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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O Exército dos Fantasmas / Clark Darlton
O Exército dos Fantasmas / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O Exército dos Fantasmas

 

Rhodan parte para o abismo, à procura de informações sobre os pos-bis e os laurins... Mas defronta-se com um perigo ainda mais terrível!

Estamos no ano 2.114 do calendário terrano. Para o homem do planeta Terra, menos de século e meio se passou desde o momento em que o primeiro foguete de propulsão química pousou na Lua, fato que representou o prelúdio da verdadeira Astronáutica.

Apesar desse lapso de tempo incrivelmente curto, se medido pelos padrões cósmicos, o Império Solar, criado e dirigido por Perry Rhodan, já conseguiu transformar-se numa das vigas mestras do poder galáctico.

A maior parte dos povos da Via Láctea já sabe que é preferível ter os terranos por amigos a tê-los por inimigos. Depois dos saltadores e dos médicos galácticos, os aras, os habitantes do Sistema Azul, conhecidos como acônidas, também compreenderam isso, motivo por que desde o dia 10 de setembro de 2.113 existe uma aliança entre os terranos, os arcônidas e os acônidas.

Esta aliança, conhecida como aliança galáctica, não repousa sobre uma base sólida. Para os acônidas, os arcônidas são seres inferiores. E, no Sistema Azul, também não se simpatiza com os terranos. O envio dos Agentes da Destruição constitui prova inequívoca disso...

Conclui-se que a situação política da Via Láctea não pode ser considerada tranqüila muito embora os terranos já tenham conseguido desvendar parcialmente o mistério que cerca os pos-bis e os laurins.

Mas há muita coisa por esclarecer... E Perry Rhodan ficou perguntando a si mesmo se a eliminação da programação de ódio, que obrigava os pos-bis a atacar com uma fúria cega todas as formas de vida orgânica, realmente produzira os efeitos desejados,

Perry Rhodan e seus companheiros foram pedir conselhos ao Ser energético de Peregrino e... vivem uma das mais estranhas aventuras jamais experimentadas por um humano: Os homens defrontam-se com O Exército dos Fantasmas.

 

                                              

 

Foi só a distância relativamente grande do Sol que levou os astrônomos de outros tempos à suposição de ser Plutão um planeta muito escuro. Na verdade tratava-se de um mundo coberto por um branco total, isto é por camadas de neve. Sua atmosfera era congelada, atingindo vários metros de espessura. Tinha apenas cerca de metade do tamanho da Terra e talvez fosse o lugar mais solitário de todo o sistema solar. Essas condições ainda prevaleciam no mês de abril do ano 2.114.

Plutão era o bastião exterior do Império Terrano. Em muitos pontos, as construções abobadadas da base, em cujo interior eram abrigados os homens da guarnição e as instalações técnicas, lembravam as edificações existentes na Lua. Também neste satélite o frio e a ausência da atmosfera eram inimigos permanentes do homem, mas ao menos se via, de lá, a Terra não muito distante, com seus continentes e mares, e até sua atmosfera. Já do solitário Plutão, a Terra não passava de um minúsculo ponto luminoso nos telescópios, mesmo que as condições fossem favoráveis. O Sol que era uma grande estrela, a maior de todas, podendo ser vista a olho nu, mal conseguia iluminar Plutão.

Naturalmente a solidão dos homens que se encontravam no pequeno planeta já não podia ser entendida em sentido tão literal como o era há pouco menos de cento e cinqüenta anos. Atualmente as naves dotadas de propulsores lineares percorriam os quatro bilhões de quilômetros em poucas horas. Lá fora, no espaço sem estrelas, venciam muitos anos-luz no mesmo espaço de tempo. O sistema solar a que pertencia Plutão era apenas um entre muitos, e a Via Láctea encolhia constantemente. Haveria de chegar o dia em que também ela devesse se tornar muito pequena para o homem.

Em Plutão, um ano equivalia a quase duzentos e quarenta e oito anos terranos.

Ninguém pensava nisso. Adotavam-se os padrões terranos de tempo, e o dia tinha suas vinte e quatro horas, mesmo que não se pudesse distingui-lo da noite. Para sobreviver, o homem trouxera seus hábitos de vida, e o tempo era um deles. Uma civilização distinta surgira nas gigantescas instalações subterrâneas. Essa civilização não dependia de abastecimentos diretos vindos de fora e era independente sob todos os pontos de vista. A base de Plutão era importante para o Império Solar; talvez chegasse mesmo a ser vital. O planeta circulava em torno do sol a uma distância tão grande, que um eventual atacante dificilmente notaria sua presença. Provavelmente só a perceberia quando já pudesse ser surpreendido com um ataque pelas costas.

Outra função importante de Plutão era a desempenhada por seus postos de observação. No planeta exterior havia aparelhos de rastreamento que permitiam a medição exata e o registro dos saltos de transição realizados por espaçonaves estranhas. Havia outros postos desse tipo no sistema solar, mas o de Plutão era considerado o maior. Além disso o planeta branco possuía o maior porto espacial abobadado construído pelos terranos.

Toda a área do porto, que se estendia por muitas dezenas de quilômetros quadrados, era coberta por um campo energético transparente. Era uma verdadeira estufa, mesmo que os raios acalentadores do Sol estivessem ausentes. Os reatores atômicos faziam com que, no interior da abóbada, o homem pudesse andar à vontade, sem usar o traje protetor aquecido. A neve derretera, pondo à vista a rocha nua.

Vários cruzadores pesados e algumas unidades ligeiras da frota sempre ficavam de prontidão no porto espacial, prontas para decolar numa questão de segundos, romper as eclusas de ar elásticas da abóbada e precipitar-se sobre um eventual inimigo.

Era raro que um visitante importante descesse na base de Plutão. Os homens que por lá trabalhavam cumpriam seu dever, ansiavam pelas férias a serem passadas na Terra e, quanto ao mais, deleitavam-se com as numerosas delícias oferecidas no centro de recreação. Mas há alguns dias um estranho nervosismo e uma forte tensão reinava em todos os escalões de serviço, inclusive entre os superiores.

Perry Rhodan, o administrador, encontrava-se em Plutão com uma grande equipe e esperava a chegada de sua nave capitânia. Ninguém sabia onde estava a Teodorico naquele momento, mas dizia-se que estava sendo submetida a uma extensa revisão. Também não se sabia por que Rhodan escolhera justamente o planeta Plutão para esperar pela mesma.

O Almirante Marco Rabelli, comandante de Plutão, também não sabia. Cometera o erro de formular uma pergunta sobre isso justamente a Reginald Bell, o representante de Rhodan. A resposta fora dada em termos tais que Rabelli não pôde dar qualquer informação concreta quando seus oficiais solicitaram certos dados.

— Não faço a menor idéia — disse em tom contrariado, quando o Coronel Frank, chefe das estações de rádio, lhe perguntou sem rebuços o que Rhodan viera fazer em Plutão. — Não nos contam nada. Uma coisa é certa: Rhodan está esperando pela Teodorico. Mas por que resolveu fazê-lo em Plutão? E por que está esperando por tanto tempo? Bem, não nos cabe descobrir as intenções de Rhodan. Ele nos dirá quais são os planos, caso julgue que deve fazê-lo. Até lá só lhe posso recomendar que refreie a curiosidade, meu caro coronel. É... bem, é o que estou fazendo.

Estavam parados na orla do porto espacial. As luzes fulgurantes superavam a luminosidade das estrelas e espantavam a noite eterna. Fazia calor. Quem se encontrasse ali, quase chegava a esquecer que estava em Plutão.

— De qualquer maneira, temos de admitir que é uma coisa estranha — insistiu o coronel. — Fica-se pensando sobre isso...

— Um momento — interrompeu Rabelli, levantando o braço. O minúsculo receptor que tinha o formato de um relógio de pulso continuava a zumbir. — O que houve?

A voz saída do aparelho era baixa, mas perfeitamente compreensível.

— É a estação de rádio, sir. Um couraçado da classe Império pede permissão para pousar.

O porto espacial era pequeno, motivo por que não poderia abrigar qualquer número de naves. Nele só podiam pousar as unidades que se encontrassem numa situação de emergência ou que obtivessem uma permissão especial.

— Qual foi o motivo que indicaram? — perguntou Rabelli, em tom mordaz. A observação de Frank não concorrera para melhorar seu estado de ânimo. — Além disso preciso conhecer o nome da nave.

— O comandante é o Comodoro Jefe Claudrin, sir. Diz que o nome da nave é...

— É a Teodorico — interrompeu Rabelli, surpreso. — Quem não conhece esse Claudrin? Pode dar a permissão para pousar. Faça o favor de andar depressa.

O Coronel Frank abanou a cabeça.

— Por que ficou tão nervoso? O radioperador não tem culpa de nada. Apenas está cumprindo seu dever.

Rabelli afastou o argumento.

— Ele já deveria saber que a Teodorico é a única nave da frota que não precisa de licença especial para pousar, nem aqui, nem em qualquer outro lugar. Claudrin a solicitou por cortesia, mas qualquer operador de rádio de Plutão está autorizado a concedê-la sem consultar seu superior. É bom que saiba disso, coronel.

— Não demoraremos a saber muito mais, almirante. O chefe logo terá de mostrar as cartas. Não me admirarei se entrar na Teodorico ainda hoje para deixar-nos.

— Se isso acontecer, ainda não saberemos para onde terá ido — observou Rabelli, em tom deprimido. — Temos o direito de...

O minúsculo aparelho de rádio que trazia no braço voltou a emitir um zumbido.

— O que houve?

— Aqui é o setor de coordenação geral, sir. Pedem que o senhor se apresente imediatamente ao administrador. Haverá uma reunião em que será examinada a situação.

— Já vou! — berrou Rabelli em voz tão alta, que o Coronel Frank estremeceu. — Então, coronel? O que foi que eu lhe disse? O chefe terá de mostrar as cartas.

— Quem disse isso fui eu! — contestou Frank, em tom modesto.

O Almirante Rabelli estava tão nervoso que preferiu não dar atenção a detalhes insignificantes como este. Despediu-se de Frank com um aceno de cabeça e saiu, muito garboso. Era um oficial competente mas, como se costumava dizer por ali, já estava um tanto “plutonizado.”

 

Era um recinto semicircular. Os assentos estavam dispostos em arco amplo à frente da parede reta, formada por uma lâmina leitosa. Essa lâmina mostrava a base de Plutão em tamanho reduzido, mas ainda perfeitamente reconhecível. A abóbada energética que cobria o porto espacial era quase invisível. Embaixo dela viam-se as unidades da frota que estavam preparadas para decolar.

Perry Rhodan apoiou-se na mesa e inclinou ligeiramente o corpo, a fim de fitar melhor os olhos dos presentes.

— Sim, já sei — disse, refutando a objeção formulada por um dos mutantes. — Os cientistas sempre costumam apresentar todos os argumentos possíveis, a fim de que nenhum erro, por menor que seja, possa insinuar-se em seus cálculos. Isso resulta da natureza das coisas e... dos cientistas.

Esperou que a hilaridade dos ouvintes cessasse e prosseguiu:

— É justamente essa qualidade dos cientistas que tanto prezamos, e à qual muitas vezes devemos a vida. Desvendamos o mistério que cercava os pos-bis e sua origem, mas nem por isso o perigo foi afastado. Ainda não sabemos que efeito a destruição da chamada programação do ódio produzirá nos robôs. Se o plasma conseguir controlar completamente os pos-bis, nada temos a recear. Acontece, porém, que os seres desconhecidos do planeta Mecânica tinham uma predileção toda especial pelas surpresas. E nem sempre essas surpresas são agradáveis.

— E o mundo dos Duzentos Sóis...?

O homem de estatura baixa e cabelos ruivos cortados à escovinha que acabara de formular a pergunta era Reginald Bell. Levantou-se, e prosseguiu:

— Afinal, encontramos o mundo central e pusemos fora de ação a programação do ódio. O plasma é amistoso; quanto a isso não existe a menor dúvida. Veio da nebulosa de Andrômeda e...

— Isso não nos oferece a menor garantia de que sua disposição seja amistosa. — Interrompeu Rhodan em tom ligeiramente irônico, mas logo acrescentou com a voz séria: — Naturalmente devemos supor que Bell esteja com razão. De qualquer maneira não deixaremos de um dia, num futuro distante, fazer uma visita ao mundo de origem do plasma. Isso só acontecerá quando estivermos em condições de transpor o grande abismo que se abre entre as galáxias,

Reginald Bell sentou-se. Outro homem se levantou; era o robólogo Van Moders. Na verdade, não era apenas robólogo, mas também psicólogo, ou melhor, psicólogo de robôs.

— Recomendo encarecidamente que não se cometa o erro de superestimar as possibilidades do plasma. Admito que tenha dado causa à temível reação dúplice dos pos-bis, reação que era temível porque nunca sabíamos de que forma um robô desses reagiria à nossa presença. A programação do ódio desencadeava o ataque contra nós, enquanto o plasma transmitia uma contra-ordem. Quem fosse mais forte sairia vitorioso. Até aí, tudo bem. Mas como se explica que os robôs não procurem entrar em contato conosco, já que a programação do ódio não existe mais? Receio que haja um aspecto que ainda não percebemos.

— Ou um aspecto que o centro de plasma do mundo dos Duzentos Sóis deixou de perceber — respondeu Rhodan, em tom tranqüilo. — Só nos resta esperar. De qualquer forma, Moders, ainda me sinto grato porque o senhor nos sugeriu que fôssemos ao planeta dos barcônidas. Se nesta galáxia existe alguém que pode dar informações sobre o passado há muito esquecido, são os barcônidas que habitam um planeta viajante. Eles nos poderão fornecer os dados que procuramos tão ansiosamente, pois muito precisamos de tais informações. Devo confessar que, de início, não incluí os barcônidas em minhas cogitações sobre o assunto. Foi Moders quem me deu a idéia de ir a Bárcon.

Os cientistas terranos e arcônida acenaram com a cabeça, num gesto de aprovação. Acompanhariam a expedição. Não se admitira a presença de cientistas acônidas. Os antepassados dos arcônidas e habitantes do Sistema Azul haviam se afastado cada vez mais da aliança celebrada, e esse afastamento tornava-se mais patente à medida que diminuía o perigo representado pelos pos-bis e pelos laurins. Rhodan não via por que familiarizá-los com os novos planos e ações.

— O almirante acaba de chegar — piou uma voz aguda, vinda dos fundos da sala. — Seus pensamentos quase se atropelam de tão curioso que está para conhecer as informações que espera obter aqui. Se fosse comigo, eu o deixaria esperar um bocado.

Rhodan lançou os olhos na direção do ser que acabara de proferir estas palavras.

— O almirante merece todo o respeito, Gucky — disse numa voz que tinha certo tom recriminador. — E se Rabelli ficou curioso, não posso zangar-me por isso, pois ele não é telepata como você.

Gucky, o rato-castor, que estava sentado na última fileira de poltronas, entre Betty Toufry e Ishi Matsu, soltou uma risadinha maliciosa, mas preferiu não fazer nenhum comentário. Dali a alguns segundos, Rabelli entrou na sala.

Conhecia todas as pessoas que se encontravam em companhia de Rhodan. Com a maioria deles costumava vez por outra trocar algumas palavras, mas era a primeira vez que podia participar de uma importante reunião. O almirante anunciou sua presença e, de tão entusiasmado que se sentiu, não ouviu a observação que Gucky proferiu num murmúrio:

— Até parece que não o estamos vendo.

Rhodan apertou-lhe a mão.

— Nós o convidamos — disse em tom amável — porque achamos conveniente o senhor não continuar na incerteza. Faça o favor de sentar-se almirante.

O oficial continuou de pé.

— Desculpe-me, sir, mas quero trazer ao seu conhecimento que a Teodorico já obteve permissão de pouso. Deve chegar a Plutão de um momento para outro.

Os olhos de todos os presentes dirigiram-se quase automaticamente à tela embutida na parede, mas ainda não se via nenhum sinal da gigantesca espaçonave. Rhodan ergueu o sobretudo.

— Está chegando mais cedo do que poderíamos esperar. Excelente, almirante. Estava mesmo na hora de que eu o chamasse.

Esperou que Rabelli se acomodasse lentamente numa poltrona e cumprimentasse os vizinhos. Depois prosseguiu:

— Dificilmente um vôo ao planeta artificial Peregrino seria um acontecimento extraordinário a ponto de justificar os preparativos tomados. Mandei reformar e reequipar a Teodorico. O destino é o planeta Peregrino, mas provavelmente não é o destino final. Queremos saber qual é agora a reação dos pos-bis, mas para descobrir isso precisamos estabelecer contato com eles. Lá fora no abismo espacial não os encontraremos. Talvez tenhamos de procurá-los ao acaso, mas também é possível que o Ser invisível do planeta Peregrino nos forneça certas indicações. Já nos ajudou muitas vezes e, se não estou enganado, ainda nos deve alguma coisa. Nós o lembraremos. Aproveitaremos o vôo até Peregrino para que as mutantes Toufry e Matsu se submetam à ducha celular cujo prazo já está vencendo. Será este o motivo oficial de nossa viagem.

O Almirante Rabelli ouvira-o com toda atenção. Uma sombra de desapontamento passou pelo seu rosto. Então tratava-se de uma viagem para Peregrino? E daí? Esperava algo bem diferente. Será que isso justificava tanto drama e mistério?

Não imaginava o que os outros, em parte, já sabiam.

Rhodan prosseguiu.

— Atualmente a Teodorico é a única nave que pode arriscar um avanço significativo no intercosmo. Só a Teodorico tem condições para dirigir-se à nebulosa de Andrômeda, embora na minha opinião tal vôo ainda seja, por enquanto, muito perigoso. Nossos cientistas manifestaram certas dúvidas, e não pude deixar de reconhecê-las. Acontece que o vôo para Andrômeda nem está em nossos planos. O que se pretende é apenas um certo avanço em direção à nebulosa. Tudo depende do que conseguirmos em Peregrino.

— De que tipo são os problemas a que você acaba de aludir? — perguntou Bell. — Na minha opinião uma nave equipada com propulsores lineares, que pode alcançar praticamente um milhão de vezes a velocidade da luz, deveria ser capaz de percorrer sem risco qualquer distância. Portanto, quais seriam as dificuldades?

— Mais uma vez você pretende provar sua sabedoria por meio de perguntas inteligentes — observou Rhodan, em tom compreensivo. — Tenho certeza de que você sabe perfeitamente quais são os problemas. Mas está bem. Talvez o doutor Keller queira ter a gentileza de nos fornecer uma ligeira explicação.

Mal estas palavras acabaram de ser pronunciadas, um homem baixo e muito magro, de cabelos escuros, levantou-se na segunda fileira e foi até onde estava Rhodan. Keller era um excelente especialista, e fora colega do Dr. Kalup, que desenvolvera o sistema de propulsão linear.

— As dificuldades são de vários tipos — disse, fitando Bell. — Teoricamente uma nave como a Teodorico poderia vencer qualquer distância, mas uma solicitação ininterrupta provocaria fenômenos ainda desconhecidos de fadiga do material. Aí está um perigo. Outro perigo resulta do fato de que o espaço intergaláctico não é tão vazio como sempre se supunha. Não me refiro a alguns planetas sem luz ou a uns poucos sistemas solares que vagam por lá, mas às linhas energéticas. Nos últimos anos tornou-se cada vez mais evidente que nossa Via Láctea e a nebulosa de Andrômeda estão ligadas as estranhos campos magnéticos. A expressão não é bem esta, mas resolvi usá-la à falta de outra.

“Trata-se de campos energéticos cuja natureza ainda não foi esclarecida. Os efeitos que produzem sobre os sistemas de propulsão e os organismos também são desconhecidos. Já houve naves nossas que permaneceram na periferia desses campos energéticos e não sofreram danos, mas nem por isso devemos agir levianamente.

“Portanto o vôo para a nebulosa de Andrômeda, além de prematuro, seria extremamente perigoso. A solicitação seria elevada demais e os propulsores não têm capacidade de suportá-la. Segundo cálculos por nós realizados, nem os pos-bis seriam capazes de atingir Andrômeda. Não é só a distância de quase um milhão e meio de anos-luz que nos separa da galáxia mais próxima. São antes os campos e espirais energéticas e os fluxos magnéticos desconhecidos. No entanto, não existe nenhuma objeção contra um avanço limitado no abismo.”

Rhodan agradeceu. Keller voltou a sentar-se.

— Como viram, uma expedição à nebulosa de Andrômeda de forma alguma seria um simples passeio. Receio que ainda tenhamos de esperar muitos anos antes que possamos arriscá-lo. Mas isso não nos deve impedir de realizar desde logo certos avanços, sempre que isso nos pareça necessário. É este o motivo do vôo que temos pela frente. E é também este o motivo por que resolvemos adotar os preparativos já conhecidos.

“A posição do planeta Peregrino é conhecida, pois foi calculada por nossos cérebros positrônicos. Os compartimentos de carga da Teodorico estão cheios de peças sobressalentes de todos os tipos. Poderemos fazer várias substituições de quase todos os conjuntos importantes. A bordo da Teodorico estão duas instalações de hiper-rádio, as armas energéticas mais modernas, desintegradores destinados à remoção de eventuais obstáculos no espaço, provisões para vários anos. Além de tudo isso, estarão também a bordo a tripulação normal e as equipes especializadas. Acho que poderemos decolar amanhã.

O rosto do Almirante Rabelli ainda exprimia certa decepção. Provavelmente contara com revelações mais sensacionais que um simples vôo de Rhodan ao planeta artificial Peregrino. Rhodan notou sua decepção. Sorriu. Mais uma vez Gucky tivera razão.

— Há outro detalhe, que interessa especialmente à base de Plutão — disse. — O comando supremo da Terra já foi informado e as respectivas instruções ainda serão distribuídas. Atlan, o imperador de Árcon, exercerá o comando das frotas unidas até minha volta. Achamos que essa medida é necessária, já que devemos contar a qualquer momento com um novo ataque dos laurins. É bem verdade que, desde a descoberta dos óculos antiflex, esses seres perderam seu aspecto mais apavorante: a invisibilidade. Porém não devemos subestimá-los. Não é preciso temer que haja nova infiltração através do transmissor de Marte, pois este já foi desativado. Por isso, a partir deste momento, Plutão ficará em estado de rigorosíssima prontidão. Devemos esperar que os laurins tentem penetrar às escondidas em nosso sistema solar. A base de Plutão e as naves de patrulhamento, que por aqui operam, receberão reforços. Os laurins conhecem a posição da Terra — fez um sinal para Rabelli. — É só, almirante. A responsabilidade pela Terra pesa sobre seus ombros. Sei que podemos confiar no senhor.

Quando o almirante esteve a ponto de responder, Gucky gritou:

— A Teodorico está pousando neste instante.

