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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O DIA DA VINGANÇA / Yvonne Whittal
O DIA DA VINGANÇA / Yvonne Whittal

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O DIA DA VINGANÇA

 

Carol Loyd acabava de chegar em casa quando um som de vozes vindo do escritório chamou-lhe a atenção. "Quem será a esta hora?", perguntou-se, consultando o relógio que, sobre a lareira, marcava dez e trinta. Era um absurdo alguém procurar o pai dela para tratar de negócios àquela hora da noite. Irritada, dirigiu-se à cozinha, mas parou de repente ao perceber que se tratava de uma séria discussão.

O tom aflito da voz de David Loyd, pai de Carol, levava a acreditar que ele estava em apuros por causa dos negócios e talvez precisasse de ajuda. Entretanto, Carol sentia-se impo­tente, pois a vida toda Loyd não permitira a participação, tanto da filha como da esposa, nós negócios dele. Bem, o jeito era escutar a discussão por detrás da porta.

— Um ano! É o prazo que lhe peço — disse Loyd angus­tiado. — Por favor.

Mas a outra voz foi firme ao responder:

— Lamento muito, Loyd. Conforme nosso trato, o prazo termina no final desta semana. Se não me pagar até sábado, tomarei providências.

Do outro lado da porta, Carol estremeceu. Céus! O que estaria acontecendo?

— Mas isso não é justo! — revidou o pai dela, desesperado.

— Engano seu, meu caro! Estou perfeitamente dentro da lei — contestou o homem, impaciente. — Até ontem era você quem dava as cartas por aqui. Agora que a situação se inverteu, eu acho melhor você aceitar as minhas condições, caso contrário estará perdido!

— Oh, meu Deus! — Desanimado, David Loyd não sabia mais o que fazer.

Sem poder se controlar mais, Carol abriu a porta do escritório, subitamente decidida a socorrer o pai. O velho Loyd, sentado em sua poltrona, parecia cansado.

— Papai — chamou Carol, docemente, e o estranho, que estava de costas, voltou-se para fitá-la.

Ao dar com aqueles olhos de lobo, cinzentos, Carol teve um choque, reconhecendo imediatamente aquele homem loiro, bron­zeado pelo sol, alto e imponente. Há meses que ele a descon­certava com olhares gulosos cada vez que se encontravam por acaso numa festa ou num evento cultural.

Esforçando-se para ignorá-lo, Carol fixou os olhos no rosto do pai.

— Está bem, papai?

Loyd esboçou um sorriso a fim de tranqüilizar a filha, que estava visivelmente preocupada e nervosa. Ele disse, fazendo um gesto para que Carol se retirasse:

— Está tudo bem, querida. Estou tratando de negócios. Embora relutante, ela se dirigiu à porta.

— Espere! — o estranho a chamou. Nervosamente ela voltou-se para encará-lo.

— Meu nome é Vince Steiner — ele se apresentou, amiga­velmente estendendo-lhe a mão.

O nome daquele homem não era nenhuma novidade para ela. A cidade inteira conhecia o "gigante loiro", como era chamado. Ele era o cabeça da Companhia Steiner de Engenharia e Construção, que crescera tão rapidamente que já possuía filiais em quase todas as principais metrópoles do país. O que ninguém podia compreender era Vince Steiner ter escolhido justamente Murrayville para fixar residência. Murrayville não passava de um lugarejo sem grandes atrativos, pelo menos para um homem como ele, belo, musculoso, rico e sedutor. Era admirado pelas mais belas mulheres, ansiosas por uma chance de conquistá-lo.

Sem dúvida, a escolhida era uma mulher de sorte. Tratava-se de Chantal Webber, uma garota de Joanesburgo com quem Steiner vinha sendo visto constantemente.

Todos aqueles pensamentos passaram pela cabeça de Carol numa fração de segundos.

De repente, ela percebeu que a mão de Vince continuava estendida, esperando a dela. Displicentemente, Carol correspondeu àquele gesto, mas quando as mãos se tocaram foi como se ela tivesse levado um choque elétrico.

Apesar de já se terem encontrado uma infinidade de vezes e cruzado os olhares nas festas da cidade, durante os últimos meses, Carol nunca ouvira a voz de Vince. Seu sexto sentido avisava que aquele homem representava um grande perigo. Era esta a razão pela qual sempre evitara qualquer aproximação, criando entre eles uma barreira invisível.

Calmamente Carol retirou a mão, esforçando-se para não deixar transparecer o quanto aquele contato físico a perturbara. Em seguida, voltou-se para o pai.

— Poderia me explicar o que está acontecendo? — Antes que David Loyd pudesse responder, Vince se adiantou.

— Não prefere que eu conte tudo a ela, Loyd? — ele se ofereceu, irônico.

Carol viu e pai entrar em pânico, ao mesmo tempo que murmurava entre - dentes:

— Por favor, deixe minha esposa e minha filha fora disso, Steiner!

— Não vejo por quê! Mais cedo ou mais tarde elas acabarão sabendo — acrescentou Vince, com um sorriso triunfante, como se o desespero do outro lhe desse prazer.

— E então, papai, não vai me contar? — insistiu Carol, embora temerosa do que podia ouvir.

Segurando firmemente o braço da poltrona, David Loyd permaneceu ainda algum tempo em silêncio, como se buscasse forças para enfrentar aquele momento difícil.

Finalmente, respi­rando fundo, começou a falar:

— Houve uma queda no mercado de construção, de uns três anos para cá, e me vi obrigado a procurar o Sr. Steiner a fim de lhe oferecer meus serviços em suas obras, já que ele mantém o monopólio das construções siderúrgicas de toda a região, mas minha proposta foi rejeitada.

Indignada, Carol voltou-se para Vince, que ouvia tudo com ar impassível. Aquele homem deveria ser sádico, porque parecia divertir-se com a desgraça alheia. Os olhos cinzentos, no rosto impenetrável, pareciam frios e duros como aço, quando se dirigiu a Loyd, irritado:

— Vamos, Loyd, continue! — Não obtendo resposta, Vince prosseguiu com firmeza: — Quando seu pai me procurou nova­mente, há mais de um ano, pedindo dinheiro emprestado, eu não lhe neguei!

— Isso é verdade, papai? — perguntou Carol, incrédula.

— Sim — confirmou David Loyd, enxugando com o lenço o suor que lhe cobria a testa. — Eu não tinha outra saída, minha filha. Havia vendido metade das ações da companhia e, juntamente com o empréstimo do banco, esperava evitar a nossa falência. Mas os banqueiros alegaram que eu não tinha com que garantir o pagamento da dívida.

— E então pediu dinheiro ao Sr. Steiner? — Carol deduziu, decepcionada.

— Compreenda, minha filha, era minha única saída. — justificou-se o pai dela, amargurado.

— Agora não tem como pagar o empréstimo, não é verdade?

— Para isso preciso vender a casa com todos os seus per­tences desde uma agulha até o piano de cauda — acrescentou Loyd, prostrado.

— Não pode fazer uma coisa dessas! — explodiu Carol, horrorizada. — Mamãe jamais seria feliz em outro lugar!

Muito pálido, o pai dela enxugava nervosamente o suor do rosto.

— Sei disso mais do que ninguém, mas não me resta outra alternativa.

— Oh, céus. . . Mas quanto drama! — exclamou Vince entre divertido e irritado.

Carol encarou-o, furiosa. Como era possível tanta insensi­bilidade?

— Não percebe que está nos destruindo? Ou será que não tem sentimentos? — ela perguntou, irada.

Os olhos insolentes de Vince a fitavam de alto a baixo, parecendo querer despi-la. Desconcertada, Carol abaixou a ca­beça, para esconder o rubor das faces. Era evidente que Vince a desejava! Agora, mais do que nunca, tinha essa certeza e aquilo a fez estremecer dos pés à cabeça. Surpresa, Carol percebeu que aquela idéia a agradava e a envaidecia, e que seu corpo jovem correspondia àquele apelo. Completamente zonza, sentia raiva de si mesma por nutrir tais sentimentos pelo homem que era, nada mais nada menos, um inimigo de David Loyd, seu pai...

Inesperadamente, Steiner aproximou-se de Carol, tocando-lhe de leve os cabelos sedosos. Num tom arrogante, ele falou:

— Engana-se ao me julgar insensível, minha cara...

— Não toque em mim! — ela reagiu, no mesmo instante, detestando aquele sorriso zombeteiro de Steiner, que parecia devorá-la com os olhos.

— Pensando bem, Loyd, acho que a solução para seu pro­blema está bem aqui à minha frente! — disse Vince, voltando-se para o pai de Carol, que até aquele instante assistia calado.

— Não! Deixe minha filha em paz! — gritou David Loyd, pondo-se em pé, lívido de indignação.

— Poderia se explicar melhor, Sr. Vince Steiner? — pergun­tou Carol, preferindo não acreditar na maliciosa insinuação daquele homem arrogante, que pensava certamente poder com­prar tudo e a todos com seu dinheiro.

— Esqueça, querida! O assunto está encerrado! — o pai cortou autoritário. — Agora, volte para a sala, sim?

Ninguém ousava desobedecer ao velho Loyd quando ele resolvia alguma coisa. Por isso, Carol dirigiu-se à porta, embora relutante. A voz firme de Vince, porém, a fez parar.

— Um momento, Carol!

O bom senso dizia para não atendê-lo e sair dali o mais rápido possível, mas uma força maior a fez voltar-se e enfrentá-lo, de cabeça erguida.

— Estaria disposta a ajudar seu pai? — perguntou Vince, sério.

— Não se atreva a envolver minha filha nisso, Steiner! — o pai de Carol explodiu, antes que ela pudesse responder.

Vince, porém, parecia ignorar por completo aquele apelo.

— Eu lhe fiz uma pergunta, Srta. Carol, e estou esperando que me responda — ele insistiu, calmamente.

— Não lhe diga uma só palavra, minha filha! Pelo amor de Deus, deixe-nos a sós!

O suor cobria o rosto de David Loyd enquanto Vince, contro­lado, demonstrava ser o dono da situação.

— Entenda, papai, amo você e me preocupo com a sua feli­cidade. — murmurou Carol, carinhosa. Em seguida, voltou-se decidida para Vince: — Sim, Sr. Steiner, faria tudo para ajudar meu pai.

— Ótimo! Nesse caso, tenho uma proposta a lhe fazer — falou Vince, tranqüilo, e por um instante um silêncio pesado caiu sobre o escritório.

Carol estava a ponto de entrar em pânico. O que ele iria propor? Entretanto, não era hora de bancar a covarde. Engo­lindo em seco, ela se preparou para o que ouviria a seguir.

— Seu pai me pediu um novo prazo para pagar a dívida — começou Vince, acendendo tranqüilamente um cigarro. — Estou pensando seriamente em concordar, desde que tenha algo em troca como garantia.

Os olhos de Carol chispavam de raiva ao vê-lo tão seguro de si, inabalável. No mínimo, Vince proporia fazer dela sua amante. Fingindo inocência, Carol perguntou:

— E o que sugere, Sr. Steiner?

— Case-se comigo — falou Vince, como se pedisse a coisa mais natural do mundo.

Carol arregalou os olhos, assustada, sem poder acreditar no que acabava de ouvir. Não era possível! Um homem como Vince Steiner, rico, bonito e sedutor, falando em casamento! Não, ele só podia estar brincando!

— O senhor enlouqueceu? — ela perguntou, atordoada.

— Quero que pense no assunto e me dê uma resposta — disse Vince com a maior naturalidade, como se tratasse de um negócio. — Amanhã ligarei para saber o que decidiu. Bem, boa-noite, Loyd, Carol...

Em seguida ele sumiu pela porta que dava para o jardim, evitando passar pela saía.

— Ora, mas isso é uma piada! — disse Carol, entre risos, agora a sós com o pai.

— Não quero desapontá-la, filha, mas algo me diz que Vince falava a sério. — disse David Loyd, guardando o lenço no bolso.

Não! Não podia ser verdade! Carol precisava encontrar outra solução para o problema. Não poderia submeter-se ao capricho de um homem inescrupuloso como Vince Steiner. Fosse como fosse, ela acharia uma saída.

— Oh, papai, por que foi se meter numa encrenca dessas? — perguntou Carol, amargurada.

David Loyd parecia esgotado e repentinamente envelhecido.

— Já lhe contei, filha. Houve uma depressão violenta no mercado de construções. Perdi diversas concorrências para a companhia de Steiner, e então parti para a construção dos aloja­mentos dos empregados que viriam montar as siderúrgicas. Steiner, porém, novamente passou à minha frente, ficando com tudo...

Carol não se conformava. Não queria ouvir mais nada. Inúmeras empresas construtoras de pequeno porte haviam su­cumbido nos últimos dois anos, em conseqüência da ambição desenfreada de Vince Steiner. Agora, só restava a companhia de David Loyd, também prestes a desaparecer. Era incrível como alguém podia triunfar tranqüilamente com o fracasso dos outros. Quanto egoísmo!

— Por que pediu dinheiro emprestado a ele, papai? — perguntou Carol, desanimada. — Que fim deu ao dinheiro que economizou durante todos esses anos?

— Há um bom tempo que não entra um tostão na compa­nhia, por falta de contratos. Mas não queria privar você e sua mãe do conforto a que estavam habituadas. Quando o dinheiro acabou, lancei mão das economias — contou Loyd, envergo­nhado.

Entretanto, algo dizia a Carol que o pai estava escondendo alguma coisa.

— Em outras palavras, estamos à beira da miséria, não é, papai? Por que não contou tudo a mamãe?

— Nunca! Sua mãe não pode saber de nada... Eu tinha tanta esperança de que as coisas melhorassem... Agora, está tudo perdido!

Carol levantou-se da cadeira, num pulo, e começou a andar de um lado para outro, preocupada. Sentia-se fraca e impotente diante daquela situação inusitada. Ao mesmo tempo, não con­seguia esquecer a figura imponente e arrogante de Vince Steiner. Jamais conhecera um homem tão caprichoso e desumano, capaz de tudo para alcançar seus objetivos! Que custava ser mais condescendente? Por que tanto egoísmo?

De repente ela se lembrou do brilho de rancor que vira naqueles belos olhos cinzentos. O que haveria, afinal, por trás daquela história toda?

— O que o faz pensar que conseguirá saldar a dívida em um ano? — Carol perguntou ao pai, tentando descobrir alguma coisa.

— Foi aberta uma nova concorrência para a construção de uma enorme siderúrgica, perto de Murrayville, e tenho espe­ranças de vencê-la — contou Loyd, mais animado. — A res­posta só sai dentro de dois meses. Se der tudo certo, estaremos salvos.

— E se perder?

— Bem... aí será o nosso fim. Teremos que vender a nossa casa. . . Sua mãe jamais me perdoará.

Loyd passou a mão nervosamente pelos cabelos desalinhados, na certa imaginando o desespero de Lilian Loyd se perdesse a casa, além de - seus objetos de estimação, como o belíssimo aparelho de café de porcelana inglesa, presente de sua bisavó materna.

— Acho melhor não contarmos nada a ela, por enquanto — concordou Carol.

— Francamente, não sei o que fazer se Steiner se mantiver irredutível.

Por um momento Carol pensou em aceitar a proposta de Vince para livrar os pais da humilhação e da falência. Mas aquele casamento seria um verdadeiro absurdo!

No dia seguinte, como de costume, foi trabalhar na Biblio­teca Municipal. Formada em biblioteconomia, ela gostava de catalogar autores famosos e resumir suas histórias fascinantes. Naquela manhã, porém, não tinha disposição para nada. Seus pensamentos voltaram-se para a situação delicada do pai e para o destino que estaria dando à sua vida se se casasse com Vince Steiner.

— Por que não descansa um pouco, Srta. Loyd? — sugeriu gentilmente Nancy de Witt, sua assistente. — Vá para casa. Posso tomar conta do serviço sozinha. Se tiver alguma dúvida, eu lhe telefono.

— Obrigada, Nancy. Estou mesmo precisando descansar. Só que não vou para casa. Ficarei aqui mesmo, em minha sala.

Vagarosamente, Carol caminhou em direção ao pequeno es­critório, logo na entrada da biblioteca. Sentando-se à mesa, pôs os olhos na enorme pilha de cartas que esperavam para ser respondidas. Talvez aquela tarefa a ajudasse a esquecer um pouco o problema. Tomando fôlego, ela começou a lê-las, uma a uma.

— Entre, Nancy — respondeu Carol, ao ouvir batidas na porta.

Quando ergueu os olhos para atender à colega, ela deparou com Vince Steiner, parado bem à sua frente.

— Sr. Steiner! — exclamou Carol, surpresa, enquanto ele fechava a porta do escritório.

— A Srta. Witt insistiu para que não a perturbasse, mas... — começou ele, divertido.

Perturbar? Perturbar era muito pouco para expressar o que ela estava sentindo naquele momento. As pernas estavam bam­bas, o coração batia em descompasso e as mãos trêmulas mal conseguiam segurar a folha de papel.

— Sente-se, por favor — ela convidou, cordialmente, quando na verdade sua vontade era pô-lo dali para fora.

Steiner sentou-se de frente para ela, fitando-a intensamente.

— Em que posso ajudá-lo? — perguntou Carol, tentando parecer natural, sem contudo despregar os olhos daquele rosto impenetrável.

— Então não sabe por que vim até aqui? — perguntou Steiner, irônico.

Carol ficou sem ação.

— Pensei termos combinado que eu lhe daria uma resposta por telefone.

— Achei melhor vir até aqui para esclarecer que não estava brincando quando lhe propus casamento — ele falou, sério, sem tirar os olhos dela. — Case-se comigo e seu pai terá o prazo que tanto deseja.

— Não acha que está sendo... digamos, um pouco severo conosco? — perguntou Carol, escolhendo as palavras.

— Tenho razões mais do que suficientes para agir assim! — rebateu Steiner, pegando o maço de cigarro do bolso. — E uma delas é que David Loyd assinou promissórias compro­metendo-se a pagar a dívida até o próximo domingo.

Em seguida ele tirou uma baforada no cigarro, sob o olhar curioso de Carol, que mais do que nunca estava convencida de que havia algum segredo entre aqueles dois homens.

— Quanto o meu pai lhe deve? — ela perguntou, corajosa.

— Meio milhão de dólares — respondeu Steiner calmamente. O escritório começou a rodar e Carol precisou respirar fundo para não perder o ar. Meio milhão de dólares! Aquilo era uma fortuna! Não era à toa que Vince Steiner estava pressionando o pai dela.

— Sr. Steiner... não há outro modo de resolvermos o problema?

Steiner deu de ombros.

— Claro! Vendam tudo o que têm e o assunto está encer­rado.

— Não pode imaginar o que aquela casa significa para meus pais — disse Carol, amargurada. — Ela faz parte de nossas vidas.

— Felizmente não sou do tipo sentimental, Srta. Loyd — ele cortou, seco. — Tenho os pés no chão, lido com os fatos! Aprendi, há algum tempo, que não se devem misturar senti­mentos com negócios.

Carol levantou-se e caminhou até a janela que dava para a rua. De fato, aquele homem parecia mais um robô do que um ser de carne e osso. Lá fora, no parque, crianças brincavam alheias às crueldades que as cercavam. Carol sentiu inveja delas!

— Bem, e... e se eu me casar com o senhor? — ela per­guntou, de volta à dura realidade.

— Nesse caso, darei o tempo que seu pai me pede. Se ele me pagar tudo dentro desse novo prazo, você estará livre.

— Caso contrário... — ela perguntou, contendo a respi­ração.

— Terá sua liberdade ao final de doze meses, em qualquer circunstância, se é isso que a apavora, Srta. Loyd. Antes, porém, espero que me recompense devidamente.

Ele disse aquilo com malícia e cinismo, descendo o olhar atrevido até os seios rijos da jovem que arfavam incontrolavelmente.

— É revoltante! — ela desabafou, com voz sufocada.

— Sou um homem de trinta e oito anos, Carol, e não um romântico adolescente! Não me diga que, por algum momento, lhe passou pela cabeça que nosso casamento seria apenas no papel?

Carol ficou olhando enquanto ele se levantava, impaciente. A virilidade que emanava daquele corpo másculo despertava sua feminilidade, como nenhum outro homem.

— E quanto aos meus sentimentos? — perguntou ela, indig­nada, o orgulho ferido e o coração magoado.

— Tenho observado você há alguns meses, Carol, e concluí que, se realmente possui algum sentimento, está muito bem escondido.

— Parece estar certo de que vou aceitar sua proposta. Por quê?

— Você não tem outra escolha, minha flor! Traçou seu próprio destino ontem à noite, ao entrar no escritório de seu pai. Agora, só me resta descobrir o que há por detrás desse coração de gelo.

— E que diferença faria se ontem eu não tivesse entrado na conversa?

Steiner riu, divertido.

— Seria lamentável, mas a esta altura seu pai já teria colo­cado a casa à venda.

Carol admitiu que ele dizia a verdade e que não teria pena do pai dela.

— Como você é mesquinho! — ela acusou, revoltada. — Está mesmo decidido a monopolizar o ramo de construções de toda a região, não é? Não importa se está prejudicando outras famílias, destruindo seus lares, desde que você satisfaça à sua maldita ambição! Mas existe uma coisa que jamais poderá comprar: a felicidade. Nunca, ouviu bem?

Vince não se assustou com a profecia.

— E quem está se preocupando com isso? Não estou em busca da felicidade, mas sim de justiça, e pouco me importa se você aprova ou não os meus métodos.

Carol achou que já era demais.

— O quê? Justiça? E o que meu pai tem a ver com isso? Que mal ele lhe fez para que você queira arruiná-lo?

— Será que já não é o bastante o fato de não ter cumprido a palavra, pagando.a dívida dentro do prazo estipulado? — argumentou Vince.

— Pois não vejo crime algum em dever dinheiro para alguém — revidou Carol, corajosa.

— Não? Pois saiba que, se eu quiser, posso colocar seu pai na cadeia! É só recorrer aos meios legais para receber o que por direito me pertence — disse Vince, agora bastante irritado.

— Meu pai não está fugindo do compromisso. Será que não entende? Só precisa de mais algum tempo. Se recorrer à Justiça, terá que se conformar em receber um pouco por mês — lembrou ela, tentando amenizar a conversa.

Steiner calou-se por um momento. Depois voltou a falar calmamente:

— Pelo visto, não sabe mesmo como está a situação do seu pai. Fique ciente de uma coisa: você e sua mãe estão vivendo exclusivamente da antiga reputação de Loyd. Ele está devendo à cidade inteira e, se eu abrir a boca, será o fim...

Carol estremeceu só de imaginar. Steiner reparou naquilo e ergueu as duas mãos.

— Mas fique tranqüila, porque não pretendo processá-lo. Posso dar-lhe mais uma chance. Protelarei a dívida, mas quero você como garantia. Embora saiba que ao final de um ano seu pai continuará sem condições de me restituir o dinheiro, e que tudo ficará como antes...

Carol achou que deveria defender o pai.

— Isso é o que você pensa! — protestou ela, irada.

— Acha que estou errado? Então me responda como é que seu pai pretende me pagar? Não me diga que Loyd está pen­sando em participar da concorrência para a construção da nova siderúrgica.

Ele parecia estar lendo os pensamentos dela. O silêncio de Carol confirmava as suspeitas de Vince, que não hesitou em avisar:

— Se for isso, é bom desistir.

— Se meu pai pretende concorrer é porque tem condições de vencer: Ele sabe o que faz — murmurou Carol, parecendo querer convencer a si mesma.

— Pare de dizer tolices — cortou Steiner, seco.

— Por quê?

— Por um motivo muito simples: a obra será minha! — disse, confiante.

Carol mordeu o lábio inferior, com raiva, quase o ferindo. Jamais conhecera um homem tão arrogante, mas ao mesmo tempo tão firme em suas decisões. Ela até o admiraria se as circunstâncias fossem outras.

— Você já ganhou tantas outras concorrências. Deixe essa oportunidade para o meu pai — humilhou-se Carol, levada pelo desespero.

Vince não teve piedade.

— Vivemos num país democrático, portanto os direitos são iguais e vencerá o melhor.

— Como você é perverso! — exclamou Carol, horrorizada, os olhos cheios de lágrimas.

Vince parecia nem reparar.

— Avise a seu pai que vou telefonar à noite, lá pelas oito, e quero uma resposta — concluiu ele, calmamente.

Depois, levantou-se decidido e saiu do escritório, fechando a porta.

Ainda sentada na cadeira, Carol tremia incontrolavelmente. E agora? Precisava se decidir. Teria de se casar com Steiner para proteger o pai e salvar a família. Mas... e ela? O que seria do seu futuro, dos seus sonhos, dos seus sentimentos? Céus! Era um preço alto demais.

 

Diante do espelho, Lilian Loyd fechou gentilmente o zíper do vestido de noiva de Carol, com um ar de espanto.

— Ainda não entendi a razão desse casamento tão preci­pitado.

Carol esboçou um sorriso, tentando demonstrar felicidade.

— Nem ao menos tiveram tempo para ficar noivos — pros­seguiu Lilian, desapontada. — Sempre sonhei com seu casa­mento numa bela igreja, cheia de flores, com música e muitos convidados...

Juntando as forças que ainda possuía, Carol procurou não fraquejar. Tinha vontade de gritar que aquele casamento não passava de uma farsa para salvá-los.

— Desculpe, mamãe. Sinto ter estragado seus planos, mas Vince e eu preferimos uma cerimônia simples, no cartório.

Carol disse aquilo esforçando-se para conter as lágrimas.

— Que bobagem! — exclamou Lilian, olhando a filha de frente. — Você... não está grávida, não é? — ela perguntou, apreensiva.

— Ora, mamãe, que idéia! — rebateu Carol, indignada. — Como pôde imaginar uma coisa dessas?

— Não precisa ficar zangada. Eu só estava brincando — falou Lilian, ajeitando o lindo vestido branco da filha. — Será que a irmã de Vince vem de Joanesburgo, para assistir ao casamento?

— Vince garantiu que sim — afirmou Carol com natura­lidade, como se participasse da intimidade familiar do futuro marido.

— Se não me engano, ela é médica e solteira — a mãe continuou.

— Isso mesmo.

— Carol... — Lilian falou baixinho, segurando a filha pelos ombros. — Tem certeza de que é isso mesmo o que quer?

"Não! Não! Oh, mamãe, se você soubesse!", pensou Carol, angustiada, controlando-se para que aquelas palavras não saís­sem de sua boca. Precisava calar seus sentimentos, em sacrifício de sua família. David havia implorado que ela não contasse nada a Lilian.

— É claro que sim, mamãe — respondeu Carol, admirada com a calma que conseguia manter. — Agora é melhor você descer e fazer companhia a papai. Enquanto isso, vou me maquiar. E pare de se preocupar comigo.

— Você é minha única filha, querida, e quero muito que seja feliz. Oh, acho que vou precisar de um lenço, pois vou acabar chorando feito uma manteiga derretida. — concluiu Lilian com os olhos marejados de lágrimas, dirigindo-se para a porta.

Sozinha no quarto, Carol rezou para não fraquejar e voltou-se novamente para o espelho. Os cabelos negros estavam presos num delicado coque no alto da cabeça, enfeitado por peque­ninas flores silvestres. Ela pintou as pálpebras num tom azul-claro, tentando esconder as olheiras que denunciavam as noites mal dormidas. Nunca mais voltaria a ser aquela Carol de antes, alegre, despreocupada, cheia de vida. Seria, a partir daquele momento, uma pessoa marcada pelo destino.

Não estaria cometendo um grande erro ao concordar com aquela farsa? Quem poderia garantir que, ao final do novo prazo, o pai dela conseguiria, por fim, liquidar a dívida?

