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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O Planeta da Mecanização / K. H. Scheer
O Planeta da Mecanização / K. H. Scheer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O Planeta da Mecanização

 

A terrível batalha de robôs contra robôs... Seus construtores, porém, já morreram há muito tempo.

No planeta Snarfot, a mais de 33.000 anos-luz da Terra, os terranos conseguiram deter e desativar duas espaçonaves inimigas: a nave de reconhecimento Scout, que até então vinha descobrindo mundos de oxigênio para o cultivo do musgo da gordura, e a gigantesca Nave Semeadora, cujos vinte e tantos mil robôs-semeadores tinham a missão de espalhar a semente da desgraça.

Porém os terranos, sob a direção de Perry Rhodan, descobriram que os inimigos eram todos de natureza robotizada e agiam somente de acordo com a programação imposta por seus construtores, que se alimentavam dos fungos do musgo da gordura — ou se haviam alimentado, pois parece muito duvidoso que os misteriosos “construtores” ainda existam.

O mundo dos construtores... é O PLANETA DA MECANIZAÇÃO.

No entanto, para localização deste planeta é indispensável um complicadíssimo rastreamento e o apoio irrestrito do cérebro robotizado de Árcon.

 

                                   

 

Reinava silêncio no posto de comando da espaçonave cujas instalações não entendíamos.

O professor Arno Kalup, o então mais importante hiperfísico do planeta Terra, estava encostado na parede, de braços cruzados. Suas bochechas caídas pareciam agora mais tensas.

Também calados estavam os homens da equipe de técnicos, e todos olhando para a cúpula de aço que Rhodan chamara de estação distribuidora.

Do Administrador do Império Solar, só se viam neste momento as pernas e os pés. As outras partes do seu corpo estavam nas “vísceras” de um robô de quem sabíamos apenas que estava sem movimentos. Além disso, sabíamos ainda quão racional e conseqüente agira o autômato antes de parar totalmente. — Então...?

Eu levei um susto. A voz de Kalup jamais soara tão “solene” assim. A palavrinha “então” se aproximava muito do rosnar de um cão provocado.

Ao meu lado estava o matemático Riebsam. De natureza retraída, olhou atentamente para seu célebre colega.

Com seu corpanzil desajeitado, Kalup andava em torno do bloco de distribuição, parando em frente das pernas de Rhodan. Quando tinha que se abaixar para frente, respirava com dificuldade. A fronte de Riebsam enrugou-se e eu me perguntei se isto era sinal de alegria ou de concentração. Kalup se ajoelhou de tal modo que conseguiu tocar as pernas de Rhodan com os dedos esticados.

— O senhor descobriu pedras preciosas? — perguntou na sua maneira espalhafatosa. — Ou acredita, realmente, que com seu senso cosmonáutico pode desvendar segredos, perante os quais capitularam os técnicos especializados?

Senti grande satisfação em conseguir ler os traços fisionômicos de Riebsam. A expressão de seus olhos não se alterava, em conseqüência de pequena intervenção cirúrgica que sofrera na retina. Em compensação, conseguia a façanha de sorrir com o lábio superior sem mover o inferior.

Reginald Bell, substituto e confidente de Rhodan, riu também. Para pessoas estranhas, dava a impressão de que as relações entre Rhodan e Kalup estavam muito tensas. Na realidade, porém, ambos sabiam como se tratar mutuamente.

— Será que o senhor de fato descobriu pedras preciosas? — indagou Kalup, repetindo a pergunta.

As pernas de Rhodan moveram-se e o hiperfísico se desviou dos pés que procuravam caminho. E eu me agachei, peguei pelo peito do pé e puxei o mais alto dignitário do Império Solar para fora do recipiente.

Rhodan estava banhado de suor, os cabelos em desalinho sobre a testa. Ficou sentado na chapa de aço do chão e, olhando tranqüilo em volta, disse:

— Estou certo de que esta abertura está relacionada com uma entrada para consertos.

Kalup enrubesceu.

— E para constatar isso, o senhor se enfurnou por vinte e cinco minutos numa construção indispensável para a Ciência? Senhor, meu tempo é precioso. Que foi que fez lá dentro?

— Estava catando pequenos Kalups — interveio Bell. — O que podia ser além disso?

Rhodan olhou para mim perplexo e logo a seguir estouramos numa gargalhada simultânea, que aliviou o ambiente. Kalup não sabia o que dizer e notei que naquele momento desaparecera aquela tensão nervosa que nos acabrunhava há dias.

O cientista foi embora. Eu sabia que em seu interior também rira. Mas nunca teria ele a coragem de destruir a fama que tinha de homem esquentado, com uma expansão de mais jovialidade e bom humor.

Dei a mão a Rhodan e o ajudei a se levantar. Pensativo, tirava a poeira de seu uniforme, já bem sujo. Eu também não devia estar mais limpo do que ele, pois também tentara descobrir os segredos da chamada Nave Semeadora.

Os altos dignitários da corte de Árcon, eu despedi assim que cheguei, pois de acordo com seus conceitos sobre os direitos e deveres de um imperador, não poderia eu, de maneira alguma, examinar pessoalmente a instalação mecânica da nave.

— Vamos embora — disse Rhodan, depois de dar uma olhada em volta.

Perry estava com aparência de resignado, e então perguntei:

— Você vai desistir?

— Não tenho outra opção. Você também, apesar de toda sua sabedoria arcônida, já entregou os pontos, não é?

Olhei para ele um tanto irritado. O selvagem terrano pronunciara a palavra “arcônida” com sua ponta de malícia. Geralmente, numa ocasião desta, eu lhe lembrava que nossos antepassados já dominavam a navegação espacial de velocidade superior à da luz, quando os dele ainda habitavam nas cavernas.

— É verdade — respondia ele, e nos seus olhos castanhos havia sinceridade e bom humor. — Fora disso, tudo que hoje sabemos, devemos a vocês, os arcônidas, não é verdade?

Tinha que parar com a discussão. Tais questões estavam mais do que discutidas.

— Seu capacete, majestade — disse Rhodan em tom de troça.

Peguei a luxuosa cobertura e a botei debaixo do braço.

Saímos juntos. As escotilhas estavam abertas. No bojo desta nave jamais penetrara um ser vivo. Agora, no entanto, encontrava-se em cada canto uma equipe de técnicos de Rhodan. Sua preocupação maior era explicar o tipo de tração da nave robotizada. Para onde quer que olhássemos, víamos instalações automatizadas ainda totalmente desconhecidas tanto na Terra como no Império de Árcon. Perdidos nestes pensamentos, percorremos longos corredores, entramos num poço antigravitacional, descendo com suavidade para chegarmos depois a uma grande comporta.

Foi aqui que os técnicos terranos em Cibernética instalaram seu quartel-general. Rhodan fez algumas perguntas que não puderam ser respondidas. Da escotilha externa aberta se podia ver a vegetação primitiva do planeta Snarfot. Sabíamos que nesta atmosfera quente e úmida germinaria dentro de pouco tempo uma coisa que os terranos chamavam acertadamente de musgo da gordura.

Fui informado a respeito dos acontecimentos de Azgola, somente depois que seus habitantes tiveram de ser evacuados. Aquela raça de homens magros como palitos se transformou em seres de corpos deformados pelo excesso de gordura, impossibilitados até de se locomoverem.

Cientificaram-me, aliás, tarde demais, de que se descobriram na atmosfera deste planeta fungos de alta concentração de calorias que penetravam nos corpos humanos pelas vias respiratórias, depositando neles seu incrível conteúdo de lipídios.

Comprovaram as experiências que um homem normal, no curto espaço de quatro semanas, se transformaria num colosso se fosse obrigado a viver ininterruptamente num ambiente saturado de musgo da gordura. Cada respiração equivale a uma refeição cujo valor nutritivo varia conforme a densidade dos fungos entre vinte e mil cento e dez calorias. Estarrecedor foi o fato de que os micro fungos alimentícios se compunham de oitenta por cento de lipídios — elementos da gordura, de alta concentração — e de apenas vinte por cento de carboidratos e de albuminas. Vitaminas não existiam na composição.

Só acreditei plenamente nos dados fornecidos por Rhodan depois de ter visto pessoalmente um habitante de Azgola. O pobre coitado engordara quase cento e cinqüenta quilos. Seu aparelho digestivo estava paralisado, pois os musgos da gordura penetraram no organismo exclusivamente pelas vias respiratórias.

A Rhodan e a mim não restou outra alternativa a não ser levar os nativos ameaçados para um lugar seguro. A evacuação de toda a população de Azgola terminou somente há poucos dias.

O planeta Azgola se modificara muito neste meio tempo. Visto de cima, parecia um mundo verdejante, cuja superfície estava atapetada de uma camada ininterrupta de musgo verde.

Acreditávamos, no entanto, que a existência desta planta não acarretaria grave ameaça nem aos terranos nem aos arcônidas, pois já descobríramos o semeador destes musgos.

Quase em seguida a estes acontecimentos de Azgola, a instalação de controle de rádio do cérebro robotizado captara impulsos muito singulares. Localizamos o transmissor destes sinais e descobrimos também uma espaçonave que havia chamado um outro aparelho muito maior.

Rhodan esperou até que este aparelho maior surgisse do hiperespaço, após o que se constatou que o aparelho menor era uma nave de reconhecimento, enquanto que o maior era um gigante operacional com instalações surpreendentes.

Das comportas deste gigante, houve uma verdadeira erupção de milhares de robôs especialistas. Sobrevoaram, quase que plainando, toda a superfície do planeta Snarfot, semeando regularmente o musgo da gordura.

Depois de uma luta perigosa, conseguiu-se desativar ambas as naves inimigas. Para nós, ficaram as seguintes perguntas: quem enviou estas duas naves totalmente robotizadas e quem foi que fez questão de empestear, através destes dois aparelhos, as atmosferas de oxigênio dos planetas da Galáxia?

Equipes de pesquisadores terranos e arcônidas trabalharam ininterruptamente para desvendar este enigma. O que se sabia até agora, com certeza, é que os fungos são relativamente inofensivos. Químicos, especialistas em nutrição, afirmam até que, por meio destes fungos, se pode resolver a crise de alimentos no Universo. Condição básica para isto, naturalmente, é uma tecnologia completa do plantio e da colheita deste tipo de musgo.

Uma das mais importantes peculiaridades do musgo da gordura é o fato de ele emitir seus componentes calorígenos em forma de fungos microscópicos. Uma parte deles ficou retida na superfície dos respectivos planetas, onde surgiu então um tapete de musgos.

No entanto, a camada de ar em Azgola ficou tão saturada que não se podia mais viver ali sem correr o risco de ingerir, em cada respiração, algumas centenas de calorias. Os fungos não puderam ser destruídos. Eram levados facilmente pelas correntes de ar, desciam ou subiam, de acordo com as condições naturais.

Por este motivo, tentamos exterminar o musgo da gordura a fim de não darem origem aos fungos. Porém, assim que conseguíamos limpar um continente, surgia novamente o verde-azulado da planta em outras regiões. Azgola se tornou o planeta da superobesidade. Toda a fauna ali existente pereceu de superalimentação.

Neste sentido é que o musgo encerrava grandes perigos, quando cultivado em planetas habitados. Para cortar pela raiz este processo, tivemos que desativar a Nave Semeadora, que estava há alguns dias no segundo planeta do sol Snarf. O crescimento, porém, já começara. Os milhares de robôs-semeadores tiveram muito tempo para trabalhar, antes de serem destruídos. O grande movimento dos robôs nos passou despercebido, e só três semanas depois notamos nossa gafe.

Rhodan olhou para trás, virando a cabeça como se estivesse farejando alguma coisa.

— Os fungos já estão no ar — afirmou ele. — Está na hora de deixarmos Snarfot. Esta nave gigante não vai mais poder se mover. Não continuará obedecendo à nave de reconhecimento e nem semeando o fungo por aí, nos planetas de oxigênio. As conclusões lógicas do cérebro robotizado de Árcon falam ainda de uma terceira nave, tão grande como a outra, cuja missão é colher os fungos dos planetas empestados por eles. Onde estará esta terceira grande espaçonave?

Rhodan, ao perguntar, olhou para mim. Havia preocupação no seu rosto, embora seus gestos e suas palavras não o denotassem. Rhodan pertencia ao grupo de terranos a quem um enigma não resolvido causava apreensões.

Andei mais uns passos, virei-me e olhei de novo para a Nave Semeadora. Era um cilindro gigantesco de oitocentos por quinhentos metros. Não conseguia calcular quantas toneladas de semente caberiam nos seus silos. Dei um palpite, depois de pensar um pouco.

Rhodan apenas meneou a cabeça. Alguns oficiais do possante aparelho Ironduke, já aterrissado, chegaram mais perto. Cumprimentaram-me rapidamente, mas com muito respeito.

— Você vai ficar admirado, imperador, mas meus técnicos calculam a estocagem das sementes no máximo em cinqüenta mil toneladas. Tendo em vista a capacidade dos silos, isto é muito pouco.

Fiquei de fato admirado e aquela inquietação, que há mais de uma semana me acompanhava, voltou de novo ao meu consciente.

— Cinqüenta mil toneladas?

— Talvez menos. Você já estudou a fita gravada sobre as perguntas feitas a respeito da nave robotizada?

— Muito acuradamente.

— Tiramos algumas conclusões desta gravação. O robô, identificado com o conjunto da nave, afirma que seus construtores o fabricaram para o serviço de semeadura, dando-lhe a ordem de partir para o espaço. A relativamente pequena nave de reconhecimento procura mundos com atmosferas quentes de oxigênio e chama então a Nave Semeadora, que fica girando por perto, à espera para entrar em ação e começar a semear os musgos. Desta maneira, já muitos planetas devem estar infestados, sem que nós o saibamos.

— A Galáxia ainda não está toda explorada, amigo.

— Certo, mas apesar disso já podemos olhar um pouco além da nossa Via Láctea, pelo menos por precaução.

Ri sozinho, no meu íntimo. Mas, eram realmente assim estes ousados terranos. Nos anos sessenta do século vinte, começaram a se preocupar com as estrelas, embora ainda milhões de homens morressem de fome, os abismos dos oceanos ainda não estivessem explorados e as matas virgens escondessem muita coisa que o homem não conhecia. Não tinham ainda conseguido desvendar os segredos da vida, nem os do seu meio ambiente, e já se arriscavam em frágeis foguetes, com os quais chegaram até a Lua. Então começaram a olhar para além das fronteiras da Galáxia, para a gigantesca ilha de estrelas, a nebulosa, que nem mesmo os povos, que dominavam o espaço, conheciam suficientemente.

Rhodan sorria. Parecia estar lendo meus pensamentos.

— Perdão — disse ele — foi uma simples observação. Muito mais importante é constatar quem são os construtores destas três naves. As informações obtidas foram insuficientes. À minha pergunta, como pareciam estas inteligências, foi respondido que elas não pareciam, elas eram.

— Uma formulação estranha, não é? — disse eu.

— Exato! Conforme foi respondido, a Nave Semeadora foi construída “ontem”. O que uma unidade mecânica pode entender por “ontem”, nós o sabemos.

— Quem sabe serão cem mil anos?

— É bem possível. De qualquer maneira, o conceito “ontem” nunca pode ser tomado no nosso sentido. O que pudemos constatar com clareza foi que os misteriosos construtores aparentemente se acham em sérias dificuldades. Estão enviando naves especiais. A terceira unidade, isto é, a tal “Nave da Colheita”, deve ter desaparecido. Na minha opinião, esta última é o elo mais importante da corrente. Estes construtores dos robôs possuíam um metabolismo todo diferente do nosso. Pareciam não ter “estômago e intestinos” como os nossos. Em seu planeta-pátrio sempre cresceu este musgo, até que houve uma transformação climática e seu mundo esfriou demais, impedindo a germinação da planta. Até então, a alimentação era feita pelas vias respiratórias, aliás uma maneira cômoda de viver.

Concordei pensativo. Apesar destes conhecimentos, o problema não estava ainda resolvido. Não podia compreender por que aqueles seres desconhecidos, dominando a Cosmonáutica com sua soberba tecnologia, não preferiram trocar seu planeta em esfriamento por um outro mundo de clima melhor, para continuar levando sua vida de sempre. Por que preferiram construir os três aparelhos especiais, complicadíssimos, dando-lhes a tarefa de sobrevoar todos os planetas possíveis, para semear e colher, trazendo o extrato para casa? Estas complicadas providências eram de uma falta de lógica total. Nenhuma inteligência no mundo, que eu conheça, faria uma coisa desta. Quanto aos construtores, devia se tratar de uma raça desconhecida da Galáxia. Tentaram manter sua terra de origem e importar seu meio de alimentação. Quanto à questão da forma como ingeriam o extrato do fungo colhido, ninguém chegou a uma afirmação categórica. Se os enigmáticos seres do planeta em esfriamento não possuíam aparelho digestivo, deviam possuir um meio de alimentarem-se através da respiração!

Considerando com mais profundidade, o aparecimento da nave de reconhecimento e da Nave Semeadora era interessante, mas sem nenhuma razão de ser do ponto de vista político e militar. Com a destruição parcial das duas naves, estava cortado o perigo. Fiquei pensando, então, por que nos preocupar com este assunto. Nos imensos confins da Galáxia havia coisa mais importante.

“Curiosidade!”, manifestou-se meu sexto sentido.

Sorri sem querer e Rhodan olhou para mim com ar de interrogação, mas acabou compreendendo meu pensamento.

— Que está mesmo dizendo o “setor lógico”? — perguntou ele.

— Trata-se apenas de um conceito chamado curiosidade.

Novamente virou a cabeça para trás e respirou profundamente.

— Não será possível salvar a fauna aqui de Snarfot, a não ser que consigamos atrair para cá a “Nave da Colheita”. Como será que se colhe o fungo? O musgo da gordura é em si muito menos suportável do que se pensa. As experiências deram resultados surpreendentes. A planta é extremamente rica em calorias, mas se a retirarmos do chão, não emite mais os fungos microscópicos. Por este motivo, o processo de colheita, para aproveitar os fungos, tem que ser muito estudado ainda. Um metro quadrado de musgo, que a gente deixa vicejando, produz em vinte e quatro horas mais elementos nutritivos do que cem metros quadrados depois de extraídos. Com estas explicações, meus conhecimentos chegaram ao fim.

Seguimos caminhando pela trilha pisada já por dezenas e dezenas de botas, na direção da Ironduke. Nas manobras de aterrissagem, o gigantesco encouraçado carbonizara um pedaço da típica mata virgem tropical. Até mesmo as árvores mais altas pareciam pequenos arbustos em comparação com a nave terrana.

Eu chegara com um cruzador leve da frota robotizada, não obstante os mestres do cerimonial da corte serem de opinião de que isto não era condizente com a dignidade do imperador de Árcon. Mas não posso compreender por que razão tenha que usar sempre um supercouraçado para cruzar o espaço.

Diante de um dos apoios telescópicos da Ironduke, atolado no chão pantanoso, Rhodan ficou parado. Olhei para a parte do peito do seu uniforme, debaixo da qual fora instalado já há alguns meses o ativador celular, para prolongar a juventude. Ele e eu éramos praticamente imortais. Desde a morte de seu filho, porém, não falávamos mais neste assunto.

Quando ele me tocou firme no braço, pensei logo que iria começar a falar dos últimos acontecimentos. Enganei-me. Perry Rhodan pertencia ao grupo de indivíduos que olham sempre para frente.

— A informação do seu setor lógico sobre o sentido de nossas pesquisas estava errada. A Nave Semeadora, durante nosso ataque, enviou pedidos de socorro que foram recebidos por uma estação e confirmados por pequenos impulsos.

Com isso, abalou-me um pouco. Comecei a olhar com tanto interesse para o aparelho transmissor de meu capacete, como se nunca o tivesse visto.

— Sim, e daí?

— De onde veio a resposta? Quais os preparativos que temos que fazer? Você já se convenceu de que a existência do musgo da gordura é coisa completamente secundária em relação com o perigo que nos pode surgir de repente de qualquer setor desconhecido do espaço? O Império Arcônida é forte só por fora. Por dentro, ele se corrói cada dia mais. O cérebro robotizado pode cometer erros e você sozinho não está em condições de dirigir o reino. Sua posição, mesmo como imperador, não permite colocar alguns milhões de terranos nos ministérios e postos-chaves do reino. Uma revolta seria logo a conseqüência. Mesmo os mais acomodados e indolentes se afervoram, quando alguém se atreve a tocar nos seus privilégios mal adquiridos.

Ele não me precisava dizer como estava ruim a situação do império. A degeneração continuava. A decadência espiritual entre os arcônidas não podia mais ser contida. Estava dirigindo um império estelar que, visto de modo cútico, se transformava num monte de lixo.

Mais para o norte, detonavam as armas atômicas nos comandos de destruição. Os robôs-semeadores abatidos eram dissolvidos.

— Haveremos de descobrir por quem e onde foram construídas as naves robotizadas. Inteligências que puderam produzir tais obras-primas da tecnologia, serão também capazes de enviar em pouco tempo uma frota arrasadora. Quais são os prognósticos do regente?

— Prognósticos? — perguntei admirado. — Meu amigo, o cérebro positrônico de Árcon está ocupado com cerca de vinte bilhões de possibilidades para daí chegar à mais plausível. Mais de quarenta mil naves especiais da minha frota estão no espaço, mas até agora nenhuma delas captou impulsos inexplicáveis.

— O robô tem meios para constatar de onde vieram os sinais?

— Certamente. Estou esperando dados aproximados, para dentro de pouco tempo. Você está enxergando tudo preto, bárbaro.

Explicou-me mais uma vez que o musgo da gordura era inofensivo. Afirmou-o tantas vezes até que Gucky se materializou em nossa frente.

O surgimento repentino de um corpo do nada, transpondo uma boa distância apenas por meio de forças parafísicas, sempre me fascinou.

Sem querer, saquei da arma automaticamente. Qualquer pessoa no meu lugar faria o mesmo e com toda razão. Poucos dias antes de minha partida para Snarfot alguém tentou, de uma maneira muito sofisticada, me assassinar no planeta de cristal.

Quando reconheci Gucky, transformei meu susto em sorriso. Acenou com sua pata curta e se encaminhou em nossa direção.

— Vocês ligaram o envoltório de proteção individual — disse Gucky com sua voz chiada. — Por quê? Como é que se pode achá-los, se não se pode captar um só impulso mental? Além disso, para que existem aparelhos de radiocomunicação? Nós ficamos chamando mais de quinze minutos.

— Quem é este “nós”, tenente?

O rato-castor abriu a boca e exibiu seu dente de roedor. Nos olhos faiscantes havia muita ira concentrada.

— É... Tenente Gucky, tenente, nada mais do que isto. Todo mundo já foi promovido, só eu não. E por quê?

Apoiou-se na grossa cauda de castor que saía do uniforme e ficou olhando para nós. Eu tossi para despistar, enquanto Rhodan controlava o sorriso.

— Continua de pé minha pergunta, meu jovem. Mas falaremos sobre isto depois. O que você deseja?

A atitude de Gucky se modificou. Eu estava atento a tudo. Conhecia muito bem o fantástico mutante para poder ler em sua fisionomia. Embora não fosse uma criatura humana, possuía uma espantosa força de expressão.

— Não muito. Somente uma comunicação. Naves de reconhecimento dos aras e dos saltadores encontraram dois planetas contaminados. O robô de Árcon também se apresentou. Uma nave robotizada descobriu um terceiro planeta, desta vez habitado, cuja população está se fritando na própria banha. É a emanação dos fungos. O quarto planeta, onde também semeou a desgraça, foi descoberto pelo Major Schopendust, num vôo de patrulhamento. Também habitado.

Rhodan estava assustado. Levou alguns segundos até se virar para mim.

Não me foi possível passar sem lhe dizer ironicamente:

— Então? Quatro planetas de uma só vez! E eu pensando que o musgo da gordura fosse tão inofensivo...

