Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Robôs, Bombas e Mutantes / Willian Voltz
Robôs, Bombas e Mutantes / Willian Voltz

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Robôs, Bombas e Mutantes

 

Cinco mil naves terranas atacam Panotol!

Procuram libertar um grupo de prisioneiros...

Registra-se o ano 2.113 do calendário terrano. Quer dizer que menos de cento e cinqüenta anos se passaram desde que os terranos conseguiram pousar na Lua um foguete de combustível químico, ato que representou o prenúncio da verdadeira navegação espacial.

Apesar desse espaço de tempo incrivelmente curto sob os padrões cósmicos, o Império Solar, criado por Perry Rhodan, conseguiu transformar-se num dos principais sustentáculos do poder galáctico.

Naturalmente os terranos encontraram importantes auxiliares para resolver certos problemas. Basta mencionar Crest, o arcônida, o Ser energético do planeta Peregrino, Atlan, Harno, os swoons e Gucky, o rato-castor.

Mas a tarefa nunca poderia ser levada avante sem a atuação altruísta e a capacidade de sacrifício de todos aqueles que trazem no coração a saudade das estrelas.

No entanto, a nova ameaça vinda do intercosmo, ou seja, do espaço intergaláctico, constitui um problema quase insolúvel para os dirigentes. Como combater os agressores, cujas naves espaciais são quase indestrutíveis?

E a experiência com Robôs, Bombas e Mutantes...

 

                                        

 

O sargento Tschik Gallik sentou-se na beira da pequena cama e apoiou a cabeça nas mãos. Não fazia muito tempo que Gallik era apenas um cabo. Fora promovido depois da luta que travara no interior da nave robotizada arcônida Hat-Lete, durante a qual resistira aos pos-bis com apenas quatro homens.

Gallik bocejou, levantou o pé e bateu na cama do sargento Oaliason. Este sobressaltou-se, piscou os olhos e fitou Gallik sob as pálpebras semicerradas.

— O que houve? — perguntou em tom irritado.

Gallik fitou-o com uma expressão pensativa. Oaliason dormia sempre que havia oportunidade. Parecia não ter nervos.

— A Teodorico encontra-se no nada. Não há nada nas imediações. Dirigimo-nos ao nada e do nada nos afastamos — Gallik soltou um suspiro. — Gostaria de saber o que significa isso. O que está esperando o chefe?

O sargento Oaliason levantou-se e abriu o armariozinho de que podia dispor e tirou do mesmo um pedaço de tabaco adocicado importado de uma das colônias terranas. Enfiou-o na boca como se estivesse praticando um ritual. Soltou um suspiro e deixou-se cair para trás. Por algum tempo Gallik ficou observando os movimentos mastigatórios de seu companheiro de camarote. Depois de algum tempo Oaliason empurrou o pedaço de fumo mascado para a bochecha direita, onde aparecia perfeitamente.

— É o que eu também gostaria de saber — confessou Gallik.

Desde o tempo em que Gallik subira de posto — Oaliason tornara-se sargento muito antes dele e continuava a sê-lo — uma ligeira rivalidade esboçava-se entre os dois homens. Oaliason acreditava ser um sargento muito mais experimentado que Gallik e deixava que este o percebesse. Gallik reagia a isso com uma leve ironia.

— Com as relações que você mantém com a sala de comando, eu esperava que você estivesse informado sobre os planos do chefe — disse Gallik, esticando as palavras.

Oaliason sorriu com a maior tranqüilidade.

— Não costumo aproveitar minhas relações para fazer espionagem — ponderou.

Gallik sacudiu a cabeça. Andara refletindo sobre o problema que estavam enfrentando, pois já tivera de lutar contra os pos-bis e conhecia a crueldade com que os mesmos combatiam todas as formas de vida orgânica.

— Nossa situação não é muito feliz — disse, dirigindo-se a Oaliason. — Os destroços da nave Totzta IX estão jogados em Panotol, bem diante do nariz dos pos-bis, se é que eles têm nariz. Com isso o segundo planeta do sol Panot transformou-se num foco de perigo.

Oaliason bocejou. Aquilo parecia entediá-lo.

— Faz tempo que nos afastamos dessa área. Nosso grupo retirou-se assim que Gucky conseguiu salvar o comando de Mahaut Sikhra.

— É verdade — confirmou Gallik. — Acontece que só conseguimos danificar uma das onze naves fragmentárias. Os tripulantes das outras dez podem examinar tranqüilamente a nave dos saltadores. Pelo que informa Sikhra, os pos-bis repararam a grande emissora de rádio. É de admirar que ainda continue em silêncio.

Oaliason empurrou o fumo para o outro lado da boca.

— Não sei de que forma os destroços da nave dos saltadores poderiam representar um perigo para nós. As avarias sofridas são tamanhas que até mesmo os pos-bis terão dificuldades em repará-las.

Durante os últimos meses Gallik acostumara-se a refletir sobre tudo que acontecesse. Achou que a tentativa de prever os passos de Rhodan representava uma espécie de esporte intelectual. Dessa forma, o sargento desenvolvera uma boa capacidade de combinar os fatos. Sem estar na sala de comando, conhecia os planos dos homens que dirigiam a Teodorico. Enquanto isso Oaliason esperava com um tédio sonolento que alguém lhe desse instruções. Jamais renunciaria espontaneamente à sua disposição sempre calma.

— É possível que os pos-bis consigam certas informações no interior da nave cilíndrica de Totztal — disse Gallik em tom pensativo.

Oaliason arregalou os olhos.

— Você ainda conseguirá fazer com que eu me preocupe — disse entediado. — Que tipo de informação os pos-bis poderiam tirar de uma nave destroçada?

Os pensamentos de Gallik giravam em torno de um ponto. À medida que refletia sobre isso, mais se convencia de que suas suposições eram corretas.

— O que será mesmo? — insistiu Oaliason.

— As naves cilíndricas dispõem de equipamento positrônico. Em outras palavras, em seu interior existem bancos de dados — lembrou Gallik.

Sua voz tornava-se cada vez mais forte.

— Isso não é nenhuma novidade.

— As naves dos mercadores galácticos costumam pousar em muitos planetas, muitos mesmo. É impossível que um homem consiga gravar na memória a posição desses planetas no interior da Galáxia. Então, o que faz o saltador? Introduz os dados cosmonáuticos no computador, para poder solicitá-los à vontade.

Oaliason parou de mastigar. Seu rosto mostrava uma curiosidade evidente.

— Isso significa que a bordo da Totzta IX estão registradas as coordenadas de inúmeros sistemas — disse. — Se os pos-bis souberem lidar com isso, poderão encontrar tudo quanto é planeta desta Galáxia em que haja vida orgânica.

— É isso mesmo — disse Gallik, acentuando as palavras. — Tudo quanto é planeta; inclusive a Terra.

 

O comodoro Jefe Claudrin, que nascera em Epsal, um planeta onde a gravitação era duas vezes superior à da Terra, movia-se com uma leveza surpreendente porque no interior da Teodorico, as condições haviam sido adaptadas às da Terra. Mas a veemência do movimento que executou ao virar-se para Perry Rhodan não conseguia dissimular o fato de que estava muito preocupado. Seu rosto parecia sério e fechado.

— Estamos perdendo tempo, chefe — disse contrariado. — Enquanto isso os pos-bis podem estar examinando calmamente a Totzta IX.

— É um risco que temos de assumir — respondeu Rhodan. — Seria impossível voltar para Panotol sem o armamento adequado. Não teríamos a menor chance contra as naves fragmentárias.

— É verdade, sir — respondeu Claudrin, em tom obstinado.

— Acho que o senhor deveria descansar um pouco, Jefe — interveio Bell. — O senhor está desgastando seus nervos. Vamos esperar que Atlan apareça com a nave cargueira que deverá trazer as bombinhas.

As “bombinhas” a que Bell estava aludindo eram bombas de fusão superpesadas cujo desempenho energético chegava a cerca de 660 bilhões de toneladas de TNT. O efeito dessas bombas era terrível.

Nos arquivos do planeta da guerra, Árcon III, havia velhíssimas fitas de programação com os esquemas de controle das fábricas de armas arcônidas. Com base nos dados extraídos desses registros, Atlan criara uma arma que fora usada há cerca de dez mil anos, durante as guerras de conquista de Árcon. Os velhos arcônidas haviam utilizado essas bombas na destruição de astros e núcleos populacionais, até que surgisse a bomba de Árcon, que desencadeava um incêndio atômico inextinguível e veio substituir os artefatos de 600 gigatons.

— Faço votos de que a teoria do almirante seja correta — disse Claudrin. — Não realizamos uma única experiência que pudesse confirmar as informações dos arcônidas.

Rhodan sorriu e deu uma palmadinha no ombro do comodoro.

— Não seja tão pessimista, Jefe. Acho que a sugestão de Atlan, que pretende atirar as bombas para junto do inimigo por meio do transmissor fictício, é bastante promissora.

Pela expressão de ceticismo que surgiu no rosto de Claudrin notava-se que ele não estava muito convencido do acerto das afirmativas de Rhodan.

— Até agora o transmissor fictício nunca conseguiu romper os campos relativistas dos pos-bis — disse.

— Nem pretendemos fazer isso — respondeu Rhodan. — O transmissor fictício disparará as bombas para perto das naves fragmentárias, onde serão detonadas. O tremendo volume de energia liberada destruirá a estrutura dos campos relativistas.

— Tomara que o senhor tenha razão, sir — disse o homem nascido em Epsal.

Bell interrompeu-o com um gesto.

— No momento o perigo maior está na nave semidestruída dos saltadores — observou. — Segundo se depreende das informações dos nossos agentes, todas as naves capitanias dos superpesados conservam dados positrônicos sobre os planetas conhecidos da Galáxia. Tenho a impressão de que os pos-bis entendem muito de positrônica, e assim não demorarão a descobrir o lugar em que poderão encontrar os alvos de seus ataques.

Rhodan sabia que seu amigo estava fazendo uma avaliação realista da situação. Van Moders, o especialista em Robologia, chegou mesmo a afirmar que um dia os pos-bis se apoderariam dos conhecimentos de todos os saltadores aprisionados.

Consideradas todas as circunstâncias, a situação do Império Solar era inquietante. Boa parte da Frota Solar e a maioria das naves arcônidas estavam ocupadas em debelar as rebeliões que eclodiam naquilo que antigamente fora o Grande Império. As forças cósmicas dos aliados de Árcon e da Terra espalhavam-se por toda a Galáxia, pois viam-se obrigadas a agir em vários lugares ao mesmo tempo. Mesmo que não existissem os pos-bis e suas naves superpoderosas, Rhodan já teria muitos problemas.

No entanto, as “visões rosadas” não bastariam para manter a influência terrana no interior da Via Láctea. O administrador sabia perfeitamente que nunca poderia deixar de lutar por isso. Era necessário atacar o planeta Panotol, a fim de evitar que os pos-bis obtivessem informações valiosas por intermédio dos saltadores.

Claudrin fitava a tela panorâmica com uma expressão sombria. Até parecia que a enorme quantidade de estrelas projetada sobre a mesma poderia proporcionar uma solução para os seus problemas. Um dos pontinhos projetados na tela era o sol Panot, situado a 2.118 anos-luz do grupo estelar M-13.

— Registramos um abalo estrutural no setor 3 CI-78! — gritou Reg Thomas, imediato da Teodorico. — Uma nave saiu do hiperespaço, sir.

O sistema de rastreamento espacial da nave capitania entrou em funcionamento. A tela mostrava uma pequena nave esférica, que se aproximava da Teodorico, desacelerando fortemente.

— Ali vêm nossas armas, chefe — disse Claudrin em tom de alivio.

Para o comodoro a espera era um verdadeiro martírio, pois seu caráter impetuoso exigia uma atividade ininterrupta.

Rhodan mandou estabelecer uma ligação de videofone com a nave arcônida. Não esperara ver o rosto marcante que apareceu na tela.

— Atlan! — exclamou. — Resolveu trazer pessoalmente as bombas?

Um ligeiro sorriso desenhou-se no rosto do imperador.

— Uma carga perigosa como esta não poderia ser confiada a outra pessoa — respondeu. — Nos últimos trinta dias, a indústria robotizada de Árcon produziu cinqüenta gigabombas, em conformidade com as velhas fitas de programação — o sorriso tornou-se mais acentuado. — Para dizer a verdade, bárbaro, não me senti muito bem durante o vôo. A idéia de que uma das bombas poderia explodir e transformar a nave e seu conteúdo em poeira atômica não me saía da cabeça.

— Acho que a circunstância de que, daqui em diante, o risco será nosso há de deixá-lo mais tranqüilo — respondeu Rhodan, com uma ligeira ironia. — Já esperávamos sua chegada. O comodoro Claudrin mandou preparar o depósito das bombas.

O epsalense lançou um olhar indagador para Rhodan.

— Fale logo, Jefe — pediu Rhodan.

— Almirante, o senhor acaba de falar em cinqüenta bombas — Claudrin colocou-se ao lado de Rhodan. Os músculos desenhavam-se sob seu uniforme.

— Isso mesmo, comodoro — confirmou Atlan.

Claudrin lançou um olhar para Perry Rhodan. O administrador já sabia o que ocupava a mente de Claudrin.

— São apenas cinqüenta — disse o epsalense em tom decepcionado. — Quer dizer que poderemos destruir no máximo cinqüenta naves cúbicas, se é que estas bombas realmente poderão afetá-las.

Atlan estava acostumado a ouvir os colaboradores de Rhodan manifestarem sua opinião com a maior franqueza. Por isso sua reação à observação de Claudrin foi tranqüila e objetiva.

— Não são bombas iguais a qualquer outra, comodoro. Sua fabricação exige tempo e materiais especiais. Mas dentro de outros trinta dias poderei fornecer mais trinta.

Claudrin sacudiu a enorme cabeça; parecia contrariado.

— Foi uma tolice de minha parte, Sir — confessou. — É claro que o senhor fez o que estava ao seu alcance. Só nos resta fazer o possível para que cada disparo represente um êxito total.

— Face à qualidade das naves terranas isso não deverá ser nenhum problema — respondeu Atlan, que sabia perfeitamente que Claudrin temia os elogios como o diabo teme a cruz.

Claudrin engoliu em seco e lançou um olhar de súplica para Rhodan.

— Acho que os senhores ainda têm outros assuntos a tratar — disse e voltou ao seu lugar.

— Está bem, imperador — disse Rhodan. — Vamos colocar as bombas a bordo de nossa nave.

Dali a quinze minutos, a perigosa encomenda encontrava-se nos compartimentos de carga da Teodorico. Atlan veio num barco auxiliar de sua nave, a fim de conhecer pessoalmente os preparativos dos terranos. Depois que as gigabombas haviam sido colocadas nas proximidades do transmissor, Atlan e Perry Rhodan voltaram à sala de comando.

— Então é isso — disse Rhodan em tom de satisfação. — Agora tudo depende de que consigamos levar avante nossos planos.

Atlan sabia que a vitória ou a derrota teriam uma influência decisiva em seu destino pessoal, motivo por que demonstrou o maior interesse pelas intenções do administrador.

— Como pretende atacar os pos-bis, Perry? — perguntou.

Rhodan atravessou a sala de comando a passos largos e fez um sinal para John Marshall, telepata e chefe do Exército de Mutantes.

— Neste momento a missão libertação já está sendo iniciada — principiou Rhodan. — Pretendemos enviar um comando ao planeta Panotol.

— Será muito difícil — interrompeu-o o arcônida.

Num movimento inteiramente automático Rhodan pôs a mão no lugar em que trazia o ativador celular sobre o peito. Além dele só Atlan possuía o precioso aparelho. Os outros dirigentes dependiam da ducha celular, que teria de ser aplicada regularmente a cada 62 anos no planeta Peregrino.

— Quinze mutantes participam da ação, inclusive os teleportadores Gucky, Tschubai e Kakuta — prosseguiu Rhodan, sem dar atenção à objeção de Atlan. — Marshall assumirá o comando. Além disso, participarão do grupo trinta e cinco técnicos e cientistas que conhecem os controles do transmissor acônida.

— Talvez você se lembre de que a Totzta IX traz a bordo um transmissor, que Totztal deveria ter instalado em Panotol — interveio Bell, em tom impaciente. — No momento a Totzta IX encontra-se nas proximidades do gigantesco estaleiro. Seus propulsores foram destruídos, mas seus geradores funcionam perfeitamente.

— Quer dizer que vocês pretendem pôr o transmissor a funcionar... — adivinhou Atlan, perplexo. — Querem usá-lo para libertar os saltadores aprisionados pelos pos-bis.

— Nosso amigo tem uma cabecinha muito inteligente — piou Gucky, que se encontrava num ponto mais afastado.

— Marshall e seu grupo serão transferidos para o cruzador San José, uma nova nave da classe Cidade, de onde saltarão na atmosfera de Panotol sem que ninguém os perceba — acrescentou Rhodan.

— Sem que ninguém os perceba? — perguntou Atlan, perplexo. — Acho que os pos-bis não concordarão com isso.

Rhodan acenou com a cabeça. Parecia preocupado. A missão libertação só poderia ser levada a bom termo se encontrassem um meio de evitar que a San José fosse destruída antes da hora. O administrador acreditava ter encontrado uma forma de desviar a atenção dos pos-bis de Marshall e seus companheiros. Devia iniciar uma batalha espacial no sistema de Panot, que mantivesse ocupados os pos-bis.

— Duas mil unidades pesadas da Frota Solar estão preparadas — disse, dirigindo-se a Atlan. — A Teodorico penetrará no sistema de Panot à frente desse grupo para criar problemas para os robôs. Acredito que a confusão que se seguirá proporcionará ao Comando uma possibilidade de descer no planeta sem que os pos-bis o percebam. O arcônida refletiu intensamente.

— Acredito que o pouso no planeta será possível — admitiu. — Mas o que acontecerá quando os homens se encontrarem na superfície de Panotol? Você sabe perfeitamente que os pos-bis identificam prontamente qualquer ser orgânico com base nas suas vibrações celulares características.

— Pensamos numa coisa — disse Bell, tomando o lugar do amigo. — O comando receberá novas máscaras de robôs, que serão totalmente diferente das chapas rígidas de aço que usamos até agora. Conseguimos fabricar uma estrutura de aço elástica, que permite a qualquer homem modificar seu aspecto exterior para transformar-se num robô. Naturalmente a pessoa terá de usar um neutralizador individual fabricado pelos swoons, a fim de que os pos-bis vejam nele uma forma daquilo que eles chamam de vida verdadeira.

Rhodan, que acompanhava a exposição de Bell, fez um gesto amplo, e o gorducho concluiu:

— Isso significa que o comando de Marshall terá uma liberdade de movimentos muito grande.

Atlan não teve a menor dificuldade em perceber os perigos que o plano de Rhodan envolvia mas, como era amigo de muitos anos do terrano, sabia perfeitamente que o administrador faria tudo que estivesse ao seu alcance para libertar os saltadores aprisionados pelos pos-bis antes que os mesmos pudessem transmitir informações aos robôs. O arcônida fez um esforço de reflexão para verificar se não havia alguma lacuna no plano do amigo.

— Onde será instalado o terminal do transmissor? — perguntou. — Afinal, os saltadores, que se encontram em Panotol e que deverão passar pelo aparelho, terão de sair em algum lugar.

— É verdade — disse Rhodan com um sorriso. — O Coronel Pfayl esperará com a Alexander atrás das linhas de combate. A bordo desse supercouraçado será instalado um receptor. Dessa forma os prisioneiros poderão ser afastados rapidamente da área de perigo.

— Você nunca esquece nada, não é? — perguntou Atlan, com uma ponta de ironia.

— Dificilmente — respondeu Rhodan tranqüilo. — Na situação em que nos encontramos o esquecimento equivaleria a um verdadeiro suicídio.

O rosto de Atlan voltou a assumir uma expressão séria. Nos últimos meses emagrecera bastante. As rugas começavam a desenhar-se em sua face. Não era nenhum sinal de envelhecimento, mas apenas provava que o arcônida estava submetido a uma carga muito pesada. Praticamente estava condenado a andar pelo império decadente, correndo de um foco de desordem para outro, a fim de manter um mínimo de coesão em sua estrutura.

— Qual será o meu papel nessa missão? — perguntou Atlan.

Rhodan fez um gesto vago, dando a entender que não queria aumentar as preocupações do amigo. Precisava dele em outro lugar.

— Você voltará para Árcon, a fim de reunir uma frota que servirá de reserva — sugeriu Rhodan. — Suas naves nos apoiarão em caso de necessidade.

— De acordo — respondeu Atlan.

A palestra foi interrompida por um gemido de Gucky. Atlan passou a olhar para o rato-castor.

— O que aconteceu com o baixinho? — perguntou, dirigindo-se a Rhodan.

Perry fez um sinal de pouco-caso.

— Você sabe perfeitamente que Gucky é um sujeito muito cheio de... gostos... Acha que a nave capitania do Império Solar é muito desconfortável e aproveita todas as oportunidades para demonstrar seu descontentamento.

Os olhos redondos de Gucky remexiam-se furiosamente. O rato-castor apontou para seu assento e chiou para Atlan:

— Olhe este lugar horrível, almirante. Já criei calo em certos lugares de tanto usar este assento que se diz ser tão bom. Sim senhor, estou sofrendo.

— E nós já criamos calo nas orelhas de tanto ouvir suas lamúrias — observou Bell.

Gucky ergueu-se sobre as pernas tortas e apoiou os bracinhos nos quadris. Seus olhos chispavam de raiva.

— Ah! — exclamou, soltando o ar que prendia entre as bochechas. — Você acha que isto são lamúrias? Peço licença para observar que o regulamento permite a qualquer tripulante queixar-se perante o comandante da nave, Jefe! — gritou, levantando a voz. — Quero que se tome imediatamente uma providência para aumentar o conforto dos ratos-castores a bordo da nave capitania.

Claudrin fitou-o com uma expressão pensativa.

— Ele só está dando este espetáculo porque você está a bordo — cochichou Bell ao ouvido do arcônida. — Quer despertar sua compaixão.

— Você tem alguma sugestão? — perguntou o epsalense.

O rato-castor tomou uma atitude mais pacata.

— Assim está melhor — disse. — Quer uma sugestão? Pôs-se a refletir.

— Quem sabe se não seria conveniente acolchoar seu assento? — sugeriu Atlan.

— Um assento estofado? Não. Qualquer soldado raso tem assentos estofados em seu camarote — Gucky sacudiu a cabeça, num gesto resoluto. — Quero que me seja fornecida uma coberta de penas dupla.

— Uma coberta de penas?! — repetiu Claudrin, admirado.

— Uma coberta de penas dupla — completou Gucky em tom enfático.

— Está bem; providenciarei uma — disse o epsalense com sua voz retumbante.

Por um instante Gucky parecia ter perdido a fala. Finalmente caminhou para perto de Claudrin e tentou sacudir a gigantesca mão do comodoro com sua patinha.

— Fico-lhe muito grato, Jefe — disse, profundamente comovido.

— Para meus tripulantes, eu sacrificaria até a camisa — respondeu Claudrin.

— Qual será o prazo de entrega de uma coberta desse tipo na Frota Solar? — perguntou Reginald Bell.

— Doze anos e três meses — respondeu Claudrin. — Talvez doze anos e dois meses.

— Seus hipócritas! — gritou Gucky, com a voz estridente. — Vocês despertaram pensamentos felizes em meu cérebro puro, apenas para destruí-los brutalmente.

— Ora, afinal você terá doze anos para deleitar-se com a expectativa — disse Atlan.

— E mais três meses, ou talvez apenas dois — acrescentou Bell.

Até parecia que Gucky iria morrer sufocado. Mas acabou por se controlar e voltou ao seu lugar, praguejando terrivelmente.

Rhodan reprimiu o riso e colocou a mão no ombro de Atlan.

