Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ACREDITAR OUTRA VEZ / Diana Palmer
ACREDITAR OUTRA VEZ / Diana Palmer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ACREDITAR OUTRA VEZ

 

      O escritório estava um caos. Melanie Cartman olhou para o primo recém-casado, Logan Deverell, para sua esposa Kit e decidiu que não devia atrapalhar a lua-de-mel deles, negando-se a cuidar do escritório enquanto estivessem fora.

      — É fácil — animou-a Kit. — Diga aos clientes que Logan entrará em contato daqui há uma semana e que Tom Walker vai cuidar de tudo até ele voltar.

      — Logan já disse isso ao sr. Walker?

      Melanie conhecia o mau humor desse advogado, que era de Dakota do Sul, o que a fazia imaginar que fora criado por um leão da montanha, pois rugia de modo impressionante.

      — Juro — Kit colocou a mão no peito — que dessa vez Logan falou com ele antes. Eu ouvi.

      — Então, está bem. — Mas Melanie tinha dúvidas. — Nunca vou esquecer de quando levei para ele um cliente do sr. Deverell! Ele estava tão zangado com outro cliente que o nosso e o dele deram o fora, me deixando sozinha com a fera. Fiquei do tamanho de um grãozinho de poeira...

      — Logan é seu primo em terceiro grau — notou Kit, divertida — por que o trata de sr. Deverell?

      Melanie olhou indecisa para o homem moreno e grandalhão que falava ao telefone no escritório:

      — Só se ele me pedir.   

      — Bem, então? Acha que pode cuidar do escritório por uma semana?

      — Se não conseguir agora, não vou conseguir nunca.

      Melanie falou com um sorriso corajoso que mostrou como era bonita. Alta, tinha graciosas sardas no rosto quase redondo, emoldurado por cabelos longos e loiros. Os olhos eram castanhos, com pequenas manchas douradas. Se quisesse, poderia ficar muito atraente, mas usava saias folgadas, camisões de mangas compridas, ou coisas semelhantes, e sempre nas cores para pessoas morenas, de cabelo escuro.

      — Você iria gostar do Tom se o conhecesse melhor — disse Kit. — Ele pôs aquele cara na rua por causa de um comentário obsceno sobre a secretária dele. Tom só se zanga com motivo... É só, a não ser pela irmã casada e o sobrinho, que moram em Dakota do Sul. Nunca sai com garotas...

      — Dá pra entender porquê!

      — Não seja maldosa, Melanie... Ele é bonitão, inteligente e rico.

      — Há pelo menos um assassino do machado com essa descrição. Está ali, veja...

      Melanie apontou para o jornal, que trazia na primeira página fotos coloridas de um assassinato sangrento, cometido a machadadas.

      — Você lê essas coisas? — horrorizou-se Kit. — Essas fotos são terríveis!

      — Não! Comprei esse jornal porque no Suplemento Feminino traz um regime incrível para emagrecer.

      — Emagrecer? Você está ótima, Melanie.

      — Que nada! Sou grandalhona. Queria ser esguia, delicada e...

      Uma súbita agitação no corredor a interrompeu, então Emmett Deverell e os três filhos entraram. As crianças estavam vestidas de índios e Melanie não duvidava que fossem capazes de assar alguém numa fogueira.

      Guy, o mais velho, com quase doze anos, ficou junto do pai, olhando-a, mas Amy e Polk, os mais jovens, correram para ela:

      — Oi, Melanie! — disseram ao mesmo tempo. — A gente pode ver tevê com você?

      — Por favor? — implorou Amy, fitando-a com os olhos verdes, como os do pai. — Prometemos ser bonzinhos. Emmett tem de ir pegar nossas passagens, mas Polk e eu não queremos ir ao aeroporto. A gente vai sair na parada do rodeio, sabia?

      — Sabia e vocês estão um estouro! — garantiu Melanie. Guy a ignorou e Polk já tinha ligado a tevê.

      — Puxa, que droga! O Big Bird não está aparecendo agora, Amy.

      Melanie notou como Guy parecia com o pai; era alto para a idade, de rosto alongado e cabelo castanho. Polk também lembrava Emmett e Amy parecia mais com a mãe, Adell, exceto pelos olhos verdes. Os três tinham olhos verdes.

      Na última vez em que estivera no escritório, Emmett fora rude com ela. O rancheiro de San Antônio não gostava dela e não fazia segredo disso. Não aprovava que ela trabalhasse para Logan, que também era seu parente, mas por sangue e não por casamento, como no caso de Melanie. Tivera vários dias para avaliar a atitude dele e não se intimidaria mais, apesar de Emmett ser bem mais velho: estava com trinta e cinco anos e ela com vinte.

      — Amy e Polk querem ficar com você enquanto vou ao aeroporto — disse ele, frio.

      Nada falou sobre Guy, que não gostava dela. Ela ergueu as sobrancelhas e procurou permanecer calma. Estava com medo, mas não deixaria que ele percebesse.

      — Você está me fazendo um pedido?

      Os olhos de Emmett chisparam ao fitá-la.

      — Bem... Sim, se preferir.

      — Nesse caso, Amy e Polk são bem-vindos enquanto você estiver fora.

      Emmett não gostou do desafio que via nos olhos castanhos, nem do sorriso nos lábios bonitos e ficou mal-humorado.

      — Não vai ajudá-los a fugir, nem nada assim? — perguntou, sarcástico.

      Referia-se ao papel que Melanie tivera na fuga de sua ex-esposa com Randy, o irmão dela, mas ela decidira não permitir que a maltratasse mais. Seus olhos passaram pelo tablóide sobre a mesa e lembrou-se de algo que Kit comentara depois da visita ao rancho de Emmett, em San Antônio. Sorriu, diabólica, e pegou o jornal.

      — Já soube do último assassino do machado, sr. Deverell? — perguntou, colocando-o sob o arrogante nariz dele.

      — Mas que droga...! — exclamou Emmett, ficando verde e correndo para o banheiro.

      Melanie, Polk, Amy e Kit caíram na risada, enquanto Guy os olhava feio e ia atrás do pai.

      — Como o estômago dele é fraco! — Melanie fingiu-se admirada.

      Kit lhe contara que Emmett passava mal só de ouvir alguém falar em coisas como aquela. Era incrível que um rancheiro, um dos astros mais brilhantes de rodeios fosse assim. Séria, dobrou o jornal e guardou-o na bolsa para usá-lo como defesa contra algum futuro ataque de Emmett.

      — Fiquem à vontade, crianças — disse para Amy e Polk.

      — Foi um truque sujo — comentou Kit, ainda rindo.

      — Ele mereceu, porque é muito arrogante. Se não agüenta, não devia provocar.

      Logan juntou-se a elas, passando o braço afetuosamente pelo ombro da esposa.

      — Quem que não agüenta o quê? — quis saber.

      — Melanie fez Emmett ficar enjoado — contou Amy.

      — Como conseguiu isso? — estranhou Logan.

      — Esquece... Nós mulheres precisamos de armas secretas, especialmente quando o assunto é seu primo Emmett — respondeu Kit. — Melanie, vou deixar o telefone do nosso hotel, caso você precise.

      — Prometo só usar numa emergência — garantiu ela.

      — Não deixe o Tom tratá-la mal — aconselhou Logan.

      — Ele não é ruim, o que aconteceu foi minha culpa. Eu devia tê-lo avisado para cuidar dos meus clientes, naquela tarde, mas precisei sair correndo.

      — Tudo bem — riu Melanie. — Eu me viro.

      — Se não conseguir, faça as crianças avançarem nele — sugeriu Logan.

      — Não fique lhe dando essas idéias. Vamos, se não perdemos o avião! — disse Kit, puxando o marido pelo braço. — Cuide-se, Melanie.

      — E não deixe meu primo abusar! — acrescentou Logan.

      — Você é minha secretária, não a babá dos filhos dele!

      Iam sair, mas pararam quando um pálido Emmett retornou, acompanhado por Guy.

      — Aquilo não foi justo — reclamou Guy, olhando bravo para Melanie.

      — Aprendi com vocês — rebateu Melanie. — Kit me contou que fizeram isso com ele.

      — Nós somos da família. Você não é!

      — É, sim! — exclamou Amy. — Ela é nossa tia. Não é, Emmett?

      Ele pareceu ficar pior e disse, ignorando a pergunta:

      — Eu volto para pegar Amy e Polk lá pelas três.

      — Mas ela não é nossa tia? — insistiu a garota.

      — E nossa tia adotiva — informou Polk.

      — Ah! — Amy ficou satisfeita e recomendou, séria: — Cuide bem do Emmett, Guy, não o deixe ser atropelado por nenhum ônibus.

      — Não preciso que tomem conta de mim — reagiu Emmett — mas "ela" precisa — olhou para Melanie.

      — Cuidado! — advertiu Logan, da porta. — Ela guardou aquele jornal na bolsa!

      — Traidor! — esbravejou Kit, batendo no ombro do marido.

      — Nós, homens, temos de permanecer unidos — riu Logan. — No mundo de hoje não há ninguém mais ameaçado do que os homens. Qualquer dia as organizações de libertação femininas vão organizar esquadrões da morte para acabar com homens!

      — O que não me surpreenderia — comentou Emmett, — Do modo como as coisas estão, caminhamos para uma sociedade em que os homens serão usados só para procriação.

      — Que idéia interessante! — comentou Melanie, avaliando Emmett.

      — Mentira! — bradou Kit, rindo. — A maioria das feministas querem apenas uma divisão justa: partes iguais, direitos iguais. O que há de errado nisso?

      — E também há homens preconceituosos contra as mulheres — lembrou Logan, abraçando Kit. — Você nunca ouviu falar da batalha dos sexos? Existe desde o começo dos tempos.

      — É verdade — suspirou Melanie — e nem por isso os homens estão ameaçados de extinção.

      — Muito obrigado — disse Emmett, tenso. — Fico feliz por não ter que montar barricadas na minha porta e enfrentar esquadrões de extermínio femininos.

      — Oh, eu não iria tão longe — declarou Melanie.

      — Não, mesmo?

      — Não. E você não ia ao aeroporto comprar passagens para ir para casa?

      — Notaram o entusiasmo na voz dela? — disse Logan, rindo. — Emmett, você diz que as mulheres não o deixam em paz: deve ser um alívio estar perto de uma que não o persegue.

      Emmett não parecia aliviado, mas sim prestes a explodir:

      — Vamos, Guy. Tenham uma boa lua-de-mel, vocês dois. — Não conteve o desabafo: — Não gosto de casamento, por isso, boa sorte!

      — Só porque mãe fugiu de casa — comentou Amy — Emmett não quer mais casar.      

      — Eu acho que quer, sim! — discordou Polk. — Se não, por que está sempre levando aquelas moças lá em casa?

      — Não seja bobo — disse Guy. — Aquelas são moças de... de bons momentos. A gente não casa com elas.

      — O que é uma moça de bons momentos? — perguntou a menina.

      — O mesmo que um rapaz de bons momentos, só um pouco menor — explicou Melanie, adorando aquilo.

      Sorriu para Emmett de modo angelical e ele ficou atrapalhado, vermelho.

      — Está na hora de ir — disse Kit. — Emmett, você pode nos dar uma carona? Vamos direto para o aeroporto.

      — Isso! — Logan pegou o primo pelo braço musculoso.

      — Vamos, Guy. Até daqui a uma semana, Melanie. Se tiver algum problema, ligue. Se puder ir ver mamãe no hospital, eu agradeço. Chris está cuidando dela, já está boa da pneumonia e vai sair logo...

      — Claro que vou — assentiu Melanie. — Tia Tansy é um encanto e não tenho nada que fazer no fim de semana...

      — Só teria se existisse um homem muito corajoso — atacou Emmett, maldoso.

      Melanie correu para a bolsa e ele saiu depressa, com os outros, depois de lançar-lhe um olhar que prometia vingança.

      O caos começou a se acalmar no decorrer da tarde. Os telefones tocaram por mais duas horas, depois houve ligações esparsas e dois clientes apareceram para saber de seus investimentos e Melanie atendeu-os.

      As crianças comportaram-se muito bem, assistiram filmes e desenhos da tarde e uma vez pediram moedas para a máquina de refrigerantes. Melanie aproveitou a paz e quando Emmett voltou para pegar os filhos até sua mesa já estava arrumada.

      — A gente tem que ir, mesmo? — gemeu Polk. — Agora que vai começar o desenho que eu gosto!

      — Isso aí, temos que ir. Vamos para casa amanhã cedo, graças à Deus. Esta noite é o último espetáculo e vou montar um cavalo xucro.

      — Não é a exibição mais perigosa? — perguntou Melanie. As sobrancelhas dele ergueram-se sob o chapéu Stetson, que não tirara da cabeça e ele resmungou:

      — Todas as exibições de um rodeio são perigosas se o cara for idiota ou descuidado. E eu não sou nenhum dos dois.

      Ela sabia disso e também que Emmett era uma lenda dos rodeios; acompanhava a carreira, adorava rodeios, mas nunca diria a ele.

      — Obrigada por nos deixar ficar com você, Melanie — agradeceu Amy, sorrindo.

      Melanie também sorriu. Gostava muito da menina, que era meiga e amorosa, apesar do jeito direto de falar.

      Emmett notou o sorriso e se impressionou: não havia notado como Melanie era bonita, radiante. Sem pensar, avaliou-lhe o corpo, concluindo que era uma mulher atraente, com as formas na proporção exata, apenas um pouquinho além do esguio. Adell era muito magra, exatamente o oposto de Melanie.

      Irritou-se ao perceber o que pensava: Melanie não significava nada para ele. Ela e o irmão tinham arrasado sua vida, assim como a de seus filhos e era fácil odiá-la por isso.

      — Andando, crianças — resmungou, de cara fechada.

      — Poxa! Tá bem... — suspirou Polk.

      — Espero no corredor — disse Guy, evitando olhar para Melanie.

      — O Guy te odeia — confidenciou Amy.—, mas eu te acho muito, legal.

      — Eu também te acho muito legal — retribuiu Melanie. Amy sorriu e foi até o pai, tornando-se séria:

      — Podemos ir agora, Emmett. Eu posso escrever pra minha amiga Melanie?

      — Depois a gente vê — desconversou Emmett, indo para a porta. — Obrigado por cuidar deles.

      — Não tem de q... Oh!

      Melanie escorregou num martelo índio largado no chão e caiu sentada. Guy pegou a arma, enquanto os outros três a rodeavam. Ela ergueu os olhos e teve uma pálida idéia de como se sentia um prisioneiro numa aldeia indígena.

      — De quem é esse martelo? — perguntou Emmett, carrancudo.

      Estendeu a mão e ergueu Melanie sem esforço aparente. O contato a fez vibrar e ela imaginou se ele sentia o mesmo.

      — É meu, Emmett — suspirou Amy. Fitou o pai, resignada, ajeitando a faixa com uma pena que prendia os longos cabelos. — Vá em frente e pode me bater, mas eu não queria que a Melanie se machucasse, gosto dela.

      — Eu sei disso e não me machuquei, Amy.

      — Da próxima vez, veja onde deixa esse negócio — advertiu o pai.

      — É isso mesmo, Amy — concordou Melanie. — No alio da cabeça do seu pai seria um bom lugar.

      Emmett encarou-a, ameaçador, e rugiu:

      — Você não escutou isso, Amy. Vamos!

      Saiu e fechou a porta com estrondo. Melanie sentou-se. Nenhum telefone tocava, a tevê estava desligada, nenhuma criança ria. O escritório e sua vida tinham ficado vazios.

      Melanie saiu exatamente às cinco e foi ao supermercado fazer as compras para o fim de semana. Comprou carne moída para hambúrgueres, um pedaço de contra-filé para rosbife, verduras e legumes para saladas e sopa. Ganhava mal, por isso nem olhava os cortes de filé mignon e os pratos congelados. Talvez, um dia pudesse comprar essas delícias...

      Deu comida para Alistair, o grande gato amarelo listado, e preparou um jantar leve. Comeu sem entusiasmo e deitou-se no sofá, com Alistair, para assistir um filme na tevê. Durante a última cena, no confronto final entre a polícia e o assassino, o telefone começou a tocar. A princípio, ela ignorou os toques; se atendesse perderia o final do filme que assistia há duas horas e ninguém lhe telefonava, a não ser esse pessoal que pega nomes na lista para vender besteiras ou pedir auxílio. O telefone parou de tocar, porém recomeçou quase em seguida. Achou melhor atender, podia ser Logan, Kit, Tansy ou mesmo seu irmão.

      — Alô?

      — Melanie Cartman?

      — Sim.

      — Sou a enfermeira Willoughby, do Hospital Geral da cidade. O sr. Emmett Deverell sofreu uma concussão e está aqui. Acaba de recobrar os sentidos, deu seu nome e pede que a senhora vá pegar os filhos dele no Hotel Mellenger.

      Melanie ficou paralisada, registrando apenas que Emmett se machucara e a tinha escalado para babá. O pior é que não podia se negar.

      — As crianças estão... onde?

      — Hotel Mellenger, quarto trezentos e alguma coisa. Ele está meio confuso e sente muita dor.

      — Mas vai ficar bom?

      — Esperamos que sim.

      — Diga a ele que vou cuidar das crianças.

      — Muito bem.

      O telefone foi desligado e Melanie ficou olhando para a parede como se estivesse em transe. Onde ia pôr três pequenos renegados, um dos quais a odiava? E por quanto tempo?

      Pensou em ligar para Adell e Randy, mas descartou a idéia: Emmett nunca a perdoaria e naquele momento ele merecia um mínimo de consideração.

      Vestiu o casaco e chamou um táxi para ir ao hotel. Era muito tarde para sair dirigindo sozinha pelas ruas de Houston; a cidade se tornara famosa pelas enchentes e a chuva caía há algum tempo.

      Na portaria, perguntou qual era o apartamento de Emmett, explicou o que acontecera e deu o nome do hospital ao recepcionista, para que conferisse a história. Quando chegou no quarto dos Deverell, ouviu sons abafados lá dentro e bateu na porta. Houve um súbito silêncio, seguido por uma espécie de uivo. A porta se abriu e uma matrona de cabelo pintado quase caiu sobre Melanie.

      — É a mãe deles? — perguntou a mulher, de olhos arregalados. — Sou a sra. Johnson, você é a mãe deles?

      — Eu?... Bem, não.

      — Oh, meu Deus!

      — Mas vim cuidar deles — apressou-se a dizer Melanie, pois a mulher parecia a ponto de ter um ataque cardíaco.

      Um sorriso substituiu a expressão de horror:

      — Então, eu vou embora. Boa noite!

      — Covarde! — disse Amy, esticando-se para ver a retirada da sra. Johnson.

      — O que vocês estavam fazendo? — indagou Melanie, severa.

      — Oh, nada! — garantiu Amy, toda suave.

      — É que ela não está acostumada com crianças — explicou Polk.

      Atrás deles estavam os restos de dois travesseiros de espuma e o que parecia ser as cordas das pesadas cortinas.

      — Fizemos uma guerra de travesseiros — contou Amy.

      — E depois fomos esquiar no banheiro — acrescentou Polk.

      A porta do banheiro estava entreaberta e o chão parecia molhado. Melanie começou a compreender a pressa desesperada da mulher em dar o fora. Seu apartamento não sobreviveria a dois dias "daquilo"!

      — Que veio fazer aqui? — perguntou Guy, agressivo. — Onde está meu pai?

      Ela sentou-se no sofá, em silêncio, procurando as palavras certas.

      — Aconteceu alguma coisa — disse Guy, reparando em seu rosto. — O que foi?

      Apesar de criança, ele demonstrava grande força de caráter e habilidade de enfrentar o que quer que a vida lhe reservasse. Amy e Polk mostraram-se ansiosos, mas Guy não.

      — Seu pai caiu e bateu a cabeça — disse Melanie. — Já voltou a si, mas sente muita dor. Tem que ficar um ou dois dias no hospital e quer que vocês fiquem comigo.

      — Ele detesta você — retrucou Guy —, por que ia querer que ficasse conosco?

      — Porque não há outro jeito — disse Melanie —, a menos que você prefira o Juizado de Menores...

      A auto-confiança de Guy falhou, ele sacudiu os ombros e virou-lhe as costas.

      Amy subiu no colo de Melanie e a abraçou, insegura.

      — Nosso pai vai ficar bom, não vai? — indagou, com voz frágil.

      — Claro que sim. Ele é muito forte e precisa muito mais que uma simples concussão para machucá-lo de verdade.

      — É isso aí! — concordou Polk, olhando para outro lado porque seus lábios tremiam.

      — Então, vamos pegar suas coisas e ir embora — disse Melanie. — Já jantaram?

      — Comemos pizza e sundaes de chocolate.

      Melanie compreendeu que a sra. Johnson teria concordado com qualquer exigência que os mantivesse quietos, o que significava que teria de providenciar comida decente para eles. Ia ter um bom trabalho! Mesmo assim, descobriu que estava preocupada com Emmett e assim que chegassem no apartamento ia ligar para o hospital e saber como ele estava.

      Besteira, riu de si mesma, Emmett era indestrutível! Ou não era?

      Sentiu pena das crianças. Sabia como era triste ficar sem os pais. Quando os dela tinham morrido, Randy precisara procurar dois empregos para sustentá-los, pois Melanie ainda estava na escola. Ela também fizera sua parte de sacrifício, havia sido duro e penoso para os dois. Esperava que aquelas crianças não precisassem passar pelas mesmas provações que tinha passado com seu irmão.

     

      A enfermeira de plantão disse que Emmett teria de ficar internado pelo menos dois dias, porque mal estava consciente e os médicos se preocupavam com sua condição. Assegurou que poderia vê-lo no dia seguinte, no horário de visita.

      Melanie ajeitou Amy e Polk na sua cama e Guy na cama de armar que era de Randy quando criança. Foi dormir no sofá e ficou maravilhada ao descobrir que não era tão desconfortável quanto pensava.

      Ainda bem que estavam no fim de semana! Cuidar dos três e trabalhar seria uma barra, mas daria conta se fosse preciso. Como, não sabia.

      No sábado de manhã começou a encrenca. Cada um tinha uma muda de roupa, mas fazê-los se trocar era outra coisa.

      — Não está suja — disse Guy, apontando para a camisa usada — e não vou trocar.

      — Eu também não preciso mudar de roupa — aderiu Polk.

      — Estamos todos bem, Melanie — garantiu Amy, dando tapinhas amigos na mão dela. — Pode se vestir e não esquenta com a gente, tá?

      Melanie contou até dez.

      — Vamos visitar seu pai. Não acham que devem ir bem arrumados?

      — Emmett não dá a menor bola, contanto que a gente não esteja nu — explicou Amy.

      — E às vezes nem assim — completou Polk, rindo. — Ele não repara em nada quando está num rodeio.

      — Sei — assentiu Melanie. — É evidente que ele não liga a mínima para o que vocês vestem.

      — Gostamos de nosso pai do jeito que ele é, e ninguém pode falar mal dele.

      — Eu não falei mal dele. Como é, vamos para o hospital ou não?

      — Vamos — concordou Guy —, mas não troco de roupa.

      — Tudo bem... Mas se o fedor fizer os sensores contra incêndio funcionar, dou o fora e faço de conta que não tenho nada a ver com vocês.

      Pouco mais tarde, Melanie e os três encostavam no balcão da sala das enfermeiras na ala de acidentados.

      — Veja essas máquinas! — Polk esticava-se nas pontas dos pés, admirando os computadores. — Seria demais brincar com elas!

      — Nem pense nisso! — advertiu Melanie, assustada, e sorriu para a enfermeira. — Meu nome é Melanie Cartman. Procuro Emmett Devereíl, que sofreu uma concussão...

      Foi interrompida por um verdadeiro rugido: — Você não vai enfiar essa porcaria embaixo de mim!

      — Sim, ele está aqui — suspirou a enfermeira. — Você veio a fim de levá-lo para outro hospital? — perguntou, esperançosa.

      — Sinto muito, não... Estes são os filhos dele, que vieram visitá-lo.

      — Venham — disse a enfermeira. — Talvez a visita melhore o humor dele.

      — Eu não contaria com isso — advertiu Melanie.

      — Papai! — exclamou Guy, correndo para o pai, enquanto a enfermeira que estava junto da cama saía em disparada. — Tudo bem?

      Emmett olhou-o sem expressão. Seus olhos estavam vermelhos, o cabelo despenteado. Havia um galo em sua cabeça, com pontos e anti-séptico. Vestia uma camisola de hospital e parecia que estava disposto a matar um.

      — Já é quase meio-dia — informou ele a Melanie. — Onde diabos você estava? Tire-me daqui!

      — Pode deixar, pai. Vamos tirá-lo— prometeu Guy.