Disse uma imprecação e se retirou. Gucky e eu ficamos a olhá-lo. Senti sua mão pequena pousar na minha. Peguei-o, então, nos braços e lhe cocei o dorso peludo.

Imediatamente, Gucky voltou ao seu bom humor. Riu e começou a falar de todas as suas façanhas, usando sempre a palavra brincar. Era novamente agora o ser afável e brincalhão, escondendo na sua simplicidade uma grande inteligência. O maior atributo de Gucky, abstraído naturalmente de seus dons paranaturais, estava no seu senso crítico. Olhava as coisas sempre de um outro ângulo.

— O que você acha de tudo isto, meu amigo?

— Do quê?

— Dos quatro planetas.

— Bem, dois deles não são de maior importância. Mas os outros dois são habitados. Você vai fazer alguma coisa por eles, digo, por seus habitantes?

— Não me resta outra opção. As ordens dizendo respeito a isto já estão sendo transmitidas ao cérebro robotizado.

— Evacue a população para as regiões frias. Os dois planetas devem ter os pólos cobertos de gelo. Aí, então, morrem os fungos, antes de poderem ser respirados. Não é uma boa idéia?

Continuei a coçar-lhe o pêlo e concordei com ele.

— Você é um sujeito inteligente, imperador. Ah!... se você tivesse um pouco mais de força... Os noctívagos fanáticos de televisão de Árcon não o levam a sério. De que adiantam as melhores ordens e instruções, se não são executadas? E além de tudo isto ainda querem assassiná-lo. Se eu fosse você, mandaria às favas esta droga toda. Abandonava tudo, compreende?

Esta era uma crítica típica de Gucky em assuntos em que outros fariam rodeios com palavras bonitas. Ele dava o nome aos bois, renunciando a tiradas retóricas inúteis. Era, pois, sincero. Compartilhava até das tristezas que me iam no fundo da alma. Calou por uns momentos, depois acrescentou:

— Fui um pouco bruto com você, não? Perry diz sempre que eu não devia ser tão ferino, tão agressivo. Esqueça o que eu disse.

— Está certo, meu amigo, está esquecido. Mas, na realidade, não acho que você seja ferino. O que você é, especialmente, é muito sincero. E muitos homens e muitos arcônidas não vêem tal sinceridade com bons olhos. Vamos embora. Você fica hoje comigo?

— Você está sozinho, ou...?

Fiz que sim. Estava de fato sozinho.

— Isto é muito comum numa alta autoridade, Gucky.

— Besteira! Outro ponto de vista que também não compreendo. Por que você não faz o que quer? Desculpe, já estou falando demais. Ficarei com você até que determine outra coisa. Depois o levarei para a Ironduke. Você salta comigo, não é?

Mandei me trazerem um deslizador robotizado do meu cruzador. Mais afastada, roncava uma espaçonave terrana no céu incandescente. A bordo daquela nave, estavam homens e amigos em quem se podia confiar.

O plano de entregar um dia o Império Arcônida à administração dos terranos, tomava cada vez mais sólidas formas dentro de mim. Era apenas questão de como realizar isto. Rhodan já estava contando com isto, eu sabia. Mas ele jamais faria uma alusão ao assunto, sem que eu falasse primeiro.

 

— Não faça isso, é uma loucura!

A mão de Rhodan alcançou a minha direita e a arma engatilhada mudou de direção.

Senti que não estava mais dono de mim mesmo. À minha frente estavam sete arcônidas, membros do Grande Conselho, que já há muito tempo não era mais o que meus dignos antepassados imaginavam com tal instituição.

Olhava para os semblantes de seres degenerados que jamais gostaria de chamar de arcônidas. Eles, no entanto, no seu modo típico de boêmios e estróinas, julgavam ser donos de toda sabedoria. Eram fracos, covardes e inconstantes. Tornaram-se incapazes — devido à vida fácil que levavam financiada pelos cofres públicos — de tomarem as mais simples medidas de segurança que a situação exigia. E mais: tomavam como um ultraje terem de renunciar à sua vida faustosa e ao luxo de suas prerrogativas exageradas. Nunca chegariam a compreender como era ridículo seu orgulho e como isto deixava uma impressão degradante em homens como Perry Rhodan.

Também era tempo perdido pretender que eles compreendessem que não eram mais do que farrapos, do ponto de vista espiritual e moral.

Estes senhores, sete membros mais influentes do Grande Conselho de Árcon, constituído de cientistas, trataram de uma maneira tão relaxada as análises dos musgos da gordura, que uma parte deles penetrou na atmosfera de Árcon II.

Isto devia ter acontecido já há algumas semanas, mas foi somente agora que percebemos o que esta vegetação singular podia representar para a nação mais importante quanto ao comércio e à indústria da Galáxia. Homens de meu povo se comportaram pior do que crianças da Terra.

Árcon II, pátria de dois bilhões de arcônidas, onde estavam localizadas as instalações comerciais de cerca de quatrocentos povos que dominavam a navegação espacial, seria reduzido a um planeta da gordura. Os fungos já haviam infeccionado a atmosfera, acontecendo uma coisa com que nunca podíamos contar.

Jamais gritei tanto na minha vida. Mandei chamar à minha presença, pelos comandos robotizados, todos os responsáveis. Mandei fechar todos os espaçoportos e ameacei com os mais pesados castigos que as leis dos antepassados me permitiam. Queria impedir a todo custo que levassem para outros mundos as “Sementes da Desgraça”.

As dificuldades políticas que surgiram como conseqüência do fechamento dos espaçoportos não foram aceitas por meus ilustres colaboradores. Se seu estado de degeneração achava-se tão avançado que não compreendiam a gravidade do perigo, estava tudo acabado para mim. Contra estupidez ainda não existia nenhuma erva medicinal, como se diz lá na longínqua Terra.

Desta maneira minimizou-se a terrível conseqüência desta falha. Estes senhores que ainda sonham com o imbatível “Reino das Estrelas”, que se sentem como deuses e menosprezam outras inteligências, achavam que o assunto não era coisa de grande importância.

Minha paciência estava se esgotando. A todos os meus cuidados pelo império e por seus mundos coloniais, veio juntar-se agora esta calamidade que só foi bem aquilatada pelos terranos e por mim. Para o Grande Conselho de Árcon, o musgo da gordura não passava de uma “plantinha exótica”. Deixavam, porém, de ver que ele era uma ameaça para a vida de milhões.

Perry continuava a meu lado. Sua mão segurava firme meu braço. Tinha que me dominar para não explodir num acesso inútil de raiva. Perry tentava me convencer com palavras calmas e sensatas. Com alguma hesitação, repus a arma na cintura.

Quando chamei o chefe da divisão de vigilância, gritei de novo. O gigante de três olhos veio rápido.

— Vossa Majestade manda.

— Conduzi-los presos e vigiá-los com robôs — ordenei, respirando com dificuldade. — Os conselheiros estão sob corte marcial. Em caso de tentativa de fuga, você tem que abrir fogo sem prévia advertência, como também contra pessoas que se aproximarem sem autorização expressa. Você pagará com a vida se minhas ordens não forem cumpridas.

Meu aparelho começou a funcionar. Chamei o cérebro robotizado que controlava de novo o comando especial. Milhares de robôs de combate estavam em marcha. Eram de fato insubornáveis, caso alguém, em audacioso atentado, não lhes tivesse modificado a programação.

Os conselheiros foram agrilhoados com algemas energéticas e conduzidos à prisão. Eu, tremendo de raiva, olhava para eles, até que desapareceram no pátio interior da Administração de Árcon II. Quando, há dois dias atrás, decolei de Snarfot, não podia prever tanta complicação.

John Marshall, chefe dos mutantes, ofereceu-me um lenço. Completamente abstraído, peguei e fiquei olhando para o lenço.

— Acho que o senhor está sem lenço, majestade.

— Obrigado, John. Você reparou alguma coisa?

— Nada, senhor. Os robôs são de confiança.

— E os conselheiros, o que pensavam eles?

O telepata hesitou um pouco. Olhou em volta pedindo auxílio, Gucky estava também presente. Foi ele quem me deu a resposta:

— Não pergunte, Atlan, eles o odeiam.

Ri com amargura. Eles me odeiam. Por quê? Que lhes fiz eu? Seria exigir demais destes senhores pedir-lhes duas reuniões por mês? Não era meu dever falar perante os membros do Grande Conselho, expor-lhes meus cuidados e necessidades, para receber suas propostas?

Levei ainda uns dez minutos para me acalmar plenamente. Meu setor lógico estava mudo e a parte normal do cérebro parecia também não encontrar uma saída.

— Árcon II está perdido — disse balbuciando. — Dentro de pouco tempo o teor do fungo estará elevado e começará o período da engorda. Que acontecerá, então? Quando este planeta deixar de existir para nós, o Grande Império irá ficar em xeque. Vai ser o fim. Sabe o que quer dizer isto?

Rhodan atravessou a sala e parou diante de uma janela energética bem alta. Automaticamente ela abrandara a luz, e a claridade do sol branco de Árcon penetrava com mais suavidade.

O Almirante Thekus, atual comandante supremo da Frota Colonial, procurava meu olhar. Thekus era de grande estatura e de traços marcantes. Pertencia aos poucos homens de meu povo de quem eu ainda esperava iniciativas. Sabia que não era um grande amigo, mas isto no momento não tinha muita importância. O importante era que Thekus queria o bem do império.

— Árcon II, majestade, nós não podemos perder.

Rhodan volveu a cabeça. Examinou o velho arcônida, cuja cabeleira branca, tipicamente arcônida, formava um belo contraste com o casaco escuro. Thekus me fazia sentir saudades dos soldados de minha primeira frota. Naquela época, há dez mil anos atrás, éramos fortes e tínhamos uma vontade indomável de lutar.

— O senhor tem alguma proposta, Thekus?

Olhou só para mim. Apesar de sua atividade mental superior à dos arcônidas atuais, não aceitava reconhecer Perry Rhodan e os outros terranos como seres humanos semelhantes aos arcônidas. Para um chefe da Frota Arcônida, da categoria de Thekus, toda inteligência não nascida em Árcon era de segunda classe.

— Majestade, deve-se tentar exterminar os fungos.

— Como? — interveio Rhodan.

Os funcionários da administração da corte se mantiveram em silêncio. Thekus nem olhou para Rhodan. Percebi o movimento do nariz de Gucky. Não estava contente com o tratamento dispensado ao administrador terrano. Certamente, com seus dons telepáticos, captara pensamentos hostis.

Mas o pequeno mutante conseguiu se dominar. Todos os mutantes receberam instruções de não deixar transparecer suas qualidades paranaturais.

— Cientistas de Árcon trabalharão dia e noite na solução deste problema, majestade — declarou Thekus, solenemente.

— Fora isso, o senhor não tem mais alguma coisa para dizer, Thekus?

Não respondeu. Um de meus oficiais da corte nos brindou com um sorriso diplomático e falou:

— Vossa Majestade deverá saber como os representantes dos cientistas lamentam o acidente. Nós desejamos...

— Vocês não vão desejar nada — interrompi-o bruscamente. — Agradeço-lhe as explicações. Vejo-me, porém, obrigado a tomar outras providências, no interesse do império.

Rhodan sentiu os olhares eivados de ódio. Compreenderam o que eu queria dizer. Depois que todos os arcônidas se retiraram, Gucky ligou a chave do ar-condicionado.

— Aqui não está cheirando bem — disse ele.

Olhou em volta e viu que ninguém respondeu. Rhodan caminhava através da sala que ainda ostentava o luxo do passado.

— Você não informou sua gente, Atlan?

Fiz que não com a cabeça. Não teria o menor sentido pôr o Grande Conselho a par dos acontecimentos. Sabia-se que o musgo crescia num planeta distante. Mas ninguém, nem mesmo Thekus, se interessara em saber as causas.

— Pobre imperador! — disse Rhodan, sem ironia. — Estamos, pois, sozinhos nesta situação difícil. Mas não seja por isto, vamos pôr mãos à obra.

Como era fácil dizer isto. Fiz-lhe a mesma pergunta que há poucos instantes ele fizera a Thekus.

— Como?

— Devemos coordenar todas as possibilidades. Será que as condições do planeta podem ser modificadas de tal modo que obtenhamos uma temperatura de um grau Celsius abaixo de zero?

— Não. Para isto não estão preparadas nossas estações climatéricas. Os arcônidas preferem sempre o calor.

— Sei disso. De outra maneira, não podemos exterminar os fungos, a não ser que varramos com ultravioleta toda a região do plantio. A frota robotizada deve ser equipada para isto e temos que fazê-lo logo. Em Árcon III estamos mais próximos do cérebro positrônico e assim que soubermos dos resultados através do rádio, entraremos em ação.

Tive que concordar com ele. Não tinha outra opção, senão me comprometer a fazer todo o possível. Rhodan talvez não pudesse imaginar quanto trabalho e aborrecimento estava jogando nos meus ombros. Se eu — como ele também — pudesse convocar o comando para explicar a situação, seria tudo mais fácil. Assim, estava eu obrigado a comunicar ao robô gigante caso por caso. Uma programação errada estragaria tudo. Ultimamente, o cérebro positrônico vinha cometendo erros, cujas causas ninguém podia compreender ou descobrir. A lógica mecanizada era muito unilateral.

Partimos duas horas depois com a Ironduke. Para mim, era muito mais agradável estar entre os terranos. Quando saímos das camadas superiores da atmosfera e penetramos no espaço, estava eu na sala de comando ao lado de Rhodan.

O mundo do comércio e da indústria, lá embaixo, desaparecia de nossos olhos. O Major Jefe Claudrin, comandante da Ironduke, entendia mesmo do que fazia. Passou disparado tão rente do sol de Árcon, que o envoltório de proteção reagiu prontamente. Rhodan não disse nada. Achei maravilhoso a naturalidade com que dava estas liberdades aos seus subordinados.

“Psicologia aplicada!”, comunicou-me o setor lógico.

Árcon não estava mais na tela panorâmica. Cessara também o bombardeio energético provocado pela demasiada proximidade do grande sol de Árcon. Seguimos em linha reta pelo lado do triângulo. Também Árcon III pertence àqueles mundos que meus antepassados conseguiram fazer passar para uma nova órbita. Esta experiência foi única em toda a história das galáxias.

— Pelo menos, foi uma coisa que os terranos ainda não conseguiram — dizia eu para mim mesmo.

Logo depois, porém, meu sexto sentido me disse que o problema técnico da deslocação de um planeta para fora de sua órbita podia ser assimilado pelos terranos. Se eles quisessem, por exemplo, poderiam colocar em outras órbitas os planetas solares Vênus e Marte.

Meu vôo de fantasia cedeu lugar a uma sensação de inquietude. Não teria sentido nenhum ficar fazendo suposições sobre os terranos. O problema mesmo sério, agora — falando alegoricamente — era a pele suja do Império Arcônida.

Meus devaneios acabaram com a voz firme de Rhodan. Estava com o microfone do intercomunicador na mão.

— Atenção, para todos! Despir os uniformes. Desnudar o peito. Ao comando de máquinas: terminar a manobra de aceleração e passar para queda livre. À central de climatização: fazer descer a temperatura até vinte graus Celsius abaixo de zero. Manter este nível durante dez minutos, ligando depois para a temperatura normal. Execução!

Ninguém perguntou pela razão destas providências. Aos terranos era mais do que claro tentar destruir desta forma os fungos trazidos para dentro da nave. Um método simples, mas infalível.

Fiquei gelado por uns dez minutos, apenas com minhas roupas de baixo.

Gucky foi o único a bordo que gostou da temperatura. Espojava-se feliz, de olhos fechados, na frente da turbina central, recebendo com visível agrado o jato de ar gelado que lhe agitava o pêlo. Quando terminou a operação de esterilização, Árcon III apareceu de novo na tela de bordo. Três supercouraçados da Frota Arcônida vieram ao nosso encontro. Notamos, nós aqui da Ironduke, que as casamatas e os postos de artilharia estavam em posição de alerta. Rhodan e eu não estávamos tranqüilos.

Será que o cérebro de Árcon ficara maluco? Dera ordem de nos deterem com três gigantescas belonaves? Chamei o computador gigante através do aparelho de comando e exigi que mandasse retirar as três unidades do serviço de vigilância.

— Regente a Sua Majestade — ouviu-se um som metálico no pequeno alto-falante. — Ligação especial A-l falando. Devido ao aparecimento de seres estranhos em Árcon II, está em vigor a programação de emergência Teton. Recebi ordens de deixar aterrissar, mesmo pessoas autorizadas, somente sob escolta.

Bell olhou para mim espantado, depois falou baixo:

— Seres estranhos? Será que o robô gigante endoideceu?

— Estão pensando nos fungos — interveio Rhodan. — Parece-me, meu velho amigo, que já é tempo de fazermos alguma coisa contra estas estúpidas ligações de segurança. Acho que o cérebro robotizado devia saber distinguir entre seres vivos e fungos de origem vegetal.

Deixei de dar qualquer resposta, mas não consegui esconder meu rosto pálido. Desde muitos anos, a instalação de segurança A-l me parecia uma coisa justa. Pensava antigamente que, por seu intermédio, conseguiria vencer muita situação difícil.

Via-se agora, de novo, que o A-l encerrava um grande número de determinações especiais que eram aplicadas cegamente, sem atenção às circunstâncias. As programações já estavam antiquadas e sem sentido. Comecei a tremer de medo da desgraça que o cérebro robotizado podia acarretar. Sabia de onze casos de erros que sem minha pronta intervenção teriam levado a uma catástrofe.

Rhodan estava preocupado, mas Bell me refrescou um pouco a cabeça.

— Você já se encontrou alguma vez com seu próprio cadáver? Não? Então olhe-se no espelho. Minha opinião é que desde o aparecimento dos velhos arcônidas, este cérebro robotizado sempre foi maluco.

Bell estava bem-intencionado, mas suas palavras me magoaram. Ele só compreendeu isto quando Rhodan jeitosamente mudou de assunto.

O A-l não se apresentou mais. Surgimos na atmosfera de Árcon II, respondemos aos chamados com os sinais do código e aterrissamos perto da campânula do envoltório de proteção, construída em torno do cérebro robotizado.

Os motores foram desligados. Peguei meu capacete e caminhei para a escotilha.

— Tente apressar o regente o máximo que puder — disse-me Rhodan. — Se soubermos de onde vêm as espaçonaves robotizadas, encontraremos também a “Nave da Colheita”.

“Tentar apressar” era mais fácil falar do que fazer. Rhodan devia saber que nem eu conseguiria influenciar o computador. Caminhei até a saliência arredondada, do outro lado, ultrapassei-a e me detive diante da linha vermelha que indicava perigo. Estava novamente sozinho. Penetrei no labirinto. O eco de meus passos me deixava nervoso e os robôs de manutenção, que andavam por toda parte, causavam-me uma sensação de pânico.

Será que o computador gigante necessitava de um pouco de repouso? Funcionava há cerca de seis milênios. Por quanto tempo podia um mecanismo tão complicado funcionar sem erro, sem os exames de controle de seres pensantes?

Esta pergunta me preocupava já há muitos anos. Pressentimento e lógica me diziam que, num dado momento, irromperia o esperado curto-circuito.

 

Já mais de uma vez, ficara literalmente boquiaberto perante as realizações técnico-científicas dos terranos. Desta vez, cheguei até a pensar em milagre. Estávamos a 24 de setembro de 2.104 da cronologia terrana. Há cento e quarenta anos atrás, os terranos não podiam fazer uma idéia clara sobre o vôo espacial mais rápido que a luz e sobre as dificuldades a ele inerentes. Essa idéia, cultivada com muito carinho e fantasia, tornou-se depois assustadora com a problemática desenvolvida por Einstein. Então ocuparam-se a princípio com os componentes do fóton, cujo domínio técnico e maturidade de concretização ainda estavam muito longe.

Uma viagem com velocidade superior à da luz parecia superabstrata, mesmo aos cientistas mais cheios de fantasia. Poucos anos após o advento destas teorias, dois representantes de meu povo fizeram uma aterrissagem forçada na Lua. Perry Rhodan os encontrou, se apoderou de seus conhecimentos e começou aí sua escala ascendente.

O quadro disforme, que se me apresentava agora, fora construído nos anos noventa do século vinte. Naquela época, se iniciava na Terra o emprego da hipercomunicação do rádio, mais veloz que a luz, na radioastronomia. Não se contentava mais apenas em captar os diversos impulsos de astros longínquos, mas já se passara para a fase do radioeco e sua exploração prática.

As ondas usuais de hipercomunicação serviam de impulsos refletores. Eram irradiadas de acordo com um processo desenvolvido na Terra e refletiam no corpo espacial desejado. Eu pessoalmente achava ser quase impossível projetar de volta um raio impulsional... Uma peculiaridade da estrutura parafísica das ondas era não reagir a fenômenos materiais ou energéticos normais.

O hiper-rastreamento arcônida das espaçonaves se dirigia sempre pelas irradiações do mecanismo de propulsão. Os terranos, no entanto, conseguiam calcular até a distância de objetos comuns. Principalmente das estrelas, captando os impulsos do eco. À minha pergunta, sobre como se obtinha isto, responderam-me sem arrogância que os cientistas arcônidas deveriam um dia chegar também à mesma conclusão, assim que passassem a utilizar as ondas de hipercomunicação como impulsos refletores.

Fechei o capacete do uniforme espacial, regulei o oxigênio e a climatização. A escotilha externa da comporta equatorial de bombordo estava aberta. Na minha frente se rasgava o espaço imaterial entre os grupos de estrelas.

Do outro lado, ocultos pelo bojo esférico da Ironduke, cintilavam bilhões de sóis da Via Láctea. A Nebulosa M-13, o sistema-pátrio de meu povo, estava nos confins da Galáxia. Agora, porém, estávamos a cinco mil anos-luz para dentro do espaço intercósmico, isto é, naquela região onde não havia mais estrelas.

A milhões de anos-luz, podiam-se perceber inúmeros pontinhos luminosos. Cada um deles devia corresponder a uma outra galáxia, contendo novamente bilhões de sóis.

Caminhei para fora até o rebordo circunferencial.

Existia ainda um resíduo de irradiação, que não era aliás perigoso. Quanto mais caminhava para frente, mais enfraquecia a gravidade produzida artificialmente. Fiquei parado na extremidade do rebordo de propulsão. Minhas solas magnéticas aderiam firmes nos raios de compressão de célula externa.

Rhodan e os homens do comando especial me acompanharam. Não olhei para as distantes ilhas de estrelas. Conhecia muito bem sua visão encantadora ou humilhante. Há muitos milhares de anos atrás, voara orgulhoso, como um conquistador, para além dos confins da Via Láctea. Julgava poder um dia vencer os abismos do espaço.

Minhas pretensões eram agora bem mais modestas. Qualquer criatura racional tinha que ficar pensativa à visão desta grandeza divina, a não ser que não merecesse o privilégio de ser racional.

O que me interessava no momento era somente a estação cósmica de rastreamento, que tinha sido trazida pelos terranos para cá.

Eu lhes havia colocado à disposição os maiores técnicos da frota para lhes facilitar o transporte.

O radiotelescópio de hipercomunicação foi montado no espaço. A antena dos raios direcionais tinha um diâmetro de cinco quilômetros. O observatório pendente de sua extremidade afunilada era também de confecção esférica. O conjunto ciclópico da instalação parecia mais um daqueles antigos alto-falantes que a gente colocava com a grande abertura virada para os ouvintes.

— Quando foi que vocês construíram isto? — perguntei pelo rádio.

— Foi no ano 1.998 — soou-me a voz de Rhodan no alto-falante do capacete. — É uma coisa fabulosa, não é?

Concordei impressionado. Como os queridos bárbaros da Terra evoluíram tão depressa!

