue.

— Devo procurar Clive Cannon?

— Isso mesmo. Cannon está sendo vigiado pela polícia secreta federal. Se o coronel Kaats seguiu as minhas recomendações, nada aconteceu ao chefe dos gângsteres.

— O que devo fazer quando estiver diante de Cannon?

— Você vai convidá-lo para uma temporada no deserto de Gobi.

— Acho que não vai fazer muita questão disso.

— Será que não? Como homem possuído pelos DI deve estar doido para pôr os pés aqui.

— Mas ficará desconfiado. Até mesmo um patife menos sagaz que ele perceberá logo o que significa um convite desse tipo. Acho que um golpe de violência teria melhores possibilidades de êxito.

— Não lhe dito regras sobre como deve proceder. Preciso de Cannon aqui. E preciso dele vivo.

— Quem posso levar comigo?

— Quem gostaria de levar?

— John Marshall.

— Concedido. Arrume as malas. E avise Marshall. Ainda quero falar com vocês antes de partirem.

 

Perry Rhodan foi sozinho para junto do cérebro positrônico estacionado no interior da cúpula energética. Levava consigo os dados elaborados pelo cérebro gêmeo que se encontrava em Vênus. Esses dados não haviam sido submetidos a um processamento coerente. A partida precipitada de Vênus não lhe deixara tempo para ocupar-se intensamente com o problema.

Inicialmente introduziu na máquina os cartões perfurados e positrogramas que tinha em seu poder. Na primeira passagem formulou a pergunta em termos muito gerais. O cérebro tinha de ser conduzido ao núcleo do problema numa progressão e logicamente coerente. Não que lhe faltasse capacidade de solucionar problemas complexos num tempo muito reduzido. O caso era que tudo dependia do equacionamento correto do problema por parte do homem.

— Como poderei identificar o cérebro de um homem? — principiou Rhodan.

— Pergunte-lhe quem é.

— Neste caso não existe a possibilidade de perguntar. O cérebro que se pretende identificar não libera a informação.

— Cada cérebro possui uma freqüência individual, identificável através da medição do comprimento das ondas — respondeu o cérebro.

— Nossa tarefa consiste em identificar certas características de determinado grupo de cérebros — prosseguiu Rhodan. — Não se trata de um indivíduo isolado.

— Isso não altera nada na resposta que acabo de dar

Rhodan refletiu. Dessa forma nunca chegaria ao fim.

— O estímulo transmitido de molécula a molécula irradia um espectro mensurável. Nossa sonda cerebral permite a medição das freqüências. A constituição e o funcionamento da sonda são conhecidos?

— São conhecidos — respondeu prontamente o cérebro positrônico.

— Mas por essa forma só conseguimos apurar desvios em princípio. Não conhecemos nenhuma análise qualitativa. A mesma não pode ser realizada por meio do exame do modelo cerebral. Este fato já foi constatado. Minha pergunta é a seguinte: Quais são os dados utilizáveis, além do espectro de ondas cerebrais?

— Não dispomos de informações a este respeito.

Mais uma vez Rhodan havia chegado a um ponto morto. O cérebro positrônico não fora concebido exclusivamente para o armazenamento de experiências; também possuía áreas dedicadas ao pensamento criativo.

Rhodan pegou um exemplar dos positrogramas e introduziu-o na máquina.

— O que resulta deste estímulo?

— Recomenda-se a utilização de telepatas.

— Neste caso não dispomos de telepatas.

— A verificação da atividade cerebral só pode ser realizada por meio do exame das freqüências, pois qualquer fluido tem um caráter eletromagnético. Recomenda-se o aperfeiçoamento do receptor. A modulação proporciona a melhor possibilidade para a determinação do caráter individual.

— A modulação por meio de uma onda?

— Sim.

— Como faço para conseguir a onda?

— Ela já existe. O cérebro a ser identificado faz o papel de emissor.

— Quer dizer que todo segredo está no fato de que as sondas cerebrais dos arcônidas trabalham numa faixa de freqüências muito restrita. A onda portadora deve ser incluída na área de ressonância.

— É muito provável que seja assim.

— Quais são as freqüências que devem ser incluídas?

A resposta do cérebro positrônico foi abafada por um uivo ensurdecedor. Perry Rhodan endireitou o corpo. Seu espírito vivaz logo se adaptou à nova situação. Uma sereia de alarma era mais importante que qualquer resposta do cérebro positrônico, por mais vital que fosse. Não se podia perder a sabedoria da máquina positrônica. Mas num alarma, cada segundo podia representar uma perda irreparável.

Rhodan correu para o portão e olhou para fora.

Os homens corriam pelas ruas arenosas ladeadas de barracos. Isso não tinha nada de estranhável, pois o alarma no território cercado significava que de início cada um tinha de deslocar-se para um ponto indicado, onde aguardaria instruções.

O ponto de Rhodan ficava no escritório, que servia de quartel-general da Terceira Potência. Só ali podia ser dado o alarma.

Do ponto em que Rhodan se encontrava era apenas um pulo. Por isso preferiu não usar seu rádio de bolso. Saiu correndo sem perder tempo.

Na entrada do escritório Reginald Bell aguardava-o em traje de viagem.

— Foi você que deu o alarma?

— Entre. Ali fora, além da área bloqueada, o diabo está solto.

— São os DI?

— É o que dizem. Pelo menos é uma das coisas que dizem. Estão fazendo uma pequena revolução. Num caso destes é difícil conseguir uma informação precisa.

— É uma nova invasão? Será que os caças espaciais deixaram passar alguém?

— Nada disso. Se forem DI, os mesmos já estão na Terra há alguns dias. Olhe!

Rhodan aproximou-se da tela.

Bell modificou a regulagem. O olho energético da antena direciona foi penetrando no espaço e colocou-se numa perspectiva que lhe permitia abranger todo o território submetido à soberania da Terceira Potência.

— Onde foi que aconteceu? — perguntou Rhodan.

— Aqui — respondeu Bell, trazendo para a tela um setor ampliado. — Bem ao noroeste. Perto do posto número trinta e sete.

Não precisou dar outras explicações. A imagem dizia mais que as palavras.

Verdadeiras massas humanas comprimiam-se junto à cúpula energética. Via-se perfeitamente que se tratava de dois grupos inimigos.

— Você disse que é uma revolução?

— É, sim. Ras pode dar maiores detalhes.

Rhodan voltou-se ao africano.

— O que aconteceu?

— Eu estava fazendo uma inspeção de rotina. Encontrava-me no posto número trinta e sete, que fica na área número dois, isto é, a menos de dois quilômetros da cúpula. Naquele lugar a Harris Corporation está construindo dez pavilhões de montagem para agregados de refrigeração de plástico endurecido e outras peças padronizadas para o interior das naves. Junto às betoneiras havia um grupo de pessoas que conversava animadamente. Algumas delas discutiram e passaram às vias de fato. Naturalmente resolvi intervir, mas logo me ameaçaram de pancada. Mas nenhum dos briguentos chegou a bater em mim, pois não estavam de acordo. Alguns elementos menos agressivos perguntaram se era verdade que havia gente possuída no território da Terceira Potência.

— E você respondeu alguma coisa?

— Não, outros responderam no meu lugar, afirmando insistentemente que havia prova disso. Um dos técnicos apontou para dois homens, acusando-os abertamente de serem possuídos. Quando fizeram menção de saltar sobre ele, apontou-lhes uma arma. Em torno dos acusados logo se formou um grande grupo de pessoas. Todos procuraram afastar-se deles, com exceção de quatro homens que, ao que tudo indicava, pertenciam ao grupo dos seus colegas de trabalho mais chegados. Estes também foram acusados, e disseram-lhes que rezassem, porque iriam morrer. Subitamente alguém me empurrou para junto dos acusados e ouvi gente gritar: “Também é um deles. Vamos liquidá-lo!” Vi o fanatismo escrito nos rostos, e sabia perfeitamente que esses sujeitos que portavam armas estariam dispostos a tudo. Ouvi um tiro atrás de mim; um dos trabalhadores caiu ferido. Logo me teleportei para cá.

— Fez bem. Mais alguém tem alguma coisa a dizer?

— Ninguém — disse Bell, fazendo um gesto inequívo em direção à tela. — Mas receio que já tenha havido mortos. Pela imagem ótica parece que os dois grupos têm aproximadamente a mesma força. Evidentemente o partido dos acusadores está armado. Por isso tem certa superioridade que lhe permite acusar muitos dos outros de serem possuídos.

Rhodan pegou o microfone de seu emissor particular e ligou o sistema de alto-falantes.

— Aqui fala Rhodan. Não foi dada nenhuma ordem para um alarma geral. Os que não foram convocados devem ficar de prontidão. Comando de vigilância da Good Hope, preparar para decolagem. Estou chamando o comando de terra dos astronautas. Favor responder.

— Aqui fala o tenente Deringhouse.

— Também se prepare para decolar. Você deixará o território bloqueado juntamente com a nave esférica. A contagem regressiva será iniciada no máximo dentro de cinco minutos. Por motivos de segurança a cúpula só será aberta por dois segundos. É bem possível que toda essa revolução não passe de uma trama do inimigo, que nos quer fazer sair do abrigo. Tenente, sua missão consistirá em cruzar sobre o território da Terceira Potência, dando aviso de qualquer movimentação suspeita em terra e no ar.

— Sim, Rhodan.

Dirigindo-se ao Dr. Manoli, Rhodan prosseguiu:

— Eric, você vai exercer o comando até nosso regresso. Manteremos contato ininterrupto pelo som e pela imagem. Capitão Klein, você assumirá o controle da cúpula energética, uma vez que já está conosco. Sempre se desempenhou muito bem desse serviço. Mas não confie na sua capacidade de reação. A contagem positrônica será iniciada a partir do segundo menos sessenta.

— Entendido!

— Bell, você irá comigo.

— O.K.! Sugiro que usemos trajes arconídicos.

— Isso não é necessário. Precisamos de projetores mentais e neutralizadores gravitacionais.

Reginald Bell obedeceu. Os instrumentos a que Rhodan acabara de aludir sempre se encontravam ao alcance das mãos. O mesmo acontecia com os trajes arconídicos, que Rhodan e Bell só usaram para atingir sem perda de tempo a nave Good Hope, que se encontrava a mil metros de distância.

A nave recebeu-os como uma catedral deserta. Os passos dos homens apressados retumbavam pelos corredores e produziam eco. Thora e Crest estavam na sala de comando. Encontravam-se ali, como se fossem acessórios imprescindíveis da nave. A Good Hope era o último vestígio da pátria arconídica. Era ali que residiam os dois arcônidas, que a tudo assistiam com um interesse dúbio, quando um alarma colocava os homens em estado de exaltação. Faziam papel de espectadores, sempre que não se encontrava em jogo uma questão do seu interesse.

Thora, a comandante do gigantesco cruzador arconídico, destruído na Lua, raramente fazia uso do seu direito inato. Sua vida sempre desembocava no conflito entre o passado orgulhoso e a situação atual, sempre mutável, que lhe era imposta pela convivência com os terráqueos.

Rhodan atirou-se no assento do piloto e começou a manipular os comandos. A Good Hope despertou para a vida. Ergueu-se do solo e subiu com ligeira aceleração.

A uma altitude de dois mil metros encontrava-se o zênite da abóbada energética.

— Rhodan chamando o capitão Klein. Altitude: duzentos metros. Estou ligando o piloto automático. Mude para o contador positrônico. Alô, Deringhouse! Mantenha a mesma altitude. Quando atingir os quinhentos metros, acelere l g. Transmita a contagem regressiva pelo emissor, capitão Klein.

Uma voz mecânica iniciou a contagem em direção a zero. A decolagem das naves e a retirada da cúpula energética estavam conectadas a uma reação positrônica automática, que seria expedida a partir da central. Tudo daria certo. E deu. Pelo menos no que dizia respeito à decolagem. Na terra a série de manipulações não deixou de provocar seus incidentes.

O televisor orientado para a área critica do posto 37 revelou tudo.

A massa enfurecida, cujos fronts estavam separados por uma estreita faixa de terra, comprimia-se junto à cúpula energética. Um dos grupos levantara barricadas, apoiando-as contra o muro invisível. Dois homens subiram nelas, para apresentar uma demonstração tola.

Quando a energia foi retirada da cúpula, a armação ruiu. Dois segundos depois a mesma energia retornou, impelindo tudo que se colocava ao seu alcance. A reação lenta dos homens não conseguiu aproveitar esses dois segundos.

A cúpula que voltou a funcionar depois da interrupção teve o efeito de uma catapulta. A massa de energia “limpa”, livre de radiações, que só funcionava de forma cinética, golpeou como um punho de ferro. Homens que iam cambaleando para a frente foram atirados para trás, aterrizando de forma nada suave. A reação da barricada desmoronada foi semelhante. Tábuas e pranchas caíram em meio às massas que se aglomeravam, completando o caos.

Bell interpretou as minúcias que conseguiu captar na tela.

— Agora precisamos de médicos e enfermeiros.

— Eles terão de procurar imediatamente eventuais corpos de DI que foram abandonados — interrompeu uma voz vinda dos fundos da sala. Era Crest.

— Procurar corpos de DI em nosso território?

— Esses sujeitos preferem a escuridão. A divisa exterior do nosso território não é totalmente intransponível. É bem possível que os DI tenham escondido seus corpos nas proximidades.

— Eles precisam disso?

— Nunca se deve subestimar um inimigo, é o que ouço os homens dizerem — disse Crest, dirigindo-se para a frente da sala. — É uma regra que muitos táticos e estrategistas entre as diversas inteligências da galáxia já descobriram. Mas toda e qualquer sabedoria só tem validade dentro de certos limites. Além desses limites ficam as exceções que, ainda segundo um dos seus provérbios, confirmam a regra.

— Que exceção poderia ocorrer no presente caso?

— Para os terráqueos as qualidades naturais dos Deformadores Individuais são verdadeiramente sobre-humanas. Por isso a raça dos homens tenderá a atribuir uma superioridade infinita aos DI, e essa atitude já envolve uma disposição inconsciente para a capitulação. Sempre que um obstáculo pareça intransponível, somos tentados a desistir.

— Acho que você está aludindo antes às qualidades arconídicas que às terrenas — corrigiu Bell.

O arcônida ergueu os ombros num gesto de dúvida.

— Se fosse você, não me sentiria tão seguro.

Rhodan insistiu para que atacassem logo o núcleo da questão. Não havia tempo para pesquisas demoradas sobre as características das diversas raças.

— Quer dizer que você recomenda que os DI sejam avaliados com base em critérios objetivos, para que suas limitações naturais possam ser conhecidas.

Crest fez que sim.