Por outro lado, como esquecer o sofrimento estampado no rosto de David Loyd, naquela noite, quando Vince Steiner apareceu pessoalmente em busca de uma resposta? Ao mesmo tempo que temia pelo destino da filha, ele parecia se sentir intimamente aliviado de um enorme peso.

Agora, porém, era tarde demais para ponderações. Faltavam poucas horas para ela estar casada com aquele homem cruel, e só Deus sabia a que humilhações seria submetida para satis­fazer os caprichos dele.

Instintivamente ela balançou a cabeça, como se com isso pudesse afastar aqueles pensamentos, que só serviam para aumentar a sua agonia. Ficar se lamentando não resolveria nada. O que precisava agora era se preparar para representar o papel de mulher apaixonada diante dos poucos convidados.

Carol estava passando batom nos lábios quando alguém bateu à porta. Ela abriu prontamente e David Loyd entrou no quarto.

— Já está pronta, minha filha?

— Quase... quase... — murmurou Carol, tensa, vestindo as luvas de renda.

Sentia a garganta seca e as mãos suadas, tal era o seu pavor.

— Esta talvez seja a nossa última oportunidade de conver­sarmos a sós — começou Loyd, tomando as mãos da filha.

— Papai, por favor, é melhor não. . . David a interrompeu, nervoso:

— Preciso falar, minha filha. Quero que saiba o quanto lamento tudo isso. Se por um lado estou aliviado por estarmos salvos da ruína, por outro jamais me perdoarei por ter permi­tido que você se sujeitasse a tamanho sacrifício.

Ele disse aquilo com amargura, e Carol não ousou dizer mais nenhuma palavra. Estava decidida a ir até o fim e não queria piorar ainda mais o sofrimento do pai. Naquele instante eles ouviram a voz de Lilian, chamando do andar de baixo.

— Ei, vocês dois! Vamos Jogo ou chegaremos atrasados ao cartório.

— Já estamos descendo — respondeu Loyd, dando o braço à filha.

Era uma bonita e ensolarada tarde de outono, mas para Carol o céu estava cinzento, triste, como se prenunciasse uma des­graça. Sentia-se como uma prisioneira que, condenada, deixava-se levar, sem direito a protesto, submissa, ao carrasco implacável. As folhas secas das velhas castanheiras cobriam o chão ao longo das ruas de Murrayville, formando um tapete dourado. A cidade tinha crescido muito, desde a construção da primeira siderúrgica. Havia muitos edifícios, construídos da noite para o dia, sem contar o grande número de casas que surgiam rapidamente na periferia, a fim de acomodar os trabalhadores e suas famílias. Conseqüentemente, o ar saudável e puro de antes aos poucos tornava-se poluído devido à fumaça das cha­minés das fábricas. Os mais velhos assistiam, impotentes, à transformação das calmas e ensolaradas tardes, que, davam lugar à agitação e ao barulho.

Sem dúvida, um dos grandes culpados por aquela situação caótica era ninguém menos que o seu futuro marido, o grande Steiner, homem ambicioso e obstinado, que estava determinado a vencer. Naturalmente ele se julgava o "todo-poderoso", dono de tudo.

Silenciosos e tensos, pai, mãe e filha pareciam estar a caminho de um funeral. Pouco depois, quando David Loyd estacionou o carro ao lado do cartório, Carol tremia incontrolavelmente.

Imediatamente Vince apareceu, acompanhado da irmã, para receber os Loyd assim que eles desceram do automóvel. Harriet era uma mulher atraente, alta e esbelta, de cabelos curtos e com os mesmos traços marcantes do irmão. Quando Vince apresentou a moça à família da futura esposa, Carol esforçou-se para parecer tranqüila. Feitas as apresentações, todos se diri­giram à ante-sala do cartório, onde o casamento seria realizado.

O noivo, muito elegante, vestia um terno cinza-chumbo, gravata preta e camisa branca, contrastando com o bronzeado da pele. Ao observá-lo discretamente, Carol não pôde deixar de reconhecer que era muito bonito.

Por um instante, os olhos deles se encontraram e Vince pousou a mão forte sobre o braço de Carol, como se quisesse impedir que ela escapasse.

— Vamos, meu bem, sorria ou todos vão pensar que não está feliz — ele pediu, baixinho, e Carol então esboçou um sorriso tímido, sufocando o impulso de sair correndo dali.

Foi naquela pequena sala, diante do juiz que proferia em tom solene o contrato nupcial, que Carol sentiu algo morrer dentro de si: seu próprio "eu". Daquele momento em diante, ela não seria mais simplesmente Carol, mas a Sra. Steiner, e o que o futuro lhe reservava ao lado daquele estranho só Deus podia saber, ninguém mais. A cerimônia acabou e, olhando para a mão esquerda, Carol viu o anel de ouro todo trabalhado. Não havia mais remédio. . .

Nesse momento, ela sentiu os lábios gelados de Vince sobre os seus e esforçou-se para não repeli-lo. Em seguida, com um sorriso radiante, voltou-se para abraçar a mãe e o pai. O rosto de Loyd estava marcado pelo sofrimento.

"Pobre papai...", ela pensou, amargurada, enquanto se dirigia a Harriet, que a cumprimentou com frieza.

Pouco depois Carol assinava o livro do cartório. Finalmente, todos rumaram para a mansão de Vince, onde haveria uma recepção simples oferecida aos parentes e amigos mais chegados.

Perdida em seus pensamentos, Carol nem notou a chegada das empregadas que, adequadamente vestidas num uniforme de linho branco, serviam aos poucos convidados bolo e champanhe. Aceitou uma taça, mal sentindo o gosto da bebida, de tão nervosa que estava. Para se acalmar, resolveu participar da conversa animada dos convidados, sempre se esforçando para parecer feliz e descontraída.

Vez por outra ela dava com os olhos de Harriet, que a observava. Será que a cunhada desconfiava de alguma coisa? Estaria a par de tudo ou se tratava de simples curiosidade em razão do casamento do irmão?

— Façamos um brinde — propôs Vince, aproximando-se e segurando Carol pela cintura.

Imediatamente ela estremeceu ao toque daquelas mãos fortes. Sentiu o ar lhe faltar, mas, com muita classe, ergueu o rosto corajosamente e sorriu para o marido. Os olhos dele brilhavam como os de um guerreiro vitorioso diante do inimigo derrotado.

— Um brinde à minha jovem esposa! — sugeriu Vince, sem despregar os olhos do rosto pálido e amedrontado de Carol.

As taças tilintaram e Carol sorveu o champanhe de um gole, como se estivesse habituada a beber.

— Acho que... vou chorar — murmurou Lilian, a poucos passos dali.

Aproveitando a oportunidade para se desvencilhar do marido, Carol correu para o lado da mãe. David Loyd, porém, chegou primeiro:

— Ora, pare com isso, Lilian — ele a censurou, com brandura, olhando para o relógio de pulso. — Vamos, está na hora de irmos embora.

Lilian sorveu o resto de champanhe que havia no copo e voltou-se para a filha.

— Cuide-se, meu bem... — disse ela, abraçando-a, com os olhos cheios de lágrimas.

— Quem vê pensa que estou partindo para a guerra — respondeu Carol, brincalhona, tentando tranqüilizar a mãe. — Tudo será como antes, mamãe. Continuarei trabalhando na biblioteca e prometo visitá-la sempre que puder!

Em seguida ela se despediu do pai, cuja expressão taciturna demonstrava claramente o quanto lhe custava deixá-la ali, na­quela casa, à mercê do seu pior inimigo.

Carol viu o carro do pai desaparecer pela alameda florida e ficou ainda algum tempo ali, parada, contemplando os últimos raios de sol, que desaparecia no horizonte. Uma tristeza imensa invadiu seu coração e, levando a mão aos olhos, ela enxugou as lágrimas que teimavam em escorrer borrando a maquiagem. Passados alguns instantes, decidiu entrar, antes que Vince fosse procurá-la.

O clima estava carregado quando Carol voltou à sala,prin­cipal. Todos os convidados já haviam partido, mas felizmente Harriet ainda se encontrava ali. Na presença da cunhada, seria fácil para Carol enfrentar o marido.

— Acho que vou tomar um banho para me refrescar. Está fazendo um calor. — ela anunciou, louca para se afastar.

— Subindo a escada, à direita — informou Vince, indife­rente. — Nosso quarto fica bem no meio do corredor. As empregadas já guardaram suas coisas no armário.

Dito isso, ele voltou a atenção para Harriet.

Ao ouvi-lo dizer "nosso quarto", Carol sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Não podia acreditar que ele fosse tão vil, a ponto de exigir que...

— Obrigada — respondeu ela, com naturalidade, e com o coração aos saltos subiu apressadamente a escada.

Várias portas davam para o enorme corredor. Indecisa, ela abriu uma delas e deu com um pequeno e aconchegante aposento. Havia ali uma cama de solteiro encostada à parede e um armário laqueado de branco. As cortinas de babados iam até o chão, proporcionando ao ambiente um toque romântico.

Ao abrir a segunda porta, Carol constatou que, sem dúvida, era a do seu novo quarto. Entrou vagarosamente hesitante. O aposento era enorme e possuía uma agradável sacada, com vista para o belo jardim. As cortinas azul-claras contrastavam com o azulão da colcha de cetim estendida sobre a imensa cama de casal, que era de madeira trabalhada. As paredes, num delicado tom pastel, suavizavam a imponência do quarto.

Sobre a penteadeira, que seguia o estilo da cama, havia todos os produtos necessários para uma maquiagem e perfumes caríssimos. E, dentro do armário embutido, ela reparou que todas as suas roupas tinham sido cuidadosamente guardadas.            

Depois de ter examinado tudo atentamente, Carol sentou-se diante do espelho. A imagem ali refletida era a de um rosto cansado, traços contraídos devido à tensão das últimas horas.  

Cuidadosamente, ela tirou as luvas, descobrindo a aliança de ouro brilhando na mão esquerda. Num gesto de desespero, arrancou-a bruscamente do dedo e fez menção de atirá-la longe. Reconheceu a tempo, porém, que aquela atitude intempestiva de nada adiantaria. Afinal de contas, o mal já estava feito. Com ou sem aliança, agora Carol era a Sra. Vince Steiner, já que, perante o juiz de paz, tinha dado àquele homem plenos direitos de posse sobre sua vida, seu destino, seu... seu corpo!

— Oh, Deus! — ela gemeu, cobrindo o rosto com as mãos. Não! Não podia sequer imaginar as mãos grandes de Vince tocando a sua pele nua. Céus! Ele não poderia obrigá-la a tanto. Seria desumano e cruel!

Alguns instantes depois, Carol procurou recuperar o autocontrole e recolocou a aliança no dedo. Despiu-se rapidamente e dirigiu-se ao suntuoso banheiro todo azulejado de branco, com motivos azuis. Após um banho demorado, já vestida e refeita, maquiou-se com esmero.

"Agora, sim!", pensou Carol, satisfeita com a própria apa­rência.

Tomada de uma súbita coragem para enfrentar o marido, ela alcançou o corredor em direção à escadaria. Quando ia descendo os primeiros degraus, porém, parou ao ouvir vozes exasperadas.

— Entendo perfeitamente a sua sede de vingança, Vince, mas acho que agora está exagerando — censurava Harriet, nervosamente.

"Vingança? Que vingança?", perguntou-se Carol, engolindo em seco e sentindo o coração apertado.

— Pois pense como quiser — respondeu Vince, indiferente.

— Você nunca dá ouvidos a ninguém, não é? Por isso não tenho esperança de que me ouça agora. Mas uma coisa quero que você saiba: sou completamente contra esse casamento! -— acrescentou Harriet no mesmo tom.

— Ora, não seja tola! Meu casamento com essa pobre moça deixou David Loyd arrasado! Há anos que venho esperando por esse dia! — declarou Vince maquiavelicamente feliz.

Carol precisou se escorar na parede para não cair ali mesmo. Sentia a cabeça rodando. Do que estavam eles falando? Por que Vince queria vingar-se do pai dela? Que mal David Loyd poderia ter feito a ele?

A voz de Harriet se fez ouvir novamente, raivosa:

— Às vezes eu o desprezo! Como pode usar uma garota inocente apenas para satisfazer à sua sede de vingança. Que culpa ela tem das loucuras do pai? Como se isso não bastasse, pretende devolvê-la daqui a um ano, quando já terá levado David Loyd à falência. Não percebe como está sendo cruel?

— Você é mesmo uma sentimental! — rebateu Vince, impa­ciente. — Vá perguntar a Loyd se ele teve piedade quando arruinou a nossa família! Ah, mas agora ele vai me pagar! Ah, se vai!

Estarrecida, Carol não podia acreditar no que acabara de ouvir.

— Também sofri muito, Vince, mas depois descobri que a vingança não leva a nada. Pode, sim, causar um mal maior. — Harriet falou com doçura.

— Realmente — concordou Vince, mais calmo. — Mas nada nem ninguém me fará voltar atrás. Vou fazer Loyd pagar caro por tudo o que fez a nossa família!

Depois de alguns instantes de silêncio, Harriet voltou a falar, com tristeza na voz:

— Como você mudou, Vince! Não é mais aquela pessoa humana e carinhosa de antes. Tornou-se um homem frio e perigoso.

— O sofrimento me deixou calejado, Harriet — defendeu-se Vince, com amargura. — Precisei me proteger com uma forte armadura para vencer a dor. Mas agora chegou a hora da desforra. Vou acabar com Loyd nem que seja a última coisa que eu faça na vida.

— Pois não conte com o meu apoio! — informou Harriet, saindo da sala e subindo apressadamente a escada.

Ao atingir os últimos degraus ela deparou com Carol, que fingiu não ter ouvido nada e sorriu.

— Puxa, nada como um banho! — falou Carol, calmamente.

— Vim me despedir de você. Infelizmente não posso ficar para o jantar — falou Harriet, ainda tensa.

— Oh, é uma pena — murmurou Carol, com sinceridade. A presença da cunhada seria de vital importância. Agora ela teria que ficar a sós com Vince...

— Quero que saiba que não aprovo a atitude de meu irmão e fiz tudo para impedir esse casamento — confessou Harriet, enquanto ambas desciam as escadas.

— Obrigada por ser honesta comigo — agradeceu Carol, acompanhando-a até a porta.

Antes de sair, a cunhada fitou-a por alguns instantes nos olhos, num misto de surpresa e curiosidade. Depois partiu.

Tomando fôlego, Carol preparou-se para o confronto com Vince. Entrando na sala principal, ela o avistou em frente à lareira, fitando o fogo, perdido em seus pensamentos. Carol aproveitou para observá-lo melhor.

— Humm... humm... — ela pigarreou, depois de alguns minutos, para avisá-lo da sua presença.

Vince voltou-se imediatamente e ofereceu uma taça de cham­panhe.

— Não, obrigada — ela recusou.

— Harriet já foi embora -— informou Vince secamente.

— Eu sei — disse Carol fingindo calma. — Despediu-se de mim antes de sair.

No mesmo instante Vince a olhou, preocupado.

— E sobre o que conversaram?

Carol conteve-se para não demonstrar que ouvira a discussão. Precisaria de muita cautela e muito tato para descobrir por que Steiner queria vingar-se do pai dela.

— Acho que Harriet não aprova o nosso casamento!

— A dedicação exagerada à medicina deve ter afetado o raciocínio da minha irmã — replicou Vince, irônico.

— Ou talvez tenha intensificado a sua sensibilidade. — Carol defendeu a cunhada, com firmeza.

— O que ela não entende é que determinados erros não podem permanecer sem punição. Agora vamos jantar — ele decidiu, levando-a pelo braço até a enorme sala de jantar.

Carol fingiu não entender a fria observação, e ambos sen­taram-se à mesa, cada um numa extremidade. Jantaram em silêncio, passando depois para a saleta ao lado, onde foi servido o café.

Pouco à vontade, Carol sentia os olhos cinzentos do marido devorando-a, mas estava firmemente decidida a ignorá-lo. Isso talvez o fizesse desistir de... Além disso, apesar de o relógio só marcar oito horas, ela estava exausta. Sua vontade era ir direto para a cama e ter uma boa noite de sono. Depois de tudo por que havia passado, merecia um bom descanso.

— Pelo visto não está com vontade de conversar, pois não disse nada durante todo o jantar — observou Vince, quebrando o silêncio.

— Não havia sobre o que conversar — respondeu Carol, com frieza.

— É mesmo? Isso para mim é surpresa. Sempre achei que o que não faltava às mulheres era assunto.

— Dispenso suas ironias — rebateu Carol, magoada.

— Desculpe, não quis ofendê-la — disse Vince, enquanto seus olhos a fitavam de alto a baixo, detendo-se nos seios.

— Está falando sério? Realmente não quis me ofender? — perguntou Carol, com ironia, sentindo todo o corpo tremer diante daquele olhar.

— Não quero desapontá-la, minha querida, mas recuso-me a discutir na nossa noite de núpcias... — comentou Vince malicioso.

Noite de núpcias? Carol sentiu um aperto no coração. Se aquele fosse um casamento de amor, a noite de núpcias signi­ficaria um momento lindo em que um estaria nos braços do outro, desfrutando as delícias da paixão. Para ela, porém, tudo não passava de um pesadelo. Só de pensar na humilhação a que Vince pretendia submetê-la, um arrepio de pavor percorria-lhe o corpo.

— Nosso casamento é uma farsa! — ela explodiu, sem conter a revolta.

— Não me diga que sonhava com um casamento de gala, no castelo de Buckingham, na Inglaterra — caçoou Vince com cinismo.

— Ora, pare com as ironias! — ela falou, irritada. — Esse casamento foi um absurdo! Ainda bem que não fui obrigada a também me casar na Igreja, jurar em falso amor e fidelidade diante de Deus.

— Controle-se, por favor, Carol — disse Vince, secamente. Aconselho-a a se deitar. Farei o mesmo assim que terminar o meu uísque.

Carol retirou-se no mesmo instante, aliviada por se ver livre daquele homem odiável, pelo menos por algum tempo. Subiu as escadas correndo, e só quando entrou no quarto foi que parou para pensar nas palavras de Vince. Ele tinha dito que terminaria a bebida e depois iria se deitar. Mas deitar onde? Em que quarto? Seria naquele quarto ao lado, na cama de solteiro, ou... ou junto dela, na cama de casal?

Desorientada, Carol correu até o banheiro e lavou diversas vezes o rosto, na tentativa de se acalmar. Vestiu a fina camisola que ganhara da mãe no seu último aniversário e, depois de escovar os longos cabelos com um certo exagero, pôs-se a cami­nhar nervosamente pelo quarto, de um lado para outro.

De repente, ouvindo batidas na porta, Carol fez menção de pegar o peignoir que deixara sobre a cama. Antes que pudesse vesti-lo, porém, a porta se abriu e Vince entrou. De chinelos, com as mãos nos bolsos do robe cor-de-vinho, ele a fitava fixamente.

— O que quer aqui? — perguntou Carol, aterrorizada, no momento em que ele fechava a porta atrás de si, aproximando-se a passos lentos.

Paralisada de medo, ela leu a resposta naqueles olhos cinzentos.

— O que é que você acha? Será que não é capaz de adi­vinhar o que um noivo quer na sua "noite de núpcias"?

Ele não podia estar falando a sério! Mas era evidente que estava. Vince não teria compaixão e levaria até o fim seus planos de vingança, nem que para isso tivesse de possuí-la à torça, estuprá-la.

Aterrorizada, Carol sentiu as pernas trêmulas. A fraca ilu­minação do abajur, sobre a penteadeira, dava ao ambiente um ar de erotismo e tudo no quarto sugeria intimidade.

— Por favor... Você não pretende fazer... — começou Carol, sentindo-se subitamente fraca e indefesa.

Vince parecia divertir-se, contemplando o rosto amedrontado da garota.

— Fazer o quê? — perguntou ele, impaciente, e cada vez mais perto.

— Você... você não pretende fazer amor comigo, não é? — murmurou Carol, tentando criar coragem.

— Não precipite as coisas, minha cara. O amor jamais fará parte do nosso jogo, mesmo assim ninguém pode me impedir de tomar posse do que me pertence.

Vince disse aquilo sem tirar os olhos da camisola transpa­rente, que deixava à mostra as formas perfeitas da amedrontada Carol.

Aquelas palavras atingiram-na em cheio, como uma violenta bofetada. Precisaria ser bastante forte para se defender daquele homem vil...

— Será que você é tão covarde a ponto de possuir uma mulher à força? — desafiou Carol, lívida de ódio.

— Seus insultos não me farão mudar de idéia — disse Vince, com um sorriso sádico nos lábios e, nos olhos, o brilho do olhar de uma fera pronta a atacar sua vítima.

— Por favor, seja razoável... — implorou ela, quando as mãos fortes de Vince tocaram seus ombros nus.

— Creio que, quando você aceitou minha proposta, sabia muito bem o que estava fazendo — ele argumentou, devorando-a com os olhos e claramente excitado pelo desejo.

Decidida a resistir até o fim, Carol deu um passo atrás, mas Vince foi mais rápido e, num gesto brusco, prendeu-a num abraço. Depois, passou a acariciar-lhe gentilmente os cabelos, descendo até o pescoço, provocando-a.

Apavorada, Carol tentou se libertar, mas as mãos dele desper­tavam nela as mais estranhas sensações. Quanto mais ela lutava, mais Vince a estreitava contra seu corpo. Os rostos estavam bem próximos, e ele, cego pelo desejo, beijou-lhe a boca.

Ao sentir o calor daqueles lábios sobre os seus, Carol quase esmoreceu. Então, temendo não conseguir resistir àquelas sen­sações deliciosas, começou a debater-se desesperadamente. Du­rante a luta silenciosa, acabou por desamarrar o robe de Vince, deixando à mostra o peito musculoso coberto por pêlos macios.

— Deixe-me, pelo amor de Deus. — ela pediu, com a voz fraca e os seios, arfantes, quando Vince abaixou as alças de sua camisola, que escorregou até o chão.

Vince parou subitamente, contemplando aquele corpo jovem e belo. Os olhos de Carol suplicavam compaixão e, por um instante, ele pareceu comovido. No momento seguinte, porém, ele a tomou nos braços e carregou-a decididamente para a cama.

Carol esperneou, chutou, gritou... até que, já sem forças, ficou completamente inerte sobre o leito, enquanto Vince desvencilhava-se das próprias roupas.

Era um belo homem! Carol não podia deixar de sentir um estremecimento diante daquela nudez máscula e imóvel, obser­vando Vince aproximar-se dela, a passos lentos.

— Eu o odeio! — gritou Carol, ao sentir o corpo másculo sobre o dela, provocando um estranho desejo.

Sentindo-se traída pelos próprios sentimentos, Carol arranhou-lhe as costas, com raiva.

— Sua gata! Vai me pagar por isso. — Vince gemeu baixinho. Sugando-lhe os seios delicadamente, Vince a dominou, despertando nela um prazer crescente e incontrolável.

Carol ficou chocada com a resposta de seu corpo. Julgava-se perfeitamente capaz de resistir àquele homem perverso. Agora, Já estava ela, na cama com ele, entregue à paixão, ansiosa pelo momento da posse, e dominada pela loucura do desejo.

Subitamente, veio-lhe à memória aquela noite no escritório do pai, quando julgara Vince tão insensível como uma pedra... como se enganara! Acabava de conhecer um outro Vince, um homem ardente, amante carinhoso, que sabiamente conseguia enlouquecer o coração de uma mulher.

Mas ela não podia entregar-se assim tão facilmente. Jamais se perdoaria se permitisse que Vince a usasse, como a um objeto qualquer, já que não existia amor.

— Pare de se comportar como uma virgem assustada! — reclamou ele, irritado, quando Carol novamente tentou escapar.

— Mas eu sou virgem! — ela protestou, envergonhada e com os olhos cheios de lágrimas.

— O quê? — falou Vince, em tom de galhofa. — Mas que surpresa agradável! Quer dizer, então, que o tesouro que Loyd me ofereceu é mais valioso do que eu pensava?

Aquela frase soou como uma bofetada no rosto de Carol. Imediatamente ela se lembrou das palavras de Harriet ao acusar o irmão de estar indo longe demais na sua sede de vingança. Lembrou-se também de que não passava de uma peça naquele jogo sujo, usada e descartada quando não fosse mais útil.

— Odeio você, Vince Steiner! — declarou ela, desesperada.

— Odeio você!

— Pois continue assim, minha querida. Seu ódio faz meu sangue ferver. Adoro mulheres quentes!

Como complemento, Vince soltou uma gargalhada.

— Bandido... Miserável! — rebateu Carol, louca de raiva, enquanto ele continuava a rir indiferente.

— Fica mais tentadora quando está zangada — sussurrou ele, mordendo-lhe de leve a orelha. — Você tem uma pele macia e cheirosa, sabia? Quero-a, percebe? Por isso, pare de resistir como uma leoa porque só vai conseguir aumentar ainda mais o meu desejo. Quando tudo terminar você vai ficar mansinha como uma ovelha, vai ver. Vamos, relaxe.

— Nunca, está ouvindo? Nunca! — ela se defendeu, em­bora ainda ardendo sob o toque daquelas mãos.

— Veremos, liebchen... — Vince falou baixinho e seguro de si, mordiscando-lhe o pescoço, fazendo-a arrepiar-se toda.

— Venha, minha ovelhinha... Venha para mim...

Carol sentia que estava perdendo as forças e, de repente, deu um grito de dor. Aos poucos, porém, a dor foi dando lugar a uma sensação de prazer que foi crescendo, crescendo... Já não sabia mais nada de si. Agarrada a ele, seus corpos se fundiram num movimento contínuo e ritmado, culminando no clímax delicioso.

— Vince... — murmurou Carol, sôfrega, antes de desfalecer nos braços musculosos.

Os corpos, molhados de suor, ficaram algum tempo colados um ao outro, até que Vince afastou-se, deitando-se ao lado dela.

Só então Carol se deu conta do que havia acontecido. Entre­gara-se àquele homem sem escrúpulos, que chantageara o pai dela. Envergonhada e ferida, ela virou-se para o outro lado da cama, cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar.

"Mansa como uma ovelhinha", dissera Vince. E fora exata­mente como ela ficara nos braços dele, como uma sem-vergonha qualquer.

— Liebchen... — Vince murmurou ao seu ouvido.

— Não me chame assim! — protestou Carol amargurada.

— Ora, por que não?

— Liebchen quer dizer "meu amor" e... e eu não sou seu amor — respondeu Carol baixinho, ainda ocultando o rosto.

Vince apoiou-se nos cotovelos, retirou-lhe as mãos da face e, tocando-lhe de leve no queixo, a fez voltar-se.

— Depois de tudo o que houve entre nós, sinto-me no direito de chamá-la de liebchen — afirmou carinhoso.

— Liebchen é uma palavra alemã. Por que você a usou? — perguntou Carol.

Subitamente Vince pôs-se de pé, enquanto seu rosto ficava pálido com uma expressão de dor.

— Meu pai era alemão — respondeu ele.

— E sua mãe? — perguntou Carol, inocente, alheia ao sofrimento do marido.

— Minha mãe nasceu na África do Sul — contou Vince, indiferente, sentando-se na cama.

— Por que se refere a eles no passado? Vince abriu os braços, de costas para ela.

— Ambos estão mortos.

— Oh, sinto muito — murmurou Carol, sem jeito.

— É mesmo? — ele perguntou, como se não acreditasse nela.

— Claro. Você parecia amargurado. Por quê?