— Seria totalmente sem nexo instalar um aparelho deste dentro da camada atmosférica da Terra — explicava um dos homens. — Mesmo se abstraindo das inevitáveis perturbações, a armação nunca seria suficientemente estável para suportar o peso da antena com a atração da terra de um gravo. Isto seria possível só mesmo no espaço. A estática era simples e os problemas de sustentação podiam ser resolvidos com facilidade. O senhor quer deslizar?

Sim, eu queria deslizar. Liguei meu aparelho, atirei-me da escotilha para fora e boiei no espaço em posição horizontal na direção da estação. Acima, abaixo e ao lado havia o nada, ou seja, nada do que se possa chamar de partículas de matéria. A imensa gravitação da Via Láctea chegava a encerrar leves partículas. Se aqui, no abismo intercósmico entre as galáxias, existisse algo, seria mínimo — impossível de ser medido.

Não se podia mais abranger com a vista a tela da antena. Desaparecia na escuridão. A pequena abertura do posto de observação brilhava como uma estrela distante. Chegamos até esta escotilha, deixando que uma ventosa magnética nos puxasse para dentro e esperamos pela compensação da pressão. Interessante que depois de me encontrar dentro do radiotelescópio cósmico, este não me causou mais aquela estranha impressão. Construções semelhantes foram também instaladas no espaço por meus antepassados, só que operávamos à base do eco direcional.

A esfera onde se localizava o comando era muito maior do que se presumia. Rhodan explicava com justificado orgulho que se havia ligado o “coador de café”, por motivos de simplificação, diretamente com a carcaça externa de um cruzador pesado. Por isso, dizia ele, só se podia construir o conjunto energético depois de se ter uma espaçonave de grande dimensão. Desta forma, o telescópio podia até ser transferido. Só que não se podia obter velocidades relativamente grandes, já que não foi possível proteger a massa da antena externa contra as forças da inércia.

Calculava mesmo isto. Sabendo, apesar da atitude reservada de Rhodan, dos magnos problemas que foram superados, preferi ficar calado. Minha memória fotográfica me trazia à tona alguns quadros da História da Terra.

Lembrava-me dos trogloditas que na minha primeira expedição às florestas do Norte da Terra me atacaram com lascas de pedra. Milênios mais tarde, presenciei atos de selvageria e tortura. Pessoas de outras crenças religiosas ou de outra cor eram perseguidas porque era opinião geral de que eles não eram homens como os demais.

No entanto, os habitantes do planeta Terra se tornaram adultos, evoluíram. Afastei estas lembranças da minha cabeça e comecei a pensar na tripulação desta estação espacial. Teitsch, professor de Astrofísica, era o chefe científico. A central ostentava a maior tela panorâmica que jamais vira em toda a vida. Ao entrarmos, fomos saudados pelo seu comandante militar. O Major Sagho Benit era mais do que competente. Estava-lhe subordinado todo o setor de armas do pesado cruzador, além de lhe caber também a constante correção de direção. A central de comando fora construída, baseada numa antiga usina de eletricidade. Ao lado dela, enfileiravam-se os computadores astrofísicos e astronômicos. Ligações diretas com as regulagens exatas da antena direcional garantiam magníficos resultados de pesquisa.

— Tome lugar aqui atrás, por favor, senhor — disse Teitsch. — Assim poderá observar melhor a tela panorâmica.

Desfiz-me do pesado uniforme espacial. Estava com uma pergunta me queimando a ponta da língua, mas não queria dar a impressão de pessoa sem autodomínio. Rhodan sorriu. Naturalmente, estava percebendo meu nervosismo. Olhei aborrecido, querendo dar a impressão de despreocupado. Meus pensamentos eram confusos, mas fazia um esforço para raciocinar friamente.

Dois dias depois de nossa chegada a Árcon III, o regente nos forneceu os dados desejados. Tratava-se de constatar de onde saíram os impulsos da confirmação. E já que eram sinais em código e não era possível um rastreamento angular, a interpretação não podia ser muito exata. O fato de o robô gigante já ter calculado aproximadamente as coordenadas podia ser tomado como um milagre. Neste sentido, aliás, o cérebro robotizado era indispensável.

O gigantesco computador não conseguira localizar o ponto de partida do transmissor. Não pôde também averiguar com que energia foram irradiados os impulsos e assim não foi possível calcular a distância.

Não obstante, pudemos estabelecer uma reta, que, com a distância a aumentar sempre, acabava dando um resultado muito vago. Calculávamos com um valor horizontal-vertical de mil anos-luz.

Seria necessário maior tolerância ainda, caso o transmissor estivesse a mais de trinta mil anos-luz da Nebulosa M-13.

Há quinze dias, tempo padrão, todos os telescópios estavam convergidos para o respectivo setor do espaço. O transmissor se encontrava além das fronteiras da Via Láctea, no espaço intercósmico. Supúnhamos se tratar de uma enorme espaçonave ou de uma plataforma estacionaria, já que a existência de um planeta parecia muito improvável.

Mais surpreendente ainda foi o radiograma do Major Sagho Benit. Ele afirmava que Teitsch descobrira um sol não catalogado, que já em tempos imemoriáveis se desgarrara da Galáxia para se precipitar no abismo infinito. Possuía este sol três planetas, como o astrofísico também constatara.

O pensamento lógico, no entanto, sugeria com muito mais probabilidade que o transmissor se achava num planeta e não numa espaçonave. Afinal de contas, procurávamos localizar a pátria dos construtores da Nave Semeadora.

Partíramos para pessoalmente nos convencer dos fatos. Neste momento não podia pensar na situação de Árcon II. Os arcônidas estavam muito menos nervosos do que os estrangeiros que então, por ocasião da proibição de decolar, se encontravam no mundo do comércio.

Para impedir que daí surgisse uma revolta, já há oito dias suspendera a proibição de decolagem, preocupado, no entanto, que cada espaçonave que decolava estaria perdida e com ela toda sua tripulação. Tropas terranas felizmente obrigaram os comandantes a ligar o sistema de climatização durante meia hora a uma temperatura de vinte e dois graus Celsius abaixo de zero. Os habitantes de planetas mais quentes me ameaçaram com indenizações financeiras. Alguns deles quase morreram. Não tivemos, porém, complacência e por isso aumentamos o fator segurança em dez por cento acima do necessário. Só depois disso é que deixamos passar os comerciantes.

Sentia-me feliz por, daí para frente, ter que me preocupar somente com os arcônidas do segundo mundo de meu complexo sistema-pátrio. Teria tempo de arranjar um meio para exterminar com os fungos do musgo da gordura.

— Não sonhe tanto assim, amigo — sussurrou-me Rhodan. — As explicações de Teitsch foram de fato interessantes.

Despertei de minhas lucubrações e olhei em volta, pedindo desculpas. Escurecera e a tela, com isso, estava muito mais nítida.

Reconhecemos a formação do eco de um sol, bem delineada na tela. Tratava-se de um sol vermelho que estava a cinqüenta e um mil anos-luz no espaço. Depois de ter sido descoberto pelo hiper-rastreamento, conseguiu-se também fazer deduções de suas freqüências. Obteve-se até uma análise espectral de sua luz. Mostrou as linhas habituais, demonstrando assim se tratar de um sol comum. Não nos interessava saber se ele havia se desgarrado do conjunto da Via Láctea ou se fora lá colocado por obra do Criador.

O professor Teitsch chamara a estrela de Outside, nome, aliás, bem acertado. Ouvi suas explicações, desta vez sucintas:

— Todos os esforços para procurar no mencionado setor corpos celestes ou objetos artificiais como espaçonaves e estações espaciais foram inúteis. Fomos além dos valores de tolerância exigidos pelo cérebro robotizado e ainda investigamos conscienciosamente outras regiões. Repito, conscienciosamente, meus senhores! Lá fora não existe nada, além deste novo sol, nada que possa servir para refletir os impulsos que formam o eco. Se a interpretação do computador está certa ou aproximadamente certa, não há dúvidas de que encontramos o ponto de partida do transmissor. Outside possui três planetas. Um deles deverá ter muito interesse para os senhores.

— Já mandou preparar as coordenadas para o hipersalto? — perguntou Rhodan.

— Perfeitamente, senhor. Aconselharia, porém, voar para este sol com uma nave linear. A distância é muito grande e enganos não estão excluídos. Sem instrumentação adequada poderia mesmo ser impossível o rastreamento do ponto de partida dos impulsos.

Teitsch tinha razão. Nenhuma nave estaria em condições de vencer a fabulosa distância de cinqüenta e um mil anos-luz num hipersalto. Os limites presumíveis para a matéria e para a tripulação estão em torno de cinco mil anos-luz. É claro que estes limites poderiam ser ultrapassados, acarretando, porém, conseqüências catastróficas.

Por outro lado, saltos mais curtos apenas aumentariam os erros de posicionamento. Era, pois, melhor tentar com a Ironduke.

Rhodan me tocou de leve no ombro. Virei a cabeça.

— Então?

— Vamos partir imediatamente.

— Você está com muita pressa, imperador.

— Não se humilhe tanto assim, com a repetição constante do meu título, cacique dos selvagens da Terra.

Rhodan arregalou os olhos, enquanto Bell gargalhava.

— Mas o que que é isto?! — trovejou o vozeirão do epsalense Jefe Claudrin.

Sorria francamente, à maneira de um jovem despreocupado, o que dava ao seu rosto uma impressão indescritível.

Rhodan resmungou alguma coisa que não pude compreender. Em tempos idos, freqüentemente nós nos “enfrentávamos”, conforme a expressão de Bell. Era simples brincadeira. Rhodan se levantou e aprumou o corpo.

— Quer dizer que você acha que a Ironduke está completamente equipada para uma expedição deste porte? Instrumentos especiais, tropas de elite, mutantes, sem esquecer uma boa reserva de água potável?

— Tal como o conheço, Claudrin preferia ser esquartejado a relaxar o equipamento de sua nave. Não é verdade, Jefe?

O peito largo do comandante se estufou um pouco. Sua gargalhada soava como o ribombar de uma longa trovoada. Claudrin dava a impressão de um gigante cortado ao meio. Sua largura quase se equiparava com sua altura. Seus ombros eram duas vezes mais largos que os dos homens normais. Jefe estava usando de novo o pequeno gravitador que lhe proporcionava a habitual gravidade de 2,1 gravos. Não conseguia imaginar um comandante melhor do que ele.

— É mais do que natural, senhor! A Ironduke está preparada para decolar.

Levantei-me também. A estação espacial não me ia mais reter.

— Não há pressa — disse Rhodan.

O professor Teitsch se aproximou de nós. Eu lhe agradeci pelos dados de suas observações.

— Espero não ter cometido nenhum erro — respondeu com modéstia o encanecido professor.

— O senhor conseguiu captar alguns sinais? Alguma coisa que se refira a uma radiocomunicação dirigida?

— Não, apenas os impulsos habituais. Nos planetas nada se mexe. Nós não o deixaríamos de perceber, a não ser que lá se trabalhasse com ondas de velocidade normal, que naturalmente ainda não poderiam ter chegado até nós. De qualquer maneira, não houve nenhuma comunicação via hiper-rádio. Operamos com uma ampliação do eco inicial vinte milhões de vezes maior.

Vesti o traje espacial. Um jovem oficial do telescópio espacial anunciou em posição de sentido que a mesa estava posta. Rhodan deu um sorriso, enquanto Bell estalou a língua de satisfação. Até o sempre moderado John Marshall ficou com os olhos mais brilhantes. O fato é que as plataformas espaciais eram providas de uma alimentação muito selecionada, luxuosa mesmo. Eram coisas que, mesmo com a melhor boa vontade, não se podiam armazenar e preparar numa belonave. Além do mais, qualquer comandante de espaçonave ficaria muito contente se lhe oferecessem mais e melhores cozinheiros a bordo. Coisas tão gostosas assim, não podiam ser preparadas nas habituais cozinhas robotizadas.

De repente me senti alvo dos olhos de todos os terranos. Miravam-me como se eu fosse um churrasco bem temperado. Já me sentia meio mastigado, quando, tremendo de excitação, disse:

— Se vocês, malandros, desperdiçarem só um minuto para encher suas barrigas redondas com pastéis, coxas de galinha e vinhos nobres, eu rompo minha amizade com vocês.

Rhodan me agraciou com uma imprecação, Bell me piscou o olho com cara de gaiato e o magricela do primeiro-oficial da Ironduke apontou para sua “modesta” barriga.

— Barrigas redondas...!? — repetiu Hunt Krefenbac, protestando. — Barrigas redondas! Se lhe posso perguntar, onde foi que você viu em mim uma degeneração assim?

— Desmancha-prazeres! — gritou Gucky. — Certamente vai haver morangos.

— Vão embora, ou eu viro uma fera aqui — gritei eu.

Conhecia muito bem as “pequenas refeições” em homenagem à minha pessoa.

Não estava pensando em Rhodan no momento e sim nas muitas horas que perderíamos.

Os tripulantes da estação espacial se esforçavam para manter uma atitude calma. Enquanto isso, eu andava em volta, demonstrando, aliás, pouca dignidade, causando espanto para a pacata tripulação, com os punhos ameaçadores.

— Que disciplina é esta? — continuei.

— Vou mandá-los descer em Árcon II, para vocês aprenderem.

— Ele está me obrigando a usar de minha autoridade — disse Rhodan, caçoando. — Que ele vá para o inferno, com todos os diabos, compreenderam?

Aplaudiram-no em coro, mas foram embora. E fui com eles. Desaparecemos todos, um depois do outro, nas trevas do espaço. Do outro lado estavam as iluminadas escotilhas da nave linear.

Assim que botei os pés na nave, disse com ironia:

— Se Claudrin não tivesse declarado que a nave estava completamente equipada, então...

Maliciosamente, dei uma olhada em volta e percebi os olhares irritados que me obrigaram a um sorriso mais indulgente.

— Meus senhores, as pílulas alimentícias estão à nossa espera — anunciou Rhodan. Seus lábios tinham um tremor diferente, quase suspeito. — Cuidado com este arcônida; é uma raposa esperta. Não tirem o olho dele, cuidado!

Gucky estava zangado comigo. Privei-o de seu alimento predileto. Nestes últimos dias, ganhara grande afeição por ele, não podendo, pois, deixá-lo assim aborrecido. Refleti um pouco, depois o peguei pelo braço.

— Deixe-me em paz, traidor! — gritou ele.

Em voz bem baixa lhe sussurrei aos ouvidos:

— Em virtude de meus poderes imperiais, promovo-o a major da Frota Arcônida, com o privilégio de, a qualquer momento, poder entrar e saquear os depósitos de alimentos do Palácio de Cristal.

O dente de roedor do rato-castor ficou à vista, mas o pequeno mutante, embora lhe custasse enorme sacrifício, mostrou seu caráter íntegro:

— Recusado! De qualquer maneira, aceito sua boa vontade e agradeço. Dentro de alguns anos, você poderá me pedir novamente para me tornar major de sua frota de ferro velho.

Caí das nuvens, não sabendo o que dizer. Rhodan ria até lhe correrem as lágrimas pela face. E tudo isto aconteceu algumas horas antes do início da grande ação conjunta, que, embora parecesse estranho, seria decisiva para a sorte do Império de Árcon. Sem Árcon, perderíamos sessenta por cento de nosso poder econômico.

O jocoso incidente evaporou-se prontamente. Teitsch transmitiu as coordenadas, fazendo com que os computadores da possante espaçonave não parassem. Eram muitas as coisas que exigiam toda atenção numa nave linear.

Informei ao cérebro positrônico. Minhas ordens mobilizaram a frota do imenso reino que estava de prontidão a dez anos-luz, nos confins da Galáxia. As unidades terranas protegiam os mais importantes planetas-colônia dentro e nas proximidades da Nebulosa M-13. A comunicação via hiper-rádio atingiu um movimento febricitante. E de novo o robô de Árcon cometia erros que eu tinha de corrigir.

O 84o grupo de cruzadores terranos sob o comando do Major Afonso Heindl foi atacado por uma esquadrilha de belonaves da minha frota, pois Heindl não possuía ainda o novo código de identificação. Consegui ainda evitar o pior.

Um aparelho comercial dos saltadores entrou casualmente no meio dos cruzadores da Frota Arcônida e foi seriamente danificado pela nave Casol. Houve feridos, entre eles dois em estado grave, e eu mandei retirar um cruzador rápido da frota de vigilância para levar toda a tripulação ao planeta mais próximo que dispunha de bom hospital. Antes que a representação comercial dos saltadores no mundo de cristal entrasse com seu enfadonho protesto, garanti-lhes, por hiper-rádio, indenização total.

Rhodan terminara seus preparativos. Quando, de microfone em microfone, corria de um canto para o outro como uma barata tonta, os terranos foram até muito compreensivos comigo. Depois de quatro horas, estava esfalfado, mas no espaço da Nebulosa M-13 parecia tudo em ordem.

— Nós o perdoamos — disse Rhodan em voz baixa. — Estou me referindo ao jantar perdido. Compreendemos perfeitamente por que você tinha tanta pressa. Você me permite uma palavra franca?

Fiz que sim, um pouco desanimado. Perry Rhodan era um homem formidável, só que agora parecia ter compreendido o que significava ser soberano de um povo inerte, que não passava de uma máquina enferrujada.

— Você devia se resolver a meter nos miolos uma pequena bomba atômica e deixar por minha conta a explosão por telecomando.

Fiquei calado. Rhodan não podia imaginar que este pensamento já havia passado muitas vezes por minha cabeça. Fiz neste momento uma declaração de algo que até então guardava como segredo só meu:

— Amigo, isto seria possível há alguns anos atrás. Porém, depois do aparecimento dos acônidas, sou obrigado até a depor minha arma pessoal, assim que penetro no cérebro positrônico. Sou inspecionado pelo raio X, apalpado de todo jeito e controlado por rastreadores energéticos. Sou mesmo um imperador “sui generis”, não é verdade?

Ao deixar a central de comando, reinava profundo silêncio e eu caminhei mais depressa.

“Nada de compaixão!”, martelava meu setor lógico. “Nada de compaixão. Prefira o ódio ou uma amizade sincera, mas nada de compaixão.”

Refugiei-me em minha cabina. Os homens tiveram tanta compreensão que não me vieram perturbar. O ativador celular trabalhava mais do que o necessário. Aparentemente minha depressão produzia uma perigosa queda que era neutralizada de modo automático pelo aparelho.

Senti novamente como estava velho. Tinha eu, o fóssil arcônida, o direito de querer dirigir a história da atualidade? Não fiz questão de responder a esta pergunta. Ainda não tinha encontrado solução. Lógica e sentimento são coisas que não podem ser misturadas.

 

O ronco do conversor kalupiano de compensação — na linguagem de bordo chamado simplesmente kalup — sobrepujava de muito qualquer outra sensação. Mesmo que não se pretendesse prestar atenção, tinha-se que ouvi-lo. Era um ruído muito forte. Qualquer um o percebia, desejando que seu barulho não diminuísse.

O vôo linear, mais veloz do que a luz, se baseava no campo de compensação ou de reflexão, constituído de linhas hexadimensionais. Um corpo que se encontrasse na cúpula esférica do campo kalupiano estava protegido com toda segurança das influências mecânicas e energéticas do espaço de Einstein. Ocorria igualmente uma paralisação dos efeitos pentadimensionais do hiperespaço, o que tinha então como conseqüência, no teoricamente vazio campo kalupiano, uma situação instável, semelhante às regularidades do entre-espaço.

O assim chamado semi-espaço, incompreensível quanto ao valor numérico, foi descoberto pelos druufs. Foi deles que os terranos tiraram o segredo do vôo linear.

Em decorrência destas “impossibilidades físicas”, nos encontrávamos numa entrezona instável, onde não eram de maneira alguma atuantes nem a desmaterialização obrigatória através dos efeitos paraespaciais, nem os efeitos do universo einsteiniano. Parecíamos uma mosca que, encerrada numa redoma de vidro, era arrastada pela correnteza da água.

O campo kalupiano era complicado somente quanto à sua essência. Sabia que nossa velocidade milhões de vezes superior à da luz não era relativa nem condicionada. Nosso tempo de bordo, relativo conforme Einstein e conforme os velhos cientistas arcônidas, não sofria nenhuma distorção. Um minuto para nós significava a mesma coisa como para um homem na Terra. Não havia nenhum fenômeno de dilatação, nenhum deslocamento de um fator que chamamos de tempo.

Mais sensacional ainda era o fato de que se podia olhar para dentro do espaço normal de quatro dimensões, por intermédio do rastreamento paramecânico de relevo.

O hiper-rápido raio de relevo era cercado por um campo isolante, surgido como irradiação secundária. Tratava-se igualmente de uma unidade energética kalupiana que protegia o raio de rastreamento contra influências normais e parafísicas.

Apesar do vôo de velocidade alucinante na entrezona, nos achávamos em condições de ver todo o espaço que estava em nossa rota.

A Ironduke era uma obra-prima da técnica terrana, no entanto Rhodan era suficientemente sincero para admitir que estes mecanismos de propulsão e o conversor de campo talvez só fossem ou teriam sido desenvolvidos provavelmente mil anos mais tarde, se os druufs não tivessem transmitido seus dados.

Que diferença enorme entre os saltos de transição de antigamente e o fantástico vôo linear de hoje! As espaçonaves de transição se tornaram arcaicas com o surgimento do vôo linear. Mas estavam ainda parcialmente em uso, já que não era possível adaptar todas as unidades em pouco tempo. A própria Ironduke ainda era um protótipo. Não era, pois, de estranhar que a tripulação ouvia emocionada o ronco do conversor kalupiano.

Na tela panorâmica do rastreador em terceira dimensão, luzia o sol Outside. A Ironduke estava equipada com uma outra central de rastreamento, guarnecida com aqueles instrumentos especiais, necessários para a visão direta durante o vôo linear.

Apalpei disfarçadamente meu braço. Ainda era o mesmo, forte e rijo como sempre. Não podia me acostumar com o pensamento de não estar desmaterializado, após ter saído do espaço normal.

Como almirante do império, dirigira frotas de elite. Nunca atravessamos trechos grandes do espaço de outra maneira que não fosse com as extenuantes transições dos chamados hipersaltos, com os quais se rompia violentamente o espaço normal. Agora, sim, era um vôo simples. Era como se voássemos num avião comum por sobre lindas colinas. Não senti a menor sombra de mal-estar. A única coisa um pouco desagradável era o ronco forte.

Apertei a palma da mão contra os ouvidos, mas não adiantou muito. Era como se o barulho saísse de dentro de mim mesmo.

Rhodan e os oficiais do controle das manobras passaram pela central. Tinha que admirar estes homens. Adaptaram-se rapidamente aos novos mecanismos, talvez muito mais depressa e com maior competência do que os arcônidas o teriam feito. Estes terranos tinham um dom especial para assimilar e talvez um dom maior para aperfeiçoar o assimilado. Tinham um talento que por certo nem reconhecessem ainda.

Realmente, sua capacidade de adaptação era um fenômeno para outros povos. Raça bem-dotada pela natureza! Perry Rhodan, principalmente, era um daqueles homens que se adaptava imediatamente a qualquer situação nova.

Ninguém mais se admirava do vôo linear — era uma realidade como qualquer outra. Funcionava e pronto.

Sentia-me aliviado por ninguém ter notado minha fascinação pela grande novidade. Ou será que alguém notara? Olhei preocupado em volta. Admirei-me de poder mexer com a cabeça.

“Sintoma de degeneração!”, disse meu sexto sentido, impassível.

Sentia-me acanhado. Jefe Claudrin, que estava ao meu lado, olhou surpreso para mim. Eu lhe havia lançado um olhar meio aborrecido.

E logo depois meu sorriso não foi o bastante para acalmá-lo. Notei que piscou os olhos para Rhodan. O terrano chegou até mim.

— Alguma dificuldade? — perguntou.

Seu olhar inquiridor me provocou mais ainda.