      — Não pode sair hoje, sr. Deverell — disse a jovem enfermeira, no linguajar de hospital. — O dr. Miller disse que deve ficar em observação por quarenta e oito horas. A concussão foi muito séria.

      — Odeio esse lugar! — disse Emmett, os olhos verdes estreitando-se.

      A enfermeira conteve uma resposta à altura e forçou um sorriso:

      — Claro que odeia, mas não pode sair... Não está contente por ver sua esposa e filhos?

      — Ela não é minha esposa! Eu nunca me casaria com essa víbora!

      — Garanto que o sentimento é mútuo — esclareceu Melanie.

      Ao sair, a enfermeira sussurrou para ela:

      — O dr. Miller fugiu. Quando voltar, vou pedir um sedativo para o sr. Deverell, juro!

      — Deus a ajude! — segredou Melanie.

      — Que é que vocês estavam fofocando? — perguntou Emmett, depois que a enfermeira saiu. — E por que essas crianças não trocaram de roupa? Estão cheirando a terra e pizza!

      — Não quiseram trocar.

      — Você é maior que eles. Obrigue-os.

      Ela olhou para os três, depois para ele e balançou a cabeça:

      — Eu não, moço! Sei quando estou em desvantagem. Não vou acabar amarrada numa estaca, bancando churrasco.

      — Eles não queimam ninguém em estacas — Emmett demonstrou paciência exagerada. — É pura invenção da faxineira que eles aprisionaram.

      — Isso mesmo. Invenção — concordou Polk.

      — Ela nem estava chamuscada quando escapou! — lamentou Amy.

      — Você está mesmo bom, pai? — perguntou Guy.

      Ele era o único dos três que compreendia o risco.

      — Sim, estou. E vocês?

      — Estamos ótimos — vibrou Amy. — O apartamento da Melanie é muito legal. A gente gosta de lá.

      — Ela tem um gato — informou Polk. — Ele é grande, amarelo e branco e chama Alistair.

      — Alistair? — estranhou Emmett.

      — É um gato com aparência comum — defendeu-se Melanie — e achei que merecia um bom nome.

      Emmett se recostou nos travesseiros e fechou os olhos.

      — Que os santos nos protejam!

      — Não creio que os santos se importem muito com você, pelo estado em que se encontra...

      Um olho verde injetado se abriu.

      — Não foi santo nenhum que fez isso comigo. Foi um cavalo mal-humorado cujo único propósito na vida é acabar com caubóis idiotas o bastante para montá-lo. Me distraí um instante e me esborrachei no chão.

      Ela comentou, gentil:

      — Tenho certeza que o cavalo sente-se culpado.

      O sorriso a transformou e Emmett gostou do que viu. Ficava linda e meiga quando seus olhos brilhavam daquele modo. Abriu o outro olho e os dois se fitaram por um longo momento. Melanie sentiu um sinal de alarme na mente e falou para desfazer o estranho encantamento:.

      — Quando vai voltar para casa, Emmett?

      Ele piscou, como se acordasse, olhou para a filha e de novo para ela:

      — Dois dias, foi o que eles disseram. Deus, sinto muito Melanie... Eu não tinha o direito de envolvê-la nos meus problemas.

      Aquilo parecia um pedido de desculpas, surpreendeu-se ela; vai ver que talvez a batida na cabeça apagou a fuga de Adell da memória dele, pensou e disse, hesitante:

      — Não me importo de cuidar das crianças. — Empurrou os cabelos para trás, num gesto nervoso. — Não deram trabalho.

      — Claro que não, dormiram a noite toda — suspirou ele. — Mas não deixe que saiam do seu campo de visão.

      — Ah, pai, a gente vai se comportar — prometeu Polk.

      — Claro que vamos — confirmou Guy e olhou irritado para Melanie.

      — É só por um dia ou dois — disse Emmett. Sentiu-se tonto, fechou os olhos e esforçou-se para abri-los. — Vou recompensá-la pelo trabalho... Deus, como minha cabeça dói!

      — Quer que eu chame a enfermeira? — preocupada, Melanie aproximou-se da cama.

      — Eles não vão me dar nada enquanto o médico não autorizar, e ele está se escondendo. — Emmett calou-se, cerrando os dentes para não gemer. — Mas não posso culpá-lo. Não fiquei feliz por estar aqui e o demonstrei.

      — Imagino como...

      — Se Logan não tivesse viajado, ficaria com as crianças e...

      Emmett adormeceu sem terminar o que dizia.

      — Meu pai vai ficar bom? — perguntou Amy, mostrando-se pequena e frágil como era.

      — Vai, sim — assegurou Melanie. — Vamos para casa, almoçar.

      — Eu quero cachorro-quente — disse Polk. — E a Amy também.

      — Eu detesto cachorro-quente — contrapôs Guy — e vou ficar aqui, com o papai.

      — Não pode ficar, Guy — explicou Melanie. Ele fez cara de bravo e ela acrescentou: — Não gosto disso tanto quanto você, mas temos de ficar juntos.

      Os três a seguiram, relutantes. Ela parou junto do balcão da sala de enfermagem e disse que voltariam no dia seguinte, preocupada, perguntou se era normal Emmett cair no sono de repente e a enfermeira ficou de passar a informação para o médico.

      A antipatia de Guy por Melanie estendia-se para o apartamento, o gato, os móveis e a comida dela.

      — Não vou comer isso — resmungou quando ela colocou salsichas, pão, mostarda e ketchup na mesa. — Prefiro morrer de fome.

      — Você é que sabe. Vamos ter sorvete de sobremesa e você não. Aqui só tem sobremesa quem comer direito.

      — Eu detesto sorvete! — bradou ele, triunfante.

      — Mentira! Ele não detesta sorvete — contou Amy —, detesta você. Guy acha que fez nossa mãe ir embora e que é por sua culpa que ela não escreve, nem telefona pra gente.

      — É, isso mesmo! — concordou Guy. — Foi tudo por sua culpa! Sua e do idiota do seu irmão!

      Levantou-se, derrubando a cadeira, e correu para o banheiro, batendo a porta.

      Melanie deu uma mordida no cachorro-quente, mas o gosto não era dos melhores. Seriam dois dias muito longos...

      Essa previsão estava mais certa do que Melanie pensava. Guy ficou emburrado pelo resto do dia, enquanto ela e os outros dois viam tevê e jogavam Monopólio na mesa da salinha. Quando estavam no quadrinho "Começo" pela décima vez, Guy abriu a porta do apartamento para deixar Alistair fugir...

      Ela não deu pela falta do gato a não ser quando colocou a comida dele no pratinho. Olhou ao redor, franzindo a testa, e chamou: — Alistair!

      O gato não estava em lugar nenhum, o apartamento ficava no quarto andar e não tinha balcão. Revistou todos os cantos, sem sucesso.

      — Vocês viram meu gato? — perguntou, voltando para a sala.

      — Eu não — disse Amy, que assistia desenhos animados com Polk.

      — Eu também não — afirmou ele.

      Guy estava na janela e fez um movimento com a cabeça, que Melanie interpretou como uma negativa.

      Mas achou estranho. Alistair estava enrodilhado no sofá pouco antes de Guy correr para o banheiro e não o vira mais. Reprovou-se pelo que pensara: o menino não faria algo tão maldoso como fazer o gato fugir!   

      Melanie encontrara Alistair num beco, quando voltava para casa um ano antes, numa noite chuvosa, depois de ter trabalhado até mais tarde. Um barbante ao redor do pescoço quase o enforcava. Ela o livrara do suplício e o levara consigo. O gato estava infestado de pulgas e era assustadoramente magro, mas una consulta ao veterinário, carinho e boa alimentação o tinham transformado num gato forte e bonito que se tornara seu amigo e confidente.

      Lágrimas corriam pelo rosto dela enquanto voltava a procurar, chamando Alistair com voz trêmula.

      Amy acompanhou-a na busca, perguntando:

      — Você não acha seu gato?

      — Não.

      — Oh, Melanie, não chore! — afligiu-se a menina. — A gente vai achar o Alistair, vai ficar tudo legal... Polk, Guy, vamos ajudar a Melanie a achar o gato!

      — Claro — concordou Polk. — Vamos ajudar. Revistaram o apartamento. Guy ajudou, mas tinha o rosto muito vermelho e não encarava Melanie.

      Desesperada, ela foi aos apartamentos vizinhos perguntar se tinham visto seu gato, mas ninguém vira. Havia um elevador e uma escada, mas a escada era fechada por uma porta que sempre ficava fechada. Foi verificar, assim mesmo, eficou surpresa ao ver que estava aberta, a fim de facilitar o trabalho de pedreiros que carregavam material para um apartamento em reforma.

      Deixando as crianças no apartamento, ela desceu a escada correndo, à procura de Alistair. Chamou e chamou, sem encontrá-lo.

      Dando-se por vencida, voltou para o apartamento. Estava tão triste que os três logo viram que não encontrara o gato. — Que pena! — murmurou Amy. — Você gosta muito dele, não?

      — Ele é tudo que eu tenho — disse Melanie, sem erguer os olhos.

      Guy ligou a tevê e sentou-se bem perto do aparelho, sem dizer uma palavra.

      Melanie chorou muito antes de dormir naquela noite. Randy tinha Adell, mas ela estava só, sem ninguém. Alistair era seu único companheiro.

      Levantou cedo e preparou ovos com bacon antes de chamar as crianças. Estavam todos quietos e comeram pouco, enquanto ela se mantinha sombria e calada. Quando terminaram, saiu novamente para procurar, porém não achou Alistair.

      Mais tarde, levou as crianças ao hospital para ver Emmett, que estava numa cadeira, impaciente.

      — Me levem daqui! — exigiu assim que entraram. — Eu vou embora, quer eles deixem ou não!

      Determinado, vestira o jeans, a camisa e as botas que usava ao entrar no hospital. A roupa estava manchada de sangue e seu rosto, pálido.

      — O que o médico disse? — quis saber Melanie.

      — Que eu podia ir se insistisse e estou insistindo! Vou pegar as crianças e voltar para o hotel.

      — Escute — ela perguntou, preocupada, — percebe o risco que vai correr? Se não pensa em si, pense ao menos nas crianças. O que farão se lhe acontecer alguma coisa?

      — Não vou ficar aqui! Eles vivem tentando me dar banho!

      Ela sorriu, apesar de abatida e triste: — É para o seu próprio bem.

      — Já disse que vou embora daqui!

      — Bem, então, pelo menos fique na minha casa, hoje — sugeriu Melanie. — Se eu deixar que ande por aí sozinho, nesse estado, meu patrão nunca vai me perdoar.

      — É, mesmo? Acho que não preciso de ajuda — teimou Emmett.

      — Precisa sim. Mais uma noite de confusão não vai me matar, eu acho.

      — O gato dela fugiu — contou Amy — e Melanie está muito triste.

      — Alistair? — ironizou Emmett. — Como pode ter fugido? Você não mora num apartamento?

      — Sim. Eu... Bem, ele deve ter escapado e a porta da escada estava aberta, havia trabalhadores no prédio.

      — Sinto muito... — disse ele, em tom seco.

      Olhou para os filhos. Amy e Polk pareciam sentir também. Mas Guy olhava fixamente para o chão. Os olhos atentos de Emmett estreitaram-se e, de repente, Melanie perguntou:

      — Você já acertou tudo com as enfermeiras?

      — Já — ele levantou-se, hesitante.

      — Eu ajudo você, pai — Guy se aproximou.

      — Vocês vieram de carro ou de táxi?

      — De carro — respondeu Melanie.

      — E qual é seu carro? — insistiu Emmett.

      — Um Volkswagen.

      Ele gemeu e ela sorriu pela primeira vez depois de tantas horas. Alto como era, entrar no carrinho, mesmo no banco da frente, seria uma experiência interessante.

      E foi mesmo. Ele ficou com os joelhos quase no queixo. Polk e Amy riram muito.

      — Coitado! — exclamou Amy. — Mas tá gozado, Emmett!

      — Primeiro você enfia fotos horríveis embaixo do meu nariz. Agora me espreme nesta lata de sardinhas com rodas!

      — Não insulte meu lindo carrinho. Não é culpa dele você ser comprido demais. Quanto às fotos, você foi grosseiro comigo e só dei o troco.

      — Eu não sou comprido demais! Eu... — ele se calou, fechando os olhos.

      — Espero que não acabe caindo do quarto andar, onde moro, apagando desse jeito! — afligiu-se ela.

      — Está tudo bem, sossegue — acalmou-a ele, tentando sorrir e abrir os olhos. — Só estou um pouco grogue.

      — Espero que seja isso... — murmurou Melanie, engatando a marcha-a-ré.

      Guy ajudou Emmett a entrar no elevador. Quando saíram, Amy e Polk puseram-se do outro lado do pai e os três conseguiram levá-lo até o apartamento de Melanie, onde o colocaram no sofá.

      Ia ser gozado fazer a distribuição para dormir, imaginou Melanie. Colocaria Emmett e os garotos no quarto, ela e Amy poderiam dividir o sofá. O que não seria fácil era arrumar um pijama para aquele homenzarrão.

      — Eu não uso pijama — disse ele, quando ela mencionou o assunto. — Você não vai entrar no quarto, então não importa.

      Ela virou-lhe as costas para esconder o rubor que lhe coloriu o rosto, dizendo:

      — Tudo bem. Vou ver o que temos para comer...

      Pelo menos ele não reclamou da comida. Talvez a concussão afetara seu cérebro, tomando-o agradável.

      — Hum... Não está ruim — comentou Emmett, terminando o segundo sanduíche de salada de ovo.

      — Obrigada.

      — Detesto ovo — disse Guy, ainda comendo e sem olhar para Melanie.

      — E me odeia também — acrescentou Melanie.

      Surpreso, o garoto olhou-a e o modo firme com que ela o encarou disse-lhe que Melanie sabia como o gato sumira.

      Guy ficou vermelho e comeu depressa o restante do sanduíche.

      — Não estou mais com fome — ele se levantou e foi ver tevê na sala, com Amy e Polk.

      Emmett passou a mão pelos cabelos.

      — Sinto muito pelo gato... — disse, sem jeito.

      — Eu também — ela levantou-se para tirar a mesa. — Tem café, se você quiser.

      — Eu quero, preto.

      — Aposto que você não coloca catchup no churrasco!

      Ele sorriu enquanto Melanie colocava uma xícara fumegante à sua frente.

      — Garota esperta.

      — Por que participa de rodeios? — perguntou ela ao se sentar de novo.

      Surpreso com a pergunta, ele se recostou na cadeira, pensativo. Respondeu, por fim:

      — Sempre o fiz.

      — Deve ser difícil para as crianças, com você tanto tempo fora de casa, mesmo tendo quem cuide deles.

      — Eles sabem se virar — Emmett sacudiu os ombros.

      — Mas têm sérios problemas e você sabe disso. Especialmente o Guy.

      Os olhos dele se estreitaram ao fitá-la:

      — São meus filhos. E como os crio não é problema seu.

      — E são meus sobrinhos.

      — Não me faça lembrar disso.

      — Por que foge da verdade? — impacientou-se Melanie. — Randy é meu irmão e gosto muito dele, mas garanto, que ele não teria levado Adell se ela não quisesse ir!

      — Meu Deus, acha que não sei disso?

      Desarmado, Emmett demonstrou que sofria.

      — Mas não aconteceu por você ter falhado, Emmett... — disse ela, suavemente. — Foi porque Adell encontrou em Randy algo que precisava. Não foi sua culpa. Na verdade, não foi culpa de ninguém!

      Ele ficou tenso e levou a xícara à boca, queimando-a ao tornar um grande gole de café.

      — Isso não é da sua conta — resmungou. — Esqueça!

      Ela ia responder, mas percebeu que não seria bom.

      — Ainda tem sorvete — desconversou. — Quer um pouco?

      Ele fez que não.

      — Não gosto de doces.

      Como Guy, mas Melanie não fez o comentário. Guy a odiava. Tanto que deixara seu gato escapar de propósito. Teve vontade de chorar ao pensar em Alistair, mas dominou as lágrimas. Era melhor não se aproximar de Emmett: Guy jamais deixaria que houvesse algo entre eles.

      — É melhor você ir dormir, Emmett — disse, afinal.

      — Sim — ele concordou e se levantou devagar. — Amanhã vou com as crianças para o hotel, depois pegamos um avião para San Antônio e deixamos você em paz.

      Ela não respondeu. Não tinha nada a dizer.

     

      Na manhã seguinte, Melanie desceu até o saguão, mais uma vez, chamando pelo gato, mas nem sinal dele. Tinha de aceitar que o perdera e não seria fácil. Era como perder um parente e não podia deixar de culpar Guy. Ele podia odiá-la, mas não devia ter descontado o ódio no gato.

      Nessa noite, não conseguira dormir. O sofá era confortável, mas Amy se mexia muito e ao nascer do sol desistira de tentar. Cobrira a menina, observando com doçura o rosto ovalado e o cabelo castanho claro como o da mãe. Amy ser tão parecida com Adell devia ser doloroso para Emmett e ele preferia Guy, que parecia muito com ele. Polk não parecia com nenhum dos dois, sem nada que o distinguisse fora a vivacidade e era o mais inteligente dos três.

      Ela vestiu o négligé, os cabelos despenteados, foi para o banheiro, bocejando, e abriu a porta.

      As sobrancelhas de Emmett se arquearam e ela parou, roxa de vergonha.

      — Desculpe! — disse e fechou a porta, depressa.

      Voltou para a sala e sentou-se na poltrona. Era desconcertante ver um homem nu saindo do seu chuveiro.

      Pouco depois, Emmett apareceu, com uma toalha enrolada na cintura. Tinha um físico atlético, ombros largos, cintura fina e as pernas eram fortes, musculosas. Ela tentou parecer tranqüila, mas sentia-se nervosa como uma fã diante do ídolo.

      — Me desculpe — disse ele. — Nem pensei em trancar a porta... e precisava de um banho.

      — Claro.

      Ele franziu a testa, enquanto ela desviava os olhos, com o rosto em chamas. Era um homem vivido, experiente e já fora casado. Sabia porque Melanie reagia daquele modo.

      — Tudo bem, Melanie — ele sorriu, amável. — Não há do que se envergonhar.

      — Claro. Quer tomar café?

      — Oh, sim. Vou me vestir.

      Ela assentiu, levantou-se e foi para a cozinha. Ficou surpresa ao ver que suas mãos tremiam quando pegou a frigideira para preparar o bacon.

      Emmett apareceu no momento em que ela pegava os ovos na geladeira. Vestia jeans e camiseta branca, que ressaltava o tórax poderoso. Estava descalço.

      Melanie não tinha se vestido porque esquecera de pegar roupas na noite anterior e ele a observava abertamente, admirando na camisola longa com o négligé que combinava, mas mostrava demais no decote. Nunca usava maquiagem, mas os cabelos loiros, os grandes olhos castanhos e a pele clara chamavam a atenção dos homens.

      Emmett imaginou que ela não devia saber disso, porque fez mais uma tentativa de ajeitar os cabelos antes de começar a fritar o bacon com ovos.

      — Onde estão os pratos? — perguntou ele, sem olhá-la, para não deixá-la mais desconcertada.

      — Estão ali, naquele armário. Neste ficam as xícaras e pratos. Mas você não precisa...

      — Já fui domesticado — disse ele, com gentileza — e aconteceu antes do casamento.

      O bom humor de Emmett evaporou-se. Calado, tratou de pôr a mesa, enquanto Melanie aprontava os ovos com bacon e tirava os biscoitos do forno, surpresa por ver que não tinham queimado. Gente na cozinha a deixava nervosa, ainda mais ele.

      — Você não pôde pegar suas roupas, não é? — indagou Emmett. — Eu devia tê-la lembrado ontem.

      — Tudo bem, eu me visto depois que os garotos levantarem. Não quer chamá-los para comer?

      — Ainda não. Quero falar com você.

      — Sobre o quê?

      Ele a fez acomodar-se numa cadeira e sentou-se ao lado.

      — Sobre o que você disse ontem a noite. Fiquei pensando... Adell disse que foi amor por Randy e não ódio por mim, que a fez romper o casamento?

      Melanie apertou as mãos e ficou olhando para elas:

      — Adell disse que casou porque você era bom, atencioso e se preocupava com ela. Contou que quando conheceu Randy, no posto onde parou para colocar gasolina, tentou fingir que aquilo não estava acontecendo, que não estava se apaixonando, porém foi fraca e não conseguiu impedir que as coisas acontecessem... Não estou desculpando a atitude dela, Emmett. Acho que podiam ter agido de um modo melhor e devia ter dito não quando Randy me pediu para ajudá-los a fugir. Mas ninguém é de fato culpado e nada vai mudar o que aconteceu. Ela ama Randy, não se pode negar isso.

      — Entendo... — a voz dele soou presa, rouca.

      Ela detestou-se ao perceber o quanto ele sofria:

      — Emmett, isso não aconteceu por sua causa, nada tem a ver com o que você é. Adell se apaixonou e pronto. O erro dela foi se casar com você sem amá-lo o bastante.

      — Você sabe o quanto é isso? Amar "o bastante"?

      — Bem, na verdade, não. Eu nunca me apaixonei.

      De fato, ela tivera daquelas paixões juvenis por astros de cinema e namorara um garoto de San Antônio, mas ele a trocara por uma menina mais soltinha, disposta a ir para o banco de trás do carro.

      — Por quê? Ela suspirou:

      — Você deve ter notado que sou alta demais e não muito atraente...

      — É mesmo? Quem foi que disse?

      — Ninguém, mas...

      Ele perturbou-se ao perceber o que havia dito à "inimiga" que ajudara o irmão a roubar sua esposa. Desconversou:

      — As crianças lhe deram muito trabalho?

      — Só o Guy — respondeu ela. — Ele não gosta de mim.

      — Ele não gosta de ninguém além de mim — esclareceu Emmett. — É o mais inseguro dos três.

      — Amy e Polk são muito doces.

      — Guy era o preferido de Adell e foi o que reagiu pior quando ela foi embora. Acho que adora a mãe, apesar de nunca falar sobre ela,

      — Ele é muito reservado, não? Deve ser duro para todos. Meus pais se amaram por trinta anos, até morrer e foi terrível quando morreram — contou Melanie. — Randy teve que cuidar de mim, que ainda estava na escola.

      — Isso explica porque são tão chegados. Como foi que eles morreram?

      — Num acidente idiota. Minha mãe estava mal de saúde, uma semi-inválida, e teve um ataque cardíaco. Meu pai colocou-a no carro e saiu à toda para um hospital. Perdeu o controle numa curva e bateu. Havia uma mancha de óleo na pista e ele não viu, garoava... Randy e eu nos culpamos por não ter insistido para que ele chamasse uma ambulância. Até hoje detesto chuva por causa disso.

      — Sinto muito — murmurou Emmett. Então, começou a falar: — Meus pais morreram com intervalo de anos entre eles, mas também não foi fácil, principalmente no caso da minha mãe, que se matou. Depois de seis meses do meu pai ter morrido, ela descobriu que estava com leucemia. Recusou-se a se tratar, foi para casa e tomou um monte de barbitúricos. Eu estava para me formar na faculdade, onde entrei com dezenove anos. Não era muito novo nessa época e foi duro passar nos exames depois do enterro.

      — Posso imaginar.

      — Eu já dirigia o rancho ao mesmo tempo em que estudava... — continuou ele, triste. — Conheci Adell na faculdade. Ela me deu o maior apoio naquele momento difícil. Então, quis me casar para não ficar sozinho. Pensava que o casamento poderia diminuir a dor pela morte de minha mãe, mas não aconteceu. Ninguém substitui os pais da gente. Quando eles morrem, você fica sozinho... Talvez os filhos ajudem.

      Ele se calou, pensativo. Acabava de perceber que negligenciava os filhos desde a separação, que os rodeios e o rancho ocupavam todo o tempo.

      — Você não tem irmãos? — quis saber Melanie.

      — Não. Me disseram que tive uma irmã, mas ela morreu pouco depois de nascer. Havia apenas eu. Meu pai era um astro de rodeios e me ensinou tudo que sei.

      — Ele devia ser mesmo bom.

      — Eu também sou... — afirmou Emmett. Depois, acrescentou sem jeito: — Quando não me distraio. Houve uma pequena agitação antes de eu montar, não prestei toda atenção no que fazia e me danei. Poderia ter sido fatal.

      — As crianças iam sentir sua falta.

      — Talvez o Guy sentisse, apesar de ser um solitário. Já Amy e Polk sentem-se felizes com qualquer pessoa.

      Melanie decidiu que era hora de romper a trégua e fazê-lo ver a realidade:

      — Na certa seus filhos anseiam por uma parcela da atenção que você dá aos rodeios. Parece que os evita, Emmett... — Encararam-se por segundos, então ela levantou-se: — Os ovos estão esfriando.

