Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


MAIS ALÉM DA NOITE / Robin T. Popp
MAIS ALÉM DA NOITE / Robin T. Popp

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Night Slayer / Livro 1

 

 

Grandes línguas de fogo saltavam da estrutura, mais brilhantes que qualquer desdobramento de foguetes, sobre o céu da noite; belas, hipnóticas e... mortais. Lanie Weber deteve-se nas cercanias, sentindo o calor em seu corpo, apesar do amparo do traje térmico.

      —A equipe do Lanie avança pela esquerda; Marcus, você vê pelo centro. Nós iremos pela direita. Vamos! —A voz do chefe de brigada chegou até ela por cima do rugido das chamas, e Lanie assentiu com a cabeça para lhe fazer saber que tinha ouvido sua ordem.

      Com a mangueira em paralelo ao longo de seu braço direito, Lanie agarrou firmemente a boquilha com ambas as mãos. O companheiro que cobria suas costas sustentou-a contra seu cotovelo quando o impacto da pressão da água a enviou para trás logo que esta começou a fluir.

      Lanie ajustou a pressão até obter um jorro controlado e compacto. Concentrou-se no lado esquerdo da estrutura; seu objetivo era conter as chamas e proteger a casa do lado, porque já era muito tarde para salvar a pequena casa de uma planta. Ao menos, ninguém tinha resultado ferido.

      Embora não ouvisse nada além do rugido do fogo, Lanie era consciente da profunda devastação da família. As vítimas pensavam que tinham perdido tudo, mas ela sabia o que significava realmente uma perda. As casas, as roupas, todas as posses podiam ser substituídas. Mas a perda de um ser querido...

      Separou de sua mente aqueles pensamentos e se concentrou em combater o fogo. Depois de dez anos como bombeira voluntária, tanto o calor das chamas, como o aroma acre da fumaça, a camaradagem com os outros voluntários ou inclusive as técnicas de controle e extinção de incêndios resultavam-lhe extremamente familiares. Nessa noite, mais do que nunca, precisava ter muito perto todo o cotidiano familiar.

      Horas mais tarde, Lanie cortou a água pela última vez e pôs a mangueira no chão, deixando-a aos novatos para que a recolhessem. Logo se dirigiu a sua caminhonete. Havia sentido a adrenalina aumentar no transcorrer das horas, pois tinha sido uma noite longa, mas o astro rei já estava à grande altura no céu. Tirou o casco e o atirou à parte traseira da caminhonete, abriu a jaqueta e agradeceu a brisa fresca sobre seu corpo quente e suado.

      —Não tem que tomar um vôo? —O chefe parou ao seu lado, levantando o braço para lhe mostrar o relógio em seu pulso.

      —Bom, acredito que sim. —Sua voz soava tão cansada, como se sentia. Pensou por um momento cancelar tudo, mas já quase tinha terminado com os preparativos.

      —Obrigado por vir —acrescentou—. Teria sido muito mais difícil se você não tivesse se apresentado.

      Encolheu os ombros.

      —De todas maneiras, eu não gosto de estar em casa sem fazer nada e com isto evito pensar em outras coisas, já sabe.

      Ele assentiu e passou um braço ao redor de seus ombros, deu-lhe um abraço paternal e logo se afastou rapidamente, deixando que subisse à caminhonete para enfrentar seu destino..., sozinha.

      Realmente sozinha, porque seu pai tinha morrido.

      Sabia que a dor por sua perda a alcançaria cedo ou tarde, mas nesse momento estava muito intumescida. Era como estar ante um profundo precipício, abatida pelo vento, sabendo que cedo ou tarde acabaria por cair naquele abismo escuro. Mas ainda não. Ficavam muitas coisas por fazer.

      Ao chegar a casa, viu piscar a luz da secretária eletrônica. Ao pôr a mensagem, ouviu a compassiva voz de seu chefe insistindo que tomasse todo o tempo livre que necessitasse. Agradecida, tomou banho e trocou de roupa. Viu que já passava do meio-dia. Tinha estado muito deprimida para jantar na noite anterior e muito ocupada lutando contra o fogo para tomar o café da manhã. Tampouco agora tinha tempo para comer.

      Agarrando a mochila, conectou o alarme de segurança de sua casa e voltou a subir na caminhonete. Atravessou o intenso tráfico de Houston até entrar na rodovia de saída da cidade. Tentou concentrar-se na estrada, mas seus pensamentos retornaram a umas lembranças longínquas, mas ainda presente.

      Tinha doze anos e seu pai a tinha deixado na fria e estéril sala de espera do depósito de cadáveres da cidade, enquanto entrava sozinho para identificar o corpo de sua mãe. Ele não tinha querido que Lanie recordasse a imagem do corpo destroçado de sua mãe durante o resto de sua vida. Queria que, em seu lugar, recordasse de sua mãe como a última vez que a tinha visto com vida: ativa, feliz e cheia de amor e vitalidade.

      E assim era como a recordava. Embora tivesse acreditado firmemente, durante muitos anos, que tudo o que rodeava à morte de sua mãe tinha sido um tremendo engano; que seu pai tinha identificado o corpo errado e que, qualquer dia, sua mãe retornaria. Porque uma mulher tão cheia de vida nunca teria se rendido à morte.

      Agora, dezesseis anos mais tarde, tinha que aceitar outra vez a morte de um ser querido. Desta vez era diferente, pensou. Desta vez, não haveria dúvidas. Na tarde anterior, quando tinha conseguido falar por telefone com o almirante Charles Winslow sobre o acidente de seu pai, mostrou-se muito insistente. Se seu pai estava morto, ela queria ver seu corpo, e não importava quão difícil ou impossível fosse. Se o corpo de seu pai não podia ser repatriado, ela mesma iria à América do Sul.

      Felizmente, o almirante a tinha compreendido. Amigo sempre da família, tio Charles era quem tinha convencido seu, há um ano, para que dirigisse uma investigação secreta. Também tinha sido ele quem sugeriu a companhia aérea privada que a levaria até o povo do Taribu, ao norte da selva amazônica, ocupando-se de todos os detalhes.

      De volta ao presente, Lanie se concentrou em conduzir. Três horas depois, conduziu a caminhonete por uma estreita estrada secundária onde minutos mais tarde encontrou a entrada com um letreiro no alto onde se lia: vôos privados 24 horas. Dey & knight. Atravessando um lugar sujo, estacionou diante da singela construção branca que parecia desconjurada no meio daquela imensidão. Atrás havia dois edifícios menores.

      Ao sair, Lanie viu-se rodeada por um silêncio entristecedor. Perguntou a si mesma se tinha sido uma boa idéia conduzir até ali sozinha, além do fato de viajar até a América do Sul sem companhia alguma, além do piloto.

      Tentando atribuir seu mau pressentimento à fadiga extrema ou ao seu medo de voar, respirou profundamente e entrou no edifício.

      —Olá. —Uma jovem, que vestia um Top decotado e calças curtas azuis folgadas, saudou-a com um sorriso enorme e uns olhos tão quentes como o gengibre—. Você deve ser a senhorita Weber.

      Lanie tentou retribuir o sorriso da atendente, mas foi incapaz.

      —Essa sou eu.

      —Falamos ontem por telefone. Sou Sandra. — situou-se depois do mostrador e tomou um montão de documentos que folheou rapidamente—. Tudo parece estar em ordem. Sairá hoje com destino a Taribu e retornará amanhã, correto?

      Lanie se aproximou para não ter que gritar, pois estava no outro extremo da estadia.

      — Sim. Houve problemas para obter a autorização do almirante Winslow?

      —Não, está tudo arrumado. —Agarrou o radiotransmissor e falando por ele — Mac, sua passageira está aqui.

      Houve algum tipo de resposta ininteligível um segundo depois, que fez com que Sandra sorrisse. Logo centrou sua atenção à Lanie.

      — Mac estará aqui em um minuto. Gostaria de beber ou comer algo enquanto espera? Não? Está bem. Se você mudar de ideia, me chame. Estarei lá dentro. — Assinalou a porta que havia a suas costas, colocou os documentos no mostrador com um sorriso e logo desapareceu depois da porta.

      Lanie se dirigiu à parede do fundo onde tomou assento em uma cadeira. O relógio que havia em cima dela mostrava que havia chegado com uma hora de antecipação e em seu interior se desataram distintas emoções: pena, tristeza, ansiedade. Olhou através da janela, esperando distrair-se de algum jeito e divisou somente um avião de hélice branco. Comparado com os aviões comerciais aos que estava acostumada, este parecia de brinquedo, quase incapaz de suportar um longo vôo com destino a Taribu. «Onde demônios ficava esse lugar?». Sua ignorância a golpeou totalmente. Deveria ter mostrado mais interesse pelo trabalho de seu pai. Pode que se o tivesse feito...

      Não, seu pai teria seguido em frente, nada mudaria e em seu coração Lanie sabia que o tinha entendido. Durante quantos ano acompanhou vários projetos do seu pai? Remotos territórios virgens na Flórida, montanhosas regiões de Washington, desertas planícies no sudeste do Texas..., inclusive as empobrecidas regiões de labradío de Porto Rico.

      Ela o tinha ajudado em suas investigações catalogando seus escritos e essa tarefa era tão parecida com o trabalho de uma bibliotecária, que a conseqüência lógica foi escolher essa carreira quando chegou o momento. Enquanto cursou a universidade, se acostumou à estabilidade que supunha permanecer em um mesmo lugar. Depois, ao ser voluntária do corpo de bombeiros, e ter conseguido um trabalho na biblioteca universitária, assumiu que os dias de viajar com seu pai tinham chegado ao seu fim. Quis seguir seu próprio caminho.

      O ruído de uma porta mosquiteira abindo e fechando de repente, interrompeu seus pensamentos. Elevou a vista para ver um homem alto, musculoso e de largos ombros dirigindo-se para ela.

      Seus rasgos eram escuros e se movia com a agilidade de um felino assediando a sua presa. Só uma leve claudicação rompia a imagem de um autêntico qpredador. Quando se aproximou mais, Lanie reparou como seu denso cabelo ondulado caía sobre sua nuca. O sol tinha bronzeado sua pele até um moreno resplandecente e saudável e seus escuros olhos cor de chocolate pareciam não perder detalhe algum quando se detiveram finalmente nela.

      —Senhorita Weber? —Sua voz profunda a envolveu, provocando-lhe um calafrio nas costas, fazendo-a repentinamente muito consciente de sua aparência.

      —Sim. —resistiu ao desejo de passar a mão pela cabeça dele para arrumar seu cabelo. A fumaça do fogo tinha irritado seus olhos, assim havia colocado os óculos em vez das lentes de contato e agora sentia como se estivesse olhando-o fixamente através do cristal de um copo.

      —Sou Michael Knight, mas me chamam Mac. Sou seu piloto. —Quando sua mão estendida captou sua atenção, deu-se conta de que devia ter ficado boquiaberta durante todo o tempo.

      —Encantada em conhecê-lo.

      Lanie tomou sua mão e sentiu a textura cálida e áspera contra sua pele. Seu apertão era sólido e firme, transmitindo a impressão de uma força controlada. Este devia ser um desses homens que resolviam todos seus problemas com o simples estalar de seus dedos.

      —Temos um longo vôo por diante —disse ele, soltando sua mão para poder olhar seu relógio de pulso—. Já sabe que temos que voar primeiro a Brasília, e que não vamos exatamente em um avião do governo. O voo dura aproximadamente oito horas e faremos uma breve parada para resolver alguns detalhes administrativos.

      Ela assentiu com a cabeça, segura de que, inclusive com todos esses inevitáveis atrasos, chegaria antes que tivesse tomado um voo comercial direto.

      —Muito bem, então me deixe revisar o plano de vôo outra vez e nos colocaremos a caminho. —Nem sequer esperou sua resposta, deu a volta e se dirigiu ao mostrador, onde folheou vários papéis.

      Nesse momento, apareceu Sandra, aproximando-se imediatamente ao seu lado. — Ah, aqui está.

      —Olá, Bizcochito. —Pela primeira vez, desde que tinha entrado na estadia, Mac sorriu, fazendo com que Lanie contivesse o fôlego. Era muito bonito e Lanie se perguntou sobre a natureza de sua relação com «o bizcochito». Eram casados? Deitavam-se juntos? Eram somente bons amigos? Simplesmente ao especular, percebia como solitária que era sua vida.

      —Temos que ir.

      O anúncio de Mac acionou uma descarga de adrenalina em seu corpo e então, observou como ele se inclinava para dar um casto beijo na bochecha da moça.

      — Cuide-se bem enquanto não estou.

      —Desmancha-prazeres. —Sandra sorriu enquanto lhe devolvia o abraço, mas seu tom se voltou sério quando acrescentou—: Tome cuidado, está bem?

      —Já me conhece.

      —Isso é o que me preocupa.

      Mac riu entre dentes, enquanto a soltava para cruzar a porta, que manteve aberta para que Lanie passasse. Uma vez fora, ele se deteve para pôr uns óculos de sol e logo olhou sua mochila.

      —Onde está o resto da bagagem?

      —Isto é tudo.

      —Perfeito.

      Sua resposta foi brusca, em um tom frio e distante, totalmente contrário ao sorriso afetuoso que tinha dirigido ao bizcochito. Lanie tentou julgar sua expressão, mas não pôde ver mais que seu próprio reflexo pálido nas lentes do espelho. Uma vez mais, parecia um depredador estudando a sua presa e quando ele se moveu para ela, não pôde evitar dar um passo atrás. Sua expressão se transformou em outra de óbvia irritação e se sentiu uma idiota, quando o simplesmente agarrou sua mochila.

      — Siga-me. O avião está por aqui. —E se foi, sem aparentemente se preocupar se ela o seguia ou não.

      Algo nervosa, negou-se a deixar que esse homem a intimidasse ainda mais. Apressando-se para chegar ao seu lado, tentou relaxar a tensão iniciando uma conversa.

      —O almirante Winslow fala muito bem de você.

      Um grunhido foi sua única resposta. Sem deixar que a intimidasse, tentou de novo.

      —Faz muito que o conhece?

      Percorreu-a com o olhar, dizendo-lhe sem palavras, que a tolerava somente porque não tinha outra opção.

      —Dez anos.

      —Esteve na Armada?

      —Sim.

      —Mas já não está.

      —Correto.

      Lanie suspirou. Ela não era uma dessas pessoas que travavam conversa com facilidade e sua falta de cooperação a frustrava.

      —Eu sou bibliotecária. — encolheu-se assim que as palavras saíram de sua boca. Miúda comparação; tinha sido um comentário feito ao acaso no desespero e rezou para que o ignorasse.

      —Seriamente? —Seu tom revelou uma completa falta de interesse.

      Seguiram caminhando em silêncio. A uns trinta metros aguardava o pequeno avião branco que tinha visto enquanto estava na sala da recepção. Inclusive de perto, parecia diminuto e outro calafrio percorreu suas costas.

      —Quanto tempo leva realizando voos privados?

      —Um ano.

      «Um ano?». Lanie quase tropeçou. Realmente queria voar a um país estrangeiro com um homem que voava somente há um ano?

      — Há quanto tempo é piloto? —Possivelmente essa era a pergunta chave, ou ao menos isso esperava.

      —Dez anos.

      Suspirou aliviada. Quando alcançaram o avião, ela se deteve seu lado esperando que abrisse a escotilha.

      —Venha, não pare.

      Lanie olhou bruscamente à esquerda, para ver que Mac a olhava do outro lado do avião.

      —Perdão?

      —Apresse-se. Não temos tempo de fazer turismo.

      Confundida, assinalou o avião com a mão.

      —Mas este não é...

      —O avião? —Soltou uma breve risada—. Caramba, não. Não me ocorreria voar com um Falcon 2000 a essa parte do Amazonas. — afastou-se e assinalou algo que ela não podia ver, oculto ao outro lado—. Voaremos «nesse».

      Com um mau pressentimento, Lanie se moveu ao extremo do avião branco e olhou mais à frente. Cravou os olhos em Mac horrorizada e começou a menear a cabeça.

      —OH, não, não, não. Não acredito que... que... o que é isso, de todas formas?

      —É um avião. Venha, vamos.

      Ela continuou olhando-o fixamente.

      —É uma lata podre com asas..., corrijo, uma asa e um tronco. Sem     dúvida alguma não esperará que vá nisso, verdade? Não posso. Não irei aí.

      —Podemos e o faremos. —Pôs a mão nas costas dela e lhe deu um pequeno empurrão—. As instruções do almirante Winslow são transladá-la a Taribu com a maior brevidade possível. Acredito que essas foram suas ordens, não? —Percorreu-a com o olhar, mas não esperou resposta enquanto sua mão seguia empurrando-a para diante.

‘     —Quão únicos voam a Taribu são traficantes de droga, agentes da DEA e pobres almas inocentes que realizam um trabalho honrado transportando mercadoria de um lado a outro entre as grandes cidades.

      Já tinham chegado ao avião e Lanie constatou que realmente era um velho traste oxidado e quebrado. Mac abriu a escotilha e atirou dentro sua mochila antes de voltar-se para ela.

      —Pessoalmente não quero que os da DEA pensem que somos traficantes de drogas. nem que os traficantes de droga pensem que somos da DEA. Assim temos que parecer pobres almas inocentes transportando mercadoria. —Assinalou o avião com a mão e lhe dirigiu um sorriso. Era decididamente diabólico.

      —Todos a bordo.

      Lanie deu um passo adiante quando ele subiu no avião de um salto e viu que o interior não era muito mais seguro que o exterior. Quando sentiu seu olhar sobre ela, levantou a cabeça para ele, protegendo-se do sol com a mão enquanto lhe dirigia um débil sorriso.

      —Passo.

      —Dá-lhe medo voar — acusou ele.

      —Inclusive, se assim fosse, tenho sérias dúvidas de que esta «coisa» seja capaz de alcançar a altitude suficiente para voar —replicou Weber—. De qualquer maneira, posso lhe assegurar que não temo voar..., o que me dá medo é uma falha mecânica ou, o que é mais provável, um engano humano.

      Desta vez, sua risada pareceu ainda mais sincera.

      —Este não é o momento de voltar atrás. Não seja covarde, Weber. Estamos perdendo tempo.

      «Covarde?». Não sabia o que odiava mais, sua atitude machista ou a péssima opinião que formou sobre ela. Optou pelo último. Apertou os dentes, respirou fundo e, agarrando-se aos lados da escotilha aberta, subiu de um salto.

Uma vez dentro, Lanie comprovou que o interior era tão mau como temia. Inesperadamente, sua mente foi sacudida por uma imagem do avião caindo em picado à terra, com os motores mancando e cuspindo nuvens de fumaça.

      —Esta coisa é uma armadilha mortal —resmungou ela—. Morreremos inclusive antes de sair do Texas.

      —Terá que manter uma atitude positiva — Mac repreendeu-a saindo repentinamente da parte traseira do avião—. Tenha, isto bebê. Acalmará seus nervos.

      —O que é? —Olhou fixamente a pequena taça de poliestireno meio cheia de um líquido ambarino.

      —Tequila.

      Lanie estudou o líquido durante longo momento, debatendo-se em silêncio se desembarcava de um salto do avião e punha-se a correr ou se permanecia a bordo. Uma imagem da cara de seu pai cruzou por sua mente e suspirou. Em realidade não tinha escolha. Possivelmente era uma boa idéia tomar algo para relaxar.

      —Por favor, me diga que nunca procurará consolo nem em uma, nem em dez taças como esta.

      Dirigiu-lhe outro desses amplos sorrisos que a faziam pensar que a achava graciosa.

      —Não nesta viagem.

      Embora não confiasse nele cem por cem, pensava que não parecia o tipo de homem que pusesse em perigo seu trabalho ou a vida de seus clientes por beber álcool sem controle. Além disso, tinha sido recomendado por tio Charles. Ela aceitou a taça e a levou aos lábios. O familiar aroma doce e picante do álcool fez cócegas em seu nariz. Preparando-se mentalmente bebeu de um gole e sentiu um remorso na garganta. Arderam-lhe os olhos e piscou várias vezes para esclarecer vista. Quando voltou a enfocar a cabine perguntou-se mentalmente, se talvez fosse melhor beber outro gole. A contra gosto, descartou a ideia e lhe devolveu a taça.

—Pode se sentar na parte dianteira, no assento do co-piloto. Mas não toque em nada. —Assinalou-lhe a cabine de pilotos que, apesar de seu medo, encontrou fascinante. Gostou dos instrumentos e botões, embora não tivesse nem ideia pra que servia cada um deles. A vantagem era a vista da janela dianteira, muito melhor que a que proporcionariam os pequenos guichês laterais.

      —Sente-se e deixe que a ajude com o cinto de segurança.

      Lanie deslizou no assento do co-piloto e observou como suas bronzeadas e viris mãos passavam o cinturão diante dela. Quando o dorso de sua mão roçou contra seu peito, ficou paralisada. Tentou ocultar a reação involuntária de seu corpo, pensando se o teria feito a propósito ou não. Finalmente, decidiu que o contato não tinha sido intencional, porque embora tivesse lhe acelerado o pulso, ele, pelo contrário, permaneceu imperturbável.

      Depois de lhe grampear o cinto de segurança, fechou a porta do avião e se dirigiu à parte traseira para fazer o que devia antes de decolar. Enquanto esperava que ele retornasse, Lanie sentiu uma cálida lassidão em seus músculos e a perspectiva de voar se voltou menos ameaçadora.

      Quando MAC voltou para a cabine, não pôde evitar lhe dedicar um sorriso radiante. Embora o mais assombroso de tudo foi que lhe brindou em resposta. Em realidade, ele ficava mais bonito quando sorria, pensou de novo enquanto seu corpo se voltava cada vez mais ligeiro e suas preocupações se desvaneciam como a fumaça.

      —Bom, acredito que já estamos preparados. —A voz dele flutuou até ela como se chegasse de muito longe. Lanie tentou centrar-se em suas palavras, mas lhe resultou impossível.

      Ocorreu-lhe que, possivelmente, um gole de tequila não devia tê-la afetado dessa maneira e que algo ia muito mal, terrivelmente mal.

      Nesse momento sentia que sua cabeça era muito pesada para mantê-la erguida, assim a deixou cair contra o respaldo do assento. Requereu toda sua força de vontade olhar para um lado onde a cara de MAC se voltou imprecisa.

      —O que...? —Sua boca se negou a completar a pergunta que gritava sua mente: «O que fez comigo?».

      Depois, só houve escuridão.

 

Horas mais tarde, Mac pilotava o avião rumo a um diminuto aeródromo da zona norte do Amazonas. Sua passageira e ele se dirigiam ao quartel geral de um projeto de investigação centrado na selvagem fauna indígena da região. O projeto era patrocinado por uma das mais importantes universidades do país, embora Mac não soubesse especificamente qual, nem lhe importava saber. Só era uma coberta mais das Forças Armadas dos Estados Unidos, a desculpa perfeita para ter uma presença encoberta no Amazonas. Uma considerável retribuição monetária a alguns membros do governo brasileiro assegurava que os «investigadores universitários» não fossem incomodados. Todo mundo parecia contente com o acerto.

      Mac não sabia que tipo de investigação eles estavam fazendo na zona. Essa informação estava classificada e não estava autorizado a saber. Bom, não havia nenhuma razão para pensar que as mortes de Weber e Burton fossem outra coisa que o que pareciam com simples vista: o resultado do ataque de um animal selvagem. Exceto, claro está, que resultava extraordinariamente conveniente que Burton morresse precisamente agora, e Mac não era o único que pensava daquela maneira. Assim que alguém da equipe de investigação ficou em contato com o almirante Winslow para comunicar as mortes, este tinha chamado Mac e imediatamente começaram a fazer planos. Era imperativo que Mac recuperasse o corpo de Burton. Era a única maneira que tinham de saber se estava morto de verdade ou se era uma farsa.

      Apagando os motores do avião, Mac voltou o olhar para sua cliente, assombrado e agradecido de que tivesse permanecido inconsciente tanto tempo. Tinha sabido desde o começo que não faria a viagem sem um pouco de ajuda —era das que o necessitavam—, assim tinha acrescentado um par de sedativos na tequila. Sabia que a cor branca da taça camuflaria qualquer partícula sem dissolver das pílulas. Precisava chegar o quanto antes ao centro de investigação.

      No momento estava um pouco surpreso de quanto tempo levava dormindo. Tinha esperado que se «relaxasse», não que ficasse inconsciente por completo. Ao comprovar seu pulso pela quarta vez, pensou preocupado que possivelmente tinha desvalorizado o efeito dos sedativos. Unicamente porque apenas lhe fizessem efeito quando tomava para a dor da perna, não queria dizer que a afetassem do mesmo modo. De novo, encontrou que seu pulso era firme e regular; estava viva.

      Não podia adiar mais em despertá-la; era o momento de acordar. Tomando um lenço de papel do dispensador mais próximo, limpou a baba da comissura de sua boca tentando lhe devolver a dignidade que lhe tinha roubado. Ela era como um pequeno camundongo de biblioteca, pensou, passando a vista pelos óculos de grau que tinham escorregado por seu nariz.

      Seus olhos caíram no suave baixar e subir de seus peitos e sentiu que se esticava ante a lembrança de sua mão roçando o voluptuoso tesouro oculto por baixo de uma camisa muito grande. Havia tocado nela sem querer, mas não o lamentava, embora estivesse surpreso que seu corpo reagisse tão rapidamente. Ela não era exatamente seu tipo.

      Levantando do assento, caminhou para a parte traseira e tomou uma garrafa de água da geladeira. Molhou uma toalha e retornou à cabine. Ela nem sequer se moveu.

      «Venha, Mac», pensou. «Deixa de se preocupar». Exalando um suspiro, aproximou-se e lhe sacudiu o braço.

      —Senhorita Weber? Lanie? É hora de despertar. —Não houve resposta. Voltou a tentar, sacudindo-a mais forte, mas não conseguiu nada. A contra gosto, colocou o tecido úmido e frio sobre sua frente e se viu recompensado quando ela abriu os olhos de repente.

      Olhou-o, piscando rapidamente, como se tentasse esclarecer vista. Logo observou a cabine e quando seus olhos se posaram nele de novo, notou que suas pupilas se dilatavam ainda mais. Parecia mais acordada.

      —Sinto muito, devo ter dormido. —incorporou-se bruscamente no assento e levou a mão à cabeça para massagear as têmporas—. Dê-me um segundo e logo poderemos ir.

      Mac ignorou uma pontada de culpabilidade.

      —Já chegamos. Você dormiu todo o voo.

      —Estamos em Brasília?

      —Não. Em Taribu.

      —Já? —Levantou o braço e Mac viu que tentava enfocar as horas no relógio de pulso—. Não o entendo. —Jogou uma olhada ao redor, como se a resposta ao mistério se encontrasse em algum lugar próximo—. Estava cansada mas... —interrompeu-se enquanto recostava a cabeça contra o assento e fechava os olhos.

      Não gostou do tom esverdeado de sua cara.

      — Você está bem?

      —Não muito, na verdade —balbuciou.

      —Não costuma beber?

      Ela tentou negar com a cabeça, mas se deteve de repente, como se o movimento piorasse as coisas.

      —Não com o estômago vazio e após trinta e seis horas sem dormir. Talvez seja algo que comi.

      Mac sentiu seu estômago encolher ao pensar na viagem de seis horas que ainda ficava através da selva.

      Descanse aqui enquanto descarrego nossas coisas. —voltou-se para a parte traseira do pequeno avião e rebuscou na despensa até encontrar uns biscoitinhos salgados e uma bolsa de plástico. Retornou à cabine e deu a ela.

      —Pensei que poderia necessitar disso.

      Quando ele falou, Lanie entreabriu ligeiramente os olhos para ver o que lhe estava oferecendo. Elevou a mão para pegar.

      —Obrigada.

      Tentando ignorar o tom débil de sua voz, Mac apareceu pelo guichê da cabine. A noite chegava ao fim e o sol não era mais que uma promessa no horizonte. Entretanto, em um par de horas, estaria no alto do céu e faria um calor infernal.

      Olhou por cima do ombro e viu que ela não se moveu.

      —Ouça, tenho que tomar um carro e me encarregar da papelada. Estará bem aqui sozinha?

      —Enquanto não tenha que me mover, sim.

      «Sim, genial», pensou ele. «Não seja covarde, Knight. Agora tem que arcar com as conseqüências».

      —O asseio está justo atrás da cabine, se por acaso necessitar. Sugiro que o use antes de sair. Ainda há uma longa viagem pela frente.

      Mac abriu a escotilha e saiu. A sufocante umidade o envolveu imediatamente quando caminhou pelo escuro aeródromo para o edifício principal. Saudando com a cabeça os operários do aeródromo seguiu seu caminho.

      Quinze minutos depois tinha um meio de transporte e tinha carregado suas bagagens. Dez minutos mais e tinha conseguido levar a bibliotecária desde o assento da cabine até o carro.

—Isto poderia ser um pouco cansativo. —« Isso era um eufemismo». Duvidou entre lhe contar ou não que o caminho pelo que viajariam, estaria cheio de buracos e enlameado ou que a selva estaria infestada de insetos. Quase era preferível que não soubesse. Era melhor que ela não soubesse com antecipação de algumas coisas.

      Acendeu o motor e, ignorando a sensação de urgência que o invadia, conduziu a uma velocidade moderada, evitando, o quanto podia, os buracos mais profundos. Apesar de seus esforços, não passou muito tempo antes de que ela lhe gritasse que parasse.

      Saltou do veículo logo que parou e se internou uns metros na selva. Mac só via suas costas. Segundos mais tarde, viu-a encolher o corpo e soube que estava vomitando. Exalando um suspiro, saltou do veículo, tomou um pano limpo de sua bolsa e usou parte da água do cantil para molhá-lo. Aproximou-se até onde ela permanecia encurvada e por trás, rodeou-lhe a cintura com um braço e sujeitou sua frente com a outra mão, até que terminasse. Logo lhe passou o pano úmido para que se limpasse.

      —Obrigada —disse ela, em tom envergonhado quando voltavam para carro.

      —Não se preocupe. Tome. —Deu-lhe o cantil para que enxaguasse a boca e bebesse.

      Quando terminou, Lanie limpou com sua camisa a boquilha do cantil e a devolveu. Mac permaneceu ao seu lado, até que retornasse ao carro e se sentasse, após atirou o cantil à parte traseira.

      —Tem melhor aspecto —lhe disse, quando se colocou depois do volante —. Sua cara recuperou um pouco de cor.

      —Não o entendo. Nunca tinha me sentido tão mal ao tomar um gole. —Soltou um riso contrito—. Que tipo de tequila me deu?

      Ele soube o momento exato em que ela se deu conta. Enrijeceu-se enquanto o olhava acusadoramente.

      —Fez-o..., pôs algo na tequila. O que foi? Maldição, o que me deu?

      —Uns sedativos, nada mais. Só tinham que te relaxar.

      —No que te apoiou para pensar que um par de sedativos regados com álcool só me relaxariam? Tem sorte de não ter me matado. Não é de estranhar que me sinta tão mal.

      —É uma mulher forte; acreditei que com seu peso o assimilaria bem. —Olhou-a e viu que o observava boquiaberta—. O que acontece?

      —Não faz mais que te anotar pontos, colega.

      Ele recordou o último comentário e suspirou.

      —Não queria dizer que está gorda; só quis dizer que não é uma mulher pequena.

      Ela levou a mão à cabeça como se doesse.

      —Será melhor que não tente explicá-lo, ok? A diplomacia não é seu ponto forte. Simplesmente me diga por que o fez. Quero dizer, já estávamos preparados para sair, para que me drogar? A menos que... —Viu-a olhar a seu redor e logo ao—. Estamos em Taribu, não? Ou me levaste a algum outro lugar?

      —Não, estamos em Taribu. E te dei as pílulas porque não tínhamos tempo para esperar que encontrasse disposição suficiente para empreender o voo e não podia me arriscar a que desse marcha atrás. Assim, te droguei. Pode me julgar?

      —Sim? Pois sabe? É justo o que penso fazer.

      Viajaram em silêncio durante duas horas, mas antes ela teve que parar outra vez para pôr a tequila pra fora. Desta vez, quando os dois voltaram para o veículo, Lanie se sentou mais erguida no assento. Parecia sentir-se melhor.

      —Lamento que se sinta tão mal —se desculpou ele, finalmente.

      Ela estudou sua cara e Mac esperou que notasse a sinceridade que sentia. Depois de um momento, ela assentiu com a cabeça.

      —Considerarei te perdoar, se for capaz de me conseguir um pouco de hortelã.

      Ele sorriu, colocou a mão no bolso da camisa e tirou um pacote de chicletes.

      —Isto serve?

      Seus olhos se iluminaram quando o agarrou.

      —É um princípio. Obrigada. —Tomou um chiclete e lhe devolveu o pacote. Mac tomou outro antes de guardá-lo. Viajaram em silêncio, enquanto os raios de sol começavam a filtrar-se através do manto de árvores que os cobria.

      —Odeio voar.

      Seu comentário não que foi, mas um sussurro e quando Mac a olhou, pensou que parecia muito vulnerável ali sentada; seus olhos pareciam inusualmente grandes atrás daqueles grossos cristais e algumas mechas de seu cabelo castanho-claro, escapavam da cinta que o sujeitava, formando um halo ao redor de sua cabeça. Ele sorriu.

      —Eu não gosto de seus métodos, mas tenho que admitir que foi um dos melhores vôos de minha vida. —Olhou outra vez para diante, observando o caminho que se estendia ante eles—. Não volte a fazê-lo.

      —De acordo.

      Depois, o caminho se tornou mais agreste e sinuoso e tinham que falar com gritos sobre o ruído surdo do carro ao tomar os buracos. Ocasionalmente, ouviam-se os gritos de caça de diversas aves e animais que se ocultavam na selva. Ao final, cansados de tanto estalo continuado, detiveram-se para estirar as pernas e Mac tirou os sanduíches que havia trazido. Sentiu-se aliviado ao ver que Lanie se encontrava suficientemente bem para comer.

      Após, seguiram caminnho e pararam num posto de troca. Porém a quietude era intrigante. Mac parou o carro e, observando o local, seguiu até a entrada. Dirigindo-se rapidamente à porta, inclinou a cabeça para escutar. Silêncio. Agarrando o pomo, abriu a porta lentamente e sem fazer ruído penetrou dentro.

      O silêncio era esmagador, foi o primeiro que notou. «Um silêncio sepulcral», pensou enquanto olhava ao redor. Deteve-se em um pequeno vestíbulo, diante do mostrador de segurança, mas não havia sinais do guarda. Mais à frente havia um par de portas que conduzia ao resto do edifício.

      Mac avançou lentamente, esquadrinhando constantemente a área, procurando o que tinha assustado Lanie, que soltou um grito. Depois de dar quatro passos, encontrou-o.

      Atrás do mostrador, pulverizados pelo chão, como esquecidos bonecos de trapo, estavam os corpos do guarda de segurança perdido e outros quatro homens. Sua palidez antinatural e os olhos fixos e vazios não deixavam lugar a dúvidas: estavam mortos.

      Um ruído às suas costas fez com que Mac se voltasse bruscamente com a arma a postos, para descobrir o causador. Lanie estava na porta, com os olhos muito abertos e fixos na arma que a apontava.

      Antes de que pudesse lhe indicar que retornasse ao carro, ela se moveu e se aproximou rapidamente dele. Deteve-se abruptamente ao seu lado ante a visão dos corpos.

      —Quais...?

      Mac apertou seus lábios com um dedo para que guardasse silêncio. Embora duvidasse que a coisa ou pessoa que tinha matado esses homens seguisse rondando por ali, quão último queria era anunciar sua presença ou, ao menos, não anunciá-la mais do que o tinha feito já, pensou com pesar.

      Junto ao guarda, jazia sua arma queda e Mac a recolheu. Examinou-a para ver se estava carregada e em condições de ser utilizada. Considerou ceder-lhe à Lanie, mas logo pensou melhor. Podia ser que lhe disparasse acidentalmente às costas.

      Colocou a arma cinturilla das calças. Logo fez um sinal à Lanie para que o seguisse. Chegaram às portas de correr uma vez mais inclinou a cabeça para ouvir qualquer som que viesse do outro lado.

      Como não ouviu nada, abriu um centímetro uma das portas e olhou cautelosamente através dela. Nada. Abrindo-a ainda mais, deu um passo rapidamente ao interior, com a arma e o corpo preparados para a ação.

      O corredor estava vazio.Moveu-se para diante com o som da respiração de Lanie ressonando no silêncio. Quando alcançou a primeira porta, fez-lhe um gesto para que permanecesse ao seu lado, pega à parede, enquanto tomava o trinco, abrindo a porta para dentro muito lentamente. Preparou-se para atacar outra vez, mas não passou nada. Com cuidado, transpassou a porta e entrou lentamente na habitação. Era o escritório de alguém, limpo, ordenado... e vazio.

      Voltaram para corredor, moveram-se para a seguinte porta e repetiram o processo. Lentamente foram abrindo passo por todo o edifício. Durante sua busca localizaram a cozinha, os escritórios, incluindo a sala do controle de segurança e os dormitórios. Tudo parecia normal e em ordem.

      Na última habitação, o laboratório médico, foi outra história.

      — Em que você foi se meter desta vez, Knight?

      Lanie se voltou ante a resmungada pergunta dele, perguntou-se algo similar só uns momentos antes.

      —O que acha que ocorreu?

      —A verdade é que não tenho nem a mais remota ideia. —Meneou a cabeça enquanto olhava ao redor.

      Lanie se perguntou se ele pensaria o mesmo sobre o que estavam vendo: macas destroçadas e instrumentos médicos dispersos pelo chão. Na imaginação de Lanie, os assaltantes tinham derrubado tudo na perseguição dos quatro homens, cujos corpos, agora sem vida, jaziam contra a parede do fundo, como se tivessem sido assassinados na parte de trás e tivessem sido deixados ali, atirados, descartados como as sobras de uma comida.

      «Um final violento», pensou Lanie, e inclusive a pergunta de como tinham morrido exatamente era um mistério para ela. E, para ter sido um ato violento, havia muito pouco sangue e nenhum sinal de ferida à vista.

      Enquanto tentava encontrar algum sentido para tudo aquilo, olhou como Mac mexia no bolso de sua camisa e tirava um celular. Enquanto marcava um número, olhou-a com preocupação.

      —Está bem?

      Ela assentiu com a cabeça surpreendida por seu interesse, embora logo pensou que, possivelmente, o que realmente lhe preocupava era que ela fosse desmaiar e se convertesse em outro problema mais. Ele não sabia que ela era uma técnica da saúde qualificada e que tinha visto coisas piores em algum dos incêndios onde tinha ajudado. Unicamente a surpresa de encontrar os cadáveres e o medo de que o assassino ainda estivesse rondando por ali tinha provocado que, a princípio, saísse correndo do edifício.

      —Almirante, sou Knight —ouviu que ele dizia uns segundos depois—Temos um problema.

      Lanie se aproximou do corpo que tinha mais perto e o examinou enquanto escutava como Mac descrevia o que tinha acontecido.

—Não. —Ouviu que continuava depois de uma pausa—. Não é aconselhável voltar através da selva a esta hora. Nos ficaremos por aqui. O melhor é que envie uma equipe logo que seja possível.

      Lanie levantou a vista e o encontrou olhando-a—. Ela está bem. —Pendurou e guardou o móvel.

      —Falava com Charles?

      Mac assentiu com a cabeça. —Envia-nos uma patrulha.

      —Bem. Espero que cheguem logo. —esfregou os braços, tentando que não lhe desse atenção.

      _ Embora saiam agora, não chegarão até manhã. Estamos sozinhos. —Olhou ao redor da habitação, sacudindo a cabeça—. Que demônios era o que investigavam aqui? Bioquímica? Armas?

‘     —Possivelmente tivesse que ver com a bioquímica, mas não acredito. —Suspirou—. Acredito que tem que ver com a criptozoología.

      Mac franziu o cenho, enquanto lhe dirigia um olhar de curiosidade.—O que quer dizer?

      Ela se perguntou qual seria a melhor maneira de explicá-lo.

      —Criptozoología. Traduzido literalmente, é o ramo da zoologia que estuda aos animais desconhecidos. Certamente terá ouvido falar de alguns como o abominável homem das neves ou o monstro do lago Ness.

      Como esperava, sua expressão se permutou em uma de incredulidade total.

      —Está brincando, não?

      —Não é um campo de investigação muito conhecido, mas resulta que era a especialidade de meu pai. O mundo é muito grande e não há maneira de saber se o homem descobriu e documentou todas as formas de vida que existem. Quando a civilização se estende, apropria-se do espaço vital desses animais, estes não têm aonde ir. Repentinamente os vemos.

      — Você acredita em toda essa merda?

      Dirigiu-lhe um olhar assassino.

      —Deixe que te diga uma coisa, nos anos que viajei com meu pai, vi coisas impossíveis de explicar de outra maneira.

      Ele cravou os olhos nela um momento, como se fosse uma intelectual inofensiva, mas louca ou simplesmente uma endoidecida.

      —Está me dizendo que o homem das neves matou estes homens? —mofou-se.

      —Não, que eu saiba, e não sou uma perita, esse não bebe sangue.

      Agora tinha captado sua atenção.

      —A que te refere?

      —Venha, olhe. —ajoelhou-se ao lado do corpo mais próximo a ela e passou a mão por cima—. Não há buracos de balas nem punhaladas. Não é provável que tenha sido veneno. Quão único vejo é isto.   —Brandamente, inclinou a cabeça a um lado, expondo o pescoço. Estava manchado com sangre seco, mas as duas feridas agudas ficavam claramente visíveis. Cada uma tinha o tamanho de uma tachinha e estavam separadas entre si, uns dois centímetros.

      —Continue —disse MAC, ficando em cuclillas a seu lado.

      —Bem. Olhe, vê a palidez e a secura da pele? Isso indica falta de sangue. Acrescenta que está morto há várias horas, pelo que deveria apresentar sinais de lividez cadavérica na parte baixa de seu corpo, neste caso sobre seu lado direito; a postura em que ficou ao morrer. Mas olhe aqui.   —Levantou a camisa do homem—. Tem a mesma cor em todo o corpo, sem rastros de sangue que deixem marcas na pele.

      Ante sua explicação, seus olhares se encontraram e Lanie se perguntou o que estaria pensando.

      —Quem faria algo assim? —perguntou.

      —Suponho que pode ter sido algum tipo de animal selvagem —sugeriu.                                                   —Não, era humano. — Ele assinalou a mancha ensangüentada do ombro onde Lanie percebeu o rastro esfumado de uma mão—. Uma mão humana.

      —Bom, sei que te vai soar inverossímil, mas possivelmente haja outra explicação.

      —Qual?

      Ela não disse nada, mas assinalou com o olhar as duas marcas do pescoço da vítima.

      —OH, caramba, não. Nem sequer o diga...

      —Vampiros.

      Ele sacudiu a cabeça e soltou uma suave maldição antes de mexer as pernas e ficar em pé.

      —Sabe? Durante três minutos cheguei a pensar que tinha um pouco de cérebro.

      Lanie sabia que tudo aquilo soava à loucura e desejou poder tomar-lhe a risada e lhe dizer que tinha brincado, mas tantos anos com seu pai a fizeram guardar silêncio.

      —Não acredito em nada disso. —Mac se encaminhou ao outro extremo da habitação, claramente perturbado. Ficou parado na porta um bom momento, logo voltou a cabeça por volta dela—. Logo escurecerá. Vou examinar o exterior do edifício enquanto há luz.

      Abandonou o laboratório e ela se apressou a segui-lo até o pequeno escritório de segurança que tinham descoberto anteriormente. Permaneceu na porta sem dizer nada, enquanto o registrava sistematicamente cada um dos armários da habitação. Em uma gaveta do quarto armário encontrou uma lanterna de mão, acendeu-a e desprendeu um feixe de luz tão brilhante que Lanie teve que protegê-los olhos com as mãos.

      Aparentemente satisfeito, apagou-a, deixou o escritório e caminhou para a entrada do edifício. Lanie o seguiu. Quando passaram ao lado do mostrador de segurança, tentou ignorar os cadáveres.

      —Quero que me espere dentro —disse Mac dirigindo-se apressadamente para a porta—, estarei de volta em uns minutos.

      —Não, não quero ficar sozinha.

      —Não me importa. Estará mais segura que aí fora.

      Ela assinalou com a cabeça os cadáveres.

      —Com eles aqui? Não, obrigado. Vou contigo.

      Ele lhe dirigiu um olhar furioso.

      —Seja razoável. Já verificamos todo o edifício. Aqui já não há perigo, mas sim pode havláer fora. Se encontrar problemas, quão último quero é ter que me preocupar em manter seu traseiro a salvo.

      —Preocupe-se com seu traseiro que eu me preocuparei com o meu.

      Apontou-a com o dedo com uma expressão dura e inflexível.

      Não se mova daqui.

      Ela reajustou os óculos sobre o nariz com o dedo indicador enquanto cravava os olhos nele sem se alterar.

      —Isto funciona com a maioria das pessoas? Porque comigo não o faz.

      Sua expressão se voltou letal imediatamente e, apesar de sua fanfarronice, não pôde evitar o sentimento de estar sendo intimidada.

      —Está bem, não irei contigo —aceitou finalmente a contra gosto.

      —Muito sensato de sua parte — disse Mac, tirando a arma do guarda da cinturilla da calça e entregando a ela—. Sabe usá-la?

      —Acredito que posso captar o conceito básico, aponto e disparo, não?   Ela levantou a arma e com a mão tremendo apontou um branco imaginário perigosamente perto dele. Mac amaldiçoou outra vez, empurrando seu braço para baixo, até que a arma apontou o chão. Então suave, mas firmemente lhe tirou a arma da mão e colocou-a de novo na cinturilla de suas calças.

      —Pensando bem, será melhor que seja o único que vá armado.

      Ela encolheu de ombros.    —Como quiser, mas então vou contigo.

      Deixaram o edifício e Mac se deteve na calçada. Lanie soube que estava tentando ouvir algo anormal. Ela riu do gesto. Depois de tudo, não estavam em um entorno familiar; como saber o que era normal e não?

      Mas Mac era diferente. «Mais capaz», foi a descrição que lhe veio à mente. A maneira pela qual tinha dirigido a situação ali dentro, encontrando os corpos e mantendo uma atitude calma, tranqüila e controlada, fazia com que se perguntasse o que tinha feito e visto na Armada.

      Quando começou a andar, sentiu-se impressionada por suas habilidades. Movia-se sigilosamente. Pelo contrário, seus próprios intentos de sigilo soavam irritantemente fortes.

      Guiou-os pela fachada, até que percorreram toda sua longitude. Deteve-se na esquina e com cautela olhou até a seguinte esquina. Aparentemente não viu nada de interesse, pois lhe fez um gesto para que o seguisse.

      Ali encontraram uma zona de uns dois metros sem mato e sem árvores, com só alguns detritos. Atrás, estava a selva, calmamente escura e silenciosa, pronta a recuperar o terreno roubado. Lanie se manteve em alerta, pensando que, a qualquer momento, algo se equilibraria sobre ela.

      Quando alcançaram a parte posterior do edifício, pegaram-se de novo à parede e de novo Mac apareceu pela esquina com cuidado. Quando fez o sinal de caminho livre, entraram no pátio traseiro.

      Como a lateral, esta zona tinha sido limpa de árvores e matagais; só havia, justo no centro, uma enorme jaula metálica como as dos zoológicos.

      Parecia haver algo no interior, mas com as crescentes sombras do crepúsculo, era impossível dizer exatamente o que era. Ao se aproximar, Lanie viu o que parecia ser a estátua de uma gárgula.

      Pouco familiarizada com as diversas crenças dos sul-americanos, perguntou-se se a estátua estaria ali por algum motivo religioso ou decorativo, mas a intrigou sua aparência. Era uma figura sentada sobre uns quartos traseiros desproporcionalmente grandes, como os de um gato enorme. As quatro patas acabavam em uma garra de três dedos e uma fileira de afiadas aletas percorria a cabeça e as costas. Um focinho afiado despontava na cara ovalada, com duas presas de cinco centímetros se sobressaindo da mandíbula superior. Os olhos ovalados pareciam muito grandes para a cabeça e davam à estátua uma aparência estranha, quase demoníaca.

      Enquanto o sol se afundava mais no horizonte, as sombras dançaram sobre a jaula, fazendo com que a estátua parecesse quase viva. Lanie intrigada, comprovou o cabo da porta.

      —Por que encerrariam uma estátua em uma jaula? —perguntou mais para si mesma que para Mac—. Vou jogar um olhar de perto. —Procurou uma maneira de abrir a porta.

      —Faça-o amanhã pela manhã, quando houver luz —ordenou Mac—. Ainda temos que examinar o resto do edifício.

      Nem sequer o olhou, enquanto passava o pé pela erva tratando de encontrar uma chave ou algum mecanismo escondido.

      —Esses homens estão mortos há um bom tempo. O que os matou já não está perto ou também estaríamos mortos. —Fez uma pausa quando seu pé tropeçou em algo. Inclinando-se, afastou a erva e encontrou um pequeno controle remoto. Ao recolhê-lo viu um interruptor—. Encontrei.

      —Espere —gritou Mas às suas costas, mas já era muito tarde. Tinha pulsado o botão. O som do ferrolho ressonou ominosamente no silêncio, provocando que o pêlo da nuca de Lanie se arrepiasse. Esticou-se, esperando que algo saísse repentinamente da jaula. A seu lado, Mac apontou com a pistola.

      O tempo pareceu deter-se, quando ao longe um pássaro grasnou e uma suave brisa agitou as folhas das árvores circundantes fazendo-as ranger ligeiramente.

      Lanie lhe lançou um olhar desdenhoso por assustá-la, passou por seu lado e se dirigiu à porta da jaula onde só vacilou um momento antes de entrar.

      A estátua era fascinante. O esculpido era tão delicado e fino que parecia real. Lanie, intrigada, tocou-a com um dedo e encontrou que a superfície era dura ao tato.

      —É assombrosa —disse suspirando quando Mac se aproximou de seu lado.

      —Sim. Podemos ir ?

      Seu olhar subiu ao rosto da estátua, fascinada pela talha tão deliciosa que virtualmente podia ver o brilho avermelhado de seus olhos na escuridão e as babas que caíam pelas mortíferas e largas presas.Logo, os olhos piscaram.

 

      Lanie se sentiu empurrada ao chão com brutalidade e viu como um ser de pesadelo cobrava vida. Embora lutasse, Mac não pôde se livrare da criatura que o sujeitava sem nenhum esforço entre suas garras dianteiras. Com os braços aprisionados aos flancos, a arma que levava era totalmente inútil.

      Horrorizada, Lanie observou como a criatura o atraía para si e baixava a boca ao seu pescoço. Viu como as presas perfuravam sua pele, mas foi o som do sangue ao ser absorvido de seu corpo o que a pôs em ação.

      Próximo a ela estava a lanterna que tinha deixado cair. Engatinhando até ela, agarrou-a e a acendeu ao mesmo tempo em que ficava de pé. Uma chama de luz atravessou a escuridão da noite e a criatura se retirou para trás soltando Mac. Lanie sujeitou firmemente a lanterna com uma mão e passou o outro braço ao redor dele quando caiu contra ela. Embora se esforçasse ao máximo para sustentar seu peso, não estava segura se estava vivo ou morto.

      Enquanto a criatura tentava se proteger da luz, Lanie procurou freneticamente algo que pudesse usar para se defender. De repente, se viu sobressaltada pelo estalo da arma de Mac, quando ele descarregou a pistola contra o estômago da criatura.

      —Outra vez! —gritou ela, vendo como a criatura se recuperava. Mac disparou pela segunda vez, mas nesta ocasião não acertou. Então, seu corpo se voltou muito pesado para sustentá-lo e se deslizou ao chão.

      Seu rosto tinha adquirido um tom cinzento, em sombrio contraste com o sangue que cobria seu pescoço e roupa. Tinha os olhos fechados quando a arma caiu ao chão. Medo e cólera convergiram no interior de Lanie, insistindo em tomar a pistola para apontar à criatura. Como boa texana que era, sabia muitíssimo mais de armas do que tinha feito Mac acreditar.

      Disparar com uma só mão lhe resultaria difícil, mas não impossíve, mas não podia permitir-se soltar a lanterna. Apertou o gatilho. A essa distância, a criatura era um alvo fácil e não se deteve até perceber o característico clique de uma arma vazia.

      A criatura caiu ao chão, imóvel. Sabia que deveria examiná-la para se assegurar de que estava realmente morta, mas Mac permanecia aos seus pés sangrando até morrer; isso se não estava morto já.

      Com o eco dos disparos ainda ressonando em seus ouvidos, passou a luz da lanterna sobre a criatura uma última vez para se assegurar de que não se movia. Não queria deixar a lanterna no chão, mas não podia tirar Mac da jaula com um só braço. Embora tampouco estava segura de poder fazê-lo com os dois. Metendo a arma na parte traseira das calças, encontrou o suporte da lanterna e a deixou sobre o chão, fora da jaula, enfocando-os.

      Voltou dentro rapidamente e agarrou Mac pelos tornozelos. Era tão pesado que se via obrigada a avançar lentamente, mas de maneira nenhuma ia deixá-lo o ali. Logo que tirou seu corpo da jaula, fechou a porta rapidamente e jogou o ferrolho.

      Não havia tempo a perder. Com esforço, arrancou a manga da camisa e envolveu o tecido ao redor do pescoço dele, esperando deter o fluxo de sangue até que pudesse levá-lo dentro. Depois, levantou o pulso de Mac e lhe buscou a pulsação. Felizmente, encontrou-a. Era débil, mas ao menos estava vivo, embora não seguiria nesse estado, -se não fizesse algo logo. Tinha perdido tanto sangue, que seria um milagre salvá-lo.

      Lanie não tinha nem ideia de quanta distância estava o médico mais próximo e sabia que, inclusive pedindo assistência médica, não conseguiriam chegar a tempo. Tinha que atendê-lo ela mesma.

      Recordando os fornecimentos médicos que havia dentro do edifício, Lanie se decidiu rapidamente. Mac era muito grande para que utilizasse a manobra de arrasto dos bombeiros, assim se colocou atrás dele, agachou-se até poder sentá-lo para deslizar os braços debaixo de suas axilas. Agarrando as mãos sobre seu peito se incorporou e começou a extenuante tarefa de arrastá-lo ao edifício, falando todo o momento.

—Vamos dentro, Mac. Você ficará bem. Não se renda.

      O caminho se fez eterno e Lanie estava segura de que cada segundo roubava um pouco mais de vida de Mac. Finalmente conseguiu arrastá-lo através dos corredores até o laboratório e ali chegou ao limite de suas forças. Incapaz de subi-lo à maca, deixou-o sobre o chão e pôs mãos à obra procurando tudo de que necessitava, dando graças ao encontrar bolsas de sangue na geladeira.

      Não conhecia o tipo de sangue dele, mas sabia que se encontrasse do grupo zero — doador universal — não teria importância. Para variar, a sorte estava ao seu lado. Misturado com várias bolsas de sangue de animais encontrou várias unidades do grupo AB e do grupo zero.

      Dirigiu-se à pia e a encheu de água quente. Logo introduziu as bolsas do grupo zero dentro enquanto registrava as gavetas e vitrines procurando o resto do material de que necessitava. Estava a ponto de realizar uma transfusão de sangue em umas circunstâncias diferentes a tudo o que tivesse podido imaginar, sem nem sequer a guia de um médico, mas sabia que ela era quão única podia ajudar Mac. Era sua única possibilidade.

      Rezando por não estar a ponto de lhe provocar a morte, tomou as bolsas de sangue da pia e voltou junto a ele. Procurou a veia no antebraço e com muito cuidado inseriu a agulha hipodérmica e a assegurou com esparadrapo, logo abriu a válvula da via. Quase imediatamente o sangue começou a fluir para seu corpo.

      Lanie mordeu os lábios. Sabia que havia muitas coisas que podiam sair mal e que ainda podia morrer. Enquanto esperava que se esvaziasse a primeira bolsa, limpou o sangue do pescoço dele e viu que a ferida não era tão grande como se temia; só duas pequenas perfurações. «Parecidas com as dos outros corpos», pensou, mas estas eram maiores e mais separadas entre si.

      Tratou as feridas com uma pomada antibiótica, cobriu-as com gaze e as assegurou com esparadrapo.

      Quando esvaziou a primeira bolsa, prendeu a via, enganchou a segunda bolsa e o processo começou de novo.

      Esteve velando-o durante toda a noite, umedecendo sua frente com um pano e substituindo cada bolsa que terminava por outra nova. Quase à alvorada, ao fim pareceu que se normalizava a respiração e que sua cara começava a recuperar a cor.

      Sentada no chão ao seu lado, Lanie, finalmente, permitiu-se relaxar. Colocando entre ambos a arma carregada de Mac e a arma descarregada do guarda, apoiou-se contra a parede e fechou os olhos.

      —Senhorita Weber? Desperte, senhorita.

      Lanie abriu os olhos de repente, tratando de alcançar com a mão uma arma que já não estava ali. Alarmada piscou várias vezes até enfocar a cara de um homem agachado a seu lado.

      —Quem... ? —Sua voz soou rouca e teve que pigarrear antes de tentar voltar a falar—. Quem é você?

      —Sou o capitão Sánchez, da Armada dos Estados Unidos, senhora. Sou médico. —Mostrou-lhe as armas que tinha perdido de vista—. Estou aqui para ajudá-la. Envia-nos o almirante Winslow.

      Nesse momento, as engrenagens de sua mente começaram a funcionar; assentiu com a cabeça e relaxou.

      —Está ferida? Dói-lhe algo? —perguntou o doutor Sánchez voltando-se para a maleta negra que tinha ao lado para agarrar um estetoscópio que deslizou brandamente ao redor de seu pescoço.

      —Não, estou bem.

      —Bem. Entretanto, precisa descansar mais. —Sem esperar resposta se ajoelhou e começou a passar as mãos ao longo dos braços e pernas de Mac, procurando algum osso quebrado.

      —É este o capitão Knight? —Olhou-a e, quando ela assentiu com a cabeça, deslizou os aparelhos de surdez do estetoscópio nas orelhas e auscultou o coração e os pulmões de Mac.

      — Você disse «capitão» Knight?

      —Sim, senhora. Capitão Michael Knight. Acredito que está na reserva.

      Seu comentário foi seguido por um momento de silêncio enquanto seguia auscultando-o. Depois, tirou o estetoscópio dos ouvidos e comprovou o pulso dele, olhando o relógio no seu pulso. Do exterior chegaram ruídos apenas perceptíveis de homens gritando ordens.

      Aparentemente satisfeito, o doutor Sánchez baixou o pulso que sujeitava, trocou de posição e examinou as vendagens do pescoço de Mac.

      São as únicas lesões?

      Lanie assentiu com a cabeça.

      —Foi atacado por um... —Vacilou. Como podia lhe dizer que uma estátua tinha cobrado vida?—. Não sei que classe de animal era. Acredito que lhe perfurou a jugular. De todas maneiras, perdeu uma grande quantidade de sangue.

      —O que ocorreu com o animal?

      —Disparei-lhe.

      Ele arqueou uma sobrancelha e lhe dirigiu um olhar apreciativo antes de fixar sua atenção nas bolsas de sangue vazias e via a usada que havia no chão.

      —Fez-lhe uma transfusão?

      Ela assentiu com a cabeça.

      —Não sabia que mais fazer. Pensei que ia se morrer.

      —Bom, ainda não está fora de perigo. Como soube o que fazer?

      —Sou técnico sanitário do corpo de bombeiros.

      Ele assentiu com a cabeça enquanto acabava de examiná-lo, logo centrou a atenção nela.

      —Está segura de não estar ferida?

      —Sim..., só estou cansada.

      O médico lhe dirigiu um sorriso tranqüilizador que recordou seu pai. Desde que chegou, tinha estado muito distraída para pensar nele e repentinamente a emoção que tinha contido durante tanto tempo ameaçou estalando e fazndo-a em pedacinhos. O doutor Sánchez deve ter visto em sua cara porque ficou em pé e a ajudou a se levantar.

      —Deveria descansar um pouco. Eu me encarregarei dele. —Tirou-a da mão enquanto ela tratava de devolver a circulação à sua rígida perna.

      —Tenente Davis!

      Um jovem de algo mais de vinte anos entrou correndo na habitação ante o grito do médico.

      —Escolte a senhorita Weber a um dos dormitórios para que possa descansar.

      O homem assentiu com a cabeça e logo a guiou fora da habitação. Quando giraram à esquerda, para os dormitórios, Lanie se deteve.

      —Tenho a mochila no carro. —Trocou de direção para a entrada principal, mas o tenente a deteve.

      —Não se incomode. Eu a trarei logo, depois de que a deixe em sua habitação.

      Conduziu-a pelo corredor e se deteve na primeira porta.

      —Tenho que ficar necessariamente nesta habitação?

      O tenente Davis lhe dirigiu um olhar desconcertado.

      —Perdão?

      Lanie sorriu.

      —Quero dizer, posso ficar nesse outro quarto? —perguntou assinalando a terceira porta à direita. Fixou-se nele, antes, quando Mac e ela registraram o edifício.

     Ele seguiu a direção de seu olhar e encolheu os ombros.

      —Sim, senhora. Minhas ordens são que a conduzisse a uma das habitações para que descanse. Suponho que não importa em qual queira ficar.

      Recompensou-o com um sorriso.

      —Obrigada. Então ficarei nessa. —Seguiu-o à outra porta e esperou enquanto ele revisava a habitação com rapidez.

      —Tudo espaçoso, senhora —disse, voltando-se para ela—. Tente dormir um pouco se puder. Há homens por toda parte; está a salvo. Se necessitar de algo, me chame. Estarei fora.

      —Obrigada.

      Despediu-se cortesmente com a cabeça e partiu, detendo-se ao chegar à porta.

      —Senhora, se não se importar que lhe pergunte, por que esta habitação em particular?

      Ela se voltou para olhar a mescla de objetos estranhos e familiares que estavam disseminados por todos lados e sentiu um nó na garganta pela emoção.

      —Era do meu pai.

      O jovem assentiu compassivo. Saiu e fechou a porta deixando-a sozinha. Durante longo momento, Lanie não se moveu, enquanto lentamente passeava os olhos por toda a habitação. Havia livros amontoados literalmente em cada site disponível, incluindo o chão. A maioria deles eram livros de consulta, mas havia vários de novelas populares. Seu pai tinha sido um ávido leitor.

      Não soube quanto tempo permaneceu ali de pé, mas deve ter sido por vários minutos antes que um golpe na porta a fizesse abandonar seus pensamentos. Era o tenente que lhe trazia a mochila. A interrupção sossegou um pouco seu espírito e deixou a bolsa sobre a cama antes de percorrer lentamente a habitação, absorvendo tudo.

      Na parede do fundo, estava o escritório que tinha usado seu pai. Havia vários cadernos de notas com post-it marcando as páginas em um dos lados, e um montão desordenado de revistas e artigos no outro. No meio havia vários cadernos abertos e lápis, como se alguém acabasse de deixá-los ali em cima e esperasse retornar. Lanie passou o dedo pela superfície de uma das páginas sonriendo ao divisar tabaco de pipa sobre o escritório. Esmiuçou as fibras entre os dedos e as levou ao nariz para cheirar.

      Estava acostumada a odiar o aroma do tabaco de seu pai e sempre estava atrás dele para que ao menos aromatizasse a mescla. Naturalmente seu pai se negou, alegando que a mescla cheirava bem,

      Esfregou os dedos entre si, deixando cair o tabaco sobre o escritório. O que daria agora por cheirar a fumaça acre de sua pipa uma vez mais!

      Algo fez cócegas em sua bochecha e quando passou a mão, viu que eram lágrimas. Nem sequer tinha se dado conta de que chorava, mas uma vez que começou não pôde parar. Chorou por seus pais que haviam falecido muito logo, e por todos os homens que tinham morrido ali. Chorou por ela mesma, tão reveste agora, e por Mac, que tinha arriscado sua vida salvando a dela.

      Depois de um momento, muito exausta para seguir chorando, deitou-se na cama de seu pai. Fechou os olhos, lembrando-se de todas as noites que se sentou em sua cadeira favorita, lendo um livro enquanto o trabalhava no escritório próximo escrevendo em seu caderno e fumando em cachimbo. O aroma apenas perceptível de seu tabaco impregnava os lençóis e o travesseiro, assim repousou a cabeça ali, deixando que o familiar aroma a envolvesse e confortasse para dormir.