— Besteira!

— É o vôo, não é? Está bem, não fique nervoso. Sinto-me feliz por poder me sentir superior ao cacique dos arcônidas. Mas me desculpe, ó soberano dos arcônidas!

O Major Claudrin deu uma risada. Rhodan fora por demais irônico. Aborrecido, deixei meu lugar e caminhei até o bebedouro automático. Rhodan podia chegar a ser cínico. Mas, não tinha ele razões de sobra para isto? Quantas vezes, antigamente, dei-lhe a entender como os terranos eram medíocres e como eram magníficos os arcônidas?

Este raciocínio me tranqüilizou novamente. Quando o terrano de olhos castanhos se aproximou de novo, consegui sorrir mais à vontade.

— Você é e continua um selvagem. Se vivesse no século quinze, você seria um pirata, um conquistador ou um almirante das cidades hanseáticas, pago com saquinhos de pimenta. Você ficaria muito bem na popa de um veleiro corsário.

— Que conversa esquisita a bordo de um couraçado linear da Frota Solar — disse Bell seco. — Fora disso, os senhores dois não têm outro assunto?

— Sobre suas façanhas, se falará mais tarde — interveio o rato-castor.

A seguir, Gucky deu um guincho tão agudo, misturado com risada, que suplantou o ronco do conversor de Kalup.

Os alto-falantes manipulados pelos robôs começaram com o chiado inicial. Tinha verdadeira alergia por estes sons, sem nenhuma modulação. O sol Outside estava bem grande. A tela tridimensional estava toda ocupada por ele.

A distância era “apenas” de mil e cem anos-luz. Os comandos de Claudrin nos fizeram voltar aos nossos lugares. A viagem não durara mais tempo do que um avião a jato comum de Berlim a Tóquio, no ano 1.964. Não sei se Rhodan, de vez em quando, pensava nestas coisas. Sem o auxílio da técnica dos arcônidas, os terranos estariam agora, na melhor das hipóteses, viajando com espaçonaves primitivas com motores de tração núcleo-química. Mas agora voavam com um aparelho gigantesco pelo espaço intercósmico a fora. O automático de sincronização desligou o kalup. O ronco atingiu o máximo, para depois silenciar completamente.

Senti a sensação desagradável que surgia na transição para o espaço normal. Quando fomos recebidos por este espaço normal, nos encontrávamos ainda numa velocidade relativamente muito elevada, abaixo, porém, das fronteiras da luz. Começaram logo os fenômenos de dilatação que nos davam a ilusão óptica de irmos de encontro ao sol vermelho com uma velocidade milhões de vezes superior à da luz. As turbinas já trabalhando após a inversão, estavam a toda força. Nossa velocidade diminuía a quinhentos quilômetros por segundo ao quadrado.

Os fenômenos iam cessando. Apesar de termos perdido toda noção de tempo, podíamos medir pelo empuxo da frenagem, realizada pela inversão dos motores, quanto tempo gastávamos realmente para voltarmos a uma velocidade suportável.

À nossa frente, chamejava o sol solitário. Estávamos penetrando no sistema com a velocidade de trinta por cento da velocidade da luz. Mais tarde, Rhodan ordenou a queda livre. As medições positivaram que não existia nenhuma micromatéria cósmica.

— Atenção! Reunião para instruções gerais! — soou a voz firme de Rhodan nos alto-falantes. — Oficiais e suboficiais reúnam-se em dez minutos no salão II. A tripulação deve ficar na escuta. Compareça também a equipe de cientistas. Fim.

O professor Kalup se encontrava na central de comando. Ficando todo vermelho, corrigiu, usando a eloqüência:

— A equipe dos cientistas é igualmente solicitada a comparecer.

A expressão do rosto de Rhodan não se alterou e falou impassível no microfone:

— Os senhores ouviram o pronunciamento do nosso super-homem. Bem, os senhores são solicitados, portanto. Mais alguma coisa, meu caro jovem?

— Eu recuso este tratamento — esbravejou o temperamental cientista.

— Como assim? Já lhe disse muitas vezes que seu bisavô poderia ter sido meu filho ou mesmo meu neto.

— Comporte-se bem, Kalup “Neto” — interveio Bell. — Esta afirmação me atinge também. Quando partimos para a Lua em 1.971, sua bisavó me trouxe um buquê de vinte cravos cor-de-rosa. Ela tinha na época quatro anos de idade, muito delicada, com um maravilhoso vestidinho de organdi e me chamava de tio. Que que você quer, então?

— Sem-vergonhice!

O cientista deixou o local xingando. Reparamos, porém, que, já perto da escotilha, estava dando risada. Gostava muito de Amo Kalup. Era do tipo daqueles homens que preferem morder a ponta da língua a dizer uma palavra amiga. Seu aparente cinismo já era conhecido.

Olhei para o relógio e depois para a tela. A Ironduke estava quase flutuando. Estávamos, pois num sistema que ninguém pisara antes de nós. O professor Teitsch nos prestara um grande serviço. Os terranos eram mesmo competentes, não havia a menor dúvida. Renunciaria de boa vontade ao meu alto posto, se o Império Arcônida possuísse um milhão de homens do tipo de um Rhodan, um Teitsch ou um Kalup.

 

A reunião para instruções dos próximos comandos foi curta, mas de muito conteúdo. Isto é: tipicamente no estilo de Rhodan. O que ele coordenou em quinze minutos, levaria eu um trabalho de quatro dias.

Não precisava programar e ficar esperando com medo da execução de suas ordens. Na Frota Solar todos sabiam agir.

Em tempos idos, eu julgava poder resolver a situação com uma frota de robôs de alta tecnicidade. O que me faltava em qualidade foi substituído pela quantidade. Foi um caminho errado. Já os terranos sempre me fascinaram pelo modo como agem prontamente.

Serão os futuros dominadores da Galáxia. Acho mesmo que seria para o bem de todos, colocar nas mãos deles meu “poder” e continuar como amigo, conselheiro e uma autoridade subordinada. Para Árcon e para meu povo não havia solução melhor.

Cheguei, nestes quinze minutos, a uma resolução, contra a qual lutei muitos anos. Todos olhavam admirados para mim. Sentia-me de repente mais alegre e livre. Rhodan chegou a imaginar que, nos meus olhos arcônidas de coloração avermelhada, cintilava de novo aquele fogo que havia notado nos nossos primeiros contatos e que ele próprio tanto temia.

De repente perguntei ao administrador:

— Você conhece a história do unha-de-fome e misantropo que somente pouco antes de sua morte sorriu pela primeira vez na vida?

— Não.

— Eu conheci um homem assim. Foi há muito tempo. Seus herdeiros discutiam à beira de seu leito de morte. Somente um deles lhe enxugava o suor do rosto e lhe dizia palavras de consolo. O unha-de-fome quis então deixar para este dinheiro e poder, pois até então ninguém lhe levantara desinteressadamente a cabeça para lhe oferecer água. Mas este homem que o ajudava, não quis receber a herança. Foi aí que o sovina riu pela primeira vez. Compreendeu, então, como eram de pouca importância as coisas que tanto estimara. Chegou a um novo conhecimento e tirou suas conclusões. Sua vida nova começou no momento de sua morte.

Os homens estavam olhando para mim com atenção. Estavam imaginando alguma coisa.

— Você foi a pessoa que o ajudou, Atlan?

— Sim!

— E quem foi o pão-duro e misantropo que se esqueceu do amor ao próximo?

— Um imperador bastante famoso. O nome não tem importância.

Rhodan respirou profundamente. Suas faces enrubesceram.

— O que você quer insinuar com esta história?

Já podia rir como todo mundo. Ficara livre de um terrível pesadelo.

— Mais tarde eu lhe digo, selvagem. Eu também tomei uma resolução. Não sei como, mas é inabalável. Atlan, da família de Gonozal, não é inconstante.

— Isto deve ter sido dito por um príncipe viquingue — afirmou Bell.

— Fui outrora um príncipe viquingue — expliquei. — Os especialistas terranos não querem acreditar hoje que um ramo norueguês dos viquingues, já nos tempos de Carlos Magno, sabia navegar perfeitamente contra o vento. No lodo de um fiorde do Norte está afundado até um navio a vapor, construído no ano 802 depois de Cristo. O que vocês sabem de História?

Sabotara quase a reunião de Rhodan. Acho que estava na hora de ele levantar a voz para terminar a discussão nada objetiva e passar a agir.

— Mais tarde lhe explico, amigo — disse ele com um sorriso compreensivo. — Estou gostando de ouvir. Mas então, Claudrin!? Está com os olhos brilhantes.

— Isto me entusiasma mais do que a Cosmonáutica, senhor — disse o epsalense. — Grande Júpiter! Como isto soa bem... barcos a vela! Cheira à água salgada do mar, que não existe em Epsal, cheira a homens enrijecidos com seus apetrechos de madeira e seus músculos de ferro. Ouço o bramido das ondas, deixando um colar branco sobre a areia das praias e...

“...e eu sinto as dores de um dente cariado, de um apêndice inflamado e de outras doenças. Amputações sem nenhuma anestesia devem também ter existido e os métodos higiênicos, ou melhor, anti-higiênicos daquela época devem ter levado o senhor, o fanático da limpeza, às raias da loucura.”

Ri à vontade. Perfeitamente, era isso mesmo!

Rhodan parou de sorrir e ficou de semblante mais sério. Os homens voltaram à sua atitude de respeito e toda conversa cessou.

O Tenente Brazo Alkher, o mais jovem oficial da Ironduke, sonhava de olhos abertos. Como era simples entusiasmar estes especialistas de primeira classe de uma época superespecializada.

— Vou recapitular — disse Rhodan. — Começaremos com o planeta exterior. As análises ainda estão em curso. Provavelmente se trata de um gigante gelado. Meu palpite é que o número dois seja a pátria dos construtores. A atividade das duas naves robotizadas ainda é um mistério. Tudo leva a crer que tenham perdido o controle sobre elas. A “Nave da Colheita” confirma esta teoria. Talvez ainda tenhamos surpresas pela frente, pois a técnica dos construtores é uma coisa espantosa, que de fato nos preocupa, e as informações colhidas na Nave Semeadora não nos esclareceram em nada. Conhecemos as formulações estranhas de um grande robô. São impenetráveis. Os senhores, meus amigos, pesquisaram muito nas singulares instalações da Nave Semeadora.

O professor Kalup tossiu de leve.

— O senhor também — asseverou Rhodan. — Qual é o motivo do grunhido?

— Eu apenas tossi — respondeu Kalup, ameaçador.

— Antes de tossir, faça primeiro um requerimento, meu jovem, por escrito, por favor!

Os Tenentes Alkher, Nolinow e Mahaut Sikhra riram à vontade, como rapazes nesta idade costumam fazer. Achava isto muito bonito, mostrando a descontração do ambiente dos terranos.

— Vamos descrever primeiro uma órbita de pólo a pólo. Reagiremos a ataques, somente se forem utilizadas armas de maior eficácia. Transferir a ligação para o controle automático. Ainda não me esqueci dos raios narcóticos da Nave Semeadora. Se formos narcotizados novamente, a Ironduke deve escapulir o mais breve possível da zona de perigo. São estas as instruções em geral. Prestem atenção as ordens especiais. Mais alguma pergunta?

Estava tudo claro e Rhodan deu por encerrada a reunião, voltando para o posto de comando. E o couraçado penetrou ainda mais no interior do sistema.

Como se supunha, o terceiro planeta não tinha vida, era um gigante envolto em gás. Os rastreadores de matéria informaram sobre a composição da atmosfera e os mutantes não constataram nenhum impulso parapsíquico. A experiência, aliás, demonstrava que em planetas deste tipo não podia de fato existir vida inteligente. Poderia, sim, haver formas primitivas de vida, mas isto não interessava.

O primeiro planeta estava perto. O segundo se achava escondido atrás do sol vermelho. Assim, voamos para o corpo celeste mais afastado. Sua superfície estava incandescente, excluindo, pois, a possibilidade de vida.

Rhodan interrompeu a viagem e mandou inspecionar cada estação. Notei intranqüilidade nele. Para mim, não conseguia camuflar sua inquietação com uma calma artificial.

Estava meditando nas expressões da Nave Semeadora. Era um todo cibernético, complicado e de alta especialização. Em tais construções, erros eram coisa de cada dia.

Quando Rhodan perguntou por que razão os construtores não haviam emigrado para cultivar em outra parte do Universo o musgo de sua alimentação, a resposta fora: “Eles não emigram, eles estão.”

Que se podia entender com isto? Que significaria a expressão “eles estão”?

Olhando de outro ponto de vista, não havia dúvida de que tanto a nave de reconhecimento Scout como a Nave Semeadora agiram fora de planejamento. Era uma coisa sem lógica semear o musgo se a “Nave da Colheita” nunca iria aparecer para apanhar os fungos. Que se podia deduzir de tudo isto?

Meu cérebro adicional me dizia que os construtores haviam desistido das naves defeituosas e enviado depois outras unidades do mesmo tipo de construção.

Esta solução parecia plausível, supondo-se naturalmente que os desconhecidos construtores tivessem preferido colonizar um outro planeta. Depois de muito refletir, as informações obtidas na grande Nave Semeadora, desativada por Rhodan, pareciam de pouca monta. Os dados foram insuficientes. Mesmo a hipótese da existência de um povo galáctico, que se alimentava pelas vias respiratórias por não possuir aparelho digestivo, de nada nos adiantava.

Fora disso, constava que o planeta-pátrio destas inteligências havia esfriado — provavelmente por desvio de sua órbita. Podia ter sido também por uma catástrofe cósmica ou por uma era glacial, como sabemos da História da nossa Terra.

Eram estes os fatores com que podíamos contar. As demais informações do grande robô de nada valiam.

Esperei até que a Ironduke continuasse seu trajeto. O segundo planeta nos espreitava como um alfanje escondido atrás da bola de fogo do sol.

Nossas estações de rastreamento estavam com tripulação dupla. Não conseguimos, no entanto, vislumbrar nenhum ser vivo em grau mais avançado de desenvolvimento.

— Devem ter se degenerado — ponderou Bell em voz alta.

Olhou na mesma hora para a tela tridimensional do rastreador de eco. Os motores de propulsão do couraçado roncavam bem forte. Disparávamos em alta velocidade de encontro ao sol. Rhodan preferiu o caminho mais curto.

As usinas energéticas achavam-se em funcionamento para abastecer os envoltórios de proteção. Estávamos voando com uma velocidade de vinte cinco por cento da velocidade da luz, numa distância de oito milhões de quilômetros, ao lado do sol Outside. Ninguém notou as tempestades magnéticas no campo de choque de gravitação mecânica. Não deixei transparecer minhas preocupações. Eram demasiadamente intrépidos estes conquistadores terranos.

O ruído cavernoso enfraquecia à medida que nos afastávamos do atômico forno cósmico. O segundo planeta entrava em toda a sua redondez na tela de bordo. Estava funcionando também a tomada do lado de fora da nave, de maneira que recebíamos uma imagem colorida em terceira dimensão do estranho corpo celeste.

Entretanto, demorou ainda duas horas até chegarmos bem perto. Enquanto isso ficamos observando sem cessar, medindo e analisando. O planeta não oferecia mais segredos climáticos, atmosféricos e geográficos, embora não tivéssemos ainda desembarcado.

Os resultados das medições físicas foram conhecidos ainda quando o mecanismo de propulsão iniciou a inversão para plena aceleração da frenagem.

A rotação era de treze horas e quarenta e dois minutos. Portanto, os períodos diurnos e noturnos eram muito curtos. A gravidade, na zona equatorial, era de 0,89G. A atmosfera de oxigênio era idêntica à da Terra e altitudes médias de três mil metros. Portanto, respirável. A temperatura média girava em torno do ponto de congelamento. Em virtude da rápida rotação não havia diferenças extremas quanto ao clima.

Não se viam mares nem grandes rios. Os pólos recobertos de gelo tornavam o planeta muito semelhante a Marte. Dimensões, densidade, inclinação em relação à órbita e tantas outras coisas não nos interessavam tanto. Para nós, o importante era saber que se podia sair sem máscara de respiração ou de capacete aberto, porém de roupa grossa, devido ao frio. De acordo com isto, os guias do comando de ação receberam algumas instruções.

A gravidade um pouco menor que a da Terra era muito bem aceita, pois os equipamentos das unidades em terra firme tornavam-se relativamente pesados.

A Ironduke estacionou a trezentos mil quilômetros do segundo planeta. A viagem estava terminada. Agora, trabalhavam intensamente os telescópios e rastreadores do relevo.

Descobrimos gigantescas extensões desérticas cujo vermelho-escuro deixavam supor uma grande oxidação. Novamente me lembrei de Marte. Os pontos mais altos alcançavam uma altura de mil metros em alguns picos.

Tudo por tudo, tratava-se de um planeta cuja decadência começara, pelo menos, há cem mil anos. Talvez fossem milhões de anos, não o sabíamos.

O segundo planeta teria sido outrora um corpo celeste florescente. Ninguém podia dizer de que maneira ele se afastara de seu sol. A camada atmosférica estava sempre encoberta por nuvens baixas. Reparamos ainda, em alguns lugares, montões de areia, o que nos levava a admitir tempestades.

Estava ainda diante da grande tela, tentando resolver o enigma dos construtores, quando a central de rádio deu o alarma. Rhodan apertou o botão do intercomunicador. Apareceu a imagem do radiotelegrafista.

— Há um minuto estamos recebendo sinais de rádio, senhor — comunicou um tanto excitado. — São ondas ultracurtas normais. Os sinais chegam bem fracos, mas em compensação não terminam. É uma transmissão contínua, senhor.

— Ondas ultracurtas?! — perguntou Rhodan, admirado.

— Perfeitamente, senhor.

— Nada mais, fora disso? Não há outros impulsos?

— Não, senhor. O planeta possui uma camada de reflexão. As ondas ultracurtas ainda são perceptíveis. Ondas curtas comuns não conseguimos captar. As freqüências oscilam, mas estão todas dentro da faixa de ultracurtas. Parece que o único meio de comunicação é o rádio.

— Esquisito. Não há realmente nenhum impulso de hipercomunicação? Você não está enganado?

— De maneira alguma, senhor! Como disse, há uma intensa irradiação, mas em ondas ultracurtas.

— Você tentou alguma decifração?

— O automático está funcionando, senhor. Até agora, trata-se apenas de grupos simbólicos. Totalmente incompreensíveis.

Rhodan desligou. Acompanhei-o muito curioso. Em seguida pronunciou aquelas palavras que ouvi muitas vezes em belonaves terranas. Já eram usadas nos tempos de Nelson. O Império Solar as adotou.

— Major Claudrin, quero a nave preparada para a batalha. Por questão de segurança, vamos mostrar as torres de armas para os desconhecidos.

— Major Krefenbac, anuncie estado de prontidão para toda a tripulação — ordenou o comandante a seu primeiro-oficial.

O primeiro-oficial apertou o botão vermelho. No bojo esférico do grande couraçado começaram a tocar as sirenas. Era o velho barulho que todos conheciam. Quantas vezes eu mesmo comandei o estado de alerta. Quantas vezes voei para uma batalha para saudar os inimigos de Árcon com o fogo atômico. Gostaria, neste momento, de poder ainda dar ordens a uma grande esquadrilha.

A Ironduke parecia agora um formigueiro. Tudo se mexia na maior coordenação. O sistema ali desenvolvido só poderia ser entendido por um técnico no assunto. Todo movimento, toda ligação era bem-sucedida. Ouvia o bater das portas blindadas de fechamento automático, sendo que o interior da grande nave possuía mais de duas mil delas, formando espaços hermeticamente fechados. Uma boa divisão do bojo de uma nave era muito importante para uma excelente disposição das armas de defesa.

As telas dos aparelhos de controle de 43 cm já estavam com imagem. Cada uma mostrava uma seção diferente de maneira que o posto de comando estava em constante contato com a tripulação. Luzes azuis indicavam que toda a instalação automática achava-se agora ligada diretamente via rádio.

Um tiro certeiro poderia destruir a ligação de algum cabo. Mas os terranos não pouparam dinheiro para poder afastar também esta possibilidade de erro.

As câmaras de televisão postadas fora da nave mostravam agora as torres blindadas das armas que saíam da carcaça esférica, o que eu achei uma coisa maravilhosa.

Nas naves arcônidas, se fazia isto por meio de campos magnéticos. Já que eles dependiam de uma fonte elétrica, os disparos inimigos se tornavam duplamente perigosos. As torres ficavam imobilizadas, mesmo que não estivessem danificadas. Os terranos se utilizavam de um método super velho, mas de uma segurança absoluta. Cada torre de artilharia tinha uma instalação hidráulica própria, que, em caso de necessidade, podia funcionar com uma bomba manual. Estas eram as naves que ainda podiam entusiasmar um velho almirante do meu feitio.

Tradição e técnica moderníssima estavam de mãos dadas. Depois de dois minutos chegaram as primeiras comunicações de prontidão. Logo a seguir, todos os postos comunicaram ao comando estar tudo pronto para a luta.

Era uma escala de valores que os arcônidas jamais atingiriam. A tripulação da Ironduke parecia constituída de artistas. Como chegaram os homens tão rapidamente aos seus postos de combate? Talvez fossem transportados através de tubos de ar comprimido?

— Devagar demais, muito, muito devagar... — dizia o comandante. — Vocês já fizeram isto melhor. Preparem-se, que depois desta operação teremos que fazer vários exercícios. Transmita isto, Major Krefenbac.

Rhodan sorria e eu estava boquiaberto com o que via.

— Reinicio do vôo dentro de três minutos — ordenou o administrador. — Rota polar. Sessenta minutos de translação. Calcular, fazer e executar a conversão!

Eu era, a bordo, o observador crítico. Fazia comparações entre os terranos, arcônidas e todos os povos que se dedicavam à Cosmonáutica, que eu conhecia. Mas os terranos estavam muito à frente.

O conjunto de propulsão começou a roncar e cinco minutos depois começou a manobra de adaptação. Aos nossos pés se arqueava o segundo planeta do sol Outside. As usinas elétricas também entraram no ritmo da atividade geral. Nossos envoltórios energéticos já estavam suportando uma tempestade atômica. Eu, porém, não acreditava mais em sermos recebidos com armas ofensivas.

John Marshall me chamou a atenção, apontando para o meu uniforme espacial. Vesti-o, já que isto fazia parte da ordem de serviço. Neste momento, o próprio administrador Perry Rhodan estava atarraxando seu capacete. Ligou também o micro aparelho receptor e transmissor embutido.

Rhodan nunca omitia uma única medida de segurança.

— Até que enfim! — disse alguém.

Queria perguntar pelo sentido da expressão, mas então eu também descobri a cidade, que deslizava nas telas de teleótica.

— Ampliação! — pediu Rhodan.

A cidade parecia estar saltando de encontro à nave. Vimos edifícios de diferentes arquiteturas. Uma coisa, porém, todos tinham em comum: uma tela com um brilho de prateado com vergalhões ou hastes de sustentação.

— Puxa!... — resmungou Rhodan. — Vamos tocar um pouco mais para frente. Filmar tudo que for possível. Preparar a interpretação.

Demos a volta pelo planeta que, em conseqüência de sua rotação, ia sempre fugindo de nós. Se ficássemos o tempo suficiente na mesma órbita, teríamos logo uma visão de conjunto sobre toda a superfície. Admirava-me de que Perry Rhodan não soltava nenhuma sonda. Os dados cartográficos se resolveriam em duas horas.

O serviço de rastreamento comunicou que aparelhos voadores estavam sendo preparados para decolar. Foi então que compreendi por que ele não soltou nenhuma sonda pelos tubos de disparo. Os sensores energéticos reagiam normalmente, mas eu me assustei com os primeiros resultados da observação.

