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A Frota Fantasma / Clark Darlton
A Frota Fantasma / Clark Darlton

 

 

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A Frota Fantasma

 

Erguem-se das sepulturas, para atacar a Terra...

Pelo fim do século vinte e um e começo do século vinte e dois, iniciou-se uma nova época na história da Humanidade.

Com o apoio dos terranos, o arcônida Atlan conseguiu firmar sua posição de imperador. A aliança entre Árcon e o Império Solar produziu bons frutos, especialmente para vários agentes de Rhodan, pois passaram a ocupar cargos de importância na administração de Árcon. Atlan não tem outra alternativa senão tolerar esta ingerência terrana no Grande Império Arcônida, porque a maioria de seus compatriotas não lhe são de confiança.

O Império Solar se tornou realmente uma potência comercial de primeira grandeza ao longo da Via Láctea. Iniciado há 22 anos, amplia-se cada vez mais um movimento migratório dos terranos para colonização de outros mundos. Em quase todos os planetas habitados por seres inteligentes há embaixadas e representações comerciais do Império Solar.

Apesar de tudo, porém, a situação não está serena, pois todos sabem que há na Via Láctea uma potência que não morre de amores nem pelos arcônidas nem pelos terranos: são os acônidas, do Sistema Azul.

Perry Rhodan continua preocupado, mesmo depois de, com ingente sacrifício de todos, ter superado a guerra bacteriológica dos mencionados acônidas. Todo raciocínio leva à conclusão de que tal povo — os misteriosos antepassados dos arcônidas — considera os homens como animais daninhos e assim os trata.

Qual será agora a próxima iniciativa dos acônidas contra a Terra? Naves-patrulha percorrem o Sistema Azul para estar a par de qualquer agressão, mas não podem localizar A Frota-Fantasma.

 

                                  

 

Em torno do gigantesco sol azul girava um planeta muito semelhante à Terra, com a gravidade de 1,1 gravos, uma densa atmosfera de oxigênio e um céu de um azul claro fora do comum. Os continentes deixavam ver que ali habitava uma raça inteligente, de alto padrão técnico.

Não era apenas o sol e não era somente o céu do quinto planeta que apresentavam aquela coloração de um azul agradável. Em torno de todo o sistema solar pairava uma camada esférica de um cintilar azulado, de uma energia quase transparente, que na realidade era um envoltório de proteção magnética. Foi devido a isto que Rhodan, quando descobriu o sistema, lhe deu o nome de “O Sistema Azul do Império Acônida”.

Ao quinto planeta chamou de “Sphinx”, e Sphinx tinha duas luas. Uma era pequena, sem maior importância. Mas a outra era do tamanho de Mercúrio e substituía, por meio de suas instalações do transmissor fictício, uma frota inteira de milhares de naves. Em última análise, esta lua não passava de uma gigantesca estação do transmissor fictício. Era por seu intermédio que os acônidas transportavam gêneros, qualquer tipo de material, armas e principalmente a si mesmos para qualquer ponto da Via Láctea, supondo-se naturalmente que lá houvesse uma estação receptora correspondente.

Só para dar um exemplo, se conseguissem montar às escondidas um receptor destes na Terra, estariam automaticamente em condições de invadir nosso planeta com a maior facilidade, sem necessitarem de uma só espaçonave.

Tentaram uma vez provocar uma peste na Terra, com o que quase levaram a Humanidade à beira do abismo.

Rhodan estava convencido de que não iria ficar somente nesta tentativa, mas sabia também que uma simples defensiva não seria o meio eficiente para acabar com estes ataques. Tinha-se que, ao invés disso, tirar os antepassados dos arcônidas de seu bem resguardado Sistema Azul. Mais de três dúzias de cruzadores leves e pesados da Frota Espacial patrulhavam o envoltório energético de cintilação azulada, procurando uma brecha para penetrar. Mas não havia uma só brecha.

Os terranos não dispunham, portanto, de meios para ficar a par das tramas urdidas em Sphinx e em sua lua maior, contra os arcônidas e principalmente contra eles próprios. Ao menos, aparentemente, não acontecia nada de importante. Na Terra, como em seu satélite, a Lua, aterrissavam todos os dias centenas e centenas de espaçonaves, sem que ninguém desse maior importância a este fato.

Os acônidas dificilmente usavam naves, já que executavam todo transporte, tanto de mercadoria, como de passageiros, por intermédio dos transmissores fictícios. Espaçonave só lhes seria útil quando quisessem instalar uma estação de recepção fictícia em outro lugar.

Assim mesmo, na lua do quinto planeta estava uma espaçonave prestes a decolar. Não era muito grande, tinha o formato costumeiro da antiga cosmonáutica acônida, isto é, de construção esférica, com os dois pólos levemente achatados. Os técnicos tomavam as últimas providências, e com muito mais cautela que os engenheiros terranos. Não precisavam agir tão detalhadamente, pois tal serviço não requeria tanta atenção.

Esta nave, porém, não era um aparelho comum, e sim um artefato especial, secreto, completamente fora de série.

A tripulação da tal nave estava reunida em Sphinx, recebendo as últimas instruções. Toda a operação foi novamente discutida, colocando-se nas devidas dimensões a importância do sucesso total, com especial realce do fator surpresa. Este ataque contra Árcon era, portanto, indiretamente contra a Terra.

— Esta é a mais ousada das experiências — dissera o instrutor, estirando os braços para o céu, de tal modo que as palmas das mãos recebiam a luz direta do sol azul.

Devia ser uma mistura genial de técnica e de especulação psicológica, que a vítima somente perceberia quando fosse tarde demais para uma reação.

Formou-se então a fila, passando os garbosos tripulantes perante os membros do governo e dos cientistas. Caminharam, depois, em direção ao campo energético de brilho mais intenso, entrando para um arco flamejante — portão para o transmissor fictício.

Quando a primeira leva dos acônidas chegou ao arco chamejante, desapareceu de um instante para o outro, dando um simples passo para frente. Era como se o nada os tivesse tragado. A segunda leva, a terceira e a quarta se sucederam, até que toda a tripulação havia deixado o planeta de uma forma bastante estranha.

No mesmo segundo, porém, aquela fila enorme se rematerializava na lua do planeta. Saiu a primeira leva de um arco flamejante quase idêntico ao do planeta. Percorreram a grande distância entre o planeta e sua lua apenas com um passo, em um segundo, ou menos até. Todo o pessoal foi se aproximando da nave de pólos achatados. Oficiais transmitiam ordens. Entre a escotilha aberta de embarque e o chão se formou um cintilante campo antigravitacional. A tripulação foi levada para bordo.

A vinte ou trinta horas-luz dali as naves terranas patrulhavam. Nem mesmo seus instrumentos mais sensíveis podiam captar o que se passava em Sphinx ou em sua lua. Não conseguiram nem registrar a decolagem da pequena espaçonave acônida, que, com uma aceleração crescente, se aproximava dos limites do Sistema Azul, empregando uma técnica, até então segredo deles, de atravessar o envoltório magnético de proteção num determinado ponto.

Era este o momento por que esperavam os terranos. Se uma nave conseguia atravessar a muralha invisível de proteção num determinado lugar de dentro para fora, o inverso também devia ser possível!

Nas telas panorâmicas de três naves terranas de patrulhamento, que estavam mais à frente, apareceu a sombra rápida do artefato acônida. Antes de os terranos iniciarem a perseguição da nave esférica ou localizarem sua direção, o misterioso aparelho ultrapassou a velocidade da luz e desapareceu no semi-espaço, tornando-se invisível aos olhos dos observadores.

Tentar uma perseguição seria mesmo impossível, pois uma nave de transição jamais poderia alcançar ou ultrapassar um aparelho com tração linear, no hiperespaço. Mandou-se uma mensagem para a Terra, mas não lhe deram a atenção que merecia.

Ninguém suspeitava de que o ataque já fora desencadeado. Um ataque como nunca houvera antes!

Um grupo de acônidas partira para abalar os alicerces do grande império. Através do espaço e do tempo, uma garra invisível do passado chegava até o presente com força destruidora.

Milênios e milênios se reduziam a nada.

 

— Consideram-nos como bichos vagabundos — afirmava Reginald Bell, braço direito de Rhodan. — O desprezo que os velhos arcônidas nos votavam quando os encontramos pela primeira vez na Lua, não era nada em comparação com o destes orgulhosos acônidas.

Concordando, o Marechal Solar Freyt fez apenas um aceno com a cabeça, mas não disse nada, deixando o comentário para Rhodan, que estava sentado à cabeceira da mesa. Atrás dele, uma janela bem ampla mostrava uma parte do panorama de Terrânia. A capital da Terra e do Império Solar crescia cada vez mais e sua periferia urbana já atingia o antigo deserto de Gobi.

— Mas é isso — disse Rhodan, dando sua opinião. — É verdade, nos desprezam e querem nos tirar de seu caminho, ou mesmo nos destruir. Isto é um sinal evidente de sua presunção e conseqüentemente de sua burrice. Todo aquele que menospreza seu adversário é bobo. Além de tudo, são intolerantes, pois não suportam nossa presença, embora não saibam nada a nosso respeito, como também pouco sabemos a respeito deles. E, intolerância, meus amigos, é também sinal de burrice...

— Estamos preparados, Perry — disse Freyt. — Nossas frotas poderão zarpar a qualquer momento, caso sejamos atacados. E os acônidas conhecem a posição galáctica da Terra, pelo menos é o que nós temos que supor...

— Se eles atacassem — continuou Rhodan — mas atacassem de fato com naves, aberta e honestamente! Tenho receio, porém, que a próxima operação será tão traiçoeira e às escondidas como a primeira. Têm medo de declarar guerra, mas não temem assassinar friamente. A Drusus já está pronta para partir?

— Naturalmente, prontíssima — respondeu Reginald Bell, com seu cabelo vermelho, ouriçado como porco-espinho.

— E o Exército de Mutantes?

— Já está a bordo.

— Deringhouse?

— Também anda aí por perto; afinal, é o nosso comandante.

— Ótimo, então vamos começar o trabalho logo — disse Rhodan. — Se os acônidas não tomam a iniciativa, nós a tomaremos.

Hesitou um instante.

— Ainda uma pergunta, Freyt: Como está caminhando a montagem dos motores de propulsão linear? Já existem algumas naves prontas para entrar em ação?

— Algumas estão ainda em vôos experimentais e nos estaleiros da Lua o trabalho é ininterrupto. Se for necessário, podemos utilizar uma nave com esta propulsão muitas vezes superior à velocidade da luz.

— Obrigado, é isto que queria saber. Rhodan olhou para Bell, Freyt e para os demais homens.

— Querem fazer mais alguma pergunta?

Levantou-se um general.

— Tenciona decolar ainda hoje, sir?

Rhodan sorriu.

— Não, claro que não. Gosto de saber sempre se posso arrancar a qualquer momento. Isto traz sempre alguma vantagem, além de segurança total. Porém, nossos planos não estão ainda firmes. Mas logo serão informados a respeito. Mais alguma pergunta?

Horas depois, Bell e outros colaboradores estavam reunidos na residência de Rhodan. O rato-castor achava-se deitado numa almofada no canto da sala, parecendo cochilar. John Marshall, chefe do Exército de Mutantes, sentara ao lado de Rhodan. Ras Tschubai, o teleportador africano, conversava com a japonesa Ishy Matsu. Dos alto-falantes embutidos na parede saía uma música suave.

— A situação parece idêntica à daquela vez quando nos defrontamos, temerosos, com os arcônidas. Só que estes, apesar de cheios de si, me eram muito mais simpáticos. A gente sabia, ao menos, com quem estava lidando e onde encontrá-los.

— É exatamente isto — confirmou Marshall. — Desta vez temos que tatear no escuro como se fôssemos cegos. Os acônidas, antepassados dos nossos arcônidas, são mais misteriosos e mais arrogantes do que estes. Infelizmente, porém, não tão fracos e decadentes. Ainda vão nos dar muita dor de cabeça.

— Como se já não tivéssemos bastante — disse Bell mal-humorado, levantando-se e se dirigindo para o canto onde estava Gucky.

O rato-castor, sonolento, lhe deu uma piscadela, mas continuou espichado no almofadão, enquanto seu amigo do peito começava a lhe cocar o pêlo das costas.

— Devemos simplesmente ignorá-los — concluiu o gordo.

— Não se afasta um perigo, ignorando-o — sentenciou Rhodan. — Pelo contrário, estamos assim incrementando o desassossego.

— O que o senhor pretende então? — perguntou Ras Tschubai francamente.

Rhodan lhe dirigiu um largo sorriso.

— Você vai sempre direto no assunto, hein, Ras? Mas vou lhe dar uma resposta. Amanhã ou depois de amanhã, faremos algumas transições na direção do Sistema Azul, com uma pequena frota. Lá já estarão à nossa espera umas duzentas unidades. Vamos tentar, numa ação conjunta de maior envergadura, romper a muralha energética que protege o sistema. Se todas as naves fizerem a transição no mesmo instante, talvez o consigamos.

Bell voltou-se para Rhodan e sua mão direita se esqueceu do que estava fazendo.

— Como você concebeu tal idéia?! Todos fazerem a transição ao mesmo tempo! Não será...

— Calma, Bell — respondeu Rhodan. — A força dos abalos deverá quebrar as barreiras magnéticas. Se isto não acontecer...

Não concluiu o que aconteceria. Bell estava branco como cera, quando disse, excitado:

— É um risco desgraçado, Perry.

— Não para você, gorducho, pois, desta vez, não irá. Quero que, durante minha ausência, permaneça aqui, atento aos acontecimentos. Tenho um vago pressentimento de que vai acontecer algo que pode ser muito desagradável para todos nós.

— Um ataque dos acônidas? — indagou Ras.

— Sim, talvez uma invasão.

Silêncio sepulcral.

Todos estavam preocupados com seus pensamentos, enquanto Bell chegava à conclusão de que não havia contra-razões para ele não ficar na Terra. Portanto, calou-se e não disse nada, continuando a cocar o pêlo de seu amigo número um.

No silêncio reinante, a interrupção da música despertou a atenção dos presentes. Seguiu-se um ruído de novo contato. Alguém estava interferindo na ligação. Rhodan olhou automaticamente para o videofone, que estava sobre a mesa principal no outro canto da sala. Mas nada se movia em sua tela, nem em nenhuma outra.

— Atenção! Para Perry Rhodan, urgente! Ligação de hiper-rádio com Árcon. Favor avisar... Hiper-rádio de...

Rhodan pulou de sua poltrona e correu para o videofone. Apertou o botão para a ligação com a Central de Rádio de Terrânia, pedindo linha.

Apareceu na tela a pessoa que estava falando pelo rádio.

— Perdão, sir, não sabia que o senhor estava em casa, mas em se tratando de urgência fiz o apelo pelo rádio.

— Está bem — disse Rhodan um pouco impaciente. — Transfira a ligação do hiper-rádio para cá. Vou falar daqui mesmo.

O homem fez um sinal com a cabeça e desapareceu do videofone. Poucos instantes após, surgiu na tela o rosto de Atlan, Gonozal VIII, imperador de Árcon. Sinais visíveis de terror e de confusão desfiguravam os conhecidos traços fisionômicos do arcônida imortal. Através de trinta e quatro mil anos-luz, seus olhos se fixaram nos de Rhodan.

— Que aconteceu? — perguntou Perry. — Pode falar francamente, aqui comigo só estão amigos íntimos.

— Que aconteceu? Se eu mesmo soubesse! Aconteceu algo terrível e inimaginável. Alguém penetrou em Árcon, rompeu a muralha de proteção magnética e aterrissou em Árcon III,’ o mundo da guerra, sem que ninguém o pudesse deter, sem que os canhões automáticos disparassem ou fosse dado o alarma.

Rhodan olhava perplexo para Atlan. O que o imperador estava narrando seria em si uma coisa impossível. Não havia nenhuma espaçonave capaz de romper o envoltório de proteção de Árcon. Coisa meramente absurda. Atlan devia estar enganado!

— Você não está acreditando no que lhe estou dizendo? — balançou a cabeça, admirado. — Você tem que acreditar em mim, Perry; estou perdido, se não pegarmos este ser misterioso. Ele está em Árcon III e lá localizam-se todos os estaleiros de cosmonaves, os centros de formação técnica... o cérebro robotizado! O cérebro robotizado! Rhodan, imagine se ele for danificado ou cair em mãos estranhas! Sim, sei o que você vai dizer: “Vamos dar um jeito nisso.” Mas como? Pense apenas que o estranho ser rompeu o envoltório de proteção e os canhões não funcionaram. Haverá também de fazer a mesma coisa com o cérebro positrônico...

— Que aconteceu com suas esquadrilhas de patrulhamento? Não viram quando o intruso penetrou em seu espaço?

— Claro que viram, mas a perseguição foi inútil. Apenas puderam ver que o estranho aterrissou em Árcon III, aí desaparecendo. Quando nossas naves se aproximaram dele, foram recebidas com disparos de canhão, aliás dos nossos próprios canhões!

Houve uma pausa. Rhodan levou uns dez segundos até responder:

— Vou partir ainda hoje com a Drusus e mais dez unidades, seguindo diretamente para Árcon. Providencie para que possamos passar sem dificuldade pelo envoltório de proteção.

O semblante de Atlan estava mais aliviado.

— Não sei como lhe agradecer, Perry. Quem sabe conseguiremos nos livrar deste monstro? Você o conhece?

— Como é que era a nave dele?

— Uma nave esférica, com os dois pólos levemente achatados. A propulsão...

— Obrigado, basta. São os acônidas. Já tentaram também contra a Terra. Agora procuram fazer a mesma coisa com Árcon. Não há em todo o Universo raça mais perigosa. Espere por mim. Comunique-me qualquer irregularidade que ocorra. O transmissor da Drusus permanecerá ligado para recepção. Você pode falar comigo a qualquer momento.

— Mais uma vez, obrigado. Acônidas? Você vai me contar alguma coisa sobre esta raça?

— E o que sei? Atlan, preste muita atenção no que está acontecendo em Árcon.

Observe bem o mundo da guerra. Reúna toda a sua frota e cerque Árcon III hermeticamente. Quando a nave estrangeira tentar sair, procure destruí-la, se puder.

— Chamá-lo-ei, caso ocorra alguma coisa importante — prometeu Atlan. Depois, a imagem desapareceu e a ligação foi interrompida.

Rhodan voltou a sua poltrona e se sentou. Olhou para seus amigos, todos calados. Gucky despertara de sua soneca e olhava surpreso. Bell não parecia muito feliz. Sabia que a decolagem da Drusus seria antecipada.

— Hoje? — perguntou ele.

— Agora, imediatamente — respondeu Rhodan. — Os acônidas estão atacando Árcon, sua antiga colônia. Pelo menos há quinze mil anos atrás devia ter sido sua colônia. Se eles souberem da aliança entre nós e Atlan...?

Bell andava nervoso de um lado para o outro.

— E o que devo ficar fazendo na Terra? Os acônidas não vão atacar Árcon e a Terra ao mesmo tempo. Vou me sentir completamente supérfluo aqui...

— Em que lugar que você não seria supérfluo? — disse o ingrato rato-castor.

Gucky parecia haver esquecido que Bell lhe cocara as costas, e concluiu, enfático:

— Ou na Terra, ou a bordo da Drusus, você é sempre supérfluo.

— Cale a boca, por favor! — disse Rhodan, com energia.

Gucky teve que engolir a língua. Era uma coisa muito rara quando Rhodan tinha que lhe chamar a atenção.

Magoado, Gucky se desmaterializou e desapareceu diante dos olhos de seus amigos estupefatos. Teleportara-se para o interior da Drusus.

Contrabalançou seu aborrecimento com o triunfo de ser o primeiro a transmitir a grande novidade à tripulação da grande nave.

Rhodan não se interessou pela saída de Gucky.

— Partiremos dentro de meia hora — ordenou ele. — Você fica aqui, meu amigo. Quero deixar a Terra sob seu comando firme e competente. E pode acreditar no que lhe estou dizendo: enquanto eu estiver fora, vai acontecer alguma coisa importante.

Não sabia ainda o que ia acontecer, mas sentia-se certo de que suas preocupações tinham razão de ser.

 

Depois da segunda transição, a Drusus se rematerializou nas proximidades da base arcônida, a cerca de vinte mil anos-luz da Terra. E antes que o Major Gorm Nordman, navegador-chefe, pudesse iniciar os preparativos para a terceira transição, ouviu-se o sinal de atenção do receptor de hiper-rádio. O Tenente Fred Jenner se pôs imediatamente em contato com Rhodan e este, pensando se tratar de um urgente pedido de socorro de Atlan, correu para o posto de rádio. Teve uma grande surpresa... Não era o rosto conhecido de Atlan que estava na tela, mas o de uma pessoa desconhecida. Devia ser um arcônida, não havia dúvida. Os cabelos brancos, a testa ampla, os olhos vermelhos e a arrogância mal disfarçada eram uma prova mais do que suficiente. Rhodan mandou fazer a ligação do ramal do videofone, para que seu interlocutor o pudesse ver e ouvir.

— Belonave Drusus, do Império Solar — disse de pronto. — Comandante Perry Rhodan, Terra. O senhor nos chamou?

Estava mais do que patente que o arcônida não tinha a menor idéia com quem ele tinha entrado em contato. Havia decepção no seu rosto, seguida logo depois por uma sensação de alívio. Rhodan não sabia como explicar esta mudança de expressão.

— Base, comandante Geral-Khor, planeta Salex IV. Minha ligação com Árcon foi interrompida. O senhor poderia transmitir uma importante mensagem para o Imperador Atlan?

Rhodan olhou firme para o arcônida.

— Seu hipertransmissor funciona, do contrário o senhor não poderia entrar em contato comigo. Entre nós, a distância é de três meses-luz, tempo da Terra.

— A energia de que disponho não é suficiente para chegar até Árcon. Bastou-me para registrar sua transição, localizá-lo e chamá-lo. Mas não podemos vencer a distância até Árcon.

— Que que aconteceu?

Havia hesitação nos traços do arcônida.

— Não sei se lhes posso contar. Trata-se de um segredo militar.

Rhodan mostrou-se impaciente:

— Como o senhor quer impedir que eu fique a par da situação, se tenho que transmiti-la para Árcon?

— Mas é claro que vou dar a mensagem cifrada.

— Isto não lhe vai adiantar nada, pois possuo a chave do código secreto do Imperador Gonozal VIII, podendo pois decifrar e ler sua mensagem.

Pela primeira vez, o semblante frio do arcônida esboçou um sorriso e Geral-Khor disse:

— Era o que estava pensando, mas queria sua confirmação. Está bem, vou lhe contar tudo. O senhor quer aterrissar?

— Não, meu tempo é escasso. O imperador está esperando urgentemente pela minha chegada.

— É uma coisa importante, terrano, muito importante.

Rhodan olhou para o General Deringhouse, que entrara no posto de rádio. Ouvira o diálogo e tinha no rosto uma expressão confusa.

— Está bem — disse Rhodan, finalmente. — Vamos então aterrissar, depois de uma curta transição de três meses-luz. Espere por nós. Dê-nos as coordenadas com exatidão, para pouparmos tempo.