      Lanie despertou sentindo-se descansada e confusa. Entretanto, levou somente um segundo para recordar onde estava e o que tinha ocorrido. Foi suficiente para despertar de tudo.

      Tentou ouvir algo fora de sua habitação, algo que lhe indicasse que não era a única criatura viva, que o monstro —que já tinha matado muitos— não tinha retornado enquanto dormia para matar seus rescatadores. Só ouviu um silêncio sepulcral.

      Afastando as mantas, dirigiu-se à porta e aguçou o ouvido; nem um só ruído. Como não podia ficar na habitação para sempre, inspirou profundamente, agarrou o pomo e abriu a porta.

 

      Quando nada se equilibrou para atacá-la, saiu rapidamente ao corredor.

      —Tudo bem, senhora? —O tenente Davis permanecia de pé a um par de metros, olhando-a com preocupada educação.

      —Sim. —Jogou uma olhada ao corredor. Estava vazio e parecia quase aborrecido pela falta de ornamentação e atividade. Satisfeita, retornou a sua habitação, mas se deteve na porta e se voltou de novo para o tenente Davis.

      — Esteve diante de minha porta todo o tempo?

      —Sim, senhora. —Se vigiar sua porta lhe tinha parecido aborrecido, cansado ou até insultante, o guarda não deu mostras disso. Suspeitava que era resultado de seu treinamento e se sentiu agradecida.

      —Obrigada. —Sorriu-lhe para lhe mostrar sua avaliação—. Sabe como está Mac, quero dizer, o capitão Knight?

      Ele ativou o micro de seu pescoço.

      —Doutor, sou Davis. A senhorita Weber quereria saber qual é o estado do capitão.

      Ela o observou; tinha o olhar ausente, e um minuto depois assentiu com a cabeça.

      —Entendido.

      Logo a olhou.

      —O capitão está dormindo, bom, ao menos isso acredita o doutor.

      Uma quebra de onda de alívio a alagou deixando-a quase aturdida. Como não queria fazer o ridículo diante do tenente Davis, agradeceu-lhe de novo e entrou na habitação.

      Olhou-se momentaneamente no espelho e ficou sem fôlego. Tinha tido dias com mau aspecto, mas esse parecia o pior de todos. Agarrou a mochila e se dirigiu ao quarto de banho para tomar uma ducha, depois da qual voltou a se sentir como nova outra vez. Tomou tempo para arrumar o cabelo, maquiar-se ligeiramente e pôr as lentes de contato; disse a si mesma que não o fazia para causar boa impressão a Mac, que, além de lhe salvar a vida, tinha-a tratado com indiferença desde que a tinha conhecido. Estava fazendo-o simplesmente por... porque queria.

      Com a roupa limpa, considerou queimar a que levava posta ao chegar, mas por agora a deixou num canto. Quando estava preparada, olhou ao redor, sem saber muito bem o que fazer agora. Algo que tinha recordado antes de ficar dormir rondava sua mente e tratou de recordar, até que por fim se fez a luz. Seu pai sempre tinha levado um diário privado consigo, assim em alguma parte da habitação deviam estar as notas com seus últimos pensamentos.

      Começou a procurar na pilha de livros do escritório, mas o familiar diário de couro marrom não estava entre eles. Depois fixou a atenção na penteadeira e no pequeno armário. Não encontrando nada, deu um passo atrás e examinou o lugar, tentando imaginar seu pai voltando para sua habitação depois de um dia duro, ansioso por transcrever em seu diário tudo o que tinha averiguado.

      Embora o escritório parecesse o lugar mais lógico, teria procurado algum lugar onde esconder suas notas de olhos indiscretos. Seu pai teria guardado um registro de suas conclusões no computador do laboratório, mas ainda era um homem da velha escola e não confiava completamente nem nos computadores, nem no governo, portanto, suas conclusões e teorias pessoais, ele teria deixado escritas em um diário.

      Lanie sabia, além disso, que nunca escrevia no diário sem fumar, assim esquadrinhou a habitação procurando o cinzeiro. A grande poltrona da habitação captou sua atenção. Aproximou-se dele. Um grosso livro com o título “Antigas crônicas romanas” descansava em uma mesinha auxiliar ao lado do cinzeiro.     Um marcador assinalava a última página que tinha lido. Lanie o ignorou e procurou debaixo das almofadas. Nada. Depois examinou o montão de livros empilhados ao lado da poltrona, para ver se o jornal era um deles, mas tampouco obteve resultado. Finalmente seus olhos retornaram ao livro da mesinha. Era muito grosso...

      Sorriu ao levantar a tampa. Ali, dentro de um recorte estava escondido o diário. Acomodou-se no sofá e começou a ler.

      6 de março: cheguei sem dificuldade a Taribu.

      Minha excitação não conhece limites. Nunca em toda minha vida esperei verificar a existência do chupacabras, “o legendário Vampiro da Moca”. Agora, graças ao espetacular descobrimento do governo, tenho que estudar dois espécimes. OH, oxalá pudesse compartilhar este descobrimento com Lanie.

      Sentiu-se invadida por uma sensação de surpresa e desolação. Ela compreendia bem o que tal descobrimento teria significado para ele. Seu sonho dourado feito realidade. Apressou-se a ler a seguinte anotação.

      7 de março: terminei o exame inicial do chupacabras.

      Nós acreditamos que um é adulto, enquanto que o outro parece muito jovem.     A princípio, não tenho maneira de distinguir varões de fêmeas, nem sequer posso averiguar a relação entre ambos indivíduos. Entretanto, como foram capturados juntos, suspeito que são uma fêmea adulta e seu bebê.

      As criaturas são exatamente iguais as que se descrevem nos avistamientos. Tem a pele cinza e a cabeça ovalada, grandes olhos avermelhados, focinho afiado e duas presas (de aproximadamente cinco centímetros) e língua em forma de tubo. Sua presa favorita é o gado doméstico, ao qual caça à noite, perfura-lhe a garganta e suga o sangue através de sua língua.

      O adulto mede ao redor de um e cinqüenta e o jovem não chega a sessenta centímetros. Tem as patas traseiras bem equipadas, o que lhes permite saltar grandes distâncias e alturas. Todas suas extremidades acabam em garras com três dedos e tem uma única fileira de aletas pelas costas.

      Folheando as páginas do livro, Lanie se deteve ler ao azar.

      ... os chupacabras se transformam virtualmente em pedra sob a luz do sol. A princípio, acreditei que estavam mortos, mas dá a impressão que simplesmente hibernam nas horas diurnas.

      A estátua da jaula, pensou.

      ... pude tranqüilizar o bebê o suficiente para examiná-lo mais a fundo. As presas estão ocultas e ao perfurar segregam um veneno no sangue da presa, igual às serpentes. Até ter mais provas, só posso suspeitar que o veneno atua como anticoagulante.

      ... Examinei o Juan e está totalmente curado. É algo assombroso. Não podia imaginar que o veneno do chupacabras pudesse ter tais poderes curativos nos humanos. Ontem à noite injetei a mim mesmo uma pequena quantidade obtida do bebê ao sentir um princípio de febre e catarro. Esta manhã me encontrava perfeitamente bem. Se o veneno do bebê tiver este efeito curativo, quais serão os do adulto?...

      Lanie leu a última anotação.

      ... amanhã tentarei conseguir uma amostra do adulto. Acredito que o melhor momento será antes da saída do sol, quando o chupacabras é mais débil, justo antes que o sol o converta em pedra.

      Seu pai tinha tentado conseguir uma amostra tal como tinha planejado, mas devia ter calculado mal a força do adulto antes da saída do sol. Quando tio Charles chamou para lhe dizer que seu pai tinha morrido, contou-lhe que tinha sido por um animal selvagem. Na selva amazônica esse ocorrido não era incomum. Entretanto, nesse momento, sabia que o «animal selvagem» que tinha atacado e matado seu pai e o outro homem não era outro que o chupacabras.

      Se estivesse certa, teriam as mesmas feridas agudas em seus pescoços como Mac. Lanie sabia que era o momento de fazer o que tinha ido fazer. Precisava ver seu corpo.

      Deixou o jornal no chão e se dirigiu aonde o tenente Davis fazia guarda.

      —Tudo bem, senhora?

      —Eu gostaria de ver o corpo de meu pai. Poderia me levar até ali?

      O jovem transmitiu sua petição a seu superior e Lanie o viu inclinar a cabeça enquanto escutava pelo auricular. Olhou-a e logo rapidamente afastou a vista, fazendo com que Lanie perguntasse se algo ia mal.

      —Há algum problema? —perguntou assim que notou que havia terminado a comunicação.

      —Sim, senhora. O certo é que registramos toda a instalação e só encontramos nove corpos. Os cinco da entrada e os quatro do laboratório. Todos foram identificados, seu pai não era um deles.

      Acreditando que a tinha entendido mal, tentou explicar-se.

      .—Não, sei que não é um desses homens. Meu pai e outro homem morreram faz um par de dias. Por isso vim aqui, para identificar o corpo. Provavelmente esteja na parte de atrás ou algo assim.

      —Sim, senhora. Estamos a par das circunstâncias das mortes do doutor Weber e do comandante Burton e seus corpos, a princípio estavam na parte traseira, mas já não estão ali.

      A confusão do Lanie aumentou. —Não entendo.

      —Encontramos duas bolsas de cadáveres na parte traseira. Ainda levavam a etiqueta identificativa que indicava que continham os corpos do doutor Weber e o comandante Burton, mas as bolsas estavam vazias. Parecia que alguém as tinha quebrado.    

      —É possível que tenham transladado seus corpos a outro lugar?

      Davis lhe dirigiu um olhar compassivo. —Não, senhora. Procuramos por todos lados. Temo que o corpo de seu pai já não se encontra aqui.

 

      Ela se sentiu como se a tivessem golpeado. —Não tem sentido. Um corpo não desaparece assim sem mais.

      —Isso é o que parece, senhora. É como se se esfumaram.

      Suas palavras a fizeram estremecer. A estátua da jaula, o chupacabras, as feridas dos pescoços dos cadáveres, os corpos sem sangue... o diário. Todas essas imagens passaram por sua mente em um abrir e fechar de olhos, lhe deixando o horrível pensamento de que talvez com o corpo de seu pai tinha acontecido exatamente o que o tenente tão ingenuamente tinha sugerido.

      Tinha mencionado anteriormente os vampiros a Mac, e não pôde evitar voltar a pensar neles. A similitude entre o chupacabras e os vampiros não era casual, mas a natureza exata da conexão lhe escapava. Sabia que tinha lido algo sobre esse tema fazia muito tempo e que o tinha esquecido... até agora.

      Tratou de unir todas as peças. O que aconteceria se o ataque do chupacabras a seu pai e ao outro homem de algum jeito os tivesse transformado em vampiros? E se eles, a sua vez, tinham matado esses nove homens? Sua mente se negava a admitir tal possibilidade, mas não lhe ocorria nenhuma outra explicação lógica. Depois, teve outro pensamento ainda mais horrível. O chupacabras também tinha atacado Mac.

 

      —Señorita? Encontra-se bem? —O tom preocupado do tenente Davis logo penetrou em sua consciência.

      —Preciso sair. —Lanie começou a percorrer o corredor com passos apressados, não lhe importava se o tenente a seguia ou não. Preocupava-lhe o que podia encontrar. O doutor havia dito que Mac estava melhor, disse a si mesma.

      Afastou-se pelo corredor da zona residencial e dobrou a esquina. A atividade no resto do edifício era agora bem audível, mas a ignorou. Quando alcançou a porta do laboratório médico estava virtualmente correndo. Sem querer chamar a atenção sobre si mesma. Deteve-se diante da porta para recuperar o fôlego e logo voltou a perdê-lo ao abrir a porta.

      Esperava ver Mac sobre uma maca, com o corpo debilitado e recebendo medicação por via intravenosa, mas a maca estava vazia e o doutor Sánchez estava enfrascado em uma profunda e distendida conversação com outro homem que dava as costas à Lanie.

      Estava nu até a cintura e sua beleza masculina impactou Lanie. Só alguns arranhões vermelhos danificavam a pele bronzeada. Tinha algo ao redor do pescoço, que Lanie identificou tardiamente como uma vendagem.

      Entrou na habitação assombrada.

      —Mac?

      O homem se voltou, vaiando, como se o repentino movimento lhe tivesse doído e um olhar de confusão cruzou por sua cara. Lanie se aproximou dele, saudando o doutor Sánchez com a cabeça que lhe sorriu antes de atravessar a habitação até um pequeno escritório, onde se sentou e começou a escrever.

      A sós com o Mac, Lanie se sentiu pequena e feminina. Assim de perto, era difícil não olhá-lo fixamente. Estava descalço e levava postos umas calças de camuflagem meio aberta, mostrando um rastro de pêlo escuro que desaparecia por sob as calças.

      Seus abdominais, embora não tão marcados como os de um surfista, eram impressionantes e em vez dos ombros arredondados e o peito fundo que teria um homem tão magro, Mac não tinha mais que músculos e planos retos.       Seu peito estava coberto por uma ligeira capa do mesmo pêlo escuro que tinha visto abaixo do seu umbigo e não havia nada em sua aparência que sugerisse que não estava perfeitamente são, exceto pelos arranhões que tinha no peito, similares aos que tinha visto em suas costas. Ambos, cortesia do chupacabras.

      Pensar na criatura lhe recordou por que estava ali. Entretanto, com o sol da tarde entrando pelas janelas e Mac de novo em pé, os medos de Lanie de que ele pudesse ser um vampiro pareceram repentinamente absurdos.

      —Como está? —perguntou, escrutinando sua cara.

      —Muito bem,... Lanie? — Mac passeou a vista por ela e logo se aproximou para olhá-la de perto.

      Seu escrutínio a coibiu, assim que o olhou fixamente.

      —Droga. —riu—. É você. Droga, mulher. —Percorreu-a com os olhos, lentamente, dos pés à cabeça—. Uma mudança realmente agradável.

      Ela quis lhe devolver o elogio, mas se sentiu muito envergonhada para responder.

      —Não posso acreditar que esteja levantado tão logo. Quero dizer que ontem à noite...

      Ela tragou saliva enquanto recordava os acontecimentos da noite anterior.

      —Obrigado —disse brandamente, olhando-a nos olhos—. Salvou-me a vida.

      A culpabilidade a invadiu e sentiu dificuldade em sustentar o olhar.

      —. Deveria ter te escutado e não ter entrado na jaula. Se o houvesse...

      —Sim, deveria havê-lo feito —disse ele bruscamente.

      Logo ela sentiu a calidez de seu dedo quando o colocou debaixo de seu queixo e a obrigou a olhá-lo. Brindou-lhe um pequeno sorriso—. Pelo que me contaram, ontem à noite me salvou a vida com essa transfusão. —Seu tom se fez mais suave e afetuoso—. Suponho que assim estamos em paz.

      Enquanto Lanie olhava fixamente as escuras profundezas de seus olhos, a habitação se reduziu só a eles dois. Nesse momento, sentiu-se mais perto dele que de ninguém em sua vida, e embora soubesse que só era algo passageiro, não lhe importou.

      Mac se sentiu como se estivesse caindo velozmente por céus escuros para um objetivo desconhecido. A queda não lhe incomodava, mas a aterrissagem lhe dava pânico. Já se tinha surpreso o bastante ao despertar nesse dia e se encontrar vivo. Ainda seguia assombrado e desconcertado de haver se recuperado com tanta rapidez. Nem sequer o doutor Sánchez podia explicar o quão depressa que foi sua recuperação e o médico não fazia mais que se benzer cada vez que olhava para Mac.

      Quando Sánchez lhe contou que Lanie tinha matado a criatura atacando-a com sua própria arma para depois arrastá-lo de volta ao laboratório e procedido a salvar sua vida, ficou atônito. Mas nada o tinha impactado mais que descobrir que a espantosa Top model que acabava de entrar no laboratório, colocando-o exitado, era o camundongo de biblioteca que havia trazido até ali.

      Nunca teria imaginado que o descanso e uma boa ducha pudessem fazer isso em uma mulher... droga, ela era fabulosa. Seu cabelo castanho-claro caía em cascata sobre seus ombros em maravilhosas ondas, brilhando de uma maneira que não era possível nos cabelos tintos. Uma camisa rodeada e uns gastos jeans cobriam seu corpo, marcando toda sua figura. Mac se sentiu agradado ao ver que, embora não fosse gorda, tampouco era magra como tantas mulheres na atualidade. Se ela tinha se maquiado, tinha sido o suficientemente sutil para que alguém se perguntasse se era possível ressaltar tão espetacularmente seus rasgos com tão pouca maquiagem ou se realmente eram assim. E tinha notado que seus olhos —que já não estavam ocultos por grossas lentes — eram do mesmo azul claro que os jeans gastos.

      OH, sim, a senhorita Lanie Weber era definitivamente boa e suas bochechas ruborizadas e aquelas olhadas furtivas que lhe tinha arrojado lhe indicavam que a atração era mútua.

      Se não estivessem nesse lugar, se as circunstâncias fossem outras, haveria se sentido tentado em averiguar até onde podia conduzir toda essa química, mas estavam em Taribu e seu pai estava morto, quão mesmo Burton e outros nove homens. Já tinha muitos problemas; não necessitava de que o distraíssem.

      Ao se dar conta de que ainda tinha o dedo debaixo de seu queixo, deixou cair a mão e deu um passo atrás; precisava pôr espaço entre eles. Voltou-se para a maca e tomou a camisa que Sánchez lhe tinha deixado. Embora sentisse que ela o observava, não levantou o olhar.

      Colocou a camisa por baixo da calça e ouviu o suspiro de Lanie. Com as bochechas ardendo, ela deu a volta, lhe proporcionando privacidade um pouco tarde. Apesar de sua anterior determinação, Mac riu baixo ante sua reação.      Vê-lo metendo a camisa por baixo da calça a perturbava sobremaneira. Para alguém que tinha estado às portas da morte na noite anterior, era surpreendente o tão bem que se sentia.

      O som de passos o fez voltar para a porta para ver um homem loiro com um ar ao GI Joe entrar no laboratório.

      —Doutor, como está nosso menino?

      —Em teoria, deveria estar morto —respondeu Sánchez desde o escritório—, mas acredito que viverá.

      —Pois claro que viverá! Necessita-se muito mais do que a uma criatura selvagem lhe comendo a jugular para acabar com este tio.

      —Dirk Adams —disse Mac, estreitando a mão de seu velho amigo—. Não me diga que está no comando. Como você vei parar aqui?

      Fazia mais de um ano que Mac não via Dirk. Conheceram-se nas manobras e Mac sentia um profundo respeito por esse homem que tinha pertencido à sua equipe SEAL.

      —Estava procurando uma desculpa para vir, desde que soube da morte de Burton —admitiu Dirk—. Quando o almirante me contou sobre o acidente e que necessitava de voluntários, apressei-me a me oferecer.

      Dirk olhou para Lanie e MAC recordou suas maneiras.

      —Dirk, eu gostaria de te apresentar Lanie Weber. Lanie, este é o capitão Dirk Adams.

      Dirk se voltou para Lanie, e sua expressão apreciativa irritou Mac.

      —Senhorita Weber, é um prazer. Sinto não ter tido oportunidade de conhecê-la antes. —Dirk estreitou sua mão e Mac considerou que a sustentava mais tempo do que o necessário. O que mais lhe incomodou foi que Lanie não pareceu se importar. Dirigiu ao capitão um sorriso que teria trazido de cabeça a qualquer homem. Mac começava a se sentir como um lascivo olheiro, assim que esclareceu a voz e perguntou:

      —Como vai a investigação?

      Dirk soltou a mão de Lanie e foi ao grão.

      —Não temos nenhuma pista —admitiu—. Acreditam que o animal que te atacou é o mesmo que atacou os outros homens; feridas no pescoço e a perda de sangue são similares. Infelizmente não encontramos o animal ao qual disparou a senhorita Weber. É possível que tenha se arrastado até a selva para morrer. Agora que os dois estão de novo em pé, esperava que pudessem me dizer exatamente o que estamos procurando.

      Mac lhe dirigiu um sorriso pesaroso.

      —Tudo o que lembro são dentes e garras afiadas. Sinto muito. —Os detalhes do ataque eram imprecisos para ele, assim olhou para Lanie, esperando que pudesse preencher os espaços em branco.

      Ela vacilou e Mac se perguntou se as lembranças seriam muito dolorosas para ela. Lanie seguiu com o olhar ao doutor Sánchez quando cruzou a habitação com rapidez para unir-se a eles.

      —Repentinamente apareceu... de um nada... e isso te atacou. Acredito que ao dirigir a lanterna aos seus olhos, consegui que te soltasse. Depois disso, só lembro que disparei até ficar sem balas. Pensei que o tinha matado e o encerrei na jaula, mas minha única preocupação era te trazer para o laboratório, assim não me detive para comprová-lo.

      —Bom, pois ali não está —disse Dirk—. Já olhamos.

      Mac observou Lanie com atenção. Tinha a estranha sensação de que tinha omitido algo de propósito. Estava a ponto de pressioná-la, quando Dirk levou repentinamente a mão ao ouvido. Todos permaneceram em silêncio enquanto Dirk escutava.

 

      —De acordo, estou a caminho. Bom —disse, dirigindo-se ao grupo—, encontraram a fita do ataque faz duas noites. —Olhou para Mac —. Quer vê-la?

      Mac assentiu com a cabeça. Se o ataque tinha sido filmado, quando vissem a fita obteriam um montão de respostas... como quem ou o que matou os homens. Quando Dirk se dirigiu à porta, Mac sentiu um ligeiro puxão no braço e viu ali a mão de Lanie.

      —Preciso falar contigo... —Ela olhou os outros homens, que tinham se afastado uns passos —... a sós.

      Ele viu por sua expressão que se tratava de algo importante.

      —De acordo.

      — Vocês não vem? —perguntou Dirk voltando-se para eles.

      Mac, cuja atenção ainda seguia posta em Lanie, apenas o olhou.

      —Esqueci-me dos sapatos. Adiantem-se; já os alcançamos.

      Dirk assentiu e saiu com o doutor Sánchez do laboratório. Mac olhou para Lanie com impaciência. De repente, parecia insegura, assim enquanto lhe dava tempo para que ordenasse seus pensamentos, localizou seus sapatos e meias três-quartos e os pôs. Quando terminou viu que estava observando cada um de seus movimentos.

      —E bem?

      Ela o olhou nos olhos.

      —Como se encontra?

      —Pensei que já tínhamos passado por isso. —Começou a se sentir irritado—. Estou bem. Agora, posso ir?

      —Mac, espere. Quando te perguntei se se sentia bem, queria dizer se se sentia diferente de algum jeito.

      Ele negou com a cabeça.

      —Bom, é uma experiência que muda sua vida. —Seu tom exsudava sarcasmo—. Não sou exatamente o que era...

      —Deixe —interrompeu Lanie—. Não era isso o que queria dizer.

      —Então que diabos quer dizer?

      Ela passou os dedos pelo cabelo, obviamente preocupada.

      —Encontrei um diário de meu pai. Tem escrito sobre o trabalho que estava fazendo aqui. Estudavam uma criatura, o chupacabras. Sabe o que é?

      —Não.

      —Em essência é um vampiro, mas enquanto que os vampiros tem origem humana, os orígenes do chupacabras são meras conjeturas. Alguns pensam que são extraterrestres abandonados na terra. Outros que são resultado de um experimento entre humanos e animais da Nasa que lhe escapou das mãos. Existem teorias de que são entes interdimensionais ou anjos escuros que se manifestam com essa forma física nesta dimensão, filhos de Lúcifer...

      Mac levantou a mão para detê-la.

      —Deixe de bate-papo e vá ao ponto.

      Lanie soprou.

      —Certo. Segundo o que li, meu pai e o outro homem, Burton foram assassinados pelo chupacabras enquanto o estudavam. E acredito que o chupacabras era isso que havia na jaula..., a gárgula.

      —Quer dizer que o que me atacou e quase me matou foi uma estátua?

      —Não, não. Só é estátua durante o dia, enquanto há sol. Quando cai a noite, cria vida; que foi, se por acaso não recorda, quando entramos na jaula.

      Mac cravou os olhos nela.

      —Estou disposto a acreditar que o que seja que me atacou é o mesmo animal que matou seu pai e Burton..., e provavelmente esses outros homens.

      Lanie sacudiu a cabeça.

      —O chupacabras não matou esses homens —disse ela quedamente—. Você se lembra das marcas que vimos?

      —Que quer me dizer exatamente?

      —Acredito que quando o chupacabras matou meu pai e Burton, de algum jeito os converteu em vampiros e foram eles que mataram esses homens.

      Mac ficou olhando-a. —Está ouvindo o que diz?

      Ela meneou a cabeça com resignação. —Sei que parece uma loucura, mas acredito que essa é a conexão.

      —Olhe, tudo isso é especulação. Quero ver a fita.

      Voltou-se para partir, mas se deteve ao ver que não o seguia.

      —Essa criatura também atacou você — assinalou ela com suavidade.

      Ele sorriu, tranqüilizando-a. —E como pode ver, estou perfeitamente bem.

      —Isso é o que me preocupa.

      Mac pôs os olhos em branco e se dirigiu à porta.

      —Mac —ela o chamou—, os corpos de meu pai e Burton desapareceram.

      Ele se deteve.

      —Desaparecido? Como?

      —Não estão. Segundo o tenente Davis não estão em nenhuma parte do edifício.

      Ela o olhou com impaciência e o soprou.

      —Querida, isso tudo prova que esse filho da puta do Burton se saiu com a sua, fingiu sua morte e desapareceu..., assim não terá que ingressar na prisão. Agora, vou olhar a fita e acredito que você deveria ficar aqui. Suspeito que não será agradável de ver.

      Mac saiu do laboratório e se dirigiu para a entrada do edifício, sendo consciente de que nem sequer sua perna má lhe incomodava tanto como era habitual. Segundos depois ouviu os passos de Lanie quando se apressou para alcançá-lo, mas não lhe dirigiu a palavra enquanto percorriam os corredores para as portas da recepção.

      Mac se alegrou ao ver que os corpos tinham desaparecido e que alguém tinha limpado a área. Dirk estava de pé com Sánchez e outros dois homens, atrás de um técnico sentado em uma cadeira frente ao mostrador de segurança. Todos tinham o olhar fixo no monitor que piscava diante deles. Ao ouvi-los aproximar-se, Dirk levantou a vista. Imediatamente reparou em Lanie.

      —Senhorita Weber, não acredito que...

      Mac levantou a mão para lhe interromper.

      —Já lhe disse que não viesse. Deixe que fique.

      Dirk estudou sua cara e logo a de Lanie, perguntando-se até que ponto tinha tentado convencê-la. Logo assentiu.

      —Como quiser.

      Mac pousou uma mão nas costas de Lanie para guiá-la até o grupo. Logo se arrependeu; o contato o fez tomar consciência dela e tentou ignorá-la. Tinha que se centrar no monitor. Atrás de Lanie, olhando por cima de seu ombro, viu que a tela estava dividida em quatro partes iguais em cada uma das quais aparecia uma zona do edifício.

      A imagem mostrava um borrão cinza com figuras movendo-se. A fita avançava rapidamente procurando os dias.

      Cada certo tempo, o homem que dirigia os controles movimentava a gravação o suficiente para que Mac pudesse ver a data e hora em um pequeno quadro no canto inferior à direita. Quando leu 23: 56 da noite do ataque, a gravação começou a avançar a velocidade normal.

      —Aqui está —anunciou o técnico Isto mostra o que há.

      Felizmente, carecia de áudio, pois o vendo era mais que suficiente. As portas se abriram repentinamente quando quatro trabalhadores, claramente aterrorizados, entraram em turba. Duas formas escuras, que logo que eram indistintas, seguiam-nos.

      Mac observou como as sombras apanhavam um homem cada uma e os atraíam para si, sujeitando-o em um macabro abraço enquanto suas bocas se fechavam sobre o pescoço da vítima. Quando terminaram com um, os assaltantes atiraram o corpo sem vida e agarraram outro.

      Mac viu que o guarda de segurança —movendo-se muito lento e muito tarde — tirava sua arma e abria fogo. As formas escuras não vacilaram, e quando os quatro trabalhadores jaziam no chão, uma das duas formas atacou o guarda, que mostrou a cara à câmera. Sua expressão era de terror absoluto e quando abriu a boca, Mac se sentiu agradecido de não ter que ouvir o horripilante grito do homem.

      Depois de descartar o corpo do guarda, as formas escuras não demoraram mais que uns breves momentos antes de desaparecer pelas portas dobre.

      Ao cabo de uns segundos, as grotescas formas voltaram a atuar no laboratório. Desta vez, ao terminar com os homens, dirigiram-se para a esquerda, mas não apareceram em nenhum lugar mais, simplesmente desapareceram. O monitor ficou sem imagem, enquanto o grupo permanecia em um aturdido silêncio.

      Mac lançou um olhar em direção à Lanie para se assegurar de que estava bem. Apertava a mandíbula com força e sua respiração era irregular, mas era forte, decidiu, e estaria bem.

      —Eu gostaria de vê-lo outra vez —lhe disse ao técnico—. Podemos ver em tempo real?

      O técnico o olhou por cima do ombro.

      —Estava em tempo real.

      Droga. Um mau pressentimento se apoderou dele, mas se negou a lhe dar nome.

      —Pode, então, pôr em câmera lenta?

      O técnico assentiu com a cabeça e, voltando-se para o mostrador, marcou umas ordens no teclado. Um segundo mais tarde, toda a horrível cena voltou a passar em câmera lenta, mas nesta ocasião, quando as formas escuras apareceram, foi evidente que eram humanos. Mac observou com os olhos entrecerrados.

      —Pare a gravação —pediu depois de um momento—. Retroceda um pouco. Bem, agora avance, mas muito mais devagar. —O técnico teclou as ordens, e Mac estudou as imagens da tela—. Congele a imagem.

      A imagem ficou congelada e as caras dos dois assaltantes ficaram orientadas para a câmera.

      —Pode fazer um zoom? —perguntou Dirk.

      As caras ficaram em primeiro plano, imprecisas, mas identificáveis, e Mac sentiu que lhe gelava o sangue. Ao seu lado, Lanie ofegou. Na tela com a cara ensangüentada, mas sorridente estava Lance Burton. De pé, ao seu lado, havia um homem de mais idade. Mac supôs que era o doutor Weber.

      Já havia visto suficiente. Tomou Lanie pelo braço e a conduziu brandamente fora do grupo. Devia estar em estado de choque, porque permitiu que a levasse ao exterior, onde o brilhante sol da tarde poderia esquentá-los, fazendo desaparecer os calafrios que percorriam sua coluna vertebral.

      —Agora acredita em mim?

      Não era o que esperava que dissesse — ou fizesse — em primeiro lugar como reação ao que tinham visto. Mac lhe dirigiu um olhar especulativo antes de deixar que seus olhos vagassem até se deter nas árvores.

      —Querida, já sabia que Burton era um psicopata..., esta não é a primeira vez que assassinou pessoas inocentes para obter o que queria. Entretanto, é a primeira vez que o pegamos fazendo.

      Olhando-a com atenção, sopesou quanto podia lhe contar.

      —Burton e eu servimos juntos na Armada; em concreto, fomos membros da mesma equipe SEAL. Burton era bom, mas não o melhor. Promoveram-no várias vezes para ascender, mas nunca recebeu o reconhecimento que acreditava merecer. Ao cabo de um tempo, acredito que se fez mais difícil para o aceitar que não era um líder aos olhos da Armada.

      A princípio fomos companheiros, mas quando me converti em seu comandante, não gostou. Os «acidentes» começaram de forma gradual, e francamente, nunca me passou pela cabeça que fossem devido a nada que não fosse má sorte. —Mac deixou que sua mente rememorasse aqueles dias—.      Deveria ter vigiado mais de perto. Possivelmente tivesse reconhecido os sinais antes...

      Inspirou profundamente, consciente de que Lanie o escutava com atenção e agradecido de que não o apressasse ou fizesse perguntas.

      _Tínhamos uma missão no Iraque. Só entrar e sair; era o único que temamos que fazer, mas a missão estava destina dá ao fracasso desde o começo. A lealdade de meus homens foi gravemente escavada por Burton, que parecia ter inclinação a que as coisas se fizessem à sua maneira. Conseguiu dividir ao grupo. Retornávamos, quando se desatou o inferno e sofremos uma emboscada. Perdi sete homens, ironicamente, aqueles que me guardavam lealdade e não a Burton. Colocaram-me uma bala na perna que me destroçou o fêmur e por conseguinte acabou com minha carreira. Só dois homens conheciam nossa rota... eu e meu segundo. — Meneou a cabeça, perguntando-se exatamente por que compartilhava todo isso com ela. Quanto fazia que se conheciam? Vinte e quatro horas?

      —E Burton era seu segundo. —A suave afirmação chegou ao por cima do ruído dos centenares de insetos que zumbiam entre as árvores.

      —Sim. —Não se tinha dado conta de que se aproximou tanto até que sentiu que lhe tocava levemente o braço com a mão. Normalmente, não gostava que o tocassem, mas não encontrou incômoda sua cercania.

      —Está seguro de que foi Burton quem te traiu?

      Ele riu sem vontade.

      —Perguntei-me o mesmo um milhão de vezes durante o último ano. Até recentemente, não tinha provas. Faz um mês, Rogers, um dos superviventes veio para me ver, suponho que teve um ataque de consciência; admitiu que tinha ouvido Burton planejar tudo, mas que não tinha tentado lhe deter. Por desgraça, Rogers morreu em um acidente de carro, antes que pudesse prová-lo, mas sua declaração foi suficiente para apresentar uma denúncia formal. O julgamento será na semana que vem. Por isso encontrei a morte de Burton tão oportuna. — A história era algo mais complicada, mas não entrou em detalhes.

      —Em primeiro lugar, se Burton estava sob investigação, por que estava trabalhando aqui?

      Mac lhe dirigiu um sorriso de pesar.

      —Tem que entender que as coisas não chegaram tão longe para que Burton deixasse seu posto imediatamente. O primeiro passo era a denúncia. Logo terei que chamar a todos os que sobreviveram da equipe, incluindo Burton. Seu substituto teria vindo aqui qualquer dia para relevar seu cargo e então Burton voltaria para Washington para declarar.

      Mac viu uma preocupação genuína em seus olhos, simpatia e compreensão, e se odiou a si mesmo pelo que ia ter que fazer. —O que não sei é qual é a implicação de seu pai no plano dele.

      Suas palavras foram obviamente inesperadas e, por um momento, ela simplesmente o olhou sem compreender.

      —Como se atreve? —espetou finalmente—. Meu pai é... foi... um homem bom, honesto. É uma vítima do que seja que esteja ocorrendo aqui e te agradeceria que não se esquecesse. —Entã deu meia volta e partiu.

      Lanie precisava pensar. Digerir tudo o que ele tinha contado e se acalmar. Recordou a si mesma que ele não tinha conhecido seu pai e, portanto, sua acusação era razoável, mas isso não tornava as coisas mais fáceis. Suas suspeitas a feriam e deixavam ao descoberto um sentimento que, se era honesta consigo mesma, não se tratava de outra coisa que culpabilidade. Acaso no mais profundo de seu ser não se perguntou também sobre a implicação de seu pai? Porque obviamente estava envolto. Tinha-o visto na fita. Tinha matado. Quão único não sabia com segurança era se ele tinha se comprometido naquela situação por vontade própria.

      Não..., seguro que não. Burton podia ser um psicopata, mas seu pai não era. Nunca tivesse fingido sua morte nem participado voluntariamente em um assassinato. Mas, como explicar sua aparição no filme? As duas formas se moveram muito rápido para serem humanas, tinham matado vítimas inocentes e bebido seu sangue. Tinha pouco sentido. Se Burton esperava desaparecer discretamente para evitar a investigação, estava fazendo justamente o contrário, porque tinha se convertido no centro de atenção.

      O que a devolvia a sua anterior teoria.

      Lanie começou a caminhar de cima abaixo com o passar do edifício com o olhar perdido em seus pensamentos. Viu aparecer o tenente Davis. Provavelmente, Mac o havia mandado para vigiá-la, assegurando-se de que estava a salvo. Sentiu-se irritada. Não necessitava de babá. Nunca tinha necessitado de babá.

      Enquanto crescia, seu pai não tinha acreditado nela, optando em seu lugar, por arrastá-la com o acampo através, solicitando sua ajuda em suas investigações quando se voltou evidente que era mais organizada que o. Tinha crescido desfrutando das horas que passava na Internet investigando e procurando toda a informação: feitos escuros que implicavam a diversos seres mitológicos, quão animais seu pai tratava de encontrar. Gostava da provocação de poder provar que existiam. Era por isso que a teoria dos vampiros não lhe resultava tão inverossímil. Especialmente agora. Se o chupacabras —um pouco tão fictício como o abominável homem das neves ou o monstro do lago Ness — era real, por que não seriam reais os vampiros?

      Aliviou seus passos, desta vez com um rumo fixo. Queria ver a jaula onde Mac e ela tinham encontrado o chupacabras. Dirk Adams tinha assegurado que a criatura não estava, mas se via impulsionada a comprová-lo por si mesmo.

Quando dobrou a esquina para o pátio traseiro, viu o contorno de algo dentro da jaula.

      Seus nervos se puseram de ponta. Diminuiu o passo, observando que dentro da jaula não se produzia nenhum movimento. Seus pensamentos voltaram para os acontecimentos da noite anterior. Tinha matado realmente à criatura? Se era assim, poderia ser que inclusive morta, se convertesse em pedra durante as horas diurnas. Isso explicava por que Dirk não tinha encontrado nenhum animal selvagem, seus homens não tinham sabido o que procurar.

      Estava suficientemente perto da jaula para ver que a forma era, de fato, a gárgula de pedra. Não pôde evitar estremece e teve que resistir a tentação de dar meia volta e fugir. Jogou uma rápida olhada ao céu, compreendendo que tinha vários minutos antes que se ocultasse o sol e a rodeasse a escuridão. Se a criatura tinha sobrevivido de algum jeito, não queria que a agarrasse despreparada.

      Avançando lentamente, repartiu a atenção entre a estátua e a porta da jaula, perguntando a si mesma se, com a pressa da noite anterior, teria fechado bem a tranca. Uns passos mais e pôde comprovar que estava fechada.

      Ouviu o ruído dos passos de Davis que surgiu a suas costas, sujeitando uma arma nos braços e esquadrinhando a zona procurando um perigo que não podia ver. Virtualmente ouviu os pensamentos que cruzavam por sua cabeça enquanto a olhava.

      Deu-lhe as costas e avançou até os barrotes da jaula para poder ver o chupacabras. Não parecia tão aterrador à luz do dia como ela o recordava. É obvio, nesse momento, não estava tentando lhe morder a garganta.

      Os buracos pequenos e redondos que ocupavam toda sua pele captaram seu olhar. Aguçando a vista, compreendeu que se travava das feridas provocadas pelos disparos. Pareciam tão leves e superficiais que fizeram com que Lanie se perguntasse se a criatura não estaria viva ainda e em estado de hibernação estava sanando a si mesma. Se esse era o caso, então...

      —Senhorita, muito em breve anoitecerá. Deveríamos retornar dentro.

      A voz de Davis era educada, mas firme. Ignorou-o. Agora que sabia o que esperar, não ia perder. Enquanto passavam os minutos, crescia sua antecipação e excitação. Talvez havia mais de seu pai nela do que acreditava.

      Sentindo-se suficientemente segura depois das grosas barras de aço que a separavam da criatura, Lanie esperou que as sombras ao seu redor aumentassem e que o sol se ocultasse depois do horizonte.

      A transformação foi tão repentina desta vez como o tinha sido a noite anterior. Em um momento Lanie estava olhando a criatura que repousava sobre o chão e no seguinte, a criatura viva se levantava com dificuldade. A diferença da noite anterior, não a atacou, e se perguntou se as balas a teriam deixado tão ferida gravemente que morreria de todas maneiras, uma morte posposta pela saída do sol só para retornar agora que a noite tinha chegado.

      Sentiu um pouco de simpatia por ela. Os animais estranha vez atuavam com maldade, só reagiam às circunstâncias. Mac e ela tinham estado no lugar equivocado no momento equivocado, e era possível que tivesse estado tão assustada como eles. Entretanto, não cometeu o engano de sentir lástima. Depois de tudo, tinha matado seu pai e Burton..., e quase também Mac.

      —Que diabos...

      Quase se tinha esquecido de Davis.

      —Essa é a criatura que nos atacou ontem à noite. Não, um momento! —    Levantou uma mão para impedir que Davis lhe disparasse—. Não a mate.

      —O que é isso?

      —Um chupacabras —respondeu ela, com o olhar fixo no animal. Desejou que Mac estivesse ali com ela. Seria difícil para ele justificar isso.

      —Tenente Davis? Pode chamar por rádio e pedir que enviem Mac aqui?

      Davis não respondeu.

      Um golpe seco, seguido de ruído de folhagem, foi a única indicação de que algo ia mal. Voltou-se e divisou Davis aos pés de uma árvore próxima.Ao seu lado estavam seu pai e Burton.

 

      —Papá?

      Lanie não podia acreditar no que via. Era realmente ele? Seu coração saltou de alegria.

      Os dois homens estavam parados no bordo da selva, olhando-a fixamente das profundezas escuras da espessura mastreada; seus olhos avermelhados resplandeciam na escuridão. Ante o som de sua voz, seu pai deu um passo e Lanie viu que estava macilento e pálido; sua pele era quase translúcida lá onde os errantes raios de lua o tocavam. Mas seus lábios esboçaram um sorriso de felicidade quando a olhou.

      —Lanie, minha menina, pensei que nunca voltaria a vê-la... e aqui está.

      —Disseram-me que estava morto —disse com a voz rota pela emoção.   Quis lançar-se a seus braços, mas vacilou ao recordar as imagens da gravação.

      —Não, não se aproxime. —Sua voz era contida—. Alimentei-me faz um momento, mas ainda é difícil resistir à tentação.

      —O quê? — sentiu-se confundida e desviou o olhar à cara de Burton, que parecia um depredador. Sabia que seu pai não a danificaria, mas não podia assegurar o mesmo do outro homem. Sacudiu a cabeça. —Não entendo nada. O que aconteceu?

      —Morri. —Em lugar de soar aflito, Lanie percebeu uma leve excitação em sua voz—. Não te parece incrível? Dois mitos menos. É óbvio que ninguém deve saber.

      —Então o que é em realidade?

      Burton deu um passo adiante e Lanie deixou de falar, distraída pela sensação de seus olhos vagando por seu corpo. Só a pura força de vontade a manteve no lugar, embora o medo invadisse seus sentidos. Os lábios de Burton se curvavam em um amplo sorriso zombador e pôde ver presas onde antes havia dentes normais. Não pôde reprimir o estremecimento que a percorreu quando sobre eles caiu um silêncio antinatural.

      Como se se estivesse rindo dela, Burton cruzou um braço por diante do outro descansando o cotovelo na palma da mão e acariciando o queixo com a outra mão em um gesto pensativo. A imagem era mais surrealista pelas afiadas garras que agora tinha em cada dedo.

      Em frente, Davis se removeu inquieto e ofegou.

      —Não se mova — advertiu-lhe Lanie.

      — O que são?

      Burton riu entre dentes.

      —Temo que o «quem» não é tão importante como o «que».

      —Nosso pior pesadelo? —sugeriu Lanie.

      A risada de Burton foi desta vez genuína.

      —Suponho que esse clichê valerá, bela. Então, Weber, esta é sua filha? Talvez devêssemos levá-la conosco. O que te parece?

      —Deixe-a em paz —grunhiu seu pai—, ou não te ajudarei.

      Burton se aproximou dela, detendo-se uns centímetros. Deslizou uma larga unha por uma de suas bochechas e o brilho de seus olhos pareceu lava derretida.

      —Pergunto-me se seu sangue é tão doce como o aroma de seu medo.

      —Não pode fazê-lo sem minha ajuda, Burton, e te juro que se machucar a minha filha...

      Burton levantou uma mão para silenciar seu pai, sua expressão se tornou dura e fria. Com um último olhar para Lanie, dirigiu-se à porta da jaula. O coração de Lanie pulsou a toda velocidade quando se deu conta do que estava a ponto de fazer.

      —Não..., não o faça!

      Exibindo uma incrível força, agarrou a porta e atirou dela. O metal da fechadura chiou baixo com o impacto e finalmente cedeu à força maior. Abriu-se, e Burton entrou no interior.

      Por incrível que parecesse, o chupacabras ficou de pé, mas não atacou. Durante uns segundos, Burton e a criatura se olharam fixamente. Logo o chupacabras inclinou a cabeça e seguiu Burton fora da jaula, sem fazer gesto algum de atacar ninguém. De fato, caminhou diretamente para seu pai.

      Um movimento no pescoço de seu pai atraiu a atenção de Lanie, e viu um animal pequeno pego a sua nuca. Ele sorriu quando viu para onde se dirigia seu olhar e se moveu para que a luz da lua caísse sobre o pequeno chupacabras. Era do tamanho de um cachorrinho grande e Lanie supôs que essa era a criatura que mencionava em seu diáriol.

      Assombrada, observou como o chupacabras adulto baixava a cabeça para acariciar com o nariz o bebê em um gesto quase maternal.

      —Burton!

      O repentino grito de Mac atraiu a atenção de todos quando se dirigiu rapidamente para eles, com a arma em punho. Pressentindo que era sua oportunidade, Davis se equilibrou a seus pés para agarrar a arma, mas Burton foi mais rápido e a arma de Davis voou pelos ares quando o levantou bruscamente do chão para utilizá-lo como escudo.

      Perto deles, Mac se deteve em seco, apontando para Burton com a arma e sopesando a situação. Lanie compreendeu seu dilema. Se disparasse em Burton, podia ferir Davis sem querer. Por outra parte, se não disparasse, Burton certamente escaparia, provavelmente com Davis como refém, em cujo caso, o jovem seria homem morto de todas maneiras.

      —Deveria ter imaginado que andaria por aqui, Knight.

      —Solte Davis e se entregue, Burton. —A voz de Mac soou acerrada, dura e inflexível.

      —Por que ia fazer isso?

      —Vi a fita de segurança. Sei o que fez.

      —Duvido que saiba tudo —disse Burton com desdém.

      —Faz duas noites, matou nove homens..., não tente negá-lo.

      —A verdade, não sei se fiz ou não. Essa noite foi um pouco imprecisa para mim. Nem todos os dias consigo ressuscitar de entre os mortos.

      —. Não vou deixar que escape depois de fingir sua morte. _ Grunhiu Mac. - Entregue-se e direi às autoridades que cooperou.

      —Bom, já vejo que te custa aceitá-lo. —Burton esboçou um falso sorriso—. Está bem. Faz dois dias tampouco te tivesse acreditado. Mas agora as coisas são diferentes. Tenho um novo mundo ao meu alcance e não estou disposto a renunciar a ele.

      —E o que pensa fazer? Isto está cheio de soldados.

      —Fazer? Bom, farei o que seja necessário para sair são e salvo e você faria bem em recordá-lo. —Burton apertou Davis contra seu peito e embora o jovem lutasse, Burton o sustentava com a mesma facilidade que a uma boneca.

Sem afastar os olhos de Mac, inclinou a cabeça até que sua boca ficou a uns centímetros do pescoço de Davis.

      —Com sua permissão, professor. —As presas de Burton se afundaram no pescoço do prisioneiro que ficou rígido de repente. De onde ela estava, Lanie viu como um fio de sangue escapava pela comissura da boca de Burton. Uma nuvem escura ocultou a lua. Logo Davis fechou os olhos e seu corpo começou a convulsionar.

      Lanie ficou paralisada.

      —Amo-te. —As palavras sussurradas flutuaram até ela e a distraíram. Quando deu as costas à cena, para ver de onde provinham, ouviu uma explosão que machucou seus ouvidos. O som da arma de Mac reverberou na selva e Lanie sentiu o eco do disparo.

      Como a câmara lenta, viu que Mac apertava outra vez o gatilho e logo observou o orifício da bala no ombro de Burton. Entretanto, este não caiu nem soltou Davis, mas sim pareceu tomar impulso com as pernas e com um grande salto se elevou entre os ramos das árvores onde se perdeu de vista. O tempo pareceu deter-se enquanto Mac e Lanie ficavam olhando os ramos, pendentes do que pudesse passar. Quando o corpo caiu sobre eles, afastaram-se bem a tempo.

      O corpo de Davis golpeou sobre a terra e ficou ali, totalmente quebrado. De repente, tudo voltou a transcorrer em tempo real.

      —Está bem? —perguntou Mac aproximando-se dela.

      —Eu... acredito que sim. —Procurou entre os ramos algum sinal do Burton, mas não viu nada exceto a negrume da noite—. Para onde foi?

      Olhou ao redor procurando por seu pai para descobrir que ele também tinha desaparecido. Um sentimento de desespero caiu sobre ela, até que recordou as palavras sussurradas com delicadeza: «Amo-te». Lutou por tragar o nó que lhe tinha formado na garganta, enquanto se aproximava apressadamente de Davis.

     Abaixou-se ao seu lado e com a ponta dos dedos lhe buscou o pulso na garganta. Não o encontrou, embora tampouco o esperava. Fechou as pálpebras do jovem e acariciou brevemente sua bochecha. Não tinha chegado a conhecê-lo bem, mas ninguém merecia morrer assim.

      Matar Davis tinha resultado uma distração efetiva, pensou Mac com pesar. Tinha-dado a Burton e ao professor tempo para escapar, e não só a eles; a criatura também tinha fugido. Mac a tinha reconhecido imediatamente como quem o tinha atacado na noite anterior. Entretanto, não sabia por que se mostrou tão dócil essa noite ao dirigir-se ao professor. Isso era um mistério.

      Era estranho que Burton se arriscasse a voltar por aquela coisa, o que significava que queria a criatura por alguma razão. Aquele pensamento o inquietou o bastante.

      O som de vozes e pegadas apressadas tiraram-no de suas reflexões.

      —Vá para dentro. —Mac agarrou Lanie pelo braço e a empurrou para o edifício, enquanto registrava a escuridão por cima deles—. Conte a Dirk o que aconteceu. Diga-lhes que recolham o corpo de Davis e o ponham com outros.

      —E você? Não pode ficar aqui fora. Burton poderia voltar a qualquer momento e te atacar ,assim que lhe desse as costas.

      Mac negou com a cabeça.

      —Não, ele já se foi.

      —Como está tão seguro?

      —Ouvi se moverem pela selva.

      Olhou-o com estranheza, mas tudo o que perguntou foi:

      —O que vai fazer?

      —Ir atrás deles.

      Mac se moveu pela selva, vagamente consciente de que se encontrava excepcionalmente bem. Nunca tinha se deslocado com tanta rapidez, nem sequer quando tinha a perna sã. Lançou-se entre a densa mata como se estivesse pisando em grama. Agradecia que a lua iluminasse seu caminho — aonde quer que o conduzisse —, dessa maneira podia observar todos os rastros com claridade.

      Todo seu ser se centrava em encontrar Burton. Tinha certeza de lhe haver acertado quando disparou. Em sua mente seguia viva a imagem de Burton indo para trás pela força do disparo. Ainda não tinha encontrado nem rastro de sangue, apesar da boa visibilidade, não tinha visto nenhum rastro, mas aquilo não lhe preocupava; sabia que tinham ido por ali. Pode ser que Burton tivesse sido treinado para não deixar rastros, mas o doutor Weber não.

      O que mais tinha surpreendido Mac eram os rastros de garras que tinha encontrado no caminho enquanto seguia o rastro do doutor Weber pela espessa vegetação. A criatura que literalmente o tinha feito picadinho a noite anterior parecia quase mansa na presença do doutor Weber e Burton. Por quê?

      Horas mais tarde, Mac voltou para o centro de investigação com as mãos vazias e encontrou Lanie, que o estava esperando. Quando o viu, aproximou-se rapidamente, procurando com os olhos qualquer rastro de lesão.

      —Está bem? —Moveu as mãos para lhe tocar o peito e os braços. Mac supôs que não se dava conta do que fazia, e sua preocupação o enterneceu sem saber muito bem por que.

      —Estou bem.

      Notou que estava sozinha no vestíbulo.

      —Onde está Dirk? Por que não está contigo?

      —Foram todos em busca de Burton. Encontrou-o? Ou ao meu pai?

      —Não, perdi-os na selva.

      —Bom, estava escuro. —Desculpou-o—. Crê que retornarão?

      —Duvido. Burton sabe que o estamos esperando. Além disso, acredito que já obtiveram o que estavam procurando.

      Ela assentiu com gravidade.

      —O chupacabras adulto.

      Mac assentiu.

      —Mas não tenho nem idéia de por que o quer Burton.

      Ambos se dirigiram ao laboratório. Repentinamente, Lanie o agarrou pela manga da camisa e lhe deu um puxão para que se detivesse. Ele suspeitava, pela expressão de sua cara, que seguia sumida em seus pensamentos. Não o olhou enquanto se voltava sem lhe soltar a manga e o guiava para o corredor da zona de residencial.

      —Aonde vamos?

      —À habitação de meu pai..., temos que falar.

      Ele se deteve, negando-se a seguir.

      —Olhe, sei que resulta traumático pensar que seu pai estava morto e logo repentinamente descobrir que está vivo e trabalha para um mercenário. —Tentou suavizar o tom—. Lamento que tivesse que descobrir dessa maneira, mas não tenho tempo para falar disso agora. Levam-nos vantagem. Se atuarmos rapidamente, poderemos detê-los.

      —A selva é muito grande. Sabe aonde foram?

      Ele suspirou longamente.

      —Não —admitiu.

      —Então não passa nada se perder uns minutos me escutando. Por favor, Mac. É importante. —Ao ver que parecia pouco convencido, tentou-o de novo—. Não acredito que nossos problemas se acabaram e se houver uma forma de salvar algumas vidas, antes que seja muito tarde, acredito que deveríamos tentá-lo. Especialmente porque pode ser que sejam nossas vistas as que salvemos.

      Viu o desespero em seus olhos e se perguntou por que estava se expondo em escutá-la, quando sabia, sem dúvida nenhuma, que precisava continuar com a busca. Foram seus «por favor» os que inclinaram a balança.

Deixou que o conduzisse ao dormitório que havia na terceira porta à direita. A habitação era pequena e acolhedora, quase claustrofóbica na opinião de Mac, que se deu conta de que o único assento disponível para os dois era a cama, que se via muito mais que a solitária poltrona de leitura da esquina; a cadeira do escritório era ainda mais pequena. Decidiu ficar de pé.

      — Está bem, escuto-te.

      Agora que tinha toda sua atenção, não esteva segura sobre como continuar. Foi para o escritório, tomou um pequeno jornal encadernado em couro e o ofereceu.

      —Este é o diário de meu pai. Acredito que deveria lê-lo. Possivelmente te ajude a compreender o que enfrentamos.

      Mac agarrou o livro e a olhou com uma expressão relutante na cara.

      — Recebi treinamento altamente especializado em operações militares encobertas durante dez anos. Não necessito de um pouco de criptonosequé ou como demônios se chame isso e uma bibliotecária me explique nada.

      —Isto é diferente, Mac. Ocupamo-nos de coisas que a maioria da gente não sabe que existe. Falamos de vampiros.

      Ele começou a negar com a cabeça. Essa mulher soava como um disco quebrado.

      —Basta! Já te disse isto, não acredito nesse sem sentido e certamente não tenho tempo para escutar nada disto.

      Deu a volta para sair, mas ela se adiantou e bloqueou a saída com o corpo.

      —Não os viu? O meu pai e Burton? Pareceram-lhe normais? E como Burton matou Davis? Crê que isso foi normal?

      —Ser anormal e ser um vampiro são duas coisas diferentes. —Rodeou-a para tomar o trinco da porta, tentando ignorar o contato de seus corpos quando ela se negou a mover-se. Captou o aroma apenas perceptível do sabão misturado com algum outro perfume e tentou ignorar como ela umedecia os lábios quando finalmente se deu conta da cercania de seus corpos. Infelizmente para ele, havia uma parte de sua anatomia muito consciente dessas coisas e retrocedeu rapidamente para pôr espaço entre eles.

      —Posso te provar que os vampiros existem.

      Mac cravou o olhar nesses olhos azul escuro e se sentiu como se caísse dentro de um profundo poço. Logo assimilou suas palavras, tirando o de seu ensimismamiento. Era uma lunática..., uma louca muito formosa, atrativa mas assobiada. Embora não tão louca como ele, pensou um momento depois, quando se encontrou seguindo-a pelos corredores até a parte traseira do edifício.

      —Aqui é onde colocaram os corpos —disse Lanie uns minutos mais tarde quando alcançaram o armazém. Embora até esse momento tinha atuado com bastante confiança, assim que entraram e acenderam as luzes, Lanie pareceu vacilar. Não sabia se ela era realmente consciente de que se pegou, enquanto examinava a habitação com os olhos como pratos.

      —Está bem? —perguntou divertido, fechando a porta.

      —A verdade é que não —admitiu ela.

      Mac jogou um olhar a seu redor e viu que as prateleiras junto à parede estavam cheias de produtos de limpeza e de outros tipos. Havia um sortido de faxineiras e vassouras em uma esquina junto a vários cubos, e uma porta em meio da parede da direita que levava a outro armazém.

      —Aí dentro —disse ela, assinalando a porta.

      Ele atravessou a habitação com Lanie lhe pisando os pés.

      —Está bem —disse ela sem fôlego—. Ao meu ver, estes homens estão mortos aproximadamente quarenta e oito horas, que é o mesmo tempo entre a morte de meu pai e Burton e a noite em que mataram o resto dos homens. Assim, se for ocorrer algo, será esta noite. Suponho que não tem uma faca, verdade? Ou melhor ainda, uma estaca?

      Estava a ponto de perguntar se esperava que os mortos ressuscitassem, quando guardou silêncio. Isso era exatamente o que ela esperava que ocorresse.

E se lhe concedesse um pouco de credibilidade? Quanta loucura tinha visto já nessa viagem? Por muito absurdo que parecesse, se ela estava certa, não era prudente abrir a porta e enfrentar um bom número de mortos viventes estando desarmado.

      —Tenho isto. —Tirou sua arma, agora totalmente carregada. Incomodou-se em voltar para dentro para recarregá-la, ao retornar de sua busca pela selva—. A porta se abre para dentro —explicou—, assim quero que se afaste para esse lado. —Assinalou um lugar a cabela distância da porta.

      Lanie já negava com a cabeça, antes que ele tivesse terminado de falar.

      — Você não pode disparar neles. As balas não lhes fazem nada.

      —Viu muita televisão. —Colocou a arma onde ela pudesse vê-la—. Isto é uma Colt 45. Detém um homem com um só disparo.

      —Deixa-o. Tratamos com os não mortos e apesar de que pense que na televisão são disparates, a verdade é que é muito difícil matar algo que já está morto.

      —E o que sugere?

      Pareceu envergonhada.

      —Atravessar-lhes o coração? Cortar-lhes a cabeça?

      Disse isso como se cortar a cabeça de uma pessoa fosse coisa fácil e teve que conter as palavras que puxaram por sair.

      —Simplesmente fique a um lado, tudo bem?

      Ela se afastou a contra gosto de seu lado. Inspirando profundamente, sentiu que uma calma familiar e profunda caía sobre ele; a calma antes da tormenta. Pôs a mão sobre o trinco e abriu a porta.

      Nada saltou sobre ele, mas Mac não baixou a guarda até revisar cada curva do armazém e comprovar que não havia nada espreitando nas sombras. Depois de cinco minutos, sua cautela se transformou algo completamente absurdo e ele se alegrou de que não tivesse ali nenhum de seus homens para ser testemunha do ridículo que estava fazendo.

      Ver as dez bolsas negras era deprimente, mas não aterrador. Era evidente por sua forma, que ainda continham os cadáveres. A etiqueta de cada uma identificava a vítima e parecia ser o único aviso de que tinham vivido e respirado como pessoas.

      —Tudo espaçoso —anunciou.

      Às suas costas, ouviu como Lanie entrava no quarto. Quando se deteve ao seu lado, observou sua expressão. Seu silêncio era difícil de interpretar. Supunha que provavelmente estivesse decepcionada por não poder provar sua teoria, mas tivesse querido realmente que esses mortos voltassem para a vida transformados em vampiros mordedores de gargantas e chupadores de sangue?

      Passou o braço por seus ombros.

      —Vamos. Sabendo como ficas com a tequila, coloquei a garrafa do avião em minha bolsa. O que te parece se bebermos um gole? Eu necessito disso.

      Dirigiu-lhe o que esperava que fosse um sorriso reconfortante sem pecar de condescendente, mais preocupado do que queria pelo olhar perdido e confuso de seus olhos.

      —Estava tão segura. —Acreditou ouvi-la resmungar—. Um momento! Que horas são?

      —É por seus princípios? —perguntou ele. Não se preocupe, passam das cinco. Já pode beber um gole.

      Ela olhou o relógio em seu pulso.

      —Nem sequer são onze. Segundo a fita de segurança, meu pai e Burton fizeram ato de presença depois da meia-noite. Chegamos logo, isso é tudo.

Ele não dava crédito a seus ouvidos.

      —Quer ficar aqui e esperar? —Ela assentiu com a cabeça—. Segue pensando que um desses homens, se não todos, ressuscitarão como vampiros? — Ela assentiu de novo.

      Ele suspirou.

      —Lanie, se com isso me assegura que deixará de pensar em toda essa tolice dos vampiros, prometo a você que ficarei contigo aqui toda a noite.

      E pensava cumprir sua palavra.

      Ela sorriu com gratidão, e Mac a deixou ali para voltar para o quarto onde estavam as vassouras. Selecionou cinco e procedeu cortando cada um das mangas em duas partes.

      —O que faz? —perguntou Lanie, lhe observando.

      Mac levou as estacas caseiras até as bolsas dos cadáveres e se ajoelhou ante o primeiro.

      —Pode ser que não queira olhar.

      Abriu a cremalheira da primeira bolsa, ignorando a visão e o aroma do cadáver e atravessou seu coração com uma das improvisadas estacas.

      —Alto! —gritou Lanie correndo para o—. Acreditei que esperaria até depois de meia-noite.

      Mac olhou-a zangado e se moveu para a seguinte bolsa.

      —Só necessitamos de que um dos cadáveres se levante para provar sua teoria. Sem dúvida alguma não vou ficar aqui sentado para esperar que os dez se levantem e logo tentar reduzi-los. —Atravessou com outra estaca o coração da segunda vítima e se dirigiu à terceira—. Não é como se lhes estivesse fazendo mal, verdade? Já estão mortos.

      Davis foi o seguinte e, pela primeira vez, vacilou. Resultava mais fácil quando não se conhecia a vítima. Apertou os dentes, atravessou o corpo e seguiu adiante.

      O último cadáver ficou intacto. Mac não tocou a bolsa e voltou junto a Lanie enquanto olhava os outros corpos.

      —Pensava que se supunha que tinham que se converter em pó.

      Lanie os olhou e deu de ombros.

      —Não sei..., possivelmente tenham que passar um tempo vivendo como vampiros. Ou ainda não se converteram em vampiros e por isso seus corpos não se desintegraram.

      —Talvez —conveio Mac—. Que horas são?

      Ela jogou um olhar a seu relógio.

      —Onze e meia.

      —Certo. Agora nos resta esperar.

      Os minutos passaram lentamente e como Mac já tinha dado sua palavra, preparou-se para atravessar com a estaca o último vampiro, se é que aparecia. Quando deu uma hora, perguntou-se quanto tempo estaria Lanie disposta a esperar para provar sua teoria.

      Às uma e meia resultou ser seu limite.

      —Suponho que estava equivocada —admitiu ela—. Lamento te haver feito esperar. —Fez um gesto com a mão aos corpos atravessados—. Acredito que me viria bem esse gole.

      —Sem problema. —Sentindo-se magnânimo, passou outra vez o braço sobre seus ombros, enquanto a guiava fora do armazém para a porta que dava ao corredor.

      Quando estavam saindo, Mac ouviu um som arrepiante.

 

      O que foi isso... ? —Chist! —Mac silenciou-a e os dois ficaram escutando totalmente paralisados. Mac queria acreditar que tinha imaginado o som. Não era possível que um dos corpos tivesse esmigalhado a bolsa onde estava metido e o som que o seguiu, não era definitivamente os passos arrastados de um «morto», aliás vampiro.

De repente, ouviu-se um estrépito e, a seu lado, Lanie pegou um salto. Pondo-a às suas costas, Mac tirou sua arma e deu a volta para enfrentar o que fosse que emergisse do quarto.