— Primeiro você diz que me odeia e, depois, quer que eu acredite que lamenta a morte de meus pais. Você me intriga, liebchen.

— O fato de odiar você não significa que eu seja insensível para com o sofrimento alheio — contrapôs Carol, magoada.

— Diz um ditado popular que o ódio e o amor caminham juntos — ele brincou, mais descontraído, — Cuidado, liebchen, para que isso não aconteça com você. Nunca se esqueça de que o amor não faz parte do nosso jogo. Certo?

— Jamais poderia amá-lo, Vince Steiner. Você é tudo o que desprezo em um homem: prepotente, cruel, arrogante... Um verdadeiro homem seria incapaz de fazer com uma mulher o que você fez comigo esta noite.

Depois daquele desabafo, Carol preparou-se para enfrentar a ira de Vince. Entretanto, em vez de ficar irado, Vince sorriu despreocupado. Depois, aproximando o rosto, beijou-a de leve nos lábios.

— O que aconteceu entre nós esta noite era inevitável. Mas, afinal, não foi assim tão ruim. Foi?

Sem querer, Carol recordou em segundos os momentos de amor que tivera nos braços dele. Sentira-se realmente mulher e com ele tinha chegado ao delírio. Não deixaria, porém, que Vince soubesse daquele seu segredo. Nunca!

— Você é um homem experiente e soube me usar. Mas não acredite nas reações do meu corpo, porque continuo a odiá-lo. E não ria de mim!

Em vez de rir, desta vez Vince sorriu.

— Agora durma, liebchen. . . Boa noite — ele falou, ajeitando-se em seguida sob as cobertas.

— Boa noite — respondeu Carol, fechando os olhos.

Ela sabia que seria difícil conseguir dormir, principalmente sentindo-o tão próximo na mesma cama, lado a lado. Depois de alguns minutos de silêncio na penumbra do quarto ela lembrou-se de dizer:

— E, por favor, não me chame mais de liebchen.

Vince, porém, já não mais a ouvia. A respiração pesada demonstrava claramente que ele havia caído num sono profundo.

— Droga! — resmungou Carol, com raiva.

Enquanto ela a contragosto permanecia acordada, ele dormia tranqüilamente.

Olhando para o teto, ela sentia um grande vazio, um vazio angustiado e assustador, de quem não sabe o dia de amanhã. Finalmente vencida pelo cansaço, Carol também adormeceu.

Durante a noite, acordou várias vezes, sobressaltada, para se achar nos braços de Vince, fortes e possessivos. Todas as vezes, cansada demais para tentar livrar-se deles, acabava dormindo outra vez.

 

Os raios de sol penetravam no quarto através das frestas da janela quando Carol despertou naquela manhã de domingo. Levou alguns momentos para reconhecer o local onde se encon­trava. Então, não havia sonhado? Era tudo verdade? Estava mesmo casada com Vince Steiner? E lá estava o marido dela, parado à porta, observando-a, divertido.

A calça bege justa e a elegante jaqueta de camurça que ele vestia ressaltavam o porte viril. Os cabelos, ainda molhados do banho, penteados para trás, davam àquele rosto um ar de deus grego.

— Bom dia, Carol — cumprimentou ele, quebrando o silên­cio, ainda com os olhos fixos nela. — Humm... Tem belos seios, liebchen, e eles estão me tentando a voltar para a cama.

Só então Carol lembrou-se de que estava completamente nua e, depressa, puxou sobre si as cobertas que haviam caído no chão.

— Por favor, não... — ela pediu.

— Vista-se e tome o seu café — Vince sugeriu, aproximando-se da cama e entregando-lhe o peignoir,

Carol apanhou o peignoir e ficou esperando que ele se virasse de costas para então levantar-se e vestir-se. Vince, porém, permaneceu ali parado, disposto a não perder a cena. Sem outra escolha, ela jogou as cobertas para o lado e, irritada, vestiu-se o mais rapidamente possível, sentindo sobre si os olhos dele atentos e gulosos.

— Posso saber o motivo de tanta gentileza? — perguntou Carol, encabulada, ao vê-lo apanhar a bandeja de café que estava sobre a penteadeira e depositá-la na cama.

— Acordei de bom humor esta manhã — respondeu Vince, sorrindo. — Agora tome o seu café. Depois, ponha uma roupa confortável e desça. Há algo que quero lhe mostrar.              

Em seguida ele saiu do quarto.                                          

Carol acompanhou-o com o olhar, ainda atônita com os últimos acontecimentos, até que ele desapareceu pela porta, Jamais poderia esquecer a noite anterior, em que estivera envolvida por aqueles braços fortes, e o prazer que sentira na entrega total... Um arrepio subiu-lhe pela espinha e ela procurou concentrar-se na bandeja a sua frente. Havia bacon, ovos, torradas com manteiga e café.                                         

Quando morava com os pais, mal tinha apetite para uma xícara de leite antes de correr para a biblioteca, todos os dias. Naquela manhã, porém, estava morrendo de fome e em pouco tempo deixou a bandeja completamente vazia. Há muito não comia com tanta satisfação.                                                    

Limpando apressadamente a boca com o fino guardanapo de linho, Carol correu até o banheiro para lavar o rosto e escovar os dentes. Prendeu os cabelos graciosamente num rabo-de-cavalo e escolheu um vestido alegre e bem bonito. Depois, com alguma maquiagem, procurou esconder os vestígios de cansaço que ainda havia sob os olhos.

Olhou-se longamente no espelho como se procurasse alguma marca visível do que havia acontecido na noite anterior. Ime­diatamente sentiu o rosto corar, lembrando-se dos momentos de paixão nos braços de Vince. Sem dúvida, algo havia mudado. Mas o quê? Ela não sabia explicar. Tinha vinte e quatro anos, mas conhecia muito pouco de sexo, pelo menos na prática...

— Não sou mais uma virgem... — ela murmurou consigo mesma, pensativa.                                                                    

Daquela noite em diante jamais voltaria a ser a mesma. Tinha partilhado sua intimidade com um homem... E haveria outros momentos iguais àquele, muitas noites, Agora era uma mulher casada, devia submeter-se aos caprichos do marido.

Carol tremeu só de pensar. Mas aquele não era o momento próprio para divagações. Vince a esperava lá embaixo e já devia estar impaciente.

— A quem pertence este sítio? — perguntou Carol, quando o Mercedes de Vince parou diante da grande porteira que mantinha o gado preso.

— É meu. Um velho caseiro toma conta de tudo para mim

— respondeu Vince, continuando pela estrada de terra.

Mais adiante eles dobraram à direita e, de longe, Carol divisou um pequeno chalé rodeado de imensas árvores. Quando che­garam ela logo imaginou ser o refúgio secreto de Steiner. Um lindo lugar, por sinal.

Vince abriu a porta e ambos entraram. O chalé era pequeno e aconchegante, o lugar ideal para momentos de amor. Tinha apenas um quarto, banheiro e uma cozinha bem equipada. As cortinas novas contrastavam com os móveis rústicos e antigos da sala. Em frente à lareira havia uma poltrona convidativa.

— Por que me trouxe até aqui? — perguntou ela, depois de ver a casa.

— Construí esse chalé há alguns anos e costumo vir para cá quando quero um pouco de tranqüilidade — explicou Vince, enquanto abria as janelas da cozinha, deixando o sol entrar.

— Gostou?

— É muito bonito — respondeu Carol, sem muito entusiasmo, enquanto o observava encher a chaleira de água e acender o fogo.

— Café? — ele ofereceu, gentil, pouco depois.

— Sim, obrigada.

Enquanto Vince a servia, Carol aproveitou para observá-lo melhor. Teve ímpetos de dizer que tinha adorado o chalé e que se sentia, feliz ali, mas o orgulho jamais lhe permitiria aquela confissão. E, em vez disso, perguntou:

— Chantal Webber gosta daqui?

Imediatamente arrependeu-se da imprudência, pois não devia ter demonstrado que sabia da existência da outra.

— Ela adora o lugar — respondeu Vince, disfarçando a surpresa.

— Vocês vêm sempre para cá? — continuou Carol, odiando-se por não conseguir se controlar.

— Às vezes — ele murmurou, enquanto bebia o café, encarando-a depois de frente, como se não entendesse a razão de tantas perguntas com referência à sua vida pessoal. Mesmo assim, Carol insistiu:

— Ela sabe sobre, nosso casamento?

— Não tenho que dar satisfação a ninguém de meus atos, liebchen — respondeu Vince, seco, começando a ficar impa­ciente.

— Quer dizer, então, que ela não sabe que estamos casados?! — exclamou Carol, incrédula e ansiosa.

— Mas por que tanta preocupação com uma pessoa que nem sequer conhece?

— Bem, Murrayville inteira sabe que Chantal Webber é sua...                                                                     

Carol não teve coragem de concluir a frase.

— Minha o quê? Vamos, diga! — fitou-a com tamanha insistência que a fez estremecer.

— Ora, sua amante — falou Carol, ajeitando os cabelos com as mãos, nervosamente.

— Isso a preocupa?

— É claro que não! — rebateu Carol, indignada. — Só não quero ser acusada por ninguém de ter roubado você.

O olhar desconfiado de Vince mostrava que ele não estava muito convencido com aquela desculpa.

-— Fique sossegada. Chantal jamais faria uma coisa dessas. Ela é moderna e liberal — disse Vince, pegando o bule onde o café ainda estava fumegando. — Quer mais?

— Quero, obrigada. Mas... está insinuando que Chantal seria capaz de aceitá-lo de volta, sem ressentimentos?

— Claro.

— Quanta compreensão! — comentou Carol, irônica.

— Uma mulher incomparável! — reforçou Vince, enchendo a xícara dela.

Carol sorveu um gole do líquido quente, sentindo o coração magoado por aquela revelação.

Sentaram-se à mesa, em silêncio, enquanto bebericavam o restante do café. Vince brincava com a colher e Carol o obser­vava discretamente. Vince era um belo homem, capaz de con­quistar qualquer mulher. Ao deter os olhos nas mãos fortes, da relembrou as carícias que fizeram seu corpo todo vibrar, despertando-a para uma paixão que nunca pensava ser capaz de sentir.

Voltando a si, Carol pensou no pai, a quem amava, e reco­nheceu que jamais poderia se entregar totalmente ao marido. Sabia que o único objetivo dele era destruir David Loyd, a qualquer custo. Deveria odiar e desprezar Vince, mas no coração dela não havia lugar para tais sentimentos.

A desgraça do pai, a chantagem de Vince e a farsa do casa­mento haviam mudado de repente a vida dela. Agora estava ali conversando com o homem que praticamente a violentara. O estranho era que a lembrança do ato sexual não lhe causava repulsa. Ao contrário, provocava arrepios de desejo, desejo de estar nos braços dele outra vez.

O barulho repentino da porta da cozinha batendo despertou-a no mesmo instante. Pondo-se em pé, ela seguiu Vince para fora do chalé.

A alguns passos dali passava um pequeno riacho, cujas águas límpidas pareciam brincar de encontro às pedras lisas. Lado a lado eles caminharam em silêncio, apreciando a natureza.

Fazia um dia lindo. O sol estava forte, apesar de o inverno estar próximo. As folhas que caíam dos galhos das árvores cobriam o chão, formando um tapete.

— Ainda não entendi por que me trouxe até aqui — Carol tornou a dizer, enquanto atravessavam uma alameda.

Vince parou um instante, procurando as palavras.

— Não gosta dessa paz contagiante? — ele interrogou, miste­rioso.

— Claro que sim — respondeu Carol, emocionada e sur­presa com a pureza que de repente emanava daqueles olhos. — Mas tenho de admitir que apreciaria mais essa paz se pudesse desfrutá-la em companhia de alguém que fosse de minha própria escolha.

Aquela declaração quebrou o encanto do momento,

— Quem, por exemplo? — indagou Vince, subitamente ir­ritado.

Carol não soube o que responder.

— Vamos, diga! — ele insistiu. — Não acredito que haja na face da terra um homem que não ficasse espantado com a sua frieza.

— John Curtis, por exemplo — disse Carol, lembrando-se da figura do belo rapaz de cabelos negros e olhos-expressivos.

— John Curtis? — repetiu Vince, dando uma gostosa risada. — Ele não passa de um idiota, um cãozinho aos seus pés em busca de afago. Você o empurra, mas logo lá está ele outra vez.

Carol ficou indignada ao ouvir palavras tão injustas e duras. Quem ele pensava que era para falar assim de John?

— Está completamente enganado, Vince Steiner. John e eu somos amigos desde os tempos do colégio e sempre foi uma amizade pura, entendeu?

— Pode estar certa de que não acredito — continuou Vince, com ironia. — Comigo, não precisa bancar a ingênua porque conheço esse truque. Você, como o seu pai, deve saber usar as pessoas para depois desprezá-las sem o menor escrúpulo!

Como se tivesse sido atingida por uma violenta bofetada e profundamente ferida, Carol ficou muda. O corpo todo tremia convulsivamente e o coração batia acelerado. Não entendia por que tanta agressividade. Só encontrava uma explicação: algo de muito grave acontecera no passado de Steiner, transformando aquele homem numa pessoa cruel, desumana, vingativa. E por que ele responsabilizava David Loyd por isso?

"Não... não pode ser", refletiu Carol, quando pararam à frente do riacho. "Meu pai nunca se aproveitou das pessoas e muito menos eu."

— Por que odeia tanto meu pai? — ela perguntou, por fim.

— Vamos esquecer seu pai, pelo menos por enquanto — falou Vince, mais calmo. — Quanto ao pobre John, custo a crer que não tenha consciência da paixão que ele sente por você. O coitado só falta ajoelhar-se aos seus pés para provar os senti­mentos dele.

Vince riu e Carol teve de se controlar para não esbofeteá-lo.

— Ora, não seja ridículo! Não sei onde foi buscar tantas tolices! Por acaso você se acha tão perfeito que se dá o direito de criticar as pessoas à vontade? Além disso, nem ao menos conhece John, e tampouco a mim...

— Engana-se, liebchen. Conheço-a mais do que você pode imaginar. Venho observando você há meses, por toda parte. Sempre a julguei uma pessoa fria, mas ontem à noite descobri a mulher ardente que existe dentro de você. E me agrada saber que desfrutarei desse fogo por um ano inteiro. Carol ficou vermelha de raiva.

— Você... Você é a pessoa mais detestável que já conheci!

Louca de ódio, ela deu um passo atrás e, perdendo o equi­líbrio, sentiu-se deslizar pelo barranco abaixo. Soltou um grito, mas, antes que pudesse se agarrar a alguma coisa para evitar a queda, caiu na água gelada. Apavorada, nadou rapidamente até a margem e, ao erguer os olhos, deparou com Vince rindo, divertido.

— Quando tiver vontade de nadar, é melhor tirar a roupa primeiro — ele ironizou assim que Carol saiu da água.

— Ora, seu... — gaguejou ela, furiosa, mas sem encontrar palavras.

— Você está tremendo, Carol — disse Vince, abrindo os braços. — Venha, deixe-me ajudá-la.

— Não me toque! — ela gritou, furiosa.

Vince lhe deu as costas, indiferente. — Bem, se é assim...

Carol não conseguia parar de tremer. Com a roupa colada à pele, os cabelos ensopados e o corpo gelado, ela seguiu Vince, procurando se controlar. Lamentavelmente, o sol que poderia aquecê-la um pouco ocultara-se por trás de densas nuvens e não parecia disposto a sair do seu esconderijo.

Durante a caminhada de volta eles não trocaram uma só palavra. Só quando finalmente chegaram à porta do chalé foi que Vince falou, aparentemente preocupado:

— Céus, como você está molhada!

— Por acaso isso tem alguma importância para você? — ironizou Carol, lançando-lhe um olhar rancoroso.

Mal tinha terminado de falar, ela sentiu lágrimas quentes correndo pelas faces. Humilhada, entrou no chalé e foi direto para o quarto.

Pouco depois, ainda bastante desanimada, ouviu um barulho de lenha quebrada e o crepitar de madeira queimando no fogo. O calor imediatamente espalhou-se por todo o chalé e Carol, mais calma, voltou à sala para se aquecer.

— Mas ainda não tirou essa roupa molhada? — interrogou Vince, surpreendido e num tom de censura caminhando na direção de Carol com um cobertor nas mãos,

— Não — respondeu ela, enfezada.

— Ouça bem, sua teimosa: você ainda é muito jovem para morrer. Portanto, tire logo essa roupa antes que eu mesmo o faça.

Não tendo outra alternativa, Carol virou-se de costas e co­meçou a se despir, timidamente. Sentia os olhos de Vince fixos nas costas dela, enquanto desabotoava nervosamente o sutiã. Completamente nua, ficou parada e tensa, esperando que Vince levasse o felpudo cobertor que tinha nas mãos e a cobrisse. Gentilmente ele a cobriu e fez com que se sentasse no chão, em frente à lareira. Imediatamente, Carol sentiu o calor das chamas invadindo todo o corpo.

Pouco depois, Vince ofereceu a ela uma dose de conhaque.

— Beba isto. Vai ajudá-la a se esquentar mais depressa. Antes que Carol pudesse protestar, ele dirigiu-se ao quintal com as roupas molhadas para pendurá-las no varal.

Só de imaginá-lo pendurando suas peças íntimas, Carol ficou ruborizada. Tinha sido destratada demais ao cair naquele mal­dito riacho. Agora, dependia dos favores daquele homem.

Quando Vince retornou à sala, trazia consigo uma toalha de rosto e, sentando-se por trás de Carol, começou a enxugar-lhe os cabelos, vigorosamente. Mesmo surpresa com tanta gentileza, ela não protestou. Na verdade, estava adorando a proximidade do corpo másculo e o toque das mãos firmes nos seus cabelos. Após secá-los cuidadosamente, Vince passou a escová-los.

Tudo aquilo não seria um sonho? Seria mesmo possível que Vince Steiner, um tirano, pudesse ser, ao mesmo tempo, alguém sensível e preocupado.

Ao terminar a tarefa, Vince levantou-se, guardou tudo no lugar e voltou à sala, sentando-se ao lado dela. Tirando as botas e as meias, aproximou então os pés da lareira.

— Sente-se melhor? — perguntou ele, fitando-a com uma expressão carinhosa nos olhos.

— Sim, obrigada — Carol agradeceu, com um sorriso nos lábios. — Na verdade eu bem mereci esta lição, porque desde que cheguei aqui, esta manhã, não fiz outra coisa a não ser insultar e provocar você.

— É impressão minha ou você realmente está querendo se desculpar? — perguntou Vince, surpreso.

— É isso mesmo — ela respondeu, cabisbaixa.

— Está bem... mas, por favor, não espere que eu faça o mesmo. Costumo não me arrepender nunca do que faço ou digo.

— Não estou esperando nada — retrucou Carol, magoada, dando-se conta de que os olhos dele a devoravam. — Por que está me olhando desse jeito?

— Estou me perguntando o que a faz parecer tão bonita, mesmo com os cabelos molhados e escorridos, enrolada nesse simples cobertor — confessou ele.

Involuntariamente, Carol sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.

— A verdadeira beleza não está exatamente nas pessoas ou nas coisas, mas sim nos olhos de quem as vê — falou Carol, empolgada, lembrando-se de que lera aquilo em algum lugar.

— Muito bonito o que você disse! — exclamou Vince, com os olhos no fogo que crepitava na lareira. — Esse pensamento é seu?

— Não, mas quem o escreveu deve ser alguém muito sensível e inteligente — respondeu Carol, surpresa por ele ter gostado da citação.

Vince aproximou-se mais dela.

— Notei que não se opõe a que eu a chame de bonita — comentou ele, voltando ao assunto anterior.

— Francamente, não me considero bonita, mas que mulher não gosta de ser admirada? — confessou ela, bem-humorada, voltando-se para fitá-lo.

Subitamente seus olhos a atraíam, fascinavam, convidavam a fazer amor. Excitada e com o coração acelerado, Carol corou tom os próprios pensamentos e instintivamente apertou a cober­tor contra o peito, como se temesse que Vince pudesse ouvir as batidas do seu coração.

— Seus cabelos já estão quase secos — ele murmurou, brincando com os cachos negros que caíam sobre os ombros dela.

Depois, delicadamente, acariciou-lhe o pescoço, descendo até as costas.

Carol pensou que o mais sensato seria fugir, mas uma força interior a mantinha ali, presa ao chão, bem perto daquele homem. Os lábios de Vince aproximaram-se lentamente do rosto dela e ele a beijou docemente. Era como se, de repente, Carol estivesse nas nuvens, amada e protegida por aqueles braços fortes. Em vez de se afastar, retribuía às loucas carícias dele, ansiosa por satisfazê-lo e satisfazer-se.

Abandonou-se completamente àquelas sensações quando Vin­ce, afastando o cobertor, tomou-lhe os seios nas mãos, acariciando-os com delicadeza, fazendo-a perder o fôlego.

Lentamente ele a deitou sobre o tapete e tornou a beijá-la, porém desta vez com paixão. Em seguida, afastando-se um pouco, tirou a camisa num gesto brusco e o peito másculo e bem-feito ficou nu.

Carol engoliu em seco, sem conseguir desviar os olhos do corpo que se inclinou sobre o dela. Diante da iminência de ser possuída, ficou assustada.

— Não — ela murmurou.

Mas Vince nem sequer a ouviu, e antes que Carol pudesse dizer mais alguma coisa ele a beijou novamente, jogando o cobertor longe, ansioso por vê-la nua.

Por alguns instantes Vince ficou contemplando-a, extasiado com aquela visão.

— Por favor, não... — repetiu ela, ao ler a intensidade do desejo dele estampado nos olhos.

Ignorando seus débeis protestos, Vince desceu os lábios até o pescoço dela, parando nos seios e sugando-os vorazmente.

Carol gemeu de prazer, consciente, porém, de que naquele instante ela não passava de um objeto nas mãos daquele homem.

— Não! — insistiu ela, agora com firmeza, tomada de uma força inesperada que a fazia retornar à realidade.

— Diga que me quer... — murmurou Vince ao ouvido dela, com a respiração sôfrega e os olhos cintilantes de desejo.

— Nunca! — protestou Carol, decidida a esconder suas emoções.

— Vamos, diga! Diga que me quer — insistiu ele, mordiscando o pescoço dela.

— Não pode me obrigar a dizer uma coisa que não sinto — rebateu Carol, com firmeza, lutando contra o desejo que a consumia.

— Mentira! — gritou Vince, nervoso. — Sei que nesse exato minuto você me deseja tanto quanto eu a desejo!

— Vince, por favor, eu lhe peço... — pediu Carol, ago­niada, involuntariamente entregue às delícias que aquelas mãos provocavam no seu corpo.

— Diga então o que você quer — ordenou Vince, tenso e afastando-se para olhá-la fixamente nos olhos.

Carol emudeceu. Sabia que tudo o que queria, naquele instante, era fazer amor com ele. Não suportando mais aquela tentação, enlaçou-o pelo pescoço, com ânsia.

— Quero você... Quero você, meu amor! E só Deus sabe quanto! — ela gemeu, vencida.

Amaram-se finalmente num misto de desespero e doçura. Como testemunha, apenas o fogo que ardia forte na lareira.

 

Quando Carol fez amor com Vince, ali na sala, na tranqüi­lidade do chalé, não houve lugar para ressentimentos ou má­goas. Ambos tinham sido dominados pela ânsia recíproca de entrega. Ao perceber que Vince estremecia a cada toque de sua mão, Carol sentiu-se encorajada a explorar mais e mais a inti­midade daquele homem, seu marido.

Quando tudo terminou, porém, o prazer da entrega tinha dado lugar a um sentimento de vazio e abandono. Intimamente Carol sabia que não tinha passado de mais uma na enorme lista de conquistas de Vince Steiner. Lembrou-se, então, das palavras de Harriet, confirmando que a aparentemente feliz recém-casada era somente um instrumento de vingança contra David Loyd.

Ainda deitada no chão da sala, no mais completo desalento, Carol se perguntava por que tudo aquilo estava acontecendo. Surpreendia-se com suas próprias reações no momento do amor.

Fechando os olhos e perdida em seus pensamentos, Carol permaneceu imóvel, largada sobre o carpete macio, sentindo-se o ser mais miserável da face da terra, enquanto Vince vestia rapidamente as roupas.

A porta da frente do chalé bateu ao ser fechada e Carol abriu os olhos instintivamente. Só então percebeu que Vince saíra. Num pulo, ela se levantou e, enrolada no cobertor, saiu em busca de suas roupas, que já deveriam estar secas.

Vince demorava para voltar e Carol começou a ficar apreen­siva. O silêncio do chalé aumentava seu desespero e, só de lembrar o que acontecera entre ela e Vince, momentos antes, diante daquela lareira, ficara envergonhada. Na noite anterior, até poderia acusá-lo de tê-la violentado. Hoje, porém... Hoje ela simplesmente se entregara espontaneamente. Indo além disso, acariciara o corpo dele com ousadia e gostara de vê-lo sentir prazer.

"Como pôde acontecer uma coisa dessas?", perguntara-se Carol, sem parar, pensando no ódio que Vince nutria pelo pai dela.

Não suportando mais ficar sozinha no chalé, Carol decidiu sair à procura de Vince. Encontrou-o não muito longe dali, perto do local onde havia caído. Ele estava de pé, diante do que parecia ser um mausoléu de mármore protegido por uma cerca de ferro. Com as mãos enfiadas nos bolsos da calça, os olhos perdidos além e os cabelos agitados pelo vento, Vince não percebeu a aproximação de Carol.

— Vince — ela o chamou, suavemente.

Ao ouvir seu nome, ele voltou o rosto imediatamente na direção de Carol e, num relance, ela percebeu o sofrimento estampado em seus olhos enigmáticos.

— Se não se importa, prefiro ficar sozinho. Espere-me no chalé, por favor — pediu ele, secamente.

Carol resolveu ignorar o pedido dele, pois sentiu uma estra­nha necessidade de confortá-lo.

— Este é o túmulo do seu pai? — perguntou ela, timida­mente.

— Sim — ele confirmou.

— Deve ser muito triste perder o pai — disse Carol, demons­trando que podia compreendê-lo.

Vince não respondeu. Olhou-a apenas, silenciosamente. Pou­cos instantes depois suspirou entristecido.

— As cinzas do meu pai estão por trás da plaqueta — disse ele, apontando o local.

Olhando naquela direção, Carol leu a plaqueta: "Em memória de nosso amado pai, Siegfried Steiner". A inscrição era seguida pelas datas de aniversário e morte, dezoito anos antes.

— Por que trouxe as cinzas de seu pai para cá? — pergun­tou Carol.

— Meu pai adorava este lugar e o antigo dono consentiu que ele ficasse aqui — contou Vince, emocionado. — Nós dois costumávamos pescar no riacho e muitas vezes descansamos embaixo daquela árvore. Passávamos horas falando sobre nossos planos para o futuro, mas seu pai acabou com tudo... Carol sentiu medo da revolta que viu nos olhos dele.

— Meu pai? O que fez ele? — perguntou ela, incrédula.

— Destruiu a nossa honra, e jamais o perdoarei por isso — respondeu ele, com raiva.

— Por favor, Vince, explique-se melhor.

— Seu pai mudou a nossa vida da noite para o dia expondo-a à vergonha e à humilhação — gritou ele, fora de si.

— Você deve estar enganado.

— O que estou lhe dizendo é a pura verdade! — insistiu Vince, com fúria.

— Meu pai é incapaz de fazer mal a alguém — defendeu Carol, certa de que Loyd não poderia ser jamais aquele monstro que Vince queria pintar.