      — Eu tenho de ganhar para viver! — defendeu-se Emmett. — Rodeio é a única coisa que faço direito e dá bom dinheiro.

      — Seu primo diz que o rancho também dá lucro.

      — Daria se eu o hipotecasse para plantar e é a herança das crianças. Não posso correr o risco de perdê-lo.

      — Entendo, mas há outros modos de ganhar dinheiro — insistiu ela. — Você deve entender de gado, cavalos e contabilidade.

      — Sim. Mas gosto de trabalhar por conta própria.

      — Hum... Já vi o resultado disso — criticou Melanie, séria. — Sua cabeça ainda está doendo?

      — Nunca tinha levado um tombo feio como esse antes — justificou-se ele, em vez de responder.

      — Então, vai ver que está ficando velho.

      — Velho? Meu Deus, ainda não tenho quarenta anos!

      — Não precisa gritar, Emmett! — protestou Amy, lá do sofá.

      — Desculpe, querida. Olha aqui, Melanie, monto bem, como sempre montei!

      — Por acaso, eu disse que não?

      Ele se levantou, irritado: — Ninguém me diz o que devo fazer.

      — Também não fiz isso — contemporizou ela. — Mas quando as crianças se tornarem adolescentes, acha que alguém vai conseguir controlá-los? E se acontecer alguma coisa com você, o que será deles?

      Ela fazia perguntas que não o agradavam, mas que já começara a fazer para si mesmo. Sem responder, foi para o quarto acordar os garotos.

      Melanie ficou preocupada com o modo direto com que falara. O problema não era dela, mas gostava muito de Amy e Polk. Guy era outro caso: voluntarioso, inteligente, distante. Mas os três eram bons. Se o pai cuidasse direito deles seriam bons adultos. Mas iam causar problemas se não o fizesse.

      Emmett voltou, com uma camisa xadrez sobre a camiseta e de botas pretas.

      — Os meninos estão levantando — avisou, sentando-se. Assim que os garotos apareceram, Melanie correu para o quarto: os olhares de Emmett a tinham feito sentir-se

      como se estivesse nua. Por que, de súbito, ele se tomara tão perturbador?

      Vê-lo nu havia provocado um sentimento desconhecido nela. Nunca fora curiosa quanto aos homens, apesar de viver sonhando com amor e casamento. Mas os ombros largos, o peito peludo e as pernas musculosas tinham ficado gravados em sua mente. Moreno por inteiro, a pele não era clara nos quadris e isso era estranhamente sensual. Se tomava sol, ele devia fazê-lo sem vestir nada. Caindo em si, ela repreendeu-se pelo pensamento.

      Olhou para a cama desarrumada e seu pulso acelerou: ia dormir onde Emmett dormira... Vestiu-se, rápida, voltou para a cozinha e esquentou os ovos com bacon antes de servir. As crianças comeram com avidez, até mesmo Guy, que não olhava para ela e Melanie também evitava olhar para ele.

      Guy sentia-se perturbado pela tristeza dela e também estava preocupado com o gato. Alistair era um gato feio, grande, cor de laranja, mas ronronara quando ele o acariciara. Sua consciência o incomodava e tinha de ficar toda hora lembrando que Melanie era a culpada de sua mãe ter ido embora. Ele adorava a mãe, sofria com a ausência dela e fizera Melanie sofrer do mesmo modo. Quando a mãe se fora, tornara-se mais obediente porque sabia que ela fugira com aquele Randy Cartman por causa dele. Se tivesse sido um filho melhor, a mãe teria ficado e se o pai continuasse solteiro ela voltaria...

      Sem saber dos pensamentos confusos do filho, Emmett observava o filho, intrigado com seu comportamento. Era evidente que ele e Melanie estavam ressentidos um com o outro. Os olhos dela eram acusadores e os de Guy cheios de culpa. Era fácil concluir que tinha a ver com o gato.

      Podia inquirir Guy, mas o melhor era deixar que ele tocasse no assunto. Se, de fato, deixara o gato escapar... Bem, aí resolveria como agir.

      Emmett sentia-se mal por manter-se distante dos filhos: nada tinha a ver com a traição de Adell. Se ela amava Randy, ninguém tinha culpa, como Melanie dissera, muito menos as crianças.

      Ao chegar a essa conclusão, Emmett sentiu-se melhor. Cometera muitos erros, queria corrigi-los, mas não sabia por onde começar.

      As crianças terminaram o café e foram ver tevê. Emmett insistiu em ajudar na cozinha, enxugando a louça.

      — Fale-me sobre o gato — pediu, de súbito. Viu que ela ficava rígida e insistiu: — Vamos, fale.

      — Eu o encontrei no ano passado, num beco — obedeceu ela. — Tinha um barbante amarrado no pescoço, estava cheio de pulgas e faminto. Levou muito tempo até ele confiar cm mim e achei que isso nunca ia acontecer. Estamos juntos desde então. — A voz dela falhou. :— Vou sentir muita falta dele.

      — Pode ser que ele volte.

      — Não é provável, há tantas ruas...

      — Se ele era um gato de rua quando o achou, sabe se virar, não desanime. — Emmett deu uma olhada para a sala e baixou a voz: — Aquilo que disse das crianças... Descuidei mesmo dos três. Achei que estavam acostumados comigo quase sempre fora de casa e que não havia problema. Mas o acidente me deixou apreensivo. Se me acontecesse alguma coisa... Bem, Adell e um padrasto não conseguiriam lidar com os três, teria que separá-los e...

      — Adell os ama, é mãe deles, Emmett.

      — Ela não batalhou quando me recusei a deixar que os visse! — revoltou-se ele. — Eu nunca teria desistido!

      — Adell não é você, não é uma lutadora.

      — Deve ter sido por isso que disse "sim" quando a pedi em casamento — desanimou Emmett. — Eu forcei muito... Se tivesse lhe dado opção, acho que não teria aceito.

      — Esse casamento lhe deu três crianças adoráveis, não esqueça.

      Ele fitou os olhos escuros, algo aconteceu em seu coração:

      — Sabe? Você foi uma surpresa para mim.

      — Você também — respondeu ela, jogando fora uma caixa de comida para gato.

      — Por que fez isso? — indagou, preocupado.

      — Ele foi embora, não foi? — a voz dela era um murmúrio.

      Com os olhos nublados por lágrimas, voltou-se para guardar as xícaras e tropeçou numa cadeira. Não caiu porque Emmett segurou-a com facilidade e as mãos fortes na sua cintura provocaram-lhe arrepios. Ergueu os olhos, chocada por querer ficar bem junto dele e ser confortada.

      Emmett pareceu entender, porque agiu no mesmo instante. Tirou as xícaras das mãos dela, colocou-as na mesa e a tomou nos braços. Melanie assustou-se com a sensação desconhecida que a dominou, mas não queria que ele parasse. Deixou-se abraçar, fechou os olhos, sentiu-se segura e a dor em seu coração abrandou.

      — Alistair vai voltar — disse ele, em voz baixa e profunda —, eu prometo.

      — Obrigada — ela se afastou, sorrindo. Ele assentiu, pegou os pratos e os devolveu:

      — Vou arrumar as coisas das crianças.

      Foi para a sala, sentindo-se estranho e levemente excitado. Algo mudara nele, depois que batera a cabeça, mas não queria pensar nisso. Esperaria até estar mais lúcido e longe da perturbadora presença de Melanie.

      Guy os vira abraçados e comentou sobre isso quando o pai entrou na sala.

      — Ela ficou triste com a perda do gato — disse ele, simples e o garoto ficou pálido.

      Emmett prometeu-se ter uma conversa séria com Guy sobre o gato, mas torcia para sua desconfiança ser infundada. Eles não eram íntimos, apesar de se darem bem, e ultimamente Guy parecia evitar todo mundo. Vivia dando ordens aos irmãos e isolava-se deles. Será que não era uma reação ao medo de ser abandonado?, pensou. Perdera a mãe para um estranho, talvez temesse perder o pai também.

      Devia dizer a Guy que pai e mãe não deixam de amar os filhos quando se separam. Tinha cometido uma injustiça com as crianças impedindo-as de ver Adell, punindo a todos por sua mulher ter ido embora. Talvez também estivesse castigando a si mesmo. Melanie dissera coisas que o tinham perturbado e levado a pensar. Estava na hora de acertar as contas com o passado e com as crianças. O destino lhe oferecia uma segunda chance e não podia desperdiçá-la.

      

      Em poucos minutos os quatro estavam prontos para ir embora.

      — Se precisar, fiquem mais um dia — disse Melanie, preocupada. — Concussão pode ser perigoso.

      — É verdade. Mas não sinto dor de cabeça, nem estou mais desorientado como estava. Acredite, não iria embora com as crianças, dirigindo, se não estivesse bom.

      — Se tem certeza...

      — Além disso, já lhe demos muito trabalho. Obrigado por cuidar destas pestinhas e pela hospitalidade. — Ele abriu a carteira e colocou duas notas de vinte dólares na mesa.

      — Para as despesas...

      — Eles não comeram quarenta dólares de comida.

      — Uma babá custa isso por duas horas! Olhe, não quero ficar lhe devendo nada e no meu lugar você faria a mesma coisa.

      — Está bem — concordou ela, relutante. — Espero que esteja mesmo bem. 

      — Estou, sim... — Ele disfarçou a perturbação, brincando: — A minha, é a cabeça a mais dura do planeta.

      — Vou ter saudade, Melanie — disse Amy, quando iam para a porta. — Você não pode ir com a gente?

      — Eu trabalho, meu bem... — ela beijou a menina. — Também vou sentir saudade, mas você pode me escrever.

      — Eu também posso? — perguntou Polk.

      — Claro que sim!

      Guy não disse nada. Enfiou as mãos nos bolsos e seguiu atrás dos irmãos.

      Emmett olhou Melanie, achando esquisito o súbito receio de não voltar a vê-la. E quando fitou os lábios dela, sentiu como que uma promessa de intenso prazer. Eram bem feitos, suaves e macios. Imaginou como seria beijar aquela boca.

      Caindo em si, desviou os olhos. Esse tipo de pensamento maluco ainda devia ser efeito da concussão e se tomasse uma atitude dessas só poderia provocar um desastre. Devia ficar longe dela, por causa de Adell e Randy.

      — Adeus — disse, desanimado, entrando no elevador atrás das crianças.

      Guy encarou-a, antes da porta se fechar, e havia algo em seus olhos além de hostilidade, ia dizer alguma coisa, mas a mão de Emmett tocou-lhe o ombro e o fez ficar calado.

      No apartamento silencioso, Melanie arrumou as roupas para o trabalho no dia seguinte. Com dor no coração, lavou os potinhos de Alistair e os colocou fora de vista. Lágrimas começaram a descer-lhe pelo rosto ao pensar que não mais o veria. Nunca imaginara que uma criança poderia ser tão vingativa.

      Guy ficou em silêncio durante o trajeto até o hotel e assim se manteve até a noite. Depois que Amy e Polk foram dormir, ele sentou-se no sofá ao lado do pai.

      — Há algo incomodando você, filho? — perguntou. Emmett.

      — Há...

      — Quer falar a respeito?

      O garoto inclinou-se para a frente, com os cotovelos nos joelhos, como o pai fazia, e murmurou:

      — Deixei o gato da Melanie fugir.

      O coração de Emmett ficou mais leve ao ver o filho confessar por iniciativa própria.

      — Isso foi cruel — disse, sem alarde. — Melanie gosta demais de Alistair, é algo especial para ela, assim como o Barney é para você. Tente imaginar como ficaria se alguém soltasse o Barney nas ruas...

      Guy começou a chorar. Era a primeira vez que Emmett via aquilo acontecer. Mesmo quando a mãe fora embora, ele não chorara.

      Desajeitado, abraçou o filho. Não era um bom pai, a maior parte do tempo, as crianças o perturbavam com suas necessidades e exigências, mas compreendera nesse dia que precisavam dele. Há dois anos que seus filhos não tinham ninguém com quem falar sobre a mãe, ninguém para apoiá-los. E precisavam de apoio. Como não tinha percebido que ainda eram muito pequenos?

      — Por que deixou o gato escapar? — perguntou, dominando a perturbação.

      — Porque eu a odeio! Ela ajudou a mamãe a fugir! Ela é uma bruxa causadora de problemas! — Guy fitou o pai, inseguro: — Foi você que a chamou disso, lembra?

      Emmett corou:

      — É, eu a chamei de bruxa, por estar magoado. Ninguém fez sua mãe ir embora, ela foi porque nunca me amou. — Era doloroso dizer isso, mas agora que falara não doía tanto. — Acontece que sua mãe se apaixonou por outro homem e não podia ficar longe dele. Não foi culpa sua, nem minha, nem da Melanie, nem de ninguém. Essas coisas acontecem na vida.

      O menino enxugou as lágrimas.

      — Melanie chorou a noite toda — disse, aflito. — Eu ouvi e achei que ela merecia, mas não me senti bem. — Olhou o pai, pedindo ajuda. — O que faço agora?

      — Vá dormir. Eu tenho uma idéia. Falamos sobre isso amanhã.

      — Nós vamos pra casa?

      — Sim. Amanhã à tarde. De manhã, quero dar uns telefonemas.

      Emmett fez oito telefonemas para conseguir a informação. A cabeça parara de latejar e sentia-se muito melhor. Deixando as crianças com uma babá, desceu e chamou um táxi.

      Melanie desligava o telefone quando ouviu a porta do escritório abrir. Ergueu os olhos, com o sorriso pronto para o cliente que ia entrar. Mas não era um cliente. Era Emmett, com um grande gato laranja, listado, embaixo do braço.

      — Alistair! — Ela saltou da mesa, lágrimas de alegria descendo pelas faces.

      Pegou o gato, beijou-o e abraçou-o tanto que fez Emmett se sentir mal: vê-la tão vulnerável o tocava tanto quanto se, angustiara ao ver o filho chorando.

      — Onde você o achou? — perguntou ela, quando se acalmou.

      Ele enxugou-lhe as lágrimas com gentileza:

      — No depósito municipal. — Não contou que o gato estava para ser sacrificado. — Suponho que você sabe que foi o Guy que o soltou.

      — Sim, sei.

      — A culpa é mais minha que dele: responsabilizei todo mundo por causa da Adell, principalmente você. Não queria admitir que ela foi embora por minha causa, porque não me amava. Eu ficava muito tempo longe de casa, as crianças e a solidão acabaram com nosso casamento.

      — Não, as crianças não. Adell adora os filhos. Ela queria muito vê-los, mas...

      — Mas proibi que ela se aproximasse deles. Eu a odiava, assim como ao seu irmão e você. Odiava todo mundo.

      — Você estava magoado. Todos nós compreendemos isso, Emmett. Até Adell.

      Ele respirou fundo e olhou para o alto.

      — Vamos embora hoje à tarde — disse, por fim. — Eu preciso ir.

      — Obrigada, pelo gato!

      Sem pensar nas conseqüências, ela ficou nas pontas dos pés e beijou-o no rosto. Em seguida recuou, chocada com o próprio atrevimento.

      Emmett fitou-a aturdido. Quando ela começou a se afastar, segurou-a pelo ombro.

      — Não — disse, hesitante, com o coração em disparada. — Ainda não, Melanie.

      Sem saber o que pensar, ela conteve a respiração; Emmett fitou-lhe os lábios macios e, num gesto surpreendentemente suave para a mão tão grande e forte, segurou-lhe o queixo e a fez erguer o rosto; percorreu com o polegar o desenho do lábio inferior, cheio e bem feito.

      — Eu... Às vezes fico pensando... — sussurrou ele, abaixando a cabeça. — Você não?

      Melanie não teve tempo de responder. A boca de Emmett tocou a dela, suavemente; depois o beijo se tornou exigente, quase brutal, fazendo-a fechar os olhos. Já tinha sido beijada, mas nunca a sensação fora tão vivida. Seus joelhos ficaram fracos e o coração bateu em desespero quando Emmett mordeu-lhe de leve seus lábios. A respiração dele acelerou-se.

      — Abra — sussurrou ele, a mão subindo para a nuca. — Abra a boca...

      Os lábios dele se comprimiram sobre os dela com violência, a ansiedade fazendo-o considerar- apenas o que desejava, sem pensar nela. Forçou até que Melanie fez o que ele queria: abriu os lábios e, com um gemido, Emmett enfiou a língua ardente entre eles, explorando a suavidade úmida da boca inexperiente.

      Ela gemeu, também, e o abraçou quando ondas de prazer desconhecido percorreram-lhe o corpo. Nesse momento, meio espremido entre os dois, Alistair decidiu que era hora de ir para o chão e manifestou-se enfiando as unhas no braço dela, fazendo-a recuar. Sem ar, afastou-se de Emmett e ao fitá-lo surpreendeu-se com a expressão selvagem nos olhos. Ele a soltou e Melanie abaixou a cabeça, soltou o gato, que correu a acomodar-se numa poltrona e tratou de limpar o pêlo.

      Depois que a respiração acalmou-se um pouco, Melanie fitou Emmett. Ele parecia tão trêmulo e perturbado quanto ela quando seus olhos castanhos penetraram a imensidão verde dos dele. Observaram-se em silêncio, com curiosidade mútua.

      A delícia que ele sentira ao beijá-la o surpreendera. Era evidente que suas químicas combinavam com perfeição. Emmett lamentou a situação. Nunca sentira desejo tão violento por mulher nenhuma e isso fora acontecer com a única que não podia ter.

      Aparentou tranqüilidade e fingiu que era natural sentir-se assim excitado por um simples beijo, mas foi duro dominar o impulso de abraçá-la com força e beijá-la de novo.

      Riu, mas estava bravo consigo mesmo.

      — Estou feliz por ter trazido Alistair de volta — disse, quando o que queria era perguntar o que ela sentia, se o seu corpo vibrava como o dele. — Mais uma vez, obrigado pela hospitalidade.

      — Tudo bem — ela mal conseguia falar. — E obrigada por achar meu gato. Ele... ele é mesmo tudo que tenho.

      Emmett sentiu a garganta se apertar. Tinha de parar de olhar para aqueles lábios.

      — Guy sente muito o que fez e tenho certeza que não vai fazer de novo.

      — Não... não foi duro demais com ele, Emmett?

      — Bem, não usei chicote.

      — Desculpe — ela ficou vermelha.

      — Não, eu não bato nos meus filhos. Não dá pra perceber pela maravilhosa educação deles?

      Ela riu, os lábios ainda quentes e doloridos pela avidez dos dele.

      Melanie era encantadora quando sorria, pensou ele, e gostaria de... Não! Não podia pensar assim!

      — Bem, então, adeus — sussurrou ela.

      — Adeus.

      Ele hesitou. Ela o fazia querer coisas que tinha esquecido que precisava. Tivera mulheres, ligações passageiras, e nenhuma o deixara daquele jeito. Nem mesmo Adell. No entanto, sabia que não havia futuro numa relação entre eles. Claro que ela também sabia disso e se deixara levar por um impulso; fora um momento de loucura que era melhor esquecer.

      Tocando com os dedos na aba do chapéu, virou-se e saiu sem olhar para trás.

      Melanie acariciou o gato com a mão trêmula:

      — Oh, Alistair, eu senti tanto a sua falta!

      Alistair forçou a cabecinha na mão dela e ronronou. Melanie riu, imaginando que ele dizia que também sentira saudade, depois levou-o para o banheiro, onde ele teria de ficar até a hora de ir para casa.

      Assim que Emmett entrou no quarto do hotel, Guy perguntou, impaciente:

      — Encontrou o gato?

      Emmett descartou a idéia de retardar a resposta para fazê-lo sofrer, mas tinha que dar-lhe uma lição.

      — Encontrei-o, mas foi por pouco — respondeu, sério. — Ele ia ser sacrificado.

      — Poxa! Eu... eu sinto muito!

      Guy sentiu um calafrio e fez força para não demonstrar a angústia. Na noite anterior sentira-se próximo do pai pela primeira vez na vida. Fora tão bom! Mas Emmett ficara distante de novo. Tanto que não percebeu a profunda dor, nem a decepção no olhar do filho e disse, com severidade:.

      — Você teve sorte de tudo ter dado certo. Nunca esqueça disso, para não fazer uma coisa tão cruel de novo.

      — Você a odeia — murmurou Guy. — Você disse que odiava.

      — Eu sei que disse. Qualquer hora dessas vou tentar lhe explicar tudo, filho.

      Bem que gostaria de explicar naquele momento, mas sentia-se confuso demais por não conseguir esquecer a incrível doçura dos lábios inocentes de Melanie. Pagou a babá, arrumou as malas e saíram. Quem sabe quando estivessem em casa, pensou, esqueceria de Melanie.

      No domingo seguinte, à tarde, Melanie foi visitar Tansy Deverell. A mãe de Logan tivera baixa no hospital e estava na casa do filho, onde uma enfermeira cuidaria dela até que ele e Kit voltassem. Passar a tarde com a velha senhora resultou em informações inesperadas.

      — Vi Emmett antes de ele sair do hospital — disse Tansy. — Sabia que duas enfermeiras ameaçaram pedir demissão?

      — Pelo que ouvi foram três, sem falar no médico — riu Melanie. — Não é incrível? E aquelas crianças...

      — Os menores se acalmariam se Guy se acalmasse; é o líder, seguem o que ele manda. Guy não fala sobre a mãe, mas acho que foi o mais atingido, quase tanto quanto Emmett. Os dois se culpam, mas não é culpa de ninguém.

      — Eu disse isso ao Emmett. Não sei se acreditou, mas ficou menos agressivo.

      — Emmett sempre foi explosivo, era um verdadeiro demônio quando jovem e Adell era muito tímida. Ele sempre fazia o que queria e ela se calava. Quando a mãe dele se matou, ficou arrasado e decidiu ter uma esposa e família no mesmo instante. Praticamente pegou Adell e a levou para o altar, mas nunca deveriam ter se casado. Emmett é o oposto do homem que ela precisa. Para começar, não queria filhos logo depois do casamento, mas ele não lhe deu escolha. Mas Emmett é um bom rapaz e sinto o que a vida fez com ele, transformando-o num homem triste e solitário.

      — E também muito amargurado — acrescentou Melanie. — Ele me odiava.

      — "Odiava"? Quer dizer que não odeia mais?

      — Não sei... — hesitou Melanie. — Estava diferente quando foi embora.

      — Espero que ele reavalie sua vida — suspirou a senhora. — O incidente no rodeio poderia ter acabado de modo trágico e as crianças merecem uma vida melhor. Se ele não perceber logo, não vai conseguir controlá-los.

      — Acho que ele sabe disso.

      — Então, vamos torcer para que Emmett dê um jeito na situação. Os filhos dele são tão meigos!

      Melanie assentiu. Não queria entrar em detalhes e não sabia como excluir Guy dessa classificação.

     

      — É ótimo estar de volta — disse Kit ao passar uma semana depois —, mas foram umas férias incríveis! Nos divertimos muito.

      — Ainda bem que alguém se divertiu! — brincou Melanie. — Emmett foi parar no hospital no primeiro fim de semana com uma concussão. Adivinhe quem ficou com as crianças...

      — Oh, Deus! Pobrezinha!

      — Toda hora tinha que lembrar a mim mesma que são meus sobrinhos.

      — Que sufoco, hein? Se estivéssemos aqui, teríamos separado os "anjinhos".

      — Tremo só de pensar nas conseqüências! — E Melanie tremia, mesmo. — Imagino os três dando um jeito de se encontrar era algum canto de Houston, no meio da madrugada.

      — É, acho que tem razão. Bom, preciso correr para o trabalho, Melanie, ou perco a hora. Até!...

      Deu uma paradinha na porta da sala do marido para soprar-lhe um beijo e saiu.

      Melanie ficou pensando em como os dois se davam bem e que aquilo nunca ia acontecer com ela. Emmett a beijara mas fora um beijo de paixão, não de amor. Permitiu-se sonhar como seria ser amada, mas durou pouco: o telefone tocou e acabou com os devaneios.

      No fim do dia Logan procurou-a, quando organizava o arquivo e indagou:

      — Alguma coisa urgente?.

      — Não, nada — disse ela, com um sorriso. — Está fácil! Já dá para eu controlar o escritório, aconselhar os clientes sobre investimentos, falar em palestras...

      — Olha que eu ligo para o Emmett e digo que você está entediada, com saudade dele, das crianças, e quer que voltem para o seu apartamento!

      Ela ergueu as mãos acima da cabeça, fingindo desespero, ele riu e saiu para buscar Kit no trabalho dela.

      Emmett cismava se a idade estaria começando a afetá-lo. Notava coisas nas crianças que jamais percebera: não tomavam banho regularmente, não tinham roupas novas, não faziam a lição de casa e aprontavam brincadeiras desagradáveis com as pessoas do rancho. Conversara a respeito com Tally Ray, a empregada que cuidava de tudo na casa.

