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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MISTÉRIOS DO PRAZER / Lynne Graham
MISTÉRIOS DO PRAZER / Lynne Graham

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

MISTÉRIOS DO PRAZER

 

Angelo Riccardi era do tipo de homem que não amava. Até conhecer alguém muito especial...

Enquanto Angelo quer vingança, Gwenna Hamilton adiciona uma outra dimensão deliciosa aos seus planos. Inocente e bonita, ela não tem escolha quando o magnata italiano lhe oferece uma barganha torturante: pagar pela liberdade de seu pai com seu próprio corpo. Em sua ingenuidade, Gwenna acha que Angelo vai se cansar dela e de sua inocência rapidamente. Mas ele tem mais em mente do que apenas uma noite de prazer...

 

Angelo Riccardi desceu de sua limusine. O calor do lado de fora estava cruel. Com óculos escuros prote­gendo-lhe os olhos do sol brilhante da Venezuela, ig­norou a conversa desagradável do intermediário in­glês enviado para recebê-lo no aeroporto. Mesmo en­tendendo a tensão do homem, aquilo o irritava.

Angelo não experimentara o medo desde criança. Havia conhecido ódio, raiva e amargura, mas o medo não tinha mais o poder de tocá-lo. Sua escalada im­placável ao poder era relatada em centenas de jornais e revistas, mas seu nascimento e descendência sem­pre estiveram envolvidos numa nuvem de incertezas. Aos 18 anos, ficou sabendo a verdade sobre sua ori­gem. Todos os seus ideais morreram naquele dia, quando sua escolha de carreira se tornou impossível. A cada ano que se passara desde então, tinha se torna­do mais forte, mais frio e mais cruel. Havia usado seu intelecto brilhante e instintos aguçados para cons­truir um império. O fato de não ter precisado violar a lei para tornar-se bilionário era uma fonte de orgulho para ele.

— O esquema de segurança é colossal aqui — seu companheiro, Harding, murmurou desconfortável.

Era verdade, reconheceu Angelo. Guardas arma­dos estavam por toda parte: sobre os telhados das construções da fazenda, em árvores e moitas. O esta­do de alerta era quase palpável.

— Isso deveria fazer você se sentir seguro — re­plicou Angelo com ironia.

— Não vou me sentir seguro até que esteja em casa novamente — confidenciou Harding, secando o rosto suado.

— Talvez esse não fosse o trabalho para você.

Ele lançou um olhar consternado a Angelo.

— Acredite, eu não quis ofender. Estou feliz em poder servi-lo.

Angelo não disse nada. Estava surpreso que um homem como Harding tivesse sido escolhido para agir como intermediário num encontro secreto. Mas então, quantos homens respeitáveis aceitavam re­compensas para fazer favores confidenciais? Ele en­trou na opulenta casa de fazenda, onde um homem mais velho o esperava. Harding foi dispensado como um criado sem importância, enquanto Angelo foi analisado e cumprimentado com uma curiosidade respeitosa que beirava a medo.

— É um prazer imenso conhecê-lo, sr. Riccardi — o homem mais velho declarou em italiano. — Sou Salvatore Lenzi. Don Carmelo está ansioso para vê-lo.

— Como ele está?

O outro homem suspirou.

— A condição dele é estável no momento, mas é improvável que tenha mais de alguns meses de vida.

Esguio, com as feições bonitas, Angelo assentiu. Tinha pensado muito antes de concordar com a visi­ta, e a saúde precária do homem mais velho o estimulara. O infame Carmelo Zanetti, cabeça de um dos grupos criminosos mais famosos do mundo, não pas­sava de um estranho para Angelo. Todavia, nunca fora capaz de esquecer que o mesmo sangue que cor­ria nas veias de Carmelo Zanetti, corria dentro de si também.

O homem idoso estava recostado na cama, cercado por equipamentos médicos. Respirando ruidosamen­te, olhou para Angelo e suspirou.

— Não posso dizer que você se parece com sua mãe, porque não é verdade. Fiorella era pequena...

Quase imperceptivelmente, as feições inflexíveis de Angelo suavizaram, uma vez que sua mãe lhe mostrara a única ternura que tinha conhecido.

Si.

— Mas você se parece com meu pai e com seu pró­prio pai. Seus pais foram Romeu e Julieta da geração deles — murmurou Don Carmelo com humor cáusti­co. — Um Sorello e uma Zanetti não formavam um casal ideal na opinião da família de ambos.

— E por que minha mãe acabou esfregando chãos para se sustentar? — perguntou Angelo diretamente.

O homem idoso suspirou.

— Porque abandonou o marido e renegou a famí­lia. Quem acreditaria que ela era a minha favorita? Um dia, tive prazer em mimá-la e atender cada desejo dela.

— Então, minha mamma foi uma verdadeira prin­cesa da máfia? — Angelo falou com ironia.

— Não zombe do que você não sabe. — Carmelo Zanetti lhe deu um olhar impaciente. — Sua mamma tinha o mundo inteiro a seus pés. E o que fez? Virou as costas para toda a educação e criação fina e se ca­sou com seu pai. Comparados conosco, os Sorello eram cafoni... pessoas rudes. Gino Sorello era um ho­mem bonito e de cabeça quente, sempre procurando por uma briga. Ela não pôde lidar com ele ou com suas atividades extraconjugais.

— Como você lidou com a situação? — Angelo estava impaciente para saber os fatos que até então não fora capaz de descobrir.

— Nesta família, nós não interferimos entre um homem e sua esposa. Quando Gino foi preso pela se­gunda vez, sua mãe abandonou o casamento. Fugiu de casa e de suas responsabilidades, como se fosse uma criancinha.

— Talvez ela acreditasse que tinha uma boa causa.

Olhos contendo um divertimento amargo pousa­ram em Angelo.

— E talvez você tenha uma ou duas surpresas, por­que colocou sua mamma num pedestal quando ela morreu.

A raiva fez Angelo empalidecer sob a pele bron­zeada. Apenas a consciência de que Carmelo se di­vertiria à suas custas o manteve em silêncio.

O homem mais velho tombou sobre os travessei­ros.

— Fiorella era minha filha amada, mas me enver­gonhou e me desapontou quando abandonou o ma­rido.

— Ela tinha 22 anos, e a sentença de Sorello era de prisão perpétua. Por que não devia procurar uma vida nova para si mesma e para seu filho?

— Lealdade não é negociável em meu mundo. Quando Fiorella desapareceu, as pessoas ficaram nervosas sobre o quanto ela poderia saber sobre cer­tas atividades. A traição de sua mãe manchou a honra de Gino, assim como a fez ganhar muitos inimigos. — Carmelo meneou a cabeça. — Mas ela foi destruí­da por sua própria ignorância e estupidez.

Angelo olhou para o homem mais velho.

— Obviamente, você sabe o que aconteceu com a minha mãe depois que ela chegou à Inglaterra.

— Você não vai gostar do que tenho a lhe contar.

— Posso suportar — replicou Angelo secamente.

Carmelo apertou um botão ao lado da cama.

— Sente-se e tome um copo de vinho enquanto conversamos. Desta vez, você vai se comportar como meu neto.

Angelo queria negar o parentesco, mas sabia que não podia. Um pouco de cortesia era o preço que ti­nha de pagar pelas informações que há muito procu­rava para dar sentido ao seu passado. Endireitando os ombros largos, sentou-se. Um criado levou uma ban­deja com um único copo de vinho tinto. Com uma ex­pressão oculta nos olhos, Carmelo Zanetti observou o neto dar um gole. Então riu.

— Dio grazia... você não é covarde!

— Por que você iria querer me fazer mal?

— Como é a sensação de ter rejeitado seu único parente vivo?

Um sorriso sarcástico curvou a boca bonita de An­gelo.

— Isso me manteve fora da prisão. Talvez até mesmo tenha me mantido vivo. A árvore familiar é repleta de mortes precoces e acidentes improváveis.

Don Carmelo engasgou com uma gargalhada. Alarmado por ver o homem sem fôlego, Angelo le­vantou-se para chamar ajuda, apenas para ser manda­do de volta à cadeira.

— Por favor, conte-me sobre minha mãe — pediu Angelo.

— Quero que saiba que quando ela deixou a Sar­denha possuía dinheiro. Minha última esposa se in­cumbiu de deixá-la bem provida. A desgraça de sua mãe era que tinha muito mau gosto para homens.

Angelo ficou tenso.

Carmelo lançou-lhe um olhar cínico.

— Avisei que você não gostaria disso. É claro que havia um homem envolvido. Um inglês que ela co­nheceu na praia logo depois que seu pai foi preso. Por que acha que sua mãe foi para Londres quando não falava uma palavra de inglês? O namorado prometeu se casar com Fiorella assim que ela estivesse livre. Ela mudou de nome logo que chegou e começou a planejar o divórcio.

— Como você sabe de tudo isso?

— Tenho algumas cartas que o namorado escreveu para ela. Ele não tinha idéia das conexões de Fiorella. Uma vez que sua mãe se estabeleceu, o inglês se ofe­receu para cuidar do dinheiro dela, mas cuidou tão bem que Fiorella nunca mais viu o dinheiro. Ele ti­rou-lhe tudo e depois lhe disse que o perdeu no mer­cado de ações.

Angelo estava imóvel, mas os olhos brilhantes eram gelados.

— E o que mais?

— O homem a abandonou grávida dele, e foi quan­do ela descobriu que ele já era casado.

Chocado com a revelação, Angelo cerrou os dentes.

— Eu não tinha idéia.

— Ela perdeu o bebê e nunca mais recuperou a saúde.

— Você sabia de tudo isso, entretanto escolheu não ajudá-la? — disse Angelo em tom de acusação.

— Ela podia ter pedido ajuda a qualquer momen­to, mas não o fez. Serei franco. Fiorella tinha se tor­nado um embaraço para nós e havia complicações. Gino saiu após um recurso. Queria você, filho dele, de volta, e queria vingar-se da esposa infiel. O para­deiro de sua mãe precisava permanecer secreto para que você não acabasse nas mãos de um bêbado vio­lento. O silêncio manteve vocês dois seguros.

— Mas não nos impediu de passar fome.

— Você sobreviveu.

— Mas ela não — apontou Angelo.

Don Carmelo não revelou arrependimento.

— Não sou um homem complacente. Fiorella de­cepcionou a família, e o insulto final foi a crença de que ela tinha de manter o filho longe de minha in­fluência. Tornou-se religiosa antes de morrer e vol­tou-se ainda mais contra nós.

— Se você nunca mais a viu, como sabe disso?

Carmelo suspirou.

— Ela me telefonou quando sua saúde estava pre­cária. Preocupava-se com o que aconteceria a você. Ainda assim, suplicou que eu respeitasse seus dese­jos e não o reivindicasse quando ela partisse.

Angelo podia ver que o homem mais velho estava ficando exausto, e que a conversa estava perto do fim.

— Agradeço a sua franqueza. Quero o nome do homem que roubou o dinheiro da minha mãe.

— Donald Hamilton. — Don Carmelo ergueu um grande envelope e estendeu-o. — As cartas. Leve-as.

— O que aconteceu com ele?

— Nada.

— Nada? — questionou Angelo. — Minha mãe morreu quando eu tinha sete anos.

— E agora aqui está você, orgulhoso por não ser um Zanetti ou um Sorello. Se é tão diferente de seus descendentes, por que quer o nome de Hamilton? O que pretende fazer com isso?

Angelo estudou-o com olhos inexpressivos e deu de ombros.

— Não faça nenhuma bobagem, Angelo.

Angelo riu alto.

— Não acredito que você está me dizendo isso.

— Quem melhor do que eu? Passei a última déca­da em exílio. Tenho sido perseguido pela lei e por meus inimigos. Mas meu tempo está no fim — mur­murou Carmelo. — Você é o meu parente mais pró­ximo e venho protegendo-o durante toda minha vida.

— Não que eu tenha notado — contradisse Ange­lo, inalterado pela declaração.

— Talvez sejamos mais inteligentes do que pensa. Talvez também descubra que, no fundo, você tem muito mais em comum conosco do que quer admitir.

Angelo ergueu a cabeça arrogante, o semblante negando fortemente a sugestão.

— Não. Realmente acho que não.

 

Com uma cesta de flores no braço, Gwenna apressou-se pela viela lamacenta, perseguindo os dois garotinhos. Excitados pelos ruídos que ela estava fazendo em seu papel de urso caçador, Freddy e Jake davam gargalhadas. Com seu cachorro, Piglet, um pequeno vira-lata que latia como louco, eles formavam um trio barulhento. O insistente toque de um celular soou entre as risadas. Gwenna parou e, com relutância, ti­rou o telefone do bolso.

— Aposto que é a Bruxa Malvada de novo — pre­viu Freddy com tristeza.

— Psiu — murmurou Gwenna, desejando que a mãe das crianças fosse mais cuidadosa sobre o que dizia na frente dos filhos.

— Ouvi mamãe dizer que você nunca terá um ho­mem com a Bruxa Malvada por perto. Precisa de um? — perguntou Jake.

— É claro que ela precisa... para ter bebês e trocar lâmpadas. — Freddy falou para o irmão.

— Estou ouvindo crianças? — Eva Hamilton exi­giu saber. — Joyce Miller lhe pediu para cuidar da­queles pestinhas novamente?

Dando um olhar de súplica aos gêmeos, Gwenna pôs um dedo nos lábios para pedir silêncio e esqui­vou-se da pergunta.

— Estarei com você em menos de uma hora.

— Tem idéia do quanto ainda precisa ser feito aqui?

— Pensei que o serviço de bufe...

— Estou falando sobre a limpeza — interrompeu sua madrasta acidamente.

Gwenna suspirou. Vinha trabalhando como uma escrava durante a última semana. Até mesmo suas costas, fortes pela atividade física regular que tinha no viveiro de plantas onde trabalhava, estavam do­endo.

— Faltou limpar alguma coisa?

— Os móveis estão empoeirando de novo, e as flo­res na sala de estar estão murchando — acusou Eva. — Quero que tudo esteja perfeito amanhã para seu pai, então teremos de fazer isso esta noite.

— Sim, é claro — Gwenna lembrou-se de que o al­moço que Eva estava organizando para alguns convi­dados selecionados se devia a uma boa causa. O dia seguinte seria um grande momento para seu pai. Donald Hamilton tinha trabalhado incansavelmente a fim de levantar os fundos necessários para começar a restauração dos jardins do Casarão Massey. Embora a mansão estivesse abandonada, os jardins haviam sido projetados por um notável jardineiro do século XIX, e o vilarejo precisava de uma atração turística para estimular a economia local. A imprensa esta­ria presente para registrar o momento que Donald Hamilton abriria os longos portões da velha proprie­dade, simbolizando que a primeira fase de trabalho no terreno poderia começar.

— A Bruxa Malvada sempre rouba seu sorriso — lamentou-se Freddy.

— Sou um urso, e ursos não sorriem — Gwenna o informou alegremente, voltando a brincar pelo bem dos garotos. Porém, mal começou a brincar quando ouviu uma explosão de latidos frenéticos.

— Oh, não! — exclamou ela, correndo para o pra­do da aldeia, onde Piglet tinha claramente encontra­do uma vítima. Estava furiosa consigo mesma por ter deixado o cachorro solto. Apesar de o pequeno ani­mal ser amável e excelente com crianças, tinha um problema. Como fora abandonado na estrada pelos primeiros donos, e acabou sendo atropelado, Piglet desenvolvera uma antipatia por carros, e tendia a agir de modo agressivo com os ocupantes do sexo mascu­lino. Felizmente, ele era tão pequenino que as pes­soas pensavam que o ataque fosse apenas uma brin­cadeira.

— Piglet... não! — Gwenna falou no instante em que viu seu cachorro rodeando furiosamente um ho­mem muito alto, parado perto da igreja.

 

Apesar do sol e da paisagem pitoresca, Angelo não estava de bom humor. A limusine sofisticada provara não ser um veículo adequado para aquela área rural. Seu chofer tinha tentado dirigir por uma estrada ab­surdamente estreita e arranhado a pintura do carro antes de admitir que estava perdido. Enquanto sua equipe de segurança se empenhava em localizar algu­ma alma viva naquele vilarejo tão deserto, Angelo saíra do carro para esticar as pernas. Uma tentativa de ataque por um mini-cão com enormes orelhas e pernas curtas também não era bem-vinda. No momento em que a dona do cachorro se aproximou correndo, An­gelo tinha uma expressão de censura no rosto.

— Piglet, pare com isso agora! — Gwenna estava horrorizada por Piglet ter escolhido como alvo um homem vestido num terno imaculado, uma vez que, por sua experiência, tais homens eram menos tole­rantes. Havia duas casas à venda do outro lado do prado, e ela imaginou que ele fosse corretor de imóveis.

Angelo fitou os olhos impressionantemente azuis em um rosto de uma beleza tão rara que, pela primei­ra vez na vida, esqueceu-se do que ia dizer. Em um milésimo de segundo, a oportunidade de admirar aquele rosto lindo foi perdida. Ela abaixou-se num esforço de pegar o animal irritante.

— Sinto muito... Por favor, não se mova — supli­cou Gwenna, freneticamente perseguindo seu cão ao redor de pés masculinos em sapatos de couro fino. No momento em que conseguiu agarrar o pequeno corpo de Piglet, sentiu-se envergonhada e tola.

Pelo canto do olho, Angelo avistou um dos seguranças vindo apressado em sua direção, a fim de pro­porcionar a usual barreira entre seu empregador e o resto da raça humana. Angelo fez um sinal para que o homem mantivesse a distância. Os raios de sol esta­vam refletindo lindas mechas douradas nos cabelos dela. Embora os cabelos loiros estivessem presos com uma fita na altura da nuca, ainda eram longos o bastante para tocar-lhe as costas. Angelo continuava admirando o rosto dela e questionou-se por que tivera tanto impacto sobre ele.

— Piglet, seu malvado... Eu sinto muito — decla­rou Gwenna, pegando o cachorro e erguendo-se. — Ele mordeu você?

Mesmo enquanto Angelo maravilhava-se com os belos olhos azuis, o nariz perfeito e a boca generosa, também registrou que o mundo da moda e estilo era estranho àquela mulher. O vestido azul desbotado marcava a curva exuberante dos seios antes de abrir-se numa saia rodada, revelando somente tornozelos delgados.

— Como assim? — perguntou ele com a postura elegante e poderosa, esperando que ela reagisse como todas as mulheres reagiam na presença dele, com olhos arregalados, sorrisos e sinais de flertes.

— Ele não mordeu você, certo? Piglet tem dentes afiados.

Intimidada pelo tamanho do homem, que passava muito de 1,8Om, Gwenna manteve distância. Contu­do, era impossível não notar o quanto ele era bonito. Essa consciência, assim como a compulsão que sen­tia em ficar olhando-o, eram tão estranhas que a dei­xou sem graça.

— Ele não mordeu — Angelo esperou, em vão, pela resposta sexual feminina que era tão previsível. Em vez disso, ela desviou os olhos. Aquilo o irritou.

— Graças a Deus... Jake, Freddy! — Gwenna esta­va olhando para trás à procura dos garotos e ansiosa para focar sua atenção em qualquer outro lugar.

Duas cabeças ruivas saíram de trás da cerca viva que delimitava o terreno da igreja.

— Vem pegar a gente, Gwenna! — implorou Freddy.

— Você é a babá deles? — perguntou Angelo.

Gwenna piscou com a pergunta inesperada.

— Não, estou apenas cuidando deles por uma hora. Com licença — acrescentou, olhando para cima e descobrindo que os olhos dourados do homem con­tinham um brilho que fez seu coração disparar. Pe­gando a cesta de flores que largara no chão, começou a se afastar.

— Talvez possa me informar onde fica o hotel Peveril House.

Ela parou e virou-se.

— Fica a uns oito quilômetros daqui. Se pegar a bifurcação atrás da igreja, vai ver a placa para o hotel. Poucas pessoas vêm para cá.

— Pergunto-me por quê — murmurou Angelo suavemente. — O cenário é muito bonito. Janta co­migo esta noite?

Pega de surpresa pelo convite, Gwenna enrubesceu.

— Mas não conheço você.

— Aproveite a oportunidade.

— Não... obrigada, não posso.

— Por que não?

Outros homens geralmente recuavam à primeira recusa. O fato de que ele exigia uma explicação a as­sustou, e ela não respondeu.

— Tem namorado?

Envergonhada, Gwenna achou que seria mais fácil mentir, mas não era uma mentirosa.

— Não, mas... — Ela baixou a cabeça e ficou em silêncio.

Ela rejeitara a única desculpa que Angelo teria aceitado. Mesmo assim, teria procurado uma nova abordagem, pois nunca conhecera uma mulher capaz de resistir ao que ele oferecia. Fidelidade, descobrira há muito, era geralmente negociável. Não podia acre­ditar que, pela primeira vez na vida, estava recebendo uma recusa.

— Com licença — murmurou ela novamente. — Preciso ir.

Angelo ficou parado boquiaberto, observando-a partir e passar pelo portão da igreja. Continuou acompanhando-lhe os movimentos na esperança de que ela olhasse para trás, o que não aconteceu.

Ofegante e tensa, Gwenna prendeu a coleira do ca­chorro no banco de madeira e entrou na velha igreja. Freddy e Jake tagarelavam enquanto ela arrumava as flores para o batizado que aconteceria na manhã se­guinte.

Fazia muito tempo desde a última vez que alguém a convidara para sair, pensou. Não entendia por que estava tão perturbada. Ou por que sentia um desejo enorme de voltar para a porta e espiar se o estranho bonito ainda estava lá. É claro que não. Ele agora es­taria a caminho do hotel luxuoso, no qual deveria es­tar acontecendo uma conferência internacional de negócios ou algo assim. O leve sotaque do estranho sugeria que sua primeira língua não era o inglês.

"E daí?", questionou-se. Por que estava curiosa? Não namorava, afinal. Aprendera que, mesmo quan­do os homens alegavam um relacionamento de ami­zade, sempre queriam mais. Queriam sexo, na verda­de. Mas ela não queria intimidade física sem amor, que a deixaria se sentir vazia e solitária quando aca­basse. Os insultos que sofrera enquanto crescia a tinham convencido de que seus valores antiquados a protegiam dos piores erros. Tinha plena consciência de que sua própria mãe pagara um preço alto por des­prezar esses mesmos princípios.

A imagem do rosto bronzeado do estranho, do im­pacto extraordinário daqueles olhos escuros e pro­fundos e do corpo magnífico surgiu em sua mente. Gwenna deu uma risadinha. Então, era mulher e hu­mana, e tinha notado um homem de tirar o fôlego.

Não do seu tipo, todavia. Ele era muito arrogante para agradá-la. Gostava de homens abertos, amigá­veis e criativos. Adicionando cabelos castanhos e um par de olhos verdes sorridentes, pensou distraída, e estaria descrevendo seu ideal de homem perfeito.

Cinqüenta minutos depois, Gwenna devolveu Freddy e Jake para a mãe deles, que tivera uma con­sulta pré-natal. Ela conhecia bem Joyce Miller, pois as duas tinham trabalhado juntas no viveiro de plan­tas por mais de um ano.

— Entre um pouco — convidou a ruiva grávida. — Vou fazer um chá.

— Desculpe, não posso.

Joyce a estudou.

— A Bruxa Malvada a acorrentou de novo?

Gwenna deu de ombros.

— Ainda há algumas coisas a serem feitas na casa do meu pai.

— Mas você nem mora lá. Não entendo o que a propriedade Old Rectory tem a ver com você.

Fazia alguns anos que Gwenna tinha se mudado para o pequeno apartamento acima do viveiro de plantas. As acomodações eram simples, mas fora um alívio ter paz e independência.

— Não me importo, se isso deixa Eva feliz. Ama­nhã é um dia especial para papai.

— E para você — apontou Joyce. — O Casarão Massey foi construído por seus ancestrais. Foi a casa de sua mãe um dia.

Gwenna riu.

— Há mais de uma geração o lugar já estava em ruínas. Minha avó e minha mãe moraram lá, mas nunca puderam reformar a casa. É uma pena que meus ancestrais não tiveram talento para ganhar di­nheiro.

— Acho que você teve muito sucesso reunindo os locais e apresentando idéias tão boas para levantar fundos para a restauração dos jardins.

Gwenna sorriu.

— Obrigada, mas sempre fui a garota do quarto dos fundos. Foi a lábia de meu pai e suas incríveis co­nexões que trouxeram o dinheiro. Ele fez um traba­lho maravilhoso.

— Finalmente entendo por que ainda está solteira. Você adora seu pai — afirmou a ruiva. — Nenhum homem vai igualar-se a ele a seus olhos.

Andando para Old Rectory, onde seu pai e sua ma­drasta viviam, Gwenna pensou sobre aquela conver­sa. Não tinha discutido a questão porque sua verdade estava bem guardada. Mesmo assim, acreditava que realmente seria muito difícil alguém igualar-se a Donald Hamilton. Seu pai era especial. Só um homem especial reconheceria uma filha ilegítima, levando-a para casa e mantendo-a lá apesar de isso ter custado seu casamento. Aceitava que o pai tinha seus defei­tos. Quando jovem, tivera uma fraqueza pronunciada por mulheres e mais do que um caso extraconjugal. A mãe de Gwenna, Isabel Massey, havia sido uma des­sas mulheres.                                                           

Na manhã seguinte, Gwenna acompanhou seu pai enquanto posava para câmeras na entrada da propriedade Massey. Apesar de ter mais de 5O anos, Donald Hamilton parecia mais novo. Com os cabelos loiros e a pele bronzeada, era um homem apresentável. Como advogado, tinha construído uma carreira de sucesso em uma empresa de móveis. Estava acostumado a li­dar com a mídia, e seu discurso inteligente adiciona­va brilho à performance pública. Os portões foram abertos e as equipes de noticiários da televisão grava­ram o momento e o pontuaram com uma entrevista. A madrasta de Gwenna e suas meio-irmãs, Penélope e Wanda, deleitavam-se em ser o centro das atenções. Gwenna não tentou se juntar à reunião familiar, uma vez que sabia que não seria bem-vinda e, conseqiientemente, embaraçaria o pai.

— Eu não sabia que personalidades importantes da polícia também viriam — comentou um membro do comitê dos Jardins Massey a seu lado. — Aquele é o chefe superintendente, Clarke.

Gwenna olhou por sobre o ombro e viu dois ho­mens de terno parados perto de uma viatura policial. Um outro homem conversava com seu pai, e era evi­dente que Donald Hamilton não gostava do que ou­via, pois estava vermelho e falando alto que aquilo não fazia sentido. Os jornalistas agora prestavam atenção no palco. Com um sorriso exasperado nos lábios, seu pai foi em direção aos homens perto do car­ro. De repente, um silêncio curioso se instalou entre a multidão. Gwenna ouviu o policial mais velho refe­rir-se a "acusações muito sérias". Observou, total­mente incrédula, quando os direitos legais de seu pai foram lidos. Diante de sua família e da mídia, Donald Hamilton estava sendo preso.

 

Em sua suíte luxuosa do hotel Peveril House mais tarde naquele dia, Angelo Riccardi colocou o vídeo da prisão de Donald. Mediante um cachê anônimo, a equipe televisiva registrará um final mais excitante do que o prometido: Hamilton sendo algemado du­rante um evento no qual era homenageado como um glorioso filantropo, agora desmoronando de seu pe­destal de respeitabilidade.

Angelo havia comprado a empresa de móveis onde sua presa trabalhava, e enviara auditores para exami­nar as contas. Pegar Hamilton em flagrante não era o desafio que tinha esperado. Na verdade, fora quase fácil demais. É claro, exposição pública era apenas o começo, pensou. Hamilton pagaria o preço justo por seus pecados. Ele pretendia destituir o homem que roubara e abandonara sua mãe, e o bom nome era apenas o primeiro passo daquele processo.

 

Gwenna olhou ao redor do cômodo com desespero e reprimiu a onda de raiva causada pelas acusações fei­tas ao seu pai, que tinha sido desprovido de sua ale­gria natural devido aos eventos recentes.

A sala de visitas da Old Rectory era grande e ele­gante, mas o arranjo de flores que ela colocara sobre a mesa estava agora murchando. Fazia três dias que seu mundo se despedaçara, juntamente com algumas de suas convicções mais profundas.

Donald Hamilton tinha sido acusado de fraude, e informado de que outros crimes ainda seriam revela­dos. No começo, todos tentaram defendê-lo. Não apenas a família, mas amigos e vizinhos também, uma vez que ele era uma figura popular. Todavia, o patrão de Donald e colegas de trabalho vinham man­tendo distância, provavelmente temendo pela segu­rança de seus empregos. Afinal, não fazia uma se­mana que Furnridge Leather tinha sido comprada pela Rialto, a grande corporação dirigida por Angelo Riccardi. Possivelmente, devido a tais conexões de poder, o caso havia atraído muita publicidade nega­tiva.

Talvez, o maior choque de todos ocorrera quando Donald Hamilton, confrontado com as evidências de seus crimes, decidira confessar sua culpa. Gwenna ficara arrasada. O fato de que o pai que adorava e ad­mirava tinha roubado dinheiro a apavorara, mas ha­via ficado orgulhosa por ele ter tido coragem de ad­mitir os erros e a culpa. Quando Donald finalmente tivera permissão de ir para casa, levara Gwenna ao seu escritório para uma conversa particular. Então, contara como o estilo de vida extravagante que vinha levando havia criado uma montanha de dívidas com as quais não podia mais lidar.

— Eu só peguei um pouco de dinheiro emprestado da Furnridge para saldar dívidas — explicou seu pai. — Pretendia devolver. Infelizmente, os preparativos para o casamento de Penelope nos custou uma fortu­na. A mãe dela gastou uma outra fortuna confortan­do-a quando o casamento fracassou. Então Wanda precisou de capital para iniciar sua escola de equita­ção. Como você sabe, foi um outro desastre e perdi muito no investimento. Mas entendo que não há des­culpa para roubar. Não pense que estou culpando uma outra pessoa, também.

— Eu não penso isso — disse Gwenna, cujos olhos estavam marejados ao abraçar o pai. Tinha ple­na consciência de que sua madrasta e suas duas meias-irmãs não se contentavam com pouco, e que esperavam que Donald satisfizesse cada um de seus desejos e necessidades.

— Nunca fui capaz de dizer não às pessoas que amo. Sei que estamos vivendo além de nossas possi­bilidades nesta casa, mas não consegui negar nada a Eva. Eu a amo tanto, Gwenna. Não sei o que farei se ela quiser o divórcio.

Após aquela conversa, Gwenna agora achava mui­to difícil ficar ouvindo o resto da família recriminan­do seu pai.

— Eles fecharam minhas contas bancárias. Como vou pagar meus cartões de crédito? — reclamou Penélope, a irmã mais velha, com o rosto bonito contor­cido pela raiva.

Gwenna perguntou-se o que aconteceria se suge­risse que era hora de ela procurar um emprego regu­lar. Mas as filhas de sua madrasta ainda viviam em casa. Penelope tinha 27 anos, trabalhava como mode­lo meio-período e tratava sua carreira como um hobby, esperando que o padrasto pagasse todos os seus lu­xos. A irmã, Wanda, era dois anos mais nova e nunca parara num emprego por mais de seis semanas.

— E quanto às prestações de meu carro esporte? — Wanda estava exigindo. — Onde vou arranjar o dinheiro para pagar?

Eva dirigiu um olhar de condenação ao marido.

— Até agora, nunca tinha apreciado o quanto meu primeiro marido era bom para nos sustentar.

Gwenna recuou ao perceber como a mulher era cruel, e que talvez pudesse abandonar o marido, ago­ra que a situação financeira já não era boa.

