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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


NO ESCURO / Pamela Burford
NO ESCURO / Pamela Burford

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

NO ESCURO

 

Um adorável engano...

Brody Mikhailov esperava encontrar uma cesta de frutas em um quarto de hotel. Mas talvez o blecaute em Nova York merecesse atenção especial. Havia uma mulher em sua cama. Uma mulher quase nua que insistia em promover um encontro todo especial...

Tarde demais, compreendeu o que havia de especial naquele encontro!

Cat Seabright havia decidido que o primo de sua melhor amiga era o pai ideal para o bebê que tanto desejava, um homem que só encontrara uma vez e de quem mal se lembrava. Mas, no escuro, ela não percebeu que estava em companhia de um estranho apaixonante. Um estranho que à luz do dia, queria muito mais...

Tarde demais, descobriu que ele não era o homem que esperava encontrar. Mas que gloriosa engano foi aquele!...

 

Sim, estava um pouco nervosa, Cat Seabright admitiu para si mesma enquanto enxugava as mãos úmidas no vestido Por que negar? O que aconteceria no apartamento naquela noite mudaria sua vida para sempre. Era o que esperava.

Chegue de uma vez, Greg. Venha logo e vamos fazer o que deve ser feito antes que eu perca a coragem.

Não. Não perderia a coragem. Seria estranho e mecânico, sem dúvida, mas o que importava era o resultado final.

Distraída, Cat teve a impressão de um edifício ao norte desaparecia subitamente, como se todas as janelas se apagassem. A impressão confirmou-se quando um segundo edifício também sumiu. Em segundos todo o norte da cidade mergulhou na escuridão. Depois foi a vez do oeste se apagar de uma só vez, e em seguida a região onde estava também escureceu.

O ar-condicionado silenciou e Cat ficou onde estava.

— Um blecaute — sussurrou. O calor do dia devia ter causado uma sobrecarga no sistema de fornecimento de energia da cidade.

Na rua, as pessoas gritavam, aplaudiam e assobiavam, manifestando aprovação ou desgosto.

Um blecaute. Sem elevador, Greg teria de subir vinte e dois andares pela escada para encontrá-la. A idéia arrancou de seu peito uma gargalhada nervosa e ela atravessou o terraço, cujo piso de lajotas lembrava um forno de pizza sob seus pés descalços.

Oh, sim, era ela, a mulher mais atraente da cidade. Aquela por quem qualquer homem atravessaria o continente antes de subir vinte e dois andares pela escada. E com bagagem. Lá estava ela, a princesa de contos de fada em sua torre inacessível, lançando um teste de resistência física para todos os príncipes interessados em pedir sua mão em casamento.

Casamento não, ela lembrou, entrando na sala fresca e escura e caminhando com cuidado até o sofá. Fora preciso muito tempo, trinta e oito anos, para ser bem precisa, mas Cat eventualmente desistira do sonho. Só havia uma coisa que desejava de verdade na vida, e já esperara muito tempo por ela.

Precisava de velas, decidiu, caminhando na direção da cozinha e batendo o joelho na mesa de mármore que ficava em um canto da sala.

O que Nana faria se soubesse que havia se apoderado do apartamento da agência por uma noite? E para um propósito tão escandaloso! Não riria da idéia, com certeza. Sua empregadora era austera e séria como poucas mulheres naquela cidade imensa, dai o apelido usado normalmente para as avós e babás. Um de seus primeiros clientes a apelidara de sra. Amaryllis Littlestone “Nana” e o nome fizera sucesso.

Nana a demitiria se soubesse sobre aquela noite. Esperava que as subordinadas se comportassem de maneira casta e digna, não só durante o expediente, mas também nas horas de lazer.

Até então, Cat nunca enfrentara problemas para corresponder aos padrões da patroa. Tinha uma vida pacata, quase aborrecida, e sua modesta vida amorosa carecia dos ingredientes necessários para chocar alguém. Na cozinha, abriu uma gaveta e começou a apalpar seu interior com cuidado em busca de uma vela, rezando para não encontrar uma faca afiada ou um furador de gelo.

Havia confessado a Greg pelo telefone que não fazia sexo há três anos. Ainda não conseguira decidir se a informação serviria para excitá-lo ou, Deus não permitisse, despertar sua compaixão.

— Oh, sim, é isso que você quer ser! — exclamou irritada enquanto passava à gaveta seguinte. — O tipo de mulher com quem os homens dormem por piedade.

Encontrou uma vela e um pequeno castiçal de vidro, talvez uma lembrança de um jantar íntimo, e usou a caixa de fósforos quase vazia para acender o pavio escuro.

— Muito bem, iluminação romântica — disse com ironia.

O que quer que a noite reservasse para ela, tinha certeza de que romantismo não fazia parte da equação. Mas a experiência poderia ser resumida em uma história interessante para ser contada ao filho algum dia.

Você ,foi concebido na noite do grande blecaute da cidade de Nova York. Seu pai teve de subir vinte e dois andares pela escada porque havia prometido fazer um bebê com a mamãe enquanto mamãe ainda podia gerar bebês.

Pensando bem, talvez se contentasse com os três porquinhos. Em matéria de conto infantil, esse breve relato biológico deixava muito a desejar.

Como um marido.

Não. Recusava-se a percorrer essa estrada mental novamente, porque preferia evitar o beco em que ela sempre terminava. Duas décadas buscando o príncipe encantado haviam resultado no mais estrondoso fracasso. Ele não existia.

Brigit costumava dizer que Cat era exigente demais, o sua resposta era sempre a mesma. Considerando o alarmante número de divórcios registrados nos últimos tempos, todo o cuidado era pouco. Vivera a experiência, e a última coisa que queria era submeter uma criança inocente à mesma pressão emocional.

Cat foi até o quarto e deixou a vela sobre a cômoda, ao lado da enorme cesta de petiscos embrulhada em celofane. O conteúdo era tentador, variando de chocolates belgas a castanhas portuguesas, mas não ousava tocar em nada. Tinha de deixar o lugar exatamente como o encontrara, ou Nana descobriria que havia estado ali.

Quando partisse, na manhã seguinte, o apartamento da agência estaria como antes, mas ela...

Cat levou a mão ao abdômen. Se aquela noite fosse um sucesso e realmente engravidasse, não permaneceria empregada por muito mais tempo. Uma mãe solteira na agência de Nana? Nunca! Mas, enquanto a barriga não aparecesse, continuaria trabalhando e poupando cada centavo que ganhasse para comprar uma casa no subúrbio. Não tinha a intenção de criar um filho no apartamento em Tarrytown, no último andar de um sobrado que abrigava duas famílias. Jamais considerara a hipótese de conceber o bebê ali, sob os olhos e ouvidos atentos da sra. Santangelo, sua senhoria.

Escolher um local adequado havia sido a parte mais fácil, e tinha certeza de que Nana não sentiria falta das cópias da chave do apartamento antes que as devolvesse na manhã seguinte. Mas selecionar um reprodutor adequado...

Havia sido Brigit, sua melhor amiga, quem a ajudara. Tomavam café no Magnólia Coffee Shop, cerca de um mês antes, quando Brigit desistira de tentar convencê-la das dificuldades de ter um filho solteira e passara a apontar possíveis candidatos para o papel de Inseminador Chefe. O homem teia de possuir genes exemplares e, ainda mais importante, estar disposto a sair de cena assim que cumprisse sua parte na missão.

Um a um, haviam riscado os nomes que Brigit escrevera em um guardanapo de papel, até que restaram apenas dois: o ex-namorado de Cat, Anton Lind, um solteirão convicto, e Greg Bannister, primo de Brigit.

Cat sentira-se tentada a escolher Anton o homem mais sexy que já havia conhecido. Unindo mentalmente seus cabelos cor de cobre e encaracolados aos cachos dourados de Anton, imaginara uma garotinha de cabelos levemente avermelhados e os olhos azuis do pai e da mãe. E Anton era conveniente, morava bem ali na cidade. O namoro terminara há mais de quatro aros, mas pelo menos tivera uma história com ele.

E por isso mesmo acabara por riscá-lo da lista. A última coisa que queria era encontrar o pai de seu bebê no parque, ou encontrá-lo diante de sua porta para uma visita inesperada. Solteirão ou não, podia imaginá-lo tomado pela nostalgia e tentando retomar o envolvimento assim que soubesse sobre a gravidez.

Restara apenas Greg, o primo de Brigit. Cat o vira uma única vez na formatura do colégio e lembrava-se de ter ficado impressionada com sua beleza. Naquela época, Greg tinha vinte e dois anos, alto e imponente, com um ar confiante e simpático que era estranho à imaturidade vaidosa dos garotos de sua idade.

Mesmo assim, não voltara a pensar em Greg nos vinte anos seguintes, até Brigit sugerido para o serviço de reprodutor.

— Ele vai aceitar — a amiga garantira com segurança.

— Greg é o homem mais ousado que conheço. E é ainda mais sexy hoje do que quando o conheceu. Francamente, se ele não fosse meu primo...

Ele mora no Alasca, não é? — perguntara.

— Sim, mudou-se para lá quando terminou a universidade. Greg é engenheiro e trabalha com alguma coisa relacionada à tubulação de petróleo. Ouvi dizer que a população masculina no Alasca é muito maior que a feminina. Pelo menos pode ter certeza de que ele vai cumprir a tarefa de maneira rápida e precisa.

Depois disso, os arranjos haviam sido precisos e objetivos.

Brigit contara a idéia a Greg, que havia se lembrado de Cat.

— A ruiva com aqueles óculos antiquados?

Felizmente trocara os óculos por lentes de contato. Não que isso fizesse muita diferença. O importante era que Greg aceitara a missão. Quando Brigit a colocara no telefone, ele havia dito que faria mesmo uma viagem a Nova York em breve, em uma data que coincidiria com seu período fértil. Quanta sorte!

Se não engravidasse naquela noite, Cat pensou enquanto despia o vestido e a roupa íntima, voltaria ao ponto de partida. Porque, a menos que estivesse disposta a voar até o Alasca para uma nova tentativa com Greg, uma proposta que exigiria tempo e dinheiro, teria de pensar em outro candidato.

Antes de entrar no banho, vestiu o roupão e deixou as chaves do apartamento sob o capacho da porta. Felizmente o aconselhara a procurar o chaveiro ali, caso ela não atendesse à campainha. Se o vôo atrasasse, poderia estar dormindo quando ele chegasse.

Tomou uma ducha rápida e fria, livrando-se do suor gorduroso de um dia de temperatura recorde. Terminou de enxugar-se no quarto, olhando para a camisola que deixara sobre a cama, lamentando não ter levado nada menos... ou melhor nada mais. Mais tecido, mais sobriedade, mais modéstia. Aquele pedaço de seda verde havia sido presente de Brigit, uma espécie de amuleto para o que ela certamente considerava uma noite de paixão inesquecível. Tudo que Brigit pedira em troca havia sido um relato completo do encontro.

— E não se atreva a omitir nenhum detalhe, mocinha. Quero poder imaginar cada gota de suor.

Era ridículo. Ninguém jamais se havia interessado pelos detalhes de sua monótona vida amorosa.

Rindo, vestiu a camisola e sentiu o tecido delicado acariciando a pele até os tornozelos.

Cat parou diante do espelho. Alças finas sobre os ombros representavam a única sustentação para a peça ousada, e uma abertura lateral expunha uma das pernas até a porção mais alta da coxa. O decote mergulhava até o umbigo, fechado por cordões que, entrelaçados, terminavam na metade dos seios.

Puxou o cordão com toda a força que tinha, mas os dois lados da camisola permaneciam distantes.

Sem dúvida a intenção era essa. A camisola operava milagres por seu corpo, realçando os seios e deixando-os visíveis através do tecido fino.

— Não posso usar isto — suspirou, virando-se de lado.

A visão lateral era igualmente majestosa. — Posso?

Jamais vestira uma camisola como aquela, um traje cujos propósitos podiam ser muitos e variados, mas não incluíam uma noite de sono profundo e reparador. O que Greg pensaria dela?

O que já pensava dela, uma mulher solteira que tomara providências para ser inseminada por um estranho?

Ajeitando os cabelos ruivos, deixou-os caírem livres sobre os ombros e sorriu. Nunca estivera tão sedutora. Tinha de reconhecer que a sensação era inebriante.

Que mal poderia haver em desempenhar o papel por uma única noite? Com sorte, nunca mais voltaria a ver Greg depois desse encontro. Que importância poderia ter a opinião do homem a seu respeito?

Qualquer coisa era melhor que piedade.

— Bem, é isso — disse ao reflexo no espelho. — Esta noite serei Dalila.

Cat manteve janelas e portas fechadas, tentando reter o frescor do ar-condicionado, mas o ambiente ficava mais quente a cada minuto com o aparelho desligado. Decidiu abrir as janelas e deixar entrar o ar úmido e quente e o barulho do exterior. Depois deitou-se na cama, sobre a colcha colorida, e usou uma revista como leque.

A vela ainda queimava no candelabro, mas a luz era insuficiente para ler. A única coisa de que dispunha para ocupar a mente era o nervosismo ansioso que ameaçava dominá-la. Mudou de posição em busca de um pouco mais de conforto, apesar do calor, e decidiu fechar os olhos só por alguns minutos.

      

Uma sensação tênue deslizando por seu braço perturbava seu sono. Depois de algum tempo a sensação cessou e ela sentiu os dedos em sua testa, afastando seus cabelos.

Abriu os olhos e despertou assustada. Mãos pesadas tocavam seus ombros. O quarto estava mergulhado na escuridão, e a única fonte de luz era a lua cintilando além da janela aberta. A vela chegara ao fim enquanto ela dormia.

Mal podia ver o homem sentado a seu lado na cama, mas os outros sentidos compensavam a precariedade da visão. Sentia o calor emanado do corpo musculoso, o perfume sutil e másculo da pele suada depois do esforço de ter subido vinte e dois andares pela escada. O aroma de tabaco podia ser detectado em suas roupas.

— Imaginei que gostaria de ser acordada. — A voz era um murmúrio rouco e profundo. — Acho que cochilou enquanto esperava por mim.

— Sim, acho que sim...

Embora houvesse esperado com ansiedade, a presença de Greg a obrigava a compreender a enormidade do passo que estava prestes a dar.

— O tráfego está uma terrível confusão, com todos os faróis apagados e os notívagos vagando pelas ruas, sem as boates e discotecas para acalmá-los. Fiquei impaciente dentro daquele táxi abafado, e por isso caminhei nos últimos quarteirões do trajeto.

Greg não devia nem ter notado que massageava seu braço enquanto falava. Era a carícia íntima de um amigo, não de um estranho. Bem, aquela não era a primeira vez que se encontravam, afinal. Cat relaxou, um pequeno milagre, considerando a natureza do encontro e o fato de estar usando a camisola mais sexy que Brigit Bannister conseguira encontrar. E ela sabia onde procurar.

Pela primeira vez, sentiu-se grata pelo blecaute.

— Lamento que tenha tido de subir pela escada.

— Você não tem culpa. A menos que tenha sido responsável pelo blecaute...

Cat sorriu.

— Bem, estava com o ar-condicionado ligado.

— Deve ter sido isso — ele riu.

As mulheres do Alasca deviam ser cegas, ou já teriam agarrado aquele homem.

Hesitante, estendeu a mão para tocar seu rosto.

— Você está tremendo! — Greg constatou, fechando os dedos sobre os dela

O que estava esperando? Nervos de aço? Ele depositou um beijo em sua mão. Cat descobriu que estava despreparada para o calor dos lábios úmidos e macios.

A luz da lua revelava traços masculinos e cabelos escuros, curtos e ondulados. As duas últimas décadas haviam deixado as marcas da maturidade em seu rosto.

Sentindo os olhos fixos nela, deduziu que a visão noturna de Greg devia ser perfeita. O colchão afundou quando ele mudou de posição. Sentiu o toque suave em seu rosto, uma espécie de sopro morno que acompanhava os contornos do nariz, da boca e do queixo. Os dedos tocaram o pescoço e desceram devagar, alcançando os seios sem nenhuma hesitação. Sabia que ele podia sentir as batidas de seu coração e por isso prendeu o fôlego, desejando poder ser tão controlada quanto ele. Longe de compartilhar de sua agitação, Greg se mostrava muito à vontade.

— Soube escolher a roupa para a ocasião — ele comentou. tocando o cordão que segurava o decote da camisola.

— Esperava mesmo que gostasse.

— Adorei. É uma pena que não possa ver melhor. — A mão deslizou por sobre o ventre e tocou uma coxa, submetendo o resto de seu corpo à mesma inspeção detalhada. Era como se o calor dos dedos deixasse marcas gravadas em sua pele.

Reunindo coragem, Cat sentou-se e mudou de posição, abrindo espaço para que ele se deitasse na cama. Forçou um sorriso, mesmo sabendo que o gesto não seria visto.

— Não se sinta obrigado a perder muito tempo conversando ou... — Engoliu em seco. — Prolongando as preliminares. Podemos ir direto ao ponto, se preferir.

Greg ficou em silêncio por alguns instantes antes de responder:

— Acho que essa não é uma boa idéia.

As palavras a atingiram como um soco no estômago.

— Quer dizer que... não quer...

— Não estou com muita disposição. Nada pessoal.

A humilhação queimava em seu rosto e ardia nos olhos. Greg havia mudado de idéia. Percorrera uma distância enorme, subira vinte e dois andares a pé, tudo por um único propósito, e agora... agora que tinha uma chance de inspecionar a mulher com quem deveria gerar um bebê...

— Mas... estava tudo acertado. Quero dizer, se não vamos fazer sexo, então... por que estou aqui? — Puxou a camisola num esforço inútil de cobrir-se melhor.

— Nós dois sabemos que a idéia não foi minha.

— Sim, mas... Bem, lamento desapontá-lo. Desculpe-me.

Começou a levantar-se, mas ele a deteve.

— Espere um minuto. Acha que não me sinto atraído por você?

— Não se preocupe. Não vou encarar a rejeição como uma afronta pessoal.

— Só para esclarecer os fatos, minha decisão não tem nada a ver com você. São as circunstâncias.

— Circunstâncias?

— Estou habituado a tomar todas as iniciativas. O que está acontecendo aqui é algo que vai contra minha natureza. No entanto... — Ele deslizou a mão por seu braço até tocá-la novamente no rosto. — Você é muito atraente. Desejável.

A carícia simples privou-a do ar. Sentiu os seios rígidos sob o tecido fino que os cobria. A reação do corpo a envergonhava. Se Greg a considerava tão atraente, devia estar fazendo aquilo a que se propusera, quaisquer que fossem as circunstâncias. Brigit o descrevera como o homem mais quente que já conhecera. E ele não dissera nada ao telefone para indicar que podia ter algum problema com as circunstâncias.

Devia estar grata. Pelo menos Greg não se deitaria com ela por piedade!

Cat empurrou as mãos dele.

— Escute, agradeço por seu empenho galante, mas não precisa mentir para poupar meus sentimentos. Sei que não sou especial.

— Galante? Nunca fui acusado disso antes. — De repente agarrou a mão dela e aproximou-a do próprio corpo, colocando-a sobre o zíper do jeans.

Sua ereção era evidente sob o tecido grosso. Os dedos agarraram os dela, forçando-a a ter uma medida exata das proporções do desejo que sentia. Por um momento Cat sentiu-se tão aturdida que não foi capaz de mover-se ou respirar. Era como se o coração houvesse parado de bater.

Greg inclinou-se sobre ela e a voz transformou-se num sussurro rouco.

— Só queria que entendesse o que estou dizendo. Não é nada pessoal. — E beijou-a na testa.

Trêmula, ela tentou remover a mão e não encontrou resistência.

Muito bem. Definitivamente, não era nada pessoal.

Na medida em que assimilava a descoberta, começou a experimentar a mesma sensação inebriante que a invadira pouco antes, quando havia parado na frente do espelho. O poder de seus encantos femininos.

O homem a desejava. O corpo ansiava pelo dela. Era a mente que o impedia de agir. A seu modo, devia estar tão incomodado quanto ela com a situação. Precisava sentir que estava no comando, tomando todas as iniciativas.

O que Dalila faria em seu lugar?

Cat cruzou as pernas, tentando demonstrar uma calma que estava longe de sentir.

— Devo admitir que, de certa forma, sua decisão é um alívio — disse, levando as mãos à nuca para erguer os cabelos, consciente de que o gesto revelaria as curvas de seu corpo. — Puxa, está quente aqui!

— É verdade. Por quê?

— Por que o quê?

— Por que é um alivio?

Cat encolheu os ombros e apoiou o peso do corpo sobre as mãos.

— Sabe como é... Toda a pressão de uma situação planejada, a falta de espontaneidade...

— Eu sei.

— Sexo não é uma coisa que se possa marcar na agenda. Você já provou que não se sente atraído pela idéia, e é bem provável que eu nem consiga ficar excitada.

Silêncio.

— Por isso disse que é um alivio. Acho que ainda sobrou um pouco de sorvete no freezer. E vai acabar derretendo, se não acabarmos com ele. Quer dividir?

— Não. Isso não seria um problema.

— O que não seria um problema?

— Minha habilidade para excitá-la Tenho certeza de que conseguiria... se levássemos essa historia até o fim.

— O que não vai acontecer.

— Certo.

— Então jamais saberemos, não é? Não vou deixar que aquele delicioso sorvete de chocolate acabe no lixo. — E virou-se para deixar a cama.

— Nós sabemos — Greg persistiu com tom sério. — Eu sei, está bem? Excitá-la não seria um problema.

— É claro. Se você diz que não...

Ele a segurou pelo braço no momento em que Cat ficou em pé.

— O que foi isso?

— O quê?

— O que acabou de dizer.

— Eu disse, é claro.

— E também disse, se você diz que não... Ouvi muito bem.

— Se ouviu, por que está perguntando o que eu disse? Importa-se? — E olhou para a mão em seu braço.

Greg não a soltou.

— Duvida que eu seja capaz de excitá-la.

— Isso não é importante. Estamos aliviados por termos escapado da pressão. Agora gostaria de relaxar com uma imensa taça de sorvete de chocolate. Isto é, se você não se incomodar.

Ele a soltou.

— Então é isso. Não está nem curiosa.

A pausa prolongada foi tão eloqüente quanto as palavras que a seguiram.

— Sabe de uma coisa? Para ser bem franca, sei que seria capaz de levar-me à loucura. — Bateu no braço dele e sorriu, virando-se para a porta. — Não tenho a menor dúvida disso.

Não precisava de luz para saber que Greg estava indignado com a evidente tentativa de aplacar seu frágil ego masculino. Mas tudo que ouviu na voz dele foi determinação.

— É melhor esclarecermos tudo de uma vez. — E tomou-a nos braços.

A boca apoderou-se da dela e os dedos seguraram seus cabelos, imobilizando-a. A outra mão pressionava suas costas, puxando-a de encontro ao corpo. O calor, o cheiro de sua pele, o poder reprimido dos músculos, tudo se juntava para formar uma mistura que a embriagava e incendiava.

Greg a beijou com uma intensidade impressionante, forçando uma resposta que ela se recusava a dar.

Apesar de ter sido esse seu objetivo, convencê-lo a agir, temia perder-se. Afinal, nunca havia sido beijada daquela maneira. Greg assumira o controle. E Cat sentia-se como o dr. Frankenstein, à mercê da besta que criara.

Ele a acariciava através da seda fina, testando suas formas. As sensações ganhavam intensidade e, depois de alguns minutos, Cat perdeu o controle sobre si mesma. Ávida, abraçou-o e correspondeu ao beijo, invadindo-o com a própria língua.

Ouviu o suspiro satisfeito que ele deixou escapar e não se importou. Não tinha importância se ele queria apenas provar um ponto de vista, O desejo era como uma força incontrolável devorando-a por dentro. Sá sabia que precisava daquilo.., e de muito mais.

Greg encerrou o beijo mas não se afastou, mantendo os lábios bem próximos dos dela. Cat fitou-o e foi recompensada pela primeira visão nítida de seus olhos, negros como a noite e profundos como um poço misterioso.

Um estranho desconforto a invadiu. No instante seguinte a causa do incômodo, se é que ela existira, desapareceu, tão tênue e fugaz quanto o bater de asas de um inseto.

— Provei meu ponto de vista? — ele perguntou, mais ofegante do que quando terminara de subir os vinte e dois degraus.

— Não. — Sua voz era tão trêmula quanto a dele. — Foi um esforço admirável, mas... — E encolheu os ombros.

— É muito feio mentir. Não quer reconsiderar? — E acariciou um de seus seios, concentrando-se no mamilo ereto e sensível.

Cat o segurou pelo pulso, sufocando um gemido de prazer.

— Não há nada a reconsiderar.

— Entendo. Deve ser a temperatura baixa que causou esta reação. — E tocou novamente seus seios.

— Isso não prova nada.

— Ah! Então insiste em uma prova definitiva? É adepta do método científico? — Rápido, soltou-se e agarrou os dois pulsos de Cat com uma única mão, usando a outra para acariciar seu ventre e brincar com a região sensível em torno do umbigo. — Por que não admite que estou certo?

Notando que ela não pretendia responder, continuou deslizando a mão até encontrar a fonte de calor entre suas pernas.

— Se a tocasse aqui, o que encontraria? Uma prova concreta? Algo como... umidade?

— Quer dizer que está disposto a aceitar minha palavra? — E afastou as pernas. — Não há nada de científico nesse método de pesquisa.

Greg se manteve imóvel por alguns segundos, como se considerasse o convite ousado. Depois moveu uma das mãos e encontrou a abertura da camisola.

Cat prendeu o fôlego ao sentir o primeiro contato; estava mais que excitada. Sabia que o gemido primitivo emitido por Greg não tinha nada a ver com triunfo por ter comprovado sua teoria. Era uma resposta instintiva, primitiva e sexual.

Ele aprofundou a exploração e Cat fechou os olhos, abrindo a boca para um grito silencioso. Nunca cm toda a vida sentira-se tão excitada. Um dedo a invadia lentamente, e os joelhos ameaçavam ceder sob o peso de seu corpo. Então ele soltou seus pulsos e passou um braço por suas costas, sustentando-a.