      Ocorreu tão rápido que Mac não pôde recordar mais tarde como tinha acontecido. O investigador que não tinha atravessado com a estaca surgiu de repente, abrindo caminho bruscamente através da porta com um brilho demoníaco e enlouquecido em seus olhos. Grunhindo e vaiando, nem sequer titubeou ao equilibrar-se sobre eles. Seus lábios completamente contraídos deixavam à vista uns dentes sujos e amarelados e umas presas cor branca pérola que destacavam em   absurdo contraste.

      Instintivamente, Mac apertou o gatilho repetidamente, até que o que uma vez tinha sido a cabeça do homem, saiu disparada pelo armazém. Mac cravou os olhos na figura imóvel e tomou nota mentalmente; pode um disparo de uma Colt 45 não afetasse a um vampiro, mas oito seguidos podiam decapitá-lo. Era bom sabê-lo.

      Com a facilidade que dão os anos de prática, tirou o carregador vazio e o substituiu pelo que levava de reposto no bolso. Martelou a arma e esperou, perguntando a si mesmo se o cadáver estaria definitivamente fora de jogo.

      Logo sentiu um movimento às suas costas e deu a volta.

      —Incrível. Que fácil foi. —Sujeitou Lanie com seu braço livre quando lhe falharam os joelhos e a sentou nele, preocupado ao ver quanto tinha empalidecido. Temendo que pudesse se deprimi, inclinou-lhe a cabeça para os joelhos e acariciou distraídamente sua nuca enquanto voltava a centrar sua atenção no cadáver decapitado a menos de dois metros.

Jamais admitiria ante ninguém como se sentia nesse momento. Um único pensamento cruzou por sua mente, afugentando todos outros e deixando-o conmocionado:

      «Os vampiros existem! Droga».

      Depois de um par de minutos, uma suave voz interrompeu seus pensamentos.

      —Está bem?

      Olhou-a.

      —Sou eu quem deveria te fazer essa pergunta.

      —Estou bem. Muita excitação e pouco açúcar no sangue.

      —Tenho que me assegurar de que ninguém mais vai vir atrás de nós, estará bem sozinha?

      Lentamente, quase a contra gosto, assentiu com a cabeça,

      —Tome cuidado.

Fez um reconhecimento minucioso, comprovando duas vezes cada um dos corpos, assegurando-se de que cada estaca seguia cravada solidamente em seu lugar. Não conhecia as «regras dos vampiros» e não sabia o que passaria se as estacas não estivessem exatamente em seu lugar, mas tampouco queria sabê-lo. Decidiu que, para evitar complicações, o melhor seria queimar os corpos ipso facto.

      Tinha que averiguar se Dirk havia tornado e falar com ele, embora soubesse que demoraria um bom momento para convencê-lo. Se, a ele mesmo, tinha resultado difícil acreditar todo esse cilindro a respeito dos vampiros, também seria difícil para Dirk. Entretanto, antes de manis nada, levaria Lanie de volta à sua habitação.

      Estava onde a tinha deixado, sentada imóvel no chão, de costas para não ver o cadáver. Ao menos havia algo mais de cor em sua cara. Deslizando a arma na cinturilla, agachou-se a seu lado.

      —E aí, como estamos?

      —Melhor. —Esboçou um débil sorriso que não chegou a apagar seu olhar angustiado—. Quanta tequila disse que ficava? Acredito que um gole não será suficiente.

      Para ele tampouco. Ficou de pé, ajudou-a a se levanta e logo deslizou um braço ao redor de sua cintura para sustentá-la, embora essa não era a única razão. Precisava sentir o calor reconfortante de seu corpo contra o dele.

      —Saiamos daqui —sugeriuele

      Sem esperar a que lhe respondesse, abriu a porta e a guiou ao corredor. Fechou a porta às suas costas acreditando que ninguém entraria ali antes que tivesse tempo de explicar todo o acontecido.

      MacC não a soltou até que chegaram à habitação. Uma vez dentro, fez que se sentasse na beira da cama, enquanto ele entrava no quarto de banho para umedecer uma toalha. Logo, colocando um dedo baixo seu queixo, obrigou-a a levantar a cara para poder limpar suas bochechas, esperando que o frescor do tecido a ajudasse a se sentir melhor. Seus olhos se encontraram e o mundo se desvaneceu. Durante um longo momento, Mac não pôde mover-se, perdido em um redemoinho de estranhas sensações. O impacto de tal intimidade foi mais do que pôde suportar, assim esclarecendo a garganta, estendeu-lhe torpemente a toalha e deu um passo atrás.

      —Bom, deveria explicar o acontecido a Dirk e organizar as coisas para queimar esses corpos. Não quero mais surpresas. —Estudou sua cara, tentando adivinhar seus pensamentos—. Está bem, não?

      Ela assentiu.

      —Estou bem. Vá a fazer o que tiver que fazer.

      Mac sorriu, encantado de que ela pudesse ser tão feminina e arruda de uma vez.

      — Certo.

      Tinha chegado à porta quando o deteve.

      —Mac? Voltará aqui quando terminar?

      —Pode apostar —disse ele sorrindo—. Eu te prometi um gole, recorda?

      Lanie observou como ele partia e conteve o desejo de correr atrás dele, pois não estava segura se suas pernas a sustentariam. Sua mente voltou a conjurar a imagem da depravada criatura que tinha irrompido no armazém. Comportou-se como seu pai e Burton na fita de segurança da noite que ressuscitaram. Consumidos pelo desejo de matar, deduziu ela, porque todos os vampiros ao despertar precisavam se alimentar.

Estremeceu ante o pensamento. A realidade dos vampiros não era tão encantadora ou romântica como faziam ver os livros e em lugar de se senti exultante porque sua teoria sobre os não-mortos era certa, sentiu o estômago revolto. Ao menos, agora, todos aqueles homens estavam bem mortos... diferente de seu pai e de Burton.

      Aturdida, tentou assimilar a nova realidade. Seu pai era um vampiro.

      «Um vampiro!».

      Em um súbito arranque de energia, Lanie ficou em pé. Devolveu a toalha ao quarto de banho e estava a ponto de pendurá-la, quando se deteve olhando-a fixamente, voltando a viver o instante em que Mac a passou brandamente por sua cara. Esse homem era pura tentação, pensou, e distraída levou a toalha fresca a sua cara repentinamente quente outra vez.

      Ele tinha noiva, recordou-se a si mesmo com severidade. Sua reflexão fez que voltasse o olhar ao espelho, onde se viu feita um desastre. Nem sequer em seu melhor dia era competência para o Bizcochito. Não sabia por que havia sentido a necessidade de fazer a comparação, mas pensá-lo era melhor que uma ducha fria.

      Pendurando a toalha, demorou um momento em escovar o cabelo e aplicar de novo a maquiagem, dizendo a todo o momento que o esforço não merecia a pena. Logo voltou para a habitação, recolheu o diário de seu pai e se sentou na poltrona para ler. Retrocedeu a princípio e leu a primeira anotação várias vezes até se dar conta de que não tinha nem ideia do que estava lendo. Não podia se concentrar. Por que ele demorava tanto?

      Deixando de um lado o livro, levantou-se e caminhou de um lado a outro da habitação várias vezes, até que seu estômago rugiu e se lembrou de quanto tempo fazia que não comia. Surpreendeu-se um pouco poder pensar na comida, mas depois de dez anos presenciando a violência e o trauma humano como bombeira e técnico sanitário, esse tipo de coisas não afetava o seu apetite.

      De repente, pensar em permanecer na habitação outro minuto mais lhe fez intolerável, assim saiu a procurar a cozinha; já que o povo mais próximo ficava muito longe, ali tinha que haver bastante comida armazenada.

      A cozinha estava vazia quando chegou. Havia pratos limpos empilhados e secando na pia, sinal de que os homens de Dirk tinham estado ali antes. Rebuscando entre a despensa e a geladeira, encontrou pão, condimentos e um sortido de embutidos e queijos para fazer sanduíches. Muito faminta para levá-los ao quarto, comeu-os ali mesmo, saboreando cada bocado. Sentindo-se melhor, perguntou-se quando Mac teria comido pela última vez. Devia fazer bastante tempo.

      Rapidamente fez mais quatro sanduíches, envolveu-os em celofane e guardou a comida restante. Ao fazê-lo, viu vários refrescos na geladeira e uma bolsa de batatas fritas fechada na despensa e se apressou, pegando tudo. Com os braços carregados de comida, retornou à sua habitação.

      Não tinham passado mais de uns minutos quando ele golpeou a porta. Quando o deixou entrar, deu a impressão de que estava cansado.

      —Vai tudo bem?

      —Sim. Dirk e seus homens vão incinerar os corpos. —Suspirou profundamente—. Ia explicar tudo, mas me soou tão incrível, inclusive a mim mesmo, enquanto ensaiava mentalmente que nem tentei. Pedi-lhe que confiasse em mim, que terei que queimar os corpos e concordou em se encarregar disso.   —Levantou a mão e ela viu a garrafa de tequila—. Eu te trouxe isto.

      —Obrigada. —Sorriu e logo assinalou com o olhar a comida empilhada no escritório—. Enquanto esteve fora, fui procurar comida. Pensei que poderia ter fome.

      —Sério? —Seus olhos se iluminaram e pareceu realmente contente, o qual foi um grande alívio. Não queria pensar que tinha feito uma de mulherzinha caseira para ele, os homens odiavam esse tipo de coisas, não? Não sabia. Um velho refrão cruzou por sua cabeça: «O caminho mais rápido ao coração de um homem é através de seu estômago ou de um objeto afiado parecido em seu peito». Essa noite, o refrão parecia curiosamente acertado.

      Observou como ele cruzava a habitação para o escritório e vacilou ao agarrar os sanduíiches.

      —Não importa qual agarre?

      —Não. Pegue todos, se tiver fome. Também há batatas fritas e refrescos.

      Sentou-se na beira da cama e rapidamente comeu o primeiro sanduíche. Ia pelo segundo, quando ela se sentou a seu lado.

      MAC abriu o refresco e bebeu um comprido trago, conseguindo que Lanie se maravilhasse pela maneira em que virtualmente tragava a comida. Sorriu enquanto o observava comer. Quando notou seu olhar, agitou o sanduíche mordiscado para ela.

      —Obrigado.

      —De nada.

Tomou a garrafa de tequila e olhou ao seu redor para ver se havia algum copo. Como não o encontrou encolheu os ombros, agarrou a garrafa pelo pescoço e a levantou para ele.

      —Saúde.

      Tomando um bom trago, teve que se esforçar para não tossir, embora seus olhos lacrimejassem. Piscou várias vezes para dissipar as lágrimas e logo se deu conta de que Mac estava olhando para ela com um sorriso apreciativo na cara. Quando lhe estendeu a mão, passou-lhe gostosamente a garrafa e viu como a levava à boca para tomar também um gole. Ver seus lábios sobre o mesmo lugar que tinham ocupado os seus um momento antes, pareceu-lhe tão íntimo que ficou sem fôlego. Envergonhada, tomou a bolsa de batatas fritas e a abriu. Se Mac tinha notado sua reação, não disse nada e continuaram comendo em agradável silêncio.

      Ao cabo de um momento, Mac sacudiu com força a cabeça e soltou uma maldição.

      —O que acontece?

      —Acredito que tenho um dente solto. —Um olhar confuso cruzou por sua cara quando tragou e logo levantou o lábio superior para mostrar seus dentes. Colocando a gema do polegar debaixo do canino, oprimiu-o. Quando viu que ela o olhava, apartou o dedo e encolheu os ombros.

      —Suponho que o chupa..., como o chamou?

      —O chupacabras?

      —Sim. Suponho que me deu com uma de suas patas na mandíbula.       Tenho um dente solto.

      Embora Lanie pensasse que era possível, por outro lado, a explicação bem poderia ser outra. Uma que Mac não quereria escutar. Bom, teria que tentá-lo.

      —MAC, possivelmente...

      —Agora não, Lanie. —Suspirou profundamente—. Não tem importância, certo? Estou muito cansado para pensar e muito mais para falar sobre nada. —Bocejou, jogou para um lado os restos de celofane e se apoiou contra a cabeceira da cama.

      —Você vai dormir aqui? Em minha cama?

      Mac abriu ligeiramente um olho e aplaudiu a cama a seu lado.

      —É bem-vinda a te unir a mim..., não te morderei. —Sorriu—. Sinto muito, escolhi palavras pouco afortunadas, dadas as circunstâncias.

      Soltou uma risita, mais para si mesmo que outra coisa e deslizou pela cama até ficar deitado, com a cabeça sobre o travesseiro. Dormiu em uns minutos.

      Com os olhos ainda cravados nele, Lanie analisou sua oferta um par de vezes. Inclusive dormindo, irradiava pura masculinidade, força e poder até tal ponto, que era difícil recordar que simplesmente a noite anterior tinha sido atacado de tal maneira e que tinha estado à beira da morte. Agora com outra noite quase agonizando e surgindo um novo amanhecer ante eles, tinha sentido que estivesse cansado. Essa necessidade de dormir era a maneira que tinha o corpo de exigir o descanso revitalizador que necessitava para se recuperar.

      Seu diálogo interior se deteve bruscamente. «Recuperar-se?». Uma noite estava às portas da morte, e a seguinte estava mais ou menos totalmente recuperado? «Ninguém» sanava tão rápido.

      Lanie recordou o que tinha lido no diário de seu pai sobre os poderes curativos do veneno do pequeno chupacabras. Seria certa a teoria de seu pai? Seria ainda melhor o veneno do chupacabras adulto? Seria capaz de sanar um homem às portas da morte... ou, indo um passo mais à frente, ressuscitar os mortos?

      Seu pai não tinha tido possibilidade de experimentar com o adulto, a menos que contasse o ataque que tinha acabado com sua vida. Ele e Burton eram a prova de que o veneno dos adultos podia, de fato, ressuscitar os mortos, mas... com um inconveniente.

      O chupacabras convertia os mortos em vampiros.

      Pela segunda vez, uma lembrança apenas perceptível invadiu sua mente. Memorizar feitos e figuras estranhas era um rasgo de seu caráter que lhe tinha resultado muito útil, tanto quando trabalhava com seu pai, como quando o fazia de bibliotecária. Pensou que se conseguisse acessar por um momento a Internet, possivelmente poderia encontrar isso que seguia tentando evitar sua memória.   «Não por muito tempo», jurou-se solenemente. O fato de que seu pai e outros investigadores estivessem em meio de um nada não queria dizer que se conectar a Internet seria impossível. Em alguma parte desse edifício havia uma conexão via satélite e acesso sem fio.

      Sabia que tinha visto antes o portátil de seu pai, assim revisou com rapidez a habitação. É óbvio não estaria a simples vista; isso seria muito fácil.

      Olhou no armário e quase não o viu. A maleta escura logo que era visível na escuridão. Olhou para Mac enquanto o tirava, se perguntando se seus movimentos o despertariam. Não se moveu.

      Sabia que o portátil tinha uma conexão livre à Internet. Tinha sido ela quem ensinou a seu pai como usá-lo antes de começar essa investigação... Quanto tempo fazia disso? Tentou não se perder nessas lembranças enquanto esperava que o computador acendesse.

      Ao cabo de uns minutos, navegava por conhecidos enlaces da Criptozoología. Depois de quatro horas de teclar uma direção atrás de outra, não estava mais perto de encontrar o artigo que ao princípio. Tinha cuidado em cada um dos sites que podia recordar, inclusive em páginas webs dedicadas aos chupacabras, sabendo que não continham absolutamente dados objetivos.

      Frustrada, afasrtou a vista da tela e deixou que seus olhos vagassem pela estreita abertura das cortinas, através das quais brilhava já a luz do sol. O chupacabras seria de pedra agora, pensou recordando a fria e áspera textura de sua pele. Não era de sentir saudades que lhe tivesse recordado a uma gárgula, especulou. Logo sorriu. Isso era!

      Uma das teorias dos orígenes do chupacabras assegurava que eram anjos escuros de Lúcifer que, viajando através das dimensões do tempo e o espaço, tinham tomado a forma física de umas criaturas que tinham a aparência de gárgulas em sua dimensão «humana».

      Foi a referência a Lúcifer o que a ajudou a recordar o que estava procurando: Children of the morning star.

      Encontrar o artigo foi mais difícil que simplesmente teclar o nome no buscador, mas agora ao menos recordava onde olhar. Não demorou muito em encontrar o artigo.

      Children of the morning star era um povo de vampiros localizado em alguma parte das regiões inexploradas do Amazonas. Tinha-o descoberto Hans Guberstein, um aventureiro cuja expedição encontrou acidentalmente o lugar a finais do século dezoito. Da equipe de vinte homens, só Guberstein escapou com vida, levando consigo umas terroríficas histórias sobre sacrifícios humanos e criaturas demoníacas que, por suas descrições, tinham que ser chupacabras.

      Guberstein tinha informado que os vampiros sobreviviam graças ao sangue de quão humanos caçavam ou que chegavam acidentalmente ao seu povo. Suas vítimas, uma vez mortas, eram atravessadas por estacas e queimadas, impedindo assim que as vítimas ressuscitassem mais tarde como vampiros. Era uma maneira brutal de manter o controle demográfico.

      Era difícil saber pelo relatório de Guberstein se os chupacabras eram considerados mascotes ou deidades pelos vampiros. Sua fonte nutritiva favorita era o sangue de cabra, mas ocasionalmente um chupacabras podia se alimentar de humanos. Quando isso ocorria, o cadáver terminaria por despertar como vampiro e assim formar parte dessa ampla família.

      Segundo Guberstein, o vampiro que o chupacabras criava era superior à criatura que surgia às mãos dos vampiros.

      Muitos tinham encontrado estranhas as histórias de Guberstein e pensavam que tinha contraído o paludismo durante a expedição. Além disso, acreditavam que o resto da equipe tinha morrido da mesma enfermidade ou atacada por animais selvagens. O povo, seus vampiros e as demais criaturas eram simplesmente invenções de sua prolífica imaginação.

      Quando, anos atrás, Lanie leu o relato, tinha-a considerado um história interessante, mas fantasiosa e carente de base. Agora não estava tão segura.

      Seu olhar caiu sobre a forma imóvel de Mac. Se o vampiro convertia um morto em um vampiro, o que faria com um homem «vivo»?

      O veneno do chupacabras restaurava a vida que tomava, dando ao vampiro resultante parte de suas próprias características... especificamente a necessidade de sobreviver à base de sangue. Estava claro que Mac tinha recebido parte das propriedades curativas daquele veneno, vendo a rapidez com que sanava. Inclusive as lesões antigas pareciam melhorar, pensou, recordando como sua claudicação parecia ter desaparecido.

      Que outras mudanças teriam lugar? Necessitaria também de beber sangue para sobreviver?

      Um brilho fora da janela a distraiu desses perturbadores pensamentos. Olhando pela abertura das cortinas, viu Dirk e seus homens ao redor de uma fogueira, e soube que estavam queimando os corpos.

      Sentindo-se de repente curvada dentro da habitação, apagou o portátil e saiu. A bombeira que levava dentro a impulsionava a vigiar que não existisse o risco de que o fogo alcançasse a selva circundante. Não que acreditasse que esses homens não sabiam o que se faziam, mas sim necessitava de uma desculpa para sair do edifício e fazer algo.

      —Senhorita Weber. —Dirk Adams a saudou com a cabeça quando se aproximou dele uns minutos depois.

      —Lanie, por favor. —Caminhou em sentido contrário ao vento que levava a fumaça para evitar o fedor. Brevemente inspecionou visualmente a zona para se assegurar de que era um fogo controlado, e logo evitou que seus olhos caíssem sobre os restos humanos calcinados pelas chamas, fixando-se na cara de Dirk.

      —Onde está o menino?

Lanie sorriu. Dado o tamanho e caráter de Mac, estava segura de que «menino» não era a descrição apropriada para ele.

      —Está dormindo. Não estou segura de que esteja totalmente recuperado do ataque que sofreu —acrescentou rapidamente, para evitar que o homem pensasse mal de Mac.

      Dirk inclinou a cabeça, mas sua expressão se voltou preocupada enquanto a estudava.

      —Como está você?

      —Eu... —Fez uma pausa sem estar realmente segura de como se encontrava. Aparentemente Dirk pareceu entendê-la porque lhe dirigiu um sorriso compassivo.

      Permaneceram quietos e calados até que o fogo reduziu progressivamente. Dois homens, um com uma pá e outro com uma mangueira, aproximaram-se para apagar as últimas brasas se fosse necessário. Ao seu lado, Dirk olhou o relógio em seu pulso e Lanie pensou que parecia ansioso.

      —Acontece algo?

      Olhou-a como tentando decidir o que lhe dizer.

      —Falta um de meus homens, Héctor Muñoz. Não retornou da busca que empreendemos detrás de Burton. Alguns dos homens encontraram o que ficava de sua camisa sobre uma zona livre de mato. Estava rasgada e coberta de sangue. Enviei outra patrulha para buscá-lo, mas não tenho esperanças de que o encontrem com vida. Esta parte da selva é desconhecida. —Guardou silêncio por um momento, seus pensamentos estavam obviamente em outro lugar. Logo voltou a olhar a hora—. Já é quase meio-dia e deveríamos sair logo.

      —E o que passará com seu homem?

      Dirk apertou a mandíbula, tomou ar e o soltou lentamente.

      —Não acredito que fique muito dele.

      Ela inclinou a cabeça, pormenorizada. Burton e seu pai não eram as únicas criaturas selvagens que espreitavam por ali.

      —Deveria despertar Mac. Disse que queria chegar ao avião antes que escurecesse e se não sair já, logo não o faremos.

      Lanie retornou a sua habitação e encontrou Mac, que não se movia. Sua respiração era lenta e regular.

      —Mac, é hora de despertar —disse brandamente para não lhe sobressaltar, mas ele não se moveu.

      —Mac? —Elevou um pouco a voz, mas ele seguiu sem se mover. Pôs a mão em seu braço e o sacudiu com suavidade... e depois, com mais força.

      Nada parecia alterar seu sonho. Frustrada, cruzou a habitação até as janelas e abriu de repente as cortinas para deixar entrar a luz do sol. Antes que pudesse dar volta, ouviu um grito afogado seguido de um forte golpe. Voltando-se com rapidez, Lanie viu que Mac não estava na cama; os lençóis enrugados eram a única prova de que tinha estado ali.

      —Mac?

      —Que demônios faz? —Seu grito afogado proveio do chão ao outro lado da cama, onde não podia vê-lo—. Tenta me deixar cego?

      Lanie se voltou a olhar o suave resplendor que alagava a habitação e franziu o cenho.

      —Não é para tanto.

      —Droga, e tanto que sim. Fecha as malditas cortinas. Doem-me os olhos.

      Esta vez ela notou a dor em sua voz e se apressou em obedecer.

      —Está bem, já as fechei. —dirigiu-se ao lado mais afastado da cama e se deixou cair sobre seus joelhos junto a ele, que cobria os olhos com uma mão.

      Através de seus dedos, viu-o abrir um olho com cautela, antes de retirar a mão. Lanie viu que seus olhos estavam avermelhados e injetados em sangue.

      —Normalmente seus olhos são tão sensíveis à luz?

      —Não — queixou-se ele.

      Lanie acrescentou uma coisa mais à sua crescente lista de preocupações sobre ele, mas não disse nada; só trocou de tema.

      —Dirk me disse que devemos sair para o aeródromo.

      MAC assentiu com a cabeça.

      —Está bem, deixa que recolha.

      Lanie olhou a habitação, observando todas as coisas de seu pai. Deixá-las atrás era como lhe dizer adeus uma vez mais. Mac deve ter dado conta do que sentia porque soltando um suspiro, ficou em pé e caminhou para o armário, onde encontrou uma das pequenas malas de seu pai.

      —Venha —disse, abrindo-a sobre a cama—. Não podemos levar tudo, assim pegue somente o mais importante. Ocuparei-me de que lhe mandem o resto.

      Quis abraçá-lo, mas se conformou com um sincero agradecimento. A habitação era pequena, e pôde revisar rapidamente o conteúdo. Ao final, decidiu tomar o diário de seu pai, vários livros, seu pulôver favorito, o portátil e... algo que encontrou no bolso do pulôver.

      Mac passou a maior parte da viagem de volta ao aeródromo pensando em todas as mudanças que estava experimentando seu corpo. O que a princípio lhe tinha parecido uma simples reação a um mal despertar, tinha resultado ser uma séria hipersensibilidade à luz do sol. Não só tinha tido que pôr óculos de sol para sair ao exterior, mas sim, mais cedo, quando a luz tinha entrado em torrentes pela janela, tinha tido também que usá-los dentro.

      Passou a língua pelos dentes, tocando cada um deles para ver quais eram os que tinha frouxos. Por estranho que parecesse, só as duas presas superioras se moviam. Como era possível que o animal lhe pegasse na mandíbula de tal maneira que só esses dois dentes estivessem afetados?

      MAC deixou de se examinar quando sentiu que Lanie o observava. Compôs uma expressão neutra e se negou a olhá-la, mantendo os olhos fixos no caminho. Sabia que estava preocupada comele, mas não porque lhe importasse. Era porque pensava que estava se convertendo em um vampiro.

      MAC quis rir. A ideia era absurda, ridícula. Claro que sim, era uma autêntica loucura, por que não seria motivo para rir?

      «Fodido Burton —pensou—, e fodido chupacabras ou seja lá como se chame».

      Em lugar de levar Lanie de volta ao aeródromo e voar à sua casa, deveria estar rastreando a selva. Entretanto, estar na reserva, implicava que não tinha que ficar de retaguarda em uma missão do governo, e que não tinha a autoridade para comandar uma equipe SEAL que registrasse a selva. O mais que podia conseguir, era convencer ao almirante Winslow de que Burton era...

Era o que? Um vampiro? Mac soltou um bufido imaginando-a conversação.

      Sem todas as pausas que tinham feito na viagem de ida, a de volta levou muito menos tempo. Inclusive assim, chegaram depois do pôr-do-sol.

      MAC se deteve no caminho de acesso ao edifício principal. Queria arrumar tudo para a decolagem o mais rápido possível. Tirava uns documentos do porta-luvas, quando Lanie falou pela primeira vez, desde que se colocou no carro.

      —Onde está?

      Ele jogou uma olhada e advertiu sua expressão desconcertada.

      —Onde está o quê?

      —O avião.

      Procurou com o olhar a pista de concreto onde tinha deixado o avião. Não estava ali. Possivelmente os operários de terra o teriam movido. Esquadrinhou a zona, mas não viu sinal dele. Vinte minutos mais tarde, comprovou que o avião não estava em nenhuma parte. Tinha desaparecido.

      Só podia pensar em uma pessoa que quisesse seu avião e que fosse capaz de tomá-lo sem que ninguém se fixasse nele, até que rodasse pela pista de aterrissagem.

      “Lance Burton.”

      Lance comprovou o instrumental e ajustou a altitude do avião. Droga, que bem se sentia, estando de novo ao mando... literalmente. Riu de sua própria piada, desejando poder ver a cara de Knight quando descobrisse que seu avião tinha desaparecido. Perguntou-se quanto tempo demoraria Knight para se dar conta de quem o tinha roubado. Provavelmente não muito, admitiu. Knight não era estúpido.

      Desta vez, entretanto, seu antigo comandante não tinha ideia contra o que estava lutando. Sem olhar ao seu redor, Lance sentiu a presença do professor sentado na parte traseira, velando o cadáver de Héctor Muñoz. As duas criaturas estavam acomodadas no fundo do avião, descansando em silêncio. O vínculo mental que unia o chupacabras adulto com Lance e o professor tinha resultado ser uma vantagem inesperada. Fazia com que pudesse controlar as ações da criatura. Era como ter um cão de caça, mas muito mais letal.

      A teoria do doutor Weber era que durante o ataque, o chupacabras tinha intercambiado veneno e sangue com sua vítima e isso era o que causava o vínculo psíquico entre eles. Uma vantagem acrescentada, em opinião de Lance, era que o vínculo se estendia a todas as vítimas da mesma criatura, assim não só conectava a criatura consigo mesmo; Lance estava unido ao doutor Weber..., e estaria a Héctor, logo que seu velho amigo se levantasse da ultratumba.

      Esperava chegar ao seu destino antes desse momento. A lembrança da fome intensa que o tinha assaltado ao ressuscitar ainda o afligia, e sabia que Héctor necessitaria de uma boa quantidade de sangue, a princípio, para saciar seu apetite.

      O certo era que não esperava ter nenhum tipo de problema para chegar ao seu destino. Tinha pirado de noite antes. Nessa noite, a viagem não deveria levar mais do que o previsto.

      Enquanto Lance pilotava o avião, sua mente fazia planos para o futuro. A chave de seu êxito não era lamentar o que tinha acontecido, a não ser aproveitar a vantagem que lhe oferecia. E Lance tinha intenção de fazer exatamente isso. Coisas com as que só tinha sonhado, agora eram possíveis.

Droga, era bom estar vivo, da maneira que fosse.

 

      Lanie se sentou na parte de atrás do avião, muito cansada e estressada para se preocupar se por acaso se estrelavam. O avião, a reação Dirk ao governo, era muito maior e em melhor estado do que Mac e ela tinham pensado, o qual ajudou também a acalmar seus medos. Olhou para onde Mac estava sentado falando com outro homem. Dirk tinha se devotado a lhes levar assim que se inteirou do acontecido, mas agora se dirigiam a Washington, não a Houston. Simplesmente não havia tempo para fazerem paradas.

      MacC tinha passado a primeira parte do vôo notificando às Forças Armadas dos Estados Unidos e às autoridades locais sobre o roubo de seu avião, embora não tivesse esperanças de que o encontrassem; a menos, não com Lance Burton a bordo. Nesse momento, Dirk, Mac e outros estavam intercambiando histórias de «guerra», e ela se pôs a escutar com interesse, pelo menos por um momento.

      Diferente de Mac, que parecia em plena forma, Lanie estava exausta, e não passou muito tempo antes que o zumbido dos motores e as vozes a adormecessem. Despertou mais tarde e encontrou Mac sentado frente a ela falando por telefone em um tom suave e afetuoso. Uma quebra de onda de ciúmes atravessou-a quando se deu conta de com quem devia estar falando e rapidamente afogou essa sensação não desejada. Não estava bem que se sentisse assim.

      Quando Mac terminou a conversação e pendurou, olhou-a e sorriu.

      —Não dormiste muito.

      Dirigiu-lhe um leve sorriso.

      —Eu não gosto de voar.

      —Sei disso e também que um par de sedativos com tequila fazem com que se esqueça de tudo.

      Ela riu brandamente e negou com a cabeça.

      —Tenta-me, mas acredito que não preciso.

      Ele encolheu os ombros.

      —Se mudar de ideia...

      —Obrigada. O que faremos ao chegar a Washington?

      —Embora este avião seja mais rápido que um comercial, aterrissaremos depois da meia-noite. Assim, o primeiro que faremos será procurar um hotel para tentar dormir um pouco. Amanhã pela manhã quero me reunir com o almirante Winslow, e esperava te convencer de que me acompanhasse. Acredito que vou ter problemas para que me acredite. —Pela primeira vez, pareceu duvidar de si mesmo.

      —Tio Charles e meu pai passavam horas conversando sobre a Criptozoología e as diversas teorias existentes. Pode que seja mais receptivo do que esperas, mas estarei encantada em te acompanhar.

      —Genial. Depois de falar com ele, provavelmente tenha que ficar um par de dias. Ainda fica um montão de coisas para averiguar, embora Burton não esteja aqui para atestar. Arrumarei tudo para que voe a Houston. Ia pedir a Keith, meu sócio, que viesse te buscar no Falcon 2000, esse que tanto admirou, para te levar de volta.

      Ela recordou o dia que saíram, mas agora aquilo lhe parecia muito longínquo.

      —Olhe, em realidade não me importa viajar em um vôo comercial.

      Dirigiu-lhe um sorriso pormenorizado.

      —Como quiser. Comprarei o bilhete.  

      —Eu posso... Mac levantou a mão para interrompê-la. —Insisto. Ela sorriu.

      —Certo. Obrigada. — Escapou-lhe um grande bocejo e cobriu a boca envergonhada—. Sinto muito.

      A diversão brilhou em seus olhos quando ficou em pé. —Acredito que te deixarei sozinha, assim talvez possa dormir um pouco.

      Observou-o retornar para onde Dirk estava sentado. Ao cabo de um momento, o som de seu falatório flutuou para ela, mas apesar de estar cansada, não conseguia relaxar. Seus pensamentos voltavam uma e outra vez às mudanças que tinha notado em Mac: a necessidade de levar os óculos de sol, incusive no interior dos lugares, a maneira como tinha carregado a mala de seu pai cheia de livros como se não pesasse nada, a ausência total de claudicação, os dois dentes soltos. Não gostava nada dessas mudanças; era muito parecido ao que tinha ocorrido a Burton e a seu pai. Se seus medos estavam justificados e Mac se convertia em um vampiro, teria que se ocupar da situação. A pergunta era: teria que atravessar o coração de Mac com uma estaca?

      Uma hora depois de aterrissar na base Andrew das Forças Aéreas, seu táxi se deteve na entrada do hotel. Registraram-se na recepção, onde descobriram que Dirk já tinha chamado para fazer as reservas. Pelo visto, Dirk não tinha clara a natureza exata de sua relação, assim tinha achado correto reservar-lhes habitações comunicadas. Lanie supôs que Dirk não sabia nada de Bizcochito.

      O camareiro do hotel subiu a pouca bagagem que levavam: sua mochila, a pequena mala de seu pai e o portátil. Mac deu-lhe a gorjeta e seguiu para a habitação ao lado, deixando Lanie sozinha em sua habitação. Repentinamente, invadiu-a uma sensação de obrigação. Antes de poder decidir o que fazer, soou um golpe na porta que comunicava ambas as habitações.

      —Morro de fome —disse Mac, assim que ela abriu a porta—. Gostaria de jantar algo decente? Eu convido.

      Lanie sabia que devia dizer que não, pedir algo ao serviço de habitações e comer tranqüilamente em sua habitação Quão último precisava era conhecer Mac um pouco mais. Era mais difícil atravessar com uma estaca em alguém que conhecia (e de quem gostava), não?

      —Certo.

      —Genial. A cafeteria de abaixo está aberta toda a noite, gostaria de ir até lá? —Olhou seu relógio—. Demorará muito para se preparar?

      —Não. —Lanie não teria sabido como demorar em se preparar, embora gostaria de fazê-lo. Além disso, às duas e meia da madrugada, quão único podia fazer para ter melhor aspecto, seria dormir.

      Agarrando a bolsa da cadeira, deslizou a correia em seu ombro e se uniu a ele na porta.

      —Pronta.

      Olhou-a com assombro e logo um sorriso iluminou sua cara.

      —Vamos.

      Não tiveram problema para encontrar mesa e ambos pediram a bebida enquanto esperavam que a garçonete tomasse nota da comida. De repente, ao ter estado com Mac em circunstâncias incomuns, pareceu-lhe estranho encontrar-se com ele em uma cafeteria, dispostos a desfrutar de um jantar normal.

      —O certo é que tenho bastante fome —disse ele olhando o menu—. Acredito que quão único comi em dois dias foram os sanduíiches que me preparou. Não é que esteja me queixando. —Olhou-a por cima da carta com olhos faiscantes—. Sabe já o que quer?

      Lanie considerou suas opções, pensando que deveria pedir algo fino, como uma salada. «À merda», pensou.

      Logo que a garçonete retornou, pediu um hambúrguer com batatas fritas. Depois de devolver o menu, observou o local, enquanto Mac fazia seu pedido. Assim que a garçonete se afastou, reataram a conversação.

      —Assim passou à reserva, depois que a bala te destroçou o fêmur? —perguntou ela.

      —Sim..., foi um pouco forçado. Recuperei o uso da perna após dois meses de fisioterapia, mas não cem por cento.

      —Mas não tinha por que passar à reserva. Não podia haver incorporado em outro posto?

      —Os soldados de operações especiais não revistam adaptar-se bem em outros postos; temos um treinamento totalmente diferente: física e mentalmente. Se não podia ser um SEAL, preferia não estar na Armada; assim passei à reserva.

      Ela assentiu com a cabeça.

      —Compreendo-o. O que fez com que decidisse por uma empresa de vôos charters em vez de outra coisa?

      —Como o quê?

      Ela sorriu.

      —Não sei. Não é certo que normalmente os SEAL criam sua própria agência de segurança ao abandonar a Armada?

      O soltou uma gargalhada.

      —O certo é que precisa revisar a seção de «não ficção» da biblioteca. —Piscou os olhos —. Sério, poderia havê-lo feito, mas queria algo que não me fizesse sentir bem. Tinha permissão de piloto antes de me alistar na Armada, e um velho amigo de secundária, Keith Dey, estava tentando pôr em marcha uma empresa de vôos charters, assim me converti em seu sócio. Eu gosto de pilotar... experimento certo tipo de liberdade que só se encontra voando. É algo difícil de descrever.

      Esse homem tinha muitas facetas, e Lanie sentiu que só acabava de começar a descobri-las.

      —Como foi que acabou sendo bibliotecária? — Ele sorriu amplamente, recordando quando se conheceram e o que lhe havia dito de como ganhava a vida—. Parece muito conhecedora desse assunto, como era? Cripto...

      —Criptozoología. É difícil ganhar a vida como criptozoólogo. Meu pai foi professor de bioquímica na universidade local durante anos. Dava aulas e trabalhava como investigador para a indústria farmacêutica. Ganhava a vida assim. A Criptozoología era uma afeição. As expedições eram principalmente na primavera, inverno e férias do verão.

      »Então ao ser conhecido, começaram a lhe pagar por suas investigações na Criptozoología e acabou por deixar de lado a bioquímica. Eu, por outra parte, nem tenho seus contatos nem estou tão interessada como ele. Sabia que não podia viver às custas do meu pai, assim precisava fazer algo de que eu gostasse de verdade, mas que também me pagasse as faturas. —Sorriu—. Converter-me em bibliotecária me pareceu a eleição mais óbvia. Comecei a realizar trabalhos de documentação para meu pai desde cedo. De fato, conhecia o sistema decimal Dewey antes de saber soletrar as palavras.

      —E isso dos bombeiros?   Disse-lhe sorrindo.

      —Como sabe isso?

Ele deu de ombros.—Disse-me isso o doutor Sánchez.

      —Bom, como pode supor, ser bibliotecária não é o trabalho mais excitante do mundo e, embora eu goste, necessitava de algo mais em minha vida. Uma de minhas companheiras da biblioteca era voluntária na brigada local. No trabalho estava acostumada a me contar sobre quão chamadas recebiam, como lutavam contra o fogo e como ajudavam nos acidentes. Não passou muito tempo antes de querer formar parte de tudo isso..., a excitação, o perigo e, sobretudo, ajudar as pessoas necessitadas de socorro.

      Nesse momento apareceu a garçonete com a comida e a realidade se entremeteu, ao menos para Lanie, enquanto observava como ele comia com entusiasmo seu bife. Viu o quão sangrento estava bife e isso lhe revolvia o estômago, mas MAC não parecia se afetar absolutamente, e esse fato fez soar um alarme em sua cabeça. Era uma das preferências de seu paladar ou era uma mais das mudanças que estavam operando nele? Preferia agora o sabor do sangue?

      Ao cabo de um momento, já não pôde conter-se mais. Tinha que sabê-lo.

      —Sempre gosta de bife tão mal passado?

      Ele se deteve, com um bocado a meio caminho de sua boca e cravou os olhos na carne quase como se a visse pela primeira vez.

      —Não. De fato, normalmente o peço ao ponto, mas nesta noite..., não sei..., gostei assim.

      Meteu boa parte na boca e mastigou, mas seu bom humor pareceu desaparecer, ficando pensativo e calado. Houve um par de vezes que Lanie teve a impressão de que tentava não terminar o bife. Ao final, deixou uma parte e Lanie se perguntou se teria feito o mesmo se não tivesse estado ali, observando. Não tomou nem as verduras nem o pãozinho, o qual também lhe pareceu incomum, mas dessa vez foi mais prudente e guardou para si seus pensamentos.

Durante o resto da refeição, Mac pareceu preocupado e não disseram nenhuma palavra até retornar às suas habitações.

      —Virei te buscar quando for a hora de ver o almirante.

      —De acordo. —Procurou o cartão que abria sua porta, mas antes que pudesse introduzi-la na fechadura, Mac a agarrou e o fez por ela. Quando a luz verde piscou, abriu a porta e entrou atrás dela. Lanie se perguntou com curiosidade qual seria sua intenção, mas ele só se limitou a comprovar que tudo estivesse em ordem e logo voltou para a porta.

      —Tente dormir um pouco, certo? — fez-se um embaraçoso silêncio enquanto se olhavam um ao outro. Lanie sentiu que seu coração se acelerava e que ficava sem fôlego. Era seu interior, cresceu um sentimento de antecipação. Logo, tal e como tinha chegado, o momento passou. Mac abriu a porta e se dispôs a sair.

      —Aonde vai? —perguntou ela, envergonhando-se ante o tom patético e quase desesperado de sua voz.

      —Não estou cansado, assim sairei à rua um momento.

      Ela não sabia o que pensar.

      —Quer companhia?

      —Não nesta noite.

      —Está seguro? Porque eu tampouco estou cansada. —Um bocejo interrompeu suas palavras, desmentindo suas palavras.

      —Boa noite, Lanie.

      Ela se adiantou quando o saiu ao corredor e sustentou a porta com a mão para que não se fechasse.

      —Boa noite. —Ela não sabia se lhe importava mais aonde fosse ou o fato de que a deixasse e sentisse saudades.

      —Lanie? —Mac colocou a mão no oco da porta, antes que se fechasse por completo e logo levantou a mão acariciando brandamente sua bochecha. Ela o olhou nos olhos, perguntando-se se estaria tão afetado como ela.

      Logo, antes que se desse conta do que pensava fazer, ele se inclinou para diante e pressionou seus lábios contra os dela em um beijo que terminou antes de poder se recuperar da impressão.

      —Mantenha sua porta de comunicação fechada, certo? Retrocedeu um passo para o corredor e fechou a porta, enquanto ela seguia ali de pé, conmocionada. Quando foi capaz de se mover outra vez e abrir a porta, o corredor estava vazio e ele já não estava.

      Lanie se moveu lentamente, numa uma espécie de transe, enquanto tomava uma ducha e vestia a camisola. Sua mente reviveu o momento exato em que seus lábios tocaram os dela, mas era difícil recrear a cálida sensação que se deu conta em todo seu ser naquele momento. Uma parte dela desejava voltar a ter a oportunidade de experimentar essas sensações com ele, enquanto que sua parte mais racional fazia uma lista de todas as razões de por que não era uma boa ideia.

      Ao final, estendeu-se na cama e ficou ali, aguçando o ouvido, prestando atenção se por acaso Mac retornava enquanto olhava o relógio digital da mesinha de noite. Tentou não pensar aonde teria ido ou o que estaria fazendo, e amaldiçoou sua imaginação que a fazia vê-lo falar com uma mulher atrás de outra em um bar e ao minuto seguinte lhe chupar o sangue.

      Ao final, acendeu a televisão para se distrair e dormiu.

      Quando despertou, horas mais tarde, o sol brilhava no céu e se sentia muito melhor. Saiu da cama e se perguntou a que hora Mac teria retornado—isso se tinha retornado — e antes de poder conter o pensamento,... se tinha retornado sozinho.

      Apesar de ser quase meio-dia, tomou a cafeteira da habitação e a encheu de água, logo colocou o filtro. «Nunca é muito tarde para um café», pensou, jogando o café moído e pondo em marcha a cafeteira.

      Entrou lentamente no quarto de banho para tomar uma ducha e quando terminou, o café já estava pronto. Vestiu a camisola de novo e se serviu de uma xícara. Bebeu um sorvo, sentindo como o líquido quente baixava por sua garganta e a cafeína se estendia rapidamente por seu corpo. Imediatamente se sentiu melhor. Com a xícara na mão, sentou-se no canto da cama e olhou a televisão enquanto bebia.

      As notícias locais acabavam de começar, assim subiu o volume. Não estava prestando muita atenção, até que a notícia de uns vagabundos que tinham sido encontrados em um beco próximo captou sua atenção. O jornalista descrevia a cena do crime como uma das mais desconcertantes que as autoridades tinham tido que enfrentar. Os corpos tinham sido encontrados com duas feridas agudas em um lado do pescoço. Segundo a entrevista com o médico forense, os homens tinham perdido grande quantidade de sangue, mas... logo que tinha encontrado rastros de algo no lugar do crime.

      Lanie estendeu a mão para pôr a xícara de café na mesinha de noite, quase a deixandocair pelo atordoamento que sentia. O lugar do crime não estava longe do hotel e o jornalista havia dito que as vítimas tinham morrido perto do amanhecer. De repente, tinha que saber se Mac estava em sua habitação,masumaparte dela temia o que podia encontrar-se.

      Foi às portas de comunicação e se deteve; apertou o ouvido contra sua porta. Passaram vários segundos antes de ouvir sua própria respiração. Logo soou o telefone. Esperou que Mac respondesse, mas não o fez. Finalmente deixou de sonar.

      Golpeou a porta, mas não ouviu nenhum tipo de ruído do outro lado. Golpeou de novo, desta vez com mais força. Nada.

      Quão último queria fazer era abrir a porta e ver Mac na cama com outra garota, mas logo se impôs a razão. Ele não era um adolescente com os hormônios tão revolucionados que se esquecia de tudo assim que ligava. Se tinha levado uma mulher à sua habitação, teria se assegurado de fechar sua própria porta de comunicação. Só tinha que abrir a sua para sabê-lo.

      Correu o ferrolho e a abriu, comprovando assim que a porta dele estava aberta. A habitação estava em sombras com as cortinas totalmente jogadas. Lanie se adiantou o suficiente para ver a cama e viu uma forma ali deitada, uma forma solitária.

      Exalou um suspiro de alívio. Mac estava dormindo, isso era tudo. Se tinha retornado tarde, tinha sentido que dormisse profundamente.

      O telefone começou a soar outra vez. Durante um breve momento Lanie vacilou, logo atravessou a habitação para responder.

      -Diga?

      —Lanie? —Era a voz de Dirk Adams e continha uma nota divertida—. Mac está?

      —Está dormido.

      —Uma noite dura, né? —Sim, definitivamente ele estava se divertindo—. Pode lhe dizer que me chame assim que desperte? —Seu tom se voltou mais sério—. É importante quanto antes seja melhor.

      —Certo. —Colocou o fone em seu lugar e manteve um debate interno sobre o que fazer. Tinha que despertá-lo.

      Aproximou-se para abrir as cortinas, mas logo se deteve recordando o que tinha acontecido a vez anterior. Assim, se dirigiu para o escritório e acendeu o abajur, alagando a habitação de um suave resplendor.

      Mac não se moveu. Andando até a cama, chamou-o por seu nome brandamente, mas não obteve reação alguma. Tentou de novo, levantando um pouco mais a voz, mas com o mesmo resultado. Não podia deixar de se perguntar se estaria doente. Depois de tudo, o bife da noite passada estava muito cru; possivelmente sofria uma intoxicação alimentar.

      Comprovou sua cara e viu que estava pálida. Quando colocou sua mão sobre a frente, sentiu-a fria, úmida e pegajosa. As mantas tinham sido empurradas para baixo e repousavam à altura de sua cintura. Involuntariamente seus olhos se desviaram a seu peito nu e seus poderosos braços. Ele estava de barriga para cima, com a cara voltada para ela, assim podia obsevá-lo em silencio durante vários minutos até ter a certeza do movimento de seu peito ao respirar. Ao menos estava vivo.

      Lanie colocou a mão na parte superior de seu braço e tentou movê-lo para despertar. Desta vez o se moveu, mas não abriu os olhos.

      Colocando os dedos contra a base de seu pulso, comprovou-o. Era lento, muito lento.

      —Não há outra opção —disse a si mesma—. Chamarei uma ambulância.

Foi agarrar o telefone, mas nesse instante seu pulso foi preso com força.

      —Mac? Está bem?

      Ele não respondeu, ficou olhando-a fixamente como se realmente não a visse. Havia algo em seus olhos que a preocupava. Pareciam resplandecer.

      Sem saber se sentia medo ou não, Lanie se encontrou sendo arrastada para ele lentamente. Quando seus lábios capturaram os seus, todo pensamento racional a abandonou.

      Mac não estava seguro de quando se deu conta de que aquele sonho erótico era real, mas sua surpresa foi rapidamente substituída pela necessidade —pura e crua — e o desejo de sentir o exuberante corpo de Lanie contra ele em sua na cama. Com sua boca cobrindo a dela, rodou, apanhando-a debaixo enquanto passava a língua sobre seus lábios, insistindo brandamente a que se separassem. Conseguiu com só um roçar sutil e logo sua língua entrou para explodir.

      Sua ansiosa resposta o excitou ainda mais e deslizou a mão debaixo da camisola para cavar seu peito, amassando lentamente sua plenitude. Queria sentir seu corpo nu contra sua pele, assim rapidamente se desfez da camisola e a lançou ao chão.

      Rodeou-lhe o pescoço com o braço, puxando-a para aproximá-la mais enquanto a beijava na boca. Logo ele começou a abrir caminho para baixo pela coluna de sua garganta, muito consciente do pulsar de sua veia rápido sob a sensível pele. Passeou sua língua ao longo, fazendo que os dois tremessem e quando ela deu um pequeno grito, trocou de posição para que a sólida evidência de seu desejo pressionasse a união de suas coxas.

      Queria tomá-la no ato, mas uma voz lhe advertiu de que devia diminuir o ritmo. A tensão e o desejo cresceram nele, deixando-o tremendo pela urgente necessidade de possui-la. Seu coração pulsava com um ritmo enloquecedor e a envolveu estreitamente entre seus braços, pressionando a boca no oco de sua garganta enquanto apertava os quadris contra os dela em um esforço por satisfazer a luxúria que o envolvia. Quando lhe correspondeu, esfregando seus quadris contra os dele, a necessidade estalou em seu interior. Descobrindo os dentes, mordeu-a.

      Foguetes estalaram depois nos olhos de Lanie, para se desvanecer rapidamente, quando se deu conta de que Mac se afastou. Sentindo-se exposta sem seu corpo cobrindo o dela, olhou-o com evidente confusão. Pouco a pouco, compreendeu que não terminariam o que tinham começado, e respirou fundo para evitar gritar de frustração por perder o que prometia ser a melhor experiência sexual de sua vida.

      A ponto de dizer a Mac que continuasse, deteve-se ao ver a expressão de sua cara. Olhava-a como se fosse uma emparelha sexual. «O que tinha feito ela —se perguntou— para lhe fazer trocar de ideia?». Quando a neblina de luxúria que a envolvia se evaporou, Lanie viu o líquido vermelho que cobria seus lábios e gotejava da comissura de sua boca. Sua mente encontrou sentido ao que via, entretanto, o que implicava era muito horrível.

      Em câmara lenta, viu-o tragar e lamber a umidade de seus lábios.

      A sensação de algo quente escorregando por seu pescoço rompeu o transe a que estava submetida e levou a mão ao pescoço para sentir a umidade. Quase com medo de olhar, afastou a mão. Viu o sangue que cobria seus dedos e se deu conta do que tinha acontecido.

      Mac a tinha mordido!

 

      Lanie espantada observou horrorizada como ele abria sua boca manchada de sangue e esfregava os dentes com um dedo. De onde estava sentada, viu duas presas alargadas que não existiam no dia anterior. Tocando o pescoço, percebeu duas espetadas onde as... presas... tinham perfurado sua pele.

      Fechou os olhos, sentindo-se repentinamente débil. Não era a falta de sangue o que provocava esse atordoamento, mas sim a ideia de que ele tivesse bebido seu sangue... como um vampiro.

      O ruído que fez Mac ao se mover a sobressaltou e abriu os olhos para ver como se dirigia ao quarto de banho. Sentindo-se vulnerável e exposta, sujeitou firmemente os lençóis da cama ao seu redor e esperou. Do quarto de banho chegava o som da água correndo seguida de vários suspiros profundos. Deu um salto quando ouviu Mac golpear com força a parede.

      Em parte quis correr à sua habitação e fechar com chave, mas justo então, bastante mais tranquilo, saiu do quarto de banho com uma toalha ao redor da cintura e outra menor na mão.

      Caminhou para a cama e em um ato pensado, afastou-se assustada. Afetou-a o olhar doído de seus olhos, mas não sabia o que esperar dele e lhe dava medo. Mac se deteve e lhe lançou a toalha. Ela a usou para limpar a ferida do pescoço, mas se deu conta de que já nem saía sangue.

      —Lanie. — Quebrou a voz ao dizer seu nome e teve que pigarrear—. Eu sinto muito. Não sei o que aconteceu. —Tragou saliva e apertou os punhos—. Não tinha intenção de te machucar.

      Ela queria lhe acreditar, mas não era tão fácil, assim não disse nada.

      —Está bem?

      Ela assentiu com a cabeça, observando-o mover a boca como se estivesse se adaptando a seus novos dentes. Depois de um momento, pareceu se dar conta de que ainda estava nua em sua cama.

      — Não é por trocar de tema, mas... —Fez uma pausa enquanto uma expressão de cautela cruzava por sua cara — Não sei como te perguntar isto sem que soe mal, mas o que faz em minha cama?

      Dirigiu-lhe um olhar agudo, ao qual lhe respondeu com um leve assentimento de cabeça.

      —De acordo, uma pergunta estúpida, mas, para que saiba, acreditava que estava sonhando.

      Resultava muito abafadiço ficar sentada esperando que lhe dissesse que tudo tinha sido um engano —que tinha estado sonhando com o Bizcochito — assim, deu de ombros e adotou uma expressão neutra.

      —Não passa nada. De todas maneiras, foi minha culpa. Entrei enquanto dormia para tentar despertá-lo.

      —Por quê?

      Por um momento a pergunta a tomou despreparada, mas então recordou por que tinha entrado na habitação.

      —Acredito que é possível que Burton e meu pai estejam em Washington.

      Mac negou com a cabeça antes que pudesse continuar.

 

      É muito pouco provável, já que a metade do antigo comando estará por aqui esta semana. Haveria muitos homens que poderiam reconhecê-lo. Assim não acredito.

      Lanie olhou a cama e quase se perdeu na seguinte pergunta, quando outro pensamento muito mais horrível assaltou sua mente.

      —O que te fez pensar que podiam estar por aqui?

      Ela decidiu lhe dizer a verdade.

      —Houve um par de assassinatos suspeitos na noite passada. —Viu controle da televisão ao lado da cama, agarrou-o e ligou-a. Procurou um canal de notícias e contou a Mac os detalhes, enquanto esperavam que repetissem a reportagem. Não demorou muito. Olhando-o de soslaio, observou sua reação. Quando finalizou a notícia, olhou-a com uma expressão atormentada.

      —Se não foram Burton e meu pai... —Fez uma pausa e lhe dirigiu um olhar significativo—. Quem o fez? Você?

      —Não sei. Ontem à noite bebi, bom, isso é ser indulgente, bebi mais de quinze taças. O que passou depois das duas é um espaço em branco. —Dirigiu-lhe um sorriso contrito—. Caramba, nem sequer sei como consegui retornar.

Levantou-se e passou a mão pela cara.

      —Preciso sair daqui. Preciso pensar.

      Sem olhá-la, inclinou-se e recolheu as roupas disseminadas pelo chão. Sem prévio aviso, deixou cair a toalha da cintura e Lanie pôde desfrutar de uma vista completa de seu corpo, antes de girar a cabeça envergonhada. Esperou para ouvir o som da cremalheira das calças antes de olhá-lo outra vez. Quando o fez, viu-o de pé com a camisa entre as mãos e uma expressão de total incredulidade na cara.

      —Mac, o que acontece?

      Lentamente, quase ausente, mostrou-lhe a camisa para que pudesse ver a mancha de cor parda escura que cobria o peitilho. Não havia lugar a dúvidas do que podia ser e uma miríade de pensamentos cruzou por sua cabeça; nenhum bom. Sentindo-se apanhada pelo estado de nudez em que se encontrava, Lanie começou a procurar sua camiseta entre os lençóis.

      —OH, Meu deus —disse Mac —. No que me estou convertendo? —    Passeou de um lado a outro, amaldiçoando baixo e Lanie soube que não podia tranqüilizá-lo de maneira nenhuma. Não podia prometer que tudo sairia bem quando as coisas ficavam cada vez pior.

      De repente, Mac lançou a camisa sobre a cama.

      —Nego-me a ser como «eles». —Logo saiu violentamente da habitação.

      Em um abrir e fechar de olhos ficou sozinha, sentada em cima da cama completamente aturdida e perguntando-se aonde tinha ido. Então suas palavras fizeram sentido. Tal como diziam as crenças populares sobre vampiros, Mac ia ao encontro do amanhecer; bom, neste caso, era quase meio-dia, mas o objetivo era o mesmo. Mac acreditava ser um vampiro e se ia a suicidar.

      Lanie procurou a camisola entre as mantas, amaldiçoando a injustiça de todo aquilo. Mac não merecia o que lhe estava acontecendo, mas em vez de sucumbir, ia fazer o correto e acabar com sua vida. Não queria se arriscar a machucar ninguém, quer dizer, ninguém mais. Ao voltar a pensar nos vagabundos, algo pareceu não quadrar. Não conhecia Mac há muito tempo, mas tinha comprovado sua têmpera uma e outra vez. Não a tinha empurrado ao chão quando o chupacabras a atacou? Não a tinha protegido quando o investigador transformado em vampiro tinha ido atrás deles? Podia tê-la matado facilmente, só uns minutos antes, no meio do apaixonado interlúdio, quando ela estava completamente à sua mercê, mas não o fez. Afastou-se rapidamente dela ao se da conta do que tinha feito.

      Engatinhando sobre a cama, procurou a camisola sem êxito. Frustrada, afastou as mantas deixando-as cair ao chão, sentindo-se às cegas na escura habitação. Desesperada, foi à janela e abriu de repente as cortinas, deixando que a brilhante luz do sol alagasse a habitação. Foi então quando viu a enorme mancha de cor café na parede.

      Quando se aproximou, fixou-se em uma bolsa de papel e o que parecia uma caixa de cartão no cesto de papéis ao lado do escritório. Embora sua preocupação por Mac insistia a apressar-se, ganhou a curiosidade e agarrou a caixa. O interior estava manchado da mesma substância marrom que manchava a parede e também a camisa dele. Olhando na bolsa, viu outra vasilha de cartão, este selado, e uma pequena parte de papel: a fatura.

      Ao agarrá-la, viu que era de um açougue noturno do DAVE na parte superior e logo uma lista detalhando a compra de duas vasilhas de sangue de porco.

      Pela quantidade de sangue da parede, o tapete e a camisa, Lanie pensou que não devia ter consumido muito. Agarrou a outra vasilha. Parecia cheio.

      Deixou-o sobre o escritório e voltou a procurar sua camiseta verde. Agora que a habitação estava iluminada, divisou-a rapidamente sepultada em meio da colcha azul. A camiseta era o suficientemente larga para cobri-la até a metade da coxa e sentindo que tinha desperdiçado muito tempo, a passou rapidamente pela cabeça e saiu disparada da habitação.

      Chegou aos elevadores, pulsou o botão de chamada e esperou. A espera se fez eterna e ganhou sua impaciência, assim que se dirigiu às escadas sabendo que chegaria antes ao vestíbulo baixando por ali que pelo elevador.

      Saiu precipitadamente ao vestíbulo da planta baixa. Ignorou as olhadas que lhe dirigiram tanto o pessoal do hotel como os hóspedes, enquanto esquadrinhava a zona, procurando a única pessoa que não via.

      Temendo chegar muito tarde, apressou-se a sair e rapidamente registrou a calçada de cima abaixo. Não tinha nem ideia se Mac tinha ardido em chamas debaixo dos raios do sol ou não, mas rezou para não encontrar um monte de cinzas na calçada.

      Ao não ver nem Mac nem o monte de cinzas, ocorreu-lhe que possivelmente tivesse escolhido um lugar mais privado para seus últimos momentos. Olhou ao redor e, justo ao lado, viu a entrada do estacionamento do hotel. Percorreu a calçada ignorando a sensação quente do pavimento debaixo seus pés nus.

      Quando chegou, parou para ver se por acaso saía algum carro e logo entrou rapidamente. Em meio da rampa, apoiado contra a parede e tampando os olhos com a mão como se lhe doessem, estava Mac.

      Correu para ele, sentindo-se mais aliviada do que queria admitir.

      —Mac, sou eu. —Tentou lhe agarrar os braços, mas ele a empurrou.

      —Deixe-me sozinho. Tenho que fazê-lo.

      —O sol não vai te matar —disse ela, olhando para cima—. De fato, asseguro-te que hoje nem sequer conseguirá um moreno decente.

      Ele se negou a escutá-la.

      —Por favor, Mac. Nem sequer sabemos se é verdade que os vampiros se desintegram debaixo da luz do sol. O chupacabras não o fez; converteu-se em pedra. Como se sente? Nota rigidez em seus braços ou pernas?

      Ele ficou rígido.

      —Lanie, se te está brincando comigo, juro que...

      Ela sorriu porque sabia que não a via. Logo tentou alcançar seu braço de novo. Desta vez não se afastou.

      —Olhe, não estou vestida para estar na rua. Podemos voltar para a habitação?

      Ele ainda cobria os olhos com a mão.

      —Não posso ver nada. —Não soava como se estivesse invadido pelo pânico; nem sequer acreditava que ele soubesse o que era isso, mas por seu tom se notava que estava alterado.

      —Seus olhos são sensíveis à luz, isso é tudo. Estará bem assim que ponha uns óculos de sol. Deixe os olhos fechados e agarre meu braço. Assim. —Tomou sua mão e a colocou sobre seu cotovelo—. Agora venha comigo.

      Avançando lentamente, guiou-o pela entrada lateral do hotel. Quando estavam dentro, ela se deteve.

      —Aqui dentro não há tanta luz. Quer experimentar para abrir os olhos? —Mac afastou a mão de seus olhos e piscou várias vezes. Lanie viu que tinha os olhos vermelhos e irritados.

      —Melhor?

      Ele assentiu com a cabeça, quase imperceptivelmente, e logo, como se se tivesse percebido a roupa que levava posta lhe dirigiu um olhar severo, percorrendo-a dos pés à cabeça. Quando voltou a pegá-la pelo cotovelo, Lanie não soube quem guiava quem.

      Ao chegar às habitações, Lanie se deu conta de que tinha esquecido de pegar o cartão da porta. Quase riu quando Mac colocou a mão no bolso e tirou a sua. Era o perfeito boy scout, pensou, sempre preparado, inclusive para a morte.

      —É muito cedo para um gole? —brincou ela, tentando diluir a tensão enquanto se aproximava das cortinas e as fechava outra vez.

      Ele nem sequer sorriu.

      —Acaso não compreende a gravidade do assunto? Estou me convertendo em um deles. Que conserve o controle sobre meus pensamentos e minhas ações neste momento particular, não quer dizer que não me transforme no que era quando matei aqueles vagabundos. —Caminhou até o armário onde guardava sua bolsa—. Vá à sua habitação Lanie. Feche a porta de comunicação e não volte aqui por nenhuma razão.

      Não gostou do tom de sua voz.

      —O que vais fazer?

      Mac tornou algo da bolsa enquanto lhe dirigia um olhar exasperado.

      —Poderia partir, por favor? Só está fazendo mais difícil.

      Lanie ficou sem fôlego quando viu a arma em sua mão e procurou rapidamente algo que lhe dizer para fazê-lo entrar em razão.

      —Não crê que está reagindo com exagero?

      —Lanie, matei aqueles vagabundos.

      —Isso não sabe. Você me disse que não recordava o que fez ontem à noite.

      Ele assinalou o pescoço de Lanie.

      —Virtualmente te matei.

      Ela soprou de maneira imprópria em uma senhorita.

      —Venha já, sangrei mais me barbeando as pernas.

      Mac sacudiu a cabeça.

      —É mais que isso. Eu gostei do sabor de seu sangue.

      Lanie o olhou com cepticismo.

      —Bom, ehhh..., isso não é suficiente para que mereça morrer.

      —Quando essa criatura me atacou, transformou-me. Todas minhas velhas feridas se curaram, posso me mover a uma velocidade incrível, de noite vejo melhor que ninguém e o sol me danifica os olhos. Sinto-me cheio de energia depois de anoitecer e assim que sai o sol me resulta quase impossível me manter acordado.