— Superestimá-los seria um erro tão grave como não dar atenção às suas manhas traiçoeiras. Os DI são uma raça obstinada, mas o heroísmo não ocupa um lugar de destaque entre eles. Possuem um instinto de autoconservação muito desenvolvido, que os põe em alerta diante de qualquer risco. São bons intrigantes, dotados de grande inteligência e flexibilidade. Mas, como acabo de dizer, prezam antes de tudo sua segurança pessoal. Vocês já sabem de que forma os DI costumam apossar-se de suas vítimas. Chegam bem perto e sem maiores esforços realizam a troca de identidades. Mas sempre estão dispostos a bater em retirada. Para isso é necessário que seu corpo fique o mais perto possível, muito embora o salto para dentro do homem seja muito mais difícil que o regresso ao próprio eu.

— É por isso que acredita que devíamos procurar corpos de DI nas proximidades da cúpula?

— Isso mesmo. Quando se sentem seguros, preferem procurar um esconderijo para seu corpo o mais perto possível do homem em que se recolhem. Em média, pode-se contar com uma área situada num raio de duzentos metros. É bem verdade que já se verificaram casos em que os DI se afastaram alguns milhares de quilômetros com o corpo por eles possuído.

— E mesmo assim conseguem regressar?

— Só com um esforço extremo. E isso se torna ainda mais difícil quando o corpo em que se abrigaram é ameaçado de morte. A morte do mesmo significaria sua própria morte. O DI não sabe saltar de um homem para outro. Tem de regressar ao seu corpo, e isso enquanto o corpo possuído estiver vivo. Se matarmos um homem possuído por um DI, o DI também morre.

— Faço votos de que isso seja verdade — disse Bell em tom desconfiado.

— Você não tem motivo para duvidar da veracidade do que acabo de dizer — retrucou Crest.

— Não estou falando por mal. Acontece que você já se enganou quando viu tudo sob a perspectiva dos arcônidas. Afirmou que um homem possuído cujo eu retorna ao corpo a que pertence acaba enlouquecendo.

— Isso diz respeito a homens e arcônidas, entre cujas mentalidades existem diferenças enormes. Enquanto estivermos falando nos DI, você pode confiar nos meus conhecimentos.

 

Quando surgiu a Good Hope, houve certa agitação entre as massas que se aglomeravam junto ao posto trinta e sete. A divisão entre os dois fronts já se tornara menos nítida com o desmoronamento das barricadas. A essa altura a consciência pesada parecia unir os homens. A esfera dos arcônidas corporificava uma autoridade toda especial.

Rhodan pousou e pediu a Thora que mantivesse a nave em condições de decolar a qualquer momento. Olhou para Bell e fez-lhe um sinal.

— Vamos, Bell! Tenha cuidado com o neutralizador. Só utilize feixes de raios estreitos e bem concentrados, e isso mesmo só quando não tiver outra alternativa. Não quero que um setor amplo do território onde estão sendo erguidas nossas construções fique subtraído de repente aos efeitos da gravidade. Se todas as cargas verticais perderem sua posição estática, gastaremos várias semanas na reconstrução.

— Não se preocupe — disse Bell com um sorriso cordial. — Acho que não teremos necessidade de recorrer a isso. Só carrego estas coisinhas comigo por uma questão de tranqüilidade de espírito.

Foram para a frente da nave. A massa humana recuara um pouco, enfileirando-se como um muro compacto. Rhodan aproximou-se. Reginald Bell seguiu-o.

— Vejo mil rostos estranhos — suspirou enquanto caminhava.

Era o que Rhodan estava pensando. A maior parte desses homens haviam sido colocados ali durante a expedição a Vênus. Quase todos viam Rhodan pela primeira vez. Sentiu-se envolvido por uma onda de reverência, desconfiança e insegurança. Até mesmo o pensamento falso e traiçoeiro podia estar presente. Mas Rhodan e Bell prosseguiram imperturbáveis. Agora, a uma distância de cinqüenta metros, já tivera início um duelo espiritual; os dois homens mais proeminentes da Terceira Potência tinham de provar que realmente possuíam a autoridade que corporificavam.

Perry Rhodan levou o jogo ao máximo. Sabia que a essa altura nenhum exagero seria demasiado. Quando chegou junto à massa, não parou. Prosseguiu como um robô; Reginald Bell seguiu-o com a mesma obstinação.

A muralha humana recuou. Ninguém tocou nos dois homens. Uma passagem estreita abriu-se diante deles.

Subitamente Rhodan parou.

— Quem é o chefe da seção?

Silêncio.

Rhodan encarou o homem que se encontrava mais próximo.

— Será que você perdeu a língua?

— É o professor Morton — gaguejou o homem, olhando em torno com uma expressão de insegurança.

— Desejo falar com o professor Morton! — disse Rhodan com a voz alta. — Queiram abrir caminho.

Mais para os fundos houve uma movimentação. Todos se afastaram para deixar o chefe de seção passar.

— Bom dia, professor. Sou Perry Rhodan. O que houve?

— Não posso explicar. Parece que tudo não passa de um mal-entendido, ou então é obra de um pequeno grupo de fanáticos. Terei muito prazer em dar-lhe todas as informações de que disponho. Mas ficarei muito grato ao senhor se me der oportunidade de cuidar primeiro dos feridos.

— Há um hospital nas proximidades. Por que ainda não tomou nenhuma providência?

— Não disponho de autoridade para isso, senhor Rhodan. Peço seu apoio.

— Ordene aos homens que retornem aos seus locais de trabalho, professor. Não me importo de aguardar com as minhas perguntas.

Morton transmitiu as instruções que acabara de receber. Aos poucos os homens da frente foram recuando, empurrando os colegas que se encontravam atrás. Bell segurou um dos homens pela manga do paletó.

— Como é seu nome?

— Brian — respondeu o homem com a voz tímida.

— Muito bem, Brian. Você fica responsável pelos feridos. Dentro de dois minutos deverá haver por aqui um número suficiente de médicos e enfermeiros. Pode retirar-se. Como é o seu nome?

— Schley.

— Schley, você será responsável pela remoção das barricadas. Pegue quantos homens precisar. Quero que termine em vinte minutos.

O homem desapareceu, proferindo um “sim senhor” com a voz rouca. Mas não foi só este. De repente todos pareciam empenhados em dar o fora o mais rápido possível. Num instante toda a área foi evacuada. Rhodan, Bell e Morton estavam a sós.

— Isto não deixa de ser uma arma — disse Bell com um sorriso de satisfação.

— Uma arma psicológica — confirmou Morton. — Fico-lhes muito grato. Há alguns minutos a situação ainda era muito ameaçadora. Tudo começou há meia hora. Encontrava-me...

— Não vamos entrar em detalhes, professor. Da central e da nave observamos tudo. Se hoje ouvimos homens acusarem-se mutuamente de serem possuídos pelos DI, isso parece muito perigoso, mas tudo indica que se trata de uma reação de pânico em cadeia. Será que você tem base para afirmar o contrário?

— De forma alguma, senhor Rhodan. Já lhe disse que para mim tudo não passa de um mal-entendido.

— Foi o que você disse. Mas é o que pensa? — interveio Bell.

— Não entendo.

— Se é que não me entende, será que tudo está bem com você?

— Por que não estaria?

— Ora, professor. Há pouco você teve uma verdadeira revolução. E agora vem nos dizer que tudo não passa de uma bagatela. Talvez com isso queira livrar-se de nós. Você é um dos possuídos, não é?

Morton ficou rubro de raiva. Demorou a encontrar as palavras.

— Isso é um absurdo. Será que até o senhor está apoiando essa campanha sub-reptícia?

Bell continuou, muito gentil.

— Não é nenhum absurdo, professor. Os DI sempre procuram apossar-se das pessoas mais influentes. E no posto trinta e sete a pessoa mais influente é você.

— No momento não, se é que me permite dizer isso na minha modéstia. Se eu fosse um DI, já teria procurado apossar-me do seu corpo ou, melhor ainda, do corpo do senhor Rhodan.

— Teria saltado para nós?

— É o que minha lógica humana diz.

— O que acha, Perry? Parece que tudo está em ordem com ele, não é?

— Acredito que sim. Você passou pelo exame, professor.

— Muito obrigado — Morton respirou aliviado. Mas seu rosto também exprimiu certa perturbação. — Sua maneira de examinar os homens é muito estranha. Gostaria de conhecer o método.

— Se fosse um DI, nunca lhe teria passado pela cabeça transferir-se do professor Morton para o corpo de Perry Rhodan. Isso não é possível.

Caminharam até a muralha energética e viram que só quatro pessoas haviam recebido ferimentos sem maior gravidade.

Brian estava junto dos enfermeiros, conforme lhe fora ordenado.

— Como vê, tive razão — disse Reginald Bell satisfeito.

— Mais que isso. Você tinha a intenção de prender três cabeças da revolução, mas não houve necessidade disso. Tudo isso só demonstra o estado de ânimo que hoje deve prevalecer em toda a humanidade. O resultado é a insegurança, a desconfiança, a disposição para os atos irrefletidos. Não temos tempo a perder, Bell; devemos salvar a Terra do caos.

— É verdade! — confirmou Bell.

O sorriso já desaparecera do seu rosto largo.

— Tive muito prazer em conhecê-lo, professor — prosseguiu Rhodan, estendendo a mão a Morton. — Mas não quero que se sinta em segurança só porque o conflito foi dominado com tamanha facilidade. Ainda existe a possibilidade de que entre seus homens exista algum DI. Não adianta ficar perguntando a todo mundo. O mais importante é procurar os corpos abandonados daqueles seres. Ainda hoje transmitirei instruções nesse sentido a todos os grupos de trabalho situados fora da cúpula. Espero que me avise pelo rádio quando tiver apurado algo de concreto. A qualquer momento estaremos prontos para revidar um golpe.

 

A Good Hope regressou para a cúpula energética. O tenente Deringhouse pousou ao mesmo tempo que ela. Não descobrira nada de suspeito durante sua missão de reconhecimento aéreo.

— Uma missão de patrulhamento sempre é uma coisa tediosa — procurou consolá-lo Bell. — Mas um dia colhe-se a recompensa. Tem alguma ordem para Marshall e para mim, Perry?

— Tudo continua conforme foi combinado. Primeira escala: Chicago, em casa de Clive Cannon. Preciso de um homem possuído e de um abandonado. Em Nova Iorque você se encontrará com Homer G. Adams, que lhe prestará ajuda no recrutamento da nossa força policial. Acho que não preciso fornecer outros detalhes.

— Quanto ao resto saberei arranjar-me. Até a volta, Perry.

— Boa sorte!

Depois que Allan D. Mercant e Tako Kakuta tinham saído, também Reginald Bell e John Marshall abandonaram sua nova pátria no deserto de Gobi. Enquanto isso, Rhodan refletiu no seu escritório.

“Fico para trás. Sou o homem do segundo plano.”

Depois levantou-se, endireitou o corpo e dirigiu-se ao pavilhão onde o cérebro positrônico já o aguardava. A palestra recomeçou no ponto em que terminara por ocasião do alarma.

— Modulação, onda portadora, campo espectral completo com valores elevados em angstrom.

— O velho detector dos arcônidas só pode determinar o modelo cerebral — explicou o robô. — Já um telepata lê os pensamentos. Sugere-se a construção de um pseudotelepata.

Esse telepata artificial seria um detector completo de ondas cerebrais.

Rhodan recordou a primeira carga da Good Hope, que trouxera de Vênus uma série de robôs de trabalho construídos segundo suas concepções. Entre eles havia máquinas idênticas. Havia robôs-engenheiros cuja capacidade ia da de um mecânico até a de um positrônico.

Ainda hoje seriam iniciados os trabalhos de construção do primeiro modelo experimental. A Terra precisava do detector telepático, para não ter que capitular diante dos DI.

 

Quem passasse pela Michigan Avenue teria que inclinar a cabeça bem para trás para enxergar o céu por cima dos grandes edifícios.

John Marshall voltou a baixar o queixo, depois de ter feito suas observações sobre Chicago em geral e a Michigan Avenue em particular. Ele e Reginald Bell tinham descido perto da esquina com a Congress Street e, guardando certa distância, dirigiram-se ao hotel de igual nome. Bell registrara-se no Congress Hotel com seu nome completo, enquanto Marshall adotara o nome de John Linker, embora ocupasse um quarto do sétimo andar, logo ao lado do de Bell. Oficialmente não se conheciam.

Do lado que dava para o pátio interno do Congress Hotel havia uma sacada que ocupava todo aquele lado. Era verdade que uma parede alta e grossa de vidro fosco separava a parte correspondente a cada apartamento, mas não era necessário ser um grande alpinista para escalar esse obstáculo.

As janelas vizinhas estavam escuras. John Marshall arriscou a entrada no apartamento de Bell. Fechou as cortinas e disse:

— Pronto! Já pode acender a luz.

Bell acendeu o abajur que se encontrava perto da poltrona. Sugou a fumaça do cigarro que acabara de acender e ofereceu o estojo ao telepata. Este serviu-se em silêncio e sentou.

— Afinal, o que há com Cannon? — perguntou Bell, já que Marshall não demonstrou a menor pressa.

— Não estive com ele.

— Mas como?

— Peço-lhe que guarde seu juízo a meu respeito para depois. Cannon está preso numa fortaleza. Para falar com ele a gente tem de atravessar três ante-salas, e cada uma delas representa uma verdadeira corrida de obstáculos.

— Será que estou condenado a ouvir uma ladainha de desculpas? — interrompeu Bell. — Afinal, para que serve sua telepatia?

Marshall não se abalou.

— Pelo que se nota nas cercanias de Cannon, o homem caiu numa armadilha dupla — informou.

— Você examinou essas cercanias?

— Afinal, minha missão de telepata consistiu nisso. E descobri uma porção de coisas. Provavelmente essas coisas são mais importantes que as que poderia ter descoberto se tivesse falado com o chefão em pessoa.

— Faça o favor de contar.

— A cem metros do edifício Kreysky, que fica nesta rua, do mesmo lado do nosso hotel, existe um restaurante subterrâneo. Nesse restaurante estão os primeiros guardas. Tanto os da polícia como os do Blue Bird Syndicate. Às vezes até ficam sentados na mesma mesa, conversando entre si.

— Será que é um acordo secreto?

— Não acredito. Ambas as partes conservam a linha. Ficam brincando de gato e rato, e às vezes nem sabem direito se foram reconhecidos uns pelos outros. Quase chegaria a dizer que guardam uma desconfiança instintiva entre si.

— Onde é que a coisa começa a ficar mais interessante?

— No edifício Kreysky, evidentemente. E, o que é de surpreender, também no prédio vizinho. O pavimento térreo de ambos os imóveis foi construído para abrigar lojas independentes. No edifício Kreysky existe um auto-serviço para a venda de sabonetes e cosméticos. Além disso, há uma representação geral da Mix Centry.