— Sim, ele era, e certamente não vou correspon­der às expectativas desse desafio. — Sentado em uma poltrona no canto, Donald Hamilton estava obvia­mente deprimido por ser o alvo de todos aqueles ata­ques.

— Se pelo menos você não tivesse admitido que pegou o dinheiro! Com um bom advogado, poderíamos ter contestado as acusações — disse Penelope furiosa.

— Poderíamos ter uma chance se Furnridge ainda pertencesse a John Ridge. Mas não agora... Rialto é enorme e Angelo Riccardi é um homem terrível. Numa organização daquele tamanho, as regras são rí­gidas, e os recursos ilimitados. Eles vão me tirar até o último centavo — murmurou Donald. — Estou arrui­nado.

— O que importa é que você confessou tudo. Te­nho certeza de que isso foi um alívio para todos, e que o faz se sentir melhor — comentou Gwenna.

— Aprendeu na igreja que honestidade é a melhor política? — zombou sua madrasta. — Você definiti­vamente não se saiu à sua mãe. Afinal, ela foi o peca­do secreto de seu pai por anos!

Gwenna enrubesceu com a vergonha que nunca conseguia reprimir. Era verdade, o caso de sua mãe com Donald Hamilton fora secreto e construído so­bre mentiras e simulações. Entretanto, tinha parado de ser lembrada disso desde que alcançara a inde­pendência.

— Ouça, vim aqui para...

— Intrometer-se onde não é desejada? — acusou Wanda.

— Para que tentássemos decidir a melhor maneira de lidar com a situação — disse Gwenna. — Se con­seguirmos repor o dinheiro que foi retirado, papai tal­vez possa escapar do processo. Obviamente, os Jar­dins Massey e o viveiro de plantas poderiam ser ven­didos. E há o apartamento em Londres...

A sugestão de que o apartamento da cidade, muito usado por Eva e suas filhas, fosse colocado à venda, gerou um ataque sarcástico das outras mulheres. Mas Donald estudou Gwenna com o primeiro brilho de esperança desde sua prisão.

— Você acha que uma oferta como esta pode fazer diferença?

Gwenna assentiu vigorosamente.

— Mas se Massey for vendida, você perderá seu emprego, o negócio que construiu e o teto sobre sua cabeça. Realmente faria isso por mim? — perguntou ele emocionado.

— É claro. — Gwenna pigarreou. — Então, há esta casa...

Eva a interrompeu:

— Esta casa está no meu nome e eu não vou ven­dê-la!

Gwenna não sabia daquilo e murmurou um pedido de desculpas.

O telefone tocou. A polícia queria que Donald res­pondesse mais algumas perguntas. Gwenna viu o pai empalidecer. Doía testemunhar o medo dele com a perspectiva de uma outra visita à delegacia.

Com um ar resoluto, ela se levantou e olhou para o pai.

— Vou até Furnridge Leather falar com a pessoa que tem o poder de tomar uma decisão sobre esse as­sunto.

 

Angelo estava diante da janela que dava vista para a recepção no piso inferior da Furnridge Leather, e ou­via seus executivos discutirem idéias com o antigo dono, John Ridge, para renovar a empresa. Ocasio­nalmente, falava para descartar as idéias mais absur­das. Aquela era a menor empresa que comprara em uma década. Era um desafio para seu staff pensar so­bre um projeto pequeno, principalmente quando a empresa estava com sérios problemas financeiros. Agora havia duzentos funcionários com boas razões para odiar Donald Hamilton, porque o futuro do ne­gócio oscilava.

Uma mulher jovem se aproximou da recepção. Os longos cabelos loiros estavam presos num simples rabo-de-cavalo. Angelo ficou tenso ao reconhecer imediatamente o ângulo gracioso da cabeça e o perfil perfeito. Bem, Gwenna, do pequeno vilarejo em Somerset, o encontrara novamente. Ela teria visto sua limusine quando ele partira e reconhecido o seu valor financeiro? De qualquer forma, a mulher o identifi­cara, poupando-lhe o trabalho de procurar por ela. Sentiu-se desapontado. Acreditara que por uma vez teria de se esforçar para levar uma mulher para cama. O telefone tocou. A ligação era para John Ridge.

O homem mais velho desligou o telefone e mur­murou:

— A filha de Donald Hamilton, Gwenna, está lá embaixo, pedindo para falar comigo ou com o res­ponsável. Há alguém aqui disposto a conversar com ela?

Angelo franziu o cenho. Quando consultara as informações sobre o passado de Donald Hamilton, não houvera referência de uma filha com esse nome.

— Filha verdadeira de Hamilton?

— Sim, e é uma garota adorável, mas eu preferia não ter de lidar com ela. Não há nada a dizer, há?

— Nada — concordou um dos executivos.

— Eu a receberei aqui em 15 minutos. — Imper­turbável pela surpresa de seus companheiros, Angelo imediatamente acessou o arquivo de Hamilton em seu laptop. E lá encontrou uma breve referência dela como Jennifer Gwendolen Massey Hamilton, 26 anos de idade. Então, a única filha de Hamilton era uma mulher linda e trapaceira.

Gwenna estava sentada na sala de espera, sentindo o clima hostil ao seu redor. Ficara perplexa ao saber que Angelo Riccardi se encontrava na empresa e a re­ceberia, pois imaginava que alguém tão rico e pode­roso não tivesse tempo para cuidar de assuntos sobre um empreendimento rural tão pequeno. No momento em que foi conduzida ao antigo escritório de seu pai, estava pálida e tremendo de nervoso.

— Srta. Hamilton — murmurou Angelo friamen­te, observando o choque de reconhecimento no sem­blante dela. — Sou Angelo Riccardi.

Atônita por ser cumprimentada pelo homem que encontrara no vilarejo, Gwenna exclamou em confu­são:

— Você é... mas não pode ser!

Angelo arqueou uma sobrancelha.

Um momento interminável de silêncio se seguiu, enquanto ela o olhava, absorvendo novamente os profundos olhos dourados, os ângulos fortes do rosto esculpido, os lábios sensuais e bonitos. Um calor des­confortável instalou-se em seu corpo. Respirando profundamente, esforçou-se para se recompor.

— Bem, obviamente você é... quem diz ser — ga­guejou Gwenna. — Eu podia ter passado sem essa coincidência hoje.

— Ainda não sei por que você quis falar comigo. — Angelo estava apreciando o estado perturbado dela. Aparentemente, a filha de seu inimigo não era fraudulenta como o pai.

— Vim para falar sobre meu pai.

— Fico surpreso que você ache que eu possa estar interessado.

— Meu pai trabalhou aqui por muito tempo...

— Enquanto sistematicamente deixava a empresa sem capital.

Ela baixou os cílios, envergonhada.

— Não tenho intenção de negar o que ele fez.

— Por que mais estaria requisitando este encon­tro? Talvez você espere o mesmo tratamento especial que seu pai teve quando trabalhava aqui.

— Não sei sobre o que você está falando.

— John Ridge tratava seu pai mais como amigo do que como empregado, e nunca pôde entender por que a produtividade melhorada constantemente fracassa­va em obter lucros. Por isso, vendeu a empresa. — Angelo a viu empalidecer e abaixar a cabeça. Estava satisfeito por ter usado aquilo contra ela. Sabia como escolher os pontos fracos nas pessoas e utilizá-los para seu próprio benefício. — Ele está arrasado agora que sabe como sua confiança foi traída.

— Papai está muito envergonhado. Sei que isso não muda nada...

— Você está vivendo em seu pequeno mundo, srta. Hamilton. Neste momento, meu staff está tentando encontrar uma maneira de impedir a falência da empresa.

Uma sensação de derrota a percorreu. Já era ruim o bastante John Ridge ter sido enganado, e agora des­cobria sobre a condição precária que a empresa se en­contrava.

Ocorreu-lhe que merecia a repreensão de Angelo Riccardi. Ela fracassara em considerar as re­percussões que poderiam surgir da fraude de seu pai. Na verdade, ingenuamente assumira que o futuro de Furnridge Leather seria mais seguro como parte de uma organização maior, como a Rialto. O risco de fa­lência a apavorava, uma vez que a empresa de móveis era a principal empregadora local.

— Eu não sabia... que os problemas estavam tão sérios.

— Como poderia não saber? Foi feito uso indevi­do de uma grande quantidade de dinheiro. — Angelo descobriu que a raiva que sentira ao descobrir a iden­tidade dela, agora era substituída por satisfação. Por que não? Ela era filha de Hamilton. Ele agora tinha duas pessoas para brincar, em vez de uma, e já podia ver que ela era um brinquedo lindo, com um bom re­pertório de respostas. — Nenhum empreendimento deste tamanho pode passar por uma crise financeira sem riscos de falência.

Gwenna ergueu a cabeça.

— Mas é por isso que estou aqui. Para dizer como esse dinheiro pode ser devolvido.

— Devolvido? — Angelo a olhou com renovada intensidade. Os olhos azuis continham um apelo que não podia definir. O conjunto de calça e blusa podia ser antiquado e deselegante, mas a beleza da mulher era tão rara que isso se tornava insignificante.

— Meu pai tem propriedades que poderiam ser vendidas, resultando em dinheiro para o reembolso. — Nervosa com a observação detalhada dele, Gwen­na desviou o olhar. Não era a primeira vez que se per­guntava por que ele a deixava tão desconfortável. Sentia um nó na garganta, os músculos tensos. Seria medo?

— Se quaisquer dessas propriedades foram com­pradas com dinheiro roubado, e seu pai for considera­do culpado no tribunal, esses bens podem ser apreen­didos e vendidos para proporcionar compensação.

Aquilo acabou com as esperanças de Gwenna, e ela sentiu a força total de sua ignorância.

— Eu não sabia disso.

Apesar do que Angelo tinha lhe dito, sabia que os juizes eram relutantes em relação à desapropriação e venda de bens pessoais, particularmente quando ha­via uma esposa envolvida. Mas estava determinado a ver Donald Hamilton punido em cada nível possível. Tirar-lhe os bens adicionaria sabor àquele processo.

— Contudo, um caso como este leva tempo — ele amenizou como encorajamento para que ela insistis­se na venda dos imóveis.

— Papai já admitiu a culpa — Gwenna murmurou prontamente. — Ficaria feliz em concordar que as propriedades fossem postas à venda e com os proce­dimentos usados para eliminar seu débito...

— Ele é um ladrão, não um devedor — interrom­peu Angelo secamente. — Além disso, propriedades podem demorar muito para vender. — Olhos cor de ébano prenderam os dela. — É claro que se eu esti­vesse disposto a considerar tal acordo, uma avaliação poderia ser feita e as propriedades em questão pode­riam simplesmente passar para meu nome. Isso seria conseguido rapidamente.

Pronta para concordar com qualquer tipo de acor­do, Gwenna assentiu para a sugestão. Então, respirou fundo, ciente do olhar intenso de Angelo e de seu próprio coração disparado. Percebendo que tinha en­rubescido, foi até a janela. Como ele podia ter aquele efeito sobre ela? Era um completo estranho. Como ti­nha a capacidade de lhe despertar sensações físicas que estavam reprimidas e enterradas? Gwenna deci­dira há muito tempo que nunca daria o seu corpo sem o seu coração.

— Eu também diminuiria o risco de alguém so­frendo de arrependimentos de última hora — ressal­tou Angelo, com uma expressão de triunfo por ter fi­nalmente provocado uma reação dela. Vira o brilho de surpresa nos olhos de Gwenna. — Obviamente, seu objetivo é libertar seu pai da ameaça de um pro­cesso.

Sem saber se devia se sentir aliviada ou ameaçada pela facilidade com a qual ele deduzira o fato, Gwen­na virou-se para encará-lo. Ergueu o queixo e uniu as mãos fortemente.

— Sim.

— Isso não será possível, cara. Acredito que todos os malfeitores devem ser punidos pela lei.

— Mas se o dinheiro for devolvido, isso beneficia­ria esta empresa e todas as pessoas que trabalham — protestou Gwenna fervorosamente. — Você não se importa com isso?

— Meu coração raramente sangra, srta. Hamilton.

Angelo observou-a afastar uma mecha loira do rosto. Ela era maravilhosa, deleitável. E estava tre­mendo de leve. Ele gostava da idéia que pudesse ser responsável pelo efeito potente. Tinha um desejo quase incontrolável de ver aqueles cabelos soltos caindo em cachos sobre os ombros.

— Mas nesse caso específico...

— A base dos negócios são os lucros, e no que diz respeito a isso, não há o bastante em sua oferta para me tentar.

Gwenna estava profundamente desapontada. Nun­ca se sentira tão nervosa ou tão inadequada. Tinha consciência de sua falta de sofisticação. Não sabia como lidar com um homem que possuía o polimento de um diamante caro e elegante, e não mostrava emo­ção. Uma combinação que achava altamente intimidadora.

— O que seria necessário para... tentá-lo?

Angelo a estudou com uma calma enervante.

— Você.

Gwenna piscou.

— Desculpe-me... não entendi.

— Eu quero você.

— Eu não entendo. — Os olhos azuis se arregala­ram. Sentia-se tola porque obviamente ele não podia estar se referindo ao que ela pensava.

— Você é sempre tão lenta para entender?

— Você está falando sobre... sexo? — Gwenna fi­cou tão furiosa que o embaraço a fez murmurar a úl­tima palavra num sussurro quase incompreensível.

Os brilhantes olhos escuros conseguiram parecer entediados.

— Do que mais?

Ela o estudou longamente. Sempre tivera proble­mas em se ver como um ser sexual. Era muito mais freqüentemente vista como simpática e sensata do que como uma mulher sexy. Que um homem milio­nário e sofisticado pudesse desejá-la tanto era inacre­ditável.

— Isso é algum tipo de brincadeira?

— Não faço brincadeiras.

Gwenna olhou para o homem alto e elegante em seu terno impecável. Ele era arrasadoramente bonito, mas ela afastou o pensamento assim que entrou em sua mente.

— Mas está mesmo sugerindo que se eu dormir com você pode reconsiderar o processo contra meu pai?

— Sim — confirmou Angelo.

Ela estava atônita pela concordância sem hesita­ção.

— Mas isso é moralmente errado.

— Somos adultos e você tem uma escolha.

Ela ergueu a cabeça, furiosa por estar tão envergo­nhada quanto uma adolescente, enquanto ele se com­portava como se nada desagradável estivesse aconte­cendo.

— Como pode me insultar dessa maneira?

— O que é insulto para uma mulher, pode ser elo­gio para uma outra. — Angelo sorriu em desafio. — Não é meu ego falando, e sim um fato quando digo que muitas mulheres dariam tudo pela mesma opor­tunidade.

Gwenna, que raramente perdia a calma, descobria agora que queria matar um ser humano. O jeito arro­gante e insolente dele a fez cerrar os dentes. Pura rai­va a assolou.

— Bem, eu não sou uma delas! Tenho mais auto-estima do que isso.

— O que a torna infinitamente mais desejável.

— Então, você é um desses homens que sempre desejam o que não podem ter?

Angelo prendeu-lhe o olhar, mais intrigado do que nunca com a resistência e súbita raiva dela.

— Nunca me encontrei em uma situação na qual "não posso ter".

— Pois acaba de se encontrar — declarou Gwen­na e virou-se. — Meu corpo não é negociável, sr. Riccardi.

— Então, seu pai terá de pagar o preço e ir para a prisão — murmurou Angelo.

Ela parou no meio do caminho para a porta e virou-se.

A idéia de seu pai ir para a prisão a apavorava. Ele já tinha perdido tanta coisa: o emprego, a reputação, os amigos, a segurança financeira. Seu casamento poderia logo entrar na categoria de perdas. Ela sabia e aceitava que ele errara. Mas o que dominava os seus pensamentos era o débito que tinha para com seu pai desde o dia em que ele a recebera em sua casa após a súbita morte da mãe.

Quando sua mãe, Isabel, havia engravidado duran­te seu longo caso com Donald Hamilton, esperara que o amante deixasse a esposa sem filhos, Marisa. Mas então Isabel descobrira que não tinha sido o úni­co caso extraconjugal de Donald. Derrotada e amar­ga, se tornara uma mãe solteira sem entusiasmo.

Quando Gwenna tinha oito anos, Isabel morrera num acidente de carro. Donald, ainda casado com a primeira esposa, resgatara sua filha ilegítima numa época em que Gwenna não tinha mais ninguém. Em­bora ele fosse quase um estranho, a fizera se sentir realmente importante. Mesmo quando sua esposa, Marisa, o forçara a escolher entre a filha e o casamen­to, seu pai se recusara a pôr Gwenna para adoção. Logo depois, Marisa pedira o divórcio. Donald nunca culpara a filha pelo preço que tivera de pagar por es­colhê-la. Mas, apesar do casamento subseqüente de seu pai com Eva, Gwenna sempre se sentira culpada. O passar do tempo e a chegada da maturidade não al­teraram sua crença de que sempre estaria em débito com o pai pelo sacrifício amoroso que tinha feito em seu nome.

— Antes de você partir, ouça-me — disse Angelo, habilmente brincando com a hesitação de Gwenna.

Piscando, ela o encarou.

— Se as propriedades forem suficientes para co­brir o desfalque da Furnridge Leather e você concor­dar em ser minha amante, eu retiro as queixas contra seu pai.

Um arrepio percorreu o corpo de Gwenna. Aman­te? O que significava aquele termo? Sexo por uma noite? A conquista era tão importante para ele? Poderia querer tanto assim fazer sexo com ela? A extensão de sua própria ignorância sexual a irritou.

— O que ser amante engloba? — perguntou sem olhá-lo.

— Dar-me prazer.

Ela cerrou os dentes.

— Não acho que eu seria muito boa nisso.

— Estou disposto a dar aulas sem custos extras.

— Acho que você simplesmente não suporta ser rejeitado — replicou ela furiosa.

— Não acho que você vá me rejeitar duas vezes.

Gwenna suspirou. Incapaz de imaginar-se se des­pindo diante de um homem sem encolher-se de medo, bloqueou todos os pensamentos de uma inti­midade. Tinha ciência de que muitas pessoas faziam sexo por fazer. Seria físico, não emocional. Não ha­via necessidade de fazer um drama sobre algo que não era tão importante, disse a si mesma. Era uma pessoa prática. Talvez não gostasse da idéia, mas po­deria suportar aquilo.

— Bem, considero sua proposta absurda e louca, mas se dormir com você uma noite vai ajudar a minha família...

— Uma noite não será suficiente.

Gwenna estava pasma. Ele queria mais do que uma noite? Um silêncio se seguiu, enquanto ela incli­nava o queixo em desafio.

— Apenas o inferno não tem limite de tempo.

Desconcertado pelo comentário, Angelo estudou-a antes de dar uma gargalhada de apreciação.

— Gosto de seu senso de humor, cara.

— Mas eu não estava tentando ser engraçada. Quanto tempo deseja que eu faça esse papel tão estra­nho em sua vida?

Angelo deu de ombros. Mas de repente descobriu que o divertimento que sentira estava se transforman­do numa emoção muito parecida com raiva. Era um homem orgulhoso, e a relutância de Gwenna come­çava a se tornar insultante. Antes que eles se separas­sem, ela ia mudar de idéia, jurou a si mesmo. Gwenna o amaria como sua mãe um dia amara gratuitamente o impostor do pai dela.

— Quero você pelo tempo que me proporcionar entretenimento.

— Considera entretenimento quando uma mulher o odeia?

Uma intensa fúria surgiu nos olhos de Angelo.

— Prometo que não será ódio que você vai sentir.

Gwenna comprimiu os lábios. Pura raiva a percor­reu, causando-lhe tontura. Mas então, a realidade veio à tona, e pensou no seu pai e no quanto o amava. Angelo Riccardi estava lhe dando a chance e o poder de impedir que seu pai fosse preso. Como poderia ne­gar? Donald Hamilton não seria o mesmo homem quando saísse da prisão, enquanto que, se ela lhe ga­rantisse a liberdade, seu pai poderia recomeçar a vida. Que direito tinha de negar-lhe essa chance de redenção?

— Quero sua resposta agora — disse Angelo sem rodeios.

— Sim... Você me fez uma oferta que não posso recusar — respondeu Gwenna tremendo.

Ele estendeu a mão.

— Mas não vamos fingir que esta é uma oferta ci­vilizada — ela ouviu-se dizendo quando deu um pas­so atrás, afastando-se.

Angelo deu um passo à frente, e antes que ela adi­vinhasse-lhe a intenção, segurou-lhe o rosto entre as mãos e baixou aquela boca linda e insolente em direção à dela. O choque a deixou paralisada pelos pri­meiros dez segundos, e então um calor alucinante instalou-se entre suas coxas. Era como uma chama em temperaturas geladas, chocante e repentina, e in­crivelmente doce. Ele ergueu a cabeça arrogante, os olhos dourados absorvendo a expressão confusa dela.

— Ser civilizado pode significar supervalorização, cara. Meus advogados entrarão em contato. Se tudo estiver em ordem, eu a procurarei na próxima semana.

 

Donald Hamilton meneou a cabeça lentamente.

— Nada me restou, nem mesmo minha inde­pendência.

— As avaliações não são o que você esperava? Mesmo para o apartamento de Londres? — Gwenna questionou, ansiosa.

— Eu diria que os números não são generosos.

Ela franziu o cenho.

— É claro que o preço das propriedades caiu em algumas áreas. Como foram avaliados os jardins e o viveiro?

— A propriedade Massey está listada como patrimônio histórico e protegida por lei — Donald a re­lembrou. — Isso mantém seu valor baixo, porque o terreno não pode ser usado para fins lucrativos. O vi­veiro é um empreendimento pequeno. Você fez ma­ravilhas lá, mas...

— Não é um grande negócio — completou Gwenna.

— Mesmo assim, se a venda das propriedades me protege de um processo, como posso reclamar? — murmurou seu pai. — Quanto ao que me contou so­bre você e o dono da Rialto, isso torna tudo ainda mais incrível.

Incrível? Parecia uma estranha escolha de palavra. Gwenna enrubesceu. Ainda se perguntava se seu pai tinha entendido o que ela faria a fim de salvar-lhe a pele. Para disfarçar o embaraço, abaixou-se para aca­riciar Piglet, que estava deitado aos seus pés.

— Você é uma mulher linda. — Donald Hamilton olhou para a filha com orgulho. — Não me surpreen­de que um homem do calibre de Angelo Riccardi te­nha notado você e esteja interessado. Talvez pudesse conversar com ele sobre os valores — continuou ca­sualmente. — Não de imediato, mas talvez em uma ou duas semanas.

Nervosa, Gwenna levantou a cabeça.

— Conversar com ele?

— Você não pode ser tão ingênua — disse seu pai com uma risada. — Obviamente, tem influência so­bre o homem poderoso.

— Não acho que se possa dizer isso...

— Não é hora de falsa modéstia — interrompeu ele, meio irritado. — Escolha o momento para contar a Riccardi o quão infeliz você está em relação à sua famí­lia. Tem idéia de como vai ser minha vida sem um centavo, Gwenna? Dependendo de sua madrasta para tudo?

Mas ela estava tanto perplexa quanto consternada pela suposição de que seria capaz de persuadir Ange­lo Riccardi a oferecer um melhor preço pelas proprie­dades de seu pai.

— Sinto muito, mas minha preocupação não che­gou tão longe. Tudo que tenho pensado é em mantê-lo longe da prisão.

Donald Hamilton recuou, como se estivesse se culpando por sua falta de tato.

— Acho que esse risco já não existe mais, e a vida continua — declarou ele. — Será muito difícil conse­guir um outro emprego.

— Suponho que sim. Mas como espera que eu o ajude, conversando com Angelo Riccardi? — per­guntou Gwenna apreensiva.

Seu pai sorriu.

— Não seja ingênua. Durante o tempo em que você tiver o interesse de Riccardi, o mundo será seu. Idealmente, eu gostaria de meu emprego de volta na Furnridge Leather.

Gwenna estava chocada pela declaração.

— Seu antigo emprego?

— Sim. — Sem notar a incredulidade da filha, ele acrescentou: — Isso silenciaria os difamadores. E me ajudaria a erguer-me novamente.

Ela engoliu em seco.

— Honestamente, não acredito que eu possa fazer nada para ajudá-lo a recuperar seu emprego.

— Bem, então, alguma coisa com um status equi­valente em algum outro lugar. Por que está chocada? — perguntou ele. — Não seria nenhum problema para Riccardi lhe fazer um pequeno favor.

Pela primeira vez Gwenna ficou aliviada com a chegada de Eva e das meias-irmãs. Não sabia como dizer ao pai que não tinha a influência que ele imagi­nava, mas que sentia que suas esperanças eram ilusó­rias. Ao mesmo tempo, esforçou-se para entender o comportamento do pai. Ele estava sob estresse e o re­lacionamento com a esposa não estava ajudando.

Vejo que continua usando sua jaqueta enlamea­da e seu jeans barato — Penelope falou para Gwenna.

— Angelo Riccardi vai transformá-la numa mulher sensual? Ou será que lama o excita?

Gwenna não queria considerar o que poderia exci­tar Angelo Riccardi. Desde aquele beijo arrasador, vinha tentando esquecê-lo. A descoberta de que ele poderia lhe provocar uma resposta física tão intensa não fora bem-vinda.

— Você tem sorte — murmurou Wanda com inve­ja — Quando penso no esforço que faço para ficar bonita, é deprimente vê-la sair mal vestida e ainda atrair um bilionário.

— Isso não vai durar cinco minutos — previu sua madrasta, Eva. — Essas coisas nunca duram.

— É melhor eu ir. Tenho pedidos para enviar pelo correio — disse Gwenna, ansiosa para escapar do trio.

— Não se esqueça do que estou passando aqui. — Seu pai a acompanhou até a porta.

— É claro que não vou esquecer. — Gwenna ficou tocada pelo abraço afetuoso que ele lhe deu.

— Veja se consegue alguma coisa para mim com Riccardi.

Gwenna dirigiu o jipe lentamente de volta para o viveiro de plantas. Não havia mais nada que pudesse fazer por seu pai no momento, pensou com tristeza. Ele teria de aceitar o fato de sua vida nunca mais vol­tar a ser a mesma. A cabeça dela estava latejando de tensão.

Era difícil aceitar que, num espaço de dez dias, tudo tinha virado de ponta-cabeça, ameaçando o futuro com o qual sempre contara.

O vilarejo que vivia desde que nascera não seria mais o seu lar. O ne­gócio que lutara tanto para construir seria passado para as mãos de um estranho, e talvez nem mesmo so­brevivesse.

Gwenna estava no estoque dos fundos, e tinha aca­bado de empacotar os pedidos que enviaria pelo cor­reio, quando seu celular tocou. Era Toby. Sorrindo com prazer, ela foi para a loja a fim de conversar e ouvir as novidades. Ele lhe falou que estava na Ale­manha. Arquiteto paisagista, Toby James já tinha uma carreira de sucesso e freqüentemente trabalhava no exterior. Gwenna o conhecera na faculdade, e o via menos do que gostaria.

— Eu soube da história de seu pai através de um amigo que leu no jornal — disse Toby. — Você deve estar arrasada com isso. Por que não me contou?

— Não havia motivo para espalhar a notícia ruim.

— Quantas vezes chorei em seu ombro? — censu­rou ele.

— Só uma vez — replicou ela, lembrando-se da noite em questão. — Os viveiros e os jardins vão ser vendidos.

— Isso é um desastre! Não posso crer!

Gwenna visualizou Toby passando uma das mãos impaciente pelos cabelos castanhos, os olhos verdes brilhando com preocupação por ela. Ele era bonito e muito divertido. Demorara bastante para ela entender que a amizade deles não poderia passar de amizade, porque, embora poucas pessoas apreciassem o fato, Toby era gay. No momento em que Gwenna havia descoberto, estava apaixonada por ele, e nunca mais encontrara um homem que pudesse fazê-la sentir o mesmo tipo de afeição.

Enquanto Gwenna conversava com Toby, Angelo estava descendo da limusine parada diante da casa dela. Olhou as redondezas com desdém. O viveiro de plantas não passava de um galpão desorganizado e uma estufa antiquada. Ele foi em direção à porta aberta da loja, e no momento em que sentiu o forte perfume no ar, viu Gwenna. Com pernas delgadas e longas coberta por um jeans justo e cabelos loiros menos num rabo-de-cavalo, ela estava encostada contra o balcão, um sorriso glorioso iluminando o rosto adorável. Estava conversando, inconsciente de sua presença. Imediata­mente, ele soube que não ficaria satisfeito enquanto ela não lhe sorrisse daquele jeito.

— Parece que faz um século que não o vejo. Estou com saudade.

Parado à porta, Angelo escutou. Embora estivesse perto, ela não o viu, o que nunca acontecia a Angelo. As mulheres geralmente sentiam sua presença de longe. Ela parecia falar ao telefone com seu amor... os olhos brilhando, a voz rouca e sorridente, o jeito absolutamente feminino.

— As coisas estão incertas no momento — mur­murou Gwenna, após contar a Toby apenas o que considerava estritamente necessário. — Vamos nos encontrar quando você voltar.

Gwenna não sabia o que a fez olhar para cima, mas quando olhou, quase derrubou o telefone. Angelo Riccardi estava parado à porta, com um casaco preto de cashmere sobre o terno escuro, incrivelmente ele­gante e bonito.

— Toby... preciso desligar... alguém chegou à loja — murmurou ela apressada. O sorriso tinha desapa­recido do rosto.

Angelo entrou.

— Quem é Toby?

— Um amigo. — Ela guardou o celular no bolso. — Em que posso ajudá-lo?

— Vai me perguntar isso na cama? — disse ele. — Não sou um cliente.

As faces de Gwenna coraram, os olhos azuis bai­xaram. Mesmo sem olhá-lo, podia sentir a energia se­xual na atmosfera, o que fez seu coração disparar, a respiração tornar-se ofegante e até mesmo os mami­los enrijeceram.

— Eu gostaria que você me mostrasse o lado ex­terno da propriedade — disse Angelo.

— Não há muito o que mostrar.

— Tanto faz. Preciso de ar fresco. Mal posso res­pirar com o perfume daqui. — Ele gesticulou para os vasos de rosas e outras flores misturadas no canto.

Sem comentários, ela abriu a porta do depósito para libertar Piglet. O cachorrinho se dirigiu para An­gelo, cheirou-o para reconhecimento, então saiu la­tindo, a fim de investigar os estranhos. Gwenna e An­gelo também foram para o lado de fora. A área de es­tacionamento estava repleta de carros e homens.

— Quem são essas pessoas? — Gwenna franziu o cenho.

— Seguranças.

Ela ficou tentada a dizer-lhe que não havia neces­sidade para tais precauções em sua loja, mas decidiu que aquilo poderia deixá-lo de mau-humor.

— Apenas uma pequena parte do jardim foi res­taurada. Uso a parte velha para distribuir as plantas que crescem em seu habitat natural.

— Eu não diria que este é o seu habitat natural.

— Bem, nesse caso, você estaria errado.

— Raramente estou errado sobre alguma coisa.

Gwenna controlou a irritação com dificuldade. Ele parou diante dela.

Em silêncio, Angelo pegou-lhe a mão e ela teve de reprimir a vontade de puxá-la. Longos dedos bron­zeados circularam-lhe o pulso com total frieza, ex­pondo a pele áspera das palmas e o estado deplorável das unhas.

— Quando soube que você dirigia um viveiro, não pensei que precisasse trabalhar diretamente com a terra.

Desequilibrada pelo contato físico, Gwenna respi­rou fundo.

— É a parte de que mais gosto.