— Ora, não seja ingênua! Seu pai destruiu o meu e vai pagar bem caro por isso, acredite! — afirmou Vince, saindo em passos rápidos e firmes em direção ao chalé.

Paralisada pelo choque provocado pelas palavras dele, Carol precisou de algum tempo para se recompor. Depois, mais calma, seguiu-o pelo caminho de volta. Tinha ainda a mente confusa e o coração cheio de mágoa.

— Vince! — ela chamou, segurando-o pelo braço, assim que o alcançou. — Quero saber exatamente de que meu pai é acusado.

— Não estou disposto a discutir com você sobre o assunto! — respondeu Vince afastando-se dela.

Carol não desistiu. Precisava saber da verdade.

— Se você o acusa de alguma coisa, deve ter provas para apresentar. Diga de uma vez o que foi que aconteceu.            

— Por que não pergunta a seu pai?                                   

— E eu? Como é que fico nessa história? Acha justo que eu pague pelos supostos erros do meu pai? — inquiriu ela, revoltada.

Sem responder, Vince mais uma vez virou-lhe as costas.

Lágrimas de desespero começaram a correr pelas faces de Carol. Meio tonta, ela se escorou na parede, inconformada com aquela situação. Para Vince, ela representava apenas a filha do inimigo do pai dele. Pior que tudo, e por ironia do destino, ela começava a amá-lo.

Carol gostaria de sair dali, imediatamente, mas logo concluiu que tanto no chalé como em qualquer outro lugar sua situação não mudaria em nada.

O clima foi de tensão pelo resto do dia. Vince preparou um lanche e ambos comeram sem trocar palavra. Se ao menos ela conseguisse odiá-lo... Mas não! Tinha logo que se apaixonar!

No final da tarde eles voltaram para Murrayville, lado a lado no carro, mas como se fossem estranhos. Cada um ia entregue a seus próprios pensamentos, enquanto o sol morria no horizonte. Observando a paisagem, Carol procurava esconder as lágrimas que ainda teimavam em escapar de seus olhos, aflita para chegar logo.

Finalmente em casa, Carol foi direto para o quarto, enquanto Vince se encarregava de descarregar o carro. Depois de um bom banho ela se vestiu com simplicidade e desceu.

O jantar foi servido às oito em ponto e foi tão silencioso quanto o lanche daquela tarde. Carol sentia-se completamente deslocada naquela casa. Jamais seria ali realmente uma esposa e mãe, como tantas vezes sonhara. A solução talvez fosse trabalhar fora. Pelo menos assim o tempo passaria depressa. Continuaria trabalhando na biblioteca, embora soubesse que agora, como esposa de Vince Steiner, seria alvo de comentários maliciosos.

Assim que eles terminaram de jantar, Carol pediu licença e retornou ao quarto, enquanto Vince trancava-se no escritório para telefonar. Exausta, ela jogou-se na cama e, encostando a cabeça no travesseiro, procurou dormir. Como o sono não vinha, resolveu ler um pouco para se distrair, mas os olhos voltavam-se a todo instante na direção da porta.

Desistindo da leitura, ela ficou imaginando para quem Vince estaria ligando àquela hora da noite.

— Ora, pouco me importa! — disse ela, em voz alta, irritada consigo mesma e apagando a luz.

Precisava de uma boa noite de sono, pois o dia seguinte provavelmente também não seria fácil. Agora era John Curtis quem lhe vinha à mente. Com certeza ele já deveria ter voltado das férias pelo litoral e estaria assumindo a direção de um dos hotéis do pai.

O que diria seu amigo e confidente daquele casamento sú­bito? Carol sentiu um frio na barriga. Evidentemente John não acreditaria que, enquanto ele estava fora, ela se apaixonara perdidamente por Vince Steiner e se casara em seguida.

Não, John não era nenhum tolo! Mas como explicar a ver­dade a ele?

Nesse instante Carol ouviu um barulho de passos no corredor, passando em frente a sua porta e em direção ao quarto vizinho. Esquecendo-se imediatamente de John, ela levou a mão à boca, numa expressão de surpresa. Aquilo indicava que Vince dor­miria no outro aposento. Mas por que isso a preocupava? De­veria estar contente por livrar-se da companhia de seu opressor. Pelo contrário, porém, seu coração doía forte, pois a atitude de Vince era de rejeição e desprezo.

Entre soluços amargurados sobre o travesseiro, Carol acabou adormecendo.

 

Assim que Carol entrou na biblioteca, Nancy de Witt a cumprimentou:

— Bom dia, Srta. Loyd... quero dizer, Sra. Steiner — cor­rigiu-se depressa.

Era a primeira vez que a chamavam de Sra. Steiner, seu novo nome, e Carol não pôde ficar indiferente ao ouvi-lo. Disfar­çando o impacto que sentiu, ela respondeu ao cumprimento.

— Bom dia, Nancy! Algum recado urgente para mim?

— Um grupo de estudantes está elaborando uma pesquisa e pediu que o material de trabalho seja providenciado o mais rapidamente possível — disse Nancy, entregando uma lista dos assuntos de interesse dos estudantes e lembrando-se de outra novidade: — Ah, sim! Vamos receber esta manhã uma boa remessa de livros novos.

— Ótimo! Mas por que temos que receber essa remessa justamente hoje, numa segunda-feira? — reclamou Carol, im­paciente.

A seguir, encaminhou-se para sua sala, no outro lado da biblioteca. Nancy correu atrás dela, preocupada.

— Sinto muito, Sra. Steiner — desculpou-se a moça.

— Você não tem culpa, Nancy. E não me leve muito a sério esta manhã — avisou Carol delicadamente, esboçando um sor­riso amigável. — Na verdade, hoje não tenho a menor vontade de catalogar livros.

— É claro! Está em plena lua-de-mel... não está? — co­mentou a jovem, inocentemente, enquanto mexia em alguns papéis sobre a mesa da chefe.

— Bem, acho bom começarmos a trabalhar — sugeriu Carol, secamente, disfarçando o embaraço e decidida a não tocar no assunto.

A assistente, meio encabulada, apanhou algumas fichas e retirou-se apressada.

Carol reconhecia não ter sido muito cordial com a garota, mas estava tensa demais com os últimos acontecimentos. Só de pensar que precisava catalogar cerca de trezentos livros, já se sentia cansada. Aquele trabalho exigia muita paciência e concen­tração e levaria pelo menos duas semanas para terminar.

Era impressionante como a biblioteca crescera naquele último ano. Por isso, sozinha ela já não dava mais conta. Tinha pensado em se afastar por algum tempo para descansar, mas, para não prejudicar os leitores, desistira da idéia. Então, para aliviar a sobrecarga de trabalho, a prefeitura municipal contratara Nancy, que atendia ao público enquanto Carol se incumbia dos livros.

As portas da biblioteca abriram-se ao público e logo depois um caminhão estacionou do outro lado da calçada. Começou então um entra-e-sai de gente. Eram os empregados da transpor­tadora, que entregavam caixas e mais caixas de livros, e os leitores habituais.

Ao meio-dia em ponto, Nancy saiu para o almoço e Carol ficou só, desempacotando os livros. Depois, guardou-os na alta prateleira a fim de serem mais tarde devidamente catalogados. Absorta na leitura de uma resenha, parada no terceiro degrau da escada, não percebeu a chegada de alguém.

— Tem lindas pernas, Sra. Steiner — elogiou o recém-chegado.

Voltando-se na direção da voz, Carol deparou com Vince olhando para cima com ar de aprovação. Ela cambaleou, emba­raçada, quase perdendo o equilíbrio.

— Cuidado — gritou Vince e, antes que ela caísse, subiu rápido alguns degraus e segurou-a firmemente.

O simples contato daquelas mãos fez Carol estremecer. Não o via desde a véspera, no jantar, e agora a presença inesperada dele a deixara sem ação e sem palavras...

— O que está fazendo aqui? — perguntou ela, fingindo-se indiferente.

— Pensei que estivesse no seu horário de almoço — comen­tou Vince, ajudando-a a descer da escada.

— E estou mesmo. O que tem isso?

— Que tal parar um pouco de trabalhar para almoçar co­migo? — ele convidou.

— Não posso — mentiu Carol.

— Claro que pode, e trate de não demorar.

— Sinto muito, mas não será possível — ela teimou, repa­rando no agradável aroma da colônia masculina que Vince estava usando. — Estou com o trabalho todo atrasado. Acho até que terei que ficar além do horário normal.

— Mas será que não dá tempo nem para um café?

— Bem... para um café, acho que sim.

— Ótimo! Então, prepare duas xícaras, enquanto vou com­prar uns sanduíches. Poderemos comer aqui mesmo.

Vince disse aquilo já saindo da biblioteca, antes que ela protestasse.

Carol lembrou-se dos acontecimentos do dia anterior, no chalé, quando ele a amara ardentemente e, horas depois, a desprezara, dormindo no outro quarto. Agora, sem mais nem menos, lá estava ele comprando sanduíches para tomarem café juntos. Era estranho, muito estranho.

Carol sacudiu a cabeça para afastar aqueles pensamentos e voltou a atenção para uma pilha de livros, à sua mesa. Separou-os um a um, por ordem de assunto, para em seguida guardá-los. Nesse momento, chegou outra pessoa.

— John! — exclamou ela, feliz, virando-se para o amigo. Os cabelos negros em desalinho davam a ele um ar de menino, e os olhos verdes, sempre tão límpidos, agora bri­lhavam mostrando despeito.

— Foi impressão minha ou terá sido mesmo Vince Steiner quem saiu daqui, ainda há pouco? — perguntou John, nervoso, esquecendo-se de cumprimentar a amiga.

— Era ele mesmo — respondeu Carol, procurando ser o mais natural possível, mas intimamente com os nervos à flor da pele.

Como poderia esconder a verdade?

— Muito bem... — murmurou John enfiando nervosamente as mãos nos bolsos do casaco. — É verdade também que você se casou com ele?

Carol encarou-o, surpreendida, e depois abaixou a cabeça.

— Sim, é verdade.

— Mas por quê? — interrogou John, angustiado. — Não me diga que foi uma paixão fulminante, pois não vai me convencer!

Imediatamente, Carol lembrou-se das insinuações de Vince de que John alimentava por ela um amor platônico.

— John, eu... — ela começou, desconcertada, mas John a interrompeu.

— Ele a forçou a esse casamento, não foi?

— Não, é claro que não!

— Olhe bem para mim, Carol — disse John segurando-a pelos ombros e obrigando-a a fitá-lo. — Quero saber a verdade! Fui informado por fontes seguras de que seu pai tem uma grande dívida para com Steiner. Agora só quero que me responda se esse casamento tem alguma coisa a ver com essa dívida.

Por que John se julgava no direito de se intrometer na vida dela?

— Ouça bem, John: casei-me com Vince porque quis!

No fundo ela estava dizendo a verdade, porque ninguém a havia forçado a nada.

— Quer dizer, então, que você o ama? — perguntou John, irritado.

Ao perceber o sofrimento estampado naqueles olhos tão queridos, Carol se comoveu.

— John, aqui não é um lugar próprio para conversarmos. Agora estou muito ocupada.

Amigos desde a infância, eles sempre partilhavam os segredos um do outro. Por isso, era doloroso para Carol mentir para ele.

— Não pense que me convenceu — contrapôs John, amar­gurado. — Tenho certeza de que está me escondendo alguma coisa.

— Pois eu estou lhe dizendo para não se intrometer na vida de Carol!

A voz de Vince soou vigorosa na biblioteca, pegando os dois de surpresa. Carol mordeu os lábios, temerosa de um confronto entre os dois homens.

— Você a obrigou a esse casamento, Steiner! — acusou o rapaz, sem se deixar intimidar por Vince, voltou-se no mesmo instante.

Carol ficou gelada quando o rosto de Vince se contraiu e ela percebeu que o marido estava prestes a investir contra o outro. Repentinamente, porém, a expressão do marido tornou-se calma é logo depois irônica.

— Você se lembra de eu ter encostado um punhal em seu peito, liebchen, quando a pedi em casamento? — perguntou Vince, sarcástico.

— Eu... eu — ia dizendo Carol, mas, trêmula, não sabia o que responder.

Odiou a forma com que Vince a interrogara e queria dar o troco. Ao mesmo tempo, não podia deixar transparecer ao amigo de infância a verdadeira situação em que estava.

Depois de uns instantes de hesitação, Carol finalmente res­pondeu:

— É verdade, John. Eu e Vince nos casamos de comum acordo.

— Convencido, Curtis? — Vince perguntou a John, com um sorriso vitorioso.

Com os olhos presos em Carol, John parecia implorar que ela desmentisse tudo. Enternecida, Carol queria poder fazer al­guma coisa pelo infeliz rapaz. Qualquer coisa que dissesse, po­rém, só iria piorar a situação já constrangedora. Assim, viu-o dar meia volta silenciosamente e deixar a biblioteca.

Estática, Carol o acompanhou com o olhar até que ele desa­pareceu de vista. Então um vazio imenso tomou conta de seu coração, como se estivesse perdendo um tesouro precioso, irre­cuperável.

— Eu nunca deveria ter feito isso com John — murmurou ela. — Ele sempre foi um amigo sincero e fiel e eu retribuí sua amizade com uma mentira.

— Pois fique sabendo que, se disser uma palavra a Curtis sobre nosso casamento, ponho seu pai na cadeia na mesma hora — ameaçou Vince, pondo o pacote de sanduíches sobre a mesa.

— Agora coma sozinha, se quiser. Eu perdi a fome!

Antes que Carol pudesse esboçar qualquer reação, Vince deu-lhe as costas e saiu, pisando duro.

Carol olhou o calendário na mesa de trabalho. Fazia quase três semanas que estava casada, mas via muito pouco o marido. Ele possuía diversos escritórios em Murrayville, onde eram rea­lizados vários dos projetos de construção. Vince comandava tu­do, o que lhe tomava boa parte da semana. Nos dias que lhe restavam, supervisionava a fábrica em Joanesburgo ou de ou­tras cidades mais próximas.

Na casa imensa onde moravam, Carol jamais abrira a boca para reclamar da ausência do marido. Sentia-se ali como uma peça de decoração, vazia, impessoal.

Depois do incidente com John, na biblioteca, a comunicação entre eles tornara-se ainda mais difícil e ela se sentia cada vez mais só e abandonada. Vince não quis mais dormir sozinho, porém, e sempre que estava na cidade dormia com Carol.

Não querendo engravidar, ela tomava todas as precauções. Sair de um casamento temporário com um filho só lhe traria maiores sofrimentos.

Ao pensar naquilo, os olhos de Carol encheram-se de lágri­mas. O que estaria acontecendo com ela? Ultimamente, só ti­nha vontade de chorar, noite e dia. Sempre tivera uma vida calma, pacata, diferente da confusão em que vivia agora. Nem ao menos sabia o que lhe reservaria o dia seguinte, ao lado do estranho homem com quem se casara.

Às vezes, Carol tinha medo de enlouquecer. Fazia tudo para ignorar Vince, mas, quanto mais se esforçava, mais se envolvia. Tinha uma curiosidade enorme de conhecê-lo, de enveredar através da sua alma, e, à noite, desejava-o desesperadamente.

Para distrair-se, ela visitava os pais com freqüência nas úl­timas semanas, mas não tinha oportunidade de falar a sós com David Loyd. A mãe estava sempre por perto e, de modo algum, poderia ficar a par da situação.

Naquela manhã, Carol resolveu chamar o pai à biblioteca. Ali poderiam conversar à vontade, sem medo de serem ouvidos, e a verdade finalmente seria restaurada. David Loyd forçosa­mente teria de responder sobre as acusações de que era vítima. Ciente de tudo, Carol saberia como defendê-lo.

— Alô, papai — falou Carol, ao telefone. — Por favor, assim que tiver algum tempo dê um pulinho até aqui na biblio­teca. Espero-o ainda hoje!

— É tão urgente assim? — perguntou David do outro lado da linha,

— Sim, papai —confirmou ela, impaciente, reparando que a voz do pai estava tensa. — Preciso muito lhe falar.

— Vou fazer o possível — disse ele, desligando em seguida. Carol recolocou o fone no gancho e suspirou, recostando a cabeça na cadeira. Pronto, agora era só esperar. Não podia es­quecer que precisaria muito tato e diplomacia, para lidar com David Loyd, se é que desejava realmente descobrir a verdade. David Loyd só apareceu na biblioteca no final da tarde, quando Carol ajudava Nancy a atender o público.

— Volto num minuto, Nancy — avisou Carol. Tomando o pai pelo braço, ela o conduziu para a sua sala.

— Está tudo bem, minha filha? — perguntou ele, preocupa­do, acomodando-se numa poltrona. — Por acaso Steiner está maltratando você?

As palavras do pai ecoaram distintamente no subconsciente de Carol. Pela primeira vez ela avaliou com frieza como tinham sido aquelas semanas ao lado de Vince. Se o acusasse de maus tratos estaria sendo absolutamente injusta para com o marido.

— Por favor, papai! Se alguém o ouve falando desse jeito do seu próprio genro, o que não irá pensar?

— Pois pouco me importa o que pensem — declarou Loyd, nervoso. — Jamais poderei considerar Vince como meu genro.

— Então, como é que o vê? — perguntou Carol, atenta à reação do pai.

— Minha opinião agora não vem ao caso. Diga-me de uma vez: por que me chamou até aqui?

Carol mordeu os lábios, escolhendo bem as palavras.

— Você deve dinheiro a Vince, certo? A partir desse fato, posso concluir que a questão entre vocês dois é puramente financeira?

A súbita palidez no rosto de Loyd não passou desapercebida a Carol.

— Aonde pretende chegar com essa conversa? Carol procurou falar com naturalidade.

— Quero saber apenas se existe algo que não me tenha con­tado, papai.

— Está insinuando que escondi alguma coisa a você? — queixou-se Loyd, indignado, enquanto enxugava com um lenço o suor do rosto.

O nervosismo do pai de Carol deixou evidente que havia algo muito importante que ele insistia em ocultar. Desesperada, Carol não sabia como arrancar dele uma confissão.

— Não tive intenção de magoá-lo, papai — ela falou, com doçura. — Só queria saber mais sobre a sua relação com Vince, alguma coisa ligada ao passado, por exemplo.

Imediatamente David se pôs em pé.

— Chega! Não tenho nada a dizer! — ele explodiu, cami­nhando para a porta.

Desta vez, foi Carol quem perdeu a calma.

— Um momento, papai! Acho que tenho o direito de saber toda a verdade!

— Mas de qual verdade está falando, menina? — ele per­guntou, parando e voltando-se para olhá-la.

— Ora, papai, não subestime a minha inteligência! Só um tolo não percebe que Vince o odeia e tem sede de vingança, enquanto você empalidece toda vez que ouve o nome dele. Por­tanto, está claro que existe um segredo entre vocês. Está claro também que não se trata apenas de uma dívida não paga no devido tempo. Agora quero saber o que é!

David Loyd suava. Como se sentisse de repente um terrível cansaço, jogou-se na poltrona. Sua aparência era de quem es­tava realmente doente, o que deixou Carol preocupada.

Ele reconheceu, finalmente, acendendo um cigarro com de­dos trêmulos.

— É verdade, minha filha, cometi um grande erro no pas­sado, mas não estou preparado psicologicamente para falar so­bre esse assunto agora.

Desesperada com aquela confissão, que confirmava as suas suspeitas, Carol não conseguia controlar a aflição.

— Você conheceu Siegfried Steiner? — ela perguntou.

— Sim, eu o conheci, e muito — ele respondeu num sus­surro.

— Então, deve saber que ele está morto.

— Sim, eu sei. Siegfried morreu há quase dezoito anos. Mas ouça, filha, não estou em condições de abordar esse assunto no momento. Ê tudo muito doloroso para mim. Cedo ou tarde, um homem sempre acaba pagando pelos seus erros.   .

— Vince quer vingança e você simplesmente aceita isso? — insistiu Carol.

— Não tenho alternativa...

— E quanto a mim? — ela contrapôs, revoltada. — Que culpa tenho eu?

Loyd olhou-a com um ar de súplica.

— Por favor, minha filha, não fale assim com seu pai.

— Mas não posso suportar tamanha injustiça, papai. Minha vida mudou completamente desde que entrei no seu escritório, naquela noite, e só eu sei o que estou sofrendo! O que me deixa mais abismada é a naturalidade com que você encarou esse casamento, sem se preocupar com o meu destino!

— Não tive escolha, Carol. Sua mãe. . .

Pela primeira vez na vida, Carol estava vendo o pai como ele realmente era: um homem fraco, covarde. E ela que sempre o imaginara forte e íntegro. Agora, percebia que ele só pensava nos próprios interesses, mesmo que para isso tivesse de sacri­ficar a própria filha.

— Você quis poupar mamãe de problemas, mas acho que ela deveria conhecer melhor o marido que tem!

Cansada, Carol caminhou até a janela. Lá fora, os trabalha­dores limpavam as ruas e os jardins, cobertos de folhas secas. Naquele momento, ela se comparou àquelas folhas mortas e sem vida.

— Fico me perguntando como mamãe teria reagido se você tivesse lhe contado toda a verdade. Se ela ficasse sabendo, te­nho certeza de que enfrentaria a situação com dignidade. Sabe, papai, cometeu um grande erro! Mamãe não é assim tão frágil como pensa, e você perdeu uma grande oportunidade de cer­tificar-se disso.

Loyd abaixou a cabeça, agoniado.

— Lilian é uma mulher muito sensível, querida. E você puxou a ela. Quero que saiba que estou muito arrependido por tê-la envolvido nessa confusão toda.

— Devia ter pensado nisso antes, papai.

— Eu sei, e bem que podia ter evitado esse casamento ab­surdo. Mas naquele dia só pensei em mim. Só queria ganhar tempo até conseguir esse novo contrato.

Depois que David Loyd retirou-se, Carol ficou pensando nele por um longo tempo. Se o pai dela não conseguisse ganhar a tal concorrência, todo seu sacrifício seria em vão. Mas a maior preocupação de Carol era como o pai receberia a nova derrota.

Envolvida por todos aqueles problemas, ela acabou chegan­do tarde em casa. À entrada deparou com um Porsche vermelho estacionado ali. Enquanto guardava o carro na garagem ficou imaginando quem poderia ser o visitante. Algum convidado pa­ra o jantar, ou uma reunião de negócios?

A última hipótese parecia-lhe a menos provável, já que, pelo pouco que conhecia do marido, ele detestava tratar de negócios no ambiente familiar.

Jackson, o mordomo, veio recebê-la à porta, solícito como sempre. Era um excelente empregado, pois além do seu serviço trabalhava como motorista, cuidando também do jardim.

— O Sr. Steiner está na sala de estar, madame — ele infor­mou, ajudando Carol a despir o casaco.

Ajeitando rapidamente os cabelos emaranhados pelo vento, Carol foi ao encontro do marido. Antes de entrar na sala de estar pôde ouvir uma voz suave entrecortada de risos. Abrindo a porta, Carol entrou no aposento aquecido pelo fogo da lareira.

Uma mulher de beleza estonteante e elegantemente vestida estava sentada de frente para Vince. Os cabelos loiros contras­tavam com o tom bronzeado da pele. No rosto de traços delica­dos sobressaía o verde intenso dos olhos.

— Ah, liebchen, venha até aqui — pôs-se em pé assim que a viu entrar. — Quero que conheça Chantal Webber. Chantal, esta é minha esposa, Carol.

— Prazer em conhecê-la, querida — cumprimentou Chantal, estendendo a mão.

A voz dela era doce como o mel, mas a mão era fria como o gelo.

— Muito prazer — retribuiu Carol.

— Quando soube que Vince havia se casado às pressas, fi­quei surpresa. Ele sempre foi um homem muito imprevisível e extravagante, mas não pensei que chegasse a tanto — disse Chantal, fitando a recém-chegada de alto a baixo.

Carol achou que estava diante de uma rival e se sentiu frágil. Lembrou-se dos cabelos desalinhados pelo vento e da expressão de cansaço que o seu rosto deveria mostrar depois de um dia estafante de trabalho. Mal tivera tempo de retocar a maquia­gem. Teve vontade de sumir dali imediatamente!

— Chantal veio passar o final de semana conosco — contou Vince, fitando alegremente a esposa.

— Vou providenciar para que seja preparado o quarto de hóspedes — falou Carol, aproveitando a oportunidade de es­capar daquela horrível situação.

— Não se preocupe, querida, porque já tomei essa liberdade — Chantal se adiantou. — Achei que não se importaria.

Ela disse aquilo com doçura, voltando-se em seguida para Vince, como que em busca de apoio.

"Oh, mas é claro que não!", pensou Carol, cheia de ódio.

Afinal, quem dava as ordens naquela casa? A esposa de Vince ou... ou sua amante? Só que ela não passava de uma esposa temporária, enquanto a outra, com ou sem casamento, continuaria sendo sempre a amante...

— Fico contente por saber que se sente em casa — respon­deu Carol, com cordialidade. — Agora, se me dão licença, vou subir, pois estou louca por um banho.

— Não se demore, liebchen — pediu Vince, mas quando os olhos dele encontraram os de Carol, ela percebeu frieza e in­diferença.

Depois do banho Carol vestiu sua roupa predileta, o vestido verde que lhe assentava como uma luva, acentuando as linhas perfeitas do corpo. Um colar de ouro combinando com os brin­cos completava o belo visual.

Os cabelos estavam presos num coque, com alguns fios sol­tos propositalmente para acentuar o charme. A maquiagem, feita com cuidado, escondia todos os vestígios de cansaço. Con­fiante, ela desceu a escada.

Chantal e Vince ainda conversavam animadamente, na certa sobre assuntos pessoais que Carol desconhecia. Discretamente ela foi até o bar, em silêncio, e serviu-se de um cherry. Intima­mente, sentia-se uma intrusa naquela casa, mas não estava nem um pouco disposta a ceder o marido para outra.

De vez em quando Carol percebia os olhos de Vince sobre ela, mas quando erguia o rosto para encará-lo ele imediata­mente desviava o olhar para a garota a seu lado, dispensando-lhe toda atenção.

Inconscientemente, talvez Vince estivesse indeciso entre as duas mulheres e, nesse caso, lamentava estar amarrado à esposa por um tempo tão longo. Por outro lado, Chantal demonstrava claramente sua determinação em reaver o homem que lhe ha­viam roubado. Os olhos verdes da moça pareciam os de um tigre pronto para atacar.

"Ah, se ela soubesse...", pensou Carol, com o coração aper­tado.

Aquele casamento não passava de uma farsa e dentro de al­guns meses estaria tudo acabado. Por um momento, ela ima­ginou com angústia o contentamento da rival.

Nisso, Jackson entrou na sala e anunciou que o jantar estava servido. Carol respirou aliviada.

 

Todos sentaram-se à mesa para o jantar.

Durante a refeição, Chantal fez de tudo para prender a aten­ção de Vince, que por sua vez mostrava-se bastante alegre e parecia estar se divertindo muito.

Observando-o de soslaio, tão descontraído, Carol não reco­nhecia o mesmo Vince com quem se casara. Pouco à vontade, pois sentia-se deixada de lado, ela estudava discretamente a expressão enigmática no rosto do marido, todo sorriso para a exuberante mulher a seu lado.

— Vince contou-me que você é bibliotecária — Chantal dis­se a Carol, pegando-a de surpresa.

— Sim, é verdade — continuou Carol, com simplicidade. Obviamente, os dois já tinham conversado a sós a respeito dela.

— Não consigo entender como alguém pode se interessar por um trabalho tão enfadonho — observou a outra, enquanto le­vava o copo de vinho branco à boca, mostrando as unhas lon­gas e pintadas de vermelho.