— Essa gente instala seus motores em qualquer coisa que possa rodar por aí.

— Isso mesmo. Cheguei a ver veículos de rua para uma pessoa, lanchas e hélices individuais que cabem numa pasta.

— Espero que não se tenha limitado a olhar, mas também tenha procurado investigar pensamentos. A loja da Mix Centry pode se tornar muito interessante para nós.

— Por quê?

— Adams manifestou um interesse bastante intenso pelas ações dessa empresa. Por enquanto a usina continua firme nas mãos do grupo Kreysky. Mas pelo que sei nossa General Cosmic Company já conseguiu tirar suas casquinhas. Mas continuemos! No edifício ao lado há uma loja de cerâmica e decorações comerciais. Já passei por lá. Acho que já chegou a hora de passarmos aos detalhes.

— Muito bem. Uma vez que já conhece as fachadas, estará interessado em saber que na loja de cosméticos trabalham duas agentes da polícia federal secreta. Uma delas é supervisora, outra trabalha na caixa. No entanto, o gerente só fica pensando em coisas tais como o Kreysky, Cannon e umas idéias muito desligadas sobre eventuais atacantes. O gerente do posto de vendas da Mix Centry pertence à mesma categoria de pessoas. Há dois dias viu-se obrigado a contratar outro empregado, já que a policia prendeu um antigo colaborador seu. Quer dizer que o velho está preso para investigações. O novo funcionário é um agente que trabalha para Kaats. É bem verdade que essa alteração no pessoal da empresa deu na vista, tanto que o chefão desconfiou.

— Percebeu que o novo funcionário é um homem de Kaats?

— Não chegou a tanto. Mas desconfia dele por uma questão de princípio.

— Nesse caso não vamos dramatizar a situação. Como estão as coisas nas outras lojas?

— Fiz uma lista, Bell — Marshall tirou um papel do bolso e colocou-o sobre a mesa. — Na primeira coluna estão registrados os nomes, na segunda a organização a que pertencem: à polícia ou à gangue do Blue Bird. A seguir vem a indicação de sua relação de emprego. Verá que em quase todos os pavimentos encontrei pessoas suspeitas. Principalmente no escritório de advocacia de Smith & Smith, que fica logo ao lado.

— Ao que parece Kaats não conseguiu penetrar no escritório de Smith. Os doze funcionários que trabalham ali simpatizam com Cannon. Receio que, se começarmos por ali, poremos as mãos numa casa de marimbondos.

Reginald Bell submeteu a lista a um exame demorado. Finalmente levou o papel até a lareira, encostou a chama do isqueiro e espalhou as cinzas.

— Quer dizer que existem vários círculos de bloqueio, que se interpenetram. Cada um protege para fora, enquanto outro procura penetrar para o interior e isolar. Kaats vigia cada passo de Cannon. Será muito difícil seqüestrá-lo.

— Por que não procura o apoio de Kaats?

Bell repeliu a idéia com um gesto.

— Uma série de negociações com a polícia consumiria muito tempo e provavelmente não levaria a nada. Kaats não é nenhum Mercant. Serve aos Estados Unidos da América e nem chega a simpatizar com a Terceira Potência. Quando muito utiliza as informações fornecidas por Mercant, mas de resto a ambição leva-o a querer fazer tudo sozinho.

— Então acredita que não concordaria em que levássemos Cannon ao deserto de Gobi?

— Tenho certeza, Marshall. Portanto, elimine o caminho mais fácil. Devemos seguir as instruções de Rhodan. Uma colaboração de Kaats significaria uma adaptação dos respectivos interesses.

— Quer dizer que teremos de agir fora da lei.

— Não se trata de respeitar determinadas normas legais, mas de salvar toda a Terra dos DI. E para isso só podemos fazer uma coisa: cumprir as ordens de Rhodan.

— Concordo plenamente.

— Não esperava outra coisa. Afinal, você realizou um trabalho preliminar muito valioso, criando condições para a elaboração de um plano de combate bastante promissor. Tenho na cabeça a relação que acabo de queimar. No futuro recorreremos o menos possível a quaisquer registros escritos. Mais uma pergunta: existe alguma suspeita de que qualquer das pessoas observadas por você seja possuída pelos DI?

— Não. Excluo essa possibilidade. Só temos um conhecimento positivo disso em relação a Clive Cannon. Acredito que os DI devem ter lançado seu ataque num front bastante amplo, que se estende por toda a Terra. O primeiro contingente invasor deve ter sido relativamente fraco, motivo por que os indivíduos tiveram de ser bastante espalhados. Aliás, para eles basta ocuparem as posições-chaves. Cannon é o chefe da gangue Blue Bird, cuja direção intelectual provavelmente é idêntica à do Kreysky Syndicate. Todos os outros não desconfiam de nada, e seguem suas instruções sem pestanejar.

— O.K.! Vamos ao que importa. Pelo que acaba de dizer, o edifício vizinho é bastante suspeito, por estar ocupado pelos gângsteres. Já notou que o escritório de advocacia de Smith & Smith fica à mesma altura que a secretaria do Kreysky Syndicate?

— É verdade. As coisas combinam tão bem que podemos ter certeza de que encontraremos uma ligação entre os dois edifícios. Só resta saber de que lado devemos começar.

— De ambos os lados ao mesmo tempo. Além disso, você fica encarregado de entrar em contato com Clive Cannon. Enquanto isso darei uma olhada no pessoal de Smith & Smith.

No dia seguinte John Marshall compareceu ao edifício Kreysky trinta minutos antes do início do expediente. Assim mesmo teve de esperar, pois havia dois cavalheiros que tinham levantado antes dele.

De início não se importou, ainda mais que resolveu fazer um exame da vida psíquica dos dois indivíduos.

“...fui o primeiro. Terminarei antes do meio-dia... Falar pessoalmente com Cannon... estará de bom humor? Trago uma recomendação do secretário... Posso ameaçá-lo com a GCC. Em Nova Iorque Adams compra tudo em que consegue pôr as mãos. Mesmo empresas duvidosas... Será que já posso fumar? Antes disso devia comer alguma coisa... Tolice! Cannon terá que dar-se por satisfeito com as condições que vou oferecer. Os Kreysky não deviam bancar os importantes. Se não quiserem ser engolidos pela GCC, precisarão de toda substância que conseguirem assimilar... mesmo que as condições não sejam tão favoráveis... É claro que ontem ficou muito tarde.”

No cérebro do homem ao lado um problema financeiro parecia ocupar o lugar de maior destaque.

O outro homem encontrava-se mais afastado. Marshall teve dificuldades em alcançar a área dos seus fluidos. Acabou se levantando e andando pela sala, como se estivesse profundamente entediado. Ainda de pé, remexeu num montão de jornais, e assim conseguiu estabelecer um contato telepático de primeira ordem. Não só isso: também era muito precioso.

“...esse jovem parece um executivo. Roupa muito elegante. Deve ser uma pessoa de influência, do contrário não andaria por aqui... Mas o dinheiro do seu carro deve ter saído do bolso do velho...”

John Marshall não se sentiu muito lisonjeado. Mas no momento não lhe interessava o que os outros pensavam dele. A próxima série de pensamentos provou que havia algo melhor.

“...ordens são ordens. Gostaria de ver como Kaats me dará cobertura. É uma estranha forma de execução num estado de direito... Tomara que não me submetam a uma revista muito detalhada. Da terceira vez devo dar um jeito de chegar ao chefão... Este rapaz deixa a gente nervoso. Talvez ele mesmo esteja nervoso. Por que não senta?... Evidentemente, se Cannon é um dos possuídos, nada me poderá acontecer. Cabe exclusivamente a Kaats decidir como se elimina uma fera dessas. Além disso todas as portas estão trancadas... Nada me pode acontecer... Nada me pode acontecer... Devia ler um pouco...”

— Com licença! — disse o policial e pegou um dos jornais que talvez pertencessem ao montão que Marshall parecia ter reservado para seu uso exclusivo.

— Pois não!

John Marshall pegou o jornal que segurava na mão e dirigiu-se à sua poltrona.

Não conseguiu concentrar-se na leitura. O homem sentado naquela poltrona era um policial. Recebera a incumbência de matar Cannon e hoje faria sua terceira tentativa de penetrar no santuário do Kreysky Syndicate. Quem sabe se Kaats já teve a intenção de guiar-se pelos desejos de Mercant.

Provavelmente com o tempo o encargo de vigiar um único possuído representaria um peso muito grato. Um DI morto era um DI bom. Provavelmente haveria algumas centenas deles perambulando pelo país, e seria necessário cuidar de todos eles com os meios dos serviços de identificação.

Sob essa perspectiva o coronel Kaats não deixava de ter razão.

Acontece que até então Clive Cannon era o único homem possuído pelos DI que havia sido identificado com alguma segurança. Por isso era uma pessoa muito importante para ser abatida sem mais aquela.

John Marshall percebeu que Bell tivera toda razão ao desaconselhar qualquer tipo de colaboração com a polícia federal secreta. Os interesses e os planos da Terceira Potência eram ligeiramente diferentes. Era bem verdade que o fato de que Marshall deveria depender cada vez mais de si mesmo, representava um consolo muito fraco. Lembrou-se da pasta que continha vários instrumentos de origem arconídica, e que lhe serviriam de proteção num perigo extremo. Mas teria de fazer o possível para evitar seu uso, a fim de não provocar suspeitas.

Além disso, seria necessário modificar os planos primitivos. Ninguém contara com a possibilidade de um atentado. O próprio Bell, que pretendia dar uma olhada no escritório de advocacia Smith & Smith, não tinha a menor idéia de que a situação se modificara dessa fora. Por isso mesmo Marshall não poderia seguir um caminho inteiramente novo. Enquanto os ponteiros iam se aproximando das nove, esforçou-se para ordenar seus pensamentos. Ficou satisfeito em ter mais um prazo, já que o outro cavalheiro foi convidado a entrar antes dele.

Com pequenos intervalos apareceram mais cinco visitantes que depois de um ligeiro cumprimento sentaram e pegaram os matutinos.

Marshall procurou fazer uma ronda disfarçada num passeio inofensivo, mas teve dificuldades em sondar os pensamentos dos homens que se encontravam tão próximos uns aos outros. As impressões sobrepunham-se. Tudo indicava que um dos cinco simpatizava com o policial e estava informado sobre sua missão. Mas Marshall não conseguiu descobrir qual deles era. Aquela gente nem chegou a trair-se por meio de ligeiros olhares. Estavam bem treinados e não assumiam o menor risco. Bem, era claro que para um golpe desses Kaats devia ter destacado os melhores elementos de que dispunha.

“Brown será o seguinte”, foi o pensamento nítido que surgiu de repente. Então o nome do policial era Brown.

A recepcionista voltou a aparecer e convidou Brown a entrar.

Os nervos de Marshall quase chegavam a arrebentar de tamanha tensão. O assassino contratado iria subtrair-se ao seu controle. Nem sequer poderia vigiá-lo com os olhos.

Será que teria de perder a oportunidade?

Se os agentes de Kaats matassem o homem possuído pelos DI na sua presença, Bell e Marshall levariam um sabão daqueles quando retornassem ao deserto de Gobi. Além disso, tal ato representaria uma grande vitória para os DI, mesmo que por algum tempo perdessem uma posição importante.

Era imprescindível impedir a execução dos planos de Kaats.

Marshall teria de concentrar-se, evitando qualquer tipo de pânico interior.

O policial Brown ainda não poderia estar perto de Cannon. Enquanto o primeiro visitante não saísse, Brown teria de lutar obstinadamente pelo seu objetivo nas três ante salas. Talvez nem conseguisse chegar à posição de tiro.

Quem sabe se chegaria a conseguir?

Marshall sentiu que deveria eliminar esta última restrição. Representava um consolo produzido pelo desejo, que não podia merecer a menor confiança.

A porta abriu-se e o primeiro visitante saiu com uma expressão nada satisfeita no rosto.

A porta fechou-se.

Ninguém convidou Marshall a entrar. Decidiu tomar a iniciativa.

Levantou-se e bateu à porta. Entrou sem esperar pelo convite. A moça sentada atrás da mesa era a recusa e a indignação personificadas.

— Aqui não é costume entrar sem ser convidado. Peço-lhe que espere lá fora até que chegue sua vez.

— Já está na minha vez, senhorita.

— Não espere outras explicações de minha parte, cavalheiro. Tenho minhas instruções. Recomendo-lhe que se adapte às peculiaridades desta casa. Aliás, o senhor já foi anunciado? Posso verificar se para o senhor vale a pena esperar.

— Essas palavras não foram apenas francas, mas descorteses, senhorita — respondeu Marshall com uma expressão de ironia no rosto e, num movimento suave, tirou a agenda das mãos da recepcionista. — Não fui anunciado, tal qual a morte não é. E tal qual a morte ninguém me pode pôr para fora. Será que a senhorita entendeu a comparação?

No rosto da recepcionista lia-se o pânico. Como uma das colaboradoras mais chegadas do círculo de Clive Cannon, porém, pertencia à classe das pessoas que se distinguem pela inteligência e capacidade de decisão. Alarma! Era este o elemento principal dos pensamentos que se atropelavam em sua cabeça. Mas hesitou. Era muito comum que por ali aparecessem blefadores que recorriam a falas imponentes para forçar a entrada. Chegou a hesitar tanto que Marshall teve de animá-la.

— Não se acanhe em apertar o botão da campainha, senhorita! Não perca tempo, se é que está interessada em salvar a vida de seu chefe.

— Cavalheiro...!

Marshall procurou frustrar a iniciativa da moça com um movimento semelhante ao que executara pouco antes. Mas ela foi mais rápida. Não anunciou sua decisão através de uma série de pensamentos que pudessem traí-la; agiu imediatamente.

Marshall defrontou-se com o cano de uma pistola.

— Suas brincadeiras vão longe demais. Já que escolheu um tema macabro, vamos prosseguir por esta forma. Saia imediatamente!

— Não está mesmo interessada em salvar a vida de Clive Cannon?

— Acho que ela não corre o menor perigo, enquanto o senhor não conseguir chegar perto dele.

— É engano, senhorita! A vida de seu chefe correrá perigo assim que o capitão Brown entrar na sua sala. E, para evitar qualquer dúvida, quero realçar que Brown entrou bem à minha frente. Só faço votos de que ainda esteja numa das ante-salas. Pelo que estou informado, não foi anunciado diretamente a Cannon; apenas vem com uma recomendação de certo secretario. Será que falei bastante claro para fazer com que a senhorita dirija sua atenção ao lugar certo?

— Um momento.