— Você leva uma vida restrita.

— Eu não acho.

— E é muito teimosa. — Olhos escuros prenderam os seus, e o coração de Gwenna disparou violenta­mente no peito, até que não tinha consciência de mais nada, exceto dele. Angelo levou-lhe os dedos à boca e pressionou os lábios neles num gesto elegante. — Gosto disso. Num mundo de mulheres que só dizem sim, você brilha como uma estrela, gioia.

Tremendo, ela removeu a mão, mas ainda podia sentir o toque dos lábios dele em sua pele, enquanto um estranho calor a percorria. Nada o intimidava. Ele era cruel e impiedoso. O fato de saber disso e ainda ser capaz de responder com excitação a envergonha­va. Excitação? Ele beijava-lhe a mão e a deixava na­quele estado. O que isso dizia sobre Gwenna? Que havia passado muito tempo sonhando com um ho­mem que não poderia ter? Respirando fundo, come­çou a falar sobre o jardim, os planos de restauração e fundos que já existiam.                                           

Angelo ouviu sem interesse ou comentários. Não tinha intenção de comprometer-se com um projeto que não oferecia perspectivas de lucro. Não estava interessado em espaços verdes. Nunca tivera tempo ou paciência para ficar parado, sentindo o aroma de rosas ou admirando uma vista. O amor e o entusias­mo dela pela natureza eram óbvios. Mas a mente de Angelo estava ocupada com prazeres menos inocen­tes. Perguntava-se como ela podia parecer tão mara­vilhosa quando estava vestida como mendiga. Estava ávido por vê-la toda enfeitada em trajes bem femini­nos. Irritava-o o fato de Gwenna parecer se afastar cada vez que ele se aproximava dela.

— Pare com isso.

— Parar com o quê? — exclamou Gwenna.

Angelo fechou uma das mãos sobre as dela e pu­xou-a para seu lado.

— Sr. Riccardi...

E a maneira formal pela qual ela o chamou o deixou tão insatisfeito que a beijou com todo o desejo que geralmente mantinha sob controle.

Gwenna deixou escapar um gemido abafado antes que aquela boca bonita e sedenta a silenciasse. Ele roubou-lhe as palavras, o fôlego, a habilidade de ra­ciocinar, e deixou-a com os joelhos bambos. Angelo a encostou contra uma parede de pedras, então, segu­rando-lhe as nádegas, ergueu-a do solo para que ela fizesse contato com sua ereção. Uma sensação sedu­tora fez o corpo de Gwenna formigar. A paixão de Angelo era crua e excitante, e completamente nova para ela.

Subitamente, ergueu a cabeça escura e praguejou em italiano antes de anunciar:

— Seu cachorro está me mordendo.

Momentaneamente sem fala, Gwenna focou na vi­são de Piglet rosnando e puxando freneticamente a bainha da calça de Angelo.

— Oh, meu Deus, ele realmente não gosta de você. — Abaixando-se, tremendo por dentro e por fora, ela ficou grata pela desculpa de pegar o cachorro nos braços.

— Não vai nem perguntar se estou machucado? Sangrando? Precisando de uma injeção antitetânica? — disse ele com sarcasmo.

— Sinto muito. Você está bem?

— Não acho que vou sangrar até morrer. E minhas vacinas estão atualizadas. — Angelo notou como o cão estava sendo acariciado gentilmente. Podia jurar que havia uma expressão de triunfo nos olhos redon­dos do animal.

Com as pernas trêmula, Gwenna agradeceu aos céus pela intervenção do cachorro e afastou-se. Colo­cando Piglet no chão novamente, endireitou o corpo com relutância. Estava envergonhada de seu próprio comportamento e não era hipócrita o bastante para repreender seu cão. Não quando Piglet a salvara de perder sua virgindade. Pelo menos por enquanto.

— Os jardins estão em mau estado além do muro. Não há mais nada para lhe mostrar — murmurou ela.

— E a mansão?

Minutos depois, Gwenna parou diante da grande casa onde sua mãe tinha nascido. A construção arruina­da havia amargurado Isabel Massey, que nunca supera­ra a convicção de que seu destino era muito cruel. Em comparação, Gwenna respeitava aquela parte de sua história familiar com tristeza, pois, na verdade, seus ancestrais Massey nunca tinham sido capazes de man­ter o grande investimento que fizeram.

— Como é o interior da casa?

— Está em ruínas. Teve de ser fechada com tábuas anos atrás, por segurança.

— Esta é apenas uma visita breve — murmurou Angelo enquanto andavam de volta para o viveiro. — Seu pai foi chamado para uma reunião esta tarde.

Gwenna ficou tensa.

— Posso perguntar do que se trata a reunião?

— Ele não deu uma descrição verdadeira de seus bens.

O rosto dela esquentou, raiva a percorrendo.

— Isso é mentira!

Angelo a fitou com o semblante impassível.

— Não gosto de pessoas que me fazem perder tempo.

— Mas papai não o fez perder tempo nem mentiu para você. — Com os olhos azuis faiscando, Gwenna cerrou os punhos na lateral do corpo. — Não pode presumir que ele o está enganando somente porque cometeu o erro de pegar um dinheiro emprestado da Furnridge Leather.

— Não estou presumindo. Foi pedido que seu pai fizesse uma revelação completa de seus bens.

— E ele fez isso.

— Enquanto cuidadosamente omitiu detalhes do outro apartamento que possui em Londres.

— Ele só tem um, pelo amor de Deus!

— Ele possui um segundo, que ainda não acabou de pagar.

Gwenna suspirou longamente.

— Você entendeu errado.

— Lamento que não. Minhas informações sobre essa segunda propriedade vêm de fontes seguras. — Angelo observou-lhe o olhar subitamente incerto e assustado. Ela não podia esconder o sofrimento. Ele podia ter lhe dito que sua lealdade e afeição estavam sendo desperdiçadas por uma causa não merecedora. Donald Hamilton era mentiroso, trapaceiro e ladrão.

Mordendo o lábio, Gwenna virou a cabeça, porque seus olhos estavam queimando pelas lágrimas. Gos­tasse daquilo ou não, havia algo muito convincente na confiança suprema de Angelo.

— Se você estiver certo, realmente não sei o que dizer.

— Nosso acordo não será rompido por isso. Seu pai vai vender os bens mencionados antes, e vamos esquecer essa questão.

Gwenna engoliu em seco.

— Sob as atuais circunstâncias, isso é muita gene­rosidade sua.

Angelo sorriu. Tudo estava acontecendo exatamente conforme o plano. Sabia que Hamilton come­tera pelo menos mais uma ofensa, que apareceria mais cedo ou mais tarde. Quando isso acontecesse um processo e uma sentença de prisão seriam certos. E no momento em que Angelo tivesse terminado, já teria perdido o interesse em Gwenna.

— Meu pai não é um homem ruim, é apenas tolo Não sei o que deu nele... talvez seja alguma crise de meia-idade — disse ela desesperada. — Honesta­mente, não posso explicar por que ele fez essas coi­sas. Mas posso lhe dizer que foi um pai maravilhoso para mim. Fez muitos trabalhos para a comunidade, também.

Angelo pegou-se focando os olhos úmidos que re­velavam pura sinceridade. Sentia-se fascinado pelos sentimentos que ela era incapaz de esconder. Suas parceiras de cama sempre possuíam uma concha protetora que combinava com a própria contenção de Angelo. Cheia de idéias e otimismo, Gwenna era ri­diculamente vulnerável. Em alguns meses, se torna­ria mais triste e mais sábia. Uma fraca onda de arre­pendimento o assolou. Perturbado pela aparente sen­sibilidade, reprimiu o sentimento.

— Arranjei acomodação para você.

Gwenna tremeu com a notícia.

— Que tipo de acomodação e onde?

— Uma cobertura em Londres. Gosto de ambien­tes altos.

— Eu não... Há um jardim lá? Piglet vai precisar de um jardim — murmurou ela insegura.

— Piglet?

— Meu cachorro.

— Pago a conta para que ele fique num hotel de cachorros — replicou ele friamente.

— Não. Ele tem de ficar comigo. Piglet fica depri­mido e se recusa a comer quando não estou por perto — começou ela, sem tentar esconder a ansiedade. — Sei que parece tolice para alguém que não é senti­mental com os animais, porém, ele é um cão muito emotivo.

Angelo olhou para o pequeno cachorro atrás dela. O animal abanava o rabo alegremente. De maneira alguma Angelo iria compartilhar um lugar, mesmo que por períodos breves de tempo, com aquele cão.

— Ele vai para o hotel. Meu staff vai escolher o melhor disponível.

— Mas se eu não estiver lá, ele não vai comer...

— Bobagem.

— Não é bobagem.

— Não gosto de animais em locais fechados — fi­nalizou Angelo com firmeza.

Gwenna suspirou enquanto lembrava-se de que, dois anos atrás, Piglet tinha feito greve de fome quan­do ela saíra de férias. Agora podia sentir os olhos ma­rejados com a perspectiva de viver sem Piglet, e pre­feria morrer a demonstrar sua fraqueza. Angelo Riccardi ficaria cansado dela dentro de uma semana, confortou a si mesma. Teria de entediá-lo.

— Tenho direito a um pedido? — perguntou ela sem rodeios.

Angelo considerou aquilo. Se tivesse uma corrente atada ao tornozelo dela, teria removido as argolas para restringir-lhe a liberdade ainda mais. Era uma atitude estranha para um homem acostumado a con­quistar com facilidade, e aquilo o irritava.

— É sobre sua acomodação?

Gwenna assentiu.

— Quero morar em algum lugar com um jardim. Vou enlouquecer se ficar na cidade, trancada entre paredes.

— Há uma piscina com um telhado que abre e fecha.

— Eu quero um jardim. Até mesmo um homem condenado tem direito a um último pedido.

— Você não está enfrentando um pelotão de fuzi­lamento — murmurou Angelo. Um jardim? Por que ela queria tanto um jardim? Não era um pedido ra­zoável. Aquilo levaria mais tempo para reorganizar, e esperar por Gwenna o estava matando. Desde a pri­meira vez que a vira, imagens eróticas vinham per­turbando sua concentração. Estava cansado daquela invasão mental e perdendo a paciência.

— Em quanto tempo você virá para mim? — ques­tionou ele.

Nervosa pela pergunta ousada, Gwenna cometeu o erro de fitá-lo diretamente. Encontrou olhos doura­dos sexualmente ardentes, e seu rosto esquentou.

— Não finja que não sabe o que quero dizer — soou a voz profunda e rouca de Angelo.

— Quando eu for obrigada a fazer isso. Quando eu não tiver escolha.

— Típica resposta de uma virgem virtuosa enfren­tando violação no século passado. — Ele sorriu com ironia. — Esse não é seu caso.

— Você acha que sabe de tudo, não acha? — de­volveu ela furiosa. — Mas não sabe. Na verdade, este é meu caso.

Os olhos de Angelo se estreitaram, os cílios pretos baixaram para intensificar o exame detalhado. Ele a estudou em silêncio, e Gwenna desviou o olhar, en­vergonhada e com raiva ao mesmo tempo.

— Não ouse fazer nenhum comentário depreciati­vo — ela o avisou.

A surpresa de Angelo de repente se transformou em uma onda poderosa de satisfação. Era aquela ino­cência dela que o atraía? Ele havia sentido, de algu­ma maneira, a sutil diferença entre Gwenna e as ou­tras mulheres que conhecia?

Uma virgem. Pedir-lhe que o acompanhasse até Londres para preencher o tempo que ele tinha antes de voar para Nova York agora parecia muito impróprio. Rude. Por um segun­do, o cenário inteiro pareceu rude, mas quando ele a fitou, bloqueou o pensamento. Nunca tinha sentido um desejo tão urgente por uma mulher, e agora que entendia que a fonte da relutância dela era a inexpe­riência, a necessidade de possuí-la tornou-se ainda mais forte. Gwenna não era indiferente a ele. Era apenas tímida, e Angelo tinha de admitir que não es­tava acostumado com mulheres tímidas.

Um longo silêncio se instalou. O fato de Angelo não fazer nenhum comentário subitamente a enfure­ceu e a fez se sentir tola. Desejava agora que não ti­vesse contato um de seus maiores segredos.

— Ouça, tenho muito trabalho a fazer — murmu­rou ela. — Quando espera que eu vá para Londres?

— Na próxima semana. Você será informada dos arranjos. — Angelo tirou um cartão do bolso. — Se quiser falar comigo, aqui está meu número particular. Poderá me encontrar em qualquer lugar.

Gwenna aceitou o cartão, incapaz de imaginar que sentiria vontade de contatá-lo. Seus pensamentos es­tavam concentrados numa questão muito mais im­portante e, finalmente, reuniu coragem e perguntou:

— O que você planeja fazer com este lugar?

Ele deu de ombros, a expressão ilegível.

A indiferença dele em relação ao futuro do viveiro ou dos jardins históricos deprimiu Gwenna profunda­mente, e tirou-lhe qualquer resquício de esperança. Angelo provavelmente era o último homem do mun­do que investiria num negócio que se esforçava para sobreviver fora da estação turística.

Antes de entrar na limusine, Angelo olhou nova­mente na direção dela. Gwenna não devolveu o cum­primento. Pegando o cachorro no colo, entrou apres­sadamente na loja. O maxilar dele se contraiu.

 

Quatro dias depois, Gwenna estava em Londres. Na manhã após sua chegada, foi recebida por uma ele­gante morena com cerca de 3O anos. Coordenadora a serviço de Angelo Riccardi, Delphine Harper telefo­nara para Gwenna e combinara de encontrá-la.

— É meu trabalho garantir que você tenha uma transição suave para a vida da cidade. Seu dia está programado com diversos compromissos. — Delphi­ne deu um sorriso educado. — A primeira coisa é ver a propriedade que o sr. Riccardi selecionou para você.

Uma transição suave? Gwenna podia ter chorado com aquela frase. Somente agora que haviam lhe tira­do tudo, tinha idéia de como era com suas plantas. No mesmo dia em que Angelo a visitara, seu pai vende­ra-lhe todas as propriedades que possuía. Dentro de 24 horas, um empregado da Rialto tinha aparecido para assumir o viveiro de plantas. A velocidade da to­mada de posse impressionara Gwenna, que teve difi­culdade em entregar o controle do negócio e dos jar­dins que amava. Também tivera de esvaziar seu apar­tamento em cima da loja apressadamente. O novo ge­rente precisava de acomodação, o que a forçou a mu­dar-se temporariamente para Old Rectory, onde todos, exceto seu pai, a fizeram sentir-se uma intrusa indesejada.

Pressionado pela referência da filha sobre o segun­do apartamento que possuía em Londres, Donald Ha­milton suspirou.

— Tive boas razões para fazer segredo disso. Eva teria desejado que eu o vendesse e comprasse uma casa maior para a família, e eu queria guardá-lo para nossa aposentadoria. Meus motivos não eram inteira­mente egoístas. O inquilino atual é uma senhora ido­sa com um aluguel que seria renovado. Fiquei preo­cupado que a mudança de dono a forçasse a sair.

— Mas você não mencionou o apartamento quan­do tinha prometido declarar todos os seus bens. Isso deve ter causado uma má impressão no pessoal da Rialto — apontou Gwenna.

— Se eu não cuidar de meus próprios interesses, que vai cuidar? — replicou seu pai sem remorso. — É claro, estou esperando que, quando você tiver uma chance, fará o melhor possível para amenizar nossos problemas aqui.

Recordando-se daquela conversa, Gwenna sentiu seu nível de estresse aumentar. A falta de preocupa­ção de seu pai sobre a desonestidade a enervara. O roubo na Furnridge não demonstrava apenas o caso de um homem levado ao desespero devido a proble­mas financeiros. Os problemas dele eram mais pro­fundos do que isso. Havia uma fraqueza no caráter de seu pai, reconheceu ela com tristeza. Isso podia ex­plicar o fato de ter sido mulherengo quando mais jo­vem, e talvez Gwenna o tivesse perdoado muito rapi­damente.

— Chegamos — anunciou Delphine alegremente, tirando-a dos pensamentos.

Saindo do carro, Gwenna olhou atônita para a pro­priedade substancial diante de si.

Delphine balançou as chaves com um ar de impor­tância e abriu a porta imponente.

— Este deve ser um dos melhores endereços de Londres.

Gwenna parou no hall de mármore, olhando mara­vilhada para os pilares e escadaria elaborados. Diver­sas questões surgiram em sua mente, mas estava mui­to embaraçada para perguntá-las a Dalphine, que pro­vavelmente suspeitava qual seria o relacionamento de Gwenna com seu fabuloso empregador milio­nário.

— É uma propriedade muito grande, e não se en­gane pelo aspecto antigo. A casa tem ar-condicionado, controles eletrônicos que funcionam com o tato, um sistema de som integrado e segurança absoluta — declarou Delphine.

O tour oficial começou na parte inferior da casa, onde havia uma piscina, sala de ginástica, adega de vinhos, seguido pelos andares superiores com uma vasta quantidade de quartos vazios e banheiros sofis­ticados.

Delphine começou a parecer ansiosa com o silên­cio contínuo de Gwenna.

— Nos fundos, há uma casa para empregados e a garagem. Agora, deixe-me lhe mostrar o jardim, que creio ser o seu principal interesse. É grande, e com face para o sul.

— Com licença, por favor... Eu preciso ligar para seu chefe. — Gwenna entrou em um dos quartos no an­dar de baixo e vasculhou a bolsa até encontrar o cartão que Angelo lhe dera. Enquanto discava o número em seu celular, meneou a cabeça diversas vezes.

No minuto em que ouviu a voz dele começou a falar:

— É Gwenna. Desculpe-me perturbá-lo.

Angelo quase sorriu.

— Sem problemas, gioia mia.

— Estou vendo a casa e não entendo. É uma man­são enorme com oito quartos!

Angelo virou a cadeira de rodinhas em seu escritó­rio para apreciar a vista de Manhattan.

— Todas as propriedades que uso precisam de três coisas essenciais: espaço máximo, privacidade e se­gurança.

— Sim, mas uma casa que deve valer bilhões é loucura nessas circunstâncias, a menos que... Você não planeja morar comigo, planeja? — perguntou ela apavorada. Aquela era a única explicação possível para tamanha extravagância.

Houve silêncio do outro lado da linha. Angelo es­tava cerrando os dentes. Ela podia ser graciosa, mas não tinha um pingo de diplomacia. Gwenna sabia al­guma coisa sobre ele? Nem mesmo tivera a curiosi­dade de procurar informações na Internet ou nas pá­ginas de fofocas dos jornais? Ele não se comprometia ou morava com alguém.

— Naturalmente, não planejo morar com você. Lamento se isso a desaponta.

— Oh, meu Deus, não! — respondeu ela, incons­ciente de que seu tom se tornara mais alegre. — Nós dois juntos nunca daríamos certo. Mas isso não expli­ca a casa, quando não vamos durar cinco minutos juntos. Todo esse trabalho e gasto são tão desneces­sários.

Angelo irritou-se.

— Talvez você preferisse que eu a levasse para um hotel barato que aluga quartos por hora!

Gwenna mordeu a língua. Então percebeu que es­tava tremendo. Honestidade não funcionava com ele, pensou. Ela o deixara nervoso e sabia que isso não era uma boa idéia. Não ousaria dizer, mas, em sua opinião, uma casa sofisticada em Chelsea não altera­ria a natureza da transação sexual que ele tinha lhe oferecido, e se um hotel barato acabasse logo com aquilo tudo, ela seria a última a reclamar.

— Se é meu desejo, você vai viver numa grande mansão mesmo que seja por cinco minutos. Isso está entendido? — Angelo falou em tom de finalidade.

— Sim — replicou ela sem emoção na voz.

— Tenho trabalho a fazer. Vejo você quando eu voltar para Londres. — Furioso, ele desligou o tele­fone. Esperara que Gwenna ficasse encantada com a casa, que possuía um jardim espetacular. Selecionara-a pessoalmente. Quando tinha feito tanto esforço por uma mulher?

Gwenna reuniu-se novamente com sua guia e foi para o lindo jardim, um oásis de paz e sol bem no cen­tro de uma cidade enorme. Sentia-se abalada pela conversa com Angelo. Sabia que não cometeria o erro de telefonar-lhe novamente. Não tinha direito a opiniões.

Sua próxima visita com Delphine foi ao luxuoso hotel para cães, onde uma programação já fora feita para Piglet. O local bonito e aquecido, com uma cama miniatura, webcam e a promessa de um boletim diário sobre seu animal de estimação não impressio­nou Gwenna. Explicou que faria uso apenas ocasio­nal das instalações. Piglet ficaria exilado somente quando Angelo estivesse na casa, o que, segundo Delphine, não aconteceria com freqüência, uma vez que seu chefe estava sempre muito ocupado.

 

Uma semana depois, com uma tensão crescente, Gwenna pensou no seu encontro com Angelo às três horas, e sua provável conclusão. Um almoço e então? Bloqueando os pensamentos de intimidade, estudou seu reflexo no grande espelho do hall.

Seu vestido branco com pequenos detalhes em preto era extremamente elegante. Tinha o design de uma marca famosa, assim como todo o vestuário es­colhido por um consultor de modas, que tivera a tare­fa de fornecer a Gwenna um fabuloso guarda-roupa novo. Na verdade, ela mal podia reconhecer a si mes­ma depois de ter passado a manhã em um salão de be­leza. Seus cabelos loiros cacheados haviam sido pen­teados e alisados, o rosto maquiado e as sobrancelhas desenhadas em curvas perfeitas. Achou que lembra­va uma boneca de olhos azuis e uma boca artificial­mente cheia.

Sempre gostara da aparência natural, preferindo conforto e praticidade. Seu uso de cosméticos envolvia um toque de rímel e de batom em ocasiões espe­ciais. Mas Angelo a mergulhara num mundo de moda e beleza, no qual a aparência era tudo que importava. Gwenna achou difícil andar sobre saltos altos, detes­tou as unhas postiças e sentiu-se desconfortável usando branco porque estava convencida de que suja­ria o vestido. Todavia, nenhuma palavra de reclama­ção saiu de seus lábios pintados. Tinha aprendido aquela lição durante o único telefonema que dera a Angelo Riccardi. Ele não estava interessado em suas preferências pessoais ou em seu conforto físico. Ele a queria bonita e sofisticada para o prazer dele.

— O carro está aqui. — A empregada abriu a porta da frente e conduziu Gwenna para fora. Fazia apenas 48 horas desde que se mudara para a casa e ainda se sentia como uma hóspede de um hotel cinco estrelas. Sua casa nova tinha sido mobiliada, totalmente equi­pada e provida de empregados.

Gwenna entrou na limusine. Estava uma pilha de nervos. Quando o telefone tocou, teve um sobres­salto.

Era Angelo.

— Parece que não vou chegar a tempo — ele a in­formou secamente. — Os controladores de tráfego aéreo aqui estão anunciando um dia de greve.

Gwenna piscou.

— Oh.

— Dannazione. Sinto muito. Eu estava ansioso para vê-la — disse Angelo, percebendo que ela não ficara insatisfeita com a notícia. — Ligo quando tiver mais informações.

Gwenna disse ao chofer para apanhar Piglet no ho­tel de cães. Enquanto estavam parados no trânsito, não pôde deixar de visualizar a figura elegante de Angelo, as feições bonitas impacientes. Descobriu que seus sentimentos estavam divididos: um senso de inesperado desapontamento acompanhado por um imenso alívio. Ficou abalada pela onda de tristeza. O que estava lhe acontecendo, afinal? Certo, ele era in­crivelmente bonito e fascinante. Mas em termos de compaixão e decência, Angelo Riccardi era um pati­fe. Sabendo disso, como podia responder a ele em qualquer nível?

Seu telefone tocou novamente, fazendo-a tencio­nar. Mas dessa vez era Toby.

— Tentei achá-la em casa, mas acabei falando com sua madrasta. Tirar informações dela não foi fá­cil. Desde quando você se mudou para Londres e se envolveu num relacionamento com um homem de quem nunca ouvi falar?

Gwenna suspirou.

— Mudei-me esta semana... e o relacionamento é muito novo.

— Sem mencionar repentino e impulsivo, e isso não combina com você. Só pode ser uma paixão lou­ca... e estava na hora! — disse Toby alegremente. — Ouça, estou voando amanhã para uma reunião com um novo cliente, e adoraria encontrá-la de noite. Po­demos ir a um bar ou algo assim.

Gwenna sorriu.

— Eu adoraria. Você vai ficar muito tempo?

— Não. Tenho de voltar para a Alemanha e resol­ver umas pendências sobre o projeto do parque.

Confortada pela perspectiva de ver Toby nova­mente, ela foi para o hotel de animais. Embora eles ti­vessem se separado apenas por uma noite, Piglet fi­cou extasiado ao ver sua dona. Depois de convencê-lo a comer, ela o levou para dar um passeio. Porém, seu plano de levá-lo para casa foi destruído quando o chofer apareceu para dar o recado que recebera no te­lefone do carro: Angelo a encontraria no mesmo res­taurante exclusivo para um jantar, em vez de almoço. Despreparada para a notícia de que ele conseguira um jeito de chegar a Londres, Gwenna foi envolvida por um pânico renovado.

 

Tendo movido montanhas metafóricas para superar um problema em sua escala de viagem, Angelo ainda sentia o fluxo de adrenalina nas veias. Fatos haviam conspirado para mantê-lo fora do país mais tempo do que esperara, e sua impaciência para ver Gwenna não lhe era nada familiar.

— A srta. Hamilton chegou — murmurou Franco, seu chefe de segurança, aproximando-se da mesa.

Angelo ergueu a cabeça para vê-la entrando no restaurante. No primeiro momento, a beleza eston­teante dela prendeu-lhe o olhar. Então, arrependeu-se das mudanças que proporcionara. Gostara dos cabe­los cacheados de Gwenna e do brilho da pele sem maquiagem. O toque artificial de perfeição, todavia, já tinha sofrido algum abalo. Os cabelos lisos estavam meio desalinhados, e ela tinha um par de patas de ca­chorro claramente definidas na frente do vestido. Ele levantou-se para cumprimentá-la com um sorriso.

Hipnotizada pelo lindo rosto bronzeado, Gwenna não podia desviar a atenção dele. Quando aquele sor­riso brilhou na boca sensual, decidiu que o homem era um espetáculo de tirar o fôlego. Com as faces co­radas, sentou-se na cadeira que ele lhe puxou.

— Não pensei que você voltaria hoje — disse ela, notando que a mesa estava posicionada num canto isolado, a fim de criar privacidade para ambos.

Lindos olhos dourados prenderam os seus, e rou­baram o ar de seus pulmões.

— Eu queria estar com você, e quando quero algu­ma coisa, faço de tudo para conseguir.

Desviando os olhos, Gwenna abaixou a cabeça. Agora, sentia o corpo todo quente e havia uma tensão sexual quase palpável no ar.

Quando o champanhe foi servido, ela deu um gole e estudou o menu com fervorosa determinação. An­gelo começou a falar sobre Paris, e Gwenna ficou in­trigada pela descoberta de que ele era um brilhante contador de histórias, capaz de evocar imagens incrí­veis com algumas palavras bem colocadas. Encanta­da, ouviu e bebeu mais do que comeu. Conforme o champanhe a relaxava, ficou contente em ser entre­tida.

— Você não está comendo — apontou Angelo.

— Não estou com fome. — Exceto por você, uma pequena voz sussurrou na cabeça dela, chocando-a com a mensagem que ia contra tudo o que acreditava sobre sua natureza. Mas era verdade. Pura fascinação a dominava e a voz do bom senso parecia ter desapa­recido de repente. Era quase impossível quebrar o contato com aqueles olhos dourados, não admirar o rosto bronzeado e a boca esculpida.

Ciente da atmosfera sexual no ar, Angelo pôs o prato de lado. Finalmente, tinha a total atenção de Gwenna, e sua reação predatória foi instintiva: apro­veitar-se de imediato. Pegou-lhe a mão.

— Vamos.

— Mas nós não terminamos — murmurou ela.

Angelo ajudou-a a se levantar. Olhou-a de cima a baixo com tanta sensualidade que fez os joelhos dela tremerem.

— Ainda nem começamos, bellezza mia.

O murmurinho de conversas ao redor do ambiente parou. Gwenna estava consciente dos olhares quando Angelo a escoltou para fora, um braço possessivo ao redor de suas costas. Sem aviso, pegou-se imaginan­do se ele estivera com alguma outra mulher enquanto viajava, e uma sensação de desconforto se instalou em sua alma. Após segui-la para dentro da limusine, Angelo a puxou para si. Um segundo depois, a boca sedenta estava na sua, e uma excitação inexplicável percorreu o corpo de Gwenna, provocando-lhe uma resposta intensa.

Angelo liberou-lhe os lábios, deixando-a respirar e sentindo-se abalado pela perda de contato. Os con­fusos olhos azuis focaram nele.

— Você é incrível — murmurou Angelo. — Eu sa­bia que seria.

Gwenna baixou os cílios para ocultar a expressão envergonhada. Queria que ele a tocasse mais, e sen­tia-se chocada por isso. Sob o sutiã de renda, seus mamilos formigavam. O ponto feminino entre as pernas parecia pulsar. Ela o queria. É claro, algumas ta­ças de champanhe haviam diminuído suas inibições disse a si mesma na defensiva. Mas isso não era bom? Angelo Riccardi tinha lhe oferecido uma barganha terrível, e Gwenna fizera sua escolha quando concor­dara em compartilhar a cama dele se as acusações contra seu pai fossem retiradas. Não era mais sábio fazer o melhor de uma situação ruim, em vez de resis­tir ao inevitável?

Angelo podia sentir o tremor dela, e o fato de sen­tir-se sensibilizado com isso o perturbou, da mesma forma que tantas coisas o vinham perturbado nas úl­timas semanas, assim como noites maldormidas, en­quanto rolava na cama ardendo de desejo por ela. O conceito de satisfação adiada não era para ele. Não estava acostumado a esperar por uma mulher.

Mas não era um animal também, era? Gwenna era virgem, afinal de contas. E a aura de serenidade que notara nela quando a conhecera havia desaparecido. A pres­são brutal que ele utilizara tinha deixado sua marca. Mas por que isso deveria perturbá-lo? Como filha de Donald Hamilton, Gwenna fora criada com o concei­to de respeitabilidade da classe média, lembrou-se. A descoberta de que o mundo podia ser um lugar muito mais desafiador seria um exercício de construção de caráter para ela.

No hall da casa de Chelsea, Gwenna lançou um olhar inseguro. Angelo fechou uma das mãos sobre a dela num gesto de aprisionamento.

— Você persegue meus sonhos — confessou ele com uma risada rouca. — Você pode ser altamente prejudicial à minha saúde.

Gwenna sentia-se levemente zonza pelo champa­nhe. Sua mente estava repleta de pensamentos confu­sos e desorientados, mas o brilho amargo nos olhos de Angelo causou-lhe uma estranha dor interna. Sem uma decisão consciente, ergueu uma das mãos e tra­çou-lhe o maxilar. Notando que ele estava igualmen­te surpreso pelo gesto e com uma expressão interro­gativa nos olhos, ela parou, confusa.

— Per amor di Dio — sussurrou Angelo, seguran­do-lhe o rosto entre as mãos. — Neste momento, acho que eu poderia morrer de desejo por você, mia bella.

Ele provou-lhe os lábios com uma doçura que des­truiu todas as barreiras de Gwenna. Ela recusou-se a pensar quando Angelo abaixou-se e a pegou nos bra­ços para carregá-la em direção à bonita escadaria. Mas o medo de ser vista a fez murmurar:

— A empregada...