Olharam para a tela. Uma figura gigantesca aproximava-se do porto espacial, vinda das profundezas do espaço, onde milhares de estrelas estavam paradas, derramando sua luz fria. Era redonda e apresentava uma grande protuberância na zona equatorial. Eram os propulsores. A Teodorico tinha mil e quinhentos metros de diâmetro. Até mesmo com a reduzida gravitação de Plutão, seu peso seria suficiente para afundar a superfície de rocha primitiva. Por isso tornava-se necessário que o veículo espacial mantivesse os campos gravitacionais constantemente ligados, enquanto repousava sobre as colunas telescópicas de apoio.

A Teodorico atravessou a gigantesca eclusa de ar e desceu sobre o campo espacial. Tocou o solo e as colunas de apoio equilibraram a nave.

— Iniciaremos nosso vôo dentro de vinte horas — disse Rhodan e depois dirigiu-se ao Almirante Rabelli. — Faça o favor de providenciar para que seus oficiais superiores compareçam a uma reunião daqui a exatamente duas horas. Atlan ainda falará com o senhor, em ligação direta, para fornecer algumas instruções. Também estarei presente. Fico muito grato aos senhores e, evidentemente, também às senhoras — acrescentou com um sorriso e fez uma mesura em direção às duas mutantes.

Gucky, que estava sentado entre elas, empertigou o corpo e retribuiu a mesura, muito compenetrado. E, cabe ressaltar, Gucky era sob todos os aspectos o extremo oposto de uma senhora...

 

O propulsor linear, recebido há tempo dos druufs e aperfeiçoado pelo Dr. Kalup, era uma coisa tão formidável que ninguém conseguia escapar ao fascínio exercido pelo aparelho. Durante os saltos de transição que anteriormente costumavam ser executados, os ocupantes das espaçonaves ficavam praticamente cegos. Desmaterializavam-se juntamente com a nave e, uma vez percorrido o trecho desejado, materializavam-se no ponto de destino. Ainda havia a dor provocada pela distorção, que por certo não concorria para tornar mais agradáveis as longas viagens.

No vôo linear, esses inconvenientes não existiam. Via-se o destino e voava-se em direção ao mesmo, ultrapassando milhões de vezes a velocidade da luz, sem sofrer qualquer deformação causada pelo tempo. O campo de absorção kalupiano mantinha a nave numa espécie de semi-espaço denominado zona de libração, onde as leis do tempo permaneciam intactas. Com o espaço anulado, distâncias inconcebíveis eram percorridas num tempo muito curto.

Muitas vezes Rhodan acreditara que o propulsor linear era o non plus ultra de todos os sistemas de propulsão espacial, mas agora começou a imaginar que o método mais perfeito de vencer o tempo e o espaço ainda não fora inventado. O salto para a galáxia vizinha continuava a representar um risco que preferia não assumir. Ao menos por enquanto...

Numa questão de segundos, Plutão mergulhou nas profundezas do espaço, quando a Teodorico deixou para trás o sistema solar. Não se sentiu nada da tremenda compressão produzida pela aceleração, pois os campos antigravitacionais a neutralizaram. A nave prosseguia em velocidade cada vez maior, até que as estrelas pareciam arrastar-se lentamente a seu lado, deixando patente que até mesmo a luz tão apressada se transformara em algo rastejante.

Segundo os cálculos do grande cérebro positrônico, o planeta Peregrino ficava quase exatamente na direção do grupo estelar M-13. Era uma posição muito favorável, pois, de qualquer maneira, Rhodan pretendia entrar em contato com Atlan antes de abandonar a Via Láctea, a fim de certificar-se de que a frota que operava na zona periférica estava preparada para entrar em ação.

Para surpresa geral, desta vez não houve maiores problemas. O planeta Peregrino foi encontrado por assim dizer na primeira tentativa.

O planeta artificial percorria pela Via Láctea, uma órbita complicada em cujo centro situava-se aproximadamente a Terra. Talvez fosse acaso, mas Rhodan não acreditava muito nisso. As perguntas a este respeito, dirigidas ao Imortal, ficaram sem resposta. O ser atemporal, pura energia, limitara-se a soltar uma estrondosa gargalhada e depois se envolvera no silêncio. Rhodan estava curioso para saber qual seria a forma sob a qual Aquilo se apresentaria desta vez. Apareceria como uma esfera sem peso? Ou assumiria mais uma vez o aspecto de Gucky? Fora um dos espetáculos mais engraçados, quando de repente Gucky aparecera em duplicata e começara a brigar consigo mesmo. Aquilo tinha excelente senso de humor, embora fosse um senso de humor um tanto petulante...

Peregrino ficava oculto num campo temporal, e por isso era invisível ao olho humano, mas os aparelhos de rastreamento indicavam claramente que lá adiante um grande objeto flutuava no vazio infinito. A Teodorico desligou seus propulsores e ficou imobilizada em relação à Via Láctea. A faixa branca da Galáxia enchia todo o campo de visão. Por aqui as estrelas eram mais numerosas do que no sistema solar do qual a Terra fazia parte. Ciente de que, face à necessidade da aplicação da ducha celular nas duas mutantes, não se dirigia em vão ao planeta Peregrino, Rhodan deu ordem ao comandante para se aproximar lentamente do planeta invisível.

Aquilo ainda não dera sinal de vida.

Durante as visitas ao planeta Peregrino, sempre surgiam surpresas. Às vezes Rhodan tinha a impressão de que o Ser imortal sentia tédio em meio à solidão. Mas, por outro lado, sabia que Ele dominava o tempo. Como poderia sentir tédio nestas condições?

Além de Jefe Claudrin e Rhodan, Van Moders, Bell e alguns oficiais se encontravam na sala de comando. Como de costume, Gucky estava sentado no sofá colocado num canto, no qual Betty Toufry e Ishi Matsu também se haviam acomodado, para aguardar os acontecimentos.

O Imortal não dava sinal de vida. Rhodan aproximava-se cada vez mais do planeta Peregrino. A qualquer momento deveriam atingir e romper o campo temporal. Naturalmente isso só se tornava possível se a barreira fosse desativada por algum tempo, mas não se podia ter certeza absoluta de que isso acontecesse.

Em determinado momento a gente ainda se encontrava no Universo, e no momento seguinte flutuava sobre a lâmina plana do planeta artificial iluminado por um sol também artificial, que só se tornava visível no interior do campo temporal!... Era incrível tal acontecimento!

— Distância: dez quilômetros — leu Claudrin. Sua voz, geralmente retumbante, parecia abafada. — Vamos descer mais?

— Continue a descer, como se quiséssemos pousar. Peregrino deve tornar-se visível de um instante para outro. Se o Imortal quisesse, já teria estabelecido contato conosco. Dificilmente se poderia admitir que, de repente, um ser situado fora do tempo não tivesse mais tempo para nós. Aliás, o conceito fora do tempo é um paradoxo. Ninguém tem “mais tempo” que o ser atemporal.

Bell colocou-se ao lado de Jefe Claudrin. Fitava intensamente a tela frontal, na qual não se via coisa alguma, com exceção das estrelas distantes. Abanou a cabeça.

— Se não fosse a indicação dos instrumentos, consideraria louca qualquer pessoa que afirmasse que, bem abaixo de nós, existe um sol e um planeta. Até se nota a cintilância das estrelas...

— São reflexos — disse Rhodan. — Olhe! O Imortal levantou a barreira.

O quadro mudou de um instante para outro!

A escuridão do cosmos foi substituída por uma claridade ofuscante. Situado em posição lateral em relação à Teodorico, o fulgurante sol atômico fornecia luz e calor ao mundo artificial. Embaixo deles, ondeava a conhecida paisagem fantástica de Peregrino. Rhodan suspeitava de que o planeta sempre se apresentava com a aparência que o paraíso perdido devia ter na imaginação de cada visitante do Imortal. Ao que parecia, este lhe dava a configuração que correspondesse aos seus desejos, e deleitava-se com isso. Isso não o impedia de introduzir constantemente novas surpresas no quadro, com as quais se divertia a valer.

Mas não foi o que aconteceu desta vez.

A Teodorico foi passando lentamente sobre as extensas estepes e pradarias, cruzou o mar já conhecido cheio de belas ilhas e finalmente chegou ao lugar em que se encontravam as instalações da ducha celular.

Havia uma figura solitária na área livre em que Rhodan costumava pousar. Era perfeitamente visível e crescia rapidamente enquanto desciam. Fazia sinais em direção à nave.

Bell espantou-se.

— É Homunk, o servo do Imortal. Desta vez o comitê de recepção é muito pobre, caso esteja interessado em conhecer minha opinião.

— Ninguém está interessado — resmungou Gucky, que se achava visivelmente aborrecido porque Betty deixara de acariciar seu pêlo.

Rhodan fez um gesto afirmativo.

— É Homunk, o robô... ou seja lá o que for. Quanto a mim, estou satisfeito com o comitê de recepção, Bell. Afinal, você conhece os caprichos do Imortal. Ele seria bem capaz de enviar o exército de César ou um bando de canibais. Homunk pelo menos é nosso conhecido. Além disso é um robô que deve ser levado a sério.

O Comodoro Claudrin não disse absolutamente nada, pois concentrava-se exclusivamente nas manobras de pouso. A gigantesca esfera foi descendo, até que as colunas telescópicas de apoio tocassem o solo. A figura solitária do robô parou de acenar com os braços. Só agora Rhodan se deu conta de que um robô que acenasse amavelmente com os braços tornava-se uma figura bem estranha...

Dali a dez minutos desceu da comporta principal à superfície de Peregrino, juntamente com Bell, Van Moders e as duas mutantes. Os campos antigravitacionais os sustentavam na descida. Homunk continuava no mesmo lugar, à frente das misteriosas instalações do Imortal. Permaneceu imóvel enquanto aguardava os visitantes.

Era estranho que desta vez não fossem recebidos com as costumeiras brincadeiras esquisitas. Será que o Imortal perdera o senso de humor? Ou será que simplesmente não estava com vontade de brincar?

Rhodan caminhava à frente dos outros. As duas mulheres e os dois homens seguiram-no a pequena distância.

Homunk já os estava esperando. Era um robô de aspecto humano, que usava um uniforme de várias cores. Seu rosto parecia indiferente. Os braços pendiam molemente junto ao corpo. Quando Rhodan chegou perto dele, pôs-se a falar num tom suave.

— Seja bem-vindo em Peregrino, Perry Rhodan — disse. — Vejo que trouxe duas pessoas para receberem a ducha celular.

— Sim. Trouxe duas mulheres — respondeu Rhodan. Não se sentia nem um pouco surpreso porque Homunk sabia. — Muito obrigado pela saudação, Homunk. Infelizmente não tivemos possibilidade de anunciar nossa chegada, pois não conseguimos entrar em contato com seu senhor.

Estas palavras encerravam uma pergunta oculta, e Homunk logo respondeu à mesma.

— Meu senhor não se encontra em Peregrino, Perry Rhodan.

Desta vez Rhodan surpreendeu-se. Lançou um olhar rápido para Bell, que já se aproximara. Van Moders contemplava com uma expressão de curiosidade as gigantescas instalações da ducha celular. Parecia perguntar a si mesmo quem as teria montado. Quando experimentasse na própria carne uma amostra das magias do Imortal, deixaria de formular, mesmo mentalmente, esse tipo de indagação.

Betty e Ishi ficaram à espera, silenciosas, num ponto mais afastado, Estavam um pouco pálidas, embora não fosse a primeira vez que recebiam a ducha celular.

— Não está aqui? — perguntou Rhodan, embora soubesse perfeitamente que seria inútil perguntar a Homunk onde estava o Imortal, se o Ser não desejasse dar sinal de sua presença. — Bem, depois falaremos a este respeito. Será que você pode providenciar para que as duas mulheres recebam a ducha celular?

— É por isso que estou aqui — disse Homunk.

Dirigiu-se às mutantes, fez uma mesura impecável e disse em tom cortês:

— Posso pedir às senhoras que me acompanhem? Está tudo preparado — voltou a dirigir-se a Rhodan. — Demorará algumas horas, como das outras vezes. Não há nenhuma objeção a que andem um pouco por ai.

Caminhou com as pernas um pouco duras em direção aos pavilhões próximos, levando Betty e Ishi, e dali a alguns segundos desapareceu na grande construção abobadada.

Bell fitou-os com os olhos semi-cerrados.

— É estranho — disse em tom hesitante.

Rhodan fitou-o com uma expressão indagadora.

— O que há de estranho?

— Na verdade, acho que tudo é estranho, Perry. Homunk diz que o Imortal não está aqui. Onde poderia estar? Será que foi viajar? Isso é pouco provável, não acha? Sempre acreditei que pudesse estar em vários lugares ao mesmo tempo.

— Não existe nenhuma prova de que seja assim, Bell. Afinal, não sabemos nada sobre os assuntos ligados a Ele. Se Homunk nos diz que Aquilo não se encontra em Peregrino, só podemos acreditar em suas palavras.

Bell balançou a cabeça e, com a ponta do pé direito, enfiou uma pedra no solo macio.

— É possível que Homunk esteja mentindo, e o Imortal também. Não está com vontade de receber-nos; é isto. Nosso amigo é muito convencido, e além disso...

Nunca se ficou sabendo o que havia além disso. Exatamente no lugar em que estava Bell, a terra levantou-se numa onda, como num terremoto, sendo literalmente atirada a uma altura de um metro. A onda logo desapareceu. Tudo não demorou mais de meio segundo. Foi tão rápido que Bell se viu erguido um metro e de repente ficou no ar, sem nenhum apoio. A gravidade voltou a puxá-lo para baixo. Estabeleceu um contato um “tanto violento” com o solo, que felizmente nesse lugar não era muito duro.

Gucky materializou-se a seu lado e soltou uma risadinha alegre.

— Bem que eu imaginava que alguém ouviria suas palavras desrespeitosas. Essa é a paga, gorducho. Vamos, levante-se logo. De qualquer maneira já temos a prova de que Homunk mentiu. O Imortal nos observa — olhou em torno, mas não descobriu nada de extraordinário.

As colinas erguiam-se suavemente, estendendo-se até a praia do mar muito distante. O sol atômico fulgurante brilhava no céu. Não se via o menor movimento. Poder-se-ia acreditar que estivessem sós neste mundo.

— Onde será que ele se meteu? — perguntou Gucky, parecendo distraído.

— Quem lhe deu permissão para deixar a nave? — perguntou Rhodan. — Por que veio?

— Tive vontade de ver o rosto de Bell de perto — piou Gucky. — Desde quando o Imortal se manifesta sob a forma de terremoto?

— Suas formas de manifestação chegam aos milhares. — Constatou Rhodan e acrescentou: — Vamos para a nave. Mais tarde voltarei a falar com Homunk, embora ache que será inútil. A esta hora o Imortal já sabe perfeitamente o que queremos dele. Ao que parece, não simpatiza muito com nossos planos.

Dali a três horas, Betty Toufry e Ishi Matsu voltaram. Homunk acompanhou-as até a escotilha principal, fez uma mesura impecável e voltou ao conjunto de instalações. Para ele, o assunto parecia estar liquidado. Provavelmente esperava que a Teodorico decolasse e voltasse à Terra.

Rhodan esperou que as duas mutantes subissem a bordo e, dirigindo-se a Claudrin, disse:

— Voltarei a falar com Homunk, comodoro. Mande manter vigilância ininterrupta junto às telas e procure não me perder de vista. Só Gucky me acompanhará. Dessa forma terei comigo um telepata-teleportador que a qualquer momento poderá colocar-me em lugar seguro. Se o Imortal estiver disposto para brincadeiras, nós lhe provaremos que também possuímos senso de humor. Se criar uma situação de perigo, poderemos teleportar-nos a um lugar seguro. Nunca se sabe o que acontecerá em Peregrino.

Bell parecia preocupado.

— Talvez seja preferível que eu também vá e...

— Você ficará aqui. Um de nós tem de permanecer no comando.

Fez um aceno de cabeça em direção a Gucky. Este inflou o peito, fez continência com uma expressão de orgulho e, passando perto de Bell, saiu para o corredor. Rhodan seguiu-o.

Perry estava curioso para saber se Homunk esboçaria qualquer tipo de reação diante do ultimato que pretendia apresentar-lhe.

 

Homunk não reagira. Sentados na sala dos oficiais, ouviram o relato de Rhodan.

— O robô não se mostrou nem um pouco impressionado quando procurei explicar-lhe que não acreditava na ausência do Imortal. Homunk disse que apenas recebera ordem para providenciar a ducha celular e desejar-nos boa viagem de volta.

— Quer dizer que você não tem certeza de que o Imortal simplesmente mandou dizer que não estava? — perguntou Bell.

— Exatamente. Não posso atinar com o motivo que o levou a agir assim... Um momento! Talvez possa... Sempre devemos partir do pressuposto de que o Imortal conhece nossas intenções. Sabe perfeitamente que pretendemos ir a Bárcon; quanto a isso não tenho a menor dúvida. Para não recusar meu pedido, faz de conta que não está. Infelizmente traiu-se quando Bell o aborreceu. Quase diria que revelou um traço humano.

— E agora? O que vamos fazer? — perguntou Jefe Claudrin, em voz anormalmente baixa. Geralmente sua voz ribombava que nem uma trovoada. — Naturalmente podemos penetrar de qualquer maneira no abismo e sair à procura de Bárcon. Acontece que o senhor não conhece a posição exata, sir.

— Nem sequer disponho da menor pista, Claudrin — confessou Rhodan. — Não faço a menor idéia quanto ao lugar em que poderemos encontrar Bárcon. Só fiz duas visitas ao planeta solitário e sem sol situado nas profundezas do espaço, e das duas vezes viajei numa nave temporal do Imortal. Não sei dizer se Bárcon fica a dez mil ou a cem mil anos-luz da Via Láctea. Uma busca feita às cegas não terá a menor chance.

— Será que Homunk não poderia entrar em contato com o Imortal e submeter-lhe nosso pedido? — perguntou Van Moders.

— É claro que pode, mas não faz — respondeu Rhodan, em tom amargo. — Temos de ficar aqui e esperar; não existe alternativa. Ninguém sabe quanto tempo se passará lá fora, no Universo normal, mas podemos consolar-nos com a possibilidade de que aconteça exatamente o contrário do que receamos. Poderemos ficar presos por dez dias, quando na verdade só se passou um segundo. Nesse caso não perderemos nada.

E Jefe Claudrin não ocultou o espanto.

— Dez dias?

— São dez dias de tempo relativista — explicou Rhodan. — Tranqüilize-se. Não ficaremos aqui dez dias, mas no máximo três. Depois disso decolaremos com destino ao abismo e procuraremos fazer os pos-bis saírem de sua reserva. A seguir voltaremos para completar a missão.

Mas as preocupações não tinham razão de ser, pois no “dia” seguinte a figura solitária de Homunk apareceu no campo de pouso e levantou os olhos para eles. Imediatamente Claudrin informou Rhodan sobre a presença inesperada do robô e acrescentou que vira perfeitamente o homem artificial acenar com os braços.

Desta vez Rhodan não levou ninguém. Saiu da nave só e dirigiu-se ao lugar em que estava Homunk. Este o esperava com urna espantosa naturalidade e acenou com a cabeça a título de cumprimento.

— Veio para trazer uma boa notícia? — disse Rhodan, dando início à conversa.

— O senhor voltou, Perry Rhodan. Ele lhe concede uma breve entrevista; está disposto a ouvir seu pedido. Quer fazer o favor de acompanhar-me?

Rhodan sabia que aquilo não passava de uma farsa. Era claro que o Imortal sabia perfeitamente o que o terrano queria dele, mas o fato é que gostava de fazer seu drama. Formularia perguntas relativas a todas as minúcias, faria de conta que refletia cuidadosamente sobre as respostas já concebidas e finalmente lhe comunicaria sua decisão. Uma decisão que naquele momento já fora tomada!

Rhodan acompanhou Homunk até o interior da construção abobadada. Estava curioso para ver a forma sob a qual se apresentaria o Imortal. Já o vira como homem comum, luminosidade difusa e bola cintilante feita de pura energia.

O interior do gigantesco pavilhão ao qual Rhodan foi conduzido também se apresentava com aspecto diferente por ocasião de cada visita. O Imortal apreciava a variação, e a mesma não lhe parecia causar nenhum problema. Rhodan sabia que os objetos avistados não passavam de energia transformada em matéria segundo os desejos do ser incompreensível. Todo o planeta não era outra coisa.

Homunk passou indiferente junto às numerosas máquinas estranhas, cuja finalidade era desconhecida. Quando chegou ao fim do corredor, o robô seguiu para a esquerda e parou. Rhodan passou por ele e entrou na sala de recepção.

Ao contrário do que acontecera nas outras visitas, estava profusamente iluminada. Gigantescos lustres pendiam do teto. Eram do tipo usado nos palácios dos monarcas europeus de séculos passados. As paredes da sala eram formadas por gigantescos espelhos, nos quais Rhodan podia admirar sua figura multiplicada por cem. O assoalho era feito de parquete de primeira qualidade.

— Estou inclinado a dizer que é do século dezoito.

A voz do Imortal era tranqüila. Vinha não se sabia de onde. Ao que parecia, de todos os lados ao mesmo tempo. Era a telepatia aperfeiçoada ao máximo.

— Você calculou certo — respondeu Rhodan em voz alta e viu uma névoa branca à sua frente, que descia lentamente e parou a pouco mais de um metro acima do soalho. Executava movimentos ligeiros.

— Você pode perdoar o incomodo? É importante — pediu Perry

Ouviu-se uma risada alegre. O Imortal disse:

— Importante? O que vocês terranos não consideram importante? Mas está bem, já lhe perdoei. Diga o que deseja de mim. Homunk disse que você não quis ir embora, apesar da ducha celular ter sido aplicada prontamente em suas mutantes.

— Fico-lhe grato também por isso, mas tenho um pedido.

— Um pedido? Estou disposto a ouvi-lo, Perry Rhodan.

Rhodan ofereceu um breve relato da situação na Via Láctea, mencionou o perigo dos laurins e dos pos-bis e ressaltou que os mistérios que ainda restavam só poderiam ser desvendados por meio de uma resposta vinda do passado.

— Os barcônidas são os únicos que têm idade bastante para dar-nos esta resposta — disse ao concluir. — Seu planeta, chamado de Bárcon, faz parte de um passado há muito desaparecido, é um remanescente dos tempos em que surgiu o perigo que hoje nos ameaça. Os barcônidas poderão ajudar-nos. Por isso quero pedir-lhe que me conceda a terceira viagem ao planeta dos barcônidas. Será que você poderia mais uma vez colocar uma nave à minha disposição?

Por alguns segundos reinou o silêncio. Finalmente o Imortal, que desta vez assumira a forma de uma névoa branca e por isso era quase invisível, fez ouvir sua resposta.

— Uma viagem a Bárcon? Agora? Não, Rhodan, vejo-me obrigado a rejeitar o pedido. Não me peça explicações, porque não as darei. É verdade que surgiu um perigo, e você já resolveu metade do problema. O resto você saberá resolver sozinho, sem precisar de mim ou dos barcônidas.

