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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O NOIVO DISSE TALVEZ! / Sandra Marton
O NOIVO DISSE TALVEZ! / Sandra Marton

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

                                   CAPITULO UM

David Chambers sentou-se em um dos últimos bancos na pequena igreja em Connecticut e mostrou-se interessado na farsa que se desenrolava no altar.

Tinha a impressão de não estar desempenhando bem seu papel, mas, enfim, como poderia?

Ora, que desatino cometiam!

A noiva deslumbrante, o noivo nervoso. A profusão de flores que fazia a igreja parecer um funeral, a música melosa, o pastor despejando todas aquelas baboseiras sobre amor, honra e companheirismo...

David franziu o cenho e cruzou os braços. Era como se assistisse ao segundo ato de uma comédia previsível, cujo final, o divórcio, ainda viria a ser encenado.

 

 

 

 

- Dawn e Nicholas, hoje vocês iniciam a maior aventura de suas vidas... - dizia o pastor, a voz desprovida de emoção.

Ao lado de David, uma mulher de cabelos pretos alvoroçados mantinha uma das mãos sobre o braço do marido e com a outra segurava um lenço. Chorava baixinho e parecia estar muito emocionada.

David estreitou o olhar. Outras mulheres soluçavam também, incluindo a mãe da noiva, que com certeza devia estar mais imune a esse sentimentalismo passageiro.

Qualquer ser humano com mais de trinta anos devia comportar-se de acordo, pensou, especialmente os divorciados, e eles compareciam em grande número. Se fossem convocados a levantar-se, formariam um grupo consistente.

- Nicholas, você aceita Dawn como sua legítima esposa? - indagou o pastor.

A mulher que estava ao lado de David soluçou mais forte.

Ele lançou-lhe um olhar. As lágrimas rolavam soltas, mas a maquiagem estava intacta. Era espantoso como as mulheres vinham preparadas para esses eventos. A maquiagem não borrava, o lenço de renda... nunca se via uma mulher com lenço, exceto em casamentos e funerais.

- Na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza... David remexeu-se no lugar e procurou pensar em outras coisas. Quanto tempo faltava ainda? Passara à semana em aviões, de Washington a Laramie, de Laramie a Londres, de Londres a Washington outra vez e, então, Hartford. Sentia irritação nos olhos e dor nas pernas, graças à hora e meia que suportara a espera do avião para Connecticut. Além disso, aquele banco estreito de madeira não ajudava em nada.

A igreja fora construída em 1720, informara-lhe à entrada uma senhora de cabelos brancos que parecia ter saído de uma pintura de Norman Rockwell.

David, suspeitando que dois séculos e meio de história traduziam-se naqueles bancos estreitos e muito juntos, esboçara um sorriso simpático.

- É mesmo? - retrucara.

O sorriso não saíra com efeito e a senhora idosa lançara-lhe um olhar avaliador, reparando na altura, no rabo-de-cavalo e nas botas com chapinhas. Finalmente encarara-o e confirmara: - Isso mesmo - num tom que deixava claro o que ela achava de um habitante do Oeste invadindo seu canto intocado na Nova Inglaterra.

Raios.

Talvez ela estivesse com a razão. Talvez não devesse ter comparecido ao casamento. Estava cansado demais, cínico demais, velho demais para fingir que testemunhava um milagre do amor quando, na verdade, os dois jovens no altar tinham tanta chance de sucesso quanto um pingüim de ir à lua.

A noiva ergueu o olhar emocionado ao noivo. O sorriso trêmulo, cheio de promessas. Votos...

Nesse exato momento, David pensou nas três maiores mentiras da humanidade. Qualquer um as conhecia.

Envio o cheque pelo correio.

Claro que vou respeitar você pela manhã.

Confie em mim.

Em resumo, o casamento era uma piada.

Bang!

O que foi isso?

David endireitou-se e olhou para trás. Alguém entrara na igreja e o vento acabara empurrando a porta contra a parede.

A mulher permaneceu contra a luz. Os convidados agitaram-se.

- Quem é? - indagou a senhora chorosa ao marido.

- Por que ela não se senta? Por que alguém não vai fechar a porta?

David suspirou, levantou-se e foi até o fim do corredor. Seria sua boa ação do dia.

Ao chegar, Annie cumprimentara-o com um beijo, sussurrando que escolhera uma amiga muito especial para fazer-lhe companhia na festa.

- Não é para se divertir por aí com ela, David - avisara reprovadora. - Ela se chama Stephanie Willingham e é viúva. Seja gentil, ouviu?

Bem, por que não? Ele não se entendera bem com a primeira velhinha lá fora, mas se redimiria sendo gentil com a viúva Willingham, talvez até dançasse uma valsa com ela e, então, daria o fora. Poderia ligar para Jéssica ou Helena antes de voltar para a capital. Por outro lado, poderia voltar logo para casa. Tinha vários apontamentos para ler até o dia seguinte.

A mulher que causara toda a comoção expressou agradecimento. Já a vira uma ou duas vezes. Era a tia da noiva. Sendo modelo, devia estar habituada a entradas teatrais.

David fechou a porta, voltou-se... e viu a mulher mais linda do mundo.

Ela se acomodara no último banco, como ele; mas do outro lado da igreja. Tinha o rosto triangular, quase felino em sua delicadeza, com maçãs altas e pronunciadas. Os olhos eram castanhos, o nariz, reto e clássico. A boca macia e rubra parecia fonte de infinito prazer. O cabelo, castanho-escuro, estava preso em um coque simples, sem adereços.

David logo imaginou como seria retirar os grampos que mantinham aquelas mechas sedosas e enterrar as mãos entre os fios longos. .

A imagem despretensiosa bastou para deixá-lo excitado. Naquele instante, a desconhecida o encarou.

Com um olhar preciso e frio, parecia avaliá-lo, despi-lo de seu traje feito sob medida, dissecar-lhe a mente.

Bolas, pensou, será que aquela mulher sabia o que estava acontecendo com ele? Impossível. Seu corpo se comportava como se tivesse vontade própria, mas não havia como ela saber...

Mas ela sabia, mesmo que não deixasse de encara -Io com altivez, nada mais explicaria o rubor repentino em seu rosto bonito, nem a indignação que expressou pouco antes de concentrar-se no altar novamente.

Por um momento que pareceu uma eternidade, David permaneceu paralisado. Não acreditava ter tido uma reação tão estúpida à simples visão de uma estranha. Não se lembrava de mulher alguma olhando -o com tanto desdém.

O desejo primitivo dava margem ao ódio primitivo na mesma proporção.

Imaginou-se caminhando para onde a bela mulher estava sentada. Imaginou-se ocupando o lugar vazio a seu lado e dizendo-lhe que estava certa: só olhar para ela já o deixava com vontade de leva-Ia para a cama.

Mas as regras da sociedade civilizada prevaleceram. Respirou fundo e tratou de prestar atenção ao que se passava no altar, porque era, afinal de contas, um homem civilizado.

Quando os noivos caminhassem para a saída, já teria esquecido a tal mulher...

 

Diante do espelho no banheiro feminino do clube de campo, Stephanie Willingham contemplou o próprio reflexo.

Não parecia uma mulher que acabara de se fazer de tola. Deveria sentir-se grata ao menos por isso.

Respirou fundo e, então, expirou devagar.

Quanto tempo mais até poder retirar-se da festa?

Muito tempo, pensou, respondendo à própria pergunta. Se permanecesse escondida do banheiro e, depois, saísse sem se despedir, chamaria a atenção. As perguntas seriam inevitáveis e não teria respostas.

Não teria nenhuma.

O modo como aquele homem a olhara na igreja já fora bastante ruim. Aqueles olhos azuis frios, desnudando-a...

Stephanie ergueu o queixo. Desprezível era a única palavra que se aplicava.

Mas sua reação fora ainda pior. Adivinhara o que se passava na mente dele, mas não havia como explicar ou desculpar seu rubor

Só com a lembrança, voltou a ruborizar.

O que está acontecendo com você, Stephanie? censurou o reflexo no espelho.

O homem era atraente. Bonito, másculo... para quem apreciava o tipo. Meticuloso com a imagem, mas agressivamente masculino, com o cabelo amarrado em rabo-de-cavalo. O terno de bom corte valorizava o corpo musculoso. As botas... Botas, minha nossa!

Era Clint Eastwood cavalgando por Connecticut, pensou, e teria rido se a ocasião fosse outra. No entanto, era como se alguém houvesse acendido uma fogueira em seu ser, as chamam ameaçando consumi-Ia.

Mas era tudo bobagem!

Não suportava os homens, não queria nunca mais ter nada com nenhum deles. Não entendia por que reagira daquela forma, especialmente quando a expressão dele logo denunciou o que tinha em mente.

Cansaço era a resposta, após o vôo noturno de Atlanta. Já havia começado mal a semana, primeiro, discutindo com Clare, depois, comparecendo à audiência com o juiz Parker e, finalmente, consultando desanimada o próprio advogado. E sempre disfarçando o pânico, pois isso só daria mais munição a Clare.

Stephanie suspirou. Nunca deveria ter se deixado convencer a comparecer ao casamento. Casamentos não eram sua matéria preferida. Não acalentava nenhuma ilusão sobre essa instituição, nunca acalentara, nem mesmo antes de se casar com Avery, embora desejasse o melhor para Dawn e Nicholas. Com certeza, tentara desculpar-se para não vir ao casamento. Assim que o convite chegara, telefonara a Annie, expressara sua alegria pelo enlace, desculpara-se, mas a amiga se antecipara.

- Não me venha com essas maneirices sulistas! Oh, você tem de vir, Steffie. Afinal, foi você quem apresentou Dawn e Nicholas. Vamos ficar todos desolados se não vier.

Stephanie sorriu, levou a mão ao penteado e ajeitou algumas mechas mais rebeldes. Annie fora generosa, para não dizer exagerada. Não apresentara realmente os noivos. Voltava de carro de Cape Cod, onde passara uma semana sozinha, longe dos veranistas, caminhando pela praia, pensando na vida, quando um pneu furara bem na divisa entre Connecticut e Massachusetts, em um dia de chuva.

Permanecera no acostamento, ensopada e enregelada, sentindo-se miserável, quando Dawn parara o carro oferecendo ajuda. Nick chegara em seguida em seu próprio carro e fizera questão de se ajoelhar na lama para trocar o pneu furado, visivelmente impressionado com Dawn. Annie chegou bem na hora em que Nick completava o serviço. Ela desceu do carro, todos se apresentaram formalmente e começaram a rir no meio da chuva. Annie convidou todos para saborear um chocolate quente em sua casa.

Stephanie deixou de sorrir. Avery jamais entenderia como uma amizade podia surgir de uma série de coincidências, mas ele nunca entendera mesmo nada sobre ela, desde o dia em que se casaram até o dia de sua morte...

- Sra. Willingham?

Stephanié piscou e olhou pelo espelho. A noiva, maravilhosa em seu vestido branco de renda e cetim, sorria-lhe da porta. - Dawn... - Stephanie voltou-se e foi abraçá-la. - Parabéns, querida. Ou deveria dizer boa sorte? - Sorriu. - Nunca sei o que dizer nessas ocasiões.

Dawn sorriu e foi até o espelho.

- Acho que vou mesmo precisar de sorte.

- Você já tem toda a sorte do mundo - afirmou Stephanie.

- Aquele rapaz bonito parece que... Dawn? Você está bem?

Dawn assentiu.

- Ótima - respondeu, incerta. - Eu não sei... Esperei tanto por este dia e quando ele finalmente chegou... - Respirou fundo. - Sra. Willingham?

- Stephanie, por favor. Ou me sentirei ainda mais velha do que sou.

- Stephanie. Sei que não deveria perguntar, mas... mas... Você se sentiu... bem, um pouco nervosa no dia de seu casamento?

Stephanie olhou para a garota - Nervosa?

- Sim. Você sabe. Meio irritadiça.

- Nervosa - repetiu Stephanie, fixando um sorriso nos lábios.- Bem, eu não... eu não me lembro...

- Não assustada - explicou Dawn. - Não nesse sentido. Só... preocupada.

- Preocupada - reavaliou Stephanie, esforçando-se para manter o sorriso.

- É. - Dawn umedeceu os lábios. - Preocupada com o fato de talvez não se sentir sempre tão feliz, quanto no dia do casamento, sabe?

Stephanie recostou-se na pia. -Bem...

- Oh, Stephanie, desculpe-me! Que coisa mais idiota para se perguntar...

- Não. Em absoluto. Só estou tentando pensar... no que dizer a você -- protelou Stephanie.

Não ficara nervosa no lha de seu casamento com Avery, nem mesmo assustada. Apavorada era o termo mais exato, desesperada e quase histérica de medo... mas, claro, nunca poderia dizer isso a essa noiva inocente, nunca poderia dizer isso a ninguém. Estava mesmo com os nervos à flor da pele.

Stephanie sorriu animada.

- Você entende, foi há muito tempo... Sete anos, sabe? Dawn agarrou-lhe as mãos.

- Desculpe-me, por favor. Estou tão perdida em meus próprios problemas hoje que esqueci de que o sr. Willingham... que ele... que você ficou viúva. Não queria que se lembrasse de sua perda.

- Não, realmente, está tudo bem. Eu não...

- Sou tão idiota! Vou falando sem pensar, quero dizer. É o meu gênio. Até Nicky fala isso. Às vezes, falo algo sem pensar e acabo colocando a, mim, e a todo mundo em situações embaraçosas! Oh, lamento tanto, Stephanie! Pode me perdoar?

- Não há nada a perdoar - observou Stephanie, gentil, e sorriu para a garota.

- Tem certeza?

- Absoluta.

- Não admira estar tão triste quando eu cheguei. Deve ter sido terrível perder o homem que amava.

Stephanie hesitou.

- Não foi fácil - concordou, após um segundo.

- Posso imaginar. Ora, se algo acontecer a Nicky... se algo nos separar... - Os olhos de Dawn ficaram brilhantes. Ela riu, voltou-se para o espelho, tirou uma toalha de papel e enxugou as lágrimas. - Olhe para mim! Estou me tornando a pessoa mais piegas do mundo!

- É compreensível - observou Stephanie. - Hoje é um dia muito especial para você.

- Sim. - Dawn soou o nariz. - Sinto-me em uma montanha-russa. Ora em cima, ora embaixo. - Sorriu confiante. Obrigada, Stephanie.

- Por quê?

- Por ter me ouvido. Suponho que todas as noivas sejam difíceis de aturar no dia do casamento.

Stephanie deu um sorriso encorajador. - Se tem certeza de que está bem...

- Estou ótima.

- Quer que eu procure a sua mãe e peça para que venha aqui?

- Não, não faça isso. Mamãe já está tendo muito trabalho. Mas vá para a festa e divirta-se. Já pegou o seu cartão de mesa?

Stephanie parou junto à porta e balançou a cabeça. -Não.

Dawn sorriu.

- Se bem me lembro, mamãe e eu a colocamos numa mesa de arrasar.

Varreu os cartões brancos com o olhar, encontrou um com seu nome e pegou-o. Mesa sete. Seria um bom presságio? Entrou no salão esperando que a mesa ficasse longe dos músicos, pois não queria ficar com dor de cabeça.

Stephanie andou por entre as mesas, verificando a numeração. Quatro, Cinco.,. Sim, a mesa sete definitivamente ficava bem longe dos músicos, talvez em respeito ao velho "tio" David. Não que fosse importante. Não dançava havia anos e não sentia a menor falta do exercício. Só esperava que o "tio" David não se aborrecesse ao perceber que ela era uma péssima companheira de mesa.

Mesa sete. Lá estava, quase rio canto. Alguns convidados já estavam acomodados, dois casais, aparentemente. Somente o "tio" David não chegara ainda.

Os casais olharam-na com simpatia quando se aproximou e colocou seu cartão à frente de um lugar vago.

- Olá! - saudou uma das mulheres sentadas, e olhou por sobre o ombro de Stephanie. - Olá para você também!

- Que mundo pequeno... - ironizou lima profunda voz masculina.

Arrepiada, Stephanie voltou-se devagar. Era o homem que a perturbara na igreja. Devia ter quase um metro e noventa de altura, um rosto anguloso e olhos muito azuis. Clint Eastwood, comparou, afogueada.

Ele pousou seu cartão diante do lugar à mesa vago a seu lado. Stephanie ergueu o olhar.

- Você é o "tio" David? - indagou, com voz trêmula. Lembrou-se do modo como ele a fitara da primeira vez. Haviam desaparecido o olhar ardente e o sorriso insolente... Sua expressão era muito fria agora.

- Viúva Willingham? - Ele sorriu de leve ao puxar a cadeira para Stephanie. - Esta festa promete...

 

                                             CAPÍTULO DOIS

Stephanie sentou-se.

O que mais podia fazer? Todos à mesa os observavam, curiosos.

David Chambers sentou~se a seu lado. Suas pernas roçaram-se enquanto ele se acomodava. Disfarçadamente, movimentou a cadeira a fim de ficar o mais longe possível dele.

Ele inclinou-se em sua direção.

- Eu não tenho doença transmissível, sra. Willingham - disse, asperamente. - E não mordo, a menos que seja provocado.

Ela sentiu o rosto queimar. Ele falara em tom baixíssimo.

Os demais à mesa não conseguiram ouvir nada, apesar de se inclinarem para a frente, curiosos.

"Diga alguma coisa", ordenou Stephanie a si mesma. Mas não podia. A língua parecia grudada no céu da boca.

Pigarreou, umedeceu os lábios... Felizmente, o som foi ligado e a música abafou todas as conversas.

Os convidados à mesa sete procuraram descontrair-se.

- Esses rapazes precisam de um equipamento melhor comentou o homem de óculos. Erguendo-se um pouco, estendeu a mão a David. - Mas essa não é a minha especialidade. Oi, prazer em conhecê-Ios. Sou Jeff Blum. E esta é minha esposa, Roberta.

- Podem me chamar de Bobbi - declarou a morena, batendo os cílios para David.

O outro casal também se apresentou. Pareciam pessoas muito urbanas e tinham nomes que David sempre associara a tipos puritanos.

- Hayden Crowder - informou o homem, estendendo a mão fria e sem vida.

- E eu sou Honória - apresentou-se a esposa. - E vocês são...

- David Chambers - adiantou-se David.

Stephanie permanecia em silêncio. Ele olhou-a mais brando.

Talvez estivesse superestimando a reação dela ao primeiro olhar dele, na igreja.

Na verdade, quando analisava melhor, percebia que nada acontecera. Nada de que pudesse se culpar, ou a ela. Um homem olhava para uma mulher e, às vezes, dava-se uma reação química. Nada mais. Olhando agora para a viúva Willingham, não sabia por que seus hormônios haviam lhe escapado ao controle. Ela era bonita, mas havia pelo menos uma dúzia de mulheres bonitas no salão. Era hora de impor o cérebro ao corpo e mostrar civilidade à mesa.

- E esta é... - anunciou, agradavelmente.

- Stephanie Willingham, sra. Avery Willingham - cortou Stephanie. - E posso assegurar-Ihes que não estou aqui com o sr. Chambers, nem escolhi estar.

Bobbi Blum olhou para o marido. Hayden Crowder olhou para a esposa. Os quatro olharam para Stephailie, que tentava não olhar para nenhum deles.

Ai! Ai!

O que dera nela? Que coisa mais estúpida de se dizer, especialmente após o homem ter demonstrado que possuía alguma educação.

- Não diga - comentou Bobbi Blum, com um sorriso. Recostou-se quando o garçom serviu-Ihes taças de champanhe. - Bem, isso é, com certeza, muito interessante.

Honória Crowder sorriu animada.

- Champanhe - identificou. - Não é maravilhoso? Eu sempre digo que só se deve servir champanhe em casamentos, não é, Hayden?

Hayden Crowder engoliu em seco. Stephanie viu seu pomode-adão subir e descer pelo pescoço fino e comprido.

- Sempre, querida.

- Oh, eu concordo. - Jeff Blum, ansioso para se integrar ao grupo, assentiu vigorosamente. - Também digo isso sempre, não é, Bobbi? .

Bobbi Blum sorriu perplexa para o marido. - Sempre diz o quê, querido?

_ Que champanhe é... é o que a sra. Crowder disse que era. - Podem me chamar de Honória - declarou ela.

O silêncio tomou conta da mesa novamente.

Stephanie mantinha os dedos entrelaçados no colo. Todos tinham falado alguma coisa na tentativa de aliviar a tensão. Todos menos David Chambers.

Stephanie ,sentia o peso do olhar dele. Por que ele não dizia alguma coisa1 Por que ela não dizia alguma coisa? Algo espirituoso, para descontrair. Algo inteligente, para transformar a asserção infeliz em brincadeira.

Quando os músicos começariam a trabalhar, afinal?

Como que atendendo à súplica, o trompetista levantou-se e executou uma chamada.

- E agora vamos receber Dawn e Nicholas! - anunciou o líder da banda·

Os Crowder e os Blum olharam para a pista de dança, curiosos.

Stephanie respirou aliviada. Talvez a atenção de David Chambers estivesse voltada para os noivos também. Pegou sua pequena carteira de seda lilás e, cuidadosamente, afastou a cadeira. Era a hora perfeita para uma nova retirada estratégica para o banheiro.

- Já indo sra. Willingham?

Stephanie paralisou-se. Então, com o máximo de dignidade, voltou-se para David Chambers. A expressão dele era educada e cortês, a representação da civilidade... exceto para quem estivesse próximo o bastante para ver-lhe a sutil ironia no olhar.

Impunha-se uma trégua, em respeito aos noivos que entravam. - Sr. Chambers, suponho... que o que disse antes... eu não quis...

Ele sorriu friamente e inclinou-se em sua direção, sem deixar

de encará-Ia um segundo sequer.

- Isso é um pedido de desculpas?

- Uma explicação. - Stephanie endireitou-se na cadeira. - Eu fui rude, não pretendia.

- Ah. O que pretendia então? - Ele ergueu um canto do lábio e achegou-se mais.

Ela sentiu o coração disparar. Por um momento, pensou que ele ia beijá-Ia.

- Eu só quis deixar claro que eu e o senhor não estávamos juntos.

- Conseguiu.

- Tenho certeza de que Annie tinha a melhor das intenções quando nos colocou na mesma mesa, mas...

- Annie?

- Annie Cooper. Com certeza, conhece...

- Você estava sentada no lado do noivo na igreja.

- Eu conheço os dois, sr. Chambers.

- Mas é convidada de Annie.

- Não vejo por que entrarmos nesses detalhes, senhor...

David sentia prazer em atormentar Stephanie.

- Ora, sra. Willingham- provocou, com um sorriso frio.

- Por que escolheu sentar-se, no lado do noivo, afinal?

- O que faz para ganhar a vida, sr. Chambers?

- Não sei o que isso tem a ver com a minha pergunta.

- Por que não responde, simplesmente.

David franziu o cenho. - Eu sou advogado.

- Ah. Bem, suponho que isso explica tudo.

- Explica o quê? - questionou David, estreitando o olhar.

- Sua tendência a interrogar pessoas inocentes.

- Desculpe-me, sra. Willingham. Eu não queria...

- Devo admitir que prefiro isso à sua tendência a despir mulheres com o olhar.

Os músicos executavam canções românticas contemporâneas. As palavras de Stephanie foram abafadas pelos primeiros acordes da segunda música.

Ao mesmo tempo, Honória Ctowder deu um gritinho. Derrubara a champanhe sobre a mesa. - Oh, não, como sou desajeitada! Bobbi Blum pegou um guardanapo. - Deixe-me ajudá-Ia...

"Salva dos respingos", pensou Stephanie. Sorriu ao ver o garçom servir a entrada, coquetel de camarão. A exemplo dos Crowder e dos Blum, levou uma porção à boca, como se mastigando e engolindo pudessem evitar que a situação ficasse ainda mais delicada.

- Eu não tenho essa tendência.

Stephanie olhou, para David e o sorriso que ele tinha nos lábios deixou-a enregelada até os ossos.

- Não tem que tendência? ...indagou Bobbi. E todos apuraram os ouvidos, ansiosos.

- Não tenho a tendência a despir as mulheres com o olhar.

- David lançou um olhar penetrante a Stephanie, que enrubesceu. - Não indiscriminadamente, quero dizer. Uso esse recurso apenas com mulheres bonitas que parecem estar precisando desesperadamente de...

A música ficou mais alta.

Os Crowder e os Blum afastaram as cadeiras e apressaram-se à pista de dança. .

Stephanie permaneceu imóvel, embora pudesse até sentir o sangue correndo nas veias. Pensou em golpear o homem a seu lado, mas não seria justo com Annie, Dawn e Nicholas. Além disso, senhoras não tomavam essas atitudes. A mulher que um dia fora com certeza chegaria a esse extremo. Steffie Horton teria fechado o punho e acertado um soco no queixo de David Chambers.

Estremeceu. Steffie Horton faria exatamente o que Stephanie Willingham estava fazendo a tarde toda. Teria sido, rude e mal-educada. Teria dito o que tinha na cabeça sem pensar. Poderia até ter reagido bem ao olhar insinuante do estranho. Era sua natureza, afinal de contas. Avery errara em muitos assuntos, mas não nesse.

O que lhe acontecia naquele dia? Estava se comportando mal. Mesmo quando David Chambers erguera a bandeirinha de trégua, desprezara a oportunidade de desanuviar o ambiente.

Stephanie respirou fundo e olhou para ele. - Sr. Chambers?

- Sim? -respondeu David, educadamente.

- Não - reconsiderou Stephanie, igualmente educada. - Nada. Ele assentiu.

- Ótimo. Acho que extrapolei um pouco, mas, com sorte, nós nunca mais teremos o desprazer de nos vermos novamente.   Esboçou um sorriso malicioso. - Omito alguma coisa?

- Não, nada. Na verdade, não poderia ter colocado melhor.

David pegou o guardanapo e pousou-o no colo. Stephanie fez o mesmo.

- Bon appétit, sra. Willingham - desejou David, suave.

- Bon appétit, sr. Chambers - respondeu Stephanie, e espetou o garfo em outro camarão.

Ergueram-se brindes, o bolo foi cortado. Os Blum e os Crowwder voltavam à mesa só de vez em quando, para reabastecer o estômago.

- Nós adoramos dançar - comentou Bobbi Blum, saboreando o Boeuf aux Champignons com salada.

- Nós também - afirmou Hayden Crowder, cúmplice da esposa a seu lado. - Ora, nunca ficamos muito tempo sentados, não importa quem esteja à nossa mesa, não é, querida?

- Nunca - confirmou Honória, e levantou-se. - Nunca ficamos sentados, não importa o que aconteça.

David observou, com um leve sorriso, os dois casais deixarem a mesa. Então, colocou o prato de lado, recostou-se na cadeira e cruzou os braços.

- Bem, eles não vão se esquecer deste casamento tão cedo.

Stephanie ergueu o olhar. - Não. Suponho que não.

Junto à pista de dança, os Blum e os Crowder olhavam para a mesa sete como, se esperassem a chegada da polícia ou dos seguranças a qualquer minuto.

David não pôde evitar e riu. Stephanie contraiu os lábios.

- Não é engraçado - censurou... mas então riu também. Ele a olhou. Ela estava levemente ruborizada e tinha um brilho novo no olhar. Parecia mais jovem e, de repente, percebeu que estivera se enganando. Tratava-se, sem dúvida, da mulher mais bonita no salão. Era mais do que bonita. Era maravilhosa.