Vinte minutos mais tarde, disparavam com aceleração decrescente para o quarto planeta do sol Salex. Era um mundo pequeno e deserto, de atmosfera respirável e de pouca vegetação. As instalações da base eram subterrâneas e Rhodan calculava que aqueles seus hangares davam para abrigar uma grande frota de encouraçados. Passaram por dezenas de naves-patrulha que circunvoavam o planeta numa órbita determinada e que não responderam ao rádio de simples cumprimento. Deringhouse disse que se tratava de unidades robotizadas.

A única construção, que se via na superfície da base, era uma enorme casamata em forma de cúpula, ao lado do espaçoporto. A antena esférica refletia o sol poente. Enquanto a Drusus, com as turbinas zunindo e com os campos antigravitacionais ligados, descia lentamente, pousando suave na pista de mais de um metro de camada de cimento armado, um único homem saía da fortaleza abobadada, parando à beira do espaçoporto.

A imagem ampliada do videofone permitia reconhecer os traços de Geral-Khor.

Rhodan franziu a testa.

— Esquisito, tudo isto — disse ele. — Parece que o homem vive sozinho nesta base.

Deringhouse não respondeu. Estava ocupado demais com a aterrissagem. Seguindo exatamente o regulamento, desligou os diversos grupos de propulsão, examinou todos os instrumentos de controle. Deixou funcionando apenas os campos antigravitacionais, pois não sabia se a camada de cimento armado da pista tinha a espessura necessária para suportar o peso da Drusus, uma esfera de aço de um quilômetro e meio de diâmetro. Somente momentos depois, respondeu à pergunta de Perry.

— Sozinho? Um homem sozinho não pode comandar uma base desta.

— Por que não? — indagou Rhodan, não compartilhando da opinião do general. — Arcônidas competentes que se conservam ativos são raros e Atlan tem que distribuí-los com cuidado. Esta base é uma das muitas completamente automatizadas. Todas elas são dirigidas pelo cérebro positrônico de Árcon. O mesmo acontece com a frota. Somente que, em certas coisas, o ser humano é insubstituível, razão por que Atlan colocou em toda parte um arcônida de confiança como comandante. Portanto, não me causa nenhuma estranheza o fato de o bom Geral-Khor estar sozinho aqui.

A experimentação do ar foi satisfatória e a temperatura era suportável mesmo sem ser acionado o dispositivo de calefação do uniforme espacial. Rhodan enfiou na cintura uma pistola de raios energéticos. Deu instruções ao telepata e teleportador Gucky para que prestasse atenção em Geral-Khor, para estar à mão, caso fosse necessário. Depois, acompanhado também de John Marshall, igualmente telepata, deixou a Drusus pela escotilha de saída inferior. Levava naturalmente o pequeno transmissor de pulso, de modo que Deringhouse estava em ligação com eles.

John Marshall abriu os braços, respirou profundamente e sorriu feliz:

— Como pode um planeta como este ter um ar tão gostoso?

— Existem também mares e grandes cinturões de vegetação. Naturalmente sobrepujam a parte desértica e de montanhas áridas — detalhou Rhodan.

Caminhavam no solo firme e plano de cimento, deixando a grande nave para trás. Aquele vulto solitário junto à casamata, vinha lentamente ao encontro dos terranos.

— Que está pensando ele? — perguntou Rhodan.

— Está intimamente contente e feliz de termos chegado. Pensa, também, numa catástrofe, mas muito obscura e indistintamente, como se ele mesmo não soubesse bem o que vai acontecer. De qualquer maneira, está bastante preocupado, chegando a ter medo.

— Muito esquisito — disse Rhodan, olhando para trás e vendo o céu claro e sem nuvens da tarde.

O catálogo sideral lhe informara que este sol tinha um ocaso muito longo, pois um dia de Salex IV durava cinqüenta horas, apesar de o planeta ser menor que Marte.

Quando se encontraram a quinhentos metros da única construção, Geral-Khor estacou. Usava o uniforme de uma alta patente arcônida e portava também uma arma na cintura. No momento em que Rhodan olhou para ele, o arcônida automaticamente curvou a cabeça. Depois esticou a mão para o terrano.

— Sinto-me feliz, pois o senhor atendeu minha solicitação, embora tivesse que fazer este pequeno desvio de sua rota. Mas acho que é de suma importância que Gonozal VIII saiba do que se passa aqui.

Rhodan não quis já de início saber dos detalhes e dos possíveis pensamentos de seu interlocutor, dispensando, pois, naquele momento, os serviços do telepata Marshall.

Ia deixar que o arcônida relatasse, como quisesse, os fatos ocorridos. Segurou a mão de Geral-Khor, apresentou Marshall e disse:

— Venha para a nossa nave, ou...?

— Posso lhe pedir para ser meu hóspede? Creia: eu quase nunca tenho hóspedes aqui. As visitas são quase sempre de robôs, comandantes de frota. Mas, agora...

Interrompeu o que estava dizendo e se encaminhou para o edifício. Marshall fez uma cara de interrogação e fitou Rhodan. Parecia ter detectado algo errado.

Falavam sobre coisas sem importância e Rhodan teve ocasião de apreciar a paciência do arcônida. Qualquer outra pessoa teria logo contado com a novidade sensacional, se é que era mesmo uma novidade e sensacional.

— Por aqui, por favor — disse Geral-Khor, conduzindo seus visitantes para uma sala confortável e bem mobiliada.

A janela grande e muito baixa permitia a visão total do espaçoporto. A Drusus refulgia numa coloração rosa do sol poente. A visão daquele gigante produzia uma sensação de tranqüilidade e, ao mesmo tempo, assustava.

Sentaram-se.

— Então, meu amigo, desembuche o que tem a dizer — falou Rhodan que, notando a expressão de espanto do arcônida, acrescentou: — Desculpe, é uma expressão usada muito entre nós, com o simples sentido de: pode iniciar seu relatório.

O sorriso de Geral-Khor foi apenas protocolar.

— O senhor vai voar daqui diretamente para Árcon?

— Gonozal VIII me pediu que assim o fizesse.

— Ótimo! Então comunique-lhe que a base Salex IV está paralisada. A frota robotizada está desligada e não obedece mais aos impulsos de comando. Com os aparelhos de escuta constatei que não estamos mais recebendo impulsos de Árcon e assim, sem estes impulsos do grande cérebro positrônico, a frota que é de controle robotizado está praticamente morta. As naves, que estavam paradas nos hangares, continuam lá, sem se poderem mover. As escotilhas permanecem fechadas e ninguém as consegue abrir. As unidades, que estavam patrulhando, permanecem dando voltas no planeta, como se esperassem por alguma coisa. E o que será que elas estão esperando, Perry?

Rhodan tinha uma idéia muito vaga e não a queria expor, exatamente por ser mera hipótese. Uma frota robotizada podia ficar desligada — e isso nada tinha de alarmante e também não significava que estava acontecendo a mesma coisa em outras partes do Império Arcônida. Podia ser até um mero acaso. Por exemplo, uma falha no relê nos comandos receptores...

— E o que aconteceu com os robôs de serviço? — perguntou Perry.

— Os robôs de serviço? São comandados diretamente pela central e esta, por sua vez, está em ligação direta com o cérebro de Árcon. Estão todos parados. Não há nada que os faça se mover, nem para dar um passo. Em toda esta base, eu sou o único que não ficou parado como um idiota. Mas também, não sou robô, não é?

Rhodan estava percebendo toda a situação e ficou apavorado. Notou que havia um nexo entre o que Atlan lhe contara e os acontecimentos em Salex IV. Estava mais do que na hora de comunicar isto ao imperador.

— Proponho que o senhor mesmo exponha isto diretamente ao Imperador Gonozal. Lá de nossa nave. Ficará então sabendo que medidas deve tomar. Com isto, o senhor e o império pouparão muito tempo, decisivo em tais circunstâncias. Suponho que o imperador vai lhe dar algumas instruções.

— Boa idéia — disse o arcônida, agradecendo. — Já havia pensado nisto, não queria, porém, incomodá-lo... Sim, sei que Terra e Árcon são aliados, mas apesar disso...

Rhodan sorria.

— Mais tarde, vou dar uma olhada nas naves do hangar. Suponho que as entradas não estejam também bloqueadas.

— Felizmente, não! São de controle manual, do contrário...

Ouviu-se de repente um leve zumbido na sala. Rhodan, levantando a mão, disse:

— Deringhouse? Pode falar calmamente.

— Hiper-rádio, senhor. Atlan quer falar com o senhor. É urgente, acho eu.

— Diga-lhe que espere um pouco, estarei lá em poucos minutos.

Olhou para Geral-Khor:

— Mais cedo do que imaginávamos, o senhor vai poder falar com o imperador. Vamos embora. Acho que não devemos mais perder tempo.

Se o chamado de Atlan foi uma surpresa para o comandante da base, pelo menos não o deu a entender. Levantou-se na mesma hora e caminhou para a porta. Rhodan e Marshall o seguiram. Como não houvesse uma única viatura à disposição, o remédio era ir a pé, o mais depressa que podiam.

Chegaram pelo elevador antigravitacional ao posto de rádio, em menos de três minutos. Fred Jenner estava mantendo a ligação com Árcon.

— Estou sabendo que você se encontra em Salex IV, Perry. Por que motivo?

Rhodan lhe explicou em poucas palavras e pôde presenciar a grande surpresa e perplexidade de Atlan.

— Você está certo, bárbaro. A pane é geral. De início pensei que fosse mero acidente, restrito a um raio de alguns anos-luz. Mas a explicação é mais simples: as instalações do hiper-rádio não funcionam e, assim, as notícias alarmantes não chegaram até mim.

— Que aconteceu? — perguntou Rhodan com insistência.

Atlan começou a falar:

— Toda ligação com o cérebro de Árcon III foi interrompida. Não há mais nenhuma comunicação. Concomitantemente, todas as naves robotizadas estão paralisadas. A mesma coisa acontece com todos os robôs de combate e de serviço e com todas as instalações dos estaleiros de cosmonáutica.

“A administração de Árcon está à beira de um colapso geral, pois a maior parte dos serviços são executados por robôs, que o grande cérebro eletrônico controla. O perfeccionismo da total automatização positiva-se agora como prejudicial, já que o principal falhou. Todo o reforço para as unidades da frota comandadas por arcônidas fracassou. É a mesma coisa como se nunca tivesse existido o cérebro positrônico. Aliás, destruiu-se toda comunicação por rádio com tudo que está localizado em Árcon III, seja robô ou não.

“O planeta da defesa bélica se encontra coberto por um estranho campo magnético de um tipo desconhecido e de proporções gigantescas! Nada consegue penetrá-lo, nem ondas de rádio, nem matéria. Desta feita, o cérebro robotizado está isolado. São catastróficas as conseqüências desse isolamento...”

Geral-Khor empalideceu, olhando perplexo para seu imperador e deixando-se cair numa cadeira, como se as pernas não o agüentassem mais. Não disse uma palavra.

O próprio Rhodan ficou muito sério, quando disse:

— Os acônidas atacaram e são uma potência que dispõe de meios desconhecidos. Com uma única nave, conseguiram destruir o Império de Árcon. Estão instalados no coração do império, seguros e inatingíveis. Que devemos fazer?

— Era isto que ia lhe perguntar — respondeu Atlan, perturbado. — Não sei realmente o que possa fazer.

Rhodan não respondeu. O silêncio era angustiante.

— Não temos nada mais a fazer aqui em Salex IV. Geral-Khor, você não acha bom ir conosco ou quer ficar aqui?

Atlan foi quem decidiu:

— Ele deve regressar a Árcon, pois, caso o cérebro eletrônico volte a funcionar, a base pode recomeçar seu trabalho sem ele. Geral-Khor retornará a Salex mais tarde.

— Obrigado, majestade — disse Geral-Khor aliviado.

A idéia de permanecer entre as naves paralisadas de repente, naquela solidão, não lhe era nada agradável.

— Pode nos esperar para daqui algumas horas, Atlan — disse Rhodan. — Espero apenas que o envoltório de proteção não nos detenha. Ou melhor: espero que os acônidas não consigam controlar o cérebro positrônico. Acho que o máximo que conseguirão é desligá-lo e, com isto, não me poderão atrapalhar. Portanto, Atlan, a situação não é ainda desesperadora. Temos alguma esperança.

— Mas muito pequena — respondeu Atlan.

— Não, amigo. Esperança é esperança. E não se esqueça de que já passamos por coisas muito piores e sempre conseguimos vencer.

— Mas nunca por uma situação tão drástica como esta — replicou pessimista.

Rhodan sabia que, no fundo, o arcônida tinha razão.

Assim que a tela apagou, o grande aliado de Atlan perguntou:

— Uma visita ao hangar das naves robotizadas se torna assim completamente desnecessária, Geral-Khor. Podemos decolar imediatamente? Ou o senhor ainda tem que apanhar alguma coisa na base, coisas particulares, penso eu?

— Quando a existência do império está em jogo, não há interesses particulares — respondeu Geral-Khor com muita dignidade.

Não precisava dizer mais nada. Rhodan acenou, concordando, e continuou:

— O Império de Árcon nunca estará perdido enquanto Atlan-Gonozal tiver oficiais do seu gabarito — disse, estendendo a mão ao arcônida. — John Marshall vai levá-lo à sua cabina.

Encaminhou-se para a central de comando, onde Deringhouse já havia posto no computador os dados para a transição.

Dez minutos após, a maior nave da Terra, com o rugido cavernoso de suas turbinas, se desprendia do solo, mergulhando no céu, já escuro, de Salex IV e passando ao lado de naves-patrulha arcônidas, que circunvoavam sem sentido o planeta militar. Meia hora depois entrava em transição.

 

Mais ou menos na mesma hora, em Terrânia, o pequeno computador do Instituto de Reciclagem para Cosmonáutica perfurava outra ficha com minúsculos quadrículos. A ficha azulada foi puxada pelo aparelho seletor para uma pequena esteira rolante e levada para um arquivo.

Um minuto mais tarde, um certo Major Rammbüggl, Ludwig Rammbüggl, diretor do Instituto, estava com a ficha na mão.

— Oba! — fez ele, depois de passar rapidamente a vista na ficha. — Puxa! Um major da Frota Espacial, Heinrich Bellefjord, se apresentou para a reciclagem e foi aprovado. Pelo menos mais um oficial que já serve na Frota!

E olhando para seu secretário:

— Pierre, traga imediatamente os papéis deste oficial. Depressa! Precisamos de tripulações experientes para as novas naves experimentais de propulsão linear. Este Bellefjord, nome cômico, não é? Deve ser destacado imediatamente para a Lua.

Pierre fez a continência e desapareceu.

Meia hora depois, o Major Rammbüggl foi informado de que Bellefjord estava em operação com o cruzador leve Kenia. Mas isto não o impediu de entrar em contato imediatamente com o Supremo Comando e tomar as respectivas providências. Duas horas depois, chegava uma ordem por hiper-rádio à linha de frente do Sistema Azul.

 

Juntamente com outras unidades da Frota, ali estava também o cruzador Kenia patrulhando as fronteiras do Sistema Azul.

As primeiras tentativas para romper o envoltório de proteção com truques técnicos já haviam sido realizadas. Três cruzadores pesados fizeram no mesmo instante uma pequena transição, na esperança de romper a cúpula energética acônida. Pura ilusão, a tentativa fracassou, sem contudo prejudicar ninguém. As três naves foram apenas rechaçadas por uma força invisível, mas de grande potência. Os campos antigravitacionais absorveram o grande choque.

O comandante, Major Heinrich Bellefjord, não podia supor que, neste momento, estava terminando sua missão por ali e que tinha sido escolhido pelo destino, ou se preferirmos, por um computador, para desempenhar um papel muito importante nos acontecimentos que estavam por vir.

Até era bom que não soubesse disso, pois talvez seu ânimo empreendedor teria arrefecido.

De repente, percebeu quando uma pequena nave acônida surgiu nas profundezas do espaço e desapareceu.

Com dois pulos rápidos, já estava na cabina de rádio.

— Ligação para o Major Kalígula, depressa!

Antes que o radiotelegrafista pudesse responder, já tinha voltado ao posto de comando. O piloto, um africano, virou-se para ele.

— Sargento, vá até o local de onde saiu aquela nave, lá no envoltório de proteção. O que eles podem, nós também podemos. Você viu bem de onde ela saiu?

O africano fez que sim. Como piloto do cruzador leve, estava sentado bem ao lado das telas e dos instrumentos de orientação. Quando surgiu a espaçonave estrangeira, ele apertou o botão da gravação fotográfica e goniométrica. Desta feita se pôde reconstituir com exatidão a rota da nave desaparecida.

— Nossa direção está agora certa — disse o piloto, depois de uma pequena correção. — Estamos voando exatamente para o ponto assinalado na tela.

— Ótimo. Sargento Omola, a distância?

— Dois minutos-luz.

— E a velocidade?

— Zero vírgula noventa e oito por cento da luz.

— Conserve-a. Estarei de volta num instante.

Bellefjord dirigiu-se à cabina de rádio, o mais depressa que pôde.

— Como vai o negócio, cadete? Já conseguiu a ligação?

Gerald Rumpus deu um salto, oferecendo o lugar ao superior.

— O Major Kalígula está esperando, senhor.

Bellefjord passou entre a cadeira pregada no chão e os muitos instrumentos à sua frente. Com algum esforço, conseguiu sentar. A menos de um metro, emergia da tela o semblante do outro oficial.

— Que que há de novo, Bellefjord?

— Venho pedir autorização para penetrar no Sistema Azul...

— Autorização? — pelo tom de Kalígula, devia estar muito admirado. — Nós estamos tentando isto há muitos dias, e não conseguimos. E o senhor vem me pedir autorização para penetrar? Como posso compreender isto, major?

— Tenho uma idéia, senhor!

— Prazer em ouvir isto. E qual é ela?

Bellefjord quase engasgou de tão nervoso que estava. Não podia perder tempo.

— Estou, com a nossa Kenia, próximo do lugar onde a nave acônida atravessou o envoltório energético de proteção. Suponho, senhor, que conseguiremos entrar pelo mesmo lugar do qual ela saiu.

O major parecia muito apreensivo.

— O risco é muito grande, Major Bellefjord. Caso a fenda se feche, os senhores não poderão mais voltar e nós também não os podemos ajudar. Só poderão contar com os próprios recursos. Não sei se lhe posso dar autorização, sem antes consultar a Terra.

— Não temos mais do que um minuto, senhor! Nossa Kenia se atira com quase a velocidade da luz na direção da fenda de passagem. É mesmo um buraco, senhor, onde até a cintilação azulada já esmaeceu.

O Major Kalígula, comandante geral dos cruzadores nos limites do Sistema Azul, hesitou por mais um segundo. Depois concordou:

— Está bem, major, dou-lhe a autorização, mas o senhor está ciente do risco que corre. Procure manter contato conosco pelo rádio.

— Está certo, senhor, e... muito obrigado.

Levantou-se e foi correndo para a central de comando, enquanto o telegrafista Rumpus assumia de novo seu lugar.

A imagem da tela desapareceu, mas a ligação continuou.

A nave Kenia penetrara no misterioso envoltório de proteção, que separava o mundo fantástico dos acônidas do resto do Universo. A ligação do rádio cessou completamente. A Kenia e todos os terranos, que nela se achavam, estavam isolados do resto do mundo.

Bellefjord tocou o alarma.

O primeiro-oficial veio correndo para a cabina de comando. Era o antigo tenente, agora promovido a capitão, Benno Raldini, um sujeito muito vivo, de cabelos escuros.

— Alarma, senhor?

Bellefjord apontou para a tela panorâmica que ainda estava funcionando, espelhando fielmente tudo que havia em torno da Kenia. Com poucas palavras, explicou a Raldini o que acontecera. E concluiu:

— Não tive tempo de disparar o alarma antes. Kalígula deu autorização para a operação. Não posso explicar como me veio de repente a idéia de que a nave dos acônidas, que estava rompendo a muralha de proteção, devia deixar um buraco na barreira energética. O fato é que minha idéia foi feliz. Estamos no Sistema Azul.

O comandante dirigiu-se ao intercomunicador e deu algumas instruções à tripulação. Em caso de emergência, teria que cuidar da defesa. Deu ordem para que as baterias de raios térmicos e energéticos ficassem de prontidão e a cúpula de proteção continuasse ligada. Os pequenos aparelhos salva-vidas também deviam estar de alerta, para decolarem instantaneamente em caso de uma catástrofe.

Naturalmente, todos tinham que estar com o uniforme espacial.

— Proponho também, senhor — disse Raldini depois de desligar o intercomunicador — que também nós vistamos o uniforme espacial. Mais tarde, talvez, não teremos mais tempo.

Bellefjord concordou.

O piloto, sargento Wari Omola, reduziu a velocidade da Kenia e se dirigiu no sentido do sexto planeta, que estava entre eles e o sol azul. Sphinx, o quinto planeta e centro principal dos acônidas, estava à direita do disco solar. Bellefjord não se julgava com direito de entrar em ligação com os acônidas. O fato de ter penetrado no Sistema Azul, foi quase que mero acaso. Queria aproveitar a ocasião para estudar melhor a constituição daquele misterioso envoltório de proteção, que isolava o sistema do resto da Via Láctea. Mas não tinha nenhuma vontade de se deixar prender pelos antepassados dos arcônidas.

Depois de ligar o piloto automático, Omola foi examinar todo o registro de sua rota. Por meio do robô navegador, conseguiu determinar a posição exata da fenda. Uma estrela, na proa da nave, visível numa tela especial, servia de ponto de referência. Esta estrela estava próxima da muralha de proteção.

— Dentro do sistema, as distâncias são pequenas demais para produzir um desvio no alinhamento, senhor — concluiu convincente o piloto. — Assim que o senhor precisar, acharemos de novo o local.

Depois, olhando para as telas à sua frente:

— Acha válido aterrissar? Bellefjord não respondeu logo. Sabia o que havia acontecido, quando o planeta, aliás, quando o Sistema Azul fora descoberto. O relatório de Rhodan foi distribuído para todos os comandantes da Frota. Os acônidas trataram Rhodan e sua gente com o maior pouco-caso. Naturalmente, isto não queria dizer que o procedimento deles hoje seria o mesmo. Os acônidas chegaram depois à conclusão de que os terranos não eram os arcônidas, seus descendentes mais próximos, contra os quais os habitantes do Sistema Azul também cultivavam uma tremenda antipatia, que se aproximava do desprezo. Quem sabe tratariam os terranos de maneira mais amiga?

— Primeiro dê umas voltas em torno do planeta! — ordenou ele.

Os aparelhos de radiogoniometria não assinalaram a presença de nenhuma outra nave no Sistema Azul. Quem sabe se aquela pequena nave, que rompera a muralha de proteção, era a única restante em todo aquele esquisito sistema, onde vivia uma raça que a todo custo queria se isolar do resto do Universo? Neste caso, esta raça não contaria com outras para se defender. Era uma coisa em que Bellefjord não pensara ainda.