Lá embaixo, no planeta, desenvolviam-se complicados processamentos nucleares. A fisionomia de Rhodan parecia uma máscara de granito, quando falou:

— Coisa singular, meus senhores! Aqui é o reino do ciclo da catalise do carbono, que eu, aliás, conheço. Tal mundo transmite ainda ondas ultracurtas, que não estão de maneira alguma em proporção com os conhecimentos científicos do átomo. Seria como se equipássemos a Ironduke com arco e flecha ao invés de com a artilharia eletro-positrônica. Ao Tenente Alkher: fique com a ponta dos dedos nos botões do “órgão” de fogo.

 

Nossa positrônica de pontaria trabalhou um microssegundo mais depressa. Fui estremecido pelo disparo do costado. O estampido fez tremer toda a cabina, acho que toda a nave. Mas o raio energético, percebido a tempo pelos instrumentos, sibilou rente da Ironduke.

Abaixo de nós, a uns setenta quilômetros, explodiram cinco cúpulas, como se fossem bombas atômicas. O cogumelo que dali se levantou comprovava o desencadeamento de um violento processo atômico. A onda de compressão disparou fulminante sobre o solo plano, produzindo um furacão de poeira e arrasando construções nas imediações.

Aqui em cima, não sentimos nada. Dez segundos antes de abrirmos fogo contra o planeta, o telepata John Marshall declarara que neste mundo não havia mais seres vivos. E o que Marshall dizia era sempre de plena confiança. Ele e os outros mutantes dificilmente se enganavam. Assim, Rhodan somente mandou abrir fogo contra o suposto forte, depois que suas instalações automáticas atacaram a Ironduke.

Na tela panorâmica de visor óptico, não se via mais nada além dos resíduos das explosões atômicas. Os aparelhos voadores, constatados antes, haviam desaparecido.

Para minha surpresa, surgiram de novo, assim que as nuvens da detonação foram afastadas pela ventania que vinha de baixo.

— Estes corpos voadores são ou não tripulados? — perguntou Rhodan.

Marshall e Gucky auscultaram com seus miraculosos sentidos. As mulheres mutantes não tomaram parte nesta expedição. Faltavam então as preciosas telepatas Betty Toufry e Ishi Matsu.

— Nenhuma vida — respondeu John. — Neste planeta não há nenhum ser racional.

Rhodan parecia um pouco indeciso. A belonave estava parada sobre o deserto. Mais para o leste, estendia-se uma cordilheira, diante da qual estivera há poucos instantes o forte. Ao sul das montanhas, descobrimos as construções de uma cidade. Era a maior deste mundo, que eu, neste momento, batizei como “O Planeta da Mecanização”.

Examinamos conscienciosamente toda a superfície. A maioria dos povoados estava em ruína, mas viam-se por toda parte pequenas naves robotizadas. Pareciam obedecer a uma programação muito antiga. Cada unidade voava somente num determinado setor. Vez por outra, vimos formações compactas de pequenas naves esféricas, que não se preocupavam conosco.

Também os demais postos de defesa que encontramos em volta da cidade não demonstraram nenhuma reação. Aquela que Rhodan acabara de aniquilar foi o único que acusou uma sombra de reação, usando um controle robotizado.

Comuniquei aos terranos o nome que arranjara para o planeta.

— Nada mal, parece combinar muito bem com esse montão de areia — disse Bell. — Mas é isso... para os meus conceitos, o negócio parece inofensivo demais. Estamos ainda no ar. Eu, por mim, não desceria de maneira alguma.

Rhodan ligou a óptica para a ampliação de vinte vezes. As torres arquitetônicas se ampliaram, mas a nitidez da imagem perdeu um pouco em qualidade. Eram os conhecidos efeitos de distorção no âmbito da atmosfera.

— Sei que você está falando sinceramente. Mas nós vamos aterrissar assim mesmo.

— O quê...?

— Resguardaremos a nave e então pode vir o que vier. Marshall, quero lhe perguntar com toda seriedade se existe vida orgânica neste planeta.

— Não há vida nenhuma, senhor.

— Confirmo as palavras dele. — Chilreou Gucky, que acompanhava as imagens na tela com grande interesse, e com um espalhafatoso movimento da cauda acrescentou: — O que lá existe, são os estúpidos robôs que fazem apenas o que lhes foi ditado há talvez dez mil anos atrás. Não vão acabar com esta palhaçada até que caiam aos pedaços, corroídos pela ferrugem. Tudo está mecanizado. Vou afastar estes robôs da nossa nave.

Ignorou nossos olhares cheios de ironia. O pequeno mutante se sentia novamente com muita disposição. A radiocomunicação permanecia a mesma no segundo planeta. Continuávamos recebendo inúmeros sinais, alguns em ondas médias, às vezes até mesmo em ondas longas.

Já estava fora de dúvida de que as naves robotizadas eram controladas por ondas hertzianas. Assim que chegamos a esta conclusão, começamos a procurar pelo transmissor. De início, cometemos muitos erros, pois havia estações em cada canto. Mas eram apenas blocos de relês, abastecidos por uma central.

Descobrimos tais instalações simultaneamente com a grande cidade. Devia existir um robô-transmissor que irradiava ao mesmo tempo em muitas freqüências. Os especialistas de rádio aquilatavam a potência total em cerca de cinqüenta mil kilowatts. Podia imaginar a floresta de antenas necessárias para a retransmissão de todas estas ordens. Falando mais tecnicamente, a central devia ser constituída por inúmeros transmissores, a não ser que se tivesse conseguido um meio de, com uma só instalação, transmitir em várias freqüências. Achava que isto era impossível. Se as ondas viessem umas depois das outras, bastaria uma só estação. Também nós usávamos sensores para codificação de certas mensagens sobre toda a gama de uma faixa de freqüência.

Desta forma, dividiam-se mais uma vez os impulsos curtos. Mas não era este o caso. Todos os receptores de bordo recebiam as diversas ondas no mesmo instante. Portanto, devia haver uma multiplicidade de estações transmissoras.

— Provavelmente, cada unidade robotizada ou cada grupo de trabalho especializado é controlado por uma estação diferente — disse Rhodan.

Acenei concordando. Ele tinha os mesmos pensamentos que eu.

— Rastreamento de energia a sudoeste da cidade, distância cento e vinte e três quilômetros. Ponto de partida a cento e noventa e dois graus. Espécie de energia: fusão nuclear. Provavelmente uma segunda fortaleza, senhor.

Rhodan ouviu a mensagem com atenção. Pegou lentamente o microfone. Todos na central de comando se mantinham em silêncio. O Major Jefe Claudrin estava com a mão na alavanca da partida de emergência automática.

Rhodan perguntou, pela terceira vez, se havia vida no planeta e mais uma vez os mutantes disseram que não.

— Para a seção de rastreamento. Estamos ao alcance de vista deste forte?

— Perfeitamente, senhor. Cerca de vinte quilômetros acima do horizonte do eco.

— Atacar — aconselhei eu. — Os robôs não sofrem nada com isto e nós nos livramos de ser atingidos por eles.

— Laboratório de Física — anunciou o matemático Riebsam pelo intercomunicador. — O disparo do raio energético que passou rente à Ironduke é uma carga de forte narcótico, mas que não deixou resíduos no envoltório de proteção. Muita atenção, os fortes parecem trabalhar com a mesma arma que foi Usada pela Nave Semeadora contra nós.

— Muito humano, mesmo! — disse eu, secamente. — Apesar de tudo, eu atacaria. Quem sabe o que se passa num robô?

Pouco depois se descobriu um terceiro forte. Estava mais longe, a oeste da cidade, que também se achava circundada por um cinturão de casamatas.

Rhodan deu enfim suas instruções. Um solavanco forte do mecanismo de propulsão fez com que a Ironduke subisse imediatamente. De oitenta quilômetros de altura ainda se podiam ver as torres do forte.

— Ao oficial chefe da artilharia: objetivo está a 192 graus. Está reconhecendo?

— Objetivo visto, senhor! — respondeu Brazo Alkher.

Não me causava mais espanto que um homem no posto simples de tenente ocupasse a direção do setor de artilharia do couraçado. Este Alkher era mesmo um fenômeno. Rhodan parecia saber por que não promovera ainda o intrépido Tenente Brazo Alkher. Alkher pertenceria àquele punhado de homens que um dia escreveriam a história do Império Solar. Rhodan pretendia tê-lo o mais tempo possível sob seu controle.

Mal Rhodan acabara de falar, a tecla vermelha foi acionada. Ofuscado, fechei os olhos, enquanto as labaredas semelhantes às do sol disparavam de encontro à fortaleza.

Esperamos até que as ondas de compressão tivessem terminado. A cidade desconhecida fora envolvida por uma massa de areia que subia ao céu. Os cristais formaram uma camada de reflexos que impedia os raios de rastreamento.

Uma hora mais tarde, amainou a tempestade de poeira. E as torres estavam de pé. Se algumas delas desmoronaram, não pudemos ver. Os transmissores continuavam funcionando como antes.

Rhodan apoiou-se no espaldar da cadeira, suspirando:

— Estou convencido agora de que este mundo merece o nome que Atlan lhe deu. O desconhecido não tolera ser vivo. As naves robotizadas ainda estão voando?

— Grandes esquadrilhas levantam vôo, outras aterrissam e no horizonte se movimentam aparelhos voadores maiores.

— Não vê outra coisa mais?

A voz do oficial de serviço tinha um tom de decepção:

— Nada, senhor, absolutamente nada. Ninguém se incomoda conosco.

O administrador foi para o posto dos controles por via óptica. Dirigiu as câmaras para todos os lados, até dar com um planalto rochoso de uma altitude relativa.

— Claudrin, aterrisse ali aos pés do planalto. O pólo superior da esfera ultrapassará por muito o planalto. Mas mesmo assim, temos uma boa cobertura.

Voltamos para a central de comando e a Ironduke se pôs a caminho. Numa tela do circuito interno de televisão, vi Brazo Alkher, sentado diante do painel de ligações das instalações positrônicas da artilharia. As pontas dos dedos repousavam nas teclas vermelhas. Era ele quem, em caso de necessidade, podia transformar o planeta num inferno.

Estávamos ainda a dois mil metros de altura, já em plena descida para o misterioso mundo, quando se deu que dois aparelhos robotizados em operação bateram de encontro ao nosso envoltório de proteção. Desapareceram em rápidas labaredas, deixando apenas uma nuvem de fumaça.

Era grande a expectativa geral. Alkher se mantinha com o corpo levemente inclinado para frente. Quando, depois de vários minutos, nada aconteceu, nossa tensão nervosa diminuiu. O chefe supremo dos terranos deu um sorriso incerto.

— Se isto não for a calmaria antes da tempestade, não quero mais me chamar Perry Rhodan.

— E eu vou engolir a Ironduke, como se fosse um comprimido para dor de cabeça — disse Gucky. — É claro que nos perceberam já há muito tempo.

Os suportes telescópicos de apoio para a aterrissagem já estavam para fora do bojo. Sem nenhuma sacudidela, a nave gigantesca de oitocentos metros de diâmetro pousou. Os longos suportes de aterrissagem afundaram no terreno até encontrarem rocha. A posição oblíqua daí originada foi corrigida imediatamente por dispositivos automáticos. Os suportes 4 e 7 foram espichados mais um pouco, enquanto os outros se recolheram na medida certa.

Os neutralizadores da força da gravidade funcionavam normalmente. Apenas os reatores atômicos das usinas de eletricidade trabalhavam em plena carga. Nossos envoltórios magnéticos foram elevados ao grau de carga XII, isto é, quase ao máximo. Circundando toda a nave, bem rente de sua carcaça, os envoltórios não tocavam o solo do planeta. Não conhecia nenhuma arma que fosse capaz de atravessar ou neutralizar esta concentração de força.

Além disso, as naves terranas só poderiam ser prejudicadas por disparos laterais de outras belonaves pelo menos três vezes mais fortes. Estávamos, pois, seguros.

O sol pendia no poente e estava surgindo a rápida noite naquele mundo robotizado.

 

Os pesadelos me interrompiam o sono. Acordei muitas vezes, nervoso, para ouvir um ruído que minha fantasia inventava. A noite teria somente cinco horas e eu não tinha dormido nem dez minutos.

Respirando com dificuldade, apalpei procurando pelo botão automático da aeração e fiz com que o ar penetrasse no colchão de espuma de borracha. Minha cabina era grande e agradável, com ótimas instalações. Estava até desconfiado de que Rhodan me cedera seus próprios aposentos. Mas nada disso conseguia fazer com que eu dormisse normalmente.

Meu setor lógico se apresentava a cada momento com impulsos de alarma ou de explicações técnicas. Nosso empreendimento até o presente momento estava totalmente ineficaz. Tinha-se a impressão de que ninguém mais sabia os objetivos de nossa tão longa viagem. A questão não era estudar um corpo celeste totalmente mecanizado e mais ou menos, com jeito, escapar de seus perigos.

O decisivo, o ponto nevrálgico, era descobrir a “Nave da Colheita”. Achava-se que ela estava neste planeta. Mas, onde? Logicamente tinha que seguir para um dos planetas infestados pela Nave Semeadora e de lá trazer a colheita dos fungos para a terra da mecanização.

Contra isto estavam aí os fatos, pois os construtores tinham morrido. Mesmo que tudo estivesse em ordem, por que motivo a “Nave da Colheita” não estava mais operando? Os transmissores ainda funcionavam; inúmeras espaçonaves deslizavam sobre os vastos desertos e... o próprio forte reagira.

Depois de quebrar a cabeça por mais de uma hora, julguei estar com a solução. Constava como fato evidente que a Scout e a Nave Semeadora agiram sem planificação. Os dados de posicionamento não eram mais transmitidos para este planeta, motivo pelo qual também a “Nave da Colheita” não podia decolar. Portanto, devia estar aqui, neste mundo morto, no meio do abismo sem estrelas, entre as galáxias.

A partir daí, não tive mais um momento de sossego. Indignado comigo mesmo, balançava a perna na beira da cama. O administrador dormia tranqüilo na cabina ao lado. Tencionava arrancá-lo do seu repouso.

Vesti novamente meu luxuoso uniforme de imperador e fui até a porta da cabina. Ao pegar na maçaneta para abrir, senti vergonha de mim mesmo. Como poderia chegar à idéia maluca de perturbar o sono do meu amigo, que arcava o tempo todo com a pesada responsabilidade?

Disse uns palavrões na língua que era falada na época dos normandos. Aborrecido, sentei no canto da cama e comecei a roer as unhas.

Depois, comecei a refletir com que truque se podia induzir o comando robotizado da “Nave da Colheita” de se dirigir o mais rápido possível a Árcon II para salvar meu povo.

Teríamos que modificar o transmissor da espaçonave, simular bem os impulsos certos, voar para o espaço e de lá imitar a Nave Semeadora. Somente assim haveria uma solução.

“Solução possível?”, perguntou meu setor lógico, entre irônico e desanimado.

Comprimi a testa com as mãos e maldisse os cientistas que, há muitos milênios, ativaram meu cérebro adicional.

“Bobagem!”, continuou o setor lógico. “Chame o médico ou tome um comprimido.”

Notei que estava no caminho mais curto e certo para perder os nervos. Entreguei-me a um bom exercício de Yoga, como aprendera no velho Tibet. A calma voltou a mim.

Um terrível som agudo me atingiu de tal maneira os nervos que, assustado, me levantei de um pulo. O som penetrante veio do alto-falante do intercomunicador. Eram as sirenas de alarma que começaram a estrugir.

Atravessei a cabina, tropecei num tamborete e caí no chão. Procurei imediatamente pelo interruptor da luz. Minha pistola energética ficara sobre a mesa. Peguei o cinturão com o coldre da arma e corri para a porta.

Chegando lá fora, ouvi uma gritaria mais forte ainda.

— Aqui fala o comandante, que foi que aconteceu? — reboava o vozeirão de Claudrin nos alto-falantes.

Alguém respondeu, mas com voz tão estridente que ninguém compreendeu.

— Aqui fala o oficial de vigilância — interveio uma outra voz. — O guarda do setor de Botânica presenciou um fenômeno. Todas as plantas foram arrancadas da terra, onde estavam plantadas, ou da solução de sal. Agora estão pendentes do teto!

— Do rastreador ao comandante — disse uma terceira pessoa.

— Uma quadrilha de corpos esféricos desliza sobre nós. Captamos uma irradiação singular, porém inofensiva.

Rhodan saiu correndo de sua cabina, passou por mim sem dizer uma palavra. Eu o segui na maior excitação.

Como se poderia captar uma irradiação singular se a Ironduke estava circundada pelo melhor envoltório de proteção de toda a Galáxia? Talvez fosse alguma coisa que era absorvida pelas telas dos campos ou não podia ser refletida.

É claro que toda a tripulação estava preparada para tudo. Todos os postos estavam ocupados. Os homens, que agora corriam com roupas de baixo pelos corredores, eram voluntários que se apresentavam, interrompendo sua folga.

Mais tarde não consegui me lembrar como havia chegado do convés equatorial até o setor onde estavam as plantas.

Todas as espaçonaves terranas estavam equipadas com estufas onde eram cultivadas plantas ricas em vitaminas. Hortaliças frescas eram uma coisa indispensável em longas viagens e, além disso, estas plantas ajudavam a renovar o estoque de oxigênio.

Os mutantes já estavam presentes. Os teleportadores, naturalmente vieram num único salto, como Ras Tschubai me explicou rapidamente.

Alguém estava rindo estrondosamente. Bell vestia um pijama roxo estampado com borboletas amarelas e folhas de trevo cor-de-rosa. Tudo isso ainda passava, se não fosse o enorme fuzil automático que trazia nos braços. Nunca tinha visto a tripulação da espaçonave terrana numa atitude tão quixotesca.

— Calma a bordo! — gritou Rhodan.

O administrador portava ao menos uma calça de uniforme.

O guarda da estufa, um jovem de cabelos de um louro-claro, ainda estava gaguejando. Era, sem dúvida, um ótimo soldado, mas o que aconteceu com as plantas quase o deixou maluco.

— Domine-se, rapaz — disse Rhodan calmo.

Reinava profundo silêncio.

— Que foi que aconteceu? Por que razão tocou o alarma? — indagou Perry.

— Senhor, eu... Venha ver o senhor mesmo.

Entramos na estufa da frente. Eram muitos compartimentos compridos onde ardiam sóis artificiais. Ali se usava o melhor húmus da Terra para garantir o suprimento dos espaçonautas. Nos demais recintos, estavam os vasilhames com os líquidos nutritivos. Criavam-se plantas especiais que aliás vicejavam melhor nas espaçonaves do que na própria Terra.

— Estou ficando maluco — disse Bell, contemplando sem compreender o quadro das plantas no teto.

Eu, ao contrário, fiquei olhando para os canteiros vazios, tratados por instalações robotizadas. Havia aqui muita alface e cenoura, mas de toda esta exuberante plantação, não se via mais nada. Os “produtos agrícolas” estavam colados no teto.

— Minhas cenouras, adeus! — gritava Gucky fora de si. — Eram roliças e muito gostosas.

Rhodan pegou-me pelo braço e me puxou um pouco para trás. As plantas lá em cima começaram a apodrecer e soltar seiva Todos recuaram, fugindo da chuva vegetal.

— Do ponto de rastreamento para o chefe: as naves esféricas se afastam. A irradiação está diminuindo e não dá mais para se perceber. Fim.

Foi então que suspeitamos o que estava acontecendo. Rhodan tossiu. Bell esfregou as costas da mão no queixo.

— Vocês estão notando alguma coisa? — perguntei eu. — Ao começar a irradiação, as plantas subiram. Quando esta mesma irradiação atingiu seu ponto crítico, murcharam e se liquidificaram, caindo depois, quando terminou a irradiação. Agora nada mais se mexe. Vocês querem saber o que representavam os vários aparelhos robotizados, voando em cima de nós?

É claro que Rhodan já o sabia e me cortou a palavra.

— Muito obrigado. É natural que compreendemos. Até terranos são capazes de compreender isto, arcônida.

— Você não tem jeito, seu bárbaro — disse irritado.

Riu de mim, depois caminhou para o mais próximo aparelho de intercomunicação e retirou o microfone do gancho.

— Major Claudrin, está me ouvindo?

— Eu o estou até vendo. Preferi visitar o posto de comando.

— Se você vir de novo estes corpos esféricos se aproximarem de nós, atire imediatamente. São unidades trabalhando na colheita.

— Como, por favor?

— São pequenas naves robotizadas, que desde muito tempo têm a incumbência de colher os fungos do musgo da gordura. A única coisa que me parece obscura é por que elas tentam ainda neste mundo desértico procurar alimento para os construtores já falecidos. Talvez, o último ser inteligente antes de sua morte não quis ou não pôde desligar esta civilização de robôs montada naturalmente com muito sacrifício. Assim estas pequenas naves de colheita continuam sua programação, até que um dia caiam aos pedaços, como ferro velho. Está claro?

— De maneira alguma, senhor — resmungou o epsalense. — O que isto tem a ver com nossas plantas?

— Minhas cenouras! — gritou Gucky, em voz de choro.

— Fique quieto, por favor, Tenente Guck! — disse Rhodan e o rato-castor milagrosamente parou de falar.

— Está ouvindo ainda, Jefe? — continuou Perry. — A irradiação que foi captada pelo posto de rastreamento é inofensiva. Deve se tratar, portanto, de uma espécie de energia que atua sobre as plantas, como também sobre as sementes, como um campo de tração magnética sobre limalhas de ferro. Agora sabemos como são colhidos os fungos do musgo supernutritivo. Eram sugados simplesmente, pulverizados através de uma mudança de freqüência do campo de sucção e finalmente se tornavam uma farinha.

— E eu sempre pensei que os construtores não necessitavam ingerir nada. Como se pode respirar um líquido? — indagou Gucky.

— Suponho que eles possuíam um meio de ressecar este extrato e de reduzi-lo a uma espécie de fungo respirável. Agora, não me pergunte como se fazia isto. De qualquer maneira, o enigma dos aparelhos voadores sobre nossas cabeças já está resolvido.

Tinha minhas dúvidas, embora os acontecimentos não permitissem outra explicação. Tentei achar outra solução, mas não obtive nenhum resultado.

Os botânicos examinaram as outras seções da estufa. Não sobrou nada. Rhodan chamou novamente o comandante.

— Jefe, comece a tomada de oxigênio. Quero estar preparado para qualquer eventualidade.

Entramos pensativos no elevador gravitacional e subimos. No corredor das cabinas, o professor Kalup já estava esperando. Tinha se vestido com toda calma.

— Vou procurar estudar este campo de sucção — prometeu ele. — O senhor tem alguma sugestão?

Senti-me honrado com a pergunta do cientista.

— Não tenho a menor idéia, professor, a não ser que as plantas irradiem algo que se possa extrair mecanicamente. Acho que estas inteligências se especializaram nesta questão. Não tente, porém, reconstruir o campo de sucção. Mesmo que o senhor chegue a uma solução, vai precisar para isto muito tempo e não temos realmente muito tempo.

Olhou-me com muita atenção.

— Como o senhor achar melhor, imperador. Isto naturalmente não vai ser de um dia para o outro.

Rhodan entrou em minha cabina. Deitou-se na cama e cruzou os braços sob a nuca.

— Não pense que me esqueci de seus cuidados. São também os meus. Se Árcon II tiver que ser sacrificado, não se conseguirá mais conter a bancarrota comercial do império. Os efeitos sobre a balança comercial da Terra também seriam muito sérios. Você acha que a “Nave da Colheita” se encontra aqui?

Estava ouvindo a vibração das bombas de ar. Claudrin estava sugando o ar de fora, purificando-o dos fungos e separando o oxigênio de outros gases. Os tanques de oxigênio líquido estavam se enchendo.

— Vamos encontrá-la, talvez, num espaçoporto da cidade. Temos que investigar primeiro os transmissores do hiper-rádio. Depois de o descobrirmos, temos que saber se com ele conseguiremos influenciar a mecânica robotizada da “Nave da Colheita”.