— Daqui em diante não teremos muitas oportunidades para brincarmos — disse o terrano.

— Voltarei à minha nave para reunir uma frota em Árcon — disse Atlan. — Mas não espere que possamos fazer milagres quando precisarem de nós.

— Às vezes o simples fato de sabermos que temos um bom amigo vale mais que o apoio que o mesmo pode dar-nos — respondeu Rhodan.

Depois do aperto de mãos, Atlan despediu-se dos homens que se encontravam na sala de comando. Gucky abandonou por um instante o papel do ressentido e sorriu para seu amigo arcônida.

Quando o pequeno barco espacial do arcônida afastou-se do costado da nave, Rhodan entesou o corpo. A missão libertação poderia ter início.

— Marshall — disse, dirigindo-se ao telepata. — Convoque seu pessoal. Seu grupo será transferido para a San José. O senhor sabe o que deve fazer. Falamos muitas vezes a respeito disso.

O homem sério e tranqüilo que dirigia o Exército de Mutantes respondeu com um aceno de cabeça e fez um sinal para os mutantes e técnicos que se encontravam na gala de comando.

— Vamos ao hangar — disse. — O pessoal do comando já está esperando.

Rhodan esperou que os membros do comando saíssem. Marshall foi o último a retirar-se. Rhodan sentiu uma onda de simpatia fluir em sua direção. Se não fossem estes homens, nos quais podia confiar integralmente, jamais poderia ter construído o Império Solar. Sem a ajuda deles, ele mesmo não seria nada. Essa gente arriscava a vida, renunciando a um viver seguro e tranqüilo em algum canto da Terra. A única compensação que podia dar-lhes era sua amizade.

— Entre em contato com o Major Jenkins — disse ao notar o olhar indagador de Claudrin. — Informe-o de que, dentro de alguns minutos, o grupo de Marshall subirá a bordo de sua nave.

— Jenkins parece estar muito nervoso, chefe — ponderou Claudrin. — Tomara que tudo dê certo com ele.

— Ainda é bem jovem... — lembrou Rhodan — e de repente tantos homens Importantes aparecem a bordo de sua nave! Qualquer oficial jovem ficaria nervoso com isso.

Claudrin lembrou-se do tempo em que ainda era aspirante. Agora era o comodoro da nave capitania da Frota Solar. Rhodan tinha razão.

“Não sei por que, mas o fato é que perdi o contato”, pensou Claudrin.

Já se tornava mais difícil reproduzir em sua mente o raciocínio e as emoções de um oficial em início de carreira.

“Para Rhodan, isso não parece ser problema. O administrador compreende tudo e todas as pessoas”, ponderou Claudrin, mentalmente.

Avisou o Major Jenkins e aguardou novas ordens.

Duas mil esferas metálicas apareceram na tela panorâmica. Formavam um grupo compacto, disposto atrás da Teodorico. Era um quadro impressionante. Os tripulantes de todas as unidades preparavam-se para a batalha com os pos-bis. A Terra reunira uma força gigantesca.

— Transmita uma mensagem de rádio, Jefe — ordenou Rhodan. — Chame todos os comandantes do grupo. Dentro de exatamente trinta minutos aceleraremos e seguiremos em direção ao sol Panot. Todos os homens estão perfeitamente informados sobre nossos planos.

Reg Thomas, imediato da Teodorico, colocou-se ao lado de Rhodan. Apontou para as telas do equipamento de rastreamento espacial. As naves terranas pareciam um colar de pérolas reluzentes.

— Desta vez nós os derrotaremos, sir — disse Thomas e seus olhos pareciam febris.

— Faço votos de que o senhor tenha razão, Thomas — respondeu Rhodan.

Ele o desejava com todas as fibras do coração. Se esse desejo se frustrasse, a Terra enfrentaria o maior perigo desde o início de sua existência.

 

Perry Rhodan estacionara vários cruzadores ligeiros de patrulhamento no sistema do sol Panot, a fim de observar os movimentos do inimigo. Os comandantes dessas pequenas naves receberam ordem de evitar qualquer contato com o inimigo. Cabia-lhes apenas apurar se outras naves fragmentárias estavam chegando a Panotol.

Rhodan entrou em contato com essas naves assim que a Teodorico penetrou no sistema, seguida do grupo da frota terrana. Queria obter informações precisas sobre a força do inimigo, antes de iniciar o ataque.

O Major Urzinus, comandante supremo do grupo de cruzadores de patrulhamento, respondeu imediatamente ao chamado da Teodorico. Seu rosto magro parecia muito sério enquanto fitava da tela superior, Rhodan e os oficiais.

— O senhor foi atacado, Major Urzinus? — perguntou Rhodan, interpretando mal o evidente abatimento do oficial. — Será que os pos-bis derrubaram uma das naves de patrulhamento?

— Não, senhor. Não tivemos problemas.

Sempre esperara que em seu plano aparecesse algum erro. Mas no seu íntimo nunca contara com a possibilidade de os pos-bis reunirem tantas naves num lugar.

— O senhor não vai suspender a operação, não é mesmo, sir? — perguntou Claudrin, em tom preocupado.

Rhodan teve de confessar a si mesmo que o comodoro adivinhara seus pensamentos. Antes que tivesse tempo para responder, Bell interveio na conversa.

— Se começarmos a fugir dos pos-bis, nunca mais pararemos — gritou. — Muito bem. Teremos de lutar contra mais de sessenta naves, mas não sabemos se amanhã não será o dobro. O que faremos se os pos-bis aparecerem com mais de cem naves? — Reginald Bell sacudiu a cabeça num gesto enérgico. — Não, Perry; a retirada só agravaria nossa situação.

— Acho que você tem razão — respondeu Rhodan, em tom pensativo. — Temos de assumir certos riscos.

Nos minutos que se seguiram, Perry Rhodan fez uma breve alocução dirigida aos comandantes das naves de seu grupo. Fez questão de mencionar os reforços que os pos-bis haviam recebido em Panotol.

— Apesar disso procuraremos levar avante a missão libertação — concluiu. — Nossa estratégia deverá resumir-se numa série de ataques-relâmpago, a fim de que os pos-bis tenham as menores chances possíveis de utilizar seus raios conversores.

Rhodan voltou a certificar-se de que os homens que se encontravam a bordo da San José estavam preparados. Transmitiu ao Coronel Pfayl, comandante da Alexander, ordens terminantes de, em hipótese alguma, participar da batalha.

Com isso, os últimos preparativos estavam concluídos. Rhodan lançou os olhos para a tela panorâmica. Finalmente seus lábios formularam a ordem decisiva:

— Vamos começar, Jefe! Nosso grupo seguirá para Panotol.

Duas mil naves precipitaram-se sobre a esfera do tamanho de Marte, que era considerada o planeta mais perigoso da Galáxia. Seus comandantes transmitiram as últimas instruções ao comando de fogo. Parecia que nada seria capaz de deter essa frota de naves esféricas. Quando as primeiras saíram da zona de libração, os pos-bis reagiram com uma rapidez espantosa. Algumas subiram imediatamente. Van Moders, que se encontrava na sala de comando da Teodorico, observou:

— Os pos-bis aprendem cada vez mais depressa a adaptar-se à nossa forma de agir. Isso constitui mais uma prova de que minha teoria do engaste hipertóictico é correta.

Quatro cruzadores pesados, pertencentes ao grupo, penetraram na atmosfera rarefeita de Panotol e cercaram uma das naves dos pos-bis que subiam. Os primeiros raios disparados pelos canhões superpotentes iluminaram o espaço. O campo relativista da nave fragmentária resistiu perfeitamente ao fogo concentrado.

Outras naves pos-bis levantaram vôo.

— Até parece que todas as naves decolarão, sir — disse Reg Thomas, com o rosto impassível.

A Teodorico irrompeu do semi-espaço e retornou ao Universo normal. Disparou sobre o planeta numa trajetória quase tangencial. Em todas as partes, as naves terranas entravam em contato com o inimigo. Os combates preliminares saíram das camadas superiores da atmosfera e passaram a ser travados no espaço livre. Dez minutos depois, mais de trezentas naves esféricas sofreram avarias tão graves que tiveram de retirar-se.

Nem uma única nave fragmentária fora danificada, quanto mais destruída. Rhodan acompanhava a atuação do grupo.

— Estamos sofrendo terríveis perdas — constatou Van Moders.

A Teodorico aproximou-se da primeira nave fragmentária. O corpo rígido de Rhodan descontraiu-se um pouco. Encostando o microfone aos lábios, perguntou:

— O transmissor está preparado?

Antes que o Major Narco, que controlava o transmissor, pudesse responder, surgiu o primeiro impacto. Os campos defensivos dos pos-bis, que ainda há poucas semanas eram considerados impenetráveis, estremeceram sob a terrível carga. Os geradores uivaram face às enormes quantidades de energia devoradas pelos campos defensivos.

“Se a coisa não der certo...”, pensou Rhodan como num transe.

Ouviu a voz pausada de Narco.

— Tudo preparado, sir — informou o major.

A Teodorico balançava. Claudrin fungou numa raiva contida. Rhodan concentrou-se ao máximo, para não perder o momento adequado.

— Já! — gritou.

No mesmo instante, o Major Slide Narco, cujo rosto estava vermelho de excitação, comprimiu o acionador do transmissor. A superbomba que naquele momento ainda estivera no interior da grade do transmissor desapareceu diante dos olhos de todos. Os homens que se encontravam na sala de comando não viram a terrível arma materializar-se junto à nave dos pos-bis: era muito pequena.

Mas ninguém deixaria de notar seus efeitos. A gigabomba explodiu junto ao campo relativista da nave fragmentária. O estrondo foi terrível. Numa fração de segundo, a nave fragmentária esfacelou-se. Mais um sol artificial surgiu ao lado do produzido pela bomba. Por pouco a Teodorico não penetrou no mar de fogo, pois Claudrin mantinha os olhos fitos naquele espetáculo de destruição. As peças da nave dos pos-bis foram arremessadas em todas as direções e algumas se precipitaram sobre a superfície do planeta Panotol como se fossem cometas de fogo.

A liberação de energia fez com que os instrumentos da Teodorico saltassem para os pontos máximos das escalas. A nave capitania com seus mil e quinhentos metros de diâmetro passou por sobre o caos e penetrou no espaço.

Só agora os tripulantes soltaram gritos de triunfo. Van Moders esfregou a nuca com ambas as mãos. Sabia que no mesmo instante em que a Teodorico destruiu a nave inimiga, os outros pos-bis observaram o fenômeno. Não deixariam de tomar suas providências. O robólogo apenas fazia votos de que os mesmos ainda demorassem bastante.

— Atlan tem razão — disse Bell em tom seco. — Estas bombas não falham.

— Infelizmente só possuímos um transmissor fictício — disse Rhodan. Apontou para a tela panorâmica, na qual se via que o grupo de naves terranas parecia dissolver-se. — Enquanto liquidamos um pos-bi, pelo menos duzentas das nossas naves tiveram de fugir.

— Nave inimiga no setor trinta, vermelho! — gritou Reg Thomas.

— Agora começam a interessar-se por nós — disse Claudrin, com a maior tranqüilidade.

Mais duas naves cúbicas aproximaram-se. Num gesto resoluto Rhodan pegou o microfone. Depois do confronto com as três naves fragmentárias, as pessoas que se encontravam a bordo da Teodorico passaram a agir de forma quase automática. A nave capitania avançava penosamente em meio a um verdadeiro furacão atômico desencadeado pelo inimigo. Duas naves foram destruídas por meio de arremessos que Narco fez com boa pontaria, mas o terceiro errou o alvo. A Teodorico teve de fugir por um instante para a zona de libração, a fim de escapar aos ataques furiosos da terceira nave. Mas Claudrin, que naquele momento parecia ser de gelo, não permitiu que seus homens descansassem. A Teodorico saiu nas Imediações de sete cruzadores pesados que lutavam desesperadamente. Uma das naves terranas sofrerá avarias tão graves que não conseguiu fugir para o semi-espaço. Suas torres de canhões, que continuavam intactas, despejavam raios de impulsos contra as naves fragmentárias. O impacto de um raio conversor dividiu a nave ao meio. Os barcos de salvamento que saíram dos destroços e foram se afastando pareciam um bando de insetos.

— Fogo, major! — gritou Rhodan

Outra nave fragmentária explodiu. Dois cruzadores tiveram tempo de recolher os barcos de salvamento. As naves terranas estavam divididas em inúmeros grupos pequenos, cada qual lutando por si. Rhodan não poderia estar em toda parte ao mesmo tempo. Logo, só metade das naves terranas manteve-se em perfeitas condições.

Perry Rhodan via-se obrigado constantemente a dar ordens de retirada, para forçar comandantes muito arrojados a se retirarem da área de batalha. Era sua intenção que a operação fosse executada com um mínimo de perdas humanas. Os prejuízos materiais já eram tremendos. O administrador lançou um olhar ligeiro para o relógio de bordo e notou que só estavam combatendo há poucos minutos.

— Temos de encontrar um meio de afastá-los mais de Panotol, Perry — gritou Reginald Bell. — Enquanto estiverem perto do planeta, Jenkins não poderá levar a San José para dentro da atmosfera, sem que eles o percebam.

Não havia dúvida de que o gorducho, às vezes substituía Perry Rhodan, avaliara corretamente a situação.

Rhodan entrou em contato de rádio com as naves e ordenou aos comandantes que se afastassem do planeta sem mergulhar no semi-espaço. Queria que os pos-bis vissem para onde fugia o inimigo, para que tivessem oportunidade de segui-lo.

Claudrin soltou um suspiro e modificou a rota da Teodorico. Van Moders fez um esforço desesperado para gritar uma informação destinada a Rhodan, pois este concentrava-se inteiramente na observação de um grupo de cinco naves fragmentárias, que avançavam em leque contra a nave capitania.

— Acho que são muitos, chefe — disse a voz retumbante do epsalense, mas Rhodan não deu ordem para ligar o sistema de propulsão linear que os protegeria contra o ataque. Segurou o microfone.

— Major — disse em tom suave. — Se necessário o senhor poderia trabalhar bem depressa com o transmissor?

— Trabalharei tão depressa como o senhor desejar, sir — disse Narco pelo alto-falante. — Afinal, já treinei um pouco.

O rosto de Claudrin, que parecia ser de couro, refletiu as luzes de controle quando este se virou abruptamente. Talvez aquilo não passasse do efeito de uma palidez exagerada.

— O que pretende fazer, sir?

Rhodan mandou que ficasse calado, enquanto Van Moders fazia sinal para que Bell se aproximasse, pois desejava que alguém lhe desse ouvidos.

— Lance duas bombas. Logo após isso, o comodoro fará a nave penetrar no semi-espaço — ordenou Rhodan.

Claudrin não teve tempo para formular perguntas ou protestos, pois a Teodorico precipitou-se para dentro do grupo de cinco naves fragmentárias. Num momento como este só mesmo um homem com a habilidade de Claudrin seria capaz de evitar a destruição da nave terrana. Os comandantes biopositrônicos das naves fragmentárias só poderiam acreditar que o inimigo quisesse passar entre eles, mas o epsalense reduziu a aceleração da Teodorico e fez a esfera de aço arcônida passar ao lado do grupo de naves. Apesar disso, os campos defensivos da nave capitania tiveram bastante que fazer; quase chegou a ser mais que bastante...

O berreiro de Narco foi o único som que conseguiu superar o uivo dos aparelhos forçados ao máximo. Finalmente Reg Thomas parecia soluçar:

— Nós os pegamos, nós os pegamos!

Duas naves fragmentárias explodiram pouco atrás da Teodorico, que mergulhava no semi-espaço. Claudrin passou a língua pelos lábios ressequidos.

— Foi por pouco — disse. — Prefiro não fazer isso de novo.

Quando a Teodorico voltou ao Universo einsteiniano, viu-se que os pos-bis seguiam as naves terranas. O campo de batalha deslocava-se das proximidades de Panotol para as profundezas do espaço.

Nos minutos que se seguiram a ação de Rhodan limitou-se a ataques-relâmpago. O supercouraçado terrano aparecia por um instante nas proximidades de uma nave fragmentária, e o Major Slide Narco acionava o transmissor fictício, que era o último de que a Frota Solar ainda dispunha.

O número das naves fragmentárias destruídas subiu para doze. A Teodorico corria de um foco para outro, intervindo nos lugares em que as naves terranas enfrentavam os maiores perigos.

— Completamos uma dúzia — disse Rhodan, muito satisfeito, quando Narco conseguiu derrubar mais uma.

Finalmente Van Moders, apoiado por Bell, conseguiu atrair a atenção de Rhodan.

— Há algum tempo os pos-bis transmitem mensagens codificadas — disse o robólogo, em tom excitado. — Captamos algumas. Não tenho a menor dúvida de que se trata de pedidos de socorro.

— Pedidos de socorro? — repetiu Rhodan. — Eles atingiram perto de mil naves terranas. Que motivo teriam os pos-bis para pedir socorro?

— A Teodorico, sir — disse o cientista. — Os pos-bis perceberam imediatamente que representamos um grave perigo para eles.

Rhodan não tinha motivo para duvidar da palavra do jovem. Afinal, Van Moders era perito na área dos robôs biopositrônicos. Descobrira que os pos-bis eram capazes de analisar e aprender todas as formas de comportamento de um ser orgânico. Ao que parecia, a capacidade de aprendizado desses robôs era ilimitada, o que praticamente significava que um pos-bi sabia adaptar-se às mudanças mais inesperadas nas situações que enfrentava. Quanto maior o número de vezes em que se defrontava com o mesmo inimigo, mais rápidas eram as reações desses robôs. Na opinião de Van Moders, isso acontecia por causa do engaste hipertóictico, ou seja, do funcionamento conjunto do mecanismo positrônico e do plasma nervoso.

Quando Van Moders formulava uma exposição ou dava explicações relativas aos pos-bis, os rostos de muitos dos seus ouvintes só apresentavam um sorriso de quem não compreendia nada. Van Moders gostava de usar uma linguagem especializada mas, ao que parecia, era a única criatura viva que a compreendia perfeitamente. O robólogo produzia teorias em séries ininterruptas e esforçava-se para explicá-las e demonstrá-las.

— O que farão os robôs na sua opinião? — perguntou Rhodan. — A quem são dirigidos os pedidos de socorro?

O rosto de Van Moders, que por natureza não era muito amável, tornou-se ainda mais sombrio.

— Já expliquei — disse, lançando um olhar para Bell, que parecia estupefato. — É bem provável que novas naves fragmentárias aparecerão por aqui para intervir nos combates.

— E o senhor me diz isso só agora?! — exclamou Rhodan.

Um sorriso martirizado apareceu no rosto de Van Moders, que apontou para Bell.

— Há muito tempo venho tentando... — principiou.

— Ele andou falando nessas coisas engastadas — interrompeu Bell, em tom azedo.

— Temos de agir imediatamente — decidiu Rhodan. — Se ficarmos mais tempo por aqui, o perigo de as naves fragmentárias aparecerem será cada vez maior. Este é o momento de maior confusão entre as naves fragmentárias. Claudrin, faça uma ligação com a San José. Darei ordem para que Jenkins entre em ação.

Enquanto caminhava em direção ao lugar em que estava o epsalense, lançou um olhar para a tela panorâmica. Em torno de Panotol, estendia-se um anel de naves esféricas que lutavam desesperadamente para defender-se dos ataques dos pos-bis. Panotol estava envolto num cinturão de naves mais ou menos destruídas e de nuvens atômicas e furacões energéticos.

Quem quisesse descer em Panotol teria de atravessar esse inferno.

E além disso a San José teria de fazê-lo sem que ninguém a percebesse.

 

A mil e duzentos quilômetros do lugar em que se encontrava a Teodorico, o Major Elmer Jenkins viu mais ou menos o mesmo quadro projetado nas telas do sistema de rastreamento espacial. Um tanto contrafeito, acompanhava a batalha de que ele e os outros tripulantes da San José não podiam participar. Quando pensava que ninguém o estivesse observando, olhava atentamente para John Marshall. Aquele homem esbelto que chefiaria o comando não demonstrava a menor tensão.

Depois que Jenkins o havia fitado algumas vezes, Marshall sorriu e perguntou:

— O que é mesmo que o deixa preocupado, major?

Jenkins sentiu seu rosto ficar vermelho. Um tanto embaraçado, voltou-se para o mutante.

— Não pense que andei espionando em seus pensamentos — disse Marshall para tranqüilizá-lo, pois sabia perfeitamente o que um homem “normal” costuma pensar num momento como este.

Jenkins passou as mãos pelo uniforme verde da Frota Solar.

— Andei refletindo sobre a melhor maneira de darmos conta de nossa tarefa — disse, aliviado por ter uma oportunidade de falar com Marshall sobre o trabalho a realizar.

Gucky, que também se encontrava na sala de comando da San José, tomou a liberdade de percorrer os cinco metros que o separavam dos dois homens com um salto de teleportação. Quando materializou-se bem à frente de Jenkins, esticou a cabeça de rato-castor numa atitude combativa.

— Bem que eu gostaria de ter as suas preocupações — piou. — Os propulsores lineares nos levarão sãos e salvos até perto de Panotol. Saímos nos trajes de combate arcônidas, e a San José desaparece — bateu palmas. — É muito simples.

— O senhor acaba de ouvir um resumo simplificado de nossos planos — disse Marshall em tom irônico, dirigindo-se a Jenkins. — De qualquer maneira, o baixinho está com a razão. Quanto mais perto de Panotol conseguirmos chegar, menores serão os riscos que enfrentaremos ao sair da nave.

Essas informações não deixaram Jenkins nem um pouco aliviado. Os homens experientes que haviam subido a bordo de sua nave, mostravam uma incrível tranqüilidade ao falarem na missão que teriam de cumprir.

Logo à sua chegada, Gucky deixara Jenkins perplexo ao declarar que lutaria sozinho contra algumas centenas de pos-bis. Quando “percebeu” que o major estava disposto a acreditar no que dizia, continuou a mentir alegremente, até que Marshall esclarecesse o comandante da San José.

— Usarei um traje de combate feito sob encomenda — explicou Gucky, dirigindo-se ao major. — Gostaria que o senhor me visse flutuando nas nuvens com essas vestes elegantes.

— Parece um anjo que sofre de obesidade — disse Ras Tschubai, que se encontrava num lugar mais afastado.

— É pura inveja dele — chiou o rato-castor em tom indignado. Lançou um olhar penetrante para Tschubai. — Você já ouviu falar em anjos pretos?

Jenkins saltitava nervosamente de um pé para o outro. Nunca tinha certeza se essas discussões só eram de brincadeira, ou se Gucky realmente se apaixonava durante as mesmas.

— Certa vez li um manual sobre os anjos — disse Tschubai, esticando as palavras. — E esse manual fala em anjos negros, mas não em ratos-castores de pernas tortas.

— Qual manual que nada! — gritou Gucky com a voz estridente. — Você deve ter passado por cima das primeiras páginas, que contêm uma longa exposição sobre os ratos-castores.

— Sir! — gritou o radioperador da San José em meio à discussão. — Temos uma ligação de videofone com a Teodorico.

No mesmo instante o rosto de Rhodan apareceu na tela.

— Está preparado, major?

Ao ver esse rosto sério, o nervosismo de Jenkins desapareceu. Ficou perplexo ao notar que sua autoconfiança crescia.

— Podemos começar, sir — limitou-se a responder.

— Muito bem — Rhodan parecia satisfeito. — Retire-se imediatamente do local em que o comando descer à superfície, para não chamar a atenção dos pos-bis.

Jenkins confirmou. Rhodan dirigiu-se a Marshall.

— Ao que parece, os pos-bis receberão reforços, John. Apesar disso a missão libertação será executada segundo os planos. Não acredito que os robôs conheçam a verdadeira finalidade de nosso ataque, mas convém redobrar a atenção. Van Moders elaborou outra teoria, segundo a qual...

