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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O ALIADO DO GIGANTE / Clark Darlton
O ALIADO DO GIGANTE / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O ALIADO DO GIGANTE

 

Um mundo nas malhas dos telepatas  e somente os mutantes podem romper o bloqueio mental.

Síntese da história da Terceira Potência:

1971 — O foguete Stardust chega à Lua e Perry Rhodan descobre lá encalhado o cruzador de reconhecimento dos arcônidas (Perry Rhodan — volume 1).

1972 — Formação da Terceira Potência contra a resistência conjunta das grandes potências da Terra e defesa contra invasões extraterrenas (volumes 2 a 9).

1975 — Pela primeira vez, a Terceira Potência intervém nos acontecimentos da Galáxia. Perry Rhodan depara no setor Vega com os tópsidas e tenta descobrir o enigma galático (volumes 10 a 18).

1976 — Perry Rhodan chega com a Stardust-III ao planeta Peregrino e consegue, juntamente com Bell, a imortalidade relativa (volume 19).

1980 — Perry Rhodan volta à Terra e luta por Vênus (volumes 20 a 24).

1981 — O Supercrânio ataca (volumes 25 a 27).

1982/83 — Aparecem os saltadores para excluírem a Terra como concorrente potencial ao comércio das Galáxias (volumes 28 a 37).

1984 — Ataque de Perry Rhodan contra Árcon (volumes 38 a 39).

Mesmo para os arcônidas Crest e Thora, que por 13 anos perderam o contato com sua pátria, Árcon ofereceu enormes surpresas — sem falar, naturalmente, em Perry Rhodan e em seus cosmonautas da Terra.

Apesar de tudo, conseguiram enganar o grande cérebro positrônico que há seis anos exercia a função de regente do Império Arcônida, e se apoderar da Titan, a mais possante espaçonave do universo conhecido.

Mas para ser reconhecido como O Aliado do Gigante, Perry Rhodan tem que cumprir uma missão muito importante...

 

                                               

 

Rogal ficou parado, tentando escutar qualquer ruído na escuridão. Era tudo silêncio e imobilidade. Talvez estivesse enganado. Os muros de pedra exalavam um frio úmido que não fazia bem a seus pulmões. O ar estava péssimo e sufocante. Em algum lugar estavam caindo, em cadência regular, gotas de água que se estatelavam em alguma poça. Rogal já havia sido liberado do poder hipnótico de André Noir.

Vários caminhos levavam ao palácio de Zarlt, tirano de Zalit, o quarto planeta do gigantesco sol vermelho Voga, a uma distância apenas de três anos-luz de Árcon.

Este caminho subterrâneo era conhecido apenas por poucos confidentes do legítimo soberano de Zalit, assassinado há algum tempo. Rogal se certificou de que sua pistola energética estava bem firme na cintura. Não tinha coragem de acender a lanterna, embora não esperasse que os vigias do palácio conhecessem o caminho secreto. Se o ex-guarda-costas Elton, do falecido Zarlt, não tiver mentido, o caminho secreto terminará exatamente nos aposentos de dormir de Demesor, que de oficial da Frota Espacial se havia guindado ao posto de novo soberano.

De modo inconsciente, os punhos de Rogal se retesavam quando pensava em Demesor. O nome do déspota incluía uma dupla traição. Primeiro mandou matar o velho Zarlt e depois concebeu o plano de se revoltar contra o Império dos Arcônidas, cujo vice-imperador era ele mesmo. Naturalmente, apenas de nome. Mas o domínio absoluto do gigantesco cérebro robotizado só poderia ser um fenômeno passageiro e, de maneira alguma, motivo suficiente para trair o Império. A idéia de ser dirigido por um robô também não agradava a Rogal, mas de qualquer jeito um robô seria mais justo do que um Zarlt com o nome de Demesor. E por isso é que Demesor devia morrer.

Depois desta pequena pausa, Rogal continuou sua caminhada. Sim, pensava ele, essa intenção não era um crime, mas uma ação justa, pela qual um planeta inteiro ficaria livre da ditadura de um homem ambicioso. Acima dele, ouviram-se de repente passos surdos, que se afastavam, sumiram por uns instantes e tornaram a voltar. Emudeceram exatamente em cima dele. Tinha a impressão de que alguém o estava olhando através da grossa cobertura de pedra. Um calafrio percorreu sua espinha dorsal. O susto foi tão grande que sentiu pontadas no coração. Mas o alívio veio logo. Como a fantasia prega sustos na gente! A tal pessoa não poderia, naturalmente, vê-lo. Foi tudo mero acaso, por certo explicado pelo fato de que um sentinela estava patrulhando pouco acima do local onde estava.

Continuou seus movimentos, respirando com intensidade, quando suas mãos tateantes sentiram uma barreira lisa.

A porta...?

A barreira era de madeira, como o guarda-costas desertor lhe havia descrito. Seus dedos procuraram até darem com um pequeno botão. Ficou então hesitante, pensando o que poderia haver atrás da porta. Quem sabe os guardas já o esperavam, avisados pelo misterioso instinto que prolonga a vida de tantos tiranos...? Ou seria apenas a continuação do corredor secreto e a escada-caracol entre as paredes, que levava para cima? Encostou o ouvido contra a superfície de madeira e ficou escutando de olhos cerrados. Não, não havia ruído algum. Girou vagarosamente o botão e a porta cedeu, continuando tudo escuro.

Penetrou no corredor, encostando apenas a porta. Sabia que deste lado não havia possibilidade de abri-la e de maneira que não poderia fechá-la, caso não quisesse perder a única possibilidade de retirada. Foi apalpando cuidadosamente para frente, até que os pés deram com o primeiro degrau da escada. Respirou pausado. O guarda-costas tinha falado a verdade. Seriam então ainda 368 degraus até o aposento de dormir de Demesor. No ducentésimo, fez uma pausa para respirar. Naturalmente não era uma escada-caracol de fato, era mais um corredor em ziguezague subindo em degraus. O palácio do Zarlt era, como todos os edifícios em Zalit, em forma de um funil. O cabo do funil era uma superfície circular de cinqüenta metros de diâmetro. Daí subiam os terraços em forma de arenas num ângulo de mais ou menos quarenta e cinco graus para fora e para cima, até terminarem numa altura de cento e cinqüenta metros. Aí em cima, o diâmetro dos círculos atingia uns duzentos e cinqüenta metros. Os andares arredondados tinham fachadas de vidro. A arquitetura em Zalit provinha dos arcônidas, como os próprios habitantes de Zalit não eram outra coisa do que simples descendentes dos arcônidas.

Pela primeira vez, Rogal se atreveu a acender sua lanterna de bolso, para se orientar. Sua pele bronzeada lembrava os índios da Terra. Sua cabeleira tinha reflexos de cobre. Na mão direita estava a arma de construção esquisita que deveria pôr fim à vida de Zarlt. A escada continuava subindo.

Novamente se percebiam passos regulares, que se afastavam, se aproximavam e depois desapareciam. O palácio devia estar cheio de guardas. Demesor era desconfiado como todos os ditadores.

Rogal sorriu de modo frio e apagou a lanterna. A escuridão parecia ter duplicado de intensidade. Sua mão apalpou a parede e continuou a caminhada. Estava consciente de que sua vida estava em jogo, pois o Zarlt não o pouparia, caso o apanhasse. Mas antes de morrer, tinha certeza disso, haveriam de tentar tudo para ficar a par de seus segredos. Imaginariam que tinha amigos, amigos que poderiam ser perigosos para o Estado. Principalmente haveriam de se interessar em conhecer o chefe do movimento clandestino.

Rogal estava decidido a pôr fim à vida, antes que conseguissem tirar dele qualquer segredo. Pensando assim, atingiu o último degrau. Terminava diante de uma parede lisa e fria. Mais uma vez se arriscou a acender a lanterna de bolso. O anunciado rebaixamento era tão reduzido que jamais o teria descoberto apenas apalpando. O primeiro empurrão abriria uma pequena fenda para se olhar, o segundo abriria um pouco a porta, por onde entraria no quarto de dormir do tirano. A lanterna foi apagada, pois já tinha visto o suficiente. Esperou até que seus olhos se habituassem novamente à escuridão e depois apertou o dedo contra o rebaixamento da porta. Houve uma vibração quase imperceptível e um feixe muito fraco de luz atingiu seus olhos. Com muito cuidado colocou o olho direito contra a fenda.

Viu um quarto muito grande, levemente iluminado por lâmpadas amortecidas no teto. Bem em sua frente, estava uma cama larga, onde um homem repousava. Estava encoberto por grossos cobertores que lhe deixavam livre apenas a cabeça. Via-se bem nítida a linha de seu corpo. Era o Zarlt Demesor.

Rogal estava cansado de ver no videofone o rosto de Demesor. Conhecia, e muito bem, os traços rígidos e ao mesmo tempo acolhedores do tirano. Lá estava o homem que queria trair Zalit e o Império, dormindo tranqüilamente. Rogal, neste momento, quase se sentiu um traidor, mas conseguiu dominar seus escrúpulos morais.

Seria realmente assassinato, quando se libertava um mundo inteiro de um homem que ameaçava trazer apenas guerra e desgraça? Não era melhor a morte de um do que de milhões? Com ponderações de justiça e bom senso, não se conseguia nada com ele. Portanto não havia outro meio a não ser usar de violência para fazer valer novamente a razão e o direito.

Rogal pegou a arma com firmeza, empurrou sem nenhum ruído a porta secreta para dentro da parede oca, deixando livre o caminho. Sabia que ela, através de um mecanismo embutido, ficaria aberta apenas dois minutos e depois se fecharia automaticamente. Era uma medida de precaução para evitar que pessoas estranhas viessem a saber da passagem clandestina, pela qual se podia sair despercebido, como também entrar no palácio.

Aí estava Demesor, a menos de cinco metros à sua frente, completamente indefeso. Rogal ainda estava indeciso. Deu três ou quatro passos, levantou a arma e apontou. O dedo indicador puxou o gatilho e um raio energético esverdeado atingiu com a velocidade da luz o rosto do homem que dormia, envolvendo-o numa auréola de fogo de raios cintilantes. Rogal viu horrorizado como o rosto começou a se dissolver, escorrendo em filetes incandescentes sobre o travesseiro, corroendo com um leve chiado os cobertores, até pingar no chão.

O Zarlt derretia...

Rogal fitava o incompreensível. Sua mão começou a tremer e os raios energéticos percorreram sem rumo o aposento até incendiar as cortinas das janelas, apagando-se em seguida.

Abriu-se uma porta lateral e três, quatro homens entraram no quarto, precipitaram-se contra o assaltante, tirando-lhe a arma. Rogal não reagiu. Olhava, como que fora de si, para o cadáver do Zarlt. O que estavam fazendo com ele no momento, não tinha nenhuma importância. Mas o Zarlt estava realmente morto...

Mãos fortes puxaram-lhe os braços para trás das costas. Num relance de vista Rogal percebeu que a porta secreta se fechava sem nenhum ruído. Pelo menos assim, os guardas não saberiam como ele tinha entrado no palácio. Não lhes fazia mal quebrar a cabeça com isso.

Sem nenhuma resistência deixou-se levar do quarto para fora. Admirou-se apenas de que ninguém se preocupou em olhar para o cadáver. Será que a morte do tirano era assim tão indiferente para os guardas? Empurraram-no para o aposento contíguo e depois para o espaçoso corredor circular.

Em algum lugar estava tocando um sinal de alarma. As portas se abriram e caras curiosas olharam por um instante para o grupo que passava. Depois fecharam-nas, como se estas coisas não fossem boas de serem vistas.

O alarma terminou. Os quatro guardas, que acompanhavam Rogal, pararam diante de uma porta. Um deles bateu. Alguém respondeu secamente e a porta se abriu. Um homem chegou até ao corredor e olhou com cara de sono para o grupo esquisito e para seu prisioneiro. Rogal sentiu como se uma mão de ferro apertasse seu coração. Viu que os olhos do Zarlt Demesor se tornaram de repente frios e impiedosos.

 

— Ele já devia estar de volta há muito tempo, se tudo corresse como planejamos.

A voz parecia preocupada, mantendo ainda um raio de esperança. Era a voz de uma pessoa mais idosa, sentada numa cômoda poltrona, diante de um aquecedor elétrico que lhe esquentava os pés. Além dele, ali estavam também presentes cinco outros zalitas, sendo que todos demonstravam aparência de tresnoitados.

— Ele pode estar atrasado — consolou um deles. — Quem sabe se teve de esperar para poder agir melhor. Há tantas possibilidades que nós não podemos imaginar...

— E se tiver acontecido a pior delas? Se o atentado fracassou e o coitado foi preso. Que irá acontecer se ele não tiver oportunidade de se matar... se então nos denunciar?

O interlocutor anterior meneou a cabeça.

— Rogal é um dos melhores dos nossos homens, faz tudo planejado e com a devida cautela. Jamais se arriscaria inutilmente.

 

O velho Zernif, ex-comandante da Frota Espacial de Zalit e almirante do falecido Zarlt, fez um gesto indeciso.

— O prazo terminou. Já passou muito da meia-noite e Rogal ainda não voltou. As medidas de segurança combinadas devem ser postas em ação. Se nos descobrirem aqui no esconderijo, Zalit está perdido. Mesmo os amigos não nos podem mais ajudar.

Os amigos... Por alguns instantes, os revoltosos se lembraram daqueles amigos, que numa nave de combate apanhada dos arcônidas haviam regressado ao seu mundo. Eles tinham mantido relações com o Zarlt e pareciam de acordo com o plano do grupo. Pois, não aprovavam as intenções de Zarlt e o classificavam de traidor.

— Devemos dar o fora daqui, independentemente do fato se Rogal teve sucesso ou não. Se Demesor escapou do atentado, a situação não está boa para nós. Ele não tem dó e nenhum de nós escapará.

— Se nos encontrar — acrescentou Zernif, alisando a barba bronzeada, que lhe dava um porte de figura respeitável. — Se Rogal for coagido a fazer denúncias, isto pode realmente acontecer.

— Rogal preferirá a morte.

— E se não lhe deixarem tempo para morrer?

Silêncio total. O almirante Zernif, falou baixo:

— Vamos esperar ainda meia hora, depois desapareceremos. Se Rogal ainda conseguir voltar, saberá onde nos encontrar.

A meia hora combinada passou, sem que Rogal aparecesse. Os chefes do movimento de resistência se prepararam para a partida. Sabiam que o caminho secreto para o palácio não tinha agora muita importância. Tinham que desaparecer mesmo, se não quisessem ser surpreendidos pelos carrascos do Zarlt. Pegaram suas armas, pistolas energéticas leves e pesadas de fabricação arcônida. Depois ligaram os detonadores de retardamento das bombas de dinamite, destinadas a mandar pelos ares a casa velha e abandonada, e com ela também, o ponto de partida do caminho secreto.

De repente, ouviu-se um ruído em determinado lugar da parede. Alguém pisava vacilante sobre cascalhos e batia compassadamente na parede. Zernif pôs-se a escutar. De início, seus olhos mostravam sinais de alegria, mas logo mais foram transformados em desconfiança e preocupação.

— Deve ser Rogal — disse alguém contente. — Ele tem que se apressar, pois as bombas explodem em trinta minutos.

— Quem sabe não é Rogal — murmurou o almirante Zernif, tentando esconder o medo em sua voz. — Por que razão não dá emite o sinal da senha?

Ninguém respondeu.

Se a pessoa que se arrastava nesta direção era realmente Rogal, deveria ter dado o sinal da senha: três pancadas leves na parede, antes de abrir a porta. Se esta se abrisse sem o sinal, certamente não seria Rogal que se aproximava do esconderijo.

Os homens se entreolharam, sem dizer uma palavra. Automaticamente suas mãos correram para a cintura, apanhando as armas. Destravaram a segurança e já lá estavam seis bocas de fogo apontadas para o local da parede onde se escondia a porta. Nenhum ruído passava despercebido de seus ouvidos atentos. Devia ser muito mais o número de pessoas reunidas atrás da muralha de pedra. A vibração dos pés o indicava. Não havia dúvida de que o atentado de Rogal fracassara. Mais ainda, os carrascos do Zarlt tinham descoberto o caminho secreto. Se com culpa de Rogal ou sem sua culpa, isto ainda teria que ser explicado.

Zernif sussurrou:

— Escondam-se todos, para que eles não nos vejam logo de início. Primeiro precisamos saber quantos são, e só depois que todos saírem do corredor é que começaremos a atirar. Compreendido?

Os cinco homens concordaram. Esconderam-se atrás de caixas e móveis velhos. O aquecedor elétrico já estava frio, mas ainda havia um arzinho de calor agradável no ambiente. No entanto os conspiradores já começavam a sentir frio. No fundo, podia-se ouvir o leve tique-taque dos detonadores de retardamento. Ainda restavam vinte minutos... e depois tudo iria pelos ares.

Na parede da frente, ouviu-se um estalo e a partir daí a parede começou a se dividir. Uma parte se projetou para a direita e a outra para a esquerda. Apareceu um vulto.

Rogal.

Tinha uma aparência esquisita, com os olhos vazios e sem expressão, fitando o ambiente sem ver nada. Atrás dele surgiram homens de uniformes coloridos, tendo às mãos as pistolas energéticas, em posição de logo. Empurraram Rogal para frente. E como nada tivesse acontecido, entraram depois dele. Eram ao todo doze guardas do palácio, entre eles dois membros da temível polícia secreta do Zarlt.

O almirante Zernif os reconheceu imediatamente e percebeu ainda muito mais. Levantou a arma contra os dois policiais e gritou bem alto:

— Pela liberdade e pelo império! — e atirou.

Seus cinco companheiros só estavam esperando por isto. Saltaram de seus abrigos e fizeram fogo cerrado contra os doze soldados de Zarlt. Um destes, apesar do perigo iminente, avançou uns passos para frente e tirou Rogal da linha de fogo. Sem nenhuma consideração, deu-lhe um estúpido empurrão, atirando-o ao chão. Só depois é que se dirigiu ao inimigo.

Num minuto depois, estava tudo terminado. Os doze guardas palacianos estavam mortos e dois dos revolucionários estavam caídos. Zernif tinha recebido no braço um tiro de raspão, o que porém não o impedia de parecer muito feliz. Mas não havia muito motivo para isto.

Rogal ainda estava no mesmo lugar. Olhava abobalhado em torno de si. Um simples exame dos seus olhos arregalados e sem expressão convenceu Zernif de que ele não tinha cometido nenhuma traição consciente. Alguma coisa havia acontecido a ele. Se sua suspeita se confirmasse, Rogal estaria praticamente morto ou, em outras palavras, seria melhor que morresse.

Não havia mais tempo. Em quinze minutos, as bombas detonariam e da velha construção não sobraria nada.

— Cuidem de Rogal, temos que levá-lo conosco. Talvez consigamos saber qualquer coisa. Precisamos nos apressar.

Já estava ficando noite. Ao longe brilhavam as luzes de Tagnor, a capital do planeta Zalit com quase 30 milhões de habitantes. Depois de caminhar alguns passos, embarcaram no carro escondido entre a vegetação do parque. O motor começou a roncar. Duas curvas depois alcançaria a estrada de saída.

O momento estava chegando. De repente, uma língua de fogo cortou o céu escuro, e uma enorme compressão de ar varreu a solidão do parque, enquanto que um estampido ensurdecedor atingia toda a região.

Não havia mais caminho secreto para o palácio do Zarlt.

 

O Espaçoporto de Tagnor tinha vinte quilômetros de diâmetro. Era realmente muito grande, mas ao mesmo tempo muito pequeno, em relação com o inimaginável movimento nele reinante. A quase cada minuto subiam e desciam espaçonaves de carga, luxuosos gigantes de passageiros, belonaves e cruzadores da frota dos zalitas. Era como se fosse um enorme pombal.

Esta era, pelo menos, a opinião de Reginald Bell. Sua pesada estatura repousava numa frágil poltrona, diante das instalações de controle da tela panorâmica, por meio da qual observava o movimento no espaçoporto. Vez por outra, um sorriso feliz percorria seu rosto largo e seus cabelos eriçados davam a entender, mais do que tudo, que não havia motivo para inquietação. Ele não estava sozinho na enorme central da Titan, como haviam batizado a belonave aprisionada. Com um diâmetro de um quilômetro e meio, era a maior nave esférica conhecida no Universo, um novo produto da tecnologia dos arcônidas.

O corpo magro, esguio de Perry Rhodan, estava apoiado na mesa de navegação, parecendo se sentir bem nesta posição. O rosto pequeno demonstrava concentração e contentamento ao mesmo tempo. Era como se todos os cuidados tivessem desaparecido ou nunca tivessem existido. No entanto, existiam e bastante.

— Um verdadeiro desfile da frota, permita-me a observação — disse Bell, meio aereamente, como se tudo isto não tivesse importância alguma para ele.

De suas palavras, se podia deduzir um subconsciente de superioridade. Rhodan confirmou distraído.