Os quadris imitavam os movimentos do dedo, e em poucos momentos ela pode sentir a aproximação do clímax,

Greg removeu a mão. O grito de frustração foi inevitável.

Tremendo, ele a empurrou com um misto de delicadeza e firmeza.

Por que resistia? Àquela altura, que importância tinha quem tomara a iniciativa? Seu orgulho masculino seria frágil a ponto de não suportar uma inversão de papéis?

Ouvia a respiração arfante e sabia que ele lutava para conter-se.

Oh, não, de jeito nenhum, pensou. Esta noite sou Dalila e você me pertence!

— Vou dormir no sofá — Greg anunciou com voz perturbada.

Cat segurou a ponta do cordão que segurava o decote da camisola e puxou-o, desfazendo o laço. A seda escorregou por seus ombros, desnudando-a até a cintura. Sem parar para pensar, segurou as mãos dele e colocou-as sobre os seios. Incapaz de resistir ao chamado da natureza, Greg moveu os dedos numa carícia provocante e deliciosa.

Tomada por uma confiança que jamais sentira antes. Cat terminou de despir-se, erguendo um pé de cada vez para sair do lago formado pelo tecido verde e sedoso. Depois tocou sua ereção e acariciou-o através da calça jeans. Greg prendeu o fôlego. Estava ainda mais excitado que antes.

— Não sei de onde tirou essa bobagem machista de ter sempre de tomar a iniciativa, mas isso já se tornou cansativo — ela disse, — Tire a roupa.

— Não. Você vai me despir.

Cat sorriu na escuridão. Greg podia ter vencido uma batalha, mas era evidente que ela ganhava a guerra.

O prazer que encontrou nos braços de Greg Bannister foi envolvente, intenso e novo. Jamais havia sentido nada parecido. Apesar da dor provocada pelo início da penetração, uma conseqüência dos anos que passara sozinha, ondas sucessivas de calor a inundavam como mel quente, despertando-a para as delicias que jamais sonhara poder encontrar ao lado de um homem. Não reconhecia a mulher ousada e sensual que o acariciava sem reservas, incendiando seu corpo com a força do próprio desejo. Como se as mãos e a boca não fossem suficientes, usava também a voz e as palavras para excitá-lo e levá-lo ao mais completo descontrole.

Chegaram ao clímax juntos, e Cat sentiu o jato quente da vida dentro dela.

Está feito, pensou. Daqui a nove meses poderei ser mãe.

A idéia de ter um filho nos braços era tão intensa, tão envolvente, que o peito doía ao pensar nela. Os olhos estavam cheios de lágrimas.

Trêmula, tocou o rosto de Greg.

— Obrigada — murmurou. — Muito obrigada.

— Não precisa gritar. Sei que estou atrasada — Cat anunciou ao sentar-se à mesa do Magnólia Coffee Shop.

A boa notícia era que o blecaute chegara ao fim no meio da noite. A má notícia era que havia acordado sozinha. Parte dela, a porção racional que temia as confusões geradas por envolvimentos emocionais e afetivos, insistia em dizer que essa também era uma boa notícia, afinal.

Mas outra parte, um pequeno e sombrio recanto de sua alma, imaginava como teria sido fitar aqueles olhos negros à luz do dia. Todas as manhãs.

— Você está com uma ótima aparência — Brigit apontou. — Deve ter dormido muito bem.

— Como um anjo.

Darlene, a garçonete, colocou um cacho de uvas e uma xícara de chá na frente de Brigit antes de olhar para Cat.

— Café e waffle, como sempre?

— Por que está comendo uvas e tomando chá, se não suporta nenhum dos dois?

— Porque estou de dieta. O ácido das uvas ajuda a queimar a gordura do corpo — Brigit explicou. — Ou algo parecido. Escute, Greg me pediu para transmitir um pedido de desculpas. Ele imagina como está se sentindo frustrada depois de ontem à noite.

Cat engasgou com o primeiro gole de café.

— Frustrada? Ele disse isso? Frustrada?

— Sei que é pouco para descrever o que está sentindo. Homens! — Brigit mastigou uma uva e torceu o nariz em sinal de desgosto.

Se Greg acreditava tê-la frustrado, não devia ter prestado muita atenção!

— Escute, não sei o que ele lhe contou, mas não estou frustrada — disse.

— Desapontada, então?

Cat deixou a xícara sobre a mesa.

— Afinal, o que foi que ele disse?

— Vou lhe contar tudo. Oh, sim, e ele espera ter uma chance de redimir-se. Ugh, quem pode comer esta coisa? — E empurrou o prato com as uvas. — Darlene!

— Quando falou com seu primo? — Cat quis saber.

— Waffle — Brigit pediu à garçonete. — E com cobertura de caramelo e bacon. Oh, e um capuccino... com raspas de chocolate.

— Greg telefonou para você? Ele... fez um relatório, ou algo parecido?

— Por que está tão aflita? Ele telefonou de Boston para explicar-me que o vôo havia ficado retido por causa do blecaute. O pobrezinho passou a noite no aeroporto e ainda está lá, esperando que os vôos se normalizem. Greg não conseguiu chegar a Nova York.

 

                         CAPITULO II

 

Greg não chegara a Nova York!

Cat passou pela porta giratória do edifício que abrigava a agência onde trabalhava e seguiu para o corredor dos elevadores, movendo-se como um robô. Três horas haviam se passado desde que Brigit revelara a notícia, mas o impacto não diminuíra. Ainda estava chocada.

Assim que conseguira recuperar a voz, havia contato à amiga tudo que acontecera naquela noite.

— Está me dizendo que não sabe com quem se deitou ontem à noite? — Brigit gritou, atraindo olhares curiosos e sorrisos maliciosos.

— Shh! Estava escuro. Como eu podia saber?

— Meu Deus, pode ter sido qualquer um!

— Será que pode falar mais baixo? Por que não telefonou para o apartamento quando soube que Greg não viria?

— Eu tentei, mas não consegui completar a ligação.

— Nunca ouvi dizer que um blecaute pudesse afetar as linhas, a menos que... — E havia suspirado. — Já sei. O aparelho é um modelo sem fio. Sem eletricidade, a base deixa de funcionar.

— Então foi isso.

— Oh, meu Deus! E se fiquei grávida?

— Qual é o problema? Não era isso que queria? Alguém que a ajudasse a conceber um filho e depois desaparecesse?

— Queria evitar envolvimentos, mas nunca disse que estava interessada em anonimato. Não sei nada sobre esse homem. Não sei seu nome, de onde veio, o que faz...

— Greg deve chegar na cidade até o final da tarde. Quer que ele...

— Não! — Não poderia dormir com Greg antes de saber se estava grávida. A única coisa pior do que ter um filho de um estranho era não saber qual estranho era o pai de seu filho.

Ao sair do elevador no quinto andar, tentou concentrar-se no trabalho. As portas duplas com o emblema da Office Morri, Inc. Estavam abertas. Nana a convocara para uma reunião à uma da tarde, sem dúvida para discutir sua próxima missão. Cat acabara de concluir um serviço de duas semanas em uma companhia de seguros de saúde no centro da cidade. A agência de Nana era muito procurada, e raramente ficavam mais que um ou dois dias sem trabalho.

Cat não reduziu a velocidade ao passar pelo assistente de Nana, Amory, na sala de espera.

— Bela gravata, Ame. Ela vem acompanhada de óculos 3-D? Amory fez uma careta. Cat nunca se cansava de atormentá-lo por causa das horríveis gravatas que usava.

— Ela está esperando por você.

Nana estava sentada atrás da imponente mesa francesa de que tanto se orgulhava. Os cabelos grisalhos e curtos emolduravam o rosto num penteado simples e elegante, e o tailleur de bouclé cor-de-rosa era adornado apenas por um broche de pérolas. Como sempre, o aroma do perfume Joy pairava no ar.

— Aqui está nossa Caitlin! — ela anunciou sorridente, apontando para uma das cadeiras colocadas diante da mesa.

— Querida, quero que conheça o sr. Mikhailov.

Cat olhou para o homem que acabara de se levantar de outra cadeira. Sorrindo, estendeu a mão para cumprimentá-lo.

— Brody — ele disse, envolvendo seus dedos num aperto firme.

A vaga sensação de reconhecimento congelou-se em uma bola de ferro que ocupou todo o espaço de seu estômago. Cat parou aturdida, a mão escondida pela dele e os olhos fixos no sorriso de Brody Mikhailov. Sentindo sua tensão, ele deu a vaga impressão de ter encontrado a origem do desconforto na própria consciência.

A voz profunda... o cheiro da pele... a sombra da barba espessa que deixara marcas em sua pele...

Cat fitou-o nos olhos. Aqueles olhos! Não eram negros, afinal, mas de um azul-escuro.

Muda, entorpecida, notou que a expressão de Brody não revelava nada depois da surpresa inicial, embora a constatação pairasse sobre eles como uma nuvem carregada de eletricidade.

A voz de Nana traía preocupação.

— Caitlin?

Meu emprego. O que vai acontecer com meu emprego?

Cat tentou forçar uma resposta através do nó que bloqueava sua garganta. Brody afagou sua mão e empurrou-a para perto da cadeira.

— É o calor, sra. Littlestone — disse. — Vi um guarda de trânsito desmaiar em uma esquina perto da Terceira Avenida. — E baixou a voz ao falar com Cat. — Você vai indo bem. Respire fundo.

Obrigou-a a sentar-se na cadeira que vagara pouco antes. Em silêncio, ela aceitou a sugestão e encheu os pulmões de ar, soltando-o lentamente.

Nana ameaçou levantar-se.

— Você está pálida.

— Já vou melhorar. O sr. Mikhailov tem razão. Deve ser o calor. Vim a pé porque... tive de estacionar o carro longe daqui. Nana acomodou-se novamente e assumiu um ar de reprovação.

— Por que não usa um dos estacionamentos próximos do edifício? O calor tem estado insuportável. Entregue os recibos a Amory e a agência fará o reembolso.

— Obrigada. — Cat evitava olhar para Brody, que sentara-se na cadeira vizinha a dela.

— Nana? Caitlin é sua... Não. Seria impossível. Se tem netos, sra. Littlestone, eles devem ser crianças.

Cat jamais vira sua empregadora corar, mas o rosa que tingia seu rosto era quase tão intenso quanto o de sua roupa.

— Trata-se de um apelido adquirido há anos — ela explicou. — Na verdade, tornei-me bisavó recentemente. E por favor, poupe seus elogios, ou vou acabar acreditando neles,

Enquanto ouvia a conversa, Cat superava o estupor inicial e começava a reconhecer outro sentimento. Medo. Só podia haver uma razão para aquela reunião. Pensou em dizer alguma coisa, mas a dona da agência foi mais rápida.

— Tenho certeza de que lamentou ter aceito minha oferta para hospedar-se no apartamento da companhia, sr. Mikhailov. Deve ter sido horrível subir vinte e dois andares a pé.

— De maneira nenhuma.

Teria imaginado o tom de malícia por trás da negação?

Cat fitou-o no mesmo instante em que ele se virava para examiná-la.

— A noite de ontem representou uma experiência rara e marcante. Creio que posso dizer que me descobri no local exato e na hora certa.

— Entendo. A vista do terraço deve ter sido extraordinária com a cidade mergulhada na escuridão. É um alívio saber que foi capaz de enxergar o lado positivo do blecaute.

— Oh, já ia me esquecendo — Brody comentou, tirando do bolso um chaveiro que deixou sobre a mesa. — Obrigado mais uma vez,

Naquela manhã Cat havia se perguntado por que Greg devolvera as chaves ao esconderijo sob o capacho. Agora compreendia que elas jamais haviam saído de lá.

— Ainda na consegui encontrar as cópias — Nana contou ao guardar o chaveiro na gaveta. — Não tenho idéia de onde podem estar.

Brody olhou para Cat mais uma vez, a expressão neutra. A boca que na noite anterior havia sido fonte de um inesgotável prazer estava encurvada num sorriso debochado. Se quisesse, ele poderia contar a Nana quem havia pego o segundo jogo de chaves.

Cat enviou uma súplica silenciosa. Não faça isso. Por favor. Preciso desse emprego.

Sem desviar os olhos dos dela, Brody anunciou:

— A idéia não foi minha.

Ele dissera a mesma coisa quando havia tentado rejeitá-la.

O que estaria pensando sobre sua presença no apartamento da agência? Sabia que havia dado a impressão de estar esperando por ele... e naquela camisola indecente! Quais haviam sido suas palavras? Esqueça a conversa e as preliminares. Vamos direto ao ponto.

Deus! O homem devia estar pensando que era uma ninfomaníaca disposta a seduzir todos os clientes de sua empregadora!

Tentou acompanhar a conversa e demonstrar um mínimo de interesse.

— O que quer dizer?

Brody cruzou as pernas e sorriu.

— Você é meu presente de aniversário. Quarenta anos.

— Como?

— Meu agente. Leon Lopez, decidiu que seria bom ter uma mãe empresarial por um mês. Em sua opinião, isso ajudaria a me tornar mais humano. E algo me diz que um mês em sua companhia vai me transformar em um novo homem, Caitlin.

— Seus instintos estão corretos, sr. Mikhailov — Nana confirmou sorridente. — Caitlin é nossa contratada mais popular. Os clientes que ela atende sempre voltam solicitando seus serviços.

— O que não me surpreende. Falando em experiência pessoal, posso me tornar rabugento se não for... servido com regularidade.

Então era isso, O novo cliente de Nana estava ansioso pelo tipo de atendimento que havia recebido na noite anterior. E durante um mês! Talvez pensasse que o encontro houvesse sido uma amostra grátis para atrair a clientela.

— A filosofia da nossa agência de serviços domésticos é única, sr. Mikhailov. Teve tempo de ler o catálogo que lhe entreguei ontem?

— Não. E aposto que deixei de conhecer detalhes importantes, sra. Littlestone. É imperdoável.

Nana sorriu.

— Como é a primeira vez que contrata nossos serviços, creio que devo explicar alguns detalhes. Assim evitaremos confusões no futuro. O conceito da agência é uma resposta à constante despersonalização do moderno empresariado americano. Hoje em dia, as pessoas que se dedicam a um emprego são obrigadas a lidar com uma hierarquia rígida, políticas internas conflitantes e um ambiente físico quase cruel. Normalmente passam a maior parte do dia trancadas em um cubículo escuro e sem ar, perdidas em um mar de outros cubículos idênticos. Está acompanhando meu raciocínio, sr. Mikhailov?

— Perfeitamente.

— A mãe empresarial vai fazer parte da empresa como uma empregada temporária, ou uma consultora, se preferir. Ela dispensa cuidados pessoais aos trabalhadores, o tipo de atenção que só uma mãe poderia dispensar.

— Misericórdia! Vou tratar de me comportar bem, ou Caitlin poderá me mandar para a cama sem jantar.

Nana respondeu ao comentário com um sorriso tolerante. Se Cat recebesse um dólar cada vez que ouvisse aquele mesmo trocadilho, ou uma variação dele, não teria de se preocupar com o emprego.

— A que tipo de cuidados maternais estamos nos referindo? — Brody perguntou sério. — Pregar um botão em uma camisa? Servir leite com biscoitos no meio da tarde?

— Se quiser... — Nana confirmou. — Qualquer coisa capaz de gerar conforto e bem-estar. E é importante que o cliente também compreenda o que uma mãe empresarial não é. Embora possa desempenhar uma outra tarefa doméstica e até servir leite com biscoitos, ela não é uma governanta, cozinheira, babá ou enfermeira, E tenho certeza de que compreende que intimidades excessivas também não são toleradas. A Oflice Mom, Inc, não é uma agência de acompanhantes ou encontros amorosos.

— E se ela der o primeiro passo nesse sentido? — Brody piscou com ar debochado.

Cat sentiu o coração bater mais depressa. Não brinque com isso!, queria gritar. Nana não pode saber!

— Nesse caso, não temos com o que nos preocupar — Nana afirmou. — Caitlin é uma profissional. Sei que ela jamais trairia minha confiança dessa maneira.

Cat baixou a cabeça e removeu uma linha imaginária da saia longa e rodada.

— É claro que não — ele respondeu. — Quando ela pode começar?

— Não pode — Cat disparou.

Os dois a encararam surpresos.

— Eu... não posso trabalhar com o sr. Mikhailov. Minha... agenda. Tenho compromissos para os próximos trinta dias.

— Compromissos? Não me lembro de tê-la designado...

— Não se trata de um compromisso profissional. São assuntos pessoais. Vou... sair de férias. Acho que esqueci de avisá-la.

Apesar da determinação com que Nana escondia os sentimentos, Cat sabia que ela estava aborrecida e surpresa. Em sete anos prestando serviços para a agência, sempre fora um exemplo de responsabilidade profissional.

— Por que não entrega o sr. Mikhailov nas mãos competentes de Rhonda? — sugeriu. — Ela está livre, não? Rhonda era uma espécie de versão barbeada de Willie Nelson.

— Oh, eu não sei... — Brody protestou. — Gostei de Caitlin.

Os olhos azuis estavam novamente fixos em seu rosto, eloqüentes, e Cat obrigou-se a sustentar o olhar intenso sem sequer piscar.

— Infelizmente, não estou disponível. Tenho certeza de que Rhonda será tão eficiente quanto...

— Sra. Littlestone, se não puder contar com os serviços de Caitlin, irei procurar outra agência — ele anunciou firme.

— Mas... o sr. Lopez já tomou todas as providências!

Brody encolheu os ombros.

— Nesse caso, vai ter de devolver o dinheiro de Leon. Ele poderá usá-lo para comprar um relógio, ou qualquer outro presente de aniversário que queira me dar. Está decidido. Se não for Caitlin, não será ninguém. Você mesma disse que ela é a melhor.

— Bem, parece que chegamos a um impasse. — Nana virou-se para Cat. —Esta mesmo decidida a tirar férias, querida? — O olhar firme encorajava a resposta que ela esperava ouvir da empregada mais confiável.

Antes que Cat pudesse dizer que sim, estava disposta a sair de férias, Brody interferiu mais uma vez.

— A propósito, Caitlin, onde estava quando as luzes se apagaram?

Ela o encarou e, por trás do sorriso inocente, detectou uma ponta de crueldade.

Nana respondeu por ela.

— Caitlin mora em Westchester, e por isso não foi atingida pelo blecaute. Certo, querida?

— Um... sim.

Brody não desviava os olhos de seu rosto. Inclinando o corpo para a frente, apoiou o cotovelo no braço da cadeira e coçou o queixo.

— Ontem, quando Nana me deu as chaves, não conseguiu encontrar as cópias. Alguém deve tê-las tomado emprestadas. Assim, quando cheguei ao apartamento, esperava encontrar companhia. Uma das adoráveis mães empresariais da agência, talvez, dormindo profundamente como a Bela Adormecida.

Cat agarrou os braços da cadeira com tanta força que os dedos ficaram pálidos. O riso sufocado soou mais como um espirro.

— Vejo que tem uma imaginação muito fértil. Espero que não tenha ficado desapontado ao encontrar apenas um imóvel vazio.

Ele não respondeu, mas estudou-a em silêncio por alguns momentos. Cat engoliu em seco e sentiu-se forçada a desviar os olhos dos dele.

Ele seria capaz de contar tudo a Nana. Diria o que sabia sobre as chaves perdidas, a camisola indecente, a sugestão para esquecer a conversa e as preliminares e ir direto ao ponto, a ordem para abandonar a postura machista e tirar a roupa. Poderia negar tudo, mas era uma péssima mentirosa. E seria apenas sua palavra contra a dele. Nana só precisaria interrogar o porteiro para saber que outra pessoa estivera no apartamento além do cliente. Uma mulher. E com um tipo físico como o dela, não seria difícil somar dois e dois e encontrar quatro.

— Mas acho que fui indelicado ao interromper a conversa — ele estava dizendo. — Nana havia perguntado sobre sua determinação em tirar férias.

Cat umedeceu os lábios com a ponta da língua. Depois olhou para a dona da agência.

— Não é nada que eu não possa adiar. Será um prazer servir mais um cliente da Office Mom, Inc. Posso começar na segunda-feira.

 

                             CAPÍTULO III

 

Spot desceu a escada correndo e latindo. O relógio digital equilibrado sobre uma pilha de jornais velhos em cima do monitor do computador marcava doze horas em ponto. Ela era pontual.

E a pontualidade era uma virtude aborrecida. Brody deu uma última tragada no cigarro e apagou-o no cinzeiro que equilibrava sobre um joelho, uma pesada peça de vidro verde que roubara de um bar em sua juventude turbulenta. Depois apertou o botão vermelho do game de mão mais algumas vezes, aniquilando dois lagartos espaciais e um polvo alienígena, e só então se levantou da poltrona.

Deixando o brinquedo e o cinzeiro na caixa vazia de pizza no chão e desceu a escada no exato instante em que a campainha soou. Tinha de se manter bem próximo do corrimão, porque o outro lado da escada estava tomado por jornais, revistas e outros objetos antigos esperando por uma localização mais adequada.

Spot continuava latindo num verdadeiro ataque de histeria canina. Brody abriu a porta para a varanda interna e, segurando a coleira do cachorro, abriu a porta da frente.

Quase não a reconheceu. Os magníficos cabelos ruivos estavam presos em um coque austero. Em contraste com o traje feminino e suave com que se apresentara no escritório da agência, agora ela usava camisa e saia brancas e jaqueta azul marinho. O comprimento da saia era discreto, abaixo dos joelhos, e os sapatos de salto baixo sugeriam praticidade e conforto. Óculos escuros escondiam seus olhos.

— Belo traje, neném — Brody comentou. — Já estou me sentindo acalentado e protegido.

Caitlin recuou um passo.

— Não se preocupe. Na idade dele, Spot late muito, mas não tem mais a força necessária para atacar alguém. Sem mencionar os dentes, é claro.

— Não estou preocupada com o cachorro. Não podia ter vestido alguma coisa antes de abrir a porta?

Brody olhou para a cueca branca e larga.

— Eu vesti.

Ela franziu a testa.

— Vamos lá, Caitlin! Depois da outra noite... — E puxou o elástico da cintura da cueca. — Está brincando, não é?

— Se não é capaz nem de tentar manter uma atmosfera digna...

— Pensei que seu trabalho fosse amenizar os efeitos das armadilhas do moderno mundo empresarial.

— Como as roupas, por exemplo?

— Escute, vamos conversar lá dentro, está bem? Daqui a pouco os vizinhos vão pensar que estou sendo assaltado por uma freira.

Caitlin podia esconder-se atrás de uma armadura completa, mas jamais seria capaz de tocar suas lembranças. Era quase como se a estivesse vendo naquela camisola verde e atraente, e mais tarde, desnudando o corpo e exigindo que ele aceitasse o que estava oferecendo. Tudo isso combinava com a imagem que fazia dela e com o que considerava ser o motivo de sua presença no apartamento.

Até tê-la encontrado novamente no escritório de Nana e percebido seu engano. Agora tinha algumas perguntas para sua eficiente e recatada mãe empresarial.

Caitlin removeu os óculos escuros ao passar pela varanda interna e olhou em volta com evidente consternação. Caixas cheias de pastas haviam sido empilhadas em um canto da sala. A mobília branca estava soterrada por objetos coletados em viagens de pesquisas durante as últimas duas décadas. Duas estantes de metal estavam lotadas com centenas... não, milhares de livros. Brody jamais se havia livrado de um único exemplar em toda sua vida.

— Meu Deus! — ela murmurou. — Que tipo de lugar é este?

Seguiu o dono da casa até a sala de estar. Ele soltou o cão, que submeteu a visitante a uma inspeção mais detalhada.

Caitlin recuou assustada e quase derrubou as televisões.

— Já chega — Brody decretou, obrigando o animal a afastar-se dela. — Essa mulher não é seu tipo. Você prefere as mais informais, lembra-se? Quer sair?

A pergunta devia ser equivalente a uma premiação, porque Spot latiu duas vezes e correu para a porta dos fundos tão rápido quanto sua idade permitia.

Brody foi abrir a porta e retornou à sala em seguida. Encontrou-a examinando a pilha de quatro aparelhos de tevê que ela quase derrubara. Era mais uma pirâmide, realmente, com a de vinte e sete polegadas, única que ainda funcionava, servindo de base, e a de treze polegadas cm preto e branco no topo.

— Não vou fazer perguntas — ela disse em voz alta.

— Ótimo. Venha, quero que conheça o escritório.

— Primeiro vá vestir alguma coisa.

— Por que não desiste de representar a donzela solteirona: Acabei de sair do banho — Subiu a escada sem olhar para trás para ver se era seguido. Depois de um momento ouviu a voz aborrecida as suas costas.

— Não sabia que mantinha um escritório em casa. Que tipo de trabalho é o seu, sr. Mikhailov?

Brody parou, olhou para trás e riu.

— Sr. Mikhailov? O nome é Brody. E sou escritor.

— O que escreve?

O segundo andar era cortado por um longo corredor central. Brody entrou no primeiro aposento à direita, o maior e pegou a calça jeans deixada sobre uma poltrona que sustentava uma pilha de roupas limpas. A única área livre de material de trabalho era o dormitório, que abrigava uma antiga cama de casal.

— Oh, meu Deus — Caitlin murmurou. — Você é casado. — Ficou na porta olhando para o papel de parede cor pêssego e as cortinas de renda. — Fiz sex... — Parou e cobriu a boca com a mão. Havia feito sexo com um homem casado!

Brody terminou de vestir o jeans e sorriu.

— Não, eu não sou casado. Nunca fui.

Cat fitou-o por alguns instantes antes de examinar mais uma vez a mobília feminina e delicada.

— A casa já estava mobiliada antes de eu me mudar.

— Oh..

— Um amigo meu ficou com o imóvel na partilha de bens que se seguiu ao divórcio. Mas ele estava de mudança para Montreal e decidiu vender a casa para mim. Foi a ex-esposa desse amigo que decorou todos os aposentos.