— Será que eu teria vindo à sua presença se pensasse da mesma forma que você? Precisamos conhecer as origens, e isso não apenas por causa do perigo que nos ameaça. Além disso interesso-me pelo destino dos barcônidas. Há tempos eles me disseram que ainda me arrependeria por ter-lhes ajudado, e eu os ajudei porque você pediu. O que tinham em mente quando disseram que eu me arrependeria por ter-lhes ajudado?

— Eles não representam um verdadeiro perigo; apenas poderão afetar sua vaidade... Você dominará a Galáxia. Mas, quando os barcônidas entrarem em sua vida, você reconhecerá que é muito pequeno e... que a Galáxia também é. Não posso dizer mais nada.

Rhodan sabia que seria inútil tentar fazer o Imortal mudar de opinião, mas não desistiu.

— Preste atenção, amigo. Você tem boa memória, e por isso há de se lembrar que nem mesmo você é infalível, e por isso também pode entrar numa situação difícil. Na oportunidade em que você foi desviado para o plano temporal dos druufs, seu tempo praticamente havia chegado ao fim. Será que você se esqueceu que fomos nós, os terranos, que o salvaram, com risco da própria vida?

— Será que ainda não paguei a dívida resultante disso?

— Uma dívida como esta não tem preço.

— Quer dizer que você exige a viagem a Bárcon como recompensa pelo auxílio que me prestou naquela oportunidade?

— Não é o que você quer? De início pedi, mas agora vejo-me obrigado a exigir.

O Imortal levou dez segundos para responder.

— A exigência não me impressiona — disse. — Mas não quero que você fique zangado comigo. Gosto dos terranos, se bem que ainda existam coisas com as quais deviam acostumar-se. De qualquer maneira, não se regozije antes do tempo. Desta vez não posso fornecer-lhe uma nave temporal. É bom que você saiba que a utilização dos veículos deste tipo está sujeita a certas restrições. Um dia, num futuro não muito distante, realizarei outra viagem numa nave desse tipo e o levarei, mas não me pergunte hoje aonde nos levará a viagem. Só posso dizer-lhe que procuraremos um amigo. Um amigo que se perdeu na torrente do tempo.

— Quer dizer...?

— Fique quieto, Rhodan. Ainda é cedo para dizer outra coisa sobre este assunto. Mas voltemos aos barcônidas. Você quer encontrar o planeta viajante? Sabe qual é a distância que nos separa dele? É enorme!

— Quer que eu procure Bárcon sem conhecer sua posição?

— Não; não é o que eu quero. Amanhã lhe fornecerei a posição, mas não acredito que a mesma lhe sirva para muita coisa.

— Por que amanhã e não hoje?

— Isso também tem seus motivos, que não posso comunicar-lhe. Volte à sua nave e espere. Chamarei amanhã para fornecer-lhe a posição. Depois você mesmo terá de resolver se quer arriscar o vôo ou não. Esse vôo lhe trará certos perigos, terrano. São perigos que você ainda não conhece e, em comparação aos mesmos, o perigo representado pelos pos-bis e pelos laurins é uma brincadeira. É um perigo que para você ainda não é iminente, mas se você correr ao seu encontro logo o será. Depende exclusivamente de você.

— Um perigo? Um novo perigo?

Não houve resposta. A névoa subiu rapidamente ao teto e desapareceu.

Perry Rhodan estava só de novo. Homunk o esperava junto à porta.

“Ainda não alcancei meu objetivo,” pensou. “Mas já consegui uma promessa.”

Estava absorto em reflexões quando regressou à Teodorico, onde já o esperavam com impaciência. A informação de que o Imortal não pretendia colocar à sua disposição uma nave temporal provocou uma decepção generalizada, mas Rhodan logo acalmou os companheiros.

— Não se preocupem, amigos. Amanhã o Imortal nos fornecerá as coordenadas exatas de Bárcon. Iremos para lá com a Teodorico. Graças ao campo de absorção, não temos por que recear qualquer deslocamento temporal, motivo por que podemos perfeitamente dispensar a nave temporal. O que importa é que não precisaremos procurar o planeta.

— Se é assim, por que todo esse nervosismo? — disse Bell. — Se ele nos fornecer a posição, estará tudo resolvido. É só o que queremos.

— Receio que você não esteja avaliando corretamente a situação — Rhodan parecia cético. — É de recear que Bárcon fique muito longe de nossa Galáxia. Fica na direção da nebulosa de Andrômeda. Quanto a isso não existe a menor dúvida. Mesmo que conheçamos sua posição, nem todas as dificuldades terão sido superadas. Acho que temos pela frente alguns dias bem cansativos, talvez mesmo algumas semanas.

Por enquanto ninguém imaginava que a previsão de Perry Rhodan era totalmente correta.

Seguiu-se uma noite calma, mas nem todas as pessoas que se encontravam a bordo da Teodorico dormiram bem. Alguns se jogavam de um lado para outro e procuravam imaginar o que seria o tal “abismo.” Há cento e cinqüenta anos a velocidade da luz ainda representava ura problema, e o vôo para Júpiter era apenas uma teoria louca. Mas o sistema solar acabou por ser transposto e a Galáxia foi explorada.

Agora o homem se via diante do abismo. Mais de um milhão de anos-luz separavam-no de seus vizinhos cósmicos, os habitantes desconhecidos da nebulosa de Andrômeda. Em algum lugar entre as duas galáxias, ficava Bárcon — o planeta estranho e misterioso, que a Via Láctea perdera há tempos imemoriais. Nele existia uma raça que já era muito desenvolvida quando os terranos e os arcônidas ainda poliam seus machados de pedra.

No dia seguinte, pelas dez horas, tempo terrano, Rhodan mandou que a Teodorico fosse preparada para a decolagem. Procedeu assim na certeza de que o Imortal não demoraria a chamar. Prometera a posição; logo, não deixaria de fornecê-la. Ninguém poderia duvidar de sua palavra.

No momento em que Bell estava entrando na sala de comando, onde Rhodan já havia chegado há meia hora e naquele momento dirigia os preparativos da decolagem, uma voz potente e inumana ribombou de repente através da nave. Era perfeitamente perceptível em todos os compartimentos da Teodorico, e todos compreenderam as palavras do Imortal:

— Perry Rhodan, trago-lhe a posição. Você me ouve?

— Nossos gravadores estão funcionando, pode falar.

Claudrin supervisionava o dispositivo de entrada do computador de navegação, que armazenaria os complicados dados relativos às coordenadas espaciais e posteriormente as interpretaria. O aparelho estava funcionando.

O Imortal voltou a falar, mas desta vez sua voz só foi ouvida na sala dos oficiais. Por dois minutos, o recinto encheu-se de cifras e letras que, enquanto não fossem devidamente interpretadas, nada significavam. Ninguém disse uma palavra. Gucky materializou-se sem ruído e dirigiu-se cautelosamente ao seu sofá. Seus olhos, que pareciam ser tão empreendedores, fitavam o mundo com uma expressão um tanto melancólica.

Quando a transmissão dos dados relativos à posição foi concluída, o Imortal disse:

— Perry Rhodan, desde logo quero revelar-lhe um pouco daquilo que ainda está oculto no futuro. Com base nos dados de posição, você não solucionará apenas um dos numerosos mistérios do passado, mas também descobrirá um perigo que já os ameaça hoje. Se os terranos conseguirem chegar ao destino, e não é certo que consigam chegar, saberão muito mais sobre os mistérios do Universo e sobre os perigos que os ameaçam. Ainda quero adiantar outro detalhe, antes que seus computadores o tenham apurado. A posição fornecida corresponde a um ponto situado entre a Via Láctea e a nebulosa de Andrômeda, e esse ponto fica exatamente a trezentos e trinta mil anos-luz dos limites de nossa galáxia.

Rhodan não fez o menor movimento, mas todos viram que de repente ficou muito pálido. Mas suas voz quase parecia zombeteira quando formulou a pergunta:

— E daí?

A resposta foi uma estrondosa gargalhada, que ressoou em todos os corredores e salas de máquinas da Teodorico. Era uma gargalhada irônica e superior, que parecia ricochetear nas paredes da nave.

De repente passou a reinar o silêncio.

Até parecia que a eternidade estava respirando profundamente antes de desferir o próximo golpe.

Mas não houve nenhum golpe.

Rhodan esquivou-se aos olhares indagadores dos homens, e não olhou diretamente para Jefe Claudrin quando transmitiu suas instruções com a voz fria:

— A Teodorico está preparada para a decolagem, comodoro. Meia aceleração em direção ao grupo estelar M-13. Passar diretamente por Árcon a velocidade inferior à da luz. Interpretar os dados fornecidos pelo Imortal e apresentá-los ao computador de navegação. Espero receber em breve a confirmação de que minhas ordens foram cumpridas — dirigiu-se a Bell. — Você ainda se lembra do dia em que, há exatamente cento e quarenta e três anos, decolamos na velha Stardust? Éramos os primeiros seres humanos que se dirigiam à Lua. Foi uma sensação parecida.

Bell acenou com a cabeça. Era um gesto um tanto forçado.

Realmente, a situação fora semelhante, mas não havia como comparar as condições.

Naquela oportunidade tiveram de vencer 380 mil quilômetros, e hoje era um número quase igual de anos-luz!

 

A Teodorico atravessou um dos braços da espiral da Via Láctea, passou pelo grupo estelar M-13 e correu velozmente em direção aos limites da Galáxia. Ainda não desenvolvia a velocidade máxima, mas apesar disso Jefe Claudrin fazia a nave voltar a intervalos regulares ao espaço normal, a fim de evitar uma solicitação excessiva do material.

Quando se encontrava apenas a alguns anos-luz de Árcon, Rhodan estabeleceu contato de hiper-rádio com Atlan. O imperador confirmou a utilização do maior contingente de naves que a Via Láctea jamais havia visto. Em formação, as unidades ficaram estacionadas na beira do grande abismo que separa as galáxias. Estavam prontas para receber o inimigo, pouco importando quem fosse ele.

Rhodan agradeceu por Atlan lhe ter desejado boa sorte e garantiu que na Terra estava sendo feito o possível para desvendar o segredo dos dois canhões de raios conversores tirados dos pos-bis. Quando se encontrassem de posse dessa arma, que era a mais terrível de todas, os dois impérios — o arcônida e o solar — seriam tão fortes que qualquer ataque contra os mesmos equivaleria ao suicídio. Rhodan ainda confirmou que já fora iniciada a produção em série dos óculos antiflex, que dentro em breve poderiam ser fornecidos a Árcon em grandes quantidades.

Depois disso a Teodorico voltou a acelerar e não demorou a abandonar a Via Láctea. Lá fora, bem ao longe, nas profundezas do abismo, havia um pontinho minúsculo, que só perdia sua natureza abstrata nos dados e indicações armazenados nos cérebros positrônicos. Era um pontinho que vagava lentamente, e na verdade era um planeta. Pretendiam chegar a esse pontinho, sãos e salvos.

A grande aventura teve início.

A Teodorico acelerou até atingir a velocidade máxima, mas só permanecia em vôo linear durante meia hora de cada vez. Depois disso retornava ao espaço normal, onde se deslocava à velocidade da luz. Nas telas da popa, a Via Láctea começou, visivelmente a encolher. Os dados relativos à velocidade e à distância percorrida eram calculados por aparelhos automáticos que os armazenavam, mas a simples idéia desses dados daria lugar a reflexões fantásticas.

Além de outros cientistas, o Dr. Bernd Keller e o robólogo Moders estavam reunidos na sala dos oficiais. Haviam dormido um pouco e tomado um lanche. Agora estavam participando da conversa. A maior parte dos presentes nunca havia participado de um vôo pelo abismo.

— Quer dizer que o senhor também é de opinião que a missão é bastante arriscada, major? — perguntou um dos físicos mais jovens, dirigindo-se ao Major Slide Narco, engenheiro-chefe da Teodorico. — O senhor deve saber, pois este não é seu primeiro vôo fora da Via Láctea.

O pequeno homem nascido em Marte fez um gesto vago.

— Qualquer viagem espacial envolve riscos, mesmo que só se estenda por alguns anos-luz. É bem verdade que, à medida que aumenta a distância, maiores serão os riscos. Mas desta vez teremos de percorrer mais de meio milhão de anos-luz, se quisermos chegar ao destino e regressar à Via Láctea. Será um recorde.

— Qual é nossa velocidade, major? — perguntou Van Moders.

— Isso é um dado relativo, doutor — respondeu Narco com um sorriso. — O senhor já teve ter notado que só permanecemos meia hora de cada vez na zona de libração. Dentro da Via Láctea voamos, por uma questão de segurança, a um milhão de vezes a velocidade da luz, o que significa que praticamente percorremos dois anos-luz por minuto. Não será difícil calcular que, neste vôo, essa velocidade não é suficiente. Incluídas as pausas, levaríamos semanas para chegar ao destino. Por isso desenvolvemos dez milhões de vezes a velocidade da luz.

Van Moders fez mentalmente alguns cálculos.

— Neste caso levamos três segundos para percorrer um ano-luz. É uma loucura! Se a Teodorico agüentasse prosseguir ininterruptamente nessa velocidade, não demoraríamos a chegar à nebulosa de Andrômeda.

Narco deu uma risada.

— Seria conveniente conferir seus cálculos, caro colega. A distância da nebulosa de Andrômeda é de um milhão e quinhentos mil anos-luz. À velocidade de um ano-luz a cada três segundos, isso corresponderia a quatro milhões e quinhentos mil segundos, isto é, aproximadamente setenta e quatro mil minutos ou cinqüenta e um dias. E isso mesmo se voássemos ininterruptamente a essa velocidade. Incluídas as pausas, a viagem demoraria mais de cem dias.

Van Moders fitou Narco com uma expressão tensa.

— Não venha me dizer que desenvolvemos uma velocidade superior a dez milhões de vezes a da luz.

— Teoricamente percorremos, nos trinta minutos durante os quais a nave desenvolve a velocidade máxima, aproximadamente três mil anos-luz. Isso significa que a velocidade é cinqüenta milhões de vezes superior à da luz. As pausas são mais prolongadas que os períodos de vôo a velocidade superior à da luz. Suponhamos que completamos dez períodos de vôo por dia. Isso corresponderia a trinta mil anos-luz por dia.

— Quer dizer que levaremos onze dias para chegar ao destino! — exclamou Van Moders, profundamente impressionado. — E, quando chegarmos lá, só teremos percorrido a quinta parte da distância que nos separa da nebulosa.

— Conclui-se que deve ser possível alcançar Andrômeda, ao menos teoricamente — observou Bernd Keller, em tom apressado. — Se usássemos o método descrito pelo senhor, levaríamos dois meses.

— Teoricamente seria assim — disse o Major Narco. — Infelizmente não conhece-nos a magnitude da solicitação a que fica exposto o material. Fatalmente surgirão manifestações de fadiga do mesmo, que são imprevisíveis. Apesar disso — levantou a voz, fazendo com que os outros aguçassem o ouvido — um dia arriscaremos.

Por alguns instantes, o silêncio reinou na sala dos oficiais. Finalmente Narco levantou-se.

— Tenho alguma coisa a fazer na cúpula de observação. Se alguém estiver interessado em apreciar a vista, poderá ir comigo. Dentro de alguns minutos a nave irá deslocar-se à velocidade da luz.

Keller e Van Moders acompanharam o major, pois não queriam perder os acontecimentos. Alguns dos cientistas também foram com eles.

A cúpula era uma saliência de paredes transparentes, aplicada no envoltório esférico da Teodorico. Permitia ampla visão lateral.

Tinha-se a impressão de flutuar livremente no espaço.

Do lado de fora havia uma estranha luz crepuscular. No setor espacial que ficava no sentido do deslocamento da nave, o caráter crepuscular da luz não era tão pronunciado, motivo por que a visão era desimpedida. Via-se uma aparição luminosa alongada, que brilhava numa forte luminosidade branca. Era a nebulosa de Andrômeda. Perto dela dançavam minúsculos pontos luminosos, que na verdade ficavam a milhões ou bilhões de anos-luz. Eram galáxias distantes. O círculo de visibilidade não era muito grande; parecia abranger apenas alguns metros.

— É claro que, quando nos encontramos no semi-espaço, a visão é bastante limitada — explicou Narco. — Mas sempre se vê o ponto de destino. E, como por coincidência Bárcon fica exatamente na direção de Andrômeda, sempre vemos a nebulosa.

— Ainda bem — disse alguém, em tom de alívio. — Os antigos hipersaltos devem ter sido uma coisa horrível.

— O sistema de propulsão linear tem suas vantagens — confessou Narco prontamente.

De repente disse apressadamente e em tom exaltado:

— Vejam! Lá na frente, no sentido do deslocamento da nave. Estamos voltando ao espaço normal. É a pausa.

O círculo de visibilidade aumentou rapidamente, inclusive na região da popa. A faixa da Via Láctea cresceu, até que toda a Galáxia aparecesse no campo de visão. Enchia a maior parte do céu, na região que ficava para trás. No abismo propriamente dito, a nebulosa de Andrômeda continuou a ser o único objeto de maiores dimensões, pois as outras galáxias, ainda mais distantes, continuavam a ser simples pontos luminosos.

— Não se vê muito mais que antes — disse Van Moders, em tom de decepção. — O nome abismo é bem adequado.

— Realmente é um abismo sem fundo — confirmou Narco, tranqüilo. — Sua profundidade é praticamente indeterminável, pois Andrômeda não passa de uma ilha relativamente insignificante, tal qual nossa Via Láctea, embora seu diâmetro chegue a setenta mil anos-luz.

— É inconcebível, verdadeiramente inconcebível! — exclamou alguém.

— Quando tivermos deixado para trás mais dois períodos de vôo, poderemos ver nossa Galáxia de uma só vez — prometeu Narco, que fora encarregado por Rhodan de fornecer todas as explicações aos novatos e tranqüilizá-los se a visão inconcebível fosse demais para eles. — Ela encolherá cada vez mais.

— Que sensação estranha! — exclamou Keller.

Por alguns segundos fitou o terrível nada e prosseguiu em voz mais baixa:

— Apesar de tudo, é uma coisa formidável. Este vazio absoluto, esta grandeza, este Universo... Mas, o mais formidável é que o homem tenha conseguido libertar-se dos grilhões que o prendiam à Terra.

Imóveis, aqueles homens contemplaram a eternidade.

 

Rhodan despertou, lavou o rosto e dirigiu-se apressadamente à sala de comando, onde o imediato da nave, Coronel Reg Thomas, estava transferindo o comando a Jefe Claudrin, que também descansara algumas horas.

— Os controles de máquinas acabam de ser completados, sir. Não se notaram manifestações de fadiga dos materiais, nem danos de qualquer espécie. Até aqui o vôo correu segundo os planos.

— Obrigado, Thomas. Vá dormir. Bem que o senhor merece um descanso. Se precisar do senhor, mandarei chamá-lo.

Reg Thomas, um homem louro com uma cicatriz profunda do lado esquerdo da face, fez continência e retirou-se. Rhodan fez referências elogiosas a seu respeito.

— É um oficial muito competente, Claudrin. Pode-se confiar nele.

— Sem dúvida, sir — confirmou o comodoro e enfiou seu corpo gigantesco na poltrona feita especialmente para ele.

Claudrin era um ser adaptado ao ambiente, e seu mundo natal tinha mais que o dobro da gravitação da Terra. Depois de breve pausa, continuou:

— Não posso imaginar que possa haver um imediato melhor que ele — controlou os dados registrados pelos instrumentos. — Bem, já percorremos um trecho apreciável. É de admirar que ainda não nos tenhamos encontrado com nenhum pos-bi.

— O senhor está subestimando o vazio do espaço, comodoro. Só mesmo por um estranho acaso poderíamos encontrar-nos com uma nave fragmentária — fitou os instrumentos. — Qual é a velocidade?

— Nos períodos que já passaram desenvolvemos velocidade equivalente a cinqüenta milhões de vezes a da luz. Se fizermos pausas regulares, poderemos chegar a oitenta milhões.

— Vamos ficar nos cinqüenta milhões; é quanto basta.

— O acréscimo de risco seria insignificante.

— De qualquer maneira, o risco já é suficiente, não acha? Afinal, estamos operando na terra nova, nome que se pode dar ao abismo — sorriu. — Além disso já sabemos que este abismo não é tão vazio como nossos cientistas acreditavam. Bem, por enquanto não nos encontramos com ninguém.

Claudrin olhou em torno para encontrar um pedaço de maneira no qual pudesse bater para espantar o azar, mas tudo era feito de metal ou plástico. Resignado, usou a própria cabeça para dar vazão ao seu instinto primitivo.

— Não espalhe isso por aí! — advertiu em tom sério. — O que não aconteceu ainda pode acontecer.

Rhodan deu uma risada.

— É o senhor que está espalhando, comodoro — disse. Olhou para as numerosas telas e controles. O oficial navegador afastou os mapas, nos quais fizera certos registros, e levantou a cabeça. Havia uma expressão de perplexidade em seu rosto. Rhodan percebeu.

— O que houve, tenente? Parece que está preocupado.

— O Coronel Thomas pediu-me que registrasse no mapa tudo que observasse. Não pude realizar pessoalmente qualquer tipo de observação ótica, mas os instrumentos fizeram-no por mim, sir. Nas últimas horas passamos por vários corpos escuros. Thomas acredita tratar-se de planetas dos pos-bis, que estes furtaram da Via Láctea. Todos esses corpos afastam-se da Galáxia a velocidade reduzida, em direção a Andrômeda.

Rhodan acenou com a cabeça.

— Era o que esperávamos, tenente. Não há motivo para ficar nervoso. Em sua maioria, estes planetas não têm vida. E não se revestem de nenhum interesse para nós.

O tenente franziu a testa.

— Não é só isso, sir. Os medidores de energia constataram a existência de campos de força muito potentes, cujas dimensões atingem muitos anos-luz. Estão funcionando. Giram em torno de núcleos desconhecidos e por certo exercem certa influência sobre a rota de nossa nave.

— Também esperávamos isto, tenente — respondeu Rhodan, sem que sua voz tivesse a menor tonalidade irônica. — Como sabe, depois de cada período de vôo verificamos a rota da Teodorico e, se for o caso, fazemos a correção da mesma. Por isso os campos de força também não assumem interesse para nós. Em outra oportunidade nos ocuparemos com eles.

Depois de uma ligeira pausa perguntou:

— Observou mais alguma coisa, tenente?

— Não, sir.

Rhodan ficou satisfeito. Até então não houvera nenhum incidente, e o vôo correra segundo se esperara. Se os propulsores agüentassem não poderia acontecer muita coisa. E quanto a Bárcon... bem, depois se veria.

De repente Rhodan teve a impressão de que ouvia novamente a gargalhada homérica com a qual o Imortal o presenteara quando lhe desejara boa viagem. Houvera um pouco de malícia nessa gargalhada; até parecia que o Imortal não acreditara que Rhodan jamais chegasse ao destino.