— Não considero meu trabalho enfadonho — contrapôs Ca­rol, sem se intimidar. — Estou sempre em contato com a lite­ratura e a par dos assuntos mais diversos e interessantes.

— Oh, mas então estamos diante de uma grande estudiosa! — exclamou Chantal, não economizando ironia.

— Não se trata disso... Apenas possuo nível universitário — observou Carol, disposta a enfrentar corajosamente as provo­cações da rival.

— Muito bem! — Chantal elogiou no mesmo tom irônico, como se quisesse ferir Carol em cheio. — É uma pena que poucos homens se interessem por mulheres muito inteligentes.

— E, voltando-se para Vince com um olhar lânguido e cheio de ternura, perguntou-lhe: — Não é verdade, querido?

— A mulher é o complemento do homem, que sabe admirar sua beleza e feminilidade. Se além de bonita ela for inteligente, conseguirá atrair a atenção dele ainda mais — respondeu Vince, olhando a esposa dentro dos olhos.

Carol correspondeu àquele olhar penetrante e cheio de estra­nhas promessas, mas logo depois abaixou os olhos, desconcer­tada, e não disse nada.

Chantal também não teve outros argumentos e, por um mo­mento, os três comeram calados.

— Amanhã vamos completar um mês de casados e até agora não tenho do que me queixar. Minha mulher tem preenchido inteiramente as minhas expectativas, satisfazendo todas as mi­nhas necessidades espirituais e físicas, principalmente — decla­rou Vince, de súbito, quebrando o silêncio.

Ferida em seu pudor, Carol ficou com o rosto vermelho no mesmo instante. Por que ele expunha daquele jeito sua intimi­dade conjugai diante de outra mulher? Será que pretendia ma­tá-la de vergonha?

— Ora, não se assuste, querida — Chantal a "socorreu", percebendo o embaraço da outra. — Vince é assim mesmo. Adora bancar o sedutor com todas as mulheres.

Depois ela acariciou a mão de Vince por sobre a mesa, enquanto ele correspondia à carícia da amante com um sorriso fascinante.

— Aceita mais sobremesa? — Carol perguntou a Chantal, quebrando propositalmente a intimidade entre os dois.

— Tenho que reconhecer que você é uma excelente dona-de-casa, querida — elogiou Chantal, sorrindo com ironia. — Não, obrigada, não quero mais sobremesa. Se não cuidar da aparência, um certo homem que conheço não olhará mais para mim.                                                                                     

As últimas palavras ela disse com um olhar significativo para Vince. Carol sentiu um aperto no coração, mas procurou disfarçar.                                                                                    

— Que tal tomarmos o café na sala de estar? — ela sugeriu.

— Excelente idéia, querida! — concordou Vince, levantando-se rápido de sua cadeira. — Lá ficaremos mais à vontade.

Realmente a sala era aconchegante. Jackson serviu o café e todos continuaram conversando, instalados confortavelmente nas poltronas ao redor da lareira.

— Estive pensando... Poderíamos passar o dia no chalé, amanhã — lembrou Vince, dirigindo-se às duas mulheres ao mesmo tempo.

— Oh, eu adoraria! — Chantal se adiantou, com euforia.

— E você, liebchen, que acha da idéia? — ele perguntou à esposa, que observava o fogo na lareira com os olhos perdidos.

— Gostaria muito de poder acompanhá-los, mas tenho mui­to serviço na biblioteca. Por favor, não se preocupem comigo e aproveitem bem o dia — ela respondeu com o coração aper­tado. — Imediatamente, porém, Carol percebeu que estava pra­ticamente oferecendo o marido à outra. No entanto, tudo o que desejava era vê-los bem distantes. Droga! Os dois que fossem para o inferno e a deixassem em paz!

-— Não pode deixar esse trabalho para a segunda-feira? — perguntou Vince.

— Não. Como você sabe, sou encarregada da biblioteca um sábado sim, outro não — falou Carol, fingindo uma serenidade que estava longe de sentir.

— Ora, tenho certeza de que se pedir a Nancy que a subs­titua ela não lhe negará esse favor — argumentou Vince, im­paciente, enquanto Chantal os observava.

— Eu sei disso, mas não acho justo atrapalhar a folga dela. Nancy já deve ter alguma coisa programada e não me sentiria bem se tivesse que sacrificá-la.

Na verdade, Carol não estava disposta a passar o fim de se­mana contemplando o amor daqueles dois.

Vince tinha uma expressão de raiva quando voltou a falar.

— Isso está me parecendo uma simples pirraça!

— Vince, querido, você está sendo um marido machista — opinou Chantal, olhando para Vince com ar de ternura. — Precisa saber respeitar a vontade de sua esposa, porque ela tam­bém tem seus direitos. Deixe-a ficar e vamos só nós dois.

Carol mal conseguia controlar o tremor das mãos.

Sem outra alternativa Vince acabou por concordar, desani­mado.

— Então, estamos combinados! — concluiu Chantal, vito­riosa.

Em seguida passou a fazer planos com Vince sobre a pro­gramação do passeio, com entusiasmo.

Vince, porém, não desviava os olhos de Carol. Por sua vez, ela não ousava encará-lo, esforçando-se para não deixar cair a xícara de café, tal era o nervosismo. Sentia o coração em frangalhos e um arrepio de frio, apesar do calor que vinha da la­reira. O relógio bateu nove horas e, tomando um último gole, Carol pôs-se de pé, pronta para se retirar.

— Bem, fiquem à vontade. Estou cansada e gostaria de ir me deitar.

— Não se prenda por mim, querida — Chantal apressou-se em dizer, com fingida gentileza. — Vá descansar.

— Subirei mais tarde, liebchen — avisou Vince, friamente, voltando imediatamente a atenção para a visita.

Quando Carol subiu os degraus com dificuldade, a cabeça latejava e os olhos ardiam de tanto aprisionar as lágrimas. Real­mente estava cansada, tanto física como espiritualmente. Ao se refugiar no quarto, ela fez tudo como de costume. Lavou o rosto e as mãos, vestiu a camisola rosa, escovou os cabelos e, desanimada, sentou-se diante do espelho. De repente assustou-se com a imagem ali refletida: uma mulher prostrada, com um rosto marcado pela agonia.

Então finalmente as lágrimas escorreram de seus olhos, confortando-a. Com um lenço ela começou a enxugá-las, calma­mente. O que estava acontecendo com ela? Onde haviam se escondido toda aquela vitalidade de antes, a beleza vibrante de sua juventude e a alegria de viver?

Mais tranqüila, Carol escovou novamente os cabelos, até sentir-se sem forças. Parecia querer castigar-se por suas fraque­zas. Já passava das onze horas, e Vince nada de subir. Conti­nuava lá embaixo, na sala, em companhia de Chantal. O que estariam fazendo até aquela hora? No seu ciúme, Carol ima­ginou-os trocando carícias e beijos, na intimidade e no calor propício da lareira... ou rolando no chão confundindo os corpos sobre o tapete da sala.

— Chega! — ela gritou para si mesma na solidão do quarto. — Que vão os dois para o inferno! Que me deixem em paz! Em seguida ela se jogou na cama e afundou o rosto no traves­seiro.

Uma hora depois Vince entrou no quarto. Despiu-se sem acender a luz, colocando, cuidadosamente, as roupas sobre a cadeira, diante do espelho.

Com os olhos semicerrados, Carol fingia dormir. Não enten­dia por que Vince tinha ido dormir ali, ao lado dela, e não no quarto da amante. Aquilo, entretanto, encheu seu coração de alívio. Subitamente, sentiu-o, debaixo dos lençóis, pegando-a de surpresa, e antes que ela pudesse se defender ele a tomou nos braços, ardente.

— Deixe-me! — pediu Carol.

Mas Vince cobriu os lábios dela com um beijo quente e sen­sual como se não ouvisse os seus protestos.

Depois, com a boca morna e sedenta para dar carinho, Vince desceu até o pescoço da moça, fazendo-a arrepiar-se toda. Num segundo, o corpo de Carol respondeu àqueles estímulos sensuais. Adorou aquelas mãos fortes tocando-a por inteiro, dando-lhe prazer. Mas, num vislumbre de lucidez, pediu:

— Por favor, será que pode me deixar em paz, ao menos por esta noite?

— Por que isso agora, liebchen? Esqueceu-se de que é minha mulher?

— Infelizmente!

— Ora, pare de se fazer de difícil! Você gosta de fazer amor comigo, tanto quanto eu, sei disso.

Ele enfiou a língua delicadamente no ouvido dela. Carol estremeceu, sentindo-se fraca.

— Você é um grande presunçoso! Não sinto absolutamente nada por você. Para mim, não passa de um estranho — falou Carol, procurando criar forças.

— Será que você prefere que eu vá passar a noite com a nossa linda hóspede? — murmurou Vince, num desafio, roçando os lábios pelos ombros dela.

"Oh, Deus! ajude-me a resistir!", rezou Carol, tentada a lançar-se nos braços do marido e suplicar-lhe que não a dei­xasse só.

Em vez disso, respondeu com displicência:

— Pode ir! Você pode dormir com quem quiser, desde que não seja comigo.

Vince sentou-se de súbito na cama, ligou a luz do abajur e acendeu um cigarro com as mãos nervosas. Deu uma tragada e avisou, decidido:

— Dou-lhe cinco minutos para retirar o que disse — ele decretou.

— Pois é melhor não perder seu precioso tempo — falou Carol, com ironia.

Como resposta, Vince apanhou o relógio de pulso sobre o criado-mudo e ficou contando os minutos.

— Um... dois...

— Já disse que está perdendo tempo — insistiu Carol. Passados os cinco minutos, Vince levantou-se da cama, reso­luto, e vestiu o robe.

— Depois não diga que eu não avisei! — disse ele, saindo e batendo a porta com violência.

Carol ficou perplexa, sem querer acreditar que Vince real­mente pudesse cumprir a ameaça. Quando percebeu o que na verdade estava acontecendo, deu um pulo na cama. Transtor­nada, abriu a porta e, mesmo de camisola, saiu correndo como louca pelo corredor. Precisava impedi-lo. Amava-o e não queria perdê-lo para nenhuma outra mulher.

Estacou, porém, ao vê-lo batendo à porta do quarto de Chantal. Completamente zonza ela se encostou à parede, sentindo que ia desmaiar.

"Meu Deus, o que estou fazendo aqui? Devo ter ficado louca", refletiu Carol voltando à razão.

Depois viu, boquiaberta, Chantal abrir a porta do quarto e convidar Vince a entrar, carinhosamente.

A passos lentos, Carol voltou para o quarto, triste e indefesa, em busca de um refúgio. Levou a mão ao peito, como se aquele gesto pudesse amenizar a dor que a dilacerava. Lágrimas de desespero corriam-lhe pelas faces abatidas, consciente de que nunca mais voltaria a ser a mesma. O homem que amava naquele momento a traía impiedosamente.

Nunca havia pensado que pudesse amar tanto alguém. Preci­sava de Vince e não conseguiria sobreviver sem ele, depois de conhecer em seus braços as delícias do amor.

Deitando-se na cama e cobrindo-se com os lençóis, agarrada ao travesseiro, procurou desabafar seu sofrimento. Lágrimas quentes molhavam-lhe o rosto, ciente do que devia estar acon­tecendo no outro quarto. Por fim, exausta, ela adormeceu.

A casa estava em silêncio quando Carol desceu para tomar seu café, na manhã seguinte. Em vez de ovos com bacon, como de hábito, preferiu apenas uma xícara de leite e torradas com manteiga.

Apesar de ter carregado na maquiagem, Carol não conseguiu esconder os efeitos da noite mal-dormida, rolando na cama. Vince bem que a prevenira sobre as conseqüências das palavras precipitadas que ela proferira, na noite anterior. Mas como poderia entregar-se apenas para aplacar o voraz desejo de vingança de Vince?

Sem ao menos sentir o sabor dos alimentos, Carol engoliu o desjejum. Precisava se alimentar bem, se não quisesse adoecer. E, sob hipótese alguma, queria ficar presa naquela casa, dia e noite. Aí sim acabaria enlouquecendo de vez. Agora, mais do que nunca, estava decidida a se dedicar somente à biblio­teca. A partir daquela manhã, o trabalho seria o único meio de desafogar sua dor.

— Bom dia, Carol —; cumprimentou Vince, ao chegar com um sorriso alegre, como se nada houvesse acontecido.

Carol quase perdeu o ar. Automaticamente, ergueu os olhos e o fitou como se o visse pela primeira vez. Ele estava muito elegante, aquela manhã, vestindo uma calça de veludo cinza e uma camisa amarelo-canário. Os cabelos molhados e o rosto bem barbeado davam-lhe uma aparência juvenil e um encanto irresistível.

Ele puxou uma cadeira e sentou-se ao lado dela, deixando-a atônita e sem ação. Queria odiá-lo do fundo de sua alma, por se portar tão cinicamente depois de tudo o que acontecera na véspera. Em vez disso, seu coração exultava, transbordava de amor e ternura por aquele homem.

— O café ainda está quente? — ele perguntou.

— Está morno... — respondeu Carol num murmúrio aba­fado.

"Será que ele passou a noite toda com Chantal, ou a terá deixado logo após o ato sexual?", Carol se perguntava. Mas que diferença faria? O mal já estava feito.

— Dormiu bem, liebchen — ele perguntou, pegando-a de surpresa.

Liebchen Ele ainda tinha a ousadia de chamá-la assim! Carol mordeu os lábios para não descarregar sobre o marido toda sua mágoa. Nunca o perdoaria por tanta humilhação.

— Sim, dormi muito bem — ela respondeu, fingindo indi­ferença e evitando os olhos dele, para não se trair.

— Eu também, caso esteja interessada.

Carol sentiu vontade de estrangulá-lo por tanto cinismo.

— Pois fico feliz com isso — ela mentiu.

— Verdade? — perguntou Vince, maldoso, evidentemente divertindo-se à custa dela.

— Bem, agora preciso ir — disse Carol, levantando-se antes que perdesse o controle da situação e expusesse seus verda­deiros sentimentos.

— Espere, tenho algo a lhe dizer — Vince a chamou, quando a garota já deixava a mesa. — Eu e Chantal voltaremos tarde da noite. Não se preocupe em nos esperar. Ela adora inventar jantares exóticos e prolongados toda vez que vamos ao chalé.

Carol queria morrer, apesar de já estar esperando por mais aquela humilhação.

— Obrigado pelo aviso, embora eu não tivesse a mínima intenção de esperá-los — ela respondeu, seca.

— Ainda bem que você não é do tipo de esposa que não dorme enquanto o marido não chega — disse Vince, com a clara intenção de magoá-la.

— Você também é um homem bastante compreensivo — rebateu Carol, irônica. — Divirtam-se.

— Não tenho dúvida, porque Chantal sabe ser maravilhosa quando quer — respondeu Vince, maldoso.

Carol não quis ouvir mais e se afastou. Longe dele, teve ímpetos de esmurrar tudo o que encontrava pela frente. Perto da porta da rua, estava vestindo o casaco para sair quando ouviu uma voz melodiosa:

— Bom dia, meu bem — Chantal a saudou, com um sorriso esplêndido, naturalmente reflexo da maravilhosa noite de amor que havia passado.

A rival estava com uma aparência ótima, mais bela do que nunca. Os cabelos ruivos brilhavam à luz do sol que iluminava a sala. Vestia calça de brim justíssima, modelando o corpo perfeito, e usava uma elegante jaqueta. Estava simplesmente irresistível, e é claro que Vince não ficaria indiferente.

— Não quer mesmo ir conosco? — perguntou Chantal, ajei­tando melhor a calça dentro das botas.

— Obrigada, mas, como disse, preciso trabalhar — respon­deu Carol, seca, tentando manter a calma. — Bom passeio!

Chantal agradeceu e virou-lhe as costas, seguindo na direção de Vince.

Ao ligar o carro, Carol imaginava o marido e a amante tomando café juntos. Na certa, relembrariam os momentos de amor que haviam passado juntos. Só então ela se deu conta do papel ridículo que estava fazendo, o de esposa traída.

Minutos mais tarde, Carol dirigia velozmente em direção à biblioteca. Segurava o volante com as mãos firmes, mas com o coração cheio de raiva. Onde estava com a cabeça quando resolveu se apaixonar por aquele bandido? Vince não era digno de seu amor nem de seu carinho. Tudo o que ela deveria fazer era esquecê-lo, arrancá-lo do seu coração e do seu pensamento, custasse o que custasse.

Carol trabalhou o dia inteiro sem parar. Organizou o fichário novo, atendeu ao público, catalogou vários livros, organizou relatórios escolares, aflita por ocupar a mente com outras coisas que não fossem Vince.

Mas o pensamento se voltava constantemente para ele, para o chalé no meio do bosque. O que ele estaria fazendo com Chantal àquela hora? Estaria passeando pelo jardim, ou à beira do riacho? E se estivessem fazendo amor diante da lareira?

Aquela tarde parecia que não ia acabar nunca e, quando a porta da biblioteca finalmente foi cerrada, Carol jogou-se numa cadeira, exausta. Ficou ali por algum tempo e, depois, juntando suas coisas, rumou para casa.

Como fazia habitualmente, Jackson a esperava na porta e imediatamente ajudou-a a livrar-se do casaco. Sem apetite, Carol subiu para o quarto, desanimada.

Enquanto tomava banho, sentiu ímpetos de sair de carro e ir até o chalé, mas seu bom senso a impedia. Além disso, a chance de chegar lá e flagrar os dois um nos braços do outro era grande. De qualquer forma, o carro não estava em con­dições de enfrentar uma estrada.

Carol vestiu um abrigo e, sentada na cama, pôs-se a escovar os cabelos. Sentia-se terrivelmente só naquela casa enorme. Era horrível não ter ninguém para conversar, um ombro amigo para chorar, nada além daquele silêncio quebrado apenas pelo ruído da escova que corria pelos longos cabelos.

Subitamente Carol lembrou-se dos pais. Poderia ir visitá-los, é claro! Era uma excelente idéia. Decidida, ela colocou algumas roupas na valise, certa de que lá, na casa deles, pelo menos poderia conversar e se distrair. Quem sabe até ficaria para dormir. Era óbvio que ninguém notaria a sua falta. Em todo caso, seria melhor deixar um recado explicando sua ausência.

Assim decidida, ela deixou um bilhete sobre a penteadeira e saiu em seguida.

David e Lilian receberam a filha com carinho, evitando fazer perguntas quando a moça disse que passaria a noite ali. Na certa, Vince ficaria fora naquele final de semana e nada mais natural que a filha viesse buscar companhia na casa dos pais.

Fora de casa e longe de tantas lembranças dolorosas, Carol sentia-se aliviada. Ao mesmo tempo, estava deprimida e angus­tiada. Descansando em frente à lareira, nem sabia o que pensar. Lentamente as lágrimas começaram a cair de seus olhos, mas ela as enxugou depressa com a palma da mão! Não queria preocupar os pais, que logo fariam perguntas que nem mesmo ela saberia como responder.

Pouco tempo depois o relógio da copa bateu dez horas. Lilian pôs-se de pé e retirou-se, depois de um carinhoso boa-noite. Seguindo o exemplo da mãe, Carol beijou o pai.

— Boa noite, minha filha — ele desejou. — Eu vou ficar mais um pouco.

Enquanto subiam juntas as escadas, Lilian contou à filha:

— John Curtis esteve aqui, ontem à tarde, enquanto seu pai estava fora.

Carol procurou não deixar transparecer sua apreensão ao receber a notícia.

— É mesmo? E como vai ele?

— Vai bem. Aliás, fez uma porção de perguntas a seu res­peito.

— Perguntas? Que perguntas?

— Perguntou se nós conhecíamos bem o seu marido e se havíamos refletido bem antes de dar nosso consentimento para que você se casasse — respondeu Lilian, pensativa. — Não acha isso muito estranho?

Carol quase tropeçou no degrau, mas disfarçou o embaraço.

— E o que foi que você respondeu?

— Ora, eu disse a John que você não era nenhuma criança e tinha condições para escolher o próprio destino — respondeu Lilian, com simplicidade.

Carol percebeu que precisaria de muita cautela para lidar com John.

— E o que mais? — ela perguntou.

— Ah, ele queria saber se você amava Vince. Respondi que sim, caso contrário você não se teria casado. Francamente, não entendo essa preocupação de John!

— O problema é que John não se conforma que eu tenha me casado justamente quando ele estava viajando, pois esperava que eu o convidasse — explicou Carol, tentando ser convin­cente.

— É mesmo, Carol. John deve estar se sentindo ofendido. Respirando aliviada por ter evitado que a mãe soubesse da triste verdade, Carol deitou-se na cama de solteiro. Ali tinha feito muitos planos para o futuro, mas o casamento havia mu­dado tudo.

A aliança de ouro na mão esquerda era seu elo com a reali­dade. Estava presa àquele homem, para sempre. E, mesmo quando o trato acabasse e ela voltasse para a casa livre do compromisso, jamais seria a Carol de antes.

A casa agora estava no mais absoluto silêncio, mas Carol permanecia com os olhos abertos no escuro. Pensava em Vince. Será que ele notaria sua ausência quando voltasse do chalé? Talvez nem se lembrasse de procurá-la, completamente entretido com Chantal.

Quando estava prestes a sucumbir ao sono, percebeu vaga­mente que alguém abrira a porta do quarto e acendera a luz. Sentiu-se bruscamente sacudida e, sonolenta, abriu os olhos lentamente. Vince estava de pé ao lado da cama.

— Ah, já chegaram? — ela murmurou, mal conseguindo manter os olhos abertos. Em seguida deu-se conta de que estava dormindo na casa dos pais e não poderia ser Vince quem estava ali. Sentando-se de um salto, Carol o encarou, surpresa,

— O que está fazendo aqui?

— Vim buscá-la — ele respondeu, com os olhos chispando de raiva.

— A essa hora? Já passa da meia-noite. Sem dúvida os pais dela já estavam dormindo.

— Não importa. Levante-se e vista-se — ele mandou, pas­sando as mãos pelos cabelos.

— Está maluco? — perguntou Carol, sem dar a mínima importância à ordem do marido.

Irritado, Vince a agarrou pelos ombros.

— Por que mentiu a seus pais, dizendo que eu estaria fora no final de semana e só voltaria na segunda-feira?

— Eu não disse nada! Talvez eles tenham imaginado isso quando eu disse que dormiria aqui esta noite — explicou Carol, atônita com a atitude de Vince.

— Ah, é? E nem se preocupou em dizer a verdade... Olhe, moça, agora você tem um marido, entendeu?

— Marido... — resmungou Carol, voltando a deitar-se. — Ora, deixe-me em paz!

Vince obrigou-a a levantar-se e a encará-lo.

— Você vai dormir na minha casa e na minha cama, está ouvindo? — ele decretou, autoritário.

— Ah, sim... Muito bem! Enquanto isso, você se diverte nos braços de Chantal! — ela falou quase chorando de raiva.

O rosto de Vince se contraiu todo e os olhos adquiriram um estranho brilho. Arrancando as cobertas para atirá-las longe, ele simplesmente ordenou:

— Vista-se!

Carol nem se mexeu do lugar e ele a agarrou pelo braço.

— Está me machucando! — ela reclamou.

— Pois a minha vontade é esganá-la!

Vince falava tão perto que Carol podia sentir o seu hálito quente. Parecia tão descontrolado que, para não criar uma situação desagradável na casa dos pais, ela resolveu ceder. Despiu a delicada camisola e se vestiu, enquanto Vince obser­vava tudo.

— Como conseguiu entrar? — ela perguntou, curiosa, en­quanto arrumava as roupas na valise.

— Seu pai ainda estava acordado — explicou Vince, sério.

— E o que ele vai pensar?

— Não se preocupe, já dei a ele uma boa desculpa — falou Vince mais calmo.

— Ah, é? E qual foi a desculpa?

— Contei sobre a hóspede que temos em casa. Como ela vai pernoitar lá, não fica bem minha esposa estar ausente.

Não havia dúvida de que Vince fora bastante sutil, o que a deixara ainda mais irritada.

— Meus parabéns — cumprimentou Carol, com ironia, en­quanto pegava a valise.

— Não está faltando mais nada? — ele perguntou, impa­ciente.

— Não.

— Então, vamos de uma vez. Vince segurou-a firmemente pelo braço, como se temesse que ela fugisse.

 

Fazia frio quando Carol e Vince deixaram a casa dos pais da moça. Partiram no Mercedes de Vince, que dirigia calado e com uma expressão impenetrável.

— Mas... e o meu carro? — ela perguntou, apreensiva.

— Não se preocupe. Amanhã Jack virá buscá-lo.

O tom de voz era tão seco que Carol não teve coragem de dizer mais nada.

Durante todo trajeto de volta para casa, ambos permaneceram em silêncio. Apesar do clima de tensão, Carol experimentava uma sensação de conforto e segurança. No íntimo não estava nem um pouco aborrecida com a raiva de Vince. Olhando as mãos fortes que seguravam firmemente o volante, tinha ímpetos de acariciá-las. A reação do marido, indo buscá-la na casa dos pais para que não dormisse fora de casa, tinha sido comple­tamente inesperada. Por que motivo ele teria agido daquela forma?

Quando chegaram à mansão, Vince ajudou-a a descer, encarregando-se de levar a valise. De repente Carol lembrou-se de Chantal e teve vontade de sair dali correndo, só para não ver mais aquela figura tão pedante. Revê-la, depois do que sem dúvida havia acontecido no chalé, seria no mínimo humilhante.

Olhando para os lados, porém, Carol não percebeu nenhum sinal daquela mulher.

No quarto, Vince colocou a valise sobre a cômoda e ficou observando enquanto ela guardava as roupas. Pelo jeito, não parecia disposto a deixá-la sozinha. Os olhos insistentes e carre­gados de recriminação faziam com que ela se sentisse uma menina fujona, que, apanhada em flagrante pelo pai, merecia um bom castigo.

"Por que não vai logo embora e me deixa em paz de uma vez?", pensava Carol, tensa e ansiosa para ficar sozinha. Ao mesmo tempo, não podia suportar a idéia de que Vince fosse ao encontro da amante.

— Bem, acredito que Chantal já deve estar aflita esperando por você — ela falou, tentando fingir indiferença. — Não se preocupe comigo.

— Acho melhor esclarecermos algumas coisas, Carol — ele começou, aproximando-se dela. — Ontem à noite, você merecia uma lição, e por isso dormi no quarto de Chantal. Mas posso lhe garantir que não aconteceu nada.

Por um instante, Carol ficou feliz. No momento seguinte, porém, a dúvida e a desconfiança encheram seu coração.

— Você pensa que sou tola para acreditar numa mentira como essa? — ela disse, sentindo o peito ardendo de ciúme.

— Não seria tão torpe a ponto de fazer amor com outra mulher às vistas de minha própria mulher — defendeu-se Vince, lívido de indignação.

— E o que me diz de hoje? — perguntou Carol, nervosa. — Estiveram juntos o dia inteiro, fazendo o quê?

— Bem... eu... — ele titubeou.

— E então? — insistiu Carol, desesperada. Ela precisava saber, tinha que saber a verdade.

— Ora, isso faz alguma diferença para você? — perguntou Vince, agora bem pertinho dela, atento às suas reações.

Incapaz de suportar por mais tempo aquela tortura, Carol deu-lhe as costas.

— Estou cansada — ela murmurou, com os olhos cheios de lágrimas e o corpo moído. — É melhor pararmos com essa discussão idiota.

— Está bem, mas antes quero que responda à minha per­gunta — insistiu Vince, segurando-a pelos ombros e obrigando-a a encará-lo.