— Deixe para lá! — respondeu Marshall, em tom apavorado. — Pedirei que me expliquem a teoria quando tiver voltado para a Teodorico.

Rhodan sorriu.

— Faço votos de que isso aconteça o quanto antes — disse. — Até lá Moders deve ter mais algumas hipóteses interessantes.

— Sem dúvida — confirmou Marshall.

Rhodan fez um cumprimento com a mão. Marshall acenou ligeiramente com a cabeça. A ligação foi interrompida. O chefe dos mutantes colocou o braço sobre os ombros de Jenkins.

— Bem, major — disse. — Chegou a hora de provar as qualidades de sua nave.

Jenkins transmitiu suas ordens. Os propulsores entraram em funcionamento e a San José acelerou. Marshall dirigiu-se aos membros de seu comando.

— Colocar trajes espaciais — ordenou. — Verificar suprimento de ar e sistema propulsor. Controlar armamento.

A San José mergulhou no semi-espaço e correu velozmente em direção a Panotol. Os cinqüenta homens do comando reuniram-se na eclusa principal. Falaram pouco, pois todos sabiam o que teriam de fazer. Tudo dependia de que os pos-bis caíssem no truque e dessem oportunidade aos terranos para libertarem os saltadores por meio do transmissor acônida.

John Marshall passou os olhos pelo pequeno grupo, do qual se esperava tanto.

— Fechar os capacetes pressurizados — ordenou.

A atmosfera rarefeita de Panotol não permitia a um homem respirar. Enquanto vestiam os trajes de combate, Marshall não poderia distinguir os homens, a não ser que ficassem com o visor do capacete voltado em sua direção. A versão aperfeiçoada dos trajes arcônidas não era tão desajeitada quanto a de seus anteriores, mas reuniam várias outras vantagens...

Face aos neutralizadores de pressão da San José, tinha-se a impressão de que a nave estava parada no espaço. Na realidade, a esfera do planeta já tomava quase todo o espaço das telas instaladas na sala de comando.

Dali a dois minutos, Jenkins desligou os propulsores lineares da San José. Sua voz fez-se ouvir nos alto-falantes embutidos nos capacetes dos homens.

— A nave está freando — anunciou.

Marshall viu que Gucky estava parado em atitude descontraída ao lado de Tschubai e de Norton, um dos especialistas em transmissores. O telepata virou a cabeça.

— A nave está penetrando na atmosfera — disse a voz de Jenkins. — Não há nenhuma nave inimiga nas proximidades.

A San José perdeu altitude rapidamente, mas não pousaria em Panotol. Marshall esperou que o comandante informasse as altitudes.

— Isso basta — disse depois de algum tempo.

Ao que parecia, na sala de comando havia alguém com a mão colocada sobre o acionador da comporta externa da eclusa, pois mal Marshall acabou de proferir estas palavras, a eclusa abriu-se, pondo à vista a atmosfera rarefeita do planeta.

— Saltem! — ordenou Marshall.

Bert Islacker foi o primeiro a desaparecer. O homem enorme deixou-se cair. Dez homens seguiram-no. Chegou a vez do próprio telepata. Gucky e Norton estavam a seu lado. O rato-castor fez uma observação que ninguém entendeu. Marshall ligou a aparelhagem embutida em sua mochila. Deu um passo para a frente, saindo da eclusa. Perdeu o apoio dos pés e foi planando em direção à superfície do planeta. Olhou para trás e viu que também os outros homens saíam da eclusa. Flutuando acima de suas cabeças, a San José parecia uma fortaleza que os protegia.

Marshall voltou a olhar para trás. A nave desaparecera.

Dali por diante só poderiam contar consigo mesmos. Lá embaixo o inimigo mais cruel que a Humanidade conhecera esperava por eles. Em torno de Marshall, os homens pertencentes ao comando foram descendo.

Cinqüenta homens haviam vindo para arrancar a presa das mãos dos pos-bis de Panotol. Pelo número de naves fragmentárias concluía-se que naquele mundo devia haver inúmeros robôs. Provavelmente seriam encontrados em toda parte. Mas não estavam concentrados no lugar que interessava a Marshall.

O telepata fez uma regulagem cuidadosa do propulsor de seu traje de combate.

À medida que se aproximavam da superfície, Marshall sentia-se cada vez mais deprimido diante da idéia da terrível superioridade dos pos-bis.

Eram apenas cinqüenta. Cinqüenta homens contra Panotol!

 

Rhodan recebeu o aviso do Major Jenkins. Fez um sinal para Jefe Claudrin.

— Conseguiram — disse. — O grupo de naves pode retirar-se.

O epsalense transmitiu as ordens correspondentes a todos os comandantes. Uma frota de guerra terrana retirou-se do sistema do sol Panot. Cinqüenta por cento de suas unidades haviam sido postas fora de combate.

Mas o objetivo fora atingido. Marshall e seus homens acabavam de pousar sãos e salvos em Panotol...

 

A mancha de sujeira que aparecia na paisagem marrom-amarelenta embaixo de John Marshall crescia rapidamente e assumiu nítidos contornos. Dali a pouco, o telepata conseguiu distinguir os diversos edifícios de estaleiro. A base dos saltadores fora construída nas proximidades do equador. As áreas residenciais dos mercadores formavam um círculo amplo em torno do estaleiro.

Em volta dessa área estendia-se o deserto sem vegetação, interrompido vez ou outra por cadeias de montanhas baixas.

Marshall reconheceu perfeitamente as abóbadas de aço plastificado que haviam servido de residência aos saltadores. Era de supor que os pos-bis os mantinham presos nesses lugares. O estaleiro propriamente dito dispunha de um grande campo de pouso. O mutante viu as diversas fábricas nas quais os robôs dos saltadores fabricavam peças de naves.

Já estava na hora de procurarem um bom esconderijo, pois voavam muito baixo. Marshall examinou a paisagem desértica.

— Marshall falando — disse pelo rádio de capacete. — À esquerda, a uns cinco quilômetros da abóbada exterior, existe uma cadeia de montanhas naturais. É lá que vamos pousar.

Virou o corpo, para que os outros pudessem orientar-se por sua trajetória.

— Que pena! — disse Gucky em tom de decepção. — Esperava que fôssemos pousar no meio dos pos-bis.

— Ras — disse Marshall, dirigindo-se a Tschubai. — Você e Gucky saltarão para o lugar em que pretendemos esconder-nos. Procure verificar se há vestígios da presença de pos-bis.

Vista de cima, a área parecia abandonada e segura, mas Marshall não queria correr o risco de ser descoberto antes da hora.

Tschubai e o rato-castor desmaterializaram-se, mas quando dali a três minutos Gucky voltou, estava só.

— Tudo bem — anunciou. — Ras ainda está examinando a área.

Marshall desceu resolutamente. Dali a pouco, viu o vulto de Tschubai entre as dunas. A voz do africano chamou-o pelo rádio de capacete.

— Por aqui só existe areia — disse. — Não sei o que os pos-bis poderiam procurar por aqui.

Todos os membros do comando pousaram perto do teleportador. O equipamento foi colocado numa barraca de material leve. Uma colina baixa impedia a visão para o lado em que ficava a estação dos saltadores.

— Ruscher e Jembrowski, subam na colina — ordenou Marshall. — Observem todos os movimentos no interior do estaleiro. Quero ser informado a intervalos regulares.

Os dois técnicos subiram pela elevação e colocaram-se num lugar em que se podia ver a base.

— Não vamos perder tempo — disse Marshall. — Todavia, é preferível que um dos teleportadores dê uma olhada em nossa área de operações, para que saibamos até onde devemos chegar. Kakuta irá.

O pequeno japonês fez um gesto de assentimento. Gucky remexia furiosamente os olhos, mas não se atreveu a formular qualquer objeção. Via-se que gostaria de saltar no lugar de Kakuta. Marshall não reagiu diante da demonstração muda do tenente. Cuidou dos preparativos da ação que se aproximava.

— Se eu fosse você, me materializaria em cima de uma das abóbadas — disse Gucky, dirigindo-se a Kakuta.

O pequeno mutante fez que sim. Não parecia preocupado. Seu rosto asiático permaneceu impassível. Gucky não conseguiu reprimir mais sua contrariedade.

— Um bom teleportador talvez fosse capaz de materializar-se no interior de uma das cúpulas.

— É verdade — respondeu Tako com a maior tranqüilidade. — Acabo de pensar nisso.

Gucky não teve tempo de pôr à mostra o dente-roedor, num gesto de indignação, pois o japonês desmaterializou-se assim que acabou de pronunciar essas palavras.

 

Tako Kakuta era o caráter mais ponderado entre os três teleportadores do Exército de Mutantes. Gucky era um individualista de atitudes imprevisíveis, enquanto Ras Tschubai muitas vezes era dominado pelo temperamento impetuoso. Kakuta era dotado de um autocontrole e de uma disciplina exemplares. Executava com extremo cuidado todas as tarefas que lhe eram confiadas.

Assim que se materializou em cima de uma das abóbadas de aço plastificado, o japonês deitou-se para não ser avistado por um eventual observador. Não demorou a constatar que do lado de fora do edifício não havia nenhum perigo. A construção parecia tranqüila e abandonada. Não havia a menor dúvida de que os neutralizadores acoplados com a máscara de robô funcionavam perfeitamente, pois os pos-bis ainda não os haviam atacado. Os robôs nem desconfiavam da presença do pequeno grupo.

O japonês levantou-se um tanto devagar, pois o traje de combate impedia a agilidade dos movimentos. Inspecionou a superfície da abóbada, o que se tornou um pouco difícil no lugar em que se encontrava, pois fora parar bem abaixo do ponto mais alto. Acima dele, os dutos do sistema de renovação de ar saíam da abóbada como se fossem veias metálicas. Cada abóbada dispunha de seu sistema de renovação, pois os mercadores, tal qual os terranos, não podiam respirar o ar rarefeito de Panotol.

Kakuta subiu desajeitadamente ao lugar em que se encontrava um dos dutos. Segurou-se no mesmo e passou os olhos pela cidade residencial dos mercadores. Se os pos-bis tivessem agido logicamente — e ninguém duvidava disso — só poderiam ter abrigado os prisioneiros no seu habitat.

Kakuta precisava ter certeza. Para verificar se os saltadores se encontravam nos seus abrigos, não bastaria andar caminhando sobre a abóbada e esperar que saísse um dos guardas pos-bis para averiguar quem estava fazendo tamanho barulho. Teria de encontrar outro meio. Passou por cima do conjunto de dutos o mais depressa que seu traje permitia. A superfície da abóbada era lisa, mas não escorregadia, pois a atmosfera de Panotol era muito seca. Reconheceu duas viseiras ovais na parte inferior da abóbada que ficava em frente àquela em que se encontrava. Estavam fechadas por dentro. O mutante teleportou-se para o lado oposto da cobertura, a fim de verificar o que havia no outro edifício. Desta vez teve sorte. Duas viseiras estavam abertas. As lâminas de quartzo refletiam a luz do sol que se encontrava próximo à linha do horizonte.

Quando tinha dado alguns passos na direção das viseiras, três pos-bis saíram da abóbada. Dois dos perigosos inimigos tinham o aspecto de um Z, enquanto o outro se parecia com um retângulo torcido.

No primeiro instante Kakuta ficou estarrecido, pois acreditava ter sido descoberto. Mesmo que acreditassem que era um robô dos saltadores, ficariam curiosos para saber o que o mesmo fora fazer em cima da abóbada. Mas os pos-bis prosseguiram e mergulharam atrás do ângulo morto da cobertura. Seu coração batia apressadamente. Confessou a si mesmo que fora leviano. Os pos-bis estavam em toda parte.

O teleportador executou um ligeiro salto para baixo. O trecho de terra plana que separava as abóbadas parecia abandonado. Ouviam-se ruídos vindos da área industrial distante. Kakuta olhou em torno e correu resolutamente em direção à abóbada, pois esperava poder observar o interior da mesma. Se aparecesse algum pos-bi, prosseguiria tranqüilamente na sua caminhada, na esperança de que era um robô dos mercadores que cuidava dos seus afazeres.

O japonês sentiu-se satisfeito ao atingir a primeira viseira. Esticou-se um pouco, para poder olhar pela janela de quartzo. A chapa de reflexos de sua máscara de robô era bastante elástica, mas as juntas do traje de combate dificultavam-lhe certos movimentos.

Finalmente Kakuta viu o interior da abóbada, onde havia ao menos trinta mercadores presos. Os saltadores mantinham-se quietos. Pareciam conformados com o seu destino. Apenas uns poucos conversavam. De repente um deles olhou para a janela e viu Kakuta, ou melhor, o envoltório que protegia o japonês. O prisioneiro levantou-se de um salto. Pelos movimentos de sua boca percebeu que gritava alguma coisa para os companheiros. Um velho barbudo, que Tako supunha ser um patriarca, aproximou-se da janela. Não era provável que tivesse reconhecido um terrano no vulto medonho que se encontrava junto à abóbada. Kakuta viu uma expressão de desconfiança nos olhos do velho.

Os prisioneiros já não estavam tão calmos. Haviam-se levantado e aproximaram-se da janela. Kakuta gostaria de dar-lhes um sinal, mas com isso os pos-bis teriam conhecimento da presença do comando, mesmo que os saltadores não o quisessem.

O patriarca disse alguma coisa. Seus lábios grossos faziam movimentos violentos. Sem que o quisesse, o japonês fez um movimento. O silêncio passou a reinar no interior do recinto. Tako viu um pos-bi entrar do outro lado. Assustados, os saltadores recuaram diante do mesmo. O mutante abaixou-se instantaneamente. Em hipótese alguma queria ser visto.

Mesmo que os saltadores tivessem uma possibilidade de comunicar-se com os robôs, sem dúvida teriam a cautela de não dizer nada sobre a visão estranha que aparecera junto à janela. Kakuta olhou em torno. Achou que não havia necessidade de inspecionar outras abóbadas. Já sabia perfeitamente para onde os saltadores haviam sido levados.

Kakuta gostaria de animar os prisioneiros, embora não nutrisse sentimentos amistosos para com os mesmos. Mas, qualquer pessoa que se encontrasse em poder dos pos-bis devia receber apoio, pois os robôs representavam uma ameaça para toda vida orgânica da Galáxia. Por isso mesmo os senhores inteligentes orgânicos deviam manter-se unidos.

Tako Kakuta materializou-se e chegou bem a tempo de interromper uma discussão sobre seu paradeiro, em que estavam envolvidos Gucky e Tschubai.

Kakuta foi diretamente ao assunto.

— Os pos-bis prenderam os saltadores nas abóbadas residenciais — disse, dirigindo-se a Marshall. — Ao que parece, só há uns poucos guardas, que em caso de necessidade poderão ser colocados fora de ação em pouco tempo.

— Conseguiu descobrir alguma coisa sobre o estaleiro e as instalações industriais? — perguntou o chefe dos mutantes.

— Tenho a impressão de que a produção continua — disse Kakuta. — Como se sabe, as instalações são inteiramente automatizadas. Os robôs não perturbam nenhum outro robô e nem o impedem de trabalhar...

— Pelo contrário — completou o experiente Islacker — procuram ajudar tudo quanto é criatura mecânica.

— Isso facilitará nossa entrada nas fábricas — disse Marshall, satisfeito. — Pelas experiências já colhidas, conclui-se no interior do estabelecimento há pelo menos mil robôs dos saltadores, que são vigiados, ou talvez controlados, pelo centro positrônico de computação do estaleiro. Não deverá haver nenhuma dificuldade em nos introduzirmos entre as fileiras dessas máquinas. Se agirmos com cuidado, não chamaremos a atenção dos pos-bis.

Gucky, cujo aspecto de rato-castor estava quase totalmente oculto atrás do traje voador e da máscara de robô, disse:

— Acho que deveríamos dividir-nos em vários grupos.

— Não — respondeu Marshall. — Ficaremos juntos. Em caso de necessidade os teleportadores poderão realizar missões de reconhecimentos e os outros mutantes poderão resolver outros problemas.

Wuriu Sengu, o mutante espia, perguntou:

— Por que não vamos diretamente à Totzta IX e iniciamos nosso trabalho? Se os pos-bis não nos reconhecem como seres humanos, não se importarão para onde vamos.

Com a ponta da carabina de radiações Marshall desenhou um círculo na areia do deserto. No centro do circulo ajuntou montes de areia, formando elevações artificiais, enquanto na periferia abriu buracos.

— Suponhamos que isto sejam as instalações do estaleiro — disse. — Aqui — marcou um ponto situado fora do grande círculo — está a nave avariada dos saltadores. É de se supor que os pos-bis controlem os comandos do grande centro de computação do estabelecimento. Quer dizer que estão informados sobre a atuação dos robôs dos saltadores. Se caminhássemos diretamente daqui para a Totzta IX, logo desconfiariam.

A testa de Sengu enrugou-se. Parecia não ter compreendido.

— Será que a situação se modifica se sairmos da base dos saltadores e formos até a nave?

O rosto de Marshall estava quase invisível, mas todos sabiam que sorriu enquanto dava sua resposta.

— A situação sofreria uma modificação radical — disse o telepata. — Seremos acompanhados por algumas dezenas de robôs dos saltadores, que carregarão ferramentas.

— O senhor acaba de dizer que em sua opinião os pos-bis controlam o centro de computação que comanda as ações dos robôs — começou Sengu, em tom de perplexidade. — Logo constatarão que o dispositivo positrônico não deu ordem para que os robôs reparassem a nave.

— O computador dará essa ordem — asseverou Marshall.

— Como? — perguntou Sengu, estupefato.

Marshall tirou uma folha de metal do bolso. Segurou-a à frente do capacete do espia.

— Sabe o que é isso, Sengu?

— Uma folha de programação — constatou o mutante. — É verdade que não é igual às folhas dos nossos computadores de bordo.

— É claro que só pode ser diferente — disse Marshall. — Pois destina-se a um computador do tipo dos que são utilizados pelos mercadores galácticos.

Sengu fitou seu superior num misto de reverência e incredulidade.

— Quer dizer que o senhor pretende trocar as folhas de programação?

— Isso será a primeira parte de nossa tarefa — informou Marshall. — Iremos à Totzta IX juntamente com um grupo de reparos formado por robôs saltadores.

Sengu, que já avançara até um planeta dos pos-bis juntamente com um grupo de homens arrojados dirigidos por Brazo Alkher, sentiu voltar o velho temor.

— E os pos-bis? — perguntou. — O que faremos com eles?

Com alguns movimentos do pé direito, Marshall apagou o desenho rudimentar que acabara de traçar na areia. Ergueu a cabeça e disse:

— Atravessaremos a base que eles conquistaram.

Sengu entregou-se aos seus pensamentos: “Entraremos na zona da morte e nela permaneceremos por algum tempo? Provavelmente nunca sairemos da mesma! Marshall pretende andar entre os inimigos como se fosse um deles... E não é só. Pretende executar outras tarefas, e cada uma delas põe em risco a vida dos homens. Não estaríamos caminhando para a morte de olhos abertos?”

Sengu observou os homens do comando.

Gostaria de saber o que estavam pensando naquele instante. Soltou um suspiro e controlou o suprimento de oxigênio de seu traje de combate. Lançou um olhar contrariado para o desenho que Marshall acabara de destruir. A base estava cheia de pos-bis. Era bem possível que tivesse de andar nas imediações deles. A simples idéia causava-lhe calafrios.

Deviam estar loucos, pois só um louco participaria de uma missão como esta.

— Vamos andando! — disse a voz de Marshall.

“Até parece que marchamos para um abismo”, pensou Sengu enquanto começava a mover as pernas.

Cinqüenta homens caminhavam pelo deserto, um atrás do outro; não formavam uma fila muito extensa. Wuriu Sengu olhou para trás. Teve a impressão de ver um grupo pequeno e indefeso. Guardou a arma sob a “roupa” de robô. Quando chegaram ao topo da cadeia de montanhas, viram a base. As abóbadas de aço plastificado brilhavam sob a luz do sol Panot.

— Bem que gostaria que Moders estivesse conosco — disse Sengu. — Num momento como este suas teorias sempre têm algo de tranqüilizador.

— O senhor se daria por satisfeito com uma teoria sobressalente? — perguntou Tama Yokida.

— Sem dúvida; desde que seja tão incompreensível como as teorias do robólogo — disse Sengu, em tom desanimado.

— Silêncio! — ordenou Marshall. — Acho que não será conveniente sairmos do deserto nesta formação. Vamos dividir-nos em cinco grupos de dez homens. Assim que atingirmos a área residencial, situada no interior da base, voltaremos a reunir-nos.

Marshall designou Sengu, Tschubai, Kakuta e Atkins para comandar quatro grupos.

— Gucky irá comigo — ordenou Marshall.

Sengu fez um sinal para os homens que o acompanhariam e separou-se dos outros que caminhavam em todas as direções.

— O senhor acha que deveríamos ternos separado? — perguntou um dos técnicos.

O espia não respondeu. Visto dali, o estaleiro parecia calmo e pacato. Sengu teve uma forte impressão de que esse quadro não demoraria a modificar-se.

 

Pouco antes de seu grupo atingir a primeira abóbada residencial, Marshall perdeu de vista Ras Tschubai, cujo grupo caminhava a cem metros do lugar em que se encontrava. John Marshall sabia perfeitamente que, no grande jogo em que estava envolvido, todo trunfo deveria ser aproveitado. E seus trunfos não eram muitos.

Caminhando à frente da coluna, o telepata passou pelo abrigo dos saltadores. Chegaram a uma área livre, onde o chão estava coberto por uma massa escura. Mais ou menos no centro havia várias elevações semelhantes a abrigos subterrâneos, entre os quais algumas dezenas de robôs dos saltadores andavam apressadamente de um lado para outro. Marshall viu várias máquinas desaparecerem a intervalos regulares no interior dos abrigos, depois de colocarem nos braços certos materiais retirados de um veículo automático.

O telepata não hesitou. Caminhou na direção dos robôs. Supunha que os abrigos fossem depósitos subterrâneos, nos quais os mercadores guardavam mercadorias valiosas.

Os robôs nem olharam para os homens que se aproximavam. Atinham-se estupidamente à sua programação, que provavelmente só determinara que realizassem esse trabalho de descarga.

Marshall teve uma idéia arrojada. Caminhou em direção ao veículo e esperou até que surgisse um intervalo na fileira de robôs. Colocou-se junto ao dispositivo de descarregamento. Logo se arrependeu da idéia, pois do veículo saiu um volume pesado que caiu em seus braços. Por pouco não tomba com o peso. Prendeu a respiração e entesou o corpo.

Islacker, que se encontrava atrás dele, lançou-lhe um olhar indagador pelo visor do capacete pressurizado. Marshall fez uma careta. Islacker parecia um tanto desconfiado quando se colocou junto ao dispositivo de descarregamento. Marshall teve a impressão de ouvir um gemido do homem quando este recebeu sua carga e, cambaleante, seguiu seu superior. O telepata apressou-se, a fim de acompanhar o robô que caminhava à sua frente. O artefato dos saltadores parecia carregar o peso sem o menor esforço. Caminhava em direção à entrada do abrigo.

Marshall sentiu pena ao pensar em Gucky, mas logo se lembrou de que o rato-castor poderia usar suas energias telecinéticas. A dificuldade de carregar um grande peso, envergando um traje de combate arcônida, tornou-se quase insuperável à medida que prosseguia a caminhada. Teve a impressão de que seus braços estavam ficando dormentes, embora se esforçasse para distribuir por igual o peso de sua “bagagem”.

— Acredito — disse Islacker, falando com dificuldade pelo rádio de capacete — que alguns dos homens já não têm muita coisa em comum com os robôs.

Marshall dobrou os braços, apoiando o peso no antebraço. Respirava com certa dificuldade. Assim mesmo gostaria de dizer algumas palavras para animar os companheiros. Se deixassem cair a carga, os pos-bis desconfiariam.