— Você que o diga, amigo — murmurou ele. — Pergunta-se apenas quem lhe deu a ordem: o cérebro robotizado em Árcon ou o Zarlt?

Bell deixou de responder, porque nada sabia. Continuou olhando para os painéis de controle, dedicando-se ao trabalho de sua responsabilidade.

A Titan estava à beira do espaçoporto, já bem próxima da estrada de saída de Tagnor. A metade inferior da possante nave esférica estava estacionada num hangar vazio, colocado à disposição pelo zeloso e serviçal Zarlt. Naturalmente, não sem segundas intenções. Ainda esperava que Rhodan lhe fosse contar de que maneira tinha conseguido romper o anel de defesa do sistema de Árcon.

Estava esperando isto, inutilmente, há algumas semanas e sua esperança parecia em definitivo esgotada. Rhodan aguardava tranqüilo até o momento em que o Zarlt deixasse cair a máscara.

A porta se abriu e entrou uma espécie de Mickey Mouse de um pêlo marrom-ferrugem: talvez um metro e meio de comprimento, orelhas grandes, focinho comprido e uma cauda larga de castor. Nos olhos castanhos havia um vislumbre de brejeirice e humor.

— Alô — guinchou o singular animal, no mais puro intercosmo e se acomodou muito à vontade numa espreguiçadeira. Por alguns momentos ficou contemplando, muito compenetrado, a Bell, que estava concentrado olhando para o painel de controle. Depois, suspirando conformado, se dirigiu a Rhodan, para continuar seu relatório já iniciado. — Estão chegando novos moofs.

A curiosidade de Rhodan despertou repentinamente:

— Quem os trouxe?

— Naves da frota do Zarlt, mas descobri que não são eles propriamente os responsáveis pelo transporte. Eles recebem a respectiva carga através de naves estrangeiras nos confins do sistema.

— Ah... — murmurou Rhodan, refletindo um pouco. — Eu suspeitava disso. Os desconhecidos não desistem.

— Devemos continuar, Tama e eu?

Rhodan fez que sim. Segundo sua opinião, era uma carnificina sem sentido, trazer para este mundo novas levas de moofs. Por outro lado, a situação se tornava perigosa quando os moofs aumentavam. Devia-se ao menos tentar controlar o aumento dos moofs.

Os moofs...

Constituíam realmente um problema. Alguém que permanecia oculto atrás dos bastidores, prudentemente, mandava trazer para Zalit os “inaladores de metano”, possuidores de forças telepáticas, acondicionados em recipientes pressurizados de vidro, onde ficavam as medusas de metro e meio de altura. Além da telepatia, possuíam também o dom da sugestão, que comparados aos níveis da Terra eram relativamente deficientes. Apesar disso, tinham conseguido influenciar o Zarlt e, com ele, a camada dirigente de Zalit. O Zarlt devia conquistar o Império dos Arcônidas para uma raça desconhecida. Rhodan já havia percebido isto. E este fato era suficiente para colocá-lo diante de uma difícil decisão.

O poderoso reino sideral dos arcônidas não era dirigido por seres humanos, mas sim pelo maior cérebro positrônico conhecido do Universo. Independente do fato de que ninguém sente simpatia por uma máquina, o regente robotizado não tinha tratado bem a Rhodan. Perseguiu-o e o considerou como o inimigo número um da nação. Os arcônidas mesmo, vagabundos decadentes e amigos da boa vida, pouco se incomodavam com os acontecimentos dentro do Império. Deixavam tudo por conta do cérebro robotizado e estavam convencidos de que ele os governava para seu próprio bem. Em parte, isto era verdade, mas Rhodan não podia se conformar com a idéia de que centenas de raças inteligentes ficassem dependendo das decisões lógicas de um robô.

Assim, lhe pareceu razoável, desde o início, a aspiração do Zarlt de Zalit de destruir o cérebro positrônico e mesmo de se apoderar do Império. Mas depois surgiram os moofs.

Eram eles os tramadores dos acontecimentos, como se acreditava a princípio. Dominavam a inteligência dos zalitas e os incitavam à rebelião contra Árcon. Até que se positivou que isto era um grande erro. Os moofs agiam sob comando e sob coação de desconhecidos, que naturalmente pensavam em colher os frutos da revolta. Além disso, se constatou que o Zarlt era tirano e assassino, que se tornou criminoso sem nenhuma influência sugestiva dos moofs.

Rhodan via agora uma possibilidade de provar ao cérebro robotizado de Árcon que estava ao lado do Império e não tinha, pois, intenção de prejudicá-lo.

Havia chegado a este ponto de suas considerações, quando Bell quebrou o silêncio:

— A Central de Rádio está chamando, Perry. Você vai atender ou devo eu fazê-lo?

— Obrigado, continue, por favor, no painel, já vou.

A Central de Rádio estava bem próxima.

— Que há de novo?

Um dos oficiais entregou a Rhodan uma folha de papel.

— Uma mensagem do Major Deringhouse — Urgente.

“Major Deringhouse”, pensou Rhodan, recebendo a mensagem, sem lê-la imediatamente.

Voltou para a Central, onde Bell o aguardava curioso. Deringhouse comandava a frota espacial da Terra e estava de prontidão. No entanto, o cérebro robotizado podia ter sabido através dos saltadores, de que planeta provinha Rhodan. E se assim fosse, a Terra corria grande perigo. Uma única nave-robô podia transformar o sistema solar numa nuvem radioativa apenas com o emprego de bombas dos arcônidas: as bombas de gravitação. Embora a Terra estivesse a uma distância de 34 mil anos-luz, para evitar o perigo de ser radiogoniometrado, Deringhouse havia enviado a mensagem de um ponto qualquer das Galáxias.

Bell perguntou:

— E então?

Rhodan apanhou o papel e o leu em voz alta:

 

Para Perry Rhodan, setor Árcon. A respeito sua pergunta sobre a traição saltadores. O cérebro positrônico em Vênus ficou equipado com todas as informações disponíveis. A investigação dá uma certeza de 99,08% de que os saltadores não denunciaram a posição da Terra para Árcon. Muitas felicidades. Aqui tudo em paz e em ordem.

ass. Deringhouse.

 

Bell respirou sensivelmente aliviado.

— Nossa boa e velha Terra ainda existe. Às vezes, a gente esquece que ela está a uma eternidade daqui. A luz necessita de trinta e quatro mil anos para chegar até lá.

— Nenhuma conferência agora — interrompeu-o Rhodan. — A mensagem não diz absolutamente que o perigo já passou. Pelo contrário, o cérebro robotizado de Árcon nos procura. Se o Zarlt está saturado com o nosso jogo, haverá de denunciar nossa origem. Mostraria assim também sua lealdade para com o cérebro, podendo assim muito mais facilmente enganá-lo mais tarde.

— Cheguemos então antes dele — propôs Bell, com um sorriso confiante. — Denunciemos o Zarlt e o cérebro robotizado fica nosso amigo e nos dá de presente talvez até a nave apreendida.

— Não totalmente assim, mas algo semelhante, é o que imagino — respondeu Rhodan. — Mas não nos esqueçamos que atrás do Zarlt estão os moofs e atrás destes, novamente os desconhecidos. Encontrá-los é realmente nosso maior dever.

Fez uma pausa, mas antes que Bell pudesse retrucar alguma coisa, continuou:

— Mas julgo que devemos resolver esta missão passo a passo. E o primeiro passo se chama: Zarlt. O problema deve ser atacado pelo lado deles. John Marshall entrou em ligação com o líder do movimento clandestino, um ex-almirante Zernif. Vamos ajudá-lo em seus propósitos.

— Que é que ele pretende mesmo?

— Vingar o Zarlt assassinado e estabelecer seu legítimo sucessor.

Bell olhou para Rhodan:

— E o novo Zarlt reconhece a soberania do cérebro robotizado sobre o Império de Árcon?

— Sim, porque no momento não existe solução melhor. Os próprios arcônidas não podem mais governar um império que tem uma extensão de quase 230 anos-luz.

— Quer dizer então que ajudaremos mesmo o cérebro?

Rhodan fixou a parede e disse baixo, num tom quase de resignação:

— Sim.

 

Do ponto de vista espiritual, o corpo de mutantes de Perry Rhodan era a maior força no setor conhecido do lado externo da Via Láctea. A explosão da bomba atômica produziu em alguns homens alterações singulares na estrutura do cérebro. Estas alterações os transformou em mutantes. Se algumas destas faculdades adquiridas foram hereditárias, ainda não pôde ser constatado.

Quanto à distinção entre mutantes positivos ou negativos, isto depende, no sentido político, das qualidades de caráter e da capacidade destes homens. Os membros do corpo de mutantes foram, sem exceção, mutantes positivos. Havia telepatas, telecinetas, teleportadores, observadores, orientadores, hipnos e auscultadores de freqüência. Havia também um, que, com a força de sua mente, podia provocar explosões atômicas a grandes distâncias.

O telepata John Marshall era o chefe oficial dos mutantes. Cidadão australiano, que hoje pertencia à Terceira Potência de Perry Rhodan, colaborou sempre para a união da Terra e agora que o planeta já alcançara este objetivo, acompanhava Perry Rhodan em sua jornada para Árcon.

E com ele, o corpo dos mutantes.

Pertence também a este grupo: Gucky, o pequeno rato-castor. Era não apenas telepata, mas também telecineta e teleportador. Esta multiplicidade de faculdades parapsicológicas caracterizava Gucky automaticamente como um gênio universal, o que não o tornava cheio de si. Todos gostavam muito do pequeno ser que Rhodan havia encontrado no planeta Vagabundo.

Juntamente com Tama Yokida, o telecineta japonês, Gucky estava em ação. Tratava-se de ficar livre dos perigosos moofs, que, com seu dom de sugestão, exerciam uma influência nociva sobre os zalitas. Bastava que Tama e Gucky unissem seus dons telecinéticos num impulso bilateral e a estrutura molecular dos recipientes pressurizados se alteraria. Originar-se-ia uma perfuração, por onde escaparia a atmosfera de metano, elemento essencial para a vida dos moofs.

Já tinham terminado os exercícios diários de alarma. Rhodan estava ciente de que cada um dos seus conhecia suficientemente a gigantesca espaçonave, para poder atingir bem rápido qualquer estação ordenada — o que não era uma bagatela, tomando-se em consideração o volume de um esfera espacial de quilômetro e meio de diâmetro.

Os dois arcônidas Thora e Crest estavam junto dele na Central. Thora, de estatura elevada, de cabelos brancos e olhos cor de ouro estava sentada calmamente em sua poltrona e não desviava o olhar de Rhodan. Crest ficou de pé. Ele também era de constituição albina, como toda sua raça, com a qual parecia agora não ter nenhuma ligação, depois que seu clã não pertencia mais à casta governante. Já fazia seis anos que o cérebro robotizado dominava o Império. O imperador Orcast XXI não era mais do que um fantoche.

Thora e Crest foram os que, há treze anos atrás, fizeram uma descida forçada na Lua da Terra e deram a Perry Rhodan o poder de transformar a Terra numa potência cósmica.

— O Zarlt deixou cair a máscara — disse Rhodan sem rodeios. — Acabo de receber um comunicado de que ele, aliás, não só deu nossa posição ao cérebro robotizado, como também deixou transparecer em sua embaixada em Árcon que sua frota espacial conseguiu identificar a nossa origem. Pediu, para reforço, naves de combate comandadas por robôs. Houve depois uma advertência via rádio para o nosso endereço, o que significa simplesmente uma proibição de levantar vôo. Pretende, pois, nos deter aqui.

— Qual é o significado de todas estas manobras? — perguntou Crest. — Por que não denuncia ao Cérebro onde nós estamos?

Rhodan sorriu.

— Se você se colocar na situação de Demesor, a resposta não lhe será difícil. Demesor quer tapear o cérebro robotizado, para depois assumir o poder. A Titan é a mais possante nave espacial de Árcon, mas está em nosso poder. Que adianta a Demesor se o cérebro robotizado dela se apoderar? Por isto é que pede reforços, para prender a todos nós. Depois ele avançará contra Árcon, pois está crente que rompemos o anel de segurança unicamente porque possuímos a Titan. Como ele poderá saber que foi apenas com o auxílio do transmissor fictício em Ganymed?

Crest concordou.

— Ah, quase já me havia esquecido da Ganymed, embora tivéssemos iniciado a expedição com ela e só depois é que conquistamos a Titan. Está tudo certo, Perry, mas acho que o Zarlt calculou mal.

Perry continuou sorrindo.

— Mas eu gostaria primeiro que ele não percebesse isto. Para mim é muito mais importante que o cérebro robotizado se convença da nossa lealdade. Você tem qualquer sugestão neste particular?

Antes que Crest respondesse, Thora deu sua opinião:

— Por que não iniciamos contato com ele?

Rhodan abanou a cabeça amigavelmente.

— Já o tentamos, mas ele não reagiu. Quem sabe a recepção em superonda não é constante. Então devemos nos aproximar um pouco mais.

— De Árcon?

— Por que não?

Crest acrescentou:

— Acho que não é tanto a distância que impede o cérebro de nos ouvir. Suponho antes que os zalitas armaram uma abóbada de bloqueio magnético em torno de seu planeta. Atua por polarização. As mensagens que chegam passam livremente, mas as que saem são retidas. O processo pode ser também invertido. Só assim se explica o silêncio do cérebro.

— Quer dizer que bastaria então — constatou Rhodan — que apenas nos afastássemos um pouco da atmosfera, para conseguirmos entrar em contato?

— Teoricamente, sim — concordou Crest convencido.

Rhodan ponderou por um momento.

— Você pode ter razão, mas se vamos realmente tentar, não devíamos esquecer nossas provas — virou-se para a mesa de controle e apertou um botão. Alguém atendeu. — Mande John Marshall para cá imediatamente. Deve vir também o tenente Tifflor — desligou novamente e se virou para os dois arcônidas para mais explicações. — Não se pode exigir de um cérebro robotizado que aceite simplesmente a palavra de honra de um estranho.

— Você tem algum plano? — indagou Thora.

Rhodan meneou a cabeça afirmativamente, sem conseguir impedir que seu olhar se demorasse mais longamente em seu rosto severo, mas ainda muito lindo. Que transformação tinha se dado com ela? Sua altivez não tinha limites e seu ódio não tinha semelhante. E hoje, depois de haver reconhecido como estava apagada a herança espiritual dos arcônidas e como estava cheia de vida a jovem raça dos terranos, houve uma grande transformação em seu interior, que se exteriorizava não apenas por uma revisão em sua filosofia de vida, mas principalmente em sua posição pessoal para com Rhodan.

Há tempos atrás, Rhodan podia apenas suspeitar, porém hoje tinha plena certeza de que, em seu íntimo, ele a amava. Mas a concretização deste amor devia permanecer irreal, pois entre ele e ela havia a eternidade. Não mais o abismo de cultura de dez mil anos, mas a própria eternidade. Pois Rhodan tinha recebido do Imortal a ducha celular prolongadora da vida, que não foi concedida a Thora. Rhodan não envelhecia mais, Thora porém...

Interrompeu o pensamento. Agora não havia solução para o problema e nenhuma resposta para suas perguntas. Um dia, porém, tinha que haver uma solução ou melhor uma decisão. Tinha tanta atração por ela, e por outro lado tinha também tanto medo dela.

— Sim, Thora, tenho um plano. Faremos uma visita ao cérebro robotizado com a Gazela.

— Com a tele-sonda? Através do anel de segurança?

Rhodan sorriu e balançou a cabeça.

— Não uma visita direta, Thora. Algumas horas-luz serão suficientes para fugirmos do radio bloqueio. Depois entraremos em contato com o cérebro por meio do videofone. O Zarlt deve ficar sem saber nada, então da Ganymed nos transportaremos num salto com o auxílio do transmissor fictício.

— Uma bela idéia, Perry — disse Crest — estou de acordo. Mas o que você pretende dizer ao cérebro robotizado?

— A verdade. Vou reconhecê-lo plenamente como regente do Império.

Thora não parecia muito contente com a resposta.

— Vamos reconhecer então que não são os arcônidas, mas sim um robô quem domina o Império?

— Primeiramente, não temos outra opção e em segundo lugar acho que a atuação do cérebro não é desvantajosa para o Império. Repare este Orcast, Thora. Acredita sinceramente que ele conseguirá manter unido o reino decadente?

— Orcast certamente não — concordou Thora. Havia brilho intenso em seus olhos cor de ouro. — Mas o clã dos Zoltral não está tão decadente.

Thora e Crest pertenciam a este clã.

— Virá o tempo em que o clã dos Zoltral haverá de dominar novamente — disse Rhodan com ênfase. — Aí então podemos tratar da substituição do cérebro robotizado. Na presente situação, porém, é indispensável captar a confiança do regente.

Thora fitou Rhodan por mais algum tempo, depois abaixou a cabeça.

— Acho que terei de lhe dar razão, Perry. Quando é que partimos então?

Rhodan não deu resposta, pois neste momento entraram na Central John Marshall e o tenente Tifflor. Tiff, como ele era chamado em geral, parecia muito com Rhodan, embora fosse vinte anos mais moço. Tinha se destacado muito em várias missões especiais e gozava da confiança ilimitada de Rhodan. A porta se fechou sem nenhum ruído. Perry fez um sinal para os dois e foi falando diretamente:

— Tiff, ponha-se em contato com o major Freyt e combine os preparativos para a decolagem da Gazela com o transmissor fictício. Tripulação: Thora, Crest, Gucky e eu. John Marshall vai tentar trazer para cá o almirante Zernif, se necessário, por meio de Ras Tschubai. Bell toma o comando da Titan, durante nossa ausência. Isso é tudo. Nós nos encontramos em duas horas na Ganymed. Alguma pergunta?

— E eu fico sobrando — murmurou Bell decepcionado. — Que é que eu vou fazer aqui, onde nada acontece?

— Como é que você sabe que nada vai acontecer? — perguntou Rhodan seriamente. — Eu quero ter a certeza de ter deixado um comandante de confiança na Titan, durante minha ausência. Não se pode brincar com uma espaçonave como a Titan.

Meio convencido, Bell estava mais contente. De qualquer maneira, Rhodan lhe havia confiado uma responsabilidade muito grande.

 

Na segurança do quartel-general clandestino, Zernif e seus amigos tinham oportunidade de tratar de Rogal. Voltando de um atentado malogrado, em circunstâncias tão misteriosas, ele estava com toda certeza sob a influência de um grande choque. Seus olhos arregalados fitavam o vazio e seus lábios cerrados estavam mudos. Não respondia a nenhuma pergunta.

Estavam todos sentados em volta dele e tentavam obter-lhe uma palavra esclarecedora. O atentado fracassou completamente? Não tivera oportunidade de atirar no tirano? Prenderam-no antes disso? Foi traído por alguém?

De olhos abertos, ele encarava a luz forte do dia. O almirante Zernif murmurou:

— Está sem sentidos. Talvez lhe precisamos dar uns dias de repouso. Em breve saberemos se o Zarlt ainda está vivo, se o atentado foi bem sucedido. Talvez os estranhos nos possam dizer alguma coisa. Este tal Rhodan tem um grupo de homens maravilhosos. Alguns deles nós já conhecemos.

De repente, todos se viraram. Ouviu-se um ruído bem no meio da sala. Ninguém podia entrar aqui despercebido, pois o quartel-general estava a dez metros abaixo do solo, bem próximo da cidade. Os dispositivos de segurança jamais falharam.

O que presenciaram foi de arrepiar-lhes os fios dos cabelos. Do nada, materializaram-se duas figuras humanas. Uma já era conhecida de Zernif. Era o homem que se chamava John Marshall. Pertencia ao grupo de Rhodan, este estranho misterioso, que parecia estar do seu lado, embora não lhe tivesse prestado ainda nenhum auxílio. O outro homem era-lhe desconhecido. Sua pele quase preta era estranha e fora do comum. Será que ele pertencia também ao grupo de Rhodan?

Zernif se conteve. Sua mão, que repousava na coronha da arma, voltou automaticamente à posição normal.

— O senhor? Como é que chegou até aqui?

— Com o auxílio de meu amigo Ras Tschubai, que agora lhe apresento. É teleportador.

Zernif se levantou. Por uns instantes se esqueceu de Rogal. Os demais revoltosos continuaram preocupados com a vigilância, graças à qual deviam sua vida.

— Como é que os senhores nos acharam?

— Não foi difícil, Zernif. Viemos pedir sua ajuda.

— Minha ajuda? Como podemos ajudá-los se vocês são mais poderosos do que o próprio Zarlt?

— Vocês vão saber logo. Este não é Rogal? Que aconteceu com ele? Parece estar sob coação hipnótica.

— Achamos que são as conseqüências de um choque mental. Temos que saber o que houve com ele.

Marshall comprimiu os olhos. Seu primeiro pensamento foi que os moofs pudessem ter rompido sua barragem natural de defesa.

— Onde foi que aconteceu isto?

Zernif hesitou um pouco em responder.