— Desça mais! — ordenou de novo.

A Kenia penetrou nas camadas superiores da atmosfera, diminuindo ainda mais a velocidade. Por um momento, Bellefjord começou a imaginar o que ocorreria, se não encontrassem a fenda para saírem daquele sistema. Ou, pior ainda, se entrementes aquela abertura se fechasse. Poderia acontecer muita coisa. Principalmente, uma impiedosa perseguição por parte dos acônidas, caso ainda tivessem outras naves. Ou aprisionamento, caso aterrissassem em Sphinx. Em ambas as situações, nenhuma possibilidade de voltar à Terra.

O sexto planeta dava a impressão de ser desabitado, não se levando em conta algumas estações de transmissores fictícios e algumas bases. A maior parte da superfície era desértica. Apenas, em torno do único mar, havia uma paisagem que lembrava um pouco as estepes da Terra. Vegetação densa, não havia em nenhum lugar. Somente campos e árvores desgalhadas.

Depois que a Kenia sobrevoou duas vezes o planeta, o comandante Bellefjord deu ordem para aterrissar.

O Capitão Raldini olhou assustado para a tela panorâmica.

— Com o perdão da pergunta, senhor, mas qual é seu plano? Se os acônidas nos...

— Temos que arriscar, capitão. Está vendo ali o arco chamejante? Sim, bem perto da pequena construção. Quero saber para onde a gente vai, entrando por aquele arco.

— É uma estação de transmissor fictício?

— Ao menos, parece. Com mais dois tripulantes vou fazer uma tentativa de entrar em contato com os acônidas. O senhor assumirá o comando da Kenia. Se eu não voltar até um determinado tempo, o senhor deve partir. Estamos entendidos?

— É claro, mas...

— Nada de mas! Decolará e procurará alcançar o Major Kalígula.

A Kenia aterrissou não longe da praia. Os arcos chamejantes do transmissor pareciam sair do chão em dois lugares distintos. Bem ao centro das duas colunas de fogo, os jatos se uniam em arco, a mais ou menos dez metros de altura. Originava-se, então, uma espécie de pórtico luminoso. O que havia atrás dele, não se podia ver. Mas, de qualquer maneira, não era a superfície monótona do planeta.

Bellefjord ligou o intercomunicador. Expôs à tripulação sua intenção de inspecionar a superfície do planeta e pediu ao laboratório que lhe fornecesse os dados necessários. Além disso, solicitou dois voluntários. Fez questão de frisar o risco inerente ao empreendimento.

Dos acônidas, que externamente não se diferenciavam muito dos homens, a não ser pela formação óssea, muito semelhante à dos arcônidas, não se via nem sinal. Aquela única construção baixa e abandonada parecia perdida no meio da estepe de capim ralo. Os microfones externos da Kenia não captavam o menor ruído. Parecia que nem mesmo animais existiam por ali. Bem alto no céu, estava o sol azul, e a coloração da atmosfera deixava prever uma excelente camada de ar.

Entraram, então, os resultados das pesquisas do laboratório. O ar era respirável, não havia bactérias nem qualquer radiatividade. Portanto, nenhum perigo para o ser humano.

Os dois homens se apresentaram. Entre os muitos que se ofereceram, o Capitão Raldini selecionou dois. Bellefjord os conhecia, como aliás conhecia a cada um dos tripulantes da Kenia.

— Sargento Meister e cadete Rumpus se apresentam para o empreendimento.

— Rumpus? Você? — Bellefjord gaguejou. — Você tem que ficar nos seus instrumentos.

— Todas as comunicações estão interrompidas e, além disto, já providenciei substituto. Gostaria imensamente de ir com o senhor, se o permitir.

Bellefjord sorriu.

— Muito bem, cadete. Acho que você pretende, nesta missão, a promoção para tenente, não é? Talvez esta incursão no planeta lhe dê a oportunidade. O primeiro-oficial lhe forneceu as armas?

— Estão na escotilha de saída, senhor.

Bellefjord acenou para Raldini, que estava entrando. Deu-lhe, ainda, algumas instruções e deixou a central de comando com seus dois voluntários, encaminhando-se para a escotilha de saída. Para falar sinceramente, Bellefjord não estava se sentindo muito bem, pois, embora tivesse obtido autorização do Major Kalígula, não podia ter certeza se nesta autorização achava-se incluída uma aterrissagem espontânea no sexto planeta, e se isto iria de encontro a alguma determinação de Rhodan.

A escotilha se abriu lentamente, depois de terem vestido os trajes de proteção. Não se tratava dos pesados uniformes espaciais, mas dos trajes mais leves de operação de emergência, que incluíam o dispositivo de calefação, o filtro de respiração e o neutralizador de irradiações. Neste planeta parecido com Marte, era o suficiente. O gravômetro acusava 0,9. A voz de Bellefjord parecia meio abafada, quando disse:

— Vamos até o arco chamejante. Enquanto estivermos lá, vocês examinam toda a instalação. Fiquem sempre com a arma pronta para atirar, mas só podem abrir fogo quando eu mandar. Não podemos de maneira alguma cometer arbitrariedades ou violências. Só nos cabe o direito de defesa. Está bem claro?

O sargento Meister balançou a cabeça, meio confuso. Dava a impressão de estar arrependido de se ter apresentado tão precipitadamente. Podia ser também conseqüência da tensão nervosa.

Em compensação, Rumpus tinha um ar de completa tranqüilidade. Parecia não ter medo de nada. Bellefjord estava surpreso com a transformação súbita que se processava no competente telegrafista, mas até então um jovem de aparência tímida. Talvez estivesse se controlando... Podia ser esta a explicação da repentina frieza do jovem cadete.

E quanto a ele mesmo?

Bellefjord confessou intimamente não ter nenhum sentimento especial. Não sentia medo, mas não deixava de ter uma sensação desagradável. Quem sabe se o que o impulsionava para este empreendimento era apenas curiosidade?

Estacaram a poucos metros do arco de fogo, ou melhor, do arco de luz. O sargento Meister foi na frente e contornou duas vezes a construção, antes de entrar numa porta que estava apenas encostada.

Dava a impressão de ser uma armadilha bem camuflada. Desapareceu, aparecendo dez segundos depois.

— Nada, meu senhor! Parece uma sala de espera, com bancos, uma mesa e uma espécie de bilheteria. Será possível que o transporte pelo transmissor fictício só se realize em horas determinadas, e os passageiros tenham que esperar aqui?

Bellefjord ficou devendo a resposta. Olhava com alguma cautela para o fosso debaixo do arco de luz. Era de fato um buraco. Ao invés de uma continuação da estepe, Bellefjord viu um redemoinho de uma coloração azul-escura, uma matéria não identificada. Talvez nem fosse mesmo matéria, mas um tipo de energia, onde se caía quando se desejava ser transportado.

“Para onde serei transportado, caso entre no transmissor?”, indagou-se o major.

Tentou dominar suas dúvidas, e só agora respondeu ao sargento:

— Pode ser muito bem que se trate de uma sala de espera. Mas não há dúvida de que o transmissor está funcionando. Não precisamos, pois, esperar.

A nave Kenia encontrava-se a cem metros. Bellefjord olhou para ela e ergueu o braço esquerdo. Era o sinal combinado com o Capitão Raldini. O primeiro-oficial iria agora consultar o relógio e contar exatamente cinco horas. Esgotado este tempo, conforme as instruções que recebera, tentaria sair do Sistema Azul.

— Quer dizer que isto é um transmissor de matéria e de passageiros, senhor? — perguntou Rumpus, de súbito. — Nunca vi um assim. As gaiolas de ferro trançado, que andei estudando no laboratório de pesquisas de Terrânia, não têm nada em comum com esta instalação.

— Este tipo aqui se baseia em outros princípios — disse-lhe Bellefjord, embora ele mesmo não compreendesse bem. — Quando se penetra no foco do arco de luz, a pessoa ou o objeto se desintegram nos seus componentes atômicos, através de todo o percurso determinado e fora das leis do tempo e do espaço. São transportados pelo hiperespaço, ou quinta dimensão, para finalmente serem recompostos num receptor. É o tipo ideal de transporte. Um dia, também no nosso sistema solar, todas as naves serão substituídas por aparelhos iguais a este.

Rumpus nada comentou. Sua mão segurava a coronha da arma que ainda estava travada na cintura. O sargento Meister contemplava absorto o redemoinho energético no arco de luz. Estaria pensando como um homem poderia ficar incólume num inferno daquele.

Bellefjord olhou mais uma vez para o relógio.

— Não temos mais tempo a perder. Dêem-me suas mãos, meus senhores. Vamos entrar juntos no transmissor. Assim que perceberem alguma coisa diferente em volta, fujam e estejam prontos para fazer fogo, para se defenderem. Então? Prontos?

Meister e Rumpus concordaram com um aceno de cabeça.

Bellefjord encheu os pulmões de ar, que lhe pareceu quente e asfixiante demais. E começou a caminhar, andando os três numa linha reta, na direção do arco luminoso e... desapareceram.

Não sentiram absolutamente nada durante a desmaterialização. Não perceberam, não viram nem ouviram nada.

Deram um passo, mais outro. Mas após o segundo já não se encontravam ali, próximos da nave Kenia, e sim em outro mundo.

 

Capitão Raldini não despregava os olhos do arco luminoso. Mergulhado em seus pensamentos, perguntava a si mesmo como pudera acontecer aquilo tão rapidamente.

“Este velho major tem realmente nervos de aço! Dirigiu-se, como que passeando, para o transmissor, sem se preocupar com o lugar para onde ia...”, refletia Raldini.

O major, de fato, agiu como devia.

Quando é que uma nave terrana teria outra oportunidade de penetrar no Sistema Azul? Talvez fossem eles os últimos.

Também não houve tempo para se tomar maiores medidas de precaução ou para fazer pesquisas sempre úteis.

Quem poderia saber por quanto tempo permaneceria aberta a brecha no terrível envoltório de proteção? Se fechasse, adeus esperança de voltar!

Com a idéia fixa de poder ou não voltar para seu próprio Universo, Raldini olhava nervoso para o relógio.

— Puxa vida! Mal faz cinco minutos que os três desapareceram... Será que o tempo também parou? — balbuciou apreensivo.

Não podia, porém, imaginar que, para os três, este tempo corria depressa demais.

 

Um frio intenso foi a primeira coisa que Bellefjord sentiu. Instintivamente levou a mão ao botão do aparelho de calefação. Notou então que já era noite, não havia mais sol, milhares de estrelas cintilavam no céu. O ar, terrivelmente frio, era respirável. Provavelmente estavam no lado escuro do sexto planeta. Mas, no mesmo momento, achou que tal hipótese era falha. A gravidade era bem mais forte, pelo menos 1,4 gravos. O conteúdo de oxigênio daquele ar gelado era muito menor do que há poucos segundos atrás...

Deviam, pois, estar em outro planeta!

Aos poucos, foram se habituando à quase total escuridão. A mão de Rumpus continuava firme na coronha de sua arma. A mão direita do sargento Meister soltou-se da de Bellefjord, certamente a fim de preparar-se para qualquer eventualidade.

— Onde estamos? — perguntou Rumpus. — Isto não parece ser Sphinx.

— Deve ser outro planeta mais afastado do sol azul ou alguma lua — disse Bellefjord, apontando para frente, onde começavam a surgir traços diferentes contra a claridade que estava aumentando. — Se não estou enganado, ali está de novo uma sala de espera. Vamos dar uma chegada até lá.

Saiu na frente, seguido pelos companheiros. A respiração não estava fácil. Não iam poder agüentar muito tempo por ali. Algumas horas, talvez.

Desta vez, a porta estava fechada, mas não lhes foi difícil abri-la. Acendeu-se uma lâmpada atrás deles.

— Talvez, à noite, a lâmpada acenda automaticamente com a abertura da porta — disse Bellefjord, na sua mania de querer achar sempre uma explicação lógica para tudo. — Gostaria de saber por que motivo os transmissores estão sempre ligados, se não há ninguém para usá-los. Verdadeiro desperdício de energia e desgaste inútil das instalações!

Já haviam fechado a porta e, através de um corredor estreito, onde se sentia menos frio, chegaram a outra sala de espera. A segunda porta se abriu automaticamente.

Três acônidas, agasalhados por grossas peles, olhavam surpresos para eles!

Bellefjord perdeu a fala e respirava com dificuldade. Mas os três acônidas pareciam muito pacíficos. Deviam ser trabalhadores ou engenheiros terminando seu turno de serviço, esperando sua condução. Havia realmente admiração nos seus olhos, mas tinham um domínio formidável sobre si mesmos, de maneira que os terranos nada notavam.

— Boa noite! — balbuciou o cadete Rumpus, quase sem querer, utilizando-se instintivamente da linguagem comum da Galáxia, que todos os povos dominavam relativamente bem. — Desculpem-me...

Os três rostos viraram, quase ao mesmo tempo, para o outro lado. Não havia neles nenhuma expressão de desprezo, de ira ou de ódio. O que os movia era de fato uma grande indiferença. Faziam lembrar certo tipo de pessoas que, quando alguém lhes pede um favor, se descartam simplesmente com gestos negativos.

Bellefjord olhou em torno e descobriu um banco livre e algumas cadeiras. Naquele local, a temperatura era suportável. Estava com muito frio e não queria sair dali, antes de descobrir alguma coisa. Não pretendia aparecer perante o Major Kalígula sem nenhuma informação útil.

— Vamos sentar um pouco — disse para seus acompanhantes. — O calor só nos pode fazer bem. E, além de tudo, a condução parece que não é para já.

O sargento Meister sorriu, mas continuava com a mão na coronha da arma. Enquanto que o cadete Rumpus parecia ter chegado à conclusão de que estavam lidando com criaturas inofensivas. Sentou-se, remexendo seus bolsos à procura de um cigarro.

— O senhor está aguardando alguma coisa? — perguntou ele ao Major Bellefjord, depois de dez minutos.

Tivera, entrementes, tempo para observar todo o ambiente. Notara que os três acônidas quase sempre olhavam para um painel de ligação, colocado no alto da parede, logo abaixo do forro. Eram apenas dois botões, um dos quais, de coloração amarelada, estava comprimido. O outro, preto, estava para fora. Quem quisesse alcançar os dois botões tinha que arranjar um tamborete ou uma cadeira para subir.

Só mais tarde é que os terranos concluíram que isto era a maneira mais simples de proteger o painel do transmissor fictício das brincadeiras das crianças, sem impedir o uso normal pelos adultos.

Aqueles dois botões ligavam o transmissor para despachar ou para receber. Normalmente este trabalho era feito por uma central, localizada na lua do quinto planeta. Mas em todas as salas de espera havia destes painéis manuais, para uso individual.

Um dos acônidas levantou-se e subiu numa cadeira, apertando o botão preto, sendo que simultaneamente o amarelo saltou. Continuou de pé na cadeira, enquanto os outros dois deixaram a sala de espera e foram embora.

Dois minutos depois, o acônida, ainda de pé na cadeira, apertou o botão amarelo, fazendo com que o preto voltasse à antiga posição. Colocou a cadeira no seu lugar e sentou-se, sem qualquer expressão no rosto.

O sargento Meister balançou a cabeça.

— Que significará mais esta bobagem? — perguntou em inglês.

Bellefjord também não sabia, mas pressentia algo desagradável. Começou a quebrar a cabeça sobre que função poderiam ter aqueles dois botões, tão bem protegidos lá no alto da parede. Não tinha sentido ficar ali perdendo tempo. Levantou-se resoluto e se encaminhou para o único acônida que ali ficara. Disse alto e claro:

— Se os senhores preferem nos tratar como selvagens ou como animais daninhos, não temos nada que ver com isto. Mas não estranhem se começarmos a reagir com a mesma moeda. Então, vai ou não vai falar conosco?

Os traços fisionômicos do acônida refletiam tanto orgulho que Bellefjord estava quase perdendo as estribeiras. A muito custo se controlou. Mas quando o acônida, com um ar de desprezo, deu um sorriso irônico, sem nem sequer olhar para ele, como se não existisse, o major o pegou pelos ombros, sacudiu energicamente. Depois, limpou as mãos no uniforme e disse:

— Imundo!

Havia algo semelhante a cólera no rosto do acônida, mas podia ser também um engano, pois antes de Bellefjord virar-se de costas para ele, notou no rosto do acônida traços de contentamento.

Contentamento...? Contentamento com o quê? Onde estavam os dois colegas daquele tipo pretensioso e cabeçudo? Será...?

De repente Bellefjord compreendeu tudo. O transmissor! Tinham-no ligado para transmissão e foram buscar reforço. Simultaneamente com esta idéia, lhe passou pela cabeça que, se eles tinham alterado o sentido do transmissor, apertando o botão, ele também podia fazer o mesmo. E por que não?

— Sargento, atenção! Cadete, os “rapazes” foram buscar reforço. Certamente querem nos surpreender e prender.

Em poucas palavras lhes explicou o funcionamento dos dois botões e ordenou:

— Rumpus! Suba na cadeira e aperte o botão preto. O preto quer dizer transmitir, pois foi com o preto que os dois desapareceram. Nós chegamos com o amarelo, que naturalmente deve indicar chegada. Desta maneira, os dois botões nunca podem estar ligados ao mesmo tempo. Se apertarmos o preto, transmitir, ninguém nos vai surpreender...

Rumpus executou a ordem. Subiu e comprimiu o botão preto.

O acônida se levantou para impedi-lo, mas o sargento Meister o obrigou a sentar-se. Bellefjord disse em arcônida:

— Que aconteceu com a nave que há uma hora deixou seu sistema, acônida? Por favor, fale, não nos obrigue a usar de outros meios desagradáveis. Você deve saber, pois são raros os aparelhos que saem daqui. Cada decolagem deve ser, portanto, um grande acontecimento.

O acônida não deu a menor atenção. Os lábios se comprimiam com energia e os olhos continuavam impassíveis. Houve um estalo no alto da parede. O botão preto pulara para fora!

O transmissor agora estava sendo manobrado pela central.

Rumpus não compreendeu de pronto o que representava aquilo.

— Não fui eu, não, senhor — disse se desculpando.

— Ligue de novo! — gritou Bellefjord, que sabia o que estava acontecendo. — Depressa!

Rumpus levantou o braço e apertou de novo o botão preto.

Tudo isto não levou mais do que uns dez segundos. Ouviram-se passos no corredor.

— Tarde demais! — exclamou Bellefjord, sacando da arma. — Escondam-se nos cantos e estejam preparados para fazer fogo, esperando, porém, por minha ordem.

Rumpus pulou da cadeira como um raio e se postou ao lado do sargento Meister com a arma na mão e de cara fechada. O acônida estava de mãos para o alto.

A porta da sala se abriu com um forte estalo e, sem o menor sinal de medo, cinco acônidas entraram. Um deles, Bellefjord já conhecia. Os outros quatro estavam uniformizados e bem armados.

Quando um dos uniformizados abriu a boca e começou a falar, com um leve sotaque, a linguagem intergaláctica, Bellefjord sentiu uma espécie de alívio e de estupefação.

— Os senhores invadiram este sistema, tornando-se assim passíveis de castigo. Tenho ordens de prendê-los. Entreguem-nos suas armas.

“Seis contra três”, pensou Bellefjord rapidamente. “Mas só quatro deles estão armados. Já melhora a situação. Mas, quem sabe, dá para se evitar uma luta armada?”

— Nós não invadimos nenhum sistema, se o senhor me permite — disse, abaixando o braço com a arma. — Sua espaçonave foi que rompeu o envoltório de proteção, abrindo assim uma entrada. Apenas continuamos voando, é tudo. Também não temos intenção de ficar aqui. A prisão seria, pois, um ato de injustiça.

— Isto não sou eu quem vai resolver. Estrangeiros, entreguem suas armas.

— Nunca! Deixe-nos sair daqui!

O acônida estava indeciso. Depois achou uma solução.

— Bem, vou comunicar o ocorrido. Os senhores afirmam e confirmam não haverem rompido a cúpula de proteção energética?

— Sim!

Parece que esta declaração os tranqüilizou. Bellefjord procurava entender o pensamento dos acônidas, enquanto um deles fora enviado não sabia para onde.

“Provavelmente”, calculava o major, “a única preocupação deles é nos manter isolados. Devem estar pensando que descobrimos um meio de romper seu envoltório de proteção. Se eu conseguir lhes provar que isto não aconteceu, certamente vão nos deixar livres. Para eles, realmente, nós pouco significamos. Não perdem nada com a nossa saída.”

Depois de dez minutos, voltou o mensageiro. Segredou alguma coisa no ouvido do chefe dos policiais, que se virou para Bellefjord:

— Damos-lhes uma hora do seu tempo para deixarem nosso sistema. Os senhores entraram aqui, realmente, por um mero acaso, como atestam nossos cientistas. Podem ir agora.

O velho major tinha ainda muitas perguntas para fazer, mas seu instinto lhe dizia que qualquer outra atividade, mesmo perguntas, seria arriscada.

Fez um sinal aos seus companheiros para que guardassem as armas. Não lhes seriam mais necessárias. Os acônidas eram orgulhosos demais para querer tirar proveito de um truque menos honesto. Sem nenhuma complicação, saíram da sala de espera e chegaram até o arco luminoso, desapareceram no transmissor fictício e, no mesmo instante, ficaram a cem metros da Kenia.

Cinco minutos depois, o cruzador leve decolou, rumo à estrela que ficava bem próxima da brecha do envoltório. Podia-se ver ainda aquele local de cintilação instável, embora sua coloração não fosse agora tão diferente do resto do firmamento. A Kenia atravessou a passagem com velocidade bem reduzida. Notava-se que a fenda se estreitava cada vez mais.

Quando, mais tarde, Bellefjord fazia seu relato ao Major Kaligula, soube que tinha sido transferido para a Lua. É claro que não sabia o motivo de sua remoção. De qualquer maneira, recebeu a ordem de partir imediatamente e de se apresentar ao comandante da Frota Lunar. O sargento Omola fez os cálculos necessários à próxima transição.

Foi com o coração pesado que Bellefjord olhou o manto azulado que envolvia o sistema, pensando que sua aventura fora apenas o início de uma ação muito importante. Fora a introdução para se desvendar um importante segredo, cujo véu começara a se levantar com a saída da nave acônida.

 

A Drusus descera em Árcon I, sem nenhum incidente. As naves robotizadas de patrulhamento não fizeram qualquer intimação, a fim de pará-la ou de fazê-la identificar-se. Isto queria dizer simplesmente que qualquer outra nave também podia voar para Árcon e aí aterrissar, sem ser molestada.

Os dois homens estavam sentados frente a frente no Palácio de Cristal. A sede do governo era bem vigiada por oficiais arcônidas de confiança. Aqui não corriam perigo.

— A situação — dizia Atlan — é simplesmente desesperadora.

Rhodan protestou, fazendo o possível para não admitir o ponto de vista de seu amigo. Na realidade, era muito difícil não dar razão a Atlan. O grande erro dos arcônidas foi ter confiado todo o peso do governo daquele imenso império ao infalível cérebro positrônico.