— Tolice! — disse Rhodan em voz alta e logo se defrontou com o olhar espantado de Jefe Claudrin.

Perry, porém, ficou um tanto embaraçado e acrescentou a título de explicação:

— Acabo de pensar numa coisa. Não ligue, Claudrin. Acho que já está na hora de apagarmos certas lembranças. Devemos confiar em nós mesmos e na boa Teodorico.

— É o que estou fazendo, sir — respondeu Claudrin, em tom convicto.

Dali a duas horas voltaram a penetrar no campo de absorção e no semi-espaço, onde percorreriam, em trinta minutos, mais de três mil anos-luz. Rhodan dera ordem para que os períodos de descanso fossem reduzidos, porque não queria perder muito tempo.

 

As horas enfileiraram-se, formando dias, e os dias formaram uma semana.

Até então não houvera necessidade de trocar uma única peça. As máquinas estavam agüentando surpreendentemente bem. Rhodan mandou que durante dois períodos de vôo a nave desenvolvesse oitenta milhões de vezes a velocidade da luz, e, durante um minuto, cem milhões de vezes. Era o máximo absoluto de que a nave era capaz, se bem que sob o ponto de vista teórico houvesse possibilidade de voar ainda mais rapidamente.

Dali a três dias aproximavam-se da posição indicada pelo Imortal. Em algum lugar, à sua frente, o planeta solitário Bárcon percorria sua órbita em meio à escuridão eterna. Em seu interior viviam os barcônidas, que aguardavam o momento do regresso à Via Láctea. Quanto tempo ainda teriam de esperar, mesmo que seu planeta desenvolvesse um terço da velocidade da luz? Haveria alguma raça que pudesse existir por tanto tempo?

Rhodan não esperava nenhuma surpresa. Se Bárcon estivesse em perigo, o Imortal o teria informado. Provavelmente até o teria levado pessoalmente ao planeta. O Imortal, tinha uma simpatia inexplicável pelos barcônidas. Protegia-os e velava por eles.

“É estranho”, pensou Rhodan e admirou-se de que não tivesse tido a idéia antes. “É estranho que desta vez Aquilo tenha demonstrado tão pouco interesse em facilitar meu encontro com Bárcon...”

De outro lado, isso constituía uma prova de que por lá tudo estava em ordem. Os laurins nem pensariam em voltar a atacar Bárcon.

Teve-se a cautela de colocar em estado de prontidão os mutantes que se encontravam a bordo, mas isso representava um ato de rotina. Além disso Rhodan mandou guarnecer os canhões. Mais um período de vôo, e Bárcon apareceria nos aparelhos de rastreamento.

A pausa foi passando lentamente. A Teodorico atravessava o espaço à velocidade da luz. Mais uma vez alguns cientistas e vários oficiais estavam reunidos na cúpula de observação.

Nos últimos onze dias, o quadro se modificara bastante.

A Via Láctea transformara-se numa gigantesca lentilha, cujo diâmetro atingia pelo menos quinze graus. Emitia uma luminosidade branca, na qual já não se distinguiam as diversas estrelas. O centro lembrava uma porção de aço liquefeito, de tão densamente que pareciam comprimir-se as estrelas.

Na direção oposta, Andrômeda crescera. Ocupava quase dois graus, tendo o dobro do tamanho da Lua terrana e quase a mesma luminosidade. Os outros pontinhos luminosos que completavam o quadro eram galáxias independentes. Talvez fossem maiores que a Via Láctea, mas ficavam a uma distância infinita. Sua luz já estivera a caminho quando em nosso planeta os primeiros seres aquáticos procuraram pôr o pé em terra firme!...

Rhodan, ao imaginar como seriam as coisas naquele tempo, assustou-se. A concepção geral, segundo a qual o Universo se expandia, ainda era aceita, já que ninguém conseguira provar o contrário. Nos limites do Universo devia haver galáxias que se afastavam do centro hipotético à velocidade da luz, motivo por que permaneceriam invisíveis ao olho humano para todo o sempre.

Rhodan lembrou-se das informações que lhe haviam sido fornecidas por Ellert. O “teletemporário” que, atirado para o infinito em direção ao passado, acompanhara o início da formação do Universo. Sua experiência provava que os cientistas não estavam enganados. O Universo realmente se dilatava. Mas, para imaginar a situação existente há um ou dois bilhões de anos, não haveria outra alternativa senão acompanhar a evolução em sentido inverso. Devia-se imaginar um universo em contração... uma contração que durava dois bilhões de anos. Desta forma se chegaria forçosamente à situação existente naquele tempo.

“Naquela época”, concluiu mentalmente Rhodan, “a nebulosa de Andrômeda não ficava tão longe de nossa galáxia como hoje. A distância entre as duas galáxias era bem menor. Mas qual seria a distância?”

Rhodan não deu atenção às observações cochichadas pelos cientistas, que conversavam em tom abafado. Viu diante dos olhos de sua mente uma série infinita de números e dados.

A velocidade radial das estrelas e galáxias! Quanto maior é a distância que separa determinada estrela da Terra, mais rapidamente ela se afasta da mesma. Quanto mais longe fica uma galáxia da outra, mais vertiginosa se torna sua fuga para o infinito. Havia uma relação de proporcionalidade. O grupo de Hidra, que ficava a mais de dois bilhões e meio de anos-luz da Via Láctea, dela se afastava à velocidade de sessenta mil quilômetros por segundo. Dessa forma a nebulosa de Andrômeda, que distava apenas um milhão e meio de anos-luz da Terra, não percorreria mais de quarenta quilômetros por segundo, o que sempre representava cento e vinte e seis milhões de quilômetros por ano. Ou um ano-luz em setenta e cinco anos. A cada século que passava a nebulosa de Andrômeda afastava-se mais de um ano-luz.

Rhodan não se deteve nesta consideração. Começou a fazer cálculos regressivos.

Há setenta e cinco milhões de anos Andrômeda distava apenas quinhentos mil anos-luz da Via Láctea.

Há exatamente cem milhões de anos o abismo que separa as duas galáxias media apenas duzentos e cinqüenta mil anos-luz.

A velocidade radial não se mantinha constante. Era perfeitamente possível que a de Andrômeda tivesse crescido no curso do tempo. De qualquer maneira, era de se supor que há um bilhão de anos a nebulosa vizinha encontrava-se muito próxima à Via Láctea. Então o abismo só media uns poucos milhares de anos-luz, talvez menos.

Rhodan teve uma idéia fantástica, mas não se atreveu a levá-la às últimas conseqüências. Se tivesse vivido há um bilhão de anos e dispusesse dos recursos técnicos da atualidade, o propulsor linear lhe teria permitido chegar a Andrômeda em menos de uma hora!

Os acônidas dispunham de uma tecnologia que lhes permitia criar uma espécie de campo temporal, por meio do qual se podia reconstituir o passado.

Se o sistema de propulsão linear fosse combinado com o campo temporal dos acônidas...

Um zumbido arrancou Rhodan dos seus devaneios. Era a sala de comando!

Respondeu ao chamado. Os cientistas interromperam a discussão.

— Rhodan.

— Aqui fala o comodoro, sir. Dentro de cinco minutos daremos início ao último período de vôo, que nos fará transpor a distância de três mil anos-luz. Pelos nossos cálculos o destino que nos foi indicado deve ficar lá.

Bem, não havia nada de extraordinário nisso. Mesmo naquele tempo ainda era bastante difícil localizar um planeta a uma distância de trinta mil anos-luz.

— Está bem, Claudrin. Irei à sala de comando. Coloque todos os tripulantes em estado de prontidão.

Rhodan interrompeu a ligação. Os cientistas e oficiais de folga, que se encontravam na sala de observação, fitaram-no com uma expressão de expectativa.

— Daqui a meia hora saberemos mais coisas — disse Rhodan, e retirou-se.

 

Depois do centésimo terceiro período de vôo, a Teodorico entrou no espaço normal sem qualquer espécie de transição visível ou perceptível ao tato.

Os nervos de todos os tripulantes quase estavam estourando, pois sabiam quanta coisa dependia das horas ou dos minutos que se seguiriam. Talvez até dos segundos.

Os chefes estavam reunidos na sala de comando.

Perry Rhodan quase não tirava os olhos do homem que controlava os aparelhos de rastreamento. Esperava uma reação. Se Bárcon estivesse num círculo de até cinqüenta anos-luz, o planeta seria encontrado imediatamente. Caso contrário demorariam um pouco a localizá-lo.

— Quem sabe — observou Bell em tom contrariado, depois que cinco minutos se haviam passado sem que surgisse qualquer resultado — se Bárcon não aumentou de velocidade, e o Imortal não sabe disso.

— Ele sabe tudo — piou Gucky, que como de costume estava sentado no sofá. — Gostaria que vocês me dissessem uma coisa que Ele não sabe.

— É verdade — disse Rhodan, sem olhar para Gucky ou Bell. — Tenho certeza de que a posição que nos foi fornecida é correta, e de que encontraremos Bárcon neste setor do abismo.

Jefe Claudrin não tirava os olhos dos controles.

— Talvez seja outra coisa... — disse com a voz evasiva.

Todos fitaram-no com uma expressão de espanto. Rhodan virou lentamente a cabeça e perguntou em tom de perplexidade:

— O que quer dizer com isso, comodoro?

Claudrin esquivou-se.

— Ora, não é nada.

— A resposta não é satisfatória — disse Rhodan. — O que o levou a supor que o Imortal não nos tenha fornecido a posição de Bárcon, mas de outra coisa?

— Tenho uma sensação estranha... — principiou Claudrin.

Bell que estava bem a seu lado, interrompeu com uma estrondosa gargalhada.

— Ele tem sensações! — exclamou, alegre. — Este comodoro que parece um armário tem sensações.

— Não acho nem um pouco de graça — disse Claudrin, ofendido, e fitou Rhodan como quem pede ajuda. — Não gostei da risada sarcástica que ouvimos quando saímos de Peregrino. Na oportunidade tive a impressão de que o Imortal se permitiu mais uma das suas brincadeiras.

— Vamos aguardar com calma — pediu Rhodan, tranqüilo. — Nossos instrumentos ainda não rastrearam tudo. Algumas horas poderão passar antes que descubramos qualquer coisa. Só poderemos começar a fazer suposições quando tivermos certeza de que nos encontramos no vazio total. O que teria a ganhar o Imortal se nos enviasse praticamente a um deserto?... Nada. Quer dizer que a suposição que acaba de ser formulada não tem lógica. O Imortal não faz nada sem ter um motivo.

Claudrin esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas voltou a fechar a boca. Parecia estar cansado de ver Bell divertir-se à sua custa.

Rhodan foi para junto dos aparelhos de rastreamento. O oficial que dirigia o setor viu-o chegar e disse:

— Não encontramos nenhum objeto de grandes dimensões, sir. O espaço está praticamente vazio. Constatamos a presença de partículas de pó, mas seu número é tão reduzido que se pode contá-las. A busca prossegue.

Rhodan acenou com a cabeça, mas não respondeu. Sabia que uma busca na terceira dimensão costuma ser bastante prolongada. Os raios de rastreamento e localização da quinta dimensão percorriam num tempo zero uma distância de cinco mil anos-luz, sendo refletidos, também num tempo zero, pelo obstáculo que encontrassem pela frente. Dessa forma a Teodorico poderia, sem sair do lugar, pesquisar uma esfera espacial de dez mil anos-luz de diâmetro, o que afinal correspondia a quinhentos milhões de anos-luz cúbicos. Era um número respeitável.

— Ainda não encontrou nada? — disse Bell em meio ao silêncio, que só era interrompido pelo zumbido e pelo tiquetaquear dos instrumentos. — Minhas pernas quase estão entrando na barriga de tanto ficar de pé e...

— Ora, suas pernas cabem muito bem na barriga — disse Gucky, indiferente, sem sair do sofá.

Bell fltou-o com uma expressão furiosa.

Detestava as alusões à sua figura um tanto corpulenta.

— Não só as minhas cabem nela; você também cabe — ameaçou. — Mesmo que tenha que devorá-lo inteirinho.

— Você bem que seria capaz disso — respondeu Gucky, em tom destemido. — Contam-se coisas espantosas a respeito de seu incrível apetite.

Bell esteve a ponto de responder, quando Rhodan subitamente pôs fim à discussão.

— Silêncio! Deixem para devorar-se depois — disse.

O oficial dos aparelhos de rastreamento levou um susto.

Numa das telas surgira um minúsculo ponto luminoso que, depois de o raio de rastreamento ter passado por ele, apagou-se. O raio foi levado cautelosamente de volta e... o pontinho reapareceu!

Rhodan respirou profundamente.

— Apure os dados — ordenou, impaciente.

O computador de bordo forneceu os dados e o oficial os leu:

— Distância: um mil e dois vírgula sete anos-luz.

Seguiu-se uma ligeira pausa. Depois o oficial prosseguiu:

— O objeto tem oitocentos e cinqüenta quilômetros de diâmetro.

Rhodan inclinou-se para frente.

— Faça o favor de repetir.

— Diâmetro: oitocentos e cinqüenta quilômetros, sir.

— Não existe a possibilidade de engano?

— Não, sir.

Rhodan voltou a reclinar-se. Por um instante parecia não apenas surpreso, mas perplexo. Olhou para Claudrin.

— Parece que suas suposições se confirmaram, comodoro. Oitocentos e cinqüenta quilômetros... nunca pode ser Bárcon! Hum... — voltou a dirigir-se ao oficial que trabalhava com os aparelhos de rastreamento. — Quais são os outros dados? A massa, a composição?

— A composição é de caráter meteórico. Há metais pesados, mas...

— Mas o quê?

— É estranho! — o oficial do rastreamento abanou a cabeça, como se não pudesse compreender as indicações dos instrumentos. — Ouça isto, sir. Dois vírgula três milhões de toneladas!

— É bem pesado! — constatou Bell e aproximou-se. — Quanto a isso não tenho a menor dúvida.

— Pesado? — Rhodan sacudiu a cabeça. — Não acho. Um objeto desse diâmetro formado principalmente por ferro-níquel deveria pesar pelo menos uns quarenta ou cinqüenta milhões de toneladas. Há algo de errado.

— Quer dizer que se trata de um objeto grande, formado de elementos pesados, cujo peso é pequeno demais — resumiu o Coronel Reg Thomas, fitando os companheiros com uma expressão de perplexidade. — Será que existe uma explicação razoável para isso?

— Existir, existe — respondeu Rhodan, com um sorriso enigmático. — Acontece que não dou muito valor às suposições. Claudrin, se não chegamos a Bárcon, acabamos de encontrar outra coisa. Siga em direção ao planetóide. Pelo tamanho deve ser um astro desse tipo. Gostaria de saber o que veio fazer no vazio absoluto.

Ninguém fez qualquer comentário. Até mesmo Bell manteve-se em silêncio, o que era sinal evidente de que se sentia abalado. Claudrin pediu que o oficial de rastreamento lhe fornecesse as coordenadas exatas do planetóide. A seguir, introduziu os dados no computador-navegador e transferiu-os ao sistema de pilotagem automática da Teodorico. Dali a dez minutos pôde anunciar:

— As coordenadas já foram processadas, sir. Poderemos chegar ao destino em cinqüenta minutos, desenvolvendo dez milhões de vezes a velocidade da luz.

— Pois vamos esperar mais um pouco — decidiu Rhodan. — Temos de respeitar os períodos de descanso. Quais são os resultados dos ensaios com o material, Major Narco?

— Não constatamos nenhum sinal de desgaste, sir — respondeu o engenheiro-chefe. — É espantoso, mas o fato é que os propulsores trabalham com a perfeição de uma máquina recém-saída do estaleiro.

— De qualquer maneira esperaremos.

Durante duas longas horas só conseguiram uma aproximação insignificante do ponto de destino. Rastejavam à velocidade da luz, e nessas condições levariam mais de mil anos para atingir o destino. Naqueles instantes havia alguns homens a bordo da Teodorico, que de repente compreendiam como era formidável a experiência pela qual estavam passando. A naturalidade com que até então haviam aceito a viagem transformou-se em espanto e veneração.

Afinal, a diferença entre mil anos e cinqüenta minutos era bem patente.

 

A Teodorico retornou ao espaço normal e procurou orientar-se. O planetóide ficava apenas a alguns minutos-luz de distância. Tornou-se visível nas telas do equipamento de rastreamento energético, enquanto a nave se deslocava em sua direção, desacelerando lentamente. Dali a meia hora, a Teodorico adaptou sua velocidade à do astro que se deslocava em direção à Via Láctea. Os dois corpos permaneceram aparentemente imóveis no espaço vazio.

Os homens da sala de comando fitavam as telas com uma expressão de enlevo. Os curiosos comprimiam-se na cúpula de observação, a fim de obterem uma visão preliminar do estranho mundo que haviam encontrado no abismo.

O formato do planetóide não era perfeitamente esférico; era irregular. A superfície parecia muito escura e mal se destacava do plano de fundo.

Os holofotes da Teodorico acenderam-se e mergulharam o mundo desconhecido numa luz fulgurante. A nave foi passando lentamente a pequena distância da superfície.

Não havia a menor dúvida de que não se tratava de uma figura artificial; era um corpo natural. O planetóide seria grande demais para ser artificial. A olho nu não se via o menor vestígio de vida. A superfície era formada por rocha nua e apresentava picos pontudos e desfiladeiros pequenos e estreitos, não muito profundos. Os instrumentos forneciam outros detalhes.

O planetóide não possuía atmosfera e sua massa de forma alguma correspondia ao tamanho. Era muito reduzida. Os elementos existentes na superfície seriam os mesmos encontrados na Via Láctea.

Os mutantes estavam reunidos na cúpula de observação. Tal qual os outros, não queriam perder a visão daquele mundo estranho e pequeno. Desta vez John Marshall, o chefe do Exército de Mutantes, não estava com eles. Encontrava-se em companhia de Rhodan, na sala de comando. Gucky mantinha contato telepático ininterrupto com ele, para que uma eventual entrada em ação não dependesse de uma mensagem transmitida pelo sistema de intercomunicação da nave.

— Você está ouvindo, Gucky?

O rato-castor captou a voz mental de Marshall e respondeu:

— Não ouço, mas entendo. O que houve?

— Gostaríamos de saber se vocês estão percebendo qualquer tipo de impulso. O planetóide parece morto, mas temos nossas dúvidas.

Gucky parecia surpreso.

— Dúvidas? Por quê? Até um cego vê que nessa bola de pedra não há nada. Por aqui ninguém captou impulsos mentais, se é que isso o tranqüiliza. Será que você captou?

— Não. Obrigado, Gucky. De qualquer maneira, continuem atentos. Nossas dúvidas não vieram do nada.

— De onde vieram? — perguntou Gucky, mas não obteve resposta.

Caminhou para junto de Betty Toufry, que era telepata como ele, e indagou:

— O que será que Marshall quer dizer com isso?

Betty, que acompanhara a palestra silenciosa, estava perfeitamente informada.

— Não faço idéia, pequeno. De qualquer maneira recebemos uma ordem; vamos cumpri-la. Quanto a mim, devo confessar que por enquanto não captei um único impulso. E não sei de onde poderia vir o mesmo — apontou para a paisagem monótona, inanimada e desolada do planetóide. — Será que poderia vir de lá?

Mesmo em tempos anteriores o planetóide nunca possuíra atmosfera. Sua massa e sua gravitação eram tão reduzidas que não poderiam reter uma camada de ar por mais de alguns segundos. Mas isso não era uma prova cabal da ausência de qualquer tipo de vida. Certas formas de vida não dependiam de qualquer atmosfera. Acontecia que na superfície não havia a menor indicação a este respeito. Se Rhodan esperava encontrar uma base dos pos-bis, então sofreria uma decepção amarga, pois não se via o menor sinal de construções.

Normalmente se teriam contentado em dar uma volta ligeira em torno do planetóide e deixá-lo seguir seu caminho, mas no caso havia dois motivos que desaconselhavam esse procedimento.

Primeiro, havia o fato espantoso de o planetóide se encontrar praticamente no lugar de Bárcon, pois ficava exatamente no ponto indicado pelo Imortal. As coordenadas eram estas. Concluía-se que Aquilo tinha conhecimento da existência desse astro situado em pleno abismo e lhe atribuía uma importância toda especial.

O segundo motivo fora fornecido pelos instrumentos da Teodorico. A massa e a gravitação do planetóide não se harmonizavam com suas dimensões reais e sua composição.

E assim não seria de admirar que, depois de ter dado duas voltas em torno do planetóide sem alcançar o menor resultado, Rhodan ordenasse ao Comodoro Jefe Claudrin que pousasse.

Com isso deu início à aventura mais estranha e perigosa jamais vivida por humanos...

 

O solavanco que a Teodorico sofreu ao pousar foi quase imperceptível. A gigantesca espaçonave tocou levemente o solo e ficou presa imediatamente às âncoras gravitacionais, já que a gravitação do planetóide era tão reduzida que o mais leve abalo poderia causar sérios perigos.

Parado na sala de comando, Rhodan observava as telas que mostravam nitidamente as áreas adjacentes à Teodorico. Não havia muita coisa que pudesse ser vista.

— Caso esteja interessado na minha opinião, eu lhe digo que é um mundo morto — cochichou Bell, sem que se soubesse por que falava tão baixo. — Você espera encontrar aqui alguma indicação sobre o paradeiro dos barcônidas?

— Talvez não exista a menor relação com isso, mas o Imortal deve ter tido algum motivo para fornecer as coordenadas deste planetóide — respondeu Rhodan, falando tão baixo quanto Bell. — É verdade que, segundo tudo indica, lá fora não existe vida, mas deve haver outra coisa que somos obrigados a investigar. A gravitação do planeta é tão reduzida que não guarda a menor proporção com seu peso. Pouco importa o que você diga, Bell, não consigo livrar-me da impressão de que teremos uma surpresa.

Rhodan nem desconfiava de que estava com toda razão. Mas Bell não era da mesma opinião.

— Que surpresa poderá ser esta? — perguntou em tom pensativo. — Afinal, é apenas um asteróide solitário. Do sentido do deslocamento conclui-se que vem da nebulosa de Andrômeda. É até formado pelos mesmos elementos que encontramos na Via Láctea. Na verdade, pousamos num pequeno planeta de Andrômeda. É a única coisa extraordinária nesta história.

— Como foi que o planeta veio parar aqui?

— Santo Deus, como poderia ter vindo? — Bell fez um gesto grandiloqüente. — Ele se perdeu!...

Rhodan não se deu por satisfeito.

— Sinto o desejo de pisar na superfície deste estranho mundo, Bell. Quer acompanhar-me?

— Você pretende...? — Bell fitou Rhodan com uma expressão de perplexidade, engoliu em seco e deu um aceno de cabeça. — É claro que irei com você. Não quero perder a oportunidade de ser o primeiro ser humano a pisar num pedaço de Andrômeda. Jefe Claudrin parecia preocupado.

