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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Os Laurins Estão Chegando / Willian Voltz
Os Laurins Estão Chegando / Willian Voltz

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Os Laurins Estão Chegando

 

Uma viagem para o inferno!...

Estamos no ano 2.113 do calendário terrano. Quer dizer que, para o homem do planeta Terra, menos de cento e cinqüenta anos se passaram, desde que o primeiro foguete de propulsão química, conseguiu pousar na Lua, dando início à verdadeira navegação espacial.

Esse tempo é extremamente curto, se medido pelos padrões cósmicos. Mas o Império Solar, criado e dirigido por Perry Rhodan, conseguiu transformar-se numa das vigas mestras do poder galáctico.

Naturalmente os terranos encontraram colaboradores importantes na execução da tarefa por eles mesmos proposta. Basta mencionar o arcônida Crest, o Ser energético de Peregrino, Atlan, Harno, os swoons e Gucky, o rato-castor. Mas a tarefa nunca poderia ser cumprida se não fosse a atividade desinteressada e a capacidade de sacrifício de todos os terranos que traziam no coração o anseio de atingir as estrelas. A nova ameaça vinda do intercosmo, ou seja, do espaço situado entre as galáxias, trouxe um problema quase insolúvel para os dirigentes. Como combater um grupo de agressores cujas espaçonaves são praticamente indestrutíveis?

Os primeiros dados para a solução desse angustiante problema já foram descobertos pelos robólogos, e o Assalto à Galáxia, iniciado pelos robôs positrônico-biológicos, também conhecidos como pos-bis, pôde ser interrompido por um truque, no momento em que os mundos centrais de Árcon estavam para ser atingidos pela onda de destruição.

O perigo a que estão expostos os povos galácticos continua a ser enorme, e a situação torna-se ainda mais grave, pois Os Laurins Estão Chegando.

 

                                                   

 

Seis horas antes que uma transmissão mal executada o levasse a um mundo infernal, Perry Rhodan encontrou o espião na pequena cantina. Naturalmente Rhodan não sabia que Fyrn era um espião pertencente a um grupo de fanáticos do Sistema Azul. Nem mesmo Fyrn tinha conhecimento de sua tarefa, pois aqueles que o haviam mandado já conheciam a periculosidade dos mutantes terranos. A consciência de Fyrn fora cuidadosamente preparada para que o acônida acreditasse ser um técnico de transmissores, que acabara de concluir a montagem do grande transmissor em Árcon III.

Em compensação, o subconsciente de Fyrn estava submetido a uma tensão constante. Registrava cuidadosamente os acontecimentos, mantinha-se constantemente à espreita de novos fatos.

Quando Perry Rhodan entrou na cantina, o alerta soou no subconsciente de Fyrn. O homem mais importante para sua tarefa acabara de chegar.

Fyrn empurrou para o outro lado da mesa o caneco ainda cheio de café fumegante. Pelo canto dos olhos viu o robô reluzente de limpeza aproximar-se, a fim de eventualmente voltar a encher o caneco. As únicas pessoas que se encontravam na cantina além de Fyrn eram dois mestres da equipe de soldadores.

Rhodan parou, mas logo prosseguiu em direção ao balcão. Usava um uniforme-macacão simples, que lhe dava um aspecto juvenil.

— Posso convidá-lo a sentar-se em minha mesa, sir? — perguntou Fyrn, antes que Rhodan pudesse chegar ao balcão.

O administrador virou a cabeça e fitou Fyrn. Este sentiu-se perturbado pela expressão límpida de seus olhos. Levantou-se, afastou a cadeira e sorriu para Rhodan.

O terrano esbelto acenou com a cabeça.

— O senhor é um dos técnicos acônidas — constatou ao sentar-se do lado oposto da mesa.

O robô rolou para perto sem fazer o menor ruído. Fyrn esperou até que Rhodan comprimisse um botão para pedir café. Alguém irrompeu numa estrondosa gargalhada. Fyrn pegou seu caneco. Ficou espantado ao notar que suas mãos tremiam. Procurou uma explicação para seu sentimento de insegurança.

— Trabalho com o grupo de Berháan — disse apressadamente, a fim de dissimular o nervosismo. — Já completamos todas as ligações.

O robô trouxe o café de Rhodan. O administrador envolveu o caneco com as mãos, como se quisesse aquecer, ainda mais, o líquido.

— Os senhores fizeram um trabalho bem-feito — disse Rhodan, em tom amável.

Fyrn esforçou-se para compreender o que se passava em seu interior, a fim de encontrar uma explicação para seu nervosismo. Seria porque aquele encontro não era nada comum? Desde o momento da aliança galáctica, que fora concluída por um contrato datado de 10 de setembro de 2.113, ninguém mais se admirava de ver um acônida e um terrano sentados na mesma mesa. O Império de Árcon e o Império Solar haviam formado uma união militar e econômica com o Império Acônida. Os acônidas haviam prometido toda a ajuda possível, enquanto Rhodan lhes prestava todo apoio na luta contra os pos-bis.

Os habitantes do Sistema Azul só cederam aos pedidos insistentes de Rhodan, que desejava formar uma coalizão, depois que se sentiram ameaçados pelos pos-bis. Rhodan recorrera a uma astuta manobra desviacionista para usar a debilidade militar dos acônidas em favor da execução de seus planos. Algumas naves terranas, disfarçadas em veículos espaciais fragmentários, haviam realizado ataques simulados contra alguns planetas acônidas, até que o Grande Conselho pedisse auxílio. E o preço do auxílio fora a assinatura do tratado.

Nem todos os acônidas concordaram com a aliança. Certos movimentos subversivos, como aquele a que pertencia Fyrn, procuraram torpedear as relações amistosas entre acônidas e terranos.

Mas Fyrn, o espião, nem desconfiava da existência desses grupos. Estava convencido de ser um dos técnicos que o Grande Conselho enviara a Árcon III, a fim de montar o grande transmissor.

A voz de Rhodan penetrou nos pensamentos do acônida.

— Parece que o senhor está cansado.

Fyrn estremeceu. Esvaziou apressadamente o caneco. Sentiu os olhos desse homem perigoso pousados nele, e teve a impressão de que Rhodan era capaz de enxergar o que havia em seu interior. Contrariado, perguntou a si mesmo por que tinha medo disso. Não tinha nada a esconder.

— O tender da frota já decolou, sir — disse para romper o silêncio.

O robô deslizou a seu lado e encheu o caneco. A fumaça saída do café quente parecia desenhar estranhas figuras.

Rhodan olhou para os dois mestres, que se haviam levantado. Ambos colocaram os capacetes protetores e retiraram-se. Fyrn ficou contrariado ao notar sua saída. Não sabia o porquê, mas apreciara sua presença. Agora estava a sós com esse homem.

— Quem pensa na tarefa original de um tender — disse Rhodan, sorrindo, em tom pensativo — dificilmente pode imaginar que esse tipo de nave transporta para o espaço um transmissor de grandes dimensões.

A finalidade dos tênderes da frota consistia em rebocar espaçonaves avariadas. Possuíam uma plataforma plana e retangular, em cuja extremidade havia uma saliência abobadada. No interior da abóbada ficava a sala de comando e os alojamentos dos tripulantes. Os propulsores estavam instalados na plataforma alongada, que nos modelos maiores oferecia uma área de pouso de oitocentos por trezentos metros. Todos os tênderes modernos possuíam propulsores lineares.

— A colaboração de nossas civilizações produz certas simbioses técnicas admiráveis — disse Fyrn, num acesso de humor. — Os senhores forneceram o tender, e nós instalamos um grande transmissor em sua plataforma.

Atrás do balcão, o aparelho automático de música impulsionou mais uma bobina de fio gravado, na qual certos ruídos eletrônicos se misturaram com o som de velhos instrumentos musicais, produzindo uma melodia agradável.

Rhodan sentiu sono, embora nos últimos dias tivesse descansado bastante. Não tinha nenhuma antipatia pelo acônida, mas sentiu a excitação que agitava as profundezas de sua mente. Perguntou a si mesmo qual seria sua origem.

Os preparativos das últimas semanas faziam parte de um projeto destinado a desvendar os últimos mistérios dos pos-bis. Segundo os cálculos realizados pelos cientistas acônidas, com o auxílio de seus potentes cérebros robotizados, seria possível desvendar a origem dos pos-bis e as causas de seu estranho comportamento, desde que se conseguisse examinar calmamente uma estação espacial dos pos-bis, utilizando uma série de instrumentos científicos. Até então alguns comandos, compostos de poucas pessoas, haviam conseguido pôr os pés nas estações espaciais esféricas por algumas horas, mas isso não bastava para colher um volume suficiente de informações.

A frota aliada estava estacionada na periferia da Via Láctea, pronta para entrar em luta. Enquanto em Árcon III prosseguia a montagem dos dois transmissores, os comandantes das unidades espaciais esperavam pelas naves fragmentárias.

O Grande Conselho do Sistema Azul oferecera a Rhodan um plano cuja execução, segundo se esperava, traria informações preciosas sobre os pos-bis. O tender BA-F 333 foi equipado com um transmissor-receptor. Além disso os cientistas acônidas haviam instalado projetores especiais na plataforma. Esses projetores geravam um campo energético azul, do mesmo tipo que os terranos haviam visto quando, pela primeira vez, penetraram no Sistema Azul, com a nave Fantasy. A composição energética do campo penetrava na sexta dimensão, motivo por que nenhuma arma seria capaz de rompê-lo. Só mesmo uma espaçonave protegida pelo campo de absorção kalupiano seria capaz de atravessar esse tipo de anteparo energético.

Segundo o plano, o tender BA-F 333 deveria ficar estacionado a cerca de dois anos-luz de uma estação dos pos-bis. O grande transmissor instalado em Árcon III, cujo arco de entrada subia a cem metros, enviaria ao tender homens, materiais e instrumentos científicos.

A plataforma seria um posto avançado para as operações a serem realizadas. Os acônidas forneceram certos aparelhos por meio dos quais se esperava destruir os campos relativistas dos pos-bis.

Rhodan olhou para o relógio. Fazia meia hora que o tender decolara com uma pequena tripulação. Seu destino era uma estação dos pos-bis instalada no abismo interestelar, a uns cinqüenta mil anos-luz dos confins da Galáxia.

Assim que a nave-plataforma chegasse ao destino, seus tripulantes irradiariam um impulso condensado, face ao qual Rhodan e seus acompanhantes entrariam no transmissor.

Fyrn, cuja segurança não aumentara nem um pouco com o silêncio de seu interlocutor, pigarreou. O que o teria levado a convidar este homem poderoso a tomar lugar à sua mesa? Fyrn tinha certeza de que havia algo de errado com ele. Sentiu a desgraça que se aproximava como se fosse uma doença.

Rhodan esvaziou o caneco.

— Preciso voltar ao trabalho — disse, dirigindo-se a Fyrn. — Obrigado pelo café.

No momento em que se levantou, Berháan, Sos de Laar e Rowynn entraram na cantina. Fyrn levantou os olhos.

— Sir — disse Berháan, com uma estranha frieza na voz. — Sir, temos de prender este homem.

Fyrn levou alguns segundos para compreender que o homem a que Berháan aludira era ele mesmo. Fyrn empurrou a cadeira para trás. O caneco virou e o líquido marrom-dourado espalhou-se pela mesa.

— De que é acusado? — perguntou Rhodan.

O robô de serviço aproximou-se e “desfez” o café que se derramara sobre a mesa. A máquina mantinha-se totalmente indiferente diante dos acontecimentos.

— É um espião a serviço de um movimento subversivo interessado em sabotar a aliança galáctica — disse Berháan. — Os criminosos contrabandearam-no em meio aos técnicos, a fim de obter informações sobre nossos planos.

Fyrn apoiou ambas as mãos sobre a mesa. Seu olhar vagava nervosamente entre Berháan e o terrano.

— Isso... isso é uma tolice — gaguejou. Berháan prosseguiu nervosamente em direção a Fyrn, mas deteve-se a um gesto de Rhodan.

— Espere um pouco, acônida — disse Perry. — Mandarei examiná-lo pelos meus mutantes.

Sos de Laar soltou uma risada irônica.

— Isso não adiantará muito, sir — disse. — O movimento subversivo não dá a seus espiões a menor possibilidade de se traírem. É quase certo que Fyrn não tem conhecimento de sua tarefa. Está convencido de ser um técnico. Acontece que seu subconsciente colhe dados preciosos. Quando estiver de volta da viagem que fará com a nave-plataforma, esses dados poderão ser trazidos facilmente à superfície.

Rhodan refletiu por um instante.

— Se a coisa é tão simples assim — disse — não deveremos ter nenhuma dificuldade de penetrar em seu subconsciente.

— Se quiséssemos fazer isso, mataríamos Fyrn — disse Berháan, em tom sério. — Ele dispõe de um dispositivo de segurança mental, que só pode ser removido por uma pessoa familiarizada. Qualquer tratamento inadequado causará a morte cerebral.

Rhodan refletiu. Era claro que uma organização secreta não podia agir com muita consideração, mas os métodos dessa gente lhe pareceram bárbaros.

— O que pretende fazer com Fyrn? — perguntou, dirigindo-se a Berháan.

Nos olhos de Berháan surgiu o brilho da crença inabalável na própria inteligência. Em sua pessoa manifestava-se com uma intensidade extraordinária a proverbial presunção dos acônidas.

— Isso diz respeito apenas a nós e ao Grande Conselho — retrucou.

O administrador sentiu o calor que a bebida quente espalhara em seu corpo. A estranha simpatia que sentira por Fyrn continuava intacta. Estava convencido de que os acônidas pretendiam fazer exatamente aquilo que não queriam permitir que os terranos fizessem: procurar remover o dispositivo de segurança mental sem que o espião morresse. Era altamente improvável que conseguissem. Quer dizer que Fyrn morreria. O cérebro do homem, com o qual acabara de tomar café em atitude amistosa, explodiria. A explosão seria mental, mas provocaria o mesmo efeito de qualquer explosão que se verifica no interior do crânio: a morte.

— Peço-lhe que entregue este homem à Segurança Solar — disse, dirigindo-se a Berháan.

O rosto expressivo do acônida continuou impassível.

— Suponho que esse pedido seja bastante enfático — disse com uma ponta de ironia.

Rhodan não pôde deixar de rir.

— É bastante enfático para ser bem-sucedido — disse, dirigindo-se ao acônida.

Rowynn, que até então se mantivera em silêncio, disse:

— A exigência que o senhor acaba de formular poderá prejudicar a aliança, sir. É possível que haja complicações.

— No momento a única coisa que pode pôr em perigo a existência da coalizão é a remoção do perigo representado pelos pos-bis — disse Rhodan, com uma franqueza brutal.

Berháan ficou com o rosto muito vermelho, mas preferiu manter-se em silêncio. Rhodan segurou o braço de Fyrn. — Venha comigo! — ordenou. Passando pelos cientistas que permaneciam calados, levou Fyrn para fora da cantina. O ar puro fez com que se sentisse muito bem. Soltou Fyrn e lançou um olhar para o local da construção. O transmissor parecia um arco do triunfo.

— Provavelmente o senhor salvou minha vida — disse Fyrn, em voz baixa.

Rhodan olhou-o de lado. O rosto de Fyrn era jovem, muito mais jovem do que realmente era. Tinha nariz estreito e retilíneo. Ao contrário do que acontecia com a maior parte dos acônidas, seus olhos e cabelos eram de um cinza reluzente. Tinham, mais ou menos, o aspecto de casacos de pele brilhantes. Seu corpo era esbelto, quase quebradiço.

— O senhor é espião? — perguntou Rhodan.

— Não sei — respondeu Fyrn.

Prosseguiram em direção ao transmissor. Dali a pouco Berháan e seus companheiros passaram por eles num carro-oficina. Berháan sorriu como se nada tivesse acontecido. O cientista já provara em Panotol que era um homem extraordinário.

— O que farão comigo? — perguntou Fyrn, enquanto o carro se afastava.

— O senhor me acompanhará — respondeu Rhodan.

Fyrn parou.

— Se realmente sou um espião, e é provável que seja, o senhor terá problemas por minha causa.

— Os pos-bis não lhe darão muito tempo para pensar em espionagem, seja consciente, seja inconscientemente.

Fyrn soltou uma risada. Encontraram-se com quatro técnicos terranos que se dirigiam para a cantina. Estes homens não passariam pelo transmissor. Juntamente com Fyrn o número dos membros do comando chegava a quarenta e três. Entre esses membros estavam Atlan, Van Moders, Gucky, Tschubai, Marshall, Goratchim e outros mutantes. Além disso alguns especialistas pertenciam à equipe selecionada.

O lapso de tempo que separava o comando do inferno reduzira-se em mais uma hora.

Dentro de exatamente quatro horas e trinta e três minutos, os homens entrariam no transmissor.

 

O fato de ser designado para servir num tender representava uma certa forma de degradação para os oficiais da Frota Solar. Esses veículos espaciais não participavam de nenhuma ação militar. Apenas lhes cabia remover naves avariadas. Os comandantes dos couraçados falavam com certo desprezo dos tênderes. Mas os homens da sucata, nome que se dava injustamente aos tripulantes dos tênderes, estavam cônscios do seu treinamento profissional. Qualquer um deles era um especialista em resgate de naves espaciais, e todos eles eram bons pilotos. E um tripulante de tender possuía conhecimentos técnicos mais extensos que um comandante de couraçado.

Benito Bassaldari, comandante do tender BA-F 333 em hipótese alguma estaria disposto a trocar seu lugar pelo de comandante de um couraçado. O pequeno major de cabelos negros nascido na Itália recebera uma tarefa que libertava sua nave do trabalho de lidar com a sucata. Bassaldari tornou-se o condutor da plataforma na qual estava montado o transmissor em direção ao destino distante, isto é, situado entre as ilhas estelares. Rhodan lhe fornecera informações minuciosas sobre as diversas fases da operação.

Para Bassaldari o vôo pelo nada — para os astronautas o espaço infinito que separava as galáxias era um nada — não era apenas uma aventura. O major estava cônscio da importância da tarefa que devia cumprir. E, sem o cumprimento dessa tarefa, os especialistas terranos não teriam oportunidade de examinar uma estação espacial dos pos-bis.

O tender BA-F 333 emergiu do semi-espaço a cerca de dois anos-luz do destino, enquanto os projetores acônidas montavam o campo energético azul. Naquele momento, Bassaldari sentiu o peso de sua responsabilidade.

Uma das telas instaladas na sala de comando permitia-lhe uma visão da plataforma do tender. O transmissor fora montado sobre a mesma, e os homens que saíssem dele estariam praticamente no espaço vazio. Por isso Rhodan e seus companheiros usariam trajes espaciais à sua chegada. Na extremidade da plataforma uma eclusa de ar de tamanho médio permitia que os homens entrassem no tender.

Bassaldari estabilizou o vôo da nave, fazendo-a descrever uma órbita em torno da estação dos pos-bis. O sentimento de solidão de que o major fora dominado nas últimas horas não foi afastado pela presença dos pos-bis. A Via Láctea, que aparecia nas telas sob a forma de um cinturão bem aberto, era um quadro grandioso, mas deprimente. E esse quadro reforçava o sentimento da insignificância do indivíduo.

Os aparelhos de localização muito sensíveis da nave especial indicavam precisamente a posição da estação. Bassaldari nunca acreditara que a luminosidade da Galáxia chegasse às profundezas do nada. Quase imperceptível ao olho humano, produzia um débil reflexo nos objetos. Só agora o comandante compreendeu, em toda extensão, o elevado desempenho técnico dos pos-bis, que haviam colocado um anel de estações espaciais face à Galáxia. Evidentemente seria impossível construir um cinturão tão denso que registrasse qualquer penetração de uma nave.

Se os pos-bis temiam um inimigo a ponto de criarem inúmeras estações, este devia ser ao menos tão forte quanto eles. E Bassaldari não teve a menor dúvida de que esse inimigo não era outro senão os invisíveis, isto é, os laurins.

Uma raça capaz de dar trabalho aos pos-bis mais dia menos dia também manteria ocupados os participantes da aliança galáctica. Aos humanos só restava esperar que os laurins e os pos-bis se mantivessem tão ocupados uns com os outros que não lhes restasse tempo de realizarem avanços mais profundos no interior da Galáxia.

Apesar disso devia-se lançar de todos os recursos, a fim de colher novas informações sobre os pos-bis e os laurins. A missão a ser cumprida no vazio do imenso abismo assumiu um significado inteiramente novo para Bassaldari.

O comandante mandou que o impulso condensado previamente combinado fosse irradiado para Árcon III. Seria o sinal definitivo para os membros do comando.

— Quanto tempo demorará até que o chefe saia do transmissor, sir? — perguntou o Capitão Essex, imediato do tender.

Graças aos seus conhecimentos na indústria privada da Terra, Essex poderia ter seguido uma carreira fabulosa como engenheiro, mas preferia caminhar entre os destroços das naves avariadas, a fim de, com grande habilidade, firmá-los na plataforma.

Bassaldari olhou para o relógio. O primeiro homem não demoraria a sair do transmissor. O major aguardava febrilmente esse instante, pois seria a primeira vez que estaria frente a frente com Rhodan e alguns mutantes. E Atlan, o imperador do Grande Império de Árcon, também participaria da operação.

— Será daqui a pouco, capitão — disse Bassaldari.

Dali a meia hora começou a ficar nervoso. A plataforma continuava vazia. O Capitão Essex caminhava nervosamente pela sala de comando.

— Deve ter havido algum imprevisto, sir — conjeturou em tom nervoso.

Bassaldari fitou a tela que mostrava a Galáxia em seu frio esplendor. Não seria uma loucura procurar vencer uma distância como esta? O major afastou estes pensamentos. Rhodan não demoraria a passar pessoalmente pela eclusa de ar e informá-los sobre o motivo do atraso.

Bassaldari olhava para o relógio a intervalos regulares. A pequena tripulação do tender aguardava com uma tensão cada vez maior a saída dos homens do arco do transmissor.

Esperaram uma hora além do momento em que foi irradiado o impulso condensado.

Mas não veio ninguém...

 

Os cientistas terranos e acônidas levaram seis semanas para chegar a um acordo definitivo sobre a montagem dos aparelhos que conduziriam Rhodan e seus companheiros.

Sempre que olhava para as montanhas de objetos empilhados, Perry Rhodan não conseguia reprimir um sorriso. Até parecia que por aqui se havia estabelecido um compromisso à custa do comando.

Bem, durante o salto pelo transmissor não sobrecarregariam o pesado aparelho. E, quando se encontrassem no tender, ainda poderiam deixar para trás boa parte dos objetos, sem envolver-se em discussões intermináveis com cientistas superzelosos.

Rhodan já envergava o traje espacial provido de potentes equipamentos de renovação de ar e suprimento de energia. O traje não permitia o vôo, mas durante esta operação poderiam perfeitamente dispensar o mesmo. O uso desses trajes se tornava necessário porque o terminal receptor, montado sobre a plataforma, se encontrava no espaço aberto, sem estar envolvido por qualquer parede.

