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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O FANTASMA DA TRAIÇÃO / Yvonne Whittal
O FANTASMA DA TRAIÇÃO / Yvonne Whittal

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O FANTASMA DA TRAIÇÃO

 

Os raios do sol da manhã filtravam-se pela fina cortina da janela e enchiam o quarto de uma luz clara e suave. As gavetas da cômoda estavam no chão, quase vazias. Ao lado do móvel, uma grande pilha de discos embalada aguardava o momento da remoção. Numa peque­nina mesa ao lado da cama estava a máquina de escrever portátil e uma verdadeira montanha de papéis: Sobre a cadeira, os antigos álbuns de fotos da família.

Os passarinhos cantavam lá fora, já em plena atividade e, um pouco distante, ouviam-se os latidos de um cão. O dia estava lindo, mas Liz Hotden relutava em levantar e enfrentá-lo. Tinha trabalhado até tarde da noite passada, arrumando as coisas para a mudança.

Era necessário empacotar tudo que pretendia levar, jogar fora as coisas inúteis e separar o que seria leiloado mais tarde. Não era tarefa agradável desfazer-se daquelas coisas que a rodeavam desde a infân­cia, mas não havia outro jeito. Seu pai tinha morrido, Pamela, a irmã mais velha, estava vivendo no Canadá e Stacy, a outra irmã, morava longe dali. Assim, Liz não via outra opção se não desocupar a casa onde morou a maior parte de sua vida e que agora era grande demais para uma pessoa só.

O telefone tocou na sala de estar, abalando o tranqüilo silêncio da residência, e Liz levantou, resmungando para atender ao chamado.

— Ta vou indo — ela disse com certa irritação, enquanto vestia o robe de algodão e corria apressadamente para a sala. Perto do tele­fone, bateu com o joelho na madeira do sofá sentindo uma dor aguda e aflitiva. — Alô!   Quem é? — perguntou, massageando o local machucado.

—   Pelo que vejo, apesar da linda manhã o seu humor não é dos melhores! — Stacy falou do outro lado.

— Ainda estava deitada —   Liz informou, com um tom menos agressivo.

— Ainda!? Puxa, já faz tanto tempo que eu levantei.

— Fui dormir muito tarde ontem à noite e...

— Alguma festa, talvez? — Stacy brincou. Sabia muito bem que a irmã tinha se ocupado tom a arrumação da mudança.

—Ora, Stacy. não vejo graça em sua piada.

— Está bem. desculpe.. . Mas também não é necessário perder o Senso de humor, não é, Liz?

— É o que estou tentando. . .

— Liz, querida, estou telefonando para dizer que John e eu tive­mos uma longa conversa e chegamos à conclusão de que seria um enorme prazer se você viesse morar conosco até decidir o que pre­tende fazer.

— É muita gentileza da parte de vocês, mas...

— Nada de "mas", Liz. — Stacy interrompeu-a com a voz simpá­tica. — John me disse para insistir se você hesitasse e é justamente o que pretendo fazer. Temos lugar de sobra em nossa casa e para mim não seria nada mal ter alguém para me ajudar com o nenê!

— Então é por causa da ajuda e não pela minha agradável com­panhia que você me convida, Stacy? — Liz provocou a irmã, zombeteiramente.                                                  

— Agora você está parecendo mais a Liz que eu conheço. — Stacy riu do outro lado da linha. — E então, posso dizer para John que concordou em vir para cá?

— Sim, está bem. . . E muito obrigada, Stacy!

— Olhe, tenho uma pequena fofoca que quero lhe contar. — Stacy abaixou a voz, em tom confidencial. — Grant Battersby está de volta à High Ridgss e pelo que ouvi, pretende ficar algum tempo!

Sentimentos há muito adormecidos no coração de Liz pareceram ganhar nova vida. Um nó começou a formar-se em sua garganta.

— Como foi que ficou sabendo disso?

— O capataz da fazenda de Grant, Sam Muller, trouxe ontem um dos tratores para reparo e, naturalmente, contou para John.

— Compreendo.

— Bem. tenho que desligar pois vou até   a cidade fazer umas compras.

Depois de se despedir da irmã, Liz voltou ao quarto, caminhando devagar. Sentou-se na cama com as pernas encolhidas e, enquanto abraçava os próprios joelhos, deixou as lembranças se sucederem.

Eram imagens de uma infância feliz, apesar de sua mãe ter morrido quando ela tinha somente quatro anos. Afinal, seu pai sempre lhe dera amor e carinho suficientes para suprir a ausência materna. Grant Baltersby tinha sido presença constante durante todos aqueles anos que ela crescia e se transformava em adolescente. Era um homem muito bonito, alto, forte e com um charme natural que atraia enormemente as três irmãs da família Holden. Porém, foi Pamela, a mais velha e, sem dúvida, a mais bonita, quem conseguiu cativar sua atenção.

O período de que se recordava com mais nitidez era a época em que completou dezesseis anos. Até então, Grant era um mito para Liz, quase um herói. Nessa fase, porém, seus sentimentos haviam se transformado e ela sentia tanto afeto por ele que seu coração se der­retia cada vez que o via. Riverside, a fazenda da família de Liz, era vizinha a High Ridges, a fazenda de Grant, e por isso era comum se encontrarem. Claro que ele percebia os sentimentos que, involun­tariamente, despertava em Liz, mas ela fazia tudo para que ele nunca soubesse da verdadeira extensão daquelas emoções.

Grant tinha vinte e oito anos na época, e seu nome começava a destacar-se no campo da cirurgia. Era mais um dos muitos homens com os quais Pamela tinha se envolvido, mas não havia entre os dois algo realmente sério e profundo. Pamela tinha vinte e quatro anos e, de acordo com o pai, já estava pronta para casar. Entretanto, ela nunca se entusiasmava com a idéia de formar uma família, preferindo seguir um destino de maior liberdade e independência. Stacy, dois anos mais jovem que Pamela, não era tão bonita como ela, ainda que fosse muito simpática e agradável. Foi sua natureza tranquila e sen­sível o que mais atraiu John MacLeod, filho de escoceses, que tinha trabalhado arduamente até conseguir transformar-se em dono de uma oficina mecânica em Pietersburg.

Liz sempre havia sido uma criança impossível e aos dezesseis anos, era um verdadeiro terror. Sua língua afiada sempre dizia o que ela pensava, sem medir as conseqüências. O que muitas vezes a levava a discutir com a família. Entretanto, tinha um segredo que jamais contaria para ninguém, e que dizia respeito aos sentimentos que nutria por Grant.

A grande festa de Natal da cidade, naquele ano, foi algo que ela jamais poderia esquecer. Todos os jovens de Riverside se divertiam juntos, e Myra Cavendish estava entre eles. Ela colocara os olhos e as garras sobre Grant, que naquele mesmo dia foi seduzido pela extra­ordinária beleza e charme da garota. Ele tinha caído como um patinho e Liz sentia raiva da vitória fácil de Myra.

Desde então as coisas nunca mais foram como antes. Myra logo partiu para Johannesburg para continuar sua carreira de modelo e Grant a seguiu pouco tempo depois.

Nos seis anos que se seguiram, Liz só o encontrou uma vez e muito rapidamente. Por ocasião de um acidente trágico que tirou a vida de seus pais, Grant voltou a High Ridges mas partiu logo depois do funeral. Cerca de um mês depois, Sam Muller e a família estavam instalados na fazenda, contratados por Grant para tomar conta deis. Uma pequena casa foi construída ao lado do rio, para que Grant ficasse ali quando viesse à High Ridges, mas isso nunca aconteceu.

Stacy casou com John dois anos depois da morte dos pais de Grant e estabeleceram-se em Pietersburg. Pamela foi para o Canadá, seguir sua carreira de publicitária, e Liz foi morar na Universidade, onde licenciou-se em literatura. Depois de terminado o curso, recusou as ofertas de emprego que surgiram e voltou para a fazenda do pai onde pretendia realizar seu sonho de escrever histórias para crianças.

A princípio, o sr. Holden não tinha gostado da idéia, mas os livros de Liz logo começaram a ser publicados e ter boa aceitação. Agora, seis meses depois da morte do pai, Liz estava firmemente estabelecida como autora de contos infantis.

Em todo esse tempo, Liz esperava com temor a notícia do casamento de Grant e Myra mas, ao que parecia, eles preferiam manter o rela­cionamento sem as restrições impostas pelo casamento. A notícia do noivado, chegada há quatro meses, deixou Liz desolada. Ela come­çava a conformar-se quando soube do acidente com Grant, que o deixou com uma perna quebrada em vários lugares, costelas fraturadas, a mão seriamente danificada e sem Myra, que, como era de se esperar, o abandonou no momento em que Grant mais necessitava de apoio.

Agora, três meses depois do trágico acidente, Liz era informada de que Grant voltara à High Ridges. Seu futuro como cirurgião estava comprometido e a mulher que ele amava tinha partido para a Europa com um homem muito mais velho.                                      

Pobre Grant!, Liz pensou, enquanto se levantava e ia para o banheiro tomar uma ducha. Talvez mais tarde, ainda hoje, lhe fizesse uma visita.

A tarde já estava no fim quando ela finalmente pegou a bicicleta e pedalou para High Ridges. Sem saber por quê, sentia que estava nervosa agora que se aproximava do portão que ligava as duas propriedades. Há muitos anos atrás, aquele portão era usado por Grant e pelas meninas com frequência, mas agora estava trancado com cadeado, como para indicar que as pessoas deviam se manter afastadas

Liz encostou a bicicleta junto á uma grande árvore e agilmente começou a pular a cerca de madeira. Mas antes que colocasse o pé no chão do outro lado, percebeu um movimento junto ao grande flamboyant, a alguns metros de distância.

Era Grant! Seu coração acelerou da mesma maneira de antes. Ele se apoiava numa bengala, a cabeça baixa, e tinha um ar de fraqueza e cansaço. Estava tão entretido nos próprios pensamentos que não a viu chegar. Depois de uma breve hesitação, Liz falou, ainda sentada sobre a cerca de madeira:

— Bem-vindo à casa, Grant!

Ele virou rapidamente e o sorriso morreu nos lábios de Liz quando ela fitou aqueles olhos cinzentos, frios como aço. Havia neles uma hostilidade que ela não podia compreender... Os cabelos dele come­çavam a ficar brancos nas têmporas, ela notou, e Grant parecia ter dez anos mais que sua idade real.

Ele também a estudava, certamente notando seu ar de moleque, vestida com calça jeans e uma camisa branca, de algodão. Mas não havia nada de infantil em seus seios redondos e suaves, salientes sob a camisa, e nos cabelos presos atrás da cabeça com um grande laço de fita amarela.

— O que você quer? — ele perguntou, num tom de voz estranha­mente duro e frio.

— Bem, acho que um simples "boa-tarde" bastaria para começar!

— Então, boa tarde e até logo!                                      

Aquela rudeza a espantou. Os olhos cor de mel denunciaram sua perplexidade, mas ela tentou recuperar o bom humor:

— Você não é muito sociável.. .

— Por que não vai para casa brincar com suas bonecas?

— Tenho vinte e dois anos, Grant, e garotas da minha idade não costumam mais brincar com bonecas.

— Sim, elas brincam com homens e o jogo consiste em ver quantos elas   conseguem   prender   com   suas   garras   afiadas   até   mandá-los embora!

— Acho que não gostaria de ter um homem preso em minhas garras afiadas.. . — Liz replicou, divertida — . . .seria muito descon­fortável. Principalmente para o homem!

Apesar do esforço que fazia para tornar a situação descontraída, não houve sombra de sorriso no rosto de Grant. Ele apontou para a cerca, com a bengala, e perguntou:

— E então, vai ficar a vida inteira sentada aí em cima?

— Bem, posso descer, contanto que você prometa não me acertar com essa bengala ameaçadora!

— Com a cerca entre nós dois, seria difícil isso acontecer.

— Então, não vai me convidar para entrar?

— Não, não vou!

Aquele homem hostil e rude não podia ser o Grant Battersby que ela conhecera há tantos anos. Liz se recusava a acreditar que ele tivesse mudado tanto.

— Antes você era muito mais amigável, Grant. Lembra-se de uma vez em que...

— Tudo isso foi há muito tempo atrás.

— Sim, há muito tempo, antes que você tivesse sido tolo o sufi­ciente para se envolver com Myra Cavendish! — Liz falou com certa rapidez, mas imediatamente percebeu o que estava fazendo e sentiu vontade de morder a própria língua, odiando seu impulso de dizer sempre o que lhe passava pela cabeça.

— Saia daí e, se sabe o que é melhor para você, nunca mais apareça por aqui! — Os olhos de Grant brilhavam como se algo dentro dele estivesse a ponto de explodir.

Ele não esperou para ver se Liz ficava ou partia. Deu-lhe as costas e caminhou em direção a casa. Aturdida, Liz afinal saltou ao chão. Suas pernas tremiam tanto que mal conseguiam sustentá-la.

Confusa e espantada, ela voltou para casa. Suas intenções amigáveis tinham sido confundidas e rejeitadas... E claro que ela não tinha o direito de dizer nada, ainda mais da maneira como o fez. Agora, como resultado, a propriedade dos Battersby estava proibida para ela.

— Quando vai aprender a segurar essa língua? — era Stacy quem perguntava ao telefone, naquela noite, depois de Liz contar o que tinha se passado entre ela e Grant. — Você devia mandar-lhe uma carta pedindo desculpas.

— Acho que vou fazer melhor que isto... Farei uma visita formal e pedirei desculpas pessoalmente.

— Não sei... É óbvio que Grant prefere ser deixado sozinho.

— Ele precisa de ajuda, Stacy!

— Não seja ridícula, Liz! — Stacy parecia francamente irritada.

— Grant sempre foi auto-suficiente e acho que o melhor é deixá-lo sozinho até conseguir superar tudo isso!                          

Liz não escutou o conselho da irmã e, na tarde do dia seguinte, voltou à fazenda de Grant. Depois de pular a cerca, andou até a pequena casa ao lado do rio. Antes de se aproximar, molhou o lenço na água e passou-o sobre o rosto, para suavizar o calor daquela tarde de verão. Foi nesse momento que percebeu que não estava sozinha.

— Grant — ela murmurou, enquanto fitava aquele, homem que se aproximava devagar, meio mancando. Tinha perdido muito peso mas seus músculos ainda eram fortes e a pele bronzeada.

— Pensei que tivesse lhe avisado que...

— Eu vim para me desculpar. — Ela interrompeu-o rapidamente.

— Como sempre, acabo dizendo aquilo que não devo! — Liz fitou-o com um sorriso tranquilo e amigável. — E então, será que estou desculpada?

Ele não respondeu imediatamente. Liz pôde perceber como estava tenso e perturbado.

— Vá para casa, Liz.

— Pelo menos você ainda se recorda de meu nome. Estava come­çando a temer que tivesse esquecido!

— Você não mudou muito — ele falava com um ar de cansaço.

— Sempre foi uma menina impossível e pelo visto, transformou-se numa mulher impossível!

— "Liz, o terror da família Holden". Sou eu mesma! — Ela sorriu abertamente, sentindo que talvez estivesse começando a quebrar o gelo que Grant insistia em manter entre eles.

— Você se lembra disso?

— Lembro-me de tudo que já disse, Grant — ela murmurou com serena honestidade. — Será que se esqueceu de que eu tinha uma grande queda por você, nos meus dezesseis anos?

Aquela confissão, obteve o efeito que Liz desejava e a frieza dos olhos de Grant foi substituída por um ar de divertida ironia.

— Você já superou isso, eu espero. . .

— Oh, sim! Como meu príncipe encantado, você caiu em desgraça no dia em que o vi beijando minha irmã, Pamela, na estufa de plan­tas, perto do mar!

— Penso que você já encontrou um outro príncipe encantado, que valha mais a pena.

— Bem, não andei procurando um príncipe —ela disse e desviou o olhar, fitando o horizonte. Mas a sensação de que Grant a observava a fez virar-se mais uma vez, quando então notou o machucado na mão dele. — Dói muito, Grant?

— Não se meta onde não é chamada!

— Ora, não seja tão sensível, Grant.

— Não preciso e nem quero compaixão.

— Está bem! Que tal se nos sentássemos um pouco, ali perto do rio?

Grant concordou com a cabeça e começou a caminhar. Foi com grande dificuldade que conseguiu afinal abaixar-se para sentar. Liz teve que reprimir o impulso de ajudá-lo.

Ela sentou-se perto dele, observando-o. Grant tinha um olhar vago e perdido. Será que era verdade que sua carreira como cirurgião estava destruída? Seus olhos percorreram a mão machucada de Grant e ela se lembrou da maneira como ele agitara fortemente a bengala no dia anterior. Aquilo bastava para mostrar que, afinal, sua mão não tinha perdido toda a agilidade. Ela gostaria de perguntar-lhe a respeito, mas não ousava.

— Você está estranhamente quieta! — Grant finalmente quebrou o silêncio.

— Não pensei que estivesse com muita vontade de conversar.

—   E não estou mesmo.

— Então, não conversaremos.

Liz deixou seu olhar perder-se pelos campos das redondezas, lem­brando cenas da infância passadas naqueles lugares. Pouco depois, ouviu a respiração pesada de Grant, que tinha se deitado sobre a grama e agora estava adormecido. Dormindo, ele parecia muito mais o Grant que ela havia conhecido e amado quando era uma jovem de dezesseis anos. Se não fossem aqueles poucos fios de cabelos bran­cos, poderia jurar que escava de volta àqueles dias cheios de infortú­nios, mas mesmo assim felizes, antes que Myra Cavendish aparecesse em cena. Myra é quem o tinha levado embora e, agora, seis anos depois, devolvera-o triste e amargo à High Ridges.

Um nó se formou na garganta de Liz e ela desviou o olhar de Grant, fitando o céu, onde algumas nuvens cinzas começavam a se acumular. Seria bom que chovesse à noite, para amainar aquele calor e umedecer a terra ressecada.

— Eu dormi? — A voz de Grant a trouxe de volta à realidade.

— Sim — ela respondeu e, olhando o céu, sugeriu: — Acho que é melhor eu voltar para casa.

— Seu pai deve estar preocupado. ..

— Meu pai morreu há seis meses — Liz explicou, enquanto se punha de pé.    

—   Eu não sabia. . . sinto muito!

— Nossa   fazenda, Riverside, foi vendida, mas os novos donos permitiram que eu ficasse ia até o fim do mês. Isso significa que tenho mais duas semanas para desocupar a casa. Devo confessar que está sendo uma tarefa difícil decidir o que levarei comigo e o que deixarei para ser leiloado.

—   E para onde vai? -— Grant perguntou, enquanto tirava um cigarro do bolso e acendia.

— Ficarei com Stacy em Pietersburg por algum tempo. Eles se ofereceram para me hospedar até que decida o que vou fazer e para onde irei.

Um pequeno silêncio seguiu-se até que ele olhou para cima e con­firmou as previsões de Liz.

— Acho que há uma tempestade se formando!

Muito mais do que imagina, ela pensou consigo mesma. Entretanto, tudo que disse foi:

— Gostaria de receber sua visita em Riverside, enquanto ainda estiver por lá.

— Obrigado.

— Mas você não pretende ir, não é? — ela replicou, sentindo a rejeição do convite amigável. — Prefere ficar sozinho do que em companhia de outras pessoas, não é mesmo?

Liz mordeu os lábios ao perceber que mais uma vez dissera aquilo que não devia. De qualquer maneira, agora já estava feito e não havia meio de voltar atrás.

—   É melhor você partir, Liz, ou a chuva vai pegá-la antes que chegue em casa.

Sua voz era educada mas ácida, e Liz esboçou um inútil gesto de desculpa antes de virar-se e começar a caminhar em direção à bicicleta. Ela pulou a cerca, consciente de que Grant seguia todos os seus movimentos, e saiu pedalando rapidamente, incomodada por sentir-se observada.

Liz esteve muito ocupada nas duas semanas seguintes e não teve muito tempo para pensar em Grant, apesar de intimamente desejar que ele aceitasse o convite e viesse até sua casa, se é que podia chamar de casa o caos que a cercava. De qualquer maneira, com o tempo todo tomado pela arrumação das coisas para a mudança, ela não estava mesmo no melhor dos humores para receber possíveis visitantes.

Chovia muito no dia do leilão, o que não impediu que uma multidão tomasse a casa de assalto. Liz sentia-se irritada em meio a todo aquele movimento e de tempos em tempos ia até o quintal, para escapar à frenética agitação do interior da residência.

Duas intermináveis horas depois, tudo estava acabando e o leiloeiro veio comunicar-lhe que tudo fora vendido, sem exceção de nenhuma peça. Esta seria sua última noite ali, rodeada daqueles objetos fami­liares. A mobília seria retirada na manhã seguinte e então ela seguiria com suas poucas coisas pára a residência de Stacy, em Pietersburg. Seus olhos se encheram de lágrimas, mas ela afastou-se prontamente, pois aquela não era ocasião adequada para sentir-se triste.

Dormiu profundamente aquela noite e já estava de pé na manhã seguinte quando o caminhão veio afinal buscar a mobília. Por volta de meio-dia partiu para Pietersburg no confortável carro que o pai deixara, levando o que pôde. Sabia que ainda seria necessário voltar à tarde para buscar o resto de seus pertences pessoais.

Pouco tempo depois estacionava na garagem de Stacy e a empregada veio correndo ajudá-la a tirar as coisas do carro.

— Vamos sair desse calor!   — Stacy convidou, levando-a pelo braço até o interior da casa, fresca e confortável. — Você parece exausta!

— Acho que poderia dizer o mesmo a seu respeito! — Liz replicou, notando que a irmã também tinha um ar cansado.

— Esse menino na minha barriga já está ficando pesado demais! — Stacy disse sorrindo, enquanto sentavam-se no confortável sofá da sala de estar.

— Você parece ter certeza de que será um menino.

— John é quem tem absoluta certeza disso! Eu não me importo, desde que seja uma criança sadia e venha logo!

— Bem, agora já está quase na hora.

— Querida — Stacy deu um grande sorriso —, nesse estado, Uma semana pode parecer mais comprida que um ano! — Seus olhos se encontraram nesse momento. — Liz, sinto muito que você tenha sido obrigada a fazer tudo sozinha.

— Ora, não havia outra maneira! — A venda de Riverside era um assunto que as desagradava, e Stacy tentou contorná-lo.

— Você tem visto Grant?

— A última vez que o vi foi quando fui ã sua casa, desculpar-me por ter dito aquela tolice. . . Ele está tão mudado, Stacy!

— Como assim?

— Bem, além de parecer muito mais velho do que realmente é, transformou-se num homem amargo e até meio cínico.

— E   você   também não   ficaria assim se   a mesma   coisa lhe acontecesse?

— Suponho que sim, mas...   Ora, Stacy, também não é o fim do mundo, não acha?

— Você tem que dizer isso a ele, minha querida.

— Quer saber de uma coisa? Acho que é justamente o que vou fazer!

Mais tarde, depois do almoço, Liz voltou para Riverside para pegar o resto de suas coisas enquanto partia definitivamente, tomou a estrada secundária que levava a High Ridges.

A pequena casa de Grant, de paredes brancas e telhado vermelho, ficava linda em meio às árvores e ao lado do rio. Liz sentiu-se meio nervosa ao ver o Jaguar branco de Grant estacionado perto da casa. Foi com o coração batendo forte que ela subiu os degraus da varanda e bateu à porta. Estava aberta, depois de bater novamente, ela resolveu entrar.                                                        

A casa estava numa imensa confusão, com uma grossa camada de poeira sobre os móveis. Na cozinha, toda a louça disponível estava suja, atravancando a pia. Um cheiro forte de cigarro impregnava todos, os aposentos da casa. Liz nunca tinha visto nada como aquilo antes, e sentiu que devia tomar alguma atitude.

— Bem, acho que tenho de começar por algum lugar! — ela disse alto. enquanto colocava a bolsa sobre uma cadeira, antes de ir até a pia da cozinha.

Uma hora mais tarde não havia ainda sinal de Grant, mas a cozinha já estava bem mais apresentável, assim como a pequena saia de estar, livre agora da poeira e dos cinzeiros cheios de pontas de cigarros.

Liz não se sentia muito à vontade em invadir daquela maneira a privacidade de Grant, mas não teria sido capaz de partir deixando a casa naquele estado. Era estranho que Sam Muller não houvesse pro­videnciado a limpeza mas. de qualquer maneira, ela não tinha nada a ver com isso.

Não poderia esperar muito mais tempo. Começava a se preparar para deixar um bilhete quando um som às suas costas a fez virar-se.

Grant estava de pé, parado sob o umbral da porta da cozinha, e seu olhar não deixava dúvida de que seu humor era o pior possível. Ele fitou Liz de alto a baixo, com os olhos frios de sempre. Ela nada disse, preparando-se para o que quer que fosse acontecer a seguir.

 

— Como foi que você entrou? — Grant perguntou com voz ríspida, rompendo o silêncio na pequena cozinha.

— A porta estava aberta — Liz esclareceu, sentindo que tremia por dentro mas não dando sinal disso exteriormente.

— Terei mais cuidada no futuro. Por que veio até aqui?

— Eu tinha que pegar umas coisas que deixei em minha antiga casa e resolvi passar aqui para dar um alo.

— E não pensou em sair quando viu que não havia ninguém, eu suponho...

— Bem, cheguei a pensar mas. . . me pareceu que você precisava de uma pequena assistência!

— Então resolveu ficar e fazer sua boa ação de hoje? — O sar­casmo de Grant doía, mas Liz sustentou seu olhar.

— Se prefere enxergar as coisas assim. ..

— Suponho que seria demais esperar que você já esteja de Saida. . . Qualquer outra garota teria ido embora imediatamente, pois não havia maneira de Grant deixar mais claro que ela não era bem-vinda ali. Liz, entretanto, só recostou-se no armário da cozinha e, depois de observá-lo em silêncio um momento, disse:  

— Você ficou mesmo difícil, não é, Grant?

— Vim aqui a procura de paz, quietude e distância das pessoas.

— Não precisa me dizer por que voltou à High Ridges — Liz replicou secamente. — Há anos que não punha os pés aqui e finalmente decidiu voltar para casa... Um animal ferido de volta para a toca para curar suas cicatrizes! Será que se diverte em ter pena de si mesmo?

— Basta! — Os olhos de Grant tinham um brilho que deixaria qualquer um amedrontado, mas   Liz estava   com   muita   raiva   para esconder o que pensava.

— Mesmo que a verdade doa. você não acha que já é tempo de enfrentá-la de frente?

— Vá embora, Liz!

— Você me desaponta. Grant — e!a murmurou calmamente, en­quanto pegava a bolsa. — Sempre o admirei e respeitei por ser uma pessoa segura e sensível. Mas parece que estava enganada!

Liz não chegou a saber qual o efeito que tiveram suas palavras, pois deu-lhe as costas e saiu .imediatamente, Grant que fosse para os dia­bos, ela decidiu, enquanto entrava no carro e batia a porta com muito mais força que o necessário. Se estava tão determinado a ficar sozinho, então ela não o procuraria mais. Afinal, por que devia se preocupar com aquele homem?

Naquela noite, quando a raiva já havia passado, Liz sentiu um pouco de vergonha de si mesma. Sim, aquelas coisas precisavam ser ditas. Mas, por que justamente ela tinha que dizê-las? Não sentia o menor desejo de machucá-lo, mas não podia permitir que Grant continuasse se escondendo como um caramujo dentro da casca.

— Qual o problema, Liz? — Era John quem perguntava, enquanto tomavam café ha sala de estar. — Você ficou praticamente catada durante todo o jantar.

— É claro que tem algo a ver com Grant Battersby — Stacy disse, passando a mão nos cabelos num gesto de cansaço, mas com um sorriso de compreensão nos lábios.

— Ah, aquele tolo! — John tinha um ar de revolta. — Fez papel de bobo ao ficar caído por aquela mulher todos esses anos! Revelou sua verdadeira personalidade depois do acidente que colocou em perigo sua carreira de cirurgião!

Liz fitou a xícara que segurava entre as mãos e verificou que tremia um pouco.

— Você   acha   que   talvez   ele   nunca   mais   possa   operar?   — perguntou.

— É difícil dizer Liz. . . Quem pode prever o que o futuro reserva para a gente? — John sorria carinhosamente. — Por que tanta preo­cupação com o dr. Battersby?

— Quando penso no que ele já foi um dia e no que se transformou agora, não posso deixar de ficar preocupada.

— Você não gosta mais dele, não é? — Stacy interveio. Quando Liz a olhou surpresa, ela continuou: — Sim, você escondia muito bem, mas até mesmo eu me sentia atraída por ele.

— Oh. Deus! — Liz exclamou, ficando vermelha. — Espero que...

— Ninguém mais adivinhou, pode ficar certa — Stacy interrom­peu-a —, e se por acaso eu o encontrar, é claro que não direi nada.

— Hem, não faria muita diferença. — Liz colocou a xícara sobre a mesa e observou a irmã, que a olhava com curiosidade. — Eu mesma já lhe contei.          

— Você fez o quê? — Stacy perguntou surpresa, John deu uma sonora gargalhada e acrescentou:

— Aposto que deve ter falado de uma maneira que o fez ter certeza de que você estava mentindo! — O bom humor de John fez com que todos achassem graça no incidente.

Aquela conversa tinha feito Liz sentir-se muito mais tranquila. Ela já eslava se preparando para deitar quando Stacy entrou no quarto, depois de bater levemente na porta.

— Sei que está cansada — Stacy falou, enquanto se sentava na cama, ao lado de Liz —, mas preciso lhe dizer uma coisa séria.

— Como nos velhos tempos. — Liz sorriu divertida, enquanto se recostava na cama para ouvir a irmã. — O que foi, Stacy?

— Não se envolva com Grant Battersby. — Ela foi direto ao ponto. — Eu o conheço melhor do que você pensa e sei que se isso acon­tecer, vai sair machucada!

—   Por que está me dizendo isso? — Liz perguntou, abaixando os olhos para não fitá-la.

— Posso estar errada, mas sinto que você ainda tem algum senti­mento por ele... — Stacy tomou a mão de Liz. — Acredite-me, querida, você é que vai sair machucada. Deixe Grant. para mulheres como Myra Cavendish que têm gelo nas veias. São elas que sabem como se defender dele. Você, Liz, por baixo dessa fachada de mulher forte, é toda coração e sensibilidade. Fatalmente sofreria ao se ligar a um homem que jamais saberá dar-se de corpo e alma para uma mulher!