      Lanie levantou uma mão para deter sua enxurrada.

      —Mac, não duvido que tenha trocado depois do ataque, e acredito que se o chupacabras te tivesse matado, o veneno teria feito que ressuscitasse como vampiro. Mas não morreu. Por conseguinte, não é como os vampiros que vimos. Ou seja, quero dizer, Mac... tomar um pouquinho de sangue no calor do momento não é igual ao que meu pai e Burton fizeram aos investigadores, ou a Davis.

      Como ainda parecia pouco convencido, continuou.

      —Esta manhã pôde me haver matado em qualquer momento, mas não o fez. É dono de ti mesmo.

      Ele sacudiu a cabeça.

      —Mas por quanto tempo? Já vê o que fiz a esses homens.

      —Não estou segura de que fosse você quem os matou. Atravessou a habitação e tomou a bolsa do açougue—. Olhe o que encontrei. —Passou-lhe a bolsa.

      Mac a olhou com surpresa.

      —Onde encontrou isso?

      —No cesto de papéis e... olhe. —Apartou ligeiramente as cortinas para que pudesse ver a mancha da parede—. Dá a impressão de que tentou beber isso e que você não gostou do sabor. Se estava tão bêbado como diz, além de frustrado, imagino que atirou isso por cima e logo o estampou contra a parede.

      Ela tomou a bolsa e tirou a vasilha cheia.

      —Este ainda está cheio. —Levantou a tampa e lhe deu vontade de vomitar. Estava cheio de sangue de porco meio congelado—. Diz que você gosta do sabor do sangue. Se aproxime e beba isto. —Sujeitou-o ante ele, olhando-o fixamente para que visse que falava sério. Lentamente, Mac tomou a taça e a levou aos lábios, mas foi o mais longe que chegou. Lanie viu como torcia o rosto com repugnância e deixava a vasilha sobre o escritório.

      —Possivelmente só gosto do sangue humano.

      Ela quis lhe golpear a cabeça, mas simplesmente o olhou durante uns segundos, piscando.

      —Como quiser. —afastou o cabelo a um lado e se aproximou para ficar diretamente diante do; logo lhe mostrou seu pescoço—. Morda-me.

      Passaram vários segundos e ela sentiu a intensidade de seu olhar sobre seu pescoço exposto e rezou por não ter julgado mal sua natureza humana. Quando foi óbvio que não ia mordê-la, ergueu a cabeça. Com um suspiro, colocou a mão silenciosamente sobre a mão dele que sujeitava a arma.

      —Experimentaste mudanças, mas não é um assassino.

      —Ainda.

      —Ainda —conveio ela, deslizando a mão sobre a culatra da arma para poder tomá-la e tirá-la da mão. Mac parecia aturdido e um pouco divertido, mas não tentou detê-la—. Olhe —continuou—, se ao final resulta que é um vampiro de verdade, dispararei em você eu mesma.

      Seus olhos aumentaram e em seus lábios se insinuou um genuíno sorriso.

      —Seriamente?

      —Seriamente. Além disso, te disparando não teria bastado. Apoiando-me em nossa experiência, se fosse um vampiro, iria requerer algo mais que uma bala para te matar. Como pensava em fazê-lo?

      O telefone soou antes que Mac pudesse responder. Atravessou a habitação e desprendeu o telefone. Lanie notou; que sua voz soava incrivelmente normal, dadas as circunstâncias.

      A conversação só durou uns minutos e pelo que ela pôde ouvir, falava com tio Charles. Quando pendurou, olhou-a.

      —Droga. Tinha-me esquecido da recepção desta noite.

      —Que recepção?

      —É uma espécie de festa de despedida para um dos capitães que se retira. Como a maioria de nós está na cidade, aproveitaram para oferecer um jantar de ornamento em sua honra.

      —Ah.

      —De fato, é de etiqueta. O que te parece?

      O coração lhe deu um tombo.

      —Quer que vá contigo? —Rezou para não parecer uma estudante de secundária a que acabavam de pedir que fora ao dança de graduação.

      Mac a trouxe de volta à realidade.

      —Bom, quero que venha. Não posso te deixar aqui sozinha.

      «É óbvio», pensou ela. Não era um encontro. Tinha noiva, o qual era outra das coisas que teriam que discutir cedo ou tarde. Ela não fazia o amor com o namorado de outra mulher.

      —Vou ter que ir às compras.

      —Certo, eu me encarrego.

      —Bom, já sou maior. Acredito que posso comprar um traje de noite eu mesma.

      Dirigiu-lhe um olhar curioso. —Quis dizer que eu queria te pagar o vestido.       —Ah. —Tinha-a tomado por surpresa—. Por quê?

      Logo o entendeu. Era porque se sentia culpado, ou por tentar lhe arrancar a garganta ou por quase fazer o amor com ela... ou pelas duas coisas. Lanie suspirou. Possivelmente era o momento de ter essa conversação depois de tudo.

      —Mac, e Sandra?

      Ele teve o descaramento de parecer confuso.

      —O que tem ela?

      Lanie lhe dirigiu um olhar que sendo ele homem, interpretou, como era natural, de maneira equivocada.

      —Ah, isso. Chamei-a antes, no avião e lhe disse que não voltaríamos dentro de um par de dias. Já lhe contarei isso dos vampiros mais adiante. Não quero preocupá-la.

      Lanie deixou escapar um profundo suspiro.

      —E sobre o que aconteceu esta manhã..., antes que me mordesse o pescoço?

      Ele se estremeceu ao recordá-lo.

      —Isso não é assunto dela.

      Lanie se sentiu escandalizada por sua atitude.

      —Não acha que sua noiva tem direito a... ?

      —Irmã.

      —O que disse?

      —Sandra é minha irmã.

      Lanie sentiu que ruborizava, enquanto tentava ignorar o amplo sorriso que sulcava sua cara.

      —Chama Bizcochito à sua irmã?

      —Em realidade, foi Keith, meu sócio, quem começou a chamá-la assim, faz cinco anos, quando começaram a sair. Agora estão casados, mas ficou com esse apelido. Ela o odeia, razão demais para chamá-la assim.

      —Soa... bem —assentiu ela fracamente.

      —Então, virá comigo à recepção?

      —Pergunta ou afirma?

      Mac lhe dirigiu um amplo sorriso que provocou cócegas em suas vísceras.

      —Pergunto.

      —Então sim, eu gostaria de ir. Obrigada.

      Aproximou-se a um passo dela, um passo mais do que podia se permitir.

      —Sabe o quê? Vou à minha habitação e vou me vestir. —Cruzou rapidamente a habitação e se deteve na porta quando estava a ponto de completar uma saída triunfal — Eu me esqueci. Dirk chamou por telefone e disse que o chamasse sem falta.

      MAC não queria sorrir quando ela se precipitou através da porta, mas não pôde evitá-lo. Gostava de seu desconforto porque queria dizer que, apesar de seus medos, não era indiferente à sua humanidade, ou à falta dela, ou seja, que o considerava atraente... como homem. E se por acaso tinha duvidado em algum momento, só teria que considerar o pequeno ataque de ciúmes que tinha tentado ocultar, quando pensou que Sandra era sua noiva. A revelação melhorou seu ânimo como nenhuma outra coisa tinha feito até esse momento.

      Talvez, simplesmente talvez, pudesse se manter sob controle o «vampiro» —ou melhor ainda, dominá-lo por completo— poderiam seguir a partir de onde tinham deixado essa manhã.. Confiava que assim fosse, porque a lembrança de seu corpo contra o dele, tinha ficado gravado a fogo em sua pele e em sua mente por muito, muito tempo.

      Quando fechou a porta de comunicação, aproximou-se do telefone. Chamou Dirk no número que lhe tinha dado e esperou que o outro homem respondesse. Não demorou.

      —Droga, já era hora —disse Dirk quando reconheceu sua voz—. Vai tudo bem? Sua noiva me disse, quando chamei antes, que estava dormindo.

      Recordando a maneira em que Dirk tinha cuidado de Lanie na viagem de volta, decidiu não lhe corrigir com respeito a que Lanie fosse sua noiva.

      —Bom, uma noite dura —disse, deixando que Dirk interpretasse isso como quisesse—. O que acontece? Lanie me disse que era importante.

      —Encontramos seu avião.

      Mac ficou imediatamente alerta.

      —Aqui em Washington?

      —Bastante perto. E ainda está inteiro, mas não há rastro nem de Burton nem de qualquer outro.

      —Merda.

      —Bom, isso é justo o que eu pensei. Para que diabos viria Burton aqui?

      Mac voltou a pensar nos vagabundos, perguntando-se se tinha chegado à conclusão lógica. Ele simplesmente desejava que fosse Burton o responsável.

      —Que me enforquem se sei. Temos que manter os olhos bem abertos —disse Mac—. Obrigado pelo aviso. Onde está agora meu avião?

      —Em um milharal não longe daqui. —Dirk o informou da posição exata—. Algo mais?

      A mente de Mac já estava em outra coisa.

      —Pois não sei. Leve o telefone à mão, certo?

      —De acordo.

      Mac desligou e, depois de ouvir ruídos na habitação contigüa bateu na porta de comunicação. Ao cabo de um momento a porta se abriu e apareceu Lanie, envolta em uma toalha de banho. Mac teve que conter um gemido. Sua pele ainda mostrava o brilho da umidade e o aroma do sabão e o xampu flutuava no ar. Fascinado, observou como uma gota de água caía de uma mecha de seu cabelo e se deslizava lentamente por sua garganta até desaparecer em seu generoso decote.

      Imediatamente, seu corpo se esticou em resposta e se sentiu sobressaltado pelo desejo de lhe arrancar a toalha e levá-la à cama.

      Entretanto, esclareceu a voz e retrocedeu um passo.

      —Acabo de falar com Dirk, encontraram meu avião não longe daqui.

      Seus olhos aumentaram pela surpresa.

      —Aqui? Isso quer dizer que Burton e meu pai podem estar na cidade.

      —Exatamente.

      Franziu o cenho.

      —Acreditava que havia dito que não viriam aqui.

      Mac deu de ombros.

      —Não tinha sentido que o fizessem. —meteu a mão no bolso e tirou a carteira. Agarrou vários bilhetes e os estendeu—. Sei que te prometi que iria às compras contigo, mas tenho que ir ver o avião. Terá que ir sozinha. Tome e gaste tudo.

      Ela negou com a cabeça.

      —Não, não importa. Tenho dinheiro...

      Mac lhe agarrou a mão e lhe plantou as notas na palma.

      —Insisto. É para que vá às compras e não pela recepção... —Vacilou—. É que me sinto culpado de... já sabe. —Fez um gesto com a mão para seu pescoço.

      Ele se deu conta em seguida da besteira que disse, mas era muito tarde. Observou-a tocar o pescoço e viu a faísca de cólera que cintilou em seus olhos quando apertou o dinheiro em sua mão.

      —Pois muito bem, se for para aliviar sua consciência, faltaria mais. Já verei o que posso fazer.

      Era muito tarde para apagar suas palavras, assim simplesmente sorriu.

—Provavelmente deveria ir apitando —disse ele, odiando pensar em deixá-la—. Estarei de volta logo que possa.

      Ela assentiu com a cabeça, mas havia uma expressão preocupada em sua cara que ele reconheceu. Quando Mac retrocedeu para sua habitação, ela o seguiu.

      —Mac, se Burton e meu pai estão na cidade, é muito mais provável que um deles, ou os dois, tenham matado esses vagabundos.

      Ele assentiu com a cabeça.

      —Já tinha pensado isso.

      Ela mordeu o lábio, enquanto uma expressão preocupada escurecia seu semblante.

      —E também quer dizer que esses homens...

      —Também tinha pensado, mas não se preocupe, certo?

      Ela assentiu, mas seguia preocupada.

      —Bom, está seguro de que não necessita de ajuda... ?

      —Não. Eu me encarregarei de tudo. —Mac esperou até que ela retornasse à sua habitação e logo trocou de roupa. Como, exatamente, poderia penetrar em um necrotério para cravar estacas em dois cadáveres, candidatos a vampiro?

 

      Muito depois, Lanie olhou o relógio do táxi e calculou quanto tempo tinha para obter o impossível: estar apresentável para a recepção. Agarrou dinheiro da bolsa, pagou ao taxista diante do hotel e logo deixou que o porteiro a ajudasse a entrar.

      Apressou-se através do vestíbulo para o elevador, perguntando a si mesma se com duas horas teria tempo suficiente. Não podia recordar a última vez que tinha assistido a um jantar de ornamento. Esperava que Mac não estivesse acima a esperando. Não só porque não queria que lhe colocassem pressa, mas sim porque não desejava que visse quantos pacotes levava.       Apesar do que lhe tinha feito acreditar, não tinha tido intenção de gastar seu dinheiro, mas o limite de seu cartão tinha resultado não estar à altura da provocação que lhe tinha arrojado.

      Quando chegou à habitação, deixou cair tudo sobre a cama com um suspiro de alívio; tudo, exceto o vestido. Com cuidado pendurou-o no armário e logo esperou até que seu coração recuperasse o ritmo. Era o vestido mais bonito que tinha visto nunca e o mais caro.

      Aproximou-se das portas de comunicação e abriu a sua, mas a dele estava fechada. Chamou e esperou.

      —Mac? Está aí?

      As imagens dessa manhã voltaram para sua mente, enquanto media o trinco e comprovou que podia abrir. Empurrando a porta, colocou a cabeça dentro.

      —Mac?

      Olhou de um lado a outro para comprovar que ainda não tinha chegado. A cama e a habitação pareciam ordenadas evidentemente, o serviço de limpeza tinha realizado sua magia—, a mancha de sangue debaixo da janela tinha desaparecido —isso provavelmente fora coisa do Mac—, mas pelo resto, a habitação estava escura e vazia. Retornou ao seu armário, afastou o envoltório de plástico do vestido e se tornou para trás para admirá-lo.

      Tudo o que tinha querido era um vestido negro e singelo com sapatos combinando. Depois de quatro lojas e muitos preços exorbitantes para vestidos muito pouco impressionantes, Lanie tinha se sentido com vontades de mandar tudo à merda. Logo o tinha visto.

      Inclusive no cabide tinha chamado sua atenção, um vestido de um vermelho tão brilhante que era quase como lágrimas, com um tecido tão suave e fresco ao tato como a água. Não tinha visto nada assim em sua vida, e se sentiu fascinada.

      Quando o tinha levado ao provador para experimentar, sentiu-se aturdida ante o reflexo do espelho. O decote drapeado formava um V que chegava mais abaixo que nada que havia posto antes, deixando pouco à imaginação. Por detrás, o decote era vertiginoso e deixava suas costas nuas até a cintura; uma magra cadeia com brilhantes miçangas vermelhas sujeitavam as duas do traje. O resto do vestido destacava sua silhueta como uma segunda pele, rodeando cada uma de suas curvas; a provocadora abertura da saia subia por sua perna, até uns centímetros por debaixo do quadril.

      Era o traje mais revelador e feminino que jamais havia usado e tinha justificado o preço raciocinando quanto economizaria em lingerie, já que não podia levar nada debaixo. Seu pulso disparou ao imaginar o que Mac podia pensar. Gostaria? Recordando as mudanças que tinha sofrido desde o ataque da criatura, desejaria que gostasse?

      A resposta ressonou como um ofegante sussurro em sua mente: «Sim».

Tomou uma rápida ducha, saiu e secou o cabelo com o secador. Aproximou-se do espelho e examinou as duas marcas diminutas que tinha num dos lados do pescoço. Não eram muito visíveis e poderia cobri-las com maquiagem. Pintaria os lábios de um vermelho tão brilhante como o vestido; seria o toque final.

      Usou uma loção perfumada —outra de suas compras — sobre suas recém-depiladas pernas e pintou as unhas dos pés com um esmalte da mesma cor que o batom.

      As sandálias que comprou para combinar com o vestido tinham um salto muito mais alto do que estava acostumada a usar. Tampouco era de usar muitos saltos, pois normalmente usava calçado plano, fossem esportivos ou botas. Calçou-as e passeou pela habitação, tentando se acostumar a elas. Não importava quão bem aparentassem, pois tropeçou em seus próprios pés e caiu de bruços.

      Ao olhar o relógio, viu que era quase a hora. Mac ainda não tinha retornado e embora soubesse que não lhe levaria muito tempo para tomar banho e se vestir, começou a se preocupar. Talvez deveria ter ido com ele.

      Tentando afugentar seus medos, centrou a atenção em seu cabelo. Não queria deixá-lo solto, mas não sabia como se pentear com estilo. Decidiu experimentar para ver o que era capaz de conseguir.

      Penteando-se metodicamente, dividiu o cabelo em várias partes e frisou cada uma delas. Logo agarrou a escova, mas pensou melhor e não a usou. Não queria o cabelo totalmente encrespado. Queria algo vaporoso, suave e erótico.

      Procurou na bolsa menor por suas novas presilhas e tirou de passagem outra de suas compras impulsivas: umas forquilhas decorativas, adornadas com uns pequenos diamantes vermelhos.

      Usando o extremo do pente, colocou uma mecha no alto da cabeça e a assegurou com as forquilhas. Logo continuou fazendo o mesmo com o resto do cabelo até que esteve tudo recolhido, com alguns cachos caindo brandamente ao redor da cara.

      Contemplou criticamente seu reflexo no espelho, examinando-se desde todos os ângulos. Logo esboçou um lento sorriso. Se fosse verdade o que viam seus olhos, não estava nada mal.

      Todo o processo tinha levado quarenta e cinco minutos, ainda lhe sobrava tempo para terminar de se vestir. Na habitação do lado, Mac não dava sinais de vida e começou a se preocupar. Onde tinha se metido?

      Quando estava se convencendo por chamar alguém, tio Charles, por exemplo, soou o telefone.

      —Diga?

      —Lanie, sou eu, Mac. Escute, lamento não ter chegado ainda, mas tive alguns problemas.

      Sabia, tinha razões para se preocupar.

      —Está bem?

      —Sim. Nada que não possa dirigir, mas chegarei com atraso.

      —Certo. —Rezou para que não tivesse trocado de ideia.

      —Não, não é justo que te faça esperar. Chamei Dirk para lhe pedir que passe por aí e leve você. Não há razão para que perca a recepção, só porque eu chegarei tarde. Vá com ele, eu me reunirei contigo, assim que possa.

      —Está bem —tentou ocultar sua decepção.

      —O almirante Winslow estará lá — disse—. Sei que quer te ver.

      —Será estupendo voltar a vê-lo - adicionou ela sem entusiasmo.

      —Vai tudo bem? —Agora ele soava preocupado, e ela não queria que se preocupasse, assim se viu obrigada a parecer mais entusiasmada.

      —Sim, tudo vai bem. Verei você quando chegar.

      —Certo.

      Lanie pendurou o telefone e se aproximou do armário; era hora de pôr o vestido. Arrancou as etiquetas com o cortador de unhas e tirou os sapatos, enquanto desabotoava a camisa que usava.

      O tecido do vestido caiu sobre sua pele como a carícia de um amante, provocando um comichão por seu corpo nu.

      Deslizou os braços pelas cavas e ajustou o vestido o melhor que pôde. Como no provador, não pôde grampear a cadeia, mas desta vez não havia ninguém para ajudá-la. Por muito que odiasse fazê-lo, teria que pedir ajuda a Dirk quando chegasse.

      Agora que o mencionava, já eram oito horas. Tomou os novos brincos e os pôs. Imediatamente duas cadeias de cristais vermelhos penduravam de suas orelhas, até quase os ombros, conferindo ao vestido o toque perfeito. Entrou no banheiro e aplicou o brilhante batom nos lábios e logo se examinou uma vez mais.

      Sentiu-se um pouco coibida, mas otimista. Recolheu a roupa usada e outros artigos espalhados pela habitação, acabando bem a tempo, antes que soasse um golpe na porta. Olhou o relógio e teve que dar o mérito a Dirk. Era realmente pontual.

      Respirou fundo, abriu a porta e observou com satisfação como Dirk ficava com a boca aberta e os olhos como pratos. Rapidamente recuperou a compostura, mas lhe dirigiu um lento e apreciativo olhar.

      —Senhorita Weber? Tem um aspecto... —Nesse momento pareceram falhar as palavras, o que fez com que Lanie sorrisse.

      —Você gostaria de entrar?

      Dirigiu-lhe um sorriso lascivo.

      —Não, senhora. Acredito que essa seria uma muito má ideia.

      — Certo, direi isso com outras palavras: necessito de que entre por um momento, por favor.

     Contemplou-a com curiosidade, e depois de olhar o corredor de um lado a outro, entrou e ficou parado ao lado da porta.

      Dando-lhe as costas, Lanie assinalou a cadeia de miçangas vermelhas.

      —Necessito de que me ajude a grampeá-la, se não te importar, claro.

      Roçou suas costas quando agarrou a cadeia para grampeá-la e o contato enviou calafrios por sua pele, fazendo que percebesse Dirk sob uma luz totalmente distinta. Era, depois de tudo, um homem atrante, como Mac. Se ela não estivesse interessada m Mac...

      —Pronto —disse ele, dando um passo atrás—. Está preparada?

      —Sim. —Ela se dirigiu à mesa, onde tinha colocado a bolsa nova de festa e se reuniu com ele na porta, olhando-o fixamente quando não se moveu.

      — Está um pouco frio lá fora —disse ele, como se estivesse lhe dando o prognóstico do tempo—. Deveria levar uma jaqueta.

      Lanie lhe dirigiu um olhar divertido.

      —Estamos a vinte e tantos graus.

      Dirk tragou.

      —O salão de recepção tem ar condicionado. Isso que leva não a abrigará o suficiente.

      —Estarei bem.

      Ele se deu por vencido, ofereceu-lhe o braço e a escoltou até o vestíbulo.

      —Sou um homem morto —acreditou ouvi-lo resmungar, quando a seguiu ao elevador.

      Mac olhou seu relógio de pulso enquanto se apressava pelos corredores do hospital. O que tinha feito nesse dia tinha levado muito mais tempo do que tinha pensado e tudo porque lhe parecia haver se movido em câmera lenta. Por desgraça, eram quase oito e ainda estava no necrotério.

      Tinha chamado Lanie antes de entrar e sabia que a tinha decepcionado. Agora que pensava, chamar Dirk e lhe pedir que a levasse à recepção, tinha sido um engano. Dirk tinha divulgado muito entusiasmado e pensar neles dois juntos o carcomia, o que provocava que se apressasse em terminar o que tinha que fazer.

      Os técnicos encarregados do depósito estavam fora e Mac penetrou sem que ninguém se precavesse disso. Tirou as estacas de madeira de quinze centímetros — tinha comprado elas em uma loja especializada em bricolagem—, da mochila que pendurava às suas costas e procedeu a procurar os vagabundos. Ao não saber onde estavam, abriu sistematicamente cada uma das gavetas e comprovou o pescoço dos cadáveres. Se encontrasse as marcas das perfurações, cravava uma estaca no coração, assegurando-se de que não se notasse a parte superior da estaca. Era impossível cobrir o oco por completo, mas ao menos, a estaca não chamaria a atenção imediata, quando os corpos fossem transladados.

      Esperava que a maneira para que não se convertessem em vampiros fosse por ele ter destruído o coração, e não a presença da estaca, porque cedo ou tarde, alguém a veria e a tiraria.

      Ao retornar ao hotel, foi à recepção e pediu o smoking que tinha encomendado antes de sair. Levou-o acima, entrou na habitação e imediatamente se sentiu envolto pelo aroma de limpeza e de perfume que flutuava no ar. Perguntou-se que tipo de vestido teria comprado Lanie e quanto de seu dinheiro teria gastado.

      Tomou uma ducha rápida, depois passou a mão pela mandíbula. Barbeou-se pela manhã e precisava voltar a fazê-lo, mas já ia com atraso e decidiu deixá-lo. Levou dez minutos para se vestir e em seguida estava na calçada, chamando um táxi.

      A recepção não estava muito longe e justo uma hora depois de deixar o depósito, percorria o pequeno lance de escadas que conduzia à festa que estava já em pleno apogeu. A música da pequena banda sobressaía por cima do zumbido das conversações. Alguns casais e grupos falavam na entrada do grande salão. Saudou os homens que conhecia, enquanto seguia avançando, procurando não abrir muito a boca ao dizer olá. Esconder as presas lhe resultava cada vez mais difícil e em silêncio se prometeu ir a um dentista para que os limasse.

      Entrar no elegante salão de dança foi uma experiência totalmente sensorial. As luzes, que a ele pareceram muito brilhantes, caíam sobre pelo menos duzentas pessoas; algumas dançavam no centro da estadia, enquanto que outras permaneciam por ali, comendo, bebendo, sorrindo e falando. Mac se perguntou como demônios encontraria Dirk e Lanie entre tanta gente.

      Caminhou à beira da pista de dança, esperando ter uma melhor visão da sala. Dirk usaria uniforme, o qual fazia com que fosse impossível distingui-lo da maior parte dos assistentes, já que era um traje de gala para militares. Pensou que teria melhor sorte se procurasse por Lanie. Logo se deu conta de que era ainda mais difícil, porque a maioria das mulheres levava longos vestidos de noite negros.

      Sentiu que seu humor decaía por momentos. Perguntou-se se Dirk levaria o celular e estava a ponto de averiguá-lo, quando um brilho vermelho na pista de dança captou sua atenção. Em um mar negro, a cor destacava ostensivamente e Mac não pôde evitar olhar.

      Desde sua vantajosa posição, o primeiro que notou foi que a mulher mostrava as costas nuas, cruzadas por uma cadeia de miçangas vermelhas. Enquanto seu par a guiava pela pista de dança, viu de soslaio uma larga perna pela abertura da saia. Subiu os olhos e admirou sua figura plena, antes que a mulher desaparecesse de sua vista.

      Mac quase sentiu lástima pelo par da mulher e esperou que fosse o suficientemente homem para espantar todas as moscas azuis que a comiam com os olhos. Acabaria tendo uma briga antes que acabasse a noite, disso estava seguro. Era impossível ter uma mulher assim em uma habitação cheia de machos dominantes e não esperar que algum deles tentasse tomá-la. Caramba, em outras circunstâncias, inclusive ele mesmo o faria.

      Estava a ponto de reatar a busca por Dirk e Lanie quando viu que um jovem avançava entre a multidão com os olhos fixos na mulher de vermelho. Com um suspiro, Mac reconheceu o desafio e a determinação nos olhos do jovem. «Parece que as brigas estão a ponto de começar», pensou.

      Queria encontrar Lanie e Dirk antes que as coisas se transbordassem. Dirigiu um último olhar ao casal da pista de dança e ficou petrificado imediatamente.

      O homem que enfrentava o jovem competidor era Dirk. Estupefato Mac se voltou para olhar a mulher e sentiu que seu coração parava. Era Lanie.

      Então não soube o que ocorreu. Em um momento cravava os olhos nela, totalmente pasmado e no seguinte, estava diante do jovem admirador, possuído por uma fúria animal.

      —Nem sonhe —grunhiu ao jovem, que repentinamente aumentou os olhos. Mac continuou olhando-o com fúria assassina até que o jovem retrocedeu e se perdeu entre a multidão. Logo lançou um olhar assassino a quão olheiros os rodeavam até que se esfumaram, deixando-os sozinhos.

      Mac se voltou para Dirk.

      —Já era tempo de chegar —grunhiu este antes que pudesse dizer uma reveste palavra—. Levo fazendo isto todo o momento. Agora é contigo. Além disso, para que saibas, isto foi tua ideia, recorda? —voltou-se para Lanie—. Lanie, foi um prazer. —Dito isso, dirigiu a Mac um último olhar e resmungou—: Você me deve uma. —E se foi. Mac olhou para Lanie e, embora pensasse que estava preparado, sua visão deixou-o sem fôlego. Seus olhos beberam dos seus, como se fosse um homem sedento que acabasse de receber um copo de água fresca. Embora estivesse se comportando com rudeza, não pôde evitar passear o olhar por seu corpo, atrasando-se mais tempo, devido à generosa plenitude dos seios expostos por ele sob o decote. A lembrança de tê-la nua entre seus braços assaltou-o de repente, e durante uns momentos, não pôde pensar em nada mais.

      Quando finalmente se precaveu de que levavam em silêncio muito tempo, centrou a atenção em sua cara e o rubor apenas perceptível que coloria suas bochechas. —Está muito bem.

      Aquelas palavras não lhe faziam justiça, mas foi tudo o que lhe ocorreu.

      —Obrigada. —Dirigiu-lhe um tímido sorriso—. Alegro-me que você goste.

      Ele suspirou em silêncio, frustrado, enquanto a banda começava uma nova melodia.

      — Você vai me matar, Lanie —sussurrou, enquanto a tomava entre seus braços para dançar.

      Se ela tivesse que morrer no dia seguinte, estaria agradecida por aquele momento. O olhar de Mac, quando a fixaram, tinha sido intenso, apreciativo e primitivo. Achou-o atemorizante e excitante.

      Reprimiu o riso nervoso que estava a ponto de escapar. Tinha querido uma reação e a teve.

      A princípio, tinha pensado que estava furioso com ela, mas quando a atraiu para si, soube que sua cólera ia dirigida para os outros homens da sala, qualquer que se atrevesse a olhá-la. Era o lobo mais dominante da manada, advertindo o resto dos machos com seu grunhido e, se fosse necessário, com sua dentada.

      Pensar nele mordendo, se aproximava muito à realidade e rapidamente saiu de seu sonho.

      —Como foram as coisas no necrotério?

      —Costurar e cantar. —Atraiu-a ainda mais contra si, enquanto os separava do caminho de outro casal, mas algo em seu tom a preocupou.

      —Não teve nenhum problema?

      Ouviu-o suspirar.

      —Só que me pareceu estar em uma neblina toda a tarde; não me senti bem até que se fez noite.

      Ela pensou nisso, enquanto continuavam dançando, embora fosse difícil enquanto sua mão acariciava a curva de suas costas.

      —De algum jeito tem sentido. O chupacabras se converte em pedra durante o dia entrando em um estado de hibernação. A luz do sol aparentemente lhe afeta de maneira similar, fazendo dormir ou ao menos te deixando muito cansado.

      —Os raios do sol são como bolas de fogo para mim.

      Ficaram em silêncio e não falaram o resto do dança. Quando a banda deixou de tocar e as últimas notas da melodia se desvaneceram, Mac se deteve. Sem desculpa para permanecerem abraçados, Lanie deu a contra gosto um passo atrás.

      —Vejo que Dirk encontrou o almirante. Vão para o bufet. Você se importaria, se nos aproximássemos?

      Ela olhou para onde lhe indicava e os viu.

      —Quem está com eles?

      —Dennis Rogers.

      Ela se voltou para ele.

      —O tio que se ofereceu para testemunhar contra Burton? Mas não havia dito que estava morto?

      —Exagerei. Alguém, eu acredito que foi Burton, tentou lhe matar. Falhou, mas o almirante Winslow pensou que seria melhor que acreditassem que o tinham conseguido.

      —É seguro que esteja aqui?

      —Provavelmente não, mas lembre-se de que pensam que Burton está morto e que já não supõe nenhuma ameaça. —Enquanto Mac falava, desabotoou a jaqueta e a tirou—. Quero que ponha isto.

      Sua petição pegou-a despreparada.

      —OH, obrigada, mas estou bem. Não tenho frio.

      —Lanie, se não puser esta jaqueta vou ter que brigar com cada um dos homens que há aqui.

      Ela cravou os olhos nele, sem saber se falava a sério ou não.

      —Bom. —Acessou, sem se incomodar em lhe dizer que fazia isso só porque se sentiria coibida com esse vestido diante do almirante Winslow; esse homem recordava-lhe seu pai, porém deixou que Mac pensasse o que quisesse.

      Mac pôs a jaqueta sobre seus ombros e Lanie se deleitou com a cálida sensação que provocou sua cercania. Logo, ele colocou a mão no oco de suas costas e a guiou à mesa do bufet.

      —Tem fome?

      —Um pouco —admitiu ela—. Não jantei.

      —Eu também. Vamos comer algo antes de nos reunimos com eles.

      MAC lhe deu um prato e tomou um para si mesmo. Enquanto caminhavam diante do bufet, foi assinalando os distintos mantimentos e quando ela assentia, servia-os em seu prato. Quando tinham se servido de tudo o que queriam, aproximaram-se de Dirk, o almirante e Rogers. Lanie não pôde deixar de o sorriso irônico de Dirk, ou o olhar surpreendido do almirante, que ocultou com rapidez depois do genuíno prazer que sentiu ao vê-la.

      —Lanie, que bom vê-la novamente. Está impressionante esta noite —disse o almirante lhe dando um abraço, apesar do prato de comida—. Lamento por seu pai. Era um bom amigo e vou sentir muitas saudades.

      —Obrigada —respondeu Lanie, perguntando-se o que ele faria se soubess que seu pai estava ainda algo... vivo.

      —Acredito que conhece Dirk —continuou o almirante Winslow, mas deixe que lhe presente Dennis Rogers. Também foi membro da equipe de Mac.

      —Um prazer, senhorita —disse Rogers, inclinando levemente a cabeça a modo de saudação.

      —MAC, esperava que se reunisse comigo antes da festa. —A reprimenda do almirante foi cortês, mas seca.

      —Tive alguns problemas —respondeu Mac, em tom sério.

      O sorriso do almirante desapareceu.

      —Pode ser algo mais específico?

      —Sim, senhor. Lance Burton.

      —O que tem ele? Está morto. —Rogers soou alarmado enquanto os olhava alternativamente—. Não?

      —É um pouco complicado —respondeu Mac.

      —Mais do que pensa —disse o almirante captando a atenção de todos—. Patterson, Brown e Kinsley desapareceram. Suas habitações estavam totalmente reviradas e a polícia suspeita que se trata de um crime.

      —Quando ocorreu isso? —Mac estava claramente alarmado pelas notícias.

      —Ontem à noite —respondeu o almirante.

      —Quem são Patterson, Brown e Kinsley? —perguntou Lanie.

      Ao seu lado, Mac ficou tenso. A princípio, ela pensou que era uma reação às notícias, mas quando inclinou a cabeça para um lado, pareceu-lhe como se estivesse percebendo algo, embora não estava segura do que. Logo, como em câmera lenta, Mac colocou seu prato intocado em uma mesa próxima e esquadrinhou a habitação. Como se estivessem se comunicando em um idioma secreto que ela não conhecia, os outros três homens também olharam ao redor, embora Lanie soubesse que não tinham mais ideia do que ela do que deviam procurar.

      Atuando Mac de maneira tão estranha, incrementaram-se seus próprios medos. Com intenção de tranqüilizá-lo, colocou a mão sobre seu braço, precisando sentir sua força. Sem olhá-la, cobriu-lhe a mão com a sua.

      —Mac? —Desta vez foi Dirk quem perguntou e pareceu romper o feitiço—. O que passa?

      Mac tomou o prato de Lanie e o deixou junto ao dele. Logo se voltou para Dirk.

      —Não sei, mas algo não anda bem. Vou tirar Lanie daqui, voltarei logo. Mantenha os olhos abertos.

      Dirk assentiu.

      Tomando-a pela mão, Mac a guiou através da multidão, dirigindo-se para uma porta próxima, a qual utilizava o pessoal do catering que abastecia o bufet. Quase tinham chegado quando, de repente, Mac parou bruscamente.

      —O que acontece? —sussurrou Lanie, usando a mão livre para evitar se chocar contra ele.

      Uma vez mais, ele inclinou a cabeça como se estivesse percebendo algo e começou a se mover de novo, mas desta vez em uma direção diferente. Voltaram a atravessar a multidão para as portas principais.

      Uma vez no vestíbulo, Mac não se deteve. Lanie se esforçou em seguir seu passo, mas seus passos eram mais largos que os dela e, além disso, mais ligeiros; isso sem mencionar a longitude do vestido. Quando chegaram às pequenas escadas quase caiu.

      —Mac, mais devagar —vaiou com irritação deixando o medo de lado—. Não posso te seguir. —Como ele não se deteve imediatamente, ela puxou a mão que ele segurava.

      Quase absorto, ele se voltou a olhar o que o atrasava. Talvez foi sua respiração ofegante ou possivelmente o olhar sombrio que lhe lançou, mas em lugar de puxá-la bruscamente para diante, tal e como esperava, deteve-se. Sem lhe soltar a mão, cavou a bochecha de Lanie com a outra.

      —Sinto muito, carinho. Está bem?

      —Não. —Seu gesto de ternura a agarrou despreparada. Está me assustando. O que acontece?

      Nesse momento as luzes piscaram e se apagaram. Lanie sentiu que lhe arrepiava o pelo da nuca e que o pânico se apoderava dela. Agarrou com mais força a mão dele.

      —Mac? —Seu sussurro ecoou no silêncio e aguçou a vista, tentando ver algo, o que fosse, na completa escuridão.

      —Droga. —O juramento de Mac ao seu lado foi quase reconfortante—. Sabia que deveria ter trazido minha arma. Bom, passe os braços pelas mangas da jaqueta e levante a saia. Temos que sair daqui.

      Ela sentiu como levantava a jaqueta de seus ombros e a ajudava quando não pôde encontrar as mangas.

      —Obrigada. —Permanecia totalmente quieta, muito assustada para se mover—. Não posso ver nada. Como saberemos por onde ir?

      —Não se preocupe —disse ele, tomando-a pela mão—. Eu vejo perfeitamente.

      Deu a impressão de que caminhavam muito tempo e Lanie, que tinha tentado se orientar às escuras, perdeu-se por completo.

      De repente, piscaram as luzes de emergência iluminando os corredores vazios com um estranho resplendor verde. Os olhos de Lanie quase se acostumaram à escuridão quando ouviu o som de gritos de mulheres histéricas e soube que vinham do salão de dança.

      Detiveram-se.

      —Temos que retornar —disse ela.

      —Não, é muito perigoso.

      —Mac, tenho que voltar. Se houver alguém ferido eu posso ajudar. Pareceu-lhe que o demorava muito tempo em se decidir, mas por outro lado também devia querer voltar, porque quando começaram a andar, foi em direção ao salão. Entretanto, não tinham dado mais de quatro ou cinco passos, quando umas sombras se moveram lhes bloqueando o caminho. Agarrando com mais força a mão de Mac, Lanie observou como dois homens emergiam da escuridão. Um deles era Burton.

      O outro não o reconheceu, mas o tom pálido de sua pele e os olhos acesos lhe resultou familiares. Era outro vampiro. Antes que os vampiros se equilibrassem contra eles, Mac, sem soltar a mão de Lanie, tentou jogá-la para o lado, a fim de enfrentar os dois homens, mas Burton foi mais rápido e lançou um murro que enviou Mac pelos ares.

      A ponto de correr para ele, Lanie foi detida em seco quando o outro vampiro a agarrou com força pelo braço. Reteve-a com facilidade e Mac, que tinha conseguido ficar em pé, vacilou, dando tempo a Burton de apanhá-lo e empurrá-lo contra a parede.

      —Mas olhe que surpresa —grunhiu Burton—. Sabe, Knight, começa a foder-me bastante me topar contigo por todos lados. Acha, por acaso, que pode me deter? —Soltou uma risada breve e desagradável—. Alguma vez te tenho cansado bem, verdade, Knight? Pois bem, tenho uma boa notícia para ti. Não sou como antes. A morte muda os homens. —Aproximou ainda mais sua boca; seus lábios se apertaram em uma careta retorcida que mostraram suas largas presas reluzentes a escassos centímetros da orelha de Mac. O que pensa de mim agora?

 

Lanie observou a tensão com que Mac olhava para Burton pela extremidade do olho. Quando seu olhar se encontrou com o dela, soube que tinha percebido seu medo. Uma expressão de fúria cruzou por sua cara e ela se sentiu igualmente frustrada por não poder lhe ajudar. Lutou contra seu captor, mas este não teve nenhuma dificuldade para retê-la.

      Logo viu algo que a assustou ainda mais. Os olhos de Mac começaram a resplandecer. Naquele corredor fracamente iluminado, adquiriram um tom avermelhado e não foram quão únicos brilharam assim. Os olhos dos outros dois homens responderam de igual maneira.

      Um grunhido, apenas perceptível sobre o fôlego de Burton, afastou sua atenção dos olhos de Mac. Perguntou-se de onde procedia, até que compreendeu que também provinha dele. Ante seus olhos, Mac pareceu reunir tanta cólera dentro de si, que explodiu. Separou-se da parede de um empurrão, agarrando Burton de surpresa, fazendo-o retroceder um passo. Mac girou com um fluido movimento, e lançou um murro na cara de Burton. O impacto do golpe foi tão forte que, inclusive depois de cair ao chão, Burton deslizou vários metros, fazendo com que Lanie não percebesse o homem que a sujeitava.

      Voltando seu olhar a Mac, encontrou-o a poucos metros, com os lábios contraídos para mostrar suas recém-formados presas. A fúria de seu semblante prometia um açougue e seu captor atirou dela com força quando a arrastou para trás

      —Solte-a. —O tom de Mac foi letal quando olhou com ódio o vampiro que a agarrava firmemente.

      Ao longe, ouviu o som apenas perceptível de gente correndo, mas quem quer que fosse não podia ajudar. Esta não era uma batalha entre meros mortais. Era algo mais.

      Não tinha terminado de alinhavar o pensamento, quando viu que Mac se movia muito mais depressa do que seus olhos podiam perceber. Em um momento estava a uns metros e no seguinte a liberava da presa do vampiro lhe estampando um murro na cara.

      Depois tudo voltou para velocidade normal e Mac a agarrava pela mão e a olhava com tal intensidade, que ela não soube quem era mais perigoso... ele ou os dois vampiros.

      Quando a colocou às suas costas, para protegê-la dos vampiros, bloqueou temporalmente sua vista, embora Lanie soubesse que ele estava preso a cada movimento que faziam. Logo a soltou e enfrentou-os.

      Lanie ouviu o grunhido que saía da garganta de Mac, embora não pudesse lhe ver a cara, imaginou como seus lábios se contraíam e suas duas presas brilhavam sob a luz esverdeada do corredor. Viu que a fera sorridente do Burton se desvanecia e que abria os olhos com incredulidade, quando finalmente assimilou a mudança de Mac.

      O som de passos se fez agora mais forte e não demorou para deter-se em algum lugar próximo.

      —Que ninguém se mova —gritou Dirk.

      Burton olhou Mac com cólera.

      —Isto não acaba aqui.

      E em um piscar, os dois vampiros se esfumaram.

      Lanie se voltou para ver Dirk no corredor, sua arma ainda apontava para Mac, embora deduzisse, por sua expressão, que o repentino desaparecimento de Burton e o outro homem lhe preocupava. Quando se aproximou deles, ela esperava que baixasse a arma, mas não o fez.

      — Abaixe a arma, Dirk. —A voz de Mac soou áspera.

      —Acredito que não. Lanie dê um passo atrás.

      Sem estar segura do porquê Dirk atuar desse modo, Lanie se aproximou ainda mais de Mac.

      —O que faz? Não pode disparar em Mac.

      —O que está ocorrendo aqui?

      Lanie tinha o olhar posto em Dirk, mas ante suas palavras, girou para olhar Mac e se deu conta de qual era o problema. Mac não parecia o mesmo, a não ser uma criatura da noite, com duas proeminentes presas e um brilho, agora alaranjado, nos olhos.

      Embora ela também o temesse, Lanie se interpôs entre os dois homens, protegendo Mac de qualquer disparo de Dirk.

      —Não posso deixar que lhe dispare, Dirk. Não é como eles, não importa o que possa parecer agora.

      Permaneceu quieta, sem se atrevere sequer a respirar, enquanto os dois homens se olhavam por cima de sua cabeça. Quando já dava a impressão de que a luta silenciosa ia continuar indefinidamente, ela perdeu o medo e a paciência.

      —OH, pelo amor de Deus. Abaixe a arma. E você —disse dando a volta para enfrentar Mac—, precisa se tranqüilizar porque assim assusta todo mundo. Agora.

      MAC pousou seus brilhantes olhos nela e por um momento se perguntou se estaria equivocada com respeito a ele. Talvez Mac já tinha ultrapassado o limite e devia ter permitido que Dirk lhe disparasse. Logo Mac distendeu os lábios e Lanie acreditou ver um leve sorriso. O alívio que a alagou quase a fez desfalecer.

      Quando Mac estendeu os braços para abraçá-la, ela se aproximou voluntariamente, descansando a cabeça contra seu peito e rodeando sua cintura com os braços. Entre eles se sentiu forte e segura. Era difícil reconciliar à criatura tão parecida com um vampiro, que tinha sido uns segundos antes, com o homem compassivo e afetuoso, que agora lhe acariciava as costas, sussurrando palavras reconfortantes. Sentiu um beijo no alto da cabeça, antes que seus braços a apertassem um pouco mais.

      —Pode me dizer alguém, que demônios passa aqui? —A voz Dirk soava mais relaxada—. Sinto, Mac. Só estava sendo precavido.

      Mac afastou Lanie para um lado para poder estreitar a mão de Dirk.

      —Não podia ser de outra maneira. —Sua profunda voz retumbou sobre a cabeça de Lanie—. Explicarei isso tudo, mas dentro de um momento. O que aconteceu no salão?

      —Mataram Rogers.

      Lanie conteve as lágrimas e se voltou para Dirk.

      —OH, não.

      —Como? —perguntou Mac. Lanie sabia que ele perguntava, se por acaso tinha que se encarregar de impedir que ressuscitasse, mas não parecia preocupado.

      —Quando acenderam as luzes de emergência, estava no chão com uma faca no peito. Devem ter entrado pela porta da cozinha para fazê-lo com tanta rapidez. De outra maneira, teriam tido que sortear muita gente. Quando escaparam, tentei detê-los, mas os perdi. Logo ouvi vozes que me conduziram até aqui.

      Lanie sabia que Dirk tinha um montão de perguntas sobre o que tinha visto, mas que esperaria pelas respostas.

      —Quem era o outro vamp... ? —Lanie dirigiu um rápido olhar a Dirk—. Quem era o outro homem?

      —Muñoz —respondeu Dirk—. Héctor Muñoz.

      —Era um de seus homens? —perguntou Mac.

      —Uma das últimas incorporações. Nós o perdemos na selva quando procurávamos por Burton. Encontramos sua camisa ensanguentada. Suponho que agora já sabemos o que lhe ocorreu... uniu-se a Burton.

      Lanie suspeitava que havia muito mais que isso, mas essa conversação também podia esperar. Começaram a caminhar de volta ao salão de dança; Lanie ainda ia acocorada sob o braço de Mac enquanto eles falavam. —Como está o almirante?

      —Acredito que aturdido, mas não posso assegurá-lo. Fez-se cargo da situação imediatamente. Deixei-o dando ordens. Quando entraram no grande salão de dança, quase não havia gente. A banda estava se recolhendo para ir e os trabalhadores do catering estavam decididamente sombrios, enquanto davam voltas perguntando o que fazer. Um ruído atrás da porta captou a atenção de Lanie e quando se voltou, viu que acabava de chegar a polícia.

      Os convidados se esforçaram para não variar a cena do crime. O que ocorreria —se perguntou Laniem — quando descobrissem que os rastros da faca pertenciam a um homem morto?

      Sem poder evitar, olhou ao seu redor, sabendo que não encontraria o que estava procurando. A única cara familiar que teria querido ver não estava ali. Provavelmente dava igual. Não gostava de pensar que seu pai atuava com Burton e seus seguidores.

      A polícia interrogou os assistentes e, quando chegou seu turno, Mac respondeu às perguntas, evitando qualquer menção a Burton e Muñoz, declarando que Lanie e ele saíram mais cedo para ficarem sozinhos e que o blecaute os tinha surpreendido no vestíbulo. De todas maneiras, não havia nada que a polícia pudesse fazer com respeito a Burton e a Muñoz. Era algo que, com a ajuda de Dirk, teria que se ocupar dele.

      Quando finalmente lhes deram permissão para partir, Dirk acompanhou-os de retorno ao hotel. Uma vez na habitação de Mac, Lanie tirou sua jaqueta, desfez-se dos sapatos e se sentou em uma poltrona com os pés debaixo do traseiro. Mac e Dirk também ficaram cômodos, tiraram as gravatas e desabotoaram o pescoço da camisa. Depois Mac agarrou a garrafa de tequila.

      Serviu três copos, ofereceu um a Dirk e aproximou outro à Lanie. Durante vários minutos beberam em silêncio. Mac sentiu que os outros dois não lhe tiravam os olhos de cima e quase podia adivinhar seus pensamentos. Dirk queria saber o que acontecia, mas não ia perder tempo com hipóteses, até que Mac se explicasse. Esperaria até que ele estivesse preparado para compartilhá-lo..., não importava o quanto demorasse.

      Lanie, por outro lado, estaria se perguntando com toda probabilidade, quanto de humanidade teria perdido atrás de seu encontro com Burton. Mac não estava seguro de ter uma resposta satisfatória para nenhum dos dois, mas sabia que temia muito mais a pergunta de Lanie.

      Sentou-se na cama e se apoiou na cabeceira. Deu outro gole à tequila deixando que o líquido ardente baixasse por sua garganta. Finalmente, olhou para Dirk.

      —Não sei exatamente por onde começar.

      —Pois o melhor seria que explicasse como fingiu Burton sua própria morte —disse Dirk.

      —Não o fez —respondeu Mac.

      — Ah, ...vá.

      —Burton matou uma criatura que se conhece como...

      —Chupacabras —terminou Lanie quando ele titubeou — Era o que estava na jaula.

      Dirk negou com a cabeça.

      —Ali não havia nada. Quão único vi nessa jaula foi...

      —Uma estátua de pedra com forma de gárgula — terminou Mac.— Era isso. Não pergunte como é possível, porque não sei. Durante o dia, transforma-se em pedra e à noite volta para a vida e chupa sangue.

      Dirk olhou primeiro para Mac e logo para Lanie, sem dúvida alguma para ver se estavam brincando. Mac recordou quão difícil lhe tinha resultado aceitá-lo pela primeira vez que Lanie tratou de explicar-lhe.

      —Quer dizer que essa coisa matou Burton e o pai de Lanie. —Dirk esperou até que assentiram, antes de continuar—. Então o que vi esta noite, por que se parecia com Lance Burton?

      —Porque era ele.

      —As presas do chupacabras são ocas e por elas segrega um veneno em sua presa quando a morde. O veneno se mescla com o sangue e parece ter poderes curativos nos humanos. —Lanie fez uma pausa e Mac soube que estava a ponto de soltar a primeira bomba—. Quando o chupacabras toma tanto sangue que mata a suas presas, injeta também suficiente veneno para que voltem para a vida quase dois dias depois... —Fez outra pausa e logo deixou cair a seguinte bomba—. Como vampiros.

      Dirk soltou uma risada nervosa.

      —Sim, claro. —Olhou de um ao outro, sem dúvida esperando que alguém acabasse com a farsa.

      —A princípio, eu tampouco acreditei —admitiu Mac.

      —Já, não sente saudades. Vampiros?

      —Recorda a gravação de segurança? Eram Burton e Weber, quando já estavam mortos, mordendo esses homens e bebendo seu sangue.

      —Como vampiros? —Agora já não ria.

      —E os homens que mataram despertaram uns dias depois como...

      —Vampiros. —Já não havia nem pingo de humor no tom de Dirk, só cepticismo.

      —Nãose perguntou por que te pedi que queimasse todos esses corpos e por que tinham uma estaca cravada no coração, com exceção desse ao qual arranquei a cabeça?

      Dirk olhou-o com ironia.

      —Pensei que o fez sob um ataque de cólera. Não tinha sentido te perturbar com perguntas, já sabe o que quero dizer —Exalou um suspiro, ignorando o olhar que Mac lhe lançou—. Certo. Pensemos por um momento que aceito tudo isso sobre vampiros... isso explicaria que Burton e Weber são vampiros. E Muñoz?

      —Disse-me que encontrou sua camisa rasgada e ensangüentada —disse Lanie—. Suponho que se encontraria com Burton e o chupacabras. —Logo acrescentou pensativa. Acredito que o chupacabras o matou, não Burton.

      Os dois homens a olharam fixamente e ela se apressou em se explicar.

      —Pelo que tenho lido, a criatura que surge depois da atuação de um vampiro perde mais humanidade que a criatura que surge quando é mordido pelo chupacabras. A criatura criada por um vampiro, não assume o controle de suas ações. Muñoz parecia saber perfeitamente o que estava fazendo no corredor. Por isso penso que foi o chupacabras que o matou.

      A Mac parecia lógico e sua admiração por Lanie aumentou.

      —E o que é o que acontece contigo? —perguntou Dirk finalmente, cravando os olhos em Mac.

      Tinha esperado a pergunta, mas não sabia como responder.

      —Nossa melhor teoria — disse — é que quando o chupacabras me atacou, injetou suficiente veneno em meu corpo para me afetar. Os poderes curativos que possui ajudaram a que me recuperasse muito mais rápido.

      —Mas sofreste algumas mudanças —pressionou Dirk.

      -Sim.

      —Quais? Além dos dentes, obviamente —disse Dirk olhando fixamente para Mac —. No corredor vi que seus olhos resplandeciam. Que mais?

      —Presumo que força e velocidade — respondeu Mac—. Embora não sei se tanto como os vampiros. Ainda não tive uma topada a sério com eles. Ah, e também sinto sensibilidade à luz.

      —Mas pode sair fora durante o dia. —Foi uma afirmação, não uma pergunta—. Eu te vi no aeródromo quando foi recuperar seu avião.

      —Posso sair ao exterior —conveio Mac—, mas definitivamente fico mais cansado durante o dia e me custa mais fazer as coisas. À noite, entretanto, estou cheio de energia.

      —O que acontece a Burton e a Weber? Podem sair sob a luz do dia ou arderão como nos filmes?

      Dirk olhou para Mac, que por sua vez olhou para Lanie. Ela negou com a cabeça.

      —Ainda não sabemos a resposta.

      —Os vampiros bebem sangue —continuou Dirk—. Eu vi na fita. E você?

      Mac intercambiou um rápido olhar com Lanie, que ruborizou e ficou a estudar com preocupação o copo que tinha na mão. Suspirou enquanto o envolvia uma fria quebra de onda de culpabilidade.

      —Não sei.

      Seu amigo o olhou entrecerrando os olhos.

      —Estamos seguros em sua presença? —perguntou assinalando à Lanie e a si mesmo.

      Mac ocultou sua irritação, já tinha comprovado com Lanie que era uma pergunta lógica.

      —Não acredito que precise me cravar uma estaca por agora, mas confio em que saiba apreciar a diferença a tempo.

      Tinha divulgado sarcástico, mas sabia que Dirk tinha tomado suas palavras ao pé da letra.

      O silêncio caiu sobre eles quando cada um se perdeu em seus próprios pensamentos. Quando Mac finalmente olhou ao seu redor, reparou que os copos estavam vazios. Sabia que necessitava de outro gole porque o que tinha bebido não lhe tinha ajudado muito até o momento. Levantou-se da cama e agarrando a garrafa de tequila encheu o copo de Dirk. Cruzou a habitação para encher o de Lanie, mas ela negou com a cabeça.

      —Quer beber outra coisa? —ofereceu Mac—. Água? Café?

      —Não, obrigado. Estou bem.

      Ele sorriu.

—Lanie, logo que pode manter os olhos abertos. por que não vai à cama?

Ela se ergueu de repente e o olhou com o cenho franzido.

      —De verdade, estou bem.

      Mac decidiu não pressioná-la, assim se serviu de um gole e voltou a recostar na cama.

      —Mac, o que aconteceu na festa? —perguntou Lanie.

      Ele a olhou confundido. Logo se deu conta de que se referia ao que tinha ocorrido antes que aparecessem Burton e Muñoz.

      —É difícil de explicar. De repente senti um formigamento percorrer minhas costas, como uma espécie de presságio. Não sei. Não posso explicar.

      —Mas foi tão forte para sentir que devíamos ir.

      Ele estudou a cara de Lanie, perguntando-se aonde queria chegar.

      —Sim.

      Ela agitou a mão.

      —Não sei o que significa. Só penso que foi algo curioso. Há outra coisa que não entendo. Por que Burton apunhalou Rogers?

      Provavelmente porque Rogers é quem se ofereceu para testemunhar e pôs em marcha toda a investigação. Burton considera que Rogers lhe traiu e quis se vingar.

      Lanie sacudiu a cabeça.

      Refiro-me a por que lhe apunhalar? Por que não lhe morder e beber seu sangue?

      Não tinha suficiente tempo —disse Mac.

      De acordo —disse.      - Mas o que passa com esses outros homens, os que mencionou tio Charles? - disse Lanie.

      -Crie que Burton é o responsável por seu desaparecimento? —perguntou Dirk.   Pergunto-me o que tinham em comum esses homens, à parte claro está de que todos eram membros de sua antiga unidade.

      Mac pensou nisso, em tudo o que sabia. Depois de um momento, soube aonde queria chegar.

      Na última missão, estavam sob as ordens diretas de Burton.

      Então eram leais a Burton? —perguntou ela.

      MAC olhou para Dirk.

      —Suponho que poderia dizer que sim. Pensa que teriam atestado contra Burton?

      Não _disse Dirk—. Não devem ter dito nada, mas não acredito que Burton matasse um amigo.

      Exatamente —acrescentou Lanie, cada vez mais acordada e excitada—. Não está matando seus amigos, mas se queria fazê-lo, os teria apunhalado, ou disparado. Com seu treinamento e conhecimentos suponho que poderia matar um homem de um milhão de maneiras diferentes e impedir que logo se encontrasse o corpo. Mas não está fazendo isso.

      —O que está sugiriendo? —perguntou Mac.

      - Bom, sei que lhes vai soar inverossímil, mas acredito que Burton matou seus amigos ou que fez com que o chupacabras os matasse, porque queria convertê-los em vampiros, como converteu Muñoz.

      Os olhos de Mac encontraram os seus e de repente o compreendeu tudo. Não tinha necessidade de perguntar por que Burton faria algo assim; já sabia. Burton estava criando seu próprio corpo especial de vampiros, um grupo com um sofisticado treinamento, um grupo letalmente perigoso formado pelo Ex-SEAL que seria excepcionalmente difícil de matar, porque seus componentes já estavam mortos.

 

      Lanie podia deduzir pela expressão de suas caras que tinham chegado à mesma conclusão que ela. Burton estava criando seu próprio corpo especial de vampiros e não haveria limite ao terror e à destruição que esse grupo poderia infligir. Alguém tinha que detê-los, e Lanie soube quem se apresentaria voluntário.

      —Teremos que chegar a Burton antese que possa dar o seguinte passo —disse Mac a Dirk, demonstrando à Lanie que estava certo. Como SEAL pensavam que podia vencer qualquer ameaça. E possivelmente o fizesse.

      —Pensa que já completou sua equipe? —perguntou Dirk.

      —Não sei —admitiu Mac—. Agora tem quatro homens, mas não temos a segurança de que os três últimos se unam a ele. Se aasim for, não correria riscos e teria mais homens selecionados. Quantos de sua equipe estão ainda na cidade ou... simplesmente vivos?

      Dirk meditou um minuto.

      —Quatro: Perkins, Smith, Couch e Harris.

      Mac esfregou a cara como se estivesse cansado e Lanie supôs que deveria estar, já que estava a ponto de sair o sol. Não era o único, precaveu-se enquanto bocejava.

      —Não acredito que Couch e Perkins sejam homens leais a Burton —disse Mac—. São leais ao grupo, não a Burton em concreto. Provavelmente Smith e Harris sejam melhores candidatos.

      Dirk assentiu com a cabeça enquanto Mac jogava uma olhada ao seu relógio.

      —Duvido que Burton possa fazer nada mais esta noite, está quase amanhecendo. Até agora, nunca os vi atuar durante o dia. Estiveram submetidos a mais veneno do chupacabras que eu. Se o sol não os destruir, pelo menos os deixará em um estado letárgico que lhes impedirá de atuar. Começaremos amanhã.

      —E o que fazemos com tio Charles? —perguntou Lanie—. Não deveríamos lhe contar o que ocorre?

      Mac negou com a cabeça.

      —Acredito que seria melhor que, por agora, tentássemos dirigir tudo isto sozinhos.

      —Estou de acordo —disse Dirk—. Averiguarei onde se alojam Smith e Harris. Depois, quão único temos que fazer é simplesmente esperar que apareça Burton.

      Mac assentiu, mas Lanie se sentiu confusa.

      —Como saberão para onde se dirigirá primeiro?

      —Não sabemos —respondeu Dirk—. Assim, nos dividiremos e vigiaremos os dois.

      —Vigiaremos? Não os avisarão?

      Mac e Dirk intercambiaram olhadas, e soube que não ia gostar de sua resposta.

      —Se avisarmos, poderiam dizer ou fazer algo que faça com que Burton troque seus planos. Se não o detivermos logo, Burton fará algo mais que matar uma ou duas pessoas —explicou Mac.

      —Além disso, planejamos chegar antes que Burton os ataque —acrescentou Dirk.

      —Estando cada um em um lugar distinto? —Lanie não podia acreditar que enfrentassem Burton e o chupacabras sozinhos. Olhou para Mac, procurando sua confirmação e o assentiu com a cabeça—. O que farão? —continuou sarcásticamente—, sentar e esperar que apareçam Burton e a criatura para atacá-los com suas armas de combate?

      —Exatamente..., armas, no plural —respondeu Mac— e se pôr «em combate», quer dizer acabar com algo, então sim.

      Dirk riu.

      —Também me soa bem.

      Aquilo a exasperou, soavam exatamente como um par de meninos ansiosos por participar de sua primeira caçada.

      —Certo, pois eu também vou.

      Os dois homens deixaram de rir e cravaram os olhos nela, com similares expressões de condescendência na cara.

      —Falo sério —acrescentou ela desafiante.

      —Irá para casa, Lanie —disse Mac lacônico.

      —Não, não o farei..., e não podem me obrigar. —Quem era agora um menino?

      —Lanie, estou totalmente de acordo com Mac. Deveria voltar para casa. As coisas vão ficar realmente feias —acrescentou Dirk.

      —Não me importa. Meu pai está aqui e não volto para Houston até que o encontre.

      —Não queremos ter que nos preocupar contigo enquanto procuramos por Burton —insistiu Dirk.

      Lanie olhou para Mac lhe fazendo saber quão decidida estava. Depois de um momento, ele lançou um profundo suspiro, embora seus lábios mostrassem um sorriso cáustico.

      —Certo.

      —Ceeto? —Seu amigo lhe dirigiu um olhar carregado de recriminação.

—Sim. Tem razão, não podemos obrigá-la a retornar e prefiro saber onde está e não que nos siga para saber o que fazemos.

      —Vai distrair-nos... e isso pode resultar fatal —sustentou Dirk.

      —Olá? Ainda estou na habitação. Não podem falar de mim como se não estivesse aqui. —Sentiu o silêncio reprovador dos dois homens, o qual só a frustrou ainda mais. Qual será o seguinte passo?

      Dirk pôs os olhos em branco e se levantou.

      —Retiro-me daqui. —Colocou o copo vazio na mesinha de noite, ao lado de Mac, aproximando-o suficiente para resmungar em seu ouvido—. Desfaça-se dela.

      —Falaremos disso amanhã —respondeu Mac.

      Dirk assentiu e saiu da habitação.

      Quando fechou a porta, Lanie foi agudamente consciente de que Mac e ela se ficaram sozinhos. Quando o olhou, encontrou-o observando-a com um olhar tão intenso e acalorado que a fez ligar a criatura tão próxima a um vampiro em que se converteu quando enfrentou Burton e Muñoz. Esse homem tinha lutado para protegê-la, sussurrou uma voz em sua cabeça. Como era possível que pudesse assustá-la nesse momento?

      Não sabia, e o que era pior, embora uma parte dela quisesse correr à segurança de sua própria habitação e se esconder, outra queria jogar com fogo.

      —Vá à cama, Lanie. —Sua voz soou mais rouca do normal.

      Ela assentiu, desdobrando as pernas para ficar em pé. Colocou o copo vazio sobre o escritório e se dirigiu à sua habitação.

      —Boa noite, Mac —disse detendo-se na porta de comunicação—. Obrigada pelo que fez esta noite. —Não estava segura do porquê lhe agradecer com exatidão, pelo fato de tê-la convidado para a recepção ou por tê-la salvado dos vampiros, ou possivelmente por ambas as coisas.

      Ele se limitou a assentir com a cabeça, embora seus olhos a observassem atentamente.

