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Sentinelas da Solidão / Clark Darlton
Sentinelas da Solidão / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Sentinelas da Solidão

 

 “Pilotos de patrulha” descobriram um novo planeta.

Ninguém, porém, acreditava neles.

Estamos no ano 2.113 da cronologia terrana. Para os habitantes da Terra, portanto, ainda não se completou nem século e meio da gloriosa aterrissagem na Lua de um foguete de propulsão química. Aterrissagem esta que foi o ponto de partida da verdadeira Cosmonáutica.

Apesar de estes cento e cinqüenta anos serem um espaço incrivelmente curto em comparação com os padrões cósmicos, o Império Solar, criado e dirigido por Perry Rhodan, conseguiu se transformar na pedra angular do poderio galáctico.

É natural que os terranos encontrassem, na gigantesca tarefa a que se propuseram, colaboradores importantes. Mencionemos apenas o arcônida Crest, o Ser do planeta Peregrino, Atlan, Harno, os swoons e Gucky, o rato-castor. No entanto, este objetivo jamais seria atingido sem a atuação abnegada e heróica de todos os terranos, sem o anseio inato pelo espaço infinito, presente em todo coração humano.

A recém-surgida ameaça do espaço intercósmico, o vazio infinito entre as galáxias, coloca todos os responsáveis diante de um problema insolúvel: como se pode combater agressores cujas espaçonaves são praticamente indestrutíveis?

Terranos e arcônidas, com grandes sacrifícios, já montaram uma cadeia de bases de observação em torno de uma boa parte da Galáxia. E as tripulações destas estações espaciais têm a missão de registrar e de comunicar imediatamente toda e qualquer alteração no espaço intergaláctico. Estes homens que estão de serviço no vazio da imensidão intercósmica são os Sentinelas da Solidão.

 

                                                     

 

Se tomarmos como ponto de referência a lenta rotação da Via Láctea, a estação espacial de observação M-S-13 ficou parada e imóvel no espaço extragaláctico. Com outras palavras: se fizéssemos daqui duas filmagens diferentes, uma com a objetiva da câmara convergindo para a Via Láctea e a outra apontando para o abismo sem-fim, haveríamos então de notar, depois de algum tempo, certas diferenças. Numa das filmagens, o setor dos confins da Galáxia permaneceria o mesmo, pois a estação se moveria com a câmara. Na outra filmagem, as diminutas manchas de nebulosas — galáxias distantes e desconhecidas — ter-se-iam deslocado para frente.

Portanto, uma rotação completa das bordas da Via Láctea leva cerca de 20 kpc do centro, ou seja, 980 milhões de anos. Uma pessoa situada na M-S-13 teria que filmar pelo menos um milhão de anos para ver algum efeito de sua filmagem. E tanto tempo assim, ninguém teria à sua disposição!...

A M-S-13 fora instalada há poucos meses. A estação espacial era antes de tudo um tipo experimental. Seu objetivo principal era a observação do abismo, nome que se dava em geral para o imenso nada entre a Via Láctea e as distantes nebulosas. Desde que emergiu o perigo iminente dos pos-bis, os terranos e arcônidas se viram obrigados a ampliar seus horizontes e a avançarem até os confins da Via Láctea.

A M-S-13 estava a cinco mil anos-luz das bordas da Galáxia, um posto avançado no espaço sem astros. Vista de longe, a estação parecia um grão de lentilha, enquanto que em se chegando mais perto ela se transformava numa gigantesca e plena elipse. Mesmo assim, seu diâmetro media cem metros e sua altura no meio era de cinqüenta metros. Lugar suficiente para as acomodações da tripulação, para as instalações de rádio e para o hangar da gazela.

O sistema de vigilância consistia numa grande cadeia de tais estações, mormente naquele setor da Via Láctea que fica em frente à nebulosa de Andrômeda. Sobravam indícios de que especialmente aqui o perigo era mais intenso. A cada cinqüenta anos-luz havia uma estação no espaço, mantendo contato entre si pelo hiper-rádio e enviando em cada espaço de vinte e quatro horas uma mensagem detalhada à central do serviço de controle, estacionada numa espaçonave do tipo Império. Ninguém sabia exatamente a localização desta nave, que mudava diariamente de posição. Até mesmo seu nome era desconhecido. Sabia-se apenas que o homem de ligação era um certo Major Schramm.

Assim, o nome Schramm passou a representar um símbolo para a Terra distante, nas profundezas da Via Láctea, que os membros destas tripulações não viam há tempo.

M-S-13 tinha uma tripulação de vinte e cinco cabeças.

Vinte e cinco homens isolados nas vastidões do cosmo, tendo que contar somente com as próprias forças. Caso os pos-bis atacassem, estavam totalmente expostos a um adversário muito superior, pois todas as armas da estação não eram suficientes nem mesmo para causar um pequeno dano numa nave fragmentária dos biopositrônicos. A única arma que se positivara eficientemente contra os ataques dos pos-bis era o transmissor fictício e este fora destruído por um disparo certeiro.

Os pos-bis — abreviatura de robôs POSitrônico-BIológicos — atacavam sem dó tudo que era de origem orgânica. Parecia que toda vida humana era seu inimigo figadal. E, curiosamente, eram todo desvelo e carinho para com máquinas, robôs e computadores. Não foi sem razão que os terranos inventaram um dispositivo de absorção que isolava hermeticamente todas as vibrações celulares e mentais dos homens. Estivessem todos com este aparelho, os pos-bis nada faziam, pois não sabiam se estavam diante de seres orgânicos vivos, ou não.

Todos os tripulantes da M-S-13 estavam obrigados a usar absorvedores ou neutralizadores mentais. Não havia pois perigo de a base terrana ser atacada pelos pos-bis, se ninguém se esquecesse de manter ligado seu aparelho, na hora que viesse a ordem para isto.

Apesar de ser fundamentalmente errado falar em “para cima e para baixo”, estes conceitos continuavam a ser usados. A estação estava posicionada de tal forma no espaço, que sua central abobadada ficava “em cima”. A Via Láctea, ao lado, dava a impressão de uma enorme lentilha achatada. As nebulosas distantes pareciam apenas pontos avulsos, a milhões de anos-luz, indizivelmente estranhas.

O Major Glenn Henderson estava agora saindo de sua cabina, onde dormira como um prego, e sem nenhum pesadelo, durante sete horas. Seu primeiro-oficial se levantou, quando o comandante penetrou na central.

— Tudo em ordem, senhor! — disse ele.

— Obrigado, Morath. Você já pesquisou tudo que entrou pelo rádio?

Capitão Morath, que era também piloto da gazela, executando quase semanalmente um grande vôo de inspeção, fez que sim com a cabeça.

— As demais estações não têm nada de extraordinário para comunicar — revelou ele. — Dá a impressão de que os pos-bis estão de férias.

— Se fosse você, não confiaria numa coisa desta. Aliás, hoje é dia de seu vôo de rotina. Qual será a direção?

As gazelas eram pequenos aparelhos de reconhecimento, também de conformação elíptica, muito rápidos e versáteis. Cinco homens bastavam para seu uso eficiente. Estavam fortemente armadas, tendo na média trinta metros de diâmetro e dezoito de altura.

Morath apontou para a vastidão do nada. Na central, onde a visão era perfeita para todos os lados, pois os instrumentos e seus controles estavam todos abaixo da cúpula transparente, dando a agradável impressão de se estar livre no espaço, não se acendia nenhuma luz. Mas aqui fora, apesar de não haver nenhum sol, não era totalmente escuro.

Olhando deste mirante, a Via Láctea era uma elipse radiante com um cinturão de poeira. A luminosidade era tanta que com sua luz se poderia ler. Tomava quase a metade do campo de visão e, falando no sentido relativo, ia quase de um extremo ao outro da central. No lado oposto, porém, imperava a escuridão. Viam-se galáxias isoladas que davam a impressão de estrelas esmaecidas. Seu brilho tinha que caminhar milhões de anos-luz para chegar até a M-S-13.

— Acho que não tem maior importância em que direção vai ser hoje meu vôo — respondeu o Capitão Morath, meio cansado. — Acho que vou tomar primeiro o rumo paralelo à Galáxia, na direção da M-S-14. Faço aí um ângulo reto e em cinco saltos de transição percorro vinte e cinco anos-luz na direção de Andrômeda. Depois, novamente paralelo de volta, regressando para nossa base. Mas, afinal, qual é a razão destes vôos? Não temos aqui aparelhos de rastreamento de primeira classe?

— São ordens da central — respondeu Henderson. — Você sabe que foi Schramm quem ordenou estes vôos. O chefe deve ter lá seus motivos para isto. Eu, pelo menos, sou de opinião de que com nossos instrumentos de rastreamento podemos abranger tudo que os nossos olhos não captam mais concretamente.

— É de fato um negócio esquisito — disse Morath. — Mas... não tenho nada a ver com isto. Quem sabe se meus olhos são realmente melhores do que estes instrumentos monstruosos?... Quando devo partir?

— Durma primeiro algumas horas, depois se apresente.

Capitão Morath bateu continência e se retirou da central. Glenn Henderson ficou ouvindo seus passos que ecoavam no corredor e sorriu satisfeito. Conhecia Morath já há muitos anos e já participara de muitas operações com ele. Homem valente estava ali e a vida muito parada da estação não lhe era muito agradável; por isto, os vôos de reconhecimento lhe eram muito bem-vindos. Henderson se dava por feliz por ter junto de si um homem da têmpera de Morath.

Sentou-se na ampla poltrona de observação e iniciou o controle dos diversos postos de vigilância.

— Radiofoto! — disse ele, após haver apertado um botão que fez acender uma pequena tela. — Por favor, seu comunicado!

Surgiu na tela um sargento.

— Tudo em ordem, senhor, na instalação de radiofoto.

— Nenhum impulso?

— Nada, senhor!

— Obrigado, sargento — disse Henderson, desligando.

“Central de hiper-rádio, central de rastreamento, central de artilharia, tudo em ordem,” pensou.

Mais sossegado, recostou-se na poltrona e ficou olhando na direção da Via Láctea. A elipse reluzente, formada de bilhões de sóis, cintilava inalterada e não deixava transparecer nada do que se passava no seu âmago. Existiam ali mais de dez mil planetas habitados e uns não sabiam nada dos outros. O que representava o colossal Império Arcônida em comparação com a infinita grandeza da Via Láctea? E a Terra, este minúsculo planeta iluminado por um sol de proporções diminutas?

A Terra!

Henderson se enchia de justo orgulho quando pensava que exatamente este planetazinho de um reduzidíssimo sistema solar era sua pátria... Há um século e meio era apenas um mundo ignorado!

E hoje? Hoje os arcônidas eram seus aliados.

Ninguém ignorava que existiam dificuldades dentro do Grande Império: ora se revoltavam os aras, ora os saltadores ou outros povos contra a soberania de Atlan, mas os verdadeiros inimigos do império não estavam na Via Láctea. Vinham de fora, do espaço vazio entre as estrelas; talvez, da nebulosa de Andrômeda ou de outras vias lácteas mais afastadas. Quem poderia saber ao certo?

O comandante olhou para a outra direção. Os reflexos esmaecidos lá ao longe... cada um deles se compunha de bilhões de estrelas, sendo que centenas de milhares delas deviam ser habitadas. Que tipo de vida possuíam?

O Major Henderson levou até um susto quando soou o intercomunicador.

Olhou imediatamente para o relógio. Seria possível? Já estava sentado ali na sua poltrona há duas horas, o tempo passou e ele não percebeu.

— Senhor, está na hora de entrar em contato com a central de Schramm — disse o chefe da sala de rádio Fritz Bose. — Devo lhe transferir a ligação?

Henderson sacudiu a cabeça negativamente:

— Já estou indo até aí.

A pequena mudança de lugar lhe ia fazer bem. Deixou a central e caminhou até o posto de rádio. Parou um pouco diante da porta meio aberta da sala da tripulação, escutando. Ouviu alguém que berrava, enquanto a música ia se alterando. De repente diminuía, mas só por alguns segundos. Depois espocavam tiros, um verdadeiro bangue-bangue. A gritaria dos feridos enchia os ouvidos de Henderson. Mas o comandante apenas sorriu furtivamente e prosseguiu seu caminho. Não tinha nada contra, quando o pessoal passava o tempo livre vendo velhos filmes de faroeste.

Sargento Fritz Bose fez a continência regulamentar, quando o major penetrou na central de rádio.

— Você já conseguiu a ligação?

— Deve chegar a qualquer momento, senhor — disse Fritz Bose, que, apesar de seu nome alemão, parecia mais um oriental. — O chamado foi confirmado, senhor! Talvez algumas estações ainda estejam um pouco atrasadas.

— Pode ser — disse o comandante, sentando-se.

Algumas vezes demorava mesmo uma hora inteira até que a ligação em cadeia fosse completada. Só depois que todas as estações de observação se houvessem apresentado é que Schramm transmitia seu comunicado diário.

Schramm...!

Nem mesmo o Major Henderson sabia quem era este tal Schramm. É claro que devia ser um major. Mas se ele se chamava mesmo Schramm, não podia afirmar. Dirigia a operação chamada Segurança da Periferia e estava diretamente subordinado a Perry. Quando Rhodan queria saber alguma coisa que se passava fora da Galáxia, perguntava diretamente a Schramm.

Assim que se deu a ligação, a tela luminosa se apagou.

Schramm jamais se deixava ver.

— Aqui fala Schramm — disse a voz conhecida, surda e sem a menor acentuação. — Suas informações negativas indicam que não se efetuou nenhuma observação. Seguem agora as últimas informações, código YB67.

Houve pequena pausa. As diversas estações tiveram tempo de ligar os decodificadores que transformavam as palavras secretas em texto claro, à medida que a mensagem ia chegando.

Não havia a menor alteração na modulação da voz de Schramm, quando prosseguiu:

— Os novos raios narcóticos foram sintonizados com as vibrações individuais do bioplasma inimigo. Continua o processo de estudo do plasma apreendido. Não temos ainda os resultados, pelo menos ainda não na proporção decisiva. Os pos-bis têm a capacidade de se autodestruírem na iminência de serem capturados. Além disso, podemos supor que os pos-bis haverão mesmo de atacar o interior da Galáxia e não apenas ficar rodando em volta dela. Por este motivo foi que veio a ordem de redobrar a vigilância. O aparecimento de qualquer nave dos pos-bis deve ser comunicado imediatamente, acompanhando também a rota e o objetivo eventual.

Após curta pausa, prosseguiu Schramm:

— Isto é tudo por hoje. Fim.

Henderson se recostou e viu quando o sargento Bose desligou o aparelho. Depois o comandante falou:

— O que você acha, sargento? Teremos sorte?

Bose parecia indeciso.

— O que o senhor entende por sorte? Se encontrarmos os pos-bis ou se não os encontrarmos?

— Isto é uma coisa que não sei ainda — disse Henderson pensativo. — Sei apenas o que o Capitão Morath haveria de dizer. Novos tipos de granadas narcóticas...? Queira Deus que tenham de fato inventado algo de novo, exatamente agora que não temos um transmissor fictício.

— Isto não nos adianta nada, comandante. O que temos mesmo na M-S-13? Um canhão de raios energéticos e nada mais, completamente inútil contra uma nave fragmentária. Seria a mesma coisa se a gente quisesse atacar um tanque de guerra com arco e flecha. Se um pos-bi aparecer por aqui, podemos fazer o testamento.

Henderson concordou plenamente com o telegrafista.

— Já fiz o meu, antes de ser mandado para cá. E você, não fez ainda?

— Não tenho ninguém a quem possa deixar como herdeiro — disse o sargento, um pouco sem jeito e com alguma palidez no rosto.

Suas palavras não indicaram nenhum sentimento de medo.

Henderson sorriu amigavelmente e se levantou.

— Bem, sargento, esta foi a melhor resposta que eu podia esperar. Transfira a ligação para mim, se vier alguma mensagem. Dentro de três horas, Morath vai iniciar seu vôo normal de reconhecimento e voltará antes da troca da guarda. Providencie para que a central de rastreamento não o perca de vista.

Voltou para a central de comando, deu uma rápida olhada nos instrumentos e se acomodou de novo na poltrona.

Três horas demoram a passar, mas podem se tornar também um espaço de tempo muito curto.

 

O Capitão Morath passou a mão quase carinhosamente na superfície lisa da gazela que o esperava, pronta para decolar.

— Você e eu estamos tão felizes de poder de novo dar uns pulos por aí a fora — disse ele em voz baixa, sem dar satisfação às caras admiradas do pessoal de bordo que ultimava os preparativos. — Uma semana presos nesta gaiola... já é tempo de tomar um pouco de ar fresco.

— É pena que lá fora não existe nenhum ar fresco — constatou o Tenente Miller, segundo-piloto, com toda naturalidade. — Lá fora só existe o nada.

Morath calçou as luvas e examinou o encaixe de seu capacete que durante o vôo — pelo menos durante a decolagem — devia estar bem fechado. Com uma leve pancada ajustou-o. Ligou também o telecomunicador, ficando assim em escuta direta com seus quatro companheiros.

— Felizmente, possuo uma alma poética. — Disse, acrescentando quase no mesmo tom: — Experiência com a aparelhagem de som: um, dois, três, quatro, cinco, seis! Tudo perfeito, vamos embarcar!

Após esta introdução formal, entraram os cinco pela escotilha da nave de reconhecimento. No pequeno hangar se fez o vácuo, após o que se abriu a grande comporta da estação e a gazela decolou.

Morath estava no comando e a seu lado o Tenente Miller, seu segundo-piloto. Na cabina de rádio, ali perto, revezavam o serviço os sargentos Mollner e Renê. Um pouco mais solitário estava o cadete Paechler no posto de artilharia, mas também em contato com os outros pelo rádio, podendo tomar parte na conversa.

Soltaram de novo o capacete para respirar o ar mais fresco dos aparelhos de regeneração da pequena nave. A porta de ligação entre o posto de comando e a cabina de rádio ficava aberta.

— Vamos para a M-S-14 em cinco saltos de transição — explicava Morath à sua gente. — Depois penetraremos no abismo do nada. E faremos mais algumas transições... Será mesmo o cúmulo se hoje não encontrarmos nada no nada!

Miller, ao lado dele, disse com ar de brincadeira:

— Peço aos deuses que não encontremos mesmo nada, senhor!

— Que que você acha então que nós estamos fazendo por aqui?

Morath olhava para ele, com a mão no queixo, e prosseguiu:

— Se não acharmos nada, teremos que ficar aqui mais uns dez anos, aguardando os pos-bis nesta solidão horrível. Você gosta disso?

— Absolutamente, não! Mas por que exatamente nós?

— Quem então? — foi a contra-pergunta fria e consciente de Morath.

A estação começava a desaparecer atrás deles e segundos depois não se via mais nada. Sem os contatos de rádio, que eram mantidos com todo rigor, ninguém mais os conseguiria achar, pois, neste setor do espaço vazio, era impossível qualquer orientação. Não havia uma estrela que servisse de ponto de apoio.

Depois de dez minutos, falou Mollner:

— Estamos no rumo certo, senhor.

Morath consultou os instrumentos. A gazela já estava com a velocidade da luz e podia entrar em transição. Devido a suas dimensões relativamente pequenas, não podia fazer transições maiores do que cinco anos-luz. Para o cálculo de cada uma delas necessitava-se de quase meia hora e um vôo normal de reconhecimento durava em geral cerca de dez horas.

— Transição dentro de dois minutos — avisou Morath.

Depois que as grandes naves da Terra foram equipadas com a tração linear, estas transições antiquadas pareciam coisas do arco-da-velha e uma aventura bem anacrônica, conforme as expressões de Morath. Nestas curtas transições de apenas cinco anos-luz, o desagradável fenômeno das dores da desmaterialização quase não se fazia sentir.

— Um minuto ainda!

Estavam esperando sentados. O quadro em volta deles continuava o mesmo, pois a distância da Galáxia era grande demais para se notar algum deslocamento de um ou outro astro. Os segundos corriam com extrema lentidão e o sargento Renê, na cabina de rádio, roía nervosamente as unhas, embora não houvesse motivo para isto.

— Mais dez segundos!

No zero, desapareceu-lhes a consciência e quando a sentiram de volta, lá se tinham ido cinco anos-luz, uma distância respeitável. E automaticamente, no mesmo segundo, o computador de bordo iniciou os cálculos para a próxima transição.

— Pronto, aí estamos — falou o jovem Miller, constatando que mesmo os cinco anos-luz de diferença não modificaram em nada a imagem da Galáxia.

Aqui, uma distância enorme, correspondente ao espaço entre a Terra e a Alfa Centauro, não significava nada. A luz levaria cinco longos anos para percorrê-la. E os homens a cobriam numa fração de segundo.

Renê não estava mais roendo as unhas. Ao sentir o olhar de Mollner, ficou sem jeito e disse:

— É um péssimo hábito meu, muito bobo, aliás. As transições me deixam nervoso.

Morath olhou para a imensidão do vazio. As gazelas possuíam também uma cúpula de visão panorâmica por cima da central, embora isso não se desse com todos os tipos, mas tão-somente com as destinadas ao simples reconhecimento. Com isto, as telas luminosas do vídeo eram mais do que supérfluas. Para a visão mais exata de objetos muito distantes, havia uma instalação telescópica.

Mas aqui não havia nada para se observar, nem planetas nem sóis.

O tempo passava.

— Transição em cinco minutos!

Depois, vieram a terceira, a quarta, a quinta.

Morath fez uma curva de noventa graus e disparou em direção à longínqua nebulosa de Andrômeda. Não houve mais transições para encurtar o caminho, mas de qualquer maneira os cinco homens na gazela tinham a impressão de estarem voando para o desconhecido. As transições aumentaram a distância que os separava da Via Láctea natal. Tinham pela frente somente o abismo do nada, aquela região inconcebível entre as galáxias, totalmente desconhecida para os homens.

— A distância que nos separa agora da M-S-13 é de 27,8 anos-luz — anunciou Mollner, quando se deu a segunda transição na nova direção.

— Não voaremos mais de 36 anos-luz, se medirmos o trecho pela diagonal — disse Morath desanimado. — E certamente não vamos encontrar nada.

— Que Deus diga amém — completou Miller, com todo respeito.

Morath olhou apenas para ele e se dedicou depois a seus instrumentos.

— Terceira transição no sentido oblíquo em dois minutos!

Depois da quinta transição nesta linha oblíqua, modificaram de novo sua direção, voando de volta no trecho paralelo. A distância para M-S-13 atingia neste momento 35,5 anos-luz. Ao lado da cabina de rádio, Mollner e Renê botaram para funcionar os aparelhos de rastreamento. Todo pedaço de matéria que fosse maior que uma unha do dedo polegar aparecia na tela luminosa tal qual uma pequena mancha. Mas era muito difícil que aparecesse tal mancha, que geralmente devia ser um minúsculo meteoro, trazido para esta solidão ninguém sabe como. Talvez, há tempos imemoráveis, originada pela explosão de um corpo celeste, tenha a partícula deixado a Via Láctea. Ou talvez tenha vindo de uma outra galáxia, atraída pelos campos magnéticos de gigantescos sistemas estelares, pois também a Via Láctea possui uma gravitação que atua até muitos milhares de anos-luz.