Carol não conseguia falar. As lágrimas começaram a escorrer pelas faces pálidas e ela sentia um nó na garganta. Vince observou-a atentamente, num misto de surpresa e compaixão.

— Suas lágrimas dizem tudo — ele concluiu, com um sorriso de triunfo nos lábios.

"Oh, não, meu Deus! Ele não pode ter descoberto o meu segredo!", pensou Carol em pânico,

— Deixe-me, já disse que estou cansada... — eia pediu, sem conseguir disfarçar a aflição.

— Está bem, liebchen — ele murmurou, com doçura, tocando-lhe o queixo.

Carol precisou conter-se para não cair nos braços dele e desafogar a sua dor. Vince ajudou-a a se despir, gentilmente. Depois de vestir-lhe a camisola, colocou-a na cama com carinho, como se ela fosse uma criança. Cobriu-a e ficou ali, acariciando-lhe os longos cabelos.

Carol sentia-se tão fraca e carente que aceitou o afago. Bem que merecia aquela sensação de paz, depois do pesadelo por que passara na noite anterior, imaginando as cenas de amor entre o marido e a amante.

Algum tempo depois, Vince pôs-se de pé e começou a tirar as roupas. Carol voltou-se para ele e ficou observando-o com naturalidade. Era agradável vê-lo sem camisa, o peito musculoso coberto de pêlos e os braços fortes bronzeados pelo sol. Em seguida Vince abriu o zíper da calça e ficou completamente nu.

Vince riu ao se ver observado por Carol que, repentinamente, parecia ter perdido a timidez. Em seguida ele apagou a luz e deitou-se ao lado dela. Carol havia perdido o sono por com­pleto.

Lá estava o corpo tão amado de Vince, bem pertinho... Bastava estender a mão para tocá-lo. No entanto, ela não ousaria fazer isso e esperava que ele tomasse a iniciativa. Mas porque demorava tanto? Por acaso já teria adormecido?

Carol esperou mais alguns minutos, agoniada, jamais imagi­nara desejar alguém com tamanha intensidade. Precisava dele, do seu amor e do seu carinho.

— Vince — ela o chamou, finalmente, sufocando a inibição. — Não consigo dormir.

Não obtendo resposta, ela corou de imediato, concluindo que ele tinha dormido sem lhe dar a mínima importância. De repente ele respondeu:

— Eu também não...

O coração de Carol disparou. Precisava controlar-se para não demonstrar a emoção que estava sentindo. Aparentando tran­qüilidade, ela perguntou:

— Não quer tomar alguma coisa? Um copo de leite...

— Será que resolveria o problema? — perguntou ele, bai­xinho.

É claro que ele sabia! Só podia estar sabendo que ela estava possuída por um enorme desejo e aproveitava para brincar.

— Talvez... — respondeu ela, num sussurro.

— Talvez...

Com o coração batendo forte, Carol já não podia mais su­portar aquela agonia. Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, porém, Vince a puxou de encontro ao seu peito forte. Os corpos em brasa se encontraram impacientes, sedentos de amor.

— Oh, Vince... — Carol gemeu, enquanto entreabria os lábios para receber o beijo dele.

Então, sem mais preâmbulos que aumentassem mais aquele desespero, Vince a amou com ternura. Pela primeira vez, Carol se entregava de corpo e alma, sem reservas, sem receios. Com­pletamente feliz, sentia o corpo rejuvenescido e o coração em paz. Finalmente adormeceu nos braços dele.

Dormiu até tarde no domingo e, ao despertar, achou-se sozinha na enorme cama de casal. Sua primeira reação foi de frustração, seguida de uma estranha sensação de acanhamento ao se lembrar da noite de amor.

Empurrando as cobertas para o lado, ela pulou da cama e correu para o banheiro. E agora? Como encará-lo e, depois de uma noite tão ardente, fingir indiferença, como se nada hou­vesse acontecido?

Mas por que se entregara daquela maneira? Devia estar lou­ca... Estava sim, louca de amor.

Vestindo uma saia azul e uma blusa branca, Carol se encheu de coragem e saiu do quarto para encontrar o marido. Vince e Chantal caminhavam pelo jardim quando ela chegou à varan­da para o café. Teve ímpetos de voltar correndo, antes que a vissem, mas o bom senso a fez ficar.

Depois de tomar o café, Carol foi ao encontro dos dois no jardim. Percebeu que conversavam animadamente e mudaram de assunto assim que a viram. Na certa falavam dela.

O olhar de Vince, ao voltar-se para fitá-la, estava carregado de ternura, fazendo-a enrubescer. Carol tentou disfarçar, mas Chantal percebeu tudo.

— Mal posso acreditar que sua jovem esposa possa ficar corada depois de quatro semanas de casamento — caçoou a amiga de Vince, maliciosa. — Se não o conhecesse tão bem, Vince, pensaria que sua noite de núpcias foi ontem.

Para piorar a situarão, o que Vince disse a seguir deixou Carol ainda mais constrangida:

— Sua timidez me fascina, querida.

— A vida seria mesmo muito sem graça se não houvesse do que se rir — disse Carol, pálida de raiva. — Mas não me parece justo fazer das outras pessoas objeto de escárnio.

Em seguida, deu as costas aos dois e saiu dali com passos firmes.

Alcançando o pequeno caramanchão, no outro lado do jardim, Carol sentou-se numa mureta. Perdida em seus pensamentos, não percebeu que Vince se aproximara e a observava atenta­mente. Ao vê-lo, a irritação dela aumentou.

— Deixe-me em paz! — ela pediu, sem ser atendida.

— Que diabo está acontecendo com você? — perguntou Vince, segurando-a pelo braço. — Por que respondeu daquele jeito? Será que não percebeu que estávamos apenas brincando com você?

— Não acho a menor graça nas suas brincadeiras nem nas da sua amante! — ela retrucou, sem meias palavras.

— Cuidado, liebchen — alertou Vince, apertando-lhe o braço com mais força. — Quem a ouvir vai achar que é uma esposa ciumenta.

— Você está me machucando!

Vince, porém, não a soltou e, num gesto brusco, puxou-a contra seu corpo másculo, prendendo-a em seus braços. Antes que Carol pudesse reagir, ele a beijou nos lábios, com sofreguidão, fazendo-a gemer num misto de prazer e dor.

Quando se separaram, Carol respirava com dificuldade. Sentindo as pernas bambas, não reclamou quando Vince a enlaçou pela cintura, evitando que caísse.

— Agora, deixe de dengos e venha despedir-se de Chantal, que está de saída — avisou Vince.

Carol abriu os olhos, espantada. Era bom demais para ser verdade!

Confortavelmente instalada em seu Porsche vermelho, Chantal os esperava. Quando eles se aproximaram, ela deteve os olhos sedutores em Vince.

— Quero olhá-lo ainda mais uma vez — disse ela, com voz melodiosa. — Não me esquecerei dos momentos maravilhosos que passamos ontem no chalé. Obrigada, querido.

— Eu também lhe agradeço pela companhia, Chantal — disse Vince, sorridente, beijando-lhe a palma das mãos.

Carol assistia à cena com uma sensação de desconforto.

— Dirija com cuidado, querida — concluiu Vince com do­çura, enquanto a moça dava partida no carro.

— Não se preocupe — respondeu Chantal, só então se lem­brando da presença de Carol. — Cuide bem dele para mim, querida — ela pediu, com um sorriso irônico nos lábios pin­tados. Instantes depois, o possante automóvel finalmente cru­zava o jardim da mansão em direção à rua.

Perplexa, Carol ficou parada, pensando nas palavras da outra, a cabeça num turbilhão. Depois, sem dizer uma palavra, virou-se e entrou na casa.

— Aonde você pensa que vai? — perguntou Vince, impedindo-lhe a passagem no momento em que ela alcançava a escada que dava para o andar superior.

— Trouxe um livro da biblioteca e, se não se incomoda, gostaria de lê-lo — ela mentiu, escondendo a amargura que sentia.

— Está bem, mas antes precisamos conversar. Creio que você interpretou mal as palavras de Chantal — disse ele, olhando-a fixamente e ainda a segurando pelo braço.

— Ao contrário, acho até que ela foi clara demais — rebateu Carol, sem medo de enfrentar aqueles olhos cinzentos.

— Carol, ontem à noite nós... — começou Vince, sendo porém   imediatamente interrompido.

— Eu posso explicar o que aconteceu ontem à noite — ela se antecipou, com voz entristecida, mas procurando controlar-se.

— Ontem à noite eu fraquejei por uma necessidade apenas física.

— Mentira! Você me desejou, tanto que nem conseguia dor­mir — explodiu Vince, perdendo a paciência.

— Todos nós temos momentos de fraqueza. Você fascina as mulheres com seu charme e confesso que também não sou de ferro. Mas foi pura atração física, pode acreditar!

Carol falava procurando dar à voz um tom natural.

— Quer dizer que foi só isso que você sentiu? Desejo? — ele insistiu, incrédulo.

— Claro. Não me diga que chegou a pensar que era amor! — exclamou ela, com ironia. — Jamais me apaixonaria por você, Vince Steiner! Nunca, entendeu? Acho que já deixei isso bem claro no dia do nosso casamento.

— A recíproca é verdadeira, meu bem — devolveu Vince.

— Afinal de contas, o amor é só para os tolos.

— Nesse caso, estamos quites e você não tem do que recla­mar — ela argumentou, tranqüila, mas por dentro sufocada pela dor daquela revelação.

— Tenho, sim! Entre nós poderia ao menos haver mais compreensão e companheirismo — sugeriu ele, acendendo um cigarro.

Carol sentiu uma enorme mágoa. Como ele podia falar em compreensão, se a tratava daquele jeito?

— Alguma vez você amou alguém? — ela perguntou.

— Nunca, e também não tenho a menor intenção de algum dia amar — respondeu Vince, com frieza. — E você?

Por alguns instantes Carol o encarou com tristeza, antes de dar uma resposta evasiva:

— O amor às vezes nos faz sofrer.

— Então, devo concluir que já amou alguém? — ele insistiu, curioso.

— Sim — confirmou Carol, sem contudo deixar transparecer que se tratava dele próprio, Vince Steiner.

— John Curtis? — ele arriscou, num misto de ironia e mágoa.

— Ora, é claro que não — respondeu Carol, impaciente.

— Você não quer se abrir comigo e conversar a respeito? — Vince ofereceu-se de repente, amável.

— Não! — ela gritou. — Quero dizer... muito obrigada. Você não entenderia.

Aparentemente, Vince aceitou a recusa, mas insistiu noutro ponto.

— Não quer ao menos manter comigo um relacionamento mais amigo, com mais compreensão de ambas as partes?

Lutando contra a vontade de dizer que queria muito mais que isso, Carol respondeu, fingindo indiferença:

— Está bem...

— Ótimo! — exclamou, Vince, satisfeito, e, deixando-a ao pé da escada, dirigiu-se para o escritório.

Ela ficou parada ainda algum tempo, sem ação, tentando pôr em ordem as idéias. Vince Steiner era, sem dúvida, um homem estranho, imprevisível, cheio de mistérios. Às vezes, alegre, aberto, humano; outras vezes, distante e perverso.

Minutos mais tarde, sentada na cama, com o livro aberto nas mãos, Carol não conseguia concentrar-se na leitura. A todo instante seu pensamento voltava-se para aquele homem que repentinamente entrara em sua vida, mudando seu destino.

Ainda não tinha descoberto o que havia acontecido entre o pai dela e o de Vince. Talvez isso lhe custasse a separação, a distância, o fim daquele amor que mal havia começado.

Algum tempo mais tarde Vince voltou e insistiu para que Carol deixasse o livro de lado e voltasse com ele para o jardim. Falava num tom amigável e acabou por convencê-la. Para surpresa de Carol, as horas seguintes transcorreram de forma agradável.

No final da tarde, Carol subiu para um banho e, enquanto escolhia uma roupa adequada para o jantar, pensava no novo rumo que seu relacionamento com Vince tomara. Vince havia lhe proposto paz. Mas como ter paz ao lado de um homem tão excitante, cuja aproximação a fazia arder de desejo e de amor? Ela precisava parar de sonhar.

Vestindo um conjunto simples de saia e blusa verde-musgo, Carol desceu calma e segura de si. Ao entrar na enorme sala de visitas, deparou com Vince com o olhar perdido na lareira. Ao notar a presença dela, ele voltou-se para olhá-la com um sorriso de aprovação.

Meio encabulada, Carol caminhou até a lareira para esfregar as mãos diante do fogo. Era incrível como só de olhar para Vince sentia arrepios pelo corpo todo. Aqueles olhos cinzentos a excitavam, despertando os mais ardentes desejos.

Fingindo calma, Carol sentou-se no sofá e ajeitou a saia para cobrir melhor os joelhos. Nem por um momento queria que Vince pensasse que o estava provocando. Vince foi até o bar, no outro lado da sala, e preparou dois drinques.

Enquanto ele estava de costas, Carol aproveitou para obser­vá-lo atentamente. A roupa discreta e impecável dava-lhe um ar viril.

Quando Vince entregou-lhe o copo, os dedos deles se tocaram. Só com muito esforço Carol conseguiu disfarçar a perturbação. Ela tomava o primeiro gole de Martini quando Jackson apareceu à porta.

— O jantar está servido, senhor — informou o mordomo, cerimonioso, e Carol respirou aliviada com a oportuna inter­rupção.

— Obrigado, Jackson — respondeu Vince.

Num gesto cavalheiresco ele a ajudou a levantar-se e con­duziu-a à sala de jantar.

Durante a refeição, Carol e Vince pouco conversaram. Assim que terminaram de comer, voltaram à sala, onde o mordomo serviu-lhes o café.

Quando ficaram a sós, Carol ajeitou-se confortavelmente na poltrona, enquanto Vince parou diante da lareira com a xícara na mão, observando as chamas. Instantes depois, ele voltou-se tranqüilamente para ela com um brilho nos olhos cinzentos. Carol estremeceu dos pés à cabeça.

— Por que está me olhando assim? — ela perguntou, emba­raçada.

— Estava me lembrando da primeira vez em que vi você — ele começou, percorrendo os olhos pelo seu corpo, detendo-se nos seios rijos, que arfavam. — Foi numa exposição de arte, no Town Hall. Você usava um vestido cinza e seus cabelos estavam presos numa trança. Parecia... distante e fria.

Carol lembrava-se daquela noite com muita clareza. Também o havia notado e seus olhos ficaram como que hipnotizados ao encontrar os dele. Quis desviá-los, mas uma força maior a impelia para aquele homem desconhecido. Recordava as emo­ções que ele provocara em seu corpo, com aquele olhar que a devorava.

— Tem uma boa memória — ela comentou, tentando se libertar daqueles pensamentos perigosos.

— Lembro-me também de tê-la achado deliciosamente miste­riosa. Quando nossos olhos se cruzaram, percebi que os seus brilhavam intensamente.

— Impressão sua — protestou Carol, encabulada.

— Vamos, seja sincera. Você ficou logo impressionada co­migo, não foi?

— Não, isso não é verdade — Carol mentiu.

— Desde aquela noite, eu sabia que você seria minha. E o fato de você ser filha de David Loyd uniu o útil ao agradável — ele acrescentou, maldoso, acendendo um cigarro.

Foi como se Carol tivesse levado uma bofetada no rosto.

— E você ainda tem a coragem de acusar meu pai e a mim de usarmos as pessoas. Você fez muito pior. Não sente remorso pelo que já fez?

— Tomei uma decisão em minha vida, aos vinte anos, e não me arrependo nem um pouco de tudo o que fiz para chegar aonde estou — respondeu Vince, com naturalidade.

— Quanta prepotência! — exclamou Carol, com uma expres­são de piedade nos olhos.

— Esforcei-me muito para atingir meu objetivo — ele con­tinuou.

— Seu objetivo é destruir meu pai por um erro do passado, não é isso? — perguntou Carol.

— Exatamente — respondeu Vince, sem rodeios. Carol não podia entender tanta frieza e crueldade.

— Por que não me conta toda a verdade? — ela pediu, desesperada. — Do que meu pai está sendo acusado? Preciso saber!

— Nunca — negou Vince, aproximando-se dela. — Agora chega! Acho que já falamos demais por uma noite.

Em seguida ele a tomou nos braços e saiu em direção ao quarto.

— Ponha-me no chão! — protestou Carol, esperneando. Os apelos de Carol de nada adiantaram, pois Vince continuou a subir os degraus, rapidamente. Abriu a porta do quarto com o pé e só então a colocou no chão. Muito próximos um do outro, Carol podia sentir a respiração sôfrega e o hálito de Vince. Durante um longo tempo ficaram se olhando nos olhos. Depois, num gesto delicado, Vince tocou-lhe nos lábios trêmulos. Foi um beijo suave e, ao mesmo tempo, exigente, obrigando-a a entregar-se ao fogo da paixão.

Vince a despiu lentamente, enquanto beijava-lhe os lábios, os olhos, a face, os seios, fazendo-a gemer de prazer e ansiedade. Depois, tomando-a novamente nos braços, ele a carregou, nua, até a cama.

Atendendo aos anseios de Carol, Vince deitou-se sobre ela, buscando com a boca os bicos dos seios. Mordiscou-os, sugou-os, beijou-os carinhosamente até deixá-la tonta de prazer e excitação.

Carol ainda tentou resistir no último instante, mas o desejo era mais forte que a razão. Soltando um grito de prazer, ela se entregou por inteiro.

— Você é linda, liebchen... — murmurou Vince, enfiando a ponta da língua no ouvido dela. — Está me deixando louco.

— Eu é que devo ter enlouquecido — recriminou-se Carol, gemendo de amor.

— Não se arrependa, liebchen. Era o nosso destino. Estava escrito nas estrelas, antes mesmo de você entrar naquele escri­tório, aquela noite.

Carol não entendeu o significado daquelas palavras, mas naquele instante nada mais tinha importância. Desejava-o e só queria amá-lo, com toda a força do seu ser. Depois, teria o resto da vida para se arrepender.

 

As semanas voavam e David Loyd aguardava o dia do resul­tado da concorrência com grande ansiedade. Era sua última cartada e, como não podia deixar de ser, havia um clima de tensão no ar.

O casamento de Carol e Vince entrara numa nova fase, de muito entendimento e serenidade. Os dois se falavam franca­mente, sem rodeios e sem temores, num relacionamento ami­gável. Vince se mostrava sempre gentil e até mesmo carinhoso, mas Carol ainda se mantinha arredia, às vezes, receosa de se machucar se tudo de repente acabasse.

A cada dia que passava, mais a moça se preocupava com o pai. David Loyd parecia doente, distante e desanimado. Na tentativa de encorajá-lo, Carol conversava com ele com fre­qüência, mas nem ela própria conseguia convencer-se de que existia alguma chance de ganhar aquela concorrência. Além disso, sabia que Vince era um páreo muito forte e seria difícil vencê-lo. Mas, apesar de tudo, Carol insistia em transmitir tranqüilidade e segurança ao pai, mostrando-se confiante na capacidade dele.

As coisas estavam nesse pé quando John Curtis apareceu na biblioteca inesperadamente. Carol não o via desde o inci­dente com Vince c não foi capaz de disfarçar a irritação, principalmente por saber que o rapaz havia sondado junto à mãe a respeito do seu casamento.

— Chegou na hora para uma xícara de chá — disse ela, por uma simples questão de cortesia.

Carol logo percebeu que jamais eles voltariam a ser amigos. Sentia que algo havia se rompido entre eles e estava certa de que com John acontecia o mesmo.

— Vim pedir desculpas por minha atitude naquele dia — disse ele, evitando o olhar da moça. — Comportei-me muito mal, mas estou sinceramente arrependido.

— Ora, não se preocupe, John. Já está tudo esquecido. É natural que tenha se ressentido por não tê-lo convidado para o meu casamento. Afinal, somos amigos há tanto tempo. É que foi tudo tão repentino.

— Fiquei decepcionado — confessou John, segurando firme a xícara entre as mãos.

— Eu entendo, principalmente porque você nunca poderia imaginar que o meu escolhido fosse Vince. Afinal, sempre o desprezei.

— É verdade. A vida inteira eu sonhei que um dia nos casaríamos e estava certo de que você tinha o mesmo sonho — lembrou o rapaz com tristeza. — Mas Vince se antecipou.

— Oh, John, eu... — murmurou Carol, enternecida, lembrando-se imediatamente do comentário de Vince.

Ele estava certo, porque John a amava. Vendo-se de repente numa situação embaraçosa, ela não sabia o que fazer.

— Não precisa dizer nada, Carol — dispensou-a John colo­cando o dedo indicador sobre os lábios da amiga. — Gostaria apenas que soubesse que quero continuar sendo seu amigo e que sempre poderá contar comigo.

Realmente, a amizade deles sempre significara muito para Carol; ela não queria ver o amigo magoado. Mas o que poderia fazer? Contar-lhe a verdade? Não, seria muito arriscado.

— Eu também o estimo muito, John — falou Carol com um nó na garganta.

John sorriu, aliviado, e meio sem jeito mudou de assunto.

— Ah, ia me esquecendo de lhe contar! Ouvi dizer lá na cidade que os diretores da Companhia de Aço vão anunciar em breve o nome do vencedor da concorrência para a construção da nova siderúrgica. O resultado deve sair até o final desta semana. Seu pai e seu marido também estão concorrendo, não é?

— Sim, é verdade — respondeu Carol, nervosa.

— E para quem você vai torcer? — perguntou John, obser­vando atentamente a reação da moça:

— Por meu pai. Ele vai ganhar essa concorrência de qual­quer jeito, se Deus quiser — ela profetizou, tensa.

— Eu sabia — John sorriu, satisfeito. — Você sempre ficou do lado dos mais fracos e não seria agora que iria mudar.

— Meu pai não é um fraco — corrigiu Carol, ofendida.

— Desculpe, Carol, mas todos sabem que seu pai está numa situação delicada. Contraiu muitas dívidas e agora não sabe como liquidá-las.

Carol percebeu que John conhecia bem a situação de David. Ela, porém, só tinha ficado sabendo da verdade por intermédio de Vince, pouco antes do casamento. Preocupada consigo mes­ma, ficara alheia aos problemas à sua volta.

— É verdade — reconheceu ela, amargurada. — Meu pai não tem como pagar suas dívidas e a companhia está à beira da falência.

John mostrou-se preocupado.

— E sua mãe sabe disso?

— Não, e nem queremos que saiba. Para que trazer-lhe desgosto e preocupação? Minha esperança é de que papai se saia bem nessa concorrência e mamãe nunca chegue a tomar conhecimento do que aconteceu.

— Mas... e se ele perder?

— Não, meu Deus! Ele tem que vencer! — exclamou Carol, exaltada, franzindo a testa.

Imediatamente John percebeu que a situação era mais séria do que ele tinha imaginado.

Depois que o amigo foi embora, Carol sentiu-se em frangalhos. Sabia do risco que seu pai estava correndo e tinha consciência de que aquela era a última e única chance de David salvar sua firma.

Num impulso ela se pôs de pé, resolvida a ir até a casa do pai para conversar com ele. Encontrou a mãe ocupada no jardim, regando as violetas. Carol suspirou, aliviada, pois assim poderia falar tranqüilamente com David.

— É verdade o que estão dizendo sobre o resultado da con­corrência? — perguntou Carol, sem rodeios, mal havia cumpri­mentado o pai, que estava sentado no sofá da sala lendo o jornal. — Vai sair ainda esta semana?

— Sim, é verdade, filha! — respondeu David Loyd, passando nervosamente as mãos pelos cabelos, agora ainda mais grisalhos. — Acredito que será na sexta-feira.

— E como está se sentindo, papai? — interrogou Carol, consternada com a aparência lastimável do pai.

— Confesso que não tenho muitas esperanças, tendo pela frente um rival como Steiner — ele reconheceu, desanimado.

— Papai, você está muito abatido. Por que não consulta o médico?

— Ora, deixe de tolices — rebateu David, irritado. — Não estou doente.

— E como explica esse constante tremor nas mãos? E esse excesso de transpiração, se estamos em pleno inverno? — per­guntou Carol, aflita.

— Estou apenas atravessando um período difícil — ele a tranqüilizou, agitado, enquanto acendia um cigarro.

— Também está fumando demais — recriminou a filha, ten­tando tirar-lhe o cigarro da boca.

David resolveu reagir.

— Que história é essa? Deixe meu cigarro! Será que nem esse prazer eu posso ter? É melhor acabar com esse sermão e me deixar em paz!

Carol mal reconhecia o pai, que sempre fora tão carinhoso e paciente com ela.

— Estou preocupada com você, papai — ela falou, com doçura. — Só quero o seu bem. Por favor, vá ao médico. Não custa nada.

Enternecido com a preocupação da filha, David Loyd ficou mais calmo.

— Prometo marcar uma hora na semana que vem. Está bem?

— E por que não amanhã mesmo? — insistiu ela, com jeitinho, não querendo irritá-lo outra vez.

— Não, não! Esta semana estarei muito ocupado — ele argumentou, gesticulando as mãos.

— Ocupado? Ora, mas com o quê? — retrucou a filha perdendo a paciência.

— Por Deus, Carol, não me aborreça! Já prometi que irei ao médico na semana que vem e ponto final — ele concluiu, fora de si.

— Está bem, está bem. Não vou mais insistir, mas quero que saiba de uma coisa: você é muito importante para mim, muito mais que esta casa e todo o dinheiro que tiver no banco, entendeu?

Carol disse aquilo segurando as lágrimas que enchiam os olhos. Depois, apanhando a bolsa para ir embora, voltou a falar:

— Tenho certeza de que se mamãe estivesse a par da situa­ção também o apoiaria integralmente.

Pouco depois, já dentro do carro, Carol dirigia cheia de apreensões. Se alguma coisa acontecesse ao pai dela, Vince seria o único culpado. Nesse caso, jamais o perdoaria, por nada deste mundo.

Ao chegar à mansão, ela subiu direto para tomar um banho antes do jantar. Precisava relaxar o corpo e refrescar as idéias. Mas nada poderia amenizar a angústia do seu coração, causada pelo péssimo estado de saúde do pai e pela expectativa do resultado da sexta-feira.

Sentada à mesa em companhia do marido, ela ainda tinha os pensamentos todos voltados para o pai.

"Se ele perder a concorrência, não suportará o golpe e acabará morrendo", pensava Carol, entristecida. "Como Siegfried Steiner! Oh, Deus, isso não pode acontecer!"

Após o jantar, os dois passaram para a sala de visitas. Como sempre, Jackson foi servir-lhes o café em frente à lareira.

Vince abriu o jornal, silencioso, enquanto Carol se esforçava para concentrar sua atenção num romance que havia trazido da biblioteca. No entanto, apenas corria os olhos pelas frases impressas, sem entender nada. A imagem do pai, pálido e com as mãos trêmulas, não lhe saía da mente.

— Por que está tão calada? — perguntou Vince, afinal, rompendo o silêncio.

— Estou preocupada com o meu pai — ela confessou, tentando sensibilizá-lo. -— Ele não tem estrutura para agüentar uma nova derrota...

— É mesmo? — falou Vince, com um sorriso de ironia. Carol não podia acreditar que Vince fosse tão insensível e desumano como aparentava. Deveria existir, no fundo de seu ser, algum resquício de compaixão. Num impulso desesperado, ela colocou o livro sobre a mesinha e ajoelhou-se aos pés do marido, numa atitude de submissão.   .

— Por favor, Vince, desista desse contrato! — implorou Carol, com humildade. — Não precisa dele. Dê uma chance ao meu pai.

Vince largou o jornal e dirigiu a ela um olhar frio.