A recepcionista levantou-se e abriu apressadamente a porta.

— Lem! Onde está o cavalheiro que eu lhe trouxe por último?

— Acabo fazê-lo avançar mais uma casa — respondeu uma voz masculina vinda da peça contígua.

— Fale imediatamente com Mac Phan e faça-o esperar mais um pouco. Tenho uma notícia muito importante para o chefe. Não permita em nenhuma circunstância que esse homem se aproxime dele.

Marshall ouviu um arrastar de cadeira e uma voz que emitia um som de surpresa. De qualquer maneira as instruções foram cumpridas. Outra fechadura abriu-se.

— Desculpe a interrupção, Bill. Peça a esse cavalheiro que aguarde mais cinco minutos. O chefe está recebendo um telefonema importante e não pode ser perturbado.

— Quando o chefe fala pelo telefone, eu fico sabendo.

— O telefonema vem diretamente da central. Portanto, você está informado.

O homem que a recepcionista chamara de Lem surgiu na ante-sala.

— Agora você vai fazer o favor de explicar o que significa isso, Marge!

— Quem vai explicar é este cavalheiro. Ele ainda está me devendo a mesma explicação.

— Meu nome é Linker — disse John Marshall com uma ligeira inclinação do corpo. — Podemos ter certeza de que o capitão Brown não se aproximará do senhor Cannon?

— Meu nome é Steinberg — disse o homem cujo prenome era Lem, com a mesma cortesia. — O que tem para nos contar?

— Gostaria que antes respondesse à minha pergunta, Steinberg. No momento o senhor Cannon se encontra em segurança?

Marshall já o sabia face aos pensamentos de seu interlocutor. Até sabia que Cannon fora prevenido por uma lâmpada de advertência vermelha, ativada a partir da mesa de Steinberg, de que alguma coisa não estava em ordem. Por isso o sistema de travamento automático da porta não seria liberado antes que o perigo tivesse sido eliminado. Marshall sabia tudo isso. Acontece que ali não poderia revelar sua qualidade de telepata, motivo por que tinha de formular perguntas como qualquer homem normal.

Steinberg deu um sorriso irônico.

— Você faz perguntas muito estranhas, Linker. É claro que Clive Cannon está em absoluta segurança. Justamente por isso você terá que se dar ao incômodo de relatar tudo.

— Reviste o capitão Brown. Encontrarão uma pistola, provavelmente até mais de uma. Penetrou aqui com a finalidade de matar Cannon.

— Ora! Você diz que Brown é policial. O fato é que manteve contatos comigo como representante de uma empresa privada. E hoje não foi a primeira vez. Como pode afirmar que pertence à polícia?

— Não só pertence a ela, mas está agindo a seu mando.

— Linker, pensei que você fosse mais inteligente. Então a polícia estaria tramando um assassinato! E ainda espera que eu acredite que faz isso oficialmente.

— Fornecerei os detalhes ao senhor Cannon. A esta hora já deve ter compreendido que são muito importantes.

A expressão de ironia no rosto de Steinberg aumentou.

— Se está interessado em convencer-nos da sua ingenuidade, Linker, pode ficar tranqüilo: já o conseguiu. Apenas receio que o senhor Cannon não o queira receber hoje, nem qualquer outro dia. Mas sente por um instante. Vamos cuidar do capitão Brown.

Steinberg transmitiu ordens a várias pessoas através do interfone. Dali a pouco houve uma verdadeira invasão. Cinco homens saíram da segunda ante-sala, onde deviam ter entrado por um corredor lateral. A seguir o capitão Brown foi introduzido no recinto. Seus pensamentos revelavam que se sentia descoberto. Mas seu rosto não traía nada.

— Revistem estes homens — ordenou Steinberg.

John Marshall notou que receberia um tratamento tão ríspido como o que era dispensado a Brown. A revista pessoal realizada em sua pessoa até parecia dar mais resultado. Enquanto o capitão só trazia três armas comuns, uma delas artisticamente costurada no forro do paletó, nas roupas de Linker foram descobertos instrumentos que ninguém ali sabia para que serviam, mas que por causa de suas formas estranhas tinham um aspecto bastante perigoso.

— Hum! — disse a recepcionista. — Acho que encontramos um par muito interessante.

— Também acho. É claro que estes bonecos nunca vão confessar que trabalham juntos. Mas terão tempo para refletir sobre isso. Queira explicar para que serve isto!

— Não vou explicar coisa alguma. Estes instrumentos são meus e vocês nada têm que ver com eles.

— Vamos confiscar essa sua propriedade, até que o chefe decida a respeito. Knox, será que você dispõe de dois quartos separados e bem seguros para os dois?

Um dos cinco homens armados deu um sorriso.

— Sempre temos lugar para umas belezinhas como estas, Steinberg. Permite que os leve logo?

— Protesto! — indignou-se o capitão Brown. — Vocês não podem privar um homem de sua liberdade pelo simples fato de carregar armas a serviço do Estado. Previno-os de que estão assumindo uma posição ilegal, que pode sujeitá-los a um castigo bem pesado. Se tiverem alguma coisa contra mim, ajam dentro da lei. Estou pronto a prestar declarações perante qualquer corte de justiça regular.

— Acredito — interveio Marshall. — A promotoria sempre vai defender as posições sancionadas pela polícia. Mas você vai pagar pelo fato de eu ter sido identificado com suas intenções. E quem vai fazer você pagar serei eu; assim que conseguir sair daqui. Disponho dos meios, e também disponho de relações para isso. Basta olhar sobre os instrumentos que estão em cima daquela mesa. Nossos amigos não têm a menor idéia do que venham a ser, muito menos sobre a maneira de lidar com eles.

O homem chamado Knox, que carregava a pistola automática, aproximou-se para olhar de perto os instrumentos de Marshall. Chegou a estender a mão para pegar o neutralizador.

— Deixe de ser tolo! — gritou Marshall a plenos pulmões. — Não ponha a mão nisso, se não quiser fazer desta casa seu túmulo.

A advertência parecia tão exagerada que quase chegava a dar a impressão do ridículo. Mas Steinberg continuou a falar objetivamente.

— Que instrumentos são estes, Linker? Serão armas?

— São armas, sim. E quero dirigir a todos a advertência que acabo de fazer a Knox. Faço-a no seu interesse e no meu.

— Explique-se melhor.

— Não há nada a explicar. Não vim dar aulas a você. Ainda acontece que estes instrumentos são muito caros para vocês.

— São de procedência terrena? — Steinberg atirou verde para colher maduro.

— Vejam só! — John Marshall procurou dar à sua voz um tom de tranqüila ironia. — Já começa a compreender. Continue a pensar. Com toda essa inteligência, você acabará descobrindo um dia.

— Picaremos com você até que resolva falar.

— Isso é chantagem! E provavelmente ainda furto e cárcere privado. Acha que Cannon está de acordo com isso?

— Acredito que sim.

— Em absoluto! — a voz saiu abruptamente dos alto-falantes. — Mande os homens embora, Steinberg. Prenda Brown e traga Linker à minha presença.

— Sim senhor!

Pelo comportamento daqueles homens Marshall concluiu imediatamente que quem acabara de falar não era outro senão Clive Cannon. Dentro de poucos segundos a sala ficou vazia. Lem Steinberg fez um gesto convidativo.

— Faça o favor, linker!

John Marshall estava esperando.

— Você esqueceu uma coisa — disse com um sorriso, apontando para o neutralizador e o projetor mental.

— Não sei se o senhor Cannon estará de acordo em que você leve isso.

— Estou de acordo, Steinberg, desde que Linker nos garanta que você vai trazer esses instrumentos e os colocará sobre minha mesa.

— De acordo — confirmou John Marshall.

Clive Cannon recebeu-o como se fosse um velho conhecido.

— Sente, Linker. Queira servir-se.

Marshall olhou para o estojo em que havia uma dezena de cigarros de marcas diferentes. Escolheu um.

— Para deixá-lo logo a par, Linker, quero informá-lo de que ouvi sua palestra na primeira ante-sala. Acompanhei o diálogo. Mas a apresentação, se é que posso falar assim, tomou um rumo nada sério, motivo por que prefiro que os entendimentos prossigam aqui.

Marshall esforçou-se para conseguir uma pausa para captar alguns detalhes dos pensamentos a que Cannon não deu expressão. Mas, se pensava que reconheceria ao primeiro lance um homem deformado pelos DI, sentiu-se decepcionado.

— Além disso — prosseguiu Cannon — o que acaba de ser dito não foi apenas confuso, mas também muito estranho. Poderia dar-me uma explicação?

Cannon lançou um olhar sobre o neutralizador e o projetor mental. Seus pensamentos formularam definições bem reconhecíveis. Marshall viu nisso um primeiro indício de que Cannon assumira a identidade de um DI. Um ser humano e um habitante dos Estados Unidos jamais reconheceria esses instrumentos.

— Serei breve, Cannon. Nas ante-salas infelizmente me vi condenado a fornecer explicações extensas, que não levavam a nada. Conforme já deve saber, há meses Perry Rhodan procura recrutar pessoas competentes para formar um núcleo sadio de onde sairá a população de seu Estado. Para isso já estebeleci contatos bem proveitosos. Tudo isso por um bom dinheiro, é evidente. É por isso que estou aqui. O incidente com o capitão Brown não fazia parte do programa. De qualquer maneira, só hoje de manhã tive conhecimento das intenções da polícia. Por isso infelizmente não pude deixar de dramatizar minha presença.

— Apesar de tudo estou perplexo — disse Cannon. — Além de não saber o que a polícia pode ter contra mim, acho muito estranhável que a justiça seja administrada por essa forma.

— Hoje em dia até costumam ter alguma coisa contra os homens mais pacatos, Cannon. Não preciso explicar a influência que a invasão dos DI exerceu sobre a mente dos homens. Por isso não é de admirar que algum funcionário do escalão médio dê ordens para matar este ou aquele cidadão. O medo dos DI pode justificar qualquer assassinato.

— Medo dos DI! Isso é muito interessante — respondeu Cannon, fazendo de conta que nada tinha que ver com isso. Mas sua mente desenvolvia uma atividade febril.

“Descoberto? Terei sido descoberto? O que estará pensando esse Linker? Será que faz parte do jogo? Isso seria muito complicado. Não é possível que Linker saiba. Se simpatizasse com a polícia, não os teria impedido de me matarem.”

— Por que iriam suspeitar justamente de mim?

— A palavra justamente está fora de lugar. Hoje em dia suspeitam de qualquer pessoa. Basta, por exemplo, que ela tenha aparecido num sonho mau. Parece que todo mundo perdeu a razão. Só nos resta um consolo: dentro de pouco tempo nossa tecnologia nos ajudará a vencer tudo isso. Estão iniciando a construção de aparelhos que permitem a identificação de qualquer pessoa possuída pelos DI.

Mais uma vez o pânico tomou conta da mente de Clive Cannon. Era muito pior do que seria num homem que se encontrasse em situação idêntica. A essa altura Marshall já tinha certeza de que Clive era um possuído e que o caráter dos DI não era nada heróico.

— Estão dando início à construção — observou Clive com um sorriso de dúvida, como se lamentasse que ainda não se dispunha desses aparelhos. — Quando nossa tecnologia chegar lá, os DI já terão completado a conquista da Terra. Não tenha a menor dúvida!

— Não seja tão pessimista! — objetou Marshall. — É claro que uma coisa dessas não pode ser feita de um dia para outro, mas com os recursos dos arcônidas, de que se dispõe no deserto de Gobi, poderemos contar com um resultado positivo dentro de poucas semanas. A Terceira Potência está empenhando todas as forças na solução do problema. E um dia encontrará a solução.

— Um dia... será amanhã?

— Amanhã não. Mas aposto que não demora mais que uns dois ou três meses. Até lá a humanidade tem de agüentar, e até lá qualquer um de nós terá de contar que algum maluco o mate. Ninguém está seguro.

— Ninguém — repetiu Cannon em tom pensativo.

Sua exaltação de DI diminuíra sensivelmente. Já namorava outros planos, onde a tecnologia da Terceira Potência ocupava um lugar de destaque. Marshall captou a seguinte série de pensamentos: “dentro de dois meses estarão em condições de reconhecer um DI. Logo, a Terceira Potência terá de ser conquistada dentro de dois meses.”

— Ninguém. De qualquer maneira, fico-lhe muito grato. Hoje você salvou minha vida.

— Fiz isso no meu interesse — Marshall procurou minimizar a importância de seu ato. — Afinal, gostaria de fazer negócios com você.

— Isso já é uma conversa mais agradável. Que negócios seriam esses?

— Conhece Homer G. Adams e a General Cosmic Company?

— Andam dizendo por aí que a Terceira Potência está atrás disso. Por que fala justamente no meu concorrente mais feroz?

— Porque a concorrência é uma coisa boa. Vamos abrir o jogo, Cannon. É verdade que Adams é um dos nossos melhores homens. Chega a ser bom demais. Compreendeu?

— Não posso dizer que tenha compreendido.

— A Terceira Potência é antes de tudo um instrumento político. Precisamos da eficiência econômica, corporificada sob a forma da GCC. Mas no momento em que pensa em tornar-se independente torna-se perigosa para nós. Queremos dividir nossa indústria entre duas empresas equivalentes. Precisamos oferecer uma figura gêmea ao nosso gênio financeiro. Cannon, você seria capaz de fazer concorrência a Homer G. Adams com a nossa ajuda?

— Isso representa um grande desafio. É uma pergunta que não pode ser respondida de supetão.

Realmente era uma pergunta difícil. Apesar disso, os dois homens chegaram a um acordo naquela mesma manhã. Marshall teve todos os motivos para orgulhar-se de sua tacada diplomática. Não chegou a pedir que Cannon o acompanhasse numa viagem ao deserto de Gobi: foi Cannon que pediu. Insinuou-se com o fanatismo de um homem possuído pelos DI que pretendia conquistar o território da Terceira Potência para impedir a invenção de certo instrumento.

— Não sei — disse Marshall com a voz insegura. — Não tenho competência para decidir se posso levá-lo comigo. Segundo os planos de Rhodan, você manteria seu escritório e todo o complexo do Kreysky Syndicate, para construir sobre essa base.

— É exatamente o que penso. Continuaremos a trabalhar aqui em Chicago e mostramos a Adams que não está só no mundo. Mas você há de compreender que preciso obter alguma orientação. Preciso colher uma impressão das coisas imensas que se ouve falar a respeito do deserto de Gobi. Tenho de saber para quem vou trabalhar. O lugar que me foi destinado justifica um contato pessoal com Perry Rhodan.

— Compreendo seu ponto de vista, Cannon. Dê-me um dia, para que possa entrar em contato com minha gente. Voltarei amanhã à mesma hora e lhe trarei a decisão de Rhodan. Se for positiva, gostaria de decolar imediatamente.