— Está de folga até segunda ordem. — Angelo deu-lhe um beijo apaixonado para silenciá-la.

 

Poucos minutos depois, Gwenna acidentalmente viu seu reflexo no espelho do quarto. Apavorada, olhou para suas faces rosadas e lábios intumescidos. Pare­cia uma mulher atrevida. Um arrepio percorreu-lhe a coluna quando Angelo desceu o zíper de seu vestido e deslizou-o pelos ombros.

— Sinto-me como uma prostituta — sussurrou ela nervosa.

Angelo a virou, estudando-lhe o rosto infeliz.

— Esta é a coisa mais ridícula que já ouvi, bellezza mia — censurou ele. — Eu a quero e você me quer. O que pode ser mais natural do que o desejo de fazer amor?

Diversas respostas ácidas vieram à cabeça dela, mas manteve-as para si, evitando aborrecer-se ainda mais. Estava apenas tendo um caso, disse a si mesma. Não fora sempre uma pessoa prática? Viveria o mo­mento presente, lidando com um dia de cada vez.

Angelo soltou-lhe os cabelos num movimento tão gentil que a fez piscar em surpresa.

— Eu a vi e a desejei antes mesmo que você falas­se. Uma única olhada e soube que a queria.

— Mas isso é loucura.

— Dio mio, eu teria movido céus e terra para viver este momento — sussurrou ele. — Ser desejada tanto assim deveria ser uma fonte de prazer para você.

Desconcertada pelo comentário, ela meneou a ca­beça.

— Nós... não pensamos da mesma...

Ele a puxou para si, um brilho ardente nos olhos.

— Eu não iria querê-la se você fosse como eu.

Angelo clamou pela boca de Gwenna e ela tremeu, enfraquecendo pelo desejo que ele podia despertar-lhe tão facilmente. Enquanto lutava para recuperar o fôlego, ele tirou-lhe o vestido e a colocou sentada na cama, removendo-lhe os sapatos e, mais devagar e de maneira provocativa, as meias de nylon presas pela cinta-liga. Angelo pontuava cada ação tocando-a com os lábios. Ela estava tão excitada com tal trata­mento, que quando ele recuou um pouco, Gwenna automaticamente estendeu os braços e procurou aquela boca maravilhosa. Uma risada rouca ecoou da garganta dele enquanto mordiscava-lhe o lábio infe­rior antes de inserir a língua de maneira erótica.

Gwenna deitou-se então, seus sentidos em total ebulição. Vestida apenas de sutiã branco e calcinha, logo começou a se sentir exposta e tímida. Observou Angelo tirar o paletó e a gravata numa série de movi­mentos flexíveis. No momento em que ele removeu a camisa, a visão do peito musculoso e abdômen reto a deixou tensa.

— Relaxe. — Registrando a apreensão de Gwen­na, Angelo esforçou-se para usar um tom suave pela primeira vez na sua vida. — Você está adorável.

Gwenna lançou um olhar relutante. Ele estava so­mente com uma cueca preta que revelava o estado de sua ereção. Foi uma visão que a chocou, fazendo-a desviar os olhos, o coração disparado no peito. Começou a entrar em pânico quando pensou que estava prestes a dormir com um homem que mal conhecia

— Eu realmente gostaria de um outro drinque.

— Na mesa de cabeceira, ao seu lado.

Gwenna, que esperara que ele saísse do quarto para lhe apanhar um drinque em algum lugar, olhou apavorada para a garrafa de champanhe e a taça prontas ao lado da cama.

Angelo rodeou a cama abriu o champanhe e serviu. Então, estendeu a taça com relutância.

— Você não precisa se anestesiar com isso.

Recusando-se a olhá-lo, ela abraçou os joelhos com um dos braços, enquanto pegava a taça e dava um grande gole.

— Entendo que esteja nervosa...

— Não seja ridículo — disse ela.

— Será bom, bellezza mia. Na verdade, tornarei a experiência tão boa, que você ficará viciada.

— Isso seria impossível.

Angelo sentou-se na cama com toda a segurança de um tigre estendendo-se no sol.

— Acho que alguém tem lhe contado histórias an­tigas. Não vai doer.

— O que você poderia saber sobre isso? — per­guntou ela, enrubescendo.

— Você pode ser minha primeira virgem, mas te­nho inteligência, bom senso e capacidade excepcio­nal em certas áreas. — Gentilmente, ele tirou-lhe a taça de champanhe das mãos e puxou-a para seus bra­ços. — Não deixe que o álcool embote o que promete ser um acontecimento altamente prazeroso.

Ao primeiro contato com o calor daquele corpo poderoso, ela tremeu violentamente.

— Você é todo ego...

—Não, todo confiança. — Olhando-a com a ex­pressão confiante, de propósito, ele deslizou uma das mãos possessivas pela coxa delgada de Gwenna. — Confie em mim. Não sou um amante desajeitado ou egoísta.

Tremendo com o toque íntimo em sua perna, ela o fitou com o semblante confuso. Confie em mim. Aquele devia ter sido um pedido absurdo. Mas de re­pente descobriu que estava pronta e disposta a ser convencida, mesmo que não entendesse por quê.

Angelo a beijou e Gwenna parou de refletir e ra­cionalizar. O desejo a dominou. Ele abriu-lhe o sutiã, revelando curvas delicadas, coroadas por mamilos rosados e enrijecidos.

— Você é encantadora — sussurrou ele. Abaixando-a para os travesseiros, provocou-lhe os mamilos com polegares habilidosos, e finalmente com o calor de sua boca.

A extrema timidez de Gwenna foi substituída por uma onda de prazer arrebatadora. Fechou os olhos com força e sentiu. Seus mamilos pulsavam sob a boca sensual, enquanto um calor alucinante se insta­lava entre as coxas.

— Você pode igualar minha paixão a cada passo — murmurou ele suavemente.

— Isso não significa nada — protestou ela, lutan­do para separar-se das mensagens urgentes de seu corpo.

Ele voltou a atenção aos pequenos seios convidati­vos, provocando os bicos rosados a tal ponto, que a fez contorcer os quadris contra o colchão.

— Significa que somos maravilhosamente compa­tíveis, bellezza mia.

O fato de que não podia controlar seus sentimentos a assustava. Contudo, era incapaz de resistir ao pra­zer. Em algum ponto daquela paixão ardente, sua úl­tima peça de roupa foi removida. Dedos hábeis desli­zaram através dos pêlos loiros para explorar o centro da feminilidade. Ele brincou ali, enquanto Gwenna arqueava as costas e gemia, chocada pela sua própria resposta intensa.

— Diga que você me quer — comandou Angelo, parando as carícias quando ela estava escravizada pelo desejo de sentir mais prazer.

Os olhos azuis o focaram.

— Preciso ouvi-la dizer, bellezza mia — admitiu ele, olhando-a fixamente.

Gwenna podia sentir o baixo ventre pulsando de desejo. Movimentou-se contra a coxa musculosa, ab­solutamente desesperada pelo toque dele, controlada por instintos mais fortes do que jamais tinha imagi­nado.

— Eu não posso...

Angelo a examinou com determinação.

— Pare de agir como vítima. Fale a verdade.

Não havia o mínimo de suavidade naquele rosto bonito e bronzeado, e a excitação que ele lhe desper­tara chegava perto de uma dor física. Lágrimas de vergonha e frustração acumularam-se nos olhos de Gwenna.

—Tudo bem! — exclamou ela, desprezando a si mesma por render-se. — Quero você.

Imediatamente, a vergonha e frustração desapare­ceram sob os toques maravilhosos de Angelo. Ela o abraçou e entregou-se.

Nada mais importava, contan­to que ele continuasse tocando-a e provocando-a com aquele erotismo que a fazia sentir como se pudesse voar para um lugar tão alto e tão brilhante quanto o sol.

No exato momento em que a excitação ameaçou se tornar um tormento indescritível, Angelo posicio­nou-se sobre ela e deslizou entre suas pernas. Gwen­na sentiu o sexo rijo pressionar a entrada macia e, embora estivesse ansiosa pela consumação do ato, fi­cou preocupada ao notar que ele era muito bem favo­recido.

— Não fique tensa — ordenou Angelo.

Gwenna ficou deitada imóvel, olhos firmemente fechados. Ele roubou-lhe um beijo sexy que a fez er­guer os cílios para vê-lo sorrindo com uma expressão de desafio no rosto. Posicionando-se de joelhos, ele pegou um travesseiro e colocou-o embaixo dos qua­dris dela.

— Será sublime — prometeu Angelo com voz bai­xa e rouca.

O sexo rijo e poderoso então penetrou as profun­dezas da pele úmida e resistente. Ele era enorme. Gwenna emitiu um gemido de desconforto. Imedia­tamente, ele parou e desculpou-se, praguejando em italiano em seguida.

Gwenna o fitou com olhos acusadores. O rosto forte de Angelo estava tão tenso de puro desejo que a fez sentir-se estranhamente poderosa.

Os olhos ardentes encontraram os seus.

— Você é muito apertada. Podemos tentar em uma outra posição...

— Não... faça isso  — murmurou ela envergo­nhada.

Ele foi habilidoso e delicado, mas no momento que a barreira da virgindade se rompeu, os olhos de Gwenna se encheram de lágrimas. Ele ficou imóvel então, permitindo-a ajustar-se à invasão.

— Sinto muito... não gostei de machucar você.

Ondas de calor e estimulação pulsaram mais uma vez no interior de Gwenna. Novamente sensível, ela tremeu, o corpo angulando para o dele num convite que falava mais alto que palavras. Com uma risada rouca de gratificação, Angelo voltou a movimentar-se, arrancando-lhe um gemido de prazer. Com o co­ração disparado, Gwenna apreciou as indescritíveis sensações que se construíam no interior de seu corpo enquanto ele estabelecia um ritmo acelerado e sen­sual. Deliciada de prazer, abandonou-se à paixão. No auge do clímax, gritou em êxtase, liberando uma sen­sação física tão poderosa, que não tinha certeza se es­tava consciente por vários minutos depois.

Angelo a beijou e ela se contraiu, uma vez que agora o senso de vergonha e negação estava retornan­do. Sentia-se terrivelmente emotiva e chorosa. Como pudera se permitir apreciar aquilo? Onde estava seu orgulho? Começou a tentar bloquear os pensamentos perturbadores quando registrou que Angelo estava removendo-lhe o relógio de pulso.

— O que você está fazendo? — murmurou ela ofe­gante, deitada imóvel sob ele.

— Dando-lhe um presente, passione mia.

— Um presente?

Gwenna ergueu a mão para examinar, em choque, o novo relógio. De ouro e diamantes, uma criação de um designer famoso. Memórias dolorosas antigas de presentes caros similares vieram à tona. Revoltada, começou a tentar tirá-lo do pulso, mas a posição de Angelo sobre seu corpo limitava-lhe os movimentos.

— Não, obrigada, eu não quero. Como... tiro isso?

Angelo a fitou.

— Eu quero que você use.

— Para quê? — Os olhos azuis de Gwenna o enca­raram pela primeira vez, e a raiva relevada ali o as­sustou. — Para que você possa se enganar, dizendo que é um homem gentil e generoso? Ou para que pos­sa me humilhar, pagando-me em jóia o que acabei de fazer? Bem, posso ser forçada a viver nesta mansão e usar as roupas sofisticadas que você comprou, mas... — Gwenna pausou para respirar.

— Mas? — encorajou ele, ultrajado por sua gene­rosidade ser entendida como insulto, e rejeitada.

— Recuso-me a usar jóias que você me dá.

Furioso com o comportamento dela, Angelo final­mente liberou-a do peso de seu corpo.

— Você vai usar se me der prazer. Considere isso parte do papel que assumiu no nosso acordo.

— E somente eu tenho esse papel? — Gwenna fez a pergunta antes de perceber que pretendia. Mas en­tão, aceitou que tinha de saber se era ou não uma en­tre diversas outras mulheres.

A expressão nos olhos de Angelo era velada.

— Sem comentários.

Gwenna leu um único significado naquela respos­ta. E sentiu como se tivesse sido golpeada diretamente no coração. Ele nem mesmo estava disposto a ser fiel a ela? Quão mais baixo podia fazê-la descer?

— Então, suponho que o que acabamos de fazer é o equivalente a uma aventura de uma noite.

O semblante dele era amargo quando se recostou contra os travesseiros.

— Não tenho aventuras de uma única noite.

— Talvez eu só possa pensar sobre este arranjo um dia de cada vez. — Gwenna já fora desprovida de todo o valor que possuía. Tudo que ele dizia apenas aumentava a sensação aterrorizante de que ela não ti­nha mais controle de sua própria vida.

Subitamente, toda a raiva, sofrimento e mágoa que estivera contendo foram liberados numa explosão de palavras:

— Eu nem mesmo gosto de você, pelo amor de Deus! Você tirou minha casa, meu jardim, minha his­tória de vida, e me trouxe para uma cidade a qual não pertenço. Até mesmo tirou Piglet de mim! — conde­nou ela furiosa, saindo da cama, entrando no banhei­ro e batendo a porta com força.

Angelo ouviu-a chorando e se levantou. Ultrajado, vestiu a cueca. Era melhor deixá-la chorar. Ela estava exausta. Eu nem mesmo gosto de você!

— Gwenna... — Sem pensar, ele alcançou a porta do banheiro e bateu uma vez. — Abra esta porta.

Com os olhos marejados, ela abriu as torneiras da banheira para mandá-lo embora. Angelo bateu novamente.

— Quero saber se você está bem. E quero saber agora.

Ignorando-o, porque não tinha mais nada para di­zer-lhe, Gwenna entrou na banheira. A lembrança da dor íntima entre as pernas a empalideceu e, pegando o sabonete, lavou-se com urgência. Lágrimas escor­riam por suas faces. Por que estava chorando? Nun­ca, jamais chorava!

Angelo vestiu-se com pressa. Então, chutou a por­ta no ponto mais fraco abaixo da fechadura e abriu-a, batendo-a contra a parede. Ela estava dentro da ba­nheira, os enormes olhos azuis aterrorizados, os ca­chos loiros tocando a água.

—Desculpe-me se a assustei, mas você deveria ter aberto a porta — murmurou ele suavemente. — Fi­quei preocupado.

Tremendo, Gwenna o olhou, absorvendo a visão da camisa aberta, revelando o peito bronzeado e pelu­do. Como ele podia invadir sua privacidade daquela maneira?

Quando ela desviou os olhos, mais tensa do que nunca, Angelo abaixou-se ao lado da banheira.

— Olhe para mim.

— Você precisa ser tão intimidador? — perguntou ela, afundada na água até a altura do queixo.

— Estou tentando arduamente não ser. Pare de chorar... Você não precisa ter medo de mim.

Gwenna abaixou a cabeça. Como poderia não ter medo?

— Eu nunca machucaria você.

Ela pensou sobre o tipo de machucado que tinha um efeito mais duradouro do que meros arranhões.

Angelo sentia-se frustrado. Ela não o estava ou­vindo. Ele tinha a impressão de que Gwenna sempre lhe dava apenas parte de sua atenção. "Porém, não na cama", lembrou-se satisfeito. Mas durante o resto do tempo, parecia perdida em seu próprio mundo pequeno.

— Quero entender por que o escândalo sobre o re­lógio.

Gwenna estudou o movimento da água ao redor de suas pernas.

— Papai sempre dava coisas assim para minha mãe.

Angelo franziu o cenho.

— E daí? Ele era o marido dela.

Gwenna ficou surpresa o bastante para erguer a ca­beça e olhá-lo.

— Meu pai não era casado com minha mãe — ad­mitiu.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Eu não entendo.

— Mamãe teve um caso com papai que durou mui­tos anos. Ele estava casado com a primeira esposa na época.

— Eu não sabia que seu pai tinha sido casado duas vezes.

— Bem, por que você saberia? — replicou Gwenna. — Quando mamãe engravidou de mim, pensou que ele deixaria a esposa, que não podia ter filhos. Mas ele não fez isso. Às vezes, não víamos papai por me­ses, e então, ele aparecia com presentes extravagan­tes. Minha mãe gostava desse tipo de coisa, mas... eu não.

— Mas seu pai criou você, até lhe deu seu sobrenome — apontou Angelo.

— Mamãe morreu quando eu tinha oito anos, e fui viver com papai, que me reconheceu como filha. A esposa dele não ficou feliz com isso, e eles se divor­ciaram.

— Eu não tinha idéia. — Angelo ficou furioso que o relatório confidencial que fizera sobre Hamilton ti­vesse omitido detalhes tão relevantes. Estava atônito pela realidade de que a mãe dela aparentemente tinha sido uma outra vítima iludida pelo homem mais ve­lho. Mas então, lembrou-se de que Gwenna ainda era a única filha que tinha o sangue de Donald Hamilton nas veias.

Gwenna observou-o se levantar, as feições bonitas tornando-se mais reservadas e frias. Presumiu que a história que acabara de lhe contar o fizera desprezá-la. Muitas pessoas haviam desprezado a mãe dela por ter tido um caso com um homem casado e concebido um filho dele. Sempre ridicularizada na escola, Gwenna tivera poucos amigos. O povo local expres­sara sua desaprovação excluindo a amante e filha de Hamilton das atividades da comunidade.

No silêncio desconfortável, Angelo reprimiu a vontade de fazer mais perguntas pessoais. Não exis­tia o lado pessoal em seus relacionamentos, pensou, indo para o quarto. Eu nem mesmo gosto de você. A frase se repetia em sua cabeça, atormentando-o. Des­de quando se importava se era querido ou não? Mas então, as mulheres sempre se esforçavam para agra­dá-lo. Gwenna representava um desafio. Mas não era homem o bastante para lidar com o que podia ser a primeira mulher honesta que conhecia? No último momento possível, Angelo parou à porta. Puxando uma toalha do suporte, estendeu-a para ela.

— Pare de se preocupar com as coisas.

— Não estou preocupada.

— Você está estressada — corrigiu ele.

Num movimento abrupto, ela levantou-se, águaescorrendo pelas curvas esbeltas, e aceitou a toalha. Sentia-se manipulada, controlada, fazendo exatamente o que ele queria. Angelo a tirou da banheira

— Não! — exclamou ela, enrolando a toalha com firmeza ao redor do corpo.

Enquanto ele a estudava em silêncio, Gwenna co­meçou a sentir o rosto queimar. Angelo a beijou com paixão. Ela ficou rígida em rejeição, mas ainda as­sim, sensações traidoras percorreram-lhe o corpo excitando-a. Estava consciente e envergonhada de seus mamilos proeminentes e da umidade entre as pernas.

— Sabe, você pode não gostar de mim, passione mia — murmurou Angelo sedosamente —, mas tudo que tenho de fazer é carregá-la de volta para cama e você será toda minha.

Sentindo-se totalmente humilhada, Gwenna lutou contra o desejo puramente físico.

— Não sou sua e nunca serei, porque você não pode me tocar onde realmente importa — devolveu ela furiosa. — Não me importo com o que pensa de mim, ou com quantas mulheres dorme, porque há muito tempo dei meu coração para alguém que vale dez de você!

No momento que Gwenna deu-lhe as costas, Angelo segurou-lhe o ombro para girá-la de volta.

— Você está apaixonada por outro homem? — pressionou ele em tom baixo.

Vagarosamente, ela assentiu, saboreando a raiva despertara e, ao mesmo tempo, perturbada pela própria crueldade. Ser vingativa e perversa nunca lhe fora natural até conhecê-lo. As reações que Angelo Riccardi incitavam eram tão estranhas para Gwenna quanto os altos e baixo emocionais que vinha experi­mentando.

— Não gosto do modo que você faz eu me com­portar.

— Você não gosta? — questionou ele, então pra­guejou: — Dannazione! Quem é esse sujeito?

Ela inclinou o queixo.

— Você não tem o direito de me perguntar isso.

Ele cerrou os punhos. Não perdeu o controle. Nun­ca o perdia e se orgulhava disso. Mas uma raiva ar­dente crescia em seu interior. Mal era capaz de acre­ditar na resposta dela; andou em direção ao quarto, mas então, virou-se para encará-la.

— Pelo contrário, tenho todos os direitos. Não es­tabeleci limites em nosso arranjo.

— Você queria meu corpo e o tem. Não pediu por mais nada, e certamente não terá mais nada! — ex­clamou Gwenna amargamente.

— O nome dele — Angelo exigiu saber.

— Não é da sua conta.

— Espero obediência. — Angelo ajeitou a gravata e pegou o paletó.

— O que penso e o que sinto é problema meu — insistiu Gwenna, trêmula.

— Sua atitude me ofende.

As unhas de Gwenna enterraram nas palmas.

— Idem.

Angelo ergueu uma sobrancelha.

— Non ci capisco niente. Eu não entendo.

— Sua atitude também me ofende — disse ela, um sentimento de medo querendo dominá-la.

Angelo a olhou com o semblante frio.

— Temos um acordo, e você não pode me aban­donar até que eu escolha libertá-la. Nem pode me insultar.

— É isso que estou fazendo?

Angelo não respondeu. Saiu do quarto sem mais nenhuma palavra. Respirando profundamente, ela sentou-se na cama. Ele tinha partido e, em vez de es­tar radiante, Gwenna se sentia irritada, confusa e.. estranhamente abandonada. Ele saíra para encontrar uma outra mulher? Ela cerrou os dentes. Fizera bem em lhe dizer que era apaixonada por um outro ho­mem. Aquilo o ofendera. Como Angelo ousava agir como se ela lhe pertencesse? Entretanto, sempre que a tocava, ela não podia rejeitá-lo, e ele sabia disso.

Rapidamente Gwenna racionalizou seus senti­mentos. A atração que sentia por ele era uma coisa hormonal, uma reação química. Se tivesse ficado dei­tada lá como uma estátua, Angelo teria se sentindo muito menos entusiasmado. Olhando para baixo, percebeu que ainda estava usando o relógio, e que o mer­gulhara na banheira. Culpada, examinou-o. O vidro estava embaçado pela água. Ele tinha notado? E achado que Gwenna estragara a jóia de propósito?

 

O relógio de diamante tinha mergulhado na banheira. Talvez ela o martelasse da próxima vez, pensou Angelo, a boca bonita comprimida enquanto sua limusine atravessava a cidade. Gwenna não queria nada que ele lhe desse. Não gostava da casa, do jar­dim, das roupas, do fabuloso estilo de vida que ele lhe proporcionava. Contudo, quando ele havia feito tanto esforço por uma mulher? Será que ele estava na verdade se punindo ao adquirir a filha de um ini­migo? Irritado, deu um gole no uísque. Indiferente ao luxo que lhe era oferecido, ela preferia vestir-se como uma mendiga e cavucar o solo em qualquer cli­ma. Ele era o patife cruel que a levara para uma man­são e empregara pessoas para servi-la. E aquela atitu­de distante de Gwenna? Oh, sim, havia uma boa ra­zão para tal distância. Embora ela estivesse dormin­do em sua cama, amava um outro homem. Isso o per­turbava muito mais do que gostaria.

Estava impressionado com o quão amargo, afron­tado e traído se sentia. Nenhuma mulher jamais lhe causara esse efeito. Mas nenhuma mulher o despre­zara antes. A vingança estava ameaçando se voltar contra ele. Teria de abandoná-la, esquecê-la. Que ho­mem aceitaria o papel de segundo melhor na cama de uma mulher? Com uma raiva implacável, Angelo disse a seu chofer para se dirigir ao clube noturno. Havia muitas outras mulheres disponíveis.

 

Namanhã seguinte, Angelo participou de uma reu­nião de negócios. Tinha dormido muito pouco. Em­briagara-se na noite anterior, algo que não fazia des­de que era adolescente.

Após descobrir que seu pai tivera um problema com álcool, passara a ser muito cuidadoso com seu consumo, e agora se sentia pertur­bado por sua falta de disciplina.

Gwenna estava no jardim quando Angelo a cha­mou ao meio-dia.

O timbre profundo da voz vibrou na coluna dela e o estômago revolveu-se. Imagens sensuais ameaça­ram consumi-la, deixando-a nervosa. Independente­mente de quanto se policiava, ele continuava inva­dindo-lhe os pensamentos.

— Sim?

— Quero levá-la em algum lugar especial esta noite.

Os olhos azuis se arregalaram em horror.

— Mas não posso vê-lo esta noite.

— Por que não?

Gwenna não tinha intenção de cancelar sua noite com Toby.

— Vou sair. Combinei ontem.

— Cancele. — Com dificuldade, Angelo contro­lou seu temperamento. — Quero sair com você esta noite.

— Mas não posso cancelar meu compromisso. A pessoa com quem vou sair não estará disponível numa outra hora.

— De que sexo é esta pessoa?

Ela suspirou.

— Não tenho de responder isso...

— Você acabou de responder. Ele é um amigo, certo?

Gwenna sentiu uma culpa vindo do nada e lutou contra isso. Quanta ho­nestidade realmente devia a Angelo Riccardi?

— Vou encontrar vocês, então. Dê-me o horário e o local.

Ela ficou perplexa com a sugestão.

— De jeito nenhum! Lamento, mas eu não sabia que você pretendia me ver esta noite. Não pode espe­rar que eu esteja disponível 24 horas por dia!

— Eu espero.

— Vamos começar de amanhã... Por favor, seja ra­zoável.

Infelizmente, Angelo não estava num humor ra­zoável. Não estava acostumado com recusas. Ligou para Franco e instruiu-o para que Gwenna fosse ob­servada de uma distância discreta. Achou que deveria saber onde ela estava, o que estava fazendo, e com quem. Gwenna tinha sido virgem, o que sugeria que a pessoa que dizia amar era, por alguma razão, inatin­gível. Com base nisso, ele decidiu que não havia mo­tivo para preocupações.

O problema era que ainda queria Gwenna Hamil­ton. Mesmo aborrecido com ela, dormira desejando-a e acordara num estado ainda pior. Não gostava disso. Po­rém, quanto mais ela se recusava a jogar conforme as regras, mais determinado a conquistá-la ele se tornava. Estaria sofrendo de alguma reação instintiva ao desafio que Gwenna lhe lançava? De qualquer forma, ansiava pelo momento em que a razão fosse recuperada e a con­siderasse mais cansativa do que desejável.

 

— Fiz uma pesquisa sobre seu namorado — confi­denciou Toby, meneando a cabeça em desaprovação

— Você está seriamente fora de seu mundo.

Gwenna deu um gole de seu drinque.

— Por que pensa assim?

— Angelo Riccardi tem uma má reputação. — Toby mudou de posição no banco do bar onde estava sentado.

Uma inesperada onda de irritação a assolou em resposta à crítica sobre Angelo.

— De que maneira?

— De todas as maneiras. Ele é um explorador nos negócios e trata as mulheres como se fossem objetos. Quero dizer, o que está fazendo? Você é tão suave..

— Talvez Angelo desperte um outro lado meu. Mas não sei por que estamos falando sobre isso.

— E quanto ao fato de ele ser bilionário? Você só o conheceu algumas semanas atrás. Ele é um preda­dor urbano e você é uma ratinha do campo. Não têm nada em comum. É claro que estou preocupado.

— Mas quando nos falamos ontem, você pareceu aprovar — Gwenna o relembrou. — Disse que eu precisava de paixão na minha vida.

— Onde você estava ontem à noite?

— Por quê?

Toby suspirou.

— Eu não queria ter de lhe contar, mas, de acordo com o jornal que li esta manhã, Angelo Riccardi esta­va festejando publicamente com três modelos ontem à noite.

Em choque, Gwenna ficou imóvel. Queria argu­mentar que Angelo estivera com ela na noite anterior, mas ele tinha partido cedo.

No humor em que se en­contrava, era muito provável que procurasse o tipo de mulheres que o bajulariam e desmaiariam com um relógio de diamantes. Enquanto ela havia se trancado no banheiro, chorado e lhe dito várias verdades dolo­rosas. Sem nenhuma compaixão.

— Você não lê os jornais? — perguntou Toby.

Foi necessário um esforço, mas ela se recuperou.

— Não do tipo que devota espaço para fofocas como essa.

— Não acho que seja fofoca, Gwenna.

Ela esforçou-se para bloquear o que Toby acabara de lhe contar. Por que a notícia a feria tanto? E por que estava chocada, se Angelo nunca lhe prometera fidelidade?

Também não podia entender sua vontade quase desesperadora de confrontá-lo. Na verdade, suas reações incompreensíveis a apavoravam.

— Você é uma pessoa honesta e leal e merece mais do que ele — declarou Toby.

— Não é importante. Acha que não sei que meu re­lacionamento com Angelo vai durar? — Gwenna for­çou um sorriso brilhante, porém seus músculos fa­ciais estavam rígidos. — Mas tenho 26 anos e decidi que era hora de correr alguns riscos.

Contudo, o encanto da noite acabou naquele pon­to. Adorava conversar com Toby e achou que se en­volveria num diálogo interessante sobre o trabalho dele, apenas para descobrir que não conseguia parar de pensar em Angelo por mais de cinco minutos. Sua imaginação continuava criando imagens de Angelo se divertindo com mulheres incríveis.

— Sempre estarei do seu lado — prometeu Toby, segurando-lhe a mão. — Mesmo se eu estiver no ex­terior, você pode me ligar a qualquer momento.

Do outro lado de Londres, Angelo estava traba­lhando até mais tarde. Não podia se concentrar, toda­via. Andava de um lado para o outro em seu escritó­rio, e finalmente ligou para Franco a fim de descobrir onde Gwenna estava com o tal amigo. Uma hora de­pois, entrou no mesmo bar e a viu no balcão com um homem alto e magro de cabelos castanhos. Com seus cachos loiros caindo sobre as costas, Gwenna vestia jeans e uma blusa simples. Angelo sentiu um misto de satisfação e irritação. Satisfação porque ela não se arrumara para encontrar o amigo, e irritação porque tinha ignorado totalmente sua vasta coleção de rou­pas de grife.

Forçando um sorriso, foi em direção a Gwenna e seu companheiro, enquanto Franco aguardava a uma distância discreta. Angelo observou o casal conver­sando por um momento. A expressão afetuosa nos olhos de Gwenna era indiscutível. Ele ficou tenso, sentindo a raiva dominá-lo. Era como se alguma coi­sa vital estivesse se rompendo em seu interior.

Gwenna só percebeu que Angelo tinha chega­do quando ele fechou um braço ao seu redor e murmurou:

— Hora de você se despedir.

Ela virou-se, encontrou os olhos escuros e seu co­ração disparou imediatamente. Sensações de ressen­timento e excitação se misturaram de forma indis­tinta.

— Como você soube onde eu estava?

Angelo a girou para um lado e gesticulou para Franco, que estava esperando instruções.

— Franco irá levá-la para a limusine. Quero falar com seu... amigo em particular, bellezza mia.

Gwenna notou a hesitação deliberada em referên­cia a Toby, assim como sentiu a agressividade primi­tiva que Angelo exalava.

— Angelo, pelo amor de Deus.

— Vá com Franco.

— Não ouse tocar em Toby! — disse ela em pâni­co, colocando-se na frente do amigo, como se quises­se defendê-lo.

A raiva de Angelo aumentou. Ela estava se opondo a ele e se colocando em risco para proteger um outro homem. Mas a visão do semblante apreensivo de Gwenna o fez se controlar.

— Venha comigo, então — disse ele.

— Não vou a lugar algum com você. — Todavia, Gwenna não podia tirar os olhos de Angelo. Havia uma luz naqueles olhos dourados que prendiam os seus com mais força do que qualquer corrente. Lentamente, observou-o como um todo. Com um terno preto impecável e uma camisa listrada aberta no co­larinho, estava absolutamente maravilhoso.