O telepata teve a impressão de que a distância até a entrada do abrigo era maior do que supusera. Preferiu não olhar para trás, pois imaginava perfeitamente que nove figuras desajeitadas cambaleavam: atrás dele, cada uma levando sua carga.

O robô que caminhava à frente de Marshall atingiu a entrada do abrigo e desapareceu no interior do mesmo.

— Não venha me dizer que pretende segui-lo — disse uma voz distorcida pelo esforço.

— Acho que não teremos outra alternativa — respondeu Marshall.

— Um desses robôs está caminhando entre mim e Norton — disse Yokida. — Não formamos uma fila cerrada. Pelo menos cinco dessas máquinas introduziram-se na mesma.

Marshall também chegou ao abrigo. Viu um corredor estreito, escassamente iluminado, que levava para baixo. Suspirou e prosseguiu. Dali a pouco, voltou a ver o robô que caminhara à sua frente. Carregava o material em direção a uma fita transportadora, montada no interior do corredor.

Depois de colocar o material sobre a fita, virou-se e voltou a caminhar em direção à saída.

— Pelo amor de Deus, chefe — disse Islacker num gemido. — Ele está voltando para pegar mais carga. O senhor não pode esperar que nós façamos o mesmo.

Marshall atingiu a fita transportadora e soltou sua carga com um gemido. Islacker passou cambaleante. Atrás do técnico veio um robô, que largou sua carga como se fosse um brinquedo. Caminhando junto à fita transportadora, Marshall avançou um pedaço do corredor a dentro. Esperou que todos estivessem reunidos. Os robôs prosseguiam no trabalho sem interessar-se pela presença dos humanos.

Gucky, que foi o último a entrar, fez a carga descer suavemente sobre a fita transportadora. Teve plena consciência dos olhares invejosos dos companheiros.

— E agora? — perguntou em tom arrojado.

Marshall lançou um olhar pensativo para o material que estava sendo carregado pela fita.

— Para onde será que isso vai? — perguntou.

— Provavelmente para algum depósito subterrâneo — disse o Dr. Bryant.

— É possível — admitiu Marshall. — Mas não acho que seja muito provável.

Yokida abriu caminho junto aos outros homens.

— Qual é sua opinião, chefe? Parece que o senhor tem uma idéia bem definida.

Marshall estendeu o braço e apontou para a fita transportadora. Os robôs vinham ininterruptamente, largavam suas cargas e tornavam a desaparecer.

— Acredito que essa fita transportadora leva a carga para o interior da base — disse Marshall, esticando as palavras.

— Talvez o senhor tenha razão — o Dr. Bryant falou mais alto, pois estava excitado. — Basta que sentemos na fita e deixemos que esta nos leve para o interior da base.

Era uma idéia bastante plausível, mas Marshall preferia que seu grupo se unisse aos outros, antes de tomar outras medidas.

— Gucky seguirá a fita transportadora um pedaço — disse. — Enquanto isso, os outros irão buscar mais carga, para não despertar a atenção de ninguém. Afinal, teremos de esperar...

— Chefe! — fungou Islacker. — O senhor acha que devemos trazer mais um volume?

— Deixe de lamentar-se — ordenou Marshall. — Prometo-lhe que antes de concluirmos esta missão os senhores apresentarão bolhas e calos em todas as partes do corpo...

— Sem dúvida o senhor terá todas as condições para cumprir sua promessa — respondeu Islacker, zangado.

Virou-se, enquanto seus companheiros riam gostosamente. Foram caminhando em direção à saída. Enquanto isso Gucky desmaterializava-se para seguir o caminho da fita transportadora.

Marshall e o Dr. Bryant foram os primeiros a saírem do abrigo. Os robôs acabavam de concluir seu trabalho. O veículo automático já se havia afastado.

Três pos-bis estavam parados no lugar em que estivera pouco antes.

Marshall parou de repente, fazendo com que Yokida, que vinha logo atrás, esbarrasse nele.

 

Para Ras Tschubai todas as abóbadas eram iguais. Mas, como as mesmas estavam dispostas em círculo em torno do estaleiro, fatalmente haveriam de encontrar-se com os outros grupos, desde que tivessem paciência e permanecessem junto aos abrigos. O africano estava acostumado a enfrentar tudo quanto era perigo. Já se defrontara com a morte em suas diversas feições, mas nunca desertara.

André Noir, o hipno, que caminhava silenciosamente a seu lado, sabia que, caso fossem descobertos pelos pos-bis, só os teleportadores teriam uma boa chance de escapar. Não os invejava por suas faculdades, pois sabia por experiência própria que os dons paranormais não contribuíam para tornar mais tranqüila a vida dos que os possuíam.

As reflexões de Noir foram interrompidas por um solitário robô dos saltadores, que se desprendeu da sombra de uma das abóbadas. Tschubai parou instintivamente. O robô veio em sua direção.

— O que será que ele quer de nós? — cochichou Norton, nervoso. — Não estou gostando nem um pouco.

Antes que Tschubai pudesse responder, surgiram mais dois robôs.

— Continuem! — ordenou o teleportador.

Quando chegaram ao lugar em que se encontrava a primeira máquina, a mesma levantou o braço mecânico. Mais uma vez Tschubai ficou parado. Os pensamentos atropelavam-se em seu cérebro. Mais três robôs saíram de perto da abóbada e caminharam em sua direção. O africano apalpou a carabina de radiações oculta sob a “roupa” de robô.

— Até parece que já nos esperavam — disse Driftwood.

Tschubai começou a ter uma idéia vaga do que poderia significar aquilo.

— Para eles somos uma espécie de revezamento — disse.

— Revezamento? — repetiu Norton como quem não compreende nada. — O que quer dizer com isso?

Tschubai sentiu o suor porejar em sua testa, embora o sistema de condicionamento de ar de seu traje garantisse uma temperatura agradável.

— Concluíram algum trabalho e querem que nós prossigamos no mesmo — disse, ligeiramente irritado. — O serviço que tinha de executar junto à abóbada terminou. Pensam que nós continuaremos.

Norton gemeu baixinho.

— Pelos planetas da Galáxia, Ras! Qual será o trabalho que eles fizeram? Não podemos começar a trabalhar ao acaso.

— Isso não passa de uma suposição sua, Tschubai — observou Hanson. — Sugiro que continuemos a andar.

— Até parece que o senhor quer chamar a atenção dos pos-bis — disse Tschubai, sacudindo a cabeça. — Nada disso. Se esperam que façamos algum trabalho, nós o faremos.

O pé de Hanson bateu furiosamente no chão.

— Como podemos executar um trabalho sem saber qual é ele?

— Precisamos descobrir — disse Tschubai. O africano estava cada vez mais nervoso, pois os robôs mantinham-se imóveis, como se esperassem alguma reação dos recém-chegados. Num gesto resoluto Tschubai mudou de direção e caminhou em direção à abóbada da qual haviam vindo os robôs.

No momento em que todos os homens se puseram em movimento, os robôs despertaram de sua rigidez e foram-se afastando.

Enquanto se aproximava da abóbada, Tschubai não se sentiu nada à vontade. Esforçou-se desesperadamente para encontrar alguma indicação do que os robôs haviam feito.

“Não é tão simples agir como um robô dos saltadores”, pensou Tschubai num humor sarcástico.

— Ras — disse Norton com uma estranha ênfase. — Olhe para trás.

Tschubai olhou para trás e sentiu uma dor no estômago. Viu vários robôs dos saltadores, vindos de outro lado.

— Este deve ser o verdadeiro revezamento — conjeturou Driftwood, em tom sombrio.

O teleportador parecia sentir-se paralisado diante da idéia. Qualquer pos-bi que acompanhasse os fatos ficaria desconfiado. Seria o princípio do fim. Tschubai fez um esforço para pensar em algo, mas nenhuma idéia ocorreu-lhe. Todos os terranos pareciam perplexos, parados junto à abóbada. Os robôs aproximavam-se rapidamente.

— Tenho a impressão de que um dos grupos está sobrando — observou Hanson, em tom amargo.

Por mais que forçasse a cabeça, o mutante não encontrou nenhuma solução. De qualquer maneira não poderiam ficar parados por mais tempo. Tschubai não teve outra alternativa senão jogar todos os trunfos numa só cartada. Nunca acreditara que, logo de início tivessem de enfrentar tamanhas dificuldades.

— Temos de seguir adiante — disse em tom insistente.

Alguém o segurou pelo braço. Olhou para trás e viu o rosto furioso de Hanson.

— Vamos para a abóbada? — chiou o técnico. — O senhor não pode estar falando sério.

Tschubai sentiu-se inseguro quanto ao acerto de sua decisão, e isso o deixou furioso.

— Quem dá ordens por aqui sou eu — disse em tom áspero. — Não vamos cometer um erro que coloque em risco a vida dos outros. Se ficarmos presos por algum tempo, Marshall ainda disporá de quarenta homens para levar avante a missão.

Sem esperar a resposta de Hanson, foi caminhando em direção ao abrigo dos mercadores.

Levariam menos de três minutos para chegar à abóbada. Dali a mais quatro minutos chegariam os verdadeiros robôs. Os terranos não sabiam qual era o trabalho que deveriam executar no interior da abóbada.

 

Islacker praguejou fortemente para dar vazão à sua terrível decepção. Os homens que se encontravam no fim da fila procuraram olhar para fora, mas o Dr. Bryant e Marshall obstruíam sua visão.

— Silêncio! — pediu Marshall. — Não vamos perder a calma.

Provavelmente os pos-bis ainda não os haviam visto, pois era certo que não dariam grande atenção aos trabalhos de rotina executados pelos robôs dos saltadores. Os pos-bis que se encontravam à frente do abrigo exibiam a característica forma bizarra, mas um deles tinha um aspecto ainda mais estranho que os outros. Aquilo até parecia obra de um lunático.

— O que vamos fazer? — perguntou Dr. Bryant, apavorado.

Marshall viu que os robôs dos saltadores, que haviam descarregado o veículo, entraram em fila e foram se afastando. Era tarde para acompanhá-los.

Como Gucky ainda não tivesse voltado, não sabiam para onde levava a fita transportadora. Marshall fazia votos de que os pos-bis não se aproximassem mais do abrigo. Só lhes restava esperar. Foi o que Marshall disse ao Dr. Bryant.

Os pos-bis continuaram no mesmo lugar. Até parecia que seus mecanismos sensoriais estavam vasculhando a área. Era claro que isso não passava de imaginação. Marshall viu os robôs dos saltadores desaparecerem atrás de um dos edifícios residenciais. Só os pos-bis continuavam a interpor-se entre eles e a base propriamente dita.

Subitamente aconteceu uma coisa que provocou um calafrio no chefe do Exército de Mutantes. Tako Kakuta e seu grupo saiu de trás de uma das abóbadas. Não poderiam ver os pos-bis, já que o edifício se interpunha entre eles e o inimigo.

Se Kakuta, que caminhava à frente dos outros, desse mais vinte passos, ele se colocaria bem no campo de visão dos pos-bis. E estaria a menos de cinqüenta metros deles. Aflito, Marshall observava os homens que se aproximavam.

— Tako — disse com a voz tranqüila pelo rádio de capacete. — Aqui fala Marshall. O senhor não me vê, mas eu sei onde o senhor se encontra. Se prosseguir na mesma direção, irá cair diretamente nos braços de nossos “grandes amigos”.

Viu que o japonês parou e levantou o braço.

— O que devemos fazer? — perguntou Kakuta. — Acho que não seria recomendável voltarmos.

Enquanto Marshall refletia intensamente, Gucky materializou-se a seu lado.

— Sua suposição é correta, John — informou. — A fita leva para uma fábrica. Passa por algumas estações intermediárias.

— Viu algum pos-bi?

— Não — respondeu o rato-castor, — Vez por outra um robô dos saltadores controla a fita. Não há mais nada.

— Chefe! — gritou Kakuta, em tom nervoso. — Não podemos continuar parados por aqui. Diga onde está, para que possamos reunir-nos.

A fita transportadora era o caminho ideal que os levaria ao estaleiro. Evitariam o risco de serem vistos por pos-bis na superfície. Restava saber o que faria Marshall para que os cinqüenta homens do comando fossem ao abrigo. Os três pos-bis pareciam grudados ao chão e fechavam o caminho ao grupo de Kakuta.

Três carros robotizados aproximaram-se, vindos pela área livre que ficava entre o posto interno e externo. Marshall seguiu-os com os olhos, bastante desconfiado, até que se aproximassem de uma das abóbadas.

— O que será isso? — perguntou o Dr. Bryant.

— Por que é que o senhor não tenta ler os pensamentos de um robô? — perguntou Marshall em tom contrariado.

Os carros pararam. Da abóbada saíram três robôs saltadores, que se aproximaram dos mecanismos de descarga. Cada qual recebeu um pacote e os carros afastaram-se em silêncio. De repente os pos-bis locomoveram-se tão depressa que alcançaram os robôs antes que os mesmos pudessem entrar na abóbada. Os pos-bis pararam as máquinas e puseram-se a examinar cuidadosamente os volumes que os robôs carregavam. Marshall procurou descobrir a finalidade daquilo. Por certo os volumes destinavam-se aos prisioneiros. Os pos-bis queriam verificar se os saltadores recebiam alguma coisa com a qual pudessem causar algum dano aos seres vindos nas naves fragmentárias.

Os carros automáticos chegaram ao edifício residencial e repetiram o mesmo procedimento. Antes de liberarem o transporte dos volumes, os pos-bis os examinaram.

— Está vendo a construção em forma de abrigo no meio da área livre, Tako? — perguntou Marshall.

— Naturalmente, chefe — respondeu o japonês.

— Pois vá depressa a esse lugar. Descobrimos uma passagem subterrânea que leva para dentro da base.

Kakuta soltou um assobio. Os homens puseram-se em movimento. Marshall reprimiu uma tensão instintiva de pedir que andasse mais depressa. Não poderiam andar mais depressa sem chamar a atenção. Sabiam que a máscara de robô e o neutralizador individual funcionavam perfeitamente e não permitiriam que os pos-bis os descobrissem. Apesar disso Marshall teve a impressão de que a caminhada de Kakuta pela área livre não tinha fim.

Finalmente o japonês apareceu na entrada.

— Onde estão os outros? — foi a primeira coisa que perguntou.

— Ainda não poderiam estar aqui... — disse Marshall, hesitante. — Sengu e Atkins levarão pelo menos mais dez minutos.

Kakuta, que não deixou de notar a vacilação, perguntou imediatamente:

— O que houve com Ras?

Marshall lançou um olhar para o relógio.

— Parece que ficou preso em algum lugar. Já gastamos mais trinta minutos do que nosso plano previa. Felizmente — apontou para a fita transportadora — descobrimos um meio de recuperar o tempo perdido, pois faremos uma viagem rápida e confortável para as fábricas.

Marshall só teve razão num ponto: a viagem seria rápida.

Mas não seria confortável!

 

A comporta externa da abóbada estava aberta. Era um sinal de que os robôs haviam saído da mesma. Quer dizer que o falso revezamento, formado por Tschubai e seus companheiros, teria que penetrar na eclusa. Não se sabia o que faria o verdadeiro revezamento. Afinal, isso dependia de uma série de fatores desconhecidos.

O que aconteceria depois que os terranos tivessem entrado na eclusa?

O teleportador sentiu-se apavorado ao lembrar-se de que talvez a comporta pudesse fechar-se automaticamente. Se isso acontecesse, os verdadeiros robôs dos saltadores teriam de ficar do lado de fora e não poderiam cumprir as ordens introduzidas em sua programação.

E, dentro de alguns minutos, os pos-bis perceberiam que alguma coisa não estava em ordem.

Tschubai mordeu o lábio. Em hipótese alguma deveriam entrar na eclusa antes dos robôs.

— Andem mais devagar — ordenou Tschubai. — Deixem que os robôs se aproximem.

O africano sabia que um único erro poderia representar o fracasso da missão. Se não conseguisse evitar que os pos-bis o descobrissem, pretendia ao menos retardar a descoberta até que a ação de Marshall tivesse sido bem-sucedida.

Andaram devagar, e aproximaram-se da eclusa. Tschubai foi o primeiro a atingir a saliência que envolvia a câmara. Noir, que caminhava a seu lado, tropeçou e caiu para a frente. Tschubai ouviu Hanson praguejar, mas o hipno logo voltou a controlar-se. Tschubai não poderia acusar o mutante, pois a carga nervosa a que estavam submetidos era muito grande. Mais uma vez só lhes restava fazer votos de que nenhum pos-bi os tivesse visto.

A eclusa abriu-se à sua frente, escura e ameaçadora. Tschubai caminhou lentamente em sua direção. Olhou para trás e viu que os robôs já se encontravam perto dele.

— Eles nos alcançaram — disse Teschniann, que caminhava no fim.

Tschubai entrou na eclusa. O primeiro robô já se encontrava ao lado de Noir. O terrano e o robô entraram ao mesmo tempo. Tschubai olhou para a luz ofuscante do dia, como se pudesse levar um pedaço de liberdade para a câmara da eclusa. Nenhum dos homens disse uma única palavra. Os robôs, que se encontravam entre eles, esperaram.

Naquele momento, a eclusa externa começou e fechar-se, primeiro bem devagar, depois cada vez mais rapidamente.

— Agora estamos na ratoeira — disse Hanson.

Tschubai sentiu um temor profundo naquela voz, um temor de que, segundo parecia, Hanson ainda não se dava conta, mas que acabaria por irromper e poderia transformar-se no início de um estado de pânico. O mutante passou os olhos pela eclusa debilmente iluminada.

Por que a comporta interna estava sendo aberta? Quando poderiam entrar na abóbada? Viu Noir fazer um gesto nervoso. As máscaras de robôs, que os homens traziam sobre o rosto, cintilavam sob os efeitos da luz artificial como se fossem peixes molhados. A impaciência de Tschubai aumentava cada vez mais.

Finalmente a parede interna abriu-se, permitindo que vissem o hall. Os robôs logo saíram resolutamente da eclusa.

— Vamos segui-los — ordenou o africano.

Nas paredes laterais do hall havia várias portas numeradas. Atrás delas estavam os mercadores presos, que nem desconfiavam de que dez terranos haviam penetrado ali para libertá-los. Mas por enquanto não havia a menor possibilidade de ajudá-los.

Acompanharam os robôs até chegarem a um elevador, no qual só havia lugar para cinco pessoas. Eram sete máquinas. Quatro entraram no elevador, enquanto as outras esperaram. Olhando pela porta de vidro, Tschubai viu os robôs descerem.

— Parece que há um subterrâneo embaixo da abóbada — disse Teschmann. — Quem sabe o que fazem lá embaixo?

Depois de algum tempo o elevador voltou. Os três robôs restantes, Tschubai e Teschmann entraram no mesmo.

— Siga-nos com os outros homens — ordenou Tschubai, dirigindo-se ao hipno.

Noir fez que sim. Seu rosto pálido desenhava-se nitidamente sob a lâmina transparente do visor.

O elevador foi descendo. Tschubai viu os homens que se encontravam junto ao elevador desaparecerem como num filme correndo na vertical. Procurou avaliar a distância percorrida. O elevador parou com um solavanco. Tschubai e Teschmann desceram. Viram-se num corredor branco, cheio de fumaça. O africano teve a impressão de ver os contornos vagos dos robôs em meio à névoa.

Sentiu que Tschmann o sacudia.

— O elevador! — gritou o técnico. — Está parado.

O ambiente devia ser quente e úmido, pois as máscaras de robôs ficaram embaçadas de vapores e começaram a pingar. Tschubai voltou ao elevador.

— Provavelmente reage a algum impulso transmitido por nós — disse em tom pensativo.

Um robô saiu da névoa e colocou alguma coisa ao lado do elevador. Logo voltou a mergulhar na bruma. Tschubai abaixou-se para examinar o objeto deixado pelo robô. Levantou-o, para que Teschmann pudesse vê-lo.

— O que é isso? — perguntou o técnico, desconfiado.

— Uma peça de roupa — respondeu o mutante, falando devagar. — Uma peça de roupa pertencente a um mercador galáctico.

Teschmann fez uma careta, enojado.

— Está toda suja — disse.

Tschubai deixou cair a peça de roupa.

— Venha — disse. — Temos que cuidar do elevador.

Não queria que Teschmann ficasse ainda mais preocupado, mas unha uma idéia da importância daquilo que haviam encontrado. Tinha a impressão de que já sabia o que os robôs estavam fazendo aqui embaixo. Agiam por ordem dos pos-bis. Estavam procurando um saltador que fugira pela canalização. Naturalmente isso não passava de uma suposição, mas não descobriu outro motivo para a presença da peça de roupa suja.

Teschmann pôs-se a trabalhar no elevador.

— Saltarei para junto de Noir — disse Tschubai. — Tome cuidado enquanto eu não estiver aqui.

Teschmann fitou-o um tanto assustado. Não parecia ter muita vontade de ficar só naquele lugar. Mas antes que pudesse formular qualquer objeção o mutante desmaterializou-se.

Quase no mesmo instante, o elevador deu um solavanco. Teschmann soltou um grito. O elevador descera ainda mais, o que era um sinal que havia outros recintos situados mais embaixo.

Teschmann procurou ver o que havia no meio da fumaça. Outro robô aproximou-se. Cambaleante como se estivesse embriagado. Quando saiu da bruma, o técnico constatou que não era nenhum robô.

Era um saltador que vestia uma calça rasgada. O homem fitou o terrano. Arregalou os olhos. Sua boca balbuciou palavras incompreensíveis. Depois disso caiu ao chão.

“Ele imagina estar vendo um pos-bi”, pensou Teschmann, assustado.

Aproximou-se do homem caído, que procurou sair rastejando. Teschmann segurou-o e levantou-o. O saltador parecia louco de medo. Teschmann esteve a ponto de tranqüilizá-lo, quando apareceu um robô e apoiou o saltador do outro lado. Teschmann percebeu que a máquina seguia em direção ao elevador. Não teve outra alternativa senão acompanhá-la. O saltador gemia e procurava desvencilhar-se. Chegaram ao elevador. O robô moveu alguns controles, até que a cabina aparecesse. Teschmann entrou juntamente com o robô e o saltador. Mais uma vez a máquina emitiu um impulso. Começaram a subir.

O técnico estava banhado de suor. A única coisa que poderia fazer era apoiar o saltador. Num misto de ironia e desespero perguntou a si mesmo qual dos dois, ele ou o saltador, tinha mais medo.

O elevador parou. A porta abriu-se, e Ras Tschubai, que estava junto aos outros homens, deu instintivamente um passo para trás.

— Teschmann! — exclamou. — O que é isso?

— Acabo de prender alguém — disse Teschmann, desolado.

À luz forte do hall, o saltador notou quem eram realmente os “robôs”. Uma verdadeira torrente de palavras saiu de sua boca.

O robô dos saltadores não deixou que o incidente o perturbasse. Continuou a arrastar seu ex-dono. Teschmann ficou parado e deixou cair os braços. Não sabia mais o que fazer.

— Temos de pensar em alguma coisa — disse André Noir, em tom contrariado. — Antes de mais nada tenho de aplicar um bloqueio hipnótico a esse sujeito, pois do contrário acabará contando bobagens aos pos-bis.

O saltador gritava e numa raiva incontida procurava bater nas pernas metálicas do robô.

— No momento não podemos fazer nada por ele — disse Tschubai. — Precisamos encontrar um bom esconderijo — refletiu por um instante. — Quando tivermos encontrado um lugar adequado, saltarei para onde está Marshall a fim de apoiá-lo.

Fez um gesto cortês em direção ao elevador.

— Entrem, cavalheiros! — disse, enfatizando as palavras.

— O senhor sempre costuma ser tão gentil? — resmungou Hanson.

O rosto negro de Tschubai contraiu-se Seus dentes brilharam.