Não podia supor que Marshall estava lendo seus pensamentos. Depois, resolveu contar ao estranho toda a verdade. Falou rapidamente do planejamento de todo o atentado. Marshall acompanhou todo o relato.

— Portanto, na noite passada? Então fracassou o atentado, pois ainda hoje, antes do meio-dia, o Zarlt deu novas ordens que são claramente contra nós, seus hóspedes. Quem sabe ele acha que somos responsáveis pelo acontecimento? E Rogal voltou desta maneira? — olhou na direção do revoltoso, cuja posição ainda era a mesma.

Continuava olhando fixamente para a claridade forte.

— Posso examiná-lo um pouco?

Era apenas um pretexto para penetrar, com toda calma, nos pensamentos de Rogal. Marshall se espantou ao notar a intensa barragem de proteção que estava enfrentando. Não tinha faculdades de sugestionador. Quem poderia ajudar aqui, seria André Noir, o hipno do corpo dos mutantes. Virou-se para Ras Tschubai, dizendo:

— Você nos pode teleportar para a Titan, a mim, Zernif e Rogal ao mesmo tempo?

O africano abanou a cabeça.

— É muito arriscado, eu proponho levar cada um separado para a nave. O tempo é o mesmo.

— Certo — respondeu Marshall, explicou a Zernif a finalidade de sua visita. E depois acrescentou: — Levamos Rogal conosco e vamos ver o que podemos fazer com ele. Trouxe aqui um aparelho de rádio, por meio do qual vocês estarão sempre em contato com Rhodan. Fiquem na escuta. Agora vamos primeiro a Rogal.

Os homens ficaram quase atônitos, quando o negro com Rogal desapareceram repentinamente. Dez segundos após, materializou-se novamente e levou Zernif. Depois veio a vez de Marshall.

Ficaram todos silenciosos, olhando ansiosos para o misterioso aparelho que emitia um leve zumbido. Era sua única ligação com o mundo exterior.

 

O transmissor fictício do planeta Peregrino era realmente uma coisa maravilhosa.

Podia teleportar qualquer tipo de material em fração de segundo, para qualquer lugar, por meio da quinta dimensão, independente de se tratar de bombas atômicas ou de seres humanos. No Universo inteiro, nunca se tinha visto uma arma mais perfeita. As cúpulas de proteção não adiantavam mais nada às grandes naves espaciais, se as bombas desmaterializadas eram teleportadas para o seu interior e aí detonavam.

Mas hoje, Rhodan estava usando o transmissor para fins pacíficos. Devia conduzir a Gazela despercebidamente para o espaço. O aparelho de telerreconhecimento era uma espécie de disco voador com um diâmetro de mais de trinta metros. Seu eixo vertical tinha dezoito metros e o raio de ação era de 500 anos-luz. Seu equipamento bélico consistia de raios energéticos de superimpulso de origem arcônida.

Tiff anunciou que a Gazela estava pronta para partir. Thora, Crest e Marshall já estavam a bordo. Rhodan estava esperando por Gucky, que devia aparecer a qualquer momento. Enquanto isso Perry conversava com o major Freyt, comandante da Ganymed.

— Caso houver, nesse ínterim, um ataque contra ela e contra a Titan, então defendam-se. A Ganymed vai para o espaço e aguarda, na posição combinada, por eventuais ordens. Ninguém conseguirá encontrá-la, pois nenhum rastreador de estrutura pode localizar seu salto. Com a Titan é diferente, e é por isso que ela fica onde está.

— Está certo — tranqüilizou Freyt. — Saberei defender minha pele. E quanto a Bell, também não tenho dúvida alguma.

Rhodan queria responder, quando o rato-castor se materializou.

— Cá estou eu — disse ele — estava ocupado com Tama, atacando um grande transporte de moofs. Mandei embora Tama juntamente com Ras.

— Estamos esperando por você — respondeu Rhodan, despedindo-se de Freyt. — Até logo mais, comandante.

— Pescoço e perna quebrada — desejou este.

— Nada disso — respondeu Gucky brincalhão, acompanhando Rhodan com um pequeno salto, já que os degraus da escada para bordo eram muito altos para ele.

A Gazela estava no hangar da Ganymed. O transmissor haveria de atirá-la três meses-luz para o espaço além. Nenhum olho humano, nem mesmo nenhum instrumento técnico, por mais aperfeiçoado que fosse, conseguiria registrar seu deslocamento.

Tomaram seus lugares. Fechou-se a escotilha e o tempo começou a correr. Então veio a partida e simultaneamente a transição.

Quando Rhodan abriu os olhos depois de um rápido cochilo, viu um mar de sóis de brilho intenso. Árcon lá estava, no centro daquele agrupamento de estrelas M-13, formando como que uma esfera, 34 mil anos-luz distante da Terra. Os sóis estavam bem juntos um do outro, visão esta completamente diferente daquilo que vemos da nossa Terra. Quase não se via um ponto escuro e a própria Via Láctea empalidecia em comparação com o espetáculo de luminosidade dos astros tão próximos.

Rhodan conferia as escalas. Estavam agora a três meses-luz de distância do gigantesco sol vermelho Voga. O Zarlt ainda devia supô-los na Titan. Em sua volta para Zalit seria bem diferente. Não seria possível uma descida por meio do transmissor fictício. Com alguns movimentos manuais, Rhodan sintonizou a instalação de hiperrádio para recepção e esperou até que o painel se aquecesse. Ouviu-se um estalo no alto-falante quando se ligou a instalação de som. A hiperfreqüência do cérebro robotizado era conhecida, mas não havia transmissão no momento.

— Devemos chamar — propôs Thora, cuja hesitação inicial se convertera numa inimaginável força de ação e alegria de decisão. — Depois vamos ver como ele reage.

Zernif, o ex-almirante da frota espacial de Zalit, conservava uma expressão de apreensão.

— Não sei bem o que devo fazer aqui. Que devo mesmo dizer ao regente do Império?

— Alguma coisa — disse Rhodan — que deverá interessar muito ao cérebro. Você é nossa testemunha principal e eu tenho a convicção de que o cérebro haverá de distinguir a verdade da mentira, se não for por telepatia, ao menos através da lógica de seus dados.

— Aliás é uma idéia fascinante — interveio Crest no debate — a de reger um poderoso reino estelar através de um robô. Quanta mudança houve aqui nestes últimos treze anos, depois de durante quase dez mil anos sem um acontecimento importante. Às vezes, eu chego a ter dúvidas se esta nova forma de governo é realmente nociva para Árcon.

Rhodan franziu as sobrancelhas e olhando para Crest perguntou:

— Quer dizer com isto que reconhece o domínio do cérebro robotizado, você que é um descendente do deposto clã que estava no governo?

Crest tentou contornar:

— Não diretamente. Penso apenas que o cérebro me é mais simpático do que este Orcast XXI, que ao meu ver nada mais é do que um sonhador e um folgazão enfastiado.

— Deste ponto de vista você pode ter razão — disse Rhodan, observando o grande painel, no qual tremulavam desenhos coloridos e abstratos. Simultaneamente a isto, o alto-falante despejava ruídos sem sentido e quebrados. — Suponho que já estamos recebendo mensagens do cérebro. São cifradas e não se destinam a nós.

— Nas principais faixas de onda do Império, ele está permanentemente em contato com seus postos de comando — confirmou Crest. — Pode manter com simultaneidade milhares de contatos.

— Na mesma freqüência? — perguntou Rhodan, duvidando da assertiva.

Crest fez que sim.

Depois de refletir uns segundos, Rhodan ligou resoluto o emissor, esperou até que estivesse em condições de funcionar, respirou profundamente e começou a falar:

— Aqui fala Perry Rhodan da Terra. Estou chamando o regente do Império de Árcon. Responda, por favor. É urgente.

Repetiu estas palavras três vezes, dedicando então toda a sua atenção ao receptor e ao painel de controle.

Thora e Crest estavam de olhos fixos nos sinais coloridos que se repetiam. Tiff, ocupado principalmente com a observação visual do espaço em volta, notou a tensão reinante na Central. Zernif aguardava paciente e conformadamente o que iria acontecer.

Somente Gucky é que parecia não estar interessado em tudo aquilo. Estava deitado numa espreguiçadeira com os olhos semi-cerrados. Podia-se supor que estava dormindo. Mas quem o conhecia, sabia que o rato-castor era a concentração personificada.

Rhodan abanou a cabeça, dizendo:

— O Cérebro deve nos ouvir. Por que não recebemos resposta? — repetiu seu chamado várias vezes, acrescentando ainda: — Peço-lhe para confirmar a recepção. Trata-se da existência do Império.

As imagens coloridas começaram a correr mais depressa. Os sinais do alto-falante aumentaram. Foi tudo.

— De qualquer maneira, uma reação — murmurou Rhodan descontente. — Só que eu não sei o que fazer com isso. Como descobriremos o código que o cérebro deve estar usando?

— Quem sabe o senhor declara — propôs Thora — que o código nos é desconhecido, exigindo uma transmissão em texto claro.

Rhodan achou que era uma boa sugestão e repetiu sua mensagem, acentuando que todo o código cifrado lhes era desconhecido.

A tensão na Gazela chegou ao máximo. Os sinais coloridos pararam no painel. O alto-falante acusou fortes estalos e a seguir sons desconexos. Fria e impessoal soou uma voz que de repente invadiu toda a Central. Esta voz dizia na língua dos arcônidas:

— Liguei seu transmissor e o meu num canal bloqueado, não precisamos de código. Ninguém poderá acompanhar esta transmissão. Sua posição é conhecida. Fale.

— O senhor me está vendo? — perguntou Rhodan.

Houve uma pequena pausa, depois sumiram da tela aqueles desenhos parados. Voltaram novamente, porém, já com movimentos, começando a formar uma imagem plástica. Enquanto isto, a voz mecânica e fria dizia:

— Eu o estou vendo, como também o senhor me poderá ver em poucos instantes. Sua distância de minha posição é de três quartos de ano-luz, conforme seu cálculo. Eu o mantenho sob irradiação. Onde está a espaçonave roubada?

A imagem se completou. Rhodan viu um imenso átrio, que não permitia que se pudesse fazer qualquer conclusão do lugar onde estava. No centro deste átrio, jazia uma gigantesca semi-esfera de metal reluzente em sua superfície. Nada mais do que isto. Teria um diâmetro de cinqüenta metros, abrigando com toda segurança o cérebro robotizado. O que havia por baixo da semi-esfera ninguém sabia. A altura de toda a construção era de vinte e cinco metros, como Rhodan conseguiu calcular.

Fazia treze anos que ansiava pelo momento de estar frente à frente do regente do Império dos Arcônidas, mas, mesmo em seus mais ousados devaneios, nunca poderia imaginar que ele fosse assim: uma semi-esfera de metal.

Lembrou-se da pergunta do cérebro robotizado.

— Regente, a espaçonave roubada está esperando por mim num lugar seguro. Se eu não conseguir voltar, ela está praticamente perdida para o Império.

— Não é minha intenção prendê-lo — respondeu o cérebro friamente. — Se estivesse na nave roubada, o caso seria outro. O que é que o senhor deseja?

— Convencê-lo de que eu não sou seu inimigo.

— Isso lhe vai ser bem difícil — duvidou o monstro metálico, mudando repentinamente de assunto. — Estou vendo dois arcônidas. São eles, por acaso, Thora e Crest?

— Perfeitamente, são eles, regente. Pertenciam outrora à camada dominante de Árcon.

— O clã dos Zoltral não trouxe nenhuma vantagem para Árcon — respondeu friamente o cérebro. — Desde que eu, há seis anos, tomei o poder, a situação melhorou.

Rhodan se admirou secretamente de que o robô deixava transparecer qualquer coisa como orgulho. Quem podia sentir sentimentos de orgulho, também não seria infenso a outros sentimentos...?

— Ninguém tem dúvidas quanto a isto — disse Rhodan. — Mas o senhor tem que admitir que o clã dos Zoltral sempre foi mais eficiente e positivo para o Império do que o clã de Orcast.

— Por este motivo é que Orcast foi substituído por mim — respondeu o cérebro prontamente. — Ele teria arruinado o Império.

— Uma última pergunta a respeito do Império, regente: Por que motivo o senhor não me reconhece como amigo? Crê que eu possa prejudicar o Império? Não estou trazendo de volta Thora e Crest?

A resposta veio imediatamente:

— O senhor é meu maior inimigo, quando eu raciocino do ponto de vista pessoal do poder. No referente ao Império, o senhor é meu aliado, enquanto percebo. Está vendo que me encontro num dilema. Admira-se de que eu fale assim?

— Realmente — disse Rhodan — isto me surpreende.

— Eu o admito, somente para que o senhor possa compreender meu modo de agir. E então, por que o senhor vem me procurar?

— Eu lhe queria dizer onde escondi a espaçonave roubada.

Veio a primeira pausa. Desta vez, o cérebro positrônico necessitava visivelmente de tempo para elaborar a mensagem e medir todas as suas possibilidades e eventuais conseqüências. Este processo, que para um homem gastaria horas e horas, levou apenas dez segundos. Então respondeu o Cérebro:

— Por quê?

Naturalmente não tinha encontrado uma resposta satisfatória e lógica. Nenhum milagre nisso, pensava Rhodan. Ninguém poderia achar mesmo.

— Para lhe provar que sou seu amigo, tenho que fazer isto. Eu lhe dei o nome de Titan e acho que foi muito certo. O senhor a recebe de volta, quando quiser. Para sua informação: a Titan está no espaçoporto de Tagnor, capital do Planeta Zalit, no Sistema Voga, distante três meses luz da minha atual posição.

— Impossível — foi a resposta imediata. — Fosse assim, eu saberia.

Rhodan deu um pequeno sorriso, que parecia condescendência.

— Como que o senhor saberia isto? Que fator lhe daria esta certeza? Talvez, o fator que se chama Zarlt?

— Exatamente. O Zarlt de Zalit é o vice-imperador. Uma nave tão grande assim, ele não poderia deixar de ver, estando ela no espaçoporto de Tagnor. E o Zarlt haveria de me comunicar, pois dei a ordem de vigiá-la. A conclusão lógica é que o senhor está mentindo. A Titan está escondida em outro lugar.

— Palpite errado — respondeu Rhodan, parecendo querer levar o negócio à brincadeira. — O senhor se esqueceu de que uma outra pessoa também pode estar mentindo. Por exemplo, o Zarlt.

— Zarlt Elton tem-me uma dedicação muito fiel.

— É possível — continuou Rhodan, calmo. — Mas que lhe interessa isto, se Elton já morreu há algum tempo?

Novamente uma pequena pausa. Depois:

— Por que não recebi nenhuma notícia de sua morte?

— Porque seus assassinos julgaram que isto não era muito diplomático. Fora disso, seus planos seriam prejudicados se o regente do Império ficasse sabendo que Zalit tinha a intenção de se apoderar do governo do Império Arcônida.

— Assassinos?

Rhodan sentiu que o cérebro robotizado era, portanto, capaz de ficar admirado.

— Zarlt Elton foi assassinado. O novo Zarlt é Demesor, um ex-oficial da frota espacial. Foi ele quem planejou a destruição do cérebro robotizado de Árcon.

— Isto é um absurdo — foi a resposta calma. — Ninguém me pode destruir.

— Pode sim — contradisse Rhodan, friamente. — A gente pode destruí-lo. Somente Demesor é que não pode. Por este motivo é que ele pediu meu auxílio. O senhor está compreendendo agora por que ele não lhe comunicou onde estava a nave Titan?

— Sob este ponto de vista seria lógico e portanto compreensível. Porém, a minha pergunta continua: O senhor está falando a verdade? Quem me pode provar isto?

— Talvez o almirante Zernif — disse Rhodan, apontando para o zalita. — Ele serviu ao Império sob Zarlt Elton, porém caiu em desgraça, quando Demesor chegou ao poder. Sua vida foi salva por um acaso. Com outros zalitas que são fiéis ao Império, fundou um movimento de resistência, cuja finalidade é restaurar a ordem em Zalit, uma ordem que é um serviço para o Império.

Houve uma pausa de quase um minuto. Depois continuou o cérebro robotizado, em tom impessoal:

— Examinei as informações sobre o almirante Zernif. Sua pessoa está acima de toda dúvida. Era assim também com Demesor.

— Por que este “era” no caso de Demesor?

— Porque acabo de constatar que Demesor foi enviado para a Academia Espacial em lugar de seu irmão mais capacitado. Isto foi há trinta anos de Zalit. Os documentos mencionam uma probabilidade de que ele, naquele tempo, ameaçou seu irmão. Mais ainda. Estas informações dizem que o irmão de Demesor foi, mais tarde, vítima de um acidente. É sabido que este seu irmão era um adepto fiel do Império.

Rhodan respirou profundamente. O cérebro robotizado trabalhava rápido e de modo frio.

— Quais as conclusões a que o senhor chegou, regente?

— Que o senhor diz a verdade. Que há com Zernif?

Zernif deu uns passos para frente e fixou os olhos na reluzente cúpula de metal.

— Gostaria de reforçar as palavras de Rhodan e acentuar que nosso Império está em perigo. Demesor instalou uma ditadura militar em Zalit e impôs uma barreira às informações. Minha organização clandestina haverá de depor Demesor e colocar o legítimo sucessor do velho Zarlt em seu posto.

— Obrigado — disse o cérebro. — Eu confio no senhor, pois não há mais outra alternativa. E o que o senhor tem com tudo isto, Rhodan?

— Demesor pediu meu auxílio e eu fingi ceder. Protegeu a nave Titan e a mim, porque estava crente de ter achado um aliado contra o senhor. Demesor procurou saber de mim, como eu tinha rompido o anel de segurança de Árcon.

— Isto, também eu gostaria de saber — disse o cérebro robotizado.

Rhodan sorriu.

— O senhor saberá mais tarde, regente. Mas, foi por meio de uma arma, que é desconhecida em Árcon. Sua origem vem do planeta da vida eterna.

— Este planeta é apenas uma vaga teoria.

— Não, é uma realidade — contradisse Rhodan. — Eu mesmo estive nele e obtive uma imortalidade relativa, que aliás foi recusada a Thora e a Crest. Mas, continuando o assunto, regente, Demesor é um traidor e tem que ser neutralizado. Porém, ele não é o único culpado. O senhor conhece os moofs?

— Sim, conheço, são seres oriundos de um mundo de metano dentro do Império, relativamente primitivos e também inofensivos. Telepatas e fracos sugestores. Que têm eles a ver com Demesor?

— Estão aos milhares em Zalit e se apoderaram espiritualmente do poder. O Zarlt traidor não o sabe e pensa que os moofs são seus melhores aliados. Com auxílio deles acha que conquistará o Império.

— Isto não passa de um absurdo. Os moofs nunca tiveram a idéia de fazer política. São simples e sem orgulho. Disse há pouco que são telepatas e sugestores, mas...

— Ninguém afirmou que o plano parte deles. Não são outra coisa do que os “peões” neste jogo de xadrez das Galáxias. Há alguém maior escondido atrás deles. Este alguém utiliza os moofs para obter influência sobre os zalitas, com cujo auxílio, por sua vez, pretende conquistar o Império.

— E quem é este desconhecido?

— Isso, regente, eu não sei — Rhodan hesitou um pouco: — Ninguém sabe ao certo se ele realmente existe, mas seus propósitos em relação aos moofs parecem confirmar sua existência. Minha gente vem lutando há semanas contra os moofs. Fazem isto para conservação do Império.

— Que interesse o senhor tem no Império?

Thora que até então estivera calada, deu um pulo à frente.

— Os terranos e nós somos aliados, regente. Nós os ajudamos quando os reformadores individuais e mais tarde os saltadores os atacaram. Por que não haverão de nos ajudar, quando se torna necessário?

Rhodan intimamente estava admirado da atitude de Thora. Esta jovem arcônida estava cada vez mais bela. Não poderia ter desejado um defensor melhor.

— Os saltadores...? — O cérebro robotizado fez mais uma vez uma pausa. — Eles não têm boas intenções para com o Império. Teoricamente é possível que estejam por detrás dos moofs e dos planos do Zarlt.

Rhodan estava como se densos véus tivessem caído de seus olhos.

Os saltadores... Os comerciantes da Galáxia. Combinaria muito bem com o caráter deles, mandar outros na frente para apanharem as castanhas do fogo. Por outro lado, faltava aos saltadores o sentimento de solidariedade, sem o que um tal empreendimento haveria de fracassar.

— Quem sabe, são os saltadores mesmo — concluiu Rhodan. — Um dia saberemos de tudo. Regente, eu já o informei de tudo. Gostaria agora de lhe fazer uma proposta.

— Pois não, estou ouvindo.

Rhodan respirou profundamente e começou:

— O senhor deixa comigo a Titan e suspende qualquer ação punitiva. Eu me obrigo a restabelecer a ordem em Zalit e a instalar o legítimo Zarlt.

— Dê-me um pouco de tempo — pediu o regente.