— Eu sou Toby James... caso alguém esteja inte­ressado em saber.

— Eu não estou — replicou Angelo sem olhá-lo.

— Você é tão rude... tão sem educação! — excla­mou Gwenna.

— Uma modelo é infidelidade, duas modelos é ga­nância, três é decadência — disse Toby, como se ex­plicando a atitude da amiga.

Totalmente pálida, Gwenna recusou-se a olhar na direção de Angelo.

— Vamos dançar, Toby.

— Acho que você deveria conversar com Angelo — sugeriu Toby num sussurro.

Ainda ignorando-o, Angelo aproximou-se e fe­chou a mão sobre o pulso de Gwenna.

— Vamos embora.

Ela enrubesceu de raiva. Se não estivessem num lugar público, teria gritado com Angelo. Mas partiria e diria o que precisava ser dito com dignidade.

Er­guendo o queixo, despediu-se de Toby e prometeu te­lefonar-lhe.

— Você falou que sairia com um amigo — disse Angelo enquanto a conduzia para fora. — Acreditei em você.

— Eu saí com um amigo.

— Como achou que poderia me enganar? — Ele lhe lançou um olhar frio. — Agora sei que não posso confiar em você.

— Como ousa falar uma coisa dessas? Simples­mente ignorou o que Toby disse sobre as modelos de ontem à noite.

— Não tenho nada a dizer sobre isso.

— Mas eu tenho muito a dizer. — Gwenna parou na calçada do lado de fora. — Não vou entrar na sua limusine. Não preciso de uma carona.

Angelo a fitou, pura fúria nos olhos.

— Não vou tolerar uma cena.

— Bem, farei com que seja breve e amena. — Ela endireitou os ombros. — Apenas uma pequena pala­vra... acabou.

O semblante de Angelo era cético.

— Do que você está falando? O que acabou?

— Angelo Riccardi... você foi dispensado! — ex­clamou Gwenna claramente. — Quer esta declaração por escrito?

Vendo um homem se aproximando com uma câmera, Angelo segurou-a com força e a colocou no banco traseiro da limusine. Então, sentou-se ao seu lado.

— Vamos discutir isso em particular.

— Pensei que você não tivesse mais nada a dizer sobre o assunto — ela o relembrou enquanto o carro partia.

Ele estendeu um dos braços e entrelaçou a mão nos cachos loiros. Ofegante, ela o fitou em surpresa um segundo antes de Angelo inclinar-se e beijá-la com ardor. A cabeça de Gwenna pareceu girar e o corpo esquentou. Tremeu violentamente dentro dos braços dele.

— Odeio você — sussurrou.

Olhos ardentes prenderam os seus.

— E daí? Isso está longe de acabar.

Gwenna passou os dedos trêmulos pelos cabelos e moveu-se para o canto do assento.

— Não tenho tempo para isso, e não temos nada a discutir. Preciso arrumar as malas e pegar Piglet.

Angelo queria deitá-la no banco e terminar o que tinha começado. Estava excitado e furioso, e a última coisa que queria era conversar.

Fazer as malas? Não podia acreditar que ela ainda estava lutando contra ele.

Homens temiam sua fúria, seu poder, sua oposi­ção. Mulheres, todavia, adoravam seu poder, sua ar­rogância e sua força. Por que ela não gostava?

Somente quando Gwenna saiu do carro, percebeu que não estava onde deveria estar. Rodeou Angelo.

— De quem é esta casa? Para onde você me trouxe?

— Para minha casa. — Ele dispensou seu staff com um gesto de cabeça e certificou-se de trancar a porta assim que eles entraram. — Isso é uma honra para você. Minha casa é um lugar muito privado.

Recusando-se a ficar impressionada por aquela declaração, Gwenna inclinou a cabeça para trás.

— Você está perdendo seu tempo. É um patife imoral. Recuso-me a continuar tendo alguma coisa com você.

— E onde estava a sua moral esta noite? — per­guntou ele, aproximando-se, o que teve o efeito ime­diato de fazê-la se afastar. — Você marcou um en­contro com o homem que ama pelas minhas costas!

Gwenna empalideceu.

Como ele tinha adivi­nhado?

— Quando você concordou em ficar comigo, nun­ca o mencionou — continuou ele em tom de acusação.

— Você estava sendo verdadeira?

— Não achei que estivesse interessado.

— Che ideal. Esse é o tipo de informação que to­dos os homens querem. — Olhos acusadores a enca­raram. — E quando você fugiu para encontrá-lo esta noite...

— Eu não fugi! — interrompeu ela com raiva.

— Sim, você fugiu. Foi muito mais do que uma noite inocente com um amigo. Será que você teve um comportamento honrado?

— De acordo com alguns jornais, você estava com três mulheres ontem à noite, então, qual é o proble­ma? Não pode esperar que eu seja honesta quando você está brincando com um bando de prostitutas! — Gwenna replicou em tom alto.

— Você está ficando histérica.

— Não, estou lhe dizendo a verdade que você pe­diu, e acho que não gostou muito.

— Nosso acordo não lhe dá o direito de questionar minhas ações, ou de criar novas regras.

— Tudo bem. Eu não me importo. — Ela passou por ele, sentindo os olhos arderem com lágrimas. — Mas não vou ficar aqui nem mais um minuto. Ne­nhum argumento é capaz de me forçar a compartilhar uma cama com um homem que dorme com outras mulheres por aí...

— Dio mio... eu não durmo com outras mulheres por aí.

— Não adianta discutir comigo. Minha mãe pode ter aceitado um relacionamento desse tipo...

— Accidenti... Como ousa me comparar ao seu pai? — questionou ele incrédulo.

— Tudo que estou dizendo é que não permitirei que nenhum homem me faça de tola dessa forma. Sou eu e somente eu, ou você não pode me ter de maneira alguma, e nem todo o dinheiro do mundo vai mudar isso — declarou Gwenna tremendo. — Então, abra esta porta e me deixe sair.

Angelo praguejou em italiano.

— Você me seqüestrou. Não concordei em vir para cá — disse ela agitada. — Manter-me aqui con­tra a minha vontade não vai adiantar nada, Angelo.

Com o semblante sério, Angelo a estudou intensa­mente. Um silêncio se seguiu. Então, respirou fundo e murmurou:

— Nada aconteceu ontem à noite.

Gwenna o encarou. Uma onda de alívio a percor­reu, deixando-a mais confusa do que nunca. Não era apenas seu orgulho que tinha sido ofendido pela apa­rente infidelidade dele, percebeu apavorada. Sentira-se atormentada pela idéia de Angelo com uma outra mulher. Havia sentido ciúme e ficado furiosa.

— Eu não as toquei — continuou ele. — As mode­los... foram apenas companhias. Nada mais.

— As companhias ficaram vestidas?

— Si — respondeu Angelo, como se estivesse sen­do torturado, e era assim que se sentia. Por que não a mandava embora de sua casa e de sua vida? Porém, quanto mais ela se aproximava da porta, maior era seu desejo de trazê-la de volta. Era desejo, racionali­zou. Detestava a idéia de não estar mais totalmente no controle, mas o desejo o estava dominando.

Gwenna percebeu que suas pernas estavam tre­mendo. Lentamente, virou-se para encará-lo.

— Certo... Você acha que pode ser fiel agora? — perguntou. — Não há sentido em eu ficar se você não puder ser honesto.

Angelo enfiou as mãos nos bolsos da calça e cer­rou os punhos. Não podia acreditar naquilo. Gwenna era persistente. Fazia perguntas diretas e não admiti­ria mentiras.

— Per meraviglia...

— Apenas sim ou não basta — interrompeu ela num sussurro.

Ele a olhou com dureza. Não respondia às deman­das. Valorizava sua liberdade. Mas quando se deu conta, tinha fechado a distância entre os dois e cober­to as mãos delas coma as suas.

— Si. Você vai ficar?

Despreparada para aquela reação de Angelo, Gwenna murmurou:

— Mas...

— Mas nada, bellezza mia. Eu concordei. Dei-lhe o que você quer.

Com tal lembrete, ele puxou-a para mais perto. Então, deixou a boca deslizar pelo pescoço delicado. Aquilo enviou ondas de calor por todo o corpo de Gwenna, fazendo-a tremer e gemer. Dando alguns passos com ela em seus braços, Angelo encostou-a contra a parede mais próxima e a beijou. Gwenna sentiu a pressão do corpo forte e musculoso contra o seu e, incapaz de resistir, começou a interagir, pas­sando a mão pelos ombros largos, depois, descendo-as para abrir-lhe os botões da camisa.

Com uma risada rouca de prazer, Angelo deixou a mão fechar-se sobre a curva de um dos seios mag­níficos, provocando-lhe o mamilo, em seguida. Ela gemeu. Estava tão desesperada para tocá-lo que mal podia suportar, e deslizou as mãos sobre o abdômen reto, saboreando a sensação da pele quente de An­gelo.

Ele pegou-lhe a mão e colocou-a em contato com sua ereção. Então, beijou-a com tanta sensualidade que a deixou tremendo.

— Angelo...

— Mais tarde... Tudo que você quiser, mas não agora, cara — murmurou ele, pegando-a no colo e sentando-a sobre o braço de um sofá para abrir-lhe o zíper do jeans com mãos impacientes.

Ela tombou para trás, caindo sobre as almofadas, os olhos azuis o fitando em surpresa enquanto ele re­movia-lhe o jeans e a calcinha, justamente quando ela ingenuamente assumira que Angelo a levaria para o andar de cima. Com o corpo em chamas, Gwenna não reclamou. Na verdade, envolveu os braços ao re­dor do pescoço dele, enquanto Angelo descobria o ponto macio e úmido entre suas pernas. Com um som gutural de prazer masculino, ele colocou a cabeça ali.

Arqueando as costas com o impacto erótico, ela continuou gemendo, enquanto Angelo explorava o centro da feminilidade, fazendo-a perder a noção de tempo e a capacidade de raciocinar. Ele tirou-lhe a blusa e o sutiã e brincou com os mamilos até que Gwenna estava quase chorando de prazer. Daquele ponto em diante, não houve um momento em que ela recuperasse o controle, ou mesmo chegasse perto dis­so. Estava se contorcendo, implorando para que ele não parasse, possuída por um ardor que jamais co­nhecera. Até que um prazer delirante fez seu corpo convulsionar num orgasmo paradisíaco. Sentindo-se repleta de poder pela experiência, abraçou-o com força.

— Você é incrível, gioia mia. — Angelo estudou-a com apreciação e deu-lhe um beijo carinhoso na testa. E daí se nunca tinha sido fiel antes? Nunca pen­sara muito sobre seus relacionamentos sexuais, mas começava a perceber que ela tinha alguma coisa es­pecial que trazia uma dimensão totalmente nova a cada encontro dos dois. Podia ser filha de Hamilton, mas era também a mulher mais encantadora que ele já conhecera. Sorrindo, levantou-se para ajeitar as roupas no corpo.

Ainda meio atordoada, Gwenna levantou-se, pe­gou suas roupas e vestiu-se. Eles nem mesmo haviam chegado a um quarto. Ela estava embaraçada, incerta de como se comportar. Tudo que acreditara saber so­bre si mesma parecia ter virado de ponta-cabeça ago­ra. Mas lutou contra o medo, ciente de que Angelo parecia estar fazendo um esforço sincero.

Afinal, ele não fora procurá-la naquela noite? Ti­nha ficado irritado ao vê-la com Toby. Ciúme? Tal­vez Angelo não fosse tão frio e insensível quanto di­zia sua reputação. Além disso, embora uma promessa de fidelidade fosse obviamente difícil para Angelo, ele lhe fizera uma.

— Precisamos de um banho. — Ele pegou-lhe a mão e conduziu-a para o andar de cima.

Gwenna de repente se sentiu feliz, e o reconheci­mento disso a assustou. Ele apertou-lhe a mão como se não quisesse soltá-la nunca mais, e ela gostou dis­so. Sentia coisas que não podia compreender, pensa­va coisas que não poderiam acontecer. Era apenas o impacto físico que a estava confundindo, racionali­zou, reprimindo uma onda de vulnerabilidade.

Seu celular tocou quando eles tinham acabado de entrar num quarto palaciano. Ela pegou-o para aten­der e afastou-se de Angelo no minuto em que reco­nheceu a voz de Toby.

— Sim, claro, estou bem — murmurou baixinho.

Angelo sentiu a raiva percorrê-lo quando percebeu quem era ao telefone. Lá estava ela, em seu quarto, conversando com um outro homem como se aquilo fosse normal. Ele cerrou os dentes no momento em que ela lhe deu um olhar de desculpa e terminou a conversa com a gentil promessa de que entraria em contato em breve.

— Não acho que você deveria aceitar ligações dele.

Olhos azuis o fitaram em surpresa.

— Por que não? Toby é meu amigo mais antigo.

— Você está apaixonada por ele — apontou Ange­lo com frieza.

— Mas nada vai acontecer. Toby não pensa em mim dessa maneira.

— Mas não gosto disso.

Absorvendo o olhar intenso de Angelo, Gwenna descobriu-se achando graça. Ele era tão possessivo, tão incrivelmente apaixonado. Não era o homem in­sensível que uma vez acreditara ser.

— Entendo você — respondeu ela suavemente. Os ombros tensos de Angelo relaxaram um pouco.

Ele a levou para o banheiro e a despiu. Cada peça foi removida com carícias absolutamente sensuais. As luzes brilhantes a fizeram se sentir tímida, mas nem isso podia diminuir a excitação que ele lhe provoca­va. Angelo a levou para debaixo do chuveiro. Gwen­na fechou os olhos com força, rendendo-se ao prazer erótico enquanto eles faziam amor sob o jato de água, até atingirem um orgasmo delirante. Depois disso, ela só queria dormir e mal podia sustentar o peso do corpo sobre os pés. Ele a envolveu numa toalha fel­puda.

— Eu gostaria que você pudesse ficar acordada, passione mia — reclamou Angelo.

— Eu mal dormi a noite passada — murmurou ela, todo o estresse das últimas 48 horas finalmente tiran­do-lhe as forças.

Ele a acomodou entre os lençóis frios, e Gwenna esperou que ele se juntasse a ela. Em vez disso, ouviu uma porta se abrir e olhou para o outro lado do quar­to, notando que Angelo estava apenas de cueca.

— Aonde você vai?

— Meu quarto é perto.

Ela empalideceu.

— Mas...

Angelo deu de ombros.

— Sempre durmo sozinho. Eu a verei pela manhã.

A porta se fechou. Sempre durmo sozinho. Ela ti­nha passado a vida inteira dormindo sozinha também, e não podia compreender por que se sentia re­jeitada pela retirada dele. Todavia, estava exausta de­mais para pensar, e antes que se desse conta, já tinha adormecido.

 

Acordou assustada, incerta de onde estava e do que a acordara. Rapidamente, lembrou-se de que es­tava na casa de Angelo e acendeu o abajur. Estava se sentando quando ouviu um grito vindo do quarto dele. Sem pensar em mais nada, saiu da cama e vestiu a camisa que Angelo deixara jogada no chão. Então abriu a porta que conectava os dois quartos.

Angelo movimentava-se agitado na grande cama. Estava murmurando alguma coisa em seu idioma. O terror na voz dele a fez correr para seu lado, tocar-lhe o ombro e chamá-lo gentilmente.

Angelo movimentou-se. Estava tremendo, mur­murando em italiano. De repente acordou, passou os dedos pelos cabelos pretos e virou-se para olhá-la.

— O que você está fazendo aqui?

— Você estava tendo um pesadelo.

— Não tenho pesadelos.

— Você gritou e me acordou.

— Não é possível — replicou ele na defensiva.

Gwenna suspirou. Evidentemente, homens como ele não admitiam ter pesadelos. Com os cabelos desa­linhados e alguns pêlos despontando no maxilar, An­gelo parecia lindo e másculo, mas foi o brilho triste nos olhos dourados que a fez sentar-se na beirada da cama e envolver os braços ao seu redor.

— Eu tenho pesadelos, às vezes.

— Verdade? — perguntou ele secamente, mas não a afastou.

Gwenna pousou o queixo no ombro largo, distraidamente aconchegando-se no calor e no aroma já fa­miliar daquela pele.

— Eu não estava lá quando aconteceu, mas costu­mava sonhar que via o acidente de carro de minha mãe. Então, fui para o colégio interno...

— Quando foi isso?

— Eu tinha dez anos quando papai foi morar com Eva e as filhas dela. Infelizmente, Penelope e Wanda não me aceitaram e, para que todos tivessem paz, fui enviada para o colégio. Eu o detestava.

— Por quê? Você era intimidada lá?

— Sim, por acordar as outras garotas com meus pesadelos e por ser terrivelmente chorona. — Gwen­na recuou ao se lembrar de suas fraquezas passadas. — Eu sentia muita falta de casa.

Angelo sentou-se na cama e a puxou para seu colo.

— Eu também sentia, mas não tinha mais uma casa para qual voltar.

— Você estudou em colégio interno, também?

— Minha mãe estava morta e o patrão dela pa­gou por minha educação num colégio exclusivo. Mas não me adaptei. Eu falava mal o inglês e era muito pequeno.

— Pequeno? — interrompeu ela, incrédula.

— E magro. Não desenvolvi meu corpo até chegar à adolescência.

— Você foi intimidado também?

— É claro que não.

Mas Gwenna percebeu o tom inseguro na voz de Angelo e suspirou.

— Sim, você foi. Sei disso.

— Como? Tem uma bola de cristal, bella mia? — Dedos longos e bronzeados exploraram debaixo da camisa que Gwenna usava, fazendo-a ofegar. Quan­do ele inclinou a cabeça e provocou um dos mamilos entre os lábios, ela gemeu.

— Pare de me distrair.

Angelo deitou-a na cama a posicionou-se sobre ela, colocando os quadris entre as coxas delgadas, fa­zendo-a sentir sua poderosa ereção. Então a olhou.

— Estou distraindo você?

— Mas eu quero saber... realmente quero saber o que aconteceu para deixá-lo tão assustado — protes­tou ela.

Angelo ficou tenso de imediato.

— Fui queimado com cigarros, chutado onde mais dói e surrado.

— Oh, meu Deus. — Horrorizada, Gwenna sentiu os olhos lacrimejarem. — Angelo... isso é terrível. Você ainda sonha com essas coisas?

— Si. — Mesmo enquanto se perguntava por que tinha lhe contado aquilo, ele observava-lhe a reação, fascinado.

Gwenna esforçou-se para combater as lágrimas de compaixão sem muito sucesso. Engoliu em seco, fun­gou, e finalmente envolveu os braços ao redor de An­gelo e o apertou com força. Estava imaginando um garotinho, subitamente privado do amor da mãe e mergulhado num ambiente estranho.

— Isso fez de mim uma pessoa forte. Eu era fraco, bellezza mia. Foi bom para mim.

— Não diga bobagem! — Ela respirou fundo. — Quero dizer, eu era apenas provocada e humilhada verbalmente, mas você foi brutalizado...

— Mereço sua compaixão? — interrompeu ele de modo rude.

Ela ergueu os olhos azuis.

— Às vezes, você pode ser muito ofensivo.

A face de Angelo corou quase imperceptivelmente.

— E a resposta é não. Não porque estou irritado com você, mas porque acho isso muito embaraçoso. Tudo que quero agora é fazer amor — acrescentou ele, beijando-lhe o pescoço.

Sentindo-se mortificada pelo fato de estar sofren­do por ele, Gwenna mordeu o lábio e virou o rosto em rejeição.

— Talvez... mais tarde.

— Mais tarde, eu estarei em Nova York, cara mia — disse Angelo frustrado, percebendo a relutância dela ao seu peso, mas puxando-a para seus braços.

Gwenna virou o rosto para o relógio ao lado da cama e murmurou:

— Meu Deus, já é essa hora?

— São só 6h30 — disse ele gentilmente.

— Em menos de uma hora, Piglet será alimentado no hotel de animais e não quero me atrasar. — Liber­tando-se, ela saiu da cama com movimentos frenéti­cos. — Os funcionários de lá não se importam que eu vá alimentar Piglet, porque, caso contrário, ele não come. Mas querem que eu respeite a rotina do lugar e não gostam de visitas entre oito e nove da manhã.

Mal podendo acreditar naquela explicação, Ange­lo sentou-se.

— Você está me dizendo que precisa sair a esta hora da manhã todos os dias para alimentar aquele animal?

— Nos finais de tarde também. Ele tem comido muito pouco — disse Gwenna na defensiva. — Você deveria vê-lo na webcam. Está tão deprimido. Nem mesmo olha para a tevê ou brinca mais com bolas.

A partida dela de seu quarto foi apressada. Angelo praguejou enquanto tomava uma ducha gelada, e saiu do banheiro determinado a dar uma olhada pela webcam em Piglet fingindo-se de doente. E lá estava ele, o vira-lata esperto, deitado em sua caminha com a cabeça afundada entre as patas, os olhos redondos com expressão tediosa. Era a própria figura de um cão em sofrimento.

Mas Gwenna era devota ao cachorro. Até mesmo obcecada, pensou ele. E por que não? Quanto amor e atenção ela tinha recebido de um pai corrupto e uma mãe que provavelmente só a tivera numa tentativa de destruir o casamento de seu amante? Angelo pegou o telefone. Era hora de libertar Piglet de seu cativeiro.

 

Angelo olhou ao redor do cômodo repleto de pes­soas, disfarçando seu desgosto. Perguntou-se por que, quando o destino tinha lhe dado o que acreditava que sempre quisera, achava isso tão irritante. Mulhe­res pegajosas sempre o tinham exasperado.

No espaço de um mês, descobrira que Gwenna não era do tipo pegajosa. Na verdade, lhe dava muito pouca atenção. Quando estava conversando com os convidados dele, perdia a noção do tempo. Era alta­mente popular com os entusiastas de jardinagem e precisava ser regularmente resgatada daqueles que se aproveitavam de seu conhecimento de horticultura para pedir conselhos de graça.

— Onde ela está? — Angelo finalmente foi força­do a perguntar para Franco.

Alguns minutos depois, com seu chefe de seguran­ça seguindo-o, ele chegou ao terraço dos fundos de sua residência de Londres e olhou para o jardim abaixo. Num brilhante vestido longo azul, Gwenna estava mostrando uma planta florida para um casal. O homem era um banqueiro suíço libertino. O mero fato de estar perto de Gwenna fez Angelo cerrar os dentes.

Franco pigarreou.

— Sabe, chefe... a srta. Hamilton é uma moça ado­rável, que gosta de ajudar pessoas.

Então, ela tinha conquistado também seus empre­gados, pensou Angelo ironicamente. Não era de se admirar, uma vez que Gwenna não parecia fazer dis­tinção entre os empregados e os conhecidos de Ange­lo, tratando todos com a mesma amabilidade. Mesmo Franco, um sujeito preconceituoso com relação ao sexo feminino, estava ansioso para defendê-la. O chofer, curado de uma tosse persistente por algum re­médio caseiro, a tratava com reverência. Sua assis­tente no escritório definira Gwenna como agradável e cortês. Seu chef agora adornava os pratos com mo­tivos de horticultura porque ela lhe plantara ervas em pequenos vasos.

Infelizmente, Angelo se sentia excluído da bonda­de geral e isso o magoava mais do que queria admitir. Ela não parecia muito interessada nele nem questio­nava suas ausências. Havia uma barreira que Gwenna não transpunha. Contudo, enlouquecia-o na cama, e isso não era o mais importante?, perguntou-se impa­ciente. Nenhuma mulher jamais lhe dera tanto prazer, e ele fazia de tudo para passar mais tempo ao seu lado. Também lhe dava muita atenção e era um amante generoso. Mas ela não estava respondendo aos seus esforços para agradá-la.

Usava as roupas e as jóias que ele lhe dava com in­diferença, trocando-as por jeans e camiseta na pri­meira oportunidade que tinha. Pré-estréias de filmes, festas sofisticadas e celebridades não a impressiona­vam. As casas de Angelo não passavam de um teto sobre a cabeça dela, e apenas os espaços ao ar livre eram capazes de despertar-lhe um interesse verdadei­ro. Ele já não lhe devolvera seu precioso cãozinho? Reclamava quando o minúsculo vira-lata tentava ata­cá-lo?

Porém, o que mais o perturbava era a suspeita de que Gwenna não estava feliz. Estaria sofrendo por Toby James? A mera idéia o encheu de hostilidade. Furioso por sua falta de disciplina mental, esforçou-se para reprimir o pensamento.

E se ela estava infeliz, Angelo sabia que logo lhe daria uma notícia que a faria ainda mais infeliz. Três semanas antes, ele tinha instruído os advogados para checarem cada aspecto das propriedades que Donald Hamilton lhe vendera. Algumas irregularidades na papelada e uma investigação futura haviam revelado que Hamilton era culpado de um outro crime. Angelo agora possuía a prova de uma fraude inescrupulosa que destruiria a confiança de Gwenna no pai para sempre.

Com as faces vermelhas pela atenção que Johannes Saudan estava lhe dando e pela percepção dos olha­res ressentidos da namorada do homem, Gwenna res­pondia às perguntas do banqueiro da maneira mais breve possível. Quando viu Angelo no terraço acima, foi um alívio poder dizer...

— Acho que Angelo me quer...

— Que homem não a quereria? Você é maravi­lhosa.

— Com licença. — Reprimindo um tremor de re­pulsa, ela entrou na casa.

Angelo saiu do terraço para encontrá-la no corre­dor. Os olhos de ambos se encontraram e uma onda de excitação percorreu o corpo de Gwenna. Ela ficou tensa, detestando a fraqueza de suas pernas e a dor no baixo ventre. Ele possuía seu corpo, pensou com tris­teza. Angelo a olhava, a tocava, e estava perdida. Fi­sicamente, ainda não descobrira um meio de resistir a ele.

— Sempre tenho de procurar você, bellezza mia.

Era uma censura, mas ela abaixou a cabeça e não disse nada. Afinal, o que poderia dizer? Forçava-se a se comportar com frieza, e não podia reclamar se isso o exasperava. No quarto, estava sempre onde ele es­perava encontrá-la, porque, segundo o acordo deles, era onde o relacionamento começava e terminava.

Eles faziam sexo. Muito sexo. E Gwenna era ho­nesta o bastante para admitir que gostava. Supunha que, sob as circunstâncias, isso era uma sorte, mas o orgulho e a vergonha que sentia pelo que ele lhe obri­gara a fazer não lhe permitiam oferecer mais nada do lado de fora do quarto. Afinal, o acordo ofendia suas crenças e destruía seu auto-respeito.

— Eu gostaria de vê-la mais quando estamos rece­bendo pessoas — disse Angelo, erguendo-lhe a mão.

— Tudo bem. — Ela lembrou-se de que ele não ti­nha reclamado quando Piglet roera um de seus sapa­tos. Para um homem que não tolerava animais dentro de casa, Angelo estava sendo muito compreensível.

Ele acariciou-lhe a mão e sentiu a pulsação acele­rada.

Consciente do calor da pele dele contra a sua e da tensão sexual na atmosfera, Gwenna ergueu a cabeça e o fitou por um longo momento.

— Como você faz isso comigo? — murmurou An­gelo com voz rouca.

O coração dela disparou. Sentia-se tão excitada que fechou os olhos com força, lutando contra o mag­netismo sexual que ele exercia.

— Não sei sobre o que você está falando.

— Di niente. Deixe-me lhe mostrar. — Seguran­do-lhe ambos os pulsos, ele se encaminhou para o quarto atrás de si, carregando-a consigo.

No instante em que reconheceu a intenção dele, Gwenna ficou rígida. Freqüentemente Angelo lhe provava o quanto era fraca ao escolher locais e horá­rios não convencionais para despertar-lhe a paixão, e ela sempre acabava rendendo-se, dominada por uma excitação que era incapaz de resistir. Mas, por uma fração de segundo, imaginou como seria sua aparên­cia, saindo de um quarto, despenteada, amassada e com a maquiagem borrada.

— Não. Agora não. Seus convidados vão notar que sumimos.

— E daí? — Angelo a segurou pelos quadris, pu­xando-a para um contato mais íntimo com suas coxas.

— Eles vão descobrir o que fizemos.

Ele riu.

— Por que descobririam?

Mas Gwenna freqüentemente se via no espelho depois dos encontros deles, as faces rosadas e o bri­lho lânguido nos olhos que contavam uma história íntima.

— Eles saberão.

— Mas por que você se importa com isso, bellezza mia? — Destemido, Angelo tentou começar a abrir o zíper do vestido dela.

— Não. — Irritada, Gwenna empurrou-lhe as mãos. — Você não se importa, e por que deveria? To­dos os homens vão achá-lo macho, mas eu parecerei uma prostituta!

Ele a fitou com expressão incrédula.

— O que deu em você? De onde vem toda essa bo­bagem?

— Não é bobagem. Não precisamos anunciar do que se trata nosso relacionamento — disse ela com amargura. — E não vou ser humilhada diante de adu­ladores como Johannes Saudan!

— O que Saudan lhe falou? — Angelo exigiu sa­ber. — Como ele a humilhou?

— Relaxe, Saudan não disse nada, mas pude ver o que estava pensando e ele não é o único. Você me co­loca para desfilar diante deles como se fosse um poodle premiado. Os diamantes ao redor de meu pescoço são como uma coleira.

— Não é incrível como tantas mulheres olham com inveja para este colar?

— É como ser marcada a ferro quente pelo seu dono, e não me importo com o valor da jóia! — Gwenna estava quase gritando. — Você não enten­de, não é? Acha que ser sua amante é algum tipo de honra.

— Santo Cielo! Saia de perto dessa porta — ins­truiu ele em tom irado. — Preciso falar com Saudan e descobrir o que ele lhe disse.

— Ele não me disse nada. Não precisou! Acredita que posso ser comprada e, quando me olhava, pude ver que estava imaginando quando você me colocaria de volta no mercado. Porque para ele sou apenas uma mercadoria, e pensa que pode me ter para...

Angelo pegou-a nos braços e tirou-a de seu ca­minho.

— Vou matá-lo!

— Para quê?

— Dannazione! Ele aborreceu você.

Com medo de uma cena, ela voltou a colocar-se diante da porta para bloquear-lhe a passagem.

— Por que você se importaria com isso? — Sem aviso, a voz de Gwenna tornou-se trêmula e lágrimas marejaram-lhe os olhos.

Angelo detestava choro feminino, e nunca se co­movia por explosões de raiva. Mas quando viu as lá­grimas nos olhos de Gwenna, sentiu-se subitamente aliviado, como se ela tivesse lhe mostrado como de­veria reagir. Ela estava triste, chorando. Ele não po­dia ficar ofendido por nada que ela dissera. A frustra­ção em seu interior desapareceu. De repente, sabia como deveria agir. Colocando as mãos nos ombros delicados, acariciou-os gentilmente, antes de puxá-la para seus braços.

Um soluço escapou da garganta de Gwenna e ela o engoliu rapidamente.

— Eu não choro... Eu não...

— Eu não a ouço chorar — sussurrou Angelo, que­rendo mandar todos os convidados embora, levá-la para cama e tê-la só para si.

Ela enterrou o rosto no ombro largo. Sentia-se des­norteada por seu próprio comportamento. Como ti­nha se tornado tão próxima dele? A raiva havia pas­sado agora, e sua atitude mudara.

— Estou bem — murmurou Gwenna no momento que seu celular tocou. — Com licença.

Era sua meia-irmã, Penelope.

— Precisamos falar com você urgentemente — declarou Penelope sem rodeios. — É um assunto fa­miliar e não pode ser discutido ao telefone. Em quan­to tempo pode chegar aqui?