Stacy saiu tão silenciosamente como havia chegado, e Liz ficou recostada na cabeceira da cama, sentindo um nó na garganta que não sabia de onde vinha. O que Stacy dissera fazia sentida, mas não ora fácil escutá-la quando se tratava de um homem que ocupara um lugar tão especial em seu coração durante tantos anos, O que fora, afinal, que mantivera Grant e Myra juntos por tanto tempo? Só podia ser amor. . . E certamente a maneira como Grant se comportava agora era devido a rejeição de Myra, que o tinha magoado profundamente.

Sentia-se muito cansada, havia sido um dia longo demais. Quando as idéias começaram a se embaralhar em sua cabeça, apagou a luz e adormeceu rapidamente.

Stacy foi para a maternidade poucos dias depois e, após passar um dia e metade da noite ao lado dela. John subitamente irrompeu casa adentro, com os cabelos despenteados e a barba por fazer.

— É uma menina linda — ele disse, excitado. — E é a cara de Stacy!

— Pensei que ia ser um menino. .. — Liz brincou com ele.

— Ora, sempre existe uma próxima vez!

— Bem, congratulações de qualquer forma. — Liz sorriu, feliz, e deu-lhe um carinhoso beijo no rosto. — Quando é que poderei vê-las?

— Hoje à tarde, naturalmente. Eu mesmo a levarei.

John deixou-a na cozinha e subiu, assobiando e cantando alegre­mente. Ele é um garotão crescido, Liz pensou com um sorriso, e era justamente essa qualidade que o tornara querido na família.

Naquela tarde, Liz verificou que a criança era de fato parecida com Stacy. Era uma menina bonita e sadia, e os pais não cabiam em si de contentamento.

— Vamos chamá-la de Rosalie!   — Stacy revelou, excitada. — Espero que não se importe em alimentar esse brutamontes, enquanto estou aqui no hospital.

— Claro que não me importo. — Liz sorriu.

Ela não ficou muito tempo na maternidade. Sentia-se meio intrusa no meio daquela felicidade dos dois, e de alguma maneira os invejava. Também ela gostaria de se casar, ter filhos, porém nenhum homem até hoje tinha lhe despertado esse tipo de interesse, a não ser. . . Liz afastou esses pensamentos perturbadores e, armada de uma lista, foi até o centro fazer compras, John possuia um enorme apetite e ela queria preparar alguma coisa especial para o jantar, como uma espécie de comemoração. Afinal, havia algo maravilhoso para celebrar!

Liz estava voltando para casa quando um Jaguar branco freou a seu lado, e ela quase derrubou os pacotes quando a porta se abriu subitamente e a voz de Grant disse, com rispidez:

— Entre!

Ela hesitou um segundo antes de sentar-se no banco a sen lado. Grant colocou rapidamente os pacotes no banco de trás.

— Onde podemos conversar em particular?

— Na casa de Stacy! — ela replicou, depois de dar-lhe uma olhada rápida e nervosa. — Não há ninguém lá agora.

Liz deu o endereço e não disseram mais nada até Grant estacionar em frente a casa. Liz levou os pacotes para dentro e ao voltar encon­trou-o sentado num banco do jardim.

—   Liz... — ele começou relutante, fitando o próprio cigarro que segurava entre os dedos. Mas foi interrompido por ela.

— Se pretende se desculpar não o faça, pois sou eu quem deve pedir desculpas pelas coisas horríveis que lhe disse aquele dia. — Ela sentiu-se bem melhor depois de desabafar, era como se tirasse um peso do peito. Grant a fitou com um olhar levemente divertido.

— Liz, o terror.. .?

— Sei que sempre fui terrível quando se trata de dizer o que acho. — Ela corou um pouco. — Mas acho que nunca mudarei.

— Se há algo de que tenho certeza, Liz, é de que ninguém nunca tem dúvidas a respeito do que você pensa. Riu de mim quando eu paquerava com Farnel e me ridicularizou sem piedade, quando en­contrei Myra Cavendish...   Se bem me lembro, disse que Pamela podia machucar um pouco meu coração, mas Myra iria parti-lo em pedaços.

— E estava certa? — A tensão imediatamente voltou ao rosto de Grant e ela acrescentou, num tom de desculpa: — Você não precisa responder, se não quiser.

— Você estava certa — ele admitiu, com frieza.

— Sinto muito,

— Sente mesmo?

— Dizer-lhe que você não conseguia enxergar o que eu via tão bem não leva   a nada, especialmente quando alguém está muito machucado.

— Você vai voltar a High Ridges?

— Isso é um convite ou um desafio?

— Ambos! — ele disse abruptamente, com um brilho estranho nos olhos.

— Um convite pode ser recusado, mas não posso deixar de aceitar um desafio!

Ele sorriu suavemente e jogou o cigarro no chão, pisando na brasa com a sola do caro sapato de couro.

— Você é uma menina estranha.

— Nem tão menina assim. . . Já tenho vime e dois anos, lembra-se?

— É difícil pensar em você como uma mulher, na idade de casar-se, quando suas imagens de criança e adolescente ainda estão tão vivas em minha memória.

— É este o problema com a família e os amigos que me conhe­ceram criança: eles nunca permitem que me torne adulta!

Grant se aproximou dela, e Liz pôde ver de perto os traços de seu rosto e sentir o odor de sua colônia tão masculina. Isso teve o poder de afetá-la estranhamente, assim como aquela voz grave com que ele falou em seguida.

— Eu sou seu amigo, Liz?

— Já tivemos nossas diferenças no passado, mas gosto de pensar

que ainda é meu amigo.

Liz sentiu uma sensação estranha na garganta enquanto os dedos suaves de Grant deixavam uma trilha de fogo ao passarem suave­mente sobre sua face. até o queixo. O toque a fez corar violentamente. Quis afastar-se com rapidez mas, de alguma maneira, conseguiu per­manecer como estava.

— Quando não tiver nada melhor para fazer, você será bem-vinda em High Ridges — Grant informou-a. Em seguida murmurou uma despedida e afastou-se, deixando Liz paralisada.

Talvez ela devesse estar feliz, mas sentia-se nervosa e perturbada. As palavras de Stacy ainda estavam muito frescas em sua cabeça e agora ela se recordava delas dolorosamente: "Não se envolva com Grant Battersby, ou sairá machucada. Deixe-o para mulheres como Myra Cavendish. . . Só assim não sofrerá as consequências de dar-se a um homem que jamais saberá entregar-se de corpo e alma à uma mulher".

Liz entrou em casa devagar, disposta a preparar o jantar, mas não conseguia afastar aquelas palavras da cabeça: "Não se envolva com Grant Battersby. .." Só que agora já era muito tarde, ela já estava irremediavelmente envolvida. Ao aceitar aquele desafio, tinha selado a própria sorte, como se a pusesse num cofre forte e jogasse a chave fora! Liz sentiu um pouco de medo, mas nunca tinha sido covarde e achava que também desta vez seria capaz de lidar com qualquer situação que surgisse.                         ...

Uma semana se passou antes que ela tivesse oportunidade de visitar High Ridges, e foi com um rosto preocupado que Stacy a olhou quan­do soube onde a irmã pretendia ir.

— Espero que saiba o que está fazendo, Liz — disse, acompa­nhando-a até o hall.

— Tenho consciência do perigo que corro e ficarei alerta — Liz respondeu, com bom humor.

— Ficar alerta não é o suficiente. Você precisaria de uma arma­dura de aço em torno do coração para estar a salvo de Grant.

— Ora, não me diga que acha assim tão fácil apaixonar-se por ele?

— Não sou cega, nem ingênua. Sei que é um homem muito atra­ente, com uma virilidade capaz de deixar qualquer garota perturbada.

— Você certamente ainda não o viu depois que ele voltou para High Ridges, não é?

— Não, ainda não o encontrei, mas. . .

— Ele emagreceu muito, envelheceu, anda com uma bengala e sua mão está ainda muito machucada. . . Aliás, a extensão desse feri­mento eu ainda não sei, mas pretendo descobrir rapidamente.

— Você está sentindo pena dele.

— A palavra "pena" é muito forte e cheia de um sentido dúbio. Prefiro dizer   que sinto compaixão...   tem muito   mais calor e afeição.

— Oh, Liz! — Stacy suspirou, meio exasperada.

— Não se preocupe. Meu coração sabe como se preservar.

A viagem até High Ridges demorou pouco mais de meia hora. Quan­do ela chegou à casa de Grant pensou ter perdido tempo. As janelas estavam fechadas, e se não fosse pelo Jaguar estacionado não muito distante, teria voltado sem descer do carro.

Estava um dia quente e as sombras no jardim pareciam especial­mente acolhedoras. Perto dali, numa pequena fonte, passarinhos refres­cavam-se na água. Aquela tranquilidade acalmou-a. Bateu na porta. certa de que Grant havia saído para andar um pouco, e ficou sur­presa quando a figura alta e cansada surgiu.

— Liz! — Ele estava realmente espantado e a olhava meio incré­dulo, como se não soubesse direito o que fazer.

— Posso entrar ou vou ficar aqui na porta? — ela perguntou com vivacidade, notando o forte odor de fumo que exalava do interior da casa.

— Acho melhor sentarmos na sombra aqui fora- — ele apontou um banco no jardim, debaixo de uma árvore frondosa.

— Não é preciso dizer por quê! — E lançou-lhe um olhar de desaprovação. — Por que não pede para Sam Muller mandar alguém fazer as tarefas da casa?

— Não quero ninguém por perto me incomodando.

— E suas refeições? — ela perguntou quando já estavam sentados no banco de madeira, uma distância confortável entre os dois.

— Tenho bastante comida enlatada no armário.

Liz observou-o detidamente, notando como estava de fato magro e abatido.

— Não admira que suas roupas caiam sobre você como se fosse um cabide!

— Pareço tão mal assim?

— Ah, acho que toquei em sua vaidade masculina! — ela brincou, reparando que   uma lavagem naquelas roupas   que ele usava não seria nada mal.

— Será que vaidade é bom ou ruim?

— Bom para você nesse momento, mas muito ruim quando se tem

em demasia!

— O que aconselha então, dra. Holden?

— Oh, nada que seja muito desagradável, dr. Battersby. Diria que precisa de mais-ar fresco dentro de casa, uma boa refeição diária e um pouco menos de nicotina!

— Parece ótimo. . .   Contudo, como poderia arranjar todas essas

coisas?

— Ora, esse é um problema muito pequeno. —- Você estaria disposta?

— Talvez! — Ela olhou-o com um olhar divertido. — Numa base

puramente profissional.

— Não há dúvida quanto a isso. — Seu rosto tinha uma expressão séria, mas os olhos brilhavam zombeteiros e divertidos.

— Está combinado então! — ela disse, de repente.

— Está mesmo?

— Acho que sim, não é?

Dessa vez, foi Grant quem desviou o olhar. Ele acendeu outro cigarro antes de voltar a falar.

— Gostaria de aceitar sua generosa oferta, mas. . .

— Não me diga que está preocupado com o que as pessoas podem dizer?

— Você não está?

Ela mentiu, pensando no que Stacy diria.

— Nem um pouquinho daquilo.

— Sua reputação. , .

— Minha reputação depende de minha consciência e se eu a tiver tranquila, então não há com o que se preocupar!

— Seu senso de lógica me assusta — ele admitiu, expelindo a fumaça do cigarro.

— Nada assusta o grande dr. Batiersby — ela disse brincando.

— Não sou grande, nem doutor... Isso agora se tornou somente um título de cortesia.

Liz sentiu o coração se apertar, produzindo imensa dor e tristeza. Contudo, sua voz era serena quando replicou:

— Nunca achei que fosse se tornar um fatalista.

— O tempo e as circunstâncias acabam transformando um homem.

— Num certo sentido, talvez, mas não é o que faz um homem com uma cabeça sadia como você sentar-se e dizer: "Está bem, o mundo pode desabar sobre minha cabeça que já não me importo!"

Grant sorriu, mas seu sorriso tinha algo de amargo que não passou desapercebido a Liz.

— Preciso enfrentar o fato de que minha carreira como cirurgião já chegou ao fim.

— E quem foi que lhe disse isto?

— Não é necessário alguém me dizer. Sou médico e sei a extensão de meus ferimentos e suas implicações.

— E então decidiu que não havia nada mais a fazer!

— Com os diabos, Liz! — Grant parecia prestes a explodir. — Não posso nem mesmo segurar uma faca com facilidade, quanto mais um bisturi!

— No momento, sim, mas quem pode dizer o que aconteceria se você exercitasse sua mão com regularidade?

— Acho melhor mudar de assunto — ele falou com violência, atirando o cigarro longe.

— Está certo — ela concordou e agarrou a primeira coisa que lhe passou pela cabeça para dizer: — Ainda não lhe contei que Stacy e John tiveram uma menina na semana passada, no mesmo dia que você me encontrou na cidade. Ela vai se chamar Rosalie!

— Que bom — ele disse em voz baixa.

— Ora, Grant, você podia mostrar um pouco mais de interesse por eu acabar de ganhar uma sobrinha!

Grant suspirou e acendeu outro cigarro.

— Tenho certeza de que Rosalie é uma menina linda.. . porém, não sabe o que a aguarda, tendo você como tia!

—   Puxa, é isso que chamo de desconsideração para com os amigos!

— Stacy e John ficariam furiosos se você encorajasse a menina a fazer as coisas que fazia quando era pequena!

— Ora. nunca pensaria em ensinar-lhe a subir em árvores e outras coisas, Grant! — Liz brincou, fingindo que estava zangada.

— Subir em árvores não e nada...   O que me assusta são as

"outras coisas"!

O ar divertido abandonou a face de Liz quando ela olhou-o de frente.

—   Eu era assim tão terrível?                         .

—   Fico surpreso ao ver que ainda está inteira depois de ler que­brado tantos galhos fingindo que era Tarzan! — Ele sorriu. — Lem­bra-se de quando resolveu se transformar em toureiro? O touro pre­miado de seu pai a fez sair correndo e pular a cerca como nunca linha feito antes!

—   Lembro-me de uma corrente   que tinha no pescoço, naquela

ocasião.

— O que me surpreende é que não tenha quebrado o pescoço! — Ora, sou muito forte, não sabia?

— Quanto a isso, não tenho a menor dúvida!

— E além de ser forte, acontece que também tenho muita sede.. . Será que sua hospitalidade estende-se a um pouco de chá ou qualquer coisa assim?

—   Há cerveja gelada no refrigerador.

— Deus me livre! — Ela fez uma careta de desaprovação.

— Talvez ache um pouco de chá no armário, mas duvido que haja alguma xícara limpa.

—   É bem provável. . . Mas. se conseguir achar o chá, gostaria de tomar um pouco comigo?

— Já que não me oferece cerveja... — ele falou com ar sofredor — ... então acho que terei de aceitar o chá mesmo.

— Agora você está sendo sensível. — Ela riu, enquanto levantava e ia para a cozinha.

Com as cortinas fechadas, a casa,ficava escura e abafada. A cozinha estava da mesma maneira que Liz a encontrara dias atrás, com pratos sujos espalhados por toda a pia. Entretanto, antes que pudesse fazer qualquer aposta a respeito, era preciso achar o chá, o que, aliás, acabou sendo fácil, já que estava numa das primeiras gavetas do armário. Enquanto a água fervia, Liz conseguiu lavar alguns pratos e colocá-los para secar. Havia ainda muito mais a fazer e ela resolveu que no dia seguinte tomaria uma atitude.

Pouco depois, trazia a bandeja com o bule e duas xícaras para o jardim. Sabia que Grant observava todos os seus movimentos, en­quanto servia o chá.

— Por que vendeu Riverside? — ele perguntou assim que come­çaram a beber o chá. — Era realmente necessário ou não tinha inte­resse em administrar a fazenda?

— Um pouco de cada coisa, eu acho. Meu pai não estava muito bem nos dois últimos anos e não tinha nem energia física nem condi­ções para enfrentar a seca que se abateu por aqui. Grande parte do gado morreu, e o resto já não servia mais para venda.

— E então você decidiu vendê-la. . .

— Não foi uma decisão fácil. Mas eu sabia que era necessário alguém com espírito muito mais empreendedor do que o meu, para recolocar Riverside no mapa, como uma das fazendas mais famosas na produção de gado.

—   E agora você tem todo o tempo livre?

— Não exatamente. Escrevo histórias infantis.

— E elas vendem?  

— Sim — Liz respondeu, olhando-o com seriedade, pois Grant não parecia dar muito valor àquilo. — E não seja tão cético quanto a isso!

—   Perdoe-me, mas é que não consigo pensar em escrever histórias para crianças como uma atividade profissional e remunerada!

— Pois saiba que pagam muito bem!

— Não bem o suficiente, eu suponho, para ter salvo Riverside.

— Não, infelizmente. — Ele parecia acusá-la e Liz não pôde mais conter-se. — Com os diabos. Grant, se pensa que fiquei feliz em vender a fazenda...

— Nervosa, nervosa — ele censurou-a com carinho, enquanto dava-lhe um pequeno puxão nos cabelos. — Sabia que seus cabelos brilham como ouro?

— Você está me machucando — ela protestou, seriamente pertur­bada por tamanha proximidade. Grant aproximou-se ainda mais.

— O que faria se eu a beijasse? — ele perguntou com suavidade, fitando os lábios vermelhos de Liz de uma maneira que a deixava amedrontada, ainda que não se permitisse demonstrar isso.

—   Provavelmente sairia correndo como um coelho assustado!

— Será que a idéia de ser beijada a apavora tanto?

— Beijar   é   uma   coisa  séria,   que   não   deve   ser   como   mero

passatempo.

— E é dessa maneira que você acha que eu o faria? — Grant tinha um brilho perigoso nos olhos.

— Bem, acho que não vai querer que eu pense que possui sérias intenções a meu respeito, não é?

— Você certamente sabe como esfriar o ardor de um homem, não é? — Ele sorriu, soltando-lhe os cabelos. — É sempre assim tão franca ou só quando se vê num beco sem saída?

— Você já sabe que não consigo deixar de dizer aquilo que penso. — Liz sentiu que seu coração começava a recobrar a calma.

—   E como poderia ter me esquecido? — ele perguntou, com ar

brincalhão.

Já era hora de terminar a visita, Liz decidiu. Ela se levantou e pegou a bandeja com as xícaras vazias.

— Vou levar isso para dentro antes de ir embora. . . Você terá que se arrumar com comida enlatada até amanhã.

—   Liz...

— Compro algumas coisas quando vier pata cá e depois você me paga — ela falou sem dar tempo para que Grant dissesse algo.

— Tem certeza que é realmente isso que deseja fazer?

— Você não vai tentar me impedir, não é? — ela encarou-o, com uma expressão de desafio.

— A idéia de uma bisteca frita com legumes é boa demais para que eu tente isso! — ele brincou.

— Não vou me esquecer dessa sugestão de almoço! — ela disse, carinhosa. Pouco tempo depois, enquanto dirigia pela estrada, ia pen­sando no que cozinharia para Grant no dia seguinte.

 

— Você está louca. — A voz zangada de Stacy ecoou pela sala silenciosa. — Grant Battersby poderia pagar uma dúzia de emprega­das sem que a sua conta no banco sofresse a menor alteração e você simplesmente se oferece para fazer às vezes de criada?

— Não tenho a menor intenção de aceitar dinheiro dele.

— Se aceita dinheiro não é irrelevante! Pode imaginar o que as pessoas vão dizer?

— Não posso dar as costas para alguém que precisa de ajuda. E Grant, mais que nunca, precisa disso!

— Oh, Liz! — Stacy fez um gesto de impotência. — Você sempre foi impulsiva e fez coisas estranhas, mas essa é a mais absurda de todas elas!

— Espere um pouco, Stacy — John interferiu pela primeira vez.

— Tive uma conversa com Sam Muller ontem à tarde e, pelo que soube, Grant está realmente muito amargurado e sem esperanças. Se há alguém que pode ajudá-lo, acho que essa pessoa é Liz!

— Obrigada, John. — Liz sorriu com gratidão, porém Stacy ainda não estava convencida.

— Concordo que Liz é capaz de afugentar o próprio diabo mas. . .

— Pare de se preocupar tanto, meu amor. — John interrompeu-a.

— Liz sabe como tomar conta de si mesma.

Era bom saber que John tinha fé nela e Liz apreciava seu apoio. Claro que não podia explicar para si mesma essa -necessidade tão grande de ajudar Grant. porém era o mínimo que podia fazer por alguém que tinha sido um amigo da família por tantos anos. Não podia haver outra razão... ou será que podia?

Liz chegou em High Ridges pouco depois das nove na manhã seguinte. Apesar da porta aberta, Grant não estava em casa. Ela cuidou primeiro da cozinha e ao passar para o banheiro, descobriu que afinal ele fizera uma tentativa de lavar as roupas. Terminou a lavagem e, em seguida, colocou as peças na máquina de secar.

Liz trabalhava rápido tirando o pó, varrendo e abrindo as janelas para fazer circular o ar. Em pouco tempo já estava na cozinha, des­cascando os legumes e preparando as bistecas, quando notou que Grant vinha chegando, imediatamente colocou o bule de água no fogo para fazer um pouco de chá.

Ele caminhava devagar, vindo lá de longe, e de tempos em tempos parava para descansar. Quando finalmente chegou à porta da cozinha, o chá já eslava pronto para ser servido.

— Aceita uma xícara de chá? — ela ofereceu, sem sequer cumpri­mentá-lo. Grant concordou com a cabeça, enquanto sentava na cadeira ao lado da mesa.

— Como foi que Stacy reagiu à sua decisão?

— Achou que eu estava louca! — Liz disse sem se virar, ocupada com o chá.

— Imagino que tenha tentado demovê-la da idéia. . .

Alguma coisa na voz dele a fez virar-se e observá-lo com atenção.

— Não me diga que esperava que ela tivesse conseguido?

— Era justamente o que eu preferia.

Liz sentiu-se machucada por dentro, mas escondeu essa sensação sob um sorriso aparentemente tranquilo.

— Você é mesmo ingrato, não é?

— Acho que prefiro minha própria companhia no momento.. .

— Ora, pois sinta-se à vontade! —- ela replicou enquanto pegava a xícara de chá de Grant e levava até à sala. — Você pode tomar seu chá na sala de estar, se preferir assim, enquanto termino de preparar a comida.

— Liz. . . — Com uma agilidade inesperada, ele avançou e obstruiu-!he o caminho, fitando-a de uma maneira que ela não conseguia desviar o olhar. — Por mais estranho que possa parecer, é sobre você que tenho pensado.

— É mesmo?

— Sua reputação será abalada quando descobrirem que vem aqui todas as manhãs — ele disse, ignorando- o sarcasmo de Liz. — E, por outro lado, acho que serei uma companhia muito desagradável na maior parte do tempo!

— Ora, seu mal humor não vai me incomodar e, quanto a minha reputação, é um problema meu, com o qual não precisa se preocupar!

— Mas as pessoas vão dizer que você é do tipo de mulher que...

— Não diga isso! — ela interrompeu-o, irritada. — Se as pessoas até agora não me conhecem bem o suficiente para saber que não sou esse tipo de mulher, então também não me interessa ter a amizade delas! — Havia um ar de desafio na maneira como ela erguia o queixo para fitá-lo. — Como é, prefere seu chá aqui mesmo ou na saia?

— Aqui, onde posso olhar você. — Grant sorriu, voltando a sentar-se, e Liz recolocou a xícara sobre a mesa.

— Será que tem medo que eu fuja com as pratas da família?

— "As pratas da família", como você chama, estão em minha casa em Johannesburg — ele disse com ar zombador. — Foi uma precaução que tomei antes mesmo de Sam Muller mudar para cá.

— Acho que terei de perder as esperanças de enriquecer rapida­mente — ela comentou rindo, enquanto pegava uma batata e começava a descascá-la com energia.

— O dinheiro é importante para você?

— Ora, não seja ridículo! — Ela riu do tom severo com que ele dissera aquilo.

— Se tivesse dinheiro não teria evitado a venda de Riverside?

— Essa não é uma pergunta justa.

— Mesmo assim, será que me responde?

— Grant... — Liz mordeu o lábio, pensativa —... o dinheiro me fez falta alguns meses atrás. Se pudesse colocar alguém para tomar conta de Riverside, como você fez com sua fazenda, então nunca seríamos obrigadas a nos desfazer de coisas e lugares que eram tão caros para nós... Mas não foi possível, e então o que havia a fazer era vendê-la e repartir a quantia entre eu e minhas irmãs. Foi o que fizemos. — Liz deu de ombros. — Desde então, o dinheiro perdeu toda importância para ruim.

Grant continuou a beber o chá e Liz preocupou-se com as batatas, achando que o assunto estava encerrado. Contudo, ele a surpreendeu comentando:

— A venda certamente rendeu muito dinheiro...

— Oh, sim... Depois de pagar todas as dívidas, sobrou um pequeno tesouro para cada uma de nós, b que nos garante certo conforto. Mesmo assim ainda precisamos trabalhar para o resto da vida.

— Mas seu pai...

— Foi, durante um tempo, um dos mais ricos fazendeiros por aqui — ela disse, sem amargura ou rancor.

— O que aconteceu?,

— Eu já lhe disse — ela replicou, limpando as mãos com um pano e colocando chá em sua xícara. — Veio a seca, e ele não estava bem.

— Você está escondendo algo de mim.

Liz já estava a ponto de pedir-lhe para não se intrometer naqueles assuntos particulares, quando imaginou que, se queria ajudá-lo de alguma maneira, era essencial que houvesse completa sinceridade entre eles.

— Meu pai começou a beber muito — ela suspirou fundo — e perdeu o interesse pela vida.

— Mas por quê? — Grant perguntou num tom quase ansioso.

— Eu não sei. . . Parecia se perder no passado, falava muito sobre minha mãe. Acho que sentia muito mais saudades dela do que podíamos imaginar, e por isso nunca mais casou de novo.

— Ninguém poderia substituí-la.

Grant falou de forma estranha, e Liz pensou imediatamente não em sua mãe, mas em Myra Cavendish. O silêncio que se seguiu e a sensação de distância de Grant confirmaram sua suspeita. Liz falou em voz baixa:

— Quando caí de meu cavalo, certa vez, quando era pequena, papai me fez levantar e cavalgá-lo de novo, e é assim que a vida é! — Em sua voz não havia pena. — Pode acontecer de tudo enquanto o tempo vai passando, mas sempre temos que nos levantar e seguir de novo.

— Você está me dando conselhos?

— Talvez. Não acho que esteja se sentindo muito bem no momento, e bem que poderia dar certa atenção a alguns conselhos. - Que tipo de conselho?

— Trabalhar, por exemplo. . . — ela replicou sem hesitar. — Ou simplesmente viver!

— Vou sair para andar um pouco! — ele se levantou de repente, pegando a bengala com um gesto violento.

— Faça isso— Liz continuou, sem se perturbar com o humor de Grant. — Quanto mais exercitar a perna, mais rápido poderá andar sem bengala!

— Obrigado pelo tratamento, dra. Holden! — ele disse com ironia, antes de bater a porta atrás de si.

   — Não há de quê! — ela respondeu, ainda que ele não a pudesse ouvir.

Foi só depois disso que ela percebeu como estava tensa, com os músculos doloridos. Pela janela, via Grant se afastar vagarosamente em direção ao rio, num andar difícil, que lhe enchia de dor o coração.

Quando Liz foi embora, já perto da uma da tarde, tinha passado as roupas e o jantar de Grant estava no forno.

Na semana que se seguiu, Liz e Grant mal se encontraram. Ele Saia quando a via chegar e voltava só quando Liz já tinha ido embora. Certa manhã, ela decidiu que era hora de acabar com aquilo e deliberadamente se pôs no caminho dele.

— Você não poderá me evitar para sempre! Ou será que nunca mais pretende falar comigo?

— Estou seguindo seu conselho e exercitando minha perna — ele disse com rispidez, erguendo a bengala como se lhe dissesse para sair do caminho. Mas Liz agarrou a bengala e a manteve suspensa .

— Grant, se prefere que eu não venha, tudo que tem a fazer é me dizer!

Ele respirou fundo e Liz pensou que fosse fazer exatamente aquilo, porém falou:

— Vou sair um pouco, mas estarei de volta para o chá..

Liz soltou a bengala e, enquanto Grant se afastava, sentiu que tinha acabado de obter uma pequena vitória.

A rotina diária mudou muito depois daquele dia. Grant Saia cedo para caminhar e voltava para tomar chá, fazendo companhia a Liz enquanto ela preparava a refeição, quando então conversavam sobre vários assuntos, mas nunca nada de muito pessoal. Em pouco tempo, Liz já se habituara a comer junto com Grant, e percebia que eram momentos felizes aqueles que passavam conversando.

Grant recuperava as forças rapidamente, e em pouco tempo as roupas já se ajustavam melhor a seu corpo. Tinha mais cor na face, mas ainda recorria a bengala quando andava. A falta de flexibilidade na mão era o que mais o incomodava.

Liz passava o fim da tarde e as noites tentando concentrar-se no trabalho, mas era cada vez mais difícil manter Grant afastado de seus pensamentos. Fisicamente ele estava melhor, porém conservava o mesmo amargor, frustração e cinismo. Seus dias de grande depressão já não eram tão freqüentes, contudo ainda existiam. Liz era tratada como uma irmã mais nova, o que acabou servindo para que ela escondesse certos sentimentos. Sentia-se grata por ser tratada com afeto, mas lá dentro de si algo parecia clamar por mais da parte de Grant.

Um dia, Liz tinha subido numa pequena escada, para recolocar as cortinas da sala, recém-lavadas, quando percebeu que não estava . sozinha.

— Oh, oi — ela disse, olhando por cima do ombro para poder vê-lo. — Não ouvi você chegar!

— Não quer que a ajude? — Grant se ofereceu.

— Poderia me passar aquela cortina sobre a cadeira, assim que eu terminar de colocar esta? .— Liz sugeriu e Grant esperou até que ela terminasse de encaixar o último prendedor antes de passar-lhe a leve e alva cortina.

