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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O RUÍDO ABAFADO / Isaac Asimov
O RUÍDO ABAFADO / Isaac Asimov

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O RUÍDO ABAFADO

 

Eu me esforço para não acreditar no que meu amigo George me conta. Como dar crédito a alguém que afirma ter acesso a um demônio de dois centímetros de altura chamado Azazel, um demônio que é na realidade um ser extraterreno com poderes extraordinários, embora limitados?

Acontece que George tem a capacidade de me olhar com aqueles olhos azuis e me fazer acreditar em suas histórias… pelo menos enquanto está falando.

Uma vez comentei com ele que achava que o pequeno demônio lhe concedera o dom da hipnose verbal. George suspirou e disse:

- Absolutamente! Se ele me concedeu alguma coisa, foi o poder de atrair confidencias… só que esta já era minha sina muito antes de conhecer Azazel. As pessoas mais estranhas insistem em relatar para mim seus infortúnios. E às vezes… – sacudiu a cabeça, com uma expressão de tristeza profunda. – …às vezes, a desgraça é tão grande que mal posso suportar. Uma vez, por exemplo, conheci um homem chamado Hannibal West…

A primeira vez que o vi [disse George] foi no bar do hotel onde eu estava hospedado. Reparei nele porque estava atrapalhando minha visão de uma garçonete escultural, que além do mais usava trajes sumários. Acho que ele pensou que eu eslava olhando para ele, coisa que nem me passara pela cabeça, e tomou isso como um gesto de amizade.

Aproximou-se da minha mesa, com um copo de bebida na mão, e sentou-se sem pedir licença. Sou, por natureza, um homem educado, de modo que o recebi com um rosnado amistoso, que ele aceitou com naturalidade. Ele tinha cabelos ruivos muito lisos, pele clara e olhos igualmente claros, com o olhar fixo de um fanático, embora eu tenha de admitir que levei algum tempo para notar este último detalhe.

- Meu nome é Hannibal West – disse para mim. – Sou professor de geologia. Meu campo de especialização é a espeleologia. Por acaso o senhor também seria um espeleólogo?

Percebi que estava com a impressão de haver encontrado uma alma gêmea. Fiquei indignado com a idéia, mas não deixei isso transparecer.

- Sou um homem de múltiplos interesses – respondi. – Que vem a ser a espeleologia?

- O estudo e a exploração das cavernas – explicou. – É o meu passatempo favorito, também. Já explorei cavernas em todos os continentes, exceto a Antártida. Sou a maior autoridade mundial no assunto.

- Parabéns. Estou impressionado – falei.

Achando que minhas palavras encerravam um encontro que não podia ser classificado exatamente como agradável, fiz sinal à garçonete para que fosse buscar outro drinque e observei, com interesse científico, o seu andar ondulante em direção ao bar.

Hannibal West, porém, não se deu por achado.

- Você tem toda a razão em ficar impressionado – declarou, fazendo que sim vigorosamente com a cabeça. – Entrei em grutas subterrâneas que nunca haviam sido pisadas por um ser humano. Estive onde nenhum homem (ou mulher) já mais esteve. Respirei um ar que jamais havia passado pelos pulmões de um ser humano. Vi e ouvi coisas que ninguém mais ouviu… e escapou vivo para contar a história – concluiu, em tom enfático.

Meu drinque tinha chegado e desviei os olhos para admirar a graça com que a garçonete se inclinou para colocá-lo na mesa, à minha frente. Quase sem pensar, disse para o meu interlocutor:

- Você é um homem de sorte.

- Está muito enganado – protestou West. – Sou um miserável pecador, chamado pelo Senhor para pagar os pecados da humanidade.

Aquela estranha declaração me fez observá-lo com atenção pela primeira vez. Foi nessa hora que notei o olhar de fanático.

- Dentro de cavernas? – perguntei.

- Dentro de cavernas – concordou, com ar solene. – Acredite. Como professor de geologia, sei do que estou falando.

Conheci muitos professores em minha vida que não faziam a menor idéia do que estavam dizendo, mas evitei mencionar o fato. Talvez West tenha adivinhado o meu pensamento, porque apanhou um recorte de jornal na maleta que estava no chão a seu lado e passou-o para mim.

- Dê uma olhada nisso!