— E qual será minha recompensa por tão nobre sacrifício? Carol teve ímpetos de mandá-lo para o inferno, mas pensou em David e controlou-se. Seria capaz de tudo pelo pai, até mesmo em sacrifício da dignidade e do amor-próprio.

— Farei tudo o que você quiser. Serei uma boa esposa, dar-lhe-eí filhos, viverei para sempre com você, serei sua es­crava... oh, Deus!

Feita a promessa, ela escondeu o rosto entre as mãos, num gesto de desespero.

Um silêncio pesado caiu sobre a sala. Só se ouvia o barulho do fogo, crepitando na lareira. Finalmente Vince resolveu falar:

— Sinto muito, mas sua oferta não me parece atraente. Agora, se me dá licença, preciso dar alguns telefonemas.

Quando ele se levantou e saiu em direção ao escritório, seu rosto irradiava vitória.

Completamente sem ação, Carol deixou-se ficar onde estava, ainda ajoelhada no chão, perplexa com o que acabara de ouvir. Então, lágrimas de humilhação começaram a escorrer por suas faces pálidas.

Tudo o que ela queria era salvar o pai, mas outra vez falhava. Restavam-lhe somente a rejeição e o desprezo do marido, que a repelia sem compaixão. Agora, mais do que nunca, Carol tinha certeza de que não passava de um objeto de vingança nas mãos de Vince. Nada o faria mais parar.

Na sexta-feira, Carol estacionou o carro em frente à mansão. Tivera um dia cheio de apreensão e ansiedade, esperando a resposta da companhia, e só agora, ao descer do automóvel, percebia o quanto estava cansada.

Ao recebê-la à porta, Jackson ajudou-a a despir o casaco.

Nesse instante, alguma coisa chamou a atenção de Carol para a sala de visitas.

— Harriet! — ela exclamou, sorridente, caminhando imedia­tamente em direção à moça, que esperava em frente à lareira. — Ora, mas que surpresa agradável!

— Vince não lhe avisou que eu viria passar com vocês este fim de semana? — perguntou a cunhada, aparentemente confusa.

— Não — respondeu Carol, inocente. — Ele deve ter se esquecido de me contar.

Estava realmente contente com a chegada da cunhada.

— Estranho! — comentou Harriet, espantada. — Ele me ligou na quarta à noite e praticamente me obrigou a vir para cá.

— É mesmo?

— Pois acho que já sei do que se trata, e acho que você também sabe — concluiu Harriet, fitando o rosto pálido de Carol.

Nesse momento elas escutaram o ruído de um carro estacio­nando na garagem.

— Deve ser Vince — falou Carol, enfiando as mãos trêmulas nos bolsos da calça na tentativa de esconder o nervosismo.

De fato era Vince que entrou na sala com um sorriso encan­tador. Ao vê-lo, Carol sentiu as pernas bambas. Ainda lhe custava controlar aquele amor e não correr em direção ao marido para recebê-lo cora beijos e abraços até que ele perdesse o fôlego.

— Harriet, querida! — exclamou ele. — Que bom que já chegou!

Vince abraçou a irmã, beijando-a carinhosamente no rosto. Depois voltou-se para Carol e beijou-a nos lábios.

— Você me parece cansada, liebchen. Trabalhou muito hoje?

— O mesmo de sempre — respondeu Carol diante dos olhos atentos da cunhada.

— Que tal um drinque? — sugeriu Vince, caminhando até o bar para pegar uma garrafa de champanhe francês.

— Champanhe? O que vamos comemorar? — perguntou Harriet, surpresa, enquanto o irmão se preparava para abrir a garrafa.

Quando a tampa da garrafa voou para o alto, com um estouro, Carol ficou lívida. Agora entendia por que Vince estava tão eufórico.

— Vamos comemorar o meu sucesso, minha irmã! — ex­clamou ele, exultante. — Ganhei a concorrência e vou construir a nova siderúrgica!

Carol precisou se apoiar no braço de uma poltrona para não perder o equilíbrio. O coração batia descompassado e seus pensamentos estavam com o pai. Precisava vê-lo, desesperadamente.

— Se me dão licença... — ela murmurou, com os lábios trêmulos, preparando-se para sair.

— Carol, volte aqui! — gritou Vince, exasperado.

— Não acha que está exagerando, Vince? — Harriet se adiantou, em socorro da cunhada.

— Por favor, fique fora disso, Harriet! — ele respondeu, grosseiro, com os olhos fixos na esposa. — E você, Carol, espere!

Sem alternativa, Carol caminhou resignadamente de volta à sala, parando na frente do marido.

— O que deseja?

— Quero que beba conosco ao meu sucesso — exigiu Vince, oferecendo a ela uma taça.

Aquilo foi como uma bofetada no rosto de Carol, que teve ímpetos de começar a gritar. O grito, porém, morreu na gar­ganta e ela ergueu o rosto, olhando bem dentro dos olhos do marido.

— O que está me pedindo é simplesmente monstruoso! — ela desabafou, indiferente à taça de champanhe que ele oferecia.

— Faça o que estou dizendo! — insistiu Vince, obstinado.

— Eu não seria desleal para com meu pai a esse ponto! — ela se explicou, mostrando com o olhar que esperava um pouco de sensibilidade.

— É a mim que deve lealdade, pois sou seu marido! — gritou Vince.

— Pois nada fez para merecê-la!

— Mesmo assim, faça o que lhe pedi! Vamos, erga sua taça e beba à minha vitória — ele tornou, insolente.

Os olhos deles se cruzaram numa batalha muda e Carol lentamente tomou a taça nas mãos trêmulas. Harriet assistia a tudo sem poder fazer nada.

— Está bem, eu beberei, mas saiba que não será pelo seu sucesso, mas pelo fim dessa sua sede de vingança e do ódio que traz no coração.

Com os olhos cheios de lágrimas, Carol ergueu a taça, levou-a aos lábios e tomou o champanhe de um só gole.

— Agora, se me dão licença, preciso sair para ver meu pai — ela avisou, decidida.

— Você não vai a lugar nenhum! — gritou Vince, interrompendo-a novamente, quando Carol tentava deixar a sala.

Desta vez, porém, ele parecia um possesso e Carol ficou assustada.

— Você alcançou seu objetivo, que era derrotar meu pai, arrasar com ele. Agora vou ao encontro dele, quer você queira, quer não! Mas não se aflija, pois voltarei a tempo de continuar interpretando o meu papel de anfitriã.

Dito isso, Carol deu-lhe as costas e saiu dali, decidida. Por um momento ela pensou que Vince novamente a impediria, mas ele não fez nada.

A caminho da casa dos pais, o ódio e a indignação foram dando lugar a uma enorme sensação de medo no coração de Carol. Lembrou-se do desânimo do pai em competir com um rival como Vince Steiner. Ele sabia, desde o princípio, que jamais teria chances contra Vince. O marido de Carol também tinha consciência desse fato e queria ter o prazer de derrotar e humilhar o inimigo.

Agora, a única solução era vender a casa e as demais proprie­dades da família para saldar a dívida e poupar o pai da desonra. O pior era que ela ainda amava Vince, de todo coração, embora naquele momento esse sentimento fosse mesclado com o ódio.

A mãe de Carol foi recebê-la à porta, ansiosa.

— Oh, que bom que você veio, filha! A proposta de seu pai não foi aceita...

— Já sei de tudo, mamãe — disse Carol, procurando apa­rentar calma. — Onde ele está agora?

— No escritório — respondeu Lilian, apontando a segunda porta no fim do corredor. — Trancou-se lá desde que soube da notícia. Vocês... estão escondendo alguma coisa de mim? Apreensiva, Lilian agarrou a filha pelo braço e Carol desviou o olhar, temendo trair-se.

— é claro que não, mamãe! Tudo o que houve foi que papai perdeu a concorrência — explicou ela, procurando ser convincente.

— Não sou nenhuma tola, Carol! Há meses que venho notando seu pai aflito, nervoso. Isso tudo deve ter alguma razão, mas ele se nega a me contar o que é. Estou começando a ficar preocupada com o estado de saúde dele.

— Bem, acho melhor ir vê-lo — falou Carol.

— Vá, sim, querida, e veja se descobre alguma coisa — pediu Lilian, acompanhando-a até o escritório.

Chegando ao escritório do pai, Carol bateu à porta. Como não houve resposta, achou melhor entrar.

David Loyd estava jogado em sua poltrona, com o rosto entre as mãos, num gesto de profundo desespero. Parecia cansado e bem mais velho. Carol aproximou-se dele, cheia de pena.

— Papai... — ela chamou, com meiguice, procurando pala­vras de conforto para dizer.

David Loyd ergueu o rosto e Carol assustou-se ao deparar com um homem arrasado, de olhos apagados e vermelhos e profundas olheiras. As mãos trêmulas mal podiam segurar o cigarro aceso entre os dedos.

— Já soube da notícia? — ele perguntou, soltando uma baforada, com um olhar perdido.

— Sim, papai — ela confirmou, sem saber como agir num momento tão difícil como aquele. — Sinto muito...

— Não tanto quanto eu... — murmurou David Loyd, rindo cinicamente.

Carol surpreendeu-se, pois nunca o vira daquele jeito. David Loyd estava doente, muito doente, e era terrível para Carol reconhecer que Vince, o próprio marido, era o único responsável por aquela desgraça, pelo lastimável estado de saúde daquele homem.

— O que pretende fazer agora, papai? — ela perguntou, sentando-se na frente dele.

— Vender tudo, encaminhar a falência da companhia e reco­meçar da estaca zero — respondeu David indiferente, brincando com o cigarro entre os dedos.

Carol, porém, sabia que não seria nada fácil para o pai recomeçar a vida principalmente na idade em que estava. Nessa etapa, ele deveria estar gozando a vida, colhendo os frutos do trabalho de tantos anos.

— Vai precisar vender a casa, não é? — ela lembrou, engo­lindo em seco e imaginando o sofrimento da mãe.

— E fazer o quê, filha? — constatou David Loyd, acabrunhado, apagando o cigarro no cinzeiro.

— Já conversou com mamãe a esse respeito? — interrogou Carol, já sabendo a resposta de antemão, pois conversara com Lilian, antes de entrar no escritório.

— Ainda não.

— Ela já está desconfiada... E não vejo razão para lhe esconder a verdade por mais tempo.

— Concordo, concordo... — murmurou o pai, passando nervosamente as mãos pelos cabelos em desalinho. — Imagino que Steiner esteja dando pulos de alegria!

Steiner? A simples menção daquele nome a fez estremecer. Carol achou que havia chegado o momento de saber toda a verdade.

— Gostaria que me contasse o que realmente aconteceu entre vocês dois e o que levou Vince a ter tanto ódio e desejar vingança com tamanha obsessão.

David cocou a cabeça, como se procurasse uma saída.

— É uma longa história e, no momento, não tenho condições emocionais para falar no assunto. Tudo o que sei é que tenho dez meses para pagar Vince e só vou arranjar o dinheiro ven­dendo todos os nossos bens.

— Gostaria de poder dizer que vai conseguir, papai, mas não acredito em milagres — confessou Carol, encarando os fatos.

— Nem eu... — enfatizou o pai, acendendo outro cigarro. Carol sentiu vontade de repreendê-lo, dizer que não fumasse tanto, mas engoliu as palavras. Não era hora de fazer recriminações, mas sim de compreensão e muito carinho.

— O que posso fazer para ajudá-lo, papai?

— Já fez o máximo que pôde, querida — ele respondeu, acariciando o rosto da filha. — Agora, volte para sua casa que eu e sua mãe nos arranjaremos.

Carol relutou em partir, mas sentiu que sua presença não poderia minimizar o sofrimento do pai. Naquele momento ele preferia ficar sozinho. O mal já estava feito e ela não tinha forças para socorrê-lo.

— Filha! — Lilian a chamou, assim que Carol saiu do escritório.

Carol preparou-se para se defender das mil perguntas que a mãe iria lhe fazer. Não podia trair-se, pois a tarefa de contar toda a verdade ficara por conta do pai.

— Oh, desculpe, mamãe, mas estou com muita pressa — ela falou, com doçura, beijando-a no rosto, enquanto caminhava em direção à porta. — Não vai dar para conversar agora. Vince detesta quando me atraso para o jantar e já passa das sete.

 

Naquela noite, o clima na mansão estava tenso. Carol não ousava encarar o marido, sentado à sua frente na outra extre­midade da mesa. Não haviam dito uma só palavra desde a discussão daquela tarde, quando Vince praticamente a obrigara a beber ao sucesso dele.

Carol tinha o pressentimento de que, assim que havia deixado Vince e Harriet para ir ter com o pai, os dois haviam brigado, pois agora mal se olhavam e só se falavam por monossílabos. Após o jantar, Harriet desculpou-se e subiu para seu quarto. Carol fez o mesmo alguns minutos mais tarde.

Depois de um banho prolongado, Carol vestiu uma camisola de renda e enfiou-se debaixo das cobertas. Sentia-se péssima e não conseguia pregar os olhos, preocupada com a situação do pai e, ao mesmo tempo, pensando no marido.

Vince, obcecado pelo desejo de vingança, distanciara-se da própria irmã, a única pessoa que ele realmente amava. Quanto a Carol, sobravam-lhe o desprezo e o ódio do marido, que jamais a veria como a mulher amada.

Ela ainda estava acordada, mas fingiu dormir quando Vince entrou no quarto, tarde da noite. Por alguns instantes ele ficou a observá-la com os olhos semicerrados. Depois, dirigiu-se ao banheiro para tomar banho, reaparecendo com os cabelos ainda molhados.

— Ainda não dormiu? — comentou Vince, irônico, pegando-a desprevenida. — Ainda bem que não me expulsou deste quarto depois de tudo o que aconteceu.

Carol, sentando-se de súbito na cama, enfrentou-o com um brilho de ódio no olhar.

— Meu pai não está bem, Vince!

Vince correspondeu àquele olhar com ironia.

— Então, finalmente chegou a hora de David Loyd, pagar tintim por tintim, pelo que fez com meu pai.

Sem palavras para expressar seu desespero, Carol limitou-se a olhar o marido que caminhava pelo quarto, e acendeu um cigarro nervosamente. Quando Vince voltou-se novamente para ela, o prazer da vingança estava desenhado nas linhas do rosto.

— Por que odeia meu pai tanto assim? O que foi que ele fez? — perguntou Carol, finalmente.

— Já disse para perguntar a ele! — falou Vince, alterado, continuando a andar de um lado para o outro.

— Prefiro ouvir a verdade da sua boca, Vince! — suplicou Carol.

Mas, para surpresa da jovem, Vince acalmou-se de súbito. Caminhando até a beira da cama ele se sentou como se estivesse tremendamente cansado. Depois, como um menino indefeso, cobriu o rosto com as mãos e deixou-se ficar assim por longo tempo. Finalmente, com o olhar perdido começou a falar.

— Meu pai trabalhava como empreiteiro em grandes obras. Dezoito anos atrás, Loyd contratou seus serviços para a cons­trução do edifício onde hoje moram os funcionários públicos municipais. Meu pai estudou minuciosamente as plantas da obra e avisou a Loyd que o ferro disponível não era suficiente para reforçar as estruturas de um edifício daquele porte. Loyd, porém, não lhe deu ouvidos, teimando que, pelos seus cálculos, já tinham o material suficiente e que não compraria mais nada. Meu pai ainda insistiu, mas como Loyd persistisse no seu ponto de vista, acabou cedendo, mesmo contra seus princípios. Quando já estavam erguendo o segundo andar, o prédio desabou, ma­tando três pedreiros e ferindo sete.

— Oh! — exclamou Carol, levando as mãos trêmulas à boca, horrorizada.

— Loyd tinha um excelente advogado na época e, quando a causa chegou aos tribunais, ele, para provar sua "inocência", lançou toda a culpa sobre o meu pai, acusando-o de negligencia e incapacidade. Era o mais forte contra o mais fraco, e você deve imaginar quem acabou vencendo.

Vince fez uma pausa, suspirando profundamente. Depois continuou:

— Meu pai não teve como se explicar perante a justiça. Não chegou a ser preso, mas sua carreira estava definitivamente acabada, pois ninguém jamais se arriscaria a dar emprego a um homem irresponsável, capaz de pôr em risco a vida das pessoas. Ferido em seu orgulho e em sua dignidade, o que mais poderia lhe restar? Numa sexta-feira à noite, meu pai suicidou-se com um tiro na cabeça.

Carol empalideceu, cheia de horror diante daquela revelação. Somente agora podia entender Vince e o porquê de sua sede de vingança. O pai morto! Contudo, era difícil aceitar que seu pai, David Loyd, fosse o único responsável pela tragédia. Não, não era possível! Alguma coisa não se encaixava em toda aquela história. Ela só saberia depois de conversar com o pai e persuadi-lo a contar a sua versão.

A voz de Vince interrompeu aqueles pensamentos.

— Eu tinha vinte anos quando tudo aconteceu e estava termi­nando o terceiro ano de engenharia mecânica. Precisei arranjar um emprego para poder continuar estudando, pois quase todo o nosso dinheiro foi usado para pagar advogados. Harriet só tinha dezessete anos e seu grande sonho era fazer medicina. Fiquei sendo o responsável por ela e não podia desapontá-la. Então, vendi nossa casa e dois terrenos aqui em Murrayville e aluguei um pequeno apartamento em Joanesburgo, perto da universidade. De manhã eu freqüentava as aulas e à noite trabalhava como garçom nas lanchonetes da cidade. Precisava de cada centavo que pudesse ganhar e, por isso, passava os finais de semana limpando os jardins das casas de famílias ricas. Harriet também se sacrificou muito. Lavava, passava, cozinhava, cuidava da casa e ainda arranjava tempo para estudar.

Vince falava com amargura, lembrando-se dos tempos difíceis.

— Quando finalmente consegui terminar a universidade, sa­bia exatamente o que queria na vida. Trabalhei mais algum tempo para juntar dinheiro e, depois, comecei minha própria companhia, pequena, humilde, mas que, como você já sabe, me levaria pára o alto. Quando soube que seria aberta uma concorrência para a construção de uma enorme siderúrgica em Murrayville, percebi que havia chegado a minha hora, a hora de destruir David Loyd, o homem que não teve misericórdia para com meu pai. E aqui estou, prestes a ver meu sonho tornar-se realidade.

Sentada na cama, Carol não conseguia falar. Grossas lágrimas corriam-lhe pelas faces pálidas. Agora entendia por que Vince ti­nha uma alma tão angustiada e sofrida. Teve ímpetos de tomá-lo nos braços e confortá-lo, como uma mãe conforta um filho, mas controlou-se a tempo, temendo ser rejeitada. Num gesto frater­nal, porém, esticou a mão e tocou-lhe de leve o braço.

— Oh, Vince... sinto muito por seu pai... — ela começou, com a voz condoída. — Tem certeza de que não houve ne­nhum... nenhum engano?

— Claro que não há engano! — ele contestou, afastando bruscamente a mão que o tocava. Seu pai é um homem mes­quinho e ambicioso! Queria ganhar o dobro, usando o mínimo de material possível! Se não tivéssemos sido tão idiotas, naquela época, poderíamos ter ganho a causa e posto David Loyd na cadeia, onde é o lugar dos assassinos! — concluiu, descon­trolado, indiferente às lágrimas da garota.

— Se... se o que me contou é verdade, não posso censurá-lo por se sentir assim... — disse ela, desolada. — Mas... mas...

— Mas o quê? — ele perguntou, impaciente. — Vamos, diga!

— Os fatos ainda estão meio confusos na minha mente, mas algo me diz que houve algum engano no que se refere ao meu pai — ela insistiu, tentando parecer segura. — Concordo que ele não é uma pessoa perfeita, mas sempre o tive como um homem leal e sincero, honesto em relação a negócios.

— Como pode ser tão cega? — espantou-se Vince, indig­nado.

— Mas por que não pode ter havido um engano, um terrível mal-entendido? — repetiu Carol, ignorando o protesto dele.

— Não houve engano algum! — esbravejou Vince. — Loyd acusou meu pai, publicamente, de negligência, o que no ramo da construção representa o fim da carreira de um construtor!

Carol percebeu que não adiantaria argumentar com um ho­mem tomado de tanto rancor e tanta amargura. Sentia-se divi­dida entre o amor filial e a paixão pelo marido...

— Sinto muito pelo que aconteceu, Vince, mas destruir meu pai não trará o seu de volta nem consertará um erro do passado.

— Não me interessa! Vou até o fim e sei muito bem aonde quero chegar! — respondeu Vince, fora de si, começando a fumar nervosamente.

— Ah, não sabe, não! — contestou Carol, perdendo a pa­ciência.

Pondo-se de pé ela agarrou o marido pelo braço.

— Você está se autodestruindo, por causa desse sentimento obstinado de ódio e vingança que existe em seu coração! — ela explodiu, numa última esperança de trazê-lo de- volta à razão. — Não pode continuar vivendo assim!

Rispidamente, Vince a afastou.

— Não preciso dos seus conselhos para saber como devo ou não dirigir a minha vida! Ficou maluca? Quer que eu perdoe tu­do e dê uma chance àquele canalha? Jamais, está ouvindo? Ja­mais! Ele não hesitou um só minuto quando permitiu que meu pai fosse condenado injustamente! Loyd não merece compaixão!

Vince estava realmente descontrolado.

— Por favor, Vince... — ela implorou, incapaz de conter as lágrimas que lhe enchiam os olhos.

— Desista! — gritou Vince, irado.

Caminhando até a penteadeira, ele deu uma tragada no cigarro e o recolocou no cinzeiro. Depois tirou o roupão e jogou-o sobre a cadeira. Por uma fração de segundos, Carol vislumbrou aquele corpo nu antes que ele se enfiasse, rápido, debaixo das cobertas, apagando a luz.

Carol ficou imóvel no meio do quarto, na escuridão. De repente, começou a tremer incontrolavelmente. Era um frio que vinha da alma. Com passos tímidos, ela andou até a cama deitou-se ali, ao lado do marido. Sentia-se muito frágil, carente, magoada. Simplesmente, não sabia mais o que fazer para que Vince desistisse daquela vingança absurda que os destruiria.

Uma triste sensação de abandono, reforçada pela escuridão do quarto tomou conta da moça, que continuava a chorar.

Apesar de partilharem da mesma cama, marido e mulher mantinham-se cada qual no seu canto, sem que um ousasse se aproximar do outro. Carol não sabia o que era pior, a humilhação a que o pai estava sendo submetido ou a barreira intransponível que havia se erguido entre ela e Vince.

Intimamente, Carol desejava ardentemente tocar no marido, sentir o corpo dele junto ao seu, receber o calor daqueles braços e a doçura dos seus beijos. Ao mesmo tempo, precisava manter a dignidade e o respeito próprio.

Lágrimas quentes insistiam em correr pelos olhos de Carol molhando todo travesseiro. Lágrimas de pesar e agonia. Se ao menos Siegfried Steiner não tivesse cometido a loucura de tirar a própria vida, ou se o pai dela não fosse o principal responsável por aquela tragédia... Talvez então houvesse alguma chance, um amanhã para eles.

Foi nesse estado de espírito que Carol adormeceu. Acordou diversas vezes no meio da noite, para se achar entre os braços de Vince, que dormia profundamente, segurando-a junto ao corpo másculo, possessivo. Então, na penumbra do quarto, um sorriso aflorou em seus lábios de mulher.

Na manhã seguinte Carol despertou com uma estranha sen­sação de desconforto. O dia cinzento, sem a alegria do sol, tinha um ar taciturno e fazia frio. A casa estava em silêncio quando ela desceu, indo direto para o jardim.

Carol caminhou a passos lentos pelo gramado e pelas ala­medas, perdida em seus pensamentos. Ao redor, a natureza prenunciava a chegada do inverno. Os pássaros entoavam o canto de despedida, preparando-se para uma longa viagem em busca do sol. Nas jardineiras abriam-se as últimas rosas do outono, com suas pétalas coloridas e vibrantes.

Carol, porém, não se comovia com toda aquela beleza. Para ela, o mundo se tornara obscuro, assustador, sem vida. Era doloroso constatar que seu amor jamais seria correspondido. Naquele coração de gelo, cheio de ódio, não havia lugar para o amor. Mesmo assim ela o amava, quando na verdade deveria desprezá-lo por tudo o que havia feito a David Loyd. Intima­mente, porém, Carol alimentava a esperança de que por baixo daquela máscara de homem cruel se escondesse alguém cheio de vida, sensível.

— Carol! — Harriet a chamou, chegando ao jardim. — Posso acompanhá-la?

A irmã de Vince parecia ter medo de se aproximar e ser mal recebida.

— Claro — a outra concordou, esperando por Harriet para continuar a caminhada.

— Imagino que a esta altura você me odeie tanto quanto a Vince — arriscou Harriet, depois de alguns passos.

— Jamais odiei você e muito menos a... — Carol começou a dizer, mas um nó na garganta a fez parar.

Lutando para não deixar escorrerem as lágrimas, ela a muito custo continuou:

— ...muito menos a Vince. Tudo o que desejo é que ele esqueça o passado e perdoe meu pai.

— Infelizmente, acho que Vince não sossegará enquanto não vir David Loyd completamente arruinado — disse Harriet, pe­sarosa, enquanto seguiam em direção ao caramanchão.

Ali sentaram-se num banco, uma ao lado da outra.

— Vince era uma pessoa tão diferente no passado — contou Harriet, agoniada. — Era divertido, carinhoso, amável, mas desde a morte de papai tornou-se um homem amargo. Traba­lhou anos a fio, dia e noite, para fazer frente aos compromis­sos, inclusive pagar os meus estudos, e esqueceu-se de viver. Há oito anos, fundou sua própria companhia, começando do nada. Hoje ele se orgulha de ter chegado aonde chegou, apesar dos obstáculos que teve de superar. Mas eu ainda tenho espe­ranças de que meu irmão volte a ser o mesmo de antes, o meu irmão querido.

Pela primeira vez, Carol pôde perceber a grande afeição que aquela mulher nutria por Vince, o quanto era bondosa e sin­cera. No entanto, não conseguia encontrar um argumento que pudesse alimentar aquela ilusão.

— Você é a única pessoa que pode ajudá-lo, Carol -— asse­gurou Harriet instantes depois, pegando a moça de surpresa.

— Eu? Você se esquece de que sou a filha de David Loyd? — perguntou Carol, confusa.

— Isso não importa — insistiu Harriet. — O principal mo­tivo é que você o ama, Carol. Só você pode dar a Vince o ca­rinho de que ele necessita para esquecer definitivamente esse passado horrível.

Carol lembrou-se da discussão que surpreendera entre os dois irmãos, no dia do seu casamento, quando Vince estava decidido a usá-la como arma para saciar sua sede de vingança. Nisso, Jackson se aproximou, interrompendo a conversa das duas mo­ças. Todo cerimonioso, ele avisou a Carol:

— Telefone para a senhora, madame.

Pedindo licença a Harriet, Carol correu em direção à casa, com o coração descompassado, tomada por um mau pressentimento. Chegou ao hall ofegante e, com a mão suada, pegou o telefone.

— Alô, aqui é Carol Steiner — ela atendeu, ansiosa.

— Carol! — exclamou Lilian Loyd, do outro lado da linha.

— É seu pai... — A voz embargada da mãe fez com que Carol sentisse um frio no estômago.

— O que houve, mamãe? — ela perguntou, temerosa.

— Ele teve um colapso, esta manhã e está sob sedativos, no hospital — explicou Lilian, atordoada.

— E você onde é que está agora?

— Aqui no hospital e... estou preocupada, filha.