E, durante a última hora, ele fora hostil. Raios, devia estar louco! Tudo o que fizera desde que a vira era loucura. Devia tê-Ia cercado, perguntado se poderiam ver-se novamente. Devia ter-lhe dito que era a mulher mais bonita que já vira... .

Ainda podia fazer tudo aquilo. Não era tarde demais. Sim; era a melhor idéia que tivera naquele dia.

- Sra. Willingham. Stephanie. Sobre o que aconteceu antes... na igreja, quero dizer.

- Não aconteceu nada - opinou ela.

- Por favor, não vamos brincar de gato e rato. Algo aconteceu. Eu olhei para você, você olhou para mim...

- Sr. Chambers...

- David.

- Sr. Chambers. - Stephanie cruzou os braços. - Ouça, eu sei que isto não é culpa sua. Quero dizer, sei que Annie provavelmente fez este arranjo.

- Provavelmente? - Ele riu. - Claro que ela fez este arranjo. Você não é comprometida, é?

Stephanie assentiu. - Eu sou viúva.

- Ora, bem, eu sou divorciado. Annie viu a lista de convidados, viu o meu nome, viu o seu e pronto. Está no sangue dela, embora não se saiba por que, considerando seu histórico.

Stephanie ruborizou.

- Eu lhe asseguro, sr. Chambers, não tenho desejo de me casar. Nunca mais.

- Um minuto! - David ergueu as mãos. - Um passo de cada vez, sra. Willingham... e, antes que alguém dê um passo, gostaria de assegurar-lhe que prefiro ficar dançando com a sra. Blum pelas próximas três semanas a me casar novamente.

Stephanie tentou não sorrir.

- Não há nada de errado com a sra. Blum.

- Ela dança esmagando o pé do marido, e deve pesar mais do que nós dois juntos - observou David, fazendo-a divertir-se. Focalizou seus lábios. - Tem um lindo sorriso, Stephanie.

- Sr. Chambers ...

- David. Com certeza, já nos insultamos o bastante para usarmos os prenomes.

- David, talvez tenhamos começado com o pé esquerdo, mas...

- A sra. Blum também.

Ela sorriu novamente e ele sentiu um aperto no coração. A viúva tinha mesmo um belo sorriso.

- Vamos esquecer tudo, está bem? - sugeriu Stephanie.

- Eu gostaria muito ... ainda mais por ter sido tudo culpa minha.

- É muito gentil da sua parte, David, mas... bem, eu fui culpada também. Eu... eu reparei no jeito como me olhou na igreja, entende, quando foi fechar a porta e eu pensei... - Ela respirou fundo... - O que estou tentando dizer é que eu não queria ser tão... tão...

- Mal-educada? - sugeriu ele, inocente. - É essa a palavra que está procurando?

Ela sorriu.

- Está forçando a sorte - advertiu. - Colocando palavras em minha boca dessa forma.

- Ah, e eu achando que a viúva Willingham ia pedir desculpas formalmente. A gente tem essa impressão do povo sulista.

- Minha educação é impecável. E como pode ter tanta certeza de que sou do sul?

Ele riu.

- E como pode ter tanta certeza de que sou do sul? Repetiu David, imitando o sotaque dela.

Stephanie tentou não sorrir, mas era impossível.

- Fico contente que se divirta com o meu sotaque, sr. Chambers.

- Juro, sra. Willingham, que não estou rindo de você. Na verdade, gosto do seu jeito. É muito feminino.

- Se está esperando que eu diga que gosto do seu sotaque de Montana, ·sr. Chambers ....

- Montana? - David levou a mão ao coração. - Minha nossa, mulher, sabe como atingir um homem. Eu sou de Wyoming.

-Oh!

- Oh? É tudo o que tem a dizer, depois de me acusar de ser de um Estado onde as vacas estão em uma proporção de três para um em relação aos habitantes? - Ele riu. - Pelo menos, no Wyoming, a proporção é menor.

Stephanie riu, divertida . - Minhas desculpas!

- Desculpas aceitas. E, a propósito, eu não tenho sotaque.

Ela sorriu abertamente. Ele tinha sotaque, sim, e sabia muito bem disso. Sua voz grave e rouca trazia à lembrança imagens de montanhas e espaços abertos, de um lugar onde o céu noturno apresentava estrelas brilhantes e em que as campinas verdes estendiam-se até o horizonte...

- Peguei você! - comemorou ele. Stephanie piscou.

- O quê?

- Você sorriu - acusou David, sorrindo também. - Sorriu de verdade. E eu concordo.

- Concorda com o quê? indagou Stephanie, totalmente confusa.

- Que começamos mal.

Ela refletiu. Parecia confiável, aquele amigo de Annie. Não havia como negar sua boa aparência e senso de humor. Não que estivesse interessada nele.     Mesmo assim, não havia motivo para não ser educada. Agradável, até. Seria apenas um dia em sua vida. Uma tarde. E o que ele lhe fizera? Apenas olhara para ela, mais nada. Estava acostumada a ser olhada, embora não gostasse disso.

Os homens sempre olhavam para ela, mesmo antes de Avery... Além disso, ela não era inocente. Por um segundo, olhara para David e sentira... sentira...

- Stephanie?

Ela levantou o rosto. David observava-a, o olhar obscuro e intenso.

- Que tal recomeçarmos do zero?

Estendeu-lhe a mão. Stephanie hesitou. Então, cortês, ergueu a mão e selou o entendimento.

- Assim é que se faz - comentou ele, suave.

David apertou os dedos em torno dos dela. Sua mão era quente, forte e cheia de calos, o que a surpreendeu. Apesar do visual, tudo nele inspirava riqueza material e poder. Homens como ele não trabalhavam com as próprias mãos.

Ele inclinou a cabeça em sua direção. Ela sabia que devia recuar, mas não conseguiu.

- Você é uma mulher muito bonita, Stephanie.

- Sr. Chambers ...

- Pensei que tivéssemos avançado para David.

- David. - Stephanie umedeceu os lábios. Percebeu que ele acompanhara o movimento de sua língua. - David, acho ótimo fazermos as pazes, mas ...

- Devíamos ser honestos também.

- Eu estou sendo honesta. Não quero ...

- Sim. Você quer. - A voz dele saiu rouca, e ela sentiu uma chama em seu ser tomar corpo.

- Nós dois queremos.

- Não!

David sentiu a tensão através da mão delicada. "Não seja idiota", censurou-se. Haveria muito tempo. Quanto mais tempo até a primeira relação completa, maior o prazer. Já vivera o suficiente para saber disso.

Mas não conseguia diminuir o ritmo. Não com aquela mulher. Queria-a naquele exato momento. Logo. Queria te-Ia sob seu corpo, nua, ardente sob seu toque, durante sua. penetração.

- Venha comigo - convidou, apressado. -Meu carro está aí fora. Vamos procurar um hotel...

Stephanie arregalou os olhos.

- Seu monstro! - Desvencilhou a mão. - Esses últimos minutos eram para isso?

- Não - negou ele, mais para si mesmo do que para ela. Sentia-se à beira de um precipício, esperando que a mínima brisa o empurrasse para o vazio. Já conhecera outras mulheres antes, desejara-as, mas não daquela forma. Não com a necessidade que suplantava qualquer outra consideração.

- Stephanie...

- Não faça assim! - Ela afastou a cadeira. Estava muito ruborizada. Olhou para ele, os lábios trêmulos. - Perdeu seu tempo, sr. Chambers. Já conheço esse jogo.

- Isto não é nenhum jogo! Eu vi você e a desejei. E você me desejou. É por isso que está tão zangada, não é? Porque sentiu o mesmo. Só está com medo de admitir.

- Não estou com medo de nada, sr. Chambers, ainda mais tratando-se de um homem como você.

Era mentira. Ela estava com medo. Ele via isso em seus olhos, no rubor de suas faces.

- Conheço o seu tipo, senhor. Vê uma mulher como eu e acha que vai poder se dar bem.

- O quê? - questionou David, com uma risada incrédula.

- E quanto ao que eu desejo ... Está se superestimando. Não o quero em minha cama! Por que quereria? Por que uma mulher em sã consciência desejaria ser subjugada por um... um...

- Ei, pessoal, como estão?

      Stephanie juntou os lábios. Ela e David ergueram os olhares.

Annie Cooper estava junto deles, sorrindo. - Oi, Annie - cumprimentou David.

- Detesto interromper - comentou Annie, sorrindo. - Vocês dois pareciam tão entrosados na conversa...

Stephanie tentou disfarçar o embaraço. - O casamento foi lindo, Annie. Simplesmente inesquecível. Annie puxou uma cadeira e sentou-se.

-Será que "acertei? - provocou.

Stephanie piscou.

- Como?

- Sobre vocês dois. - Annie sorriu. - Dawn e eu estávamos planejando as mesas quando Dawn disse para mim: "Mãe, com exceção de Nicky, o homem mais bonito da festa vai ser o tio David". E eu disse a ela: "Bem, exceto por você, minha filha maravilhosa, a mulher mais bonita da festa vai ser o seu cupido, Stephanie".

David afrouxou o colarinho, sufocado. - Annie, ouça ...

- Então, eu e minha filho ta pensamos e achamos melhor colocar vocês na mesma mesa. - Annie sorriu. - Engenhoso, eu diria, não?

- Não - protestou Stephanie. - Quero dizer, tenho certeza de que pensou que seria, Annie, mas ...

Annie riu.

- Relaxem, vocês dois. Não estamos esperando nenhum anúncio oficial. Não hoje, mas... Céus, Stef, como está corada! E David... se um olhar matasse, eu já estaria aqui estendida. - Franziu o cenho. - Não me diga que metemos os pés pelas mãos! Vocês não estão se divertindo? Vocês não combinaram?

- Estamos nos divertindo demais - apressou-se Stephanie, gentil. - Não estamos ... David…

David esboçou um sorriso e afastou a cadeira.

- Claro! - confirmou. - Podem me dar licença por um minuto? Vou pegar uma bebida. Annie? Stephanie? Querem que eu traga alguma coisa?

- Nada para mim, obrigada - informou Annie. - Já tomei uma champanhe.

"Biltre", pensou Stephanie.

- Vinho branco - pediu, a fim de não decepcionar a amiga e anfitriã da festa.

David assentiu. - Volto já.

Devia passar direto pelo bar, sair pela porta, pegar o carro, dirigir até o aeroporto, pegar um vôo para Washington...

David ergueu o cenho e sorriu. - Chase? - chamou.

- David! - Chase estendeu a mão, mudou de idéia e colocou-a no ombro do advogado. - O que anda fazendo?

Chambers sorriu, deu um abraço em Chase e recuou para avaliá-Io.

- Estou ótimo. E você? Está bem?

Chase pegou a bebida e tomou metade de uma só vez. - Nunca estive melhor. O que vai querer?

Chambers olhou para o garçom.

- Uísque com gelo. E um copo de vinho branco, por favor.

- Não me diga - deduziu Chase, erguendo o canto do lábio. - Está com uma moça. Acho que a onda do amor pegou você também.

O garçom pousou a taça de vinho à frente de David, que pegou a bebida. Voltou-se e olhou pelo salão.

Chase acompanhou seu olhar até avistar, em uma das mesas, uma morena linda, distraída, sentada sozinha, em atitude apropriada.

David sentiu um músculo do maxilar se agitar. Tomou outro gole do uísque.

-Infelizmente, há mais um aspecto a considerar. E é isso exatamente que deixa pobres coitados como eu e você em maus lençóis.

- Pobres coitados, isso mesmo - concordou Chase, e ergueu o copo. - Bem, você e eu entendemos. Durma com elas e as esqueça em seguida, eu diria.

David riu e brindou com Chase. - Vou beber a isso.

- A quê? O que os rapazes estão tramando aqui sozinhos?

Os dois homens se voltaram. Dawn, radiante em renda branca e com Nick a seu lado, estava vindo na direção deles.

- Papai - saudou ela, beijando-Ihe o rosto: - Sr. Chambers. Estou tão contente por ter vindo.

- Eu também. - David estendeu a mão para o noivo. - Você é um homem de sorte, filho. Tome conta dela.

Nick assentiu enquanto cumprimentavam-se. - Pretendo, senhor.

Dawn beijou Chase novamente.

- Circulando, papai. É uma ordem.

Chase ergueu o copo. Os noivos se afastaram e ele suspirou. - É a única coisa boa do casamento. Um filho para chamar de seu.

David assentiu.

- Concordo. Sempre desejei... - Encolheu os ombros e então pegou o copo e a taça de vinho. - Ei, Cooper, se a gente fica tempo demais encostado no balcão, acaba sentimental. Alguém já lhe disse isso?

- Já - afirmou Chase. - O meu advogado, há cinco anos, quando fomos relaxar após o processo de divórcio.

Os homens sorriram e, então, David Chambers bateu de leve no ombro de Chase.

- Aceite o conselho de Dawn. Circule. Há muitas mulheres bonitas e solteiras por aqui, caso não tenha notado.

- Para um advogado, às vezes você aparece com sugestões muito boas. Que tal a mórena à sua mesa? É uma possibilidade?

David estreitou o olhar.

- É, no momento.

- Jura?

- Juro - confirmou o advogado. Estava sorrindo, mas havia uma expressão no olhar que Chase reconhecia.

- Você não tem jeito! Bem, não se prenda por mim. O que foi que minha filha disse? Circulando. É isso. Vou circular e ver o que está disponível.

Os homens se despediram. Chase foi para um lado, David, para o outro. Como a pista de dança estava cheia, agora, os músicos decidiram executar sucessos da década de sessenta e todos ficaram ainda mais animados.

David abriu caminho por entre os casais, olhando fixo para Stephanie. Viu-a voltar-se e vê-Io a distância. Imediatamente, estabeleceu-se uma corrente entre eles.

- Opa! - Uma mulher segurou-se nele. - Desculpe-me... David assentiu, impaciente. A música cessou. Os casais aplaudiram e a multidão se dispersou.

A mesa sete estava bem à frente. Os Blum e os Crowder retornavam.

Mas Stephanie Willingham partira.

 

                                     CAPÍTULO TRÊS

Só existia uma coisa pior do que partir de Washington numa sexta-feira: voltar na segunda-feira.

Todos os políticos e lobistas que ganhavam a vida no campos da burocracia voltavam para casa nos finais de semana. Pelo menos, parecia. De qualquer forma, se as sextas-feiras eram um pesadelo de estradas congestionadas, aeroportos cheios e vôos lotados, as segundas-feiras eram isso e algo mais.

David fizera planos cuidadosos para evitar o inferno da segunda-feira. Pedira à secretária que o colocasse num vôo no domingo à noite, saindo de Hartford. Atrasado, calculou quanto tempo levaria para retirar-se educadamente da recepção do casamento e instruiu a secretária a lhe fazer uma reserva no vôo partindo de Boston, aonde levaria no máximo uma hora e meia para chegar de carro.

Um plano simples, imaginara.

Mas nada seria simples naquele domingo.

No meio da tarde de domingo, tendo partido de Stratham horas antes do planejado, David já acelerava seu carro alugado pela estrada. Estava de péssimo humor.

E agora? Teria de esperar algumas antes que seu vôo partisse de Boston e não queria ficar no aeroporto.

Podia alterar o plano e tomar em Hartfor o vôo que descartara por achar que sairia cedo demais. Sim. Iria ao aeroporto de Bradley e trocaria o bilhete por um naquele vôo.

Talvez devesse telefonar para verificar se havia vagas. Não. Para quê? Bradley era um aeroporto pequeno. Não suportava muito movimento. Por que estaria com os vôos lotados num domingo à tarde?

David fez uma curva fechada para a direita. Para que demorar-se naquela parte remota do mundo por mais tempo? - Por nada - resmungou.

Olhou para o velocímetro. Estava a mais de cem quilômetros por hora. Qual era o limite em Connecticut? Em casa, em sua casa de verdade, no Wyoming, as pessoas dirigiam com lógica, ou seja, avaliavam-se as, condições da estrada, o volume do trânsito e, então, o céu era o limite.

Mas não ali.

- Raios - resmungou, mantendo a velocidade em cem quilômetros por hora.

Fizera o que esperavam dele, embora tivesse saído da recepção cedo. Brindara aos noivos, cumprimentara Annie e tomara uma bebida com Chase.     Aquilo era suficiente. Se as outras pessoas queriam ficar por ali, dançando, comendo e fingindo estar se divertindo, era problema delas.

O ponteiro do velocímetro marcava cento e dez quilômetros por hora.

- Já saindo? - indagara Bobbi Blum. - Por favor, não diga que vai lá fora fumar um cigarrinho...

Talvez tivesse sido o jeito como perguntara sobre Stephanie. - Eu a vi!

Antes da afirmativa estridente de Honória, percebeu que agia como um homem' sem cartas de valor em uma mesa de pôquer.

E por quê? David contraiu os lábios e acelerou.

Não era culpa de Honória, nem de ninguém, que ele tivesse deixado Stephanie Willingham estragar seu humor e depois sumir. - Paciência, Chambers! - resmungou, consigo mesmo.

A quem estava tentando enganar? Alguém era culpado, sim.

Ele. Ele avançara sobre Stephanie como um míssil e aquele não era seu estilo. Era um homem sofisticado, com uma tática sofisticada. Um sorriso, um telefonema. Flores,chocolates ... não era do tipo que abordava mulheres com a sutileza de uma betoneira.

Nem podia censurá-Ia por ir embora sem se despedir. Nem se importava. Bem, sim, importava-se por ter feito papel de tolo, mas, com exceção disso, qual era o problema?

David afrouxou a mão no volante e aliviou o pé do acelerador.

A viúva Willingham era mesmo muito bonita, bem como um enigma. Apostava como sob aquela camada de gelo havia um vulcão em atividade.

Bem, que alguma outra pobre alma descobrisse.

Preferia mulheres mais suaves. Femininas. Independentes, sim, mas não a ponto de tornar cada encontro um desafio para o homem. Para completar, a moça não significava nada para ele. Dali a duas ou três horas, provavelmente já não conseguiria lembrar-se dela com nitidez. De seus olhos castanho-escuros. De sua boca carnuda. De seus cabelos sedosos e corpo escultural, mesmo escondida naquele conjunto lilás de corte austero.

Se alguém lhe pedisse que descrevesse a roupa de Stephanie, não conseguiria.

Mentira. Saberia dizer muito bem. Acelerou o carro. Seu cérebro registrara cada detalhe, como a blusa justa junto aos seios, o comprimento da saia, a cor das meias.

David ouviu uma sirene. Olhou para o velocímetro, resmungou e parou no acostamento. Pelo espelho retrovisor, via as luzes vermelhas do carro de polícia.

David desligou o carro e olhou pelo espelho novamente. O policial que se aproximava era grande, como o dos filmes. Suspirou, baixou o vidro e, sem dizer nada, entregou a carteira de habilitação.

O policial verificou o documento e encarou-o severo. - Faz idéia da velocidade em que estava, amigo? David agarrou o volante e soltou um suspiro.

- Acima do permitido.

- Precisamente.

- Eu sei.

- É só? Não vai dar uma boa desculpa?

- Eu ... eu estava pensando numa mulher que conheci hoje.

Seguiu-se um silêncio e, então, o policial suspirou.

- Ouça. Esqueça a moça, seja ela quem for. As mulheres só dão dor de cabeça e preocupação. David olhou para o policial.

- E como!

- Dirija com cuidado, camarada. Não vou passar o sermão completo.

David sorriu. - Obrigado.

Era uma guerra. Homens contra mulheres. Ora, por que restringir? Era macho contra fêmea. Nenhuma espécie estava a salvo. Um lado brincava e o outro ia à loucura.

David entrou a passos largos no terminal do aeroporto.

O incidente com o policia fora como um balde de água fria. Finalmente, conseguira refletir sobre o que acontecera no casamento.

Stephanie Willingham era ardilosa. O problema não estava em ele ter ido com muita sede ao pote, e sim que ela lhe preparara uma armadilha tão logo trocaram o primeiro olhar, na igreja. Ele cometera o equívoco de pensar com outra coisa que não o cérebro e... caíra como um pato!

Por outro lado... David franziu o cenho ao tomar lugar na longa fila para compra de passagens. Por outro lado, jamais deparara com os estratagemas femininos que ela usava.

Algumas mulheres entravam logo em ação. Levavam a igualldade a sério. Apresentavam-se de maneira sensual e, então, faziam algumas perguntas, estado civil; envolvimento ... Então, se você se encaixasse no perfil requerido, elas deixavam bem claro que estavam interessadas.

Gostava de mulheres que agiam assim, admirava-as por serem diretas, embora, no fundo do coração, ainda gostasse das coisas à moda antiga. Havia um certo prazer na conquista. A mulher que se fazia de difícil valorizava os ardis masculinos e proporcionava mais prazer na rendição.

Mas Stephanie Willingham exagerara.

Ela não se fizera de difícil apenas. Ela bancara a impossível. A fila avançou e David deu alguns passos.

Talvez ele não fosse o tipo de Stephanie. Talvez ela não tivesse se sentido atraída por ele.

Não. Sem falsa modéstia e com grande dose de honestidade, sabia que, desde adolescente, nunca tivera dificuldade em chamar a atenção das mulheres ..

David franziu o cenho. Talvez ainda estivesse apaixonada pelo finado marido.

- Bolas!

A senhora idosa a sua frente voltou-se e encarou-o de olhos arregalados.

- Perdão - murmurou David. - Eu ... não esperava uma fila tão longa ...

- Nunca espere nada - ensinou a velhinha. - Meu Earl sempre dizia isso. Se você não espera nada, não pode se decepcionar.

"Filosofia em uma fila em Connecticut?" David quase sorriu.

Por outro lado, era um bom conselho. Se preciso, levaria à risca o ensinamento contido nas palavras da velhinha. Mas não seria preciso, pois nunca mais veria Stephanie Willingham. Por que ficava se esquecendo desse detalhe?

Fim do problema. Fim da história. A fila avançou. Quando chegou sua vez, David já estava sorrindo.

Stephanie entrou no carro alugado, trancou a porta e ligou o motor. Verificou o trânsito nas duas direções e saiu da vaga de estacionamento.

Sentia-se mal por sair daquele jeito, sem se despedir de Annie. Mas a amiga questionaria a partida precipitada e não tinha uma boa desculpa para oferecer-lhe.

Estou indo embora porque tem um homem aqui que está me assediando.

Ah, sim. Aquilo seria o máximo, considerando que Annie planejara aquele encontro.

Stephanie franziu o cenho ao se aproximar da rampa que levava à estrada. Diminuiu a marcha, verificou à direita, à esquerda e acelerou com cuidado.

Se Annie soubesse. Se ela desconfiasse do que tinha acontecido o jeito como David Chambers a olhara na igreja, como se quisesse...

Ele até expusera suas intenções verbalmente! ah, se Annie soubesse que ele propusera levá-Ia ao hotel mais próximo e o esforço que lhe exigiu recusar!

Stephanie sentiu o coração falhar uma batida - Como ele se atrevia? - resmungou.

Ela não quisera tal coisa. Nunca. Não com esse... esse vaqueiro convencido e arrogante, nem com nenhum outro homem. Estremeceu. Não desde que Avery. Não desde que o marido tinha...

Era a saída para o aeroporto? Teria perdido o acesso? Havia uma placa, mas estava em velocidade alta demais para ler.

Estaria acima da velocidade permitida?

Franziu o cenho e olhou para o velocímetro. Cem quilômetros por hora. Estava a cem por hora? O limite de velocidade era noventa, sabia, pois informara-se no balcão da locadora de veículos. Nunca dirigia acima da velocidade permitida. Nunca. Nem na Geórgia, nem nos outros lugares, quando estava em férias.

Stephanie aliviou o pé no acelerador e o ponteiro do velocímetro caiu para a faixa permitida. Não que tivesse tirado muitas férias na vida. Na verdade, houvera apenas aquela em Cape Cod. Até relutara em ir, pois fora idéia do advogado:

- Vai precisar se afastar - declarara ele, firmemente, dando a impressão de que estava pensando em seu bem-estar quando, na verdade, só a queria fora do caminho.

Mas fora ingênua demais para perceber a artimanha e concordara que uma mudança de ambiente lhe faria bem.

Naturalmente, não queria ficar longe de Paul por muito tempo. Não que o irmão se importasse. Ele não parecia ter ciência de sua presença ou ausência. Mas que importava? Queria estar a seu lado, sempre.

Sempre.

Só pensar em Paul já era suficiente para apagar de sua mente as atitudes grosseiras de David Chambers. Tinha assuntos muito mais importantes com que se preocupar do que sua reação irracional a um homem de sorriso sexy, olhar ferino e palavras sagazes.

Lá! Bem em frente. A indicação para o aeroporto. E, pouco adiante, a rampa de acesso.

Stephanie diminuiu a velocidade do carro e acionou a seta.

Com cuidado, conduziu o carro até Bradley, chegando bem antes do horário de seu vôo.

Com certeza, conseguiria trocar o bilhete pelo de um vôo anterior.

E depois ... depois, haveria Clare e a disputa pela casa. Mas que adiantava preocupar-se com antecedência?

Tudo daria certo. Tinha que dar.

David sorriu para a atendente no balcão e comemorou. - Excelente! - Tirou o cartão prata da carteira o que vai ser, senhor? Janela ou corredor?

- Corredor. Definitivamente. Mesmo na primeira classe, pois assim tenho mais espaço para as pernas.

A atendente sorriu e bateu as pálpebras. - Aqui está sr. Chambers. Boa viagem.

Na outra ponta do aeroporto Stephanie aproximou-se esperançosa do balcão de reservas.

Segundos depois; estava séria. O único vôo direto para Atlanta era aquele em que já estava agendada. Só partiria dali a quatro horas.

- Lamento muito, sra. Willingham. A menos ... - A moça digitou rapidamente no terminal. - Vou verificar uma informação ... Sim, tenho uma vaga num vôo para Washington, onde poderá fazer conexão com um vôo para Atlanta. É um lugar na janela...

- Está ótimo!

- E é na primeira classe.

Stephanie hesitou, pensando nos gastos. Pensou também em como Avery riria de sua atitude, mas, afinal, velhos hábitos não mudavam com facilidade.

- Sra. Willingham? - A atendente olhou para o relógio do aeroporto. - O avião já vai partir.

Stephanie assentiu. - Vou nesse mesmo.

O portão de embarque ficava na outra extremidade do aeroporto. Não foi fácil para Stephanie, de salto alto, transpor rapidamente a distância.

Felizmente, só tinha uma bolsa para carregar. Mesmo assim, quando chegou ao portão de embarque, todos os passageiros já haviam embarcado e o funcionário começava a fechar a porta que conduzia à rampa.

- Espere! - gritou Stephanie.

O homem voltou-se e manteve a porta aberta. - Quase perdeu o vôo! - comentou.

Stephanie correu pela rampa. A comissária de bordo receppcionou-a com um sorriso e pegou seu bilhete.

- Assento 3-A.  À direita, por aqui, sra. Willingham. - Quando chegaram ao lugar, a moça fez mais uma gentileza: - Posso guardar sua bagagem?

Stephanie entregou a sacola de viagem e acomodou-se na poltrona, suspirando aliviada.

Fora mesmo muita sorte conseguir aquele vôo com conexão.

Descalçou os sapatos e estendeu as pernas. Quase se esquecera do luxo da primeira classe. O assento era largo e macio e havia mais espaço para as pernas. Voltou-se para a janela e fechou os olhos. Era exatamente daquilo que estava precisando. Paz. Tranqüilidade. A oportunidade de limpar da memória o arrogante, presunçoso e machista David Chambers...