Liz sentia a pressão do vestido sobre os próprios seios quando erguia o braço para lidar com a cortina. Sabia que Grant a observava e pensou que talvez estivesse mostrando um pouco mais de suas pernas bem torneadas do que devia. Aquilo a embaraçava e fazia corar um pouco, ao mesmo tempo, sentia prazer naquele interesse masculino e sensual. Quando terminou de colocar o último prendedor, Grant a tomou pela cintura e, com facilidade, colocou-a suavemente no chão.

Seus olhos se encontraram, e a maneira como Grant a fitou pertur­bou-a ainda mais. Era como se pela primeira vez ele a visse como uma mulher, em vez de uma adolescente irrequieta. Liz não sabia se devia ficar excitada ou sentir medo daquilo. É claro que outros rapazes, jovens como ela, já a haviam olhado dessa maneira, e tinha sido fácil manter o próprio controle e capacidade de decisão. Entre­tanto, como reagiria a um homem que sempre tivera seu coração na palma das mãos?

Os dedos de Grant seguravam-lhe a cintura com uma força estranha e sensual, e o corpo de Liz vibrou violentamente, num arrepio descontrolado. Ela levantou os olhos, que se fixaram na boca de Grant, tão perto da sua, e um enorme desejo invadiu-a, e forma definitiva.

De repente, Grant começou a lhe acariciar os cabelos, a nuca. Liz sabia o que ia acontecer, e também sabia que se quisesse evitar, precisava ser agora! Algo dentro dela lhe dizia que estava cortejando o perigo, mas seus lábios transformaram-se em água quando Grant inclinou-se e beijou-a com suave volúpia.

Tarde demais...Uma voz acusou dentro dela, mas seu coração batia tão loucamente que nada mais fazia sentido a não set corresponder àquele sonho de prazer. Sempre que havia imaginado como se sentiria sendo beijada por Grant, nunca tinha pensado nessa sensação de mergulhar num mundo diferente, onde só existia uma urgência de se entregar. Aquele beijo era tão arrebatador que a devassava completamente, e a sala parecia rodopiar numa espiral.

Era a primeira vez que experimentava de fato o que podiam ser as carícias entre duas pessoas, e o efeito que isto causava era alarmante. Aquelas mãos ágeis tinham o poder de despertar-lhe as mais profundas sensações.

Quando Liz protestou, tentando afastar Grant com os braços, ele soltou-a imediatamente. Olhava-a de uma maneira estranha, parecia uma outra pessoa. Ela também não estava tão calma quanto desejaria estar. Ainda podia sentir o calor do corpo de Grant, que parecia um imã a atraí-la.

— Eu... vou fazer um pouco de chá — ela disse com voz surpreendentemente controlada, e começou a andar para a cozinha. Agia como um autômato, sem ver o que fazia. Sua mente estava muito ocupada com a súbita descoberta de que uma paixão adolescente, pela qual todos certamente passam, tinha permanecido e se transformado num desejo devastador.      

— Liz. , . — Ela parou de servir o chá quando ouviu a voz dele.

— A respeito do que aconteceu há pouco... Eu não queria que você pensasse que...

— Que você tem alguma intenção mais séria com relação a mim?

— Liz interrompeu-o rapidamente, escondendo sua dor com um sorriso de falsa despreocupação. — Ora, Grant, não sou tão convencida! Você me beijou por causa do clima de um momento, só isso.

— É bom saber que você vê desta maneira — Grant suspirou com indisfarçável alívio.

O chá já estava servido e ela ainda tinha que arrumar umas coisas nu banheiro, o que acabou se tornando um étimo pretexto para não ficar perto de Grant. Liz tentou se comportar como se nada de anormal houvesse acontecido, mas naquela manhã e na outra, não pôde deixar de perceber o olhar de Grant, que a seguia todo o tempo. Pela primeira vez na vida ela sentia-se perturbada e nervosa por causa de um homem, mas estava decidida a não se deixar intimidar.

— Você já precisa   ir embora? — Grant perguntou-lhe no dia seguinte, quando tinham acabado o almoço e a cozinha havia sido limpa.

— Bem, não tenho nenhum compromisso marcado, se é o que você quer dizer — Liz replicou com cautela.

— Gostaria de dar um passeio?

Liz foi surpreendida pela sugestão inesperada, contudo não viu por que não aceitar o convite.

— Se você quiser. . .

Eles tomaram a trilha preferida de Grant, que corria ao lado do rio, cuidando em manter uma certa distância um do outro. O dia estava muito quente e o silêncio significava que os pássaros e insetos tinham se escondido enquanto a tarde não refrescasse um pouco.

Quando afinal pararam sob a sombra de uma árvore frondosa, não havia muito a dizer. Liz olhava a água do rio, que descia lentamente, e ao virar-se para Grant deu com os olhos dele, que pareciam percorrer seu corpo de alto a baixo, delineando suas curvas femininas e atraentes.

— Pare de me olhar dessa maneira, Grant — ela disse afinal, quando Grant observava sua boca vermelha e suave.

— De que maneira?

— Como se tivesse algum plano diabólico em mente — ela falou, com um sorriso zombeteiro. Grant sorriu também, os dentes alvos contrastando com a pele bronzeada.

— É dessa maneira que tenho olhado você?

— Você sabe que é. . . e tem sido assim desde que...

— Desde que eu a beijei ontem à tarde? — Liz concordou com a cabeça, embaraçada, enquanto Grant a encarava com um brilho intenso nos olhos, — Não consigo esquecer a sensação de tê-la em meus braços.. . Tão pequena e suave, correspondendo a meus carinhos com tanto ardor.

— Ora. cale-se. Grant! —   Liz defendeu-se ainda mais   envergonhada.

— Nunca pensei que fosse vê-la corar assim! — ele falou com ar divertido, enquanto tomava o rosto de Liz entre as mãos. Ela sentiu que mais uma vez aquela fraqueza a invadia, destruindo suas defesas. Grant aproximou-se ainda mais e começou a beijá-la com suavidade, como se tentasse decidir se gostava do sabor daqueles lábios doces. Liz mantinha-se ereta, braços caídos ao longo do corpo. Era difícil, mas estava decidida a não corresponder aos beijos de Grant.

Grant sorria, parecendo compreender o tremendo esforço que Liz fazia para não se derreter ao contato morno dos lábios dele. Ela tentou se afastar, mas Grant a abraçou de uma maneira que não lhe deixava alternativa. Mais uma vez seus lábios se encontraram. Agora, o calor e a suavidade dos lábios de Grant se tornaram irresistíveis. Era tão mais fácil corresponder àqueles beijos do que evitá-los... Liz sentia-se toda entregue contra o peito musculoso de Grant, e não opôs resistência quando ele a sentou sobre a relva macia.

Suas bocas se devoravam em beijos longos e profundos, que faziam Liz perder a noção da realidade. A única coisa de que tinha consciência era o cheiro másculo e sensual de Grant, enquanto ele lhe acariciava as costas com uma necessidade cada vez mais urgente. Quando suas bocas afinal se separaram, Grant a beijou no pescoço e no ombro, afastando a alça do vestido com dedos ágeis. Liz sabia que cada vez mergulhava com maior intensidade naquele torvelinho de prazer, mas os dedos de Grant sobre seus seios duros e firmes trouxeram-na de volta à realidade.

— Oh, não faça isso, por favor!   — ela implorou, enquanto o afastava com as mãos.

Grant ergueu a cabeça e, quando seus olhos se encontraram, o olhar dele denunciava um violento desejo insatisfeito.

— Qual é o problema?

— Nós já nos conhecemos há bastante tempo, não é, Grant? — ela falou com voz controlada, que não denunciava o ritmo louco de seu coração.

— Sim, é verdade.

— Tempo suficiente para sermos honestos um com o outro, não é mesmo?

— Claro que sim.

— Grant.. . para você eu sou só uma maneira de se entreter sem maiores compromissos? — ela perguntou afinal e Grant a soltou imediatamente.

— E isso que. você acha?

— Nesse exato momento, não sei bem o que pensar...   — Liz confessou, sentindo-se fraca e miserável ali sentada sobre a grama.

— Você já foi beijada antes, não foi?

— Não é algo a que me entrego com facilidade, Grant, principal­mente com tanta intensidade mas. . . é que tenho um pouco de medo de mini mesma.

— Como assim?

— Não sou como Pamela — ela suspirou, desviando o olhar para não encará-lo. — Ela saberia perfeitamente como lidar com uma situação assim, mas eu não sei!

— Compreendo.. . — Ele tinha uma expressão zombeteira e quase sarcástica. — Para você, um beijo é uma coisa muito séria, algo com o que não devemos brincar.

— Não zombe de mim, Grant! — Liz estava irritada. — Se está a fim de brincar com essas coisas, é melhor arrumar outra pessoa.

Liz se levantou subitamente e correu em direção à casa. Poucos minutos depois já seguia em seu carro, de volta à cidade, uma tremenda irritação tomando conta dela.

— O que aconteceu? — Stacy perguntou assim que viu a irmã irrompendo casa adentro.

— E por que pensa que alguma coisa aconteceu?

— Ora, não é todo dia que entra em casa batendo as portas desta maneira. — Stacy tinha um olhar compreensivo e curioso. — Grant fez alguma coisa para você?

Liz nada respondeu. Lançou um olhar furioso antes de atravessar a sala até a escada que levava ao seu quarto.

— Recebi uma carta de Pamela esta manhã. — As palavras de Stacy a fizeram parar nos primeiros degraus. — Ela escreveu, algo para você também.

— Sim.. .? — Liz perguntou com cautela.

— Ela simplesmente confirma o que eu já lhe disse.

— Bem, não é difícil adivinhar que tem a ver com Grant!

— Vou ler para você. — Stacy foi até um dos móveis da sala, sobre o qual estava a carta. — "... Diga para Liz manter distância de Grant. Ele é uma pessoa muito perigosa".

Uma onda de fúria tomou conta de Liz, e por pouco não começou a quebrar as coisas para dar vazão aos sentimentos.

— Diga para Pamela se preocupar com as coisas dela! E isto vale para você também! — falou quase gritando, e em seguida disparou escada acima, sem querer que Stacy percebesse as lágrimas que já não conseguia mais conter.

— Ora, com os diabos! — ela praguejava agora, sozinha em seu quarto, deixando afinal as lágrimas correrem com liberdade- Era tão inútil desejar ser   como   Pamela...   Ela era   "Liz, o   terror",   "a impossível..." Nunca tivera medo de ninguém, nem de nenhuma situação. Até esta tarde, quando de repente sentiu-se navegando em águas profundas e desconhecidas. Podia ter se entregado àquele delírio louco e maravilhoso mas. .. teve medo. Medo! Se aqueles momentos nada significavam para Grant, significavam muito   para ela, e Liz não deixaria que ele zombasse de seus sentimentos.

Uma hora mais tarde, ela já se sentia calma o suficiente para pedir desculpas a Stacy, mas nada do que a irmã pudesse dizer a convenceria a não voltar à High Ridges. na manhã seguinte.

Liz ficou surpresa ao encontrar a pequena casa da fazenda de Grant totalmente desarrumada no dia seguinte, com garrafas de bebida espalhadas por todo canto. Mas, sem dúvida, a surpresa de Grant foi muito maior quando voltou de seu passeio e a encontrou ali.

— Você achou que eu não voltaria mais? — ela perguntou com ar indiferente, começando a preparar o chá.

— Devo admitir que tive pesadelos ao pensar que teria de voltar a comer comida enlatada! — Grant confessou, com um sorriso.

— Minha raiva era por causa de mim mesma, e não por você, Grant. Sinto muito!

— Agora sou eu que fico curioso para saber por que estava com raiva de você mesma. .. Será que sob a capa de "Liz, o terror", se esconde uma jovem tímida e assustada?

Ele estava tão perto da verdade que foi preciso um grande esforço para Liz não admitir que tinha razão.

— Quando era pequena, eu tinha medo de passar pelo corredor de casa, à noite, porque era muito escuro. Foi só no dia em que consegui olhar a escuridão de frente que superei este medo...   Isso me ensinou uma grande lição!

— Está dizendo que se enfrentar seus receios de frente será capaz de superá-los?

— Sim, é isso mesmo.

— Você tem medo de mim, Liz?

— Não, Grant. Tenho medo de mim mesma. — Ela não hesitou em confessar a própria vulnerabilidade.

Grant fitou-a com um olhar de dúvida, mas preferiu não insistir naquele assunto. Liz continuou com suas tarefas usuais, sem deixar de perceber os olhares que Grant lhe lançava, sentado na cadeira da cozinha. Aquilo a deixava embaraçada e, pouco tempo depois, ela pediu que ele fosse andar um pouco. Grant saiu mas voltou logo com um buquê de margaridas que tinha colhido no jardim.

Fizeram a refeição com o pequeno vaso de margaridas sobre a mesa, entre os dois. Havia algo naquele gesto de Grant que lhe dava vontade de rir e chorar ao mesmo tempo, mas Liz manteve o auto­controle e procurou se concentrar na comida.

Quando já tomavam o café, o silêncio começou a pesar enormemente, e tudo que Liz desejava era poder partir o quanto antes. Ela retirou a louça da mesa e colocou-a na máquina de lavar pratos, ao lado da pia. Enquanto fazia isso, tinha consciência do olhar de Grant, que seguia cada um de seus movimentos.

Aquilo era uma coisa enervante, mas Liz não podia fazer nada. Que será que ele tinha na cabeça? Será que pensava em Myra Cavendish, imaginando que era ela quem estava ali, preparando-lhe as refeições e tomando conta da casa? Aquele pensamento fez com que uma nuvem de tristeza se abatesse sobre ela.

— Será que você poderia me trazer um pouco mais de café lá na sala. antes de ir embora? — ele perguntou com voz grave, e Liz sentiu que era como se tivesse lido seus pensamentos.

— Claro que sim — ela respondeu para as paredes, pois Grant já linha saído.

Terminou tudo rapidamente e levou-lhe a xícara de café. Grant estava sentado no sofá, com um ar compenetrado, como se tivesse um grande problema a ser resolvido e não conseguisse encontrar uma solução satisfatória.

— Não vá ainda — ele pediu, quando Liz se virava para partir. — Sabe. tenho pensado muito nos últimos dias. . .

Liz parou e virou-se para Grant, sentindo as pernas tremerem. Ele vai embora, ela pensou, desolada. Durante toda a vida, Grant sempre surgia para desaparecer de novo. Entretanto, esta seria a última vez que seus caminhos se cruzariam, pois Liz já não podia suportar tanta tristeza e amargura.

A xícara de café continuava sobre a mesinha, onde Grant a colocara, intocável. Liz o olhava como uma despedida, preparando-se para escutar o que ele tinha para lhe dizer.

— Você quer casar comigo, Liz?

 

Foram necessários alguns segundos para que as palavras de Grant rompessem a armadura que Liz tinha colocado em volta de si mesma. "Você quer casar comigo?", ele havia perguntado, e ela não sabia se devia rir, chorar, ou investir furiosamente contra ele. Sim, pois era claro que não podia estar falando sério.. . Ou será que podia?

Não havia sinal de ironia no rosto de Grant, só a expressão de quem esperava pacientemente uma resposta a algo muito sério. Aos poucos, Liz conseguiu recobrar o autocontrole.

— Bem, sempre achei que uma proposta de casamento deveria ser precedida de uma declaração de amor! — ela conseguiu falar com um certo ar zombeteiro, apesar de estar enormemente embaraçada.

— Não tenho muito amor para lhe oferecer mas... preciso de uma esposa!

— O que está realmente dizendo é que precisa de uma mulher em sua cama, não é, Grant?

— E isso é tão terrível assim?

— Sim. . . e não. — Liz virou-se e olhou o jardim, através da janela. Tudo lá fora parecia calmo e normal, tão distante da tormenta que ganhava corpo dentro dela. — Por que eu, Grant, por que justamente eu? — ela perguntou, sem se virar.

— Você é uma ótima companhia, uma cozinheira excelente e nunca em minha vida usei roupas tão bem passadas!

— Suponho que eu deva me sentir lisonjeada!

— Com os diabos. Liz, se é todo aquele palavratório. Romântico que deseja ouvir, então é melhor esquecermos tudo, mas.. . — Ela virou-se e seus olhos se encontraram. — Liz, acho que seremos felizes se casarmos!

— Suponho que você esteja se referindo ao aspecto físico do casamento.

— Sim. estou.

— Você não está realmente me oferecendo muita coisa, não é? Só desejo físico.

— Nunca lhe faltará nada, Liz.

— Ora, Grant! — Ela começava a ficar furiosa. — Será que é capaz de pensar que o status financeiro de um homem tem alguma importância para mim, quando se trata de casamento?

— Não sei, Liz. — Ele acendeu um cigarro, incomodado. — O que você deseja, então?

— Quero aquilo que você obviamente não é capaz de me dar, Grant. — Ela sempre havia dito o que sentia e, principalmente agora, não poderia esconder nada. — Eu quero seu amor, Grant!

Ele pareceu surpreso, sem saber como reagir. Alguns momentos se passaram antes que afinal dissesse algo.

— E por que isso seria tão importante?

— Porque eu o amo, Grant.

Ela falou com voz tranquila, revelando o segredo guardado por tanto tempo. Se Grant ainda tivesse alguma dúvida a respeito da verdade daquelas palavras, então um simples olhar para Liz seria capaz de confirmar-lhe a imensidade daquele amor.

— Você é realmente sincera. — Ele parecia acusá-la.

— Acredito na verdade, ainda que ela possa machucar, às vezes. Uma eternidade se passou enquanto Grant fitava o cigarro, mer­gulhado nos próprios pensamentos. Liz também nada tinha a dizer.

— Não posso lhe dar o que não tenho para ofertar a ninguém, Liz — ele falou, finalmente. — Posso dar-lhe companhia, carinho, respeito e o lado físico do amor, mas não mais que isso. .. É esta minha proposta e, como vê, também estou sendo absolutamente sincero.

— Talvez esteja fazendo a maior besteira de minha vida — ela disse enquanto se ajoelhava no chão, perto.dos pés de Grant, não ligando para a voz interior que lhe gritava para ter precaução. — Eu aceito, Grant!

Era alívio, que existia nos olhos dele? Grant a fez levantar-se e abraçou-a, seus lábios se encontrando num beijo profundo e demorado.

 

Liz desejava que aquele momento nunca mais terminasse, mas a vida real é inexorável e, em pouco tempo, Grant se afastava.

— E melhor voltar para a segurança da casa de Stacy — ele falou, brincando. — Poderemos discutir todos os detalhes amanhã.

Liz não o contradisse. Estava muito feliz e, ao mesmo tempo, consciente do fato de que tinha concordado em casar com um homem que nunca a amaria da maneira como ela o amava.

Foi só após o jantar, naquela noite, que Liz deu a notícia a Stacy e John. Como já esperava, a reação da irmã foi a pior possível.

— Ora, Liz, você está ficando louca? — A voz calma de Stacy de repente ganhava um tom cortante.

— Eu o amo, Stacy.

— É uma grande tola se imagina que algum dia ele poderá vir a sentir a mesma coisa por você!

Aquilo doía, sempre iria doer, mas Liz não deixaria que Stacy percebesse como esse fato a fazia sofrer.

— Eu sei que ele não me ama. Grant deixou isso bem claro. E eu aceitei sua proposta nessas condições.

— E Myra Cavendish? Que acontecerá se ela resolver aparecer de novo na vida de Grant?

Era como se uma faca pontiaguda perfurasse o coração de Liz, mas ela nada deixou transparecer.

— Espero que, se um dia isto vier a acontecer, ele já tenha se apaixonado por mim! — falou com um sorriso malicioso e brincalhão.

— Oh, Liz! — Stacy maneou a cabeça e fitou John por um segundo, tomo se pedisse ajuda. — Você sabe no que está se metendo?

— Sei que não será fácil — Liz suspirou —, mas espero que o melhor aconteça.

— Bem, se é que me permitem, gostaria de dizer algo — John aproximou-se de Liz.   — Felicidades, querida! —   Ele abraçou a cunhada com carinho e beijou-a suavemente no rosto. — Quando será o grande dia?

— Bem, não conversamos a respeito disto ainda, mas.. . — Liz fitou Stacy — ... tenho certeza de que será breve.

Stacy parecia mais calma, quase aceitando o fato. Ela chegou perto de Liz e tomou-lhe a mão.

— Tenho medo do que possa vir a lhe acontecer, Liz.

— Ora, não seja boba, querida. — John tentava confortá-la. — Liz sabe o que está fazendo e é capaz de tomar conta de si mesma.

Mais tarde, já deitada na cama, mas sem conseguir adormecer, Liz pensava nas palavras de John: "Liz é capaz de tomar conta de si mesma"! Ela apreciava a confiança que o cunhado depositava nela, porém duvidava daquelas palavras. Será que seu amor por Grant não a tornaria mais vulnerável quando estivessem casados? Pensando em tudo aquilo, ela mal dormiu durante a noite e, na manhã seguinte, acordou com uma terrível dor de cabeça que só começou a ceder depois que tomou dois comprimidos.

Quando chegou à High Ridges, Grant estava sentado na cozinha, segurando uma xícara de café entre as mãos. Sua barba eslava por fazer e havia uma sombra em seu olhar.

— Desisti de meu exercício matinal — ele disse, referindo-se à caminhada que fazia todas as manhãs para exercitar a perna.

— Você não está doente, está?

— Não, estou bem. Só não consegui dormir esta noite.

— Bem, para mim também não foi fácil.                            

— Você reconsiderou sua decisão? — Ele tinha um brilho de ansiedade no olhar.

— Não! E você, Grant?

Grant levantou e chegou perto de Liz. Tomou seu rosto nas mãos e beijou-a com delicada sensualidade.

— Eu a quero, Liz, e só Deus sabe como necessito de você a meu lado! — Seus corpos se separaram e Grant afastou-se um pouco.. — Temos muito que conversar, não é?

— Está bem, vamos conversar, então — ela concordou, ignorando o pedido de seu corpo para que aquela troca de carícias continuasse.

— Quando pretende casar comigo? — Grant perguntou e   Liz | invejou seu autocontrole.

— Assim que você quiser.

— Sábado?

Liz sentiu um frio na barriga, que a fez prender a respiração por um momento.

— Só faltam dois dias para sábado.

— É claro que podemos esperar mais se você desejar um casamento tradicional, com todas as formalidades e a pompa usual.

Ele tinha feito a oferta, e Liz sabia que Grant concordaria em fazer as coisas como ela preferisse, apesar de não haver dúvida dei que não sentia vontade de passar por um casamento tradicional. Ela também não estava inclinada a fazer isso. Seu pai havia morrido há poucos meses e Stacy acabava de ter o bebê.

 

— Acho que podemos fazer uma cerimônia informal e sem convi­dados. Como não há muito a preparar penso que sábado será uma ótima data.

— E sua família?

— Eles concordarão com o que eu decidir.

— Não fizeram objeção, quando você disse que pretendia casar comigo?

— Stacy achou que eu estava ficando louca, mas concordou que já lenho idade suficiente para decidir por mim mesma. — Liz preferiu mudar de assunto. — Nós vamos morar aqui, não é?

— Por algum tempo, sim.

— Grant.. . — Ela hesitava, mas a pergunta tinha que ser feita. — E Myra?

Os olhos de Grant pareceram ganhar a frieza de um iceberg.

— Nós não conversaremos sobre ela.

— Mas. . .

— Já disse que prefiro que nunca conversemos a respeito dela — ele replicou num tom selvagem, levantando-se em seguida. — Ela pertence ao passado, e é onde deve permanecer!

— Está bem, se é assim que você prefere — Liz falou com frieza e rispidez.

— Liz, por favor, tente Compreender.

Quando tomou suas mãos, ela sentiu que Grant tremia um pouco. Ele apertou-a num abraço forte, sufocante, e Liz sentiu um novo medo brotar em sua alma. O que ele lhe pedia para compreender? Que a estava usando para esquecer Myra Cavendish? Oh, Deus, aquilo doía muito...

— Acho melhor começar a arrumar a casa — ela pronunciou assim que seus corpos se separaram.

— Vou até a cidade acertar nossos papéis.

Quando Grant saiu, Liz sentiu que seu corpo inteiro tremia, numa sensação confusa de alegria, medo, ansiedade e esperança. Ela sempre fora muito autoconfiante e não seria diferente desta vez. Sim, aquele casamento ia dar certo, ela faria tudo para que isso acontecesse e, quem sabe, talvez um dia Grant viesse a amá-la.

Liz saiu para fazer compras naquela tarde, preocupada sobretudo em achar o vestido que usaria no dia do casamento. Decidia que não poria o tradicional vestido branco e optou por um lindo modelo de cor bem clara, simples e elegante.

—   E esse vestido que vai usar no casamento? — Stacy perguntou pouco antes do jantar, quando entrou no quarto de Liz e viu o vestido pendurado no cabideiro.

— Sim. é simples e muito bonito.

— Oh, tenho certeza de que você ficará adorável nele!

—   Acha mesmo?

— Ora, claro que sim, querida — Stacy garantiu. — Bem, vim avisar lhe que temos um convidado para jantar. Sugiro que vista algo mais especial.

—   É alguém importante? — Liz perguntou distraída, enquanto arrumava suas compras dentro do guarda-roupa.

— Deixarei que você mesma decida isso. — Stacy sorriu para a irmã. — Vou terminar de arrumar as coisas. Não demore muito, está bem?

Stacy saiu e Liz suspirou, um pouco irritada. Tinha que terminar de escrever uma história e despachá-la para a editora o quanto antes. Seu casamento já bastava para ocupar-lhe todo o tempo disponível e, se Stacy e John tinham um convidado para jantar, bem que podiam tê-la deixado fora daquilo. Ela não se sentia com muita vontade de ser agradável para estranhos, mas não podia desapontar Stacy.

Quando afinal já estava pronta, olhou-se no espelho e percebeu seu ar frágil e feminino. Sim, externamente ela era uma fortaleza, sempre pronta a dizer tudo aquilo que pensava. No fundo de seu coração, porém, era terna e frágil. Sempre houvera um homem com a capacidade de revelar aquele seu lado tão feminino e, dentro de pouco tempo, este homem se tornaria seu marido!

Marido!. .. Grant seria seu senhor, pois sua alma e seu corpo lhe pertenciam, ela não podia enganar a si própria. Pensar assim a deixava nervosa e confusa. Não tinha nenhuma experiência em intimidades sexuais, guardara-se para o homem que um dia seria seu marido. Entretanto, o medo de decepcioná-lo crescia dentro dela, e com ele a dúvida sobre se teria agido corretamente.

Era um pensamento perturbador, mas ela fez força para tirá-lo da cabeça e desceu as escadas, em direção à saia.

Podia ouvir Stacy na cozinha, terminando de preparar o jantar. John certamente estaria no estúdio, entretendo o convidado. Assim que chegou à grande sala de estar, viu Grant de pé, ao lado da janela.

Se ele fez algum gesto que a convidasse ou se foi algo espontâneo de sua parte. Liz jamais saberia. Mas ela correu para os braços dele tão naturalmente quanto um pássaro volta ao ninho. Trocaram um beijo rápido e caloroso antes de se separar.

— Por que ninguém me disse que você estava aqui? — ela per­guntou, admirando a beleza de Grant vestido com uma jaqueta bege e uma elegante calça mais escura.

— Ora, você já ia descer de qualquer maneira... Liz, temos muito que: conversar.

— O quê, por exemplo?

—   Sobre você e eu, sobre nosso casamento no sábado à tarde, e sobre nosso futuro! — O sorriso de Grant o tornava ainda mais bonito e atraente.

— Grant...

Ele enfiou a mão no bolso da jaqueta e tirou uma pequena caixinha. Dentro dela havia um lindo anel com um rubi rodeado por pequenos brilhantes. Grant colocou a delicada jóia no dedo de Liz.

— Oh, Grant- .. — Tomada pela surpresa, ela não sabia o que dizer.

— E então, você gosta?

— É lindo, mas...

— Mas...?

— Oh, você não devia. . . — Liz não conseguiu acabar de falar, pois duas lágrimas caíra de dos seus olhos.

— Eu nunca a vi chorar antes — ele disse ao mesmo tempo emo­cionado e preocupado.

— É uma de minhas falhas! Quando estou feliz, sempre termino chorando!

Grant acariciou-lhe o rosto e, com muita ternura, secou com um beijo as lágrimas que corriam por seu rosto.

— Posso entrar? — Stacy perguntou, batendo na porta.

— Claro que sim — Grant concordou enquanto se afastava um pouco de Liz. Stacy entrou na sala, com John.

— Acho que a ocasião pede um champanhe, vocês não concordam?

— Tem toda a razão! — Liz concordou, radiante de, felicidade.

A garrafa foi aberta com estardalhaço e brindaram à saúde dos noivos. Liz sentia-se feliz como nunca, todos conversavam animados, e ela chegou- a pensar que Grant também estava tão feliz quanto ela. Entretanto, mais de uma vez percebeu uma sombra no olhar do homem que amava, como se por um momento ele se distanciasse daquilo tudo. Será que pensava em Myra Cavendish, será que desejaria que fosse ela a noiva a qual brindavam?

Aquele pensamento doía e, durante o jantar, Liz ficou calada a maior parte do tempo. Entretidos com o clima do, momento, ninguém percebeu seu ar pensativo entre um sorriso e outro.

Quando Grant afinal anunciou que ia embora, Liz o acompanhou até o carro. Havia tantas coisas que ela desejava lhe dizer, mas as palavras simplesmente não apareciam. O fato de Grant estar imerso nos próprios pensamentos só servia para deixá-la mais confusa.

— Nos veremos amanhã? — ele perguntou de repente.

— Claro que sim — ela replicou, com uma vivacidade que soou falsa a seus próprios ouvidos.

A noite não havia sido a mais tranquila nem a menos perturbadora possível, no entanto, tudo isso perdeu a importância quando suas. bocas se encontraram num longo beijo de despedida.

— Grant — ela disse, enquanto se desembaraçava de seus braços e se afastava um pouco —, se você ainda quiser mudar de idéia a respeito de nosso casamento, pode estar certo de que eu compreenderei.

— E o que a faz pensar que eu desejaria mudar de idéia?

— Nada em particular. — Ela engoliu em seco. — Estou só lhe dando a oportunidade de cancelar tudo, se ainda tiver alguma dúvida a respeito da decisão que tomamos.