Não era nada de especial. Apenas uma notícia de três parágrafos. A manchete dizia “Um Ruído Abafado”. O jornal era de East Fishkill, Nova York. Aparentemente, os moradores se haviam queixado à polícia de um ruído abafado que deixara a população assustada e provocara uma grande agitação entre os gatos e cachorros. A polícia atribuíra o fenômeno a alguma tempestade distante, embora o serviço de meteorologia alegasse que não houvera nenhum trovão era um raio de centenas de quilômetros.

- Que acha disso?. – quis saber West.

- Não seria uma epidemia de indigestão?

Ele fez um careta, como se minha sugestão fosse ridícula, e disse:

- Tenho notícias semelhantes tiradas de jornais de Liverpool, Inglaterra; Bogotá, Colômbia; Milão, Itália; Rangum, Birmânia; e talvez meia centena de outras cidades do mundo. Coleciono essas notícias. Todas falam de um ruído abafado que deixou as pessoas com medo e os animais extremamente agitados. Todas foram publicadas em um intervalo de dois dias.

- Um único evento, de escala mundial! – exclamei.

- Exatamente! Indigestão, uma ova! – Olhou para mim, muito sério, tomou um gole de bebida e bateu no peito. – O Senhor colocou uma arma em minhas mãos e preciso aprender a usá-la.

                – Que arma é essa?

Ele não respondeu diretamente.

- Encontrei a caverna por acidente – disse. – Prefiro que seja assim, porque uma caverna com uma entrada muito óbvia em geral já foi visitada por milhares de pessoas. Mostre-me uma abertura estreita e escondida, coberta de vegetação, parcialmente obstruída por um desmoronamento, escondida por uma cachoeira ou situada em um lugar quase inacessível, e eu lhe mostrarei uma caverna virgem, que merece ser explorada. Você disse que não conhece nada de espeleologia?

- Já visitei algumas cavernas. As cavernas Luray, na Virgínia, por exemplo…

- Uma simples exploração comercial! – exclamou West, torcendo o nariz e olhando em volta em busca de um lugar conveniente para cuspir. Felizmente, não encontrou nenhum.

“Já que não está familiarizado com as delícias da espeleologia, não vou incomodá-lo com os detalhes de onde encontrei esta caverna nem de como a explorei. Naturalmente, nem sempre é seguro explorar cavernas desacompanhado, mas de vez em quando me aventuro nesse tipo de empreitada. Afinal, tenho muita experiência e, além disso, uma coragem de leão.

“No caso em questão, foi uma sorte eu estar sozinho, pois não seria justo qualquer outro ser humano partilhar da minha descoberta. Eu já estava explorando a caverna havia várias horas quando entrei em uma câmara enorme, cheia de estalactites e estalagmites. Internei-me na floresta de estalagmites, desenrolando a corda-guia atrás de mim, pois não estava a fim de me perder, e de repente deparei com o que parecia uma grossa estalagmite quebrada em um plano natural de cravagem. Ao lado havia um monte de pedaços de calcário. Era impossível deduzir a causa do acidente. Talvez um animal de grande porte, atravessando a câmara às cegas, fugindo de algum predador, tivesse esbarrado na estalagmite. Pode ser também que o responsável fosse um pequeno abalo sísmico.

“Fosse como fosse, o coto da estalagmite era tão liso que refletia a luz da minha lanterna como se fosse um espelho. Tinha forma aproximadamente circular e lembrava muito um tambor. Tanto que, obedecendo a um impulso, aproximei-me e bati nele com o indicador da mão direita.

Eu ouvia-o atento, sem interrompê-lo.

Ele bebeu o resto do drinque de um gole só e prosseguiu:

- Acontece que a coisa era um tambor, ou pelo me nos uma estrutura capaz de entrar em ressonância quando estimulada. No momento em que a toquei, um ruído abafado encheu a câmara. Era um som indistinto, no limiar da audição, mais sentido do que ouvido. Na verdade, como mais tarde tive ocasião de verificar, a parte da vibração que era suficientemente aguda para ser ouvida constituía uma pequena porcentagem do total. Quase todas as ondas sonoras se manifestavam sob a forma de violentas vibrações lentas demais para afetar o ouvido, embora fizessem sacudir o meu corpo.

Aquela reverberação inaudível produziu em mim a sensação mais desagradável que você possa imaginar.