O bonito, sexy e vital David Chambers.

Sentiu alguém sentar-se a seu lado e ouviu o barulho do cinto de segurança se travando, mais um suspiro entrecortado, como se o passageiro se assustasse.

- Eu não acredito! - grunhiu uma voz masculina. - Deixo o meu lugar por dois minutos e, quando volto, encontro isso? Ótimo. Às vezes, o mundo é mesmo muito pequeno, mas não posso ter tanto azar num dia só!

Stephanie sobressaltou-se. Não podia ser ... Mas era. David Chambers estava sentado na vaga do corredor, olhando para ela com uma expressão incrédula que devia ser reflexo da dela.

- Parem o avião, eu quero descer! - gritou Stephanie, mas era tarde demais.

O avião projetava-se para o céu, a caminho de Washington.

 

                                 CAPÍTULO QUATRO

Algum problema, senhora?

David desviou o olhar do rosto ruborizado de Stephanie. A comissária de bordo achegara-se com um sorriso meio preocupado nos lábios.

Sim, pensou David, avaliando a expressão da funcionária, você tem razão: há um problema sério.

- Senhora?

- Não - adiantou-se David. - Não há problema algum. Estamos ótimos.

Stephanie olhou para a comissária. A jovem a observava com um misto de pena e preocupação.

- Ora, deixe para lá .... - resmungou, e voltou-se para a janela novamente. .

- Ela vai ficar bem - informou David.

- Tem certeza, senhor? Pois, se houver algum problema ...

- Não haverá, certo, querida?

Não até eu pensar em um modo de dar o troco ... - Querida? - alfinetou David. - Tudo bem?

- Tudo - rosnou Stephanie.

A comissária deu um sorriso vitorioso.

- Obrigada, senhora. Agora, poderia ajustar o cinto? Parece que teremos turbulência no caminho.

- Todos os passageiros ou só eu? - ironizou Stephanie.

- Tenho certeza de que esta jovem não quer ficar no meio da nossa pequena discussão, querida.

- David inclinou-se em sua direção, o olhar ameaçador. - Quer que eu ajuste o cinto para você?

- Não, a menos que queira perder as mãos - alertou ela, enquanto prendia o cinto.

David ergueu o olhar para a comissária.

- Obrigado pela atenção. Como está vendo, estamos bem agora, srta .... Edgecomb identificou, pelo crachá.

Stephanie observou, aborrecida, que a moça até estremeceu ante a força sensual do sorriso dele. Oh, se ela soubesse o rato calculista que David Chambers era.

- Pois não, senhor - prontificou-se a srta. Edgecomb, derretendo-se. - E se eu puder ajudar ...

- Claro, eu avisarei.

A moça inclinou-se e sussurrou algo para David. Stephanie não ouviu, mas a risada de David deixou-a irritada. Voltou-se para ele assim que se viram a sós.

- Foi uma cena muito charmosa essa. David afastou a poltrona.

- Gostaria de receber os créditos, mas é você que merece os aplausos.

- Você a convenceu de que sou desequilibrada!

- Desculpe-me, mas você fez por merecer.

- O que ela lhe disse agora? Demonstrou simpatia por seu problema?

- Ela disseque seria bom se você tomasse alguns tranqüilizantes antes de embarcar na próxima viagem.

- Que atenciosa.

- Eu disse que não sabia se você pretendia voar comigo hoje e que a sua presença foi uma grata surpresa.

- Oh, sim, aposto que disse!

- O que quer dizer?

- Faça-me um favor, sr. Chambers. Nem tente me fazer ele tola. Acha que sou tão ingênua a ponto de não perceber que me seguiu?

David arregalou os olhos.

- Talvez a comissária esteja certa. Talvez você seja uma desequilibrada mesmo. Ou isso, ou é a pessoa mais presunçosa que já encontrei!

- Não sou desequilibrada, nem presunçosa. E não gostei de ser seguida!

- Acredita mesmo nisso?

- Não, claro que não - ironizou ela. - Você simplesmente apareceu no mesmo aeroporto, na mesma hora, comprou uma passagem no mesmo vôo e ... oh, sim, que dose extra de coincidência, acabou sentado bem do meu lado.

- Soluçou colérica. - Repito, senhor, não sou ingênua, nem tola.

David suspirou. Nervosa, ela passava a falar com o sotaque sulista ainda mais pronunciado, além de tratá-Io por "senhor" quando na verdade queria usar algo bem menos formal. Bem poderia provocá-Ia comentando outra vez sobre seu sotaque, mas não estava querendo incentivar a conversa. Fora um dia longo, estava cansado, não tinha disposição para mais nada. A última coisa que queria era entrar no ringue para brigar com Stephanie, não importava quão empolgante a luta prometesse ser.

- Só a idéia de pensar que pôde descer tão baixo!

- Sra. Willingham, sugiro, mais uma vez, que se acalme.

- O que fez, senhor? Seguiu-me desde a festa?

- Seguir você? - Ele riu de um jeito que deixou Stephanie desconcertada. - Acho que anda assistindo demais a filmes policiais de segunda categoria.

- Não assisto a policiais, senhor, ruins ou não.

- Ouça, sra. Willingham ...

- Pare de me chamar assim!

David contraiu o lábio e decidiu trocar seu nome, só para provocar.

- Está bem, Scarlett. O que quiser. Quer achar que eu a segui? Pode achar. Ache o que você quiser, desde que mantenha a boca fechada.

- Foi obra do destino o fato de estar bem do meu lado? É nisso que quer que eu acredite?

- Foi uma brincadeira de muito mau gosto do destino. Stephanie olhou-o com desdém.

- Cínico!

- Destino bom seria eu estar em qualquer outro lugar, menos aqui.

- Eu também acho.

Ele apertou impaciente o botão que posicionava a poltrona na vertical. Estava vendo que não teria mesmo sossego. O tempo se fechava tanto a seu lado, devido àquela senhora que obviamente não ia se calar, quanto fora do avião, devido a uma tempestade iminente.

- Tente entender de uma vez por todas, Scarlett - grunhiu ele, inclinando-se em sua direção. - Estou tão atônito com esse arranjo de lugares quanto você. E aí vai uma ,sugestão: mantenha a boca fechada. Assim, nos esquecemos um do outro. Que tal?

- É a primeira declaração inteligente que o senhor faz disparou Stephanie, estreitando o olhar.

Cruzou os braços e tentou ignorá-Io, mas não era fácil.

Como podia se esquecer se a cada balanço do avião, e os balanços eram freqüentes, seus ombros se roçavam? O aroma da colônia dele também perturbava, num misto de asseio, ar livre e floresta de pinheiros. Olhou-o de soslaio. Seu perfil lembrava uma escultura em granito destacando o nariz reto, a boca firme e carnuda, o queixo quadrado com uma leve barba por fazer.

Cerrou os punhos. Quase podia sentir as pontas ásperas daquela barba sob suas mãos carinhosas...

Endireitou-se.

- Deve haver outro assento vazio neste avião - declarou, zangada.

-Não.

- Não? Não? O que quer dizer com não?

- Quero dizer exatamente o que disse. O avião está mais cheio do que lata de sardinha.

- Que maravilha. - Stephanie cruzou os braços.

- Ouça, logo estaremos em Washington. Aí, nunca mais teremos que nos ver. - Pelo menos isso.

- Não vou discutir, Scarlett. - David lançou-lhe um olhar entediado. - Francamente, não vejo a hora de me livrar de você.

- Oh, seja franco, senhor - replicou Stephanie, bufando.

- Considerando que passou a tarde toda sendo a discrição em pessoa, acho que um pouco de franqueza seria bom.

David cerrou os dentes. Que mal fizera para merecer tal castigo? O pior era que aquela mulher continuava a fasciná-Io, ainda mais agora, obrigada a manter uma postura civilizada, uma vez que estavam confinados num avião. Com os olhos briilhantes e as faces afogueadas, ela ofegava de raiva, os seios arfando de um jeito que os homens não podiam ignorar. Ela era inteligente também, e estava mais do que disposta a enfrentá-Io, apesar da aparência frágil.

Que mulher incrível! Stephanie Willingham era mesmo fascinante...

- Bem?

Ele ergueu o olhar. Stephanie encarava-o, desafiadora. Em algum momento, seus cabelos escuros começaram a se soltar do coque. As mechas adornavam-lhe o rosto e o pescoço.

Podia domesticá-Ia, pensou, e sentiu a pulsação se acelerar. - Bem o quê? - indagou, em tom suave.

Algo na voz dele, ou nos olhos muito azuis, fez com que Stephanie se arrepiasse.

- Nada - respondeu.

- Vamos, srta. Scarlett, não me deixe de fora agora. - David sorriu, sedutor. - Você ia me dizer algo e eu gostaria de saber o que é.

Não diga nada, advertiu-a o bom senso. Ele está lançando uma isca e é perigoso. Está no campo do adversário aqui...

Sentiu um arrepio de prazer.

- É só... só que você é o homem mais arrogante, egoísta e mal-educado que já tive o desprazer de...

Ela engasgou quando ele agarrou-lhe o pulso. - Eu sou?

A voz dele saiu grave e rouca. Stephanie mal podia respirar.

Sentia-se confusa com a combinação de gentileza e perigo em David. Deveria enfrentá-Io ... ou soltar o cinto apesar da turbulência e salvar-se? A comissária provavelmente chamaria um psiquiatra.

Não. Porque fugiria? Não havia nada a temer. O que poderia acontecer ali, num lugar público?

Nada.

David a olhava ameaçador. Quase podia sentir a raiva dele através do ar. Não, pensou melhor, não era raiva. Era masculinidade. Ele sabia que lidava não com uma inimiga, mas com uma mulher.

O avião adentrava a tempestade escura. Pelos alto-falantes, o comandante pediu em tom impessoal que todos apertassem os cintos. As luzes de alerta começaram a piscar e, pelas janelas, viram-se os primeiros relâmpagos.

Apesar da tempestade aterradora, Stephanie só conseguia pensar no momento em que vira David pela primeira vez.

Ele desafivelou o cinto de segurança, sem deixar de encará-Ia nem por um segundo. Stephanie teve vontade de gritar, mas não conseguiu.

- Gosta de joguinhos, Scarlett? - Ele ergueu a mão e passou o polegar pelo lábio inferior dela. - É isso o que fizemos o dia todo, não é? Disputamos um jogo. - Concentrou o olhar na boca carnuda, alimentando pensamentos de desejo e paixão, e voltou a encará-Ia. - Chega de jogos, Stephanie - avisou, e beijou-a.

Ela não emitiu nenhum som e não se moveu. Um gemido frágil tentou escapar-lhe pela garganta, mas o beijo o sufocou. O homem que a segurava com firmeza enterrou a mão em seus cabelos e inclinou-lhe a cabeça, forçando-a a entreabrir os lábios.

Não houve tempo para pensar. Tudo o que Stephanie pôde fazer foi reagir... e corresponder. Gemendo brandamente, passou os braços ao redor do pescoço de David e ofereceu a boca para um beijo mais elaborado.

As luzes do avião se apagaram e a escuridão os envolveu.

Houve um solavanco, como se viajassem de carro numa estrada esburacada. Estavam sozinhos ria escuridão do céu.

Stephanie não estava com medo. Sentia os braços fortes de David a seu redor, mais a própria pulsação acelerada. Quando ele introduziu a mão por sob sua jaqueta e acariciou-lhe um seio, gemeu de prazer.

- Hummm - deleitava-se ele. - Sim, isso mesmo...

Ela sentiu uma mordiscada e jogou a cabeça para trás, deixando-o ocupar-se de seu pescoço. Ao mesmo tempo, ele levou-lhe a mão para sentir a potência de seu desejo e ela arqueou o corpo.

Era errado. Era insano. Sabia muito bem disso. Mas parar o que sentia, o que David despertava nela, era impossível. Ele estava faminto, e ela também. Precisava aliviar aquela fome, precisava entregar-se, precisava tocar e ser tocada ...

As luzes acenderam-se. O avião sacudiu mais uma vez e, então, saiu da zona de turbulência.

Era tudo de que Stephanie precisava para voltar à realidade. Com um grito abafado, tentou desvencilhar-se, mas David não permitiu. Ele tomou-lhe o rosto, colou os lábios aos dela e exigiu... Apesar das luzes acesas, da voz do comandante assegurando que já estavam voando sem problemas, ela quase entregou-se novamente à paixão, ao beijo daquele estranho.

- Não! - Stephanie golpeou-o no peito com os punhos, interrompendo o contato íntimo. - Pare com isso! - ordenou, a voz trêmula.

David piscou, como se despertasse de um sonho maravilhoso. Afastando-se, olhou para a mulher ruborizada que conhecera havia poucas horas. Ela estava com os olhos arregalados, a boca intumescida e os cabelos totalmente soltos em torno da face.

- Você é desprezível!- classificou Stephanie, e afastou-se o máximo possível dele.

David franziu o cenho e endireitou-se na poltrona. Desprezível? Louco seria o termo mais correto.

- Sra. Willingham... - tartamudeou.

Sra. Willingham? Ele estava mesmo louco, dirigindo-se com tal formalidade a uma mulher com quem quase... E o que pretendia dizer-lhe? Desculpe-me? Ora, nem sequer estava arrependido. Além disso, ela quisera aquele beijo tanto quanto ele.

- Senhoras e senhores... - A voz no alto-falante interrompeu seus pensamentos. - O comandante avisa que estamos nos aproximando de Dulles e que deveremos pousar em poucos minutos.

Os passageiros sorriram, aliviados. David sentia-se aliviado também, mas não por terem atravessado incólumes a tempestade. Sobrevivera a um perigo muito maior.

Já tivera sua cota de mulheres. Alguns diriam que tivera até mais do que uma cota justa. Conhecia muito bem o fogo que podia se deflagrar entre um homem e uma mulher.

Mas nunca experimentara algo assim antes. Se as luzes não tivessem voltado, se Stephanie não o houvesse impedido, ele a teria tomado ali mesmo, naquele pequeno universo incandescente que haviam criado. Teria arrancado a calcinha dela e se perdido no calor de seu corpo, até ... até ...

Quase escapara ao controle, e sabia disso. E estava assustado consigo mesmo.

A vida estava fora de controle. Cometera um deslize, acreditando-se apaixonado, e confiara numa mulher que não merecia confiança...

O avião pousou. Os passageiros comemoraram. David levantou-se, pegou sua bolsa de viagem e tomou o corredor.

- Senhor? Sr. Chambers? - A comissária sorriu e lançou um olhar por sobre seu ombro. - Sua esposa...

- Ela não é minha esposa - declarou David, feroz. - Ela não é nada minha.

Deixou a comissária para trás, deixou tudo e todos para trás. O que quer que acontecera naquele avião estava acabado. E, com certeza, nunca mais pensaria no assunto.

 

                               CAPÍTULO CINCO

Havia poucas certezas na vida.

Stephanie sabia muito bem disso. Na verdade, havia uma primeira e única certeza. Todas as outras variavam de sublimes a ridículas.

Por exemplo, o casal de pássaros que montava ninho junto à porta dos fundos a cada primavera.

- Não sei se são os mesmos do ano passado - informara o jardineiro.

Não tinha importância. Era uma nova geração construindo seu lar, sua família.

Havia outras certezas menos agradáveis, a exemplo da maneira como os habitantes de Willingham Corners a olhavam toda vez que ela ia lá. Bem, logo, logo, haveria mudança naquela atitude. Alguns diriam que a moralidade fInalmente triunfara.

Stephanie olhou para a carta sobre a mesa de jantar. Se os moradores de Willingham Corners descobrissem o teor daquele documento...

Provavelmente, iriam comemorar.

Stephanie Willingham, sra. Avery Willingham, fIcaria sem teto para morar. Perderia tudo.

Tudo, incluindo a única coisa que lhe importava.

Deveria saber que Avery não cumpriria a promessa. A palavra dele nunca valera muita coisa. Outra certeza na vida, pensou Stephanie, e sorriu amargamente, mas só identificara essa faceta depois que já haviam selado a barganha.

Não adiantava saber que os documentos que a irmã de Avery apresentara eram forjados. Avery provavelmente só sentira mais prazer em preparar tudo para que sua irmã Clare fosse sua única herdeira. Ela, a esposa, ficaria sem nada.

Os homens eram mesmo uns monstros. Mentiam para conseguir o que queriam e, então, redimiam-se com promessas que valiam tão pouco quanto seu caráter.

Stephanie levou a mão à testa. Menos Paul. Paul era diferente e não apenas por ser seu irmão. Paul era gentil e carinhoso. Na infância, estivera sempre a seu lado, quando mais ninguém se importava, nem o pai, a quem nunca conhecera, nem a mãe, que tratara de manter-se o mais distante possível dos filhos.

Nem Avery. Com certeza, nem Avery.

Stephanie recostou-se na janela e contemplou a caneca de café na mão. Avery, com aquela conversa de ser o pai que ela nunca tivera, com seus presentes com a cesta de alimentos no dia de Ação de Graças, com as consultas que pagara para Paul, com a série de livros que ela ansiava por ler mas que não podia comprar. E, então, o maior presente de todos, um que a fizera acreditar que haveria um novo começo para ela e o irmão ... uma bolsa de estudos de um ano no curso de secretariado da srta. Carol.

- É demais, sr. Willingham - alegara Stephanie. ~ Não posso aceitar.

- Claro que pode, querida. Você vai aprender a datilografar, estenografar, e poderá vir trabalhar comigo.

Trabalhar para ele, pensou Stephanie, e estremeceu.

Oh, como ele a fisgara. Lançara uma isca à qual ela não pudera resistir e a colhera como prêmio.

Como pudera ser tão ingênua? Tão estúpida? Tão patética e dolorosamente idiota?

Não que as respostas importassem agora. O destino interviera também. Havia o fato de Paul ter piorado de saúde, sem dúvida, mas fora ela ,quem fizera o pacto com o demônio.

Não havia em quem jogar a culpa a não ser ela mesma ... Assim como era a única culpada pelos acontecimentos de duas semanas antes, num domingo festivo que deveria ter sido agradável e tranqüilo.

Stephanie fechou os olhos ante a lembrança humilhante. Era inconcebível ter permitido que um estranho qualquer tomasse aquelas liberdades. Nada fazia sentido. Sabia como os homens eram e o que queriam. O que sempre quiseram, fossem velhos e gordos, como Avery, ou jovens e atraentes, como David Chambers.

Sexo. Era isso o que os homens queriam. E sexo era... era...

Stephanie estremeceu, apesar do calor do sol às suas costas.

Sexo era suor. Era carícias pouco gentis. Era hálito quente junto ao rosto, lábios úmidos e um amargor subindo pela garganta...

Com David foi diferente. Quando ele a beijou. Quando acariciou seu seio e a fez gemer. Ainda lembrava-se do gosto dele, de como era sentir a boca cálida junto à sua, insinuando prazeres que ela nunca imaginara...

Stephanie sentiu as lágrimas brotarem. Piscou forte e respirou fundo.

- Muito bem - animou-se e passou as mãos pelo rosto.

Aguas passadas. Não adiantava lamentar-se, nem começar com elucubrações do tipo "e se?" O que a mãe costumava dizer mesmo? - Não adianta chorar por leite derramado, Steffie.

O conselho permanecia. Precisava tocar a vida. Precisava ignorar o conceito que os moradores da cidade tinham de sua pessoa. Precisava superar o que Avery fizera... Precisava esquecer as lembranças de seu envolvimento relâmpago com David Chambers. Não valia a pena ficar pensando nele. Tratava-se de apenas outro membro da irmandade baseada no egoísmo, nos hormônios, na mentira e na intriga. Felizmente, nunca mais veria o sujeito.

Stephanie passou a mão nos olhos e, por fim, pegou a carta dos advogados de Clare. Não que precisasse relê-Ia. Não fizera outra coisa nos últimos dez dias. A mensagem já estava gravada em seu cérebro.

Prezada sra. Willingham, esteja ciente de que é desejo de nossa cliente, Clare Willingham, que desocupe a propriedade até sexta-feira, dia treze do corrente.

- Um dia bem apropriado, não acha? - alfinetara a cunhada, ao telefonar para lhe dar a notícia em primeira mão.

Stephanie sentiu um nó na garganta. Engoliu em seco e leu o parágrafo seguinte em voz alta.

Fique avisada de que o depósito em sua conta bancária deixará de ser feito na mesma data.

Estremeceu quando o significado mais uma vez tornou-se claro. Meses antes, quando Clare começara a insinuar que seus dias na mansão estavam contados, fora consultar-se com Amos Turner, um advogado da cidade. - Não me importo com a casa - declarara. - Só quero o que me é de direito. Avery prometeu depositar um valor específico em minha conta-corrente todos os meses.

- Quanto? - perguntara Turner, desagradável.

- Dois mil e quinhentos dólares. O advogado sorriu.

- Ora, ora. É uma mesada e tanto.

- Não, é uma mesada.

- Não? O que é então, minha cara?

Pagamento. Pagamento por ter vendido a alma ...

- Não vejo a pertinência disso, sr. Turner - declarara, friamente.

- Deve ser bom poder contar consigo mesma para ganhar essa importância - comentara o advogado, sarcástico. - Aposto como vale cada dólar ...

A julgar por sua impertinência, pensou Stephanie, o homem seguramente já fora comprado por Clare. O juiz Parker tampouco impusera obstáculos aos arranjos dos advogados de Clare.

Assim, encerrara-se o caso. Não tinha direito a nada. Nem à casa, nem ao dinheiro... Ficava sem recursos para pagar o tratamento de Paul.

Sentiu um aperto no peito.

Devia haver alguma saída. Era a viúva de Avery, não era? A viúva possuía alguns direitos. Com certeza, os Willinghams eram donos da cidade, mas não podiam passar por cima das, leis.

Stephanie levantou-se. Certa vez, conhecera um advogado num dos jantares que Avery costumava promover. Ele não tinha escritório na cidade, era de... onde? Washington. Era isso. Qual era o nome dele?

Hustle? Fussell?

Russell. Era isso. Jack Russell.

Ele sorrira-lhe durante todo jantar. Não da forma como os outros homens costumavam sorrir-lhe. Mostrara-se gentil, generoso e, pensando bem agora, um pouco triste.

- Se esse velho maltratar você, minha querida, ligue para mim e virei em seu socorro - declarara ele, beijando-a no rosto ao se despedir.

Avery tomara como brincadeira e comentara: - Não se preocupe. Sei exatamente como lidar com uma moça assim...

Stephanie bloqueou as lembranças e correu para a biblioteca, onde Avery mantinha a agenda de telefones. Não adiantava pensar no passado. Era o presente que importava e, talvez, com sorte, Jack Russell a ajudasse a reverter aquela situação.

Folheou a agenda e encontrou o nome e o número do telefone de Russell em Washington.

- Não adianta chorar por leite derramado, Steffie - sussurrou a si mesma.

Mas respirou fundo e pegou o telefone.

A vida ensinara muitas lições a David. Vinho tinto era melhor do que branco.

Porches antigos eram melhores do que os modelos novos. A primavera na capital do país era gloriosa.

Mas não este ano, pensou David, recostado à escrivaninha diante da janela panorâmica de seu escritório. O tempo estava ameno. O céu, limpo. As cerejeiras estavam no auge, um pouco atrasadas, mas os turistas não se importavam.

Ainda assim, seu humor não estava dos melhores.

Todos comentavam que ele devia estar com algum problema, incluindo a secretária. Nunca gostara muito da sra. Murchison. Contratara-a num momento de fraqueza, quando a compaixão por seu problema de acne e excesso de peso suplantara a lógica.

No dia anterior, ele chegara ao limite da paciência. Faltavam vinte minutos para as cinco horas da tarde quando lhe pedira que refizesse um trabalho, pois havia manchas de chocolate no papel.

- Mas, sr. Chambers, sabe que horas são? Ele sabia. Sabia que era hora de aquela mulher procurar outro emprego. Era hora de ela começar a aborrecer outra pessoa...

David fechou os olhos e grunhiu ao relembrar.

- Não , chore, sra. Murchison - consolara ele, mas ela só se acalmou ao receber um cheque no valor de três salários mensais.

Mas a secretária acertara. Ele tinha mesmo um problema e seu nome era Stephanie Willingham. A mulher que não saía de sua cabeça noite e dia. Não era ridículo? Sem dúvida, sentira-se atraído por ela. E avançara um pouco o sinal...

David grunhiu e largou-se na cadeira. Raios. Comportara-se como um cafajeste e sabia muito bem disso. Beijá-Ia daquele jeito no avião. Tocá-Ia. Bolas, estiveram a ponto de... Quem sabia o que teria acontecido se as luzes não tivessem voltado?

E por quê? Porque ela era bonita? Metade das mulheres do planeta eram, bem como todas as mulheres em seu caderninho preto; mas nunca fizera papel de tolo com nenhuma delas.

Talvez estivesse precisando de um descanso. Sim, era isso.

Washington era uma cidade grande. Adorava seu ritmo, gostava de estar advogando no centro do poder do mundo ocidental, de freqüentar as festas e recepções.

Doze anos antes, associara-se à Russell, Hussell e Hanley transformando-a na Russell, Russell, Hanley e Chambers.

- Não há lugar mais lindo do que Washington na primavera - comentara Jack. - Quando no Wyoming ainda há só neve e vento frio.

Neve, pensou David, olhando para a janela. Provavelmente.

Mesmo assim, cavalgando em suas terras, identificava sinais de renascimento por toda parte.

- Bolas! - resmungou David, e virou-se de volta à escrivaninha.

Daquele jeito, o trabalho não saía. Abriu a agenda. "Contratar uma secretária" encabeçava a lista de compromissos.

Soltou um gemido. O que precisava mesmo era de uma boa dose de realidade. Exercícios físicos na academia. Um jogo de tênis, talvez, ou um pouco de treino de boxe...

Ou um final de semana em casa.

David levantou-se e foi até a janela. Sim. Isso seria bom. Algumas tardes consertando, cercas e passando arame nos locais que haviam sido atingidos pelo inverno rigoroso deveriam bastar para trazê-Io de volta à realidade. Essa convicção fizera-o voltar toda semana para casa logo que começara a advogar em Washington.

A realidade, sabia instintivamente, sempre estaria no Oeste, no Wyoming.

Era lamentável que sua esposa, ou melhor, sua ex-esposa, pensasse exatamente o oposto. O mundo real, insistira Krissie, ficava em Georgetown, nas festas e jantares nas casas de campo elegantes da Virgínia.

Nem sempre fora assim. Logo que se conheceram Krissie jurara gostar das mesmas coisas que ele. Que grande tolo ele fora. As mulheres diziam o que os homens queriam ouvir quando estavam a fim de laçá-Ios. A ex-esposa mentira sobre tudo, sobre o que apreciava e o que a desagradava...

Sobre fidelidade. Ele tolerara tudo até que, ao chegar mais cedo em casa, encontrou-a na cama com outro homem. Sua indiferença na ocasião só provara a pouca importância que dava a ela.

O divórcio fora rápido e lamentável. A recuperação, lenta e dolorosa. Mas refizera-se e aprendera a lição.

As mulheres não eram confiáveis.

David suspirou e sentou-se novamente. Procurou a agenda de telefones. Naquelas duas semanas desde o incidente no avião, procurara algumas conhecidas e fizera programas à noite. Sempre acabava deixando-as em casa... sem maiores acontecimentos.