— Há quanto tempo vive aqui?

— Quatro anos.

— E ainda não mudou a decoração?

Ele encolheu os ombros.

— Para falar a verdade, nem percebo mais qual é a aparência deste lugar.

— Está brincando?! — Afastou-se para que ele saísse do quarto e o seguiu pelo corredor. — Não vai vestir uma camisa e calçar sapatos?

— Está muito quente aqui. Como consegue ficar com essa jaqueta?

— Pensei que tivesse ar-condicionado.

— Não dou importância a essas coisas. — E parou na porta seguinte. — Esta é a sala do computador. É aqui que faço a maior parte do meu trabalho.

Os olhos dela encontraram as embalagens de pizza, as caixas cheias de livros de referências, a montanha de jornais amarelados, as pilhas de manuscritos presos por elásticos e acumulados ao longo de dezenove anos, as xícaras de café e os copos sujos. E detiveram-se na garrafa vazia de vodca russa.

— Oh-oh.

Brody seguiu em frente.

— Ali é o banheiro. — Apontou para o final do corredor e parou diante de um aposento localizado na frente da sala do computador. Lá dentro havia uma estação de exercícios, pesos de todos os tamanhos, um aparelho de som e mais livros em prateleiras e no chão. Aqui mantenho uma mistura de academia, sala de música e biblioteca.

— Se esta é sua biblioteca, o que são todos aqueles livros na varanda interna?

— Aquele é o arquivo. Estes são usados com mais freqüência. Aquela pilha é formada pelos ASL. — Notando que ela o fitava com ar confuso, explicou: — A serem lidos.

Cat respirou fundo.

— Escute, pensei que tivesse um escritório normal. Com empregados.

Ele abriu os braços.

— Isto aqui é tudo que possuo.

— Ainda não disse o que escreve.

— Já deve ter lido um de meus trabalhos. — Passou por cima de uma pilha de livros, apanhou um dos volumes na prateleira e jogou-o em sua direção. Ela o pegou no ar e olhou para a capa. Seus olhos se tornaram maiores.

— Escreve estas coisas? — perguntou com tom de desdém.

Não era a primeira vez que seus livros provocavam tal reação; mas era a primeira vez que se incomodava com isso.

— É um trabalho sujo, mas alguém tem de fazê-lo.

Ela devolveu o livro como se temesse algum tipo de contágio.

— Por quê?

— Porque as pessoas querem ler esse material, O público tem um apetite insaciável por informações sobre as celebridades.

— Informação? Você quer dizer fofoca. Rumores sem fundamento. Mentiras?

— Faço minhas pesquisas. Na verdade, é possível encontrar informações mais precisas nas biografias não-autorizadas do que nas outras. — Por que estava dando tantas explicações? Julgara ter ultrapassado o estágio da insegurança há anos.

— Biografias não-autorizadas? Isso soa quase legítimo. Se tem tanto orgulho do que escreve, por que se esconde atrás de um pseudônimo?

— Quando comecei, meu agente temia que um nome como Mikhailov pudesse afastar os leitores americanos. Foi ele quem sugeriu “Jake Beckett”. E nunca me escondi atrás do pseudônimo. Não estou tentando ocultar minha identidade. Se alguém não gosta do que escrevo sobre sua vida, pode me processar. — Perdera as contas de quantas vezes havia repetido a mesma frase.

Caitlin apontou para um dos manuscritos que ele segurava, mostrando a capa com a foto de uma conhecida atriz.

— Não creio que deva se preocupar com a possibilidade de ser processado por Serena.

Era verdade. Serena Milton havia morrido de overdose de barbitúricos dias depois do livro Serena! ter chegado às livrarias. Depois de sua morte, as vendas haviam alcançado a casa dos quatro dígitos. Brody ainda se perguntava se algum dia deixaria de pensar nos direitos autorais como dinheiro sujo.

Jamais soubera até que ponto seu trabalho havia influenciado no suicídio de Serena. Dissera a si mesmo que ela havia estado a um passo do precipício, vivendo em um inferno particular de instabilidade emocional, relacionamentos destrutivos, fracasso profissional e ruína financeira. Se não houvesse agarrado a oportunidade de tornar esse suplicio público, outro escritor teria ocupado seu lugar.

Era o que vivia dizendo a si mesmo, mas a justificativa não servia de conforto nas noites que passava acordado, lembrando a foto mórbida que chegara às primeiras páginas dos jornais sensacionalistas.

Mas Brody não pretendia dividir seu tormento pessoal com ninguém, muito menos com aquele arremedo de mãe substituta. Desprezava o ar preconceituoso com que Caitlin o julgava, e desprezava-se por permitir que tais julgamentos o afetassem. Jogou os livros no chão e continuou em frente até a última porta do corredor, na frente de seu quarto.

— Caso ainda não tenha percebido, meu escritório ocupa quase todo o andar.

Ela espiou pela porta entreaberta.

— Outra sala de computador?

— Oh, aquela é uma máquina antiga — explicou, referindo-se ao PC 386 abandonado sobre uma cômoda. Outros equipamentos obsoletos e inúteis podiam ser vistos sobre a cama de hóspedes: lâmpadas, rádios, fornos elétricos, batedeiras, um microondas, um equipamento de som, um vídeo-cassete, um fax, um gravador portátil, uma máquina de escrever elétrica, outra eletrônica, diversos modelos de impressoras e um vídeo-game de primeira geração.

— Por que conserva todas essas coisas?

— Porque vou consertá-las. Quando tiver uma oportunidade.

Cat fingiu uma gargalhada irônica.

— Nem todos esses equipamentos estão quebrados. Alguns foram substituídos por outros mais novos, mas não posso simplesmente jogá-los fora. Talvez alguém ainda encontre alguma utilidade para eles. — E apontou para uma máquina copiadora equilibrada sobre um velho projetor de slides. — Aquela copiadora funciona.

— Mas não parece ter muita utilidade.

— Ela só precisa de alguns ajustes.

— Há quanto tempo?

— Venha conhecer a cozinha. Já tomou café?

— Há cinco horas. O que há nos sacos de lixo? — ela perguntou, apontando para os dez ou doze sacos escuros deixados perto da cama.

— Lixo. — Teria de se habituar com aquela expressão de desgosto. — Lixo de outras pessoas — explicou.

— Há mais alguma coisa sobre a qual eu não queira saber?

— Eu diria que sim.

— Oh, espere um minuto! Você não... Está tentando dizer que rouba o lixo das pessoas sobre quem escreve?

— Isso não é roubo! Os sacos estavam na rua para quem quisesse pegá-los. E essa sua expressão de censura não é muito atraente.

Cat abriu os braços.

— Esta situação é impossível, Brody. Não posso trabalhar com você.

— Vai se sentir melhor se eu disser que são apenas contas, recibos e correspondência que guardo naqueles sacos? Não há nada podre, nojento ou realmente sujo.

— Não me refiro ao lixo. Estou falando sobre nós. Sabe tão bem quanto eu que isso tudo é... impossível.

— Por quê?

— Por quê? Depois de tudo que aconteceu entre nós?

— Apesar do que disse a Nana, não fui ao tal apartamento esperando encontrar uma versão erótica da Bela Adormecida. O que aconteceu não...

— Já sei. Não foi sua idéia. E ficaria muito feliz por informar minha empregadora sobre a autoria da idéia.

— Sem dúvida. E tenho certeza de que ela faria a mesma pergunta que me tem incomodado. Por quê?

Esperou que Caitlin saciasse sua curiosidade. O que ela estava fazendo no apartamento? O que havia incitado aquela cena de sedução?

— Posso beber alguma coisa?

— Venha comigo.

Na cozinha, Cat deixou a pasta de trabalho e a bolsa sobre uma cadeira e despiu a jaqueta, que deixou sobre os outros objetos. Depois arregaçou as mangas da camisa, removeu o broche que mantinha a gola fechada e abriu o primeiro botão do colarinho.

— Cerveja? — Brody abriu a geladeira.

— Água. — Sentou-se em outra cadeira e apoiou os cotovelos sobre a mesa. — Muito bem, o que aconteceu tem uma explicação. Tenho um amigo que mora no Alasca. O nome dele é Greg Bannister.

— Alasca. E Greg sabe como você se diverte durante os blecautes em Nova York?

— Não é como está imaginando. O que aconteceu lembra uma comédia de erros.

Brody encheu um copo com água gelada e deixou-o sobre a mesa.

— Acho que estou precisando rir um pouco — disse.

— Certo. Bem... Greg e eu nos conhecemos há três anos, antes de ele se mudar para o Alasca. Ele é primo de minha amiga Brigit e... bem, ela nos apresentou, e acho que houve uma atração imediata. Não aconteceu nada naquela época, mas depois da mudança passamos a nos corresponder por e-mail diariamente.

— Deixe-me adivinhar. Você expôs sua alma. Descobriu uma espécie de espírito gêmeo. — E acendeu um cigarro.

— Posso pedir para não fumar?

— Pode. — Apoiou-se no móvel e deu uma longa tragada.

Cat o encarou em silêncio por alguns instantes. Finalmente disse:

— Será que pode fazer o favor de não fumar?

— Não. Então você e Greg passaram os últimos três anos trocando mensagens pornográficas pela Internet.

— Não foi bem assim. Nós... nos apaixonamos.

— Uau! Isso é muito romântico.

O sarcasmo a fez erguer o queixo.

— Greg é um homem maravilhoso. Sensível. Inteligente. Ele tem uma carreira importante e respeitável. É engenheiro. Trabalha em uma tubulação de petróleo.

— O sr. Perfeito.

— Enfim, há alguns dias ele me disse que viria a Nova York. Nós... combinamos um encontro para... você sabe.

— Consumar a grande paixão que desabrochara no cyberspace?

— Sim.

— No apartamento da agência para a qual você trabalha.

— Bem... sim. Mas o vôo em que ele viajava atrasou por causa do blecaute.

— E quando apareci no lugar do sr. Perfeito você pensou, ora, que diferença faz? Um homem é um homem...

— Não! Pensei que você fosse Greg.

— Isso é ridículo.

— Sei que parece estranho, mas você tem de entender. Não conheci Greg de verdade. Quero dizer, não havia uma familiaridade física entre nós, apesar da proximidade emocional. Só o encontrei uma vez. E estava escuro quando você e eu...

— Havia a luz do luar. Não estou acreditando nessa história, Caitlin.

— Eu... não estava usando minhas lentes de contato. Sou completamente cega sem elas. Juro que não vi nada, Brody!

Ele se afastou do móvel e inclinou-se sobre a mesa, encarando-a de perto. Ali, flutuando sobre as íris azuis e transparentes, estavam as lentes de contato. Brody ergueu o corpo.

— Você é muito parecido com ele — Cat persistiu. A semelhança é impressionante.

— E a voz?

— Greg e eu não nos falávamos pelo telefone. Era muito caro. Decidimos nos restringir aos e-mails. — E encolheu os ombros. — E você fala como ele, também.

Brody virou-se para pensar no que ouvira. Seria possível?

Lembrou-se de como ela havia ficado aturdida quando encontraram-se no escritório de Nana, poucas horas depois do suposto Greg tê-la deixado dormindo sem sequer deixar um bilhete. As peças se encaixavam.

Ele a encarou.

— Você me chamou de Greg.

— Eu sei. Por que não disse nada?

— Estava distraído. E você também, se não me engano comentou sorrindo.

Um rubor intenso tingiu o rosto delicado.

— Eu... eu... — Caitlin gaguejou.

— Não precisa se desculpar. Pensou que eu fosse o sr. Perfeito.

— Mas você não sabia disso naquele momento.

— E nem me preocupei com possíveis explicações. Não acredito que alguém deva ser responsabilizado pelas coisas que grita no auge da paixão.

Ela se encolheu.

— Eu gritei?

— E muito, nenê.

— Não me chame assim.

— Sim, mamãe — E apagou o cigarro.

— Isso não tem graça nenhuma, Brody. Nas atuais circunstâncias, é até de mau gosto. E... bem, não sei o que é. Pode me chamar de Cat, Apenas Nana me chama de Caitlin.

— Gosto do apelido. Cat. Faz pensar em toda aquela sensualidade felina de que me lembro tão bem. Bem, agora sei quem você pensou que eu fosse. Mas ainda não me perguntou quem eu pensei que você fosse. — Brody saboreou a antecipação. Seria divertido depois de ouvir a história sobre o sr. Perfeito.

— Bem, presumi que houvesse apenas... que não houvesse pensado em nada e... — Parou e respirou fundo. — Imaginei que soubesse que eu fosse apenas uma empregada de Nana. Alguém com livre acesso ao...

Ele ergueu a mão para detê-la.

— O assistente de Nana... Amos?

— Amory.

— Depois da Nana ter me dado as chaves, Amory me chamou para dizer que haveria uma surpresa esperando por mim no quarto. Quando vi qual era a surpresa, imaginei que Leon houvesse participado do plano.

Cat franziu a testa. De repente compreendeu e arregalou os olhos.

— Você pensou...

Brody devia estar satisfeito com a expressão horrorizada que via em seu rosto. Devia estar apreciando a mortificação em seus olhos, mas a única coisa que sentia era um profundo incômodo.

— Cat, francamente, é... engraçado. Como o que me contou sobre Greg. Uma comédia de...

— Foi isso que pensou? — O rubor se tornou ainda mais intenso. — Tomou-me por uma... prostituta?

Ele suspirou. Depois passou as mãos pelos cabelos.

— Escute bem. Encontrei você esperando por mim, usando uma camisola excitante, mostrando-se ansiosa, e tudo isso depois de ter sido informado sobre...

— Havia uma cesta! — Ela bateu na mesa com as mãos abertas. O copo com água tremeu e algumas gotas caíram sobre a superfície de carvalho.

— O quê?

— Havia uma cesta de petiscos. Era essa a surpresa! Você não viu? Há sempre uma cesta esperando pelos hóspedes da agência. — Cat massageou a testa com a ponta dos dedos.

Brody praguejou em voz baixa. Segurou o maço de cigarros e bateu nele com uma das mãos, derrubando parte do conteúdo no chão. Enquanto recolhia os cigarros, disse:

— Nunca pensei que fosse uma prostituta comum. Não. Imaginei que fosse uma dessas garotas de programa de luxo, algo realmente caro e elegante.

— Oh, muito obrigada! — Esfregou os olhos, mas as lágrimas começaram a cair mesmo assim.

Brody ergueu o corpo e jogou o maço de cigarros sobre o balcão.

— Escute, o que sei sobre prostitutas? Nunca usei os serviços de uma delas em toda minha vida. E nem pretendo usá-los, nem que sejam pagos por outra pessoa. Por isso tentei evitar... no inicio.

Ela permanecia debruçada sobre a mesa, a cabeça entre as mãos. Pensando bem, era surpreendente que houvesse confundido aquela mulher com uma experiente dama da noite. Sim, ela se mostrara ansiosa, impaciente, mas também estivera nervosa, oferecendo uma irresistível mistura de inocência e erotismo que o excitara. E sentira uma certa resistência ao penetrá-la, quase como se fosse virgem.

Em um determinado momento ela havia dito que não praticava sexo havia muito tempo, e tentar parar para exigir uma explicação. Havia sido quase como tentar parar de respirar. Jamais tivera uma experiência sexual como aquela. Tentara dizer a si mesmo que tudo não passava de mais um truque profissional, mas não conseguira se convencer disso. Jamais havia sentido nada tão intenso, nem no sentido físico, nem no emociona!. Nunca estabelecera uma ligação tão profunda com outra mulher.

Sabia que Cat tentara livrar-se daquele trabalho, que não suportava a idéia de passar o próximo mês perto dele.

Mas não tinha a menor intenção de satisfazer seu desejo. A perspectiva de ter aquela mulher sexy e intrigante a sua disposição por uma mês inteiro o excitava. Talvez pudesse até fazê-la esquecer o sr. Perfeito por tempo suficiente para repetirem a performance. Se isso o transformava em um bastardo egoísta... que fosse.

Brody pousou a mão no ombro de Cat. Ela se encolheu.

— Preciso perguntar... Estava usando algum método anticoncepcional?

Era possível sentir a tensão sob seus dedos. Ela descobriu o rosto e cravou os olhos na superfície da mesa.

— Sim, eu... tomo pílulas.

Brody suspirou aliviado. Depois afagou seu ombro.

— Bem, graças a Deus por isso!

 

                                          CAPÍTULO IV

 

       — Com licença — Cat pediu, colocando uma a térmica. — Os biscoitos devem estar prontos.

Brody afastou-se do fogão para que ela retirasse a assadeira do forno, O aroma de biscoitos de aveia e costeletas assadas pairava sobre a cozinha. Ele espetou um pedaço de batata com o garfo de cabo de longo, tomando o cuidado para não queimar a mão no vapor da panela fervente.

— Pronto — decretou.

Spot permanecia deitado em um canto do aposento, acompanhando toda a movimentação com olhos sonolentos.

— Este cachorro nunca comeu ração? — Cat perguntou.

Observava o ritual há três dias e ainda se surpreendia com a ansiedade com que o animal acompanhava o preparo das refeições. Especialmente quando, como nesse dia, um dos pratos era purê de batata.

— Ele se recusa a comer aquela coisa insossa. Você comeria?

— Não, mas também não lambo minhas patas nem bebo água do vaso sanitário. É estranho. Não cozinha para você mesmo, mas faz questão de tratar seu cachorro como um hóspede de luxo.

— Ele está comigo há muito tempo. Desde que era um filhote. Lealdade como esta merece ser recompensada. Não é verdade, amigão?

Brody despejou uma porção de purê de batatas no prato do cachorro. Depois acrescentou uma costeleta e cortou-a em pedaços minúsculos, já que o animal perdera alguns dentes ao longo dos anos. Em seguida, deixou o prato ao lado da tigela com água e, sorrindo, viu Spot levantar-se para ir comer.

— É incrível! — Cat exclamou.

— Falando sério, ele não pode mais comer aquela ração enlatada. O alimento contém conservantes que fazem mal ao estômago cansado de Spot.

Brody dedicava horas diárias ao preparo da comida do cão e aos passeios e brincadeiras. No dia anterior o banhara e inspecionara o pêlo espesso em busca de pulgas e outros parasitas. Dois dias antes, notando que Spot mancava por conta de uma antiga dor na bacia, saíra correndo para levá-lo ao veterinário.

Cat não conseguia entender como alguém podia investir tanto tempo e energia em tarefas consideradas secundárias, mas tinha de admitir que havia algo de emocionante na maneira como ele tratava o velho animal.

— Nunca teve um cachorro? — ele perguntou.

— Não sei como as pessoas têm paciência para levá-los para a rua logo cedo e ainda limpar a sujeira que fazem. Recuso-me a organizar meu tempo em torno dos hábitos de uma forma de vida inferior.

— Nem gatos? Passarinhos? Nenhuma criatura de quem possa cuidar? — Ele enfiou um biscoito morno na boca.

Cat resistiu ao impulso de tocar o abdômen.

— Nada.      

Durante a semana que havia transcorrido desde o primeiro e bizarro encontro entre eles, tentara não pensar na possibilidade de ter engravidado. Queria um bebê, sim, mas não dele. Era irônico. Depois de passar tanto tempo planejando e sonhando, agora rezava para não estar grávida. Então poderia tentar novamente com outro homem, alguém como imaginara a princípio. Greg Bannister, se pudesse retomar o esquema inicial. Ou Anton Lind. Qualquer um, menos Brody Mikhailov, um canalha depravado e sem consciência, com um sorriso devastador e a energia sexual de um sátiro.

— Em que está pensando? — ele perguntou. — Por que está com esse ar vidrado?

Cat piscou para livrar-se das lembranças indecentes.

— Estava imaginando por que o nome dele é Spot.

— Por que não? É um nome sonoro, simples, sem grandes pretensões.

— Mas ele não tem manchas, e spot, em inglês, tem esse significado. Ele é todo negro.

Brody balançou a cabeça como se não tivesse paciência para discussões semânticas.

— Onde está meu leite? — perguntou, pegando o maço de cigarros. — Você devia estar servindo biscoitos com leite.

— Vai comer e fumar ao mesmo tempo?

— Talvez.

Ela abriu a geladeira e pegou o litro de leite. Sem encará-lo, disse:

— Spot, diga a seu dono para não fazer caretas enquanto estou de costas. — Sorrindo, virou-se e foi tomada por uma imensa satisfação ao ver sua expressão espantada. — Sou mãe, lembra-se? Empresarial, é verdade, mas... Tenho olhos nas costas. — Pegou dois copos no armário e serviu o leite.

— Não tem filhos de verdade?

Rápida, virou-se novamente para pegar um prato.

— Como você, nunca fui casada.

— Isso não quer dizer nada.

— Não, eu não tenho filhos. Satisfeito?

— É uma pena.

Cat fitou-o em silêncio.

— Parece gostar do seu trabalho — explicou ele. — Cuidar das pessoas. É boa nisso.

— Há uma grande diferença entre desempenhar determinadas tarefas das nove às cinco e ser responsável por outro ser humano durante anos e anos.

Brody optara por um horário alternativo, do meio-dia às oito da noite. Como trabalhava do final da tarde até o meio da madrugada, preferia não ter compromissos na parte da manhã.

Ele deixou o cigarro apagado sobre o móvel e tirou o prato de biscoitos das mãos dela. Cat o seguiu até o quintal, onde sentaram-se em cadeiras de plástico arranjadas em torno de uma mesa de piquenique protegida por um guarda-sol.

O dia era quente e ensolarado, mas sentia-se confortável, graças à brisa amena e ao short que usava com camiseta sem mangas e sandálias. Depois do primeiro dia, havia desistido dos trajes austeros que deveriam ter servido para criar uma atmosfera profissional. Nada em Brody Mikhailov, incluindo os hábitos e o local de trabalho, era profissional. Era como se houvesse deixado de ser mãe empresarial para se tornar babá,

O que fazia um certo sentido, refletiu, já que o cliente era a personificação de Peter Pan, um menino perdido que se recusava a crescer.

— Então não quer filhos? — Brody perguntou, mergulhando um biscoito no leite e reclinando-se na cadeira.

— Eu não disse isso. Talvez um dia. Quem sabe o que o futuro reserva para nós?

— Nunca pensou em ir viver com o sr. Perfeito no Alasca?

— Não é da sua conta.

Ele ficou em silêncio por alguns instantes. Depois bebeu um gole do leite e voltou a falar.

— Estive pensando em algo. Naquela noite. Quando pensou que eu fosse Greg.

— Não quero discutir...

— Pensou que o homem por quem se apaixonou a estava rejeitando por seu excesso de energia sexual?

Cat o encarou sem saber como responder.

— Quero dizer, quando percebeu que eu estava excitado, que conclusão tirou quando eu disse que não queria o que estava oferecendo? Era por sua causa, porque pensei que fosse outra pessoa, uma profissional, mas você não sabia disso. O que imaginou que estivesse passando por minha cabeça? Pela cabeça de Greg?

— Que importância tem isso? — devolveu, mortificada por ter sido confundida com uma prostituta.

— Estou curioso. Você diz amar esse homem. Deve conhecer um pouco de seu caráter depois de três anos de correspondência eletrônica. Ficou surpresa quando o suposto Greg disse não? Ele é inseguro a ponto de impedir que uma parceira tome a iniciativa na cama?

— Não sei o que o faz pensar que tem o direito de fazer tantas perguntas.

— Eu não disse que tinha direitos. Só disse que estava curioso. E acho que você também devia estar.

— O que quer dizer?

— Se está pensando em passar o resto da vida ao lado desse sujeito, devia se interessar um pouco mais pelas coisas que o futuro reserva para você, como disse há pouco. Só isso.

— E você? Não quer ter filhos? — Cat perguntou, incapaz de conter-se.

— Não. — Ele não hesitou. Nem sorriu.

Algo de estranho aconteceu no peito de Cat.

— Por quê?

— Boa pergunta. Por quê?

— Não gosta de crianças?

— Oh, eu gosto. Quero dizer, não as detesto. Apenas acho que as pessoas deviam precisar de uma licença para tê-las. Como uma carteira de habilitação. Assim saberiam se são capazes de assumir a paternidade.

— Já ouvi isso antes... especialmente de solteirões apavorados com a idéia de perderem a independência, os maus hábitos e as agendas telefônicas de capas pretas.

Algo em seu tom de voz o fez levantar a cabeça.

— Não devia deixar minha agenda jogada por aí. Mas ela é marrom.

Vermelha, decidiu não se deixar intimidar.

— E bem grande.

O livro estava repleto de nomes femininos, endereços e números de telefones. Também havia lembretes breves: aniversários, número do manequim, vinho preferido, restaurante predileto. E algumas anotações reveladoras: “Pegajosa”. “Arredia”. “A+++“.

O que uma mulher tinha de fazer para merecer um A+++?

Que nota teria recebido?

Brody movimentou o pescoço e suspirou.

— Sabe do que estou precisando? Uma massagem relaxante. A agência não oferece esse tipo de serviço?

Cat respirou fundo.

— Sim. Costumamos massagear os ombros dos clientes.

— Ótimo. Estou muito tenso.

Ela se levantou e assumiu a posição de massagista atrás da cadeira de Brody. Durante os últimos três dias, fizera de tudo para evitar contatos físicos, e de repente era obrigada a tocar seus ombros através da camiseta branca. Os músculos eram firmes e podia sentir o calor da pele. O aroma másculo e pessoal atacava seus sentidos sem misericórdia, despertando lembranças que preferia manter enterradas. Ela começou a manipular os nós de tensão na base de sua nuca.

— Espere um segundo. — Ele despiu a camiseta e deixou-a sobre o encosto de outra cadeira.

Cat pensou depressa. Passara três dias em estado de alerta, pronta para repudiar qualquer atitude que pudesse sugerir uma tentativa de abordagem sexual. Teria chegado o momento de agir? Uma simples massagem relaxante fazia parte de sua descrição de cargo, mas não havia nada simples naquela missão.

— Algum problema?

Todos!