Há poucos minutos os receptores haviam captado o impulso vindo de BA-F 333. Bassaldari interrompera o vôo depois de aproximar-se da estação até a distância previamente combinada. Rhodan voltou a controlar seu pequeno rádio de pulso. Fyrn, o acônida, permanecia a seu lado, como se receasse que Berháan pudesse protestar no último instante e impedir sua participação na operação.

Mas havia uma coisa que Fyrn não sabia. Rhodan encarregara Gucky de manter uma vigilância ininterrupta sobre o acônida, e de intervir assim que surgisse a menor suspeita. Se Berháan tivesse razão e Fyrn realmente fosse um espião, seria mais fácil enfrentar uma eventual ação de sua parte se o acônida estivesse constantemente nas proximidades.

— Estamos esperando ordem de entrar em ação, bárbaro — disse a voz de Atlan, no rádio de capacete.

Os acônidas relutaram bastante em aceitar Atlan como parceiro em igualdade de condições no tratado de que resultou a aliança galáctica. Para eles, um arcônida não passava de um descendente degenerado de um povo colonial, inferior. Foi por uma questão psicológica que Rhodan insistiu que seu velho amigo permanecesse sempre no centro dos acontecimentos. Os acônidas perceberam o alcance da medida, mas com ela se conformaram, embora de má vontade e a contragosto. Rhodan queria provar aos acônidas que um acônida pode ser um elemento tão valioso quanto um acônida ou um terrano.

Rhodan passou os olhos pelo pequeno grupo carregado de aparelhos. Atrás desse grupo erguia-se o arco do transmissor, uma maravilha técnica concebida por cérebros acônidas altamente evoluídos.

Perry Rhodan levantou o braço. O traje espacial disforme ocultou suas formas esbeltas. Um distintivo no capacete mostrava quem era o chefe.

— Podemos começar — limitou-se a dizer.

Uma vez pronunciadas estas palavras, pegou sua bagagem e saiu andando. Os mutantes e os cientistas pertencentes ao grupo seguiram-no de imediato.

Caminharam lentamente para dentro do transmissor.

Não era sem razão que Berháan se considerava um dos melhores técnicos de transmissores do Sistema Azul. Realizara mais um controle do aparelho, antes que o comando saísse andando em direção ao arco. No seu íntimo, o acônida sentia-se triste por não poder acompanhar Rhodan, mas compreendeu que sua presença em Árcon III era mais importante. Lembrou-se de Fyrn, que, naquele momento, estaria em algum lugar, entre esses homens. Naturalmente Rhodan não resolvera proteger Fyrn apenas pelo fato de os dois terem tomado café juntos na cantina. Talvez Rhodan não fosse tão inteligente quanto os cientistas do Sistema Azul, mas possuía uma espantosa capacidade de raciocínio aliada à capacidade de fazer uma avaliação segura das situações. Berháan aceitava o grande terrano integralmente como parceiro em igualdade de condições.

— Este terrano nunca trairá um aliado — dissera Berháan a si mesmo. — Contudo o administrador é um homem perigoso. Tudo que faz, tudo que planeja visa em primeira linha à vantagem da raça humana, daquela raça que, partindo de um minúsculo sistema solar, situado na periferia da Galáxia, acabou por espalhar-se em quase todos os setores da Via Láctea...

A raça de Berháan era mais antiga e amadurecida. Os acônidas haviam visto raças jovens florescerem e se perderem. O cientista estava convencido de que, mais dia menos dia, os terranos seguiriam o mesmo caminho. Nem mesmo sua extraordinária vitalidade seria capaz de modificar esse destino.

Berháan lançou os olhos para o transmissor. Rhodan era perfeitamente visível, em virtude do distintivo que trazia no capacete. Esse homem não se contentava em permanecer na sede de seu governo para dar ordens; constantemente arriscava a vida nas linhas de frente.

“É incompreensível”, pensou Berháan. “Incompreensível e... perigoso!”

Os membros do comando atravessaram o arco do transmissor. O capacete reluzente de Rhodan desapareceu.

Foi então que aconteceu!

Um lampejo apareceu no interior do arco e uma enorme chama parecia dividir o transmissor em duas partes. Não se via mais nenhum dos homens. Berháan levantou-se de um salto. Viu os técnicos terranos correrem em direção ao transmissor. Outros lampejos surgiram. As descargas energéticas eram tão intensas que Berháan viu uma faixa cintilante na parte superior do arco.

Descontraiu-se aos poucos, mas a reação provocada pelo choque repentino fê-lo tremer. Saiu correndo, mas logo se deu conta de que sua pressa não serviria para nada.

Rhodan e seus companheiros haviam desaparecido pelo arco. Nenhum técnico, por genial que fosse, poderia trazê-los de volta. Talvez tivessem pousado sãos e salvos na plataforma do tender!

Mas Berháan tinha suas dúvidas. Alguma coisa não havia dado certo. Alguma reação imprevista influenciara o salto pelo transmissor.

Um técnico de macacão branco alcançou-o. Era baixo e usava cabelo curto. Sua mão segurava o instrumento. Apontou-o para o transmissor.

— O senhor viu? — gritou. — Alguma coisa não está em ordem.

Por mais que o acônida procurasse resistir, o nervosismo daquele homem acabou por propagar-se à sua mente. As primeiras sereias de alarma começaram a uivar. Carros-oficina vermelhos saíram em velocidade tresloucada dos galpões em que estavam guardados.

Berháan viu Reginald Bell, representante do administrador, aproximar-se do lugar em que se encontrava. O acônida já ouvira falar na amizade que unia Rhodan a este homem. O rosto de Bell apresentava uma palidez fora do comum.

— Quanto tempo demorará até que outro homem possa passar por este transmissor? — perguntou Bell, sem rodeios.

— Enquanto não soubermos o que aconteceu com Rhodan, seria uma irresponsabilidade liberar o transmissor para novos saltos — disse Berháan.

— Arranjarei um traje espacial e irei por minha conta e risco — disse Bell.

— O senhor não vai fazer nada disso — respondeu Berháan, sacudindo a cabeça. — Se alguma coisa aconteceu àqueles homens, uma ação temerária de sua parte não modificará coisa alguma.

Os lampejos no interior do arco já haviam cessado. O transmissor oferecia o mesmo quadro de antes.

— Onde podem estar esses homens, se não estiverem no tender? — perguntou Bell, falando mais alto que antes.

O quadro da Galáxia surgiu na mente de Berháan.

“Não”, pensou, “este espaço ainda é muito limitado.”

Sentiu-se dominado por súbito frio.

— Podem estar em qualquer ponto do Universo — disse, dirigindo-se a Bell, e sua voz quase foi abafada pelo uivo estridente das sereias.

Um brilho estranho surgiu nos olhos de Bell, mas seu rosto continuou impassível. Berháan viu o terrano cerrar os punhos com tamanha força que as juntas embranqueceram.

— Como pôde acontecer uma coisa dessas? — perguntou Bell.

— Só existe uma explicação — disse Berháan, em tom pensativo. — O salto pelo transmissor foi influenciado por uma descarga energética de categoria superior.

Bell olhou para os carros-oficina, que continuavam a passar em disparada.

— Tem certeza de que Perry não chegou ao tender?

— Parece que não — respondeu Berháan com a voz triste.

Naquele instante Bell disse uma coisa de que o acônida jamais se esqueceria.

— Procuraremos os homens.

Berháan sabia perfeitamente que o terrano que se encontrava à sua frente não era ingênuo a ponto de não ter uma nítida idéia da grandeza do Universo. Até parecia que alguém sugerira que se procurasse determinado grão de areia nas profundezas de um oceano.

Reginald Bell levantou um braço, como quem quer prestar um juramento.

— Nós os encontraremos — disse.

 

A esfera era feita de uma névoa azul que se estendia de uma extremidade do infinito à outra. Sua substância gasosa enchia todo o Universo, ou melhor, todo o espaço no qual flutuava. Na verdade, não flutuava, pois não possuía nenhum corpo capaz de realizar uma operação tão complicada. Só existia sob a forma de consciência, constituindo parte desse espaço sem princípio e sem fim.

No mesmo instante em que o transmissor começou a funcionar, Rhodan fez soar seu grito de advertência. Sentira instintivamente que havia algo errado, mas a advertência chegou tarde. O transmissor atirou o equivalente energético dos homens para o nada.

Provavelmente todos eles estavam vivos, se é que sua atual forma de existência podia ser considerada como uma modalidade de vida. Por espantoso que possa parecer, Rhodan via, embora dissesse a si mesmo que se tratava de um processo abstrato, realizado sem o auxílio dos globos oculares. Encontrava-se no interior dessa esfera. Talvez a preenchesse totalmente ou talvez só fosse uma parte minúscula da mesma. Não havia qualquer ponto de referência, e por isso não estava em condições de verificar nenhuma dessas hipóteses. Lembrou-se da máxima de Descartes: “Penso, logo existo.” Será que naquele instante essa frase não assumia um significado inteiramente novo para ele? O que aconteceria se parasse de pensar? Como era possível que estivesse pensando? Naquele instante viu uma coisa que já estivera ali o tempo todo, e que flutuava juntamente com ele naquela esfera inacreditável. Era um traço luminoso muito estreito.

Avistou outros traços luminosos da mesma espécie. Pareciam viver no interior da esfera, da mesma forma que os peixes vivem na água turva. O que representavam? Eram universos, galáxias, concentrações de energia?

De repente a esfera moveu-se. O movimento não foi impulsivo e praticamente não pôde ser visto. Rhodan apenas teve uma vaga percepção do mesmo. Não sentiu medo. Na verdade, seu estado atual não podia ser definido em matéria de sentimento.

Isso significava não sentir nada. Transformara-se numa parcela inapreensível dessa substância indefinível. Num observador dotado de pura objetividade.

De repente um dos traços alargou-se. Até parecia que alguém realizava uma ampliação sistemática de uma fotografia. Depois de algum tempo, o traço transformou-se numa figura oval, num ovo alongado, cujas extremidades pareciam sugar a luminosidade difusa do centro.

Até onde chegava o escalão das dimensões? Cada dimensão não pressupunha a existência de outra, de categoria superior, na qual pudesse alojar-se tranqüilamente? O campo energético azul de sexta dimensão só podia funcionar porque havia algo que assegurava a realização de seu intercâmbio energético. Não se podia afirmar que em algum lugar houvesse o fim, que dali em diante só houvesse o nada, um vácuo não preenchido, ou até menos que isso, pois até mesmo o vácuo pressupõe uma forma de estabilização física!

“O defeito do cérebro humano”, percebeu Rhodan, sem a menor decepção, “resulta do fato de ter sido criado para o espaço tridimensional. Não era capaz de imaginar nada que fosse superdimensional... Se existem seres bidimensionais, que não passariam de sombras numa superfície, estes poderiam ser incapazes de imaginar um corpo de três dimensões, quanto mais reconhecê-lo...”

Enquanto a figura oval aumentava continuamente em tamanho e luminosidade, Rhodan percebeu que, mesmo agora, quando se encontrava enleado na rede das dimensões, nunca seria capaz de receber impressões que ultrapassassem a terceira dimensão. Era por isso que tudo lhe parecia misterioso e incompreensível. Se fosse capaz de compreender dimensões de grau superior, o ambiente em que se encontrava adquiriria um sentido.

O movimento da esfera cessou. Aquilo era um giro ininterrupto, uma rotação pelo tempo e pelo espaço, que parecia abranger tudo que se encontrava na esfera.

Rhodan lembrou-se do Major Bassaldari, que agora estaria observando em vão a plataforma do tender. Agora? Rhodan só podia supor que isso estivesse acontecendo agora, pois não havia nenhum ponto de referência pelo qual pudesse medir quanto tempo — quanto tempo relativo — se havia passado. Rhodan pensava na ação que pretendiam realizar contra os pos-bis com a mesma indiferença com a qual contemplava o ambiente em que se encontrava. Não foi capaz de lamentar o incidente. Transformara-se numa parte pensante, mas insensível da esfera.

E girava...

A figura luminosa oval que se encontrava à sua frente dilatou-se, formando uma superfície côncava, como se estivesse sendo estendida sobre um corpo invisível. Subitamente apareceu uma mancha negra no interior da figura, que se esfacelou, como se fosse uma protuberância resultante da junção de inúmeros sóis gigantescos.

Era espantoso que Rhodan soubesse que girava, embora não existisse no plano temporal e não possuísse nenhum ponto de referência, nenhum eixo, nenhum centro absoluto e nenhuma sensação de movimento. Tinha conhecimento de seu movimento de rotação da mesma forma que alguém toma conhecimento de um processo mecânico que constitui parte de um todo bem organizado.

As manchas amontoaram-se e seu tamanho quase chegou a exceder o dos pontos claros. A figura passou a encobrir totalmente as linhas luminosas menores. A única coisa maior que ela era a esfera.

Rhodan preocupou-se com os outros homens. Onde estariam naquele momento?

Estariam vagando no interior dessa substância que nem ele? Ou será que ele era a única pessoa atirada para o nada pela energia desviada?

O que estaria pensando Fyrn, o acônida que provavelmente era um espião? Talvez preferisse enfrentar um interrogatório do Grande Conselho e morrer no curso do mesmo a permanecer para todo o sempre nesse estado irreal.

A protuberância se rompera em todos os pontos, tomando o aspecto de uma rede de malhas finas, mas continuava, ainda, a dividir-se. Dali a pouco alguns pontos luminosos seriam o único sinal que restaria da figura oval. O aspecto teria alguma semelhança com o de um céu estrelado coberto de nuvens.

Talvez fossem estrelas ou concentrações de matéria gaseiformes espalhadas por uma explosão. A esfera girava majestosamente, arrastando milhões de traços luminosos, aproximava-os, voltava a afastá-los, espalhava-os ou os fazia encolher.

Esses fenômenos não produziram a menor influência em Rhodan.

Apesar do caráter arbitrário dos acontecimentos, Rhodan teve a impressão de que havia um sistema naquilo. Uma espiral energética saiu da rede rasgada da protuberância. Era afunilada e a grande abertura aproximou-se da pessoa desmaterializada de Rhodan. A cabeça da espiral podia medir milhões de quilômetros ou apenas meio metro. Quem seria capaz de dizer? Rhodan procurou ver o fim ou princípio da figura, mas este parecia ancorado no infinito.

A espiral envolveu Rhodan, criando uma separação nítida entre ele e a camada de névoa cinzenta da esfera. Foi penetrando no funil, ou ao menos acreditava que isso estivesse acontecendo, embora fosse perfeitamente possível que nem se movesse.

Fosse qual fosse a forma de energia de que era feita a espiral, uma pequena parte, uma parte minúscula da mesma seria suficiente para desencadear no sistema solar uma tormenta de elétrons de terríveis proporções.

Teria sido a espiral que influenciou o transmissor?

No momento isso não importava. Rhodan foi envolvido por uma claridade ofuscante, mas não tinha olhos, não tinha retina, não tinha pupilas que tivessem resistido à luminosidade intensa.

Rhodan era apenas espírito.

Enquanto se precipitava espiral a dentro, seus pensamentos também se apagaram. Por um instante teve a impressão de compreender alguma coisa desse acontecimento formidável, mas no mesmo instante foi expelido.

A esfera continuava a girar, sua mobilidade enchia o infinito e a névoa cinza-azulada estava em toda parte. No interior da esfera Rhodan se tornara imensurável, mas apesar disso fora atingido pelos acontecimentos.

Alguma coisa o impelira para o interior da mesma.

E agora, que um tempo imensurável havia passado, essa coisa o levava de volta.

Mas não foi parar em Árcon III, nem na plataforma do tender BA-F 333.

 

Allan D. Mercant, chefe da Segurança Solar, mantinha um fichário em que as tarefas confiadas à sua divisão eram registradas em ordem de importância. Poucos minutos depois de ter sido informado sobre o desaparecimento do comando de Rhodan, Mercant compreendeu que esse fichário se tornara inútil, pois só havia uma tarefa a cumprir: encontrar Rhodan.

Reginald Bell, cujo rosto largo continuava a olhar a tela ampla, estava dizendo:

— Suspendemos a proibição das comunicações de rádio e entramos em contato com o tender. O Major Bassaldari informa que nenhum homem pertencente ao comando apareceu na plataforma.

Mercant, para quem o problema tinha antes feição criminalística que técnica, passou a mão pelos débeis fios de cabelo que emolduravam sua calva.

— Já falou com os técnicos acônidas? — perguntou. — Acha que existe a possibilidade de esses homens terem provocado intencionalmente o acidente?

— É claro que não é impossível — admitiu Bell — mas tenho minhas dúvidas. Para os acônidas, o risco de descobrirmos e agirmos contra o Sistema Azul seria muito grande.

Ao lado da tela um mapa estelar tridimensional estava pendurado na parede. Os círculos vermelhos designavam as áreas de influência terrana. Nessas áreas, os agentes estavam em toda parte, e estes teriam avisado imediatamente se Rhodan aparecesse de repente.

— Os acônidas acreditam que os homens estejam mortos? — perguntou abruptamente.

Bell hesitou um pouco antes de responder.

— Evidentemente existe a possibilidade de o comando de Rhodan ter ficado preso entre as dimensões. Para nós, esse estado equivaleria à morte de todos os membros do grupo. Mas os acônidas acreditam Que alguma influência energética desconhecida pode ter provocado um deslocamento das coordenadas do salto.

— E então?

— Bem — disse Bell, com um movimento circular da mão — nesse caso Perry pode estar em qualquer ponto do Universo — balançou a cabeça. — Infelizmente o comando não dispõe de um aparelho de rádio de grande potência. Todos os membros possuem o rádio de capacete usual. Perry é o único que leva um rádio de pulso, mas seu alcance é limitado. Dificilmente os homens conseguirão entrar em contato conosco.

As pontas dos dedos de Mercant seguiram os veios finos da tampa de madeira de sua escrivaninha.

— Quer dizer que teremos de procurá-los?

— Com todos os recursos de que dispomos — confirmou Bell.

Mercant lançou mais um olhar para o mapa. As frotas da aliança galáctica possuíam milhares de naves. Estas se espalhariam por toda a Galáxia, a fim de procurar qualquer pista de Rhodan. Apesar disso essas naves só conseguiriam vasculhar uma parte muito pequena da Via Láctea.

— No que está pensando, Mercant? — perguntou Bell, em tom impaciente.

Um sorriso triste aflorou nos lábios de Mercant.

— Penso numa coisa que sempre julguei impossível, mas da qual agora precisamos muito: num milagre.

 

Agora voltava a enxergar tudo com uma nitidez perfeita. Levantara-se durante uma sessão secreta e apresentara-se como voluntário. Fora felicitado efusivamente, embora não com o entusiasmo que sua imaginação juvenil desejara, mas sempre fora felicitado. Até mesmo o velho Brosanor, que sempre acreditara ser um homem falso, astuto e mau, viera para apertar-lhe a mão.

Depois disso fora levado à divisão científica. Lembrou-se de ter caminhado, pálido e trêmulo, em direção às mesas cobertas de panos brancos.

A voz de Koppar, o médico, voltou à sua mente. Viu nitidamente o rosto do médico à sua frente e ouviu sua voz.

— Deite nesta mesa, Fyrn. Fyrn caiu para trás.

— Quando acordar, o senhor não se lembrará de nada — disse Koppar. — Acreditará que é um técnico em transmissores. Não saberá que trabalha como espião de nosso movimento. Mais tarde, quando voltar, teremos de colocá-lo novamente nesta mesa, a fim de restituir-lhe a memória. Então o senhor nos dirá onde estão os pontos vulneráveis da aliança.

— É o que farei — disse Fyrn, com a voz desfigurada pelo nervosismo.

Uma capa oval desceu sobre sua cabeça, baixou cada vez mais e obscureceu tudo.

E agora... De repente sabia que era um espião. Sua lembrança retornara, embora ainda devesse estar em algum lugar em Árcon III.

Não! Nesse momento não se encontrava em Árcon III. Entrara no arco do transmissor juntamente com um grupo de homens. Por muito tempo permanecera como que num sonho, no qual o passado e o presente se misturavam num caleidoscópio inextricável.

De repente a realidade voltara ao seu cérebro com um tremendo choque. Não haviam chegado ao destino. Alguma coisa não dera certo.

Fyrn abriu lentamente os olhos.

 

A rematerialização provocou dores físicas em Rhodan, mas as mesmas deviam ser atribuídas antes a uma adaptação forçada do espírito que ao fenômeno em si. Juntamente com a dor a capacidade de sentir voltou abruptamente.

Sentiu chão firme sob os pés. Quando os arredores se tornaram visíveis, ouviu a seu lado os ruídos provocados pelos outros homens. Uma luminosidade vermelho-escura saía de uma fonte invisível. O espaço no qual haviam se materializado tinha um aspecto fantasmagórico.

Rhodan entesou o corpo. Não estavam mortos, nem se encontravam presos nas profundidades inconcebíveis do Universo. Teve uma débil lembrança do tempo durante o qual permanecera num estado irreal. Estremeceu.

— Ao que parece não saímos no tender — disse Atlan, em tom sarcástico pelo rádio de capacete.

Aos poucos, a luz vermelho-escura foi possibilitando a visão dos arredores. Pelos cálculos de Rhodan deviam encontrar-se num recinto de cem metros de altura, fechado por uma parede esférica.

Alguém soubera influenciar o transmissor instalado em Árcon III, fazendo com que errassem o alvo. No momento não se podia dizer se a influência era ou não intencional.

Protuberâncias em forma de espinhos saíam da face interna das paredes.

Rhodan virou-se para os homens. Todos haviam parado neste ambiente estranho, Juntamente com os equipamentos, os instrumentos e as armas. Talvez a esta hora a obstinação dos cientistas, que haviam insistido em que levassem a volumosa bagagem, até se mostrasse proveitosa.

— Berháan tem razão — disse uma voz. — Realmente sou um espião.

— Fyrn! — exclamou Rhodan, em tom de surpresa. — O que é isso?

— Durante o processo de transferência recuperei a memória — disse o acônida. — Não precisa mandar os mutantes constatarem. Trabalho para um movimento subversivo cujo objetivo consiste em sabotar a aliança.

— Acho que, no momento, não mais me importa nem um pouco se o senhor é ou não um espião. Está na mesma armadilha que nós — disse Rhodan.

— Não sou um simples observador — gritou Fyrn, com a voz zangada. — Acredito na minha missão. Estou convencido de que a aliança galáctica arruinará o Sistema Azul. Por isso devemos combater os fundadores e os promotores dessa coalisão. Meu grupo não me tirou a memória por considerar-me digno de confiança. Aquilo só foi feito para proteger-me contra os mutantes.

Rhodan sentiu uma raiva fria. Por enquanto nem sabiam onde estavam. Era perfeitamente possível que, dentro de alguns segundos, fossem atacados. E numa situação dessas esse sujeito fanático perdia tempo com discursos propagandísticos...