— Só quando me encontro numa situação desesperadora — disse em tom compenetrado.

Foi o último a entrar no elevador.

 

Atkins e Wuriu Sengu chegaram ao abrigo juntamente com seus companheiros. Pediram que Marshall lhe explicasse a situação Atkins era um dos melhores técnicos de transmissores. Tinha ombros largos, mãos gigantescas e um par de olhos frios e azuis.

— Não podemos esperar mais pelo grupo de Tschubai — disse Marshall ao concluir sua explanação. — Temos pressa.

É possível que mais tarde Ras consiga seguir-nos.

Atkins sacudiu a fita transportadora.

Pesava mais de cem quilos e nutria uma desconfiança extrema contra qualquer coisa em que tivesse de sentar. Sorriu, satisfeito.

— Mais para trás o corredor fica tão estreito que não poderemos prosseguir a pé — disse Marshall, repetindo a informação de Gucky. — Quer dizer que teremos de deitar sobre a fita e deixar que a mesma nos transporte.

— Será que isso é melhor que caminharmos na superfície? — perguntou Sengu.

— De qualquer maneira por aqui estaremos menos expostos a surpresas — respondeu o telepata, justificando a ordem que dera. — Subiremos na fita com alguns metros de intervalo. Irei na frente.

Pôs-se a subir na fita. O pesado traje de combate impedia seus movimentos.

— O senhor não parece nada esportivo — observou o Dr. Bryant, em tom irônico.

— Espere até que chegue sua vez, doutor — respondeu Marshall.

Bryant subiu depois do telepata, em meio às risadas dos companheiros. Marshall sentia-se satisfeito porque a tensão diminuíra um pouco. Acabara de atingir o ponto mais elevado da armação. À sua frente, a fita corria sobre o rolo de inversão e desenvolvia uma velocidade espantosa. Tinha pouco menos de um metro de largura e era feita de plástico flexível.

Marshall percebeu que não seria muito fácil subir na fita. Qualquer movimento menos cuidadoso o arremessaria para baixo. Atirou-se por sobre a estrutura metálica e ficou pendurado quase exatamente acima da fita. Depois desceu lentamente. Assim que os pés tocaram no plástico, sentiu-se arrastado por uma força irresistível. A tremenda aceleração quase o deixou sem fôlego. Por alguns segundos perdeu o senso de orientação. Deitado de barriga, deixou-se carregar rapidamente. Virou-se cautelosamente. O Dr. Bryant estava sentado numa posição esquisita, lutando desesperadamente para manter o equilíbrio. Atrás dele, Islacker estava saltando por cima da armação e caiu de pé. Até parecia um artista.

Marshall passou a dedicar sua atenção ao ambiente para o qual estava sendo carregado. Pelo que dissera Gucky, o corredor se estreitava, deixando lugar apenas para a fita. Ia ficando cada vez mais escuro. Só vez por outra uma luz de controle passava à sua frente.

— O senhor consegue ver para onde estamos sendo carregados? — perguntou o Dr. Bryant.

Marshall soltou uma risada.

— Pensei que o senhor tivesse caído da fita, doutor — disse em tom amável. — Não vejo muita coisa, e não quero arriscar-me a ligar meu farolete.

Marshall captou um impulso telepático transmitido por Gucky.

— Já estão todos em cima da fita — informou o rato-castor. — Irei em seguida.

— Está bem — respondeu Marshall. — Tenha cuidado, pequeno.

O rádio de capacete transmitiu a voz de alguém que praguejava terrivelmente. Dali a pouco, uma luz forte atingiu-o.

— Apague essa luz! — gritou Marshall, furioso. — Quem foi o idiota que fez isso?

— Desculpe, sir — disse uma voz abatida. — Quase perdi minha arma.

— Ora, Delivry — resmungou Marshall. — Nunca mais faça uma coisa dessas.

Delivry calou-se. Estava deprimido. No seu íntimo aborrecia-se por ter de aceitar ordens de um mutante. Afinal, era especialista em transmissores e não um membro da tropa. Ajeitou a carabina de radiações e desligou a lâmpada.

John Marshall esforçou-se para penetrar a escuridão que se estendia à sua frente. Gostaria de saber se já haviam passado por um dos pontos de controle mencionados por Gucky. A sensação de ser carregado para um lugar desconhecido não era nada agradável, ainda mais quando não se via nada.

De repente Marshall sentiu alguma coisa roçar em seu traje espacial. Ficou gelado de pavor, mas logo se acalmou. Provavelmente era um dispositivo de controle totalmente inofensivo.

— Atenção, doutor! — gritou. — Não se assuste.

— O senhor me diverte — respondeu o Dr. Bryant. — Seu aviso chegou segundos depois do momento adequado.

Marshall soltou uma risada.

— Isso é...

Não conseguiu completar a frase. Sentiu uma força irresistível que o arrastou para o lado. Seu corpo girou no ar e passou a descer vertiginosamente por uma superfície inclinada. Quis gritar uma advertência, mas naquele momento bateu com toda força contra um objeto sólido, foi virado para o lado e continuou a descer. Felizmente o traje de combate absorvia os choques. Alguma coisa passou rolando. Segurou-se na mesma.

O sentido do tato informou-o de que se tratava de um corpo humano envolto num traje voador e numa máscara de robô.

A fita atirara-os em outra direção, empurrando-os para uma descida lateral. O objeto que os tocara há pouco devia ser uma espécie de classificador. A fita automática fizera um exame extremamente simples para verificar se os objetos deviam continuar a ser levados na mesma direção, ou se deviam ser transportados para outro lado. Provavelmente os volumes pequenos eram levados para a frente, enquanto um corpo humano era muito pesado para continuar na fita.

Marshall não teve outra alternativa senão ligar a lâmpada, pois do contrário poderia ser arremessado de encontro a alguma parede. O feixe de luz espalhou-se pela superfície inclinada pela qual desciam os homens. Mais embaixo Marshall viu instalações de recolhimento. Eram gigantescas mãos mecânicas, saídas de braços móveis. A idéia de ser agarrado por uma mão insensível como esta tornava a situação nada agradável.

Atkins passou velozmente por ele. Seu corpo pesado procurava erguer-se constantemente, em busca de um apoio.

— Gucky! — pensou Marshall insistentemente. — Pare a fita!

Era possível que o rato-castor pudesse parar a fita com suas forças telecinéticas, antes que alguém ficasse ferido. Atkins foi o primeiro a chegar ao lugar em que estavam as mãos mecânicas. Conseguiu pôr-se de pé. De repente foi agarrado. Um dos braços móveis carregou-o para fora do feixe de luz.

— Eles perceberão, John — disse o fluxo de pensamentos de Gucky. — E verificarão imediatamente o que aconteceu com a fita.

— É verdade.

Marshall escorregou para baixo da mão mecânica, viu-se agarrado, levantado e atirado para o lado. Não demorou em sentir chão firme sob os pés. Uma luz rompia a escuridão. O rosto de Atkins desenhava-se atrás da mesma.

— Gostaria de saber onde estamos — disse.

Marshall iluminou o lugar. Ao que parecia encontravam-se num recinto fechado, pois o feixe de luz só atingia paredes lisas.

— Não é um recinto muito grande — disse Atkins com a voz tranqüila.

Naquele instante o Dr. Bryant veio parar à sua frente. Soltou um gemido e, saltitando, afastou-se da mão mecânica.

— Isto nem chega a ser um recinto — disse Marshall, respirando com dificuldade.

A lâmpada de Atkins descreveu uma curva.

— O que o senhor acredita que é?

— É um recipiente — explicou Marshall. — Um recipiente destinado à guarda de certos materiais, cujo tamanho e formato corresponde aproximadamente ao de um corpo humano.

Atkins olhou para seu corpo.

— Que materiais podem ser estes? — perguntou.

— Acho que isto não interessa muito. O que importa no momento é saber como faremos para sair daqui.

Os homens foram-se reunindo. As luzes de suas lâmpadas iluminaram o recipiente. Verificou-se que a suposição de Marshall era correta. Viram que no teto havia um tampo fechado. Ao lado havia uma fresta, pela qual o braço móvel introduzia o material no recipiente.

Gucky e Tako Kakuta confabularam por algum tempo. Ficou resolvido que o rato-castor arriscaria um salto de teleportação para a superfície do recipiente, a fim de verificar até onde haviam chegado.

Gucky desmaterializou-se prontamente.

Marshall preparou-se para um contato telepático. Dali a alguns segundos captou os impulsos do rato-castor.

— Conseguimos — disse num pensamento alegre e confiante. — Estamos numa fábrica, John.

— Será que poderemos sair daqui? Marshall ouviu a resposta pelo rádio de capacete, pois Gucky já havia voltado.

— É fácil, John — disse o rato-castor com sua voz fina. — Existe uma abertura lateral no recipiente. Quando você achar conveniente, eu a abrirei por meio de telecinese.

— Como estão as coisas fora desta caixa? Viu algum pos-bi?

— Estamos no interior de um grande pavilhão da fábrica — disse Gucky em tom animado. — O funcionamento das máquinas é inteiramente automatizado. Não vi nenhum pos-bi; apenas alguns robôs dos saltadores.

Iluminado pela luz das lâmpadas, o rato-castor parecia uma figura fantasmagórica concebida num pesadelo. Marshall não se sentiu muito à vontade ao pensar em Tschubai. Até ali tudo dera certo. Não sabia o que havia acontecido ao grupo do teleportador, mas os pos-bis ainda não estavam desconfiados. Marshall tirou a folha de programação destinada ao centro de computação positrônica da base. A tarefa de introduzi-la no mesmo caberia aos teleportadores Kakuta e Gucky.

Marshall entregou a folha ao pequeno japonês. Na opinião do telepata, a pequenina chapa metálica representava a parte mais importante da missão. Faria com que o comando central enviasse um grupo mecânico de reparos para o deserto. A nave dos saltadores seria, então reparada. Bastaria apenas ser levada ao estaleiro...

Um plano arrojado como este só poderia ter nascido no cérebro dos terranos, mas Marshall conhecia a perigosa capacidade de aprendizagem dos pos-bis. À medida que seus encontros com os humanos se sucediam, aprendiam a defender-se cada vez melhor contra qualquer ataque desses inimigos e retribuíam com maior rapidez os golpes que os mesmos lhes desferiam. Com o tempo criariam uma quase imunidade contra qualquer plano, por mais bem elaborado que fosse; seriam semelhantes aos insetos que através de uma série de mutações imunobiológicas, ocorridas no curso de várias gerações, se tomaram insensíveis a certas substâncias tóxicas. Os pos-bis não precisariam de muito tempo para tanto, pois revelavam grande habilidade em suas adaptações à mentalidade dos terranos.

Marshall sentiu-se apavorado diante da idéia de que um dia os pos-bis poderiam transformar-se em imitações humanas, em sentido literalmente humano. Seriam imitações mais aperfeiçoadas que os respectivos modelos. Era uma das teorias de Van Moders.

Marshall sabia perfeitamente que não havia necessidade de avisar Kakuta de que deveria ter o maior cuidado com a folha de programação. O japonês conhecia perfeitamente a importância de sua missão.

Apesar disso, o chefe dos mutantes resolveu formular uma advertência:

— Não vamos assumir nenhum risco, Tako. Não se apresse no seu trabalho.

— Não será difícil encontrar a central de controle — observou Gucky. — Mas tenho a impressão de que os pos-bis ouvem as ordens expedidas por essa central.

— Quanto a isso não existe a menor dúvida — disse Marshall. — Por isso mesmo não desconfiarão quando estivermos camnhando juntamente com o grupo de reparos em direção à Totzta IX.

— Está bem, chefe — disse Kakuta com a voz tranqüila. — Vamos saltar, Gucky.

— Um momento — pediu Gucky em tom apressado. — Quero abrir a entrada lateral do recipiente.

O rato-castor pôs em ação suas forças paranormais.

— Wuriu, há alguém por perto do lado de fora do recipiente? — perguntou Marshall.

Sengu, o espia, que enxergava facilmente através do metal, respondeu que não. Gucky prosseguiu no seu trabalho. De repente apareceu uma fresta clara em meio à superfície escura do recipiente.

— Apaguem as lâmpadas! — ordenou Marshall imediatamente.

— Já basta, John — disse Gucky. — Vocês mesmos poderão abrir mais quando quiserem sair.

Dali a dez segundos desapareceu juntamente com Kakuta. Marshall aproximou-se da abertura e olhou cautelosamente pela mesma. À sua frente estendia-se um grande pavilhão com sete divisões. Cada uma dessas divisões estava equipada com um guindaste magnético. As instalações eram inteiramente automatizadas. As diversas peças eram levadas pelas fitas de transferência de uma fase do processo de produção para a outra. Marshall viu alguns robôs dos saltadores entre as máquinas.

Virou a cabeça. A luz que penetrava pela fresta permitia que distinguisse perfeitamente os homens que se encontravam à sua frente.

— A partir deste momento — disse, levantando a voz — todos pertencemos à equipe mecânica de reparos da base dos mercadores instalada em Panotol.

Atkins soltou um suspiro. Notava-se perfeitamente que não se sentia muito seguro em sua nova área de atribuições.

E tinha motivo para isso...

 

Não havia necessidade de uma grande capacidade de raciocínio para encontrar o centro de computação positrônica do estaleiro. Os mercadores galácticos sempre construíam suas bases seguindo o mesmo sistema. Raramente ocorriam algumas modificações. Depois de apenas três saltos de teleportação Kakuta e Gucky viram-se próximos ao objetivo. Havia dois pos-bis por perto, mas estes não mostraram nenhuma reação da qual se devesse concluir que tinham conhecimento da presença dos dois mutantes.

Com o quarto salto, Kakuta e Gucky teleportaram-se para o interior do centro de controle. Kakuta levou menos de três minutos para introduzir a folha de programação no setor competente do computador, seguindo todas as normas. Enquanto isso Gucky vigiava os acessos ao centro. Havia um único robô especializado dos saltadores no centro de controle, mas o mesmo permaneceu imóvel.

— Pronto — disse Kakuta com um suspiro de alivio, recuando alguns passos. — Nesse momento, o mecanismo positrônico está transmitindo os primeiros impulsos. O grupo de reparos começará a ser formado.

Gucky lançou um olhar desconfiado para o revestimento polido do mecanismo positrônico. Não confiava em robôs, fossem eles quais fossem.

— Acho que será preferível darmos o fora antes que haja problemas — piou.

Kakuta sorriu ao lembrar-se de que justamente Gucky era obrigado a andar com uma máscara de robô.

— Sua máscara é a mais perfeita — disse em tom irônico, dirigindo-se ao rato-castor. — Acho que você seria capaz de enganar qualquer pos-bi, por mais inteligente que este fosse.

— Não sei — disse Gucky, em tom inseguro. — Não me sinto muito bem neste disfarce.

— A gente se acostuma — afirmou Kakuta laconicamente e desmaterializou-se.

Gucky também preparou o salto.

Marshall, que os esperara ansiosamente, ficou satisfeito ao ouvir o relato dos teleportadores.

— Agora só falta juntarmo-nos ao grupo de reparos no momento adequado — disse.

Até então haviam trabalhado mais ou menos às escondidas. Dali em diante seria diferente. Teriam de ficar na superfície... no meio dos pos-bis!

 

Uma procissão macabra foi deixando para trás o estaleiro dos saltadores e penetrou no deserto. À sua frente ia uma gigantesca máquina com rolos que levantavam esguichos de pó, cavavam a areia e abriam caminho sob fortes rangidos.

Logo atrás dela vinham quatro figuras esquisitas. Via-se que tinham de esforçar-se para acompanhar a máquina. As figuras pareciam desajeitadas. Estavam envoltas num tecido metálico cintilante. Vez por outra uma dessas figuras praguejava fortemente. Atrás delas vinham quinze robôs especializados dos saltadores, que não praguejaram e não tiveram a menor dificuldade em adaptar-se à velocidade da máquina. E ainda mais atrás um grupo de homens gemia e procurava abrir caminho através do deserto. Não formavam um grupo organizado, pois corriam ao acaso.

No fim vinham mais quinze robôs dos saltadores e outra máquina, ainda maior que a que ia na frente. Mas não era menos rápida que esta, motivo por que os homens não tiveram outra alternativa senão adaptar-se à velocidade da mesma. Os quatro terranos que iam atrás da primeira máquina eram Marshall, Kakuta, Atkins e o Dr. Bryant. Atkins lançou um olhar odiento para a parte traseira da máquina, mas nem por isso a mesma passou a locomover-se mais devagar. Não tinham a menor possibilidade de ver o que acontecia à frente da máquina, pois a mesma era tão larga que impedia a visão. Só lhes restava correr atrás do monstro e fazer votos de que não demorassem a chegar à nave destroçada.

— Para falar com franqueza, não pensei que a coisa fosse tão difícil — disse Atkins, fungando. — Talvez pudéssemos facilitar as coisas, usando o propulsor de nossos trajes de combate — olhou para trás. — Afinal, não há nenhum pos-bi por perto.

Quando estavam saindo pacificamente do estaleiro, acompanhando os robôs, Marshall já tivera uma idéia semelhante. Mas chegou à conclusão de que seria preferível aceitar o desconforto a ser descoberto pelos pos-bis.

— Continue a caminhar com os pés — ordenou Atkins. — Os pos-bis estão mais perto do que pensamos.

— Pensar? — perguntou Atkins, em tom contrariado. — Desisti disso desde o início de nossa missão.

O veículo levantou uma nuvem de areia e mudou de rumo. Com isso o Dr. Bryant, que caminhava bem ao lado, teve oportunidade de olhar para além da máquina.

— Já vejo a nave destroçada — informou. — Faltam apenas algumas centenas de metros.

— Será que teremos de andar todo este caminho de volta? — perguntou Tama Yokida, o telecineta.

— Acho que poderemos poupar-nos a este incômodo — respondeu Marshall. — Provavelmente as duas máquinas dispõem de equipamento antigravitacional que transportará a nave até o estaleiro. Enquanto isso já poderemos dar uma olhada no interior da mesma.

A Totzta IX estava pousada no flanco de uma cordilheira não muito elevada. Ao pousar, revolvera a areia. Antes do naufrágio era considerada um veículo espacial moderno e poderoso. Se o patriarca Totztal ainda estivesse vivo, a perda da nave representaria um prejuízo doloroso. Naturalmente as avarias poderiam ser reparadas, mas a Totzta IX nunca voltaria a ser uma nave perfeita.

A máquina que ia à frente do grupo dirigiu-se até o outro lado da nave. Marshall, Kakuta, Bryant e Atkins pararam junto a uma eclusa aberta, à espera do que fariam os robôs. Ao lado do gigantesco cilindro, os dois veículos automáticos pareciam pequenos. Os robôs entraram imediatamente na nave. Dividiram-se em vários grupos. Ao que parecia, cada um dos mesmos realizaria uma tarefa específica.

— O que estamos esperando? — perguntou Marshall.

Seguiram os robôs que acabavam de entrar na nave. Em nenhum lugar viram sinais de avarias de grandes proporções. Para a maior parte dos mutantes, o interior de uma nave dos saltadores representava um quadro conhecido. Marshall sabia qual era aproximadamente o caminho que deveria seguir para chegar à sala de comando.

Mandou que dois homens ficassem na eclusa para observar o deserto. Com alguns gestos ligeiros mandou que os outros se dividissem em três grupos, e enviou-os a pontos diferentes da nave. Ele mesmo prosseguiu em direção à sala de comando, juntamente com Gucky, Yokida, Atkins e o Dr. Bryant. Encontraram-se com três robôs dos saltadores que carregavam um aparelho destruído.

Esforçando-se, Marshall atravessou os corredores da nave destroçada. Atingiram a entrada da sala de comando. Marshall segurou firmemente o fecho metálico da escotilha e comprimiu-o para baixo.

Foi muito difícil abrir a escotilha; provavelmente estava empenada. Assim que o mutante conseguiu abrir uma pequena fresta, olhou pela mesma. A sala de comando estava bem iluminada. Pelo menos sete pos-bis ocupavam-se com o computador de bordo.

Marshall recuou instantaneamente.

— O que houve? — perguntou Atkins, em tom impaciente.

— Os pos-bis — disse Marshall com a voz nervosa. — Já estão lá dentro.

— Quantos são? — perguntou Kakuta.

— Sete, talvez mais. Estão trabalhando no computador. Não parecem interessados pela chegada do grupo de reparos.

Marshall encostou-se à parede. Afinal, acabariam mesmo entrando em contato mais estreito com os pos-bis. Só por um acaso infeliz, isso teve de acontecer justamente naquele momento.

— Temos de entrar na sala de comando — disse o Dr. Bryant. — Se não descobrirmos quais são as unidades energéticas da nave que ainda funcionam, não poderemos ligar o transmissor.

— Sei disso — respondeu Marshall, em tom deprimido.

Atkins comprimiu seu corpo gigantesco contra a escotilha, a fim de ampliar a fresta. Marshall não procurou impedi-lo. Não tinham outra alternativa senão confiar em que os pos-bis acreditariam que eram robôs. Não era de esperar que conseguissem ligar o transmissor sem que ninguém o percebesse. Quando estivessem no interior do estaleiro, por certo outros pos-bis subiriam a bordo.

— Deixe isso por minha conta — cochichou Yokida ao ouvido de Atkins.

Sob a influência de sua energia telecinética a escotilha abriu-se de vez. Marshall sabia que a essa hora qualquer hesitação poderia traí-los. Entrou resolutamente na sala de comando.

Os pos-bis interromperam seu trabalho e ergueram os corpos bizarros. Marshall caminhou como se isso lhe fosse totalmente indiferente. Fazia votos de que não ocorresse nenhum erro. Eram ao todo nove pos-bis. Marshall antes não vira dois deles, uma vez que se encontravam num ângulo morto. Marshall esperava ser atacado a qualquer momento, mas os estranhos seres, vindos do espaço intergaláctico, voltaram a dedicar-se ao seu trabalho silencioso. Marshall aproximou-se dos comandos. Atkins colocou-se a seu lado. Quase chegou a exagerar na imitação de um robô, quando se abaixou numa azafama mecânica. Marshall ajoelhou ao seu lado.

— O que faremos quando os robôs dos mercadores entrarem? — perguntou Atkins. — Sem dúvida também aparecerão na sala de comando.

Os olhos de Marshall procuraram o Dr. Bryant, que estava ocupado nos controles. O especialista em transmissores soltou um suspiro de alívio, enquanto passava as mãos pelas diversas chaves. Parado a seu lado, Yokida esforçou-se para imitar o melhor possível os movimentos do técnico. Kakuta e Gucky passaram a lidar com o equipamento de rádio. Até parecia que nunca tinham feito outra coisa.

De repente, a nave começou a mover-se. Um tremor sacudiu o enorme casco. As energias antigravitacionais ergueram-na do chão desértico como se algum propulsor silencioso tivesse entrado em funcionamento. Marshall teve a cautela de segurar-se no leme, mas a Totzta IX permaneceu na horizontal.

Islacker entrou na sala de comando e aproximou-se discretamente de Marshall.

— O transmissor está num dos compartimentos de carga da parte inferior — disse. — Pelo que se conclui de um primeiro exame, está em perfeitas condições.

— Tenho a impressão de que as unidades energéticas ainda funcionam — observou o Dr. Bryant, em tom indiferente. — Parece que estamos com sorte.

— Dei uma boa olhada no transmissor — disse Islacker. Havia em sua voz alguma coisa que fez com que Marshall desconfiasse. — Trata-se de um dos grandes aparelhos dos acônidas — prosseguiu o técnico. — Teremos dificuldades com as ligações, doutor.

— Juntamente com Atkins coloco em funcionamento qualquer aparelho que se pareça com um transmissor — respondeu o Dr. Bryant, em tom indignado.

Atkins concordou, mas Islacker não se impressionou.