Será que este cérebro onisciente e onipresente fora mesmo bloqueado pelos acônidas? Por que motivo não reagiu contra esta violação?

— Não vai ficar assim não, Atlan. Vamos atacar e vamos começar por Árcon III. Já obtivemos uma vitória semelhante...

— ...mas sob condições muito diferentes — acudiu Atlan imediatamente. — Temos que enfrentar agora um adversário, sejamos sinceros, que nos é infinitamente superior. Se os acônidas são realmente os antepassados dos arcônidas e, perante eles, nós não passamos de colonizadores degenerados...

— Aí está o ponto onde nós nos enroscamos — interveio Rhodan. — Eles menosprezam vocês do mesmo modo como menosprezam também a nós. É certo que eles dominam uma tecnologia muito mais evoluída que a nossa e não podemos mesmo saber o que aprontaram com o cérebro robotizado. Mas nós possuímos uma coisa que eles não possuem nem conhecem.

Atlan esticou o pescoço para frente.

— E o que é?

— Nossos mutantes! — disse Rhodan, sorrindo um pouco. — Se nós não o conseguirmos com a Drusus, consegui-lo-emos com os mutantes.

— É, mas eles não são super-homens — acrescentou Atlan.

— É verdade, mas dispõem de dons que são completamente desconhecidos pelos acônidas.

— Quando que você pretende atacar?

— Amanhã.

Houve um longo silêncio. Depois Rhodan retomou:

— Mas você não vai se preocupar com isto, pois eu creio que terá muita coisa que fazer: a manutenção da ordem. Faça com que, onde estão estacionadas as naves robotizadas, os arcônidas assumam o comando. Principalmente nos pontos-chave, as naves tripuladas devem substituir as robotizadas. Só assim podemos evitar maiores danos. Enquanto o hiper-rádio estiver funcionando, não haverá razão para maior cuidado.

— É — disse Atlan, com ironia — não há mesmo motivo para cuidados, muito obrigado.

— Bem, meu amigo — disse Rhodan se levantando — arranje-me para amanhã alguns encouraçados. Quero atacar com um bom número de naves. O envoltório de proteção terá de estourar.

— Desejo-lhe muita sorte e... tenha cuidado, Perry!

O tom de voz de Atlan exprimia simpatia e um cuidado sincero. Rhodan lhe era grato por isto, embora não o desse a perceber. Houve um aperto de mão e os olhos se cruzaram com firmeza.

Cada um sabia o que tinha a fazer, mas tudo que fizessem só teria um objetivo comum: rechaçar o inimigo e afastar o terrível perigo de uma iminente escravização dos povos de Árcon e da Terra.

 

Depois de três ataques fracassados contra o misterioso envoltório energético de Árcon III, Rhodan desistiu. Mandou de volta as naves arcônidas e ordenou a Deringhouse que circunvoasse com a Drusus, a uma boa distância, o planeta bloqueado. Depois reuniu os mutantes para um conselho de guerra na sala de seu setor.

Foram convidados para tomar parte nesta reunião, além dos mutantes, o chefe dos matemáticos da Drusus, Dr. Louis Renner, e o oficial-chefe de segurança, Capitão Marquardt. Mais tarde, chamaram também o Capitão Markowsky, responsável pela central de armamentos.

No fundo, estranhamente calado e encolhido num almofadão, achava-se o rato-castor Gucky. Sabia o que estava para vir e não tinha muita vontade de fazer parte dessa aventura melindrosa. Os acônidas eram para ele seres horríveis. Talvez chegasse a temê-los.

Com um respeitoso aceno de cabeça, Rhodan cumprimentou os homens ali reunidos.

— Como vocês sabem, até agora nada conseguimos. Mas temos de romper a barreira. Não nos utilizamos ainda de todas as nossas armas. A violência foi nula; então empregaremos outros meios. Capitão Markowsky, chamei-o para lhe perguntar o seguinte: como está o transmissor fictício?

Markowsky era de constituição franzina. O misterioso transmissor estava sob sua tutela.

— Pronto para ser usado. Mas o senhor não vai querer...?

Parou no meio da frase, apavorado. A idéia lhe parecia horrível.

— Mais ou menos isto — disse Rhodan adivinhando seu pensamento. — Mas só em caso de necessidade, em última hipótese.

Olhou em volta e seus olhos se detiveram em Ras Tschubai.

— Você acha temerário teleportar-se para Árcon III, Ras?

O africano suportou o olhar penetrante de Rhodan. Deu de ombros, e logo depois respondeu:

— É difícil dar uma resposta exata. Teria que experimentar...

Era o jeito típico de Ras Tschubai. Naturalmente, sabia, ou ao menos imaginava, quão perigoso devia ser um pulo de encontro a uma muralha energética daquele tipo. Juntava-se a isto o fato de que o próprio Rhodan não acreditava muito no sucesso da operação, pois, do contrário, não indagaria sobre a utilização do transmissor fictício. Este transmissor tinha a peculiaridade de desmaterializar objetos trazidos ao seu campo de ação e rematerializá-los num outro ponto, determinado com exatidão. Por exemplo: podia-se transportar para dentro de uma espaçonave uma bomba atômica, sem se expor ao menor perigo. É claro que também as pessoas poderiam ser transportadas dessa forma.

— Não posso, nem devo expor você a um risco tão grande — disse Rhodan, em voz pausada. — Sei que o fará, mas a responsabilidade fica comigo...

— Acho que devemos experimentar, do contrário jamais poderemos ter certeza se conseguiremos ou não penetrar nesta muralha misteriosa. Agora, que vamos fazer se não o conseguirmos? — argumentou Markowsky.

— Isto vamos ver ainda — respondeu Rhodan, olhando para Gucky. — Quem sabe, um teleportador, com o auxílio do transmissor fictício, terá mais possibilidade? Não sei, porém, ainda de que maneira o vamos apanhar de volta.

Gucky não fugiu dos olhos de Rhodan, que o examinavam a fundo. Se Ras Tschubai se arriscava, ele não queria ficar atrás.

— O campo energético também não deixa passar os impulsos telepáticos — constatou Gucky. — Dá a impressão de não haver nenhum ser pensante em Árcon III, embora não seja este o caso. Mas, mesmo que os impulsos mentais não consigam romper a muralha, um teleportador o poderá fazer, com ou sem o transmissor.

— Obrigado, Gucky — disse Rhodan. — Mas antes de mandar você, Ras Tschubai e Tako Kakuta devem experimentar. Os dois juntos.

 

E a tentativa fracassou!

Os dois teleportadores se concentraram para o salto, desmaterializaram-se e... um segundo depois, estavam de volta. Durante o salto, chocaram-se contra uma barreira invisível e não identificável e foram rechaçados. Materializaram-se no mesmo local de onde partiram.

— Aliás — observou Ras Tschubai, muito transtornado — não sentimos nenhuma dor. Apenas não conseguimos atravessar, e nada mais. Não é um envoltório de proteção no sentido comum. Deve ser outra coisa, bem diferente...

Kakuta confirmou as palavras do africano. Embora não sentisse dor, não tinha coragem de fazer outra tentativa.

Gucky, que ouvira tudo com interesse, disse em voz baixa:

— Estou com receio de que agora seja minha vez. O mais importante é que o transmissor fictício seja acionado exatamente no momento em que eu pular. Somente assim podemos obter o efeito desejado.

Depois, olhando para Rhodan:

— Não me sinto muito bem nesta experiência.

Rhodan se inclinou para ele.

— Compreendo-o, meu amigo. Acredite-me que usaria de outro meio, se existisse. Mas infelizmente não nos resta outra solução. Embora o transmissor funcione, você tem que ir, pois é o único que tem os poderes da telecinese, da telepatia e da teleportação. Se existe alguém, que pode voltar incólume, este alguém é você. Não vamos ter contato um com o outro e só poderá contar consigo mesmo. Muita cautela, cuide-se. Não se esqueça de que nosso destino depende do sucesso de sua missão.

Rhodan coçou suavemente o pelo de Gucky e sua voz mudou de tonalidade, quando lhe sussurrou:

— Nossos pensamentos o acompanham e depositamos em você votos de total confiança. E se lhe acontecer alguma coisa...

Todos sabiam que as palavras de Rhodan não iam adiantar muito, se realmente lhe acontecesse algo e o rato-castor não voltasse. Então nada mais haveria, e não somente Árcon, mas também a Terra, estariam perdidos, e com isto, o futuro da Humanidade.

O Capitão Markowsky já aguardava as últimas instruções no transmissor fictício. A Drusus continuava circunvoando Árcon III, tendo se aproximado, porém, um pouco mais do planeta. A misteriosa barragem energética impedia a visão para sua superfície. Parecia que Árcon III estava envolto por um vidro quase opaco.

Ouviu-se a voz do General Deringhouse no alto-falante:

— Estaremos atingindo o ponto determinado daqui a vinte segundos.

Rhodan acenou para Gucky:

— É isto, meu jovem, muita felicidade, amigo.

— Vou precisar mesmo — foram as últimas palavras de Gucky, caminhando com suas pernas curtas para o foco ativo do transmissor.

Portava o uniforme especial e trazia uma pequena arma no cinturão. Fora disso, contava mesmo é com seus dons parapsicológicos.

A mão de Markowsky já se encontrava firme sobre a alavanca de acionamento. Distância e capacidade energética estavam corretas. Bastava apenas que abaixasse a alavanca, para que Gucky fosse lançado à superfície de Árcon III.

— Ainda cinco segundos — disse Rhodan levantando a mão. — Quatro... três... dois... um... já!

Três coisas aconteceram no mesmo momento: o braço de Rhodan abaixou, a mão de Markowsky desceu a alavanca e Gucky se teleportou.

Passaram-se dez segundos e Gucky não voltou. Devia ter conseguido.

 

Durante um salto de teleportação, o corpo do respectivo mutante se desmaterializava. Seus átomos se dissolviam para atingir o objetivo distante, através do hiperespaço. Chegando ao destino, “reuniam-se” e tomavam a forma inicial.

Quando se saltava, tudo em volta desaparecia e, quase no mesmo instante, vamos dizer, num décimo de segundo, alcançava-se o ponto determinado. O que ficara entre o ponto de partida e o de chegada não tinha espaço nem tinha tempo. Era o nada.

Desta vez, porém, no campo energético do transmissor fictício, fora tudo diferente. É verdade que ele se desmaterializou como sempre, conservando, porém, a sensibilidade pelo decurso de um pequeno segundo, quando então se chocou contra a barreira energética. Flutuou num nada escuro, sentindo um estranho formigamento em todo o corpo. Mas, antes que pudesse pensar a respeito, o campo energético do transmissor o levou para frente e.... ele se desmaterializou novamente.

Suas pernas dobraram e tocou o chão. Nunca sentiu uma fraqueza tão grande e um desejo louco de morrer ou pelo menos de dormir.

Aos poucos a memória foi voltando e seu instinto de conservação fez com que abrisse os olhos.

Lutando contra o cansaço, arrastou-se uns metros até a sombra de um rochedo e aí se estirou. O sol ia alto no firmamento, iluminando uma paisagem que Gucky jamais imaginara no planeta militar de Árcon. Devia ter descido em algum lugar, o qual ele desconhecia.

Árcon III era o arsenal militar e o centro de formação espaçonáutica do Império Arcônida. Aqui estavam os enormes estaleiros, onde eram fabricados em série os supercouraçados, e os extensos quartéis, com seus estabelecimentos de ensino. Havia ainda a Academia Militar, para a formação de futuros oficiais, e o Instituto de Medicina Espacial.

Gucky se materializara num planalto. Embora estivesse à sombra do rochedo, podia ver lá embaixo a planície que se estendia até o horizonte. Via-se uma enorme extensão de campo, em forma retangular, para as espaçonaves, cercada de grandes construções, porém, de pouca altura. Existiam, também, campos cercados de arame para protegerem os depósitos de material bélico e os galpões baixos. Sentinelas armados iam e vinham em sua ronda. Não dava para Gucky distingui-los. Homens ou máquinas?

No espaçoporto, destacavam-se as grandes naves, geralmente com a tradicional forma cilíndrica, preferida pelos arcônidas. Todo o centro do espaçoporto vibrava, com um movimento desusado. Pequenos flutuadores, operando à base de colchão de ar, riscavam as pistas de um canto para o outro, levando armas e outros materiais para as naves. Por toda parte havia uma pilha de coisas ao lado de cada nave. Todas essas coisas eram transportadas pelos elevadores antigravitacionais para o bojo insaciável das belonaves, prestes a partir. Estava mais do que evidente que a frota se preparava para uma importante ação.

Gucky se sentia ainda muito fraco. Por ora não tentaria uma teleportação. Não tinha fome, mas estava com muita sede.

Quem sabe haveria água aqui por cima?

Depois de observar que não havia ninguém nas proximidades, foi saindo do seu esconderijo à sombra. Por uns instantes ficou pensativo, estranhando muito que ainda houvesse terra inculta em Árcon III. Recordava-se de que cada metro quadrado era bem aproveitado, não restando quase nada da natureza primitiva...

A menos de duzentos metros de onde estava, descobriu um pequeno regato de água fresca, serpenteando ao longo de uma floresta. Mergulhou feliz a cabeça na água e bebeu até quase estourar. Lavou-se e começou a se sentir melhor. Agora nada mais o impediria de executar sua missão. Só mais um pequeno repouso e estaria apto para saltar. Mas talvez fosse melhor ouvir um pouco o pensamento do pessoal lá embaixo. Caso ouvisse o que estavam comentando, poderia deduzir alguma coisa sobre os acônidas.

Voltou para o rochedo que lhe oferecia uma posição melhor. Depois se concentrou para captar os pensamentos lá de baixo. Não conseguiu nada. Eram tão fracos que não chegavam a fazer sentido. Já estava ali tentando há uns dez minutos e não valia a pena insistir mais. Talvez fosse bom dormir algumas horas. O esforço para penetrar na terrível muralha de proteção o desgastara tanto, que a parte telepática do seu cérebro não estava funcionando bem. Provavelmente não conseguiria se teleportar e, muito menos ainda, teria força para uma operação de telecinese.

Achou um bom local no rochedo e se enroscou.

 

Só pôde saber quanto tempo dormira, consultando o relógio: cinco horas.

Desceu mais uma vez até o regato e bebeu à vontade, voltando depois para a beira do planalto. A situação no espaçoporto permanecia a mesma. As naves continuavam a receber carregamento e verdadeiros exércitos penetravam no seu bojo. Tudo indicava uma operação de grande envergadura.

Esquisito! Será que os arcônidas não davam a menor importância à aterrissagem da nave acônida em seu solo? Será que nem perceberam mais haver ligação com Árcon I?

Ou...?

Este “ou” veio desencadear uma reação diferente em Gucky.

“Quem estava dando as ordens agora eram os acônidas!”, pensou. “E quem sabe estavam ordenando aos próprios arcônidas que atacassem Árcon I e Árcon II?”

E prosseguiu mentalmente:

“Para que então seriam necessários os grandes suprimentos? Alguma coisa não estava dando certo!”

Desistiu de ficar ali esperando fragmentos de pensamentos quase imperceptíveis. Concentrou-se para atingir um edifício mais alto ao lado do espaçoporto. Edifício este com um telhado plano, tendo, porém, muitas saliências em forma de pequenas torres. Excelente esconderijo.

O salto foi bem-sucedido.

Uns passos mais e o rato-castor estava bem protegido contra olhares curiosos.

Mas quem é que iria olhar para o teto de um edifício de administração? Alguns helicópteros estavam na outra extremidade. Eram bem diferentes dos deslizadores de colchão de ar que Gucky estava acostumado a ver nos espaçoportos arcônidas. Ou será que os acônidas...? Mas isto era ridículo! Por que razão trariam eles seus próprios helicópteros?

Gucky se julgava bem protegido no telhado do edifício. Mesmo com um bom binóculo seria difícil localizá-lo. Sob seus pés, no interior daquele casarão, deviam estar algumas centenas de pessoas. Não era fácil coordenar a corrente de pensamentos que dali emanava. A confusão fazia lembrar um enorme salão onde todos falam ao mesmo tempo, sendo impossível separar as vozes.

Depois de muito esforço, conseguiu selecionar alguns impulsos que pareciam ter algum nexo. Provavelmente eram três ou quatro pessoas conversando, pois o assunto tinha coerência. Deviam estar alguns andares abaixo, um pouco à sua esquerda. Em caso de necessidade, podia fazer o posicionamento exato do local e se teleportar para lá. Mas, para quê?

Continuou onde estava e tentou ouvir.

— ... a frota partirá para duas voltas em torno de Árcon, alteza, não podemos perder tempo. Proponho, pois, que as naves partam hoje mesmo.

— O imperador sou eu e eu é que vou determinar a hora da partida, Gagolk. Como é que você se atreve a querer me dar ordens? Você é o comandante da frota porque eu o nomeei. Partiremos, pois, somente dentro de dois dias, está bem claro?

Uma outra voz disse:

— O imperador tem sempre razão, Gagolk, embora sentimentalmente eu esteja com você. O tempo é a coisa mais importante para nós. Nossa maior força está no fator surpresa. Por outro lado, como podem os novos-ricos deste mundo tão distante chegar à idéia de que nós sabemos de sua existência? Acho, pois, que podemos confiar em Metzat III.

— Por mim! — era a voz do tal Gagolk. — Você já fez suas experiências com raças menos desenvolvidas. Tomara que o comandante das colônias tenha dito a verdade. Seu relatório me parece meio confuso.

— E por que razões haveria ele de dar dados falsos? — perguntou Metzat III, que se intitulava imperador.

Imperador? Imperador de onde? Gucky ficou quebrando a cabeça com estas interrogações e não conseguia compreender. Havia só um imperador em Árcon, e este era Atlan, Gonozal VIII. Mas isto, ele ia ainda pôr em pratos limpos. Mais tarde.

— ...nunca as razões, alteza. Os dados estão certos, eu me responsabilizo por isto. Vamos supor que os colonizadores se modificaram e hoje apresentam meramente semelhanças físicas conosco, mas não podemos nos esquecer de que eles foram vítimas, durante centenas e centenas de gerações, de influências do meio ambiente. Sabemos que, depois de cinco ou seis gerações, podem surgir raças bem diferentes da primeira.

— Não estou duvidando da origem destes colonizadores — respondeu Metzat secamente e com muita incerteza. — Apenas me pergunto o que eles pretendem fazer, se falaram a verdade. Não demora e vamos saber de tudo isto, se estão mentindo ou não. Mas, de qualquer maneira, a frota só partirá depois de amanhã. A nova raça, que acabamos de descobrir, será dominada ou aniquilada. Esta é a minha ordem, Gagolk.

— Saberei cumpri-la, majestade.

Gucky se desprendeu daquele emaranhado de vozes e mergulhou nos seus próprios pensamentos.

O que acabara de ouvir tinha aparentemente algum nexo, mas não deixava de ser uma grande besteira. Não havia nenhum imperador com o nome de Metzat III! Colonizadores também não haviam chegado nos últimos tempos, nem se podia falar numa nova raça que a gente devia dominar ou aniquilar. Além disso, Árcon III estava isolado por um forte campo de proteção, pelo acônidas. Portanto, eram eles, os acônidas, que estavam encenando toda esta comédia.

— Mas por quê? — indagou a si mesmo.

Além de tudo, Gucky podia constatar com cem por cento de certeza que aqueles homens eram arcônidas e não acônidas.

O que que estava se passando aqui?

Onde é que ele, Gucky, se encontrava mesmo?

Isto aqui não era o espaçoporto que ele conhecia de sua última viagem a Árcon III. Era maior e mais moderno. Até as espaçonaves eram diferentes.

Aí foi que Gucky voltou sua atenção para as naves. Possuíam o mesmo tamanho e a mesma conformação esférica. Mas só agora reparava que o rebordo central dos conjuntos de propulsão era bem menor do que nos outros aparelhos, como, por exemplo, na Drusus. Também não havia os vãos livres para as peças de artilharia retrateis, e os apoios telescópicos eram de outro tipo de construção, parecendo mais pesados e mais fortes.

Gucky reconheceu que, à primeira vista, estas naves podiam ser confundidas facilmente com os pesados cruzadores dos arcônidas.

Mas com isto, o mistério ainda não estava desvendado.

Antes de prosseguir em suas investigações, queria dar uma olhada em Árcon III. Podia muito bem ser que ele havia saltado exatamente sobre um instituto militar, onde se estudavam manobras simuladas, com naves mais antigas, de construção desconhecida para ele.

Concentrou-se para um salto de milhares de quilômetros e se rematerializou num terreno cercado com arame, entre pilhas de caixas e depósitos de acessórios mecânicos. Sentinelas armados faziam a ronda. Gucky se escondeu depressa num canto apropriado. Dali começou suas investigações.

Primeiramente se preocupou com os pensamentos dos guardas. Não percebeu nada de extraordinário, a não ser que todos eles estavam com a idéia fixa de uma campanha iminente. O Império Arcônida tinha que ser ampliado. Surgira um novo adversário que era necessário eliminar. Uma nova raça que ainda estava desenvolvendo a Cosmonáutica. Dentro de dois dias a frota zarparia para subjugar o planeta-pátrio daquele povo.

Gucky balançou a cabeça horrorizado. Não entendia quase nada. Que estaria acontecendo? Será que todos estavam loucos? Se houvesse uma campanha contra alguma coisa, Atlan seria o primeiro a saber e Rhodan também. Uma nova raça? Quem seriam eles?

Deu mais um salto de teleportação, atingindo o lado noturno de Árcon III. Desta vez, rematerializou-se entre duas naves esféricas, que iluminadas por possantes holofotes estavam recebendo carga. Gucky estranhou que a maioria dos trabalhos era feita por arcônidas e não por robôs.

Por arcônidas? Desde quando os arcônidas trabalhavam, pois quem fazia tudo para eles eram povos subjugados? Desde quando começaram eles a poupar seus robôs? Ou será que também aqui o cérebro positrônico...?

Onde é que se localizava mesmo o cérebro eletrônico?

O inteligente animal procurou se orientar. Encontrava-se agora na parte escura, em um espaçoporto jamais visto, embora acreditasse conhecer bem Árcon III. Foi mais do que por acaso que levantou os olhos para o céu estrelado, neste momento. Não conhecia bem as constelações, mas alguns agrupamentos de estrelas ele guardara de cor. Vistas de Árcon I, pareciam iguais. O mais familiar para Gucky era o círculo polar. Como acontecia com a estrela Polar da Terra, estava quase no zênite de Árcon I. Vista de Árcon III, ela devia encontrar-se bem próxima do horizonte sul. Sua forma era inconfundível. Mesmo agora.

Mas quando a localizou no armamento, Gucky se assustou. Não sabia a razão do susto, mas a estrela lhe pareceu diferente. O círculo das cinco principais estrelas parecia mais estreito e, ao menos aparentemente, mais brilhante. Infelizmente não podia fazer comparações com outros pontos luminosos ou constelações, por não tê-las bem claras na cabeça. Mas bastava o círculo polar para lhe provocar muitas dúvidas, tão fantásticas e doidas que acabou desistindo de fazer conjeturas com as estrelas.