Cat retomou a massagem de onde havia parado. A pele de Brody era macia e bronzeada, e ele não mentira sobre os músculos tensos. Enquanto movia os dedos tentando desfazer os nós, ele suspirou e abaixou a cabeça. A demonstração de prazer era gratificante, e ela passou a trabalhar com mais dedicação e interesse.

Aplicara outras massagens antes, mas não se lembrava de ter tocado ombros tão largos. Os suspiros e gemidos provocados pelos toques que iam aos poucos aliviando a rigidez plantaram um sorriso em seus lábios.

— Você é boa nisso — ele murmurou, levantando a cabeça com esforço aparente. Depois segurou as mãos dela e beijou-as. —Sua vez.

— O quê?

Brody a empurrou para a cadeira que acabara de abandonar e assumiu a posição onde ela estivera até então.

— Quando foi a última vez que alguém massageou seus ombros?

— Estou trabalhando, lembra-se? — disse, tentando levantar-se e sentindo a pressão das mãos que a empurravam de volta.

— Para você é um trabalho. Para mim, uma diversão deliciosa.

Os dedos fortes e poderosos entraram em ação, e o protesto seguinte se perdeu num suspiro de prazer tão intenso que era quase sexual. Cat tentou rir da reação embaraçosa, mas os gemidos se sucediam como se certas partes de seu corpo houvessem adquirido vida própria.

— E então? — Brody perguntou.

A resposta foi incompreensível. Cat deixou a cabeça cair sobre a mesa, apoiada em cima dos braços, enquanto os músculos adquiriam a consistência de uma geléia sob a manipulação experiente.

— Seria ainda melhor sobre a pele nua.

Ela respondeu com um som rouco que significava esqueça, ou algo parecido.

As mãos afagavam suas costas e as laterais do corpo. O choque elétrico gerado pelo contato dos dedos com a base dos selos quase a deixou sem ar. Devia detê-lo. Aquele era um território perigoso. Mas era tão bom! Em um minuto exigiria que ele parasse. Talvez dois.

Dez minutos mais tarde Brody concluiu a massagem com alguns movimentos mais leves e ajeitou os cabelos de Cat com a ponta dos dedos. O olhar penetrante era suavizado pela sombra de um sorriso.

— Está com disposição para esquecer o trabalho? — ele murmurou, deixando a mão deslizar por suas costas até a cintura do short.

Qual seria o significado da pergunta? Brody sugeria que repetissem o que haviam feito algumas noites antes? Seu corpo parecia cantar, desde os seios rígidos e sensíveis até o local mais secreto onde pulsava o desejo.

Ele se aproximou e fitou-a nos olhos por alguns instantes. Depois pousou os lábios sobre os dela. Uma vez. Duas...

— Lembra-se do terraço? — sussurrou

Como poderia esquecer? Os dois haviam caminhado nus até a varanda da cobertura depois de horas de amor. Brody colocara-se atrás dela e fizera movimentos insinuantes, despertando em seu corpo respostas imediatas que só os amantes mais antigos e íntimos podiam experimentar. Ficaram ali por algum tempo, olhando para a escuridão da cidade e movendo-se num ritmo lânguido que não precisava de palavras ou explicações.

Amaram-se ao ar livre, na escuridão da noite quente. Cat ergueu o corpo.

— Não faça isso, Brody. Ou não poderemos continuar...

Depois de um momento ele recuou e cruzou os braços sobre o peito nu.

— Afinal, o sr. Perfeito chegou a Nova York?

Ela pensou depressa.

— Sim. Temos nos encontrado. Ele ficará na cidade por... algumas semanas. — Talvez assim Brody desistisse de tentar seduzi-la.

A expressão que alguns momentos antes fora quente e íntima havia se tornado indecifrável, fria.

— Ele sabe sobre nós?

— Não é da sua...

— Sabe?

— Não.

— Qual é o problema? Acha que ele não vai saber apreciar sua comédia de erros?

Cat levantou-se de um salto.

— Escute aqui, se pudesse voltar no tempo já teria desfeito aquele horrível engano. Gostaria de esquecer tudo que aconteceu, mas você não tem colaborado. Se acha que vou suportar um mês neste clima de pressão, está enganado. Ou pára com isso, ou desisto deste trabalho.

Ele vestiu a camiseta.

— Faça como quiser. Não vou obrigá-la a ficar.

— E se eu for embora?

— Já sabe o que vai acontecer.

Se desistisse do trabalho, Nana seria informada sobre sua... comedia de erros.

— Não posso perder meu emprego. Especialmente agora que...

Brody levantou uma sobrancelha, convidando-a a prosseguir. Especialmente agora que posso estar grávida.

— Está me coagindo. Por que não tenta ser decente e me deixa ir embora?

— Porque não sou uma pessoa decente. Sou um verme, lembra-se? Um contador de boatos, um fofoqueiro, um destruidor de vidas alheias.

Cat permaneceu em silêncio. Nunca fizera segredo do que pensava sobre seu trabalho.

— Levar Serena Milton ao suicídio foi meu movimento profissional mais preciso. Aquele livro rendeu milhões de dólares. Comprei esta casa à vista, realizei o sonho de ter um barco...

As palavras insensíveis a entristeciam. Tentara dar a Brody o benefício da dúvida. Apesar de não aprovar sua escolha profissional, havia dito a si mesma que seus maiores crimes eram a indiferença e a ganância. Não quisera acreditar que pudesse ser tão frio e calculista.

Sabia que deixara a esperança e os temores prejudicarem seu julgamento. Não quisera pensar que o pai de seu filho era capaz de um comportamento tão deplorável. Engolindo a decepção, deixou que a raiva chegasse à superfície.

— Um barco? Não me diga. Aposto que o batizou de Serena.

— Confesso que pensei nisso, mas me contentei com O Vagabundo.

— Não entendi.

— Sou grande admirador de Charlie Chaplin e de todos os humoristas do cinema e da tevê. Fields, Marx, Mostel, Brooks, Ball, Burnett...

— Devia ter imaginado. Não me lembro de ter visto nenhum trabalho seu sobre um desses nomes.

Ficara perplexa quando Brody havia mostrado a pesquisa e o esboço dos primeiros capítulos do livro Nolan Branigan: Pecados e Segredos. O subtítulo havia sido emprestado do mais famoso filme de Branigan, pelo qual ele recebera o Oscar de melhor ator.

— Ainda está zangada por causa do trabalho sobre Nolan Branigan — ele adivinhou sorrindo.

Cat pegou os copos de leite na mesa.

— Não entendo por que acha que tem o direito de atacar a reputação de um ser humano, de alguém que alcançou a fama e o sucesso. Por dinheiro!

Voltou para dentro da casa e ouviu a risada de Brody atrás dela.

— O que não suporta é saber que seu grande ídolo tem fraquezas como qualquer pessoa — ele disparou.

Cat entrou na cozinha pela porta de tela e soltou-a, deixando que o atingisse.

— Fraquezas que você não hesita em explorar para ganhar mais dinheiro, por maior que seja o dano que possa causar. Se alguém é uma celebridade, seus problemas pessoais se tornam o alimento para pretensos escritores como você e... — Parou e mordeu o lábio. — Desculpe-me. Não tive a intenção de ofendê-lo.

Brody riu novamente.

— Depois de tudo que já disse, está se desculpando por ter me chamado de pretenso escritor? Essa é boa!

— Não acredito em metade do que você escreve. Nolan Branigan é uma boa pessoa, um homem dedicado à família.

— Esse homem de família têm se envolvido com outras mulheres desde o dia em que se casou. Isso sem mencionar a... ambigüidade sexual.

— Não tem provas disso!

— Digamos que cheguei bem perto.

— Mesmo que seja verdade, por que o público precisa saber? Esse é um problema dele e da esposa.

— Da esposa que está sofrendo há anos, que por duas vezes esteve prestes a pedir o divórcio por causa de suas infidelidades.

— O que você só descobriu depois de ter bisbilhotado na vida íntima do casal. Se publicar esse livro, será culpado por um divórcio e pelo trauma imposto aos três filhos de Branigan.

— Existem coisas piores para uma criança do que uma família desfeita. Por que está tão perturbada com isso? Pensei que já houvesse ultrapassado a idade de se apaixonar por astros do cinema.

Ela se virou e limpou uma lágrima com a ponta do dedo, respirando fundo para acalmar-se.

— Cat? — A voz de Brody traia preocupação. — O que foi? — ele a segurou pelos ombros.

— Nada. — Quanto menos aquele homem soubesse sobre seus demônios particulares, melhor. — Estou apenas... cansada.

— São os filhos? A questão do divórcio e...

— Já disse que não é nada! — E fugiu apressada para a sala.

 

Cat estava fazendo uma lista de compras para Brody quando ouviu o telefone tocar na sala do computador. Ele estava no porão separando a roupa suja. A governanta que cuidava da casa duas vezes por semana estava de férias, e ele fizera o possível para convencê-la de que lavar suas meias seria uma prova de carinho maternal. Mas Cat se limitara a orientá-lo quanto à temperatura da água e às técnicas para passar uma roupa sem deixar marcas escuras e vincos. Aos quarenta anos de idade, apontara, já devia ter aprendido a cuidar das próprias necessidades.

— Sabe o que dizem por aí? — lembrara. — Dê-me um peixe e matarei minha fome por um dia. Ensine-me a pesar e nunca mais sentirei fome.

— Quer dizer que sabe pescar? — ele havia perguntado.

— Não.

— Pois chegou o momento de aprender. Sairemos no meu barco e...

— Não vai sair daqui enquanto não terminar de lavar, secar e passar toda esta roupa.

— E se eu não quiser cuidar da roupa suja? O que vai fazer? Espancar-me?

Brody dera um passo em sua direção e ela fugira mais uma vez, imaginando se teria de passar o resto do mês correndo pela casa do cliente como um coelho assustado.

Finalmente encontrou o telefone sob o último número da revista Mad e agarrou o aparelho.

— Escritório de Brody Mikhailov — disse.

— Quem é?

Cat olhou para o fone.

— Posso saber quem está falando, por favor?

— Leon Lopez. Sou agente de Brody. Você é a mãe empresarial?

— Sim, sou eu. Cat Seabright.

— Não parece muito simpática, Cat. Pensei que mulheres como você estivessem sempre sorrindo e prontas para agradar.

— E estou. Sou sempre muito simpática, terna e atenciosa.

— Sabe que a idéia de contratar alguém de sua agência foi minha? Foi um presente de aniversário para Brody.

— Sim, eu sei. — E imaginou como seria bom poder apertar o pescoço de Leon Lopez. — E agradeço por ter escolhido nossa agência.

A gargalhada a fez afastar o telefone do ouvido. Lopez sabia sobre a noite no apartamento? Brody havia relatado o episódio ao agente? Esperava que não. Quanto mais gente soubesse, maiores seriam as chances de Nana acabar descobrindo tudo.

— Sabia que ele daria muito trabalho. Você é atraente?

— O quê?

— É uma mulher de boa aparência?

— Não me lembro de ter quebrado nenhum espelho.

— Então não vou nem perguntar se ele tentou abordá-la Não hesite em esbofeteá-lo, caso ele se torne inconveniente.

Ótimo. Ele não sabia.

— Obrigada, sr. Lopez. Vou me lembrar do seu conselho.

— Pode me chamar de Leon. Estou contando com você para ter certeza de que meu dinheiro foi bem gasto. Podia ter comprado um jogo de malas, ou entradas para todos os jogos dos Giants... Céus, podia ter contratado uma garota de programa de luxo por essa mesma quantia!

Cat deixou-se cair na cadeira mais próxima e levou a mão à testa.

— Mas conheço Brody há quase vinte anos. Conheço suas necessidades, mesmo que ele as ignore.

— Atenção especial e cuidados maternais.

— Exatamente. Todo o cuidado do mundo e muito, muito carinho. Como ele nunca teve essas coisas, não vai saber como lidar com elas, mas não deixe que isso a detenha. Oh, sim, estou ligando por uma razão especial. Por favor, diga a Brody que partirei para Los Angeles amanhã e almoçarei com Schneider e Serrano. As coisas estão caminhando conforme desejávamos.

— Serrano? Pia Serrano? — Cat perguntou, referindo-se à atriz das comédias de situação da década de oitenta que atualmente apresentava um daqueles programas diários de entrevistas.

— Sim, ela é o talento, apesar de minha opinião. Acho que Schneider devia ter procurado alguém mais interessante.

— Espere um minuto. Brody está envolvido com a televisão?

— Ele não lhe contou? Com um pouco de sorte, nosso amigo será o redator chefe de uma nova revista eletrônica voltada para esse segmento da mídia. A Banner Headline, como será chamada, terá uma celebridade diferente a cada semana, principalmente as mortas, para evitar os processos por calúnia. Será como os livros que ele escreve, porém em doses de uma hora para uma audiência de milhões de pessoas.

Quando começava a pensar que Brody não poderia descer mais do que já havia descido, ele mudava de pele e se metia pelas frestas das portas de mais alguns dormitórios. E também invadia túmulos! Celebridades mortas? Cat estremeceu ao pensar em Serena Milton.

Leon continuou:

— Brody tem concorrência para esse trabalho, mas ninguém sabe revolver o lodo como ele. Como disse, será um sucesso!

 

                                             CAPÍTULO V

 

— Vai ser um sucesso — Brody decretou ao fechar a porta do forno onde a lasanha borbulhava. E o cheiro está delicioso.

— Esteve falando com Leon? Cat afastou a cortina da janela da cozinha e olhou para a chuva que lavava o quintal.

— Eu sempre falo com Leon. Por quê? Em vez de responder, ela disse:

— Estava enganado. A chuva não parou e está ficando pior. Acho que terei de ir embora mais cedo, Brody. A viagem até minha casa é longa.

— O quê? Ir embora? Mas eu estou cozinhando! Isto aqui vai entrar para a história! Você tem de ficar!

Durante as duas semanas que passara ao lado de Brody, Cat o convencera a comer mais refeições preparadas em casa e desistir dos congelados e salgadinhos vendidos nas prateleiras da loja de conveniência que ele freqüentava. Redigira listas de compras e o levara ao supermercado, onde mostrara como devia fazer para escolher frutas e legumes mais frescos e examinar sempre a data de validade dos produtos industrializados. Parecia disposta a transformá-lo em um adulto auto-suficiente.

— Além do mais — ele continuou — já disse que só preciso de cinco minutos para tirar todas aquelas coisas da cama do quarto de hóspedes e estender um lençol. Não precisa ir para casa debaixo de chuva, se não quiser.

— Obrigada, mas prefiro ir embora.

Brody espalhou manteiga com alho sobre um pão italiano e colocou-o no forno. Depois pegou um tomate maduro e começou a cortá-lo em fatias.

— E o sr. Perfeito? Tem medo de que ele não aprove se passar a noite...

— Não. Quero dizer, talvez. Ele... não gostaria nada disso.

— E por que ele precisa saber?

— Porque não posso mentir para Greg. Acredito na honestidade.

— É claro. Por isso contou tudo sobre o que aconteceu entre nós no apartamento da agência.

Cat não respondeu. Ele cortava o tomate com violência espantosa, como se quisesse puni-lo por todos os erros da humanidade.

De repente um grito escapou de sua garganta e um jato de sangue tingiu seu rosto de vermelho.

— Deixe-me ver isso. — Cat aproximou-se rapidamente, agarrando a mão dele.

— Não foi nada.

— Parece que o corte foi profundo. Talvez precise de uma sutura.

— Não!

— Brody, não é o fim do mundo! Alguns pontos e...

— Nada de pontos!

Ela suspirou.

— Está bem. Vamos estancar o sangramento para que eu possa examinar melhor o corte. Sente-se.

Depois de acomodá-lo em uma cadeira, pegou um guardanapo de papel e pressionou-o contra o dedo ferido, mantendo o braço na vertical. Era a imagem da eficiência. Normalmente ele não tinha paciência com gente eficiente, mas algo em sua atitude firme e dominadora despertava um sentimento de... proteção.

Depois de alguns minutos ela removeu o guardanapo sujo de sangue e examinou a ferida.

— O sangramento parou. Creio que podemos dar um jeito nisso com uma borboleta.

— O quê?

— Uma borboleta. É como uma sutura, porém pior.

— Há, ha, ha. — Era surpreendente, mas havia adquirido o hábito irritante de sua mãe empresarial de imitar gargalhadas.

— Segure isto aqui — ela o orientou, pressionando novamente o guardanapo sobre o corte. Antes de deixar a cozinha, desligou o forno com o pão e a lasanha. Instantes depois retornava com uma caixa de primeiros socorros, uma tesoura e fita adesiva. Com uma tira da fita, formou uma espécie de laço e mostrou-o orgulhosa.

— A borboleta.

— Uma gravata borboleta, você quer dizer.

— Cale a boca e fique quieto.

Cat limpou o dedo com solução anti-séptica, colocou o curativo era forma de laço, espalhou pomada antibiótica sobre a região e protegeu-a com uma atadura.

— É muito engenhoso.

— Não fui eu quem inventei esse artifício. As drogarias vendem borboletas prontas feitas com esparadrapo, mas não encontrei nenhuma em seu banheiro.

— Como aprendeu a fazer esse laço pegajoso?

— Não sei. Acho que vi em algum lugar e nunca mais esqueci.

Cat ainda segurava sua mão, e por um instante os olhos mergulharam nos dele, azuis e límpidos como uma piscina em um dia de verão. O tempo parou. A chuva batia incansável contra o vidro da janela. Cat olhou para as mãos unidas e recuou um passo.

— Vou terminar de preparar a salada.

— Espere...

— Vai querer vinho com o jantar?

Queria discutir o que havia entre eles. Sabia que o sentimento não desapareceria se o ignorassem. Mas então lembrou-se do sr. Perfeito e ficou calado. Talvez Greg a estivesse esperando para uma noite de amor, o que explicaria sua ansiedade em voltar para casa.

Não queria saber. A mente já começava a criar imagens de Cat na cama com seu amante, repetindo tudo que haviam feito quando...

— E então? Vai querer vinho?

— Vodca. Posso me servir sozinho. — Levantou-se e foi apanhar a garrafa que deixava no congelador, servindo uma dose generosa no primeiro recipiente que encontrou, uma grande xícara de chá com o desenho de um casal de patos. Mal sentiu o primeiro gole.

Cat fingia não notar seu comportamento enquanto ajeitava as folhas de alface em uma vasilha de cerâmica.

Spot aproximou-se do dono e tentou cheirar o dedo ferido, mas Brody escondeu a mão às costas.

— Obrigado, amigão, mas essa tarefa é da minha mãe empresarial. Beijar o dodói para espantar a dor. Não é isso que as mães fazem?

— Era isso que sua mãe fazia? — ela devolveu.

A única coisa mais patética que um bêbado desejando uma mulher inacessível era um bêbado sem mãe desejando uma mulher inacessível. Brody ignorou a pergunta e serviu uma dose dupla de vinho em um copo, disposto a não cair sozinho.

— Não vou beber tudo isso — ela avisou. — Ainda tenho de dirigir esta noite.

— Então beba quanto quiser.

Mas Cat esvaziou o copo durante o jantar, bebendo devagar enquanto saboreavam a lasanha e discutiam qual dos filmes de Mel Brooks era o mais surpreendente. Enquanto ela falava, Brody aproveitou para completar seu copo de vinho algumas vezes.

Finalmente ela cruzou os talheres e reclinou-se na cadeira, satisfeita e entorpecida.

— Você disse que a chuva ia parar — comentou bocejando.

— Eu disse que talvez parasse. Esqueça os pratos. — E ajudou-a a levantar-se da mesa para conduzi-la até a sala, pegando o maço de cigarros sobre o móvel antes de sair.

— Quer café?

— Não. — E olhou para o relógio. — Droga, Brody, você fez de propósito.

— Fiz o quê? — Sentou-se no sofá e puxou-a para que se acomodasse a seu lado, acendendo o abajur sobre a mesa de canto.

— Você me embebedou. E sabia que eu tinha de dirigir.

— Ei, não venha me culpar por seus pequenos excessos. Quer um conhaque?

— Não! — E deixou pender a cabeça para trás.

Brody também estava a meio caminho da embriaguez, e sentia-se satisfeito por isso. Puxou um cigarro do maço e ouviu o gemido impaciente a seu lado.

— Precisa mesmo disso?

Normalmente teria dito que não, mas fumaria assim mesmo. Em vez disso, devolveu o cigarro ao maço.

— Obrigada — ela respondeu surpresa.

Também estava surpreso com sua atitude.

Devagar, pousou um braço sobre o encosto do sofá, atrás dela.

— Agora vai ter de retribuir o favor.

— O que espera que eu faça?

— Quero que jogue pôquer comigo. Valendo um strip-tease.

— Esqueça.

— Tudo bem, então... Um banho de espuma. Você esfrega minhas costas. Todas as mães fazem isso.

— Não estou tão bêbada quanto imagina, Brody.

— Quer dizer que uma luta com o corpo nu e coberto de maionese está fora de cogitação?

— Eu não disse isso. Maionese normal ou light?

— Normal. É a única que tenho em casa.

— Que pena!

— Já lhe disse que sinto uma atração irresistível por maionese?

— Não.

— Pensar em você coberta com aquele creme brilhante e escorregadio me faz...

— E gorduroso. Não esqueça do gorduroso. Ele afagou seu braço.

— Coberta de maionese dos pés à cabeça. E com uma única maneira de removê-la.

— Devo deduzir que essa técnica exclui o uso de água e sabão?

— Somente a língua humana pode fazer um trabalho realmente completo.

— Puxa, por essa eu não esperava!

— Uma tarefa tão árdua exige paciência e atenção com os detalhes. Não é um trabalho para uma língua qualquer. É preciso flexibilidade. Determinação. São tantos recantos minúsculos...

Aproximou-se e sentiu o perfume que o enlouquecera naquela primeira noite, quando não pudera vê-la, quando tivera de contar com outros sentidos além da visão.

Brody continuou com voz rouca:

— É preciso muito tempo para concluir a tarefa. Qual seria o melhor ponto de partida? — Aproximou-se ainda mais e fitou-a nos olhos. As pupilas de Cat estavam dilatas, o rosto mais corado que antes. — Pense em algum lugar e vou ver se consigo adivinhar seus pensamentos.

Ela tentou virar o rosto, mas Brody não permitiu. Estava sorrindo.

— Essa também teria sido minha escolha — disse.

— Trapaceiro. Não sabe em que estou pensando.

— Quer apostar?

— Aposto que não sabe.

— Aqui? — Deslizou os dedos na parte posterior de seus joelhos, expostos pelo short preto, e acariciou a pele sensível.

Ela fez um ruído estranho antes de responder com voz estrangulada.

— Não.

— Então aqui? — E traçou um caminho entre os seios.

— N... não.

— Já sei. — Os dedos deslizaram pela parte interna da coxa e encontraram a abertura do short. — Aqui.

Cat estava ofegante.

— Já teve suas três tentativas.

— Ainda me lembro de como é sensível aqui. — Brody aproveitou que o short era largo para acariciá-la. — Aposto que deixei marcas em sua pele quando rocei a barba por fazer em seu corpo. Eu a feri?

— Não. Sim. Um pouco. Mas... tudo bem.

— Tudo bem? Então gostou?

— Eu não disse isso. — Moveu-se um pouco ao sentir que os dedos escalavam sua perna e encontravam o elástico da calcinha. — Talvez tenha gostado.

Se não a houvesse embriagado, jamais teria chegado tão longe. Não teria sequer tocado seu ombro. Se Cat estivesse sóbria, já o teria atacado com unhas e dentes.

Com a mão livre, acariciou um seio e sentiu o mamilo rígido convidando ao toque. O jogo de sedução o deixava excitado, impaciente.

— É uma pena que não possa tê-la visto — disse. — Todo aquele sexo maravilhoso que tivemos, e nunca a vi nua.

Ela respirava com dificuldade. As pernas afastadas permitiam uma exploração mais ousada, e a boca entreaberta era uma tentação a qual Brody nem tentou resistir.

O beijo tinha sabor de vinho, e era excitante engolir seus gemidos enquanto acariciava a parte mais íntima de seu corpo através da calcinha. Sorrindo, notou que ela se virava para poder corresponder ao beijo, e o movimento permitiu um acesso ainda maior a sua intimidade. Brody sentia a própria ereção pressionando a calça, como uma besta espreitando a vítima suculenta e indefesa tão próxima e vulnerável. Mas sabia que tipo de homem tirava proveito de mulheres embriagadas, e sempre se orgulhara de nunca ter ultrapassado esse limite.

Pensou em mandá-la para casa em seu presente estado de excitação, quente e úmida, pronta para receber o sr. Perfeito.

Para o diabo com isso, encontraria outra coisa de que se orgulhar. Aprofundou o beijo e a carícia íntima. Cat estremeceu em seus braços, deixando que ele erguesse sua camiseta.

Um som rouco e aflito invadiu a atmosfera erótica da sala.

— Vá embora, Spot.

O cão estava sentado no tapete, diante do sofá, pronto para participar do novo e divertido jogo. Tonta e corada, Cat piscou enquanto tentava reencontrar o equilíbrio.

— Vá embora, Spot! — Brody ordenou com autoridade, apontando para a cozinha. — Saia!

Spot latiu e colocou uma das patas sobre o joelho de Cat. Ela ergueu o corpo e notou a camiseta levantada. Brody engoliu um palavrão obsceno.

— Acho... que a chuva parou. — Levantou-se e foi até a janela da varanda interna. — Não parou, mas diminuiu muito — constatou, ajeitando as roupas e os cabelos.

Brody também pôs-se em pé e olhou para o animal como se quisesse estrangulá-lo. Consciente do perigo que corria, Spot escapou para a cozinha.

— Não posso deixá-la dirigir nesse estado. Você esteve bebendo.

Ela o envolveu num olhar sardônico.

— Algo me diz que estarei mais segura na estrada.

— Por favor, fique. Prometo que não tentarei mais nada.

— Não se preocupe comigo — ela respondeu, pegando a bolsa e a chave do carro na cadeira onde as deixara. — Essa experiência no sofá teve o poder de fazer-me recuperar a sobriedade.