— Está bem, Fyrn — disse em tom enérgico. — Já conhecemos nossas posições.

Fez uma ligeira pausa, a fim de descobrir o acônida entre os outros homens e depois ordenou:

— Desarmem-no.

Fyrn protestou, mas não pôde impedir que Goratchim o desarmasse. O mutante de duas cabeças, que oferecia uma estranha figura em seu traje espacial de dois capacetes, guardou a arma no cinto.

— Isso está liquidado, chefe — disse uma das cabeças.

Ivã Ivanovitch Goratchim, que possuía dois cérebros pensantes, mas um único corpo, era o mais estranho dos mutantes humanos pertencentes ao exército especializado. Os psicólogos diziam que, no caso dele, dois seres pensantes tinham de contentar-se com um só corpo. Era espantoso que não houvesse conflitos ou complexos mais sérios. As cabeças de Goratchim sabiam provocar a cisão dos átomos de carbono existentes nos corpos vivos ou mortos. Conforme a dosagem escolhida pelo mutante, ocorria uma explosão mais ou menos violenta.

Rhodan não deu mais a menor atenção ao acônida.

— Alguém tem uma idéia de onde estamos? — perguntou. — A forma de construção deste recinto permite uma conclusão aos técnicos?

— Não há dúvida de que se trata de uma estranha estação receptora — disse Van Moders. — É perfeitamente possível que suas emanações energéticas sejam tão intensas que influenciaram o transmissor de Árcon III.

— Se é assim — disse Rhodan, em tom pensativo — diga onde fica a saída, meu jovem.

O robólogo, que via de regra não hesitava em formular as teorias mais arrojadas, deu uma resposta incompreensível.

A luminosidade vermelha foi se tornando mais débil. Rhodan ligou o farol do capacete.

— Acho que teremos de abrir caminho à força para chegar ao ar livre — disse. — Não vejo nenhuma porta.

— Para o ar livre, Perry? — repetiu Atlan. — O que quer dizer com isso?

— Isso é uma boa pergunta, almirante — disse Rhodan com um sorriso. — Acontece que usamos trajes espaciais, e assim nenhuma atmosfera nos poderá prejudicar, por mais venenosa que seja. Quem sabe se não descobriremos um novo jardim do Éden?

Atlan tirou a arma de impulsos do cinto.

— Pois bem. Vamos — disse em tom tranqüilo. — Abriremos a tiros o caminho para o paraíso.

— Os construtores deste recinto não ficarão nada satisfeitos se cortarmos as paredes — ponderou John Marshall, chefe dos mutantes.

— Está notando impulsos mentais, John? — perguntou Rhodan.

— Não, chefe — respondeu Marshall. — Mas é possível que esses impulsos estejam sendo protegidos.

Rhodan refletiu por um instante. Marshall tinha razão. A abertura violenta da parede era um ato que qualquer outro ser poderia interpretar como uma manifestação de hostilidade. Por outro lado, porém, os terranos eram prisioneiros, e essa situação não constituía motivo para manter relações amistosas.

A vontade de provocar uma solução e descobrir onde se encontravam constituiu-se no fator decisivo.

— Vamos cortar uma abertura na parede de aço — disse Rhodan.

O material não resistiu ao tiro concentrado de dez armas de impulsos. Em alguns minutos a parede foi derretida, formando uma abertura. As bordas recortadas ainda estavam incandescentes e emitiam um brilho escuro. A energia térmica liberada fez subir ainda mais a temperatura exterior, já bastante elevada. Rhodan desconfiou de que os trajes espaciais provavelmente lhes teriam salvado a vida. O sistema de climatização absorveu facilmente a carga térmica adicional.

O buraco aberto à força deixou passar a luz vermelho-escura que já conheciam. A iluminação deu ao lugar o aspecto de um trecho ruim de um filme espacial de segunda classe, do tipo dos que vez por outra se viam em Terrânia. Mas agora os homens se defrontavam com a dura realidade...

Rhodan foi até a abertura de arma em punho e pôs o busto para fora. A construção abobadada na qual se encontravam fora erguida num pavilhão em forma de catedral, que subia a uma altura de cem metros. Nos fundos do pavilhão Rhodan viu sombras de máquinas. A luz vermelha só permitia uma visão confusa das coisas. Todos os movimentos que via eram de natureza puramente mecânica.

Rhodan não conseguiu livrar-se da idéia grotesca de que pudessem ter pousado numa estação dos pos-bis. Mas era uma idéia absurda. Os pos-bis não possuíam transmissores.

Rhodan saiu cautelosamente da “prisão”.

— Atlan — disse em voz baixa. — Gucky, Goratchim. Venham comigo.

Esperou até que o arcônida se encontrasse a seu lado. Atlan fez um gesto amplo com o braço.

— Não enviaram nenhum comitê de recepção — queixou-se. — Provavelmente fomos mesmo vítimas do acaso.

— Será que isso melhora nossa situação? — perguntou Van Moders, que seguia atrás de Gucky e Goratchim.

Rhodan interrompeu a discussão que se iniciava.

— Por enquanto não temos certeza sobre se alguém tomou conhecimento da nossa presença. De qualquer maneira vamos dar uma olhada por aí.

Van Moders parecia gostar da idéia, pois colocou-se ao lado de Rhodan. Este não precisou formular nenhuma advertência. Os homens estavam treinados e sabiam o que fazer. Os especialistas do comando estavam retirando seus equipamentos pela abertura da pequena abóbada.

Enquanto isso Rhodan, Gucky, Van Moders e Atlan aproximaram-se das máquinas montadas no pavilhão. Não havia dúvida de que estavam funcionando, embora não se conseguisse descobrir o que fabricavam e qual era a força que as movimentava.

Atlan parou a alguns metros de um aparelho muito alto, interrompido por colunas estreitas.

— Esta máquina me lembra alguma coisa, Perry — disse.

Van Moders, que sempre ficava aborrecido quando alguém tinha uma idéia em matéria de máquinas e robôs, disse em tom contrariado:

— Não quer comunicar-nos sua idéia, imperador?

Atlan não respondeu. Chegou mais perto da máquina. Rhodan esforçou-se para identificar qualquer coisa conhecida nessa figura incompreensível.

— Um instante — disse Atlan, enquanto caminhava apressadamente em direção à máquina seguinte.

Depois de alguns segundos acrescentou:

— É verdade. O princípio destas máquinas é o mesmo e sua construção apresenta semelhanças espantosas. São as mesmas máquinas que vimos em Mecânica.

Antes que Van Moders pudesse formular qualquer objeção, os técnicos manifestaram sua concordância. Os especialistas também haviam examinado a máquina.

— Isso mesmo, sir — disse o Dr. Bryant. — Atlan tem razão. É bem possível que estas máquinas tenham vindo de Mecânica.

Rhodan interrompeu a conversa com um gesto enérgico.

— Sei perfeitamente o que estão pensando — disse. — Mecânica é uma nuvem de gases, um planeta que explodiu. Deixou de existir em sua forma sólida.

— Talvez tenha havido um deslocamento no tempo durante o salto pelo transmissor — conjeturou Gucky, em tom hesitante.

— Isso é totalmente impossível! — exclamou Fyrn, que se mantivera em silêncio desde o momento em que fora desarmado. — Um salto de transmissor nunca produziu um efeito desse tipo.

Rhodan levantou o braço, para acalmar os ânimos.

— Não acredito que a semelhança seja resultado do acaso — disse. — É possível que os seres misteriosos que transformaram Mecânica num perfeito mundo robotizado ainda tenham preparado outros planetas da mesma forma. Também existe a possibilidade de que tenham mantido relações comerciais com alguma raça. Talvez estas máquinas tenham sido compradas ou permutadas.

O que deixava Rhodan mais perplexo era o fato de que não aparecia nenhum ser vivo ou robô. O lugar dava a impressão de ter sido evacuado, instantaneamente, alguns segundos antes de sua chegada. Parecia que todos os objetos aguardavam a volta dos verdadeiros donos.

Os homens prosseguiram em sua caminhada. Depois de algum tempo, o pavilhão em forma de catedral foi dar num gigantesco edifício, que devia destinar-se a fins de fabricação. Encontraram uma esteira rolante paralisada, que levava, talvez, para dentro do pavilhão. Ao que parecia, só as máquinas estavam funcionando. Quando se aproximaram da esteira, Rhodan constatou que a mesma estava carregada de corpos disformes.

— Olhe, Perry! — gritou Atlan. — Ali na esteira.

Eram robôs. Estavam deitados bem juntinhos. Parecia que só esperavam para ser transportados. Seus corpos emitiam um brilho débil sob os efeitos da luz mortiça.

Rhodan prosseguiu cautelosamente. Não era absurdo que as esteiras estivessem paradas, enquanto as máquinas estavam funcionando? Ao que tudo indicava, alguém acabara de iniciar a produção, e esse alguém fora perturbado pelo aparecimento dos terranos.

Os robôs deitados nas esteiras ainda não estavam prontos. Quando chegaram mais perto, os homens perceberam que ainda faltavam algumas peças.

Apesar disso seu formato estranho lhes parecia familiar.

— Eles me fazem lembrar alguma coisa — disse Rhodan em tom pensativo, aproximando-se ainda mais da esteira paralisada.

— Pois eu sei o que é, sir — afirmou Moders, colocando-se a seu lado. — Estas máquinas se parecem com os pos-bis.

Rhodan recuou instintivamente. Van Moders tinha razão. Sobre as esteiras rolantes do gigantesco pavilhão, milhares de pos-bis esperavam para ser concluídos.

Mas havia algo de errado com esses robôs. O modelo sempre era o mesmo, enquanto os pos-bis sempre apareciam em inúmeras versões. Além disso as máquinas semi-acabadas podiam ser facilmente identificadas como robôs de guerra, o que nunca acontecia com os pos-bis.

Rhodan refletiu intensamente. Qual seria a relação existente naquilo? Eram robôs que muito se pareciam com os pos-bis.

Rhodan tinha certeza de que haviam encontrado algo que faria com que os aspectos básicos das informações, até então colhidas sobre os pos-bis, aparecessem sob uma luz inteiramente nova. Devia haver uma ligação entre Mecânica e os pos-bis, e tornava-se necessário descobri-la.

O acaso — se é que realmente era um acaso — os levara a um lugar em que poderiam solucionar mais rapidamente o segredo dos pos-bis do que numa das estações espaciais dos robôs.

Rhodan acreditava que bastaria descobrir a ligação existente entre Mecânica e os pos-bis para compreenderem tudo.

Van Moders, que acabara de examinar cuidadosamente um dos corpos metálicos, dirigiu-se a Rhodan.

— É estranho — disse em tom pensativo. — Sou capaz de jurar que entre os pos-bis que já conhecemos e os “sujeitos” que estão deitados nesta esteira existe alguma diferença. Quase chego a acreditar que se trata de uma imitação. De uma imitação muito bem-feita...

— Será que existe a possibilidade de que alguém tenha interesse em imitar os pos-bis? — perguntou o Dr. Bryant.

Van Moders passou a mão protegida pelo traje espacial em cima de um dos robôs.

— Não acredito — disse o especialista. — Não seria nada fácil encontrar um modelo.

Deu uma risada e acrescentou:

— Tenho a impressão de que isto aqui representa uma evolução em outro sentido.

Andavam ao lado da esteira, que entrava pavilhão a dentro. Depois de algum tempo chegaram a uma máquina, que despertou o interesse de Van Moders.

— Venha até aqui, imperador — pediu, dirigindo-se a Atlan. — O que lhe parece que seja esta máquina?

— É uma máquina de Mecânica — respondeu Atlan, depois de ligeira reflexão. — Mas sua forma de construção é totalmente diversa.

Em virtude das investigações realizadas nas naves que “semeavam” e “colhiam”, isto é, das naves dos seres de Mecânica, os terranos tinham uma idéia razoavelmente exata de como eram construídas as máquinas desse planeta. Todos os membros do comando haviam visto pelo menos filmes de Mecânica.

Van Moders apontou para outra máquina.

— Esta máquina não tem nada a ver com Mecânica. O princípio de seu funcionamento é totalmente diferente. É de admirar que apesar disso esteja inserida no processo de fabricação em série.

As máquinas recém-descobertas deviam representar o elo de ligação entre Mecânica e os pos-bis. Era o ponto de partida para novas reflexões.

— Suponhamos que uma raça desconhecida tenha construído estas máquinas para produzir pos-bis — disse Rhodan. — Todo o equipamento que estes desconhecidos não puderam produzir foi fornecido por Mecânica. Isso explicaria as semelhanças existentes em várias construções.

— Isso parece lógico, sir — admitiu Van Moders. — Se bem que minha opinião é diferente. A montagem geral desta fábrica deixa patente que a mesma se baseou originariamente na tecnologia de Mecânica. Os aparelhos estranhos foram acrescentados posteriormente. Tenho certeza de que isto aqui representa o produto do trabalho de duas raças diferentes. E o trabalho dessas raças foi feito em tempos diferentes.

— Uma das raças era formada pelos seres misteriosos de Mecânica — disse Rhodan. — Qual será a outra raça?

— É difícil saber — disse Van Moders.

— De qualquer maneira devemos agir com a maior cautela. Ao que tudo indica, há pouco tempo houve seres vivos por aqui.

Rhodan compreendeu que poderiam caminhar por horas sem-fim pelas instalações subterrâneas, sem encontrar a solução do problema. Naquele momento não deveriam pensar exclusivamente em sua tarefa. Deveriam tentar estabelecer contato com a Frota Solar, pois os excelentes equipamentos de renovação de ar dos trajes espaciais não funcionariam eternamente...

— Temos de encontrar um caminho que nos leve para a superfície deste mundo — decidiu. — É provável que por lá encontremos outras indicações. Talvez até seja possível determinar a posição do planeta.

Rhodan olhou para os instrumentos e notou que a temperatura externa quase chegava a trinta e cinco graus centígrados. Por que reinava tamanho calor no interior do pavilhão?

Depois de algum tempo Ras Tschubai, que constantemente executava saltos de reconhecimento juntamente com Gucky, descobriu uma rampa deslizante do tipo que já haviam visto em Mecânica. A rampa levava para cima e estava funcionando. Mas, nas imediações dessa rampa, o Dr. Bryant e Goratchim descobriram um elevador antigravitacional, que fora construído posteriormente. Isso era mais uma prova de que, além dos seres de Mecânica, outra raça aproveitara ou ainda aproveitava as instalações industriais subterrâneas.

Rhodan deu ordem de atirar caso surgisse qualquer coisa suspeita que os atacasse. Sentiu um nervosismo cada vez maior. Os homens reuniram-se junto à rampa deslizante. Rhodan, que ia na frente, levantou o braço.

— Ninguém sabe o que nos espera na superfície — disse. — Se agirmos precipitadamente, poderemos correr para a desgraça. Antes de subirmos pela rampa, Gucky e Ras realizarão um ligeiro salto de reconhecimento, a fim de descobrir como estão as coisas lá fora.

Ras Tschubai ajeitou o cinto de seu traje espacial. Gucky, que nas últimas horas demonstrara um espantoso laconismo, colocou-se a seu lado sem dizer uma palavra.

— Não quero que vocês se arrisquem — disse Rhodan, dirigindo-se aos dois teleportadores. — Voltem assim que se tenham orientado um pouco.

— O que faremos se formos atacados? — perguntou Tschubai.

— Não se envolvam em qualquer luta. Saltem de volta — ordenou Rhodan.

Tschubai sorriu e deu uma pancadinha no ombro de Gucky. O rato-castor, que juntamente com Goratchim era obrigado a usar um traje espacial terrano feito sob encomenda, fez um gesto de concordância. Viu-se o típico tremeluzir à frente dos homens. Quando passou, os teleportadores se haviam afastado por meio de suas forças paranormais.

 

Materializaram-se numa noite em que reinava uma escuridão infinita. O chão firme sob os pés de Tschubai e o instinto nascido em muitos anos de experiência constituíram-se no único sinal do qual o mutante deduziu que haviam saldo na superfície.

— Por aqui é muito escuro, pequeno — disse, dirigindo-se a Gucky. — Se for noite, onde estarão as estrelas?

— Talvez exista uma camada de nuvens muito espessa, que não deixa passar nenhuma luz — conjeturou Gucky.

Tschubai ligou sua lanterna. A luz passou por cima de um chão escuro calcinado, cheio de frestas. Seus pés pisavam a rocha dura.

— Parece que de dia esta área recebe muita luz — disse Tschubai.

Verificou a temperatura externa.

— Surpreendentemente baixa — disse em tom pensativo. — Isto significa que aqui não existe atmosfera que armazene o calor do dia, ou então que há muito tempo não foi dia nesta área.

Gucky também ligou sua lanterna e revistou sistematicamente o solo.

— Não vejo o menor sinal de vegetação — anunciou. — Suponho que por aqui exista atmosfera. É possível que de dia, quando o chão derrete sob os raios do sol, surjam gases venenosos.

Tschubai fez a luz vagar cautelosamente pelos arredores antes de arriscar-se a dar alguns passos.

— Se este planeta ainda possuir um movimento de rotação, o dia acabará por raiar de novo — disse. — Nesse caso não será nada agradável por aqui. Acho que a temperatura subirá a mais de cem graus.

— Daí se concluiria que o planeta gravita muito perto de seu sol — disse Gucky.

— Mas também é possível que, por algum motivo, o planeta perdeu seu movimento de rota...

Interrompeu-se para logo após soltar uma exclamação:

— Pelos planetas da Galáxia, Ras! A Via Láctea!

Tschubai não compreendeu imediatamente o que queria dizer o rato-castor. Só quando a luz da lanterna de Gucky se perdeu na escuridão do céu, foi que notou a faixa estreita de estrelas que parecia flutuar no infinito.

— Estamos no nada, a alguns milhares de anos-luz da Via Láctea — disse Gucky.

Pelo tom de sua voz notava-se que compreendia perfeitamente que com isso as chances de serem salvos se tornavam insignificantes. Como poderiam atravessar o abismo que os separava de sua Galáxia?

Tschubai, que refletiu sobre todas as facetas de sua situação desesperada, tomou uma decisão.

— Precisamos arriscar um salto para a face diurna, pequeno — disse. — É possível que descubramos alguma coisa sobre este planeta misterioso ou seu sol...

Fez uma ligeira pausa, e Gucky ouviu sua respiração pesada.

— Se é que o planeta ainda possui um sol — acrescentou Tschubai, em tom de ceticismo.

Os teleportadores deram-se as mãos e saltaram pela segunda vez. Quando se materializaram, um quadro de beleza primitiva abriu-se diante deles. O sol nascente mostrava-se no horizonte. Isso provava que o planeta possuía uma estrela e um movimento de rotação. A paisagem foi inundada por uma fantasmagórica luz vermelha, que ressaltou seus contornos selvagens e entrecortados.

A ausência de atmosfera criava contrastes e sombras marcantes. Tudo que era visível desenhava-se numa nitidez inexcedível, enquanto nas sombras e lugares escuros continuava a reinar a noite.

O sol nascente era vermelho e mergulhava a paisagem devastada numa luminosidade cor de sangue.

Os dois mutantes acompanharam em silêncio o grandioso espetáculo. O equipamento de climatização de seu trajes espaciais entrou em funcionamento pleno.

— Olhe este sol, Ras — cochichou Gucky. — Já o conhecemos.

Tschubai desprendeu-se à força do quadro cativante. Custou a compreender o significado das palavras de Gucky.

— O que quer dizer com isso? — perguntou em tom nervoso.

Gucky estendeu os bracinhos em direção ao disco chamejante que já se elevara acima da linha do horizonte.

— É Outside — disse. — O mesmo sol que girava em torno de Mecânica.

— Mas não estamos em Mecânica — objetou Tschubai, levantando a voz. Com um gesto automático desligou a lanterna, que se tornara supérflua.

— Não estamos — concordou Gucky. — Estamos no primeiro planeta do sol Outside. Tem o tamanho da Lua. Nossos cientistas não o examinaram, porque achavam impossível que a temperatura de cento e dez graus centígrados, reinante em sua superfície, houvesse qualquer vida digna de nota.

Tschubai pôs-se a refletir febrilmente. Ainda não podia prever as conseqüências dessa descoberta. Ao que tudo indicava, a raça há muito extinta que vivera em Mecânica instalara uma base por ali. E outros seres haviam vindo para dedicar-se à produção de robôs que tinham uma espantosa semelhança com os pos-bis.

Tschubai imaginou que um exame mais detido do pequeno planeta lhes forneceria novas informações sobre os seres de Mecânica. Essa raça não teria agido sem um motivo bem definido ao instalar uma base nesse planeta calcinado. Talvez fosse um refúgio. Será que os fabricantes das naves que “semeavam” e “colhiam” haviam fugido de alguma coisa?

Os cientistas terranos haviam constatado que o planeta Mecânica fora arrancado à força de sua órbita, motivo por que não dispunha do calor vitalizante de um sol. Será que os habitantes de Mecânica, desesperados, haviam procurado novo abrigo nesse planeta?

Quem teria colocado em situação tão difícil os lagartos desaparecidos? Tschubai tinha certeza de que ali se encontrava o elo que ligava Mecânica e os pos-bis. Era muito provável que o elo faltante, a raça desconhecida que iniciara a produção no interior do planeta quente, fosse o inimigo que atacara Mecânica.

Embora não soubesse quem era o inimigo, Tschubai acreditou que suas conclusões fossem acertadas. Reconheceu perfeitamente as ligações existentes entre Mecânica e os seres desconhecidos.

Qual seria o papel que os pos-bis desempenhavam nesses acontecimentos confusos? Será que sua semelhança com os robôs semi-acabados resultava de um simples acaso?

De repente Tschubai teve a impressão de que haviam encontrado alguma coisa iniciada há tempos imemoriais. Há um número infinito de anos acontecera um conflito no plano cósmico, do qual só chegaram a ver um pequeno episódio, que lhes parecia bastante misterioso.

O africano lembrou-se de mais alguma coisa. A idéia fez com que prendesse a respiração. Teve a impressão de que já sabia quem era o inimigo desconhecido que atacara Mecânica e reiniciara a produção nesse planeta.

Tschubai reuniu os diversos acontecimentos num mosaico. As peças combinavam perfeitamente.

Sentiu um calafrio ao pensar que haviam entrado no meio de um terrível conflito. Um dos beligerantes já fora eliminado da disputa. Os seres de Mecânica não haviam sobrevivido.

Mas os vencedores prosseguiam na luta cruel e implacável.

Tschubai enxergava perfeitamente o quadro dos acontecimentos...

A “herança de Mecânica” não lutava por ordem de seus construtores, mas sua agressividade fora causada por um erro dos inimigos de Mecânica.

Tschubai teve a impressão de que já sabia qual era o erro.

E também sabia quem o cometera!

 

Quem primeiro notou sua presença foi John Marshall. Se não fosse o alerta do excelente telepata, a equipe de cientistas e mutantes provavelmente se veria indefesa diante do súbito ataque.