A imagem permaneceu na tela e no alto-falante não se ouvia mais aquele zumbido regular. Numa distância de exatamente três anos-luz, bancos positrônicos de dados começaram a trabalhar. Retransmitiam-se informações recém-obtidas e comparavam-se os resultados. O cérebro robotizado tomou sua decisão. O resultado veio quinze segundos após o pedido de tempo.

— Estou de acordo, Perry Rhodan da Terra, a nave Titan lhe ficará emprestada durante todo o tempo em que estiver em atividade para o Império. Qualquer ação punitiva será também sustada enquanto o senhor estiver comigo. No momento em que Demesor for punido e quem estiver atrás dos moofs for desmascarado, a Titan será sua para sempre. Aceita?

— Aceito, regente. Thora e Crest poderão voltar para Árcon?

— Não, eu não quero.

Foi a voz da jovem arcônida. Rhodan olhou para ela admirado. Antes que pudesse dizer alguma coisa, o cérebro o interrompeu:

— Thora e Crest podem voltar a qualquer momento para Árcon, mas eu desejaria que eles permanecessem na Titan e, aliás, em posição de destaque.

— Confirmado — disse Rhodan brevemente. Deu um olhar para Thora e perguntou: — Mais alguma pergunta?

— Sim.

Rhodan ficou aguardando. Não podia imaginar o que o cérebro ainda queria saber dele. Não foi portanto casual sua grande admiração.

— O senhor é descendente dos velhos arcônidas?

Por uns momentos se sentiu um pouco atrapalhado. Podia esperar por tudo, menos por esta pergunta, que o próprio cérebro podia responder melhor que ele.

— Não sabemos se os terranos descendem dos arcônidas — respondeu. — Isto devia estar propriamente anotado no arquivo central de Árcon.

— Não sei que tipo de mundo é a Terra e não conheço sua posição.

“E não saberá tão cedo”, pensava Rhodan, suspeitando de repente das intenções do regente. Parece que queria saber a posição da Terra.

— De qualquer maneira, a Terra não pertence ao Império, regente. Eu não sei até que ponto suas naves colonizadoras chegaram outrora, mas talvez uma delas foi capturada em nosso mundo. Um dia saberemos responder a esta pergunta.

— Os terranos e os arcônidas devem ter, de qualquer maneira uma origem comum. A teoria de um desenvolvimento paralelo não tem nenhuma probabilidade e seria um acaso grande demais que tivessem surgido, independente uma da outra, duas inteligências com o mesmo grau de evolução. Mas, deixemos isto de lado.

Pensativo, Rhodan contemplava a refulgente semi-esfera.

— De qualquer maneira, regente, o senhor sabe mais do que o que está falando.

— Que quer dizer com isto?

Rhodan sorriu, olhando tranqüilamente para Thora.

— O senhor calculou a distância de minha posição com uma diferença de apenas 2,75% anos-luz de meu cálculo. Como é que o senhor sabe qual é a duração de um ano em meu mundo?

O cérebro respondeu sem hesitar:

— Consegui obter mensagens pelo rádio para poder chegar à conclusão de suas escalas de cálculo. Com isto não posso conhecer de maneira alguma a posição de seu mundo de origem. Um dia o senhor haverá de me comunicar esta posição.

— É possível — disse Rhodan. — Uma última pergunta: Posso, sempre que for necessário, entrar em contato com o senhor?

— A qualquer momento, nesta freqüência. Eu lhe agradeço, Perry Rhodan.

Passado um momento, a tela escureceu.

Rhodan desligou os aparelhos. Sentou-se lentamente na primeira poltrona, mostrando na testa uma ruga vertical.

— O regente do Império... me agradecendo — murmurou hesitante. — Tudo isto será verdade, Crest e Thora? Podemos confiar nas palavras do cérebro robotizado? Está sendo sincero conosco? Há algum truque atrás de tudo isto?

Thora se levantou e pondo a mão no ombro de Perry:

— Não, Perry, não acredito que haja truque. Um cérebro positrônico não pode se ocupar com mentiras e truques. Tem consciência do seu valor e crê, portanto em suas faculdades, que com mentira e astúcia somente se enfraqueceriam. Creio que o regente do Império o reconheceu sinceramente como um aliado. Com isto, já demos o primeiro passo para reconquistar o Império.

Rhodan ficou olhando para ela.

— Não contra a vontade do regente. Quando, um dia, o cérebro reconhecer que homens ou arcônidas estão novamente em condições de tomar em suas mãos o poder, não haverá de se opor a esta idéia. Haverá de nos ajudar.

— Que o destino lhe dê razão, Perry — disse Crest, calmo. — Que vamos fazer então agora, voltar para Zalit?

— Sim, claro. Estão esperando por nós lá. Voltemos de imediato.

— Possivelmente — chiou Gucky lá do seu canto — o Zarlt nos prepara uma recepção solene.

— Não terá muito tempo para isto — respondeu Rhodan, e trocou um olhar confiante com Tiff, que regulava as coordenadas para o salto de volta. — Por que será que existe em Zalit um movimento clandestino? — olhou para o relógio. — Exatamente daqui a cinco horas, o diabo estará solto no quarto planeta de Voga. O Zarlt vai ter que empregar toda a sua potência bélica, para deter as pessoas que em toda parte estão dinamitando as instalações do exército e da frota espacial. E no meio desta confusão, desceremos na borda do espaçoporto, despercebidos e sem nenhuma amolação.

Gucky inclinou a cabeça, deixando transparecer nos olhos a certeza da vitória.

— E então, vamos ajudar os revoltosos? Quem sabe uma pancadaria com a polícia secreta?

Rhodan balançou a cabeça e disse, lamentando:

— Sinto muito, Gucky, mas não vai haver pancadaria. Somos hóspedes do Zarlt. Em caso de necessidade haveremos até de ajudá-lo a debelar a insurreição.

— Ah, não acredito — disse ele ofegante. Imediatamente procurou ler o pensamento de Rhodan, mas encontrou uma barragem de defesa.

Teve então de fazer outra pergunta:

— Amigos do Zarlt? Não estou compreendendo.

— O necessário — disse-lhe Rhodan — é que o Zarlt não perceba nada disto. É o que me interessa. Tiff, a que distância estamos, mais ou menos?

— Transição em dois minutos. A quatro horas-luz de Zalit, saímos do hiperespaço e com maior velocidade chegaremos na hora marcada.

Rhodan confirmou com a cabeça, sem dizer nada. Estava bastante ocupado com Gucky, observando sua fisionomia de zangado.

Os ratos-castores se tornam cômicos quando estão zangados...

 

André Noir levantou-se cansado, enxugando o suor da testa. Olhou para os olhos interrogadores de John Marshall.

— Então?

— Bloqueio hipnótico pesado. Por certo provocado pelos moofs. Pode ter acontecido também através de meios puramente técnicos. Não sei até que ponto os zalitas chegaram neste assunto. De qualquer maneira vou conseguir neutralizar o bloqueio. Em dez minutos, Rogal estará cem por cento.

— Ótimo — alegrou-se Marshall. — Poderei entrementes executar a ordem de Rhodan e mobilizar os revoltosos. Terão que, num determinado momento, armar uns quebra-cabeças para o Zarlt.

Deixou o posto de saúde instalado pelo Dr. Haggard, ficando ali o hipno André Noir com seu paciente.

Quando voltou, daí a duas horas, com Ras Tschubai, encontrou Rogal já na sala. O zalita estava bem recuperado e olhou para ele com olhos claros e abertos. Parecia que estava livre de um grande peso.

— O senhor é o telepata Marshall, sim, eu o estou reconhecendo. Encontro-me na nave de Rhodan, como me disseram. Que aconteceu com meus amigos? Será que...?

— Não, Rogal, está tudo em ordem. Alguns de seus companheiros escaparam. Os soldados do Zarlt foram assassinados quando atingiam o fim do caminho secreto. Que aconteceu nos aposentos do Zarlt? O semblante de Rogal se anuviou:

— Eu fracassei — disse se acusando. — Cheguei despercebido até o quarto do Zarlt e o encontrei dormindo em sua cama. Dei um tiro nele, e tudo parecia como havíamos combinado. Aí apareceram os guarda-costas e me prenderam. E uns dez minutos depois... estava em frente ao Zarlt. Estava vivo, embora eu o tivesse visto morrer.

Marshall lançou um olhar de interrogação para Noir, mas o hipno sorriu resignado.

Rogal balançou a cabeça:

— Não, Marshall, não estou louco. Foi exatamente assim. Tinha assassinado o Zarlt e ele reviveu. Vi seu rosto derreter, mas depois estava ele ali: são e sem cicatrizes. Aí é que descobri a verdade. O Zarlt tinha um sósia, um robô feito à sua semelhança. No quarto de dormir do velho Zarlt, repousava o robô. Acho que contavam com a possibilidade de um caminho secreto e não queriam correr o risco. Eu matei o robô, o que naturalmente provocou imediatamente o alarma. Caí na esparrela do Zarlt. Foi tudo tão depressa que nem tive tempo de me matar, como era meu dever.

— Estamos muito felizes com isto — disse Marshall, sorrindo e tranqüilizando o zalita. — Seu sacrifício seria inútil. Você não traiu nem delatou nada. E mesmo se isto acontecesse, seus amigos já estavam preparados. De qualquer maneira, sabemos agora que o Zarlt está precavido, ou esteve. Sua ação valeu a pena, devido a esta revelação. Acredite-me, as horas do ditador estão contadas, pois esperamos apenas que ele se coloque abertamente contra nós. Aí, podemos agir.

— E quando será isto?

— No mais tardar, amanhã. Rhodan está no momento no espaço, em Árcon, para combinar com o cérebro robotizado. Esperamos que traga bons resultados.

Rogal riu de repente. Como que um grande peso havia caído de seu coração.

— Posso voltar para meus amigos?

— Naturalmente, nós o levamos para lá. Apenas ainda uma pergunta: que fez o Zarlt com você, depois de o prender?

— Mandou-me levar para um porão onde deveria ser ouvido. Mas, de súbito mudou suas ordens. Fui levado para um local onde havia doze recipientes com moofs. Deste momento em diante falta-me qualquer recordação. Não sei o que aconteceu.

— Então os moofs. Diga uma coisa, Rogal, você sabe o que são propriamente os moofs?

Rogal fez sinal afirmativo.

— Qualquer criança em Zalit sabe isto. Servem à camada dirigente, a fim de detectarem as mentiras, porque são telepatas. Ninguém pode pensar, sem ser descoberto pelos espiões moofs. São um grande perigo para a liberdade do indivíduo.

— Você sabia disso? — admirou-se Marshall, sabendo então que o poder sugestivo dos moofs era ignorado. Os zalitas só não suspeitavam de que foram os moofs propriamente os iniciadores da planejada revolta contra o império. — Então sua primeira missão não será difícil: os moofs têm que ser destruídos.

— Já começaram a ser destruídos — raciocinou Rogal. — Seus Mutantes mataram quase todos que havia em Zalit, mas diariamente chegam novas remessas deles.

— Matem os moofs — repetiu Marshall. — Eles são a desgraça de Zalit. Quem sabe os próprios moofs não têm culpa, mas não podemos constatar isto, pois estão sob coação. Eles não contam isto, nem mesmo quando são ameaçados de morte. Destruam os recipientes pressurizados, que eles morrerão. E agora nós o levamos para seus amigos. Aqui está Ras Tschubai que vai cuidar disso. Ele sabe onde é agora o quartel-general. Passe bem, Rogal, nós nos encontraremos em breve.

O africano tocou de leve nos ombros de Rogal e lhe explicou amigavelmente, em poucas palavras, como seria o transporte. Marshall sorriu mais uma vez para os dois e deixou a sala.

Foi ao encontro de Bell, na Central.

Bell estava horrivelmente entediado, nada lhe era mais desagradável do que ficar esperando. Uma parte dos mutantes estava a caminho para manter contato com os revoltosos e lhes mostrar como tornar os moofs inofensivos. As notícias chegadas até então davam conta de que as conversações estavam em ótimo nível.

Apesar de tudo, o tempo trabalhava contra Rhodan e seus amigos. O Zarlt estava disposto, mesmo sem a influência sugestiva dos moofs, a destruir o cérebro robotizado de Árcon, assim que houvesse oportunidade. Rhodan não lhe contaria, por sua própria vontade, como havia rompido a barreira de proteção de Árcon. Mas havia outros meios para descobrir isto.

 

O Zarlt mandou reunir seus homens de confiança. Entre eles, ocupava o primeiro lugar um oficial de nome Hemor, que Rhodan já conhecia pessoalmente. Depois vinha Milfor, o chefe de armas, um zalita ambicioso que contava com uma vaga possibilidade de chegar a ser Zarlt, se acontecesse qualquer coisa a Demesor. Finalmente ainda eram dignos de menção Cenets e Orbson, capangas do ditador Zarlt.

Os cinco homens estavam sentados num aposento isolado do palácio, no último andar, de onde se tinha uma vista panorâmica sobre toda a região do espaçoporto. O movimento de naves de todos os tipos era enorme, pois o Zarlt havia convocado para Tagnor a maior parte de sua frota. De maneira alguma, ele iria permitir que Rhodan fugisse com a gigantesca nave.

Milfor olhou para Demesor com desconfiança.

— Por que nos convocou? Será que não conhecemos nossos deveres?

— Espero que sim, Milfor — disse o Zarlt. — Mas resolvi mudar de tática. Até quando vamos esperar que este Rhodan resolva nos contar seus segredos? Caso os senhores não se lembrem, já estamos esperando há muitas semanas. Devemos deixar passar mais semanas, sem fazer nada? Não, devemos agir.

Milfor queria dizer alguma coisa, mas preferiu ficar calado.

Cenets pediu a palavra:

— Agir? Que entende você por agir? Devemos atacar Árcon, sem sabermos qual é a força do cérebro robotizado? Conhecemos a espessura e a natureza da barreira de segurança? Pode ela ser vencida por um salto através do hiperespaço?

— Não sabemos ainda — concedeu o Zarlt. — Mas conseguiremos saber em breve. Rhodan haverá de nos dizer.

— Eu tenho receio — disse Hemor — que tenhamos que esperar muito por isto. Ele, certamente, não nutre a menor intenção de nos contar seus segredos.

— Por certo ele não tem esta intenção — continuou Demesor. — Mas podemos obrigá-lo a isto, pela força.

Milfor se aproximou. Seus olhos brilhavam. Pela força, esta era a linguagem que ele entendia. Riu friamente.

— Assim você me agrada mais, Demesor. Pela força, esta é a única possibilidade. Mas como pretende você pegar Rhodan com nossa força? Ele é muito astuto e tem amigos maravilhosamente dotados. Nem mesmo os moofs conseguem ler seus pensamentos.

— Nós o convidamos para uma reunião — propôs Demesor. — Os robôs o dominarão, já que os zalitas não o conseguem. Sob as abóbadas do palácio, aprenderá a falar. Tenho a garantia dos meus cientistas.

— E se ele não vier sozinho? — perguntou o cauteloso Cenets.

O Zarlt teve um sorriso de menosprezo.

— Os robôs darão conta até de dez Rhodans, Cenets, não se preocupe. E então, quando soubermos como romper a barreira do sistema de Árcon, começaremos a agir. Os dias de governo de robô estão contados. Viva o Império zalita de Árcon.

— Viva o Império Zalita — exclamaram os quatro homens, apoiando a solução do Zarlt.

Soou como uma conspiração e realmente era uma conspiração.

 

Os amigos do almirante Zernif partiram na hora combinada.

Em Tagnor e em sua redondeza, foram pelos ares importantes edifícios do governo e da frota espacial que dominava tudo no país. Até uma das maiores espaçonaves explodiu em pleno espaçoporto. Por sorte, a tripulação estava ocupada com serviços externos, de sorte que apenas dois homens morreram.

Ao mesmo tempo, foram atacadas as instalações policiais, onde morreram muitos capachos de Demesor. Os civis, na cidade, olhavam a tudo com indiferença e não tinham a menor vontade de ajudar os policiais.

No interior, fábricas iam pelos ares e grandes depósitos de munição foram destruídos. Somente agora é que se podia ver como era perfeita a organização dos revoltosos. Um ataque fulminante deste tipo jamais poderia ter sido preparado em poucas horas. Já deviam estar planejando há muito tempo. A iniciativa de Rhodan apenas apressara a marcha dos acontecimentos.

O Zarlt deu o alarma geral.

Pequenas unidades da frota espacial foram retiradas de Tagnor, a fim de voltarem a seus portos de origem. Grandes carros transportavam as tropas para lugares afastados, para abafarem qualquer tentativa de rebelião.

Mas onde se quisesse intervir, já era tarde. Os sabotadores já tinham escapado e não havia ninguém que dissesse tê-los visto ou quisesse dizer alguma coisa sobre eles.

E no meio daquele caos, ninguém reparou que, à margem do gigantesco espaçoporto, uma pequena nave esférica desceu do céu em pleno crepúsculo, desaparecendo na escotilha aberta da Ganymed, com mais de oitocentos metros de altura.

A aterrissagem foi perfeita e imperceptível. No mesmo instante cessaram os atos de sabotagem em Zalit.

De repente estava tudo calmo, como se nunca tivesse havido uma rebelião em Zalit.

 

A noite passou sem novidades.

Pelas oito horas da manhã do dia seguinte, um carro se aproxima da Titan. Parou diante da escotilha de entrada. Saltou um oficial, olhando muito para cima, na esperança de que alguém o visse.

Por sorte, assim aconteceu. O sargento Harnahan, por mero acaso, ligou o videofone da escotilha e viu lá embaixo o multicolorido uniforme do zalita. No primeiro instante julgou que o objeto colorido fosse um gigantesco papagaio, mas depois reconheceu seu erro. Os oficiais de Zalit eram todos assim, vestiam-se como se estivessem saindo de um baile de máscaras.

Encolheu os ombros, num sinal de indiferença. Por ele, os zalitas se podiam fantasiar da cabeça aos pés, não era de sua conta.

Mas o que estava procurando aquele sujeito? Ficou refletindo um pouco se havia alguma proibição de abrir a escotilha. Não se lembrou de nenhuma proibição deste tipo. De qualquer maneira, a entrada estava a mais de dez metros acima do chão de cimento do espaçoporto. Se o rapaz lá embaixo não fosse um saltador olímpico, não havia nenhum perigo.

Harnahan fez com que a escotilha escorregasse um pouco para o lado. Abriu-se então uma fenda, suficientemente larga para enfiar a cabeça.

— Proibido mendigar e andar à toa por aí — gritou ele lá para baixo.

O oficial do Zarlt tremeu de medo. Era Hemor, que não contava com esta recepção descortês. Sabia que o pessoal de Rhodan falava o intercosmo.

— Venho a mando do Zarlt — respondeu, sem dar atenção à descabida admoestação. — Preciso falar com Rhodan.

— O senhor que dizer senhor Rhodan, não é? — disse Harnahan, que fazia questão de dar uma lição de boas maneiras. — Espere um pouco, vou perguntar a ele se pode atendê-lo.

E antes que Hemor pudesse responder qualquer coisa, a escotilha se fechou. O zalita pulou de raiva, mas se dominou. O Zarlt tinha ordenado serenidade e paciência. Mais tarde sobraria tempo para se vingar da altivez de Rhodan. Assim, ficou Hemor abandonado sozinho e esperando. Harnahan não teve pressa. Usando um grande número de elevadores, chegou finalmente à Central, e chamou daí Rhodan, usando o intercomunicador. Rhodan ainda estava em sua cabina, depois de ter gasto mais da metade da noite discutindo com os mutantes o planejado ataque.

— Quem quer falar comigo? — perguntou admirado. — Um oficial?

— Afirmou que veio a mando do Zarlt — confirmou Harnahan com o rosto virado para o videofone. — Parece que é urgente.

Rhodan pulou da cama.

— Diga-lhe que espere um pouco. Não permita entrar na nave. Eu desço até ele.

— Sozinho?

— Naturalmente, ou você pensa que eu tenho medo de um zalita? Você pode ficar olhando da escotilha.

Harnahan desligou o intercomunicador e voltou para seu posto. O colorido oficial ainda estava esperando no mesmo lugar.

— Você, aí embaixo — gritou Harnahan abrindo a escotilha toda, para ficar sentado no parapeito. Suas pernas ficaram balançando. — Espere um pouco, Rhodan vem logo.

Foi um pequeno exagero, pois Rhodan não teve nenhuma pressa. Finalmente acabou de levantar, foi tomar seu café calmamente, depois de ter se certificado quem é que queria visitá-lo. Conhecia Hemor. Foi o oficial que o descobriu nos confins do sistema e o conduziu para Zalit. Um íntimo confidente do Zarlt. Seria talvez melhor levar consigo Marshall, que podia controlar os pensamentos de Hemor?

Mas desistiu de levá-lo. De mais a mais, as intenções do Zarlt lhe eram muito bem conhecidas. E Marshall necessitava de repouso depois daquela noite do ataque.