      Entrou em sua habitação e fechou a porta, reprovando-se mentalmente ter jogado sobre seguro. Logo se deu conta de que ainda levava posta a jaqueta dele e que necessitava de que a ajudasse com o traje. Parecia que o destino tinha tomado a decisão por ela.

      Reabriu a porta de comunicação e a atravessou. Mac estava parado diante do escritório acabando de servir outro copo de tequila. Quando a viu, ficou imóvel, detendo o copo a meio caminho da boca; seus olhos aumentaram, surpreendidos.

      —Esqueci-me de te devolver a jaqueta —explicou ela rapidamente.

      Ele recompôs sua expressão e assinalou para a cama. —Deixe-a ali.

      Ela despiu a jaqueta e a colocou sobre a cama, notando encantada como ele a percorria com o olhar.

      —Além disso, necessito da sua ajuda. —dirigiu-se para ele com passos lentos e suaves, detendo-se justo diante dele. Voltou-se, lhe dando as costas e assinalou com a mão em um gesto vago—. Não chego aí, poderia... ?

      Ele não disse nada, e lhe deu a impressão de que permaneceria assim para sempre, até que sentiu o roçar de sua mão contra sua pele. Não foi um toque acidental. Foi uma carícia cheia de significado que percorreu suas costas de cima abaixo e que provocou pequenos calafrios por todo seu corpo. Não pôde evitar deixar escapar um suspiro.

      Ela ouviu sua rápida inspiração e logo sentiu seus dedos no fechamento e como o desabotoava com rapidez, mas logo, quando devia afasrtar as mãos, não o fez. As Palmas de suas mãos percorreram sua pele por debaixo da borda do vestido, liberando-a dele ao chegar a seus ombros. Sem a cadeia de miçangas que o mantinha sujeito, o vestido escorregou até formar um atoleiro aos seus pés. Lanie sentiu o calor da boca de Mac quando tocou a curva suave de seu pescoço. Com uma das mãos a sujeitava pelo ombro, como se ela fosse tentar escapar. Logo, deslizou a outra até cavar seu peito sopesando o peso com a palma da mão.

      Roçou o mamilo com o polegar, provocando outro suspiro e Lanie deixou cair a cabeça para trás, contra seu peito, fechando os olhos para poder concentrar-se na sensação que provocava sua carícia.

      —Resultou-me muito difícil te deixar partir —sussurrou ele contra seu ouvido, fazendo com que seu fôlego brincasse com a pele sensível de seu pescoço—. Não deveria ter retornado.

      Antes que ela pudesse responder, deu-lhe a volta e a apertou contra si, sustentando-a pelas costas com um braço, enquanto enterrava os dedos da outra mão em seu cabelo. Lentamente, atraiu sua cabeça até que seus lábios se tocaram. O beijo começou lento e suave, mas rapidamente se transformou em algo febril. Mac beijou-a com calado desespero e ela respondeu de igual maneira. Nesse momento, tudo se desvaneceu, exceto as sensações que buliam em seu interior e se pegou a ele, como se sua vida dependesse disso.

      Uma aguda dor no lábio a sobressaltou e ao saborear o familiar gosto metálico do sangue com a língua, retornou à realidade com uma dureza que a deixou gelada.

      Fez-lhe mal com as presas e soube que ele também tinha saboreado seu sangue. Por um minuto ficaram paralisados com as bocas apertadas uma contra a outra. Logo Mac se retirou e quando Lanie abriu os olhos, viu em sua cara um olhar de pesar e horror.

      —Vá para sua habitação, Lanie. —Ele se afastou dela e deu a volta. A angústia de sua voz quase lhe rompeu o coração e estendeu a mão para lhe consolar, para lhe assegurar que não estava ferida. No momento em que o tocou, voltou-se bruscamente para enfrentá-la, com os olhos avermelhados e os lábios contraídos revelando suas presas; uma gota de sangue ainda pendurava de um deles.

      Assustada, tornou-se para trás, quase caindo pelo vestido que formava redemoinhos em seus tornozelos, ignorante de que sua nudez reclamava toda a atenção da criatura que estava diante dela. Quanta humanidade «tinha» perdido?

      Vendo sua reação, Mac amaldiçoou baixo, embora suas palavras só foram um vaio. Logo, movendo-se a uma velocidade desumana, passou por seu lado e Lanie ficou sozinha, observando como a porta da habitação se fechava lentamente.

      Em outra parte da cidade, Lance Burton perambulava pelo porão de um velho edifício. De vez em quando, fazia uma pausa para cravar o punho na parede. Havia já vários buracos que arruinavam a superfície, mas ninguém perceberia a diferença. O edifício que tinham encontrado para se esconder levava anos condenado. Já não havia ninguém por ali, nem sequer os vagabundos.

      —Maldição, deveria havê-lo matado —soltou Lance—. Assim que tive oportunidade.

      Héctor Muñoz permanecia pacientemente em uma esquina, esfregando a mandíbula.

      —Pensava que havia dito que seria fácil de dirigir.

      —Era. — A pergunta que fazia Lance era: O que tinha acontecido para que Knight tivesse trocado? Era um mistério e Lance não gostava dos mistérios.

      Com grande rapidez se dirigiu à porta e saiu ao corredor, sabendo que Héctor o seguiria. Não sabia muita gente, mas Héctor e ele eram amigos da infância. Alegrou-se quando Muñoz os encontrou na selva; essa noite tinha tomado a decisão de que o chupacabras matasse seu amigo. Não só tinha provado, sem lugar a dúvidas, a teoria do professor, de que os humanos assassinados pelo chupacabras se convertiam em vampiros, mas sim tinha proporcionado a Lance outro indivíduo similar ao mesmo... um não-morto com formação militar. Héctor, sabia, acataria suas ordens

      Observou os outros três corpos que jaziam a seus pés; Patterson, Brown e Kinsley. Ressuscitariam na noite seguinte. Então averiguaria se eram igualmente obedientes.

      —Vigie-os, irei ver o que fez esta noite o bom professor.

      Não esperou resposta, saiu da estadia e voltou sobre seus passos ao corredor, mas desta vez tomou a direção contrária. Ao entrar na última habitação, encontrou o professor mimando as duas criaturas e pôs os olhos em branco ao vê-lo. O professor os tratava como se fossem seus filhos.

      —Tiveste êxito? —perguntou Lance sem preâmbulo algum.

      O professor não se alterou e Lance soube que o havia sentido chegar através do vínculo mental que compartilhavam.

      —Sim. Consegui vinte bolsas esta noite e amanhã deveria conseguir inclusive mais. Quando se propagar o rumor, teremos os vagabundos fazendo fila, chegados desde todos os rincões da cidade para nos vender seu sangue. —      O professor soava cansado, o que Lance atribuiu à chegada do amanhecer.

      —Estupendo. —Olhou seu relógio de pulso. Eram somente três da madrugada. Tinha tempo suficiente se se movesse com rapidez, o qual, agora, era realmente singelo—. Conseguirei mais dinheiro e fornecimentos. —Seria muitíssimo mais fácil, pensou, se conseguisse atrair os vagabundos até eles e alimentar-se até matá-los, mas não queria corpos por ali, apodrecendo e empestiando o lugar, e sabia muito bem que não podia deixá-los em outro lugar. Quão último precisava, era deixar um rastro de cadáveres para que Knight pudesse seguir com facilidade.

      Uma parte dele se perguntou se teria recebido suficiente veneno da criatura para poder converter os mortos em vampiros, como tinha sugerido o professor, mas não acreditava. O professor e ele tinham matado os homens de Taribu e logo, mais tarde, depois de chegar a Washington e de que Héctor ressuscitasse, os três se alimentaram de vários vagabundos. Pensava que se qualquer dos defuntos se levantasse lhe teriam chegado notícias, e até esse momento não tinha ouvido nada a respeito.

      Voltou a pensar em coisas mais prementes. Obter dinheiro para pagar aos sem teto era fácil por agora. Tudo o que tinha que fazer era chegar à caixa mais próxima. Nunca tinha casado e não tinha família. Ninguém que chorasse sua morte e, o que era mais importante para suas necessidades imediatas, ninguém que notificasse ao banco e fechasse sua conta.

      Obter sangue e material médico era muito mais difícil. Teria que entrar em um hospital diferente desta vez para roubar mais. Entretanto, muito em breve, conseguiria toda a ajuda de que necessitava. Não teria que fazer tudo o sozinho.

      Caminhou até a pequena mesa auxiliar onde se empilhavam várias bolsas cheias de sangue e ficou olhando-as.

      —Não disse que tinha conseguido vinte bolsas? —perguntou, contando-as rapidamente, vendo que havia vinte e cinco—. De onde chegaram as demais?

      —Encontrei um par de cães guias de ruas no beco, assim enchi algumas bolsas mais para os chupacabras.

      Lance agarrou uma das bolsas que continha o que na aparência era um sangue um pouco mais escuro que as outras e a lançou. Tinha a palavra «cão» escrito em uma etiqueta. O chupacabras adulto, que repousava no chão perto dele, levantou a cabeça e o olhou com atenção.

      «Fome».

      Olhou à criatura com irritação e deixou cair a bolsa em cima da mesa.

      —Já te direi quando pode voltar a comer —lhe disse.

      —Não é bom que ingira tanto sangue humano —discutiu o professor—. De fato, acredito que pode lhe fazer mal. Não acredito que se encontre bem.

      —Então, seria melhor que te apurasse e procurasse um substituto para o veneno, não? —Olhou fixamente o professor durante um longo momento e logo se voltou para a criatura—. Siga-me. —Ignorou o olhar reprovador de Weber e a criatura pareceu recorrer ao professor em busca de ajuda. Até esse momento, o chupacabras não tinha recusado uma ordem direta, e se perguntou se alguma vez o faria. Desde o ponto de vista da natureza, o mais forte sempre era o dominante, e Lance estava determinado a sê-lo sempre.

      Ordenou à criatura que saísse e esperasse fora. Tinha que fazer uma coisa antes. Deixou o chupacabras e retornou onde Héctor seguia vigiando os outros. Estava a ponto de amanhecer e seu amigo custava em manter as pálpebras abertas.

      —Venha, amigo. Logo amanhecerá e estou seguro que está cansado. É hora de que vás dormir. Tenho uma habitação para ti.

      Héctor o seguiu fora e enquanto caminhavam, Lance lhe transmitiu mentalmente imagens de que o guiava ao longo de um corredor para uma habitação próxima. Em realidade, guiava-o por um lance de escadas a uma habitação na planta de acima.

      Chegaram à estadia que tinha preparado um momento antes. Lance entrou e assinalou o colchão de palha no chão.

      —É para ti.

      Uma expressão desconcertada cruzou pela cara de Héctor, enquanto o olhava.

      —Não dormirá aqui?

      —Não. Ainda tenho algumas coisas a fazer antes de poder descansar. Durma bem. Verei-te ao entardecer, então decidiremos o que fazer com Knight.

      Héctor assentiu com a cabeça e se estendeu em cima do colchão de palha. Por um momento, Lance sentiu uma pontada de culpa, mas rapidamente esmagou qualquer sentimento de pesar, antes que o outro homem notasse.       Saiu da habitação e retornou onde o chupacabras o esperava. Um estremecimento de antecipação o percorreu. O professor tinha resultado ser muito serviçal na hora de responder perguntas sobre o novo estado de sua existência, mas havia uma pergunta que nenhum dos dois tinha resposta. O que acontecia se se expusesse à luz do sol?

      A formação militar de Lance o empurrava a conhecer todas suas debilidades, antes de entrar em batalha, e isso era o que tinha intenção de fazer. Héctor dormiria logo — se já não havia dormido — e não reparou que as tabuletas que tampavam as janelas já não estavam. Não daria conta de que, quando o sol estivesse no alto, seus raios alcançariam o colchão de palha. Que Héctor não se precavesse de sua armadilha, era uma das razões que o faziam imprescindível. Lance não toleraria nenhum tipo de desobediência ou debilidade em sua equipe.

      Lance sorriu, encaminhando-se a grandes pernadas à habitação onde o esperava a criatura adulta. Olhou-o cautelosamente, mas não se aproximou. Lance tinha descoberto, por pura casualidade, que quando a criatura o tinha atacado uma segunda vez, se fez mais forte com a nova injeção de veneno. Nesse momento, ele estava resolvido a ser o mais forte de todos os de sua classe, o mais forte e poderoso dos vampiros.

      Chamou a criatura e inclinou o pescoço. Era impossível que o chupacabras «o matasse», mas bom, teve que reprimir de todas maneiras o medo que sentiu antes que a criatura baixasse a cabeça e perfurasse sua garganta com as presas.

      Sentiu que a inconsciência o reclamava, mas sabia que quando anoitecesse outra vez, ele se levantaria mais forte que antes e quando o fizesse, averiguaria o que tinha acontecido com Héctor, ou... com o que ficasse dele.

      O doutor Clinton Weber acariciou a cabeça do pequeno chupacabras muito consciente do que Lance estava fazendo na habitação o lado. Esse homem estava completamente louco e Clint se preocupava que sua psicose não tivesse estado ali antes, mas sim que fosse um sintoma mais do ataque do chupacabras, por isso se sentia diretamente responsável.

      Essa era uma das razões que decidiu ficar com Lance: esperava poder curá-lo. Tinha convencido Lance de que era necessário estudar o veneno do chupacabras para poder reproduzi-lo. Lance tinha aceitado essa sugestão e ajudava Clint a comprar ou roubar os fornecimentos de que necessitavam para seu tosco laboratório. Inclusive lhe tinha facilitado um gerador para que tivessem a eletricidade de que necessitavam os diferentes aparelhos. Clint tinha ficado impressionado do extremamente engenhoso que era Lance e o quão rapidamente tinha encontrado todo o necessário.

      Entretanto, as intenções de Clint, na hora de estudar o veneno, eram totalmente diferentes das de Lance. Clint esperava analisar as propriedades cicatrizantes e curativas do veneno. Possivelmente para o câncer ou inclusive para seu próprio estado vampírico.

      Lance, por outro lado, só estava interessado nos poderes especiais que proporcionava o veneno: aumento de força e velocidade, uma incrível visão noturna, controle sobre os chupacabras, imortalidade. Não parecia lhe importar o preço que tinha pagado para ressuscitar, sobreviver à base de sangue, não poder sair sob a luz do sol e o mais importante, a perda da humanidade. Clint lutava todas as noites para se aferrar a esse último, preocupado por perder todo raciocínio, antes de poder terminar seu estudo.

      O pequeno chupacabras lhe acariciou a palma da mão com o nariz, quando notou que Clint tinha deixado de acariciar sua cabeça.

      —Você gosta, Gem? —Sorriu à criatura sabendo que havia outra razão para ficar com Lance. Tinha querido estudar mais as criaturas. Agora sentia necessidade de salvá-las dos abusos de Lance. Seus corpos não estavam preparados para sobreviver à base de sangue humano. Podiam-no tolerar em pequenas doses, mas Lance obrigava o chupacabras adulto a alimentar-se constantemente de sangue humano..., especificamente, o sangue dos homens que o mesmo tinha elegido para se converter em vampiros.

      Clint via a deterioração na saúde do adulto. Sabia que tinha que fazer algo para ajudar a criatura e tinha chegado à conclusão de que um veneno sintético seria a única solução, mas lhe preocupava encontrá-lo muito tarde.

      Prodigalizou ao pequeno chupacabras uma última carícia, sentindo que a letargia produzida pelo próximo amanhecer entorpecia seus pensamentos e movimentos. Havia tempo, pensou, para voltar a realizar as provas.

      Cruzou para a pequena geladeira e abriu a porta. Tomou dois pequenos pacotes e, não pela primeira vez, agradeceu que Lance não soubesse nada de bioquímica. Encaixou os pacotes em uma gradilla e agarrou o resto do instrumental de que necessitava.

      Tirou o plugue do primeiro pacote, tomou um conta-gotas e extraiu um pouco de líquido, que depositou em cima de uma lâmina de cristal para microscópio. Logo tomou uma das bolsas de sangue e, usando uma seringa de injeção, extraiu uma pequena quantidade de sangue, que logo acrescentou ao líquido do cristal. Embora não houvesse dito ainda a Lance, havia conseguido criar um veneno artificial similar ao do chupacabras em todos os aspectos, exceto em um. O veneno continha uma substância que não conhecia e era o que faltava para estabilizá-lo.

      Olhando com atenção, através do microscópio, observou como a mostra trocava de forma, transformando as células em outras maiores e saudáveis.     Tudo foi bem, até que golpeou ligeiramente o cristal com o dedo. A vibração causou uma desordem nas células que repentinamente começaram a estalar. E não conseguia saber por que acontecia.

      Suspirando, limpou as lâminas de cristal e as depositou na cubeta de plástico com o instrumental que devia lavar. Tomando outra lâmina, depositou outra gota de veneno. Desta vez, entretanto, acrescentou uma gota do líquido do segundo vial. Olhou pela lente do microscópio e observou as células da segunda mostra e como reagiam ao veneno. Logo, as células começaram a atacar o veneno. Ao cabo de um segundo, não havia atividade alguma no cristal e não ficava nada do veneno.

      Clint tirou a lâmina satisfeito com os resultados. O antisoro tinha destruído por completo o veneno do chupacabras. Agora vinha a prova de verdade. Agarrou uma agulha estéril e cravou-a no dedo. Fez falta que apertasse o dedo com força para gerar uma reveste gota de sangue, que colocou com muito cuidado no centro do cristal. Tomou o conta-gotas e deixou cair uma gota do antisoro para mesclar-se com o sangue. Usou a ponta da agulha para removê-los e logo colocou a lâmina no microscópio.

      As células de seu sangue eram sãs e redondas, mas observou como as células do antisoro se moveram contra elas igual ao caso anterior. Houve uma intensa atividade microscópica e, quando as células atacantes se detiveram por fim, os glóbulos vermelhos estavam totalmente destruídos.

      Quando limpou a lâmina e guardou os pacotes outra vez na geladeira, pensou nas repercussões do antisoro. Se o injetasse em um vampiro, atacaria e destruíria todo rastro do veneno do chupacabras no sangue do vampiro, pois o veneno residia agora nos glóbulos vermelhos do vampiro; era sua vida e sua imortalidade.

      Clint supunha que a ausência de veneno representaria o falecimento permanente do vampiro, embora sem injetá-lo em um vampiro não podia verificá-lo. Imaginou injetando o antisoro em Lance, mas essa imagem foi rapidamente substituída pela de Lance matando-o se não reagisse aos efeitos do antisoro. Se morresse antes de aperfeiçoar a solução, todo seu trabalho se perderia.

      Justo então, o ruído da porta captou sua atenção. Clint deu a volta e viu como o chupacabras adulto entrava na habitação, o sangue fresco de Lance gotejava de sua boca. Observou como a criatura atravessava a habitação e se sentava ao lado do bebê. Clint se aproximou com uma bolsa de sangue de cão e a sujeitou para que pudesse bebê-la, esperando que diluísse os efeitos do sangue humano. Não estava seguro se isso funcionaria, mas pareceu agradecê-la.

      A fadiga pôde finalmente com ele e soube que já não tinha mais tempo. Deixou-se cair ao lado dos chupacabras e os acariciou distraídamente enquanto pensava em sua filha. Sentia falta dela e lamentava a preocupação que lhe causava. Quando a tinha visto em Taribu, não tinha querido partir, mas temia o que Lance tivesse podido lhe fazer, se hpouvesse se negado. Entretanto, nesse momento, sabia que a única esperança que tinha de voltar a vê-la, seria à custa de ajudar Lance... ou destruí-lo.

      Embora não pudesse vê-lo, Clint percebeu que o sol se elevava no céu e, pouco antes de perder o conhecimento, sentiu a fria textura da pedra sob seus dedos.

 

      Lanie despertou, jogou um olhar ao relógio e viu que já eram quatro da tarde. Começava a se sentir também como um vampiro, dormindo durante o dia e acordada de noite. Não era muito difícil acostumar-se, pensou. Era algo ao que estava habituada por seu trabalho no corpo de bombeiros.

      Agora que pensava nisso, recordou que tinha que fazer um par de chamadas telefônicas. Levantou-se da cama e caminhou para as portas de comunicação. Estavam entreabiertas e ao pôr a cabeça, viu que Mac ainda estava na cama. Não sabia quanto tempo seguiria dormindo, mas preferiu não despertar. Fechou sua porta e se dirigiu para o escritório, onde encontrou o menu do serviço de habitações e rapidamente fez um pedido. Morria de fome e não ia começar outra noite «movida» sem algo substancial no estômago. No último momento, tomou a decisão de pedir também para Mac. Logo foi fazer café porque necessitava da cafeína para fazer funcionar seu cérebro.

      Enquanto fazia o café, tomou uma ducha e se vestiu, o café parecia bom e haviam trazido a comida. Assinou a conta e deu uma gorjeta ao garçom. Logo se sentou a comer tranquila em silêncio. Nem sequer ligou a televisão, não queria escutar outra notícia sobre os assassinatos de quão vagabundos, os meios de comunicação denominavam agora como «os crímes do vampiro». Se soubessem o quão perto estavam da realidade.

      Quando terminou de comer, chamou à biblioteca de Houston e falou brevemente com seu chefe. Disse-lhe que tinha tido alguns problemas com respeito à morte de seu pai e que agora estava em Washington tentando resolvê-los. Uma vez mais, seu chefe foi pormenorizado e lhe disse que tomasse o tempo de que necessitasse, mas Lanie sabia que estava acabando o tempo. Em breve, teria que se reincorpora ao trabalho ou correria o risco de perdê-lo. Ao menos era verão e havia suficientes estudantes ajudando, assim não sentiriam sua falta.

      Depois chamou o parque de bombeiros e falou com um de seus companheiros. Contou-lhe uma história igual de ambígua e lhe pediu que retirasse seu nome dos voluntários até novo aviso. Seu companheiro lhe assegurou que, apesar de tudo, as coisas tinham estado algo movimentado, mas se arrumavam perfeitamente sem ela. Prometeu chamar logo que retornasse à cidade e pendurou o telefone.

      Não pôde evitar se sentir culpada. Necessitavam de que retornasse e ela se negava a voltar porque queria permanecer ali, onde nem Mac nem Dirk necessitavam —ou queriam — sua ajuda. Não os podia culpar. Depois de tudo, o que podia fazer ela?

      Não tinha recebido nenhum tipo de treinamento similar ao deles. Só sabia de primeiros auxílios e combater o fogo, além de ter certa manha para a investigação.

      Isso era! Tirou o portátil de seu pai e após colocá-lo sobre a mesa, conectou o modem. Depois chamou recepção e fez os acertos necessários para acessar a Internet. Logo estava tão concentrada em seu trabalho, que uma hora depois, nem sequer ouviu como a porta de comunicação se abria.

      —O que faz?

      Ela levantou a vista e sentiu que ruborizava quando o viu parado sob o marco da porta. Pôs os jeans, mas não tinha perdido tempo em procurar meias três-quartos nem camisa, e Lanie teve que se esforçar para não ficar olhando-o embevecida. Estava despenteado, com o cabelo revolto e uma barba de dois dias cobrindo sua mandíbula. Pensou que nunca tinha estado tão bonito.

      —Olá. —Lanie baixou a vista à tela temendo que pudesse se dar conta do quanto a afetava sua presença—. Queria lhes ajudar, assim pensei que poderia encontrar algo na Internet que pudesse ser de utilidade.

      —E encontrou, verdade? —Dirigiu-lhe um preguiçoso sorriso, enquanto se aproximava dela, não havia nem o mais mínimo indício de sua anterior claudicação que danificasse o tentador movimento de seus quadris. A lembrança desses mesmos quadris apertando-se contra ela, quase fez que exalasse um suspiro.

      Como se lesse seus pensamentos, ele ficou às suas costas, apoiando as mãos em seus ombros quando se inclinou para olhar a tela. Logo se voltou para ela.

      —O que encontraste?

      Ela sentiu que se afogava nas profundezas de seus olhos e teve que piscar várias vezes para romper o feitiço.

      —Sinto muito, o que há disse?

      Ele sorriu e ela se sentiu ainda mais cativada quando se aproximou um pouco mais. Deu-lhe um beijo suave, não saberia dizer se para seduzir ou excitar, embora obtivesse as duas coisas. Lanie fechou os olhos e se concentrou na sensação tenra e suave de seus lábios, de sua língua roçando a dela. Um momento depois, deixou de beijá-la. Tornou-se para trás, lambendo os lábios e sorriu.

      —É café o que bebeste?

      —Sim. —Dirigiu-lhe um sorriso e assinalou a cafeteira—

      Se você gosta de forte, ali há mais. Também pedi algo para comer a pouco ao serviço de habitações e tomei a liberdade de pedir para você. Está no micro-ondas.

      Mac arqueou uma sobrancelha em sua direção e ela teve a impressão de que estava encantado. Serviu-se de uma xícara de café, e observou que tomava sozinho. Depois o bebeu de um só gole. Logo abriu a porta do micro-ondas e olhou o que havia dentro. Dirigiu-lhe um sorriso surpreendido, mas agradado e agarrou seu bife — ao ponto — acompanhado de batatas fritas.

      —Não estava segura do que iria querer comer —começou a explicar ela, mas ele a interrompeu.

      —Isto é perfeito. Obrigado. —Com o prato na mão, agarrou os talheres e se sentou na beira da cama. Surpreendeu-a que ficasse em sua habitação, mas gostou que o fizesse. Observou-o cortar uma parte do bife e viu por um momento suas presas quando abriu a boca para comer. A visão daquelas presas deu um toque de surrealismo ao que já era uma experiência estranha de por si.

      —Pensei que poderia ajudar a encontrar o lugar onde se ocultam Burton e meu pai —disse ela tentando represar seus pensamentos—. Supus que tem que ficar em algum lugar durante o dia. Nos filmes é sempre uma cripta ou um cemitério, mas acredito que não será em nenhum desses lugares onde possamos encontrar vampiros hoje em dia. Assim fiz uma busca nos registros públicos da cidade e nas listas das imobiliárias sobre casas vazias, edifícios de apartamentos, armazéns..., esse tipo de coisas. Logo revisei todos os artigos dos últimos dois dias sobre estranhos assassinatos ou qualquer outra coisa que tenha tido que ver com sangue. Curiosamente, em dois hospitais denunciaram o roubo de bolsas de sangue, equipe de transfusão e material do laboratório químico. Não sei se está relacionado ou não.

      Ele estava cortando seu bife e levantou a vista ante essa informação, com o cenho franzido.

      —Por que foram roubar material médico?

      —Bom, como meu pai deve ser mais ou menos o mesmo, apesar de ser um vampiro, posso supor que é para abastecer um laboratório próprio. Meu pai é o tipo de homem que quereria saber mais sobre como reagem os humanos ao veneno dos vampiros. Isso também poderia explicar por que roubaram bolsas de sangue.

      —Talvez. — deu de ombros, meteu uma batata frita na boca e a mastigou lentamente antes de tragar—. Algo mais?

      —Não muito. Tenho uma lista de edifícios vazios. Pensei que poderíamos lhes jogar uma olhada.

      —Claro que não —disse ele, sem nem sequer olhá-la—. Não quero que se envolva na procura por Burton. Dirk e eu temos um plano. Acredite-me, nós o encontraremos.

      Ela tinha esperado esse tipo de reação e, como já tinha terminado de descarregar o arquivo, fechou a conexão com a Internet.

      —Quais são os planos para esta noite?

      —O que acordamos ontem à noite. Dirk vigiará a um e eu ao outro. Se tivermos sorte, chegaremos antes que Burton e o agarraremos em flagrante. Então o liquidaremos.

      —Sonha bem. O que ponho? Algo escuro?

      —Você não vem —disse ele, mastigando um bocado de bife; seguia sem olhá-la.

      —Espere um momento. Ontem à noite...

      —Ontem à noite disse que podia ficar. Mas não vem comigo a procurar por Burton. É muito perigoso.

      Tentando controlar seu gênio, olhou-o com indignação.

      —Estupendo. Então posso fazer o que tinha pensado e registrar os edifícios vazios onde podem ter se estabelecido.

      —Não, não pode. —Mac soltou os talheres em seu prato, e o deixou quase pela metade sobre a bandeja onde estava o resto de pratos vazios. Logo a olhou com dureza—. Quanto tempo vamos discutir sobre o que vamos fazer esta noite?

      —Quanto tempo pensa ficar aí sentado e me dizer o que posso ou não posso fazer?

      Ele suspirou profundamente.

      —Roupas escuras. Chamarei o Dirk para lhe dizer a direção, certo?

      Ela sorriu.

      —Parece-me bem.

      —Tá —resmungou ele, caminhando - É o que diz agora.

      Uma hora mais tarde, Mac e Lanie estavam parados no corredor do hotel diante da porta da habitação de Smith. Não sabiam se o homem estaria dentro ou não, mas Mac sabia que não poderiam ficar no corredor toda a noite. Qualquer um que os visse lhes perguntaria o que faziam ali e chamariam a polícia se não partissem. Que alguém se fixasse neles era quão último necessitavam, pensou Mac.

      Chamou com um golpe seco na porta e esperou. Não se ouviu nenhum ruído desde o outro lado, o que podia significar algo. Por isso Mac sabia, Smith podia não estar sequer ali. Ou, possivelmente sim estivesse ali, morto ou agonizando. Isto era o que mais lhe preocupava.

      —E agora o quê? —perguntou Lanie.

      —Vou entrar. Você espera aqui. —O corredor estava vazio, assim ele tomou o trinco da porta e usando sua recém-adquirida força, arrancou-o e abriu a porta. A cena que encontrou do outro lado indicou a ele que tinham chegado muito tarde.

      O interior da habitação era uma ruína. Os lençóis da cama estavam atirados pelo chão, as cortinas rasgadas e rotas ali onde penduravam. Inclusive a penteadeira estava torcida. A cadeira do escritório parecia em pedaços e Mac se perguntou se Smith o teria usado para se defender. Havia provas suficientes para saber que ali tinha havido uma violenta briga; havia restos da cadeira no chão e mais pulverizados pela cama.

      —Mac? —Era a voz de Lanie desde o corredor.

      —Não está aqui — informou a ela.

      —Quer dizer que se foi ou o que... ? — Quebrou a voz e Mac respondeu à pergunta que não tinha chegado a formular.

      —Bom, acredito que Burton o levou.

      No outro lado da cidade, Dirk estava agachado depois do amparo que oferecia um cerco de arbustos de uma modesta moradia unifamiliar. Agradecia que os donos não estivessem em casa. Convinha-lhe que as janelas estivessem escuras, deixando o espaço entre a casa e os arbustos, onde ele permanecia escondido, sumido totalmente em sombras.

      Levava esperando quase duas horas e começava a pensar que Burton tinha escolhido Mac como alvo, ao invés dele. Seria melhor, pensou. Mac, com suas novas habilidades desumanas, era melhor competidor para um vampiro. É óbvio que isso não significaria que Dirk seguisse preocupado por ele. Se ao final seu amigo se convertia em vampiro, cedo ou tarde teria que matá-lo. Mas não era algo que esperasse com ilusão.

      Houve um movimento nas sombras que captou sua atenção e Dirk se concentrou na casa de Harris. Sabia que Harris estava em casa porque tinha feito uma inspeção preliminar e tinha observado a seu ex-companheiro de equipe vendo a televisão.

      Um novo movimento atraiu sua atenção, desta vez no lado mais afastado da casa do Harris. Pensou em abandonar seu esconderijo, mas repensou. Não desejava alertar Burton de sua presença, se é que era ele. Assim continuou esperando e observando.

      Quem quer que fosse, era tão paciente como Dirk, porque passaram quase trinta minutos antes que se produzira outro movimento. Depois de uns minutos, viu que uma figura escura emergia das profundas sombras. Dirk ficou totalmente assombrado quando viu que Burton se aproximava da porta principal, como se se tratasse de uma simples visita de cortesia. Não estava seguro do que tinha esperado que fizesse com exatidão o vampiro. Possivelmente um pouco mais sinistro? Logo recordou que Burton e Harris eram velhos colegas, e o mais provável era que Harris não vacilasse na hora de convidá-lo a entrar.

      E isso exatamente foi o que ocorreu. Depois que Burton entrou na casa, Dirk considerou aproximar-se, mas não o fez. Viu uma segunda sombra entre os arbustos. Como pensou que podia ser Muñoz, decidiu esperar.

      Aguçando a vista, acreditou ver a ponta de uma aleta. Ao baixar o olhar vislumbrou o contorno de um corpo. Reconheceu-o imediatamente, embora nunca a tinha visto com vida. A última vez que tinha visto essa criatura, era uma estátua dentro de uma jaula, e provavelmente inofensiva.

      Agarrou seu celular e chamou por Mac, como tinham acordado.

      —Está aqui —sussurrou Dirk quando Mac respondeu.

      —Entendido... vamos para aí. Não faça nada até que chegue.

      —Não sei quanto tempo temos. Quanto acha que demorará a chegar?

      —Cinco minutos no máximo.

      Nesse momento se abriu a porta principal e a criatura se moveu para ali. Dirk soube que lhe acabava o tempo

      —Está entrando agora mesmo. Não posso lhes esperar. — Desligou, enquanto Mac gritava do outro lado da linha.

      A essas alturas, a criatura já tinha desaparecido dentro da casa e a porta estava fechada outra vez. Do seu esconderijo, Dirk ouviu os gritos de um homem, e então pareceu desatar o inferno. Tirando sua arma, correu a toda velocidade para a porta principal. Como esperava, estava fechada. Pensou em atirá-la abaixo, mas dessa maneira se perderia o elemento surpresa e teria que parar e procurar em cada habitação da casa.

Rodeou a casa, olhando por cada uma das janelas para ver o que acontecia, procurando vislumbrar algum movimento através das cortinas que indicasse que Burton, Harris e a criatura.

      Teve que saltar uma pequena cerca para poder acessar o pátio traseiro, mas, através das persianas verticais das portas trilhos, obteve uma ampla panorâmica do caos interior.

      A criatura sujeitava Harris entre suas garras, Burton estava a um lado vigiando com ar satisfeito como mordia o pescoço de Harris. O homem devia ter devotado alguma resistência porque o sangue salpicava toda a habitação. Inclusive havia sangue na cara de Burton, que tomou uma gota com o dedo para logo chupá-lo.

      Com supremo sigilo, Dirk se moveu para a casa até que pôde alcançar o atirador da porta trilho. Empurrou-a, mas não se moveu. Só ficava outra opção e devia fazê-lo rápido, porque a criatura estava matando Harris.

      Retrocedendo até o pátio, Dirk inalou profundamente e logo se lançou de cabeça contra a porta trilho, disparando ao mesmo tempo sua arma. A folha de cristal estava já destroçada quando se lançou através dela, ao mesmo tempo em que encolhia seu corpo como se fosse uma bola e rodava com a arma na mão para Burton, que reagiu com um sorriso de aborrecimento total.

      —Realmente Adams. Miúdo desastre. O que vai fazer? Atirar em mim? —riu e Dirk disparou. Acertou Burton no peito, mas não pareceu ter outro efeito que irritar o homem. Seu sorriso desapareceu substituído por um olhar feroz. Dirk disparou pela segunda vez, apontando à cabeça de Burton. Não acertou. Rapidamente disparou outra vez e tampouco acertou.

      Logo se deu conta de que não era que apontasse mal, mas sim Burton se movia tão rápido, que literalmente esquivava as balas. Uma sensação de temor invadiu Dirk. Estava em sérios apuros.

      Quando Burton se moveu para ele, Dirk recordou algo que lhe havia dito Mac. Olhou ao redor procurando uma cadeira que pudesse destroçar ou um atiçador de chaminé —algo que pudesse usar para atravessar o coração do Burton—, muito consciente de como a criatura seguia chupando o sangue do pescoço de Harris. Dirk se preocupava que seus esforços não servissem para nada. Harris já tinha deixado de lutar, e seu corpo inerte fez descender sobre a cena um assustador silêncio.

      Dirk divisou a chaminé quando a criatura deixou cair o corpo sem vida de Harris ao chão. Fez um esforço por alcançar seu objetivo, mas não conseguiu chegar. De um nada, Burton cruzou em seu caminho.

      O primeiro murro fez Dirk voar através da habitação, e uma pequena parte de seu cérebro se maravilhou de que o golpe não lhe tivesse fraturado a mandíbula. Estrelou-se pesadamente contra a parede do fundo, e sacudiu a cabeça para limpá-la ,enquanto punha o máximo empenho em levantar-se.

      Não teve nenhuma possibilidade. Burton o içou como se não pesasse nada e lhe deu outro murro. De novo, Dirk voou pela habitação; as costelas lhe doíam como só doem os ossos quebrados. Desta vez, logo que tinha conseguido ficar de joelhos antes que Burton estivesse a seu lado. Depois disso, tudo passou tão rápido que Dirk não teve tempo de defender-se.

      —Adams, troquei que opinião com respeito a ti — riu Burton, levantando-o de novo—. É decepcionante, mas possivelmente lhe possamos reformar.

      Dirk aterrissou aos pés do chupacabras. Só pôde olhar indefeso nos olhos acesos da criatura quando se inclinou para baixo capturando-o entre suas garras. Pensou que era homem morto um segundo antes de sentir as duas afiadas presas afundando-se em seu pescoço.

      A sensação de que estava ocorrendo um desastre fez com que Mac acelerasse enquanto percorria as ruas a toda velocidade até encontrar a casa que procurava. Ao seu lado, fazia tempo já que Lanie não tentava lhe advertir de que fora prudente.

      Deu uma freada, estacionou o carro de qualquer maneira e abriu a porta, correndo através da grama para a porta principal. Nem sequer se incomodou em arrancar o trinco, simplesmente arrojou seu corpo contra a porta e a abriu à força.

      A cena era ainda pior do que tinha esperado. Harris jazia imóvel aos pés do Burton e o chupacabras sujeitava ao Dirk entre suas garras e afundava os dentes no pescoço de seu amigo.

 

      Mac não foi consciente de tirar sua arma, mas imediatamente se viu disparando sobre a criatura tomando cuidado de não acertar Dirk. A bala impactou em um flanco da criatura, atraindo sua atenção sobre ele. Às suas costas, Mac ouviu como Lanie entrava correndo na habitação e continha o fôlego. Depois, antes que o pudesse tampar os olhos, ela acendeu as luzes do teto.

      Ao ser despojado da visão, Mac se voltou plenamente consciente de um leve zumbido em sua cabeça. Concentrou nele e sentiu como várias emoções conflitivas se uniam para golpeá-lo de cheio: cólera e ódio puro, ânsia de matar e de causar uma destruição total lutavam contra uma profunda dor e uma débil resistência. Mac se deu conta de que essas emoções não eram suas e quando seus olhos se acostumaram à luz, olhou a seu redor procurando sua origem.

      A cara de Burton era uma máscara de fúria enquanto cravava os olhos na criatura, a qual parecia simplesmente sustentar Dirk entre suas garras; Mac sentiu sua relutância em atacar. Com uma repentina claridade, precaveu-se de que as emoções que percebia eram as de Burton e da criatura. De algum jeito, parecia compartilhar um vínculo psíquico com eles e ao tempo que assimilava esse descobrimento, sentiu que crescia no desejo de matar. Viu como a criatura inclinava sua cabeça para Dirk e soube que Burton de algum jeito estava projetando suas emoções no chupacabras, minando sua resistência.

      Se Burton podia fazê-lo, pensou Mac, ele também. Projetou seus pensamentos para a criatura insistindo em que ela resistisse e rezou por ter utilizado o vínculo corretamente.

      Milagrosamente, viu como o chupacabras vacilava. Um olhar de surpresa cruzou pela cara de Burton. A pequena vitória animou Mac, que se esforçou ainda mais em projetar seus pensamentos. A segunda vez foi mais fácil e o chupacabras, quase a contra gosto, deixou cair a forma inconsciente de Dirk ao chão.

      Nesse momento Burton olhou ao seu redor e seus olhos se cravaram em Mac, que sorriu.

      Os olhos de Burton aumentaram pela surpresa e logo seu olhar se transformou em puro ódio. Movendo-se com rapidez, deslocou-se até o corpo de Harris e o levantou, tomando-o sobre o ombro e sem nenhuma demora saiu a toda pressa da casa. Mac quis ir atrás dele, mas sabia que tinha que ficar para ajudar Dirk que permanecia inerte no chão.

      —Temos que levá-lo a hospital —disse Lanie ajoelhada ao lado de Dirk e comprovando seu pulso—. Necessita de uma transfusão..., espero que não seja muito tarde; de outra maneira...

      —Não podemos chamar uma ambulância daqui. —disse Mac aproximando-se do corpo inerte de seu amigo — Há muitas perguntas que não posso responder.

      Lanie tinha detido a hemorragia, mas o semblante de Dirk mostrava uma palidez extrema e Mac, com seu hipersensível ouvido logo que podia detectar nele o batimento do coração quando apoiou a cabeça sobre seu peito.

      Mac levantou Dirk em braços e Lanie se adiantou para abrir a porta traseira do carro. Subiu para lhe ajudar a colocar Dirk dentro.

      Mac conduziu como um louco, surpreso por nnguém o deter. Chegou à entrada de urgências do hospital e, sem esperar que alguém saísse para ajudar, tirou Dirk do assento traseiro e o levou dentro.

      O pessoal de urgências quis saber mais sobre a causa das feridas, mas por sorte estavam muito ocupados para esperar umas respostas que não chegaram. Começaram com a transfusão de sangue enquanto Lanie e Mac se viam forçados a esperar no corredor.

      Duas horas mais tarde, seguiam esperando que lhes informassem sobre o estado de Dirk. Tudo dependia se vivesse ou morresse. Se morresse, teriam que lhe cravar uma estaca e Mac ficaria sozinho para enfrentar Burton e outros. Se vivesse, Lanie sabia que havia muitas probabilidades de que se recuperasse tão rápido como Mac e se visse tão afetado como ele, ou possivelmente mais. O dano que tinha sofrido tinha sido considerável. A quantidade de sangue que o chupacabras tinha tomado e, por conseguinte, a quantidade de veneno que tinha introduzido em seu corpo tinha sido bastante maior que no caso de Mac, por isso tinha receio de que suas mudanças fossem mais fortes. Não podia evitar de se perguntar o que faria Mac, se de repente Dirk passasse a formar parte do problema.

      Outro pensamento mais inquietante a assaltou. O que ocorreria se as mudanças nos dois homens não parassem pó aí, mas sim prosseguissem até que ambos se convertessem totalmente em vampiros? Ela era quão única sabia de sua existência. Seria fácil para Mac se meter silenciosamente em sua habitação uma noite e matá-la, antes que se desse conta sequer do que estava ocorrendo. Embora ela lutasse por sua vida, não conseguiria nada; ele era muito mais forte. Olhou-o de relance, perguntando a si mesma se ele não duvidaria em matá-la. Pensava que se preocupava com ela, ao menos um pouco, mas isso era o lado humano dele, uma parte dele que estava desaparecendo.

      Tinha que compartilhar o que sabia com alguém, e tio Charles era a pessoa certa. Conhecia ambos os homens e suas habilidades, e por sua amizade com seu pai, conceitos como vampiros ou chupacabras não lhe pareceriam muito inverossímeis. Um pouco mais tranquila por ter decidido contar tudo a tio Charles, resolveu que faria isso no dia seguinte, enquanto Mac dormisse.

      Tinha suas vantagens, pensou, ser um ser humano totalmente normal.

Sentindo-se melhor agora que tinha um plano, Lanie se permitiu relaxar. Sabia que nesse momento não podia fazer nada mais por Dirk. Fechou os olhos e sentiu que lhe ardiam os olhos por levar as lentes de contato muito tempo. Ouviu os sons das enfermeiras no outro lado da sala de espera avaliando quantos pacientes ingressavam, o menino da recepção inserindo os dados no computador e a homens e mulheres que rezavam, choravam ou murmuravam para si enquanto esperavam notícias de seus seres queridos.

      Ouviu a sirene de uma ambulância que cessou repentinamente quando o veículo se deteve na entrada. O pessoal médico começou a gritar ordens e Lanie abriu os olhos com curiosidade para saber o que ocorria.

      Ouviu o estalo continuado apressado de uma maca. Os médicos e enfermeiras se aproximaram imediatamente e todos desapareceram depois das portas traseiras. Alguns minutos depois saiu um dos técnicos sanitários. Deteve-se na sala de enfermeiras e sua voz chegou até Lanie, que se esforçou em escutar a conversação e ouvir umas palavras que chamaram sua atenção.

      —... perdeu uma boa quantidade de sangue.

      —O que aconteceu? — perguntava uma enfermeira.

      —Um ataque do coração. É um vagabundo. Alguém o encontrou em um beco.

      —Provavelmente seja devido ao álcool —disse a enfermeira, como se isso fosse o que ocorria com mais freqüência.

      —Talvez —respondeu o técnico pouco convencido—, mas não cheirava a álcool. E levava uma boa quantidade de dinheiro em cima, quase duzentos dólares.

      —Drogas, então?

      —Suponho. Encontramos uma marca de espetadas recentes. De todas formas, se fosse drogado, não levaria tanto dinheiro em cima.

      —Onde pôde obter um tipo assim tal quantidade de dinheiro? —continuou a enfermeira—. Certamente, não conseguiu pedindo pela rua. Se fosse assim, eu deixaria meu trabalho e me poria a pedir em uma esquina, sabe?

      —Alguns de seus amigos nos disseram que havia um lugar por ali perto onde lhes pagavam para deixar que lhes extraíssem sangue. Nunca tinha ouvido algo assim, e não há nada por ali, exceto velhos edifícios abandonados. Possivelmente estavam alucinando.

      Lanie deixou de prestar atenção e se voltou para olhar Mac, que deve ter sentido seu olhar porque também girou a cabeça.

      —Acha que comprar sangue dos vagabundos é o método que utilizam os vampiros modernos para se alimentar nestes dias? —perguntou.

      —É possível. Explicaria o roubo da equipe de transfusão. Mas, por quê? Burton não parece o tipo de homem que se preocupa em ter que matar para se alimentar.

      —Não, não é —conveio Mac—. Mas é do tipo que se preocuparia de não deixar um rastro de cadáveres que pudessem conduzir até ele. Nesse caso... poderia considerar uma maneira alternativa de obter sangue.

      Mac se levantou da cadeira e saiu para falar com os técnicos sanitários que haviam trazido o vagabundo, enquanto Lanie foi averiguar algo sobre Dirk. Encontraram-se na sala de espera um momento depois.

      —O médico diz que Dirk ainda contínua muito grave, mas estável. Se recebeu tanto veneno como você, o mais provável é que manhã esteja levantado e tentando sair daqui por todos os meios. —Através da janela, Lanie viu que o técnico que tinha falado com Mac partia—. Deu a direção?

      —Sim. Bom, negou-se a me dar isso, mas olhei em sua folha de controle quando estava distraído. Você gostaria de ir jogar uma olhada?

      Ela assentiu com a cabeça e depois que Mac deu seu número de telefone à enfermeira de guarda com instruções de chamar por telefone, caso acontecesse algo a Dirk, Lanie e ele saíram e partiram no carro.

      O lugar onde compravam o sangue estava a várias quadras de seu hotel, mas lhes pareceu mais discreto caminhar até ali, em vez de ir de carro através das ruas desertas anunciando sua presença.

      Mac parecia relutante em falar enquanto caminhavam e Lanie logo se encontrou muito ofegante para querer conversa. Não sabia se ele se dava conta com que rapidez se movia, mas quando já não pôde lhe seguir o passo, pediu-lhe —quase sem fôlego — que caminhasse mais devagar, certo era que estava tão ansiosa como ele por chegar e poder ver, embora somente por rever seu pai.

      Conforme se aproximavam da direção que Mac tinha «pedido emprestado» ao técnico sanitário, Lanie notou que havia cada vez menos gente e se perguntou se era devido à zona ou pela hora. Aquelas eram as ruas que compartilhavam delinquentes e vagabundos. Bom, quanto mais entravam nela, mais agradecia não estar sozinha.

      —O que faremos ao chegar? —perguntou ela.

      —Isso depende do que encontremos.

      Ao seu redor, os edifícios se erguiam como guardiães escuros esperando pacientemente que qualquer incauto entrasse em sua guarida. Lanie não pôde deixar de olhar ao redor com nervosismo, sentindo que havia olhos observando-a por toda parte. Estava tão preocupada, procurando qualquer perigo potencial que pudesse espreitá-los, que gritou alarmada quando Mac a agarrou por braço.

      —O que acontece?

      Olhou-a com o cenho franzido e apertou seus lábios com um dedo para silenciá-la; logo olhou a redor, estudando os contornos dos edifícios que os rodeavam. Passaram vários segundos enquanto esperavam, e Lanie se sentiu cada vez mais apreensiva. Estavam em frente ao edifício da esquina e, quando Lanie se moveu para chegar junto a Mac, este a tomou pelo braço e a colocou atrás dele, protetor.

      Lanie ouviu uns passos arrastados, mas, quando já estava preparada para que da esquina surgisse algo horrível, sentiu que a tensão de Mac desaparecia quando surgiu um vagabundo. Suas roupas desiguais estavam sujas e penduravam sobre seu esquelético corpo. Não podia dizer de que cor era o cabelo enredado sob a boina e era impossível adivinhar sua idade.     Quando os viu, deteve-se abruptamente. Um olhar cauteloso cruzou por seu rosto enquanto tentava retroceder, apertando com força algo entre as mãos. Lanie aguçou a vista e viu que se tratava de uma nota de vinte dólares. Rapidamente subiu a vista por seu braço procurando algum sinal de que tivesse doado sangue recentemente. Levava a manga larga e não pôde ver nada. Sem poder evitá, olhou o pescoço, temendo que tivesse feito uma doação direta; mas embora estivesse sujo, não tinha nenhuma ferida aparente.

      —Tranquilo, velho —disse Mac com suavidade—, não queremos problemas. —Colocou a mão no bolso e tirou outra nota de vinte dólares e a sustentou no alto para que o homem a visse —. Só queremos um pouco de informação.

      O homem ficou olhando fixamente o dinheiro como analisando a sinceridade de sua oferta. Finalmente, assentiu mostrando sua conformidade.

      —Procuramos um lugar onde pagam por doar sangue. Acreditam que se encontra por aqui, sabe onde é exatamente?

      —A missão? —A expressão do homem se tornou preocupada—. Vão fechá-la?

      Lanie compreendeu sua preocupação. Não queria perder o que provavelmente era sua única fonte de ganhos, mas se perguntou se saberia que os tipos que estavam depois «da missão» eram vampiros. Por outra parte, vendo sua aparência e adivinhando como era sua vida, o mais provável é que lhe desse igual se fossem vampiros ou não.

      —Tenho negócios que tratar com os missionários —disse Mac—. Pode me dizer onde estão?

      O homem assentiu e apontou para a direção de onde tinha vindo. Mac agradeceu e lhe pagou. Esperaram até que se perdesse entre as sombras rua abaixo e logo dobraram a esquina que lhes tinha indicado. Tinham percorrido somente uma quadra, quando Lanie notou que se incrementava o trânsito de pedestres. Continuaram caminhando e logo se fez evidente que foram na direção correta, porque todos os vagabundos da zona pareciam se dirigir na mesma direção.

      —Parece que vai bem o negócio —sussurrou Lanie a Mac, preocupada com a quantidade de gente que via.

—Espere aqui enquanto entro, e pelo amor de Deus, Lanie, mantenha-se fora de vista. Se vir Burton, Muñoz, seu pai ou qualquer outro com pinta de vampiro, não o siga. Limite-se a observar e ver para onde se dirige.

      Ele já começava a se afastar quando ela o deteve pela manga.

      —Espere um momento. Não pode ir ali e enfrentar todos, você sozinho. Nem sequer sabe quantos são.

      Mac lhe dirigiu o olhar que ela começava a reconhecer, e que dizia que pensava que estava perdendo o tempo com protestos inúteis.

      —Certo —concedeu ela—. Mas para que conste, eu não gosto de seu plano.

      —Simplesmente fique aqui fora, assim não precisarei me preocupar com sua segurança, além da minha.

      Parecia estar esperando que ela mostrasse sua conformidade, assim engoliu suas objeções e assentiu com a cabeça. —Não deixe que lhe matem, certo?

      Seu duro olhar se suavizou. Apertou brevemente sua mão e logo foi. Uma vez sozinha, sentiu-se repentinamente exposta. Olhou às suas costas e viu um portal a poucos passos dela. Pensando que ali estaria mais bem protegida, meteu-se nele.

      Não levava nem dez minutos, quando teve o primeiro indício de que algo ia mal na missão. Produziu-se uma saída maciça do edifício e todos os vagabundos se afastaram apressados rua abaixo. Imagens de Mac enfrentando Burton e Muñoz invadiram sua mente e lutou para não se deixar levar pelo pânico. A indecisão fez naufragar sua capacidade para avaliar a situação; não sabia se devia correr para pedir ajuda ou ajudá-lo diretamente.

      Estava tão preocupada, que não viu a sombra escura que se aproximava rapidamente dela para logo desaparecer, até que foi muito tarde. Não pôde evitar recordar a maneira com que Burton e seu pai se moveram no vídeo de segurança. Sentiu-se encurralada, como um coelho ante uma matilha de cães selvagens. Retrocedeu para a porta e forçou o trinco, tentando freneticamente escapar de algum jeito.

      Se isso tinha sido um vampiro, por que não a tinha atacado?

      Olhou ao redor e, embora não visse nada, não conseguia vencer a sensação de que algo a espreitava, esperando uma oportunidade para atacá-la. Muito consciente de cada sombra e ruído da noite, conteve-se para não deixar que sua imaginação transbordasse. Sentia-se gelada até os ossos e esfregou os braços de cima abaixo, sem conseguir se esquentar. Atemorizada e preocupada com Mac, estava a ponto de gritar quando por fim, ele apareceu na porta da missão, ileso.

      Incapaz de reprimir uma exclamação de alívio, ela correu para ele e se lançou em seus braços para abraçá-lo com força. Seus braços a rodearam imediatamente e ela sentiu a tensão de seu corpo enquanto olhava ao redor.

      —O que aconteceu?

      —Não o viu? —perguntou ela—. Ali. —voltou-se ligeiramente assinalando o lugar onde tinha estado a escura figura—. Havia algo ali, juro-lhe isso.

—Acredito —disse e se limitou em abraçá-la até que ela se sentiu o suficientemente tranquila para abandonar a segurança de seus braços. Quando olhou ao redor, estavam sozinhos. As ruas estavam silenciosas e desertas, e se sentiu um pouco parva por ter atuado dessa maneira.

      —O que havia dentro? —perguntou, tentando desviar a atenção dela.

      Ele suspirou.

      —Nada. O lugar estava limpo.

      Ela se sentiu confundida.

      —Então por que acudiam todos esses vagabundos?

      —Não sei. Rodeei o edifício até a parte de atrás e quando entrei, o lugar estava vazio. O vampiro deve ter notado minha presença.

      —O que te faz estar tão seguro de que era um deles?

      —Senti-o —disse o simplesmente.

      —Quer dizer que o sentiu da mesma maneira que sentiu Burton no salão?

      Olhou-a com cara de surpresa.

      —Sim, exatamente assim. Devem ter sabido que eu estava aqui da mesma maneira.

      —E agora o que fazemos? —Ela tinha tido suficiente excitação por uma noite e estava exausta.

      —Voltemos para hotel.

      —De acordo.

      Caminharam em silêncio um junto ao outro. Depois de percorrer uma quadra, Lanie olhou para Mac e notou quão pálido estava. Não se tinha fixado antes e se perguntou se aquela palidez era provocada pela luz das luzes ou se estaria doente.

      Ia perguntar-lhe, quando um sexto sentido fez que lhe arrepiasse o pêlo da nuca e sentiu que estavam sendo seguindo. Não estava segura se aquela sensação era devida a uma nova sacanagem de sua imaginação desbocada ou não. Olhou para Mac, mas ele parecia ensimismado. Resistiu ao desejo de olhar ao redor e, embora seguissem caminhando sem pressas, a sensação de perigo se fez mais patente. Definitivamente, havia algo aí fora.

      —Continue caminhando —disse Mac em voz baixa, agarrando-a pelo braço quando ela estava a ponto de darla volta para olhar.

      —Alguém nos segue.

      Ele não respondeu, mas quando chegaram ao final da quadra, Lanie ouviu o som de uns passos cada vez mais perto. Ambos giraram de uma vez e enquanto Lanie olhava horrorizada os homens que se equilibravam contra eles, Mac se converteu em pura força em ação.

      Mac lançou uma patada e golpeou com o pé o primeiro assaltante, lhe dando de cheio no peito. Quando o homem caiu para trás, Mac golpeou com o canto da mão a cara do segundo assaltante. O terceiro homem vacilou brevemente por ver o destino de seus dois acompanhantes, mas não foi o suficientemente preparado para dar a volta e escapar. Carregou contra Mac com um potente rugido enquanto o atacava com os punhos. Os três homens eram de estatura média e pareciam duros, mas eram humanos, não vampiros. Lanie quase quis rir do disparate daquele pensamento. Aqueles delinquentes quase lhe pareciam ridículos.

      Em definitivo, não tinham muito que fazer contra Mac, o qual, pensou Lanie, estava desfrutando da briga. Devolvia cada golpe e embora fossem em maior número, parecia estar jogando com eles.

      Observou como seus olhos adquiriam um brilho avermelhado e seus lábios se contraíam revelando as presas. Deu um murro num na mandíbula, golpeando-o com tal força que o homem já estava inconsciente quando caiu ao chão. Isso pareceu zangar seus amigos, porque carregaram de uma vez contra Mac, mas este já os esperava. Quando se equilibraram sobre ele, agarrou ambos pelo peitilho da camisa, içou-os e os estampou contra a parede, lhes deixando com os pés pendurando no ar. Lanie não afastou o olhar de Mac, assustada do que pudesse fazer a seguir. A atmosfera que lhes rodeava trocou repentinamente e os olhos dele se voltaram ainda mais brilhantes quando inclinou a cabeça e se inclinou para diante. Viu como passava a língua pelos dentes e, nesse momento, compreendeu que estava a ponto de morder os homens e beber seu sangue. Os homens souberam também porque em um instante passaram de assaltantes agressivos a presas assustadas. Seus olhos se abriram como pratos e ela acreditou ver como um deles tremia ligeiramente.

Tinha que fazer algo.

      —Mac, solte-os. —obrigou-se a dizê-lo com calma e firmeza. «Sem surpresas ou movimentos repentinos — disse a si mesma—, com calma»—. Não lhes faça mal. Não valem à pena. —aproximou-se mais dele, rogando que pudesse escutá-la, apesar de seu estado semivampírico. Os olhos dos dois homens foram de Mac a ela e vice-versa. Estavam aterrorizados e a olhavam pedindo ajuda. Ela, entretanto, teria gostado de poder dar a volta e partir para deixar que Mac fizesse o que quisesse. Não estava tratando de salvar suas imprestáveis vidas; estava tentando resgatar o que ficava de humanidade nele, antes que se perdesse por completo. Lentamente, pôs a mão sobre o braço dele, confiando em atrair sua atenção sobre ela e não em seu desejo de atacar os homens.

      —Por favor, Mac. Deixe-os ir. —Quando ele não respondeu, provou de outra maneira—. Quero ir pra casa, agora. Por favor, me leve pra casa.

      Como se estivesse tentando sair de um profundo sonho, ele a olhou. Dirigiu-lhe um pequeno sorriso, observando como a luz avermelhada de seus olhos se desvanecia e como relaxavam os lábios, até que as presas ficaram outra vez ocultas.

      —Podemos ir já? —Deu-lhe um suave puxão no braço

      Lentamente, Mac baixou os homens até que seus pés tocaram o chão. Ela não tentou afastar suas mãos dos homens, mas esperava que ele o fizesse. Quando por fim os soltou, deslizou a mão por seu braço até que entrelaçou sua mão com a dele.

      —Vão —ordenou ela aos dois homens em tom brusco—, e levem seu amigo com vocês.

      Não esperaram que repetisse duas vezes. Inclinaram-se para agarrar pelos braços seu amigo, ainda inconsciente, e o levaram a rastros. Lanie nem lhes dirigiu um segundo olhar. Tinha obtido seu objetivo e impedido que Mac matasse os três homens, mas agora se sentia preocupada com sua segurança. Mac mal parecia poder controlar-se.

      Deu um leve puxão em sua mão para que caminhasse junto a ela, mas não o soltou, rezando por estar fazendo o correto. Chegaram ao hotel sem nenhum outro contratempo, apesar de Lanie não poder evitar a sensação de que continuavam sendo seguidos. Alegrou-se quando por fim entraram no vestíbulo.

Uma vez dentro da habitação de Lanie, Mac soltou sua mão e sem dizer nada foi à sua habitação. Reatou suas atividades normais, mas, por isso ela via, parecia deprimido.

      —Quer falar disso? —perguntou ela das portas de comunicação.

      Mac cravou o olhar nela.

      — Brincou de psicóloga na universidade? Não. Não quero falar disso. —Ele sabia que estava sendo grosseiro, mas nesse momento não lhe importava. Queria que o deixasse sozinho.

      —Como queira —disse ela cortante. Voltou-se para partir e acrescentou entre dentes - Boa noite.

      Ele viu como sua porta de comunicação se fechava de repente e logo escutou e sentiu o impacto da outra porta. Sabia que devia entrar e se desculpar, mas Deus, não podia fazê-lo nesse momento. Tinha que assimilar o acontecido essa noite.

      Lanie fez bem em intervir e se sentia agradecido de que tivesse conseguido lhe deter. Queria dizer que ainda possuía uma fibra de humanidade, embora fora uma fibra diminuta, porque tinha gostado de enfrentar aqueles homens e ao final tinha tido intenção de matá-los. Realmente tinha tido intenção de cravar as presas em seus pescoços e chupar seu sangue. E o mais terrível de tudo é que teria desfrutado com cada gota de sangue.

 

      Clint estava parado diante do hotel sentindo-se perdido e... assombrado. Quando havia sentido a estranha sensação do vínculo que compartilhava com Lance, tinha pensado que podia ser Héctor, a quem não tinha visto desde o anoitecer. Entretanto, quando a presença se fez mais patente, soube que era uma que não havia sentido antes e rapidamente tinha recolhido tudo, tinha despedido os vagabundos e abandonado o edifício, saindo dali protegido pelas sombras mais escuras e profundas, esperando entrever a essa presença desconhecida.

      Foi então quando viu Lanie de pé no escuro portal. Não tinha esperado vê-la outra vez..., e muito menos ali, em Washington.

      Dirigiu-se a ela, e logo se afastou, movendo-se a tal velocidade que pareceu pouco mais que uma sombra para ela. Deveria ter voltado para a guarida, mas não tinha querido deixá-la tão logo, contente simplesmente por poder observá-la.

      Surpreendeu-se quando a porta da missão se abriu e o homem que os enfrentou em Taribu emergiu dela. Assombrou-se ainda mais quando viu sua filha correr diretamente para seus braços. Obviamente aquele homem lhe importava, e Clint sentiu a familiar sensação da preocupação paterna.

      Com curiosidade, seguiu-os. Quando os valentões os atacaram, Clint tinha se aproximado mais, conduzido pelo primitivo instinto de destruir o que ameaçava a sua filha. Logo descobriu que sua ajuda não era necessária. O jovem que ia com sua filha tinha reagido com uma força e velocidade surpreendentes ao enfrentar os assaltantes, e Clint teria voltado para a guarida satisfeito de saber que sua filha estava em boas mãos, mas nesse momento, tinha visto as presas do jovem e seus olhos acesos.

      Ele era um vampiro!

      Instintivamente, Clint tinha se aproximado outra vez para proteger sua filha, mas se deteve imediatamente quando viu sua mão no braço do homem. A essa distância, ouviu suas palavras suaves e se surpreendeu sobremaneira quando o homem obedeceu.

      Cheio de perguntas e preocupações, seguiu-os até o hotel onde supôs que se alojavam e ali estava nesse momento, contemplando-o, perdido em suas especulações e perguntas sem resposta. Depois de um tempo, com a segurança de que o amanhecer não demoraria muito a chegar, voltou-se e se afastou, com suas bolsas de sangue e a carga de suas preocupações.

      Quando chegou ao velho edifício onde se alojava com outros, encontrou Lance vociferando sobre um incidente que tinha ocorrido essa noite, ao ir à busca de seus últimos recrutas, Smith e Harris. O que mais parecia lhe desgostar era o desacordo das novas aquisições recém-ressuscitadas.

      —Não acredito que lhe devemos uma merda —gritava o homem chamado Kinsley quando Clint entrava na guarida—. Não recordo te haver pedido que me matasse.