E encerrava a noite sozinho, em sua própria cama, sonhando com a mulher que nunca mais veria, que nunca mais queria ver... - Raios - resmungou e quebrou o lápis ao meio.

- Cuidado, rapaz! Tem andado muito nervoso...

David ergueu a cabeça. Jack Russell estava junto à porta. - Jack. - David esboçou um sorriso. - Bom dia.

- Bom dia. Mas devo dizer que as cerejeiras não estão em plena forma este ano.

- Nada está como deveria. O que posso fazer por você?

- Bem, para começar, pode me dizer onde esteve ontem à noite?

- Onde eu estava... O coquetel de Weller! Jack, desculpe-me. - Tudo bem. Eu pedi desculpas por você, disse que estava atolado em trabalho.

- Devo-lhe uma.

Jack riu.

- Você me deve várias. Já protegi o seu gluteus maximus em várias ocasiões nessas últimas semanas.

- Bem; sabe como é. Eu estive... ocupado.

- "Preocupado" define melhor. O que está' acontecendo?

- Ouça, só porque perdi alguns compromissos...

- Fale logo, quem é a moça? .

- Sabe, não agüento mais ser o único solteiro por aqui... - desconversou David.

- A solução é simples, de acordo com minha Mary. Ela acha que você precisa de uma esposa.

David riu.

- Diga a Mary que preciso é de uma secretária. Soube que despedi a sra. Murchison?

- Claro. As outras secretárias estão fazendo vaquinha. David suspirou.

- Bem, acho que ela vai gostar de flores. Vou contribuir. Jack riu.

- O dinheiro é para você, David. Elas acham que você merece um prêmio por ter tolerado a sra. Murchison por tanto tempo. Não desconverse. Por que anda tão irritado?

- Ora, Jack. Trabalho. Casos complicados.

- Já sei, não quer me contar mesmo, não é? Aliás, falando em trabalho, lembrei-me de um caso aqui. O homem morreu e não deixou nada para a esposa. Tinha todos os negócios em sociedade com a irmã, que agora, claro, tem o direito sobre tudo.

- Ele estava tentando fraudar a viúva? Jack balançou a cabeça.

- O tribunal diz que não. A viúva vai ficar sem um tostão.

- Ora - lamentou David, imaginando uma senhora de cabelos brancos na rua da amargura.

- Ela me ligou há pouco. O falecido era conhecido meu. De uma cidade próxima à minha, Macon.

- E?

- Ela está sem um tostão, mas não surpresa. Disse que devia ter imaginado que o marido não lhe deixaria nada.

David espantou-se.

- Parece que não havia amor no relacionamento.

- Nenhum. Só a vi uma vez, há muito tempo. Não me lembro da ocasião, apenas que ela parecia muito triste.

- Ela quer que você a represente?

- Bem, ela perguntou se eu poderia analisar a papelada para ver se ela não tem direito nem à mesada que vinha recebendo. Não fiz muitas perguntas, pois logo vi que havia conflito de interesses. A irmã do falecido, Clare, estudou com Mary. Eram da mesma irmandade, você sabe. Resumindo, eu conheço Clare e não gosto dela. Mas isso é um problema meu.

- Bem, se quer que eu diga à viúva...

- Vou contar mais um pouco da história. Ela tinha dezoito ou dezenove anos quando se casou com Avery, já com quase sessenta e pertencente a uma das famílias mais tradicionais da cidade.

- Pensei que ela fosse idosa. Ora, ela trocou sexo por dinheiro e poder. Jack, essa é a profissão mais antiga do mundo.

- Bem, parece que Avery não tinha a intenção de cuidar da moça indefinidamente.

- Ela sabia disso?

- Disse que não. Disse que ele prometera manter a mesada mesmo após a morte.

- Sem comentários. Bem, o que quer que eu faça? Não vejo

muita chance de apelar ou obter uma reversão. Talvez ela possa reivindicar a propriedade.

- Ela diz que não se importa com os bens, somente com a mesada.

- De quanto era?

- Não sei. Como lhe disse, não quis ficar fazendo muitas perguntas.

- Bem, seja lá qual for a quantia, espero que tenha lhe dito

que as chances de conseguir esse beneficio são poucas ou nenhuma.

- Eu tentei. Mas ela começou a chorar...

David deu um sorriso torto.

- Aposto que sim.

- Então, acabei prometendo que iria conversar com ela.

Depois, percebi que não ia dar, uma vez que tenho relações com a cunhada dela. Então, estou pedindo-lhe um favor.

- Jack, você não quer...

- Não é tão ruim, David. Amanhã é sexta-feira. Você poderá voar até Atlanta pela manhã, pegar um táxi até a casa dela e estar de volta antes do jantar.

David franziu o cenho.

- Está se esquecendo de que terei que contar a ela que não tem direito a dinheiro, jóias, peles, enfim, nada a que esteja habituada.

- Sim. Mas faça de maneira gentil.

- Para quê? Para provar que advogados têm coração?

- Que atitude fria.

- Estou me sentindo frio ultimamente, Jack. E realista.

- Ouça, sempre estamos fazemos análises preliminares sem cobrar e é só o que estou pedindo. Uma hora de parecer profissional para uma jovem viúva que está precisando. Tenho de admitir que lamento por ela, mesmo sabendo que se casou por dinheiro.

- Que se vendeu, quer dizer.

- Que seja. Mesmo assim, há algo nela. Ela tem esse ar de vulnerabilidade... Ouça, sabemos que a garota tem lá seus problemas, mas ela cumpriu sua parte no acordo até o fim. Ficou com Avery.

- Que dedicação.

- Não seja tão cruel. Ela está em situação delicada. Não tem nenhuma formação, exceto um curso de secretariado.

Jack riu. - Aí está urna idéia. Talvez você devesse oferecer-lhe um emprego.

- Está se esquecendo de uma habilidade, Jack. Aquela que a levou ao casamento.

- Ah, sim. - Russell suspirou. - É espantoso o que um homem faz para levar uma mulher para a cama.

A imagem de Stephanie Willingham surgiu na mente de David.

- Está bem, eu vou falar com ela.

- Obrigado, David.

- Não me agradeça. É pelas desculpas que andou inventando para salvar a minha pele.

- Otimo. Estou com o endereço e o telefone bem aqui.

- E o nome.

- Claro. O nome dela é Willingham.

David enrijeceu-se, apertando a caneta na mão. - Como?

- Willingham. Stephanie Willingham. Não sei como se diz

hoje em dia, mas no meu tempo descrevia-se uma mulher como ela como "um pedaço de mau caminho".

David recostou-se, aniquilado.

- A expressão continua válida, Jack.

Era loucura ver Stephanie novamente. Ainda mais insano fora não contar a verdade a Jack. E falar de ética... David agarrou o volante do carro esportivo.

Optara por dirigir para ter tempo de refletir durante as horas na estrada.

Mesmo um aluno calouro de Direito reprovaria sua atitude.

Era a pessoa errada para dar conselho jurídico à viúva Willingham.

Não era tarde demais para mudar de idéia. Telefonaria a Jack e diria o quê?

Alô, Jack. Ouça, passei uma tarde inteira tentando seduzir a viúva e por isso não me qualifico para o caso.

Mas não havia caso. Ele era apenas um mensageiro e Stephanie, se ainda nutria alguma esperança de voltar aos tribunais, mudaria de idéia assim que ele expusesse os fatos.

David sorriu e acelerou.

 

                                         CAPÍTULO SEIS

O pó tomou conta do ar quando Stephanie tirou a mala de uma estante no sótão.

Após um espirro, ela limpou o nariz na manga do suéter. - Casou-se com um família muito tradicional, mas nunca será parte dela - alfinetara a cunhada Clare, no dia de seu casamento.

Stephanie sorriu, sombria, ao fechar a porta do sótão e descer a escada.

- Vou me esforçar para me adequar - retrucara, ingenuamente, quando ainda, acreditava nas promessas e na gentileza de Avery.

- O seu melhor nunca será bom o suficiente - respondera Clare. Atônita, Stephanie preparava-se para responder quando Avery puxou-a para um canto.

- Lição número um: nunca responda à minha irmã, entendeu? Oh, sim, entendera. Avery mentira... mas o que podia fazer?

Ele era tudo o que restava entre ela e o desespero.

Stephanie levou a mala até o quarto. As mentiras, pelo menos, tinham se acabado. Não tinha lugar para morar, não tinha dinheiro, as contas da clínica em que o irmão estava internado estavam atrasadas, mas ao menos não precisava mais fingir. Nos últimos, dois anos, já pudera deixar de lado a dissimulação. O estado de saúde de Avery não permitia que aparecessem em público com freqüência.

Aliás, não tivera muito trabalho. Continuara dormindo no quarto ao lado do dele, como no início do casamento, atendendo-o quando acordava à noite, ministrando-lhe os medicamentos, servindo-lhe as refeições e limpando-o quando se recusava a ser auxiliado pelas enfermeiras. Fizera tudo isso porque, afinal, dera sua palavra.

Se Avery ao menos houvesse cumprido a dele...

Não. Não pensaria mais no assunto. Não pensaria em mais nada até falar com o sócio de Jack Russell.

Uma funcionária do escritório do sr. Russell telefonara avisando que um colega dele estava a caminho para lhe prestar a consultoria.

- O sr. Russell não vai vir? - questionara, tentando não demonstrar a decepção.

Depois de desligar, Stephanie percebeu que não perguntara o nome da pessoa que viria. Não que fosse importante. Não estava em posição de pedir nada ao sr. Russell. Desde que ele não enviasse o contínuo, já estava satisfeita. Tratava-se de um escritório de advocacia muito respeitado, conforme Avery comentara certa vez;

- O velho Jack é o único homem em Washington que nunca; consegui comprar.

Stephanie soprou uma mecha de cabelo da testa. Até onde entendia, não podia haver recomendação melhor.

- Muito bem, vamos ver o que ainda é aproveitável aqui. Abriu a mala e o cheiro de mofo tomou conta do ar. Arrastando-a para perto da janela, debruçou-se sobre as roupas cuidadosamente dobradas havia sete anos...

E gemeu.

Traças e ratos haviam feito a festa em meio aos guardados.

Havia uma abertura na mala.

- Queime esse lixo - dissera Avery, em seu primeiro dia na casa. A idéia de se livrar do pouco que restara de sua vida, sua vida real, assombrara-a. Por isso, ao invés de obedecer a Avery, guardara a mala no sótão.

Stephanie sentou-se pesadamente na beirada da cama. Era tolice, mas não queria levar nada que não fosse seu. Considerando que o conteúdo da mala estava inutilizado, restavam a calça jeans, o suéter e o par de tênis que estava usando.

- E agora? - sussurrou.

Era mais tolo ainda ficar ali sentada, perdendo tempo, pensando no leite derramado.

- Plano número dois Steffi - animou-se.

Limpou as mãos na calça e abriu as portas do armário. Roupas de grife pendiam nos cabides. Estendeu a mão, hesitante.

- Está sendo idiota - resmungou. - Roupa é roupa, só isso. Exatamente. A verdade fria era que trabalhara muito para ter tudo aquilo.

- Isso mesmo - justificou.

Não levaria muitas, só o suficiente para se apresentar bem até conseguir um emprego, um jeito de se sustentar...

Por Paul.

Mas como? Como? Ela mesma não precisava de muito dinheiro. Para pagar o tratamento do irmão, porém...

Por que perdia tempo numa linha de raciocínio que não levava a nada? Trabalhou rápido, dobrando as peças e colocando-as sobre a cama. Sapatos, roupas íntimas, um suéter.

O som de pneus sobre a via de cascalho chegou pelas janelas abertas.

Stephanie olhou para o relógio e franziu o cenho. Quem seria?

O enviado do sr. Russell não era esperado senão para bem mais tarde e, com exceção dele, não esperava mais ninguém...

Clare.

Claro. Só podia ser a cunhada para reforçar que o prazo para deixar a propriedade esgotava-se.

A campainha tocou. Stephanie olhou-se no espelho. Estava lamentável. Nem um pingo de maquiagem, o cabelo despenteado, o suéter sujo, a calça jeans rasgada e uma unha quebrada.

Pois era exatamente isso o que Clare merecia. Respirou fundo e desceu a escada.

Na varanda, com as mãos nos bolsos da calça, David assobiava tranqüilamente; observando o cenário.

Casa grande e branca, varanda colonial, uma via de acesso tão complicada que quase era preciso um mapa.

Bonito. Muito bonito, se o ideal de boa vida era o cenário de E o Vento Levou... Mas não fazia seu gênero e, de algum modo, não achava que combinava com a viúva Willingham, tampouco. Ora, o que sabia sobre essa mulher cabia em um dedal com lugar de sobra.

Tocou na campainha novamente e franziu o cenho. Não seria o fim se ela não estivesse? Sabia que estava adiantado, sabia que devia ter telefonando do carro, mas não teria podido precisar a hora da chegada.

A quem queria enganar? Não telefonara porque sabia o que Stephanie falaria se soubesse que era ele. Talvez até entrasse em contato com Jack para contar os detalhes. Todos os detalhes, incluindo os mais embaraçosos. Por isso, instruíra a secretária a não informar o nome do enviado à sra. Willingham.

- Apenas diga-lhe para aguardar a visita de um membro do escritório de Russell.

A funcionária estranhara um pouco a instrução, mas, ao contrário do que teria feito a sra. Murchison, não questionara.

E lá estava ele, ansioso... e, graças à hora, inesperado.

David saiu da varanda e deu uma boa olhada na casa. Havia janelas abertas no andar de cima. Podia ver as cortinas finas movimentando-se ao sabor da brisa primaveril. Ela devia estar em casa. Uma última tentativa. De volta à varanda, apertou de novo a campainha e ouviu um som distante lá dentro.

Bastava. Voltaria para a estrada. Ou para o carro. Telefonaria a Jack e diria tudo o que devia ter dito logo no início. Que ele era o homem errado para lidar com a bela e jovem viúva de ar vulnerável e disposição de tigresa...

A porta abriu-se. Stephanie Willingham estava diante dele, com as mãos nos quadris.

- Quer saber de uma coisa, Clare? - dizia ela. - Até onde sei, pode pegar essa casa miserável e...

Interrompeu-se, o semblante refletindo o choque. Não que David notasse muito. Ele mesmo estava bastante chocado.

Aquela não era a mulher sofisticada e estonteante com quem vivia sonhando. Stephanie parecia tão sofisticada quanto uma adolescente. E ela estava... não havia como descrever... lamentável. Tinha o rosto meio sujo e sem maquiagem, o cabelo era uma massa de cachos. Seu suéter e calça jeans definitivamente já tinham visto dias melhores.

Não obstante, achou-a tão bela, tão, adorável, que o choque de revê-Ia deixou-o sem fôlego.

Deixou-o também quase sem mão, a qual mantinha perigosamente junto ao batente da porta.

- Você?! -exclamou ela, e quis fechar a porta.

Rápido, ele posicionou o ombro no caminho e fez uma careta ao receber o impacto.

- Está bem, acalme-se!

- Como se atreve? Como se atreve?

- Sra, Willingham... Stephanie...

- Saia daqui! Está me ouvindo? - vociferou, pontuando cada sílaba com um empurrão na porta.

- Ei... Ei, não faça isso! Vai separar o meu braço do ombro!

- E vai ser bem feito, seu... seu...

- Ouça, sei que não está contente em me ver, mas...

- Não estou contente? Não estou contente? - A voz dela ficou mais aguda. - Saia da minha varanda! Saia da minha propriedade! Vá...

- Calma, mulher, ouça-me!

- Não, sr. Chambersl É o senhor quem vai ouvir. - Ela estreitou o olhar friamente. - Tenho uma espingarda aqui. - Oh, pare de gritar...

- Meu falecido marido dizia que uma arma carregada era a melhor amiga de um homem e, creia-me, da mulher também.

- Ouça, há uma explicação perfeitamente lógica para...

- Saia já da minha porta e pegue o seu carro ou... vou atirar na sua cabeça!

Ela teria mesmo uma arma? David não estava vendo nada, mas o que isso provava? Não ver uma arma não significava que ela não existia. Tratava-se da lição de sobrevivência urbana número um.

- Sra. Willingham, está reagindo desproporcionalmente,

- Mexa-se, sr. Chambers!

- Stephanie, por que...

- Um... Dois... Três...

- O que está fazendo?

- Estou contando. Tem cinco segundos, senhor. Dois, para ser exata, e, se eu não estiver olhando para as suas costas dentro desse tempo, vou atirar.

David suspirou.

- Jack Russell – declarou.

Aproveitando o momento de confusão dela, empurrou a porta e avançou.

Stephanie estava um degrau acima. Mas ele tinha mais peso. Altura. Força. E a certeza de que ela, se realmente tinha uma arma, não hesitaria em usá-Ia.

As dobradiças rangeram. Stephanie gritou. A porta abriu-se o suficiente para que ele entrasse. Ela gritou novamente quando ele avançou mais e a agarrou. Juntos, colidiram contra a parede.

O cotovelo de David absorveu o choque. Ele sabia que sentiria dor mais tarde.

Agora, estava ciente apenas da presença dela.

De Stephanie. De sua maciez, do volume de seus seios, apaarentemente sem sutiã sob o suéter folgado. De seus cabelos sedosos. De seu aroma de mulher, um misto de flores e suor...

E de seu joelho, que ela preparava para impulsionar contra a parte mais vulnerável do corpo dele.

David praguejou e recuou bem a tempo. Ela o atingiu na coxa, mas bastou para ele entendera mensagem.

Não havia arma, registrara o fato imediatamente, mas isso não significava que ela não estava disposta a matar.

- Chega! – avisou ele sombrio quando ela tentou atingi-Io no olho com o polegar e na virilha com o joelho. Agarrou-a pelos pulsos e segurou-os acima de sua cabeça junto à parede. - Chega, ScarIett!

- Eu vou gritar! - ameaçou Stephanie, ofegante. - E todos na casa vão vir correndo! A arrumadeira. O mordomo. O motorista. A cozinheira. A governanta...

- É engraçado nenhum deles ter vindo correndo atender à campainha, nem aparecer quando você começou com a gritaria.

Ela ruborizou.

- Eles, ...eles estão ocupados.

- Ocupados. - David sorriu, sedutor. - Claro. Por que não pensei nisso? Nenhum criado bem treinado interromperia o serviço para atender à porta, ou aos gritos da patroa.

- Estão todos aqui, estou avisando.

- Claro que estão.

- Só tenho que chamá-Ios...

- Chame.

- E eles virão correndo.

- Estarão abalroando-se no afã de socorrê-Ia?

- Sim. Não. Quero dizer...

- Eu sei o que quer dizer Scarlett. Só não vou acreditar. Já contou muita lorota. Primeiro, a arma...

- Espingarda - corrigiu Stephanie, com dignidade surpreendente.

- E agora, a criadagem em peso. - David riu. - Você tem uma imaginação e tanto.

Ela ruborizou intensamente.

- E você é mesmo impertinente, vindo aqui!

- É o que estou tentando dizer, estou aqui por um motivo... e não pelo motivo que acha que estou.

Mas ele também estava tendo problema em lembrar-se do motivo da visita. O suposto motivo, pois a verdade era que estivera pensando numa maneira de reencontrá-Ia desde que lhe dera as costas no avião, após, o pouso, naquele domingo.

Podia ver-lhe a pulsação através da pele delicada do pescoço.

Ela não estava mais com medo dele.   As palavras mágicas, Jack Russell, haviam-na tranqüilizado. Ela só estava atenta, e zangada. E maravilhosa.

Respirava ofegante e nem o tamanho grande do blusão disfarçava o subir e descer dos seios fartos. Ainda mantendo as mãos dela presas no alto da cabeça, imobilizava-a com seu próprio peso... pois era a única forma de manter seu joelho fora de ação. Só então percebeu que os quadris dela estavam em posição de...

Ele se sentiu excitado. Ela arregalou os olhos ao perceber o imediatismo da ereção dele contra seu corpo.

Stephanie sentiu a pulsação acelerar. Sabia o que ocorria e estava correspondendo. Ela o queria. Ela queria o que ele, agora sabia, nunca deixara de desejar.

Ele passou a mão por seu pescoço e rosto. A pele estava fria. Tateou-Ihe os lábios com o polegar e ela os entreabriu.

Ele estava pegando fogo!

David sussurrou o nome dela, a voz rouca e grave de desejo.

O som pareceu assustá-Ia. Ele sentiu que ela se enrijecia.

- Não - implorou Stephanie. - Por favor, não.

Mesmo cego de desejo, David reconheceu o medo no pedido. Ficou atônito.

Conhecera muitas mulheres ao longo dos anos. Algumas diziam que o adoravam, a ex-esposa o desprezava, mas nenhuma sentia medo dele. Tratava-se de uma experiência nova e ruim.

Não havia nada pior do que um homem que inspirava medo nas mulheres.

E Stephanie não estava apenas com medo. Estava aterrorizada. Ele tomou-lhe os ombros e sentiu-a estremecer.

- Ouça-me. Não vou machucá-Ia. Eu nunca a machucaria...

- Solte-me!

Ele obedeceu, imediatamente, embora quisesse envolvê-Ia nos braços, prometer-lhe que ninguém a magoaria, não ennquanto ele estivesse ali ...

- Agora, saia da minha casa. - Ela apontou para a porta.

Estava trêmula, mas a voz saiu firme e clara.

- Jack Russell pediu-me para conversar com você.

- Eu não acredito em você!

- Jack me disse que você telefonou para falar sobre um problema legal. Ele me pediu para vir aqui discutir O assunto com você.

Ela estreitou o olhar.

- Por que ele faria isso? E como conhece o sr. Russell?

- Nós somos sócios no, mesmo escritório de advocacia. Ele me disse que você precisava de assistência jurídica.

Ela encarou-o, sem falar nada, e então riu.

- Deixe-me ver se entendi. Você é o mensageiro dele? David contraiu os lábios.

- Não sou mensageiro. Jack me pediu para conversar com você e eu disse que viria, como um favor. A Jack – acrescentou com ênfase.

Estaria ele falando a verdade?, imaginou Stephanie. Provaavelmente. Ele não saberia sobre o telefonema a Russell, de outro modo. Não que isso alterasse os fatos. Se pudesse optar entre Godzilla e David Chambers, teria escolhido o primeiro, mesmo sem grau em Direito.

Stephanie endireitou o corpo e esticou-se em toda a altura, ou seja, um metro e sessenta e três.

- Bem, já fez o seu trabalho. Veio aqui me ver... e agora, pode voltar para casa. - Ergueu o queixo. - Pode dizer ao sr. Russell que fez o que ele lhe pediu e que eu o dispensei.

- Não foi nada, Scarlett. Sempre achei que era uma perda de tempo. Eu disse a Jack que você não tinha nada nas mãos. - Obrigada por sua opinião, sr. Chambers. E adeus.

- Mandarei lembranças suas a Jack.

- Faça isso.

Ele assentiu, pisou na varanda, avançou para os degraus ...

Bolas! Zangado, voltou-se. - Eu estava errado.

- Com certeza.

- É uma perda. A minha... considerando que já perdi o dia.

- Que pena - lamentou ela, docemente.

- Sim. Tenho certeza de que está penalizada por eu não estar na fazenda neste exato momento.

- Minha nossa - ronronou ela. - Não sabia que havia fazendas na capital do país. - E ela riu. David teve vontade de ir até ela e sacudi-la até ela parar de rir ...

Ou agarrá-Ia e beijá-Ia até que se derretesse em seus braços. - Parece que tem uma escolha aqui - declarou David, bruscamente. - Pode se sentir contente por ter estragado o meu fim de semana, ou descer do pedestal e me contar a sua' história. - Afastou o paletó e levou as mãos aos quadris. A escolha é sua. Embora, francamente, eu não ligue a mínima.

Ele não dava a mínima. Stephanie podia ver, pela atitude. E pela expressão no rosto. O belo rosto que povoava seus sonhos e seus pensamentos, noite e dia.

Tudo nele era exatamente como se lembrava. O cabelo escuro preso em um rabo-de-cavalo; a pele levemente bronzeada, paarecendo muito saudável. As roupas de corte elegante. As botas, longe de impecáveis, pareciam usadas e não de enfeite. Podia imaginar a fazenda, o pátio bem cuidado, empregados eficazes, uma sala com caveiras de animais na qual ele se fazia de herói do Oeste, quando, na verdade, outros savam a camisa...

- A escolha é sua. Stephanie piscou.

- Eu não .. o que disse?

- Eu disse... - Ele olhou para o relógio de propósito. - Pense bem. Se vou voltar a Washington, preciso partir agora mesmo. - Sorriu ironicamente. - Talvez chegue a tempo de fazer algo agradável com a minha noite de sexta-feira.

Em outras palavras, procuraria alguma mulher, pensou Stephanie. Ele a levaria a algum lugar charmoso para jantar, iriam a seu apartamento e...

Não era da sua conta. Absolutamente. - Bem? - exigiu ele. - O que vai ser?

Não que precisasse perguntar. David quase sorriu. O semblante de Stephanie era quase um livro aberto. Queria manndá-Io embora. Ou melhor, gostaria de empurrá-Io escada abaixo, para fora de sua varanda.

Mas também queria que ele ficasse. Isso não o surpreendia.

Ela telefonara a Jack em busca de ajuda. Recusar essa ajuda agora seria estupidez e a viúva Willingham não era idiota.

Ele afastou a manga, olhou novamente para o relógio e aquilo foi suficiente.

- Tem razão - concordou ela, rápido, como se não tivesse coragem para falar normalmente. - Suponho que não tenho escolha.

- Sempre há uma escolha, Scarlett. Acho que é adulta o suficiente para saber disso.

Ela sorriu amargamente ante a leve ironia. Como ele era presunçoso. Como era seguro de si mesmo. Como era total, completa e egoisticamente masculino.

Pensou em dizer-lhe isso, acrescentando que só acreditava realmente que sempre havia escolha quem nascera em berço de ouro.

Stephanie voltou-se para entrar na casa.

- Muito bem, sr. Chambers. Eu lhe darei dez minutos.

-Não.

Incrédula, ela voltou-se.

- Não? Mas acaba de dizer...

- Você não vai me dar nada - corrigiu David. - Vamos deixar tudo claro desde o começo. Sou eu que estou dando algo a você. E se não entender isso, vou embora.

Ela ficou muito vermelha.

- Eu não gosto do senhor, sr. Chambers. Vamos deixar isso bem claro.

Ele riu.

- Ora, Scarlett, querida, você acaba de despedaçar o meu coração.

- Aceito como um elogio, embora ambos saibamos que o senhor não tem coração. - Stephanie voltou-se para a porta. - Podemos conversar aqui na sala.

David hesitou.

- Vai me acompanhar, senhor? Ou mudou de idéia? Mudei, aconselhou uma voz interior dele a dizer. Não seja idiota, Chambers.

- Não seja boba - declarou, com um sorriso forçado. - Não perderia a nossa conversa por nada.

Ele passou por ela e entrou na sala.

 

                                   CAPÍTULO SETE

A sala combinava com a casa, ou melhor, combinava com a expectativa de David.

Grande e espaçosa, era uma relíquia de uma era passada.

E fora decorada para impressionar, com sofás de veludo preto e cadeiras delicadas.

- Sente-se, sr. Chambers. - Stephanie abriu a primeira gaveta de uma escrivaninha de mogno. - Aquela namoradeira verde provavelmente é o lugar mais confortável e pode acender o abajur.