— É de se supor que sim. E depois?

Seu olhar penetrante me deixava nervoso. Apertei o botão da refrigeração automática.

— Quer beber alguma coisa?

Abanou a cabeça negativamente.

— Perry, temos que achar uma solução.

Levantou-se e estirou os braços.

— Tente dormir mais um pouco. Dentro de uma hora ficará claro. Aí vamos continuar. Se a “Nave da Colheita” for do mesmo tamanho que a da semeadura, não pode passar despercebida.

Fez-me um gesto com a mão e foi-se embora, enquanto eu comecei meu vaivém pela cabina.

 

Os caças do segundo grupo roncavam sobre nossas cabeças. Vinte e sete aparelhos, todos embutidos e equipados com canhões de impulso, atacavam uma esquadrilha de naves robotizadas.

Eram as conhecidas construções esféricas que, vinte minutos após nosso desembarque, surgiram no horizonte.

Estávamos no sopé da cadeia de montanhas e de lá podíamos observar nossa espaçonave. Às nossas costas estavam os dois tanques anfíbios do comando de ação. Outras tropas estavam a caminho para examinar as fortalezas intactas. Rhodan queria ter todos os dados sobre a perigosa arma narcótica. Os especialistas da Ironduke receberam a incumbência de trazer para bordo, de qualquer maneira, um canhão em bom estado de funcionamento com todos os acessórios.

Não estava de acordo com isto. Depois do raiar do dia, sobrevoamos a cidade numa gazela. Uma espaçonave grande, do tipo da Nave Semeadora, não conseguimos achar, embora usássemos todo tipo de rastreamento.

Os rastreadores de energia acusaram que em ao menos três locais funcionavam reatores atômicos. Em lugar nenhum, porém, se encontrou vestígio da “Nave da Colheita”.

Voltamos e resolvemos tentar um avanço com os blindados voadores. Tratava-se de um modelo aperfeiçoado do antigo Shift. Principalmente o equipamento bélico fora sensivelmente melhorado, o que naturalmente exigira a construção de melhores fontes de energia.

Abrigamo-nos atrás dos blindados. Os canhões de impulso levantaram para o céu azul seus longos tubos. Respirávamos com facilidade. A temperatura estava em torno de três graus abaixo de zero, o que era suportável.

À nossa frente ia o aparelhamento do intercomunicador que nos punha em contato direto com a Ironduke, onde, no momento, funcionavam todos os computadores. Poucos instantes antes de nossa saída de bordo, a nave-mãe recebera novos sinais. Tratava-se ainda dos grupos simbólicos que já conhecíamos. Não seria muito difícil decifrá-los.

Rhodan olhava sempre para cima. Trazíamos uniformes de combate, bem aquecidos, e capacetes com o minirrádio. Nossas armas eram as mais modernas. O ronco dos conjuntos de propulsão não parava e ouvimos todas as comunicações do rádio. O comandante dos caças, Major Campani, dirigia pessoalmente a operação.

— Drossel para Nest. Suba mais um pouco e ataque no sentido dos raios do sol. Já se está sentindo a irradiação da força de sucção.

— Compreendido, Drossel, vou atacar.

Tinha que estar reconhecido a estes homens em quem se podia confiar. Os caças subiram, quase a pique, deram meia-volta e dispararam contra a esquadrilha dos aparelhos esféricos.

Já me era conhecido aquele relâmpago esbranquiçado no nariz dos caças. Antes que pudesse fechar os olhos ofuscados, explodiram os sete aparelhos robotizados. Seus escombros incandescentes foram de encontro ao planeta.

Os caças passaram sibilantes sobre nós a uma velocidade de pelo menos vinte vezes à do som. Quando virei a cabeça, já haviam desaparecido.

Segundos depois, chegaram as ondas de sua passagem. Apertei com as mãos as saídas dos alto-falantes do capacete e me abriguei atrás do carro blindado.

A Ironduke não disparara um só tiro. Rhodan não queria fazê-lo, enquanto os caças de bordo estivessem em condições de resolver a situação.

Perry se levantou e espanou a poeira do uniforme. Os quarenta soldados do comando de ação estavam em volta de nós. Gucky, o teleportador Ras Tschubai e o espia Wuriu Sengu faziam parte do grupo. Os demais mutantes estavam ocupados ou na Ironduke ou em atividade na fortaleza no leste da cidade.

— Novas esquadrilhas da direção norte — soou dos alto-falantes a voz forte de Claudrin.

O aparelho de intercomunicação mostrava o rosto quadrado do fantástico comandante.

— O quê? De novo?! — indagou Rhodan, espantado.

— São pelo menos quinze aparelhos, senhor, e os estamos vendo na tela. O senhor não quer vir para a Ironduke? O negócio não parece muito bonito.

— Você ainda vai me arranjar uns cinqüenta aviões do bojo da nossa nave, não é?

— Posso lhe dar minha palavra, senhor. Eu... oh! neste momento se apresenta o Departamento de Matemática. Um momento, chefe.

Curvei-me curioso sobre o aparelho. Que significariam estes sinais? Localizáramos a estação! Estava na cidade!

— Você tem som? — escutei o primeiro-oficial perguntar.

Quando Krefenbac usava sua expressão predileta, devia ter acontecido coisa muito importante.

O rosto de Claudrin apareceu de novo.

— Nada mal, senhor. A decifração foi fácil. São sempre os mesmos grupos de sinais que eram usados pela Scout. Isto nos prova que estamos no planeta certo.

— Não fale demais. Qual é a novidade?

— Ouça este texto: Distribua seus benefícios, ou eu a destruirei.

O major silenciou. Nós esperamos, mas ele nada disse.

— É só isso?

— Perfeitamente, senhor, há também a interpretação logística aqui comigo.

— E o que ela diz?

— A Ironduke está sendo confundida por uma unidade robotizada de comando com a “Nave da Colheita”. Esta estação robotizada é incapaz de identificar a tripulação da nossa nave como seres orgânicos. Estamos sendo intimados a devolver toda a colheita.

Senti um calafrio. Meus piores receios se transformaram em realidade. Quando, durante o vôo que fizemos duas vezes em torno do planeta, não achamos a “Nave da Colheita”, meu setor lógico chegou à conclusão de que não poderia estar mesmo neste mundo.

Claudrin terminou seu relato:

— O Departamento de Matemática constata que o aparelho da colheita não está aqui e há muito tempo não pode ter estado aqui. Portanto, a declaração da Nave Semeadora está confirmada. A terceira unidade realmente desapareceu. Mais uma coisa, senhor! O rastreamento anuncia um campo energético de sucção que acaba de se formar no sul da cidade. Lá estão as cúpulas transparentes que o senhor filmou. Riebsam supõe que são o “refeitório” dos construtores. A “Nave da Colheita” aspergia no ar aquecido sua carga e as falecidas inteligências ali entravam e matavam sua fome aspirando os fungos.

Mal podia disfarçar meu desespero. Fora tudo inútil. Como é que Árcon II poderia ficar livre dos infernais fungos do musgo da gordura, se não mais existia a “Nave da Colheita”?

Apresenta-se de novo meu setor lógico. Sabia das minhas aflições. Para ele o caso já estava encerrado.

“Voe imediatamente de volta para casa e inicie a evacuação. Árcon II está perdido.”

— Não! — gritei desesperado.

Rhodan se virou para trás. Os outros terranos olharam para mim com compaixão.

— É seu sexto sentido, Atlan? — perguntou em voz baixa.

Confirmei, aniquilado, com um simples movimento de cabeça, incapacitado de falar. Gucky se achegou a mim. O Tenente Nolinow, chefe do comando, acenou aos homens que não se aproximassem. Todos sofriam comigo, mas isto não adiantava nada.

Rhodan ficou pensativo. Notei que estava muito concentrado. Olhava desesperado para ele. Que se passava naquele momento no cérebro deste genial terrano?

— Está consultando a si mesmo — sussurrou-me Gucky. — Não o atrapalhe.

Esperamos quase uns quinze minutos. Neste período, saíram pelas comportas da Ironduke duas esquadrilhas de jatos.

O ronco das turbinas parecia fazer tremer o planeta. As naves esféricas robotizadas foram abatidas; desta vez, porém, se defenderam. Claudrin anunciou que empregaram um raio desconhecido que quase destruiu um jato.

— Era um raio energético que dissolvia a matéria, mais ou menos semelhante ao nosso desintegrador — disse o comandante, concluindo seu relato.

Rhodan não reagiu a este último comunicado. De repente, balançou a cabeça e, quando falou, sua voz estava incerta.

— Esta é a solução! — afirmou. — Tenente Nolinow, mande os homens para a Ironduke. Vamos voltar.

Os terranos não perguntaram nem por quê, pois a ordem havia sido dada pelo próprio Perry Rhodan.

Também eu entrei pela portinhola do blindado voador. O campo antigravitacional nos deixou sem peso, e a máquina nos levou pelo ar rarefeito do planeta.

Não fiz nenhuma pergunta a Rhodan. Parecia não ter ainda polido bem sua idéia central. Os arcônidas sabiam ser pacientes, quando era necessário.

Meia hora mais tarde, estávamos a bordo da espaçonave e Rhodan foi conversar com a equipe dos cientistas.

 

Cinco girinos sobrevoavam a cidade a grande altura. As fotos que estavam tirando eram transmitidas diretamente para o couraçado terrano. Instaláramos um severo sistema de vigilância.

Com o auxílio dos teleportadores, trezentos homens atacaram um dos fortes de defesa da cidade. Conseguiram trazer até a Ironduke as instalações essenciais, sem danificá-las. Foi necessário para isto apenas interromper as ligações de força para os armamentos.

Especialistas em armas estavam agora ocupados em desmontar um canhão de disparo com narcótico. Wuriu Sengu, o espia, constatara, antes de atacarem o forte, como funcionava este aparelho. Kalup dizia que em pouco tempo podia fazer outro igual. O princípio teórico lhe estava claro.

O segundo objetivo de Rhodan estava assim alcançado. Tirou seus homens do forte e os instruía agora sobre o plano que acabara de engendrar.

Já me estava habituando a ver com naturalidade as realizações fantásticas dos terranos mas, desta vez, senti até falta de ar.

Os ininterruptos ataques das naves robotizadas não perturbavam a tranqüilidade de Rhodan. Até o momento, fôramos obrigados uma vez só a utilizar os pesados canhões da Ironduke. Com um único disparo de fogo espalhado conseguimos abater cerca de oitenta aparelhos robotizados. Não mais voltaram para outro ataque.

Isto provava novamente que pouco preparados estavam os construtores para o aparecimento de estranhos. Talvez nem pensaram nesta hipótese. Realmente, sua técnica de armamentos fora um tanto desprezada. Não foram além dos disparos de narcóticos e dos desintegradores.

Mas, por que haviam de se proteger? Seu sistema-pátrio era um sol solitário nas profundezas do espaço intercósmico. Talvez nunca tivessem se encontrado com outro tipo de inteligência, talvez nem pensassem na existência de outros seres vivos, ou não acreditassem, como era erro geral entre os povos da Via Láctea. Mesmo os habitantes da Terra estavam antigamente convencidos de que, fora eles, não havia outros seres racionais no Universo.

As teorias se multiplicavam. Toda opinião podia estar certa. Para mim, uma argumentação muito convincente não era o mais importante. Queria salvar Árcon II. Rhodan notou meu pouco contentamento ao ver subir a bordo, pelos elevadores antigravitacionais, o canhão de disparo de narcóticos, agora desmontado.

Em compensação, não estava vendo como se trabalhava febrilmente nos laboratórios da Ironduke. As consultas ao cérebro robotizado, por ondas ultracurtas, não tinham mais fim. A cada dez minutos, emitia ele o sinal convencional.

Pela interpretação constante de radiogramas, nossa positrônica compilara já um dicionário. Tínhamos mais de dois mil conceitos que podíamos também emitir em código ou em símbolos.

Achamos esquisito que a estação de comando continuasse os ataques que não tinham mais sentido. Um cérebro do gabarito do computador de Árcon teria já há mais tempo tomado outras providências. Nossos caças estavam continuamente em ação e os canhões do couraçado podiam entrar em atividade a qualquer momento.

As fortalezas não ofereciam perigo. Estávamos fora do alcance de suas baterias. Os especialistas haviam examinado uma nave robotizada acidentada. Tinha mais ou menos vinte metros, compunha-se quase toda de depósitos e não podia ser utilizada em viagens espaciais. Não encontraram nela canhões com carga de narcóticos, mas apenas desintegradores de raios energéticos.

Lançamos a idéia de pegar alguns destes aparelhos e levá-los para Árcon, mas não foi possível, pois todas as naves que trabalhavam na colheita eram controladas por uma estação robotizada desconhecida.

Levaríamos meses até que pudéssemos fazer uma imitação deste sistema de controle.

 

O encontro com os cientistas teve lugar na central de comando. Os matemáticos vieram com muitos documentos. As explicações de Riebsam foram bastante convincentes.

— Nosso objetivo inclui, entre outras coisas, fazer parar os ataques. Vamos simular que somos a “Nave da Colheita” e darmos a entender, através dos impulsos de símbolos, que não temos mais “benefícios” a bordo. Irradiaremos na mesma freqüência em que formos chamados. Ao mesmo tempo, vamos pedir as coordenadas dos planetas onde a Nave Semeadora esteve em atividade. Com isto, haveremos de saber se há alguma ligação entre a Nave Semeadora e esse mundo mecanizado. Em caso positivo, os dados têm que ser lançados no computador. Depois da interpretação, vamos investigar se Azgola está entre os infeccionados. Conforme este esquema, aprontamos também os dados sobre Árcon II. Estas referências todas, nós enviaremos por hiper-rádio à estação de controle, que naturalmente as transmitirá à “Nave da Colheita”.

Pigarreei intencionalmente. Será que Riebsam se esquecera de que não se sabia nada deste aparelho? Não, não esquecera. Continuou com muita calma.

— Se a “Nave da Colheita”, por um acaso, foi destruída, está tudo estragado. Mas vamos tentar de qualquer maneira. Para mim basta ouvir da estação central de que maneira se faz a transmissão da ordem, que freqüência e que símbolos são utilizados. Talvez possamos até saber por que a “Nave da Colheita” não aparece. Se for devido a erros nas ligações, haveremos de descobri-los e evitá-los.

— Quantos “se” nas suas ponderações, doutor! — disse-lhe eu, com franqueza.

— Não nego, senhor. Vamos começar já, como prometido. Aí é que vamos ver até onde podemos chegar.

— Este é meu plano — disse Rhodan. — Deve haver por aí alguma coisa errada. Sabemos que os pedidos de socorro da Nave Semeadora foram respondidos. Portanto, ainda existe uma ligação. Quero saber por que nos confundiram com a “Nave da Colheita” e por que esta última não aparece.

Discutimos ainda duas horas. Finalmente acabei concordando. Se quiséssemos agir com todo o rigor da lógica, arriscaríamos a ficar discutindo horas e horas, e não chegaríamos a um plano de ação.

Fiquei presenciando como se programava um transmissor automatizado. Os símbolos eram perfeitos. Íamos comunicar que não podíamos dar os “benefícios” — os fungos do musgo — porque não os tínhamos a bordo.

Rhodan comprimiu a alavanca de contato do transmissor. O controlador de freqüência se adaptou à onda do interlocutor. Os símbolos foram irradiados e ficamos ali esperando.

Nunca houve tanto silêncio assim no posto de rádio. Estávamos resignados a esperar longamente. Nossa estação automática ia repetindo ininterruptamente a mensagem.

Depois de quatro minutos, os receptores estavam falando. Gravamos os sinais e os encaminhamos aos computadores, e novamente outra espera.

— O robô nos ouviu — disse Rhodan. — De qualquer maneira, já é alguma coisa. Doutor, prepare a próxima mensagem, as coordenadas dos planetas infeccionados.

A decifração da mensagem foi feita na primeira tentativa. O texto claro apareceu na tela do vídeo. Inclinei-me para ler.

 

Fornecer-fornecer-fornecer-fornecer...!

 

Tive a impressão de que estava me petrificando de dentro para fora. Na tela havia, pelo menos, cinqüenta vezes a palavra “fornecer”. A respiração de Rhodan ficou tão ofegante, que me assustei.

— Calma — disse ele. — Não se perdeu nada ainda. Alguma coisa está errada. A exigência deve ter algum sentido. Doutor, irradie a segunda mensagem.

Ouviu-se novamente o zumbido do transmissor automático. Desta vez, a espera pela resposta foi bem mais longa. Entrementes, comunicara a central de rastreamento que os ataques haviam cessado. Os aparelhos cilíndricos voltaram a sobrevoar pacificamente a região desértica.

Chegou a segunda resposta. Era muito longa. Aos poucos fomos nos habituando com o esquisito modo de se expressar daquelas mensagens. O resultado apareceu de novo na tela do vídeo.

 

Colheita falhou... Dados existem...

Fornecer-fornecer-fornecer-fornecer...!

 

Rhodan se ergueu de sua posição curvada. Kalup rabiscava num bloco de papel. Todos se entreolhavam.

— Antes de o senhor falar, permita-me dizer só uma coisa.

A voz de Kalup parecia ter a calma da objetividade. Todos se viraram para ele.

— A estação com que estamos em contato e que nos atacou, não passa de uma central para os planetas do sistema. Não tem capacidade para desenvolver uma lógica de robô nos moldes do cérebro de Árcon. Daí o fato de sermos confundidos com a “Nave da Colheita”. As programações estão restritas ao controle da frota de colheita aqui do planeta. Por isso, o repetido conceito de “fornecer-fornecer...” que também é transmitido às pequenas naves esféricas. Assim se explica a atividade, aparentemente sem nexo, dos aparelhos esféricos. Nosso aliado, se assim o podemos chamar, está enguiçado. Trata-se de uma central intercósmica que armazena todas as coordenadas. Se conseguirmos fazer com que ela funcione, haveremos de atingir o que Riebsam propôs. O que estamos esperando então?

A discussão que se seguiu não foi fácil. Lá fora anoitecera novamente. Não nos incomodávamos com isso.

Estavam entrando os dados de orientação fornecidos por nossas gazelas. Calcularam o posicionamento do transmissor do planeta com a exatidão de metros. Mas isso, para nós, no momento, era coisa de menos importância. Este transmissor não podia ser uma coisa completa, no sentido cibernético. Mas onde é que iríamos encontrar aquela central que Kalup chamava de “nosso aliado”? Pelos robôs subalternos, ela era chamada de “colheitadeira”.

Era impossível examinar cerca de cem mil edifícios de uma cidade que não fora construída para servir de moradia a ninguém. Os filmes tirados do ar revelavam que uma instalação técnica sucedia a outra.

Veio-me uma idéia à cabeça e Rhodan olhou para mim com alguma expectativa.

— Mande uma gazela para o espaço. O comandante deverá fazer um salto de transição de cem anos-luz e de lá irradiar um pedido de socorro, igual ao que a Nave Semeadora enviou, usando naturalmente a mesma superfreqüência. Acho que agora nos é possível transmitir os mesmos grupos simbólicos. Sabemos que o depósito respondeu. Haverá de fazê-lo de novo. Então, poderemos localizá-lo.

— A idéia do ano! — disse Perry. — Major Krefenbac, pegue a G-14 e parta. Professor, poderemos imitar um pedido de socorro, com nossos novos conhecimentos?

Kalup o contemplou com um olhar frio.

— O senhor me acha com cara de quê?

Rhodan sorriu aliviado. Estava mais animado. Apesar de tudo, eu me perguntava como iríamos consertar uma instalação robotizada. Isto não seria possível nem com o auxílio do cérebro robotizado, construído pelos velhos arcônidas.

Krefenbac partiu, vinte e cinco minutos mais tarde. Quando, momentos depois, sentimos os abalos estruturais, tínhamos a garantia de que havia saltado.

Uma hora depois, os receptores de hipercomunicação estavam anunciando a decifração de um pedido de socorro.

A estação robotizada ou “colheitadeira” respondeu com boa energia de transmissão e as gazelas que estavam no espaço iniciaram logo seu serviço de posicionamento. Assim que foi dado o último sinal, já sabíamos onde procurar nosso “aliado”. Não se encontrava, como se supunha em geral, no centro da cidade da mecanização, mas na periferia ao sul.

— Mensagem para Krefenbac: voltar à Ironduke — ordenou Rhodan, olhando para o relógio. — Alimentar-se, três horas de sono e depois reunião para discutir nova operação. Recolher os caças. Já conseguimos o que desejávamos.

Para mim já estava bem claro o que desejavam os terranos. Era fazer tudo para ajudar Árcon II a escapar da desgraça.

 

Nossa operação agora estava tomando um colorido de guerra. Perry arregimentara quinhentos robôs de combate terranos do tipo Falange-13 para participarem da ação no planeta.

Divertia-me muito a mania dos terranos de empregar nomes e conceitos da Pré-História do seu planeta. Era realmente uma falange, uma frente de batalha constituída de robôs, que na hora de perigo iminente sabia dissolver a rígida formatura para se abrigar nos aparelhos antigravitacionais que voavam para pontos estratégicos. Seguimos logo atrás com os blindados anfíbios, isto é, viaturas para a terra e para o ar. Voamos até a cidade e reconhecemos logo a hiperestação localizada pelas naves de rastreamento. Aterrissamos sem nenhum contratempo.

No momento, deslizávamos sobre a região, ora subindo, ora descendo. Não fomos mais molestados pelas estações do planeta. Parece que nos haviam aceito. Dos nossos dois lados se podiam ver os demais carros. Rhodan pedira uma ligação constante pelo vídeo. A guarda de segurança da Ironduke dava notícias da situação de dez em dez minutos, que no entanto não nos traziam nada de novo. No espaçoporto reinava a calma.

A cidade estava mesmo extinta. Os edifícios, observados antes da aterrissagem, existiam também aqui. Pareciam ter servido a algum fim técnico.

Muito singular era a arquitetura. Não permitia nenhuma dedução da forma do corpo de seus construtores. Escadas ou elevadores, não conseguimos ver. Em contrapartida, existiam em toda parte rampas metálicas de formato espiralado nas paredes externas ou junto das janelas.

O Dr. Gorl Nkolate, nosso especialista afro-terrano para cirurgia de adaptação, afirmava no entanto que estas inteligências extintas eram descendentes de uma raça de répteis, provavelmente dos sáurios.

As ruas ou vias de ligação entre os edifícios eram estreitas. O seu calçamento constituía-se de chapas metálicas, enegrecidas com o tempo, que iam se quebrando com o peso das viaturas blindadas e se pulverizando.

A cidade era muito antiga. A grande maioria das instalações técnicas pareciam inaproveitáveis. Aparentemente, porém, davam mostras de que foram utilizadas até o fim.

Tínhamos preparado um sistema de conserto. Esperávamos que as máquinas mais importantes estivessem conservadas, do contrário os transmissores e as unidades de colheita não estariam mais funcionando. Não eram certamente mais novas do que as peças em mau estado.

Por isso é que devia haver equipes de robôs especializados que se ocupavam dos transmissores danificados. Parece que houve aqui também muito erro de programação. Encontramos alguns fortes destruídos, outros, porém, estavam funcionando impecavelmente.

A “colheitadeira”, na nossa opinião a construção mais importante do planeta, também tinha sofrido. Nós nos perguntávamos, porém, como eram respondidos prontamente os pedidos de socorro, mas não se efetuavam outras funções. Rhodan era de opinião de que apenas uma parte das ligações estava sem conservação, o que novamente deixava claro que a culpa só podia ser dos robôs de manutenção, responsáveis por isto.

Quanto mais penetrávamos na fantástica cidade, mais se multiplicavam as teorias. Não havia propriamente praças, todo espaço era aproveitado. Assim, perdemos de vista os outros aparelhos, mas apesar disso chegamos ao nosso objetivo. Quando nos desorientávamos naquele labirinto de ruelas estreitas, subíamos com os dispositivos antigravitacionais para o ar e olhávamos em volta. Continuávamos depois com o blindado de esteiras.