Grant chegou mais perto de Liz e colou seu corpo ao dela, num abraço carinhoso e excitante.

— Quero casar com você,   Liz, só não tenho certeza se estou sendo justo com você.

— Diz isso por saber o que eu sinto por você, Grant?,

— Sim, exatamente.

— Você foi honesto comigo e honestidade é tudo que eu sempre quis.

— Eu tinha quase certeza de que você ia dizer isso, Liz, mas. . . Ela pôs o dedo sobre os lábios, dele.

— Sei o que quero, Grant, e se você permitir, farei tudo para torná-lo feliz.

— Você é a pessoa menos egoísta que conheci em toda minha vida, Liz. e espero nunca tirar vantagem disso. — Ele puxou-a para perto com enorme suavidade. Mais uma vez os dois se perderam num beijo prolongado e profundo. — Boa noite, Liz! — ele murmurou afinal. Em seguida entrou no carro e partiu.

Pela segunda vez em menos de dois meses, Liz estava empacotando suas coisas. Ela tinha ido ã fazenda de Grant na sexta de manhã, sabendo que aquela era a última vez que o veria antes de casarem. Agora, sábado de manhã, havia tanta coisa a fazer que o tempo parecia escasso para tudo. Liz se perguntava se Grant também estava nervoso e aflito como ela, e se os homens não sofriam dessa tensão antes do casamento.

— Essas são as últimas? — John perguntou, trazendo-a de volta à realidade. Era ele quem estava levando as coisas de Liz para High Ridges, e aquela seria a última viagem que faria antes do casamento.

—   Sim, John. só faliam essas duas malas.

—   É melhor você se apressar, John — Stacy disse, assim que entrou na sala. — Não se esqueça de que ainda tem que tomar banho e se arrumar depois que voltar de High Ridges.

— Ora, ainda há muito tempo, querida. Não são nem duas horas!

— E o casamento será às,-quatro, o que significa que está quase na hora! — Liz interveio em tom brincalhão.

Sim. dali a pouco mais de duas horas ela seria a sra. Grant Battersby, e seus sentimentos estavam cada vez mais confusos. John e Stacy Saíram, deixando-a sozinha na sala. Por mais inacreditável que pudesse parecer, no fundo ela sentia-se extremamente calma. Na verdade, talvez não fosse difícil saber a razão dessa mistura de excitação e medo. Afinal, ia casar com o homem que amara durante toda a vida, e aquele frio que insistia em percorrer a espinha certamente devia ser devido à ansiedade de uma noiva prestes a seguir para a igreja.

Esta noite estarei dormindo com Grant, ela pensou. Dormindo em sua casa, em seus braços e. . . Oh, eu não queria desapontá-lo de nenhuma maneira.

Mas agora não havia muito tempo a perder, e Liz foi tomar banho. ]á estava em seu quarto, pouco mais tarde, se maquilando, quando a irmã entrou. Seus olhos se encontraram através do espelho.

— Querida, talvez este seja o último momento em que poderemos conversar a sós antes do casamento.

Liz olhou Stacy com certa preocupação, sabendo que a última coisa que desejava naquele momento era conversar sobre as condições em que aquele casamento se realizava. Stacy certamente compreendeu a apreensão da irmã e deu um sorriso.

— Tudo que tenho para dizer é que se algum, dia precisar de mim, querida, estarei sempre perto para ajudá-la em tudo que for possível.

— Oh. Stacy! — Liz não pôde evitar as lágrimas que irromperam de seus olhos. Ela se levantou e abraçou a irmã, com força. — Sabia que podia contar com você, muito obrigada!

Quinze minutos depois, os três seguiam para a igreja, John dirigindo o carro. O Jaguar branco de Grant já eslava estacionado ao lado do templo e. pela primeira vez naquele dia, Liz sentiu-se realmente nervosa. Seu coração batia acelerado e ela não parava de esfregar as mãos uma na outra.

Grant a esperava sob o grande umbral da porta e, quando suas mãos se tocaram, todo o nervosismo pareceu abandonar Liz. Ele estava lindo num elegante terno claro, cabelos penteados, o aroma de sua colônia perfumando ainda mais aquela bela tarde de abril.

Foi um casamento extremamente simples, que teve Stacy e John como únicas testemunhas. Seria, porém, o dia mais memorável na vida de Liz. Duas lágrimas rolaram por sua face quando finalmente saíram sob o sol à porta da igreja. Grant passou-lhe um lenço de seda, enquanto stacy e John, inesperadamente, os cobriam com uma chuva de grãos de arroz.

— Tenho   champanhe   esperando   por   nós   no   hotel. —   Grant anunciou. — Nos encontramos no saguão, está bem?

—   Não se apressem, sim? — John falou com um sorriso malicioso. — Se demorarem um pouco mais, compreenderemos o que aconteceu...

Nenhum dos dois conversou, enquanto Grant dirigia. Liz não per­guntou nem por que ele tomou uma direção diferente da de John e Stacy. Em pouco tempo, estavam numa pequena estrada calma e tranquila. Grant estacionou sob a sombra de uma árvore.

— Eu tinha que tê-la, mesmo que fosse só alguns minutos! — Ele sorriu e em seguida lhe deu um beijo tão apaixonado que abalou todos os sentidos de Liz. Quando afinai suas bocas se separaram, ela tinha a respiração entrecortada e as idéias embaralhadas. — Eu pre­cisava disto! — ele confessou. Apesar de não dizer nada. Liz sabia que também precisava.

Liz sentia-se muito feliz quando, duas horas mais tarde, novamente se viu a sós com Grant. depois de terem tomado o champanhe com John e Stacy. Entretanto, ele tinha mais uma surpresa para ela: reservara uma mesa no melhor restaurante da cidade! Enquanto fitavam um ao outro, durante o jantar, Liz sabia que as pessoas em volta não teriam nenhuma dúvida de que se tratava de um casal recém-casado. Ela não conseguia desviar os olhos de Grant. Ele era tão lindo, e agora era seu marido!

O jantar foi calmo e delicioso. Eles conversavam despreocupada-mente sobre os mais variados assuntos. Liz continuava totalmente absorvida pela presença de Grant, alheia a tudo que passava a seu redor.

— Foi um dia muito longo — ele disse, quando tomavam o café.

— Sim, muito longo e repleto de acontecimentos.

— Vamos embora, então?

Liz fitou-o com olhos cheios de malícia.

— Pensei que nunca fosse sugerir isso!

Grant respirou fundo e também esboçou um sorriso malicioso.

— Você é uma pequena   feiticeira!   — sussurrou, sorrindo. — Vamos, então?

Liz estava surpresa por ser tão fácil para ela falar as coisas daquela maneira. Pensou que devia ser o campanhe que tinha afastado todas as suas inibições.

 

Liz sentou-se em frente à penteadeira e começou a escovar os cabelos com muito mais força que o necessário. Meu Deus, como estava com medo! Parecia um coelho perseguido e assustado. E era certo que seu rosto pálido não escondia isso, nem suas pernas, que tremiam levemente sob a linda camisola de seda que Stacy lhe dera.

Ela era a esposa de Grant e o peso da aliança de ouro em seu dedo servia para lhe lembrar este fato. De agora em diante, dividiria com ele sua cama, sua vida. Será que todas as noivas sentiam-se assim nervosas na noite de núpcias? Será que o lado físico do amor atemo­rizava a todas elas?

A porta se abriu de repente e Grant entrou, usando um elegante roupão azul-marinho. Ele parecia calmo e tranquilo e seus olhos não escondiam o desejo quando começaram a percorrer o corpo de Liz. Fechou a porta atrás de si, como que isolando-os do resto do inundo e, aproximando-se dela, tomou suas mãos antes que Liz tivesse chance de se ocupar novamente com a escova de cabelos. Era difícil fitá-lo nos olhos.

— Não me diga que você está nervosa! — Grant zombou.

Não era hora para fingir e, levantando os olhos para encará-lo, Liz admitiu:

— Estou mesmo. . . e bastante!

— Onde está aquela mulher provocante e insinuante que zombava de mim no restaurante?

— Não estou acostumada a beber tanto champanhe e acho que disse coisas que não diria normalmente. ...

— H agora está morrendo de medo?

O tom de zombaria machucava, e Liz retirou suas mãos das dele.

— Eu nunca dormi com um homem antes, Grant.

— E pensa que eu não sei disso?

— E se eu desapontar você? — ela afinal confessou seu medo real.

Grant olhou-a carinhosamente, deslizando os dedos pelo pescoço de Liz, descendo até o pequeno vale entre os seios, deixando atrás de si uma trilha de fogo. Com suavidade, eles subiram novamente até chegar ao queixo de Liz.

— Você não me desapontará. Liz.

— Como pode ter tanta certeza?

— Talvez eu a conheça melhor do que pensa!

Grant começou a desamarrar o laço que prendia a gola da camisola de Liz e ela corou, sentindo o próprio rosto em brasa.

— Você é tímida.   Nunca teria acreditado se me contassem!

— Será   que. . .   será que poderia apagar a luz? — ela pediu. confusa e embaraçada.

—   É claro que sim... "se isto a faz sentir-se melhor.

A súbita escuridão que invadiu o aposento fez com que Liz tivesse vontade de se esconder em algum lugar, rapidamente. Mas num instante Grant estava de volta, sua boca quente logo encontrando a dela, suas mãos deslizando pelo corpo e desabotoando definitivamente a camisola.

Nada, nem mesmo a escuridão, poderia protegê-la agora das sensações que os toques de Grant lhe provocavam, da mistura de timidez dolorosa e do sublime êxtase que começava a vencê-la. Quando os dedos -dele tocaram os bicos duros de seus seios, nada mais fez sentido senão entregar-se àquele delírio maravilhoso... Liz cruzou os braços atrás do pescoço de Grant e seus corpos se colaram, como dois imãs poderosos se atraindo.

Grant afastou-a um pouco para abrir o cinto do próprio roupão e tirá-lo e, no instante seguinte, puxou Liz novamente para perto. A um leve toque de seus dedos, a camisola já desabotoada caiu aos pés dela. Pela primeira vez, seu corpo nu entrava em contato com o corpo também nu de um homem, e Liz sentiu a vibração viril que tomava conta de Grant.

Os lábios quentes dele deslizavam sobre seu pescoço, seus ombros, passavam por sua boca entreaberta. Ela começava a se perder numa torrente de sensações desconhecidas, porém, só queria mergulhar mais

E mais à busca de prazer. Sentiu-se flutuar, como se seu corpo fosse chama pura a queimar numa febre louca de excitação.

     — Grant... — ela murmurou, uma faísca de incerteza invadindo

aquele paraíso.

— Hummmm. . . — ele falou no ouvido dela, sua boca novamente brincando com os sentidos de Liz.

— Oh, Grant, eu te amo! — As palavras escaparam de seus lábios e então Liz se rendeu em definitivo à paixão daquele momento.

Quando abriu os olhos na manhã seguinte, foram necessários al­guns segundos para ter consciência de onde se encontrava. Estava sozinha na cama de Grant, mas tinha passado a maior parte da noite em seus braços, sentindo-se protegida como nunca em sua vida.

A lembrança do que tinha acontecido entre eles ainda era forte para fazê-la corar. Não havia um único centímetro de seu corpo com o qual Grant tivesse deixado de travar conhecimento- Seu medo logo desaparecera, substituído pelo desejo louco de estar sempre mais e mais perto dele. Seus corpos tinham se tornado instrumentos de prazer, conduzindo-os a um desfecho inimaginado. Liz conhecera sen­sações e sentimentos que nunca supôs que existissem.

Mais tarde adormeceram lado a lado, felizes. O coração de Grant, batendo sob seu ouvido, dava-lhe uma sensação de tranquilidade e segurança, o corpo saciado.

Liz espreguiçou-se, bocejando, e seus olhos deram com o relógio sobre a mesinha-de-cabeceira. Já era tarde, oito e meia, ela tinha dor­mido demais e,., com os diabos, estava nua! Agarrou rapidamente o lençol e cobriu o corpo com ele. Mas riu de si mesma ao perceber que as únicas testemunhas de sua nudez eram as paredes brancas do quarto. Levantou-se e retirou um roupão da mala. Tinha que desem­pacotar suas coisas, mas isso poderia ficar para mais tarde.

Meia hora depois, preparava o café na cozinha, após ter tomado banho. Estava acabando de colocar duas fatias de pão para torrar quando, inesperadamente, dois braços vigorosos a agarraram pela cintura.

— Oh... Grant! Será que precisa chegar assim «em se fazer notar e me assustar? — Ela acusou-o rindo, enquanto se virava para fitá-lo com um ar de convite que não passou desapercebido a Grant.

Ele a beijou longamente, como se estivesse saboreando o gosto de sua boca, e quando afinal se separaram, os toques dele eram ternos e suaves.                                                        

— Teve bons sonhos.

— Acho que não cheguei a sonhar um minuto! Dormi tão fundamente como se alguém tivesse me nocauteado!

— Puxa. será que fui assim tão rude com você?

— Ora, não amole! — ela reclamou, corando.

— Sua timidez me fascina — ele disse, imobilizando o rosto com as mãos. — Você a escondeu muito bem sob essa aparência decidida e valente!

— Bem, agora então já sabe.

— Sim, agora eu já sei — Os olhos de Grant passeavam pelo de Liz. — Aliás, fiz também outras descobertas muito interesse a seu respeito.

— As torradas! — ela protestou, quando viu o ruído dos saltando para fora do aparelho, mas Grant só a apertou ainda cm seu abraço.

— Elas podem esperar! — Foi a última coisa que disse, , que sua boca   calasse quaisquer outros protestos que   Liz pui fazer. Ela se entregava à magia daqueles lábios, tentando convencer a si própria de que Grant a amava tanto quanto ela.

As torradas e os ovos já estavam fritos quando sentaram-se à para o café, mas Grant não disse nada e Liz estava feliz demais se importar com o que comia.

— O dia está lindo lá fora — Grant comentou, depois de t mais um gole de café. — Que tal se fizéssemos um piquenique em algum lugar à beira do rio? Tenho que fazer muito exercício as pernas, ordens do médico!

— Acho uma ótima idéia!   Apesar de não usar mais a bengala é importante que continue exercitando as pernas!

Era uma quente manhã de domingo, e eles caminharam por r tempo, às vezes se aproximando do rio, outras, se afastando desfrutar a beleza dos campos abertos e floridos. Grant trazia o numa pequena mochila de couro, pendurada no ombro.

Mais tarde, sentaram-se em meio a um bosque adorável à do rio, o ar perfumado pelas flores vermelhas das árvores frondosas.

Comeram os sanduíches de galinha feitos por Liz e beber champanhe que Grant trouxe numa pequena bolsa térmica repleta de cubos de gelo. Liz amava cada minuto daqueles, sentindo que < era de novo o homem que conhecera há anos atrás. Ele parecia relaxado, que era como se o calendário tivesse voltado seis anos trás, escondendo os cabelos brancos que tingiam suas têmporas. E

deitado, os olhos fechados, e Liz sentiu vontade de tocá-lo, beijar aquela boca agora conhecida. Mas ainda hesitava em se permitir intimidades com esse homem tão complexo com o qual tinha se casado no dia anterior. Grant sabia que ela o amava, porém tinha que ser cuidadosa para não ultrapassar os limites que haviam estabelecido.

Grant abriu os olhos de repente e Liz desviou o olhar, dizendo a primeira coisa que lhe veio à cabeça.

— Sabe que quando eu tinha dezesseis anos considerava você o homem mais lindo do mundo inteiro? — Sua língua incontrolável já ia confessando certos segredos íntimos.

— Bem, tenho certeza de que de lá para cá certamente mudou de idéia, não é?

— Oh, não. — Ela sorriu, com uma sinceridade zombeteira. — Contínuo achando que é o homem mais lindo do mundo!

Grant riu alto, seus dentes alvos contrastando com a pele bron­zeada, um ar de grande serenidade no rosto.

— Você devia rir com mais frequência!

— Tenho certeza que você vai me divertir.

— Farei o máximo possível, senhor! — ela zombou e Grant le­vantou- a mão para tocar seu rosto, mas Liz segurou-a antes e começou a examinar a cicatriz. — Grant. . . a respeito de sua mão.. .

Ele retirou rapidamente a mão, e sentou-se num gesto brusco.

— Nós não vamos conversar sobre isto.

— Mas você. ..

— Eu disse que não vamos conversar sobre isto! Liz também sentou, afastando-se um pouco dele. Fitava as mãos de Grant, que tinha recolhido um graveto no chão e agora o partia ao meio numa clara denúncia de como estava nervoso.

— Grant. . . não seja covarde!

Ele virou-se para Liz, uma frieza glacial nos olhos.

— O que foi que disse?

— Disse para você não ser covarde.

— Meu Deus, eu. . . — Seus olhos brilhavam de fúria quando começou a falar.                                                          

— Grant! — Liz interrompeu-o e ajoelhou-se para chegar mais perto dele, tomando suas mãos e segurando-as com força. — Se você não notou como sua mão melhorou, então eu notei. È se não quiser discutir o assunto depois disso, é não só covarde mas também tolo!

Liz soltou-lhe as mãos e voltou para perto da toalha, começando a recolher as coisas para guardá-las dentro da mochila.

Grant ficou sentado, observando cada gesto dela, uma expressão absorta de que está imerso em profundos pensamentos.

— O que você está fazendo? — perguntou, afinai.

— Arrumando as coisas para voltarmos para casa.

— Liz — ele começou a dizer, enquanto se aproximava e a impediu de continuar —, você sempre foi um espinho irritante no meu lado.   Naquela época, eu podia simplesmente evitá-la ou não, cara, mas agora estará presente permanentemente!

— Então você espera que eu fique sentada, enquanto escondia cabeça na areia como uma avestruz e se recusa a fazer alguma e pelo futuro de sua carreira?

—   Minha carreira como cirurgião está terminada. — Liz ia testar mas Grant a calou com um olhar. — Está bem, há uma leve melhora em minha mão. Talvez não tenha sido tão gravemente atingida quanto pensei a princípio, mas, o que me garante que algum dia ela ficará boa o suficiente para que eu possa operar novamente?


 

Liz fitou-o nos olhos e viu que uma profunda angústia se escondia na alma de Grant. Desejou poder abraçá-lo com força, mas essa a pior hora para demonstrações de compaixão. Não era disso ele precisava no momento.

— Quantas   vezes você operou   pacientes sem dar-lhes garantia nenhuma de que a operação seria um sucesso? — Os olhos fixos Liz não permitiam que Grant desviasse o olhar. — Você quer uma garantia escrita, antes de deixar que algum médico cuide de sua mão?

Por um longo tempo ele nada disse. Continuou fitando-a intensamente. Depois, aproximou-se e beijou-a suavemente nos lábios.

— Acho que já conversamos o suficiente a esse respeito. É mel voltarmos para casa.

O silêncio pesava entre eles no caminho de volta. Tentavam t versar com naturalidade, mas nenhum assunto fazia sentido. Liz conseguia compreender como um homem tão   determinado   quanto Grant aceitava a derrota com tamanha facilidade. Se ao menos lhe explicasse por que agia assim!

Naquela noite, quando estavam lado a lado na cama, sem n dizer e sem se tocar, Liz decidiu que não podia aguentar mais aquela situação. Sentou-se, encostou-se na cabeceira e acendeu a luz abajur.

— Eu sinto muito, Grant — ela disse, fitando as costas musculosas do marido. — Mais uma vez acabei dizendo coisas que não devia

Grant continuou quieto.

— Oh, diga alguma coisa, por favor, Aceite minhas desculpas, ou as recuse, mas diga alguma coisa!

— A aceitação para mim não vem de maneira fácil... — Ele também sentou-se na cama e acendeu um cigarro. — Liz você chamou minha atenção para o fato de que minha mão melhorou um pouco. Mas não pretendo fazer nada até ter certeza de que realmente há motivo para ter esperanças.

— Quer dizer que não ficou bravo comigo? — Liz estava boqui­aberta.

— Não. não fiquei. — Grant sorriu, enquanto seus olhos fitavam com desejo os seios de Liz. — Estava pensando muito só isso.

— Sobre o que eu disse?

— Sobre isso e outras coisas também.

— E você não vai me contar? — ela perguntou ao verificar que Grant não queria continuar a conversa. Mas ele só fez menear a cabeça e sorrir com aquela ironia que deixava Liz com vontade de saltar sobre ele e arranhá-lo, furiosa. — Por que insiste em me deixar fora das coisas, Grant? Por que não pode me dizer o que está pen­sando e sentindo?

— Vou dizer-lhe o que estou pensando! — ele apagou o cigarro no cinzeiro sobre a mesinha-de-cabeceira. — Estou pensando que você fica linda quando está nervosa, e eu a quero muito!

— Pare com isso e fale seriamente.

— Eu estou falando seriamente — ele protestou com suavidade, aproximando-se e beijando o pescoço de Liz.

— Grant, nós precisamos conversar! — ela ainda protestou, quan­do ele já desabotoava sua camisola.

— Conversaremos amanhã! — ele sussurrou em seu ouvido antes de beijá-la com paixão, fazendo com que toda preocupação cedesse lugar ao desejo de se amarem. Quando finalmente adormeceram, abraçados, Liz sentia-se bem e segura mas, no fundo, percebia que sua felicidade era uma coisa frágil, que talvez durasse mais que uma bolha de sabão.                                            

As duas primeiras semanas de casamento não poderiam ser descritas como o idílio maravilhoso que Liz esperava, e segunda iniciou-se da mesma maneira. Grant estava sempre absorto, perdido em pensa­mentos dos quais Liz era sempre excluída. Cada vez que ela o inter­rogava a respeito, Grant zangava-se e Saia para pensar, voltando só horas depois, como se nada tivesse acontecido . Aquela situação já a estava deixando tensa e irritadiça, pois nunca sabia quando conversar com ele.

Certa noite, quando Grant já tinha ajudado Liz a arrumar as sujas do jantar, ele disse inesperadamente:

— Volto para Johannesburg no fim desta semana!

Liz fitou-o, surpresa, e um raio frio percorreu-lhe o corpo.

— E... E eu?

— Você vem comigo, é claro.

— Oh?

— Será que pensou que eu a deixaria aqui?

— Bem, acho que foi a maneira como você falou, — Sua voz era calma mas Grant a perturbara seriamente. — Quando tomou decisão?

— Hoje de manhã — ele explicou, enquanto acendia um cigarro.

— Será que posso saber os seus planos ou não devo nem perguntar.

— Você tem o direito de saber.. . É minha esposa, não é?

— Estou surpresa por você ter se lembrado disso, já que nesses dias tem me tratado como parte da mobília.

— Tenho tomado decisões difíceis. ..   — Ele fez um gesto de impaciência com a mão que segurava o cigarro.

— Eu posso imaginar, mas. ..

— Mas...?

— Ora, não importa.

— Você nunca hesitou em dizer algo para mim... Será que vai me esconder alguma coisa agora? — Grant falava com ar zombeteiro que deixava Liz muito mais irritada.

— Eu o amo, Grant. Não quero incomodá-lo ou embaraçá-lo com meus sentimentos, mas gostaria muito de não me sentir excluida a maior parte do tempo!

— Excluída?

— Sim! Excluída de seus pensamentos, de suas esperanças e quem sabe de seus temores!

— Pelo amor de Deus, Liz! Será que espera que eu lhe conte pensamento que me vem à cabeça?

— Não, claro que não. Só gostaria que dividisse alguns deles comigo, os mais importantes, pelo menos.

— Com os diabos, o que estou fazendo agora?

— Você poderia ter me informado enquanto ainda estava considerando esta decisão da mudança!

— Maldição!   Não me venha dizer que fui arranjar uma mulher que quer me sufocar!

O fato de ter se referido a ela como "mulher" e não como "esposa" foi o suficiente para faze-la perder o controle e explodir.

— Grant, é bom que saiba que não pretendo ser somente a mulher que você leva para a cama todas as noites! Quero ser sua esposa em toda a extensão da palavra. Quero dividir as coisas boas e as ruins, quero dividir tudo! E tenho todo o direito de desejar isto!

Fez-se um pesado silêncio por alguns instantes, e então Grant per­guntou com uma voz estranhamente serena:

— Já terminou o que tinha para dizer?

— Sim — Liz suspirou.

— Então vamos colocar as coisas em seu devido lugar! — Ele se aproximou com ar ameaçador. — Quando a pedi em casamento, deixei bem claro o que tinha para lhe oferecer e você aceitou minhas condições. Se não está feliz com elas pode ir embora que não vou me importar!

Grant levantou e pouco depois Liz ouviu a porta da sala bater com força, deixando-a com uma horrível sensação de desamparo e solidão. Sim, era verdade que tinha aceitado aquela união consciente das res­trições de Grant. Porém era difícil não se rebelar! Ela podia ir em­bora se não estivesse satisfeita, ele dizia... Será que falava real­mente a sério ou dissera aquilo num momento de fúria?

Liz apoiou-se na mesa, desolada. O carro estava estacionado na garagem, tudo que ela teria a fazer era pegar suas coisas e partir. Será que era isso que Grant desejava? Sim. ..? Não....? Oh, Deus, ela não sabia dizer!

Quase inconscientemente, apanhou a cesta de costura e começou a pregar alguns botões numa camisa de Grant, fitando sempre o reló­gio. Já fazia quase uma hora que ele saira. O que estaria fazendo lá fora, na escuridão?

Tentou afastar a tensão com um banho bem quente e relaxante. mas só conseguiu acalmar-se com os pesados passos de Grant, entran­do na sala. Ela desligou o chuveiro rapidamente e já ia alcançando a toalha quando ele entrou no banheiro.

Liz o fitou perturbada, sem saber direito qual seria a atitude do marido. O rosto dele mostrava uma certa tranquilidade, o que serviu para aliviá-la um pouco. Grant avançou alguns passos, tomou-lhe a toalha das mãos e, em seguida, começou a enxugá-la gentilmente, como se ela fosse uma criança. Apanhou o roupão que estava pendurado na parede, e segurou-o de maneira que ela pudesse colocar braços na manga e vesti-lo.

— Liz...   eu tive medo de que você tivesse ido embora - falou aliviado, enquanto fitava os dedos da esposa abotoando do roupão.

— Sei que o deixei nervoso...   Espero que tenha sido por isso que me disse tudo aquilo.

Eles se olharam com carinho e no momento seguinte Liz nos braços de Grant, silenciosa. Que mais havia a dizer a não ser” te amo”? As palavras ardiam na garganta, querendo sair, mas não diria algo que ele não compreenderia.

— Estou feliz que tenha vindo me visitar — Stacy disse, enquanto caminhava até o grande móvel da sala de jantar e pegava um envelope fechado. — Pamela mandou esta carta para você.

— Obrigada! — Liz guardou o envelope na bolsa.

— Você não vai ler?

— Mais tarde.. . — Liz seguiu Stacy até a cozinha, onde se numa cadeira ao lado da pia enquanto a irmã preparava para elas. Conversaram sobre muitos assuntos enquanto bebiam chá até que, finalmente, Liz tocou no assunto que a tinha levado ali. — Grant e eu vamos para Johannesburg na sexta-feira.

Stacy pareceu chocada, mas recuperou-se com rapidez.

— Vão morar lá ou só passear?

— Morar, Stacy. Estamos de mudança. Grant deseja se tratar com um médico amigo seu. Ele acredita que talvez possa recuperar movimentos completos com a mão acidentada.

— E você acha que existe possibilidade disso acontecer?

— Tenho certeza de que, pelo menos, ele concordará em ser operado mais uma vez! — Liz replicou sem hesitar. Stacy ainda continuava cética.

— Pode imaginar como será ruim para ele se tiver esperança de se curar completamente e isto não acontecer?

— Bem... eu prefiro não pensar.

— Mas precisa pensar, Liz. É você quem estará lá, ao lado dele, se acontecer o que nenhum de nós deseja, então terá que preparada para   lidar   com   esta   situação,   ensiná-lo a viver de novo.

Liz sabia que a irmã tinha razão, ela precisava enfrentar e possibilidade de que o tratamento fosse mal-sucedido.

— Eu só posso ajudá-lo se ele me deixar fazer isso.

— Sim, eu sei que Grant pode ser extremamente teimoso, às vezes.

— Bem, queria pedir-lhe   uma coisa — Liz preferiu mudar de assunto. — Queria deixar aqui o meu carro, pois é muito grande para mim. Grant disse que vai me comprar um menor. Acha que John poderia vendê-lo para mim?

— Com certeza. O que quer que eu faça com o dinheiro?

— Guarde para mim. — Liz sorriu, tentando parecer despreo­cupada. — Quem sabe algum dia ainda preciso dele, não é?

— É uma coisa muito estranha de se dizer, considerando que você casou com um homem rico! — Stacy replicou, franzindo a testa com um ar desconfiado.

— Você sabe que sempre pode haver tempestade.. .

— Ei, não está escondendo nada de mim, não é?

— Ora, Stacy. . . Bem, vou embora. Tenho que fazer muitas com­pras. Há muito que arrumar até sexta-feira!

Liz estava muito perturbada quando saiu, minutos depois. A razão de sentir essa incerteza e angústia com relação a seu futuro com Grant era algo que não sabia explicar.

 

Só quando já estava em casa, horas depois, Liz leu a carta de Pamela. Foi abrir a bolsa para pegar uma caneta e viu o envelope do qual já tinha até se esquecido. Sentindo-se culpada, abriu-o imediatamente e pôs-se a ler a carta da irmã.

"Querida Liz", ela reconheceu a caligrafia familiar de Pamela. "Stacy me escreveu contando de seu casamento com Grant. Você mesma podia ter escrito, mas presumo que esteve muito ocupada. Quem diria que a pequena menina com o rosto cheio de sardas terminar   se   casando com o rapaz que   morava ao lado?   E que rapaz!..."

Um sorriso iluminou o rosto de Liz e ela recostou-se na cama, para continuar lendo.

"Felicidades, Liz, é o que lhe desejo. Mas tenho que lhe avisar pa tomar cuidado com Myra. Ela é como uma ave de rapina, que não solta mais a presa depois de tê-la capturado com suas garras afiadas. Um amigo meu, que trabalha com moda, encontrou-se com ela e Paris há uma semana. Ela está sozinha novamente, pois seu amante resolveu ir embora e deixá-la."