— Estarei pronto, Linker.

 

No hotel, Bell e Marshall entraram em contato pelo rádio. Não era aconselhável realizar uma demonstração de alpinismo na sacada à plena luz do dia.

Bell teve a decência de reconhecer que falhara por completo. Em compensação sentiu-se consolado pelo êxito de Marshall.

— Sabe que Cannon não desconfia de nada?

— Não desconfia de que tenho a intenção de atraí-lo para o deserto de Gobi. Mas de resto desenvolve uma atividade que nos poderá custar a vida.

— Não vá me dizer que em tudo isso existe um ponto fraco.

— Um ponto muito fraco. Você terá de ir a Nova Iorque ainda hoje, Bell. Cannon planeja um ataque contra Adams.

— Ele lhe disse isso?

— Pensou. Com toda nitidez. Um possuído de nome Porter entrará em contato com ele e marcará encontro em Staten Island, onde um DI autêntico estará à espera, para apossar-se dele. Acho que você devia estar presente quando isso acontecer.

— É claro que estarei presente. Partirei dentro de uma hora. Quando é que esse misterioso Porter tomará o avião?

— Hoje de tarde. Você ainda dispõe de algum tempo. Os DI não agirão antes do escurecer.

— O.K.! Se tudo der certo, dentro de vinte e quatro horas conduzirei um DI autêntico à presença de Rhodan. Será um achado importante.

— Nem tanto — disse Marshall, dando uma risada. — Cannon pretende levar seu corpo. Pensa em levar uma bagagem enorme. Gostaria de saber qual será o conteúdo declarado.

— Por que será que vai levar seu verdadeiro corpo, que só pode traí-lo? Além disso, não é necessário que o mesmo se encontre nas proximidades quando surgirem complicações. Pelo que diz Crest, o retorno pode ser realizado a uma distância muito grande.

— Mas não o salto para o corpo de outro homem.

— Qual é o significado de tudo isso?

— O sujeito tem um plano muito simples. Assim que estiver no interior da cúpula, pretende deixar o corpo de Cannon e saltar para o de Rhodan.

Reginald Bell ficou devendo a resposta por algum tempo.

— Marshall! Estamos brincando com fogo! Não deixe de avisar Rhodan.

— É o que eu pretendo fazer. Boa viagem! Dê lembranças a Adams.

 

Realmente a mala de Clive Cannon tinha o tamanho descomunal que seria de esperar face às informações de Marshall.

— O quê? Pretende carregar tudo isso, Cannon?

O chefe da gangue Blue Bird deu um sorriso.

— Está pensando que carrego vinte e quatro dúzias de camisas, não é?

— Seria antes tentado a pensar que fosse um jacaré. Como sabe, ainda não existe nenhum jardim zoológico no deserto de Gobi. Se pensa em dar um presente a Rhodan, deve pensar em outra coisa.

— É um presente. Mas não vou trocá-lo mais. Acredito que Rhodan ainda tenha conservado o sentimento do romântico.

— Você me deixa curioso. Um esquife pode ser uma coisa romântica, mas um defunto seria um presente de mau gosto. Abra logo, Cannon! Estou interessado em conhecer sua idéia.

Cannon abriu a tampa da mala. Viu-se uma réplica de cerca de dois metros da Stardust, que fora a primeira nave terrena a bordo da qual Rhodan atingira a Lua.

— Não estou em condições de oferecer uma maravilha técnica ao seu chefe. Os arcônidas são melhores fornecedores para esse tipo de produto. Mas isto aqui é um monumento digno de um homem como Rhodan. É romântico, sim. Fale com franqueza, Linker. Será que Rhodan vai gostar, ou será que vai achar que sou um esquisitão? Não quero causar uma impressão desfavorável. Você compreende?

Por um instante John Marshall sentiu-se perturbado. Piscou os olhos e passou a manga do paletó pelo rosto.

Finalmente esboçou um sorriso.

— Posso tranqüilizá-lo, Cannon. Em matéria de romantismo, Perry Rhodan não fica atrás de você. Mande a mala ao aeroporto. No deserto de Gobi haverá um lugar condigno para a Stardust.

Foram ao aeroporto.

Parecia antes uma excursão despreocupada de fim de semana. Não foram acompanhados por qualquer escolta armada. Numa das pistas laterais do aeroporto, um pequeno avião particular estava à espera. Os membros da Terceira Potência dispunham de um aparelho desses em qualquer uma das maiores cidades da Terra. A grande mala já fora colocada no compartimento de carga.

John Marshall pilotou o avião. Quando atingiu a altitude de vinte mil metros, ligou o piloto automático e reclinou-se confortavelmente. Por algum tempo os dois homens conversaram sobre assuntos banais. Era uma conversa igual à que todo mundo costuma entreter sobre as condições atmosféricas e os tempos difíceis. Uma conversa insignificante, já que nenhum dos dois estava disposto a falar abertamente sobre as coisas importantes que lhes enchiam o espírito. Marshall tinha a vantagem de poder sondar os pensamentos de seu interlocutor. Encenou um bocejo e disse que havia dormido mal.

— Ainda dispomos de duas horas. Bem poderíamos aproveitar para um cochilo.

Clive Cannon aceitou a sugestão e calou-se. O silêncio fez com que os pensamentos se desenvolvessem em toda a plenitude.

Marshall sentiu um calafrio.

Seria um homem que se encontrava a seu lado? Ou seria um monstro?

Muito antes da decolagem já sabia o que vinha a ser esse esquife que imitava a Stardust. Havia dois esquifes! O que se encontrava a bordo não representava uma simples imitação de foguete. Continha uma das metades de Clive Cannon, a que lhe faltava para ser um homem de verdade. E continha o corpo do Deformador Individual, que representava a prisão do espírito humano de Cannon.

Até esse espírito emitia suas radiações, embora o recinto em que se encontrava o forçasse a uma situação de morte aparente. Não podia defender-se nem manifestar-se. Mas vivia e sentia a prisão representada por aquele corpo monstruoso. Disse ao telepata que se encontrava num inferno que nenhuma palavra de qualquer língua humana poderia descrever.

John Marshall aguardava ansiosamente que a hora de pouso chegasse. Sentiu os limites de sua resistência mental. Mais duas ou três horas de confinamento naquele recinto minúsculo com os pensamentos martirizantes e ameaçadores dos dois seres que haviam trocado de corpo o teriam levado à loucura.

Finalmente chegaram ao deserto de Gobi. Ao território soberano da Terceira Potência.

Seguiram-se os contatos habituais e a regulagem positrônica para a penetração na cúpula energética, que só seria aberta por alguns segundos. O jato pousou na vertical.

Perry Rhodan transmitiu as últimas instruções. Destacara poucos homens para recepcionar o avião procedente de Chicago: o Dr. Manoli, o Dr. Haggard e o teleportador Ras Tshubai.

— A palestra será conduzida por mim — voltou a explicar Rhodan. — Só intervenham quando eu lhes der ordem para isso. E, o que é mais importante, não peçam a Cannon que mostre seu estranho presente. Se o fizerem, ele se verá obrigado a agir. Prefiro que o momento em que isso deverá acontecer seja escolhido por mim. Apenas faço questão de que se mantenham vigilantes, conservem o autodomínio e estejam prontos para atirar a qualquer instante. Não deixem Cannon perceber que reconheceram o monstro encerrado em seu corpo.

O visitante foi recebido com honras de chefe de Estado; apenas faltaram os jornalistas e o desfile militar. Enquanto Rhodan acompanhava Clive Cannon ao seu escritório, dois robôs aguardaram até que os dois tivessem desaparecido no interior do edifício. Após isso, dirigiram-se ao compartimento de carga do aparelho que acabara de pousar e, com o cuidado que lhes era peculiar, retiraram a enorme mala. Colocaram-na numa barraca próxima e, seguindo as ordens recebidas, ficaram de sentinela nas imediações.

Nesse meio tempo, os dois homens haviam chegado ao escritório de Rhodan.

— Pelo que sei, nosso amigo já lhe explicou os pontos fundamentais.

— Só assim consegui convencer Cannon a aceitar o posto de que se trata — disse John Marshall.

— É verdade — disse o homem possuído pelos DI. — Em linhas gerais estou orientado e disposto a aceitar o cargo que me destinam. E quero agradecer pela oportunidade de conhecer pessoalmente o grande centro, que já se tornou legendário.

— Seu desejo era perfeitamente plausível, Cannon. Como sabe, concordei imediatamente. Todavia, há de convir que na situação atual a Terceira Potência adote algumas medidas de segurança.

— O que quer dizer com isso?

— Qualquer visitante é submetido a um exame, para que se verifique se não está possuído por um DI.

— Naturalmente. Linker já me falou a respeito disso. Pelo que diz, dentro de poucas semanas construirão um aparelho que lhes permitirá detectar imediatamente qualquer infiltração de um DI.

Esta frase deu início ao duelo.

Clive Cannon e a substância estranha que se encontrava em seu interior estavam num estado de extremo alarma. O sinal fora dado. Uma cadeia de reações múltiplas comprimia-se numa fração de segundo.

O medo inato da morte existente no DI procurou ocultar-se atrás da tranqüilidade do corpo humano. Mas o choque era forte demais. Clive Cannon não pôde deixar de enrijecer na poltrona e lançar um olhar martirizado para o lado.

Viu cinco pistolas apontadas para ele.

Como que resignado, reclinou-se na poltrona e voltou a oferecer um aspecto descontraído.

— Que susto, Rhodan! Quer fazer uma demonstração do seu método?

— Não é uma demonstração, mas uma aplicação. É claro que não podemos deixar de examiná-lo. Se for um homem normal, nada lhe acontecerá. Mas se houver um DI dentro de você nós o agarraremos dentro de poucos minutos.

— Com essas pistolas? — riu Cannon.

— Isso mesmo! — confirmou Rhodan. — Antes que atirássemos, o DI teria de abandonar o corpo humano para retornar ao seu próprio corpo. E o verdadeiro espírito de Cannon, que seria trocado, nos revelaria tudo.

— É verdade. Mas o DI teria escapado.

— Talvez não, Cannon. Continuemos no seu exemplo. Admitamos que seu corpo de DI se encontre depositado nas proximidades. Nesse caso seria de supor que o DI se lançasse imediatamente a um ataque a outro homem. Escolherá o homem mais importante que se encontra à disposição. Eu, por exemplo.

— Naturalmente. Como exposição teórica tudo isso é muito interessante.

— Procure acompanhar meu raciocínio. O que poderia fazer a Terceira Potência para se proteger contra um ataque desses?

— Não sei. Para ser franco, nunca me ocupei com esse tipo de idéia. É verdade que ouço as notícias de hora em hora e costumo ler os jornais.

— Pois eu lhe direi. Teríamos de localizar o corpo originário do DI. Teríamos de vigiá-lo para matá-lo no momento adequado. Com isso repeliríamos o ataque contra minha pessoa e livraríamos a humanidade de um observador.

A observação telepática realizada por Marshall foi acompanhada de grandes dificuldades, pois havia gente demais por perto. No entanto, nessa altura da palestra a atividade cerebral de Cannon se intensificara tanto que suas emissões se colocaram em primeiro plano.

— É verdade — disse Cannon lentamente e sem muita convicção. — Teriam de localizar o corpo do DI e matá-lo.

Todos viram que Cannon tremia. Todos esperavam a mudança de seu ego. Mas ao que parecia o monstro também estava interessado em receber informações. A exposição de Rhodan assustava-o e cativava-o ao mesmo tempo. Ainda hesitava.

— Ainda haveria outra possibilidade — explicou Rhodan em tom de mistério. — O DI poderia desistir de qualquer outra atividade e se entregaria. Com isso salvaria a vida.

Clive Cannon soltou uma risada estridente e descontraída.

— Para isso você teria de saber onde está seu corpo. Como vai encontrá-lo?

O chefe da Terceira Potência apontou para uma fileira de botões que havia em sua mesa.

— Veja! Se eu comprimir um destes botões, surgirá um impulso que desencadeará a atividade de dois robôs. Esses robôs sabem atirar. Neste instante estão postados perto da grande mala que, segundo você diz, contém o objeto com que quer me presentear.

Para o DI o dilema estava completo.

Levantou-se de um salto, deu um grito desumano e precipitou-se em direção a Perry Rhodan.

 

De Chicago a Nova Iorque só era um pulo.

O avião de Reginald Bell aterrizou pelas dezesseis horas. Depois de cumprir, as formalidades junto às autoridades do aeroporto, pediu a um carregador que levasse sua volumosa bagagem ao Cumberland Hotel, onde pediu um apartamento.

Após, dirigiu-se imediatamente ao edifício da GCC. Sentiu-se contente porque iria rever Homer G. Adams, que era um homem pequeno, com uma cabeça grande e muito inteligente. r

Foi recebido por Lawrence, secretária de Adams. Cumprimentaram-se efusivamente.

— Boa tarde, senhor Bell. Que bom vê-lo por aqui. Mandarei preparar um bom café.

— Está bem. Mas não seria preferível servi-lo no gabinete do chefe?

— Ah, sim, o chefe. Hoje o senhor Adams já fez três viagens de negócios com uma extensão média de quinhentos quilômetros. Terá de esperar um pouco. Vivo dizendo a ele que está exagerando; já não é tão jovem assim.

— Acha um elogio destes muito diplomático?

— Nem sei se no caso dele a diplomacia adianta alguma coisa. O senhor Adams sempre faz exatamente aquilo que acha certo. Não se deixa influenciar por ninguém.

— Nem mesmo por uma mulher bonita?

— Ora, senhor Bell! Que intimidade!

Os dois riram e combinaram que Reginald Bell tomaria seu café na sala de Lawrence. A secretária também serviu biscoitos e pediu a Bell que contasse o que havia.

— Daqui a pouco. Antes gostaria de saber aonde Adams foi e quando deve voltar.

— Bem, hoje já veio aqui por duas vezes um sujeito que lhe quer apresentar um artefato pronto para ser patenteado. Não sei nada sobre os detalhes de ordem técnica. Mas ao que parece é uma novidade muito promissora, coisa que geralmente não se pode dizer dos inventores que diariamente aparecem por aqui. Há quinze minutos o chefe voltou de Albany. O homem já estava esperando há algumas horas. Por isso logo saíram juntos. Pretendiam ir a Staten Island.

Bell saltou na poltrona.

— Staten Island? Tem certeza?

— Absoluta. Isso é tão importante?

— Sabe o nome do sujeito?

— Espere aí! É Porter.

— Ora, Porter! Que diabo! Sabe que esse Porter é um homem possuído pelos DI? Vamos embora! Não temos um segundo a perder.