De qualquer maneira chegara a uma conclusão: tinha de executar sua missão com mais cautela e mais ceticismo, do que até então.

Usando de sua boa memória, teleportou-se para o local onde devia estar o cérebro robotizado.

Ao se rematerializar, pensou ter cometido algum engano. Estava de novo naquele lugar onde havia descido a primeira vez, ao sair da Drusus. A poucos metros atrás dele, estava o rochedo, sob cuja proteção ele dormira cinco horas. Havia só uma diferença: o sol caminhara mais para frente, caindo para o horizonte.

Gucky reconheceu que havia calculado mal seu salto. O cérebro positrônico não poderia estar escondido sob o solo. Sentia também a falta do envoltório de proteção, e o próprio espaçoporto estava muito diferente. Aquilo que se via lá próximo da planície era apenas uma amostra do verdadeiro campo de pouso.

Planície? Nas imediações do cérebro robotizado não havia nenhuma elevação.

O rato-castor começou a lamentar não ter nenhuma ligação com a Drusus. Não tinha ninguém a quem pedir uma informação ou um conselho. Estava sozinho, só podendo contar com as próprias forças. Enfrentava uma situação onde não podia fazer nada.

Sentiu, de repente, impulsos de pensamento que se avolumavam e, instintivamente, se agachou. Uma sombra rápida varreu a paisagem árida da rocha. Era um pequeno avião, e — como Gucky observou — só com o piloto.

Gucky levou somente um segundo para se decidir. Concentrou-se no arcônida sentado na direção e o obrigou a descer. Pela própria mente do homem, ficou a par do painel de instrumentos, podendo manejá-los. Telecineticamente, e fazendo uso de toda essa força, conseguiu mover o braço e a mão do piloto conforme sua vontade.

O homem aterrissou sem saber o que estava fazendo. Gucky ficou esperando em seu esconderijo até que o rapaz saiu da pequena cabina e começou a olhar de todos os lados para o avião, sem compreender o que acontecera. Ao que tudo indicava, não estava entendendo o que o obrigara a descer. Gucky lia seus pensamentos e ficou inclusive sabendo que se tratava de uma alta patente da frota de Árcon.

O rato-castor deixou seu esconderijo e se aproximou do piloto estupefato. Certamente poderia admitir a presença de um animal no planeta militar, mas nunca a presença de um animal fardado. Sua mão foi veloz para a coronha de uma arma de raios energéticos. Mas Gucky fez mais um truque, usando suas poderosas forças telecinéticas. Antes que a mão do arcônida atingisse a arma, esta voou para longe, caindo a uns cem metros de distância, no meio de grosso cascalho. O arcônida olhou na direção onde caiu sua arma, mas não se mexeu. Sua mão voltou lentamente para a posição normal e, espantado, começou a olhar Gucky.

— Você não está percebendo nada? — perguntou, confiando no fato de que era conhecido por quase toda a Galáxia. — Desde quando se cumprimenta um aliado com a arma na mão? Ah! Você está preocupado por causa do pequeno avião? Não tenha medo, eu levo você lá para baixo.

O arcônida continuava imóvel, entendendo cada palavra que Gucky estava dizendo. Mas sua cabeça se negava a aceitar aquele animal como um ser inteligente. Os arcônidas conheciam Gucky, mas este aqui, não.

— Conte-me agora tudo que se passou em Árcon III, depois que os acônidas desceram. Vamos, solte a língua. Queremos apenas ajudá-los. O Imperador Gonozal VIII anda muito preocupado, desde que as ligações com o planeta militar foram...

O arcônida exclamou, excitado:

— Gonozal...?

Gucky ficou muito admirado. Seria o cúmulo que um oficial da frota arcônida não conhecesse o nome de seu imperador.

— Gonozal, o imperador — repetiu Gucky.

— Não sei de quem você está falando; também não sei quem você é — disse o oficial, dando uma olhada para sua arma que cintilava entre as pedras. — Quem é Gonozal?

As dúvidas de Gucky foram tomando corpo.

Será que os acônidas conseguiram destruir toda a memória dos arcônidas estacionados em Árcon III? Quem sabe o estranho envoltório de proteção tinha alguma coisa com isto? Então, o pobre oficial não era responsável pelo seu comportamento. E automaticamente se explicavam outros fenômenos.

Gucky não podia saber como estava enganado e que surpresas ainda viriam sobre ele.

— Gonozal VIII é o Sereníssimo Imperador de Árcon — disse com muita cautela. — Há uns dias atrás, aterrissou neste planeta uma espaçonave esférica estrangeira, de pólos achatados. Sua tripulação armou um envoltório energético impenetrável em torno do planeta, destruindo, desde então, toda ligação com o império. Supomos que os acônidas querem isolar Árcon III, depois de paralisarem as funções do cérebro eletrônico.

— Cérebro eletrônico? — repetiu o oficial, admirado.

Gucky estava sentindo as incríveis proporções da amnésia dos arcônidas. Esqueceram até o cérebro eletrônico, também chamado de regente robotizado! Resolveu não se aprofundar muito nestas coisas, para melhor penetrar na linha central de suas observações.

— Mais tarde, vou lhe explicar quem sou eu e quem me mandou para cá. Responda-me primeiro umas perguntas. Quero saber que tipo de campanha está sendo preparada. Que raça é esta que foi descoberta há pouco tempo e que tem de ser destruída? Onde fica seu sistema pátrio?

O arcônida estava hesitante. Gucky então lançou mão de um truque comprovado e seguro. Por meio de seus dons telecinéticos bloqueou a circulação do sangue para o centro da vontade de seu quase prisioneiro. A partir daí, o arcônida iria pensar com clareza, mas não teria mais o controle sobre sua vontade e falaria francamente o que estivesse pensando.

— Uma espaçonave de colonizadores, uma destas de pólos achatados, nos falou de uma raça humanóide, terrivelmente guerreira. As belonaves desta raça chegaram até Árcon e são o maior perigo para nós. Temos de dominá-los, ou melhor, aniquilá-los. Não sei com exatidão as coordenadas deste sistema inimigo, mas sei que se trata do terceiro planeta de um pequeno sol.

Podia ser mera coincidência, mas um sentimento inexplicável dizia a Gucky que este terceiro planeta era a Terra.

Mas a Terra não tinha sido descoberta tão recentemente assim! Os contatos entre Terra e Árcon datavam de quase cento e cinqüenta anos. No entanto...

— Quem é Metzat?

O oficial inclinou a cabeça automaticamente e respondeu em tom solene:

— Metzat III é o Sereníssimo Imperador de Árcon. Governa sábia e honestamente, e suas decisões são tão infalíveis que...

— Bobagem! — interrompeu-o Gucky. — Imperador de Árcon é Gonozal VIII e nenhum outro.

O oficial olhou espantado.

— Não pode haver dois imperadores para uma mesma nação.

— Isto mesmo — disse Gucky, dando-lhe razão.

E começou a pensar que, com este oficial, não ia conseguir muita coisa, pois não sabia mesmo quase nada. Gucky não chegara ainda à pergunta vital, que seria a chave de tudo.

— Quem é você? — perguntou finalmente o arcônida. — A que raça pertence você?

— Sou Gucky, do Exército de Mutantes de Perry Rhodan. Nunca ouviu falar destes nomes?

— Não! — respondeu com toda sinceridade o oficial.

Gucky se resignou:

— Dê-me sua mão que eu vou levá-lo até o espaçoporto. Se você for andando, ficará com os pés cheios de bolhas. Seu avião não voa mais. Vamos! A teleportação não é coisa confusa!

O arcônida não estava muito claro. Pelo menos já tinha ouvido falar em teleportação. Seus pensamentos a respeito eram muito confusos. E o rato-castor certificou-se disto, quando pegou a mão dele e pulou.

Rematerializaram-se no mesmo edifício onde Gucky já estiver a ouvindo o que se passava em seu interior. Com mais um salto, levou-o para o recinto onde estavam aqueles três ou quatro oficiais conversando. Infelizmente, no momento, o local estava vazio. Aquele grupinho, que falava entusiasmado a favor do Imperador Metzat ou do comandante da frota, Gagolk, já o havia deixado há algum tempo.

O piloto, horrorizado, largou a mão de Gucky.

— Meu Deus! Aqui é o conselho de guerra de Sua Majestade! Se entrarmos sem permissão expressa, seremos punidos severamente. Não sei não...

— O que você sabe então? — perguntou Gucky, enquanto contemplava o grande mapa sideral na parede.

Tal mapa, feito por meio de uma infinidade de espelhos complicados, dava uma visão em 3D, facilitando muito a orientação no espaço. Via-se muito distintamente o sistema arcônida, uma aglomeração de estrelas refulgentes. Depois havia um espaço vazio, poucas estrelas. Gucky estava procurando a Terra ou pelo menos o nosso Sol.

Pouco sabia de Astronomia, mas por meio dos sistemas, que já conhecia de tantas viagens com Perry Rhodan, foi tomando a direção certa. Deu com o nosso Sol, facilmente reconhecível pela presença dos nove planetas. O terceiro planeta estava assinalado com uma seta vermelha.

Gucky ficou parado, contemplando o mapa gigantesco. Fixava-se principalmente na pequena Terra. O oficial arcônida, cujos pensamentos Gucky estava controlando, aproximou-se. Seguindo o olhar de Gucky, disse de repente, com muito entusiasmo, como se lembrasse subitamente de algo esquecido:

— Aí está ele! Este é o planeta, objetivo de nosso empreendimento. Dentro de dois dias, nós o subjugaremos ou destruiremos toda sua população.

Gucky não tinha mais dúvidas a respeito, mas de qualquer maneira a confirmação ingênua do oficial arcônida lhe causou um impacto.

Que coisa inaudita! Os arcônidas, aliados do Império Solar, iriam atacar seus amigos. E o pior, iriam fazê-lo inconscientemente. A memória deles havia sido substituída por uma outra totalmente artificial.

Ou será que havia outra explicação?

Virou-se para ele:

— Muito bem, então é aquele pequeno planeta, não é?

Sabia que era inútil dizer a verdade àquele oficial. No estado em que estava, não iria aceitá-la.

— Você pode dizer onde se encontra a nave dos colonizadores que lhes falaram a respeito desta raça recém-descoberta?

— Está aqui no hangar subterrâneo — foi a pronta resposta, talvez contra a própria vontade do arcônida.

— Seu nome é Tanor, como posso ler no seu pensamento — não deu maior importância ao rosto admirado do jovem oficial. — Descreva-me bem o hangar para que eu o possa achar. Você virá comigo.

— Não! É proibido se aproximar desta nave e, além disso, está envolta num manto de proteção energética.

— Vamos tentar — insistiu Gucky. Começou a cismar: acontecera algo muito mais complicado do que até então imaginara. Não havia dúvida de que não somente os arcônidas, mas todo o planeta sofrerá uma terrível alteração. Neste local é que estava antigamente o cérebro positrônico. E agora, o que havia aqui? Instalações de um miserável espaçoporto que não tinha nenhuma comparação com o que existia antes.

— Dê-me sua mão!

A descrição de Tanor fora perfeita. Rematerializaram-se num amplo corredor, a mais de duzentos metros abaixo do solo.

Em longas filas, em compartimentos fechados, alinhavam-se naves pequenas e médias. Não restava nenhuma dúvida de que todas elas estavam preparadas para partir. Não estavam ainda abertas as grandes comportas do teto da galeria, por onde as naves sairiam para atingir a atmosfera de Árcon III. Por toda parte se viam equipes técnicas. Gucky, então, puxou o oficial para sob uma nave esférica, cujas escotilhas acabavam de se fechar.

— Onde estão os colonizadores?

— Mais para frente. Ainda não se vê a barreira daqui.

— Então vamos. E se alguém nos detiver, invente uma boa desculpa. Diga a eles que eu sou o embaixador de Xerxes IV e que não sei onde fica o país deles. Diga também que estamos aqui a serviço especial do imperador.

Tanor não discordou. Mas Gucky “sentiu” que ele estava aguardando a primeira oportunidade para se descartar de companhia tão esquisita. Isto não teria maior significado, pois Gucky já recuperara cem por cento as suas faculdades parapsicológicas e se achava em forma para escapar sem ajuda. O que lhe interessava mesmo era saber o que se tramava aqui.

Encontraram outros arcônidas, mas todos de hierarquia mais baixa e não foram molestados. É verdade que os olhares curiosos se detinham neles, mas ninguém ousava falar com Tanor, que, pelo tipo de uniforme, devia ser major. Sem serem detidos uma só vez, chegaram, depois de uma virada para a esquerda, aos grandes acumuladores de energia dos “colonizadores”.

Diante da barreira energética estavam dois guardas com armas pesadas. Gucky percebeu logo de estalo que eram acônidas, muito parecidos, aliás, com os arcônidas. Não tinham, porém, os cabelos esbranquiçados e os olhos avermelhados. A expressão do rosto era de descontração e de um orgulho sereno. No fundo, um tanto velada pelo envoltório de proteção, jazia a misteriosa nave, de pólos levemente achatados.

Gucky puxou Tanor para um dos boxes. Daí, podia observar os dois guardas, sem ser observado. Antes de começar a conversar com eles, iria tentar “escutar” tudo que havia de útil na cabeça deles. Tanor mostrava-se nervoso.

— Estão me esperando já há muito tempo. O que será se notarem meu desaparecimento ou se encontrarem o avião abandonado?

Gucky pensou um pouco. Não ia precisar mais do oficial.

— Você pode ir embora, mas será bom que não mencione minha presença, ouviu?

O rato-castor fez-lhe um gesto de despedida. Estava tranqüilo de que não seria traído.

Aliviado por ter atingido, depois de tanto sacrifício, seu objetivo, deitou-se no chão para captar o fluxo mental dos dois guardas acônidas.

Seus impulsos eram fortes e por isto fáceis de serem recebidos. No entanto pareciam formar um caos, com o que Gucky não sabia o que fazer. Os dois não tinham bons conceitos sobre os arcônidas, julgando-os uma raça de aventureiros. Um deles começou a pensar intensamente em se alimentar, o que fez com que Gucky se lembrasse de que não comia há mais de um dia. Aqui embaixo, não seria difícil conseguir alimento, pois havia bastante material estocado para embarque. Mas não era isto que o preocupava no momento.

Gucky estava ficando impaciente. Por que razão não estavam pensando no que tramaram com os arcônidas? Se eles continuassem pensando só em coisinhas supérfluas, teria que mudar de tática, mesmo que fosse obrigado a se mostrar... Gucky tomou então uma decisão! Fez uma cara de inocente e saiu de seu esconderijo. Usou a telecinese nas travas dos dois fuzis: as armas não iam disparar. Ao mesmo tempo, ficou atento aos impulsos mentais dos dois acônidas, que se voltaram em sua direção. Não viam nele nenhuma ameaça. A grande nave continuava resguardada sob o manto cintilante de proteção, que era interrompido somente atrás dos dois sentinelas.

Gucky ouviu passos às suas costas. Deviam ser os arcônidas ultimando os preparativos para a decolagem. A sensação de fome aumentou em Gucky.

Tinha que provocar os acônidas a pensar em suas intenções, do contrário não conseguiria nada. Uma conversa direta parecia sem sentido, porque acabaria mostrando seus dons parapsíquicos. Os acônidas eram inteligentes demais para se deixarem levar por pequenos truques. Uma palavra a mais e estaria tudo perdido.

— Vim aqui enviado pelo Major Tanor — disse num arcônida cristalino, mantendo-se a uma boa distância dos dois acônidas. — Manda perguntar se os senhores desejam alguma coisa.

Um dos guardas baixou a arma, olhou um pouco enfastiado para o rato-castor, sem lhe dar nenhuma atenção. Gucky, lendo sua mente, soube que ele o julgava um simples criado ou servente — como era uso nas casas dos arcônidas mais ricos; um animal doméstico inteligente era mais interessante do que um robô. O outro pensava a mesma coisa, mas pelo menos se dignou dirigir-lhe a palavra:

— Se tivermos algum desejo especial, o seu major poderá saber através do imperador. Pode ir embora.

Depois de fazer uma estranha reverência, Gucky se retirou. Agachou-se no boxe mais próximo e se concentrou para captar todos os impulsos. Os dois sentinelas, levados pelo incidente, começaram a conversar em voz baixa. Mas mesmo que não tivessem falado, os pensamentos revelariam...

Assim foi que nos próximos trinta minutos Gucky ficou sabendo de tudo. A verdade foi-lhe chocante. Ficou paralisado no seu esconderijo, esquecendo-se de onde estava e não sentindo mais a fome que o atormentava. Sabia agora do que era composta a barreira energética, que circundava o planeta Árcon III. Compreendeu, então, a repentina e absurda alteração sofrida pelos arcônidas e sua intenção estúpida de atacar ou destruir a Terra.

Começou a perceber a fabulosa técnica que os acônidas haviam desenvolvido e com que determinação perseguiam seu objetivo. Consideravam a Humanidade altamente perigosa e daninha, tendo, pois, que ser aniquilada. Só uma coisa Gucky não chegou a esclarecer bem: por que motivo a Humanidade era tão perigosa assim?

A nave dos acônidas abrigava um gerador que produzia um plano temporal regulável. Este plano ou campo temporal envolvia todo o planeta e o transpunha para qualquer época do passado. Os cientistas acônidas trabalharam muitos séculos nesta invenção, mas jamais conseguiram fazer com que este campo temporal fosse transposto para o futuro. No entanto, o passado era muito fácil de ser atingido.

Aquela nave acônida era um transformador do tempo. Por meio deste invento diabólico, os acônidas recuaram o planeta Árcon III por quinze mil anos. Não era portanto, de se estranhar que o cérebro positrônico não mais funcionasse, pois há quinze milênios ele, simplesmente, ainda não existia. O planeta militar já era habitado por arcônidas capacitados e ambiciosos que tinham apenas um objetivo: aumentar cada vez mais seu império, afastando do caminho todos os possíveis inimigos.

A idéia era pois muito simples. Os acônidas transpuseram Árcon III para quinze mil anos atrás. Naquele tempo reinava o Imperador Metzat III. Apresentando-se como colonizadores dos arcônidas, justificando assim a pequena diferença racial, falaram do descobrimento de uma nova raça de humanóides: os terranos. Não lhes foi assim difícil convencer Metzat do enorme perigo que representava a nova raça terrana. O imperador determinou, então, atacar a Terra, como o teria feito há quinze milênios atrás, caso estivesse diante das mesmas circunstâncias. Ordenou a seus oficiais que preparassem a frota. Dentro de dois dias, aproximadamente trinta mil unidades, grandes e pequenas, haveriam de cercar a Terra, obrigando a população a desistir de qualquer resistência e... destruiriam assim seu inimigo número um, podendo depois viver em paz.

Rhodan tinha de ser posto a par desses fatos imediatamente. Mas como?

O campo temporal que circundava Árcon III parecia fazer uma distinção palpável entre luz e matéria. Da superfície do planeta se podia ver o sol, mas do espaço não se via a superfície. Nenhuma matéria conseguiria, pois, penetrar do espaço para o planeta.

A questão agora era: como seria o contrário? Será que ele, Gucky, podia se teleportar de Árcon III para a Drusus? Não contaria com o apoio do transmissor fictício, não havia possibilidade de comunicação. Até mesmo os impulsos mentais eram detidos pela barreira temporal.

Gucky estava preocupado. Como se daria a partida da grande frota? Se os acônidas desligassem o campo temporal por algum tempo, o planeta voltaria para o presente? Caso não desligassem, nenhuma nave podia abandonar a superfície de Árcon III, sem se espatifar contra o envoltório de proteção.

Havia ainda muitas outras perguntas. Mas quem as responderia?

Não, não teria nenhum sentido procurar se encontrar com Metzat III. Como é que ele, Gucky, poderia explicar toda aquela complicação ao imperador? Para Metzat, o passado era o seu presente, a realidade do momento. De que maneira iria ele aceitar os fatos reais, se realmente já estava morto há milênios?

Seria também inútil querer, sozinho e sem auxílio, interromper o funcionamento do transformador do tempo. Gucky sabia não possuir os conhecimentos técnicos suficientes para isto. Uma alteração multidimensional do tempo era algo grande demais para a simples razão compreender. Além disso, o processo devia estar sujeito a certas limitações, do contrário os acônidas tê-lo-iam experimentado diretamente na Terra, procurando aplicar por lá o recuo do tempo. Provavelmente, a nave portadora do transformador do tempo teria que aterrissar no respectivo planeta para aí operar. E isto seria praticamente impossível acontecer na Terra, sem imediatamente chamar a atenção de todos.

Por fim, Gucky tomou sua resolução. Teleportar-se-ia para a superfície, isto é, para o prédio da administração, onde residia Metzat III. Depois de procurar um pouco, encontrou o recinto com o gigantesco mapa sideral. Estava fechado e por isso achou o lugar seguro. Se entrasse alguém, teria tempo de fugir.

Sentiu novamente uma fome terrível, lembrando-se de que fazia muito tempo que não se alimentava. A sede também era grande. Mas o problema de entrar em contato com Rhodan era muito mais premente. Lentamente começou a fazer a triagem daquela multidão de impulsos que estava recebendo, deixando de lado os mais fracos, já que sua origem devia ser muito distante. Os mais fortes vinham certamente do próprio edifício. Não lhe foi difícil descobrir as vibrações do Major Tanor e das pessoas que conversavam com ele.

Para surpresa de Gucky, os interlocutores de Tanor não era nem Metzat, nem Gagolk, mas um outro major, comandante de um pequeno aparelho de telerreconhecimento. Tanor lhe estava dando uma ordem e acrescentava:

— ...não se esqueça de que é preciso agirmos rapidamente. Você vai partir daqui a dez horas, tentando estar de volta amanhã. E nos informe se há de fato um planeta com humanóides que tencionam atacar Árcon e conquistá-lo.

— Fique tranqüilo, major, estou ciente de minha missão.

Seguiram-se alguns fragmentos de pensamentos, dando a entender que o major já havia se retirado do recinto, pára se ocupar com a partida iminente de seu aparelho.

Os acônidas não tinham, pois, nada contra que Metzat enviasse uma de suas naves para se convencer da existência da Terra e de suas intenções. Isto era de fato interessante, ao mesmo tempo lógico e compreensível. Os esforços de Metzat aumentariam, quando sentisse, pela comprovação dos fatos, a necessidade de sua cooperação.

Gucky localizou mentalmente a posição de Tanor e se teleportou. O major arcônida levou um grande susto, quando viu materializar-se diante dele o rato-castor. Sua mão correu para a cartucheira. Mas se lembrou de que deixara a arma no planalto. Gucky foi logo dizendo:

— Que pensa o imperador? Vai mandar mesmo uma nave de reconhecimento?

— Ele quer averiguar se os colonizadores estão falando a verdade.

Gucky sabia que Metzat não podia agir de outra maneira. Teria feito a mesma coisa há quinze mil anos atrás, se estivesse nas mesmas circunstâncias. Seria igualmente sem sentido dizer a verdade a Tanor. O melhor que podia fazer era sair dali o quanto antes. Mas como? E a muralha energética...