— Isso não é muito arriscado, sir? Talvez fosse conveniente que em primeiro lugar um grupo de especialistas desembarcasse no planetóide e...

— Esse grupo poderá acompanhar-nos — interrompeu Rhodan. — Não vejo o menor perigo. Apesar disso quero que o senhor mande formar um grupo. Será composto por alguns oficiais, guardas e cientistas com seu equipamento. Mantenha a Teodorico em estado de prontidão, comodoro. Levarei alguns mutantes. Marshall, avise Gucky, Ras Tschubai e André Noir. As mulheres ficarão na nave — fez um sinal para Bell. — Iremos daqui a quinze minutos.

Van Moders e Bernd Keller faziam parte do grupo. Talvez não se deleitassem tanto com a experiência histórica, mas sentiam-se felizes pela oportunidade de quebrar a monotonia.

A expedição reuniu-se próxima a uma das numerosas eclusas da Teodorico. Todos os membros usavam os costumeiros trajes espaciais, e traziam seus aparelhos e instrumentos, além de uma arma energética, embora do aspecto do planetóide se concluísse que provavelmente não haveria necessidade de usá-la. Gucky, que usava um traje feito sob encomenda, com um apêndice em forma de mangueira que servia para guardar a cauda, caminhava orgulhosamente de um lado para outro e distribuía conselhos sábios.

— Miller VII — disse, dirigindo-se a um especialista em raios muito magro, que deveria medir as radiações do planetóide. — Se eu fosse o senhor levaria alguns pesos adicionais. Deve ter ouvido que a gravitação deste lugar só chega a um centésimo G. Se alguém tossir, o senhor sairá por aí, através das galáxias.

Quando Gucky chamava alguém de senhor, isso significava um desprezo infinito ou então fazia parte de alguma brincadeira. Evidentemente aqui o caso era este, pois Gucky exibia seu dente-roedor. Em outras palavras, sorria.

Acontece que Miller VII não era tolo.

— O senhor tem toda razão, Tenente Guck, mas parece que se esqueceu de que estou levando meu cérebro. Sabe lá quanto pesa o mesmo?

— Aqui pesa no máximo um grama — chilreou Gucky, alegre, enquanto cruzava as mãos nas costas, que nem um professor que passeia diante de sua turma. — Na Terra seria cem vezes mais.

Alguns homens riram. Rhodan e Bell entraram na comporta. Olharam em torno, surpresos. Gucky fez um gesto dramático em direção a Bell e disse em voz muito alta:

— É claro que para este sujeito as coisas serão melhores que para o pobre do Miller VII. Até mesmo neste pequeno planeta ficará grudado na superfície que nem uma mosca numa parede. Acho que precisará de um propulsor especial se quiser dar um salto de um metro.

Bell lançou um olhar venenoso para Gucky e passou por ele como se o rato-castor nem existisse. Evidentemente não gostara da nova alusão que o rato-castor fizera ao seu peso.

Gucky aspirou profundamente o ar, a fim de vingar a desatenção à sua pessoa com uma observação mordaz, mas não teve tempo. Rhodan ordenou:

— Fechar os capacetes. A escotilha externa será aberta dentro de três minutos.

No mesmo instante as escotilhas internas da comporta fecharam-se, e o ar foi aspirado. Não havia mais nada que separasse os homens do nada.

Rhodan estava de pé à frente do grupo e olhava para o mundo sem vida.

A vista só alcançava alguns quilômetros; depois disso as montanhas afundavam atrás da linha do horizonte. Via-se perfeitamente a curvatura da superfície. O movimento de rotação do planetóide era muito lento. No momento Andrômeda estava praticamente no zênite; era uma longa nuvem branca formada por bilhões de sóis. Não se via a outra galáxia. Se não fossem os holofotes da Teodorico, a visão provavelmente só alcançaria alguns metros, mas com os mesmos acesos tudo estava bem iluminado e os objetos eram perfeitamente visíveis. O grande holofote em abóbada, situado a mil e quinhentos metros de altura, mandava sua luz para além dos limites do pequeno mundo.

Rhodan fez um sinal para Bell e empurrou-se. Preferiu não ligar o dispositivo antigravitacional, que aqui se tornava desnecessário. Lentamente, como se fosse uma pena, planou um trecho na horizontal, e só depois de algum tempo começou a descer quase imperceptivelmente em direção à superfície.

— A gravitação é aproximadamente a mesma das luas de Marte — disse sua voz, saída dos alto-falantes embutidos nos capacetes. — Tenham cuidado com os movimentos. Com um simples salto se alcança uma velocidade perigosa.

— Se aqui morasse alguém, esse alguém não teria a menor dificuldade em praticar a Astronáutica — piou Gucky, espantado. — Quem quiser colocar um satélite em órbita, é só atirar uma pedra para o alto.

— É isso mesmo — respondeu Rhodan. — Por isso você deve controlar o impulso de suas pernas traseiras, pois, do contrário, se transformará numa lua.

Gucky resmungou alguma coisa que ninguém entendeu e deixou-se cair cautelosamente da escotilha. O pequeno impulso foi suficiente para que voasse, em arco, sobre a paisagem rochosa sem vida. Os homens ouviram-no praguejar e dizer coisas desconexas, mas de repente a trajetória do rato-castor mudou. Desceu rapidamente e tocou a rocha negra do planetóide antes de Rhodan. Ligara seu equipamento de gravitação artificial.

— Está vendo, Miller VII? — gritou, eufórico, e executou alguns saltos malucos. — Um homem que tenha cérebro não precisa temer qualquer situação.

Rhodan tocou o chão a alguns metros do lugar em que se encontrava.

— Seu desmancha-prazeres! — disse numa ligeira recriminação. — Será que você não gosta de voar?

— Gosto, mas fiz questão de ser a primeira pessoa que põe os pés neste mundo. Assim posso dar-lhe um nome.

— Se fosse você, esperaria até que saibamos mais a respeito deste planetóide. Como sabe, costumamos batizar os mundos recém-descobertos com um nome que guarde alguma relação com suas características — levantou os olhos para a eclusa. — Então? Venham logo!

Três homens chegaram logo a seguir na superfície do planetóide. Nenhum deles ligou seu campo gravitacional. A ausência de gravidade é uma das sensações mais belas e grandiosas do astronauta. Havia momentos em que Rhodan refletia seriamente sobre os motivos que teriam levado as algas, há dois milhões de anos, a abandonarem o mar primitivo e subirem à terra firme, pois, dessa forma, a vida assumira espontaneamente a carga da gravitação que antes não conhecia.

Os cientistas puseram-se imediatamente a trabalhar, enquanto os oficiais distribuíam guardas e faziam tudo para garantir a segurança da expedição. Rhodan, Bell, Van Moders e John Marshall fizeram uma pequena excursão pelos arredores. Gucky, Ras e Noir seguiram o grupo a uma distância regular. O rato-castor desligara o campo gravitacional, a fim de desfrutar juntamente com os companheiros a sensação deliciosa de levitar. Realmente teve a impressão de ser um mergulhador que deslizava pouco acima do fundo do mar.

Dali a alguns minutos, a Teodorico desapareceu por trás do horizonte. Gucky e os seis homens transpuseram em um só salto uma cadeia de montanhas de duzentos metros de altura e desceram levemente na planície ligeiramente ondulada que se estendia do outro lado.

Perry Rhodan olhou para baixo e notou alguma coisa. Levou quase cinco segundos para compreender o que havia notado. Usando o rádio, disse:

— Olhem lá para baixo. Estão vendo?

Todos o ouviram, pois os aparelhos estavam regulados para a mesma faixa de ondas.

— Não vejo nada — disse Bell.

Seus companheiros viram perfeitamente que sacudia a cabeça no interior do capacete. Gucky, que estava alcançando o grupo em vôo lento, piou em tom agudo:

— Um quadrilátero... ou estarei enganado? Afinal, lá em baixo quase tudo é negro, pois por aqui não existe luz.

— Sim, é um quadrilátero — confirmou Rhodan, em tom exaltado. — Quer dizer que não me enganei. Liguem os campos gravitacionais, para baixarmos mais depressa. Aliás, já não está tão escuro. Nossa Via Láctea brilha no horizonte.

Quinze metros abaixo da superfície do mar não seria mais claro nem mais escuro do que aquele lugar. Apesar disso, quando se aproximaram da superfície, os homens tiveram uma surpresa nada agradável. O quadrilátero fora perfeitamente visível, uma vez descoberto. Mas à medida que caíam, ele se tornava menos nítido. Quando se encontravam a apenas alguns metros, os contornos da figura geométrica se desfizeram e esta não pôde mais ser vista.

Pousaram suavemente.

— O quadrilátero só é visível de determinada altura — disse Rhodan. — É o que acontece com certas formações existentes na superfície da Terra, que só podem ser vistas de um avião. De qualquer maneira, vimos um quadrilátero de lados iguais, ou seja, um quadrado. Poderia ser uma alteração na composição da superfície. Mas será que esta ficaria contida em limites tão exatos? Voltarei a subir e tentarei fixar os limites do quadrilátero. Depois disso deverá ser possível constatar alguma coisa aqui embaixo.

Ligou seu campo gravitacional e empurrou-se levemente com o pé. Subiu quase na vertical e disse:

— Aí está; já o vejo de novo. O comprimento dos lados é de dez metros, aproximadamente. Vocês estão exatamente no centro do quadrado. Dêem alguns passos e procurem localizar os limites da figura. Fora dela a rocha é mais escura, se bem que a diferença é mínima. Aposto qualquer coisa como a origem deste quadrado não é natural.

Foi descendo lentamente.

Gucky caminhava cautelosamente sobre a rocha. Quando chegou ao lugar indicado por Rhodan, segurou-se numa rocha saliente até imobilizar o corpo. Sacudiu a cabeça.

— Não se vê a menor diferença de coloração. Será que estou daltônico? Mas há pouco ainda vi perfeitamente.

Rhodan não se apressou. Enquanto descia, orientava o deslocamento dos homens de tal forma que quatro deles ficaram parados nos ângulos do quadrado. Depois disso ficou flutuando a dez metros da figura. A seguir foi se aproximando.

Só agora conseguiram perceber a diferença. Sem qualquer motivo visível, a rocha da superfície normal assumia a tonalidade um pouco mais clara do quadrado. Ao que parecia, o tipo de rocha não sofrera nenhuma modificação.

— É estranho — disse Van Moders, em tom pensativo. — Não consigo atinar com qualquer explicação. E não pode ser produto do acaso.

— Uma coisa destas nunca pode ser obra do acaso — confirmou Rhodan. — Só podemos supor que há tempos imemoriais, quando ainda se encontrava na nebulosa de Andrômeda, este planetóide era habitado. Neste lugar havia um edifício ou coisa que o valha. O edifício desapareceu, mas a insignificante mudança de coloração, visível apenas a certa altura, continuou. É apenas uma suposição. É possível que nunca descubramos se ela é correta.

— Os geólogos poderiam descobrir alguma coisa, pois têm mais experiência nestas coisas que nós — disse Bell, que permanecia imóvel, desempenhando pacientemente o papel de marco angular do misterioso quadrado.

Gucky, que estava sentado bem no centro da área de cem metros quadrados, disse:

— Bell tem razão, mas eu poderia tentar uma teleportação.

— Para baixo da superfície? Será que você enlouqueceu? — Rhodan sacudiu o punho na direção do rato-castor. — Não se atreva!

— Está bem! — gritou Gucky e subiu que nem um foguete. — Por mim este quadrado esquisito pode aparecer. Nem quero saber. Você vêm comigo?

— Para onde? — perguntou Ras Tschubai.

— Vou voltar à nave. O que podemos fazer por aqui? Só vejo pedras, rocha primitiva, algumas montanhas e um estranho quadrilátero. Essas coisas também posso encontrar em outra parte.

Naturalmente não estava falando muito sério. Por mais estranho que fosse o quadrado em sua opinião, era muito importante descobrir sua origem. Mas nem Rhodan, nem seus companheiros tiveram muito tempo para refletir sobre isso.

De repente, a voz de Jefe Claudrin soou em seus receptores de capacete, superando todas as outras.

— Chamando Perry Rhodan! Chamando Perry Rhodan! Faça o favor de responder, sir. É urgente.

— O que houve, Claudrin?

— Onde está o senhor? Da nave não o vejo. Os especialistas dizem que atravessou as montanhas com mais algumas pessoas.

— É verdade. Encontramos uma coisa muito interessante...

— O senhor deve voltar imediatamente à nave, sir. Há algo de errado por aqui. Acho que o senhor também está em perigo...

— Em perigo?

A voz de Rhodan alterou-se. Gucky desceu muito rapidamente e pousou dentro do quadrado.

— Qual é o perigo? — perguntou Perry.

— Não sei, sir. Não posso explicar tão depressa. Alguns homens queixam-se de um cansaço súbito e de fortes dores de cabeça.

— Mantenho contato com todos os membros da expedição, mas por enquanto não recebi nenhuma informação nesse sentido.

— É na nave, sir. Os sintomas estão aparecendo no interior da nave.

Rhodan não formulou outras perguntas.

— Iremos imediatamente. Claudrin. Mande que todos voltem logo para bordo. A Teodorico ficará em rigorosa prontidão. Se houver alguma novidade, mesmo insignificante, avise imediatamente.

— Está bem, sir.

Rhodan ouviu Claudrin transmitir suas instruções. Depois fez um sinal para seus companheiros.

— Todos ouviram do que se trata. É claro que pode ser apenas um pequeno mal-estar, talvez uma conseqüência da permanência prolongada no semi-espaço, sei lá. Mas é possível que haja outras causas, que não conhecemos — apontou para baixo. — Este quadrado, por exemplo, não demorará em dar-me dores de cabeça.

Empurraram-se com os pés e foram planando — devagar demais, segundo acreditavam — em direção ao lugar do qual haviam vindo. Atravessaram as montanhas e viram o brilho fosco da Teodorico na linha do horizonte. Era uma visão tranqüilizadora; parecia uma promessa de proteção.

Proteção...?

Contra quem?

A grande escotilha estava aberta, mas não foi fácil atingi-la num salto bem orientado. Gucky que, segundo parecia, não estava com vontade de praticar a teleportação, errou pelo menos por dez metros e foi parar sobre o casco da Teodorico. Mas a gravitação do planeta era mais forte; escorregou e foi descendo lentamente. A segunda tentativa levou-o para dentro da eclusa da nave, onde os outros já o esperavam.

A escotilha externa fechou-se, o ar penetrou na eclusa, e logo puderam fechar os capacetes.

— Por enquanto não vamos tirar os trajes espaciais — disse Rhodan e saiu caminhando à frente dos outros. De repente parecia ter muita pressa em chegar à sala de comando. — Bell e John Marshall, venham comigo. Gucky, você esperará junto aos mutantes.

— Também estou com dor de cabeça — disse Gucky, de repente.

Rhodan parou e fitou-o atentamente.

— Não está brincando?

— Não estou, não. É como se alguém estivesse chupando minha medula. Além disso meus joelhos parecem de manteiga.

— Como está, Bell? — perguntou Rhodan, em tom de alarma. — Também está sentindo alguma coisa?

Bell não estava sentindo nada.

Nem por isso Rhodan se sentiu mais tranqüilo. Não deu mais atenção aos homens que o acompanhavam. Saiu correndo, saltou para dentro do elevador mais próximo e tomou o caminho mais curto que levava à sala de comando.

Teve a impressão de ouvir, nas profundezas do subconsciente, a risada sarcástica do Imortal.

Havia o planetóide solitário, o misterioso quadrado...

Alguma coisa não estava certa.

De repente, antes de chegar à sala de comando, sentiu um tremendo cansaço e a dor começou a manifestar-se...

 

No setor de enfermagem da Teodorico, as notícias e os pedidos de informações se amontoavam. Claudrin mandara Brazo Alkher, que exercia as funções de oficial da guarda, transmitir imediatamente à sala de comando informações sobre todos os casos de doença. Nessa sala estava sendo feita uma lista. Quando Rhodan entrou e lançou um olhar indagador para Claudrin, este acabava de escrever o número trezentos e oito em sua lista.

— São dores de cabeça e fadiga, como se os homens tivessem feito um esforço excessivo ou sofrido privações — comunicou.

— Os médicos não têm nenhuma explicação. Uma verdadeira epidemia parece ter irrompido. O mais estranho é que os homens que passaram algum tempo fora da nave demoraram mais a ser atacados pela doença. Aliás, esta nem de longe atingiu todos os tripulantes.

— Também estou sentindo, Claudrin — disse Rhodan, preocupado. — Posso contar nos dedos os dias em que tive dor de cabeça, e meus joelhos nunca fraquejaram. Acontece que agora estão — refletiu por alguns segundos. — Mande os médicos cuidarem do assunto. Eu cuidarei do que está acontecendo fora da nave. Onde está o imediato?

— Na sala de controle de armamento, sir. O que quis dizer quando aludiu às coisas que acontecem fora da nave? O que poderia haver por lá? O planetóide não está desabitado?

Rhodan informou sobre o misterioso quadrado e concluiu:

— Ao que parece, o planetóide realmente é desabitado, mas nesta altura nada poderá surpreender-me. O Universo está cheio de milagres e impossibilidades aparentes. Não pense que todos estes homens têm dor de cabeça por acaso. Há alguma coisa por trás disso; alguma coisa que, durante a longa viagem, ainda não estava a bordo. Precisamos descobrir o que é. Caso se trate de alguma coisa que subiu a bordo aqui, essa coisa só pode ter estado no planetóide.

— Não compreendo, sir. O senhor não notou nada.

— Só notamos os laurins quando quase era tarde. Porque são invisíveis. É possível que aqui a situação seja semelhante. Se quiser falar comigo, estarei com Thomas, no centro de controle de armamento. Se houver alguma modificação, avise. Marshall, venha comigo. Bell ficará aqui:

Bell não fez nenhuma objeção. Deixou-se cair numa poltrona e esticou as pernas. De repente teve a impressão de que eram de chumbo.

O Coronel Thomas, um homem alto e louro, que tinha a fama de ser arrojado, fez uma continência impecável quando Rhodan e Marshall entraram na sala de comando. Era neste lugar que se controlavam as armas energéticas e se orientavam os pesados canhões. Uma grande tela mostrava parte da sala de comando, com Jefe Claudrin.

— Como se sente? — perguntou Rhodan, ignorando as dores martirizantes do lado direito da cabeça. — Sente algum mal-estar ou qualquer incômodo de ordem física?

O imediato sacudiu a cabeça, perplexo.

— Por que iria sentir alguma coisa, sir?

Estou perfeitamente bem. Infelizmente, desculpe a observação, o bar só fornece quantidades limitadas de bebidas alcoólicas. Quer dizer que não estou com ressaca, se é a isso que está aludindo.

— Não; não estava aludindo a isso. De qualquer maneira agradeço pela informação. — Rhodan apontou para a fileira de telas, que retratava perfeitamente os arredores da nave. — Notou algo de suspeito na superfície de planetóide?

— Não senhor.

Rhodan mordeu o lábio inferior para ocultar a decepção, embora nem soubesse dizer por que a resposta do oficial o decepcionara. Afinal, o que esperara ouvir?

— Se aparecer alguma coisa na superfície do planetóide, seja lá o que for, atire imediatamente, coronel. Entendido? Não precisa consultar ninguém, pois neste momento lhe dou ordem de abrir fogo. Entendido?

— Certo, senhor. Entendido — respondeu Reg Thomas, no linguajar tipicamente militar.

Rhodan sorriu, mas logo voltou a ficar sério.

— Não quebre a cabeça, coronel. Não estou em condições de responder a qualquer das perguntas que o senhor gostaria de formular. Só existem suposições. O fato é que, enquanto voamos pelo abismo, todos estavam bem a bordo da Teodorico. Agora, que nos encontramos no planetóide, um de cada cinco homens adoece de repente.

— Sir, quem sabe se na cozinha...

— Infelizmente não. Os médicos confirmam isso. Não há nenhum problema quanto à alimentação. Além disso os sintomas não indicam a existência de uma afecção do estômago. A causa da doença ainda é desconhecida, mas sabe-se que não tem nada a ver com o aparelho digestivo.

— Nesse caso...

— Pois é! — disse Rhodan, enquanto lançava um olhar para os canhões, a fim de certificar-se de que estavam preparados para abrir fogo e poderiam ser usados a qualquer momento.

Perry sentia o perigo que os ameaçava, mas não sabia de onde e como era.

— O planetóide! Talvez devêssemos decolar imediatamente e desaparecer daqui, mas um mistério sem solução sempre me deixa mais preocupado que qualquer perigo. O Imortal mandou-nos para cá. Por quê? Deve ter havido um motivo para isso.

O Coronel Thomas ficou calado. Colocou-se numa atitude de expectativa à frente do controle central dos canhões. Parecia ter esquecido dos oficiais que se mantinham em ponto mais afastado.

— Alguns mutantes já adoeceram, sir — disse John Marshall, de repente. — Gucky está melhor. É possível que já tenha superado a crise.

— Que crise? — perguntou Rhodan. — Uma crise desse tipo só pode existir numa doença normal. Acontece que aqui não se trata de uma doença, mas de um ataque. Isso mesmo, de um ataque! A esta hora já não tenho a menor dúvida.

— Um ataque? — repetiu Reg Thomas e estremeceu.

Marshall fitou Rhodan como quem não compreendia nada, o que provava que não lera seus pensamentos.

— Quem é o inimigo?

— Bem que eu gostaria de saber, John — respondeu Rhodan, enquanto se dirigia à saída. Quando chegou à porta, parou. — O senhor já sabe o que fazer. Seja quem for o inimigo, ele já deu início à batalha, e isso nos dá o direito de usar nossas armas. Boa sorte, Thomas.

Quando chegaram ao corredor, Marshall perguntou:

— Tem certeza do que está dizendo, chefe? Acredita que se trate de um ataque desfechado por seres que se fixaram no planetóide? Nesse caso teríamos notado algum sinal de sua presença. Acontece que não notamos. Além disso os cientistas constataram que no planetóide não pode haver vida e que...

Marshall foi interrompido por uma campainha estridente. No mesmo instante a voz de Claudrin encheu toda a nave.

— Onde está o chefe?

Rhodan saiu correndo, até encontrar o terminal de intercomunicador mais próximo num cruzamento do corredor. Comprimiu o botão que estabelecia contato com a sala de comando.

— O que houve, Claudrin? Por que está gritando tanto?

— Graças a Deus, sir! Venha imediatamente! Nas telas de rastreamento apareceu alguma coisa.

— Alguma coisa? — repetiu Rhodan, com a voz tensa. — O que significa isso?

— Não consigo descrever; venha imediatamente. É horrível e irreal. Até parece que estou sonhando. Têm o aspecto de fantasmas.

Rhodan preferiu não perder mais tempo com palavras. Correu para o elevador. Marshall teve de esforçar-se para segui-lo.