Quando chegou à escotilha, e por detrás tocou levemente no ombro de Harnahan, o sargento quase caiu no abismo, de tanto medo. Rhodan o amparou.

— Você está tão assustado? — admirou-se Rhodan.

Harnahan se compôs imediatamente.

— Não, mas a visão do papagaio lá embaixo me deu sono. Ele tem uma cara tão chata.

Rhodan sorriu.

— Desça a rampa, eu vou dar uma olhada lá no passarinho.

Hemor estava esperando pacientemente. Até que enfim, sua paciência foi recompensada. Rhodan chegou para dar o primeiro passo na armadilha que lhe haviam preparado.

Hemor foi de encontro ao odiado adversário, que ameaçava estragar todos os planos.

— O senhor não precisa se desculpar — começou ele, cortês e sorridente. — Também o Zarlt nem sempre tem tempo para visitas inesperadas — isto era uma indireta e talvez mesmo uma evidente ameaça. — Ele teria grande honra de tê-lo hoje à noite como seu hóspede. Não é nenhuma festa. É uma discussão da situação.

Rhodan não escondeu a admiração.

— Discussão da situação? Que tenho eu a ver com a situação em Zalit?

Hemor cintilava ao sol do meio-dia.

— Muito, suponho eu. Já que o senhor não quer desvendar ao Zarlt seus segredos, nós atacaremos o cérebro robotizado sem o seu auxílio. O Zarlt gostaria de informá-lo de suas intenções e depois pedir-lhe que abandonasse Zalit. Mas queria dizer isto pessoalmente, e eu não posso antecipá-lo.

Era tudo muito bonito e tudo muito bem feito. Era para despertar a curiosidade de Rhodan. E parece que foi bem sucedido.

— Então vocês querem finalmente atacar Árcon... E eu devo abandonar Zalit? O cérebro robotizado vai me perseguir.

— Ele terá muito que fazer conosco — acentuou Hemor muito autoconsciente. — Somos da opinião de que ele não vai mais se preocupar com os senhores.

Estaria Hemor falando a verdade? Rhodan já estava arrependido de ter vindo sem Marshall. Não podia também recusar o convite do Zarlt, causaria suspeita. Devia fazer tudo, como se confiasse nele e esperasse ser seu aliado. Resolveu então mudar de assunto.

— Que aconteceu ontem? Observamos algumas explosões na cidade e uma intensa atividade no espaçoporto. Houve alguma coisa ruim?

— Alguns acidentes, nada mais. O Zarlt vai informá-lo de tudo. Posso avisá-lo de que o senhor irá?

—  Haverei de comparecer, levando comigo alguns dos meus conselheiros.

— Duas horas antes do pôr do sol — confirmou Hemor, dirigindo-se para o carro. Sem virar mais uma vez para trás, entrou no carro e fez um gesto para o motorista. O veículo se pôs em movimento e passando pela borda ao aeroporto, entrou na estrada asfaltada que levava para a cidade.

O carro que estava permanentemente à disposição de Rhodan, estava ainda no mesmo lugar. Hoje à noite ele o levaria ao Zarlt.

Rhodan, de repente, começou a ter dúvidas se era intenção deles que ele voltasse novamente com o carro para a Titan.

 

O dia passou tranqüilo. Ras Tschubai estava a caminho com Tama Yokida, desativando todos os moofs que encontrava. John Marshall, juntamente com Zernif e o teleportador Tako Kakuta estavam percorrendo todos os esconderijos dos revoltosos para preparar a rebelião decisiva contra o Zarlt. Os comandos, daí em diante, estavam todos de prontidão. A um simples aviso, começariam a agir. Cada grupo estava equipado com um radiorreceptor, que lhes haveria de dar o sinal para iniciar o movimento. Zernif voltou com Marshall para a Titan. Iria comandar a ação do couraçado.

Três horas antes do pôr do sol, Rhodan mantinha uma conversa com os mutantes na sala. Estavam ainda presentes os dois arcônidas, Bell e o tenente Tifflor, como homem de ligação com a Ganymed.

— O Zarlt me convidou para uma conversa. Bell e John Marshall me acompanharão. Nossos armamentos serão os irradiadores de agulha. Estou farejando uma traição. Por isso, o corpo dos mutantes fica de prontidão especial. O elemento de ligação com John Marshall é Betty Toufry. Preste atenção, Betty, você deve permanecer constantemente em contato telepático com Marshall, entendido? — esperou até que a jovem, ainda muita nova, telepata e telecineta, tivesse feito um sinal, confirmando. Depois continuou: — Thora assume o comando da Titan. A qualquer sinal sério de ataque, levantar vôo. Perfeitamente, Thora, eu disse: levantar vôo. E aliás, transposição para dois anos-luz, para um ponto cujas coordenadas estão na mesa de navegação. Comandante Freyt será instruído por Tiff. A Titan e a Ganymed não podem ficar expostas a nenhum perigo, embora eu não creia que alguém possa romper a camada de proteção. Mas acima de tudo, pretendo evitar derramamento inútil de sangue.

Gucky, que todo enrolado, estava aparentemente alheio à palestra, esticou-se todo, atingindo mais de um metro de comprimento. Nos seus olhos castanhos e inteligentes havia uma censura íntima.

— E nós — perguntou ele — devemos desaparecer com a Titan enquanto aqui se desenrola um verdadeiro espetáculo?

Sorrindo, Rhodan balançou a cabeça.

— Quem é que disse isto? Antes que a Titan parta, os teleportadores levarão todos os membros do corpo de mutantes para os esconderijos preparados pelos revoltosos. Zernif também irá junto. As operações contra o Zarlt começam então imediatamente. Está tudo acertado. Só a hora exata é que tem de ser marcada ainda. E quem vai marcar esta hora é o Zarlt.

Gucky respirou aliviado.

— E eu já estava pensando que nós íamos dormir, enquanto você agüentaria tudo sozinho aqui em Zalit.

Rhodan, subitamente, parou de sorrir.

— Tenho o pressentimento — disse ele — de que sozinho não daria conta, Gucky. Hoje à noite poderia haver uma decisão.

 

O ser esquisito era redondo, tinha o diâmetro de um metro, e mais ou menos a mesma altura. Jazia imóvel dentro de um recipiente pressurizado de vidro, que continha uma pesada atmosfera de metano, sem a qual os moofs não podiam existir.

O recipiente estava num aposento fechado do palácio, não longe da sala em que se realizaria hoje à noite a conversa com Rhodan.

Como o fazia diariamente, o moof sondava os pensamentos de todos os zalitas que estavam no palácio. Não havia nenhum traidor entre eles, como constatava rapidamente. Depois, porém, se concentrou todo no Zarlt e deu o quadro de seus pensamentos:

— Zarlt Demesor, quais são suas intenções hoje à noite?

Demesor estava em seus aposentos particulares, trocando de roupa, quando viu a pergunta, que se lhe apresentava como algo corpóreo diante dos olhos. Sabia que um dos moofs estava tentando contato com ele. Eram realmente servidores leais e de confiança.

— Convidei Rhodan. Você vai vigiar seus pensamentos e me avisar se ele planeja alguma traição.

O Zarlt sabia que o moof o entendia. A confirmação veio logo.

— Rhodan é um inimigo de Zalit. Deve ser assassinado. Nós o ajudaremos nesta tarefa, mas você deve ter muito cuidado, pois ele tem colegas, que são telepatas tão bons como nós, e lêem pensamentos. Eu vou dar um jeito de que você e todos que tomam parte na reunião recebam um bloqueio de proteção.

Demesor viu confirmadas suas suspeitas. Rhodan também tinha telepatas. Ainda bem que o moof o havia prevenido.

— Obrigado — disse ele bem alto. — Tinha esquecido isto. Será que Rhodan sabe o que o espera?

— Ele ficará sem suspeitar de nada, até que você tenha agido, e então será tarde para ele. Quando ficar preso, mande-o para mim. Vamos saber se ele diz a verdade.

— Devo fazer com que ele fale primeiro — lembrou Demesor.

— Isso não será difícil, Zarlt. Traga-o para nós, na sala grande dos telepatas, não se esqueça.

Por uns momentos, Demesor julgou ver nesta exigência uma espécie de ameaça, mas logo depois seus temores se dissiparam, como que soprados por um grande vento. Naturalmente, o moof tinha razão quando fazia questão de ouvir Rhodan. Um bom telepata não podia trazer à luz do dia os mais secretos pensamentos do prisioneiro?

Zarlt Demesor sorria. Começou a antegozar a mui promissora noite que se aproximava.

 

Bell, experimentava a posição correta de seu uniforme.

— Será que hoje aparecerão algumas donzelas? — perguntou com interesse contido, procurando esticar seu cabelo eriçado. — Afinal devem existir belas moças em Zalit.

— Belezas de olhos vermelhos com cabelos cor de cobre? — Rhodan meneou a cabeça e piscou para Marshall, que estava esperando impaciente na porta. — Suponho que o Zarlt tenha outros cuidados do que pensar nessas coisas. Você vai ter que renunciar à boa companhia das damas.

— Puxa... exatamente hoje? Então deixe o cabelo como está. Pode ficar de pé como uma escova. Quem sabe, as mulheres não são mesmo bonitas.

— Consolo bem fraco, hein? — murmurou Marshall, entrando nervoso, pé ante pé. — Só queria saber se você não tem outros cuidados, Bell?

— Não, não tenho não — confessou Bell, sorrindo.

Rhodan experimentou a carga de seu irradiador de agulhas, antes de pôr a arma em seu bolso traseiro. Depois perguntou a seus dois companheiros:

— Tudo pronto? Então vamos indo. Três minutos mais tarde, a escotilha de saída se fechava atrás deles, com um ruído surdo. Sem olhar para trás, subiram no carro do Zarlt, que partiu imediatamente, atravessando o campo de pouso e atingindo a estrada asfaltada. Aí aumentou sensivelmente a velocidade, avançando em direção à silhueta da cidade. Os contornos característicos das construções em forma de funil se destacavam clara e nitidamente contra o fundo de um céu bem iluminado. Só daí a duas horas é que o sol se esconderia.

Já estavam atingindo os subúrbios com seus parques verdejantes. Rhodan sabia que aí havia corredores e compartimentos subterrâneos, onde os revoltosos estavam de prontidão. Bastava que Marshall desse apenas o comando telepático, Betty Toufry o apanharia e o retransmitiria... e a revolução irromperia.

Mas ainda não tinha chegado o momento. Ninguém sabia o que pretendia o Zarlt.

O imponente palácio apareceu. Com a altura de cento e cinqüenta metros, sobressaía a todas as outras construções. Ao esplendor do sol de Voga, já bem inclinado, brilhavam as paredes inclinadas para fora. Rhodan reparou que a guarda habitual no portão de entrada, não tinha sido reforçada. Isto parecia meio suspeito, tendo em vista os acontecimentos do dia anterior. Olhando para o lado, reparou ainda que havia um moof novo no gramado do jardim. Devia ser um substituto, pois o outro tinha sido vítima de algum atentado.

Já estava sentindo o pensamento inquiridor e sugestivo das medusas. O costumeiro pedido de deixar no posto de entrada qualquer tipo de arma. A força de sugestão que se escondia atrás da intimação foi fraca e sem importância. Rhodan ignorou a intimação, do mesmo modo como Bell e Marshall.

O carro parou.

— O rapaz bem que podia abrir a porta do carro para a gente — observou Bell em inglês — já que não nos consideram como hóspedes legítimos.

— Isto não é costume aqui — explicou-lhe Rhodan, saltando do carro. — Além disso, não é uma recepção oficial, mas uma simples visita.

— Se é tão simples assim, saberemos depois — respondeu Bell cheio de desconfiança. — Eu tenho o pressentimento de que...

Não teve tempo de terminar, porque do portal interior emergiram dois zalitas multicoloridos, com fuzis energéticos nos ombros. As armas davam qualquer impressão, menos a de assustar. Coronha e cano estavam enfeitados ricamente com peças de ouro e prata. A correia de tiracolo era de um bordado finíssimo.

— Meu Deus! — disse Bell espantado. — Será tudo isto uma opereta em que temos de bancar estadistas?

Marshall conteve o sorriso. Penetrou imediatamente nos pensamentos dos três sentinelas e encontrou apenas impressões superficiais. O primeiro pensava em tudo, menos no seu dever de recepcionar os hóspedes do Zarlt, que lhe eram completamente indiferentes. O outro estava raciocinando com muita atenção como poderia pregar uma peça no irmão de sua esposa que havia descoberto qualquer coisa de sua amante. E... o terceiro, para espanto de Marshall, não pensava absolutamente nada.

Não sobrou mais tempo para fazer novos estudos psicológicos. Os três sentinelas se detiveram na frente deles, bateram os calcanhares e apresentaram as maravilhosas armas. Depois dando meia-volta, se retiraram lentamente em marcha.

Rhodan fez um sinal para Bell e Marshall.

Com passos comedidos, seguiram os batedores.

Um elevador os levou a um andar bem elevado. Aqui foram novamente recebidos por três guardas de opereta. Marshall não teve oportunidade de examiná-los, pois sentiu de repente fortes impulsos que se dirigiam a ele, vindos de diversas direções. Não eram comandos de sugestão e estava certo de que ele era o único a recebê-los. Antes que pudesse ter maior clareza a respeito do que significava aquilo, os impulsos diminuíram e desapareceram. O incidente mal tivera a duração de trinta segundos.

Seguiram o oficial por um corredor comprido e levemente recurvado. Marshall pensava com profundidade o que significavam os impulsos. Estavam sendo pesquisados pelos moofs? Se fosse este o caso, a esta hora os moofs já saberiam quem eram seus adversários.

Mas não sabiam isto já há muito tempo?

Os três sentinelas pararam outra vez e apresentaram armas. Abriu-se uma porta e no fundo havia uma sala pequena, tendo no centro uma mesa lisa. Ali estavam sentadas cinco pessoas. Mais atrás se erguia um estrado emoldurado por cortinas coloridas.

Quatro zalitas se mantiveram sentados. O Zarlt se levantou e foi ao encontro de seus hóspedes, estendendo a mão.

— Bem-vindo, Perry Rhodan, o senhor é pontual.

Rhodan pegou a mão, mas não retribuiu o aperto. Bell e Marshall foram cumprimentados do mesmo modo. O primeiro franziu a testa, como se tivesse pegado numa coisa desagradável. Parece que o Zarlt não percebeu nada.

— E agora posso apresentar-lhes meus oficiais. Alguns os senhores já conhecem: Hemor e Cenets. Este é Milfor, chefe do armamento. Orbson é o almirante, comandante das patrulhas. E agora, por favor, tomem seus lugares. Eu tenho a honra de lhes oferecer qualquer coisa para comer. Assim se pode conversar melhor.

Rhodan sentou ao centro, tendo à sua direita e esquerda, Marshall e Bell. Bem em frente a ele, sentou-se Demesor, tendo de um lado, Hemor e Milfor e do outro, Cenets e Orbson.

Nesse meio tempo em que eram trocadas amabilidades mais ou menos vazias, Marshall teve sua primeira desilusão.

Concentrou-se em sua missão e queria começar pesquisando os pensamentos do subconsciente dos zalitas. Naturalmente iria começar com o Zarlt Demesor.

Deu com o bloqueio de defesa de um moof. E não podia ser outra coisa, pois ninguém não telepata poderia por si mesmo, a não ser depois de muitos anos de treinamento, conseguir um autobloqueio deste tipo. Fora disso, ainda era necessário um certo dom de sugestão. E os moofs possuíam as duas coisas. Portanto, já estavam dentro dos fatos.

Tentou a mesma coisa com os quatro oficiais e teve de constatar que havia o mesmo fenômeno com eles. Era-lhe, pois, impossível ler o pensamento dos cinco zalitas sentados à sua frente. Era uma grande vantagem para eles, com a qual ninguém havia contado. Muito menos Marshall.

Tinha que prevenir Rhodan, que também era um telepata fraco com faculdades limitadas.

— Não, foram apenas alguns acidentes — dizia o Zarlt no momento, respondendo assim uma pergunta de Rhodan sobre as razões da intranqüilidade do dia anterior. — Desordem. Isto sempre acontece. Os culpados já foram punidos.

Rhodan sorriu afavelmente. Estava recebendo no mesmo instante a comunicação telepática de Marshall. Não apenas os pensamentos do Zarlt e de seus vassalos permaneciam escondidos, como também havia o perigo de que os moofs lessem seus pensamentos, de Rhodan e de seus companheiros, e começassem a agir. O único meio para impedir isto era um bloqueio de proteção.

Sem que Demesor e seus oficiais o notassem, começou a batalha entre os telepatas. Rhodan e Bell não podiam quase fazer outra coisa do que protegerem seus pensamentos. Marshall, pelo contrário, tentava romper o bloqueio do Zarlt e chegar até o ponto de partida das irradiações, o moof.

Criados traziam travessas com os frutos de Zalit e também bebidas de diversas espécies. Rhodan preferiu suco de frutas, o que não impediu Bell de se dedicar ao vinho vigoroso. Com muito prazer, olhava para as moças que vinham para reencher os copos.

As jovens zalitas eram realmente bonitas. O Zarlt tinha bom gosto, até mesmo Bell, conhecedor do assunto, tinha que conceder isto. As graciosas zalitas circulavam de um lado para outro, impedindo sempre que os copos ficassem vazios. Bell bebeu mais para apreciar os belos movimentos das jovens, cuja simetria começou a fasciná-lo.

— Está gostando delas? — perguntou o Zarlt com um sorriso. E quando Bell, encantado, fez que sim, ele acrescentou: — O senhor pode servir-se delas, mesmo fora da mesa.

Bell olhou espantado para o alto.

— Ó, não... não é isso que estou querendo dizer — disse Demesor sorrindo. — Quero dizer que o senhor pode dançar com elas.

— Sabe ler pensamentos? — deixou Bell escapar de repente.

Um leve rubor de acanhamento tomou conta de seu rosto.

Rhodan tentou ajudá-lo naquele apuro:

— Sua frase foi um pouco ambígua, Zarlt — disse Rhodan num leve tom de censura amigável, que ninguém levou a mal. — Mas ninguém terá nada a objetar contra uma bela dança.

— Conversemos primeiro sobre os assuntos que nos preocupam, isto é, sobre nossa estratégia — disse Demesor, meio forçado. — Estou me referindo à nossa ação comum contra Árcon.

Rhodan franziu a testa.

— Contra Árcon? — repetiu admirado.

— Quero dizer naturalmente contra o cérebro robotizado — disse se corrigindo. — Exatamente pelo fato de que amamos o Império, queremos afastar a hegemonia de um robô. O senhor deve compreender isto, embora seja originário de um outro sistema, talvez mesmo de uma outra parte da Galáxia.

“Muito inteligente este pessoal”, pensou Rhodan. “Mais sem nenhuma malícia, portanto, devo pensar na Terra e trair minha posição. Os moofs saberão então com quem estão lidando, e muito mais ainda os seus mandantes. Talvez Demesor mesmo não saiba por que diz isto. Os moofs o dominam.”

— Sim, meu sistema não pertence a Árcon, por esta razão, o destino do Império me poderia ser indiferente. Infelizmente, porém, fui envolvido no conflito, o cérebro me persegue e necessito de uma certa proteção, que o senhor por amizade me proporcionou. Tenho que lhe ser grato.

Milfor se inclinou para frente e fitou Rhodan friamente.

— Agora é o momento em que o senhor pode provar sua gratidão.

Este avanço direto por certo foi desagradável ao Zarlt, como se podia ver claramente em sua fisionomia. Tentou entrar como intermediário:

— Milfor não foi feliz no seu modo de falar, Rhodan. É claro que eu também conto com o fato de que o senhor nos haverá de ajudar em nosso plano. Aliás, o senhor já nos prometeu. Trata-se principalmente, como o senhor sabe, do anel de proteção de Árcon. Parece-nos impossível rompê-lo. O senhor o conseguiu.

Isto era uma pergunta e não uma constatação.

Bell esvaziou sua taça e fez um sinal à bela jovem de cabelos cor de cobre. Saboreou seus graciosos movimentos, muito mais do que o vinho que ela lhe entornava na taça. Ajudando um pouco a sorte, tocou com sua mão a pele bronzeada de seu braço. Era rígida, lisa e... fria.

O Zarlt percebeu, gritou uma palavra áspera para a moça, numa linguagem incompreensível. Ela se inclinou humilde, afastando-se imediatamente. Desculpando-se, disse Demesor para Bell:

— Queira perdoar se a escrava foi muito ousada. Foi um descuido dela.

— Oh — exclamou Bell — um descuido muito perdoável. Não a censure por isto. São jovens muito agradáveis.

O Zarlt sorriu um pouco sem jeito e Bell começou a pensar alguma coisa. Mas não apenas ele...

— Acredita, Zarlt — perguntou Rhodan com muita firmeza — que seu domínio sobre o Império vai ser mais útil do que o do cérebro robotizado?