Liz sentiu um frio no estômago ao saber daquilo. Olhou pela janela vendo o jardim lá fora, tomando coragem para continuar a ler.

"Não se surpreenda, minha querida irmã. se Myra resolver voltar para reconquistar Grant. Ela já o teve um dia e é vaidosa o suficiente para acreditar que poderá conquistá-lo de novo, se assim o desejar. Ela joga sujo, Liz, e se você quiser ficar com Grant, terá que faz o mesmo! Boa sorte e todo o bem do mundo para vocês. Pamela." As mãos de Liz tremiam, nervosas, e ela sentia-se incapaz de fazer qualquer gesto. Mas ao ouvir Grant, que chegava de seu encontro com Sam Muller, rasgou a carta rapidamente e jogou-a na cesta do lixo, como se assim pudesse exterminar a ameaça que Myra repre­sentava. Entretanto, aquilo não foi o suficiente para acalmá-la e Grant logo percebeu que havia algo estranho quando entrou no quarto.

— Qual o problema, Liz? — ele perguntou, notando a palidez da esposa. Liz decidiu que Grant jamais deveria saber da carta de Pa­mela e, pela primeira vez, mentiu para ele.

— Acho que estou um pouco cansada, só isso!

— Tem certeza de que está tudo bem?

— Claro, não é nada sério.

— De qualquer maneira, deite-se um pouco enquanto preparo um chá para você.

Liz não gostava daquilo, preferia dizer toda a verdade para Grant, porém não era o melhor a fazer. Era preciso continuar com a mentira até o fim.

— Pela rapidez com que você tem empacotado as coisas, acho que poderíamos viajar amanhã mesmo, se quiséssemos — Grant disse sorrindo, quando Liz já tinha terminado de beber o chá.

— Não gosto de deixar tudo para a última hora!

— Bem, então não se esqueça de se empacotar também! Eu não gostaria de chegar em Johannesburg e descobrir que faltou você.

— Ora, seu bobo! — Ela riu.

— Adoro ver você rindo, Liz!

Seus olhares se encontraram, ternos e carinhosos, e uma terrível sensação tomou conta de Liz. Ela sentiu como se tudo aquilo fosse temporário e pudesse acabar a qualquer momento. Atirou os braços sobre Grant, abraçando-o com força.

— Oh, Grant, abrace-me forte. Tenho tanto medo!

— Sou eu quem deveria estar com medo, não você! — ele disse com tranquilidade, enquanto a abraçava.

Liz não respondeu, tentando agarrar-se á segurança que aquele abraço lhe trazia. Como poderia contar-lhe seus temores? Como expli­car aquela sensação de que seu casamento terminaria um dia, de que tudo aquilo era passageiro? Como dizer-lhe que era possível que Myra voltasse para a África do Sul, procurando por ele? Não! Era prefe­rível que Grant pensasse que o medo que sentia era por causa da operação, e só por isso.

 

A casa de Grant era uma verdadeira mansão. Tinha dois andares e ficava em meio a um imenso jardim, repleto de árvores antigas s frondosas. Liz sentiu-se como num hotel de cinco estrelas quando Os criados uniformizados apareceram para tirar a bagagem do carro.

O interior da casa era tão imponente quanto seu exterior, apesar de não se ajustar nem um pouco à idéia de um lar, ao menos para Liz. A mobília era moderna, em tons fortes e extravagantes. Pintura abstratas cobriam as paredes e havia espelhos por toda parte, tornando os aposentos ainda maiores. Grossos tapetes recobriam o chão Grant levou-a para conhecer a casa inteira e Liz teve a sensação de estar folheando uma revista com a última moda em decoração. En tudo muito fino e caro, mas faltava naquele lugar o calor de lar verdadeiro lar.

— Como você conseguia viver sozinho numa casa tão grande assim?

Oh, Deus, ela deu-se conta imediatamente da besteira que havia acabado de dizer! Claro que Grant havia vivido junto com Myrna naquela casa, coisa que ela devia ter percebido no momento em que pós os pés ali dentro. Sim, a marca de Myra estava em todas as coisa e, sobretudo, naquela infinidade de espelhos espalhados pelos aposentos. Myra gostava de ser admirada tanto quanto gostava de admirar a própria beleza. E não havia melhor lugar para isso que aquela casa onde sempre se poderia ver o olhar fascinado de um homem, mesmo que ele estivesse às costas!

Mas não havia admiração nenhuma nos olhos de Grant quando ele encontraram os de Liz, através do espelho. Um arrepio percorrei a espinha dela. Como conseguiria morar naquele lugar, que certamente trazia tantas recordações de Myra para Grant?

Eles estavam no quarto principal, que possuía uma parede inteira espelhada. O banheiro era todo em mármore e espelhos, e o toque feminino que infestava o lugar deu-lhe a certeza de que aquele tinha sido o quarto de Myra. Sim, Grant tinha dormido ali com ela. . .

— Pensei em ficar no quarto lá da frente — Grant falou, como se adivinhasse os pensamentos de Liz. — Não é tão grande quanto esse, porém é menos pomposo.

Lis sentiu-se imediatamente aliviada quando conheceu o quarto que Grant se referia. De fato, não havia nada de ostensivo naquele aposento a não ser, talvez, a paisagem da janela, que dava para a piscina e para a quadra de tênis. Era um quarto bem menor, sem espelhos e pintado em branco e azul. A mobília era simples e o banheiro não possuía nada de especial, só as paredes comuns revestidas com azulejos. Pela primeira vez desde que chegara ali, Liz sentiu um prazer genuíno pelo que via.

— Oh, eu gosto muito — ela disse, sorrindo.

— Achei que gostaria. Bem, vou mandar trazer nossas coisas para cima...   Há uma pequena sala lá embaixo, que você poderá mudar a mobília e usar como escritório para trabalhar. Mandarei colocar seu material de trabalho lá, está bem?

— Obrigada Grant. — Ela agarrou na manga de sua camisa quando ele se virava para sair. — Por favor, não demore.

— Você não gosta desta casa, não é?

— Bem, de fato não gosto muito.

— Nós acharemos algo melhor em pouco tempo. — Ele a beijou rápida e suavemente. — Volto num instante, está bem?

Quando Grant saiu, Liz aproveitou para tomar um banho e se re­frescar. A viagem havia sido longa e cansativa, e ela ansiava pelo chá que Grant mandara preparar pouco depois de chegarem.

Quando voltou para o quarto, Grant já estava lá. As matas haviam sido colocadas ao pé da poltrona mas poderiam ficar para depois do chá. Ela passou a mão pela cintura de Grant enquanto desciam pela escada. Os espelhos refletiam a imagem de um homem alto. forte e bronzeado, e de uma mulher um pouco magra.

Liz não conseguia deixar de se ver naqueles espelhos, mesmo que tentasse olhar somente para Grant. Ele estava tão lindo e vigoroso como ela sempre o conhecera. Já não mancava há muito tempo e seus músculos destacavam-se sob a camisa Tina, novamente poderosos. Às vezes ainda era difícil acreditar que aquele homem era seu marido. Vendo-se no espelho, reconhecia que não possuía a beleza felina de Myra Cavendish. Achava-se incapaz de despertar a atenção de um homem como Grant e, no entanto, ali estava ele casado com ela. Tinha o costume de ver defeitos em si mesma, desde a adolescência, e por isso não acreditava quando elogiavam a boca bem desenhada e extre­mamente sensual, ou os olhos amarelos de gato. Mas o que mais se destacava era a limpidez com que seus sentimentos fluíam através dos olhos.                                                     .

O chá foi servido na grande sala de estar, e ali também havia o toque de Myra. Era difícil para Liz sentir-se descontraída quando, à sua volta, tudo parecia acusá-la de estar invadido um espaço alheio.

— Acho que deveríamos desfazer as malas - Liz sugeriu, assim que terminaram o chá. Grant, porém, tomou sua mão.e levoa-a para o jardim.

— Já tomaram conta de tudo — ele explicou, afinal.

Liz ficou contrariada. Pela primeira vez, outra pessoa que não ele estava cuidando de suas roupas, pendurando-as e arrumando. Ela não sabia, no momento, se gostava ou não, mas preferiu não se preocupai com pequenas coisas agora.

O enorme jardim estava lindo no outono, tingido em tons de verde marrom e amarelo. As folhas secas cobriam o chão, formando um exótico tapete natural. O vento soprava forte, e Liz procurou um; fivela na bolsa para prender os cabelos. Mas Grant impediu-a.

— Deixe-o solto — ele disse, tomando a fivela e guardando m próprio bolso. — Prefiro ver seus cabelos assim livres, voando con o vento.

— Mas fica tão desarrumado. ..

— Quando você o prende, transforma-se em "Liz, o terror", aquela língua afiada. Quando o deixa solto, então me sinto como um velho de tão linda que você fica!

— Pobre querido — ela brincou, já sentindo que a proximidade de Grant despertava seus sentidos. — Então eu o faço sentir-se velho

— Não é que eu me sinta velho — Grant explicou, colocando mão sobre o ombro de Liz e puxando-a com forca para perto. — questão é que você me parece muito jovem!

— Se tivesse dito isto há seis anos atrás, então eu compreenderia. Eu era tão jovem que você nem me notava!

— Ora, claro que notava! Você frustrava todas as minhas tentativa de estar a sós com Pamela. Às vezes tinha vontade de torcer se pescoço!

— Você parecia estar sempre pronto para conquistar o mundo inteiro. Sempre o mantive longe de Pamela pois com ela, sair frustrado!

— Achava então que eu ia falhar com Pamela?

— Eu não achava, tinha certeza! Pamela não se fazia de difícil para um flerte. Mas tinha princípios rígidos a respeito de sexo!

— E o que a faz pensar que ela não teria deixado esses principie de lado por mim?

— Lá em casa, nós três sempre fomos completamente diferente uma da outra, só temos uma coisa em comum: precisamos amar muito um homem para permitir certas liberdades e intimidades. E qual do isto acontece já estamos casadas.

— Sexo só depois do casamento é considerado uma coisa fora de moda!

— Se essa é a sua opinião, então por que não tentou me seduzir antes do casamento?

Ele a soltou tão subitamente que se Liz não estivesse com os braços nos ombros dele, certamente teria caído. Assim que se recompôs, ela também soltou-o.

— Por que eu tinha perdido meu apetite para esse tipo de relação com mulheres! — ele explicou com certa rispidez. Havia colocado as mãos no bolso e se afastado um pouco, quase dando as costas para Liz. — Eu desejava um casamento, algo estável e sólido, e sabia que poderia ter isto com você! — Uma onda de calor e felicidade invadiu o coração de Liz. fazendo seus olhos brilharem de ternura.

— Acho que é o elogio mais lindo que você já me fez!

— Mas não era um elogio!

— Bem, você não se importa se eu considerar como um, não é?

— Esteja à vontade. . .

Sim, ela estaria à vontade, foi o que decidiu no caminho de volta para casa. Era bom saber que ele a considerava capaz de lhe dar a estabilidade de que precisava no casamento. Se agarraria a esta idéia quando as dúvidas a respeito de seu futuro com Grant a assaltassem.

No momento sentia-se meio confusa, sem saber direito o que fazer. Suas malas tinham sido desfeitas e as roupas arrumadas com enorme zelo dentro do armário. Grant dissera que sua presença não era neces­sária na cozinha. O que será que Myra fazia o dia inteiro naquela casa? Bem, ela era modelo e sua profissão devia mantê-la na rua a maior parte do dia. Talvez usassem aquele local só para dormir e receber os amigos, quem sabe.

Ora, que se danasse Myra Cavendish! Não queria pensar neta, mas era quase impossível tirá-la da cabeça, estando naquela casa onde todos os detalhes lembravam aquela mulher. Oh, por que Grant a trouxera ali, se tudo pertencia ao passado que desejava esquecer?

O jantar daquela noite tinha vários pratos diferentes, todos deli­ciosos. Liz sentiu-se um pouco envergonhada quando pensou em seus esforços para preparar jantares mais especiais. O café foi servido na sala de estar e, pouco depois, os dois subiram para o quarto.

Liz estava quieta e um pouco amargurada enquanto subiam a esca­da, lembrando-se do tempo em que moraram na fazenda, a casinha pequena e acolhedora, as louças sujas sobre a mesa, as pequenas canecas em que tomavam café. Era como se tivesse perdido alguma coisa que não sabia definir o que era, e aquilo lhe dava um nó na garganta.

Grant tomou seu banho primeiro e, quando Liz saiu do banheiro, ele estava deitado na cama, semicoberto por um lençol, seu tórax musculoso e cheio de pêlos à mostra. Ela não podia deixar de admi­rá-lo, era um homem bonito e atraente. Grant notou a maneira como era observado. Corando levemente. Liz sentou-se na penteadeira e começou a escovar os cabelos.

Agora, ela percebeu que era Grant quem a observava, o que a deixou um pouco perturbada e sem jeito. Falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça:

— Ê óbvio que agora terei muito tempo para escrever!

— Você pode fazer o que achar melhor — ele replicou com voz entediada. — Pode escrever suas histórias ou só desfrutar a vida, como uma mulher sem preocupações.

— Bem, essa última alternativa não me atrai muito — Liz falou, sorrindo. Em seguida, mudou de assunto: — Quando tem consulta com o médico seu amigo?

— Na segunda-feira de manhã,

— Eu posso ir com você? — ela perguntou, enquanto tirava o roupão e se enfiava sob o lençol, junto dele.

— Por quê...?   Acha   que   precisarei   de   alguém   para   segurar minha mão?

— Um pouco de apoio moral não prejudica ninguém. De qualquer maneira, eu gostaria de ir com você!

— Está bem, faça como preferir. — Grant deu de ombros e apagou o cigarro no cinzeiro da mesinha-de-cabeceira.

Era já a terceira vez que ele a mandava estar à vontade e fazer como preferisse. Na primeira, ela não se importou, na segunda pre­feriu não fazer caso, mas a terceira já era demais.

— Pare de dizer isso, Grant. É por você que faço estas coisas!

Um pesado silêncio caiu sobre os dois. até que Grant disse algo completamente inesperado.

— Eu não mereço uma esposa como você!

— Você merece muito mais. — Liz sentiu que a raiva a abandonava e seu coração se enchia de ternura. — Estou fazendo o mais que posso porque você merece, Grant.

— Acho que eu gostaria mesmo que você me acompanhasse. É uma maneira de apresentá-la a um homem que não é só colega de profissão, mas também um grande amigo.

— Agora você me deixa meio temerosa.. . E se seu amigo não gostar de mim?

Grant tinha se aproximado até ficar quase deitado sobre ela. O calor do corpo dele despertava aquelas sensações que ela sabia serem impossíveis de controlar.

— Meus amigos são gente da cidade - ele disse, enquanto passava o dedo suavemente sobre os lábios de Liz. — Sei que gostarão de uma pessoa simples como você, criada m campo.

— Por que tenho este sentimento ruim de que talvez não gostem de mim?

— O que eu disse é a verdade. Eles vão adorar seus cabelos lindos e essas sardas que você tem no rosto!

— Ora, Grant. eu já não tenho mais sardas no rosto como quando era menina.

— Claro que tem, e elas são perfeitamente visíveis quando eu a olho de perto! Veja, há uma aqui... outra aqui... — Ele ia dando beijos carinhosos e suaves em pontos diferentes do rosto de Liz.

— Não faça assim, Grant — ela protestou, divertida.

— Hummmm.. . seu cheiro é tão bom... — ele disse, beijando agora o pescoço dela.

— Grant... — ela murmurou, sentindo que se derretia de encon­tro a ele.                                                        

— Tão doce que dá vontade de beijá-la inteirinha! — Ao dizer aquilo, suas bocas se encontraram e Liz rendeu-se ao enorme desejo que, sentia, entregando-se por completo às caricias de Grant.

 

O consultório de Alan Bishop ficava no Moderno centro médico da cidade. Quando Liz e Grant chegaram na segunda de manhã, foram imediatamente conduzidos à sua presença.

O amigo de Grant era um pouco mais velho que ele, muito sim­pático e afável. Assim que entraram na sala, ele levantou-se da cadeira e foi ao encontro deles.                                

— É muito bom vê-lo novamente, Grant.

— Alan, gostaria que conhecesse minha esposa- — Os olhos do amigo se voltaram para Liz e, se ele estava surpreso, não deu a menor mostra disso. — Liz, este é meu amigo, Alan.

— Prazer em conhecê-la. Liz — cumprimentou

Liz simpatizou de imediato com aquele homem. Ele virou-se para Grant mais uma vez, — Você está com uma ótima aparência!

— Estou me sentindo muito bem — Grant confessou.

— Deve ter sido o melhor remédio para ele — Alan olhava para Liz e sorria com afeio.

— Em pequenas doses, acho que sou eficaz. Porém, em doses exa­geradas, acho que sou como dinamite! — ela replicou com boro hu­mor, fazendo Grant e Alan sorrirem.

— Acho que compreendo por que se casou com ela — Alan co­mentou, enquanto fazia um gesto para que se sentassem. — Bem, vamos dar uma olhada em sua mão, então.

O exame que Alan Bishop fez foi minucioso, suas perguntas eram claras e objetivas. Liz percebia que era o tipo de médico que não deixava nenhuma informação escapar. Ela podia sentir a tensão de Grant e, depois de Alan dar o exame por encerrado, ele não se con­trolou mais e perguntou:

— E então...?

— É difícil dizer... Não há dúvida de que melhorou bastante, mas eu gostaria de tirar alguns raios-X antes de dar minha opinião,

— Então vamos providenciar isso já — Grant replicou, com certa impaciência.

— Vou avisar o pessoal do departamento — Alan disse, tomando o telefone. — Eu mesmo levarei os resultados à sua casa hoje à noite.

A consulta com Alan Bishop não levou mais que meia hora, mas para fazer as chapas tiveram que. aguardar cerca de uma hora, até que finalmente fossem inseridos no ocupado cronograma do departa­mento. Então, uma falha elétrica obrigou-os a esperar ainda por um bom tempo, e só ao meio-dia puderam finalmente deixar o centro médico. Grant estava furioso com tudo aquilo.

— Quantos pacientes seus já tiveram que esperar por causa de condições que não dependiam de você, Grant? — Liz argumentou, quando viu fracassarem todas as tentativas para acalmá-lo. Ela pensou que Grant fosse ficar ainda mais furioso ao ouvir aquilo mas, para sua surpresa, ele sorriu,

— É... acho que tem razão — admitiu, passando o braço sobre os ombros de Liz e conduzindo-a pelo estacionamento até onde haviam deixado o Jaguar. — Que tal almoçarmos fora hoje? — perguntou, quando já estavam sentados no carro.

— Acho uma ótima idéia! — Liz deu-lhe um carinhoso beijo no rosto.

— Ora. ora... a que será que devo isso?

— Acho que só ao fato de você ser um dos homens mais maravi­lhosos que conheço! — Liz falou com um olhar de moleque. Em seguida beijou-o mais uma vez e recostou-se no banco.

— Esta mulher está ficando louca! — ele disse com um sorriso nos olhos, antes de colocar o carro em funcionamento.

Eles foram até um restaurante em Hiltbrow, pequeno e aconche­gante. O ambiente era calmo e fresco, ao contrário do calor insupor­tável da rua. Liz gostou do lugar imediatamente.

— Você se especializou em neurocirurgia, não é? — ela perguntou quando já estavam sentados, tentando iniciar uma conversa com Grant.

— Sim, eu me especializei nesse campo — ele confirmou, acen­tuando o tempo passado do verbo. Liz preferiu ignorar o tom contrafeito.

— É um trabalho muito complexo, não é?

— Sim!

—   ... Tente relaxar, Grant. — Liz resolveu ir direto ao assunto, vendo que ele estava bastante tenso. — Não há com que ficar preocupado.

— Eu gostaria de ser tão confiante como você... Tudo isso é muito importante para mim!

— Eu sei, Grant.

— E o que acontecerá se. . .

— Não diga isso! Aliás, nem pense nisso.

— A força do pensamento positivo, não é? — ele replicou, com certa ironia.

— Exatamente!

— Neste caso, vamos pedir uma garrafa de champanhe e fingir que estamos comemorando, está bem?

— Ótima idéia — ela disse sorrindo, enquanto Grant estalava o dedo para chamar o garçom.

Demoraram bastante ali, mas à tarde ainda existia à frente deles e Liz receava deixar aquele ambiente tranquilo, pois provavelmente Grant voltaria a se preocupar e ficar nervoso enquanto esperava a visita de Alan Bishop.

Grant pagou a conta e, enquanto se dirigiam para o carro, Liz percebeu que ele pensava na mesma coisa. Como faria para passar as horas torturantes até a noite?

— Que tal irmos ao zoológico? — ela sugeriu animada, quando já estavam dentro do carro. O zoológico era o único lugar que tinha lhe ocorrido e decidiu agarrar-se à idéia.

— Ir ao zoológico? — Grant perguntou, incrédulo.

— Ouvi dizer que é onde moram os animais, por aqui!

— Acho que também já ouvi isso!

Liz debruçou-se sobre ele, com ansiedade nos olhos.

— Será que você me levaria?

— Bem. Se realmente deseja ir...

— Oh, você é tão simpático. Obrigada!

— Lembre-me de comprar um sorvete para você quando chegar­mos! Mas não vá dar comida aos animais, está bem?

— Oh, você é um desmancha-prazeres — Liz brincou mais uma vez, aliviada por ver que Grant, afinal, estava mais tranquilo.

Como era dia de semana, o zoológico estava quase vazio. Era um local muito bonito, onde os animais pareciam ter tanta liberdade quanto às pessoas que transitavam pelas alamedas, Liz conduziu Grant de uma ponta a outra do grande parque, parando sempre em frente de cada jaula para comentar alguma coisa. Ela estava disposta a não deixar que Grant se preocupasse com as notícias que Alan traria, naquela noite. Contudo, quando chegaram perto das girafas, ele pa­recia já entediado e impaciente.

— Você sabia que para os romanos antigos, a girafa era conside­rada um animal mítico, que tinha o leopardo como pai e o camelo como mãe? — Liz estava decidida a não lhe dar trégua.

— Não, eu não sabia. Estou bastante impressionado. — Grant não pôde evitar a ironia ao responder.

— A palavra girafa vem do árabe zaraja, que quer dizer ao mesmo tempo "uma criatura graciosa" e "aquele que anda rapidamente"!

— Falando em andar, . . acho que não consigo dar nem mais um passo!

— Li em algum lugar que a primeira girafa trazida para a Europa foi importada por Júlio César, para ser exibida em Roma e.. .

— Liz...!

— Acho que uma girafa pesa...

— Liz! — Grant tomou seu braço num gesto brusco e o sorriso de Liz era de ingenuidade e inocência quando ela perguntou:

— Sim, querido.. .?

— Você foi uma excelente guia e ótima companhia durante a tarde

inteira. E acho que atingiu seu objetivo...   Contudo, acho melhor irmos embora para não pegar o trânsito do fim da tarde.

Liz ficou embaraçada depois que Grant deixou claro que tinha adivinhado suas intenções. Ela respondeu meio sem jeito.

— Não podia deixar você sentado a tarde inteira, torturando-se com o diagnóstico de Alan... Eu sinto muito, Grant.

Com a ponta dos dedos, Grant ergueu-lhe o queixo e fez com que ela o fitasse nos olhos. O que Liz descobriu ali era algo que gostaria de preservar para o resto da vida. Bem no fundo dos olhos dele havia uma imensa ternura e era lindo vê-ia no olhar do homem que amava.

— Se aquelas pessoas ali não estivessem olhando para cá, eu a beijaria.

— Gozado.. . — Liz falou com ar de grande inocência. — Não vejo ninguém olhando para cá!

Grant sorriu, bem-humorado, e em seguida abaixou a cabeça e beijou-a profunda e longamente. Depois afastou-se e tomou o braço dela num gesto enérgico.

— Venha, é melhor irmos embora.

 

Alan Bishop chegou pouco depois das sete e foi imediatamente conduzido à grande sala de estar. Liz estava tensa durante os cumpri­mentos, assim como Grant, que tentou dissimular seu nervosismo servindo um drinque para o amigo. Estava sorrindo, mas seus olhos tinham aquela mesma sombra que possuíam antes do casamento com Liz.

— Acho melhor   irmos direto ao assunto!   — era Grant quem falava. — Quais são as.minhas chances?

Alan rodou o gelo dentro do copo e tomou um longo gole antes de falar:

— Depois de uma pequena operação e muita terapia, há uma forte possibilidade de que você possa voltar a operar antes do fim do ano.

— Só uma possibilidade? — O olhar de Grant era duro e ríspido.

— Eu disse que há uma forte possibilidade — Alan enfatizou, enquanto pegava o grande envelope amarelo que trouxera consigo e tirava as radiografias. — Dê uma olhada e julgue você mesmo.

Grant tomou os raios-X e foi até um grande abajur no canto da sala, a fim de examiná-los. Alan seguiu-o e os dois puseram-se a discutir as radiografias, usando termos médicos que não faziam o menor sentido para Liz. Ela continuou sentada no sofá, pensando que de fato a noticia a tinha desapontado um pouco. Esperava algo mais efetivo. Entretanto, curas instantâneas e milagres só acontecem nos livros...

— Quando você pode me operar? — Grant perguntou assim que voltaram a sentar-se.

— Farei o necessário para que seja admitido no hospital amanhã

à tarde. Então, poderei fazer a operação depois de amanhã, na quarta-feira, bem cedinho.

— Ótimo. — Grant foi até o bar no canto da sala, de onde voltou com uma boa dose de uísque.

— Um brinde à sua saúde! — Alan falou para Grant, sorrindo da mesma forma amigável que Liz notara de manhã.

Ela agora sentia-se mais calma e tranquila, e sua confiança voltou rapidamente. Talvez porque Alan tivesse tratado tudo de forma tão natural. O fato era que estava muito mais serena quando ele foi em­bora, pouco tempo depois.

— O que você acha? — Grant perguntou-lhe, quando voltavam para a sala.

— Acho que você tem um período bastante difícil pela frente, mas saberá superá-lo!

— Sua confiança é tão sólida quanto uma rocha!

— Bem, nem sempre é assim — Liz sorriu —, mas tenho certeza de que ainda tem um grande futuro como cirurgião.

— Liz...   Fará alguma diferença para você   se a operação e a terapia falharem?

— Não fará diferença alguma, Grant — ela revelou, surpreendida pela pergunta, porém lembrando-se imediatamente de como Myra o tinha abandonado logo depois do acidente. — Não vai falhar Grant, eu tenho certeza! — ela insistiu, abraçando-o com força. — E mesmo que isto aconteça, não fará diferença nenhuma para o que nós dois possuímos, juntos!

Ela puxou-o para perto de si e beijou-o suavemente nos lábios. Ele, porém, não correspondeu à carícia. Liz teve a súbita sensação de que eslava ausente naquele momento, tinha ido a algum lugar onde ela não podia alcançá-lo. Soltou-o e afastou-se, sentindo um peso no peito.

— Acho que vou me deitar — disse, indo para a escada. Olhou ainda uma vez na direção do marido, mas ele estava mergulhado nos próprios pensamentos, e não fez menção de acompanhá-la.

Liz fingiu estar dormindo quando Grant afinal veio juntar-se a ela, na cama. Porém, não resistiu quando ele tocou-lhe o ombro e virou-se, recebendo seu abraço quente e viril. Desejaria não ser tão fraca a ponto de se render tão facilmente, mas quando Grant beijou os pequenos bicos de seus seios, não se importou com mais nada, perdendo-se na magia daquelas carícias.

Grant foi para o hospital na tarde do dia seguinte e Liz passou

uma noite terrível, sozinha em casa. Depois da morte de pai. ela tinha vivido sozinha por seis meses na antiga fazenda da família. Contudo, aquela era sua casa, e estava cercada de objetos familiares. Aqui, na casa de Grant, nada havia de familiar, pelo contrário, só havia recor­dações de Myra.

Na manhã seguinte, bem cedo, ela já estava no hospital e nada no mundo a afastaria de lá até que Grant finalmente saísse da sala de operações.

— A operação foi um sucesso! — Alan Bishop apressou-se a infor­má-la, mais tarde. — Agora, tudo depende de como os tendões da mão de Grant vão reagir à terapia.

— Você acha que. . .

—   Eu não acho nada — Alan interrompeu-a. — Tudo que faço é manter os dedos cruzados e sugiro que faça o mesmo!

Quando afinal lhe permitiram ver Grant, ele ainda estava sob o efeito da anestesia. Como dormia, a irmã superior sugeriu que Liz fosse para casa e voltasse à tarde.

Ela odiava deixá-lo sozinho, mas acabou aceitando o fato de que nada poderia fazer para ajudá-lo naquele momento. Voltou para casa, dirigindo o possante Jaguar de Grant. A espera era intolerável, princi­palmente naquele lugar que nunca conseguiria considerar como sua casa. Era a casa de Myft! Era ela quem tinha escolhido os móveis, os quadros e tudo mais; - . Oh, Deus, por que tinha que ficar pen­sando nestas coisas justo naquele momento?

Almoçou no terraço, pois não queria comer sozinha na enorme mesa da sala de jantar. Quando afinal chegou a hora de ir para o hospital, ela partiu, dirigindo numa velocidade que não costumava atingir. A certa altura ouviu a sirene de um carro da polícia que vinha atrás dela. Reduziu a marcha rapidamente, porém a viatura só ultrapassou-a, sem maiores problemas. Liz riu de si mesma e; andando mais devagar, completou o caminho até o hospital.

— Como está se sentindo? — ela indagou a Grant. dez minutos depois.

— Sinto-me como se alguém tivesse dado uma martelada em minha mão! — ele respondeu com bom humor, mas com uma indisfarçável expressão de dor.

— Não é melhor eu chamar a enfermeira?

— Não, não é necessário. Acabei de tomar um analgésico e a dor deve passar logo.

— Por favor, volte logo para casa — ela pediu, tomando nas suas a mão sã de Grant.

— Não pensei que você já estivesse com saudades de mim! —

ele zombou.

— A casa fica muito vazia quando você não está e aqueles espelhos acabam enervando a gente. . .

— Você é muito mais confortadora que qualquer analgésico! — Ele sorriu. — Acho que devo arranjar para você ficar por aqui!