Mas, pouco antes de Morath receber do computador os cálculos para mais uma transição de regresso e encontrando-se a gazela ainda com a velocidade da luz, surgiu na tela do rastreador da cabina de rádio algo muito diferente de um meteoro.

O sargento Mollner não estava mais acreditando no que via.

— Santo Deus!... Renê! Que é isto? Renê contraiu os olhos e a pele de seu rosto mudou de cor.

— Redondo! — suspirou ele apenas.

O objeto era redondo, mas quando Mollner consultou a tabela de distâncias a seu lado, rejeitou logo a suposição de se tratar de um corpo celeste artificial.

O negócio era tão grande como a nossa Terra.

— Senhor! Um planeta diante de nós.

Por um segundo, Morath continuou sentado na poltrona de piloto, mas depois deu um pulo, como se uma cobra o houvesse mordido. Com cinco rápidas passadas, estava no posto de rádio, ao lado de Mollner. Atônito, olhava para a tela do rastreador. Nítidos e inquestionavelmente, delineavam-se os contornos de um planeta.

— Será possível? — perguntava Morath, ainda hesitante. — Tão perto da nossa M-S-13...! Henderson já o devia ter descoberto há muito tempo. Alguma coisa está errada — disse abanando a cabeça.

— Todas as tentativas de rastreamento foram inúteis até agora, senhor. Este negócio aí deve ter aparecido de repente. Já fizemos as mais extravagantes observações para com estes pos-bis. Outras dimensões e coisas semelhantes...

E isto era verdade. Morath não podia negá-lo. Os terranos já haviam descoberto um planeta no nada — planeta este pertencente aos pos-bis — vagando escuro e sem luz no espaço vazio, envolto num campo energético. Mas o planeta que agora estava diante deles não possuía campo energético, parecia inofensivo e exatamente isto é que deixava Morath perplexo.

— Pode ser uma cilada para nós. A que distância está ele?

Mollner consultou os instrumentos:

— Está agora exatamente a 7,49 minutos-luz, senhor.

Morath agradeceu a comunicação.

— Continue observando, sargento, não o perca de vista e me comunique qualquer alteração. Preste muita atenção em outros corpos que possam surgir. Dê o sinal de alarma, se notar alguma coisa. Quem sabe se trata de um ataque à nossa estação?

É claro que isto era uma suposição muito vaga e se afastava bastante da verdade, como Morath podia perceber. De qualquer maneira, aí estava a aventura por que tanto ansiara, não sabendo, porém, se estava ou não de parabéns.

Resolveu esperar um pouco mais.

Reduziu a velocidade e se aproximou em vôo direto do planeta desconhecido que agora também se podia ver nas telas comuns. A tênue claridade oriunda da Via Láctea era suficiente para se distinguir melhor os contornos e um pouco do relevo da superfície.

Como se esperava, não possuía campo energético e parecia desabitado. De instalações técnicas, não se notava nada. Se este planeta ambulante pertenceu um dia aos pos-bis, eles já o deviam ter abandonado há muito tempo, antes mesmo de terem aí estabelecido uma civilização.

Ou então, o planeta jamais pertencera aos robôs.

Contra isso, falava o fato irrefutável de que só agora o tinham descoberto. Devia, pois, há meia hora atrás, estar vagando em outra dimensão, do contrário não teria escapado de ser localizado pelos instrumentos de rastreamento da gazela.

— Mollner — disse Morath, virando a cabeça para trás — entre em contato com a M-S-13 e pergunte se não localizaram o tal planeta lá nos instrumentos.

A resposta do sargento Bose foi taxativa:

— Investigamos muito este setor do espaço e não achamos nada. O espaço está vazio, vocês devem ter se enganado. Ordem do comandante: continuem seu vôo de reconhecimento como foi planejado. Seus instrumentos serão examinados depois que voltarem.

— Era só o que faltava...! — exclamou Miller indignado. — Nós não somos loucos. Ali, bem na nossa frente, está um planeta, que já estou vendo quase a olho nu. E eles lá na estação... será que estão cegos?

Morath, olhando sério para trás, disse a Mollner:

— Confirme a mensagem deles e acrescente que nosso vôo vai prosseguir conforme foi planejado.

— Mas, senhor...!

— Faça o que lhe estou dizendo, sargento. Nenhuma palavra a mais ou a menos.

Enquanto o operador de rádio cumpria seu dever e transmitia a nova mensagem, Miller sussurrou para o comandante:

— Você sabe com segurança o que está fazendo, Morath?

Morath nem percebeu que o tenente omitiu o seu grau de hierarquia. Em tais situações isto não era tão importante assim.

— Pode confiar em mim, Miller, sei bem o que estou fazendo. Este planeta aí não pode ser visto pela nossa M-S-13 e nós o descobrimos primeiro. Se tem de fato um envoltório de proteção magnética, então já estamos dentro dele. Você consegue imaginar um campo magnético que se projeta a mais de dez minutos-luz no espaço? Já houve algo semelhante, tempos atrás, somente no Sistema Azul!

Miller enfiou os dedos nos cabelos e depois entre o pescoço e a gola do casaco.

— Puxa! Que teoria maluca! Dez minutos-luz?

— Exatamente — confirmou Morath, olhando de novo para frente, onde se destacava lentamente da escuridão do infinito algo redondo que a cada minuto ficava maior. — Isto é um planeta e nós vamos descer nele.

Miller abriu a boca espantado.

— Sem ordem expressa do Major Henderson, senhor?

— Sim, não voltaremos para M-S-13 antes de provar a eles que os instrumentos da gazela, não estão errados. Ou você se sente bem em ser tratado de louco?

Miller arregalou os olhos.

— Eu?!... Não senhor!

— Então! — disse Morath vitorioso. — Cadete Peachler, você está ouvindo? Seus raios energéticos estão prontos?

— Tudo preparado, senhor! — havia um leve tremido em sua voz. — Estou esperando suas ordens!

Morath esticou os braços para frente e desligou o piloto automático, passando para o manual.

Lentamente desciam na direção daquela coisa escura que todos supunham ser um planeta, desgarrado de algum sol.

Deram uma volta em torno do planeta e puderam constatar que, de certo modo, ele possuía uma face com luz e outra de sombra. O lado de sombra, isto é, da noite, dava para o abismo sem estrelas, enquanto a face iluminada, para a Via Láctea, cujos reflexos eram suficientes para permitirem ver pequenos detalhes. Os instrumentos de medição da gazela calcularam o tempo de rotação em vinte horas da cronologia terrena. Não havia uma eclíptica em relação com a Via Láctea.

— Onde que o senhor pensa aterrissar?

Sem desviar os olhos dos instrumentos, Morath respondeu:

— No lado iluminado do planeta, naturalmente, Miller.

O tenente bem que notou o nervosismo de seu chefe que realmente não sabia bem o que fazer em tais circunstâncias, aliás, ninguém na gazela o sabia. Se o planeta flutuava realmente num campo magnético desconhecido de vinte minutos-luz de diâmetro, por que então a estação M-S-13 recebera sua mensagem de rádio e não pudera captar o planeta em seus instrumentos de rastreamento?

Estavam em vôo quase rasante sobre a superfície de um brilho fosco e perceberam as primeiras ondulações do terreno, não se concretizando, pois, sua primeira impressão de que o planeta fosse uma formação artificial. Tratava-se, sem dúvida alguma, de um planeta normal, oriundo de matéria solar.

— Aquilo lá embaixo deve ter sido, outrora, um oceano — disse Morath, apontando para uma bacia enorme, arredondada, de algumas centenas de quilômetros de diâmetro. — Se houve cidades por aqui, foram construídas à beira-mar. Quem sabe lá onde desemboca um rio?...

— Como é que o senhor pode provar uma teoria desta?...

— Mesmo que os contornos já tenham desaparecido, as diferenças de nível sempre permitem chegar a uma conclusão — respondeu Morath. — Um rio caudaloso deixa suas pegadas mesmo que suas águas não mais existam há muitos milênios.

A olho nu, não se podia ver muita coisa, mas o rastreador radial da gazela descrevia com toda exatidão as diferenças de níveis, possibilitando assim a confecção de um mapa de relevo na tela luminosa. Miller apontava admirado para ela.

— Maravilhoso, senhor. Parece com... com...

— Perfeitamente, parece com um mapa metereológico, assinalando as altas e baixas. São as linhas de altitude, veja bem: o mar pode ser percebido com facilidade. As reentrâncias dos vales, quase um tipo de fiorde. Devem ter sido os antigos rios. É onde desembocam que devemos procurar.

Dez minutos mais tarde, estavam aterrissando nas proximidades do “litoral”. A gazela pousou como uma pena. Os suportes de aterrissagem afundaram quase meio metro, antes de encontrar chão firme. A camada mais fofa de cima era composta de cristais esfumaçados.

— Já houve atmosfera no planeta — constatou Morath depois de um exame dos instrumentos. — Com isto deve estar provada a exatidão de minha teoria. O planeta já possuiu atmosfera, depois perdeu seu sol e disparou para dentro do abismo. A camada de ar gelou e com isso desapareceu. Aquele negócio pardacento lá fora é, de certo modo, gelo e neve. Não é muita coisa, apenas meio metro. Uma grande parte deve ter evaporado pelo espaço a dentro. Podemos, pois, supor que este planeta foi um dia habitado. Só não compreendo por que os pos-bis não fizeram dele um ponto de apoio estratégico.

Havia uma vaga suspeita de que, desde tempos imemoráveis, os pos-bis desviavam planetas da Via Láctea para transformá-los em suas bases. Assim poderia ter acontecido com este. Mas não o transformaram em ponto de apoio. Por que razão?

Provavelmente ninguém ali teria uma resposta precisa, mas Morath estava resolvido a levar a questão para frente.

— Miller, você fica aqui para vigiar a gazela e, se acontecer alguma coisa, decole imediatamente e vá para a estação. Compreendeu bem?

— Senhor, não sei não...

— Num caso deste, você não terá que se preocupar comigo nem com meus companheiros. O sargento Mollner vai me acompanhar com um hipertransmissor miniatura, de maneira que em caso de emergência estaremos em condições de nos comunicar com a nossa estação. Compreendeu agora?

— Perfeitamente, senhor — confirmou Miller meio sem jeito. — E como é que vou saber se está acontecendo alguma coisa imprevista?

— Ficaremos em contato com você por meio do rádio — Morath olhou para os instrumentos. — A gravidade é extremamente baixa, quase zero vírgula cinco, o que vai nos facilitar muito os movimentos, principalmente o caminhar. Até o antigo litoral são cerca de dois quilômetros.

Mollner já estava de pé, levantando o capacete para trás.

— Vamos levar armas, senhor?

Morath fez que sim com a cabeça.

— Você acha que eu vou passear “pelado” num mundo estranho assim? — perguntou com sarcasmo. — Pistolas de raios energéticos e três granadas atômicas por cabeça. Com isso podemos liquidar alguns pos-bis. Pronto?

Mollner concordou e foi para o armário da parede para apanhar as armas e a munição indicadas. As granadas atômicas eram tão pequenas que cabiam comodamente no bolso. As pistolas tinham um coldre especial no cinturão do traje espacial. Algumas cápsulas de alimento concentrado completavam o equipamento.

De repente, Morath teve uma idéia:

— Talvez seja de bom alvitre botarmos o uniforme de combate. Vamos, sargento, de dois minutos a mais não é que vai depender o sucesso.

Os uniformes de combate arcônidas eram peça indispensável de todo comando de ação dos terranos. E com justa razão, pois eliminava a gravidade, podia tornar invisível seu portador, dispunha de um envoltório de proteção magnético e permitia até pequenos vôos.

Não se levou dois, mas sim dez minutos para colocar os uniformes de combate. Depois disso, o Capitão Morath e o sargento Mollner entraram pela estreita escotilha da gazela, esperando que se abrisse a comporta de fora.

Quando isto aconteceu, ficaram ainda longos segundos indecisos.

Nada mais os separava agora da paisagem solitária e triste que podiam agora descortinar com toda nitidez. Um pouco remotamente, lembrava a visão da nossa Lua, se bem que aqui não se viam as pequenas crateras e as ondulações concêntricas, mas apenas uma planície coberta de neve. Somente a uma distância de uns dois quilômetros é que o terreno se elevava como num grande degrau. Atrás devia haver um planalto que não se conseguia enxergar, interrompido somente por uma reentrância em forma de um U, com uns quatro quilômetros de largura. Nos seus dois lados podiam-se ver saliências irregulares.

— Vamos embora. Tudo pronto. Mollner teve a impressão de que a voz do chefe não estava muito firme.

Ligaram o dispositivo de vôo e se ergueram no ar. A poucos metros de altitude, deslizavam sobre o que devia ter sido um mar, que certamente não podia ter grandes profundidades, pelo menos não ali nas proximidades do litoral.

O céu acima deles era praticamente uma faixa branca atravessando a escuridão quase total, correndo paralela com o equador, mais ou menos numa amplitude de vinte graus. A gazela pousou ali, exatamente quando o centro da Via Láctea estava no zênite.

— Por que a neve é cinzenta e não branca? — perguntou Mollner.

— Muito pouca iluminação — respondeu prontamente Morath. — A luz da Via Láctea não é suficiente. Se você ligar o refletor do peito, vai ver que a neve aqui é tão branca como na Terra, embora sua composição possa ser diferente.

Aumentaram a velocidade e se aproximaram da desembocadura do rio ou do ex-rio. As irregularidades topográficas de suas margens ficaram bem mais nítidas quando os dois homens chegaram mais perto, confirmando assim a opinião de Morath.

— Veja só, Mollner! Edifícios! Estavam cobertos por uma camada de um metro de neve e sua conformação ia se diluindo com o tempo. As nevadas, ou seja, as diversas camadas de neve, ainda estavam do mesmo modo como as tempestades as haviam lançado, quando o planeta se afastou cada vez mais do sol e iniciou sua peregrinação através do nada.

— Quando os pos-bis desviaram este planeta, condenaram à morte milhões de seres vivos — disse Mollner em voz baixa, falando mais para si mesmo. — Não sabemos como eram estes seres e quem eles eram, mas eram inteligências como a nossa. Inteligências orgânicas.

— Devagar! Não podemos afirmar isto, meu amigo! — interveio Morath. — Podemos supor. Os pos-bis não teriam escolhido um planeta habitado por robôs? Além disso não sabemos se, fora os pos-bis, tenha havido ou haja ainda outras civilizações de robôs. Olhe lá, um conjunto de ruas entre as entradas das casas, tudo coberto de neve. Como poderemos encontrar lá alguma coisa?

— Temos que fazer uso dos raios térmicos.

Morath concordou.

— Você tem razão, mas antes quero dar uma olhada por lá e ver quais são as dimensões da cidade.

Com seus uniformes arcônidas, isto não seria difícil. Sobrevoaram a cidade a pequena altura, passaram por entre elevadas formações de neve, que podiam muito bem ter sido blocos habitacionais, atravessaram uma praça enorme com edifícios estandardizados.

Finalmente desceram no centro da cidade, numa praça livre, meio arredondada.

— Seu aparelho de absorção mental está ligado?

— Tudo em ordem, senhor, está ligado, aliás desde o início do vôo. O senhor conta com o aparecimento dos pos-bis?

— Falando francamente, não. Mas, cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Depois de se adaptarem à gravidade natural do planeta, afundaram até o tornozelo na crosta endurecida da neve. Podiam caminhar sem precisar anular a gravidade ambiente.

— Lá ainda se vê uma espécie de antena — disse Mollner, apontando para o terraço de uma ampla construção, porém, de pouca altura, que também contornava uma parte da praça.

— Vamos examiná-la.

Nem fizeram questão de ir voando, pois era uma sensação muito agradável poder pisar de novo chão de verdade, mesmo que fosse o solo de um planeta esquisito e morto. Pelo microfone externo, julgaram ouvir o ranger da neve pisada, mas não passava de auto-sugestão. Não havia ar no planeta, as ondas sonoras não podiam, pois, ser transmitidas.

Mollner parou de repente, apontando de novo para o terraço, onde há pouco se podia ver a antena.

— Você não acha esquisito que a antena esférica lá em cima não tenha nenhuma neve? Certo seria estar coberta. Mas veja: acha-se brilhante, amarelada, livre da neve e com o reflexo da longínqua Via Láctea.

Morath se deteve também e seus olhos se comprimiram.

— Não reparara nisto antes, você tem razão, sargento. Em cima da bola dourada devia haver neve — refletiu por uns instantes. — Mas é também possível que os últimos ventos lhe varreram a neve.

— Pelo motivo de a esfera estar muito alta? — Mollner sacudiu a cabeça. — Não, não acho provável. Deve haver outra razão.

— Bem, então vamos descobrir qual é — disse Morath resoluto, caminhando na frente.

Mollner o acompanhou, sem saber o que pensar. Atingiram a parede recoberta de neve, bem no centro.

“Até nas paredes verticais há neve”, pensava Morath admirado. “Mas na esfera... nada de neve. Pode ser de um material cuja composição não aceita neve.”

Isto o levou a outra suposição.

— Você espera aqui, Mollner, vou examinar a antena.

Que aquela esfera metálica fosse uma antena, era mera suposição dos dois, aliás apoiada no fato de que a maioria das antenas interestelares tinha o formato esférico.

Morath ligou o dispositivo antigravitacional e se alçou como uma pluma no ar. Passou por cima da parede escura e pousou suave no telhado coberto de neve. Até a antena, foram só dois passos.

A esfera tinha um diâmetro de metro e meio, sustentada por um tubo de uns dez metros de altura, com vários apoios laterais. Subiu um pouco mais e ficou flutuando rente à esfera metálica.

Sua superfície lisa e seca tinha bom reflexo. Nenhum vestígio de neve, realmente. Era como se irradiasse calor e fizesse derreter na hora qualquer floco de neve. Mas os instrumentos de medição embutidos no uniforme de combate não acusaram nenhuma irradiação térmica.

Morath voltou para junto de Mollner que o aguardava com impaciência.

— Então, chefe?

— Nada, sargento, nada mesmo. Nem mesmo qualquer coisa de rádio. Pode ficar espantado, porque é verdade. Eu julgava mesmo que assim fosse, mas não me pergunte por quê. Que vamos fazer agora?

Mollner apontou para a parede com salpicos de neve.

— Está bem! — disse Morath, interpretando o gesto do sargento conforme suas idéias. — Vamos dar uma olhada lá dentro. Prepare a pistola de raios energéticos.

Regularam a arma para fogo esparramado e acabaram com a camada de neve congelada. O líquido pardacento evaporou logo e desapareceu. Nos locais onde a ação dos raios térmicos atingiram, surgiu um sulco de gelo, com resfriamento rápido do líquido. A parede da casa estava agora livre da neve.

E havia uma entrada, tão alta que se podia penetrar de corpo ereto. Os construtores da cidade deviam ser tão altos como os terranos, embora a porta não pudesse provar nada. Quem sabe achariam mais indícios lá dentro?

Uma grande sala recebeu os dois homens. A temperatura lá dentro era tão baixa como lá fora. Zero absoluto, só que ali não havia neve. Tudo estava como na época da incrível catástrofe. Nas últimas décadas, acontecia freqüentemente aos terranos descobrirem mundos abandonados, onde outrora houve grandes civilizações. Algumas desapareceram por razões desconhecidas, mas na maioria delas, podia-se estudar as causas de sua decadência. Muitas catástrofes foram precedidas por guerras e devastações e muitas vezes a natureza superou a inteligência.

Parece ter sido este o caso do planeta desgarrado. À primeira vista, tinha-se a impressão de não ter havido alteração maior. O planeta fora esfriando porque lhe faltou o sol. Seus habitantes deviam ter se retirado mais para as profundezas, pois ali na superfície não se via nenhum vestígio deles.

“Mas o verdadeiro motivo da catástrofe”, pensava Morath, “não foi de origem natural. Uma técnica inimaginável deve ter destruído os elos energéticos que mantinham o planeta dentro de um sistema solar, afastando-o mesmo até da atração magnética da Via Láctea.”

Por quê? Só para se obter uma base, um ponto de apoio? E os seres vivos que povoavam o planeta? Foram sacrificados fria e insensivelmente?

Morath estava pensando que os pos-bis só mostravam sentimento para com as máquinas e robôs. Seres vivos orgânicos não lhes mereciam nenhuma consideração, pelo contrário, eram o alvo de seu ódio.

A sala não tinha móveis nem enfeites de espécie alguma. Poucos objetos metálicos ainda estavam nas paredes, não se sabendo para que serviam. Tudo o mais parecia ter sumido no correr dos muitos e muitos milênios.

A parede parecia de um material de construção de muita resistência, semelhante ao metal.

— Não sei não — disse Mollner — não consigo me desvencilhar de um sentimento desagradável. Estou quase acreditando que estamos sendo observados.

— Que loucura, rapaz! Que idéia absurda!

Mas ele mesmo, Capitão Morath, olhou para trás e depois, com muito cuidado, percorreu toda a sala com os olhos apreensivos e disse:

— Quem é que nos haveria de observar? Os habitantes primitivos já estão mortos há milênios. Ninguém sobreviveu à catástrofe.

— E as antenas?

Morath não respondeu. Indicou a parede da frente, onde havia uma grande passagem, ou melhor, uma porta meio aberta, como se seu último usuário não tivesse tido tempo para fechá-la.

O aposento nos fundos era ainda menor que o anterior, também sem nada que pudesse lembrar instalações domésticas. Ou será que o material dos móveis era menos resistente do que o das paredes e assim não resistia ao tempo e às condições climáticas do ambiente? O chão estava coberto por leve camada de poeira.

— Esta camada de poeira — constatou Morath, tentando manter diante dos olhos o fator tempo — é proveniente dos objetos desaparecidos que antes guarneciam estes aposentos. De quando seria esta poeira?

Mollner não podia responder.

Encontraram ainda muitas portas e por trás delas aposentos idênticos. Um elevador, que naturalmente não funcionava mais. Viram também uma escada, que Morath examinou com interesse.

— Esta escada devia nos fornecer alguns dados de como eram seus construtores, mas falando honestamente, não tenho a menor idéia. Você tem?

Os degraus estavam estranhamente escavados, como se tivessem sido usados demasiadamente, o que aliás não podia ser verdade, pois ali ao lado havia o elevador. Restava, pois, somente a suposição de que tivessem sido construídos propositalmente desta maneira. Além disso, eram muito juntos. Um pé humano dificilmente encontraria apoio num degrau de tão pouca largura.