Enquanto Rhodan olhava para o relógio, cada vez mais nervoso — os dois teleportadores já deveriam ter voltado há muito tempo — a voz de Marshall soou no rádio de capacete dos homens.

— Atenção! — disse o telepata, com a maior tranqüilidade. — Estamos recebendo visita pelo elevador antigravitacional. Sinto impulsos mentais.

A reação de Rhodan foi imediata.

— Liguem os campos defensivos! — ordenou. — Abriguem-se atrás das máquinas. Levem todo o equipamento.

A suposição que formulou a seguir provou que mesmo numa situação como esta pesava calmamente todas as possibilidades.

— Talvez sejam Ras e Gucky?

— Não — respondeu Marshall. — Os impulsos são estranhos...

De repente levantou a voz:

— Pelo amor de Deus, chefe, são os laurins!

Os pensamentos de Rhodan atropelaram-se, enquanto dava alguns saltos para abrigar-se. Como é que os invisíveis foram parar ali? Estariam à procura dos pos-bis?

Rhodan agachou-se numa depressão existente atrás de uma máquina e passou a observar o elevador, embora soubesse que os laurins eram invisíveis.

— Estão se reunindo na entrada do elevador — informou Marshall. — São muitos, mas por enquanto não se aproximam.

— Perry — disse Atlan — você não pode imaginar quem construiu estas máquinas, que para nós são desconhecidas em comparação com as que encontramos em Mecânica?

— Os laurins! — gritou Van Moders. — Pelos planetas da Galáxia, imperador, o senhor acertou.

Como é que os invisíveis foram parar ali? E, o que era mais importante, por que foram parar ali? Rhodan sabia que a essa hora não encontraria a resposta a essas perguntas.

— Cuidado! — advertiu Marshall. — Acho que nos descobriram.

O fato de se defrontarem com um inimigo invisível representava uma pesada carga nervosa. Praticamente não sabiam nada dos laurins, a não ser que estes travavam batalhas encarniçadas com os pos-bis. Sabiam que os invisíveis haviam saldo das profundezas infinitas, situadas entre as galáxias. Por que teriam aparecido ali? Seria para fins de conquista?

De repente Marshall disse:

— Estão se aproximando.

No mesmo instante, os laurins abriram um cerrado fogo de ataque, que fez com que os terranos se retirassem de detrás das máquinas. Rhodan percebeu imediatamente que os atacantes queriam evitar que as preciosas instalações da fábrica fossem danificadas. Naquele momento preocupava-se principalmente com os dois teleportadores.

A experiência colhida durante os encontros com os laurins ensinara aos terranos que estes quase não reagiam aos raios de impulsos térmicos. Essas armas só produziam algum resultado quando três ou quatro armas eram disparadas simultaneamente contra um laurin previamente localizado.

Em compensação os desintegradores sempre haviam produzido bons efeitos. Quando havia um impacto direto, a vítima se tornava visível, como uma sombra, e soltava gritos muito fortes. O fogo concentrado fazia com que os laurins caíssem ao chão, se tomassem visíveis por pouco tempo e desaparecessem.

— Preparem os desintegradores — ordenou Rhodan. — Marshall, o senhor terá de informar-nos constantemente sobre o lugar aproximado em que se encontram os laurins.

Rhodan tirou a arma. O melhor trunfo de que dispunham naquela luta era Ivã Ivanovitch Goratchim, o mutante de duas cabeças. Sua capacidade de reconhecer e fazer explodir os átomos de carbono poderia abalar o inimigo.

— Chefe! — gritou Marshall. — Acima do senhor. Dois deles estão na máquina, acima do senhor.

Rhodan virou-se abruptamente, quando o chão se abriu a seu lado. Sentiu-se atirado para o lado sob os efeitos do tiro que errara o alvo. Bateu fortemente em alguma coisa. Um relâmpago fulgurante surgiu acima dele. Goratchim golpeara pela primeira vez. Simultaneamente, o comando abriu fogo.

Rhodan rastejou apressadamente entre duas gigantescas colunas metálicas. Pegou um eixo e pôs-se de pé. A batalha rugia. Rhodan esperou que os vagos contornos de um inimigo surgissem em alguma parte. Fez pontaria e disparou.

— Estão recebendo reforços pelo elevador — gritou o telepata.

Do lugar em que se encontrava, Rhodan só via um dos homens. Não sabia quem era, pois este estava de bruços.

A qualquer momento a fábrica acabaria sendo uma armadilha. Por enquanto os laurins não queriam destruir as máquinas, mas quando notassem que o inimigo resistia obstinadamente não teriam mais a menor contemplação. E, quando isso acontecesse, as chances de o comando poder retirar-se seriam nulas.

Tinham de encontrar um meio de chegar à superfície. Rhodan refletiu apressadamente. Ao que parecia, os laurins estavam usando apenas o elevador, enquanto a rampa deslizante estava vazia.

— Devemos fazer o possível para sair pela rampa — disse Rhodan. — Aqui não poderemos resistir por muito tempo.

Atirou num laurin que se tornara visível por alguns segundos sob os efeitos dos tiros de dois desintegradores. O ser soltou um grito estridente e desfez-se.

— Dêem-me uma arma! — gritou Fyrn.

Alguém aproximou-se cambaleante do esconderijo de Rhodan. Era Van Moders. Rhodan puxou-o para o lugar em que se encontrava escondido entre as colunas. Ouviu a respiração pesada do robólogo.

— Está ferido? — perguntou Rhodan, em tom preocupado.

— Não — respondeu Van Moders. — Goratchim fez explodir um laurin que se encontrava a poucos metros de mim.

Seu rosto jovem e sério fitou Rhodan pelo visor do capacete.

— O senhor tem razão, chefe. Temos de sair daqui quanto antes. Na superfície talvez tenhamos uma chance.

Um homem começou a subir numa máquina que se encontrava à frente de Rhodan. O traje espacial tornava seus movimentos pesados. Rhodan soltou Van Moders. O homem estava totalmente desabrigado.

— Desça daí antes que os laurins o vejam — ordenou Rhodan, em tom enérgico.

A parte superior de uma barra em que o homem se segurava foi atingida por um tiro. A barra saiu do suporte e recurvou-se.

— Que sujeito maluco! — gritou Van Moders. — Acabará caindo.

Mas o homem — não viam quem era — segurou-se na barra mais próxima. Continuou a puxar-se lentamente para cima. Rhodan saiu do seu abrigo e com alguns saltos alcançou a outra máquina. Um tiro de radiação passou acima de sua cabeça e atingiu um aparelho que parecia ser uma caldeira.

No tiro seguinte, a pontaria dos laurins foi melhor. O homem que se encontrava acima de Rhodan perdeu o equilíbrio. Fez um grande esforço para segurar-se numa saliência. Se o homem pendurado lá em cima perdesse por um instante a visão ou consciência, ele correria perigo de cair. E não resistiria à queda.

Num gesto decidido, Rhodan pôs-se a subir.

— Não faça isso, chefe! — gritou Van Moders.

As mãos protegidas de Rhodan seguraram a barra atingida pelo tiro. Esta cedeu, mas suportou o peso do terrano. Perry olhou para baixo e viu mais de uma dezena de homens correrem em direção à rampa, de armas em punho. Quem corria na frente do grupo era Ivã Goratchim, o grande mutante bicéfalo.

O ferido que se encontrava acima de Rhodan começou a cambalear. Se caísse, arrastaria Rhodan para baixo. Este mordeu os lábios.

— Segure-se — disse. — Daqui a pouco estarei aí.

Embaixo deles, a uns vinte metros, um recipiente explodiu, soltando uma chama ofuscante. Rhodan fechou os olhos por alguns segundos. Seu braço estendido já atingia o pé do homem. Mas isso não bastava. Teria de colocar-se ao menos na mesma altura do ferido.

— Volte, Ivã, antes que eles lhe cortem o caminho — gritou Marshall pelo rádio de capacete.

Rhodan concluiu que o primeiro avanço em direção à rampa chegara ao fim. Amargurado, continuou a puxar seu corpo para cima.

Sua cabeça, agora, já se encontrava na mesma altura da do homem. Não conseguiu reconhecê-lo, já que seu capacete estava inclinado para o lado. De qualquer maneira, o ferido não conseguiria agüentar-se nem mais um minuto com as próprias forças.

— Coloque o braço sobre meus ombros — ordenou Rhodan.

O homem fez alguns movimentos pesados para segurar-se em Rhodan. Mas sem o auxílio deste nunca teria conseguido.

— Estão atacando de novo — gritou Marshall com a voz zangada. — Vamos para trás das máquinas.

De repente, Rhodan sentiu todo o peso do homem. Teve de segurar-se fortemente para não perder o apoio.

— Não arranque minha cabeça, pois assim nunca conseguiremos descer daqui — disse em tom tranqüilo.

Um tiro passou próximo deles. Rhodan voltou a descer lentamente.

— Acho que estou perdendo os sentidos — disse o ferido.

Rhodan ficou estupefato. A voz era de Fyrn, o espião.

Antes que pudesse admirar-se, um tiro atingiu a saliência sobre a qual acabara de colocar os grandes pés. Ouviu o grito estridente de Van Moders e sentiu o esforço desesperado de Fyrn. O espião procurou atirar o corpo para a frente a fim de segurar-se, mas não conseguiu. E Rhodan também desequilibrou-se e...

 

O sol transformou a superfície do planeta numa chapa de fogão quente onde nenhuma forma de vida que não fosse protegida contra seus raios escaldantes conseguiria manter-se. Apesar da claridade, o ambiente parecia morto. Nada se movia, com exceção das sombras que modificavam seus contornos.

A paisagem parecia esmigalhar-se sob os efeitos da temperatura extremamente elevada. Estendia-se diante dos teleportadores, silenciosa e imóvel, impotente diante da incandescência.

O equipamento de renovação de ar funcionava a plena capacidade e o sistema de condicionamento não poderia produzir um rebaixamento maior da temperatura. E esta começou a subir no interior dos trajes espaciais...

Ras Tschubai olhou para longe. A luz do sol refletia-se numa superfície reluzente.

— Até parece que por ali existe um lago — disse Gucky, em tom de desânimo.

— Tudo é possível — disse Tschubai. — Esta temperatura derrete o chumbo ou o estanho. Talvez seja um lago metálico.

— Não é de admirar que, mesmo sob a superfície, ainda faça calor — disse o rato-castor. — Acho que mesmo ali só mesmo o equipamento de climatização pode manter suportável a temperatura durante o dia. Se não fossem os trajes espaciais, estaríamos perdidos.

Tschubai teve de fazer um grande esforço para não olhar constantemente para o sol, que parecia exercer uma espécie de atração hipnótica. O mutante não se entregou a ilusões. Apesar dos trajes espaciais, acabariam morrendo de sede ou falta de ar.

Tschubai teve a impressão de que as possibilidades de serem salvos eram muito reduzidas. Segundo seus cálculos, o tender BA-F 333 devia encontrar-se a trinta mil anos-luz de Outside. Lá o Major Bassaldari os esperaria em vão, mas nunca teria a idéia de enviar uma nave de reconhecimento a um planeta que já saíra dos pensamentos de todos os cientistas terranos, por não ter importância...

Acontece que o planeta era importante. No momento chegava a ser o planeta mais importante para a aliança galáctica, pois nele as soluções dos problemas se ofereciam literalmente aos homens.

Gucky caminhou desajeitadamente em direção a Tschubai. Naquela desolação parecia indefeso e perdido. A rocha estorricada estalava a cada pulo do rato-castor. A permanência na superfície encerrava certos perigos, pois em toda parte havia fendas.

— Acho que devemos voltar, Ras — sugeriu Gucky. — Vamos informar Perry. Talvez ele consiga atingir um cruzador de patrulhamento com seu rádio de pulso.

Tschubai teve suas dúvidas, mas não quis roubar a esperança ao rato-castor.

— Está bem, pequeno — disse com a maior tranqüilidade. — Vamos voltar.

Quase no mesmo instante, surgiram ao lado do elevador antigravitacional, no meio dos laurins que continuavam a penetrar na fábrica. Gucky registrou imediatamente a presença dos invisíveis. Também Tschubai, que viu suas suposições confirmadas, não precisou de maiores indicações, pois a violenta luta que se travava à sua frente falava por si.

Os laurins ficaram tão surpresos que não conseguiram reagir com a necessária rapidez. Os mutantes deram mais um salto que os colocou em lugar seguro. Gucky materializou-se ao lado de uma máquina. No mesmo instante sentiu que alguém o agarrava e puxava para trás. Seu subconsciente registrou dois vultos que caíam... No mesmo instante fez uso de suas energias telecinéticas.

Van Moders, que o puxara para trás, soltou um suspiro de alívio. Gucky fez os dois homens pousarem suavemente no chão. No mesmo instante Rhodan agradeceu com uma palmadinha em seu ombro.

— A queda teria rendido ao menos alguns ossos fraturados, ou então os trajes espaciais seriam danificados — disse.

Ajudou Fyrn a pôr-se de pé. Este lançou-lhe um olhar contrariado.

— O que esperava conseguir com essa atuação? — perguntou Rhodan em tom áspero, dirigindo-se ao acônida. — Acha que convém arriscar sua vida num momento como este?

— Não tinha arma — respondeu o espião com a voz zangada. — Por isso procurei um abrigo conveniente.

De repente o tom de sua voz modificou-se. Houve nele uma ponta de maldade.

— O senhor não sabia que quem estava pendurado lá em cima, indefeso, era eu, não é, Rhodan? Pensou que fosse um dos seus homens.

Van Moders deu um passo em direção ao acônida, mas Rhodan segurou o cientista.

— É verdade, Fyrn — disse. — Nem pensei na possibilidade de que esse homem pudesse ser o senhor.

Fyrn soltou uma risadinha odienta.

— Quer dizer que continuo vivo graças a um engano.

Rhodan não respondeu. Puxou Van Moders e Gucky para um abrigo. Fyrn acompanhou-os, contrariado. Marshall aproximou-se correndo, juntamente com Tschubai. O africano olhou para Gucky.

— Já sabe? — perguntou, dirigindo-se a Rhodan.

— Ainda não contei nada — piou o rato-castor.

O africano parecia zangado quando falou:

— O senhor achará que é impossível, sir — disse — mas o fato é que nos encontramos no sistema do sol Outside, mais precisamente, no primeiro planeta desse sol. Na superfície reinam temperaturas que excedem os cem graus. O sol transforma tudo numa rocha cinzenta.

— Outside — disse Rhodan, num cochicho. — Preste atenção, Moders, agora já conseguimos compreender muita coisa...

— Como, por exemplo, as máquinas que parecem ter vindo de Mecânica... E realmente vieram de lá! Os seres que habitavam o planeta destruído instalaram um posto aqui — disse Van Moders, interrompendo Perry.

Depois refletiu e concluiu:

— É de supor que tivessem um motivo muito importante para isso, pois ninguém vai espontaneamente a um planeta tão quente como este.

Rhodan já não duvidava que os laurins tinham montado parte das instalações industriais. Ao que parecia, estavam interessados em pôr os pés no interior da Via Láctea. Este planeta solitário poderia ser transformado facilmente num posto avançado.

O acaso que os levara para o interior do terminal, instalado neste planeta, devia ter surpreendido os laurins tanto quanto os terranos. O aparelho construído por uma raça desaparecida há muito tempo influenciara seu salto e os trouxera para cá contra a vontade. Os invisíveis não sabiam disso. Tinham a impressão de terem sido descobertos e receavam pela segurança do mundo por eles ocupado. Acreditavam que teriam de defendê-lo de uma invasão.

Rhodan olhou cautelosamente para fora de seu esconderijo. A maior parte dos homens se havia abrigado atrás das máquinas. Por enquanto os laurins não haviam conseguido abrir uma brecha no círculo defensivo. Era principalmente Ivã Goratchim, o detonador, quem causava baixas decisivas ao inimigo. O pior era o fato de que só uns poucos homens estavam equipados com armas de impulsos e desintegradores pesados. As armas manuais leves não produziam o menor efeito.

Todas as vantagens estavam do lado dos laurins. Bastaria que agissem com cautela, e a resistência dos terranos seria quebrada facilmente.

— Aqui fala Rhodan — disse Perry pelo rádio de capacete. — Vamos fazer nova tentativa para sair pela rampa. Todos os homens equipados com armas pesadas abrirão fogo ao mesmo tempo. Atlan comandará as ações. Enquanto isso os outros avançarão em direção à rampa, aproveitando todos os abrigos que encontrarem pelo caminho. Ivã, você acompanhará este grupo.

— Estamos preparados, sir — anunciou Marshall.

Segundo as informações dos telepatas, os laurins avançavam contra os terranos em semicírculo aberto pela frente. Tentaram envolver o inimigo progressivamente num movimento de tenaz. De repente viram-se surpreendidos por um fogo violento. Atlan, que comandava os homens equipados com armas pesadas, teve o cuidado de providenciar para que vários radiadores de impulsos fossem disparados simultaneamente contra cada vulto que se tornava visível em forma de sombra.

— Atenção, Ivã! — gritou Rhodan. — A coisa vai começar.

Fez um sinal e com um salto saiu de trás da máquina. Correu de arma em punho em direção à saída, que ficava pelo menos a cinqüenta metros. De todos os cantos apareceram homens, que corriam abaixados. Rhodan descreveu uma curva fechada, abrigou-se atrás de uma grade e ficou parado. Van Moders, um pouco atrás dele, cutucou-o.

— Olhe o estrado, sir — disse. — Que tal se tentássemos por lá?

Junto à rampa uma espécie de rua levava a um balcão baixo, no qual havia máquinas menores. A grade, junto à qual estavam parados, subia a esse balcão. Poderia ser usada como escada.

— É uma boa idéia — disse Rhodan, e olhou para cima. — Acontece que há uma desvantagem. Pouco antes de chegarmos ao balcão ficaremos desabrigados.

Um número cada vez maior de homens comprimia-se atrás da grade. Rhodan sabia perfeitamente que um avanço frontal em direção à rampa estaria condenado ao fracasso. A situação seria muito mais favorável se avançassem obliquamente, vindos de cima. Ali ficariam bem abrigados até chegarem mais perto da saída.

Além disso, os laurins pareciam totalmente ocupados com a pequena força de Atlan. Num gesto decidido Rhodan segurou a grade e puxou-se para cima. A grade tinha pelo menos sete metros de largura, e assim quatro homens podiam subir lado a lado.

Rhodan subiu o mais depressa que pôde. Os homens pareciam moscas presas à teia de uma gigantesca aranha. Por enquanto a máquina que se encontrava à frente da grade ainda os protegia contra o inimigo.

O último trecho era o mais perigoso. Rhodan foi colocando os pés num ritmo uniforme em cima dos últimos degraus da subida. Olhou para trás e notou que, quando tivesse subido mais meio metro, os laurins iriam vê-lo. De repente percebeu que seu rosto estava coberto de suor. A temperatura exterior devia ter subido fortemente. Sentiu a boca totalmente ressequida. A imagem de uma bebida fria fê-lo esquecer o perigo por alguns segundos.

Chegaram à parte superior da grade. De repente Van Moders revelou sua agilidade: parecia um macaco! Rhodan ficou meio metro para trás e teve de esforçar-se para alcançar o robólogo.

A idéia de que a qualquer momento poderia ser atingido nas costas fê-lo subir ainda mais depressa. Finalmente, com a mão direita agarrou-se em algo que parecia ser um corrimão. Empurrou-se fortemente da grade e subiu ao estrado.

Ofegando fortemente, voltou a sentir chão firme sob os pés. Van Moders, o Dr. Bryant e Goratchim já se encontravam a seu lado. O balcão estava sobrecarregado de pequenos aparelhos. Provavelmente tratava-se de um depósito. Os homens foram galgando os vários balcões.

Naquele momento, os laurins perceberam que só estavam lutando com um pequeno grupo de inimigos!

Quando mais de vinte terranos já se encontravam sobre o balcão, a grade sofreu um impacto direto. A maior parte dela evaporou-se, enquanto o resto se quebrou, fazendo com que os homens que subiam pela mesma caíssem ao chão, mas já do outro lado. Rhodan fechou os olhos por um instante. Será que nunca conseguiriam escapar desse inferno?

Olhou por cima do corrimão e viu os homens saírem lentamente dos destroços da grade. Um deles não se movia mais. Em seu traje espacial aparecia uma grande mancha marrom em meio à claridade da incandescência da grade.

Rhodan fez um sinal com o braço. Deviam descer rapidamente pela rua em declive, antes que os laurins compreendessem o que pretendiam fazer. Rhodan colocou-se na ponta, enquanto o gigantesco Goratchim o seguia como se fosse sua sombra.

De um lado a rua era limitada pela parede externa do pavilhão da fábrica. A parede estava cheia de nichos e reentrâncias, que provavelmente serviriam à instalação de novas máquinas.

— Vamos mesmo descer pela rua — disse Rhodan pelo rádio de capacete, dirigindo-se ao arcônida. — Assim que nos virem e atacarem, abandonem seus abrigos e tomem a rampa de assalto.

— Irromperemos daqui que nem as fúrias do inferno, bárbaro — respondeu Atlan, com certo humor fúnebre.

Rhodan chegou ao ponto inicial da rua, que era bastante íngreme. Fora construída para receber máquinas transportadoras. A única possibilidade de sair do balcão era a rua, já que a grade fora destruída.

Foram saltando de abrigo para abrigo. Rhodan ainda sentiu a pressão da parede nas costas, quando se enfiou na última reentrância antes da rampa. O espaço restante da reentrância foi ocupado pelo corpo gigantesco de Goratchim.

— Lá vêm eles! — gritou Marshall.

Nos segundos que se seguiram, aconteceram várias coisas ao mesmo tempo. Atlan e seus homens saíram dos abrigos, disparando ininterruptamente suas armas pesadas. Os laurins dividiram-se, pois não sabiam qual dos grupos inimigos pretendia forçar a saída. Quando Marshall determinou as posições exatas e as comunicou ao “detonador”, três dessas criaturas explodiram.

De repente os dois teleportadores apareceram sobre o patamar da rampa, como se obedecessem a um comando secreto. Tschubai usava um desintegrador pesado, enquanto Gucky confiava em sua capacidade telecinética.

— Vamos! — gritou Rhodan.

Goratchim passou à sua frente com alguns passos. O simples aspecto do mutante de duas cabeças devia provocar confusão entre os laurins. Algumas sombras apareceram na frente da rampa. Tschubai e Gucky realizavam uma dança de loucos sobre o patamar, a fim de não se oferecerem como alvos fixos. Um tiro arrancou da parede a área em que os dois teleportadores estavam de pé, mas os laurins não tiveram tempo para sentir-se exultantes. Gucky e Tschubai desmaterializaram-se para reaparecer junto ao grupo de Atlan.

Um chiado constante no ouvido de Rhodan abafava todos os outros ruídos. Goratchim descia pela rua, à sua frente. Quando os invisíveis passaram a concentrar-se nos atacantes que desciam pela rua, os campos defensivos dos trajes espaciais estalaram sob os efeitos da carga a que ficaram submetidos.