Liz não disse nada, mas pensou que preferia mil vezes passar a noite sentada ali, ao lado de Grant, do que voltar para aquela casa onde tudo lhe sugeria a presença de Myra.

O horário de visitas acabou depressa, e Liz não teve opção se não levantar-se e se preparar para sair. Ela debruçou-se sobre Grant para beijá-lo na face, porém ele virou-se inesperadamente, e suas bocas se encontraram. O longo beijo que Grant lhe deu começou, como era de hábito, a despertar o desejo dentro de Liz e ela afastou-se rapida­mente, pois um quarto de hospital não era o melhor lugar para aquilo.

— Eu o verei de noite — ela disse, evitando o olhar brincalhão de Grant.

— Acho que não.

— Ora. por que não?

— Porque eu prefiro que você não viaje à noite, sozinha. — Ela ia protestar, mas Grant foi mais rápido. — Não me faça ficar preo­cupado com você neste momento, por favor.

Era claro que tinha razão, por menos que ela gostasse da idéia de passar mais uma noite sozinha naquela casa, tendo que esperar até a tarde do dia seguinte para vê-lo de novo. Vamos, Liz, você já não é mais criança, ela tentou se confortar.

— Até amanhã, então — disse, tentando disfarçar sua apreensão e forçando um sorriso.

Quando fechou a porta, quase chocou-se com um homem alto e de cabelos escuros que vinha pelo corredor. Ela percebeu que era olhada de alto a baixo por aqueles olhos verdes, mas era um olhar mais apreciativo que insolente.

— Este é o quarto do dr. Grant Battersby, não é? — ele perguntou, com certa hesitação.

— Sim, é este mesmo.

— Eu sou ToeTownsend — se apresentou.

— Liz Battersby — ela respondeu, e o estranho a observou com redobrada atenção.

— Você é parente dele... ou algo assim?

— Sou a esposa dele.

— Esposa?! — Ele estava atônito. — Peço que me perdoe por parecer assim surpreso, mas é que não podia imaginar que Grant tinha casado durante sua estada em Pietersburg.

— Está perdoado. — Liz sorriu, decidindo que gostava -daquele estranho.

— Olhe, eu preciso resolver algo com Grant e gostaria de pedir-lhe que me esperasse um pouco. — Ele notou a hesitação de Liz e ex­plicou:— Sou um antigo amigo de Grant, colega dos tempos de Universidade.

— Está bem, eu espero.

Liz sentou no frio banco de madeira da sala de espera, pensando no que Joe Townsend poderia querer. Quase meia hora já se havia passado e ela começava a ficar impaciente quando ouviu o barulho de passos se aproximando.

— Desculpe tê-la deixado esperando, mas é que meus negócios com Grant demoraram um pouco mais do que eu pensava.— Ele tomou Liz pelo braço e acompanhou-a até o estacionamento, onde estava o Jaguar. — Você gostaria de jantar comigo esta noite?

Surpresa pelo convite absolutamente inesperado, ela preferiu ser irônica.

— Pensei que tinha dito que era amigo de Grant!

— Bem, eu tenho a permissão dele para levá-la para jantar.

— Verdade? Grant sugeriu isto?

— Fui eu quem lhe pedi.

— Compreendo — ela relaxou e deixou de sentir-se como um pa­cote   entregue   à   guarda   de   alguém   para que   fosse   mantido   em segurança.

— Acho que jantar fora seria preferível a passar a noite sozinha em casa, não é?

Por acaso ou não, ele tinha atingido o ponto certo, utilizando um argumento que não poderia deixar de convencê-la.

— Está bem, vou aceitar seu convite.

— Ótimo! — Ele abriu a porta do carro para que Liz pudesse sentar-se. — Está bem se eu passar às sete horas para pegá-la?

— Sim, está bem — ela concordou, já dando a partida no motor. -

— Até a noite então.

Quando passou pelo portão do hospital, Joe ainda estava no mesmo lugar, acenando para ela. Liz acenou-lhe de volta e mais uma vez pensou que simpatizava com aquele homem que acabara de conhecer. Ele parecia inofensivo e, como Grant permitira que fossem jantar juntos, não havia com o que se preocupar.

Liz se preparou sem pressa para o jantar com Joe Townsend. Con­tudo, antes das sete horas já estava pronta, O silêncio na casa era opressivo e tornava urgente o regresso de Grant. Os espelhos da sala refletiam sua imagem e Liz sorriu para si mesma, quando se lembrou de um antigo refrão de uma história:

"Espelho, espelho meu, existe alguém mais linda do que eu?" A resposta, sem dúvida, seria Myra Cavendish, ela pensou, não podendo evitar que aquelas lembranças voltassem à sua cabeça. Sen­tiu vontade de atirar algo contra aquele espelho, mas isso não adian­taria nada. Oh, Deus, o que aconteceria se Myra Cavendish voltasse?

Joe Townsend chegou pontualmente às sete horas. Ao entrar na sala encontrou uma Liz aparentemente ansiosa à sua espera. .   — Estou atrasado? — perguntou, com um olhar amigável.

— Eu é que me adiantei — ela confessou, sem hesitar.

— Algo me diz que você não gosta deste lugar tanto quanto eu. Então ele também pensava daquela maneira?... A descoberta fez

com que ela se sentisse mais íntima do amigo de Grant. -— Vamos, então? — ela perguntou.

— Minha carruagem   está esperando,   madame —   Joe   brincou, fazendo um gesto galante com o braço.

Seria uma noite agradável, Liz pensou, mas algo dentro dela lhe avisava para ter cautela.

Não demorou muito para chegarem à cidade e Liz surpreendeu-se pela facilidade com que a conversa fluía entre os dois. Não falavam sobre nada pessoal, mas riam bastante e se sentiam relaxados. Depois de algum tempo, ela teve a impressão de que já o conhecia há um longo tempo.

O restaurante estava repleto, mas Joe tinha reservado uma mesa. Durante a refeição, Liz observou-o com mais atenção e concluiu que devia ter quase a mesma idade que Grant, apesar de parecer mais jovem. Ele não tinha os cabelos brancos nas têmporas, e sorria muito mais do que Grant fazia ultimamente.

Grant. . . era difícil desviar o pensamento dele. Será que sua mão ainda doía? Será que estava pensando nela? Será que o deixariam voltar para casa em breve?

— Há quanto tempo você conhece Grant? — Joe perguntou, quase como se adivinhasse a direção que tomavam os pensamentos de Liz.

— Conheci Grant praticamente toda a minha vida — ela disse levantando os olhos da sobremesa e sorrindo para Joe. — Nossas fazendas, onde morávamos, eram vizinhas.

— Você não é o tipo de mulher com a qual eu imaginava que ele fosse casar! — ele comentou, depois de observá-la por um instante.

— Quer dizer que não sou como Myra? — ela disse o que tinha na cabeça e, pelo desconforto de Joe, percebeu que estava certa.

— Você sabe a respeito dela?

— Myra estudou com Stacy, minha irmã.

— Você a conhece há muito tempo, então?

— Foi na fazenda onde minha família morava que os dois se co­nheceram, há alguns anos atrás.

Joe tinha algo em mente, e Liz podia sentir isso quando ele co­meçou a falar.

— Grant é um brilhante cirurgião e um homem muito inteligente, sob todos os aspectos — falou, com um ar pensativo. — Entretanto, com relação a Myra, era tão cego quanto um morcego! Ficou total­mente obcecado e ela podia fazer o que bem quisesse com ele. Grant queria casar-se, mas Myra não é o tipo de mulher que nasceu para esposa. Prefere estar livre, sempre aberta para novas aventuras com homens que sucumbam a seu charme, como foi o caso de Grant.

— Mas eles chegaram a viver juntos... — Liz espetava a espada no próprio coração.

- Não exatamente! Grant comprou aquela casa há cerca de um ano atrás e deu-a para Myra, que a arrumou e decorou. Talvez por causa disso, ela afinal concordou em casar com ele, mas então veio o acidente e a terrível notícia de que a carreira de Grant tinha che­gado ao fim. Quando isso aconteceu, ela foi embora e o deixou sozinho.

Liz sentiu uma estranha sensação no estômago. Seria medo... ou alívio?

— Você está me dizendo que eles nunca moraram juntos naquela casa?

— Myra chegou a mudar-se para lá, mas Grant ainda continuava ocupando seu apartamento em Hillbrow. — Joe sorriu, meio sem jeito. — Se os dois estavam juntos, então eram muito discretos a respeito disso.

Um grande peso tinha sido retirado das costas de Liz. Ela sempre imaginava os dois morando juntos naquela casa e agora sabia que isto nunca chegara a acontecer.

— Fale-me sobre você, joe — ela mudou de assunto. — Também é médico, como Grant?

— Não, minha especialidade é a advocacia.

—   Interessante. — Liz debruçou-se sobre a mesa, curiosa. — Além de ser amigo de Grant, você também toma conta de seus papéis?

—   Exatamente. — Ele sorriu e apontou a taça vazia de Liz. — Mais vinho?                                                              

— Não, obrigada. Acho que já bebi o suficiente para esta noite!

— Você ama Grant?

A pergunta era completamente inesperada, contudo Liz não se amedrontava com as palavras.

— Eu não teria casado com ele por qualquer outra razão!

— E como ele se sente em relação a Myra, hoje em dia?

— Não é um assunto sobre o qual costumamos conversar.

— Ele deve tê-lo transformado num tabu, não é?

— Sim — ela replicou com certo desconforto. — Grant diz que Myra pertence ao passado e portanto não há o que conversar!

-Liz, há algo que acho justo que você saiba. — Joe estava sério e Liz sentiu um súbito receio. — Myra está de volta a Johannesburg. Ela chegou ontem.

Liz sentiu o coração apertar-se, porém conseguiu manter o autocontrole.

— Grant já sabe disto?

— Se veio, a saber, não foi por meu intermédio.

— Acha que ela vai procurá-lo?

— O que você acha?

— Mas. . . se ela descobrir que Grant está casado e.. .

— Minha querida, nenhuma certidão de casamento até hoje foi suficiente para manter Myra afastada de alguém que desejasse. — Ele tomou a mão de Liz, sobre a mesa. — Você está segura com relação aos sentimentos que Grant tem por você?

Liz desejou de todo o coração poder dizer que Grant a amava, mas não seria verdade. Talvez ele tivesse aprendido a gostar dela, mas amor era algo que provavelmente jamais existira da parte dele. Ela abaixou os olhos.

— Eu... eu não tenho certeza dos sentimentos de Grant.

— Gostaria que me prometesse algo — Joe apertou ainda mais os dedos de Liz —   que me procurará se algum dia precisar de um amigo.

— Você é muito gentil.

Ele retirou a mão e pegou a carteira.

— Aqui está meu cartão para o caso de você querer entrar em contato comigo.

Joe a levou para casa pouco depois, acompanhando-a até o hall de entrada. Liz agradeceu pelo jantar, mas teve a sensação de que ele não prestava atenção, enquanto tomava a mão dela e dizia:

— Você tem olhos adoráveis, Liz, e se Grant não vê neles o que eu posso ver, então realmente merece as Myras que existem por aí!

— Você certamente ajuda a levantar o meu moral! — ela disse, sorrindo.

— Estou falando sério — Joe replicou, soltando-lhe a mão.

— Boa noite, Joe, e obrigada mais uma vez pelo jantar.

— Que tal se fizéssemos o mesmo amanhã à noite?

— Acho que não. — Ela meneou a cabeça. — Obrigada pelo con­vite, de qualquer maneira.

O desapontamento de Joe era evidente, mas ele aceitou a decisão de Liz e, momentos depois, ela estava sozinha, tendo como companheiros somente o medo e a incerteza.

Grant saiu do hospital no sábado, mas as sessões de exercícios terapêuticos não começaram senão uma semana depois. Liz sempre o acompanhava, pois tinha medo de perdê-lo de vista, medo de que Myra surgisse de repente, de algum lugar. Como será que Grant reagiria? Será que sabia que ela estava na cidade? Liz gostaria de perguntar-lhe, porém não tinha a coragem necessária.

As semanas foram passando e o inverno não tardou a chegar. O terror de que Myra aparecesse foi sendo esquecido, pois se ela estava na cidade, então tinha resolvido ficar fora do caminho deles. Liz só podia rezar para que continuasse assim.

Em meados de julho Grant voltou a trabalhar no consultório, na cidade. A operação e a terapia tinham sido um sucesso e, para come­morar, foram jantar fora certa noite. Grant sentia-se muito bem, e Liz também estava demasiadamente feliz pela recuperação de Grant e não fazia nenhum segredo disso.

— Foi sua confiança inabalável que me levou adiante — ele con­fessou, com honestidade.

— Tolice. — Ela sorriu, carinhosa. — Eu tinha certeza de que você teria forças para superar tudo isto!

— Liz. . . — Ele tomou as mãos dela sobre a mesa. — Sei que não tenho sido o melhor marido que uma mulher poderia desejar.

— Bem, não vou negar que ainda pode melhorar bastante — ela disse zombeteira, para mexer com Grant.

— Gostaria de poder lhe oferecer mais.

O sorriso morreu aos poucos nos olhos de Liz.

— Será que é tão difícil gostar um pouco de mim?

— Eu gosto muito de você, Liz. — Ele tinha um olhar ironica­mente sensual. — Será que não tenho lhe provado isto ultimamente?

Liz desviou o olhar, sentindo que corava.

— Será que você precisa reduzir sempre tudo ao aspecto físico?

— O lado físico de nosso casamento é o que mais me interessa — Grant brincava com ela. — Afinal, quem poderia dizer que sob essa face jovem e ingênua de menina do interior se escondia uma mulher ardente e sensual?

— Pare com isso. Grant!

— O que posso fazer se é a verdade? Você sabe que não estou mentindo! — Grant insistiu, beijando seus dedos com suavidade, sem se importar se alguém estava olhando. E, de fato, havia alguém olhando, mas Liz só veio a saber disso quando já tinham terminado o jantar e tomavam o café.

De uma mesa afastada, levantou-se uma mulher alta e esguia, sepa­rando-se de seus amigos. Estava vestida de acordo com a última moda, muito elegante, e seu cabelo não muito longo também tinha um corte moderno. Enquanto caminhava entre as mesas do restaurante, sua beleza despertava as atenções. Vinha por trás de Grant, na direção da mesa deles, e Liz sentiu como se todo ar subitamente lhe abando­nasse os pulmões quando reconheceu Myra Cavendish. Em breve, muito breve, Grant a veria, e então. .

 

Oh, Deus. . . me ajude!, Liz pediu silenciosamente, mas nada aconteceu e Myra continuou se aproximando como uma avalanche, inevitável, incontrolável e destrutiva. já era muito tarde. Por alguma razão Grant se virou e deu com Myra. Ele ficou pálido como a coluna perto da mesa.

— Querido! — Myra disse, sedutora, sentando-se na cadeira ao lado de Grant e colocando dominadoramente a mão sobre o braço dele. — Estive observando você por mais de uma, hora, mas só agora pude me desculpar e deixar as pessoas com as quais estou jantando.

Parece muito bem, Grant. e acredito que já tenha se recuperado completamente.

— Pode agradecer a Liz por isso — Grant falou, uma expressão séria no rosto.

—   Liz? —Os olhos verdes de Myra afinal pousaram sobre ela £ a reconheceram. — Sim, é claro. Eu estava tentando me lembrar onde já a tinha visto. Você é Liz Holden, a irmã mais nova de Stacy. não é? Está de visita aqui em Johannesburg?

— Liz é minha esposa — Grant interveio rapidamente, antes que cia pudesse responder.

— Sua esposa? — Myra sorriu com uma incredulidade malvada. — Querido, deve estar brincando...   Não poderia ter casado com alguém tão. . . tão mais jovem! É quase uma indecência!

Liz ia dizer alguma coisa, porém, ainda uma vez, Grant preferiu falar primeiro.

— Como quer que veja isto, Myra. o fato é que estamos casados há três meses.

— Bem, felicidades, então. — Myra sorriu de modo cruel, seus olhos jogando veneno na direção de Liz antes de virarem-se nova­mente para Grant. — Bem, eu me comunicarei com você. Temos tantas coisas para conversar, não é querido? Faz tanto tempo que não nos vemos.. .

Myra deixou-os e voltou para sua mesa. Liz não conseguia se es­quecer das palavras de Joe: "Nenhuma certidão de casamento, até hoje, foi suficiente para mantê-la afastada de alguém que a interes­sasse". E Myra estava interessada em Grant. Para ela, não fazia a menor diferença o fato de que o tinha abandonado quando mais Grant precisa dela. Já o tivera uma vez e estava confiante quanto à possibilidade de tê-lo novamente.

Grant transpirava um pouco na testa e sua mão tremia, segurando a taça de vinho. Ele parecia estar necessitando de algo que somente Myra poderia lhe dar. Liz observou-o em silêncio, enquanto ele fazia um óbvio esforço para se controlar. Nunca antes tinha se sentido tão impotente e amedrontada. O vinho tinha se tornado ácido, a cele­bração, uma farsa.

— Vamos embora — ela disse, e Grant concordou.

Tentaram conversar no caminho de volta para casa, mas em vão. Para Liz, era como se Grant fosse um estranho. Havia uma barreira entre os dojs e essa barreira era Myra.

Grant serViu-se de uma dose de uísque assim que chegaram e já

ia servir-se da segunda quando Liz disse boa noite subiu para o quarto. Porém, sabia que era impossível dormir com Grant lá embaixo, bebendo.

lá passava muito da meia-noite quando ele afinal entrou no quarto. Tirou a roupa no escuro, praguejando quando batia em algo. Liz fingiu estar dormindo, apesar de ter consciência de cada movimento de Grant.

Quando tudo ficou quieto, ela esperou pelo peso familiar na cama a seu lado. mas nada aconteceu. Virou-se e avistou Grant na janela, olhando o jardim iluminado pelo luar. No que estaria pensando? Oh. Deus, não era possível que ainda gostasse de Myra depois de tudo que tinha acontecido. Ou será que podia? Era esta a terrível questão. Liz passou a mão sobre o rosto, frio, e levantou-se em silêncio.

— Grant? —- Ela tocou o braço dele levemente e sentiu os músculos tensos. — Já e tão tarde. Você não vem se deitar?

Por um momento, ele pareceu não escutá-la, mas depois virou-se para ver o rosto de Liz, iluminado pela luz da lua. Seus cabelos estavam despenteados e ela não tinha idéia de como parecia jovem e frágil, com sua camisola branca e leve e o coração batendo como louco dentro do peito. Te amo, te amo! As palavras queriam explodir das profundezas de sua alma e Grant finalmente pareceu despertar para a profundidade daquela emoção.

Foram para a cama sem dizer nada. Liz sentiu-se inquieta quando seus corpos se tocaram, naquela noite, ao fazerem amor. Grant estava dominado por um estranho desespero e ela ficou acordada até o raiar do dia, cheia de desolação e sentindo que algo começava a estraçalhar dentro dela.

 

Aquele encontro com Myra Cavendish no restaurante alterou drasticamente o curso da vida deles. Grant tornou-se retraído e atirou-se ao trabalho como se sua vida dependesse disso. Voltava para casa tarde todas as noites, às vezes chegava já de madrugada. Contudo, o que mais amargurou Liz foi quando ele mudou-se para o quarto ao lado. Grant explicou que trabalhava demais e, como tinha que chegar tarde, não queria incomodá-la. Liz, porém, não era tola para acreditar na explicação. Tentou discutir a situação com ele, mas Grant ficou tão furioso que agora ela sentia medo de tocar no assunto novamente. Não podia provar que ele estivesse vendo Myra, mas era provável que estivesse.

O comportamento de Grant não era a única coisa que a preocupava. Começava a suspeitar de que estava grávida. Era algo que nenhum dos dois tinha levado em consideração e, apesar de tomarem alguns cuidados, várias vezes esqueciam-se de tudo.

Liz não tinha a menor idéia de como Grant se sentiria em relação a ter um filho, mas ela esperava que, se sua suspeita se confirmasse, esta fosse afinal a maneira de estabilizar o casamento. Um filho talvez fosse o que precisassem para libertá-lo daquele poder que Myra ainda exercia.

Uma outra semana se passou, uma semana de dúvidas, incertezas. Liz não podia imaginar o que estava ainda por vir quando, certa tarde, levantou os olhos da costura que fazia ao sentir que não estava mais sozinha na sala.

-- Myra! — Ela não podia acreditar que aquela mulher estivesse ali.

— Você   não se importa   que eu   tenha entrado sem   me   fazer anunciar, não é? — Ela percorreu os olhos pela sala e continuou, sem dar chance para Liz dizer alguma coisa: — Ainda sinto este lugar como meu!

— Tenho   certeza   que   sim!   —   Liz   replicou,   recuperando-se, enquanto Myra sentava e cruzava as pernas com altivez.

— Fico feliz em ver que tudo está da forma como deixei — Myra deu um sorriso frio. no qual não havia humor algum.

—   Nada mudou, a não ser a pequena sala do corredor, que uso como meu   estúdio. — Os   dois pares de olhos   se cruzaram em confronto. — Por que veio até aqui, Myra?

— Eu devia ler me lembrado de que não é de ficar dando voltas para dizer as coisas. — Myra sorriu com doçura venenosa. — Stacy sempre dizia que você era impossível quando se tratava de dizer o que achava!

— Vá direto ao assunto!

— Eu quero Grant.

Liz sentiu o choque como uma bofetada no rosto. Suas forças pareciam querer se esvair, mas isso era algo que não podia acontecer de maneira alguma.

—   E por que pensa que pretendo dá-lo a você?

—   Não terá escolha.

—   Está tão certa assim, a respeito de você mesma?

—   Estou certa a respeito de Grant.

— Você o teve uma vez, porém, quando Grant mais precisava de ajuda, abandonou-o.

—   Eu estava em estado de choque depois do acidente e até admito que me comportei como uma tola. — Myra fez um movimento brusco de cabeça, para tirar os cabelos que lhe caíam sobre a testa. — Nós todos podemos errar, querida. Já admiti o meu erro. Por que não admite que cometeu um grave engano ao casar com Grant?

-- Pelo que diz respeito a mim, Myra, nosso casamento nunca foi um engano.

—   Ele não ama você.

— Sim, eu sei que ele não me ama.

—   Então, por que ficar prendendo Grant desta maneira?

— Grant me pediu em casamento. Se ele desejar a liberdade, então ludo que tem a fazer é pedir que o deixe.

—   Por que tornar as coisas mais difíceis para ele e para você mesma? — Myra suspirou. — Por que não admitir simplesmente a derrota e desaparecer da vida dele sem fazer estardalhaço?

— Esta talvez seja a sua solução, mas não a minha. Não costumo dar as costas àquilo que desejo

Liz tinha marcado um ponto e o olhar irado de Myra denunciava isto.

— Está bem, faça corno desejar. . .   porém não diga depois que não foi avisada.

— Há algo mais que queira me dizer?

— Não — Myra replicou, enquanto se admirava no espelho, sem a menor sombra de vergonha. — De qualquer maneira, estou ansiosa para vir morar aqui, com Grant.

Dizer aquilo era jogar sujo, como Pamela tinha prevenido. Contudo, cru uma forma de Myra continuar ganhando pontos. Liz colocou a cesta de costura de lado e levantou-se com grande dignidade,

— Acho que já conhece a saída...

—   Não seja pretensiosa, querida! — Myra também se levantou, seu perfume exótico tomando conta do ambiente. — É claro que você não se julga capaz de segurar Grant, não é?

Encarou Liz de alto a baixo, medindo-a. Liz. contudo, sentia uma estranha calma apesar da terrível situação.

— Você é bonita, Myra, ninguém pode dizer o contrário. Porém, cm pouco tempo Grant a verá como realmente é, uma pessoa egoísta, uma imagem, sem nada para oferecer a não ser o seu corpo, que você também perderá um dia.

Todas as pessoas têm um ponto em que são mais vulneráveis, aquilo que se costuma chamar o Tendão de Aquiles. E, desta vez, Liz tocara exatamente na fragilidade de Myra, que era obcecada pela própria beleza e morria de medo de perdê-la um dia. Liz jogava sujo dizendo aquilo, mas fora Myra quem tinha levado as coisas naquela direção.

— Grant nunca vai escapar de mim, querida. Basta eu estalar os dedos e ele virá correndo. — Os olhos de Myra brilhavam de fúria. — Espere e verá.

Foi só quando ouviu a porta da frente batendo que aquela estranha calma abandonou Liz. Sentou-se pesadamente no sofá, sentindo as mãos tremerem. Grant nunca me trocaria por alguém como Myra, pensou. Será que podia ser tão tolo? Será que o casamento não significaria. nada para ele? Liz tentava se convencer de que, qualquer que fosse o problema que existiu entre eles no momento, era algo que podia ser resolvido com o tempo, isso, porém, não diminuía a certeza inabalável que Myra possuía: "Só tenho que estalar o dedo e ele virá correndo!", ela havia dito.

Liz tentou se tranquilizar, dizendo a si mesma que não havia nada a temer. A certeza de Myra talvez fosse fingimento, para impressioná-la. De qualquer maneira, tinha coisas mais importantes com que se preocupar no momento.

Dois dias depois, Liz foi para a cidade em seu pequeno carro esporte, que Grant comprou logo que teve alta no hospital. Ela tinha uma consulta marcada para verificar se estava realmente grávida.

Sentia-se muito nervosa quando foi admitida na sala do simpático médico, que devia ter por volta de cinquenta anos. Era muito aten­cioso e, felizmente, não associou o nome dela ao de Grant. O exame foi rápido. Quando Liz olhou-o sentado mais uma vez do outro lado da mesa., ele sorriu-lhe.

— Suas suspeitas estavam certas. Diria que já está grávida há umas cinco semanas.

— Tem certeza. — Liz perguntou, excitada:

— Certeza absoluta! — Seu sorriso tornou-se ainda maior. — Pode voltar para casa, sra.   Laltersby, e comunicar ao seu marido que em breve ele será papai!

As mãos de Liz tremiam e ela segurou a própria bolsa com bastante força.

— Obrigada, eu vou fazer isso.

— Venha me ver novamente daqui um mês —- ele disse, enquanto a acompanhava até a porta.

Ela sentia-se nervosa demais para dirigir naquele momento, e resol­veu ir até a casa de chá do outro lado da rua. Em pouco tampo, já estava sentada esperando pelo chá, tentando analisar os próprios sentimentos. Sentia-se feliz e amedrontada ao mesmo tempo, mas a consciência de que estava grávida a enchia de júbilo. Havia uma nova vida crescendo dentro dela, uma vida gerada por ela e por Grant.. . De repente, sentiu que não poderia esperar para contar-lhe. Bebeu o chá rapidamente, quase queimando a boca, e saiu depressa em direção ao carro, estacionado perto. Quando chegasse em casa, ia telefonar para Grant e implorar-lhe que viesse jantar com ela naquela noite. Ela queria dar-lhe a notícia antes que. . .! Não, não ia pensar nestas coisas agora. Mais tarde, talvez. mas não agora,

O jaguar branco estava parado na garagem e Liz o olhou, surpresa. Seria um bom ou mau presságio? Ela não parou para decidir e correu para dentro. Grant estava sentado na sala, um cigarro nos lábios,

— Grant, estou feliz que esteja em casa!   Eu...   — Liz parou imediatamente quando Grant a olhou com uma expressão estranha nos olhos. A atmosfera estava tensa e carregada, — O que foi, Grant! Aconteceu alguma coisa?

Ele apontou o barzinho no canto da grande sala.

— Quer um drinque, Liz?

Os olhos dela involuntariamente se voltaram para o relógio do corredor, refletido no espelho.

— Quatro horas da tarde é um pouco cedo para beber alguma coisa.

— Espero que não se importe se eu beber,

— O que está acontecendo, Grant? — ela perguntou, enquanto ele se servia.

Ele não respondeu nada de imediato, olhando o copo em suas mãos. Subitamente, bebeu todo o líquido num só gole e então voltou-se para ela.

—   Nunca foi minha intenção machucar você, Liz, peço que acredite nisso. Mas não há nenhuma maneira agradável para dizer o que preciso.                              

— É Myra Cavendish, não é? — Liz perguntou com voz surpreendentemente calma, em vista do vulcão que começava a se formar dentro dela.

— Sim, é isso.

Era como se lhe jogassem um balde de água fria. Ela tinha sido prevenida, mas a realidade era muito dolorosa.

— Eu devia ter adivinhado isto desde aquela noite em que a encontramos no restaurante. — Ela observou-o com atenção. — Vocês estão tendo um caso?

—   Liz, não duvide de meu senso de decência. Nós nos encontramos e conversamos, nada mais.

— Myra lhe contou que me pediu para sair de sua vida, tornando as coisas mais fáceis para vocês dois?

— Ela veio até aqui? — ele perguntou, surpreso.

— Há poucos dias atrás — Liz suspirou fundo. — Pensei que estivesse   tentando   me   amedrontar,   mas   devia   ter   percebido   que falava sério.

— Eu sinto muito,Liz — ele disse com sinceridade. De repente,

uma sensação estranha tomou conta dela, e os objetos da sala pare­ceram ganhar vida   própria, rodopiando.

— Você está bem?— Ele correu para ajudá-la a sentar-se na cadeira.

— Sim...   sim...   eu estou bem. — Oh, Deus, eu não posso desmaiar, ela pensou. Felizmente, sentiu que as forças lhe voltavam. — ela lhe explicou por que o abandonou depois do acidente?

— Sim, explicou.

—   E você acreditou nela? — Liz perguntou com cinismo, sentindo que aquilo irritava Grant.

— Eu não tinha razão para não acreditar.

—   E como foi que lhe explicou o nosso casamento? Será que disse que eu fui ótima para passar o tempo, enquanto você não se curva e. . .

—   Pelo amor de Deus, Liz, eu. . .

—   É tudo que nosso casamento significou, não é?

— Você tem que se lembrar de que eu a pedi em casamento numa época em que estava muito mal, tanto mental quanto fisicamente — Grant falou. Liz se surpreendeu ao perceber que aquilo não lhe doía, a única sensação era á de ler uma pedra de gelo no peito.

— O que você está querendo dizer é que sabia que Myra não o desejaria naquelas circunstâncias; era melhor ter a mim do que não ter nada, não é?

— Com os diabos, Liz é claro que não foi nada disso! — Grant empalidecia rapidamente.