— Vou pegar o primeiro trem disponível amanhã. — Em seguida, dirigiu-se a Angela: — Terei de ir para casa por alguns dias. Uma crise familiar. — Gwenna informou Angelo, imaginando se o problema ao qual Penelope se referira tinha a ver com o rompimento final do casamento de seu pai.

Angelo franziu o cenho.

— Eu vou com você.

Considerando a atitude de Angelo em relação ao pai dela, a presença dele somente aumentaria o es­tresse de todos.

— Obrigada, mas não acho uma boa idéia. Esse é um problema particular de família.

Angelo pensou que aquilo era duvidoso. O mais provável era que o assunto fosse sobre mais um crime inescrupuloso de Donald Hamilton. Ele estudou as feições pálidas de Gwenna e admirou-se por ela ain­da ser tão vulnerável e ingênua.

— Você acha que poderia cuidar de Piglet? — pe­diu ela sem graça. — Minha madrasta não gosta de cachorros, e acho que ele ficaria traumatizado se ti­ver de voltar para o hotel.

Angelo ficou tocado pelo fato de ela querer con­fiar o animal aos seus cuidados, uma vez que, sem dúvida, Piglet era sua posse mais preciosa.

— Non c'è problema... Sem problemas. — Ele pe­gou-lhe a mão. — Quando eu levá-la para casa mais tarde, teremos uma noite memorável, bellezza mia — acrescentou, excitando-a com a promessa de prazer.

 

Cedo na manhã seguinte, ela acordou e ouviu os movimentos de Angelo no quarto adjacente. Ele nun­ca passava a noite com ela. Sempre dormia sozinho. Todavia, dava-lhe um prazer inimaginável...

Angelo entrou. Vestido num terno impecável e ar­rasadoramente bonito, parou aos pés da cama. Os lin­dos cachos loiros de Gwenna emolduravam o rosto em forma de coração e acentuavam os gloriosos olhos azuis e a boca rosada.

— Dio mio... não tenho certeza se posso deixá-la ir, cara mia. — Ele sorriu. — Você foi incrível ontem à noite.

Embora enrubescendo, Gwenna o fitou. O brilho de desejo nos olhos dele a fez se sentir poderosa, mas ficou chocada quando se ouviu dizendo:

— Você deveria ficar mais um pouco.

— Tenho uma reunião em uma hora — murmurou ele com voz rouca. — É muito importante.

A atmosfera sexual provocou uma carga de adre­nalina ao corpo de Gwenna. Ela estudou-lhe as fei­ções bonitas.

Era a primeira vez que Gwenna lhe fazia um con­vite desse tipo e Angelo sentiu uma sensação de triunfo. Ligou para Franco e falou em italiano:

— Avise no escritório que fiquei detido de forma inevitável.

Ele removeu a gravata, depois o paletó, sem tirar os olhos dela por um único segundo. Abriu os botões da camisa com incrível lentidão.

Gwenna sentiu-se paralisada pela surpresa e pelo calor que se instalou em seu baixo ventre.

— O que está fazendo? Sua reunião...

Angelo sentou-se na cama e alcançou-a com mãos confiantes.

— Perder a reunião vai valer a pena — respondeu beijando-a com erotismo.

Por volta de meio-dia, ele a acordou. Ela piscou-lhe, ainda sentindo-se exausta e sonolenta. Angelo, por outro lado, parecia revigorado.

Os cabelos pretos ainda estavam molhados do banho, os olhos brilhan­do como diamantes e contrastando com a linda pele bronzeada.

— Você perdeu seu trem. Um motorista está espe­rando-a para levá-la ao heliporto. Pode voar para ir ver sua família. Não fique longe por muito tempo.

Gwenna nunca despertou tão rapidamente, excita­da pela idéia de voar para Somerset de helicóptero.

— Certo.

Ele levou-lhe os dedos à boca e beijou-os.

— Parabéns, bellezza mia.

Ela o fitou intrigada.

— Pelo quê?

— Finalmente senti que você me pertence.

Gwenna empalideceu.

— É assim que eu queria que fosse e assim que tem de ser. Eu nunca me contentaria com menos — continuou Angelo sedosamente. — O que determina o preço de um amor verdadeiro agora? Você é mais minha do que jamais poderia ser dele.

Angelo partiu assobiando. Sentindo-se subitamen­te humilhada, ela levantou-se, vestiu a camisola e o seguiu.

— Angelo?

Ele parou no corredor e virou-se para olhá-la.

— Sim?

— Em quem acha que penso quando estou com você? — questionou Gwenna, mesmo sabendo que estava mentindo, mas toda vez que ele a magoava, ela pegava-se reagindo de maneiras imprevisíveis.

Angelo a olhou fixamente, as feições fortes sem expressão. Então ela o viu empalidecer e soube que tivera sucesso em sua vingança. Todavia, ficou mais envergonhada do que feliz pelo seu sucesso. Sentiu uma súbita tontura e tremeu, com medo e repleta de arrependimento.

Voltando para o quarto, encostou-se contra a porta fechada e cobriu o rosto com as mãos. O que estava lhe acontecendo? Desde quando tinha se transforma­do numa mulher vingativa que dizia mentiras horrí­veis?

Desde quando pensava em Toby na presença de Angelo? Nem uma única vez pensara em Toby. Aquela percepção tardia a assustou.

 

— Você viaja com luxo. Um helicóptero particular e uma limusine com chofer para trazê-la até a porta? — Donald Hamilton sorriu para Gwenna. — Obvia­mente, Angelo Riccardi gosta muito de você.

— Nada sei sobre isso. Perdi meu trem. — Gwenna imaginou se Penelope não tinha exagerado quanto à crise familiar, porque seu pai não parecia nem um pouco abalado. — Penelope pareceu misteriosa em relação ao que estava acontecendo aqui. Fiquei preo­cupada.

— Então ficará aliviada em saber que meu proble­ma atual é pequeno comparado aos outros que ocor­reram na Furnridge. — Donald suspirou. — Lá esta­va eu, endividado, e fiz o que a maioria das pessoas faria numa crise... peguei algum dinheiro emprestado de aqui para pagar lá.

— Desculpe, não entendo.

— Lamento que certas irregularidades no comitê dos jardins foram descobertas. É claro que se eu ti­vesse tempo, poderia resolver as coisas. — Ele deu de ombros. — Infelizmente, o pessoal do comitê está exigindo pagamento instantâneo.

— Você tirou dinheiro do fundo dos Jardins Massey, também? — Ela ficou apavorada quando finalmente percebeu a gravidade daquilo. — O que estava pensando?

— Não me importo com seu tom de crítica, Gwenna.

— Não posso acreditar que depois de todo aquele levantamento de fundos e discursos teve coragem de usar as doações de pessoas que confiaram em você — murmurou ela, envergonhada do próprio pai. — Por que não mencionou isso no mês passado?

— Obviamente porque achei que poderia repor o dinheiro. Mas isso se provou impossível. Estou de­sempregado, e Eva e eu mal podemos sustentar esta casa. Dois membros do comitê dos jardins ligaram ontem. Estão ameaçando chamar a polícia.

— De quanto estamos falando? — perguntou Gwenna.

Quando Donald mencionou o valor, ela tremeu.

— Oh, meu Deus... o que vamos fazer?

— Talvez você possa vender um colar de diaman­tes para nos salvar — soou uma voz feminina irônica.

Gwenna olhou para cima e viu sua madrasta e ir­mãs entrando na sala.

— Ou você pode pedir para seu amante rico re­por o dinheiro para libertar seu pai — continuou Penelope.

— Não posso fazer isso — sussurrou Gwenna, sem saber como explicar que não se considerava dona de nenhuma jóia que Angelo insistisse que ela usasse.

— Você é a única pessoa que pode me ajudar ago­ra — disse seu pai. — Não temos dinheiro e nenhuma esperança de conseguir um empréstimo.

E com tal comentário, Donald Hamilton deixou a sala.

— Não posso fazer nada — repetiu Gwenna. — Também não tenho dinheiro.

Eva falou pela primeira vez:

— Se você não encontrar uma maneira de resolver isso, juro que vou me divorciar de seu pai, então ele nem mesmo terá onde morar. Basta. Já tolerei de­mais.

Gwenna suspirou longamente.

— Entendo como você se sente...

— Não acho que entenda. Enquanto estamos pas­sando por dificuldades, você está vivendo no luxo — interferiu Penelope. — Vejo suas fotos em todas as revistas e seu nome nas colunas sociais. Está moran­do com um bilionário famoso!

— Seria indelicado apresentar a Angelo uma lista de exigências na sua primeira semana — opinou Wanda —, mas está na hora de você parar de ser egoísta e compartilhar a fortuna com sua família.

— Chega, garotas — murmurou Eva. — Acho que Gwenna já entendeu a mensagem.

Chocada por aquele ataque verbal, Gwenna ficou ainda mais magoada por a considerarem egoísta.

— Não acredito que conseguir o dinheiro será pro­blema para você — Penelope continuou. — Afinal, está exalando fortuna. Só essa sua bolsa deve valer mil e quinhentas libras.

Gwenna olhou para baixo horrorizada. Bolsas po­diam ser tão caras? Não tinha idéia do preço das rou­pas e acessórios, uma vez que não as comprara pessoalmente. Estava arrependida de ter se vestido com peças de seu novo guarda-roupa para confrontar as ir­mãs.

— Não tenho dinheiro meu, e não posso pedir a Angelo.

— Como você pode ser tão egoísta? — perguntou Wanda.

Irada com a acusação, Gwenna respondeu:

— Não sou uma prostituta... Não pedirei dinheiro a ele.

Sua madrasta torceu o nariz com desgosto.

— Não vamos fazer drama, Gwenna. Pelo que vejo, Angelo Riccardi precisa de pouco encoraja­mento para mimá-la.

Com lágrimas de frustração se acumulando nos olhos, Gwenna se levantou.

— Parem de falar como se eu estivesse com Ange­lo por escolha! Ou como se isso fosse uma maravilha para mim. Eu estava apaixonada por uma outra pes­soa! Angelo me ofereceu um acordo... se eu dormisse com ele, retiraria as acusações contra papai!

Assim que confessou o que jamais confessaria se não estivesse tão desesperada para se defender, um silêncio se seguiu. As três mulheres agora estavam boquiabertas e ela se sentiu mortificada.

— Eu não tinha idéia — disse Eva finalmente. — Parece muito imoral, e espero que não esteja nos cul­pando por sua decisão.

— Angelo Riccardi precisou chantageá-la para dormir com você? — questionou Wanda. — Eu não teria hesitado. Qual é o seu problema?

— Isso é tão sexy. — Penelope não podia escon­der sua inveja. — Você é doente, Gwenna. Nenhuma mulher normal estaria reclamando!

Abalada por aquelas reações, Gwenna saiu da sala. Ficou atônita ao encontrar Toby esperando no corre­dor. Logo percebeu que Toby, como um membro do comitê dos jardins, já fora informado que o pai dela havia retirado dinheiro do fundo de restauração.

— Eu só descobri isso ontem. Queria lhe dar a no­tícia pessoalmente, e pretendia chegar aqui antes de você, mas meu vôo atrasou — confidenciou Toby em tom de desculpa.

— Gwenna — chamou Donald do fim do corredor.

— Tire-me daqui — sussurrou Gwenna para seu amigo antes de voltar-se para o pai: — Não sei o que lhe dizer neste momento. Preciso pensar. Por favor, não espere um milagre de mim. Entrarei em contato.

Ignorando os protestos do homem mais velho, Toby conduziu-a para fora e para seu carro.

— Estou hospedado no Four Crowns por esta noi­te. Por que não vamos lá e conversamos?

O celular dela estava tocando. Era Angelo. Ele ainda está falando comigo, pensou. Mas seu alívio durou pouco quando pensou em contar-lhe sobre a úl­tima fraude de seu pai. Temendo o desafio, desligou o celular. Quando eles chegaram ao Four Crowns, Toby sugeriu que jantassem. Durante a refeição, ne­nhum dos dois mencionou o roubo. Depois, foram para o quarto confortável a fim de tomarem uma gar­rafa de vinho e conversarem.

— O comitê está impaciente para chamar a polí­cia, mas eu os persuadi a esperar mais um ou dois dias. Eles não querem um escândalo público, pois isso pode impedir novas doações ao fundo — expli­cou Toby. — Angelo estará disposto a ajudar seu pai?

Gwenna engoliu em seco.

— Duvido muito.

— Mas ele parece gostar de você.

Gwenna corou porque não queria dizer que o úni­co interesse de Angelo nela era físico. E depois da mentira que lhe contara mais cedo, talvez nem isso ti­vesse mais valor.

— Não vou dizer o que penso sobre seu pai.

— Obrigada. — Ela ficou tensa quando ouviu uma batida à porta.

Toby foi abrir. Gwenna viu Angelo e seu coração disparou violentamente. Levantando-se, encarou os olhos irados. Então, quando se aproximou, Angelo deu um soco em Toby, que caiu no chão ao lado da cama.

— Você está louco? — gritou Gwenna.

— Você estava deitada na cama dele! — exclamou Angelo. — Não se meta. Isso é entre mim e ele...

— Não sou covarde, mas nunca vi sentido em dis­cussões com gritos e socos — murmurou Toby, ten­tando recuperar o fôlego.

Angelo o estudou com desgosto.

— Ele nem mesmo vai lutar por você!

— Por que ele lutaria por mim? Toby é gay — de­clarou Gwenna, abaixando-se ao lado do amigo para ver se ele estava bem.

— Gay? — repetiu Angelo incrédulo.

— Gay — confirmou Toby, olhando para Gwenna, então para ele. — Ela não lhe contou?

— Não era da conta de Angelo — disse ela.

Angelo se aproximou e imediatamente estendeu a mão para ajudar Toby a erguer-se.

— Desculpe-me. — Ele olhou para Gwenna. — Por que você não me contou?

Gwenna não respondeu. Discutir com Angelo na frente de Toby a deixaria ainda mais constrangida. Já se sentia tola demais, além de culpada por Toby ter sido machucado.

— Você vai voltar para o hotel comigo? — per­guntou Angelo suavemente.

— Como você pôde fazer isso? — acusou ela no minuto que estava a sós com Angelo.

— Você é responsável por essa farsa estúpida — replicou ele, conduzindo-a para o estacionamento.

— E como me achou aqui?

— Você não atendeu o celular. Saiu da casa do seu pai com o homem que diz amar. Então jantou sozinha com ele e o acompanhou para um quarto de hotel. O que eu deveria pensar?

— Que nem todos são viciados em sexo como você. — Ela deu de ombros. — Mas ainda não res­pondeu como soube onde eu estava hoje.

Angelo enviou-lhe um olhar sarcástico.

— Sempre sei onde você está. Toda vez que sai, alguém da equipe de Franco a observa. Sou famoso. Tenho inimigos. Mesmo que a única ameaça seja dos paparazzi, você precisa de proteção.

Gwenna irritou-se.

— É como estar sob vigilância da polícia. Por que não me contou isso?

— Sua segurança é minha preocupação. Então, conte-me a história de Toby — convidou Angelo, de­terminado a satisfazer sua curiosidade. — Como con­seguiu se apaixonar por um gay?

Gwenna mordeu o lábio antes de responder:

— Era segredo, e eu não sabia quando o conheci. No momento que descobri, era tarde demais.

— Como tarde demais? Descobrir isso deveria ter sido suficiente para desencantá-la.

— Não é tão simples assim.

— Se eu estivesse no seu lugar, teria achado muito simples.

Gwenna inclinou o queixo.

— Quando foi a última vez que você se apai­xonou?

Angelo não respondeu. Não se apaixonava. Não acreditava no amor. Amor era uma palavra de quatro letras que não saía de seus lábios desde a infância, e não estava preparado para conversar sobre isso. Seu jeito reservado era bem conhecido. Pessoas não lhe faziam perguntas pessoais. Não queriam irritá-lo.

— Por que você pode me questionar e não posso questioná-lo? — insistiu ela quando o silêncio se es­tendeu.

— Dio mio. Eu não me apaixono, certo?

Gwenna fixou os olhos azuis nele.

— Nunca?

— E daí? — Angelo estava furioso pelo olhar de compaixão dela, que implicava que ele tinha algum problema emocional grave.

Gwenna sentia-se terrivelmente triste por ele e apressou-se em quebrar o silêncio.

— Minha avó dizia que é preciso muitos tipos de pessoas para fazer o mundo — continuou ela. — Su­ponho que se eu tivesse conhecido alguém realmente especial, teria superado meu sentimento por Toby. Mas é tão difícil encontrar um homem que se compa­re a Toby. Ele é criativo... projeta parques e jardins. Temos muita coisa em comum.

— Solo... plantas — zombou Angelo. — Posso imaginar.

— Toby é realmente especial — defendeu ela. — Amável e carinhoso.

Alguém especial. Apesar de não estar procurando por amor, Angelo se sentiu afrontado. Toby era amá­vel, carinhoso e criativo. Provavelmente, Toby era quase um santo. Angelo decidiu que tinha muita dig­nidade para continuar o assunto.

Era quase meia-noite quando chegaram ao hotel Peveril House. Um elevador particular os levou para uma suíte sofisticada que englobava vários cômodos. Quando Gwenna entrou, Piglet foi alegremente cum­primentá-la.

— Meu Deus, você o trouxe! — exclamou ela fe­liz. — Obrigada.

Angelo perguntou-se como poderia ter deixado um cachorro que fazia greve de fome na ausência da dona.

 

Na manhã seguinte, Gwenna acordou às nove ho­ras. Apesar de tudo, tivera uma noite excelente de sono, e Angelo nem mesmo a procurara para sexo. Talvez tivesse percebido o quanto estava exausta. Ele também não perguntara sobre a crise familiar dela. Mas então, por que estaria interessado? Entre­tanto, se não estava interessado, por que a seguira até Somerset?

Ela não podia mais evitar a decisão desagradável que tinha de tomar. Pediria ou não a ajuda de Angelo para ajudar seu pai? Embora Hamilton tivesse tratado a questão com muito tato, Gwenna ainda sentia que deveria fazer o possível para tentar ajudá-lo.

Quando foi para a saleta da suíte tomar o café da manhã, Angelo a cumprimentou com um gesto de ca­beça, enquanto falava ao celular em italiano, obvia­mente sobre negócios. Gwenna serviu-se de cereais e se sentou à mesa.

Ele desligou o celular e se aproximou.

— Dormiu bem?

— Sim, obrigada.

— Eu não. — Com o semblante sério, Angelo apoiou-se contra a extremidade da mesa. Então, ob­servou-a com uma intensidade que falava mais alto do que quaisquer palavras. — Venha aqui.

Sem entender por que, ela se levantou. Ele passou uma das mãos sobre sua cintura e a olhou de cima a baixo com apreciação.

— Escolhi este vestido para você em Nova York.

Ela estava surpresa.

— Eu não sabia que você escolhia alguma coisa.

Angelo estava encantado com a figura dela.

O ves­tido marcava as curvas com perfeição, e o tom de azul era exatamente o mesmo que Gwenna usara no dia que tinham se conhecido.

— Apenas alguns itens que me chamam a atenção. Decidi que precisamos de umas férias, bellezza mia. Vamos para a Sardenha no fim de semana.

— Você está falando sério?

— Tenho uma casa lá... com um jardim enorme — disse ele. — Você vai adorar, e eu também. Como suas plantas, preciso de muito sol e de atenção para ter sucesso.

Gwenna o estudou, incerta.

— Você não quer saber por que precisei ver minha família ontem?

Angelo suspirou.

— Sei o motivo.

Ela franziu o cenho.

— Como? Quero dizer... você não comentou nada.

— Tenho um pessoal trabalhando na Furnridge, e os rumores sobre o roubo do fundo dos jardins chega­ram lá alguns dias atrás — confidenciou ele com pre­cisão. — Então fiz outras investigações, motivo pelo qual estou aqui.

— Não são apenas rumores.

Ele a olhou fixamente.

— Não pensei que fossem.

Gwenna umedeceu os lábios.

— Meu pai pegou o dinheiro e usou-o para tentar devolver o que tinha tirado da Furnridge.

Angelo ergueu a mão e colocou um dedo sobre os lábios dela.

— Esqueça isso. Sua vida mudou agora.

Ela piscou em confusão.

— Não se pode abandonar uma família.

As feições bonitas de Angelo estavam sóbrias.

— Você poderia se surpreender.

Sem questionar por que ele dissera aquilo, Gwenna o acusou:

— Você sabia sobre isso e não mencionou ontem à noite? Como consegue viver assim?

— Sou um homem prático.

— Mas simplesmente ignorar a questão...

Ele deu de ombros.

Gwenna pôde sentir a atmosfe­ra esfriando.

Também notou que Angelo não a estava mais tocando.

— Angelo...

— Não peça, bellezza mia — avisou ele.

— Você não pode saber o que eu ia dizer!

— Não posso?

— Você está dificultando as coisas. Acha que é fá­cil para mim lhe pedir dinheiro?

— Você se arrumou bastante para o desafio. Sem jeans ou camiseta — apontou ele.

Gwenna o fitou em choque.

— Realmente acha que é por isso que estou vestida com essa roupa? Para lhe fazer um pedido? Não sou assim.

— Também pensei que você não fosse assim. Infe­lizmente, agora parece que está prestes a me provar o contrário.

— Não entende que não posso deixar de pedir?

— Não, não entendo. Honestamente acredita que seu pai merece isso? Acredita que ele é um pecador arrependido, e que vale a pena ajudá-lo?

— Ele é meu pai e eu o amo. No momento, estou envergonhada por ele, também — admitiu ela num sussurro. — Ele é fraco, violou a lei e destruiu a con­fiança de muitas pessoas, mas ainda é meu parente vivo mais próximo... e não posso me esquecer do que ele fez por mim quando eu era criança.

Angelo deu uma risada seca.

— E se ele não tivesse feito as coisas no passado da maneira que você imagina?

Gwenna arqueou a sobrancelha, confusa.

— O que você quer dizer?

— Esqueça. Eu estava pensando em uma outra coisa.

Angelo baixou os olhos para velar a expressão. Ela teria de lidar com a verdade em algum momento. Mas agora já estava chateada demais. Ele lhe contaria na Sardenha, e a descoberta a libertaria. Como todos os vigaristas, Hamilton era um mentiroso e sua vida ti­nha segredos sórdidos. Uma vez que Gwenna enfren­tasse a realidade, iria repensar sobre seus laços senti­mentais com a família.

Gwenna uniu as mãos e inclinou os ombros para trás.

— Quero muito dar a meu pai a chance de começar uma vida nova.

Angelo ergueu as mãos num gesto de escárnio e foi para a janela, dando-lhe as costas.

— Oh, por favor — disse ele de maneira incisiva.

— Meu pai nunca fará isso se ninguém acreditar nele. Irá para a prisão se for acusado pelo comitê dos jardins. E que escolha eles têm? Pessoas muito in­fluentes fizeram doações para o fundo. Por favor, considere repor o dinheiro — suplicou ela, tremendo. — Como um empréstimo.

— Dio mio. Um empréstimo com essa garantia? — Angelo virou-se para olhá-la. — Você quase me convenceu de que era diferente. Uma moça com prin­cípios. Até agora, valorizei-a por ter sido a única mu­lher que não me pediu dinheiro. Nem jóias ou coisas de valor.

O sangue pareceu drenar do rosto dela. Envergo­nhada demais, não podia sustentar-lhe o olhar. A li­nha que dividia o certo do errado não era mais tão de­finida quanto um dia acreditara ser. Mesmo enquanto se sentia no dever de proteger o pai, estava horroriza­da com sua própria atitude.

— Você também me disse que não poderia ser comprada — ele a relembrou. — Mas acabou de dar seu preço.

Os olhos de Gwenna se encheram de lágrimas.

— Angelo... eu realmente não queria fazer isso...

— Sim, queria. Se eu quisesse jogar, poderia lhe perguntar o que ganho ajudando seu pai. Mas não te­nho intenção de lhe dar uma resposta positiva. Eu me importo com o que vai acontecer a seu pai? Não. Quero agradar você a esse ponto? Lamento, mas não — finalizou ele com frieza.

A última declaração doeu mais do que um tapa no rosto. Uma coisa era dizer a si mesma que Angelo só a queria sexualmente, outra era ouvir a confirmação verbal do fato. Na verdade, Angelo era tão frio, tão distante emocionalmente que a assustava. Era como se o último mês não tivesse acontecido, e ele voltara a ser um estranho rude.

Gwenna endireitou os ombros.

— Sinto se cometi o erro de acreditar que você pu­desse ter alguma compaixão.

— Reservo compaixão para causas que valem a pena, e seu pai nunca vai se encaixar nessa categoria.

— No entanto, você pode gastar uma fortuna em roupas extravagantes para mim. Além de colares e brincos de diamantes! — protestou ela, furiosa. — Enquanto zomba de mim por me preocupar com o que aconteça ao meu pai.

— Seu pai está tentando usá-la novamente. Onde está seu bom senso? Um homem decente deixaria a filha usar o corpo para pagar por sua liberdade? — explodiu Angelo irritado.

Gwenna engoliu em seco.

— Isso não é justo. Papai pensa que estamos real­mente envolvidos.

— Nós estamos realmente envolvidos.

— Sabe o que quero dizer. Ele pensa que nós nos gostamos — disse ela. — E já que você mencionou, um homem decente pede para uma mulher pagar a li­berdade do pai com o seu corpo?

Os olhos de Angelo emitiram faíscas de raiva.

— Não ouse me comparar a seu pai! Se as pessoas ainda pudessem ser compradas e vendidas como mer­cadorias, ele seria o primeiro a vender você para mim, somente para obter um bom lucro!

— Isso é mentira! Meu pai me ama...

— Ele é vigarista e trapaceiro — exclamou Ange­lo, interrompendo-a. — Tenho uma pergunta ainda melhor para fazê-la pensar. Que tipo de homem rou­ba a herança da filha de oito anos de idade?

— O que você está dizendo? Que herança?

Angelo praguejou. Não pretendera revelar aquela informação ainda.

— Donald Hamilton forjou o testamento de sua mãe.

Gwenna sentiu uma tontura.

— Forjou? Não entendi?

— Há muitas evidências sólidas. Especialistas em grafologia foram consultados. O testamento nem mesmo é uma boa falsificação. Uma testemunha e o advogado envolvidos na época morreram — expli­cou Angelo. — A segunda testemunha, entretanto, foi encontrada no exterior e está preparada para jurar que o testamento não é o documento que ele original­mente assinou na presença de sua mãe. Seu pai forjou um outro testamento e nomeou a si mesmo como o beneficiário principal. Queria a mansão Massey e aproveitou a morte de sua mãe para roubar de você.

Gwenna estava meneando a cabeça de um lado para o outro.

— Isso é ridículo. Não faz o menor sentido...

— E quando seu pai lhe ofereceu um lar e a reco­nheceu, todos ficaram surpresos, porém não desconfiados. Ninguém questionou por que uma mulher que o odiava tinha lhe deixado todo o dinheiro que pos­suía.

— Angelo... isso é maldade, o que você está ten­tando insinuar, o que está dizendo... — Gwenna ga­guejou enquanto tentava, sem sucesso, mascarar seu choque.

— Sinto muito. É a verdade.

— Não... não pode ser. — Ela pegou a bolsa da ca­deira e seu celular.

— Para quem você vai ligar?

— Para Toby.

Angelo tirou-lhe o telefone da mão.

— O que precisa dele?

— Dê-me esse celular — gritou ela.

— Pense bem no que vai fazer. Pode contar a Toby James uma coisa dessas? — Angelo pôs o telefone sobre a mesa entre os dois como se fosse uma arma perigosa. — Ele está naquele comitê dos jardins, não está?

Gwenna pegou seu celular, mas não fez a ligação. Queria bater em Angelo por fazê-la pensar duas ve­zes sobre contatar seu melhor amigo para apoio. Sen­tia um nó na garganta e queria chorar.

— Papai não forjou o testamento de mamãe, e essa questão toda não tem nada a ver com você.

— Ele me vendeu a propriedade para pagar o débi­to na Furnridge. Se não possuir a propriedade legal­mente, cometeu uma outra fraude. Talvez você prefi­ra que a polícia investigue o assunto.

Um calafrio percorreu o corpo de Gwenna. Sentia-se presa em um pesadelo do qual não havia escapatória Angelo colocou uma das mãos em suas costas. Ela afastou-se num movimento violento de rejeição.

—Você precisava saber em algum momento, bellezza mia.

Ela lhe lançou um olhar de desafio.

— Pretendo discutir suas alegações insanas com meu pai.

— Você deve ver as evidências antes. — Ele pe­gou uma pasta da gaveta da mesa e estendeu-lhe.

— Vá embora — disse Gwenna.

Angelo foi para o hall onde Piglet estava preso. Propositadamente abriu a porta e assistiu ao cachorro ir ao encontro da dona com uma explosão de latidos.

Pegando Piglet no colo, Gwenna sentou-se à mesa e abriu o envelope. Havia cartas legais, amostras da assinatura de sua mãe, opiniões de especialistas. Mas quando chegou ao depoimento escrito do homem que presenciara o testamento de sua mãe, seu estômago se revolveu. A testemunha estava disposta a jurar diante da Corte que Isabel Massey havia deixado sua propriedade para a filha.

No momento que Angelo reapareceu, meia hora mais tarde, Gwenna estava composta novamente. Ela se levantou.

— Quero ver meu pai.

— Ele lhe dará uma porção de desculpas.

— Posso resolver isso. — Ela o olhou diretamente em desafio.

— Lamento, mas não posso concordar.

— O que isso tudo tem a ver com você? — Gwenna praticamente gritou, pura raiva dominando-a.

Angelo permaneceu silencioso.

— Você acha que vou perder o controle. Bem, não vou. Só perco o controle com você! — murmurou ela na defensiva.

 

Gwenna estava sentada na limusine, rígida como uma pedra, mas por dentro suas emoções estavam em turbilhão. O veículo parou diante da casa de seu pai.

— Você não precisa confrontá-lo. Por que não me deixa resolver a questão? — ofereceu Angelo suave­mente.

— Ele é meu pai. — Pegando a pasta, Gwenna des­ceu. — E não ouse entrar!

 

Donald Hamilton folheou freneticamente os docu­mentos que Gwenna lhe apresentou. Finalmente, lar­gou-os sobre a mesa. Estava pálido, o semblante de choque era quase palpável.

— Angelo Riccardi reuniu tudo isso para você?

— Sim. — Gwenna suspirou. — Por favor, não minta mais. Preciso ouvir a verdade.

— Parece muito pior do que é — defendeu-se Donald. — Vou lhe explicar como aconteceu...

— Não fale como se fosse uma coisa que simples­mente aconteceu, sobre a qual você não tinha contro­le — interrompeu ela. — Você forjou o testamento de minha mãe, de modo que fiquei sem nada!

— Não faça tanto drama disso — argumentou seu pai. — Tudo começou inocentemente. Quando você era bebê, tentei persuadir sua mãe, Isabel, a fazer uma parceria de negócios. Esperava que juntos pu­déssemos construir casas na propriedade Massey.

— Construir? — repetiu Gwenna. — Mas é contra a lei construir em um terreno considerado um patrimônio histórico.

— Isso foi há mais de vinte anos, e a propriedade não tinha valor histórico na época. Eu queria ganhar dinheiro para todos nós. Isabel era pobre, mas enlou­queceu quando sugeri o negócio da propriedade. O casarão, mesmo em ruínas, era muito importante para sua mãe.

— Eu sei — reconheceu Gwenna relutante.

— Quando você nasceu, meu relacionamento com Isabel era só de amizade — continuou Donald.