— Pegue um táxi. Eu pago. — Irritado, viu que ela o ignorava e saía sem se importar com a garoa fina. A culpa o atormentava. Na verdade, ela nem havia bebido tanto assim. Menos de dois copos. Mesmo assim, seria melhor se não dirigisse. E a culpa era dele. Se não houvesse ultrapassado os limites da decência e da dignidade, Caitlin não estaria fugindo no meio de uma noite chuvosa. — Telefone para mim quando chegar em casa — pediu, embora soubesse que não seria atendido. — Preciso ter certeza de que chegou bem.

As únicas respostas foram o som da batida da porta do carro, o ronco do motor e o ruído dos pneus arrancando sobre o cascalho da entrada da garagem.

 

                               CAPÍTULO VI

 

— Então ele fez o jantar para você. — Brigit sentou-se na cadeira giratória vizinha à dela. — Que romântico!

— Você não conhece aquele homem — Cat respondeu, deixando que Ren empurrasse sua cabeça para a frente, — Não há nada de romântico em Brody. Ele só está interessado em sexo.

— Diz isso como se fosse uma coisa ruim — Ren comentou. Torcendo uma parte do cabelo de Cat e mudando as presilhas de posição. — O que há de errado em sentir prazer?

— Ela já sentiu prazer — Brigit informou. — E agora não quer mais saber do sujeito.

— Ahh! — Ren continuou aparando as pontas dos cabelos da cliente. — O pobrezinho não correspondeu às expectativas?

— Ele superou as expectativas.

— Brigit! — Cat virou a cabeça para encarar a amiga, mas o cabeleireiro obrigou-a a voltar à posição anterior. — O mundo não precisa saber de minha vida íntima.

— E ela teve de trabalhar com o sujeito todos os dias durante um mês — continuou Brigit, inclinando-se sobre o balcão para retocar o batom.

— Pelo menos hoje é meu último dia com Brody.

— Não gosta dele? — Quis saber o rapaz bronzeado e alto. Cat abriu a boca para discordar, mas mudou de idéia.

Não gostava de Brody Mikhailov. Ele tinha tudo para merecer sua desaprovação, desde o estilo de vida egocêntrico ao que fazia para sobreviver. E para completar, Leon divulgara recentemente que Brody estava prestes a ser contratado como redator-chefe de um novo programa de tevê, Banner Headline. Era quase como se disputasse com Mildred Maxwell o título de rei das colunas de fofocas.

Ele tem um cachorro muito velho — comentou. — Deviam ver como ele trata o animal. Brody cozinha para ele todos os dias!

— Oh, sim — Brigit confirmou sorrindo. — O homem parece ser um modelo de ajuste social.

— Não há nada de errado em ser bom com um animal de estimação — declarou Cat. — Spot vive com ele há anos, e Brody o trata como se fosse um bebê.

— Falando em bebês...

— Brigit!

— O quê? Você está... — Ren perguntou em voz alta.

— Não! Não estou grávida!

— Quem está grávida? — Marina, a esposa do cabeleireiro, perguntou de seu posto na recepção.

— Cat — ele explicou. — Mas ela diz que não está.

— Como pode saber? Ainda nem fez o teste!

— Brigit, eu sei que não estou grávida.

A manicure desviou os olhos das unhas postiças que colocava em uma cliente.

— Quem está grávida?

Ren perguntou:

— Quantos períodos perdeu?

Cat gemeu enquanto a amiga respondia por ela.

— Um. Está atrasado há três semanas.

— Quase três semanas. Dezenove dias — ela corrigiu.

— Costuma ser regular? — O cabeleireiro colocou-se diante dela para medir o comprimento das mechas da frente

— Sim. Não! Normalmente tenho alguns atrasos.

— Atrasos de três semanas? — Brigit espantou-se.

— Ela perdeu um período? — Marina gritou da recepção.

— Um — o marido confirmou — Há três semanas.

— Dezenove dias! — repetiu Cat.

— Quem perdeu um período? — quis saber a assistente que lavava os cabelos de outra cliente.

— Aquela ali — outra mulher indicou, apontando para ela.

— Oh, céus! — Cat gemeu.

— Quando vai fazer o teste? — Ren perguntou antes de ligar o secador.

— Já disse que não estou grávida!

Uma mulher do outro lado do salão abandonou a revista que lia e levantou o secador fixo, exibindo uma touca plástico coberta por uma massa branca que servia para clarear algumas mechas de cabelo.

— Quem está grávida?

— Sabe como os psicanalistas chamam esse tipo de comportamento? — Brigit perguntou séria. — Negação. Ela quer o bebê, mas não quer nenhuma ligação com o sujeito. E é tarde demais para isso. Além do mais, Cat ainda o deseja.

Ren ligou o secador e desligou-o em seguida para indagar:

— Seus seios estão doloridos?

— Não é da sua conta! Quer fazer o favor de secar meu cabelo?

Brigit teve de gritar para ser ouvida com todo aquele barulho.

— Por que não faz logo o teste? Só precisa passar em uma farmácia e mergulhar aquela vareta no...

— Ela tem razão — Ren trovejou. — Devia certificar-se. Uma senhora de meia-idade com cabelos azulados e cheios de laquê bateu no ombro de Cat a caminho da saída.

— Parabéns, querida.

— Vou repetir pela última vez — Cat berrou furiosa. — Não estou grávida!

 

Cat tocou a campainha três vezes antes de Brody finalmente abrir a porta. Ele falava ao telefone sem fio e exibia uma expressão aborrecida.

— Aquele emprego era meu! — disse, voltando à sala sem sequer cumprimentá-la. — Schneider andou bebendo? Que influência Serrano teve nisso? Ela sempre foi amiga de Maxwell.

Mildred Maxwell. O emprego no Banner Headline. Ele devia estar falando com Leon.

Cat o seguiu a uma distância cautelosa até a sala de jantar, cuja mesa estava coberta por caixas contendo cópias de seus livros. Um rubor furioso tingia seu rosto, as veias do pescoço estavam salientes.

— O emprego era meu, Leon! Não venha me dizer para ficar calmo! Quando terei outra chance como essa? Ah, esqueça!

Brody desligou o telefone e jogou-o sobre um móvel, o aparelho se chocou contra um cinzeiro e caiu no chão. Spot saiu de seu esconderijo sob a mesa e correu para a cozinha, enquanto seu dono ia buscar o maço de cigarros que deixara sobre uma mesa de canto.

Cat acompanhava a tudo da porta, nunca o vira naquele estado. Pela primeira vez, percebeu como o emprego de redator chefe era importante para ele.

— Sinto muito, Brody, — disse, surpreendendo-se ao perceber que estava falando sério.

As palavras tiveram o poder de arrancá-lo de um mundo sombrio formado por pensamentos desagradáveis.

— Esqueça. A última coisa que preciso é de sua compaixão — Na cozinha, abriu o congelador e pegou a garrafa de vodca.

— Não posso culpá-lo por duvidar de minha sinceridade depois de tudo que disse sobre sua carreira. Mas estou falando sério. Lamento que esse projeto não tenha dado certo. Sei o quanto queria esse emprego. — Vendo que ele se preparava para encher um copo com a bebida, tentou uma medida desesperada. — Escute, o que acha de sairmos daqui? A mudança de cenário vai nos fazer bem.

Ele ficou quieto por tanto tempo, que Cat começou a pensar que não mereceria sequer uma resposta. Mas Brody finalmente tampou a garrafa.

— Aonde quer ir?

— Não acha que está levando longe demais essa história de ser mãe?

Cat prendeu o cinto de segurança em torno da cintura de Brody e foi acomodar-se no cavalo pintado ao lado dele.

— Quando foi a última vez em que esteve em um parque de diversões? — ela devolveu.

O carrossel entrou em movimento enquanto uma melodia muito antiga embalava as voltas lentas e constantes.

— Se acha que isso vai me fazer esquecer os problemas, tenho uma sugestão melhor.

Sabia que ele estava tentando chocá-la para mudar de assunto. Depois de um mês trabalhando com Brody, ainda não conseguira saber nada sobre seu passado.

Os cavalos subiam e desciam enquanto o carrossel girava. O centro do brinquedo era formado por espelhos, e Cat fitou-os tentando capturar seu reflexo. Depois de alguns instantes fechou os olhos para vencer a onda de tontura e compreendeu que havia cometido um engano. Sim, era isso. Não podia ser náusea. Além do mais, o início da manhã ficara para trás, o que significava que não podia ser...

Pare com isso! ordenou a si mesma. Você não está! Tentando distrair-se, disse:

— Este carrossel deve ter mais de oitenta anos de idade. Duvido que existam muitos outros iguais por aí.

— Está falando sério?

— Ele foi comprado há sessenta anos quando o parque foi aberto. Os cavalos foram esculpidos à mão. Oh, agarre o anel de metal!

— O quê? — Brody olhou em volta com ar assustado.

Ele estava na parte externa do brinquedo. Cat apontou para as argolas de metal presas a um braço de ferro retrátil.

— Agarre o anel quando passar por ali. Se tiver sorte, conseguirá pegar o de bronze.

Era evidente que ele jamais havia feito nada parecido. Enquanto Brody se concentrava para realizar a tarefa, Cat compreendia a razão do espanto que vira em seus olhos pouco antes. Sentia vontade de chorar pelo menino que havia perdido muito mais que algumas voltas em um carrossel e beijos de uma mãe amorosa.

Ele mostrou o anel que conseguira pegar.

— O que acontece se este for o de bronze?

— Você o devolve e ganha mais uma volta gratuita.

— Não posso ficar com ele?

— Não.

Brody fez diversas tentativas frustradas, pegando apenas os anéis escurecidos e sem brilho que ficavam misturados ao verdadeiro amuleto. Quando a música já começava a se tornar mais lenta, como os movimentos do carrossel, ele passou pelo braço retrátil uma última vez e estendeu a mão.

— Ah, olhe só para isto! — disse, exibindo orgulhoso o aro brilhante e tão cobiçado.

Cat riu, sentindo uma felicidade absurda diante do retorno daquele sorriso encantador. Brody jogou as argolas na caixa plástica deixada ao lado da saída do brinquedo, e ela estava prestes a lembrar que poderia dar mais uma volta no carrossel quando o viu guardar alguma coisa no bolso do jeans.

Havia uma lanchonete dentro do parque e, perto dela, crianças brincavam em um campo de golfe em miniatura. Aquele era um modesto parque de diversões em um bairro qualquer da cidade, um local repleto de mães e filhos dispostos a aproveitar a tarde ensolarada de uma quarta-feira de agosto.

— Não me lembrava mais deste lugar — ela comentou.

— Costumava vir aqui quando era criança?

— Minha mãe me trazia para brincar todas as semanas. Venha, vamos tomar um sorvete.

O sorvete tinha sabor de verão, de infância, quando sua maior preocupação havia sido lambê-lo antes que o creme derretesse em sua mão. Cat olhou para Brody, que observava os grupos de jovens e crianças com ar distante. Sabia que ele não compartilhava de sua nostalgia.

— É muito importante para você, não é? — arriscou. —Deixar sua marca. Conquistar reconhecimento.

— O que quer saber? Sucesso é importante para todos, não?

— Em graus variados. E por razões diferentes.

— Não quer conquistar o reconhecimento? A fama, o sucesso?

— Como mãe empresarial? — Ela riu.

— Talvez como mãe de verdade.

O sorriso de Cat desapareceu.

— Você é boa nisso. — Com o polegar, ele limpou o sorvete que havia ficado no canto de sua boca.

Não gostava do rumo que a conversa estava tomando.

— Quer dizer que não acredita que preciso de uma licença para reproduzir? — perguntou, lembrando a conversa que tiveram na mesa de piquenique do quintal da casa dele.

— Não. O instinto maternal faz parte de sua bagagem natural.

Cat abaixou a cabeça e apertou os lábios para conter o pranto.

— O que foi? Disse algo errado?

A pergunta preocupada foi a última gota em um recipiente que há muito ameaçava transbordar. Uma lágrima rolou por seu rosto.

Brody tomou-a nos braços e levou-a para um canto isolado do parque, onde ela não seria mais uma atração para as jovens famílias que freqüentavam o local.

— Sinto muito. — Cat respirou fundo e abriu a bolsa a procura de um lenço. — Ultimamente tenho estado muito... emotiva. Desculpe-me.

Ele sorriu e afagou seus cabelos.

— Talvez seja apenas aquela época do mês. As mulheres costumam enfrentar oscilações quando...

A possibilidade a encheu de entusiasmo.

— Sim, talvez seja isso. Tensão pré-menstrual.

— Passamos por um bar bem aconchegante a caminho daqui. Quer tomar uma cerveja?

— Não, obrigada.

— Vamos lá, um drinque é o melhor remédio para aliviar a tensão. É o que dizem.

— Não posso beber porque... — Sabia o que a impedia de consumir álcool, por maior que fosse a teimosia que a levava a insistir em dizer que não estava, não estava, não estava. — Cerveja me deixa sonolenta.

— E daí?

— Seria um horror! Além de chorona, sonolenta!

— Soneca e Chorão. Não são os nomes de dois dos sete anões?

— Só se forem os Sete Anões da TPM. Soneca, Chorão, e Mal-Humorado, Irritado, Agressivo, Confuso e Inchado.

— Não vejo nenhum inchaço em você.

Esperava que não!

— Ainda não respondeu a minha pergunta. Aliás, é muito bom nisso. Fugir de perguntas diretas.

— Obrigado.

— Quero saber se o reconhecimento é muito importante para você.

— No momento, nada é mais importante para mim do que levá-la para conhecer meu barco. Ainda é cedo..

— Oh, não! — Pensar em pisar em um barco era suficiente para provocar uma nova onda de náusea. Ou melhor, desorientação, tontura... — Não fuja do assunto.

— Por que quer saber?

Sim, por quê? O que havia acontecido com a idéia de evitar todo e qualquer envolvimento?

— Estou curiosa quanto ao que o motiva, o que o fez escrever mais de cinqüenta livros.

— Cinqüenta e sete.

— Cinqüenta e sete livros em dezenove anos, e agora um programa de tevê... — E parou.

Brody sorriu.

— Não vou cortar os pulsos por causa de um programa de televisão, Cat. Pode mencioná-lo sem receio nenhum.

—Vi os recortes que guarda em sua casa, todas as críticas e os artigos sobre sua carreira e seu trabalho. Duas décadas de vida. E os comentários não são exatamente lisonjeiros, Brody. Alguns beiram a hostilidade e o ataque direto. —Não a sua habilidade de escritor, elogiada por todos os críticos, mas ao conteúdo de seu trabalho.

— Sabe o que dizem sobre publicidade. Ela é sempre boa, mesmo que seja ruim.

— Quer dizer que não se importa com o que dizem a seu respeito, desde que escrevam seu nome corretamente?

— Pelo menos não me ignoram. Acha que é fácil gerar esse nível de revolta e repugnância?

Cat o encarou e as peças começaram a se encaixar.

— Aposto que era um furacão quando criança.

— Como adivinhou?

— Deve ter enlouquecido seus pais.

— Mas minha mãe empresarial tem a paciência de uma santa. Ela só se recusa a me cobrir na hora de dormir. Por que será?

Mais uma evasão. O homem era um especialista na arte da fuga.

— O que eles pensam sobre seu trabalho? — Cat persistiu.

— Quem?    

— Seus pais.

Ele assumiu uma expressão grave, quase zangada. Agora diria que fosse cuidar da própria vida e o deixasse em paz.

— Eles morreram?

Brody suspirou e olhou para um ponto distante.

— Um deles, pelo que sei. Minha mãe. Ela morreu há doze anos de cirrose.

— Sinto muito.

— Por quê, se nem a conheci direito? Minha mãe era alcoólatra. Fui afastado dela quando ainda era um bebê.

— Bateu nos bolsos da roupa, certamente procurando pelo cigarro que deixara no carro. — Ela era negligente comigo, e não se importou muito quando teve de desistir de mim. — Foi o que me contaram.

— Quem contou? Seu pai?

— Ninguém sabe quem ele era. Provavelmente nem minha mãe.

— Quem o criou?

— Uma verdadeira coleção de famílias adotivas.

— Por que tantas assim?

— Ninguém queria ficar comigo. Aos três anos e meio, quando entrei no sistema de adoção, já era sinônimo de encrenca e confusão.

O que era compreensível, se havia sofrido negligência e maus-tratos desde o berço Cat pensou na criança indefesa lutando para conseguir um pouco de amor e atenção, sendo sucessivamente rejeitado por diversas famílias, e sentiu vontade de chorar.

— Nunca mais viu sua mãe?

— Ela desistiu de mim quando perdeu a custódia. Fui procurá-la quando tinha dezessete anos, pouco antes de me formar no colégio. Pensei que talvez ela quisesse assistir à cerimônia. Uma gargalhada amarga escapou de seu peito. — Tinha aquela noção sentimental e estúpida de vê-la sentada na platéia, orgulhosa por ver seu garotinho receber o diploma.

— E não deu certo?

— Quando fui procurá-la, encontrei apenas a sombra de um ser humano. Anos mais tarde, quando soube que ela havia morrido, paguei todas as despesas do funeral, mas não compareci. E nunca falei sobre ela com ninguém.

— Fico feliz por ter confiado em mim.

Brody encarou-a. Cat sorriu, estendeu a mão e sentiu os dedos envolverem os dela.

— Não foi a sua formatura, não é?

— De que teria servido? Não havia ninguém para aplaudir-me.

Cat respirou fundo, lutando contra o nó que se formara em sua garganta.

— As vezes imagino se ele ainda está vivo.

— Quem? Seu pai?

Ele assentiu.

— Fico imaginando se leu meus livros, e o que pensaria se eu chegasse ao Banner Headline.

Brody ainda lutava para conquistar atenção. A escolha profissional ultrajante e a imagem odiosa que exibia ao público era apenas mais uma forma de obter o amor que devia ter sido seu na infância.

— Já pensou em escrever algo... diferente? Quero dizer, deve estar cansado de repetir as mesmas... — Ela hesitou.

— Oh, por favor, não me diga que a história do pobre órfão matou sua honestidade fria e cortante. Agora vai me tratar como se eu fosse um inválido, ou uma criança indefesa.

— Deve estar cansado de escrever aquele lixo sensacionalista? Pronto! Está satisfeito?

— Extasiado. Esse é todo o suporte que eu esperava receber de minha mãe empresarial. E o que está chamando de diferente? Livros de receitas? Histórias infantis?

— Algo sobre os grandes comediantes. Uma história sobre os homens que criaram as melhores comédias do cinema e da tevê. Você os adora, Brody!

— Está falando sobre... o quê? Um desses livros que as pessoas esquecem sobre a mesa da sala?

— Preste atenção! Esta seria uma forma de expandir seu trabalho, estabelecer-se como um biógrafo sério.

— Não escrevo tolices.

— Não me refiro a tolices! Você pode contar a vida de uma celebridade de maneira séria e respeitosa, sem denegri-la aos olhos do público. Sei que reuniu informações sobre Chaplin, Fields e muitos outros. Li seus arquivos.

— Aquilo é apenas um hobby. Não se trata de uma pesquisa de verdade. Passei dezenove anos construindo uma reputação. Sabe o que aconteceria com ela se eu produzisse um livro de historinhas?

— Esqueça, está bem? Faça de conta que eu não disse nada. Afinal, esse seria apenas um trabalho repetitivo. Aposto que deve haver dezenas de biografias sérias sobre essas personalidades. E você não seria capaz de superar o que já foi feito.

Brody respirou fundo.

— Chega de fantasias. Tenho muito trabalho a fazer. Mentiras para contar e boatos para espalhar.

Caminharam até o estacionamento em silêncio. Cat sentia-se satisfeita por vê-lo mergulhar no trabalho em vez de ficar bebendo e lamentando o posto perdido.

— Já mandou o manuscrito sobre Nolan Branigan? ela perguntou.

— Sim. Estou começando um novo projeto. Os Demônios.

— Está escrevendo sobre um time de futebol?

— Exatamente. Não vai acreditar no que consegui descobrir sobre os jogadores e dirigentes.

— Imagino que não. Você acredita? Ele se limitou a sorrir.

— O que vai fazer quando eu não estiver mais por perto para ler seus rascunhos e ficar indignada?

O sorriso de Brody desapareceu.

Cat parou e segurou-o pelos braços, impedindo-o de entrar no carro.

— Fale, Brody. Quero saber em que está pensando. Agora!

Ele a encarou com um sorriso tão luminoso que Cat teve certeza de que estava encrencada.

— Não suporto a idéia de viver sem minha mãe empresarial. Por isso decidi tomar uma atitude.

— Uma... O que você fez?

— Telefonei para Nana e a contratei por mais um mês.

—O quê?

— Por que esse ar desesperado? Foi tão terrível assim trabalhar para mim? Pensei que estivesse satisfeita, especialmente com os horários. Nem todo mundo pode dormir no escritório e começar o expediente ao meio-dia.

— Nunca dormi em sua casa! — E nem dormiria. Não agora, quando acordava todas as manhãs com o estômago ameaçando rebelar-se. — Por que fez isso? — Sabe que eu estava esperando ansiosamente pelo fim desta missão. Sabe como foi difícil para mim!

— O que posso dizer? Acho que sou um sádico!

— Está imaginando que vou dormir com você? E isso? Se for, esqueça!

— Sua devoção ao sr. Perfeito é emocionante. Podemos discutir o assunto no carro?

— Não há nada a discutir. Não vai me fazer mudar de idéia. Se pretende continuar me ameaçando...

— Ameaçando?

— Se contar a Nana o que aconteceu entre nós, ela me demitirá.

O silêncio de Brody provou que ele ainda estava disposto a destruir sua carreira.

— Está agindo como se trabalhar para mim fosse uma tortura! O que fiz para merecer tanto desprezo?

Ela se aproximou do carro e só então o encarou.

— Só porque dormimos juntos, não é capaz de superar e...

— Por que está fazendo isso comigo, Brody? O que aconteceu entre nós foi um engano.

— Um engano horrendo. Foi esta a palavra que usou, não?

Não se lembrava de ter dito algo tão insensível, mas, se dissera, então era parcialmente culpada pela amargura que via nos olhos dele. Seria por isso que ele a torturava? Para vingar-se do ataque sofrido por seu orgulho?

Brody devia supor que ela não queria conviver com o que chamava de engano horrendo enquanto estava apaixonada por outro homem. E a verdade era muito mais complexa e confusa. Brigit tentava convencê-la a fazer o teste de gravidez, e embora tivesse certeza de que não esperava um filho, sentia-se inclinada a fazer a vontade da amiga e realizar o teste, mas só depois de concluir o período de trabalho com Brody e certificar-se de que nunca mais teria de vê-lo.

Porque, se estivesse errada, se o resultado do teste fosse positivo e tivesse de encarar o pai de seu filho todos os dias...

Não poderia lidar com isso. O que sentia por Brody já era complicado demais sem o acréscimo de um novo fator. Desregrado, irresponsável, obcecado por uma necessidade quase doente de atenção, mesmo que fosse negativa, Brody Mikhailov, ou Jake Beckett, era o último homem que teria escolhido para ser pai de seu filho. Ele era um escritor medíocre cujo único objetivo era chocar e denegrir, embora possuísse o talento e os meios para realizar muito mais.

Mesmo assim, tinha de admitir que mudara de atitude com relação àquele homem, um resultado natural da convivência forçada. Pelo menos fora capaz de manter um certo grau de objetividade até ali. Mas sabia que essa capacidade desapareceria se soubesse que esperava um filho dele. As emoções assumiriam o comando da situação. Começaria a deturpar julgamentos e distorcer fatos, buscando por qualidades que pudessem redimir o pai de seu filho. Mentiria para si mesma e conseguiria convencer-se de que ele era algo que realmente não era, como tantas outras mulheres que se descobriram encurraladas em relacionamentos indesejados por terem negado a realidade até que fosse tarde demais.

Cat lembrou por que havia planejado uma gravidez independente, por que optara pela maternidade sem o apoio de um marido ou companheiro. Não queria que o filho passasse por tudo que ela havia suportado. Aproximar-se de um homem como Brody Mikhailov era quase uma garantia de fracasso familiar ao longo do tempo.

Teria de adiar o teste de gravidez por mais um mês.

Talvez nem precisasse fazê-lo. Não estava grávida! Pelo contrário. Tudo que sentia era um conjunto de sintomas relacionados ao período pré-menstrual. Logo o corpo forneceria a prova de que não gerava um ser humano em suas entranhas. Não teria de ver uma vareta estúpida mudar de cor para saber disso.

 

                             CAPÍTULO VII

 

Do banco onde estava sentado em um corredor do shopping, Brody via os clientes entrando e saindo da Macy’s. A apreensão que sentira a princípio começava a se transformar em pânico.

Cat entrara correndo na loja em busca do banheiro feminino logo depois de ter empalidecido de forma assustadora. E não havia sido a primeira vez. Naquela manhã, pouco depois de ter entrado em sua casa, ela também correra para o banheiro, como acontecera diariamente nas últimas duas semanas, desde o início do segundo mês de trabalho para ele.

Na primeira vez, tentara mandá-la de volta para casa, e até se oferecera para levá-la ao médico. Mas Cat insistira em dizer que havia comido alguma coisa que não caíra bem e que já se sentia melhor. No dia seguinte a cena se repetira, e no outro, e ela continuara fingindo que não era nada.

A fadiga constante era outro fator de preocupação. Duas vezes na semana anterior ela adormecera no meio da tarde, uma na sala do computador, enquanto tentava ensiná-lo a controlar a conta bancária, outra na cozinha. Brody entrara e a encontrara debruçada sobre a mesa, a cabeça apoiada nos braços enquanto uma assadeira de biscoitos se transformava em carvão no forno.

A suspeita criara raízes em sua mente. Mas ela não havia dito que tomava pílulas? O que o remetia a segunda possibilidade: ela estava realmente doente, com alguma séria o bastante para durar várias semanas.

E onde estava ela, afinal? Pensou em ir procurá-la. E se houvesse desmaiado no banheiro? Olhou para o relógio que Cat o convencera a comprar. Mais um minuto. Esperaria mais sessenta segundos antes de ir buscá-la.

Olhando para a multidão, Brody viu um chumaço de cabelos vermelhos. Levantou-se de um salto, derrubando duas das sete sacolas de compras reunidas a sua volta. Alcançou-a em cinco segundos, atropelando um casal de idosos, duas mães empurrando carrinhos de bebê e um grupo de adolescentes.

— Brody, as sacolas! Cat olhou preocupada para o local onde ele abandonara as compras.

Sua coloração voltara ao normal, o que o deixava aliviado, mas ela parecia cansada.

— Eu me preocupo com as sacolas. Você está bem?

Levou-a de volta ao banco e a fez sentar-se.      

— Estou bem melhor. Não foi nada.

— É o que você diz sempre. Quando vai procurar um médico?

— Não estou doente. Devo ter comido alguma coisa que não me fez bem, e meu organismo está passando por um processo de desintoxicação.

— Há duas semanas? Vou levá-la ao médico. Hoje. Dê-me o número do telefone e marcarei a consulta.

— Brody, não preciso ir...

— Se não cooperar, serei forçado a levá-la ao meu médico.

— Você tem um médico?

— Não. Mas conheço um hospital que atende emergências em poucos minutos. E sei que existem clínicas que funcionam em regime de pronto-socorro.

— Não vou procurar um pronto-socorro por causa de uma indisposição estomacal.

Se cuidasse de você mesma com metade da eficiência com que cuida de outras pessoas, não estaria passando por isso agora.

Ela parecia tão miserável, que Brody afastou as sacolas e sentou-se a seu lado. Em voz baixa, disse:

— Sabe o que pensei na primeira vez em que isso aconteceu? Que talvez estivesse grávida. Mas depois lembrei que você tomava anticoncepcionais. — Ela evitou seus olhos e Brody sentiu o coração bater mais depressa. — Foi o que você disse, não? Estava tomando pílulas.

Viu que ela hesitava antes de responder. Não! Isso não pode estar acontecendo, pensou. Havia sido descuidado naquela noite, o que não era comum, mas pensara estar lidando com uma profissional, e por isso deduzira que ela se protegia. Jamais contara com a hipótese de uma gravidez.

— Cat?

— Eu... estava tomando pílulas quando... quando estivemos juntos.

— Estava?

Ela assentiu e desviou os olhos.

Brody relaxou. Não era dele, afinal.

— E agora?

— Interrompi o uso do medicamento depois daquela noite. Por causa dos... efeitos colaterais.

— E tem visto o sr. Per... Greg durante todo esse tempo.

Ela fez um movimento afirmativo com a cabeça.

— Sem usar nenhum método anticoncepcional.

— Não.

As imagens mentais que conseguira banir da mente com esforço heróico voltaram fortalecidas: Cat deitada sobre lençóis macios com um amante sem rosto, acariciando-o, aceitando-o em seu corpo, entregando-se sem reservas ao homem que amava, noite após noite.

Gerando o filho desse homem em seu ventre. E por que estava tão perturbado? O problema não era dele. Era de Cat e do sr. Perfeito. Então, por que tinha a sensação de estar sendo pessoalmente atingido?

— Sua menstruação está atrasada?

— Sim. Há dois meses.

— Dois!

— E meus seios estão doloridos. Não suporto nem pensar em torta de queijo, e sempre adorei torta de queijo.

Cat se mantinha sentada de cabeça baixa, e ele não se lembrava de ter visto alguém mais devastada.

— Oh, céus... — Abraçou-a e disse a primeira coisa em que conseguiu pensar. — Tudo vai dar certo.

— Ha, ha, ha.

Mas Brody sabia que havia dito a verdade, O sr. Perfeito daria uma solução adequada ao caso. Porque era um homem responsável e confiável, um sujeito honrado. A própria Cat fizera questão de ressaltar todas as diferenças entre ele e seu príncipe encantado. Seu namorado não a abandonaria.

Em pouco tempo sua mãe empresarial estaria instalada em uma casa confortável num ponto qualquer do Alasca, talvez num aconchegante iglu de dois andares com uma garagem para dois carros e um flamingo de plástico no portão.

Do outro lado do mundo.

— Ainda não fez o teste? — perguntou.

— Não. Quero esperar até... Apenas quero esperar.

— Esperar mais o quê? Vamos comprar um desses testes rápidos agora mesmo. — E puxou-a pela mão.

— Não.

— Por que não? Precisa ter certeza?

— Terei... quando estiver preparada.

— Pois bem, eu já estou preparado. Há alguma farmácia neste shopping?

Determinado, pegou todas as sacolas de uma só vez, recusando com firmeza sua oferta de ajuda. Comprara coisas pesadas demais para que ela pudesse carregá-las. Estantes de ferro, suportes para livros em mármore preto e outros aparatos domésticos condizentes com o dono da casa em questão, um homem heterossexual. Depois de ouvi-la criticar a decoração do lugar pela quinta vez, chegara a conclusão de que teria de tomar uma atitude, ou ela começaria a suspeitar de sua estranha ligação com as cortinas de renda e os estofados florais em tons de rosa.

Haviam escolhido a mobília no início da semana e comprado tintas e papeis de parede. Cat sugerira que ele trocasse o carpete e contratasse alguém para reaplicar o verniz no piso de madeira. Depois de anos de indiferença, de repente sentia-se ansioso para morar em uma casa que combinava com suas preferências pessoais.

 

Brody bateu na porta do banheiro.

— Por que está demorando tanto?

— Deixe-me em paz!

— Precisa de ajuda?

— Não! Quero ficar sozinha!

Alguns minutos mais tarde ela abriu a porta e saiu aparentando um certo torpor.

— Onde está o... —aquela coisa?

Cat apontou para o banheiro. Brody entrou e examinou o pequeno aparato plástico. Sabia o que aquela coloração indicava: lera as instruções em voz alta para ajudá-la.

— Certo. Agora já sabe. — Virou-se e encontrou o corredor vazio. — Cat? Volte aqui, vamos lidar com isso juntos. — E correu atrás dela. — Cat? — Por que estava se oferecendo para lidar com um problema que não era dele?

Caitlin tinha um namorado. O pai de seu filho. O homem com quem construiria um ninho, uma família, o homem com quem criaria um filho e ao lado de quem envelheceria. O sr. Perfeito.

Encontrou-a no quintal, sentada à mesa de piquenique, folheando uma revista.

Observou-a por alguns segundos antes de sentar-se a sua frente. Ela o encarou e perguntou:

— Vai assar aqueles filés de salmão esta noite? Eu não tentaria guardá-los por mais um dia.

— Sim, acho que... vou prepará-los na churrasqueira.

— Podemos aproveitar para assar espigas de milho na brasa.

— Cat, é inútil fugir do assunto. Ele não vai desaparecer só porque decidiu ignorá-lo.

— Não quero ofendê-lo, Brody, mas o assunto, como você diz, não é da sua conta.

— Está pensando... você sabe. Tem alguma intenção de... de interromper a gravidez?

— Não! — A reserva gelada e o controle de ferro desapareceram em menos de um segundo. — Eu jamais faria tal coisa. Quero este bebê! — E fechou os olhos, temendo ter revelado mais do que julgava conveniente.

— Tudo bem, nenê. Fico feliz por saber que quer esse filho. — O fato de não ter planejado a gravidez não significa... — Segurou as mãos dela sobre a mesa e espantou-se ao senti-las geladas. — Vai ter de contar a Greg imediatamente.

Cat engoliu em seco várias vezes. Os olhos se mantinham fixos na revista. Era um exemplar da People, que ele assinava por razões profissionais, para se manter informado sobre quem estava dizendo o que sobre quem. E Cat odiava aquela revista.

— Eu... vou dizer a ele,

— Esta noite. Ou agora. Pode telefonar para ele daqui.

— Não! Não... Prefiro conversar pessoalmente.

— Esta noite, Cat. Ele precisa saber, porque a partir de agora terá de cuidar de você. A responsabilidade é dele.

Ela o encarou com uma pergunta nos olhos. Gostaria de poder ler sua mente. Cat abriu a boca para falar, mas limitou-se a expelir o ar como um balão furado.

— Não esperava por isso, não é? Devia ter imaginado. Dois meses de atraso, os enjôos...

— Não queria que fosse verdade.

— Negação.

O sorriso que surgiu em seu rosto sugeria cansaço e tristeza.

— Foi o que minha amiga Brigit disse.

— Essa é a mesma Brigit que comprou aquela camisola para você?

Cat fizera questão de esclarecer que a peça escandalosa não fora sua escolha.

— Exatamente.

— Ela parece ser uma mulher muito sensata. Traga-a aqui algum dia. Gostaria de conhecê-la. — Mesmo que fosse prima de Greg, concluiu mentalmente.

— Não creio que esteja preparado para Brigit. Poucas pessoas estão — ela riu.

— Estou falando sério, Cat. — E fitou-a com seriedade. — Vai contar a ele. Esta noite.

 

                         CAPÍTULO VIII

 

— Eu disse a ele — Cat anunciou antes de ser interrogada. Jogou a bolsa sobre a cadeira da sala e respirou fundo, tentando controlar o estômago revoltado. — O homem da empresa de renovação de pisos telefonou?

— E... — Brody fez um gesto impaciente.

— Quer que eu repita uma conversa íntima?

— Sim. E com todos os detalhes.                

— Lamento desapontá-lo, mas este assunto só interessa a ruim. E a Greg. — E dirigiu-se á cozinha. — Espero que ainda tenha aquelas bolachas salgadas.

— Comprei mais três pacotes para você. E um litro de leite.

Ela tirou um pacote de bolachas do armário

— Comprou leite para mim? Por quê?

— Grávidas não precisam beber leite?

— Não sei. Nunca estive grávida antes.

— Esta é uma das perguntas que vai ter de fazer ao seu médico. Marcou uma consulta?

— Quer parar com isso? Está invertendo os papéis. Sou eu quem recebo um salário para cuidar de você.

Brody abriu a geladeira para pegar o leite.

— Não marquei uma consulta. Ainda nem escolhi...

— A data do casamento.

A bolacha que ela segurava partiu-se ao meio.

Brody acrescentou:

— A menos que queira entrar na igreja usando um vestido de gestante, sugiro que se apresse.

— Quem disse que vamos nos casar?

— É claro que vão se casar!

— Não me lembro de ter dito isso.

— Mas ele a pediu em casamento, não? Quero dizer, Greg pretende se casar com você.

— Não discutimos esse assunto.

— Espere um minuto! Não é assim que se faz. O homem a engravidou. Ele tem o dever moral de se casar com você.

— Dever? Estamos entrando no século vinte e um, Brody. Sou uma mulher adulta, auto-suficiente. Não tem de ser assim.

— Ele deve fazer o que é correto!

Cat ficou sem ação. Finalmente perguntou:

— Você faria?

— O quê?

— O que é correto. Se engravidasse uma mulher, se casaria com ela?

A pausa prolongada foi uma resposta eloqüente. Cat lamentou ter indagado antes mesmo de ouvi-lo dizer:

— Graças a Deus nunca tive de decidir. E só está me interrogando para mudar de assunto. Não estamos falando sobre mim, mas sobre o homem que a colocou nessa situação. Onde ele está? Quero ter uma conversa com esse sujeito e esclarecer...

— Não! Você enlouqueceu, Brody? Ouviu o que acabou de dizer?

O nome dele é Greg Bannister, certo? Só preciso saber em que hotel está hospedado. Ou ele está na casa de Brigit?

— Não quero me casar.

— Se o pai de seu filho houvesse feito o pedido, aposto que teria mudado de idéia. É seu orgulho que a impede de admitir...

— Meu Deus... — Cat debruçou-se sobre o móvel e enterrou a cabeça entre as mãos.

— No fundo, é isso que você quer. É disso que você e o bebê necessitam.

Depois de alguns momentos Brody aproximou-se e segurou seu rosto entre as mãos. Sua expressão era sincera quando disse:

— Esse homem não a merece, Cat. Ele não é digno de uma mulher amorosa e boa como você.

Mesmo que quisesse, não teria sido capaz de responder, porque as palavras não teriam tido forças para ultrapassar o nó que se formara em sua garganta. Os dedos acariciavam seu rosto e ele sorria com tristeza.

— Talvez a notícia o tenha chocado. Ele vai acabar ouvindo a voz da razão.

Cat respirou fundo e afastou-se devagar.

— Não importa. Estou preparada para criar meu filho sozinha.

— Não devia ter de...

— Ter apenas o pai ou a mãe não é a pior coisa que pode acontecer a uma criança. — Sentou-se e foi invadida por uma onda de fraqueza.

Brody colocou o copo de leite diante dela e ficou em pé do outro lado da mesa.

— Mas também não é a melhor. Toda criança merece um lar de verdade.

— Meu filho terá um...

— Com o pai e a mãe.

— Eu tive pai e mãe. E acredite, preferia não ter tido.

Brody refletiu sobre a informação antes de sentar-se,

Cat levantou as mãos.

— Não queria tocar neste assunto.

— Agora que começou, é melhor ir até o fim.

Já sabia que era inútil tentar esconder alguma coisa de Brody Mikhailov. Se quisesse, ele descobriria o paradeiro de Jimmy Hoffa com um ou dois telefonemas.

Olhou para a cafeteira que produzia um aroma envolvente e tentador.

— Não vai tornar café — ele avisou, apontando para o copo de leite. — E também não vai mais beber vinho. E se precisar levantar algum tipo de peso, espere por mim.

— Vai passar as próximas duas semanas se comportando desse jeito?

— De que jeito? Tomando todas as medidas para que cuide de si mesma e do seu bebê?

Seu bebê. Cat sentiu um aperto no peito.

— Não preciso de ninguém para me cuidar como devo.

— Ah! Você nem teria certeza sobre a gravidez se eu não houvesse comprado o teste! Beba o leite.

— Você encheu o copo. — E bebeu um gole.

— Eu sei. Voltando à história sobre seus pais...

— Brody, por favor!

— Contei todo meu passado. Revelei coisas que nunca havia dito a ninguém. Agora é sua vez de falar.

— É só uma história comum. Meus pais se divorciaram.

— Quantos anos você tinha?

— Oito.

— É uma idade difícil para enfrentar um problema tão sério.

— E por acaso existe uma idade em que esse tipo de drama se torna mais fácil?

— Tem irmãos?

— Não. Meus pais se tratavam com desprezo desde que posso me lembrar, muito antes da separação. Houve uma batalha terrível pela custódia. Embora fosse só uma criança, sabia que nenhum dos dois me queria de verdade. O que realmente desejavam era ferir um ao outro.

— E a usaram para isso.

Agora que começara a falar, as lembranças fluíam como um rio caudaloso.

— Eles gastaram tudo que tinham com advogados. O juiz avisou que levar o caso aos tribunais seria a maneira mais rápida de acabarem com tudo que possuíam, mas eles se recusaram a ceder. Era mais importante se destruírem do que salvarem o pouco que possuíam. No final não sobrou nada. Nem mesmo a casa.

Brody permaneceu em silêncio, e Cat sentiu-se grata por isso. Jamais havia superado a terrível disputa entre os pais. Ainda convivia com a dor e a confusão que conhecera na infância. O ódio irracional e destrutivo dos pais deixara marcas profundas que nunca conseguira apagar.

— Como pode ver — concluiu com voz trêmula — sei o que estou dizendo. É melhor ter apenas um pai ou uma mãe, desde que amoroso e atento, do que... conviver com os dois numa atmosfera de ódio e ressentimento.

— Fala como se o divórcio fosse a única alternativa. É isso que pensa? Que você e Greg não seriam capazes de fazer um casamento dar certo?

— Conhece as estatísticas?

— As estatísticas também mostram muitos casais que vivem juntos há anos, felizes como no início.

— Parece ser um fã ardoroso da bênção nupcial. Por quê? — Imediatamente lembrou-se do que ele havia contado sobre a própria infância. — Tudo bem, existem coisas piores do que fazer parte de uma família destruída. Mas tem de admitir que eu... não sou como sua mãe.

— É verdade, não é. Seu filho jamais terá de passar pelas coisas que enfrentei. Por isso mesmo, caso seu casamento com o pai dessa criança não dê certo, você não vai transformar o divórcio no mesmo show de horrores que seus pais protagonizaram. Muitas separações são civilizadas. Até amigáveis.

Cat nunca pensara no assunto sob esse ângulo. Ele estava certo. Se algum dia tivesse de enfrentar um divórcio, pensaria primeiro nos filhos. Jamais permitiria que a situação escapasse ao seu controle.

— Seus pais foram egoístas e baixos. Greg também é assim?

— Não s... É claro que não. Está mesmo ansioso para me ver casada, não? — Não sabia o que mais a aborrecia. Brody, por tentar jogá-la nos braços de um amante fictício, ou ela mesma, por se incomodar com isso.

— Só estou tentando defender meu ponto de vista, Cat. Acredito que uma criança precisa do pai e da mãe e do compromisso de uma família.

— Está procurando seus cigarros? — ela perguntou, vendo-o apalpar os bolsos e olhar em volta. — Acho que vi o maço em cima da geladeira. O que ele está fazendo lá, a propósito?

— Oh, eu esqueci... Deixei o maço sobre o refrigerador para lembrar-me de não fumar perto de você.

— Brody, esta casa é sua! Tem todo o direito de...

— Agora quer que eu fume?

— Eu não disse isso! É claro que não quero que fume!

— Então, qual é o problema?

Discutir com Brody era cansativo, e não dispunha de energia para desperdiçar.

— Faça o que quiser — disse. Depois lembrou-se de que os pintores começariam a trabalhar no segundo andar naquele dia. — Não vai limpar a mesa da sala de jantar para poder trabalhar nela?

— Adiei a pintura por algumas semanas.

— Por quê? Pensei que estivesse ansioso para ver sua casa pronta.

— Não é bom para você inalar o cheiro da tinta.

— Oh, não! Não pode organizar sua vida em torno da minha gravidez. É claro que existe uma solução... Podemos desistir de tudo agora. Telefone para Nana e diga que não precisa mais de mim.

— Odeia trabalhar para mim, não é?

— Não é isso. — Impulsos conflitantes a bombardeavam: o desejo de fugir e proteger seu segredo, a necessidade quase irresistível de contar a verdade e expor os anseios de um coração tolo e iludido. Você vai ser pai. Fique comigo e me ajude a criar nosso filho. Mesmo que dissesse que o filho era dele, Brody já havia revelado que não queria ser pai.

— A verdade é que este trabalho gera um certo desconforto. E você sabe por quê.

— Pensei que as coisas houvessem mudado entre nós nessas últimas semanas. Quero dizer, estamos nos dando bem, não?

Ele tinha razão. Tudo havia mudado entre eles. Passaram todos os dias úteis do último mês e meio juntos, comendo, trabalhando, realizando tarefas domésticas e descansando. Vivendo juntos, praticamente. Conseguiram estabelecer uma ligação profunda e estável, fundamental. Cat tentara dizer a si mesma que era inevitável, dada a convivência forçada e próxima, mas não podia mais enganar-se. Era mais que isso.

Estaria mentindo se dissesse detestar a companhia de Brody, porque era com alegria que percorria a longa distância entre sua casa e a dele todas as manhãs. Chamar o arranjo de incômodo era hilário. Mas nenhum dos dois estava rindo. Em circunstâncias diferentes, poderia ter se apaixonado por Brody Mikhailov. A idéia a enchia de pavor.

Na verdade, precisava afastar-se de Brody justamente por causa dessa intimidade crescente, não por sentir-se incomodada em sua companhia. Sentia-se até confortável demais. Era muito bom estar com ele, muito certo. Seu futuro e o de seu filho dependiam de sua capacidade de seguir o plano original. Brody havia feito sua parte, embora não soubesse disso. Em duas semanas e meia teria de sair da vida dele sem olhar para trás.

Cat encarou-o decidida, mantendo as mãos unidas e cerradas sobre as pernas.

— Não peça a Nana para prorrogar meus serviços novamente, Brody. Caso contrário, serei obrigada a me recusar a cumprir o contrato. Mesmo que para isso tenha de abrir mão do meu emprego.

Uma sombra desolada passou pelos ombros dele. Em seguida os traços se tornaram duros. Cat lembrou a criança indefesa, solitária e negligenciada que ele havia sido e fez um esforço para sustentar o olhar. Ser rejeitado pela mulher que havia sido contratada para agir como sua mãe, mesmo que empresarial, devia despertar lembranças amargas.

— Não se preocupe — ele disse enquanto se levantava. Faço questão de lhe dar uma carta de referência. Seu emprego estará seguro, mas... por quanto tempo? Já decidiu o que vai fazer quando Nana perceber que sua principal empregada não é o modelo de pureza que ela imaginava?

— Eu... ainda não pensei nisso. Mas tenho certeza de que conseguirei outra coisa... outro tipo de trabalho... até o bebê nascer.

— Mas quanto tempo acha que vai poder... — Ele se deteve e empurrou a cadeira para baixo da mesa com força maior do que a necessária. — Como disse antes, o problema é seu. Mas, no seu lugar. estaria tentando me certificar de que o pai dessa criança vai assumir todas as responsabilidades. Isso é tudo que vou dizer.

 

                                 CAPITULO IX

 

Brody cumpriu a promessa. Nos nove dias seguintes, não voltou a interrogá-la quanto aos planos para o futuro e limitou-se a monitorar sua alimentação, convencendo-a a descansar um pouco todas as tardes e a marcar uma consulta com um obstetra, que decretou sua gravidez normal e livre de complicações.

Instalara um aparelho de ar condicionado para tomar as últimas semanas de Cat em sua casa mais confortáveis. Os cigarros permaneciam em cima da geladeira, a vodca, no congelador, e a cafeteira não era ligada, pelo menos do meio-dia às oito, quando sua mãe empresarial estava por perto. Cat o acusava de super proteção, mas alguém precisava cuidar dela!

Brody passara a fumar bem menos, um ou dois cigarros pela manhã, e outros três à noite, enquanto trabalhava em Demonic!, o livro sobre os Demônios, o famoso time adorado por milhões de fás. O que revelaria naquelas páginas seria digno do ódio de todos os jogadores, dirigentes e torcedores.

Pois que o odiassem. Preferia enfrentar o time inteiro de uma só vez a ter mais um pesadelo com aquela horrível foto do corpo inerte de Serena Milton.

Mas tinha de admitir que não estava realmente envolvido com o trabalho. O gosto pela fofoca arrefecera nas últimas semanas, e de repente descobria que não tinha mais estômago para ex-esposas amarguradas, rivais ressentidos e empresários traídos, suas maiores fontes de informação. A notoriedade que tanto perseguira começava a perder seu poder de sedução.

Mas não permitiria que a recente aversão prejudicasse sua carreira. Tinha uma reputação a proteger, dinheiro para ganhar... Ainda não havia chegado o momento de escrever historinhas de salão.

Ultimamente, no entanto, começara a distanciar-se de Jake Beckett, seu infame alter-ego, o escritor medíocre e inescrupuloso sem nenhum vestígio de decência ou humanidade.

Jake Beckett tomara-se mais que o pseudônimo de Brody Mikhailov; era quase uma personalidade distinta, uma entidade cuja mente corrosiva Brody tinha de invocar com fervor quase religioso cada vez que se sentava para escrever o novo livro.

Ouviu o som do chuveiro lá em cima e atormentou-se com a imagem de Cat lavando a areia da praia do corpo, aquele corpo adorável que conhecera no escuro, mas jamais vira.

Quando sugerira que ela levasse um traje de banho para irem a Jones Beach, imaginara um biquíni sedutor e ousado, mas Cat optara por um maiô simples e discreto. E mesmo assim, não conseguira tirar os olhos dela. Cat havia aplicado filtro solar em seu corpo, mas só permitira que ele retribuísse o favor na pequena porção de pele exposta pelo recorte do maiô em suas costas. O resto ela fizera sozinha.

Brody já havia tomado banho e vestido um short de brim. Sentado no sofá, com uma revista aberta sobre os joelhos, ouviu o som da água correndo pelo velho encanamento e refletiu sobre o que sentia. O fato de Cat estar grávida, sobretudo de outro homem, devia servir para desestimulá-lo, mas ainda a desejava com o mesmo ardor. Talvez isso mudasse quando ela começasse a exibir uma barriga maior.

Então lembrou-se que não a veria crescer com o passar dos meses. Nunca mais veria Cat depois da próxima semana.

Uma estranha opressão o impediu de respirar. Embora o sr. Perfeito houvesse se tornado o sr. Decepção, Cat ainda o amava. Caso contrário, por que estaria tão determinada a evitar outra prorrogação do contrato que os unia? Ele era a personificação de seu horrendo engano, a lembrança constante de como traíra sem querer o canalha por quem estava apaixonada.

Podia desafiá-la e tentar contratá-la por mais um mês. Ou dois, três... Um ano. Cat teria mesmo coragem de manter a palavra e se recusar a cumprir os novos contratos? Provavelmente. Estava tão aborrecida que seria capaz de contar toda a verdade a Nana, só para deixá-lo sem argumentos.

Não que tivesse alguma intenção de falar a alguém sobre aquela noite no apartamento da agência. Houve um tempo em que a teria delatado a Nana sem nenhum constrangimento, mas agora tudo mudara. Não podia fazer tal coisa com Cat, e não só porque ela perderia o emprego. Odiava pensar em como a pobrezinha ficaria embaraçada se sua respeitada empregadora descobrisse o que andara fazendo.

Mas Cat não sabia que a ameaça jamais seria cumprida, e nem pretendia permitir que ela soubesse. O temor de ser demitida era tudo que a impedia de sair de sua casa e de sua vida, pelo menos até a próxima semana.

E depois? Brody estava tentando pensar em uma forma de mantê-la a seu lado durante o outono, talvez também no inverno, quando a resposta o atingiu bem no centro da cabeça. O som do chuveiro cessou. Sim, ainda era um bastardo egoísta, mas pelo menos passara da coerção à manipulação inofensiva.