Na sala de comando, os oficiais se comprimiam diante das telas, mas assim que viram Rhodan abriram alas. Claudrin estava de pé. Seu rosto, geralmente forte e sadio, parecia cinzento e esmaecido. Uma expressão de insegurança cintilava em seus olhos.

Rhodan aproximou-se das telas de rastreamento, que se distinguiam das telas óticas normais pelo fato de que os objetos invisíveis eram tornados visíveis por meio de certos efeitos especiais.

Não se via o planetóide. O espaço cósmico também estava escuro e, portanto, invisível. Mas havia alguma coisa que se movia nas telas. Parecia dançar levemente, flutuava no nada, subia e caía, afastava-se e aproximava-se. Era transparente como um véu branco e assumia todas as formas possíveis. Mudava constantemente, flutuava, dançava, ameaçava.

Ameaçava!

Rhodan fitou a tela do centro de armamentos. O imediato olhou-o com uma expressão indagadora.

— Abra fogo, coronel. Siga as indicações do setor de rastreamento. Alguém está nos atacando.

Como Thomas não visse os fantasmas, não havia por que recriminá-lo. O oficial do setor de rastreamento transmitiu as primeiras informações ao centro de armamento.

Antes que os primeiros canhões arremessassem os raios energéticos ofuscantes para cima do exército de fantasmas dançantes, trinta segundos se passaram.

Os raios apareciam nitidamente nas telas de imagem comuns. Um fenômeno estranho apresentou-se ao observador: de repente os feixes energéticos brancos e ofuscantes pareciam bater num muro que os engolia. Apenas uns poucos raios atingiam a superfície do planetóide, e fundiam valas borbulhantes.

Nas telas de rastreamento, o quadro era bem diferente.

Via-se perfeitamente que os fantasmas dançantes não faziam o menor esforço para escapar ao fogo energético disparado pela Teodorico. Pelo contrário. Pareciam procurar os feixes de raios mais grossos e banhar-se nos mesmos. Sempre que um feixe de raios encontrava uma das figuras bizarras, ele se apagava como se estivesse sendo engolido.

Ao lado de outros homens, Rhodan observava da sala de comando o espetáculo inconcebível que se desenrolava diante de seus olhos. O que viam era completamente impossível. Não podia haver nada que fosse capaz de resistir às tremendas concentrações de energia disparadas pelos canhões. Muito menos poderia existir uma coisa que as engolisse e absorvesse.

O Coronel Reg Thomas, que continuava na central de armamento, disse:

— Também os vejo. Mudam de cor e tornam-se visíveis. Santo Deus, não é possível que resistam a este fogo sem sofrer nada...!

Agora eram figuras cor-de-rosa — esferas, cilindros, pentágonos e outras figuras geométricas — que voavam em torno da nave, numa dança alegre. Quanto mais energia absorviam, mais intensa se tornava a coloração. Algumas já eram vermelho-escuras. Pareciam chamas que viviam.

— Suspender o fogo! — berrou Rhodan de repente.

Reg Thomas cumpriu a ordem imediatamente; até parecia que já a esperava. Os raios energéticos apagaram-se de repente. Mas os fantasmas vermelho-amarelados continuaram no mesmo lugar. Dançavam em torno da nave e aproximavam-se cada vez mais. As telas de rastreamento também mostravam aqueles que não haviam “comido” energia.

Um fluxo constante desses seres saía do planetóide.

— São seres energéticos — cochichou Van Moders, dominado pelo pavor. — É uma forma de vida incompreensível, que se nutre de energia. Se abrirmos fogo contra eles, apenas os fortaleceremos. Devemos decolar imediatamente, senão estamos perdidos.

Rhodan já compreendera que seres estranhos eram estes com que se defrontavam, mas o perigo ainda não lhe parecia tão grande como parecia ao robólogo. Mas, de repente, lembrou-se dos tripulantes que haviam adoecido.

Será que os seres energéticos já haviam penetrado na nave?

Aproximou-se de Jefe Claudrin.

— Decolar imediatamente!

Num movimento instantâneo, o comodoro pôs as mãos nos controles. Nas profundezas da nave, os propulsores entraram em funcionamento. As energias eram armazenadas, à espera do momento em que seriam liberadas. O chão da sala de comando começou a vibrar. Claudrin fez avançar a alavanca do acelerador e...

Não aconteceu nada!

Rhodan olhou para a mão de Claudrin com uma expressão de incredulidade. A Teodorico, a nave mais poderosa do Império Solar, que vencera a quinta parte do grande abismo, estava sendo segura por um ridículo planetóide. Não era possível!

— Use toda a potência, Claudrin! Aceleração máxima!

Os propulsores voltaram a uivar, mas de repente o forte rugido transformou-se num zumbido, que foi diminuindo até cessar de vez. Os fantasmas dançavam em torno da nave; pareciam escarnecer dos terranos e chegavam cada vez mais perto, até desaparecer em todos os pontos no casco da Teodorico.

Acabavam de partir para o ataque final.

A sala de máquina transmitiu a primeira notícia alarmante.

— Suprimento energético caindo. Em toda parte aparecem os véus vermelhos. Estão investindo contra as máquinas e... contra nós.

Era a voz desesperada do Capitão Brazo Alkher, que já deixara o setor de enfermagem e voltara às salas dos propulsores, onde todos os homens eram necessários.

Com as mãos ligeiramente trêmulas, Rhodan disse:

— Desligue os propulsores, Claudrin. Suspenda todos os suprimentos de energia. Não adianta alimentar o inimigo.

Logo depois, voltando-se para o intercomunicador, perguntou:

— Como vão seus homens, Capitão Alkher? Ainda estão sendo atacados pelos véus vermelhos?

— No momento não, sir. Os fantasmas desaparecem nos mecanismos.

— A energia dos reatores não lhes servirá de nada — conjeturou Rhodan. — Providencie para que não haja nenhum fluxo de energia livre. Ligue as luzes de emergência. A calefação deverá ser reduzida ao mínimo. Também a ventilação. Entendido?

— Entendido, sir.

Claudrin já desligara os propulsores. Não se ouvia mais o menor ruído do interior da nave. A superfície do planetóide estava cheia dos fantasmas, e, a cada instante, um número maior dos seres energéticos transparentes e “subnutridos” juntava-se a eles. Saíam da fresta aberta na crosta do pequeno mundo pelos tiros energéticos da nave.

Também em outros lugares os fantasmas invisíveis saíam do chão pedregoso, como se a rocha não representasse nenhum obstáculo para eles.

O setor de enfermagem informou que o número dos doentes crescia rapidamente. Alguns homens estavam tão fracos que nem conseguiam manter-se de pé.

Nesse momento Rhodan compreendeu que doença era esta.

— Os seres energéticos não se deleitam apenas com a energia mecânica; também apreciam a orgânica. Estão nos sugando.

— Quer dizer...?

Van Moders fitou-o com uma expressão de pavor e seu rosto ficou pálido como cera. Rhodan confirmou com um gesto.

— Isso mesmo. Se não conseguirmos escapar deles, estaremos irremediavelmente perdidos. É o perigo mais infernal com o qual já nos defrontamos. E olhe que nem sabemos se as intenções dessa forma de vida realmente são hostis.

— Pois eu acredito que sejam! — disse Bell.

— Na Terra você também aspira a cada instante milhares de bactérias, que são destruídas pelas defesas de seu organismo, e não pensa em nada. É possível que esses fantasmas também não pensem nada quando nos subtraem a energia.

— Nem por isso o perigo diminui.

— De forma alguma — admitiu Rhodan. — Mas pode ser que essa circunstância possa servir de base à nossa defesa. Antes de mais nada, precisamos descobrir de onde vieram. Será que residem no interior do planetóide? Embaixo da superfície? Por que fariam isso, se o vácuo não os prejudica e na superfície poderiam absorver ao menos as débeis emanações de energia da Via Láctea? Por que só subiram à superfície quando notaram os impulsos de nossas máquinas e... nossa presença?

De repente o ar começou a tremeluzir na sala de comando e Gucky materializou-se. Parecia cansado. Com alguns passos alcançou um sofá que ficava no canto, subiu no mesmo e sentou-se.

— Perry, você faz muitas perguntas, e no momento nenhum humano pode respondê-las. Precisamos fazer alguma coisa. Não tenho a menor vontade de deixar que essas feras me suguem. Estão grudadas em mim, estão dentro de mim, estão em toda parte. São só os invisíveis, pois os já saciados não perdem tempo conosco, porque possuímos pouca energia. Contudo, os fantasmas famintos, que ainda não receberam nenhum tiro energético e nem tiveram oportunidade de aproveitar os propulsores, caem sobre nós. Isso aos bandos. Temos de sair daqui, Perry!

Foi um dos discursos mais longos que Gucky havia pronunciado. Sua voz parecia desesperada.

Rhodan ouvira-o com uma expressão séria. E ainda estava sério quando perguntou:

— Qual é sua sugestão, Gucky?

Um estranho talvez achasse esquisito Rhodan, um dos homens mais poderosos do Universo, pedir conselhos a um pequeno rato-castor. Um humano pedia auxílio a um ser que tinha o aspecto de um animal. Mas os tempos miseráveis em que os seres eram julgados pelo aspecto exterior já haviam passado há muito. Hoje, na era cósmica, valia o caráter, a alma, a competência e a verdadeira simpatia, não a aparência.

Com a criação do Império Solar, foram eliminadas em primeiro lugar as barreiras raciais que separavam os homens. O ser humano transformou-se no terrano. Com o aparecimento de inteligências extraterrenas, o homem aceitou o fato de que um indivíduo que tem o mesmo valor de outro não precisa ter forçosamente o mesmo aspecto. Com isso aumentou a compreensão pelo animal, mesmo que este fosse inferior ao homem em inteligência. O desprezo foi substituído pela compaixão e pelo desejo de ajudar. Em certos casos, as coisas aconteceram em ordem inversa. O amor pelos animais surgira em primeiro lugar, e a compreensão pelas raças extraterrenas foi apenas uma conseqüência lógica do mesmo. Para os homens que nutriam o amor pelos animais, tornou-se mais fácil acompanhar a rápida evolução e manter-se sincronizados com ela.

A amizade de igual para igual que reinava entre Rhodan e Gucky, entre o homem e o rato-castor, que há um século e meio ainda era considerada impossível, passara a ser uma coisa natural, isto é, ser interpretada como sinal de maturidade espiritual.

— Se me deparasse com um regato cujas águas estão envenenadas, eu o acompanharia até descobrir a fonte do envenenamento. Estes fantasmas energéticos são um fluxo que sai do planetóide. Para encontrar sua fonte e possivelmente estancá-la, devemos penetrar no interior do planetóide. Desconfio de que teremos uma surpresa.

Rhodan acenou com a cabeça.

— Quer dizer que em sua opinião o planetóide é oco? Isso explicaria sua massa reduzida.

— Ao menos existem enormes espaços ocos. Talvez sejam de origem natural, talvez não.

Rhodan olhou atentamente para Gucky.

— Se sairmos da nave agora, estaremos assumindo um tremendo risco. Os fantasmas...

— Sugiro que lhes demos o nome de luxides, porque seu brilho é tão bonito — disse Bell.

— Está bem — concordou Rhodan, sem demonstrar muito entusiasmo. — Receio que esses luxides se precipitem sobre nós como verdadeiros enxames, pois, além de nossos organismos, também as instalações de nossos trajes espaciais contêm boa quantidade de energia. Se nossos equipamentos falharem lá fora, estaremos liquidados e nem sequer teremos possibilidade de voltar à nave.

Gucky abanou a cabeça.

— Já pensei nisso — disse em tom professoral. — Evidentemente só Ras e eu iríamos, porque somos teleportadores. Se surgir um perigo, poderemos pôr-nos a salvo a qualquer momento.

— O que acontecerá se os luxides lhes roubarem a energia de que vocês precisam para dar o salto?

— Ora, não acredito que isso aconteça. Não serão capazes de seguir-nos na quinta dimensão. Acho que devemos arriscar.

Rhodan colocou a mão sobre seu ombro.

— Sem mim não, pequeno. Irei com vocês. Cada um de nós levará duas armas energéticas. Talvez consigamos distraí-los da mesma forma que se distrai um cão de guarda ao qual se atira um osso.

— A idéia de levar armas energéticas não é nada má. Já a idéia de acompanhar-nos não é tão boa. Acho...

— Irei com vocês! — disse Rhodan, em tom resoluto. — Cada teleportador é capaz de transportar dois homens que não sejam teleportadores. Quer dizer que escolherei mais três voluntários. Dessa forma iremos em seis. Doze olhos enxergam mais do que dois.

— Está bem, concordo — disse Gucky, cedendo às ponderações de Rhodan. Levantou-se. — Quando iremos?

— Daqui a dez minutos — disse Rhodan e dirigiu-se a Bell, para transmitir-lhe instruções.

 

Conheciam mal a noção do tempo. Avaliavam sua formação e seu desaparecimento pela forma como se sentiam e pelo maior ou menor volume de suas reservas de energia.

Nos últimos milênios, suas reservas haviam diminuído ininterruptamente.

Vinham da nebulosa de Andrômeda.

Um dia apareceram os misteriosos seres de outra galáxia. Recorreram a grandes dádivas de energia para conquistar sua confiança e depois os aprisionaram. Ficaram indefesos diante deles.

Reencontraram-se numa gigantesca caverna escura. Nessa caverna havia energia, mas não se destinava a eles; servia às gigantescas máquinas propulsoras que empurravam a caverna pelo nada infinito. A energia era isolada, cerrada, inatingível. Os guardas os vigiaram, até que surgiu um defeito que tornou possível manobrar a caverna. Os guardas morreram, pois não conseguiram produzir mais ar e seus mantimentos se esgotaram.

Os seres de Andrômeda não dependiam de ar e alimentos, apenas de energia. Assaltaram os depósitos e sugaram a energia, mas a quantidade armazenada era limitada. Nem todos se saciaram.

Conseguiram descobrir um caminho que os conduziria ao exterior, mas isso não lhes serviu para muita coisa. A caverna — ou seja, o pequeno planetóide — vagava, solitária e abandonada, pela amplidão infinita do espaço intercósmico. As galáxias estavam tão distantes que não podiam fornecer um volume suficiente de energia.

Andrômeda ia ficando cada vez menor, à medida que os séculos e os milênios passavam. E os seres, que viviam da luz e agora procuravam subsistir na escuridão, tornavam-se cada vez mais fracos. Não haveria salvação para eles, a não ser que acontecesse um milagre.

Esse milagre poderia consistir num sol que por acaso cruzasse seu caminho...

Seria a salvação. Depois da refeição energética, o sol se apagaria, transformando-se num astro extinto, e seguiria seu caminho pelo Universo. Mas os seres repletos de luz ficariam a salvo por mais alguns milênios.

Porém não apareceu nenhum sol. O espaço era vazio e frio; não tinha luz, calor, energia. Uma única vez a caverna envolta pelo planetóide atravessara um forte campo energético, mas a energia proporcionada pelo mesmo não fora suficiente para modificar a situação fatal.

Finalmente apareceram os desconhecidos em sua nave esférica.

Uma nave que trafegasse entre as galáxias devia possuir tremendas reservas de energia. Se passasse em vôo normal, seria rápida demais. Mas se por algum acaso a mesma pousasse no planetóide solitário...

E foi isso que aconteceu!

Os seres repletos de luz agiram com muita cautela, pois não deveriam revelar sua presença. Um pequeno grupo de reconhecimento fez o primeiro avanço para examinar a nave e os estranhos seres que se encontravam na mesma. Tanto ela como eles possuíam energia.

De repente parecia que a nave pretendia decolar. E os seres de luz atacaram...

De início, a reação dos desconhecidos fora amistosa. Forneceram grandes massas de energia vital, mas de repente a torrente maravilhosa foi estancada. Os desconhecidos encapsularam sua energia, recusando-se a fornecê-la. Foi um ato pouco amistoso.

Era possível que os desconhecidos nem estivessem dispostos a ajudar os seres de luz...

O ataque aos desconhecidos teve início.

Sua energia individual era muito escassa. Quase morriam quando se retirava pequena parcela da mesma. Não poderia haver vítimas mais fáceis...

De repente aconteceu uma coisa muito estranha.

De repente um campo energético superdimensional, que não servia para nada, surgiu no interior do planetóide, onde muitos milhares de seres de luz esperavam que chegasse sua hora. Quando o abalo do espaço cessou, os seres de luz já não estavam sós com seus mortos e com os guardas que também haviam morrido.

Seis dos desconhecidos vindos da nave se haviam materializado em seu meio.

Os seres de luz precipitaram-se sobre eles. Eram invisíveis e sentiam-se ávidos de vida e energia. Mas sofreram uma decepção. Os desconhecidos usavam envoltórios impenetráveis. Estavam cercados por campos energéticos e pareciam estar na quarta dimensão. Era uma energia inaproveitável.

Os seres de luz ficaram indefesos diante dos desconhecidos que penetraram em seu reino sem perceber sua presença.

 

O salto fora bem calculado por Gucky e Ras Tschubai.

Partiram do pressuposto de que a estrutura superficial do planetóide não era superior a cinco metros. Cada um dos teleportadores segurara a mão de dois homens, a fim de estabelecer o contato físico que se tornava necessário para executar o salto.

Rhodan e Van Moders saltaram com Gucky, enquanto André Noir, o hipno, e o Capitão Mahaut Sikhra foram em companhia do teleportador africano Ras. Bell ficara para trás e acompanhava a ação, na medida do possível, a partir da sala de comando da Teodorico. Mantinha-se ininterruptamente em contato pelo rádio com Rhodan e seus companheiros.

Os seis membros da expedição usavam roupas espaciais normais, e por sobre essas, os trajes de combate arcônidas. Um dispositivo especial transformava o campo defensivo energético num anteparo de quarta dimensão.

Quando sentiu a desmaterialização, Rhodan se viu envolto na escuridão. Não sentiu nenhum apoio sob os pés e começou a cair lentamente com os outros.

Imediatamente ligou o farol infravermelho e viu a rocha nua a apenas dez metros abaixo de seus pés. Moveu outro controle e ligou o aparelho de rastreamento. Conseguiu ver os luxides, que eram invisíveis. Estes ficaram privados da vantagem da invisibilidade.

— Aqui está cheio deles! — exclamou Van Moders, assustado. — Devem ser muitos milhares.

— Até parecem morcegos, só que são mais assustadores — comentou Gucky.

Pousaram suavemente no solo e viram os luxides atacar.

— Nossos campos defensivos estão agüentando — disse Van Moders, satisfeito. — Quer dizer que estes seres são exclusivamente tridimensionais. Será que realmente são seres vivos?

— De certa forma são — disse Rhodan, em tom sério. — Já sabemos que a vida pode assumir múltiplas formas. Aliás, não estamos pisando em rocha. O chão é mole, como se fosse de poeira.

Sem dar maior atenção aos fantasmas que esvoaçavam em torno deles, abaixaram-se para examinar o solo. Realmente o chão estava coberto por uma camada grossa de poeira esbranquiçada. Os contadores Geiger revelaram que emitia radiações pouco intensas.

— O que será isso?

Van Moders, que iluminava o canto mais afastado da caverna, apontou para um grupo de luxides que se mantinha em atitude passiva. As estranhas criaturas estavam de pé ou agachadas, enquanto outras estavam deitadas no chão e realizavam estranhas contorções.

— Talvez a resposta esteja aí — disse o robólogo, apontando para o grupo. — Estão morrendo porque ficaram sem energia. Nossa presença deu-lhes nova esperança, mas a decepção os está matando. A poeira branca é de seus cadáveres.

— Será que seus cadáveres são de matéria? — perguntou Rhodan, em tom de dúvida. — Enquanto vivem são feitos de energia, e passam a ser de matéria quando se transformam em cadáveres? Não acha que isso é bastante improvável?

— Não acredito que sejam feitos de energia, sir. Precisam de energia em sua forma pura, para viver. Quanto a isso não há dúvida. Acredito que sejam semi-orgânicos. É uma forma de vida desconhecida vinda da nebulosa de Andrômeda. Ao morrerem, sofrem uma metamorfose. É apenas isso.

— Para mim basta — piou Gucky e deu a língua para os luxides que atacavam em vão. — Se todos usassem trajes de combate, o problema estaria resolvido. Não haveria mais dores de cabeça, nada de joelhos moles; deixaríamos de alimentar esses vaga-lumes. Não nos poderiam fazer mais nada. Sim, eu sei — admitiu quando Rhodan quis dizer alguma coisa. — Não temos trajes de combate para todos. Além disso não poderiam salvar o sistema de propulsão da Teodorico.

Quando Gucky proferiu a última frase, Van Moders aguçou o ouvido e logo mergulhou em profundas reflexões. Acompanhava os outros com movimentos automáticos, mas não participava mais da conversa. Parecia ter dado com um problema muito importante.

Examinaram a gigantesca caverna e chegaram à conclusão de que todo o planetóide era formado por cavernas dessa espécie, ligadas entre si. Era uma conclusão acertada, conforme veriam mais tarde. Mas a maior surpresa ainda estava por vir...

Quem a proporcionou foi Gucky. Mais tarde Bell diria que só poderia ter sido assim, já que o rato-castor era o maior curioso entre os membros da expedição. Excepcionalmente Gucky recebeu esta observação como um elogio.

Ao que parecia, os luxides não representavam um perigo imediato para os membros do grupo, e por isso o grupo resolveu separar-se. Ras levou o hipno Noir e o Capitão Sikhra para examinar as cavernas superiores. Gucky, Rhodan e Van Moders penetraram nas profundezas do planetóide.

Saltaram e materializaram-se no interior de um enorme espaço oco, situado trinta quilômetros abaixo da superfície, onde não havia nenhuma gravitação, por menor que fosse. O chão era de rocha nua. Não havia nenhum sinal de luxides mortos. E também não se notava a presença de luxides vivos. Talvez o espaço oco se tivesse formado por acaso, mas o chão de rocha muito liso parecia indicar o contrário. Aparentava ser artificial; tinha-se a impressão de que a rocha fora derretida.

Ligaram os faróis.

A luz intensa foi refletida por uma parede inteiriça. Não apareceu nenhum luxide para deleitar-se com a energia liberada de repente. Nestas profundezas tudo parecia morto e abandonado.

— Lá adiante a parede está interrompida — constatou Gucky e fez seu farol girar. — Parece uma espécie de porta. Vamos dar uma olhada?

Rhodan e Van Moders ainda não haviam soltado sua mão, a fim de não retardar a retirada, caso esta se tornasse necessária. Como não houvesse perigo imediato, soltaram-se.

— É claro que vamos dar uma olhada — decidiu Rhodan. — Precisamos conhecer tudo sobre este planetóide. Não consigo livrar-me da impressão de que demos com uma coisa muito importante... um mistério que interessa à Via Láctea.

Gucky só esperara que Rhodan proferisse algumas palavras que lhe servissem de estímulo. Caminhou lentamente, como se levitasse, em direção à parede. Quase perdeu o apoio dos pés, girando duas vezes sobre o próprio eixo, que nem um pião, antes que tivesse tempo de regular o campo gravitacional de seu traje.