      — Demorou para o senhor notar! — exclamou ela. — Tenho feito tudo para corrigi-los mas, como vivem dizendo, não "mando" neles.

      — Vamos dar um jeito nisso — resmungou Emmett.

      — "Vamos", não. O senhor vai dar um jeito, porque estou indo embora. Tudo bem fazer o trabalho todo da casa, mas lidar com três crianças impossíveis durante metade do dia, não. Quero aproveitar o final da vida.

      — Mas você sempre esteve aqui, Tally!

      — É por isso mesmo que vou embora — reforçou a senhora. — Fico só mais uma semana e espero que nesse tempo arranje alguém idiota o bastante para ficar no meu lugar.

      Emmett sentiu o peso do mundo nos ombros: o que ia fazer?

      Ligou para Tansy, para saber como ela estava e para pedir conselho.

      — Você está brincando com fogo, Emmett — disse-lhe a tia. — Viver do jeito que vive é só para homens sem família. As crianças precisam de você.

      — O rancho também, pois é o futuro das crianças. Como mantê-lo sem ganhar dinheiro?

      — Arrume um trabalho que não tenha os riscos dos rodeios.

      — Onde?— perguntou ele, desanimado.

      — Anote este número. — Ela falou e ele anotou. — É o telefone de Ted Regan. Ele precisa de alguém para cuidar do rancho enquanto estiver na Europa. Não será um emprego permanente, mas vai mantê-lo na ativa e dar um bom dinheiro enquanto decide o que fazer da vida.

      — Jacobsvilie — resmungou Emmett, sem entusiasmo.

      — Exato. É uma cidade pequena, mas perto o bastante de Houston para você trazer as crianças para me visitar. — A velha senhora não facilitava. — Procure ficar mais tempo com seus filhos, Emmett. Acho que é sua última chance.

      Ele não mencionou que significava estar também mais perto de Melanie. Não entendia por que, mas essa idéia o animava.

      — Ligue para o Ted e fale com ele — insistiu Tansy.

      — Bem, acho que mal não vai fazer... — foi o modo menos doloroso de ele dizer sim.

      Não fez mesmo. Ted conhecia a reputação de Emmett como caubói e não pediu qualquer referência, oferecendo-lhe o emprego no mesmo instante, com um salário que era o dobro do que ele ganhava nos rodeios.

      — Além disso, pode virar um emprego permanente — continuou Ted, com seu sotaque de texano. — Meu administrador pediu demissão. Não sei se vou conseguir cuidar do rancho e dos meus cavalos puro-sangue ao mesmo tempo.

      Era o mesmo problema que incomodava Emmett: teria que deixar seu rancho nas mãos de Whit que era bom, mas ele conseguiria cuidar de tudo?

      — A gente fala sobre isso depois, mas aceito o emprego, Ted.

      — Fico contente e sei que você vai se dar bem.

      Combinaram o dia para ele começar e acertaram os detalhes. Quando desligou, chamou os filhos:

      — Vou cuidar de um rancho em Jacobsvilie e vamos mudar para lá.

      Guy olhou para o pai com raiva e rebelou-se:

      — Eu não vou, não gosto de Jacobsvilie.

      — Eu também não — disse Amy.

      Emmett fitou Polk, que não disse nada, olhou para os irmãos, sorriu e assentiu com a cabeça.

     

      Apenas uma semana antes, Emmett teria perdido a calma e diria algo desagradável para os filhos. Mas mudara e tinha certeza que conseguiria lidar com o motim infantil. Era só uma questão de ser mais esperto que eles.

      — Há muitos cavalos lá — disse, com ar indiferente. — Cada qual de vocês poderá ter um.

      — Nós temos um rancho, Emmett — lembrou-lhe Amy.

      — Já temos nossos cavalos.

      — Em Houston há o Astrodome... — tentou de novo.

      — Aqui temos o Álamo — lembrou Guy.

      — E o estúdio onde eles fazem os filmes, fora da cidade — acrescentou Polk.

      — Todos os nossos amigos são daqui — choramingou Amy.

      Emmett viu que perdia terreno e pigarreou:

      — Vocês podem arranjar novos amigos. Há muitas crianças em Jacobsville.

      — Não queremos novos amigos — e Amy chorou mesmo.

      — Oh, pare com isso! — pediu Emmett. — Escutem, vocês não querem que sejamos uma família?

      Amy parou de chorar:

      — Uma família?

      — Sim, uma família! Não tenho sido um bom pai desde que sua mãe foi embora e acho que devemos ficar mais tempo juntos. Se eu pegar esse trabalho, não preciso ficar todo o tempo fora, nos rodeios. Vou estar com vocês de manhã, à noite, nos fins de semana e poderemos fazer mil coisas.

      Guy fitou-o, desconfiado:

      — Quer dizer, coisas como ir ao cinema, assistir beisebol, jogar minigolfe?

      — Isso mesmo, filho. Se vocês tiverem algum problema e quiserem contar para mim, vou estar lá.

      — E a sra. Ray?

      — Ela vai embora — contou Emmett, triste. — Disse que chegou a uma idade em que precisa de paz e calma... Assim, teremos de substituí-la se ficarmos aqui.

      As três crianças trocaram olhares: não queriam correr o risco de ter uma governanta que não conseguissem controlar e o pai podia arranjar alguém que não se deixasse intimidar.

      — Melanie podia ficar com a gente, não, Emmett? — perguntou Amy.

      — Grande! — exclamou Polk, entusiasmado.

      Guy ficou pálido. Murmurou qualquer coisa e foi para a janela. Sabia que Melanie não ia querê-lo por perto, que só gostava de seus irmãos. Nunca o perdoaria pelo que fizera ao gato e também não gostava dela: era por sua culpa que não tinham mãe.

      Emmett gostou da sugestão, apesar de saber que era irrealizável. Era incrível como as crianças achavam fácil fazer Melanie entrar para a vida deles.

      — Ela trabalha — declarou, encerrando o assunto.

      — Jacobsville não é muito grande, é? — perguntou Guy, sem olhar para o pai. — Não se deve ter muito o que fazer.

      — Você já tem idade para aprender a cuidar de um rancho, pode me acompanhar no trabalho, depois da escola.

      O rosto habitualmente triste de Guy se iluminou:

      — Posso mesmo?

      — Claro. Um dia você vai cuidar de tudo e é bom que saiba como fazer as coisas.

      O garoto ficou realmente animado:

      — Então, eu vou.

      Amy e Polk se aproximaram.

      — Acho que vai ser bom ter você em casa todo o tempo, Emmett — disse Amy — e melhor ainda se não tiver mais que montar aqueles cavalos bravos.

      — Não queremos que você morra, pai — concordou Polk, solene. — A gente só tem você, né?

      — É... E eu também só tenho vocês. Já pensaram nisso?

      Guy ficou sem jeito, Polk sorriu, Amy sentou-se no colo do pai e o abraçou.

      — É um barato você ser pai da gente, Emmett!

      Mas é claro que toda aquela paz e perfeição não podia durar. Mudaram para Jacobsville e estavam apenas há duas horas no enorme casarão quando a empregada começou a gritar e saiu correndo da casa.

      — O que houve? — perguntou Emmett.

      — Tem uma cobra na pia! — desesperava-se a mulher. — Deus me livre e guarde!

      — Que tipo de cobra? — perguntou ele.

      — Não conheço ela, mas tem mais de três metros!

      — Estamos no Texas, aqui não há cobras de três metros. Cobras assim grandes vivem no mato e...

      — Ei, pai, veja o que achei no celeiro! — gritou Guy, aproximando-se e sorrindo.

      Ele trazia uma "grande" cobra listada de preto e branco que tinha cerca de um metro.

      — Ahhhhhhhhhk — gritou a empregada, em pavor.

      — Leve-a de volta ao celeiro, Guy — ordenou Emmett;

      — Mas é uma cobra legal — reclamou Amy. 

      — Coloque-a de volta no celeiro ou essa mulher vai embora, nunca mais volta, eu vou ter de cozinhar e nós vamos morrer de fome — explicou ele e indicou a empregada que corria. — Vou ter de pegar o carro para alcançá-la. Nunca vi ninguém correr tanto!

      — Mulher chata essa! — murmurou Guy, acariciando a cobra, que parecia não se importar por ser carregada de um lado para o outro. — Vamos, Teddy, você tem que voltar para o celeiro. Eu queria que dormisse com a gente, para o caso de haver ratos na casa.

      Emmett imaginou o susto da pobre mulher quando fosse arrumar a cama e desse de cara com a cobra.

      — É melhor não fazer isso, Guy — aconselhou, — Se achar um rato me avise, eu o mato.

      — A cobra seria mais segura, do jeito que você atira — duvidou Guy.

      O pai olhou-o torto, mas o garoto sorriu e levou a cobra para o celeiro, com os irmãos.

      Quase um quilômetro estrada abaixo, Emmett alcançou a empregada, sra. Jensen. Depois de jurar que as crianças nunca mais fariam aquilo, convenceu-a a voltar e terminar os deliciosos croquetes de salmão que estava fazendo.

      Era difícil acostumar-se a ficar o tempo todo no rancho e descobriu que ser pai não era algo que simplesmente se decidia fazer. Era preciso trabalhar a situação. Todos os enguiços das crianças na escola, que a pobre sra. Ray resolvia mais ou menos, eram agora jogados no seu colo: Polk sofria com as frações e se recusava a aprender a lidar com elas. Amy tinha problemas de relacionamento e brigava com os colegas. Guy era agressivo com os professores e não se importava de passar horas e horas suspenso por causa disso. — Por que vocês não vão simplesmente à escola e não são educados como as outras crianças?

      Ao fazer a pergunta, Emmett tinha na mão bilhetes de dois professores bravos e os filhos, que assistiam televisão, fingiram que não escutavam, mas ele insistiu.

      — Não é minha culpa se não sei frações. A professora diz que não sou do tipo matemático — Polk sorriu, orgulhoso.

      — Eu me comporto mal porque não tenho mãe, meu pai nunca está em casa, preciso de disciplina e atenção — explicou Amy.

      Aquilo machucou e Emmett achou melhor não comentar. Indagou:

      — Qual a sua desculpa, Guy?

      O menino deu de ombros.

      — Não sei. A sra. Bartley parece ter dificuldade em lidar comigo....

      — Será que não tem a ver com o camundongo que você colocou na bolsa dela ontem, antes da saída?

      — Ah, pai, era só um camundonguinho!

      — Você tem de parar de fazer esse tipo de coisa. — Emmett falava sério. — Precisamos de disciplina por aqui, pelo que vejo.

      — Pode apostar que sim, Emmett — concordou Amy. — Ele está certo, não está, rapazes?

      — Não é nossa culpa se o sistema educacional está um caos! — discursou Polk. — Somos apenas as vítimas inocentes da burocracia.

      Guy apoiou:

      — É isso mesmo.

      Emmett sentou-se e cruzou as longas pernas:

      — Sejam ou não vítimas, agradeço se começarem a mudar de comportamento na escola ou posso esquecer de pagar a conta da luz. E daí, como vão assistir tevê?

      Amy suspirou:

      — Bem, Emmett, acho que teríamos de assistir tevê à luz de velas.                                                           

     

      Melanie tivera que afastar as crianças e Emmett dos pensamentos inúmeras vezes nas semanas que se seguiram. O Natal chegou e passou. Ela trocou cartões e presentes com Randy e Adell, sentindo-se solitária.

      Perturbava-se ao ver homens morenos porque lembrava-se de Emmett. Recordar aquele beijo piorava a situação.

      Vivia tensa e quase pulava, em sobressalto, quando alguém entrava no escritório.

      — Você está se tornando um caso sério — comentou Kit ao vê-la saltar na cadeira quando apareceu à porta.

      — São meus nervos. É culpa dos clientes...

      — É mesmo?

      — Claro!

      Kit, morena, miúda e graciosa, apenas sorriu:

      — Você sabia que Emmett e as crianças mudaram para Jacobsville?

      Melanie ergueu os olhos:

      — É mesmo?

      — O acidente deve ter feito Emmett pensar na vida. Ele ligou para Logan ontem à noite, contando que largou os rodeios e está dirigindo o rancho de Ted Regan, em Jacobsville.

      — E o rancho dele?

      — Contratou um administrador — explicou Kit. — Acho que está ganhando mais que o suficiente para isso e agora tem tempo para os filhos.

      — Os quatro estavam precisando disso, principalmente o Guy.

      — Você não gosta dele, Melanie?

      — Não é bem isso, Guy é que me odeia porque não esquece que ajudei sua mãe a fugir. — Melanie suspirou. — E não posso culpá-lo, é difícil uma criança compreender e aceitar o divórcio.

      — É difícil para todo mundo... — comentou Kit. — Por que não aproveita e vai para casa? Eu cuido de tudo até o Logan sair.

      — Seria ótimo. Tem certeza?

      — Claro! Eu gosto de ficar com o meu marido e como trabalhamos separados, cada segundo juntos é precioso. Aproveite para sair mais cedo — Kit beijou-a no rosto. — Logan está contente com seu trabalho e eu gosto muito de você, sabia?

      Sem jeito, Melanie brincou:

      — Diz isso porque não uso minissaia e não tenho voz sedutora!.

      — Isso também! — concordou Kit, rindo.

       Pouco depois de ter chegado ao apartamento, o telefone tocou e Melanie afligiu-se ao ver que era o irmão:

      — Você nunca me liga — disse, apreensiva — que até tenho medo! Algum problema?

      — Me conhece bem, mana! — Randy procurava parecer despreocupado. — Não se trata de problema... Bem, é uma situação esquisita...

      — Como assim?

      Ela escutou o suspiro do outro lado, antes do irmão falar:

      — Não sei como contar! Olha, não diga a ninguém, menos ainda para Logan ou Tansy. Pelo menos, por enquanto.

      — Por quê? — Melanie sentia-se sufocar. — O que foi?

      — Se o Emmett ficar sabendo, Mel, é capaz de dar a maior confusão...

      — O que houve, Randy? Fale de uma vez! -— Bom... Adell está grávida.

      Mais tarde, Melanie lembrava-se vagamente de ter cumprimentado o irmão que ia se tornar pai, antes de desligar. Aquela notícia iria complicar mais a vida de Emmett e das crianças. Era o que sempre acontecia em situações como aquela.

      Por outro lado, ia ser tia de novo e dessa vez de verdade. Era o primeiro filho de seu irmão e alegrava-se, mas sentia por Emmett.

      Havia complicação à vista.

     

      Emmett parou do lado de fora do escritório de Logan, hesitante. Lutara para não ir, mas Melanie não lhe saía da cabeça. Sentia falta dela. O Natal, apesar das crianças, tinha sido sem graça para ele. Sentia um vazio que relacionamentos casuais não podiam mais preencher. Ficara pensando nisso e concluíra que precisava ver Melanie, para ter certeza que não exagerava.

      Passara dias procurando uma desculpa para ir ao escritório e arranjara uma: pediria para Logan investir dinheiro seu. Mas não telefonou antes: queria descobrir se Melanie sentia por ele a atração que tinha por ela; a surpresa iria lhe dizer isso.

      Abriu a porta e entrou. Ela estava trabalhando no computador e só percebeu que alguém entrara quando ele fechou a porta. Voltou-se com o habitual sorriso, que desapareceu ao vê-lo.

      — Emmett!

      O brilho nos profundos olhos escuros não mentia. Emmett sorriu: Melanie estava feliz em vê-lo.

      — Oi! — cumprimentou, aproximando-se com o coração em disparada. — Você está ótima.

      — Obrigada. Como vai?

      — Tudo em ordem. Eu disse que minha cabeça é dura.

      Os olhos dele baixaram para os lábios sedutores que experimentara tão brevemente.

      — Emmett! — alegrou-se Logan ao entrar, com papéis na mão.

      — Olá, Logan...

      — Você está parecendo um rancheiro próspero — disse o primo, batendo-lhe num ombro. — O que o traz a Houston?

      — Investimento. Eu ia marcar hora...

      — Não precisa! Para você nunca estou ocupado. Venha.

      Logan entregou os papéis à Melanie e fingiu não reparar em como as mãos dela tremiam.

      — Quero que invista um dinheiro para mim — disse Emmett, sentando-se no escritório do primo.

      — É mesmo? Sempre disse que não acredita no mercado de ações.

      — Mudei de idéia.

      — Ainda bem! Então, como é ser pai em tempo integral?

      — Um inferno! Agora sou eu que tenho de resolver tudo — reclamou Emmett, brincalhão. — Nunca imaginei que três crianças dessem tanto trabalho.

      — Agora que você fica mais com eles, isso vai mudar. Passou muito tempo evitando seus filhos.

      — Você sabe o motivo — respondeu Emmett, sério.

      — Sim, sei. Está conseguindo sair do poço, velho?

      — Acho que sim... Muita coisa mudou desde meu acidente. Acho que eu estava olhando tudo do modo errado.

      — Divórcio não é fácil pra ninguém. Eu morreria se Kit me deixasse e não sei se conseguiria suportar se ela fosse embora com outro homem.

      — Ainda não sei se amava Adell — Emmett mostrava-se calmo — ou se foi só orgulho ferido.

      — Ela ter fugido sem explicações não ajudou em nada...

      — Não, mesmo. Mas agora compreendo porque o fez. Adell não é uma lutadora — Emmett repetia as palavras de Melanie — e deve ter imaginado que eu a convenceria a ficar, se falasse comigo... Ela nunca me derrotou numa discussão. Mas são águas passadas. Tenho de continuar vivendo e ela também. Meus filhos precisam de segurança, no caso de algo acontecer comigo. É por isso que vim. Tenho algum dinheiro e quero investi-lo.

      Logan pensou um pouco, depois disse;

      — Olha, tenho umas idéias... Quanto tempo vai ficar em Houston?

      — Até amanhã — respondeu Emmett, surpreendendo a si mesmo. — A sra. Jensen está com as crianças. Tenho umas coisas para fazer aqui.

      — Onde posso encontrá-lo? — Emmett deu o número do hotel:

      — Estou lá até às seis, talvez saia à noite.

      — É, mesmo? Espero que tenha a ver com uma mulher...

      — Bem, tem, sim.

      — Pelo que me lembro — Logan fez uma careta — seus filhos são capazes de acabar com qualquer namoro! Nunca esqueci quando tentaram tirar a porta do banheiro, naquela vez que Kit e eu fomos ao seu rancho.

      Emmett riu diante do olhar acusador:

      — Ainda bem que a chave de fenda era grande demais para eles manejarem!

      Logan acabou rindo: seu primo era tão incorrigível quanto os filhos. Quando se dispôs a acompanhá-lo à saída, notou que Emmett relutava em sair. Pensou que ele talvez quisesse conversar com Melanie sobre as crianças, despediu-se na porta de sua sala e tornou a entrar.

      Melanie passou a escrever letras a esmo no computador: o olhar de Emmett a deixava nervosa.

      — Quer me perguntar alguma coisa? — explodiu, por fim.

      — Quero. Onde vai jantar?

      A pergunta flutuou na mente dela, que ficou olhando para ele, imóvel. O telefone tocou fazendo-a saltar para atender.

      Depois de passar a ligação para Logan, voltou a ficar muda e tensa. Emmett indagou:

      — Está procurando uma desculpa para não sair comigo?

      — Oh, não! Por quê? — O coração dela disparou: queria recusar, devia, mas não conseguiu. — Eu... a que horas?

      — Seis.

      — Olhe, não é uma boa idéia. Continuo sendo a irmã do Randy e o passado não mudou, Emmett.

      Ele apoiou-se na mesa, chegando mais perto dela:

      — Mas talvez eu tenha mudado. Gosto da sua companhia e quero levá-la para jantar. É só isso, não vai ter que lutar comigo depois...

      — Não pensei nisso — ela riu, nervosa.

      Emmett não acreditou, mas Melanie se descontraiu e ele gostou disso. Precisava dar um jeito de tirá-la da cabeça e talvez conseguisse se a conhecesse melhor. Muitas vezes se descobria, com o tempo, que uma mulher não era bem o que aparentava.

      — Pego você às seis — disse, indo para a porta. — Ah, é bom que saiba: gosto de vestidos.

      Ela sorriu, marota:

      — É, mesmo? E ficam bem em você?

      — Me pegou! — Emmett caiu na risada. — Vista o que quiser... Até logo. .

      Melanie tinha um vestido preferido, um tubinho preto, com gola alta, larga, que se dobrava sobre si mesma. Discretos fios prateados faziam o detalhe na gola e nos punhos. O corte reto, solto, delineava-lhe o corpo com suavidade. Prendeu o cabelo num coque e usou um pouquinho de maquiagem. O toque final foram os saltos altos, que nunca podia usar, porque os homens com quem saía eram da sua altura ou mais baixos. Mas com Emmett podia usá-los sossegada. Ao contemplar-se no espelho gostou do que viu. Mostrava-se feminina e sensual. Afastou esse pensamento: não queria complicação!

      Ele chegou exatamente às seis, maravilhoso num elegantíssimo terno cinza, com gravata vermelho-escuro e prata, a camisa social branca realçando o rosto moreno... e um chapéu Stetson cinza, completando a elegância.

      — Você está linda — cumprimentou-a. — Vamos?

      — É só pegar a bolsa.

      Ela conferiu se Alistair tinha comida, água, e pegou a bolsa toalete preta.

      Emmett esperou que fechasse a porta antes de pegá-1a pela mão e levá-la pelo corredor.

      Se alguém dissesse à Melanie que dar as mãos tinha um poderoso efeito afrodisíaco, ela teria rido. Mas era o que acontecia. Além disso, ao lado dele sentia-se protegida e incrivelmente feminina.

      Entraram no elevador e soltaram-se as mãos, ficando um diante do outro, calados, olhando-se. A tensão era tanta que Melanie mal conseguia respirar.

      — Você está adorável — disse Emmett, em voz baixa. ,— O preto faz sobressair a sua pele, os cabelos dourados...

      Olhou-a de alto a baixo, com admiração e Melanie sentiu-se derreter. Procurou conversar:

      — Está gostando de Jacobsville? E as crianças?

      — O quê? Ah! Sim... Está tudo bem. Estamos nos entendendo e acho que é a melhor coisa que já nos aconteceu. Eu não tinha percebido o quanto eles precisavam disso.

      Melanie quis fazer uma porção de perguntas, mas o elevador chegou ao térreo.

      Ele parou e tornou a dar-lhe a mão:

      — Gosto mais assim. Você não? — perguntou, depois fitou os lábios dela e acrescentou: — Por enquanto...

     

      Foi deliciosa a sensação de ar fresco no rosto afogueado de Melanie, quando saíram para a rua. Foram até o carro, Emmett abriu a porta mas não saiu do caminho e ficaram tão perto que ela recuou ao sentir o calor do corpo dele.

      — Eu a deixo nervosa — comentou Emmett. — Por quê?   

      — Não estou nervosa. É... Bom, faz muito tempo desde a última vez que saí à noite.

      Segurando-lhe o rosto, ele obrigou-a a fitá-lo; passou o polegar pelo queixo arredondado, depois seguiu o desenho do lábio inferior, provocando estranhas sensações no corpo dela.

      — É só isso? — indagou ele, percebendo o desejo que despertara em Melanie.

      — Talvez não seja... — admitiu ela, corando.

      Ele sorriu, deliciado, curvou-se e seus lábios tocaram-lhe a testa de leve. O cheiro dela era gostoso: sabonete, creme e perfume. Então, recuou para ela entrar.

      Durante o trajeto, conversaram sobre vários assuntos superficiais. O restaurante não era incrivelmente chique e Melanie deixou de se preocupar com o que vestia. Sorriu ao pensar isso e Emmett ergueu uma sobrancelha:

      — Pensamentos secretos?

      — Não... Estou contente por você ter me trazido aqui... não tenho roupa para restaurantes franceses que nem põem preços no menu.

      Ele riu: — Já comi em um ou dois desses e não me senti à vontade. Boa refeição é um hambúrguer caprichado!

      — Hum! Então, gosta de pratos finos!

      Riram e Emmett comentou: — Você tem um bom humor incrível!

      — Gosto de rir... A vida é curta demais para se de desperdiçar reclamando.

      O garçom chegou com o pedido e ele olhou-a por cima do belo filé bem passado com fritas:

      — Jura que consegue trabalhar com meu primo sem reclamar?

      — Bem... não muito. E ele também é meu primo.

      A tristeza passou pelos olhos dele, que os baixou para o prato.

      — É verdade.

      — O que foi? Já sei, lembrou-se que Adell tornou-se parente de Logan ao casar com você, que continua parente dele por se casar com Randy e....

      Ela se interrompeu, vermelha e Emmett largou o garfo. O apetite acabara.

      — Desculpe — murmurou Melanie. — Estraguei tudo ... — Também parou de comer. — Não dá certo, Emmett, você nunca vai esquecer Randy e Adell.