— Teremos de instalar pelo menos quatro relês centrais — disse. — O transmissor não pode ser ligado diretamente à unidade energética; seria muito arriscado. Todos os técnicos concordam em que o suprimento de energia só pode ser mantido sob controle por meio de ligações intermediárias. O senhor sabe que, justamente nos transmissores acônidas, o suprimento de energia deve ser muito uniforme. Pequenas variações podem causar uma catástrofe.

Marshall achou que era chegado o momento de intervir na conversa.

— Quanto tempo deverá tomar a instalação dessas ligações intermediárias? — perguntou.

— Pelo menos seis horas — confessou o Dr. Bryant, entristecido.

Marshall viu que seu plano, que até então funcionara tão bem, estava desmoronando que nem um castelo de cartas. Dependia inteiramente do entendimento dos peritos.

Seis horas! Era possível que durante esse tempo os pos-bis descobrissem tudo. Marshall sabia que não demorariam seis horas nos preparativos. Assim não conseguiriam.

— E agora, John? — perguntou Gucky, desanimado.

— Parece que teremos, que desistir — disse o telepata.

— Um momento — pediu Atkins. — Pelo que sei, os saltadores não têm uma idéia exata de como ligar um transmissor desse tipo.

— Pelos planetas da Galáxia! — exclamou Marshall. — Já compreendi onde o senhor quer chegar.

— Os cientistas acônidas que estão entre os prisioneiros! — exclamou Atkins. — Eles poderão montar o transmissor. Os pos-bis devem tê-los levado a uma das abóbadas juntamente com os saltadores.

A esperança trouxe de volta a capacidade de decisão de Marshall. Ainda havia uma pequena chance de levar avante a missão. Teriam de agir depressa.

— Precisamos desses cientistas acônidas, Atkins — disse. — Devemos encontrar um meio de trazê-los para bordo da Totzta IX, sem que os pos-bis desconfiem.

Não havia dúvida de que os cientistas do Sistema Azul estavam em condições de montar o transmissor juntamente com os terranos num tempo mínimo. Era bem verdade que seria bem difícil encontrar uns poucos acônidas entre nove mil prisioneiros. Mas Marshall teve a impressão de que Gucky e Kakuta conseguiriam trazer os acônidas para dentro da nave, enquanto os técnicos terranos poderiam iniciar os preparativos.

— Vamos buscá-los — disse Gucky em tom arrojado, confessando de certa forma que vez ou outra “escutava” os pensamentos dos superiores.

— Acho que esta será nossa única chance. Kakuta e Gucky poderão deslocar-se rapidamente de uma abóbada para outra, até que consigam localizar os acônidas — Marshall refletiu por um instante. — Acontece que os acônidas devem ser disfarçados de robôs e equipados com os neutralizadores individuais, pois do contrário os pos-bis logo notarão sua atividade.

— Depois que os tivermos encontrado, iremos buscar o equipamento necessário em nosso depósito no deserto — sugeriu Kakuta.

Marshall encerrou a palestra com um gesto da mão.

— Andem depressa — disse em tom insistente. — Mas não se desmaterializem antes de terem saído da sala de comando. Não sei qual seria a reação de nossos amigos se dois robôs dos saltadores desaparecessem bem à sua frente.

 

Tohobal era o mais velho dos prisioneiros do setor residencial V. Sem que ninguém lhe pedisse, transformara-se há algum tempo numa espécie de chefe no interior da abóbada. Tohobal não era muito inteligente, mas julgava-se perfeitamente capaz de exercer as funções de patriarca. Antes de ser preso, Tohobal era supervisor da seção de peças número VII, onde se dedicava a um trabalho agradável e tranqüilo. Seu rancor contra os pos-bis desaparecera no momento em que percebeu que dirigia com a maior facilidade os outros saltadores.

No momento havia cerca de seiscentos saltadores no setor residencial V.

Tohobal instalara uma espécie de escritório formado por uma mesa e uma cadeira, cercadas por outras mesas, de maneira a dar a impressão de que por ali havia algo de especial. Sentado em sua cadeira, o saltador sempre estava à procura de uma oportunidade de consolidar o seu prestígio.

Tinha de confessar que a maior parte dos prisioneiros demonstrava certa indiferença diante de seu escritório. Faziam de conta que não existia. Mas havia outros que acreditavam que mesmo na prisão convinha manter uma ordem rígida. Este último grupo dava todo apoio possível ao ex-supervisor.

Tohobal estava classificando pela enésima vez umas poucas folhas de papel que havia sobre sua mesa. Estavam borradas com algumas anotações sem sentido. Lançou um olhar cauteloso para os acônidas que formavam um grupo distinto. Tohobal tinha um certo receio dos cientistas do Sistema Azul. Teve a impressão de notar nestes homens uma arrogância invencível, uma presunçosa rejeição face aos mercadores com os quais tinham de trabalhar. Sempre que falava com um dos acônidas, uma ponta de teimosia surgia na mente de Tohobal. Sabia que isso não passava de um sinal de inferioridade espiritual.

Tohobal teve a impressão de que no interior da abóbada o ar era abafado.

— Só pode ser assim — disse a si mesmo, muito zangado. — Pois esses robôs misteriosos abrigaram os prisioneiros em pouco espaço.

O saltador inclinou-se sobre a mesa e fitou com uma expressão pensativa o quadrado cercado por mesas, que formava uma espécie de acesso ao seu escritório.

De repente um vulto surgiu bem à frente de sua mesa!

Saiu de um leve tremor do ar e por alguns segundos não passou de uma imagem distorcida, até assumir contornos sólidos. Mais tarde Tohobal afirmaria que um homem que não tivesse nervos de aço como ele teria morrido de susto.

Mas o fato era que, no primeiro instante, Tohobal teve a impressão de estar sofrendo de alucinações. Passou as mãos cabeludas pelos olhos e fechou-os por um instante esperando que, quando voltasse a abri-los, a miragem tivesse desaparecido.

Mas quando voltou a olhar para a frente, outro vulto aparecera ao lado do primeiro. Tohobal soltou um grito estridente e fez menção de esconder-se atrás da mesa.

— Que idiota! — disse Kakuta, bastante contrariado. — Ainda deixará todo mundo louco.

Os prisioneiros começaram a notar a presença de Gucky e do japonês. Mas não os haviam visto materializar-se, e por isso apenas lhes lançavam olhares desconfiados.

Tohobal segurou-se à borda da mesa. Seu rosto coberto de suor estava desfigurado. Revirava os olhos nas órbitas. Kakuta abriu o capacete pressurizado, para que o saltador pudesse ver a pessoa que se encontrava à sua frente.

O neutralizador individual garantia que nenhum pos-bi, que se encontrasse nas proximidades, poderia constatar a presença das vibrações mentais do japonês.

— Fique tranqüilo — disse Kakuta, em tom insistente.

— De onde veio o senhor? — perguntou Tohobal numa mistura horrível de intercosmo com um dialeto dos saltadores.

Kakuta exibiu seu sorriso asiático.

— Não temos tempo para explicações. Acho que os senhores querem escapar da prisão. Poderemos ajudar, desde que se adaptem prontamente à nova situação.

Tohobal respirava com dificuldade e procurava compreender. Seu cérebro, que só estava acostumado a pensar em trilhas sistemáticas, trabalhava pesadamente com o problema. Vários saltadores aproximaram-se.

— O senhor é um terrano? — perguntou Tohobal, em tom cauteloso.

Kakuta fez que sim. Não gostou de ver os saltadores se comprimirem em torno da mesa. Em hipótese alguma deveria atrair a atenção dos saltadores.

— Por que justamente os terranos iriam livrar-nos desta situação? — perguntou Tohobal, em tom irônico.

Kakuta sabia que ficaria discutindo por horas a fio com esse homem obtuso, se respondesse às suas perguntas.

— Há acônidas nesta sala? — perguntou em tom penetrante.

Sem que o quisesse, Tohobal fez um gesto afirmativo. Gucky, que acabara de fazer um exame telepático dos homens, tocou no braço de Kakuta.

— Estão ali, Tako — disse.

O japonês olhou na direção indicada pelo rato-castor. Quatro homens esbeltos, que pareciam indiferentes ao que se passava em torno deles, estavam sentados num banco estreito. Seus rostos penetrantes não exprimiam qualquer sentimento.

— Os trajes, pequeno — lembrou Kakuta.

A reação de Gucky foi imediata. Desmaterializou-se diante dos saltadores reunidos ali. Dentro de alguns minutos voltaria com o equipamento destinado aos cientistas acônidas.

Sem dar a menor atenção a Tohobal, Kakuta aproximou-se dos acônidas. Estes fitaram-no tranqüilamente, como se fosse um objeto de estudos científicos de importância secundária.

Kakuta parou à frente do banco. Já conhecia todos os tipos de arrogância racial, falso orgulho e despotismo, que para ele eram características ligadas a todas as raças importantes da Galáxia.

O mutante percebeu imediatamente que os acônidas nunca tomariam a iniciativa de uma palestra. Kakuta não lhes levou a mal esse procedimento. Afinal, haviam sido criados entre seres que agiam da mesma forma.

— Vim para oferecer-lhes nossa colaboração — disse Kakuta com a voz tranqüila. — Precisamos de seu auxílio para organizar a fuga dos nove mil prisioneiros.

O mais alto dos acônidas cruzou as pernas. Dirigiu os olhos claros e penetrantes para o teleportador.

— Já refletimos sobre todas as possibilidades de fuga — disse em tom arrogante, dirigindo-se a Kakuta. — Não existe a menor chance de proporcionar a fuga de um único homem. E agora o senhor me vem dizer que quer libertar todos os saltadores. Isso não passa de um absurdo.

Kakuta esforçou-se para dar um tom tranqüilo à sua voz.

— Pois eu lhes digo que existe um meio: o transmissor instalado na Totzta IX. O senhor terá de ajudar-nos a montá-lo. Poderíamos fazê-lo sozinhos, mas isso seria muito demorado.

Um débil interesse iluminou os olhos do acônida. Kakuta imaginava que assim mesmo não poderia ter certeza de que conseguiria convencer os cientistas a acompanhá-lo de sua livre e espontânea vontade.

— Como pretende levar nove mil saltadores ao transmissor? — perguntou o interlocutor numa suave ironia.

— Assim que o transmissor esteja ligado, Perry Rhodan atacará Panotol com cinco mil naves, a fim de criar confusão entre os pos-bis. Ao mesmo tempo soltará dez mil máquinas de guerra sobre este mundo, e estas atacarão o inimigo para desviar sua atenção.

Em palavras ligeiras Kakuta relatou os outros detalhes da atuação da Frota Solar.

— Perry Rhodan — disse o acônida, esticando as palavras.

Provavelmente esse nome fazia retornar à sua mente a lembrança das inúmeras e inúteis tentativas realizadas pelos homens do Sistema Azul para quebrar o magnetismo desse ser lendário.

— Perry Rhodan — repetiu. — Como que ele pode dar uma ordem destas? Será que na Terra inda não sabem quem é o inimigo? Os cientistas terranos já estudaram as características dos pos-bis?

Um vulto humano com dois disfarces de robô pendurados sobre os ombros apareceu ao lado de Kakuta e dos acônidas.

— Ras! — exclamou Kakuta, perplexo.

— De onde veio o senhor?

— Do nosso depósito no deserto. Gucky me disse que por aqui há trabalho — parecia adivinhar a indagação muda do japonês.

— Meus companheiros estão em segurança. Mantêm-se escondidos na canalização de uma abóbada, onde pretendem esperar até que tudo tenha passado. Tivemos dificuldades e não pudemos prosseguir.

Gucky materializou-se com mais dois disfarces de robôs.

— Ras estava curtindo sua preguiça no depósito — disse. — Tive a impressão de que não estava muito ocupado. Por isso resolvi trazê-lo.

Kakuta pegou um dos disfarces e pesou-o cuidadosamente na mão. Depois colocou-o sobre o banco, ao lado de um dos acônidas.

— Vista isso — ordenou.

O acônida levantou-se. Era um vulto superesbelto que vestia um traje bem justo. Lançou um olhar furioso para o japonês. Pegou o disfarce e atirou-o ao chão com um gesto de desprezo.

— Berháan não fará nada que não lhe pareça certo — disse em tom orgulhoso.

Kakuta pegou a arma narcotizante e apontou-a ostensivamente para Berháan. Abaixou-se, levantou o disfarce e voltou a oferecê-lo ao acônida.

— Então? — perguntou com a maior tranqüilidade.

Berháan soltou uma estrondosa gargalhada. Pegou o disfarce e colocou-o sobre o corpo em movimentos relaxados. Kakuta fez um sinal. Os outros três acônidas também receberam seus disfarces. Vestiram sem a menor objeção os trajes feitos de tecido metálico. Kakuta baixou a arma narcotizante.

— Quantos terranos encontram-se em Panotol? — perguntou Berháan.

— Cinqüenta — respondeu Kakuta.

Os acônidas entreolharam-se prolongadamente. Seus olhares exprimiam aquilo que não queriam dizer. Cinqüenta homens não seriam capazes de libertar um saltador que fosse.

— Admiro sua coragem — disse Berháan. — Mas o plano de Rhodan não nos parece adequado. É um ato de desespero.

Os teleportadores gostariam de explicar aos acônidas que muitas vezes o Império Solar só fora salvo graças a certos atos de desespero. Mas os cientistas provavelmente não compreenderiam. Além disso o tempo era muito escasso. Verificou os neutralizadores individuais que os acônidas estavam usando. Forneceu uma explicação ligeira sobre o funcionamento desses aparelhos.

— O que pretende fazer com estes homens? — perguntou Tohobal, com a voz curiosa.

Sem dar a menor atenção ao velho saltador, Kakuta dirigiu-se a Berháan.

— Vamos levá-los para a Totzta IX. Isso será feito por teleportação. Berháan, o senhor e um dos seus colegas saltarão com Gucky. Os outros irão com Ras e comigo.

Estas palavras despertaram o interesse científico de Berháan. Contemplou Gucky, que se aproximava lentamente, arrastando os pés.

— Quer dizer que esse baixotinho nos levará nas costas? — perguntou em tom de incredulidade.

— Espere e o senhor verá — disse Kakuta. — Basta segurar sua mão. Com isso suas forças paranormais agirão sobre o senhor.

— É uma armadilha — gritou Tohobal com a voz fina. — Cuidado, Berháan, que é uma armadilha.

— Cale a boca — disse outro acônida, em tom contrariado. — O senhor acabará estragando a única oportunidade de libertação.

Tohobal calou-se. O poder de comando acabara de escapar-lhe das mãos. Aborrecido, retirou-se para seu escritório. Dali a um minuto, tudo tinha passado. O desaparecimento dos acônidas constituía a única prova de que o acontecido não fora um sonho.

 

Berháan saiu do transmissor ao lado de Atkins. Haviam trabalhado duro durante uma hora. Atkins parecia exausto, mas permitiu-se uma pequena pausa. Os acônidas haviam explicado aos técnicos terranos que não havia necessidade de ligações intermediárias para controlar o fluxo de energia. O transmissor possuía um sistema de regulagem embutido, que Berháan poderia regular facilmente para o desempenho da unidade energética da nave.

A desconfiança inicial de Marshall para com os homens do Sistema Azul desapareceu assim que os mesmos foram submetidos a um intenso controle mental.

Felizmente era raro um pos-bi entrar no compartimento de carga. Permaneciam principalmente na sala de comando, onde se interessavam pelos mecanismos paralisados. Já havia no interior da nave uns cem pos-bis, que procuravam efetuar reparos. Sempre que aparecia um robô dos saltadores ou um terrano afastavam-se prontamente para deixá-lo passar, mas observavam atentamente todos os seus movimentos. Marshall sabia perfeitamente que trabalhavam sobre um vulcão que poderia irromper a qualquer momento.

— Estamos fazendo progressos — disse Atkins, satisfeito. — O Dr. Bryant já fez a regulagem do terceiro tubo. Berháan está regulando o transmissor a fim de sintonizá-lo com o aparelho instalado na Alexander.

Naquela altura, Marshall preocupava-se menos com os trabalhos no transmissor que com os saltadores aprisionados. Evidentemente os mercadores tiveram conhecimento do aparecimento dos terranos. Gucky confirmou que certas vibrações captadas, por ele indicavam que os prisioneiros estavam exaltados. Era de esperar que os impulsos mentais mais intensos viessem a ser notados pelos pos-bis.

Marshall saiu do compartimento de carga e dirigiu-se à sala de comando, onde Islacker estava trabalhando juntamente com outros técnicos. Sua tarefa consistia em fazer com que o suprimento energético chegasse ao transmissor no momento adequado.

O telepata alcançou o corredor principal. Andava à velocidade de um robô dos saltadores. Valeria a pena cumprir a missão? Sem dúvida; devia-se evitar de qualquer maneira que os pos-bis recebessem certas informações.

O que aconteceria, porém, se todos eles fossem presos? Nesse caso os pos-bis disporiam de material muito mais precioso para colher informações sobre seus inimigos.

À frente de Marshall um robô dos saltadores trabalhava num aparelho colocado na parede, na altura do peito. Atrás da máquina estava parado um pos-bi que acompanhava seu trabalho. Sempre que via um dos inimigos, Marshall tinha de fazer um grande esforço para prosseguir. A razão lhe dizia que não poderia ser descoberto, mas o sentimento queria que ele fugisse de qualquer lugar onde se encontrasse um dos seres vindos das naves fragmentárias.

Prosseguiu, sempre de olho no pos-bi.

Quando se encontrava na mesma altura do robô dos saltadores, uma chama saiu do aparelho que se encontrava preso à parede. Marshall sentiu-se ofuscado. Recuou, tropeçou e caiu. Quando já estava caído no chão, viu o robô desmoronar.

“Está tudo terminado”, pensou Marshall, confuso.

Um terrível vazio espalhou-se em seu cérebro. Até então tudo dera certo, mas um erro imperdoável de sua parte estava pondo o plano a perder.

O pos-bi começou a movimentar-se. Num movimento automático Marshall pôs a mão na arma. Já que tudo estava terminado, queria lutar até o fim. Antes que pudesse pegar o desintegrador, o pos-bi chegou ao lugar em que se encontrava o robô e inclinou-se lentamente sobre o mesmo. Começou a desprender cautelosamente a placa metálica que trazia sobre o peito.

“Ele quer verificar o que aconteceu com a máquina”, pensou Marshall num lampejo.

Isso significava que o pos-bi ainda não havia reconhecido a verdadeira personalidade de Marshall. Mas também significava que dentro de poucos segundos se aproximaria de Marshall para abrir sua placa do peito.

Marshall refletiu intensamente, mas a proximidade do inimigo não permitiu que sua mente trabalhasse com a necessária calma. O pos-bi examinou cuidadosamente o robô. Finalmente levantou-se com um gesto de resignação que quase chegava a ser humano. Marshall estremeceu. Não haveria nenhuma possibilidade de impedir o curso do destino? A única coisa que podia fazer era olhar fixamente para o pos-bi, que se aproximava lenta mas inexoravelmente.

 

Seu aspecto era fantasmagórico como sempre. As naves fragmentárias saíram do hiperespaço, sem que os rastreadores estruturais da Teodorico e das outras naves tivessem registrado nada. Eram os reforços dos pos-bis que chegavam a Panotol.

Perry Rhodan observou na tela de controle espacial a penetração das naves cúbicas no sistema de Panot. Provavelmente os pos-bis pretendiam remover seus prisioneiros dentro em breve.

— São pelo menos mais quarenta naves — disse Claudrin em tom deprimido. — Isso facilitará nossa tarefa.

— Ainda bem que numericamente suas frotas não são tão iguais às nossas — respondeu Rhodan.

A Alexander ainda não transmitira o sinal decisivo. Rhodan sabia que o tempo de que ainda dispunham era muito escasso. Se Marshall e os homens de seu grupo não conseguissem libertar os saltadores dentro de uma hora, os pos-bis começariam a colocar os prisioneiros em suas naves.

Rhodan teve uma idéia terrível. Por que não dava ordem para que algumas naves lançassem bombas de fusão sobre Panotol? Os cinqüenta terranos teriam tempo para pôr-se a salvo.

E os saltadores? Os mesmos não se esforçavam há decênios para prejudicar o Império Solar? Será que hesitariam se pudessem obter alguma vantagem que custasse a morte de certo número de terranos?

Rhodan procurou controlar-se. Não tinha direito de pensar assim. E muito menos tinha o direito de condenar à morte nove mil mercadores galácticos pelo simples fato de a Terra estar em perigo. Fechou os olhos por um instante. Constantemente via-se obrigado a reconhecer que era apenas um ser humano que não costumava ser poupado pela tentação.

— Temos de transmitir uma mensagem telepática a Marshall, para informá-lo sobre a chegada das naves fragmentárias — disse com uma violência que não era de seu hábito.

Bell fitou-o com uma expressão séria. O gorducho sentiu imediatamente que seu amigo começava a perder o equilíbrio emocional.

— John tem que andar depressa — prosseguiu Rhodan. — Se não conseguir colocar os saltadores nos transmissores muito em breve, teremos que suspender a operação.

Havia cinco mil espaçonaves terranas e arcônidas estacionadas atrás da Teodorico. Algumas formavam a frota de reserva comandada por Atlan. Uma parte relativamente pequena das naves de Atlan teria que executar uma tarefa toda especial. Pela primeira vez na História do Império Solar lançava-se mão de cinco mil naves para o fim exclusivo de criar confusão nas fileiras inimigas e desviar sua atenção daquilo que se passava em seus redutos.

Assim que o transmissor entrasse em funcionamento, Rhodan daria ordem para lançar o segundo ataque. Cruzadores ligeiros e naves arcônidas comandadas por Atlan lançariam um ataque direto contra o planeta. Procurariam não atingir as instalações industriais, mas seus alvos seriam espalhados em torno do complexo.

A Teodorico encontrava-se bem longe de Panotol. Na tela, o planeta encolhera. Reduzira-se a um círculo do tamanho de uma laranja. O grupo terrano lançaria o ataque em duas fases. A Teodorico seguiria na frente, já que dispunha do transmissor fictício.

Rhodan sentiu o cansaço espalhar-se pelo seu corpo. Quanta coisa não poderiam ter alcançado se tivessem utilizado a diligência e a criatividade do homem, as matérias-primas e as indústrias de que o mesmo dispunha em prol de outros objetivos. Os grandes esforços e os grandes dispêndios destinavam-se às ações militares. Rhodan sentiu-se triste ao pensar nas possibilidades que se abririam para o império se não fossem os inimigos. A Humanidade poderia desenvolver-se sem maiores problemas, a ciência e a pesquisa atravessariam um período áureo.

O caminho percorrido pela raça humana estava margeado por milhões de mortos, por naves incendiadas e planetas destruídos. O império estava entulhado de armas de todos os tipos. Suas frentes de combate estendiam-se por toda a Galáxia.

“Se não tivéssemos de lutar, provavelmente nunca teríamos chegado tão longe”, pensou Rhodan.

A natureza, enfim, continuava a realizar uma seleção muito rigorosa na qual só eram aprovados os mais duros.

“Não”, pensou Rhodan, “não só os mais duros, mas aqueles que sabem agir responsavelmente e se adaptam de forma inteligente ao curso dos acontecimentos, aqueles que nos momentos decisivos sabem dar mostras de dureza, inteligência e compreensão...”

Era possível que em algum lugar existisse uma raça que possuísse outras qualidades, uma raça que oporia um obstáculo definitivo à expansão da Humanidade.

Talvez os pos-bis fossem essa raça.

Não poderia permitir que eles fossem!

 

Quando o pos-bi ainda se encontrava a dois metros de Marshall, este sentiu que alguém o segurava por trás e o levantava. Estava prestes a soltar um grito de pavor, mas viu o tecido de uma máscara de robô a seu lado.

— Caramba, chefe! — disse Yokida, em tom seco. — Nunca tive de fazer tanta força para caminhar devagar que nem um robô.