De repente, a venda como que lhe caiu dos olhos. E ali estava ele procurando uma saída, sem perceber que tal saída já estava pronta há mais tempo.

A nave de reconhecimento! Era este o caminho! Quando ela decolasse, tinha que romper a barreira de proteção. Certamente os acônidas a abririam pelo tempo necessário. Quem é que o notaria? Os arcônidas, que nem perceberiam estes poucos segundos? Ou os acônidas que viviam presos ao verdadeiro presente?

Gucky desistiu de continuar com seus pensamentos. Sabia que não havia resposta para todas estas perguntas.

Desapareceu antes que o boquiaberto major se tivesse recuperado do susto inicial e pudesse responder. Rematerializou-se bem no meio dos depósitos de gêneros sortidos, que estavam sendo embarcados nas unidades da frota, mais ou menos a cem quilômetros do transformador do tempo.

Com toda calma, começou a revirar o grande estoque de víveres até encontrar verduras enlatadas. Não comeu com muito apetite, pois preferia sempre coisas frescas. Descobriu depois umas garrafas bojudas. Bebeu um pouco, era uma espécie de vinho. Após consultar o relógio, ainda tomou mais um gole. Acabou “esvaziando” a garrafa...

 

Já há algumas horas, a Drusus estava parada no espaço, seguindo a rotação de Árcon III. Dirigia seus instrumentos para o local da superfície do planeta, onde fora construído o cérebro positrônico.

De Árcon I chegaram outras notícias nada alentadoras. Atlan informava a Rhodan que uma das colônias mais fiéis de Árcon aproveitara a ocasião para atacar e destruir os robôs indefesos.

— O império está ameaçado de um caos total, se não pudermos agir imediatamente — sentenciou o Imperador Gonozal VIII.

Rhodan tentou acalmar Atlan, dizendo-lhe que Gucky não demoraria a voltar de sua missão e esclarecer tudo. Então se saberia o que estava se passando em Árcon e por que razão o cérebro positrônico deixara de funcionar.

Mas Gucky estava demorando muito, e Rhodan não podia adivinhar que residia nesta longa espera a salvação de todos.

O General Deringhouse passara o comando ao Major Gorm Nordman e fora dormir. Rhodan continuava ainda na central de comando. Não estava cansado, apenas muito preocupado. A seu lado, encontrava-se o telepata John Marshall, que tentara infrutiferamente entrar em contato com Gucky.

— Nada, senhor! Absolutamente nada! — dizia Marshall, balançando a cabeça desesperado. — Nenhum impulso de pensamento sai de Árcon III. O envoltório de proteção não deixa nada passar. Nem podemos saber se Gucky realmente chegou lá.

Rhodan consultou o relógio.

— Vamos esperar ainda meia hora, depois faremos outra tentativa com o transmissor fictício. Desta vez mandaremos uma câmara automática de televisão para Árcon III. Temos que saber o que se passa por lá.

Nordman apontou de repente com o máximo de excitação para a tela panorâmica.

— Uma nave, sir, passou através do envoltório energético!

Percebia-se a pequena nave esférica que penetrava no espaço com velocidade relativamente pequena. Não restava dúvida de que se tratava de uma nave arcônida, do tipo comum, mas havia pequenos detalhes que provocavam qualquer confusão. O próprio Rhodan não sabia como explicar o pequeno rebordo central dos motores de propulsão. Achava-os pequenos demais. Mas não havia tempo para se pensar nisto agora.

— Identificação pelo rádio! — gritou ele para o radiotelegrafista de serviço. — Depressa, por favor!

Depois, se dirigindo a Nordman:

— Siga a nave e não a perca de vista. Parece que fugiu e deve ter rompido a barreira de proteção. Temos que saber como isto foi feito.

Nordman corrigiu a rota da Drusus, mas antes de ter iniciado a perseguição da nave estranha, que não reagia aos contatos pelo rádio, Gucky se rematerializou no posto de comando.

— Deixe-a ir embora! — disse ofegante. Pulou para o sofá para se encostar um pouco e descansar.

— Poupem este trabalho, é apenas um peixinho insignificante que não vale a pena ser pescado. Os grandes peixes estão ainda parados em Árcon III, por exemplo os acônidas e o Sereníssimo Imperador Metzat III, cujos planos ousados vão deixar vocês de boca aberta.

Rhodan virou-se para trás, ao ouvir a fala de Gucky. Quando compreendeu o sentido das palavras de Gucky ficou pensativo. Mas a verdade toda veio só depois.

— Como é que você conseguiu voltar?

— Com aquele barco que passou agora aqui — disse Gucky, apontando para a tela, onde a nave esférica ficava cada vez menor e logo depois não iria se distinguir das muitas estrelas. — Trouxe-me através da barreira de proteção, sem saber, naturalmente. Aliás, a barreira não chegou a ser interrompida ou perfurada nem por um segundo. Pode-se atravessá-la de dentro para fora. Da superfície do planeta não se nota nenhuma alteração. É uma coisa esquisita que não posso compreender.

— Vou lhe propor — disse Rhodan — que nos relate os fatos pela ordem. Do que você está falando? Que alteração está imaginando?

Olhando para o relógio de bordo, Gucky continuou:

— Vou resumir tudo, porque temos ainda quarenta e oito horas para salvar a Terra da destruição. Dois dias, Perry, e aparecerá no sistema solar uma poderosa frota de guerra dos arcônidas, frota que só existiu há quinze mil anos atrás, pois os acônidas conseguiram tirar este grupo de naves e suas tripulações do fundo das sepulturas. Aquela que acabaram de ver na tela deve ter sido destruída já há quinze milênios em batalha, e seu comandante deve ter morrido também nesta época. E agora, se prepara para destruir a Terra. Rhodan olhava aterrado.

— Não nos martirize assim, Gucky — interrompeu bruscamente. — Conte todos os detalhes...

Gucky percebeu que Rhodan falava sério. Depois de reunidas na central de comando as pessoas mais importantes da Drusus, narrou todos os acontecimentos.

 

Terminado o relato, houve um silêncio assustador.

O doutor Louis Renner, matemático-chefe da Drusus e grande conhecedor dos diversos ramos da ciência, balançou a cabeça.

— Parece tudo uma quimera, uma coisa impossível, embora eu não ponha em dúvida nenhuma palavra de Gucky. Apenas me pergunto como é possível que o transformador do tempo possa atuar de modo tão perfeito. Não consigo entender o seguinte: quando uma nave deixa Árcon III, deveria regredir ao passado e assim se tornar invisível a nós!

— Não sei realmente como eles fazem isto — disse Gucky, defendendo suas observações e conclusões daí derivadas. — Sei apenas que isto lhes é possível. Quem sabe o campo de ação do transformador temporal é ilimitado, após se ter concretizado a transformação? Mas será que não é melhor pensarmos em agir ao invés de discutirmos as teorias de um fenômeno inatingível pelo raciocínio lógico, apressado?

— Você acha que podemos interceptar e deter a frota, com o auxílio de Atlan? — perguntou Rhodan.

— Sem o cérebro positrônico? Nunca! Gucky falou e balançou a cabeça, ficando incrivelmente sério.

— Trata-se de cerca de trinta mil unidades. Como é que se pode detê-las?

— Enquanto o cérebro robotizado está fora de operação... — começou Rhodan, hesitante. — Enquanto ele não está operando, não podemos contar com nenhum auxílio de Árcon. Atlan tem primeiro que resolver seus problemas, para depois pensar em nós. Agora, vamos ser sinceros: não podemos fazer nada contra uma frota deste porte. Não temos nada para opor a um rolo compressor destas proporções.

Houve uma rápida pausa, interrompida pela pergunta feita a Gucky:

— Você não disse que eles iriam nos forçar a uma capitulação?

— Exato, subjugar a Terra ou destruí-la.

— Ótimo, isto nos dá mais um prazo — e dirigindo-se a Deringhouse, Rhodan continuou: — Mande fazer uma ligação por hiper-rádio para a Terra, para o Marechal Freyt e Reginald Bell. Imediatamente e com urgência.

O General Deringhouse foi ao posto de rádio.

— Temos que tomar todas as providências para proteger o sistema solar — prosseguiu Rhodan. — Ficamos aqui com a Drusus, a fim de controlar a partida da frota-fantasma. Talvez achemos até lá um meio de desligar ou neutralizar o transformador do tempo...

— E como? — atalhou Gucky. — Eu o vi, Perry. A nave dos acônidas está a quase dois quilômetros abaixo da superfície. É impossível atingi-la daqui com qualquer um de nossos aparelhos. Pelo menos enquanto o plano temporal continuar envolvendo todo o planeta, não deixando passar nada. Eu mesmo tive muito trabalho para atravessá-lo. E isto com o auxílio do transmissor fictício.

— Haveremos de achar um meio — disse Rhodan resoluto. — Teremos que achar um meio, pois, do contrário...

Deixou a frase em suspenso, mas cada um sabia muito bem concluí-la. A frota-fantasma ameaçava o presente. Era real e não uma visão. O único meio de torná-la inofensiva e fazê-la regredir ao passado era destruir ou fazer parar o transformador do tempo.

Veio mais depressa do que se esperava a ligação com Terrânia. Rhodan explicou a situação a Freyt e a Bell, dando algumas instruções. Aventou a possibilidade de, neste meio tempo, poder resolver o problema em sua origem, sem que houvesse assim um ataque direto à Terra. De qualquer modo, não deviam se arriscar. Assim que as estações de patrulhamento, circulando em torno do sistema solar, percebessem as primeiras transições, toda a população da Terra devia se dirigir aos abrigos atômicos. Estas medidas de segurança deviam prevalecer também para Marte, Vênus e Lua. Nenhuma resistência! Política de contemporização.

A conversa durou quase meia hora. Rhodan interrompeu a ligação, ciente de não ter feito ainda tudo para evitar uma catástrofe. Sentia a insuficiência de seu próprio poder e tinha a consciência da gravidade da situação. Mesmo seus amigos não o podiam mais ajudar num conjunto de circunstâncias que escapava aos seus domínios.

Resignação era um remédio que Rhodan não costumava usar. Será que o esforço de tantos anos de trabalho seria inútil? Tinham os arcônidas, falecidos há milênios, o direito de irromper no presente para destruir o futuro? E o presente estaria desarmado e despreparado para enfrentar um passado já superado?

Gucky achava-se cochilando no sofá. Devia estar mesmo esgotado. Seria uma falta de responsabilidade mandá-lo de novo para Árcon III. Rhodan quebrava a cabeça procurando uma solução, vendo o olhar perplexo dos seus auxiliares. Ao voltar para a central de comando, notou que todos esperavam por um pronunciamento, uma palavra de consolo, que lhes reavivasse a esperança de escapar da catástrofe. Seria mais feliz se achasse alguma coisa boa para dizer a todos que tinham os olhos ou os ouvidos à espera de...

— Quem sabe — disse John Marshall, interrompendo o silêncio — teremos uma resposta se consultarmos o passado? Não é possível que este tal Imperador Metzat tenha realmente vivido, sem fazer o que ele hoje se propõe.

Rhodan sentou-se.

— Receio, Marshall, que você não conheça as muitas variantes do paradoxo do tempo. Se os acônidas conseguiram desenvolver uma espécie de viagem no tempo, então estarão em condições de influenciar o presente por meio de alterações no passado. Não se trata propriamente de uma viagem temporal, no estrito sentido da palavra, mas de algo bem diferente. O transformador cria um campo, em cujo âmbito o tempo é recuado. O presente desaparece, deixando simplesmente de existir e o passado começa a viver e se torna estável, mesmo depois de ter deixado o campo. E aí está o espantoso e, para mim, também o incrível neste fenômeno. Só nos cabe fazer uma pergunta: se o transformador do tempo for desligado ou destruído, continuará atuante? E aqui, penso eu, temos um ponto de partida. Se o transformador for desligado, os espíritos do passado, que transitoriamente se encarnaram, terão de desaparecer, como se nunca tivessem existido.

— O senhor não pode provar isto — disse Marshall desanimado. — E mesmo que pudesse, não nos adiantaria nada.

— Adiantaria muito — replicou Rhodan. — Mas você tem razão, não posso mesmo provar. Porém sabemos muito bem de uma coisa: os acônidas estão mais evoluídos do que nós e os arcônidas. Possuem o domínio absoluto do tempo, e nada temos para enfrentá-los neste campo, pelo menos até o presente.

— Não poderíamos falar com o Imperador Metzat e procurar convencê-lo? — disse Deringhouse, intervindo na conversa, depois de acompanhar com atenção o diálogo. — Teria que compreender a falta de lógica de seu procedimento.

Pela primeira vez desenhou-se um leve sorriso nos lábios de Rhodan.

— Deringhouse, você não parece entender bem a situação — disse Rhodan com muita paciência. — Metzat nem sabe que está vivendo pela segunda vez. Para ele, o que agora acontece é o verdadeiro presente, é a vida real dele. Vai nos chamar de doidos, se tentarmos explicar-lhe que já se passaram quinze mil anos. E mesmo se conseguíssemos lhe expor a possibilidade da ligação paralela de dois planos temporais, haveria de dizer que o plano dele é o certo. Nós também agiríamos assim, se alguém chegasse e nos dissesse que vivemos num falso presente. Não, Deringhouse, infelizmente não é esta a solução.

— Qual é então a solução para o senhor?

Rhodan olhou para a tela panorâmica. Árcon III parecia um planeta envolto num manto de neblina impenetrável. A solução estava sob esta camada leitosa. Mas, como se podia penetrar nela? E de que maneira se iria desligar o transformador do tempo?

Abriu-se a porta da cabina de radiotelegrafia.

— Senhor, Atlan está chamando.

— Estou curioso... — disse, se levantando para sair. — O que o nosso amigo vai dizer, quando souber que tem concorrente ao trono imperial?

Viram que Rhodan estava um pouco abatido. Andava devagar, revelando uma tremenda preocupação.

Gucky não acordou, estava com sono pesado; John Marshall o pegou nos braços e o levou para sua cabina.

E o tempo passava.

 

A primeira transição, que ocorreu sem ser avisada, veio das proximidades de Plutão. Um cruzador de patrulhamento registrou a rematerialização de uma nave estranha. Já que não houve outras instruções, o Marechal Freyt manteve o alarma geral. Supôs com muito acerto que se tratava apenas de um aparelho de reconhecimento. Por prudência, porém, ordenou que alguns caças espaciais o seguissem discretamente.

Em Marte, tomaram-se todas as providências para se evitar vítimas. Os gigantescos abrigos atômicos estavam muito abaixo da superfície e resistiriam a qualquer ataque, mesmo que a superfície fosse devastada. Mas Freyt não acreditava que chegasse a tanto. Os fantasmas dos arcônidas vinham a fim de subjugar e não de destruir propriamente. Tinha-se que procurar retardar sua entrada em ação, para dar tempo a Rhodan e seus homens, e também a Atlan, de enfrentarem os acônidas.

O pequeno aparelho de reconhecimento foi de planeta em planeta. Quando havia possibilidade de ser percebido, voava cautelosamente. Cinco horas depois, entrou outra vez em transição. Haveria de comunicar a seu imperador que a notícia dada pelos colonizadores estava certa. Porém, a nova raça por eles descoberta era de índole pacífica e haveria de aceitar ordeiramente as ordens de um povo muito mais evoluído, como eram os arcônidas.

Uma mensagem por hiper-rádio foi enviada para a Drusus. Depois, começou o longo tempo de espera...

 

No dia seguinte chegou um radiograma de Rhodan. Seu conteúdo era uma ordem lacônica de se conseguir imediatamente uma informação no grande computador de Vênus. Tratava-se principalmente de dados históricos referentes a quinze mil anos atrás. Neste gigantesco cérebro de Vênus estava registrada toda a história de Árcon. Podia-se consultá-la a qualquer momento.

Bell se encarregou pessoalmente deste serviço, aproveitando a ocasião para dar uma saída até Vênus, pois a longa espera estava lhe corroendo os nervos, deixando-o quase maluco.

O número de viagens entre os planetas foi reduzido, devido aos motivos de segurança. Reinava uma tranqüilidade pouco espontânea entre os mundos habitados do sistema solar. Todos estavam esperando o inimigo: a frota-fantasma dos arcônidas!

Bell tinha uma leve idéia por que Rhodan queria investigar a história dos velhos arcônidas. Não podia haver paradoxo no tempo, portanto, o iminente ataque à Terra somente poderia se concretizar, caso realmente tivesse acontecido no passado, há quinze milênios. Ou seria cabível que Metzat pudesse realizar naquela época obra tão importante sem deixar rastros? Mas a Terra daquele tempo seria a mesma Terra de hoje? Ou seria bem diferente?

Bell deu de ombros e desistiu de pensar no assunto.

A nave terrana desceu, e ele se dirigiu diretamente para o computador, situado na montanha. Sua identidade lhe deu livre acesso. Sentou-se na central de ligações e lançou suas perguntas no pré-computador.

Teve que esperar uma hora para obter os dados. Nem se deu ao trabalho de estudá-los, mas voltou logo à nave, chegando minutos depois à Terra. Em Terrânia mandou fazer a ligação com Rhodan, para lhe transmitir os resultados.

Eram simultaneamente decepcionantes e... confortadores, devido a um pequeno detalhe!

 

Rhodan achou o pequeno detalhe bastante confortador, embora este lhe acarretasse mais alguns enigmas que não podia resolver na hora. Estava diante de uma situação tão excêntrica e grotesca, que quanto mais pensava, mais confuso ficava, chegando mesmo a descrer de sua sanidade mental.

Rhodan estava sentado à cabeceira da mesa, percorrendo as muitas folhas do manuscrito que o teletipo do hiper-rádio lhe transmitira. Era o relatório de Bell.

Rhodan sentia necessidade da opinião de seus comandados e, para isto, convocou uma reunião, na qual todos os oficiais da Drusus tomariam parte. Gucky, que acordara, havia comido quase a metade de sua ração; estava agora no colo de Betty Toufry, que carinhosamente lhe coçava o pelo. Sabia o que Rhodan ia anunciar, mas quebrava a cabeça sobre como iria acontecer o que estava para ocorrer.

— Eu os convoquei, meus senhores, com o intuito de tranqüilizá-los: a Terra não será atacada nem destruída. Podemos deduzir isto, através da história do Imperador Metzat III, que não poderia ter vivido duas vezes, o que seria uma insensatez! Vou tentar fazer um resumo de sua vida e de suas obras.

“Foi um dos arcônidas atuantes e de muita perseverança que construíram o grande império. Metzat III fez a façanha de subjugar ao poder de Árcon, nada menos de nove sistemas solares e destruiu dois deles. A Terra jamais esteve envolvida nestas conquistas. O império cresceu muito sob seu governo, mas não houve propriamente acontecimentos de maior relevo. Não quero enfastiá-los com pormenores, que realmente não passam de rotina. A história do Imperador Metzat não difere da de outros imperadores. Com exceção de um ponto.”

Olhou para os homens. Viu a curiosidade e a tensão nos seus olhos. Certamente teriam de início uma grande decepção e não iriam compreender logo de pronto o significado do evento. E mesmo que o compreendessem, ficariam surpresos e depois começariam a pensar, como ele.

— Durante o governo do Imperador Metzat III, Árcon foi atacado por uma raça estranha. Não com uma grande batalha ou com milhares de belonaves, mas por uma só nave, que avançou até o planeta da guerra, voando duas vezes em torno dele. Quando desapareceu, deixou atrás de si uma enorme cratera de duzentos metros de profundidade. No mesmo dia, a frota de Metzat voltou de uma operação, com a seguinte observação: nenhum acontecimento digno de menção.

Rhodan fitou o auditório:

— Isto, meus senhores, seria tudo. Metzat reinou mais cinqüenta anos, quando então morreu.

Viu a decepção estampada no rosto dos oficiais e dos elementos do Exército de Mutantes. No meio daquele ambiente um tanto fúnebre, havia um sorriso tranqüilo. Era o de Gucky, no colo de Betty. Seu dente roedor, que nos últimos tempos quase não se via, brilhava na penumbra da sala. O grande telepata John Marshall, que lia os pensamentos de Rhodan, compreendeu também o nexo das coisas, embora não as pudesse ainda explicar.

— O transformador do tempo está a dois mil metros de profundidade — continuou Rhodan. — A cratera de que fala o relatório também o está. E ela surgiu no mesmo local onde foi construído, mais tarde, o cérebro positrônico. E com isso, naturalmente, também no mesmo lugar onde está hoje o transformador do tempo. Estão percebendo alguma relação entre estes detalhes? Vamos destruir o transformador do tempo na hora oportuna. A única questão é a seguinte: Como vamos conseguir isto? E uma outra, mais abstrata, surge concomitante: Se não conseguirmos destruí-lo, o que acontecerá?

Todos olhavam fascinados para ele. A princípio estavam mais calmos porque havia uma quase certeza de que o transformador já estava destruído. Mas ao finalizar, Rhodan lançou um novo problema para o qual não havia solução.

— Mas senhor, isto é impossível — disse Deringhouse, conhecido por sua sobriedade. — Não podemos alterar o passado. A história de Metzat III é um fato indiscutível e reconhecido. Houve mesmo o ataque outrora e...

Rhodan concordou sorrindo.

— Sim, outrora! E o que acontecerá com o hoje e o amanhã? Você parece se esquecer de que, quando rompermos o envoltório energético ou o plano temporal dos acônidas, seremos atirados para trás por quinze mil anos também. Seremos aqueles estrangeiros que, nos tempos de Metzat, atacaram Árcon. A cratera é um fato histórico de que não se pode duvidar. Sua existência está confirmada pelo computador de Vênus e todos os dados foram ali armazenados há mais de dez mil anos. Portanto, com referência a este problema tão real: mais do que nunca, temos de aniquilar o transformador do tempo dos acônidas, para não nos criar situações paradoxais. Confesso, porém, que ainda não sei como...

Gucky deu sinal de si:

— Talvez possa saltar de novo?

— Você não vai saltar, não! De maneira alguma — disse Rhodan. — Quem lhe garante que você terá a mesma sorte que antes? Além disso, a história diz que uma nave penetrou no envoltório e circunvoou duas vezes Árcon III. Será que você é uma nave?

Gucky não respondeu nada. Encolheu-se de novo, não demonstrando maior interesse na discussão.

John Marshall levantou a mão para falar alguma coisa, mas foi interrompido. Por todos os cantos da gigantesca nave soou o alarma. Rhodan saltou de sua poltrona e, acompanhado de Deringhouse e de outros oficiais, deixou a sala. Na central de comando, viram Nordman diante da grande tela. Não se virou para trás, quando falou:

— As primeiras unidades da frota arcônida estão partindo e disparam a toda velocidade para o espaço. O robô de rastreamento já contou até o momento cinco mil unidades, das quais as primeiras já entraram em transição. Tudo se passa rapidamente.

— Deve ter antecipado a partida — disse Rhodan, descontraído. — Terá alguma importância isto?