Arrastou Lawrence para o primeiro elevador e subiu à cobertura. Abriu a porta de um helicóptero da companhia e empurrou a moça para dentro dele. Só voltou a falar depois de ter colocado a máquina no rumo sudoeste.

— Staten Island é muito grande. Adams fez alguma indicação mais precisa sobre o lugar?

— Só disse que iriam a Relling Docks. É tudo que sei — disse a moça com a voz ofegante. Ainda trazia muitas perguntas engatilhadas, mas estava tão nervosa que não conseguiria dizer nada que fizesse sentido. A idéia de que seu chefe poderia estar prestes a cair nas mãos dos DI foi um choque tremendo.

Bell explicou em poucas palavras o que soubera em Chicago.

— Fizemos um erro de cálculo. Supúnhamos que Porter também sairia de Chicago. Agora sei que reside em Nova Iorque, o que lhe permitiu comparecer ao seu escritório assim que recebeu as instruções de Cannon. Enquanto isso ainda fui almoçar tranqüilamente em Chicago.

Atravessaram a Upper Bay.

— Conhece isto aqui? — perguntou Bell.

— Siga mais pela direita, em direção â Newark Bay. Vê aquele telhado vermelho? Deve ser por ali.

O helicóptero desceu. Reconheceram navios, barcos, automóveis e gente. Mas ainda não tinham notado que aquela gente estava fugindo.

Só depois de terem pousado perceberam que se encontravam numa verdadeira fornalha do inferno. Centenas de trabalhadores, inclusive mulheres, corriam para o oeste, dominados pelo pânico.

— Que diabo! O que é isso?

Bell abriu a capota de vidro plastificado. Subitamente viu um homem pendurado no helicóptero.

— Vamos! Vou com o senhor. Decole logo, se preza a vida.

— Um momento! O que está havendo por aqui?

— O que está havendo? — disse o homem com uma risada histérica. — O que está havendo é que os DI acabam de aterrisar. Ali, atrás daquele pavilhão. Vamos logo, homem! Não fique fazendo perguntas.

Subindo ao caixilho da porta, o homem brandiu uma barra de ferro.

 

Homer G. Adams não desconfiara de nada. Diariamente apareciam inventores por ali. Geralmente tratava-se de gente amalucada, que há vinte anos vinham sacrificando diariamente umas três ou quatro horas do seu lazer para descobrir o perpetuum mobile. Porter parecia mais objetivo. Além disso, não falou no perpetuum mobile, mas numa câmara de combustão eletrônico-dinâmica que, utilizando as linhas de energia existentes no espaço cósmico, proporcionava uma economia de cerca de noventa por cento da energia suprida pela nave.

Adams só percebeu a armadilha quando já era tarde. Porter introduziu-o num pavilhão.

— Meu laboratório fica aqui. Dentro de poucos minutos estará convencido.

Atrás da porta não havia nada que se parecesse com um laboratório. O pavilhão estava vazio. Sua decoração consistia apenas em cinco Deformadores Individuais, que se aproximavam a passos lentos e comedidos.

Adams não teve tempo de assimilar em sua mente analítica a impressão ótica daquele quadro monstruoso. Os corpos de formato quase humano de quatro braços e duas pernas, as cabeças de inseto com os olhos salientes — tudo isso perdeu seu significado sob os efeitos do ataque mental que foi desencadeado imediatamente. Adams não sabia qual dos cinco seres procurava penetrar em seu interior. Apenas sentiu a dor cruciante que penetrou em seu cérebro que nem um escalpelo e parecia desmanchá-lo.

Percebeu que caiu ao chão, mas não sentiu o impacto.

Logo um saber estranho misturou-se à dor.

Era um sentimento de triunfo.

“Pegamo-lo. Você é nosso. Pegamos Homer G. Adams. A cidade de Nova Iorque é nossa. Você irá para onde eu mandar.”

Ao mesmo tempo que estava deitado de costas, Adams permanecia de pé, inclinado sobre seu próprio corpo. Pouco importava que esse paradoxo não podia ser verdadeiro. E pouco importava que o corpo estendido no chão pertencia ao homem, e o que se encontrava de pé, ao Deformador Individual. O que importava era que tinha uma dupla visão de si mesmo.

As imagens sobrepunham-se e penetravam-se como as de um filme submetido a dupla exposição. O olho do homem refletia-se nos milhares de entrelaçamentos do olho facetado do DI. Adams até se esqueceu da dor provocada pela indefinição do seu ego. Viu-se a si mesmo numa ânsia de conquista. Também se viu num pânico, que fez com que quisesse voltar e se precipitar para o nada.

A hora do ataque aberto dos Deformadores Individuais à cidade de Nova Iorque havia chegado.

Sabiam qual era o momento combinado. Os DI e os homens possuídos.

Porter percebeu a movimentação. Saltou para o caos e, usando o pânico fingido, lançou o caos entre os homens. Os DI seguiram-no. Quatro desses seres saíram do pavilhão. Ainda não era o ataque mental. Apenas quiseram agir através de sua figura monstruosa. E conseguiram-no.

Nesse instante o duelo entre Adams e o DI não teve mais testemunhas. Estavam a sós, e cada um lutava com as armas que a natureza lhe dera. Lutaram por três minutos. Fisicamente o homem era mais robusto. Mesmo que já tivesse deixado a juventude para trás e fosse de estatura pequena e cabeça grande.

As mãos de Adams penetraram profundamente na carne do inimigo. Uma substância córnea estalou sob seus dedos, um líquido vermelho-escuro correu pelo chão de pedra cheio de sujeira.

A dor desapareceu. O monstro estava morto.

Adams levantou-se exausto. Num movimento instintivo limpou o terno. O raciocínio dirigiu-se a objetivos mais concretos. Ao perigo que ameaçava Nova Iorque. Sabia o que os DI sabiam e agiu em conformidade com isso.

As docas de Relling estavam desertas. Um porto abandonado em meio ao crepúsculo. Ao longe algumas sereias uivavam.

Milhares das posições mais importantes da metrópole foram ocupadas pelos DI. Do prefeito ao chefe de polícia, do chefe de empresa ao coordenador das emissoras de rádio.

Números extras dos jornais estavam sendo preparados. Neles se avisava que a saída da cidade ou a divulgação de notícias não permitidas eram proibidas sob pena de morte. Um anel começou a fechar-se em torno da cidade. Por quanto tempo ainda estaria aberto?

Adams sabia que não tinha um segundo a perder.

A volta a Manhattan representaria uma perda de tempo irreparável.

Pegou um carro estacionado junto ao pavilhão e fugiu em direção ao sul. Em algum lugar encontraria um avião...

 

— Senhor Bell! — gritou Jeanette Lawrence, apontando para a frente.

— Deixe de ser idiota! — berrou o homem com a barra de ferro. — Ainda não percebeu o que está acontecendo?

Reginald Bell percebeu. Sabia que nessa altura seria inútil procurar Homer G. Adams. No cais viam-se Deformadores Individuais. Não eram centenas; apenas quatro. Mas esses quatro foram suficientes.

— Vamos! Entre logo! Comprimiram-se na cabina feita para duas pessoas. Bell decolou.

Quando pousaram na cobertura do edifício da GCC, o inferno estava às soltas nas ruas. Exército e polícia patrulhavam os desfiladeiros de concreto de Manhattan. Subitamente a distinção entre o homem e o possuído pelos DI perdera todo sentido. O poder estava nas mãos dos DI.

— Não compreendo! — Jeanette Lawrence estava chorando. — Não é possível que milhões de invasores tenham penetrado na cidade.

— Acontece que algumas centenas são suficientes. Se estes ocuparem as posições-chaves da estrutura política e econômica, a massa estará impotente.

— Toda a população de Nova Iorque contra algumas centenas? — A pergunta terminou numa risada histérica.

— Pronto. Sente e respire profundamente. Enquanto isso procurarei explicar por que não temos o poder. Os DI conhecem-se uns aos outros. Mas nenhum homem pode ter certeza de que o outro é um elemento leal. As pessoas sadias estão desunidas.

— Mas nós dois sabemos que nenhum de nós foi possuído. Por que não transmite uma mensagem a Rhodan?

— Porque não é possível. Enquanto vínhamos para cá, você ouviu as instruções do prefeito.

— E o senhor pretende segui-las? Por causa da pena de morte? Francamente, senhor Bell, eu pensava que o senhor fosse mais corajoso.

— O que adianta a coragem contra a violência técnica? Não faça drama, Lawrence. Tentei estabelecer contato pelo rádio. Parece que você não percebeu. Não consegui.

Lawrence lhe lançou um olhar de pavor. Não se conformava com sua atitude resignada.

— O senhor é um DI, não é? Está possuído, senhor Bell. É claro! Só pode ser isso.

— Deixe de tolices! Venha comigo.

Foram ao gabinete de Adams. Pôs o rádio a funcionar e chamou Perry Rhodan. Esperaram por alguns minutos. Não houve resposta.

— Compreende agora? — gemeu Bell. — A proibição não passa de uma formalidade. Os DI estudaram nossa mente por bastante tempo para poderem prever nossas reações. Cobriram Nova Iorque com uma cúpula energética.

— Tal qual Rhodan fez no deserto de Gobi?

— Em princípio, sim. Mas pode ser que sua estrutura seja diferente. Pelo que diz Crest, em nossa galáxia não existe nenhuma inteligência que saiba montar cúpulas energéticas iguais às dos arcônidas. Além disso, nossa experiência só demonstra que as ondas de rádio esbarram num obstáculo. Isso só prova que a cúpula energética absorve as chamadas freqüências de rádio no espectro eletromagnético. Falta verificar se a cúpula pode deter a matéria.

— Pois vamos verificar.

— Como poderíamos fazer isso?

— Com o helicóptero, por exemplo.

— Para sermos abatidos? Ou para esbarrarmos numa muralha invisível e cairmos?

Lawrence olhou-o desesperada.

— Quer dizer que tudo está no fim. Bell sacudiu a cabeça.

— Se agir com a mesma coragem que acaba de exigir de mim, não estará.

— O que devo fazer?

— Ser valente e agüentar firme. Aqui mesmo, em Nova Iorque.

— Pretende fugir sozinho? Senhor Bell, em certa ocasião o senhor Adams me falou em certas hiperondas arconídicas. Pelo que diz, funcionam no espaço pentadimensional.

— Sei. Acontece que os respectivos emissores só existem na Good Hope, no deserto de Gobi e em Vênus. Ouça, Lawrence. Pesei todas as possibilidades. Fugirei sozinho e levarei a notícia da conquista de Nova Iorque. Sou o único homem que dispõe dos necessários recursos técnicos.

— Que recursos são esses?

— Um traje arconídico. Já ouviu falar a respeito, não ouviu?

A moça arregalou os olhos.

— Sim, senhor Bell, já ouvi. Dizem que no momento só existem dois trajes desse tipo. Um deles se encontra em poder de Perry Rhodan...

— ...e o outro está em meu poder. Aqui mesmo, em Nova Iorque. Possui um campo energético capaz de desviar as freqüências visuais e as freqüências de rádio. Quando sair de Nova Iorque, estarei invisível.

 

— Mas que diabo, não atirem! — gritou Perry Rhodan.

Deu um salto para o lado. O pulo de Cannon foi terminar de encontro à mesa. Quando se voltou, viu novamente as pistolas diante de si. Hesitou. Também hesitou em realizar o salto para o corpo do DI. Não viu qualquer saída.

Marshall, que captara seus pensamentos, explicou:

— Você ainda tem uma terceira alternativa, conforme Rhodan acaba de explicar. Pode entregar-se. Pelas leis terrenas, um prisioneiro não é morto enquanto cumprir as instruções de seu custodiador.

Cannon lançou um olhar indagador para Rhodan.

— Quais são suas intenções?

— Queremos negociar com você. Se chegarmos a um entendimento satisfatório, estarei disposto que volte para junto dos seus na qualidade de enviado nosso. É claro que não poderá fazê-lo na condição de homem.

— Por que não permite que retorne logo ao meu corpo?

— Por que na forma em que se encontra está mais bem guardado. Então, qual é sua decisão?

— Você vai estabelecer condições, não vai?

— No momento não estou em condições de esclarecer este ponto. As decisões são tão importantes que prefiro não tomá-las sozinho. Nossa palestra será conduzida em presença do cérebro positrônico.

Mais uma vez alguma coisa se revoltou no corpo de Cannon.

— Você está planejando alguma traição, Rhodan.

— Não julgue os outros por si, Cannon. Já deve conhecer o funcionamento de um cérebro robotizado. Se tivesse a intenção de matá-lo, não precisaria fazer tantos rodeios.

Clive Cannon acenou com a cabeça.

— Está bem; aceito. Mas gostaria que fosse o mais rápido possível.

— Neste ponto estamos de acordo. Eric e Ras, levem-no ao pavilhão e esperem por mim.

O Dr. Eric Manoli e Ras Tshubai levaram Cannon.

Ao ver-se sozinho com o Dr. Haggard e John Marshall, Rhodan perguntou:

— O que andou pensando, John? Será que o sujeito está tramando alguma traição? Sabe das minhas intenções?

— Quais são suas intenções?

Nem mesmo Marshall com seus dons telepáticos conseguia romper o bloqueio mental de Rhodan.

— Estou pensando em negociar com os DI, se é que existe uma possibilidade para isso. Sei perfeitamente que os invasores não suspenderão sua agressão com vistas ao destino de um único desses seres. O mais importante é a pesquisa do cérebro possuído pelo DI. Examinaremos Cannon e realizaremos medições em seu corpo sem que ele o perceba. Ou será que percebeu alguma coisa?

— Não; neste ponto não suspeita de nada.

— Muito bem. Vamos!

Estavam prestes a sair do escritório quando o radio receptor foi ativado automaticamente.

— Adams chamando Rhodan, Adams chamando Rhodan. Peço confirmar recepção para que possamos iniciar imediatamente a troca de mensagens.

Perry Rhodan deu um salto em direção ao quadro de comando do emissor.

— Aqui Rhodan. O que houve, Adams?

— Graças a Deus! Preste atenção! Estou no Canadá, mais precisamente a cinqüenta graus de longitude oeste, junto à via férrea Quebec—Winnipeg.

— Como foi parar nesse lugar? Isso fica praticamente na selva.

— Tome nota do que segue, Rhodan: vi-me obrigado a fugir de Nova Iorque. A cidade foi ocupada pelos DI, que a dominam completamente. A partir de ontem de tarde, todas as notícias vindas de Nova Iorque passaram pela censura deles. Deve tomar providências imediatas; se possível, mande-me buscar aqui. Tive de roubar um velho avião a hélice; o combustível acabou.