Não era assim que Gwenna se lembrava das coi­sas. Eles brigavam e voltavam, de acordo com o hu­mor de seu pai. A amargura de sua mãe havia aumen­tado quando finalmente percebera que o homem que amara por tanto tempo nunca retornara os sentimen­tos da mesma maneira.

— Meu primeiro casamento foi um desastre e eu queria o divórcio. Desenvolver um projeto para a propriedade Massey parecia minha única saída — prosseguiu ele com determinação. — Eu necessitava ganhar muito dinheiro. Tinha uma esposa para man­ter, você e sua mãe para sustentar e, na época, tam­bém conheci uma outra mulher.

Gwenna não se surpreendeu com aquela reve­lação.

— Isso acontecia frequentemente não? Trocar uma amante por outra nova?

Seu pai suspirou.

— Não espero que você entenda isso, mas Fiorella foi diferente. Ela era italiana, muito encantadora. Eu queria me casar com ela, mas nosso caso saiu de con­trole.

Gwenna franziu o cenho.

— Não entendo o que tudo isso tem a ver com o testamento de minha mãe.

— Estou tentando explicar os motivos pelos quais fiz aquilo.

Gwenna olhou para baixo da mesa, onde Piglet es­tava dormindo. Começava a se perguntar por que ti­nha ido ver o pai. Sentia-se vazia. Nada que ele pu­desse dizer iria fazê-la se sentir melhor em relação ao fato de ele ter roubado sua herança e de ela, por isso, ter vivido tantos anos à sua custa. Tinha se sentido tão culpada pelo rompimento do primeiro casamento do pai. Ele a fizera acreditar que reconhecer a filha o levara ao divórcio. E agora acabava de admitir que ele, na verdade, queria romper aquele casamento.

As coisas que não quisera enxergar, comparações que doíam fazer, estavam vindo à tona agora. Suas meias-irmãs haviam crescido numa casa adorável com os pais, enquanto Gwenna fora enviada para um colégio interno que detestava. Durante as férias, sua presença em casa era, no máximo, tolerada. Ela tra­balhara meio-período durante a faculdade e economi­zara. Então passara a morar num pequeno apartamen­to em cima de um viveiro de plantas, o qual dirigia por um salário miserável. Contudo, uma mera pala­vra de aprovação de seu pai a deixava feliz por dias.

— Gwenna — Hamilton falou com tom de urgên­cia — você tem de me ouvir.

— Se quer que eu o ouça, diga alguma coisa rele­vante. A sua história com uma italiana encantadora não é — murmurou ela com tristeza.

— Neste caso, é — insistiu ele. — Um dia, três ho­mens entraram armados em meu escritório e disse­ram que eu estava me metendo com a filha de um ho­mem muito importante, que já tinha um marido. Fui avisado de que se quisesse continuar vivo e prospe­rar, eu teria de sair da vida de Fiorella.

— Verdade? — Gwenna só registrou que seu pai tivera um caso com uma mulher casada e achou que ele merecia isso, já que era um traidor. — Talvez minha mãe tivesse sido mais feliz se tivesse um pai ca­paz de fazer a mesma coisa.

— Pelo amor de Deus, Gwenna. Eles puseram uma arma na minha cabeça. Pensei que fosse morrer! — protestou Donald furioso. — Eram criminosos.

— Tenho certeza que sim. — Ela suspirou, per­guntando-se aonde ele queria chegar com aquela his­tória.

— Eu estava gerenciando o dinheiro de Fiorella que era uma mulher rica. Os brutamontes do pai dela exigiram que eu devolvesse tudo. Escoltaram-me até o banco e esperaram enquanto eu fazia arranjos para retirar o dinheiro. Mas ela já tinha gastado uma boa parte, e os homens ameaçaram voltar se eu não co­brisse a quantia que tinha sido gasta. Tive de pagar. Eles me deixaram no zero. Desnecessário dizer que me afastei de Fiorella, mas eu estava financeiramente arruinado.

— Desculpe... não acredito em nada disso.

— Eu conhecia o advogado de sua mãe. Ele era idoso, e já devia estar aposentado. Foi fácil pegar os papéis dele — admitiu Donald. — Fui a uma finan­ceira em Londres e fingi que era dono da propriedade Massey. Usando isso como garantia, consegui um bom empréstimo. Eu precisava cumprir minhas obrigações em casa. Você e sua mãe dependiam de mim na época.

Gwenna franziu o cenho, finalmente percebendo a conexão, embora não acreditasse na história prece­dente.

— Como pôde fazer isso com minha mãe? Ela era apenas mais uma pessoa para ser usada? Existe al­guém que você não use?

— Quando sua mãe morreu, eu ainda precisava pa­gar o empréstimo, por isso forjei aquele testamento, mas fiz isso com a melhor das intenções. Eu tinha planos tão maravilhosos...

— Mamãe queria que a propriedade fosse minha, não sua!

— Eu lhe dei um lar — seu pai a relembrou sem he­sitação. — Esperava desenvolver a propriedade, e você se beneficiaria disso também, se tivesse dado certo.

— Acho que não. Fui apenas um meio para que você alcançasse um objetivo, e uma maneira barata de manter o viveiro funcionando. — Gwenna pegou os papéis e se levantou. — Vou levar o jipe. É meu.

— Você não pode ir embora assim. O que vai acontecer agora? — Levantando-se, Donald olhou apreensivo pela janela.

Ela seguiu-lhe o olhar. Angelo estava encostado contra o capo de seu carro luxuoso. Ela percebeu que não se importava com o que ele faria em relação à mais recente fraude de seu pai. Provavelmente, An­gelo o processaria. Sem problemas para Gwenna, mas isso também significava que seu acordo com Angelo seria cancelado. Donald seria preso e enfren­taria um tribunal. E se ela não interferisse, isso sig­nificava que estava livre novamente, pensou ator­doada.

— Aquele é Angelo Riccardi? — perguntou seu pai? — Parece mais jovem do que nos jornais. E ele me lembra alguém. Por que não o convida para en­trar?

— Eu não quero — replicou ela sem se desculpar Gwenna se dirigiu para a cozinha, pegou as chaves do velho jipe e foi direto para a garagem de trás. Di­rigiu ao redor da casa, parando ao lado da limusine antes que perdesse a coragem. Com dedos trêmulos abriu a janela do carro.

Com o semblante frio, Angelo arqueou a sobran­celha.

— Este veículo está adequado para ser dirigido em rodovias?

— Não seja esnobe — respondeu ela. — Nosso acordo acabou.

Totalmente perturbado, ele a olhou.

— Acabou?

— Você pode processar meu pai. Não me importo mais.

Os olhos escuros se arregalaram.

— Você não está falando sério...

— Sim, estou. Ele é um homem horrível — mur­murou ela sem emoção. — Não vou sacrificar minha vida para mantê-lo fora da prisão. Então, vá em fren­te e processe-o.

— Eu não estava me referindo ao seu pai. Estou questionando sobre você e eu...

Gwenna olhou para o vidro dianteiro, o perfil páli­do e tenso.

— Não existe você e eu — sussurrou ela. — Havia um acordo e agora acabou. Se o testamento foi forja­do, a propriedade Massey é minha, e assim que o processo legal for realizado e seu staff se mudar, vou to­mar posse novamente.

— Aqui não é o lugar para termos essa discussão...

— Não há nada a discutir. Você pode ficar com as roupas e enviar o resto das minhas coisas para o vi­veiro. — Com isso, ela pisou no acelerador e partiu.

Angelo estava estupefato pela virada de eventos. Ela o pegara de surpresa. Por que não lhe ocorrera que Gwenna poderia partir uma vez que parasse de se importar com o que aconteceria com o pai? Ele tinha perdido a noção de tudo?

Piglet apareceu na esquina da casa e correu frene­ticamente atrás do carro de Gwenna. Deixado para trás, o pequeno cão colidiu com o gato que tinha fu­gido da cozinha de Hamilton para persegui-lo.

Por aproximadamente dez segundos, Angelo se­guiu o movimento do cachorro com os olhos, e então, vendo o animal ir para a estrada, entrou em ação. Gri­tando para sua equipe, Franco o seguiu. Alcançou a estrada para ver seu patrão abaixando-se para pegar Piglet, que estava correndo freneticamente no meio do trânsito. Angelo inclinou-se para jogar Piglet na extremidade da grama e perdeu o equilíbrio, caiu na estrada e foi atropelado por um carro que passava a toda velocidade. Ficou deitado na rua, sangue escor­rendo da lateral da cabeça. Tremendo de medo, Piglet procurou segurança no único rosto familiar e aproxi­mou-se de Angelo para lamber-lhe a mão.

 

Gwenna já tinha quase chegado ao vilarejo antes de perceber que não tinha idéia para onde iria. Então, parou diante dos portões dos Jardins Massey. Aquela parte da propriedade estava fechada para o tráfego de veículos e ela estacionou do lado de fora, descendo para andar ao longo do caminho que um dia fora a en­trada para a casa. Pela primeira vez, questionou se sua inabilidade de pensar e reagir estava relacionada ao choque. Choque pela traição e ganância de seu pai?

Choque pela revelação de que era, afinal, a dona de uma propriedade que fora de sua família por gera­ções? É claro que isso teria de ser ratificado pela lei antes de ser oficialmente sua, mas era uma boa notí­cia. Ninguém mais poderia lhe tirar a propriedade, a qual estaria segura em suas mãos. O viveiro de plan­tas seria seu novamente, o poderia proporcionar um lucro razoável. Quando não precisasse mais passar os lucros para o pai, seria capaz de ampliar os negócios e fazer planos mais ousados para o futuro.

Entretanto, nem mesmo tais perspectivas a confor­tavam. O que tinha descoberto sobre seu pai a deixara arrasada.

Caminhou pelo solo coberto de ervas e, de alguma maneira, conseguiu se acalmar. Talvez, admitiu, também estivesse um pouco chocada com a idéia de uma vida sem Angelo. Por que, de repente, não con­seguia imaginar um futuro sem ele? Então contem­plou a perspectiva de não vê-lo nunca mais e perce­beu que aquilo a abalara mais do que qualquer coisa naquele dia. Pondo as mãos no rosto, sentou-se nos degraus da casa velha e chorou.

Quando tinha parado de detestar Angelo? E por que não percebera que gostava dele há muito tempo? Em que ponto Toby passara a ser um amigo muito amado em vez de a fonte de seus sonhos não realizados? Como podia ter se apaixonado por Angelo? Que interesses ti­nham em comum? Mas todo esse questionamento era inútil, uma vez que acabara de dispensá-lo.

Poderia mudar de idéia quanto a isso? Por que ti­nha deixado seu celular no carro? Angelo teria li­gado?

Foi naquele momento que Gwenna registrou a au­sência de Piglet e percebeu que tinha deixado seu cão em Old Rectory. Deveria estar muito nervosa mesmo para ter se esquecido de Piglet! Levantando-se, vol­tou à estrada e encontrou Toby rodeando seu carro e choramingando.

— Procurando por mim? — perguntou ela, abrin­do a porta do motorista e pegando seu celular.

— Fiquei surpreso em ver seu carro parado aqui.

Gwenna virou-se para ver Toby.

— O que houve?

— Pensei que você estivesse no hospital. — Toby a estudou com atenção. — Você ainda não sabe o que aconteceu? Angelo sofreu um acidente.

A cabeça dela pareceu girar.

Angelo... acidente. Olhou para Toby, horrorizada.

— Um acidente? Onde? Quando?

— Sua madrasta viu tudo. Estava indo para casa com sacolas de compras...

— Não importa de onde ela vinha. Fale-me sobre Angelo. Ele está bem?

— Vou levá-la para o hospital agora. — Toby a conduziu para o banco de passageiro de seu carro es­porte.

— Toby! — exclamou ela desesperada. — Diga-me!

Ele começou a dirigir.

— Eva falou que ele estava inconsciente. Foi atro­pelado por um carro...

— Você quer dizer que bateram no carro dele?

— Angelo não estava dentro do carro. Provavel­mente não é o momento de mencionar isso, mas Piglet está inteiro.

— O que Piglet tem a ver com isso?

Então Toby lhe contou que Angelo tinha salvado a vida do cachorro. Angelo, que não gostava de ani­mais por perto. Gwenna sentiu-se terrivelmente cul­pada.

— Já saiu até mesmo no noticiário...

— Onde ele está? — interrompeu ela.

— Eu a estou levando direto para lá.

O celular de Gwenna tocou. Era Franco. Parecia calmo, mas informou-a de que Angelo ainda não re­cuperara a consciência. Avisando-a que a imprensa estava reunida na frente do hospital, combinou de en­contrá-la em um local menos público.

— Eu disse a todos que você é a companheira do sr. Riccardi — confessou Franco no breve encontro dos dois.

Considerando que essa definição era uma mentira, Gwenna mordeu o lábio.

— Não acho que...

— Essa é a única forma que dará permissão para vê-lo, sita. Hamilton. Os advogados já estão a caminho.

Gwenna entrou no elevador. A única forma que dará permissão para vê-lo. O risco de ser impedida de ver Angelo foi o bastante para silenciar seus pro­testos.

— Advogados?

— Decisões sobre o tratamento médico do sr. Riccardi devem ser tomadas rapidamente. Confio em você para fazer a escolha certa. — Franco a fitou se­riamente. — Se você não assumir a responsabilidade, outros interesses poderiam interferir na tomada de uma decisão.

Gwenna assustou-se, mas respeitava a franqueza de ir direto ao ponto. Na ausência da família, os ad­vogados de Angelo seriam os responsáveis, e obvia­mente Franco não confiava neles.

Angelo era muito rico. Isso poderia influenciar a qualidade das esco­lhas feitas em nome dele? Angelo confiava plena­mente em seu chefe de segurança.

Gwenna não en­tendia por que Franco estava tão preocupado, mas re­conheceu a sinceridade do homem e assentiu em con­cordância.

Franco levou-a até um médico, que estava ansioso para fornecer um relatório das condições físicas de Angelo. Ele achava que o ferimento na cabeça de An­gelo deveria ser investigado, o que significava trans­feri-lo de hospital. Mas os advogados estavam discu­tindo se isso deveria ser feito ou não. O tempo passa­va e o médico estava preocupado com a demora.

— Pode transferi-lo — instruiu Gwenna.

— Você assume a responsabilidade?

— Sim. Posso vê-lo agora?

Angelo estava pálido, a lateral do rosto cortada e arranhada, e estava muito, muito imóvel. Engolindo em seco, ela sentou-se na beira da cama e segurou-lhe a mão. Angelo apenas tolerava Piglet, mas tinha se arriscado para impedir que o cachorrinho fosse atropelado. E provavelmente fizera isso por ela. Se­cando os olhos, Gwenna respirou fundo e começou a rezar. Muitos minutos se passaram antes que os en­fermeiros entrassem a fim de prepará-lo para levá-lo ao hospital de uma cidade grande.

 

Angelo acordou, sentindo como se tivesse a pior res­saca de sua vida, com uma terrível dor de cabeça. En­tão percebeu que um homem estava falando em tom autoritário, e que alguém apertava a sua mão como se ele fosse uma corda de salvamento.

— Lamento, mas, querendo ou não, você vai ouvir minha opinião, srta. Hamilton — disse o advogado. — A transferência de hospital foi uma perda de tem­po. Você permitiu que um médico inexperiente to­masse uma decisão que pode prejudicar seriamente a recuperação de Riccardi.

— Aquele hospital não possuía os equipamentos necessários para um diagnóstico médico apropriado. Senti que não havia tempo a perder. — Gwenna se perguntou quantas horas fazia desde a última vez que dormira, uma vez que a cabeça parecia pesada de­mais para sustentar o pescoço. A luz da manhã se in­filtrava pelas cortinas.

— Você agiu sem autoridade e com meu desacor­do expresso. Quem é você? Companheira dele? — zombou o advogado. — Não me faça rir! Você é filha de um criminoso, e apenas mais uma na longa lista de pequenas...

As pálpebras de Angelo se ergueram para revelar os olhos furiosos.

— Dio mio! Pare agora mesmo se quiser continuar empregado — disse ele. — Trate a srta. Hamilton com respeito. Está claro?

O homem pediu desculpas e saiu. Gwenna ficou radiante ao ver que Angelo recobrara a consciência. Seus olhos encheram-se de lágrimas de alívio.

— Tive medo de que você nunca mais acordasse. Vou chamar a enfermeira.

— Ainda não. — Angelo a estudou. Os cabelos loiros desalinhados, os olhos borrados pela maquiagem, as faces pálidas. Nunca a vira menos atraente, no entanto, apesar de não compreender por que, ela parecia maravilhosa. — Quanto tempo fiquei incons­ciente?

— Quase 18 horas.

Ela ainda estava usando as mesmas roupas. Prova­velmente, refletiu, nem mesmo se olhara no espelho.

— Ficou comigo esse tempo todo?

— Sim, é claro.

Gwenna não saíra do seu lado. Passara a noite in­teira sentada. Ele não podia imaginar uma mulher que se preocupasse menos com a própria aparência ou conforto, e ficou emocionado.

— Você brigou com meus advogados em meu nome. Foi tanta coragem da sua parte — murmurou ele, apertando-lhe a mão. — Gritou com eles?

— Não.

— Então, é só comigo que você grita.

Com lágrimas prontas para escorrerem, ela me­neou a cabeça e não disse nada.

— Essa é uma distinção que faz com que eu me sinta especial, bellezza mia — declarou Angelo, per­guntando-se por que gostava do fato de Gwenna estar chorando por ele.

Ela deu-lhe um olhar sem graça, então baixou os cílios.

— Depois do que eu lhe disse, você deve estar se perguntando o que estou fazendo aqui.

— Você está aqui agora — disse ele. — Vai conti­nuar comigo?

Gwenna suspirou. Pensara que poderia morrer se Angelo não acordasse mais. Agora, sentia-se viva novamente, e a decisão estava em suas mãos. Se dis­sesse sim àquela pergunta, significaria abandonar os medos e deixar-se guiar pelo coração. Se seguisse o bom senso, diria não. Ela não sabia se um dia poderia perdoá-lo pela forma com que as coisas tinham co­meçado. Mas a alternativa seria deixá-lo, e não podia encarar isso. O amor, estava descobrindo, era muito mais complexo do que um dia acreditara, e roubara-lhe a liberdade de escolha.

— Ainda quero que você vá comigo para a Sarde­nha — sussurrou Angelo. — Mas não estou pressio­nando-a. Você não me deve nada.

Mas ela tinha apenas de fitar o rosto magnífico para sentir a pressão magnética que ele exercia sem nem mesmo tentar. Ele lhe dizia que ela não lhe devia nada, o que significava que estava ciente de tê-la obrigado a aceitar um acordo imoral. Mas não estava se desculpando por isso, e provavelmente nunca se desculparia. Porém, Gwenna ainda precisava de Angelo, ainda o queria, admitiu. Naquele momento, nada mais importava.

Houve uma leve batida à porta antes que o médico e os advogados entrassem. Ela levantou-se para dar-lhes espaço, mas sentiu os olhos de Angelo ainda pre­sos nos seus.

— Estou esperando por uma resposta — disse ele como se ainda estivessem sozinhos.

E Gwenna deu a única resposta que podia.

 

Passaram-se oito dias antes de eles chegarem à Sardenha. Uma greve na companhia área que Angelo possuía resultou num caos para diversos viajantes, ele, então, deixou o hospital e voou direto para Paris, a fim de resolver a crise. Como resultado, Gwenna não o viu mais até chegar em Olbia, na Costa Smeralda. Piglet, equipado com seu passaporte oficial de animais de estimação, viajou no compartimento de cargas do mesmo avião. Vestida de calça branca e uma blusa de renda também branca, Gwenna chamou atenção no aeroporto. Com olhos brilhantes, entrou no assento de passageiro da Range Rover de Angelo.

— Você está linda — elogiou ele antes de puxá-la para um beijo tão sensual que a deixou tremendo.

O palacete dele ficava situado num penhasco de pedras calcárias do Golfo di Orosei. A propriedade era cercada de jardins tropicais incrivelmente colori­dos. Um caminho secreto e ladeado por vegetação le­vava a uma praia particular de areia branca. A casa era absolutamente magnífica. Tetos altos, paredes de pedras naturais e pisos de madeira mantinham o inte­rior arejado, enquanto os móveis confortáveis torna­vam o lugar aconchegante e convidativo.

— E este é o quarto principal — disse Angelo quando concluíram o tour pela casa.

Com a pressão de um botão, a parede de vidro que dava vista para a varanda de pedra ensolarada se abriu em duas. Uma brisa suave foi sentida no cômodo esplêndido. Gwenna saiu na varanda para apreciar a vista estonteante do Mediterrâneo. À luz do sol, o mar estava brilhante e azul-turquesa.

— Estou no paraíso. — Ela suspirou, deleitando-se com o calor do sol em sua pele. — Adoro o som das ondas. É tão relaxante. Uma amiga de mamãe ti­nha uma casa na praia, e às vezes íamos para lá. Eu costumava adormecer com o som das ondas.

— Você sabe nadar?

— Como uma sereia. Por que você nunca men­ciona a sua família? — perguntou Gwenna abrupta­mente.

O corpo esbelto de Angelo ficou tenso quando a abraçou por trás.

— O que há para dizer? Depois que minha mãe morreu, eu ficava em orfanatos nos períodos de férias escolares. Nunca conheci meu pai.

— Isso é uma pena.

— Pense no sofrimento que seu pai lhe causou, cara mia.

— Isso é verdade.

Angelo a virou para si. Com o olhar intenso, deu-lhe um beijo terno no topo da cabeça.

— Linda — murmurou ele com voz rouca. Então começou a desabotoar-lhe a blusa de renda.

Gwenna excitou-se imediatamente, sentindo os seios pesarem e os mamilos enrijecerem sob o tecido.

— Está sem sutiã — sussurrou ele com aprecia­ção, abrindo a blusa como se ela fosse seu presente precioso e não tivesse pressa de desvendar o conteú­do. Quando os seios perfeitos foram revelados, An­gelo ofegou levemente. Abrindo-lhe o zíper da calça, deslizou-a vagarosamente pela cintura até removê-la por completo.

Os olhos ardentes fixos em sua nudez fizeram o corpo de Gwenna formigar. Uma sensação de calor instalou-se entre suas coxas e ela respondeu com um pequeno gemido.

— Você gosta de ser despida. — Angelo a puxou para si e brincou com os mamilos rijos. Uma sensa­ção deliciosa percorreu o corpo dela.

— Sim. — Gwenna sentiu-se tanto envergonhada quanto excitada por aquele novo conhecimento sobre si mesma. Apoiando-a, ele tocou-lhe um dos seios com a boca, enquanto usava a mão para provocar o lugar úmido e secreto entre as pernas de Gwenna. Ela não pôde conter alguns gemidos sucessivos. Suas pernas fraquejaram e Angelo a carregou para a cama.

— Você está tão pronta para mim — sussurrou ele, removendo as próprias roupas.

Foi a vez de Gwenna conduzir sua própria explo­ração. Puxando-o para si, usou toda a sensualidade que tinha aprendido para lhe dar prazer.

— Eu quero mais... quero estar dentro de você — murmurou ele, tombando-a gentilmente contra os travesseiros.

Quando Angelo abriu-lhe as pernas, cada fibra do corpo de Gwenna foi envolvida na mais louca excita­ção. Ela angulou os quadris numa súplica por sua possessão. Ele a penetrou, rápido e com desespero. Atormentada de prazer, as respostas de Gwenna tor­naram-se cada vez mais selvagens, até que perdeu o controle total e atingiu um clímax explosivo. Ouvin­do-o murmurar seu nome quando o orgasmo de An­gelo se seguiu, ela se sentiu plena.

— Peço desculpas... isso foi um pouco rude e rápi­do, bellezza mia.

Gwenna sorriu docemente sob ele e o abraçou for­te. Se aquilo tinha sido rude e rápido, só podia espe­rar ansiosamente por uma próxima vez.

Angelo ergueu-lhe o rosto.

— Falo sério. Eu planejava um banquete maior.

Notando que os arranhões estavam desaparecendo rapidamente do rosto dele, ela sorriu.

— Você é sempre tão ambicioso.

— Quero que saiba o quanto eu...

— Sentiu minha falta? — complementou ela.

— Quanto gosto de você — corrigiu Angelo, os lindos olhos reservados, como se aquela fosse uma grande declaração de amor.

Bocejando, Gwenna fechou os olhos.

— Estou com tanto sono.

Ele a fitou frustrado.

— Eu realmente gosto de você.

— Que bom — murmurou ela já meio adormecida.

 

Gwenna jogou uma vareta para que Piglet fosse bus­car enquanto andava ao longo da praia. Quatro sema­nas de total relaxamento na Sardenha tinham coloca­do um brilho saudável em suas faces e um sorriso em seus lábios. Possuía paz mental novamente, e as coi­sas mais tolas a faziam sorrir, refletiu contente.

Angelo tinha, sem nenhuma vergonha, conquista­do a afeição de Piglet com chocolate. É claro que, uma pessoa tão competitiva como ele, não havia se contentado com mera tolerância da parte do animal de estimação. Piglet agora o adorava, e um de seus lugares favoritos era debaixo da mesa de Angelo.

Gwenna pensou no fato de que adorava Angelo tanto quanto seu cachorro. Estava muito feliz, mas ocasionalmente um arrepio de medo a percorria quando considerava o inevitável fim do caso. Sabia que nada durava para sempre. Ele certamente se cansaria dela. Gwenna não acreditava que tinha o que era necessário para prender-lhe a atenção por muito mais tempo. Mas estava determinada a viver pelo momento...

E os momentos que cada novo dia traziam eram maravilhosos. Eles andavam de barco, faziam windsurf, mergulhavam, sem mencionar as noites de dan­ça em alguns clubes exclusivos e em um carnaval de rua muito menos exclusivo. Eles tinham assistido a uma corrida de cavalos e comido em restaurantes mi­núsculos e charmosos de vilarejos, onde turistas ain­da eram raros. Ocasionalmente, porém, ficavam ho­ras no quarto ou na praia, e Gwenna dormia nos bra­ços fortes e acordava ainda ali, pois Angelo não dor­mia mais sozinho agora.

Ela sabia que Angelo estava se esforçando verda­deiramente para agradá-la. Parecia não perceber que estar ao seu lado era tudo que Gwenna precisava para ser feliz. Ele lhe dava flores. Tinha comprado uma coleira de jóia e brinquedos para Piglet.

Pedia sempre a comida favorita dela. Havia dito que adoraria lhe dar diamantes de aniversário se isso não a ofendesse. Como ainda faltavam dois meses para seu aniversá­rio, Gwenna ficou radiante pela evidência de que ele pretendia continuar o relacionamento por mais um tempo.

Os jornais foram entregues às nove horas, e quan­do Angelo leu a primeira manchete, foi inundado por sentimentos negativos. Reprimindo-os, colocou o jornal de lado e saiu para o jardim a fim de tomar um ar fresco. Usou binóculos para localizar Gwenna, olhando para os arbustos primeiro e percebendo, com um sorriso, que seus jardins estavam muito mais vi­vos depois da chegada dela.

Naquele momento, contudo, Gwenna estava na praia brincando com Piglet. Vestida de short curtinho e a parte de cima de um biquíni, parecia deleitável. Angelo suspirou. Ela era especial. Honesta e gentil, e a primeira mulher que o valorizava por mais do que sua riqueza. É claro que havia Toby, mas Angelo ti­nha notado que Gwenna raramente falava do amigo agora. De qualquer forma, evitava pensar nisso por­que, da maneira que importava, Gwenna Massey Hamilton era sua. O sentimento de posse era algo que não podia abandonar.

Mas, às vezes, como agora, quando uma preocupa­ção o deixava num humor mais contemplativo, assus­tava-se pelo que tinha feito a Gwenna. Sabia que era imperdoável, assim como sabia que ela possuía um coração maravilhoso. Infelizmente, também estava consciente dos princípios de Gwenna, da forma como ela via o mundo, de sua inocência. Como poderia per­doar traição? Ou crueldade? Como entenderia um de­sejo de vingança que saíra do controle?

Angelo não poderia contar-lhe a verdade. Não ti­nha culpa de que sua árvore familiar era repleta de criminosos. Mas era culpa sua ter agido como um. No fundo, temia ter herdado o gene da crueldade.

Gwenna notou que Angelo estava estranhamente quieto durante o jantar. Parecia distante. Embora ra­ramente bebesse, levou um uísque para a varanda sem convidá-la para juntar-se a ele. Estava agindo como humano, pensou ela, talvez precisando de um momento de solidão. Quando Angelo foi para praia, Gwenna teve de controlar a vontade de segui-lo. Para ocupar-se, pegou o jornal que ele estivera lendo. Era um artigo sobre a vida de um mafioso que tinha mor­rido na América do Sul. Ela levou o jornal para cama e leu a matéria inteira.

— O que você está lendo?

Assustada, ela olhou para cima e focou na figura máscula delineada pela luz do abajur.

— Angelo. Onde você esteve?

— Você parece uma esposa — replicou ele fria­mente.

— Se eu fosse sua esposa, teria lhe telefonado e perguntado onde você estava e quando voltaria — admitiu ela, sem hesitação.

Ele jogou a cabeça para trás e riu.

— Gosto de sua franqueza, cara mia.

Vestido com uma camisa preta e jeans, a barba por fazer, ele parecia magnífico. O coração de Gwenna acelerou. Angelo sentou-se na cama ao seu lado e pe­gou o jornal que ela deixara de lado.

— Então, você está lendo sobre Carmelo Zanetti.

— Ele era tão mau, mas nunca foi preso por seus crimes.

— Mas morreu em exílio, sozinho, doente e des­prezado.

Gwenna piscou porque não estava acostumada a vê-lo demonstrar um lado mais sensível.

— Isso é verdade. — Olhando de novo para o ar­tigo, ela fez uma careta. — Ele era um homem mui­to bonito quando jovem. Sabia que ele nasceu na Sardenha?

Angelo pegou o jornal e jogou-o para fora da cama com raiva.

— O que foi? — questionou Gwenna.

Ele a puxou para si, beijando-a com desespero.

— Preciso de você — confidenciou em tom emo­cionado. — Preciso muito de você esta noite, bellezza mia.

Embora ele não estivesse totalmente sóbrio, havia alguma coisa naquele apelo e na maneira que a abra­çou que fez o coração de Gwenna comprimir-se.

— Eu não vou a lugar algum — sussurrou ela, aca­riciando-lhe o rosto com dedos gentis.

Eles fizeram amor apaixonadamente e, depois, Angelo aconchegou-a nos braços com tanta ternura que levou lágrimas aos olhos de Gwenna.

— Mesmo embriagado, você é incrível — murmu­rou ela, pensando que gostaria de saber o que estava errado com ele.

— Não estou embriagado. — Apesar de a noite es­tar quente, ele a abraçou apertado até dormir um sono inquieto.

Antes de amanhecer, Gwenna acordou e o viu saindo do banheiro, secando os cabelos com uma toa­lha. Acendendo a luz, o fitou preocupada.

— Você não consegue dormir?

O maxilar bonito contraiu-se visivelmente.

— Tenho uma coisa para lhe dizer — começou Angelo abruptamente. — Fiz algumas coisas que você não sabe.

Gwenna ficou tensa e de repente não queria mais saber o que estava errado. Temia que qualquer con­fissão que ele lhe fizesse a perseguiria para sempre. Angelo estivera com outra mulher? Mas, no espaço de um mês, saíra de seu lado apenas por três noites, e passara muito tempo ao telefone com ela nessas noites.

Angelo havia refletido muito. Estava convencido de que só sairia perdendo se arriscasse contar-lhe a verdade. Em vez disso, resolveu dizer-lhe o que aliviaria as preocupações de Gwenna, protegeria sua re­putação e a faria feliz.

— Paguei a quantia que seu pai tirou do fundo da restauração dos jardins.

Atônita pela revelação, ela arregalou os olhos azuis.

— Isso não é possível. Pensei que ele estivesse sendo processado.

— Processá-lo seria uma boa idéia. Seu pai con­fessou ter forjado o testamento de sua mãe. Fiz isso para proteger você. Também passei a propriedade Massey para seu nome. Dessa forma, o caso fica aba­fado e ninguém precisa saber o que houve. O comitê dos jardins ficou radiante...

— É claro, mas...

Angelo sentou-se na cama ao seu lado.

— Se seu pai for para a prisão agora que a proprie­dade é sua, algumas pessoas vão suspeitar que você estava envolvida nos roubos dele.

— Eu não tinha pensado nisso — disse ela. — Mas achei que ele deveria ser punido desta vez.

— Não se preocupe. Ele é um ladrão incorrigível. Será pego roubando de novo e não vou intervir. — Angelo falou com uma confiança que fez Gwenna ar­repiar-se. — Desta vez, porém, eu estava pensando em você, que não merece sofrer mais pelos crimes de seu pai.

— Certo — murmurou ela ainda meio sonolenta. — Mas isso significa que você perdeu milhões.

— Escolha minha. — Ele deu de ombros.

Gwenna suspirou.

— E quanto à Furnridge?

— A empresa não vai sofrer.

— Mas não é justo que você sofra uma perda por querer me proteger. — Ela passou as mãos pelos ca­belos embaraçados.

— Sinto que é certo, bellezza mia. — Angelo a pu­xou para si, e ela descansou a cabeça contra o ombro largo. — Volte a dormir.

— Você está de ressaca? — perguntou ela.

— Eu não estava bêbado, portanto, não poderia ter uma.

Gwenna virou a cabeça de modo que seu rosto lhe tocasse a pele quente. Sentindo a fragrância de sabo­nete e o aroma que era unicamente dele, sorriu e adormeceu.

Acordou com o barulho de um helicóptero aterrissando e um telefone tocando em algum lugar. Era quase hora do almoço. Ficou surpresa ao perceber que Angelo não a acordara mais cedo. Podia ouvir vozes em italiano vindo da varanda. Parecia que An­gelo tinha recebido uma equipe para trabalhar. Após um banho, Gwenna vestiu uma roupa leve e desceu para procurá-lo. O andar de baixo estava a todo va­por. Pessoas passavam por ela, apressando-se de um cômodo para outro, enquanto telefones tocavam in­cessantemente.

— Precisamos minimizar os danos — alguém es­tava dizendo em inglês. — Mas isso não prejudicará o chefe no mercado.

Angelo estava em seu escritório, fazendo algo que ela nunca o vira fazer desde que o conhecia: nada. Apesar da óbvia crise, ele olhava para o teto, pálido sob a pele bronzeada, os músculos faciais rígidos.

Gwenna entrou e fechou a porta.

— Por favor, conte-me o que está errado — pres­sionou ela. — Algo estava errado ontem à noite tam­bém, mas recusou-se a me contar o que era. Onde você esteve? Aconteceu alguma coisa?

Angelo se levantou.

— Tomei alguns drinques, depois fui à igreja acender uma vela para minha mãe. Fiquei conversan­do com o padre. Por isso demorei tanto.

— Eu poderia ter ido com você — murmurou ela, aliviada.

— Eu necessitava de algum tempo para pensar. Preciso lhe contar o que houve porque agora esta in­formação é de domínio público. Está nos jornais, nos noticiários de tevê, na Internet.

— Parece importante, mas tenho certeza de que não é tão ruim quanto pensa. Você parece... chocado.

Olhos escuros pousaram nela.

— Estou furioso e aborrecido, mas não chocado.

Agindo com diplomacia, Gwenna assentiu.

— E para explicar, preciso voltar alguns anos atrás. Quando eu tinha 18 anos, um advogado me contatou e contou-me quem meus pais eram realmen­te. Minha mãe deixara instruções sobre isso em seu testamento — começou Angelo. — Antes de morrer, já tinha me avisado que vinha de uma família ruim, que meu pai era um homem perigoso, e que se eles descobrissem onde morávamos, iriam tentar me tirar dela.

Gwenna pensou que tal conhecimento devia ter sido assustador para um garoto. Enfrentando segredo e medo numa idade tão jovem, não era de se admirar que Angelo tivesse desenvolvido uma personalidade tão reservada.

— Riccardi não é meu nome de nascimento — continuou ele. — Na verdade, minha mãe mudou nosso sobrenome algumas vezes, depois que veio para a Inglaterra, porque tinha medo de ser persegui­da. Ela estava fugindo de sua herança, e passei minha vida negando isso.

— Que herança?

— Minha mãe era filha de Carmelo Zanetti, e meu pai era filho de um outro criminoso.

Gwenna demorou alguns segundos para absorver aquilo, e se estava atônita, não era pelas razões que ele tinha esperado.

— Meu Deus, aquele homem que morreu esta se­mana era seu avô, e ainda assim, você não confiou em mim o bastante para contar-me. Não é de se admirar que estava aborrecido ontem.

— Per amor di Dio! Eu não estava aborrecido! — negou ele imediatamente. — Ele era um homem hor­rível e eu não o conhecia. Nós nos encontramos ape­nas uma vez quando Carmelo já estava morrendo.

— Pode ter desprezado a pessoa que Carmelo Zanetti foi, mas ele ainda era um parente próximo e você ficou sozinho desde que sua mãe morreu — apontou ela gentilmente, e o teria tocado se não sou­besse que Angelo se irritaria com isso. — mesmo as­sim, não importa quem foram seus pais. O que você é por dentro é mais importante.

— E de onde você tirou essa sabedoria? De um biscoito de Natal? — zombou ele.

Gwenna manteve a calma.

— O que você faz com sua vida importa mais do que seus ancestrais.

Ele riu com ironia.

— Acredite ou não, eu queria ser advogado quan­do tinha 18 anos. Quando descobri que minha família inteira, de ambos os lados, estava envolvida em cri­mes organizados, soube que não havia como ter essa profissão.

Abalada pela amargura dele, Gwenna aproxi­mou-se.

— Isso deve ter sido sofrido.

— Isso é secundário. Eu tinha de saber quem era para me proteger. Precisei tomar cuidado em quem confiava, com quem fazia negócios. Jurei que tudo que eu fizesse seria dentro da lei e honesto.

— É claro que sim — murmurou ela suavemente.

— Um dia a família Zanetti aproximou-se de mim através de um intermediário, com uma oferta de em­prego e uma Ferrari.

Gwenna estava pasma.

— Então, a família de sua mãe sabia quem você era e onde encontrá-lo, apesar da troca de nomes?

— Rejeitei a oferta e certifiquei-me de manter dis­tância. Eu nunca deveria ter concordado em encon­trar Carmelo. Foi o maior erro que já cometi — admi­tiu ele.

— Naturalmente você estava curioso. — Gwenna fechou a mão sobre a dele num gesto de apoio. — Não seja tão duro consigo mesmo. Obviamente, sua mãe tentou construir uma vida nova para vocês dois. Mas ter mantido esse segredo por tantos anos deve ter colocado você sob muito estresse também.

Passando o braço ao redor dela, Angelo olhou-a com fascinação.

— Você ainda não montou o quebra-cabeça? Ou ainda está muito ocupada tentando fazer com que eu me sinta melhor?

— Ocupada tentando fazê-lo se sentir melhor. Mas ainda não entendi. Você está aborrecido porque sua conexão com Carmelo Zanetti se tornou de conheci­mento público? Como isso aconteceu?

— Carmelo decidiu dar a gargalhada final e acabar com a minha reputação — disse ele com pesar. — O conteúdo do testamento dele vazou e fui informado de que deixou para mim todos os seus bens pessoais. Ao morrer, impossibilitou que nosso relacionamento continuasse sendo negado.

— Ele devia admirá-lo por ter alcançado o sucesso sem precisar se tornar um criminoso. Torná-lo seu herdeiro foi provavelmente uma maneira de mostrar que se orgulhava de você.

— Também descobri que não foi o antigo empre­gador de minha mãe que financiou meus estudos no colégio interno — murmurou Angelo com amargura. — Foi Carmelo. Isso me faz sentir tolo!

— Não vejo por quê. Você era apenas uma criança e as pessoas mentiam para você — disse Gwenna suavemente. — Franco já sabia desse seu paren­tesco?

— Sim. Tive de tomar certas precauções sobre como operar e quem empregar.

Gwenna recordou-se da preocupação de Franco quando falara que "outros interesses" poderiam in­terferir na decisão médica, com Angelo inconsciente e incapaz de decidir. Ocorreu-lhe que Carmelo Zanetti, como parente de sangue, poderia ter desejado opinar nos procedimentos, e reprimiu um tremor.

— Seu avô lhe deixou muita coisa?

— Milhões. Tudo limpo e legítimo, segundo o ad­vogado dele. Eu era seu único parente vivo. Mas não quero aquele dinheiro sujo!

— Então, certifique-se de que o dinheiro seja gas­to em causas merecedoras. Pesquisas para a cura do câncer, programas contra a fome, coisas assim — su­geriu ela. — Um bem pode ser feito do mal e nin­guém pode culpá-lo por isso.

Olhando para o rosto sereno de Gwenna, Angelo estava mais determinado do que nunca a levar para o túmulo a história da queda de Donald Hamilton. Nem por um momento, ela considerara ficar contra ele por causa de seus ancestrais.

Ele segurou-lhe o rosto, fitando-a com admiração.

— Você é uma mulher muito especial, bellezza mia.

— Às vezes, você leva as coisas muito a sério. Su­pere tudo isso — disse ela. — Lembre-se de que sua mãe rejeitou a família para que pudesse dar-lhe uma vida digna, dentro da lei. Orgulhe-se por ter honrado isso.

— Si — murmurou Angelo. — Mas ainda fiz coi­sas das quais não me orgulho.

Alguém bateu à porta e Angelo abriu-a.

— Há um telefonema para você — ele traduziu o que a empregada falou em italiano.

Desgostosa pela interrupção bem no momento em que Angelo parecia estar abrindo seu coração, ela saiu apressada.

— Volto em dois minutos. Não saia daqui.

Enquanto seguia a empregada para a sala ao lado, Gwenna pensou no quanto o amava. Embora não so­nhasse em lhe contar isso, amava-o mais ainda por saber que Angelo tinha um lado vulnerável.

O som da voz de seu pai ao telefone a deixou ner­vosa.

— O que foi?

— Angelo Riccardi é filho de Fiorella — anunciou Donald Hamilton.

Perplexa pela declaração, Gwenna perguntou:

— O que você está dizendo?

— Não leu o jornal hoje? Não ouviu o noticiário? Não percebeu que seu namorado é neto de Don Car­melo Zanetti?

— Sim, mas... esta Fiorella que você mencionou...

— Era filha de Zanetti, mas não usava o nome Riccardi quando eu a conheci. Vi Angelo poucas ve­zes quando ele era criança — continuou seu pai. — Recorda-se de que falei que Angelo me lembrava al­guém naquele dia que ele a estava esperando encosta­do no carro?

— Sim. — Sentindo as pernas amolecerem, Gwenna se sentou na cadeira mais próxima. Uma co­nexão do passado entre a família dela e a de Angelo? Como isso podia ser possível?

— Ele tem os olhos da mãe. Não entende o que isso significa?

O cérebro dela parecia girar em confusão.

— Que vivemos em um mundo pequeno?

— Você não pode ser tão ingênua. Obviamente Angelo se aproximou de nós dois para uma vingança. Abandonei a mãe dele e fugi, e talvez a vida não te­nha sido tão boa para Fiorella depois de ficar sem seu dinheiro e sem mim. Mas não foi culpa minha!

— Do que você está falando? — exclamou ela. — Como assim, uma vingança?

— Riccardi quer se vingar de mim e está usando você para isso. Está brincando conosco antes de dar o golpe final! — condenou Donald amargamente. — Minha má sorte recente não é coincidência. Riccar­di compra Furnridge e de repente sou acusado de roubo...

— Você foi o culpado pelos roubos.

— Use o cérebro. No minuto em que descobri quem ele era, soube que deveria avisá-la. O que Ric­cardi planeja fazer com você? Deixei a mãe dele em má situação, admito. Mas não tive escolha. Pelo me­nos, agora sei que a razão de minha desgraça atual se deve a Angelo Riccardi.

— Acho que as pessoas de quem você roubou de­vem ter uma opinião diferente sobre isso. Desculpe, mas não quero continuar esta conversa. — Gwenna desligou o telefone com mãos trêmulas.

Não podia acreditar no que tinha ouvido.

Angelo poderia tê-la usado, pretendendo magoá-la desde o princípio? Antes que pudesse perder o controle, vol­tou para o escritório dele.

— Sua mãe se chamava Fiorella? — perguntou diretamente.

Angelo congelou como se tivesse sido baleado.

— Si.

O estômago de Gwenna revolveu-se.

— Você sabia que ela teve um caso com meu pai?

— Santo Cielo, era ele ao telefone, não era? — Angelo podia ver a mudança nela. Os olhos normal­mente doces emitiam faíscas de fúria.

Ele sentiu-se paralisado. Não podia pensar em uma única linha de defesa. Podia ouvir a voz de Carmelo dizendo: "Não faça nenhuma bobagem." Sabia que o que tinha feito era muito pior que bobagem. Magoara-a, e não podia reverter a situação.

Gwenna deu um suspiro profundo.

— Um mês atrás, papai me contou sobre Fiorella pela primeira vez. Achei que era uma história tola e melodramática, e não acreditei em uma palavra. Que­ro dizer... gângsteres ameaçando matá-lo, pegando o dinheiro dele e de sua mãe...

— Que história? — interrompeu Angelo.

Gwenna repetiu tão bem quanto podia se lembrar.

Angelo empalideceu, e a fitava com expressão de pura perplexidade.

— Se eles tiraram o dinheiro de minha mãe, não foi uma trama deliberada a fim de forçá-la a voltar para o marido. Se essa for a história verdadeira...

— Papai não sabia quem você era quando me con­tou. Não percebeu que era filho de Fiorella até que os jornais o identificassem. Acho que, dessa vez, ele não estava mentindo, mas... questione-o você mes­mo. — Gwenna falou com voz trêmula, a dor e a rai­va consumindo-a. — Você foi tão cuidadoso para não se aproximar dele até que as coisas ficassem muito complicadas...

Angelo ergueu as mãos.

— Acalme-se.

— Você planejou destruir meu pai?

— Essa é uma pergunta difícil de responder.

Ela enterrou as unhas nas palmas.

— Mereço uma resposta honesta.

Com os olhos tempestuosos, ele foi para a va­randa.

Gwenna o seguiu.

— Angelo, por favor, não minta.

— Não faça isso ou irá destruir o nosso relaciona­mento.

— Você já está me destruindo agora — disse ela chocada.

Respirando profundamente, Angelo virou-se para encará-la.

— Acreditei que seu pai tinha roubado o dinheiro de minha mãe e a deixado pobre...

— Essa não é a questão aqui. Não tente dar descul­pas. Você queria vingança?

— Sim. Mandei investigar seu pai e ficou óbvio que ele estava gastando muito mais do que ganhava. Comprei a Furnridge e enviei auditores. Isso foi sufi­ciente para descobrir a fraude.

Ela engoliu em seco.

— E quanto a mim?

— Você — ecoou Angelo com voz rouca. — Não posso explicar. Eu a vi e fiquei encantado de imedia­to. Teria feito qualquer coisa para torná-la minha. Juro que não soube que era filha dele até que veio ao meu escritório, suplicar pelo seu pai...

— Isso lhe deu prazer, não deu? — questionou Gwenna com tristeza. — Quando você percebeu que não era a ele que estava ferindo, e sim a mim?

— Acha que tenho orgulho disso? Acha que sou tão estúpido que não percebi que a estava prejudican­do? — disse Angelo furioso. — Mas já era tarde quando entendi isso, então pensei que pudesse con­sertar as coisas. Eu simplesmente não queria que você saísse da minha vida.

— Eu era sua amante — acusou ela. — Foi tudo que sempre fui.

— Não, você passou desse ponto há muito tempo. Primeiro me fez sofrer, tentando me dispensar. De­pois, veio para a Sardenha comigo de livre e espontâ­nea vontade.

— Culpa de seu charme fatal. Obviamente não fui inteligente o bastante para ver que eu era apenas par­te de uma vingança — murmurou ela, tremendo. — Você não ia confessar, ia?

— Eu não queria perder você.

— Você nunca teve de me perder — mentiu Gwenna, determinada a não mostrar seu sofrimento. — Mas agora posso ver que armou tudo para que eu lhe pertencesse. Repondo o fundo dos jardins, me de­volvendo a propriedade. De que mais se tratava tudo isso?

— Você tinha tão pouco na vida... Eu só queria agradá-la, acabar com suas preocupações, fazê-la fe­liz, bellezza mia.

Gwenna meneou a cabeça veementemente. Tinha colocado todas as suas esperanças de um futuro feliz atrás de uma porta trancada. Não queria se enganar. Não queria ser convencida por nada que ele dissesse. Sabia que o amava muito e teria de ser forte para en­frentar uma separação.

Então, subitamente, estava obrigando-se a olhar para aquele relacionamento com realismo. Por que se recusara a ver que ainda era amante de Angelo? A única promessa que pedira fora a de fidelidade, e, em retorno, tinha um homem que realmente gostava dela. O que não era o mesmo que amar. Por que se contentara com tão pouco? Sentindo-se humilhada, abaixou-se para pegar Piglet debaixo da mesa de Angelo.

— Vou voltar para minha casa — anunciou ela.

— A imprensa irá comê-la viva se você sair desta casa agora — avisou ele.

Gwenna abraçou Piglet com força.

— Posso sobreviver a isso. Posso sobreviver a qualquer coisa.

Angelo observou-a partir e não sabia o que fazer. Sentia-se como se estivesse sendo torturado. Podia lidar com qualquer coisa, mas, por alguma razão, não podia lidar com o que estava acontecendo com ela.

 

Gwenna arrancou ervas daninhas do solo com toda sua força. Endireitando o corpo, deu um suspiro trêmulo e afastou os cabelos da testa úmida. Piglet esta­va sentado ali perto, parecendo ansioso. Ainda abala­da pelas emoções turbulentas, ela reprimiu as lágri­mas e respirou fundo.

Fazia só uma semana que não via Angelo, sete dias de puro sofrimento. Repetidamente, revivia tudo que tinha acontecido e tudo que ele lhe dissera. Angelo não negara sua culpa, o que era bom. Mas também não havia lutado por ela, havia?

Não fizera nada para impedir que ela partisse. Não tentara levá-la para cama a fim de fazê-la mudar de idéia, ou pelo menos para dar-lhe uma chance de pen­sar no que estava fazendo.

Vinte e quatro horas e o espaço para refletir sobre o que ocorrera teria feito uma diferença da atitude de Gwenna, refletiu infeliz. Havia começado a pensar em como o relacionamento deles mudara e se fortale­cera. Mais importante, tinha apreciado o fato de An­gelo abandonar todos seus pensamentos de vingança quando escolhera repor o dinheiro do fundo dos jar­dins e sustentara a perda de valor da propriedade Massey sem reclamações. Não se importara que o re­sultado de sua generosidade tivesse libertado Donald Hamilton novamente. Não, dessa vez, Angelo a colo­cara em primeiro lugar, mostrando que se preocupa­va com a felicidade dela. Mas o que importava isso agora? E por que não podia pensar em outra coisa? Recusando-se em aceitar que Angelo tinha decidido deixá-la partir, estava enlouquecendo!

Piglet começou a abanar o rabo e saiu em dispara­da pelo jardim cercado. Quando Gwenna o chamou, ele a ignorou. Ela deu de ombros e arrancou mais um punhado de ervas daninhas com sua pá.

O latido insistente de Piglet a fez olhar para cima. Seu cachorro estava saltando alegremente ao redor dos pés de um homem alto e moreno, vindo na direção de Gwenna. Angelo, poderoso e másculo, vestido de terno sob uma capa de chuva sofisticada. Como sempre, estava de tirar o fôlego. Com o coração dis­parado, ela largou a pá, e foi para o caminho pavi­mentado.

Ele parou a três metros de distância. Os olhos bri­lhantes a fitaram com carinho, mas a postura corporal era de combate.

— Eu não vou partir sem você — murmurou ele em tom resoluto. — Mas antes precisa ouvir o que te­nho a lhe dizer.

Ela estava radiante com a primeira declaração, mas o orgulho não a deixaria demonstrar isso.

— Você não tinha muito a dizer quando deixei a Sardenha na semana passada.

— Achei que eu merecia aquilo. Estava envergo­nhado. Não sabia o que dizer a você.

Os olhos de Gwenna brilharam, e ela esperou.

— Carmelo me fez de tolo, e quem gosta de admi­tir isso? Eu não sabia quase nada sobre minha mãe. Minhas investigações não revelaram muito, então fui convidado a encontrar Carmelo e buscar respostas.

— E obviamente você foi.

— Mordi a isca. Eu era tão arrogante, tão seguro de que não poderia me corromper, mas me enganei — admitiu Angelo calmamente. — Carmelo me con­tou uma história de como Donald Hamilton tinha se­duzido, roubado e abandonado minha mãe grávida...

— Oh, ela estava grávida? — perguntou Gwenna consternada.

— Seu pai diz que não, mas não tenho certeza se foi honesto.

Ela arregalou os olhos.

— Você foi falar com meu pai?

— Esta manhã. Era a coisa certa a fazer. Era o que eu devia ter feito quando descobri sobre ele. Em vez disso, tentei brincar de Deus e fui queimado.

Gwenna ficou impressionada ao perceber que An­gelo estivera preparado para procurar seu pai.

— O que você achou dele?

— Hamilton é muito escorregadio com a verdade, mas contou uma boa história. Não posso culpá-lo por ter fugido quando descobriu que minha mãe era filha de Carmelo e esposa de um Sorello. Ele não é um he­rói, afinal.

— Não, não é — concordou ela.

— Hamilton também jura que minha mãe sabia que ele já era casado, e como podemos provar o con­trário? A verdade é que isso não me importa mais. Está acabado. Nenhum deles era santo.

Gwenna considerou aquilo por um instante.

— Mas por que seu avô mentiu para você sobre o que meu pai fez?

Ele deu uma risada irônica.

— Porque isso o divertia. Sabia que eu acreditava ser diferente do resto da família. E pensei que eu real­mente fosse melhor, até que...

— Não fale assim. Você é melhor.

— Carmelo me ensinou uma lição valiosa. Poder e riqueza corrompem. — Angelo suspirou. — Pensei que eu estivesse acima das regras. Achei que era cer­to usar esse poder para expor seu pai.

— Então achou que era certo usar seu poder sobre ele para me ter — complementou ela.

— Você algum dia vai me perdoar por isso?

— Não sei.

Angelo empalideceu, as feições tristes.

— Eu nunca quis tanto alguma coisa como quis você. Nenhuma mulher, nenhum negócio, nenhum prêmio. Você é especial, bellezza mia.

— Não vou negar que, por alguma razão louca, também o achei atraente — disse ela, podendo ver o sofrimento nos olhos de Angelo.

— Mas eu não a tratei adequadamente. Fui muito teimoso. Não entendia por que você não podia ser fe­liz com o que outras mulheres tinham aceitado. Mas não queria que fosse como elas. Na verdade, eu a quis porque você era diferente.

Gwenna finalmente entendeu por que ele estava lá.

— Você veio aqui para me dizer que sente muito.

Olhos dourados encontraram os seus.

— Mas não sinto por ter conhecido você. Jamais me arrependerei disso. Lamento por tê-la magoado. Por ter escondido a verdade — murmurou ele since­ramente. — Mas desde o começo, eu quis que você me amasse e me quisesse do jeito que queria Toby.

Gwenna piscou para reprimir as lágrimas.

— Menti quando falei que pensava em Toby quan­do estava com você.

Angelo deu uma risadinha insegura.

— Sofri muito com aquele comentário.

— Não pude evitar.

— Gwenna, se me der uma chance, passarei o res­to de minha vida fazendo você feliz.

— Verdade? — perguntou Gwenna, temendo ter entendido errado.

Sem tirar os olhos dela, Angelo abaixou-se sobre um joelho.

— Você quer se casar comigo?

Gwenna estava tão atônita que não conseguiu en­contrar a voz. Ele a estava pedindo em casamento? Esforçou-se para pensar em todas as questões que de­veria resolver fazer antes de tomar uma decisão, en­tão decidiu não perder tempo, porque não tinha a me­nor dúvida de qual seria a sua resposta.

— Sim.

Angelo ergueu-se, surpreso pela rapidez da res­posta, mas contente em não questionar.

— Isso significa que você me perdoa?

— Não necessariamente... mas vou me casar com você.

— Certo — disse ele, então, lembrou-se do que ainda não tinha dito. — Amo você. Eu a amo muito, amata mia.

Deslumbrada pelo enorme anel de diamante e safi­ra que Angelo colocou no seu dedo, Gwenna o olhou com intensidade.

— Você não precisa dizer isso se não sente.

Ele deu um passo à frente e segurou-lhe ambas as mãos nas suas, prendendo-lhe o olhar.

— Não consigo dormir sem você. Quando partiu da Sardenha pensei que minha vida tivesse acabado. Eu a amo há muito tempo, mas demorei a admitir isso. Realmente preciso de você ao meu lado... para sempre.

Emocionada, Gwenna assentiu com um gesto de cabeça e sussurrou fervorosamente:

— Eu amo você também.

— E quanto a Toby?

— Acho que eu tinha medo de me apaixonar — confessou ela com um sorriso envergonhado. — O amor destruiu a vida de minha mãe, e papai nunca foi um bom exemplo nessa questão. Talvez acreditar que eu amasse Toby, sabendo que não poderia tê-lo, me fizesse sentir segura.

— Então, você superou seus sentimentos por ele? — perguntou Angelo puxando-a para seus braços. — Superou totalmente?

— Amo Toby como amigo. Nunca senti por Toby o que sinto por você — confessou ela num sussurro.

— Às vezes, mal posso esperar para despi-lo.

— Conheço o sentimento, amata mia — murmu­rou ele, deslizando as mãos para baixo da camiseta dela e tocando a pele macia.

Gloriosamente feliz, e tremendo pela excitação que ele sempre lhe provocava, Gwenna envolveu os braços ao redor do pescoço de Angelo.

— Estou toda enlameada.

— Não me importo. — Ele cobriu-lhe a boca rosa­da com a sua, e gemeu de satisfação quando ela res­pondeu com entusiasmo e total abandono.

 

No salão clássico do Casarão Massey, Angelo se di­vertia enquanto membros da imprensa tentavam, sem sucesso, tirar uma foto de Gwenna. Tendo posado mais cedo naquele dia para marcar a abertura oficial dos jardins, ela tinha se cansado das câmeras.

Um evento em benefício a uma instituição de cari­dade infantil estava acontecendo na mansão restaura­da. Na verdade, diversos eventos agendados tinham sido organizados pela Fundação Rialto, que fora construída com a herança de Carmelo Zanetti. Ange­lo e Gwenna estavam dedicando o máximo de tempo possível à fundação, a qual tinha sido apoiada pela mídia, que ficara impressionada pelo fato de Angelo abrir mão de uma fortuna tão grande.

Angelo achou que Gwenna estava linda em seu vestido azul-claro, com safiras e diamantes brilhando no pescoço. Tinha muito orgulho de sua esposa. Em dois anos de casamento, ela havia supervisionado a restauração tanto da casa quanto dos jardins, viajado ao redor do mundo em sua companhia, e se provado uma anfitriã maravilhosa. Também escrevia uma co­luna sobre jardinagem para o jornal de domingo.

Porém, o maior presente que Gwenna lhe dera, além de sua companhia e de seu amor, era o bebê que Angelo agora carregava contra o ombro. A menina fora batizada de Alice Fiorella Massey Riccardi. Agora tinha seis meses, e eles a chamavam de Ella.

Angelo estivera totalmente despreparado para a emo­ção que experimentara no primeiro momento em que a filha fora colocada em seus braços. Com Piglet nos seus calcanhares, levou Ella de volta para a babá e deitou-a no berço. Era hora de descer e levar Gwenna para a pista de dança.

— Foi um dia longo. Não vejo a hora de tê-la só para mim, amata mia — confidenciou ele quando a abraçou.

Um delicioso tremor de antecipação a percorreu. Dançando sob os candelabros de cristal, Gwenna aconchegou-se ao corpo forte do marido. Era uma noite fantástica.

Depois de despedir-se de todos os convidados, Gwenna viu Piglet na sala de jantar.

— Você está engordando — censurou ela, tirando dele o prato de bolo que descobriu embaixo da cadeira.

Então subiu para ver a filha, sorrindo para as pe­queninas faces rosadas emolduradas por cachinhos pretos. Tinha de admitir que sua gravidez fora uma surpresa. Mas eles haviam se apaixonado tanto por Ella, que já estavam planejando ter um outro bebê, de modo que a filha tivesse uma companhia para brincar.

Gwenna sentia que sua vida era abençoada. Sen­tia-se completa, e nem mesmo o problema de seu pai tinha a capacidade de atrapalhar-lhe a felicidade. Donald Hamilton era agora uma constante fonte de preocupação. Seu segundo casamento havia termina­do. Forçado a viver com pouco dinheiro e rejeitado pelos amigos, afogava as mágoas no álcool. Gwenna fizera o possível para ajudá-lo, porém, sem sucesso. E ficou feliz e surpresa quando Angelo interferiu e teve sucesso onde ela fracassara. Dentro de semanas, Hamilton estava freqüentando regularmente reuniões dos Alcoólatras Anônimos, e no mês anterior come­çara em um novo emprego na Rialto.

— Ele não terá acesso ao dinheiro e será vigiado o tempo todo — Angelo a assegurou, quando ela voci­ferou o medo de que seu pai cometesse uma outra fraude. — Acredito que Hamilton aprendeu a lição.

Angelo abraçou-a por trás e mordiscou-lhe a ore­lha. Então, fitou os olhos azuis sonhadores no espe­lho do quarto.

— No que você está pensando?

Gwenna estava pensando que o fato de Angelo ter resolvido os problemas de seu pai para deixá-la mais feliz era mais uma prova de amor verdadeiro.

— Você conversou com Toby por horas esta noite. Sentiu alguma coisa que possa me preocupar? — per­guntou ele. Dava-se muito bem com Toby James, mas nunca podia esquecer completamente que o ra­paz um dia perturbara-lhe a paz mental.

— Angelo... nós estávamos falando sobre proble­mas de drenagem nos jardins.

Ele a virou e colocou os braços ao seu redor.

— Sou muito mais excitante, bellezza mia.

— Eu sei. — Gwenna gemeu quando ele ergueu-lhe os quadris num movimento erótico.

— Drenagem — repetiu Angelo; então, beijou-a com sensualidade. — Posso não ser criativo no jar­dim...

— Mas é altamente criativo de outras maneiras — apontou ela, ofegante.

O sorriso amplo de Angelo foi a recompensa dela.

— Porque amo você... na cama, fora da cama, em qualquer lugar, em todos os momentos.

Gwenna entrelaçou os dedos nos adoráveis cabe­los pretos. A mais pura felicidade a dominava.

— Amo você também.

 

                                                                                            Lynne Graham

 

 

                      

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