— É um verdadeiro balé — cochichou Van Moders, encantado, enquanto seguia juntamente com Rhodan o rato-castor que ia à frente. — É pena que Bell não viu isto.

— O que é que eu deveria ter visto? — perguntou o gorducho, que acompanhara a palestra pelo intercomunicador. — Alguém está dançando?

— Gucky está — respondeu Van Moders. — Depois contarei.

O rato-castor não prestou atenção ao diálogo. Passando pela ampla porta, entrou na sala contígua. Os homens que o seguiam ouviram-no soltar um pio espantado. Depois disso passou a falar em tom exaltado.

Apressaram-se ainda mais.

— Descobriu alguma coisa? — perguntou Rhodan, mas não obteve resposta.

Finalmente também entraram na sala. Pararam, perplexos. O quadro que surgiu diante de seus olhos realmente era espantoso, ainda mais que haviam acreditado que sobre o planetóide, ou em seu interior, nunca existira vida inteligente.

Encontravam-se numa gigantesca sala de máquinas.

A luz dos faróis bastou para mergulhar a sala numa intensa luminosidade, fazendo com que todos os detalhes saíssem da eterna escuridão. Grandes fileiras de enormes geradores descansavam em meio a conjuntos desconhecidos. Eram blocos de metal esféricos, condutos prateados e isoladores que reluziam num vermelho-profundo. Ainda havia telas apagadas e painéis de controle.

O conjunto apresentava o caráter inconfundível de um sistema de propulsão. E, como o mesmo estivesse instalado no interior de um planetóide, só havia uma conclusão a ser extraída. Rhodan enunciou-a:

— É mais ou menos a mesma coisa que os pos-bis fizeram. Ao menos, alcançaram o mesmo efeito. O planetóide foi arrancado à força do grupo de sua galáxia e enviado para uma viagem muito longa. É oco. Logo, serviu de abrigo aos luxides, talvez de meio de locomoção. Não consigo imaginar como os seres de luz puderam conceber e construir uma instalação deste tipo.

Gucky continuou a avançar entre a confusão de máquinas e blocos. Ouvira a observação de Rhodan pelo intercomunicador e, como concordasse integralmente com a mesma, não fez nenhum comentário. Escutou Van Moders dizer que também não acreditava que os luxides tivessem capacidade técnica para isso. Além disso não conseguia imaginar como os seres imateriais puderam realizar um trabalho material.

O rato-castor chegou ao fim do corredor estreito e finalmente viu aquilo que procurara inconscientemente.

Seu grito de surpresa chegou aos ouvidos dos dois homens.

Rhodan assustou-se.

— O que houve, Gucky? Está ouvindo? Aconteceu alguma coisa?

Ansiosos, os dois homens esperaram a resposta, que não demorou.

— Aconteceu muita coisa!

A voz de Gucky parecia estridente e desfigurada, mas talvez fosse o intercomunicador. Aliás, era de espantar que as paredes e os tetos não funcionassem como obstáculos, permitindo que a comunicação com a Teodorico fosse mantida.

— Venham cá! — pediu o rato-castor.

Rhodan sentiu-se aliviado. Se Gucky falava desse jeito, não havia perigo. Apenas descobrira alguma coisa que queria mostrar-lhe. Não tiveram nenhuma dificuldade em prosseguir pelo corredor no qual o rato-castor acabara de desaparecer. Logo o avistaram.

Quando se aproximaram e acompanharam a direção de seu olhar, viram o que havia descoberto.

Estavam num pavilhão amplo de teto baixo, separado da sala de máquinas apenas por uma porta quadrangular. Em virtude da falta de atmosfera, tudo se conservara da forma como era há séculos, milênios, ou talvez há mais tempo ainda...

Inclusive os laurins!

Estavam mortos; haviam morrido há tempos imemoriais. Deitados uns sobre outros, encontravam-se na posição em que a morte os surpreendera. À primeira vista pareciam ter alguma semelhança com os humanos, mas ao segundo lance de vista percebia-se a diferença enorme que havia entre eles e as formas de vida humanóide.

Tinham o aspecto de estacas de quase dois metros de comprimento. Na extremidade superior de seus corpos finos havia um pescoço comprido que terminava numa cabeça que não era maior que um punho fechado. Os membros dos laurins pareciam cobras. Eram dois braços, três pernas e três olhos na cabeça. Já não havia a menor dúvida de que o planetóide fora transformado numa gigantesca espaçonave pelos laurins, que com ele pretendiam vencer o grande abismo.

As conclusões resultantes da descoberta eram apavorantes.

— Conseguiram! — disse Rhodan, enquanto permanecia imóvel, contemplando a gigantesca sepultura do inimigo comum. — Conseguiram vencer o abismo, e é possível que isso tenha acontecido há muitos milênios. Os cientistas determinarão há quanto tempo os cadáveres estão aqui. Assim espero. Mas não compreendo por que foram à nebulosa de Andrômeda, apenas para, com o emprego de recursos tremendos, roubar um planetóide e levá-lo à Via Láctea. Será que não havia um meio mais barato de fazer isso?

Van Moders abanou a cabeça.

— Sem a tripulação de luxides não — disse.

— O que quer dizer com isso? — perguntou Rhodan.

O robólogo estreitou os olhos e explicou:

— Os laurins são muito inteligentes para fazer qualquer coisa sem motivo. Fariam tudo para destruir os robôs. O senhor poderia imaginar um meio melhor de conseguir isso que os luxides? Afinal, são seres que vivem de energia e dela se apoderam sem escrúpulos, sempre que farejam sua existência. Os laurins compreenderam isso.

“Não sei de onde vieram os luxides, mas tenho certeza de que não existem em nossa Galáxia. Por isso os laurins os foram buscar na nebulosa de Andrômeda. Talvez soubessem de sua existência pelos relatórios de velhas expedições e por eles se guiassem. Para nós, sempre será um segredo como conseguiram capturar os seres de luz e obrigá-los a permanecer no interior do planetóide oco, mas o fato é que conseguiram. Quando já estavam a caminho, os propulsores falharam, os mantimentos esgotaram-se e o sistema de renovação de ar deixou de funcionar. Os laurins morreram.

“Mas os luxides sobreviveram. Retiraram toda a energia existente nos propulsores, mas a mesma não foi suficiente. Esfomeados e quase mortos, os luxides vagavam pelo espaço, em direção à nossa Via Láctea, até que nós chegamos. É só, mas apenas no que diz respeito a este planetóide.”

Rhodan retribuiu o olhar sério de Van Moders.

— Quer dizer que, em sua opinião, talvez haja outros planetóides como este a caminho da Via Láctea?

O técnico acenou com a cabeça.

— Não tenho a menor dúvida quanto a isso. Uma frota de planetóides preparados pelos laurins, cheios de seres que têm fome de energia e só esperam o momento de precipitar-se sobre os sóis dos mundos habitados ou sobre as naves planetárias. E esses seres representam o perigo mais terrível que já existiu. Por certo os laurins pretendiam dirigir esses planetóides de tal forma que fossem parar nos mundos dos pos-bis. Para os robôs, isso representaria uma catástrofe total. E o mais interessante, Mr. Rhodan, é que posteriormente os laurins poderiam recolher calmamente os pos-bis, sem enfrentar o menor risco. Só o plasma hostil seria destruído, mas não os robôs. Seria uma batalha fulminante não acompanhada de qualquer destruição. Uma idéia quase genial.

Bell chamou da Teodorico.

— O plano não tem nada de genial, Van Moders; é diabólico. Caso sua teoria seja correta...

— Ela é correta. Não tenha a menor dúvida, Mr. Bell.

— Pois bem. Caso seja correta, então a Via Láctea está em perigo. Não sabemos quantos desses planetóides estão a caminho de nossa Galáxia, e em quantos deles os propulsores ainda estão funcionando. Precisamos interceptá-los.

Gucky passara pela longa fileira de laurins mortos e estava voltando ao ponto de partida de sua excursão. Ouvira os receios de Bell.

— Não devemos subestimar o perigo — concordou. — Os laurins estão mortos, mas o que acontecerá com os luxides, que estão segurando nossa nave? Como poderemos escapar deles? Qual é sua sugestão, Van Moders? O senhor costuma ser tão inteligente.

— Já andei pensando sobre isso, Gucky. Talvez tenha uma saída, mas antes de mais nada preciso falar com o Dr. Keller e o Major Narco, que conhecem o “kalup” melhor que eu.

— O campo de absorção? — perguntou Rhodan, espantado. — O que é que isso tem que ver com os luxides?

Van Moders sorriu.

— Prefiro ainda não falar sobre isso, mas acredito que encontremos um meio de escapar dos luxides. E estes ainda sairão machucados. Machucados...? Pois bem...

Não disse mais que isso.

Tentaram contar os cadáveres, mas logo desistiram. Mais de mil laurins deviam ter morrido ali.

Ras, Noir e Sikhra nada descobriram. Enquanto se deslocavam, os seres brancos feitos de luz esvoaçavam constantemente em torno deles, atacando-os sem qualquer resultado. Não encontraram máquinas, nem laurins mortos. Apesar disso sentiram-se aliviados quando Rhodan, Van Moders e Gucky apareceram. Naturalmente tinham acompanhado a conversa e por isso estavam informados sobre tudo. Ainda estavam assustados até a medula dos ossos.

Um salto conjunto levou todos de volta à Teodorico.

 

O Comodoro Claudrin permaneceu em sua poltrona especial. Sua voz retumbava:

— Um planetóide transformado em espaçonave? É fantástico! Afinal, não devemos esquecer que o planetóide tem cerca de oitocentos e cinqüenta quilômetros de diâmetro. Precisa-se de uma boa quantidade de energia para movimentá-lo... até mesmo pelo hiperespaço.

Rhodan fez um gesto afirmativo.

— De qualquer maneira, acho que não existe nenhuma dúvida quanto à finalidade desse esforço. Os laurins pretendiam levar o planetóide cheio de seres energéticos para perto dos planetas dos pos-bis, onde os luxides se precipitariam com uma incrível gulodice sobre tudo que tivesse um pouquinho de energia. Os cérebros de plasma seriam destruídos em primeiro lugar. É verdade que não poderíamos fazer nada para evitar que isso acontecesse, e pouco nos importa o que os laurins façam com os pos-bis. Mas também poderemos ser atingidos pelo perigo. Certos planetóides, que errassem a rota ou cujos propulsores falhassem, poderiam ser tangidos para a Via Láctea. Imaginem o que aconteceria se um planetóide desse tipo entrasse no campo de gravitação de algum sol! Será que teríamos um meio de defender-nos contra um ataque dos luxides?

— Com isso chegamos ao que importa — disse Van Moders. Via-se que já estava esperando há muito tempo por essa oportunidade. — Afinal, estamos em apuros, e por isso temos todo motivo para refletir sobre um meio de combater os luxides. Antes do início desta conferência estive na sala de máquinas, onde falei com Keller e o Major Narco. Conversamos demoradamente sobre as características do conversor kalupiano. Nessa oportunidade dei com um fato interessante. Um fato que aliás é tão comum que dificilmente teria despertado nossa atenção.

Fez uma pausa cheia de tensão e lançou um olhar de triunfo para os homens que ouviam sua exposição. Rhodan sorriu, mas não lhe fez o favor de formular qualquer pergunta. Bell ficou com a boca semi-aberta, o que provocou um sorriso alegre no rato-castor. Contudo não havia nenhum motivo para ficar alegre. A situação da Teodorico era muito grave.

Van Moders prosseguiu em tom indiferente:

— Pois bem. Trata-se de um fato corriqueiro, mas que se torna interessante. Naturalmente isso só acontece na situação em que nos encontramos. Todos sabemos que o conversor kalupiano cria um campo de absorção, isso quando consome energia para criar hiperimpulsos. Esses impulsos saem do Universo einsteiniano e desaparecem para sempre no hiperespaço, ou seja, na quinta dimensão. Qual é a conseqüência que resulta disso? Pois não, Mr. Bell.

Bell acabara de fechar a boca, gesto que Van Moders provavelmente interpretara como uma pergunta. Mas Bell não perguntou nada. Parecia ter compreendido o que o robólogo estava insinuando. Rhodan também acenou com a cabeça, em sinal de que estava compreendendo. Só Claudrin fez uma observação.

— Tomara que dê certo. O senhor quer tentar essa experiência? O senhor pode garantir que o propulsor não será prejudicado e...?

— Infelizmente Mr. Van Moders não pode garantir nada — disse Rhodan, vindo em auxílio do robólogo. — Como poderia, comodoro? Será que isso faz alguma diferença? Olhe para as telas. Estamos sendo atacados ininterruptamente pelos luxides. Felizmente concentram seus ataques sobre os propulsores e as reservas energéticas ainda existentes, enquanto os homens só são atacados esporadicamente. Assim mesmo já é muito. Metade dos homens já está de cama, nas enfermarias ou nos alojamentos. Se não fizermos nada, estaremos irremediavelmente perdidos. Nestas condições não importa que alguém nos dê garantias ou não. Temos de experimentar, para descobrir se a teoria de Van Moders é correta ou não.

Claudrin lançou um olhar indagador para o robólogo.

— Parto do pressuposto de que os luxides são seres tridimensionais, como nós — disse este a título de explicação. — Nutrem-se de energia pura, e portanto só podem ser formados pela mesma. Se conseguirmos atraí-los por meio de raio de tração para os pólos dos conversores, eles se transformarão forçosamente em hiperimpulsos e desaparecerão no hiperespaço. Dessa forma ficaremos livres deles.

— É tão simples! — exclamou Bell. Via-se que estava triste por não lhe ter ocorrido a mesma idéia. — É mais simples do que derrubá-los.

— Exatamente — confirmou Van Moders. — Ocorreu-me essa idéia quando nos encontrávamos no interior do planetóide. Tomara que dê certo.

— Isso nos custará uma boa quantidade de energia — resmungou Claudrin.

— Ainda temos bastante — disse Rhodan para tranqüilizá-lo. — De qualquer maneira precisamos descobrir se existe alguma arma contra os luxides. Sem dúvida outros planetóides estão a caminho com eles, e se os propulsores estiverem funcionando, poderão chegar à Via Láctea hoje, amanhã ou daqui a cem anos. É possível que alguns já tenham chegado, sem que o descobríssemos. Uma coisa é certa. O Imortal teve um motivo para comunicar-nos a posição do planetóide. Por isso devemos ficar-lhe gratos, se é que ainda conseguiremos sair daqui.

— Pelo que sei, ele é capaz de ficar doente de tanto rir se ficarmos presos. — Conjeturou Gucky e apressou-se a acrescentar: — Mas aposto que, se necessário, ele nos ajudará.

— Talvez — disse Rhodan e levantou-se. — Van Moders, acho que ninguém tem qualquer objeção contra sua proposta. Vamos dar início à experiência?

— Falei com o Major Narco. Diz que só devemos começar daqui a três horas, no mínimo. Antes disso devemos tentar atrair para a superfície todos os luxides escondidos no interior do planeta. Sugiro que deixemos isso por conta dos canhões energéticos. Não há nada que os luxides apreciem tanto como um bombardeio eficiente.

— Terei muito prazer em alimentar esses bichos — piou Gucky entusiasmado, batendo na coronha de sua arma energética.

— Os seres de luz que ainda se encontram no interior da nave também deverão ser atraídos para fora — sugeriu Rhodan. — Talvez o consigamos, se dispararmos algumas salvas com os canhões.

Era uma aventura que quase parecia um jogo. Na verdade, os luxides representavam um perigo mortal. Só no abismo vazio, onde não havia sóis nem estrelas, eram relativamente inofensivos. Mas se um planetóide como este surgisse em plena Via Láctea, onde talvez pudesse romper-se em virtude de uma explosão planejada, os seres energéticos se precipitariam sobre os sóis e planetas mais próximos, roubando-lhes as reservas energéticas vitais.

Rhodan sabia que as coisas não poderiam jamais chegar a este ponto.

 

Os disparos energéticos não foram feitos em vão.

Além de atrair os luxides para fora de seus esconderijos, abriram a crosta do planeta em muitos pontos, criando novas saídas. Os seres medonhos saíram do planetóide, alguns invisíveis, alguns com uma coloração rosada, e agitavam-se em densas nuvens em torno da nave. Executavam uma dança pavorosa. Só os disparos energéticos ocasionais evitavam que penetrassem na Teodorico.

De repente os raios fulgurantes cessaram.

A dança fantasmagórica parou.

Rhodan, Van Moders, Bell e Claudrin observavam as reações dos luxides nas telas. Dali a alguns segundos veriam se ao menos a primeira parte de seu plano se realizaria.

Hesitantes, alguns luxides saíram das nuvens e cambalearam em direção à Teodorico.

Rhodan fez um sinal para Van Moders.

O robólogo viu na tela do intercomunicador o rosto tenso do Major Narco, que se encontrava na sala dos propulsores, onde aguardava ordem para dar início à ação.

— Já!

Segundos depois, o raio de tração passou cintilante pela superfície do planetóide. Não era tão impressionante quanto as descargas dos canhões energéticos, mas era muito mais eficiente.

Os luxides farejaram a nova fonte de energia e precipitaram-se sobre a mesma como uma matilha de lobos famintos. Aproximavam-se aos bandos. O forte raio de tração agarrou-os e não os soltou mais. Um caos turbilhonante de luxides indefesos afluiu à nave.

Van Moders voltou a fazer um sinal para Narco.

— Ligar os conversores!

No primeiro instante não se viu nenhuma modificação do lado de fora da nave. Um número cada vez maior de luxides foi atingido pelo raio de tração, que os arrastou para a sala de máquinas da Teodorico, onde foram parar em massa sobre os pólos dos conversores. Comprimiram-se, ocupando pouco lugar. Pareciam um tapete denso de gases comprimidos.

Rhodan, que não tirava os olhos das telas, disse:

— Quase todos já desapareceram. Só uns poucos ainda estão saindo do planetóide, para precipitar-se imediatamente sobre o raio de tração. Acho que já pode continuar; não haverá perigo de os outros desconfiarem, se é que são capazes disso.

— Hiperimpulsos! — disse Van Moders, dirigindo-se a Narco.

Os conversores foram regulados para a potência máxima.

Os homens que observavam o espetáculo na sala de comando não viram exatamente o que estava acontecendo. Mas a luminosidade que surgiu nos propulsores instalados na protuberância equatorial da Teodorico mostrou que os hiperimpulsos estavam saindo da nave. Porém uma pessoa que se encontrasse no planetóide teria oportunidade de presenciar um estranho fenômeno.

A Teodorico entrou em incandescência na zona equatorial. Nos lugares em que estavam instalados os propulsores, bilhões e bilhões de partículas luminosas saíam do envoltório da nave e precipitavam-se para o espaço vazio, onde se desfaziam. Estavam desaparecendo no hiperespaço. Absorvidos pelo conversor sob a forma de energia e transformados em impulsos, os luxides já não poderiam existir da maneira como aquela que estavam acostumados. Escorregaram para a quinta dimensão e permaneceram na mesma.

Dali a dez minutos os fenômenos luminosos tornaram-se menos intensos. Foi o que Gucky constatou num salto ligeiro para a superfície do planetóide. O número dos luxides arrastados pelo raio de tração e destruídos aumentava cada vez mais. Finalmente não apareceu mais nenhum desses seres. O anel luminoso apagou-se.

Van Moders mandou desligar o conversor.

O zumbido vindo do interior da nave cessou e as vibrações deixaram de ser sentidas.

Rhodan suspirou, aliviado, e apertou a mão de Van Moders.

— O senhor conseguiu — disse. — Todos devemos ficar-lhe gratos. O senhor acredita que a arma de que dispomos também servirá para rechaçar um ataque dos luxides contra a Terra?

— Sem dúvida — respondeu Van Moders, retribuindo o aperto de mão de Rhodan. — Poderemos construir superconversores com raios de tração e pólos superpotentes. Uma vez instalados nos mundos que estejam em perigo, os mesmos destruirão qualquer luxide que se atrever a chegar perto. A esta altura não acredito mais que eles representem um perigo grave, desde que sua chegada seja percebida em tempo.

— Isso é o pressuposto da vitória sobre qualquer inimigo — disse Rhodan com um sorriso, mas seu rosto logo voltou a ficar sério. — Comodoro — disse, dirigindo-se a Claudrin — que tal uma decolagem experimental? Quero regressar o mais rápido possível à Via Láctea. Quem sabe quantos desses diabólicos corpos ocos já estão a caminho de nossa Galáxia?

Gucky empertigou-se.

— Gostaria de olhar mais uma vez o planetóide com toda calma — disse.

— Não será desta vez — respondeu Rhodan. — Já sabemos o que há atrás disso, e provavelmente era essa informação que o Imortal queria que chegasse a nós, quando nos forneceu a posição do planetóide. Não cumprimos a nossa tarefa primitiva porque não encontramos Bárcon. Queríamos saber o que havia com o plasma pensante. Em vez disso descobrimos o meio de que os laurins dispõem para destruir esse plasma. Dessa forma também desmascaramos a arma principal dos invisíveis e podemos preparar-nos para o ataque dos mesmos. Além disso já compreendo por que no momento os laurins mantêm atitude passiva. Querem que os luxides se encarreguem de desfechar o ataque contra nós. Na verdade, tenho pena das criaturas de que estão abusando.

— Criaturas? — repetiu Claudrin, em tom de desprezo.

— Isso mesmo! — disse Rhodan, enfático. — São criaturas e seres inteligentes, mesmo que não os compreendamos. Têm direito de existir, pois, do contrário, nunca teriam surgido no Universo. Suas intenções podem parecer hostis, mas na verdade não são. Os laurins aproveitaram em prol de seus objetivos duvidosos a propriedade de armazenar toda e qualquer forma de energia que esses seres possuem. Os luxides são inocentes. Só os destruirei por não haver outra saída.

Claudrin manteve-se calado. Ficou embaraçado e passou a observar as telas vazias.

— Viu? — chilreou Gucky e foi ao sofá.

— Nem todos pensam como você.

— Decolaremos dentro de meia hora — ordenou Rhodan e fez um sinal para Gucky.

— Antes disso, você e eu daremos um pequeno passeio. Iremos ao planetóide.

Dali a alguns segundos os dois desapareceram.

 

Os propulsores emitiram um zumbido. O Comodoro Claudrin regulou-os para a aceleração mínima. A Teodorico desprendeu-se lentamente do planetóide e foi saindo para o espaço, tomando a direção da Via Láctea muito distante.

As enfermarias foram ficando vazias durante a primeira etapa do vôo. Os homens recuperaram-se rapidamente e puderam voltar aos seus postos. A subtração de energia realizada pelos luxides não produziu seqüelas prejudiciais à saúde.

O vôo de regresso foi tão normal quanto o avanço no abismo. Os propulsores funcionaram perfeitamente e recuperavam-se durante as pausas regulares, nas quais Teodorico desenvolvia apenas a velocidade da luz. Andrômeda já se tornara menor.