David olhou para a namoradeira em questão. Confortável não era bem o termo que usaria para descrevê-Ia, mas, comparada às outras cadeiras e sofás na sala cavernosa, concluiu que ela estava certa. Passou a mão sobre o retângulo branco que marcava o encosto de cabeça.

- Capas - identificou, com uma risada. - Não sabia que ainda eram fabrica das.

Stephanie voltou-se para ele, um punhado de papéis na mão e algo vagamente semelhante a um sorriso nos lábios. - Não fabricam, mas Clare faz.

- A sua cunhada?

- Sim. Capas para encosto de cabeça não são artigos populares hoje em dia,

- Eu tinha uma tia que colocava-as em todos os móveis da sala da frente, como ela dizia. - David foi até a lareira em que caberia uma casa para quatro Pessoas. - Não nos era permitido entrar nessa sala, mas, às vezes, quando estávamos de visita, eu ia espiar. Era como invadir uma propriedade...

- Franziu o cenho, como se, de repente, percebesse o que estava dizendo, e pigarreou. - Não que esta sala se pareça com a de tia Min - emendou, rápido. - Esta é,bem, é ... interessante.

- Não tente ser educado, sr. Chambers. Vai contra a sua natureza. Além disso, não há necessidade de medir as palavras. Esta sala não é interessante. É feia. Todos sabem disso. Só Avery gostava dela.

- Stephanie passou-lhe os documentos. - Esta é toda a correspondência que mantive com o meu advogado, com o juiz, com Dawes e Smith...

- Os advogados de Clare?

- Isso mesmo.

David folheou os documentos. - Impressionante.

- E inútil. Eu já tinha perdido a guerra antes mesmo do primeiro tiro.

- Sim. Jack me contou que seu marido e a irmã possuíam todas as propriedades em conjunto. Isso significa...

- Eu sei o que significa - adiantou Stephanie, impaciente.

- Eu também sei o que Avery me prometeu...

- Dinheiro - completou David.

- Dinheiro ao qual tenho direito. - Ela ruborizou, mas manteve a cabeça erguida. - E quanto a ter perdido a guerra antes mesmo do primeiro tiro... precisa ficar ciente de que não há uma pessoa nesse distrito que queira que eu fique com um centavo sequer do espólio de meu marido.

- O que as pessoas querem pouco tem a ver com o que a lei determina.

Stephanie riu.

- Sr. Chambers, olhe ao seu redor. Está na casa de Avery Willingham, na cidade batizada por um ancestral dele. Talvez eu tenha abreviado uma ou duas gerações, nunca memorizei muito bem. Meu marido possuía essa cidade e as pessoas que nela vivem. Todos o admiravam, o reverenciavam...

- Todos, menos você - observou David, sem deixar de encará-Ia.

Stephanie não desviou o olhar.

- Veio aqui para julgar ou para dar um parecer jurídico? .

Se for para julgar, devo informá-lo de que já fui julgada o bastante, nesse caso, pode dar a volta e ir embora. Se for para dar um parecer jurídico, sugiro que leia esses documentos e me diga logo o que acha.

David sorriu.

-Concluo que não é adepta da delicadeza das mulheres sulistas, sra. Willingham.

- Delicadeza é tolerância e não tenho tempo, nem paciência para tanto.

- Não. Não com os bens de seu marido em jogo. Ela nem piscou.

- Isso mesmo. Então, o que vai ser? Vai analisar os documentos ou vai embora?

Espantoso, pensou. Essa mulher só tinha a aparência de fragilidade. Por baixo do exterior delicado, tinha uma força que ele admirava, ainda que não admirasse a origem daquela força.

- Bem? O que vai ser, sr. Chambers?

A lógica e a razão diziam que ele deveria largar os papéis na mesa mais próxima, mas passara várias horas na estrada para chegar ali. De que adiantaria ir embora àquela altura? Além disso, estava fazendo um favor a Jack, e não à sra. Willingham. Assim, foi até a namoradeira que ela indicara, desabotoou o.paletó e sentou-se.

- Prepare um bule de café forte para mim e conversaremos daqui a uma hora.

Stephanie esforçou-se para não demonstrar o alívio que sentia. Por um minuto, pensou que David poderia largar os documentos e ir embora. E não queria isso, apesar das ameaças. Precisava de seu conselho e era só o que queria daquele homem.

 

Ela ficou observando enquanto ele começava a ler a primeira página. Após um minuto, ele franziu o cenho, soergueu-se, despiu o paletó e colocou de lado. Então, endireitou-se e ergueu as mangas da camisa, sem tirar os olhos dos papéis.

Já tinha se esquecido da presença dela. Bem, Stephanie estava habituada a isso. Avery costumava fazer a mesma coisa... Não, não era bem assim. O marido ignorava-a deliberadamente. Era seu jeito de mostrar-lhe seu lugar naquela casa, enquanto David mantinha-se alheio por estar concentrado nos documentos. Ele mantinha o cenho franzido, os olhos azuis perspicazes fixos no têxto.    

Ela focalizou as mãos. Eram fortes e muito masculinas. Os antebraços musculosos cobriam-se de uma penugem escura.

Ele deveria parecer deslocado naquele ambiente exótico, mas, ao contrário, parecia... parecia... grande e maravilhosamente selvagem. David dominava o ambiente com sua presença.

- Mereço um café ou não?

Ela espantou-se com o tom rude. Ele ergueu o olhar, a expressão enigmática, e então sorriu-lhe, condescendente. -Ou você não sabe fazer café?

- Ficaria chocado com o que eu sei fazer - informou Stephanie, desdenhosa.

Duvido, pensou David, enquanto ela deixava a sala. Respirou fundo e forçou-se a concentrar-se nos documentos e nas leis.

A lei, pelo menos, sempre fazia sentido.

David mal notou Stephanie pousando uma bandeja na mesa a seu lado. Estendeu a mão, localizou a xícara pelo tato e tomou um gole. O café estava forte, quente e muito gostoso. Aprovado.

Quando ergueu a cabeça novamente, a xícara e o bule estavam vazios. Stephanie estava sentada à sua frente, com os tornozelos cruzados e as mãos no colo.

- Bebeu todo o café - comentou ela. - Quer que eu prepare mais?

David balançou a cabeça, movimentou os ombros e pegou os documentos que estavam sobre uma almofada.

- Não, chega. Já acabei de ler. - Ele levantou-se e foi até a escrivaninha .

- E - indagou Stephanie. - O que acha?

Ele se voltou para encará-Ia. Viu seus dedos entrecruzados .

Ela, estava apreensiva e não podia culpá-Ia. Investira mais de seis anos num projeto chamado Avery Willingham e agora teria o pagamento cancelado.

- As chances de uma mudança na decisão do juiz são de poucas a nenhuma.

- Não quero que ele mude a decisão. Pensei que tivesse entendido isso. Clare pode ficar com tudo, Eu só quero o que me foi prometido.

- Que equivale a nada. Aos olhos da lei, não há provas de que tenha sido feita alguma promessa.

Stephanie assentiu. Seu semblante nada revelava. - Bem, então, acho que ...

- Não adianta tentar enganar nesse caso - declarou David com voz rouca.

- Enganar?

- Sobre por que decidiu depenar Willingham. - Ele assentiu à escrivaninha e aos documentos. - Foi um acordo, puro e simples. Ele depositava dinheiro na sua conta e você lhe dava o que ele queria. Tenho que admitir, Scarlett, você parece frágil, mas tem uma caixa registradora onde as pessoas geralmente têm coração.

Stephanle ruborizou e levantou-se.

- Ao contrário de sua dedução, sr. Chambers, eu não decidi depenar Avery. Eu o conhecia há muitos anos. Trabalhei para ele como secretária. - David desdenhou e ela aproximou-se, zangada. - Eu era uma secretária muito eficaz!

- Até olhar ao redor e ver que tinha uma vaga mais bem remunerada.

- Você é como todo o mundo! Já sabe de tudo e não dá a mínima para a verdade.

- Conte-me, então - desafiou David, de repente sério. Dê-me um motivo para continuar, dê-me outra perspectiva, faça com que isso tudo possa ser interpretado de outra forma.

- Quer que eu prove a minha inocência? Pensei que os advogados defendiam seus clientes, independentemente de serem culpados ou inocentes.

- Você está distorcendo os fatos, Scarlett. Você não é minha cliente, lembra-se? Quanto a culpa ou inocência, não é o caso aqui.

- Então, por que quer que eu me defenda perante você?

- Não quero.

- Ótimo. Porque não tenho essa intenção. - Stephanie

levou as mãos aos quadris. - Mas vou dizer-lhe uma coisa. Fui secretária de Avery por um ano. E então ... - Sentiu um nó na garganta e engoliu em seco. - Então, ele disse que precisava mesmo era de uma esposa. Alguém que administrasse a casa e entretesse suas visitas.

David sorriu, conhecedor.

- E aposto como você se saía melhor entretendo do que taquigrafando.

- Em troca, Avery concordou em... em me recompensar.

Foi idéia dele, tudo. O casamento, os termos... e o pagamento.

- E você aceitou logo.

Stephanie pensou em como ficara chocada quando Avery propusera-lhe o acerto. Pensou em como agonizara com aquilo. Pensou em como ele observara que era a única maneira de ela garantir o tratamento de Paul...

E na promessa de que nada entre eles mudaria.

- É assim que advogam no seu escritório, sr. Chambers?

- A voz dela saiu fria e firme. Tinha que sair. Jurara que nunca demonstraria fraqueza novamente. - Os advogados poodem ser juízes e júri também?

David sorriu de tal jeito que Stephanie teve vontade de recuar um passo.

- Não. Não podem. - Ele começou a avançar e ela recuou um passo, depois outro, até que seus ombros atingiram a paarede. - Francamente, sempre achei isso uma lástima. Após algum tempo, a maioria dos advogados sabe dizer se o cliente está falando a verdade ou um monte de bobagens,

- Eu não sou sua cliente, lembra-se?

- É uma boa história, Scarlett, e você a conta muito bem.

Mas a verdade simples é que você induziu Avery Willingham ao casamento. Bem, talvez induzir seja uma palavra muito forte. - Ele procurou outro termo. - O que você fez foi lançar a isca. Então, voltou a seu posto e ficou esperando...

- Saia da minha casa!

- Qual é o problema? A verdade é dura demais para a sua delicadeza? Ou há alguma outra verdade que por acaso me escapa? Se há, conte-me agora.

Claro que havia outra verdade. A única verdade. Mas prometera a Paul que nunca revelaria a ninguém.

- O pobre sr. Willingham comprou você. Dois mil e quinhentos dólares por mês, depositados em sua conta. Esse foi o acordo.

- Sim - confirmou ela. - Esse foi o acordo.

David assentiu calmamente, embora sentisse o estômago embrulhado. Avaliou os olhos castanhos dela. O que esperava? Que ela chorasse? Que ela inventasse alguma história incrível, como a de ter sido forçada ao casamento? Ao chegar ali, já sabia a verdade. Ela se vendera pela maior oferta. Fora para a cama por dinheiro..

Mas, se ele tivesse pedido; ela teria ido para a cama com ele por desejo. Ela gemera de prazer em seus braços, correspondera aos beijos com uma paixão que ele ainda tinha na memória e ele não comprara esses momentos com moedas. Poderia fazê-la gemer novamente, querê-lo novamente, ainda agora. Tudo o que precisava fazer era estender...

David praguejou mentalmente. Passou por ela, respirou fundo, só o bastante para recuperar o controle, e então voltou-se.

- Queria a minha opinião profissional e aí está. - Ele a encarou. - Deveria ter consultado um advogado antes de concordar em se casar com Willingham.

- Avery era advogado - informou ela. - Ele me assegurou que estava tomando conta de tudo.

- Sim, bem, ele com certeza tomou conta. Ele arrumou para que a festança acabasse no dia em que ele morresse.

- Eu pensei ... eu esperava que o meu ... meu acerto com meu marido pudesse ser baseado em um tipo de contrato argumentou Stephanie.

- Você quer dizer; um contrato oral? - David balançou a cabeça. - Você precisaria de uma testemunha imparcial, ou, pelo menos uma série de circunstâncias que justificasse a pertinência do contrato. A sua melhor chance seria achar um juiz que ficasse com pena e considerasse que um homem não deixaria a esposa sem um centavo ... mas você já tentou essa alternativa.

Ela assentiu, enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans e olhou para o assoalho. Pela primeira vez, a derrota transparecia em sua postura corporal. Apesar do que sabia sobre ela, David sentiu uma ponta de simpatia.

- Acha que o sr. Russell concordaria com a sua opinião? - Sim - declarou David, pois não havia motivo para mentir.

- Bem. Desculpe-me pelo incômodo, sr. Chambers.

- Você pode entrar em contato com outro advogado, não o que a representou antes. Pergunte se ele pode levar o caso adiante.

- Não. Deixou claro que seria uma batalha perdida e, além disso, ninguém por aqui quer se envolver. - Ela estendeu a mão.

- Suponho que possa conseguir uma prorrogação, assim, não terá que sair da casa hoje.

Ela enfiou a mão novamente no bolso e balançou a cabeça. - Não adianta ficar' protelando o inevitável.

- Tem para onde ir?

- Claro - respondeu Stephanie, rápido demais. A mentira saiu com facilidade, mas não ia deixar que o mundo, e que David em particular, soubesse quão ruim era sua situação.

- E você fez uma poupança. Todo esse dinheiro, indo para a sua conta mês a mês... Deve ter o bastante para um recomeço.

Mentir mais uma vez foi ainda mais fáciL

- Com certeza. Obrigada por seu tempo e, por favor, agradeça ao sr. Russell também. Agora, se não se importa, tenho muitas coisas para providenciar...

- Só fico imaginando ... dava valor ao seu marido pelo dinheiro que ele tinha?

Ela voltou-se rapidamente, o rosto ruborizado.

- Não é da sua conta!

- Na verdade, é.

O que pensa que está fazendo, Chambers?, sussurrou uma voz interna, mas ele ignorou-a. A verdade era que ultrapassara o ponto de retorno havia duas semanas, no avião.

- E da minha conta, sim. Como seu advogado...

- Um de nós ensandeceu, sr. Chambers. O senhor deixou bem claro que não é meu advogado.

- Questão de semântica - embromou ele. - Eu lhe dei conselho jurídico, não foi?

- Deu, sim, mas ...

- Então, seria negligente se não lhe perguntasse se você não manteve a sua parte no contrato oraL - Mas você disse que...

- Eu sei o que eu disse. - Ele não sabia. Não sabia nem o que estava dizendo naquele momento. Só sabia que queria tocá-Ia novamente, que algo primitivo estava manifestando-se em seu ser. Ela parecia tão perdida, só. - Preciso de mais informações - reiterou, e foi até ela, permanecendo a poucos centímetros de distância. - Sobre o seu relacionamento com Willingham.

Ele focalizou o rosto confuso de Stephanie. Estendeu a mão e o acariciou. Ela se afastou, assustada.

- Você gostava dele? Fora o dinheiro,quero dizer... Era feliz com ele?

- Não tem o direito de fazer tal pergunta...

- Você estremecia quando ele a tocava?

Ele tomou-lhe o rosto na mão e, então afagou-lhe o pescoço.

Ela sentiu a mão quente e enrijeceu-se, tentando negar o que sentia. Simplesmente não podia .. não devia...

- Você estremece quando eu a toco - informou ele, a voz grave e rouca. - Como agora.

- Pare - advertiu ela, mas a voz saiu fraca. - David, pare. Ele focalizou sua boca. Ela entreabriu os lábios, como ele previra. Ele sentiu uma onda de calor invadir-lhe o corpo. Proonunciou o nome dela, envolveu-a nos braços, enterrou a mão em seus cabelos sedosos e sentiu o peso da massa de fios.

- David - sussurrou ela, e ficou sem fôlego. - David?

- Sim - atendeu ele, mergulhando na escuridão dos olhos castanhos. - Isso mesmo. David. Só David... .

Ele a beijou. Ou ela o beijou. No final, não importava mais.

A fusão completou-se. Bocas, corpos ... Onde ela começava e ele acabava? David não sabia e não se importava. Não queria pensar em mais nada, só na sensação de ter Stephanie em seus braços, ardente e receptiva.

 

                                       CAPÍTULO OITO

Nada importava, só estar nos braços de David Stephanie sentia-se leve e moldou seu corpo ao dele. Toda a racionalidade desaparecera.

Tocá-Io. Sentir o calor do corpo dele. A carícia da língua em sua boca. Sentia-se girando, girando, como um planeta ao redor do sol incandescente.

David sussurrou seu nome quando segurou-lhe o rosto para aprofundar o beijo. Disse algo mais contra seus lábios. Não entendeu as palavras, mas sabia o que ele queria dizer. A resposta veio na forma como o acariciou e moveu-se contra seu corpo.

- Scarlett... - Ele apalpou-lhe as nádegas e ergueu-apara que sentisse o efeito de sua ação.

A realidade deveria tê-Ia assustado, como no passado. Mas o que sentiu foi excitação. Aquele era David... um sonho esquecido de menina. Ele era um milhão de desejos reprimidos, e muito mais.

- Diga o que quer - declarou ele. Apalpou-lhe o seio e pressionou os lábios contra seu pescoço. - Diga que sou eu, Scarlett. Diga...

- Minha nossa! Ora, ora; que cena escandalosa! - exclamou uma voz rabugenta.

Eles se afastaram. Instintivamente, David posicionou-se à frente de Stephanie enquanto se voltavam para a recém-chegada, No meio da grande sala, postava-se uma mulher no mínimo vinte anos mais velha do que Stephanie.

- Clare? - identificou Stephanie, constrangida.

- A irmã de Avery Willingham. - David estreitou o olhar.

- Em carne e osso - afirmou a mulher, malévola.- E posso saber que é o charmoso visitante?

Stephanie aproximou-se da cunhada. - O que está fazendo aqui, Clare?

- O que estou fazendo aqui? Que pergunta. Esta casa é minha, mocinha. Não preciso de um motivo para estar aqui. - Não é sua, não até a meia-noite.

Clare encolheu os ombros.

- Um detalhe técnico.

- Até lá, por favor, toque a campainha se quiser entrar. - Eu toquei, mocinha. Mas ninguém respondeu. Claro que entendo o motivo. Você estava... ocupada. Você e o cavalheiro... - Chambers. David Chambers - apresentou-se ele.

- Prazer, sr. Chambers. Lamento tê-Io interrompido, mas não sabia que Stephanie estava entretendo um cavalheiro, sendo esta semana tão movimentada para ela...

David pousou a mão no ombro de Stephanie. Ela estava rígida, mas também trêmula.

- O que você quer, Clare?

- Ora, só estou me certificando de que tudo vai correr conforme o previsto. Tudo o que está aqui é meu, mocinha. Todas essas peças preciosas que vêm passando de geração em geração.

- Como poderia me esquecer disso?

- Não vai levar nada, está entendendo? Nem um talher. - Não precisa se preocupar, Clare, Não quero nada dessas... dessas coisas. Pretendo sair com a mesma mala com que entrei. ~ Apenas certifique-se de que não vai levar nada além do que trouxe para cá, entendeu, mocinha?

- O seu advogado já fez um inventário.

- E como vou saber ql,le não vai levar nada meu? Gente como você é capaz de qualquer coisa.

- Vá embora, Clare. Pode fazer todas as grosserias que quiser depois da meia-noite.

- E aquele armário cheio de roupas que meu irmão comprou-lhe. Certifique-se de que...

- A roupa é da sra. Willingham.

Ambas as mulheres olharam para David.

- Perdão? - declarou Clare.

- Eu sou o advogado da sra. Willingham e disse que as roupas pertencem a ela. É propriedade pessoal.

Clare riu.

- Não desiste, não é, mocinha? Bem chegou tarde, senhor advogado. 0 caso já foi encerrado.

- Encerrado ou não, a sra. Willingham tem certos direitos.

Estou aqui para garantir que ela os exerça sem interferência.

- Verdade? E eu que achava que o senhor e minha cunhada eram... bem, não vou usar a palavra. Sou uma lady.

- Mesmo? - David sorriu irônico. - Pensei que uma lady soubesse que invadir propriedade é contra a lei.

- Não seja ridículo! Esta mansão me pertence.

- Não até a meia-noite.

- Eu tenho uma chave!

David ergueu uma sobrancelha.

- Deu uma chave a esta senhora, sra. Willingham? Stephanie olhou para ele, atônita. Nesse meses todos, era a primeira vez que alguém vinha em sua defesa.

- Não. Não, eu...

- Minha cliente diz que não lhe deu uma chave e sou testemunha de que a senhora não pediu permissão para entrar, nem recebeu autorização. De onde eu venho, isso a torna uma invasora até que a ordem do juiz entre em vigor.

Clare lançou um olhar maligno para Stephanie .

- É melhor dizer a esse seu advogado exaltado que ele está sendo estúpido! Talvez ele não saiba quem eu sou!

- Ele sabe quem você é - afirmou Stephanie. - E temo que ele saiba também o que você é!

- Não sei que brincadeira vocês dois estão fazendo. Só lhe digo uma coisa, é melhor estar fora daqui à meia-noite.

- Com prazer.

- Eu fiquei sabendo do telefonema que deu ao juiz...

- Não precisa entrar em detalhes - apressou-se Stephanie.

- ...pedindo tempo para encontrar um lugar para morar e um emprego, lamuriando-se por não ter um tostão...

- Eu disse que não quero discutir esse assunto agora, Clare.

- Veio para esta mansão sem nada e vai sair sem nada. . Pode dormir na rua, por mim!

- Isso é verdade? ~ indagou David, brando, encarando Stephanie.

- Não é problema seu!

- Stephanie, responda-me! Você tem dinheiro e lugar para morar?

- Ela não tem nada! - tripudiou a cunhada.

- Raios, diga que ela está mentindo! - grunhiu David.

- Não tenho, David. Ela está dizendo a verdade. Está satisfeito?

David estreitou o olhar. O que ela fizera com o dinheiro que recebeu de Willingham? Não que isso fosse de sua conta. Socorrera-a porque era atitude correta. Nenhum advogado permitiria que ela entregasse uma propriedade que legalmente ainda lhe pertencia. Mas o resto, o que aconteceria a ela depois... ela estava certa. Não era problema dele.

- Apenas certifique-se de que nada que me pertence caia na sua mala acidentalmente quando você for embora! - vociferou a cunhada.

- Eu não vou levar nada desta casa, Clare. Não quero nada que tenha pertencido aos Willinghams. Não entendeu isso ainda?

- E melhor você entender que espero reaver tudo o que me pertence. Ouviu?

- Ouvi - declarou Stephanie.

Então, com um movimento gracioso de mão, que quase poderia ser acidental, esbarrou na mesa onde estatuetas horríveis de cupidos e pastores estavam dispostas, fazendo-as ir ao chão.

Ninguem se moveu. Ninguém nem mesmo respirou. Clare, Stephanie e David olharam para o chão.

Stephanie foi a primeira a erguer a cabeça.

- Oh, minha nossa, olhem o que eu fiz, não sei como pude ser tão desastrada!

- Ora, sua ... sua ...

- Acidentes acontecem - declarou David, tentando controlar o riso. - Não é mesmo, sra. Willingham? - Infelizmente.

- Acidente? Não foi acidente! Ela fez de propósito!

- Pode mover um processo - aconselhou David.

- E para quê, espertinho? Sua cliente está falida, ou já se esqueceu disso?

- Não. Não me esqueci. Mande a conta para mim, então.

- David, isso não é necessário ~ protestou Stephanie.

- Claro que é! - Clare agarrou o cartão de David: - Quanto vai custar repor essas peças. Elas são...

- Peças preciosas que vêm passando de geração em geração.

- David assentiu e olhou para as peças danificadas. Um caco chamou-lhe a atenção. - Made in Taiwan - leu, em voz alta. Como disse, pode mandar a conta.

- David, não é necessário. Eu posso recompensar Clare pelos objetos.

- Quando? - exigiu Clare.

- Sim. Quando? - indagou David também.

- Bem... bem, eu entrarei em contato assim que estiver instalada.

- Assim que tiver onde morar - traduziu ele. -E assim que tiver dinheiro para comprar mantimentos, quer dizer.

Stephanie ruborizou.

- Meu domicílio e modo de vida não interessam a ninguém além de mim.

- Deveria interessar à corte. O seu advogado dormiu no ponto quando cuidou do seu caso.

- Não quero discutir esse assunto! - esbravejou Stephanie.

- Eu trabalhava como secretária. Posso arrumar um emprego novamente. Irei... irei para Atlanta. Arranjarei um emprego e reembolsarei Clare até o último centavo.

Foi quando David teve a idéia. Era simples, óbvia e lógica.

Uma solução excelente, ainda que temporária, para todos os problemas. Claro, se ele ignorasse a voz interior gritando "enlouqueceu ?"

- Tem razão. Você vai reembolsá-Ia.

Stephanie assentiu.

-Bem, estou contente por estarmos de acordo.

- Eu lhe darei um adiantamento de um mês e você poderá enviar-lhe um cheque.

- O quê?

- Não é um procedimento comum. A Russell, Russell, Hanley e Chambers não oferece esse beneficio de financiamento de dívidas a novos funcionários, mas vamos abrir uma exceção. Afinal, agora que lhe arranjamos um bom emprego...

- Arranjamos?

- Como minha secretária.

Stephanie ficou boquiaberta. - Como sua...

- Minha secretária. Exatamente.

- Não! David...

- E agora que tive tempo para pensar no assunto, aconselho-a a deixar as tais roupas aqui. Stephanie? - David estendeu a mão para ela.

Stephanie olhou para a mão dele e pensou na mala aberta sobre a cama.

- Stephanie? Podemos partir? - convidou ele. Não seja estúpida, censurou-se, não seja idiota... - Sim, podemos - concordou ela.

Sorrindo, aceitou a mão estendida e caminhou para fora da mansão, para longe da cunhada horrível e das lembranças terríveis de uma vida que nunca desejara.

Aquele dia começara com brisa suave e sol brilhante. Ao deixarem a mansão, o tempo já começava a fechar. Enquanto viajavam pela estrada, já estava chovendo farte.

Stephanie mantinha-se rígida e silenciosa. A euforia da partida já se dissipara. O que foi que eu fiz? Perguntava-se. Quando David ligou o limpador de pára-brisas, veio o comando da razão. - Que tal uma música?

Ela sobressaltou-se com a voz dele. Ele não falara nada até aquele instante. Olhou-o. Era um homem acostumado a ter o que queria.

- Stephanie?

Música. Ele estava perguntando se ela queria ouvir...

- Sim. - Ela engoliu em seco. - Música seria ótimo. Ele apertou um botão no painel. Arpejos elaborados invadiram o carro.

- Desculpe-me. Gosto de música clássica, mas sei que não é o momento para ouvir Rachmaninoff. Gosta de música popular? Ou sucessos antigos?

Ela suspeitava de que David estava com o pensamento longe também. Talvez houvesse mudado de idéia quanto a oferecer- lhe um emprego... Se sabia algo sobre David Chambers, era que ele não hesitava em dizer o que pensava. Sendo assim, se estivesse arrependido, ele já teria encostado no meio-fio e falado sem rodeios...

David segurou o volante com mais força. Infelizmente, não se importava muito com as palavras daquela música em particular, aquela que só ele podia ouvir.

Perdera o juízo. O que mais explicaria estar viajando de carro por uma estrada da Geórgia com Stephanie a seu lado? Olhou-a de soslaio. Pessoas na sala de espera do dentista pareciam mais felizes, e quem poderia culpá-Ia? Ele mesmo não estava no melhor dos humores.