Rhodan, Bell, os mutantes Gucky, Ras Tschubai e Wuriu Sengu se encontravam em nosso carro. O guia do comando de ação do S-l era o Tenente Brazo Alkher, a quem estavam subordinados vinte soldados. Os mutantes só agiriam com ordem de Rhodan.

O blindado rolava numa garganta da viela, quando adiante de nós se abriu um trecho de terreno sem construção. Tratava-se de uma rua excepcionalmente larga, de cinqüenta metros, circundando a “colheitadeira”.

Paramos. As mensagens do intercomunicador nos davam conta de que as outras viaturas também atingiram seu objetivo. Inclinei-me para frente. As chapas anti-ofuscantes ainda não estavam fechadas. Das clarabóias do depósito de carga sobressaíam as cabeças dos homens. Mais para frente, surgiram os primeiros robôs de combate. Era um pelotão de trinta máquinas, marchando agora em fila dupla.

Ficamos esperando. O sol de Outside havia nascido poucos minutos antes. O dia do planeta duraria cerca de sete horas, tempo suficiente para executar o plano. Rhodan estava sentado ao lado do motorista, enquanto eu estava junto da clarabóia, olhando para fora.

— Muito esquisito — disse Perry. — Está tão calmo e silencioso como se estivéssemos dentro de uma gruta subterrânea. Wuriu Sengu, você está vendo alguma coisa?

Virei-me para o mutante que estava em grande concentração. Tinha a faculdade de ver através de qualquer tipo de matéria.

— Apenas máquinas, senhor — disse lentamente, soando sua voz como se viesse de longe.

— Onde? Do outro lado da viela circular?

— Exato, chefe. Parece com um cérebro robotizado. Por toda parte painéis de ligações, estações transformadoras e grandes entroncamentos de cabos elétricos. Complicado demais, senhor.

— Você vê robôs lá dentro? Alguma coisa que se mova?

— Não, está tudo parado.

Rhodan encheu os pulmões e eu tirei do bolso as fotografias tiradas de cima. A viela circular circundava um conjunto de construções, cujo diâmetro era de cerca de um quilômetro. Visto de cima, dava a impressão de uma fortaleza circular, rodeada por uma vala. No centro deste conjunto, localizamos a usina energética. Os reatores ali instalados estavam parados. Mas, no momento em que a “colheitadeira” respondeu ao simulado pedido de socorro, estavam todos em atividade, o que provava que o maquinismo se achava em ordem.

Os homens do comando de ação discutiam em voz baixa. A situação era de rebentar os nervos.

— Quer que eu dê um pulo lá dentro? — perguntou Gucky.

Também Ras Tschubai nos olhava com a mesma pergunta nos lábios. Rhodan meneou lentamente a cabeça.

— Com que finalidade? Wuriu vê somente instrumentos e máquinas. Vocês não podem saber o que a “colheitadeira” representa. Vamos continuar mais um pouco, até que aconteça alguma coisa.

— Vai mesmo acontecer alguma coisa? — perguntei assustado.

Perry notou minha intranqüilidade.

— Não sei não. Se pelo menos o hiper-transmissor funcionar, não estará tudo perdido. O que não posso compreender é como se constrói uma instalação tão vital como esta, sem nenhum sistema de proteção. Por que não existem envoltórios protetores?

— Fala Kalup — soou do intercomunicador. — Há mais um dado recém-interpretado. Se as inteligências extintas eram seres vivos semelhantes aos répteis sáurios, como insinuam as rampas inclinadas encaracoladas, não poderiam pensar em construir envoltórios energéticos iguais aos nossos. Cada forma de vida tem uma outra concepção da eficácia de uma instalação de defesa. Criaturas que vivem rente com o chão, pensam a princípio só em duas dimensões e desta maneira é que planejam e agem.

— Em duas dimensões? — duvidava Rhodan. — Dominam a terceira dimensão com suas espaçonaves, a quarta e a quinta com aparelhos mais velozes do que a luz. Como é que isto se compatibiliza com sua teoria?

— Não é minha teoria. Foram os computadores que chegaram a esta conclusão. Mas acho que eles devem distinguir entre uma cosmonáutica indispensável à sobrevivência e a vida normal no planeta. Os aparelhos voadores foram construídos somente para poder colher os fungos. As três espaçonaves foram construídas quando não crescia mais nada no planeta. O resfriamento da atmosfera foi coisa de muitos milênios. Com a morte dos campos de cultivo, não tinham outra alternativa a não ser procurar alimento em outra parte. A mentalidade bidimensional está alicerçada no fato de que os construtores chegaram à idéia de abandonar seu habitat. Apenas mandavam seus robôs saírem à procura de fungos nutritivos. O senhor observou bem a Nave Semeadora? A maioria das máquinas são achatadas.

Nós nos entreolhávamos, sem saber o que dizer, até que Reginald Bell quebrou o silêncio.

— Para que toda esta conversa fiada? Por que não partimos de uma vez? Podemos ver o que os desconhecidos deixaram e, se o negócio funcionar, tentaremos fazer alguma coisa com ele. Então...?

Respirei mais aliviado. Minha sensação de depressão diminuiu um pouco. As ordens de Rhodan foram ouvidas em todos os veículos.

— Proceder como o planejado. A instalação circular está cheia de ruelas. Se não; conseguirem se safar, voem simplesmente sobre ela. Capitão Narco, ponha seus robôs em marcha.

Nosso blindado se movimentou. Um pouco devagar fomos vencendo a viela de contorno. De cada lado, surgiam as outras unidades e os robôs continuavam marchando, depois de terem ligado o sistema de proteção. Nosso motorista apalpou o botão de defesa automática.

— Não use isso ainda — protestou Rhodan. — quero obter medições exatas e o envoltório magnético atrapalha.

— Não há mais rastreamento de energia — comunicou o radiotelegrafista sentado nos fundos. — Todos os reatores estão parados. Há apenas uma leve irradiação residual.

Não me sentia à vontade. A menos de cinqüenta metros, se levantavam as paredes dos edifícios. Não se viam as escadas em plano inclinado de construção em caracol. As fotos tomadas de cima mostravam no interior da estação muitas pistas de deslizamento. Sob as esteiras dos blindados, rangia o metal. Se eu pudesse, mandava ligar o envoltório de proteção. Resolvi manifestar minha opinião. Minhas primeiras palavras foram encobertas. Parecia que o alto-falante do intercomunicador ia rebentar. Desta vez, gritavam pelo menos vinte homens ao mesmo tempo.

Paramos, saltamos pela portinhola. Eu e Rhodan caminhávamos agora abrigados atrás do blindado. O tanque anfíbio, que ia ao nosso lado, ergueu-se alguns metros do solo. Um clarão avermelhado o cercou. E antes que pudéssemos compreender a situação, começou a viatura a girar em torno de seu eixo. Segundos depois, não se distinguiam mais seus contornos, tão rápidas eram as rotações. Finalmente dava a impressão da hélice de um helicóptero em alta rotação.

A tripulação não estava gritando, pois dentro do tanque devia haver uma enorme força centrífuga e se o motorista não tivesse conseguido ligar os neutralizadores, ninguém lá dentro sobreviveria. Notamos um raio cintilando no céu. O tanque em rotação foi de repente tombado.

Rhodan teve a mesma idéia que eu. Encostamos as coronhas de nossos fuzis de impulso nos ombros e abrimos fogo contra o ponto no chão de onde saía o clarão avermelhado. Ali devia estar instalado um projetor de impulso.

O ribombar de nossas armas arrancou nossos companheiros da perplexidade!

Raios mais incandescentes que os do sol cortavam o ar em ângulos agudos, produzindo sulcos e crateras no chão.

Os pesados canhões dos tanques participaram deste fogo cerrado. Somente os robôs atacavam diretamente, fazendo uso de todas as suas armas, e marchando ao encontro da linha de defesa, onde detonava um projétil depois do outro.

Rhodan me puxou pelo braço. Ondas de fogo, tocadas pelo deslocamento de ar das explosões, varriam a viela circular. Estilhaços dos destroços voavam por todos os lados. Não sabíamos se procediam do tanque em alta rotação ou de outros armamentos.

Pulei para dentro de nosso carro blindado, caí e bati com o rosto na bota de Rhodan e, além disso, ainda fiquei com os dedos imprensados entre o chão de aço e minha arma. Logo depois, fechou-se com grande ruído a portinhola. Ainda consegui puxar a tempo meus pés. Colocaram-me depois sentado num banco. Meu nariz sangrava.

Rhodan me limpou os lábios cheios de sangue com as costas da mão. Depois de um olhar mais demorado, desatou a sorrir e este sorriso me doía mais que outro ferimento. No intercomunicador havia literalmente um congestionamento. Mais de vinte pessoas queriam transmitir suas novidades.

Voltamos de novo até o fim da viela. As chapas de proteção contra ofuscamento estavam descidas. O vibrar dos conversores comprovava que nosso envoltório magnético estava funcionando.

Depois de poucos minutos, Rhodan conseguiu falar:

— Muita calma, minha gente! — disse ele no microfone.

No vídeo da câmara externa não se via mais nada, além de muita chama e quatro robôs de combate destruídos.

Houve silêncio e Rhodan não quis fazer críticas.

— Onde está a tripulação do S-5? Apresentem-se. Alô, S-5, apresente-se.

Ouviu-se um estalo no alto-falante, mas ninguém se apresentou. O comandante de uma das naves auxiliares chamou:

— Explosão atômica a mais ou menos dez quilômetros, senhor.

— Quando?

— Há dois minutos.

Sabíamos então o que sucedera com o S-5. Todos em silêncio abaixaram a cabeça. De repente o professor Kalup voltou a falar. Sua voz estava trêmula quando tentou explicar o acontecido.

— Coisa horrível, chefe! Ninguém contava com isto. O blindado girava com uma velocidade de cerca de quinze mil rotações e em seguida foi derrubado. Trata-se de um campo antigravitacional onde um corpo começa a girar. Não sabemos a direção da rotação, mas deve ser vertical.

— Obrigado — disse Rhodan. Seus olhos estavam ardendo e eu sabia que estava pensando nos seus homens. — Atenção para todas as tripulações: abrir fogo com os desintegradores. O campo não pode ser sobrevoado. Não temos certeza até que altura chegam suas forças. Projetem seus raios na direção das muralhas do edifício.

Estes desintegradores terranos, que destruíam as moléculas, pulverizavam qualquer tipo de matéria. Muitos projetores de impulsos escondidos explodiram.

Esperamos até que nossos robôs de combate tivessem passado os trechos de maior perigo. Nada aconteceu.

— Atacar! — ordenou Rhodan. — Utilizem-se dos abrigos e os robôs devem continuar marchando em frente.

 

Encontramos um robô de manutenção, baixo, achatado, porém com numerosos braços articulados. Possuía uma antena. Kalup era de opinião de que o autômato estava em ordem, apenas achava-se sem a energia necessária para operar. A antena serviria à recepção da energia sem auxílio de fios.

Tentou ativá-lo com uma corrente trifásica de 380 volts. Roncou alguma coisa no robô, mas logo depois queimaram-se os fusíveis de 15 ampères. Nós os substituímos por fusíveis de 25 ampères e aquela construção esquisita de três metros de largura começou a se mover.

De repente, aquele instrumento diabólico começou a querer me estraçalhar. Ergueu-se como uma serpente na minha frente e me enlaçou com quatro braços de aço, levantando minha perna com um outro tipo de alavanca.

Nosso cientista parece que considerava o negócio uma simples brincadeira. Tentou me libertar, rindo as gargalhadas. Certamente minha expressão fisionômica não era de pânico. Se minhas costelas fossem como as dos homens, certamente teriam quebrado sob a pressão daquelas garras. Como o tórax de um arcônida é constituído de fortes chapas ósseas, pude suportar o “abraço”.

Sem nenhum meio de defesa, como se fosse uma criancinha, estava dependurado nas garras do monstrengo. Os membros metálicos, que me comprimiam, seriam ainda suportáveis se na parte superior o robô não estivesse chiando alguma coisa. Uma chama esbranquiçada me tirou toda a dúvida. O monstro tinha mesmo a intenção de me queimar com fogo vivo. Senti um calor horrível no peito, cada vez mais quente, mas Kalup não podia socorrer. Sua gargalhada já estava soando anormal, mais parecendo um brado de guerra.

Eu gritava na angústia da morte, como um desesperado. Rhodan e os outros homens tinham se afastado e não podiam me ouvir devido aos berros malucos de Kalup. Assim, Perry devia estar pensando que as gargalhadas estrondosas de Kalup eram provenientes de alguma piada contada por mim.

Escutei um ranger de qualquer coisa às minhas costas. Meus braços eram comprimidos contra o corpo, mas podia ainda mover a cabeça. Foi então que notei que o robô planejava perfurar minha omoplata esquerda. O que ele pretendia com esta operação maluca, era-me outro segredo. Inclinou-se para frente e eu tive a vantagem de ficar na posição horizontal. Era mais cômodo, mas nada agradável.

Kalup botou a mão sobre o coração e perdeu os sentidos. Pelo menos agora podia gritar sem ser perturbado. Meu uniforme estava se enchendo de bolhas e o bico incandescente do soldador procurava se aproximar do local onde estava meu ativador celular. Talvez os impulsos do aparelho implantado no meu tórax atraíam o robô de manutenção.

Foi Gucky quem me salvou. Materializou-se a meu lado e compreendeu a situação. Utilizando-se de suas forças telecinéticas, esqueceu-se de que eu estava preso às ferragens do robô. Assim, fui projetado, pelo menos, dez vezes contra o teto. Caí, e quando as garras do monstro me soltaram, o rato-castor me apanhou e me acomodou melhor.

Continuei gemendo, enquanto os restos do robô se espalhavam pelo chão. Gucky me contemplava com interesse, quando Kalup voltou a si. Seu ronco suplantava meu gemido.

— Que aconteceu? — era a voz de Rhodan.

Perry vinha correndo de arma na mão. Eu o cumprimentei com um resmungo. Gucky depois lhe contou em que situação me encontrara.

— Santo Deus! Nem parecia um imperador — concluiu ele. — Parecia mais um tomate no espremedor, tão vermelho estava seu rosto.

Rhodan conseguiu ainda me lançar um daqueles sorrisos que me queimavam.

Estes terranos tinham um humor diferente. Um arcônida numa situação destas nunca riria, enquanto um cientista terrano de primeira linha quase teve um ataque cardíaco de tanto rir, num momento em que a minha vida estava em perigo.

Levantei-me ainda gemendo e procurei ver se meu tórax apresentava ou não um princípio de solda. As queimaduras eram leves, mas me doíam um pouco. Kalup foi atendido por um médico. Uma injeção o fez se sentir melhor e se levantou como se nada tivesse acontecido.

— Vamos falar disso depois — protestei eu. — O senhor é mesmo um herói diferente.

— O comportamento do robô foi coerente — disse ele, bufando. — Não me olhe agora deste jeito, não estou mais rindo. Senhor, se pudesse ver a si mesmo... certamente...

— Não importa o que você sentiu ou deixou de sentir — gritei exasperado. — Eu...

— Que o senhor conclui do procedimento do robô? — fui de novo interrompido pela pergunta de Rhodan.

Perry procurava ocultar seu sorriso.

Estávamos no centro da “colheitadeira”. Mais na frente havia alguns reatores atômicos, cujo funcionamento já conhecíamos. A própria Nave Semeadora dispunha de tais instalações.

O médico examinou meu tórax bem castigado.

— Opa, isto foi mesmo uma chama verdadeiramente quente!

— O senhor já viu uma chama fria? — perguntei sem dó.

— Não — respondeu ele com seriedade, aplicando-me uma injeção que me deixou muito fraco.

Borrifou-me a ferida com um pouco de protoplasma e disse:

— Em duas horas a cicatrização estará perfeita. Isto é um segredo dos aras.

Sentei-me no chão e procurei descansar. Kalup parecia já ter esquecido o acontecido. Suas explicações eram sempre interessantes.

— ...impossível descobrir a peça que está com defeito. E estação não é grande, mas quase impenetrável para nós.

— Não vê então nenhuma possibilidade?

Kalup fez que sim. Parecia outro homem, esquecido de seu comportamento. Quem sabe não conseguiu mesmo se dominar?

— Já encontramos uma boa centena de robôs de manutenção. Pela experiência bem-sucedida, não há mais dúvida de que houve falta de fornecimento de energia. Por isso, captamos cerca de quarenta símbolos diferentes. São pedidos de socorro. Várias instalações deixam perceber que nelas ou com elas alguma coisa não está certa. Temos que reativar os robôs, isto é, adaptá-los com baterias e observar máquina por máquina. Elas nos levarão infalivelmente a descobrir a origem do defeito, que poderemos então remediar. Somente aparelhos especializados poderão nos dizer quais as instalações que necessitam de um reparo.

A solução era simples e convincente. Kalup sabia pensar. Por este motivo, lhe perdoei tudo.

Já estava me perguntando por onde começar. O que vimos na Nave Semeadora mostrava com evidência como era estranha a técnica de robotização dos construtores.

Rhodan não perdeu tempo. Mandou chamar a Ironduke e o Major Claudrin recebeu a incumbência de arranjar as baterias.

Fomos examinar um robô que estava desativado no chão. Riebsam era de opinião de ser mais fácil ativá-lo diretamente na corrente comum, mas Rhodan não aprovou a idéia, pois algo talvez saísse errado durante a transmissão da corrente.

Uma hora depois, apareceram os técnicos com as baterias. Rhodan e eu nos afastamos um pouco. As vibrações de nossos ativadores pareciam realmente reativar os robôs.

Quinhentos homens estavam diante do estranho mecanismo de armas prontas para qualquer eventualidade. Registramos cento e onze construções diferentes.

— Atenção! Estão se mexendo — sussurrou Rhodan.

Boquiabertos, olhávamos para o corredor principal, onde vislumbramos quatorze unidades de manutenção.

Fora disso, nada se movia na estação. Parecia mesmo que a única arma de defesa era o campo de rotação. O ataque por mim sofrido não passou de um incidente esporádico. Chegamos à conclusão de que os robôs de manutenção tinham cérebros especiais. Alguns andavam e de repente paravam, ficando inertes; outros se punham em movimento constante. Enfim, todos estavam se locomovendo, ou melhor, se arrastando por meio de molas metálicas que se flexionavam, garantindo uma movimentação lenta. Davam a impressão de lagartos gigantescos.

Comecei então a ter certeza que os construtores eram mesmo descendentes dos répteis sáurios.

Dirigimo-nos ao pátio interno, que não era mais que uma segunda viela circular, onde a central energética tinha seus transformadores. Os reatores de alimentação não se mexiam. Pareciam não estar em ligação com os robôs de manutenção.

Gucky e Ras Tschubai procuravam pela grande estação transmissora. O que julgávamos ser a positrônica executiva, ocupava pouco espaço.

Instalamos o quartel-general no pátio interno. As equipes de observação seguiam o rastejar dos robôs e as mensagens iam aumentando. Depois de interpretadas, constatou-se que já vinte e quatro autômatos recomeçaram seu trabalho. Este número correspondia aos pedidos de socorro captados.

Kalup exultava de contente:

— Está certo! Uma das quarenta e duas fontes de erro diz respeito a nós. Agora só nos falta descobrir a “Nave da Colheita”.

— “Só nos falta...!” — repeti sorrindo para não chorar.

Quando meu sexto sentido falou, não quis ouvi-lo. Kalup deixara de lado coisa importante. Virei-me para trás bruscamente e Rhodan notou que alguma coisa se passava comigo.

— O que há?

— Cuidado! Quando o transmissor começar a funcionar, vai irradiar todos os dados de posicionamento que recebeu da Nave Semeadora e armazenou no seu arquivo. Independente do lugar onde se encontre a “Nave da Colheita”, se é que ainda existe, deverá sobrevoar, um depois do outro, todos os planetas onde se semeou o musgo da gordura. Naturalmente vai começar pelo planeta que registrou em primeiro lugar. Azgola será o último. Temos que interromper a radiocomunicação. Depois, acharemos o arquivo.

— E daí? — perguntou Rhodan curioso.

— Começaremos então a investigar tudo que houver dentro dele. Tem que ser possível. O posicionamento de Azgola deve estar em penúltimo, talvez mesmo em último lugar. Não temos certeza se a Nave Semeadora fez algum relatório de suas atividades em Snarfot. Restam-nos, pois, só duas possibilidades para interpretarmos. Se soubermos quais são os símbolos que dizem respeito a Azgola, faremos nossa programação e mandamos irradiar estes dados pelo transmissor. Assim que o fizermos, paramos de novo.

— Uma teoria muito ousada — disse Kalup, e seus olhos começaram a brilhar.

— Não nego, mas não temos outra alternativa. Devemos impedir sobretudo que sejam citados outros planetas fora de Azgola. O controle de rádio da Ironduke tem que constatar quando foi emitido o último impulso de Azgola. Então, nós desligaremos. Pressuposto que a “Nave da Colheita” voe para longe, será pois dever dos cientistas terranos desenvolver, em pouco tempo, um grupo de símbolos que sirva para Árcon II. Com isto estamos desviando a atenção da “colheitadeira” para onde nos interessa... Será que conseguiremos executar isto?

Ele não respondeu nada, mas começou a calcular. Riebsam fechou os olhos e se recostou na poltrona. Para mim, bastava que os terranos refletissem. Certamente ainda trariam idéias melhores para meu plano básico.

As mensagens se acumulavam. Ras Tschubai e Gucky estavam de prontidão. Deviam saltar, assim que acontecesse alguma coisa que comprovasse a ativação dos bancos de dados. Aí seria necessária toda rapidez possível. Se a “Nave da Colheita” recebesse apenas uma indicação de posicionamento não desejada, não conseguiríamos mais detê-la para impedi-la de voar para o falso planeta e de iniciar sua missão. Não acreditava mais que ela estivesse desaparecida. Talvez a culpa fosse do robô que agia como relê, o qual se achava incapacitado de retransmitir os dados recebidos, em virtude de uma falha técnica.

Começou para nós o tempo de espera. Como sempre, um grande desgaste nervoso se apoderou de todos.

 

Houve um estrondo como se uma bomba houvesse explodido. As chapas de revestimento das vigas metálicas se ondularam e estalaram, produzindo barulho tal que nos fez procurar abrigo.

A estação energética despertara para a vida. O ronco dos reatores superou nossos gritos. Dos blocos de antenas esféricas saíam faíscas de alguns metros de comprimento. O fenômeno se estabilizou em forma de condução de energia sem fios, que irradiava feixes de raios tão fortes como os do sol, inundando o interior da viela circular.

Não se conseguia compreender mais as palavras de ninguém, se bem que não era mais necessária nenhuma comunicação. Sabíamos que nossa participação nos eventos era agora secundária, pois os robôs de manutenção estavam em ação. Muitas peças, que até então estavam enguiçadas por desgaste natural, começaram a funcionar.

A usina de força estava em pleno funcionamento. Se as demais unidades de reparo agissem tão depressa na restauração dos danos sofridos, a situação podia se tornar crítica.

Os inspetores robotizados desenvolviam uma fantástica atividade. Com a entrada em carga do fornecimento de energia, foram mobilizadas também aquelas máquinas que não reagiram com nossas baterias.

Moviam-se pelos corredores, atropelando homens imprudentes do comando de ação e desaparecendo em aberturas no chão que antes nos passaram despercebidas. Quem sabe se tratava de um hangar de emergência onde os especialistas atendiam ao conserto dos instrumentos que enguiçassem?

Corri agachado para a barraca de rádio que instaláramos ao lado da entrada principal. Rhodan estava ajoelhado diante da tela do videofone.