Só no quinto dia de viagem o Major Narco convocou uma conferência dos especialistas. Rhodan também esteve presente. Van Moders permaneceu imóvel a seu lado. Parecia preocupado.

Quem tomou a palavra foi o Dr. Bernd Keller, um austríaco magro e moreno.

— Minha tarefa consistiu em registrar e estudar eventuais avarias que surgissem durante a expedição. Queríamos verificar se os sistema de propulsão linear é capaz de realizar vôos prolongados sem que surjam manifestações de fadiga do material. Caso nada acontecesse, poderíamos contar com a possibilidade de que um dia uma nave terrana vencesse a distância que nos separa da nebulosa de Andrômeda. Infelizmente devo comunicar-lhes que a solicitação extraordinária a que submetemos a Teodorico produziu perigosas conseqüências.

Rhodan lançou um olhar indagador para Van Moders. O robólogo respondeu com um aceno quase imperceptível da cabeça. Estava informado.

— Não há motivo para preocupações — prosseguiu Keller, levantando a mão num gesto tranqüilizador. — Apesar disso achei conveniente não informar os tripulantes sobre o que constatamos. Realmente surgiram fenômenos de fadiga do material, em virtude dos quais se torna imprescindível uma revisão geral, e imediata, do sistema de propulsão. Este serviço não pode ser executado durante o vôo, pois exige as instalações do estaleiro. Se quiséssemos prosseguir na direção de Andrômeda, essa revisão tornar-se-ia ainda mais premente. Todos somos de opinião que a Teodorico poderá prosseguir viagem, sem sofrer avarias, pelo menos até a Via Láctea. Mas desde já devo informá-los, com segurança absoluta, e que nestas condições técnicas o vôo para Andrômeda terminaria irremediavelmente numa catástrofe.

Rhodan fitou-o por alguns segundos e acenou com a cabeça.

— Obrigado por suas palavras francas, doutor Keller. Quer dizer que em sua opinião devemos prosseguir viagem sem intercalar uma pausa mais prolongada?

— Acho que assim praticamente não envolverá nenhum perigo. O perigo de catástrofe só se tornaria iminente depois de um vôo de um milhão de anos-luz. É claro que pode ocorrer imediatamente, mas isso é pouco provável. Até pode verificar-se por ocasião da decolagem na Terra.

O rosto de Rhodan não revelou a decepção que devia sentir naquele momento.

— Transmitirei as instruções necessárias ao Comodoro Claudrin — disse com a maior tranqüilidade. — Ainda quero pedir-lhe que registre por escrito o resultado de suas observações, em todos os detalhes, e me forneça uma cópia. Em outra oportunidade ainda teremos de voltar ao assunto.

Dali a pouco, a Teodorico iniciou a etapa seguinte de seu vôo. Os propulsores continuavam a funcionar tão impecavelmente como antes. Entre as pessoas que se encontravam a bordo, poucas sabiam que o material estivera submetido a uma solicitação extraordinária. Se houvesse alguma falha, mesmo parcial, o reparo das avarias poderia demorar vários dias. Se a falha atingisse várias peças...

A nebulosa de Andrômeda ficava cada vez menor: encolhia-se e voltou a ser a névoa alongada, insignificante e situada a uma distância infinita. Enquanto isso a faixa luminosa da Via Láctea se ampliava, a cada hora se aproximava, ia crescendo.

Quando se encontravam a dez mil anos-luz dos limites da Via Láctea, Rhodan entrou em contato com Atlan pelo hiper-rádio. Era a primeira vez em quase trinta dias que voltava a ouvir a voz de um ser humano que não se encontrava a bordo da Teodorico.

Atlan não contou nada de novo. Estava tudo calmo. Os laurins não haviam tentado nenhum ataque e os pos-bis não deram sinal de sua presença. Os acônidas mantinham uma discreta atitude de expectativa, se bem que ninguém sabia o que estavam esperando. Quanto ao mais, não havia problemas.

Rhodan agradeceu ao amigo e preferiu não lhe relatar sua experiência com os luxides. Atlan teria conhecimento disso mais cedo do que seria de desejar.

As últimas etapas do vôo foram iniciadas.

Assim que entrou na Via Láctea, a Teodorico foi seguindo diretamente para Peregrino. Rhodan estava firmemente decidido a fazer algumas perguntas ao Imortal. Desta vez não se contentaria com desculpas baratas. Se bem que não pudesse deixar de confessar que deveria agradecer ao Imortal pela última informação que este lhe fornecera.

Dali a dois dias, a Teodorico pousou em Peregrino.

 

Desta vez havia duas figuras humanas no campo de pouso, à espera dos terranos. Rhodan examinou com o sobrecenho cerrado sua imagem projetada na tela, enquanto a Teodorico pousava suavemente.

— Um dos dois é Homunk — disse Bell, que estava ao lado dele. — Quem será o outro? Um novo robô?

Rhodan abanou lentamente a cabeça.

— Não acredito. Acho que desta vez o Imortal não se negará a falar conosco — contemplou o velho de barba branca, que estava parado ao lado de Homunk e não se movia. — Deve ter agido com uma intenção definida ao apresentar-se sob uma figura que imediatamente provoca compaixão e simpatia.

— Será que você acha...? — Bell calou-se e olhou para a tela. Era verdade. O velho parecia simpático e provocava compaixão. Tinha-se pena dele, que estava parado, só e aparentemente indefeso, na extremidade do grande campo de pouso. Até chegava a apoiar-se num bastão tosco.

— É ele mesmo — asseverou Rhodan.

— Gucky, leve-me até lá. A Teodorico será mantida em condições de decolar a qualquer momento. Não demoraremos muito.

O rato-castor segurou a mão de Rhodan, calculou o pequeno salto e desmaterializou-se.

Quando voltou a enxergar, Rhodan defrontou-se com o olhar bondoso e indagador do velho, que não parecia nem um pouco surpreso com seu súbito aparecimento. Gucky soltou sua mão e manteve-se num silêncio extraordinário. Até parecia que estava sendo dominado por uma timidez que ainda não conhecia, mas era possível que apenas confiasse mais no seu instinto que Rhodan.

— Felicito-o por seu feliz regresso — disse o velho em tom suave, mas enfático. Homunk ficou com o rosto impassível.

Cumprimentou Rhodan com um aceno de cabeça e foi se afastando.

— Está gostando de minha nova figura?

— Ao menos oferece um aspecto mais familiar que uma esfera luminosa ou uma névoa — confessou Rhodan com um sorriso, enquanto insinuava uma mesura. — Obrigado pelas boas-vindas. É bem verdade que por pouco não voltamos. Você conhecia o perigo?

— Você acha que, se não conhecesse, eu lhe teria dado a posição?

Apontou com o bastão na direção das colinas próximas. Havia um banco convidativo por perto que há pouco ainda não estava lá. Era um convite mudo. Lentamente foram caminhando nessa direção. Gucky seguiu-os a uma distância regular.

Sentaram-se. O Sol atômico produzia um calor agradável. Uma brisa suave acariciava a barba branca do Imortal.

— Você me enganou, pois disse que eu encontraria Bárcon.

— Não foi o que afirmei quando lhe forneci as coordenadas. Apenas disse que lhe daria a posição. E ainda lhe disse que enfrentaria perigos e teria uma surpresa. E isso realmente aconteceu.

— Você queria que me visse diante do perigo dos luxides?

— Queria, sim. É um perigo vindo do passado, pois os planetóides ocos foram postos em movimento pelos laurins há mais de dez mil anos. Não atingem velocidade elevada, mas o tempo em que os planetóides intactos atingirão nossa Via Láctea está próximo. Você mesmo teria de vencer o perigo e... conseguiu.

De repente Rhodan teve uma idéia. Se fosse correta, a vontade de ajudar demonstrada pelo Imortal teria uma base lógica.

— Os luxides, que é como chamamos os seres energéticos, também representam um perigo para você?

O velho, que talvez fosse a criatura mais poderosa do Universo, fitou os olhos de Rhodan e acenou lentamente com a cabeça.

— Você sabe quem eu sou: um ser que teve sua origem na espiritualização de toda uma raça desaparecida. Sou energia, que pode ser materializada à vontade e a todo instante em qualquer forma. A energia é a base de minha existência e... os luxides devoram qualquer forma de energia. Não posso enfrentá-los com energia, pois com isso apenas os alimentaria. E a matéria...? Perry Rhodan, os luxides representam uma forma de vida que por sua própria natureza tem de ser hostil à minha forma de vida. Se um planetóide desse tempo chegasse a Peregrino e rompesse o campo temporal, estaria perdido.

A revelação do Imortal produziu um choque em Rhodan. Este abanou a cabeça.

— Não acredito. Não posso acreditar. Você existe em outro plano temporal, se quiser assim. Com isso os luxides não poderiam atingi-lo. Além disso nós os destruímos, transformando-os em hiperimpulsos, que são uma forma de energia.

— Sei disso, Perry Rhodan. Vejo que valeu a pena fazer o vôo para o abismo. Tanto para você como para mim. Você já conhece o perigo e está preparado para enfrentá-lo. E eu sei que um dia, quando precisar, terei um aliado poderoso.

Para ele, o assunto parecia encerrado. Inclinou ligeiramente o corpo e apontou com o bastão para Gucky, que se acomodara no chão arenoso morno, a alguns metros.

— Então, como vai meu pequeno peludo? Ainda é tão atrevido como costumava ser?

Gucky levantou a cabeça. Um brilho alegre surgiu em seus olhos, mas por estranho que pudesse parecer, a resposta foi proferida em tom suave e pacato:

— Só quando é necessário.

— Ah! — disse o Imortal e parecia refletir sobre se deveria pôr essas palavras à prova. Mas acabou dirigindo-se novamente a Rhodan. — Quero dizer-lhe mais uma coisa, amigo. O abismo ainda é grande demais para você e seus terranos. Acho que a esta hora você já sabe disso. Para transpô-lo precisa-se de algo mais que um sistema de propulsão linear. Você nunca chegaria à nebulosa de Andrômeda; se chegasse, não poderia empreender o vôo de regresso. O tempo ainda não amadureceu...

— Mas os laurins conseguiram! — interrompeu Rhodan, em tom amargurado.

— Conseguiram em outros tempos. Hoje dificilmente seriam capazes disso, se é que pelo menos tentariam... Preste atenção ao que vou lhe dizer, Rhodan! Não arrisque levianamente. É possível que um dia você encontre o caminho certo e...

Interrompeu-se repentinamente e lançou um olhar atento para Rhodan, como se quisesse penetrar seu cérebro com os olhos. De repente soltou uma gargalhada e enfiou o bastão profundamente na areia.

— Ora, Rhodan! O que está pensando? Será que você vai...? — calou-se por um instante e levantou o dedo num gesto ameaçador. — Você tem cada idéia louca, meu caro! Nem pense em pô-las em prática. É bom que saiba que, se um dia chegar à nebulosa de Andrômeda, você se defrontará com perigos que nem mesmo a fantasia mais descontrolada consegue imaginar. Os luxides são o menor desses perigos. Em Andrômeda toda a natureza será contra você, porque não é a sua.

Rhodan refletiu sobre a advertência, mas não conseguiu imaginar que pudesse haver uma “outra natureza”.

Fez um gesto tranqüilizador.

— Muito tempo passará antes que arrisquemos o salto pelo abismo. Quando chegar a hora, virei pedir seu conselho.

— Há um mês me lembrou a dívida que tinha com você, e eu lhe forneci a posição do planetóide. Dê-se por feliz que não lhe revelei a posição de Bárcon, pois a viagem para lá representaria a morte certa para você e toda a tripulação da nave. Vocês se perderiam não só no espaço, mas também no tempo. Dessa forma nada deveríamos um ao outro... Mas não devemos esquecer-nos dos luxides, e dessa forma nunca ficaremos inteiramente quites.

— Fico-lhe muito grato — limitou-se Rhodan a dizer.

O velho, que estava situado fora do tempo e era imortal como a própria eternidade, levantou-se devagar.

— Dou-lhe mais um conselho — disse depois que Rhodan também se havia levantado e os dois estavam caminhando lentamente em direção à Teodorico. — Assim que chegar a Árcon III, procure entrar em contato com o mundo dos Duzentos Sóis, a fim de prevenir os cérebros de plasma contra os luxides. É possível que nunca obtenha resposta, mas chegará o dia em que você poderá lembrar aos pos-bis a advertência que lhes fez e exigir que demonstrem sua gratidão. Não conte a ninguém como conseguiu escapar ao ataque dos seres energéticos. Será seu segredo; nosso segredo.

Pararam.

O velho ofereceu a mão a Rhodan, enquanto o bastão se dissolvia no ar, desaparecendo sem deixar vestígio.

— Passe bem, Perry Rhodan. Você será feliz, enquanto não se esquecer dos amigos. É possível que um dia até eu tenha de lhe pedir um favor. Espero que, quando isso acontecer, você não exija um preço muito alto. Você e eu somos negociantes espertos e tenazes. Nunca enganamos o outro, mas dificultamos a conclusão dos negócios.

Enquanto apertava a mão do velho, Rhodan sentiu que a mesma se dissolvia. Dali a dois segundos ficou com a mão vazia. O velho tinha desaparecido. No lugar em que se encontrava surgiu uma esfera branca reluzente, que subiu lentamente e, deslocando-se cada vez com maior rapidez, tomou a direção das montanhas distantes.

Finalmente desapareceu.

Gucky aproximou-se no seu andar arrastado.

— Desta vez a brincadeira foi inofensiva — constatou em tom de alívio. — Apenas vimos um ancião transformar-se numa bola de futebol. Não foi nada mau.

— Tenha cuidado, baixinho — advertiu Rhodan. — Você sempre comete o engano de esquecer o Imortal quando não o vê mais. É bem possível que neste momento esteja a seu lado, invisível.

Gucky olhou cautelosamente para todos os lados, segurou a mão de Rhodan e perguntou:

— Vamos saltar?

Dali a dois minutos, a Teodorico decolou sem problemas e subiu ao céu azul límpido. Desta vez o Imortal parecia dispensar as brincadeiras, mostrando-se disposto a deixar que fossem em paz.

Peregrino transformou-se num disco achatado e desapareceu atrás do campo temporal. De repente Gucky materializou-se na sala de comando. Ninguém notara que tinha saído. O rato-castor tremeu que nem vara verde, arrastou-se até o sofá e saltou sobre o mesmo. Lançou um olhar de advertência para Bell e um olhar de súplica para Rhodan.

Diante da insistência geral, informou que fora atacado por dez gatos gigantescos no corredor, perto da sala dos oficiais. Disse que os mesmos tinham vindo de todos os lados, riram e precipitaram-se sobre ele. Eram verdadeiros gatos, apenas dez vezes maiores que os outros.

— É um caso de psicose espacial! — observou Bell em tom preocupado e sacudiu a cabeça. — Como conseguiu escapar?

— Você também teria fugido! — chiou Gucky.

— Fugido... de simples reflexos no ar? Nunca!

— Sempre eu! — piou Gucky em tom queixoso. — O Imortal sempre se diverte à minha custa. E logo foi escolher gatos! Sabe perfeitamente que tenho um medo terrível de gatos que tenham o tamanho de um tigre adulto.

A expressão do rosto de Bell era impagável.

— Você acha que o Imortal...? — apavorado, olhou em torno. — E logo foi escolher gatos? Santo Deus! O que terá imaginado para mim? Não pode deixar de fazer essas brincadeiras estúpidas!

Concluída a primeira etapa do vôo, Bell foi ao seu camarote para dormir algumas horas. Mal fechou a porta, seus olhos se arregalaram. Dez gatos estavam deitados em sua cama, ronronando pacatamente e confortavelmente enrodilhados. Alguns levantaram a cabeça, ronronaram e bocejaram gostosamente. Espreguiçaram-se e continuaram a dormir.

Bell preferiu não pôr os gatos para fora da cama nem relatar o incidente a qualquer pessoa. Deitou no chão, perto da cama, e de tão cansado que estava adormeceu imediatamente.

“É a melhor forma de aborrecer' o Imortal,” pensou para consolar-se.

Mas, na “manhã” seguinte, quando Gucky apareceu para acordar o amigo, surgiu um debate acalorado sobre se o vôo prolongado pelo espaço intergaláctico não poderia produzir certas conseqüências no cérebro humano e...

É que Gucky ficou bastante desconfiado ao notar um homem como Bell dormir no chão, enquanto bem a seu lado a cama bem-feita com os cobertores limpos e arrumadinhos só parecia esperar que ele se enfiasse na mesma.

 

Gonozal VIII, imperador de Árcon, mais conhecido dos terranos pelo nome de Atlan, ouviu em silêncio o relato de Rhodan. Não o interrompeu uma única vez. Quando Perry concluiu, o imperador lançou os olhos pelas janelas amplas do palácio e contemplou o porto espacial de Árcon III, onde a gigantesca esfera da Teodorico, submetida às pressas de uma ligeira revisão, se preparava para o vôo em direção à Terra.

— Quer dizer que vocês lhes deram o nome de luxides? — perguntou em tom pensativo. — Luxides!

— Quando absorvem energia, passam a ter uma luminosidade intensa — disse Rhodan, a título de explicação.

— Não; não é isso — respondeu Atlan. — Se estou pensativo, é por outro motivo. Sou capaz de jurar que num passado distante seres iguais a esses luxides já apareceram em nossa Galáxia. Por favor não faça perguntas, pois não posso dar-lhe qualquer informação. Contudo a lembrança desses seres está bem ancorada em meu subconsciente. Um dia me lembrarei de tudo. Seja como for, representam um perigo tremendo. E isso também para o plasma pensante cuja disposição para conosco é amistosa. Vamos preveni-lo, já que o Imortal acha conveniente que o façamos.

— A grande estação de rádio está pronta para transmitir?

— A ordem para isso já lhe foi dada quando você fez uma insinuação nesse sentido. Poderia fornecer-me o texto exato da mensagem? — pegou o bilhete que Rhodan lhe deu. — Está bem. Impulsos cibernéticos a serem transmitidos pelo hiper-rádio. Repetir dez vezes. Quer aguardar a resposta aqui mesmo?

— Não; talvez teria de esperar muito tempo. Tenho coisas importantes a fazer na Terra. Durante o vôo de regresso, você poderá entrar em contato comigo a qualquer momento. Depois use a estação de Terrânia. Assim que a reação do plasma seja conhecida, avise-me. É muito importante. Devemos convencê-lo de que somos seus amigos. Se um belo dia avançarmos até a nebulosa de Andrômeda, perigos enormes nos esperarão. Nesta situação ficaria mais tranqüilo se soubesse que, no intercosmo, possuímos ao menos um amigo: o planeta do plasma, cuja existência é conhecida dos laurins.

Enquanto os impulsos de rádio saíam de Árcon III, a Teodorico iniciou o vôo em direção à Terra.

E este correu sem incidentes. Dali a dois dias, a nave pousou em perfeitas condições no porto espacial de Terrânia.

Rhodan saiu de bordo, acompanhado por Bell. Indagou na sala de rádio se havia chegado alguma mensagem de Árcon. A informação negativa deixou-o decepcionado, pois esperava que o mundo dos Duzentos Sóis ao menos confirmasse o recebimento da mensagem de alerta.

Os cérebros de plasma não demonstraram a menor reação. Provavelmente só o fariam quando um planetóide, cheio de luxides famintos, se aproximasse deles.

Era um consolo muito fraco, mas sempre era um consolo.

No dia seguinte, Rhodan recebeu um relatório minucioso sobre o estado dos propulsores da Teodorico. Estava assinado pelo Dr. Bernd Keller. Rhodan leu, passou-o a Bell e aguardou pacientemente que o amigo o estudasse. Depois perguntou:

— Então, o que me diz?

Bell levantou os olhos. A testa estava enrugada, e em seus olhos havia uma tristeza tão profunda que Rhodan não pôde deixar de rir.

— Numa situação destas, você ainda ri!? — exclamou Bell, indignado. — É um fracasso total. Os propulsores estão completamente desgastados. Recomenda-se encarecidamente uma revisão geral. Se o relatório não exagera, nem conseguiríamos chegar à Lua com isso.

— Quem exagera não é o relatório, mas você, Bell. Não há dúvida de que o material apresenta certos sinais de fadiga, e no juízo rigoroso dos técnicos isso equivale a um desgaste total. Afinal, as conseqüências do prolongado funcionamento à potência máxima são estas. Mas tenho certeza de que encontraremos um meio de remover as causas da fadiga do material. Aliás, quais são essas causas? Não é apenas o grau de desempenho, mas também sua duração. Se reduzirmos essa duração, o problema estará resolvido.

— Quer dizer que teremos de voar mais depressa?

Rhodan sorriu e abanou a cabeça.

— Não. Temos de encurtar a distância.

— Encurtar a distância que nos separa da nebulosa de Andrômeda? Não compreendo. São um milhão e meio de anos-luz, e não há como encurtá-los. Já conseguimos muita coisa, mas o impossível sempre ficará fora do nosso alcance.

Rhodan inclinou-se para a frente e respondeu:

— Você sabe o que é impossível? Não existem muitas coisas que há cem anos você ainda considerava impossíveis, e que hoje são naturais? Pois então, meu caro. O mesmo acontece com o encurtamento da distância que nos separa da nebulosa de Andrômeda. Tenho lá minhas idéias. Confesso que são mais que fantásticas, mas contêm um núcleo de realidade. Talvez demore alguns decênios, mas um dia entraremos numa nave que nos levará a outro Universo.

Bell não respondeu. Limitou-se a fitar Rhodan. Finalmente disse com um aceno de cabeça:

— Talvez você tenha razão. Talvez minha atitude seja de ceticismo. Conseguimos tanta coisa. Por que a nebulosa de Andrômeda ficaria fora do nosso alcance? Se chegarmos lá, viveremos a maior aventura que um ser humano jamais experimentou. O vôo à Lua, à estrela mais próxima, a outro grupo estelar ou a um braço diferente da espiral, tudo isso serão viagens corriqueiras em comparação com aquilo que nos espera para além do grande abismo. Mas quando acontecer, quero estar lá, Perry. Um dia...

Rhodan olhou pela janela. Contemplou as avenidas largas da cidade, pelas quais corria o tráfego. Os homens eram conduzidos pelas fitas em direção aos locais de trabalho. Os barcos voadores pareciam levitar sobre os edifícios. Bem ao longe, uma pirâmide esguia subia ao céu límpido do deserto. Era o túmulo de um amigo cuja alma não retornara mais...

— Um dia tentaremos — disse Rhodan. — Será o início de uma nova época de nossa História.

O intercomunicador emitiu um zumbido. Uma equipe de cientistas queria falar com ele para apresentar um relato sobre as pesquisas com o canhão de raios conversores.

Rhodan suspirou.

Estava novamente preso às engrenagens do quotidiano.

 

                                                                                            Clark Darlton  

 

                      

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