Perry Rhodan recebeu as notícias alarmantes com uma tranqüilidade extrema. A reação de um robô não poderia ser mais objetiva.

— Pode dar informações mais detalhadas sobre a situação em Nova Iorque?

— Não. Os DI procuraram apossar-se de mim. Tive que desaparecer. Fugi imediatamente por Staten Island, em direção ao sul.

— Os DI procuraram apossar-se de você? — Subitamente havia uma nota de desconfiança na voz de Rhodan. — Gostaria de saber como conseguiu subtrair-se à influência deles.

— Fique tranqüilo, Rhodan. Tudo está em ordem comigo. Acho que você teve boas razões para me admitir no seu exército de mutantes. Meu cérebro, que, pelo que dizem, é fotográfico, possui capacidades que só ontem vim a conhecer. Encontrava-me a sós com o DI. Foi uma luta honesta. O sujeito não conseguiu apossar-se de mim. Ao que parece meu ego depende realmente das células de memória do meu cérebro. Ficou grudado em mim e não quis sair. Quando o DI se lançou ao ataque, cheguei a ter a impressão de que já tinha sido dominado. Já via através dos olhos facetados. Sabia o que pretendiam os DI.

— Um instante! Você acaba de dizer que não conhece a situação em Nova Iorque.

— Nem podia conhecer. Tive que dar o fora. Mas acho que existe uma diferença entre os planos dos invasores e a situação atual da cidade.

— Não seja tão pedante, Adams. Quais eram os planos do inimigo?

Homer G. Adams relatou o que sabia. E isso foi suficiente para os homens de Gobi. Enquanto falava, Rhodan pensou nas medidas que devia tomar.

— Existe a possibilidade de que os DI o tenham seguido?

— Não acredito. Se me tivessem visto, não teriam deixado que saísse de Nova Iorque.

— Se é assim, aguarde. Mandarei Ras Tshubai buscá-lo. Posteriormente fornecerei indicações sobre as medidas a serem tomadas em relação a Nova Iorque. Mantenha seu rádio ligado para a recepção. Aliás, em Nova Iorque por acaso ouviu falar em Bell?

— Não. Por quê? Ele ia para lá.

— Isso mesmo — disse Rhodan em tom preocupado. — E chegou a ir. Mais um motivo para nos preocuparmos com o destino da cidade.

— Não seja por isso. Já me encontro na altura do fosso japonês.

Era a voz de Reginald Bell.

— Santo Deus, Bell. Tudo bem com você?

— Tudo bem.

— Não esteve em Nova Iorque?

— Venho de lá. O traje arconídico me ajudou a sair.

— Vocês não são mesmo de brincadeira. Você deve chegar dentro de meia hora aproximadamente, não é?

— Isso mesmo.

— Pois bem. Nossa conversa termina aqui. Tenho uma coisa importante a fazer.

 

Um cérebro positrônico construído pelos arcônidas dispõe de estágios finais para vários tipos de resposta. Pode transmitir os resultados através de alto-falantes, fitas escritas, fitas magnéticas, fitas fotográficas, cartões perfurados de origem terrena ou, o que vem a ser a mesma coisa, através de uma série de impulsos gravados numa fita plástica. A gama disponível para a formulação de perguntas é a mesma. Isso permitiu a Perry Rhodan operar por dois caminhos distintos.

Falou pelo microfone as perguntas formuladas em concordância com Clive Cannon. Mas o trabalho mais importante, consistente na divisão seletiva do cérebro do DI no corpo humano, foi convertido em símbolos através do teclado.

Dessa forma obtinham-se, no espaço de vinte minutos, dois resultados distintos. Um deles foi exibido ao prisioneiro de Rhodan.

— Como vê, o cérebro é incorruptível. No momento não valeria a pena fazer de você nosso emissário. O medo e a boa vontade não bastam para isso. Acho que devemos ter paciência por mais alguns dias, para ver se não ocorre uma alteração no front que predisponha seus companheiros para as negociações.

Cannon conformou-se com seu destino. Se é que percebeu alguma coisa, foi a situação de impotência em que se encontrava. Foi levado por dois robôs.

Para os amigos Rhodan teve um olhar de otimismo.

— Leiam isto!

Era a fita escrita que trazia o resultado do exame realizado no DI.

— Encontramos a solução — constatou o Dr. Haggard depois de um instante de silêncio. — Meus parabéns, Rhodan.

— Ainda não é a solução final para a construção de um aparelho telepático de alcance total. Ao que parece, isso não fica ao alcance da nossa tecnologia. Mas no momento podemos dar-nos por satisfeitos com o setor especializado que corresponde ao cérebro dos DI. Foi o que conseguimos. Nas três fórmulas que estão escritas aqui, encontramos tudo de que precisamos. A base de tudo continua a ser o detector arconídico de ondas cerebrais. Ainda hoje introduziremos os dados em cinco robôs. Estou convencido de que dentro de vinte e quatro horas teremos em mãos o primeiro modelo.

— Nossos robôs vão fazer isso?

— Sim, nossos robôs — disse Perry Rhodan com um sorriso. — Evidentemente serão os que trouxemos de Vênus. Conseguirão. Se não acreditar, doutor, estou disposto a apostar.

— Agradeço! Seu otimismo parece ser muito realista.

— Muito bem. Nesse caso poderemos examinar o corpo do DI, que no momento abriga o ego do verdadeiro Clive Cannon. Mas acabo de me lembrar de uma coisa. Já faz algum tempo que não temos notícias de Mercant, não é?

— Ele ainda dispõe de três dias.

— De qualquer maneira acho que os acontecimentos que se desenrolaram justificam um contato imediato.

Rhodan chamou a base do Conselho Internacional de Defesa, situada na Groenlândia. Mercant atendeu.

— Alô, Rhodan. Alguma novidade?

— Alô, Mercant. Aqui houve algumas novidades. Mas comecemos por aí. No caminho de volta você pretendia visitar Adams.

— Isso mesmo. Será amanhã.

— Deixe disso. Nova Iorque encontra-se em poder dos DI.

— Não brinque!

— Não estou brincando. Adams e Bell foram as únicas pessoas que ontem conseguiram escapar.

Mercant fungou.

— Escute aí! Há meia hora conversei com meus colegas de Nova Iorque.

— E as respostas que você recebeu passaram pela censura dos DI. Não se faça de mais bobo do que é, Mercant. Regresse imediatamente ao nosso território. E traga todos os homens que conseguiu recrutar para nossa causa.

— São exatamente trezentos e quatro.

— Isso basta. Providencie para que aterrissem aqui dentro de vinte e quatro horas o mais tardar.

— Como queira. Até a vista.

— Até a vista.

 

Homer G. Adams reclinou-se no assento do avião sem combustível para cochilar um pouco. Subitamente sobressaltou-se. Não sabia por quê. Só sabia que alguma coisa havia despertado uma reação em seu cérebro.

Olhou para o chão, depois subiu às asas do avião, para ter uma visão mais ampla. Do zênite ao horizonte não se via nada de suspeito. Só pastagens, extensões infinitas de capim, nenhum homem, nenhum animal. Dali a dois quilômetros via-se a linha férrea. Nada se modificara. Só lhe restava esperar. Dormir e talvez sonhar.

Teria sonhado? Qual seria a origem das suas dúvidas?

Nunca tivera qualquer problema de memória. Essa auréola grudara-se nele desde os tempos de escola. Bastava-lhe ler um poema para sabê-lo de cor. Olhava uma série de fórmulas matemáticas e guardava-as na memória. Acostumara-se a tudo isso e acabara aceitando aquilo que diziam ser um gênio como um fato consumado.

E agora sentia-se tomado de dúvidas?

Adams deu alguns passos por entre o capim e regressou.

Começou a refletir na sua tarefa. Era uma tarefa que no fundo era idêntica a de uma especulação de bolsa.

“Fui um DI. Isso mesmo. Em Staten Island parte do meu ser foi possuída pelos DI. Olhei através de um olho multifacetado. Sabia o que o inimigo sabia. Mas continuei a ser Homer G. Adams, e dei cabo do monstro. Não conseguiram dominar-me. Nem destruíram minha memória fotográfica. Como homem continuo a ser o mesmo.”

De repente soube!

Parte da mente do DI continuava no seu interior. Fortemente reprimida. Era muito estranho para ele, que nunca esquecia nada. Estava ali como se fosse uma sombra. No subconsciente.

E surgiu a nova pergunta, que não poderia estar imbuída de maior dose de autocrítica.

“Por que fui justamente ao Canadá? Para fugir dos Estados Unidos, onde os DI estavam desencadeando sua invasão maciça?”

Não havia lógica nisso. Os DI não se incomodavam com as fronteiras traçadas pelo homem.

“O que me atraiu para o Canadá? Para estas terras de pastagem, onde o grau cinqüenta de latitude cruza com o grau oitenta e cinco de longitude? Terá sido o subconsciente?”

Adams procurou reprimir essas idéias, que contrariavam as concepções geradas por sua mente humana. Mas sentiu-se inclinado a ficar atento a elas. Havia alguma coisa dentro dele.

Fechou os olhos e procurou concentrar-se ao máximo. Por alguns minutos ficou sentado assim, na sombra do avião. Depois levantou-se como que num estado de transe e caminhou em direção à linha férrea. Eram dois quilômetros.

A dúvida transformou-se em certeza. De repente soube. Soube o que o DI trucidado deixara em sua memória.

Os nichos! A cada cem metros havia um nicho no aterro da linha férrea. Um deles ocultava a entrada para a caverna artificial.

Adams caminhou com a segurança de um sonâmbulo. O primeiro nicho era o que procurava. Havia um mecanismo oculto. Uma parede de concreto afastou-se, deixando livre uma passagem sem degraus, que prosseguia num declive suave.

Mais de duzentos corpos aparentemente sem vida. Nenhuma sentinela. Só os egos aprisionados dos homens de corpos trocados tremeluziam no seu martírio psíquico sobre os meandros cerebrais daqueles seres monstruosos.

Adams voltou. Antes que chegasse ao avião, surgiu o aparelho de Ras Tshubai, que vinha buscá-lo.

 

O reencontro de tanta gente importante até mereceria uma festa.

Allan D. Mercant voltara da Groenlândia, trazendo trezentos e quatro voluntários para a força policial da Terceira Potência. Por sugestão de Rhodan, desistira da escala em Nova Iorque. De qualquer maneira Homer G. Adams, que era a pessoa que Mercant pretendia visitar, já havia chegado ao deserto de Gobi. Assim os dois tiveram oportunidade de se cumprimentarem sob a proteção da cúpula energética.

A palestra, conduzida em termos corriqueiros, cessou no momento em que Rhodan entrou na sala. Os diversos grupos abriram caminho para deixá-lo passar. O chefe da Terceira Potência teria algo a lhes dizer..

— Companheiros! Procurarei ser breve. Tomei conhecimento das informações recebidas por intermédio de vocês. Pelo quadro geral da situação concluo que não nos resta muito tempo para inverter a corrente a nosso favor, a favor do planeta Terra. Não pudemos exercer a necessária vigilância das pessoas mais importantes do globo terrestre, porque não dispomos de telepatas em número suficiente. Um ataque lançado pelo menos com duas naves permitiu ao inimigo colocar em nosso planeta um número desconhecido de Deformadores Individuais. Sabemos que depois da destruição de sua base situada no Tibet conseguiram instalar outros pontos de apoio. Até chegaram a controlar uma das maiores cidades do mundo. A população de Nova Iorque está isolada do resto do mundo, embora se procure enganar o público, dizendo que tudo está normal. Vocês já devem ter percebido como o inimigo é perigoso.

Rhodan pôs a mão no bolso e tirou um instrumento que a maior parte dos presentes já conhecia em suas linhas gerais. Apenas o formato exterior havia recebido algumas modificações insignificantes.

— Já conhecem o detector de modelos cerebrais. Aquilo com que sonhamos há muito tempo, ou seja, o aperfeiçoamento do aparelho para transformá-lo num detector de tipos de freqüência, acaba de ser conseguido, embora em escala limitada. A definição exata de um cérebro humano possuído pelos DI tornou possível ao cérebro positrônico fornecer a curto prazo dados novos que se revelaram úteis ao aperfeiçoamento tecnológico. Este aqui é o detector de freqüências aperfeiçoado. Ele nos permite identificar instantaneamente, por simples leitura, qualquer homem possuído pelos DI. Já fiz a experiência com nosso prisioneiro, Clive Cannon. Dentro de alguns minutos, vocês terão oportunidade de ver o aparelho em funcionamento, para se convencerem de sua eficiência. Mercant, os trezentos e quatro candidatos que desejam ingressar em nossa força policial estão estacionados junto ao posto quarenta e dois, não é?

— Sim, Rhodan.

— Iremos todos até a saída nordeste do território bloqueado. Utilizaremos a nova ferrovia local. Capitão Klein, você se encarregará da cúpula energética. Manteremos contato sobre a faixa de ondas ultracurtas. Bell, você ficará de plantão junto ao rádio.

Bell confirmou com um ligeiro aceno de cabeça.

— Vamos! — disse Rhodan.

Os trezentos e quatro candidatos já haviam entrado em forma. Aguardavam o momento de entrar no território bloqueado pela cúpula energética. Rhodan transmitiu um aviso telegráfico a Klein, que retirou a cúpula energética. Para proteger o território central, os três caças patrulharam toda a área. Tinham ordens para abrir fogo sem aviso contra qualquer pessoa que tentasse penetrar no núcleo da Terceira Potência sem que tivesse sido convidada. Além disso, mais de cem robôs armados desfilavam diante da fronteira subitamente desguarnecida.

No caminho Rhodan dera instruções detalhadas a Mercant.

— Seus homens deverão passar pelo posto quarenta e dois em fila de um. Deverão passar por mim a uma distância não superior a cinco metros. Se entre eles houver um possuído pelos DI, darei um sinal. Prenda-o imediatamente.

Mercant foi o único que se dirigiu à área externa a fim de transmitir aos seus homens as necessárias explicações. Todos eles eram homens inteligentes e bem treinados. Dentro de dois minutos teve início o desfile dos aspirantes a policial.

Fizeram continência, como se estivessem num desfile militar. Rhodan agradecia, respondendo aos olhares que lhe eram dirigidos.

John Marshall contava automaticamente. Encontrava-se a um passo de Perry Rhodan.

— 257, 258, 259, 260, 261...

O engasgo de Marshall e o movimento do ponteiro do detector foram simultâneos.

— Aquele louro alto — disse Rhodan, dirigindo-se a Mercant. — Prenda-o.

— Tenente Pirelli! Faça o favor de vir até aqui.

O tipo nórdico de nome italiano estremeceu ligeiramente. Marshall cochichou:

— É um deles!

Pirelli hesitou.