Os primeiros homens do grupo de Atlan chegaram ao lugar que ficava embaixo do patamar destruído. Rhodan continuava a correr; as pernas trabalhavam automaticamente. Uma terrível descarga energética fez explodir a entrada do elevador antigravitacional. A parede interna caiu para dentro do pavilhão, produzindo um rangido seguido de um estrondo. De repente o ambiente foi mergulhado numa névoa esverdeada. Nuvens de gases venenosos subiam do chão, entraram lentamente no elevador destruído e começaram a encher o corredor pelo qual a rampa subia.

Rhodan preferiu não atirar mais, já que praticamente não via nada. Tropeçou num objeto atravessado pela rua. Alguém praguejou com a voz rouca. Rhodan teve a impressão de que o chão em que pisava começava, agora, a ficar mais plano. Uma figura que envergava um traje espacial saiu da fumaça, cambaleou para junto de Rhodan e segurou-se no mesmo. Era Bodien, um dos cientistas.

— Agarre-se em mim — disse Rhodan.

Por um instante, Perry viu os olhos arregalados que o fitavam. Tinham uma expressão de nada entender e estavam vidrados de dor. Antes que Rhodan pudesse fazer qualquer coisa, o ferido soltou-se e desapareceu no meio da fumaça verde.

Rhodan prosseguia obstinadamente.

Subitamente Gucky materializou-se a seu lado. Era um vulto pequeno, que parecia totalmente indefeso. Poucas vezes a presença do rato-castor lhe causara tamanho alívio.

— Segure-se em mim, Perry — piou Gucky.

Assim que Rhodan tocou nele, Gucky teleportou-se. Quando se materializaram, Rhodan teve de constatar que haviam trocado um inferno por outro. A superfície do planeta era uma verdadeira fornalha. A alguma distância via-se a abertura abobadada da rampa. Rhodan viu pessoas que saíam correndo da mesma. Respirava com dificuldade. Fitou o sol sem preparar-se para isso. Recuou, ofuscado, e tateou para encontrar o filtro de luz, que logo cobriu a lâmina do visor, causando uma sensação de bem-estar.

— Preciso voltar — disse Gucky. — Lá embaixo ainda há alguns feridos, que não conseguem subir sem ajuda.

No mesmo instante desapareceu. Rhodan olhou em torno. Então o corpo gigantesco que via lá em cima era Outside. Em algum lugar, nas regiões mais afastadas desse sol, girava o planeta Mecânica, reduzido a uma nuvem de gases.

Aos poucos, a capacidade de decisão de Rhodan foi voltando. Antes de mais nada teria de procurar um esconderijo, que os protegesse tanto dos laurins como do sol. O solo era pedregoso e entrecortado. Sem dúvida havia muitas cavernas e frestas naturais.

Rhodan sentiu a atenção atraída por uma ponta de pedra que se erguia a uns cem metros. Seria um ótimo ponto de encontro. Poderiam reunir-se ali. Rhodan olhou para a entrada da rampa, mas não viu nenhum dos seus homens por perto. Não perdeu mais tempo. Saiu caminhando em direção à ponta de pedra. Teve a impressão de sentir quase fisicamente o peso representado pelo calor do sol. Passou a língua pelos lábios, que estavam totalmente ressequidos.

Lançou um olhar cético para o rádio de pulso. Valeria a pena expedir um pedido de socorro? Era bastante duvidoso que alguma nave de patrulhamento se encontrasse nas proximidades do sistema. De qualquer maneira, não poderiam perder nenhuma chance de se salvarem.

As pedras quebravam-se sob o peso de seu corpo. Enquanto prosseguia, refletiu sobre o número de naves dos laurins que poderiam ter pousado neste mundo. Acreditava que, no momento, não haveria mais de uma ou duas naves dos invisíveis no sistema do sol Outside, pois o inimigo por certo lançara todas as forças disponíveis contra eles.

Contudo os laurins não teriam a menor dificuldade em pedir reforços assim que o desejassem. Rhodan tinha certeza de que Bell e Allan D. Mercant já haviam tomado as providências para procurá-los. Todas as divisões da Frota Solar já deviam ter destacado grupos de reconhecimento.

Ninguém teria a idéia de procurá-los nas proximidades de Outside. Só mesmo o acaso poderia salvá-los, se não conseguissem atrair a atenção das naves de reconhecimento.

Os aparelhos de localização supersensíveis da frota sempre ficavam de prontidão; registravam qualquer emanação energética mais intensa. Caso conseguissem provocar uma explosão, cuja potência fosse suficiente para atrair a atenção de um comandante atento, então haveria uma pequena esperança de que alguma nave terrana pudesse aparecer por ali.

Mas como provocar uma explosão sem colocar em perigo a própria vida? No momento Rhodan não via nenhuma possibilidade concreta.

Encontrava-se a poucos metros da ponta de pedra. A rocha fora calcinada pelo sol, pois não havia nenhuma atmosfera que a protegesse do calor. A ponta alargava-se na parte inferior, e assim alguns homens poderiam abrigar-se à sua sombra. Rhodan subiu a leve encosta que ainda o separava do destino.

Uma vez constatado que o lugar oferecia segurança relativa, pediria aos homens que se reunissem ali.

Por pouco o passo seguinte não foi o último que Rhodan deu em sua vida. O chão cedeu sob a pressão do pé, quebrou-se como uma casca de ovo. O pé de Rhodan afundou; no mesmo instante deixou-se cair automaticamente. Mas a cavidade invisível era mais extensa do que pensara. Um bom pedaço de solo afundou. De repente Rhodan viu-se envolvido pela escuridão; sentiu seu corpo bater em alguma coisa e centenas de pedras grandes e pequenas choviam sobre ele. Quatro metros de chão haviam afundado... a camada superior era enganadora!

O traje espacial continuava intacto. Rhodan sentiu-se aliviado ao aspirar profundamente o ar que ainda há pouco lhe parecera seco e viciado. Agora esse mesmo ar lhe dava a segurança de que não morreria sufocado.

Quis virar o corpo, mas notou que suas pernas estavam presas numa fenda. Virou a cabeça. Viu o recorte luminoso da abertura uns dois metros acima dele. A borda era irregular; provavelmente continuaria a cair, caso tentasse puxar-se pela mesma. Rhodan apoiou-se cautelosamente nos cotovelos. Pedras foram caindo de cima de seu peito. Levaria algum tempo para libertar-se da situação em que se encontrava. E, mesmo depois de livre, não conseguiria sair do buraco sem auxílio, pois seria perigoso demais subir pelas bordas.

Seria preferível usar o rádio de capacete para informar os homens sobre a situação em que se encontrava. Seria fácil encontrar a ponta de pedra. Se andassem depressa, poderiam atingi-la em poucos minutos.

Rhodan soltou uma risada amargurada. Nessa operação tudo estava saindo errado. Se por acaso um laurin chegasse à borda do buraco, não haveria a menor possibilidade de defender-se.

Rhodan deixou-se cair para trás.

— Aqui fala Rhodan! — disse em tom tranqüilo. — A uns cem metros da entrada da rampa existe uma ponta de pedra. Todos os homens deverão dirigir-se a esse lugar. Caí num buraco, pois o solo por aqui é quebradiço e oco por baixo.

Esperou um momento, mas não obteve resposta.

— Alô! — gritou. — Aqui fala Rhodan.

O alto-falante continuou mudo. Rhodan sentiu um nervosismo crescente. O que teria acontecido? Será que seu rádio de capacete fora avariado na queda? Ou estariam os homens impossibilitados de responder?

Voltou a tentar, mas ainda desta vez não obteve nenhum resultado. Mas sempre restava a possibilidade de alcançar Gucky ou Marshall por via telepática...

De repente uma sombra cobriu seu rosto. Um vulto tapava a abertura lá em cima. Rhodan suspirou aliviado, ao notar que se tratava de um terrano. Não viu o rosto, que se encontrava na sombra.

— Cuidado — disse Rhodan. — Não quero que o senhor também caia.

O vulto que envergava traje espacial ergueu-se. Só agora Rhodan viu o rosto.

Aquele homem não era nenhum terrano. Pertencia a um movimento subversivo acônida, que pretendia sabotar a aliança galáctica, custasse o que custasse.

Era Fyrn!

— O que houve com o senhor? — perguntou o acônida. — Ainda está vivo?

— É claro que estou — respondeu Rhodan. — Senão não poderia falar com o senhor.

— Por que não diz nada? — perguntou Fyrn, em tom impaciente.

Então era por isso que não conseguira comunicar-se com os homens! O rádio de capacete estava avariado; só recebia, mas não transmitia.

Rhodan levantou o braço e fez um sinal para Fyrn. O acônida soltou uma risadinha.

— Acho que seu rádio não está em ordem, não é? — perguntou Fyrn.

Rhodan moveu o braço, num gesto afirmativo.

— Ah! — disse Fyrn, num tom que parecia ser de satisfação. — Quer dizer que o senhor me ouve, mas ninguém ouve o senhor? Preste atenção, Rhodan. Usaremos um código bastante simples. O senhor só poderá responder sim ou não. Se quiser dizer sim, mova o braço uma vez, e se quiser dizer não, duas vezes. De acordo?

Rhodan perguntou a si mesmo por que Fyrn estaria realizando essa encenação. Por que não chamava os homens?

— O que houve? — gritou Fyrn num súbito acesso de raiva. — O senhor me ouve?

Rhodan moveu o braço uma vez.

— Muito bem — cochichou Fyrn. Tirou alguma coisa do cinto; assim que a luz incidiu no objeto, Rhodan percebeu que se tratava de uma arma de impulsos. Como o acônida teria arranjado essa arma? Deveria ter-se apoderado da mesma enquanto forçavam a saída do pavilhão.

— Muitas vezes o destino percorre caminhos estranhos — disse Fyrn. — O desastre que nos atirou a este mundo restituiu-me a memória. Já sei que sou um espião do movimento subversivo contra a aliança. Sei perfeitamente o que significa isto.

Seu corpo era uma silhueta escura que balançava de um lado para outro.

— E essa aliança se romperá com sua morte, administrador.

Rhodan ficou na expectativa. Era difícil conhecer a mentalidade de um acônida.

— Se o senhor não tivesse salvo minha vida na fábrica subterrânea, agora eu não estaria em condições de extinguir a sua — disse Fyrn com a maior tranqüilidade. — Até parece que foi a mão do destino. Será que o senhor acredita que foi por puro acaso? A longa cadeia de acontecimentos começou quando Berháan me desmascarou e o senhor interveio para salvar-me. Será que o senhor acredita que uma coisa dessas resulta do acaso?

Desesperado, Rhodan expediu um pedido de socorro mental. Esse homem fanático não hesitaria em matá-lo sem a menor compaixão, já que acreditava que com isso prestava ajuda a seu grupo político.

— Ninguém pode dizer que eu seja um assassino — prosseguiu Fyrn. — Apenas estou cumprindo uma missão que se reveste da maior importância para minha raça.

Rhodan abanou duas vezes com o braço. Se conseguisse deter Fyrn por algum tempo, Gucky ou Tschubai talvez poderiam aparecer por ali.

— Quer dizer alguma coisa? — perguntou Fyrn.

Rhodan sinalizou afirmativamente.

Fyrn foi se ajoelhando, com a calma de quem pode dispor do tempo que quiser. Vendo aquela sombra escura e esbelta, Rhodan não conseguiu odiá-lo.

— Qualquer pergunta seria inútil, Rhodan — disse Fyrn. — O que adiantaria uma resposta que o senhor teria de levar para a morte?

Voltou a levantar-se. Rhodan teve a impressão de que todos os movimentos se realizavam com uma lentidão infinita. De repente teve a impressão de que tudo que não fosse Fyrn não tinha a menor importância, inclusive os laurins e a aliança. Compreendeu que ele mesmo também não passava de um ser humano. Sim, um ser humano que nos momentos derradeiros pensa apenas em salvar-se. Era uma reação perfeitamente natural, mas o fato de ter uma percepção objetiva desta reação, em sua própria pessoa, dava-lhe um certo domínio sobre o sentimento.

Por trás do problema representado por Fyrn, todas as outras coisas voltaram à vida, como se tivessem acontecido naquele instante.

Foi quando o acônida levantou a arma...

 

A palavra inteligência, aplicada às diversas raças de astronautas da Galáxia, representava um conceito bastante relativo, que sempre ficava na dependência do respectivo ambiente. Cada raça desenvolvia um tipo próprio de inteligência, face ao que a palavra assumia um sentido abstrato em cada caso específico.

Se quiséssemos verificar como agia a inteligência de um terrano em relação à de um trox, teríamos que dar-nos ao trabalho de pesquisar o início das manifestações intelectuais nos diversos estágios da evolução de ambas as raças.

A inteligência do homem resultará de uma interação de fenômenos diferente da que produzira a do trox. Por isso não havia como comparar os dois tipos de capacidade. Não havia nenhum ponto de referência que permitisse a avaliação comparativa dos graus de inteligência de ambas as raças.

Para livrar-se dessa situação, que lhes causava tantas dificuldades, os cientistas recorriam ao conceito da diferença básica de mentalidade das diversas raças. Mas o fato era que um trox que quisesse viver entre os homens teria de submeter-se a modificações acentuadas; antes de mais nada tinha de aprender ininterruptamente. Mas mesmo assim nunca conseguiria realizar um processo de adaptação mental se o homem não viesse em seu auxílio. Devia-se estabelecer uma espécie de compromisso entre as duas mentalidades; havia necessidade de criar uma esfera espiritual em que ambas as partes tinham de penetrar para alcançarem a compreensão mútua.

Uma raça que não fosse capaz de efetuar essa penetração numa nova metaesfera nunca conseguiria exercer o poder cosmo-político.

Embora a forma do corpo dos acônidas fosse humanóide, sua mentalidade afastava-se da dos humanos tanto quanto da dos trox. A aliança galáctica provara que, quando se tratava de um grupo de seres semelhantes ao homem, tornava-se mais fácil criar essa metaesfera. Mas em muitas oportunidades surgiam abismos intransponíveis entre as raças.

No momento em que Fyrn apontou a arma de impulsos para Rhodan, ambos os seres — o acônida e o homem — haviam abandonado o plano de entendimento espiritual. Defrontavam-se em posições extremas. No fundo, nenhum dos dois compreendia o outro.

A vida de Rhodan dependia de que ambos conseguissem criar novamente a metaesfera no último instante. A disposição para o entendimento de que pudesse estar imbuído o indivíduo isolado não seria suficiente.

 

Atlan atingiu a superfície do pequeno planeta juntamente com uma nuvem de fumaça verde. Só agora poderia interessar-se novamente pelos outros homens. Viu-os saltarem da rampa um após o outro e correrem para fora.

Restava saber se por aqui estariam mais protegidos contra os ataques dos laurins. Atlan já desistira de refletir sobre os fenômenos que se desenrolavam naquele mundo quente. No momento, o mais importante era proteger os homens contra os invisíveis. Os mutantes não precisavam de conselhos; sua experiência permitia-lhes sobreviver sozinhos em qualquer situação. Mas, com os especialistas e cientistas do comando, as coisas eram diferentes. Não estavam acostumados a lutar nessas condições. Além de Van Moders e do Dr. Bryant, nenhum deles havia estado em combate.

John Marshall apareceu ao lado de Atlan.

— Os laurins nos seguem pela rampa — informou. — Eles não desistem.

— Temos de entrincheirar-nos em algum lugar — disse Atlan com a voz tranqüila.

Olhou em torno, procurando descobrir entre os homens o capacete com distintivo amarelo.

— Onde está Perry? — perguntou.

— Foi um dos primeiros que chegaram à superfície — informou Goratchim. — Provavelmente está à procura de um esconderijo apropriado.

— Os dois teleportadores ainda se encontram na fábrica subterrânea, a fim de deter os laurins pelo maior tempo possível — disse Marshall.

A bola incandescente vermelha do sol parecia atirar seu fogo até mesmo através dos filtros de luz dos capacetes. Mantendo os olhos semicerrados, Atlan corria à frente do grupo, em direção à duvidosa segurança daquela paisagem calcinada.

Olhou para trás e viu o rosto de Lowry, um dos especialistas do grupo. Notou que o rosto que se mostrava atrás do filtro de luz estava banhado em suor.

Os trajes espaciais não suportariam essa extrema temperatura por muito tempo. O sol era um inimigo tão perigoso quanto os laurins. Talvez até mais. Mesmo que conseguissem deter os laurins, acabariam sendo subjugados pela natureza.

Atlan teve um calafrio. Há muitas gerações combatia ao lado dos terranos.

Agora, que quase se sentia como se fosse um deles, provavelmente morreria juntamente com eles.

 

Com um gesto cansado, Reginald Bell passou as mãos pelos cabelos curtos e encostou-se à janela do táxi aéreo, a fim de olhar para a rua. O tráfego era intenso. Os diversos veículos pareciam um caleidoscópio cujas cores e formas mudavam rapidamente.

Bell olhava para a frente. Não estava interessado em ver o que se passava lá embaixo. O zumbido quase imperceptível dos rotores misturou-se ao leve farfalhar do vento que se quebrava na carlinga. O piloto colocara o boné oficial na nuca. Provavelmente estava sonhando com uma frota de táxis inteiramente automatizados que, da mesma forma que muitos dos seus colegas, pretendia adquirir num futuro próximo. De repente virou a cabeça.

— Queria desculpar, sir — disse em tom cortês. — Por que está usando um táxi público? O senhor não precisa disso.

Bell sorriu. Fora reconhecido pelo homem, cujo espanto era perfeitamente compreensível. Geralmente os membros do governo e o pessoal da frota usavam carros ou aeronaves especiais.

— Estou fugindo — confessou Bell sem rebuços. — Preciso de calma, para refletir à vontade.

O piloto esquivou-se ao seu olhar, pois as palavras do representante de Rhodan o perturbavam. Que tipo de homem não devia ser esse Bell, que ventilava seus problemas pessoais com um simples motorista?

— Quer chegar a algum lugar determinado, sir? — perguntou em tom apressado.

— Quero — respondeu Bell. — Pouse no Jardim Suspenso Árabe.

— O senhor se refere ao pequeno restaurante, sir?

Bell confirmou com um gesto e continuou a examinar os arredores. O piloto fez o táxi baixar um pouco.

Os pensamentos de Bell foram um pouco para o passado. Vinha de uma sessão especial, da qual também haviam participado Allan D. Mercant e o chefe da Divisão III.

Os especialistas convocados haviam proferido longos discursos, cujo ponto culminante sem dúvida era a fala do tal do Dr. Soames. O Dr. Soames sugerira que se procurasse Rhodan e seus companheiros no lugar em que provavelmente estariam irremediavelmente perdidos: entre as dimensões. Como forma de realização de seu plano, aludira a uma distensão entre os estabilizadores das dimensões. Berháan, que já chegara a Terrânia, ficou pasmado e o ironizou, quando o Dr. Soames disse que provavelmente poderia atingir esse objetivo por meio de uma bomba energética, que seria detonada no interior do grande transmissor de Árcon III.

Em poucas palavras o acônida analisou as idéias do terrano. Disse que nenhuma energia deste mundo seria capaz de, à força, fazer penetrar uma cunha no nada. Segundo ele as dimensões superiores pertenciam ao pensamento teórico, mas não havia como exercer influência sobre as mesmas, por ser impossível descobrir seus princípios matemáticos. Ainda acontecia que os acônidas se recusavam obstinadamente a permitir a utilização do transmissor, enquanto não fosse esclarecido o destino dos desaparecidos. Berháan anunciou que a realização de quaisquer experiências com o transmissor, sem a permissão de Ácon, acarretaria a retirada imediata de todos os cientistas acônidas para o Sistema Azul.

Era um ultimato, mas nem por isso chegava a ser um ato menos hábil. Qualquer utilização do transmissor poderia apagar definitivamente as pistas que levavam a Perry Rhodan.

— É ali, sir — disse a voz do piloto, arrancando-o das suas reflexões. — Pousarei na área de estacionamento.

O táxi modificou sua rota, tomando a direção de uma cobertura plana, em cujas bordas fora instalado um pequeno anúncio luminoso.

— É um restaurante muito aconchegante, sir — disse o piloto, enquanto pousava o táxi.

Bell pagou, agradeceu e desceu. Sentiu-se atingido por uma brisa quente. Um homem alto de olhos escuros cumprimentou-o na entrada.

— Deseja uma mesa especial, sir? — perguntou.

Bell “enfiou” o corpo pela entrada debilmente iluminada. Naquela hora, isto é, no início da noite, havia pouca gente no restaurante.

— Eu mesmo procurarei um lugar — disse.

Caminhou em direção a uma mesa pequena e tomou um lugar numa almofada.

O garçom, um newralense de quatro olhos, que era a grande atração do restaurante, aproximou-se da mesa de Bell.

— Olá, Keechie — disse o gorducho a título de cumprimento.

Keechie fechou os olhos, enlevado, quando reconheceu o freguês. Seu corpo peludo marrom-dourado produzia um brilho apagado sob a luz indireta.

— Como vai, Mr. Bell? — disse num inglês pesado, formando as palavras na garganta.

— Preciso de alguma coisa que me anime — disse Bell.

Keechie fitou-o com uma expressão que quase chegava a dar mostras de preocupação.

— Alguma coisa o aflige, Mr. Bell?

O sorriso típico do newralense, carregado de compreensão e compaixão, passou pelo rosto oval quando indagou:

— Trata-se de meu Mr. Rhodan?

— Às vezes chego a acreditar que você lê pensamentos, Keechie — disse Bell, com um sorriso forçado.

— Basta olhar seu rosto para saber o que está acontecendo — respondeu o newralense.

Bell ajeitou o corpo em cima da almofada. A responsabilidade que lhe fora atribuída representava um peso enorme. Na verdade, nem deveria estar ali, mas este era o único lugar em que podia refletir tranqüilamente sobre os passos que seriam dados a seguir.

— Traga-me alguma coisa para beber — disse Bell. — Quero uma coisa que não me deixe tonto, mas que possa acalmar-me.

— Quer alguma coisa adequada ao seu estado de espírito, sir? — perguntou Keechie em tom suave, e seus olhos brilhavam como se fossem de cristal.

— Quase poderia dizer que perdi alguma coisa — disse Bell, em voz baixa. — Você compreende, Keechie, meu velho filósofo?

— Uma coisa que continua a viver em nossos pensamentos nunca está perdida, meu caro Mr. Bell — disse o newralense, pronunciando uma grande sabedoria, e afastou-se com as garras encolhidas.

Bell parecia distraído. E continuou imóvel quando Keechie trouxe um copo e o colocou na mesa.

 

— Neste momento poderia fazer história com um único tiro — disse Fyrn. — Tem uma idéia das conseqüências que sua morte traria, Rhodan?

Com um movimento rápido jogou a arma para dentro do buraco em que Rhodan estava preso.