Por um instante, Demesor ficou paralisado com esta recusa camuflada. A cisma de que Rhodan não o haveria de ajudar parecia se confirmar. Quem sabe não tinha mais necessidade de sua proteção? Ou havia outros motivos?

Dominou-se num sorriso amargo.

— O domínio de uma máquina sobre seres inteligentes é sempre prejudicial, e de qualquer maneira humilhante.

— Mas uma máquina toma resoluções mais rápidas e muitas vezes ou quase sempre melhores. Isto o senhor não pode negar. Do contrário, não estariam tantos robôs em nossos serviços.

— Robôs? — perguntou Demesor.

Rhodan percebeu que uma nuvem de terror passou pela mente do Zarlt.

Depois, este sorriu novamente, como se nada tivesse acontecido:

— De fato, como o senhor diz, estão em nossos serviços. Esta é a única diferença. Nós não somos dominados por eles, mas eles é que obedecem a nós.

— Se forem mais competentes que nós, a situação mudará por cento e oitenta graus — profetizou Rhodan com tranqüilidade. — No caso de Árcon, aconteceu assim.

O Zarlt se inclinou mais para frente.

— O senhor pretende dizer com isto que o cérebro robotizado de Árcon agiu corretamente quando substituiu os arcônidas?

— Sim — concordou Rhodan convencido — é isto mesmo que eu queria dizer.

Novamente, Demesor levou alguns segundos para digerir as palavras de Rhodan.

— Os arcônidas estão em decadência e não estavam mais em condições de administrar o Império — concedeu ele, parecendo pronto para um compromisso. — Mas o cérebro tinha que procurar um regente melhor, antes de agir como agiu.

Rhodan sorriu consciente.

— E quem sabe, ele procurou mesmo? Mas naquele tempo, Elton ainda era Zarlt de Zalit. Quem sabe ele achou que também Elton não estava em condições.

A resposta foi pelo menos, diplomática. O Zarlt reconheceu.

Batendo palmas, exclamou ele, com ares de bom anfitrião:

— Moças, alegrem-nos um pouco com sua dança. Mas eu quero ainda uma resposta bem clara sua, Rhodan, à minha pergunta. Se podemos mesmo contar com seu apoio. Vamos atacar Árcon dentro de uma semana.

As seis moças apareceram obedientemente e foram para o palco. De algum lugar vinha pelos alto-falantes uma música suave. Muito harmoniosa e sedutora.

— Até que enfim, ficou mais interessante — disse Bell, ignorando os graves problemas do Zarlt e sentando-se de tal maneira que pudesse ver melhor. Para felicidade de todos, o Zarlt tinha feito com que seus hóspedes sentassem bem em frente ao palco.

Rhodan, no entanto, resolveu pôr um ponto final naquela conversa de chove-não-molha.

— O senhor terá uma resposta bem clara, Zarlt: Não o ajudaremos; e, aliás, por um motivo muito simples. Eu vou dizer qual é. Se o senhor não é capaz de superar a barreira de proteção de Árcon, também não será capaz de dirigir o Império. Será que fui bem claro?

Foi mais do que claro. Foi um rompimento evidente. O Zarlt o engoliu.

Seu sorriso se transformou um pouco, lançou um olhar severo para seus oficiais, avisando-os que não se precipitassem.

— Sinto muito — disse ele. — Sinto realmente muito. O senhor vai compreender que, sob estas circunstâncias, não podemos mais considerá-los nossos hóspedes. Terão que deixar ainda hoje nosso mundo, em direção à extremidade da Galáxia. Nossos rastreadores de estrutura haverão de controlar isto.

Rhodan concordou calmamente.

— Se é seu desejo, nós partimos. Sob estas condições... — e ele se levantou — ...não tem mais sentido ficarmos em sua companhia.

Bell permaneceu sentado. Estava de olhos fixos no palco, onde as seis moças haviam começado sua dança. A melodia sedosa parecia ter fundido os seis corpos rigorosamente iguais, cujos movimentos pareciam ser feitos por uma só peça.

Rhodan suspirou e sentou-se novamente. Marshall esboçava um sorriso a contragosto. As moças interessavam a ele de outra forma. Talvez soubessem de alguma coisa...

E novamente lhe aconteceu, pela segunda vez nesta noite, algo muito singular. Não encontrou nenhuma barreira de proteção, mas uma coisa bem diferente. Não sabia o que era, mas já tinha sentido isto uma vez nesta noite. Onde fora, mesmo? Lembrou-se. Foi lá fora, quando os três oficiais os cumprimentaram no portão de entrada. Um pensava no seu cunhado, o outro em ninharias e o terceiro não pensava absolutamente nada.

Era isso. E estas seis dançarinas também não pensavam em nada, ou melhor, não pensavam.

Foi desviado de seus pensamentos. A música mudou completamente. Tornou-se bem mais rápida. As pernas das moças voavam para o alto e começaram, sempre em ritmo cada vez mais acelerado, a pisotear o chão. Bell estava completamente amarrado pela música. Não despregava os olhos das dançarinas que agora desciam do palco e com passadas cadenciadas se dirigiam para os hóspedes. Jocosamente dançavam em torno deles e recuavam de modo gracioso, quando Bell tentava pegá-las.

Marshall recomeçou suas ponderações, mas, três segundos mais tarde, quando achou a solução, já era tarde demais.

As seis moças tinham se dividido de tal maneira que sempre duas delas estavam atrás de um dos hóspedes. Antes que Rhodan pudesse suspeitar o que estava acontecendo e antes que o aviso telepático de Marshall fosse recebido, foi ele abraçado por garras de ferro, que comprimiam os braços fortemente contra o corpo.

Com Marshall e Bell aconteceu a mesma coisa.

Principalmente para este último foi um golpe duro, que destruiu todas as suas doces ilusões, por assim dizer, com um movimento da mão. Sentiu a repentina proximidade das adoradas criaturas, mas não sabia o que fazer com elas. A pele das duas moças, que o seguravam, era lisa e fria. Fria como aço.

— São robôs — disse Marshall em voz alta. — Uma bela armadilha.

Os cabelos vermelhos e eriçados de Bell se levantaram verticalmente, formando sua célebre escovinha. Os olhos estavam arregalados, mas não lhe foi possível virar a cabeça para ver os rostos das encantadoras bailarinas.

O Zarlt se levantou, dizendo:

— Terminemos a comédia. Por muito tempo, tivemos que ouvir suas promessas, agora chegou ao fim. Se quiserem continuar vivos, terão que nos contar seus segredos. Mas antes que comecem a falar, vamos trocar de sala. Os senhores têm armas?

— Por que suas dançarinas não vêm examinar? — aconselhou Bell, que aos poucos se encolerizava. Ainda estava tomado de susto.

Não houve outro remédio, a não ser depor as armas. Os braços de aço dos robôs-travesti não permitiam nenhuma resistência. Rhodan estava completamente calmo, pois sabia que Marshall já tinha transmitido seu alarme para a Titan há muito tempo. A luta estava começando.

— Minha avó sempre dizia — continuou Bell furioso — que eu, homem inocente, cairia um dia nos braços de mulheres à-toa. Mas a pobre velha não podia saber naturalmente que seriam mulheres-robôs.

— Mais cedo ou mais tarde você iria descobrir o truque — disse Marshall em tom de brincadeira.

O Zarlt e os oficiais fizeram um sinal aos seis robôs, uma ordem ininteligível. Então Rhodan, Bell e Marshall foram levantados sem nenhum esforço pelas “lindas jovens” e retirados da sala.

 

Os três teleportadores Tako Kakuta, Ras Tschubai e Gucky estavam ocupadíssimos, transportando o corpo de mutantes para os esconderijos preparados pelos revoltosos. Em dez minutos, no entanto, estava tudo terminado e a Titan já sem mutantes.

Thora e Crest estavam pela primeira vez sozinhos na gigantesca nave, sem contar com a tripulação, que naturalmente não podia influir em suas decisões.

Ainda há um ano atrás, Thora teria aproveitado a ocasião para roubar a nave de Rhodan e fugir com ela para Árcon, como já tentara uma vez. Hoje, porém, era tudo diferente.

Parece que Crest havia percebido os pensamentos dela. Começou a sorrir, com cara de quem sabia de tudo.

— Você gosta de Rhodan, Thora? Pode falar sem acanhamento. Aliás, eu também gosto dele.

— Talvez não teria sido assim, se tivéssemos encontrado em Árcon o habitual estado de coisas — disse ela confirmando indiretamente a suposição de Crest. — De maneira que...

— Não poderíamos nunca imaginar um amigo e um aliado melhor, Thora. Ele se saiu com o cérebro robotizado melhor do que todos os arcônidas dos últimos seis anos juntos. Se perdêssemos Rhodan, perderíamos nosso futuro. Confiou-nos a Titan. Você sabe qual é a confiança necessária para fazer isso?

— Sei sim — concordou Thora com simplicidade. — E dou razão a ele e a seus companheiros que estão neste planeta. O traidor Zarlt o prendeu e no momento não posso mostrar como gostaria de ajudá-lo. E talvez eu tenha ainda que fugir com a Titan como prometi. Isto me parece até uma traição.

— Seria traição se agíssemos contra suas ordens — tranqüilizou Crest. Examinou cuidadosamente o painel ligado, que cobria todo o espaçoporto. — Você agora não quer descansar um pouco, Thora? Eu fico de prontidão e acordo você se houver alguma coisa.

— Dormir, como posso dormir, se ele está em perigo?

O rosto do arcônida demonstrava admiração.

— Você está tão preocupada com ele?

Confirmou com coragem e sem acanhamento.

Crest sorriu pensativo.

— No entanto, você tem que descansar para estar com muita força na hora decisiva. Quem sabe, não vai demorar muito a hora da confirmação. Quero demonstrar a Rhodan que ele pode confiar em nós e que podemos lutar muito bem, quando for necessário. Portanto, por favor, me deixe sozinho agora.

Thora olhou para ele pensativa, depois concordou obediente, abandonando a Central.

Crest sabia que poderia chamá-la com um simples aperto de botão. Neste sentido, não havia na Titan propriamente separação de espaço. Ficou sozinho, preparado para uma noite muito longa.

Mas ele se enganou.

Foi uma noite muito curta.

 

Kitai Ishibashi era o segundo hipno do corpo de mutantes. Podia impor sua vontade a outras pessoas tão firmemente, que os atingidos continuariam convencidos de que agiam por própria iniciativa. Juntamente com Gucky e o vidente Wuriu Sengu, cujos olhos penetravam em qualquer matéria concreta, estava num esconderijo subterrâneo dos revoltosos. Era num parque, na periferia da cidade.

Gucky se esforçava para não perder o contato com John Marshall, o que não era lá muito fácil, já que as vibrações mentais do telepata estavam cada vez mais carregadas de impulsos estranhos. Havia muita probabilidade de que os impulsos fossem provenientes dos moofs.

— Eles nos estão levando para o porão do palácio — informou Marshall a seus colegas telepatas. — Ainda não existe nenhum perigo, mas Perry ordena que Zernif aja como foi planejado. Não estou podendo receber mais notícias de vocês, a proximidade de um grande número de moofs o torna impossível. Também não sei se me estão entendendo, em todo caso, estamos mais ou menos a dez metros abaixo do nível do chão, num recinto abobadado grande e bem iluminado. Um instante... outro comunicado segue. Agora não posso...

Gucky resmungou furioso:

— Puxa vida. Que será de novo? Que está acontecendo? Wuriu, você não consegue ver nada?

O mutante balançou a cabeça.

— A distância é grande demais. Não sou feiticeiro. Não podemos nos aproximar mais do palácio?

O rato-castor queria responder, mas ficou calado.

Novos impulsos, mais fortes e mais intensos penetravam-lhe no cérebro.

Não era Marshall, não era ninguém que Gucky conhecia. Mas no meio de suas especulações, ouviu o chiado do transmissor que os mantinha em contato com a Titan. Era Crest.

— Atenção para todos. A Titan está sendo atacada com grandes forças. De acordo com as ordens recebidas, haveremos de partir e aguardar na distância combinada. O comandante Freyt levará a Ganymed para um lugar seguro. Felicidades, Gucky. E tire Rhodan da armadilha. É de vocês agora que depende sua vida e o futuro do Império.

O receptor emudeceu. Crest já havia desligado.

Gucky deixou-se cair para trás sobre as patas traseiras, apoiando-se também na cauda para não perder o equilíbrio. Nos seus olhos havia uma pergunta muda, que ele não tinha coragem de pronunciar. Manteve curto contato com os demais telepatas, espalhados em outros grupos e constatou que todos haviam recebido a mensagem do arcônida.

Estava mais do que evidente de que o Zarlt não respeitava mais nada. Atacou abertamente a Titan e a Ganymed. Tinha aprisionado Rhodan.

Gucky soltou um ruído estridente e desafinado. Depois falou com voz incrivelmente clara:

— Meus senhores revoltosos, Rogal, podem mostrar agora o que aprenderam. A revolução começou, nós vamos derrubar Demesor e seus capachos e libertar Rhodan. Vamos, o que estão esperando?

Rogal olhou cheio de estupefação para o rato-castor, que via hoje pela primeira vez. Ainda não podia compreender como um ente daquele tipo podia ser mais inteligente que um zalita. Mas logo em seguida largou aquela visão fascinante e, virando-se para seus companheiros de arma, exclamou com entusiasmo:

— Viva o Império, viva Perry Rhodan!

Gucky tapou as grandes orelhas, quando a resposta ecoou pela abóbada.

Que estupidez, um telepata ter orelhas tão grandes...

 

Bell gritou e esbravejou quando as duas “beldades” o arrancaram do salão. O seu sonho era outro, ele o tinha imaginado muito diferente. Por que motivo tinha que ser sempre tão afobado?

Rhodan e Marshall tinham passado pelos mesmos dilemas, mas se mantinham calmos e ponderados diante do inevitável. Com força bruta somente, não se conseguia nada contra um robô, mesmo vestido de plástico como uma graciosa donzela.

Desceram num elevador. Um andar abaixo do solo oficial, ele parou. Demesor saltou na frente, mostrando o caminho. Eram corredores muito bifurcados, que a dez metros sob a terra formavam um mundo novo. A luz amortecida vinha do teto e espalhava um ar de assombração. Rhodan começou a ficar curioso para saber o que pretendiam com eles.

Suplício e sevícia para lhes arrancar os segredos?

Caso fosse isso, certamente não haveria mais os suplícios conhecidos na Idade Média da Terra, mas tão somente uma auscultação técnica do cérebro, onde não podia mais haver mentiras e informações deficientes. Por fim lá estavam ainda os moofs a quem seria fácil uma confrontação das declarações feitas.

Os moofs...

De repente Rhodan começou como que a ver escamas diante dos olhos, sentindo uma pressão cada vez maior no cérebro e uma grande dor de cabeça. Bell tinha parado de esbravejar. Parecia estar sonolento nos braços das sedutoras donzelas, que na realidade nada mais eram do que robôs desalmados. Marshall se mantinha passivo, parecendo ouvir qualquer coisa.

Os moofs estavam por detrás da repentina atividade do Zarlt. Só podia ser isto.

Rhodan sentiu um aumento dos impulsos. Vinham agora da mesma direção, isto é, da frente.

Tinham sido conduzidas para o local dos moofs.

Apesar de sua situação não muito digna de inveja, Rhodan ainda achou tempo para desenvolver apressadamente uma teoria. Um único moof, assim lhe ensinava sua experiência, não tinha força suficiente para impor sua vontade a um homem. Como telepata, ele era bom, isto não tinha dúvida. Mas, como sugestor, não era tanto.

Pois bem, o que aconteceria então, pensava Rhodan, quando quatro ou cinco moofs se concentrassem simultaneamente no cérebro do mesmo terrano? Bastaria a força dos cinco seres para dominarem a sua vontade?

Parece que os moofs tinham idênticas preocupações, pois Rhodan podia concluir agora com alguma certeza que não apenas um, mas no mínimo quatro ou cinco moofs o estavam sondando.

Era uma possibilidade com a qual não havia contado. E representava um sério perigo.

Comunicou sua suspeita a Marshall, que mostrou logo sua preocupação. Mas não lhes restava mais tempo para fazerem considerações sobre a situação.

O Zarlt se deteve diante de uma porta. Milfor começou a sorrir sadicamente e deu um soco nas costas de Bell, respondido logo por grito de rancor. Demesor abriu a porta e caminhou na frente. Os quatro oficiais e os seis robôs com seus prisioneiros seguiram atrás.

As suspeitas de Rhodan se confirmaram.

Era uma sala grande, abobadada, com boa iluminação. Em seus recipientes de vidro resistente à pressão, estavam em longa fila uma dúzia de moofs na parede de trás. Tubulações cintilantes ligavam as câmaras de compressão a um conjunto de purificarão do ar, que renovava constantemente a atmosfera de metano. Imóveis lá estavam os animais — gigantescas medusas com metro e meio de altura e com um diâmetro de um metro — em seus recipientes, olhando os recém-chegados com olhos redondos arregalados.

Rhodan sentiu uma onda dos impulsos sugestivos sobre ele. Com toda concentração de que era ainda capaz, tentou se defender da coação que lhe queriam impor. Os quatro braços das jovens-robôs prendiam-no com tanta firmeza, que não conseguia nenhum movimento. Não, com força física não se arranjava nada aqui.

A voz do Zarlt quebrou-lhe a concentrarão:

— Como conseguiu, Rhodan, romper a muralha de proteção de Árcon? Fale, ou eu o mandarei para os meus cientistas.

Rhodan refletiu um pouco: os zalitas não sabiam nada das faculdades sugestivas dos moofs. O Zarlt estava convencido de que por meio dos moofs podia apenas averiguar a veracidade das afirmações de Rhodan. O Zarlt não sabia que ele próprio estava sob coação das medusas, que o manejavam à vontade. Demesor e seus quatro oficiais eram tão prisioneiros dos moofs como Rhodan, Marshall e Bell.

Mas também sem os moofs, não poderiam alterar seu ponto de vista, e somente este fato é que daria a última palavra para o julgamento que já tinha sido feito, mas não executado.

— O senhor não vai saber nada por mim, Zarlt.

A corrente de força sugestiva que tinha enfraquecido um pouco, começou novamente. Rhodan reparou que Bell e Marshall não foram atingidos. Então precisaria de toda concentração para resistir ao ataque dos moofs reunidos contra ele.

O duelo foi mudo, mas somente para os outros.

Rhodan compreendeu a frase que de repente se tornou nítida em sua mente:

— Você sabe quem somos? Por que se protege contra nós?

— Porque sei quem são vocês. Rhodan pensou apenas e tinha certeza de que os doze moofs o entenderam. Foi a primeira vez que entrou em contato direto com seu inimigo, obrigado pelas circunstâncias.

— Você tem que dizer ao Zarlt de que maneira Árcon pode ser conquistado.

— Por que devo fazer isto? Será um Demesor capaz de dirigir o Império? Ou vocês querem saber?

— Sim, queremos saber.

— Em nome de quem?

Por uns instantes gloriosos, desapareceram todos os impulsos, a pressão também aliviou. Era como se os moofs tivessem interrompido seu trabalho para se aconselharem. Rhodan aproveitou a oportunidade para se comunicar mentalmente com Marshall:

— Que aconteceu com os mutantes? Os revoltosos já estão atacando? Sabem o que está acontecendo conosco? Depressa, responda em voz alta em inglês. Não consigo me concentrar o suficiente para recebê-lo por telepatia.

— Corpo dos mutantes está atacando. Começa a revolução. Já iniciou o ataque à Titan. Ainda uma meia hora... diz Gucky...

Não pôde continuar. Milfor que acabava de entrar, deu um soco na boca de Marshall.

— Vocês não podem falar — ordenou Demesor furioso. — Somente quando forem interrogados. E eu lhe perguntei uma coisa, Rhodan.

— Então espere um pouco — aconselhou Rhodan, calculando o que poderia acontecer em meia hora. Naturalmente ainda havia a possibilidade de dizer toda a verdade ao Zarlt. Ele não poderia fazer nada, pois não possuía o transmissor fictício. Além de tudo, seu domínio não iria além de meia hora, se tudo corresse bem. Então se apoderou de Rhodan uma vontade orgulhosa e inflexível de vencer. — Espere a vida toda.

Demesor era um homem de autodomínio, talvez também os moofs lhe deram uma ordem correspondente. De qualquer maneira nada respondeu, aguardando ainda o que estava para acontecer.

Os moofs não tiveram mais complacência. Com grande concentração atacaram de novo. Era uma onda avassaladora de impulsos doloridos que invadiam seu cérebro, ameaçando destruí-lo. Porém as faculdades mentais de Rhodan, graças à escola de hipnos de Crest, tinham evoluído muito. Estava, portanto em condições de formar uma barragem metal que enfraquecia os impulsos penetrantes dos moofs, não lhes permitindo uma atuação suficiente. Apesar de tudo, era um esforço super-humano tentar qualquer resistência.

Foi a maior batalha de sua vida.