O pos-bi parou e observou-os em silêncio. Yokida apoiou Marshall e saiu caminhando lentamente com ele.

— Foi por puro acaso que saí do compartimento de carga logo depois do senhor. Quando o vi cair, temi o pior.

Yokida riu baixinho, mas Marshall percebeu que se sentia aliviado.

— O pos-bi — cochichou. — Ele nos está seguindo.

O telecineta lançou um olhar para trás.

— Eles nunca interferem no trabalho dos robôs dos saltadores. Ainda bem. Acho que ele só quer ver o que acontece com o senhor.

Marshall engoliu em seco. O perigo ainda não havia passado.

— Ele espera que você me conserte, Tama — disse. — Parece que está muito interessado nisso.

O pos-bi permaneceu atrás deles. Marshall sentiu-se como um homem condenado à morte, que antes da execução ganha um pequeno prazo em virtude de um defeito da cadeira elétrica.

— Isto não é nada confortável — constatou Yokida. — O que vamos fazer, chefe? Não posso começar a desmontá-lo.

O impulso mental vindo da Teodorico irrompeu em meio aos pensamento revoltos de Marshall:

— Ande depressa, John. Outras naves fragmentárias aproximam-se de Panotol. O senhor terá de agir rapidamente.

O suor começou a gotejar na testa do mutante. Tinha de fazer um grande esforço para prosseguir na sua caminhada. Como faria para livrar-se do pos-bi e continuar seu trabalho sem que ninguém o perturbasse? Yokida continuou a fazer como se o apoiasse. Marshall não se atrevia a mandar embora o telecineta. Foram-se aproximando da sala de comando, onde havia outros pos-bis. O técnico não tinha outra alternativa senão trabalhar bem perto do inimigo.

Entraram na sala de comando, sempre com o pos-bi nos seus calcanhares. Para Marshall, a carga psicológica começou a tornar-se quase insuportável. Por mais de uma vez sua mão trêmula passou pelo lugar em que estava escondida sua arma.

— O que houve com o senhor? — perguntou Islacker, erguendo os olhos do trabalho. — Está ferido?

Marshall explicou o que havia acontecido. Yokida levou-o a um canto. Fez com que Marshall deitasse e inclinou-se sobre ele. Sentiu o pos-bi atrás de si. Quase chegava a ver as lentes frias que se dirigiam sobre ele, num interesse apaixonado.

— Quase estamos prontos — disse Islacker. — O Dr. Bryant já está preparado para o salto experimental.

Marshall viu o rosto desfigurado de Yokida atrás do visor de seu capacete. Leu a indagação muda nos olhos do japonês.

— Tenho de fazer alguma coisa, chefe — disse Yokida, em tom insistente. — Não posso ficar parado ao seu lado. Este demônio está esperando que eu o conserte.

Começou a mexer desesperadamente na máscara de robô do telepata. Islacker soltou um grito de triunfo. Por um instante os dois mutantes esqueceram-se de que os pos-bis estavam ali.,

— O transmissor! — gritou Islacker. — Está funcionando.

 

Um homem saiu do arco do transmissor, que há pouco ainda estava vazio. Tirou a máscara de robô, abriu o capacete pressurizado e soltou um suspiro de alívio. O Coronel Pfayl, comandante da Alexander, foi ao seu encontro e apertou-lhe a mão.

— Sou o Dr. Bryant — disse o homem. — O transmissor já está funcionando. Avise Rhodan imediatamente.

Bastou um sinal de Pfayl para que o imediato da Alexander se movimentasse. O coronel lançou um olhar de expectativa para o transmissor.

— Quando começarão a chegar os prisioneiros? — perguntou.

Bryant esfregou o rosto. A certeza do êxito permitiu que pela primeira vez sentisse um profundo cansaço. Sorriu para o comandante.

— Os saltadores ainda estão nas abóbadas. Teremos de esperar o ataque de Rhodan. Antes disso não poderemos libertar os saltadores.

O Coronel Pfayl fitou-o com uma expressão de incredulidade.

— Poderemos? — repetiu em tom de incredulidade. — Não venha me dizer que pretende voltar para Panotol.

O Dr. Bryant sabia que o comandante não o compreenderia. Qualquer pessoa que nunca tivesse estado em Panotol seria incapaz de compreendê-lo.

— Afinal, o senhor está em segurança — disse Pfayl em tom insistente. — Os outros deverão conseguir sair de lá sem o senhor!

O cientista fechou o capacete. Pegou a máscara de robô e colocou-a. O coronel fitou-o em silêncio. Bryant teve uma sensação nunca antes experimentada. Era uma sensação de comunhão com os cinqüenta homens que se encontravam em Panotol. Era um deles, participava de sua missão desesperada.

— Participei desde o princípio — disse, dirigindo-se a Pfayl. — Pretendo participar até o fim.

Depois de dizer isso, voltou para o transmissor.

Por alguns segundos, Pfayl permaneceu imóvel. Finalmente sua voz de comando se fez ouvir na Alexander. Os últimos preparativos para a recepção de nove mil saltadores iriam ter início.

 

Cinco mil naves esféricas emergiam quase ao mesmo tempo do semi-espaço e atacaram as naves fragmentárias estacionadas em torno de Panotol. A reação de pânico dos pos-bis provava que não contavam com o segundo ataque. Deixaram-se surpreender. Algumas centenas de naves abriram fogo contra um veículo fragmentário. A Teodorico lutava só, mas com o transmissor fictício conseguia derrubar uma nave após a outra. O espaço em torno de Panotol encheu-se de energia atômica. Um cruzador robotizado pesado de Atlan explodiu sob os efeitos de um impacto duplo.

Perry Rhodan acompanhava o desenrolar da batalha a partir da sala de comando da Teodorico. As naves dos pos-bis entraram em formação. As perdas do grupo terrano começava a crescer. Rhodan mandou que todas as naves danificadas se retirassem, já que seriam impotentes diante dos veículos fragmentários.

Sessenta cruzadores ligeiros da classe Cidade penetraram na atmosfera de Panotol. Lançaram bombas atômicas de tamanho médio em torno da base. Os raios provocados pelas gigantescas explosões subiam até as camadas superiores da atmosfera rarefeita.

Outra nave fragmentária explodiu nas proximidades da Teodorico. A cada arremesso do transmissor, o número de super-bombas ia diminuindo.

O Major Slide Narco, que lidava com o transmissor, manifestou suas preocupações pelo alto-falante.

— Ainda temos quatorze bombas, sir — disse. — Quando acabarem, teremos de retirar-nos.

Os pos-bis já haviam percebido que a nave capitania terrana era o inimigo mais perigoso. Concentraram seu fogo sobre a Teodorico. Muitas vezes Claudrin não teve outra alternativa senão mergulhar rapidamente na zona de libração, pois do contrário os campos defensivos da nave poderiam ser destruídos sob o fogo furioso do inimigo.

As outras unidades da Frota Solar mantinham ocupados os pos-bis, que nem puderam pensar em fazer descer algumas naves sobre Panotol. Constantemente pequenos grupos de naves esféricas faziam avanços ultra-rápidos. Mas era muito raro que conseguissem danificar uma nave fragmentária. Se não fosse a Teodorico e seu insubstituível transmissor fictício, a batalha teria sido muito desequilibrada.

Durante o ataque seguinte, Narco errou o alvo por duas vezes. Ao que parecia, os comandantes das naves fragmentárias adaptavam-se cada vez melhor à nova arma.

— Ainda temos onze bombas, Perry — disse Bell, levantando as mãos com os dedos abertos. — Está na hora de largarmos os robôs de guerra. Marshall já deve ter iniciado a operação libertadora.

— Está bem — concordou Rhodan. Bateu levemente no ombro de Claudrin. — Aproxime-se de Panotol, comodoro.

As máquinas de guerra, que estavam prontas para saltar, reuniram-se nas eclusas da Teodorico. Cada uma delas estava equipada com um lança-foguete capaz de arremessar bombas atômicas do tamanho de uma granada de mão. Dez mil robôs atacariam os pos-bis na superfície de Panotol. Marshall e seus homens aproveitariam a confusão.

Claudrin pilotava a gigantesca nave com movimentos seguros. Todos os controles pareciam fazer parte de seu ser. Mantinha uma ligação estreita com a nave. Talvez fosse ainda mais estreita que a que mantivera com a Ironduke ou com a lendária Fantasy. E parecia que o epsalense nem tinha físico para isso, pois sua figura gigantesca dava a impressão de ser desajeitada.

Rhodan viu que três naves fragmentárias saíram em perseguição da Teodorico. Claudrin já as observara. Por ocasião do desembarque dos robôs, a nave teria que permanecer imóvel por alguns segundos. E enquanto os pos-bis estivessem tão perto não se poderiam arriscar a isso. Rhodan sabia que, por maior que fosse a competência de Claudrin, o mesmo não conseguiria livrar-se dos perseguidores por tanto tempo. Era porque os robôs tinham que deixar as eclusas bem em cima da base. Deveriam intervir imediatamente nos acontecimentos.

— Eles se grudaram nos nossos calcanhares — constatou Bell, com a voz zangada.

As naves fragmentárias estavam dispostas em triângulo e modificavam constantemente sua rota, a fim de dificultar o lançamento das bombas pelos terranos.

— Major — gritou Rhodan para dentro do microfone. — Temos uma companhia nada agradável.

— Já os vi, chefe — respondeu Narco.

— Temos de livrar-nos deles, mesmo que isso nos custe as últimas bombas — disse Rhodan, com a maior tranqüilidade. — Claudrin não poderá parar a nave enquanto estivermos sendo perseguidos.

Olhando para a tela, Rhodan viu que as naves de aspecto irreal se aproximavam rapidamente. Para um astronauta terrano, o bizarro formato cúbico dessas naves ainda representava um anacronismo no espaço.

A luz produzida pela explosão da giga-bomba atravessou a tela. A claridade era tão forte que Rhodan não viu nada além da ofuscante nuvem de energia.

Duas naves fragmentárias saíram do mar de fogo da destruição. Os campos defensivos da Teodorico estremeceram sob a força do ataque. O disparo que Narco fez a seguir não produziu nenhum resultado. Claudrin teve de arrancar a nave da zona de perigo.

Os pos-bis mantinham-se encarniçadamente atrás deles, mas a segunda bomba disparada por Narco atingiu o alvo. A última nave fragmentária retirou-se. Não demoraria a voltar com reforços.

— Vamos depressa, Jefe — ordenou Rhodan. — A pequena pausa que teremos agora deverá ser suficiente.

A Teodorico mergulhou que nem uma sombra na atmosfera do planeta em torno do qual se travavam lutas encarniçadas. Os neutralizadores de pressão uivaram. A frenagem consumia quantidades enormes de energia. Rhodan viu uma mancha marrom na tela. Era a superfície do planeta que se estendia lá embaixo.

— Abrir as comportas! — ordenou Rhodan.

Esperava que as outras naves também conseguissem desembarcar suas máquinas de guerra. Pretendiam lançar um total de dez mil robôs.

— Chegamos, chefe — disse a voz retumbante de Claudrin.

Dali a alguns segundos, os corpos metálicos começaram a cair em direção à base dos saltadores. Rhodan esperava que o auxílio a Marshall e seus homens não chegasse tarde.

 

Olhando para além de Tama Yokida, John Marshall viu que o pos-bi se retirou da sala de comando. Ficou estupefato. Yokida interrompeu os “reparos” no telepata. Todos os pos-bis saíam apressadamente da sala de comando, como se estivessem obedecendo a uma ordem secreta. Surpreso demais para dizer qualquer coisa, Marshall levantou-se. No momento exato em que acreditava que os pos-bis tivessem descoberto seu jogo, os acontecimentos tomaram esse rumo inesperado.

— O que é isso? — perguntou Islacker, confuso.

Marshall reuniu os acontecimentos num todo coerente. A saída repentina dos pos-bis só poderia ter uma explicação. Alguma coisa que era mais importante que a Totzta IX atraía sua atenção.

Isso só podia significar que Rhodan lançara o segundo ataque. Marshall quase abraçou o telecineta de tão contente que ficou. Os pos-bis ficariam ocupados, observando as naves terranas, pois sempre era possível que as mesmas tentassem pousar.

— Vamos para o transmissor. Depressa! — gritou Marshall e saiu correndo.

Islacker e dois técnicos foram as únicas pessoas que permaneceram na sala de comando. Controlariam as unidades energéticas.

No compartimento de carga, o Dr. Bryant estava saindo do transmissor e fez um sinal para Marshall. O sinal significava que o aparelho achava-se regulado exatamente para a Alexander. Naquele momento cinco mil naves esféricas terranas lutavam com as naves fragmentárias, a fim de atrair a atenção dos pos-bis. Não demoraria, e as primeiras bombas seriam lançadas no deserto. Logo depois disso pousariam os robôs de guerra.

— O Coronel Pfayl já está esperando — informou o Dr. Bryant. — Os barcos espaciais e cruzadores estão preparados para transportar os saltadores, à medida em que os mesmos chegarem à Alexander.

Num instante, Marshall refletiu sobre as providências que deveria tomar em seguida. Era provável que naquele momento as abóbadas não estivessem sendo vigiadas. Os pos-bis estariam concentrados exclusivamente nos preparativos de defesa.

— Gucky, Ras e Tako — gritou Marshall. — Saltem para as abóbadas com mais três mutantes. Irei com Gucky. Ras levará Sengu, e os dois japoneses saltarão juntos.

Viu os acônidas, que se mantinham calados num canto, depois de terem preparado o transmissor.

— O senhor já pode fugir, Berháan — sugeriu Marshall.

Berháan apontou para os técnicos que estavam parados por ali.

— Quando é que eles irão? — perguntou tranqüilo.

— Eles esperarão — disse, erguendo as sobrancelhas num gesto de espanto.

— Nesse caso também esperaremos — disse Berháan, com um sorriso.

 

As abóbadas residenciais brilhavam à luz do sol de Panot, que descia para a linha do horizonte. Gucky e Marshall materializaram-se junto à entrada do corredor subterrâneo. O ambiente parecia calmo e abandonado. Marshall olhou para fora, tentando ver se descobria algum sinal dos pos-bis.

Naquele momento, Tschubai e Sengu estariam chegando à canalização da abóbada em que os nove homens do grupo do teleportador se mantinham escondidos.

Ainda não estava na hora de iniciar a libertação. Era verdade que os pos-bis dedicavam sua atenção à batalha espacial, mas os mesmos interviriam assim que os saltadores saíssem das abóbadas.

Era necessário aguardar mais dois ataques que constavam dos planos: o bombardeio das áreas desérticas que cercavam a base e a intervenção de alguns milhares de máquinas de guerra.

— Tomara que os pos-bis ainda não tenham conseguido retirar dados da memória do computador da Totzta IX — disse Marshall. — Nesse caso nossos esforços seriam praticamente em vão.

Gucky não quis ouvir conjecturas pessimistas.

— Tolice, John — disse em tom contrariado. — Nesse caso os pos-bis já teriam desferido outros golpes.

— Nunca se pode ter certeza do que um biopositrônico vai fazer — disse Marshall como se fosse um oráculo.

Um raio varreu a linha do horizonte e mergulhou a paisagem numa forte claridade. Os dois mutantes estremeceram instintivamente. O chão retumbou, como se certas formas de energia subterrânea tivessem entrado em ação. Marshall teve a impressão de que os edifícios vibravam diante de seus olhos.

— São as bombas! — gritou a voz estridente de Gucky. — Nossas naves estão bombardeando o deserto.

Do outro lado do estaleiro a paisagem também se iluminou. Um ribombo surdo e um tremor atravessou o ar rarefeito. Marshall correu para fora. Viu pelo menos quarenta pos-bis saírem de uma das abóbadas. Os seres biopositrônicos locomoviam-se com uma rapidez extraordinária. Não havia dúvida de que se dirigiam para o interior do estaleiro.

— Saem correndo por aí — disse Gucky num uivo estridente.

Tentou um salto de alegria, mas sem o auxílio de suas energias paranormais seu desempenho foi miserável.

Não tinham motivo para recear as bombas, pois combinara-se que as mesmas só seriam lançadas nos arredores. Marshall viu os pos-bis desaparecerem entre as primeiras fábricas. Provavelmente os robôs receavam que, dentro em breve, as primeiras bombas atingiriam a base propriamente dita.

Naquele momento não havia uma única nave fragmentária em Panotol. Todas elas estavam envolvidas na luta com a Frota Solar. Marshall felicitou-se no seu íntimo porque até então todas as conclusões lógicas de Rhodan se haviam revelado corretas.

— Olhe, John! — piou Gucky, em tom exaltado.

Os pos-bis foram saindo das abóbadas. Marshall e Gucky os observavam.

— O que estamos esperando? — perguntou Gucky, impaciente.

Marshall segurou o rato-castor pelo braço. Também estava ansioso por entrar em ação, mas mantinha seus sentimentos sob controle. A atenção dos pos-bis fora distraída, mas os mesmos não enfrentavam maiores dificuldades.

O telepata lançou os olhos para o céu límpido. Fazia votos de que os saltadores não entrassem em pânico. Haveria um problema psicológico em convencer os prisioneiros de que eles, os terranos, pretendiam ajudá-los.

O número das explosões diminuiu rapidamente. Marshall sentiu a tensão crescer cada vez mais. Tinha a boca ressequida de nervosismo. Ao que parecia, as naves que bombardeavam Panotol estavam sendo atacadas e tiveram de retirar-se.

Fazia votos de que os robôs de guerra não demorassem. Os pos-bis logo se recuperariam da surpresa. O mutante lançou um olhar desesperado para o alto. Será que algo saíra errado? A maior parte dos robôs seria lançada pela Teodorico. Era possível que alguma coisa tivesse acontecido à nave capitania.

— Não podemos esperar mais — disse Gucky. — Alguma coisa não deu certo.

Marshall sabia que, se iniciasse a ação antes da chegada das máquinas de guerra, não arriscaria apenas a vida de cinqüenta terranos, mas também a de nove mil saltadores. Mas, por outro lado, não poderia suspender a operação quando a mesma já estava entrando na fase final.

O telepata sentiu que ninguém poderia libertá-lo do peso da decisão. Sentiu, também um pouco da solidão que Rhodan devia experimentar por ocasião das decisões mais difíceis. A força e o poder decisório poderiam ser fatais para um homem dotado de senso de responsabilidade, já que seria obrigado a refletir bastante, antes de agir.

Só vez por outra surgia um lampejo no deserto. As naves terranas batiam em retirada. Marshall lançou os olhos pela área livre que se estendia à sua frente, como se a mesma pudesse proporcionar-lhe a solução. Gucky manteve-se calado. Parecia imaginar a carga psicológica a que estava exposto seu companheiro.

Marshall lançou um olhar ligeiro para o medidor de radiações e constatou que os efeitos das bombas atômicas já se faziam sentir. Uma hora depois as radiações atingiriam o nível máximo permissível.

— John! — gritou Gucky, enquanto seu braço apontava para o céu.

Marshall olhou. Por um instante sentiu-se ofuscado, mas logo ele os viu descerem sobre Panotol. Eram robôs de guerra da Frota Solar. Uma estranha sensação apoderou-se dele. Deu uma palmadinha no ombro de Gucky.

— Vamos começar, pequeno — disse. Examinaram as armas. Marshall usou o rádio de capacete para informar Tschubai e Kakuta sobre a chegada dos robôs.

— Tudo depende de que logo consigamos colocar em marcha os prisioneiros — disse. — Devem desaparecer no transmissor dentro de trinta minutos. Dispomos exatamente do tempo de que os pos-bis precisam para abater dez mil robôs de guerra.

Pelo que ensinava a experiência, isso não demoraria muito. Marshall segurou o braço de Gucky e fez um sinal. No mesmo instante desapareceram.

 

Saíram do elevador e precipitaram-se pelo corredor o mais rapidamente que seus trajes de guerra permitiam. Mesmo que Marshall não tivesse chamado sua atenção para o fato, Ras Tschubai sabia que naquele momento tudo era uma questão de minutos. Era de se supor que, na abóbada em que se encontrava, houvesse algumas centenas de saltadores. Quando, com o auxílio de seus homens, conseguisse fazer com que se dirigissem para a Totzta IX, outras tarefas o esperariam. Como chefe de grupo, julgava-se responsável por um certo número de abóbadas. Em seu grupo havia ao todo três mutantes: ele mesmo, Noir e Sengu.

Passaram por algumas portas fechadas. Continuaram a correr, até que Sengu estacou... Os sentidos paranormais do espia tornavam-no capaz de enxergar através de qualquer material.

— Abram! — ordenou Tschubai.

Teschmann e Hanson abriram a fechadura a tiros. A porta cedeu. A visão dos terranos disfarçados de robôs que se precipitavam para dentro do recinto não devia ser nada tranqüilizadora para os saltadores. Tschubai passou por Hanson.

Noir e Driftwood pararam na porta, a fim de vigiar o corredor. A primeira coisa que Tschubai viu foram alguns saltadores que recuavam, fitando-o com uma expressão de desconfiança. Com um simples movimento o africano tirou a máscara de robô. Abriu o capacete e levantou o braço.

— Somos terranos — anunciou. — Ligamos o transmissor acônida no interior do estaleiro, a fim de tornar possível a fuga para nossas naves.

Ninguém respondeu. Os prisioneiros pareciam atacados de uma estranha rigidez.

— Vocês não têm muito tempo — prosseguiu em tom apressado. — Neste instante alguns milhares dos nossos robôs estão lutando com os pos-bis.

— Ras! — gritou Noir.

Tschubai virou-se abruptamente. Os saltadores aproximaram-se. Noir e Driftwood haviam disparado contra alguém que parecia aproximar-se pelo corredor. Com alguns passos o teleportador atingiu a porta. Ainda chegou em tempo para ver um pos-bi desmanchar-se em fogo sob os efeitos dos disparos de Noir e de Driftwood.

O teleportador voltou a dirigir-se aos saltadores, que discutiam acaloradamente. Tschubai ouviu o suficiente para compreender que dois partidos se haviam formado. Um dos partidos queria seguir os terranos, enquanto o outro insistia em ficar na abóbada.

Tschubai aproximou-se do homem que gritava mais alto e segurou-o pelo braço. Seu rosto negro estava desfigurado pela raiva.

— Vocês pensam que estamos arriscando a vida para ouvir discussões absurdas? — gritou em tom furioso. — Se não nos acompanharem até o transmissor, vocês morrerão, pois a estação explodirá.

O saltador lançou-lhe um olhar odiento. Com um movimento furioso libertou-se da mão de Tschubai.

— Não queremos mudar de uma prisão para outra — resmungou. — Por enquanto ninguém nos fez nada por aqui. Só os terranos lançaram algumas bombas.

A ganância desses homens sempre fora maior que sua razão.

— Temos de dinamitar o estaleiro — disse Tschubai, em tom insistente. — O resto dependerá de vocês.

Um grupo de trinta jovens avançou até o lugar em que estava Tschubai. Pareciam ser pessoas decididas. O africano lançou-lhes um olhar indagador.

— Iremos com o senhor — disse o porta-voz do grupo.

Todos os saltadores começaram a gritar ao mesmo tempo. Até parecia que alguém dera um sinal secreto. Cada um esforçava-se para superar os outros. Tschubai lançou um olhar nervoso para a confusão. Se não conseguisse controlar logo a situação, seria tarde. Alguns dos mercadores mais idosos precipitaram-se sobre os jovens. Verificaram-se as primeiras vias de fato. Em geral, os saltadores jovens respeitavam os velhos. Mas aqui se encontravam numa situação especial.

Tschubai levantou a arma e fez um disparo por cima das cabeças das pessoas que discutiam.

— Assim não é possível — disse. — Vamos colocar a matéria em votação. Procurem ser razoáveis. Vocês estão adotando um comportamento indigno do seu povo.