      —Fará o que te acabo de pedir —cuspiu Lance.

      —Droga..., já não é meu comandante, Burton. Aceita-o.

      Lance disse algo mais, mas Clint não prestou muita atenção enquanto se movia através da guarida para onde descansava o chupacabras adulto. Quando entrou na habitação, nem sequer abriu os olhos e sua preocupação aumentou. Colocou sua mochila no chão quando Gem saltou sobre seu ombro e o saudou.

      —Que tal garota? —Deu-lhe um tapinha carinhoso e logo a deixou no chão para se agachar ao lado da outra criatura—. Agora te ajudarei — prometeu ao chupacabras adulto, acariciando sua cabeça e deixando que suas mãos acariciassem as enormes aletas de suas costas.

      Levantou-se, agarrou a mochila e tirou duas bolsas de sangue de cão. Deu uma a Gem e observou como se dispunha a bebê-la, perfurando a bolsa com seus dentes. Enquanto a bebia, ele se aproximou do adulto, que finalmente abriu os olhos. Clint utilizou seus próprios dentes para rasgar a bolsa, logo a sujeitou de maneira que o chupacabras pudesse beber o sangue. Quando as duas se alimentaram, já tinha um plano na cabeça. As vozes dos homens que discutiam chegaram até ele e soube que Lance estava muito ocupado com seus recrutas para perceber seus pensamentos através do vínculo psíquico. Clint sorriu. Era um descuido que Lance logo lamentaria.

 

Um ruído penetrante despertou Laine bruscamente. Com o coração acelerado, alcançou às cegas o despertador tentando desligá-lo, mas o alarme continuou soando com grande estrondo, forte e irritante. A ponto de arrancar o cabo da parede, deu com o botão correto e um bendito silêncio alagou a habitação.

      Deixou-se cair contra os travesseiros, tentando recordar por que tinha posto o despertador tão cedo. Então recordou seu plano de falar com tio Charles e se forçou a abrir os olhos. Levantar-se, quando ainda tinha sonho, resultava desgastante, assim afastou as mantas e bruscamente deixou-se cair ao chão, sabendo que se não agisse desse modo, não voltaria a despertar até muito depois.

      Lentamente, andou aos tropeços pela habitação em busca de sua bolsa; registrou o conteúdo até encontrar o número de telefone e se dispôs a chamar. Ao cabo de uns minutos, tinha o almirante ao telefone.

      —Lanie, carinho, tudo bem? Vai tudo bem?

      —Olá, tio Charles, é que as coisas não vão nada bem. Poderíamos nos ver hoje? Eu gostaria de falar contigo.

      —É óbvio. Vejamos, são quase quatro da tarde. O que te parece se jantarmos hoje?

      Genial.

      —Perfeito. Passarei aí em trinta minutos.

      Deu-lhe a direção, pendurou o telefone, tomou banho para espantar o cansaço e com rapidez e se vestiu. Trinta minutos mais tarde estava no vestíbulo do hotel esperando-o quando ele se deteve na porta conduzindo um Humvee dourado. Subiu no carro, apreciando a amplitude do veículo, e conversaram de banalidades até que chegaram ao restaurante. Algumas vezes quando o olhava, surpreendia-a quão difícil era calcular sua idade. Supunha que devia ter uns cinqüenta e tantos, embora tinha a aparência de um homem dez anos mais jovem. Recordava Connery em sua aparência e gestos, e se voltou a perguntar por que nunca se teria casado. Era um homem muito atratente.

      Quando chegaram ao restaurante, descobriu que o almirante tinha chamado antes para reservar mesa e tinham uma esperando-os. Afastou a cadeira para que ela se sentasse e logo chamou o garçom antes de tomar assento.

      —Lanie, o que você gostaria de beber? Possivelmente algo um pouco mais forte que chá? Não? Que sejam dois chás —pediu ao garçom, que se retirou rapidamente para trazer seu pedido, e logo educadamente esperou que lhe contasse o que a preocupava.

      —Não estou segura de como começar —disse ela—. O que tenho a te dizer parece tão incrível, tão estranho, mas ao mesmo tempo é real.

      —Tenta-o. Verá que sou mais receptivo do que pensa; depois de tudo, Clint e eu fomos amigos durante muito tempo e compartilhávamos interesses comuns.

      Era verdade, mas seguiu vacilando.

      —Mas isto tem que ver com...

      —O chupacabras?

      Ela o olhou com incredulidade.—Como soube?

      —Por que acha que chamei seu pai? Embora ninguém mais na Armada reconheceu o que tínhamos encontrado na selva, eu sim o fiz. E sabia quão duro tinha trabalhado Clint para provar que essas criaturas existiam. Pensei que merecia ser ele quem as estudasse. —ficou em silêncio enquanto baixava a vista ao guardanapo—. Desejaria ter sabido quão perigosas podiam chegar a ser.

      Ela alargou a mão para tocar a dele.

      —Graças a ti teve a oportunidade de sua vida. Sua morte não foi tua culpa. —Suspirou profundamente. Era o momento de lhe contar tudo—. De fato, ele não está morto exatamente. Mas, sim, não-morto. —Se não o tivesse conhecido bem, nunca teria notado a leve amplitude de seus olhos que delatou sua surpresa. Apressou-se em lhe contar o resto da história, antes de perder a coragem —. Por favor, me escute. Meu pai mencionou alguma vez sobre a conexão que há entre os chupacabras e os vampiros? — Ele assentiu com a cabeça e ela sentiu renascer a esperança—. Bom, pois realmente é assim. Quando o chupacabras atacou Lance e meu pai, converteu-os em vampiros. Acredito que tem a ver com o veneno que segregam quando bebem sangue de suas vítimas. Não parece ter efeito na maioria dos animais, morrem e ponto. Mas quanto aos humanos... ressuscitam.

      Ela fez uma pausa, esperando que risse dela ou que, no mínimo, a chamasse de louca, mas não fez nenhuma das duas coisas.

      —Contaste isto a Mac?

      Ela fez uma careta.      —Sim, e a princípio não me acreditou.

      Tio Charles arqueou uma sobrancelha e lhe lançou um olhar de curiosidade. —O que o fez trocar de opinião?

      —Ah, acredito que foi a combinação de várias coisas —disse ela com ironia.

      —Quais?

      —Em primeiro lugar, o mesmo foi atacado por um chupacabras. Depois nos encontramos com Burton e batata, que supostamente estavam mortos, e vimos como Burton matava um homem lhe mordendo o pescoço. Logo, um pouco mais tarde, observamos como ressuscitava um dos investigadores mortos.

      —Mac foi atacado pela criatura?

      —Sinto muito. Tínhamos intenção de lhe contar isso antes.

      —Já vejo. —Nesse momento chegou o garçom com as bebidas.     Ofereceu-lhes a carta, tomou nota de seus pedidos e partiu de novo.

      —Mac parecia estar bem quando o vi a outra noite; não deve ter sido ferido seriamente.

      —Em realidade, esteve a ponto de morrer.

      —Como diz?

      —Sinto muito, tio Charles, isto deve resultar difícil para ti.

      —Possivelmente o melhor seria que me contasse tudo de uma vez, sem te desculpar a todo momento, certo?

      Sem mais demora, lhe contou tudo o que tinha passado desde que chegou a Taribu e encontraram o chupacabras na jaula. As únicas vezes em que fez uma pausa, foi quando o garçom trouxe a comida ou para responder a alguma pergunta.

      Quando terminou, ele já conhecia toda a história e, embora se sentisse aliviada, o almirante parecia profundamente preocupado.

      Colocou a mão no bolso e pegou o celular para marcar rapidamente um número. Depois de um momento falou com alguém.

      —Sou o almirante Winslow. Tem ingressado aí um de meus homens, Dirk Adams. Eu gostaria de saber em que estado se encontra. —Esperou vários minutos e enquanto o observava, Lanie ficou impressionada outra vez por sua fria e calma aceitação da situação.

—Sim, obrigado —disse ele, interrompendo seus pensamentos—. Poderia me passar à sua habitação? Obrigado. —Houve um breve silêncio—. Dirk? Como está, filho? Já ouvi. —Chegou o som de uma resposta do outro lado da linha, mas Lanie não entendeu o que estava dizendo. Depois de um momento, tio Charles assentiu com a cabeça—. É óbvio, tiraremos você daí, tão logo obtenhamos a permissão do médico. Não, asseguro-te que não demoraremos. Mas não se mova. Tente relaxar.

      Lanie ouviu a enxurrada de protestos através do auricular, antes que Charles, sem deixar de sorrir, finalizasse a chamada. Guardou o telefone e riu entre dentes.

      —Esse menino está desejando sair do hospital. —Logo ficou sério—. Não há nenhuma explicação razoável para que tenha se recuperado tão rapidamente. O médico me disse que é algo inexplicável.

      —É o veneno —explicou —.Injetaram uma boa quantidade.

      —Vigiaremos ele. E Mac, também — prometeu—. Eu gostaria de acreditar que estarão bem, mas se não for assim, ocuparemo-nos disso. Não está sozinha.

      Dirigiu-lhe um sorriso agradecido e logo se sobressaltou quando soou seu telefone. A julgar por sua expressão e o tom de sua voz, Lanie se deu conta de que não eram boas notícias. Quando pendurou, pensou que lhe via cansado.

      —Más notícias?

      —Sim. Era meu amigo de homicídios. Encontraram o corpo de Mark Kinsley.

      —Onde?

      —Em um edifício abandonado, a uns vinte minutos daqui.

      —Sabe-se algo de outros? Burton, Muñoz, Patterson, Brown ou Harris? Ou de meu pai?

      Ele negou com a cabeça. —Nem rastro deles.

      Talvez seu pai seguia vivo, ou não-morto, ou como fosse seu estado. Seu alívio foi substituído pela imagem da futura ressurreição do investigador.

      —É necessário cravar uma estaca em seu corpo.

      O almirante olhou-a fixamente e, pela primeira vez Lanie se perguntou se realmente tinha acreditado nela ou só estava sendo agradável. Como se tivesse dado conta do que ela pensava, ele assentiu, logo dobrou seu guardanapo e a colocou sobre a toalha.

      —Sinto ter que te deixar, mas tenho que identificar o cadáver. Já me encarrego eu dos... isto... dos detalhes. —Tirou várias notas da carteira e as deixou cair em cima da mesa. Logo pegou mais notas e as ofereceu a Lanie. - Bastará para pagar o táxi ao hotel.

      —Guarde-o —disse ela, tirando o guardanapo de seu regaço e lançando-a em cima da mesa enquanto ficava em pé—. Vou contigo. E deveríamos chamar Mac para lhe dizer que se reúna conosco.

      —Chamaremo-lo do carro.

      Quando estiveram dentro do Humvee, Lanie pegou seu celular e então notou que não sabia o número de Mac. Estava a ponto de chamar o hotel, quando Charles a deteve.

      —Será melhor que eu fale com ele — disse, utilizando seu próprio aparelho uma vez mais.

      O volume do telefone era tão elevado, que Lanie pôde ouvir o tom de chamada até que um momento depois foi substituído pelo grunhido de Mac quando respondeu. Não soava muito contente por ter sido despertado.

      —Jovem —disse tio Charles com um profundo tom autoritário—, agradeceria que não usasse esse tom comigo.

      Houve um repentino silêncio do outro lado da linha.

      —Assim está melhor. Bem, esta é a situação. —Brevemente, explicou-lhe o que sabia sobre o corpo que tinham encontrado e depois ouviu a resposta de Mac—. Certo. Lanie está comigo. Encontraremo-nos ali. —Logo escutou por um momento e sorriu, embora manteve seu tom sério — Não acredito que seja teu assunto, mas estávamos jantando. Sim, foi muito agradável, obrigado. Veremos você ali.

      Charles fechou o telefone e a olhou.

      —Parecia muito alterado.

      —Por causa de Kinsley? —Tinha esquecido momentaneamente que Mac tinha sido seu comandante.

      —Bom, pode ser que tenha sido que pelo Kinsley, mas não acredito que tenha sido isso que lhe alterou. —Logo sorriu, mas não explicou nada mais e Lanie tampouco perguntou.

      Quinze minutos mais tarde, detinham-se perto do lugar do crime. Mac já tinha chegado e parecia preocupado, irritado e mais pálido do normal. Quando ela se uniu a ele na calçada, lançou-lhe um olhar que Lanie não pôde interpretar, mas logo a ignorou e se dirigiu a tio Charles.

      —Não me deixam entrar sozinho.

      —Vamos jogar uma olhada.

      O edifício que se abatia sobre eles era bastante desgastado. Era de tijolo avermelhado que agora estava descolorido e gasto. Tio Charles subiu as escadas da porta principal e se dirigiu ao oficial uniformizado que protegia a entrada. Uns minutos depois apareceu um homem alto, de uns quarenta anos, e os conduziu ao interior.

      Entraram em um pequeno vestíbulo; na parede da esquerda estavam as rolhas que correspondiam a cada apartamento e na da direita a porta do primeiro apartamento. Justo diante e à direita estavam as escadas que conduziam aos andares superiores. As paredes haviam sido pintadas outrora de uma cor amarela esvaída, mas agora tinham um tom sujo; o chão de linóleo estava manchado e quebrado em alguns lugares. Lanie achou-o deprimente.

      —O que nos pode contar, John? —perguntou Charles. lhes apresentou seu amigo, o detetive John Boehler.

      —Recebemos uma denúncia antes do amanhecer de ruídos e luzes estranhas. Quando chegou um carro patrulha, tudo estava tranquilo. Depois de uma busca preliminar pelo edifício, encontramos um corpo no porão. Ainda não sabemos a causa exata da morte..., o corpo não apresenta feridas visíveis que possam ser aparentemente mortais.

      Lanie intercambiou um olhar confuso com Mac. Ferida produzidas no pescoço pelo chupacabras teriam sido difíceis de ignorar. Talvez estivessem equivocados e o desaparecimento de Kinsley não tinha tido nada a ver com Burton e o chupacabras.

      —Além disso, encontramos um laboratório no porão —disse o detetive agitando a mão nessa direção—. É muito cedo para chegar a alguma conclusão, mas é possível que tenha a ver com fabricantes de drogas.

      Baixaram pela escada e caminharam por um corredor antes que o detetive se detivesse.

      —O corpo está nesse quarto. Meus homens já terminaram aqui, assim podem lhes mover com total liberdade. Agradeceria que compartilhem comigo qualquer suspeita que pudessem ter sobre o que pode ter ocorrido. Seria de grande ajuda.

      Lanie sabia que, é óbvio, nunca diriam nada ao detetive..., era melhor que ninguém mais soubesse da existência dos vampiros e dos chupacabras.

      Entraram no quarto escuro, agora iluminado com abajures portáteis e Lanie olhou à esquina. Não estava segura do que esperava ver, mas certamente era um corpo retorcido como se tivesse ficado congelado em meio de um ataque violento, com o olhar fixo e selvagem, os braços estendidos, os dedos flexionados e as pernas torcidas para um lado.

      Aproximou-se para jogar uma olhada ao corpo, consciente das reações de Mac e Charles..., ou a falta delas. Tinham conhecido esse homem e trabalhado ombro a ombro. O que estariam sentindo? Sua total ausência de resposta emocional fez perguntar a si mesma quantas vezes se encontraram cara a cara com a morte.

      Forçou-se a olhar com objetividade a cena que tinha ante ela, mas um olhar ao corpo a deixou perplexa. Tal e como o detetive Boehler havia dito, não tinha feridas à vista, mas claro, ele não tinha sabia o que procurar. Inclinando-se para olhar mais de perto, viu que havia dois pequenos círculos escuros onde o chupacabras lhe tinha mordido, mas agora aquelas marcas eram apenas perceptíveis em sua pele. Sem dúvida tinham curado quando mudou, como as feridas que tinham Burton e seu pai tinham no pescoço.

      Mac se agachou ao seu lado.

      —O que lhe faria retorcer-se desta maneira?

      —Não sei —admitiu ela em um sussurro—. Talvez houvesse algo em sua genética que reagiu mal à conversão. —ficou de pé e se dirigiu ao detetive Boehler—. Disse que tinham encontrado um laboratório?

      Assentiu e lhes fez um gesto para que o seguissem.

      —Está justo ao final do corredor.

      No momento em que o viu, soube que seu pai tinha trabalhado ali. Tinha sido obsessivamente consciencioso sobre como devia ser um laboratório: geladeiras ao fundo, tubos de ensaio à esquerda —porque ele era canhoto—, conta-gotas e produtos reativos à direita. Sempre guardava tudo na mesma ordem sem importar onde ou no que estivesse trabalhando e, na geladeira encontraria...

      Cruzou a habitação, abriu a porta da geladeira e olhou dentro. As laterais estavam cobeetas por uma fina capa de gelo, mas salvo isso, estava vazia. Uma quebra de onda de decepção a invadiu e se dispôs a fechar a porta. Nesse momento, viu umas pequenas partes dobradas de papel branco, quase invisíveis contra o gelo.

      —Lanie? —perguntou tio Charles do outro extremo da habitação—.

Encontraste algo? Ela tomou o papel e o escondeu na palma da mão antes de fechar a porta. Não queria que outros o vissem.

      —Está vazia.

      Lanie sentiu que Mac cravava os olhos nela, mas se negou a olhá-lo.

      —Seus homens encontraram algo? —perguntou ao detetive.

—Nada útil. Um par de bolsas de sangue vazias, tubos de plástico e muitas perguntas.

      Era evidente, com só jogar uma olhada ao seu redor, que não havia nada ali que pudesse lhe dar uma pista sobre no que tinha estado trabalhando seu pai, assim saíram da habitação. Voltaram para cima em silêncio, detendo-se outra vez na porta principal.

      —Chamará o escritório se descobrirem alguma coisa? —perguntou tio Charles.

      —É óbvio. Sabem se a vítima tinha família?

      —Um irmão. Chamá-lo-ei e lhe direi que fique em contato contigo.

      O detetive assentiu com a cabeça e quando se voltava para ir, o som de uns passos apressados captou sua atenção. Lanie se voltou e viu um policial uniformizado.

      —Senhor, encontramos outra coisa. Possivelmente queira jogar uma olhada.

      O detetive Boehler assentiu, logo estreitou a mão de tio Charles prometendo que se manteriam em contato. Eles esperaram um segundo depois de que partisse e logo, embora ninguém os havia convidado, seguiram-no.

      Desta vez, em lugar de retornar ao porão, subiram ao primeiro piso. Quando alcançaram a habitação em que tinha desaparecido o detetive, entraram e observaram com curiosidade o que tinham encontrado. Havia uma estátua de um homem sobre ele, iluminada por um raio de sol que se filtrava através da janela onde faltava uma tabela. Lanie e Mac se aproximaram para vê-la melhor.

      Lanie ficou sem fôlego. A estátua era exata a Muñoz, tão exata que não podia ser uma réplica. Muñoz tinha se convertido em pedra, e com a luz do sol caindo sobre o não era difícil adivinhar o que tinha acontecido. Agora sabiam que ocorria aos vampiros quando eram expostos à luz do sol. Como o chupacabras, convertiam-se em pedra. A pergunta era: o que acontecia quando o sol se ocultava? Ressuscitaria Muñoz?

      Ohou-o durante um momento e logo se voltou para Mac que estava de pé ao seu lado.

      —Será que acordará? —sussurrou ela—. Logo anoitecerá.

      —Higgins, procure rastros. —O detetive Boehler deu a ordem ignorando o perigo.

      Mac pôs a arma na mão.    —Ainda não.

      O detetive o olhou com uma pergunta na boca, mas não disse nada. Fez um gesto com a cabeça ao homem de uniforme que se aproximou atrás de sua chamada, e este se pôs a um lado.

      Lanie não esteve segura de quanto tempo estiveram ali, observando a estátua, mas lhe pareceu eterno. Alguém às suas costas colocou um par de lanternas para que pudessem ver depois do ocaso, e a estátua de Muñoz continuou sem se mover. Ao final, Lanie teve que admitir que Muñoz não ia ressuscitar... nunca mais.

      Mac deve ter chegado à mesma conclusão porque fez um gesto ao oficial que levava uma maleta negra para que se aproximasse. O homem se ajoelhou junto à estátua. Agarrou uma caixa de pó e uma escova da maleta e procurou todo tipo de rastros. Não havia nenhum. Sacudiu a cabeça e recolheu sua equipe.

      —Envie um par de homens para levar esta coisa à delegacia de polícia —ordenou o detetive quando saía da habitação.

      Daí a pouco tempo chegaram dois homens que se colocaram a ambos os extremos da estátua, mas quando tentaram levantá-la, a pedra se desintegrou em suas mãos, despedaçando-se numa nuvem de pó fino. Lanie se agarrou ao braço de Mac, aturdida, enquanto observava como o pó ia assentando. Ao seu lado, Mac se liberou em silêncio, deu meia volta e se foi.

      Com um último olhar ao que ficava de Muñoz, Lanie o seguiu.

      Fora, o ar da noite era quente, mas não desagradável enquanto procurava por Mac com a vista. Divisou-o a uns poucos metros rua abaixo, passeando de cima abaixo e se apressou para se reunir com ele.

      Ele se deteve e passou a mão pela cara com óbvia frustração.

      —É isso o que me espera? É isso o que me ocorrerá qualquer dia..., converter-me-ei em pedra? Miúdo futuro. Que me ponham em um parque para que pousem as aves até que... a primeira chuva um pouco forte me desintegre?

      —Não acredito que seja isso o que te ocorra, Mac. —Mas não podia assegurá-lo e ele notou a dúvida em suas palavras.

      Ele soltou uma maldição.

      —Voltarei ao hotel.

      —Vou contigo.

      —Não. Preciso estar sozinho. Que Winslow te leve de volta. —afastou-se, deixando-a ali parada.

      Quando mais tarde Lanie chegou ao hotel, levava um pequeno pacote. Tinha dado boa noite a tio Charles, que se dirigia ao hospital para ver como estava Dirk. Lanie teria ido com ele, mas estava preocupada com Mac. Não tinha bom aspecto ultimamente e temia que pudesse piorar. Tinha compartilhado suas preocupações com Charles e lhe tinha sugerido fazer uma pequena parada a caminho do hotel para comprar uma coisa. Ele tinha pensado que seria uma boa ideia oferecer a Mac, embora Lanie tivesse suas reservas.

      Nesse momento, estava de pé, ante as portas de comunicação, escutando os movimentos que chegavam do outro lado. Chamou brandamente e logo entrou quando o ouviu resmungar.

      Encontrou-o saindo do quarto de banho, sem nada mais que uma toalha com a qual esfregava a cara para secar-se. Quando a baixou, ela ficou sem fôlego. Tinha um aspecto horrível. Estava pálido e seus olhos tinham dois círculos escuros debaixo como se não tivesse dormido todo o dia, embora ela soubesse que não tinha sido assim.

      —O que quer? — disse ele.

      Dirigiu-lhe um sorriso irritante.

      —O quê? Não estamos de bem?

      —Sua visita tem algum propósito além de me chatear? —apoiou-se na porta do quarto de banho e atirou a toalha ao chão.

      —Embora essa seja minha nova missão na vida, vim por outra razão. De passagem, direi que pareces pó.

      —Obrigado.

      Ela jogou um olhar à habitação e se fixou no prato quase cheio que havia sobre uma bandeja do serviço de habitações.

      —Comeste?

      —Tentei.

      Ela percebeu o tom resignado de sua voz.

      —Problemas? —Ela podia ver que o bife e as verduras tinham bom aspecto.

      —Não. Vomitei tudo, assim que comi.

      Ela colocou a mão na bolsa de plástico que sujeitava, tirou o conteúdo e o ofereceu.

      —Tome, pode ser que isto te ajude.

      Ele pegou e, por um minuto, seu semblante se manteve inexpressivo.

      —Mais sangue de porco?

      —Não..., sangue humano.

      Lançou um olhar, duro e frio. —Já vejo, pensaste que, já que parece que me converti em vampiro, é hora de começar a beber sangue.

      — Foi o que eu pensei —recalcou ela—, o veneno que alaga seu corpo, é a razão pela qual você sente (além de te pôr fodi..., de tão mau humor) que... necessita de sangue. E como sei que de sangue de porco você não gosta, pensei que talvez preferisse esse.

      —Porque, claro está, o monstro que levo dentro de mim precisa alimentar-se, não?

      Ele lançou a bolsa ao quarto de banho, onde se estrelou contra a parede e se rompeu, provocando que o sangue salpicasse tudo.

      —Bom, espero que não se importe se acho um pouco difícil aceitar agora mesmo.

      Lanie ficou boquiaberta, olhando como o sangue escorregava pela parede e manchava o chão.

      —Um simples «obrigado» teria bastado.

      —Que demônios pensa que está fazendo? —aproximou-se dela, e se sua intenção era intimidá-la, obteve-o, mas que a condenasse antes de deixar que soubesse.

      —Só tratava de ajudar.

      —Acredito que já me ajudaste bastante —disse o com desprezo, abatendo-se sobre ela.

      —O que quer dizer? —Teve que reunir cada onça de coragem para não retroceder ante as quebras de onda de cólera que emanavam dele.

      —O que quero dizer é que por sua culpa, graças a sua tendência a fazer o que quer —começando por ter aberto a jaula em primeiro lugar— minha vida, tal como era antes, desapareceu... Nunca voltarei a ser normal.

      Atônita ante a acusação tentou abrir a boca para replicar, mas foi incapaz de articular palavra. A verdade de sua afirmação a impactou, e ficou sem fôlego, nem sequer notou que os olhos dele tinham começado a brilhar levemente e que suas presas estavam descobertas.    

      —Acredito que deveria ir agora.

      Ela assentiu com a cabeça.

      —Tem razão. É por minha culpa e se pudesse voltar no tempo e trocar o que fiz, faria, mas não posso. Sinto muito.

      Correndo para sua habitação, fechou a porta e jogou o ferrolho. Logo se sentou na beira da cama e respirou entrecortadamente. Sobre ela caiu todo o peso da culpa e sentiu que se derrubava. Tinha razões para odiá-la... ela tinha arruinado sua vida.

 

      Daí a alguns minutos, Lanie ouviu que Mac saía. Perguntou-se aonde iria e logo pensou que realmente não queria sabê-lo. Quando soou o telefone momentos depois, agradeceu a distração.

      —Sim? Olá, tio Charles.

      —Lanie, ocorre algo? Parece triste.

      —Não, estou bem —mentiu ela—. Tudo bem com Dirk?

      —Sim, tem muito bom aspecto para ser alguém a quem virtualmente cercearam a garganta.

      —Alegro-me.

      —Chamo-te para saber como recebeu Mac nosso presente. Bebeu o sangue? Sentiu-se bem?

      Lanie suspirou.

      —Sinto ter que te dizer que não gostou de nada, tio Charles. Não só não bebeu, mas sim jogou tudo contra a parede. Unicamente espero que se lembre de limpá-lo antes que o pessoal do hotel nos arme uma bronca e nos joguem daqui.

      —Bom, se o fizerem, sempre pode vir a minha casa. Eu adoraria te ter aqui.

      —Obrigada, recordarei-o. Alguma sugestão sobre o que fazer com respeito a Mac? Temo que poderia estar realmente mal.

      —Falarei com ele. Por acaso anda por aí?

      Lanie se sentiu doída ao recordar a cólera de Mac uma vez mais.

      —Não, saiu. Não sei nem aonde foi nem quando voltará.

      Houve uma breve pausa no outro lado da linha, mas se o almirante notou o tremor em sua voz, foi o suficientemente cortês para não comentá-lo.

      —Encontrarei-o e falarei com ele. Por que não tenta relaxar esta noite?

      —Sim, acredito que é o que farei.

      Ela pendurou o telefone e olhou ao seu redor; sentia-se indisposta. Entrou no quarto de banho para lavar a cara e se sentiu algo melhor. Pensou que um refresco bem frio lhe viria bem, assim foi até a geladeira para ir pegar gelo quando recordou a nota que tinha recolhido na geladeira do laboratório. Deixou a forma de gelo na mesa, meteu a mão no bolso e tirou a pequena nota dobrada. Abriu-a e leu:

“D1 53h3j9w 173 84h9w. OG 3w 03o8t49w9. 53h d78eqe9 H9w f343j9w 049h59. D9h qj94, OqOq”

      Ao seu cansado cérebro levou um momento para encontrar sentido a esses caracteres aparentemente absurdos, mas logo reconheceu o que era: um jogo de códigos que jogava quando era menina com seu pai. Enchia-a de ternura que o tivesse recordado.

      Aproximou-se do laptop e estudou o teclado. D1 significava que tinha «subido um nível» para escrevê-lo, a chave do código era muito simples. Conhecendo-a, não demoraria muito em transcrever a mensagem. Terei que substituir cada letra do código pela que tinha debaixo no teclado. Quando terminou, leu ele resultado.

«Temos que ir. LB é perigoso. Tome cuidado. Veremo-nos logo. Com amor, papai».

      Que lhe tivesse deixado uma mensagem cifrada significava que não queria que Burton soubesse, o que sugeria que não estava totalmente de acordo com seus planos. Algo mais animada, ligou o laptop e se conectou à Internet.     Embora pensasse que as probabilidades eram escassas, comprovou seu correio eletrônico, se por acaso havia uma segunda mensagem de seu pai. Não havia nada. Decidida a não deixar que isso a desanimasse, continuou procurando nos registros públicos qualquer informação que ajudasse a localizar onde podia esconder-se Burton.

      Uma hora mais tarde soou um golpe na porta.

      Levantou-se e se aproximou da porta para olhar pela mira. Viu um membro do pessoal do hotel, com um envelope na mão.

      —Sim? —perguntou ela abrindo a porta.

      —Lanie Weber?

      Quando assentiu, lhe deu o envelope.

      —Faz uns minutos, chegou à recepção esta mensagem para você.

      Agradecendo, pegou o papel, mas homem desapareceu, antes que pudesse lhe dar uma gorjeta. Com curiosidade, abriu o envelope e no interior encontrou outra mensagem de seu pai, que lhe perguntava se podiam ver-se. Agarrou sua bolsa e correu escada abaixo.

 

      —Hão-me dito que está fazendo acontecer um mau momento ao pessoal do hospital —comentou Mac, entrando na habitação de Dirk para encontrar seu amigo sentado na cama; via-se muito incômodo com a camisola do hospital.

      —Disse-lhes que queria sair daqui e se negaram a me dar alta. Quando lhes informei que tinha intenção de me dar alta por minha conta, levaram a roupa. —Dirk fulminou-o com o olhar—. Suponho que sabe por que o fizeram, verdade?

      Mac sorriu.

      —Provavelmente porque lhes avisei. Não queria que fosse antes que eu chegasse.

      —E por que demoraste tanto?

      —Tive que passar pelo necrotério..., um pequeno assunto sem importância.                                                                                                                                       —Quando Dirk lhe dirigiu um olhar confuso, ele se explicou:

      —Encontraram o corpo de Kinsley ontem. Estava morto... de tudo, mas quis me assegurar, assim que me aproxime para lhe cravar uma estaca.

      Tendeu-lhe a mochila que levava.

      —Trouxe-te roupa. Espero que não tenha muito carinho a outra.

      Dirk se levantou da cama com a bolsa na mão. Arrancou o bracelete de identificação e a camisola do hospital para trocar a roupa. Mac o observou com assombro, pensando se seu amigo era consciente da maneira tão rápida em que se movia. Evidentemente o veneno do chupacabras também o tinha afetado e Mac sentiu um estranho sentimento de camaradagem; já não era o único.

      —Como se sente? —perguntou-lhe.

      —Sinto-me muito bem. Todos atuam como se eu tivesse morrido, mas não me canso de lhes dizer que foi somente um arranhão. —tocou o pescoço onde as ataduras cobriam sua ferida.

      —Realmente acha isso?

      Dirk olhou e, por um momento, Mac pensou que negaria a verdade, mas seu amigo foi sincero.

      —Não.

      Mac inclinou a cabeça.

      —Acredite, compreendo o que te passa..., provavelmente melhor que ninguém.

      Dirk se sentou na cadeira da habitação para pôr os sapatos e as meias três-quartos novas. Não disse nada até que terminou; o olhar que dirigiu a Mac foi de resignação.

      —Então vou ser como você?

      Mac simplesmente arqueou uma sobrancelha e sorriu.

      —Não vais ser como eu, já o é.

      Dirk pareceu assimilá-lo e logo aplaudiu os joelhos enquanto ficava em pé.

      —Certo..., e agora o quê?

      Mac estendeu-lhe os documentos da alta sem consentimento médico. —Assine-os para poder partir daqui. Logo deveríamos ir falar com Winslow. Disse-me que tinha passado para vê-lo.

      —Sim. Veio para me ver e me convidou a ficar em sua casa.

      —Bem, acredito que deveria fazê-lo.

      Saíram da habitação e se detiveram no posto de controle das enfermeiras onde Dirk entregou os documentos.

      —O que acontece? —perguntou de caminho aos elevadores que os levariam ao térreo —. Winslow me disse que também convidou vocêi e Lanie à sua casa.

      —Não sei. Não cheguei a falar com ela.

      Dirk deve ter notado algo em seu tom porque lhe dirigiu um olhar inquisitivo.

      —Problemas no paraíso?

      Mac não gostaria de falar sobre o tema agora, mas se encontrou fazendo precisamente isso.

      —Tivemos uma briga. —Ao ver seu amigo arquear uma sobrancelha, acrescentou—Ela me disse que não tinha bom aspecto e me levou sangue humano para que bebesse, pensando que poderia me ajudar. —Inclusive agora, sentiu náuseas ao recordar.

      —Por que pensou que quereria ou necessitaria de sangue?

      —Pode ser que porque noutro dia a mordi e bebi um pouco do seu.

      —O quê? —Dirk se voltou para ele, com um olhar de preocupação e condenação em sua cara.

      —Machucou-a?

      —Não, acredito que não. Não atuou como se a tivesse ferido, mas estava tão surpreendida como eu de que o tivesse feito. Mas o pior é que ao mordê-la, fiz-lhe sangue e bebi um pouco. E maldição, Dirk, foi genial.

      Dirk ficou pensativo um momento.

      —E o sangue que te trouxe hoje não stava bom?

      —Não sei..., não provei.

      —Não sentiu curiosidade?

      Mac negou com a cabeça, recordando como lhe tinha revoltado o estômago ante a visão do sangue, fazendo-o sentir tão doente como o bife que comeu naquele dia.

      —Nem pingo.

      Dirk suspirou.

      —Isso é um alívio. Não me importa muito o dos olhos ou o das presas, mas pensar em beber sangue não me atrai muito, sabe?

      —Sei. —Chamaram um táxi para que os levasse à casa do almirante e uma vez que subiram, Dirk perguntou:

      —Deveria me preocupar com alguma outra coisa?

      —Além de que toda sua vida trocará, dormirá durante o dia e te passará toda a noite perambulando por aí? —deu de ombros—. Pois não sei. Não acredito que tenha sofrido ainda todas as mudanças. —Deu a Dirk um tapinha afetuoso nas costas e sorriu—. Já resolveremos juntos.

      —Quer que espere?

      A voz do taxista interrompeu seus pensamentos, e Lanie se apoiou contra a porta traseira do táxi para poder jogar uma olhada através do guichê. Nunca teria suposto que alguém andando pela cidade pudesse ver tantos edifícios vazios em ruínas.

      —Está seguro de que estamos no lugar correto? Repetiu o número com claridade, esperando que dissesse que se equivocou e a levasse ao seu verdadeiro destino em um bairro mais seguro.

      —É aqui —disse ele, acabando com suas esperanças—. Talvez lhe tenham dado uma direção equivocada.

      —Não —respondeu ela com resignação—. Não acredito que seja tão afortunada. —apareceu outra vez pelo guichê, mas não viu rastro de seu pai—. Poderia dar uma volta à quadra? — sugeriu ela, sem querer abandonar a segurança do táxi. Possivelmente seu pai só estivesse atrasando.

      —Mas só até a saída do metro. —Colocou o carro em marcha e o fez rodar muito devagar. Não é um lugar seguro, nem de dia nem de noite.

      Lanie achava isso bastante óbvio.

      —Supunha que tenho que me encontrar aqui com alguém —explicou. Pelo retrovisor viu que o taxista arqueava as sobrancelhas, mas não se incomodou em dar mais detalhes.

      —É essa sua entrevista? —A voz do taxista soou esperançada quando, um minuto mais tarde, assinalou uma figura que se aproximava pela esquina.

      —Importaria de se me aproximar até ele, por favor?

      O taxista dobrou a esquina, mas assim que se aproximaram, o homem desapareceu no beco mais próximo. Quando o taxista alcançou a entrada do beco, o homem estava já no outro extremo.

      —Parece que seu amigo é um pouco escorregadio.

      «É óbvio», pensou Lanie, recriminando-se mentalmente. Seu pai não quereria que o visse mais gente. Tomou sua bolsa e tirou várias notas para o taxista.

      —Poderia me esperar, por favor?

      Assentiu com a cabeça, assim que ela saiu do táxi e se encaminhou para a sombra que a esperava ao longe. O céu da noite estava ligeiramente nublado, fazendo com que ainda fosse mais difícil reconhecer os traços de seu pai.

—Papai? —gritou-lhe levantando o braço. Pareceu-lhe que ele vacilava antes de devolver a saudação e tomou como um mau sinal. Sem ser realmente consciente diminuiu seus passos. A dúvida a corroía. Seria possível que seu pai tivesse ignorado toda uma vida de instintos paternais e lhe pedisse que se encontrasse com ele em um lugar escuro e potencialmente perigoso?

      Acreditava que não. Pensou que deveria retornar à segurança do táxi e voltou, só para ver como as luzes traseiras do veículo desapareciam rua abaixo.       Alarmada, amaldiçoou silenciosamente o taxista.

      A figura do beco se movia agora para ela e não reconheceu sua maneira de andar. Quando pensou que podia ser Burton ou algum de seus vampiros, ficou paralisada. Seria assim como morreria? Com seu sangue vital sugado por um vampiro?

      Não, não ia morrer, sussurrou uma voz horrorizada em sua mente, mas sim acabaria ressuscitando como um louco vampiro chupa sangue. Esse pensamento foi o que finalmente a liberou de sua paralisia.

      Lanie sabia que se se desse a volta e corresse, ele saberia que ela tinha descoberto a armadilha e a atacaria com tal velocidade que não teria nenhuma possibilidade. Sua única esperança era deixar que pensasse que a tinha enganado para logo agarrá-lo despreparado.

      Seguiu caminhando muito lentamente e colocou sua bolsa diante para poder colocar a mão dentro sem afastar a vista do vampiro. Às cegas, procurou algo que pudesse usar como arma. Suas opções eram tristemente limitadas.

      Antes de estar completamente preparada, o homem já havia se aproximado o suficiente para reconhecê-lo e, como tinha suspeitado, não era seu pai. Tampouco era Burton, pelo qual estava extremamente agradecida.

      —Onde está meu pai?

      —Temo que não sei com exatidão. —Não fez nenhum esforço por esconder suas presas quando sorriu—. Suponho que segue compilando sangue como faz todas as noites.

      —Enviou-me você a mensagem? —Sabia que tinha que seguir falando para entretê-lo, distraindo-o sutilmente enquanto procurava com a mão na outra ponta da bolsa, tocando e rechaçando artigos.

      —Sim. Burton quer que te leve a ele.

      Ela se deteve para perguntar ahogadamente.—Por quê?

      —Não perguntei.

      —E se me nego a ir contigo?

      Ele riu; uma risada desagradável.  —Essa não é uma opção.

      Era a resposta que tinha esperado e, quando tratou de alcançá-la, estendeu a mão em um último intento desesperado entre o conteúdo de sua bolsa. Sua mão se fechou ao redor de um pequeno cilindro e o tirou com o dedo já na boquilha.

      Acertou totalmente quando pressionou o spray diretamente em sua cara. Pego com a guarda baixa, o vampiro não pôde proteger seus olhos a tempo e recebeu uma grande dose. Lanie se afastou imediatamente quando ele se lançou a toda para ela, com uma das mãos sobre os olhos, enquanto tratava de alcançá-la; sua enxurrada de obscenidades reverberou no silêncio da noite.

      Lanie deu a volta e correu. Escutou seus passos cambaleantes enquanto ela alcançava a rua e procurava desesperadamente um táxi. Não havia nenhum à vista, assim escolheu uma direção ao azar e voltou a correr. Sabia que não tinha muito tempo antes que a alcançasse.

      Percorreu a toda velocidade o seguinte bloco e chegou até outro beco. Jogou-lhe uma rápida olhada e parou bruscamente. Havia um velho contêiner Dumpster ao fundo. Olhou ao redor assegurando-se de que o vampiro não estivesse à vista, espreitando-a, e logo se meteu no beco. Comprovou as portas dos edifícios a ambos os lados, abrindo as que podia, para que não soubesse em qual dos edifícios tinha entrado.

      Quando alcançou o contêiner, levantou a tampa com ambas as mãos. O aroma de podre quase fez que vomitasse. Sujeitando a tampa com uma mão, levantou um extremo da camisa e a colocou sobre o bordo deixando cair a tampa. Quando o tecido ficou preso, puxou e o rasgou. A parte de camisa era apenas visível, mas seria suficiente para que um Ex-SEAL com a acuidade visual de um vampiro a visse e assim ganharia tempo.

      Olhou para a entrada do beco e não viu nenhum sinal do vampiro, assim se aproximou o mais depressa que pôde da porta que tinha mais perto e entrou.

      Movendo-se tão silenciosamente como pôde, correu pelo interior do edifício, avançando a toda por corredores escuros, agradecendo a pouca luz que se filtrava ao interior através das janelas das luzes exteriores. Concentrou-se em encontrar a porta principal, embora fosse muito consciente dos estranhos ruídos e sons escorregadios que havia ao seu redor.

      Depois de um momento que lhe pareceu eterno, encontrou a porta. Aparecendo pelo cristal, olhou primeiro um lado e logo o outro, tentando ver tanto da rua como podia. Não havia sinais do vampiro.

      Logo ouviu um ruído no beco. Devia ser o que produzia o contêiner ao ser sacudido. Sabendo que essa seria sua melhor oportunidade, abriu a porta sigilosamente e saiu correndo rua abaixo. Logo que alcançou a seguinte esquina, trocou de direção e seguiu correndo.

      O nome da rua lhe pareceu familiar. Alcançou a seguinte esquina e voltou a trocar de direção, recordando que havia uma zona residencial somente a algumas quadras dali. Ofegava quando por fim chegou. Provou na porta do primeiro bloco de apartamentos e soube que estava fechada. Pensando no que fazer, viu o porteiro eletrônico ao lado da porta. Pulsou todos os botões, esperando que alguém lhe respondesse.

      —Posso ajudá-la em algo?

      Deu um grito assustada e se voltou rapidamente para ver um homem jovem a suas costas. Não era um vampiro, mas estremeceu ao se dar conta de que tinha estado tão concentrada pulsando os botões, que não o tinha ouvido chegar por trás.

      Tragou ar, tentou tranqüilizar-se e assinalou com impotência a porta.

      —Poderia me deixar entrar? Não encontro a chave.

      —Não recordo havê-la visto antes —disse o homem, mas sem soar acusador nem grosseiro—. Vive aqui?

      —Sou nova. —Conteve o fôlego e compôs sua expressão mais inocente. Finalmente, ele sorriu e tirou sua chave.

      Logo que abriu a porta, Lanie entrou depressa, jogando uma última olhada à rua. Até agora, tudo bem.

      —Obrigada, novamente. —Saudou com a mão ao homem enquanto se apressava escada acima tentando atuar como se soubesse exatamente para onde ia. O homem começou a subir as escadas atrás dela e pensou se ele estaria seguindo-a. Decidiu subir até o terceiro piso e se sentiu agradecida quando ele se deteve no segundo.

      Seguiu andando pelo corredor enquanto se permitia relaxar um pouco. Estava totalmente segura de ter despistado o vampiro. Tirou o telefone para chamar Mac, mas vacilou ao recordar as palavras que lhe havia dito. Pedir a ele que atuasse como sua babá era quão último queria fazer. Considerou chamar tio Charles ou a um táxi, mas não queria pôr em perigo a vida de ninguém, se o vampiro seguia espreitando aí fora. Quando se aproximasse o amanhecer seria mais seguro sair, e então chamaria alguém para que viesse procurá-la. Não era um grande plano, mas era quão único tinha.

      Guardando o telefone, voltou para a caixa da escada. Se o vampiro a encontrasse, só bastava um par de patadas contra os velhos passamanes de madeira e teria uma boa estaca. Um pouco mais tranquila por não estar totalmente desarmada, sentou-se nas escadas, apoiou-se contra a parede e tirou a novela que sempre levava na bolsa. Procurando a última página que tinha lido, acomodou-se para uma larga espera.

      —Adiante, meninos —convidou o almirante, lhes conduzindo através de um amplo corredor até um grande vestíbulo aberto. Logo passaram a uma sala com umas portas dobradas ao fundo. Abriu-as e Mac se encontrou dentro do escritório do almirante.

      O chão de madeira polida brilhava e um tapete oriental cobria o centro da habitação. Todas as paredes do estudo estavam cobertas por estanterías cheias de livros até o teto e frente à porta havia um enorme escritório de mogno. Dois sofás de couro cor borgoña com uma pequena mesinha estavam no outro extremo, e na parede, depois do escritório, havia duas grandes janelas com vistas para a bem cuidada grama e a piscina.

      Na parede depois do escritório, entre ambas as janelas, estava a maior coleção de facas, adagas e espadas que Mac tinha visto nunca. Jogando uma olhada ao redor, Mac viu mais vitrines de cristal com armas brancas. No centro de uma das estanterías, havia outra vitrine de cristal exibindo as medalhas militares do almirante.

      É de verdade? —perguntou Dirk parado diante do que a Mac parecia uma espada de samurai.

      —Sim, tudo é autêntico.

      —Isto deve custar uma fortuna —disse Mac quedamente, perguntando-se de onde teria obtido o dinheiro o almirante.

      —A maior parte herdei —respondeu o almirante—. Embora ao longo dos anos consegui acrescentar algumas peças novas. —Caminhou até o fundo da habitação detendo-se ante uma vitrine à altura de sua cintura - esta estantería é minha favorita.

      Mac se aproximou e se inclinou para ver uma espada muito incomum. O punho parecia chapado em prata e gravura ao lado estava a cabeça de um homem com rubis incrustados nos olhos e mostrando as presas através de sua boca aberta. Parecia sospechosamente um vampiro. O punho da espada estava curvada para fora, para resguardar a mão, e a folha, que mediria mais ou menos um metro vinte centímetros, na opinião de Mac, brilhava sob a luz do abajur.

      —Esta, cavalheiros, é uma espada que leva em minha família muitas gerações. —O almirante tirou um molho de chaves do bolso, selecionou uma e abriu a urna fechada. Tirou a espada com reverência, mas quando a ofereceu a Mac para que pudesse vê-la melhor, esta escorregou e o almirante se cortou, deixando cair a folha.

      Com a velocidade de um raio, Mac a agarrou, sem deixar que caísse ao chão. Logo olhou ao almirante, que embalava a mão ferida enquanto o sangue que saía de seu polegar empapava sua palma.

      —Droga —resmungou—. Estou ficando torpe com a velhice.

      Mac cravou os olhos no sangue, fascinado. Quando conseguiu afastar o olhar do sangue, viu que o almirante o observava atentamente e de repente pensou que lhe estava fazendo uma prova. Irritado, olhou para Dirk e percebeu que seu amigo tampouco afastava o olhar do sangue. Ao se sentir observado, Dirk levantou a vista e seus olhos se encontraram.

      —O que acontece, almirante? —inquiriu Mac—. Não é nem velho, nem torpe, mas sim é bastante transparente. Não foi um acidente, verdade? —A suspeita fez que franzisse o cenho—. Lanie lhe disse que somos vampiros, não? Queria ver como reagíamos ante a visão do sangue?

      Em vez de envergonhar-se, o almirante Winslow sorriu.—Um pouco parecido.

      —Talvez fosse melhor enfaixar a ferida ou algo assim, —disse Dirk — antes que manche o tapete.

      O almirante não se moveu, mas sim estudou cada um dos homens com o mesmo olhar agudo que Mac tinha visto tantas vezes durante seus anos como SEAL. Era um olhar que ele conhecia muito bem... Um olhar que respeitava.

      —Durante gerações, minha família protegeu um segredo tão sagrado que nunca falamos dele em voz alta. Passou-se de geração em geração em um ritual secreto. Agora, quando eu morrer, já que nunca me casei nem tive filhos, corre o risco de perder-se para sempre..., a menos que escolha um sucessor. —Olhou alternativamente aos dois homens e logo sorriu—. Tinha chegado a pensar que seria impossível encontrar alguém digno de tal responsabilidade, mas agora parece que encontrei dois candidatos.

      —Almirante, seria melhor que se sentasse. Acredito que pode ter perdido mais sangue da que acredita —sugeriu Mac.

      —Confia em mim?

      A pergunta tomou Mac de surpresa e olhando diretamente nos olhos do almirante, compreendeu que ele não queria uma resposta automática. Queria que fosse honesto, assim Mac se tomou um momento para pensar na resposta. Percebeu que Dirk se fazia a mesma pergunta. Confiavam nele?

      Depois de um momento, assentiu.—Sim.

      —Confiaria a mim a sua vida? —insistiu o almirante em tom muito sério.

      —Sim —respondeu Mac com a mesma seriedade.

      O homem de mais idade olhou para Dirk esperando sua resposta, não houve vacilação.

      —Confio-lhe minha vida —respondeu Dirk.

      —Então confiem em mim agora —replicou o almirante—. Ajoelhem-se ante mim.

      Mac intercambiou outro olhar com Dirk, mas ambos fizeram o que lhes pedia. O almirante estava ante eles, em seus olhos brilhava uma emoção que Mac não pôde identificar.

      —Dou-lhes este presente livremente para que possam compreender —entoou, levantando a mão ferida por cima deles—. Abra a boca. —Enquanto Mac observava com incredulidade, o almirante inclinou a mão e permitiu que o sangue caísse em sua boca. Sem saber o que fazer, reteve o sangue sua língua, negando-se a tragar. O almirante olhou para Dirk e fez o mesmo.

      —O que é livremente dado, deve ser livremente aceito. Só a fé e a confiança devem guiar sua decisão. Para aceitar, tudo o que tem que fazer é tragar meu sangue.

      Chegando a esse ponto, Mac pensou que o almirante estava recitando passagens de um ritual. Nesse momento trocou o tom de sua voz

      —. Não se envergonhem de cuspir o sangue. Só lhes peço que o façam no cesto de papéis do escritório em vez do tapete. O sangue é difícil de limpar.

      Era a hora da verdade, pensou Mac. Tudo o que o desejava era cuspir o sangue, negar o monstro que levava dentro, mas não tinha mentido ao almirante. Não era uma confiança cega; era uma confiança meditada e ponderada.

      Caminharia até o inferno por esse homem? A imagem de Lanie apareceu ante ele, e se assombrou dando-se conta de por quem daria sua vida; agora era ela sua maior preocupação, seu primeiro pensamento.

      Desconcertado pelo descobrimento, não pôde evitar que um pouco de sangue se deslizasse por sua garganta. Em vez de descobrir que lhe repugnava o sabor, encontrou-o bastante aceitável.

      Sentiu um crescente calor na mão e olhou para baixo à espada que ainda agarrava firmemente. O calor parecia provir do punho. Apertou-a e se prometeu a si mesmo com solenidade que se sua confiança não era correspondida, seu último ato seria a vingança.

      Tragou o resto do sangue.

 

      De imediato, Mac sentiu que seu sangue sulcava seu corpo com uma energia vibrante. Aguçou seus sentidos e a letargia que o tinha abatido nas últimas noites desapareceu. A espada que sustentava em sua mão, vibrou, e quando olhou para baixo viu como os olhos rubis brilhavam intensamente.

      Ouviu a rápida inspiração de Dirk e se voltou para ver uma expressão de perplexidade em seu rosto que, pensou, refletia a sua própria. Quando levantou a vista viu que o almirante sorria. Assinalou a espada e logo a Dirk, assim Mac passou a espada ao seu amigo, que a sujeitou respetuosamente. Se acaso era possível, os rubis brilharam ainda com mais força.

      —Suponho que ambos terão várias perguntas para me fazer —disse finalmente o almirante—. Esperem um momento para que eu limpe o sangue da mão e falaremos.

      Mac e Dirk ficaram de pé enquanto o almirante saía do estudo e durante vários segundos não fizeram nem disseram nada. Mac pensou que possivelmente estivessem um tanto emocionados porque ali tinha ocorrido algo significativo, mas não tinham nem ideia do que era.

      —Isto não pode ser bom —resmungou Dirk—. Tudo vai muito depressa.

      Mac não podia estar mais de acordo. Tentando ganhar tempo para ordenar seus pensamentos, deu uma volta pelo escritório, examinando outras armas. Quando Winslow retornou um momento depois, ambos o olharam com impaciência. O almirante estendeu a mão para a espada, tomando-a da mão de Dirk. Os rubis do punho retomaram seu tom vermelho apagado.

      —É preciosa, verdade? —Acariciou a folha cintilante com um gesto carinhoso, logo os olhou e lhes sorriu—. Como se sentem?

      —Incrivelmente bem —respondeu Mac com sinceridade—. Até agora não tinha me considerado um vampiro.

      O almirante soltou uma gargalhada.

      —Não é um vampiro..., nenhum dos dois são,

      —Mas bebemos seu sangue —replicou Dirk.

      —Só porque o ofereci..., foi livremente dado e livremente aceito. Os vampiros não perguntam. Ele —ou ela — toma pela força porque necessitam de sangue para sobreviver.

      Vocês não.

      Dirk e Mac intercambiaram um olhar.

      —Por que me dá a impressão de que sabe mais coisas sobre os vampiros do que nos contou? —perguntou Mac.

      —Tem razão. Não fui completamente claro, mas, por favor, me entendam, até esta tarde não me dava conta da magnitude de toda esta situação.

      —Lanie.

      O almirante assentiu com a cabeça.

      —Mas não deve tomá-la mal Mac. Estava preocupada com os dois e confiou em mim. Vampiros e chupacabras levam séculos conosco, possivelmente milhares de anos. Normalmente podemos mantê-los sob controle, mas de vez em quando, como agora, algo sai mal e a situação nos escapa das mãos.

      —A quem se refere com esse «nos»? —perguntou Mac,

      —Minha família. Somos responsáveis por encontrar os changelings e também de guardar a espada. —Levantou um pouco mais a arma, centrando a atenção nela—. A inscrição da folha está em uma antiga língua que foi totalmente esquecida ao longo dos séculos. Uma tradução livre seria: “Quando a espada encontre caçador, a morte se afastará em um cavalo alado. A justiça prevalecerá”. —Abriu a mão que sujeitava o punho para que pudessem ver o emblema—. Viram resplandecer os rubis quando tomaram a espada? Não aconteceu em quase cem anos. Foi a última vez que um caçador a sustentou.

      —Caçador do quê? —Mac estava seguro de não querer ouvir a resposta.

      —De vampiros.

      Mac pôs os olhos em branco.

      —Por favor. Está dizendo que é um caça vampiros?

      —Não. Eu somente sou o guardião da espada. Só os changelings podem ser caçadores.

      —Dá-se conta de que tudo isto é uma loucura? —perguntou Dirk.

      —Suponho que não tanto como te pareceria antes que soubesse que os vampiros existiam.

      Mac teve que lhe dar a razão nisso.

      —Quase me dá medo perguntar, mas quem são esses changelings de que fala?

      O almirante sorriu e os assinalou com o dedo.

      Dirk sacudiu a cabeça. —Ah, não. Não pode falar a sério.E de todas maneiras, o que é exatamente um changeling?

      —É alguém que é meio vampiro e meio humano.

      Mac sentiu que um calafrio percorria suas costas.

      —Acreditei que havia dito que não somos vampiros.

      —E não o são. São meio vampiros. O chupacabras, quando te atacou, injetou-te o suficiente veneno para te transformar. Já notaste as mudanças.

      —O que está sugirindo? Que nos ponhamos a procurar Burton e companhia, com espadas em riste? —perguntou Dirk incrédulo—. Não é minha intenção ofender, mas se tornou louco?

      O almirante se limitou simplesmente a arquear uma sobrancelha como dizendo que sim. Dirk amaldiçoou.

      Nada daquilo tinha sentido para Mac, mas havia algo que não encaixava.

      —Se não somos realmente vampiros, por que nos pediu que bebêssemos seu sangue?

      —O sangue que é livremente oferecido e livremente recebido, tem ele poder de dar energia e sanar os changelings. É a chave da existência. O sangue é essencial para a vida. A diferença dos vampiros, que eram humanos e morreram antes de se transformar, os changelings não morrem. Portanto, são criaturas de vida, não de morte. Como o sangue é um presente de vida, os changelings que a bebem se sentem alagados por sua força vital.

      Para ser uma explicação surrealista, era mais consistente que as outras que tinha escutado, assim Mac tomou nota de recordá-lo mais tarde.

      —O que teria ocorrido, se tivéssemos sido vampiros de verdade?

      A expressão do almirante se voltou totalmente reservada

      —Como os membros de minha família são os guardiães durante séculos tomamos uma erva que só nós cultivamos. Chamamo-la a fleur de vivre. Filtra-se rapidamente no sangue e seus efeitos duram vinte e quatro horas. É o único que encontramos que funciona contra os vampiros.

      Mac não gostou de como o almirante tinha evitado lhe dar uma resposta direta à sua pergunta, assim voltou a perguntar.

      —O que teria acontecido, se tivéssemos sido vampiros e tivéssemos tragado seu sangue?

      —Então estariam mortos... de tudo.

Clint se sentou a sós no edifício vazio, depois de ter terminado de compilar sangue, despediu-se do último de quão doadores tinha tido entre os vagabundos. Olhou a bolsa de sangue que tinha na mão e com um suspiro de resignação a levou à sua boca sentindo que era mais um monstro que um homem.

      O sangue caiu pelas comissuras de sua boca e escorregou pelo queixo e pescoço. Normalmente, o teria vertido antes em um copo, mas havia um pouco de satisfação em sentir como suas presas perfuravam a bolsa de plástico. Era como rasgar a pele humana, algo que em realidade resistia em fazer. Embora beber sangue não lhe repugnasse, não o faria utilizando a força contra gente inocente.

      Ainda sentia remorsos sobre o ocorrido na noite de seu renascer e não encontrava distração na certeza de que tinha sido incapaz de controlar-se e que, pelo contrário, Lance sim era em realidade um assassino. Assim que Clint se precaveu do ocorrido, não tinha feito nada para detê-lo, o qual fazia maior seu pecado. Sentia-se agradecido de não ter pesadelos enquanto dormia.

      Tentando afugentar as lembranças, retornou ao presente. Pode ser que não tivesse detido Lance naquela fatídica noite, mas agora não tinha desculpas. Tinha ouvido sem querer Lance falando com outros; conhecia seus planos. As vidas de alguns investigadores estavam em perigo, e Clint sabia que tinha que fazer algo. Repassou o plano outra vez em sua cabeça e, logo, satisfeito de ter previsto qualquer possível contingência, terminou de beber o sangue e lançou a bolsa a um rincão. Não poderia retornar.

      Aos seus pés, Gem o olhou fixamente; seus olhos —de um verde brilhante— refletiam satisfação. Tomou a bolsa vazia de sangue de cão e a lançou ao lado da sua.

      —Gostou? —Sorriu e lhe deu um tapinha carinhoso. Não tinha crescido absolutamente nos últimos seis meses e começava a acreditar que se requeriam decênios para que chegasse a se converter em adulta, o que queria dizer que um adulto era realmente velho.

      —Deveriam apreciá-la —murmurou para si mesmo enquanto ficava em pé e colocava todo o sangue na mochila—. Preparada para ir? —perguntou à pequena criatura enquanto tentava colocar as correias. Como resposta, o chupacabras deu um salto em seus ombros, seu lugar preferido.

      Agasalhado para a noite, Clint se confundiu entre as sombras para retornar aonde Lance tinha instalado sua nova guarida, tomando uma rota ligeiramente diferente da que usava normalmente. No caminho, deteve-se diante de uma clínica veterinária, onde fez uma «compra», deixando dinheiro de sobra pelos artigos que tinha tomado.

      Enquanto ensaiava mentalmente o novo experimento lhe invadiu uma peculiar sensação de dejavou..., não tinha feito um pouco parecido a noite anterior?

      Tanto Harris como Kinsley tinham resultado ser contrários às ordens e planos de Lance, mas tinha sido Kinsley o que havia se oposto mais abertamente a Lance, lhe fazendo o candidato perfeito para o experimento. Clint sabia que Lance não sentiria falta dele. Tinha odiado lhe tirar a vida, mas era importante provar o antisoro sem que Lance soubesse, assim Clint tinha ido a Kinsley pouco depois do pôr-do-sol, surpreendendo o homem quando acabava de levantar. Tinha-lhe parecido uma injeção, mas antes que se desse conta do que acontecia, era tarde quando reagiu, era muito tarde.

      Como o antisoro destruía todas as células do veneno que havia em seu corpo, o efeito tinha sido imediato e... claramente doloroso. Tudo terminou em questão de minutos, destruindo Kinsley por completo. Clint tinha gostado de sua vitória privada..., o antisoro funcionava!

      Lance tinha descoberto o corpo mais tarde, mas tinha estado tão preocupado nesse momento pela perda de Héctor, que não tinha dado muita importância à morte de Kinsley. De fato, Clint pensava que Lance tomou a notícia da morte de Kinsley surpreendentemente bem.

      A nova guarida surgiu tranqüilamente ante Clint e ele se dirigiu até a parte traseira do edifício por onde podia penetrar no laboratório sem ter que ver outros. O chupacabras adulto estava ali, esperando-o. Tornou-se tão fraco que mal que podia se sustentar, e muito menos atacar, assim Lance a deixava em paz. Abriu os olhos quando ouviu Clint.

      «Encontro-me mal».

     —Sei.

      «Estou-me morrendo».

      Também sabia, e odiava não ter sido o suficientemente forte para impedi-lo. Agora tinha um plano, mas o máximo que podia aspirar era liberar o adulto para poder lhe dar um lugar onde morrer em paz..., sabia que já era tarde para salvá-la.

      Uma vez mais, esqueceu-se de proteger os que estavam sob seu cuidado e voltou a pensar em sua filha, desejando coisas que não podiam ser.

      Colocando a mochila aos seus pés, colocou a mão dentro e agarrou o frasco com o medicamento e a seringa de injeção que tinha tomado na consulta do veterinário. Rompeu a seringa de injeção e a encheu com o líquido. Não tinha nem ideia de quanto tranquilizador necessitaria e se preocupava provocar a morte instantânea em lugar de lhe tirar a dor.

      Olhou-a outra vez, calculou que tinha o tamanho de um pônei pequeno e encheu um pouco mais a seringa de injeção. Quando terminou, voltou junto ao chupacabras.

      —Terá que confiar em mim —lhe disse—. Ele nunca te deixará em paz.     Viu como deslocava o olhar para o bebê que se colocou junto a ela e Clint sentiu calidez e medo através do vínculo—. Eu me encarregarei dela —prometeu—. Não deixarei que ele a utilize. Por um momento, criatura e vampiro se estudaram o um ao outro e então muito lenta e deliberadamente, o chupacabras piscou dando seu consentimento.

      Clint elevou uma prece silenciosa, no caso do céu ainda lhe ouvir, e injetou o medicamento. Logo amanheceria e tinha o tempo justo para se desfazer do frasco e da seringa de injeção antes que Lance voltasse.

      Quando este retornou encontrou Clint entre as duas criaturas, sentado no chão. Olhou-os com aversão e logo soprou.

      —Weber, às vezes me dá a impressão de que você gosta dessas criaturas mais que da gente. —Saiu da habitação sem haver dito nunca palavras mais certas.

 

 

      Cansados, depois de haver passado a tarde conversando com o almirante, Mac e Dirk retornaram juntos ao hotel. O primeiro que notou Mac foi que Lanie não estava em sua habitação. Estava tão em sintonia com ela     —o som de sua respiração, o batimento do coração de seu coração, esse aroma que era só dela, que percebia quando não estava.

      Recordou as rudes palavras que lhe havia dito e temeu que tivesse ido para sempre. Atravessando as portas de comunicação, percorreu a habitação com o olhar, verificando o que já sabia. Não estava. Tentou se convencer de que tinha saído e que logo estaria de volta, mas ainda estava escuro lá fora e era algo improvável.

      — Ocorre algo? —perguntou Dirk da outra habitação.