O que tinha dado nele? Tinha ido à Geórgia para prestar um favor a Jack. Certo. Tinha ido à Geórgia para olhar friamente para Stephanie e tirá-Ia da cabeça.

Certo. Ela não o colocara naquela trapalhada. Não diretamente. Ele se envolvera sozinho. Mas ela ajudara. Raios, ela ajudara. Na cabeça, começou a ouvir a melodia de A Viúva Alegre. Pois Stephanie era exatamente isso, uma viúva que não se importava em fingir a dar, que dizia não ter um centavo, nem emprego, nem um lugar para morar...

E daí? Aqueles eram problemas dela, não seus.

Pense na caso. Concentre-se nas leis. Quais eram os fatos?

Um homem podia deixar a viúva sem um tostão quando possuía muito dinheiro.? Ele podia manipular as coisas a ponto de fazer com que a mesada da esposa cessasse no dia de sua morte?

Toda viúva tinha direito a alguma coisa, pois não? A corte deveria ter discutido a questão.

Por outro lado, como Stephanie podia estar sem dinheiro?

Com aquela mesada, ela devia ter acumulado o bastante para recomeçar a vida sem problemas.

David franziu o cenho...

Onde estava o dinheiro.? O que ela fizera com ele? Essa era a grande pergunta. Par que ele deixara de indagar sobre isso?

Porque não era a pessoa certa para conduzir o caso. Seu envolvimento era muito pessoal. Cliente e advogado trabalhavam melhor quando havia espaço entre eles, não quando o histórico incluía um breve episódio romântico tórrido dentro de um avião.

Havia uma saída. Levaria Stephanie a Washington, providenciaria um hotel para ela e telefonaria a Jay O'Leary. Ou Bev Greenberg ou a qualquer um dos advogados júniores da firma. Um deles ficaria feliz em pegar o caso e, se bem se lembrava, uma das secretárias sairia de licença na semana seguinte para ter seu bebê?

- Isso mesmo - murmurou David.

- Como?

Ele olhou para Stephanie.

- Nada - disse ele, e sorriu.

Ainda sorrindo, aumentou o volume do som e passou a cantarolar junto.

Nada? Stephanieolhou pela janela, mas o pensamento estava longe. Por que ele ficou tão animado de repente?

Percebeu que estava com um pente no bolso.

Bem, isso é bom, Steffie. Você tem um pente, pelo menos.

Deverá ser de ajuda quando chegar a Washington e descobrir que esse homem não tem intenção de ajudá-la. Até onde sabe, ele bem pode dizer que os seus serviços de "secretária" começam e terminam na cama.

- Pare o carro!

David olhou para Stephanie. Ela parecia raivosa e já estava soltando o cinto de segurança. Praguejou e jogou o carro para a direita, estacionando no acostamento. O carro que vinha atrás deles passou buzinando.

- O que pensa que está fazendo?

Ela abriu a porta, saiu como um projétil e correu para a mata próxima.

David soltou o cinto de segurança e foi atrás dela.

Foi fácil agarrá-Ia, mas precisou derrubá-Ia sobre as folhas do outono para imobilizá-Ia. Stephanie ficou de costas com ele em cima dela.

- Stephanie...

- Não fique me chamando de Stephanie, seu... seu...

Ela o socou no estômago. Ele grunhiu e agarrou-lhe os pulsos, prendendo-os acima da cabeça.

- Solte-me!

- Não, se não parar de me bater!

- Solte-me, seu... seu...

- Ficou maluca? O que eu fiz para ser tratado assim?

- Você nasceu com os cromossomos errados. Solte-me!

- Vai se comportar se eu a soltar?

-Vou.

Só um idiota acreditaria nela e David já cometera esse equívoco havia uma hora, ao introduzi-Ia em sua vida.

- Você bate bem. O que foi? Cresceu num ginásio de boxe?

- Não. Aprendi com um irmão que achava que as mulheres precisavam se defender de homens como você!

- Homens como eu? Ora, você precisa mesmo se defender de caras como eu. Olhe o que eu fiz! Defendi você contra...

- Você não me defendeu. Por que defenderia? Não preciso ser defendida.

- Precisando ou não, eu a defendi. E ofereci aconselhamento jurídico...

-Algum aconselhamento. Você disse que eu não tinha chance nenhuma de obter a pensão que vinha recebendo.

- Não foi apenas um aconselhamento. Foi um aconselhamento profissional de primeira linha. Além disso, dei-lhe um emprego.

- Ah, é?

- Ouça, senhora, talvez datilografar cartas não seja tão exótico quanto o que estava acostumada: a fazer, mas muitas mulheres em sua posição ficariam gratas.

- E o que isso significa? "Mulheres em minha posição?"

Qual é, exatamente, a minha posição, sr. Chambers?

Era uma pergunta que permitia vários níveis de interpretação. Uma delas dizia que a posição de Stephanie era bem abaixo dele e, se ela continuasse se contorcendo daquele jeito, logo teriam problemas.

- Certo. Olhe o que vou fazer.

- Oh, eu sei o que vai fazer.

- Vou me levantar. Mantenha-se calma e nós vamos conversar.

- Já conversamos! Nunca deveria ter lhe dado ouvidos, em primeiro lugar! Tirar-me daquele jeito da casa e eu nem parei para perguntar por quê! Você não é melhor que Avery, seu... seu mentiroso!

- Ele mentiu para você? O seu marido?

- Sim, ele mentiu para mim. Ele disse... ele disse que tomaria conta das minhas... das minhas necessidades pelo tempo que fosse necessário, mas não cumpriu a promessa.

- Que necessidades?

Stephanie olhou para David. Ele mantinha os olhos cor de safira fixos nela. O resto também estava fixo. Peito com peito. Quadril com quadril. Coxa com coxa. Desesperada, ela tentou se desvencilhar.

- Não... - David prendeu a respiração. - Não faça isso.

- Fazer o quê?

- Isso - alertou ele e reprimiu um gemido quando ela se mexeu novamente. - E você com aquela conversa de cromosssomos. O que devo fazer? Mapear o meu DNA?

Ele acabou não agüentando mais e reagiu aos estímulos.

Percebeu que ela entendera o que se passava.

Finalmente ela parou de se agitar. Não estava mais se debatendo. Ele mesmo só conseguia pensar na maciez dela. No calor. No perfume.

- Solte-me - pediu ela.

Ele gostaria de soltá-Ia. Gostaria até de beijá~la, se ela não estivesse tão zangada.

- Quero me levantar. Agora.

- Não vou machucá-Ia.

- Apenas... apenas saia de cima de mim.

- Promete que não vai fugir? Eu quero ouvir você dizendo que não vai sair correndo como um coelho assustado.

- Não tenho a intenção de fazer isso.

Ele se levantou e estendeu a mão para ajudá-Ia a se levantar.

Stephanie ignorou a ajuda, levantou-se sozinha e bateu na roupa para tirar o pó.

- Talvez queira me contar para onde pensava ir. Ela fungou e limpou o nariz na manga.

- Para casa.

- Casa?

- Isso mesmo. Para casa. Para Willingham Corners.

- Ah, sim. Aquela casa. - David assentiu. - Pelos documentos que li, concluí que não é muito bem vista na cidade e, mesmo assim, quer voltar para lá? Satisfaça minha curiosidade: o que fez com o dinheiro que recebeu durante todos esses anos?

Stephanie pensou em Paul, que sempre lhe dera coragem e força para enfrentar as dificuldades, principalmente quando as pessoas apontavam para ela na rua e diziam que ela era a rebenta de Bess Horton, aquela que sumira de casa.

Jure, Steff, pedira Paul, jure que nunca vai contar a ninguém o que aconteceu comigo.

Ela engoliu em seco e olhou para David. - Eu gastei.

- Com jogo? - questionou ele.

Ela fez que não.

- Com bebida? - Novamente, não.

- Com drogas? Ora, Scarlett! Tomou-a pelos ombros e balançou-a.

- Gastei - resumiu ela. - É só o que posso dizer.

- E agora vai voltar para lá porque quer mais dinheiro deduziu ele.

- Eu quero o que me pertence. O que Avery me prometeu. Era a resposta que David esperava. Só um milagre a faria dizer que não queria nada agora que o encontrara. Nada além dele, seus beijos, seus braços a seu redor...

Ele recuou um passo, os punhos cerrados nos bolsos.

- Vou levá-Ia para Washington - informou ele. - Para a minha casa. - Ele quase riu quando ela reprimiu uma expressão indignada. - Há um apartamento vago nos fundos da minha casa. Banheiro, quarto, uma saleta... e tranca na porta.

- E o que quer em troca?

- A sua presença em meu escritório, cinco dias por semana, das nove às cinco.

- Por que está fazendo isso por mim, David?

- É por mim - corrigiu ele. - O seu caso é interessante.

Bem? - Estendeu a mão. - Negócio fechado?

Stephanie respirou fundo. Que escolha tinha? Devagar, ela aceitou o aperto de mão.

- Negócio fechado.

David fechou os dedos e eles selaram o acordo, de maneira muito impessoal.

Mas ele já a trazia para seus braços. Ela se aproximou, macia e quente como mel. O tempo parou. Ele a beijou. Ao liberá-Ia, olhou para o relógio e, tão calmo que até espantou-se consigo mesmo, decidiu:

- É melhor irmos.

Stephanie permaneceu imóvel. Volte, aconselhava uma voz interior.

Ele voltou-se.

- O que foi? - O tom saiu brusco, quase impaciente. Você vem?

Stephanie assentiu. - Sim - afirmou, e seguiu-o.

 

                                 CAPITULO NOVE

O esquema não funcionaria.

Mais uma vez, David sentou-se em seu escritório, de costas para a escrivaninha e contemplou as cerejeiras em flor.

Após seis dias, cinco e meio, para ser exato, estava pronto para admitir que cometera um lamentável equívoco.

Parecera tão simples. Instalaria Stephanie no pequeno apartamento junto à sua casa. Ela assumiria o posto de secretária e, com certeza, faria menos confusões do que a sra. Murchison. Não a veria de forma alguma em casa; pois o apartamento tinha uma entrada independente.

- Grande plano...- comentou David com as árvores... exceto que algo dera errado entre o planejamento e a execução.

Para sua surpresa, Stephanie era tão boa secretária quanto se dizia. O escritório sofrera unia verdadeira transformação. Os arquivos estavam organizados por data, a agenda era precisa, as observações que anotava durante as reuniões e audiências rapidamente eram digitadas e impressas. Ele nem precisava mais preparar seu próprio café. Por quê, se o de Stephanie era bem melhor?

Era agradável tê-Ia por - ali também. Todos comentavam, desde o office-boy até os sócios, incluindo Russell, que não gostara da idéia, a princípio.

- Não se preocupe Jack, É temporário - assegurara ao sócio. - Neste caso, guardarei os meus conselhos até você vir pedi-los. David franziu o cenho e voltou a cadeira para a escrivaninha. Até imaginava os comentários de Jack se ele soubesse que Stephanie não só estava trabalhando para ele, mas também morando sob o mesmo teto, por assim dizer.

- Não há necessidade de comentar sobre esse acerto quanto à moradia - aconselhara ele, ao chegarem em sua casa em Georgetown, no sábado.

- Não sou tola, David. As pessoas vão falar. Pode achar difícil de acreditar, mas a minha reputação é tão importante para mim quanto a sua é para você.

- Não é isso. É só que... eu não quero que pareça que...

- Não. Nem eu.

- Raios! - praguejou David e levantou-se.

Tudo o que fizera fora dar emprego e moradia a uma mulher que estava precisando. Além do adiantamento salarial, de modo que ela pudesse se apresentar no trabalho com algo melhor do que aquela calça jeans e suéter. Teria feito isso por qualquer pessoa na mesma situação...

A quem queria enganar? Sabia perfeitamente que era errado agir daquela forma com uma cliente e ainda ficar pensando noite e dia em fazer amor com ela.

 

Nunca a via, exceto no escritório. Stephanie saía antes dele todas as manhãs, pois insistia em pegar o transporte público.

- Não seja boba - irritara-se. - Vamos juntos de carro.

- E vai fazer o quê? Deixar-me a uma quadra de distância?

- Bem - hesitara ele. - Bem...

- Posso ir sozinha, obrigada. E serei pontual.

E fora. Ela sempre estava à escrivaninha, pronta para trabalhar, assim que ele chegava ao escritório.

- Bom dia, sr. Chambers - saudava ela, e nunca sorria nem conversava sobre nada que não se relacionasse ao trabalho, embora ele... embora ele...

David pensou em outro palavrão e começou a andar em círculos pela sala.

Ela ia embora somente quando ele a dispensava. - Pode ir para casa, sra. Willingham.

- Sim, senhor - dizia ela.

Observava-a, então, pela porta entreaberta, aprontando-se para sair. Requeria grande esforço permanecer no lugar e não ir atrás dela. Só uma vez fora diferente, quando tiveram que trabalhar até um pouco mais tarde.

- Eu a levo para casa - oferecera-se, mas Stephanie ba- lançara a cabeça.

- Obrigada, mas prefiro ir sozinha.

A frase equivalera a um tapa na cara. Por um momento insano, David pensou em tomá-Ia nos braços e beijá-Ia até apagar aquele sorriso frio de seus lábios e fazer seu coração pulsar tão rápido quanto o dele.

Tudo bem. Ele a manteria como secretária. Por algum tempo.

Mas iria providenciar-lhe outra moradia. Aquela proximidade constante estressava-o ao limite.

Na manhã de segunda-feira, estava se barbeando quando ouviu um som vindo do encanamento. O que era aquilo? imaginara, e então percebera. Era o chuveiro do apartamento dela. - E daí? - desdenhara, em voz alta.

A resposta, para seu azar, surgira imediatamente, com a imagem de Stephanie enrolada numa toalha, a pele macia, o cabelo molhado adornando o rosto.

A reação hormonal espantou-o e deixou-o zangado ao mesmo tempo. Mas o que significava aquilo? Já passara da adolescência. Era um homem adulto, com controle total sobre sua vida. Racional. Inteligente. Pragmático.

David esfregou a testa. Se fosse tudo isso, não teria se metido naquela trapalhada. Teria apenas ido à mansão Willingham, analisado o caso e voltado para casa...

- David? - chamou o sócio Russell.

- O quê? - Ele voltou-se para a porta.

- Eu bati, David, mas não houve resposta. Você está bem?

      Ele expirou sonoramente. - Estou ótimo.

- Tem certeza? Se não for uma boa hora, posso voltar mais tarde.

- Não, tudo bem. - Ele esboçou um sorriso. - Entre.

Russell olhou ao redor.

- E espantoso. Nem posso acreditar. A sua sra. Willingham foi mesmo um achado, Ela está aqui só há uma semana e veja o que já fez.

- Muito. Mas ela não é a minha sra. Willingham.

- Ah. Modo de dizer, asseguro-lhe. É mesmo espantoso. Só cinco dias e tanto trabalho organizado. Tanta eficiência. E tão inesperado, dada a aparência externa atraente. Tudo junto, foi mesmo um achado.

David apoiou-se na escrivaninha, braços cruzados. - Você já disse isso.

- E repito. Verdade, David, foi mesmo, bem, quero dizer...

- Espantoso.

- Sim.

- E um achado.

- Sim, isso também. E...

- Inesperado. Onde isso vai nos levar?

-Isso o quê? Eu estava apenas dizendo...

- O que você disse há um minuto.

- Então? Não posso me repetir? Como o meu avô costumava dizer...

- Sim?

- Se vale a pena falar uma vez, vale falar duas... Bem, estou comentando duas vezes. A moça é mesmo fantástica. - Você está organizando um fã-clube para ela?

Jack riu e foi até o sofá, onde sentou-se.

- Ora, ora. Estamos sensíveis hoje, não? Neste caso, talvez eu deva seguir outro conselho de meu avô e ir direto ao assunto. - Por favor.

- Corre um boato. E, por favor, David, não me pergunte sobre o quê.

- Acho que me deixou em desvantagem, Jack. Eu tenho que perguntar. Boato sobre o quê?

- Sobre ela. Stephanie.

- E o que há para se comentar? Pensei que estivéssemos de acordo. Ela está fazendo um excelente trabalho.

- Um excelente trabalho. O boato não é sobre o trabalho, David .

- Boatos são bobagem, Jack. Devia saber disso.

- Sm, mas é verdade? Ela está morando na sua casa?

- É verdade - confirmou David.

- Uau, David...

- E o boato informa que ela está morando em um apartamento independente da casa?

Russell balançou a cabeça, desanimado.

- Não acredito nisso! Como pôde se colocar nessa situação?

Eu não disse nada quando a trouxe para o escritório, mas...

- Eu a contratei para exercer uma função.

- Mas levá-Ia para morar com você...

- Ela não está morando comigo! Ela está morando ,num apartamento que coincidentemente fiça junto à minha casa.

- Com certeza, percebe o que isso parece. Ora, rapaz ...

- E se ela estivesse morando comigo, ninguém teria nada a ver com isso ...

- Calma. Não estou questionando a sua vida pessoal.

Estou questionando a sua sanidade e, por favor, não me diga que não vê nenhum problema nas pessoas acharem que está dormindo com a secretária ... uma secretária cuja reputação a precede.

- Ouça, Jack. - David encarou o advogado mais experiente, sentou-se na cadeira e enterrou o rosto nas mãos. - Eu fiz a maior trapalhada.

- Sim, você fez mesmo - incentivou Russell, gentil. David ergueu o olhar.

- Eu não estou dormindo com Stephanie. Você, de todas as pessoas, deveria saber que eu não cometeria essa trapalhada. - Parece que alguém notou que ela deu o mesmo endereço que o seu na ficha de emprego, e... bem, você sabe, as pessoas comentam.

- Sim. Ela disse que comentariam.

- Ela estava certa. - Jack apontou para um arquivo sobre a escrivaninha. O nome "Stephanie Willingham" estava manuscrito na frente. - Você a aceitou como cliente? Eu pensei que tivéssemos concordado...

- Nós não concordamos, Jack. Você disse que este caso não era a nossa especialidade. De qualquer forma, só estou fazendo algumas investigações.

-E?

- E Willingham e a irmã arranjaram tudo para que ela não recebesse nem um centavo após a morte dele. - Bem, então...

- Ela está falida. Sem um tostão. Eu não podia dar-lhe as costas.

- Sim. Como eu lhe disse, lembra-e? Ela tem uma aparência vulnerável. Mas não pode fazer caridade particular, David.

- Está tentando me dizer quem eu posso ou não contratar?

- Não. Claro que não.

- Isso é bom.

- Só estou dizendo que acho que cometeu um erro de julgamento ao levá-Ia para a sua casa.

- Quando ela puder alugar uma moradia, vai se mudar.

- Está cometendo um erro, David.

- É meu erro, Jack.

- Acalme-se, sim? Não estou querendo ensinar-lhe como viver a sua vida.

- Ah, não?

- David, eu não sou idiota. Sei porque metade de Washington pensa em nós quando precisam de uma banca de advocacia.

- Não me trate com condescendência, Jack. Eu não gosto disso.

- Não estou sendo condescendente. Estou falando a verdade;

- E qual é ela? Por que não diz logo que acha que a reputação da firma está comprometida...

- Bolas, David! Não está falando com um asno! - Jack balançou a cabeça. - Estou preocupado com você. Você, o homem. Não você, o advogado.

- Não há nada com que se preocupar.

- Eu acho que há. E me sinto responsável. Fui eu que o coloquei nessa trapalhada. Ora, você nunca a teria visto se eu não...

- Eu já a conhecia, duas semanas antes de você mencionar o nome dela e antes que você me pedisse o favor, também. E não quero entrar em detalhes.

- David, meu filho.

- Não sou seu filho, Jack. Sou um homem adulto e aprecio a sua preocupação, mas o que faço com a minha vida é da minha conta.

- Oh, raios! Mary me alertou que eu ia fazer tudo errado.

Ouça, não me importo com as fofocas na hora do café. Importo-me com você, David. Gosto de você como filho. Só não quero que seja magoado por uma mulher que... uma mulher que... - Jack lançou os braços para o lado. - Bolas, homem, nem sei como descrever Stephanie!

David olhou para o amigo e mentor. De repente, a raiva se dissipou. Levantou-se e contornou a escrivaninha.

- Tudo bem, Jack. Eu também não sei como descrevê-Ia. Os dois homens se encararam por alguns segundos. Então, Russell sorriu. e bateu nas costas de David. Caminharam devagar até a porta.

- Só não se enterre muito fundo, certo?

David quase riu. O que significava fundo? Se fosse mais para o fundo, iria se afogar.

-Não se preocupe. Sei quando é hora de, cair fora.

- Quer um último conselho?

David sorriu.

- Não. Mas você vai dá-Io assim mesmo.

- A mulher é linda, inteligente e um arraso. Mas faça um favor a si mesmo. Escreva uma carta de recomendação elogiosa, faça-a procurar uma nova colocação e diga adeus.

- Vou pensar nisso.

- Assim é que se, fala. - Russell sorriu. - Estou contente por você passar o fim de semana fora.

- Fim de semana... - David bateu na testa. - Ai, a festa dos Sheraton. Quase tinha me esquecido.

- Verifique a sua agenda. Tenho certeza de que a eficiente sra. Willingham anotou as providências.

- Oh, bolas! A última coisa que queria era encontrar Mimi Sheraton.

Jack abriu a porta.

- É o que eu digo, filho. O que precisa é de uma boa desculpa que Mimi não pode ignorar. Um anel no dedo. - Ou o meu nome no obituário.

Russell riu.

- Pena não se poder alugar uma noiva, como fizemos com os pratos, cadeiras e mesas na festa de Quatro de Julho...

David sorria ao fechar a porta.

- Alugar uma noiva - repetiu, divertido.

Podia fazer algo parecido. Podia telefonar para uma de suas amigas e pedir que o acompanhasse à festa dos Sheraton... Quallquer coisa era preferivel a ficar fugindo de Mimi pelos corredores.

- Sr. Chambers?

David voltou-se. Stephanie olhava-o da porta. Como era bonita! - Senhor? Tem... tem um minuto?

Ele suspirou. Teria que contar-lhe sobre as fofocas. - Claro. Entree sente-se, sra. Willingham.

Stephanie assentiu, fechou a porta e avançou pela sala.

Stephanie não queria fazer aquilo.

David já fizera muito por ela. O emprego, o lugar para morar, o adiantamento salarial. Não podia pedir-lhe mais. Por outro

lado, que escolha tinha? O diretor, da clínica onde seu irmão estava internado telefonara novamente. O pagamento estava atrasado dois meses. Não podiam mais esperar.

- O tratamento de seu irmão é caro, sra. Willingham - justificara a diretora.

Como se ela já não soubesse. Sabia que era inútil, mas, durante o horário de almoço, passara no banco e verificara a possibilidade de um emprésstimo. Negativo. Telefonara para Amos Turner, o advogado. Ele rira abertamente. Então, sofrera a maior humilhação de todas. Telefonara para Clare, que ouvira, permitira que explicasse a situação e então começara a rir histericamente.

Dessa forma, Stephanie preparou-se para o que tinha que ser feito. Não havia escolha. Pediria o dinheiro emprestado a David.

- Quanto?! - espantou-se ele, achando que era brincadeira.

- Cinco mil - informara Stephanie, sem sorrir. - Sei que é muito dinheiro, mas pagarei assim que conseguir recuperar a pensão de Avery...

- Para que precisa de cinco mil dólares?

Ela hesitou. O gerente do banco fizera a mesma pergunta, no mesmo tom.

- Eu ... eu acho que o motivo não é importante.

David riu.

- Você é mesmo um espanto. Cinco mil não é importante?

- É. Quero dizer, a quantia é. E o motivo... Bem...

- Não é da minha conta. Certo?

Ela passou a ponta da língua nos lábios. Ele tentou ignorar o efeito sensual do movimento.

- Entendo que queira algumas respostas, David. Mas...

- Não importa. Analisei o seu caso uma duzia de vezes e tenho que dizer-lhe que não vejo como recorrer da sentença do juiz.

Stephanie empalideceu. - Mas você disse...

- Eu disse que analisaria o caso. Bem, foi o que fiz. Poderíamos entrar pedindo uma pensão, declarar que essa é a situação mais justa. Você receberia uns duzentos dólares por semana por um ou dois anos.

- Não basta! Eu preciso...

- De cinco mil dólares. Eu ouvi da primeira vez. Bem, Scarlett, temo que tenha que se habituar com uma vida mais espartana.

- Raios! Eu não quero o dinheiro para... para... Eu preciso dele.

Ele a encarou. - Para quê?

- Eu não posso...

- Pode. - Ele estendeu o braço e tomou-lhe o pulso.

Stephanie fitou-o por um instante e, então, lançou-se em seus braços, soluçando baixinho. Abraçou-o pela cintura, num gesto que revelava desejo e desespero em partes iguais.

David sabia que só precisava acariciá-Ia, toma-la nos braços, carrega-Ia até o sofá e ela se entregaria. Mas ela pertencera a Avery Willingham também. Pertenceria a qualquer homem, pelo preço certo?

- Tudo bem. Já entendi. Você está sem dinheiro, precisa dessa quantia e não sabe como conseguir.

- Em resumo - soluçou ela.

- Não vamos discutir semântica, Scarlett, está bem? Já fez teatro na escola?

Stephanie encarou-o como se ele fosse louco.

Raios, pensou, talvez fosse mesmo.

- Teatro?

- Isso mesmo.

- Não sei o que isso tem a ver.

      - Apenas responda à pergunta.

- Não. Bem... Bem, uma vez. No sexto ano. Montamos A Bela Adormecida para a Festa da Primavera.

- Ótimo - animou-se David. - Muito bem, aí vai a proposta. Vou a uma festa neste final de semana, no interior da Virgínia. Um cliente está promovendo o retiro. É difícil explicar, a menos que esteja acostumada a esses eventos.

- Sim, eu sei como é. Avery sabia como agradar as pessoas certas.

- A esposa do cliente é outro ponto. Ela também vai estar lá.

- David, desculpe-me, acho que não estou entendendo.

- Ela vai se sentar perto de mim no jantar e, enquanto todos estiverem saboreando. a comida, vai ficar me apalpando. - David esperou Stephanie cair na risada. - Por isso, acho que vou aceitar o conselho de Russell e arranjar uma noiva de mentirinha...

Ela ficou séria.

- Bem, ele tem razão. Uma noiva o deixaria indisponível.

David assentiu.

- Aí está o problema. Eu não tenho uma noiva. Então, aí vai a minha proposta. Você precisa de cinco mil dólares, eu preciso de uma atriz. Parece viável para você?

Stephanie empalideceu.

- Você quer dizer, você quer que eu... Está brincando!

- Nunca falei tão sério.

- Não! Eu não seria capaz...

- Claro que é. Tudo o que tem a fazer é fingir que voltou ao sexto ano da escola.

- Não vai dar certo.

- Pense nisso como um efeito colateral do empréstimo, se quiser.

- David, é loucura. Quer que eu vá a essa festa e, ainda por cima, divida a cama com você? Pois se estiver...

- Meu motivo é auto-proteção exclusivamente, Scarlett. O marido de Mimi é um bom homem. Não merece saber que a mulher dele flerta quase diante do nariz dele. Não é tão difícil fingir que somos amantes, é?

- David, isso é loucura. Não pode esperar que...

Ele inclinou a cabeça e beijou-a. Só houve contato labial, mas Stephanie sentiu o coração aquecido.