— Que diabo, tenente! — berrou Mercant, que de repente ficou furioso. — Quer um convite escrito? Você está atrasando tudo. Continuem! 263...

Pirelli obedeceu. A marcha daqueles homens prosseguiu.

— Um instante, tenente! Seu rosto me faz lembrar uma pessoa que já vi. Daqui a pouco quero falar com você — disse Rhodan e logo voltou a dedicar sua atenção aos outros. Sabia que havia um número suficiente de armas engatilhadas para liquidar Pirelli ao primeiro movimento suspeito.

John Marshall prosseguiu na contagem até chegar ao número 304. Nem ele nem o detector identificou outro indivíduo possuído pelos DI. Era uma boa média.

— Alô, Klein! — disse Rhodan pelo interfone. — Feche a cúpula. A ação está concluída.

Dirigindo-se a Pirelli, disse:

— Tenho uma pergunta, tenente! Reflita bem na resposta. Você estaria disposto a servir de intermediário nas minhas negociações com os DI?

O rosto de Pirelli estremeceu ligeiramente. As pessoas entendidas sabiam que os acontecimentos que se desenrolavam no interior do corpo e da mente daquele indivíduo eram muito mais dramáticos.

— Não compreendo, senhor!

— Você foi identificado como um DI. Foi por isso que fiz a pergunta. Então?

— Como pode afirmar que sou um DI, senhor Rhodan? Que blefe é esse?

— Quem faz perguntas aqui sou eu, não você. Conforme a resposta que nos der, você será utilizado na execução dos nossos planos ou será fuzilado aqui mesmo.

Pirelli deu um salto para a frente, mas controlou-se antes que sua atitude pudesse ser interpretada como uma ameaça.

— Está sendo detido pelo medo — explicou Marshall. — Está em nossas mãos. Seu corpo de DI não se encontra no raio de transplante. Infelizmente este cavalheiro não nos dirá onde está. Desconfia de que sou um telepata. Procura confundir seu pensamento.

— Está bem, Marshall. Pirelli, você já viu o que sabemos. Se o fuzilarmos aqui, isso representará a morte definitiva para você. Qual é sua resposta à minha primeira pergunta?

Pirelli procurou dar uma expressão de altivez ao seu corpo. Como não devia sentir-se o ego covarde de um DI num corpo destes?

— Estou à sua disposição, senhor Rhodan. Se ordenar que sirva de intermediário, obedecerei. Acontece que minha posição subalterna não me permite dizer qualquer coisa sobre as chances das negociações.

— Isso não é necessário, tenente. Até amanhã ficará em isolamento. Terá dois guardas robotizados ao lado de sua cama. Eles o matarão à menor tentativa de fuga ou atentado. Amanhã receberá novas instruções. Muito obrigado.

 

Ainda havia 303 homens bem selecionados. Rhodan devia dirigir-lhes algumas palavras de saudação, ainda mais que se tratava de um núcleo inteiramente novo que se formava dentro da Terceira Potência. Mas voltou a falar em termos breves e não-convencionais.

— Talvez um dia possa dedicar-me melhor a vocês. Acontece que hoje não existe fortuna que pague um segundo perdido.

Desejo-lhes bom apetite para a refeição que já foi preparada. Daqui a pouco Reginald Bell e o coronel Mercant lhes transmitirão as instruções necessárias.

No escritório Rhodan manteve uma palestra num círculo bastante íntimo.

— Você é de uma leviandade imperdoável — disse Reginald Bell assim que se ofereceu oportunidade para falar, antes que Rhodan tocasse em qualquer dos assuntos que compunham a agenda dos debates.

— Pretende dar-me outra lição?

— O que está em jogo não são minhas ambições pedagógicas, mas a sua segurança. Enquanto aqueles homens desfilaram, você não usou a menor proteção. Procurou dissuadir Pirelli da intenção de cometer um atentado. Acha que o olhar hipnótico será suficiente para protegê-lo contra esse tipo de gente?

— Acho, sim. Você se enganou com a atitude do Pirelli. Ao que parece você ainda não compreendeu como é covarde o espírito que se oculta atrás dessas criaturas. Um DI jamais cometerá um atentado se tiver que arriscar sua vida. Mas chega de discussão! Tenho diante de mim as notícias mais recentes de todo o mundo. Infelizmente devo constatar que para o bem intencionado torna-se cada vez mais difícil ser acreditado pelos outros. A melhor prova são as acusações incessantes que formulam contra nós. Farei uma última tentativa para convencer o mundo. A população de Nova Iorque será nossa fiadora. Se é que algum habitante deste planeta teve oportunidade de convencer-se da crueldade dos DI, são os habitantes daquela cidade, violentada há três dias.

— Para isso teríamos de libertar aquele contingente de oito milhões de seres humanos.

— Meu plano é este. A usina robotizada já está fabricando a primeira série de detectores de DI. Por enquanto encomendei quatrocentas peças.

— Quando estarão prontos os aparelhos?

— Amanhã de manhã. Todos os mutantes de que dispomos, com exceção dos telepatas, serão equipados com os mesmos. Também os novos membros do contingente policial e vocês, que são meus colaboradores mais chegados. Bell, você irá à Lua amanhã. Leve duzentos homens e procure entrar em contato com o comando de robôs estacionado na cratera Anaxágoras. Procure avaliar os resultados de sua atuação. Caso a base lunar ainda não tenha sido precisamente localizada, você ficará encarregado disso. Assim que descobrir o objetivo, entre em contato comigo.

— Um simples contato?

— Por enquanto sim. O ataque pelo qual você deve ansiar não demorará muito. Apenas pretendo golpear em todos os lugares ao mesmo tempo. Por isso você aguardará minhas ordens.

— Está bem!

— E agora você, Adams! Não me venha dizer que não tem talento para herói. Darei a você um punhado de homens nos quais pode confiar. Talvez Ras Tshubai e vinte dos policiais recém-engajados. Seu objetivo será a base canadense dos DI. Mas não deve também iniciar nenhum ataque antes que tenha recebido minhas ordens.

— Como queira, Rhodan — disse Adams no tom humilde que costumava usar nas raras ocasiões em que sua fala não se ligasse ao dinheiro.

As últimas instruções, e as mais detalhadas, foram transmitidas a Allan D. Mercant, dirigente oficial do Conselho Internacional de Defesa e membro não-oficial do exército de mutantes da Terceira Potência, dirigida por Perry Rhodan. Mercant recebeu uma armada de seis planadores espaciais que dispunham de armamentos, espaço de carga e velocidade suficientes. Sua missão era a libertação de Nova Iorque.

 

Enquanto no deserto de Gobi raiava um novo dia, o dia de Nova Iorque ia chegando ao fim.

As máquinas haviam decolado.

Em primeiro lugar o grupo de Mercant, seguido pouco depois por um avião de radiações isolado que seguia em direção ao Canadá. A Good Hope foi a última. Embora seu objetivo ficasse mais longe, teve que dar a precedência aos aviões estratosféricos, já que a capacidade de aceleração que desenvolvia no espaço compensava qualquer distância interplanetária.

Rhodan estava só no edifício central. Desistira de qualquer espécie de assistência. Preferira destacar os homens disponíveis para os três pontos críticos em que seriam travados os combates.

Seu assistente era a técnica avançada, que convergia no quadro de comando que tinha diante de si. Conforme se esperava, a primeira mensagem veio da Lua.

— Alô, Perry! Pousei sem incidentes na cratera Anaxágoras. A força policial está saindo da nave. Voltarei a chamar depois que tiver estabelecido contato com o comando de robôs.

— Obrigado e boa sorte!

O ponteiro do relógio continuou a avançar. O contacto seguinte.

— Estamos cruzando por cima de Nova Iorque. Conforme previmos, não encontramos obstáculo ao penetrar na cidade. Ao que parece o bloqueio só atinge os que querem deixá-la. Pousaremos em seis aeroportos diferentes. A ação está sendo iniciada conforme previsto.

Conforme previsto. Isso significava que nos próximos trinta minutos os personagens mais importantes da cidade seriam visitados por pessoas armadas. Seriam reconhecidas prontamente como indivíduos possuídos pelos DI e receberiam o tratamento adequado. As ordens de Rhodan eram terminantes. A luta contra os DI seria conduzida sem a menor contemplação.

— Alô, Rhodan! — Era a voz de Adams. — Acabo de pousar em cinqüenta graus de latitude e oitenta e cinco de longitude. Meu velho avião permanece intocado.

— O.K., Adams! Tome posição junto à linha férrea e aguarde.

Por dez minutos o rádio permaneceu em silêncio. Depois a voz de Bell voltou a encher o recinto.

— Decolamos em direção ao sul, pela face oculta da Lua. Dentro de três minutos pousaremos na cratera de Mendelejw. O comando de robôs determinou a localização precisa da base dos DI. Não há o menor sinal de vida.

As notícias começaram a precipitar-se. Surgiam simultaneamente, através de faixas substitutas. As fitas gravadas registravam-se para Rhodan. Dali a trinta minutos a situação era a seguinte:

Três vigias DI em plena atividade haviam sido mortos. Bell noticiou a descoberta de mais de quinhentos corpos de DI imobilizados, cujo ego originário sem dúvida devia encontrar-se na Terra.

Rhodan interrompeu a mensagem:

— Basta de detalhes. Os corpos dos DI devem ser colocados imediatamente a bordo da Good Hope e trazidos ao território bloqueado da Terceira Potência. Quanto tempo levarão para isso?

— Somos duzentos homens. Em média o peso de um DI corresponde ao dobro de um homem. Com a gravitação lunar isso vem a ser uns vinte e cinco ou trinta quilos. Levaremos quinze minutos.

— Apresse-se, Bell! Tenho muita necessidade da sua presa.

Também Adams recebeu instruções para agir. Seu trabalho era muito mais difícil. Seus vinte homens tiveram que colocar a bordo duzentos corpos de DI. É bem verdade que Ras Tshubai logo os livrou das maiores preocupações. Por precaução o africano trouxera o neutralizador, com o qual o peso dos corpos foi quase totalmente eliminado.

Pelas onze e meia a Good Hope pousou; o “comando Adams” chegou pouco depois. A Terceira Potência tinha em seu poder 732 corpos, que foram depositados no seu território, fora da cúpula energética.

Poucos minutos depois a Good Hope decolou em direção a Nova Iorque, onde se amarraria ao mastro do Empire State Building.

A Good Hope era larga e parecia desajeitada. Oferecia um bom alvo, mas era inexpugnável. Seus superemissores martelaram o apelo de Rhodan, dirigido aos homens e aos DI, usando todas as freqüências disponíveis. A voz de Rhodan superava toda e qualquer interferência, até uma potência de três mil quilowats. Não era só Nova Iorque que o ouvia, mas toda a Terra. Os homens livres logo se colocaram a seu lado. Três dias de ditadura dos DI em Nova Iorque bastaram para convencer a humanidade de que só a Terceira Potência podia proporcionar-lhes um auxílio eficaz.

Mercant veio com cem detectores. A Good Hope trouxe outros trezentos, que já não eram necessários na Lua ou no Canadá.

A guerra em meio àquele oceano de prédios perdeu-se em episódios isolados. O conflito desenvolveu-se de rua para rua, de prédio para prédio, de sala para sala. Os homens de Rhodan estavam sós. E depois da primeira investida já não representavam uma surpresa. Apesar disso, venceram. Poucos dos DI chegaram ao extremo. A maior parte deles agarrou-se ao corpo que os hospedava, já que, afora umas poucas exceções, seus corpos originários estavam fora de seu alcance. A noticia do roubo dos setecentos corpos abandonados, depositados na Lua e no subterrâneo do Canadá, levou o pânico dos invasores ao auge. Os DI haviam chegado ao fim.

O prefeito, o chefe de policia e os sete senadores de Nova Iorque puderam subir a bordo da Good Hope exatamente ao meio-dia, a fim de oferecer seu relato dos acontecimentos. Os rostos dos primeiros homens libertados atravessaram o mundo pela televisão.

— Repórter do demônio? — Alguém soltou a observação a bordo da nave, evocando uma idéia bastante corrente há cerca de um decênio. Mas havia um ponto de interrogação atrás dessas palavras. Já havia a certeza de que a mensagem de Rhodan, que já cobria todas as emissoras da Terra, tinha um sentido bastante sério.

Representava um apelo dirigido a todos os terráqueos, representava o brado de alerta final dirigido a uma geração que praticamente perdera a hora de sua missão cósmica a partir do lançamento do Sputnik.

Hoje penetrava, como fato mais consumado, nos recantos mais íntimos, de Tóquio a Lisboa, de São Francisco a Moscou.

“Não estamos sós no mundo. Nós, os terráqueos, não somos os únicos. Outros seres existem. E alguns deles não são nossos amigos.”

Pouco depois Perry Rhodan dirigiu um apelo pessoal aos governantes da Terra. Fê-lo na qualidade de primeiro presidente da Terceira Potência. E a mensagem foi coroada de êxito. Desta vez os representantes eleitos foram obrigados pela vontade popular a percorrer o caminho que conduzia para Perry Rhodan, no deserto de Gobi, para estabelecer a união definitiva da humanidade.

As condições feitas aos DI eram inequívocas e não admitiam qualquer discussão. Os monstros tiveram oportunidade de aguardar na órbita de Marte até que uma de suas naves os levasse de volta ao seu mundo natal. Mas esse tratamento humano não os iludia quanto ao fato de que não teriam a menor chance contra a humanidade.

— A forma de expor a situação ao seu governo depende exclusivamente dos senhores — foram estas as últimas palavras que Rhodan lhes dirigiu. — Os homens e os arcônidas são aliados, e daqui por diante proibem-lhes qualquer violação da área submetida à sua soberania. Mantenham-se dentro dos seus limites cósmicos, e poderemos ser amigos.

 

Quando os últimos embaixadores dos governos terrenos deixaram o deserto de Gobi, levando notícias conciliadoras e esperançosas aos seus povos, dez mutantes encontravam-se diante da Good Hope, que estava pronta para decolar. Terminado o treinamento preliminar, seriam transferidos para Vênus, onde o curso hipnótico ministrado pelo grande cérebro positrônico lhes daria o preparo definitivo, que os habilitaria ao ingresso no exército secreto de mutantes da Terceira Potência.

— Vencemos por hoje, e talvez por amanhã — disse Rhodan por ocasião da despedida. — Mas convém que saibam que segundo o cérebro não é impossível que surjam novas complicações.

Dependemos uns dos outros. Eu dependo de vocês, vocês dependem de mim. Devemos ficar vigilantes e nunca podemos deixar de aprender. Nosso caminho para o universo é longo e obscuro. Ajudem-me a encontrá-lo e percorrê-lo em segurança.

                                                                                            W. W. Shols

 

                      

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