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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O HOMEM QUE ESPALHOU O DESERTO / Loyola Brandão
O HOMEM QUE ESPALHOU O DESERTO / Loyola Brandão

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O HOMEM QUE ESPALHOU O DESERTO

 

Quando menino, gostava de apanhar a tesoura da mãe e ia para o quintal.

Ficava horas distraído, podando as folhas das árvores, plec-plec plec-plec.

 

Era um quintal desses antigos, enormes. Havia mangueiras, abacateiros, laranjeiras, ameixeiras, pés de chuchu e caiu e até jabuticabeiras. E o menino passava o dia cortando folhas, plec-plec-plec-plec.

 

A mãe ficava feliz. Assim, o seu menino estava sempre à vista, não ia para a rua, ela não precisava se preocupar, com o coração na mão. Pensar que o filho estaria brincando no rio, ou nas ruas cheias de carros, nos trilhos do trem, roubando frutas dos pomares. No quintal, vantagem: não havia más companhias. Sempre que o menino apanhava um brinquedo e ia para o portão, ela corria com a tesoura: “Tome, filhinho. Venha brincar com suas folhas.”

 

Ele ia para o fundo.

E cortava, cortava, plec-plec-plec-plec.

As árvores levavam vantagem, porque eram imensas e o menino pequeno.

O trabalho dele rendia pouco. Apesar do dia-a-dia constante, de manhã à noite, plec-plec-plec-plec.

 

Mas o menino cresceu.

Ganhou tesouras maiores, facões, serrotes. Agora, mais do que gostava. Era uma fúria, determinação. Precisava acabar com todas as folhas. “Meu quintal fica tão limpo”, dizia o pai.

 

Dominado por estranhos impulsos, ele não queria saber de nada. Não ia ao cinema, à praça, ao clube, a bailes, não praticava esporte algum. Não tinha amoradas e amigos.

Vivia para as tesouras. Dos mais diversos tipos.

À noite, com a pedra de amolar, afiava bem os cortes, polia. Preparando-se para as tarefas do dia seguinte. Em noites de luar, deixava a janela aberta e dormia olhando as tesouras a brilhar.

 

A mãe, sempre contente. Apesar do filho detestar a escola e ir mal nas letras.

 

E ele crescia. Quieto, comportado, obediente. Não saía de casa, de modo que não voltava tarde. Não fumava, não bebia, não dançava, não ficava trocando figurinhas e fazendo negócios estranhos. Não freqüentava ruas suspeitas, onde mulheres pintadas com exagero, se mostravam nas portas e janelas, chamando os incautos.

 

O único prazer do rapaz continuava a ser as tesouras e o corte das folhas, plec-plec-plec-plec.

 

Só que ele cresceu e as árvores começaram a perder. Ele demorou apenas uma semana para limpar a jabuticabeira.

 

Quinze dias para a mangueira menor. Vinte e oito para a maior.

 

Que trabalho deu o abacateiro. Imenso, copado, tinha mais de noventa anos.

Quarenta dias de tesouradas.

 

Seis meses depois, quando ele pensou ter concluído, viu que a jabuticabeira tinha folhas novas.

Era preciso recomeçar.

 

O desbastamento das árvores tinha afugentado insetos, cigarras, pássaros. Destruído ninhos. Certa noite, o rapaz regressou pensativo do quintal silencioso. Percebeu que de nada adiantava ficar podando folhas.

 

A natureza mostrava sempre capacidade de reviver. Parecia morta, e brotava.

 

Alguns meses, e ele encontrou a solução: UM MACHADO.

 

No dia seguinte, bem cedo, que não era de perder tempo, começou a derrubada pelo abacateiro. Custou dez dias, porque não estava habituado, as mãos calejavam, sangravam, doíam.

 

Adquirida a prática, limpou o quintal e descansou aliviado.

 

Mas, insatisfeito, sentindo-se vazio, não tendo mais o que fazer, senão olhar aquela desolação, o rapaz saiu pela cidade.

De machado em punho.

 

E onde encontrava uma árvore, arbusto, capão de mato, bosque, capoeira, limpava. Deixando os montes de lenha arrumadinhos, para quem quisesse se servir. Havia muita gente que adorava o rapaz do machado.

 

Os donos dos terrenos não se importavam. Incentivavam. Estavam a ponto de vendê-los para imobiliárias que pretendiam construir edifícios, conjuntos, fábricas, e queriam tudo “limpo” mesmo.

 

E o rapaz, quase homem já, descobriu que podia ganhar a vida com seu instrumento. Onde quer que precisassem derrubar árvores, ele era chamado. Estava sempre pronto, com alegria.

 

Não parava. Precisou contratar uma secretária, depois, auxiliares. Montou um escritório.

Organizou uma companhia derrubadora. Alugou depósitos para guardar os machados, moto-serras, correntões, tratores. Construiu alojamentos para os operários devastadores. Importou maquinário estrangeiro.

 

Mandou funcionários fazerem cursos nos Estados Unidos e Europa.

Voltaram peritos de primeira linha.

E derrubavam.

 

Foram do sul ao norte. Não deixando nada em pé. Satisfeitos, orgulhosos de limparem o terreno para fazendas, garimpos, indústrias químicas, mineradoras, estradas, barragens. Nenhuma folha deve restar, para o progresso chegar, anunciavam.

 

E o rapaz, homem mais que feito, casado, muito rico, se assustou.

O país era uma terra calcinada, seca. Deserto puro. Onde continuar a cortar, para ganhar mais e mais.

 

Finalmente, o governo, para remediar, mandou buscar em Israel técnicos especializados: Homens peritos que tinham tornado férteis as terras do deserto. Os homens vieram, estudaram, planejaram, começaram o longo e lento replantio. Em alguns anos, as árvores estariam de volta.

 

E enquanto as árvores eram replantadas, o homem do machado ensinava ao filho a sua profissão.

 

                                                                                Ignácio de Loyola Brandão  

 

                      

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