— Estreita como uma escada de mão — comentou Mollner, pensativo — e ainda por cima oca. Mas, por favor, não me pergunte como seriam os irmãozinhos aqui.

— Não lhe vou perguntar não, Mollner. E... irmãozinhos? Ah! É verdade, está no regulamento que todos os seres inteligentes do Universo são nossos irmãos, mesmo que tenham aparência muito diferente da nossa. Mas se nós os vamos sempre considerar assim, só o tempo dirá. Mas vamos tentar, não é?

Fazendo uso do campo antigravitacional, galgaram o andar superior, onde havia mais coisas do que no térreo. Nem tudo estava destruído e irreconhecível. Os objetos metálicos pertenciam provavelmente às antigas cadeiras ou poltronas. Nas paredes havia molduras retangulares, algumas com fragmentos brilhantes de um material parecido com vidro. Restos de cabos ou fios pendiam pela parede, enquanto que no chão se viam objetos inteiros, no meio da grossa camada de pó. Deviam ter caído com o rompimento de suas alças ou de outro tipo de sustentação.

— Meu palpite é que isto aqui era uma central de telecomunicação ou de hiper-rádio — disse Mollner.

— Possivelmente — concordou seu superior. — De qualquer maneira parece uma agência de notícias. A antena esférica tem agora um sentido, pois deixa concluir a existência de uma estação de rádio interplanetária. Portanto, já dominavam a navegação espacial, o que, por sua vez, nos leva à outra conclusão: a maior parte da população se salvou, quando começou aqui a era glacial...

— Se eles dominavam a Cosmonáutica, por que não se defenderam ao serem atacados pelos pos-bis? Você achou algum vestígio de guerra?

— Não, sargento. A batalha pode ter sido no espaço. É uma coisa que não posso afirmar.

Examinaram as instalações arruinadas. Muita coisa ficava envolta em mistério, mas a suposição de se tratar de uma estação de rádio parecia confirmada.

— Mais um andar, se não me enganei no cálculo — disse Mollner — talvez encontremos mais alguma coisa.

Subiram pela escada de degraus muito estreita e pararam diante de uma porta fechada. Era tudo igual ao andar inferior, com a única diferença: a porta não queria abrir. A trava devia estar emperrada.

— Se não me engano, estamos no último andar, logo abaixo do telhado ou da cobertura, onde está afixada a esfera da antena...

Não acabou de falar, pois foi interrompido. Uma voz forte lhe dizia no alto-falante do capacete.

— Aqui fala o Tenente Miller, senhor! Major Henderson manda perguntar por que não tem havido mais comunicação da posição. Eles nos perderam de vista nos instrumentos de rastreamento.

Morath e Mollner se entreolharam. Haviam propriamente se esquecido da estação. Que poderiam responder? O comandante Henderson estava crente de que continuavam em vôo normal e jamais pensaria que tivessem aterrissado num planeta estranho. Tinham realmente desobedecido às suas ordens.

— Escute uma coisa, Miller — disse Morath, objetivo. — Como é que você pode manter contato de rádio com a estação, sem ser rastreado por ela?

— Não compreendo, senhor. Que devo responder?

— Diga que estamos continuando o vôo normalmente.

— Mas...

— Faça o que lhe disse, tenente. Mais tarde nós explicamos tudo melhor. Agora não dá tempo. E termine a comunicação dizendo que dentro de uma hora nos apresentaremos de novo.

— Está certo, senhor! Mollner fez uma careta.

— Espero que o comandante não nos vá engolir como um antropófago.

— O major não é canibal — consolou-o Morath, examinando de novo a porta trancada. — Antes de voltar, quero saber o que há aí dentro. Sabe o que eu acho? Que alguém colocou esta antena esférica somente depois da grande catástrofe. Devia ter pensado nisto antes. Ela está sem neve. Portanto, só começou a existir depois que o planeta perdeu toda atmosfera e não podia mais nevar.

— Isto quer dizer que...

Mollner estava muito aterrorizado para dizer o que pensava, mas Morath concluiu com sangue-frio:

— Exatamente isto! Os pos-bis vieram para cá e instalaram aqui sua base. Pergunta-se apenas por que a abandonaram e não se preocuparam mais com ela. Quem sabe ainda vamos descobrir isso?

Puxou a arma do cinturão.

— Temos que rebentar a fechadura à força, pois não temos muito tempo.

O material parecia super-resistente e, no mesmo instante em que se deu a primeira rachadura, ouviu-se um estouro como se algo muito forte tivesse explodido. Os dois terranos foram atirados cerca de vinte metros para trás, batendo de costas com relativa suavidade num montão de poeira que se levantou de tal maneira que, por alguns segundos, não puderam ver nada.

Quando a densa poeira assentou, um clarão alucinante os ofuscou, caindo do teto flocos brancos, como se fossem neve.

— Acho que estou ficando maluco — disse Morath. — Atrás da porta havia atmosfera e, não agüentando mais a pressão interna, explodiu! Tivemos sorte. Aconteceu alguma coisa com você?

— Creio que não — disse Mollner, se levantando e apanhando a pistola energética que lhe escapara do coldre. O hipertransmissor pendia a seu lado, num estojo de couro. — Está tudo bem!

A porta escapara das dobradiças e fora também projetada mais longe. Via-se o espaço atrás dela, aparentemente não apresentando nenhum estrago. Apesar da explosão ter sido violenta, o deslocamento do ar interno não provocou nenhum outro dano.

Do teto, vinha uma claridade muito forte e foi através dela que viram surgir uma figura de grandes proporções que dos fundos do aposento vinha cambaleando na direção dos dois terranos. Ambos olhavam atônitos, como se estivessem diante de alma do outro mundo. Só podia ser uma assombração. Se houvesse algum ser vivo naquele local da explosão, devia estar morto agora, depois que todo o ar desapareceu.

Perceberam, no entanto, que estavam diante de um robô.

Tinha os contornos aproximados de um ser humano galáctico, com mais de dois metros de altura e com a largura de dois homens normais. Rosto não tinha, mas somente uma antena muito delgada no capacete. Estava de pé numa base metálica com umas dez ou doze pequenas rodas que lhe serviam de meio de locomoção. Dois braços caíam-lhe de cada lado.

Agindo mais por instinto, Morath ligou, com um movimento rápido, o micro-receptor, a grande invenção dos swoons. Este pequeno receptor possibilitava captar os impulsos dos pos-bis e dar-lhes também uma resposta. Continha os conceitos mais importantes que podiam ser traduzidos na hora, automaticamente. O vocabulário dos pos-bis era naturalmente bastante reduzido.

— Vós sois vivos de verdade? — perguntou o robô.

Era a pergunta estereotípica deles. Da resposta dependeria seu comportamento. Morath apertou a primeira tecla do transmissor.

— Sim, somos vivos de verdade! — foi este o impulso transmitido.

Dois dos quatro braços do robô continuaram caldos e os terranos sabiam que neles estavam escondidas armas mortais.

O brutamontes do robô parecia satisfeito e, sem fazer mais perguntas, voltou para um quadro de ligações, aparentemente muito complicado e ali permaneceu de pé. Dava a impressão de que perdera todo o interesse no ambiente em volta. As lentes do seu sistema de visão pareciam convergir para os uniformes de combate, enquanto a antena delgada do capacete oscilava.

Morath não deu atenção ao gesto de interrogação de Mollner, e passou a inspecionar cuidadosamente o ambiente em que estavam. Era, sem dúvida, um centro de transmissão de grandes proporções, como o demonstravam as instalações. Muitas coisas tinham grande semelhança com os aparelhos em uso no Império Solar e também no Império de Árcon.

Só agora foi que Morath começou a sentir uma leve trepidação a seus pés. Estava convencido de que ouviria também um zunido se houvesse ainda ar neste aposento. Bem perto dele, devia estar funcionando um gerador, ou no mínimo, um transformador, que produzia a energia necessária para manter em atividade as transmissões.

Passava-lhe agora pela cabeça uma outra questão: por que razão construíra o robô a estação transmissora com vedação hermética, se aquele monstro mecânico não precisava de nada disto para viver? Mas a resposta não parecia difícil. Numa temperatura normal — e isto só seria possível dentro de uma atmosfera — alguns materiais agüentariam muito mais tempo do que no vácuo, em especial o material indispensável à técnica da hipercomunicação.

— Que vai acontecer agora? — perguntou Mollner em voz sumida.

Temia que o robô o ouvisse, mas se isto de fato estava acontecendo, o pos-bi não deixava transparecer. Continuava de pé na frente deles, com os olhos de vidro fixos em seus uniformes de combate. Será que estava esperando por alguma coisa?

— Gostaria de lhe perguntar o que está fazendo aqui.

— É, mas isto não será perigoso? Ele nos considera também como robôs e, como tais, pensará ele, devemos saber de tudo a respeito.

— Isto é mera suposição sua — Morath estava tentando se lembrar dos poucos símbolos do vocabulário dos pos-bis. — Fique preparado com uma das granadas. Em caso de necessidade, temos de destruir este robô.

Mollner fez que sim com a cabeça e meteu a mão no bolso do traje espacial de combate. O dispositivo de retardamento automático chegava até trinta minutos, mais do que suficiente para se procurar um abrigo. Mas, por motivo de segurança, não se resolvera ainda.

Morath se aproximou do robô e lhe perguntou pelo aparelho:

— O que você pretende fazer?

Era uma pergunta muito vaga, mas o capitão não dispunha de outra combinação de símbolos e talvez o pos-bi compreendesse o que queria dizer.

— O objetivo está próximo — veio como resposta.

E com essa resposta não se podia fazer muita coisa. Em que objetivo estaria pensando o robô?

— Você está esperando há muito tempo?

— Desde ontem — foi a pronta resposta.

Morath sabia que a palavra “ontem” podia significar muito bem dez mil anos e certamente este era o caso. Se o misterioso planeta provinha mesmo da Via Láctea e jamais tivesse alterado sua velocidade de itinerário devia estar completando agora cerca de quinze mil anos de trajeto, a partir da época em que o “raptaram”.

Se é que ele provinha mesmo da Via Láctea...

— O que você está esperando? — perguntou Morath, olhando também para a tela apagada, de onde o robô não tirava os olhos.

— O sinal! Quando ele chegar, um outro sol vai brilhar de novo.

Morath deu alguns passos para trás. Não achava razoável fazer outras perguntas. O que ouvira devia ser suficiente. O contexto estava claro. Ao seqüestrarem este planeta, os pos-bis deixaram nele um sentinela. Só quando o planeta fosse utilizado é que este sentinela seria substituído, o que até então não acontecera. Protegido por um gigantesco envoltório magnético, quase inexplicável do ponto de vista científico, o planeta continuava sua trajetória solitária, de encontro a seu destino desconhecido, pela amplidão do vazio.

— Não vamos precisar das bombas — disse para Mollner. — Vamos embora, acho que o robô vai logo fechar a porta, produzir outra vez ar e esperar. Esperar até que haja um revezamento, daqui a mil ou dez mil anos, ou nunca.

O pos-bi nem reparou quando eles se esgueiraram pela portinhola, deixando a estação. Somente quando já estavam diante da escada e estavam para ligar o dispositivo de flutuar e voar, para descerem lentamente e sem riscos, foi que aconteceu. Aliás, foram duas coisas que aconteceram simultaneamente...

Foi a voz do sargento Renê que soou no alto-falante de seus capacetes. Berrava e dava a impressão de estar por perto.

— ...já são trinta minutos, senhor! Comunique-se. Onde é que o senhor está? Esta tal cidade deve estar abaixo de mim, não é? Ou estamos enganados? A esfera dourada... foi mencionada há pouco. Capitão Morath, o senhor pode nos ouvir?

Morath já estava no último degrau da escada, quando disse:

— Estamos ouvindo, Renê. Não grite tanto assim. Não interrompemos a ligação de rádio, nem um minuto. Alguma coisa está errada aí com seus instrumentos.

— Graças a Deus! — veio a resposta aliviada. — É o senhor, capitão! Onde estão agora?

— Sob a esfera dourada. Que negócio foi este de interrupção do rádio? E quem lhe deu ordem de abandonar a nave?

— Foi o Tenente Miller, senhor, depois que seus sinais de rádio emudeceram totalmente. De repente cessou tudo, posso...

Morath percebeu o movimento pelo canto do olho e se virou na mesma hora. O robô caminhava para eles, com um par de braços dobrados em ângulo reto. O olho parado de muitas lentes tinha um brilho de maldade.

— Vamos embora daqui — disse o capitão para Mollner, que ainda estava com a granada nuclear na mão. — Algo saiu errado.

Saltou pelo poço atrás da escada e, só durante a queda, foi que ligou o campo antigravitacional. Mollner olhou para trás, comprimiu o pino de retardamento e atirou a bomba na direção da central de rádio de onde estava saindo o robô. Depois acompanhou o capitão num salto quase suicida.

A bomba explodiria dentro de três minutos.

— Que aconteceu? — era de novo a voz berrada de Renê no alto-falante do capacete. — Achei a entrada!

Cada um dos três homens podia ouvir o que o outro dizia, até mesmo na gazela isto era possível.

Ainda enquanto Mollner caía e alcançava Morath, ouviu-se um longo assobio, como se um gás sob alta pressão escapasse por um ponto de estrangulamento, enquanto um clarão ofuscante enchia o local. Pedaços da parede derretidos passavam ao lado de Mollner e se solidificavam em contato com o chão frio.

O misterioso robô de quatro braços fizera uso de sua arma térmica e conseguira dissolver toda a parede com um único disparo. Não atirara propriamente em Morath e Mollner, nem dera muita importância à fuga dos dois. Sua intenção fora outra. Se percebeu algum inimigo, este não se achava no edifício, mas fora dele.

Mollner tentava achar uma explicação para o fato de ter ouvido o sibilar do disparo térmico neste planeta sem nenhuma atmosfera e chegou à conclusão de que, entrementes, surgira uma pequena quantidade de ar, suficiente para transmitir o som por alguns metros.

Acabou descendo ao lado de Morath.

— Não está compreendendo, não? — disse-lhe Morath. — Foi Renê.

— Que que houve comigo? — interveio Renê, que ainda não podiam ver. — A metade da casa quase me cai na cabeça e agora está lá em cima, na parte arrebentada, um enorme robô...

— E o seu aparelho de absorção mental, Renê? — gritou-lhe Morath, fazendo com que sua voz superasse a do subalterno.

— Onde está ele?

Por alguns segundos houve um silêncio desagradável, depois se ouviu uma voz bem fraca:

— Estes uniformes de combate, com tantas coisas complicadas... Perdão, senhor! Devo tê-lo desligado sem querer. Por que?

— O robô que você viu, deve ter captado suas vibrações celulares e mentais, Renê. Daí seu ataque de uma hora para outra. Você já o ligou?

Sem esperar a resposta de Renê, ficou sabendo de tudo, apenas olhando para cima e vendo que o robô não estava mais com a arma na mão. Viram sua enorme silhueta caminhar na direção da central de onde vinha ainda um leve clarão. O robô voltava para seu reino.

— A bomba! — disse Mollner em voz abafada, pegando no braço de Morath. — Vai explodir em um ou dois minutos.

Através da viseira, podia-se notar a palidez no rosto do chefe.

— Você jogou a granada atômica, sem licença? Você ficou louco?

— Pensei que o robô nos fosse atacar...

— Estava atacando Renê. Você... você...

— Morath não achava a palavra certa e além do mais não havia ali tempo para discussão. — Vamos embora daqui, a explosão vai arrebentar tudo, a casa toda.

Precipitaram-se para fora do poço ao lado da escada, passando pelo amontoado de pedras e massa ainda fumegantes do disparo térmico, onde o calor se misturava agora com um pouco de poeira. Lá embaixo encontraram Renê, parado indeciso na entrada do edifício.

— O mais rápido possível! — ordenou Morath, respirando já mais aliviado quando sentiu aos seus pés a neve endurecida e viu ao longe alguma coisa da Via Láctea. — Temos no máximo trinta segundos.

Ganhando altura, Morath olhou para a entrada escura da parede pardacenta. Via-se uma leve claridade no posto de rádio dos pos-bis. Do enorme robô não se via nada mais. Devia ter voltado para seu painel de instrumentos, esperando tranqüilo pelo sinal... sinal que ele não detectaria!

Os vestígios da ex-cidade se afastavam deles, quando subiram quase verticalmente e depois tomaram a direção do oceano. Lá ao longe, se via um ponto de brilho fosco. Era a gazela.

Mas por mais rápidos que fossem, no seu vôo individual, o clarão amarelado da explosão da pequena granada os alcançou, quando a cidade já estava a um quilômetro deles.

Morath foi o primeiro a olhar para trás.

Uma nuvem de fogo se ergueu sobre as colinas irregulares cobertas de neve, estreita embaixo e em cima mais larga e menos luminosa. Entrementes, voavam pelo céu escuro pequenos objetos, descrevendo uma ampla curva e voltando novamente ao solo do planeta. O fogo foi se transformando em nuvem de cor mais fraca, não chegando a formar o cogumelo conhecido das explosões atômicas, espalhando-se pelos lados, exatamente devido à falta de atmosfera.

Segundos depois, estavam entrando pela escotilha da gazela.

Quando a comporta externa se fechou e se bombeou ar para a câmara, libertaram-se dos pesados uniformes de combate. Com as pernas doloridas, pois estavam já desabituados de andar, foram para a central de comando. Miller estava vigilante, observando o painel de bordo, e olhou curioso para eles.

Morath, exausto, tomou seu lugar na poltrona do comandante.

— Meus senhores — disse triste — acho que todos vocês julgam mais do que naturais algumas explicações. Não apenas você, Miller, por ter mandado Renê atrás de nós.

— Ao perdermos o contato com os senhores, ficamos muito preocupados...

— Preocupados nós sempre estamos. É nosso dever — interrompeu Morath. — Que vamos dizer a Henderson? Que fizemos uma aterrissagem no planeta, embora nos mandassem prosseguir o vôo de reconhecimento? Aliás ele não conseguiu, nos rastreadores da estação, constatar a presença do planeta solitário, mas nós vimos. Parece que agimos arbitrariamente, mas, na minha opinião, corretamente. Apenas não era necessário destruir a estação de rádio dos pos-bis. Mas Mollner apavorou-se... Não devemos nos lamentar. Quem sabe para que servia esta base de rádio?

Renê respirou mais aliviado.

— Você teve contato com a estação, Miller?

— A nossa transmissão foi interrompida de repente, capitão, embora pudéssemos entendê-los, eles não nos ouviam.

— Parece que o campo de proteção magnética variava muito — constatou Morath. — Bem, mas agora vamos partir e contar a Henderson tudo o que aconteceu. Acho que isto é o melhor que podemos fazer.

Miller voltou para a poltrona de co-piloto, Renê e Mollner entraram no posto de rádio e chamaram a estação. Paechler, o único que podia estar de consciência tranqüila, já se achava, há muito, sentado diante dos controles das baterias. Morath tomou o lugar de Miller e deu a partida.

Numa curva suave, ainda sobrevoou a ex-cidade, que agora apresentava, bem no centro, uma cratera quase escura.

— Os pos-bis vão ficar perplexos. Não vão compreender o que se passou aqui — disse Morath, num tom quase de meio contentamento.

Depois, a gazela se atirou no espaço, no rumo da estação de observação M-S-13, acelerando para a primeira transição.

Ainda antes do hipersalto, restabeleceu-se a ligação de rádio com a estação.

 

O Major Henderson primeiro ficou furioso, quando o Capitão Morath lhe falou da aterrissagem no planeta perambulante, mas de repente acalmou-se e acrescentou num tom conciliador:

— De qualquer maneira, capitão, o senhor conseguiu realizar uma façanha, isto é, com apenas quatro homens e uma pequena gazela, o senhor retirou um planeta das mãos dos pos-bis. Ou o senhor supõe que os pos-bis o irão encontrar, quando não têm mais a possibilidade de localizá-lo pelo rádio? Infelizmente, nós também não temos esta possibilidade. Ou o senhor ainda pode ver o planeta?

Morath fez um sinal para Mollner e os aparelhos de rastreamento entraram em ação.

Dois minutos depois, veio o resultado.

— Infelizmente, não, senhor. O planeta desapareceu. Num raio de cinqüenta anos-luz, não há nada, a não ser nossa estação com duas gazelas. Mas nós sabemos sua posição.

— Tenho receio de que esteja enganado. Você destruiu a estação de rádio, mas de maneira alguma a estação geradora de toda aquela energia que produz o enorme campo magnético e mantém o planeta em sua trajetória. De qualquer maneira, aposto com você qualquer coisa, que a programação do roteiro do planeta continuará invariável. Infelizmente não sabemos qual é este roteiro. Podendo, procure descobri-lo.

Morath preferiu aguardar em silêncio. Só muito mais tarde é que se iria constatar que o Major Glenn Henderson com suas idéias acertara na mosca.

 

O operador de rádio Fritz Bose esperava pacientemente.

Fazia já muito tempo que todos os postos de medição haviam iniciado a fase de espera. Mas, ao que parecia, desta vez a Central Schramm estava levando muito mais tempo do que o de hábito.

O sinal de atenção para a transmissão do próximo boletim dera-se já há alguns minutos. Isto só podia significar que nem todas as informações ainda tinham chegado.

O Major Henderson e o Capitão Morath estavam sentados, esperando, no posto de comando da M-S-13, embora não com a mesma paciência do telegrafista Bose.

— Estou curioso para saber o que Schramm vai comentar a respeito de suas piruetas espaciais — disse Henderson, olhando pensativo para Morath. — Não, não se preocupe não. Em meu próprio interesse, não vou dizer que havia proibido a aterrissagem e assim tudo que você fez fica legal, pois, afinal de contas, qual é a finalidade de uma nave de reconhecimento. Certo?

Morath não sabia o que dizer, mas acabou concordando.

Os minutos foram passando, até que Schramm se apresentou. Sua voz impessoal parecia hoje ter um pouco mais de cor, revelando que seu dono era afinal um ser humano. De qualquer maneira, estes pensamentos deixaram Henderson mais calmo.

— Perdoem-me o atraso — disse Schramm, sem dar a razão da demora. — As pequenas informações de hoje são: os exames do plasma nervoso dos pos-bis positivaram que não há diferença quanto à qualidade. Somente a maior ou menor quantidade do plasma é que distingue o grau de inteligência de um pos-bi. Possuem, geralmente, somente a quantidade indispensável para provocar no robô sentimentos de ódio contra a vida orgânica. As reações daí oriundas já nos são conhecidas. Além disso, o plasma provoca uma crescente e exagerada vontade de aprender. Pode-se, pois, supor que uma quantidade suficiente de plasma produzirá uma espécie de raciocínio. São estas as informações. Vou pedir agora as mensagens das diversas estações, após o que devem ficar na escuta, já que há uma comunicação importante para uma das estações. Fim.

O olhar de Henderson para Morath era uma pergunta muda.

— Que quer dizer tudo isto? Uma das estações vai receber uma mensagem especial. Qual delas?