— Você quer o divórcio?

Ele hesitou um momento, talvez surpreso com o que acabava de ouvir.

—   Eu ainda não sei o que quero, Liz. Só sei que no momento preciso ficar sozinho.

— Bem, então isto acerta as coisas, não é? — Liz perguntou com rispidez, levantando-se da cadeira. Descobriu que suas pernas estavam surpreendentemente firmes.

— Por favor, tente compreender — ele pediu, enquanto esmagava o cigarro no cinzeiro.

— Vou arrumar minhas coisas e partir imediatamente — ela disse e em seguida virou-se, mas Grant a deteve, segurando seu braço.

— Não precisa ir embora. . . Pelo menos por enquanto.

Não me toque!, ela queria gritar, mas só olhou aquela mão, onde havia uma pequena cicatriz da operação, e falou com calma:

— Prefiro quê seja desta maneira. Você estará inteiramente livre

para decidir se quer ou não o divórcio.

—   Para onde vai?

— E isso interessa? — ela disse, fazendo um gesto brusco para que ele lhe soltasse o braço.

— É claro que interessa! Não posso simplesmente deixá-la partir assim, sem ter certeza se estará bem.

— Eu sei como tomar conta de mim mesma!

—   Liz. . .   —   Ele passou as mãos nos cabelos, num gesto de nervosismo e impaciência. — Onde pretende passar a noite?

— Vou para um hotel e   amanhã já terei   decidido para onde irei. — Ela começou a se afastar. Ao aproximar-se da porta, contudo, virou-se mais uma vez para Grant. — Ela não o ama, você sabe. Nunca o amou e nem amará!

Grant evitou seu olhar e murmurou, por entre os dentes:

—   Isso não é da sua conta!

Ouvir aquilo era extremamente doloroso. Liz sentiu como se um punha! lhe perfurasse o coração. Mas manteve o controle e falou cm voz baixa:

— Por favor, peça para um táxi vir me pegar daqui a uma hora.

— Você tem o seu carro, Liz.

— Não! — Ela se recusaria a aceitar o que quer que fosse daquele homem que não mais a desejava.

— Foi um presente — ele disse aproximando-se de Liz e tocando sou ombro. Aquele toque lhe dava dor e prazer, uma imensa vontade de se atirar aos braços de Grant. Mas ele logo a soltou e disse, num tom de desculpa: — Eu gostaria muito que você ficasse com ele.

Liz se dera completamente para ele, talvez devesse ter exigido mais. Grant absorvera sua energia, sua vitalidade, e todas as coisas que oferecera em troca tinham somente um valor material, como aquele carro, por exemplo. Foi com grande amargura que .Liz decidiu aceitá-lo.

— Está bem — ela murmurou, deixando-o sozinho na sala. Empacotou suas coisas automaticamente, sem se preocupar como as arrumava dentro da mala. Grant tinha rejeitado a sugestão do divórcio, mas ela não tinha dúvida de que ele mudaria de idéia. Gostaria de poder chorar,mas tudo que sentia era aquele imenso vazio no peito. As lágrimas viriam mais tarde, quando estivesse bozinha, longe de Grant. Agora, era necessário manter-se firme, lima hora depois, chamou um empregado para colocar as coisas no carro. Quanto à máquina de escrever e seus papéis, ela mesma os levaria. Tudo eslava pronto, só o que restava era dizer adeus a Grant.

Ele ainda estava na sala, bebendo, os olhos perdidos no vazio. Virou-se para Liz assim que ela entrou no aposento.

— Não posso levar tudo comigo agora. Mandarei meu endereço mais tarde, para que você despache o resto de minhas coisas. — Aquela voz tão tranquila realmente era dela? — Bem, adeus, Grant.

Ele tomou as mãos dela e o contato serviu para afugentar um pouco o grande frio interior que sentia.

— Liz, eu. . .   eu sinto muito.

— Eu também! — Ela tentou sorrir, mas era impossível. Gostaria de poder dizer alguma coisa, mas tudo que conseguia era ficar ali, olhando para ele.

Puxou a mão e deu-lhe as costas, saindo sem se virar para trás. Não queria que Grant visse toda a dor estampada em seus olhos, todo o desespero, Pouco depois, rumava para longe daquela casa, a casa dos espelhos, que logo refletiriam a imagem que Grant desejava ver.

Liz passou a noite num hotel, sentada numa cadeira ao lado da janela, olhando as luzes lá fora. Pensou em chamar Joe Townsend mas preferiu não fazê-lo. Logo mais ele saberia de- tudo através de Grant e, no momento, ela não sentia vontade de encontrar ninguém.

Pôs a mão sobre a barriga e pensou naquela criança que nasceria dali a alguns meses. Ela trazia algo de Grant que a .iria proteger contra a solidão e o vazio do futuro. Apesar de tudo, Grant lhe tinha dado algo que traria sentido à sua vida. Estava calma, tão calma que chegava a ficar assustada. O sono porém não chegava e, horas depois, ela observou o sol que começava a nascer e iluminar os altos prédios da cidade.

A viagem para Pietersburg foi feita o mais devagar possível. Liz parou para almoçar e tomar chá, apesar de quase não tocar na comida. já eram três horas da tarde quando afinal estacionou na garagem de Stacy.

— Liz!   — a irmã   exclamou   surpresa,   quando   abriu   a   porta. — Pensávamos   que   você   nunca nem ia escrever,   quanto   mais aparecer por aqui!

— Acha que poderia me hospedar por alguns dias? — Liz pergun­tou, já dentro de casa.

— Ora, querida, nós adoramos tê-la aqui! — Stacy chamou a empregada e pediu para pegar as malas de Liz. — Vou mandar levar suas coisas para o quarto de hóspedes.

— Obrigada, Stacy.

— Tudo bem com você? — Stacy perguntou, enquanto caminha­vam para a cozinha,

— Estou bastante cansada — Liz admitiu, sentindo que de fato estava chegando ao limite de suas forças.

— Uma xícara de chá bem forte é o que você precisa! — a irmã anunciou bem-humorada. Contudo, era impossível disfarçar que estava preocupada, ansiosa para saber o que havia de errado.

— Como está Rosalie? — Liz perguntou já sentada à mesa, enquanto Stacy preparava o chá.

— Oh ,você nem vai reconhecê-la. Ela cresceu tanto!

— Suponho que está dormindo. .. ?

— Sim, mas assim que terminar o chá, pode subir para dar uma olhada nela!

Liz não disse nada, cansada demais para fazer outra coisa que não fosse estar sentada ali e beber chá. Quando subiram para o quarto da menina, pouco depois, não se demorou muito, olhando a linda criança que dormia feliz, as bochechas gordinhas e rosadas.

— Melhor você se deitar e descansar um pouco — Stacy reco­mendou, quando seus olhares se encontraram, no quarto que Liz ocupara antes do casamento. Então ela não se conteve e perguntou:

— O que aconteceu, querida?

Liz sentou-se pesadamente na cama, os ombros caídos.

— Está tudo acabado.

— Está falando de seu casamento? — Stacy sentou-se suavemente ao lado da irmã.

— Myra voltou e Grant. . .   — Liz deu um profundo suspiro.

— Acho que ele está pensando num divórcio.

— Ele pretende casar com Myra, depois de tudo que ela lhe fez? _— Stacy perguntou, incrédula.

— Eu. . . acho que Grant a ama.

As palavras ecoavam pelo quarto e Liz as escutava como se outra pessoa as estivesse dizendo, como se aquela dor pertencesse a outra mulher. Stacy teria todo o direito de dizer que tinha avisado Liz de que isso podia acontecer, mas era algo que ia contra sua natureza,

— O que você pretende fazer? — foi tudo o que ela disse.  

—- Vou alugar um apartamento e escrever minhas histórias e... Oh, Stacy, vou ter um filho dele!

— Grant sabe disso?

— Só tive a confirmação ontem e. . .

— Quando ia contar-lhe ele antecipou-se, exigindo a própria liber­dade! — Stacy adivinhou. Ela não parecia surpresa, mas tinha o olhar uma certa reprovação. — Você devia ler lhe contado mesmo assim!

— E que tipo de   casamento eu   teria então?   Casada com   um homem que ficaria comigo só por causa de nosso filho? Não, Stacy, eu não poderia tolerar isto!

Era fácil perceber pela expressão de Stacy que ela estava extrema­mente condoída tom a situação.

— Você parece estar aceitando tudo com tranquilidade. . .

— Vou ter este filho e ninguém poderá tirá-lo de mim!

Elas se fitaram por um longo momento, sem nada dizer. Em seguida, Stacy levantou e sugeriu que Liz descansasse até a hora do jantar.

—   Depois conversaremos mais sobre tudo isto — ela falou e então saiu, fechando com cuidado a porta.

Liz estava cansada, terrivelmente cansada, mas seria incapaz de dormir. Desfez a mala vagarosamente, tentando manter-se ocupada e, sobretudo, tentando não pensar. Sim, tinha acabado, e este era o fato. Nem lágrimas, nem suspiros, nem remorsos e. . . Oh, -Deus, por que sentia como se estivesse morta por dentro?

Ouviu quando John chegou, mais tarde, e quando desceu para o jantar era óbvio que Stacy já tinha contado o que se passara. Ele simplesmente aproximou-se, beijou-a no rosto com carinho e deu-lhe um grande abraço.

— Nós tomaremos conta de você, menina.

Era bom ouvir alguém dizer aquilo, e Liz conseguiu sorrir, coisa que não fazia desde há muitas horas, John ofereceu-lhe um pouco de cherry, que ela bebeu com prazer, sentindo que o líquido a reanimava e aquecia por dentro. O sangue corria com. um pouco mais de vigor em suas veias, e ela recobrou um pouco de cor.

John e Stacy conversaram bastante durante todo o jantar, tentando manter um clima mais ameno e tranquilo. Liz estava quieta e mal conseguiu tocar na comida. Não tinha nenhum apetite apesar do esforço que fazia para se alimentar. Mais tarde, quando já ia subir para o quarto. Stacy aproximou-se.

— Quer tomar alguma coisa para dormir?

— Não, obrigada, acho que não será necessário,

Por estranho que parecesse, ela realmente não tardou a adormecer; seu sono foi profundo e sem sonhos. Já era de madrugada quando acordou, sentindo uma dor na barriga que nunca sentira antes. Tentou levantar-se para tomar umas aspirinas, porém a dor cresceu assusta­doramente. Era como se tivesse um punhal dentro de si, que furava suas entranhas. Com o passar do tempo a dor foi aumentando cada vez mais e Liz sentiu que suava frio. Talvez tivesse gemido ou mesmo chamado Stacy, ela não podia dizer com certeza. Contudo, o fato era que em pouco tempo a irmã eslava de pé, ao lado da cama.

—   Liz, o que você tem?

— Não sei Stacy — ela disse, entre gemidos. — Minha barriga está doendo horrivelmente.

— Respire fundo e tente ficar imóvel — Stacy ordenou, decidida. — Vou acordar John e nós a levaremos ao hospital.

Não se passaram mais que alguns minutos, mas para Liz pareceu uma eternidade até que Stacy voltasse, acompanhada de John. Eles a enrolaram num cobertor e John a carregou até o carro. A dor aumentava cada vez mais. fazendo com que gemesse ainda mais alto.

— Stacy? — ela chamou quando o carro já estava em movimento.

— Tente relaxar um pouco, querida, respire fundo. — Com um lenço, Stacy secava o suor da testa de Liz. — Não se preocupe, tudo estará bem daqui a pouco.

Era fácil mandar relaxar e respirar fundo, ruas como era possível lazer isso quando uma dor terrível parecia rasgar as próprias entranhas? Liz começava a suspeitar do que acontecia com ela e chorou como nunca fizera na vida.

— Oh. Deus — ela murmurava —, por favor, não leve embora esta criança!   É meu filho, e é tudo que tenho, tudo que   restou daquilo que foi um lindo sonho de amor — ela orava sem conseguir mais controlar as lágrimas que lhe desciam pela face.

John devia ter ultrapassado todos os limites de velocidade, pois em pouco tempo chegavam no hospital. Liz agora estava quase inconsciente, tinha apenas uma vaga noção de pessoas, luzes e movi­mento a seu redor. Sentiu uma picada no braço esquerdo e, depois daquilo, as coisas começaram a ficar cada vez mais distantes. Achou que era transportada para algum lugar onde nada de mal lhe poderia acontecer, onde ninguém poderia jamais tocá-la ou machucá-la.

Quando recuperou a consciência, eslava deitada numa cama de hospital, uma luz suave no abajur ao lado. Sentia-se leve e vazia e não tinha certeza se queria mesmo voltar à realidade e abandonar aquela sensação de paz e tranquilidade Percebeu que lhe seguravam a mão e alguém chamava seu nome em voz baixa. Virou um pouco a cabeça e viu Stacy a seu lado, os olhos vermelhos por causa das lágrimas recentes.

— Stacy? — Liz sussurrou   com ansiedade e algo dentro dela parecia confirmar a   terrível   suspeita.

— Oh, Liz . . eu sinto muito — Stacy falou com suavidade.

— Eu perdi o bebê, não é?

Era uma pergunta desnecessária. Se não fosse isso, por que sentia-se tão vazia por dentro, como se tivessem retirado parte de seu próprio corpo?

— Eles fizeram o máximo possível. ..

Oh, Deus, por quê?, Liz pensou, sofrendo agora uma dor tão terrível quanto a anterior. Por que tinha que acontecer isso comigo?

—Foi por causa do choque, Liz. O doutor explicou que isso acontece, às vezes, quando a mulher grávida sofre um choque emo­cional muito violento. O corpo rejeita a criança.

Como parecia simples. . . tão clínico. . . choque! Rejeição! Palavras que não querem dizer nada até que nos afeiem pessoalmente. Grant praticamente tinha pedido o divórcio, ele não a queria mais... um choque! E, a consequência disso... rejeição! Mas, por que tinha que ser desta maneira? Ela queria tanto esta criança, ela queria tanto. . .

— Não há nada mais a fazer, não é?

Stacy apertou-lhe a mão e sacudiu a cabeça, negativamente.

— Acho que devemos ligar para Grant e. . .

— Não! — Liz reagiu com violência. Seus olhos eram dois poços de   angústia   em   seu   rosto   pálido. — Está   tudo   acabado, Stacy, terminado. Nunca mais quero ouvir o nome dele nem encontrá-lo, enquanto estiver viva!

— Liz...

— É realmente isso o que quero, Stacy!

— Se é o que deseja, então será assim. . — Stacy a olhava de uma maneira infinitamente compreensiva. - O que você precisa agora é descansar bastante. Portanto, feche os olhos e tente dormir um pouco.

— Sim, estou me sentindo cansada — Liz concordou, sabendo que seria incapaz de dormir. — John ainda está aqui?

— Não, ele foi para casa. Rosalie tinha Ficado sozinha.

— Stacy, obrigada por ter ficado aqui comigo — Liz murmurou, sentindo-se culpada. — Sinto muito causar-lhe tantos problemas...

—   Não seja tola, querida.-— Stacy sorriu, mas o sorriso não tardou a desaparecer de seus lábios. — Sinto muito por tudo que aconteceu.

—   Eu tambem... — As palavras pareciam sair das profundezas da alma de Liz. — Eu devia ter escutado seus conselhos e de Pamela, mais não o fiz e terminei casando com um homem que. . .

— Você   disse   que   não queria falar mais   sobre   ele — Stacy interrompeu-a com decisão. — No momento, o que tem a fazer é se concentrar em sua recuperação. John e eu queremos que volte para casa o mais rápido possível.

Quando Stacy partiu, pouco depois, o sol começava a raiar lá fora. Liz olhava a claridade que surgia no céu e em sua mente desenhava-se a face de Grant.

"Eu a pedi em casamento numa fase muito ruim de minha vida. Estava muito mal, mental e fisicamente." Aquelas palavras não lhe saiam da cabeça e a torturavam.

— Eu odeio você. Grant Battersby! — Liz falou alto, no quarto de hospital. — Seu comportamento fácil e inconstante acabou por me roubar a única coisa que eu ainda possuía. Eu o odeio, eu o odeio!

"Ela não o ama, jamais o amou e nem nunca o amará", Liz recordava-se das próprias palavras, “isto não é de sua conta..." fora a resposta cruel de Grant.

— Tolo...   tolo...! — Liz disse em   voz alta, mais uma vez quebrando o silêncio do hospital. — Você ama um rosto bonito num corpo perfeito, mas é só isso, Myra é só isso, nada mais. Ela o enfeitiçou   mas jamais   o amou, Grant. jamais o   amou como eu, jamais. . .

As lágrimas explodiram então, com uma força insuspeitada. Liz abandonou-se sobre o travesseiro, chorando e soluçando. Sabia que as lágrimas de nada adiantariam, mas também não havia como impe­di-las. Só após muito tempo ela sentiu que já não havia mais o que chorar. Estava vazia, seu corpo transformara-se numa coisa inerte e emoção.      

 

Por mais que tentasse, Liz não conseguia evitar a depressão. Pronunciar o nome de Grant ou tocar neste assunto, era uma coisa tacitamente proibida. Contudo, não era suficiente para evitar que pensasse nele e em tudo que tinha acontecido.

Seis semanas já haviam se passado desde a separação dos dois, seis semanas desde que Grant decidira acabar com aquele casamento. Entretanto, Liz ainda não tinha recebido nenhuma notícia de Joe Townsend, que seria quem a procuraria para o divórcio, já que era ò advogado de Grant. Toda semana, sem falia, ela recebia um cheque de Grant, que sempre rasgava em pedaços e jogava no lixo. Havia aceitado o carro como uma única concessão, para satisfazê-lo, mas estava disposta a não aceitar mais nada da parte dele.

Devagar, muito devagar, sua vida começou a ganhar uma rotina, voltar à normalidade. Durante o dia ela se ocupava escrevendo novas histórias e isto fazia o tempo passar. As noites, contudo, eram uma verdadeira tortura. Será que ele estava com Myra? Será que estavam fazendo amor? Liz preferia não pensar nestas coisas, mas era algo que se impunha a ela, impossível de ser controlado.

Gostar de se mudar para um outro lugar, recomeçar sua vida sozinha, porém Stacy e John nem queriam ouvir falar nisso. Disseram que concordariam que ela mudasse só quando tivessem plena certeza de que estava bem e forte o suficiente para cuidar-se. Antes disso, não permitiriam que ela fosse embora!

Um mês depois, Liz enviou duas novas histórias para a editora que publicava seus contos para crianças. Precisava ganhar algum dinheiro e agora já sentia-se um pouco mais tranquila e produtiva, conseguia pensar e sentir de novo. Certa tarde, quando estava tomando chá com Stacy,. tocou no assunto da mudança,- sugerindo que estava na hora de começar a procurar um apartamento na cidade.

— Nem pense nisso — Stacy replicou com voz firme, — Você ainda vai ficar conosco por um bom tempo.

— Stacy, tente compreender. . .

— John e eu gostamos muito que você more conosco. Tente pensar nesta casa como sendo a sua casa, Liz.

Ela engoliu em seco, sentindo um nó na garganta. Ultimamente, as lágrimas brotavam com facilidade e ela chorava com muita frequência.

—   Eu adoro vocês dois mas têm que compreender que, mais cedo ou mais tarde, preciso assumir minha vida e ser independente.

— Bem, você poderia ficar aqui pelo menos até que o divórcio esteja consumado. — Stacy sabia que era doloroso para Liz ouvir aquilo, mas era a realidade e tinha que ser enfrentada. — Falando nisso, não acha estranho que o advogado de Grant não a tenha procurado até agora?

Liz deu de ombros, tentando demonstrar que não dava muita importância àquilo.    

— Não sei quanto tempo essas coisas demoram.

— Bem, eu penso que depois de três meses já era hora de você ter recebido alguma notícia de que o processo de divórcio já se iniciou.

— Suponho que em pouco tempo devo ficar sabendo de alguma coisa. — Era claro que Liz não gostava de falar sobre aquilo.

— Liz. . . com relação a Grant. . .

— Não quero discutir este assunto! — Ela colocou a xícara sobre o pires com certa violência, produzindo um agudo som de porcelana que se chocava.

— Você o odeia tanto assim?

Liz olhou pela janela, para o jardim ia fora. Era difícil dizer o que sentia por Grant. Com certeza, deveria desprezá-lo por tudo que fizera mas... ela não conseguia. Era duro admitir isto, porém, no fundo, sentia saudade de Grant! De noite, quando se deitava, seus braços procuravam inutilmente a companhia dele, seu corpo desejava o calor do corpo de Grant, e só aquele vazio existia, aquela solidão que fazia as lágrimas saltarem dos seus olhos.

—   Eu não o odeio — Liz afinal murmurou, olhando as mãos que repousavam sobre   o próprio   colo.   — Bem   que   tentei,   mas   não consegui.

— Então, por que se nega a conversar sobre ele?

— Porque dói, Stacy, porque ainda dói. ..   e muito.

Toda a agonia e desespero que Liz sentia estavam estampados em seus olhos e na expressão de seu rosto. Stacy levantou-se e aproxi­mou-se dela, colocando o braço sobre seus ombros, numa atitude fraternal e carinhosa.

— Liz, querida, gostaria de poder fazer algo por você, ajudá-la de alguma maneira.

— Não há nada que possa fazer por mim, Stacy — Liz replicou, fazendo um esforço enorme para manter o autocontrole. — Tenho que aprender a conviver com esta situação, pois é um fato consumado.

Mas como poderia convivei- com tamanha amargura no coração? Como conviver com a necessidade de ter alguém que não a queria? Será que chegaria o dia em que ela esqueceria Grant? Uma noite em que não mais sentiria aquela falta imensa dele? Gostaria de poder olhar o futuro em vez de se perder nas. lembranças do passado. . . Porém tudo que importava em sua vida estava nessas lembranças, e apartar-se delas era como destruir um pouco de si mesma. -

Não havia futuro para cia sem Grant. Nunca linha existido outro homem em sua vida. nem jamais existiria. Ninguém poderia substituí-lo.

Duas semanas depois, Liz descansava à tarde em seu quarto, quando Stacy veio anunciar que havia uma visita para ela.

—   Um senhor chamado Townsend está ia embaixo, e quer con­versar com você.

— Townsend?   —   Liz levantou   de   imediato,   surpresa.   —   Joe Townsend?

— Sim, foi este o nome que ele me deu.

—   Diga-lhe   que   não quero   vê-lo!   —   Liz   decidiu,   sentindo-se perturbada e confusa. — Se há alguma coisa que deseje que eu assine, pode deixar os papéis aqui e depois eu os mando pelo correio.

— Ele não falou nada sobre divórcio, Liz — Stacy assegurou. — A única coisa que disse é que tinha um assunto importante para tratar com você.

— O que poderia haver de importante além do divórcio?

— Não sei. ele não falou nada. Só disse que era uni assunto particular e urgente.

Grant! Devia haver algo errado com Grant, que mais poderia ser? Liz sentiu-se meio ridícula... Por que ele não procurara Myra? Apesar de tudo, ela estava muito curiosa e ansiosa para saber do que se tratava.

— Diga-lhe que descerei   num minuto — ela decidiu. Quando Stacy saiu, sentiu que seu coração batia como louco.

Ter notícias de Grant seria algo bom, afinal de contas, por mais que ela desejasse negar isto. Penteou os cabelos, retocou a maquilagem e arrumou-se defronte ao espelho. Tinha emagrecido um pouco e os olhos fundos pelas noites insones davam-lhe um ar meio triste e amargurado. Mas seu rosto era agora o de uma mulher mais madura, que já conhecera o amor e a dor. O ar esperançoso e rebelde próprio dos jovens tinha desaparecido. Ela não esperava por mais nada, nem alimentava expectativas a respeito do futuro.

Desceu a escada rezando para parecer mais calma do que realmente estava. Tinha a impressão de que muitos anos haviam se passado desde aquela noite em que Joe a levou para jantar, aquela noite em que a avisara que Myra estava de volta. Tanta coisa acontecera desde então, tantas lágrimas haviam sido derramadas. . .

Quando entrou na sala de estar, Joe levantou-se imediatamente e veio apertar-lhe a mão, com calor,

— Fico feliz em vê-la de novo — ele disse sorrindo, mas seu rosto logo ganhou uma expressão pesarosa. — Fiquei sabendo que você perdeu a criança e. . . sinto muito, Liz.

— Suponho que Stacy lhe contou.

joe hesitou um momento, então soltou sua mão e apontou o sofá.

— Sente-se, Liz, por favor. O que tenho para falar diz respeito a Grant.

— Bem, não tenho muita vontade de conversar a respeito dele — Liz falou com voz firme, olhando Joe de frente.

— Tudo que lhe peço é que escute o que tenho a dizer. Se depois de ouvir ainda não quiser discutir o assunto, então eu não insistirei mais. Por ora, só lhe peço que me ouça. — Havia uma certa urgência na voz de Joe que foi o suficiente para convencê-la.

— Está bem — ela suspirou —, pode falar, Joe,

— Grant está completamente mudado. — Ele foi direto ao assunto. — Não descansa, não dorme e está bebendo muito! Tudo começou logo depois que você partiu. Nos últimos tempos seu comportamento ainda tem piorado. Mesmo seu trabalho, ao qual devotava tanta importância, já não o interessa mais. Quase não vai ao consultório e passou a maioria de seus clientes para Alan Bishop. Além disso, nunca mais apareceu no hospital. Não gosto de pensar no que poderá acontecer se ele continuar se comportando desta maneira.

Liz olhava fixamente para as próprias mãos, tentando não deixar aquelas notícias a perturbarem.

— O que você espera que eu faça, Joe?

— Fale com ele, Liz. Tente fazê-lo recobrar o bom senso!

— Você está batendo na porta errada, Joe.   É para Myra que devia pedir isto. Ela é quem tem influência sobre Grant agora.

— Myra? — Ele franziu a testa. — E o que ela tem a ver com isto?

— Você devia saber, Joe. Estou certa de que Grant comentou a respeito do divórcio, não é?

— Divórcio? Do que você está falando?

— Não tente fingir para mim, por favor — Liz suspirou, irritada. Em seguida levantou-se e caminhou até a janela. O jardim estava repleto de flores que chegavam junto com a primavera. Havia vida nova ia fora, mas em seu coração seria sempre inverno, ela pensou com amargor. Sem virar-se para Joe, Liz falou: — Você sabe tão bem quanto eu que deixei Grant para que ele pudesse morar com Myra.

— Liz, querida, não sei   nada destas coisas que você está me dizendo! — Joe levantou-se e se aproximou dela. — Já fazem mais de três meses que Myra voltou para Paris e Grant nunca me disse nada a respeito de divórcio.

Liz sentiu o coração acelerando rapidamente e respirou fundo para tentar acalmar-se um pouco.

— Eu não compreendo.

— Então somos dois que não estão entendendo nada. — Joe estava sinceramente surpreso. — Talvez se eu lhe disser tudo que sei, então quem sabe poderemos chegar a alguma conclusão!

— Sim. eu gostaria de ouvir, pois tudo isto me deixou completa-mente confusa.

— Bem, estive com Grant há algum tempo atrás, e o encontrei num estado verdadeiramente lastimável. Consegui persuadi-lo a me dizer o que eslava acontecendo. Ele não falou com muita coerência, mas disse algo a respeito de você ter ido embora e falou também que se sentia culpado pelo aborto. Eu presumi, naturalmente, que vocês tiveram um desentendimento muito sério e você decidira abandoná-lo! — Ele fitava Liz com curiosidade, percebendo que ela estava pálida e atônita.

— Eu nunca contei para Grant que estava grávida. Como ele ficou sabendo disto?

— Bem, não posso responder, pois também não faço a mínima idéia! De qualquer maneira, posso garantir que Grant sente-se terrivel­mente culpado e o remorso o está deixando quase louco.

Nada daquilo fazia muito sentido, e Liz não sabia até onde acreditar nas coisas que Joe acabava de dizer.

— E o que você quer que eu faça? Que procure Grant, passe a mão. sobre sua cabeça e lhe diga que não precisa mais sentir-se culpado pelas coisas que me fez?

— Ele ama você, Liz.

Aquelas palavras caíam como sementes num solo duro e seco, mas Liz replicou com voz fria e ríspida:

— Grant nunca me amou, nem nunca me amará. Ele me desejava, - só isso, e eu fui útil enquanto ele precisava de alguém a seu lado para ajudá-lo a reconstruir a própria vida. É Myra quem ele ama. Sempre foi Myra!

— Talvez tenha sido, mas já não é mais — Joe insistiu e Liz não tinha energia para discutir aquele assunto.

— Foi Grant quem lhe disse onde poderia me encontrar?

— Não —Joe meneou a cabeça. — Eu bem que lhe pedi o seu endereço, mas tudo que Grant disse foi para eu me manter afastado de seus assuntos particulares. Pouco tempo depois, lembrei-me de que você tinha falado que seu cunhado possuía uma oficina mecânica em Pietersburg. Peguei a lista telefônica e comecei a ligar para todas as oficinas desta cidade até que, afinal, John MacLeod me deu a resposta que eu procurava. — Ele se aproximou de Liz, uma expressão consternada no rosto. — Liz, você tem que ajudar Grant!

— E o que o faz pensar que ele aceitará minha ajuda?

— Ele precisa de você Liz, e sabe disso! Só que Grant é muito orgulhoso e teimoso para admitir este fato! Ele deve achar que a tratou muito mal e que, com certeza, você o odeia tanto quanto ele tem odiado a si mesmo ultimamente!

— Eu cheguei a odiá-lo por algum tempo, mas foi um sentimento que logo desapareceu! — Liz tinha os olhos baixos, sabendo que uma luz de esperança se acendia dentro dela, uma luz perigosa e para a qual ela não desejava dar nenhum alento. — O que faz você pensar que ele me ama?

—   Por qual outra razão estaria se destruindo dessa maneira, senão por causa da sua falta?

Grant se destruindo? Por causa dela? Não, aquilo era impossível. Certamente era a ausência de Myra que o deixava neste estado.

— Só pode ser por causa de Myra, Joe, você está enganado!

—   Eu penso que não. . .   mas, mesmo que fosse por isso, você seria capaz de ficar sentada sem fazer nada, sabendo que Grant está cavando a própria sepultura?

— Mas o que posso fazer?

— Vá conversar com ele, é tudo que lhe peço!