Seus adversários continuavam imóveis nos recipientes, aparentemente adversários inofensivos e desarmados, quando não se estava em suas malhas. Mudos por natureza, e por este motivo telepatas, desenvolveram em seu mundo as forças espirituais, que, empregadas coordenadamente, representavam um poder incalculável.

Rhodan começou a suspeitar de que estavam depreciando os moofs — ou será que somente nos últimos dias é que aprenderam a usar sua força sugestiva planejadamente? Seu cérebro era como um rochedo no meio da rebentação: cada onda forte que o envolve, leva-lhe um pedacinho. E as ondas batiam cada vez mais fortes, mas depois de cada uma delas, as águas voltavam, permitindo ao rochedo uma pausa para respiração. Mas a maré subia, as ondas se tornavam mais fortes, o ataque horrível. Se durasse muito tempo, a rebentação destruiria o rochedo. Tempo...

Era tempo que Rhodan queria ganhar. Sentia que sua resistência se enfraquecia contra os impulsos sugestivos. Precisava de cada fibra de seu corpo para manter a defesa mental. Ainda estava agüentando, mas por quanto tempo?

Estava quase capitulando, quando de súbito os moofs se retiraram. Como um homem que vai com toda força contra uma porta muito firme, que inesperadamente se abre sozinha.

Mais vinte e cinco minutos...

Os olhos de Marshall se arregalaram. Rhodan sabia que os moofs tinham procurado uma outra vítima. Quem sabe, mais tarde se voltariam de novo contra ele, Rhodan. Mas agora, interessava aos moofs descobrir o mais fraco dos três prisioneiros.

Os zalitas agiam com absoluta calma. Estavam como que presos sob uma força mágica e pareciam ignorar o que acontecia. Mas Rhodan não teve piedade deles. Expôs-lhes o que aconteceria com o Império se chegassem ao poder e conseguissem afastar o cérebro robotizado. Seria um reino de marionetes, dirigido pelos moofs, atrás dos quais estaria alguém mais poderoso e sabido.

Não.

Compaixão no lugar errado podia significar a destruição de um grande reino e conduziria a uma centena de mundos à escravidão.

Rhodan, preocupado, dirigiu sua atenção para Marshall, que como telepata tinha experiência e energia suficiente para se defender dos ataques dos moofs.

Exatamente quatro minutos depois, as medusas desistiram.

Ainda antes que atacassem a terceira vítima, Rhodan se pôs em contato com Marshall:

— Chame Gucky, deve vir depressa. Somente Gucky pode ajudar.

Chegou a vez de Bell. Também ele havia passado pela escola de hipnos dos arcônidas, que muito lhe aumentou os conhecimentos. Mas a potência de sua capacidade de resistência mental não era suficiente para agüentar cem por cento os ataques dos moofs.

Seu rosto se contraiu de dor e o suor lhe escorria pela testa, quando os impiedosos impulsos pareciam lhe devorar o cérebro. Os lábios começaram a tremer e seus olhos não viam mais onde estava o corpo.

A fila dos doze telepatas...

Tinha escolhido sua vítima.

 

O conjunto propulsor da Titan foi acionado. Thora deu o alarma geral e a tripulação bem treinada colocou o gigante do espaço, exatamente em quatro minutos, em condição de defesa.

Mas uma luta, em que morrem principalmente os inocentes, deve ser evitada. Fugir era portanto a única possibilidade de frustrar o ataque da frota dos zalitas.

A Ganymed já estava a uma altura onde se iniciava o campo gravitacional e se atirou então numa aceleração incrível no céu já escuro de Zalit.

À beira do espaçoporto cintilavam os obuses. Feixes energéticos de intenso brilho perseguiam os fugitivos, esbarrando no entanto na barreira de proteção. As baterias estouravam de todos os lados tentando atingir a Titan.

Thora via como os raios energéticos se desfaziam em todos os sentidos ao se aproximarem da camada de proteção. Mais para o fundo, levantavam vôo os primeiros destróieres da frota zalita e subiam rápidos para atacarem a Titan de cima.

Thora ligou o intercomunicador:

— Atenção geral. Partimos em dez segundos. Máxima velocidade com os neutralizadores ligados. Transição em onze minutos.

Ela certamente não sabia quantas aeronaves inimigas já sobrevoavam o campo e se preparavam para atacar. Porém tinha certeza de que Rhodan havia ficado neste mundo, e de que ela agira conforme estava combinado anteriormente. Julgava-se covarde, mas tinha que levar a nave para um lugar seguro — e devia também poupar a vida dos adversários.

Ainda cinco segundos.

Encontrava-se no maior dilema de sentimentos que jamais vivera. Vagarosamente aproximou a mão da alavanca de partida. Haveria de puxá-la com rapidez. Os reatores arcônidas descarregariam sua energia e a gigantesca espaçonave seria atirada com toda força no céu escuro, que na realidade não estava escuro, mas era um emaranhado de estrelas cintilantes.

O último segundo foi o mais longo. Mas passou também, e então pareceu-lhe que o espaçoporto de Tagnor se transformou num inferno.

A Titan se projetou para a noite a dentro e ultrapassou brincando as esquadrilhas dos destróieres que a esperavam. A camada protetora dos zalitas se dissolveu sob a ação da cúpula energética que havia em torno da belonave de Rhodan. Sem sustentação, como folhas secas, dez, vinte destróieres se precipitaram no abismo e explodiram, provocando clarões muito fortes. Só o deslocamento de ar da nave esférica de quilômetro e meio de diâmetro destruiu as baterias de mísseis a jato e as instalações subterrâneas do espaçoporto.

Thora não sabia nada disso. Estava de olhos fixos no painel de controle, sem reparar no tenente Tifflor, que calado, a uns metros de distância, estava sentado na poltrona do navegador, não perdendo a jovem arcônida de vista.

Tiff não podia compreender as verdadeiras razões para a contida ira de Thora. Supunha que sua expressão fechada provinha da destruição do inimigo. Não podia imaginar que era Rhodan o responsável pela explosão de sentimentos em Thora. O planeta desapareceu sob a Titan no abismo do infinito. A velocidade da luz foi atingida e deu-se a transição.

Quando a Titan voltou do hiperespaço para a quarta dimensão, a Ganymed estava a uma distância de 0,005 de segundos-luz. Os cálculos eram muito exatos, embora as duas naves já tivessem percorrido exatamente dois anos-luz.

 

Gucky se materializou diante dos olhos estupefatos dos revoltosos e infelizmente não teve tempo de pensar naqueles que o receberam com admiração. Estava preocupado com o pedido urgente de socorro de Rhodan.

— Almirante Zernif, o senhor possui um mapa exato do palácio do Zarlt? Especialmente das instalações subterrâneas? É urgente.

O líder dos revoltosos chamou um homem.

— Quando vocês descobriram o caminho secreto, não fizeram nenhum mapa?

— Naturalmente, Rogal o tem.

— Obrigado — disse Gucky, e desapareceu.

Permaneceram ali Zernif e algumas bocas abertas.

 

Rogal, sabia Gucky, se encontrava desde alguns minutos no mais avançado esconderijo. Devia estar a menos de cem metros da entrada do palácio. Um corredor levava até lá.

Gucky concentrou-se no seu objetivo e pulou.

Por medida de precaução, aterrissou em cima, neste caso um parque. Tudo era silêncio. O clarão avermelhado do palácio despertou em Gucky a vontade de agir por conta própria para libertar Rhodan, mas acabaram vencendo o bom senso e a cautela. Sabe Deus onde iria chegar se agisse sem cuidado?

Com mais duas teletransportações, chegou bem no centro do esconderijo. Rogal, de susto, quase caiu da caixa onde estava sentado. Os outros zalitas ficaram de olhos arregalados no rato-castor, como se estivessem vendo um fantasma. Gucky, apesar da situação seríssima, sorriu para todos, e contente deixou ver seu dente de roedor. Depois se aproximou de Rogal e disse:

— Estou precisando do mapa do palácio, principalmente dos porões: Rhodan está em perigo.

Rogal se levantou. Começou a procurar em seus bolsos, acabando por fazer uma cara decepcionada.

— Não o tenho comigo. Talvez esteja no nosso antigo alojamento. Sabe onde? Onde estivemos há pouco.

Acabou falando para o ar vazio, Gucky já estava longe. Enquanto Rogal ainda estava falando, o rato-castor já vasculhava o antigo alojamento, achando o mapa no bolso de um paletó de uniforme dependurado num prego. Com curto salto, foi ter com Wuriu Sengu e Kitai Ishibashi. Os dois mutantes estavam descontentes por ficarem sem fazer nada, não podendo ajudar os outros.

— Onde você esteve o tempo todo — resmungou Sengu. — Que há com Rhodan?

— Está preso, como vocês devem saber. — disse Gucky, estudando o mapa.

Depois de alguns instantes, já estava mais calmo.

— Temos que ajudar, imediatamente, antes que seja tarde. Os moofs bloqueiam com seus fluxos sugestivos todos os impulsos telepáticos de Marshall. Não consigo mais me comunicar com ele. Por isso precisava deste mapa. Por ele vou calcular meu salto. Vou sozinho para sondar a situação. Volto depois e levo Wuriu. Assim que soubermos como estão os prisioneiros e os moofs, venho buscar Kitai e então atacaremos. Compreenderam?

Os dois japoneses estavam um pouco confusos, mas disseram que sim. Já conheciam bem Gucky, mas lhes parecia estranho que um Mickey Mouse um pouco ampliado perguntasse a dois homens adultos se tinham compreendido alguma coisa.

Gucky não entendendo bem o motivo da confusão, repetiu:

— Quero saber se ficou tudo compreendido.

Desta vez disseram claramente que sim, mas Gucky já tinha desaparecido.

Por fim, poderia ler os pensamentos...

 

Com minucioso cuidado, o rato-castor observava o mapa. Sentado sobre as patas traseiras, segurava o pedaço de papel com as patas dianteiras que pareciam mãos humanas, embora fossem menores e cobertas de pêlo. Alguém que o visse assim, não acreditaria que ele, em capacidade e inteligência, superasse os homens em geral. Não havia nenhum mutante que fosse capaz de dominar ao mesmo tempo a telepatia, a telecinese e a teleportação. Nenhum, a não ser Gucky. Seu quociente intelectual se equiparava ao de Rhodan, se bem que nunca houvesse cursado uma escola de hipnose. O segredo de sua força estava em sua aparência simples.

E que coisa... um animal e, no entanto, superior ao homem...

A voz estridente de Gucky se fez ouvir:

— Daqui até a entrada do palácio são exatamente duzentos e sessenta e oito metros. No meu último contato, Marshall estava a duzentos e cinqüenta metros mais ou menos. Isto quer dizer que a abóbada subterrânea se encontra em nossa direção. Já conhecemos portanto a orientação e vou dar um pulo até o palácio, indo dez metros para baixo do solo. Depois tenho que me materializar num lugar onde Bell e Rhodan estavam há poucos minutos.

Wuriu estava pensativo.

— Devo ir junto? Olha que eu sei ver através das paredes...

— Eu venho buscá-lo imediatamente. Gucky fez-lhe um gesto tranqüilizante e desapareceu.

Quando conseguiu enxergar de novo, estava num corredor, não longe de uma saída de elevador. Havia silêncio completo, não se ouvindo o menor ruído.

Mas Gucky não estava preparado para isto. Sua mente sensível reagiu rápida. Mas os pensamentos de Rhodan e Bell estavam demasiadamente sobrecarregados com os impulsos dos moofs. A intensividade destes impulsos indicava uma separação mínima de sua fonte de origem. Talvez os prisioneiros estivessem atrás da próxima porta.

Gucky deu um salto de volta e apanhou Wuriu. Depois Kitai. Os dois japoneses tinham na mão suas pequenas mas eficientes pistolas energéticas, prontas para atirar. Gucky dispensava qualquer arma.

— Então, Wuriu, está vendo qualquer coisa?

Gucky constatou que os fluxos de pensamento de Marshall estavam submersos no turbilhão dos impulsos dos moofs. Gucky sentia como era grande a tentativa das medusas-telepatas para colocarem o terrano sob o domínio de sua vontade.

De repente Marshall ficou completamente livre. Começou então o segundo e decisivo ataque a Bell. Não havia dúvida de que os moofs sairiam então vitoriosos.

Marshall se pôs imediatamente em contato com Gucky, cujas tentativas de rastreamento ele já percebera.

— Onde está você, Gucky? Pegaram Bell e ele não vai agüentar muito. Responda.

O rato-castor estava esperando a resposta do vidente. Wuriu acenou de súbito com a cabeça, enquanto olhava fixamente para a parede próxima.

— Eu os estou vendo — cochichou emocionado. — A menos de dez metros daqui. Aquela porta lá — apontou para a segunda porta. — Parece que pegaram Bell. Que estão fazendo aquelas moças lá dentro?

— Que moças? — perguntou Gucky admirado. E ele apreciava mais as moças que lhe cocavam o pêlo do que os homens preguiçosos. — Existem moças lá dentro?

— São elas que seguram Rhodan, Bell e Marshall — anunciou Wuriu estupefato, dando impressão de estar muito inquieto. — Bell não reage mais.

— Uma limpeza geral do cérebro lhe fará muito bem — cochichou o rato-castor meio contente com o castigo.

Na realidade, porém, seu pensamento era muito diferente. Os moofs podiam estar preparados para alguma coisa.

— Atacaremos em dez segundos, Marshall.

— Cuidado — veio a resposta. — O Zarlt e os oficiais estão com as nossas armas. Os robôs, seis ao todo, têm que ser postos fora de combate. Os moofs...

— Robôs? Wuriu não viu nenhum robô.

— Têm a forma de moças jovens. Nós fomos enganados.

Gucky fez uma cara de espanto e foi pena que ninguém pôde saber disso. Depois, fez um gesto de ameaça:

— Wuriu, Kitai, vocês sabem o que têm que fazer. Kitai vai cuidar dos moofs, fazendo com que seu fluxo de sugestionamento fique interrompido por tanto tempo, até que eu me possa dedicar a eles. Wuriu, você vai receber os zalitas... — e Gucky parecia muito eufórico... — e eu vou receber as virgens do santuário.

— Quem, mesmo? — perguntou Wuriu de boca aberta e de olhos arregalados. — As moças?

— Por que não? — respondeu Gucky, parando na frente da tal porta. — Ou alguém de vocês vai ser testemunha de que eu não liquidei com seis delas ao mesmo tempo?

Os japoneses ficaram calados. Realmente, nunca tinham visto coisa semelhante.

 

Bell estava quase reduzido a zero, não só espiritual, mas também fisicamente. Se ainda continuava de pé, era porque os fortes braços das jovens-robôs o seguravam. Os cinco zalitas estavam de lado, olhando estoicamente o que iria acontecer. Um único moof seria suficiente para controlá-los. Sua capacidade de resistência era bem menor que a dos terranos.

Rhodan e Marshall estavam completamente livres. Pelo menos onze dos moofs estavam concentrados em Bell, que não podia agüentar um ataque assim.

— Se Gucky não aparecer logo — murmurou Rhodan, — não sei o que vai acontecer.

— Já estão ali fora, no corredor — sussurrou Marshall. — Em poucos segundos...

Kitai se materializou com Gucky, que logo tornou a desaparecer. Um segundo depois, estava de volta com Wuriu, cuja pistola energética entrou em ação imediatamente. Os zalitas nem sentiram a morte. Antes de terem tempo de esboçar um movimento de resistência, já estavam mortos.

Kitai era um sugestor muito competente. Para o gabarito dos moofs, devia ser então um gigante. Antes que as medusas pudessem notar a alteração, e mudar de atitude, foram atingidas por fortes impulsos de tal maneira, que abandonaram imediatamente sua vítima. Bell estava sonolento nos braços das duas moças, seus olhos se mantinham fechados, mas ainda vivia.

Os fluxos de energia telecinética de Gucky se concentraram de início nos dois robôs que seguravam Rhodan. Obrigou seus braços a se abrirem lentamente, centímetro por centímetro, até que Rhodan conseguiu sozinho se desvencilhar deles. Rígidos e imóveis, os dois exemplares de belas bailarinas continuaram ali estatelados, incapazes de se moverem. Gucky os mantinha presos, mas não podia permanecer assim por muito tempo, pois havia muita coisa que fazer. Fez um sinal para Wuriu, sem olhar diretamente para ele.

— Dê uma descarga de raios nos robôs, embora elas sejam tão encantadoras.

Segundos depois, as duas bailarinas estavam reduzidas a insignificantes restos de metais fundidos e material plástico carbonizado.

Gucky se horrorizou:

— Nunca teria pensado — disse com o chiado característico — que aquelas tão lindas moças fossem de aço!

Marshall foi também libertado e seus dois robôs destruídos.

Chegou então a vez de Bell. Gucky tinha que tomar cuidado para que seu amigo não caísse no chão como um saco de chumbo, quando os robôs o libertassem. Mas o problema se resolveu do modo mais simples: Bell voltou a si.

Abriu os olhos. Num relance de vista, sorriu comovido, e compreendeu logo a situação.

— Ah... Gucky, naturalmente. Quando Gucky fareja qualquer rabo de saia, ninguém o segura.

O rato-castor ficou por uns instantes meio vexado com o exagero, permanecendo incapaz de qualquer reação. Mas depois, todo contente deixou aparecer seu dente roedor, acenando amigavelmente.

— Não haveria de querer roubá-las de você. Pode ficar com todas elas, obrigado — disse virando-se para Rhodan:

— E agora, desliguemos os moofs, senhor e mestre.

Kitai já tinha conseguido dominar completamente os moofs. As criaturas esquisitas estavam como que paralisadas, imóveis nos recipientes. Podiam perceber qual seria seu fim.

— Gucky — gritou Bell desesperado — livra-me destes monstros.

O rato-castor virou-se com calma e ficou observando com o dente roedor cintilante e o pêlo eriçado aquele quadro idílico. Parecia se divertir imensamente vendo Bell abraçado com duas lindas mulheres.

— Você sente alguma dor? — perguntou com malícia.

— Liberte-me, que eu lhe dou as duas. Quem sabe você conseguirá programá-las para cocarem seu pêlo.

Gucky sorriu:

— Não preciso delas, conheço alguém que faz isto muito melhor.

— Você não está pensando em... — disse Bell ciumento, mas Gucky o interrompeu:

— Estou pensando em você, velho amigo. Para eu libertá-lo, você tem que prometer que durante ao menos cinco horas, me...

— Certo, eu prometo. Mas vamos depressa.

Bell se sentiu livre. E ainda cambaleando, foi na direção de Kitai, arrancou-lhe das mãos a pistola energética e voltou contra os dois robôs, que estavam completamente passivos. O Zarlt a quem obedeciam já estava morto.

Bell avançou com a arma contra os rostos das dançarinas, exclamando:

— E agora eu vou destruir vocês, suas... suas... — e não achou a palavra apropriada.

— Vocês nunca mais levarão homens decentes a pensamentos bobos, isso eu lhes posso garantir. Vamos, virem-se de costas. Vamos, depressa — as duas bailarinas não reagiram, continuando mudas em seus lugares.

— Não querem obedecer? Pois bem, passem bem, adeus, e minhas saudações às outras quatro no céu dos robôs.

Depois que as graciosas figuras se transformaram em plástico fumegante e em metal fundido, Gucky, horrorizado, tapou o nariz, e gritou, virando-se para Marshall:

— ...e quando eu me recordo que quase... não. Nem se deve mais pensar nisso. Foi uma vergonha...

Gucky havia acompanhado a tudo com interesse e não queria mais saber da tragédia. Olhando para Kitai, disse:

— Vou levá-las para o terraço em suas gaiolas e simplesmente vou jogar essas medusas para baixo. Quebrando os recipientes, sai a atmosfera de metano e elas terão uma morte tranqüila.

Rhodan, que até o momento se abstivera de qualquer comentário, falou:

— Não vamos matá-las, Gucky. Basta que Kitai lhes sugira peremptoriamente que, daqui por diante, elas têm que servir a um novo amo. Devem ficar passivas até que as apanhemos. Na Titan, há espaço suficiente para doze moofs.

Bell arregalou os olhos e disse:

— Você vai instalar um jardim zoológico na Titan?

Rhodan abanou a cabeça:

— Meu caro amigo, você, de vez em quando, fica com a cabeça oca. Você sabe que os moofs pouco ou nada nos interessam.

— E então?

— E interessa muito menos aos pobres coitados que foram por eles atacados em Zalit. Quem sabe, com o tempo os moofs se tornam mais sociáveis. Por isso é que pretendo instalar um zoológico. Entendido?

— Pareço tão burro assim? — perguntou Bell com simplicidade. Parecia estar já bem refeito da refrega.

Gucky cochichou:

— Já houve tempo em que também eu pensava sofrer da vista — disse ele com ironia.

Bell olhou-o, mas estava por demais preocupado com seus próprios pensamentos, para compreender a indireta lançada contra ele.

Rhodan olhou mais uma vez na direção da parede, onde há pouco tempo estavam o Zarlt e seus oficiais.

— Lá fora está acontecendo muita coisa. Acho bom avisarmos o almirante Zernif da morte do Zarlt. Isto pode poupar a vida de milhares de zalitas. Quando souberem que o Zarlt está morto, haverão de depor as armas. Neste sentido, Wuriu fez um bom trabalho, embora eu não esteja de acordo com este tipo de castigo dos culpados.

Por alguns momentos, Marshall estava concentrado em si mesmo. Depois, ergueu a cabeça.

— Os revoltosos atacam o palácio. Estão rebentando tudo que encontram pelo caminho. Guardas palacianos, soldados, empregados...

— Vamos depressa — disse Rhodan. — Não percamos tempo em comunicar aos zalitas que estão livres. Eu mesmo tenho muita necessidade de conversar com nosso velho amigo.

— Com quem? — perguntou Bell.

— Exatamente, com nosso velho amigo: o cérebro robotizado de Árcon.

 

Thora já estava dormindo há algumas horas, quando o tenente Tifflor a acordou.

— Desculpe, senhora, Crest não teve oportunidade de avisá-la pelo intercomunicador. Pede que o procure imediatamente na Central.

Thora se levantou.

— Que aconteceu, Tiff?

— Nada, minha senhora, por enquanto nada.

Thora não fez mais perguntas. Esperou até que Tiff fechasse a porta do camarote, depois se levantou e em dez minutos estava com Crest.

O cientista arcônida, mal virou a cabeça, quando Thora entrou. Tiff estava sentado na frente do computador de navegação, colhendo algumas informações. Todos os painéis estavam ligados e mostravam com nitidez todo o espaço em volta da Titan.

Thora reconheceu os pequenos exploradores robotizados de Árcon, entre eles maiores unidades de combate e cruzadores. Mais para o fundo, gigantescas naves espaciais do tipo Stardust espreitavam: esferas espaciais com diâmetro de oitocentos metros.

— Que significa tudo isto? — perguntou Thora procurando na tela a Ganymed. O gigantesco torpedo flutuava, aparentemente parado, a alguns quilômetros de distância. Na realidade, os dois gigantes se moviam, por queda livre, na direção de Voga. — Será que vão nos atacar? São naves do Zarlt?

Crest desviou os olhos dos instrumentos, por uns instantes.

— Até agora não se deu nenhum ataque, Thora. São unidades do Império. Todas controladas por robôs. Ainda não sei bem o que representa tudo isto. Será que o cérebro robotizado teria esquecido o que combinou com Rhodan?

Thora nada respondeu. Acompanhava com toda calma o movimento da frota. Seus olhos tinham um brilho frio. Quando finalmente falou, sua voz soou fria e resoluta:

— A frota de Árcon... Se nos atacarem, Crest, levarão uma lição tal, que nem Orcast nem o cérebro haverão de esquecer. Somos donos da nave mais poderosa do Universo. Nunca permitiremos que a tirem de nós.

Crest teve tempo de sorrir, admirado. Depois disse com tranqüilidade:

— Até agora não houve ataque, estou procurando contato com o comandante, quer ele seja homem ou robô. Quem sabe não está a par do que foi combinado com o cérebro robotizado. Na confusão do momento, tudo é possível.

— Mas se houver um ataque... — começou Thora, mas Crest a interrompeu:

— Então nos defenderemos, naturalmente. Não é, Tiff?

Parece que o jovem tenente estava esperando pela pergunta:

— Estão se adaptando ao nosso movimento, pacificamente. Não se fala em ataque. É um movimento de vigilância. Que podemos concluir daí?

— Não sei ainda — respondeu Crest, tentando ligação pelo videofone com o comandante Freyt na Ganymed. — Super-prontidão, comandante. Ao menor sinal de ataque, fogo de todas as baterias. Deixar ligado o envoltório protetor. Em caso de necessidade, use sem escrúpulo o transmissor fictício.

— Compreendido — foi a resposta firme.

Duas fortalezas inexpugnáveis estavam esperando para entrar em ação. Thora perguntou de repente:

— Quando voltamos para Zalit? Não podemos ficar aqui, simplesmente esperando. Rhodan não tem possibilidade de nos ouvir.

— Tem os mutantes e os grupos de resistência do seu lado. Não estou preocupado com ele. Mas não gostaria de destruir as naves do cérebro robotizado...

— Por que não perguntamos ao próprio cérebro?

Crest olhou surpreso para Thora. Depois concordou:

— Naturalmente, seria uma saída. Por que não tive essa idéia antes? Tiff, consiga a ligação com o supertransmissor. Thora vai ajudá-lo.

Desta vez, demorou quase vinte minutos antes que aparecesse no grande painel da instalação de super-rádio a semi-esfera de aço cintilante. A voz mecânica estava exatamente tão fria e impessoal, como no primeiro contato:

— Estou localizando vocês. Apresentem-se. Identificação.

— Thora do clã de Zoltral — respondeu ela sem constrangimento. — Por que não está mantendo o que prometeu, regente? Não deu a Rhodan plena liberdade de movimento?

— Explique melhor do que se trata.

— Do que se trata? — respondeu Thora zangada. — Sua frota nos cercou. O senhor quer a todo custo experimentar nossas armas?

— Ninguém os está atacando. Estão sendo apenas vigiados. Podem mudar a qualquer momento de posição, o que aliás lhes recomendo. Voltem para Zalit, a missão de Rhodan está terminada. O Zarlt está morto.

Por uns instantes, Thora ficou sem palavras. Respirou profundamente e disse:

— O Zarlt morreu? A revolução acabou?

— Os traidores do Império foram castigados. O novo Zarlt será nomeado hoje ainda. Será o almirante Zernif, se as informações estão corretas. Rhodan está esperando vocês de volta, Thora da estirpe dos Zoltral. Não o faça esperar. Aguardo um relatório mais completo.

O painel apagou.

Thora demorou uns instantes até se dirigir a Crest.

— Rhodan venceu, como estou feliz.

Crest apenas sorria.

— Você esperava outra coisa?

— Tiff, calcule as coordenadas e os impulsos energéticos de volta a Zalit. A Ganymed nos seguirá. Vou avisar o comandante Freyt.

Tiff começou seu trabalho.

Com um fino sorriso, Crest ainda acompanhou os passos da felicíssima arcônida. Depois levou a mão decididamente para as alavancas de controle.

 

Os revoltosos tinham atacado o palácio e haviam prendido os oficiais da guarda. A ordem do almirante Zernif era rigorosa: evitar vítimas desnecessárias. Sabia, por intermédio de Rhodan, qual havia sido o papel dos moofs e tinha certeza de que os soldados do falecido Zarlt, depois de libertados da coação sugestiva, voltariam a ser leais ao Império.

Quando a notícia da morte do Zarlt se espalhou, as últimas tropas depuseram as armas. De todas as direções, chegavam as unidades da frota, desciam e se colocavam incondicionalmente sob o comando do almirante Zernif, que já tinha sido proclamado pelos revoltosos o novo Zarlt.

Em poucas horas, a ordem e a calma reinavam em Zalit. Zernif tomou conta provisoriamente dos negócios do ditador e seu primeiro ato oficial foi colocar o cérebro robotizado a par dos acontecimentos. Não esqueceu de mencionar o papel decisivo de Rhodan na libertação de Zalit.

Depois recebeu Rhodan e seus amigos íntimos. O corpo dos mutantes foi levado para uma sala especial, onde os esperava uma lauta mesa. A maioria dos mutantes não tinha tido oportunidade de entrar diretamente em ação, o que não os impedia de saborear as iguarias oferecidas.

Finalmente, Rhodan, Bell, Marshall e Gucky foram levados à presença de Zernif.

O velho zalita se levantou à chegada dos amigos. Com os braços estendidos, foi ao encontro de Rhodan.

— Não sei como lhes poderei agradecer. Pertencem a uma parte desconhecida da Via Láctea, mas foram vocês que salvaram o Império de Árcon. Se eu não estiver em condições de lhes pagar um dia esta grande dívida, o cérebro robotizado certamente...

— Ela já pagou antecipadamente — sorriu Bell, mostrando da janela, de onde se via uma grande parte do espaçoporto. Uma enorme sombra descia neste momento do céu brilhante e pousava suave como uma pena. — A Titan; ela é o grande presente do Império a Perry Rhodan. Um presente realmente de rei.

Rhodan também estava à janela, olhando. Pediu a Zernif:

— Envie uma mensagem tranqüilizadora à espaçonave. Talvez o senhor mande buscar Crest e Thora e trazê-los para cá.

Pelo videofone, Zernif deu a ordem.

— Mas nem todos os problemas estão resolvidos — disse, dirigindo-se aos hóspedes. — A causa propriamente dita do malogrado levante contra Árcon são os moofs. Há ainda um grande número deles em nosso planeta, e podem provocar uma nova desgraça.

— Os senhores devem apenas conseguir que eles não possam fazer isto. Mandem instalar nas abóbadas do palácio uns aposentos à prova de irradiação e levem para lá todos os moofs. Por que devemos matá-los? São relativamente inofensivos. Vou falar com o regente, ele cuidará deles. E cortem toda nova remessa para cá. Isto é importante. Se observarem os dois conselhos, Zalit nunca mais será vítima das estranhas medusas.

— Ainda hoje darei ordens a respeito — prometeu o novo Zarlt. — Os acontecimentos nos serviram de lição. Sabemos quais os perigos que nos ameaçam, se relaxarmos na vigilância. Mesmo o maior cérebro positrônico do Universo jamais será infalível. E o homem nunca poderá ser totalmente substituído.

— Espero que sim — concordou Rhodan. — Também o cérebro chegará a esta conclusão. Mas mesmo assim, sempre haverá um futuro para Árcon.

O almirante Zarlt Zernif passava a mão distraidamente alisando o pêlo de Gucky.

— O senhor tem colaboradores competentíssimos — constatou com admiração.

O rato-castor estava sentado numa cadeira, apoiando as costas no espaldar, ricamente esculpido. Suas patas dianteiras, bem limpas, estavam sobre a mesa. O dente roedor brilhava com todo fulgor, demonstrando a boa disposição de seu dono, que apesar de toda sua aparência esquisita, podia representar um enorme perigo para os inimigos.

— Caso o senhor venha a precisar novamente de nossa ajuda... — disse Gucky.

Mas Zernif atalhou logo:

— Espero que não seja mais necessário. Foi um tempo muito difícil, sob a ditadura de Demesor e de seus moofs.

— Como seria tudo tão simples — observou Rhodan secamente — se fosse apenas seus moofs. Infelizmente não foram eles. Mas um dia, este segredo se desvendará.

Gucky ainda sorria. Parecia muito feliz. Zernif se abaixou até ele, acariciou-lhe o pêlo marrom-ferrugem.

— Você está feliz, porque tudo já acabou, não é verdade?

Os olhos de Gucky tinham um brilho especial de uma alegria muito íntima.

— Sim. Mas eu tenho também outros motivos muito mais importantes, para estar contente, caro Zarlt. Vou presenciar uma grande festa e...

Infelizmente não chegou a explicar com mais detalhes em que consistia esta grande festa, pois neste momento, Thora e Crest foram introduzidos no recinto. Seus olhos cintilavam de felicidade e orgulho. Com muita dignidade, caminharam até em frente ao Zarlt, inclinaram-se respeitosamente e cumprimentaram Rhodan.

— Soubemos há pouco, através do cérebro robotizado, do que aconteceu — disse Crest — e seguindo o conselho do regente, voltamos para Zalit. Ele pede, Perry, que entre em contato com ele imediatamente. O Zarlt Zernif foi confirmado no posto.

— E a Titan?

— Tudo em ordem. A Ganymed deve chegar a qualquer momento.

Rhodan se levantou.

— Desculpe, Zarlt Zernif, se tenho que cuidar primeiro dos meus deveres. Tenho quer ir até a Titan e falar com o cérebro regente do Império. Em meia hora, estarei de volta. Bell, você cuida do corpo de mutantes. Atenção para que não bebam vinho demais.

Bell fez uma cara de quem não gostou.

— Não vai acontecer isto, pois já notei que quem vai servir são robôs de verdade e não moças.

Gucky riu às soltas. Thora estava olhando sem compreender, do mesmo modo como Crest. Marshall sorria feliz.

— Meu amigo fala por experiência amarga — explicou Rhodan ao Zarlt, sorrindo. — Até logo.

Saiu da sala, fechando a porta atrás de si.

Gucky parou de rir. Desceu da cadeira e se dirigiu à porta. Chegando ali, virou-se para trás e ficou olhando a reunião com ar de provocação.

— E então? — disse ele, soltando um agudo assobio. — Estão pensando que eu quero morrer de sede? O que estamos esperando ainda?

Como que manejada por mãos invisíveis, a porta se abriu.

E Gucky ficou flutuando acima da soleira da porta...

O que, além de suas outras faculdades, era realmente um retrocesso à primitividade.

 

Aos poucos o painel se acendeu. Apareceu a cúpula cintilante, brilhando de dentro para fora como prata polida.

— Estava esperando seu chamado — disse uma voz impessoal, ao invés de qualquer outra saudação. — Sua atuação em Zalit me convenceu de que o senhor pensa e age no sentido do Império. A Titan ficará daqui em diante em seu poder. Seus comandantes oficiais serão Thora e Crest, da estirpe do Zoltral. Tenho uma outra missão para o senhor.

Rhodan necessitou de alguns instantes para se recuperar da emoção que sentiu. Como podia o cérebro positrônico incumbi-lo de uma missão?

— Sinto muito, regente, mas não terminei ainda minha presente missão. Os moofs foram os instigadores indiretos do planejado ataque a Árcon. Tenho que descobrir quem são seus mandantes.

— Pois era esta a missão que eu lhe queria dar — respondeu o regente objetivamente. — Nossas intenções coincidem. O senhor permanece ainda uma semana, de acordo com seu modo de calcular o tempo, em Zalit, para poder ajudar Zernif em suas ações de limpeza. Peço-lhe que entre em contato comigo novamente amanhã. Por favor, providencie que os dois arcônidas estejam presentes. Receberá então todas as informações com mais detalhes à medida do que me for possível.

— O senhor não tem nenhum indício — perguntou Rhodan — quem são estes desconhecidos?

— Até o momento, não — confessou o cérebro robotizado. — O senhor pegou vivo, um número maior destes moofs, como pude saber. Não leve todos, mas apenas três deles para sua nave. Quem sabe haverá de descobrir algo, que nos vai interessar muito.

Rhodan reparou com curiosidade que o cérebro havia dito “nos”. Este fato, aparentemente insignificante, era da maior importância. O regente já estava identificando Perry Rhodan com o Império dos Arcônidas.

— Obrigado pela sugestão, regente. Amanhã, por estas mesmas horas, haverei de chamá-lo.

— Eu aguardo — foi a única resposta. E o painel apagou.

Rhodan não voltou imediatamente para Tagnor. Por quase meia hora, permaneceu ainda na central da espaçonave, tranqüilo, entregue a seus pensamentos. O quadro geral começou a ficar mais claro. Árcon era governada por um robô. Porém este robô era suficientemente inteligente para compreender que não podia prescindir do auxílio de homens. Ou talvez, o tivessem programado desta forma, quem sabe? Sob qualquer hipótese, ele, Rhodan, já estava agindo oficialmente em missão do grande Cérebro.

Não seria isto já um grande progresso?

Voltou de carro para a festa.

 

A noite já ia bem avançada, quando Crest procurou Rhodan em seu camarote particular. Era um aposento grande e instalado com muito conforto, cujo painel arredondado reproduzia de cada vez um trecho do espaço em volta. No momento, servia apenas como branda claridade para iluminação.

— Você! — admirou-se Rhodan.

O arcônida passou a mão pelos cabelos brancos e procurou uma poltrona. Sentou-se com um suspiro.

— Gostaria de falar um pouco com o senhor, Rhodan. Durante o dia todo, não houve oportunidade para isto.

— Grande confusão hoje, não foi? — disse Rhodan sorrindo. — Diz respeito à conversa com o Cérebro amanhã?

— Não, Perry. Diz respeito a Thora e a mim.

— Você está me deixando espantado, Crest.

Parecia difícil ao cientista achar palavras adequadas para exprimir o que o preocupava.

— O cérebro robotizado lhe deu uma missão, o que é um bom sinal. Ele o reconhece, Perry. E também a nós. Sei que Thora e eu somos os comandantes oficiais da Titan. Mas o senhor sabe, melhor do que eu, quem é o comandante verdadeiro. Para que toda esta comédia? Por que que o regente não diz francamente que o senhor é quem dirige e governa a Titan?

— Até mesmo um robô tem seus sentimentos de tradição — disse Rhodan sorrindo e compreendendo os apuros do seu mais velho amigo. — Não é muito lógico que o cérebro confie a melhor e a mais poderosa espaçonave do Império a um estranho, muito mais quando este estranho lhe roubou a mencionada espaçonave. De outro lado, reconheceu que uma aliança com este estranho pode ser de grande vantagem para o Império. Daí, o compromisso. E é por este motivo que você se preocupa e me procura no meio da noite?

— Não, propriamente não, Perry. Gostaria apenas de saber da sua opinião. Além disso, ainda não é tão tarde assim. Thora tem as mesmas preocupações. Além disso, Perry, o senhor devia se preocupar mais com Thora. Acho que está se passando uma grande transformação nela, de grande importância. Eu quase acreditaria que ela concorda com as minhas intenções secretas. Lembra-se, há treze anos atrás, falávamos deste assunto.

— Há treze anos atrás? — ficou Rhodan refletindo, depois se lembrou. — Ah... você pensa na idéia de restaurar o Império dos Arcônidas. É, mas não estou bem certo, se o orgulho e a consciência de tradição dela vai admitir que um dia um terrano possa substituir o cérebro positrônico.

Crest sorriu brandamente. Havia brilho intenso em seus olhos.

— Seu orgulho e sentimento de raça, certamente não, Perry, mas o seu amor, sim.

— Seu amor...?

— Sim, seu amor à Pátria... e a você também, Perry, ou você é cego?

Rhodan fitou Crest.

— Não cego, propriamente, Crest. Mas, faltou-me até hoje tempo. Também me separam de Thora mundos e eternidades.

— Isto se pode modificar, quando se quer. E quem sabe você terá que modificar um dia, Perry.

Levantou-se e caminhou para a porta.

— Boa noite, e pense um pouco a respeito. Agora você tem tempo.

Rhodan ficou olhando para a porta fechada.

Dois segundos depois, estava ele de pé, vestindo a jaqueta, caminhando para o corredor. Ainda viu Crest desaparecendo numa curva.

O elevador antigravitacional levou Rhodan para o assim chamado tombadilho do chefe, no centro da espaçonave. Thora ocupava um apartamento bem perto dos aposentos dos mutantes. Bell também residia aí.

Quando passou pela porta deste último, esta se abriu. Com um grunhido de contentamento, Gucky deu uma olhadela pelo corredor, mas fechou de novo a porta, sorrindo de feliz, para si mesmo. Depois sentou-se e começou a pensar:

— Você? — cochichou ele admirado. — O que está fazendo aqui? — nos seus olhos castanhos havia um brilho de cômica malícia. O dente de roedor lhe saía da boca. Sorria feliz, como se tivesse descoberto uma plantação inteira de cenoura. — Ah... compreendo. Tarde demais. Rhodan, muito tarde. Sou ou não sou telepata? Mas de qualquer maneira, muito divertimento. Sou um cavalheiro, sei guardar segredos.

Rindo de contente e assobiando muito desafinado, foi embora, desaparecendo nos aposentos dos mutantes.

Por um momento, Rhodan se aborreceu, por não haver dominado seus pensamentos. Depois surgiu nele a curiosidade de saber o que fazia Gucky tão tarde da noite junto com Bell.

Voltou uns passos e enfiou a cabeça no camarote de Bell.

Bell estava de pé, com os cabelos eriçados, no lavatório, deixando o jato frio da torneira correr fortemente sobre as articulações dos dedos da mão direita. Sua fisionomia parecia a de um condenado à forca.

— Que aconteceu? — perguntou Rhodan preocupado. — Pancadaria com seu amigo?

— Com Gucky? — bocejou Bell, esfregando as articulações, aparentemente rígidas. — Pancadaria? Não, pelo contrário. Prometi uma coisa ao Gucky, lembra-se? De lhe cocar o pêlo durante cinco horas e isto não é brincadeira. E eu cumpri apenas duas horas.

Rhodan sorriu e fechou a porta.

— Providencie um pouco de esparadrapo e gaze — aconselhou amigavelmente. — Da próxima vez, você será mais precavido com suas promessas. Boa noite.

Ainda estava rindo, quando bateu à porta de Thora.

Ela olhou para ele, como se fosse uma assombração.

— Você...?

Rhodan fechou a porta, depois de ter entrado no camarote.

— Thora, tenho que conversar com você...

 

                                                                                            Clark Darlton

 

 

                      

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