Morath não sabia o que responder.

Calados acompanharam as mensagens de rotina das outras estações, até que chegou a vez da M-S-13. O Major Henderson resolveu descrever o mais sucinto possível o recém-terminado vôo de reconhecimento da gazela da M-S-13, mencionando o aparecimento repentino do planeta escuro, escondido e abrigado por um campo magnético de natureza desconhecida e falou também da aterrissagem do Capitão Morath e da destruição da estação de rádio dos pos-bis.

Quando Schramm confirmou a recepção da mensagem, fê-lo com o mesmo tom impessoal com que ouvia diariamente todos os relatórios.

Depois chegou a vez da M-S-14.

Henderson voltou à sua poltrona.

— Bem, se isto for tudo, podemos ficar contentes. Ele nem sequer protestou que você tenha feito a visita ao planeta, sem antes pedir instruções. Talvez você tenha mesmo sorte e a aventura não traga conseqüências.

— Senhor, minha consciência não me acusa de nada — disse Morath se defendendo. — Haveria de agir da mesma maneira, pelo menos enquanto estivermos em guerra com os pos-bis. Que deveria fazer, então?

Depois de uma hora, mais ou menos, Schramm terminou o ciclo de mensagens e relatos.

— Mensagens recebidas! Terminada a transmissão. Todos devem desligar agora, com exceção da M-S-13. Fim.

O sargento Bose, cuja mão já estava quase pegando na alavanca para desligar o circuito, levou um susto.

— Nós? — repetiu atônito, quase perdendo o fôlego.

— Perfeitamente, você não acabou de ouvir? Talvez uma tomada de posição ou uma avaliação de nossa mensagem.

Passaram-se alguns segundos e Schramm perguntou:

— O comandante da M-S-13 se encontra na cabina de rádio?

— Sim! — exclamou Henderson, pulando e correndo para o posto de rádio, aliás contíguo com a central. — Major Henderson à sua disposição, senhor!

A tela estava apagada, pois Schramm jamais mostrava seu rosto. No entanto, enquanto Henderson dizia a última palavra, reflexos coloridos tremeram na grande tela oval, formando figuras abstratas e depois parando.

— Sua imagem está clara, M-S-13?

— Imagem clara, senhor! — respondeu Henderson, de olhos fixos na tela e sentindo uma coisa gelada no estômago.

Aconteceria o que ninguém acreditava? Seria ele, Henderson, o primeiro a saber quem era realmente o coordenador da ação da preservação das fronteiras?

Os sinais coloridos se apagaram e na tela apareceu um semblante olhando para Henderson com olhos calmos e firmes. Cabelos escuros, nariz pequeno, com expressão de ousadia e coragem e boca fechada, sem com isso parecer severidade exagerada, mas tão-somente a firmeza de pulso em comandar.

Henderson reconheceu imediatamente o homem.

— Senhor!?

O homem sorriu, seus traços firmes se descontraíram de repente, ao reconhecer na tela o rosto de Henderson.

— Alô, Major Henderson, muito prazer em vê-lo de novo.

— A alegria é toda minha, senhor! Fiquei apenas um pouco sem jeito, pois julgava que o Major Schramm queria falar comigo.

Perry Rhodan sorriu ainda mais abertamente.

— E agora, o senhor está decepcionado, não é?

Virou a cabeça para o lado, como se alguém lhe estivesse dando um sinal, depois abanou a cabeça e olhou de novo para Henderson.

— Ouvi seu comunicado, major. O senhor encontrou um planeta dos pos-bis e provavelmente o perdeu de novo. Não, não o estou censurando por isto, pois não conhecemos ainda todos os mistérios da civilização dos robôs. Dispõem de envoltório energético de cuja natureza pouco ou nada sabemos. Os senhores tinham que perder o planeta, senão quem ficaria preocupado seria eu. Mas gostaria de ver isto melhor. Sobretudo gostaria de conversar um pouco com o Capitão Morath.

Morath estava pálido, sentado na central, embora a voz de Rhodan continuasse ainda com tom afável.

— Vou chamá-lo imediatamente.

— O senhor não me entendeu, major — interrompeu-o Rhodan, antes que Henderson pudesse avisar seu primeiro-oficial. — Não se preocupe, estarei com os senhores dentro de poucas horas. Prepare acomodação para trinta e cinco pessoas. A nave capitania vai nos deixar aí.

— Trinta e cinco homens...? — repetiu Henderson perplexo. — Perfeitamente, senhor. Acomodação para trinta e cinco pessoas!

A estação tinha espaço suficiente até para receber sessenta pessoas. Não era por este motivo a perplexidade de Henderson, mas sim pelo fato de ter a honra de abrigar o próprio administrador do Império Solar. Que significava tudo isto?

Rhodan sorriu de novo.

— Está bem, major! Alegro-me em conhecer seu Capitão Morath e naturalmente terei prazer em revê-lo também. Até logo mais.

A tela oval apagou.

O chefe de rádio Bose desligou o aparelho e o Major Henderson regressou ao posto de comando.

O Capitão Morath tinha uma pergunta no olhar.

— Que disse ele? Que tem prazer em me conhecer? Que quer dizer tudo isto? Não acha melhor que eu arranque desde já as insígnias da hierarquia?

— Para que, rapaz? — sorriu um tanto malicioso o major.

Ele já imaginava que a permanência de Rhodan a bordo da estação não seria nada desagradável.

Mas Morath, que não conhecia Rhodan, não podia saber disso.

 

Em comparação com a esfera gigantesca da Teodorico, de quilômetro e meio de diâmetro, a M-S-13 parecia um ovo. Perry Rhodan dirigira-se com seus companheiros para a estação M-S-13, depois de ter tido uma última conversa com o comandante do supercouraçado, Comodoro Jefe Claudrin, dando-lhe instruções para se manter a uma certa posição, aguardando ulteriores resoluções.

Depois disso, a Teodorico sumiu na direção da Via Láctea, mergulhando minutos depois no intrincado emaranhado de estrelas.

Trinta antis, seguidores do culto de Baalol, foram abrigados no salão dos oficiais, sendo que as portas estavam guarnecidas com guardas. Os outros quatro companheiros de Rhodan — Gucky, Iltu, John Marshall e Betty Toufry — dirigiram-se para suas cabinas.

Ficou apenas Rhodan que acompanhou Henderson até a central, onde eram esperados por Morath, com sentimentos indefinidos.

Rhodan caminhou para o capitão já de mão estendida.

— Capitão Morath, queria lhe agradecer pela intrepidez que demonstrou, quando, com uma gazela, aterrissou num planeta sob o domínio dos pos-bis. Estou certo de que nossos cientistas vão tirar novas conclusões de suas experiências e observações, talvez muito mais importantes do que supomos. O senhor vai me contar tudo de novo. Não, não agora, mais tarde.

Morath sentia o quente aperto de mão de Rhodan e isto era como se sentisse um pouco da imortalidade deste homem passar para seu corpo mortal. Suas preocupações e temores se dissiparam, sentindo-se orgulhoso de poder ser útil a este homem.

Rhodan pediu que se sentassem.

— Tenho que falar com os senhores, meus amigos. Naturalmente a aventura do Capitão Morath é apenas uma parte dos motivos que me trazem até vocês. Escolhi exatamente a M-S-13 porque pretendo sincronizar seus relatórios com meu próprio empreendimento. Como vocês já notaram, trouxe também, fora os meus mais competentes telepatas, trinta antis. Colocaram-se espontaneamente à minha disposição, o que é uma atitude que muito os honra. Suas forças mentais servirão como uma “estação de reforço”. Mas não quero cansá-los muito com longas explicações. Vejam bem que nossa luta contra os pos-bis chegou a um estágio que nos inspira grandes cuidados. Perdemos nossa melhor arma, em compensação criamos outra. Mas necessitamos ainda de um aliado forte para descobrir as estações invisíveis dos pos-bis onde quer que elas se encontrem e, além disso, para sabermos quando e onde vão atacar. Vim para cá para procurar Harno.

Harno!

Henderson e Morath conheciam Harno, ao menos de nome. O ser energético de forma esférica com suas proezas que chegavam às raias do miraculoso, que se alimentava da luz e cuja idade ia além de muitos milhões de anos.

Harno!

— Outrora Harno andou desaparecido. Surgiu de novo e tornou a sumir. Temos razões para acreditar que não esteja mais na Galáxia, mas que tenha penetrado pela imensidão do abismo intergaláctico. Com muitas forças mentais unidas, vamos tentar entrar em contato com ele. Quatro telepatas, reforçados pelos trinta antis, hão de conseguir.

Rhodan parou por um instante e o silêncio era completo na central. Henderson estava nervoso, mordendo os lábios inferiores, ao passo que os olhos de Morath tinham um brilho de iniciativa e aventura.

— Não será muito fácil — continuou Rhodan. — Estou planejando para cada dia uma sessão de uma hora de telepatia em bloco. Os telepatas não podem ser sobrecarregados, assim ninguém poderá prever de quanto tempo precisaremos. Vou ficar aqui uma semana, se até lá não conseguirmos nada...

Não terminou a frase, mas seu gesto dizia tudo.

— Onde se realizarão as sessões? — perguntou Henderson.

— Aqui na central — disse Rhodan, olhando em volta. — Daqui, os impulsos podem atingir o espaço mais facilmente, além de haver espaço para todos. Acho que a visão cósmica vai estimular os telepatas para um rendimento maior, pois suas vibrações vão para lá.

Após estas explicações iniciais, Rhodan conversou com Morath, pedindo que lhe narrasse os detalhes. Depois abanou a cabeça, dizendo:

— Outrora, ninguém sabe quando, os pos-bis “raptavam” planetas. Seus meios técnicos na época deviam ser bastante eficazes. Pegavam o planeta, habitado ou não, e o desviava para o abismo, construindo um anel magnético de segurança em torno dele. Não podemos localizar estes planetas, pois eles se ocultam, ou foram ocultados, neste campo temporal. Somente podemos contar com a sorte, como no caso de Everblack. O senhor também teve sorte, capitão. Infelizmente perdeu o planeta, mas isto não tem maior importância. Além disso, suponho que os pos-bis não o tenham ainda reformado. É até mesmo possível que o tenham esquecido por aí. Neste caso, sua ação teve duplo merecimento, pois de agora em diante eles, provavelmente, não mais o encontrarão.

Despediu-se depois de todos, pois tencionava descansar um pouco.

Henderson e Morath ficaram sozinhos.

— Então, que que você diz do chefe? — perguntou o major, orgulhoso de encontrar-se pela segunda vez com Rhodan. — Não é um homem maravilhoso?

Morath concordou com ele.

— Realmente, é um acontecimento poder falar com ele. Só agora começo a compreender por que a Terra se tornou o aliado número um do Império Arcônida...

 

Os trinta antis formavam um círculo em torno dos quatro telepatas. John Marshall, chefe do Exército de Mutantes, estava sentado de pernas cruzadas no chão. Foi um dos primeiros telepatas que Rhodan encontrou na Terra há cerca de cento e cinqüenta anos. Os efeitos radioativos da bomba de Hiroshima e as criminosas explosões experimentais realizaram a respectiva mutação de seu cérebro. Surgiram mais tarde outros mutantes, mas depois começaram a rarear. O temor de que estivesse surgindo secretamente uma super-raça, felizmente não se positivou. As mutações foram meramente casuais, produzidas talvez por uma desconhecida combinação de várias irradiações. Pelo menos é o que se acredita hoje.

Do lado direito de Marshall, estava sentada Betty Toufry, telepata e telecineta. Depois vinham os ratos-castores Gucky e Iltu.

Todos eles se davam as mãos, para manterem o contato somático e assim reforçar os impulsos mentais. Gucky, com mais ou menos um metro — um pouco maior que sua irmã de raça, Iltu — era o mais possante telepata do Império Solar. Era ele quem coordenava os impulsos, sendo que os demais o seguiam. Os antis davam um reforço substancial à corrente coletiva.

O pedido de socorro telepático irradiado para o infinito era o mais intenso que jamais existira. Ninguém poderia saber qual o seu alcance, até onde podia ser “ouvido”, mas também ninguém sabia onde se encontrava Harno.

Quase sem ser notado, Perry Rhodan estava sentado num canto da central de comando, completamente calado, com seus pensamentos bloqueados, para não prejudicar os mutantes. Somente quando Harno se apresentasse é que ia intervir.

O Major Henderson estava de pé lá fora no corredor, cuidando para que toda a tripulação mantivesse a hora de repouso prescrito.

Na estação imperava o silêncio total. Corredores, galerias de instrumentos e de máquinas pareciam não existir.

Sem estarem sujeitos às leis físicas da matéria, os impulsos telepáticos penetravam pelo espaço a fora com velocidade bilhões de vezes superior à da luz, atingindo no mesmo instante os extremos do Universo. Ainda não havia nada mais veloz que o pensamento...

Depois de meia hora, os quatro telepatas passaram à fase da recepção, abrindo todos os seus sentidos hipersensíveis para uma resposta oriunda do cosmo.

Suas perguntas, porém, ficaram sem resposta.

 

— Pois é, estamos tentando já há quase uma semana — chilreou Gucky, coçando o pêlo das costas de sua amiga Iltu.

Os ratos-castores sofriam todos do mesmo mal e era sempre o mesmo: coçar-se mutuamente. Desde que Gucky conheceu Iltu, não andava mais sozinho no meio dos homens, pois a situação mudara. Antes eram os homens que coçavam Gucky, agora era Iltu, quem tinha esta súbita honra, aliás, muito do agrado de Gucky.

— O estranho ser não se manifesta — disse Marshall — no entanto o poder de nossa irradiação foi tão grande que, durante o tempo de nossa concentração, a metade da tripulação sofreu intensa dor de cabeça, o que equivale a dizer que até os não telepatas sentiram nossa força mental.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Começo a me preocupar com Harno. Ele tem que nos ouvir. Será que lhe aconteceu alguma coisa? Não posso imaginar uma coisa assim, pois Harno dizia sempre que era imortal, pelo menos enquanto as estrelas brilhassem. Bem, aqui, neste abismo, brilham poucas estrelas, se bem que sejam muitas as vias lácteas. Haverá de encontrar alimento suficiente.

— Podemos muito bem fazer uso de Harno — disse Marshall. — Afinal de contas, ele é o único que, sem se utilizar de câmaras, pode ver imagens a mil ou a dez mil anos-luz de distância. Não vamos desistir, não é?

— Vamos tentar só mais dois dias. Não podemos desperdiçar nosso tempo assim. Faremos a próxima transmissão dentro de duas horas. Vou descansar um pouco. O vôo com o Capitão Morath me deixou cansado.

— Ah! O senhor andou à procura do planeta negro. Viu alguma coisa?

Rhodan fez que não com a cabeça.

— É claro que não. Voamos para o local exato dos cálculos, mas não encontramos mais o planeta. Depois seguimos a rota que estava registrada no cérebro positrônico da gazela. Novamente nada. Deve ter acontecido o que Henderson temia: o planeta mudou a rota e a velocidade. Aliás, seu vôo agora é cego, pois seus olhos, isto é, a estação de rádio, foram destruídos. Provavelmente os pos-bis também não o encontrarão.

— Não deixa de ser um consolo — comentou Gucky, deixando cair sua pata. — Agora chega, Iltu, você pode se coçar a si mesma. Você acha que sou um robô?

— Não preciso de você — disse ela zangada, pulando para o colo de Rhodan.

Esperta, fechou os olhos, encolheu-se toda dengosa e disse com muito sentimento:

— Mesmo hoje em dia, ainda existem cavalheiros. Não é verdade, Perry?

— Tenho receio que não — disse Rhodan, passando Iltu para Marshall. — Disse agora pouco que preciso com urgência de um repouso — levantou-se e se encaminhou para a porta. — Até daqui a duas horas, divirtam-se bastante.

Marshall deu um longo suspiro e começou a coçar o pêlo sedoso de Iltu.

— Você se engana, Iltu — disse Marshall num tom de quase censura. — Não o faço somente porque é minha obrigação, mas sim porque sinto prazer nisso, pois você é realmente encantadora, Iltu, muito mais que seu irmão de raça, Gucky.

Ela se “requebrou” toda e fechou os olhos.

Deitado no seu canto do sofá, com as patas caídas, disse Gucky com fisionomia triste:

— É, não existe mais fidelidade no Universo.

 

A sessão desta vez não durou mais de dez minutos e veio logo a resposta de Harno.

Rhodan, que percebeu o estremeção de Marshall, levantou e veio para junto dele. Cauteloso, colocou-lhe a palma da mão na sua nuca para manter o contato, pois o administrador era apenas um fraco telepata e, sem o auxílio dos quatro mutantes e a energia dos trinta antis, não lhe seria possível captar, através aquela distância descomunal, nem o menor impulso.

Foi assim que ele compreendeu clara e nitidamente, embora a voz fosse baixa devido à grande distância:

— Quem me chama assim com urgência? São meus amigos da Terra?

Rhodan perguntou:

— Será suficiente se eu simplesmente falar?

— Seria bastante pensar, mas acho que você se concentra mais se falar.

Rhodan aceitou a opinião, apertou mais forte a mão contra a nuca de John Marshall para não perder o contato. Quando falasse agora, suas palavras e pensamentos seriam recebidos pelos quatro telepatas e sincronicamente transmitidos. Os antis reforçavam a irradiação coletiva do mesmo modo como ajudavam na recepção.

— Aqui é Perry Rhodan. Ouvi sua pergunta, Harno. Preciso de seu auxílio. Você está me entendendo?

Rhodan falava lenta e nitidamente. Levou alguns segundos até que veio a resposta:

— Não posso sair daqui, meu amigo.

Os lábios de Rhodan se estreitaram, depois disse:

— Sem seu auxílio, Harno, a Terra está perdida, talvez mesmo Árcon e toda a Via Láctea. Você não pode mesmo vir?

Desta vez demorou bem mais a resposta:

— Perdida? Explique-se melhor.

— Você já ouviu falar dos pos-bis? São robôs que podem sentir, que odeiam tudo que é orgânico e nos atacam com armas ultrapotentes. Já penetraram nos confins da Galáxia. Esperamos a cada dia seu ataque, mas não podemos estar em toda parte. Quando eles atacarem, poderá ser tarde demais. Você tem que nos ajudar.

— Robôs que sentem?

Pequena pausa. Depois continuou:

— Sim, eu os conheço.

Rhodan julgou ouvir estupefação nos próximos impulsos.

— Os robôs estão aí?

— Sim, Harno. E você, por que não pode vir? Que é que o prende e onde está você?

— Não me pergunte estas coisas, Perry Rhodan. Eu também estou sujeito a certas leis das quais não posso fugir. Quem sabe posso interromper por pouco tempo minha permanência aqui? Mas tenho que voltar...

— Venha então, Harno, pelo menos passageiramente. A viagem, por maior que for, representa perda de tempo para você?

Rhodan captou no cérebro algo semelhante a uma risada.

— Perda de tempo? Não, isto não. Talvez um sol solitário tenha de morrer a fim de que eu possa viajar. Por que faz uma cara tão séria assim...? Oh, agora está mais perplexa ainda. É claro que estou vendo você, e o pequeno urso-castor foi agora duplicado, como posso constatar. Certamente passou por uma copiadora Xerox.

Gucky “rosnou” propositalmente ao ouvir sua nova classificação zoológica, mas não se mexeu, para não atrapalhar a transmissão.

— Gucky recebeu uma companheira — disse Rhodan calmo. — Você vem, não é?

— Já estou aqui — veio a resposta, mas tão forte que Rhodan sentiu uma pancada na cabeça.

Tirou a palma da mão da nuca de Marshall e olhou para o teto.

Lá em cima cintilava uma bola pouco maior que a mão fechada em punho, que começou a girar numa rapidez louca. Raios azuis partiam dela para todos os lados, diluindo-se de encontro à matéria.

A bola radiante foi baixando até que ficou parada sobre os mutantes. Os antis olhavam para ela e não se atreviam a sair do lugar. Jamais viram coisa semelhante e começaram a compreender que estavam diante de um poder muito superior à divindade de seu culto.

Marshall conseguiu fazer com que os trinta antis fossem levados de volta para a sala dos oficiais. Depois disso, falou Rhodan:

— Eu lhe agradeço, Harno. Espero que a viagem não tenha sido muito longa... Você não levou nem um segundo!

— As aparências enganam, Rhodan. Para você foi só um segundo, para vocês todos — a pequena esfera continuou descendo mais, deu uma volta em cima da cabeça de Gucky. — Também para você, urso-castor.

— Sou um rato-castor — chilreou Gucky indignado.

— Ou isto — disse Harno, aproximando-se novamente de Rhodan, depois de ter feito uma curva graciosa em torno de Iltu. — Transladei-me a um outro plano de tempo, afim de fazer as preparações para a viagem. Abasteci-me de energia e pude terminar o vôo. Aqui chegando, voltei novamente para a dimensão normal. E cá estou eu.

— Agradeço-lhe mais uma vez — disse Rhodan. — Mas nós também não podemos perder tempo. Marshall, prepare uma ligação de hiper-rádio com a Teodorico. Claudrin deve nos apanhar aqui imediatamente!

Esperou até que o telepata tivesse deixado a central de comando, e continuou:

— Tenho que pedir a você, Harno, para ficar uns dias conosco. Nosso serviço de vigilância nos confins da Via Láctea não é mais suficiente. Você pode substituir mil supernaves e ao mesmo tempo ficar junto de mim. Preciso saber se os pos-bis vão atacar mesmo, pois já é hora de estarmos bem preparados. Terão que saber que a Via Láctea pertence a nós e não a eles.

— Pertence a todos que forem pacíficos — retificou Harno.

— Concordo, é que os pos-bis não querem nada com a paz. Esmagam todo ser vivo e retiraram muitos planetas de seus sóis, obrigando seus habitantes a uma morte horrível. Têm eles o direito de fazer isto?

— Conheço os pos-bis, Rhodan, sei que ainda são um perigo, por isso vou ajudá-los. Diga-me o que devo fazer.

— Você pode ver através de todo o Universo, não é? — Rhodan fez um gesto desajeitado com as duas mãos. — Acho que você pode estar em muitos lugares ao mesmo tempo, ver tudo, todos os mundos, esteja você onde estiver.

— Meus dons são limitados, meu amigo. Mas posso lhe dizer que vejo mais que dez bilhões de seres humanos juntos. Espere...

A pequena esfera pareceu aumentar um pouco de volume, mudando a cor para um azul-escuro.

— Sim, acho que posso ajudá-lo e sei o que você quer. Por exemplo, estou vendo Atlan. Está no momento no Palácio de Cristal. Ou Reginald Bell, seu substituto. Está na Teodorico, como estou vendo. E a Terra, sua pátria, ainda girando em torno do Sol... Lá pelo menos não há pos-bis.

Depois disso, Harno voltou ao seu tamanho natural, ficando preto.

— Então, acredita que posso ajudá-lo?

Neste momento, Marshall entrou na central.

— A Teodorico chega dentro de duas horas, senhor.

Rhodan lhe agradeceu com a cabeça.

— Ótimo, voltamos para a Via Láctea, tenho o pressentimento de que somos necessários por lá.

Quando Rhodan, minutos depois, mandou vir à central o Major Henderson e o Capitão Morath, os dois ficaram surpresos, pois nunca tinham visto Harno e, embora soubessem o que Rhodan tencionava fazer em sua estação, levaram um susto ao verem flutuando no alto do posto de comando a estranha esfera.

Será que isto era o misterioso ser que se alimentava da luz e vencera o tempo? Uma esfera formada por uma energia cintilante, parecendo um objeto metálico? Uma bola que podia pensar, que modificava sua forma externa à vontade e de acordo com o momento, que refletia em sua superfície polida qualquer parte do Universo, quando era solicitado?!

— Tenho que lhes agradecer pela cooperação — disse Rhodan, olhando bem para os dois homens. — Principalmente a você, Capitão Morath. Não sabe a que perigo se expôs quando aterrissou no planeta dos pos-bis, o que não diminui de maneira alguma seu merecimento. A Terra precisa de homens resolutos que saibam agir por conta própria e tomar decisões rápidas. Para a arma com que venceremos um dia os pos-bis, você contribuiu bastante, capitão.

— Cumpri apenas meu dever, senhor — respondeu Morath, acanhado.

— Por isto mesmo! — disse Rhodan, dando-lhe a mão.

 

Em flagrante contraste com as pequenas gazelas, o supercouraçado Teodorico, nave capitania de Rhodan, estava equipado com propulsão linear. Não era mais aquele vôo cego com que se faziam as transições de anos-luz, mas voava-se “de olhos abertos”, conforme a expressão de Bell. O astro ou o planeta colimado estava o tempo todo visível e, com o uso total do campo de absorção kalupiano, fazia-se milhares de anos-luz numa hora.

Estavam reunidos com Rhodan, na central de comando, para uma discussão dos assuntos gerais, Bell e o Comodoro Jefe Claudrin. As últimas informações da frota de vigilância, postada nos mais remotos cantos do espaço intergaláctico, não apresentavam nenhuma novidade. Reinava calma em toda a Via Láctea, ao menos por enquanto.

Claudrin era de compleição agigantada, fazendo lembrar os saltadores superpesados. Estava naturalmente adaptado ao meio ambiente, mas nascera num mundo com duas vezes mais gravidade do que a Terra, dispondo por isto de forças que o tornavam quase um super-homem. Sua voz profunda tinha alguma coisa do ribombar do trovão e dava para estremecer pequenos objetos em volta.

— E o senhor acha que os novos canhões narcóticos podem substituir o transmissor fictício perdido?

— Espero que sim — disse Rhodan. — Podemos ficar tranqüilos, pois foram desenvolvidos paralelamente com os neutralizadores mentais. Estão sintonizados exatamente com a massa do plasma dos pos-bis. Quando este plasma for desativado, os robôs não poderão fazer mais nada. Não passarão mais de simples robôs, comuns, autômatos, fáceis de serem dominados.

— Nossos cientistas sabem o que fazem — era o vozeirão de Claudrin, olhando para seu primeiro-oficial Reg Thomas.

O oficial louro, de estatura mediana, com uma funda cicatriz na face esquerda, estava sentado junto dos controles do gigantesco aparelho, supervisionando o vôo.

— E o senhor só quer usar esta nova arma quando os pos-bis atacarem a Via Láctea? — indagou Claudrin.

— Sim, usaremos o fator surpresa. Não tem sentido aplicá-la num encontro casual na vastidão do espaço. Acho que devemos usá-la olhando também o efeito moral, se é que se pode falar em moral com estes robôs. Mais cedo ou mais tarde, haverão de atacar algum planeta da Galáxia e então é que vão ficar boquiabertos. Apesar de todas as estações de observação, nunca pudemos chegar a tempo no local de um destes ataques, por isso foi que chamei Harno para nos ajudar. Economizamos assim muitos dias preciosos.

Bell pigarreou.

— Harno não pode estar assim em toda parte — disse ele.

A bola abaixo do teto estufou um pouco e desceu.

— Não em toda parte ao mesmo tempo... — veio o impulso mental tão nítido que pôde ser captado até pelos não telepatas.

Harno tinha a capacidade de se fazer entender telepaticamente por qualquer um e do mesmo modo captar-lhe os pensamentos. Neste sentido se podia dizer que era o mais completo intérprete do Universo.

— Mas praticamente em toda parte, em rápida seqüência. Enquanto você fala, percorro todas as regiões da Via Láctea. Há muito mais mundos habitados do que vocês supõem. Em muitos há guerra e destruição, mas isto não nos atinge em nada. Não somos deuses. No entanto, nenhuma destas guerras observadas por mim têm relação com os pos-bis. E mais uma coisa, Rhodan: você julga sempre que os pos-bis têm que vir daquela direção onde está a Nebulosa de Andrômeda. Não será assim não. Quem sabe o ataque se dará pelo lado oposto? E agora. Reginald Bell, suas dúvidas estão dirimidas?

A resposta de Bell não tardou:

— Jamais duvidei do seu poder, Harno. Queria apenas evitar que exigissem coisas impossíveis de você...

— Muita bondade sua — reconheceu, subindo de novo para o teto.

Mais tarde, Rhodan empreendeu com Claudrin uma volta por toda a supernave, para verem se os raios narcóticos estavam todos preparados para entrar em ação. Num hangar, observou mais longamente os modernos hiperaviões blindados, equipados também com armas poderosas. Rápidos e muito versáteis, podiam ser arremessados para qualquer lugar, sem dificuldade, com grande facilidade de aterrissagem e extrema velocidade. No outro hangar, estavam as gazelas, também guarnecidas com armas narcóticas.

A Teodorico sozinha, assim esperava Rhodan, estava em condições de deixar fora de combate um planeta dos pos-bis. Sabia também que podia estar redondamente enganado. Só o primeiro encontro haveria de mostrar se estava à altura do terrível adversário.

Ao regressarem para a cabina de comando, o primeiro olhar de Rhodan foi para Harno.

Continuava pairando bem rente do teto, tornara-se, porém, maior. Seus impulsos mentais estavam indecisos.

— Eu iria procurá-lo, Rhodan. É possível que eu tenha descoberto alguma coisa.

— Descoberto? O quê?

— Espere um pouco, quero agir com segurança.

Harno desceu bastante e aumentou de volume. A esfera flutuava leve no meio da central, aumentando sempre mais, até atingir um metro de diâmetro. A superfície polida e lisa mudou de cor, passando para um branco leitoso, como a tela do vídeo. Surgiram os primeiros reflexos coloridos, formando aos poucos a imagem.

— É um planeta completamente desconhecido para mim — comunicou Harno, parecendo estar ainda em dúvida. — É habitado por uma raça de humanóides, como vocês vão ver logo. Mas esta raça foi atingida por uma grande catástrofe. Vejam os senhores mesmos...

Aos poucos, surgiu na face convexa do grande globo de Harno uma imagem tão nítida, que se poderia crer estar olhando para um outro mundo através da escotilha de uma nave.

Primeiro apareceu o planeta a grande distância. Aproximou-se em grande velocidade. Um sol amarelado passava ao lado do quadro, enquanto o planeta aumentava. Era um mundo verde, de oxigênio, com mares, lagos e continentes cobertos de vegetação. Grandes centros de concentração populacional sugeriam a existência de uma raça inteligente e muito evoluída. Faixas metálicas de um brilho prateado ligavam as cidades através de continentes e montanhas.

Cada vez mais a imagem aumentava e os detalhes ficavam mais ao alcance. Harno selecionou uma das cidades maiores na redondeza e a ampliou de tal forma que as pessoas reunidas na central da Teodorico podiam até reconhecer os seres humanos. Eram, sem dúvida, homens iguais aos terranos ou aos arcônidas. Como que em pânico, corriam desesperados por todos os cantos, parecendo ter perdido toda noção de ordem. Pequenos objetos voadores levantavam vôo de campos de emergência e desapareciam na direção do oceano mais próximo.

Lá, o negócio ia de mal para pior, como Harno iria descrever mais tarde.

Pela direção norte, aproximava-se da cidade um enorme paredão de nuvem preta. Mas será que era mesmo uma nuvem?

A tal nuvem rodopiava em frenética velocidade em torno do próprio eixo, transformando-se em gigantesco funil que, com uma violência estúpida, sugava tudo que encontrava no caminho. As grimpas das montanhas se separavam de seus alicerces rochosos, desaparecendo no interior da nuvem ciclópica. Diversos trechos da faixa metálica de transporte se ergueram em arco, como acontece com os trilhos em grandes terremotos, quebravam-se e sumiam no torvelinho do imenso tornado.

As primeiras casas da periferia urbana já estavam sendo atingidas. Começavam primeiro a girar em torno de si mesmas, como um pião, despregavam-se de seus fundamentos e se erguiam no ar, como se estivessem isentas da lei da gravidade. Desapareciam também na nuvem, sem deixar sinal. E com elas desapareciam milhares e milhares de homens que se contorciam desesperados, não podendo opor nenhuma resistência àquela força descomunal.

— É uma verdadeira catástrofe da natureza — disse Bell, dando um passo para trás, horrorizado. — E tudo isto acontece neste exato momento em que não podemos ajudar. Como é possível que irrompam assim dúzias de tais ciclones? E ao mesmo tempo?

— Catástrofe da natureza? — repetiu Harno. Sua pergunta não deixava dúvida de que pensava de outra maneira. Rhodan não disse nada, mas seus olhos dardejavam fúria por não poder fazer nada contra tamanha hecatombe. — Os senhores crêem então que se trata de um flagelo natural. Vou lhes mostrar uma coisa que os fará mudar de opinião. Mas não se assustem, pois o que vão ver agora não lhes é mais desconhecido.

O planeta voltou de novo ao espaço, reduzindo seu tamanho. No primeiro instante, Rhodan teve vontade de agradecer a Harno por lhe haver poupado daquela lúgubre visão, a destruição de uma raça altamente civilizada. Mas seus olhos se arregalaram na mesma onda de horror, assim que o planeta se afastou, tomando as proporções de um punho cerrado.

Como uma linha de fortificação inexpugnável, ali estava uma dúzia de monstruosas espaçonaves, singularmente estranhas, em torno do pobre planeta. Eram de construção disforme, quase cúbicas e cheias de reentrâncias e torres bizarras.

As naves fragmentárias dos pos-bis!

De cada uma destas naves desenrolava-se um imenso tubo, atingindo a superfície do planeta, parecendo uma triste ponte através do espaço. Dentro destes tubos percebiam-se os vestígios de objetos que desapareciam no bojo gigantesco das naves. Eram coisas que provinham do planeta.

— Meu Deus! — deixou Rhodan escapar, sem o perceber. — Dá a impressão de que desejam tirar um pedaço da superfície do planeta, para que ninguém mais possa viver nele.

— Não sei o porquê — disse Harno. — Posso dizer apenas que são os pos-bis e que este pobre planeta em poucos dias não terá mais condições de ser habitado. Para nós todos, nunca houve maior perigo do que os pos-bis, pois não têm nenhuma consciência para com os seres vivos ou para com a vida orgânica. Jogam a “vida fora”, como os homens fazem com objetos usados.

Contristado olhava Rhodan para os quadros de Harno.

— Que planeta é este? Onde é que o posso encontrar?

— Não sei não, Rhodan. Peguei-o casualmente, sem ter feito rastreamento. Também não conheço seu sol, captei-o somente para lhes servir de exemplo e falta-me um ponto de referência para localizá-lo.

— Mas eu preciso das coordenadas, Harno, você não pode ao menos fazer uma tentativa de localizá-lo. Tem que ser possível.

— É possível sim, mas então tenho que recuar estrela por estrela, até chegar a este ponto. Isto pode levar dias ou mesmo semanas. Você tem tanto tempo assim?

Rhodan não dispunha de tanto tempo, mas, quem sabe, havia outro meio...?

— Bem, então vamos tentar de outra maneira. Mostre-me exatamente o que está acontecendo lá embaixo — disse Rhodan apontando para a superfície do planeta. — Quero ver os homens. Quem sabe sua aparência vai me dar alguns indícios de sua origem? Não temos assim tantas raças humanas no Universo, que não sejam aparentadas entre si.

Bell virou o rosto quando o quadro da hecatombe e da destruição se ampliou e ficou mais nítido. Não tinha estômago para presenciar como massas humanas desprotegidas eram apanhadas pela tempestade artificial de sucção e arrastadas para a morte. No seu interior, porém, se agigantava o ódio contra os pos-bis, a quem a vida humana não valia mais que um grão de poeira.

Embora lhe causasse a mesma dor, Rhodan não tirava os olhos para analisar em todos os detalhes o que estava acontecendo.

— Não possuem navegação espacial — disse mais para si mesmo. — Apesar de toda sua elevada tecnologia, esqueceram a Cosmonáutica. Ou talvez não precisem dela. Opa! Esta já é uma pista, embora muito remota, é a número um.

Não olhou para Harno quando disse:

— Você pode constatar se vivem muito distante dos confins da Via Láctea? Mais ou menos a direção? Nenhuma indicação?

— Somente a direção — respondeu Harno, mostrando o centro da Via Láctea.

Rhodan empalideceu.

— Ali? — perguntou trêmulo. — Não é mais para a extremidade? Pois, não é possível que os pos-bis já tenham penetrado no centro da Galáxia, sem que nós o tenhamos notado.

Antes que Harno pudesse responder, soou o intercomunicador.

Reg Thomas estava no controle e encaminhou a ligação para quem estava chamando. Era o posto central de rádio.

— O chefe está na central de comando? Aqui fala Brazo Alkher. É urgente, creio eu.

— Fala Rhodan. Que há de novo?

— Estou na central de hiper-rádio, senhor. Estamos captando hiperimpulsos fracos, mas altamente esquisitos, vindos de muito longe, em código. Gravamos a mensagem e a lançamos no decifrador. A interpretação está sendo feita. Infelizmente não deu para constatar a direção de onde veio.

Rhodan não via ainda ligação de uma coisa com a outra.

— Você pode me apurar o código, depois?

— Já estamos apurando, senhor. Em poucos minutos terá o texto claro.

— Transmita-o para cá. A linha do intercomunicador vai continuar ligada.

Mais uma vez, a atenção de Rhodan voltou para Harno. Calado, observava os vários campos de sucção que, como jibóias gigantescas, varriam verticalmente a superfície, arrastando tudo que encontravam. Colinas e cidades disparavam com incrível velocidade pelos tubos negros, indo parar nos bojos disformes dos monstros cúbicos, as horrendas espaçonaves dos pos-bis.

— Aqui estaria a segunda pista, a número dois — disse Rhodan de repente.

Bell olhou para ele espantado e Jefe Claudrin arregalou os olhos. Rhodan continuou:

— A disposição das cidades me lembra um pouco a maneira como os arcônidas construíam seus centros urbanos. Quadrado e diagonal e, além disso, algumas construções afuniladas. Vejo também uma estação de transmissor fictício.

— Transmissor fictício? — repetiu Bell.

— Sim, não diretamente. Um arco luminoso, para ser mais exato, mas já desapareceu, antes que pudesse ser utilizado.

Parece que neste planeta não há muitos deste tipo.

— Arcos luminosos? — repetiu Bell, outra vez. — Mas... não é o transmissor de matéria, como se usava no Sistema Azul?

— Era deste tipo, sim — disse Rhodan.

Não deu mais detalhes pois, neste momento, ouviu-se a voz de Brazo Alkher na central de hiper-rádio:

— O cérebro positrônico já fez a decifragem, senhor. Posso ler? São apenas fragmentos. A grande distância do transmissor vai além de cinqüenta mil anos-luz.

Rhodan comprimiu os olhos.

— Cinqüenta mil anos-luz?... — procurou imaginar o que isto representava. A nave capitania Teodorico estava nos confins da Via Láctea. Se estivessem certos os dados de Harno quanto a direção em que estaria o planeta, então devia realmente se localizar bem além do centro da Galáxia. — Pode ler, capitão.

E veio a voz clara de Brazo Alkher:

— ...atacados! São espaçonaves de construção nunca vista até hoje... cubo... comprimento dois quilômetros... Funis de poeira sugam tudo... transportam para naves desconhecidas... estão perdidos... Transportadores enguiçados. Pedimos socorro. Aviso a todos... nenhuma arma contra...

Rhodan guardou silêncio por uns instantes, depois perguntou:

— Por qual código foi feita a interpretação do hiper-rádio? Trata-se de uma língua acônida? Preciso de dado exato a respeito.

A resposta veio quase no mesmo instante.

— Atenção: a transmissão é indubitavelmente de origem acônida, senhor.

Rhodan assentiu com a cabeça, como se já esperasse esta resposta, agradecendo quase que automaticamente.

— Obrigado, capitão. É só por enquanto. Procure captar outras mensagens e nos instrua a respeito. Fim.

Virou-se então para Claudrin e Bell:

— Então, o que diz de tudo isto, comodoro?

O corpulento comandante olhou para a tela colorida de Harno.

— Deve ser um planeta colonial de Ácon, e do outro lado da Via Láctea. É incrível, senhor, como é que eles conseguem transpor com seus transmissores de matéria mais de cinqüenta mil anos-luz? E construir lá uma civilização completamente nova? Eles não possuem navegação espacial, como sabemos, e mantinham seus planetas-colônia em segredo, mas agora achamos um deles. Como parece, porém, isto não vai ajudar nem a nós, nem a eles.

Rhodan acenou afirmativamente.

— Parece mesmo, mas o senhor se enganou, comodoro. Providencie que o Departamento de Cosmonáutica calcule o mais rápido possível a rota para Sphinx. E então, toda a velocidade possível! A frota de apoio receberá também instruções para voar para Sphinx. Encontrar-nos-emos lá.

— O Sistema Azul, senhor?

Rhodan concordou impaciente.

— Você bem que compreendeu, Claudrin. Não perca tempo. Acho que daqui para frente cada segundo tem muita importância para ser desperdiçado. Se nos apressarmos, ainda salvaremos uma parte do planeta que foi o primeiro de nossa Galáxia a ser atacado diretamente pelos pos-bis. Não pretendo somente salvar este resto, mas dar uma lição nos pos-bis.

As imagens coloridas de Harno começaram a esmaecer e a esfera também diminuiu de tamanho.

— É cansativo, Rhodan. Perdoe-me. Posso tentar achar as coordenadas, se você quer.

— Não há necessidade, obrigado! — Nos olhos de Rhodan havia um reflexo de fria determinação. — Temos alguém que conhece bem esta posição e vai nos ensiná-la: os acônidas.

— Você crê mesmo que eles farão isto? — duvidava Bell que entrementes ficou mais calmo. — Você sabe como eles têm ciúmes de seus segredos. Até hoje não sabíamos que eles tinham planetas-colônia e ainda mantinham relações com eles. E agora você acredita que eles nos irão dizer sua posição galáctica?

— Queiram ou não queiram, vão fazer isto — respondeu Rhodan, sorrindo. — Você sabe que eu sou otimista...

Bell não esquecera ainda o quadro horroroso do planeta visitado. Não conseguiu rir.

— Sei, sim — disse se virando e num galeio só deixou a central de comando.

Jefe Claudrin olhou para ele e sorriu.

 

Se os arcônidas, em seu primeiro contato com os terranos, deram a impressão de presunçosos, o mesmo aconteceu com os acônidas, aliás em maior escala. Devido seu sistema de total isolamento, dispensaram a navegação espacial e viajavam para outros planetas somente por meio de sua rede de transportadores fictícios. Os terranos não eram vistos com bons olhos. Os habitantes do Sistema Azul permitiram-lhes fundar uma base comercial em Sphinx, o segundo planeta do sol Ácon, e suportavam-nos com visível constrangimento. As relações entre terranos e acônidas foram sempre as mais frias, apesar de Rhodan se esforçar para acabar com a desconfiança entre parceiros não muito espontâneos, sem nada conseguir. O mesmo quadro desagradável se repetia nas relações entre os acônidas e seus descendentes, os arcônidas.

Mal a Teodorico aterrissou em Sphinx, Rhodan entrou em contato com o Conselho da orgulhosa raça que há muitas dezenas de milênios vivia nesta parte da Via Láctea, não mostrando nenhum desejo de ampliar sua zona de influência. Descreveu o que Harno lhe mostrara e solicitou dados de posicionamento do planeta desconhecido, para poder salvar a população. Prometeram-lhe transmitir, logo depois da convocação de uma conferência, os resultados da consulta.

E aí começou a longa espera para Rhodan.

 

No grande salão das sessões extraordinárias do Conselho de Ácon, as opiniões eram desencontradas.

Mentor Karastor ocupava hoje a presidência:

— Sabemos o que está acontecendo em Salorat — disse interrompendo a acalorada discussão, quando notou que estava perdendo o controle da condução dos debates. — Mas sabemos também que os terranos não podem mais ajudar os habitantes de Salorat. Por que então lhes vamos dar de mão beijada o posicionamento do planeta?

Várias vozes lhe responderam simultaneamente, mas uma sobressaiu. Era a de um jovem cujo cabelo claro brilhava ao longe, quase tanto como sua capa de um roxo suave, destacando sua figura esbelta. Helos de Las-Toor conseguiu ficar dono da palavra, sem ser interrompido.

— Mentor Karastor, respeitamos sua grande sabedoria e sua boa vontade de querer servir à nossa causa, mas você não está indo longe demais? Se Salorat está perdido, então não faz mal nenhum que Perry Rhodan, o terrano, saiba o posicionamento do planeta. Talvez consiga causar danos a estes irresistíveis robôs. Isto seria para o nosso bem.

— Bravo! Helos tem razão! — gritaram muitos acônidas com entusiasmo, mas nas bancadas da oposição se levantou forte protesto.

Era uma oposição sistemática que recusava tudo que vinha da presidência do Conselho. Helos pertencia ao Conselho, embora quem estava dirigindo os trabalhos hoje fosse Mentor.

— Os terranos nem podem saber que possuímos planetas-colônia. Temos que desistir de Salorat. Interromperemos os transportes através dos transmissores fictícios!

— Vocês abandonam assim friamente seus habitantes, condenando-os ao extermínio? — protestou Helos.

Mentor impôs silêncio:

— É preferível sacrificá-los a ajudar os terranos. É o que nos dita a sã razão e não podemos dar lugar ao sentimentalismo. Que nos interessam os terranos? Rhodan afirmou que nos quer ajudar. Mas será que é este seu verdadeiro objetivo? Deseja saber até onde se estende nosso império e se isto representa algum perigo para ele. Sua afirmação de querer atacar os pos-bis nada mais é que um esfarrapado pretexto para...

— Quem sabe ele está agindo honestamente? — indagou Helos enfático aos presentes e todos se viraram para ele. — Temos que arriscar, meus amigos. Rhodan já sabe há tempo que temos colônias, do contrário não teria vindo para cá. Os habitantes de Salorat devem ter pedido socorro pelo rádio e assim se traíram. Agora não nos adianta mais nada termos cortado todas as ligações com Salorat.

— Não concordo com isto — gritou alguém e um coro imenso o acompanhou.

— Salorat dá volta ao sol Stato com mais cinco outros planetas — disse Helos tentando a última cartada para convencer a maioria. — Vocês querem que todos estes planetas se percam? E quem sabe também outros sistemas, quando estes robôs pensantes os descobrirem? Estes robôs são os nossos maiores inimigos, como também o são para os terranos. Se não nos unirmos, talvez estaremos perdidos. Peço apenas que pensem com cabeça fria.

Seu apelo ao bom senso não deu nenhum resultado.

Mentor mandou proceder à votação.

A proposta de Mentor foi aprovada.

 

Ao ser chamado para o posto de rádio, Rhodan ainda nutria alguma esperança, que foram logo sepultadas pelas primeiras palavras do porta-voz do Conselho.

— O Conselho lamenta ter de recusar seu pedido, terrano. Os acônidas não têm planetas coloniais, atualmente.

Rhodan entendeu bem a ambigüidade da frase.

— Não temos o direito de obrigá-los a sair de Sphinx enquanto se mantiverem dentro do setor contratual de sua base, mas haveria de prejudicar um pouco nossas relações a presença de um supercouraçado perto de nós — explicou o porta-voz.

— Diga ao Conselho — respondeu Rhodan — que não creio em nenhuma palavra de vocês. Recebemos pedidos de socorro pelo rádio e sabemos até o nome do planeta-colônia de vocês.

Isto não era bem verdade, mas por que razão Rhodan devia dizer aos acônidas que Gucky fizera alguns saltos de teleportação e ouvira um bom trecho das discussões do plenário?

— Diga também ao Conselho que vamos encontrar Salorat, mesmo que tenhamos que ir até os confins do Universo. Mas precisamos tempo para isto e é exatamente o que não temos. Para nós, a questão não é Salorat, mas sim os pos-bis, nosso adversário comum. Dou ao Conselho de Ácon mais um dia, depois espero uma resposta sensata. Mais uma informação: ainda hoje vai chegar uma parte da frota arcônida sob o comando direto de Atlan, o imperador. Não há motivo para preocupação, não temos a menor intenção de prejudicá-los e de extorquir alguma coisa. Mas, quando atacarmos os pos-bis, vai ser para valer mesmo.

— Transmitirei sua mensagem ao Conselho — disse o acônida frio, desligando a tela do vídeo.

— Cambada de arrogantes! — berrou Bell furioso, não podendo tirar da cabeça a imagem terrível do planeta em destruição. — Quando estes pedantes estiverem em apuros, não vou mover uma palha por eles.

— Já eu não digo isto — respondeu Rhodan seco, ligando o intercomunicador. — Comodoro Claudrin, faça uma ligação de hiper-rádio com Atlan. Está com uma parte da frota aí por...

Deu as coordenadas e concluiu:

— Avise-me, quando completar a ligação.

Rhodan pegou Bell pelo braço e saiu com ele para o largo corredor onde macios tapetes plásticos abafavam os passos. O corredor se estendia aparentemente sem fim diante dos dois terranos, desaparecendo ao longe numa longa curva. O ser-bola os acompanhava.

— Enquanto estamos aqui a trocar passos — disse Rhodan para seu amigo, sorrindo — o Conselho vai rever sua decisão. Gucky saiu de novo para uma teleportação de reconhecimento, desta vez num uniforme arcônida, que o pode deixar invisível. Atlan chegará dentro em pouco. Você vê que podemos passear tranqüilamente. Os segundo são preciosos... Mas não estão perdidos.

— Eu já não gosto muito de passear, muito menos no corredor de uma nave — disse Bell, sempre pensando nas imagens apresentadas por Harno. — Você acha mesmo que os acônidas vão mudar de opinião? Não vão esquecer os habitantes de Salorat, que com seus desesperados pedidos de socorro permitiram descobrir seu posicionamento. Acho que a esta altura seu transmissor já tenha silenciado, do contrário teríamos recebido novas mensagens. Quem sabe nos seria fácil localizá-los com mais sinais de rádio?

— Não creio não — disse o ser esférico Harno. — Vocês não têm nada mais para salvar em Salorat. A destruição foi total. Podia mostrar mais aspectos para vocês, mas iria apenas horrorizá-los. A Galáxia nunca teve um adversário como este.

— Você não sabe qual é a origem dos pos-bis?

— Não, não sei não. Sei que existem por toda parte, aqui e em outras galáxias. Quando se investiga o passado, seus vestígios se perdem no infinito. Alguém os deve ter inventado, isto é certo. Mas quem? Onde e quando?

— Teremos esta resposta um dia — disse Rhodan, convicto. — Você sabe o que está acontecendo no Conselho? Gucky ainda não voltou.

— Estão debatendo ainda — respondeu Harno, transformando-se em tela de vídeo.

Via-se a sala do Conselho dos acônidas, ouvindo-se também o que discutiam. Rhodan e Bell, ainda de pé no corredor principal da Teodorico, estavam praticamente invisíveis no santuário dos acônidas. Viam e ouviam a que decisão eles chegavam.

— ...também o resto vai aderir à minha opinião — dizia Helos de Las-Toor, com muita vibração. — Não se trata, como disse, somente de Salorat. Este planeta já está perdido. Foi o que provaram as últimas informações. Isto nos diz claramente que não se pode negociar com estes robôs pensantes. Não têm piedade de nada. São verdadeiros assassinos. E os senhores acham que se pode dizer isto dos terranos? Alguma vez já nos causaram qualquer dano? Embora estejam tecnicamente em condições de fazê-lo, até mesmo de destruírem nossos planetas. Já tentaram isto alguma vez? Se eles nos ofereceram auxílio contra os pos-bis, é porque querem cuidar dos seus próprios interesses, dos nossos e, acima de tudo, da Galáxia.

— Vamos novamente à votação — concluiu Mentor Karastor, ainda na esperança de que seus partidários continuassem defendendo seu ponto de vista de nunca ajudar os terranos.

— Um momento, senhor! — era a voz de Helos se impondo ao aplauso que diminuía. — Tenho que dizer ainda uma coisa importante. Não se trata de ajudar os terranos ou de lhes dar a direção do planeta Salorat. Trata-se de coisa mais importante. Se estes robôs pensantes acharam Salorat, quem nos garante que amanhã ou depois de amanhã não achem os demais planetas coloniais? Vocês querem que percamos um planeta depois do outro, só porque somos orgulhosos demais para aceitar o auxílio de uma civilização mais jovem? O ataque a Salorat foi o primeiro, mas certamente não será o último. Pode acontecer até que os pos-bis localizem o sol Ácon. E o que será então?

O silêncio sepulcral foi paralisante.

Com visível esforço, o velho Mentor Karastor se recuperou do choque causado pelas palavras do jovem adversário. Sua voz estava trêmula quando disse.

— Votação! Eu... eu me abstenho de votar.

Um leve sussurro e algumas exclamações furiosas se seguiram. Mentor Karastor abandonou o plenário. Com isto, a vitória do grupo em torno de Helos estava mais que garantida.

A proposta de ajudarem os terranos foi aprovada com quase unanimidade. O que se seguiu então foram algumas discussões sobre o modo mais prático de efetuar essa ajuda.

Harno apagou a luminosidade leitosa da tela e voltou à forma normal.

— O problema está, pois, resolvido — comunicou ele. — Gucky voltará logo para nos contar sobre a reunião. Fará uma cara esquisita, quando notar que vocês já sabem de tudo.

Foi o que aconteceu com Gucky, quando se rematerializou na central de comando, para onde haviam regressado Rhodan e Bell. Mas o pequeno animal não desistia assim tão depressa.

— Então, houve espionagem por parte do peixe-bola para me deixar sem trabalho? Bem, então não preciso mais dizer o que os acônidas têm em mente. São muito espertos, isto a gente tem de reconhecer...

Rhodan estava ouvindo e olhou perscrutador para Gucky.

— O que você quer dizer com isto, meu amigo? O Conselho resolveu nos ajudar, portanto, na aguardada mensagem deles, vão nos dar a posição exata do planeta Salorat.

O rato-castor abanou lentamente a cabeça.

— Erro, Perry. Já disse que os acônidas são gente refinada que não entrega a rapadura assim sem mais nem menos.

Rhodan não estava entendo nada das entrelinhas de Gucky.

— Assistimos à sessão — repetiu com paciência — e sabemos do resultado da votação. Portanto...

— Possuem ou não possuem o transmissor de matéria — disse Gucky, interrompendo seu chefe.

— Mas que tem isso a ver com nosso assunto?... — começou Rhodan, compreendendo logo depois a ligação de uma coisa com a outra e ficando vermelho de cólera. — Você não vai me querer contar que eles simplesmente...

— Exatamente isto — interrompeu novamente Gucky, que já estava lendo o pensamento de Rhodan. — Vão nos mandar para Salorat por meio de um grande transmissor fictício. Vamos nos rematerializar lá, sem sabermos em que ponto da Via Láctea se encontra este planeta. Bem bolado, não é?

E tudo isto era pura verdade.

— E você vai concordar com isto? — perguntou Bell, explodindo de ira. — Quem é que tem que impor condições aqui? Nós ou os acônidas, a quem queremos apenas ajudar?

— Que devemos fazer, então? Tenho que saber o que está acontecendo em Salorat e não posso perder a oportunidade de observar como agem os pos-bis. Além disso, Salorat foi o primeiro planeta a ser atacado dentro de nossa Galáxia. Virão outros depois. Temos que planificar nossa reação, o que somente será possível se conhecermos seus métodos. Portanto, não temos outra opção senão aceitar as propostas dos acorridas.

Rhodan virou-se de novo para Gucky:

— Você não conseguiu descobrir pensamentos dos acorridas mais ou menos a posição de Salorat? Ninguém pensou nisso?

— Ninguém pensou em coordenadas exatas. Sei apenas que Salorat está nos confins da Via Láctea... mas no outro lado!

— Nós já suspeitávamos disso — disse Rhodan, decepcionado.

Jefe Claudrin o interrompeu:

— Senhor, a frota arcônida está chamando. O senhor quer falar diretamente com Atlan, ou eu...

— Pode deixar que eu falo com ele, Claudrin. Avise-me também logo que os acônidas se manifestarem. Disso depende o que vou combinar com Atlan. Estamos de fato numa situação melindrosa.

Quando o rosto de Atlan se delineou na tela do vídeo, Rhodan sentiu um alívio. Diminuiu um pouco sua pressão nervosa. A fisionomia de seu amigo lhe trouxe mais calma e confiança.

— Os pos-bis estão atacando um planeta da Via Láctea? — perguntou o imperador de Árcon, balançando a cabeça. — Nunca imaginei que chegassem a este ponto. Você tem o posicionamento?

— Os acônidas se recusam a fornecê-lo. Estou ainda esperando pela decisão oficial do Conselho. Em seu lugar, eu desceria com algumas unidades na base solar.

— Meus nobres ancestrais não vão ver isto com bons olhos — disse Atlan num sorriso irônico. — Poderia influenciar negativamente sua decisão.

— A decisão já foi tomada a mais tempo, vão me transmitir o resultado a qualquer momento.

— Ver-nos-emos dentro de poucos minutos.

Mas Rhodan não precisou esperar muito. Antes que a nave capitania de Atlan aterrissasse, o porta-voz dos acônidas se apresentou. Para surpresa de Rhodan, surgiu na tela o rosto de Helos, que sorriu, dizendo:

— Sinto muito, Perry Rhodan, termos desperdiçado tanto tempo. O Conselho determinou que se lhes coloque à disposição um transmissor fictício para Salorat. Seria o meio mais rápido para os terranos chegarem ao nosso planeta-colônia...

— ...e também o melhor meio para o Conselho encobrir o posicionamento do planeta.

— Também isso, mas não pude alterar nada. Uma outra condição imposta é que o senhor só poderá chegar a Salorat com apenas cem unidades pequenas e não pode levar mais do que cinco mil homens. Será que isto é suficiente?

Era realmente um golpe duro. Como é que Rhodan iria conseguir bom resultado com força reduzida? Destruir os pos-bis não era nenhuma brincadeira e, desta forma, quase que uma temeridade.

— Não é suficiente não — disse Rhodan sinceramente o que pensava. — Com tão pouca força assim não vamos conseguir nada.

— Não consegui influenciar melhor a opinião do Conselho.

— Sei disso, Helos. Aceito a oferta na forma presente. Quando é que o transmissor fictício está pronto?

Helos não estava mais sorrindo. Nos seus traços, Rhodan percebeu algo parecido com preocupação muito séria.

— Dentro de duas horas, Perry Rhodan. Desejo-lhes muita sorte. Somente se os senhores tiverem sucesso é que ficaremos livres definitivamente destes robôs.

— Pelos acônidas eu não faria isto — retorquiu Rhodan frio e com firmeza. — Vocês não mereciam este sacrifício.

O sorriso de Helos parecia frio e sem jeito, depois apagou a tela.

Bell, que estava ao lado de Rhodan, disse pigarreando:

— Rapaz formidável este Helos. Você não o tratou com exagerada severidade?

Rhodan abanou a cabeça.

— Ele deve estar contente com isto, ou você acha que nossa conversa não foi ouvida pelo Conselho?

 

Os arcos luminosos, altos e amplos surgiam na paisagem. Não eram outra coisa do que a entrada para um gigantesco transmissor de matéria que desmaterializava qualquer tipo de objeto ou ser vivo e, num estado inimaginável, os transportava para onde quer que fosse, independente da distância, sem perda de tempo e os fazia surgir de novo no local do destino, em sua forma primitiva. O transporte se efetuava através da quinta dimensão.

Atrás dos arcos luminosos reinava plena escuridão. No entanto, como sabia Rhodan, o planeta Salorat estava — visto relativamente — a apenas um metro após o arco.

Atlan permanecera na espera. Colocara à disposição dos terranos as unidades de que necessitavam, exclusivamente gazelas. Os blindados-voadores provinham da Teodorico. Um grande número de soldados especializados e de cientistas tomaram lugar nas gazelas. Rhodan levou, pessoalmente, alguns de seus mutantes, fora Iltu, que não podia participar da perigosa ação. Sem deixar que os acônidas o percebessem, Harno, desta vez, reduziu-se ao tamanho de uma noz, e escondeu-se no bolso do uniforme de Rhodan. Fora isso, numa das gazelas, estava instalada uma possante estação de rádio, aliás de hiper-rádio. Assim equipado, Rhodan esperava poder enfrentar com sucesso todas as vicissitudes. Em caso de emergência, havia a possibilidade de um recuo pelo transmissor fictício.

— Presunçosos cabeças-de-vento! — exclamou Bell com desprezo.

O gorducho apontava para um grupo de acônidas, postado junto do arco luminoso. Observavam desconfiados os preparativos dos terranos.

— Acham que nós é que precisamos deles. Estão com cara de quem nos estão fazendo um grande favor.

— E estão mesmo — confirmou Rhodan, que olhava firme para o grupo. — É importantíssimo para nós mostrar aos pos-bis que continuamos vigilantes. Devem acreditar que controlamos toda a Galáxia, não só esta parte, e que de maneira alguma devemos deixar transparecer a fragilidade defensiva do nosso Universo.

Bell não se manifestou. Estava olhando como os últimos embarcavam nas gazelas e fechavam as escotilhas.

— Os acônidas já deram o sinal, está na hora — disse Rhodan.

Junto com Bell, Perry foi o último a entrar em sua gazela, ouvindo logo em seguida o ruído metálico da comporta externa que se fechava sobre eles. Uma sensação estranha acompanhava Rhodan, como se naquele instante alguma coisa lhe barraria o caminho de volta, lhe dizendo que caíra numa armadilha fatal — armadilha esta que ele mesmo planejara.

— Partir! — ordenou ao piloto.

Viu na tela o arco luminoso do transmissor, a mais de cem metros acima do mundo dos acônidas. Suas dimensões — altura e largura — deviam andar também por volta de cento e vinte metros.

— Direção... arco luminoso!

Atlan, que estava no posto de rádio da base terrana, a não mais de dez quilômetros, olhava muito tenso para a tela do vídeo. Uma nave de reconhecimento em boa altura transmitia as imagens.

A primeira gazela, na qual estava Rhodan, levantou vôo e as demais a seguiram. A gazela capitania penetrou no arco chamejante e desapareceu. Uma após a outra, todas se desmaterializaram. Depois foi a vez dos superjatos. Restou só o pequeno grupo dos acônidas junto do arco luminoso, que representavam para Rhodan e sua gente o único caminho de volta para a vida.

Depois, Atlan, na base, teve a impressão de que seu coração ia estourar...

O arco chamejante apagou de repente!

Os acônidas cortaram a volta de Rhodan!

 

E Rhodan nem notou!

A estação de chegada, também da mesma conformação do arco luminoso, estava na periferia de uma cidade ainda não atacada. As cem gazelas aterrissaram e começou o desembarque. De uma de cada duas gazelas saía um aparelho voador blindado e as tropas especiais desciam e tomavam posição. Depois, as gazelas se lançaram ao espaço, no céu sombrio de Salorat, para tentarem enfrentar as naves dos pos-bis. Primeiro era necessário destruir os tubos de sucção.

— Ficamos em nossa gazela? — foi a pergunta de Bell.

Rhodan confirmou com um aceno da cabeça!

— Temos que ficar à disposição e observar os acontecimentos.

Harno, a esfera energética, parecia sem vida na mão de Rhodan. Ainda estava no seu tamanho reduzido, mais ou menos como uma noz.

— Harno, tenho de tentar transmitir a Atlan minha posição. Acha que vamos conseguir isto? Você pode se comunicar com ele?

— Estou tentando. Não é tão fácil assim, pois não sei minha posição e assim não posso calcular a de Atlan. Mas a direção eu sei. Ah!... o centro da Galáxia já transpus... agora posso me orientar. Avanço para o Sistema Azul.

O fato em si era inacreditável e mais do que desconcertante. Harno como matéria estava inofensivo na mão de Rhodan, mas outra parte do seu eu saía pelo espaço, procurando pontos de ligação.

Gucky e John Marshall se aproximaram.

— As tropas estão prontas para entrarem em ação. Os aviões blindados operam como o planejado e as gazelas já travaram contato com o adversário.

— Bell — disse Rhodan — vá encaminhando as coisas, enquanto fico aqui até entrar em contato com Atlan. É importante que ele venha nos ajudar com sua frota.

Respirou um pouco, quando se viu sozinho na central. O comandante da gazela estava fora. Só Harno estava em sua mão, brilhando como uma bomba pequena.

— Achei agora Ácon — emitiu, aumentando de volume. — Atlan não me vai ver, mas eu o enxergo e ele vai captar meus pensamentos. Diga-me o que devo transmitir a ele.

Na superfície da esfera, Rhodan viu a base terrana em Sphinx, a nave capitania de Atlan e, afinal, o próprio imperador.

— Não se assuste, Atlan, sou eu Rhodan. Harno fez a ligação entre nós. Responda, você me entende?

Viu como Atlan estremeceu e olhou em volta, concordando com alguma hesitação. O arcônida estava na central de sua nave, cercado de alguns oficiais que não sentiram os impulsos de Harno.

— Deixem-me um instante sozinho — disse Atlan, permanecendo em silêncio até que todos saíssem. Depois, sentou-se e ficou olhando para cima, na direção do teto. — Harno, não o estou vendo, você está aqui perto de mim?

— Tudo que você está dizendo aí pode ser ouvido por Rhodan, no mesmo instante — explicou o ser-bola.

Atlan desistiu de fazer mais perguntas. Mas antes que Rhodan pudesse iniciar a troca de pensamentos com ele, Gucky se materializou na sala de comando da gazela. Gesticulava como um doido e disse horrorizado:

— Os acônidas! Desligaram o arco luminoso. Que vamos fazer agora?

Rhodan olhava para Gucky atônito, mas aos poucos foi compreendendo o que significava a ausência do transmissor fictício. Estavam isolados aqui no planeta perdido. Se apenas a metade das gazelas fosse destruída pelos pos-bis, sua tripulação teria que ficar retida no meio do flagelo. A tudo isto acrescia o fato de ninguém saber exatamente onde se estava, que direção tomar...

— Canalhas covardes! — disse Rhodan, dando largas à sua indignação. — Gucky, dê um pulo na gazela do Major Ralks, onde está instalado o supertransmissor. O sinal combinado com Atlan deve ser irradiado imediatamente. Sem interrupção, ouviu? Depressa, por favor.

Gucky desapareceu.

— Harno, transmita a Atlan o que vou dizer — começou Rhodan. — Para nós, tudo depende agora que você nos localize, Atlan, e chegue aqui com sua frota. Os pos-bis vão receber reforços, se souberem do que se trata. Procure captar nosso sinal de posicionamento. A direção é mais ou menos conhecida. Você entendeu?

A resposta veio logo e nítida.

— Compreendido, Perry. Se nada der certo, vou arrasar a capital dos acônidas, sem deixar pedra sobre pedra. Ou eles me dão a posição de Salorat ou vão ter a mesma sorte que o pobre planeta. Tem alguma coisa contra?

— Muita coisa Atlan. Você iria derramar o sangue de milhões de inocentes. Haveremos de surpreender os acônidas e de lhes dar outra lição, sem cometer injustiça.

Atlan olhou para o teto, onde supunha estar Harno. Depois acabou concordando.

— É claro que você tem razão. Realmente, jamais eu agiria como um sanguinário. Haveremos de captar os sinais e depois o encontraremos, Quanto tempo pode agüentar?

— Até que os pos-bis cheguem com suas naves fragmentárias — disse Rhodan com naturalidade. — Suponho que as naves com a aparelhagem de sucção não tenham grandes armamentos. Nossas gazelas as estão castigando e logo lhe vou comunicar com que resultado. Assim que souber do posicionamento, comunique-me através de Harno.

— Fique tranqüilo e confie em mim — disse Atlan calmo e firme.

O administrador convocou o Capitão Harras, comandante de sua gazela.

— Você acha que devemos continuar aqui nesta posição? Quem sabe devemos chegar mais para as montanhas, onde estaremos mais protegidos?

Harras, jovem oficial africano, achava-se muito pessimista.

— Acho que é a mesma coisa, senhor — disse sem conseguir esconder o medo que o acometia. Sua voz tremia. — Pelo que observei, não tem importância o lugar onde estamos. As nuvens negras devoram tudo, até mesmo as montanhas. Prestar atenção e desviar na hora certa é tudo que podemos fazer.

— Talvez você tenha razão — disse Rhodan. — Fique no assento do piloto e dê a partida, assim que lhe der o sinal. Estou na cabina de rádio aqui ao lado.

Para aí convergiam todas as notícias e Rhodan podia ter uma visão de conjunto sobre tudo que se passava no planeta.

A situação parecia muito desfavorável.

 

Ao todo eram quatorze naves com aparelhamento de sucção que orbitavam o planeta lentamente num grande círculo. Arrancavam sem cessar, com seus tubos afunilados girando a grande velocidade, grandes pedaços da crosta do planeta e os faziam desaparecer no bojo das naves.

O físico-chefe Gernot que dirigia as pesquisas científicas de uma das gazelas deu seu relatório com a voz embargada pela estupefação, como se duvidasse do que estava dizendo.

— Recebi seu questionário, senhor. Conforme minhas investigações até o momento, todas as naves devem estar já com sobrecarga e em situação de cair. Já que isto não se deu ainda, podemos supor que estão operando com um forte campo antigravitacional, a fim de neutralizar o enorme peso. Em segundo lugar, deve haver uma transformação atômica que reduz toda a massa aspirada. E qual é a finalidade de tudo isto? Não sabemos, temos apenas hipóteses a respeito.

— Continue, Gernot — disse-lhe Rhodan, quando o físico fez uma pausa maior. — A mim nada mais assusta.

— Está mais do que evidente que o tipo de matéria não tem maior importância. Os aspiradores sugam pedras, minérios, do mesmo modo como a vegetação, os seres vivos, água, etc. Tanto a captação como a sucção parecem se processar sem nenhuma seleção, mas como pudemos constatar, somente até uma certa profundidade, o que nos leva a duas conclusões: ou o cascalho mais fundo não lhes é apropriado ou fazem questão apenas de tornar o planeta inabitável.

— Acho que não se preocupam muito com isto, Mr. Gernot. Quando se evidenciarem novos aspectos, peço comunicar-me. Vou agora dar ordem de ataque contra os aparelhos dos pos-bis.

Então... transformação atômica! Rhodan se lembrou dos transportes de matéria para o planeta Everblack. E para onde seria levada toda esta carga? Para o planeta-pátrio dos pos-bis ou para uma de suas muitas bases, criadas nos planetas “raptados”?

— De qualquer maneira, vamos atacar — disse Rhodan voltando à central.

Sua intenção: experimentar os efeitos dos canhões narcóticos e também testar os blindados-voadores.

Transmitiram-se as respectivas ordens aos comandantes. Uma única gazela deixou de alçar vôo. Era a nave em que o supertransmissor irradiava sem cessar os sinais de posicionamento.

O Capitão Harras guiou a gazela através da planície para o local onde se preparavam os blindados, ou seja, os tanques-voadores. Os mutantes estavam na central com Rhodan, se bem que nem todos, pois muitos achavam-se em missões por outros planetas.

Sentado ao lado de John Marshall, encontrava-se o teleportador Ras Tschubai. Seu rosto escuro demonstrava coragem e determinação. Gucky estava de cócoras ao lado dele, esquecido das brincadeiras que costumavam fazer antes de entrar em ação. Quem sabe eram saudades de Iltu que ficara em Sphinx?

De longe, já se via o redemoinho da sucção que começava embaixo da superfície devastada, cobrindo uma extensão de uma milha quadrada. Um tufão turbilhante de proporções inimagináveis remoinhava o cascalho e puxava-o para o alto, isto é, para o grande tubo que se afinava quanto mais se aproximava da nave.

O material arrancado do planeta era compactado já antes de chegar ao bojo da nave. Lá no alto, o tubo de sucção parecia um fio estreito penetrando nas naves de sucção.

O Capitão Harras deu voltas em torno do tubo, subindo depois verticalmente com a gazela, de encontro ao inimigo.

Eram cinco gazelas e três tanques-voadores que se aproximavam da nave de sucção, aparentemente imóvel no espaço, a mais de oitenta quilômetros da superfície do planeta.

— Atirem com os canhões narcóticos sem parar — ordenou Rhodan aos comandantes. — Se não se patentear nenhum resultado, o fogo será interrompido depois de dez minutos.

Ao menos por fora, não se notou nada de estranho nos primeiros instantes, pois os raios energéticos eram invisíveis. Contudo, constatou-se que os raios narcóticos para-mecânicos penetravam sem dificuldade no campo energético das naves dos pos-bis, chegando até seu interior. Tudo dependia agora se haveria ou não uma paralisação nos componentes do plasma nervoso dos pos-bis.

É claro que a expectativa era enorme, mormente para Rhodan.

Pediu, então, a Harno que fizesse o papel de transmissor de imagens.

A esfera começou a aumentar e mudar de cor, até que se viam certos detalhes em sua superfície leitosa. Sombras silenciosas e amorfas se moviam nos corredores intermináveis da estranha construção, de um lado para o outro, mecânica mas conscientemente, como se fossem guiadas por um fio. Este fio, sabia Rhodan, eram os impulsos de comando do robô-chefe.

— Você me pode dar a direção em que está o robô-chefe? — perguntou Rhodan a Harno. — Porque então atiraremos diretamente nele.

Recebeu alguns dados e os transmitiu ao oficial de artilharia. O feixe de raios narcóticos reduziu seu raio de ação, concentrando-se no posto de comando da nave inimiga. O robô, que dali dirigia toda a atividade, esteve alguns segundos sob pesado bombardeio.

Seu plasma adormeceu.

— A vibração está de novo aí — disse John Marshall que juntamente com Gucky tentava captar os “pensamentos” do plasma.

Rhodan soube na mesma hora do que eles falavam. Sentindo-se em dificuldades, os pos-bis automaticamente pediam socorro a seus companheiros. Aos terranos não interessava a parte externa do robô, mas essencialmente seu interior, aquele misterioso tecido nervoso que lhes proporcionava sentimentos e um certo grau de inteligência.

Rhodan ligou seu micro-receptor que já estava regulado para a freqüência dos pos-bis. Com este diminuto aparelho, podia-se captar suas transmissões. Foi o mesmo que permitiu ao Capitão Morath conversar com o robô no planeta negro.

— Dai valor ao que está por dentro, salvai-o.

Podia-se compreender nitidamente. Era o último grito de socorro do robô-chefe.

Começou então na grande nave a confusão total, verdadeiro caos. Primeiro, Rhodan não conseguiu compreender por que os robôs-operários começaram a atacar as máquinas de manutenção, tentando pô-las fora de serviço. Começou de fato uma verdadeira batalha entre os robôs sem plasma e os com o plasma. Chocavam-se com incrível violência.

O fogo da artilharia de todas as gazelas continuava firme, como também o dos tanques-voadores, infiltrando-se na massa celular dos pos-bis, com sua ação paralisante, fazendo com que entrassem num torpor hipnótico. Estavam agindo e se digladiando meramente por passarem a usar apenas um “subconsciente” mecânico. Ao invés de se virarem para os inimigos lá fora, atacavam seus próprios companheiros, destruindo suas queridas máquinas, como se estivessem loucos.

Como se estivessem loucos...

Rhodan compreendeu que o efeito dos raios narcóticos transformava o ódio a tudo que era orgânico no seu contrário!...

Antes, o ódio dos pos-bis se concentrava na vida orgânica, e agora voltava-se contra as próprias máquinas.

Mas a batalha robotizada durou pouco, pois os pos-bis iam perdendo cada vez mais a faculdade de pensar... Onde estivessem, parados ou andando, eram acometidos de uma rigidez súbita que lhes tolhia todo movimento. Seu plasma celular deixava de transmitir os impulsos coordenadores de sua atividade!

Não passavam mais de meras máquinas!

Foi com grande interesse que Rhodan registrou este fato, mas sabia que esta vitória era passageira e não definitiva. Quando cessasse o bombardeio de narcóticos, seria apenas questão de tempo até que eles se recuperassem.

— Interromper os raios narcóticos! — ordenou ele pelo telecomunicador, que o punha em contato com todas as gazelas e os tanques-voadores. — Fogo concentrado com os canhões energéticos! Foi rompido o campo magnético de proteção.

Segundos depois, as naves de sucção eram alvo das mais pesadas baterias energéticas. Os raios térmicos atingiam sem dificuldade a carcaça lisa do monstro. As construções externas se fundiam e pingavam na direção do planeta, solidificando-se em contato com o ar frio. Surgiram as primeiras fendas e rombos que penetravam nave a dentro.

Alguns conjuntos explodiram.

Rhodan notou de repente que a coluna de aspiração, que arrancava tudo do solo, cessara. Objetos de todos os tipos — pedras, pedaços de casas, peças metálicas — giravam pelo ar, antes de começarem a cair, de volta ao planeta.

— Gucky!

O rato-castor aguçou os ouvidos e se afastou um pouco de John Marshall.

— Ras Tschubai!

Rhodan fitou fundo os olhos dos dois teleportadores e disse:

— Está na hora, vocês sabem o que devem fazer. As bombas são fortes. Vinte segundos de retardamento. Basta colocar no local certo e apertar o disparador.

Concordaram com um simples movimento de cabeça. Não era preciso mais nada, pois tudo fora bem treinado... teoricamente. Além disso não era a primeira vez que o faziam.

Desapareceram.

Pularam primeiro na câmara de munições da gazela, onde o oficial de serviço deu a cada um uma pequena bomba atômica.

Rhodan esperou até que os dois voltassem para a central. Depois deu ordem ao Capitão Harras que se afastasse o mais depressa possível da nave inimiga. As demais unidades já aguardavam, esperando em lugar seguro.

Exatamente vinte segundos depois de iniciada a ação dos dois teleportadores, a nave fragmentária explodiu. Rompeu-se em diversos pontos sob a pressão do sol artificial que surgiu no seu bojo. Uma bola de pura energia se elevou no espaço, aumentando lentamente numa nuvem fluorescente que se espalhava simetricamente para todos os lados.

Cessaram os últimos impulsos dos pos-bis e Rhodan respirou aliviado.

— Vamos dar conta deles — disse Rhodan mais para si mesmo — mais depressa do que pensávamos. Por que razão não se defenderam? Não possuem armas a bordo?

— Fomos mais rápidos do que eles — foi o palpite de Marshall.

Bell, que estivera todo ocupado em ajudar o Capitão Harras na direção da gazela e nos disparos das armas, enxugou o suor do rosto.

— Era uma vez uma nave dos pos-bis! Mas o que aconteceu com as outras? — E fazendo alusão a Gucky e Ras Tschubai: — Eles não dispõem de um Gucky ou de um Tschubai! Está provado que eles, os raios narcóticos, podem destruir os pos-bis e vamos ter tempo bastante para a destruição dos outros.

Por meio do seu rádio portátil, Bell se pôs em contato com os demais comandantes para ter um quadro geral do desenrolar do ataque. Para sua surpresa, ficou sabendo que foi possível danificar do mesmo modo outras sete naves cúbicas dos pos-bis que não podiam mais continuar com a ação devastadora dos tubos de sucção. Os “sintomas” foram idênticos. Primeiro a paralisação do robô-chefe, depois o pedido de socorro e logo depois a luta destruidora entre as máquinas. No fim, a calma do estado de inconsciência.

Rhodan tirava suas conclusões.

“Será que os pos-bis iriam desistir assim fácil? Mas não, ainda há seis naves que não sentiram os efeitos do bombardeio narcótico.”

Enquanto refletia sobre isto, recebeu a notícia de que exatamente estas seis naves suspenderam a operação de sucção, antes de serem atacadas, e estavam agora reunidas. Tornaram assim impossível o ataque das gazelas. As seis naves de sucção se protegiam mutuamente, criando desta maneira um campo magnético comum e iniciando então um ataque mortífero com suas armas energéticas. Utilizavam-se dos temíveis raios transformadores, contra os quais não havia outra forma de defesa, a não ser a fuga.

Tais raios transformadores emitiam projéteis nucleares, em forma de vibrações de uma luz visível, que se materializavam e detonavam ao atingirem o objetivo.

Rhodan ordenou retirada imediata. Contentou-se com a destruição completa de um único aparelho fragmentário e a paralisação de mais sete deles. De qualquer maneira, os pos-bis já haviam desistido de continuar na tarefa de destruir a crosta do planeta.

Mas aconteceu o inesperado. As notícias chegavam simultaneamente e Rhodan precisou de alguns minutos para ver claramente a situação. Mas depois, tudo se esclareceu. E ficou sabendo o porquê dos acontecimentos.

As sete naves paralisadas dos pos-bis desapareceram numa tremenda explosão nuclear, não sobrando literalmente nada. Autodestruíram-se ao chegarem à conclusão de que seu comandante estava inutilizado! Com o último bruxulear do plasma do pensamento, determinaram a autodestruição.

Sobravam agora apenas seis.

— Vamos nos reunir agora ao lado do apagado portão ou arco de fogo — disse Rhodan a todos os comandantes. — As seis naves restantes somente poderão ser desativadas num ataque concentrado. Temos, pois, que esperar que recomecem sua atividade de sucção. Não podem fazer duas coisas ao mesmo tempo. Ou lutam ou fazem a sucção. Infelizmente, esta é a única opção para a vitória total, creio eu.

Dez minutos depois, estavam reunidos no local convencionado noventa e duas gazelas e quarenta tanques-voadores. Ao todo, os terranos perderam dezoito unidades. Uma vitória parcial, aliás bem cara. Mas a satisfação a respeito não durou muito, pois chegaram notícias das gazelas que entrementes percorreram os céus de Salorat.

O quadro descrito por estas mensagens era a sentença de morte para os terranos: os pos-bis haviam recebido reforços. Vinte naves fragmentárias saíram do hiperespaço e envolviam o planeta Salorat.

 

Numa pequena depressão do planalto rochoso, Rhodan estabeleceu o quartel-general. Estava faltando somente a gazela do Major Ralks, que funcionava como estação de hiper-rádio, e a sua própria. Todas as outras gazelas e tanques-voadores tinham que tentar atacar, isolados e por conta própria, as naves fragmentárias, deixando seus comandantes fora de combate pelos raios narcóticos.

Neste meio tempo, Harno conseguira transmitir ao físico-chefe Gernot a situação no interior das naves de sucção e o quadro se tornava cada vez mais nítido.

— É incrível, senhor — explicava o cientista quando Rhodan lhe pediu informações. — A matéria aspirada pelas naves dos pos-bis é condensada na razão de mil por um. Não sei se podemos chamar a isto de conversão atômica. É uma simples compactação. Um bloco de pedra ou granito de um metro cúbico se reduz a um dado de dez centímetros de aresta. A massa continua a mesma. Podem, pois, transformar a Lua terrana numa bola de poucos quilômetros de diâmetro, se o quiserem. O peso nas naves fragmentárias deve ser enorme. No espaço livre, conseguem subir com facilidade pelos campos antigravitacionais, mas como é que dominarão este peso excessivo no hiperespaço?... A finalidade da compactação do material não lhe ficou bem clara? O senhor vai dizer que é para economia de espaço.

Rhodan fez um gesto de impaciência.

— Sei disso. Mas acho que o senhor não pode imaginar para que serve o material arrancado do solo de Salorat. Que pretendem os pos-bis com isso?

— Sim, tenho uma teoria, senhor, mas vai parecer um pouco maluca.

— Mas fale, Gernot! Tudo que estamos presenciando aqui não é uma coisa maluca?

Gernot suspirou.

— Tem toda razão, senhor. Mas minha opinião é que os pos-bis compactam aqui uma enorme quantidade de produtos naturais e a levam para outra parte. O transporte assim é bem mais fácil. Chegando ao lugar de destino, liberam a matéria, fazendo-a voltar ao volume primitivo. Se agirem assim constantemente, poderão fazer surgir em qualquer parte do espaço um novo planeta.

Rhodan, na tela do vídeo, olhava desiludido para o rosto de Gernot.

— Novos planetas...? Mas para quê? Já roubaram tantos durante milênios e milênios, que nem os encontraram depois...

— Por isto mesmo — continuou Gernot. — Para que isto não mais lhes aconteça. Além disso, este método lhes parece mais simples. Mas, como já disse, é apenas uma teoria. Pode ser também que eles transformem a matéria compactada em energia...

Rhodan não tirava da cabeça que os pos-bis ainda lhe iam apresentar muitos enigmas e talvez alguns insolúveis.

— Obrigado, Gernot. Se tiver algo de novo, favor comunicar.

Dois minutos depois, chegou uma notícia que iria levantar um pouco o moral levemente abatido: dez gazelas, que atacavam em conjunto uma belonave dos pos-bis, conseguiram destruí-la. Mas, poucos segundos depois, se viram cercadas por tão forte barragem de fogo, que apenas sete delas conseguiram escapar do mesmo destino.

As outras três foram consumidas no fogo dos raios transformadores.

Bell se aproximou de Rhodan.

— Perry, não podemos ficar esperando indefinidamente pelo auxílio de Atlan. O Major Ralks deve ficar aqui, mas nós temos que entrar em ação. Precisamos é de um lugar seguro, mas não de um planalto onde nos podem descobrir a qualquer momento. Temos que obrigar uma nave fragmentária a fazer uma aterrissagem forçada. Quando entrarmos numa delas, estaremos protegidos de qualquer ataque. Sabemos que os pos-bis não nos atacarão se estivermos dentro destas naves cúbicas com os neutralizadores mentais ligados.

— Você quer então capturar uma nave deles? E como pretende fazer isto?

— Deixa que eu explico. — Virou-se para Gucky: — Não seria tão difícil para nós! Não é, Ras Tschubai? Vocês me levam para lá e assim que anestesiarmos o robô-chefe, aterrissamos com o monstro por aqui e teremos então o melhor quartel-general que podemos imaginar, não é?

— Como é que tantos anos de experiência podem terminar numa leviandade assim? — disse Rhodan, num tom de advertência.

Mas viu, depois, que a idéia não era tão má assim. Mandou primeiro que o Major Ralks permanecesse no esconderijo e não interrompesse os sinais de rádio para orientação de Atlan. Deu então ordem de partida ao Capitão Harras.

 

Tiveram sorte...

Um dos gigantescos aparelhos de sucção de material, que estava um pouco afastado do agrupamento, parecia se preparar para reencetar sua atividade operacional. Talvez os robôs estivessem crentes de que não havia mais perigo, o que aumentou ainda mais a determinação de Rhodan.

Mais duas gazelas e um tanque-voador, que operava por perto, foram convocados para reforço. Iniciou-se então o ataque. Antes que o tubo escuro de sucção começasse a funcionar, a nave foi envolvida pelos raios narcóticos. Como da primeira vez, Rhodan conseguiu pegar o robô-chefe e fazer com que seu plasma nervoso adormecesse. Mas não era ainda o suficiente, o robô tinha que ser eliminado antes de dar a ordem de autodestruição ou antes de voltar à plena consciência e iniciar a luta contra os terranos.

No bolso do uniforme de Bell estavam duas bombas nucleares, pequenas mas suficientes. Não eram maiores que um ovo de galinha, mas davam para mandar pelos ares toda a central da nave pos-bi.

Ras Tschubai e Gucky esperavam pelo sinal de Rhodan. Bell estava entre os dois, seguro pelos braços, para ser teleportado a qualquer momento. Rhodan observava com atenção os instrumentos de medição que registravam as menores reações dos pos-bis. O envoltório de proteção começou a ceder e o robô-chefe lutava contra os efeitos dos raios narcóticos. Ouviam-se os primeiros sinais irradiados pedindo socorro.

— O envoltório... — disse Rhodan, ainda hesitante. — Está ficando mais fraco. Acho que vocês podem tentar agora.

Gucky e Ras fizeram um leve sinal com a cabeça e se desmaterializaram, levando Bell.

Haviam calculado muito bem o pequeno salto de teleportação. Aquele recinto em semicírculo devia ser o posto de comando. Quatro robôs humanóides vagavam abobalhados de um lado para o outro e nem reagiram ao aparecimento dos três seres vivos. Estavam ainda sob influência dos raios narcóticos, que em sua nova fórmula eram inofensivos aos seres humanos.

— Aquele ali na frente deve ser o comandante — disse Gucky, apontando uma figura imponente, de mais de um metro e oitenta, na parte da frente do posto. — Vamos “programá-lo” com uma boa bomba atômica.

Bell meteu a mão no bolso, tirou um dos explosivos.

— Um só vai bastar?

— Ponha dois de uma vez — aconselhou Gucky, deixando um dos robôs fora de combate com a pequena pistola.

O monstro metálico não protestou e se transformou num monte de metal fundido. O calor no recinto estava insuportável. A atmosfera de oxigênio em que os robôs se sentiam mais à vontade, embora pudessem também viver no vácuo, era renovada muito raramente.

Bell se aproximou do robô-chefe e descobriu uma fenda na altura dos quadris. Para que servia, não podia saber. Talvez apenas um espaço vazio para refrigeração. O monstro dirigido pelo plasma nervoso estava instalado num pedestal metálico, bem atarraxado no piso da cabina. Cabos elétricos saíam dele para todos os lados.

— Aqui? — perguntou Bell, com as duas bombas na mão.

Os dois terranos fizeram que sim com a cabeça. Quatro sinais de metal derretido no chão mostravam a atividade dos terranos neste espaço de tempo. Bell apertou o detonador e meteu as bombas na fenda, abandonando, com Gucky e Ras, a cabina. Tinham um minuto para se pôr em segurança, mas não pensavam em voltar para a gazela. Ainda não...

A explosão arrebentou toda a cabina de comando, interrompendo todas as ligações.

De uma hora para a outra, os robôs restantes se sentiram desgovernados e perdidos. Embora o plasma nervoso lhes possibilitasse ainda tomar decisões independentes, faltava-lhes a coordenação. Os três terranos usavam os neutralizadores mentais e não podiam, pois, ser reconhecidos como seres orgânicos. Portanto, nenhum robô os atacou.

Sem correr o menor risco, começaram a destruir com a pistola energética todos os robôs que encontravam. Neste ínterim, Gucky captou a mensagem telepática de Rhodan para que pulassem imediatamente para a gazela, já que a nave fragmentária começava a despencar contra a superfície do planeta.

— Puxa! Então foi tudo inútil? — disse Gucky.

O rato-castor esperava que Rhodan captasse seus impulsos. Se a distância fosse menor, seria possível.

— Queremos a nave inteirinha! — falou Gucky, desejando que Rhodan “ouvisse”.

Mas não veio resposta. Os dons telepáticos de Rhodan eram fracos para isto. Mas estava pensando: Está caindo bem lentamente, quem sabe não vai se destruir com o choque?

De qualquer maneira, para Gucky foi uma resposta.

Quando os três se rematerializaram na gazela a nave fragmentária parecia flutuar imóvel ao lado deles, na realidade, porém, a gazela descia também com ela. O solo devastado de Salorat se aproximava suavemente, isto é, quase sem velocidade, pois os campos antigravitacionais da nave dos pos-bis ainda estavam intactos.