“Nunca havia observado nada parecido com aquilo. A energia do meu toque tinha sido diminuta. Como teria sido convertida em uma vibração tão intensa? Até hoje não consegui entender perfeitamente a causa do fenômeno. É claro que existem fontes de energia respeitáveis no subsolo. Poderia haver uma forma de extrair o calor do magma, transformando uma pequena fração desse calor em som. A batida inicial serviria para liberar a energia sonora. O resultado seria uma espécie de laser sonoro, ou, se substituirmos “luz” por “som” na acrossemia, uma espécie de “saser”.

- Nunca ouvi falar de nada parecido – observei.

- Claro que não. Nem você nem ninguém. Mas uma combinação fortuita de elementos geológicos dera origem a um saser natural. É uma coisa que não aconteceria, por acidente, mais que uma vez em um milhão de anos, talvez, e apenas naquele lugar do planeta. Pode ser o fenômeno mais raro da Terra.

- É muita coisa para concluir de ura simples ruído.

- Como cientista, meu amigo, eu lhe asseguro que não fiquei satisfeito com uma única observação. Resolvi fazer novas experiências. Bati com mais força e logo percebi que as vibrações na câmara poderiam danificar meus órgãos internos. Por isso, montei um sistema através do qual eu podia deixar cair pedras de vários tamanhos no saser através de um mecanismo operado a distância. Descobri que o som podia ser ouvido fora da câmara. Usando um sismógrafo rudimentar, verifiquei que era possível detectar as vibrações a uma distância de alguns quilômetros da caverna. Depois, deixei cair uma série de pedras e observei que o efeito era cumulativo.

- Isso ocorreu no dia em que o ruído abafado foi ouvido no mundo inteiro?

- Exatamente. Você não é tão obtuso quanto parece, afinal. A verdade é que o planeta inteiro ressoou como um sino.

- Já ouvi dizer que os grandes terremotos podem produzir esse efeito.

- Verdade, mas este saser pode provocar uma vibração mais intensa que a de qualquer terremoto, e pode fazê-lo em um comprimento de onda específico. Pode ser, por exemplo, um comprimento de onda capaz de abalar a estrutura interna das células, quebrando os cromossomos.

- Isso mataria as células.

- Claro que sim. Talvez tenha sido isso que matou os dinossauros.

- Li em algum lugar que os dinossauros desapareceram depois que um asteróide se chocou com a Terra.

- Alguns cientistas pensam assim. Entretanto, para que uma colisão comum produzisse o efeito desejado, o asteróide teria de ser gigantesco. Mais de dez quilômetros de diâmetro. Além disso, temos de imaginar que a poeira se acumulou na estratosfera produzindo um inverno que durou três anos. E como explicar o fato de que algumas espécies se extinguiram e outras não, da forma mais ilógica possível? Suponha, porém, que um asteróide muito menor disparasse um saser, e que as vibrações produzidas por este saser tivessem a freqüência apropriada para afetar as células. Nesse caso, noventa por cento das células existentes na Terra poderiam ser destruídas em questão de minutos sem que o ambiente planetário fosse afetado de forma significativa. Algumas espécies conseguiriam sobreviver, outras não. Tudo dependeria das freqüências de ressonância dos respectivos cromossomos.

- E essa – disse eu, com a sensação desagradável de que aquele fanático estava falando sério – foi a arma que o Senhor colocou nas suas mãos?

- Exatamente. Calculei os comprimentos de onda exatos do som produzido quando o saser é excitado de várias formas diferentes e estou tentando determinar qual o comprimento de onda capaz de quebrar os cromossomos humanos.

- Por que os cromossomos humanos?

- Por que não? Qual é a espécie que está superpovoando o planeta, destruindo o ambiente, erradicando outras espécies, enchendo a biosfera de poluentes químicos? Qual é a espécie que ameaça destruir a Terra, torná-la inabitável em questão, talvez, de algumas décadas? Qual, senão o Homo sapiens? Se eu conseguir encontrar o comprimento de onda apropriado, estarei em condições de excitar o meu saser de forma a banhar a Terra em vibrações sônicas capazes de exterminar a humanidade em questão de pouco mais de um dia (pois a velocidade do som é finita), sem afetar outras formas de vida, cujos cromossomos são sensíveis a outros comprimentos de onda.

- Você está disposto a matar bilhões de seres humanos?

- O Senhor não fez a mesma coisa, através do dilúvio?

- Não me diga que acredita na lenda bíblica do…

- Sou um geólogo criacionista – declarou West, muito sério.

Foi então que compreendi tudo.