Um baque surdo e um grito interromperam a reflexão. Brody subiu a escada aos saltos e parou na porta do banheiro.

— Cat! — chamou. — O que aconteceu?

Sem esperar por uma resposta, empurrou a porta e entrou. Através do vidro embaçado da porta que limitava o espaço da banheira e do vapor que pairava no ar, viu que ela estava dobrada ao meio. O pânico levou-o a abrir mais uma porta.

Ela ergueu o corpo e soltou o pé que estivera segurando.

— Brody! Saia daqui!

— Está machucada?

— Dê-me a toalha — exigiu.

Não sabia o que havia acontecido ali, mas não fora o bastante para fazê-la esquecer a modéstia e a compostura.

Só então parou e realmente olhou para Caitlin. Em pé na banheira, nua e ensopada, ela exibia uma expressão furiosa. Não fazia nenhuma tentativa de cobrir-se com as mãos, mas mantinha-se ali, altiva e imponente, esperando que um milagre o transformasse em um cavalheiro.

— Meu Deus... Você é tão linda!

A expressão mudou. Emoções variadas desfilaram por seus olhos azuis. As mãos finalmente tentaram cobrir certas partes do corpo. Brody segurou-as com um misto de firmeza e ternura.

Ela tinha a pele pálida de uma ruiva, e exibia uma coloração rosada em todas as partes que o maiô não conseguira esconder do sol. O corpo não correspondia aos ideais de beleza feminina. Cat não era magra, não exibia as costelas nem possuía músculos definidos. Mas, para ele, era perfeita, cheia de curvas suaves e sedutoras. Feminina. Desejável.

— Solte-me.

Em vez de atender ao pedido ele a tomou nos braços e tirou-a da banheira, lembrando-se do que o levara ao banheiro. Deixou que ela se cobrisse com a toalha que havia pendurado em um gancho perto da porta de vidro e olhou para um de seus pés.

— O que aconteceu? — perguntou.

— Derrubei o vidro de xampu em meu pé quando fui devolvê-lo à prateleira.

O vidro era pesado, a prateleira de produtos de higiene pessoal, alta. Uma mancha vermelha cobria parte de seu pé, anunciando o hematoma que viria em seguida. Terno, Brody abaixou-se para massagear a região ferida.

— Não foi nada.

A voz trêmula o fez erguer os olhos, que passaram pelos tornozelos, pelos joelhos, pelas coxas, adivinharam tudo que a toalha cobria, o que não era muito, e chegaram ao rosto perturbado. Sabia que as lembranças que a atormentavam eram as mesmas que haviam tirado seu sono em muitas noites nos últimos dois meses.

— Não deve nada a ele — disse.

Cat abriu a boca para falar, as palavras morreram em sua garganta.

— Nada — ele repetiu, apoiando um joelho no chão enquanto a colocava sentada sobre o vaso sanitário. Devagar, colocou o pé dela sobre sua perna e acariciou o tornozelo, subindo devagar.

Mais uma vez, Cat moveu os lábios sem emitir um único som. O apelo estava estampado em seus olhos.

— Vai ter de falar, Cat. Se quer que eu pare, terá de dizer. — As mãos continuavam subindo devagar. Uma delas já havia alcançado a coxa torneada e tentadora. — Quer que eu pare? Só precisa dizer.

Era um prazer acompanhar as emoções contraditórias que passavam por seu rosto. Cat não entregara tudo ao sr. Perfeito. Preservara uma pequena parte de si mesma, e era essa porção que o atraía como o canto de uma sereia.

— Também pensa naquilo, não é? — Brody perguntou enquanto a tocava. — Naquela noite. No que fizemos no escuro. Não quer pensar, mas não consegue evitar as lembranças.

— Não... não devia ter acontecido.

— Mas aconteceu... e foi maravilhoso. — Os dedos desapareceram sob a toalha e encontraram um pequeno paraíso úmido e quente. — E sei que pensa no que fizemos todas as noites, quando está sozinha. Talvez toque seu corpo como estou fazendo agora...

Cat fechou os olhos. A respiração se tornava mais difícil, ofegante, e os dedos que seguravam a toalha traíam a tensão que a dominava.

Os dedos encontraram o centro de todas as sensações naquele corpo perfeito e sinuoso. Cat emitiu um gemido aflito, e todas as barreiras caíram por terra.

Brody quase nem se deu conta de tê-la colocado contra a bancada da pia e retirado a toalha de sobre seu corpo. Era impelido pela urgência. Era como se o próximo suspiro, o próximo minuto de vida dependesse daquela união íntima e tão desejada.

Na primeira vez não pudera vê-la, mas agora era diferente. E o que via o deixava aturdido e fascinado. Euforia. Vulnerabilidade. Confiança.

Se houvesse sido capaz de vê-la naquela noite, teria se apaixonado imediatamente. O coração galopava com a constatação, embora a mente tentasse negá-la.

Cat pertencia a outro homem. Estava esperando um filho de outro homem. Não tinha o direito de amá-la.

Desesperado, beijou-a com ardor e angústia, consciente de que aquela união física, aquele encontro fugaz e breve, embora intenso, era tudo que podia esperar.

Quando sentiu que ela estava à beira do clímax, fitou seus encantadores olhos azuis e teve a satisfação de notar que ela sustentava o olhar. Explodiram juntos numa sucessão de espasmos intensos, num alívio violento que era ao mesmo tempo gratificante e assustador.

E mesmo então, era como se não pudessem interromper aquela troca de olhares tão cheia de significados.

 

                                          CAPITULO X

 

— Não deve se sentir culpada. — Estavam na cama, abraçados, cobertos apenas por um lençol e banhados no sol vespertino que entrava pela janela do quarto. — Ele não merece fidelidade.

— Não quero falar sobre isso.

— Sabe de uma coisa? Eu mesmo me casaria com você, não fosse a certeza de que vai estar bem melhor sem mim.

Cat respirou fundo para conter as lágrimas.

— É duro demais com você mesmo, Brody.

— Não. Apenas reconheço meus defeitos.

— Por isso nunca se casou? Tem medo de não ser um bom marido ou um bom pai?

— Acho que esse é um papel que deve ser deixado para aqueles que sabem como desempenhá-lo.

— Tenho certeza de que você também saberia.

— Está tentando dizer que aceita? Posso comprar as alianças?

Mesmo sabendo que o pedido era apenas uma brincadeira, Cat não conseguiu sufocar uma onda de esperança. Sabia que devia dar o assunto por encerrado, mas era impossível.

— Por que acha que não tem a habilidade necessária para ser um bom pai?

— Porque somos todos produtos de nossa criação, e a minha não incluiu um modelo de paternidade.

— Espere um minuto. Meus pais estavam muito longe da perfeição, e mesmo assim você parece acreditar que serei uma boa mãe.

— É diferente. Você tem o instinto maternal, a habilidade natural.

— Nunca troquei uma fralda em toda minha vida.

— E daí?

— Estou apavorada. Acho que vou desmaiar quando tiver de banhar o bebê pela primeira vez.

— Bobagem. Logo estará rindo de todos esses temores.

— Quem o ensinou a dar banho em Spot?

Brody deu uma gargalhada.

— Não há nenhum segredo em lavar um cachorro.

— Está brincando? E quanto à inspeção de pulgas e parasitas? As unhas, as orelhas, a escova...

— São apenas cuidados essenciais.

— E todas aquelas idas ao veterinário? Você parecia ansioso como um pai estreante.

— É um cachorro, Cat. Não pode compará-lo a um bebê.

— E quanto a mim?

— O que tem você?

— Tem cuidado de mim como se eu fosse um bibelô de cristal.

— Não pode comparar esse tipo de atenção aos cuidados que se deve dispensar a um bebê, um ser humano indefeso e dependente.

— Acho que disse algo parecido quando você decidiu que eu seria uma ótima mãe por causa de minha experiência profissional. A verdade é que todos temem a responsabilidade que é imposta pela paternidade, e acho que essa e uma atitude saudável. Ela nos faz permanecer atentos.

— Aprecio o voto de confiança, mas nós dois sabemos que tipo de pai eu seria.

Cat ficou em silêncio. Estava mergulhando na armadilha que tanto tentava evitar. Tentando convencer-se e ao pai de seu filho de que ele tinha o que era necessário para ser um bom pai. Havia sido difícil ater-se ao raciocínio lógico enquanto ela mudava todo seu estilo de vida para acomodá-la melhor. Agora que cedera ao desejo e fizera amor com ele...

Felizmente restava apenas uma semana.

— Talvez eu... deteste admitir que algumas pessoas são como causas perdidas. Gosto de pensar que qualquer um pode ser um pai, desde que queira.

 

A campainha e os latidos de Spot o acordaram de um sono profundo na manhã seguinte. Brody abriu os olhos e sentiu a cabeça doer.

A sala do computador. Acabara adormecendo no chão, pouco antes do amanhecer, abraçado a uma garrafa de vodca e a um livro chamado Guia Completo da Amamentação. Virou-se de lado e conseguiu derrubar o cinzeiro com o ombro. Cinzas e pontas de cigarro atingiram seu rosto e a camisa branca que vestira no dia anterior, pouco depois de ter feito amor com Cat.

A campainha soou novamente. Spot continuava latindo. Brody levantou-se e teve de agarrar-se à cadeira quando a sala girou e escureceu. Olhou para o relógio digital e tentou enxergar os números luminosos: dez horas e dezessete minutos. Quem poderia estar batendo em sua porta em uma hora tão inoportuna?

Dormir no chão fora uma maneira eficiente de destruir partes de seu corpo inacessíveis à vodca. Era como se sentisse dores em todas as células, em cada terminação nervosa. Mesmo assim desceu a escada, atravessou a sala e abriu a porta para a varanda interna.

— Saia daqui — disse ao cachorro.

Como sempre, o animal se recusou a obedecer e ele abandonou o assunto. Não estava com disposição para uma sessão de adestramento.

Irritado, abriu a porta.

— O que é?

O estranho parado em sua soleira não se abalou com a demonstração de hostilidade. Devia ter sua idade, era tão alto quanto ele e usava os cabelos claros longos, amarrados à nuca por um elástico frouxo. Ele vestia uma camiseta com os dizeres Humano Instantâneo: Acrescente Uma Xícara de Café, uma bermuda de tecido cru e sandálias de couro marrom.

— Você é Brody Mikhailov?

— Eu mesmo. — E bateu nos bolsos vazios. — Tem um cigarro?

— Meu nome é Greg Bannister.

O sr. Perfeito!

Felizmente ainda estava um pouco embriagado.

Cat devia ter contado tudo ao namorado. Brody recuou um passo e levantou as mãos.

— Escute aqui, é melhor me ouvir antes de... — Bannister entrou e fechou a porta.

— Estou ouvindo.

— A culpa foi toda minha. Não posso culpá-lo se quer esmurrar meu nariz, mas não faça nada contra Cat.

Bannister pôs as mãos nos bolsos.

— Continue.

Brody leu novamente a mensagem na camiseta do visitante.

— Quer tomar um café?

— Por que não? Estou precisando de um pouco de cafeína.

Os dois homens dirigiram-se à cozinha. Lá, enquanto preparava a cafeteira, Brody perguntou:

— Até onde ela contou?

O namorado de Cat sentou-se com uma desenvoltura invejável para a situação.

— Acho que prefiro ouvir sua versão.

Então o sr. Perfeito queria comparar versões, desmascarar mentiras. Cat devia ter feito um relato honesto e completo para livrar-se da culpa que a atormentava.

Brody ligou a cafeteira e pegou duas xícaras no armário.

— Bem, ela deve ter explicado que vivemos uma... comédia de erros. Na primeira vez. A verdade é que Cat nunca teve a intenção de enganá-lo. Mas estava escuro, e no meio do blecaute ela pensou que eu fosse você. Foi um caso típico de erro de identidade.

— E na segunda vez?

— Bem, na segunda vez... a culpa foi sua.

— Minha?

— Se houvesse agido de acordo com o código moral, ela já teria deixado o emprego para ir morar com você no Alasca, e então não teríamos...

— Espere um minuto. Código moral? Do que está falando?

— De casamento. Se houvesse pedido Cat em casamento, a segunda vez não teria acontecido.

— E a terceira?

— Não houve uma terceira vez. — Ainda não.

— E acha que devo me casar com ela?

Maldição, não!

— Maldição, sim!

— Não sei... — Bannister coçou o queixo enquanto refletia. — Na primeira vez houve um erro de identidade. E depois aconteceu a segunda vez. O que faria se estivesse em meu lugar?

Não podia dizer o que estava pensando. Não podia pensar o que estava pensando. Não podia confessar que, no lugar de Bannister, não a deixaria escapar.

— O que eu faria não vem ao caso — disse. — Afinal, não fui eu quem a engravidou.

Greg riu.

— Cat está grávida? Que maravilha!

— Ei, espere um pouco. Ela disse que havia contado tudo e... Então não. sabia?

— Não, mas estou muito feliz por ela. Sei como ela queria esse filho. Brigit não me disse nada. Ela só me contou que Cat estava trabalhando para você e me deu este endereço. A propósito, Cat está aqui? Gostaria de parabenizá-la.

Brody não conseguia mais acompanhar a conversa.

— Escute aqui, por que não esmurra meu nariz de uma vez e me deixa voltar ao coma?

Bannister levantou-se.

— Esqueça o café. Vejo que está precisando de um bule só para você. Cat não está?

— Não. Ela só chega ao meio-dia.

— Que pena. Diga a ela que estive aqui. Queria marcar um novo encontro, mas vejo que não sou mais necessário.

— Encontro? Não é mais necessário? Do que está falando, homem?

— Da gravidez de Cat. Parece que ela conseguiu o que queria sem minha ajuda. Erro de identidade! — Que piada!

Por que e sujeito estava rindo?

— Quer dizer... que não é o pai?

— Não sei o que ela lhe contou, mas só encontrei Cat uma vez, e isso foi há vinte anos. Ela e minha prima Brigit telefonaram para mim há alguns meses para marcar um encontro, quase uma consulta, já que o único objetivo seria engravidá-la. É claro que fiquei ansioso e entusiasmado. Cat sempre foi atraente, apesar dos óculos, mas acabei ficando preso em Boston por causa do blecaute e...

— Cat queria engravidar?

— Sim, ela queria muito. Mas acho que nunca encontrou um homem com quem quisesse construir uma vida, e por isso optou pelo que chamam de produção independente.

Naquela noite Cat tinha planos para engravidar. Mentira sobre estar usando anticoncepcionais. Brody sentiu a boca seca. Os ouvidos apitavam.

Bannister continuou:

— Escute, estava apenas me divertindo um pouco. Você começou a falar sobre coisas interessantes, e não resisti à curiosidade. É claro que adoraria conhecer todos os detalhes, mas posso arrancá-los de Brigit.

— Greg, será que pode me fazer um favor? Não conte a Brigit que esteve falando comigo. — Cat acabaria sabendo, e precisava de tempo para assimilar o que ouvira.

— Tudo bem. — Rindo, Greg bateu nas costas dele como se fossem velhos amigos. — Erro de identidade! Adoraria ficar e ouvir a versão de Cat, mas tenho de me apressar.

 

Brody estava sozinho há uma hora, pensando em tudo que ouvira, e ainda não conseguira superar o choque. Então seria pai!

Nunca havia planejado ter filhos. Nunca os quisera, porque considerava a missão mais adequada àqueles que haviam sido criados em ambientes normais, que haviam aprendido a amar.

E, com a mesma intensidade que rejeitara a idéia da paternidade, Cat desejara ser mãe. Desejara tanto que aceitara deitar-se com um sujeito que mal conhecia a fim de engravidar. Mas ficara perturbada quando descobrira a gravidez, tanto que negara os sintomas por semanas.

Não queria que fosse verdade.

Oh, sim, ela queria aquele filho. Só não queria que ele fosse o pai. O “horrendo engano” deixara uma semente, ela tentara ignorar o fruto até que brody a obrigara a reconhecê-lo.

Cat devia ter tanta certeza quanto ele de que seria um péssimo pai.

Talvez não goste de admitir que algumas pessoas são como causas perdidas.

Sim, esse era ele. Brody Mikhailov, a causa perdida.

Até pouco antes invejara Greg Bannister, não só pela devoção incondicional de Cat, mas pela iminente paternidade que o ligaria para sempre à mãe de seu filho. Com Bannister fora de cena, devia ser capaz de enquadrar-se naquele mesmo cenário. Mas, sem a devoção e o amor, nada mais se encaixava.

Cat não o queria. Fizera de tudo para afastá-lo, desde inventar um amante até esconder que esperava um filho dele.

Devia desprezá-la por isso, mas como poderia? Ela fazia o que sabia ser melhor para seu bebê, algo de que jamais poderia acusá-la. Deus sabia que não fizera nada para convencê-la de que era um ser humano digno e decente. Com suas mentiras e evasões, Cat colocava diante dele uma saída fácil, e a atitude mais sensata seria aceitá-la.

Então era isso. Deixaria que ela fosse embora e criasse seu filho sozinha. Permitiria que aquela criança crescesse sem saber quem era seu pai, como ele jamais conhecera o homem de quem herdara a vida. Cat acabaria encontrando alguém com quem quisesse construir um futuro, e seu filho chamaria outro homem de pai.

— Só se for sobre o meu cadáver!

 

                         CAPÍTULO XI

 

— Está escrevendo uma historinha? — Cat perguntou ao ver as anotações que ocupavam cada espaço da sala do computador.

— Não fale assim! — Brody tirou os óculos de leitura e exibiu os olhos vermelhos e inchados. O rosto era pálido sob o bronzeado, e se não o houvesse encontrado trabalhando ao chegar, um fato inusitado, Cat teria jurado que ele estava de ressaca.

— Está doente? — perguntou, notando a barba feita, os pés calçados e os cabelos úmidos.

— Estou ótimo.

Os recortes de jornais giravam em torno do que Brody chamava de interesse casual, ou hobby. Jerry Lewis, Robin Williams, Woody Allen, os Irmãos Marx...

— Por que o espanto? — ele perguntou. — Foi você quem sugeriu um livro sobre os grandes comediantes. Para dizer a verdade, eu mesmo estava pensando nisso há algum tempo. Quando o projeto Banner Headline fracassou, decidi começar a reavaliar minha carreira.

— E quanto ao livro sobre os Demônios?

— Posso retomá-lo a qualquer momento.

— Já falou com Leon sobre isso?

— Está tentando me desanimar?

— Não, eu... É que é tudo tão repentino...

— Está desconfiada, não é? As pessoas têm o direito de crescer, explorar novos horizontes e expandir seu potencial.

— Desculpe. Tem razão. Esqueça o que disse, está bem? Precisa de ajuda?

Brody tocou que ela mantinha a mão sobre o estômago.

— Está enjoada outra vez?

— Um pouco. Nada que um pouco de chá de hortelã não possa resolver.

— Vou preparar.

— De jeito nenhum! Você está... — Mas ele já havia descido.

Na cozinha, Cat o viu preparar a bebida usando a última embalagem individual de chá. Foi jogar a caixa vazia no lixo e parou diante da cena surpreendente. Lá dentro, entre cascas de ovos e bananas, havia um maço de cigarros fechado e outro pela metade. Olhou para a geladeira e não viu o pacote que ele costumava deixar ali.

Brody desistira de fumar. Estranho... A mudança de hábito teria alguma relação com o desejo de expandir seu potencial e explorar novos horizontes? Que outras surpresas ainda teria?

Sem dizer nada, abriu o freezer e procurou pela garrafa de vodca que estava sempre ali. Nada. De onde viera todo aquele desejo de melhorar? E quanto tempo duraria?

— Ainda não respondeu. Posso ajudar com o novo projeto?

— Tenho outra coisa em mente para minha mãe empresarial. — Brody serviu o chá e foi buscar folhas de papel e recortes em uma das gavetas.

Ao vê-los sobre a mesa, Cat constatou que a coleção era formada por páginas de revista, pedaços de jornais, folhas de caderno e alguns guardanapos de papel.

— O que é isso?

— São receitas. Tudo que acumulei ao longo da vida. Nunca pensei em organizá-las, mas agora que você me convenceu a cozinhar, tenho encontrado uma certa dificuldade para manusear esses papéis velhos.

— Onde conseguiu tudo isso?

— Com os companheiros de pôquer e pescaria, com pessoas que entrevistei ao longo dos anos, amigas... As espanholas são de Leon e Mercedes. Eles são ótimos cozinheiros.

— E como espera que eu as organize?

— Mercedes me deu um programa de computador próprio para o registro de receitas. É possível calcular os dados nutricionais dos pratos. Minha idéia era passar todas elas para o computador. Afinal, não é um trabalho pesado.

— É claro — ela sorriu. — E talvez eu possa aproveitar para fazer uma cópia do que julgar interessante. Sabe, Brody, com todas essas receitas, você poderia mesmo escrever um livro de culinária.

— Obrigado, mas prefiro as historinhas. Por enquanto...

 

Cat parou na entrada da sala de jantar de Brody.

— O que aconteceu aqui? Ele acendia três velas presas em um castiçal de ferro colocado entre os dois lugares postos de maneira formal. Ela mesmo o ajudara a escolher os pratos de porcelana e o jogo americano. A mesa brilhava, e o aroma de cera para móveis misturava-se ao perfume delicioso que vinha da cozinha.

— Levei todas aquelas caixas com livros para o quarto de hóspedes. Achei que seria agradável ter de volta minha sala de jantar.

— Por isso fez tanto barulho na escada. — Passaram parte do dia trabalhando juntos, ela registrando as receitas, ele organizando os dados para o novo livro. Brody saíra da sala do computador algumas horas antes do final da tarde, e agora Cat compreendia porquê. — Fez um bom trabalho. De onde vem esse cheiro delicioso?

— Comida chinesa. Frango xadrez e arroz com frutos do mar.

— Estamos comemorando alguma coisa?

— Bem, hoje é sexta-feira. Achei que seria agradável encerrar a semana com uma refeição especial.

Os olhos dele eram como metal polido. Aquele mesmo brilho a atraíra e assustara na noite de blecaute, e de repente sentia novamente a atração irresistível.

Dentro de uma semana, teria de encará-lo. Baixou os olhos, cravou-os na mesa e viu as velas distorcidas pelo efeito das lágrimas. Respirando fundo, agradeceu à sorte pela penumbra que os cercava.

Brody puxou uma cadeira.

— Espero que esteja com fome.

— Faminta. — E sentou-se sem levantar a cabeça.

 

Quando chegou na casa de Brody, na segunda-feira, Cat surpreendeu-se ao encontrar a faxineira saindo. Betty costumava trabalhar às terças e quintas, e sempre depois da uma da tarde.

— Agora ele quer que eu venha todas as manhãs —informou a mulher de cerca de quarenta anos. — As oito em ponto. Pensei que não o encontraria acordado à essa hora, mas estava enganada. O homem saiu da cama às seis para trabalhar.

— Brody? Não acredito!

Ele abriu a porta ao primeiro toque da campainha.

— Odeio os finais de semana — disse, beijando-a rapidamente nos lábios. — Dois dias inteiros sem você!

Cat preferiu não mencionar que a partir da sexta-feira ele teria uma vida inteira sem ela,

— Betty estava saindo quando cheguei. Ela me disse que virá todos os dias...

— Quero manter a casa limpa e arrumada.

Ela o seguiu da varanda interna, que ainda era o retrato do caos, para a sala de estar.

— Oh...Oh!

A mobília velha desaparecera. Em seu lugar estavam as peças confortáveis e sólidas que o ajudara a escolher: sofás e poltronas em couro vermelho, mesas e prateleiras em vidro fumê e madeira laqueada. As paredes ainda estavam pela pintura e as janelas estavam nuas, mas com o piso brilhando como se fosse novo a sala parecia...

— E então? Não tem nada a dizer?

— Fabuloso!

— Ainda não viu nada.

Na sala íntima, a mobília nova também havia sido instalada e uma estante moderna sustentava o aparelho de tevê, o vídeo-cassete e algumas fitas. Os aparelhos de ginástica haviam sido colocados em um canto da saleta.

— O que fez com a pirâmide de aparelhos velhos?

— Joguei fora. Junto com todos aqueles aparelhos quebrados que guardei por muitos anos. Doei os que ainda funcionavam a uma entidade de caridade, junto com os móveis. Fiz tudo isso no sábado de manhã. A loja veio entregar a mobília nova no sábado à tarde.

— Ótimo. Assim teve o domingo para descansar.

— Oh, não. No domingo recebi a visita da organizadora.

— Da... O quê?

— Organizadora. Greta é uma velha amiga de Leon e Mercedes, uma mulher austera que vive com uma fita métrica na mão. Ela visita a casa ou o escritório de um cliente e o orienta a arranjar tudo de uma maneira mais racional e conveniente.

Brody abriu a porta da sala do computador.

— Meu Deus! — Era um escritório de verdade. Da mobília original, apenas a grande mesa de metal permanecera, porém agora visível. A cadeira de couro, a mesa do computador, as prateleiras, os arquivos e uma superfície de trabalho com divisões para manter folhas de papel organizadas e separadas compunham o ambiente. Um grande relógio de parede entoava a canção monótona do tempo. — O que fez com tudo...

— Com tudo que não servia mais? Joguei fora. E o que ainda tinha alguma utilidade está ali. — E apontou para um arquivo. — É uma invenção fascinante.

— Como conseguiu comprar tudo isso em tão pouco tempo?

Brody esfregou o indicador e polegar, repetindo um gesto muito antigo e conhecido em todas as partes do mundo. Dinheiro.

— Greta não parou aqui. Ela transformou o quarto de hóspedes em uma espécie de depósito e almoxarifado cheio de cabides, prateleiras e armários. E aquele outro aposento, onde antes ficavam os aparelhos de ginástica e o equipamento de som, agora é uma biblioteca. Os livros que estão na varanda serão levados para lá. Quero dizer, somente aqueles que examino com mais freqüência. Os outros irão para o depósito no sótão.

— Estou impressionada.

— Aposto que jamais imaginou algo parecido.

— Acha que vai conseguir manter toda essa ordem?

— Oh, sim! Ainda não me viu determinado, Cat.

Era como se ele estivesse delimitando uma nova etapa de vida. Naquele instante Cat teve certeza de que suas suspeitas não eram tolices sem fundamentos. Todas aquelas mudanças positivas tinham alguma coisa a ver com ela. Gostaria de sacudi-lo, meter um pouco de bom senso em sua cabeça dura.

— Não faça nada por mim, gostaria de gritar. Dentro de cinco dias estarei fora de sua vida.

 

                               CAPÍTULO XII

 

Cat e Brody estavam em Manhattan, saindo de um famoso restaurante na Quarenta e Quatro. Antes do almoço haviam visitado a exposição de Guggenheim, e depois comeram cachorros-quentes no Central Park. A tarde andaram pelas ruas observando as vitrinas, e depois assistiram à matinê de Os Miseráveis na Broadway. Eram nove e meia da noite, e o céu se tornara carregado enquanto jantavam.

— Talvez seja melhor procurarmos um hotel. O Marriott’s fica a menos de cinco minutos daqui.

— Brody...

— Já olhou para o céu? Não gosto da idéia de mandá-la para casa em um trem com esse tempo. É tarde e...

— Obrigada, mas prefiro dormir em minha própria cama.

— Nesse caso, faço questão de levá-la.

— Até Tarrytown? Você enlouqueceu? O trem é confortável, seguro e...

— Esqueça. Você está esperando... — Um filho meu. Felizmente silenciara a tempo. — Vou levá-la para casa, Cat, e a questão está fechada.

O desejo de protegê-la era intenso e assustador. Todos os pais experimentavam emoções tão poderosas? E o que ela diria se soubesse que já havia descoberto a verdade? O que faria? Era bem provável que tentasse fugir. E a última coisa que queria era assustá-la.

Esperava que ela decidisse contar tudo, que confiasse nele o bastante para expor a verdade. Mas só dispunham de mais dois dias, e se nada acontecesse nesse período, seria forçado a tomar medidas drásticas. Não a deixaria sair de sua vida levando seu filho. Ainda não sabia se teria a capacidade de ser um bom pai, mas de uma coisa estava certo: tinha de tentar.

Assim que ultrapassaram os limites da cidade as nuvens se tornaram menos espessas e ameaçadoras, e em pouco tempo começaram a ver algumas estrelas.

— A distância entre Long Island e sua casa é bem grande — ele comentou a certa altura do trajeto. — Por que nunca aceitou meus convites para passar a noite no quarto de hóspedes?

— Porque sua cama de hóspedes foi para uma instituição de caridade.

— Isso aconteceu há quatro dias. E depois da quinta-feira passada, não pode estar preocupada com uma eventual separação de quartos.

— Nunca aceitei seus convites porque temia que fizéssemos o que acabamos fazendo na quinta-feira passada —ela confessou.

— Entendo — Brody respondeu, disposto a testá-la. — Não queria ser infiel a Greg.

Cat olhou pela janela. Brody esperou. Os dedos apertavam o volante do carro com força impressionante.

Finalmente ela disse:

— Este assunto está encerrado.

— Por quê? Aconteceu alguma coisa que não tenha me contado?

— Greg e eu... rompemos.

Um sorriso satisfeito distendeu os lábios dele. Cat ainda não havia sido completamente honesta, mas dera o primeiro passo nesse sentido.

— Por quê?

— Acho que... não nos entendíamos tão bem quanto imaginávamos.

— E o bebê?

— Nada mudou. Vou criá-la sozinha, como havia planejado.

— Está falando como se esperasse uma menina.

— Porque tenho a impressão de que o bebê será mesmo uma menina.

Uma menina. Uma garotinha carinhosa que se sentaria sobre os joelhos do pai e o fitaria com ar de adoração.

— De que cor serão seus olhos?

— Azuis — ela respondeu com o mesmo sorriso.

— Oh, não sei. Se me lembro bem das aulas de genética, o azul é recessivo. Se um dos pais tiver olhos castanhos... De que cor são os olhos de Greg? — Castanhos.

— Humm...

— Não sabe? — Bannister dissera que só haviam se encontrado uma vez há vinte anos.

— É claro que sei. São azuis. Escuros.

— Oh, é verdade. Você disse que ele era muito parecido comigo. Por isso me confundiu...

— Eu me lembro — ela cortou.

— Sua filha pode ser parecida comigo. Quase como se fosse minha... Facilitar mais seria impossível. Ou não?

— Falando em filhos, acho que sua gravidez me fez refletir sobre o assunto. Sei que disse coisas horríveis antes, mas...

— Do que está falando?

— Não sou mais tão avesso à idéia da paternidade. — Estava tenso. Não fumava nem bebia havia seis dias, e sua ansiedade alcançava um nível quase insuportável.

— Mas você mesmo disse que...

— Mudei de idéia. Por acaso isso é algum crime?

— Não, mas...

— Nunca havia pensado realmente sobre o assunto. É claro que apontar as inseguranças de outra pessoa é mais fácil do que reconhecer as minhas.

— Tenho boas razões para me sentir insegura com relação à idéia de um casamento, de uma família.

— Eu sei que sim. Aprender com experiências negativas faz parte da natureza humana, porque assim pode evitar a repetição dessas mesmas experiências no futuro. Tudo que estou dizendo é que não devemos permitir que o excesso de cautela prejudique nossos julgamentos. E acho que nós dois somos culpados desse erro.

— Nunca tomo decisões sem antes pensar muito nelas, Brody. E a determinação de criar um filho sozinha nasceu dessa reflexão.

— Sei que quer o melhor para o bebê, como sei que será uma mãe maravilhosa, mas... E se o pai de seu filho quisesse participar do processo? O que faria?

— Isso está fora de questão. O pai do meu bebê saiu de cena.

Ela falava sobre Greg ou Brody? O ímpeto de corrigi-la era poderoso. O pai daquela criança não havia saído de cena. Na verdade, sentia-se mais disposto a participar da vida do filho a cada dia.

— E se ele a pedisse em casamento? —perguntou.

— Acho... que teria de recusar. Ele não é o tipo de homem com quem pensaria em casar-me ou formar uma família.

Agora sabia que Cat falava dele. Revelar a mudança de posição sobre o assunto não causara um impacto tão poderoso quanto esperava, afinal. Gostaria de saber o que fazer.

— As vezes temos de aceitar o que a vida nos oferece, Cat. Nem sempre isso é o que temos em mente, mas normalmente acaba funcionando da melhor maneira.

— Está tentando me jogar nos braços de Greg? Outra vez?

Brody respirou fundo para não dizer algo de que se arrependeria.

Notando que ele demorava a responder, Cat insistiu:

— Então decidiu que quer ter filhos, afinal?

— Não. O que decidi é que não vou permitir que uma série de contratempos patéticos tomem a decisão por mim.

— De que contratempos está falando?

— De uma mãe alcoólatra e um pai que não se deu ao trabalho sequer de conhecer o próprio filho. Decidi não seguir o exemplo que eles me deram, Cat. Se algum dia resolver que não quero mesmo ter filhos, não será por causa daqueles dois fracassados.

— Entendo. Também não permiti que os erros de meu pai me privassem das alegrias da maternidade.

— É verdade. Mas está deixando que esses mesmos erros a assustem a ponto de não querer casar-se. Criar filhos é um trabalho de equipe, Cat. Ou deveria ser.

— Não tenho nada contra o casamento. O problema é que não encontrei o homem certo.

— Há quanto tempo está procurando?

— Vinte anos.

— Está me dizendo que em duas décadas de pesquisas não conseguiu encontrar um único homem adequado?

— Tenho padrões elevados. O que há de errado nisso?

— Nada, desde que não sejam padrões impossíveis para um simples mortal.

— Está falando como Brigit.

— Tenho a impressão de que vou gostar muito dela.

Brody não insistiu no assunto. Cat já tinha muito em que pensar, e isso devia ser suficiente por enquanto.

Depois de algum tempo ela perguntou:

— Acha mesmo que é responsável pelo suicídio de Serena Milton?

— Por que isso agora?

— Não precisa responder, se não quiser.

— Oh, eu não me importo — mentiu. Afinal, não tive nada a ver com o que aconteceu, embora sonhe com aquilo até hoje. — Nunca revelara os sonhos a ninguém.

— Certa vez disse que provocar o suicídio de Serena foi seu movimento profissional mais habilidoso, ou algo parecido. Agora que o conheço melhor, fico me perguntando o que o levou a dizer algo tão horrível. Foi uma cortina de fumaça, não? Era mais fácil me fazer pensar o pior a seu respeito do que admitir que se importava, que sentia uma horrível e insuperável culpa. Uma culpa que não teve...

— Cat, sei que está cheia de boas Intenções, mas...

— Você não teve culpa. Ela vivia angustiada, deprimida... Um de seus ex-maridos deu uma declaração dizendo que ela já havia tentado o suicídio antes.

— Aquilo foi um pedido de ajuda. Serena não queria morrer.

— Oh, não?! Então, por que ela tomou duas dúzias de comprimidos diferentes de uma só vez? A mulher arruinou a própria vida e avisou a todos que quisessem ouvi-la que pretendia encerrá-la de maneira dramática e trágica... e isso aconteceu antes daquele livro estúpido chegar às livrarias! Sendo assim, não quero mais ouvir falar nessa tolice de culpa!

Brody não sabia se ria ou se a beijava. Quando começava a ter certeza de que a mãe de seu filho o considerava uma causa perdida, ela dizia algo para renovar suas esperanças!

— Entendo. Está tentando me mostrar que meus livros estúpidos não têm o poder de influenciar o leitor. Não são livros de verdade.

— Exatamente.

Cat apontou para o edifício onde morava, e ele estacionou o carro.

— Meu apartamento fica no segundo andar. Bem, obrigada pelo dia, Brody. Foi... especial. — Ela o beijou no rosto como se aquele fosse um primeiro encontro.

Cat virou-se para sair do carro, mas ele a tomou nos braços e beijou-a com ternura e paixão. Colocou naquele beijo tudo que não podia expressar com palavras, sua admiração pelo milagre de uma nova vida e como o fato os aproximava e afastava ao mesmo tempo. Quando se afastaram, Cat tremia e Brody sentia-se sufocar pelas emoções.

— Deixe-me passar a noite aqui com você.

— Oh, não! A sra. Santangelo, minha senhoria...

— Para o diabo com sua senhoria! Quero dormir a seu lado, Cat. Quero acordar perto de você. — Amanhã, depois de amanhã e em todos os outros dias de minha vida. —Sei que está cansada, mas não precisamos fazer nada.

— Não, Brody. Sinto muito. Gostaria... que as coisas fossem diferentes. Desejava que ele fosse diferente.

Brody acompanhou-a até a porta do edifício, onde afagou seu rosto, mas não voltou a beijá-la. Despediram-se e ela desapareceu no interior do prédio.

Brody ficou sentado no carro até ver uma luz no segundo andar. A sombra de Cat passou por uma cortina fechada.

Então ele girou a chave na ignição e partiu.

 

                                     CAPÍTULO XIII

 

Cat trabalhava no computador, copiando as receitas, enquanto Brody permanecia sentado atrás da mesa, organizando suas anotações. Estava barbeado, penteado e vestido, como nos últimos dias, e ela se surpreendeu sorrindo.

As vezes sentia falta daquele ar de garoto abandonado que tanto a encantara.

Mas o grande empecilho para o tão sonhado final feliz não eram os homens que conhecia, e sim suas expectativas. Era difícil agradá-la. Sempre que um homem correspondia aos seus padrões, o que era raro, esforçava-se para encontrar nele defeitos imperdoáveis.

Brody estava certo. Temia o casamento. Por que mais teria passado vinte anos sabotando seus relacionamentos?

Ele passara por uma metamorfose completa. Ainda não dera sinais de corresponder aos requisitos básicos de sua lista de exigências, mas era atencioso, terno e bem-humorado. E a respeitava.

Na noite anterior dissera ter mudado de idéia quanto a ter filhos. Ainda não conseguira imaginar o que provocara uma mudança tão radical, mas sabia que ele seria um pai carinhoso, confiável e presente.

Brody pensava que o filho que ela esperava era de outro homem. No entanto, a cercava de cuidados e carinhos, e desde a sexta-feira anterior passara a se mostrar quase romântico, preparando jantares especiais e sugerindo passeios encantadores. Sabia que era o alvo de um ritual de sedução elaborado, e sentia-se emocionada. Mesmo assim, nunca mais voltariam a se encontrar depois do dia seguinte.

Nenhum dos dois jamais mencionara a possibilidade de um envolvimento mais sério.

E se ele abordasse o assunto, como reagiria? Tantas coisas haviam mudado nos últimos dois meses!

— Brody?

— Humm...

— Quero fazer amor com você.

Se soubesse que sua expressão de surpresa era tão adorável, já o teria surpreendido antes.

Devagar, ele tirou os óculos de leitura e encarou-a.

Cat levantou-se e aproximou-se dele com passos lentos, porém seguros. As mãos desabotoavam a blusa sem mangas que cobria parte de seu corpo.

Os olhos de Brody acompanhavam cada movimento, detendo-se nos seios mais fartos que ameaçavam saltar do sutiã de renda.

Cat tirou-o e deixou-o sobre a mesa, ao lado da blusa.

Ele respirava com dificuldade. O olhar era como uma carícia que fazia a pele arrepiar-se.

— Pensando bem, talvez não seja uma boa idéia — ela murmurou provocante.

Mal havia terminado de pronunciar a frase, e Brody já estava em pé, tomando-a pelos braços e beijando-a com ardor contagiante. De repente ele se afastou e disse:

— Espere-me no quarto. Irei encontrá-la em alguns minutos.

Sorrindo, Cat obedeceu. Deitada sobre a cama ouviu a voz profunda além da porta, provavelmente falando ao telefone, e logo depois ele entrou no dormitório.

— Nunca pensei que fosse do tipo submissa — comentou sorrindo enquanto despia-se. Se algum dia se cansar desse trabalho de mãe empresarial, pode ganhar um bom dinheiro como escrava sexual.

Cat riu, dominada por uma excitação espantosa. Colocar-se à mercê de um amante era um poderoso afrodisíaco.

Ele também estava excitado, e fizeram amor como se fosse a primeira vez. Porém, havia uma enorme ternura temperando o desejo, acrescentando uma nova dimensão ao relacionamento. O clímax foi ainda mais poderoso do que os anteriores, e encontraram juntos um mundo de sensações onde só existia o prazer e a satisfação proporcionada por um encontro perfeito entre dois corpos famintos.

Mais tarde, cansados e felizes, deitaram-se lado a lado e ficaram abraçados e silenciosos, saboreando o momento.

Brody foi o primeiro a falar.

— Devíamos ter mais cuidado com o bebê.

— E só agora diz isso? — ela riu.

— Por quê? Eu a machuquei?

— Não! É claro que não.

— A dra. Jackson mencionou alguma restrição?

— Sim. Ela disse que não devo me pendurar nos lustres da casa, a menos que seja inevitável.

Brody deixou escapar uma gargalhada.

Cat apanhou um travesseiro e usou-o como arma para atingi-lo na cabeça.

— Não se atreva a rir de mim — brincou.

Ele também se armou com outro travesseiro.

— Não pode retaliar. Estou grávida, lembra-se?

— Tem razão. Vou esperar por um momento mais oportuno para realizar minha terrível vingança.

Um silêncio opressor invadiu o quarto. Cat obrigou-se a dizer o que os dois estavam pensando.

— Estarei muito longe daqui quando esse dia chegar.

— Não precisa ir embora. Sabe o que sinto por você, não?

— Brody...

— Amo você, Cat. Nunca disse isso a ninguém. Nunca senti nada parecido por outra mulher. Sabia que a amava antes mesmo de...— E parou de repente. — Sempre soube.

Ela acariciou o rosto triste e lutou contra as lágrimas que ameaçavam brotar de seus olhos.

— E quanto ao bebê? — sussurrou.

— Vou amá-lo também. Na verdade, já amo essa criança. Muito. Confie em mim, Cat.

Confiar. Brody ainda a amaria se soubesse que o enganara?

— Não sei mais o que pensar. Estou confusa.

— Fique comigo esta noite.

Esse era o único ponto em que ainda não cedera. E o dia seguinte seria o último que passariam juntos.

Brody beijou-a e fitou-a com os olhos brilhantes.

—Não pense. Apenas diga sim.

— Sim.

 

                                   CAPÍTULO XIV

 

Cat estava no quintal, acompanhando Spot no primeiro passeio do dia, quando ouviu a porta da cozinha se abrir. Descalça, coberta apenas pelo roupão de Brody, sentiu um braço em torno de sua cintura e sorriu.

— Quando se levantou? — ele perguntou depois de beijá-la no pescoço.

— Há cerca de uma hora.

— Não conseguiu dormir?

— Eu... não queria desperdiçar um único minuto deste dia. Devia ter me acordado.

— Você parecia tão tranqüilo dormindo! Tão doce!

— Doce? Pelo amor de Deus, nunca mais repita isso. Tenho uma reputação a manter.

— Lamento desapontá-lo, mas você não é tão mau quanto pensa, Brody Mikhailov.

— Talvez não — ele riu. Em seguida, suspirou. — Vou ter de ir àquele encontro esta manhã.

— Com o primo de Charlie Chaplin?

— Sim. Ele está hospedado na casa de alguns amigos em East Hampton. Prometi chegar lá por volta das dez horas.

— Não pode adiar o encontro?

— Ele voltará a Londres esta noite. Mas vou tentar resumir a conversa, está bem? Estarei aqui por volta da uma da tarde. No máximo às duas. Pensei em fazer reservas naquele restaurante em Island Park.

— Importa-se se ficarmos em casa?

— Não. Na verdade, acho que precisamos conversar.

Cat não precisava perguntar sobre o quê. Ambos conheciam a resposta. Teriam de falar sobre o futuro.

Precisava contar a ele sobre o bebê. Tomara a decisão ao amanhecer, depois de uma longa noite de insônia. Pensar em como Brody reagiria à mentira a deixava apavorada, mas não havia outra alternativa. Ele tinha o direito de saber que em breve seria pai. Só esperava que sua compaixão natural o ajudasse a perdoá-la e compreender suas ações.

Precisava dele. Precisava de seu amor, de sua presença no lar e na vida que pretendia construir para o bebê. Nada jamais havia parecido tão certo.

— Sim, precisamos conversar — disse. — Existem algumas coisas que devemos esclarecer... antes de seguirmos em frente. Esta noite — decidiu. — Conversaremos com calma esta noite.

 

Pouco antes do meio-dia Leon apareceu para uma visita inesperada. Ele carregava o que parecia ser uma garrafa embrulhada para presente e sorria.

— Quer um café ou um chá? — Ela ofereceu depois das apresentações.

— Não, obrigado. Notei que o carro de Brody não está na garagem e... Sabe onde ele foi?

— Brody está entrevistando uma fonte. — Não sabia se ele havia falado sobre o novo livro, e por isso preferiu revelar o mínimo possível.

— Pobre coitado! Deve ser terrível ter de trocar uma jovem adorável por um time de jogadores briguentos e furiosos.

Então Leon não sabia sobre o novo projeto.

— Direi a ele que esteve aqui. Quer deixar algum recado?

— Oh, sim! Lembra-se daquele trabalho na tevê?

— Refere-se ao Bannister Headline? — Cat indagou com coração apertado.

— O cargo de redator-chefe é dele! Mildred Maxwell não correspondeu às expectativas dos produtores. Ela não tem as fontes, o estômago e a energia necessários a um trabalho desse calibre.

— Oh...

— Imaginei que ele gostaria de comemorar. — E mostrou a garrafa embrulhada em papel colorido. — Mas não o deixe beber demais. Brody vai ter de viajar o mais depressa possível, e quero que ele esteja consciente quando se apresentar à equipe. Pensando bem, esqueça o recado. Peça para ele entrar em contato comigo através do pager ou do celular.

 

Brody parou de esmurrar a porta do apartamento quando uma voz feminina ameaçou chamar a polícia.

— Estou procurando por Cat Seabright. Meu nome é Brody Mikhailov.

A porta se abriu e uma morena exuberante usando roupas coloridas o encarou com ar surpreso.

— Você é Brody?

— E você deve ser Brigit. Cat está aqui?

— Não.

Voltara para casa depois do encontro e encontrara um bilhete sob uma garrafa de vodca, A mensagem dizia que ele devia entrar em contato com Leon Lopez. “Gostaria de ficar e dizer adeus pessoalmente, mas não sou forte o bastante para isso. É melhor assim.”

Depois de falar com Leon, telefonara para o apartamento dela, mas ninguém havia atendido. Então decidira ir a Tarrytown, imaginando que ela não queria atender ao telefone. A senhoria de Cat informara que ela só havia passado por ali rapidamente e partira levando uma valise. Certo de que ela fora se esconder na casa da amiga, seguira para o apartamento de Brigit em Greenwich Village. A morena sorridente abriu a porta e Brody viu Greg Bannister sentado à mesa da sala, saboreando um prato de sushi.

— Ei, Brody! — ele o cumprimentou. — Venha comer conosco!

— Já se conhecem? — Brigit perguntou espantada.

Brody ignorou a questão.

— Onde ela está? — persistiu.

— Já disse que Cat não está aqui.

— Mas sabe onde posso encontrá-la.

— Não posso dizer. Ela me fez prometer...

— Escute aqui, não sei o que Cat lhe contou, mas preciso falar com ela. Aquela mulher está esperando um filho meu.

— Oh! Então ela... contou a verdade?

— Não — Greg interferiu em voz baixa. — Acho que o responsável pela feliz descoberta sou eu.

— Não importa quem me fez enxergar a verdade — Brody explodiu impaciente. — O que importa é que preciso encontrá-la, e só você pode ajudar-me.

— Não posso. Cat me fez prometer que...

— Acalme-se, Brigit — Greg interferiu mais uma vez. — Ela não me fez prometer nada.

Brigit sorriu para o primo.

— Onde ela está? — Brody perguntou aflito.

— No apartamento da agência. Em seu primeiro ninho de amor.

 

                             CAPÍTULO XV

 

Brody a encontrou dormindo na cama onde tudo havia começado, dois meses antes. A cama onde haviam concebido um filho. Acendeu o abajur e viu as marcas deixadas pelas lágrimas em seu rosto.

Acariciando os cabelos vermelhos, inclinou-se e murmurou:

— Amo você, Bela Adormecida. Ela abriu os olhos... e arregalou-os ao perceber que não estava sozinha.

— Por favor, não fuja de mim — Brody pediu em voz baixa. — Não fuja de nós.

— Não devia ter vindo aqui. Só vai tornar ainda mais difícil...

— O quê? A separação? Pensou que eu fosse desistir de você?

— Leon esteve em sua casa e falou sobre o trabalho na tevê. Então me dei conta de que havia perdido de vista suas necessidades, as coisas de que necessita para ser feliz.

— Só preciso de você para ser feliz.

— Estou falando de objetivos profissionais. Esse trabalho vai colocá-lo no mapa das celebridades e... estou feliz por isso, embora pareça improvável. Sei o quanto é importante para você e...

— E se eu recusar o emprego?

— Não faça isso! Não quero afastá-lo de seus objetivos.

— Já está me afastando deles recusando a única coisa de que realmente preciso. Você.

— Diz isso agora, mas se arrependeria mais tarde, quando estivesse escrevendo o centésimo livro de historinhas e imaginando como teria sido sua vida se não houvesse sucumbido à insanidade.

— Então chame o hospício, porque já recusei o emprego.

— O quê?

— Leon não gostou muito da notícia, mas com o tempo vai acabar se conformando.

— Por que fez isso?

— Porque não quero aquele trabalho. Porque decidi mudar minha vida. Descobri que nada é mais importante do que viver ao lado da mulher que amo. E da criança que concebemos juntos.

— Oh, Brody... Então... Como soube?

Ele relatou tudo sobre a visita de Greg Bannister e as conclusões que havia tirado a partir dela.

— Agora entendo a transformação repentina.

— Foi a única maneira que encontrei de provar que a amo, que sou digno de você e dessa criança.

— Oh, meu Deus! Como fui idiota! Deixei-me levar pelas aparências, pelo que via na superfície! Permiti que os traumas do passado decidissem por mim. — E abraçou-o chorando. — Você será um pai maravilhoso. É bom, generoso, honesto... Jamais conheci outro homem mais decente.

— Por isso escondeu que esperava um filho meu?

Ela o beijou.

— Havia decidido contar toda a verdade, mas quando Leon chegou falando sobre aquele trabalho que você tanto queria, concluí que não tinha o direito de me colocar em seu caminho. Por isso fugi. Será que pode me perdoar?

— Quando descobri que ia ser pai, já estava tão apaixonado por você que perdoá-la era algo mais do que estabelecido. Como posso acusá-la por não ter visto em mim o pai ideal?

— Depois de tantos anos, finalmente encontrei o homem que procurava. Encontrei o...

— Não diga o que está pensando!

— O sr. Perfeito!

— Eu pedi para não dizer. Em represália, não vou mais comprar o anel de diamantes que planejava lhe dar. Vai ter de se contentar com isto. — E tirou do bolso o aro de bronze que havia tirado do carrossel do parque de diversões.

Rindo, ela o colocou no dedo.

— Acho que vai ter de mandar diminuí-lo um pouco.

— Se houver tempo para isso. Afinal, vamos nos casar na próxima semana, e essa será sua aliança.

— Essa é a proposta de casamento mais romântica que já ouvi.

— É a única que vai ter. E não se atreva a dizer que não!

— Oh, eu nem sonharia. Amo você, Brody Mikhailov. E também amo Jake Beckett e tudo que faz parte de sua vida. Não sei como aconteceu. Amar o pai de meu filho nunca fez parte dos planos.

— Meu bem, se aprendi uma coisa durante aquele blecaute... — ele apagou o abajur — é que no escuro tudo pode acontecer.

 

                                                                                Pamela Burford  

 

                      

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