O Capitão Harras se afastou uns quilômetros do aparelho em queda, para não ficar ao alcance de uma possível explosão. Mas seus receios foram debalde. Talvez a ordem de autodestruição não havia sido dada; talvez o robô-chefe não mais existia.

A nave continuou caindo e tocou o solo com um choque relativamente pequeno.

O cubo gigantesco se deformou um pouco, mas quedou imóvel, qual montanha artificial, naquela quase planície. Abriu-se uma enorme fenda de um dos lados. Tão grande era a tal brecha que daria para abrigar uma gazela comodamente. E Harras fez isto.

Para surpresa de Rhodan, chegaram pela fenda até o depósito de carga da grande nave, que estava pela metade. A carga, uma massa compactada de brilho prateado, devia ser a crosta extraída do planeta. Medições posteriores acusaram inimaginável densidade e elevada quota gravitacional, além de um peso total imensurável. Mas, de qualquer maneira estava-se num lugar garantido.

O operador de rádio da gazela entrou em contato com os outros comandantes, ordenando que cessassem todo ataque no momento. Parou um pouco para ouvir as notícias que chegaram, virando-se depois para Rhodan.

— Senhor, os ataques pararam. Os pos-bis receberam mais reforços. Devem ser cerca de cinqüenta naves cúbicas que orbitam o planeta Salorat, perseguindo as gazelas e os tanques-voadores.

— Todos devem saber que os neutralizadores mentais têm que estar absolutamente ligados o tempo todo — ordenou Rhodan. — Todas as gazelas e blindados-voadores devem se dirigir para cá, onde estamos garantidos contra qualquer ataque. Transmita estas ordens e me ponha em ligação com a gazela do Major Ralks.

Antes que Ralks tivesse tempo de se apresentar, começaram a penetrar pela fenda a dentro as primeiras gazelas e blindados-voadores, pousando suaves no descomunal depósito. Não foram perseguidos.

O Major Ralks se apresentou excitado no vídeo.

— Senhor!... Atlan anuncia que já conhece nossa posição. A frota já está a caminho. No máximo, dentro de dois dias estará aqui.

— Dois dias...? — Rhodan estava visivelmente decepcionado. — É tempo demais, esperamos agüentar até lá. Há sobreviventes em Salorat? Sabe algo a respeito?

— Algumas cidades estão incólumes, senhor, e se os pos-bis não reiniciarem o processo de sucção, continuarão assim.

— Dois dias! — repetiu Rhodan. — Durante todo este tempo, temos que fazer tudo para deter os pos-bis e, quando Atlan chegar, acabará tudo bem. Obrigado, major! Harno cuidará do resto.

Todas as gazelas e tanques-voadores já haviam chegado. Fez-se uma comprovação e se positivou que não havia mesmo mais nenhum aparelho terrano na atmosfera de Salorat. Apenas a gazela do Major Ralks. Procedeu-se então à contagem e o resultado foi terrificante. Das cem gazelas e cinqüenta tanques-voadores, apresentaram-se apenas setenta e uma gazelas e trinta e três tanques. Mais de setecentos terranos ficaram para sempre sepultados no planeta semidesconhecido. E tudo isto para salvar da destruição total uma colônia dos acônidas. Será que isto tinha alguma coisa que ver com o cumprimento do dever cósmico e do amor ao próximo?

Rhodan procurou afastar estas dúvidas. Quem sabe um dia este número pungente se ofuscaria quando os pos-bis reconhecessem que não poderiam mais destruir impunemente a vida inteligente na Via Láctea, simplesmente para saciar seu ódio?

Após muitas tentativas infrutíferas, Harno conseguiu de novo ligação com Atlan. O imperador de Árcon já estava a caminho com boa parte de sua frota. Rhodan podia vê-lo por intermédio de Harno.

— Ao captarmos os sinais de localização, acabaram-se as dificuldades. A distância de Salorat a partir da M-S-13 dá exatamente sessenta e oito mil novecentos e sessenta anos-luz. Praticamente no outro lado da Via Láctea, na extremidade de um ramo da espiral que nos é totalmente desconhecido. É inconcebível como os acônidas chegaram até lá e ali construíram seu mundo colonial.

— Realmente, foi um grande feito — disse Rhodan.

— Antes de minha partida, disse aos acônidas que tinha o posicionamento de Salorat, o que os encheu de confusão e de cólera indescritíveis. Agora, estamos a caminho, nos aproximando do centro da Galáxia. Como vão as coisas por aí?

— Mal, Atlan! Talvez agüentemos, talvez não. Tudo depende de quanto tempo conseguiremos permanecer em nosso esconderijo.

— Esconderijo?

— Perfeitamente, estamos escondidos numa nave dos pos-bis abatida pelos nossos.

Trataram ainda de detalhes sobre o planejado ataque contra os robôs, assim que a frota chegasse. Depois, Harno interrompeu a transmissão. A última coisa que Perry viu em sua superfície foi a frota de Atlan, alguns supercouraçados e uma nuvem imensa de cruzadores médios.

O primeiro dia e a noite seguinte, os terranos passariam em angustiosa expectativa. Depois, na tarde do dia seguinte, o Major Ralks poderia anunciar a ligação direta de rádio com a frota de Atlan e, na hora seguinte, já estariam atingindo o sistema.

 

O telepata John Marshall recebera a incumbência especial de Rhodan de auscultar eventuais impulsos de plasma de pos-bis que pudessem estar em qualquer parte da nave e de lhe comunicar com urgência. Isto seria feito por meio do micro-receptor construído pelos swoons.

Ao saber que a frota de Atlan chegaria dali a uma hora, o alívio de Rhodan quase se transformou num choque. A gazela do Major Ralks deixou o esconderijo de até então e aterrissou também no depósito da nave de sucção dos pos-bis. Rhodan julgava que ali estariam todos bem abrigados.

Mas John Marshall não dormia. Estava a todo momento com a mente atenta aos impulsos dos pos-bis. Não vinham da nave abatida, mas exclusivamente das naves fragmentárias que orbitavam o planeta.

Um impulso lhe parecia extremamente forte e intenso, repetindo-se quase sem parar, com uma única significação:

— Destruição!

No primeiro instante, Marshall não achou nada de mais, quando transmitiu a Rhodan seu significado. Rhodan também pensava que se tratava somente de um brado geral de ataque dos pos-bis. Mas depois se lembrou da autodestruição das naves de sucção, quando seu robô-chefe passou a não mais existir. A ordem vinha do próprio robô-chefe, valendo para a nave toda. E claro!... Incluía os terranos lá dentro!

Desta vez, porém, a ordem vinha de uma outra nave e valia também para a nave abatida. Rhodan percebeu que todos ali se encontravam em perigo iminente, mesmo que o robô-chefe tivesse sido destruído e não pudesse mais dar a ordem de autodestruição. Os pos-bis deviam estar prevenidos para tal emergência. Devia haver, em qualquer local da nave, um dispositivo de disparo automático para quando o comandante não pudesse reagir. Este dispositivo podia explodir a qualquer momento!

— Comando de ação pronto para partida imediata! — ordenou ao Capitão Harras, e este saiu logo correndo para a central de rádio a fim de providenciar a retransmissão da ordem. — Ponto de encontro no antigo arco de fogo. Procurar abrigo lá, até que chegue a frota de Atlan.

Uma após a outra, saíram todas as gazelas dos escombros da nave abatida que lhes valera por tantas horas de seguro abrigo. Vieram depois os tanques-voadores.

Quando restavam ainda cinco destes blindados para sair, a nave se transformou num sol de chamas e explodiu numa confusão bizarra de cores. O cogumelo causado pelo levantamento da enorme carga compactada crescia sempre mais. O solo se encheu de metal derretido, formando como que um lago petrificado de reflexo prateado.

A frota de Rhodan estava agora reduzida a vinte e oito tanques-voadores e setenta e uma gazelas. Cinqüenta e uma unidades, com as respectivas tripulações, perdidas até o momento.

 

Parece que os pos-bis estavam esperando por este momento, desejando que os terranos sucumbissem com a explosão. Além do mais, surgiram cinco naves fragmentárias por cima do local da tragédia e começaram fogo cerrado contra as gazelas que estavam em fuga.

— Procurar escapar individualmente! — gritou Rhodan aos comandantes. — Em caso de emergência, fazer logo transição.

Seria o único meio de salvação. Com o hipersalto, os pos-bis perderiam sua pista, caso não conseguissem localizar exatamente os abalos estruturais causados pela volta ao espaço normal. Algumas gazelas fizeram uso desta alternativa, ao passo que os tanques-voadores, em virtude de sua versatilidade e de seu tamanho reduzido, tentavam apenas desviarem-se dos disparos inimigos.

Rhodan mandou que o Capitão Harras voasse bem rente do solo e se aproximasse do ponto onde estivera o arco luminoso dos acônidas. Uma das naves fragmentárias não desistiu de ir atrás da gazela e a perseguia obstinadamente. Seus projéteis energéticos passavam raspando sua carcaça.

— Gucky!

O rato-castor olhou para o chefe cheio de vontade de lutar.

— Você acha possível deixar um ovinho atômico naqueles pos-bis, depois que os bombardearmos com raios narcóticos, tenente?

— Posso tentar? — respondeu Gucky.

— Só se você achar que temos alguma possibilidade. O envoltório magnético deles é impenetrável, enquanto funciona. Não sei se nossos raios serão suficientes para deixar o robô-chefe fora de combate. Vamos ver.

Enquanto se fazia o bombardeio narcótico, Gucky saltou...

Levou dez segundos até que se rematerializasse, ainda com a bomba na mão.

— Não consigo penetrar, Perry. Não vai dar, não!

Gucky parecia desesperado e se desmaterializou novamente. Ao voltar não estava mais com a bomba na mão.

— Um pequeno rombo, o envoltório não está mais tão resistente. Foi pura sorte!...

Instantes depois, o monstro explodiu, levando boa parte dos estilhaços na direção do vôo, começando depois a chuva de metal incandescente contra o solo devastado de Salorat.

Não passou de um sucesso isolado e, quase no mesmo instante, surgiu no espaço outra nave fragmentária, continuando a perseguição. Pouco tempo depois, Rhodan também teve de fugir para o espaço, deixando o planeta entregue à sua sorte. E tudo isto devido à mesquinhez dos acônidas em não querer ajudá-lo.

Da cabina de rádio veio um grito de júbilo.

— Senhor, estou em contato com Atlan, sua frota já passou pelo quinto planeta, está se aproximando de Salorat.

— Harras, em direção à frota de Atlan. Vamos voar ao encontro deles e depois voltamos.

Assim foi feito.

Dali a instantes, e com cinco supercouraçados e mais de cem cruzadores pesados, arremeteram-se contra os pos-bis. Os possantes narcóticos das supernaves bastavam para deixar inconsciente logo ao primeiro contato. Não era necessário mais nada, pois os monstros se autodestruíam e, aos poucos, o sucesso começou a aparecer.

Foi uma virada com a qual ninguém mais contava. Cinco horas durou o terrível encontro, depois os pos-bis se puseram em fuga. Atiravam-se no espaço, desapareciam em transições num outro campo temporal. Era de todo impossível serem detectados os abalos estruturais. Em algum lugar, entre o planeta Salorat e o Infinito, teriam que voltar ao espaço normal. A mil ou cem mil anos-luz de distância, ou apenas a dez.

O planeta Salorat virara um deserto. Poucas cidades escaparam à destruição. Mas Rhodan não se preocupou com os sobreviventes. O perigo passara e os habitantes aos poucos voltariam a reconstruí-lo.

Algumas naves de Atlan aterrissaram e receberam a bordo as gazelas e tanques-voadores. Rhodan aproveitou a ocasião e foi visitar a superfície mutilada. Gernot e Bell o acompanhavam, seguidos por alguns dos mutantes. O Capitão Harras guiou a gazela para junto da nave capitania de Atlan. O imperador arcônida veio a pé ao encontro deles. Seu rosto estava sério quando estendeu a mão a Rhodan.

— Uma vitória muito cara — disse cumprimentando o terrano. — Meus antepassados têm este planeta na consciência. Se tivessem nos dito logo a posição, não teria acontecido isto. Mas esta gente viveu tanto tempo no isolamento que perdeu o senso humanitário. Jamais levantarão a mão para ajudar alguém e como podem esperar que a gente os ajude quando for necessário?

— Todos nós vivemos na comunidade cósmica — respondeu Rhodan, olhando para cima em direção ao sol alaranjado. — Sentimo-nos responsáveis pelo destino de outros povos e achamos que isto é nosso dever. Raças ou povos isolados são sempre cruéis em relação aos outros.

— Perry, os acônidas o traíram. Desligaram o transmissor fictício logo que você chegou ao planeta, entregando-o a um destino incerto. Que pensa fazer para castigá-los?

— Absolutamente nada — retorquiu Rhodan, não obstante os olhos furiosos de Bell. — Agiram como a tradição de sua raça prescreve e não vão mudar de mentalidade de um dia para o outro, talvez leve ainda séculos até que compreendam que todas as raças inteligentes da Galáxia pertencem à comunidade cósmica. Mas, realmente, concedo que até tribos primitivas se confraternizam ao surgir um inimigo comum. Os acônidas fugiram a esta norma.

Gucky veio se aproximando, exibindo seu dente de roedor, o que eqüivalia a um sorriso. Depois, disse em tom quase de guerra:

— Se eu fosse você, haveria de dizer umas tantas a este Conselho. Mas eles é que esperem, um dia ainda voltarei a Sphinx.

Rhodan estava para dizer alguma coisa mas a palavra lhe ficou parada na garganta. Olhando casualmente na direção de Gucky, onde estavam antes os arcos luminosos do transportador, ficou admirado.

— Que é isto? Eles estão de novo aí, os arcos luminosos!

Realmente, lá estavam eles, cintilantes no meio do deserto, assinalando exatamente o lugar onde as cem gazelas se rematerializaram. Todos se viraram para o ponto apontado por Rhodan.

— Será que repensaram sua primeira decisão? — disse Bell, assustado. — Arrependeram-se e nos querem ajudar agora. Puxa! Ou será que nós os interpretamos mal?

— É, mas levaram muito tempo para repensar o erro cometido — disse Gucky ainda indignado. — Neste tempo todo, poderíamos estar mortos. Como conheço bem os acônidas, penso que eles querem apenas dar uma olhada nos cadáveres, ou melhor, nos nossos cadáveres.

Ainda enquanto Gucky falava, três vultos saíram do arco luminoso. Suas capas de cor violeta davam a entender que eram representantes do governo e membros do Conselho. Ficaram indecisos ao verem as grandes naves de Atlan, mas continuaram caminhando na direção do grupo. Medo ou má consciência, pareciam não ter.

— Será que querem alguma coisa conosco? — foi a pergunta de Bell.

Rhodan e Atlan foram-lhes ao encontro. Iriam expor aos arcônidas que suas medidas foram um tanto singulares. Quando já se haviam aproximado o suficiente dos membros do Conselho, pararam. Não estavam quase acreditando o que seus ouvidos escutavam, quando o homem do meio, de repente, sem nenhum cumprimento e num tom quase provocante, disse:

— Damos-lhe cinco minutos de vosso tempo para desaparecerem daqui. Não se autorizou ninguém a transmitir aos outros a posição do planeta Salorat. Perry Rhodan abusou da nossa confiança, dando ao imperador de Árcon o posicionamento de nosso mundo colonial. Estamos decepcionados.

Rhodan olhou perplexo para o homem. Um descaramento tão atrevido, um cúmulo de arrogância!

Atlan também não sabia o que dizer. Resolvera dar uma lição de moral nos seus antepassados, pelas injustiças contra Rhodan, e agora se via acusado, ele e Rhodan, de infâmia e traição. Era realmente o cúmulo!

Mas, lá dos fundos, Gucky lia os pensamentos. Precisou de alguns segundos para controlar sua perplexidade, mas depois explodiu.

Materializou-se entre Rhodan e o acônida, pisando sem contemplação no pé do arrogante habitante do Sistema Azul. O digno senhor de capa arroxeada se assustou e deu um pulo para trás ao ver o rato-castor surgir do nada.

— Vocês, cavaleiros de “triste figura”! — vociferou Gucky no auge de sua cólera, sem dar atenção nem a Rhodan, nem a Atlan que lhe faziam movimentos com as mãos. — Vocês vão prestar contas agora é comigo e não com os humanóides sentimentais. Quem foi que traiu quem aqui? Traidores são vocês, arrogantes! Vou lhes dar uma lição de como tratar quem se sacrifica para ajudar vocês. Vou mandar vocês para onde merecem ir.

A fúria acumulada no seu íntimo deu mais força aos seus dons telecinéticos. Com a maior facilidade, concentrou suas forças mentais nos três acônidas, que, de repente, como se estivessem isentos da lei da gravidade, pairavam no ar, gritando e esperneando desesperados. Mas Gucky não teve dó e ampliou o espetáculo. Rhodan e Atlan se abstiveram de intervir, pois se Gucky deixasse os três caírem no chão, haveriam certamente de quebrar o pescoço.

— Boa viagem, traidores ingratos — gritava no auge de seu desabafo.

Os acônidas faziam acrobacias sem querer, girando de um lado para o outro, subindo e descendo com incrível velocidade. Gucky os fazia de peteca com suas forças concentradas. O rato-castor andara louco para fazer uma das suas.

O que estava fazendo agora era, em si, uma coisa já proibida por Rhodan, que desta vez não o pudera conter. De uma boa altura, Gucky fez os três despencarem como num looping, diretamente para o arco luminoso, atrás do qual começava a escuridão do nada.

Foi então que os três desapareceram.

Gucky respirou aliviado e se virou para Rhodan e Atlan.

— Então?! — disse, como pedindo aplauso. — Como foi a demonstração de vôo individual com as belas “folhas secas”? A acrobacia dos pilotos nas grandes festas de Terrânia não chega aos pés disso.

— Esplêndido, bravo, Gucky! — gritou Bell lá dos fundos. — Isto devia ser filmado!

Rhodan botou as mãos na cintura.

— Quantas vezes tenho que dizer para dominar seus impulsos e não fazer estas coisas sem antes perguntar? Quem é que sabe o que você arranjou com tudo isto? Você pode ter desencadeado uma guerra.

Gucky sorria feliz.

— Ah! Os três atrevidões já devem ter chegado a seu mundo. Desejaria que dessem com as costas num montão de estéreo, mas acho que isto não existe lá em Sphinx, infelizmente. Tomara, então, que quebrem o pescoço.

Rhodan sacudiu a cabeça pacientemente.

— Falaremos mais tarde a respeito, Gucky — disse Rhodan com serenidade. Mas Gucky ria à vontade, caminhando feliz com seu dente de roedor à mostra.

Bell disse com convicção:

— Gucky tem plena razão. Se fosse telecineta, teria agido de outra maneira com os traidores de Sphinx, isto é, com muito mais severidade do que ele.

Alcançou Gucky e lhe passou a mão pelos ombros. Numa confraternização tão perfeita, rindo e cantando, os dois chegaram até a nave capitania de Atlan. Bell, gordo e um tanto corcunda; Gucky, todo empertigado e vaidoso. Isto não combinava de maneira alguma com seu andar bamboleante...

— O que se pode fazer? — perguntou Rhodan a Atlan. — Os dois têm a mesma opinião, o que aliás é uma coisa muito rara. Enquanto eu me sinto vencido. Mas pode ficar certo de que ainda não disse a última palavra aos acônidas.

Atlan queria responder, quando Harno chegou até eles, ficando flutuando sobre os dois e aumentando de tamanho. Sua superfície foi tomando um aspecto leitoso, transformando-se numa tela de vídeo. Depois começou a desaparecer a cor branca, dando lugar a uma escuridão absoluta. Surgiram pontos avulsos cintilantes de forma muito singular, uns de formação baixa, outros como espirais rígidas em rotação. Uma das vias lácteas era um pouco maior, mas mesmo assim a um milhão de anos-luz de distância — do ponto de vista do observador.

— Tenho que ir embora — disse Harno, e Atlan compreendeu tão bem como Rhodan. — Você me chamou, Rhodan, eu vim, mas agora tenho que voltar.

— Eu lhe agradeço por ter vindo, Harno. Você nos ajudou muito. Mas será que os robôs pensantes aprenderam alguma coisa, como nós aprendemos?

— Aprenderam que vocês são capazes de se defender e isto é sempre a base da paz. Se os robôs atacarem de novo, já sabem quais são as armas eficientes contra eles. Vou ficar longe de vocês, mas talvez encontre os pos-bis lá fora no infinito. Quem conhece a sua origem, compreenderá seu presente.

— Se precisar de novo de você, Harno, posso chamar?

— Chame que voltarei — respondeu o ser estranho que dominava o tempo e o espaço e, no entanto, tinha que obedecer a alguém. — A Via Láctea estará a muitos anos-luz de distância, mas eu virei.

— Obrigado, mais uma vez, por tudo — disse Rhodan comovido, inclinando a cabeça perante aquela esfera que se reduzia. — Talvez um dia eu possa pagar minha dívida de gratidão a você.

— No fim de todos os tempos — disse Harno e os dois homens tiveram a impressão de ouvir uma risada descontraída.

E a esfera desaparecera. Atlan ficou olhando para o alto.

— Harno é o amigo mais singular que existe. Quem será ele mesmo?

Rhodan sorriu pensativo.

— Você acha que Harno é uma esfera somente diante de nossos olhos? Que toma outra forma quando está sozinho? — meneou a cabeça. — Não, meu amigo, Harno é Harno. Sei que, com isso, sua pergunta não está respondida. Sei apenas que é nosso amigo. Não preciso saber mais nada.

Atlan respondeu pensativo:

— Talvez não — apontou para o horizonte. — Temos que nos preocupar com os sobreviventes de Salorat, pois os acônidas não o farão. Temos ainda esta missão.

— Não apenas esta — disse Rhodan, se encaminhando com ele para a nave capitania. — Acho que a vida não teria sentido se não me desse mais tarefas a cumprir.

— Os pos-bis foram a pior delas — disse Atlan.

Bell, Gucky e os demais mutantes já haviam sumido há tempo na gigantesca comporta e Rhodan foi o último a entrar. Antes que ela se fechasse, o administrador quis ainda dar o último olhar de adeus.

A seus pés estava o planeta morto e devastado. Passariam milhares de anos até que a vida voltasse a estas plagas, se a técnica não ajudasse. O sol alaranjado caminhava para o poente, fora testemunha da bravura dos terranos que sacrificaram a vida por uma população desconhecida. Teria sido um sacrifício inútil?

Rhodan virou bruscamente e ainda ouviu a batida surda da comporta que se fechava. Em algum lugar do supercouraçado começou a vibração e as turbinas de propulsão roncaram...

Era a música de fundo para uma vitória amarga, que Perry Rhodan mal estava iniciando. Sabia que tudo aquilo fora apenas o começo.

Quem sabe os pos-bis jamais seriam totalmente derrotados?

 

                                                                                            Clark Darlton

 

                      

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