- Ah! – exclamei. – O Senhor prometeu que jamais haveria um novo dilúvio na Terra, mas não disse nada a respeito de ondas sonoras…

- Exatamente! Os bilhões de cadáveres servirão para fertilizar e frutificar a Terra. Serão usados como alimento pelas outras formas de vida, que tanto sofreram nas mãos da humanidade e merecem algum tipo de recompensa. Além do mais, uma pequena parcela da humanidade certamente sobreviverá. Tem de haver alguns seres humanos cujos cromossomos não sejam sensíveis às vibrações. Esses sobreviventes, abençoados por Deus, poderão começar de novo, e talvez tenham aprendido a lição.

- Por que está me contando tudo isto? – perguntei. Na verdade, acabara de me ocorrer que era estranho que ele estivesse me revelando todo o plano.

West se inclinou na minha direção, segurou-me pela gola do paletó (uma experiência muito desagradável, porque ele tinha mau hálito) e disse:

                – Tenho certeza de que você está em condições de me ajudar.

- Eu? Posso lhe garantir que não entendo nada de comprimentos de onda, cromossomos e… – pensei melhor e disse, rapidamente: – Sabe que acho que tem razão? – retruquei.

Em um tom mais formal, com a cortesia majestosa que é uma das minhas características, acrescentei:

- Poderia me conceder a honra de esperar por mim uns quinze minutos?

- Certamente – respondeu, com a mesma formalidade. – Para passar o tempo, tentarei resolver algumas equações matemáticas ligadas ao problema.

Ao sair, passei uma nota de dez dólares para o garçom e segredei-lhe no ouvido:

- Não deixe aquele cavalheiro sair antes que eu volte. Sirva-lhe outro drinque e ponha na minha conta, se for absolutamente necessário.

Sempre levo comigo os ingredientes necessários para chamar Azazel. Minutos depois, ele estava sentado na mesinha-de-cabeceira do meu quarto, cercado, como sempre, de um brilho cor-de-rosa.

Disse para mim, com aquela vozinha aguda, em tom de censura:

- Você me interrompeu quando eu estava acabando de construir um pasmaraiso que sem dúvida conquistaria o coração de uma adorável samini.

- Sinto muito, Azazel – disse eu, torcendo para que ele não perdesse tempo me explicando o que era um pasmaraiso ou quão adorável podia ser uma samini -, mas se tratava de uma emergência do tipo mais urgente.

- Você sempre diz isso – observou, de cara feia.

Fiz um resumo da situação e tenho de reconhecer que ele compreendeu de imediato. Azazel é assim mesmo, dispensa grandes explicações. Desconfio que ele lê os meus pensamentos, embora me assegure que considera minha mente inviolável. Mesmo assim, por que deveria confiar em um demônio de dois centímetros de altura, que, como ele próprio admite, está sempre tentando conquistar as pobres das samini, usando para isso os expedientes mais escusos?

- Onde está esse humano? – perguntou.

- No bar do hotel. O hotel fica…

- Não precisa explicar. Posso procurar a aura de corrupção moral. Acho que já encontrei. Como posso identificar o humano?

- Cabelos ruivos, olhos claros…

- Não, não. Pela mente.

- Ele é um fanático.

- Ah, por que não disse logo? Encontrei-o… e acho que vou precisar de um bom banho quando voltar para casa. Ele é ainda pior do que você.

- Esqueça isso. Ele está dizendo a verdade?

- A respeito do íoser?… O qual, a propósito, é uma idéia interessante.

- A respeito do saser.

- Bem, esta é uma questão de difícil resposta, Como costumo dizer a um amigo meu que se considera um grande líder espiritual: Onde está a verdade? Tudo que sei é que ele acredita no que está dizendo. No que um ser humano acredita, porém, não importa com que convicção, pode não corresponder à verdade. Provavelmente você já se deparou com situações semelhantes ao longo de sua existência.

- Claro que sim. Mas não há meio de distinguir entre uma crença que se baseia na verdade e uma falsa crença?

- No caso de seres inteligentes, certamente que há. Mas isso não ocorre quanto aos seres humanos. Mas parece que você considera este homem como uma séria ameaça a sua espécie. Posso remanejar algumas moléculas do seu cérebro e ele estará morto em um piscar de olhos.

- Não, não! – protestei. Posso ser um tolo sentimental, mas a idéia de assassinar uma pessoa me repugna. – Não pode remanejar as moléculas do cérebro dele para que se esqueça de que o saser existe?

Azazel suspirou. Foi um suspiro agudo, sibilante.