Liz se retraiu ante aquela idéia. A casa dos espelhos era o último lugar onde gostaria de encontrar Grant, se é que isto fosse acontecer algum dia. Aquela casa guardava as memórias mais tristes de sua vida e, mais uma vez, ela se sentiria entrando nos domínios de Myra.

—   Eu tenho uma idéia melhor. — Uma idéia estúpida e louca, Liz   poderia ter   acrescentado. — Você   acha que seria capaz de convencê-lo a vir passar alguns dias na fazenda?

— Bem, eu poderia tentar, pelo menos. — Ele olhou-a com um ar pensativo. — O que você tem em mente?

— Ainda não pensei direito, mas se conseguir convencê-lo a vir passar uns dias em High Ridges, talvez então eu pudesse estar lá quando Grant chegasse! — Se aquilo não era procurar problemas, então nada mais no mundo seria, ela pensou.

— Você não quer que eu lhe diga nada? Pretende fazer uma surpresa?

— Bem, a surpresa, às vezes, pode nos ajudar a obter certas coisas. — Liz sentiu que a cumplicidade se instalava entre ela e Joe, e isto os aproximava. — Você viajou até aqui só para me falar a respeito de Grant?

— Nós não poderíamos ter esta conversa por telefone, não é?

—   Vai passar a noite aqui na cidade?  

— Sim, já me hospedei num hotel e pretendo ir embora amanhã bem cedo.

— Então fique para jantar conosco esta noite.

—   Bem, eu...

— Por favor, Toe. Eu ficaria muito contente se você aceitasse!

Joe aceitou o convite e tiveram um jantar animado. John e Stacy o aceitaram como amigo de Liz e o interesse que Joe tinha por carros em gerar deu oportunidade para John falar sobre o assunto que mais lhe interessava na vida..

já passava das dez horas quando Liz acompanhou-o até o carro. para se despedir.

— Assim que eu tiver acertado a viagem de Grant, eu lhe telefono, está bem?

— Mas...   e se estiver enganado? E se Grant não desejar me encontrar?

— Então, eu espero que você me deixe visitá-la sempre — Joe replicou prontamente. Fitando-o no escuro, Liz não soube dizer se estava brincando ou não. — A maioria dos homens não reconhece o valor do que possui até que o perde! Pense nisso, Liz, e tenho certeza de que tudo vai dar certo!

Joe saiu antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa. Parada em frente a casa, vendo o carro se afastar, Liz sentiu que aquele brilho de esperança novamente se insinuava em sua alma. Mas sabia que era necessário não lhe dar alento.

John estava sentado em sua poltrona favorita e Stacy arrumava as xícaras de café sobre a bandeja para levá-las para a cozinha. Havia algo em que Liz vinha pensando há algum tempo, e ela decidiu perguntar à irmã.

— Stacy, você contou para Grant sobre meu aborto?

Stacy fitou-a com ar inocente, enquanto John falou:

— Foi melhor contar para ela, querida. Afinal, não vai esconder a verdade para o resto da vida, não é?

— Você ligou para ele, mesmo eu tendo pedido para não fazer isto?

— Um brilho de raiva começou a despontar nos olhos de Liz.

— Não foi exatamente assim, Liz — ela começou   a explicar.

— Grant telefonou justamente naquela manhã em que você estava no hospital, quando tinha acabado de. .. de perder o nenê. Eu estava tão chocada com tudo aquilo que, sem querer, acabei contando o que tinha acontecido.                                                                            

— Você contou tudo?

— Bem, falei o que havia para ser dito.

— E o que foi que Grant falou?

— Nada! — Stacy fez um gesto de impotência com as mãos.

— Ficou em silêncio um longo tempo e afinal perguntou se poderia vir até aqui para vê-la. Eu respondi que não, que ele já lhe tinha feito mal o suficiente e que você deixara bem claro que não desejava encontrá-lo nunca mais.

Liz   sentou-se   no   sofá,   sem   saber direito coma reagir àquelas notícias inesperadas.

—   Ele comentou alguma coisa a respeito de Myra?

— Não, não me disse nada. Por quê?

—   Acho que   Myra voltou para Paris logo depois que eu vim para cá.

— Ele não chegou a me dizer nada. Você acha que. . .

—   Eu não acho nada — Liz interrompeu-a. — Pelo menos, por enquanto!

Não queria se deixar dominar por nenhuma esperança infundada, principalmente agora que as coisas pareciam tão confusas. Myra estava tão decidida a ter Grant de volta e, no entanto, tinha abandonado seus planos logo depois? Aquilo não fazia muito sentido!

—   Você ainda não contou ludo. Stacy! — John falava em tom reprovador e Liz fitou a irmã interrogativamente.

— Grant telefonou de novo há cerca de um mês, perguntando se eu achava que poderia se encontrar com você. Respondi que não. . .

— Stacy tinha um ar de culpa. — Mas o que eu podia ter dito, Liz? Naquela época você nem deixava que tocasse no nome dele!

—   Não estou acusando você de nada, Stacy. Fez exatamente aquilo que eu tinha lhe pedido.

—   A razão pela qual nunca lhe contei tudo era porque achava que   você ia ficar desgostosa — Stacy falou como se um grande peso   tivesse   sido   retirado de   suas costas.   — O que era   que o sr. Townsend tinha para conversar com você?

Seria inútil esconder a verdade deles. mesmo porque mais cedo ou mais tarde viriam a saber de tudo. Também não seria justo deixar de lhes contar o que tinha em mente. Então, Liz relatou minuciosa­mente tudo que conversara com Joe. Por algum tempo somente ela falou. John e Stacy escutavam atentos e sem interrompê-la.

— Suponho que vocês devem me achar louca!, — Liz comentou, quando já tinha terminado: Stacy e John a fitavam, sem nada dizer.

— Mas eu nunca seria capaz de virar as costas para Grant sabendo que ele precisa desesperadamente de ajuda!

O silêncio na sala era absoluto que uma agulha caindo no chão poderia ser ouvida. Afinal. Stacy falou, com incredulidade;

— Você ainda ama Grant, Liz. mesmo depois de tudo que ele fez? • — Acho que sempre vou amar aquele homem orgulhoso, rebelde e arrogante! Não sei por que as coisas têm que ser desta maneira, mas é algo que não posso controlar, que não posso decidir! — Sua voz vinha carregada de angústia. Logo depois se retirou para o quarto, sem nem ao menos esperar pelas outras coisas que John ou Stacy tivessem para lhe dizer.

O que havia dito era a mais pura verdade e só por isso tinha concordado com aquele plano louco, que ela mesma sugeriu. Era um encontro muito arriscado e perigoso mas... e se desse certo? E se Joe realmente tivesse razão ao afirmar que Grant a amava, apesar de tudo?

Esqueça isso! Ele sente-se culpado, nada mais... sua mente a alertava com cinismo, mas seu coração já batia acalentado por uma nova esperança. Liz suspirou na escuridão de seu quarto, excitada pela perspectiva de rever o marido.

— Grant. . .   Oh, Grant, por favor, não me decepcione também desta vez! — ela implorou.

A semana se passou com torturante lentidão e outra já se aproximava do fim antes que Liz tivesse qualquer notícia de Joe.

— Grant deverá chegar na fazenda amanhã à tarde — ele informou afinal pelo telefone. — Tivemos que armar um pequeno jogo mas, Adan Bishop e eu conseguimos convencê-lo de que um pouco de ar fresco e umas férias no campo seriam ótimos para sua saúde.

O nervosismo e a ansiedade logo fizeram o pulso de Liz se acelerar.

— Você tem certeza de que ele não percebeu que eu tenho algo a ver com esta história?

— Não, ele não tem a menor idéia do seu plano! — Joe falou num tom de conspiração. — O que você pretende fazer?

— Acho que o melhor será estar lá quando ele chegar — Liz replicou. — Sam Muller, o capataz da fazenda, tem a chave da casa.

— Bem, tudo que posso lhe dizer agora é "boa sorte"!

— Eu acho mesmo que vou precisar! — Liz riu, nervosa. Quando recolocou o fone no gancho, teve que se apoiar na parede

para controlar o tremor que tomava conta de suas pernas.

— Acho que Grant deve estar chegando! — Stacy falou com um sorriso, quando entrou no hall e olhou Liz.

—   Ele estará em Hígh Ridges amanhã à tarde!

— E se o plano falhar? — Stacy deu forma concreta aos temores da irmã.

— Bem, então eu pelo menos terei a satisfação de saber que tentei ajudá-lo!

— E quanto a você, Liz? Será que não vai se machucar ainda mais?

— É um risco que tenho de correr!

Sim. de fato era um risco bastante grande, mas Liz tinha que assumi-lo! Grant nunca a procuraria, pelo menos depois de ela ter deixado tão claro que jamais desejava vê-lo outra vez. O fato de que ele nunca tinha levado adiante o divórcio despertava suas esperanças. Afinal, quem sabe aquele casamento poderia ser salvo? Por causa desta vaga possibilidade ela se arriscaria, sabendo que teria de arcar com as consequências, fossem elas quais fossem!

Mal conseguiu dormir naquela noite, e levantou-se assim que o dia clareou. Havia muitas coisas que precisava arrumar, agora que o plano estava cm fase de execução.

Tomou o café da manhã junto de Stacy e John, porém nem percebeu o que estava comendo.

—   Devemos esperá-la esta noite? — Stacy quebrou o silêncio.

—- Bem, isso depende. — Liz tentou sorrir. — Se eu for bem recebida, ficarei com Grant. Caso contrário, estarei de volta antes do jantar.

— Se eu fosse Grant, teria vergonha de encontrar você — Stacy falou, convencida.

— É exatamente como eu acho que ele deve estar se sentindo! E, se eu estiver certa, há uma possibilidade de que tudo acabe se resolvendo da melhor maneira possível, no fim das contas!

— É melhor não se deixar dominar pelas esperanças — John advertiu-a. — Não queremos vê-la magoada mais uma vez, Liz.

— Não estou, esperando muita coisa, John. Desejo conversar com Grant, saber o que significo para ele... saber se é somente culpa que ele sente ou se é algo mais do que isso!

Liz calou-se e terminou de beber o café. Não havia necessidade de colocar em palavras o que ela esperava e rezava para que aconte­cesse. Antes de o sol se pôr, naquele mesmo dia, saberia se suas esperanças eram fundadas ou se, mais uma vez, estava se perdendo em sonhos tolos e dolorosos.

Saiu pouco depois, para comprar umas coisas que queria levar para a fazenda. As compras não lhe tomaram mais que meia hora, e logo já estava indo em direção do desconhecido, de um futuro não podia prever.

 

As árvores altas protegiam a grande casa da fazenda High Ridges, agora habitada pela família de Sam Muller. Ele logo apareceu, quando ouviu Liz estacionando o carro embaixo de uma sombra. Era um homem forte, a pele curtida pelo sol do campo, e usava um chapéu de abas largas. Enquanto caminhava ao encontro dele, por alguma razão inexplicável, Liz desejou que ele não criasse problemas.

Sam fitou-a com certa insolência, olhando por baixo da aba do chapéu, quando foi informado de que ela desejava a chave da pequena casa que Grant tinha construído para si.

— O dr. Battersby vai chegar hoje à tarde.

— Eu sei — Liz replicou, tentando não deixar transparecer a impaciência.

— Ele está esperando a senhora?

—   Não — Liz confessou —, e na verdade gostaria de pedir-he que, caso Grant passe por aqui antes, não lhe diga nada sobre minha presença na casa,

— Não sei se devo lhe dar a chave.

— E por que não?

— Bem, todos sabem que a senhora e o dr. Battersby não vivem juntos há alguns meses e. .

— Você é um ótimo capataz. Sam — ela o interrompeu, falando com voz fria e decidida —, mas parece gostar de fofocas e escândalos, já que dá ouvido a elas. Agora, vai me dar esta chave ou serei obrigada a quebrar a janela para entrar na casa de meu marido?

Sam Muller hesitou um momento antes de -responder:

— O dr. Battersby não vai gostar nem um pouco de encontrar a janela quebrada.

— E vai gostar muito menos se eu lhe contar que você não quis me entregar a chave! — ela falou em tom ameaçador e, desta vez, ele pareceu ter sido atingido num ponto fraco.

— Está bem, sra. Battersby, não há motivo para ficar ofendida. Vou pegar a chave.

Esse não é um bom começo, ela pensou enquanto ia até a casa ao lado do rio, já com a chave na bolsa. Oh, como esperava que aquele dia terminasse bem... . Era uma aposta tão alta a que estava fazendo... O que, afinal, tornava uma pessoa capaz de se arriscar a uma dor terrível como a que sentiria se suas esperanças fossem infundadas?

Estacionou um pouco distante da casa, por trás de um caramanchão, evitando assim que o carro fosse visto da estrada. Pegou o pacote e veio caminhando na direção da casa. Não pôde evitar que lembra­ças de tempos mais felizes lhe viessem à mente.

Abriu a porta e entrou. Uma camada de poeira recobria as coisas, porém tudo estava exatamente da maneira como tinham deixado. Fora somente há alguns meses, mas parecia que muitos anos tinham se passado desde que ela e Grant haviam decidido casar, exatamente ali.

Depois de ligar o congelador, guardou nele toda a comida que podia estragar. Aí, deixou que as horas passassem, enquanto se ocupava em tirar a poeira dos móveis e varrer os aposentos. Parou por volta de meio-dia para comer um sanduíche e tomar um pouco de suco. Depois disso continuou com os afazeres, roçando os lençóis da cama arrumando a cozinha e começando a organizar o jantar. Quando deu por si já eram três horas da tarde e seus receios voltaram a ocupar-lhe a mente. Durante todo o tempo, estivera ocupada, sem tempo para pensar, mas agora, qualquer som que ouvia lá fora a deixava tensa e apreensiva.

O sol da tarde entrava pela janela da cozinha, as árvores lá fora faziam compridas sombras no chão e tudo dava à casa um clima de tranquilidade muito diferente do que ia na alma de Liz. O relógio avançava lentamente. Quatro. . . cinco. . . cinco e meia! Quando é que terminaria aquela tortura?

Afinal,ouviu um carro aproximar-se e estacionar. A porta se abriu e ela ouviu os passos se dirigirem para a casa. Uma chave foi enfiada na porta da frente, e Liz sentiu um raio frio percorrer-lhe ,Grant estava ali!

Passou as mãos nos cabelos e só então lembrou-se de que estava despenteada. Era tarde para fazer alguma coisa. Arrumou-se o pôde e tentou se concentrar na salada que estava fazendo, em que cada nervo de seu corpo vibrava aos passos de Grant. Ele deteve-se na porta da cozinha, e Liz sentiu seus olhos sobre ela. Só ai virou-se para fitá-lo.

Ele estava abatido e tinha profundas olheiras. Seu aspecto, geral, era   desolador.   Ele   a olhava como   se   estivesse   vendo fantasma e a tensão no ar parecia crescer a cada instante. G finalmente colocou a mala no chão e deu alguns passos, entrando cozinha.

— O que está fazendo aqui? — ele perguntou, com voz ríspida porém sem esconder uma nota de surpresa.

Vá com calma, Liz pensou consigo mesma, decidindo se armai ioda a cautela e não permitir que Grant percebesse como estava nervosa e assustada.

— Achei que a casa precisava ser um pouco arejada, então resolvi vir para cá, passar a noite.

— Acha que vou acreditar que é uma coincidência você e aqui justamente quando sou convencido a passar uns dias no campo — ele perguntou com cinismo, seus olhos jamais a abandonar.

— Você não precisa acreditar em nada, mas, se deseja que vá embora, tudo que tem a fazer é dizer.

— Fala sério, não é?

— Sim, Grant. — O coração de Liz parecia querer explodir dei do peito, principalmente quando ele aproximou-se, alto e musculoso. De repente, a cozinha parecia pequena demais para os dois, Liz ergueu o olhar, decidida a enfrentá-lo. — Se minha presença incomoda, irei embora imediatamente. Como a casa só tem um que terei que partir à noite, de qualquer maneira.

— Bem... Eu posso dormir no sofá da sala e, considerando ainda estamos casados, ninguém poderá dizer nada! — Ele a fitou com uma expressão repentinamente zombeteira nos olhos. Liz olhou num relance, para o grande relógio na parede da cozinha.

— Ainda há tempo para você tomar um banho e vestir uma roupa mais confortável para o jantar.

Ela apanhou um tomate e começou a picá-lo, pedindo a Deus Grant não notasse como suas mãos tremiam. Podia senti-lo às suas costas, observando seus movimentos até que, afinal, ele foi para o interior da casa. Liz deu um suspiro de alívio e recostou-se no armário por alguns segundos, para tentar acalmar o vulcão que tinha dentro de si.

Estava assustada com a aparência de Grant, que era bem ruim. Seu rosto mostrava um ar sofrido e acabado. Seria possível que ela fosse a causa daquilo? Ou seria Myra?

Ouviu o chuveiro ser ligado enquanto terminava de preparar a bisteca com molho de cogumelos. Tudo já estava pronto, faltando somente arrumar a mesa. O vinho seria aberto na última hora, ela decidiu, lembrando-se de que precisava também colocar duas taças na mesa.

Quando voltou à cozinha. Grant usava calça jeans e uma camisa clara, com as mangas enroladas. Tinha uma expressão menos cansada, mas o ar desolado ainda continuava,

— Quer tomar um pouco de vinho antes do jantar? — ela pergun­tou, tentando parecer o mais natural possível.

— Não me importaria de beber algo mais forte, mas, de qualquer maneira, aceito o vinho, obrigado! — Grant a seguia com os olhos enquanto ela servia as taças. Liz aproximou-se para entregar-lhe o vinho, sentindo no ar o aroma tão familiar da colônia que ele costumava usar. Seus dedos se tocaram por um breve segundo, sufi­ciente, no entanto, para fazer com que Liz desejasse mais. — Você estava planejando jantar e beber vinho sozinha?

— Se estivesse esperando alguém, provavelmente esta pessoa já teria chegado, não? — Liz falou depois de provar um gole do suave vinho branco.

— Ou talvez tivesse mudado de idéia ao ver meu carro estacionado lá fora.

— E possível.

— A menos, é claro, que você estivesse esperando por mim!

— Isso também é possível. — Ele estava se aproximando demais da verdade, mais do que desejaria, e Liz procurou desviar o assunto apontando a mesa. — Se você sentar-se poderei servir o jantar.

Jantaram silenciosamente, e tanto Liz, quanto Grant mal tocaram na comida. Talvez ambos estivessem sem apetite, mas o fato era que aquela proximidade tornava qualquer outra coisa sem importância. Liz teria preferido ficar sentada e não fazer nada senão fitá-lo, mas não ousaria.

Mais tarde, quando lavava os pratos. Grant tomou um pano e começou a secá-los. Era como nos velhos tempos, os dois trabalhando juntos, lado a lado, Porém, desta vez o silêncio escondia um rol de emoção confusas e conflitantes.

— Você tem vindo aqui nos últimos meses? — Grant perguntou, quando tudo na cozinha já eslava limpo e arrumado.

— Esta é a primeira vez — ela respondeu, nervosa. — E você?

— É a primeira vez, também. Eu não sentia coragem de rever este lugar.

— Eu também não — Liz confessou e seus olhos se encontraram.

— Essa casa me traz muitas recordações. . . - Liz engoliu em seco.

— Para mim também.

— Você nunca retirou nenhum dos cheques que eu lhe mandei. — Grant tinha um ar acusativo.

— Eu os rasguei e joguei fora.

— Por quê?

— Também tenho meu orgulho, Grant — ela replicou, com calma e dignidade.

— Vendi aquela casa e voltei para o apartamento — ele falou, depois de pegar um cigarro no bolso e acendê-lo com o isqueiro.

— Compreendo...

— Estou pensando era comprar uma outra coisa, algo que realmente pareça um lar.

— Seria bom — Liz comentou, com falsa displicência. Dentro dela havia uma enorme alegria por saber que a casa dos espelhos fora vendida.

Grant ficou em silêncio um longo tempo. Liz sabia que era obser­vada enquanto preparava o café, mas seu coração recusava-se a admitir que aqueles olhos pudessem vê-la como uma pessoa amada. Quando ficaram frente a frente, Liz sentiu que chegara o momento de alguma coisa acontecer.

— Eu fiz uma enorme confusão e acho que acabei estragando tudo, não é? — Grant falou pausada e serenamente.

— Toda tempestade sempre estraga as coisas em sua passagem, mas, depois que termina, há muito pouco que não possa ser reparado!

— Você diria que ainda há algo a ser salvo?

— Isso depende inteiramente, de você, Grant.

Inesperadamente, Grant levantou-se e foi até a janela.   Ficou observando a escuridão lá fora, como se estivesse tomando coragem para dizer o que tinha em mente.  

— O maior erro de minha vida foi atirar fora uma gema preciosa, trocando-a por um falso diamante, com um falso brilho. — Liz sentia que havia uma luta dentro de Grant, que para ele não era fácil dizer aquelas coisas. — Agora, eu daria qualquer coisa para possuir nova­mente aquela jóia que descuidadamente joguei fora, mas não se pode voltar atrás e corrigir os próprios enganos.

— Nós já voltamos ao passado, Grant. — Ela chegou perto dele. O desejo de tocá-lo era tão intenso que teve de conter-se para não se atirar naqueles braços.   O pequeno fio de esperança em seu coração transformava-se agora numa chama intensa, que ela não conseguia mais ignorar. — Nós estamos aqui como antes, como no passado, Grant. . . Só os dois. Se você quiser, podemos tentar reco­meçar.

— Não sei se é isso que desejo, Liz. — Ele virou-se para olhá-la com uma expressão tão torturada e aflita que Liz sentiu vontade de confortá-lo de alguma forma. — Pela primeira vez em minha vida, meu egoísmo permite que eu considere os desejos de outra pessoa antes dos meus próprios! Esta é a única razão pela qual eu não vim antes para Pietersburg, pois sabia que você não queria me encontrar.

Uma sensação de agradável calor tomou conta de Liz. À maneira dele. Grant dizia que gostava dela, mas a barreira invisível continuava existindo entre os dois.

— Fale-me a respeito de Myra. — Ela foi direto ao centro do problema.

— Eu devia estar louco, mas o fato é que durante seis anos Myra leve um poder total sobre mim. Depois do acidente eu me sentia amargurado e revoltado contra toda a raça humana até que você apareceu e me fez recuperar o gosto pela vida. Pensei que tivesse superado minha submissão a Myra, porém, quando a vi naquele restaurante, soube que não era verdade. Eu estava preso mais uma vez e não parecia haver nada que pudesse fazer!   Porém isso só durou até Myra vir ter comigo um dia, depois que você partiu. Naquele dia eu a olhei e a vi como Myra realmente era: muita beleza física, mas não possui mais nada que eu admire. Descobri que já não sentia nada por ela! Oh, Liz, fiquei quase louco! Era como acordar de um pesadelo para cair em outro! Foi só ai que percebi a verdadeira dimensão do que eu tinha feito. Eu queria você, desejava você, Seu calor, sua suavidade, sua alma tão doce...Mas era eu justamente quem a tinha mandado embora da maneira mais brutal possível!

— Você podia ler me procurado, Grant.

— Não depois da conversa que tive com Stacy pelo telefone. — Seus olhos brilhavam, emitindo uma grande culpa. — Nunca me perdoarei por ser o responsável pela perda do neném, Liz, Stacy me contou o que aconteceu, e disse que você nunca mais queria me ver, que tinha proibido que dissessem meu nome!

— Eu estava machucada e imaginava que o odiava, mas. . -hesitou um momento, lembrando-se daqueles dias horríveis — não durou muito, Grant.

— Falei com Stacy há um mês atrás e ela mais uma vez me disse que você não queria me ver. — Grant passou a mão nos cabelos, num gesto aflito, como se uma grande dor o destruísse internamente. — Acho que depois disso eu acabei perdendo completamente a noção das coisas, fiquei meio louco.

— Grant. . . — Ela não podia mais ver a tortura no rosto dele e, tomando-lhe as mãos, murmurou: — Eu nunca deixei de amá-lo.

Grant beijou-lhe as mãos com enorme suavidade e, quando a encarou, para grande surpresa dela tinha os olhos marejados de lágrimas.

— Será que você poderá me perdoar? — ele perguntou, corri suavidade, quase num sussurro.

—   Eu já o perdoei há muito tempo.

— Nunca me atrevi a esperar mais que o seu perdão, Liz!

— Se você também me quer, Grant, tudo que tem a fazer é dizer.

— Sim,   eu quero   você,   Liz, eu   quero   muito...   —   Eles   se abraçaram com um calor e uma urgência que só os torturantes meses de separação podiam explicar. Beijaram-se intensamente até que Grant afastou um pouco a cabeça e falou: — Eu nunca soube como a queria até você   partir...   Olhava   naqueles espelhos e me sentia infeliz porque eles não refletiam mais sua imagem...   Eu me via refletido e sentia raiva de mim mesmo e. . .

— Grant — ela interrompeu-o —, não diga mais nada!

Eles se beijaram novamente com enorme paixão, agora sem que nenhum fantasma os assustasse. Grant apertou-a mais, como se quisesse transformar seus corpos num só. .Liz só conseguia pensar que o longo pesadelo havia terminado.

— Eu   a amo,   Liz — ele disse, quando suas bocas afinal se

separaram. — Eu a amo mais do que a própria vida, e isto é algo que jamais pensei que fosse dizer para uma mulher!

Aquelas palavras esperadas por tantos anos tinham o poder de apagar as sombras dos sofrimentos, de curar todas as feridas que porventura ainda existissem na alma de Liz.

— Oh, Grant, eu pensei que nunca fosse ouvir isso!

—   Prometo que passarei o resto da vida provando o quanto eu a amo! Preciso de você. Liz, demais.

— Oh, Grant...   desculpe-me por chorar, mas é que estou tão feliz...

Mais tarde, naquela noite, quando descansavam nos braços um do outro, deitados na cama, Grant disse:

— Quando Joe e Alan sugeriram que eu viesse para cá, rejeitei a idéia. Depois achei que poderia ser bom e, no fundo, tinha uma vaga esperança de que o destino me faria encontrá-la aqui.

— E acabou me encontrando e não pareceu muito satisfeito!

— Fiquei completamente assustado, sem saber o que fazer. Tinha medo de acabar dizendo algo que a fizesse me abandonar mais uma vez! — Grant puxou-a mais para perto, fazendo com que sentisse o calor do corpo dele, que a aquecia sob o lençol. — De quem foi a idéia?

— Minha — Liz confessou. — Joe veio falar comigo, pois estava preocupado, e quando disse que você nunca tinha pedido o divórcio então. . . então eu achei que ainda havia alguma esperança.

— Eu fui tão tolo e idiota! Não sei como você pode me desculpar depois de. . .

— Eu o amo, Grant. Sempre o amei e vou amá-lo. Só isso!

Começaram a se beijar e acariciar mais uma vez, e Liz se perdeu na magia daquele mundo fantástico para o qual somente Grant podia transportá-la. E!a estava viva novamente, Grant a desejava como esposa e mulher.

 

Liz estava no terraço, olhando o jardim, que floria com energia no fim daquela tarde de verão. Tinham comprado aquela casa logo depois que voltaram .para Johannesburg e, após alguns meses de reformas e amimações, ela eslava transformada num lindo lar, tranquilo e aconchegante.

Liz estava um pouco melancólica,-pois desejava que Grant voltasse logo para casa. embora soubesse que era dia dele ficar até mais tarde no hospital. Pouco depois das nove horas, estava tomando uma ducha quando ouviu o barulho ao carro de Grant estacionando na garagem. Logo ele se encontrava no quarto, já com a camisa desabo­toada.

— Você parece ter tido um dia duro — ela comentou, depois de beijá-lo com carinho e sentar na grande cama de casal, ao lado dele.

— É, trabalhei muito. E seu dia como foi? — Grant fazia-lhe suaves carícias   na nuca.

— Foi tranquilo — ela começou a dizer com ar normal. - Sai para fazer umas compras, à tarde cuidei da casa e fui me consultar com aquele médico.

— E? — Ele abraçou-se a ela e, com um gesto carinhoso, fez com que Liz se deitasse ao lado dele. Todo o cansaço parecia haver sumido e agora seus olhos brilhavam. — Você está grávida?

— Para um homem que é médico, você tem sido meio apressado, não é, Grant? — ela zombou. — Como é que se sente ante a idéia de ser papai?

— Acho maravilhoso, Liz!

— Grant... — Havia algo tão sensual na maneira como ele lhe beijava os dedos que Liz sabia que, se quisesse falar alguma coisa, teria que fazê-lo antes que fosse tarde demais. — Eu me encontrei com Alan Bishop quando voltava do centro médico esta tarde, e ele me disse que Myra está de volta a Johannesburg.

— Eu sei — Grant replicou, enquanto se debruçava sobre ela. — Nós nos encontramos rapidamente hoje à tarde.

— E...? — Liz prendeu a respiração, involuntariamente.

— E nada! — Ele sorriu. — Ela tentou me convencer de que o que existia entre nós era algo muito especial, que tinha de ser recupe­rado mas, pela primeira vez. não deu certo. Ela é uma mulher linda, mas tenho tudo que desejo exatamente aqui em meus braços. Você é mais preciosa para mim do que qualquer outra pessoa no mundo. Liz! — Ele enxugou com o dedo uma pequena lágrima que descia pelo rosto de Liz. — Por que você está chorando?

— Por que estou imensamente feliz.

— Garota tola — ele brincou. — Será que agora acredita que eu a amo?                                          

— Sim, eu sei que você me ama mas. . . quando soube que Myra tinha voltado, não pude deixar de sentir um pouco de medo.

— Você nunca mais sentirá-isso, não é? — ele perguntou, com a boca quase colada à dela..            

— Não, nunca mais terei medo de perdê-lo, querido — ela sus­surrou, seus lábios pedindo e aceitando os de Grant.

Agora não era mais preciso temer Myra. Não que ainda tivesse dúvidas a respeito do amor de Grant, mas aquele sentimento até então a perseguira, por mais que achasse que não fazia sentido. A partir daquele momento, porém, o passado estava definitivamente afas­tado de suas vidas, e o futuro prometia compensar todos os sofri­mentos que envolvem o nascimento de um grande amor.

 

                                                                                Yvonne Whittal  

 

                      

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