      E ele ainda nem sabia que Adell estava grávida, pensou, sentindo-se culpada.

      Emmett fechou a cara, zangado por Melanie achar que estava interessado nela e saber que era verdade.

      — Você não está imaginando demais? — agrediu. — Só estamos jantando, isto não é um pedido de casamento! Pensou que eu ia fazer isso? Pareço um homem que não vê a hora de se casar de novo?

      — Claro que não — mentiu Melanie, corando. — Só quis dizer que me convidar para sair não foi uma boa idéia.

      — Nisso nós concordamos!

      Comeram mais um pouco, sem vontade, e pediram café. Enquanto tomava o dele, sem fitar Melanie, Emmett pensava na besteira que fizera indo e convidando-a para sair. Tinha problemas bastante em casa, não precisava arranjar outros.

      — Terminou? — indagou ao acabar seu café.

      Melanie fez que sim, contente por não ter pedido sobremesa. Ele estava com pressa de ir embora e ela também. A noite tinha sido um imenso desastre!

      Emmett levou-a para casa num silêncio furioso e Melanie não fez a menor força para conversar. Quando chegaram, acompanhou-a até a porta do apartamento.

      — Obrigada pela noite interessante — disse ela, seca.

      — Foi um modo de agradecer sua atenção com as crianças.

      — Ótimo. Agradecimento aceito e fim. Não quero complicações.

      — Tem toda razão e penso o mesmo — retrucou ele, de cenho franzido. — Você é uma complicação que não quero na minha vida!

      — Por acaso me ofereci para ser sua complicação?

      — Não sei e não interessa! — Emmett mantinha a voz baixa a custo. — Já chega ter filhos revoltados porque não têm amor em casa, o pai não dá a mínima para eles e mãe fugiu com seu maldito irmão!

      A raiva de Melanie desapareceu ante a dor que havia sob aquelas palavras duras. Os grandes olhos escuros tornaram-se meigos outra vez e ela pegou a mão dele.

      — Venha tomar um café, Emmett, e me conte tudo.

      Sou mesmo um grande idiota!, pensou ele, enquanto  a seguia até a cozinha. Sentou-se numa banqueta alta e ficou olhando Melanie fazer café.

      Ela sentou-se no balcão, ao seu lado, e perguntou:

      — O que há de errado com as crianças? — Ele suspirou:

      — Polk nem tenta resolver os problemas de matemática. Guy não consegue se relacionar com a professora. Amy não se dá com ninguém e a professora me mandou um bilhete dizendo que ela não tem atenção em casa.

      — Você faz o melhor que pode, mas ninguém sabe disso e essa crítica machucou...

      Era profunda a mágoa nos olhos dele ao fitá-la:

      — É, machucou... Tento cuidar deles. Só tive a ajuda de uma governanta desde que Adell foi embora... Não dá para acertar tudo de repente!

      Ela acariciou, suave, a mão dele:

      — Por que não escreve um bilhete para a professora de Amy contando isso? Ela poderá ajudar se souber o que acontece, Emmett.

      Ele relaxou e disse, com a voz abafada:

      — Me sinto cansado... Vim para um lugar desconhecido, estou entre gente nova, assumi um trabalho de responsabilidade e há as crianças... Acho que me enrolei todo!

      — As crianças não preferem ter você em casa?

      — Não sei. Guy continua fechado. Tentei interessá-lo no rancho, mas ele foge de mim. Também não se ajusta à escola, não se conforma e o gênio dele é seu maior inimigo. Amy e Polk não são fáceis, mas consigo lidar com eles quando não estão enlouquecendo o pessoal da escola.

      — Será que desistiu, Emmett? — provocou ela.

      — Não! Vou recordar frações e dedicar mais tempo ao Polk. Acho que ainda não acertei a mão com o Guy, mas chego lá, porque ele gosta de lidar no rancho. É o que temos em comum.

      — Emmett, não acha que a rebeldia das crianças é para chamar sua atenção? Randy e eu nos metíamos em confusões quando papai ficava envolvido demais com a doença da mamãe... As crianças querem ser amadas e vivem exigindo provas disso.

      — Não é só criança, Melanie. Os adultos também sofrem quando ninguém dá a mínima a eles.

      — Você sabe que seus filhos o amam — lembrou Melanie.

      — Sim, sei — ele respirou fundo.

      Os olhos de Emmett tornaram-se íntimos e demoraram-se, nos dela.

      — Eu... Bem, o café está pronto, acho. Perturbada, ela saltou do balcão, para pegar xícaras e pires. Emmett foi para a sala e olhou os livros na estante, os quadros na parede. Folheava um livro de poesia quando ela entrou com o café:

      — Sei que tenho uns biscoitos...

      — Não se preocupe. Não sou muito de doces. — Emmett encarou-a. — Como você sabia?

      — Sabia o quê?

      — Que eu precisava falar nas crianças.

      — Você provocou uma briga à-toa... Tive uma amiga na escola que fazia isso, nunca dizia o que a incomodava e provocava briga até eu arrancar a verdade dela. Bem, talvez você tenha um motivo: na verdade não superou a fuga de Adell e Randy.

      — Vai levar tempo — inquietou-se ele.

      Melanie hesitou: Emmett não sabia que Adell estava grávida. Devia contar-lhe?

      Ele percebeu o nervosismo dela:

      — Você está escondendo alguma coisa. O que é?

      — Nada — Melanie olhou para a xícara.

      — Agora está agindo como uma das crianças... — Ele pegou-lhe a mão. — Me fez falar quando eu não queria, agora é a sua vez.

      — Emmett...

      — Vamos, fale.

      Os grandes olhos escuros estavam cheios de temor e tristeza:

      — dell está grávida — disse ela, por fim.

      Emmett manteve-se imóvel por um minuto, então soltou-lhe a mão e recostou-se na poltrona.

      — Não queria ser eu a contar — acrescentou Melanie, em voz baixa.

      — Não, mesmo? Por quê?

      — Você já se ressente de mim o bastante por causa do meu irmão.

      Ele continuava a fitá-la e o que havia em seus olhos não parecia ressentimento. Terminou o café em silêncio, Melanie levou as xícaras para a cozinha e procurou algo para fazer: ajudava quando estava nervosa. Colocou a louça suja na máquina de lavar, sentindo nas costas o olhar de Emmett, que a seguira até a cozinha. Imaginava seu tormento, queria consolá-lo, mas não sabia como.

      Depois de um minuto, ele encostou-se no balcão da pia. Não queria pensar em Adell grávida do novo marido, naquele momento.

      Melanie era graciosa para uma mulher tão alta, pensou observando-a.

      Ele tirara o chapéu, o paletó e enrolara as mangas da camisa. Era elegante, atraente, e Melanie custava a acreditar que a achava interessante. Fora casado com uma mulher linda e ela sabia que muitas mulheres o perseguiam. Era mais experiente do que os homens com quem tinha saído e afligia-se com a sensação que podia dominá-la e fazer o que quisesse...

      — Você é eficiente — elogiou ele. Ela sorriu:

      — Sou muito doméstica. Tive que aprender cedo. Minha mãe ficou inválida durante anos antes dela e papai morrerem. Randy e eu teríamos morrido de fome se eu não soubesse cozinhar.

      Emmett tornou a ficar sombrio ao ouvir o nome do marido da ex-esposa. Brava consigo mesma, ela pôs detergente na máquina e ligou-a, enquanto dizia:

      — Sei que você odeia meu irmão e a mim.

      No entanto, não havia a mínima hostilidade nos olhos verdes. Aquele vestido estava lindo nela, pensava Emmett; sugeria o contorno dos seios bem feitos, dos quadris suaves e a cintura fina. Gostava do que via, mesmo contra sua vontade.

      — Eu não te odeio — murmurou.

      — Sem essa, Emmett!

      Ela voltou-se e ia sair da cozinha, mas ele bloqueou-lhe o caminho.

      — Gosto do modo como diz meu nome. Diga de novo. Ele apoiara as mãos nos batentes, e seu peito quase tocava os seios dela.

      — Olhe, o que está fazendo não é muito esperto.

      — Não? — riu Emmett. — Talvez não seja, mesmo. A diferença de idade entre nós é grande... Pensei que você fosse mais velha, não sei por quê... Ora, sei, sim. É muito madura para quem mal saiu da adolescência.

      — Tive de crescer depressa. Posso passar, por favor?

      Notando que a respiração dela acelerara, Emmett indagou, sem mover-se:

      — Por que está com medo de mim?

      — Estou?

      Ele passou-lhe os braços pela cintura e puxou-a para si:

      — Acho que "intimidada" é uma palavra melhor.

      Deslizou uma das mãos pelas costas dela, com sensualidade. Os lábios de Melanie eram como suave flor vermelha. Ela era tão jovem! Não devia agir daquele modo, pensou, mas inclinou a cabeça e suas bocas se tocaram. Melanie reagiu agarrando-se à camisa dele, tensa.

      — Calma... — murmurou ele. — Você está em segurança. Não haverá nada a lamentar. Relaxe.

      Ela já fora beijada várias vezes e a boca de Emmett não devia ser diferente, disse a si mesma, para se acalmar.

      Mas era. Ele todo era diferente ao abraçá-la e introduzir a língua entre seus lábios. Tentou conter as sensações, ele sentiu a resistência e interrompeu o beijo:

      — Continua resistindo — disse, suavemente. — Não vou machucar você.

      — É que... que estou com uma sensação gozada.

      — Onde?

      — Na barriga.

      — Ótimo — disse ele, voltando a beijá-la.

      Deslizou as mãos para os quadris e apertou-a contra si, num ritmo sensual, puxando, empurrando, deslizando para os lados, enquanto roçava as pernas nas dela.

      Melanie começou a tremer e ele ergueu o rosto para fitá-la:

      — Você é tão jovem — disse, rouco —, mas responde tão bem que tenho vontade de tirar proveito disso.

      O desejo a dominava; não sentia medo, mas sim uma devoradora fome de amor e perguntou, num sussurro:

      — Como? O que vai fazer comigo?

      As mãos contornaram o corpo trêmulo e pararam nos seios. A língua brincava com os lábios dela. Os dedos começaram a acariciar com perícia, fazendo-a contrair-se mais e mais, até uma sensação deliciosa envolvê-la, deixando-a mole. Melanie poderia resistir ao desejo dele, mas não ao seu... Abriu os olhos, assustada, e ele murmurou:

      — Eu sei. Boas meninas não deixam os homens fazerem isso. Mas deixam sim, Melanie. Faz parte de ser humano...

      Os dedos apertaram com suavidade os mamilos enrijecidos e o corpo dela contraiu-se todo, fazendo-a gemer e enterrar as unhas nas costas dele.

      — Se eu a machucar, avise — pediu Emmett — É para ser gostoso, não para doer.

      Ela gemeu de novo, mas não recuou:

      — Não está machucando, Emmett. Faça...

      Ele não esperava esse tipo de honestidade e aquilo abalou-lhe o controle. Continuou a apalpar, acariciar, beliscar, com toques mágicos aos quais ela se entregava, entre suspiros e gemidos. Parou apenas para soltar a camisa e fazê-la enfiar as mãos por baixo, tocando a pele e os músculos rijos. Ao senti-lo diretamente, Melanie murmurou:

      — Como você é peludo...

      — Sou inteiro assim — garantiu ele.

      Deslizou as mãos para as nádegas firmes e puxou-a fazendo-a colar-se a ele e sentir o ardente volume de seu sexo excitado. Ela quis recuar, porém Emmett a manteve firme.

      — Está tudo certo, Melanie... Fique quieta. Nunca tinha sentido um homem "assim"?

      — Não — respondeu ela, embaraçada.

      — Há uma primeira vez para tudo. Eu preciso esquecer e você precisa aprender. Pense nisso como... como uma troca de favores.

      — Não é uma boa idéia — entristeceu-se ela.

      — Eu sei. Mas será doce para nos dois.

      E era uma troca muito doce, de selvagem suavidade e violentamente excitante.

      Os dedos dela acariciavam-lhe os cabelos da nuca, enquanto Emmett a beijava e tocava-lhe os seios.

      Melanie ia aprendendo a conhecer o corpo dele, gostando da sensação de pêlos sobre os músculos quentes e rijos. Passava as mãos no peito forte, enquanto ele lhe ensinava detalhes dos beijos. Quando Emmett começou a mover o ventre ritmicamente colado a ela, estava dominada pelo desejo que o consumia.

      De repente, ele caiu em si: iam chegando ao ponto sem retorno e não podia, não devia seduzi-la.

      Ela sentia uma estranha e agradável dor latejante, da cabeça aos pés, e ele estava excitado como nunca ficara nos últimos anos. Seu corpo todo pulsava dolorosamente, ansiando por alívio. Recuou, descolando-se dela, e tomou-lhe o rosto nas mãos, beijando-a com suavidade. Ela se aproximou, mas ele segurou-a pela cintura e a manteve afastada. Os olhos castanhos, escurecidos pelo desejo, fizeram a pergunta que os lábios não podiam pronunciar.

      — A frase "brincar com fogo" a faz pensar em algo? — perguntou ele, com uma risada rouca.

      — Eu não me importo. Gosto de ver você assim.

      — Eu também, mas alguns minutos de sexo febril não vão ajudar — Emmett soltou-a — e prometi que não aconteceria nada que a fizesse se lamentar.

      — Alguns minutos de sexo febril?... — repetiu ela, tentando rir.

      — Sim... É uma definição pouco gentil, mas foi o que pude pensar no momento. — Fitou os seios dela, depois o rosto vermelho, confuso. — Você é uma ótima aluna.

      — É isso que sou?

      — Sim e assustadoramente inocente. Por que ainda é virgem, Melanie?

      Ela não se deu ao trabalho de negar. Emmett não era bobo; pelo que Kit contara, as mulheres brigavam para decidir quem ia para a cama com ele.

      — Sou alta, tímida e sem graça — respondeu, seca. — Não notou?

      — Calma, não perguntei por mal. Se quer saber — a voz dele tornou-se sensual —, você me enlouquece!

      Depois de respirar fundo, ela comentou:

      — Isso é novidade para mim. A maioria dos homens diz que sou fria e insensível. Acho que nenhum deles conseguiu me fazer baixar as defesas...

      — Até agora?

      Melanie ia negar, mas não tinha sentido, ele sabia. Confirmou:

      — Até agora.

      Emmett fitou-a em silêncio, parecendo indeciso, por fim decidiu:

      — Preciso ir.

      Ela não queria que ele fosse embora, mas não o disse e, de repente, ele indagou:

      — O que vai fazer no domingo? — perguntou ele, de modo abrupto, contra qualquer raciocínio.

     

      Por um segundo, Melanie achou que ele brincava. Mas não, havia uma nova suavidade nos grandes olhos verdes.

      — Por quê? — balbuciou a custo.

      Ele abotoou a camisa, deu o nó na gravata, foi para a sala, vestiu o paletó e pegou o Stetson antes de responder:

      — Quero que vá conhecer o rancho. Amy e Polk vivem falando em você, até queriam que cuidasse deles quando a governanta foi embora, em San Antônio. Te adoram.

      — Também gosto muito deles, mas o Guy não vai ficar contente.

      — Eu sei. Ele ficou esquisito desde que a mãe foi embora e nem gosto de pensar em contar-lhe que a mãe está grávida... Bom, nem a ele, nem aos outros.

      — Eles acabam se ajustando, Emmett.

      — É, acho que sim. Olhe, eu a odiei na noite em que ajudou Adell a encontrar com Randy no aeroporto, disse-lhe coisas terríveis e acho que a assustei... Sinto ter feito isso.

      Era um inesperado pedido de desculpas, como fora o convite para o domingo.

      — Quando a gente sofre age dos modos mais estranhos — sorriu Melanie.

      — E você me tratou com frieza quando vim para cá com as crianças!

      — Autoproteção, instinto de sobrevivência.

      — Bom, isso é passado — ele percorreu-lhe o corpo com olhar significativo.

      — A que horas, no domingo?

      — Venho pegá-la às dez ou você vai à igreja?

      — Geralmente vou, mas posso faltar. Não precisa vir me buscar, eu vou.

      — Não gosto de você guiando sozinha na estrada. É uma boa distância daqui a Jacobsville.

      Ela sorriu: Emmett a protegia e achou gostoso ter alguém para cuidar dela.

      — Tudo bem — concordou.

      — Você sabe montar?

      — Mais ou menos..                                       ,

      — E joga damas?

      Depois de assoprar as unhas e lustrá-las no vestido, ela respondeu, superior:

      — Campeã mundial da classe.

      Ele ergueu uma sobrancelha:

      — Isso é o que vamos ver!

      — Hum... Mas garante que vai manter cordas e fósforos longe das crianças enquanto eu estiver lá?

      — Vou confiscar tudo que possa produzir fogo — ele ergueu a mão em juramento —assim como objetos pontudos, cortantes e aparelhos de escuta.

      Ela, deliciada:

      — São bons garotos, Emmett. Os três.

      — Guy está arrependido por causa do gato. Nunca fez nada tão cruel. Travessuras, sim... Ele aprendeu uma boa lição.

      — Ainda bem — suspirou ela.

      — Então, domingo?

      Melanie assentiu, os olhos expressando suave desejo; os dele retribuíam, mas não voltou a tocá-la e foi terrível, porque a desejava com loucura. Era melhor ir embora, para não fazer besteira.

      — Tenho de ir — forçou-se a dizer. — Boa noite.

      — Boa noite,

      Emmett abriu a porta e virou-se, a imponente silhueta contornada pela luz do corredor.

      — Vista jeans e vá de botas — advertiu-a.

      — Pode deixar.

      Ele piscou, malicioso, e o coração de Melanie deu um salto. Então, pôs o Stetson, seguiu pelo corredor e ela fechou a porta, relutante.

     

      Amy e Polk passaram a semana toda esperando o domingo para ver Melanie. Quando Emmett e ela chegaram, correram abraçá-la. Guy não saiu da porta, imóvel, as mãos enfiadas nos bolsos.

      Melanie ficou triste com a inimizade de Guy, tanto por ser um rancor inútil quanto por tomar impossível seu relacionamento com Emmett. Mas talvez ele só quisesse amizade, advertiu a si mesma. Então, lembrou-se de como tinham se beijado e concluiu que apenas amizade estava fora de questão.

      Entraram e a sra. Jensen, atarefada, cumprimentou Melanie e voltou para a cozinha.

      — O que aprontaram com ela desta vez? — perguntou Emmett à sua angelical prole.

      — Nada, Emmett! — garantiu Amy, sorrindo. — Melanie, você gostou da nossa casa nova?

      — É muito bonita, Amy. Oi, Guy — acrescentou, cautelosa.

      Guy deu de ombros sem responder, nem olhá-la e fingiu ver televisão, enquanto Polk e Amy mostravam a ela seus tesouros e cadernos. Como se fosse a mãe deles, pensou o garoto, com amargura. Bem, ele não mostraria nada! Melanie o odiava, ele também a odiava, ela não era sua mãe e nunca seria!

      A mente dele começou a funcionar. Seu pai e "ela" ainda não estavam juntos e tinha tempo para agir. Não devia entrar em pânico porque o pai a trouxera ao rancho. Podia tirá-la da vida deles se mantivesse a calma. Era só não permitir que o caso entre os dois ficasse sério. Sua mãe ia se cansar do novo marido e voltaria para casa, aí seriam uma família completa de novo. Guy tinha certeza disso, era só impedir que o pai se envolvesse com outra mulher.

      Com um plano se delineando, Guy saiu para ir brincar com seu cachorro, o Barney.

      — Podemos cavalgar depois do almoço, Melanie — propôs Emmett, enquanto Amy e Polk voltavam a atenção para a tevê.

      — Por mim, tudo bem.

      — Venha. Vou lhe mostrar meus cavalos.

      Emmett lhe deu a mão e o contato foi maravilhoso. Ele ficava muito bem de jeans, camisa xadrez e botas. Ele também a observava. Melanie vestia jeans e um suéter de tricô, azul, que revelava o corpo bem feito. Ele precisou de toda força de vontade para controlar a reação física que a proximidade dela provocava.

      — É lindo aqui — disse Melanie.

      O terreno era plano até o horizonte, além da cerca branca, e via-se gado em tons de marrom avermelhado. Havia carvalhos, nogueiras, pinheiros e arbustos à volta da casa.

      — Sim, acho que é. Mas sinto saudade do meu rancho — ele enfiou as mãos nos bolsos e olhou para a cocheira.

      — Acho que vai ficar bonito, com muito verde, quando chegar a primavera, mas agora isto é desolado demais.

      O vento agitando os cabelos dela o fazia querer coisas que nem mesmo sabia o que eram. Deu-lhe a mão, de novo:

      — Venha ver os cavalos.

      — Vamos — assentiu Melanie, com entusiasmo. Foram para a estrebaria e caminharam entre as baias.

      Um pequeno potro estava deitado, sozinho; Emmett explicou que a mãe morrera e ele ficara desnutrido até ser encontrado. Procuravam fortalecê-lo antes de outra égua "adotá-lo".

      Numa divisão da grande cocheira, havia cavalos de montar e um belo garanhão Appaloosa, em baia bem separada.

      — Adoro os Appaloosas — disse ele, olhando o imenso animal, que era castanho com manchas brancas. — São belos, mas também têm reações imprevisíveis.

      — Como as pessoas.

      Ele olhou-a por baixo da aba do chapéu:

      — Sim, como as pessoas — concordou, os olhos passeando pelo corpo dela. — Você me perturba com essa calça justa. Não pensei que fosse ficar tão atraente de jeans.

      Ela riu:

      — Nem eu!

      — Sei que você nunca pensaria nisso — sorriu ele. — É outra coisa que me excita.

      — Você vai acabar virando minha cabeça se não tiver cuidado, Emmett!

      — Estou cansado de ter cuidado. Só penso no trabalho e em você, nem reparo nas outras mulheres e olhe que não transo com ninguém desde um bom tempo antes de cair daquele cavalo.

      Ela ficou com medo de perguntar, mas foi em frente:

      — Por minha causa?

      — Sim, por sua causa — Emmett suspirou forte. — Melanie, você mal entrou na casa dos vinte, tenho trinta e cinco anos e filhos... Minha consciência não me permite seduzi-la e não consigo ficar longe de você!

      — Você quer dormir comigo.

      — Não era bem em dormir que eu estava pensando... — ele tentou brincar. — Mas até passar a noite só abraçado com você seria melhor do que nada. Não tenho esta vontade desde que namorei Adell. Na verdade, o que eu desejava fazer com Adell era bastante limitado. Com você é muito diferente.

      Uma sensação cálida envolveu Melanie: ele se importava com ela, já que havia uma diferença. Também o desejava, porém era muito mais que simples desejo físico. A idéia de passar a noite nos braços dele a fazia vibrar e enternecia.

      — Você não usa pijama — disse, em tom neutro.

      As sobrancelhas dele se ergueram e Melanie ficou vermelha, lembrando-se dele sem roupa:

      — Desculpe! Acho que pensei em voz alta. Estava pensando em dormir com você e... — Ela ficou ainda mais sem jeito. — Nunca dormi abraçada com ninguém.

      — E eu não faço isso há anos.

      — Mesmo? — duvidou ela. Emmett sacudiu os ombros:

      — Transar apenas por transar não é a mesma coisa e quando acaba cada um vai para seu lado... Deve haver mais do que sexo no casamento e só descobri isso agora. Adell e eu não tínhamos nada em comum, a não ser desejo e um amor infantil.

      — Isso também é importante, não?

      — Sim. Mas interesses comuns e respeito mútuo firmam uma relação. Gozado, nunca consegui conversar com Adell como faço com você. Ela gostava de sexo, mas se mantinha distante durante o dia, como se tivesse vergonha do desejo.

      — Acho que muitas mulheres são assim — observou Melanie.

      — E você é? Vai querer apagar a luz na primeira vez?

      — Só meu médico me viu sem roupa — disse ela, depois de pensar. — Acho que vai ser embaraçoso, porque sou muito alta e estou acima do peso...

      Ele a fez calar-se, colocando o indicador sobre os lábios cheios, rosados:

      — Não sei onde arranjou a idéia que os homens gostam de pele e osso. Há exceções, mas a maioria prefere um corpo com curvas e seios fartos. — Ela ficou vermelha, mas Emmett não deixou que desviasse o rosto. — Não fique embaraçada, não há nada errado com você.

      — Obrigada — Ela sorriu e fitou a entrada da estrebaria, o sol brilhando lá fora. — Deve ser bom morar num rancho. Sei que o trabalho é pesado, mas fica-se livre, da tecnologia. — Ele soltou uma gargalhada e ela franziu a testa: — O que é tão engraçado?