- Vai ser muito mais difícil. As moléculas são pesadas e tendem a grudar umas nas outras. Por que não recorremos a uma simples interrupção…

- Eu insisto.

- Ora, está bem – concordou Azazel, de má vontade.

Iniciou então o ritual de bufos e gemidos com os quais tenta me fazer crer que está trabalhando pesado. Momentos depois, disse: – Terminei.

- Ótimo. Espere aqui, por favor. Só quero ver se está tudo bem. Não demoro – falei.

Corri para o bar e encontrei Hannibal West no mesmo lugar onde o deixara. O garçom piscou para mim quando passei por ele.

- Não foi necessário nenhum drinque – disse para mim, em voz baixa. Dei-lhe mais cinco dólares.

Quando me aproximei, West levantou os olhos e exclamou, muito animado:

- Aí está você!

- Eu mesmo. Que bom que você notou. Tenho a solução para o problema do saser.

- O problema do quê? – perguntou, visivelmente intrigado.

- O objeto que você descobriu em uma de suas expedições espeleológicas.

- Que é uma expedição espeleológica?

- A exploração de uma caverna.

- Francamente, meu amigo – disse West, franzindo a testa. – Jamais entrei em uma caverna em toda a minha vida. Perdeu o juízo?

- Não, mas acabo de lembrar que tenho um compromisso importante. Adeus. Talvez um dia a gente se veja de novo – retruquei.

Corri de volta para o quarto, um pouco ofegante, e encontrei Azazel trauteando uma das melodias populares do seu mundo. O gosto musical daquelas criaturas deve ser atroz.

- Ele se esqueceu de tudo – informei a Azazel. – Espero que o efeito seja permanente.

- Claro que é permanente – disse Azazel. – Agora temos de cuidar do saser. Para poder amplificar os sons usando como fonte de energia o calor interno da Terra, ele deve ter uma estrutura bastante complexa. Bastará uma pequena alteração no local apropriado (coisa que, para um ser com os meus poderes, não será muito difícil), e o efeito saser não tornará a se repetir. Onde, exatamente, fica a tal caverna?

Olhei para ele, estupefato.

- Como vou saber?

Ele olhou para mim, provavelmente também estupefato, mas não consigo interpretar direito as expressões daquele pequeno rosto.

- Está querendo dizer que me fez apagar a memória do homem antes de lhe extrair esta informação vital?

- A questão não me ocorreu – expliquei.

- Mas se o saser existe realmente, outra pessoa poderá encontrá-lo, ou um animal poderá tropeçar nele, ou um meteorito poderá atingi-lo, e nesse momento toda a vida na Terra poderá ser destruída.

- Meu Deus! – exclamei.

Aparentemente, ele se comoveu com o meu desespero, pois disse, à guisa de consolo:

- Vamos, vamos, meu amigo, não fique tão triste assim. Afinal, o pior que pode acontecer é a destruição da raça humana. Apenas da raça humana. A vida de seres inteligentes não está em risco.

Depois de terminar sua história, George disse para mim, em tom desolado:

- Veja só em que situação me encontro. Sou a única pessoa ciente de que o mundo pode acabar a qualquer momento.

- Bobagem! – exclamei. – Mesmo que você tenha me contado a verdade a respeito desse Hannibal West, o que, se você me desculpa, não é absolutamente certo, pode ser que ele não passasse de um louco visionário.

George ficou olhando para mim por um momento e depois disse:

- Eu não aceitaria a sua desagradável tendência para o ceticismo mesmo que me oferecessem todas as adoráveis 5atini do mundo de Azazel. Como explica isto? – indagou.

Tirou da carteira um pequeno recorte de jornal. Era do Financial Times da véspera. O título era: “Um Ruído Abalado.” Falava de um ruído abafado que estava perturbando os habitantes de Grenoble, na França.

- Uma explicação, George – disse para ele -, é que você viu essa notícia no jornal e inventou o resto da história.

Por um momento, parecia que George iria explodir de indignação, mas quando peguei a conta nada desprezível que a garçonete havia colocado em cima da mesa, pareceu mudar de idéia e se despediu de forma muito amistosa.

Entretanto, devo admitir que não tenho dormido bem desde aquele dia. De vez em quando, me surpreendo sentado na cama, às 2:30 da manhã, tentando ouvir de novo o ruído abafado que poderia jurar que me tirou do sono.

 

                                                                                         Isaac Asimov

 

Carlos Cunha Arte & Produção Visual