A confusão na “colheitadeira” poderia levar nosso plano a um fracasso. Vi que Perry movia os lábios. Forcei passagem até ele, enfiei na cabeça o capacete com instalação radiofônica. Ouvi logo os gritos dos homens. Alguém gritava do mesmo modo como ouvira há duas horas atrás.

— Fogo livre! Tudo que se move pode ser atacado — ordenou Rhodan.

Viam-se na tela do videofone os robôs de construção achatada. Saíam das aberturas no chão, passavam pelas rampas inclinadas em forma de espiral e começavam a atacar os homens, que estavam junto dos robôs-inspetores, para fiscalizarem sua atividade. Surgiram em dois pontos diferentes aqueles fenômenos luminosos de irisação e quando, inesperadamente, desapareceram, dois soldados haviam sumido.

— Campos de rotação — anunciou Brazo Alkher. — Estão se utilizando da irradiação vermelha.

O Capitão Narco, nosso engenheiro-chefe, nascido em Marte, já estava agindo. Nossos grupos de robôs voavam sobre a região. Como se fossem balas de canhão, rebentavam as paredes metálicas das construções e entravam nos diversos setores. Aos estampidos das armas de impulso, se juntavam os gritos dos chefes de comando.

Até nós estávamos expostos à fuzilaria. Um sargento de muita presença de espírito avançou com um blindado até a barraca, parando na frente dela para nos proteger.

Abrigamo-nos atrás da pesada viatura e abrimos fogo.

Regulei minha pistola para feixes de raios estreitos, pois não tinha a intenção de, por ora, desligar o possível transmissor em funcionamento, destruindo alguns de seus cabos mais importantes. No momento, não era indicado o uso da arma. Nossos atacantes eram de construção muito resistente para serem destruídos por descargas de raios.

Mais à direita, outro tanque blindado começou a girar no ar. No mesmo tempo se ouviu o alarma do Tenente Nolinow e sua voz se sobrepôs a todo o barulho:

— Setor VIII, venham para cá. Setor VIII! Está entrando em ação aqui um transformador de hiperondas. Numa das telas se pode ver o modelo da Via Láctea. Por toda sua extensão estão espalhados pontinhos verdes, que devem ser os planetas contaminados.

A compressão do ar dos canhões dos blindados me fez cair contra a barraca. Rhodan acertou com sua boa pontaria os robôs que geravam os raios de rotação do tanque. A viatura terrana parou de girar e pousou em chão firme.

— Tome conta do posto de rádio — gritou ele para Narco.

Já estava entrementes de pé. Gucky me estava acenando. Queria me transportar para o local. Corri para ele e peguei em sua mão.

— Segure-se bem firme e se descontraia.

Uma dor ia tomar conta de mim. Seus dons de teleportação geravam um campo pentadimensional de dissolução, através do qual nós éramos refletidos como impulsos energéticos.

Antes que a dor propriamente pudesse ser sentida, chegamos ao local. Diante de nós se abria um grande recinto abobadado. Rhodan e o teleportador Ras Tschubai se materializaram ao meu lado. Uma parede lisa, que nas nossas andanças de observação não conseguimos notar, era uma tela. Mostrava realmente a Via Láctea. Abaixo da tela se achava o bloco de contatos arredondados de um banco de dados positrônicos. Estávamos convencidos de que nele jaziam armazenados os dados sobre o posicionamento da “Nave da Colheita”.

Lá fora, trovejavam as armas. Os robôs que irrompiam da abertura no chão pareciam não concordarem com a nossa invasão. Olhamos em volta. Uma parte da parede externa se dissolvera com um disparo do desintegrador do tanque anfíbio. O seu motorista o levou através deste rombo na parede. Era o tanque com os instrumentos de medição. A equipe dos cientistas chegou, como se havia combinado.

Kalup e Riebsam saltaram logo. O hiperfísico devia estar ansioso, pois respirava com dificuldade.

Notamos que dois robôs de manutenção trabalhavam com suas ferramentas no sistema de fiação. Logo a seguir, a imagem da Via Láctea na tela do vídeo ficou mais nítida e os pontinhos iluminados começaram a cintilar.

Ao lado, as máquinas continuavam roncando. Por lá estava o Tenente Brazo Alkher com sua gente. Seu comunicado foi simples:

— Senhor, chegue até aqui, estão acontecendo coisas que não compreendo.

Continuamos nossa marcha. Kalup me acompanhava bufando. No corredor lateral, dois soldados estavam ajoelhados atrás de um desintegrador portátil. Abriam fogo contra todo robô de combate que surgisse. Uma nuvem de gás nos envolvia com um cheiro desagradável de plásticos e material isolante queimados. Esperava que não tivessem sido atingidas as fiações indispensáveis e nós não sabíamos bem o que era muito importante ou secundário.

Rhodan empurrou a porta corrediça e nos deparamos com uma central que denominamos de “local do transmissor”. Aqui se achavam os contatos automáticos de onde eram extraídos e irradiados os dados armazenados. Pelo menos, era nossa opinião de que se tratava de tal instalação. Nossos técnicos em radiodifusão afirmavam que não havia outra possibilidade. Um transmissor de telecomunicação era um conjunto com tais características, que não poderia ser confundido com outros aparelhos.

O tansformador-distribuidor recebia a corrente de operação, transformava-a em outras voltagens e a distribuía por cabos da espessura de um braço, que iam terminar num acumulador de segurança.

Não tivemos coragem de nos aproximar daquela gaiola. Não sabíamos ainda com que valores ela funcionava.

— Cuidado! — disse-me Kalup. — O transformador de impulso já está operando.

Esperamos. Do recinto contíguo, falava Riebsam. Estava usando o transmissor do capacete.

— Resultado da medição: trata-se, como supúnhamos, de um banco de dados. Não foi transmitida ainda nenhuma informação.

Nossos robôs-mecânicos se precipitaram para o “local de transmissão”, trazendo dois aparelhos de intercomunicação que nos ligariam com a Ironduke.

Quase não conseguia me dominar. Os técnicos desfaziam o isolamento de uma placa atrás da qual nos abrigávamos.

— Afastem-se, por favor — disse pelo rádio do capacete, aos homens de Brazo. — Quando atiramos na fiação, saltam geralmente faíscas. Aliás, vocês já terminaram sua missão.

Perry chamou o Major Claudrin. A grande estação de rádio do couraçado terrano estava pronta para entrar em ação.

— Até agora, nenhum impulso de hiperondas — disse ele. — Permaneçam na escuta. Ao primeiro sinal, eu os aviso.

Kalup olhava atento para frente e eu acompanhava seu olhar.

— Está vendo aquilo ali? É a alavanca do interruptor. É de acionamento manual. Primitivo, não é?

Consegui ver. Tinha o tamanho de um braço e estava num ângulo de quarenta e cinco graus em relação à parede. Um robô de manutenção mantinha dois braços em forma de ferramenta esticados, abrindo a chapa de revestimento de uma caixa de registros. Dentro se via um estranho sistema de engrenagens. Um motor elétrico não teria força para mover a alavanca.

— Transmissor recebe energia. Não se realiza o fornecimento de impulsos — comunicou Riebsam. — Que está havendo?

Lá fora continuava o fragor das armas e uma gazela despejava nova leva de tropas robotizadas.

— Riebsam, com que tipo de circuito opera o banco de dados? — perguntou Kalup pelo microrrádio do capacete. — Acha que é com alta-tensão?

— Não, com corrente de baixa voltagem. Há para isto um grande transformador. Não podia ser de outro modo. Mas o transmissor não é alimentado por ali?! Lâmpadas vermelhas estão acesas?! Alguma coisa aí não está certa?! O banco de dados funciona?!

Comecei a perceber o que levava Kalup a fazer estas perguntas. Logo depois, compreendi por que dava tanta atenção à alavanca de contato, ali bloqueada. Se a formação de impulsos se dava com baixa voltagem, podiam ser utilizados interruptores comuns. Não era necessário um fechamento super-rápido dos contatos.

Como um sonâmbulo, levantei-me e caminhei na direção dos robôs de manutenção.

— Atlan!

Ouvi o eco do grito de Perry no meu capacete.

— Deixe-o ir — ouvi também Kalup dizer. — Já compreendeu a situação. A alavanca bloqueada é o elemento de contato entre o transmissor automático e o banco de dados. Claudrin, vai começar.

O robô estava no meu caminho. Destruí-o com o desintegrador e vi quando rolou no chão. O motor principal estava girando a toda carga e já com excesso de calor. Disparei o desintegrador no entroncamento dos quatro cabos e os rebentei, destruindo também os fusíveis. E o motor passou a não receber mais corrente.

Na parte de contato da alavanca, formara-se uma camada de ferrugem. Martelei-a com o cano da arma, pois estava cristalizada, e entupia a fenda de encaixe da lâmina do interruptor. Tirei da cintura do uniforme de combate o martelo mais pesado e com sua extremidade fina bati na crosta da fenda. Depois de terminar o trabalho, perguntei-me por que o robô de serviço não podia ter feito aquilo. Comprimi a alavanca para baixo. Encaixou, soltando faíscas azuladas.

Resguardei-me, quando algo barulhento começou a zunir sobre minha cabeça. Retirei-me com cuidado. Rhodan me fez um sinal. Além de mim, não havia ninguém no local do transmissor.

— Os impulsos estão circulando — disse Riebsam. — Que aconteceu? As lâmpadas apagaram!

No videofone se ouviu o vozeirão de Claudrin:

— O transmissor está irradiando. Símbolos avulsos!

Rhodan ergueu o braço com a arma, já fazendo pontaria num alvo determinado. Puxei firme sua mão armada.

— Você ficou maluco?... Um momento, Claudrin! Está me ouvindo? Você está recebendo somente um símbolo? Sempre o mesmo sinal? Ou são dois grupos deles?

— Não, apenas o mesmo sinal.

— Não atire, senhor! — disse Kalup. — Estamos no caminho certo. A estação está agora chamando a “Nave da Colheita”. Espere, os dados ainda não chegaram. Claudrin, preste atenção nas mensagens que vêm do espaço. Se a “Nave da Colheita” ainda existe, vai se manifestar com seu sinal característico. Registre-o. Vamos precisar dele. Grave também em fita magnética o sinal de chamada e encaminhe tudo para interpretação.

Rhodan estava suando. Antes que o administrador pudesse dizer alguma coisa, Claudrin se apresentou de novo:

— A resposta está entrando. Por enquanto, apenas um impulso. Local de origem do rádio, pelo menos trinta mil anos-luz. Pode ser a espaçonave da colheita. Talvez dê agora os sinais certos. Ela está pronta para receber ordens. Eu... desliguem o transmissor. Cuidado... agora vêm os dados.

Rhodan teve o mesmo pensamento que eu. Não atiramos, havia coisa melhor do que destruir os cabos. Sem termos combinado nada antes, saímos correndo pelo recinto. Chegamos juntos à alavanca do interruptor e a erguemos para cima.

— Com os diabos! — resmungou Riebsam e sua voz estava irritada, como percebíamos pelo aparelho do capacete. — Novamente estas lâmpadas benditas! E os dados não aparecem.

— É exatamente isto que queremos obter, doutor — disse Rhodan e acentuou enfático — exatamente isto.

Agora era a vez da Ironduke.

— Conseguimos, senhor, o transmissor está funcionando como antes, com suas chamadas. Já temos alguma interpretação. O impulso quer dizer: “Transmita logo sua ordem”. Senhor, se isto não vier da “Nave da Colheita”, não quero mais me chamar Claudrin.

Retiramo-nos dali, a primeira fase da nossa operação dera certo. Kalup desaparecera. Agora, tudo dependia dos nossos técnicos em Cibernética que teriam de extrair do banco de dados tudo que se referia a Azgola.

Capitão Narco anunciou que os ataques dos robôs de combate estavam cessando. Mais de quinhentos deles foram destruídos.

Deixamos o local da transmissão. Rhodan se desfez do capacete e enxugou o rosto banhado em suor. Aos poucos, nossa excitação foi se amainando. Reginald Bell, que estivera ocupado na organização da defesa, surgiu. Parecia muito cansado.

— Temos que tentar filmar aquela imagem da Via Láctea, pois precisamos descobrir onde está Azgola, aqui do nosso ponto de partida. A tela possui uma regulagem de graus com símbolos codificados. Tem de ser possível pelo menos chegar a um valor aproximado, com o qual possamos fazer experiências. Acho que o aparelho colhedor dos fungos trabalha com um sistema análogo. Se for assim, o banco de dados tem de fornecer primeiro o respectivo setor. Virão depois os detalhes específicos. Não é uma idéia formidável?

Foi uma idéia formidável! Passamos para o corredor e Bell ficou parado junto à porta, pois suas palavras não eram lá muito de salão.

Kalup já havia filmado a imagem da Via Láctea. Outros cientistas se debruçavam sobre o setor dos símbolos, havendo tal setor já indicado o posicionamento aproximado de Azgola. Um jovem, montado nos ombros de um robô, assinalava com tinta vermelha um ponto luminoso.

— Tenho a impressão de que sua idéia não foi nem um pouco original — disse Rhodan rindo com ironia.

Depois que Bell se afastou furioso, pude rir à vontade.

 

Irrompera de fato a batalha de robô contra robô. Tínhamos a bordo da Ironduke mil máquinas de combate. O adversário, porém, contava com, pelo menos, vinte vezes isto.

Três horas depois da entrada em funcionamento da central intercósmica, as fortalezas do planeta começaram a vomitar suas tropas. Eram construções que se vêem mesmo só em pesadelo. Algumas até maiores que os tanques blindados terranos. Trabalhavam com campos de rotação e raios narcóticos teledirigidos. É claro que tivemos muito que fazer, chegando, às vezes, a uma situação desesperadora.

Nossos robôs de combate estavam ilesos aos raios narcóticos e outras coisas que afetassem o sistema nervoso, mas não estavam livres dos campos de rotação. Os envoltórios de proteção pouco ajudavam neste último caso, até mesmo ajudavam a aumentar a velocidade de rotação.

Nossos caças não paravam de se lançar contra as ondas de robôs em sua marcha vagarosa e de mergulhá-los em total destruição, com as descargas nucleares dos canhões da proa. Mas, mesmo assim, não diminuía o fluxo de novas levas de inimigos.

Seria uma temeridade expor a Ironduke a um tiro de granada narcótica. Certamente não nos seriam perigosos os campos de rotação, mas a tripulação poderia talvez ficar paralisada com gases entorpecentes.

Não poderíamos, então, ficar muito próximos do solo do planeta. Teríamos, isto sim, que nos abrigar no espaço longínquo. Entretanto tal afastamento prejudicaria nossa tarefa, ou mesmo a tornaria impossível.

A ativação dos robôs de manutenção teve uma conseqüência quase desastrosa. Ao transmissor intercósmico estava ligada uma estação de comando, que tinha sob suas ordens agora um poderio de ataque muito superior aos vôos sem sentido das pequenas naves de colheita.

A situação ficou séria. “O Planeta da Mecanização” se defendia. Recolhemos nossa frente de blindados. A aluvião dos atacantes só poderia ser enfrentada por investidas rápidas dos caças ou por tropas mecanizadas em terra, isto é, por robôs. As estupendas armas da Ironduke não podiam ser empregadas. Nossos inimigos formavam uma frente circular, nós estávamos no centro. Os raios narcóticos de um robô do planeta chegavam mais ou menos a cinco quilômetros. Não podíamos, pois, permitir que chegassem mais perto do que isto, se não quiséssemos pôr em perigo toda nossa gente.

Os mutantes estavam ocupadíssimos. Cada um, conforme suas qualidades para-naturais, empurrava de volta os autômatos ou os destruía com microbombas atômicas.

Aquele combate defensivo durava já dois dias, o que dera tempo para que a equipe dos cientistas apurasse cerca de oito mil dados, que sem o auxílio dos computadores necessitaria de anos de trabalho.

Foi relativamente fácil separar os grupos de símbolos referentes a um determinado planeta. Depois, porém, veio o problema de como localizar estes corpos celestes, pois não podíamos cometer o menor erro de enviarmos a “Nave da Colheita” para outro destino... e a viagem não era curta.

Há duas horas atrás veio a última interpretação. Soube-se que os dados sobre Azgola não foram lançados em último lugar. Nós os achamos no meio de outras indicações.

Continuavam ainda as medições comparativas, mas já estava claro que havíamos transmitido os valores corretos.

Desde o começo do ataque, tivemos que evacuar nossas forças para fora da central de rádio, já que os robôs das fortalezas investiram contra nós. Nossos postos de observação constataram que, depois da nossa retirada, os robôs do planeta também sumiram. Muitos instrumentos de alta precisão ficaram lá e as câmaras de televisão nos mostravam que ninguém se preocupava com os preciosos aparelhos terranos. Parece que o robô central só visava aos seres orgânicos.

Kalup chegou ao local do comando, de onde presenciávamos a luta. Dos nossos mil robôs, seiscentos já estavam destruídos. Estava na hora de nos retirarmos. O professor Kalup apresentou a Rhodan a folha da programação. Em decorrência da estranha técnica, fomos obrigados a registrar os grupos simbólicos num dispositivo terrano de comando que relacionamos — quanto sacrifício! — com os dados acumulados no banco do computador do planeta.

Sugerira irradiar os impulsos dos dados concretos com o transmissor da Ironduke. Rhodan, porém, insistira em se utilizar da estação transmissora do planeta. Talvez fosse mesmo melhor.

— Acho que está certo — disse Kalup. — Não pergunte, porém, como nós os conseguimos ainda controlar. Fizemos tudo que estava ao nosso alcance. Transmita agora os grupos simbólicos e vamos esperar pelos acontecimentos. Tome cuidado para que a “colheitadeira” não emita mais dados. Quando a “Nave da Colheita” estiver sobrevoando Azgola, temos que tentar influenciá-la.

Ainda o incomodamos com muitas perguntas. Sabíamos como os cientistas haviam trabalhado sem cessar.

O comando estava preparado. Gucky e Ras Tschubai deviam transportar a Perry e a mim para a central. Não havia mais nada a fazer senão colocar no computador principal a tira de papel com a programação, ligando o contato geral. Acreditávamos poder resolver tudo em poucos minutos. Por motivo de maior precaução, vestimos os uniformes de combate de fabricação arcônida, cujos absorvedores de gravidade e instalações magnéticas de proteção eram, pelo menos, mais garantidos. Examinamos as armas, agarramo-nos nos teleportadores e saltamos. Quando senti as dores, já nos encontrávamos na central da “colheitadeira”.

Os reatores estavam em funcionamento. Por toda parte se ouvia um zumbido ou um tilintar diferente. À nossa frente, estava o banco de dados. As teclas de comando achavam-se em bom estado de funcionamento.

Rhodan não perdeu tempo. Deu um pulo para frente e enfiou a tira na fenda de programação e a máquina começou a trabalhar. Os segundos passavam lentos. Luzes de controle que se acendiam, indicavam que o robô do mundo mecanizado havia recebido os dados. Desliguei os impulsos de chamada. Quando se ligou o interruptor até então bloqueado, nossa missão estava cumprida. Fizéramos tudo que tinha de ser feito.

— Estão chegando — disse Ras.

Estava de pé junto à porta, esperando os descendentes inanimados das inteligências, das quais não encontramos nenhum vestígio.

Não havia dúvida de que as rampas de acesso eram uma prova de que possuíam uma conformação corporal diferente. Os próprios robôs construídos em forma de répteis confirmaram nossa teoria. Se os construtores respeitaram o instinto que impera em todas as inteligências da Galáxia, isto é, de plasmarem suas criaturas mecânicas segundo sua forma e semelhança, podia-se então fazer muita dedução.

Reparamos que o transmissor começou a funcionar. Parece que seu comando robotizado estava apenas à espera de um grupo de sinais.

— Parar! — ordenou Rhodan.

Foi a terceira palavra falada, desde o início da operação.

Primeiro surgiram os sinais de identificação, já conhecidos, e depois dois outros símbolos que enviamos aos matemáticos para interpretação.

O comandante dos caças estava no microfone:

— Fala Campani. O inimigo continua avançando e fomos atacados por disparos de narcóticos, quando atingimos o horizonte de irradiações das fortalezas. Nossas armas têm agora um campo mais limitado. É necessário maior velocidade ou os robôs nos atingem. Nossos robôs da falange estão sendo dizimados. Até o momento já foram destruídos novecentos dos mil que possuímos e quase todos pelos campos de rotação. Peço licença para aterrissar.

— Autorizado — respondeu Rhodan. — Recolham-se à nossa espaçonave, o mais rápido possível. Estamos para decolar.

A “colheitadeira” continuava irradiando, porém sem enviar mais dados. O que ouvíamos, não tinha mais importância: eram simples sinais de chamada. A “Nave da Colheita” emitiu uma última mensagem, cuja interpretação dizia que ela se encontrava em Marte. O posicionamento do local onde se achava não estava exato. A opinião de Kalup era de que a “Nave da Colheita” já estava há muitos séculos parada no espaço, esperando por novos dados. Suas atividades deviam ter cessado, quando o transmissor deste mundo robotizado não mais funcionava com exatidão.

Gucky examinou seu desintegrador.

— Posso? — perguntou ele.

Fiz que sim.

— Destrua o banco de dados e volte imediatamente.

Desapareceu num clarão cintilante. Cinco minutos depois, estava de volta.

— Tudo pronto — disse com simplicidade. — O negócio não vai mais emitir dados.

Começou um zumbido forte no envoltório de proteção da Ironduke. Estavam nos atacando com campos de rotação. O embarque dos caças não se dera tão depressa como o esperado. Claudrin estava visivelmente nervoso, Rhodan percebeu a situação:

— Ao comandante dos caças! Interromper o embarque e partir com toda velocidade para o espaço. Nós os pegamos lá fora.

— Entendido, senhor.

Ouvi o ronco dos motores de propulsão. O couraçado ficou quase sem peso. Eram os fenômenos que se repetiam sempre, não me oferecendo mais nada de novo. Toda minha atenção estava concentrada nas telas de bordo, onde se via em primeiro plano a floresta de antenas da cidade mecanizada. O transmissor prosseguia na sua programação. Quem sabe os inspetores dos robôs foram postos em estado de prontidão? Não podíamos compreender como eram capazes de consertar um computador robotizado, totalmente destruído. Quem sabe existia uma instalação sobressalente que não tínhamos visto?

Era de necessidade urgente nos apoderarmos da “Nave da Colheita” e danificar um pouco suas máquinas, para depois tentar, com um transmissor especial, lançar os dados de Árcon II em seu cérebro robotizado.

A operação no planeta terminava sem muito alarde. Após as horas febricitantes lá embaixo, o ronco dos motores parecia até um tranqüilizante.

Disparamos pelo espaço a fora. A mais de cinqüenta mil anos-luz, cintilava a nebulosa da Via Láctea, como uma visão de raro encanto. Quando o sol Outside já parecia um ponto minúsculo no horizonte, recebemos a bordo os caças. Seus pilotos estavam esgotados, depois de horas e horas de combates contínuos.

Os transmissores da espaçonave começaram a operar. Os comandantes da Frota Solar, que estava de prontidão esperando na Nebulosa M-13, foram informados. Receberam ainda ordem de voar para Azgola, a fim de observarem a presença de um corpo estranho.

Antes de iniciarmos o vôo linear, Rhodan sentou-se a meu lado, olhando pensativo para a tela panorâmica.

— Não posso deixar de rir, mas creio que vamos ter ainda algumas surpresas.

Olhei para ele resignado.

— Ficarei contente quando a “Nave da Colheita” aparecer. Como está a situação em Árcon II?

Perry hesitou em responder. Sabia então que alguns bilhões de arcônidas estavam sofrendo com a hiperalimentação.

Dormi ali na central mesmo. Meu último pensamento foi para minha pátria. Que lhe reservava o futuro?

 

                                                                                            K. H. Scheer  

 

                      

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