— Fique tranqüila. Já estou indo para aí — falou Carol, tentando acalmá-la.

Vince era o único culpado! Assistira impassível ao massacre de David Loyd e ela jamais o perdoaria se algo de grave acon­tecesse ao pai. Jamais!

Depois de colocar o fone no gancho, Carol rumou com pas­sos rápidos para o escritório de Vince, que estava tranqüila­mente sentado em sua poltrona, folheando uma revista. Assim que a viu, ele ergueu os olhos, arrogante, aparentando total in­diferença ao desespero estampado no rosto da esposa.

— Espero que da próxima vez bata à porta antes de entrar — ele advertiu, autoritário, aumentando mais ainda a raiva da garota.

— Meu pai sofreu um colapso e está no hospital — comu­nicou Carol, aflita.

A inexpressividade do marido era tanta que deixou Carol ainda mais nervosa.

— Isso não justifica sua entrada repentina sem bater na porta — ele a recriminou friamente.

— Ora, vá para o inferno, Vince Steiner! — explodiu Carol, lívida de ódio. — O fato de seu pai ter morrido não significa que o mesmo deva acontecer com o meu! Vince fez um gesto de enfado.

— A vida de Loyd não me diz respeito.

Aquela frase, pronunciada de forma tão cruel, doeu mais que uma bofetada no rosto de Carol.

— Seu pai também podia escolher, mas preferiu dar um tiro nos miolos a enfrentar os fatos de cabeça erguida! — acusou Carol, corajosa, disposta a defender o pai até o fim, mesmo que colocasse em risco o seu casamento.

— Cale a boca! — ele gritou, pondo-se imediatamente de pé. A reação de Vince, inesperada e violenta, clareou de súbito as idéias de Carol. Pelo menos tinha conseguido arrancá-lo da­quele marasmo e indiferença. No mesmo instante vieram-lhe à mente as palavras de Harriet: "Só você poderá ajudar meu irmão!" Era isso mesmo! Não importava naquele momento se o magoasse. Era preciso a todo custo fazê-lo voltar à razão e conseguir salvar a vida do pai.

— Agora sei o que o vem perturbando durante todos esses anos. Você odeia meu pai, tanto quanto despreza o seu próprio por ter sido um covarde. Seu pai preferiu a fuga a ter que en­frentar o problema.

Ao encarar o marido, Carol notou-o pálido, com os olhos brilhando de uma forma estranha. Antes que ele tentasse in­terrompê-la, a moça continuou o discurso, descontrolada.

— Acho que jamais me perdoaria se permitisse que meu pai chegasse ao ponto de dar um tiro na cabeça. David Loyd vai resistir e lutar contra qualquer obstáculo que você colocar em seu caminho. E eu e minha mãe estaremos ao lado dele, o tem­po todo.

Furiosa, Carol deixou o escritório, batendo a porta com força.

No momento em que ela estacionava o carro no quarteirão ao lado do hospital, sua mente atordoada mal conseguia coor­denar as idéias. Não podia entender como pudera se apaixonar por um homem tão cruel e vingativo como Vince Steiner. Na­quele momento, o que sentia por ele era ódio e repulsa.

Quando Carol entrou pela porta principal do hospital, o si­lêncio que existia ali fez com que se acalmasse um pouco. Di­rigindo-se à recepcionista, perguntou onde ficava o quarto do pai e, em seguida, correu ao encontro dele.

— Oh, querida, que bom que chegou — murmurou Lilian, assim que a avistou, com os olhos cheios de lágrimas.

Abraçando a filha ela deu vazão à dor e à angústia pela si­tuação crítica do marido.

David Loyd, deitado sobre a cama, o rosto sem cor, parecia calmo e sereno. Mal parecia respirar e Carol, assustada, tomou-lhe as mãos para se certificar de que estava vivo. Para seu alí­vio, os dedos estavam quentes e a pulsação normal.

— Como ele está? — ela perguntou, ansiosa, tentando man­ter a calma.

—Ainda está à base de sedativos. O médico disse que Da­vid está com uma forte estafa de origem nervosa — respondeu Lilian, enxugando as lágrimas.

— Oh, meu Deus... — sussurrou Carol, levando a mão à boca num gesto de aflição.

Sentiu o ódio crescendo dentro de si ao lembrar-se de Vince, o único culpado de tudo. Jamais o perdoaria! Jamais!

Naquelas circunstâncias, Carol concluiu que havia chegado o momento de revelar toda a verdade à mãe. Não era mais pos­sível continuar escondendo dela a real situação financeira do pai, o que a obrigara a casar-se com Vince. Assim, encheu-se de coragem e começou:

— Mamãe, há uma coisa que preciso lhe contar.

— Eu sei de tudo, meu bem — Lilian se adiantou, antes que Carol continuasse. — Seu pai me expôs todo o problema esta manhã, antes de sofrer o colapso.

Carol, então, sentiu um alívio enorme, como se lhe tivessem tirado um grande peso dos ombros. Mas até onde o pai teria contado?

— Papai lhe contou tudo? — ela perguntou, receosa.

— Sim, querida. Agora eu sei por que você se casou com Steiner — confirmou Lilian. — Foi uma atitude muito nobre de sua parte, mas quero que saiba que não tem a minha apro­vação. O casamento é ato sagrado, minha filha. É um sacramento que só deve ser realizado em conseqüência do verdadeiro amor entre duas pessoas.

Comovida com as palavras da mãe, proferidas com tanta con­vicção, Carol desviou o olhar e voltou-se para o rosto pálido do pai. Se ao menos tivesse conseguido poupar os pais de todo aquele sofrimento.

— Papai por acaso também lhe contou o que houve entre ele e Siegfried Steiner? — ela perguntou, voltando seus pensa­mentos para o marido.

Lilian confirmou com um sinal de cabeça, enquanto tomava as mãos do doente, como que querendo confortá-lo. Depois vol­tou a falar com voz pausada:

— Steiner havia alertado seu pai de que o material não seria suficiente para alicerçar bem a obra. Depois de inúmeros alertas, David acabou concordando e chegou a fazer novo pe­dido de material. Quando ocorreu o acidente, foi feita uma perícia para descobrir os responsáveis. Foi verificado, então, numa das investigações, que o pedido não havia sido encami­nhado por displicência do departamento de compras, que tinha engavetado o requerimento.

Lilian fez uma pausa para assoar o nariz e depois continuou:

— Bem, isso não isenta seu pai de toda a culpa, pois, como responsável pela obra, ele deveria ter-se certificado da execução do pedido. O resto você já sabe...

Depois de ouvir tudo em silêncio, Carol pôde constatar que o relato da mãe coincidia com a versão de Vince. Mas seu sexto sentido lhe dizia que algo ainda não estava bem esclarecido.

— Só não entendo por que papai, quando soube do resul­tado das investigações, não tentou fazer nada para impedir. Siegfried Steiner de cometer aquela loucura — disse ela, con­fusa.

— Quando a verdade veio à tona, já era muito tarde. Stei­ner estava morto e seus filhos haviam desaparecido de Murrayville sem deixar uma pista. Seu pai desencadeou uma busca, mas acabou desistindo, após meses de procura incansável — contou Lilian com tristeza.

— Mas por que papai nunca tentou esclarecer os fatos com Vince, quando se reencontraram anos depois? — interrogou Carol, ainda cheia de dúvidas.

— David culpava-se pela morte de Steiner e temia que Vince não quisesse perdoá-lo — justificou Lilian, com os olhos cheios de lágrimas,

— Em troca, preferiu aceitar, com resignação, todo e qual­quer ataque de Vince? — Carol contestou com uma ponta de ironia.

— No final das contas, até você acabou sendo envolvida nessa história — acrescentou Lilian, consternada.

— E agora? Por acaso vocês já tiveram tempo de pensar no que vão fazer no futuro? — perguntou a moça, mudando de assunto.

Com delicadeza, Lilian soltou a mão do marido e caminhou até a janela. Olhando a rua lá fora, respondeu:

— Se vendermos nossas propriedades, teremos dinheiro su­ficiente para pagar o que devemos a Vince. Depois, recomeça­remos nossa vida do nada. A casa, minhas jóias, nossos móveis, tudo isso, nada me vale sem seu pai.

Carol sentiu uma paz imensa diante da coragem da mãe. Finalmente, tudo acabaria bem. Seu pai ficaria bom e Vince, depois de tudo que acontecera, não teria mais razão para pen­sar em vingança.

— Vou ficar aqui com você, esta noite — ela se prontificou, carinhosa, e a mãe a contemplou com um sorriso reconfortante nos lábios.

— Não é preciso, querida. Agora que conversamos, sinto-me melhor e não é preciso ficarmos as duas aqui, ao lado do seu pai. Por que não vai para casa e descansa um pouco? Prometo chamá-la assim que houver necessidade. Qualquer novidade eu aviso — ela prometeu, afagando os cabelos da filha.

— Tem certeza de que você ficará bem? — perguntou Carol, hesitando em sair de perto do pai.

— Pode ir sossegada, meu bem. Sou uma mulher forte. Orgulhosa da mãe, Carol gostaria de possuir aquela mesma coragem e segurança diante da adversidade. Naquele momento, a enfermeira apareceu no quarto para verificar se tudo corria bem e Carol despediu-se da mãe.

No exato momento em que Carol atravessava a porta prin­cipal do hospital, para alcançar a rua, sentiu uma mão forte tocando-lhe o ombro. Voltou-se, assustada, e deparou com Vince, que a seguira pelo corredor.

Surpresa, percebeu que, mesmo depois de tudo que o ma­rido havia feito ao pai dela, levando-o à beira da morte, ainda o amava. Olhou-o longamente e reparou que os olhos de Vince brilhavam de forma estranha e que o rosto dele denotava um enorme cansaço.

— Como está seu pai? — ele perguntou, gentil.

— Continua vivo, se é o que deseja saber — respondeu Carol, rispidamente, sem saber as verdadeiras intenções do marido.

Desconcertado, Vince desviou o olhar e começou a procurar nos bolsos da jaqueta o isqueiro para acender o, cigarro que aca­bara de pôr entre os lábios. Parecia acanhado, sem jeito de falar.

Em outras circunstâncias, aquela estranha atitude teria cha­mado a atenção de Carol. Naquele momento, porém, seu cora­ção estava cheio de preocupação com o sofrimento da mãe e o estado de saúde lastimável do pai.

— Carol, eu... — Vince tentou dizer, mas Carol o interrompeu, desinteressada em ouvi-lo.

— Para sua tranqüilidade, saiba que meus pais resolveram vender tudo o que possuem e você vai receber todo o seu pre­cioso dinheiro. Não será nada fácil para papai recomeçar a vida com a idade que tem, mas não tem importância. Quanto a mim, peço que, de agora em diante, me esqueça, por favor.

Carol disse aquilo com a voz trêmula de raiva. Em seguida, voltou-lhe as costas e o deixou lá, na porta do hospital, parado e perplexo.

 

Enquanto dirigia o carro, Carol sentia o coração bater incontrolavelmente e as mãos suavam segurando a direção. Num ges­to desesperado, ela parou o automóvel bruscamente e abaixou o rosto, deixando as lágrimas correrem livremente por suas faces pálidas. Subitamente lembrou-se das palavras de Lilian. "Por que não vai para casa e descansa um pouco?"

Casa? Mas que casa? A mansão onde Vince morava jamais se tornaria seu lar, e precisava partir dali o quanto antes.

Sim, não havia mais esperanças para os dois. Doravante, cada um retomaria a sua vida sozinho. Mas como? Como poderia viver longe daquele homem, depois de tê-la feito conhecer o inferno... e o paraíso em seus braços?

A casa estava silenciosa quando Carol atravessou o hall em direção à escada. Com o rosto ainda molhado de lágrimas, ela entrou no quarto decidida a fazer as malas. Arrumou tudo sem fazer barulho, pois não queria que a cunhada notasse sua par­tida. Tendo colocado o máximo de roupas possíveis dentro das malas Carol sentou-se sobre a cama, relembrando com tristeza os momentos que vivera naquela casa.

O seu casamento com Vince tinha sido uma loucura. Agora ela saía daquela experiência ferida, magoada, por ter perdido o homem a quem aprendera a amar. Tudo terminado, buscaria forças junto à mãe, que certamente não lhe negaria carinho e apoio.

A porta se abriu de repente e Harriet entrou no quarto. Ven­do Carol chorando e com as malas prontas, a moça fez um ar de espanto.

— O que está fazendo? Não me diga que pretende abando­nar Vince!

— Não só pretendo como vou, Harriet — respondeu Carol com firmeza.

— Não acha que está sendo um pouco precipitada? Por que não espera até que ele volte do hospital? — pediu Harriet, ten­tando demovê-la da idéia de ir embora.

— Não é necessário! Nós já nos encontramos lá e deixei bem clara a minha decisão de deixá-lo.

— Por favor, não vá, Carol — implorou Harriet, preocupa­da. — Dê a ele uma chance de se explicar.

— Explicar o quê? — interrogou Carol, com descrença.

— Não sei, mas acho que vocês têm muito o que conversar.

— Não há mais nada a conversar. A farsa acabou e eu não estou mais disposta a ser usada por seu irmão. É só.

Em seguida Carol fechou as malas e, carregando uma em cada mão, caminhou em direção à porta. Harriet, porém, bloqueou a passagem.

— Quer me dar licença, por favor? — pediu Carol, com fria polidez.

— Sinto muito, mas não posso deixá-la ir — falou Harriet, decidida, sem sair do lugar.

Arregalando os olhos, surpreendida, Carol olhava para a cunhada como se a estivesse vendo pela primeira vez. Não con­seguia compreender por que a moça, que sempre se mostrara sua amiga, agora não agia a seu favor.

— Pensei que fosse minha amiga — ela protestou.

— E não se enganou, querida. Acontece que eu, que não estou tão envolvida no caso, tenho mais serenidade para ana­lisar toda essa confusão. Você ama meu irmão, mas está divi­dida entre seu pai e seu marido.

Lágrimas sentidas voltaram aos olhos de Carol e ela murmu­rou, com o coração apertado:

— Oh, meu Deus... Será que Vince também já sabe? Har­riet, você não contou a ele, não é? Se Vince desconfiar dos meus sentimentos, só vai se divertir à minha custa!

— Meu irmão é muito inteligente, mas em matéria de amor parece cego! Ele está certo de que você o odeia, Carol.

— De qualquer forma, é melhor eu partir.

— Por favor... suplicou Harriet, mais uma vez tentando impedi-la.

Nisso, alguém do lado de fora tentou abrir a porta.

— O que está acontecendo? — à voz de Vince soou, auto­ritária e impaciente.

Imediatamente Harriet deixou o irmão entrar. Ao vê-lo, Carol teve ímpetos de correr para aqueles braços e esquecer todo o passado, mas sua dignidade falou mais alto.

— Estou de malas prontas para ir embora — ela comunicou, com firmeza, enfrentando o marido.

Fez-se um breve silêncio, enquanto as duas mulheres esperavam a reação de Vince.

— Quer nos deixar a sós, por favor, Harriet? — ele pediu, alguns segundos depois, e sua voz soou vibrante, carregada de emoção.

Harriet prontamente deixou-os sozinhos, um frente ao outro. Carol foi a primeira a falar, corajosamente:

— Vou deixá-lo, Vince, e não há nada que me faça mudar de idéia.

— Sinto muito, mas sou obrigado a lembrá-la de que nosso trato ainda não terminou — ponderou Vince, enfrentando-a. — Você só estará livre quando se passarem os doze meses.

— O que quer mais? Você já atingiu seu objetivo mais de­pressa do que esperava. Meu pai, agora, está lá no hospital, jogado numa cama, entre a vida e a morte! Quanto à minha mãe, já sabe de toda a verdade e está do meu lado. Vamos ven­der tudo que temos e lhe reembolsaremos o dinheiro. Portanto, acho que nada mais tenho a fazer aqui!

Um novo silêncio estabeleceu-se no quarto, enquanto Vince, muito pálido, apenas a olhava. Quando Carol tentou novamente sair ele gritou, descontrolado:

— Não vai a lugar nenhum! Vai ficar aqui, nesta casa! — Carol não se deixou intimidar.

— Tomei uma resolução, Vince, e nada nem ninguém me fará voltar atrás!

— Carol! — gritou Vince, segurando-a pelos ombros, com a respiração ofegante.

Então, readquirindo seu autocontrole, ele se afastou. Instan­tes depois, voltou a falar, agora mansamente:

— Talvez lhe agrade saber que você estava certa quando afirmou que eu não odiava seu pai tanto quanto desprezava o meu por ter optado pelo suicídio, em vez de ter enfrentado o problema. Confesso que não foi fácil reconhecer a verdade, mas nunca é tarde, não é? Também estive conversando com sua mãe longo tempo e fiquei de falar com seu pai, assim que ele estiver fora de perigo. Quero pôr fim em toda essa confusão.

— O que é que você está dizendo? — perguntou Carol, in­crédula.

— Quero fazer as pazes com ele. Depois, pretendo introdu­zi-lo novamente no mercado, oferecendo-lhe um cargo de chefia na construção da nova siderúrgica — explicou Vince, animado, diante do olhar de espanto da moça.

— Por acaso mamãe lhe contou o resultado das investiga­ções, alguns meses após a morte de seu pai, do empenho do meu pai em localizar vocês? — perguntou Carol, ainda confusa e incrédula.

— Sim — respondeu Vince. — Ela me contou tudo.

— De qualquer maneira, você deve ter concluído que meu pai foi negligente em não ter checado as compras, pessoalmente — lembrou, receosa.

— Sim, eu sei... Mas só o fato de Loyd não ter agido in­tencionalmente para prejudicar meu pai faz bastante diferença — reconheceu Vince.

Embora mais tranqüila, Carol ainda tinha o coração cheio de dúvidas.

— Fico feliz por você, agradeço o apoio que pretende dar a meu pai... Mas isso não altera em nada a minha decisão de ir embora — disse Carol, com doçura, caminhando em di­reção à porta.

Mais uma vez, sua passagem foi bloqueada.

— Sinto desapontá-la, mas você não vai poder sair desta casa — ele afirmou.

Carol, porém, não estava disposta a ceder.

— Por favor, Vince. Chega! A comédia do nosso casamento acabou!

— O nosso trato, você quer dizer. Não, ainda não acabou!

— O que você ainda pretende de mim? Que eu pague pelo seu gesto de generosidade para com meu pai? — ela perguntou, furiosa.

— Ora, cale-se! Não é nada disso! — defendeu-se Vince, revoltado.

— Como posso acreditar em você, se já tive provas mais do que suficientes para saber que é um homem frio e interesseiro?

Durante algum tempo Vince ficou andando pelo quarto, apa­rentemente sem saber o que dizer. Depois voltou a falar, de costas para ela:

— Concordo que errei muito, usando você para atingir meus objetivos de vingança, levando-a a um casamento forçado... Mas confesso que, agora, me envergonho de minhas atitudes — ele reconheceu com a voz sumida. — Creio que a única coisa decente que posso fazer agora é deixar você partir, se é isso o que realmente deseja.

Aquelas palavras calaram fundo no coração de Carol. Vince acabava de lhe oferecer a chance de tentar recomeçar uma vida nova, encontrar um novo amor, esquecer, sonhar, deixar para trás definitivamente o passado. Contudo, a porta finalmente aberta para o caminho da liberdade significava a solidão e um triste abandono. . .

Com passos inseguros, Carol preparava-se para deixar aquela casa, mas seu coração lhe implorava para ficar, para alimentar aquele, amor e talvez conquistar aquele homem misterioso, que dera novo sentido à sua vida.

Dando as costas a Vince, Carol caminhou até a janela, para evitar que ele visse as lágrimas correndo de seus olhos. Como era doloroso desistir da pessoa amada, deixar aquele homem aparentemente tão forte mas, no fundo, tão carente, tão... in­defeso. No entanto, precisava criar coragem e levar sua decisão adiante, pois o mais sensato seria sufocar a paixão e ir embora.

— Está pensando em mudar-se de Murrayville? — ele per­guntou, quebrando o silêncio.

— Creio que, nessas circunstâncias, é o melhor que tenho a fazer — respondeu Carol, evitando olhá-lo de frente.

— Conheço muita gente influente que talvez possa lhe aju­dar a arranjar outro emprego...

— Obrigada, mas prefiro me arranjar sozinha — ela agra­deceu, delicadamente.

— Meu apartamento em Joanesburgo está à sua disposição — Vince ofereceu, gentil.

— Não decidi ainda para onde vou — disse Carol, desani­mada e desejosa de pôr um fim na conversa. — Quero estar onde possa ser útil.

— Você será útil por aqui.

Carol enfiou o casaco de lã na valise, não querendo dar às palavras de Vince um sentido mais amplo do que elas poderiam

— Minha mãe precisa de mim, mas quando o meu pai...

Nesse momento ele a agarrou pelo braço.

— Não! Quem precisa de você sou eu!

Então, uma tênue esperança aninhou-se no coração de Carol. Mesmo assim, ela ainda teve medo de acreditar.

Nesse instante, a porta se abriu e Harriet, muito sem jeito, dirigiu-se ao irmão.

— A Sra. Loyd ligou do hospital e comunicou que David Loyd já está consciente e pede para vê-lo, Vince.

— Vou já para lá, assim que terminar minha conversa com Carol — respondeu Vince.

Harriet retirou-se e ele voltou-se para Carol com um olhar de súplica.

— Por favor, Carol, prometa que ficará aqui até que eu volte do hospital. Não posso deixar seu pai me esperando.

— Está bem — Carol se comprometeu, acompanhando-o com o olhar até que ele saiu do quarto.

Ajeitando-se numa poltrona, Carol procurou entender por que estava tão nervosa. Afinal, do que tinha medo?

Mil perguntas passaram pela sua cabeça, quando viu o ma­rido entrar de volta; o rosto dele transmitia uma paz muito grande e os olhos cinzentos brilhavam.

— Falou com meu pai? — ela perguntou, cheia de ansiedade.

— Sim — respondeu Vince, fechando a poria atrás de si.

— E como foi?

— Finalmente ficamos amigos e ele aceitou a minha oferta. Agora, só falta você me perdoar — ele falou, num apelo. — Concorda em ficar, Carol?

— Não! Você prometeu que me deixaria ir...

— Carol — ele murmurou, tocando no queixo dela para fa­zer com que o encarasse.

Carol estremeceu ao ver o sentimento que havia naqueles olhos cinzentos. Seria amor?

— Por favor, não se vá... — Vince tornou a pedir, com ternura, encostando o rosto nos cabelos sedosos da jovem. O contato dos corpos fez Carol estremecer.

— Você está me machucando, Vince — ela falou, tentando não demonstrar as deliciosas sensações que lhe percorriam o corpo.

— Você ainda me odeia, não é? — perguntou Vince, teme­roso.

Carol queria confessar que o amava, que também não queria deixá-lo, mas conteve-se.

— Não, Vince, fique tranqüilo. Eu não o odeio.

— Pois eu prefiro o ódio à indiferença — ele desabafou, por fim.                                                                  

— Indiferença? — murmurou Carol, sentindo-se fraca.

— É isso mesmo, indiferença. Você não sente nada por mim, nem ódio nem amor.

— Confesso que houve momentos em que o odiei... Mas nunca senti indiferença — confessou Carol.

— E o que foi que você sentiu em meus braços quando fi­zemos amor? — perguntou Vince, desesperado, agarrando-a pe­los ombros. — Por favor, preciso saber!

— Não. Por favor, prefiro não dizer... — ela murmurou, evitando os olhos.

Vince não aceitou a recusa.

— Mas por quê? Por quê?

— Tenho medo...

Vince ficou olhando para ela durante algum tempo. Depois, abriu um sorriso que mostrava uma imensa alegria e abraçou-a.

— Olhe para mim, Carol — ele tornou a dizer, tocando-lhe o queixo. — Liebchen, eu amo você.

A declaração foi feita com os olhos cinzentos cheios de lá­grimas de emoção.

— Eu... eu não acredito — sussurrou Carol, o coração cheio de alegria.

— Eu a amo desde o primeiro dia em que a vi e sabia que um dia você seria minha! Naquela noite, quando você entrou no escritório do seu pai, reconheço que fiz chantagem para tê-la em meus braços — contou, divertido. — E dizia para mim que era só uma paixão passageira, mas como estava enganado! Nunca mais tive sossego desde aquele dia no chalé, quando nos amamos em frente à lareira. Jurei nunca mais tocá-la, mas meu corpo vibrava, ansiava pelo seu cada vez que você se aproxi­mava. Oh! Carol, não posso viver sem você! Vamos recomeçar nossas vidas, meu amor...

Com o rosto ainda molhado de lágrimas, Vince procurou os lábios de Carol, que não tinha mais forças nem vontade para resistir. Foi um beijo demorado e cheio de amor.

— Diga que também me ama — ele pediu, acariciando-a por baixo da blusa.

Trêmula e deliciando-se com aquelas carícias, Carol confessou afinal o que também sentia.

— Eu o amo... eu o amo... eu o amo!

— Fale mais, meu amor, fale mais! — ele pediu, insatisfeito, afastando-se um pouco para olhá-la melhor.

— Eu amo você... — sussurrou Carol, fechando os olhos e oferecendo-lhe os lábios sedentos.

Vince então a beijou com sofreguidão, sussurrando palavras de amor e paixão, provocando-a, excitando-a, aguçando-lhe o desejo ardente,

— E Chantal? — lembrou-se Carol, subitamente, sentando-se no sofá.

— Não posso negar que tivemos um relacionamento muito íntimo antes de conhecer você. Mas naquele fim de semana não houve nada entre nós. Ela já havia conhecido outro homem com quem pretende se casar. Contei o que sentia por você e combinamos despertar seu ciúme, Carol.

— Não parecia nem um pouco que Chantal estivesse fingin­do — disse Carol, irritada, lembrando-se das atitude dá outra.

— Garanto que foi tudo de propósito e, pelo jeito, deu certo. — ele comentou, brincalhão.

— E como! Tive vontade de esganá-la!

— E não pense que foi diferente comigo quando encontrei Curtis naquele dia na biblioteca — falou Vince, amuado.

— Sem nenhuma razão — ela se defendeu.

— Saber que ele era um apaixonado por você já era o bas­tante para me tirar do sério — confessou Vince, beijando-lhe a testa.

Depois voltou a abraçá-la com força.

— Será que algum dia você será capaz de me perdoar? — ele perguntou, com um sorriso doce.

— Já o perdoei há muito tempo, mesmo antes de você ter perdoado meu pai — murmurou Carol, apaixonada.

— Seu pai está mais do que perdoado. Fique tranqüila quanto a isso...                                                  

— E quanto à dívida?                                    

— Não se preocupe! Afinal, não posso ser credor do pai da mulher que amo, não é?

Eles trocavam um beijo cheio de paixão quando foram inter­rompidos por Harriet, que pigarreou meio sem jeito.

— Jackson mandou dizer que, se vocês demorarem mais, a comida vai ficar gelada.

Ambos levantaram-se do sofá, de mãos dadas, e, felizes, ca­minharam em direção à sala, seguindo os passos de Harriet.

— Oh, Vince, eu adoro você! — exclamou Carol, beijando a mão forte do marido.

— Quero que repita essas palavras aviando estivermos a sós, em nosso quarto, esta noite — ele falou baixinho ao ouvido dela.

Vince era um tirano, um doce tirano. Jamais deixaria de ser aquele homem arrogante e orgulhoso que Carol aprendera a amar. Mas o mais importante para Carol era descobrir que aque­le tirano tinha um coração, e que esse coração pertencia a ela.

 

                                                                                Yvonne Whittal  

 

                      

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