Olhou para a grande tela, onde sempre novas levas de espaçonaves emergiam do véu leitoso do campo do tempo, penetrando no espaço, sem darem atenção à Drusus. Seus transmissores estavam mudos e deviam supor que tudo estava em ordem em Árcon I e II. Ninguém podia imaginar que, neste meio tempo, quinze mil anos se passaram. Naquele tempo não existiria um envoltório de proteção e, por isso, passavam ali sem dificuldades, pois, para eles, a muralha energética simplesmente não funcionava. O cérebro positrônico também não existia. Era tudo tão simples e... ao mesmo tempo, tão horrivelmente complicado!

— Manter a Drusus em estado de prontidão para se defender, major! Se alguma das naves-fantasma tentar agredir, temos que destruí-la. Acho, porém, que isto não vai acontecer, do contrário já o saberíamos. Querendo chamar-me, estou na cabina de rádio.

Mandou fazer a ligação com Árcon I e travou uma longa conversa com Atlan, a quem instruiu sobre os últimos acontecimentos. Apesar de o imperador arcônida estar assoberbado de preocupações com seus próprios problemas, prometeu vir o mais depressa possível. Rhodan lhe explicou com toda clareza as possíveis conseqüências de um paradoxo do tempo. Se isto acontecesse, a existência de Atlan estaria em jogo.

Quem sabe se nunca haveria um Atlan, porque ele jamais teria nascido?!

 

Antes que Atlan chegasse à Drusus, já haviam partido ao todo vinte mil espaçonaves. Seus traços fisionômicos, de ordinário tão serenos, refletiam tensão e nervosismo. Via-se o medo ancorado no fundo de seu coração e o temor quanto ao futuro.

Que aconteceu? Que estaria ainda para acontecer?

Enquanto Rhodan cumprimentava o amigo e o acompanhava para a cabina reservada, as primeiras naves de Metzat chegavam ao sistema solar.

 

Estavam sendo esperados.

A frota atacante isolou hermeticamente todo o sistema solar do resto do Universo e foi avançando lentamente. Seu esforço foi inútil, pois nenhuma nave terrana tentou deixar o sistema. É verdade que foi mantido o trânsito normal entre os planetas, mas nenhum dos comandantes se preocupou com a numerosa frota. Estavam agindo como se isto fosse coisa de rotina; a visita diária de frotas estrangeiras, que vinham conhecer o sistema solar e, principalmente a Terra.

O Marechal Gagolk, representante do imperador, avançou com sua nave capitania e circunvoou o terceiro planeta, identificado como pátria dos humanóides. Durante três horas tentou em vão entrar em contato com as inteligências que percorriam o espaço. Mas todos fizeram como se não o vissem nem ouvissem, ignorando sua presença. Mesmo quando ele aterrissou, ninguém se preocupou com isso. Parecia que ninguém o havia notado, como se fosse invisível.

Por alguns minutos ficou tão perplexo que não sabia o que fazer. A ordem era subjugar os humanóides e destruí-los sem piedade, se tentassem reagir. Mas... não havia nem sombra de reação. Por outro lado, as naves de patrulhamento no espaço e as frotas estacionadas nos imensos espaçoportos indicavam nitidamente que os terranos estavam em condições de uma reação fulminante. Por que não tomavam nenhuma iniciativa?

Gagolk começou a ficar nervoso. Correria um grande risco, caso desse ordem à sua frota para aterrissar. Também não poderia mandar abrir fogo. Isso infringiria as leis básicas do Universo. E ele sozinho não poderia sair da espaçonave para iniciar contato com os homens que o ignoravam.

Seu adversário invisível era Bell, que, por sua vez, não se sentia muito bem com aquela visita-monstro. Tinha de se basear na suposição de que Gagolk agiria estritamente dentro das instruções emanadas do imperador e não iniciaria nenhuma hostilidade. No fundo, tudo era questão de ganhar tempo. Ganhar tempo até que Rhodan descobrisse uma tábua de salvação.

E se isso não acontecesse? O que seria então?

Esta era a pergunta que Bell sempre fazia a si mesmo, sem achar uma resposta cabível. Estava sentado em Terrânia, protegido por uma cúpula energética que o resguardaria do primeiro ataque. Toda a população da Terra fora bem instruída. Iam normalmente para suas ocupações, mas todos estavam preparados para uma emergência. Ao primeiro sinal de um ataque inimigo, em menos de dez minutos todos desapareceriam nos abrigos subterrâneos.

Em caso de extrema necessidade, Bell teria que entabular negociações com os arcônidas, para ganhar horas preciosas, talvez mesmo dias.

Trinta mil espaçonaves circunvoavam o sistema solar, isolando-o do resto do Universo. Aproximavam-se cada vez mais da Terra, prendendo-a num cinturão de aço. As naves-patrulha do Império Solar continuavam indiferentes.

A tensão aumentava.

A qualquer momento a super gigantesca concentração de força podia, até por um engano, explodir...

 

Atlan olhava pensativo para Rhodan.

— Em geral os problemas mais complicados do mundo acabam sendo solucionados com os meios mais simples. Por que será que não há solução simples para este caso? Não há outra coisa a fazer, senão pôr fora de funcionamento o transformador do tempo, e paralisar uma frota de trinta mil naves ou fazê-la desaparecer. Quando anularam a existência do cérebro positrônico, os acônidas fizeram a mesma coisa. Ele deixou de existir e suas conseqüências também cessaram. Anulemos também o transformador do tempo e suas terríveis conseqüências desaparecerão.

— Sei de tudo isto — disse Rhodan desanimado. — Mas o problema é: Como podemos romper a grande barreira? Gucky já o conseguiu fazer uma vez, mas não tenho coragem de mandá-lo de novo. Ficou tão esgotado que, nas primeiras seis horas, não pôde fazer nada. Dois outros teleportadores não o conseguiram. Não, tem que haver uma outra possibilidade melhor. Uma espaçonave! Na história de Árcon foi uma espaçonave que lançou uma bomba sobre Árcon III.

— Portanto, tem que ser também uma espaçonave — acudiu Atlan, mudando de repente de fisionomia e olhando firme para Rhodan, para ver se este estava ouvindo. — Uma espaçonave! Diga-me uma coisa, Perry, você tem mesmo uma memória tão fraca? Ou está fazendo de conta que esqueceu tudo?

Rhodan ficou realmente admirado com a pergunta do amigo.

— Não o estou entendendo.

Atlan começou a sorrir.

— Você descobriu os acônidas no Sistema Azul, ou não descobriu? Este Sistema Azul não está também envolto numa camada protetora? Esta camada não possui características singulares? Não haveria a possibilidade de total identidade entre o envoltório de proteção de Árcon III e o do Sistema Azul?

Rhodan meneou a cabeça, lentamente.

— Seria possível, mas eu não creio que o Sistema Azul inclua por si só um plano temporal. Com que finalidade? Não, suponho que, em torno de Árcon III, haja dois campos. Um campo energético de proteção, do tipo daquele que envolve o Sistema Azul, e o campo do tempo, que é o único transparente e que pode ser penetrado. O nosso problema é, pois, o envoltório energético. Este é que temos de romper.

— E exatamente isto é que você já fez uma vez!

Rhodan olhou perplexo para Atlan.

— É claro, já havia feito isto uma vez. Mas, não foi um mero acaso? O choque de encontro ao sol, seu núcleo em estado gasoso, a polaridade do Sistema Azul... A propulsão linear...!

Era nisto que estava pensando Atlan. De repente, compreendeu ao que se referia seu amigo e se julgou um idiota por não ter pensado nisto antes.

A propulsão linear! Foi por meio dela que conseguiram ultrapassar a barreira do Sistema Azul, naquela vez. Teve que neutralizar o envoltório para poder atravessá-lo.

No mesmo instante houve outro estalo na cabeça de Rhodan! Compreendeu a razão pela qual os acônidas viam nos homens seus inimigos em potencial: Os terranos conseguiram penetrar no seu sistema tão cuidadosamente isolado. Ninguém antes havia feito isto! Uma dedução clara, fria e lógica.

— Acho que aí está a solução — disse Rhodan. — Uma nave com propulsão linear pode penetrar e aterrissar em Árcon III, ou, ao menos, romper sua barreira para atirar suas bombas.

Atlan concordou.

— Temos que nos manter dentro do quadro dos acontecimentos históricos — ponderou o arcônida. — Atirou-se apenas uma bomba que abriu uma cratera de dois mil metros de profundidade, sem provocar reação em cadeia. Portanto, nada de bomba arcônida. Uma bomba atômica comum. E antes de lançá-la, a nave deve dar duas voltas em torno do planeta.

— Por que isto?

— Também não sei, mas você vai ver que o comandante da nave vai executar sua missão exatamente desta maneira. Quem será este comandante?

Rhodan respirou aliviado, sabendo que não estava planejando algo impossível. Sobre o modo como agir, já pensara bastante, o necessário agora era agir o mais rápido possível.

— Venha comigo — disse ele a Atlan. — Quero conversar um pouco com a Terra.

A ligação foi quase instantânea e Bell recebeu instruções bem claras.

Começara a “Operação História Contemporânea”.

 

A princípio, nem o Major Heinrich Bellefjord nem seu primeiro-oficial, Capitão Raldini, sabiam nada a respeito do novo artefato. Teriam de fato muito trabalho para se familiarizarem sozinhos com o funcionamento da propulsão linear. Mas, graças à reciclagem arcônida, feita à base de hipnose, aprenderam num só dia a dominar totalmente sua nova espaçonave: o cruzador pesado Ralph Torsten.

A imponente esfera de duzentos metros de diâmetro estava pousada, com seus apoios telescópicos, no solo rochoso da Lua. Esperava por sua primeira missão. O novo tipo de propulsão fora instalado há pouco e duramente experimentado por técnicos especializados. Ninguém sabia para onde seria o primeiro vôo.

Entrementes, deu-se a chegada dos arcônidas e o comandante da base lunar determinou estado de prontidão geral. Todas as tripulações que estavam na Lua tinham que se recolher a bordo de suas naves. O mesmo aconteceu com Bellefjord e sua gente. Mas nenhum deles pensaria em decolar nesta situação. Tanto maior foi a surpresa, quando o comandante da base chegou com seu jipe e se dirigiu diretamente para Bellefjord no posto de comando.

— Major, o senhor está preparado para partir?

— Sim, mas eu penso que...

— Nova ordem de Terrânia. Rhodan pede o apoio de uma nave linear. Sinto muito, mas no momento o senhor é o único que tem uma tripulação treinada para o novo tipo de propulsão. Todas as outras naves de propulsão linear se encontram em torno do sistema solar e, no momento, não podem ser deslocadas. Aqui estão as ordens: Daqui a trinta minutos o senhor decola, e toma a rota direta para Árcon. Apresente-se diretamente a Rhodan, que o está esperando. Lá, o senhor terá mais informações. Alguma pergunta?

Bellefjord estava meio sem jeito.

— E a frota que está sitiando o sistema solar?

— As naves dos arcônidas não conhecem a tração linear, ainda usam a transição. Está, pois, excluído o perigo de uma perseguição. Logo depois da decolagem, o senhor atinge a maior aceleração e ultrapassa, a seguir, a velocidade da luz. Torna-se, portanto, invisível e ninguém o conseguirá localizar. Tente alcançar Árcon em poucas horas. Está tudo claro?

— Tudo claro, pelo menos no meu entender.

O comandante lhe apertou a mão, desejando-lhe boa viagem. Voltou ao jipe e foi-se.

Trinta minutos depois, o cruzador Ralph Torsten decolou e disparou no espaço com uma aceleração nunca vista. Rompeu o cerco das naves arcônidas e desapareceu entre as milhares de estrelas.

 

— O que diz Bell? — perguntou Atlan, duas horas após sua conversa decisiva com Rhodan.

Estavam de novo no posto de comando da Drusus e acabavam de receber radiogramas cifrados de Bell. Rhodan apanhou a folha de papel com o texto já decifrado e leu em voz alta:

— Ainda nenhum contato com os arcônidas. Estamos na expectativa. A nave do comandante arcônida aterrissou, mas não aconteceu nada. Neste instante, o cruzador Ralph Torsten, sob o comando do Major Bellefjord, levantou vôo, vencendo facilmente o bloqueio arcônida. População mantém a calma. Mas por quanto tempo ainda? Bell.

— Nada mal — comentou John Marshall, espichando bem as sílabas. — Quero saber quem é que vai ser o primeiro a perder a calma.

Rhodan pareceu não ouvir a observação de Marshall. Olhou para Atlan:

— Quando Bellefjord chegar, irei logo para o cruzador pesado. Eu mesmo vou dirigi-lo — fez uma pausa. — Veio-me agora um pensamento. Acabei de ler de novo o relatório do grande computador de Vênus, que recebemos há algumas horas. Exatamente na descrição da cratera de dois quilômetros de profundidade, reparei numa coisa. Sua conformação nos faz pensar em cratera de origem vulcânica: escarpas íngremes, centro reduzido, fora de outras características. Esta cratera não foi provocada por uma bomba, lançada de cima.

Atento, Atlan ouvia Rhodan. As demais pessoas presentes no posto de comando não podiam dizer nada sobre a observação de Rhodan. E ele continuou:

— Isto me leva a supor que os estranhos, isto há quinze mil anos atrás, colocaram a bomba lá no fundo, isto é, ao lado ou mesmo dentro do transformador do tempo. Com outras palavras: vou ter que levar Gucky comigo. Ele conhece muito bem o lugar onde está a nave acônida.

— Ele já está a par de seus planos?

Rhodan sorriu.

— Neste momento já sabe de tudo, se não me engano, não vai demorar a aparecer.

Rhodan não se enganou. Gucky se materializou ao seu lado e disse, censurando:

— Devo confessar que você tentou esconder seu pensamento. Se eu não tivesse, por mero acaso, acompanhado a conversa...

— Por mero acaso, hein? — disse Rhodan, dando umas palmadinhas nas costas de Gucky. — Mas então, você vai conosco? Não tem nada contra? E uma missão perigosa. Não vai ser muito fácil deixar o cruzador Torsten parado no mesmo lugar, enquanto você coloca a bomba e liga o detonador. Terá, então, que pular de volta para o cruzador.

Gucky sorriu e, desta vez, por mais tempo.

— E assim estaria resolvido o último enigma — chilreou ele, feliz e triunfante. — Agora sabemos também por que a nave tem que circunvoar duas vezes Árcon III, antes de ir embora. Tem de ficar girando, pois, do contrário, haverão de alvejá-la. É simples, não é?

— Tudo que a gente sabe é muito simples — respondeu Rhodan. — Desta maneira, a própria História já determinou o plano. Esperamos que não haja mais alterações. Mas como seria, se tudo já tivesse acontecido?

— Eu não teria tanta certeza assim — interveio Renner. — Que sabemos nós a respeito do tempo? Do seu decurso e da influência que temos sobre ele? Um único erro, sir, e nós todos deixamos de existir. Aposto qualquer coisa como isto que digo é certo.

— Devo acreditar em você. Não quero nem apostar — disse Rhodan, com toda seriedade.

— É isso mesmo, acho eu — continuou Renner, que era um grande matemático e se preocupava muito com tal tipo de estudo. — Existem muitos planos de tempo. Nós conhecemos, naturalmente, só aquele em que vivemos. As fronteiras dos diversos planos são bem distintas, sendo impossível um equívoco, ou quase impossível. Com exceção das viagens no tempo, que até agora só eram possíveis teoricamente, poder-se-ia considerar como transgressão das fronteiras do tempo o sonho e também um certo tipo da loucura. No entanto, todas estas coisas só se realizam inconscientemente. Já que são de natureza apenas espiritual, não têm nenhuma influência no desenrolar do nosso plano ou no dos outros.

“Porém, a viagem no tempo, que leva ao passado, é corpórea, é material. Esta tem influência. Pode fazer com que um dos planos deixe de existir. Os respectivos seres vivos não o notariam, pois realmente nunca nasceram. Por certo os acônidas já chegaram ao pensamento de fazer desaparecer nosso plano de existência. Mas esta tentativa deve ter sido muito arriscada para eles. Por isto, apenas esta experiência, que não provoca nenhuma alteração no passado, mas que só influencia de leve o presente, foi considerada não perigosa.”

Rhodan ouvira tudo com atenção. Mas ninguém podia notar se concordava totalmente com a opinião do matemático. Perguntou então:

— O que nós planejamos é também uma alteração do passado? Qual é sua opinião?

— É uma alteração meramente aparente, sir, pois só realizamos uma coisa que já aconteceu. Se o relatório do computador estivesse completo, haveria de dizer que, há quinze mil anos, viajantes do tempo atacaram Árcon, e não simples estrangeiros. Está compreendendo, senhor, que nós não criamos nenhum paradoxo. Só o criaríamos se deixássemos de destruir o transformador do tempo.

— Relacionado com isto, surge uma outra questão, que o senhor talvez não possa resolver — disse Rhodan, com um sorriso nos lábios. — O transformador do tempo mergulhou Árcon no passado, certo, não é? Metzat, que reinou há quinze milênios atrás, é novamente imperador. Seus contemporâneos estão vivos. Minha pergunta ao senhor é: Onde ficaram os arcônidas que vivem agora, isto é, no nosso tempo? Não podem simplesmente ter se dissolvido no ar?

Renner estava também sorrindo, quando respondeu imediatamente:

— O senhor se esquece de que Árcon III existe de fato num outro plano temporal. Se o senhor quiser encontrar os arcônidas que conheceu, tem que esperar também quinze mil anos. Hoje, eles ainda não existem. Somente no momento em que o senhor destruir o transformador do tempo é que eles estarão aqui e... não terão perdido um minuto de vida.

— Isto está difícil demais para mim — disse Gucky, voltando para o sofá, onde se deitou em sua posição predileta. — Quando terminarem com este lero-lero, podem me acordar. Sou mais pela prática do que pela teoria. Boa noite.

Encolheu-se e fechou os olhos. Rhodan piscou o olho para Renner e disse:

— É isso, doutor! Nem todo mundo está interessado em suas especulações, que certamente são mais filosóficas do que científicas. Acho, porém, que agora temos que cuidar dos preparativos, pois, após a chegada do cruzador Torsten, não teremos mais tempo — fez um sinal para Deringhouse. — Mande entrar Markowsky, general. Tenho que falar com ele.

 

Duas horas depois, despertaram Gucky. Espreguiçando-se, o rato-castor deixou o sofá e olhou para Rhodan.

— Já está na hora?

— Quase, meu amigo. Venha, pois quero mostrar uma coisa muito importante.

No depósito de armas da Drusus, trancadas a sete chaves, estavam as bombas mortíferas. Havia muitos tipos delas, mas Markowsky as deixou de lado. Entretanto, numa gaveta especial estavam cinco caixas retangulares, com uns vinte centímetros de comprimento por dez de largura. Assemelhavam-se a caixas de charuto, confeccionadas em metal reluzente. Tinham, na parte de cima, apenas um aro embutido, com alguns números gravados.

Markowsky apanhou com cuidado uma daquelas caixas e fechou a gaveta. Depois, inclinou-se para frente, olhou para Gucky e disse:

— Isto é uma bomba solar reduzida, Gucky. Terá exatamente a potência que nós desejamos e um raio de destruição limitado. Não apresenta radiações nocivas e sua manipulação é simplíssima. Está vendo aqui o aro? Caso o regulemos para um minuto, isto quer dizer que você tem exatamente um minuto para se pôr a salvo. Um prazo maior poderia prejudicar nosso plano. Assim que você colocar a bomba no local certo, basta apenas comprimir este aro. Entendeu?

— Claro! — respondeu chateado e apanhou a caixa. — O aro é difícil de ser movimentado?

E indagando isto, experimentou um pouco. Markowsky empalideceu.

— Não tenha medo, não tenho vocação para suicida...! — brincou o rato-castor.

— Cuidado, hein? Aperte uma vez só e bem firme, que ela explodirá.

Gucky segurou o perigoso objeto sob o braço direito e foi com seu andar rebolante pelo corredor a fora. O capitão, chefe do arsenal de munições, olhou para Rhodan meio confuso.

— O senhor acha que ele...?

— Não se preocupe — tranqüilizou-o Rhodan, com um sorriso. — Gucky ama sua vida, como o senhor e eu. Não conheço ninguém que manipule bombas com mais cuidado do que ele.

Dez minutos depois, veio o comunicado da central de rádio: O cruzador Ralph Torsten se aproximava do ponto combinado.

 

A Drusus se manteve parada, enquanto o cruzador Ralph Torsten, depois de receber Rhodan e Gucky, tomou o rumo dos planetas externos.

— Como foi o vôo até aqui, major? O que acha do novo tipo de propulsão? — perguntou Rhodan.

Gucky estava sentado numa poltrona, lamentando não haver no posto de comando nenhum sofá. Ao lado de sua barriga peluda achava-se a caixa com a bomba.

Bellefjord que, até então, só vira Rhodan rapidamente uma vez, não se portou de modo tímido.

— Maravilhoso — disse com sincero entusiasmo. — Algo diferente e mais eficiente que saltar através do hiperespaço. A gente pode ficar observando como as estrelas desfilam para nós. Nunca pensei, em minha vida, que a Cosmonáutica se tornaria tão grandiosa!

— Concordo com o senhor, major. Minha primeira sensação foi idêntica à sua. Tive a impressão de que alguém me libertou das vendas nos olhos — fitou a tela. — Continue voando nesta direção por mais cinco minutos. Depois, viramos para Árcon III, com plena aceleração. Vamos perfurar a barreira energética e, a seguir iremos diminuindo a velocidade até a superfície do planeta. Daremos uma volta em torno do planeta e todo o resto fica a cargo do nosso amigo aqui — apontou para Gucky, que mostrava visível o dente roedor. — Ele vai se teleportar e nós o apanhamos dez minutos depois. Mande calcular a velocidade do vôo e a altura correspondente. Temos que agir com exatidão.

Dali a cinco minutos, graças aos computadores, estavam prontos os dados solicitados por Rhodan. Gucky recebeu as últimas instruções, após o que o cruzador Ralph Torsten fez uma grande curva e disparou numa aceleração incrível na direção de Árcon III.

Trinta segundos depois, mergulhava naquela barreira opaca, sem encontrar nenhum empecilho. Quase simultaneamente, começou a redução de velocidade, com tanta potência que os campos antigravitacionais consumiam grande parte da energia. Os continentes desfilavam rápidos na tela.

Rhodan contemplava a paisagem que passava cada vez mais lentamente. Gucky estava a seu lado. Apontou para o espaçoporto, quase vazio, e para o planalto.

— Lá deve estar ela. Daqui a três minutos estarei aqui.

Com a bomba bem protegida debaixo do braço, Gucky se teleportou para a superfície do planeta.

Rhodan fez um sinal para Bellefjord. O major voltou a acelerar. O cruzador iniciou seu giro em torno do planeta. Dali a três minutos, Gucky teria de estar a bordo...

Sentado calmamente diante dos instrumentos, Bellefjord conduzia a nave com muito sangue-frio. Sabia o que estava em jogo, embora não o compreendesse. A seu lado continuava Rhodan. Suas mãos apertavam nervosamente o espaldar da poltrona e seu rosto achava-se estranhamente pálido.