      —Lanie não está.

      Enquanto permanecia parado na metade da habitação, desejando que Lanie aparecesse pela porta, ouviu ruído de papéis e a seguir Dirk resmungar uma maldição.

      —Deveria jogar uma olhada nisto.

      Mac se apressou da outra habitação e viu Dirk na porta, sujeitando um envelope e uma nota.

      —Encontrei-o no chão. Deve ter cair quando abrimos a porta.

      Mac olhou e logo soltou uma maldição.

      Tenho-a. Burton».

      Havia uma direção rabiscada no reverso da folha.

      Comprovaram a hora, era quase o momento da saída do sol.

      —Tenho que ir atrás dela —anunciou Mac.

      Dirk, embora cansado, tinha já a mão na porta.

      —Vamos.

      Mac observou seu amigo. Dirk tinha sido atacado na noite anterior e não estava totalmente recuperado. Como podia lhe pedir que se forçasse tanto, quando a noite já tinha resultado dura por si só?

      Bom, na realidade Mac sabia que se a situação fosse inversa, ele insistiria em ir, assim não tentou dissuadi-lo. Mas bem agradeceu a companhia. Se Burton tinha Lanie, necessitava de toda a ajuda que pudesse obter.

      Foram de táxi à direção da nota e se encontraram ante um velho hotel, em uma zona com edifícios abandonados. Era uma estrutura de dez pisos com tablones murando suas portas e janelas; alguns estavam quebrados ou tinham sido arrancados por completo.

      Mac e Dirk escrutinaram a zona enquanto se aproximavam, procurando qualquer sinal da emboscada a que sabiam que se encaminhavam. Quando estavam seguros de estar sendo observados, rodearam o edifício até encontrar a porta traseira.

      Encontraram que quão único estava em pé era o porão, onde Mac pressentia que encontrariam Burton. Ao não ter janelas era o lugar mais seguro para os vampiros, assim era provavelmente ali onde estava Lanie.

      Comprovaram suas armas, abriram a porta e entraram. A cada passo, Mac rezava para encontrar Lanie viva e ilesa.

 

      Lanie retornou ao hotel, intumescida pelo cansaço produzido após passae toda a noite sentada nas escadas do edifício de apartamentos. Alguns dos vizinhos saíram para trabalhar ao amanhecer e ao invés de chamar um táxi pelo celular, tinha-os seguido, esperando estar a salvo. Nesse momento tudo o que queria era dormir.

      Abrindo a porta de sua habitação, sentiu-se rodeada por um denso silêncio. Pensava que Mac já teria retornado de em qualquer lugar que tivesse ido. Então lhe ocorreu que tinha sido uma ingênua ao pensar que ele esqueceria a ira e a dor que lhe provocava. Preocupada, entrou em sua habitação e viu que estava vazia.

      Voltou para a sua, resignada em esperar, quando se fixou na nota e no envelope que havia sobre a mesa. Parecia-se com a nota que ela tinha recebido nessa mesma noite, a que a tinha feito sair correndo para... uma armadilha.

      Tomou e a leu. Um frio se apropriou de seu coração quando se deu conta de que Mac tinha deslocado para o perigo... para salvá-la. Tinha que averiguar o número do celular de Mac, assim agarrou o telefone e marcou o número do hospital pedindo que lhe pusessem com a habitação de Dirk. Ele saberia o que fazer.

      Seu medo se converteu em pânico quando lhe disseram que tinha ido horas antes. Rapidamente chamou tio Charles, mas enervou-se quando saltou a secretária eletrônica. Atuaria sem ajuda de ninguém.

 

      A inspeção do porão foi veloz porque ali não havia nada. Negaram-se a sair até que tivessem comprovado cada rincão e armário, logo se dirigiram ao seguinte piso.

      Quando terminaram de registrá-lo, o sol aparecia pelo horizonte e raios de luz penetravam através das gretas das janelas muradas. Mac subiu trabalhosamente o seguinte lance de escadas. A chegada do amanhecer havia trazido consigo essa letargia que o fazia sentir como se seus ossos fossem puro granito. Depois ele ouviu a fatigante respiração de Dirk e soube que seu amigo sofria de igual maneira. Quando alcançaram a porta do piso seguinte, Mac a abriu e a atravessou, enquanto recuperava o fôlego.

      —Deveríamos nos separar? —perguntou Dirk, detendo-se finalmente a seu lado.

      Mac considerou a sugestão. Poderiam cobrir mais superfície se se separassem, mas Burton era cruel, não estúpido. Separar-se era muito perigoso.

      —Não.

      Mac os guiou para a direita, olhando na primeira habitação a que lhe faltava a porta. Estava obviamente vazia, mas nela havia outros quartos interiores que registrar. Dirk tirou sua arma e permaneceu a um lado enquanto Mac se movia para diante sigilosamente.

      Abriu a porta e mergulhou na habitação, mas estava vazia. Dirigiu-se a seguinte e repetiu outra vez o mesmo processo. A ansiedade e a preocupação que sentia por Lanie aumentavam com cada habitação que registrava e encontrava vazia. Obrigou-se a ir mais depressa. Se lhe ocorresse algo...

      Negou-se a terminar o pensamento e voltou para corredor para registrar o resto das habitações. Quando encontraram a última vazia, ambos os homens se resignaram em silêncio e voltaram para a escada para subir o piso seguinte.

      Nesse piso estavam as suítes, o que queria dizer que havia menos habitações, mas mais lugares onde esconder um refém... ou pôr uma armadilha.       A essas alturas, Mac tinha dificuldades para reprimir as dúvidas e recriminações que alagavam sua mente. Deveria ter enviado Lanie em casa quando pôde. Teria estado a salvo então. Por que tinha deixado que ficasse?

      Sabia a resposta a isso e o medo que pudesse estar ferida se voltou ainda mais intenso. Aferrou a pistola com ambas as mãos sentindo como se cravava suas próprias unhas na pele.

      Acabaram com o segundo piso, continuaram com o terceiro e logo com o quarto. Cada vez era mais evidente que Lanie não estava no edifício. Bom, não podiam partir sem ter a certeza, assim seguiram.

      De repente, uma explosão fez cambalear o edifício e obrigou Mace e Dirk a ficarem de joelhos. Ao redor caiu com estrépito o gesso do falso teto e as paredes, levantando uma fumaça de pó branco. Mac não sabia se tinha sido provocado por um acidente ou por uma sabotagem, mas fosse como fosse, tinham que sair dali imediatamente. O aroma acre da combustão do gesso e a madeira chegou até ele e soube que o edifício estava começando a arder debaixo deles.

      —Sal daqui —ordenou a Dirk.

      —Não sem vocêi. Devemos nos apressar e registrar o resto do piso.

      Mac não discutiu. Quando comprovaram a última habitação, deu-se conta de que estavam em problemas. Apesar das portas contra incêndios, a fumaça filtrava através da caixa da escada enchendo os corredores e deixando-os sem ar, fazendo impossível que pudessem ver algo. A temperatura no interior do edifício tinha aumentado até tal ponto, que o opressivo calor, misturado com a fadiga que sentiam, fazia que cada passo requeresse um esforço hercúleo.

      Pela primeira vez, Mac duvidou que pudessem sair ilesos.

      Ao seu lado, Dirk, ainda fraco pelo ataque, tropeçou e caiu de joelhos.

      —Vamos, menino. Não é o momento de se render.

      Mac agarrou o braço de Dirk e o ajudou a ficar em pé, embora lhe custasse bastante suportar seu peso. Ambos os homens se inclinaram, tentando agarrar ar e evitando a fumaça mais espessa que se elevava até formar uma nuvem justo por cima de suas cabeças.

      —Temos que sair daqui —disse Mac com voz rouca.

      Dirk assentiu com a cabeça e ambos deram vários passos para a caixa da escada. Seus pés pesavam como o chumbo, mas Mac já se dava conta de que não poderiam sair por ali. A fumaça chegava debaixo.

      A seguinte explosão os lançou ao chão. A tentação de ficar convexo era muito grande. Percorrendo com o olhar a forma imóvel de Dirk, Mac temeu que seu amigo estivesse morto e sua mente se encheu de imagens de Lanie. Sabia que se estivesse no edifício devia estar morta. O pensamento lhe provocou uma dor surda no peito. Tinha falhado.

      O desejo de lutar por sobreviver desapareceu. Se Lanie tinha morrido, se não ia vê-la alguma vez mais, para que seguir lutando? Era melhor não seguir vivendo.

 

      «Nós nos veremo logo, neném».

      Ao menos, esperava vê-la além da morte, esperava ter vivido com a suficiente honra para merecer vê-la. Então, riu entre dentes enquanto imaginava a ambos os vestidos com largas túnicas brancas sentados sobre o bordo de uma esponjosa nuvem, falando; porque bem sabia Deus que essa mulher sempre queria falar de algo.

      Inclusive agora, podia ouvir sua voz, chamando-o por seu nome.

      Ante ele, a fumaça formou redemoinhos e apareceu uma forma no centro, movendo-se para ele. Um anjo; tinha chegado para levá-lo a casa. Fechou os olhos e sentiu um profundo alívio, porque se um anjo vinha por ele, possivelmente não acabaria apodrecendo no inferno depois de tudo.

      Quando voltou a abrir os olhos, a figura estava mais perto, tinha uma das mãos cobrindo o nariz e a boca e a outra estendida, chamando-os.

      Apesar de os olhos lacrimejassem pela fumaça, forçou-se a mantê-los abertos, desejando ver seu rosto. Lentamente a imagem se voltou mais nítida, e se encontrou olhando um familiar par de olhos azuis. Era uma miragem, o último presente de Deus.

      —Lanie? —disse com voz rouca.

      —Mac? Está ferido? —Suas mãos percorreram intimamente seu peito e braços, procurando sinais de lesões e o, gradualmente, começou a compreender que isso não era uma miragem. Era Lanie em carne e osso. Estava viva... e estava ali, com ele.

      A certeza provocou uma descarga de adrenalina direta ao coração. Repentinamente, encontrou a energia e a força de que tinha carecido antes. Agarrou-a pelos ombros com ambas as mãos e a estreitou fortemente entre seus braços. —Lamento tudo o que te disse antes —sussurrou roncamente.

Mac sentiu como ela fechava os braços ao redor do e reclinava a cabeça contra seu ombro.

      —Certo. Já falaremos disso mais tarde.

      Queria lançar uma gargalhada, mas lhe doía muito a garganta. Soltou-a e logo se voltou para ver como se encontrava Dirk.

      —Está morto? —sussurrou Lanie em meio da incomum quietude.

      —Acredito que não. Ainda não. —Sacudiu Dirk e obteve uma débil resposta.

      —Mac, temos que nos apressar—. O fogo está justo debaixo de nós e balança muito rápido. Não temos muito tempo.

      —Ajude-me a levantá-lo.

      Mac ficou de pé, logo agarrou um dos braços de Dirk enquanto Lanie o agarrava pelo outro. Juntos o levantaram e então seu amigo abriu os olhos. Mac notou que Dirk fixava o olhar em Lanie e imediatamente a reconhecia; logo pareceu se recuperar. Juntos, moveram-se até a última habitação do corredor e se dirigiram para a janela. Quando olhou fora, Mac viu uma imagem desesperadora. A escada de incêndios que deveria ser a salvação era pouco mais que uns ferros oxidados e retorcidos que, apenas, penduravam de um dos extremos sem ignorar que lhe faltavam vários degraus.

      —Provemos por outro lado —sugeriu. Lanie se colocou entre os dois homens, rodeando cada um com seus braços para lhes sujeitar com força quando necessitassem. Moveram-se até o corredor e se dirigiram ao outro extremo.

      Tinham dado somente um par de passos para a caixa da escada, quando Lanie se soltou dos dois homens. Fez-lhes um sinal pedindo sem palavras que não se movessem enquanto ela se adiantava lentamente, medindo o chão com o pé antes de apoiar o peso e dar outro passo. Depois de vários passos, retrocedeu e repetiu o processo em outro lugar. Logo, retornou ao lado de Mac.

      —Eu estou acostumada a comprovar se o piso pode ceder —anunciou ela, assinalando o corredor—. Acredito que o fogo se originou justo aqui debaixo. Não é seguro. Temos que encontrar outra maneira de sair.

      MAC viu que olhava para cima e soube o que Lanie estava pensando. Não podiam baixar, mas podiam subir. Por desgraça, não tinham maneira de saber se o fogo estava afetando os pisos superiores e tinha outros focos mais acima.

      Sujeitando Dirk, Mac se dirigiu às escadas, adiantando-se para guiá-los. Lanie o deteve.

      —Eu irei diante —gritou ela. Ele negou com a cabeça, mas Lanie lhe cortou o passo—. Mac, isto é algo que eu faço habitualmente. Irei diante.

      Não gostou de nada a idea, mas sabia que ela tinha razão. Naquela situação Lanie era a perita, assim assentiu com a cabeça e deixou que os guiasse sabendo o perigo que corria. Foi uma das coisas mais duras que tinha feito em sua vida.

      Digiram-se diretamente para o telhado, esperando não encontrá-lo em chamas. Quando alcançaram a porta, Lanie a apalpou com a mão, analisando a temperatura para se assegurar de que não encontrariam um inferno do outro lado.

      Um segundo depois, pôs a mão no trinco, mas ao tentar abri-la, não pôde.   Forçou o trinco uma vez mais, com o mesmo resultado. Estava fechada. Dirigiu um olhar de preocupação a Mac e ele soube o que estava pensando: tinham uma porta fechada diante e atrás o fogo rugiente. Estavam apanhados.

      Mas ainda não estavam mortos. Com Lanie a seu lado, lhe olhando com desespero, sabia que não podia dar-se por vencido. Sentiu como o monstro interior que tanto lhe custava manter sob controle, espreitava sob a superfície e lhe deu rédea solta, alimentando-o com a cólera e a frustração que sentia.

      Sua visão adquiriu um tom avermelhado, quase cegador, enquanto o calor o envolvia. Por vontade própria, contraiu os lábios deixando as presas à vista. Ouviu o ôfego de Lanie e sentiu como Dirk se esticava ao seu lado. Olhou seu amigo e viu que também liberava sua própria batalha pessoal.

      —Libere-o —grunhiu Mac.

      —Não sei se poderei me controlar —admitiu Dirk olhando para Lanie.

      Ela abriu os olhos como pratos ante as possíveis conseqüências. Mac sabia que se Dirk não pudesse se controlar, Lanie corria tanto perigo com ele como com o fogo. A estrutura do edifício estava a ponto de ceder. Se não ficassem a salvo logo, em breve se desmoronariam os pisos inferiores.

      —Não temos alternativa —disse ele, dirigindo-se aos dois—. Não deixarei que lhe faça mal. —Sustentou o olhar de Dirk enquanto considerava suas palavras.

      Logo agarrou o trinco da porta e inclinando a cabeça, Dirk e ele investiram com todo seu peso contra ela. A porta cedeu e saíram para a cálida luz do sol.

      Instintivamente, Mac e Dirk elevaram as mãos para protegê-los olhos, enquanto Lanie corria para o beiral para olhar para baixo. Mac tentava se acostumar à claridade com os olhos entreabertos, enquanto ela percorria todo o perímetro, aparecendo a intervalos por cima da borda.

      Mac se aproximou para se deter ao lado de Dirk e ambos olharam para baixo, ao telhado do edifício do lado. Um pequeno beco, de não mais de dois metros de largura, separava os dois edifícios. Permaneceu ali de pé, calculando as probabilidades de êxito de sua nova ideia. Lanie se uniu a eles.

      —Vamos ter que saltar —anunciou ele.

      —Mac, o prédio tem mais de dez andares, estou acostumada a isso —protestou Lanie—. Não sobreviveremos.

      Ele sacudiu a cabeça e assinalou o edifício ao lado.

      —Saltaremos para o edifício ao lado.

      Lanie olhou para o beco, tão ameaçador como o Grande Canhão do Avermelhado e soube que era mulher morta. Possivelmente Mac e Dirk, com seu treinamento SEAL e as habilidades especiais que tinham adquirido, graças ao chupacabras, poderiam realizar esse salto, mas ela não poderia fazê-lo de maneira nenhuma.

      Viu como Mac intercambiava um olhar com Dirk, que assentiu enfaticamente com a cabeça. Logo Mac se voltou para ela. Não se deu conta que tinha estado negando com a cabeça, até que Mac tomou-lhe a cara entre as mãos. Em outro momento, teria se assustado pela estranha luz avermelhada que irradiavam os olhos que a olhavam tão intensamente, mas detrás dessa luz, havia inteligência, preocupação e a confiança de que tanto necessitava nesse momento.

      —Não vou deixar que morra. —Havia tal segurança em suas palavras, que ela quase acreditou.

      Ao longe, ouviu uma sirene apenas perceptível e renasceu a esperança.

      —Ouve-a? Não temos que saltar.

      —Estão muito longe, Lanie.

      —Não. Logo estarão aqui. Trarão escadas de mão. —Quando viu que ele duvidava, acrescentou rapidamente— Nem sequer sabe se pode conseguir. A luz do sol te debilita.

      —Esta não é a primeira vez que enfrentamos uma situação extrema com tão poucas probabilidades de êxito —disse Mac referindo-se a Dirk e a si mesmo—. Faremos o que seja necessário para sairmos vivos daqui... todos.

      Nesse momento, o edifício tremeu sob eles e ouviram um forte estrépito. Lanie sabia que Mac tinha razão, lhes acabava o tempo. Debaixo deles a estrutura cedia. Não passaria muito tempo antes que todo o edifício viesse abaixo.

      —Vamos!

      Lanie se voltou para ouvir o grito de Mac e viu como Dirk começava a correr. Lanie não viu sinal alguma de vacilação quando chegou à borda do edifício e saltou. Sentiu como se seu coração voasse com ele. Durante uns segundos eternos ficou suspenso no ar e logo desapareceu da vista. Sem se atrever a respirar, aproximou-se correndo da borda, rezando para não ver seu cadáver estendido no chão do beco.

      Surpreendentemente, Dirk estava de pé no telhado do outro edifício, parecia débil e sem fôlego, mas vivo. Sentiu a mão de Mac no braço e deixou que a arrastasse ao outro extremo do telhado.

      —Não posso fazê-lo. —Assinalou o beco com uma mão—. É muito largo.

      —Por isso te levarei eu.

      —O quê!? Não —protestou—. Peso muito.

      —Não para mim. Agora, suba. —Deu-lhe a espada e se inclinou para diante.

      O chão vibrava sob seus pés e Lanie compreendeu que não tinha outra eleição. O edifício estava a ponto de cair. Agarrando-se aos ombros dele, montou de um salto sobre suas costas e envolveu as pernas em torno de sua cintura.

      Logo, antes que tivesse tempo de se arrumar, Mac começou a correr. Sentiu o movimento de seus músculos debaixo das pernas enquanto ele atravessava o telhado a toda velocidade e então, subitamente, deu um grande salto e estavam no ar.

      O medo fez que soltasse um grito e se agarrou firmemente em seu pescoço em um abraço estrangulador, assustada de chegar a cair. Durante uns momentos aparentemente intermináveis, o oco do beco foi quão único havia debaixo e Lanie sentiu como a força da gravidade atirava deles. Logo o único que viu foi o telhado do outro edifício.

      O impacto foi tão forte que Mac trambulhou, quase a ponto de cair. Dirk os sujeitou rapidamente com as mãos e obteve que Mac recuperasse o equilíbrio, enquanto Lanie o soltava, deixando-se cair pelas costas dele. Durante vários segundos, quão único pôde fazer foi permanecer ali, tremendo, assombrada de que tivessem conseguido.

      Logo, quando foram se recuperando dos efeitos do choque, voltou-se para Mac, sobressaltada pela emoção e o abraçou com força. Seus braços a envolveram e se perderam um no outro, sentindo-se finalmente a salvo.

      —Vamos para casa — ouviu-o sussurrar.

      Percorreram várias quadras sem falar muito e logo tomaram um táxi para dirigir-se ao hotel. Mac não soltou Lanie em nenhum momento, mas não lhe importou. Tinha estado muito perto de perdê-lo.

      Sentada no assento traseiro, entre os dois homens, lembrou-se das notas que lhes tinham mandado.

      —Temos que trocar de alojamento —disse aos dois homens—. Quem sabe o que tentará Burton na próxima vez?

      Mac se inclinou ligeiramente para diante, dirigindo-lhe um olhar interrogativo.

      —Onde estiveste?

      —Sentada nas escadas de uns apartamentos, esperando que saísse o sol. —Explicou-lhe tudo rapidamente, ignorando o olhar de recriminação que lhe dirigiu quando mencionou que tinha saído para ver seu pai. Seus rasgos se obscureceram quando lhes contou como se livrou do vampiro—. Logo, esperei que amanhecesse, averiguei onde estava e chamei um táxi —concluiu—. Quando cheguei à habitação do hotel, encontrei a outra nota e soube que Dirk e você tinham sido pegos em outra armadilha. Tentei chegar a tempo para lhes advertir..., sinto ter chegado tarde.

      Mac lhe deu um ligeiro apertão.

      —Pensei que estivesse morta.

      —Eu acreditei que morreríamos todos —admitiu ela—. Estava nas escadas quando estalou a primeira bomba. Sabia que quão único podia fazer era subir, assim rezei para que estivessem acima.

      Chegaram ao hotel, mas em vez de se aproximar da recepção como Lanie esperava, Mac se dirigiu ao elevador.

      —Não vamos pelo menos a pedir outras habitações?

      — Olhe para nós, Lanie. Teremos sorte se não jogarem cairmos aqui mesmo, assim esqueça de pedir outras habitações.

      Tinha razão. Pareciam três bêbados que estiveram se derrubando na fuligem. Tanto suas caras como suas roupas estavam cobertas de cinza negra e cheiravam a fumaça.

      —Acredito que durante o dia não acontecerá nada —acrescentou Mac enquanto entravam no elevador e se dirigiam em silencio a seu piso.

      Logo que entraram na habitação, os dois homens se dirigiram para a cama; virtualmente não podiam nem ficar em pé. Temeu que dormissem tal e como estavam, com fuligem, aroma e todo o resto.

      —Um momento. Não se sente —gritou ela a Dirk quando se aproximou da cama—. Mac, tem roupa limpa?

      Ele olhou como se lhe custasse um mundo entender suas palavras, mas ao final assentiu com a cabeça.

      —Bom, para os dois. —Observou que Dirk e Mac tinham um tamanho e constituições muito similares e que suas roupas, serviriam a Dirk. Viu que Mac procurava desordenadamente na bolsa de seu armário, tirando dois pares de camisetas e dois jeans. Estendeu-os a ela.

      Ela tomou e colocou um par no quarto de banho de Mac e outro no dela.

      —Está bem, antes de lhes render ao sonho, vão tomar uma ducha quente e pôr roupa limpa. Deixem a suja no chão.

      MAC olhou-a como se quisesse rir de suas ordens, mas fo incapaz de reunir a força necessária para fazê-lo. Assim, olhou para seu quarto de banho e logo às portas de comunicação.

      —Vá ao meu —disse a Dirk, assinalando o quarto de banho de sua habitação—. Pode dormir aí.

      Dirk assentiu.

      —Eu tomarei banho aqui.

      Dez minutos mais tarde, Lanie estava sentada na cadeira do escritório quando Mac saiu vestindo nada mais que uma toalha. Parecia cansado, mas limpo, sua pele ainda desprendia o calor da ducha.

      —Pode entrar e tomar banho. —Seu tom rouco foi como uma carícia.

      —Obrigada. —Cravou os olhos nele, surpreendida de que não pôs as roupas que ela tinha metido no quarto de banho. Esperou que entrasse em sua habitação e lhe desejou boa noite—. Espero que durma bem.

      —Eu também —respondeu ele, caminhando para a cama de Lanie.

      —O que faz? —perguntou ela quando viu que estava a ponto de tirar a toalha e se meter sob os lençóis.

      Suas mãos se detiveram na cintura. — Tirar a toalha.

      —Vai dormir na «minha» cama?

      —Muito perspicaz de sua parte.

      —Onde supõe que dormirei? —Ela pensou se sua voz pareceu-lhe tão afogada como a ela.

      —Há duas camas, Lanie. Uma aqui e outra ali. Pode escolher. —Começou a soltar a toalha com a mão, assim que ela se meteu correndo no banheiro e fechou rapidamente a porta. Era muita excitação para uma garota.

      Tomou uma larga ducha, dando o tempo suficiente para relaxar e pensar sobre tudo o que tinha ocorrido. Queria atrasar tudo o que podia no momento em que tivesse que retornar à habitação. Finalmente, quando teve a pele quase enrugada, soube que não podia adiar mais. Fechou a água e saiu. Tomando a última toalha limpa que ficava, secou-se e logo se deu conta de que não tinha levado roupa. Envolveu o corpo na toalha o melhor que pôde e se consolou pensando que provavelmente Mac já estaria dormido.

      Abriu a porta e escutou. Quando ouviu o som de sua respiração tranquila e regular, saiu e atravessou nas pontas dos pés a habitação até onde guardava a mochila. Quando jogou uma olhada à cara de Mac, ficou sem fôlego. Uma vez mais, sentiu-se impactada pelo homem viril que dormia em sua cama.

      Rebuscou entre suas coisas até encontrar uma camiseta para vestir. Era a última limpa; teria que ir logo à lavanderia. Voltou para o quarto de banho para se trocar e por um momento considerou passar a noite na banheira, mas seria uma tolice.

      Saiu e se deteve diante das portas de comunicação, observando a forma adormecida de Mac em uma cama e a de Dirk na outra. Possivelmente lhe servisse de castigo a Mac que fosse dormir com Dirk, pensou dando um passo para a outra habitação.

‘     —Nem sequer pense em fazer isso. —Sua voz profunda retumbou, como uma cálida carícia na fria noite.

      —Pensei que estava dormindo. —Envergonhada, voltou-se para ele.

      —Não. Estava te esperando.

      —Sério?

      —Sim. —Afastou as mantas da cama para um lado—. Venha aqui.

      Seus olhos se encontraram e se aproximou até ele, atraída pela força de seu olhar. Timidamente, subiu na cama, consciente de que debaixo das mantas, ele estava completamente nu.

      Acomodou-se rigidamente enquanto ele a ambos com as mantas.      Ao seu lado, Mac se voltou para ela, alargou um braço e a atraiu para ele.

      —Tranquila, neném —sussurrou, aproximando-a ainda mais para que sua cabeça repousasse sobre seu peito—. Só quero te abraçar.

      Logo Mac fechou os olhos e suspirou com satisfação. Ao cabo de um momento, o ritmo de sua respiração se fez mais lento e profundo e Lanie não pôde evitar sentir-se ligeiramente surpreendida — e decepcionada — ao descobrir que, realmente, ele se tinha dormido.

      A princípio, tentou decidir se devia sentir-se insultada ou não, logo pensou que estava muito cansada para que lhe importasse. Permitiu-se relaxar e se aconchegou ainda mais contra ele. O pesadelo do fogo, a busca desesperada de Mac e o temor por acreditar que os três fossem morrer por não poder escapar a tempo, fez que caísse em um sonho tão profundo que dormiu melhor que há muito tempo.

 

      Clint notou a diferença tão logo se levantou na noite seguinte. O vínculo psíquico que o unia a outros tinha diminuído. Logo que era detectável, mas ainda seguia aí e Clint exalou um suspiro de alívio. O chupacabras ainda estava vivo.

      Levantou-se e viu que Gem se abatia sobre ele, observando-o. Quando seus olhares se cruzaram, Clint observou que os olhos da pequena estavam empanados pela preocupação. Levantando-se, notou a rigidez que tinha provocado o frio chão em suas extremidades e com lentidão se moveu para averiguar o que tinha acontecido com o adulto. Normalmente, a essas horas, a criatura estava acordada, mas nesse dia Clint a encontrou ainda convertida em pedra. Não teve tempo de sorrir aliviado, porque nesse momento, Lance entrou na habitação claramente contrariado.

      —Que demônios há? —inquiriu antes que seu olhar caísse sobre o chupacabras em estado pétreo. Entreabriu os olhos enquanto dirigia o olhar a Clint—. Por que não despertou ainda?

      —Não estou seguro, mas acredito que está morta.

      Lance pareceu ficar abalado ante suas palavras e se aproximou da criatura para pousar uma mão sobre a fria e dura pele. Manteve a mão um momento e logo a deixou cair.

      —Maldição. Não tinha terminado. —Seus olhos caíram sobre o bebê e Clint se interpôs em seu caminho.

      —Não é o suficientemente maior para converter um homem em vampiro.

      —Quanto tempo falta para isso?

      —Analisando o quanto cresceu nos últimos seis meses, suponho que uns vinte anos.

      —Vinte anos? —Lance ficou boquiaberto—. Está brincando comigo, verdade?

      —Não.

      —Genial, simplesmente genial. Quantos frascos de veneno do adulto ficaram?

      —Só um —mentiu Clint.

      —Dê-me isso junto com o veneno sintético no que estava trabalhando!

      Clint não teve que se incomodar em ocultar sua preocupação.

      —Ainda é instável.

      —Importa-me um nada. Dê-me o que tem. Terá que valer.

      A contra gosto, Clint tomou os dois frascos da mochila, evitando pensar no terceiro e os deu a Lance, esperando ter a possibilidade de recuperá-los mais tarde. Embora o veneno sintético não fosse perfeito, sabia que se aproximava o suficiente para converter um morto em vampiro, por algum tempo. Com o qual Lance conseguiria dois recrutas mais para seu exército.

      —Terá que nos bastar com o que temos aqui —disse Lance, cruzando a habitação para se aproximar da geladeira onde se guardava o sangue. Agarrou várias bolsas antes de fechar a porta—. Tem que conseguir mais sangue, antes que voltemos. —Fulminou-lhe com o olhar uma vez mais e logo saiu com violência, chamando os outros homens enquanto ia.

      A ordem pôs Clint em um dilema. Não queria deixar o adulto sozinho, mas se não conseguisse mais sangue, Lance descobriria que estava tramando algo, francamente, apesar de estar atuando às costas de Lance, Clint temia o que podia lhe fazer esse homem.

      Tomou Gem nos braços. Pendurou a mochila nas costas, depois de deixar várias bolsas de sangue de cão no chão, no caso do adulto despertar enquanto ele não estivesse, e partiu.

      Ganhou um pouco de tempo, pois ao chegar ao lugar de costume havia muitos vagabundos esperando-o. Trabalhou rapidamente, sem perder tempo falando com eles.

      Quatro horas mais tarde, quando tinha obtido suficiente sangue para satisfazer Lance, recolheu tudo e voltou rapidamente para a guarida, confiando que não tivesse chegado ninguém antes dele e o chupacabras já tivesse despertado. Rezou para que assim fosse; não poderia movê-la por si só.

      Quando alcançou a guarida, notou com satisfação que outros ainda não tinham retornado. Ansioso por saber como se encontrava o adulto, entrou precipitadamente em sua habitação e ficou paralisado.

      As três bolsas do sangue de cão estavam vazias, e o chupacabras tinha desaparecido.

 

      Lanie despertou com som de um batimento de coração e levou um momento dar-se conta de que não era o seu. Parecia provir debaixo de sua orelha e, quando se concentrou no som, sentiu o duro músculo e a suave textura de pêlo do peito sobre o qual descansava sua bochecha.

      Acontendo a primeiras horas da manhã retornou a sua mente e entreabriu um olho para confirmar o que esperava que fosse um sonho. Mas não havia lugar a dúvidas, tinha a cabeça apoiada sobre o peito de Mac. Pior ainda, ao longo da noite, enquanto dormiam, a camiseta subiu, enrolando-se em sua cintura e agora seus quadris nus se apertavam intimamente contra o corpo dele totalmente nu.

      Sentiu como ruborizava e tratou de levantar da cama sem despertar. Quando sentiu que a mão dele lhe acariciava brandamente as costas, compreendeu que já era muito tarde. Mesmo assim, sua mente procurou desesperadamente a maneira de sair daquela situação tão abafadiça enquanto permanecia completamente imóvel.

      —Sei que está acordada —disse ele brandamente. Sua voz logo que era um sussurro.

      —Eu..., em..., não estou.

      Sua risada suave foi como o ruído de um trovão sob seu ouvido.       Evidentemente, ele parecia estar muito mais cômodo que ela ante aquela situação. Tinha sentido. Provavelmente tinha estado na cama com centenas de mulheres, enquanto que sua experiência se limitava a alguns episódios que não valia a pena recordar.

      —Pensa muito —sussurrou Mac. Colocou um dedo sob seu queixo e elevou a cabeça dela até que seus olhares se encontraram. Lentamente, inclinou a cabeça para a sua e ela conteve o fôlego; de repente, sua única preocupação foram coisas como o cabelo revolto, a falta de maquiagem e... o hálito matutino—. Deixa de pensar — repreendeu-a brandamente, e ela sentiu seu quente fôlego em segundos na bochecha antes que seus lábios pousassem sobre os dela.

      Algo que estivesse pensando desapareceu de sua mente quando todo seu ser se concentrou nos lábios dele que, como o resto deste homem,... firmes e exigentes. Mostrou-se indecisa a princípio, mas quando o beijo se tornou mais profundo, sua resposta se intensificou. Seu corpo foi plenamente consciente do dele e, quando Mac atirou da camiseta, Lanie deixou que a liberasse dela.   Quase gemeu em voz alta quando seus corpos se tocaram outra vez e sua pele roçou contra o pêlo suave de seu peito.

      Durante vários minutos, ele sujeitou sua cabeça e a beijou; beijos largos, profundos, devoradores. Logo baixou a mão por seu ombro, para percorrer seu braço em uma suave carícia até que cavou seu peito, moldando sua plenitude. Lanie sentiu que seu mamilo endurecia sob a palma de sua mão e quando ele o apertou entre seus dedos, ela conteve o fôlego ante o intenso prazer que sentiu.     Com um gemido de impaciência, colocou-a em cima dele para que seus peitos ficassem à altura de sua cara e poder então, ter acesso a eles. Lambeu a ponta de um mamilo antes de tomá-lo inteiro em sua boca para chupá-lo.

      Cada pequeno puxão de seu peito provocava em Lanie pequenos estremecimentos que se concentravam em algum ponto de seu ventre e, quando sentiu sua ereção contra a parte posterior de suas coxas se moveu para que ele pudesse se situar entre suas pernas, a ponta de sua verga roçou a carne sensível de sua entrada e ela se retorceu ante a imperiosa necessidade de senti-lo em seu interior.

      Como se ele sentisse sua necessidade, agarrou-a pelos quadris e a sujeitou na posição correta enquanto empurrava para cima. A sensação de tê-lo dentro, quase a fez estalar. Aferrou-se a seus ombros, enquanto vários estremecimentos de prazer se estendiam por todo seu corpo.

      Elevou-se ligeiramente sobre os joelhos, fazendo com que saísse parte de seu membro, antes de deixar cair outra vez, muito lentamente, extasiada ante a grosa plenitude. Começou a se levantar outra vez, quando, repentinamente, seu mundo oscilou, e se encontrou deitada sobre suas costas com ele embalado entre suas pernas, olhando-a fixamente.

      —Sinto muito, carinho. É minha vez. —Apoiando uma das mãos sobre o colchão junto à cabeça dela, usou a outra para apertá-la contra ele, enquanto a penetrava uma e outra vez, repetidamente; cada aposta mais capitalista que a anterior.

      Se ela tivesse podido alinhavar algum pensamento coerente, palavras como «primitivo» e «animal» teriam ido à sua mente, mas nesse momento, estava além de todo raciocínio. Mac a reteve ferozmente e com uma urgência implacável tomou, até que a quebra de onda de sensações que tinha estado se formando em seu interior, explorou em um êxtase exorbitante, arrancando um grito de sua garganta. Agarrou-se firmemente a ele, como se fosse seu sopro de vida, enquanto Mac seguia investindo nela. Embora tivesse pensado que era fisicamente impossível, as sensações voltaram a ressurgir em seu interior uma vez mais.

      Com todo seu ser centrado na miríade de sensações que envolviam seu corpo em quebras de onda de prazer, apenas se deu conta do quente fôlego dele em seu pescoço. O primeiro roçar das presas contra sua pele, altamente sensibilizada, produziu como resposta o mais absoluto prazer erótico que houvesse sentido jamais e, quando perfurou sua carne, ficou sem fôlego, enquanto chamas ardentes ameaçavam consumi-la.

      —OH, Meu deus. O que tenho feito?

      Lanie ficou à beira do que prometia ser a maior experiência sexual de toda sua vida e não podia compreender por que Mac ficou repentinamente imóvel.

      —Por favor, não lhe pare —implorou, agarrando-se a ele.

      —Fiz mal a você. —Seu corpo tremia pelo esforço de não se mover.

      —Não, não o tem feito. —Ela queria chorar ou gritar de pura frustração—. Não pare agora. OH, Deus. «Por favor», não pare.

      —Não entende. —Soava desesperado—. Queria te morder. Queria seu sangue.

      Permaneceu em cima dela, com os músculos tremendo e Lanie viu a determinação em sua cara, junto com o desejo ardente que brilhava em seus olhos que tinham adquirido um brilho avermelhado.

      Era a hora da verdade. Se lhe pedisse que se detivesse, ele o faria, mas por outro lado, podia até ter fé em que ele fosse capaz de se controlar. Tomando sua cabeça entre as mãos, puxou-o para baixo, até que seus lábios estivivessem a poucos centímetros dos seus.

      —Confio em você. —O tenro beijo que lhe deu não se parecia em nada às tumultuosas sensações que percorriam seu corpo de cima abaixo.

      Mac seguiu titubeando.

      —Lanie, não acredito que possa...

      —É óbvio que sim —sussurrou, olhando-o nos olhos. Sabia que nunca estaria com outro homem como ele. Era possível que essa experiência perdurasse durante longo tempo, possivelmente toda uma vida. Desejava-o tanto nesse momento, que não podia jogar limpo. Apertou seus quadris contra ele, introduzindo-o ainda mais em seu corpo. A luz de seus olhos se voltou repentinamente selvagem e grunhiu, estreitando-a contra si e seguiu lhe fazendo amor com uma intensidade cada vez major, até que de novo ela sentiu que estava a ponto de cair por um grande precipício.

      Quando sentiu sua boca contra seu pescoço e suas presas lhe perfuraram a pele, foi mais do que pôde suportar. Ela gritou, enquanto seu mundo se rompia em um milhão de estrelas brilhantes e ardentes.

      Um segundo depois, Mac deu sua estocada final, e seu próprio grito primitivo ecoou com o dela.

      Lentamente, a quebra de onda de prazer remeteu e jazeram ali, relaxados e esgotados. Lanie sorriu quando Mac deixou um lastro de beijos por seu pescoço antes de rodar sobre suas costas levando-a com ele para que ficasse curvada contra seu flanco.

      Durante vários minutos nenhum dos dois falou, logo Lanie disse o primeiro que lhe passou pela cabeça.

      —Oh!!!

      Debaixo de sua cabeça escutou e sentiu o suave rugido do peito dele.

      —Tenho que reconhecer que foi simplesmente incrível.

      —Não me fez mal, sabe. —Não estava segura se seria prudente admitir que sua dentada tinha causado justo o efeito contrário. Em vez de lhe provocar dor, tinha resultado ser extremamente erótico. Entretanto, sentia curiosidade pelo que ele havia sentido—. O que sentiu... ao beber meu sangue?

      —Foi como beber de uma fonte de pura energia. Sabe, como o néctar mais doce. —Fez uma pausa antes de continuar em um tom quase reverente—. Nunca me senti mais vivo.

      Sua confissão a confundiu.

      —Se o sangue te faz sentir assim, por que rejeitou aquele que te trouxe?

      —Porque por alguma razão, Lanie, só desejo seu sangue. Mas não se preocupe, carinho, nunca tomarei sem sua permissão. Prometo-lhe isso.

      Nesse momento, a porta se abriu bruscamente com um ruído ensurdecedor. Repentinamente, Lanie se viu sozinha na cama com o coração desbocado e os lençóis apertados contra seu corpo, perguntando-se que diabos passava.

      Mac se tinha situado a meio caminho entre a porta e ela; tinha obtido de algum jeito sair da cama sem enredar-se com as mantas. Em um instante tinha recuperado sua arma e apontava com ela ao intruso. Lanie pensou que lhe via muito intimidador apesar de estar completamente nu. Dirk apareceu pelas portas de comunicação, também com uma arma na mão, mas pelo menos, ele tinha vestido os jeans.

      Durante vários minutos, ninguém se moveu. Como Mac obstruía a vista do intruso, Lanie se inclinou para um lado e logo desejou não havê-lo feito. Nunca tinha passado tanta vergonha em sua vida e quis desaparecer.

      A julgar pela expressão e posição de Dirk, parecia disposto a disparar primeiro e perguntar depois. Temendo que Mac e ele abrissem fogo de um momento a outro, Lanie soube que tinha que fazer algo para evitá-lo. Claro que, dado seu estado de nudez, suas opções eram limitadas, assim disse o único que lhe ocorreu.

      —MAC, Dirk. Apreciaria imensamente que não disparassem em meu pai.

      O certo era que Mac nunca se encontrou antes nesse tipo de situação. Pelo olhar demoníaco que havia nos olhos dessa criatura, Mac soube que o vampiro estava ali para matá-los, ou por ter flagrado lê e Laine ou por ter sido enviado por Burton, era algo que não sabia.

      Pela razão que fosse, o professor Weber contava com uma vantagem evidente —já estava morto—, mas Mac jamais fugia de uma briga. Weber o havia flagrado com as calças baixas —literalmente—, e estava sentindo como seu próprio temperamento começava a se descontrolar. Lutou por mantê-lo sob controle.

      Esperou que Weber fizesse o primeiro movimento; tinha a certeza de que esse homem não faria mal à Lanie. Enquanto Weber e ele estudavam um ao outro, Mac se precaveu das constantes e intermináveis expressões de maldições que surgia da cama e se sentiu invadido por uma inesperada faísca de diversão. A maioria das mulheres teria ficado a salvo, acovardadas debaixo das mantas, mas não sua Lanie. Inclusive agora, escutava como punha todo seu empenho em se levantar da cama.

      —Lanie, fique aí —lhe pediu, assustado de que pudesse situar-se na linha de fogo.

      —Não vou ficar aqui sentada enquanto você se põe em plano «Buffy,caça vampiros» diante do meu nariz. Se você se atrever a disparar contra meu pai, terá que se ver comigo. —Mac ouviu o som de umas firmes pisadas e soube que se levantou da cama. Olhou-a de lado e se sentiu aliviado ao notar que tinha conseguido se envolver no lençol. Logo agarrou seu jeans e os atirou bruscamente.

      —Pode pôr isso, por favor? As pessoas que passam pelo corredor começam a te olhar fixamente. — Ele não se moveu, antes queria saber qual seria o seguinte movimento do vampiro.

      Lanie soltou um bufido exasperado e olhou para seu pai.

      —Olá, papai. Alegro-me que tenha vindo para me ver, mas... não poderia ter chamado antes à porta? —Moveu a mão em um gesto de impotência para a porta que tinha ficado pendurandza de uma de suas dobradiças.

      Enquanto ela falava sem parar, Mac observou a sacudida de cabeça de Dirk para a porta e assentiu levemente para assinalar que tinha entendido a mensagem. Seguiu apontando para Weber com sua arma enquanto Dirk entrava silenciosamente na habitação e endireitava a porta, colocando-a de novo em seu lugar.

      Por sorte, pensou Mac as pessoas que passavam pelo corredor estavam tão estupefatas por ver um homem nu com uma pistola na mão, que não notaram nada incomum no homem que estava de costas.

      Lanie continuou no lugar, fulminando Mac com o olhar e logo ao seu pai.

      —Realmente —disse desgostada—, isto é muito. Papai, deixe de grunhir para o Mac.

      —Ouvi você gritar —disse seu pai com os dentes apertados, mostrando seu evidente aborrecimento.

      —É impossível que tenha me ouvido gritar —negou ela.

      —Droga, todo o hotel te ouviu gritar —resmungou Dirk a seu lado.

      —Vê? —cuspiu o professor, sentindo-se totalmente justificado. Mac tomou nota mental para disparar mais tarde a seu amigo.

      Viu que as bochechas de Lanie adquiriam um tom rosado e que um olhar mortificado cruzava por sua cara. Deixou-se cair na cadeira do escritório e, lhe jogando um olhar de soslaio, Mac viu como escondia a cara entre as mãos, resmungando:

      —OH, Meu deus. Isto não pode estar acontecendo.

      —Sabia que estava acompanhada de um vampiro, assim assumi, como é natural, que te estava atacando —continuou Weber—, e quando entrei aqui, foi exatamente o que encontrei.

      —Tolice — riu ela—. Mac nunca me machucaria. —Disse com tal convicção que Mac se sentiu envergonhado.

      —Está sangrando no pescoço —assinalou seu pai com indignação.

      —Sim, mas como pode ver, estou perfeitamente bem.

      —Não sei por que sente essa necessidade de protegê-lo, Lanie, mas sei o que vi. Tinha você na cama...

      —Na cama, papai. Estávamos na cama. E não estava me atacando.

      Acalorado pela rata que cometeu, o professor, cessou abruptamente e a expressão de sua cara se transformou em uma de horrorizada incredulidade quando, por fim, compreendeu a situação. Mac pensou que possivelmente estaria mais seguro antes, quando o homem acreditava que estava atacando a sua filha.

      —Estava dormindo com ele?

      —Quem fala de dormir? —soprou—. Eu Sinto muito, papai. É a frase de um filme. —Inspirou profundamente—. Bom, papai, tem que te tranqüilizar. —levantou-se e se aproximou de Mac, agarrando-o pelo braço—. E «você» tem que se vestir..., e não dispare contra meu pai. Agora, se me perdoarem, vou tomar uma ducha e me vestir. Quando voltar, sentaremo-nos todos e teremos uma agradável conversação.

      Para assombro de todos os homens ali presentes, aproximou-se de sua mochila, tomou suas roupas e cruzou as portas de comunicação para a outra habitação.

      —Lanie —gritou seu pai às suas costas—. Não esquecerei o que fez. Sua ameaça soou horripilante, e Mac se preparou para o pior.

      A risada de Lanie os deixou estupefatos.

      —Já somos dois, olhe.

      Mac ouviu como fechava a porta do quarto de banho; logo tudo o que se escutou foi o ruído da ducha. Os três homens se olharam uns aos outros guardando distância.

      —É a mulher mais incomum que jamais encontrei —resmungou Dirk do outro extremo da habitação.

      —Não faz ideia —respondeu o professor a contra gosto, e Mac acreditou detectar uma faísca de diversão nos olhos que antes o olhavam zangados—. Mas você sim, não?

      Mac assentiu com a cabeça.

      —Sim, senhor. E nunca lhe faria mal de maneira nenhuma. Dou-lhe minha palavra.

      O professor deixou escapar um suspiro.—Posso confiar em sua palavra?

      —Porque servimos na mesma unidade, não deveria pensar que todos são como Burton —disse Mac—. A honra e a integridade ainda significam algo para a maioria de nós.

      Durante vários segundos o professor o estudou tão estreitamente que se sentiu como se o estivessem dissecando sob o microscópio, mas ao cabo de um momento o homem assentiu com a cabeça.

      —Está claro que a minha filha importa muito e ela, como sempre, tem bom olho para julgar às pessoas. —Afundou ligeiramente os ombros e o espírito de luta que aparecia em seus olhos pareceu apagar-se—. Não vim para fazer mal a ninguém.

      Mac não baixou sua arma. Acreditava na honradez e integridade, mas com os anos, tinha desenvolvido certas reservas no que a questão de confiança se referia.

      —Por que veio?

      —Para ver minha filha.

      Mac sacudiu a cabeça. Não aceitava.

      —Tente outra vez e se mentir, dispararei. Pode ser que não morra com um disparo, assim esvaziarei o carregador. A experiência me diz que oito balas bastaram.

      A tez por si já pálida do professor empalideceu ainda mais. Mac pensou que o cientista não devia estar muito acostumado a tal desdobramento de violência, embora a última semana tinha sido, provavelmente, uma boa introdução.

      —Devia ver a minha filha, mas também a você. Sei que procura Lance e eu... —Quando McC lhe dirigiu um olhar inquisitivo rapidamente acrescentou—: vim para lhes oferecer um trato. Minha vida em troca de informação sobre os planos de Lance.

      —Por que deveria confiar em você? —perguntou Mac.

      —Porque não tenho nada a ganhar e tudo a perde se Lance sobrevive. Não sei como era quando estava vivo, mas agora é um psicopata e... se conseguir o que quer, me matará.

      —Por quê?

      —Desenvolvi um veneno sintético porque estava matando o chupacabras com seus constantes abusos. Eles não atacam os humanos por gosto, só quando têm medo ou se vêem forçados a isso.

      Mac assentiu lentamente com a cabeça, recordando o conflito de emoções que tinha detectado entre a criatura e Burton na casa de Harris.

      —O adulto está morrendo. Queria afastá-lo de Burton e levá-lo a um lugar tranquilo para que morra em paz. Tinha um plano.

      Mac sentiu curiosidade.

      —Qual?

      —Dei um tranquilizador à criatura quando anoiteceu, para que demorasse um pouco mais a voltar para a vida. Quando Burton a foi procurar, seguia sendo de pedra e lhe disse que tinha morrido. Não parou a fazer perguntas. — O professor fez uma pausa e Mac notou que franzia o cenho preocupado.

      —E algo saiu mal?

      A pergunta pareceu sobressaltar o homem.

      —Sim. Tive que deixá-la por alguns momentos. Supus que estaria a salvo, se todos pensassem que estava morta. Pretendia tirá-la do país, levá-la aonde pudesse morrer em paz, mas quando retornei ao laboratório... não estava ali.

A princípio, pensei que Lance tinha feito algo com ela, mas mais tarde, quando chegou ao laboratório, quis saber o que tinha feito com o corpo. —O professor inspirou profundamente—. Disse que me tinha desfeito dela, mas o certo é que... não sei onde está. Estou quase seguro que partiu para morrer, assim suponho que dá no mesmo.De qualquer modo, sabia que se ficasse perto, Lance exigiria muito mais veneno para poder seguir transformando os antigos membros de sua unidade em vampiros. Se eu não estiver, ele se verá limitado a usar nada mais que os dois frascos que tem.

      —Os dois frascos e qualquer pessoa de que se alimente, até matá-la —apostou Mac.

      O professor pareceu surpreso. —Todas as pessoas que matamos se convertem em vampiros?

      Mac e Dirk intercambiaram um olhar aturdido.

      —Não sabia?

      —Não, temo que não. Pensei que podia ser possível, mas nunca me ocorreu fazer esse tipo de experimentos.

      —Um dos investigadores que matou, ressuscitou, e embora seja difícil saber nesse momento, Lanie pensa que pode ser mais monstro que humano, por assim dizer.

      —Bom, sim. Tem sentido —e logo acrescentou analiticamente—: O efeito da segunda geração. O veneno provavelmente perde seu poder cada vez que acontece um novo corpo. Ah, pelo amor de Deus... —Em seus olhos apareceu um olhar distante—. Pergunto-me...

      —O quê?

      —Lance tinha o costume de forçar o adulto para que se alimentasse dele todas as noites. Com cada nova dose de veneno, se fazia mais forte. Qualquer vampiro que ele crie agora...

      A frase ficou no ar e Mac não gostou nada das implicações.

      —Quantos homens matou?

      —Não sei. Quando chegamos, matou uns vagabundos. Héctor acabava de despertar e precisava se alimentar, embora pense que Lance matou pelo menos um para si mesmo.

      —A esses cravei uma estaca —disse Mac.

      —Ah, bem. Depois desse dia começamos a compilar sangue de vagabundos em vez de matá-los. Converteu-se em nossa principal fonte de alimentação. Lance ordenou a todos nós que bebêssemos exclusivamente das bolsas, mas ele partia todas as noites; desaparecia durante horas. Não tenho nem ideia do que fazia durante esse tempo.

      «Genial», pensou Mac. Tinham que ficar de olho nas notícias para descobrir e anotar todas as que fizessem referência a mortes estranhas..., ao menos durante uns dias. Cruzou um olhar com Dirk. Levantou as calças jeans com a mão e esperou que seu amigo captasse a ideia de que vigiasse o vampiro.      Sem tirar os olhos do professor, Mac se afastou e colocou a arma sobre o escritório enquanto vestia os jeans. Uma vez que se vestiu, sentiu-se mais seguro. Recolhendo sua arma outra vez, dirigiu-se ao professor.

      —Há dito que tinha algum tipo de informação para intercambiar?

      —Sim. —Weber olhou a cadeira do escritório e depois a Mac—. Importa-se me sento? A mochila pesa muito quando a levo muito tempo às costas.

      Mac assentiu com a cabeça, retrocedendo para permitir que o professor cruzasse a habitação. Quando passou por seu lado, Mac notou que algo se movia dentro da bolsa.

      —O que leva aí dentro? —perguntou subitamente alarmado.

      —Nada perigoso —se apressou a tranquilizá-lo. Deslizou as correias de seus ombros e deixou a mochila brandamente no chão - É Gem, o bebê do chupacabras —explicou abrindo a cremalheira da parte superior e colocando a mão.

      Dirk se apressou a cruzar a habitação para deter-se ao lado de Mac.

      —Não lhes fará mal —disse o professor quando notou que os dois estavam muito tensos.

      — Perdoe-nos se tivermos nossas reservas —disse Mac—. A experiência que tivemos com o chupacabras não foi precisamente boa.

      Ante aquele anúncio, o professor levantou a cabeça repentinamente e os olhou com atenção.   —De verdade?

      —Sim, nós dois tropeçamos com o adulto.

      —Atacou os dois?

      —Sim.

      Assentiu com a cabeça como se estivesse meditando. —Isso explica...

      —Explicar o quê? —perguntou Dirk.

      —A razão pela qual posso sentir seus pensamentos e emoções através do vínculo..., todos fomos criados pela mesma criatura. Embora —acrescentou extremamente arrependido—, interpretei mal as últimas emoções que percebi em você.

      Mac soube que se referia ao momento em que tinha mordido Lanie, mas não se daria o trabalho de explicar nada ao seu pai.

      —Há uma diferença notável entre nós e você —apontou Mac—. O chupacabras nos atacou, mas não nos matou.

      O professor pareceu confuso.

      —Mas te vi no beco quando esses três homens lhes assaltaram. Vi sua velocidade e força; seus olhos e suas presas. —Seus olhos adquiriram um antinatural tom avermelhado—. Pensar nesses três homens atacando a minha filha afetou-me tanto, que quis sentir sua carne em minha boca, lhes arrancar de um puxão a jugular e beber seu desprezível sangue até a última gota. E como eu não podia fazê-lo, alegrei-me de que o fizesse por mim.

      Mac se sentiu confuso por um momento. Esses tinham sido exatamente seus pensamentos e sentimentos naquela noite. Ou não? Seria possível que o professor —da mesma maneira que Burton tinha controlado o chupacabras— tivesse irradiado suas emoções a Mac? Pareceu-lhe que era muito provável, e aquilo lhe tirou um grande peso de cima. Possivelmente ele não era um monstro depois de tudo.

      —Se vocês não são vampiros —começou o professor, interrompendo os pensamentos de Mac — então isso faz que... —fez uma pausa enquanto seus olhos cobravam um brilho de excitação — as lendas sejam certas. Conhecem Charles?

      —Mac assentiu com a cabeça—. Sim... e também sabe o que ocorre a você.

      Nesse momento, a criatura, sem dúvida cansada de ser ignorada, empurrou as mãos do professor. Quando a tirou da mochila, Mac viu pela primeira vez o bebê do chupacabras. Recordava a uma figura que havia sobre o escritório na casa de sua irmã, só que maior. Sandra a chamava de O Guardião do Escritório e era uma gárgula de cerâmica.

      Ao pensar em Sandra, recordou que devia chamá-la para lhe dizer que estava bem e rezar para que não acabasse sendo uma mentira.

      O professor estava sentado na cadeira do escritório e o bebê deu um salto para aterrissar sobre seu ombro, onde se encarapitou e se acomodou.

      —Se não se importam —disse, olhando para Mac e para Dirk—, eu gostaria de saber mais sobre o ataque que sofreram e as mudanças que experimentaram.

      Mac e Dirk intercambiaram um olhar e logo encolheram os ombros. Nenhum nem outro via mal algum em contar, assim cada um descreveu seu ataque. Seu interesse parecia mais científico que qualquer outra coisa.

      Mais tarde, Lanie apareceu na porta que separava ambas as habitações. Tinha o cabelo úmido, mas Mac pensou que nunca a tinha visto mais bonita. Teve que refrear rapidamente uns quantos pensamentos luxuriosos sobre duchas compartilhadas, antes que se distraísse e perdesse de vista seu pai. Inclusive agora, Mac sentiu os olhos de Weber fixos nele, mas quando o olhou, só viu a preocupação de um pai por sua filha.

      Justo então, Lanie viu o bebê do chupacabras e soltou um pequeno grito de deleite, enquanto estendia a mão para acariciar a cabeça da pequena criatura, tal como seu pai tinha feito momentos antes.

      —Seu nome é Gem —disse Weber à Lanie—. Não é preciosa?

      Lanie levantou a vista e Mac viu como pai e filha compartilhavam um sorriso. Havia tal calor nela que sentiu uma incomum pontada de ciúmes. Quando Lanie se voltou e lhe dedicou também o mesmo sorriso, a sensação de surpresa e alegria que sentiu o pilhou despreparado. Antes de saber o que estava fazendo, tinha estendido a mão para acariciar também a cabeça da criatura.

      Durante vários minutos, Mac ficou calado observando como Lanie se informava sobre Gem. O professor a ilustrou sobre tudo o que concernia à criatura, hábitos de alimentação e demais necessidades. Era como se o fosse deixar sua mascote enquanto ele ia de férias e a Mac ocorreu que, possivelmente, estivesse fazendo precisamente isso.

      —Professor Weber, disse-nos que estava interessado em um trato.

      Uma expressão sombria cruzou pela cara do professor e dirigiu a Mac um olhar sério.

      —Ouvi sem querer Lance quando falava com outro... bem... outro homem na noite passada. Disse que se pôs em contato com seu enlace e que os recursos tinham sido transferidos a sua conta.

      Ao seu lado, Dirk resmungou. Embora, em realidade, as notícias não o surpreendessem muito. A emboscada do passado tinha sido, sem dúvida, financiada pelo mesmo contato e pelo mesmo propósito..., a avareza de Lance.

      —Suponho que não sabe quais são seus planos, não?

      O professor assentiu. —Seu destino é Camp David. Comentaram quão fácil seria para eles saltar todas as medidas de segurança existentes.

      Mac e Dirk intercambiaram um olhar preocupado. As coisas estavam se pondo cada vez mais complicadas. Mac não tinha nenhuma dúvida de que Burton e seu corpo especial de vampiros fariam tudo de que se gabavam. Provavelmente, conseguiriam romper o cerco de segurança sem problemas, seriam sombras escorregadias, indetectáveis e mortíferas.

      —Quem é o branco? —perguntou, embora já soubesse a resposta.

      —O presidente dos Estados Unidos.

 

      Lanie ficou sem fôlego e sentiu como se seu mundo se rompesse em pedaços. Como era possível que existissem chupacabras, vampiros e atentados terroristas? Sua vida estava costumava ser segura, aprazível e sem incidentes. O que era entrar em um edifício ardendo comparado com isso?

      Aborrecido.

      —Não entendo — ouviu dizer a si mesmo—. Por que o presidente?

      Os três homens a olharam com expressões similares, fazendo-a pensar que a resposta era óbvia, mas que ela era muito torpe para isso. Logo responderam todos de uma vez.

      —Poder.

      —Avareza.

      —Dinheiro.

      —Mas se for um vampiro —protestou ela—. Que necessidade tem um não-morto dessas coisas?

      —Estar morto não lhe trocou. Burton sempre foi uma dessas pessoas que nunca estão satisfeitas —explicou Mac—. Sempre queria mais, merecendo ou não. É uma das razões pelas que nunca se destacou na tropa. O único que lhe importava era ele mesmo, não o que fosse bom para a unidade ou para o país.

      —Quando não pôde obter o que queria de dentro, decidiu trabalhar para os de fora —acrescentou Dirk—. Imagino que se cansou de tanto olhar e vai a luta por todas.

      —Mas, o presidente? E por que ele?

      —Porque pode —disse Dirk—. Agora tem recursos.

      —Imagine o que ocorreria em nosso país se disparassem contra o presidente em sua residência privada —continuou Mac—. Ninguém se sentiria seguro nunca mais. Por outra parte, por aí já anda circulando o rumor de que a saúde do vice-presidente não é boa. Padece do coração. Se assassinarem o presidente, a tensão de assumir o controle poderia acabar também com o vice-presidente, com o qual se carregam dois pássaros de um tiro, colocando os Estados Unidos em uma posição extremamente vulnerável. Quantos de nossos inimigos não pagariam uma fortuna para que isso ocorresse?

      O que diziam tinha sentido.

      —Temos que detê-lo.

      —Faremos isso —disse Mac com firmeza—. E você se manterá à margem.

      Trinta minutos mais tarde, Lanie estava sentada escutando seu pai falar uma vez mais dos planos de Burton. Desta vez, tio Charles tinha se unido a eles.

      Tinha acudido logo que Mac o chamou por telefone. Quando chegou, Lanie tinha esperado ver um reencontro afetuoso entre seu pai e ele, mas Charles tinha atuado com cautela, fazendo com que sua mudança de atitude pusesse seu pai nervoso. Depois de vários e tensos minutos de incômodo silêncio, seu pai tinha estendido a mão com vacilação para felicitar seu velho amigo —algo sobre um legado familiar e que compreendia seu significado — e isso pareceu aliviar a tensão entre ambos.

      Logo, Mac e Dirk se uniram para escutar o final da história. Quando terminou, o almirante, Mac e Dirk se retiraram à habitação de Mac para planejar sua linha de ação, deixando Lanie a sós com seu pai. Era a primeira vez que tinha ocasião de olhá-lo diretamente; sua morte e seu estado atual a tinham extremamente preocupado.

      —Como é ser... ? —Não sabia como perguntar, mas seu pai pareceu compreender o que queria dizer.

      —Um não-morto?

      Ela sorriu.

      —Sim.

      —Bom, a supervelocidade e a força estão bem. —riu entre dentes—. Nunca fui particularmente forte ou atlético, assim é uma mudança agradável.

      —E o sangue?

      Ele deu de ombros.

      —O sangue não me incomoda. É do que necessito agora para sobreviver. Meu corpo o deseja ardentemente. —Seu tom, que até esse momento tinha sido crítico e jovial, voltou-se sério—. Eu não gosto de matar para obter sangue e, enquanto possa evitar, não o farei. O que me preocupa é que, cada dia, pensar em matar não me parece tão alarmante. É como se ser membro dos não-mortos tivesse afetado a minha alma, o meu respeito pela vida e os vivos. Temo me levantar uma noite e ser um desses monstros das histórias de terror, incapaz de recordar o que era ter consciência. Não sinto saudades que alguém, digamos, de duvidosa moralidade, seja uma verdadeira ameaça se alguma vez se transformasse em vampiro.

      Suas palavras a deixaram gelada.

      —Quer dizer alguém como Lance Burton.

      —Sim, exatamente. Espero que possam lhe deter —disse ele, assinalando com a cabeça a outra habitação.Ficou em pé, logo a puxou para que se levantasse e a envolveu entre seus braços—. Vi você muito pouco nestes últimos meses.

      —Eu também senti saudades. —Devolveu-lhe o abraço—. Quando me disseram que estava morto, eu... —Sua voz se quebrou—. Lamento não ter estado mais tempo contigo.

      —Cale-se, menina. Não há necessidade de lamentos. Não ppoderia ter tido melhor filha. E embora esta seja uma existência estranha, pode estar segura de que não é horrorosa..., ainda. Entretanto, considero que a atração que sinto pelo sangue humano é uma tentação para mim, e muito temo que cedo ou tarde, cairei e me converterei em um perigo para os que estejam ao meu redor..., inclusive para você. Assim decidi me afastar antes que ocorra algo assim.

      Lanie ficou olhando-a, paralisada.

      —Não estará pensando em se matar?

      —Quer dizer permanentemente? —Dirigiu-lhe um amargo sorriso, mas negou com a cabeça—. Não tenho coragem para isso, mas não ficarei aqui.

      —Aonde irá?

      —Estou pensando em voltar para o Amazonas. Quero encontrar o povo de Guberstein. Seria o descobrimento de minha vida.