Estas palavras não deixaram de produzir seu efeito. O teleportador atingira o ponto mais sensível dos saltadores: seu orgulho racial.

— Quem estiver a favor da fuga através do transmissor, que levante a braço direito — disse Tschubai.

Não houve necessidade de uma contraproposta. Uma maioria esmagadora votara a favor da liberdade. Tschubai mandou que Norton e Sengu conduzissem o grupo de saltadores, composto de quase oitocentas pessoas, da abóbada até o transmissor.

Ele e seus companheiros ainda teriam muito trabalho. Quando saíram da abóbada, a luta entre os pos-bis e as máquinas de guerra desembarcadas pela frota terrana estava em pleno andamento. Os saltadores abandonaram em grupos enormes a abóbada. Wuriu Sengu e Norton caminharam à frente do grupo.

Lançando um olhar para o lado, o teleportador certificou-se de que das outras abóbadas também saíam saltadores. Estavam agindo por conta própria, ou então Marshall e Kakuta já haviam iniciado seu trabalho.

 

Quando Perry Rhodan deu ordem de retirada, mais de um terço das naves terranas haviam sofrido graves impactos. Algumas tiveram de ser abandonadas pelos tripulantes. Outras naves recolheram os homens. Mas para muitos o auxílio chegou tarde. A batalha espacial travada em torno de Panotol custara a vida de alguns milhares dos melhores filhos do Império Solar. Por enquanto não se sabia se o sacrifício não fora prestado em vão.

As naves terranas retiraram-se para a zona de libração, enquanto as naves fragmentárias corriam furiosas pelo espaço, à procura de novos inimigos.

Rhodan, que se encontrava na sala de comando da Teodorico, recebeu com o rosto sombrio as informações dos comandantes das diversas unidades. Ficou sabendo que somente oito mil robôs haviam descido em Panotol. Um dos cruzadores tivera de retirar-se com graves avarias, antes que pudesse desembarcar suas máquinas de guerra.

Pelo menos 28 naves fragmentárias haviam sido destruídas por meio do transmissor fictício. Não se sabia exatamente quantas naves as outras unidades terranas haviam derrubado. Rhodan não acreditava que fosse mais de uma dezena.

Mandou que Claudrin se aproximasse da Alexander. Queria estar presente quando os primeiros saltadores saíssem do grande arco vermelho do transmissor. E desejava apertar as mãos dos cinqüenta homens de seu comando.

Naquele momento, terríveis lutas estavam sendo travadas no estaleiro. Os lança-foguetes dos robôs de guerra dariam muito trabalho aos pos-bis. Atlan afastou sua pequena frota do grupo terrano. A tarefa do imperador fora concluída. As perdas entre as naves robotizadas arcônidas eram ainda maiores que as terranas. A suposição de Atlan, de que os pos-bis não atacariam as naves robotizadas, não se confirmara. Até parecia que os biopositrônicos possuíam um sexto sentido, que lhes permitia distinguir entre amigo e inimigo.

 

Quando Atkins entrou na eclusa de ar para examinar o gigantesco pavilhão em que fora guardada a nave destroçada, teve de constatar que as fitas rolantes e os guindastes estavam parados. Não havia um único pos-bi ou robô dos saltadores por perto. Atkins saiu da eclusa e olhou cautelosamente em torno. Lá fora rugia a batalha.

Atkins pôde arriscar-se a ligar o propulsor de seu traje de combate e deixar-se carregar até a entrada do pavilhão. Pousou são e salvo junto à pequena câmara pressurizada e saiu. Uma vez do lado de fora, ligou o defletor para poder caminhar sem ser visto. Até então os terranos preferiram não usar esse aparelho, pois os pos-bis desconfiariam se registrassem a presença de certos campos energéticos. Mas, no momento, os robôs biopositrônicos estavam ocupados exclusivamente em rechaçar o ataque de alguns milhares de robôs de guerra.

Do lugar em que se encontrava, Atkins podia ver a área situada entre dois pavilhões. Três pos-bis se haviam abrigado no estreito corredor. Resistiam obstinadamente aos robôs que os atacavam.

Até mesmo um homem sem experiência militar como Atkins perceberia logo que a situação dos robôs da Frota Solar não era nada fácil. Não poderiam atingir seriamente os pos-bis, enquanto eles mesmos sofriam perdas constantes. Os campos defensivos dos robôs não estavam em condições de resistir às armas do inimigo.

A batalha espalhou-se por toda a base. Era uma vantagem que não devia ser subestimada. Os pos-bis eram obrigados a dividir-se; não poderiam lutar em grupos numerosos. E, provavelmente, não demorariam a pedir que suas naves lhes enviassem reforços.

Bem perto do lugar em que estava Atkins um robô terrano teve seu campo defensivo destruído. Foi dividido em dois, pouco acima da articulação da perna, sob os efeitos de um tiro de radiações. A máquina caiu ao chão. Atkins viu o pos-bi, que atirara, correr pelo pavilhão para apoiar seus companheiros. O técnico tirou a arma e disparou-a contra o pos-bi. No mesmo instante arrependeu-se do erro que acabara de cometer. Embora o pos-bi não pudesse vê-lo, ligou imediatamente seu campo defensivo individual.

A criatura grotesca parou. Atkins constatou que nem sequer chegara a acertá-la. Recuou lentamente, até ficar encostado à porta externa da câmara pressurizada. O pos-bi continuava parado. Por certo procurava localizar o atirador invisível.

Atkins praguejou contra sua precipitação. Não deveria ter chamado a atenção do inimigo para o pavilhão em que se encontrava. Se os pos-bis resolvessem revistar a nave de Totztal à procura de robôs terranos, a missão teria fracassado.

Devia agir rapidamente, a fim de distrair o pos-bi. Atkins não perdeu tempo. Ligou o mecanismo propulsor de seu traje de guerra. Dirigiu seu vôo de maneira a parar no telhado do outro pavilhão. Vista de cima, a estranha criatura nem parecia ser perigosa. Atkins levantou a arma e disparou. O pos-bi cambaleou. Parecia estar envolto numa luz fosforescente. Mas seu campo defensivo resistiu ao impacto. Atkins correu pelo telhado, dirigindo-se ao lado oposto. O lugar em que agora se encontrava permitia uma visão ampla sobre todo o estaleiro. Em toda parte viam-se labaredas.

Alguns dos pavilhões estavam ardendo. Atkins virou-se abruptamente e olhou para as abóbadas.

E foi então que os viu chegar!

Três serpentes cinzentas, formadas por milhares de saltadores, locomoviam-se em direção ao centro da base. Do lugar em que se encontrava, Atkins não via os detalhes. Mas tinha certeza de uma coisa: os prisioneiros deslocavam-se rapidamente e não demorariam a chegar ao destino.

Nas proximidades do pavilhão em que estava guardada a Totzta IX, ainda havia lutas entre pos-bis e robôs. Atkins ligou o propulsor e desceu do telhado. Voltou à Totzta IX o mais depressa que pôde.

Os técnicos terranos travavam uma discussão violenta com os cientistas do Sistema Azul. Atkins correu para o compartimento de carga. Esqueceu-se de que com o defletor ligado ninguém o via.

— Estão chegando! Estão chegando! — gritou.

 

A missão libertação foi iniciada no dia 31 de janeiro de 2.113 e terminou no mesmo dia. Mais tarde constatou-se que a luta custara à frota terrana 1.236 espaçonaves, inclusive 48 naves robotizadas arcônidas. Além disso perdera cerca de oito mil robôs de guerra de primeira qualidade. Mas o que pesava mais eram as perdas humanas.

Acontece que John Marshall e Gucky ainda não tinham conhecimento disso quando caminhavam apressadamente à frente de uns 1.400 saltadores libertados, tomando a direção da base.

Gucky caminhava cem metros à frente do grupo, a fim de avisar Marshall se aparecessem pos-bis.

Naturalmente seria impossível levar mais de mil horas de um momento para outro a um esconderijo, se a situação se tornasse perigosa, mas Marshall queria garantir-se contra eventuais surpresas. O primeiro a chegar aos pavilhões da fábrica foi o rato-castor.

— Do outro lado, mais de vinte dos nossos robôs estão lutando contra sete pos-bis, John — informou Gucky, telepaticamente. — Teremos de passar à direita do edifício.

Marshall levou os saltadores na direção indicada. Os pos-bis acabariam por descobrir o que estava acontecendo. Quando isso acontecesse, grande parte dos saltadores já deveriam ter saldo de Panotol. Não havia a menor dúvida de que os pos-bis uniriam suas forças num ataque contra a Totzta IX, assim que descobrissem que a atuação dos terranos era uma manobra estratégica.

Marshall ficou preocupado ao pensar nos outros prisioneiros. Naquele momento um grande número destes caminhava em direção à nave destroçada. Marshall insistiu para que os homens andassem mais depressa. Chegaram ao primeiro pavilhão. Gucky, que se encontrava na outra extremidade do mesmo, acenou com os bracinhos curtos.

De repente o rato-castor desmaterializou-se. Marshall parou, contrafeito. Quais seriam as intenções do pequeno? Fazia votos de que não resolvesse dar início a um dos seus espetáculos.

Marshall mandou que os saltadores prosseguissem devagar, até chegarem à outra extremidade do edifício. Fez um sinal para que parassem. Olhou cautelosamente para o outro lado da parede. Viu uma área livre, na qual dez robôs terranos haviam cercado dois pos-bis, mas não conseguiam destruí-los. Os biopositrônicos liquidavam um após o outro. Marshall teve a impressão de que a destruição era tão rápida, que os dois inimigos não podiam ser os únicos responsáveis. De repente encontrou uma explicação para o súbito desaparecimento de Gucky...

O rato-castor ajudava na destruição das dez máquinas de guerra, a fim de afastar os pos-bis do local!

Marshall reprimiu a raiva. O que Gucky estava fazendo era certo. Não poderiam prosseguir sem atravessar a área livre. E só poderiam fazê-lo, se não fossem descobertos pelos pos-bis.

Assim que os robôs de guerra foram liquidados, os pos-bis saíram correndo para intervir na luta em outros lugares.

Gucky materializou-se do lado oposto, à sombra de um conjunto alongado de edifícios.

— Tudo bem, John — disse sua voz aguda pelo rádio de capacete. — Pode trazê-los.

Com um suspiro de alívio, Marshall mandou que os saltadores prosseguissem. Os prisioneiros já haviam percebido o que estava em jogo. Sua esperteza natural e o dom de compreender as novas situações revelaram-se muito úteis. Os mercadores conservaram a disciplina. Sem que ninguém interviesse, tomaram certas providências para evitar a descoberta. A experiência milenar, que sua raça acumulara nessas coisas, veio à tona.

Marshall nunca acreditaria que mil e quatrocentas pessoas pudessem atravessar tão depressa uma área livre. Até mesmo Gucky, que não costumava reconhecer publicamente os feitos alheios, exibiu um sorriso de satisfação.

O rato-castor fê-los passar pelos diversos edifícios, tendo sempre o cuidado de desviar-se dos grupos de combatentes. Marshall olhou para o relógio. Haviam levado exatamente quinze minutos a mais do que previa o plano.

Rhodan já devia ter retirado suas naves. Dali a pouco, as primeiras naves fragmentárias voltariam a pousar em Panotol.

 

Os prisioneiros aproximaram-se do interior da base, vindos de cinco direções diferentes. Agora, o grupo maior estava sendo conduzido por Tako Kakuta e Tama Yokida, que levavam perto de três mil saltadores. Kakuta sabia desde o início que não conseguiria levar essa massa ao destino, sem ninguém notar.

Por isso resolvera abandonar todas as cautelas, preferindo seguir um caminho direto e rápido. Quando já haviam atravessado a área que separava as abóbadas residenciais do centro industrial, Kakuta deu ordem para que não se detivessem diante de qualquer incidente.

O teleportador não tinha a menor idéia de como os pos-bis lidariam com as máquinas de guerra que os atacavam. Confiava em que o inimigo estivesse ocupado exclusivamente em abafar o ataque dos robôs.

No início tiveram sorte. Penetraram no estaleiro sem encontrar a menor resistência. Obedecendo à sua programação, os robôs de guerra esforçavam-se para espalhar a luta por várias áreas diferentes.

De repente Kakuta, que instintivamente caminhava cada vez mais depressa, sentiu que Yokida o segurava pelo braço.

— Olhe! — cochichou o telecineta.

Kakuta parou e olhou para trás.

Encontravam-se embaixo de um telhado que ligava dois pavilhões. Ao lado de um desses pavilhões, uma rua larga avançava pelo estaleiro. Um muro limitava a rua. Atrás do muro viam-se as abóbadas de depósitos subterrâneos e... um grupo de pos-bis, que naquele momento se dispunha a transpor o muro.

O teleportador pegou uma carabina de radiações pesada.

— São exatamente dezoito — declarou Yokida em tom obstinado.

Sem que o quisesse, Kakuta sentiu as pernas fraquejarem. Se não fossem os três mil prisioneiros, seria fácil desviar-se dos pos-bis juntamente com Yokida. Mas os saltadores não poderiam afastar-se com a rapidez necessária.

— Temos de prosseguir — ordenou Kakuta.

Quando viram seus ex-prisioneiros, que marchavam em trajes pressurizados, os pos-bis ficaram estarrecidos.

A surpresa foi tamanha que no primeiro momento não conseguiram esboçar qualquer reação.

Os dois japoneses começaram a atirar ao mesmo tempo. Os saltadores passaram rapidamente por eles.

— Vamos detê-los! — gritou Kakuta. — Procurem chegar o quanto antes ao transmissor.

Os pos-bis recuperaram-se da surpresa e passaram para o contra-ataque. Yokida usou suas energias telecinéticas. Fez subir um dos pos-bis, para arrebentá-lo impiedosamente. Kakuta deu um pequeno salto, ficando atrás do inimigo, e voltou a atirar.

Os pos-bis defrontaram-se com uma tática incompreensível. Antes que pudessem adaptar-se à nova posição do teleportador, este voltou a disparar do lado em que ficava o telhado. O campo defensivo de Yokida quase desmoronou sob o efeito de um impacto direto. O telecineta deu três saltos para abrigar-se.

Kakuta, que se encontrava sobre o telhado, ficou aliviado ao notar que cinqüenta robôs de guerra se aproximavam. Eram perseguidos por mais de vinte pos-bis, mas uma máquina não sabe o que é medo. Quando os robôs terranos viram os dez biopositrônicos que ainda restavam, abriram fogo com seus lança-foguetes. Kakuta teleportou-se para onde estava Yokida.

— Depressa! — disse em tom exaltado. — Vamos atrás dos saltadores.

Yokida agarrou-se a ele e Kakuta dispôs-se a saltar. Quando materializaram-se junto ao grupo de prisioneiros, este encontrava-se a apenas duzentos metros da Totzta IX. Os pos-bis ainda não haviam descoberto o que estava acontecendo no interior da base.

 

Não era necessário possuir dons especiais para constatar que o número dos robôs de guerra diminuía rapidamente. Atkins e o Dr. Bryant, que se encontravam junto à câmara pressurizada do pavilhão de reparos a fim de esperar os primeiros saltadores, souberam interpretar corretamente a diminuição do número de explosões. Os robôs da Frota Solar estavam sendo dizimados.

Atkins sentiu-se bastante aliviado ao ver os primeiros saltadores que se aproximavam. Viu dois vultos humanos que caminhavam à sua frente. Usavam traje de combate e máscara de robô. A julgar pela baixa estatura, eram os japoneses.

Dali em diante, Atkins e o Dr. Bryant conduziram os saltadores, enquanto os dois mutantes voltaram às pressas para dar apoio aos outros grupos. Dentro de pouco tempo, o compartimento da Totzta IX ficou cheio de saltadores, que logo entraram no transmissor.

Quando metade dos mercadores galácticos havia passado pelo aparelho, a teoria de Van Moders, segundo a qual um pos-bi aprende com uma rapidez surpreendente, iria encontrar sua confirmação.

Os biopositrônicos entenderam o que estava acontecendo. Parte deles manteve os robôs terranos sob controle, enquanto outra parte passou a atacar a Totzta IX.

 

O Coronel Pfayl, que se encontrava ao lado de Perry Rhodan, viu os primeiros saltadores saírem do arco do transmissor.

Não teve necessidade de olhar para o administrador para compreender que este participava de sua sensação de alívio. Os saltadores pararam, desconfiados, e olharam em torno.

O coronel não podia permitir qualquer demora.

— Prossigam em direção à eclusa — ordenou.

Um patriarca barbudo fitou-o com os olhos chamejantes.

— Não aceito ordens de ninguém — gritou. — Encontro-me a bordo de uma nave terrana e exijo que meus direitos sejam respeitados.

Pfayl sentiu o sangue afluir à sua cabeça. Depois de ser libertado, esse sujeito ainda tomava atitudes atrevidas para com seus salvadores. Pfayl fitou Rhodan com uma expressão pensativa.

— Resolveremos isso sem demora, sir — disse.

Rhodan deteve-o com um gesto e dirigiu-se ao saltador.

— Fique quieto juntamente com seus homens e espere para ser pisoteado pelos que virão depois — disse Rhodan com a maior tranqüilidade.

Por um instante teve-se a impressão de que o patriarca pretendia investir contra Rhodan. Pfayl chegou a pôr a mão na arma. Mas o rebelde contrariou todas as expectativas. Prosseguiu calmamente e pediu que lhe mostrassem onde ficava a eclusa. Os barcos espaciais já estavam esperando pelos fugitivos, para levá-los a outros cruzadores. A Alexander não poderia recolher todos os prisioneiros.

Bert Islacker foi o primeiro terrano a sair do transmissor. Tirou a máscara de robô e abriu o capacete.

— Os pos-bis estão atacando a nave cilíndrica, sir — disse, dirigindo-se a Rhodan. — Formamos um círculo defensivo em torno da mesma, a fim de que todos os saltadores possam ser trazidos para cá.

Uma infindável torrente humana saía do transmissor. Pfayl organizara perfeitamente o transporte dos prisioneiros. O transbordo dos mesmos correu sem o menor incidente.

— O senhor acredita que conseguirão? — perguntou Rhodan, dirigindo-se ao técnico.

— Não tenho certeza, sir — respondeu Islacker.

Rhodan notou que gostaria de voltar. Mas, no momento, a fuga dos saltadores era mais importante.

Dali a três minutos surgiu outro terrano.

Era Hanson, que sofrerá um ferimento grave no braço. Pálido, mas tranqüilo, deixou que o levassem à enfermaria de bordo. Informou que os pos-bis se aproximavam cada vez mais da nave destroçada.

— Tomara que eles agüentem, sir — disse o Coronel Pfayl.

Naquele momento, Rhodan não podia fazer nada por seus homens. Estes tinham de enfrentar a situação sem auxílio, Se os pos-bis conseguissem prender um terrano ou saltador que fosse, todo o esforço teria sido em vão. Rhodan nem se atreveu a pensar na possibilidade de que os pos-bis já poderiam ter retirado certos dados da memória do computador positrônico da Totzta IX.

 

O disfarce dos terranos perdera toda utilidade. Os pos-bis já haviam descoberto o truque. Enquanto os últimos saltadores desapareciam no interior da Totzta IX, as criaturas vindas das naves fragmentárias fizeram tudo para penetrar na nave destroçada. O pavilhão parecia estremecer sob a fúria dos ataques. Os mutantes e os técnicos em transmissores estavam reunidos em torno da eclusa, a fim de dar cobertura aos últimos saltadores. Eram principalmente os teleportadores que revelavam sua utilidade, pois constantemente apareciam às costas dos pos-bis e abriam fogo.

Por isso o inimigo era obrigado a proteger sua retaguarda. Gucky e Yokida lançaram mão de suas energias telecinéticas. Reunindo suas forças às do japonês, o rato-castor fez o pesado guindaste de montagem desabar sobre os pos-bis. Naquele momento estava totalmente destruído, formando uma espécie de barricada à frente da nave destroçada.

John Marshall comandava a batalha defensiva. Mais dois técnicos sofreram ferimentos graves e foram encaminhados ao transmissor. Alguns saltadores foram mortos pelos tiros dos pos-bis. Outros tiveram de ser retirados da câmara pressurizada pelos teleportadores, pois não se atreviam a caminhar entre as forças em combate.

Marshall olhou para o guindaste destruído. Parecia muito cansado. Já sabia que a missão libertação seria levada a bom termo. Faltava pouco para a salvação dos últimos fugitivos. Os pos-bis não conseguiriam conquistar nem destruir o transmissor!

Viu que Driftwood saía mancando dos destroços do guindaste. Mandou imediatamente que o ferido entrasse na nave. O último grupo de saltadores a passo acelerado em direção à eclusa. Não apareceu mais um único robô de guerra terrano. Os pos-bis haviam destruído todos eles.

Os primeiros biopositrônicos haviam avançado até o guindaste. Marshall transmitia suas ordens com a maior calma. Mandou que os técnicos se recolhessem à nave. Os mutantes pertencentes ao comando eram os únicos homens que ainda ofereciam resistência ao inimigo.

Gucky materializou-se ao lado de Marshall. O rato-castor fizera um trabalho sobre-humano. Falou com a voz cansada:

— Não conseguiremos detê-los por mais tempo, John.

Marshall certificou-se de que os últimos técnicos haviam abandonado suas posições. Atkins era o único que ainda se encontrava abaixo da eclusa. Até parecia que estava interessado em provar que tinha tanta coragem quanto os mutantes. Noir e Sengu entraram apressadamente na eclusa. Quatro pos-bis passaram por cima dos destroços do guindaste. Foram seguidos por outros, que avançavam sem temer pela “vida”.

— Irei por último — sugeriu Gucky.

Marshall, Kakuta e Tschubai correram para dentro da nave. O rato-castor fechou a eclusa, utilizando suas energias telecinéticas.

Haviam escapado ao inimigo. As únicas pessoas que continuavam no interior do compartimento de carga eram o Dr. Bryant e o acônida Berháan. Gucky materializou-se bem na entrada da sala do transmissor.

— O que estamos esperando? — perguntou em tom alegre.

 

Perry Rhodan apontou para a super-bomba que estava sendo colocada no transmissor por dois tripulantes da Alexander. Deu uma palmadinha no ombro de Gucky.

— Não faça tolices, pequeno — advertiu. — Você só deverá detonar a bomba. Feito isso, volte imediatamente.

Gucky entrou no arco do transmissor. Quando saiu no compartimento de carga da Totzta IX, ainda não havia nenhum pos-bi à vista. Provavelmente naquele instante os biopositrônicos estavam forçando a comporta. Gucky lançou um olhar pensativo para a bomba. Ela destruiria de vez a base dos saltadores. A Totzta IX seria esfacelada, e com ela os pos-bis que estavam penetrando na mesma. Depois disso ninguém poderia extrair qualquer informação de seu banco de dados. Os saltadores haviam sido resgatados, com o que se tornara impossível o processo de adaptação de mentalidade que os pos-bis pretendiam levar avante.

Gucky ligou o detonador da bomba e voltou para o transmissor. De volta à Alexander, viu o acônida interromper a ligação que permitia o transporte através do aparelho.

Rhodan convocou os mutantes. Voltariam juntos para bordo da Teodorico.

A missão libertação chegara ao fim e fora bem-sucedida. Cinqüenta homens haviam arriscado a vida para evitar que um único saltador vivo permanecesse em poder dos pos-bis.

O inimigo não conseguira colher qualquer informação. Mas na mente dos homens restou uma indagação angustiante. Teriam os pos-bis conseguido extrair algum dado da memória positrônica da nave dos saltadores?

Ao ordenar a volta de suas naves ao espaço intercósmico, Rhodan sabia perfeitamente que só o futuro poderia dizer quais eram os conhecimentos que o inimigo conseguira adquirir.

Nunca se podia ter certeza do que era ou não capaz um pos-bi...

 

                                                                                            Willian Voltz  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades