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NO RÍTMO DOS MONGES / Anselm Grün
NO RÍTMO DOS MONGES / Anselm Grün

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

NO RÍTMO DOS MONGES

 

Os hóspedes que participam dos meus cursos na abadia Münsterschwarzach constantemente me contam como o ritmo ao qual se entregam no convento lhes é benfazejo. Eles têm a impressão de que o modo como o tempo é utilizado lá faz sentido. E percebem o efeito salutar dos horários conventuais.

Homens e mulheres, que ficam na hospedaria recebendo acompanhamento, sentem-se muitas vezes mais curados em uma semana do que por uma demorada terapia. Isso não depende somente das pessoas que os acompanham na hospedaria. Na opinião dos hóspedes, a participação na vida monástica inicia neles, ou reforça, processos terapêuticos.

Em sua vida cotidiana, após a hora de terapia, eles têm de retornar para a costumeira agitação. Aqui, na hospedaria, podem se entregar a um ritmo preestabelecido.

Não precisam ponderar o que devem fazer, mas sim se deixam enquadrar em uma estrutura que evidentemente tranqüiliza e ritmiza sua alma.

Nesta obra, não quero refletir sobre o tempo de uma maneira muito teórica.

Isso já foi feito, de maneira excelente, por Karlheinz A. Geiszler, nos livros de sua autoria. A seus pensamentos, eu devo incentivos essenciais. Quero apenas contar como eu, no convento, vivo o tempo e como a tradição espiritual tem visto o tempo. O leitor, vivendo em outras circunstâncias, há de constatar, provavelmente durante a leitura, que a sua experiência do tempo é outra. Porém, estou convencido de que o modo como os monges experienciam o tempo, com uma cultura diferente, tem algo a dizer também a pessoas que não vivem no mosteiro, e sim no mundo moderno.

Espero que as experiências dos monges sirvam mesmo hoje, e exatamente hoje, de ajuda e inspiração para o maior número possível de pessoas que no mundo moderno sofrem a pressão do tempo. Nesse caso, não se pode tratar de imitação. Mas as experiências dos monges talvez possam incentivar para se aprender alguma coisa com ritmo diferente. No fundo, isso pode consistir em estruturar de outra forma os dias e os anos, confiando em um ritmo pessoal, vivendo de acordo com a própria alma.

O ritmo dos monges foi criado por uma Regra antiga, desde sempre ligada a um cosmo litúrgico, que determina o dia, o ano e todo o decurso da vida monástica. Desejo aos leitores que sejam capazes de, até fora do mosteiro, experienciar semelhantes locais e possibilidades, em tornar-se possível viver uma outra forma de aproveitar o tempo, a qual convenha à sua alma.

 

O tempo como mistério divino

Como se experienciava o tempo na Antigüidade

Kronos, o desapiedado pai do tempo

 

Os gregos conheciam duas palavras referentes a "tempo" e, a cada um desses conceitos, eles relacionavam uma divindade. Isso mostra que, para eles, o tempo era um mistério divino, e não apenas algo exterior, podendo ser medido por um relógio.

A palavra própria para tempo era chronos. Chronos era identificado com o deus Kronos, o "desapiedado pai do tempo" (Seifert 155), filho de Urano (céu) e Gaia (terra).

Ele libertou seus irmãos do corpo da Terra, para dentro do qual Urano tinha repelido os recém-nascidos.

Assim, tornou-se o comandante dos Titãs, com sua irmã Rheia, Kronos gerou os deuses do Olimpo.

Porém, por medo de um sucessor masculino, devorou seus filhos. Apenas o filho mais novo, Zeus, conseguiu ser salvo por Rheia, que entregou ao irmão uma pedra enrolada em fraldas. Depois de crescido, Zeus obrigou o pai a vomitar seus irmãos e irmãs. Com a ajuda deles, Zeus derrotou Kronos e, em seguida, passou a governar, de cima do Olimpo, o destino dos humanos.

Ao interpretarmos esse mito, um aspecto essencial do tempo torna-se bem visível: ele devora seus filhos, pois tem medo de um sucessor; teme o futuro. Gostaria de derramar tudo na própria goela, pois o medo o caracteriza e impulsiona. Esse antigo mito grego ressalta o medo que muita gente tem de perder o controle sobre o tempo.

Realmente, até hoje, nas coisas mais normais de cada dia, podemos observar que, em um tempo que é medido somente pelo "cronômetro", nada pode desabrochar. Aí não é de se admirar que os "filhos" sejam devorados. O que não se submete ao tempo - e crianças não se deixam apertar no laço estreito do nosso tempo mensurável – é proibido de desabrochar. Submetemo-nos ao tempo mensurável.

Marcamos prazos, contando os minutos, e não paramos de olhar o relógio para ver se os outros obedecem à hora marcada e se nós mesmos chegaremos na hora combinada.

O tempo mensurável obriga-nos a ficar em um cotidiano rígido. O deus Kronos é um tirano. Hoje em dia, a maior parte das pessoas sofre, creio eu, a pressão de sua tirania. Mas o domínio de Kronos não leva a um aproveitamento efetivo do tempo. Gera apenas aflição e angústia, sem nenhuma fecundidade. Nenhuma novidade brota. Nada surge para ficar. Tudo passa freneticamente.

Em seu livro Momo, Michael Ende deu uma nova interpretação a esse mito. Ele conta uma história sobre os senhores de uma Caixa Econômica do Tempo, que oferecem a seus clientes uma conta de economizar tempo, com a qual gostariam de roubar o tempo que lhes resta. Reconheceram que Momo, a criança que vive totalmente em cada momento, é seu pior inimigo. Querem a todo custo se apoderar dele. Mas a tartaruga carrega Momo são e salvo para longe de seus perseguidores.

Os senhores grisalhos, nos seus automóveis, pisam no acelerador, mas não avançam nem um passo, enquanto Momo e sua tartaruga, mesmo andando devagarzinho, escapam aos perseguidores. Momo, a criança que sabe entregar-se a cada momento, acaba sendo mais rápido do que os senhores agitados da Caixa Econômica do Tempo. São senhores grisalhos, cinzentos, senhores sem cor e sem vida, que apenas funcionam, mas não sabem mais viver.

 

Kairos, o deus do momento certo

 

Outro termo utilizado para "tempo" na tradição grega é kairos. É o momento certo, a oportunidade, o proveito, a medida correta. Para os gregos, Kairos era um deus masculino; para os romanos, tratava-se de uma deusa, Occasio. As imagens do deus grego têm asas nos pés ou nos ombros. Ele anda nas pontas dos pés ou está em cima de rodas, e segura uma balança sobre uma navalha. Interessante é a cabeça: na frente, há um topete, mas o restante é careca.

Para os gregos, isso significava que era preciso pegar a oportunidade pelo topete. Se aquele momento passou, ninguém mais o alcança. Por isso é preciso enfrentar o Kairos e agarrá-lo, logo que aparecer. Para os pitagóricos, Kairos representa o número sete.

Isso lembra a narrativa da Criação na Bíblia. O sétimo dia, em que Deus descansa, mostra algo da qualidade atribuída a Kairos pela antiga escola de filósofos.

 

A plenitude do tempo - o conceito bíblico

 

No Novo Testamento, kairos tem um significado importante. É o momento decisivo em que Deus oferece a salvação ao ser humano. Mas os humanos não reconheceram o momento da graça (cf. Lc 19,44). No evangelho de Marcos, a primeira palavra de Jesus é: "Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo" (Mc 1,15a).

Kairos é sempre aquele momento em que me encontro com Deus, em que ele quer me mostrar sua proximidade, dando-me sua graça e dedicação. Cabe a mim entregar-me a esse instante e decidir em favor da proximidade sanadora e amorosa de Deus, em vez de fugir para longe de mim mesmo e dele, para dentro de um tempo que apenas decorre.

O tempo que "se cumpre", assim entendido, é aquele em que tempo e eternidade coincidem. E o tempo ao qual Deus dá plenitude. Os místicos refletiram sobre sua plenitude, principalmente o mestre Eckhart, quando descreve como o próprio Deus imergiu no tempo, transformando-o. Pela encarnação de Deus, o tempo ganhou outra qualidade: não é mais um bem escasso, do qual o ser humano tem de aproveitar o mais possível, mas o lugar onde a criação se une com Deus. Quem está totalmente presente, mesmo em um só momento, alcança a plenitude do tempo; Deus é sua plenitude. Essa pessoa está unida consigo mesma e com Deus, e o tempo parou para ela.

Na sua segunda carta aos Coríntios, Paulo cita o profeta Isaías: "No tempo da graça eu te escutei, no dia da salvação eu te ajudei" (Is 49,8a). Depois ele afirma: "No momento favorável, eu te ouvi; no dia da salvação, eu te socorri" (2Cor 6,2a). O texto grego diz literalmente: "Agora é o tempo muito bem-vindo (kairos euprosdektos)"'.

Dektos é aquilo que se pode aceitar, aquilo que dá prazer, que é agradável. De acordo com Paulo, o tempo agradável é aquele marcado pelo beneplácito de Deus e por sua presença. É o tempo desejado, que cumpre os meus desejos de segurança, de cura, de ser salvo e remido, portanto, tem uma boa qualidade. É caracterizado por graça, amor, cura, integridade, plenitude.

Todo anseio de um tempo de salvação, de um tempo em que o ser humano é curado e realiza a sua verdadeira essência chegou à sua plenitude em Jesus Cristo. Por isso vivemos agora no tempo da graça e da benevolência divinas. Depende de nós a realização da benevolência divina em nós e a nossa plena presença para possibilitar o encontro com o Deus presente.

 

"Horas", mensageiras de Deus, vindas de outro mundo

 

A palavra grega para "hora" é a mesma em português e grego. Mas aquelas "Horas" não são horas no nosso sentido de uma duração limitada de exatamente 60 minutos.

As gregas são antes "seres divinos da troca dos tempos" (Pauly 715). Na mitologia grega, são deusas graciosas que aparecem acompanhando certos deuses ou deusas, como Afrodite, Deméter, Dionísio e Apolo.

Na Odisséia, as Horas acompanham o ano. Elas oferecem ao povo a primavera e promovem o crescimento do trigo e das uvas. Os atenienses davam nomes às Horas: Thallo, Auxo e Karpo, isto é: protetoras do Florescer, do Crescer e do Madurecer" (Löhr 20). O poeta Hesíodo menciona mais três Horas: Eunomia, Dike e Eirene (Regularidade, Direito e Paz). Para ele, essas três são filhas de Zeus com Themis.

Nessas duas concepções, fica claro que as horas têm algo a ver com a natureza, em que garantem a volta regular de flores e frutas maduras, mas também com o mundo humano, em que estruturam a vida e proporcionam as medidas certas. As horas são mensageiras de Deus, vindas de outro mundo. São, pois, como anjos, que nos fazem recordar que cada momento pertence a Deus. Friedrich Schiller, com certeza, lembrou-se das idéias gregas sobre o tempo quando escreveu: O anjo do ser humano é o tempo.

Anjos são mensageiros de Deus que nos proporcionam uma mensagem importante e nos colocam em contato com a nossa verdadeira essência. Assim, o tempo é um mensageiro de Deus que nos indica aquilo que na nossa vida realmente importa.

O anjo do tempo chama a nossa atenção para o fato de que nosso tempo é limitado e que, portanto, devemos atravessar consciente e cuidadosamente nosso tempo de vida. De dentro do tempo, ele aponta aquilo que transcende o tempo e aquele lugar silencioso, em nosso interior, onde o tempo pára e há pura presença.

Em nós mesmos, existe algo, no meio do tempo, que escapa ao tempo: o espaço interno do silêncio, onde Deus mora em nós. Lá onde mora o Deus eterno, participamos do momento puro, da eternidade, da qual o tempo já não pode dispor.

O poeta Píndaro chama as horas de "florejantes". Elas respiram algo da ternura e da beleza da juventude. Para os humanos, trazem vida nova, fresca, não desgastada; embelezam sua existência. Por isso horaios, para os gregos, é idêntico a kalos (belo e bom). O que se refere às horas é belo; no entanto, tudo o que é inoportuno, exagerado, atribui-se a aoros, ou seja, é feio e repugnante. Os latinos herdaram essa idéia dos gregos, ligando o tempo (tempus) a "ordenar" e "moderar" (temperare).

 

O tempo sagrado - o tempo que cura

 

Também no evangelho de João, "hora" é um conceito importante. Nas bodas de Caná, Jesus diz a Maria: "A minha hora ainda não chegou" (Jo 2,4b).

A hora da qual Jesus fala, sempre, é de sua morte. Na cruz, Jesus é glorificado; aí a glória de Deus lampeja nele. E na cruz seu peito é ferido, e escorrem sangue e água - uma imagem do Espírito Santo, que na hora da morte de Jesus é derramado sobre a humanidade.

João fala duas vezes de uma "hora sexta". É na sexta hora que Jesus, cansado, se senta perto da fonte de Sicar (cf. Jo 4,5-6). E é na sexta hora que Pilatos condena Jesus à morte (cf. Jo 19,14). A sexta hora é o tempo em que o nosso tempo, com seu trabalho e cansaço, chega ao fim.

Em João, o número seis sempre evoca o sete. As seis talhas de pedra nas bodas de Caná fazem pensar na sétima, aberta na morte de Jesus, da qual nos escorre o divino amor. Os "seis homens" da samaritana fazem pensar no sétimo, aquele que ama de verdade. A sétima hora nem é mencionada explicitamente. Depois da sexta, vem uma hora diferente, em que o divino irrompe no mundo. Aí o tempo não pode mais ser numerado; daí surge o tempo sagrado, o tempo que sana. Como conseqüência, pára o tempo.

E onde há o tempo sagrado, nosso tempo, irrequieto e inconstante, pode curar.

Jesus distingue o seu tempo do tempo dos outros.

A seus irmãos, que insistem: Sai daqui e vai para a Judéia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes" (Jo 7,3), ele diz: "Ainda não chegou o tempo certo para mim. Para vós, ao contrário, é sempre o tempo certo" (Jo 7,6). Para os irmãos, a hora é sempre boa, pois eles só vivem de modo superficial. O que eles querem é prestígio e sucesso. Para isso, sempre há tempo. Jesus, porém, ouve o Pai, e cuida de ver quando será para ele a hora em que o Pai quer glorificá-lo. Para Jesus, o tempo é algo que o Pai lhe outorga.

Segundo meus critérios terrestres, eu não sei utilizar o tempo da maneira mais efetiva possível. Devo antes ouvir o que Deus quer me dizer no tempo e aonde ele quer me levar. O tempo não pode ser calculado simplesmente pelo relógio. Para mim, o tempo certo é o momento que Deus me dá. Em última análise, é tempo sagrado, subtraído ao poder deste mundo. Pois o sagrado, no fundo, é algo demarcado, segregado, inatingível, de que o mundo não pode dispor.

 

As "Horas" dos monges

Os anjos do tempo

 

A maneira como a Bíblia classifica o tempo caracteriza da mesma forma o modo como os monges convivem com esse fato. A tradição monástica conhece o tempo certo, o tempo da graça, o tempo agradável e muito bem-vindo, em que Deus opera sua obra dentro de nós. Por isso os monges sempre interrompem suas tarefas diárias com os tempos de oração que eles chamam de "as Horas", as quais lembram a hora em que Deus glorifica seu Filho e em que ele deixa resplandecer sua glória também para os monges. Pois a liturgia é o lugar onde o céu e a terra se tocam, onde o céu clareia acima dos orantes.

Para o beneditino austríaco David Steindl-Rast, as "Horas" são "anjos com os quais nos encontramos em determinados momentos no decurso do dia".

Anjos, como já foi mencionado, são mensageiros de Deus que vêm de uma outra dimensão e nos lembram de que cada hora tem sua qualidade e seu mistério próprios. Assim como devemos escutar o que os anjos, mensageiros de Deus, têm para nos dizer, devemos prestar atenção às "Horas", para nos harmonizarmos com "o tempo que não é o nosso tempo", como T. S. Elliot um dia se expressou.

O anjo do tempo nos convida a liberar o nosso tempo, que estamos ocupando com trabalho, para deixar espaço para a oração. David Steindl-Rast diz: No momento em que liberamos nosso tempo, temos todo o tempo do mundo. Estamos além do tempo, pois estamos no presente, no agora, que supera o tempo.

No tempo de são Bento, as "Horas" do dia eram sete, e havia a vigília noturna. Hoje, reunimo-nos apenas cinco vezes por dia para a oração em comum. O ritmo do trabalho no tempo moderno nos exige também seu tributo. Porém, queremos combinar o ritmo de antigamente e a sua interpretação do tempo com as exigências do nosso tempo, sem nos deixarmos tiranizar pelo ritmo moderno. Para nós, é um desafio renovado deixarmo-nos lembrar pela "Hora" da manhã, a "Hora" do meio-dia, a "Hora" da tardinha e a "Hora" noturna, de que o nosso tempo é uma dádiva, é o tempo da graça divina.

Na época em que podiam colher as uvas maduras, os gregos entoavam uma canção sobre as Horai philai, ou seja, as horas queridas, bem-amadas. Os momentos da oração nos lembram de que cada Hora é uma hora querida, um tempo amado, em que podemos nos encontrar com o amor divino em suas múltiplas formas. Pois os primeiros cristãos relacionaram cada hora com um mistério diferente da vida de Jesus.

 

A vigília noturna

 

São Bento sabia que devia muito à tradição litúrgica, a qual teve sempre uma sensibilidade profunda para a qualidade de cada hora e de cada tempo. A noite é o tempo em que esperamos pelo Cristo como esposo da humanidade. O tempo noturno de oração (são Bento começava por volta de 3 horas da manhã) chama-se "vigília", que significa o não querer dormir, o ficar acordado.

Essa prática era adotada pelos filósofos gregos para libertar a alma do sono da existência terrestre, reconduzindo-a à sua essência original, mais pura. Gregos e romanos conheciam celebrações noturnas, das quais esperavam a iniciação em mistérios mais profundos.

"Vigília" significa também a vigilância para a segurança da cidade. É um conceito derivado da linguagem militar, pois, à noite, o soldado deve estar no seu posto, montando guarda.

Os monges vigiam para, na oração, se encontrarem com Deus. E ainda para o bem da população. Com sua vigília noturna, eles prestam um serviço ao mundo. Vigiam orando, para que ninguém seja assaltado por inimigos internos. A vigília é o tempo mais demorado de oração; nesse momento, recitam-se salmos e medita-se sobre como penetrar no mistério da vida diante de Deus. Enquanto todos dormem, os monges cuidam para que o mundo não se afunde no inconsciente, mas seja despertado pelo Espírito de Deus e enfrente a realidade de olhos abertos. E vigiando querem participar da oração de Jesus, de quem Lucas afirma: "Passou a noite toda em oração a Deus" (Lc 6,12b).

Os salmos nos dizem que é, sobretudo, durante a noite que se deve refletir sobre as instruções e o agir de Deus.

"Recordo teu nome no decorrer da noite, Senhor, e observo tua lei" (Sl 119[118],55). E como base para a vigília dos monges, são Bento cita outro versículo de um salmo predileto: "No meio da noite me levanto para te louvar pelas tuas justas normas" (Sl 119[118],62). A noite é um tempo propício para se refletir sobre as obras de Deus. Por isso são Bento prescreve leituras da Bíblia e dos esclarecimentos dos santos padres.

Os monges devem deixar a Palavra de Deus penetrar em seu coração. De acordo com são Bento, toda mística é bíblica. No entanto, para nós, a mais profunda experiência divina é quando deixamos a Palavra de Deus se encarnar em nós. Para essa finalidade, a noite é considerada o tempo mais adequado. Quando tudo ao nosso redor é silêncio, Deus pode alcançar o nosso ouvido o mais facilmente possível.

 

Laudes, o louvor matinal

 

As laudes são o louvor que os judeus praticavam no momento do nascer do sol. Os cristãos se lembram então do sol da Ressurreição, que para eles resplandece das profundezas do sepulcro.

Nas laudes, eles louvam o mistério da Ressurreição de Jesus Cristo, pela qual sua vida ficou clara e curada. É a hora da aurora, que os gregos denominavam Eos, um ser divino, e que eles chamavam de "a Bela", "a Bem-amada".

No louvor matinal da Igreja, ouve-se algo da devoção dos gregos pelo sol. Mas a beleza do sol nascente torna-se o símbolo da Ressurreição de Jesus, na qual toda a nossa escuridão foi vencida. Ao alvorecer, o coração humano se abre para louvar a Deus, pois não está preso nos sonhos noturnos ou nos sentimentos depressivos da noite. Sente antes aquilo que o salmista canta: "Se de tarde sobrevém o pranto, de manhã vem a alegria" (Sl 30[29],6b). Com o Salmo 92(91),Iss, rezamos: "É belo louvar o Senhor e cantar a teu nome, ó Altíssimo, anunciar de manhã o teu amor, e tua fidelidade durante a noite".

Os hinos das laudes cantam o mistério do dia que desponta. Enquanto o reino da escuridão vai cedendo, o próprio Cristo nos acorda do sono: "Tu, Cristo, és a luz do dia, a clara fonte de todas as luzes; és Deus, que com teu poder o mundo morto à vida conduzes" (Hino da Sexta-Feira).

E os hinos nos lembram da manhã derradeira que esperamos, aquela em que para sempre o Cristo há de surgir como nossa luz. Que essa última manhã "nos encontre vigilantes, no louvor, e derrame sobre nós a sua luz". (Hino da Quinta-feira).

 

Prima, a bênção para o trabalho do dia

 

Na Regra de são Bento, a prima segue as laudes. É a primeira "Hora", aquela em que o ser humano inicia sua jornada. É a hora da bênção sobre o serviço cotidiano, que foi introduzida pelos monges.

Nessa bênção matutina do trabalho, o religioso pede a ajuda divina para a sua atividade humana. Enquanto as laudes olham para o mistério da Ressurreição, contemplado no sol nascente, a prima leva o monge a olhar para o trabalho que o aguarda durante o dia.

Na prima, ele liga a oração ao trabalho; implora a ajuda de Deus para tudo o que iniciar no decurso do dia. O tempo do trabalho que começa tem uma qualidade peculiar: respira o frescor do inusitado e tem a esperança no sucesso da obra.

 

Terça, uma pequena pausa

 

A terceira Hora (9 horas) significa o ponto mais alto da manhã. É o momento em que, no Pentecostes, o Espírito Santo foi derramado sobre os discípulos. Pedro menciona essa hora em sua pregação do Pentecostes: "Estes aqui não estão embriagados, como podeis pensar, pois estamos ainda em plena manhã" (At 2,15). Nessa hora, os monges pedem que o Espírito Santo dê fecundidade a seu trabalho. Eles sentem que toda atitude fica sem fruto, sem o vigor inspirador e fortalecedor do Espírito Santo.

A terça, portanto, respira algo do frescor da manhã e, ao mesmo tempo, algo da força vivificante do Espírito Santo. Então é exatamente assim que continuamos empenhados no trabalho. É uma breve parada para se tomar consciência de que tudo o que se faz precisa do Espírito de Deus para dar resultado.

O hino da terça pede a vinda do Espírito Santo. "Oh, Espírito, nossa proteção, juntamente com o Pai e o Filho, desce agora, com tua bondade, e enche o nosso coração".

Que o Espírito Santo acenda novamente em nós o fogo do amor, a fim de que esse sentimento seja a marca de nosso trabalho.

Se trabalharmos haurindo da fonte do Espírito Santo, não nos esgotaremos, pois a origem do amor divino é inesgotável.

 

Sexta, a interrupção do meio-dia

 

A sexta (meio-dia) é a hora em que - segundo João - Pilatos pronunciou sobre Jesus a condenação à morte. Segundo Mateus e Lucas, foi na sexta hora que trevas caíram sobre todo o país (cf. Mt 27,45 e Lc 23,44). Pelo simbolismo original, a "sexta Hora" remete ao calor do dia e às tentações que sentimos pelo cansaço e pelo calor.

Os antigos falavam do "demônio do meio-dia", que nos espreita exatamente por volta dessa hora.

Quando ficamos cansados, tornamo-nos sensíveis e suscetíveis às tentações de tal demônio. Segundo os monges antigos, trata-se do demônio da akedia (desânimo, moleza).

E akedia significa não ser capaz de estar presente no momento. Por volta do meio-dia, os propósitos de ser cuidadoso a cada momento já evaporaram. Aí a agitação já toma conta das pessoas.

Agitação é igual a calor febril. Assim o calor do dia se torna um símbolo da agitação a que as pessoas se entregam.

Ocorrem discussões irritadas com colaboradores e confrades. Deixamos as nossas emoções ferverem demais. Então precisamos nos refrigerar, orando, no meio do calor do sol, na sombra da cruz.

Fico contente quando, na "Hora" do meio-dia, consigo afinal me distanciar de tudo o que me invadiu durante o trabalho. É uma salutar interrupção que acaba com o fervor das emoções e deixa o hálito fresco do Espírito divino soprar em minha alma. O hino da sexta Hora expressa de modo concreto de que se trata, nesse breve momento, a oração no meio do dia: O calor do meio-dia incomoda, e é voando que as horas passam. O, Senhor de todo o tempo, Deus, deixa-nos agora descansar em ti. Ao respirarmos quentes e febris, palavras de discórdia nos escapam; perto de ti, ó poderoso Deus, em paciência e paz refrescaremos.

No calor do meio-dia, precisamos da refrigeração da oração, para que, no ardor do dia, nosso coração reencontre a paz, e fiquemos em harmonia com o mais íntimo de nosso ser.

 

Nona, a Hora da promessa

 

A nona Hora (15 horas) é a hora em que, segundo informação unânime de todos os quatro evangelistas, Jesus morreu na cruz por nós. O regulamento eclesiástico do Egito convida os cristãos a orar por volta da nona Hora: "Pois é nessa hora que o lado do Cristo foi ferido com a lança; sangue e água escorreram e depois o dia clareou, até a noite chegar" (Löhr 514). Está situada entre o dia e a noite, quando o trabalho está quase terminando, e tem uma qualidade peculiar. A luz da tardinha já é diferente.

Os cânticos dos antigos dizem que Cristo, por sua morte, transformou o poente em nascente. Foi na nona hora que Pedro e João subiram ao templo e curaram o paralítico na "Bela Porta". Ele logo começou a pular (cf. At 3,1-10). Assim, essa hora contém a promessa de que os problemas que surgem durante o trabalho serão solucionados, os conflitos se resolverão, a nossa tensão passará e poderemos olhar com gratidão para a colheita de nosso trabalho.

O hino da nona se refere ao dia que vai findando, não somente no dia de hoje, mas também no último de nossa vida: "Até que o nosso dia acabe, deixa brilhar a tua luz em cima de nós; e uma santa morte, depois, nos abra a porta para a felicidade eterna". Os salmos dessa Hora sabem bem que todo o nosso esforço seria em vão se não fosse sustentado pela bênção de Deus: "Se o Senhor não construir a casa, é inútil o cansaço dos pedreiros. Se não é o Senhor que guarda a cidade, em vão vigia a sentinela" (Sl 127[126],1).

 

Véspera, o hino da tardinha

 

A denominação "hora da tardinha" vem de vésper, "estrela da tarde", que é o planeta Vênus. É a estrela dos namorados, que anuncia descanso e paz aos cansados. Vésperas e laudes são as horas de oração mais antigas. Em todos os povos, existe o costume de louvar a Deus de manhã cedinho e à noite. Quando o sol se põe, a Igreja comemora a morte de Jesus, que desceu em nossa escuridão para transformá-la; por isso, à noite, pedimos que Cristo continue a brilhar como o sol em nosso coração, enquanto o sol terrestre se põe.

A véspera é, em primeiro lugar, não um pedido e sim um louvor. No fim do dia, não olhamos novamente para nosso trabalho e sim para Deus, o verdadeiro centro de nossa vida. E olhamos para Cristo, a verdadeira luz que ilumina nosso coração e que, na sua Ressurreição, expulsou qualquer escuridão.

Antigamente, a véspera coincidia com o rito de acender a luz para a chegada da noite. Um hino vespertino a chama de "a Luz alegre". É uma imagem de Cristo, a Luz verdadeira que veio a este mundo para nos iluminar: Ó, Luz alegre, Jesus Cristo, que és o esplendor glorioso do Pai imortal, santo, ditoso, celeste. A ti glorificam todas as criaturas. Vê, na hora do pôr-do-sol viemos saudar a luz aprazível da tarde, cantando hinos a Deus, o Pai, e cantando ao Filho e ao Espírito Santo.

 

Completas, a oração da noite

 

Além do louvor da tarde (a véspera), são Bento conhece ainda uma oração da noite, as completas. É para terminar o dia. O conceito vem de completum est (está consumado).

No completório, os monges pedem a proteção de Deus para que, durante a noite, envie seu anjo santo para que os proteja.

Desde sempre, os anjos foram os mensageiros dos sonhos. Daí que a oração da noite é também um pedido de bons sonhos, nos quais o anjo transmita uma mensagem de Deus, e para sermos preservados de pesadelos. E é um pedido para encontrarmos abrigo nos braços amorosos de Deus, sendo, assim, protegidos contra todos os perigos da escuridão. Antigamente, o escuro apavorava as pessoas; em última análise, era o medo dos abismos da própria alma. Que nesses abismos penetre a luz de Deus.

O salmo típico do completório é o 4. Nele, contemplamos a Deus, que nos insere no coração uma alegria muito maior do que "aqueles que têm muito trigo e vinho. Em paz, logo que me deito, adormeço, pois só tu, Senhor, me fazes descansar com segurança" (Sl 4,8b-9). Outro salmo do completório, o 91(90), canta a proteção do Altíssimo, na qual durante a noite nós encontramos abrigo. Sabemo-nos protegidos pelos anjos de Deus. Carregam-nos em suas mãos, para que mal nenhum nos atinja. E olhamos para Deus, que, ao fim de mais uma jornada de trabalho, promete: "vou saciá-lo com longos dias e lhe mostrarei minha salvação" (Sl 91[90],16).

 

No dia dos monges, o tempo está claramente estruturado. Mas não se trata de um tempo que obedeça a um duro regime de relógio. Cada momento tem a própria qualidade, isso sim. Aos monges de antigamente, porém, as Horas não estavam rigorosamente marcadas. Para a nona, o sino só tocava, na maioria das vezes, após o final dessa hora; portanto, às 16 horas. Decisivo, pois, para o modo como os monges entendiam o tempo, era que cada Hora tinha a sua própria característica; não no sentido de ter uma nuança emocional diferente. Cada Hora participava do tempo sagrado, do tempo marcado por Deus e por seu agir com os seres humanos.

Para os monges antigos, cada Hora recebia a sua qualidade daquilo que ocorre na plenitude dos tempos, isto é, no tempo messiânico, no tempo de Jesus. Cada hora, então, torna-se uma imagem para o mistério da morte e ressurreição de Jesus. No "tempo" dos monges, fica claro que seu mundo participa daquilo que C. G. Jung chama de "o mundo único" (unus mundus). Para ele, isso significa o "único ser", que se exprime na multiplicidade do mundo empírico.

Tudo o que nós aqui percebemos tem um fundo que transcende a consciência. O tempo que agora experienciamos participa do tempo de Deus, no qual não há "antes" nem "depois", mas sempre e somente o presente. Os diversos tempos do dia e do ano apenas simbolizam vários aspectos do "único mundo", do único Deus, que opera no tempo.

Para Jung, a experiência do eterno no tempo é um caminho importante para descobrirmos nosso "eu". Por outro lado, vale também que: A experiência do "eu" abre ao ser humano uma janela para a eternidade, tornando-lhe possível subtrair-se à garra sufocante de uma imagem unilateral do mundo (Franz 230).

As "Horas", em que os monges, no tempo, abrem-se para o eterno, libertam-nos do domínio do tempo mensurável, da tirania de Kronos, e reconduzem-nos para o interior do tempo sagrado, onde imergem no mundo de Deus. É lá que entram em contato com seu verdadeiro "eu", em que Deus habita.

 

O ritmo dos monges e a qualidade das horas

 

Neste capítulo, primeiramente, eu gostaria de relatar alguns pontos sobre o decurso normal do cotidiano dos monges, como o conhecemos na nossa abadia em Münsterschwarzach.

É de maneira semelhante que se vive na maior parte dos conventos. Cada convento, porém, possui um modo peculiar de combinar, no decurso do dia, as exigências do trabalho com o interesse espiritual.

Em Münsterschwarzach, nós nos levantamos às 4h40. Às 5h05, começamos a hora matutina na igreja da abadia. Das 5h45 às 6h10, dedicamos um tempo para a meditação pessoal. Eu me sento no meu banco diante de uma imagem do Cristo e medito sobre a oração a Jesus. Às 6h15, celebramos a missa conventual, a eucaristia, com a comunidade inteira. Às 7 horas, tem início o café da manhã, que tomamos em silêncio. Para o café, eu gasto apenas dez minutos. Depois, sinto-me feliz por ter tempo para ler. Leio livros espirituais ou psicológicos das 7h10 até as 8 horas.

Das 8 às 11h50, mais ou menos, trabalho na administração.

Às 12 horas, temos a hora do meio-dia na igreja da abadia. Depois, às 12h20, é o nosso almoço em comum, que fazemos em silêncio, ouvindo uma leitura. Das 12h45 às 13h20, dedicamo-nos à sesta.

As 13h30 recomeça o trabalho, que se estende até as 17 horas.

Das 18 horas até as 18h35, aproximadamente, cantamos a véspera; depois ainda há um tempo de silêncio, durante o qual andamos pelo claustro. Às 18h40, tomamos a ceia, novamente em silêncio, escutando alguma leitura. Depois, das 19h05 até as 19h35, temos o recreio. Portanto, é um momento expressamente dedicado à folga e diversão. Se o clima estiver bom, damos uma voltinha; senão, sentamo-nos juntos nos diversos espaços de recreio. Às 19h35, terminamos o dia oficial com as completas. Depois vou para o meu quarto, a não ser que saia para uma palestra, e leio e escrevo até quase 22 horas. Em seguida me deito.

Quando alguns hóspedes me perguntam sobre a nossa ordem do dia, eu lhes revelo como se estrutura nossa rotina. Certas pessoas consideram nossas tarefas penosas e que tudo está por demais regulamentado. Eu, porém, não sinto o dia como penoso, pois é repleto de variação.

Apesar do excesso de trabalho diário, encontro tempo para silêncio e oração, para estar sozinho, ler e escrever. Uma vez que na terça-feira eu celebro a missa na casa de retiros e, na quinta-feira, às 17h30, o convento realiza a eucaristia juntamente com a véspera, nesses dias eu escrevo das 6 às 8 horas. Aí também muitos pensam que, em um tempo tão curto, é impossível escrever. Mas, para mim, esse tempo é suficiente. Não considero o escrever como trabalho, mas sim como recreio. Escrever me dá energia. Nessas horas, sinto prazer.

Naturalmente, nem sempre as coisas correm com a mesma facilidade. Mesmo assim continuo de qualquer maneira; o ato de escrever me leva a novas compreensões. Não tenho um plano exato. Os pensamentos surgem enquanto escrevo.

Ao exercitar essa tarefa, pego de novo algum livro do qual me lembro na hora ou que encontro ao desenvolver as idéias.

Para tornar compreensível como eu vivo o tempo em um dia totalmente normal, em primeiro lugar, quero dizer alguma coisa sobre o tema "ritmo", para, em seguida, descrever como as horas de oração comunicam seu caráter também aos demais. Isso acarreta uma experiência de tempo que, para muitos, na agitação do dia-a-dia, é algo desconhecido.

 

Tempo ritmado

 

Hoje em dia, médicos e psicólogos concordam que o ritmo é um componente essencial da existência humana. O ser humano tem um ritmo temporal interno cujo corpo não se deixa manipular de qualquer jeito. Sentimos isso da melhor maneira quando viajamos de avião para um país com fuso horário diferente; ficamos meio perturbados com a nossa percepção do tempo. Temos de nos acostumar primeiro com o tempo novo. Ao passar por cima dessa fase de habituação, muitas pessoas ficam doentes.

O pesquisador do tempo Karlheinz A. Geiszler, que estudou esse fenômeno, distingue-o do compasso mecânico que regula as máquinas e escreve sobre o ritmo: "Ele dinamiza e articula o tempo, mas não o divide como faz o compasso" (Zeit 81). Com isso, quer dizer que a nossa crise com relação ao tempo é causada pela falta de ritmo do nosso tempo. Quando não respeitamos nosso ritmo natural, isso leva à imoderação, à hybris, como diziam os gregos, a qual prejudica o ser humano; arruína-o. Somente o ritmo nos deixa viver o tempo como tempo. Dá ao tempo seu conteúdo. Aí não é apenas um tempo que decorre. De acordo com Geiszler: O ritmo cria o tempo; o relógio apenas o mede. Na Idade Média, o povo vivia o tempo ritmado por festas, celebrações e rituais. Pelo ritmo de festas e rituais, o tempo estava dividido em períodos, cada um com seu sentido, que todo mundo aceitava. O tempo tinha qualidade. Não se tratava de explorá-lo, mas de se engajar em seu ritmo, a fim de assim perceber o sentido da vida. Era um ritmo cultural, que unia entre si os seres humanos. O tempo sempre era percebido como tempo social (cf. Vom Tempo, 46).

A palavra "ritmo" vem do grego rythmizo, que significa pôr alguma coisa em ordem e harmonia, arrumá-la de modo harmonioso. Desde o útero materno, o ser humano está exposto às batidas do coração da mãe; desde o momento da fecundação, ritmo é um elemento essencial para a vida. No ventre materno, muitas crianças experimentam tanta confusão que depois lhes custa encontrar o próprio ritmo, tornando-se adultos inseguros tentando viver "em um compasso inalterável" (Loos 197).

Outros vivenciam uma batida sempre igual, como "grades de uma prisão". Sentem-se "espancados pelas batidas no tambor" (ib.).

Normalmente, a criança no útero materno se mantém acomodada em um ritmo fluente. A esse ritmo sadio, benéfico à alma da criança, Marius Schneider se refere quando define: "Ritmo é liberdade na lei da ordem" (ib. 197). A conhecida terapeuta musical Katja Loos julga que "no repetido movimento rítmico, a natureza lhe dá a sensação de estar bem acomodado, instalando-o à vontade" (ib. 199). O ritmo, portanto, dá-nos a sensação de estar em casa. No ritmo não nos sentimos sozinhos, mas sim partes de algo maior.

  1. G. Jung diz que "todos os processos psicoemocionais, e portanto carregados de energia, apresentam uma curiosa tendência para a ritmização" (Franz 143). Sua discípula, Marie-Louise Von Franz, opina que os povos mais antigos ativavam a energia psíquica por atividades rítmicas. Então, o ritmo era uma ajuda para suscitar sua energia psíquica para o trabalho. Sem incentivo, a energia psíquica se desperdiçaria sem ser coordenada: "A ritmização da energia psíquica foi provavelmente o primeiro passo para a sua formação cultural e, com isso, para sua espiritualização" (Franz 143). Talvez seja por isso que o ritmo beneditino do dia nos suscite uma energia que nos ajuda a aproveitar bem do tempo.

Na introdução, relatei como os hóspedes que se adaptam ao nosso ritmo percebem algo dessa transformação e concentração de sua energia psíquica, e muitas vezes experienciam que uma semana de exercícios pessoais produz neles mais efeito do que uma longa terapia; ora, trata-se de uma experiência que deve ser entendida naquele contexto.

Quando menciono esse fato, costumo acrescentar que isso não é um efeito de nossa capacidade de orientar, mas evidentemente é um efeito do ritmo no qual esses hóspedes se engajam. Não se trata de um apelo à vontade para a pessoa se aproveitar do tempo da forma mais intensiva possível. Trata-se, antes, de a experiência do ritmo nos ligar com a energia que está depositada, prontinha, dentro do nosso inconsciente. Exatamente pelo motivo de o ritmo dividir o tempo, ele nos faz vivê-lo de modo mais consciente e utilizá-lo de maneira mais eficiente, sem necessidade de nos esforçarmos para isso de modo especial.

A vida humana obedece a um ritmo. Em uma palestra, Gerhard Vescovi, médico em uma estação termal, mostrou-nos que a ordem do dia dos beneditinos corresponde exatamente a esse "biorritmo" humano. Cada ser humano tem em si um biorritmo próprio, individual. Em certas horas, ele está claramente acordado, em outras, sua atenção desvia-se.

Muitos tentam impor à própria vida um outro ritmo, que não corresponde à sua natureza. Mantêm-se acordados com café e cigarros e, com isso, prejudicam a saúde.

A medicina já constatou no ser humano mais de 150 ritmos biológicos, ligados à diferença entre dia e noite, como, por exemplo,a temperatura do corpo, a pressão sangüínea, a secreção de urina. Quem não segue o seu ritmo interno não faz nenhum bem a si mesmo. O físico inglês G. J. Whitrow parte do princípio de que: O Universo poderia possuir um só ritmo fundamental, ao qual eventualmente todo o nosso conceito físico do tempo deveria ser reduzido (Franz 219).

Whitrow pensa que não vivemos em primeiro lugar o tempo, e sim ritmos, na base dos quais chegamos a ter uma sensação de tempo. "De acordo com isso, o tempo estaria baseado em ritmos, e não vice-versa" (Franz 220).

Para mim, isso significa que é um beco sem saída querer apenas se aproveitar do tempo. Mais acertado seria aperceber-se do ritmo interno do próprio corpo e do cosmo inteiro, e nisso se engajar. Aí vivemos saudavelmente, em harmonia conosco mesmos, e de acordo com a nossa verdadeira essência. Quando me entrego ao ritmo do tempo, não sinto o tempo como um tirano, ao qual devo servir como escravo, mas como dádiva, a meu serviço, que me torna possível perceber o mistério da vida e experimentar também o tempo como um espaço no qual me sinto à vontade.

João Crisóstomo, padre da Igreja do século IV, diz que o canto dos salmos ritmiza a alma dos monges. Para ele, isso significa que o ritmo do canto tem um efeito salutar sobre a alma, a qual é sadia quando não é caótica, mas corresponde a seu ritmo interno. O ritmo interno é, sem dúvida, diferente para cerca de cem monges que vivem em nossa abadia. Mesmo assim, cada um se entrega ao ritmo comum. É nisso que os antigos padres da Igreja viam o milagre do canto dos salmos, a saber, que todos se tornam uma só melodia, e não apenas isso, mas também um só coração.

O ritmo comum gera uma forte sensação de solidariedade e segurança; às vezes, não se consegue chegar a ele. Na verdade, as tensões entre os dinamismos dos grupos na comunidade podem ser ouvidas até mesmo no canto. Percebe-se como os irmãos sofrem uns pelos outros e como se esforçam por se adaptarem uns aos outros.

Além de o ritmo ser salutar para o indivíduo, tem uma função social. O ritmo do dia reúne a comunidade para oração e trabalho, refeição e lazer. Hoje em dia, é um sofrimento para muitas famílias que cada membro viva um ritmo diferente.

Não existem mais "horas de refeição", pois cada um apenas "mata" sua fome. Não se tem mais tempo para todos se encontrarem, a fim de comerem juntos. Com isso, perde-se a cultura da refeição, como os povos a desenvolveram desde os tempos antigos. O ritmo sempre cria espaços livres durante o dia. Karlheinz A. Geiszler diz que o ritmo tira o peso do tempo e nos liberta de sua tirania.

Bem-estar no tempo está onde existe uma riqueza de ritmos vividos. (Geiszler, Zeit 93)

Não foi são Bento que inventou o ritmo do convento como uma novidade. Antes dele já havia monges que viviam um dia claramente estruturado. Para ele, foi muito importante criar uma ordem do dia que correspondesse ao ritmo interno das pessoas, de acordo com a Regra: "Sic omnia temperet", e, assim, colocar tudo em ordem. Temperare, no latim, tem muitos sentidos. Vem de tempus = tempo. Temperar e pode significar: estabelecer a finalidade e a medida de uma coisa, observar a medida certa, ser moderado, pôr nas devidas proporções, misturar, dirigir, governar.

Para Bento, é muito importante regular o dia dos monges de maneira que corresponda ao ritmo interno da alma. Com uma ordem do dia eficaz e saudável, ele espera que haja ordem e saúde na alma do monge. Ao observarmos a Regra, podemos perceber que Bento visa sempre à medida certa e ao ritmo interno de seus monges quando ordena o tempo minuciosamente. Para ele, a ordem do tempo é o pressuposto para que, na escola do Senhor, os monges tenham um coração bem generoso e façam seu serviço com alegria, seu serviço a Deus e à humanidade.

Também para nós, é uma tarefa decisiva ordenar bem o nosso dia. No convento, acontecem muitas discussões sobre a ordem do dia. Muitos consideram que nosso horário de despertar é muito cedo. Outros gostariam de ter mais tempo para a leitura. Mas, se começarmos a mudar alguma coisa, em determinado ponto, logo a estrutura toda se perturba. Por isso é preciso muita cautela e sabedoria para ordenar o dia de maneira que corresponda à vida da comunidade e ao ritmo de cada um. Além disso, sentimo-nos comprometidos com a herança de são Bento.

Comunidades religiosas que nos anos 1960 consideraram a ordem do dia nos mosteiros como um modelo antiquado de vida, que devia ser abolido, não chegaram com isso a uma vitalidade maior. Pelo contrário, em geral, tornaram-se aburguesadas e perderam sua identidade. Não irradiam mais nenhuma fecundidade.

O ritmo comum do convento não pode tornar-se uma coação. Cada monge possui um ritmo pessoal, que aparece na rapidez ou na lentidão com que trabalha ou se alimenta.

Cada um pode e deve guardar essa individualidade, pois é importante cuidar da própria alma. São Bento o quer assim. Cada um deve sentir qual é o ritmo que lhe convém, quando, por exemplo, caminha pelo claustro, trabalha, lê.

No ritmo comum, é preciso também do ritmo próprio. Caso contrário, o indivíduo afunda-se na comunidade. É seu ritmo pessoal que o mantém vivo, o qual torna possível que, em seu interior, a vida flua e frutifique.

Um aspecto essencial do ritmo sadio consiste no fato de que o tempo deve ter início e fim. Na abadia, quando as reuniões dos sêniores têm início às 16h30, é evidente que se vão encerrar às 17H50, pois, como às 18 horas é o momento da véspera, ninguém jamais teria a idéia de prolongar a reunião.

Um tempo claramente limitado favorece a disciplina na discussão. Pessoalmente, fico aborrecido com reuniões muito longas, tornando-me agressivo. Cada coisa no seu tempo. Da mesma forma uma sessão deve ter o seu tempo. Quando o tempo adequado é ultrapassado, com razão as agressões aparecem. Mostram que um lado essencial da minha alma não foi levado a sério. Certo diretor de um grande banco me contou que as reuniões de sua diretoria muitas vezes duram dez horas. Ao ouvir isso, convenci-me de que nada pode sair dali que seja uma bênção para o povo. Em semelhantes maratonas de reuniões, as agressões sem dúvida aumentam. E não surge o clima necessário para se querer resolver realmente os problemas. Diz o filósofo Plessner:

Sem planejamento, o tempo se torna um deserto de infinidade ruim.

Sobre isso, o poeta Dante caracteriza o tempo que conhece um início e um fim como "cheio de mesura e casto". É assim que eu vivo também o tempo limitado que tenho para escrever. Não consigo escrever concentrado durante mais de duas horas. Mas, nesse tempo, "cheio de mesura e casto", brota aquilo que tenho para dizer. Para mim, tudo o mais é artificial, forçado e encenado.

"A noite é boa conselheira", reza um ditado popular. Para mim, isso significa que, logo pela manhã, posso trabalhar mais efetivamente, depois de uma boa noite de sono. A hora matutina, com seu frescor, respira algo da novidade de Deus.

Quando o sino da casa toca às 4h40, acendo a luz. Em seguida, reflito: "Que dia é hoje?". Isto é, não apenas que dia da semana, mas também que festa é celebrada hoje ou o santo que comemoramos.

Os meus santos mais queridos dão ao dia, desde cedo, um gostinho diferente.

Se for Santo Agostinho que celebramos, sinto-me em contato com o desejo que lhe era peculiar. Santa Teresa traz ao dia algo de leveza e ternura. Assim, cada dia tem um colorido diverso,

de acordo com aquilo que é celebrado. Além dos santos, as festas celebradas nos dias de semana são, para mim, importantes, como a Transfiguração (6 de agosto) ou a Visitação de Maria (2 de julho).

Para começar, coloco cada dia sob a bênção de Deus. Depois de me levantar, fico por alguns momentos de braços abertos. Para mim, isso é uma imagem de que hoje eu gostaria de abrir o céu acima de todos, independentemente de minhas atitudes. Com esse gesto, o dia ganha outra qualidade. Não está diante de mim com seus horários, mas sim com a imaginação de que eu, nesse dia, gostaria de gravar a marca pessoal da minha vida.

Então, cada dia se torna um mistério, uma chance para que irradie algo do que me define intimamente e para que as minhas forças e fraquezas possam transmitir algo do Espírito de Jesus Cristo. Após me lavar e vestir, às vezes anoto meus sonhos (se é que me lembro deles). Depois, eu me dirijo ao coro das matinas, pelo caminho escuro do claustro.

Essa caminhada pelo claustro da igreja tem sempre uma qualidade especial. Faço-a conscientemente, em solidariedade com todos que apresentam em si algum recôndito escuro; quero ir por eles e elas, e juntamente com eles e elas. Então, estou consciente de que meu serviço não consiste em ficar diante de Deus para meu próprio benefício, mas sim em solidariedade com os seres humanos. Não é um dia meu, particular; é um dia que me une com todos, aos quais estou ligado. É um tempo social que não pertence somente a mim, mas a todos os seres humanos.

As matinas são a antiga vigília noturna. No tempo de são Bento, eram rezadas de madrugada, por volta de 2h30. Nesse período, os primeiros cristãos esperavam a volta de Jesus Cristo. Por isso vigiavam de noite, para estarem prontos quando Jesus viesse. Para nós, a vigília tem início às 5h05, quando ainda está escuro. A escuridão nos transmite a sensação de que vigiamos representando a humanidade, não apenas os que permanecem na cama, mas também aqueles que adormeceram internamente, que vivem vegetando, emaranhados em ilusões sobre a própria vida.

Os salmos da vigília meditam sobre a nossa vida à luz de Deus. A Igreja antiga sempre entendeu a oração dos salmos no sentido de que nós rezamos as palavras bíblicas em união com Jesus. Como judeu piedoso, Jesus certamente rezou salmos. Hoje, quando os rezamos, tentamos encarar este mundo e nossa vida com os olhos de Jesus.

Assim a vigília é um convite a meditarmos com o Cristo sobre tudo o que ocorre no mundo e na própria vida para, juntamente com ele, expressarmos nossa saudade de Deus.

Recitamos os salmos em uníssono. Embora seja monótono, esse estilo de orar nos leva a meditar diante de Deus sobre a própria vida e sobre a vida das pessoas que são caras, entregando-as à misericórdia de Deus, junto com as pessoas cansadas que hoje iniciam o dia sem entusiasmo, sem sentido nem esperança. Para mim, as matinas são uma experiência austera, mas também um convite para que me apresente a Deus assim como sou.

Algumas vezes, eu me pergunto como estou vivendo o tempo se, durante 40 minutos, apenas murmuro salmos. Para a antropóloga cultural Ina Rõsing, que em suas viagens de pesquisa passa pela experiência de tempos singulares (por exemplo, aquele dos índios Quéchua), o conceito atual de tempo se caracteriza "por um enorme vazio de conteúdo, falta de colorido, frieza e monotonia (...), pela ausência, no nosso tempo, de espaço e ritmo, ação e ritual" (Rõsing 94).

Em minha opinião, ao recitar os salmos, o tempo ganha outra característica. Adquire cor, som e ritmo. Rezo os salmos juntamente com Cristo, que, há mais de dois mil anos e com as mesmas palavras, meditou sobre o mistério da vida e do mundo. Portanto, nessa oração, o tempo está suprimido.

Vivo hoje, mas participo da experiência de Jesus e de todos os que, há mais de três mil anos, têm rezado os salmos. Rezo em comunhão com pessoas que já partiram deste mundo e agora estão com Deus. Existem palavras que me fazem meditar em determinado (a) santo (a) que, com as mesmas palavras, expressou o desejo de Deus e agora as entende na glória de Deus, de maneira nova.

Assim, o passado e o futuro se unem, enquanto o presente é um tempo pleno, pois significa não apenas o momento atual, mas também o ponto em que o passado e o futuro coincidem.

Nesse momento, a minha vida brota da origem, porém, ao mesmo tempo, é uma experiência do futuro.

Ao salmodiar, adquiro consciência sobre mais um aspecto. Enquanto recitamos salmos, estamos criando tempo, não o matando. Nesse instante, está sendo estruturado, ritmizado e tornando-se audível.

Vale ressaltar que o salmodiar toma tempo. Quem enxerga tudo apenas do ponto de vista da utilidade econômica não encontrará sentido nenhum em gastar tanto tempo com uma recitação que é sempre igual. Não rende nada quando, logo pela manhã, ocupamos 40 minutos com isso.

Muitas vezes, eu mesmo não saberia dizer o que senti ao recitar determinadas palavras, mas a pergunta decisiva também não é se depois fiquei bem diferente. Simplesmente não é tão importante o que disso resulta. O mais fundamental vem antes disso: o tempo se torna audível. Então, naquele momento, ressoa a voz eterna de Deus, pois os salmos não são apenas poesias humanas, e sim - a tradição o sabe - palavras do Deus eterno para nós. Com a minha voz, portanto, faço essa Palavra neste mundo perecível.

 

Os monges orantes dão à Palavra de Deus uma caixa de ressonância afim de que possa ter um efeito salutar sobre a humanidade.

 

No nosso convento, rezamos as laudes logo após as matinas. Estas são o louvor matutino da Igreja, que nos fazem contemplar o Cristo ressuscitado. Apesar da lassidão da madrugada, louvamos a Deus por todos os seus benefícios, principalmente por seu Filho, Jesus Cristo.

O sol nascente é uma imagem da ressurreição de Jesus. A Igreja primitiva interpretava tudo o que acontece na natureza como símbolo da atuação de Deus em nossa alma.

O sol que expulsa a escuridão se torna imagem de Cristo, que irradia a sua luz para o interior da escuridão de nossa alma.

Outra imagem da manhã é o canto do galo. Ao considerar essa ave um símbolo do próprio Cristo, Ambrósio compôs um hino matinal. Arauto do dia, seu canto orienta quem está caminhando de noite com a informação de que o dia vai clarear. Seu grito acorda a estrela da manhã, e o mal se retira.

Com esse grito, Pedro enxuga as lágrimas, derramadas por ter renegado Jesus. Tudo se torna imagem daquilo que realmente acontece entre Deus e o ser humano:

Vamos, levantemo-nos;

o galo acorda quem está sonhando.

O galo incita os preguiçosos,

o galo acusa os renegadores.

No canto do galo, a esperança renasce,

alívio aflui para o doente.

O salteador pára de agir,

e quem caiu ganha nova esperança

(Hino das laudes do domingo).

Depois da "Hora" matutina, caminho pelo claustro escuro até meu quarto. Sento-me no banquinho diante do ícone do Cristo e acendo algumas velas dadas por amigos.

Nesse momento, cria-se um clima otimista e sagrado. Rezo a oração a Jesus: "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade de mim", combinando-a com o ritmo de minha respiração. Enquanto isso, imagino que o Cristo que estou contemplando vive com a sua misericórdia em meu coração.

Muitas vezes, sinto, em meu interior, uma paz profunda. Mas vivo também momentos de meditação, em que reaparece a irritação por algum conflito na administração ou me aflige a preocupação com as finanças do convento.

Aí eu tento pronunciar aquela "oração a Jesus" de modo consciente para que, nessa aflição e nessas preocupações, a minha confusão interna se ordene, e a perturbação causada por emoções negativas se purifique.

Quando, então, o sino da casa toca chamando para a celebração eucarística, eu me dirijo à sacristia a fim de me vestir para a missa. Gosto de ficar mais uns momentos parado nesse local e de me orientar internamente para a transformação de minha vida celebrada na eucaristia.

Esse é o ponto culminante da manhã. Acompanhados pelo som do órgão, entramos solenemente na igreja. Enquanto aguardamos a celebração, cantamos o cantochão ou músicas alemãs. Particularmente, gosto de cantar o cantochão, pois, nessas melodias antigas, a Palavra de Deus se torna tão audível que penetra no coração e o transforma. Certa ocasião, um músico eclesiástico me disse que o cantochão é a arte de tornar o silêncio audível e fazer o tempo parar.

Para mim, é muito importante o momento em que nós, os concelebrantes, estendemos as mãos sobre os dons do pão e do vinho, sobre os quais invocamos o Espírito Santo para que os transforme no corpo e no sangue de Jesus. Aí me lembro do dia que me espera e peço que o Espírito Santo transforme tudo o que eu pegar nas mãos, assim como o que me for oferecido. No instante da eucaristia, penso no Cristo que, com sua misericórdia, penetra em minha dureza e a transforma.

Esse momento me liga de uma nova forma aos meus confrades, com os quais eu hoje deverei trabalhar e conviver. Sei que haverá conflitos, mas existe uma comunhão de vida que nem mesmo as divergências são capazes de perturbar.

Depois da celebração, saímos todos juntos. O caminho até a igreja, atravessando o claustro, é longo. Propositalmente, andamos devagar. O tempo da liturgia não é um tempo para rapidez e agitação. Após tirar os paramentos litúrgicos, vamos tomar o café da manhã. Aí o tempo ganha uma dimensão diferente. Percebo que fico impaciente quando alguns confrades complicam demais as coisas ao se servirem. Tomamos o nosso café em silêncio.

Eu sei saborear o café, mas não demoradamente, pois reflito com prazer sobre a leitura que depois me espera.

Tento ler os livros até o fim, um após outro, pois esse hábito me dá prazer, embora haja algumas obras que só leio até o fim porque me havia proposto, uma vez que nem sempre cumprem o que o título ou o índice prometeu. A leitura me mantém acordado. Ao ler, mergulho em outro mundo. Por exemplo, ao ler Teresa de Ávila, mergulho na sua época e na maneira como ela experienciava a oração e a contemplação. Ao apreciar livros de psicologia, pesquiso em meu interior até que ponto minhas experiências condizem com o conteúdo.

Antigamente, eu lia as publicações mais recentes; hoje tenho fascinação por textos antigos, pois conduzem a experiências que ultrapassam os conteúdos teológicos e psicológicos conhecidos e me deixam curioso para descobrir novidades também na minha alma. Nesses momentos, sempre me pergunto o que aquelas palavras antigas têm para nos dizer e se nelas é possível encontrar uma resposta para todos os questionamentos.

Desfruto totalmente as três horas de descanso como folga, como um luxo que posso me permitir todo dia. Nesse período, nenhum barulho de telefone me perturba. Nem as preocupações e os problemas da administração me atingem. Aí as pessoas, com as suas expectativas, não têm acesso.

Mesmo quando tenho trabalho em excesso, esse período de descanso matinal sempre me revigora. É como um espaço amparado, em que minha alma é nutrida e envolvida em um manto. Tenho esperança de que essa proteção da minha alma não seja perturbada pelos muitos afazeres e pelos vários contatos com pessoas, que hoje me esperam.

Sei saborear a leitura. Percebo que, em 45 minutos, posso ler bem e de modo concentrado. Depois disso a atenção diminuiria. Sendo assim, após a leitura, gosto também de ir para o escritório. Aí começa o trabalho prático; freqüentemente, é prosaico, em que já reina uma outra qualidade de tempo. Aí, trata-se mesmo de rapidez objetiva.

Durante quatro horas, tenho de resolver alguma coisa quanto a correspondências e conversas; isso exige planejamento.

Então precisamos de concentração, esperteza e eficiência, rápida compreensão e decisões sem demora.

No escritório, procuro primeiro responder aos e-mails e às cartas. Às vezes, porém, nem chego a fazer isso, pois tenho muitas atribulações à espera de uma rápida solução ou imediata ajuda. Confrades chegam com seus pedidos, telefona-se das oficinas, há uma reunião sobre alguma construção ou mais outro assunto. Os bancos telefonam ou os estabelecimentos de ensino pedem que seja marcada uma conferência. Muitas vezes, sinto todas essas chamadas e petições como um peso. Então, é preciso dizer: Não .

Não raro, são muitos problemas que tenho de enfrentar em uma manhã. Sobra pouco tempo para manter distância, fazer uma parada ou meditar. Todavia, as três horas de silêncio diárias antes do trabalho me colocam em contato com o meu interior.

Isso acarreta um efeito que perdura, pois me leva a manter uma distância interna diante dos problemas que diariamente me assaltam.

Quando fico zangado ou reajo de forma impertinente, é sinal de que saí fora de minha moderação, de minha medida e de meu ritmo interno. Nessa ocasião, percebo que estou precisando da pausa do meio-dia para novamente entrar em contato com o espaço interno do silêncio.

Pouco antes do meio-dia, deixo o escritório; no meu quarto, visto novamente o hábito e vou para a "Hora" do meio-dia. Para mim, esse momento é uma salutar interrupção. Nos hinos, o caráter peculiar do momento do meio-dia é tematizado. No calor do meio-dia, muitas vezes, as emoções também fervem bastante. No expediente do trabalho, há tensões, as quais, muitas vezes, deixo de percebê-las conscientemente.

No hino, pedimos que Deus apague as chamas do conflito, dê nova força ao corpo e paz ao coração. Nesses salmos trago tudo o que aconteceu para a oração, a fim de que seja transformado. Os textos se referem à nossa aflição, mas também ao Deus que nos conduz à liberdade. "Se o Senhor não estivesse do nosso lado, quando os homens nos atacaram, então nos teriam devorado vivos, no furor da sua ira contra nós" (Sl 124[123],2-3). Ao cantar os salmos, o coração irrequieto reencontra novamente a paz.

No início da "Hora" do meio-dia, ainda estou cheio dos problemas do trabalho. Mas, durante o canto, os pensamentos sobre as dificuldades recuam. Deus penetra na vida, relativizando o trabalho. Ao rezar, fica claro qual é o alvo do trabalho: não a solução dos problemas, mas sim, afinal, a glorificação de Deus. Assim escreveu são Bento, como lema para seus monges:

Eles devem trabalhar e operar de tal maneira "que em tudo Deus seja glorificado" (RB 58).

Após a "Hora" do meio-dia, temos o almoço; durante a sopa é lido um trecho da Sagrada Escritura; em seguida, é feita a leitura de um livro que pode ter um conteúdo espiritual, ou então social, da atualidade. Muitas vezes, sinto-me feliz porque saberei a continuação do livro. Outras vezes, interessa-me menos. Nesse caso, sinto prazer na refeição e alegro-me por me distanciar, em silêncio, do trabalho da manhã.

Ao ficar calado, posso comer e ter prazer mais conscientemente.

Depois me animo ao pensar no descanso de 35 minutos da parte da tarde. Deito-me na cama e tento dormir. Às vezes, durmo profundamente; outras vezes, apenas cochilo. Após esse tempo, toca o despertador. Então, acordo, lavo meu rosto e bebo uma xícara de café. Com isso, torno-me disposto para o trabalho que me espera na parte da tarde. Para mim, a sesta é fundamental. Nesse período, tudo o que passou antes é elaborado.

Quando estou deitado na cama e os problemas da manhã ainda circulam na minha cabeça, eu rezo a "Oração a Jesus" e depois adormeço. Ao acordar, os problemas não têm mais poder sobre mim. Assim eu vivo o dia bem estruturado e tenho novamente vontade de trabalhar. Na parte da tarde, meu trabalho normalmente tem outro aspecto: debates ou conversas na casa de retiros. Isso também exige muita atenção. Sem a sesta, a minha cabeça não estaria livre para as pessoas e seus problemas.

A tarde é preenchida por conversas e reuniões. Antes da véspera, procuro dedicar um tempo livre, de pelo menos 15 minutos, ao descanso. Aí me deito na cama para relaxar. Embora sinta o cansaço do dia, não considero isso desagradável. Ao contrário, é um peso agradável. Nesse momento, tenho a sensação de que foi para Deus que me cansei, trabalhando.

Nesses 10 ou 15 minutos, tento relaxar a fim de poder estar pronto para a véspera. Não me sinto bem quando não faço uma pausa; fico desatento. A experiência me ensinou que, se não descansar, não estarei suficientemente acordado para escrever ou ler alguma coisa. Assim, essa pequena interrupção, de tardinha, me dá condições para organizar e viver mais conscientemente também no fim do dia.

Para mim, a véspera, às 18 horas, é o momento de oração mais apreciado. É o louvor vespertino da Igreja. Os israelitas ofereciam seus sacrifícios no Templo toda manhã e toda tarde. A Igreja adotou essa tradição. Nesse louvor vespertino, comemora-se o sacrifício de Cristo na cruz, com o qual nos libertou de todos os demais sacrifícios.

Na Igreja, conservou-se a tradição de orar com os braços erguidos. Esse gesto de oração lembra o Cristo, sofrendo na cruz de braços abertos, para se entregar inteiramente nos braços amorosos do Pai. No evangelho de João, o próprio Jesus interpreta seus braços abertos com as palavras: "E, quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim" (Jo 12,32).

Na véspera, pedimos que Deus nos envie a luz que Cristo, por sua morte na cruz, trouxe para a nossa escuridão e brilhe no nosso coração também na escuridão da noite.

A Igreja primitiva celebrava a véspera como uma festa de luz, como lucernarium. No pôr-do-sol, quando o astro vespertino, o Hesperos, aparece, a luz de Cristo continua em nós, que é uma luz calorosa. Que ela cancele todos os nossos sentimentos de culpa e nos preencha com o suave amor de Cristo!

Ao cantar os salmos da véspera, penso muitas vezes nas pessoas com as quais, durante o dia, mantive algum contato e que me contaram seus problemas, mas também naquelas com as quais me encontrei no trabalho. Quando penso nos profissionais autônomos ou nos diretores de banco que às 18 horas ainda não cessaram seus trabalhos, sinto-me um privilegiado por poder mergulhar durante 35 minutos na oração da comunidade.

Há novamente aquela experiência: na véspera, não preciso render nada. Canto com os demais e deixo-me carregar pelo canto comum dos confrades. Os salmos abrangem a gratidão não apenas por tudo o que Deus fez em Jesus Cristo, mas ainda por tudo o que hoje, para mim, deu certo, pelas pessoas com as quais me encontrei e pela dádiva de toda a nossa vida.

Os salmos são cantados por nós nos oito tons, conhecidos pelo cantochão. Cada tom abre um espaço próprio de som e dá ao nosso canto um colorido específico. Em cada tom, ouço um aspecto diferente de Deus e da minha relação com ele. Cada tom suscita em mim uma emoção, uma disposição. Eu me sinto diferente em cada um e, nele, me encontro com Deus de maneira peculiar.

Quando cantamos um salmo no primeiro tom, sinto um espaço para a saudade. O segundo e o oitavo são tons mais objetivos. Neles, meditamos sobre tudo o que Deus fez para nós. São os tons característicos da meditação, na qual a Palavra de Deus penetra em nosso coração sempre mais profundamente.

O terceiro tom possui uma característica peculiar. Para mim, exprime-se nele a confiança em Deus, que ajuda os pobres e levanta os miseráveis da sujeira. O quarto, cujo intróito compõe a festa da Páscoa, me arrebata para um sentimento festivo. Abre um espaço de transcendência, em que tudo o que é terrestre transforma-se, a luz invade a escuridão e um toque divino faz a terra tremer.

O quinto é muito otimista. Quando canto um salmo nessa tonalidade, penso sempre na liturgia celeste. Esse tom abre a porta do céu e deixa-nos participar do canto eterno de louvor, executado por anjos e santos. O sexto se caracteriza por uma profunda confiança na bondade de Deus. Não conhece escuridão e triunfa pelo amor divino, que nos plenifica. O sétimo é o júbilo. São dele os intervalos maiores, e é ele que eleva o coração para Deus.

A esses oito tons do cantochão, acrescentam-se mais dois. Há o tonus peregrinos, o tom do romeiro. J. S. Bach usou esse tom em seu Magnificat alemão. E há também o tonus irregularis, que sempre gosto muito de cantar, porque me toca no coração. Cada tom do saltério tem um ritmo e, uma emoção próprios e me conduz a um outro sentimento. Sinto que todos esses sentimentos fazem bem à minha alma e expressam em mim as mais diversas disposições. Isso tem um efeito salutar sobre a minha alma.

Conforme já disse, viajo duas vezes por semana a uma cidade localizada a 300 quilômetros de distância do monastério, para uma conferência, de maneira que, em seguida, ainda posso voltar para casa. Procuro partir cedo o suficiente para chegar na hora certa e evitar imprevistos durante a viagem.

Muitas vezes, gosto da viagem. O telefone não me alcança, podendo me entregar aos meus pensamentos. Enquanto estou a caminho, procuro me preparar para a conferência.

Geralmente, não levo nada escrito. A maior parte das palestras retoma temas tratados nos meus livros. Todavia, sempre devo adaptar-me internamente àquelas pessoas, bem como àquilo que se passa no meu coração. Não gostaria de que minhas palestras se banalizassem em uma rotina.

Nas palestras, fico muito emocionado ao notar nos ouvintes um grande desejo de obter uma espiritualidade que os anime e encoraje, que corresponda às necessidades e abra o céu acima da vida cinzenta de cada dia. Assim, cheio de gratidão, faço a viagem de volta. Deixo ressoar dentro de mim as perguntas e os encontros vividos.

Os questionamentos dos ouvintes me levam freqüentemente a novas idéias. Incitam-me a refletir sobre o que, no fundo, mexe com as pessoas, e quais são as respostas que posso dar com base na fé. O que realmente ajuda as pessoas? Se tivesse de lidar com os temores e depressões demonstrados em muitas perguntas, como é que eu, pessoalmente, reagiria?

Assim eu percebo que as palestras, com suas longas viagens - freqüentemente por um tráfego movimentado ou engarrafado, ou com neve e chuva -, não são apenas cansativas, mas ajudam também a me manter alerta.

Muitas vezes, retorno das palestras somente à meia-noite, ou mais tarde ainda. Se for mais tarde, não me levanto no dia seguinte para a matina, mas apenas às 5h45, para participar da missa conventual.

Aceito bem o fato de que um ou dois dias por semana terminam de um modo diferente. Mas sinto igualmente que não me faria bem se essa interrupção de meu ritmo fosse freqüente demais. Porém, por mais tarde que volte, eu não poderia ficar dormindo a ponto de perder a missa conventual. Sentiria falta de alguma coisa se simplesmente me jogasse nas atividades. É necessário que o dia tenha um início claro, um começo comum, no meio dos meus confrades. Com a celebração da eucaristia, então, posso lançar-me novamente ao ritmo diário comum.

 

O ritmo da semana e o

Caráter sagrado dos dias

 

Cada dia da semana apresenta um caráter peculiar, que depende da estrutura do trabalho. Segunda-feira à tarde, temos uma reunião administrativa em que participam o abade, o prior, o subprior e os três ecônomos. Terça e quartas-feiras à tarde, o programa apresenta as conversações na casa de retiros. Quarta-feira de manhã, realiza-se a reunião da equipe.

Em um dia assim, o trabalho na administração fica sempre apertado. Ministro palestras somente nas segundas e quintas-feiras, de sorte que, nas demais noites, estou sempre em casa. Nos fins de semana, dou cursos, seja na abadia, seja nas nossas outras duas casas de formação, em Würzburg e Damme.

Mas não é só o trabalho que caracteriza os dias da semana. Na sacristia, encontra-se sempre afixado o calendário litúrgico da semana. Pela liturgia, cada dia recebe um caráter próprio. Nos domingos, vejo quais são as festas da semana e os santos comemorados. Por isso, ao acordar cedo, não me pergunto somente o que está marcado para determinado dia, mas ainda o que será comemorado.

Também durante a semana, há sempre dias festivos, como, por exemplo, as festas dos apóstolos ou a festa de santa Escolástica, de são José, a festa da Anunciação ou da Visitação de Maria. Esses festejos me dizem alguma coisa. De muitos, alegro-me em particular com as festas de Maria, que têm uma qualidade especial. Por serem festas lúdicas, espelham na figura de Maria aquilo que Deus faz conosco. São sempre comemorações otimistas, que nos mostram nossa dignidade divina. Nas festas marianas, Deus mostra-se maternal e carinhoso, com um rosto feminino.

As festas caracterizam não apenas a celebração da eucaristia, mas também a oração coral durante o dia, e transmitem uma determinada cor, uma atmosfera, uma dimensão profunda. A liturgia convida para refletir novamente sobre a minha vida à luz dessas festas, adivinhando o mistério de minha existência.

Com Maria, então, posso cantar: Grandes coisas fez por mim o Todo-poderoso. Pôs os olhos sobre a humildade de sua serva.

Entre os dias santos comemorativos, existem alguns, naturalmente, cujos santos não me são interessantes. Não tenho afinidade com eles. No meu coração, eles não tocam mesmo. Mas há outros que realmente me emocionam profundamente. Não é somente são Bento, cujo dia (21 de março) celebramos como uma grande festa, ou santo Anselmo, em cuja festa comemoro meu dia onomástico, mas também são Francisco, são Jorge, santo Agostinho, santo Antônio, são Martinho, são Klaus von der Flüe, são João da Cruz, e algumas santas mulheres, como Teresa de Ávila, Catarina, Bárbara, Elisabete, Mônica e muitas outras. Pelo santo comemorado, o dia ganha outro caráter.

Na vigília, o leitor costuma ler em voz alta alguma coisa sobre o santo do dia. Quando tenho um relacionamento íntimo com esse (a) santo (a), rezo os salmos conscientemente junto com ele (ela). Imagino que ele (a) rezou o salmo durante sua vida, expressando nele a sua saudade de Deus.

Agora - assim acreditamos -, os santos cantam a Deus o eterno louvor, com as palavras sagradas dos salmos. No céu, os salmos têm um tom diferente que os da terra.

Ao cantar os salmos juntamente com os santos, participo agora de sua consumação.

Antigamente, em regiões católicas, essa maneira de entender o tempo ainda era muito natural. Minha tia, por exemplo, nunca diria: "No dia 17 de janeiro, aconteceu-me isto ou aquilo". Ela diria: "No dia de santo Antônio, fui para tal lugar". Para ela, a festa do abade e do eremita - ou de outro santo qualquer - marcava mais o dia do que o número do dia na folhinha. Era assim que cada dia tinha para ela o seu caráter próprio.

Não podemos simplesmente retomar esse costume, nem restaurar aquela piedade tão profundamente arraigada nas festas anuais dos santos. Mas, em muitos dias de comemoração de santos, eu percebo, a partir de meus sentimentos, o que esse relacionamento pode causar na alma das pessoas. Sinto, então, que o dia ganha outra qualidade. Não é simplesmente o tempo normal que decorre, mas é um tempo que foi marcado por esse (a) santo (a) e por aquilo que Deus operou nessa pessoa, e que ele quer operar também em mim, hoje mesmo.

Quando, por exemplo, celebramos em 28 de agosto a festa de santo Agostinho, penso nesse santo e naquilo que o motivou, então isso desperta também em mim um ardor semelhante àquele que tomou conta dele. Ou quando, no dia 19 de novembro, celebramos a festa de santa Elisabete, não me lembro apenas de minha irmã mais nova, que tem esse nome e que costumo felicitar nesse dia. Sinto antes surgir em mim àquela mesma irradiação da santa, que viveu apenas 24 anos; no entanto, marcou a história do Ocidente por ter um coração repleto de amor, voltado aos pobres.

Em semelhante atualização de uma biografia cronologicamente tão distante, torna-se claro para mim o que na vida, também hoje, é decisivo. Isso não se refere há quantos anos viverei nem quanto posso realizar e exibir, mas sim que eu abra o meu coração e viva cada momento com generosidade.

Muitos pensam que a vida conventual é monótona. Porém, diariamente, em especial pela consciente orientação litúrgica da nossa vida, tem uma qualidade.

 

O que antigamente marcava a vida humana, transcendendo também o dia-a-dia (a saber: a relação com o calendário dos santos), hoje está perdido, em grande escala. Com certeza, da mesma forma não pode ser reanimado nas condições do mundo moderno. Na realidade conventual, porém, aquilo não é ainda apenas lembrado, mas realmente vivido. Os diversos dias festivos e comemorativos estruturam a semana e nos deixam viver cada dia de forma diferente.

Não é somente com os santos que a tradição eclesiástica relaciona os dias da semana, pois há muitos simplesmente marcados por um de ea, isto é, "dia comum". O que os distingue são as leituras marcadas para cada dia. Quando é um evangelho que significa muito para mim, aquelas palavras me acompanham o dia inteiro.

Além disso, a Igreja relaciona cada dia da semana com um determinado mistério da fé. Na segunda-feira, comemora-se a Santíssima Trindade; na terça, os santos anjos; na quarta, são José; na quinta, o Espírito Santo, ou também a eucaristia; na sexta, a Paixão de Cristo. O sábado é dedicado a Maria. É essa dedicação dos dias da semana aos mistérios da fé que dá a cada um desses dias uma qualidade própria.

Se comemorarmos o Deus Trino na segunda-feira, então, esse não será apenas o primeiro dia de trabalho da semana. No campo profissional, a segunda-feira tem uma qualidade própria. Em muitas regiões, falava-se antigamente da blauen Montag,*[1] "segunda-feira da ressaca" porque nesse dia muitos ainda estavam sentindo os efeitos da bebedeira do fim de semana e tiravam o dia de folga. Hoje, caracteriza-se mais pelo próprio peso do trabalho.

Pensar no Deus Trino acarreta uma qualidade bem diferente. Lembro-me, então, de que também no decurso do dia-a-dia estou mergulhado em Deus. E sei que a fonte da força para o trabalho não é minha, mas sim do Espírito Santo. E é inesgotável, porque divina. Quando o meu trabalho se origina dessa fonte, a sua qualidade é outra.

Algo jorra de dentro de mim; desabrocha. Se determinado apenas pela vontade própria, o trabalho cria em redor de si uma atmosfera agressiva.

Na terça-feira, recordamos que não vivemos o dia sozinhos, mas acompanhados por um anjo, que não é apenas o anjo de guarda, que me acompanha nas minhas viagens, e às vezes, apesar do engarrafamento, ainda me faz chegar na hora para a palestra. O anjo também me inspira, sugerindo-me novas idéias. Em meio a uma situação difícil e decisiva, ele me faz encontrar a solução certa.

Pensando assim nos santos anjos, lembro-me de que certas pessoas podem às vezes se tornar anjos para mim, e que eu mesmo posso ser um anjo para os outros. Os anjos me abrem os olhos para o mistério da convivência humana: nem tudo é rivalidade e concorrência; um pode se tornar um anjo para outro, dirigindo-lhe a palavra certa ou animando-o quando está passando mal.

Na quarta-feira, pensamos em são José, o padroeiro do trabalho. Isto é, quando no meio da semana a atividade se torna penosa, pensar nele nos lembra de que o trabalho é uma tarefa espiritual, em que se faz necessário decidir se nos entregamos a Deus ou se ficamos apenas girando em torno de nós mesmos. Nos conventos, são José é também o padroeiro do ecônomo, ao qual podemos confiar as finanças. Mas ele me mostra que não é evidente que os negócios sempre vão dar certo.

Do mesmo modo, uma administração precisa da bênção de Deus; senão, ela facilmente tiraniza, submetendo todo o agir e pensar somente a fins econômicos.

Tradicionalmente, a quinta-feira é o dia em que se comemora a instituição da eucaristia. Em nossa abadia, realizamos a eucaristia à noite. Nesse momento, celebramos a transformação do nosso dia-a-dia. Tudo o que produzimos com nosso trabalho e esforço oferecemos a Deus, para que ele o transforme no corpo e sangue de Jesus Cristo.

Que tudo o que fazemos seja compenetrado pelo divino amor, que na morte de Jesus brilhou de forma consumada. Na eucaristia, pedimos a Deus que o nosso trabalho se torne pão e vinho para os outros e seja uma bênção para muitos.

Sexta-feira é o dia da morte de Jesus. Comemoramos o sofrimento do crucificado. Toda sexta-feira, às 15 horas, os sinos tocam, convidando-nos a uma oração em silêncio.

Quando nessa hora estamos deliberando alguma coisa, paramos e comemoramos a morte de Jesus.

Esse pequeno rito nos deixa claro que o nosso tempo não é simplesmente mensurável, mas sim marcado pela história, ou seja, tempo de comemoração, em que novamente aquilo que é essencial penetra em nossa vida. Comemorar a morte de Jesus na cruz, na sexta-feira, às 15 horas, confere ao tempo uma outra qualidade. É tempo sagrado, em que o Deus eterno, pela morte de Jesus, operou a nossa salvação.

A primeira sexta-feira do mês é dedicada ao Coração de Jesus e celebrada de maneira especial. Na ocasião o abade celebra a missa conventual e declara o pedido sobre o qual queremos hoje orar e meditar. A sexta-feira do Coração de Jesus nos lembra do centro de nossa fé, do amor divino encarnado em Jesus. Em seu coração, o amor divino se torna visível para nós, por isso é sempre um dia de silêncio e meditação.

O sábado é sempre dedicado a Maria. O sábado judaico é dia de descanso. Algo dessa qualidade brilha em Maria. Não é pela quantidade de trabalho que ela se distingue, mas por ter confiado na palavra do anjo e ter meditado sobre as palavras de Deus, "guardando-as no seu coração", como diz Lucas. Maria é a mulher contemplativa, que olha para o próprio interior e leva para o dia-a-dia masculino um colorido feminino.

No dia-a-dia conventual, o sábado apresenta uma estrutura diferente. Na parte da manhã, trabalhamos. As oficinas, porém, onde trabalham também os funcionários, estão fechadas. Os chefes fazem os devidos pagamentos. Na administração, o trabalho é normal; quando não tenho nenhum curso, gosto de usar a manhã do sábado para pôr em dia a correspondência, acumulada na semana. A parte da tarde é livre.

Normalmente, nesse dia, tenho algum curso. Mas, quando estou livre, fico satisfeito em poder ler ou escrever a tarde toda. Enquanto saímos da igreja depois da véspera, o toque dos sinos anuncia o domingo, retinindo durante 10 minutos. Nesse período, caminhamos em silêncio pelo claustro. É uma boa oportunidade para deixar a semana para trás, orientando-se para o domingo.

Os sinos conferem ao tempo um caráter especial. O mistério oculto atrás do tempo fica audível no badalar dos sinos. Na semana, os sinos nos convidam para cada hora de oração. O sacristão conhece os horários. Para as "Horas" menores, toca-se apenas o pequeno "sino das Horas".

 

Para a véspera, tocam-se três sinos ao mesmo tempo: primeiro, aos 15 minutos antes da véspera; e outra vez, aos 5 antes de começá-la. Nas festas maiores, todos os seis sinos tocam juntos; primeiro, meia hora antes da véspera, e outra vez aos 7 minutos antes do início dela. Toda manhã e toda noite, toca o sino do Angelus, que nos convida para a oração: "O Anjo do Senhor...", comemorando a anunciação do anjo a Maria e a encarnação de Deus em Jesus Cristo.

Não é a cadência dos minutos, mas sim o som dos sinos que caracteriza o tempo no convento. Em todas as culturas e religiões, os sinos são um sinal sagrado, pois simbolizam a ligação entre o céu e a terra. Abrem o céu acima da terra e deixam o eterno penetrar em nosso tempo. Esses instrumentos chamam para a oração, cujo som simboliza também a harmonia cósmica. Ressoando juntos, unem o céu e a terra.

No repicar dos sinos, expressamos nosso desejo de que o som divino venha plenificar este mundo, expulsando todo barulho. A palavra alemã lãrm (barulho) é originária do italiano allarme, que significa o grito allarme (às armas). Diante desse ruído guerreiro, os sinos querem nos lembrar da voz de Deus. Quando percebemos neles a voz de Deus - assim pensava a Idade Média cristã -, então nossa alma é levada para além dos limites terrestres.

O toque dos sinos provoca nas pessoas um sentimento curioso. Não apenas chama a atenção, mas também harmoniza a alma com Deus, que é o verdadeiro destino do ser humano. Na Idade Média, imaginava-se que os sinos afugentassem os demônios. De fato, expulsam do coração humano os espíritos maus e sombrios, os sentimentos tenebrosos, enchem-no com alegria e dão-lhe uma disposição festiva.

A badalada festiva combina especialmente com o domingo. A semana anterior, de fato, desemboca no domingo. Esse dia já é introduzido pela véspera do sábado. No primeiro sábado do mês, nós iniciamos a ceia com uma pequena celebração luminosa. O abade entoa o hino "Alegre luz", e um noviço acende no refeitório, em um castiçal especial, a vela. A luz que cantamos na véspera terá de caracterizar também nossa convivência na refeição vespertina.

No domingo, nós nos levantamos um pouco mais tarde. A vigília começa então às 6h10, com o Invitatorium cantado. Esse canto nos convida a louvar a Deus, iniciando-se com o versículo: "Exultai em Deus, nossa força, aclamai ao Deus de Jacó. Entoai o canto e tocai o tímpano, a citara melodiosa com a harpa" (Sl 81[80],1-2). Assim, os primeiros versículos desse cântico de entrada nos fazem participar do louvor dominical de Deus. Depois da vigília, cantamos no domingo também as laudes e elogiamos a Deus como nosso salvador e nossa força.

A "Hora" de domingo de manhã dura um bom tempo. Em seguida, temos instantes de silêncio até as 9 horas, que é o momento da missa conventual. Depois, há um período para ler ou ouvir música. Da mesma forma, a tarde é livre. Sempre fico satisfeito no domingo, porque posso ler à vontade. Se o clima estiver bom, faço depois da sesta uma caminhada para desprender tudo o que já passou. Geralmente, ministro no fim da semana um curso, que termina na hora do almoço. Então me faz bem despedir-me, ao andar, daquilo que já passou e lembrar-me mais uma vez do que desabrochou nas pessoas.

No domingo, a véspera é mais solene do que de costume. Ficamos em pé durante a recitação dos salmos.

Cantamos os salmos do Aleluia, que Jesus entoou com os discípulos na última ceia, que rejubilam com o mistério de morte e ressurreição, cantam a Deus que levanta o pobre da poeira (cf. Sl 113[112],7) e nos convidam: "Treme, ó terra, diante do Senhor, diante do Deus de Jacó" (Sl 114[113],7).

Gosto especialmente da véspera desse dia, pois lhe dá o sabor da ressurreição. Na ceia dominical, temos cerveja. Não é só isso que incentiva as conversas no recreio da noite. Muitas vezes, sentimos também uma certa leveza dominical, com a qual, então, cantamos o completório, encerrando o domingo.

Assim a semana apresenta sua estrutura. Aparentemente, o ritmo sempre igual dá à semana seu caráter, afastando o tédio. Na diferenciação entre os dias, há uma tensão e uma vivacidade internas. Eu percebo que esse ritmo me faz bem. Mantém-me vivaz e garante que eu não fique só trabalhando, mas tenha também tempo para ler, rezar e para lazer. Depois do domingo, inicio o trabalho com novo entusiasmo. Não há relutância; sinto que assim está tudo certo, sem a impressão de que tudo seja demasiado.

 

O ritmo do ano e o ciclo das festas

 

No convento, o ano é estruturado com base no ano litúrgico, o qual, por sua seqüência interna e seus diversos pontos altos, implica uma tensão saudável. Põe a minha alma em contato com os temas mais importantes dos quais ela precisa para amadurecer e crescer. De acordo com C. G. Jung, poderíamos chamar o ano litúrgico de "sistema terapêutico", que me introduz nas esferas mais altas e profundas de minha alma e confronta as minhas feridas com o destino de Jesus, tentando assim curá-las.

O ciclo das diversas festas apresenta as mais importantes imagens arquetípicas conhecidas pela alma humana. Com isso, as festas movimentam a alma.

Quando as acompanhamos e celebramos conscientemente, esses festejos nos centralizam e nos ajudam a encontrar nosso verdadeiro "eu".

O ano litúrgico adota o ritmo das estações do ano. As festas originais eram celebrações da primavera, da semeadura, da colheita, do nascer e do pôr-do-sol. Os povos sempre consideraram os fenômenos da natureza como símbolos do próprio nascer e crescer, por isso organizavam as festividades. A Igreja ligou essas imagens arquetípicas com a vida de Jesus, seu nascimento, seu batismo, sua morte e ressurreição. com isso, penetrou no cerne das festas da natureza.

Para as diversas festas e temporadas festivas, a liturgia conhece uma série de rituais. Para mim, esses ritos preestabelecidos são salutares e criam no convento uma outra atmosfera. Os rituais nos unem e nos orientam, todos juntos, para Deus; ajudam-nos a celebrar uma festa ou uma temporada festiva conjuntamente, expressando nossos sentimentos e desejos.

Os rituais trazem em si uma força própria e criam um espaço saudável, no qual se pode mergulhar. Mas, ao lado dos ritos comunitários, cada monge desenvolve seus rituais totalmente pessoais, nos quais ele exprime seu relacionamento com Deus de forma que corresponda à festa do dia. Meus ritos pessoais me ajudam a viver essas festas litúrgicas de uma forma profundamente pessoal. Todo ano, esses ritos trazem de volta alguma coisa em que eu confio e me dá consistência; além disso, arrumam para mim uma casa na qual me sinto à vontade.

O ano litúrgico começa no Primeiro Domingo do Advento. No nosso convento, iniciamos esse tempo com uma longa vigília na véspera do Primeiro Domingo do Advento.

Nesse período, ninguém toca o órgão. Cantamos, portanto, o cantochão da missa sem acompanhamento instrumental. Em outras cerimônias, o organista renuncia ao prelúdio e entramos calados no coro. Na eucaristia, usamos os paramentos roxos.

Todos esses elementos contribuem para que o Advento não passe simplesmente sem ser percebido por nós, fato de que muita gente sempre se queixa. Todo esse tempo é caracterizado por expectativa e silêncio. Os textos maravilhosos do profeta Isaías e os cantos repletos de anseio comovem o coração. Na ceia de sábado, as luzes do refeitório ficam apagadas no período em que o cantor entoa o "Rorate coeli" (Que o orvalho caia do céu). Enquanto todos repetem o canto, a vela é acesa na grinalda do Advento.

Nesse período, devemos entrar em contato com aquilo que o nosso coração anela. É bem consciente que vivemos o Advento como a fase do esperar.

Sem esperança, o ser humano fica enfraquecido. Quem não sabe mais ter esperança não sabe tampouco entender o mistério do tempo, o qual é sempre promessa do eterno.

No tempo do Advento, aguardamos a vinda do Senhor, que a qualquer momento pode bater na porta do nosso coração para que o abramos; além disso, quer transformar de novo as nossas muitas cobiças em santos desejos, os quais expandem o coração e nos conduzem até o fundo de nossa alma, a fonte da qual podemos beber, para que se renove a nossa vida.

Para mim, esse não é um tempo agitado, mas sim uma época em que me abro conscientemente para os textos e cânticos da liturgia. Em meu ritual pessoal, em cada domingo do Advento, ouço uma outra cantata. No primeiro domingo é: "Nun kommt der Heiden Heiland" (Vem então, Salvador dos gentios); no segundo: "Bereitet die Wege" (Preparai os caminhos); no terceiro: "Wachet auf" (Acordai), todas de Johann Sebastian Bach; no quarto domingo, ouço a parte do "Messias", de Hãndel, que se refere ao Advento.

Assim, nessas quatro semanas, existe uma tensão interna, que me abre cada vez mais para o mistério do Natal.

Começamos a santa véspera do Natal de manhã cedo com a missa da vigília, na qual cantamos o maravilhoso ofertório: "Tollite portas..." (Abri-vos, ó antiqüíssimas portas). Quando nosso organista de outrora, padre Augustin, tocava órgão no momento do ofertório, nós ouvíamos como as portas da terra se abriam, pronta para a encarnação de Deus. Na liturgia da vigília de Natal, ressoa sempre o versículo: Hoje deveis saber que o Senhor virá, e amanhã contemplareis a sua glória.

Essas palavras provocam uma tensão curiosa, pois, a partir delas, pressente-se que a vinda de Deus há de trazer para nossa vida algo da glória divina. Na parte da tarde, temos a solene primeira véspera do Natal.

Em seguida, organizamos no convento uma pequena festa de Natal, em que o abade faz uma palestra, interpretando para nós o mistério do tempo natalino. Depois, dedico três horas para me preparar, em pleno silêncio, para a vigília das 22h45.

Esses momentos são-me muito importantes. Acendo as velas em cima de minha escrivaninha e coloco todas as imagens de Natal que, no decurso de minha vida, se tornaram importantes. Depois ouço uma parte do oratório de Natal, contemplo em silêncio as imagens, rezo por pessoas queridas e sempre me pergunto: Qual é o real significado de "Deus tornou-se um ser humano; Deus nasce em mim"?

Mesmo após ter pregado isso muitas vezes, todo ano tenho de me esforçar para encontrar uma resposta que corresponda à minha situação atual. Às 2 horas, terminam a vigília natalina e o culto da meia-noite. Às 7 horas, levanto-me de novo, para tomar café e ler alguma coisa antes da missa conventual. No Natal, permito-me ficar lendo, fazer uma caminhada, ligar para irmãs e irmãos e saborear a folga: simplesmente ficar por ali e sentir algo do mistério natalino. Isso me faz bem.

Em 1979, desde que ministrei um curso para jovens no dia de são Silvestre uma importante experiência a respeito do tempo está ligada, para mim, a essa data. Durante 20 anos, passei a noite de são Silvestre com jovens, em oração e silêncio. O culto começava às 21 horas e terminava sempre entre 2h30 e 3 horas. No entanto, isso nunca ficou enfadonho.

Antes e depois da meia-noite, passávamos na igreja escura da abadia.

Na ocasião, eu dava sempre uma breve introdução a esse silêncio. Convidava os jovens para que deixassem, em silêncio, o tempo antigo escorrer e se libertassem de tudo o que houvera no ano findo, a fim de então, em silêncio, perceberem o tempo novo, que ainda estava intacto, ileso, puro e aberto às novas possibilidades de Deus, para comigo e para com este mundo. Aí aqueles jovens sentiam algo do mistério do tempo, de sua transitoriedade, mas também do caráter intacto, ileso do tempo novo que em cada momento nos é outorgado.

No silêncio da meia-noite, o tempo se tornava palpável. À meia-noite, então, o sino maior sinalizava o início do novo ano. Aquele som profundo dava uma qualidade peculiar ao tempo ainda inocente do ano-novo.

Nós sempre começamos o ano-novo fazendo três dias de retiro, nos quais dedicamos o tempo para refletir todos juntos sobre nossa vida e nos perguntar como poderemos no novo ano responder, como monges, aos problemas do nosso tempo.

Esforçamo-nos por descobrir a vontade de Deus. O que ele quer de cada um? E de nossa comunidade? Qual é a nossa tarefa, hoje, para nosso mundo? O que impulsiona intimamente as pessoas? E como gostaríamos de viver, sendo monges, para oferecer um testemunho autêntico da esperança que nos orienta?

A época do Natal conhece um segundo ponto alto: a festa da Epifania, cujos sentido e mensagem são que a glória de Deus aparece ao mundo inteiro. Emociona-me, todo ano, o texto de Karl Rahner que ouvimos na vigília: Veja, os sábios se puseram a caminho. Seus pés andaram até Belém, mas seu coração peregrinava para Deus. Procuravam-no; mas, enquanto o procuravam, ele já os conduzia.

Comecemos, nós também, a viagem aventurosa do coração, rumo a Deus. Caminhemos! E esqueçamos o que ficou para trás. Tudo ainda é futuro - pois podemos encontrar a Deus, e encontrá-lo sempre mais.

A festa nos convida para, também no ano-novo, continuar a romaria de nosso anseio. Antigamente, antes da Epifania, eu ministrava um curso para alunos do último ano do ensino médio. Eu ficava realmente emocionado ao ver como aquele grupo de jovens se deixava entusiasmar pelo mistério da festa da Epifania. A lembrança daqueles festejos intensivos me ajuda ainda hoje a celebrar conscientemente a festa do Dia de Reis. Quando, com nosso coro, cantamos o "Illuminare Jerusalém" (Clareia, Jerusalém), sinto aquela luz que gostaria que brilhasse em meu coração.

Com a festa do Batismo de Jesus, encerra-se oficialmente a época do Natal. Essa festa nos dá a certeza de que somos bem-amados filhos de Deus. A árvore de Natal continua na nossa igreja até a festa da "apresentação de Jesus", no dia 2 de fevereiro,[2] em que antigamente se concluía o "tempo de Natal". Para mim, é mais uma celebração importante.

Nesse dia, ouço a cantata de Bach: "Ich habe genug" (Contente estou). No cântico do sábio Simeão, revela-se a mim o mistério do tempo, no qual posso constantemente contemplar a salvação que Deus preparou para mim: no encontro com uma pessoa, no silêncio da meditação, em uma palavra que me emociona.

Na cantata de Bach, o velho Simeão canta que está contente porque tomou nos braços o próprio Cristo. Naquele momento, deseja a morte não para fugir da vida, mas porque já viu o suficiente. A mesma serenidade interna eu também desejo para mim. Sinto um pouco o que é uma gratidão que sabe cantar: "Contente estou", ou seja, cada momento pode contentar. A cada instante, contemplo a salvação divina; assim posso, da mesma forma, me libertar da tentação de reter o momento. Não preciso agarrar-me a ele, cheio de angústia.

O tempo da Quaresma tem um caráter peculiar. Começo a Quaresma sempre com um curso sobre seu significado. Juntamente com os 35 participantes, pratico jejum e silêncio.

As únicas bebidas são água e chá. Para mim, isso é uma boa entrada na Quaresma, pois me despertam internamente, e eu vivo o tempo de modo consciente.

Depois, considero mais fácil comer menos durante a Quaresma, renunciar a doces e álcool e utilizar o tempo de modo consciente como treinamento para a liberdade interna.

Embora não goste desse período, percebo que me faz bem, pois é um tempo para purificação interna e externa, uma espécie de limpeza de primavera, para corpo e alma.

Ordena em meu ser alguma desordem que surgiu, como, por exemplo, um descontrole no comer, uma confusão em minha cela ou no escritório.

Ao mesmo tempo, essa época me alivia; com isso, não preciso o ano inteiro me condicionar a uma disciplina severa. Existe uma época no ano que retorna à medida certa: o tempo da Quaresma me prepara internamente para a Páscoa, a festa da Ressurreição.

Para mim, a Páscoa é a festa mais significativa do ano litúrgico. A partir de 1974, celebrei (durante 25 anos) a Páscoa juntamente com jovens (muitas vezes até 250 pessoas). Eram dias cansativos, nos quais passava até 25 horas no confessionário; sem contar as celebrações litúrgicas e os compromissos com os cursos que lecionava.

Enfim, gastava muita energia. Mas empenhava-me com entusiasmo até a Páscoa, até que a tensão se amenizava à noite. Durante a Quaresma, sinto algo dessa tensão, à espera da festa das festas, da qual eu desejo que sua luz penetre em toda escuridão e que a sua vitalidade faça reflorescer tudo o que estava morto e entorpecido.

Todo ano, tenho uma experiência diferente da noite da Páscoa. Preciso fazer entrar a luz do Círio pascal em meu coração, qualquer que seja o meu sentimento no momento.

Embora seja diferente, a cada ano, percebo que grilhões se soltam, e eu do sepulcro de decepção e endurecimento me levanto para uma nova vida.

Em minha opinião, o tempo pascal é o mais belo do ano, pois, no hemisfério norte, na natureza, a primavera vence o inverno. Além disso, a liturgia está repleta de cânticos maravilhosos: melodias do Aleluia pascal, que fazem o coração bater com mais força.

O tempo pascal tem um ritmo peculiar, cuja duração até a Ascensão de Cristo é de 40 dias. Quarenta é o número da transformação. Nesses dias, o mistério da Ressurreição deverá nos transformar e animar sempre mais, para nós mesmos ressuscitarmos para a vida. No 40a dia, Jesus sobe ao céu, para que nós não o sigamos mais externamente, mas o recebamos em nós como nosso Mestre interno.

No 50° dia, celebramos o Pentecostes. Cinqüenta é o número da completitude, do arredondamento, da consumação. No 50a ano, os israelitas libertavam os escravos e deixavam suas terras sem plantio por um ano, a fim de que pudessem se renovar. Com a idade de 50 anos, os romanos ficavam livres do serviço militar. Quando no Pentecostes o Espírito Santo nos compenetra, podemos libertar todas as compulsões internas. Não precisamos mais lutar de modo obstinado e podemos confiar que o Espírito de Deus irá se tornar uma fonte que nos fecunda e mantém vivos.

O fruto da Páscoa abre-se no Pentecostes. Nesse momento, celebramos nossa transformação pelo Espírito divino. Andar por 50 dias no caminho da Ressurreição leva à liberdade, à vivacidade, à plenitude. Nessa época, muitos grilhões se soltam e caem, e muita escuridão clareia.

No tempo pascal, temos o belo mês de maio, em que as flores desabrocham e em toda parte aparece o verde fresco, e os passarinhos nos acordam bem cedinho. O mês de maio é consagrado a Maria. No convento, nós nos dirigimos em procissão ao altar de Maria para uma breve meditação.

Em várias melodias, ela é cantada, então, como a mais bela de todas as flores. Nela, cumpre-se a promessa das flores que desabrocham na natureza. Ela é a imagem de todos nós e da beleza que cada um carrega dentro de si, já que cada um de nós foi criado por Deus para ser bom e belo. Cada um de nós é, no jardim do Senhor, uma flor singular.

Após o Pentecostes, começa o período do ano em que usamos novamente os paramentos verdes nos domingos. Mas esse tempo é de novo interrompido por belas festas, como as de Corpus Christi, do Sagrado Coração de Jesus, da Visitação de Maria, bem como de são João Batista, são Pedro e são Paulo.

Agosto culmina na festa da Assunção de Maria. Nela, elevada ao céu em corpo e alma, celebramos a dignidade e consumação de nosso corpo. Além disso, comemoramos a boa criação de Deus que, para nós, cultiva flores bonitas e ervas medicinais. Nessa festa, benzemos ramalhetes de ervas, agradecendo a Deus pelo cuidado amoroso e curativo que tem por nós no mundo criado por ele.

Setembro se destaca pelas romarias aos santuários da veneração de Maria, pela festa do nascimento de Maria e pela da Mater dolorosa. Os dias ensolarados de setembro na Europa apóiam os romeiros. Mas há também os dias chuvosos, em que já se anuncia o frio do outono nessa região. Setembro termina com a festa dos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael - uma celebração com profunda mensagem espiritual: anjos nos acompanham no nosso itinerário. Isso leva o nosso caminho a um bom êxito, mesmo quando sentimentos outonais e depressivos afligem a alma.

Outubro traz as festas de alguns santos muito conhecidos e amados pelo povo, como Francisco, Teresa de Lisieux, Teresa de Ávila, Edwiges e Ursula. É conhecido como "o mês dourado". Quando, na Europa, o sol do outono manda seus raios sobre as árvores que vão perder suas folhas, agora ainda muito coloridas, isso de fato dá um lustre dourado. Ilustra a colheita da natureza, mas também a do nosso interior. Se Deus ilumina tudo dentro de nós, algo no nosso interior também ficará dourado.

Novembro começa com a Festa de Todos os Santos, seguida pelo Dia de Finados, e a lembrança dos que já faleceram. Embora seja um mês triste, são realizadas as festas de santos muito queridos, como Huberto, Martinho, Alberto, Elisabete e Catarina. No dia 23, celebramos a festa de nossa padroeira santa Felicidade com alunos e alunas e com nossos funcionários, que convidamos, então, com seus familiares, para uma festa no pavilhão de ginástica.

Os jubilares com 10, 25 ou 40 anos de serviço são homenageados. O fim do ano litúrgico reúne o pessoal da abadia, com todos os seus. Nessa ocasião, além de agradecer a Deus tudo o que nos deu, realizamos um retrospecto sobre a economia do ano. Pois não é evidente que o nosso trabalho sempre tenha sucesso econômico.

Assim o ano completa um arco, e sempre tenho a impressão de que novamente passou muito rápido. O ritmo vivaz e a tensão interna impedem a monotonia. O ano é interrompido por festas que cada vez oferecem ao tempo um outro caráter. Em todas as religiões, os festejos têm a tarefa de articular um tempo sem estrutura e transformar o caos em cosmo.

As festas lembram os primórdios, o tempo originalmente sagrado, e fazem-nos participar dele. Além disso, são como uma renovação do tempo, partindo de sua origem.

Enquanto a festa intercala o tempo sagrado em nosso tempo perecível, o tempo ido recupera seu frescor. Pela festa, o eterno se torna palpável no meio do tempo.

A festa transcende o dia-a-dia e dá ao tempo utilizado outra qualidade. Festas são zonas livres, tempos sem obrigação, que interpretam o dia-a-dia sob outro ponto de vista. São também "espaços em que o ser humano respira aliviado, interrompendo todas as funcionalidades" (Garhammer). Enfim, são tempos sagrados. Para os gregos, somente o sagrado era capaz de curar.

No tempo sagrado dos festejos, participamos do tempo puro, intacto, impoluto da origem. Aí podemos adivinhar o que, finalmente, significa "tempo", que seria o momento outorgado por Deus, o local do encontro com Deus, o espaço em que nos sentimos como fomos concebidos em nossa origem, bem-amados como filhos e filhas de Deus, caminhando diante dele como outrora Adão e Eva no paraíso. Para o filósofo grego Demócrito: A festa é uma pousada na estrada da vida: "Uma vida sem festas é como um longo caminho sem pousadas".

Os festejos interrompem a monotonia do dia-adia. Embora nossa vida seja um contínuo "estar a caminho", não podemos caminhar sem nunca parar. Precisamos de pousadas no caminho; senão, ficamos cansados. Quem continua caminhando sem jamais entrar em um albergue exige demais de si mesmo, conseqüentemente, ficará irritado. De repente, tudo o aborrece. A trajetória já lhe parece acidentada demais. Uma tempestade lhe transtorna os planos.

Só podemos seguir nosso caminho com alegria e leveza quando sabemos que, no final da trajetória, sempre nos espera uma pousada. Essa palavra já faz pensar em "repouso", isto é, descanso. De pousada em pousada, andamos mais um trecho da estrada, conforme as nossas forças.

Em nossa vida, precisamos de uma "pousada", um albergue de descanso, para que o caminhar não fique pesado demais, e a estrada não nos obrigue a voltar. Enfim: As festas são pousadas no caminho para que, refeitos, possamos retomar a caminhada, sem precisar retornar ao ponto de partida.

 

A convivência espiritual

com o precioso bem do tempo

 

O caráter peculiar das relações dos monges com o tempo consiste, sem dúvida, no fato de que eles procuram perceber e viver a qualidade espiritual do tempo. Essa convivência espiritual está caracterizada, em primeiro lugar, pela oração das Horas, que interrompe sempre o trabalho, dando ao tempo sua qualidade própria. Pela interrupção salutar, o próprio tempo fica são e salvo; em seguida, perde a sua dilacerada incoerência e a sua rotina monótona; em resumo, percebe o seu centro, pois, na oração das Horas, o tempo de Deus invade o tempo humano.

No tempo de Deus, pressentimos a sua eternidade. Um tema importante da mística cristã é que na liturgia o tempo e a eternidade coincidem. Na liturgia, abre-se uma janela para o céu. São Bento exorta os monges a louvar a Deus à vista dos anjos, os quais contemplam continuamente a face de Deus.

Por serem criaturas espirituais, não participam do tempo. Segundo esse modo de entender, nós podemos, dentro do tempo, participar da intemporalidade de Deus e dos anjos e ter consciência de que nós ultrapassamos o tempo, entrando no tempo eterno do Senhor.

Com base nessa visão, partindo-se de uma intuição daquilo que os monges realizam, não pode valer o argumento de que as orações das Horas sejam um tempo desperdiçado, em que nada de efetivo acontece. Pelo fato de que passamos diariamente três horas na igreja, sem pensar que precisamos realizar alguma coisa diante de Deus, o tempo ganha outra qualidade.

Tempo não é dinheiro, mas, mesmo assim, é algo precioso e valioso.

É o lugar onde o céu se abre acima de nós, em que o próprio Deus vem ao nosso encontro e nos isenta do tempo.

O tempo da agitação é anulado e resplandece algo do tempo livre, do tempo eterno de Deus. Nele, algo de sua realidade se torna experimentável. Os momentos da oração das Horas são sagrados, pois subtraem-se ao domínio deste mundo.

Nós entramos em contato com esse tempo sagrado em meio à agitação do mundo. Povos antigos acreditavam que o nosso tempo só pode ser renovado se participar do tempo sagrado, que outorga ao nosso tempo, muitas vezes já gasto, uma nova energia vital. É a energia divina, da qual o tempo sagrado da oração das Horas nos faz participar. Este nos conduz para fora da seqüência determinada por prazos, de horas submetidas a alvos e planos, e deixa-nos mergulhar no manancial divino da existência, em que uma nova vida flui ao nosso encontro.

Isso, pois, é a razão mais profunda do fato de que o tempo sagrado da oração das Horas não é desperdiçado, mas sim uma renovação do nosso tempo.

As horas de oração em comunidade não são trabalho, mas o interrompem. Essa interrupção não deixa de ter um efeito positivo nos planos espiritual, psíquico e corporal.

Que isso faz bem é uma convicção humana universal. O filósofo romano Sêneca recomendava que não se deve continuar o trabalho sem fazer uma pausa, pois isso frearia o impulso do espírito. "A gente ganha de novo força e coragem, depois de ter descansado e se reanimado."

Eu sinto a oração das Horas como um tempo em que entro em contato com a minha essência mais profunda, com a minha alma. com isso, sinto-me aliviado. Para o imperador romano Marco Aurélio, a finalidade do tempo consiste em alegrar a alma humana: Se não empregares o tempo para alegrar tua alma, ele desvanecerá, e tu hás de desvanecer também, e não será possível empregar o tempo uma segunda vez.

A oração das Horas me põe diariamente em contato com minha alma, libertando em meu interior uma energia criativa. Essa oração, portanto, não prejudica o meu trabalho; ao contrário, melhora a qualidade, tornando-o mais criativo. É um agir original, que me causa alegria em vez de me esgotar. A conseqüência implica um conhecimento importante não somente para monges ou para a vida conventual, mas para todos os seres humanos.

Para trabalhar com criatividade, todo empresário precisa diariamente da saudável interrupção das pausas.

Pausa nenhuma é mais salutar do que uma que sirva para silêncio e meditação e nos coloque em contato com o Espírito de Deus, que é renovador.

 

Contemplação

 

Outro aspecto importante da lida espiritual com o tempo é a prática da contemplação. Contemplam significa propriamente "olhar para; fitar". Olho para dentro do espaço da alma, a fim de fitar a luz interna e olhar para Deus, que está dentro de mim. Mas ele não pode ser visto diretamente como imagem ao lado de outras imagens, e sim como o modelo presente em toda e qualquer imagem. Contemplari designa um olhar no qual eu posso me esquecer de mim mesmo. Contemplando, eu me uno ao contemplado.

Nessa unificação, o tempo pára; então, eu já pressinto algo da eternidade.

Na tradição cristã, a vida eterna com Deus é entendida como "visão beatífica", uma bem-aventurada contemplação do Senhor. Contemplar transcende o tempo. Na eternidade, não ouviremos a Deus; mas sim o contemplaremos. Enquanto o ouvir acontece no tempo, o contemplar é intemporal. Contemplando, eu me esqueço; então o tempo pára.

 

Toda manhã, depois das matinas, quando eu pratico a contemplação com a oração a Jesus, isso tem sua conseqüência. Enquanto pronuncio a prece, olho para dentro do meu coração, em que acredito que Cristo está presente. Muitas vezes, nessa contemplação, tenho a experiência de que o tempo parou e de eu estar totalmente presente.

Para mim, esse é o ponto culminante da experiência com o tempo, que não desempenha nenhum papel. Estou simplesmente ali, sem saber sua duração. Pode ser apenas um momento, no qual tenho a sensação de que não existe mais tempo, uma vez que adquire outra qualidade e dissolve-se na eternidade.

No século VI, o papa Gregório Magno demonstrou na biografia de são Bento o significado de contemplação. Na obra, relata como Bento podia ver o mundo inteiro em um só raio solar. Num só momento, portanto, ele enxerga tudo. "Tudo" não se resume às muitas coisas que nós poderíamos ver uma após outra. Refere-se, antes, ao fundo da realidade.

Bento contempla a profundidade de tudo. O seu olhar atravessa, não vê somente algo determinado. Ver tudo - eis o ver da contemplação.

Não vejo alguma coisa sobre a qual poderia noticiar, mas sim o fundamento de todo o ser; enxergo até a profundeza de minha alma, em que tudo é um, os contrários coincidem e o tempo se une com a eternidade.

Contemplação significa unir-se com o ser e ao mesmo tempo consentir em existir. Mesmo quando dentro de mim ainda há muita confusão, mesmo quando sofro por mim mesmo e por minhas emoções, eu atinjo na contemplação o ponto em que estou em consonância comigo mesmo e posso dizer: "Assim como está, está bem". Não posso fundamentar essa frase. Não posso dizer: "Está bem, por isso ou por aquilo". É simplesmente assim. Atinjo o ser, com o qual toda avaliação acaba.

Existo, simplesmente. Deus existe, o ser existe. E assim está bem.

Para Evagrius Ponticus, o mais importante autor do monaquismo antigo, contemplação é oração sem palavras, sem imagens e sem pensamentos. O nosso pensar se opera no tempo, ao passo que palavras precisam de tempo. Contemplação é a experiência de que tudo é um e que eu sou um com Deus, o qual está além do tempo.

Quando sou um com Deus, fico também um comigo mesmo, com meu verdadeiro "eu". Então eu experiencio que mesmo em mim existe algo que transcende o tempo. Em meu interior, há algo que é independente do tempo, algo eterno. Não sou escravo do tempo; em mim, há um espaço livre, do qual o tempo não pode dispor, já que está fora de seu alcance. Nesse espaço livre, que a contemplação me abre, as preocupações acabam. Conseqüentemente, não penso no que já foi, nem me preocupo com o futuro, uma vez que estou simplesmente ali.

Um pouco depois de Evagrius Ponticus, Agostinho também refletiu sobre a experiência da eternidade na oração e na contemplação. Para ele, o tempo é sofrimento, e seu desejo é tornar-se partícipe do divino, que está além do tempo. Que Deus - assim ora o santo - o liberte do tempo e o assuma em sua eternidade. Em sua opinião, a experiência do tempo é dolorosa, pois é instável.

Agostinho deseja constância e firmeza em meio à instabilidade do mundo. Em um comentário sobre o evangelho joanino, ele descreve de modo impressionante o caráter instável e inseguro do tempo: Neste mundo, porém, os dias rodam e rodam; uns vão, outros vêm, nenhum fica. Enquanto falamos, também os momentos se empurram uns aos outros; nenhuma sílaba pode esperar até outra soar. Enquanto estamos falando, ficamos um pouco mais velhos, e, sem dúvida, sou mais velho agora do que hoje de manhã. Assim nada fica parado, nada está firme no tempo. Por isso devemos amar aquele que cria os momentos, para que sejamos livres do tempo e confirmados na eternidade, onde não mais existirá a variabilidade do tempo.

Para ele, a oração é o lugar onde superamos o tempo e nos encontramos com Deus, que está além do tempo. Orar significa não formular muitas palavras, mas entrar em contato com o desejo que mora em nosso coração. E o desejo de estar com o Deus eterno. Nesse desejo, superamos o mundo; nele, o vestígio do Eterno está gravado em nosso coração.

Além disso, para Agostinho, o desejo da eternidade é, em última análise, o desejo do constante, da felicidade permanente, do amor duradouro, de uma vida bem-sucedida.

Numa época em que tudo estava em transformação, ele desejava algo que permanecesse, em que pudesse confiar. Em sua opinião, esse desejo cumpriu-se em Jesus Cristo, sobre o qual escreveu: Quando chegou a plenitude do tempo, apareceu aquele que queria livrar-nos do tempo. Pois libertados do tempo, deveremos chegar àquela eternidade onde não existe tempo.

Jesus Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, é aquele que, no meio do tempo, está além do tempo. Como cristãos, participamos do Cristo, e nele partilhamos da eternidade. Assim, para Agostinho, Cristo significa segurança na incerteza do tempo, rochedo no meio das ondas, pousada no caminho e paz nas turbulências do mundo.

O desejo de Agostinho de encontrar firmeza em meio à inconstância de um tempo agitado deixa também hoje muitas pessoas sem sossego e leva várias outras para grupos de meditação ou cursos de contemplação. Aí elas dedicam tempo para simplesmente ficar paradas, sentadas, olhando para dentro de si mesmas.

Conheço muitas pessoas que trabalham em postos de responsabilidade e que, em contrapeso a seu trabalho, destinam diariamente algum tempo para meditação. Então, sentem-se em um espaço livre, afastadas daquela pressa cada vez mais acentuada.

 

Nesse caso, o tempo está parado. Isso lhes dá a sensação de que o tempo gasto lhes é renovado. Enquanto olham para si mesmas, experimentam o que é ser independente do tempo; sentem uma liberdade interna diante de tudo o que as espera em seu dia-a-dia.

Renovadas pela fonte em que tiveram a experiência de um tempo sagrado, elas podem voltar para o tempo veloz de seu mundo profissional, sem serem devoradas. Em meio ao ritmo acelerado do tempo, adivinham o espaço interno do silêncio, em que também para elas o tempo pára, a fim de participar da eternidade.

 

Atenção

 

A atitude da atenção é outro aspecto importante quando se questiona sobre a relação entre o uso do tempo, exigido e promovido na vida dos monges, e a postura de todo mundo diante desse precioso valor da vida. O que pelos monges é treinado na contemplação deverá tornar-se fecundo o dia inteiro, na prática da atenção. Essa é a atitude espiritual mais importante não apenas no monaquismo antigo, mas também no budismo, no hinduísmo e na mística sufi.

Além disso, é a arte da presença total em cada momento, é estar totalmente presente naquilo que se está fazendo agora. Isso vale para meu ato de caminhar.

Quando ando pelo claustro, não tento pensar nos compromissos que me estão esperando. Eu me entrego totalmente aos meus passos. Percebo meu ato de andar.[3] Quem presta atenção não passa despercebido por pessoas e objetos. Para ele (ela), tudo se torna sinal do essencial, do mistério de Deus. Era assim que Jesus via as coisas. Se ele autodenomina-se "a verdadeira videira", ele quer dizer que alguém que observa a videira com atenção reconhecerá o mistério de Deus, que em Jesus se revela.

A videira é uma imagem para a íntima relação entre Cristo e o ser humano que nele crê. Cristo é a videira, nós somos os ramos, aos quais estamos unidos. A respiração que corre dentro de nós é o seu amor, que nos penetra. Quando Jesus diz que ele é a porta, ele nos convida a observar atentamente a porta, a qual é uma imagem importante para a nossa vida. Somente quando entramos pela porta do coração, temos acesso à nossa alma, ao nosso interior, onde Deus habita. A porta torna-se a imagem de nosso "tornar-nos nós mesmos". Quem presta atenção enxerga o lado oculto das coisas e reconhece a essência delas.

Nessa essência, é revelado o mistério de Deus. "Verdadeiro", portanto, é no mundo indo-germânico o que é gentil e bom; aquilo em que acredito. Na fé, contemplo o bem presente em tudo, assim como Deus, depois de cada dia da Criação, viu que tudo o que havia criado era bom. "Verdadeiro" (wahr), portanto, é a realidade, quando nela reconhecemos aquilo que Deus colocou. Wahrnehmen ("tomar por verdadeiro"), seria, então, apanhar na mão as coisas como sendo boas, acreditar que em tudo o que pego posso perceber Deus. E isso é "viver com atenção".[4]

O que se quer dizer com as palavras atenção, observar, cuidado e cautela, são Bento o descreve na sua Regra com a palavra custodire (prestar atenção, vigiar, zelar, observar conscientemente). Ele exorta os monges para que, em qualquer tempo, "vigiem sobre os atos de sua vida" (RB 4,48). Toda hora, portanto, eles precisam prestar atenção ao que estão fazendo; devem, pois, entregar-se totalmente ao que fazem em vez de se refugiarem na atividade.

Muitos trabalham bastante, mas não estão atentos ao trabalho, no qual fogem da própria realidade. Além disso, é preciso que o monge preste atenção às suas palavras.

Com muitas pessoas, tem-se a impressão de que só falam por falar. Para muitos, falar significa fugir do silêncio. Quando se encontram com alguém, têm necessidade de contar tudo o que pode ser contado por medo de acontecer um momento de silêncio, em que deveriam encarar a verdade ou em que se sentiriam inseguros por não terem mais nada à mão.

A Orígenes devemos a seguinte frase, repleta de sabedoria: Antes jogar uma pedra no vazio do que uma palavra.

Quando a jogamos no vazio, uma pedra chega a algum lugar. Mas, quando jogamos uma palavra no vazio, o vazio se preenche. Se for apenas uma palavra descartável, o vazio ficará mais profundo ainda; ou se preencherá de superficialidade ou até de maldade.

Custodire não significa controlar, mas estar acordado, viver com atenção e diligência, sabendo da presença de Deus. Insistindo sobre a necessidade de atenção, São Bento baseia-se na tradição dos eremitas egípcios. Para Abbas Poimen, a atenção é o exercício central da ascese: "Vigiar sobre si mesmo, examinar sua alma e exercitar o dom da discriminação, eis a ascese espiritual". Portanto, para ele, vigiar sobre si mesmo significa examinar os sentimentos e pensamentos internos e distinguir quais os que nos são benéficos e quais não; quais pertencem a mim e quais são os que me invadem para me arrancar de meu centro.

São Bento exorta os monges para que, no tempo da Quaresma, "guardem a sua vida em sincera pureza" (RB 49,2). Pureza de coração é a meta de toda ascese monástica.

Isso significa a sinceridade interna, o estar livre de toda dependência, a paz interna, o estar limpo, sem a mistura das paixões que tantas vezes perturbam o pensamento.

Agora, não quero analisar o sentido ascético dessas palavras, e sim o seu efeito sobre a noção beneditina de "tempo". A ascese beneditina visa à presença total no momento. A pureza do coração é o pressuposto para que se perceba o tempo exatamente como é. Nossos pensamentos, que continuamente circulam na mente, impedem-nos de estar presentes no momento. Sobre isso, Gregório Magno se refere ao fato de que muitos ficam perambulando nos espaços de sua fantasia. Com seus pensamentos, eles driblam o momento e podem ir a qualquer lugar. Seus pensamentos levam-nos a um lugar qualquer.

Quem com suas fantasias se esquiva do presente se torna incapaz de experimentar o mistério do tempo em cada momento. O tempo só pode ser vivenciado por quem tiver um coração puro. O nosso tempo, muitas vezes, está poluído por agitação e desassossego, pelo desvio em mil espécies de pensamentos e emoções. No fundo, portanto, a ascese beneditina é a arte de saber lidar com o tempo. Ou, mais precisamente, é a arte de nos libertar de todas as considerações e ruminações que nos levam seja para o passado, seja para o futuro e que nos roubam o presente.

É importante que a atenção beneditina nos introduza no mistério do tempo. Quem vive atentamente o momento terá novamente a experiência de que tempo e eternidade coincidem.

Em diferentes épocas, os místicos descreveram, cada um de sua maneira, esse mistério da coincidência de tempo e eternidade, de céu e terra, de Deus e ser humano.

Nicolau Susano chama Deus de coincidentia oppositorum, pois nele se coincidem todas as antíteses. Quando experienciamos o Senhor, todas as contradições coincidem em nós, também aquela entre tempo e eternidade. Andreas Gryphius formulou isso em versos maravilhosos:

 

           Já não são meus os anos que o tempo me tomou,

           e não são meus os anos que esperando estou.

           Mas o momento é meu. Se dele eu cuidar,

           é meu quem todo ano e os séculos criou.

 

Quando estou totalmente absorto no momento, quando o observo, cuidando dele, examinando-o atentamente, então eu participo daquele Deus que criou o tempo e a eternidade.

Unido com Deus, transcendo o tempo, pois tenho parte com ele, que é intemporal. T. S. Eliot se refere ao "ponto parado do mundo que gira", no qual tocamos quando estamos totalmente imersos no momento e "onde o intemporal se cruza com o tempo". Angelus Silesius, o poeta do "Viandante querubínico", descreveu perfeitamente esse paradoxo de tempo e eternidade:

 

           O tempo e o eterno se identificam

           se tu mesmo não fizeres distinção.

           Eu sou eterno, quando do tempo saio,

           fazendo entre mim e Deus a conjunção.

 

A pureza do coração, à qual os monges se referem, significa o coração que está repleto de Deus. Dessa forma, então, está agora na eternidade. Pois Deus é eterno; nele, eu saio do tempo. Então eu toco naquele que está acima de todo o tempo. Isso relativiza meu tempo terrestre. Não preciso ocupá-lo em demasia, nem matá-lo com muitas atividades. Assim, adivinho o verdadeiro mistério do tempo.

 

Os versos de Angelus Silesius lembram a experiência de mestre Eckhart, que sempre refletia sobre o mistério do tempo e da eternidade. Também para ele, como para são Bento, trata-se de uma experiência de eternidade no meio do tempo. Toda a felicidade do ser humano depende do fato de "que ele transponha e ultrapasse tudo o que é criado e temporal e todo o ser penetre no fundo que não tem fundo".

Quando me torno um com Deus, ultrapasso o tempo e participo da eternidade, pois ele está além do tempo. Experiência divina significa conhecimento do que está além do tempo. Quando me torno um com Deus, na contemplação, cessa para mim, naquele momento, o tempo. Aí não existe antes nem depois. Existe apenas pura presença.

Como é que se pode treinar no meio do dia-a-dia essa atenção? Para mim, tem sido proveitoso o seguinte exercício: eu caminho, intencionalmente bem devagar, por um corredor ou pela natureza. Nosso mestre do noviciado nos aconselhava que fôssemos devagar pelo claustro depois da oração das Horas, imaginando que carregávamos a preciosidade recebida na oração como em uma taça, de tal maneira que nada entornasse.

Fiz esse exercício também com hóspedes que participavam do meu curso sobre tranqüilidade do coração. Andávamos bem devagar por aquele espaço, formando como que uma taça com as mãos; foi de admirar a tranqüilidade que logo resultou naquele espaço.

Vocês, caros leitores, talvez possam fazer esse exercício uma vez por dia: reservem uns minutos, ou apenas alguns momentos, para andar devagarzinho, conscientes de carregar algo de grande valor em si mesmos. Pois, dentro de vocês, está o Cristo, um mistério que transcende sua existência.

Em seu interior, há um pedaço de eternidade; carreguem bem lentamente essa essência eterna, intemporal, misteriosa, preciosa. Ou passeiem bem devagar pelo parque, de maneira que possam sentir cada sopro de vento em suas mãos. Então vocês vão perceber como estão totalmente imersos naquele momento.

Cada um de vocês ficará tranqüilo e perceberá dentro de si algo que supera o tempo, algo sagrado e precioso, isento do poder do tempo. Prestará atenção ao tempo puro. Dessa forma, viverá o tempo de outra maneira. Depois dessa experiência, então, poderá voltar-se novamente para a velocidade da vida, sem deixar-se determinar por ela.

 

Recomeçar

 

Na espiritualidade dos eremitas do deserto, a idéia do recomeçar tinha um papel importante. Constantemente, o tempo nos convida a começar de novo. Assim reza um ditado daqueles monges: "Abbas Poimen dizia que Abbas Prior iniciava todo dia a vida de novo".

Vivemos do passado. Carregamos as feridas da história de nossa vida. Trazemos do passado o peso de nossas faltas, mas não devemos ficar remoendo o que passou. Cada momento nos convida a recomeçar, pois nunca é tarde demais para um novo início. Os monges antigos viam em cada momento o fascínio da novidade.

O tempo que agora começa ainda não foi usado. Como nunca foi tocado, nunca adulterado, nunca usado, devemos aprender que também a nossa alma pode recomeçar, ser

renovada por Deus, que é sempre novo. Na Bíblia, é novidade uma importante imagem de Deus, que é o sempre novo, nunca gasto. Quando nos apresentamos a esse Deus, nós mesmos nos renovamos. Aí o passado não nos prende em suas garras.

Abbas Antônio formulou isso de maneira semelhante.

Quando o patriarca Pambo lhe perguntou: "Que devo fazer?", ele respondeu: Não queiras construir em cima de tua justiça, não continues lamentando algo que já passou e pratica a abstinência da língua e da barriga (Ap 6).

Uma das causas pelas quais muitas pessoas não desfrutam o presente é por ficar girando sem parar em torno das próprias faltas. Muitos não sabem perdoar-se quando agiram mal; assim se dilaceram com sentimentos de culpa. Ou, então, quebram a cabeça, perguntando-se por que não tiveram mais cuidado a ponto de caírem na armadilha.

Ou ficam cismando que outros, ou as circunstâncias, podem ter sido responsáveis por aquela falha.

O girar em torno do passado lhes impede de estar no momento. Antônio nos aconselha a liberar o passado. Isso não é nenhum recalque; o conselho do patriarca do monaquismo nasceu da profunda confiança de que Deus, muito tempo atrás, o perdoou. Se Deus perdoou minha culpa, eu também posso me perdoar e abandonar sem receio meu passado nos braços dele. Posso me desprender do que "já era", e me entregar ao "agora".

Conselho semelhante é dado por muitos monges ao citarem o salmo: "Hoje, quando ouvirdes sua voz, não endureçais o vosso coração" (cf. SI 95[94],8). O monge não deve se preocupar com o que passou. Hoje é sempre o momento de mudar, de recomeçar a vida. Os monges sabem farejar o "hoje" de Deus. Em seu evangelho, Lucas liga sete vezes as obras de Jesus a um "hoje". Quando os cristãos ouviam falar desse hoje, ficava-lhes claro que, naquele momento, Jesus Cristo estava entre eles e agiria por eles. De Abbas Poimen, transmite-se a palavra: "Uma voz grita para o ser humano, até seu último suspiro: 'Mude de rumo hoje'".

O momento atual é a chance para modificar o rumo, o pensamento, orientando-se novamente para Deus. O mudar de idéia não acontece somente uma vez. Em cada instante, está o "hoje", em que Deus quer se encontrar comigo. Mas eu devo mudar de rumo para me encontrar com ele. Se estiver preso em mim mesmo, não perceberei Deus. Em um ditado dos velhos eremitas, Abbas Moses pergunta a Abbas Silvanos: "Mas, então, o ser humano pode recomeçar todo dia?". E ele responde: "Se for trabalhador, pode até mesmo recomeçar toda hora".

 

Os monges, portanto, sabiam dar valor ao "começar de novo", cuja experiência tem valor universal. Isso também ocorre para cada um de nós. Nunca é tarde demais para recomeçar. Mas também é preciso saber reiniciar a cada instante. A quem vive na base dessa experiência espiritual do constante recomeçar, o tempo ganha uma outra qualidade. Não está sob o peso daquilo que já passou, nem está sujo de culpas e de fracassos. E o tempo novo, não desgastado, transparente e puro que Deus oferece ao ser humano a cada momento, para que ele o pegue e modele.

Com a doutrina do recomeçar possível a cada momento, os monges entenderam a essência do tempo, que consiste em ser pura atualidade. Mas só posso estar presente no "agora" quando me desprendo do passado e não me preocupo com o futuro.

Antigamente, eu relembrava um fato e me perguntava o que podia ter feito melhor, onde teria dado uma resposta errada ou não prestara atenção suficiente. Gastava muito tempo reanalisando tudo e me perguntando o que teria acontecido se fizesse diferente. Hoje sei que isso é um desperdício de energia e de tempo. Quando surgem pensamentos assim, falo a mim mesmo que tudo ocorreu da forma que tinha de ser. Não tem sentido repetir o passado. Está na hora de recomeçar, de me dedicar àquilo que agora se pede de mim.

Os monges consideram muito a exortação de Jesus: "Portanto, não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá sua própria preocupação. A cada dia basta o seu mal" (Mt 6,34). Jesus nos exorta a viver conscientemente o hoje, sem nos preocuparmos com o ontem, nem nos censurarmos pelas faltas do passado; além disso, pede que não nos inquietemos com o dia de amanhã.

Não é a preocupação que deve caracterizar o cristão, e sim a confiança. A preocupação nunca está no "agora"; sempre se encontra no futuro. Quem confia em Deus está livre para viver completamente no "agora", participando desde já no tempo, na eternidade, no "agora" eterno de Deus. Abbas Poimen deu a um monge o seguinte conselho:

Vive como alguém que não existe e dize: "Não tenho preocupação nenhuma". Assim terás a tranqüilidade mais sublime (Eth Coll 14,66).

 

Viver sem preocupação é a condição para estar totalmente no momento e, desse modo, experimentar a paz interna. Mas o primeiro conselho nos parece um paradoxo: temos de viver como alguém que não existe, pois viver no momento significa viver realmente. Mas Poimen quis dizer que devemos estar mortos para o mundo; que não temos de nos definir com base no reconhecimento dos outros ou em sucesso e resultados. Devemos nos definir a partir de Deus. Então, estamos mortos para o mundo, e somente então ficamos realmente livres.

Assim, para os monges, a capacidade de viver no momento não significa apenas um exercício externo, mas a essência de sua ascese, cuja finalidade é ficar livres do poder do mundo. Além disso, significa ficar livres do terror do tempo, livres para o hoje, em que Deus vem ao nosso encontro. Um conselho semelhante é dado por Abbas Gregório: "A tua obra seja pura na presença do Senhor e livre de ostentação" (Eth Pat 348).

Viver no presente exige pureza e clareza internas. Quem se exibe não está no momento, mas sim com os outros. O que a pessoa faz já é feito pensando nas demais às quais poderá contar seus atos.

Por isso não é capaz de se entregar ao momento, mas comenta tudo o que faz, em vez de se concentrar no seu trabalho.

Muitos sentem seu trabalho como um ônus, porque não estão livres dessas ostentações internas. Enfrentam situações penosas a fim de mostrar, pelo seu trabalho, quem eles são e para serem admirados. Assim, sentem-se sempre divididos: ao mesmo tempo estão no trabalho e com as pessoas às quais eles têm de se mostrar. Há numerosas palavras dos monges antigos em torno do tema da pura presença. Abbas Makarios, por exemplo, aconselha: O estilo dos monges é semelhante ao dos anjos. Assim como os anjos ficam na presença de Deus, e nada de terreno perturba essa presença, assim deve ser também o monge, em toda a sua vida (Am 171,3).

Ser como os anjos não quer dizer que não temos nada a ver com este mundo, pois no trabalho damos forma a este mundo. Mas o mundo não nos mantém afastados da presença de Deus se olharmos para ele como os anjos e se continuarmos ancorados nele. Estaremos, então, no tempo, mas mesmo assim exonerados do tempo.

E trabalharemos, mas sem estar delimitados por nosso trabalho.

Essa liberdade interna é a condição para vivermos totalmente no momento e não perdermos de vista o "hoje" de Deus. Assim, podemos nos entregar a qualquer tarefa.

 

A boa ordem

           

Um dos provérbios dos monges antigos reza: "Mantendo a ordem, ninguém fica perturbado" (Apo 741). A ordem externa cria ordem na alma. Sobretudo, para pessoas depressivas, é importante observar uma boa ordem externa do dia. Quando a alma não apresenta uma estrutura sadia, uma ordem externa ajuda em sua formação.

O grande patriarca dos monges, Antônio, viveu essa experiência no próprio corpo. De acordo com relatos, "um dia, ele estava sentado no ermo, sentindo-se triste e com pensamentos sombrios". Poderíamos dizer que ele estava mergulhado em sentimentos depressivos. Desesperado, perguntou a Deus: "Nesta minha aflição, o que eu devo fazer? Como posso conseguir a minha salvação?". Nesse momento, um anjo do Senhor lhe indicou o que devia fazer. No comentário, lemos: Pouco depois, ele se levantou, deu uma volta e viu alguém que se parecia com ele. Estava lá sentado, trabalhando. Depois se levantou do trabalho e rezou; sentou-se de novo para trançar uma corda; em seguida, levantou-se outra vez para rezar. E veja bem: foi um anjo do Senhor, enviado para dar a Antônio ensinamento e segurança.

E ele ouviu o anjo dizer: "Faze assim e alcançarás a salvação". Ouvindo isso, ele ficou repleto de uma grande alegria e de coragem e, agindo assim, encontrou salvação.

Aí o bom uso do tempo tornou-se a chave para abrir o cárcere da depressão. Sem dúvida, foi por culpa da solidão e da monotonia que o patriarca dos monges ficara de coração aflito. Um anjo mostra-lhe o caminho, explicando que se observar uma ordem sadia, revezando oração e trabalho, ele há de encontrar salvação e saúde. A boa ordem externa lhe fará bem à alma e ao corpo.

Não posso ficar sempre só trabalhando nem sempre só orando. Preciso de um bom revezamento para me entregar totalmente ao trabalho e à oração. Eu realmente sinto que é exatamente a ordem externa do dia que me ajuda a trabalhar com eficiência. A ordem me reserva alguns minutos para silêncio e oração, bem como umas folgas em que posso sentir-me aliviado. Ela vela por mim, para eu não perder meu equilíbrio. Uma boa distribuição do tempo é a condição para que eu não fique tristonho e irritadiço e possa executar o meu trabalho com a força de uma alegria interna.

Da boa ordem - também da boa ordem do tempo -, a medida certa faz parte. Ao Abbas Poirnen, devemos a seguinte palavra: "É como uma grande honra o ser humano saber de sua medida" (Eth Coll 3,97). Outro ditado dos monges antigos reza: "Todo excesso vem dos demônios".

Tudo o que é demais não faz bem à alma. Rezar demais pode ser tão prejudicial quanto trabalhar demais. Tudo o que é unilateral e extremo provoca na alma humana o contrário. O tédio toma conta de quem só fica rezando. Ou então, vê-se de repente confrontado com sua agressão ou sua sexualidade. O ser humano é partícipe do céu e da terra, por isso deve levar em conta ambos os pólos. Quando recalca um pólo, esse vai se virar contra ele e atrapalhar-lhe a vida.

Atualmente, muitas pessoas exageram na medida do trabalho, mas isso não fica sem conseqüências.

Quem trabalha demais endurece facilmente, pois não trabalha porque gosta, mas porque se esconde atrás da atividade. Quem tem mania de trabalhar trabalha muito, mas não produz bom resultado. Precisa da atividade porque tem medo do pólo oposto - a folga, o silêncio, a oração -, uma vez que, diante disso, teria de encarar a própria realidade. E disso ele foge, refugiando-se na mania do trabalho. Mas o maníaco não é capaz de construir este mundo. Ao contrário, o mundo é que determina sua vida. Não é senhor de seu tempo, antes é o tempo que o tem em sua garra. E não o solta mais.

Os monges não conhecem apenas uma ordem externa, que cria ordem na alma. Também desenvolvem um exercício para ordenar o pensamento. Sobre o patriarca Johannes, lemos: Voltando para casa do trabalho na colheita, ou de um encontro com anciãos, primeiro reservava tempo para orar, meditar e cantar salmos, até seu pensamento estar novamente de volta na ordem anterior (Apo 350).

Para poder estar centralizado no momento, devo me desprender de tudo o que havia antes.

É de surpreender que o encontro com outros monges tenha tomado conta do patriarca Johannes de tal maneira que ele, depois, não era capaz de se concentrar no momento.

Se a conversa com outros monges o impedia de centrar-se naquele momento, então é mais importante para nós, hoje, que saibamos desprender-nos do que passou. Por exemplo, as atividades diárias podem ocupar totalmente o nosso coração a ponto de, após o trabalho, não sermos capazes de retornar àquilo que no momento é real.

Muitas vezes, uma discussão ainda continua a atuar sobre mim com tanta força que não consigo concentrar-me no livro que estou lendo. Depois de uma conversa com um hóspede, sempre me perturba o pensamento de como eu devia ter reagido durante a discussão. Ou, então, ainda me sinto ofendido ou contrariado e fico cego para os objetivos do interlocutor. Por isso compreendo perfeitamente o patriarca Johannes, quando ele tinha primeiro de pôr em ordem os seus pensamentos, antes de se voltar àquilo que estava na ordem do dia.

Pior ainda, quando houve um conflito veemente. Isso continua mexendo comigo.

Embora me distraia com o trabalho, sempre ressurgem pensamentos que me impedem de me dedicar realmente àquilo que estou fazendo. Do Abbas Johannes, conta-se: Quando um dia, na comunidade, estava indo para a igreja, ouviu alguns irmãos brigando. Então ele voltou para a sua cela. Antes de entrar, deu três voltas ao redor.

Alguns irmãos que o observavam, não conseguindo entender por que ele fazia aquilo, foram ter com ele, e o questionaram. Mas ele respondeu: "Meus ouvidos estavam cheios daquelas altercações; por isso dei umas voltas para limpá-los, a fim de poder entrar na minha cela em paz" (Apo 340).

Com freqüência, muitos homens voltam para casa com o pensamento no trabalho e nas discussões que tiveram com os colegas. Assim, não poderá haver nenhum diálogo razoável com a mulher ou com os filhos. Não estão abertos para aquele momento. Seu espírito ainda está repleto de desgosto e decepção.

Tudo o que vêem na frente, vêem através das lentes de seu desgosto. As palavras mais inocentes das crianças provocam-lhes explosões de raiva; às perguntas das esposas, eles reagem irritados. A poluição de pensamentos e emoções, causada pelo trabalho e pelas muitas conversas frustrantes, continua na poluição emocional do clima familiar.

Quando me encontro em semelhante situação de desgosto, tento primeiro ordenar meus pensamentos orando ou dando uma voltinha. Todos nós só somos capazes de nos dedicarmos ao próximo momento e de estarmos totalmente com os outros, com os quais nos encontramos, se nos purificarmos da desordem interna.

Antigamente, os monges perceberam que não é possível passar assim, simplesmente, de um momento para outro. Mesmo nos dias de hoje, todo momento necessita de uma atenção especial. Preciso despedir-me do passado antes de me entregar ao presente. Sobre Abbas Poimen, conta-se: "Querendo ir a um encontro religioso, ele primeiro ficava sentado sozinho e examinava os seus pensamentos, por cerca de uma hora. Depois ele ia".

Isso acontece comigo também. Não agüento correr do meu trabalho para algum culto religioso; primeiro, preciso me libertar do trabalho. Não tenho tempo para ordenar meus pensamentos por uma hora inteira, mas percebo que não posso pular de um tempo para outro.

Os pensamentos me impedem de empenhar-me em um momento novo. Por tal razão tenho que pô-los em ordem primeiro.

Quando após o trabalho - se for possível - me deito por uns dez minutos na cama, indo só depois para as vésperas, então isso está relacionado com a experiência de que, deitado, consigo ficar livre de todas as minhas tarefas; depois posso entregar-me muito mais conscientemente ao canto dos salmos.

Quando vou diretamente de uma conversa para as vésperas, muitas vezes não estou de verdade presente; não raro me falta tempo para me deitar. Mas pelo menos na statio, durante a qual ficamos em pé, calados, no claustro, antes de entrarmos juntos, consigo me libertar do que passou e dar conscientemente aqueles passos até dentro da igreja, apresentando-me diante de Deus.

Assim, aconselho a qualquer um que me conta de sua vida agitada e irrequieta que primeiro encerre bem as suas ocupações, antes de começar algo. É necessária uma breve cesura, na qual possa me libertar daquilo que estava acontecendo. Às vezes, é suficiente aproveitar-me da ida do escritório ao locutório para deixar o momento anterior e me entregar inteiramente àquilo que me espera.

Estar totalmente presente exige treinamento, mas não precisamos de formas artificiais de transição. Basta aceitarmos aquilo que tem de ser feito - andar, ficar em pé ou sentado - como caminho de treinamento para "libertar" o que passou, a fim de, em seguida, permanecermos sentados ou em pé em determinado local e estarmos à disposição da pessoa que estiver à nossa frente.

 

Como lidar de modo saudável com o tempo no dia-a-dia

 

Os homens e as mulheres que passaram uns dias conosco na casa dos hóspedes puderam levar para suas casas muita coisa aprendida aqui. Naturalmente cada um vive em uma situação profissional e familiar diferente. Mas gostaria de apresentar algumas sugestões sobre como lidar com o tempo no dia-a-dia. Penso em situações que, como sempre, me são descritas por pessoas que trabalham em alguma função de responsabilidade.

Vale ressaltar que nem todas as situações verificam-se da mesma maneira para cada um. Mesmo assim, talvez você possa tirar disso alguma sugestão para o seu cotidiano.

Se alguém tentar seguir a rotina dos monges exigirá demais de si mesmo. O importante é cada um chegar a um acordo com a vida que precisa levar. Mas alguma experiência dos monges pode ser aplicada à realidade comum.

 

Uma inteligente ordem do dia

 

Muitos se queixam de que não encontram tempo para orar, que as expectativas externas se tornam cada vez maiores e que o tempo lhes escorre entre os dedos. A primeira tarefa seria examinar detalhadamente o seu dia:

  • A minha ordem do dia é realmente equilibrada?
  • Tenho tempo suficiente para o silêncio, a oração e uma conversa com minha família ou com meus amigos?
  • Reservo um tempo para as minhas refeições ou apenas engulo a comida?
  • Prolongo cada vez mais o tempo do trabalho?
  • Fica cada vez mais curto o tempo que me resta em casa?
  • Meu tempo está bem organizado ou deixo-me empurrar para lá e para cá?
  • Além do tempo em que trabalho efetivamente, reservo também alguns instantes para a tranqüilidade, para simplesmente ficar à toa?

A partir desses questionamentos, aconselho que seja feita uma ordem do dia ao mesmo tempo clara e sensata. Inicialmente, não há muito sentido em fazer propósitos exagerados, por exemplo, de se levantar bem cedo, se sente contra isso uma resistência interna.

Pondere qual seria um bom horário para se levantar. Quando toca o despertador, é bom levantar-se logo. Marque um tempo suficiente entre o levantar-se e o sair para o trabalho.

Nesse período, tenha prazer em se lavar, vestir-se e tomar café. É um espaço livre que, a cada dia, lhe é dado de presente; um espaço para respirar. Ao ir para o trabalho, reflita resumidamente sobre o que você gostaria de começar hoje, ou qual a tarefa que o(a) está esperando. Prepare-se internamente para isso e peça a bênção de Deus.

Se puder ficar algum tempo em silêncio, seria um bom começo do dia. Muitos lêem uma mensagem e refletem sobre ela. Uns se sentam em silêncio diante de Deus a fim de encontrarem o próprio centro. Outros lêem na Bíblia, ou em outro livro, uma página que deverá acompanhá-los naquele dia.

Todas essas formas têm o sentido de libertar a pessoa do terror do tempo e de dar a este um gostinho diferente. Assim, começamos o dia com outros pensamentos. Mesmo se durante o dia quase não penso mais no que li, foi em um outro mundo que mergulhei naqueles dez minutos. E aquele mundo dá ao universo do trabalho um outro presságio e uma outra qualidade.

A psicologia do comportamento diz que não é uma questão de força de vontade, e sim de inteligência, se executo ou não um propósito. Quando me proponho a passar todo dia algum tempo em silêncio, mas não o cumpro, não tem muito sentido eu me censurar por novamente ter sido fraco demais para conseguir isso. Está claro: o que faltou foi compreensão. Eu não havia considerado a minha incapacidade. É mais prudente propor-se menos e observar o que fez do que, com peso na consciência, correr atrás de propósitos não-observados.

A ordem do dia deve ser adequada à minha pessoa. Para tanto, preciso avaliar prudentemente o que é realista para mim, o que me faz bem e de que poderei me alegrar todo dia. Se sempre sinto uma resistência contra um propósito, então devo repensá-lo. Aquele talvez não seja o meu jeito de começar o dia, e ainda tenho que procurar saber primeiro o que me convém.

Quem sabe tenha exagerado um pouco, em razão mais da minha vaidade do que do ritmo da minha alma.

O que eu recomendo não é o management, o uso mais proveitoso do tempo. Sobre isso, já existe bom número de livros. Mas, em muitos desses livros de bons conselhos para o uso do tempo, trata-se de utilizar o tempo do modo mais eficiente possível.

Para mim, consiste em viver o tempo de maneira diferente; senti-lo como um benefício. Consigo isso não quando divido e utilizo o tempo da maneira mais exata possível, mas antes quando tento estar totalmente presente no momento.

Se você se sente estressado ou não, é um problema seu. Quando se concentra somente no momento, não está sob pressão dos muitos compromissos. De qualquer maneira, resolva aquilo com que está ocupado agora. Então você só precisará pensar no próximo assunto quando finalizar o que está fazendo no momento.

É importante você se observar freqüentemente para notar como e quando começa a se sentir aflito. Desligue-se então dessa aflição e concentre-se somente no momento atual. Isso basta. Se fizer efetivamente aquilo que é preciso fazer agora, terá tempo suficiente para o que vem depois.

Verifique quando você pode e quer terminar o trabalho. Muitos se queixam de saírem tarde demais da empresa, porque sempre têm muita coisa para fazer. A socióloga americana Arlie Russel Hochschild, após muitas conversas com funcionários de uma firma americana, chegou à conclusão de que as pessoas ficam mais tempo no trabalho do que a empresa exige delas: "As pessoas querem ficar no trabalho porque lá se sentem melhor do que em casa".

No trabalho, muitos se acham competentes. Lá são valorizados. Em casa, porém, não sabem como se entender com o filho adolescente ou com a filha revoltada. Sobretudo os homens acham que ficar em casa muitas vezes é um peso. Em seus lares precisam tomar uma atitude no relacionamento quase sempre confuso e difícil com a mulher, os filhos, os sogros. Por isso, preferem refugiar-se no trabalho; em casa, sentem-se mais tensos do que no serviço.

No questionário, muitos respondem que se esforçam por um bom equilíbrio entre o trabalho e a vida. Mas não conseguem. Outros introduzem um quality time, uma meia hora à noite, em que se ocupam exclusivamente com as crianças. Mas elas não querem um tempo limitado, escasso. Desejam ser amadas sempre, não apenas na meia hora que lhes é reservada pelos pais. Assim muitos pais têm a sensação de estar presos na armadilha do tempo, não conseguindo mais se livrar. Arlie Russel Hochschild, porém, tem a impressão de que mesmo muitas crianças já estão presas nessa armadilha. Têm tantos compromissos especiais que até o tempo livre delas está muito limitado.

Se você também tiver a sensação de estar preso nessa armadilha, só há uma maneira de escapar dela: precisa estabelecer claramente a si mesmo a hora em que quer voltar para casa depois do trabalho e a maneira como quer passar o resto do dia.

Em casa, não se deve ocupar o tempo livre com um excesso de atividades, senão aquela agitação que provocou cansaço no trabalho continuará. Organize suas horas livres de tal maneira que possam lhe dar alegria; provavelmente, você terá durante a semana também alguns compromissos: com um coro, um clube de bocha ou natação, um concerto ou o que for. Se você se queixa de excesso de trabalho, então eu lhe pergunto se os compromissos da noite lhe fazem bem, se tem prazer naquilo, ou se comprometeu-se demais, para contentar a outros. Aí uma simplificação de vez em quando faria muito sentido.

A maneira que sentirá o tempo na companhia de seus filhos, como estresse ou como lazer, depende de você. Isso não resulta somente da quantidade de tempo que estiver à disposição deles, mas também de sua atitude. Se já se alegra quando pensa em seus filhos, sentirá o tempo junto com eles como diversão.

A verdade é que você terá de se despedir de suas fantasias idealizadas. Se acha que os filhos ficam felizes pela simples presença do pai ou da mãe, então ficará logo decepcionado caso se tornem difíceis, desequilibrados e descontentes; se fizerem exigências absurdas ou teimarem sobre quaisquer coisas secundárias. Você só poderá ser justo para com filhos e filhas se internamente estiver aberto a eles, deixando para trás não apenas o tempo do trabalho, mas também o papel que desempenha na empresa. Na família, não querem você como chefe ou como perito ou perita, e sim como pai ou mãe.

Além disso, marque uma hora certa de ir para a cama. Muitos simplesmente não chegam a se deitar. Acham que ainda têm de resolver isso ou aquilo. Ou, então, sentam-se na frente da TV, porque estão cansados demais para fazer alguma coisa razoável. Mas aí ficam lá sentados por mais tempo do que lhes faça bem. No dia seguinte, estão nervosos por terem novamente desperdiçado tanto tempo.

É bom, portanto, ter uma hora certa para dormir. Não se trata de você se forçar para ter um horário fixo, mas sim de criar, por uma inteligente ordem do dia, algum tempo livre em que possa estar à vontade ou fazer exatamente aquilo que o diverte.

Com base em estatísticas, chegou-se à conclusão de que, na Alemanha, o cidadão normal, médio, passa diariamente três horas na frente da TV. Se esse tempo fosse utilizado de maneira mais engenhosa, creio que ninguém ficaria injuriado com a falta de tempo. Empregar três horas por dia de forma mais útil e agradável do que ficar sentados na frente da TV daria uma qualidade totalmente diferente à maneira como vivemos o tempo. A não ser nas férias, eu nunca assisto à TV. Por isso tenho bastante tempo para ler e escrever.

Importantes oásis de tempo são os fins de semana. Mas também nesse período muitos ocupam seu tempo de tal maneira com atividades, que não conseguem descansar da semana. O que se faz nesses dois dias varia de acordo com a estação do ano e o clima e conforme a situação da família. E depende das necessidades pessoais, que com o tempo vão mudando.

Mesmo assim precisamos deliberar se os fins de semana gastos desse modo nos convém. O que deseja minha alma e de que precisa meu corpo? O domingo deveria ter algo da qualidade do sábado judaico, que Deus ofereceu ao ser humano para que desfrutasse o descanso. Aí seu espírito se abre para o essencial da vida, para religião, filosofia e arte. Ir à igreja no domingo é um exercício dessa arte do lazer.

O culto religioso abre espaço para respirar, em que o ar usado da semana é exalado, e a novidade do Espírito de Deus é inalada, para a alma refrescar-se.

O domingo deve ser um dia em que você faz aquilo que agrada à sua alma. Para alguns, é uma caminhada, um esporte; para outros, uma oportunidade para refletir ou conversar.

Talvez seja também a ocasião propícia para uma leitura. Ao ler, você mergulha em um mundo diferente.

Então o mundo do trabalho, que o sufocava, afasta-se. Não é para você fugir de sua realidade, mas sim mergulhar numa realidade diferente, onde reina um tempo diferente, que dá a seu tempo veloz outra qualidade.

Aos domingos, associam-se as festas. Para muitas pessoas, essas ocasiões não são mais do que dias livres para os quais só planejam passeios. Não percebem mais o sentido da própria festa. Nas festas, a eternidade penetra no nosso tempo; é aí que entramos em contato com as raízes de nossa vida e participamos do tempo sagrado, do tempo original.

Na história da Igreja, as festas foram entendidas como renovação do tempo a partir de sua origem. As festas apresentam colorido para a nossa vida. Abrem a nossa alma, para que possa se refrescar com as fontes da vida divina. E ensinam-nos que o tempo não existe apenas para ser utilizado, mas para ser celebrado e saboreado.

O tempo da festa é livre, quando posso respirar aliviado.

 

Rituais salutares

 

Nos últimos anos, a psicoterapia redescobriu o efeito saudável dos rituais. Um rito é algo calculado, bem medido. Ritos refletem uma ordem estabelecida por deuses. São usos sagrados. Estruturam o dia e dão à vida um ritmo apropriado. Há rituais preexistentes, por exemplo, aqueles da religião. A Igreja adotou diversos rituais de outras religiões, preenchendo-os com conteúdos cristãos.

Também o monaquismo adotou rituais de outras culturas, ajustando-os à estrutura da vida monástica. Usa rituais comunitários, como, por exemplo, a maneira como a comunidade inicia uma refeição ou um trabalho importante. E existem numerosos rituais pessoais, em parte que provêm da tradição monástica, e em parte também que cada monge desenvolveu para si mesmo, com os quais, então, se sente em casa.

Hoje em dia, muitas pessoas que vivem envolvidas no mundo descobriram novamente, para si, o efeito salutar de rituais. Percebem que precisam de uma compensação para as muitas expectativas externas.

Para isso servem os rituais.

Rituais são um espaço livre que arranjo para mim mesmo. São meus. Nesses momentos, estou inteiramente comigo mesmo e, possivelmente, até com Deus. São zonas tabus; um abrigo sem entrada para os outros com suas expectativas; além disso, dão-me a sensação de eu mesmo estar vivo, sem ser vivido por outros.

Se constantemente reajo às expectativas dos demais, um dia ficarei aborrecido; sentir-me-ei conduzido pelo exterior. Rituais são a possibilidade de eu mesmo dar forma e figura à minha vida. É a minha vida. Tenho prazer em formá-la de tal maneira que corresponda à minha natureza mais profunda.

Os rituais não precisam de muito tempo. Posso transformar em rituais os aspectos mais corriqueiros de cada dia, como o levantar-me, o tomar banho, o café da manhã, o ir para o trabalho. Quando converto essas atividades normais em rituais, então elas me dão prazer; vivo nelas.

Os rituais se tornam paragens no tempo. No ritual, o tempo pára e deixa de ter um escopo. Ao permitir o ritual, entro em contato comigo mesmo e respiro aliviado.

Rituais têm sempre certas regras rígidas; nesses momentos, acendo uma vela, faço um gesto, sento-me e leio um livro, ou fico calado um instante. Em especial, medito. Os rituais me dão a sensação de que o tempo me pertence. De manhã cedo, dão ao dia outro caráter.

Não sinto o peso do tempo, mas sim o seu mistério.

Nesse tempo limitado, gravo neste mundo a marca pessoal de minha vida. Configuro o tempo, eu mesmo. O tempo não me invade nem me determina; eu formo e modelo o tempo.

Eu tomo um pedaço do tempo a fim de escapar ao terror das exigências exploradoras do tempo. Mesmo quando tenho a sensação de que, durante o dia, o tempo me agarrou, o ritual noturno me devolve o tempo.

Quando à noite, com o gesto dos braços abertos, entrego meu dia a Deus, o dia ganha para mim um caráter diferente. O tempo não me escorreu entre os dedos. Entrego a Deus esse prazo limitado do dia passado com tudo o que foi, até com os momentos inconscientemente vividos e com o tempo perdido. Perante Deus, ele ganha novamente sua integridade. Encerro o dia, por mais caótico que tenha sido. Enquanto ponho fim ao dia e dele me despeço, torno-me capaz de viver o novo dia em sua novidade.

Rituais fecham uma porta e abrem outra. A porta do dia que passou, a porta do trabalho com seus esforços, se fecha. E abre-se a porta da noite, em que posso me entregar às mãos de Deus. Após atravessá-la, entro no espaço do novo dia. Não tropeço de um dia para outro; fecho a porta do passado para entrar totalmente no espaço do tempo presente. Rituais são despedida e reinicio.

Somente quando nosso tempo tem a qualidade do despedir-se e do reiniciar-se, é realizado. Sem uma despedida e um novo início, o tempo se torna enfadonho. Continua sempre igual. Nada se resolve. Sem despedida, eu continuaria arrastando o passado comigo. Em qualquer dia, o ônus ficaria pesado demais.

O tempo se renova quando me despeço do passado para começar algo novo, intacto. Atualmente, muitas pessoas têm medo de despedidas e reinício, pois o despedir-se acarreta desgaste emocional. Mas quem evitar esse gasto emocional pagará um preço alto: o de uma diligência ininterrupta. A despedida finaliza algo. Só assim minhas emoções ficam livres para algo novo, para começá-lo com nova energia.

Karlheinz A. Geiszler fala da "infinita falta de um começo" e do "fetiche do non-stop".

Sem começo nem fim, tornamo-nos os passageiros involuntários de um carrossel que gira cada vez mais veloz, impossibilitando-nos de sair e de deixar outros entrarem.

Rituais dão forma à despedida e ao novo começo. Assim, põem ordem em nosso tempo e nos protegem contra uma aceleração cada vez pior; isso me oferece condições para realmente começar e parar. O mundo de hoje não sabe mais fazer um começo bem consciente e terminar algo com clareza. Rituais são a arte de dar forma ao início e ao fim.

Rituais são tempos sagrados, que, para mim, também podem tornar o presente sagrado. Sagrado é aquilo que está fora do poder do mundo. Por isso o tempo sagrado está fora do poder do tempo mundano. É um espaço livre, um espaço santo, em que minha alma pode curar-se.

Durante o dia, preciso sempre desses tempos curtos, santos, para poder viver a liberdade diante do terror do tempo. Esses espaços livres deixam minha alma respirar.

Nessa liberdade, então, posso dedicar-me conscientemente ao trabalho e às pessoas com as quais me encontrarei.

 

Estar presente no momento

 

O que os monges escreveram e praticaram com relação ao tema "atenção" pode, sem dúvida, ajudar também a lidar com o tempo em meio ao dia-a-dia no mundo. Especialmente para pessoas cujo dia está tão repleto de trabalho que dificilmente encontram tempo para uma meditação ou para um ritual mais demorado, ainda existe o caminho de viver totalmente o momento.

Para treinar isso, não precisamos de um tempo especial. Basta pôr bem conscientemente um passo na frente do outro. Quando abro a porta de meu escritório, não existe nada mais Importante do que isso; observo atentamente o que estou fazendo. Após entrar no escritório, sento-me à mesa. Em seguida, ligo o computador e resolvo uma coisa após outra. Isso não significa que eu faça tudo devagar. Só tomo cuidado para não ficar apressado. Mas, quando resolvo as coisas, uma após outra, trabalho com eficiência e rapidez, espontaneamente.

Há diferença entre se esforçar para ser rápido, exigindo demais de si mesmo, e estar totalmente concentrado naquilo que está escrevendo.

Quando não me perco em divagações e me concentro em determinada carta ou resposta, o resultado é imediato. A rapidez não depende de manipulações externas, mas da capacidade de estar totalmente concentrado no momento.

Se não estiver perturbado por quaisquer considerações, escrevo uma carta com bastante rapidez.

Quando volto minha atenção para as finanças e dou uma olhada nas contas, posso gastar muito tempo ponderando quais seriam as melhores decisões. Hesito, até decidir.

Mas, quando estou totalmente presente no momento, posso decidir muito mais rapidamente. Confio em minha intuição, sem quebrar a cabeça com as conseqüências de minhas considerações.

Para mim, a decisão rápida não é apenas um aspecto do temperamento, mas também uma questão de espiritualidade. Quando abordo um assunto sob esse ponto de vista, sinto-me livre de deliberações ansiosas sobre a opinião alheia. com essas divagações, costuma-se perder muito tempo.

Certa ocasião, acompanhei uma senhora que trabalhava muito lentamente e, por isso, sempre tinha problemas com seu patrão. Era de boa vontade e aplicada, mas, mesmo assim, não dava conta do serviço por causa de suas obsessões. Preocupava-se com o que os outros poderiam pensar dela se percebessem suas fantasias sexuais e agressivas. Gastava muita energia com essas ruminações. Para trabalhar, então, faltava-lhe energia.

A clareza interna, à qual gosto de chegar pelo caminho do autoconhecimento e da meditação, é um pressuposto essencial para se poder trabalhar com eficiência e também com uma rapidez sadia, sem ficar agitado nem perder uma boa visão do conjunto.

Rapidez não é a mesma coisa que agitação. Muitas pessoas, homens e mulheres, confundem trabalhar com levantar poeira. Parecem constantemente estressadas. Mas o que empreendem não dá nenhum resultado. Deles e delas, vale a contestação de Georg Christoph Lichtenberg: "Pessoas que nunca têm tempo são as que menos fazem". São agitadas e apressadas porque não estão concentradas nem atentas àquilo que estão realizando. Estão internamente dilaceradas. Por isso um pressuposto essencial para se lidar bem com o tempo é alcançar clareza interna, sem segundas intenções, sem olhar de soslaio para os outros e sem a preocupação de ter de se exibir aos outros ou tentar evitar qualquer erro.

 

Começar e parar

 

Já toquei neste assunto: percebo como, às vezes, fico incomodado quando o início de uma reunião atrasa. Embora chegue no momento combinado, nada ocorre. Há um bate-papo superficial, mas ninguém se dispõe a abordar o assunto principal, com isso, atrapalham o andamento de meu dia.

Imediatamente, noto que não vai sobrar tempo para o essencial; a reunião vai demorar mais do que o combinado. Quando observo algo assim, desaparece a motivação para me dedicar plenamente. Isso porque conheço pessoas que preferem falar sobre o trabalho antes de começá-lo; não apenas perdem muito tempo, paradas e problematizando, mas também desperdiçam energia, a qual, então, lhes falta no momento de fazer efetivamente aquilo de que estão falando. No mínimo, perde-se uma grande força.

Quando ajo de acordo com um plano, tudo dá certo; mas, se empurro trabalhos desagradáveis, esse ato, muitas vezes, custa mais energia do que o de resolvê-los. Sempre há um limiar a ser ultrapassado para se começar algo. Logo que isso é superado, o trabalho me dá prazer. Não se trata de começar cegamente, apenas para que a atividade seja concluída. É preciso seguir um planejamento, que, tão logo esteja pronto, faz-se necessário começar.

O contrário dessa situação também existe e refere-se às pessoas que nunca conseguem parar. Em certas reuniões, há interlocutores que não encontram um fim em seu discurso, falando sem parar, em vez de serem objetivos. Muitas vezes, eu nem entendo o que gostariam de dizer. Quando a conversação está bem adiantada, voltam aos antigos problemas. Reuniões com essas características não têm fim.

Há pessoas ainda que, falando ao telefone, não conseguem parar. Eu mesmo fico intimamente incomodado quando, no meio de meu trabalho, as pessoas me telefonam sem saber direito o que gostariam de dizer. Mas, embora seus discursos não tenham consistência, não param de falar. Tento então terminar a conversa, com delicadeza, mas decididamente. Para mim, telefonar não é o ponto mais alto da comunicação.

Outros não sabem terminar, uma vez que estão juntos, sentindo-se bem. Aí também percebo como isso me desagrada. Não é à toa que existe o provérbio de que o melhor momento de parar é exatamente quando tudo está perfeito.

Por muito tempo, mantive conversações após o encerramento dos cursos para jovens. Estávamos todos exaustos, visto que, nesses períodos, dormia-se muito pouco. Para mim era sempre importante limitar essas conversações a duas horas. Quando alguma vez se estendia um pouco, o nível de agressividade costumava subir.

Houve reuniões cujo final colaborava para arrasar todas as experiências positivas do curso, somente porque não conseguíamos terminar nossos comentários. Ao ministrar um curso, considero importante começar pontualmente, mas também limitar a duração de cada unidade. Quando um grupo não sabe parar, o bom humor pode se alterar bem rapidamente. Existem também pessoas que, à noite, não conseguem parar de trabalhar, pois pensam poder resolver ainda muita coisa. De fato, fazem muito, mas nisso são pouco eficientes.

 

Para mim, é importante encerrar o trabalho e ir para cama na hora certa. Isso evita o esgotamento e me possibilita trabalhar muito. Após conversar com algumas pessoas, muitas vezes fico sabendo que simplesmente não conseguem deitar-se. Donas de casa que também trabalham fora pensam que ainda têm de realizar uma porção de tarefas.

Numa casa, naturalmente, sempre há trabalho para ser feito. Mas, se não estabeleço um limite, marcando o momento em que quero parar, nunca terei a sensação de estar vivendo, pois a grande quantidade de tarefas ocupa a minha vida. Preciso limitar o tempo, para que continue sendo o meu tempo. Senão me torno escravo do tempo e nunca chego a um fim.

Quando converso com essas pessoas que não conseguem se desligar, descubro que existem outros motivos para que ajam desse modo. Às vezes, elas vêem isso como um ideal: viver sempre sob pressão ou fazer tudo com perfeição. Ou então têm remorsos, que as impelem a fazer sempre mais. Não raro, têm problemas internos não resolvidos.

Em vez de considerá-los tranqüilamente a fim de encontrar uma solução, preferem dar conta do que é mais simples e deixar sem solução o que está no fundo de sua alma.

Saber lidar com o tempo não é apenas uma questão de força de vontade. Quando lido caoticamente com o tempo, isso costuma ocasionar profundas conseqüências. Sendo assim, é pertinente fazer um exame de consciência sobre a maneira como uso o tempo. Não se trata de má consciência, nem de achar que eu deveria fazer tudo melhor, mas antes de descobrir por que não consigo organizar o tempo do modo como gostaria.

Tudo o que é externo tem uma causa interna. Dedicar um tempo para refletir sobre como utilizo o tempo acabará sendo mais eficiente do que combater o problema superficialmente, reagindo apenas com disciplina. Esta nada adiantará se não estiver combinada com um sincero autoconhecimento. A palavra "disciplina", originária do latim discapere, significa "ordem".

 

Uma coisa após a outra

 

Nos dias de hoje, é comum querer fazer tudo ao mesmo tempo. Enquanto estamos telefonando, preenchemos os documentos que estão em nossa mesa. Ou passamos roupa ao mesmo tempo em que assistimos à TV. Karlheinz A. Geiszler chama de "simultante" alguém que usa o celular enquanto dirige o carro ou durante o café da manhã resolve negócios da Bolsa de Valores. Simul significa "ao mesmo tempo". O simultante faz tudo ao mesmo tempo, em vez de resolver uma coisa após outra.

A nossa cultura nos convida a resolver tudo ao mesmo tempo. Enquanto viajam de ônibus, os jovens ouvem sua música preferida e ainda por cima mandam um recado para amigos. Geiszler fala de uma "tendência para simultaneização", que leva à criação de "centros múltiplices", em que se pode resolver tudo ao mesmo tempo; o audiolivro deve o seu sucesso a essa tendência.

Enquanto se limpa a casa ou dirige-se o carro, pode-se ao mesmo tempo ouvir um livro. Não vale mais o "cada coisa em seu tempo", e sim o "tudo ao mesmo tempo"; não mais a palavra da Bíblia: "Tudo tem o seu tempo", mas: "tudo ao mesmo tempo". Fala-se em multitasking, no sentido de elaboração e solução de muitas tarefas concomitantemente.

O simultante está ao mesmo tempo presente e ausente. Afinal de contas, vive de modo atemporal. Mas os pesquisadores dizem que o cérebro só se pode ocupar com um tema de cada vez. "Simultaneidade não leva a um pensar mais rápido; leva a maior agitação" (Geiszler, Simultant 35).

Quem faz tudo ao mesmo tempo não trabalha com eficiência. Dispersa-se e enfraquece sua capacidade de concentração. Geiszler diz que o "simultante" abandona "a ordenação do tempo que sempre valeu, quando tenta fugir da limitação da vida, por uma simultaneidade" (ib. 35). Por outro lado, é difícil escapar da tendência para o sincronismo.

As mais diversas informações nos alcançam ao mesmo tempo. Mas é mais importante que aprendamos a artejie fazer uma coisa após outra.

Para mim é importante concentrar-me naquilo que estou fazendo aqui e agora. Nunca poderia escrever livros se gostasse de fazer muita coisa ao mesmo tempo. Muita gente me pergunta se escrevo durante as férias. Isso para mim é tabu. Nas férias eu me divirto. Aí não levo papel para anotações. Também não escrevo no escritório, estando ocupado com outras coisas. Quando me dedico à escrita, não faço outra atividade. Não escuto música nem penso em coisas que ainda teria para resolver. Estou concentrado no que estou escrevendo; dessa forma, o texto flui.

Naturalmente, no escritório, faço algumas coisas ao mesmo tempo. Enquanto estou telefonando, procuro pôr em ordem o dossiê das contas ou abrir correspondências.

Às vezes, tenho a sensação de que assim está certo, pois só posso dar conta de meu trabalho, nas poucas horas de escritório, se trabalhar da forma mais eficiente possível.

Na maioria dos casos, isso dá certo. Com outros, porém, eu percebo que não é bom para mim nem para a conversa, quando faço outra coisa junto, pois prejudica a minha atenção, deixando de estar totalmente com aquela pessoa. Por outro lado, há pedidos rotineiros de informação, durante os quais é bem razoável utilizar o tempo. Mas, para mim, é importante observar de vez em quando, conscientemente, o que estou fazendo. Quando fico apressado ou agitado, é sinal de que estou sendo determinado pelo tempo, em vez de me dedicar àquilo que é real.

Às vezes, sou obrigado a fazer duas coisas concomitantemente. Enquanto estou, por exemplo, respondendo a e-mails, toca o telefone, ou um colega bate à porta para conversar sobre algum assunto. A flexibilidade faz parte do trabalho de escritório.

Outras vezes, porém, sinto-me incomodado com tantas interferências. Todavia, quando faço as pazes com o fato de ter de responder às muitas coisas que me aparecem no mesmo instante, então consigo aceitar tranqüilamente essa simultaneidade, que não me perturba, pois é minha maneira de trabalhar. Contudo, preciso discriminar os trabalhos que posso assumir ao mesmo tempo e os que exigem concentração.

O tipo do simultante não é totalmente novo. Há quase cem anos, Kurt Tucholsky descreveu pessoas atarefadas que fazem tudo ao mesmo tempo. A sua opinião sobre isso é: "Tudo é fachada e bobagem; é uma espécie de jogo, assim como crianças brincam de lojinha". E elogia as pessoas que fazem uma coisa após outra: As poucas pessoas inteligentes que tranqüilamente resolvem uma coisa após outra, sempre uma coisa só no seu tempo, têm muito sucesso.

Não podemos escapar completamente à tendência do sincronismo. Para mim, é mais importante o saber me deter e o obrigar-me a fazer uma coisa de cada vez. Aí percebo que fico de novo equilibrado e consigo resolver tudo rapidamente, mais do que quando tento fazer as coisas ao mesmo tempo.

 

Permitir-se tempo

 

Quando me pressiono para fazer tudo dentro de um tempo bem delimitado, sinto o tempo desagradavelmente. Não estou no momento, mas sim sob pressão. Tenho a sensação de que tudo é demais para mim. Muitas pessoas têm medo que seu tempo fuja de controle.

No entanto, nós mesmos nos colocamos sob pressão, que, normalmente, não ajuda em nada; antes, paralisa. O contrário seria a passividade, a qual também não me satisfaz. O essencial é estar totalmente concentrado naquilo que estou fazendo. Aí eu trabalharei com certa rapidez. Mas não fico agitado.

Preciso de sensibilidade para saber quando posso resolver uma coisa rapidamente e quando preciso de tempo. Há problemas que não podem ser resolvidos em um piscar de olhos. Precisam de tempo. Querem ser estudados, virados para cá e para lá, até que fiquem prontos para uma solução. Muitas vezes, é preciso dormir uma noite, para que, afinal, uma boa solução venha à mente.

De acordo com um provérbio inglês, "Quem vive a galope vai para o diabo a trote". Andar de cavalo a galope pode ser maravilhoso, pois sentimos a força do animal, liberdade interna e prazer de viver. Mas quando a vida inteira se torna um galope, quando, ruidosamente, só passamos correndo por árvores e arbustos, então corremos para o diabo, no sentido mais verdadeiro da palavra. Pois o cavalo logo vai sucumbir.

Quem corre sempre galopando não pertence a si mesmo, mas à agitação, ao diabo. Não é mais a pessoa quem anda, mas sim o diabo quem corre e a carrega. Isso não faz bem à alma. Sempre precisamos dos dois: o prazer de andar a galope e o sossego do trote. Verdadeiros encontros não se realizam a galope. Precisam de tempo, assim como nós para resolver problemas.

O nosso tempo precisa das duas qualidades: lentidão e velocidade. É importante nos deixarmos vencer pelo tempo para esperar pelo que dentro de nós e ao redor de nós gostaria de crescer. Às vezes, temos de tomar decisões rápidas. Quando algo nos assalta, precisamos nos desviar decididamente. Robert Waiser teve a experiência de que muita coisa acontece mais rapidamente quando nos permitimos um tempo maior: Se fôssemos mais tranqüilos, mais lentos, tudo nos sairia melhor, os nossos interesses se resolveriam mais depressa. Quem está tranqüilo, encontra-se consigo mesmo, em contato com a sua criatividade interna. Somente quem está consigo mesmo pode esclarecer as coisas. Quem voa a jato de um compromisso para outro possivelmente fará muita coisa. Mas alcançará pouco resultado.

A palavra alemã hetze (agitação) vem de hass (ódio).

Quem odeia a si mesmo não é criativo. Ele se propulsará continuamente, não porque tenha prazer em empreender algo, mas porque não tem auto-estima. Quem não se ama, nada realizará de especial. A quem está consigo mesmo, as soluções virão à mente com facilidade, proporcionando a superação dos problemas. Quem corre de si mesmo, pode estar sempre em ação, mas muitas vezes não sabe para onde vai. Não raro, estará correndo da própria sombra, na qual pode estar um importante potencial vital.

Quando corro de minha sombra, ela me persegue. Uma história chinesa relata a vida de um homem que fugia de sua sombra.

Olhando para trás, sempre via a sombra. Correu, correu sempre mais. Mas a sombra nunca deixava de estar atrás dele. Finalmente, ele caiu morto.

É uma sabedoria antiga que, na Ásia, se tornou um provérbio, mas que vale também para nós: "Quem anda devagar muitas vezes alcança mais rapidamente o alvo". Pois não fugirá, correndo, de coisa nenhuma. Vai se aproximando daquilo que para ele importa.

No meio do corre-corre matinal do escritório, permito-me umas pausas. Sempre reservo tempo para ir com calma a uma oficina ou a uma reunião da equipe na casa de retiros. Naturalmente, conheço também o oposto, quando me ponho a caminho no último minuto e preciso correr o mais rapidamente possível para esse encontro. Aliás, percebo, então, que isso não me faz bem. Quase não gasto mais tempo quando vou até lá com calma.

Quem não faz pausas prejudica até mesmo a própria alma. Psicólogos descobriram que pausas são necessárias para realizar um trabalho criativo. Por mais curtas que sejam, nesses momentos entro em contato comigo mesmo, o que me possibilita não sentir o trabalho como um peso.

A reunião, então, não me faz sentir pressionado, tornando-se uma ocasião para respirar mais aliviado, um espaço de liberdade em que flui uma conversa inteligente.

Caso a reunião se prolongue para que a agenda seja cumprida, não me sinto sufocado pelo peso do tempo. Ao contrário, permito-me dedicar o tempo necessário para essa conversa, pois sinto liberdade durante o trabalho; e, no meio da rapidez, há tempo suficiente para mim e para os outros.

No poema a seguir, o poeta lírico espanhol Juan Ramon Jimenez entendeu o ir devagar como um estar perto de si mesmo. com isso, ele disse algo importante sobre a arte de viver em geral:

 

           Não corra,

           ande devagarzinho:

           basta você chegar perto

           de si mesmo.

           Ande devagar, não corra,

           pois o filhinho de seu "eu"

           eternamente recém-nascido

           não consegue segui-lo.

 

Por trás dessa defesa da lentidão, está uma intuição importante. A finalidade de nossa vida não é ter estado presente em toda parte, chegando a lugar nenhum, mas sim consiste em chegar em nós mesmos, aí então poderemos ir para onde quisermos. Mas só consegue isso quem anda devagar, quem dá seus passos conscientemente. Outro motivo para andar devagar está nisso, segundo Ramon Jimenez, senão nossa criança interna não nos seguirá.

Cada um de nós carrega em si uma criança divina, eternamente recém-nascida. É a fonte de nossa renovação interna. É o nosso núcleo mais íntimo. Somente quando estivermos em contato com essa criança interna, nossa vida vai se tornar autêntica e fecunda.

A criança não pode seguir nossa corrida agitada; precisa de tempo. Quando damos tempo a ela dentro de nós, realizamos mais rapidamente aquilo que convém, pois ela está cheia de espontaneidade e criatividade. Brincando encontra a solução, atrás da qual, muitas vezes, nós corremos com pressa febril.

Quem se permite o tempo experiência aquilo que Karlheinz A. Geiszler chama de "bem-estar no tempo" (Tempo 190). Quem se permite tempo está livre da tirania do tempo, que não o tolhe. Consegue soltar-se do tempo; mesmo assim permite ter tempo. O tempo está à sua disposição e não dispõe dele. Mas hoje cada vez menos pessoas são capazes de se permitir tempo. Adalbert Stifter constatou: "Nós, seres humanos, nos atormentamos para conquistar víveres, mas da própria vida nos esquecemos". Quem deseja conquistar cada vez mais bem-estar material perde o bem-estar no tempo.

Hoje já percebemos que existe uma medida sadia de bem-estar material que não podemos ultrapassar. Mas somente quem consegue largar a cobiça de conquistar cada vez mais riqueza se torna capaz de se permitir tempo, assim como de desfrutá-lo. Quem se fixa somente em realizar o máximo possível, e o mais depressa possível, esquece-se de viver. Gostaria de melhorar e embelezar sua vida pelo trabalho, mas na realidade perde vida. Por isso é importante recordarmo-nos sempre para que estamos fazendo aquilo tudo, e por que deveríamos trabalhar tão rapidamente.

A tendência para uma riqueza sempre maior leva a uma constante aceleração, que estraga a qualidade de nossa vida. Em última análise, impede o verdadeiro bem-estar. De acordo com o filósofo alemão Arthur Schopenhauer: "Querer acelerar o andamento do tempo, que corre sob medida, é o empreendimento mais dispendioso". Só hoje é que sentimos na carne a verdade dessa frase.

A aceleração leva a uma exploração cada vez pior da natureza. A poluição do meio ambiente e a destruição de nossa terra têm de ser reparadas a altos custos. O tempo tem as próprias leis, que não podem ser violadas impunemente. Precisamos nos adaptar às medidas do tempo que decorre, em vez de submetê-lo às nossas próprias imaginações. Se submetermos o tempo violentamente, ele revidará, e sairemos derrotados.

O tempo é mais forte do que nossos desejos de o tornarmos nosso súdito. Nós precisamos fazer amizade com o tempo. Quem se permite tempo lida cautelosamente com ele, estimando-o. Quem o acelera, despreza-o. Mas o tempo desprezado há de puni-lo com desprezo. E um dia esse ser humano perderá a auto-estima.

 

Recentemente, ministrei um curso de liderança para funcionários da empresa Daimler-Chrysler. Uma noite, houve uma conversa com nosso abade. Os diretores queriam saber como no convento funciona a direção. O abade falou sobre nossos processos de decisão. Por exemplo, em assuntos importantes, todo o convento tem obrigação de votar, e a maioria absoluta decide. Mas o abade disse que, quando percebe que há apenas uma pequena maioria e ainda muito potencial agressivo no ar, ele adia a votação.

Não é a favor de uma votação com disputa, pois isso sempre deixa um sentimento desagradável. Os perdedores podem sentir vontade de boicotar o resultado da votação, por isso o abade organiza diversas discussões em que todos são ouvidos e, sobretudo, os adversários têm oportunidade para expressar seus argumentos e receios. Quando, então, duas semanas mais tarde ocorre a votação, costuma ser pacífica.

Para os diretores da empresa Daimler-Chrysler aquilo foi uma novidade, e alguns consideraram que só podiam aprender com ela. Entre eles, tratara-se sempre de decisões bem rápidas, muitas vezes meio violentas. Então, os numerosos trabalhos refeitos mostram que se tem de gastar muito mais dinheiro e tempo somente porque não se usou o tempo necessário para chegar à decisão.

 

Tempo para si mesmo

 

Após uma boa conversa com alguém, a pessoa sempre me agradece por ter reservado um tempo a ela. Outro dia uma senhora esteve comigo e me contou sobre suas preocupações.

Embora a conversa não tenha durado mais de meia hora, ela me agradeceu, porque eu havia lhe dedicado meia hora. Teve a impressão de que aquele tempo havia sido todo dela, em que pôde contar tudo o que a preocupava.

O tempo que podemos dedicar aos outros sempre é limitado, mas o importante é que aquela pessoa tenha realmente a impressão de que o tempo é dela e que nós, nesse tempo, lhe demos atenção e ficamos à sua disposição. Às vezes, a pessoa diz: "Não tenho coragem de ocupar seu tempo". Essas pessoas necessitam de coragem para adotar aquilo de que precisam para a sua vida.

Naturalmente, existe também o contrário, como, por exemplo, pessoas que julgam ter o direito de exigir meu tempo para elas mesmas.

Elas se esquecem de que meu tempo pode estar limitado. Telefonam, mas não conseguem entender que naquele momento estou ocupado, porque outra pessoa está conversando comigo no escritório e precisa de minha atenção.

Ao lhes oferecer outro horário para uma conversa por telefone, às vezes ficam alteradas comigo, dizem que não sou mesmo tão gentil quanto os livros prometem. Isso me aborrece muito. Mas sinto que, muitas vezes, esse aborrecimento se dirige contra mim mesmo, porque naquele momento não fui bastante claro e tive dificuldade de reconhecer meus limites.

Quando tenho liberdade interna para me limitar, não preciso ficar irritado porque aquela pessoa espera demais de mim. Ela pode esperar de mim o que quiser. Mas, até que ponto posso atendê-la e satisfazê-la, é responsabilidade minha. Eu posso dizer "não", sem ter nada contra aquela pessoa. Se ela tiver alguma coisa contra mim, preciso agüentar isso e espero que ela igualmente aprenda a lidar bem com os próprios limites. A experiência do limite, que teve comigo, talvez lhe seja benéfica.

Quando eu, nessa liberdade, tomo um tempo para mim e dedico tempo a alguém, não sinto a pressão do tempo.

Limitar-me, então, não me custa energia. E não fico aborrecido quando outros gostariam de ocupar meu tempo. É seu direito. Além disso, tenho o direito de zelar pelo que é meu. Senão, eu pertenceria a qualquer um que quisesse alguma coisa de mim, não restando tempo para mim. Os outros disporiam de meu tempo, que estaria todo perdido.

Se durante uma conversa fico olhando muitas vezes meu relógio, o outro tem a impressão de que, a bem dizer, ele não tinha o direito de ocupar o meu tempo. Ou, então, sente-se depreciado, pois não estou prestando atenção nele. Mas ninguém gosta de se deixar limitar em uma janelinha de tempo, como dentro de um espaço estreito.

É preciso saber dar à outra pessoa a impressão de que agora estou concentrado nela e que realmente gosto de lhe dedicar meu tempo.

Por outro lado, ela precisa saber também que é um tempo limitado. É da minha responsabilidade dedicar-me inteiramente a meu interlocutor e terminar a conversa quando o tempo combinado acabar.

Se tenho a liberdade interna de estar inteiramente com o outro e, ao mesmo tempo, levar a sério que meu tempo é limitado, então me sinto bem naquela conversa. Consigo, assim, mostrar ao outro a minha simpatia. Estou emocionalmente aberto a ele. Mas, quando estou internamente aborrecido por ter-me extorquido esse tempo, na verdade não estou presente, mas sim ocupado com o meu aborrecimento. Isso me impede de estar com o outro.

Em última análise, estou aborrecido comigo mesmo, porque não tive coragem para me limitar. Quando percebo isso, digo a mim mesmo: "Você decidiu ter essa conversa; então, esteja todinho aqui. Guarde o aborrecimento para depois". Da próxima vez a pessoa irá se tornar mais sensível para saber o que pode aceitar e o que deve recusar.

Quando realmente dedico um tempo para alguém, não tenho depois a impressão de ter sido um momento perdido. Muitas vezes, sinto-me enriquecido depois de uma conversa.

Para mim, também foi um tempo satisfatório, fez bem a mim mesmo. Mas não é somente para os outros que dedico tempo.

A vida somente é um sucesso quando eu desenvolvo uma boa relação entre o dar e o tomar. Quando tomo do meu tempo para os outros, dou-lhes algo do meu tempo e da minha boa vontade, da minha energia e da minha dedicação. Porém, para poder dar, preciso também ser capaz de tomar para mim mesmo aquilo de que necessito.

Nesse caso, tenho certeza de que o tempo existe. Então, dedico parte dele para fazer uma caminhada, meditar, ler ou simplesmente ouvir música e ficar à toa. Nesses momentos, às vezes, ouço outras vozes dentro de mim: "Devia aproveitar melhor seu tempo, Ainda precisa resolver isso ou aquilo. Ainda tem de ler aquele livro; arrumar seu quarto...".

Quando essas vozes surgem, tento afastá-las conscientemente. Agora dedico um tempo para escutar música. Este tempo me pertence, é meu. Dele, não deixo ninguém dispor, nem as vozes internas. Então experiencio que o tempo que me dediquei se torna um tempo doado. É Deus quem me dá esse tempo, pois ele é generoso. Muitas vezes, sou mesquinho comigo mesmo. Eu me estimo pouco, e é parco o tempo que permito a mim mesmo.

Quem nunca dedica um tempo para si mesmo mostra como se subestima. Não enxerga o próprio valor. Blaise Pascal, o matemático e filósofo francês, vê na capacidade de dedicar um tempo a si mesmo a condição para alguém se tornar feliz: Falar a uma pessoa que deve descansar significa dizer-lhe que tem de viver feliz.

Ninguém pode viver feliz sem ser capaz de repousar. E naturalmente não basta exortar os outros a descansarem, pois, hoje em dia, muitas pessoas não sabem desligar-se dos problemas. Por isso eu penso que também não nasceram para ser felizes.

Na filosofia grega e romana, o repouso é muito valorizado. Descansar, desfrutar de uma folga, nisso está a dignidade humana. Para os gregos, o lazer (schole) é uma situação livre de trabalho e de preocupação. Nesses momentos, o ser humano faz atividades por causa dele mesmo, e não por alguma utilidade.

Para Aristóteles, o lazer é sobretudo o momento em que a pessoa pode se entregar à música e à contemplação (theoria) espiritual. Repouso e liberdade interna são os pressupostos para se experimentar no lazer a felicidade interior. Entre os romanos, o lazer (ptium) era principalmente o descansar dos negócios e o recreio, por exemplo, em uma chácara. Otium é o que deseja o ser humano livre e feliz. O trabalho é a negação do lazer: negotium quer dizer "não-lazer". Sobre esse tema, o filósofo Joseph Pieper tentou traduzir para nosso tempo a sabedoria da Antigüidade e da Idade Média:

O lazer, portanto, é mais do que um tempo que reservo para mim mesmo. Supõe uma atitude interna. É a atitude de dizer "sim" ao ser. É a fé de que o ser é bom. Em última análise, o lazer supõe o amor, o amor a tudo o que existe.

Desaprendeu-se o que significa lazer. Hoje, fala-se em "tempo livre". Mas, muitas vezes, não somos nada livres. Existe toda uma indústria do tempo livre, que submete nosso tempo livre à ditadura da utilidade. São pouquíssimos os que sabem desfrutar um tempo livre. Tem-se de preenchê-lo com toda espécie de atividades; então, o tempo livre não leva à liberdade, mas sim a uma nova coação para utilizar o tempo livre da forma mais efetiva possível para cada um se gabar, diante dos colegas de trabalho, de tudo que realizou naquele momento.

Lazer é a capacidade de saborear o tempo e realizar algo que não pode ser utilizado para algum "objetivo". Somente quem sabe desfrutar do lazer tem realmente a experiência de ser livre.

 

Suspensões: repousos sabáticos e isolamento

 

No hóquei de gelo, os jogadores podem receber suspensões. Às vezes, trata-se de uma penalidade por causa de uma falta no jogo; outras vezes, é uma interrupção para dar ao jogador a oportunidade de se restabelecer. Semelhantes suspensões existem também em muitos setores profissionais.

Para padres, existe um "repouso sabático". Quem se sente esgotado, solicita essa licença ao chefe do pessoal. Muitos aproveitam a ocasião para ficar em nossa casa de retiros, a fim de se refrescar psíquica e espiritualmente; outros tiram longas férias. Outros ainda fazem um tratamento ou procuram aprofundar-se nos estudos.

Na indústria, esses "dias fora" são um luxo. Mas, às vezes, o corpo obriga a nos permitirmos um "tempo fora".

Quando estamos gripados, a doença nos convida a ficar uns dias em casa. Nosso corpo pode nos forçar a aceitar alguma coisa que nós mesmos não nos permitimos. Para outros, é a alma que lhes impõe um "tempo fora".

A depressão sempre significa algo, pois nos coloca diante do fato de que talvez deixamos faltar tempo à nossa alma. Da alma, não se pode exigir o que ultrapassa sua medida; ela se revolta. E faremos bem em levar a sério sua rebeldia. Fala-se em depressão por esgotamento. Isso é cada vez mais freqüente, porque evidentemente muitos não sabem lidar bem com o próprio tempo. Acumulam-se de atividades, até que o tempo revida e os obriga a aceitar um "tempo fora".

Em círculos espirituais, é costume que alguém se permita um "dia no ermo". Muitos o fazem todo mês, outros uma vez a cada três ou seis meses. Num dia assim, eles não realizam nada que possa ser mostrado; ficam o dia inteiro andando, atentos ao que no silêncio lhes surge na mente. Outros vão simplesmente se sentar em seu quarto e esperam para ver o que lhes vai acontecer na alma.

Os monges de antigamente conheciam o exercício da cela. Quando não sabiam o que fazer com as turbulências internas, eles se assentavam simplesmente em sua cela, moradia de monge, e ficavam calados, diante de Deus. Não rezavam nem tinham nenhum programa espiritual. Também não trabalhavam. Só ficavam lá a fim de observar os pensamentos surgidos. Imaginavam, então, que estavam em um barco, esperando até que a água ficasse totalmente tranqüila. Depois, apareciam os peixes. Pegavam alguns e perguntavam-se se eles seriam um bom alimento. Os peixes nutritivos, isto é, os bons pensamentos, eles deixavam no barco; os outros, jogavam de volta na água de seu inconsciente.

Quando convido os participantes de um curso para esse "exercício da cela", eles têm experiências surpreendentes. Percebem que lhes faz bem não correr para fugir da própria verdade. Muitos tiveram a impressão de que, naquele momento, um nó cego se soltava para eles. De repente, sentiram-se livres. Não tinham mais medo daquilo que lhes surgia no íntimo. Assim não gastavam mais a sua energia fugindo de si mesmos. Conseguiam agüentar-se bem.

 

Isso os ajudava para voltarem com nova energia ao cotidiano. Tinham esta sensação: "Agora, posso entregar-me inteiramente àquilo que hoje se exige de mim. Novamente, estarei imerso no momento e viverei acordado e atento".

Muitos que trabalham em posições de responsabilidade percebem que, algumas vezes, precisam de uma "suspensão". Retiram-se ao convento por alguns dias a fim de acompanhar simplesmente o ritmo dos monges e mergulhar no silêncio. Contam-me que é isso de que precisam e que lhes faz bem, mais do que uns dias de férias com sua família; sem dúvida, esse período é importante.

Cada um precisa também de momentos em que possa se afastar de todas as obrigações que normalmente o ocupam. Nessa "suspensão", ele vai descobrir novamente o que realmente importa à sua vida e há de verificar onde sua alma lhe assinala que deve modificar alguma coisa em seu estilo de vida.

Para muitos, não é nada simples afastar-se do torvelinho de sempre. Blaise Pascal falou: "Nada é tão insuportável para o ser humano como o encontrar-se em tranqüilidade total, sem paixões, sem ocupação, sem distrações, sem atividades".

Já que estamos sempre ocupados, tentamos até mesmo no tempo da "suspensão" ocupar-nos com diversas tarefas interessantes: ler livros, meditar, caminhar. Tudo isso, sem dúvida, pode ser bom. Mas precisamos também de "suspensões", nas quais não nos ocupamos com nada, estando simplesmente à toa, a fim de inquirirmos o mistério do tempo e, com isso, o mistério de nossa vida.

Para mim, é importante fazer todo ano um retiro sozinho. Às vezes, deixo-me acompanhar, durante uma semana, por um orientador de retiros. Em silêncio, entrego-me a textos bíblicos que me sugere. E presto atenção àquilo que se modifica em minha alma. Muitas vezes, durante os exercícios, tenho sonhos bem claros.

Em algumas ocasiões, faço meus exercícios sozinho; escolho alguns textos bíblicos para a minha meditação pessoal. Não exerço pressão sobre mim mesmo para, nesses exercícios, alcançar alguma coisa. Eu simplesmente observo o tempo que passa e procuro estar totalmente no momento e ouvir o que Deus me diz no silêncio.

Nesses exercícios, tenho uma experiência diferente do tempo. No início, posso simplesmente apreciar o tempo que passa. Deixo de lado toda pressão que pesava sobre mim, mas sinto como isso pode ficar cansativo. A meu ver, tal fato é sinal de alarme, pois ainda estou sob pressão de ter de realizar alguma coisa. Então percebo que Deus não é tão importante para mim quanto afirmo em meus livros.

Quando noto que quero preencher o tempo com uma atividade qualquer, quando começo a inventar novas idéias para livros, ou me entrego a certos problemas, então tento frear esses pensamentos. Desejo simplesmente perseverar diante de Deus, a quem mostro como sou vazio e incapaz de me entregar inteiramente. Então a paz ressurge em mim. E vivo o tempo de outra maneira, o qual se torna novamente um tempo livre, mas também realizado.

A "suspensão" dos exercícios individuais me deixa perceber como devo empregar meu tempo daí para a frente. Às vezes, nesses dias, penso em largar no ano vindouro uma determinada atividade. Por exemplo, durante um exercício individual, ficou claro para mim que não posso mais acompanhar hóspedes em seus exercícios individuais, pois não consigo combinar essa tarefa de maneira adequada com as minhas outras atividades. Senão, não posso satisfazer nem a mim nem aos outros.

Quando reservo algum tempo para tais exercícios, isso provoca efeito no modo como vivo o tempo também no resto do ano, tornando-me sensível para ver o que me convém ou não; onde preciso traçar limites para proteger o meu tempo e onde posso simplesmente me entregar ao tempo.

 

Os vilões do tempo

 

Hoje em dia, a propaganda comercial quer nos impingir muita coisa para se ganhar tempo. Por exemplo, com o celular, dizem, ganha-se tempo. Não precisamos entrar em uma cabina telefônica na rua para telefonar. Com o celular, isso pode ser feito em toda parte. Muitas coisas, porém, feitas para se ganhar tempo, tornam-se vilãs.

Quem carrega sempre o celular não faz mais nada. De toda parte, liga-se para ele, interrompendo o que a pessoa está fazendo. Assim, o celular rouba seu tempo e pode se transformar em um tirano.

Para muitos, a TV é uma vilã do tempo. Com o objetivo de estar sempre bem informados, os telespectadores passam mais tempo em frente à TV do que lhes convém. Pensam que esse meio é o caminho mais curto para se ficar a par de tudo no mundo. Mas a experiência mostra que é preciso muito tempo para ficar bem informado.

A televisão hipnotiza as pessoas, estimulando a vontade de estar a par de tudo que ocorre. Eu renuncio conscientemente à TV. Em vez de ligar o aparelho à noite, leio o jornal. Para isso, reservo uns 15 minutos por dia. Nesse tempo, eu me informo não somente sobre a política e a economia, mas até sobre o que está acontecendo no mundo da cultura. Quando algum artigo oferece conhecimentos específicos, dedico mais tempo à leitura. Imagens podem distrair e têm a tendência de continuar a prender a minha alma. Embora necessite estar informado sobre o mundo, também preciso me distanciar dele. A isso chego antes pela leitura do que pela TV.

Um perigo da TV é o de as pessoas ficarem dependentes dela. Há tantas opções de canais que não sabemos qual escolher. Ao procurar o mais interessante, perde-se muito tempo na frente do aparelho. Também é mais fácil deixar-se levar do que fazer algo pessoalmente.

Mas, em muitas conversas, ouço sempre como as pessoas ficam insatisfeitas por ter gastado seu tempo em frente à TV sem realmente querer isso. Não se sentem bem informadas, mas sobrecarregadas de informações e imagens, que, além de tudo, aparecem em seus sonhos.

Elas têm a impressão de que o tempo não é mais delas e que o tempo da vida real ficou invadido por imagens que simplesmente não lhes saem mais do pensamento. À noite, não me faz falta nenhuma ver televisão. Tenho prazer nas horas noturnas, em que encontro tempo para ler e escrever. Aí tenho a sensação de que o tempo é meu. Não sou dependente da TV, ouço aquilo que minha voz interna me diz.

Também o computador contribui para a economia de tempo. Isso eu noto ao escrever. Antigamente, escrevia tudo à mão. Depois, datilografava meus textos e corrigia tudo mais uma vez. Hoje, digito no computador. É uma enorme economia de tempo.

Mas, às vezes, fico irritado quando o técnico fala que o meu programa é antiquado e que necessita ser atualizado. Eu noto que programas novos tomam mais tempo, sem necessidade. Quanto mais complicado o programa, mais tempo demora. Eu posso comprar o aparelho mais veloz, mas essa rapidez é frustrada pelo tempo gasto ao executar os comandos.

Conheço confrades e colaboradores que passam muito tempo no computador. Experimentam todas as possibilidades, mas essa brincadeira os leva, então, a perder muito tempo. Outros usam o computador para navegar na internet, maneira prática e rápida para conseguir informações breves.

Antes era preciso ir a uma biblioteca para fazer pesquisas, hoje a internet dispõe de informações a todos com rapidez. Mas, quando preciso de muito tempo para isso e me perco no mar das informações não selecionadas, então o que foi feito para se economizar tempo pode se tornar um vilão.

Para que o uso dessa tecnologia compense, é necessário ter muita disciplina e liberdade interior. Se eu souber fazer algo proveitoso com meu tempo livre, isso será benéfico. A economia de tempo não me servirá para nada se eu não souber desfrutar o tempo que me foi dado. Sobre isso, Friedrich Nietzsche opinou:

Olhe a tolice de muitos trabalhadores esforçados: por um empenho excessivo, eles conquistam para si um tempo livre, e depois não sabem o que fazer com ele, senão contar as horas até que acabem.

Quem está apenas aflito para conseguir tempo livre, sem ao mesmo tempo desenvolver uma fantasia capaz de organizar e desfrutar o tempo ganho, não obterá tempo nenhum.

Pode até mesmo matar as horas conquistadas.

 

Não fazer nada para ganhar tempo

 

A natureza nos ensina que, às vezes, alcançamos mais quando não fazemos nada. Quando acabamos de semear a semente, precisamos esperar que ela brote. Na agricultura, sem dúvida, há muitas providências a serem tomadas. Mas existe também o tempo do esperar e do não fazer nada. Isso faz bem não somente à alma, mas até mesmo ao crescimento da semente.

Algo semelhante vale para o nosso dia-a-dia. Quem baseia suas horas livres em muitas atividades torna-se incapaz de desfrutar o momento. Mesmo seu tempo livre irá se desvanecer rapidamente. E ele terá a sensação de que não está vivendo.

Embora presencie muitos fatos, não os vive. O filósofo da civilização e sociólogo Eugen Rosenstock-Hussey vê um nexo entre o modo como se vive o tempo e a capacidade para saboreá-lo:

Que o tempo foi maltratado, mostra-se principalmente na perda da capacidade de estar presente.

Maltrato o tempo quando o acumulo de atividades e exerço constantemente pressão sobre mim mesmo para fazer mais em um tempo ainda mais curto; assim como quando acelero sempre mais e deixo passar oportunidades sem prestar atenção nele. Como conseqüência, o tempo me pune com a incapacidade de sentir o momento.

O tempo maltratado subtrai-se, está perdido, pois, nele, eu próprio me perco. Não sinto a mim mesmo, nem estou comigo, presente. Assim nunca experimento nenhuma folga. O tempo ganho por maus-tratos é tempo perdido. Não tem a qualidade do descanso, mas, antes, do vazio.

À primeira vista, a formulação: "Não fazer nada para ganhar tempo" parece paradoxal. Porém, quem considerar o tempo de modo consciente, para simplesmente estar apenas à toa, vai experimentar quanto tempo ganha. O tempo pertence a ele.

Antigamente, nas fazendas, um banco diante da casa era comum em todas as propriedades. Lá, muitas vezes, os avós permaneciam sentados, simplesmente olhando, observando como o dia declinava, e tudo acabava em silêncio. Nada faziam. Mas sua presença irradiava uma grande paz. Percebia-se como eles sabiam gozar o tempo. Em sua vida, tinham trabalhado muito, mas eram também capazes de simplesmente estarem à toa. Para eles, o tempo havia adquirido outra qualidade. Não era mais nenhum tirano, mas sim um convite à gratidão, à existência pura e simples.

Nesses momentos em que eu, sem esperar nada, fico simplesmente sentado, entrego-me aos pensamentos que surgem dentro de mim; muitas vezes são muito fecundos. Então, aparecem idéias novas.

Quando levo algum problema para dentro desse "não-fazer-nada", ele costuma se resolver, pelo menos fica relativizado. Muitas vezes, é em um momento assim que encontro uma solução à qual não tinha chegado por empenhada reflexão.

Em seus versos, Rainer Maria Rilke relembra alguma coisa da experiência de antigos camponeses:

E em figuras que vivemos de verdade.

com passos pequeninos,

as horas apenas acompanham nosso dia.

A nossa vida não se realiza principalmente no tempo mensurável, representado pelas horas. Cada um de nós vive em uma figura interna, em uma imagem. O camponês, sentado em seu banco, vive na imagem de descanso, gratidão, admiração e observação. Talvez esteja vivendo também uma imagem de "minha terra". Então ele irradia, sentado, a idéia do "estar em casa", do "estar à vontade".

A imagem interna, com a qual cada um vive, caracteriza seu tempo. As imagens internas mexem profundamente conosco. Para mim, é importante a imagem do rastro da vida, o qual desejo que seja de grande extensão e benevolência. Esse é o modo como sinto a minha vida.

Embora nos movimente apenas exteriormente, as horas não são capazes de incentivar nosso grande potencial. Andam com passos pequenos, ao lado de nossa vida real, representando apenas o mensurável, mas não podem dar andamento aos potenciais internos. Somente as imagens internas, as imagens arquetípicas de nossa alma, despertam sentimentos adormecidos.

O dia de verdade é o marcado pela imagem que movimenta minha alma. O tempo do relógio é externo, o qual recebe a sua qualidade real das imagens internas, que nos caracterizam. A imagem interna da terra natal dá ao tempo do fazendeiro idoso o gosto de paz, segurança, gratidão e certeza, no meio das incertezas do tempo.

Um mestre do "não-fazer-nada" foi o sábio chinês Lao-Tsé. Ele se refere ao wu wei, isto é, o não intervir, o deixar acontecer. Quem quer demais nada consegue. Para ele, o verdadeiro soberano "opera pelo fato de não fazer nada; e tudo está bem governado". Porém: "Quem quer conquistar o reino por sua ação será malsucedido".

O que ele quer dizer com essas frases paradoxais? Com o "não-fazer", Lao-Tsé quer descrever uma atitude que não se intromete nos afazeres de Deus. Wu wei é a atividade em harmonia com as leis eternas do céu.

Em sua opinião, a verdadeira arte consiste em fazer pelo não-fazer; é um fazer em oposição à múltipla atividade externa. Nasce da serenidade divina. O maior defeito do ser humano é querer demais. Muitos desejam até ser bons e inteligentes e saber muita coisa, mas, com isso, estão fora de seu caráter humano.

Um discípulo de Lao-Tsé exprime isso desse modo:

Os seres humanos seriam verdadeiramente humanos se não fizessem nada além de deixar a sua vida correr por si mesma. Assim como uma flor floresce, na singela beleza do tao (Borel 221).

O grande místico ocidental Mestre Eckhart fala do "deixar acontecer". Quando nós, ocidentais, queremos aprender essa arte, tornamo-nos ambiciosos, falsificando-a.

Em nosso agir enérgico, queremos modificar as coisas, tornando-as como gostaríamos que fossem. Mas, com isso, erramos muitas vezes o alvo, pois as coisas têm a própria figura. Com o tempo, portanto, o não-fazer é mais efetivo. Não nos colocamos sob a pressão de mostrar continuamente nosso valor por meio de muitas atividades.

Desenvolvemos a percepção para saber quando é preciso agir, onde se exige uma intervenção resoluta e em que lugar é melhor deixar que tudo simplesmente ocorra. Quem aprende essa atitude ganha tempo, sem desperdiçá-lo com ações inúteis, pois tem sensibilidade para o tempo certo, para o kairos, em que sua atitude há de ser necessária.

 

Diversas maneiras de controlar o tempo

 

O pesquisador do tempo Karlheinz A. Geiszler fala de uma multiplicidade de formas de tempo. Quando aprendemos a admitir em nossa vida diversas medidas de tempo, descobrimos aquilo que outros filósofos chamam de "o bem-estar no tempo". Isso não é alcançado nem pelo controle nem pelo manejo do tempo. Pois seu controle considera o tempo como um poder hostil, que é preciso subjugar e dominar. E isso não leva para a frente.

Para Geiszler, somente quando desenvolvermos uma cultura de multiplicidade de tempos, nós nos tornaremos capazes de administrar nosso tempo e de nos sentirmos bem.

Muitos empresários reconheceram que não se pode acelerar indefinidamente.

 

Quem quer ser cada vez mais rápido não tem mais tempo para refletir. Muitas vezes, terá de pagar caro por essa falha. Muitos trabalhos refeitos nas empresas mostram que a precipitada arrancada para a frente pode se tornar um regresso. De acordo com Geiszler, o sucesso duradouro chega às empresas "que sabem tornar produtiva, nos procedimentos, a multiplicidade dos diversos padrões de tempo" (Tempo 195). Ele exige uma ecologia do tempo, a que se propôs como meta: Na elaboração cronológica da vida, levar em consideração, mais do que se fez até hoje, a ligação do ser humano à natureza e, por conseguinte, o encaixe de toda a economia no contexto geral da natureza (Tempo 203).

A ecologia do tempo está fundamentada nas diversas medidas de tempo. Na produção de uma indústria, reina um ritmo diferente daquele empregado em pesquisas científicas.

Nestas, são necessárias fases criativas de descanso. Isso vale também para as pessoas que trabalham em posições de direção; se gastam todo o seu tempo na elaboração das atas, não serão criativas. Precisam de tempos em que não fazem nada, a fim de que novas idéias possam amadurecer.

Um ritmo especial reina também na família. Muitos chefes de empresas têm dificuldades para se adaptar à maneira com que sua família vive o tempo. Crianças precisam de tempo.

O relacionamento com elas só se desenvolve quando se tem tempo para elas, o qual não pode ser preenchido com o maior número possível de atividades. E não se pode acelerá-las, pois a pressa é um veneno para a convivência na família - como em toda convivência em que não se trata de relações de eficiência. Isso vale para uma relação amorosa e também, por exemplo, para o relacionamento com pessoas idosas ou com amigos.

A natureza tem um ritmo e um padrão de tempo peculiares. A aceleração desmedida não faz bem à natureza; explora-a. Hoje, fala-se em economias duráveis, reguladas segundo o ritmo da natureza. Quem caminha por uma paisagem bonita precisa de tempo para apreciar aquela beleza. Verdadeiro lazer não combina com pressa. Só posso divertir-me quando dedico algum tempo para isso.

A cultura tem um estilo de tempo diferente do da indústria. Só posso apreciar um concerto quando não chego correndo, aflito, no último minuto, mas arranjo um espaço de tempo antes e depois para a música poder ressoar. Não quero falar mal do tempo de relógio nem da fidelidade a um compromisso, é algo que tem muito sentido, ainda mais em um mundo cada vez mais complexo. Sem mútua combinação, marcando-se com precisão os encontros, nossa convivência hoje se tornaria um caos. Já ficamos impacientes quando o trem não chega na hora e perdemos a hora de outra viagem. Mas o tempo do relógio não pode tornar-se a única forma de tempo. Ao lado dele, existem ainda muitos outros modelos de tempo, na vida pessoal e na vida social, que devem ser levados em consideração.

Interessante para mim é que Karlheinz A. Geiszler, analista das formas modernas de tempo, voltou recentemente às experiências dos monges com o tempo, quando escreveu que "hoje, no meio do dinamismo econômico, precisamos reencontrar o caminho para o tempo certo e a medida certa do tempo" (Tempo 206).

"Medida certa" é, na tradição monástica, a categoria central. Os monges conheceram, e até hoje conhecem, diversas medidas de tempo.

No convento, trabalhamos e conhecemos, naturalmente, também a rapidez. Precisamos organizar o trabalho de maneira que fique resolvido da forma mais eficiente possível e, até certo ponto, mesmo rapidamente. Mas, durante um dia de trabalho, temos diversos outros modelos de tempo: na oração das Horas, nas refeições, no recreio.

O modelo da rapidez é sempre interrompido pela oração das Horas. Isso surge quando entramos na igreja para a véspera. O abade vai na frente, com passos conscientemente bem lentos. Andando desse modo, ensaiamos a tranqüilidade da liturgia. A liturgia precisa de tempo, pois nos liberta do terror dos muitos compromissos. No meio do dia-a-dia do trabalho, cria um espaço aberto, um espaço de ócio, lentidão e atenção. A mesma coisa vale para a meditação. Cada um tem seu modo pessoal de meditar.

Para mim, é importante ouvir conscientemente, ao meditar, apenas o ritmo da minha respiração, deixando-me levar por ela para dentro da tranqüilidade interna. Diariamente, sinto o modelo diferente da oração das Horas como salutar, contra o perigo de também no meu trabalho a rapidez se tornar o único modelo de tempo.

Mesmo nossos rituais comunitários têm a própria forma de tempo. No momento da refeição, esperamos até que todos estejam no refeitório. Aí o abade pronuncia uma oração. Depois, sentados, ouvimos primeiro uma leitura. Em seguida, ele sinaliza que podemos começar a tomar sopa. Depois, esperamos novamente, até que o abade comece com o prato principal. Dessa maneira, evitamos o perigo de comer cada vez mais depressa. No fim, ele espera novamente até que todos acabem de comer. Somente, então, dá o sinal, e levantamo-nos para uma oração.

No dia-a-dia, rituais criam diversos modelos de tempo. Quem vive isso diariamente compreende o que Karlheinz A. Geiszler entende por "bem-estar no tempo". Mesmo quando, às vezes, os compromissos urgem, e o serviço precisa ser feito o mais depressa possível, sempre reencontramos espaços livres para outros modelos de tempo, que impedem a agitação, desaceleram novamente a vida no meio da aceleração e criam uma ilha de lentidão e espaços de atenção.

Mesmo quem não vive em um convento conhece vários modelos de tempo em um dia.

Quem, por exemplo, se encontra com um amigo para almoçar sente provavelmente que uma refeição precisa de tempo. Quem não gosta de ter às vezes muito tempo para fazer uma caminhada, junto com outros? Quando as crianças chegam em casa depois da aula, elas precisam de tempo. Algumas perguntas e respostas rápidas não lhes fariam bem.

Com isso, a mãe, que nessa situação conversa com elas, não ficaria satisfeita. Portanto, é bom observar e cultivar conscientemente os diversos modelos de tempo.

Quem fizer isso está protegido contra a tendência de acelerar sem parar.

 

A doutrina do mestre da sabedoria

Tudo tem seu tempo

 

Também a Bíblia já refletiu sobre o mistério do tempo. O mais conhecido é sem dúvida um poema composto por volta de 180 a.C. pelo mestre da sabedoria, Eclesiastes.

Na obra, ele procura combinar entre si elementos de sabedoria judaica e grega.

Eclesiastes encara com ceticismo qualquer ideologização da religião. É exatamente por isso que o autor agrada hoje a muitos intelectuais, que duvidam de pronunciamentos por demais peremptórios sobre Deus e o ser humano.

O ser humano - assim julga o mestre da sabedoria - não pode compreender o mistério da vida; por esse motivo, só lhe resta aceitar tudo em sua vida como criado pela mão incompreensível de Deus. Não pode dispor do próprio futuro. Sua tarefa consiste em entender qualquer momento como decisivo, o qual tem uma qualidade peculiar, que independe da escolha humana. Depende do que Deus dispõe. Somente quando me curvo ao mistério divino e ao tempo disposto por ele, vivo direito. Aí a minha vida dá certo.

 

           Tudo tem sua hora.

           Para cada acontecimento sob o céu

           existe um tempo determinado:

           um tempo de nascer e um tempo de morrer,

           um tempo de plantar

           e um tempo de colher a planta,

           um tempo de matar e um tempo de curar,

           um tempo de derrubar e um tempo de construir,

           um tempo de chorar e um tempo de rir,

           um tempo de gemer e um tempo de dançar,

           um tempo de jogar pedras

           e um tempo de ajuntar pedras,

           um tempo de abraçar

           e um tempo de largar o abraço,

           um tempo de buscar e um tempo de perder,

           um tempo de guardar e um tempo de jogar fora,

           um tempo de rasgar e um tempo de costurar,

           um tempo de se calar e um tempo de falar,

           um tempo de amar e um tempo de odiar,

           um tempo de guerra e um tempo de paz.

                    (Ecl 3,1-8)

 

Muitos vêem nesse poema uma profunda resignação. Ninguém pode segurar nada nem mudar coisa alguma.

O próprio Eclesiastes parece confirmar esse ceticismo ao perguntar: "Quando trabalha, qual é a lição aprendida?" (3,9). Então não compensa alguém se engajar para mudar este mundo? Eclesiastes não pára nessa conclusão. No fim do livro, ele exorta o leitor a agir com energia. Mas, nesse poema, trata-se da entrega à vontade divina e da aceitação do tempo como sendo ordenado por Deus.

Concordar com o tempo, como desígnio divino, não leva à resignação, mas antes à serenidade interna e à alegria de viver. Quando aceito cada momento, não me apego a ele. Ao atravessar um momento feliz, eu não procuro iludir-me, embora o desfrute. Sei que, ao mesmo tempo, também haverá um tempo de chorar.

Em tempos de tristeza, consola-me a esperança de que essa fase não vai durar eternamente, e será novamente revezado por tempos de alegria. Na existência humana, há dois pólos: amor e ódio, rir e chorar, luto e alegria. Somente quando os aceito vivo de acordo com a minha essência. O tema me convida a não me agarrar a nada, senão a Deus.

São 14 pares antitéticos descritos por Eclesiastes, pois este é um número sagrado. Na Babilônia, havia 14 deuses auxiliadores. Jesus morreu no dia 14 de Nisan. No número 14, esconde-se a promessa de que todos os domínios do humano serão transformados. Se eu estiver de acordo com essas 14 antíteses da vida humana, então meu tempo irá se tornar salutar. O tempo é uma passagem para eu me tornar são e salvo, de acordo com a promessa de Deus. O livro Eclesiastes considera o revezamento dos tempos como algo perfeito e belo: Deus fez cada coisa no seu tempo, de modo perfeito. Além disso, pôs a eternidade dentro de tudo, mas sem que o ser humano pudesse reencontrar aquilo que Deus fez, do princípio até o fim (3,11).

Tudo o que Deus criou é bom. Isso vale também para o tempo. Devo renunciar a meus critérios, com os quais eu julgo o tempo. A minha idéia é a de que só deveria haver tempos bons. O livro Eclesiastes entende que todo tempo é bom, mesmo o de chorar e o de gemer. Em cada tempo, Deus coloca eternidade. Cada tempo, portanto, participa do ser divino, da eternidade divina. Em cada instante, há uma parte de eternidade.

Quando me entrego ao momento, estou em contato com o eterno e, afinal, com Deus. Porém, no tempo, a eternidade divina está escondida. O ser humano não a reconhece.

Ele não é capaz de entender por que Deus lhe destina exatamente esse momento. Então Eclesiastes o convida a crer que tudo é bom. Isso não é um entendimento teórico, mas sim um estremecer do ser humano, um entregar-se à incompreensibilidade de Deus. Em última análise, é o "temor de Deus", o cair de joelhos diante dele, que tantas vezes é impenetrável. Isso foi reconhecido por Eclesiastes ao refletir sobre o mistério de Deus: Tudo o que Deus faz é eterno. Ninguém pode nada acrescentar nem nada tirar, e Deus age de modo que o ser humano o tema (3,14).

Somente quem entende e concorda com isso experimenta felicidade no tempo. Mas, quando disser "sim" para cada momento e estiver totalmente imerso naquilo que agora acontece, então toda pressão com que eu mesmo tinha me carregado cairá no chão, e eu hei de sentir liberdade, paz e felicidade.

Novamente, ponho-me sob pressão para formar o tempo de acordo com aquilo que eu havia me proposto.

Gostaria de me aproveitar dele da melhor maneira possível. Trabalho para que o futuro seja melhor. Tudo isso está muito certo. Mas o livro Eclesiastes aponta uma outra dimensão da minha vida.

Mesmo com todo trabalho possível, não posso mudar este mundo; afinal de contas, por mais que queira aproveitar-me de cada instante, não tenho poder sobre ele. Deus pode me mandar um período de doença, no qual serei obrigado a renunciar a todos os planos que fiz. O tempo não corre de acordo com minha vontade. Somente quando o aceito da mão de Deus, com a qualidade que ele lhe concede, torna-se um tempo bom, salutar e sanativo, em que a eternidade irá se tornar perceptível.

Teresa de Lisieux entendeu o sentido das palavras de Eclesiastes com seu poema sobre o tempo. Ela escreve: Quando nos sentimos desesperados, costuma ser porque estamos pensando demais no passado e no futuro.

A sabedoria ensinada por Eclesiastes consiste em entregar-se totalmente ao momento. Suas palavras, assim entendidas, não levam ao desespero, mas à confiança, ao temor de Deus e ao estar ancorado nele. Pela própria experiência, Teresa de Lisieux sabia o que é escuridão e desespero.

Como madre-mestra do noviciado, várias vezes constatou desespero em suas noviças. Como principal causa desses sentimentos, ela via o fato de ficarem girando em torno de coisas passadas e futuras. Quem remói ofensas ou humilhações passadas acaba duvidando se sua vida ainda pode dar certo. Por isso procura uma terapia, na qual é forçado a encarar o seu passado. Isso é perfeitamente legítimo. Só quem encara o seu passado é capaz de se desapegar.

Teresa, porém, em suas palavras, refere-se às pessoas que não conseguem desligar-se do passado, retornando para lá, censurando a elas mesmas, ou a Deus, pelo fato de o tempo ter sido o que foi. Igualmente não adianta olhar sempre para o futuro. Há outras que, de tanto cravarem os olhos no futuro, ficam atormentadas por angústias sem-fim, ou acabam se perdendo em fantasias pessimistas. Em sua imaginação, o mundo está caindo em ruínas.

Semelhantes cenários de horror agradam a pessoas que não vêem mais sentido em sua vida, não têm mais esperança nenhuma. Quem vive em função do futuro acaba entrando em desespero. Em consonância com Eclesiastes, Teresa nos convida a deixar o passado e o futuro nas mãos de Deus e a nos entregarmos ao momento presente. Não sabemos o que o futuro trará. Não leva a nada refugiarmo-nos em visões do futuro. Tampouco adianta querer apagar e consertar cada fração do passado.

Precisamos nos desapegar, porém, só é possível nos libertarmos do passado depois de o termos aceitado, depois de nos termos reconciliado com ele. O mais importante é o presente; nele me encontro com o Deus presente. E só no presente que o desespero emudece, pois, neste momento, estou simplesmente aqui, sem me entregar a cismas e dúvidas, e me solto para dentro de Deus, em quem tudo se consuma, ainda que eu não saiba ver nem entender essa consumação.

 

O mistério do tempo

Minha vida em vista da morte

 

Em seu livro, Eclesiastes, o mestre da Sabedoria, medita sobre o mistério do tempo porque o fenômeno da morte o inquieta, pois põe em dúvida todas as formas de ideologia. Para que serve todo empenho se no fim só nos espera a morte, que invalida todos os nossos esforços? Não posso, portanto, fazer uma meditação sobre o mistério do tempo, sem incluir a realidade da morte.

O tempo de minha vida terrena tem um limite: a morte. Mesmo quando, como cristão, acredito na ressurreição, preciso primeiro encarar a morte como ela é: como término de meu tempo de vida, como o fim de meu tempo. Na morte, o tempo deixa de existir para mim. O que me espera no céu é a eternidade, onde já não existe mais tempo.

Lá é o momento perene, pura presença.

São Bento exorta seus monges a que diariamente tenham diante dos olhos a morte que ameaça (RB 4,47). O conhecimento de que, a qualquer momento, a morte é possível tem uma conseqüência. Para o monge, consiste no fato de que ele vigia constantemente suas ações, estando, portanto, atento a cada momento (RB 4,48).

Na Idade Média, o exercício do Memento morí (Lembra-te que morrerás) era muito divulgado. Uma música da Igreja do século XI canta sobre a ameaça diária da morte, embora não como realidade "ameaçadora": "No meio da vida, já estamos na morte". Isso não significa que a morte esteja pendurada acima de nossas cabeças, como uma espada de Dâmocles.

Esse saber é considerado como um convite. Disto se trata viver conscientemente a cada momento, saboreando o mistério do tempo e da vida. Por saber que meu tempo é limitado, tento estar inteiramente presente. Não preciso ocupar meu limitado tempo de vida com uma grande quantidade de coisas. Nem, no fim de minha vida, necessito ter chegado a uma determinada maturidade. Pois não sei mesmo quanto tempo viverei, se hei de morrer jovem ou idoso.

Nem o tempo nem minha maturidade dependem de mim. O segredo da vida consiste na entrega às mãos de Deus. Isso me leva à liberdade e à serenidade internas. E somente nessa liberdade e na base dessa serenidade serei capaz de me entregar totalmente a cada momento.

Quando penso na morte, isso não provoca em mim nenhuma pressão para resolver tudo o que for possível; por exemplo, para logo terminar o livro que estou começando agora ou formular um testamento. O pensar na morte é, para mim, um convite para agora, neste momento, ser inteiramente eu mesmo, entrar em contato com a minha verdadeira essência e irradiar aquilo que mais intimamente me constitui. Portanto, é um convite para o essencial, o original, a autenticidade e o estar-presente.

Ao mesmo tempo, o pensar na morte mostra o caráter relativo do tempo que agora estou vivendo. Não preciso nem terminar meu trabalho, nem me justificar diante dos outros, nem explicar coisa nenhuma. Não preciso fazer nada. Quando morrer, meu tempo aqui na terra acaba, há de continuar sendo um fragmento. Completá-lo não é tarefa minha, sei que Deus há de me completar. Desse fragmento, ele vai filtrar minha vida, como mensagem, algo que será uma bênção para os outros.

Hoje em dia, a morte é recalcada. Sem dúvida, um motivo para que isso ocorra está na falta de percepção da própria finitude. Ao homem moderno, custa reconhecer sua finitude. Isso, para mim, se torna claro na idéia da reencarnação que hoje atrai muita gente. Já que a pessoa não quer reconhecer a verdade de ser ela mesma finita, julga necessário reaparecer na terra em novas reencarnações, a fim de completar tudo o que lhe faltou na vida presente.

Para mim, é decisivo aceitar que a minha vida é finita e que nem eu mesmo posso dispor desse fim. Meu tempo estará no fim exatamente quando eu não estiver esperando isso. É o que Jesus, em suas parábolas, sempre frisa. A morte vem como um ladrão, que chega à noite. Por isso ele nos exorta à vigilância: Ficai certos: se o dono de casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, vigiaria e não deixaria que sua casa fosse arrombada. Por isso, também vós, ficais preparados! Pois, na hora em que menos pensais, virá o Filho do Homem (Mt 24,43-44).

Essas palavras de Jesus devem ser interpretadas em primeiro lugar como se referindo à sua vinda a qualquer momento. Mas é legítimo também aplicá-las à vinda de Jesus na morte. Exatamente quando não estivermos esperando, a morte sobrevirá. Por isso é bom estar vigilante a cada momento e viver na consciência de que tudo o que fazemos é finito, pois o tempo é limitado. Mas não somos nós que precisamos completar esse tempo. Nunca deixará de ser apenas um fragmento. O próprio Deus consumará o que eu lhe apresentar no momento de minha morte.

Ministrei cursos para pais que perderam filhos. Isso, sem dúvida, é o mais doloroso que pode acontecer a um ser humano. Nesses momentos, sempre ouço a queixa: "Por que Deus permitiu isso? Por que minha filha, que era a própria vida em flor e tão rica em capacidades e possibilidades, não pôde realizar tudo aquilo que Deus lhe tinha dado? Por que ela morreu tão cedo?". Não sei responder a essas perguntas, só posso ficar escutando, simplesmente. À pergunta "por quê?", não sei dar resposta.

Isso não me compete. É assunto de Deus, que, muitas vezes, é incompreensível.

A mim, a morte de pessoas jovens me obriga a refletir sobre o mistério da vida e do tempo.

Qual é o mistério da vida? Qual é a minha tarefa? Será que o tempo que vivo aqui na terra somente é valioso quando é o mais longo possível? O tempo somente estará cumprido se eu desenvolvi e apliquei todas as minhas capacidades em benefício dos outros? Eu noto que a confrontação com uma morte tão precoce relativiza todos os meus critérios.

Porém, nesse tipo de experiência, percebi que o que importa não é quanto tempo vivo, nem quanto faço em benefício dos outros, mas sim se eu, no tempo que ainda me resta, saberei deixar meu rastro de vida, tornando visível a imagem única que Deus fez de mim, para si. O que importa não é a quantidade do tempo, e sim sua qualidade.

Uma mãe me contou que ela podia muito bem entender as marcas deixadas pela vida. Seu filhinho tinha morrido depois de meio ano de vida. Todavia, nesses seis meses, ele havia deixado marcas tão profundas em seu coração, que nunca mais poderiam ser desfeitas. O curto tempo de vida de seu filhinho foi pleno. Somente no momento da morte, a essência do menino brilhou com toda a clareza. Os sinais, que ele gravou com sua vida tão breve, continuam no coração da mãe e irradiarão, através dela, sobre todas as pessoas que com ela se hão de encontrar.

Mas não existe apenas a morte que nós julgamos ter vindo de modo precoce. Há também pessoas que não conseguem morrer. Gostariam, porque, para elas, a vida não vale a pena ser vivida. Dizem: "Deus esqueceu-se de mim. Ele não vem me buscar". Ou então definham. Embora ainda estejam vivas, em certo sentido estão mortas. Algumas até gostariam de pôr fim a esse tempo. Sentem, porém, que nosso tempo está nas mãos de Deus. Não depende de nós qual será a qualidade do tempo que vivemos.

No fim da vida, é tirado de nossas mãos até aquilo que poderíamos modificar. Só nos resta esperar até que Deus termine o nosso tempo. Às vezes, só no momento da morte de alguém descobrimos que o definhar-se lentamente não deixou de ser uma bênção, já que o introduziu em uma outra profundidade e amplitude. Para o moribundo, foi uma purificação interna, e também para os que dele se despediram.

Outros são arrancados da vida repentina e inesperadamente. Estavam com uma vida repleta. No meio do trabalho, no meio das férias, em uma viagem para uma conferência empresarial, a morte os pegou. Não tiveram nenhum tempo de preparação para a morte. De um momento para outro, a morte mudou tudo.

Não puderam levar sua vida pessoalmente até um bom final; nada lhes sobrou senão entregar tudo a Deus, inclusive seu fim.

A morte que nos atinge no meio da vida nos lembra de que é bom estar totalmente em cada momento. Se, em cada viagem de carro, me lembro de que pode ser a última, então meu modo de agir será outro. Quando vivo e me comporto na base de tal atitude, o meu contato com as pessoas será outro; tentarei estar totalmente presente, sendo autêntico, como se fosse o último momento.

Ao compararmos nosso tempo limitado com aquele quase infinito do cosmo, tudo o que fazemos aqui se torna relativo. Quando pensamos, então, na eternidade que não tem fim, qual é o valor que o nosso tempo de vida adquire na perspectiva da eternidade? Eternidade não significa um tempo que dura sem terminar; nela, não existe mais tempo. A nossa vida com Deus é intemporal. E pura presença. Este mundo, porém, há de continuar ainda, também depois da morte. Como vejo o meu tempo limitado, quando imagino o que será daqui a 50, 100 ou 500 anos? Que sobrará de mim e do tempo em que gravei o rastro de minha vida?

No convento, dispomos de rituais sobre como tratar os confrades moribundos. Rituais esses que nos ajudam para que, meditando, possamos expressar o mistério da morte e do tempo que termina com a morte. Quando um confrade está para morrer, o abade pendura uma lista na qual cada um pode se inscrever para velar o moribundo, que não deve ser deixado sozinho, pois precisa sentir que está em uma comunidade de irmãos. Mas nós também não devemos ver sua morte somente como o destino pessoal dele; velando a seu lado, devemos nos lembrar de nossa morte e limitação. Quando, então, morre um confrade, tocam os sinos da morte e, em seguida, os seis sinos. Portanto, um toque de sinos festivo, que anuncia que alguém entrou para a eternidade.

Os sinos regularam a vida do confrade; lembravam-lhe do que ele tinha de fazer. Quando o sino dá o sinal - assim dizia são Bento -, o monge deve deixar incompleta a letra começada e ir logo para a oração. A morte não procurou nosso irmão no momento em que ele queria isso, mas exatamente quando estava na hora, na hora marcada por Deus.

Na noite da morte de alguém, colocamos o falecido em um esquife, na sala do capítulo.

Depois da ceia, reunimo-nos primeiro em torno dele, em silêncio; em seguida, entoamos a vigília dos mortos. O caixão fica aberto até o enterro; os confrades continuam velando o corpo.

Depois do réquiem na igreja, acompanhamos o confrade, entoando o venerável canto antigo: "In paradisum..." (Para o paraíso te conduzam os anjos). Esse canto refere-se à história de Lázaro, o pobre, que os anjos carregaram para o seio de Abraão. Os anjos acompanham o falecido para além do limiar da morte, até entre os braços amorosos de Deus.

Em seguida, reunimo-nos mais uma vez no convento e fazemos um retrospecto sobre a vida do falecido. É um círculo de narrações, em que o tempo do confrade que foi para o céu é reavivado. Naquele momento, o período em que ele viveu conosco ainda é comemorado, mas terminou com ele, assim como se encerra também o nosso tempo com ele.

Agora se inicia um outro tempo, em que ele, lá do céu, contempla a nossa vida. Nesse instante, nós nos perguntamos qual é a sua mensagem para nós, que deveremos guardar para o nosso tempo e contribuir para caracterizá-lo.

Caros leitores, não sei quais foram suas experiências no momento da despedida de entes queridos, nem se a sua vida ficou marcada por essa despedida. E não sei se, no dia-a-dia, vocês têm consciência de que seu tempo é limitado.

Um bom exercício a fazer é imaginar que hoje é seu último dia. O que fariam? Como gostariam de viver seu último dia? Essa idéia pode dar à sua vida um gosto diferente e uma nova sensibilidade para cada momento, que poderia ser o derradeiro.

A mim, essa idéia me ajuda a estar inteiramente em cada momento e observar com todos os meus sentidos aquilo que estou vivendo. Aí toda conversa fica mais intensa, todo encontro mais real e as palavras mais ponderadas.

Desejo-lhes que o pensar na morte se torne uma chave para sua vida e para viver o seu tempo que, embora finito, seja desfrutado com mais atenção e cuidado.

 

O mistério do tempo

 

Hesitei muito se, aos muitos livros sobre o tempo que já existem, acrescentaria mais um. Tinha a impressão de que nada de novo poderia dizer. Escrevendo, porém, percebi que, na tradição milenar, os monges fizeram com o tempo uma experiência que também para nós, hoje, poderia ser proveitosa. Eles não se consideram mestres, querendo convencer os outros sobre seu estilo de vida. Não têm a pretensão de ser os missionários de nosso tempo ou de seus contemporâneos. Mas eles têm prazer em viver o próprio modelo de vida, mesmo hoje, em uma sociedade muito diferente.

A muitos, esse modelo de vida pode parecer antiquado. Todavia, o interesse que muitos, que nem querem envolver-se com a Igreja, desenvolvem com relação a conventos e à vida conventual demonstra que exatamente o caráter estranho, inerente a uma antiga tradição, desperta a curiosidade.

 

Evidentemente possui uma qualidade que na vida do mundo moderno ficou soterrada ou escondida.

Da maneira como lidam com esse fator, muitos monges esperam incentivos para poder reavaliar sob outro ponto de vista as próprias experiências com o tempo, podendo descobrir para si caminhos novos.

Como monge, estou dividido em dois mundos: em meu trabalho, como ecônomo e autor, estou constantemente diante de compromissos. Preciso me adaptar à rapidez do moderno mundo profissional. Minha função administrativa exige um bom ritmo, senão eu nunca daria conta.

Ao mesmo tempo, vivo em um outro mundo, o bem ordenado do monaquismo. O dia-a-dia segue uma regra. Cinco vezes por dia, reunimo-nos para as orações das Horas. Cumprimos ritos e celebramos demorados cultos religiosos que, aos olhos do mundo do trabalho e do ponto de vista da eficiência econômica, são um desperdício de tempo. Todo dia, ainda me permito a liberdade de um "desperdício de tempo" com oração e meditação.

As primeiras três horas do dia são um tempo de silêncio. Sinto-as como um luxo no caos do mundo e como um contrapeso para as exigências do universo profissional. Quando ouço diretores de bancos ou chefes de empresas se queixarem de estar constantemente sufocados pelo peso dos horários, então sou grato por ter diariamente essa experiência oposta de um tempo livre (uma folga que somente serve para meditação e oração), que não tem "função" e não pode ser "utilizado". O tempo sem objetivo, em meio ao dia-a-dia utilitário do mundo profissional, me faz bem. Assim, não há nenhum dia que passe para mim "sem valer nada". A cada dia, posso parar e usufruir o espaço livre, no qual entro em contato com Deus e comigo mesmo.

Muitos me perguntam como posso escrever tantos livros se tenho muitas outras atividades: trabalho na administração, na casa de retiros, na casa dos hóspedes, além da participação em conferências e cursos. A isso, não posso dar uma resposta certa; eu não sei. Em todo caso, não me sinto estressado.

Quando me fazem essa pergunta, sempre me lembro da disciplina do tempo oferecida pela vida monástica. Por mais que me apareçam afazeres, toda semana dedico seis horas de tempo para escrever. Ao falar em disciplina de tempo, não quero dizer que eu funcione igual a um mecanismo de relógio. Eu sinto que o estilo de vida no convento, com seus diversos ritmos, é evidentemente um espaço em que posso ser criativo, podendo trabalhar muito e efetivamente.

Após considerar a pressão à qual se vê exposto no uso do tempo, algum leitor talvez olhe com certa inveja o modelo de tempo que me é oferecido pela vida conventual.

Sem dúvida, este não pode ser copiado. Mas quem sabe alguém possa se perguntar, por curiosidade, se na própria vida não poderia haver uma alternativa.

Quem marcar para si mesmo uns tempos tabus sentirá como isso faz bem. Diariamente, minha irmã mais nova se levanta às 4 horas, a fim de ter uma hora para si mesma, antes que a família solicite os seus serviços. Admiro-a. Ela possui maior disciplina de tempo do que eu. Tenho certeza de que eu não seria capaz disso.

Para mim, o levantar-se da comunidade é uma ajuda. Se eu mesmo tivesse de decidir sobre isso, provavelmente não o conseguiria sempre tão perfeitamente. Diz minha irmã que aquela hora, de manhã cedinho, lhe faz bem, pois a deixa tranqüila e a impede de, no meio do torvelinho do dia-a-dia, ficar nervosa.

Eu gostaria, pois, de convidar os leitores deste livro a observarem atentamente a própria vida. Em minha atividade de aconselhamento a pessoas que estão sob pressão em decorrência de diversas responsabilidades, passo a tarefa de elaborar para si mesmas um esquema de horários.

 

Simplesmente, devem anotar como decorre cada dia da semana: quando se levantam, quando meditam, o que fazem e a que horas, e depois de quanto tempo terminam o seu trabalho. Quando, então, consideram atentamente seu dia-a-dia, sentem vontade de reestruturar muitas atividades de outra maneira, excluir algumas e arranjar, conscientemente, mais tempo livre.

Se estiverem sofrendo a pressão do tempo e desejam uma mudança na estrutura dele, façam algo para mudar: elaborar um plano semanal é um bom começo. Como é seu dia?

Estão satisfeitos com ele? Mas vocês não devem olhar para seu plano semanal com pessimismo e fazer muitos planos, querendo logo mudar muita coisa.

É fundamental, antes, sentir vontade de administrar seu tempo para transformá-lo de tal maneira que se sinta à vontade, podendo resolver sem estresse tudo o que deve ser feito. Olhando seu programa semanal, vão considerar o que tem sentido ou não; o que realmente gostariam de fazer e o que consideram obrigações, que, na verdade, já estavam querendo eliminar há muito tempo. Vigiem seu tempo para que se torne realizado e abençoado e que seja uma bênção a todos.

Quando estou totalmente presente, então estou no ser, então eu sou, simplesmente. Aí, sinto o mistério do ser; aí se revela o mistério do tempo, isto é, a certeza de que é sempre um tempo sagrado, em que Deus opera em mim querendo me tornar são e inteiro.

Desejo-lhes, caros leitores, que descubram diariamente um espaço livre no mundo, tão orientado para a eficiência. Que, nessa brecha, possam viver o tempo de outra maneira - como o tempo que Deus lhes outorga, um tempo em que lhes mostra o que significa viver, isto é, estar totalmente presente - e como tempo sagrado que se torne para vocês salutar, no qual se sintam sãos e salvos, como alguém que, no meio do tempo, se eleva ao espaço sem tempo da eternidade de Deus.

 

 

[1] Blau, literalmente "azul", em alemão, tem vários significados, inclusive "embriagado". (N.E.)

[2] O autor refere-se ao costume das famílias alemãs (N.E.).

[3] Aqui segue no original alemão um trecho (p. 81, linhas 5-15) que é impossível de traduzir para outra língua, porque se limita a uma análise etimológica de algumas palavras alemãs - no seu sentido atual ou na sua origem germânica - relacionadas com "atenção, observar, cuidado, diligência" e semelhantes. Para leitores que sabem apreciar o alemão, citamos o trecho original: Das deutsche Wort "wahrnehmen" kommt von "wahren = in Wahr, in Obhut nehmen". Wahr ist die Aufmerksamkeit, die Acht, die Aufsicht. Só gehórem alie vier Worte eng zusammen: Achtsamkeit, Wahrnehmen, Aufmerksamkeit, Behutsamkeit. Achten heiszt ursprünglich: nachdenken, überlegen.

Der achtsame Mensch ist der nachdenkliche Mensch, nicht der, der immer an irgendetwas denkt, der stándig grübelt, sondem der, der die Augen aufmacht, der mit seinem Denken bei dem ist, was er tut. Aufmerken kommt vom "Marke" - eine Marke setzen, mit einem Zeichen versehen, etwas kenndich machen und dann das Kenntliche-Gemachte beachten. A finalidade dessa análise língüístico-histórica fica clara na continuação do texto acima. (N.T.)

[4] (Na página 82, linha l, do original alemão, o autor apresenta mais um pequeno estudo lingüístico, agora sobre a raiz indo-germânica do verbo wahrnehmen (observar, constatar, acreditar). Eis o texto: Manche leiten das deutsche Wort "wahrnehmen" ab von: wahr nehmen, etwas ais wahr nehmen, das Wahre in die Hand nehmen. Das griechische Wort fur "wahr" ist "alethes". Es meint eigentlich, dass ich den Schleier wegnehme, der über aliem liegt, und das wahre Wesen der Dinge erkenne. Das deusche Wort "wahr" kommt vom lateinischen "verus" und von der indogermanischen Wurzel "uer" - Gunst, reundlichkeit. Das russische Wort "vera" heiszt "Glaube". O resultado é analisado a partir da linha 8. (N.T.)

 

 

                                                                                Anselm Grün  

 

                      

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