— Provavelmente meus chefes me matariam pela oportunidade que acabo de jogar fora — disse. — Mas é possível que nunca saibam o que aconteceu, se não conseguirmos sair deste planeta.

Soltou uma risada quase imperceptível e prosseguiu:

— Não consegui alcançar grande perfeição, nem como espião, nem como assassino político.

Parecia esperar uma reação de Rhodan, mas o terrano manteve-se imóvel.

— Qual é sua opinião? — perguntou Fyrn. — Será que fui covarde demais para atirar no senhor? Ou estarei interessado em ver como o senhor sairá desta situação? O senhor salvou minha vida por duas vezes, uma vez em Árcon III e outra vez neste planeta infernal. Mas não foi por isso que resolvi poupar sua vida. Talvez seja porque espero que aqui o senhor consiga alguma informação decisiva sobre os pos-bis.

Rhodan, que já se conformara com a morte, procurou desentranhar os pensamentos que se escondiam atrás das palavras do acônida. Aquele espião era um homem estranho, que em virtude de circunstâncias desconhecidas adquirira qualidades de caráter conflitantes.

— Ali vêm seus homens — observou Fyrn. — Vou chamá-los. Depois disso dependerá do senhor que eu seja preso ou não.

Dali a alguns minutos, alguns vultos reuniram-se junto ao buraco.

Rhodan fez gestos violentos, para evitar que a borda fosse sobrecarregada desnecessariamente com o peso de seus corpos. Fyrn explicou a John Marshall e Atlan que o rádio de capacete de Rhodan só funcionava num sentido. Rhodan notou a ausência dos dois teleportadores.

— Gucky e Ras continuam ocupados com os laurins — disse Atlan. — Não terão o menor problema em tirá-lo daí.

Rhodan fez um gesto de concordância, mas Atlan começou a descer pelo buraco sem dizer mais nada.

— Você está semi-enterrado — disse ao sentar cuidadosamente ao lado do amigo e pôs-se a mexer no capacete de Rhodan. — Tente falar comigo.

— Nunca se envelhece bastante para não cometer mais erros — sentenciou Rhodan.

— Isso é uma frase muito inteligente, bárbaro — disse Atlan. — De qualquer maneira o defeito de seu rádio de capacete já foi corrigido.

Rhodan relatou o acontecido em poucas palavras, mas não aludiu a Fyrn.

John Marshall inclinou-se sobre a borda. Apontou na direção da base subterrânea.

— Está na hora de darmos o fora daqui — disse. — Neste momento uma nave dos laurins está pousando em cima da base.

Atlan rastejou em torno de Rhodan, a fim de apoiá-lo e auxiliá-lo. Rhodan forçou as pernas de encontro à rocha que o envolvia. O arcônida puxava seu corpo. Foi se libertando aos poucos, até que conseguiu pôr-se de pé.

Marshall e um dos especialistas inclinaram-se sobre o buraco, a fim de darem as mãos a Rhodan. Este segurou-as e empurrou-se com os pés. Dali a alguns segundos, os homens conseguiram tirá-lo. Também Atlan veio à superfície.

— Temos de cuidar dos nossos passos — advertiu Rhodan. — O solo é muito traiçoeiro.

Os laurins dispunham-se a pousar a uma distância de pelo menos quinhentos metros. Sua nave tinha a forma de um pingo. Não havia dúvida de que a extremidade mais ampla formava a proa. A nave não era muito grande.

— Parece que vai pousar no desfiladeiro que fica atrás da entrada das rampas — conjeturou Van Moders.

— A distância engana — respondeu Rhodan. — No momento encontra-se a pelo menos quinhentos metros da entrada. Pelos meus cálculos deverá pousar na beira do desfiladeiro. Nesse caso não poderá ser vista daqui.

— Será que há outras espaçonaves paradas no desfiladeiro? — perguntou Marshall.

— Não acredito — respondeu Rhodan. — Os laurins devem ter construído um campo de pouso num lugar mais seguro, no qual não precisem recear que o chão ceda sob o peso da nave.

Van Moders lançou um olhar pensativo para a estranha nave, que descia lentamente.

— Deveríamos tentar apoderar-nos de uma de suas naves, para podermos fugir.

— Não desperdice sua capacidade intelectual com fantasias — recomendou Rhodan. — Em primeiro lugar não possuímos armas que nos permitam entrar na nave, e além disso não saberíamos como pilotá-la.

Bastante contrariado, Rhodan constatou que a idéia louca de Van Moders continuava em seu cérebro. Era provável que, na situação desesperada em que se encontravam, qualquer idéia, por menos realista que fosse, parecia exeqüível. Rhodan viu a nave desaparecer atrás das montanhas, mas seus pensamentos continuaram presos ao veículo espacial. Talvez houvesse outro meio de tirarem proveito da situação...

O mutante de mais de dois metros de altura empertigou-se, como se isso lhe permitisse enxergar para além das montanhas distantes. Em seus ombros largos as duas cabeças nem sequer pareciam anormais.

— Para mim não haverá nenhum problema, chefe — disse uma das cabeças em tom grave.

Rhodan mordeu o lábio inferior. Há pouco tivera a idéia de que uma grande explosão talvez pudesse atrair a atenção de alguma nave de patrulhamento. Teve a impressão de que acabara de encontrar uma possibilidade.

— Procure fazer explodir a nave, Ivã — ordenou Rhodan. — Provoque a cisão nuclear de todos os átomos de carbono que se encontrem no interior da mesma.

— Metade do desfiladeiro desmoronará, sir — disse a cabeça da direita. — Tomara que a base não desmorone também.

Atlan sabia perfeitamente que seu amigo terrano não dera esta ordem unicamente para destruir o inimigo. Por isso perguntou:

— O que pretende fazer, Perry?

Rhodan bateu no rádio de pulso.

— O alcance deste rádio não é suficiente para atingir uma das nossas naves. Talvez uma explosão violenta baste.

Naquele instante o chão que cobria a fábrica subterrânea foi atirado para o alto e uma chama subiu ao céu. Um sem número de pedras, toneladas de terra e outros materiais foram atirados para o alto. O chão vibrou e em toda parte as pedras e as rochas deslizavam.

Rhodan fitou Goratchim, cujas cabeças se limitaram a fazer um gesto afirmativo. A nave dos laurins deixara de existir.

— A base não desmoronou — constatou Atlan com grande alívio.

Tschubai e Gucky materializaram-se a seu lado. O rato-castor olhou para o lugar em que acabara de verificar-se a explosão.

— Ras e eu pensamos que Van Moders estivesse pisando o chão em cima da fábrica com seus enormes sapatos — disse com o rosto mais inocente deste mundo.

— Muito engraçado! — respondeu Rhodan, em tom contrariado.

— Não demorarão em atacar-nos de novo — profetizou Ras Tschubai. — Pouco antes da explosão já haviam descoberto que lá embaixo só os estávamos fazendo de bobos. Não se interessaram mais por nós. Pelos seus impulsos mentais, Gucky percebeu que estavam voltando à superfície.

— A destruição de sua nave não os tornará mais pacatos — disse Rhodan.

Como sempre acontecia quando se encontrava numa situação como esta, procurava colocar-se no lugar do chefe inimigo. Perguntava a si mesmo o que faria num caso como este. Se nesse inundo ainda havia outras espaçonaves, a resposta seria fácil. As naves subiriam para caçar os terranos, que estariam praticamente indefesos diante de um ataque vindo de cima.

Felizmente o chefe dos laurins ainda não tivera essa idéia, ou então não dispunha de outras naves. Rhodan resolveu não afastar-se da base, pois, no caso de um ataque desfechado por espaçonaves, poderiam refugiar-se novamente no subsolo.

O calor tornava-se cada vez mais forte. O sol permanecia firmemente no zênite. Os cientistas sofriam com os efeitos do calor muito mais que Rhodan, Atlan e os mutantes, já que não estavam acostumados a essas condições. Rhodan mandou que as armas pesadas fossem entregues aos mutantes e aos homens mais robustos do comando. Seus preciosos aparelhos ainda se encontravam no subsolo. Provavelmente a essa hora já se constituíam numa valiosa presa para os invisíveis.

Rhodan controlou seu rádio de pulso, que irradiava a espaços regulares o pedido de socorro da Frota Solar. Se havia alguma nave que patrulhasse uma área próxima ao sistema, esta deveria responder num tempo previsível. Mas era mais provável que a explosão não tivesse sido suficientemente forte para alcançar o efeito desejado. Para isso deveriam ter destruído metade do planeta, ou provocado uma explosão no espaço, a grande altitude.

— Parece que fomos descobertos — disse Marshall. — Notei impulsos mentais que se aproximam rapidamente.

— A caçada começou — disse Rhodan laconicamente.

Logo após a ponta da pedra o terreno caía lentamente. A depressão ali existente não oferecia proteção segura contra os atacantes. Na direção oposta, onde Goratchim destruirá a nave, viam-se colinas entrecortadas. Ali havia uma chance de encontrarem uma posição relativamente segura. Rhodan transpirava ininterruptamente, fazendo com que o ar se tornasse abafado no interior de seu traje espacial. Conseguia controlar a sede, mas perguntou a si mesmo o que aconteceria com os cientistas, se estes ficassem expostos por mais algumas horas a essas condições adversas.

Será que suas medidas defensivas acabariam mesmo com a morte? Seriam em vão os esforços de resistir aos laurins? Mesmo que tivesse certeza absoluta de que não havia salvação, Rhodan incitaria os homens a não desistirem.

Acabariam mortos pela sede ou pela falta de ar, ou então por um tiro das armas dos laurins.

— Acho que será conveniente dividir-mo-nos — disse Rhodan. — Formaremos dois grupos, que se retirarão por caminhos diferentes. Cada um dos grupos será acompanhado por um teleportador. Atlan, você tentará levar parte dos homens diretamente daqui para a base, enquanto nós descreveremos uma curva, a fim de nos aproximarmos do desfiladeiro em cujo interior explodiu a espaçonave.

Rhodan dividiu os homens. Depois disso deu ordem para que seu grupo se pusesse em marcha. Ele e Atlan fitaram-se sem dizer nenhuma palavra.

— Parece que ninguém responde aos nossos pedidos de socorro — disse o arcônida depois de algum tempo. — Continuamos a depender exclusivamente de nós mesmos.

Rhodan seguiu os homens que já desciam pela encosta.

— Encontramo-nos entre o desfiladeiro e a entrada da base — gritou para Atlan.

— Espere mais um momento, Perry — disse Atlan. — Vamos dar um nome a este planeta inóspito. Sugiro que o chamemos de Surprise, pois aqui nunca estamos a salvo de surpresas.

— De acordo — disse Rhodan.

Foi descendo lentamente pela encosta. Fyrn, que fazia parte de seu grupo, permanecia constantemente ao lado de Rhodan. Depois de algum tempo, quando não podiam ver mais Atlan e seus companheiros, o acônida disse:

— Um dos homens que acompanham o arcônida estava próximo à prostração total.

— Eu notei — respondeu Rhodan, com a maior tranqüilidade.

Fyrn parou.

— Tive a impressão de que este homem não irá muito longe. Deveríamos ter feito alguma coisa por ele.

— O quê? — perguntou Rhodan.

— Bem, o senhor poderia ter feito uma pausa mais prolongada, Rhodan — alvitrou o espião. — Dessa forma ele talvez recuperasse as forças.

Rhodan teve a impressão de que a temperatura subira ainda mais. Enquanto prosseguiam em sua caminhada, disse a Fyrn:

— Os laurins não nos dão tempo para uma pausa. Além disso é perigoso ficar parado neste estágio. Pode ser que a gente nem consiga colocar-se mais de pé.

— O senhor é um homem muito duro, não é? — perguntou Fyrn, em tom irônico.

— Pense o que quiser — respondeu Rhodan. — Quem comanda a operação sou eu. Se não concordar com as medidas que eu determinar, terá de agir por sua conta.

Fyrn lançou um olhar pensativo pela paisagem escaldante.

— Acho que o senhor nunca desiste — disse. — O senhor se martirizaria até o último segundo nas fogueiras do inferno, mesmo que não houvesse nenhuma esperança.

— É isso mesmo — respondeu Rhodan.

Fyrn tropeçou numa pedra e teve de segurar-se em Rhodan por um segundo.

— Quem dera que Bosaar me pudesse ver neste instante — disse com uma risada.

— Quem é Bosaar? — perguntou John Marshall, que caminhava à frente de Rhodan.

— É o chefe do movimento subversivo a que pertenço — disse Fyrn. — Ao menos acredito que seja o chefe, embora o velho Brosanor também mande um bocado.

— O senhor não tem o menor escrúpulo em revelar os nomes de seus amigos políticos — disse Tschubai em tom contrariado.

Ao que parecia, o mutante não estava gostando da conversa entre Rhodan e Fyrn.

— Por que não? — disse Fyrn com um sorriso. — O que é que os senhores poderão fazer com as informações que acabo de dar? Quando nossos ossos estiverem branqueando ao sol, Bosaar provavelmente já terá tramado novos planos.

Permaneceu calado, mas quando Rhodan pensou que o acônida já se tivesse cansado da conversa, o espião disse:

— Quer saber de uma coisa, Rhodan? Neste mundo tudo isso adquire uma faceta inteiramente nova. Bosaar e o Sistema Azul ficam a uma distância infinita. Quase chego a pensar que meus ex-amigos são figuras de um sonho. Nossa situação adquiriu uma configuração definitiva, e por isso não me preocupo mais com a aliança ou outras coisas.

Marshall disse no tom seco que lhe era peculiar:

— Daqui a pouco sua situação terá uma configuração ainda mais definitiva, se não andar mais depressa. Estamos sendo perseguidos.

Fyrn apressou o passo para alcançar os outros. Tschubai realizou um ligeiro salto de teleportação, a fim de examinar a área. Fora incumbido de procurar um abrigo apropriado. Rhodan supunha que os laurins os deteriam mais de uma vez durante a marcha.

Rhodan lançou outro olhar para o rádio de pulso. Não tinha muita esperança. Aqui estava mais uma prova de que não havia nenhum poder capaz de controlar toda a Galáxia. O número de naves que se tornaria necessário para isso era inconcebível.

Rhodan não podia imaginar nenhum ser vivo sob cujo ponto de vista a Galáxia parecesse pequena. Para os velhos marujos do planeta Terra, um oceano fora um abismo quase intransponível entre dois continentes. Para os astronautas representava uma distância insignificante.

Será que no futuro as distâncias no interior da Galáxia também se tornariam menores?

Qual teria de ser o tamanho de um ser, para que este pudesse ter a sensação de que a Via Láctea era pequena?

Rhodan teve a impressão confusa de que para isso se precisaria de algo mais que uma frota de naves incrivelmente rápidas. A evolução teria que dar um salto.

Será que um dia a Humanidade entraria nesse estágio?

A resposta a todas estas perguntas dependia daquilo que o futuro imediato reservava para os terranos. Se os pos-bis conseguissem envolver os homens numa guerra decisiva, ou se tivessem de combater outra raça bastante poderosa para provocar seu desaparecimento, então haveria poucas esperanças de que essas perguntas jamais fossem respondidas.

Rhodan era muito realista para entregar-se a ilusões sobre as chances da Humanidade. Neste mesmo mundo, que Atlan batizara com o nome de Surprise, poderia surgir uma decisão prematura.

Se morressem, a Humanidade nunca teria conhecimento da herança de Mecânica. Se conseguissem sobreviver, poderiam acumular novas experiências que lhes iriam permitir travar uma luta bem-sucedida com os pos-bis.

Rhodan colocou cautelosamente os pés sobre a saliência pela qual teriam de passar. Cada passo poderia trazer a morte. Outside continuava a enviar seus raios para o cosmos com a mesma violência, até que estes fossem captados por este mundo do tamanho da Lua. Esses raios castigavam impiedosamente a paisagem desolada. Rhodan arriscou um olhar em direção ao disco, que mais se parecia com um gigantesco olho chamejante que com uma estrela. Até parecia que o sol quase não modificara sua posição. Naturalmente isso poderia ser um engano.

À medida que se aproximavam do desfiladeiro, a paisagem tornava-se cada vez mais acidentada. Entraram num vale alongado.

Tschubai, que estava retornando de uma teleportação, disse:

— Não há laurins neste vale. Ao que parece só somos seguidos por uns poucos, que procuram descobrir quais são nossas intenções.

— Existe um caminho mais curto para o desfiladeiro, que não passe pelo vale? — perguntou Rhodan.

— Existe, mas para usá-lo teríamos de passar por essas colinas, que daqui não parecem ser muito altas, mas que talvez encerrem seus riscos — respondeu o teleportador.

Rhodan sabia perfeitamente que alguns dos homens dificilmente resistiriam a uma escalada mais extensa. Levantou o braço e apontou na direção que estavam seguindo.

— Vamos pelo vale — disse em tom decidido.

Além deles e dos laurins não havia nenhuma vida nesse planeta calcinado. Seus movimentos tornavam-se cada vez mais lentos. Alguns dos homens apenas conseguiram arrastar-se pesadamente para dentro do vale.

Quando haviam percorrido um terço do caminho, Rhodan ouviu um gemido seguido de um estranho tilintar. Sabia perfeitamente o que significava isso.

Parou e olhou para trás. Um dos homens caíra de tão exausto que estava. Rhodan passou os olhos pelas encostas rochosas que fechavam o vale. Será que os laurins só aguardavam o momento em que o inimigo poderia ser apanhado indefeso?

— Ajude-o — disse Rhodan tranqüilamente, dirigindo-se a Marshall.

O telepata segurou o homem caído por baixo dos braços. O mesmo voltou a levantar-se. Cambaleava um pouco. Quando Rhodan se aproximou, o homem piscou os olhos, confuso, mas seu rosto continuava a exprimir uma total resignação.

Rhodan levantou o filtro de ar, para ver quem era o homem. O sol lançou flechas ardentes em seus olhos.

— O que houve com o senhor, Perfid? — perguntou, dirigindo-se ao cientista.

Perfid, que era um homem de certa idade, fora um dos professores de Van Moders. Parecia irritado. Marshall soltou-o. Ficou parado sobre os próprios pés.

— Não posso mais — disse Perfid. Rhodan soltou uma risada de desprezo.

— Na Terra já me disseram que o senhor só nos daria problemas — disse.

Perfid deu um passo em sua direção.

— O senhor é muito velho para fazer estas coisas — prosseguiu Rhodan, em tom gelado.

O cientista levantou o braço, mas Rhodan abaixou-se. O golpe atingiu o vazio.

— Eu lhe provarei que sou capaz de fazer a mesma coisa que o senhor — gritou Perfid, muito nervoso.

Rhodan limitou-se a soltar uma gargalhada. Deu-lhe as costas. Prosseguiram em sua caminhada. Perfid trotava atrás deles. Rhodan viu um sorriso irônico no rosto de Fyrn. Provavelmente o acônida pensava que, dali a duas horas, o truque psicológico que se revelara bem-sucedido com Perfid já não produziria o menor resultado.

Isso até chegava a ser verdade. Mesmo uma vontade de ferro só consegue maltratar o corpo humano pelo tempo que esse corpo pode suportar.

Não demoraria, e os homens começariam a cair neste solo áspero, loucos de sede e calor.

Dali a alguns minutos chegaram a um lago de chumbo, que tomava toda a área do vale que se estendia à sua frente e tinha pelo menos vinte metros de largura. Rochas íngremes subiam de ambos os lados do lago. Seria impossível passar por ali.

— Sinto muito, sir — disse Tschubai, com a voz controlada. — Por certo o lago me passou despercebido quando examinei o vale.

— Temos de voltar — disse Rhodan. — É a única possibilidade.

— É impossível — disse Marshall. — Os laurins entraram no vale atrás de nós. Fecham o caminho de volta.

— E agora?! — indagou Tschubai, nervoso.

Rhodan dominou um desejo quase irresistível de deixar-se cair no chão. Haviam entrado numa armadilha.

A herança de Mecânica, que parecia encerrar a solução de muitos enigmas, continuaria firmemente nas mãos dos invisíveis. Fyrn tinha razão. De que serve uma resposta, se temos de levá-la para a morte sem tirar o menor proveito?

Rhodan fechou os olhos por um instante. Nessa hora nem mesmo o ativador celular que trazia sobre o peito poderia salvá-lo. Levantou as pálpebras e fitou diretamente o lago metálico que jazia numa calma fantasmagórica; parecia um tapete cinzento.

Os laurins poderiam exultar. Só havia dois grupos de terranos mais mortos que vivos que os separavam da vitória final.

Não precisariam fazer coisa alguma.

Bastava esperar.

 

De início parecia que os laurins apenas tentariam cortar-lhes o caminho para a base, mas Atlan logo constatou que os invisíveis também se haviam reunido atrás deles.

Atlan esforçou-se para realizar uma avaliação objetiva da situação. A única coisa que tinham feito até então era fugir do inimigo, na esperança bastante duvidosa de serem salvos por uma nave terrana. O arcônida perguntou a si mesmo se haveria uma possibilidade de negociar com o inimigo. Até então os invisíveis sempre os haviam atacado sem aviso, pois, por natureza, eram inteiramente maus, ou então viam nos terranos um inimigo perigoso, que devia ser combatido com todos os meios de que podiam dispor.

Ninguém precisaria dizer a Atlan que os homens que o seguiam numa fila uniforme estavam tão cansados quanto ele. Por estranho que pudesse parecer, o grau de seu esgotamento mudava repentinamente. Quem mais o preocupava era Gucky.

O rato-castor não se queixava, mas era justamente sua tranqüilidade que provava a Atlan que o mutante estava enfrentando as maiores dificuldades. As constantes teleportações de reconhecimento consumiram as últimas reservas de energia existentes no frágil corpo de Gucky.

Atlan levantou o braço, e o grupo parou. O rato-castor “arrastou-se” em direção a Atlan e sentou-se numa pedra.

— Já vencemos a metade — disse. — Tenho a impressão de que da primeira vez conseguimos avançar mais depressa.

— Isso é bem possível — disse Atlan. — Não éramos ameaçados constantemente pelos laurins, e além disso estávamos mais dispostos.

Gucky tentou esboçar um sorriso.

— Será que os laurins sabem quais são nossas intenções?

Atlan apontou para a entrada da base.

— Na melhor das hipóteses descobrirão quando chegarmos ali. Não acredito que, de boa vontade, nos deixem entrar.

Gucky levantou-se repentinamente de sua posição incômoda.

— Temos de prosseguir — piou. — Estão se aproximando.

Até parecia que os laurins ficavam atrás de propósito, para descobrir qual seria o passo seguinte dos terranos. Atlan viu os homens fazerem um tremendo esforço para se porem novamente em movimento. Esperou que o último deles reiniciasse a caminhada, antes de seguir adiante.

Na escuridão, sua inferioridade face aos laurins seria ainda mais pronunciada. Apesar disso, Atlan desejava que a noite chegasse logo, para que a chama impiedosa saísse do céu. O sol, que costumava dar a vida, neste planeta se transformava num assassino sem compaixão.

— Acabam de “acordar”! — gritou Gucky de repente, em tom de alarma.