David endireitou-se sem deixar de encará-Ia.

- Diga que vai comigo - incentivou, e aguardou até que ela, com uma voz quaseirreconhecível, dissesse que iria.

 

                                     CAPITULO DEZ

A mansão Sheraton fazia a casa de Avery Willingham parecer um casebre. David comentara que se tratava de uma casa de fazenda, mas desde quando uma casa de fazenda parecia uma aglutinação do palácio de Buckingham com o Taj Mahal?

Stephanie olhou para o palacete novamente. Um rapaz de jaqueta branca e calça escura vinha apressado na direção deles. - Bem-vinda à mansão Sheraton, senhora. Posso ajuda-Io com a bagagem, senhor?

- Obrigado, mas posso me arranjar sozinho.

- Tenho certeza de que sim, senhor, mas...

- Seu nome é James, não é? Acho que já passamos por

isso da última vez em que estive aqui.

- Sim, senhor. Quero dizer, o meu nome é James, senhor.

E eu...

- E você está aqui para antecipar qualquer desejo meu.

- David sorriu e bateu no ombro do rapaz. -O caso, James, é que tive um emprego como o seu quando tinha a sua idade.

James olhou para ele. - Teve, senhor?

- Sim, e quando finalmente juntei bastante dinheiro para arrumar outro emprego, prometi e mim mesmo que jamais delegaria a outra pessoa algo que pudesse fazer sozinho. Está me entendendo, Jimmy?

O rapaz pareceu ainda mais jovem. - Certamente ... senhor.

      David sorriu e estendeu a mão com uma cédula de dinheiro. - Que bom que nos entendemos, filho.

O rapaz arregalou os olhos.

- Sim, senhor! E espero que tenha um fim de semana agradável. O senhor e sua namorada.

Stephanie, que assistia à cena com bom humor, franziu o cenho. - Eu não sou ...

- Obrigado. - David agarrou o braço de Stephanie. Não é mesmo, Scarlett?

Eles se encararam e, então, ela assentiu, rígida.

-É.

David sorriu.

- Vejo você por aí, Jimmy - dispensou, e caminhou para a entrada do palacete ainda segurando Stephanie pelo braço.

- Não precisa me agarrar - avisou ela. - Não vou fugir.

- Você não vai convencer Mimi Sheraton de que temos um compromisso se ficar amuada toda vez que alguém se referir a nós como casal.

- Ele disse ... James disse.

- Que você era minha namorada.

- É, mas eu não sou.

David parou, largou as bolsas de viagem e fez com que Stephanie o encarasse.

- Vamos estabelecer as regras bem aqui, Scarlett. Você concordou em fazer o papel de minha noiva.

- Eu entendo. Isso não significa Só não gostei do jeito como ele disse. Como se eu fosse sua sua...

- Minha o quê?

- Não sei. - Stephanie não sabia mesmo. O que o rapaz dissera era tão terrível?

- Ele fez parecer que éramos amantes - traduziu David.

Stephanie enrubesceu.

- Acho que sim. E não foi isso o que combinamos.

- Entendo.

- Espero que sim, David, porque...

- Estamos quase no século vinte e um, Scarlett, e somos ambos adultos. Se, estivéssemos mesmo noivos, garanto a você, já seríamos amantes.

- Felizmente para mim, nós não somos realmente nada.

- Ouça, Scarlett ...

- David! David, aqui!

David olhou ao redor. Stephanie também. Uma mulher ruiva, maquiada e sorridente acenava da varanda.

- Doçura, corra aqui para que eu possa dizer alô direito!

Stephanie contraiu o lábio. - Doçura?

- Exatamente - confirmou David, sem mover a boca. - E, se acha que a Mulher Maravilha se detém facilmente, enganou-se.

- Eu não vou dormir com você – avisou Stephanie.

- É uma ameaça, Scarlett?

- É um fato, Rhett.

- David? - berrou Mimi. - Vai me fazer descer? Sabe como o sol prejudica a minha pele, doçura.

Stephanie ergueu uma sobrancelha.

- Vamos lá - avisou David, sombrio.

- Não - protestou Stephanie. - David ...

Mas ele já a abraçava.

- Sorria - instruiu. - Finja que está gostando. - E cobriu-lhe os lábios com a boca.

Finja, dissera... mas ela não tinha que fingir. Não com o coração acelerado, não com a terra girando sob seus pés a ponto de ter que se agarrar a David para manter o equilíbrio. - Está vendo? - indagou ele, quando acabou o beijo. Para ele, era como se houvessem apertado as mãos. - Você pode desempenhar o seu papel, se se concentrar.

Ele pegou as bolsas e tomou-lhe a mão, a pressão dos dedos enviando uma mensagem clara. Se a penalidade era ser beijada, será que ela queria mesmo resistir?

Mimi Sheraton era toda sorriso ao recepcionar David. Beijou Stephanie no rosto, mas deixou claro que ela era tão bem-vinda àquela casa quanto fora na casa de Ave Mimi! - identificou David, e acenou de volta.

Mimi tentou ser sutil. Postando-se entre os dois, levou-os pelo braço até o salão, fazendo o papel de anfitriã, tagarelando sem parar ao longo da ampla escadaria.

No topo, Mimi voltou-se para Stephanie.

- Precisa me contar, querida. Onde conheceu esse homem maravilhoso?

- Temo que terá que perguntar ao próprio - desconversou

Stephanie, desinteressada.

- Foi de repente, não foi? - Mimi enganchou o braço novamente no dela e tomou o corredor. - Quero dizer, há quanto tempo se conhecem?

Stephanie olhou para David, em busca de ajuda, mas ele parecia concentrado no padrão do tapete que se estendia até onde a vista alcançava.

- Você deve ser o motivo do sumiço de David das festas nas últimas semanas - comentou Mimi, respondendo à própria pergunta. Você sabe, querida, vai ter muita mulher aí atrás de você. Até eu, uma mulher casada e feliz, fiquei, atônita quando David me ligou e contou a novidade.

Stephanie riu alegre.

- Vai me defender, não é, Mimi? Como mulher casada e feliz. Mimi riu.

- Claro! Ah. Chegamos. O quarto azul para você, David, doçura. - Ela inclinou-se na direção dele e bateu os cílios. Estou do outro lado do corredor, lembra-se?

David sorriu, educado.

- Como poderia me esquecer?

- E a sua namorada...

- Noiva.

- Noiva. Claro. Foi o que quis dizer. Ela vai ficar no quarto rubi, do outro...

-Não.

O sorriso de Mimi desabou. - Não?

David puxou Stephanie para seu lado, segurando-a pelos ombros.

- Scarlett e eu não queremos ficar separados, nem por uma noite. Não é, querida?

- Scarlett - repetiu Mimi, rindo, - Que charmoso!

- Charmoso - repetiu Stephanie, com os dentes cerrados.

- Claro que não queremos ficar separados, amor. Mas, se a nossa anfitriã planejou assim.

- Então, temo que ela terá que fazer um remanejamento.

- Ele olhou para Mimi. - Não há problema, há?

Mimi limpou a garganta.

- Bem... bem, suponho... Scarlett... Quero dizer, Stephanie pode ficar com o quarto ao lado do seu.

- Há interligação?

Stephanie sentiu vontade de apagar o sorriso de David.

- Realmente, não é necessário...

- É, sim - teimou David, e beijou-a.

Mimi emitiu um som abafado.

- Coquetel em uma hora - avisou, e sumiu pelo corredor.

Stephanie abriu a bolsa de viagem.

- Eu vou para casa - murmurou. - Mentiroso - definiu, ao pensar na conversa de David sobre querer manter Mimi a distância.

Sentou-se na beirada da cama. Bem, Mimi parecia mesmo muito impertinente, mas ele não tinha que beijá-Ia daquela forma, dando a entender que iam... que iam...

Ele se importava com o que as pessoas iriam pensar? Stephanie deitou-se sobre os travesseiros. Claro que se importava. Ele queria que todos pensassem exatamente o que Mimi estava pensando. Aquele era o motivo de toda a encenação. E não tinha o direito de reclamar. Concordara com aquele jogo estúpido.

David estava emprestando-lhe cinco mil dólares para continuar com a farsa. Ora, a quem queria enganar? Ele estava dando-lhe o dinheiro, porque ela provavelmente levaria cem anos para poupar essa quantia.

Oh, que trapalhada. Odiava o jeito como Mimi Sheraton a olhava...

Seja honesta, Steffie. O que você odeia de verdade é se entregar toda vez que David a beija.

Sentou-se. Só havia uma coisa a fazer. Teria que dizer-lhe que aquele acordo ridículo estava acabado. Não iria mais fazer o papel de noiva dele.

E nada de cinco mil dólares. O que seria de Paul?

Paul nunca lhe dera as costas, nem mesmo quando a mãe os abandonou. Não que o desaparecimento de Bess fizesse alguma diferença. Bess nunca dera muita atenção a eles e Stephanie sempre fizera todo o serviço de casa, desde que se conhecia como gente.

Paul sim, fora obrigado a crescer rápido. Largou a escola e começou a trabalhar, embora fosse onze meses mais novo do que ela.

Como poderia te-lo abandonado após o acidente? Não fora

bem um acidente. O carro derrapou numa noite, de chuva e colidiu com uma árvore. Paul levou uma pancada na cabeça e, semanas depois, começou a sentir os efeitos. Tinha dores de cabeça, ouvia ruídos e, às vezes, não sabia quem ela era, ou onde estava...

- Prometa-me, Steff - implorava ele, quando ficava lúcido.

- Prometa que nunca vai contar a ninguém o que aconteceu comigo. Eles vão dizer que é porque sou um Horton, porque sou filho de Bess Horton.

Então, ela prometera. E nunca faltara com a palavra... exceto quando, desesperada, contara a Avery Willingham.

Stephanie levantou-se. Paul precisava de sua ajuda. Não lamentava ter-se casado com Avery, pois ele prometera trata-Ia como filha.

O desafio atual era mais difícil. Fingir que estava apaixonada por David exigia demais. Não. David era... ele era... Qualquer mulher acharia fácil ama-Io. Ele era maravilhoso, tudo o que ela sempre desejara.

Stephanie prendeu a respiração. Não, pensou, não, por favor, não...

- Não - repetiu em voz alta, e correu para a porta que fazia a conexão entre os quartos.

Não podia continuar com aquilo. Pegaria um trem, iria até a clínica em que o irmão estava internado e imploraria aos médicos. À diretora. Eles entenderiam. Precisavam entender, pois ela não podia continuar com aquilo, não podia passar o fim de semana com David, fingindo ser sua amante.

- David? - chamou, e bateu na porta. - David, você está aí? - Bateu novamente, aguardou e, então, cuidadosamente, abriu a porta.

Havia roupas largadas na cama. Mais adiante, a porta do banheiro estava apenas encostada. Ouviu o som de água corrente.

Ele estava tomando banho. Bem, esperaria até... até o quê?

Até ele aparecer nu no quarto? . Sentiu o coração na garganta. Podia imaginar a pele dourada, brilhando com as gotas de água, o cabelo solto ao redor do rosto. Ele devia ser magnífico de se ver, os ombros largos, os músculos definidos...

Stephanie correu de volta a seu quarto e trancou a porta.

- Chambers, seu sortudo! - O mais recente e mais jovem Juiz da Corte Suprema parou e bateu no ombro de David. E onde descobriu esse tesouro?

- Segredo - brincou David. Sorriu e tomou um gole do conhaque.

Parecera um plano perfeito. Contaria a Mimi que estava comprometido e apresentaria Stephanie deixando claro que estava fora de circulação.

Que grande idiota.

Beijar Stephanie não fora uma atitude sábia. Fizera isso apenas para amansar Mimi, mas acabara tendo que tomar uma ducha fria. Isso também só contribuiu para alimentar suas fantasias e imaginar Stephanie no chuveiro com ele...

Aprontara-se e fora até a porta de comunicação.

- Pronta? - indagara, simpático, quando ela abriu a porta... e aquilo fora o fim para ele. Vê-Ia deslumbrante daquele jeito neutralizara o efeito benéfico do banho frio.

Ao vê-Ia, entendeu que não somente Mimi notaria sua presença, mas também todos os homens no recinto. - Como estou? - indagou ela, indiferente.

- Excelente...

O instinto primitivo sugeria agarra-Ia e leva-Ia para a caverna. O ser civilizado instruía que não era preciso uma caverna. A cama resolveria o problema.

Meia hora depois, entendeu que cometera um equívoco. Stephanie aplicara um efeito de contenção em relação a Mimi. Tomou outro gole do conhaque. Não, o equívoco fora achar que poderia levar Stephanie a um ambiente cheio de homens, soltá-Ia e não enlouquecer com as conseqüências.

Os homens cercavam-na como abelhas ao redor da flor mais doce do jardim. Ela não sabia que devia fazer-lhe companhia exclusiva?

O congressista sussurrou-lhe algo ao ouvido. Ela lançou a cabeça para trás e riu. O jornalista político também fez um comentário. Ela sorriu e voltou-se para ele, aproveitando para esquivar-se da mão do congressista à sua cintura: Raios, não haveria fim àquela pouca-vergonha? Um ator de cinema, loiro e com sorriso brilhante, aproximou-se e tomou-a pelo braço. Disse~lhe algo ao ouvido e ela assentiu. Os dois tomaram a direção do terraço.

Basta, pensou David, e aproximou-se de Stephanie.

- David, conhece Gary? David olhou para o ator. -Não.

- Bem, deixe-me apresentá-lo...

- Stephanie posso falar com você um minuto?

Ela franziu o cenho.

- Sim, mas, primeiro...

- Eu quero conversar com você.

- Eu entendo, David, mas...

- Esqueça o "mas", Scarlett. - David passou-lhe o braço pela cintura e conduziu-a. - Você vem comigo, e agora.

Ele viu a expressão de protesto, mas ignorou-a. Levou-a para o terraço. Assim que chegaram, ela conseguiu desvencilhar-se.

- O que significa esta cena?

- É a senhora que está dando show.

- Não sei do que está falando. - Ela saiu do passeio de pedra e passou para o gramado, com David nos calcanhares.

- Como se atreve a me tirar da festa daquele jeito?

- Eu não a "tirei", embora tivesse vontade. - David agarrou-lhe o braço e obrigou-a a encará-lo. - Desde quando um homem tem que implorar por um minuto da atenção da noiva? - Eu estava conversando com uma pessoa, ou você não notou? Gary estava me contando um episódio engraçado que aconteceu no set de filmagem e...

- Gary... Ele é mesmo cômico - ironizou David.

- Para o seu conhecimento, Gary não apenas atuou no filme como dirigiu-o. E escreveu o roteiro. Aliás, quero lembrá-Io de que não sou sua noiva.

- Você é, durante o fim de semana.

- E que equívoco lamentável - resmungou Stephanie, e soprou uma mecha de cabelo da frente dos olhos.

David estreitou o olhar. - O que quer dizer?

- Quero dizer que concordei em ajudá-Io, não em tornar-me sua propriedade. Agora, se isso é tudo...

David agarrou-a pelo pulso quando ela fez menção de ir embora.

- Onde pensa que vai?

- Para o meu quarto, arrumar os meus pertences. Decidi voltar para a cidade.

- De jeito nenhum, Scarlett. Fizemos um acordo, lembra-se?

- Foi um mau acordo e estou cancelando-o.

- Você não desistiu quando Avery Willingham comprou os seus serviços.

Ele a viu empalidecer e praguejou contra si mesmo por ser tão idiota. Não era aquilo que queria dizer. A verdade era que não sabia o que queria dizer. Só sabia que era mais seguro ficar zangado do que admitir que estava atacado porque ela o ignorara a noite toda.

- Tem razão. Não desisti. Sou uma prostituta honesta, David. Vendi-me para você e para ele e, nas duas vezes, obtive exatamente o que merecia.

- Raios - grunhiu ele. Agarrou-a pela cintura e trouxe-a mais para junto de si. - Eu quero respostas. Por quê, Scarlett? Por que se casou com um homem que desprezava?

- Não é o momento.

- Ora, se é. Conte-me a verdade.

- Por favor. Solte-me, David. Ambos sabemos que foi um erro. Eu vou arrumar a mala e dar Uma desculpa a Mimi...

- Scarlett. Olhe para mim.

Ela balançou a cabeça, mas ele a forçava a obedece-lo.

- Eu preciso saber o motivo. - Pensou ver os olhos dela úmidos de lágrimas e varreu-lhe os lábios. - Não me exclua, Scarlett. Por favor, Deixe-me ajuda-Ia.

Seguiu-se um longo silêncio, as lágrimas rolaram:

- Eu tenho um irmão - revelou Stephanie, num sussurro.

- Meu irmãozinho. Ele sempre foi... ele significa tudo para mim, David. Ele é tudo, o que eu tenho, tudo o que já tive e... e ele está doente. Muito doente. Precisa de cuidados especiais, que custam uma fortuna. Avery sabia. Nesse caso, ele foi maravilhoso. Ajudou-me a encontrar o lugar certo para Paul. Até me emprestou dinheiro para o tratamento, mas, a cada ano, ficava mais e mais caro. Avery disse... ele sugeriu...

Ela estremeceu e David abraçou-a. - Está tudo bem - consolou .

- Não está. Você não entende? Eu me casei com Avery porque ele disse... ele disse que era a única forma de garantir o tratamento de Paul. Ele disse que... que me trataria sempre como uma amiga. - Estremeceu. - Ele mentiu. Sobre tudo.

Sobre tudo. David refletiu sobre aquelas palavras. O que Avery Willingham fizera com ela?'

- Amor. - Ele a abraçou com mais força e aninhou-lhe o rosto junto ao peito. Ela soluçava forte. - Amor, não chore.

Ela afastou-se e ergueu o olhar.

- Eu devia ser a anfitriã. A companheira. A secretária particular. Ele disse... ele disse que nunca tocaria em mim. `Respirou fundo com dificuldade. - Mas mentiu. Após algum tempo, ele... ele veio a meu quarto...

- Está acabado agora, Scarlett. Tente esquecer.

- E então, ele morreu. -E Clare apareceu, e riu, e me disse que Avery nunca tivera intenção de me deixar nada, que ele me manteve por mais tempo do que desejara, mas só porque adoecera...

David beijou-a.

- Sei o que está pensando de mim - sussurrou Stephanie.

- Mas confiei em Avery. E não podia ver outro modo de...

- Eu acho que você é uma mulher corajosa e leal. E eu sou um idiota por fazê-Ia chorar.

- Nunca deveria ter vindo com você aqui. Já foi demais você ter me arranjado um emprego e uma moradia. Mas sair com você... Eu não teria dormido com você, David.

- Eu sei.

- A minha situação com Avery, por mais errada que fosse, era diferente.

David assentiu.

- Você era esposa dele.

- Sim. E era uma boa esposa, por mais estranho que possa

parecer. Então, você entende por que não posso continuar com o nosso acordo. - Ela engoliu em seco e tentou não pensar no dinheiro de que precisava, nem em como seria nunca mais ver David: - Não estou mais à venda.

Ele acariciou-lhe o rosto com o polegar.

- Eu sei. É por isso que quero me, casar com você.

 

                                   CAPÍTULO ONZE

Quem estava mais atônito, Stephanie... ou ele mesmo?

Mesmo assim, pronunciadas as palavras, David sabia que faziam sentido.

Evitara a verdade por anos, mas lá estava, bem à sua frente.

Era hora de ter uma esposa.

Mary e Jack Russell tinham razão. Um homem em sua posição precisava de uma mulher, mas não podia ser qualquer uma. Tinha de ser uma mulher capaz de entender os aspectos sociais e profissionais de seu ramo de atividade. Capaz de entreter os clientes, promover jantares e sentir-se à vontade com todos, independente dos cargos e influências no cenário de Washington.

Não que esperasse isso de Stephanie. Nunca fora assim com Krissie e não era tolo o bastante para achar que seria diferente dessa vez, mas, pelo menos, aquele acordo seria honesto.

Aprendera com os erros. Ao se casar pela primeira vez, jovem e tolo, escolhera uma esposa com o coração. Agora já sabia. Escolher uma esposa era como escolher um carro. Sempre comprava carros esportivos tanto pela beleza e desempenho quanto pela qualidade.

Stephanie era perfeita. Era bonita, inteligente, entendia o que se esperava dela f:! não tinha mais ilusões sobre o casamento do que ele.

Ele precisava de uma esposa. Ela precisava de um provedor.

Era uma combinação que podia dar certo. Restava-lhe convencer Stephanie, que o olhava como se ele houvesse sugerido um fim de semana em Marte.

- Você disse... você me pediu em casamento, David?

- Sim, pedi - confirmou ele,e calmamente.

- Em casamento? - repetiu ela, desnorteada. - Você e eu?

- Isso mesmo, Scarlett. Você e eu.

- É brincadeira, não é? - Stephanie começou a sorrir e, então, leu a resposta em seu olhar. - Oh! Você está falando sério!

- Estou, sim.

- Por quê? - Ela hesitou. - Não está dizendo... não quer dizer... Você não...

- Se estou apaixonado por você? - Ele sorriu e balançou a cabeça, como se ela estivesse sido espirituosa. - Claro que não.

- Bem, é um alívio...

Stephanie sorriu comedidamente, imaginando por que seus batimentos cardíacos estavam tão acelerados.

- Amor não entra nesse negócio. - Ele cruzou os braços e ficou mais sério. - É isso o que torna a minha proposta tão razoável.

- Razoável? - Ela balançou a cabeça. - Para você, talvez. Por que deveríamos nos casar? Eu não entendo.

- Vamos caminhar - convidou ele, e tomou-a pelo cotovelo.

Ela não se mexeu e ele forçou-a.

- Tudo bem - declarou, quando já estavam longe do palacete. - Deixe-me colocar de uma forma que você possa entender.

- Por favor.

- Estou tentando explicar os benefícios do casamento.

Ele pigarreou. - Não é fácil ser solteiro em Washington.

Stephanie sorriu.

- Você é atacado por tipos como Mimi Sheraton?

- Sei que parece engraçado, mas, creia-me, Scarlett, não é. E também há tipos como Annie Cooper e Mary Russell, a esposa de Jack; que são notoriamente casamenteiras. - Ele suspirou. - Após algum tempo; você se aborrece.

- Com certeza - comentou Stephanie, educada. David franziu o cenho.

- Ouça, sei que não estou sendo claro...

- Não, está indo bem. Você quer uma esposa, para mante-Io a salvo de casamenteiras e predadoras. Ou há mais?

- Não é engraçado, Scarlett. Estou falando sério.

- Estou vendo. Continue. Você disse que havia mais.

- Bem, há também as minhas responsabilidades profissionais.

- Já estou trabalhando como sua secretária, David. O que mais poderia...

- Certo. Sei que isso parece... um...

- Negócio. Um negócio razoável, como disse.

- Raios! Por que tem que tornar tudo difícil? Estou falando do tipo de vida que levo. Festas. Jantares. Todo tipo de atividade...

- E você precisa de uma esposa para coordenar tudo isso.

- Exato! - confirmou David, com um sorriso de alívio. - Isso mesmo.

- Então você disse para si mesmo: você precisa de uma esposa. Uma que prepare jantares, converse socialmente, que saiba o jogo. Bem, há Stephanie Willingham. Ela já trabalhou nisso antes.

- Não, não foi assim.

- Claro que foi. Pense nas vantagens, David. Não seria preciso período de treinamento, certo?

- Raios, Scarlett...

- Não. Não, eu realmente entendo. Entendo de verdade. E seria idiota se entrasse nesse jogo novamente.

- Não estou sugerindo que repita o seu primeiro casamento. Eu não sou Willingham. Ainda não percebeu isso?

- Tinha esperança de que sim. Mas aí está você, fazendo-me a mesma oferta.

- Não estou, não!

- Está! Não há nenhuma diferença.

- Claro que há.

- Cite uma.

- Para começar, eu farei Jack preparar um contrato pré-nupcial, garantindo o seu bem-estar para o resto da vida, não importando o que aconteça comigo.

- Não preciso do seu dinheiro. É para...

- O seu irmãozinho. Eu sei. Só estou salientando que você não ficaria sem nada, se .eu vier a faltar. E não vai ser uma esmola, pingada mês a mês... - Ele realizou um cálculo mental. - Vou depositar quinhentos mil dólares em sua conta na segunda-feira.

Stephanie encarou-o. Meio milhão de dólares? Ele estava falando sério! Mas por quê?

- Por quê? Por que faria isso, David? Você não é o tipo que precisa... comprar uma esposa.

"Por quê?", pensou ele. Era uma boa pergunta. Poderia responder sem se analisar profundamente?

- Porque você e eu podemos ser sinceros sobre o que cada um espera do casamento.

- Você quer um relacionamento tão calculista?

- Eu já fui casado. Nós estávamos apaixonados, ou assim pensávamos. Foi um desastre.

- O que aconteceu?

David recordou-se do momento em que vira Krissie na cama com o amante. Ainda doía. O adultério, o divórcio... mas sentira-se devastado mesmo com a traição.

- Aconteceu que tínhamos idéias diferentes sobre o casamento.

- Muitas pessoas se separam, David. E elas não acabam tentando comprar um cônjuge.

- Você está sendo obtusa? Não estou tentando comprar você!

- Mesmo? Bem, foi o que me pareceu.

- Então, não está prestando atenção. Estou propondo um casamento no qual cada um de nós contribui com algo de valor. - O que eu entendo é que não vou cometer o mesmo erro duas vezes. - Stephanie recuou um passo e ergueu a cabeça. - Obrigada pela oferta, David, mas não estou interessada.

- Scarlett, você não está raciocinando; Você...

- Bolas! - Ela avançou contra ele e golpeou -o, revoltada.

- Um casamento precisa de sentimentos! Eu preciso de sentimentos. Preciso...

- Eu sei do que você precisa - informou David, e envolveu-a nos braços.

Os braços dele eram fortes. Ela lutou até sentira batida errática do coração e, então, admitiu a verdade para si mesma. Estava lutando não contra David, mas contra o que ela mesma sentia. Lançou os braços ao redor do pescoço dele e beijou-a com todo Q desejo reprimido.

- Case-se comigo - sussurrou ele.

Ela hesitou, e David beijou-a novamente.

- Scarlett. Apenas respire fundo e diga sim. Stephanie encarou-o e respirou fundo.

-Sim.

 

Partiram da mansão Sheraton sem se despedir e rumaram para Georgetown.

Entraram na casa de David. Stephanie podia ouvir as batidas do próprio coração. Estava trêmula. Acusara David de insano, mas ela é que havia perdido a cabeça. Como pudera? Ela, dentre todas as pessoas. Por que concordara com aquele casamento? Por que concordara em ser esposa de um estranho? Não podia levar adiante aquele compromisso. Sem dúvida, nutria algum sentimento por David, mas basear-se apenas nisso... basear-se no que uma mulher deveria sentir quando um homem a acariciava ...

- David, eu acho...

- Não ache nada - interrompeu ele, abraçando-a. Beijou-a repetidas vezes, aprofundando o ato a cada investida. Por fim, ela agarrava-se aos ombros.

- Scarlett - sussurrou, e ergueu-a nos braços.

Stephanie apoiou-se contra ele e viu, no vidro de uma janela, o reflexo de sua expressão de desejo.

- Nunca desejei uma mulher tanto quanto você, Scarlett.

- David. - Ela engoliu em seco - Eu não posso... eu não sou... não gosto muito de sexo. Você tem o direito de saber. Eu vou decepciona-Io.