      —Mas ninguém sabe onde está. Pode passar anos e anos na selva buscando-o infructuosamente e não encontrá-lo nunca.

      —Então é uma sorte que seja imortal.

      Tentou sorrir ante a piada, mas lhe resultou muito difícil. Se ele fosse, não o veria nunca mais. A não ser que...

      —Irei contigo.

      Ele apoiou a bochecha sobre sua cabeça.

      —Não. É melhor assim. Ainda é humana e não seria seguro para você. Além disso, a menos que me equivoque muito, acredito que seu namorado gostaria que ficasse.

      Seu namorado. Por isso ela sabia, Mac ainda a culpava do incidente que o tinha transformado em algo que odiava. Fazer amor com ela não tinha sido mais que encontrar um corpo quente no lugar e no momento adequado. Nada mais... ao menos, para Mac. Cedo ou tarde, retornaria a Houston, sozinha. E teria perdido os dois homens que mais tinha amado em sua vida.

      Foi a primeira vez que se permitiu pensar nisso, mas assim que o fez, soube que era verdade. Amava Mac e imaginar um futuro sem ele resultava quase impossível.

      —Tenho que ir. —A voz de seu pai interrompeu seus pensamentos. Soltou-a e se voltou para o bebê do chupacabras que descansava sobre a cama. Levantou a criatura em seus braços e a sustentou, acariciando sua cabeça e pescoço com afeto.

      —Quero que cuide do Gem por mim —disse à Lanie—. Não tenho o talento suficiente para despistar Lance e seus homens se me buscarem. Se quiserem pegar Gem, estará mais segura com Mac e contigo que comigo.

      Lanie ergueu a mão e acariciou o frágil pescoço do chupacabras.

      —Voltará a entrar em contato comigo alguma vez?

      —Se puder, fare, prometo-lhe isso. Há um par de coisas que quero te dar antes que os outros voltem. —Voltou a colocar o chupacabras sobre a cama e agarrou sua mochila do chão. De seu interior tirou várias bolsas de sangue e as colocou sobre a mesa.

      —Sangue de cão, para Gem. —Logo tirou um pequeno pedaço de tecido, que deu a ela—. Isto é para você.

      —O que é? —Quando tomou entre as mãos, desembrulhou o tecido para descobrir um vial e uma seringa de injeção, das que usavam os diabéticos.

      —O veneno e o antisoro. —Agarrou o vial de líquido incolor—. Este é o último vial de veneno original do chupacabras. Extraí-o do adulto faz uns dias. Como suponho que saberá, este veneno tem um extraordinário poder curativo. Se pudéssemos fazer uma réplica perfeita os teríamos dominado. Para fazê-lo, terá que encontrar um bioquímico com boa reputação e um bom laboratório. Entretanto, tem que saber que Lance possui dois viales e estou seguro de que tem intenção de usá-los para conseguir novos recrutas.

      Ela inclinou a cabeça quando o colocou de novo na palma de sua mão e levantou a seringa de injeção que continha um líquido âmbar.

      —Este é o antisoro. Ataca e destrói todas as células do veneno, em essência. Tive oportunidade de prová-lo. É doloroso, rápido... e mortal para os vampiros.

      Lanie recordou o corpo que tinham encontrado, horrivelmente retorcido, no edifício abandonado.

      —Kinsley —sussurrou Lanie.

      Seu pai assentiu.

      —Não é algo de que me orgulhe, mas precisava prová-lo. —Fez uma pausa e lhe dirigiu um olhar significativo—. Acredito que funcionará exatamente igual com os changelings, se por acaso precisar utilizá-lo.

      —Changelings? —Não era uma palavra com a qual estivesse familiarizada, mas quando lhe assinalou com o olhar as portas de comunicação, entendeu—. OH, não acredito...

      Seu pai lhe fechou os dedos ao redor da seringa de injeção e do vial, antes de cobrir seu punho com a mão.

      —No caso de..., ... certo?

      Ela assentiu.

      —Certo. —Voltou a envolver o pacote, e o guardou em sua mochila. Deu a volta e pela expressão da cara de seu pai, soube que seu tempo juntos chegava ao fim. Ele a atraiu para seus braços uma vez mais e a abraçou com força, beijando-a nuca.

      —Não é uma despedida, Lanie, minha pequena. Voltaremos a nos ver. Entrarei em contato contigo logo que possa, mas até então tome cuidado, está bem?

      Ela apoiou a cabeça em seu peito, as lágrimas que tinha contido até esse momento fluíram livremente por suas bochechas.

      —Quero-te, papai.

      —Eu também te quero. —Seus braços a apertaram brevemente—. Diga ao Charles que te disse que... Em breve nos veremos.

      Logo se foi e ela ficou sozinha na habitação.

      —Como sabem que não atacarão nesta noite? —perguntou Lanie quase uma hora mais tarde, sentada na beira da cama de Mac. O almirante se foi e Mac e ela estavam esperando que Dirk voltasse, após cumprir uma tarefa.

      —Principalmente porque se supõe que o presidente não chegará ao Camp David até manhã de noite —disse Mac em um tom cortante de onde estava sentado junto à mesa.

      Agora que estavam sozinhos, ela se sentia decepcionada de que ele não tivesse tentado recuperar sua anterior intimidade. Entretanto, tentou não se sentiu incômoda, porque sabia que ele tinha a cabeça em outra parte.

      —Pensei que o apresentador das notícias havia dito que já estava ali.

Mac lhe dirigiu um olhar que a fez sentir-se tola. Não lhe tinha ocorrido que os meios de comunicação pudessem facilitar informação errônea.

      —-Qual é o plano? —perguntou ela, tentando trocar de tema.

      —O almirante Winslow vai chamar por telefone a várias pessoas que lhe devem favores e advertirá ao Serviço Secreto de que existe uma potencial ameaça contra a vida do presidente. Não diremos nem ao FBI, nem a nenhuma outra agência, porque não queremos que todos se inteirem de que os vampiros existem. Teremos que fazer tudo com muita discrição. Dentro de seis horas, depois de dormir um pouco, Dirk e eu voaremos para Camp David, onde já estará avisado o Serviço Secreto e poderemos oferecer nossos serviços. Conforme calculo, devemos chegar uma hora antes do pôr-do-sol com o tempo suficiente para nos preparar. Não acredito que Burton faça nada antes desse momento.

      —O que posso fazer para ajudar?

      Mac apertou a mandíbula enquanto a olhava fixamente com uma expressão ilegível na cara.

      —Ir para casa.

      Suas palavras foram como uma punhalada e não pôde evitar cravar os olhos nele, sua cara refletia a surpresa que sentia.

—Mas... não quero ir. Quero ficar aqui... —«Contigo». Soava patética, mas não lhe importou.

      —Você conseguiu ver e falar com seu pai, assim já não tem razões para ficar.

      Ela abriu a boca para discutir, mas Mac levantou a mão para silenciá-la.

      —Vou ser claro. Não quero que me espere, Lanie. Pelo amor de Deus, vá para casa.

      Ela ficou completamente paralisada. «Ir para casa? Mas se te amo», quis gritar, mas as palavras ficaram sem dizer.

      Finalmente, encontrou um retalho de dignidade. Levantando-se da cama, voltou para sua habitação. Cada parte de seu ser a impelia a fechar a porta de comunicação com estrondo e soltar um grito de raiva, mas não cedeu à tentação. Assim que se dirigiu ao armário, agarrou a mochila e a lançou também com força em cima da cama. Apalpou procurando a cremalheira, machucou-se e a raiva quase a cegou.

      —Lanie. —A profunda voz de Mac retumbou da porta de comunicação—. Sinto... eu... —Fez uma pausa e o pânico a invadiu.

      «OH, Meu deus. Não permita que se desculpe dizendo que não me ama».

      —Não, tem razão. Não teria resultado. —concentrou-se em fazer a bagagem—. Além disso, tenho que retornar a Houston. Há algumas pessoas —«nenhuma»—, me esperando.

      Não acrescentou nada mais, e um embaraçoso silêncio se estendeu entre eles. Sem lhe olhar, cruzou a habitação até a penteadeira, onde recolheu sua roupa suja da gaveta para jogá-la em cima da cama.

      —Lanie, eu... —Nesse momento soou um golpe na porta e Mac voltou para sua habitação para abri-la.

      Com movimentos rápidos e furiosos, Lanie dobrou uma camiseta suja e a meteu na mochila enquanto ouvia a voz de Dirk na outra habitação. Houve um breve intercâmbio de palavras, muito baixo para que pudesse captar algo, e logo Dirk se aproximou lentamente da porta de comunicação, levando um pequeno transporte de cães comele.

      —Trouxe um presente para você —lhe disse, detendo-se de repente quando viu sua mochila aberta—. Vai a algum lugar?

      —Para casa.    . parece —resmungou.

      A surpresa de Dirk parecia genuína e se sentiu melhor ao saber que os dois homens não haviam combinado contra ela. Dirk, entretanto, não era estúpido e, depois de lançar um olhar a Mac por cima do ombro, pareceu compreender.

      —Quando vai?

      —Não sei. Não tenho...

      —Seu vôo sai a uma.

      Lanie agitou a mão em direção a Mac, mas respondeu a Dirk.

      —Sim, está bem. Parece que tenho um vôo a uma. —Dedicou a Dirk um sorriso radiante e logo olhou com indignação a Mac, antes de fazer uma bola com uma calça e colocá-la à força na mochila.

      Estava tão desgostosa consigo mesma como estava com Mac. «Amor», bufou. No que acreditava? O amor só existia nos contos de fadas; não era algo real. Bom, a dor que causava sim, pensou, sabendo que de algum jeito teria que superar tudo isso e seguir adiante com sua vida.

      Se pelo menos fosse tão fácil.

      Viu como Dirk atravessava sua habitação interpondo-se entre Mac e ela para deixar o pequeno transporte no chão diante da penteadeira.

      —Pensei que este transporte seria uma boa cama para Gem —disse—. Suponho que também valerá para transladá-la nas viagens.

      —Obrigada. —Dirigiu-lhe um sorriso agradecido e logo se voltou para o armário, ignorand Mac, que seguia de pé junto à porta aberta, observando-a. Não tinha muita roupa pendurada e felizmente pôde recolher de uma passada.       Enquanto voltava para a cama, deu-se conta de que um dos objetos era o vestido que tinha usado na recepção. Separou-o do resto da roupa e o deixou de lado. Adorava esse vestido, mas era impossível que voltasse a pôr sem que recordasse Mac. Lançando a ele um olhar mordaz, tomou o vestido e sem vacilar, retornou ao armário e voltou a pendurá-lo.

      Seguiu fazendo sua bagagem, ignorando os dois homens, luzindo seu melhor olhar de «ocupada». Felizmente, ambos retornaram à habitação de Mac, antes de ficar sem nada que meter na mochila.

      Lanie nem sequer tentou escutar às escondidas o que falavam. Deixou-se cair ao lado da mochila e suspirou profundamente. Enquanto permanecia ali sentada, o pessoal do hotel arrumou a porta. Tinham considerado isso algo tão habitual como substituir as toalhas usadas por outras novas. Lanie supôs que possivelmente era devido à considerável contribuição econômica do almirante.

      Quando partiram, sua cólera tinha desaparecido, deixando passo a autocompaixão. Um pequeno gorjeio captou sua atenção; olhou ao redor para ver o pequeno chupacabras aproximando-se dela.

      —Olá, bonita —disse brandamente, acariciando a suave pele sem pêlo do pescoço de Gem—. Você, sim, que sabe o que é perder alguém que quer, verdade? —Pensou na outra criatura, perdida, reveste e a ponto de morrer—. Suponho que a partir de agora só seremos nós duas. —Tentou olhar Gem com objetividade—. Acha que meus vizinhos acreditarão que é uma nova raça de canguru sul-americano? —Possivelmente deveria considerar viver em outro país, pensou.

      Levantou-se da cama com Gem ainda nos braços e agarrou uma das bolsas de sangue sobre a mesa. Levou-se Gem ao quarto de banho, deixou-a na banheira com a bolsa e esperou enquanto o pequeno chupacabras bebia. Quando terminou, Lanie limpou o sangue derramado e voltou para dormitório.

      Quase tinha empacotado tudo, assim terminou em seguida. Abriu as cortinas e se sentou na poltrona. Gem saltou ao seu colo e, enquanto Lanie começava a lhe acariciar, começou a emitir um tranqüilizador ronrono. Juntas, observaram a saída do sol.

      O som do telefone despertou Lanie algo mais tarde, com os músculos rígidos por ter dormido em uma má postura, teve dificuldades para ficar em pé para responder. Levantou-se ainda agarrando firmemente Gem entre seus braços, que agora parecia a figura, maior, claro, de uma gárgula; deixou-a em cima da cama para atender ao telefone.

      —Sim?

      —Senhorita Weber? Chamam-na à recepção. Deixaram-nos o aviso de que a chamássemos a esta hora —respondeu a agradável voz ao outro lado da linha.

      —Como?

      —Para despertá-la. O Sr. Knight nos deixou o aviso faz um par de horas. Disse que você tinha que agarrar um voo. Temos um táxi esperando para levá-la ao aeroporto onde, por isso sabemos, tem um bilhete em seu nome. Necessita de alguém para ajudá-la com a bagagem?

      Lanie, que ainda seguia um pouco sonolenta, levou uns momentos para compreender o que lhe estava dizendo. Mac tinha se encarregado de tudo. Imaginou que não queria correr o risco de que ficasse ali. Pois bem, não tinha do que se preocupar mais.

      —Não, não será necessário. Mudei de ideia e decidi ficar.

      —Ah. —O tom preocupado da mulher a intrigou.

      —Há algum problema?

      —Bom, o caso é que sua habitação já foi reasignada a outra pessoa. —A mulher estava claramente sobressaltada.

      —Passaram minha habitação a outra pessoa? A quem?

      Lamento. Mas não posso facilitar essa informação.

      Lanie cravou os olhos na parede, tentando não perder a calma.

      —Está bem, não importa. Há mais habitações disponíveis? Transladarei a uma delas.

      Imediatamente a mulher trocou de tom, aliviada.

      —Sim. Posso alojá-la no quinto piso.

      —Genial.

      —Necessito do seu cartão de crédito.

      —Descerei agora.

      Desligou o telefone, sentindo-se ainda mais zangada que desafiante. Não deixaria que Mac a obrigasse a partir. Tirou de sua carteira o cartão de crédito que tinha «somente para emergências», invadida por uma sensação de triunfo. Então «esse homem» se atreve a me dizer o que tenho que fazer, desafiou em silêncio. Ficaria ali tanto tempo como lhe desse a vontade ou, ao menos, enquanto pudesse. Levantou o cartão estudando-o, como se pudesse, dessa maneira, ler escrito em alguma parte do mesmo, quanto crédito teria disponível.

      Certamente chegaria para uma noite, e isso era tudo do que necessitava para que desse conta de que ninguém a manipulava. Agarrou o cartão e foi à recepção. Não demorou a se registrar e, com a chave de sua nova habitação na mão, retornou à antiga para transladar seus escassos pertences.

      Realizou um último inventário de roupa e artigos pessoais e, estava a ponto de fechar a mochila, quando seus olhos pousaram inconscientemente no armário e no solitário cabide onde pendurava o vestido. Exasperada consigo mesma, aproximou-se e o agarrou. «Isto não quer dizer que vá conservá-lo», disse a si mesma. «Simplesmente o guardarei até que possa tomar uma decisão um pouco menos emocional». Dobrou o vestido e o colocou em cima do resto da roupa. «Além disso, sempre posso atirá-lo ao lixo mais tarde».

      Revisou a habitação uma última vez e viu que não ficava nada por guardar, assim fechou a cremalheira de sua mochila. Agarrou a mala de seu pai e o portátil do armário e os colocou junto a sua mochila e a sua bolsa. Depois recolheu Gem, que agora parecia uma estátua excepcionalmente grande, meteu-a no transporte e fechou a porta.

      Estava preparada. Olhou ao redor, tentando decidir qual seria a melhor maneira de levar todas suas coisas, quando soou um golpe na porta. Seu primeiro pensamento foi que o saldo do cartão não cobria a estadia. Agarrou sua carteira no caso disso ter acontecido e logo abriu a porta.

      O impacto de um punho em sua mandíbula a lançou voando para trás. A dor a percorreu como um relâmpago enquanto aterrissava no chão.       Rapidamente ficou de joelhos se para levantar, tentando averiguar quem a atacava e por quê. O homem, que obviamente não era funcionário do hotel, não parecia interessado em dar explicações enquanto se movia com rapidez para voltar a golpeá-la. Desta vez, Lanie caiu contra a televisão, golpeando-a de lado.

      Quando foi capaz de ficar de pé, tentou correr para o outro extremo da habitação, mas ele a fez cair ao chão e a imobilizou. Ela tentou se defender com murros e patadas, lutando desesperadamente por escapar, mas não conseguiu.

      Abriu a boca para gritar, mas não teve nenhuma oportunidade. Viu como o punho ia para ela e sentiu dor. Depois nada.

 

      Mac e Dirk se foram enquanto Lanie dormia. Mac fazia todos os acertos necessários para obrigá-la a ir ao aeroporto, contendo o desejo de despertá-la e lhe explicar como se sentia na realidade. Só as dúvidas que sentia ante o incerto futuro impediram que o fizesse. Se Dirk e ele não conseguiam encontrar Burton, ou não podiam matá-lo, não estariam seguros nunca. Não queria que Lanie tivesse que estar olhando constantemente por cima de seu ombro, e essa era a vida que lhe esperava se falhava essa noite. Era melhor que o odiasse e seguisse sozinha com sua vida.

      Com aqueles pensamentos lhe rondando a cabeça, Mac tinha se convertido em uma má companhia para Dirk. Nesse momento, umas horas depois do ocorrido com Laine, estavam sentados no avião, na pista de decolagem do aeródromo de Camp David, observando como o sol desaparecia pelo horizonte, enquanto esperavam que chegasse o Serviço Secreto para escoltá-los até o edifício principal. Dali, iriam procurar qualquer pista de Burton e seus homens. Por sorte, o Serviço Secreto tomou a sério as advertências do almirante Winslow e tinha levado a presidente a um lugar seguro. Breve, chegaria um dobro, o que fazia que mantiveram a esperança de poder despistar os presuntos assassinos.

      Seus pensamentos retornaram à Lanie e Mac se perguntou que tipo de futuro poderiam ter juntos. Não era o mesmo homem de quando tinham começado a viagem. Possivelmente, o melhor seria que não voltasse a vê-la outra vez. Seguir dedicando-se aos vôos charters estava desconjurado, a não ser que só se encarregasse dos vôos noturnos. Era algo que teria que discutir com Keith e Sandra.

      De repente, Mac se deu conta de que Dirk lhe estava falando.

      —O quê?

      —Dizia que tão logo retornemos, levarei minhas coisas à habitação de Lanie, ou deveria dizer minha habitação, logo poderemos decidir o que fazemos com a oferta de Winslow. —Fez uma pausa—. Acha que ele falava a sério?

      —De nos unir a sua equipe? Provavelmente.

      Dirk soltou um riso entre os dentes. — É,... nos unir a sua equipe, caramba, homem, nós somos sua única equipe.

      Era certo. A idéia do almirante era formar uma equipe, financiado pelo dinheiro de sua herança familiar, que operasse em segredo. Seu objetivo principal seria localizar e matar vampiros.

      —Está considerando seriamente?

      Dirk pensou nisso. — Bom, acredito que sim. E você?

      —Não sei —admitiu Mac—. Talvez. Mas primeiro teria que arrumar algumas coisas.

      Mac não mencionou o nome de Lanie, mas soube que tampouco fazia falta. Dirk o compreendia. Pela maneira em que tinha deixado as coisas com ela, nem sequer estava seguro de que queria voltar a vê-lo.

      Sentia que seu estado de ânimo piorava por momentos e teve que recorrer a seus anos de disciplina para afastar esses pensamentos de sua mente. Agora não era o momento de deixar que as emoções interferissem em seu trabalho.

      —Um momento —disse quando soou seu celularl. Tirou-o e seu coração deu um tombo quando viu o identificador de chamada.

      —Lanie? Vai tudo bem?

      —Sinto muito, velho. —Saudou-o a risada de Burton—. Agora mesmo ela não se pode falar ao telefone. Está um pouco atada.

 

      —Se lhe fezz mal de algum jeito —ameaçou Mac, cheio de uma fúria impotente—. Eu lhe...

      —O quê? —riu Burton—. Você me matará?

      —Onde está ela, Burton?

      —Está aqui..., na minha cama. Posso compreender a atração que sente por ela, Knight. De fato, não acredito que me dela aborreça tão rapidamente como das demais. —Soltou outra gargalhada e a Mac custou um grande esforço não reagir.

      —Quero falar com ela —cuspiu Mac—. Agora.

      Houve um momento de silêncio e logo Lanie ficou ao telefone, soando débil e assustada.

      —Mac? —Sua voz soou rota ao dizer seu nome e o desejou poder abraçá-la e protegê-la.

      —Aqui estou, neném.

      —Sinto muito, Mac.

      —Seja forte, Lanie. Irei resgatá-la.

      —Não, não o faça —implorou ela—. Salve o presi...

      Logo se ouviu o som de um golpe, seguido pelo grito de Lanie. Mac apertou com tal força o telefone que chegou a pensar que o romperia.

      —Se quer voltar a ver sua noiva —disse Burton voltando a agarrar o telefone—, deverá se reunir comigo esta noite.

      —Onde?

      —Diga-lhe onde estamos, carinho —ouviu Mac o que dizia Burton—. Nunca me acreditará se digo eu.

      A voz de Lanie, tensa e derrotada, voltou a se ouvir pelo telefone para dar uma direção de Washington. Mac jurou pelo baixo. Burton nunca tinha chegado a deixar a cidade.

      —Ouviste? —perguntou Burton, voltando a ficar ao telefone.

      Mac olhou seu relógio e fez uns rápidos cálculos.

      —Demorarei um par de horas em chegar.

      —Asseguro-te que encontraremos a maneira de nos entreter até que você chegue.

      Cortou-se a linha e Mac apertou os dentes com força, tentando controlar suas emoções. Por último, obrigou-se a respirar profundamente para acalmar-se.

      —Pegaram Lanie. —Contou tudo a Dirk com rapidez.

      —Não há problema —disse Dirk—. Voe de retorno a Washington e te encarregue de Lanie e de Burton. Eu ficarei aqui e tentarei deter os assassinos.

      —Sabe que é uma armadilha.

      —Sim, mas para qual de nós dois? Burton nem sequer está aqui e nós dois sabemos que é a maior ameaça. Além disso, não está sozinho. O pior que posso encontrar por aqui é um par de vampiros. É pão comido. Por outra parte, você...

      Mac assentiu conformado. Não necessitava de que Dirk enumerasse os perigos com os que se encontraria.

      —Tome cuidado. —Dirk colocou a mão no bolso e, tirando um jogo de chaves, o lançou.

      —Você também. —deram as mãos e Dirk desceu do avião. Mac esperou que seu amigo estivesse fora de pista antes de pô-lo em marcha. Contatou com a torre de controle para avisar sobre a mudança de vôo enquanto percorria a pequena pista de aterrissagem e, quando chegou ao final para empreender o vôo, já tinha recebido permissão para decolar.

      A viagem de volta a Washington foi a mais longa de sua vida. Pensar no que Burton estaria fazendo à Lanie, o torturava. Tinha a impressão de que não voava o suficientemente rápido. Contava os minutos um a um, como se de cada um deles dependesse a vida de Lanie. Nunca havia se sentido tão impotente em toda sua vida.

      Depois de umas horas, a base aérea Andrew apareceu ante sua vista e Mac aterrissou sem incidentes. Em seguida subiu no carro de Dirk, dirigindo-se a toda velocidade ao armazém onde, supostamente, Burton o esperava com Lanie.       Não estacionou à vista, confiando conseguir com isso um pouco de vantagem. Pode ser que o estivessem esperando, mas não sabiam exatamente quando chegaria.

      Rodeou o armazém, mantendo-se todo o tempo nas sombras, perguntando-se como entrar sem ser visto. Não havia janelas laterais nem na fachada posterior; parecia que sua única opção seriam as portas principais. Logo divisou umas escadas metálicas —que possivelmente fossem as de emergência — a um lado da fachada posterior. Subiu-as até a plataforma onde encontrou uma porta de acesso ao interior, oxidada e deformada pelo tempo e a falta de cuidados. Agarrou o atirador e abriu a porta tão brandamente como pôde. Inclusive assim chiou, mas confiou em que os vampiros que esperavam dentro não o tivessem ouvido.

      Ao entrar, deteve-se brevemente para valorar suas possibilidades. Não havia luz, mas com sua excelente visão noturna, isso não era um problema. Estava em meio de uma grande plataforma. Percebeu uns sons de vozes apenas perceptíveis que vinham de abaixo.

      Moveu-se em silêncio seguindo o som e em seguida apareceu cautelosamente pela borda da plataforma, que se abria sobre o piso inferior. O lugar podia ter sido em seu dia uma oficina mecânica, porque havia peças de um velho motor abandonado e latas vazias de azeite disseminadas pelo chão. Em um dos extremos, havia um montão de trapos velhos e sujos, e ainda por cima, atada e amordaçada, estava Lanie.

      —Por que demora tanto? —ouviu Mac que perguntava Harris.

      —Tenha paciência —foi a tensa resposta de Burton—. Chegará logo.

      —Talvez o entendeu mal —continuou Harris—. Talvez...

      —Cale-se —vaiou uma terceira voz.

      Mac inspirou profundamente em silêncio. Havia ao menos três vampiros ali embaixo, mas faltavam dois. Podiam estar ali, ou podiam estar no Camp David. Logo descobriria.

      MAC tinha acudido armado, mas não tinha balas suficientes para arrancara cabeça a todos. «Droga». Deveria ter vindo mais preparado, pensou, olhando ao redor, querendo ver se por acaso encontrava um tubo ou ferramenta esquecida, algo que pudesse servir como arma. Na plataforma só havia um cabo, alguns paus, excrementos de aves e ratos, telhas e sujeira. Tudo isso oferecia poucas possibilidades.

      Enquanto considerava a ideia de transformar os paus em estacas, percebeu um som que não era mais que um suave sussurro. Voltou-se bem a tempo de ver como um dos vampiros carregava contra ele. Mac pôde reconhecer Smith, antes que este impactasse contra seu corpo enviando os dois ao chão. Mac sabia que sua força era superior à maioria dos humanos, mas o surpreendeu ver que Smith o superava com acréscimo. Obviamente estava em desvantagem.

      Mas aquele não era o momento para começar a desconfiar de si mesmo. Não havia lugar para isso em uma briga.

      Ao cabo de uns segundos, Smith, vaiando como um animal selvagem, estampou-o contra o chão e afundou sua cara em um saco de areia. Mac logo que ouviu os gritos que chegavam debaixo, soube que outros se moviam para unir-se à briga. Não havia maneira de que pudesse enfrenta todos de uma vez.

      Retorcendo-se violentamente, conseguiu desequilibrar Smith. Afastando-o de um empurrão, e pôs-se de pé. Assim que Smith se levantou, Mac começou a atacar socando repetidamente a cara e o estômago. Sabia que se parasse, se não fosse tenaz, estaria em sérios apuros.

      A luta se deslocou perigosamente para a borda da plataforma, onde os cabos de arame ameaçavam enrolando-se nos pés de Mac a cada passo que dava. Ouviu que outros vampiros subiam correndo as escadas e que cada vez estavam mais perto. Estava perdido.

      Atirou-se ao chão e rodou até Smith, agarrando-o de surpresa. Quando se levantou, agarrou firmemente com a mão um dos cabos. Sem se deter, enrolou-o ao redor do pescoço de Smith e logo o empurrou para que caísse pela plataforma.

      O magro arame se converteu em uma soga ao redor de seu pescoço quando Smith caiu esticando o cabo com o peso de seu corpo. O nó se apertou, cortando o pescoço do vampiro com a mesma facilidade que o queijo com uma faca. A cabeça do vampiro saiu para um lado, com os olhos ainda abertos desorbitadamente pela surpresa, enquanto seu corpo caía, sem vida, no piso inferior.

      Mac nem sequer teve tempo de saborear a vitória porque Burton, Harris e Brown já estavam ali, com intenção de atacar, embora ainda se mantivessem distantes para poder vigiar os três de uma vez.

      —O que vais fazer agora, Knight? —riu Burton.

      Brown era o mais próximo, assim Mac foi primeiro a pelo. Tirou a arma e descarregou todo um cartucho sobre o homem, enquanto os outros dois se equilibravam a toda velocidade. Quando ambos impactaram contra ele, a arma saiu voando de sua mão, embora pela extremidade do olho viu que ficava pouco de Brown pelo que se preocupar.

      Foi sua última vitória. Com Burton e Harris atacando-o de uma vez, Mac foi rapidamente reduzido. Enfureceram-se com ele até que logo que pôde levantar a cabeça sangrando por todos os cortes produzidos pelos afiados dentes e unhas.

      Recuperou a consciência enquanto o baixavam pelas escadas para lançá-lo de qualquer maneira sobre a pilha de farrapos ao lado do Lanie.

      Embora estivesse com os olhos inchados e quase fechados pelos golpes, fez um esforço em abri-los para poder vê-la. Sua tez tinha uma cor cítrica, salvo pelo machucado que obscurecia suas bochechas e mandíbula. O medo em seus olhos o rasgou por dentro e Mac sentiu que uma fúria assassina crescia em seu interior ao ver que tinha sido maltratada.

      —Bom, este é realmente um momento para desfrutar. —Burton mostrava uma imensa satisfação, embora não pudesse vê-lo porque estava fora de seu campo de visão—. Infelizmente, terei que atrasar o prazer de te matar esta noite. Tenho algumas coisas a fazer.

      Olhou para Harris.

      —Coloque lá fora os restos de Smith e de Brown, onde o sol os possa converter em pedra. Logo leve estes dois à guarida. E, Harris..., quero-os vivos quando voltar. Esperei muito tempo para matar Knight. Não quero perder isso.

      Cravou os olhos em Mac, deixando as presas ao descoberto e passou a língua sobre suas afiadas pontas.

      —A vitória será muito mais doce. Agora, se me desculpar, tenho que ir ver um «velho» amigo. —Pronunciou a palavra «amigo» com asco—. Não se preocupe, saudarei o almirante de sua parte..., antes de lhe destroçar a garganta.

      Assim, os dois vampiros partiram, deixando Mac e Lanie sozinhos.

      —Neném, está bem? —grasnou Mac com seus lábios ensanguentados, sabendo que era uma pergunta estúpida, mas precisava fazê-la de todas maneiras.

      Lanie assentiu. —Sinto que tenha vindo por minha culpa.

      Mac se obrigou a se erguer, embora lhe custasse e depois tentou se aproximar o suficiente para poder alcançar as cordas que aprisionavam seus braços.

      —vou desamarrá-la e logo quero que vá. — Deteve-se uns momentos para unir força e viu que ela sacudia a cabeça.

      —Nem pensar. Não irei sem você.

      Se tivesse tido forças, Mac teria gemido.

      —Agora não é o momento de discutir, simplesmente faz o que te digo, certo?

      —Não pode me pedir que te deixe aqui —lhe implorou—. Venha comigo. Eu te ajudarei.

      Mac começou a desatar os nós com os dedos arroxeados e inchados, quase muito intumescidos para fazê-lo. O sangue perdido pelos cortes o tinha deixado muito cansado e ele levou vários intentos, e os últimos retalhos de energia, desfazer o último nó. Logo se deixou cair para trás sobre o montão de farrapos e fechou os olhos, pensando que a morte depois de tudo, não era tão má ideia.

      —É a mim que querem —disse fracamente—. Tendo a mim, não irão atrás de você.

      Voltou a cabeça para ela e lentamente abriu um de seus olhos inchados. Ela estava desatando as cordas de seus tornozelos. Em pouco tempo se liberou.

      —Venha —resmungou Mac—. Saia daqui e chama o almirante. Diga que Burton vai para lá. —«Ele saberá o que fazer».

      Ela não se moveu e ele se sentiu impotente. Não entendia que Harris voltaria a qualquer momento?

      Lanie franziu o cenho, como se debatesse interiormente, logo afastou o cabelo do pescoço e inclinou a cabeça para um lado.

      — Mac, me morda.

      Mac teria arqueado uma sobrancelha, se pudesse. — Perdão?

      Ela se aproximou mais para poder se recostar contra ele, lhe dando fácil acesso a seu pescoço.

      —Já sabe..., te alimente de mim. É a única maneira que temos de sair daqui os dois. Por favor, Mac, recorde-se de como se sentiu quando tomou meu sangue. Deu-te energia. Pode te fazer reviver.

      Mac ficou de lado para poder vê-la melhor, desejando poder afastá-la do seu lado. Recordava muito bem a energia revigorante e a força que tinha percorrido todo seu ser depois de saborear seu sangue. Tinha sido incrível, mas então não estava tão desesperado. Agora estava débil, quase à beira da morte. O que ocorreria, se não conseguisse se controlar e parar?

      Vendo o medo que aparecia em seus olhos, ela cavou brandamente sua bochecha com a mão.

      —Confio em você.

      Suas palavras o deixaram aturdido, e mal notou quando ela aproximou a cara, até que sua boca pressionou sobre seu pescoço. A sensação embriagadora do pulso sob seus lábios selou seu destino.

      Perfurou a suave pele com as presas e deixou que seu sangue enchesse sua boca. Saboreou outra vez seu doce néctar, tragou e sentiu como se uma força nova, revigorante pecorresse seu corpo. Era ambrósia para um homem morto de fome, e se deixou levar por aquela prazentosa sensação.

      Não soube quanto tempo esteve tomando sangue ou quanto bebeu, mas ao cabo de um momento, o medo de lhe fazer mal foi superou ao prazer de beber e se obrigou a se deter. Lambeu os restos de sangue de seu pescoço, sentindo-se incrivelmente bem. Quando ia lhe agradecer por seu desinteressado presente, viu que sua cara estava mais pálida que antes e que tinha os olhos fechados. Imediatamente, sua euforia foi substituída pela horrível certeza de que tinha tomado muito sangue.

      —Lanie, me olhe. Está bem, neném?

      Tentou abrir os olhos e lhe sorriu fracamente.

      —Genial —sussurrou.

      Mac sorriu, aliviado e a beijou na frente. Nesse momento ouviu que Harris retornava. Mac esperou até que o homem se aproximou, assegurando-se de que Burton não estava com ele. Logo, ficou de pé.

      Harris aumentou os olhos, alarmado, quando Mac se lançou sobre ele. Foi uma dura briga, mas Mac tinha a seu favor a recente infusão de energia. Em uma dança macabra, foram de um lado a outro se golpeando e dando tombos por todo o armazém, sem pausa, cada um tentando vencer o outro. Quando se aproximaram da porta principal, Harris esquivou um murro de Mac e logo correu fora como a alma que leva o diabo, desaparecendo na noite.

      Mac o deixou ir e retornou para Lanie, que ainda estava estendida sobre a pilha de farrapos. Não tinha se movido. Preocupado, agachou-se para agarrá-la nos braços e a levou até seu carro. Quando a deixou sobre o assento do co-piloto, ela abriu os olhos.

      —Temos que voltar para hotel.

      — Nada disso. Vou te levar a um hospital.

      —Não há tempo. Leve-me de retorno ao hotel..., tenho algo ali. —Fez uma pausa antes de seguir—. Algo que você necessitará para salvar tio Charles.

      Ele vacilou. Por uma vez não sabia o que fazer.

      —Por favor, Mac. É o único que pode salvá-lo.

      Uns minutos mais tarde, no hotel, Mac abriu a porta da habitação de Lanie. Ainda parecia um desastre pelo ocorrido quando ela tinha repelido seu agressor.

      —Contratou alguém para me seqüestrar —disse ela, como se lesse seus pensamentos—. Chegou enquanto eu fazia a bagagem. —Fez um gesto impotente—. O sol estava no alto, não esperava problemas. —Falava lentamente como se não tivesse forças para respirar—. Ele me levou ao armazém e tivemos que esperar até que o sol baixasse. O homem acreditava que Burton lhe pagaria. Mas Burton simplesmente o matou.

      Mac não sentiu pena alguma por seu seqüestrador. Tinha obtido o que merecia. Entraram na habitação, e Mac a sustentou quando ela cambaleou. Ao aproximar-se da cômoda, o transporte caiu ao chão; o bebê do chupacabras se movia de um lado a outro, inquieto. Mac o ignorou enquanto a ajudava a cruzar a habitação. Dirigia-se para a cama, quando lhe fez um gesto assinalando a mesa.

      —Olhe em minha mochila —lhe disse, sem forças. Ele agarrou a bolsa e a pôs em cima da cama e após procurar um momento, tirou o pequeno pacote de tecido.

      —Tenha cuidado. –Ela avisou quando o viu desdobrar o tecido—. Dentro encontrará um vial e uma seringa de injeção. Deve agarrar a seringa de injeção.

      —O que é? —Acendeu a luz e examinou o claro líquido ambarino.

      —É antisoro. Segundo meu pai, é rápido, muito doloroso e mortal para os vampiros —vacilou—, e também para os changelings, assim tome cuidado de não cravar em você mesmo acidentalmente.

      Mac assentiu, compreendendo por que ela não havia dito antes. Seu pai o tinha dado para que pudesse se proteger dele em algum momento. E não podia culpar o homem por fazê-lo.

      Meteu a seringa de injeção no bolso e logo olhou para Lanie. Parecia que piorava por segundos.

      —Vou chamar uma ambulância.

      —Não..., estou bem. Tem que se apressar. Tio Charles não respondeu ao telefone quando o chamou do carro, Burton deve ter chegado ali.

      Sabia que Lanie tinha razão, assim lhe deu um rápido beijo e saiu.

      —Amo você —sussurrou ela, vendo-o partir. Uma solitária lágrima escorregou por sua bochecha. O destino era muito cruel. Tinha encontrado o amor muito tarde...

      Dentro do transporte, Gem sacudia ruidosamente a porta da jaula, claramente zangada por ter estado encerrada toda a noite, mas Lanie não tinha forças para deixá-la sair. Tinha frio e estava cansada..., muito cansada. Tudo o que queria fazer era deitar e dormir.

      Mas não podia. Ainda não. Tinha que fazer uma coisa antes. Tomou papel e caneta da gaveta e começou a escrever. Tinha muito que dizer, mas ao final, a mensagem teria que ser breve.

      A porta principal da casa do almirante estava aberta e Mac não se incomodou em procurar outra via de entrada. A sala mostrava sinais de que ali houve luta e seguiu os rastros de sangue até o escritório, onde encontrou Burton sentado detrás da mesa.

      Não pareceu absolutamente surpreso quando Mac apareceu pela porta, e aquilo lhe fez perguntar se talvez a fuga de Harris não tinha sido o ato de covardia que parecia, mas sim uma estratégica retirada que respondia a um plano cuidadosamente orquestrado.

      Mac não queria acreditar que tinham brincado com ele e se deixou enganar. Entrando no escritório, viu que havia livros atirados por todos lados e supôs que devia ter ocorrido quando o corpo do almirante caiu contra as estantes. Os restos das vitrines que continham as adagas e espadas estavam disseminados por toda a habitação e seu conteúdo pendurava do teto, com as pontas afiadas cravadas na madeira.

      O almirante Winslow jazia em um extremo da habitação com a cabeça ensangüentada. Mac não sabia se estava vivo ou morto, mas resistiu o desejo de comprová-lo. Primeiro, tinha que tratar com Burton.

      —Fez uma interessante eleição —disse Burton com ar despreocupado enquanto brincava com um abrecartas—. Tivesse apostado pela mulher, mas possivelmente sua relação não era tão profunda como acreditava. —Olhou ao almirante e sacudiu a cabeça—. Defendeu-se bem. OH, não se preocupe. Ainda está vivo... pelos cabelos.

      Voltou-se e olhou para Mac.

      —O que aconteceu à Lanie? Sei que se alimentou dela para recuperar as forças. Estava ainda viva quando a deixou?

      —Diferente de você, Burton, não tenho que matar quando tomo sangue. Lanie ficará bem.

      Burton pareceu primeiro surpreso e logo agradado.

      —Não lhe disse isso? Impressionante. Obviamente, é muito mais forte do que imaginava.

      MAC se sentiu confundido.

      —Do que está falando?

      —A perda de sangue de Lanie não foi primeira da noite. De fato, não recordo se foi a terceira ou a quarta.

      Honestamente, quando terminei não estava seguro se viveria o suficiente para que a resgatasse. —Mostrou uma falsa preocupação—. Quanto sangue tomou? Digo-o porque o corpo humano não pode se permitir perder muito.

      —Está mentindo —grunhiu Mac, repentinamente cheio de dúvidas—. Vi seu pescoço, não tinha nenhuma marca.

      —Bom, é normal, tendo em conta que não me alimentei ali. Encontro que nas mulheres é muito mais agradável mordê-las na femoral.

 

      Incapaz de poder escutar uma palavra mais, Mac saltou sobre a mesa, direto à garganta de Burton. O peso de seus corpos fez com que a poltrona caísse para trás e os dois caíram ao chão. Mac golpeou a cara de Burton, antes que o vampiro pudesse se mover. Ficou rapidamente de pé e, levado por uma fúria implacável, atingiu Burton outra vez. Intercambiaram murros que ultrapassavam a força humana e que lançaram tanto o vampiro como o changeling pelos ares, até estelarem-se contra as estantes que havia nas paredes.

      A quebra de onda de energia que Mac tinha sentido, depois de receber o sangue de Lanie, se consumiu rapidamente sob o incessante assalto de Burton. No mais profundo de sua mente seguia preocupado por Lanie, e pela possibilidade de que o fato tão espantoso que Burton tinha contado fosse verdade e que ela estivesse agonizando no hotel. Lutou desesperadamente, mas a força e energia de Burton eram superiores às suas.

      Levantando-se uma vez mais do chão, onde Burton acabava de arrojá-lo, Mac carregou contra ele. Seu contra-ataque tinha sido muito lento e Burton o esquivou, para posteriormente derrubá-lo e esmagá-lo contra o chão.

      Quando o agarrou, lhe pondo bruscamente de barriga para cima, Mac lutou por permanecer consciente enquanto Burton montava escarranchado sobre ele sentando-se sobre seu peito e imobilizando-o no chão.

      —Você se defende bem — disse Burton—. Mas o problema é que não é o suficientemente bom. Antes de te matar, vou te contar com todo detalhe o que vou fazer com toda essa gente que tanto se preocupa. Primeiro, vou rematar...

      Burton seguiu falando sem parar, mas Mac tinha deixado de escutar. Tinha a mão sobre o chão, junto ao quadril e sentiu um pequeno vulto no bolso. O antisoro. O difícil seria tirá-lo sem que Burton se precavesse.

      —Vá — riu Burton quando repentinamente Mac se retorceu sob ele, ao mesmo tempo em que extraía a seringa de injeção—. Suponho que quer mais briga, não?

      —Muita mais do que imagina. —Mac se desfez do capuz protetor da seringa de injeção e, cravou-a no quadril de Burton.

      Burton cambaleou, mas não se levantou enquanto se voltava para ver o que lhe tinha acontecido. Quando viu a seringa de injeção, arrancou-a e ficou olhando-a. Por um instante, pareceu confuso, logo repentinamente compreendeu.

      Fez uma careta de dor, quando as primeiras gotas do soro percorreram seu corpo, logo Mac viu como os músculos de seu pescoço se retorciam convulsivamente. Burton fechou os olhos quando a dor deformou seu rosto. Mac conteve o fôlego, sentindo-se incapaz de fazer outra coisa que não olhar, e esperou enquanto o soro acabava com a vida de Burton.

      A careta de dor na cara do vampiro se desvaneceu gradualmente, seguida por outra de intensa concentração. Também esta se desvaneceu rapidamente quando abriu os olhos e suspirou aliviado.

      —Isso é quão único pode fazer? O antisuero do professor? Surpreendeu-se que soubesse? Por favor, de verdade, acha que essa ideia foi somente dele?

      Mac o olhou horrorizado, dando-se conta lentamente de que o antisoro não tinha funcionado.

      —Plantar a ideia em sua mente foi fácil —continuou Burton—. Admito que me custou algo mais obrigar Weber a prová-lo com Kinsley, mas pelo que vejo, o esforço valeu à pena. E agora o quê, Knight? Segue confuso? Eu tentarei explicar isso. Cada vez que o chupacabras mata, injeta mais veneno. Não morri uma vez, Knight. Morri cinco vezes. Portanto, recebi o quíntuplo de veneno e seus poderes curativos se multiplicaram. Esta pequena injeção não é suficientemente capitalista para acabar comigo. —Lançou a seringa de injeção sobre seu ombro.

      A expressão divertida de sua cara se tornou em uma de ódio puro, e Mac soube que lhe tinha acabado o tempo. Uniu toda sua energia em um último e desesperado esforço por liberar-se, retorcendo o corpo e tentando tirar Burton de cima, mas o vampiro não se moveu.

      —Renda-se, Knight. Perdeste. Tenho previsto todos seus movimentos. Não pode me matar.

      Enquanto se retorcia, Mac viu algo familiar pela extremidade do olho, mas estava muito longe para alcançá-lo. Alargando a mão, concentrou-se com todas suas forças no que, possivelmente, seria sua última oportunidade.       Repentinamente sentiu algo duro, quente e metálico contra a palma da mão.

      —Há uma coisa que não previu —disse o, fechando os dedos ao redor do punho da espada e levantando o braço para cima—. Deixe que lhe presente à Caçadora de Vampiros.

      Cortou tão limpamente seu pescoço com a espada que, durante vários segundos, não houve sinal algum da ferida. Logo o sangue começou a gotejar, formando um colar vermelho ao redor do pescoço de Burton e o corpo caiu a um lado. Mac ouviu o ruído surdo que fez a cabeça do vampiro ao cair ao chão fora de seu campo de visão. Levantou a vista e viu o almirante de pé, diante dele, machucado e abalado, mas muito, muito vivo. Estendeu a mão para Mac e o ajudou a ficar em pé.

      Mac, que ainda agarrava a espada firmemente em sua mão, voltou-se para o almirante e ambos estudaram o que ficava de Burton. Durante um momento nenhum dos dois disse nada.

      —O Cavaleiro da Morte —falou finalmente o almirante, como se fizesse um comentário sobre o clima.

      Mac lhe dirigiu um olhar inquisitivo cheio de confusão.

      O almirante assinalou a espada.

      —A espada se conhece como o Cavaleiro da Morte, não A caçadora de Vampiros.

      Mac baixou a vista para observar como os olhos cor rubi do vampiro na espada, resplandeciam com um brilho parecido ao do sangue que manchava seu fio; pôs os olhos em branco.

      —O que seja. —Deu a espada ao almirante e saiu rapidamente da casa.

      Mac conduziu como um louco a caminho do hotel. Tinha tentado chamar várias vezes Lanie por telefone e, quando não respondeu, provou chamando recepção. O jovem com quem falou tranqüilizou-lhe, dizendo que enviariam alguém à habitação da senhorita Weber imediatamente e que chamariam a ambulância, se fosse necessário. Acreditou ouvir algo sobre o quinto piso quando pendurava, e quando voltou a chamar, ninguém lhe respondeu.

      Não havia nenhuma ambulância à vista quando chegou ao hotel. Rapidamente estacionou o carro e correu para as habitações que compartilhavam, enquanto uma série de orações cruzava por sua cabeça, rogando para que estivesse viva; rogando para que Burton tivesse mentido, apesar da verdade que tinha percebido em seu tom.

      Abrindo de par em par a porta da habitação, Mac divisou a forma imóvel de Lanie sobre a cama. Correu para ela e atirou das mantas, mas Lanie não se moveu. Tinha os olhos fechados e estava extremamente pálida, inclusive os lábios tinham perdido a cor.

      Desabotoou suas calças e as baixou pelos quadris; precisava saber a verdade, fosse qual fosse. Quatro marcas de mordidas cruzavam o interior de sua coxa direita, e soube quão intenso teve que ser a dentada de Burton para alcançar a artéria oculta sob a pele. Mac se perguntou por que não havia sinais de hematoma. Logo compreendeu que não havia suficiente sangue em seu corpo para formar um cardeal. Burton e ele mesmo tinham bebido dela com propósitos egoístas, mas qual era o preço que tinha pago Lanie?

      —Lanie, carinho, pode me ouvir? —Sacudiu-a brandamente, rezando para que somente estivesse inconsciente. Não se moveu. No outro extremo da habitação o pequeno chupacabras golpeava a porta de sua jaula, querendo sair, mas Mac o ignorou, enquanto colocava os dedos contra a garganta de Lanie procurando seu pulso. Nada.

      —OH, Meu deus. Por favor, neném, não morra. Não pode morrer. —  Desesperado, colocou o dedo sob seu nariz, esperando sentir o suave roçar de seu fôlego contra a pele. Quando não sentiu nada, baixou a cabeça até seu peito, tentando escutar seu batimento do coração. Só ouviu o frenético batimento do coração de seu próprio pulso e rugiu em silêncio, negando-se a aceitar a verdade.

      Lanie tinha ido.

      Um horror absoluto o atravessou quando a agarrou entre seus braços, apertando-a contra seu corpo, abraçando-a tal como tinha querido fazer durante todo o dia; a culpabilidade que sentia era mais do que podia suportar. Tinha-a matado. Tinha-a matado, primeiro emocionalmente quando a tinha afastado de seu lado, e agora fisicamente. A ironia era que a queria mais que à própria vida, com gosto teria intercambiado sua vida pela dela. Só tinha querido protegê-la e em vez disso...

      Deixou-a sobre a cama, olhando fixamente seu rosto tão sereno agora, até que a dor da perda o fez cair de joelhos ao chão. E, embora não tivesse consciência de ter chorado nunca em sua vida, chorou ali, naquela habitação.

      Muito depois, caiu gradualmente na conta do violento comportamento do chupacabras perto de sua jaula e se obrigou a ir até sua alma gêmea com pena.     Quando se aproximou da mesa para abrir a jaula, viu a nota que lhe tinha deixado Lanie.

      “Querido Mac,

      Lamento não te haver contado o que Burton me fez. Sabia que se o fizesse, não tomaria o sangue de que tanto necessitava. Se estiver lendo esta nota, significa que está a salvo, Burton está morto e tudo valeu à pena. Mas há algo que quero que saiba e lamento muito ter que lhe dizer isso em uma nota, amo-te... com todo meu coração. Se tivesse que fazer tudo de novo, conhecendo as conseqüências de antemão, faria sem pensar duas vezes. Se sentir algo por mim, por pouco que seja, rogo-te que me faça um último favor. Crave uma estaca para morrer por completo. Não desejo me converter em um vampiro.

      Com todo meu amor,

                        Lanie”

 

      Releu a nota outra vez, com a mente intumescida. Inteirar-se de que ela o tinha amado, igual como ele a amava, só provocava que sua dor se voltasse insuportável. Apertou o punho, resistindo o desejo de golpear a parede. Amava-a. Queria-a com toda sua alma, queria que retornasse, embora fora como vampiro, mas a amava o suficiente para matá-la por completo? Com um suspiro resignado, cruzou as portas de comunicação para sua habitação e tirou uma estaca de sua mochila. Amava-a o suficiente.

      Retornando ao lado de Lanie, levantou a estaca, mas quando chegou o momento de atravessar seu coração, não pôde fazê-lo. Ainda não. Tinha tempo, pensou, antes que ressuscitasse. Sentou-se ao seu lado e pegou sua mão, olhando fixamente sua cara tão bela, apesar de sua palidez mortal.

      Atrás dele, o chupacabras montava uma horrível gritaria e Mac se perguntou o que podia fazer para tranquilizá-lo. Se não conseguisse acalmá-lo, alguém se aproximaria para averiguar o que ocorria. Sabia que não havia maneira de explicar por que estava na habitação com uma mulher morta e uma criatura estranha.

      Sem saber o que fazer, abriu a porta do transporte. Imediatamente o chupacabras saiu e antes que Mac pudesse reagir, o bebê passou como uma exalação por seu lado. Quando deu a volta, sentiu-se mais horrorizado ainda. A criatura estava inclinada sobre o pescoço de Lanie, mordendo-a.

      Embora a lógica ditava que Lanie estava mais à frente da dor, Mac rugiu de cólera e se equilibrou sobre a criatura, com intenção de afastá-la de repente.   Jogou a mão para trás para golpeá-la, mas se deteve imediatamente quando a criatura levantou o olhar e cravou seu olhar nele, enchendo-o de um estranho sentimento de esperança e bem-estar. Subitamente, deixou cair o braço.

      Confuso pelas ações da criatura e a estranha sensação que o alagava, esqueceu o desejo que tinha sentido de matá-la e decidiu devolver o chupacabras ao transporte, até que pudesse esclarecer seus pensamentos.    Entretanto, quando deu um passo para a cama, a criatura lhe grunhiu, deixando descobertas suas presas. Surpreso, Mac, retrocedeu. Durante vários minutos, permaneceu em pé, sem saber o que fazer. Tentou agarrá-la outra vez, mas a criatura não lhe permitiu aproximar-se do corpo de Lanie. Permaneceu a seu lado, como um sentinela protegendo um prezado tesouro.

      Quando os efeitos da adrenalina se desvaneceram, a fadiga ocupou seu lugar. Sabendo que o chupacabras se converteria em pedra em umas horas, decidiu esperar até esse momento para encerrá-lo. Cruzando a habitação para a poltrona, deixou-se cair no e fechou os olhos, desejando livrar da dor da realidade só por um momento. Mais tarde, quando saísse o sol, faria o que tinha que fazer e de algum jeito encontraria forças para dizer adeus à Lanie e matar definitivamente a mulher que amava.

      Profundamente adormecido, ouviu em sonhos que o chamava a voz de um anjo. Reconheceu a voz e se sentiu invadido por um desejo tal, que ansiou não despertar nunca. A necessidade de estar com Lanie, sentir que o tocava e poder abraçá-la, era tão intensa que imaginou sentir o suave roce de seus lábios contra os seus. Logo aquela sensação desapareceu e não soube como recuperá-la.

      —Não vá —implorou ele, com um soluço afogado.

      —Não quero fazê-lo. —Sua voz suave chegou até ele, e sentiu um ligeiro toque no braço—. Não se você não quiser.

      —Nunca mais —disse ele—. Eu te prometo isso.

      —Nunca mais. —As palavras sussurradas acariciaram sua cara antes de voltar a sentir a pressão de seus lábios contra os seus, mais insistentes agora e muito mais reais. Aturdido, abriu os olhos e quase cai da poltrona. Lanie estava de pé ao seu lado, sonriendo, pálida e cansada, mas viva.

      Mac se levantou de repente e a atraiu para si, abraçando-a com força. Temia que se deixasse de fazê-lo, ela se esfumaria sem deixar rastro, como se fosse um produto de sua torturada imaginação. Normalmente não era um homem devoto, mas rezou em silêncio dando obrigado.

      —Acreditei que te tinha perdido. É um milagre que esteja viva. É... —Deixou cair seus braços, quase como se ela queimasse, e deu um passo atrás—. Afaste-se.

      Ela inclinou a cabeça e franziu o cenho.

 

      —Não é exatamente a resposta que esperava, especialmente depois de tão prometedor começo.

      —Sinto. —disse ele, aproximando-se mais da mesa onde tinha a estaca—. O caso é que... está morta.

      Ela sorriu e Mac sentiu um tombo no estômago. Deixou cair a mão. Era preciosa e a amava. Se «era» um vampiro, esperava que o perdoasse, porque agora que a tinha visto de novo, nunca seria capaz de acabar com ela.

      —Acredito que não estou morta —disse ela, interrompendo seus pensamentos—. Acredito que nunca estive. Ouvi você retornar, mas não podia me mover. Tudo soava muito longínquo. Lembro-me de me sentir sozinha, tinha frio. —abraçou a si mesmo e Mac não soube se ainda sentia frio ou simplesmente reagia à lembrança.

      “Senti uma dor abrasadora percorrer meu corpo como se, através de meu sangue, se estendesse a morte e a escuridão a seu passo. Senti-me consumida, e sabia que se não se detinha logo, morreria... ou algo pior. —Soltou um riso envergonhado—. Suponho que soa como se estivesse louca, não?”

      Mac não acreditava assim, mas não disse nada, deixando que se explicasse.

      “Logo ouvi o Gem —continuou—. Era como se estivesse gritando, me rogando que a abraçasse. Senti uma pressão no pescoço. Não me doeu exatamente. Foi mas como se o brilho e a calidez do sol sulcassem meu corpo, aliviando a dor e expulsando a escuridão. depois disso, acredito quedormi. Quando despertei faz um momento, vi você dormindo na poltrona.

      MAC deu um passo para ela, ainda lutando com a esperança que o invadia.

      —Então, não é um vampiro?

      Lanie cavou sua bochecha com a mão, permitindo que todo o amor que sentia por ele aparecesse em seus olhos. Havia se sentido totalmente impotente na cama, incapaz de se mover ou responder a algo que passasse ao redor. Quando o tinha ouvido chorar, tinha desejado abraçá-lo e consolá-lo, tal como queria fazer agora, porque parecia perdido e confundido.

      —Não, não sou um vampiro. —Sorriu para Mac—. Embora não acredito que seja como Dirk e você. Sou simplesmente eu, só que com mais anemia do normal. —Nesse momento, enjoou e lhe falharam os joelhos e ele a ajudou a se sentar na poltrona.

      —Que tal está?

      —É somente um pouco de debilidade. Como está tio Charles?

      —Acredito que está bem. —Mac franziu o cenho—. Cheguei a tempo.

      Ela assentiu com a cabeça.

      —E Dirk?

      —Não sei. Não sei nada dele.

      —E você como está?

      Ele deu de ombros e sua expressão se voltou preocupada.

      —Honestamente? Não sei. Temo que não poderei voltar a voar. —ajoelhou-se ante ela e tomou suas mãos com as dele, olhando-a com tal emoção que seu coração se desbocou—. Não sei se poderá me perdoar alguma vez pelo que te fiz. Não te culpo se não o fizer, mas quero que saiba isto: Amo-te. Mais que tudo em minha vida.

      Lanie sentiu que lhe faltava o fôlego. Queria acreditar com toda sua alma.

      —Está seguro?

      —Lanie, quando pensei que estava morta, acreditava que morria. Sei que fiz coisas que lhe feriram. Não queria fazê-lo. Pensei que me resultaria mais fácil te deixar se ficasse zangada comigo.

      —Na próxima vez, diz-me simplesmente que vá, certo?

      Mac lhe dirigiu um olhar atônito. —E isso acaso funcionaria?

      Ela sorriu. —Duvido.

      Ele pareceu surpreso ante sua resposta e logo seu sorriso se converteu em uma risada afogada.

      —Amo-te —disse ela—. Compreendo por que fez o que fez. —Inclinou a cabeça para ele e o beijou.

      —Casará comigo?

      A pergunta a pegou despreparada.

      —Está seguro de que é o que quer fazer?

      —Mais seguro que tudo em minha vida.

      Lanie se sentiu exultante.

      —Sim, casar-me-ei contigo. —ficou de pé e quando a apanhou entre seus braços, o olhar de Lanie voou para a cama, às suas costas.

      —E o que se passa com Gem?

      Mac se voltou para vê-la.

      —O que quer dizer?

      —O que faremos com ela?

      Ele sorriu, apoiando sua frente sobre a dela.

      —Nos ficamos com ela, é óbvio. Tenho um lugar no coração para essa criatura —admitiu—. Acredito que temos que lhe agradecer que tenha salvado a sua vida. Onde quer que vivamos, terá um lugar ao nosso lado.

‘     Agora tudo era perfeito, pensou ela.

      —Sabe quanto te amo? —perguntou-lhe brandamente.

      —Possivelmente não é mais do que eu te amo. —Atraiu-a para si, envolvendo-a em um forte abraço—. Deixe-me te abraçar, Lanie —sussurrou—. Pensei que nunca mais voltaria a fazê-lo.

 

      Os seguintes dias estiveram repletos de atividade. Mac e Lanie celebraram suas bodas na intimidade, e embora ela tivesse preferido caminhar com seu pai até o altar, estava contente de ter tio Charles fazendo as honras. O almirante tinha tido uma veloz recuperação após seu encontro com Burton, e Dirk tinha retornado no dia seguinte. Não tinha tido nenhum incidente.

      Dois vampiros, Harris e Patterson, seguiam soltos, mas ninguém acreditava que fossem o suficientemente parvos de querer chamar a atenção, embora cedo ou tarde os encontrariam. Seria a primeira missão da equipe privada do almirante Winslow —com o financiamento de capital privado—, que tinha retirado para e se centrar exclusivamente nesse trabalho. Tio Charles sabia que Dirk, Mac e Lanie o ajudariam a localizar e eliminar a ameaça dos vampiros por todo mundo. Faziam uma concessão especial ao professor Weber, já que Mac se negava a caçar seu sogro.

      —Como se sente, senhora Knight? —perguntou Mac, enquanto guiava o carro fora do caminho de acesso à casa do almirante.

      Lanie sabia que em sua pergunta havia um duplo sentido. Não tinha havido nenhum efeito negativo pelas dentadas de Burton e de Mac, e Lanie acreditava que não haveria nunca, mas sabia que seu marido continuaria se preocupando. Estava em sua natureza, e o amava por se preocupar tanto com ela.

      —Sinto-me exatamente igual a antes, só sou uma pobre mortal, mas muito mais feliz. —aproximou-se dele e se inclinou para intercambiar um rápido beijo. Era tão agradável poder fazer isso no momento em que quisesse, pensou Lanie, enquanto exalava um suspiro de satisfação.

      Recordou os dois dias seguintes ao seu seqüestro. Não sabia por que tinha o veneno do pequeno chupacabras tal poder de cura, enquanto que o do adulto transformava os humanos em vampiros ou changelings. Talvez o veneno mudasse quando o animal maturava. Não sabia e esperava poder comentá-lo com seu pai, quando voltasse a vê-lo. Ele poderia descobrir a resposta. Mas, por agora, não podiam fazer nada; isso a fez pensar em todas as incógnitas que se estendiam ante eles.

      —Está seguro de querer fazer isto? —perguntou a Mac, estudando seu perfil enquanto conduzia. Voltavam para Houston para uma breve estadia. Só para que Mac visitasse sua irmã e transpassasse a metade do negócio de voos charters ao seu sócio e cunhado. Lanie ia deixar seu trabalho e vender sua casa, porque pensavam em mudar para a casa do almirante durante um tempo indeterminável.

 

      —Sim, estou seguro. E você?

      —Pernoitar e dormir de dia? Sim, não me importa, contanto que esteja contigo —respondeu com sinceridade.

      Ele afastou a mão do volante, o tempo suficiente para lhe dar um suave apertão na perna.

      —Melhor assim, porque nunca te afastarei outra vez do meu lado.

      —Promete?

      —Palavra do Boy Scout.

      Lanie riu. —Você nunca foi Boy Scout.

      Mac lhe dirigiu seu sorriso sarcático e piscou um olho.

      —Menos mal. De outra maneira seria Dirk quem tivesse conseguido essas habitações que tanto você gosta na casa do almirante.

      A Dirk tinham devotado um retiro antecipado, uma vez que o almirante tinha movido vários fios, e ele também, viveria na casa com eles. Era uma grande e feliz família de caça vampiros, e Lanie não podia estar mais contente.     Ela iria pôr seus conhecimentos em informática e de investigação a serviço da causa.

      Olhou o assento detrás, onde Gem, em seu estado pétreo, descansava no transporte. Lanie ardia de desejos de aprender mais sobre o chupacabras, assim teria muito que compartilhar com seu pai, quando entrasse em contato com ela, tal e como Lanie sabia que faria.

      Olhando pelo guichê, observou a paisagem. O sol, de uma brilhante cor alaranjada começava a se ocultar, e as sombras se faziam cada vez mais profundas. Justo diante estava o Capitólio, com sua cúpula resplandecendo sob a luz minguante. Ao lado, um objeto captou a atenção de Lanie e, enquanto rodeavam o edifício, girou a cabeça para jogar outra olhada.

      Havia uma solitária gárgula ali sentada, olhando os telhados da cidade. Pensando que podia estar equivocada, Lanie se voltou no assento aguçando a vista, mas então já se pôs o sol e a gárgula tinha desaparecido.

 

                                                                                Robin T. Popp  

 

 

Leia também da autora, Night Slayer 02

 

 

SEDUZIDA PELA NOITE

 

 

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

              Biblio"SEBO"