Atlan estremeceu. Tirou a arma do ombro.

— O que houve? — gritou para o mutante, mas no mesmo instante arrependeu-se do tom áspero que acabara de usar. Entretanto, nesse instante, Gucky parecia pouco importar-se com o fato de que lhe dispensassem um tratamento cortês ou não.

— Perceberam que queremos chegar à base — informou em tom exaltado. — Estão saindo da nossa retaguarda.

— E daí? — perguntou o Dr. Bryant.

— Estão cortando nosso caminho — informou Wuriu Sengu.

— Tomara que não ataquem agora — disse Atlan em tom preocupado.

— Isso depende exclusivamente de nós — disse Gucky. — Se não tentarmos nos aproximar da entrada da base, eles nos deixarão em paz. Ou melhor, esperarão até que sejamos assados aqui mesmo...

O Dr. Bryant foi sacudido por um acesso de tosse. Assim que conseguiu respirar de novo, perguntou:

— O que acontecerá se prosseguirmos?

— Espere alguns minutos, e o senhor saberá — respondeu Atlan, com a voz cansada.

 

Rhodan nunca pertencera à classe das pessoas que procuram fugir à responsabilidade quando se encontram num beco sem saída. Um verdadeiro chefe divide sua responsabilidade em certo grau com os subordinados, mas não hesita em decidir só, mesmo que sua decisão possa provocar críticas.

Mas nenhum dos homens que se encontravam no vale seria capaz de formular-lhe a menor crítica. Aqueles homens cansados mostravam claramente que, depois de uma sobrecarga prolongada e ininterrupta do corpo, o cérebro humano sofre uma diminuição em sua capacidade de raciocinar claramente. Muitos deles já se mostravam resignados; sentados nas pedras, mostravam-se totalmente apáticos. Esperavam que alguém lhes desse novas ordens, ou que os laurins desferissem o golpe final.

Rhodan, que, com exceção de Tschubai e Marshall, era a única pessoa que ainda se mantinha de pé, dirigiu-se ao teleportador.

— Como se sente, Ras?

O mutante esforçou-se para sorrir, mas só houve um esboço de sorriso. Seu rosto negro estava flácido e parecia ter um tom cinzento.

— Não pergunte como estou, chefe — disse. — Diga-me qual é a idéia que acaba de ter.

— Está bem, Ras — disse Rhodan. — Você acredita que terá forças suficientes para levar-nos, um de cada vez, para o outro lado do lago?

O rosto de Tschubai exprimiu pavor.

— Seriam pelo menos dez ou onze saltos de teleportação com carga tripla, sir — murmurou. — Não posso garantir que consiga levar todos. É bem possível que, depois do segundo salto, tenha de fazer uma pausa.

Rhodan lançou os olhos sobre o lago cinzento, que parecia ser feito de substância sólida.

— Os laurins aproximam-se lentamente — informou Marshall.

— Diga-me onde mais ou menos estão essas criaturas, para que eu possa detê-los um pouco — pediu Goratchim, que estava sentado numa grande pedra.

Enquanto Marshall fornecia as necessárias explicações ao “detonador”, Rhodan voltou a dirigir-se a Tschubai.

— Tente, Ras. Leve em primeiro lugar Perfid e Van Moders para o outro lado.

O teleportador desmaterializou-se juntamente com os dois cientistas. Quase no mesmo instante, Rhodan viu os três homens aparecerem na margem oposta do lago. Perfid caiu ao chão, mas Van Moders acenou para Rhodan. Tschubai saltou de volta, a fim de levar mais dois homens.

Os laurins, que já se haviam aproximado, abriram fogo. Rhodan agachou-se atrás de uma rocha quebradiça. Encarregou-se da defesa, juntamente com Marshall e Goratchim. Em alguns segundos, o “detonador” conseguiu pôr fora de ação três inimigos.

Quando voltava já pela quarta vez, Tschubai estava exausto e deixou-se cair ao lado de Rhodan. Este fitou o africano com uma expressão preocupada.

Um sorriso ligeiro aflorou aos lábios de Ras.

— É só um instante — cochichou a título de desculpa.

Pegou uma arma, pois também pretendia atirar, mas Rhodan sacudiu energicamente a cabeça.

— Descanse um pouco — ordenou.

Tschubai caiu para trás. Fyrn aproximou-se rastejando e, colocando-se ao lado de Rhodan, pegou um desintegrador. Sem dizer uma palavra, o acônida começou a atirar contra os atacantes. Os contornos sombreados de um invisível surgiram junto ao seu abrigo, mas a terrível criatura desfez-se sob o fogo concentrado, antes que pudesse matar um dos terranos.

Rhodan já se sentia ligeiramente desperto. Os laurins haviam percebido que eu inimigo mais perigoso era o mutante de duas cabeças. Uniram suas forças para investir contra a posição em que este se encontrava.

Rhodan deu um empurrão em Fyrn. O acônida logo compreendeu.

Goratchim estava deitado atrás de uma rocha que se erguia a alguns metros do lugar em que se encontravam. Os laurins começaram a bombardear sistematicamente a pedra.

— Ras! — cochicou Rhodan. — O senhor tem de tirar Ivã de lá.

Tschubai rolou o corpo, permanecendo deitado, e examinou a situação. Fyrn, Rhodan e Marshall atiravam ininterruptamente contra o inimigo, mas este aproximava-se cada vez mais de Goratchim.

Tschubai desmaterializou-se para reaparecer imediatamente ao lado do mutante de duas cabeças. Fez um sinal para Rhodan. Os ataques furiosos dos laurins estavam produzindo os primeiros resultados. A rocha atrás da qual estavam abrigados os mutantes esfacelou-se e dissolveu-se. No mesmo instante, Tschubai saltou com Goratchim, livrando-o da posição perigosa em que se encontrava. O golpe dos laurins atingiu o vazio.

— Agora é nossa vez — observou Fyrn, em tom indiferente.

Enquanto Tschubai transportava outros homens para a margem oposta do lago, os laurins passaram a sitiar a pequena fortaleza na qual Rhodan, Marshall e Fyrn ofereciam uma resistência obstinada.

Finalmente o teleportador voltou a aparecer ao lado de Rhodan. Respirava com dificuldade e estendeu-se no chão.

— Está ferido, Ras? — perguntou Marshall, em tom preocupado.

— Não — respondeu Tschubai com a voz rouca — mas no momento estou fora de combate. Preciso de alguns minutos para recuperar-me.

Marshall e Rhodan entreolharam-se. Os laurins passaram ao ataque total. Pareciam ter reconhecido a fraqueza do inimigo. Acharam que já chegara a hora de desferir o golpe final. O espião acônida atirava que nem um autômato. Era de uma resistência espantosa. Rhodan e o telepata também voltaram a atirar. Era uma batalha fantasmagórica, pois, geralmente, só sé via o inimigo depois que este por acaso fosse atingido em cheio.

Tschubai suspirou. Goratchim, que era a arma mais poderosa, encontrava-se do outro lado do lago. Mesmo de lá intervinha na luta, mas não conseguia produzir os mesmos efeitos como quando agia próximo ao inimigo.

Rhodan lembrou-se de que um deles teria de ficar para trás quando o teleportador desse o próximo salto. Ele queria ser esse homem.

Naquele momento a rocha que até agora lhes oferecera abrigo esfacelou-se com um estrondo seco...

E ficaram desprotegidos diante do inimigo!

 

Aconteceu exatamente aquilo que Atlan previra. Quando perceberam que o objetivo dos terranos era a entrada da fábrica subterrânea, os laurins concentraram suas forças diante dos astronautas. Ofereceram uma resistência encarniçada ao avanço do pequeno grupo.

O Dr. Bryant, que permanecia ao lado de Atlan, com o rosto coberto de suor, disse em tom decidido:

— Temos de lutar por cada metro de chão.

Já haviam deixado para trás cientistas mortos. Dois dos homens tinham sido vitimados no tiroteio, enquanto o terceiro morrera de fraqueza. Apesar disso conseguiram fazer com que os laurins recuassem cada vez mais em direção à base.

Sengu, que fazia um trabalho sobre-humano, defendia, juntamente com Hamilton, o flanco direito, por onde os invisíveis constantemente tentavam introduzir uma cunha no grupo.

Gucky voltou de um salto de reconhecimento. Materializou-se ao lado de Atlan. Via-se perfeitamente que seus olhos estavam injetados de sangue. Na parte visível de sua pele, os pêlos pareciam ter sido arrancados.

O rato-castor falou com a voz débil:

— Estão se reunindo junto à entrada, a fim de deter-nos com as forças concentradas.

Hesitou um pouco e acrescentou:

— Não tive condições de atacá-los telecineticamente. Os saltos de teleportação consomem todas as minhas forças.

Por algum motivo desconhecido, os laurins esforçavam-se para que, em hipótese alguma, os terranos conseguissem penetrar na base subterrânea.

Poucos segundos depois da volta de Gucky, Atlan teve de constatar que neste momento as intenções dos invisíveis eram muito sérias. Uma grande espaçonave surgiu por trás das montanhas que ladeavam o desfiladeiro.

Pela primeira vez, desde o momento em que haviam descido em Surprise, Atlan sentiu medo. Imaginava o que os laurins pretendiam fazer. A gigantesca nave-pingo subiria a uma altura em que não pudesse ser alcançada, e de lá abriria um fogo fulminante contra os terranos.

A situação de impotência quase o fez desesperar.

“Enquanto a gente pode defender-se, a situação é uma. Mas quando só resta esperar a morte, ela torna-se totalmente diversa”, meditou Atlan.

— O que vamos fazer, imperador? — perguntou Sengu. — Uma de suas naves acaba de decolar.

O veículo espacial ganhou altura rapidamente. Seguiram-no com os olhos sem dizer uma palavra. A pressão dos laurins, que se interpunham em seu caminho, diminuiu. Ao que tudo indicava, os invisíveis retiravam-se para não ficarem expostos ao ataque de sua própria nave.

— Gucky! — chamou Atlan, em voz baixa.

Ninguém respondeu. Atlan virou-se abruptamente, mas o rato-castor havia desaparecido. O arcônida imaginou que Gucky já estava iniciando um ato de desespero...

 

A tripulação do cruzador ligeiro Montana, composta de pouco menos de cento e cinqüenta homens, não se sentia muito alegre. Isso era devido em parte ao fato de que a Montana realizava um vôo de patrulha-mento, que era bastante monótono, e em parte ao desaparecimento de Perry Rhodan e seus companheiros, sobre o qual haviam sido informados há poucas horas pela Segurança Solar.

O Major Lee Endicott, comandante da nave de cem metros de diâmetro, pertencente à classe Estado, recebera ordens para avisar imediatamente qualquer coisa extraordinária que observassem, mesmo que parecesse insignificante. Essa ordem fora expedida diretamente pelo quartel-general de Terrânia.

Na opinião de Endicott, a ordem fora redigida de tal maneira que teriam de prestar atenção a qualquer coisa que pudesse fornecer a menor indicação.

A tarefa cotidiana de Endicott consistira em observar movimentos suspeitos de espaçonaves na periferia da Galáxia. A Terra pretendia proteger-se contra um ataque de surpresa.

Os propulsores lineares da Montana não estavam ligados; a nave percorria sua rota solitária com a velocidade reduzida. No momento em que em Surprise a grande nave dos laurins subia atrás do desfiladeiro, o Major Lee Endicott entrou na sala de comando de sua nave. Wayne Cider, o imediato, levantou-se e cumprimentou Endicott com um gesto.

— Tudo bem, sir — disse. — A nave está preparada para a passagem do comando.

Endicott acabara de passar algumas horas em seu camarote, a fim de refletir sobre o desaparecimento de Rhodan. Reconheceu que a perda do administrador faria com que a Humanidade sofresse um grave retrocesso. Não podia admitir a hipótese de que Rhodan estivesse perdido.

— Está bem, capitão — disse Endicott, dirigindo-se a Cider. — Pode ir ao seu camarote.

— Neste setor do espaço reina uma calma absoluta — informou Cider. — Não acredito que por aqui encontremos qualquer indicação.

Pela expressão de seu rosto via-se que gostaria que alguém contraditasse suas palavras.

Cider retirou-se da sala de comando, enquanto o major se acomodava no assento do piloto. As estrelas cintilantes enchiam a tela panorâmica. Além do comandante havia mais doze tripulantes na central. Todos os postos de artilharia estavam com a guarnição completa, já que a Montana realizava um vôo de patrulhamento na periferia da Galáxia.

Endicott recostou-se no seu assento e respirou profundamente. Naquele momento, o esplendor reluzente da Via Láctea lhe causava um enlevo bem menor que de costume.

— Localização energética no setor quarenta e três, sir! — gritou Cleaver, que cuidava dos aparelhos de rastreamento.

Endicott girou rapidamente a cadeira e levantou-se de um salto. Cleaver estava inclinado sobre os aparelhos. Seu rosto pálido, que formava um contraste marcante com o uniforme verde-oliva, dava-lhe um aspecto grave.

Endicott colocou-se atrás de Cleaver. Os dedos deste apalparam uma fita perfurada.

— Mas isso é... — principiou. Endicott fitou os aparelhos com uma expressão de impaciência.

— O que houve, tenente? — perguntou. — Será que não consegue lidar com isso?

— Sir, a irrupção de energia que acabamos de registrar não ocorreu no interior da Via Láctea.

— Onde fica o setor quarenta e três, tenente? — perguntou Endicott, embora conhecesse a resposta.

— Fica fora de nossa área — respondeu Cleaver. — Só pode ser em Outside, sir.

Endicott lembrou-se de que recebera ordem para informar o quartel-general sobre qualquer ocorrência, por insignificante que fosse. Deu alguns passos e entrou na sala de rádio, ligada diretamente à sala de comando.

Wolfe, o segundo radioperador, fitou-o com uma expressão de expectativa.

— Quero uma ligação de rádio com Terrânia — ordenou Endicott. — Transmita no código secreto vinte e três traço B. traço B.

Wolfe estremeceu e apressou-se em cumprir a ordem. Endicott comprimia nervosamente as mãos, o que constituía o sinal mais seguro de que um forte nervosismo se apoderara dele. As mãos de Wolfe executaram movimentos seguros no equipamento de rádio.

Endicott esperou pacientemente que a ligação, que tinha de passar por várias estações retransmissoras, fosse completada. Finalmente Wolfe disse:

— Pode falar, sir.

Cedeu o lugar a Endicott, que se inclinou sobre o aparelho.

— Aqui fala o cruzador ligeiro Montana operando na área 347/vermelho-C12 — anunciou.

Repetiu três vezes. Finalmente veio o impulso de resposta. Wolfe ligou para a recepção e uma voz fria disse:

— Aqui fala o quartel-general da Segurança Solar, divisão dez.

Endicott relatou os acontecimentos em breves palavras. Foi interrompido em meio à exposição.

— Um momento, major — disse a voz. — Vou ligá-lo com o chefe.

Dali a alguns minutos, uma voz masculina preocupada disse:

— Aqui fala Mercant. O que aconteceu, Major Endicott?

— Registramos uma forte irrupção energética nas proximidades de Outside, sir — informou Endicott.

— O senhor acredita que essa irrupção poderia ter sido causada pelo sol? — perguntou Mercant.

— Não, a irrupção não proveio diretamente do sol — respondeu Endicott.

Mercant parecia refletir por um instante. Finalmente disse:

— O grupo mais próximo ao senhor é composto de três couraçados e quatro cruzadores pesados. Darei ordem para que essas unidades se dirijam a Outside em vôo linear direto. Enquanto isso um grupo maior sairá de Terrânia, para eventualmente apoiar as sete naves.

— O senhor acha que encontramos uma pista? — perguntou Endicott, em tom esperançoso.

— A irrupção energética pode significar qualquer coisa — respondeu Mercant. — Mas não podemos deixar passar a menor chance. Avance imediatamente em direção a Outside com sua nave, major. Procure descobrir o que está acontecendo por lá. Avise imediatamente o grupo de naves que se dirige ao planeta e, naturalmente, também a mim.

— Está bem, sir — confirmou Endicott.

— Um momento — exclamou Mercant. — Não quero que o senhor assuma o menor risco, caso constate que a irrupção foi causada por naves estranhas. O cruzador Montana apenas tem de cumprir uma missão de observação. Final.

— Final — repetiu Endicott e saiu correndo da cabine de rádio antes que Wolfe pudesse dizer qualquer coisa. Cider já havia voltado à sala de comando. Fitou o major com uma expressão de curiosidade.

Endicott tomou lugar no assento do piloto e ligou o conversor à potência máxima. A Montana acelerou.

Endicott esticou o pescoço e olhou para a tela panorâmica.

— Voaremos na direção de Outside — anunciou.

 

Rhodan não esperou que os laurins abrissem fogo contra ele. Com três saltos abrigou-se atrás de outra rocha. No mesmo instante, Tschubai desmaterializou-se com Marshall. Rhodan arriscou um olhar para o lado oposto do lago. Por enquanto Marshall achava-se em segurança, mas o teleportador devia estar exausto.

Viu Fyrn, que se encontrava ajoelhado atrás da rocha quase totalmente esfacelada e atirava contra os laurins que o atacavam.

— Fyrn! — gritou Rhodan. — Saia daí.

O acônida soltou uma risada diabólica. Foi atingido pela segunda vez, mas o campo defensivo ainda resistiu ao impacto. Rhodan não teve outra alternativa: também voltou a disparar. O espião foi atingido mais uma vez. Caiu de lado. Mas, mesmo jogado ao chão, continuou a atirar.

Goratchim fez explodir um dos laurins que já se encontrava bem perto dos dois homens. Rhodan percebeu que todas as armas pesadas que se encontravam do lado oposto do lago estavam em atividade.

Naquele instante Gucky materializou-se ao lado de Rhodan. Encostou-se à rocha; ofegante, esforçava-se para conduzir o ar aos pulmões.

— Decolaram numa gigantesca espaçonave — informou. — Pretendem atacar-nos de cima.

Rhodan sentiu-se dominado por uma profunda resignação. Os invisíveis haviam compreendido como poderiam liquidar o inimigo rapidamente e sem o menor risco.

Olhou para o acônida, que continuava a atirar. Até parecia que o ataque dos laurins se tornara menos violento. Não era de admirar, pois o inimigo sabia que a nave liquidaria tudo.

Gucky segurou o braço de Rhodan.

— Temos de falar com Goratchim — disse. — Talvez Ivã possa fazer alguma coisa.

Rhodan apontou o acônida.

— Leve-o primeiro — ordenou.

Gucky fitou Rhodan com uma expressão de desespero, mas obedeceu sem dizer uma palavra. Desmaterializou-se, juntamente com Fyrn, sem dar atenção às suas manifestações de protesto. Segundos depois estava de volta. Rhodan disparou mais um tiro e segurou-se no ombro de Gucky. O rato-castor executou mais um salto que o levou à margem oposta do lago.

Rhodan dirigiu-se imediatamente ao mutante de duas cabeças.

— Os laurins decolaram com uma grande espaçonave, Ivã — disse. — Será que o senhor poderá danificá-la antes que abra fogo contra nós?

— Ali está! Ali está! — gritou a voz estridente de Gucky.

Viram aparecer a nave, que continuava a ganhar altura. Rhodan ficou muito preocupado ao lembrar-se do grupo de Atlan. Só lhe restava esperar que a nave ainda não o tivesse atacado.

Goratchim era a imagem da concentração extrema. Contudo Rhodan duvidava que esse homem totalmente exausto ainda Conseguisse ativar um volume de energias paranormais, que fosse suficiente para provocar avarias mais sérias na nave.

Ninguém disse uma única palavra. Seus olhares vagavam de Goratchim para a nave-pingo, que se aproximava cada vez mais. A fuga seria inútil.

A nave mudou de rumo. Rhodan percebeu imediatamente que se aproximava do grupo de Atlan.

Naquele momento houve uma explosão na popa da nave. Goratchim parecia cambalear. Fyrn quis apoiá-lo, mas Rhodan o deteve. Uma segunda explosão arrancou a nave de sua trajetória. Começou a descer em parafuso, aproximando-se obliquamente da superfície do planeta.

Os gritos de triunfo dos homens cessaram quando a nave voltou a controlar-se e começou a subir constantemente. Evidentemente pretendia avançar para o espaço.

“A explosão de uma nave desse tamanho teria uma força tremenda”, pensou Rhodan.

— Gucky e Ras — disse numa súbita resolução. — Procurem levar Ivã num salto de teleportação para perto da nave. Ivã, preciso de uma explosão que abale metade da Via Láctea.

— Compreendo, sir — confirmou Goratchim.

O “detonador” ficou entre os dois teleportadores. A nave já se encontrava fora do alcance da vista.

— Andem depressa — disse Rhodan.

Os três mutantes desmaterializaram-se.

Rhodan lembrou-se de algumas palavras do acônida, e repetiu-as mentalmente: “Tem uma idéia das conseqüências que sua morte traria, Rhodan?”

No momento só lhes restava esperar a volta dos mutantes.

Aqueles homens, que se encontravam a mais de trinta mil anos-luz do destino a que originariamente pretendiam chegar; agacharam-se entre as pedras impregnadas de calor. Sentiam muita sede e estavam quase mortos de cansaço.

 

A nave dos laurins encontrava-se a dez quilômetros do ponto em que Gucky e Tschubai terminaram o salto de teleportação. Os três mutantes flutuavam livremente no espaço.

Segundos depois, Goratchim prosseguiu no jogo destrutivo já iniciado. Concentrou-se em determinados pontos da nave, pois não tinha condições de destruí-la totalmente. Teria ao menos de conseguir impossibilitar o funcionamento dos propulsores ou de outras peças vitais.

— Pronto! — anunciou.

Enquanto os mutantes retornavam à superfície daquele mundo inundado pelo calor, a nave prosseguia viagem como se nada tivesse acontecido. Mas de repente começou a cair à velocidade cada vez maior em direção à superfície de Surprise.

 

Antes que os três mutantes voltassem, Pierre Perfid morreu de esgotamento. Van Moders esforçou-se em vão para aliviar o estado de seu velho professor. Finalmente desistiu e descansou seu corpo sobre uma rocha. Sem dizer uma palavra, sentou-se ao lado dele.

Rhodan olhou para o sol, que já se aproximava da linha do horizonte. Ninguém poderia libertá-lo da responsabilidade pela morte desse homem. Fora ele quem planejara a operação que lhes trouxera a desgraça. Embora não fosse culpado da falha do transmissor, sentiu o peso moral do poder de comando. Deveria ter-se lembrado de que Perfid era velho. Cometera um erro ao ceder aos pedidos insistentes de Van Moders para que permitisse a participação de Perfid.

Como responsável pela operação, sempre devia contar com a possibilidade de que alguma coisa não desse certo. Por isso, antes do início da operação, os pontos fracos deviam ser identificados e eliminados. Se tivesse obedecido a essa regra, Perfid ainda estaria vivo.

O regresso dos três mutantes libertou Rhodan por um instante dos pensamentos sombrios. Mas, no primeiro instante, pensou que a atuação de Goratchim não tivesse sido coroada de êxito.

— Acho que provoquei três explosões — disse o “detonador”. — Resta saber quais são as partes da nave que consegui danificar.

— Olhem! — gritou Moders.

A grande espaçonave dos laurins corria em direção à superfície de Surprise sem reduzir a velocidade. De início era apenas uma sombra escura e sem contornos definidos que corria pelo céu.

“Tomara que não caia perto daqui”, pensou Rhodan.

Instintivamente prendeu a respiração. A nave não caía na vertical, mas obliqua-mente em relação à superfície. Num silêncio fantasmagórico passou por sobre o vale. Se Surprise possuísse atmosfera, a mesma seria abalada pela compressão. Como não possuía, tudo se passou no mais completo silêncio.

A explosão que se verificou quando a nave tocou a superfície foi terrível. Os homens tiveram a impressão de que o pequeno planeta fora abalado nos alicerces. O solo vibrou e movimentou-se. Nas imediações do lugar em que se encontrava o grupo, uma montanha desmoronou. O lago de chumbo ferveu com os veios de gases que se romperam, fazendo com que as substâncias gasosas subissem à superfície. Nuvens de poeira pareciam levitar.

A essa hora o planeta já não oferecia nenhuma segurança, nem para os homens nem para os laurins.

— Será que a explosão foi suficientemente violenta, sir? — perguntou Goratchim.

Rhodan regulou seu rádio de pulso para o pedido de socorro, que voltou a ser irradiado a intervalos regulares.

— Espero que sim — respondeu.

A explosão que provocou a destruição total da espaçonave foi a mesma que veio ser registrada a bordo da Montana e avisada ao quartel-general da Segurança Solar em Terrânia.

 

O Major Lee Endicott fitou a tela panorâmica com uma expressão de incredulidade. Depois virou a cabeça.

— Tem certeza absoluta de que os sinais vêm desse pequeno planeta, que descreve sua órbita perto de Outside? — perguntou, dirigindo-se a Wolfe.

O segundo radioperador apoiou-se no; encosto da poltrona.

— Tenho certeza absoluta — respondeu.

Endicott balançou a cabeça. Não compreendia. Será que alguém poderia conservar-se vivo nesse planeta inundado pelo calor? Sentiu-se profundamente abalado ao pensar na possibilidade de que os homens que irradiavam o pedido de socorro já poderiam estar mortos, enquanto o aparelho continuava a funcionar automaticamente.

— Transmita imediatamente uma mensagem ao quartel-general — ordenou o major. — E, o que é mais importante, procure estabelecer contato com esse pequeno mundo.

Wolfe desapareceu na cabine de rádio. Endicott dirigiu-se ao imediato.

— Quando deverá chegar o primeiro grupo de naves?

Cider lançou um olhar para o relógio de bordo.

— Se as coordenadas que nos foram fornecidas forem corretas, deverão chegar em pouco menos de uma hora.

“Pouco menos de uma hora!”, repetiu mentalmente Endicott, e mordeu o lábio inferior.

Muita coisa poderia acontecer nesse lapso de tempo. Muita gente poderia morrer em pouco menos de uma hora. E gente importante!

Gente como Atlan, John Marshall e Van Moders...

E um homem como Perry Rhodan!

 

Dentro de duas horas, no máximo, Outside desceria abaixo da linha do horizonte. As sombras das rochas já se haviam tornado mais alongadas, mas a diminuição do calor era insignificante.

Depois da destruição de sua espaçonave, os laurins não haviam atacado mais. Ao que parecia, a terrível explosão quebrara seu espírito combativo.

Face ao estado grave do cientista, Rhodan preferira não prosseguir na marcha pelo vale.

Atlan informou pelo rádio de capacete que a explosão não havia causado danos visíveis na base que os antigos nativos de Mecânica tinham construído em Surprise. O arcônida havia reunido seus homens junto à entrada da rampa, mas não atacou, já que os laurins se haviam concentrado ali.

Surprise transformara-se num mundo silencioso, num mundo morto. Rhodan tinha certeza de que a maior parte dos homens não assistiria ao amanhecer do dia seguinte. Mas mesmo aqueles que tivessem forças para resistir às provações das horas seguintes não teriam a menor chance.

Apesar do esgotamento, o raciocínio de Rhodan funcionava com uma clareza espantosa. Até teve tempo para refletir sobre as relações que deviam existir entre os laurins, os seres desaparecidos de Mecânica e os pos-bis.

Entre os laurins e os robôs biopositrônicos existia uma inimizade exasperada. Não se sabia por quê, mas o fato era que essas raças fundamentalmente diferentes se combatiam sem compaixão. Se esse conflito trazia alguma vantagem para a Terra, a mesma consistia no fato de que tanto os pos-bis como os laurins não podiam concentrar-se, exclusivamente, no Império Solar.

Mas, para Rhodan, Surprise representava a prova evidente de que os invisíveis queriam firmar-se na Galáxia, custasse o que custasse. Restava saber se estavam interessados principalmente nos pos-bis ou na Via Láctea.

Rhodan ficou tão absorto em suas reflexões que só ao segundo sinal percebeu que o rádio de pulso estava respondendo!...

A mensagem não fora transmitida num código secreto. Limitava-se a dizer que o cruzador ligeiro Montana penetrara no sistema de Outside e havia recebido os pedidos de socorro.

— Conseguimos estabelecer contato! — gritou Rhodan, em tom alegre.

Os homens saíram da sua letargia. Levantaram-se e cercaram Rhodan, que controlava o rádio.

— É o cruzador ligeiro Montana — informou Rhodan, em tom exaltado. — Receberam nossos pedidos de socorro.

Os homens irromperam em gritos de triunfo. Rhodan fez um ligeiro sinal para Gucky, dando a entender que Atlan devia ser informado imediatamente. O rato-castor desapareceu numa teleportação.

Rhodan confirmou o recebimento. A seguir forneceu um ligeiro relato ao Major Endicott, informando-o sobre a situação em que se encontravam. Repetiu a ordem de Mercant, para que o major não interviesse antes da chegada do grupo de couraçados.

Rhodan imaginava perfeitamente que para o major seria extremamente difícil cumprir essa ordem. Mantinha contato ininterrupto com a Montana, a fim de poder transmitir imediatamente a notícia de qualquer novo ataque dos laurins.

Depois de ter informado Endicott sobre os acontecimentos mais importantes, Rhodan dirigiu-se aos cientistas, especialistas e mutantes reunidos em torno dele.

— Parece que ainda seremos recompensados pela resistência que oferecemos aos laurins. Não sabemos exatamente qual foi a força que nos fez parar neste planeta. Na opinião de Van Moders, o transmissor construído pelos seres de Mecânica interferiu no nosso salto pelo transmissor acônida.

“Suponhamos que essa teoria seja verdadeira. Nesse caso os laurins receberam uma visita indesejável, pelo simples fato de terem reativado as instalações subterrâneas. Não podiam imaginar que com isso eles nos davam uma chance de encontrar a pista que conduzirá para a solução do enigma dos pos-bis. Tenho certeza absoluta de que em Surprise, e especialmente no interior da base, encontraremos um valioso material de pesquisa. A herança de uma raça há muito perecida quase causou nossa desgraça, mas agora poderá transformar-se numa arma bastante eficiente contra os robôs biopositrônicos.

“É claro que não devemos subestimar o perigo dos laurins. Por isso cometeríamos o erro se levássemos Endicott a pousar apressadamente.”

Rhodan interrompeu-se, a fim de inalar profundamente o ar por várias vezes. Os homens estavam extremamente cansados, mas ouviam com a maior atenção.

— Os invisíveis terão uma terrível surpresa quando nossas naves aparecerem de repente em grande número — prosseguiu Rhodan. — Espero que consigamos expulsá-los daqui. Nesse caso poderemos realizar nossas investigações com a maior tranqüilidade. Mas estou convencido de que a primeira coisa que devemos fazer é dormir algumas horas e tomar uma bebida refrescante. Aconteça o que acontecer, não nos deixaremos derrotar nos últimos minutos antes da salvação.

Para os homens ali reunidos, as palavras de Rhodan representavam uma promessa. O sol já tocara a linha do horizonte, e o calor de seus raios estava diminuindo.

Havia uma pessoa que parecia não compartilhar do entusiasmo geral. Era Fyrn, o acônida. Rhodan notou que o espião passou a separar-se dos outros.

Rhodan fez um sinal para Marshall e aproximou-se de Fyrn. O espião fitou-o com uma expressão indagadora.

— Até parece que o senhor não se sente muito feliz com o pouso iminente de um grupo de naves — disse Rhodan. — Por que está tão deprimido, Fyrn?

Os olhos do acônida pareciam chamejar sob o filtro de luz. Até parecia que refletiam os raios do sol no poente.

— Os senhores — principiou Fyrn — praticamente foram presenteados com uma nova vida. Recuperarão a liberdade. Comigo não acontecerá nada disso. Depois que tivermos voltado, Berháan não descansará enquanto não puser as mãos em mim. Estou perfeitamente informado sobre minha tarefa e conheço minha posição na organização clandestina. Por isso sei perfeitamente que não poderei esperar compaixão.

Fez uma pausa, soltou uma risada amarga e perguntou:

— O senhor realmente acredita que posso alegrar-me com a perspectiva do futuro?

Rhodan calou-se por um instante. Sabia que o acônida era tão sensível que não se deixaria enganar com uma promessa barata.

— O senhor gosta de viajar pelo espaço, Fyrn? — perguntou.

— Depende — respondeu o espião.

— Seria perfeitamente possível — começou Rhodan, em tom pensativo — que o senhor tivesse morrido durante os combates que travamos com os laurins em Surprise. Berháan logo se esquecerá do senhor.

Rhodan sorriu e continuou:

— O serviço numa nave de pesquisa terrana é cansativo, mas interessante. Acha que gostaria da vida a bordo de uma nave desse tipo...?

— Sou um astronauta — disse Fyrn, com um sorriso.

Rhodan fitou-o atentamente.

— Não há dúvida — confirmou. — Logo se vê.

Rhodan voltou a dirigir-se aos homens que discutiam animadamente. Pareciam ter esquecido o cansaço. Gucky retornou da viagem que fizera para junto do grupo de Atlan. Informou que por lá a notícia da chegada dos couraçados fizera com que os homens se esquecessem das canseiras.

Parecia ter recuperado a vontade de troçar. Dirigindo-se a Van Moders, disse:

— Ande depressa para preparar uma teoria até a chegada da nave. É o que todo mundo espera do senhor.

Van Moders fitou o rato-castor com uma expressão de perplexidade. O mutante dera-lhe o tratamento de “senhor”, o que representava um acontecimento quase inacreditável. Mas antes que tivesse tempo para ocupar-se com isso, Rhodan anunciou que Endicott acabara de informar a chegada do grupo de naves terranas ao sistema Outside.

 

Logo se constatou que os laurins ainda possuíam seis naves estacionadas em Surprise. O pequeno grupo dos invisíveis decolou assim que estes constataram a aproximação das naves terranas.

A batalha travada em torno do pequeno planeta foi curta e violenta. Um cruzador pesado da Frota Solar e quatro naves dos laurins foram destruídos. As naves restantes dos invisíveis fugiram. Durante a batalha Rhodan manteve contato ininterrupto com os comandantes das naves terranas.

Quando a primeira esfera de aço arcônida desceu à superfície, uma escuridão benfazeja já cobria o planeta. O sol já se pusera e o calor estava diminuindo rapidamente.

O Capitão Anthony Sands foi o primeiro homem a cumprimentar Rhodan.

— Acho que chegamos na hora H, sir — disse.

— É verdade — respondeu Rhodan e, caminhando à frente de seu grupo, entrou na nave esférica.

Naquele momento, o Império Solar pusera os pés firmemente em Surprise.

 

Oito dias já se haviam passado. Especialistas terranos e acônidas haviam examinado calmamente as instalações subterrâneas de Surprise. As pesquisas eram dirigidas por Van Moders, que só se permitira dois dias de descanso depois da salvação do comando a que pertencera.

Quando Rhodan saiu pela última vez da eclusa da Montana, o robólogo veio ao seu encontro com mais dois homens. Era dia, mas o sol Oustside já ultrapassara o ponto culminante de sua órbita.

— O serviço está concluído, com exceção de alguns trabalhos de rotina — disse Van Moders a título de cumprimento. — No conjunto, podemos dar-nos por satisfeitos. O erro no salto pelo transmissor levou-nos mais longe do que ousaríamos esperar. Não acredito que numa estação espacial dos pos-bis teríamos conseguido informações mais valiosas.

— O que descobriram? — perguntou Rhodan. — O Dr. Bryant já me informou em linhas gerais.

O rosto grosseiro de Van Moders retratou perfeitamente a contrariedade que sentia porque alguém se adiantara a ele.

— Temos certeza absoluta de que as instalações existentes sob a superfície foram construídas pelos nativos de Mecânica — principiou o robólogo.

Rhodan fez um gesto de impaciência.

— O que mais nos interessa são os robôs semi-acabados sobre as esteiras rolantes, nos quais constatamos uma grande semelhança com os pos-bis.

Van Moders sorriu.

— São pos-bis; quanto a isso não existe a menor dúvida — disse. — Foram produzidos pelos seres de Mecânica para fins de defesa própria. Trata-se de robôs de guerra quase completos.

— O que se conclui dali? — perguntou Rhodan.

— Muita coisa, sir. Antes de mais nada, já podemos ter certeza de que o protótipo dos pos-bis, que tanto trabalho nos deram, foi criado pelos seres de Mecânica.

— E o plasma? Será que o mesmo também foi fornecido por Mecânica?

Van Moders fez um gesto de desespero, enquanto caminhava lentamente em direção à eclusa de ar do cruzador ligeiro.

— Este ponto deu origem a discussões violentas entre mim e meu colega — informou Van Moders. — Na minha opinião há um fato inquestionável. Originariamente os pos-bis eram robôs normais, que só foram desencaminhados em virtude do acréscimo de um cérebro de plasma.

— Não se esquive à minha pergunta — insistiu Rhodan. — Quero saber quem colocou o plasma nos robôs, numa operação posterior.

— Em hipótese alguma foram os especialistas em Cibernética de Mecânica — asseverou o robólogo.

Rhodan esperou que Van Moders prosseguisse.

— Segundo uma teoria elaborada por Kule-Tats, talvez tenham sido os laurins que introduziram o plasma nos pos-bis.

Rhodan sabia que o cientista ara era um homem objetivo. Era de admirar que se deixasse levar a suposições desse tipo. Rhodan percebeu que a teoria combinaria melhor com a personalidade de Van Moders.

— Tenho a impressão de que não há muita lógica nisso — começou Perry. — O senhor sabe perfeitamente que os laurins e os pos-bis se combatem acuradamente. Kule-Tats também está informado sobre isso. Que motivo teriam os laurins para criar robôs biopositrônicos que mais tarde lhes causariam dificuldades?

— Também me faço a mesma pergunta, sir — disse Van Moders num tom estranho. Rhodan fitou-o atentamente. Passaram pela eclusa e entraram na Montana.

— O senhor tem mais alguma coisa a dizer... — observou Rhodan. — Examinou a teoria do ara para verificar se pode haver algo de verdadeiro na mesma...

Van Moders acenou com a cabeça.

— Isso mesmo — confessou. — Agi por conta própria, juntamente com Fyrn. Atendendo a um pedido nosso, os cientistas do Grande Conselho realizaram um cálculo de probabilidade.

Rhodan parou. O visor do capacete fazia o rosto carrancudo de Van Moders parecer ainda mais feio.

— Já recebeu o resultado?

— Já — respondeu Van Moders. — E esse resultado é lacônico e espantoso ao mesmo tempo. No início, os pos-bis eram inofensivos. Posteriormente os laurins devem ter introduzido o plasma individual nos mesmos. Todos os dados de que se dispõe levam à conclusão de que isso só pode ter sido feito pelos laurins.

Van Moders engoliu em seco e continuou:

— A interpretação alcançou um nível de segurança de cem por cento, sir.

Os laurins!

Rhodan balançou a cabeça. Que tipo de relação existiria entre os pos-bis e os invisíveis? Como se explicava que os pos-bis investissem furiosamente contra os laurins, sempre que estes apareciam?

Van Moders parecia ter adivinhado suas perguntas mudas.

— Ainda não temos certeza, sir — disse. — É de supor que os laurins tenham cometido um terrível engano. Provavelmente no início a tarefa dos pos-bis era outra.

— Provavelmente — concordou Rhodan. — Mas dificilmente descobriremos qual terá sido essa tarefa. Seria construtiva ou destrutiva? Muita coisa depende desse ponto. Quase se poderia supor que os laurins pretendiam utilizar os pos-bis para fins destrutivos.

— Os espíritos que chamei... — falou Van Moders, de modo lacônico.

Rhodan abriu o capacete. Começou a despir o pesado traje espacial. Van Moders e os dois cientistas seguiram seu exemplo.

Rhodan estalou os dedos.

— Então é por isso que os laurins realizam esforços tremendos para dominar as máquinas descontroladas.

— Tudo isso é medonho — confessou o robólogo. — Não sei por quê, sir, mas acredito que, se prosseguirmos nas pesquisas, ainda teremos surpresas bastante desagradáveis. Existe uma lacuna que não consigo preencher.

— O que quer dizer com isso?

— O plasma, sir! Ele nos traz enormes problemas. Afinal, quem modificou os pos-bis foi o plasma. Os laurins apenas o transferiram.

Rhodan segurou o braço de Van Moders.

— Fale logo — pediu. — O senhor preparou mais uma teoria e não quer apresentá-la.

Van Moders recuou um passo. Apoiou ambas as mãos sobre uma chapa. Seu rosto estava muito sério.

— Conheço uma lenda muito antiga — disse em tom enfático. — É a respeito da alma de um homem mau, que vaga indefesa através do tempo e do espaço. A alma como tal é totalmente inofensiva. No entanto, a ignorância de um homem faz com que consiga um novo corpo, e assim está em condições de praticar tudo quanto é perversidade.

— Não acredito na transmigração das almas — disse Rhodan, com um sorriso.

— Nem eu — respondeu Van Moders em tom sombrio. — Mas acredito na ignorância que permite a prática de erros de conseqüências catastróficas.

Rhodan fitou-o atentamente.

— O senhor nunca cometeria um erro dessa espécie?

Van Moders sacudiu a cabeça. Depois de algum tempo disse, como se estivesse falando a si mesmo:

— Um erro dessa espécie não, sir. A mentalidade humana não seria capaz disso.

 

Reginald Bell gemeu enquanto se acomodava na poltrona que Keechie empurrara em sua direção. Perry Rhodan, que já estava sentado, sorriu para Fyrn, que ocupava a terceira almofada.

— O gordo leva algum tempo para descobrir a posição mais cômoda — disse.

Bell fitou-o com uma expressão furiosa. Levantou um pouco, para voltar a sentir repentinamente. A almofada encolheu até ficar reduzida à metade de sua altura normal.

— Ah! — exclamou Bell em tom enlevado, o que constituía a melhor prova de que já começava a sentir-se bem. — Então vamos.

— Você não vai embriagar-se, vai? — perguntou Rhodan, em tom preocupado.

Bell ergueu as sobrancelhas, indignado.

— Embriagar-me? Apenas pensei em celebrar a volta do filho perdido. Aliás, quero dizer-lhe uma coisa, Fyrn. Tenho um lugar para o senhor, a bordo da F-49. Se estiver disposto, poderá partir em três dias na nave de pesquisa.

— O que foi que Berháan disse? — perguntou o acônida.

— Não foi muita coisa — respondeu Rhodan, esquivando-se à pergunta.

— Ora — disse Bell. — Conte logo. Seu nariz está todo amarelo, de tanto que Outside o secou por dentro...

Riu e foi se inclinando para a frente. A almofada rangia e gemia como se tivesse de suportar o peso de dez homens. Keechie aproximou-se discretamente para receber o pedido. Rhodan esperou que o newralense desaparecesse e disse:

— Teremos trabalho, gordo.

Num gesto de desespero, Bell bateu as mãos acima da cabeça.

— Mal você chega à Terra, a encrenca começa — lamentou-se. — Qual será o trabalho?

Rhodan não deixou que estas palavras o desviassem do assunto.

— Você conhece os resultados das pesquisas realizadas em Outside. Hoje a situação parece muito mais complicada, mas já conhecemos a fonte do perigo ao qual está exposta a Terra e toda a Galáxia.

— O perigo não aumentou — disse Bell, em tom resmunguento.

— É verdade, mas só agora conseguimos vê-lo em toda extensão, gordo. Por enquanto os pos-bis ainda mantêm ocupados os laurins e vice-versa. Mas um dia uma das partes alcançará a vitória. E então? Não é bastante provável que o vencedor se atirará contra nós?

Bell lançou um olhar de súplica para Fyrn, mas o acônida estava estudando os desenhos da parede. Até parecia que aquilo representava um trabalho importantíssimo e inadiável.

— Van Moders me falou a respeito de uma lenda muito antiga — começou Perry. — É a respeito de uma alma sem corpo, que vaga pelo infinito. Acaba encontrando um corpo que lhe permite continuar seu procedimento malévolo. Foi a única coisa que consegui tirar dele.

Rhodan esfregou o queixo, num gesto pensativo, e concluiu:

— Acho que nosso especialista em robôs está na pista de algo fantástico!

Keechie trouxe três copos. Insinuou uma ligeira mesura.

— Então, meu caro Mr. Bell — disse sua voz suave. — É como eu já lhe disse. Uma coisa que continua viva em nossos pensamentos não está perdida. Agora o senhor tem de volta seu administrador.

— Pelo que vejo, você se manteve em “atividade” durante minha ausência — disse Rhodan, com uma ligeira ironia.

O newralense colocou as bebidas sobre a mesa. Os copos polidos pareciam refletir-se em seus quatro olhos, Keechie tinha o “jeito” de um homem espantosamente velho e sábio. E talvez fosse mesmo.

Esperaram que Keechie se afastasse sobre suas pernas peludas, que terminavam em garras. Uma música quase inaudível vinha dos fundos.

Rhodan ergueu o copo.

— Em homenagem a quê vamos beber? — perguntou.

— Em homenagem à nossa volta — sugeriu Fyrn.

— Não — objetou Bell. — Vamos beber em homenagem às palavras de Keechie. De alguma forma elas combinam com a alma aflita da lenda antiga a que Moders aludiu.

Ergueu o copo por cima da mesa, e fez o brinde:

— Vamos beber em homenagem ao fato de que uma coisa que continua viva em nossos pensamentos não está perdida.

— E não estará perdida nem mesmo era um milhão de anos — acrescentou Fyrn, e depois beberam.

Keechie estava parado nos fundos da sala. Seus olhos sábios cintilavam. A distância infinita que o separava de seu mundo natal parecia estar oculta nas profundezas desse olhar.

 

                                                                                            Willian Voltz

 

                      

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