Ele a beijou. - Nunca - sussurrou, e levou-a para o quarto.

Stephanie nunca estivera no quarto de David até aquela noite. Pelo pouco que enxergava, pelo pouco que podia avaliar, era um ambiente austero.

David pousou-a, devagar, sobre a cama.

- Não há nada a temer, Scarlett. Tomou-lhe o rosto, inclinou a cabeça e varreu-lhe suavemente os lábios.

- Não estou com medo. Sei que não vai me machucar. Não era verdade. Ele iria machucá-Ia. Não fisicamente. Sabia. Não era como Avery, que sentia prazer com a dor dos outros. Mas sentia-se vulnerável a David sob outros aspectos. Aspectos que resultariam em uma dor muito mais profunda, pois ela sentia... sentia...

- David. - Ela o deteve. - Isso é um erro. Não devemos nos casar.

- Nós podemos ser felizes- insistiu ele, mal-humorado. -Já pensou nisso?

Ela queria. Oh, como queria.

David lia em seu olhar a esperança, o desejo - Scarlett?

Ela se atirou em seus braços.

Ele a despiu devagar, expondo-lhe a pele a seus lábios e mãos, centímetro por centímetro. Era mais bonita do que imaginara, com seios firmes e redondos, cintura fina, quadris estreitos. Tinha uma textura de seda; um gosto de baunilha e perfume de alguma flor exótica. Quando a viu completamente nua em seus braços, já estava ofegante.

- Scarlett...

Com a ponta do dedo, traçou-lhe o pescoço, a região entre os seios e mais abaixo ... até chegar aos pêlos macios que guardavam sua feminilidade.

- Você é tão linda, Scarlett. Tão perfeita...

David movimentou a mão entre as coxas de Stephanie. Ela reteve a respiração e agarrou-lhe o pulso.

- David. Eu não... Podíamos puxar a coberta? - Está com frio, amor? Eu vou aquecê-Ia.

Amor. Ele a chamara de "amor"!

- Não. - Ela balançou a cabeça. - Não estou com frio, David: Eu... é o jeito como você olha para mim. Eu me sinto... envergonhada.

Ele sorriu. - É porque você está nua e eu, não. Mas podemos consertar isso.

Ele se levantou, sem deixar de encara-Ia, e tirou a roupa. Seu corpo era bonito e musculoso. Mesmo a região assustadora, a região da masculinidade, era bonita. Ele deitou-se a seu lado, o cabelo solto servindo de cortina para seus rostos quando ele a tomou nos braços.

- Melhor assim? - sussurrou.

Ela assentiu. Apele dele era quente, o corpo, rígido. Sentiu a ereção junto ao ventre e esperou a excitação desaparecer e o pânico se instalar, mas nada disso aconteceu. Pelo contrário, a pulsação pareceu descer às coxas.

- David, você é tão bonito... - murmurou. Ele riu, suave.

- Um homem, bonito, doçura?

Stephanie prendeu a respiração quando ele abocanhou-Ihe um mamilo.

- Isto é bonito - sussurrou ele, e beijou-a nos seios, no ventre. - E isto. - Movimentou-se mais uma vez e ela gemeu ao sentir a respiração dele entre suas coxas. - E isto - prosseguiu, a voz rouca. - Abra-se para mim, Scarlett.

Ela obedeceu.

Já ao primeiro beijo íntimo, arqueou o corpo. Com certeza, teria flutuado aos céus' se ele não a mantivesse firme pelos quadris. Quando estava voltando à terra, ele posicionou-se acima dela e beijou-a nos lábios. Ela experimentou o gosto do milagre da paixão partilhada.

- David - sussurrou, num misto de espanto e alegria. David, por favor.

- Sim - confirmou ele, e penetrou-a, tentando ser gentil, querendo fazer com que ela sentisse não apenas seu sêmen, mas seu coração.

Ela gritou de prazer e moldou-se ao corpo musculoso. Sentindo que era hora, David liberou o sentimento controlado por tanto tempo. Mergulhou no calor de Stephanie e permitiu-se, finalmente, encontrar a felicidade.

 

Stephanie disse que sabia cozinhar.  

- Feijão e arroz, batatas, peixe frito. - Ela olhou por sobre o ombro e sorriu. - Só que não estou vendo nada disso dos armários, David.

David devolveu o sorriso. Era quase aurora. Estavam na cozinha, Stephanie junto ao fogão e ele, sentado na cadeira ao contrário, o queixo pousado sobre os braços cruzados. Haviam acordado com fome. Caso contrário,  não teriam saído da cama. Stephanie usava a camisa branca que ele descartara ao chegar em casa. Só a camisa, mais nada.

- Não cobre muita coisa, David - reclamara ao vestir a peça.

Ótimo, pois assim ele podia admirar-lhe a curva dos seios, a mancha mais escura dos pêlos macios no baixo ventre. Devorou com o olhar as pernas longas e os quadris quando ela se estendeu para pegar algo no armário.

Como tinha sorte! Espantava-se por ter encontrado aquela mulher. Ela era tudo o que um homem podia esperar. Bonita. Inteligente. Capaz. E sexy o bastante para tirar o fôlego, embora não se desse conta disso.

Não gosto muito de sexo, dissera ela, mas fora incrível na cama.Acolhedora. Voraz. Generosa. Tudo o que ele fizera, ela quis devolver na mesma medida. Só de pensar em tudo aquilo, ficava excitado.

- Bacon e ovos?

David piscou. Stephanie encarava-o interrogativa. - David?

Ele respirou fundo.

- Está ótimo. Vou fazer torradas e café, enquanto isso. David concentrou-se para recuperar o equilíbrio. Aquilo não era amor, era luxúria.

- Vou pegar aquela vasilha - comentou Stephanie, e estendeu-se para alcançar a prateleira superior.

David levantou-se derrubando a cadeira. - Esqueça o desjejum - decidiu.

Ela largou o que tinha nas mãos. Então, lançou-se aos braços dele e reiniciaram ali mesmo outra seção de amor.

David contou a novidade a Jack no almoço de segunda-feira.

- Você enlouqueceu -- concluiu o colega.

- Talvez.

Jack provou o martini. - Que maravilha, eu digo ao noivo que ele é louco e ele diz que "talvez" seja louco.

- Eu também estou feliz.

- Pelo menos. Mas eu repito, você está louco. A mulher vai ganhar uma conta bancária. O que você vai ganhar?

- Uma esposa. Pergunte a Mary. Ela vai dizer que é um negócio equilibrado.

- Já verificou a história dela? A história do irmão?

- Não. Eu lhe disse; tudo aconteceu muito rápido.

- Pense no passado dessa moça, David. Ela já se casou por dinheiro uma vez. Agora, vai repetir a dose. Até onde sabe, o irmão pode ser o vício do jogo, drogas.

- Ela não é viciada em nada, Jack.

- Bem, então, talvez ela tenha um amante perdulário.

- Veja o que diz. Na semana que vem, a essa hora, Stephanie será minha esposa.

Jack não se intimidou.

- Ouça, telefone para Dan Nolan. Mande-o fazer uma investigação. Estou surpreso por você ainda não ter feito isso.

David estreitou o olhar. Stephanie, sustentando um amante?

Nunca imaginara...

Levantou-se rápido, deixando algumas cédulas sobre a mesa. - Tenho uma reunião - desculpou-se, quando Jack ia protestar. - E estou atrasado.

- Que tipo de pessoa diz "talvez", quando acusada de insanidade? - indagou Jack à esposa, tarde da noite.

Mary bateu na mão do marido.

- O tipo que não quer admitir que está apaixonado. Jack desdenhou.

- Não seja ridículo. Ele está encantado.

- Ele está apaixonado - definiu Mary. - Tudo o que podemos fazer é esperar que ele não se machuque.

Naquela tarde, antes de deixar o escritório, Stephanie telefonou para a clínica em que o irmão estava internado. A enfermeira atendeu. Paul não queria falar com ela. Estava deprimido. Stephanie quase riu. Paul estava sempre deprimido, mas ela entendia. Aquele estado era pior do que o normal.

- Telefone-me se algo acontecer - pediu, desligou o aparelho e ficou olhando para a parede.

Paul estava indo tão bem. Seria outra recaída? Não importava. Ainda tinha que contar mais sobre ele a David. Logo, ele seria seu marido e estaria pagando o tratamento de Paul. Não queria segredos entre ela e o homem que... o homem que ...

- Pronta?

Ela ergueu o olhar. David estava parado junto á porta. - David? O que foi? Algo errado?

David hesitou. Sim, algo estava errado. Andara em círculos pelo escritório o dia inteiro e, finalmente, no final da tarde, decidira ligar para Dan Nolan e encomendar uma investigação sobre Stephanie. Se ela tivesse um irmão. Se as suspeitas de Jack não se confirmassem...

Basta!

- Não. Apenas foi um dia longo. Vamos para casa. Um silêncio incômodo pairou entre eles durante e após o jantar. Finalmente, David pôs de lado os papéis que estivera tentando ler e encarou Stephanie.

- Scarlett?

Ela ergueu o olhar. Ele parecia abatido. - Sim?

David pensou no telefonema que dera a Dan Nolan. Lamentava tê-Io feito. Tinha perguntas, sim, mas deveria tê-Ias feito a Stephanie. Aquela deveria ser uma relação honesta.

- O que foi, David?

Pergunte-lhe, disse a si mesmo. Diga que precisa saber mais sobre seu irmão, que quer conhecê-Io...

- Nada - declarou, após um minuto. - Só... É tarde. Vamos subir.

Ele a despiu devagar na escuridão do quarto, adorando os gemidos que ela emitia a cada carícia. As preocupações foram esquecidas assim que a apertou nos braços. Estarem juntos era certo. Stephanie tinha razão. Poderia dar certo...

O telefone tocou.

- David? O telefone...

- Deixe tocar - respondeu ele, mas suspirou, beijou-a gentilmente, acendeu o abajur e atendeu.

Stephanie recostou-se nos travesseiros e puxou o lençol até o queixo. David estava voltado para ela, os ombros nus dourados à iluminação. Encarou-a e passou-lhe o telefone.

- É um homem - comunicou, o semblante insondável. - Não quis dar o nome. Quer falar com você.

Stephanie pegou o aparelho. - Alô?

Era Paul. A voz dele parecia calma, controlada. Contou que a enfermeira dera-lhe seu novo número de telefone.

- Ondê você está? - indagou Stephanie.

Ele respondeu. A clínica era um centro de tratamento, não uma prisão.

- Preciso de você, mana - disse Paul.

Ela olhou para David. Ele ainda não demonstrava nenhuma emoção.

- Estarei aí de manhã. Enquanto isso, você deveria...

- Preciso de você agora.

Ela olhou novamente para David. Então, pegou o bloco de notas e lápis que estavam sobre o criado-mudo.

- Dê-me o endereço - pediu ela, e anotou. - Eu estou indo. - Segundos depois, Stephanie devolvia o telefone. - David? Eu tenho que ir ver o meu irmão.

David manteve o olhar frio.

- A esta hora?

- Sim.

- Por quê? Qual é o problema?

- Ele está doente. Ouça, eu sei que tem perguntas, mas não quero explicar agora. - Ela ia se levantar, mas lembrou-se de que estava nua e sabia que não ia suportar o olhar dele. - Você poderia... poderia se virar, por favor?

David cerrou os dentes.

- Tanta modéstia, Scarlett - comentou, mas atendeu, e ela levantou-se e vestiu-se rápido.

Ouviu um barulho atrás de si. David levantara-se e começara a vestir-se também.

- O que está fazendo? Ele a encarou.

- Não vou deixar que saia sozinha, no meio da noite.

- Eu ficarei bem. Vou chamar um táxi.

- Não!

Stephanie pensou em Paul, em seu estado de saúde precário, que poderia piorar se estímulos errados o atingissem.

- Não, David, de verdade. Você não precisa ir.

- Eu sei. Eu quero ir com você.

- Mas eu não quero que vá comigo! - As palavras caíram entre eles como pedras. Stephanie prendeu a respiração. David, eu não queria ter falado assim.

- O telefone da empresa de táxi está programado no telefone de baixo - informou ele, friamente. Então, foi ao banheiro e fechou a porta.

 

O motel parecia um cenário de filme barato.

Paul estava no último quarto, deitado na cama sob os cobertores, com o braço sobre os olhos. Stephanie nunca vira o irmão tão mal. Suas roupas estavam largadas no chão.

- Paul?

Ele não respondeu. Ela suspirou, fechou a porta e foi até ele. Ela sabia o que fazer. Iria se sentar a seu lado, aninhá-Io nos braços, dizer que o amava, esperando que as palavras surtissem efeito...

Recordou o olhar zangado de David e sentiu um arrepio pelo corpo.

Não perderia David. Não podia perdê-Io, e a decisão não tinha nada a ver com sua necessidade de dinheiro ou com a compatibilidade que tinham na cama.

Era hora de admitir a verdade. Estava apaixonada por David e só podia esperar que ele sentisse o mesmo, algum dia.

David andava de um lado para o outro na sala.

Que raios Stephanie achava que estava fazendo? Sair no meio da noite para ver o irmão doente? E ainda gritara com ele, pois não queria que a acompanhasse.

Se fosse mesmo o irmão, pensou sombrio. Até onde sabia, Jack tinha razão. Não havia irmão nenhum. Devia haver um homem, sim, mas não aparentado. Isso explicaria tanta coisa. A necessidade de dinheiro, a tolerância ao abuso de Willingham.

David estacou. Sentiu um frio na espinha. As mulheres mentiam. Krissie ensinara-lhe isso. E não tinham fidelidade. Aprendera de Krissie também.

Mas Krissie, pelo menos, não se casara por dinheiro.

Por que não encomendara uma investigação a Nolan antes de precipitar-se naquele compromisso? Precisava de um motivo...

Lembrou-se de que ela escrevera algo no bloco de notas. Subiu a escada correndo e agarrou o bloco. A impressão deixada no papel era clara.

- Um motel... Bolas, Stephanie! Pegou o carro e rumou ao local.

 

- Paul. Paul, está me ouvindo? - animava Stephanie. Por favor, Paul, converse comigo.

Paul emitiu um som abafado·. Voltou-se e enterrou o rosto contra o seio dela.

- Oh, Paul. Querido, eu o amo. Eu sei que sabe disso. Ela inclinou-se e beijou-o na cabeça. - Não importa o que aconteça, sempre estarei com você. Eu o amo, Paul.

A porta abriu-se de repente. O cheiro da estrada invadiu o ambiente. Stephanie voltou-se e viu David.

- David? O que faz aqui?

- Que pergunta irrelevante, Scarlett. Pelo menos eu não preciso lhe perguntar o mesmo. Ambos sabemos o que você está fazendo aqui.

- Não. Não é o que está pensando... a amante sequer se movia. David piscou forte para aplacar o ódio.

- Não se preocupe, Scarlett. - Sem saber como, esboçou um sorriso. - Nós dois estávamos fazendo um jogo. Você apenas se descuidou antes de mim, só isso.

- Que jogo?

- Não pensou que eu fosse mesmo me casar com você, não é? Ei, um homem faz todo tipo de trapaça para levar uma mulher para a cama, mas casar? Eu não, meu bem. Não sou idiota como Willingham.

Ele voltou-se vitorioso, mas arrasado por dentro, e saiu a passos largos do quarto miserável.

 

                                   CAPÍTULO DOZE

Não havia lugar mais lindo no mundo do que Wyoming em junho. A noite aproximava-se. As montanhas projetavam sombras purpúreas. Um falcão de cauda vermelha planava silenciosamente sobre o vale à procura do jantar.

O cavalo de David fungou e desviou-se para o lado, impaciente. - Calma, garoto - apaziguou David.

Puxando as rédeas, retomou a trilha que levava ao vale, à casa.

- Estúpido - resmungou.

Estúpido era a palavra. Como definir um homem que evitara um desastre por uma margem mínima? Não havia mais motivo para pensar em Stephanie. Ela estava fora de sua vida e ele sentia-se agradecido com isso.

- Ainda bem que recuperou os sentidos - comentara J ack, quando David informou que cancelara o casamento.

Então, por que não conseguia tirá-Ia da cabeça?

Estava escurecendo. O cavalo conhecia bem a trilha, mas, mesmo assim, David cavalgava com cuidado. Melhor assim. Não tinha pressa em voltar para casa. Jantaria, elogiaria a comida preparada pela caseira, leria, fingiria trabalhar em algum texto jurídico e, depois, iria para a cama, sozinho, imaginando ter Stephanie nos braços.

Franziu o cenho. De onde surgira aquela bobagem? Por que não parava de pensar nela?

O cavalo relinchou e David percebeu que tinham saído da floresta. A casa aninhada junto à encosta de uma montanha parecia bem cuidada e aconchegante.

Precisava mesmo era de alguém para partilhar aquela vista, aquele conforto. Não. Não alguém.

Stephanie.

Remexeu o maxilar. Era loucura. Não precisava dela. Por que precisaria?

Nenhum homem gostava de bancar o idiota e era exatamente isso o que ela fizera com ele. Admitira a Jack.

- Ela me fez de idiota.

- Tentei alertá-Io, David.

Sim. Oh, sim. Jack tentara alertá-Io, mas ele estivera tão seguro. Tão convencido ...

O quê? O que acreditara ter encontrado? Uma mulher honesta? Stephanie nunca fora nada disso. Uma mulher com hábitos simples? De jeito algum. Uma mulher que o amava? Definitivamente, não. Bem, ela nunca admitira que o amava. O que era bom, pois, senão, observaria esse fato. O problema era que não conseguia esquecer. A risada gostosa. O sorriso. O brilho no olhar quando o encarava.

Sabia que devia deixar as lembranças para trás, mas, talvez, com sorte, poderia cavalgar, cavalgar e cavalgar, até ficar cansado demais para pensar.

Foi bom cavalgar.

Assim como trabalhar com afinco todos os dias, do nascer ao pôr-do-sol. Sabia que os empregados da fazenda estavam curiosos com a atitude dele. Até o capataz, que o conhecia bem e sabia que ele gostava de trabalhar nas atividades rotineiras da fazenda, começou a olhá-Io diferente. Ninguém ousava perguntar nada, em parte porque ele era o patrão, em parte porque, no Oeste, os pensamentos de um homem eram só dele.

Por que fora ao casamento da menina Cooper? Por que sentara-se à mesa sete? Por que deixara Jack convencê-Io a ir à Geórgia?

Porque era um idiota, eis por quê. David grunhiu e, continuando o trabalho, deu uma porretada num poste que sustentava a cerca.

- David?

Ele ergueu o olhar. O capataz estava à sua frente, as mãos nos quadris.

- O quê?

- Telefone. E, se não tomar cuidado, vai cavar no próprio pé.

David olhou para o buraco do poste e, então, para a bota.

- Não ando de bom humor ultimamente - disfarçou.

- Dá para perceber.

-Bah.

O capataz sorriu e David devolveu a simpatia.

- Obrigado pelo recado.

David andou a passos largos na direção da casa. Assim que chegou assentiu à caseira e informou que atenderia na biblioteca.

- E bom ser importante, Jack.

- Mas é assim que se fala com os amigos? Como sabe que sou eu?

- Quem mais seria tonto o suficiente para me telefonar aqui? O que você quer? Eu lhe disse, quando viajei, que ia ficar algumas semanas afastado.

- Eu sei, mas... Achei que iria gostar de ouvir o que tenho a dizer.

- Ouvir o quê? O único caso que tenho em aberto é o de Palmer...

- Não é sobre o escritório, David. É sobre a Willingham.

- O que foi? Algum acidente? Ela...

- Não, não, não é sobre ela. Não exatamente. É... que a investigação chegou.

- Que investigação?

- Aquela que pediu a Dan Nolan. Você contratou-o para verificar a vida dela, lembra-se?

David fechou os olhos para aplacar a dor.

- Sim, eu me lembro. Ouça, faça-me um favor, Jack. Queime.

- Bem, eu ia, David. Mas, então, Dan telefonou e contou alguns fatos...

- Que fatos?

- Ouça, acho que vai se interessar pelo que ele descobriu.

- Sim, bem, acho que não. Apenas pegue o relatório e...

- Eu o enviei pela manhã David. Pelo correio expresso.

David suspirou.

- Não tem problema. Verificarei quando chegar.

O relatório chegou na manhã seguinte. David levou-o para a biblioteca com uma caneca de café. Sentou-se à escrivaninha, inclinou a cadeira, elevou os pés e ficou olhando para a correspondência. Então, endireitou-se, tomou o café e analisou o envelope. Era do tipo padrão, igual a milhares de outros...

- Raios, Chambers, pare de se fazer de imbecil. Sem perder mais tempo, abriu-o. Havia uma pasta fina branca no interior. Junto, uma carta de Dan, mas ignorou-a. Olhou a pasta e respirou fundo.

A história da vida de Stephanie. Poucas páginas, avaliou, mas quantidade não era qualidade.

O sorriso saiu amargo.

Leia e coloque um fim nesse capítulo de sua vida. Respirou fundo mais uma vez.

- E a verdade vai libertá-lo - murmurou. Abriu a pasta. Uma hora depois, as páginas do relatório estavam descartadas sobre a mesa.

- Oh, Scarlett - sussurrou. - Scarlett, meu amor...

Ao meio-dia, já fretara um jato para Willingham Corners, Geórgia. O piloto, que ele conhecia havia algum tempo, tagarelava sobre as condições do tempo e a revolução mundial em todos os campos, mas David só pensava em Stephanie, e em como a amava.

E em como falhara lamentavelmente com ela.

 

Sentada na pequena varanda da casa onde crescera, Stephanie descascava ervilhas.

Seria um dia de junho perfeito, se não estivesse tão zangada.

– Idiota - murmurou, enquanto realizava a tarefa doméstica. Não estava apenas zangada. Estava furiosa consigo mesma.

Estava assim havia semanas.

Soprou uma mecha de cabelo da frente dos olhos e agarrou uma vagem.

Oh, perdera algum tempo chorando por ter perdido David, mas não muito. Por que deveria? Não se podia perder o que nunca se possuíra, e ela nunca "possuíra" David de verdade. Ele era um mentiroso, uma farsa, um cafajeste, igual a todos os outros.

- A reencarnação de Avery - resmungou.

E pensar que imaginara-se fazendo amor com aquele rato.

E pensar que quisera casar-se com ele. Que dormira com ele!

Exceto que não dormira com ele. Fizera amor com ele, sim, e isso configurava muita diferença. Uma maravilhosa diferença.

- Bobagem - disse, reanimada.

Era mesmo bobagem. Estava vulnerável, só isso. David surgira num momento difícil de sua vida. Mas ele apenas fingira sentir ternura.

Era difícil acreditar que um homem podia usar esse artifício para seduzir uma mulher, especialmente um homem como David. Sentiu um nó na garganta. Tinha tanta certeza de que era de verdade. A gentileza. A decência. A preocupação.

O amor. Oh, o amor de David.

- Pare com isso - censurou-se.

David era passado. O futuro... bem, não sabia como ele seria, mas já se delineava. Tudo estava melhorando. Paul, por exemplo. Ele estava melhor. Reagira bem aos novos medicamentos. E, um dia após ela ter comparecido à clínica para explicar a situação desesperadora em que se encontrava, surgira uma proposta incrível. Eles custeariam metade das despesas do tratamento de Paul, se ela concordasse em substituir a assistente administrativa do gerente, quando ela se aposentasse, em duas semanas.

Dessa forma, ali estava ela, muito tranqüila em casa; prestes a começar, no novo emprego. Sim, a vida era boa. Era ótima. Era...

- Scarlett?

Stephanie levantou-se, deixando cair a bacia com legumes.

Voltou-se, levou a mão ao peito, sabendo que só podia estar imaginando a voz de David.

Mas não estava.

- David - sussurrou. O que ele queria?

- Voce - respondeu ele, como se fosse telepata - Eu te amo, Scarlett.

- Não. Por favor, não diga isso.

- Sei que não mereço outra chance. Falhei com você, doçura. Quando mais precisou de, mim, eu dei-lhe as costas.

- Não. Não, David. Não posso... não posso suportar isso.

- Eu não confiei em você. Eu sabia e convenci-me de que estava tudo bem, que um homem precisava ser idiota para confiar em uma mulher. Eu te amo. Eu quero que se case comigo.

Stephanie recuou um passo.

- Isso não é justo. Dizer isso levianamente.

- Eu sou advogado, Scarlett. Um advogado diria uma mentira?

- Não é assim que sempre agem?

- Bem, sim. Às vezes, acho, mas só por omissão.

- Você mentiu. E não por omissão, Você sabia o que estava fazendo.

- Tem razão. Eu menti, sim. É por isso que vim aqui para dizer a você... - Ele aproximou-se.

- Não faça... não faça isso - protestou ela, tentando desvencilhar-se. Mas ele não cedia.

- O que quer dizer com "por isso vim aqui?"

- Vim para dizer-lhe que menti sobre tudo, Scarlett. Sobre estar fingindo quando a pedi em casamento.

- Não importa. Eu não teria... eu nunca quis... Por favor, David. Não faça isso.

Ele inclinou-se e, beijou-a.

- Pare! Você despedaçou meu coração, David. Não basta? Quer repetir a dose?

- Eu vim para dizer-lhe que a amo, que sempre amei e para implorar o seu perdão.

Stephanie fitou-o espantada.

- Eu te amo, Scarlett. Foi por isso que armei aquele esquema maluco sobre os motivos pelos quais deveríamos nos casar. Eu tinha medo de contar-lhe a verdade.

- Medo? De quê?

- De me machucar. De ouvir você dizer que não me amava.

- Oh, David. Eu te amo com todo o meu coração. Mas naquela noite, o que você disse.

David beijou-a.

- Mentiras. Eu a vi com outro homem e fiquei louco de ciúme.

- Era Paul. Meu irmão.

- Eu sei disso agora.

- Ele está doente há muitos anos, David. Desde que machucou a cabeça. Eu sei que deveria ter levado você para conhecê-Io. Eu queria, mas Paul...

David beijou-a novamente e manteve-a bem junto de si.

- Não precisa explicar. Eu já sei de tudo, Scarlett. Incluindo o grande tolo que eu fui e, se me deixar, passarei o resto da vida provando-lhe que a adoro. Quer se casar comigo?

Stephanie abraçou-o.

- Sim - concordou, os olhos brilhantes, e David ergueu-a nos braços e levou-a dali.

 

Casaram-se na fazenda, em Wyoming, num domingo ensolarado, dois meses depois.

Deveria ter sido antes, mas David levara algum tempo para obter a internação de Paul numa clínica em San Francisco especializada em problemas semelhantes aos dele.

- Paul deverá estar em condições de comemorar conosco o nosso primeiro aniversário de casamento - animara ele, confiante.

Na cerimônia, Stephanie usou um vestido de seda branco, com pequenas flores prateadas bordadas no corpete, e carregou um buquê delicado de orquídeas. David usou um terno à moda do Oeste, preto, com botas pretas. As convidadas suspiraram, comentando que nunca tinham visto um noivo mais lindo.

Ao final da festa, quando todos os convidados já haviam partido, David colocou Stephanie na sela de seu cavalo, vestida de noiva mesmo, e levou-a para as montanhas, para ver o pôr-da-sol.

- Eu te amo, Scarlett. Stephanie sorriu, maravilhada,

- Eu te amo também, meu adorado esposo.

David beijou a noiva. Finalmente, sentia-se no lar. 

 

                                                                  Sandra Marton

 

 

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