      — Espere para ver o computador no escritório, a fantástica impressora de jato de tinta, o fax, a scanner colorida, a fotocopiadora e o modem! — Ela ficou muda. — Tenho de comprar e vender gado, fazer relatórios das vendas, fichas dos animais e programas de reprodução. Vivo em contato com outros reprodutores e compradores, com a Associação Nacional de Criadores de Gado, na central do Texas, para não falar nos veterinários e no pessoal da Saúde...

      — Mas você cria gado, não?

      — Criar gado tornou-se um grande negócio, querida.

      O "querida" saiu tão fácil que Emmett nem reparou, mas ela notou, seu rosto ficou mais colorido e os olhos brilharam. Então, ele caiu em si, tocou-lhe os cabelos e imaginou como seria acariciá-los à noite, quando Melanie com certeza os deixava soltos.

      — Querida — repetiu, suave. — É uma palavra que combina com você.

      Aproximou-se, sua boca tocou de leve os lábios dela, esperando que os entreabrisse, beijou-a com sofreguidão e o corpo dela colou-se ao dele, íntimo.

      — Deus! — exclamou Emmett, ofegante.

      Enfiou as mãos por baixo da malha, beijou-a de novo, depois recuou para contemplar os olhos escuros, enquanto seus dedos procuravam a presilha do sutiã e a soltavam. Deslizou uma das mãos até um seio, sentiu a maciez e o mamilo ficar rígido sob a palma de sua mão.

      — Eles são bem cheios. Adoro tocá-los...

      —; Emmett — protestou ela, num fio de voz e escondeu o rosto no peito dele.

      Melanie era tímida, mas não inibida e ele gostava dessa naturalidade. Voltou a beijá-la. Sentindo o corpo em chamas, pulsando com uma espécie de febre, ela gemeu suavemente.

      — Agora chega, não? — ofegou ele.

      As mãos desceram até a barra da malha e, de súbito, puxaram-na para cima. Emmett olhou-a com uma expressão que ela nunca vira. Ficou vermelha: até então homem algum contemplara seus seios.

      — Moça, você é uma fantástica obra de arte!

      Era impressionante como ele a fazia sentir-se linda e tranqüila. Não se embaraçou diante dos olhos verdes, explícitos e admirados.

      As mãos dele tremiam quando abaixaram a malha. As crianças podiam aparecer e veriam o que não deviam ver se ele fizesse o que desejava.

      Os olhos dela fizeram uma pergunta e Emmett evitou-os, enquanto prendia o sutiã.

      — Não tenho controle quando se trata de você — confessou, perturbado —, não quero forçar a barra e estragar tudo.

      — Você só me olhou.

      — Mas queria fazer bem mais que isso. Queria tocar seus seios com meus lábios — a voz dele tornou-se rouca — experimentar seu gosto com a língua e os dentes. E se tivesse feito isso, faria amor com você aqui mesmo.

      — Você iria... me morder?

      — Só de leve — ele balançou a cabeça. — Melanie, você não existe! Fez qualquer coisa com um homem além de beijar?

      — E isso importa?

      — Sim, importa. — Emmett acariciou-lhe os cabelos. — Não quero assustá-la.

      — Pareço assustada?

      — Não — sorriu ele.

      — Não tenho medo de você. Só estou insegura porque nunca senti nada tão... tão forte. Mas gosto que me toque — confessou, baixando os olhos. — Quero fazer amor com você, Emmett.

      Ela horrorizou-se por ter ido tão longe, mas ele segurou-lhe o queixo e a fez olhá-lo:

      — Eu também quero, Melanie, e isso complica tudo. Tenho três filhos, se é que você notou...

      — Impossível não notar — ela tentou rir.

      — E você é virgem... Sei que não é moderno, nem sofisticado, mas me ensinaram que a inocência é algo muito especial e que não se brinca com ela. Entende? — Melanie assentiu e ele continuou: — Meus pais diziam que um homem decente não brinca com uma mulher pura, que há muitas querendo brincar sem casar, que se um homem seduz uma virgem casa com ela e a torna mãe de seus filhos. Por isso, não transo com mulheres sem experiência.

      — Entendo — murmurou ela.

      Emmett lhe dizia que seus sonhos não se realizariam, pensou e forçou um sorriso:

      — Bem, não há problema. Será que a gente podia ir tomar um café?

      A dor que Melanie sentia reproduziu-se em Emmett, que descobriu una coisa incrível: não suportava a idéia de magoá-la. Abraçou-a, seu corpo estava rígido e ela tentou se afastar, mas ele não deixou.

      — Não estive com mulheres desde que a vi pela primeira vez no escritório do Logan — murmurou-lhe ao ouvido. — Entende como estou por sua causa? Não preciso fazer força , para querê-la: toco em você e já estou pronto.

      — Mas disse que...

      — Que não durmo com virgens. É verdade. — Os olhos verdes faiscavam. — Olhe, prometo tomar cuidado nos primeiros meses, até você decidir se quer ou não ficar grávida.

      Ela parou de respirar, seus olhos ficaram maiores e o coração disparou:

      — O quê?

      — Talvez três filhos já seja exagero mas eu quero muito lhe dar um bebê. Posso não ser o melhor pai do mundo, tenho muito que aprender, mas adoro crianças. Podemos ter um só, com cabelos cor de mel, como os seus...

      — Emmett, não posso ficar grávida!

      — Claro que pode. É fácil. — Ternura e malícia misturavam-se na expressão dele. — É só não usarmos nada ao fazer amor. Você não teve aulas de orientação sexual?

      — Não é isso que eu quis dizer! — reagiu ela, brava. — Não posso sair por aí grávida!

      — Pode, se estiver casada.

      — Não sou casada!

      — Mas vai ser. — Emmett beijou-a. — Não agüento mais esperar. Alguns homens conseguem passar meses sem sexo, mas eu não. Esta espera está sendo longa demais, Melanie.

      Ela sentiu-se derreter. Queria tanto esse homem que não conseguia imaginar um motivo sequer para não casar com ele. As crianças, as conseqüências, tudo era secundário diante da vontade de lhe pertencer.

      — Eu caso com você — declarou, firme. — Devo ser maluca, sei que você é e não sei como vou fazer para ser mãe de três crianças, uma das quais me odeia. Mas acho que vou conseguir, se você estiver falando sério.

      Fazendo-a erguer o rosto, Emmett fitou-lhe os olhos e puxou-a para si, até que ela sentiu seu sexo desperto.

      — Parece que estou brincando, Melanie?

      — Não.

      Com os lábios tocando os dela, ele sussurrou algo tão explícito que Melanie ficou vermelha e escondeu o rosto no peito dele.

      — Chocada por eu falar assim? Vai aprender a gostar de ouvir e também de fazer "isso".

      Ela ondulou o corpo contra o dele e suas pernas tremiam, enquanto respondia:

      — Eu sei...

      — E já que concordou, está decidido. Vou contar às crianças.

      — Ainda não. Espere duas semanas. Quero que você tenha certeza, Emmett.

      — Eu tenho certeza — disse ele, talvez depressa demais. Mas não tinha dúvida. O que sabia dela era mais do que suficiente. Viveriam bem juntos, amava-a e era correspondido.

      — Pelas crianças, Emmett. Precisamos dar-lhes algum tempo para se acostumarem a nos ver juntos.

      Ele gemeu, apertando-a contra si:

      — Quanto tempo você acha que posso agüentar?

      — Vou tomar cuidado para não tornar mais difícil para você.

      — Está bem — conformou-se ele. — Só duas semanas.

     

      Melanie passou as duas semanas seguintes como que dopada. Nunca se sentira tão próxima de alguém como de Emmett, Amy e Polk. Cavalgavam, iam ao cinema, ao futebol, a rodeios. Assistiam novos lançamentos em vídeo no apartamento dela ou no rancho deles. Cada vez se uniam mais.

      Evitavam contato físico. Emmett segurava-se chegando ao limite da loucura, só a beijando rapidamente quando a levava para casa. Nunca aprofundava os beijos nem a tocava. Só o aflito ardor com que a olhava mostrava que eram mais que amigos.

      A única tristeza de Melanie era Guy estar cada vez mais retraído e a sensação que ele tramava algo contra eles. Para provocá-la, juntara todas as fotos da mãe e as deixava bem à vista. Falava em Adell sempre que podia. Por trás desse comportamento irritante havia medo, mas não ajudava nada Melanie saber disso: não sabia o que fazer.

      — Você não está dando nenhuma chance à Melanie, não é? — disse Emmett ao filho uma noite, depois de fazer Amy e Polk deitar.

      — Pensei que você ainda amasse minha mãe — disse Guy, sem olhar para ele.

      — O quê?

      — Sei que sente saudade dela e nós também. Por que não diz a mamãe que queremos que volte? Talvez ela não goste do marido e só esteja esperando isso para voltar!

      Emmett não tinha idéia de que ele alimentava tais sonhos. Não era de estranhar que estivesse tão bravo com a presença de Melanie.

      — Filho, você precisa entender que, mesmo se preocupando por elas, às vezes uma pessoa não pode viver com outras.

      — Mas você e a minha mãe viveram e eram felizes!

      Aquilo era desespero. Guy crescera depressa demais e Emmett não sabia lidar com aquilo.

      — Sua mãe não era feliz comigo — procurou explicar — e ama o Randy. Não há chance dela se divorciar dele e voltar. Você tem de aceitar isso.

      — Não! É minha mãe! Ela não queria ir, você a fez ir porque nunca ficava em casa!

      Emmett teve de se controlar para não estourar e assentiu:

      — Isso é verdade. Minhas atitudes podem ter ajudado sua mãe a tomar a decisão. Mas se ela me amasse não teria me deixado. Você não foge de quem ama.

      A boca de Guy começou a tremer:

      — Ela não me ama?

      — Não, não você! Eu!

      Guy desviou os olhos:

      — Eu não gosto de Melanie. Ela tem de ficar vindo aqui?

      — Eu vou casar com ela.

      O menino ficou horrorizado:

      — Você não pode! Não pode! E a mamãe?

      — Sua mãe está casada. Tenho certeza que ela ama você, Amy e Polk, mas não vai voltar. Aceite isso, filho.

      — Eu não quero a Melanie aqui! Ela não vai ser minha mãe!

      A discussão não levaria a nada. Emmett levantou-se:

      — Caso com quem quiser. Se você não gostar, é uma pena. Mas não crie problema para ela. Se o gato dela sumir de novo ou se acontecer algo que a perturbe, vai responder por isso!

      O garoto ficou vermelho. Aquele gato era uma assombração em sua vida. Não conseguia contar ao pai como se sentira mal ao pensar que Alistair poderia ter morrido por sua causa.

      — Eu não vou fazer nada com aquele gato idiota.

      — Seus irmãos gostam dela, Melanie é bondosa e, se deixar, vai gostar de você também. Mas você é o durão, não é? Não deixa ninguém chegar perto, nem mesmo eu.

      De olhos baixos, Guy ficou era silêncio.

      — Tentei tudo que podia para chegar perto de você, filho — a voz de Emmett suavizou-se —, inclusive envolvê-lo no trabalho do rancho, mas mostrou-se sempre ocupado demais vendo tevê ou brincando com o Barney.

      — Você prefere ficar com ela mais do que comigo.

      — Quando for mais velho, vai entender porquê.

      Guy ficou vermelho:

      — Eu sei sobre elas. Tem uma na escola, mas ela me acha feio e estúpido. Disse isso na frente das amigas! Odeio garotas, ainda mais Melanie!

      Emmett tentou lembrar como era ter onze anos e odiar garotas. Sorriu:

      — Bem, filho, vou casar com ela, você goste ou não.

      O menino correu para seu quarto e bateu a porta. Emmett ergueu uma sobrancelha: tinha de encontrar o modo de se tornar amigo do filho, enquanto era tempo.

      No fim de semana seguinte, Emmett e Melanie fizeram o anúncio formal a Amy e Polk, que já sabiam. Guy contara e os dois mostraram-se reservados, olhando muito para o irmão mais velho.

      — Você vai morar com a gente, Melanie? — perguntou Amy.

      — Vou e espero que sejamos amigos. Eu não tenho família, vocês sabem. Só meu irmão.   

      — Sim, o irmão dela que roubou nossa mãe! — gritou Guy. — Eu não te quero aqui!

      — Vá para o seu quarto — disse Emmett, em voz baixa, mas a força de seu olhar fez o garoto obedecer.

      — Guy disse que você vai ser má pra gente — Amy parecia preocupada — e que você finge ser legal pra agarrar o Emmett.

      Melanie ajoelhou-se diante da menina e fitou os olhos verdes.

      — Você não se sente diferente com as pessoas? Quer dizer, com algumas você fica feliz, com outras nervosa e infeliz?

      — Acho que sim.

      — Bem, quando não conhecemos uma pessoa direito, temos de confiar no que sentimos por ela. Não posso prometer que nunca vou ficar brava, que nunca vou perder a calma, que nunca vou magoar você... Sou gente, por isso não sou perfeita. Mas vou amá-los, se deixarem. Todos vocês. Sei que nunca vou ser sua mãe de verdade, mas posso ser amiga e vocês meus amigos.

      Amy aceitou e sorriu:

      — Polk e eu achamos você a maior, mas Guy não a quer aqui porque acha que Emmett e nossa mãe vão se casar de novo um dia. Mas eles não vão.

      Melanie ficou impressionada, às vezes Amy parecia muito mais velha que seus oito anos.

      — Você ama o Emmett? — perguntou a menina. Melanie ficou vermelha, embaraçada.

      — Sim. Você ama? — reforçou Polk, os olhos muito abertos.

      — Isso mesmo, garotos, façam ela falar! — brincou Emmett.

      — Fique quieto — disse Melanie, olhando para ele.

      — Eu quero saber — insistiu ele, sem parar de rir —, mas tudo bem. Se não quiser falar, descubro mais tarde.

      Isso resolveu a questão com Amy e Polk. Logo depois o jantar foi servido. Guy recusou-se a ir para a mesa e a sra. Jensen levou um prato para ele.

      Só quando Emmett a levou para casa, Melanie demonstrou preocupação:

      — Guy não vai aceitar. Não posso ficar entre você e seu filho...

      Ele a ergueu nos braços, sem uma palavra, e a levou para o quarto às escuras. Colocou-a na cama, deitou-se junto dela e silenciou os lábios dela com os seus. Segundos depois, ela já não pensava em falar.

      Guy foi esquecido. Emmett tirou-lhe o vestido tão gentilmente que ela só notou quando os lábios quentes dele tocaram cada centímetro de seu corpo, provocando sensações que a fizeram gemer, contorcendo-se. Acostumou com a escuridão e quando ele tirou-lhe o sutiã, pôde ver o brilho nos olhos verdes.

      — Às vezes penso que você é um sonho meu — disse ele, com voz embargada.

      Então, baixou a cabeça e o que dissera no rancho aconteceu: lambeu-a e mordeu de leve, todinha, levando-a quase a loucura; quando as mãos tocaram o ponto mais íntimo de seu corpo, Melanie parou de pensar.

      Emmett deitou-se sobre ela, beijando-a com sofreguidão. A abrasão do jeans e camisa contra sua pele era tão excitante quanto a boca que a excitava tanto.

      — Você me quer? — ofegou ele.

      — Oh, sim!

      — Inteiro, agora mesmo?

      — Quero!

      Ele sentou-se, estendeu o braço e o quarto explodiu em luz.

      Melanie ficou desorientada, depois viu-o olhando seu corpo, só com a minúscula calcinha. Vermelha, começou a erguer as mãos para esconder os seios, mas ele fez que não e segurou-as:

      — Você é minha. Estamos noivos e isso me dá o direito de olhá-la. Também me dá outros direitos...

      Os olhos dele desceram até as bonitas pernas dela. As mãos seguiam o olhar e quando os dedos tocaram-na intimamente ela reagiu, tentando escapar.

      — Calma, querida, não vou machucá-la...

      — Mas dói!— reclamou Melanie.

      Ele curvou-se e beijou-lhe os olhos, o rosto, os lábios.

      — Você está assustada. Não precisa. Quando acontecer, será tão fácil quanto respirar. Seu corpo é macio e elástico aqui, vai me aceitar como a luva aceita a mão.

      A analogia a fez tremer. Ele percorreu-lhe os lábios com a língua.

      — Não tenha medo de mim, Melanie, vou tentar não machucá-la.

      Ela olhou-o preocupada, incerta; Emmett apagou a luz, deitou-se de novo ao seu lado e as carícias provocaram sensações explosivas em todo seu ser. A princípio Melanie tentou resistir, mas as ondas de prazer acabaram por dominá-la e deixou-se levar: chorou, gemeu e se contorceu com a tensão crescente que culminou num prazer que ela jamais imaginara no mais louco dos sonhos.

      Ele a puxou para si e abraçou o corpo trêmulo, beijou-lhe a testa e o rosto, acalmando-a:

      — Isso, só que aumentado — sussurrou — é o que vou lhe dar na nossa noite de núpcias.

      Ela agarrou-se a ele, chocada:

      — Eu... não esperava...

      — Você é muito mais do que sonhei, Melanie! Não tem medo de sentir, de mostrar o que sente.

      Melanie acariciou-lhe o rosto.

      — Gosto de pensar que vou retribuir— murmurou, apaixonada —, quando souber como.

      Emmett beijou-a com paixão.

      — Vai retribuir, pode apostar. Amor é algo que deve ser feito a dois.

      Ao imaginar como seria pertencer inteiramente a Emmett o corpo dela moveu-se por conta própria.

      — Eu te quero demais — murmurou ele, compreendendo o movimento —, mas vamos esperar até casarmos. Não quero estragar a lembrança de nossa primeira vez. Mas coisas como estas são aceitáveis até lá.

      Curvou-se e a boca tocou o seio dela, que respondeu no mesmo instante.

      Aquilo não podia continuar, o risco crescia a cada instante. Com um gemido, ele se levantou, tremendo pelo esforço.

      — É melhor eu ir para casa enquanto ainda posso. Não levante, vou acender a luz.

      Ela não se importou. Ele já a conhecia quase completamente. Ficou imóvel, deixando que a olhasse. A calcinha estava jogada ao lado da cama e não havia nada entre os famintos olhos verdes e seu corpo nu.

      — Espero que você não acredite em divórcio — disse Emmett —, porque teria de mudar de nome e ir morar na selva para fugir de mim.

      — Isso também vale para você. Vai ser só meu quando nos casarmos.

      — O que sente por mim é mais do que desejo, Melanie?

      — É.

      — Vamos nos casar no sábado que vem. Quer?

      — Quero...

      — Vou providenciar para você não ficar grávida logo.

      — Posso consultar um médico para me receitar a pílula — sugeriu ela.

      Ele cobriu-a, relutante, e sentou-se na cama:

      — Sei que a pílula é segura e dizem que não há perigo, mas não quero que arrisque sua saúde.

      — Se eu não tomar a pílula... Bem, ouvi dizer que muitos homens não gostam de usar a alternativa.

      — Eu não sou nenhum desses "muitos homens" e acho que gravidez não deve ser acidental.

      — Tem razão e as crianças precisam de tempo para se acostumar antes de arrumarmos novos problemas. Se é tão preocupado com a pílula, há outros jeitos.

      — Como você vê isso? — Ela ficou vermelha e ele insistiu: — A decisão é séria demais para timidez. Fale.

      — Não tenho medo de tomar a pílula e acho que não é tão arriscado — afirmou ela. — Além disso, quero ficar... bem junto de você quando fizermos amor. Prefiro que não haja nada entre nós.

      Ele estremeceu sob a pressão do desejo e Melanie percebeu:

      — Emmett, eu te quero tanto... — murmurou, angustiada.

      Puxou-o para si e beijou-o com ansiedade. Ele afastou a colcha ao se colocar sobre ela; seus joelhos separaram as pernas de Melanie e ele baixou o corpo, enquanto o dela ondulava, adaptando-se a ele, ansiando pela posse completa. Emmett queria fazê-la sua, mas tinha que protegê-la de um perigo que ela não conhecia.

      — Pare, querida... Por favor!

      Apoiou as mãos nos quadris de Melanie, suspendeu-se um pouquinho, mas ela gemeu, insistindo.

      — Melanie, isso me machuca — arquejou ele, desesperado.

      — Machuca?

      Ele levou a mão dela até seu sexo ardente, pulsante e rijo.

      — Aqui. Dói feito o diabo — murmurou. — Pare de se esfregar em mim, por favor.

      — Sim...

      Mas Melanie não o soltou, quando ele retirou a mão.

      Afastou-se um pouco e olhou-o, curiosa. Emmett deitou-se de costas, permitindo que ela o tocasse, olhasse e experimentasse de leve, com os lábios, a pontinha da língua. Em seguida recuou, embaraçada com a própria impulsividade, e sorriu, sem jeito. Ele tornou a cobri-la, acusando: — Bruxa malvada!                                                 

      — Você gostou — retorquiu ela. Ele se espreguiçou e colocou as mãos por trás da cabeça. Aos poucos, foi relaxando e brincou:

      — Quando você terminar de estudar anatomia em mim, vou embora.

      — Estudar anatomia em você, como? Está todo vestido!

      — Sou muito tímido...

      Ela mordeu os lábios para não rir e olhou para a calça dele:

      — Tire — provocou. — Quero ver se você tem coragem.

      Emmett riu, deliciado:

      — Mulher, não tem vergonha?

      — Vergonha é para quem não quer fazer sexo — retrucou ela, altiva. — Eu quero!

      Ele riu de novo, diante de tanta desinibição.

      — Venha aqui, torturadora. — Puxou-a e beijou-a, suavemente. — Adoro você e retiro o que disse sobre a selva. Se um dia quiser se livrar de mim, terá que ir para Marte.

      — Não vou esquecer. Mas, sério, eu não ligo mesmo de tomar a pílula.

      — A decisão é sua — assentiu ele. — Agora que a encontrei, não quero correr o risco de perdê-la.

      — Não vai me perder — comoveu-se ela. — E eu, posso te amar?

      Ele abriu os braços e fechou os olhos:

      — Vá em frente!

      — Você sabe do que estou falando! — reclamou Melanie, puxando-lhe o cabelo.

      Ele a observou por momentos:

      — Está falando sério? — Ela anuiu e ele fingiu cinismo: — Amor é importante para as mulheres, não?

      — É importante para muitos homens, também. De qualquer modo, já o amo, mas achei educado perguntar. — Ela sentou-se, cobrindo-se com a colcha. — Se acha difícil, faça de conta que não sabe que estou louca por você.

      — Impossível não notar: até seus seios ruborizam quando olho para você!

      — Eles não fazem isso... Emmett! — Ela tentou segurar a colcha, mas era tarde.

      — Está vendo? — Ele indicou o rubor que lhe cobria o pescoço e o colo. Ficou sério: — Você é adorável, mas eu tenho de ir agora. Já. Neste instante.

      Melanie teve de fazer força para não rir, enquanto afastava a colcha e levantava-se.

      — Está orgulhosa, moça? — murmurou ele, excitando-se de novo.

      Ela fitou o volume sob a calça e respondeu:

      — Estou, sim.

      — Vou dar o fora enquanto posso! — riu ele.

      — Até sábado — lembrou ela, acompanhando-o até a porta. — Depois disso, você será meu!

      — E você minha. — Emmett segurou na maçaneta e olhou-a, pensativo.

      — Nunca vou magoá-lo — prometeu ela, séria, adivinhando o que ele sentia. — Emmett, eu...

      Ele levou um dedo aos lábios dela:

      — Durma bem, querida.

      — Não vou dormir bem.                                          

      — Nem eu. Quero você tanto, Melanie!                 

      — Então, fique comigo.                                           

      — Quero ficar, mas vamos fazer as coisas direito. Não por nós, mas pelas crianças. Casar de branco pode estar fora de moda mas é o que quero para nós.      

      Ela sorriu, comovida:       

      — Eu também, mas faria qualquer coisa por você.       

      Foi incrível a sensação de felicidade que ele teve ao ouvir essas palavras:

      — Qualquer coisa?

      — Bem, quase qualquer coisa — riu ela. — Não beijaria uma cobra, nem comeria formigas cobertas de chocolate...

      Ele a beijou rapidamente:

      — Falou: não vou exigir que beije cobras ou coma formigas. E agora boa noite!

      Emmett terminara de fazer um relatório quando Guy entrou no escritório com jeito de arrependido, mas ainda com ar de brigão.

      — Que há? — inquiriu o pai, ríspido.

      — Desculpe — disse o garoto, rígido.

      — Por quê?                                               .

      — Pelo que eu disse e pelo modo como agi. — Ele olhava para o chão. —Minha mãe não vai mesmo voltar?

      — Não.

      Guy respirou fundo e olhou para o pai:

      — Ela não foi embora por minha causa?

      — Não! Ela ama vocês três. Olhe, fui eu que proibi sua mãe de vê-los e agi errado, filho. Se quiser vê-la, falar com ela, tudo bem.