Três minutos! Como podiam ser tão longos três minutos!

 

Para Gucky, o tempo passava demasiadamente rápido.

Rematerializou-se à beira do espaçoporto e viu quando dois pequenos jatos decolaram em perseguição à nave estranha. Mas já era tarde demais. Algumas baterias energéticas de controle automático apontaram seus canos para o céu. Também tarde demais.

Gucky consultou o relógio. Eram decorridos trinta segundos. Restavam-lhe, portanto, ainda cento e cinqüenta, para não perder o encontro marcado com o cruzador. Saltou mais uma vez e se materializou a menos de cem metros da nave acônida. Se deixasse a bomba ali, já seria suficiente. Mas não valia a pena pôr em risco uma operação tão importante. Tinha que aproveitar o tempo.

Cento e vinte segundos. Mentalizou o alvo, concentrou-se... e pulou.

A dor aguda quase o deixou inconsciente. Mas, ao mesmo tempo, o arrancou de um torpor, surgido quando do salto. Sentiu que estava rolando sobre algo abobadado. Depois, viu-se em chão firme. Achava-se, agora, ao lado dos dois guardas e à frente do envoltório de proteção do transformador do tempo. Não o conseguira romper. O que aconteceria agora?

Às costas dos guardas, a cintilação encontrava-se interrompida. Devia ser a entrada para a nave acônida. E se ele pulasse...?

E pulou. Saltou na hora exata, pois um dos guardas acônidas virou-se e percebeu o intruso. Levantou a arma e atirou, mas com um atraso de um segundo.

A figura estranha desaparecera, tornando-se invisível!

Os guardas tocaram o alarma. Naquele instante, Gucky se materializava dentro da nave acônida. Seu primeiro cuidado foi olhar o relógio.

“Quarenta segundos!”, pensou. “Perdi muito tempo.”

Sem fitar o possante gerador e as máquinas em volta, e com um sentimento quase de pesar por ter que destruir esta maravilha da técnica, colocou a bomba num bloco metálico e apertou com força o aro de detonação.

Mais trinta segundos até que Rhodan viesse com o cruzador pesado e depois mais trinta para a bomba explodir. Certamente tudo daria certo.

Uma pequena teleportação o levou para junto da barreira energética. Antes que os sentinelas tivessem tempo de levantar as armas, Gucky saltou pela abertura, materializando-se a duzentos metros dali.

Mais dez segundos!

O segundo pulo o transportou para a superfície do planeta. As baterias estavam prontas para entrarem em ação. Seus canhões giravam em todas as direções. Mas do cruzador Ralph Torsten não havia ainda sinal, e Gucky precisava vê-lo para fazer seu salto.

Agora! Surgiu no horizonte um ponto negro, pois o sol estava atrás do cruzador. Assim que os primeiros disparos estrugiram na atmosfera do planeta, Gucky teleportou-se.

Quando se materializou ao lado de Rhodan, na central de comando, ainda conseguiu dizer:

— Daqui a vinte segundos, o negócio vai pelos ares.

E no mesmo instante, desmaiou. Agora é que sentia as conseqüências dos inúmeros saltos de teleportação. Rhodan fez um sinal para Bellefjord, que imediatamente deu ao cruzador maior aceleração. Rhodan se curvou, pegou Gucky nos braços e o levou para sua cabina.

O cruzador Ralph Torsten disparou para a estratosfera, atravessou o envoltório de proteção e o plano do tempo, que ainda estavam ligados, e foi aproximando-se da Drusus.

Passados os vinte segundos, lá embaixo, na superfície de Árcon III, se rasgou um abismo e irromperam milhares de toneladas de rocha gaseificada.

No mesmo instante, desapareceu a barreira energética e, com ela, todos os fenômenos concomitantes.

 

O Marechal Gagolk, para achar um pretexto, começou a provocar os terranos. Um carro blindado foi desembarcado, através do elevador antigravitacional. No seu interior estavam sentados dois artilheiros, atrás dos pesados canhões energéticos, prontos para disparar. O blindado estava em contato, via rádio, com a nave capitania. Bastaria, então, o toque de um simples botão para ser iniciado o ataque contra a Terra.

Gagolk tramava seus planos, enquanto o pesado tanque rolava pela pista do espaçoporto. Contemplava abismado os arranha-céus de Terrânia.

“Como é possível”, refletia o arcônida, “que esta raça tão civilizada nos tenha passado despercebida? São donos de uma navegação espacial evoluída e de alta tecnologia, e certamente têm relações com povos de outros mundos, do contrário reagiriam belicamente durante a nossa chegada!”

Por mais que pensasse no enigma, não achava solução plausível.

Alguns pedestres ignoraram simplesmente a presença do carro blindado. Seu procedimento era como se aquilo pertencesse ao quadro diário de Terrânia. Mas os soldados que patrulhavam em torno do espaçoporto não poderiam ignorá-lo, sem causar grave suspeita.

Um oficial da guarda saiu de seu posto e levantou o braço.

Gagolk parou a viatura e, fazendo um sinal para seus dois artilheiros, abriu a escotilha lateral e saiu. Já com a mão na coronha da enorme arma de raios energéticos, dirigiu-se ao terrano. Era claro que o oficial, apesar de todas as instruções recebidas, não se sentia muito à vontade. Seu consolo era saber que seu radiotelegrafísta já fizera um relatório ao quartel-general. A qualquer momento podia chegar um reforço.

— Por que razão você quer barrar minha passagem? — perguntou Gagolk, e o jovem oficial o entendeu bem, embora o arcônida falado pelo intruso tivesse um sotaque carregado. — Quem governa este planeta e suas colônias?

— Se o senhor tiver um pouco de paciência vai falar diretamente com seu substituto — disse o guarda.

Se pudesse agir como queria, haveria de dar uma boa lição neste arrogante.

— Tenho que lhe pedir para esperar aqui.

— Por quê?

— Porque é proibido entrar em Terrânia.

Um raio de esperança passou pela cabeça de Gagolk. Se conseguisse provocar os humanóides a abrir fogo primeiro, teria o pretexto que procurava para atacar o planeta. Assim ficaria livre de todas as complicações legais, pois, por sua livre e espontânea vontade, dificilmente esta raça civilizada iria se submeter às ordens de Árcon.

— E quem é que vai me impedir de entrar? — disse com arrogância.

O tenente começou a suar frio.

— E meu dever fazer isto, queira ou não queira.

— Você será então imediatamente abatido e morrerá.

— Tenho que aceitar isto e estou preparado para enfrentar qualquer risco, desde o dia em que vesti este uniforme.

De repente Gagolk viu que, a alguma distância, diversos alçapões se abriam no solo do espaçoporto, surgindo canos espiralados que apontavam para ele e para seu carro blindado. Somente isto bastaria para declarar a guerra. Mas Gagolk queria agir com toda prudência, a fim de mais tarde não ter que enfrentar as recriminações do Imperador Metzat III. Não houvera ainda um só disparo contra o império.

— Você está vendo isto aqui no meu braço esquerdo? Isto é um transmissor. Por ele, estou em contato com os comandantes de trinta mil naves. Cada um deles pode ouvir o que estou falando agora com você. Uma palavra minha... e trinta mil belonaves se precipitarão contra seu planeta-pátrio. Acho melhor o senhor medir bem suas palavras, que podem ser decisivas para o destino de seu mundo.

O tenente preferiu calar. Mais ao longe, sobre os edifícios baixos da administração da alfândega, surgiu no ar um ponto escuro, que se aproximava rapidamente. Era um flutuador, uma viatura leve à base de colchão de ar, bastante usada nas pequenas ligações urbanas, muito comum em Terrânia.

Gagolk o acompanhou com o olhar preocupado.

— É o homem de quem você falou?

— Acho que deve ser ele, talvez acompanhado.

O flutuador aterrissou, a porta da cabina se abriu e Bell saiu.

— Não é nosso costume recebermos visitantes de outros mundos à beira de um espaçoporto — disse no mais puro arcônida, sem o menor sotaque — mas no seu caso faço uma exceção.

Só então foi que passou pela cabeça de Gagolk que todos ali falavam o arcônida. E este mundo pela primeira vez entrava em contato com o Grande Império Arcônida...! Como era possível isto?

— O senhor fala minha língua? — disse admirado, tornando-se automaticamente mais cortês do que havia sido com o tenente. — Isto vai simplificar minha missão. O Imperador Metzat III manda-me a este mundo para anexá-lo ao nosso grande império. A exigência do imperador está apoiada numa frota de guerra de trinta mil unidades, no momento à espera...

— Pois não! À espera de quê? — perguntou Bell.

O substituto de Rhodan sabia que não iria conseguir muita coisa contra a arrogância do arcônida, mas sabia também que, a esta altura, Rhodan já partira com o cruzador Torsten, a fim de destruir o transformador do tempo. Tinha que usar manobras de protelação por mais uns dez, talvez vinte minutos.

— Pretende o imperador aniquilar preciosos mundos coloniais? — sujeitou-se Bell.

Gagolk sorriu cepticamente.

— Os senhores concordam?! Excelente! Aliás, este oficial me disse que o senhor é o representante do homem que manda aqui. O senhor está autorizado a tomar atitudes por ele? Onde é que se encontra seu superior?

O gorducho perdeu um pouco de sua paciência.

— O senhor quer dialogar ou quer iniciar uma guerra? Se for este o caso, também posso mobilizar imediatamente milhares de moderníssimas belonaves. Não estamos tão desprotegidos como imagina.

— O senhor se nega, pois, a reconhecer o imperador de Árcon como seu legítimo soberano? — perguntou Gagolk, com firmeza.

As bocas-de-fogo do carro blindado se abaixaram, apontando para a direção do pequeno grupo. Bell viu tudo e percebeu a gravidade do momento. Pegou no braço de Gagolk e o conduziu até a entrada dos abrigos subterrâneos. O tenente o seguiu, empurrando Gagolk para o interior do estreito corredor que levava aos grandes abrigos atômicos.

Na mesma hora as portas do inferno se escancararam sobre eles!

Mas os serviços de proteção da artilharia do abrigo reagiram prontamente. Estavam observando, através da tela do flutuador de Bell, todos os movimentos do carro blindado, e agiram na hora certa. Num sol atômico amarelado, dissolveu-se o carro blindado de Gagolk.

A catástrofe era irreversível.

A nave capitania dos arcônidas ergueu-se do solo e disparou para o espaço, onde desapareceu poucos segundos após!

Nos confins do sistema solar, as naves de Metzat III se alinhavam para o ataque, avançavam rápidas contra os cruzadores de patrulhamento terranos, abrindo intenso fogo. Os envoltórios de proteção não suportaram um ataque tão cerrado e a frota terrana de patrulhamento bateu em retirada.

A Terra estava indefesa perante o poderio inimigo, cuja superioridade era berrante, tolhendo na raiz qualquer possibilidade de resistir.

Os arcônidas não se preocuparam com as naves que fugiam. Gagolk estava morto ou pelo menos desaparecido. A tentativa de colonizar os humanóides tinha que ser considerada como fracasso. O rolo compressor da destruição começaria, então, a funcionar. Os primeiros torpedos atômicos já partiam a milhares de quilômetros por hora em direção à Terra, cuja população ainda aguardava o alarma.

Atrás dos torpedos vinham as naves para completar a obra da destruição.

Ainda arrastando Gagolk, Bell caminhou até a parte central do abrigo. Um oficial virou-se e o reconheceu.

— Você pode fazer uma ligação para a central? Pergunte se...

Bell não terminou a frase. Alguém gritava nervoso no alto-falante:

— Alarma! A Terra está sendo atacada! Nossas naves conseguiram escapar da destruição e se reúnem agora no setor de Marte para se reorganizarem para a defesa. A frota inimiga dirige-se à Terra. Alarma atômico!

Bell estava branco como um defunto. Com os braços estirados e com um ódio terrível estampado no rosto, virou-se repentinamente para Gagolk. Sem dizer uma palavra, avançou contra o arcônida, como se pudesse evitar a destruição iminente, enforcando ou esgoelando o comandante do ataque.

Mas as mãos do gorducho atingiram o vazio!

O arcônida desaparecera. Não como um teleportador, que ao saltar deixa no ar uma leve cintilação. Num milésimo de segundo ainda estava ali. No outro já havia desaparecido.

Quando suas mãos não encontraram o pescoço do arcônida, Bell quase caiu. Deu uns passos para frente e se apoiou num armário.

Ainda pálido, virou-se e indagou aos dois oficiais:

— O que houve? O que foi isto? Ele não pode ter...

No alto-falante estava a voz do Marechal Freyt:

— Senhor Bell! Apresente-se! Onde está o senhor?

Bell fez um sinal para o tenente que se achava no aparelho. A ligação foi feita na mesma hora.

— Que houve?

— Preste atenção, Bell! A frota inimiga...

— Eu sei. Ela está atacando. Fiz tudo que me foi possível...

— Mas...

— Consegui pegar o comandante, mas quando queria esgoelá-lo, o desgraçado simplesmente desapareceu. Eu...

— Se o senhor agora não quiser ouvir, a culpa é toda sua! — exclamou Freyt, furioso. — Preste atenção no que tenho a relatar-lhe. A frota inimiga também desapareceu. Assim que dei o alarma, acabou tudo. Os torpedos, atirados um pouco antes, já estavam penetrando a atmosfera terrestre, quando sumiram de repente. No mesmo segundo desapareceram também as trinta mil naves e... seu comandante. O fantasma sumiu!

Sem dizer nada, Bell ouviu e acabou sentando na cadeira mais próxima. Seu rosto cadavérico recobrou a cor, voltando ao vermelho forte. Mas a causa desta mudança foi o alívio e a alegria. A tão esperada ação de Rhodan dera resultado. A frota-fantasma voltara ao passado. A diabólica iniciativa dos acônidas — destruir a Terra, usando os mortos — felizmente fracassara.

Bell estava agora ciente do acontecido, mas envergonhado de não haver compreendido no primeiro instante.

A raça humana teria apenas poucos minutos de vida, embora só poucos soubessem disso. É verdade que todas as providências foram tomadas, porém seriam infrutíferas. Esquecera-se de contar com a mentalidade dos velhos arcônidas e este esquecimento quase acarretou o extermínio da Humanidade. Bell e Freyt julgavam a situação do seu ponto de vista. Se Rhodan — apenas um exemplo — tivesse sido preso no momento em que servia de mediador, ninguém partiria para o ataque, mas entrar-se-ia em conversação para libertá-lo.

— Graças a Deus! — respirava aliviado o gorducho, olhando para o local onde estivera Gagolk. — Graças a Deus que Rhodan conseguiu destruir o transformador do tempo.

— Na hora H — concordou o Marechal Freyt, e sua voz soava despreocupada. — Mas nossas naves não fizeram boa figura, pois fugiram todas. E eu não as censuro.

— Não falemos mais nisso — propôs Bell. — Não sei o que teria feito. Talvez fugisse também, como se o diabo corresse atrás de mim.

— E ninguém iria censurar o comandante por causa disso — tranqüilizou-o Freyt. — Além do mais, o ataque foi de surpresa. Mas... não acha bom avisarmos Rhodan?

— Espere-me um pouco, chego neste instante aí.

— Conheço sua vaidade de ser o primeiro a comunicar as novidades — disse Freyt, sorrindo.

 

Assim que o cogumelo atômico se dissipou no espaço, podia-se ver de bordo da Drusus a superfície do planeta. A cúpula brilhante do gigantesco cérebro positrônico cintilava à luz do sol de Árcon.

“Dissipar” não era o verbo correto para o estranho fenômeno que se originou após a detonação. O estudioso Deringhouse teve oportunidade de observar o singular evento, em todos os seus detalhes.

O cruzador Ralph Torsten se aproximou do espaçoporto para acolher Gucky. Assim que este chegou, o cruzador se afastou com uma aceleração surpreendente, sempre perseguido pelos disparos energéticos das baterias automáticas. Então o solo se abriu, surgiu uma gigantesca bola de fogo que desapareceu no mesmo instante. Só uma pequena parcela do que surgiu do chão do planeta, pulverizado ou gaseificado, conseguiu atravessar o envoltório de proteção, escapando assim do regresso ao passado. Assim que o transformador deixou de existir, o cogumelo desapareceu. A superfície de Árcon III voltou a ser o que era antes. O cérebro positrônico reapareceu em toda sua magnitude. O presente voltou a vigorar.

A barreira representava a única coisa que não provinha do passado. Era do presente e continuava ali. Depois, dissipou-se e sumiu. Mas, abaixo dela, se passaram, de um momento para o outro, quinze mil anos. O cruzador Ralph Torsten parou em frente à Drusus. Cabos magnéticos o prendiam à maior nave esférica do mundo. Escotilha de uma estava junto à escotilha da outra e Perry fez a baldeação.

Quando entrou no posto de comando da Drusus, de mãos dadas com Rhodan, Gucky estava sorrindo. Mas era um leve sorriso, de pouca expressão. Via-se nele o esgotamento daquela última missão. Somente por este motivo foi que Rhodan não lhe permitiu fazer mais uma teleportação para a Drusus.

— Ligação para a Terra! — disse ele a Deringhouse. — Tomara que a destruição do transformador do tempo não tenha chegado muito tarde.

Quando Deringhouse entrava, Atlan saía da cabina de rádio. Sorriu para Rhodan e o abraçou fraternalmente.

— Conseguimos! — exclamou. — As notícias boas chegam ininterruptas. A frota robotizada voltou a funcionar de repente. Já sufocaram a tentativa de rebelião, prendendo os cabeças do movimento. O computador gigante está em funcionamento. Árcon está salvo. Tudo isto tenho que agradecer a você, meu amigo e aliado.

— Não foi nada! Além de tudo, houve um pouco de egoísmo de minha parte, pois não salvei somente Árcon, o Império Arcônida, mas também nosso querido Império Solar. Quanto aos acônidas... temos que trocar umas idéias ainda, Atlan. Não acredite que esta foi a última tentativa deles. Eles têm medo de mim, por possuirmos a propulsão linear. Seus envoltórios de proteção não conseguem deter naves de propulsão linear. Assim, sabem que podemos entrar no seu hermético Sistema Azul a qualquer hora. Os acônidas detestam a guerra franca. Suas ações sorrateiras e camufladas são piores do que qualquer batalha. Uma vez já nos atacaram com o transmissor fictício, e agora por meio desta terrível volta ao passado. Estou curioso para saber o que vão inventar da próxima vez.

— Estamos de sobreaviso — disse Atlan, não muito convincente.

Rhodan balançou a cabeça.

— Como de sobreaviso? O que quer dizer com isto? O máximo que você sabe é que existe no centro da Via Láctea um imenso império, cujos fundadores e senhores não nos olham com boa cara. É tudo que sabe. Você não tem idéia da potência e grandeza de seus recursos técnicos e haverá de ter sempre novas surpresas. Temos que conhecer o perigo a tempo, para não sermos suas vítimas. Ou então, temos que convencer os acônidas de que nossa existência não é uma ameaça para eles.

— E como é que você vai fazer isto?

Rhodan sorriu antes de responder.

— Isso, Atlan, não sei ainda não. Mas vou dar um jeito, pode confiar em mim.

Deringhouse estava de pé à porta da central de rádio.

— Ligação com a Terra, sir!

— Obrigado! Já vou.

Pouco tempo depois, as duas naves estavam apoiadas em seus suportes telescópicos, à beira do espaçoporto de Árcon I, o chamado Planeta de Cristal. Aqui era a residência de Atlan, o imperador arcônida. Aqui se concentrava toda a administração do mais poderoso reino estelar. As notícias que chegavam a cada momento não deixavam dúvida. O cérebro robotizado reassumira suas funções, persistindo, porém, a seguinte dúvida: Será que ele havia realmente perdido suas funções?

Em companhia do Major Bellefjord e do primeiro-oficial, Capitão Raldini, Rhodan visitou o Ralph Torsten. O cruzador pesado estivera por alguns segundos exposto às baterias antiaéreas automáticas e recebera alguns disparos. Em alguns pontos de sua quase invulnerável carcaça, viam-se manchas de um tipo de esmalte afogueado.

— Tivemos sorte de que tudo foi bem cronometrado — disse Rhodan. — O senhor volta para a Lua, major, onde facilmente poderá fazer este pequeno reparo. Logo receberá uma missão importante. Não tardará muito, e teremos uma frota só de naves lineares para fazermos uma visita ao Sistema Azul.

— Por mim — disse Bellefjord — não quero mais comandar outro tipo de nave. Quem sabe chegará o dia em que cobriremos toda a Galáxia com esta nova maravilha?

Rhodan olhou espantado para ele.

— Você já pensou seriamente nisto, Bellefjord?

— E quem não terá pensado? A superfície dos mares do mundo tentou Colombo e ele descobriu a América há algumas centenas de anos. Mas ele não sabia que iria descobrir novas terras. Nós, porém, sabemos que há uma estranha Via Láctea à nossa espera, pois a vemos constantemente. Com estas novas naves haveremos de desvendar os segredos deste grande vazio.

— Teoricamente, isto seria também possível com as velhas naves de transição — disse Rhodan, sorrindo. — Mas para quê, afinal? Mal conhecemos ainda a Via Láctea, como prova o incidente com os acônidas do Sistema Azul. E quem pode dizer quantas raças estão esperando por nós? Na nossa Galáxia podem existir imensos reinos estelares, de cuja existência nem suspeitamos. De qualquer maneira...

Rhodan contemplava o céu de Árcon, com os olhos semicerrados.

— ...de qualquer maneira, vou pensar em você se chegarmos até lá. Vou lhe pedir ainda um relatório sobre suas experiências no Sistema Azul. Tenho pressentimento de que descobri outro meio de romper o bloqueio energético dos acônidas. Sua ação não foi inútil, major! O senhor partirá amanhã para a Lua. Dê um pouco de descanso a si e à sua tripulação.

— Obrigado, chefe!

Rhodan o cumprimentou e saiu.

Queria agora ficar sozinho, pois o futuro lhe causava preocupação. Os acônidas, até então, haviam brincado — no sentido metafórico da palavra. Não haviam de fato se exposto a nenhum perigo direto. Arranjaram outros para lutar por eles. Consideravam os homens como a maior ameaça à sua existência, até agora isolada e desconhecida. Por outro lado, também não os levavam muito a sério. Eram apenas animais daninhos, que se devia afastar do caminho. Os acônidas eram por demais orgulhosos, para executarem, eles mesmos, esta tarefa. Haveriam de novo de mandar outros em seu lugar.

Mas chegaria o dia em que terranos e acônidas se encontrariam frente a frente, e então a vitória seria daquele que estivesse mais bem preparado. Haveria de vencer quem não subestimasse o adversário.

“Quando o confronto surgir”, pensava Rhodan, com amargura, “não haverá mais jogo de empurra e aí é que se verá quem está de fato apto para dominar a Via Láctea: os orgulhosos e tecnicamente super desenvolvidos acônidas ou os determinados, esforçados e persistentes terranos...”

 

                                                                                            Clark Darlton  

 

                      

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