      Depois de pensar um pouco, Guy indagou:

      — A Melanie me odeia, não é?

      — Não. Ela não odeia ninguém, você é que não a aceitou...

      — Eu sei. Ela nunca vai esquecer do gato.

      — Se você demonstrar que aceita uma aproximação, acho que ela esquece. Sei que sou um péssimo exemplo nesse aspecto, Guy, mas estou aprendendo. Nós dois temos que aprender.

      — Certo. Vou tentar.

      Emmett sorriu:

      —E não quer reconsiderar a idéia de trabalhar no rancho?

      — Acho que sim... — Guy ainda estava desconfiado.

      — As coisas estão indo melhores na escola, Guy?

      — Desde que bati no Buddy Haskell, estão ótimas.

      — Você fez o quê?

      — Ele vivia falando de rancheiros que andavam sujos de m... de adubo de vaca — corrigiu-se o garoto, rindo. — Disse que você cheirava assim e eu o acertei uma vez só, pra valer.

      Disfarçando o riso, Emmett olhou para cima:

      — Escute aqui...

      — Tenho que fazer a lição de casa — pretextou Guy, indo para porta — e estou ajudando o Polk com as frações. Não entendo: ele faz multiplicação de cabeça, mas não sabe somar um meio com um quarto!

      — Um dia ele vai projetar naves espaciais! — vaticinou o pai.

      — Então, é bom ele aprender frações, mesmo! — brincou Guy e saiu, apressado.

      Emmett animou-se: Guy mudando de atitude o resto seria fácil. Só havia o problema de Adell estar grávida. Devia ter contado ao filho, repreendeu-se, mas ele teria tempo para descobrir sozinho.

     

      O casamento aconteceu na igreja metodista local. Ted Regan, Tansy, Logan, Kit e boa parte do pessoal dos dois ranchos compareceram. Amy foi a daminha-de-honra e Polk levou as alianças numa almofada. Tendo se recusado a participar da cerimônia, Guy ficou sentado, rígido, no banco reservado para a família. Ainda torcia para a mãe aparecer no último instante, impedindo o casamento.

      Mas não aconteceu. Ninguém o queria, concluiu ele. A mãe fugira e nunca telefonara, nem escrevera; agora o pai preferia a companhia de Melanie à dele. Olhou para os irmãos, radiantes com a idéia de ter uma mãe adotiva. Precisava ajeitar as coisas: não devia ter feito o que fizera e esperava que Melanie não fosse, mesmo, vingativa.

      Observou, atento, o pai falar, pôr a aliança no dedo de Melanie e erguer o véu para beijá-la.

      Recebidos os cumprimentos, os noivos foram com as crianças para o carro. A não ser pela atitude de Guy, estava tudo perfeito. O rosto dele mostrava-se como sempre, sério e ressentido. Emmett irritou-se, sem imaginar que o filho estava nervoso e intimidado porque desejava cumprimentá-los, mas não sabia como Melanie reagiria.

      Decidido a não permitir que o filho estragasse seu casamento, Emmett achou melhor atacar.

      — É bom ficar quieto — disse, quando viu que Guy ia falar — ou vai para aquela escola militar da qual falamos.

      Melanie ficou chocada com a ameaça e com a expressão que surgiu no rosto do garoto. Abriu a boca para protestar, mas Emmett falou antes, severo:

      — Já dei a ele mais corda do que merece, agora chega. Melanie é a minha esposa, Guy. Se não pode aceitar isso, colégio interno é a solução.

      Guy ficou pálido:

      — Não quero ir para essa escola.

      —É sua única opção.

      Reunindo o orgulho em frangalhos, o menino voltou-se para Melanie:

      — Parabéns — gaguejou e foi juntar-se aos irmãos no branco de trás.

      — Emmett... — murmurou Melanie, triste.

      Ele desviou os olhos dos dela, que imploravam:

      — Alguns garotos precisam de mão firme. Tenho sido permissivo demais com os três e não é fácil recuperar o controle das coisas. Não vou mandá-lo embora se não for necessário, mas não admito que ele nos desafie.

      — Eu sei, mas...

      Ele a beijou com suavidade:

      — Vai levar algum tempo e sabíamos disso. Não tente apressar o futuro, querida.

      Ela assentiu, mas falaria sobre Guy quando Emmett estivesse calmo: não podia permitir que ele mandasse o filho embora e a dolorosa tristeza no rosto do garoto não lhe saía da mente.

      Em casa, a sorridente sra. Jensen lhes deu os parabéns e Melanie pôs um vestido cinza, simples, para a viagem. Passariam uma lua-de-mel de três dias em Cancun. As crianças estavam desapontadas por não ir, mas ela lhes prometera que depois iriam juntos. Amy concordara, declarando que recém-casados precisavam de algum tempo sozinhos e o pai morrera de rir ao ouvi-la.

      Desde a saída da igreja Guy não falara mais e Melanie aproximou-se, enquanto Emmett se despedia dos outros.

      — Ele não vai fazer aquilo — disse, sorrindo. — Vai ficar tudo bem, você sabe.

      Guy ficou chocado, não esperava que ela falasse com ele depois do modo como a tratara. Tentou falar, mas não conseguiu, em seguida era tarde demais: seu pai e Melanie tinham ido embora.

      Amy, séria, voltou-se para ele:

      — Vai ver só quando o Emmett voltar. Você foi péssimo no casamento deles!

      — Você é que vai ver, agora mesmo, se não calar a boca! — ameaçou Guy.

      — Vamos parar com essa briga aí? Olhem, o Alistair gosta de brincar com um barbante! — disse Polk, brincando com o gato.

      Alistair mudara com a dona para o rancho e a sra. Jensen tinha ordens de não deixá-lo sair da casa. Guy aproximou-se, torcendo para que o gato soubesse perdoar, como Melanie, ou as coisas ficariam realmente ruins.

     

      Cancun era incrível. O verde-esmeralda do mar, o branco brilhante da areia, a moderna arquitetura mexicana com motivos maias exagerados, criavam uma profusão de imagens coloridas que Melanie achou fascinante.

      Emmett estava fascinante de maiô branco, as pernas longas e bronzeadas, o peito largo, peludo, o ventre firme, liso. Era delicioso e muitas mulheres pareciam pensar o mesmo que Melanie, porque ao passar com seus maridos branquelos e gorduchos olhavam-no abertamente.

      — Mais uma vez, moça, e esvazio o meu bronzeador na sua cabeça — murmurou Melanie.

      — O que foi? — perguntou Emmett.

      — Aquela morena magricela. Ela fica toda hora passando aqui na frente, olhando para você.

      — Ah! Você é tão amorosa quanto ciumenta?

      — Quer ir para o quarto e descobrir?

      O coração dele acelerou.

      — Só descemos há uma hora. Pensei que estivesse cansada da viagem...

      Ela fez que não. Seus cabelos longos, soltos, eram levemente agitados pela brisa.

      — Quero você — sussurrou.

      O corpo dele reagiu prontamente e Emmett riu, deliciado.

      — Que é isso, mulher! Olhe o que faz comigo... Vou ter um orgasmo aqui mesmo!

      — É só você dizer a tabuada de multiplicar que "segura"... — ensinou ela.

      — Por falar nisso, é bom você ter trazido alguma coisa que impeça a "multiplicação", porque eu esqueci.

      Melanie decidira pela pílula, apesar das objeções dele. Levantou-se e estendeu-lhe a mão:

      — Eu trouxe. Esperei vinte anos por este momento e sei que você vai compensar a espera.

      Os olhos verdes brilhavam de um jeito que a fez ficar vermelha.

      — Querida, isso eu garanto!

      Pegou-a pela mão e foram para o quarto num silêncio tenso e delicioso.

      Assim que a porta se fechou, Melanie jogou-se nos braços dele, determinada a não mostrar que estava nervosa. Era dia, mas ela achava que esperar até de noite deixaria os dois inibidos e, além disso, amava Emmett e queria ser dele. Daria tudo certo, desde que não a comparasse com as mulheres que tivera: temia decepcioná-lo pela inexperiência.

      Quando Emmett a beijou, o calor do corpo dele, a sabedoria de seus lábios e mãos transformaram esse temor em devoradora febre sensual.

      Ele a levou para a cama, despiu-a e levou-a à loucura em poucos minutos, cobrindo-a de beijos, tocando cada centímetro de seu corpo ansioso com a boca, a língua e as mãos fortes, que se tornavam suaves e delicadas no prelúdio do amor total.

      — Psiu — murmurou quando ela implorou, alucinada, que a possuísse. — Calma. Não queira tudo de uma vez, anjo. É melhor aos pouquinhos, assim...

      — Dói, Emmett — gemeu ela, rouca. — Meu corpo todo dói querendo você!

      — O meu também, mas ainda é cedo para você — arquejou ele, contendo-se a custo. — Não me toque assim, ainda não. Fique quieta e me deixe levá-la... Beije-me, querida.

      Eles se beijaram e as mãos de Emmett visitaram os seios túrgidos, tocaram o ventre macio e desceram para o recanto acetinado e ardente entre as coxas, enlouquecendo-a de prazer.

      — Eu não posso... agüentar... Emmett... por favor...

      — Sim, amor — concordou ele, docemente, colocando-se por cima dela. — Com calma... devagar.

      Emmett apoiou o peso do corpo nos braços, ajeitando-se entre as pernas dela. Temia machucá-la, não queria que a dor da primeira vez a assustasse, mas sentia-se mais excitado ainda por ser o primeiro homem de Melanie e não suportava a tortura de se conter. Maravilhou-se com o amor refletido nos grandes olhos castanhos, que o fitavam enquanto ele invadia o calor doce e macio de sua inocência, com uma lentidão angustiante.

      Uma dor aguda a fez contrair os músculos e ele imobilizou-se, beijando-lhe os lábios, as pálpebras, os cabelos, até ela relaxar de novo.

      — Foi muito ruim, querida? — indagou, mal podendo respirar.

      — Foi. Mas já passou...

      Ela fechou os olhos e descontraiu-se completamente, abrindo-se toda para ele que terminou de introduzir-se, ofegando, o corpo tremendo de ansiedade. No entanto, determinado, reteve o próprio gozo.

      — Não está mais doendo — murmurou ela.

      Ergueu os quadris e o movimento inesperado fez Emmett gemer e tremer mais. Melanie gostou da reação, sentindo-se confiante. Ergueu o corpo de novo, movimentando um pouquinho os quadris, absorvendo-o mais. Ele sentiu que sua mulher o amava com uma intensidade que não se atrevera a esperar.

      — Está gostoso? — perguntou ela, movendo-se sensualmente.

      — Vou mostrar o quanto!

      Ele virou de lado, levando-a junto, as grandes mãos morenas seguraram os quadris de Melanie com firmeza, enfiou uma perna entre as dela e começou a movimentar-se, es-fregando-se nela.

      Melanie gemia alto, com os dentes cerrados, a cada onda de prazer que percorria seu corpo.

      — Você achou que ia conseguir me pegar assim depressa? — murmurou ele, com intensa paixão.

      Mordiscava, lambia e beijava-lhe os lábios, puxava e empurrava ritmicamente os quadris dela, enquanto a invadia mais e mais.

      As ondas de prazer foram se aproximando até se tornarem um espesso gozo, tão profundo que o corpo bonito retesou-se, estremecendo, e Melanie gritou pelo choque inesperado, agarrando-se nos braços dele, que sorriu feliz em vê-la alcançar o êxtase.

      Lágrimas corriam pelo rosto de Melanie, provocadas pelo prazer intenso, e só então Emmeít permitiu-se a delícia de acompanhá-la. Explosões de prazer sacudiram-no e consumiu-se num fogo intenso, delicioso, que se irradiava de seu baixo ventre para o corpo inteiro. Chamou por ela, apertando-a contra si em gostoso desespero.

      Era muito diferente do que sentira com as outras mulheres. Emmett rolou na cama, fazendo-a ficar por cima; moveu-se alucinadamente sob o corpo macio e quente, segurando-a pela cintura, beijando-a, gemendo o nome dela que, de repente, incendiou-se de novo ao fogo dele.

      Ela não imaginara que seria assim. Aquela paixão repassada de prazer estava além de qualquer sonho. Foi outra vez arrebatada pelo turbilhão do desejo e ele levou-a a níveis fantásticos, num êxtase sem fim, alternando momentos de desejo incontrolável e de sublimação, enquanto o dia tornava-se noite.

      Por fim, Melanie ficou cansada demais até para virar a cabeça a fim de beijá-lo. Mas o fez e caiu num sono profundo e sem sonhos, entre os braços dele.

      Um cheiro gostoso e percepção de luz a perturbaram. Ela sentiu o calor do sol que entrava pelas persianas entreabertas.

      Abriu os olhos. Emmett segurava um belo croissant diante de seu nariz e perguntou, sorrindo:

      — Está com fome? 

      Ele estava completamente vestido e ela usava uma camisola azul. Não lembrava de a ter posto. Sorriu também:

      — Faminta! Aiii... — fez uma careta ao mover-se.

      — O que foi? — perguntou ele, mas sabia. — Dolorida?

      — Sim, todinha — confessou ela, vermelha. Ele a beijou com gentileza:

      — Sabe que é a melhor amante que já tive?

      — Mentira! Como, se não sei nada?

      — Sabe, sim, Sabe me amar e foi o que fez. Foi a noite mais linda da minha vida. Olha, Marte não é longe o bastante para você se esconder de mim. Fui muito além dele nos seus braços.

      Ela suspirou e achegou-se a ele.

      — Agora sei o que querem dizer quando falam que "isso" é melhor do comer batatas fritas... — brincou. Depois, ficou séria: — Oh, Emmett, gostei tanto!

      — Que bom, eu também! Mas, acho que seremos apenas bons amigos por uns dias.

      — Nas aulas de educação sexual não disseram que se fica tão dolorida.

      — Foi minha culpa — confessou Emmett, sem jeito. — Eu devia ter parado na primeira vez. Precisava ter tido mais controle, mas queria você há tanto tempo!

      — Eu não estava reclamando! Adorei e faço tudo de novo.

      — Eu também. Esse é o problema com sexo. —: Beijou-a de leve: — Sabe, não imaginei que seria assim, sra. Deverell. Sra. Melanie Deverell.

      — Ainda estou com sono — murmurou, abraçando-o e ajeitando o rosto entre o pescoço e o ombro dele.

      Emmett ergueu-a nos braços, levou-a até uma poltrona, sentou-se com ela no colo; pôs o croissant num prato, em seguida levou a xícara de café quente aos lábios dela, que tomou um gole.

      — O que quer fazer hoje? — perguntou ele.

      — Ficar com você.

      — E além disso?

      — Nada. Só isso — confirmou ela, beijando-o. — Te amo tanto! Mais que qualquer coisa ou qualquer pessoa no mundo.

      Ele deixou a xícara na mesa e abraçou-a. Ficaram ali, Melanie aninhada em seu colo, Emmett olhando pela janela.

      — Durma, querida... — sussurrou.

      Ela sorriu, sonolenta, e ajeitou-se, adormecendo minutos depois.

      Contemplando-a, ele maravilhava-se com a maciez do rosto rosado, a respiração suave, o corpo cálido e confiante em seus braços. Nunca fora tão feliz em toda a vida.

      Arrependeu-se por ter exagerado na primeira vez. Ela se entregara e correspondera com ardor, mas devia ter lhe dado suavidade e não tanto ímpeto. No entanto, fora impossível se conter. Prometeu-se que só fariam amor quando estivessem de volta em casa, dali a dois dias, e que seria mais delicado.

      Sorriu, feliz, e minutos depois dormia também.

     

      Guy olhava pela janela, vendo o carro do pai aproximar-se do rancho. Estava preocupado, não sabia como se livrar de ir para a escola militar. Não tinha idéia de como lidar com tantas mudanças. Não fazia mais parte da própria família, tornara-se um estranho na casa de Emmett e Melanie. Amy e Polk estavam contentes, aceitavam-na e eram aceitos por ela. Mas ele temia não conseguir se integrar. Ela podia estar fingindo ser legal, para se firmar com seu pai... Alguns colegas de escola tinham padrastos e contavam coisas terríveis. Por que as pessoas se divorciavam?, desesperava-se. Melanie abraçou Amy e Polk, cumprimentou a sra. Jensen e entrou pela casa, à procura de Guy, que a olhou com desconfiança.

      — Como vai, Guy? — perguntou ela.

      Ele deu de ombros, dolorosamente tímido. Ela estava linda, radiante.

      — Guy. Diga ao menos oi — Emmett interferiu rápido demais, os olhos verdes faiscando.

      — Oi —- disse Guy, baixando os olhos. Melanie levou um dedo aos lábios de Emmett:

      — Vamos trocar de roupa. Quero entregar os presentes — disse, impedindo-o de falar e de causar mais dano à sua frágil relação com Guy. — Tem para todos, até para a sra. Jensen.

      — Oh, obrigada, sra. Deverell! — alegrou-se a velha senhora, que temia não ser aceita pela jovem esposa de Emmett. — Fiz um bolo, vou passar café.

      Foi para a cozinha, acompanhada por Amy e Polk, enquanto Guy sentava-se no sofá, acariciando Alistair. O gato se apegara a ele, procurava-o, ronronando, e o consolava: pelo menos alguém gostava dele! Amy e Polk não lhe davam muita bola, desde o casamento, por isso sentia-se abandonado por todos, menos pelo gato com o qual fora tão cruel.

      — Estou contente por você gostar de mim, Alistair — disse, baixinho e o gato fitou-o com os olhos verdes semi-cerrados, ronronando mais alto.

      — Não seja tão severo, Emmett — pediu Melanie, enquanto se trocavam. — Guy vai tentar, sei que vai, e eu também. Não pode querer que ele fique feliz de repente. É muito difícil!

      Emmett suspirou, puxando-a para si:

      — Sou impaciente, às vezes demais. Eu sei...

      Ela o beijou, desejando-o intensamente, porque não tinham feito amor desde a primeira vez.

      — Quero você, muito! — Emmett mordiscou-lhe a pontinha da orelha.

      — Esta noite Emmett — prometeu ela, sorrindo. Quando juntaram-se aos outros, ele não parava de admirar a esposa, que o atraía cada vez mais, e não podia evitar de pensar naquela noite... As paredes eram grossas, mas Melanie podia ficar inibida. Seria melhor ligar o rádio ou algo assim. Percebeu que seu desejo começava a manifestar-se e foi à cozinha, ver se o café estava pronto.

      Melanie distribuiu os presentes: um conjunto de moedas mexicanas e um divertido sombrero para Amy; um livro sobre os maias, os astecas, e réplicas de objetos deles para Polk, que tinha inclinações para arqueologia. Para Guy um cachecol de índios mexicanos e uma faca de bolso com cabo entalhado a mão.

      Guy ficou sem fala: queria uma faca como aquela há anos, porque gostava de entalhar madeira. Vivia pegando a do pai e Melanie notara. Imagine, pensou, fui terrível para ela e me deu uma coisa que eu sempre quis!

      Olhou-a, hesitante, e ela quis saber:

      — Gostou, Guy? Eu não tinha certeza se...

      — É incrível! Obrigado!

      — Não abuse — advertiu Emmett. — Não pode usar a faca para gravar suas iniciais nas paredes, nem fazer instrumentos de tortura para turistas desavisados.

      — Claro, pai! — assentiu o menino, sorrindo.

      Era a primeira vez que ele sorria em semanas e Emmett olhou para Melanie: ela sabia como chegar ao coração de seu filho e ele não. Tinha muito que aprender com a esposa. Amy puxou-lhe a manga.

      — Emmett, foi muito legal você se lembrar da gente na lua-de-mel. Meu chapéu mexicano é um barato!

      — Claro que foi! — concordou Polk. — Veja esse atl-atl — mostrou a espécie de arco de bambu. — Os astecas usavam para caçar, sabia?

      — Sei algo sobre dinossauros e animais do Pleistoceno — disse Emmett. — Fiz o curso de paleontologia, não de arqueologia.

      Amy puxou a manga do pai de novo.

      — Emmett, você e Melanie vão ter bebês?

      — O quê?

      — Bebês. Você sabe — explicou a menina, importante —, as pessoas fazem sexo e têm bebês. Aprendi isso na tevê, num filme que mostrava o que as pessoas fazem na cama. Você e Melanie fazem sexo?

      Melanie ficou roxa e Emmett, vermelho.

      — Cale a boca, Amy! — gritou Guy. — Será que não vai crescer nunca? Venha, vamos lá fora brincar com o atl-atl do Polk.

      — Não! — revoltou-se Polk. — É meu!

      — Se deixar a gente brincar com ele, te deixo ver minha faca — negociou Guy.

      — Bom... — hesitou o irmão menor.

      Guy passou o braço pelo ombro dele e levou-o para a porta.

      — Olha, Polk, eu posso fazer flechas para o atl-atl. Se fizermos um forte, perto do curral, aquele touro mal-humorado...

      — Se atirarem flechas no touro, corto a mesada dos dois para sempre! —berrou Emmett.

      — Ah, pai! — os meninos disseram em coro.

      — Estou falando sério!

      Amy foi atrás dos dois e disse, antes de sair:

      — Emmett, você mudou muito desde que mudamos pra cá. Não deixa mais a gente se divertir!

      — Considerando o que vocês chamam de diversão, é um milagre não terem ido para um reformatório até hoje!

      Amy saiu, rápida.

      — Está vendo? — disse Melanie. — Guy mudou. É dar um tempo. Ele está ficando mais solto, notou?

      Emmett notara também que Guy deixava de se parecer tanto com ele, o que era ótimo. Beijou Melanie:

      — Ganhou, prometo ter paciência. — Abraçou-a com mais força e aprofundou o beijo.

      — Eu te amo — disse ela, sorrindo.

      — Me beije em vez de falar!

      Beijaram-se até ficarem trêmulos e arfantes. Ele deslizou os lábios pelo pescoço suave e, de súbito, sentiu medo. Nunca tivera tanto medo. Melanie o obcecava, deliciava, completava-o e isso era perigoso. Tinha perdido o pai, que idolatrava. A mãe se matara. Adell o deixara. Se perdesse Melanie...

      — Emmett! — protestou ela, porque ele a abraçava com tanta força que a machucava.

      Fitou-o e o que viu nos olhos do marido a emocionou. Ergueu-se nas pontas dos pés e beijou-lhe os olhos, o nariz, a boca até sentir que ele começava a relaxar. Então, encarou-o.

      — Emmett, nunca vou deixar você — disse e tapou-lhe a boca quando ele tentou falar. — Nunca.

      Beijou-o, selando a promessa, sabendo que o marido sentia algo profundo por ela, apesar de ele nunca ter falado a respeito. Passou os dedos pelos cabelos castanhos, rebeldes, e apoiou o rosto no peito dele, suspirando.

      Por cima da cabeça dela, Emmett fitava a porta, menos assustado, mas surpreendido por descobrir que àquela altura da vida não soubera de fato o que era amor, até encontrá-la. Queria dizer isso a Melanie, mas não era capaz. Seu coração parecia a ponto de estourar de tanta felicidade.

     

      Guy ficava nervoso perto do pai. Não esquecera a ameaça da escola militar e tentava manter-se fora do caminho de todos.

      Naquela noite, Emmett mandou os filhos para a cama e desligou a tevê bem antes de começar o noticiário.

      — Parece impaciente, sr. Deverell — disse Melanie, enquanto ele quase a arrastava para o quarto.

      — Impaciente, desesperado e algumas outras coisas. Como queria que essas paredes fossem à prova de som!

      Trancou a porta, ligou o rádio num programa de música country e explicou:

      — Estamos desesperados um pelo outro, não quero que ninguém escute e fazemos muito barulho...

      — Sim — concordou ela, já respondendo ao toque das mãos dele. — Faz tanto tempo!

      — Séculos, querida! — ele levou-a para a cama. Ainda não era possível ser gentil, pensou Emmett quando o quarto começou a girar ao redor deles, antes de perder a consciência de tudo que não fossem os dois.

      Mais tarde, livres da angústia do desejo reprimido, ele a excitou novamente, mas dessa vez com calma e quando a possuiu o fez num ritmo suave e doce, fitando-lhe os olhos, afastando os cabelos que lhe caíam no rosto, beijando-a na testa, nariz, pálpebras, rosto, murmurando palavras de amor.

      Quando a espiral do gozo os arrebatou, o corpo de Melanie estremeceu em espasmos violentos e, apesar do ritmo do amor ser lento e gentil, ela começou a chorar entre os beijos dele. E quando seu corpo assumiu o comando, retesando-se e forçando-se mais contra o dela, Emmett perdeu toda consciência do mundo ao redor.

      Estavam fortemente abraçados quando o quarto voltou a entrar em foco e Melanie chorava baixinho, numa reação ao impacto devastador do êxtase que Emmett lhe proporcionara.

      — Quero tanto ser delicado com você... — suspirou ele, triste — queria que esta vez fosse suave, lenta e gentil... mas não consigo!                                                             

      — Mas foi — protestou ela. — Emmett, foi sim!

      — Não no final.

      — Ah, sei. É, claro que não — concordou ela, meiga. — Você perdeu o controle. Mas, sabe? Gosto de ver você gritar e saber que é por minha causa, pelo prazer que meu corpo lhe dá.

      Ele tocou-lhe o rosto, maravilhado.

      — E eu gosto de olhar você quando goza... Nunca fiz isso antes, Melanie. O prazer que eu dava nunca me importou.

      — Que bom! Eu morreria por você, Emmett...

      Ele a abraçou com força, sentindo uma ternura e um apego tão fortes que doíam. De imediato os sentidos de Melanie despertaram, numa promessa de continuidade do prazer que tivera. Deitou-se sobre ele, abriu as pernas e fez com que a penetrasse, muito fundo, enquanto beijava-lhe o rosto e mexia os quadris. Quando ele começou a gemer, aumentou o ritmo e murmurou, apaixonada:

      — Te amo, Emmett... Te amo!

      Alucinado pelo gozo que se aproximava, avassalador, ele segurou os quadris de Melanie e arqueou o corpo, erguendo-o, e os dois alcançaram o clímax ao mesmo tempo. Num relâmpago, Melanie imaginou, se as crianças ouvissem...

      Então, o prazer explodiu, luminoso, tirando-lhe a capacidade de pensar.

      Uma semana depois, no café da manhã, Amy comentou:

      — Sei que gosta de música country, Emmett, mas tem de escutar tão alto?

      — É de amargar aqueles caubóis berrando! —reforçou Polk,

      Melanie ficou vermelha e não ousou olhar para Emmett, que prometeu:

      — Vou baixar o volume... É que nos ajuda a dormir.

      — Bill Turner me convidou para ir caçar, no sábado — disse Guy. — Vamos pegar esquilos e...

      — Não — disse Melanie, abruptamente.

      — Eu vou, se quiser — revoltou-se Guy, olhando-a com dureza.                                                       

      — Não — repetiu ela. — Emmett?

      Ele ergueu as sobrancelhas, sem compreender os sinais que sua mulher lhe enviava, mas achou que havia motivo para ela agir assim.

      — Papai? — pressionou Guy, beligerante.

      — Melanie disse que não, Coma seu ovo.

      — Ela não é minha mãe! — revoltou-se o menino. — Não pode me dizer o que fazer!

      — Ela é minha esposa e pode dizer-lhe o que fazer. Esta aqui é a casa dela, assim como minha, da Amy, do Polk e sua!

      Guy se levantou e gritou para Melanie:

      — Eu te odeio!

      Saiu correndo de casa. Queria ir caçar, atirar pela primeira vez com um rifle. O pai o deixaria ir, mas aquela mulher proibira e Emmett concordara! Foi para o bosque, determinado a passar o dia lá, e recusou-se a ir para casa, quando os irmãos foram chamá-lo.

      — Por que não quer que ele vá? — perguntou Emmett, assim que os menores saíram. — É a idéia de atirar num esquilo que a incomoda?

      — Não, é a idéia de Bill atirar nele. No fim de semana antes de nos casarmos, Bill estava atrás do curral com um rifle 22, atirando feito louco para todos os lados. Gritei com ele quando uma das balas passou perto de mim, só então parou.

      — Por que não me contou, Melanie?

      — Ele me implorou que não contasse, disse que você poderia despedi-lo e prometeu não fazer de novo. Não fez, mas é muito descuidado. Você confiaria a vida de Guy a ele?

      — Não, mesmo! — declarou Emmett. — Depois falo com Guy.

      — Acho que virei a inimiga pública número um de novo.

      — Ele entenderá quando eu explicar e não vai mais falar com você daquele jeito.

      — Olha só como está ofendido! — brincou ela. — Até parece que é louco por mim!

      — Sou louco por você.

      Melanie ficou séria:

      — Você o quê? — fitou os expressivos olhos verdes.

      — Amo você. Te adoro. Se fôssemos para o quarto eu mostraria quanto, mas é dia e a sra. Jensen não vai confundir aqueles seus gritos com a música...

      — Não sou só eu — rebateu ela, vermelha —, você também grita...

      — Eu sei — concordou ele, sem a menor vergonha. — Você me faz perder a cabeça. — Pegou-lhe a mão e colocou sobre o sexo desperto. — Veja como "ele" está...

      — Emmett!

      — Bom, tenho de ir trabalhar. Não quero, mas não me pagam para te beijar.

      Levantou-se e beijou-a.

      — Emmett... — murmurou ela — também te amo.

      — Você me diz isso com seu corpo, cada vez que fazemos amor. Eu também, mas você não tinha percebido, não é? — Ela assentiu. — Um dia, depois que esse desejo todo acalmar, talvez eu consiga fazer amor com você suavemente. Por enquanto não consigo me controlar e isso me deixa mal.

      — Por acaso reclamei? — Ela sorriu, feliz: — Não sabia que você me amava!

      — Agora sabe, mas não deixe isso lhe subir à cabeça! — Saiu, dizendo: — É bom a gente achar um programa de rock esta noite.

      Melanie estava encantada: o mundo era perfeito, Emmett a amava!

      A euforia durou até o jantar, quando foi dar comida ao Alistair e não o encontrou. Procurou na casa inteira, nos lugares prediletos dele, em vão. Fazia frio, ameaçava chover e o gato não sairia por vontade própria: detestava ficar fora e menos ainda se molhar.

      Lembrou-se que Guy estava bravo com ela e que quando se zangara deixara Alistair sair. Ele não faria essa maldade de novo, pensou, aflita. Foi para a sala de jantar, pálida.

      — Que houve? — perguntou Emmett.

      — Alistair sumiu.

      Falara sem olhar para Guy, mas todos o fizeram.

      — Não fui eu! — apavorou-se o menino.

      Era verdade, mesmo porque agora gostava do gato e não lhe faria mal. Mas todos o olhavam feio. Todos, menos Melanie, que sequer o olhara.

      — Eu não fiz nada! — angustiou-se ele. — Não vi Alistair o dia inteiro!

      — Você estava bravo com a Melanie porque ela não deixou que fosse caçar com o Bill — acusou Emmett.

      — Mas não deixei o gato sair! Pai, por que não acredita em mim?

      — Porque você soltou o gato de Melanie em Houston e ele terminou no canil municipal, onde ia ser morto se eu não chegasse a tempo!

      Melanie abafou um grito: Emmett não lhe contara isso! Guy ficou arrasado ao ver a angústia dela.

      Arrependia-se por ter se zangado tanto por causa do Bill. Queixara-se com um dos caubóis e ele lhe dissera que Bill estava proibido de caçar porque ferira sem querer; um colega, na última caçada; contara, também que Bill quase acertara Melanie há algumas semanas. Então, Guy compreendera a proibição e resolvera conversar com Melanie ao jantar, para pedir desculpas. Mas ela chegara falando no desaparecimento de Alistair...

      — Vamos — disse Emmett, jogando o guardanapo na mesa. — Todos para fora. Vamos achar Alistair, nem que leve a noite inteira. E depois, Guy, vamos conversar sobre o futuro.

      — Não pode me mandar pra escola militar! Eu não vou!

      — Vai, sim — disse Emmett, afastando-se.

      Melanie mal os escutava, preocupada. Guy melhorara até que o tinham proibido de ir caçar, de manhã. Jamais a aceitaria e a odiava mesmo, já que se vingara em Alistair outra vez.

      Guy estava tão arrasado quanto ela: ia ser mandado embora por algo que não fizera. Escola militar, uniforme, dureza, sem os irmãos para brincar, sem o rancho.

      Não era justo, o pai não podia fazer isso com ele!

      Os outros já tinham saído. Guy correu para o quarto, reuniu as poucas coisas das quais não podia se separar e foi até o escritório. Pegou o caderninho de telefones onde havia números de emergência, inclusive o da sua mãe. Sempre quisera usá-lo, mas não tivera coragem. Agora ia telefonar para ela: nada tinha a perder.

      O telefone tocou, tocou, enquanto ele olhava para a porta, nervoso. Não queria ser pego, tinha que ir embora e a mãe era a única esperança. Ela o amava...

      — Alô? — atenderam, por fim.

      — Mãe? Mãe, sou eu, o Guy.

      — Guy! Seu pai sabe que está ligando?

      — Mãe, ele arranjou outra esposa — segredou o menino, temeroso.

      — Eu sei, a irmã do Randy — Adell não parecia brava. — Melanie vai ser boa para vocês. Estou feliz que seu pai tenha encontrado alguém que ama de verdade, Guy.

      — Mas ela me odeia e me culpa por coisas que eu não fiz! — Guy procurava não chorar. — Posso ir morar com você? Eles não me querem aqui!

      Houve uma pausa.

      — Filho, é o que mais quero no mundo... — a voz de Adell era insegura. — Adoraria ter você, mas estou grávida e passando por um período difícil. Não poderia cuidar de você, porque preciso ficar na cama. Depois que o bebê chegar... Guy? Guy?

      Guy ficou olhando para o telefone que desligara. Sua mãe estava grávida, ia ter um bebê de Randy. Queria dizer que ela nunca voltaria. Ele não linha a quem recorrer. O pai casara e teria outros filhos. A mãe não o queria.

      Saiu de casa. Começava a chover, fazia frio e seu blusão não era impermeável, mas não importava. Nada tinha a perder. A vida segura, o pai, a mãe e a família não o amavam, não o queriam.

      Talvez conseguisse se virar sozinho. Tinha vinte dólares e não se assustava com trabalho pesado. Devia haver algum lugar onde não se importassem com sua idade.

      Tomou a direção da estrada principal, sem olhar para trás.

     

      — Alistair! — gritou Melanie. Procuravam há mais de meia hora e nada.

      — Você não vai me impedir desta vez — disse Emmett quando passavam pelo curral. — Guy precisa de disciplina. Vou mandá-lo para a escola militar em que estudei.

      — Mas ele estava se acostumando comigo, Emmett! Eu não devia ter dito nada sobre o Bill...

      — E deixar que ele saísse com aquele maluco, arriscando-se a ser morto? — interrompeu Emmett. — Melanie, parte do trabalho de ser pai implica em saber quando dizer não a uma criança pelo bem dela. É preciso esperar rebeliões, reclamações e resistir. Amar o filho não basta: a gente tem de prepará-lo para viver num mundo hostil.

      — É mais difícil do que eu imaginava — comentou ela, aflita. — Não quero que Guy sofra.

      — Nem eu, mas educação não é castigo. Acho que ele vai gostar da escola. No princípio eu não agüentava de saudade de casa, mas passei a gostar depois das duas primeiras semanas. Se ele não se adaptar, volta. Vamos procurar mais um pouco e...

      — Emmett — gritou Amy —, ele está aqui!

      Ele entrou no estábulo, guiado pela voz da filha. O sonolento Alistair estava no alto de um monte de feno.

      — Oh, seu monstro! — disse Melanie, pegando-o no colo.

      — Encontrou seu gato, não é? — era Larry, o mais velho dos caubóis. — Eu ia avisá-la que ele estava aqui, mas umas vacas escaparam e tivemos de ir atrás delas. Esse danado escapou quando fui à cozinha, falar com Ellie Jensen. Vou tomar mais cuidado, chefe...

      Cumprimentou, tocando a aba do chapéu e voltou ao trabalho.

      Emmett e Melanie olharam-se, chocados.

      — Guy! — exclamou ela. Ele respirou fundo:

      — Acho que eu estava errado... Vamos voltar e acabar com isso.

      Quando entraram na casa o telefone tocava. A sra. Jensen já havia saído e Emmett atendeu:

      — Emmett! Graças a Deus! É Adell. — Surpreendeu-se ao ver que não sentia nada ouvindo a voz da ex-mulher.

      — Oi, Adell — respondeu. — O que foi?

      — É o Guy. Estou ligando faz meia hora. Ele me telefonou, desesperado. Queria vir morar comigo, mas quando falei do bebê, desligou. Não queria contar para ele desse modo, Emmett. Não quero que ele pense que não o amo e não o quero...!

      — Não se preocupe — disse Emmett, gentil. — Ele deve estar no quarto e vamos acertar tudo.

      — Eu sabia que seria difícil para as crianças quando você casasse, mas Melanie é tão meiga, é exatamente o que vocês quatro precisam. Os garotos vão adorá-la quando se acostumarem.

      — Já adoram — ele suspirou —, mas estraguei tudo com minha cabeça-dura, Adell.

      — Eu é que fiz tudo errado — reconheceu ela. — Fugi quando devia ter sido honesta com você. Acho que se nos amássemos de verdade teria sido diferente. Mas eu não sabia o que era amar até conhecer o Randy. Espero que você me entenda.

      — Agora, entendo — disse ele, olhando para Melanie.

      — Você me telefona, depois que falar com o Guy?

      — Claro. Adell, estou feliz por você, o Randy e o bebê. Que tal vocês o trazerem para os irmãos o conhecerem?

      — Levaremos, sim. Olhe, eu acho se você e Melanie tiverem um bebê as crianças vão se aproximar mais dela.

      Ele olhou para Melanie e a idéia de terem filhos o perturbou.

      — Emmett? — chamou Adell.

      — O quê? Ah, sim. Ligue para as crianças ou escreva, se quiser. Elas podem ir visitá-la ou você e o Randy podem vir aqui. Diga a ele que prometo não lhe quebrar a cara!

      — Ele sabe — ela riu. — Nos sentimos culpados pelo que fizemos, Emmett, e estou feliz que esteja bem. Diga ao Guy que o amo e que pode vir para cá.

      — Direi — ele desligou. — Adell acha que devíamos ter um filho. — Beijou Melanie. — Acho uma boa idéia, mas não já, antes de sermos uma família de verdade.

      — Concordo — ela retribuiu o beijo. — É melhor dizer logo ao Guy que está tudo bem!

      Foram até o quarto e bateram, mas não houve resposta. Emmett abriu a porta e notou que alguns dos objetos prediletos de Guy tinham sumido. Não pôde esconder a preocupação.

      — Ele fugiu, não foi? — o pânico escureceu os olhos de Melanie.

      — Acho que sim...

     

      Guy, caminhava, encharcado pela chuva, cada vez com mais frio. Afinal, um carro com uma família mexicana, que ia para Houston, parou ao seu sinal. Com o péssimo espanhol que o pai lhe ensinara, disse que ia para casa, eles sorriram e convidaram-no a entrar. Pararam em Victoria para pôr gasolina e Guy achou melhor ficar ali: era uma cidade grande o suficiente para sumir nela.

      Ainda chovia. Saiu andando até encontrar uma espécie de armazém com a porta entreaberta. Entrou e deu com dois sujeitos mal-encarados.

      Chegaram à estrada no carro de Emmett. A chuva caía sem parar e Melanie roía as unhas. Já haviam ligado para a polícia e eles avisariam pela Faixa do Cidadão se o encontrassem.

      Emmett encontrara sinais de Guy saindo da casa e indo até a entrada, onde as pegadas de súbito sumiam. Depois de examinar a estrada, voltou para o carro.

      — Ele andou até aqui. Ainda bem que há lama. Foi em direção de Victoria. — Tornou a ligar o motor e seguiu para essa cidade. — Espero que a pessoa com quem ele pegou carona precise colocar gasolina e que seja alguém decente...

      — Guy é esperto — começou Melanie e desmoronou: — Droga! É tudo minha culpa.

      — Não é, não. Dá trabalho juntar cinco pessoas numa família — acalmou-a Ernmett.

      — Aprendi isso e para mim Guy é mais importante do que Alistair, apesar de eu amar aquele gato estúpido!

      Quando chegaram a Victoria, Emmett parou em todos os postos de gasolina. Estavam quase saindo da cidade quando encontraram um frentista que lembrava de um garoto como Guy:      

      — Ele estava todo molhado, veio com uma família de mexicanos, mas não quis ficar aqui...

      — Viu para onde ele foi? — perguntou Emmett, ansioso.

      — Estava ocupado e não reparei. Mas não pode ter ido muito longe porque faz uns quinze minutos e tenho certeza que não pegou outra carona.

      — Obrigado... Posso deixar meu carro aqui enquanto o procuro?

      — Sem problema, mas estacione ali. Emmett estacionou e todos saíram do furgão.

      — Vamos nos espalhar — organizou Emmett. — Amy vai com Melanie, Poik comigo. Se o encontrarem ou houver problema, gritem.

      — Certo, Emmett — disse Amy, compenetrada. — Fique frio, a gente vai encontrá-lo.

      — Pode deixar — Melanie tentou parecer confiante —, Amy e eu temos ótimos pulmões.

      As duas desceram por uma rua, Emmett e Polk por outra.

      Melanie mantinha o casaco bem fechado e não soltava a mão de Amy. Andaram um tempão, então resolveram voltar para o posto. Quando viu o pequeno armazém, ela disse:

      — Vamos dar uma olhada ali, Amy. Fique perto de mim.

      Quando se aproximaram, ouviram vozes, depois uma pancada forte, a porta abriu e Guy apareceu. Seu rosto sangrava e o blusão estava vestido apenas num braço. Um homem magro e sujo puxava a outra manga.

      — Eu disse que quero essa porcaria de cachecol — Disse o homem, com voz pastosa.

      — É o Guy! — exclamou Amy.

      — Sim — murmurou Melanie, os olhos cheios de amor  — Fique atrás de mim — ordenou e correu.

      Guy lutava com o homem, mas surgiu o outro, brandindo um bastão.

      — Deixem meu filho em paz! — gritou Melanie.

      Os homens pararam, olhando-a, e Guy também se voltou. Com os três imobilizados pela surpresa, Melanie iniciou um vôo incrível, acompanhado por um grito poderoso que encheria seu instrutor de orgulho, e atingiu com um pé a barriga do homem que segurava o blusão.

      Livre, Guy virou-se, rápido, e acertou um chute na virilha do outro sujeito, antes que ele pudesse usar o bastão, e deu-lhe um forte soco na cara, fazendo-o cair.

      — Você está bem? — perguntou Melanie, abraçando-o. — Oh, seu pestinha, se fizer isso de novo...

      Ela balbuciava, chorando, aflita por vê-lo machucado, abraçando-o e alisando-lhe os cabelos. Não sabia, mas agia com Guy do mesmo modo que Adell agira uma vez, quando ele caíra e se machucara muito.

      Garotos crescidos não toleravam essas coisas, pensava o menino, confuso. Ia dizer isso a Melanie, mas não já. Era tão gostoso ser assim abraçado!

      — Como foi que você fez aquilo! — ele perguntou, por fim.

      — Aquilo? — Melanie sorriu, sem jeito. — Bom, eu lutei tae-kwon-do, mas só até a faixa marrom.

      — Só marrom? — surpreendeu-se Guy. — Você foi demais! Que nem o Chuck Norris ou o Jean Claude Van Damme. Puxa, será que pode me ensinar?

      — Ensino e da próxima vez, você mesmo acaba com esses caras! — Melanie não sabia se ria ou chorava. — Escute, o Alistair está bem e foi um caubói que o deixou escapar. Desculpe a gente culpar você. Quer saber, Guy? Seu pai ficou maluco ao ver que você tinha sumido!

      Guy sentiu-se esquisito, começou a rir e não conseguia parar.

      — Estou bem — disse, quando pôde, e olhou os dois homens caídos. — Acho bom a gente dar o fora daqui. Você e eu podemos enfrentá-los, mas temos que pensar na Amy.

      — Tem razão — assentiu Melanie. — Eu queria ter uma arma!

      — Você sabe atirar? — perguntou Guy, quando seguiam pela rua.

      — Sei e ganhei prêmios de tiro ao alvo. Mas você não vai mesmo caçar com o Biíl — esclareceu ela, firme. — Ele é um perigo! Se quiser, vai comigo ou com seu pai, mas eu não caço, nem que minha vida dependa disso.

      — A gente não mata os bichos — explicou Guy. — Vamos só pra ficar reclamando do frio e, depois, sentar em torno da fogueira, comentar a caminhada, falar de carros, touros e relógios.

      — Ah... — fez Melanie, segurando o riso.

      — Mas acho que tudo bem se você for junto. Podemos atirar em alvos.

      — Eu também vou! — disse Amy. — Tenho o arco e flechas que o Emmett fez para mim.

      — E Polk pode levar o atl-atl — lembrou Guy. — Vamos ser a família mais perigosa da floresta!

      Melanie soltou a risada que prendera. Quando viraram a esquina, Emmett e Polk foram ao encontro deles.

      — Guy! — gritou Emmett, emocionado.

      O garoto correu para o pai, que o abraçou com força.

      — Meu Deus, você é terrível! Eu devia ter lhe dado umas boas surras quando era menor!

      — É, acho que sim... — concordou Guy, lutando para não chorar. — Me desculpe, pai!

      — Eu é que peço desculpas, filho, nós todos. Se soubesse como ficamos preocupados! Guy, se um dia, você fizer isso de novo, eu... eu...

      — Ele está tentando imaginar algo horroroso para ameaçar você — esclareceu Melanie, rindo. — Acho que vai levar algum tempo até conseguir.

      — Uns homens estavam batendo no Guy, Emmett — contou Amy, alvoroçada. — Melanie acabou com um e Guy com o outro. Eles estão caídos lá atrás.

      — Desgraçados, vamos lá! — Emmett nem prestou atenção no que Amy dissera sobre Melanie. — Por que bateram em você?

      — Queriam meu blusão... Eu devia ter sido esperto e não entrar lá, mas estava molhado e não pensei. São mendigos, eu acho.

      Quando chegaram, os homens tinham sumido, então os guerreiros Deverell entraram no carro e voltaram para casa.

      Fora difícil pôr na cama as três crianças exaustas, que não paravam de falar nos acontecimentos.

      Melanie encontrava-se nos braços de Emmett, depois de terem feito amor com imensa suavidade.

      — Era assim que eu queria que fosse na nossa noite de núpcias — sussurrou ele ao seu ouvido. — Mas estava faminto demais por você.

      — Quando formos fazer um bebê, quero que seja como hoje. Nunca estivemos tão próximos.

      — Eu sei... Acho que de agora em diante, Alistair vai ser o herói do Guy.

      — Amigos até o fim! Alistair está dormindo com ele.

      — Precisava ouvir Guy contando ao Polk como você derrubou aquele homem — Emmett riu com gosto. — E o Polk contou-lhe que você disse que ele era mais importante do que o Alistair. Guy ficou rindo sozinho.

      — Ele é um garoto especial e muito mais sensível do que parece. Não podemos esquecer isso e nada de escola militar, Emmett. Se ele for, eu vou junto.

      — Como guarda-costas? — zombou ele, carinhoso.

      — Ria se quiser, mas eu sou faixa marrom em tae-kwon-do.

      — O quê?

      Ela deu de ombros e indagou:

      — Não estranhou eu ter derrubado um homem daquele tamanho? Não tinha o que fazer nas noites de inverno, então entrei numa academia de caratê coreano...

      — Por isso não reclamou quando eu disse que fosse com Amy procurar o Guy. E o boboca aqui ficou todo preocupado!

      — Gosto que se preocupe comigo, mas é bom você saber que sei me cuidar — disse ela, rolando para cima dele para beijá-lo. — Há momentos que é ótimo ser vulnerável.

      — Agora é um deles? — Ela assentiu. — Então vamos ficar vulneráveis juntos...

      Randy e uma gravidíssima Adell foram visitá-los dois meses depois. As crianças aceitaram a condição dela sem problemas.

      Quando Emmett e a família foram levá-los até ao aeroporto, todos eram amigos. Randy, muito parecido com a irmã, sem dúvida era o homem perfeito para Adell.

      — É bom vê-los tão felizes — comentou Emmett, enquanto olhavam o casal dirigir-se para o avião.

      — É mesmo — murmurou Melanie. — Emmett, parece que vou explodir de tanta felicidade!.

      — Eu também. E as crianças foram ótimas, não acha? Nem parecem os três que se vestiram de índios no dia de Ação de Graças e atacaram aquele carro de turistas...

      — É.. Andam tão comportados!

      — Com licença? — Um segurança do aeroporto bateu no ombro de Emmett. — Aquelas crianças são do senhor?

      O guarda apontou para o corredor e Emmett viu três coisas: uma caixa de animal vazia, uma mulher que gritava e três crianças às gargalhadas, segurando uma sucuri de um metro e meio.

      Emmett não ousou rir porque o segurança podia se zangar. Colocou a mão sobre o coração e declarou, solene:

      — Nunca vi aquelas crianças até agora...

      Melanie lhe dirigiu um olhar que prometia uma noite solitária, depois correu para as crianças com a cobra.

 

                                                                                            Diana Palmer

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades