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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O SEGREDO DA PEDRA / Barbara Delinsky
O SEGREDO DA PEDRA / Barbara Delinsky

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

— O que você acha, Jesse? — Nada mal. Nada mal mesmo?

— Um pouco pálido?

— Pode ser apenas o efeito das luzes. Elas são projetadas para a escultura, não para a pele.

— Ela realmente parece esculpida.

— Com precisão. Magra.

— Hmmm, não. Esguia, talvez. Mas tem curvas.

— Você está procurando.

— Você não está, Ben? Não é por isso que estamos parados aqui, olhando como abobalhados para ela e não para a obra de arte?

— Suponho que sim. Quer saber o que Margie diz?

— O que Margie diz?

— Margie diz que ela é uma solitária. Fria e distante. Tem a reputação de ser intocável, quase como sua obra.

— Não sei. Seu trabalho é sensual a seu modo.

— Sensual? Está brincando? Pedra fria?

— Ora, Ben. Onde está seu apreço pela arte? Ela fez coisas surpreendentes com o mármore. Pode ter sido pedra fria e dura no passado, mas ela obteve algo com muito calor.

— Hmm. Talvez. Mas acho que Margie pode estar certa. Olhe para ela. É como se tivesse se isolado de tudo isso de alguma forma.

— E mérito dela. O que você acharia de ter duzentas pessoas à sua volta examinando-a minuciosamente?

— Elas estão examinando o trabalho dela, Jesse, não ela.

— Quer apostar? A exposição ocorrerá nas próximas quatro semanas. Esta é a única noite em que a escultora estará aqui. Não me diga que essas pessoas sempre decidem usar traje a rigor num clima de 37 graus para ir a uma galeria lotada. Juro que eu mesma não estaria aqui se você não tivesse me arrastado.

 

 

 

 

— Bom para você.

— Bom para você. É você quem vai aos lugares com o intui­to de arrumar um ou outro cliente. Você só quer que eu esteja junto para dar um toque extra de classe. Ufa!, está quente aqui dentro.

— Tem ar-condicionado.

— É. Mas está lotado, e, além disso, tivemos que sair para chegar aqui como todo mundo, o que prova meu ponto de vista. Eles estão aqui para vê-la. Nenhuma outra razão.

— Ora, Jesse. Esta é a nata da sociedade nova-iorquina. Essas pessoas se vestem com elegância o tempo todo. Além do mais, não é muito penoso passar de uma cobertura com ar-condiciona­do para uma limusine com ar-condicionado e, depois, para uma galeria com ar-condicionado. Elas não sofrem.

— Pensando bem, havia um número enorme de limusines lá fora.

— É uma rua estreita.

— Cara, ela tem uma expressão extremamente fria.

— Foi o que eu disse.

— Não. Fria no sentido de serena... no controle... confiante

— Tal como aquela estatueta de alabastro lá adiante.

— Parece viva.

— Mas é pedra. E ela, também.

— É aí que você se engana, Ben. Existe sentimento no seu trabalho. Pode ter um acabamento duro e brilhante, mas existe sentimento nele. Eu diria que existe bastante sentimento nela.

— Você está louco. Ela é dura. Olhe para ela... parece porcelana

— Hmmm. Frágil. Muito encantadora.

— Mas inerte. Morta.

— Não. Eu diria que, bem no fundo, ela é uma mulher apaixonada.

— Apaixonada? Que engraçado. Mesmo se Margie não tives­se me dado o serviço, eu teria julgado que ela era frígida. Para ela, a obra tem sentimento... e ela tem a habilidade para despertá-lo. Se ela tem a fama de intocável, talvez seja porque nenhum homem com habilidade suficiente tenha se aproximado dela para romper a casca e descobrir o calor que existe por baixo. Hmmm, eu diria que ela é uma mulher muito apaixonada.

— É presunção o que estou ouvindo? Ora, Jesse. Você pode ser o mestre da sedução, mas ela não é o seu tipo.

— Não?

— Não. Você gosta de mulheres rápidas. Mulheres atraentes e sensuais.

— Hmmm. E, depois do ato, elas me deixam frio como gelo.

— Estou lhe dizendo. Aquela seria fria antes, durante e de­pois do ato.

— Quer apostar?

— Sim, aposto. Aposto que não consegue chegar à primeira base com ela.

— Ei, você está subestimando o mestre.

— O que vai apostar?

— Hmm... Braços bonitos. Graciosa. Que pena que as pernas estão cobertas com o maldito vestido. Provavelmente, são igual­mente bonitas.

— Ela pode ter coxas finas como salsichas.

— Duvido. Olhe para os seus seios... bem sugestivos sob aquela seda...

— Ingressos para as finais?

— Como?

— Aposto dois ingressos para as finais.

— As finais? Olhe quem está falando em especulação. Você nem mesmo sabe se os Knicks chegarão às finais.

— Eles chegarão. Duvido que você chegue.

— Você está muito seguro de si.

— E você não está? Ora, a aposta está feita?

— Não sei, Ben. É bem difícil encontrar bons ingressos para os jogos dos Knicks durante a temporada.

— Qual é o problema, Jesse? Está dando para trás? O mestre está mudando de idéia?

— De jeito nenhum. Ela é acessível. Pode levar tempo. Esse tipo de mulher precisa ser cortejada.

— Cortejada? Puxa, você está se apaixonando. Desde quando você teve que cortejar uma mulher?

— Esta é diferente. Já que vou fazer, farei da forma correta.

— Você é medroso.

— De jeito nenhum.

— Dois ingressos para as finais?

— As finais, se os Knicks estiverem nelas serão daqui a uma semana.

— Uma semana é um longo tempo... a não ser que você esteja perdendo o jeito.

— De modo algum.

— Dois ingressos?

— Pensando bem, eu gostaria de ver os Knicks darem em uma surra no Los Angeles. Será que a escultora gosta de basquete?

— Eu é que ganharei os ingressos, amigo.

— Você não vai ganhar.

— Quer apostar?

— Quero.

 

Paige Mattheson estava serena em meio a um grupo de admi­radores. Ela sorria e balançava a cabeça, falando baixinho quando indagada sobre uma peça ou outra que estava em exibição. Quan­do o grupo se afastou e vários rostos diferentes se aproximaram, ela retomou o ritual. Franco Roget, o proprietário da galeria, fi­cou junto dela e a apresentou a todos.

A serenidade dela era algo particular. Ninguém que a conhe­cesse teria a mais vaga idéia de que ela preferia estar em outro lugar. Ninguém que a conhecesse teria imaginado como tinha sido difícil convencê-la a comparecer. Ela parecia perfeitamen­te à vontade, embora um pouco tímida. Mas a timidez era algo atraente, acrescentando um toque de beleza de alabastro tão em sintonia com sua arte.

— Então, você trabalha exclusivamente com pedra? — per­guntou um cliente.

— Não. Eu também gosto de trabalhar com madeira.

— Não estou vendo nenhuma dessas peças aqui esta noite — observou um segundo convidado.

— Elas estão em exibição em outras galerias pela cidade. De­cidimos limitar esta exibição.

— Madeira, pedra... não é o tipo de material comumente uti­lizado por um artista contemporâneo, não é mesmo?

Ela sorriu.

— Muitos escultores de hoje em dia trabalham com materiais diferentes: metais, plásticos, sintéticos. Mas acho que existe uma retomada lenta, porém, crescente dos materiais mais tradicionais. O desafio está em pegar o tradicional e transformá-lo em algo inteiramente moderno.

— Você fez um bom trabalho. — Este comentário veio de um homem que lhe fora apresentado como Christopher Wright III. Embora fosse ligeiramente mais baixo que ela, talvez da mesma altura se ela estivesse descalça, ele era razoavelmente bem-apessoado. — Você é tão moderna quanto seu trabalho?

— Sou igualmente tradicional. — Era sua resposta costumei­ra para homens que tentassem pescar algo, e Christopher Wright III estava fazendo isso. Se o cheiro forte da sua água-de-colônia não a tivesse alertado, a postura de proprietário que ele assumiu ao seu lado teria.

— Que tal um jantar tradicional? — murmurou ele, inclinando-se mais para perto. — Suponho que vá ficar na cidade por vários dias.

O equilíbrio dela não foi abalado.

— Apenas mais um, e está ocupado do começo ao fim. Se tudo correr bem, estarei de volta para casa depois de amanhã. Infelizmente, não terei tempo, sr. Wright...

— Christopher. Vem a Nova York com freqüência? — per­guntou ele.

Ela balançou a cabeça, depois, se virou quando outra pessoa do grupo perguntou onde ela morava.

— Sou de New England. Não é muito longe, mas é longe o bastante. Acho que não conseguiria completar um trabalho se morasse numa cidade como esta. O ritmo é absurdo.

Se ela pareceu uma garota de cidade pequena, foi de propósi­to. Na realidade, nascera em Manhattan. Quando já tinha idade suficiente para caminhar mais de um quarteirão sem reclamar, seus pais a haviam levado, juntamente com seus irmãos, para vi­sitas à cidade. Ela sempre ficara feliz ao retornar para casa.

À medida que novas pessoas se aproximavam do grupo, ou­tras se afastavam. Do seu jeito calado e não muito óbvio, Paige causou impressão em cada uma delas, exatamente como espe­rava. Ela lidou com a conversa fiada e discutiu seu trabalho de forma graciosa, esquivou-se habilmente de perguntas pessoais, conduzindo suavemente a conversa para aquele momento.

Todo o tempo, ela parecia dedicar sua atenção total à pessoa com quem falava, mas estava ligada às conversas que se travavam à sua volta. Seu trabalho estava sendo bem recebido, e ela estava satisfeita. Também sabia que, embora sua timidez fosse, às vezes, interpretada como insociabilidade, o grupo de clientes presentes parecia estar interessado nela. Quanto ao eventual comentário depreciativo, sussurrado pelas suas costas pelos Christopher Wri­ght III da multidão depois que davam sua tacada e fracassavam, ela colocava a mágoa de lado. Ah, sim, ela sabia o que eles pen­savam. "Mulher gélida" era o termo que ela ouvira mais de uma vez. Não sabia se o rótulo era verdadeiro, só sabia que ainda não havia encontrado o homem com que se importasse em colocá-lo à prova.

Era tarde da noite quando a multidão finalmente se disper­sou. Logo depois, Paige se viu num pequeno restaurante com sua agente, Marjory Goodwin, e a assistente de Marjory, Carolyn Pook.

Marjory girou o copo de vinho, se recostou no assento soltan­do um suspiro exagerado e deu um largo sorriso.

— Conseguimos, senhoras. Foi um sucesso e tanto. É claro que um terço das peças em exposição é emprestada de coleções particulares, mas, se as consultas derem resultado, talvez tenha­mos vendido metade do restante.

— Está brincando — disse Paige. A surpresa e o prazer foram antídotos rápidos para sua fadiga. — Isso tudo?

— Sim. Isso tudo... se as consultas derem resultado.

— Devem dar — Carolyn comentou. — Se o entusiasmo das pessoas com que falei for alguma indicação. Elas adoraram seu trabalho, Paige. Parabéns.

Paige deu um sorriso afetuoso.

— Obrigada. Espero que tenham gostado. Acho que não pos­so fazer essas viagens freqüentemente.

— Você parece esgotada — Marjory observou.

— Não consegui dormir a noite passada. A cidade me deixa agitada.

— A casa é confortável, não é? Sylvia disse para se sentir em casa.

— Ah, é maravilhosa. E foi gentileza da sua amiga oferecê-la. Mas sentir-se em casa é uma coisa, estar em casa é outra bem diferente. Sinto falta do mar.

— Você só se afastou por um dia.

— Eu sei. Mas é tranqüilo lá. O movimento infinito da arre­bentação das ondas é muito diferente da eterna barulheira daqui. Você esteve na minha casa, Margie, sabe como é tranqüila.

— Hum... Sou uma garota da cidade. O mar é um lugar legal para visitar, mas viver lá? A paz me enlouqueceria.

— Não se sente solitária? — perguntou Carolyn. — Você mora lá completamente sozinha.

— É o único jeito de eu poder trabalhar. E gosto de morar so­zinha. Além do mais, tem sempre a arrebentação. Quando acordo no meio da noite, vou até o deque. Não consigo imaginar um se­dativo mais eficaz que aquele ritmo tranquilizador.

— Eu consigo — disse Marjory de modo arrastado, arqueando as sobrancelhas de modo sugestivo. — Outro ritmo. Igual­mente atemporal.

Carolyn riu.

— Marjory Goodwin, você só pensa numa coisa.

— É uma coisa selvagem, não é? Deixe-me contar. Havia uns caras bonitos lá hoje à noite. Se eu não estivesse tão ocupada ten­tando vender o seu trabalho, Paige, poderia ter ficado tentada a utilizar a sala particular de Franco nos fundos da galeria.

— Estava em uso — Carolyn lhe informou, alegre. — Eu vi Craig Hutchinson entrar lá com sua acompanhante. Craig deve exercer certo poder sobre Franco.

— Pensei que eles o exerciam juntos — Marjory observou se­camente. — A não ser que Craig tenha mudado de lado repenti­namente. Neste caso, Franco deve ter ficado perturbado.

— Franco estava tão preocupado quanto você — Paige sa­lientou. — Ele foi realmente maravilhoso, ficando do meu lado a noite toda.

Carolyn riu.

— Talvez ele estivesse tentando deixar Craig com ciúmes. Po­rém, mais uma vez, as coisas não se encaixam. Era de se esperar que, se quisesse deixar Craig com ciúmes, ele se pendurasse no braço de algum bonitão. — Ela franziu o cenho. — A menos que tenhamos feito uma análise totalmente errada.

Paige deu um gole no vinho, largando-o em seguida, enquan­to suas companheiras continuavam discutindo o relacionamento entre Franco e Craig.

— Pobre Franco. Como ele agüenta vocês duas?

— Ele nos ama — respondeu Marjory. — Essa é uma das coi­sas maravilhosas a seu respeito. Ele não se sente ameaçado pelas mulheres, como muitos homens. — Ela baixou a cabeça. — Teve a oportunidade de conhecer Tom Chester? Grandão, mas só mús­culos, sem gordura?

— Como sabe que é músculo? — Carolyn provocou. Marjory sorriu.

— Consegui colocar meu braço em volta da sua cintura. Sabe como são as agentes quando querem vender algo. E aquela cintura não tinha gordura. — Mais uma vez, ela baixou a voz. — Dei-lhe meu cartão. Apenas no caso de ele querer... alguma coisa.

Paige riu alto. Se ela não conhecesse Marjory tão bem quanto conhecia, teria ficado ofendida com o rumo definitivamente não profissional que a conversa tomou. Mas ela a conhecia muito bem. Marjory, por acaso, era extremamente gentil e solícita com ela. Marjory, aliás, era inteiramente eficiente, um ás na venda do seu trabalho. Marjory também era, aos 40 anos, faminta por homens.

— Você é incorrigível, Margie. O que aconteceu com David?

— David? Ah, David está bem. Ele pediu para desculpá-lo. Disse que tinha uma reunião de negócios hoje à noite. Não fosse por isso, ele estaria na galeria.

— Ele não se importaria se você tivesse um caso com outro homem?

— Claro que se importaria.

— Então... por que toda esta conversa? Inclinando-se à frente, Marjory afagou a mão de Paige.

— Porque é conversa. E é divertido. E David, apesar de todas as suas reuniões de negócios chatas, ainda é um amante fantásti­co. Estou lhe dizendo, Paige, você realmente deveria arrumar um homem. Abriria todos os tipos de novos horizontes.

Paige se recostou e lançou à amiga um sorriso autoconfiante.

— Meus horizontes estão bem abertos, obrigada. Gosto da minha vida exatamente do jeito que é.

Foi a vez de Carolyn se inclinar à frente.

— Mas pense em quão mais emocionante ela poderia ser. — Seus olhos se arregalaram. — Você poderia viajar no fim de se­mana de vez em quando com um lindo príncipe. Havia vários deles lá esta noite.

— Príncipes? — Paige riu. — Carolyn, Carolyn, eu acho que você passou tempo demais com Margie. Ou isso ou você ainda tem obsessão por contos de fada, o que, já que você tem quase a minha idade, eu duvido. Margie, o que você está fazendo com esta pobre menina?

— Esta pobre menina — Marjory zombou — tem se diver­tido bastante acompanhando um dos nossos clientes mais atra­entes pela cidade. Walter Emerson telefona para ela duas vezes por semana.

— O cartunista? Mas pensei que ele estivesse na casa dos 50!

— Cuidado, querida — disse Marjory. — Para algumas de nós, 50 anos não soa tão velho assim.

— De qualquer forma, você errou por uma década — Carolyn corrigiu Paige. — As pessoas cometem esse erro o tempo todo. É por causa do seu nome...

— E daquele cabelo grisalho...

— Prematuramente grisalho. Mais como espessa prata bri­lhante. — O sorriso de Carolyn dizia muito mais que suas pala­vras. — Ele é um cara legal.

— Ele levou você para... Ele não mora numa enorme casa de fazenda na Carolina do Sul?

— Geórgia. E é bonita. Mas estamos fugindo do assunto.

— Que é?

— Encontrar um homem para você. Paige passou de Carolyn para Marjory.

— Diga a ela, Margie.

— Dizer a ela o quê? — perguntou Marjory inocentemente.

— Que não estou interessada.

Vendo o sorriso plácido de Paige, Marjory franziu o cenho.

— Ora, você deveria. Tem 29 anos, e está na hora de experi­mentar a vida.

— Experimentei o suficiente.

Seu protesto foi ignorado. Marjory estreitou o olhar sobre Carolyn.

— Que tal Jon Whitley? Ele é corredor. Está em muito boa forma.

Carolyn inclinou a cabeça, olhando de modo pensativo para Paige.

— Hmmm... Talvez. Mas não sei, o cabelo dele é exata­mente da cor do dela. Acho que precisamos de um pouco de contraste.

— Não estou interessada — declarou Paige.

— Bill Shaeffer — Carolyn fez uma contraproposta. — Tem a medida exata e é recém-divorciado...

— Pela terceira vez. Experimente.

— Não estou interessada — repetiu Paige, embora talvez ela tenha sido a única a ouvir as três simples palavras.

Logo depois, os olhos de Marjory se iluminaram.

— Eu sei. Donovan Greene! Paige lançou um olhar ao céu.

— Poupe-me, Senhor. Não fiz mal nenhum...

— Esta é exatamente a questão, Paige — declarou Marjory. — Você é boa demais. Está na hora de se libertar e fazer alguma coisa... — ela lutou em busca das palavras — ousada. — Ela sentiu um tremor de prazer no lugar da amiga. — O que você precisa é de encontrar um sujeito extremamente bonito e ter um caso ardente que faça bombear seu sangue e derreter seus ossos. É bom para a alma, Paige. Bom para a alma!

Paige duvidava sinceramente daquilo. Seu sorriso indulgente revelava com eloqüência que, nem por um minuto, ela levara Marjory a sério. E, quando a limusine com chofer finalmente a deixou de volta na casa emprestada e ela finalmente ficou sozi­nha, estava cansada demais para pensar em qualquer coisa que não fosse tomar uma ducha e cair na cama.

Acordando relutantemente ao som do alarme, Paige lutou para rolar para fora da cama na manhã seguinte. O esgotamento tinha vencido a insônia urbana; ela esteve morta para o mundo por várias horas. Embora, geralmente, fosse uma pessoa matinal, ela se sentia um pouco menos alegre. Não ansiava pelo dia no qual ela iria, de galeria em galeria, visitar os marchands que comercia­vam sua obra.

Tomou outra ducha, mais para espantar a confusão matinal e relaxar do que para lavar o corpo, que havia sido inteiramente limpo na noite anterior. Usando uma camisola macia de seda, sentou-se na penteadeira e escovou o espesso e escuro cabelo an­tes de juntá-lo e prendê-lo num reluzente nó na nuca. Esse também foi um movimento relutante. Em casa, ela soltava o cabelo, deliciando-se com o toque sensual das suaves ondas nos ombros. Ali, em Nova York, porém, seu estilo de penteado refletia sua imagem urbana: polida, controlada, com uma postura elegan­te. Precisava parecer mais velha, sofisticada. Sabia que entre as pessoas que veria naquele dia haveria aquelas que poderiam se ressentir do fato de que ela havia alcançado o sucesso na tenra idade de 29 anos.

De acordo com esse propósito, ela, cuidadosamente, usou maquiagem para cobrir a pequena quantidade de sardas do cavalete do nariz. O sol fizera com que elas aparecessem no começo da primavera e, depois, as intensificara. Dado o seu hábito de fazer caminhadas diárias na praia, as sardas eram inevitáveis. Não que ela normalmente se importasse com elas, achava que acrescenta­vam um quê ao seu rosto, lhe proporcionando uma aparência na­tural e saudável. Infelizmente, não era a aparência que ela queria naquele dia.

Dando um toque final à maquiagem com tons nivelados de sombra para os olhos, cor de alfazema, depois, delineador escu­ro e rimel, pincelou um pouco de blush no rosto e se levantou. Olhando-se no espelho, ela teve que admitir seu sucesso. Real­mente, tinha uma aparência madura, bem sofisticada. Sua preferência por não usar maquiagem poderia esperar. Mais um dia. E só. Mais um dia.

Usando um conjunto de verão de linho branco com uma blu­sa de seda preta por baixo, ela fez uma análise final da sua apa­rência no espelho grande do quarto. Nada mal, Paige, ela pensou. Mamãe ficaria satisfeita. Ela não só tinha atingido o efeito geral que desejara, mas também se sentia adequadamente vestida para a cidade. Era algo que estava entranhado nela desde a mais tenra idade. Ela se lembrava das discussões vividamente.

— Não, Paige, você não pode usar jeans.

— Mas os rapazes estão usando.

— Os rapazes são diferentes. E eles vão usar blazer, o que os deixará elegantes. Uma jovem não usa macacão em Manhattan. As coisas são assim.

Então, tinha sido decretado: assim era. Paige sorriu carinho­samente diante do pensamento em sua mãe muito elegante e mui­to apropriada. Elas sempre tinham se dado bem, em parte porque, apesar de toda a sua elegância, sua mãe a amava profundamente. Este fato nunca fora ocultado. E Paige tinha aprendido rapida­mente a transigir. Na verdade, ela provavelmente já não se sentiria à vontade usando calça comprida na cidade, embora tantas mu­lheres o fizessem. Fosse como fosse, se vestir a rigor era um pouco novidade para ela, já que, em casa, usava o que queria e quando queria. E, de noite, ela estaria livre...

Se pelo menos não houvesse aquela coisa odiosa de forçar sorrisos exagerados para donos de galerias!

Ao olhar para o fino relógio de ouro no pulso, ela viu que o motorista chegaria em vinte minutos. Desceu até a cozinha, preparou uma xícara de café e se empoleirou num banco alto no balcão para bebê-la. Se estivesse em casa, refletiu, tomaria café no deque, depois, se meteria no estúdio para trabalhar várias horas antes de ressurgir para o café da manhã. Naquele dia, não have­ria esse encantador intervalo no meio da manhã, e lhe ocorreu que deveria fazer ovos mexidos. Mas seu estômago se rebelou. Ela simplesmente não conseguia comer às 8h45. Teria que esperar pelo almoço... onde e quando fosse.

Retornou ao quarto de cima com a xícara de café na mão, borrifou água-de-colônia no pescoço, no pulso e, depois, no ar, entrando, em seguida, na nuvem aromática. Carregando a bolsa e o café, ela desceu os dois lances de escada até a sala de estar para esperar a limusine.

Ainda tinha cinco minutos de espera. Como sempre, esta­va adiantada. Com o passar dolorosamente lento dos segundos, começou a amaldiçoar o hábito. A ociosidade gerou contempla­ção e a contemplação daquele dia se concentrou nos encontros à frente.

— Margie, você sabe como odeio essas coisas — ela protesta­ra ao telefone na semana anterior.

— Eu sei. Por isso, não lhe contei nada até agora. Quanto menos tempo tiver para ficar remoendo, melhor. Mas, Paige, eles querem vê-la, especialmente os donos de galeria que estão lidan­do com seu trabalho pela primeira vez.

— Por que eles não podem simplesmente vir à inauguração?

— Eles podem, e muitos estarão lá. Mas a inauguração é prin­cipalmente para clientes e os marchands que podem vir de fora da cidade. Os marchands locais se orgulham de suas próprias gale­rias, e você realmente não pode culpá-los. Será motivo de orgulho para eles ter você lá, mesmo que por uma hora. E você causa uma impressão tão boa...

— A um grande custo. Ao final do dia, minha boca estará rígida de tanto sorrir, e minhas pernas estarão doloridas de ficar de pé o tempo todo.

— Então, peça uma cadeira.

— Você não estará comigo?

— Não. Não hoje. A limusine a pegará. O motorista terá sua programação. No final do dia, ele passará para pegá-la e jantare­mos juntas. Você poderá me contar como tudo transcorreu.

— Covarde.

— Ora, ora, nada disso. Você se sairá melhor sozinha, Paige. Os donos posarão com um ar de proprietários.

— É disso que tenho medo. Na verdade, Margie, gostaria que você não tivesse planejado um dia tão cheio.

— Uma vez ao ano... É pedir muita coisa? É por uma boa cau­sa, Paige. Sua carreira está despontando. Isso dará um impulso extra.

— Preferiria deixar meu trabalho seguir seu próprio curso.

— Sei que preferiria, e ele está seguindo. Mas uma pequena bajulação de vez em quando não dói.

Uma pequena bajulação. Exatamente o que Paige odiava. Ha­via uma falsidade nisso que a exasperava. Se ela precisava ficar em Nova York mais um dia, preferia ir a museus ou mesmo fazer compras. Obviamente, sua preferência teria sido ir para casa na­quela mesma manhã.

Sentindo-se incomumente impaciente e se ressentindo da causa do seu estado de espírito, ela engoliu o restante do café justamente quando a campainha tocou. Nove horas. Felix estava sempre na hora... Maldito.

Pegou a bolsa na almofada ao lado, levantou-se, disse a si mesma que não deveria descontar o mau humor no pobre do homem cuja função era levá-la de galeria em galeria pelas próxi­mas dez horas. Uma rápida olhada pela janela revelou as linhas familiares da longa limusine preta. Segura de que a campainha realmente anunciava seu motorista, abriu a porta com um gran­de movimento e prendeu a respiração quando viu que o homem que esperava por ela, definitivamente, não era Felix. Felix era um homem pequeno, com cabelos grisalhos ralos. O homem dian­te dela, embora usasse um terno escuro como o de Felix, camisa branca e gravata, era alto e magro, e tinha ombros largos. Sua pele era ligeiramente bronzeada, e seu cabelo ruivo era, obviamente, abundante sob o quepe característico de chofer. Mas foram os olhos que atraíram e retiveram o olhar de Paige. Eram azuis, cris­talinos e estranhamente revigorantes.

— Srta. Mattheson? — perguntou ele com uma voz profunda e um pouco baixa.

— Sim? — Ela percebeu um fluxo de calor e se perguntou se seria mais um dia escaldante.

— Meu nome é Dallas. Serei seu motorista hoje.

Os olhos dele dançavam; ela não conseguia afastar o olhar. Com grande esforço, controlou uma repentina falta de ar.

— Eu... Felix está doente?

— A agência precisou que ele atendesse outro cliente hoje. Tenho a lista completa de todas as suas paradas. — O olhar dele passou por ela e foi na direção da sala de estar, livrando os olhos de Paige dos seus olhos arrebatadores. — Há alguma coisa que precisa levar?

— Apenas minha bolsa. — Ela a levantou desnecessariamen­te. — Estou pronta.

— Então, sugeriria que partíssemos. O tráfego está bem in­tenso. — Ele esticou o braço para fechar a porta quando ela pas­sou por ele.

Com aquele contato íntimo, Paige percebeu como ele era grande. Com 1,60m de altura, mais os saltos que estava usando, ela nunca se achara baixa. Aquele homem, ela concluiu, tinha pelo menos 1,85m. Um metro e oitenta e cinco, e forte! Aí está, Marjory Goodwin, eu realmente percebi!

— Vai ser muito quente de novo — disse a voz a seu lado. — Incomum para o primeiro dia de junho.

— É — disse ela baixinho enquanto subia os poucos degraus que levavam até a rua. Dallas apareceu instantaneamente à sua frente, abrindo a porta de trás da limusine. Ela agradeceu e se ins­talou no assento enquanto ele se sentava ao volante. Ele verificou qual seria a programação dela no assento do lado e deu partida no carro.

— Você tem um dia agitado — comentou ele, lançando-lhe um olhar pelo espelho retrovisor momentos antes de se afastar do meio-fio.

— Hmmm. Acho que sim. — Mas a voz dela continha um pouco do aborrecimento que sentira momentos antes. A aparição daquele homem havia interrompido a força do seu mau humor; ela se sentia, decididamente, melhor que antes da chegada dele.

Eles seguiram em silêncio. Paige pegou sua própria cópia da programação na bolsa e a examinou para se preparar para a primeira parada. Quando chegaram à pequena galeria do East Side, Dallas encostou no meio-fio, saltou e abriu a porta para ela.

— Ficarei exatamente aqui esperando por você — disse ele enquanto a acompanhava até a porta da galeria e a mantinha aberta.

Ela inclinou a cabeça e sorriu. Momentos depois, ela estava sendo cumprimentada efusivamente pelo primeiro daqueles que fora bajular.

Quando ela saiu da galeria, uma hora depois, Dallas estava reclinado na lateral da limusine. Ao vê-la, endireitou-se imedia­tamente e pulou para abrir a porta.

— Como foi? — perguntou ele, com sua voz áspera assumin­do um tom calmo. Mais uma vez, Paige teve a sensação de um sopro de ar fresco.

Ela revirou os olhos e não disse nada, mas os cantos dos lá­bios repuxaram quando ela entrou na parte de trás do carro.

— Perdão pelo calor — disse ele. — Eu liguei o carro para refrescar de vez em quando, mas é uma batalha perdida num dia como esse. — Ele girou o botão do ar-condicionado para o máximo.

— Assim está bem.

Paige sentiu alívio por estar longe da desagradável atmos­fera da galeria. Quando o carro partiu, ela examinou o moto­rista. Seu cabelo era elegantemente aparado no pescoço, mais curto nas costeletas, como era a moda. Ela não pôde deixar de imaginar se ele não ficaria melhor sem o quepe; parecia uma pena aprisionar de qualquer maneira que fosse, um cabelo tão espesso.

Redirecionando seus pensamentos obstinados, ela recapitulou os acontecimentos de uma hora antes. Não tinha sido tão ruim assim. Henry Thistle havia lhe mostrado com entusiasmo como suas últimas peças tinham sido dispostas para exibição. Ele fizera um discurso detalhado sobre as vendas que realizara nos últimos meses e as casas que encontrara para o seu trabalho. Por sua vez, ela demonstrara apreço e gratidão, agradando-o com elogios gentis, admirando as obras de outros artistas de sua loja. Não, não tinha sido tão ruim assim, porém, mais oito paradas dessas até o fim do dia?

— Aqui vamos nós.

Dallas inclinou a cabeça na direção da galeria da qual se aproximavam.

— Já?

Ela estava refrescada e confortável, e teria preferido circular um pouco mais.

— Infelizmente, sim — retrucou ele.

Havia algo travesso no olhar que ele lançou de volta para ela, algo que destacava sua perspicácia. Mas ela teve pouco tempo para refletir sobre isso, pois ele já tinha estacionado e a estava ajudando a sair, lhe assegurando mais uma vez que ele estaria esperando.

Estava. Dessa vez, ela simplesmente inclinou a cabeça e afun­dou no banco traseiro para se recuperar do segundo compromis­so, que tinha sido totalmente entediante. O proprietário da gale­ria era um sujeito calado e sério e havia negociado apenas duas de suas peças. Após 15 minutos, ela não sabia bem o que dizer para ele. Fora um alívio o fato de Marjory, muito sabiamente, ter re­servado 45 minutos para ele. Após quarenta minutos, ela já estava indo embora.

— Voce está bem?

Ela levantou os olhos e descobriu que, em vez de fechar a por­ta, Dallas estava com o corpo inclinado para dentro do carro e os olhos azuis estranhamente anuviados.

— Estou bem — disse ela baixinho, respirando fundo em se­guida e se revestindo de coragem. — Estou bem.

Embora parecesse estar em dúvida, ele retomou seu lugar ao volante e partiu novamente.

— Tem certeza de que conseguirá fazer as outras sete visitas? — perguntou ele gentilmente por cima do ombro quando para­ram num sinal.

— É melhor eu conseguir, ou Margie arrancará minha cabeça.

— Margie?

— Minha agente. Foi ela quem arranjou esses encontros para mim.

O sinal ficou verde, e a limusine se moveu à frente.

— Você tem trabalho em todas essas galerias? Ela deu um risinho.

— Não sou tão prolífica assim. Tenho peças em cinco das nove galerias. As outras quatro são possibilidades futuras.

Dallas assentiu com a cabeça e dedicou toda a sua atenção à condução suave do carro pelas ruas lotadas. Paige teve o impulso repentino de perguntar sobre a vida dele, mas se conteve, saben­do que se mantinha uma distância tradicional entre motorista e passageiro em limusines daquele tamanho. Além do mais, era suficiente que ela sentisse seu toque toda vez que ele olhava pelo retrovisor, que a mão dela formigasse toda vez que ele a ajudava a sair do carro, que vê-lo, ao sair de um compromisso, represen­tasse uma ressurreição instantânea. Ela não precisava romper li­mites demais.

Após visitar a terceira galeria, Paige se inclinou para trás no assento. O proprietário era uma mulher, suficientemente educada, mas com uma agressividade que deixara Paige descon­fortável. Seu próprio jeito era tão mais sereno, porém, ela saíra da galeria sentindo que tinha que trabalhar sem parar pelos próxi­mos meses a fim de fornecer peças para as quais a mulher insistia que já possuía compradores. Tal confiança deveria ter sido um estímulo, mas só servira para deixar Paige tensa. Mais uma vez, ela percebia que jamais poderia morar na cidade.

— Que tal tomar algo gelado? — Dallas sugeriu. — A próxi­ma parada está perto. Temos alguns minutos de folga.

Paige ergueu a mão de onde ela repousava no assento e se animou.

— É a melhor oferta que recebi em toda a manhã.

Ela viu o volume na face de Dallas e soube que ele estava sorrindo.

— Feito.

Alguns minutos depois, ele parou num quiosque coberto com um guarda-chuva, na esquina. Inclinou-se no assento e exa­minou o letreiro.

— Parece que é tudo em lata. O que vai tomar? Coca-Cola, 7Up, refrigerante de laranja?

— Coca-Cola está bem.

Qualquer coisa para acalmar sua garganta seca e lhe dar um pouco de energia. Ela esticou o braço para pegar o dinheiro da bolsa, mas Dallas saiu do carro antes que ela pudesse colocar as notas na mão dele. Pelo vidro escuro das janelas da limusine, ela o observou conversar com o vendedor e, depois, enfiar a mão no bolso. O movimento colocou o paletó de lado e puxou ligeiramen­te o tecido da calça em sua coxa firme e bem-torneada.

Paige ficou corada, incapaz de compreender de onde viera seu interesse repentino pelo físico masculino. Dallas era seu mo­torista, pelo amor de Deus! Seu chofer!

Quando ele retornou, ela já havia se controlado. Ele se sentou no lugar do motorista e se virou para entregar a bebida. Ela notou que ele tinha comprado uma para si e sentiu uma pontada de cul­pa por ele ter de ficar esperando no calor enquanto ela ia de uma galeria com ar-condicionado para outra. No entanto, ele parecia bem à vontade, apenas com um leve brilho de umidade no pesco­ço que sugeria que ele pudesse estar com calor.

Ela passou o dinheiro à frente.

— Tome. — Diante do olhar perplexo dele, ela explicou: — Para as bebidas. As duas.

Por um breve segundo, ele quase pareceu estar zangado. Suas sobrancelhas baixaram, e sua boca formou uma linha firme. En­tão, ele relaxou as feições.

— Obrigado, mas a agência cuidará disso. — Os olhos dele se encontraram com os dela com aquela mesma fascinação devas­tadora que poderia capturá-la, levantá-la e colocá-la num plano mais alto.

Ela se forçou a assentir e baixou a cabeça para colocar o di­nheiro de volta na bolsa, aceitando o refrigerante em seguida e se recostando no assento. Dallas dobrou uma esquina e, depois, mais outra, até encontrar um local com sombra para estacionar o carro. Só então ele abriu a tampa da sua Coca-Cola. Levou a lata até a boca, inclinou a cabeça para trás e deu um longo gole. Da sua posição atrás dele, ligeiramente à sua direita, Paige seguiu o caminho do líquido, observando os músculos da garganta dele se contraírem para absorvê-lo. O "Ah!" repentino que ele soltou des­pertou sua atenção. Ele enfiou a mão no bolso do paletó, puxou um canudo e o passou para ela.

A expressão envergonhada dele foi completamente afetuosa, fazendo com que ela sorrisse.

— Obrigada. Você teve a idéia certa logo de primeira.

Mas ela aceitou o canudo. Se estivesse em casa, jamais teria se incomodado com isso. Infelizmente, ela não estava em casa. Estava no meio de Manhattan, instalada comodamente numa limusine elegante e espaçosa. Então, retirou o envoltório com cui­dado e inseriu o canudo na abertura da lata. Quando levantou os olhos, viu Dallas prestando atenção nela, com um ar ligeiramente divertido nos olhos. Ela encolheu os ombros e começou a sorver a bebida.

Momentos depois, ela suspirou.

— Ahhh, assim está melhor.

— Eles não oferecem comes e bebes nas reuniões?

— Café quente. Ou chá, igualmente quente. Não é algo ex­tremamente criativo, nem muito bem-vindo num dia como este. Acho que deve constar do manual de proprietário de galeria que água fervendo é um item obrigatório. Não me impressiona muito, mas, por outro lado...

Ela deixou o tom da voz diminuir até parar, percebendo que Dallas podia achá-la menos sofisticada que sua imagem.

Mas ele sorriu e se virou para a frente, não dizendo absolu­tamente nada que revelasse sua opinião sobre ela. Quando pen­sou no assunto, ela ficou surpresa, embora satisfeita, por ele ter comprado uma bebida para si. De algum modo, os choferes pare­ciam imunes às necessidades dos mortais. Ela estava aliviada por Dallas não ser.

Logo depois, eles terminaram de beber, e ela partiu para seu quarto compromisso. Esse encontro e o seguinte foram uma repe­tição dos anteriores, a não ser pela presença de vários coleciona­dores em cada um. Paige tinha a expressão mais tranqüila possí­vel, conversava tão calmamente quanto na noite anterior, e estava novamente esgotada quando, por fim, relaxou, na limusine. Eram quase duas horas!

— Você parece cansada — Dallas comentou, virando-se no assento para examinar as feições pálidas dela antes de dar partida no carro. — Espero que tenham lhe dado comida.

Ela balançou a cabeça, colocando, fatigada, o dorso da mão na testa quente.

— Cada um deles supôs que eu havia comido em outro lu­gar. Evidentemente, os manuais dos proprietários de galerias não abordam a questão da garantia da sobrevivência do artista.

Em vez de sorrir diante do bom humor dela, Dallas conti­nuou a examiná-la de perto. Os lábios dele estavam sérios, dife­rentemente de antes, quando ela se oferecera para pagar as bebi­das. Então, ele se virou e deu partida no carro.

— Teremos que remediar a situação. — Ele manobrou a longa limusine novamente para entrar no tráfego, seguiu o fluxo, fa­zendo uma curva de forma hábil e, depois, outra, antes de parar finalmente diante de um pequeno restaurante. — Voltarei logo — disse ele de repente.

Embora estivesse quente com o carro desligado, Paige se sen­tiu grata por simplesmente ficar sentada e descansar.

Quando ele retornou, estava carregando uma grande sacola marrom. Envolvida pela fome e por uma inflamada expectativa pela promessa de seu alívio, ela abriu uma das cadeiras dobráveis e se moveu à frente, sentando-se nela.

— O que você tem?

Ele entrou no tráfego novamente.

— Várias coisas. Alguma objeção ao parque? Se houver um pouco de brisa, será lá, e podemos pelo menos ter um pouco de sombra e tranqüilidade para você.

Tocada pela preocupação dele, ela sorriu.

— O parque parece ser um local maravilhoso. Mas achei que não havia lugares para estacionar.

— Talvez não para os não iniciados. — disse ele com a voz arrastada e de modo tão exagerado que ela teve que rir. Muito diferente do eminentemente controlado Felix. Ela estava feliz por Dallas estar com ela. Apoiando um dos antebraços no encosto do assento dianteiro, ela o observou dirigir. Não lhe ocorreu retornar à sua posição anterior.

— Você nasceu em Nova York? — perguntou ela.

— Não. Mas estou aqui há tempo suficiente para encontrar os meandros que as pessoas não percebem.

— Claro. É o seu trabalho. Deve conhecer essas ruas como a palma da sua mão.

Ele não respondeu por um minuto. Depois, falou num tom pensativo:

— Há momentos, quando sinto que estou parado aqui, em que preciso que me lembrem de que existem, de fato, espaços abertos no mundo. O Central Park está longe do que eu anseio, mas, quan­do se está desesperado e sem recurso, a segunda opção serve.

Havia tanta sinceridade na voz dele que Paige percebia que ele estava falando num tom pessoal, não profissional. Ele falava bem. Ela se perguntou qual era sua origem, o que tinha feito na vida, por que havia escolhido ser chofer. Ele parecia ter 30 e tantos anos. Havia pequeninas rugas em volta dos olhos, se era de rir ou apertar os olhos, ela não sabia, e o início de marcas de expressão nos cantos da boca. Ela se lembrou de como ele franzira a testa quando a examinara antes e percebeu que aquelas marquinhas tinham se encaixado perfeitamente naquele momento. Ele era um homem que tinha muitos momentos de sensatez, ela percebeu, e continuava a conjeturar sobre sua vida enquanto se aproximavam do parque. Para a surpresa dela, ele encontrou uma pequena saída de uma das ruas do parque e a percorreu por apenas um minuto antes de parar debaixo de algumas árvores.

— Isto é maravilhoso! — exclamou ela enquanto ele a ajudava a sair da parte de trás do carro. Ele segurou sua mão firmemente na dele enquanto também examinava o cantinho de paz que ti­nham encontrado e, então, soltou-a lentamente.

— Deixe-me pegar as coisas. — Abaixando o corpo, ele pe­gou a sacola no carro e jogou o quepe no assento. Ele não tinha endireitado o corpo completamente quando lançou um olhar de hesitação na direção dela. — Você não se importa, não é mesmo?

— Claro que não. Estava imaginando se não estava sentindo calor com ele.

Enfiando a bolsa debaixo do braço, ele ajeitou o cabelo com a mão livre a partir da testa. Paige podia ver que estava úmido, e que também tinha sido cortado por um excelente barbeiro. Vol­tou prontamente ao lugar, cheio e vibrante.

Percebendo que o estava encarando, ela desviou o olhar fin­gindo procurar um lugar para sentar. Dallas parecia fazer o mes­mo, já que, momentos depois, ele fez sinal para um local onde a grama era espessa e macia.

— Ali. Deve servir. — Ele olhou novamente para Paige, bai­xando o olhar na direção da sua blusa branca. — Bem, pensando melhor, talvez tenhamos um problema aqui. Você está tão bonita e elegante. As manchas da grama não seriam nada boas. — Então, ele lhe lançou um sorriso lento e preguiçoso. Antes que ela pudes­se imaginar que solução ele tinha em mente, ele havia lhe passado a sacola com o almoço deles e se livrado do paletó. Percorreu a distância até o local escolhido com três longas passadas e colocou o paletó no chão com um movimento garboso. Tinha um largo sorriso no rosto quando endireitou o corpo e estendeu a mão.

Paige se sentiu estranhamente afoita, como se estivesse que­brando uma regra estando ali com seu chofer, daquele modo. No entanto, Dallas a deixava mais à vontade que qualquer outra pessoa com quem estivera nos últimos dois dias. E, embo­ra um restaurante com ar-condicionado fosse certamente mais fresco, aquele lugar prometia ser mais tranqüilo. Além do mais, se ela fosse a um restaurante, Dallas ficaria esperando no carro. Ocorreu-lhe que, pela primeira vez em sua vida recente, ela queria companhia

 

Sentada confortavelmente sobre o paletó de Dallas, Paige o ob­servou desembrulhar o almoço.

— Caranguejo. Camarão frio. Salada de frutas frescas. Pão sírio. — Ele identificou o conteúdo de cada recipiente enquanto o colocava sobre a grama. — E limonada com gelo extra. — Ele retirou pratos de papel, garfos de plástico e um monte de guardanapos da sacola e estava prestes a destampar o primeiro recipiente quando parou. — Não me diga que é alérgica a peixe.

Ela riu, se sentindo estranhamente alegre.

— Vivendo na água como vivo? Brinco comigo mesma. Se re­alizo o que desejo num certo dia, a recompensa é uma ida rápida até a cidade para comprar peixe fresco no cais. Lagosta, camarão, bacalhau, o que eles tiverem, eu como.

Após retirar a tampa da salada de caranguejo, ele colocou grandes quantidades em cada prato.

— Você vive perto do mar?

— A-hã. Marblehead Neck. Fica na costa norte de Massachusetts.

— Perto de Gloucester. Os olhos dela brilharam.

— Você conhece a região?

— Tenho amigos lá. — Ele dividiu o camarão igualmente en­tre eles. — Tento ir lá sempre que posso. É uma área bonita.

— Eu sei. Adoro.

— Sempre morou lá?

— Não. Minha família é de Connecticut. Mas eu tinha visita­do Marblehead quando criança e, na hora de procurar um lugar para mim, eu sabia exatamente para onde queria ir.

Ele inclinou o corpo para trás para examiná-la por um minu­to e, então, pegou a salada de frutas para servi-la.

— É uma área inspiradora. Deve ter as condições apropriadas para o trabalho, se o número de artistas que vivem lá for algum sinal.

— É perfeito. A Sausalito da Costa Leste. — Pela primeira vez, ela olhou para o prato. — Ei, é o suficiente. Acho que não consigo comer tudo que você colocou.

O olhar dele demonstrava que ele sabia.

— Quando foi a última vez em que comeu?

— Ontem à noite.

— Então, vai comer tudo. — Os lábios dele se contraíram. — E, se não conseguir, eu ajudo. Sou louco por camarão. Na verdade, é melhor você começar. Sou conhecido por atacar o prato dos ou­tros mesmo antes de eles terem se fartado.

Ela olhou para o relógio, e então e, com sua expressão assu­mindo um ar sério, se inclinou sobre o prato.

— Hum. Aliás, não temos tanto tempo assim. — Segundos depois, um brilho retornou aos seus olhos. — Acho que vou co­meçar com o camarão. — Ela pegou um e o mergulhou no mo­lho que Dallas ofereceu. — Hmmmm. Nada mal... para Nova York.

— Vou lhe contar que temos o melhor em termos de peixe fresco aqui.

— Não tão fresco quanto no meu cais.

Ele também mergulhou o camarão no molho.

— Você é preconceituosa. Se fechasse os olhos neste exato momento e se imaginasse naquele cais, cercada pelo ar salgado e pelo som dos pescadores descarregando sua pesca, duvido que sentisse diferença no gosto do camarão.

Ela sabia que ele estava certo. Mesmo sem fechar os olhos e se transportar para o litoral, ela achou o camarão delicioso. Devia ser a atmosfera local, ela concluiu, inclinando a cabeça para trás para examinar a folhagem acima deles.

— Tem uma pequena brisa. Achei que não havia nenhuma. — Percebendo que ainda estava usando o casaco de linho, ela lim­pou os dedos no guardanapo, tirou-o e o colocou ordenadamente ao seu lado, sobre a grama, antes de pegar a limonada. — Isso é bom. Não esperava nenhum intervalo. — Os olhos dela buscaram os dele. — Obrigada.

Mas os olhos dele não estavam nos dela. Estavam concentra­dos no cordão de pérolas que se escondia nas dobras da sua blusa de seda preta.

— São bonitas — disse ele baixinho. Acanhada, ela olhou para as pérolas.

— Minhas contas para a cidade. Nunca as uso em casa.

— Você não se arruma lá?

— Ah, de vez em quando, eu acho. Para ir a Boston, de tem­pos em tempos. Mas prefiro me vestir de modo informal.

— E não estava entusiasmada por fazer esta viagem até a cidade.

Ele tinha, obviamente, ligado os pontos.

— Não.

A voz dela saiu baixa, quase um pedido de desculpas.

— Achei que seria emocionante para você. Eu... sei que você é uma escultora de sucesso.

— Minhas obras estão vendendo bem, sim. Mas o lado comercial disso tudo não me impressiona. Essas viagens são cansativas. — Ela o observou dar uma garfada no caranguejo. Suas mãos eram fortes, os dedos, bem-formados, ligeiramente bronzeados, inteiramente masculinos. Ela pegou outro cama­rão. — Se eu pudesse fazer as coisas a meu modo, simplesmen­te ficaria em casa e deixaria que Margie fizesse as vendas so­zinha. Quanto a isso — ela pensou alto —, não me importaria se minhas peças jamais fossem vendidas. É o trabalho em si que eu adoro.

— Mas, se você não vendesse, não conseguiria se sustentar. Bem, a menos que haja um homem na história.

— Nada de homem. E minhas necessidades não são grandes. — Era a verdade, embora não fosse completamente reveladora. O fato era que ela recebera uma boa herança dos pais, o que a sustentaria facilmente, vendesse seu trabalho ou não. Ela sabia como tinha sorte. Havia lhe ocorrido mais de uma vez, enquanto sua carreira deslanchava, que a liberdade que sentia em relação ao trabalho, a ausência de preocupação financeira, talvez fosse responsável pelo seu desabrochar artístico. Sua vida era livre de tensões, então, seu trabalho fluía.

— Não se sente solitária lá? — Dallas perguntou, repetin­do quase textualmente a questão de Carolyn na noite anterior. Paige se lembrava muito bem daquela conversa sobre homens e sexo. Olhando para o seu chofer, tão bonito sob os carvalhos do Central Park, ela sentiu uma nova pontada da consciência sensual que a atingira de tempos em tempos desde que abrira a porta na­quela manhã e vira o mais azul dos olhos. Atordoada, ela voltou sua atenção para o almoço e deu a Dallas a mesma resposta que tinha dado a Carolyn.

— Gosto de estar sozinha. É a melhor maneira de trabalhar.

— Mas e de se divertir? O que faz para se divertir? Ela espetou um cubo de melão cantalupo.

— Meu trabalho é divertido. E eu tenho amigos. Há festas, às vezes. Pequenas reuniões. — Ela levantou os olhos a fim de negar a defensiva que ouvira em sua própria voz. — Caminho muito pela praia. Isso é diversão. É divertido e relaxante. Leio. Vejo vi­trines na cidade. Dirijo por longos percursos ao longo da costa. Posso estar sozinha, mas não sou solitária.

Por um breve segundo, Paige captou uma expressão de ceti­cismo no olhar dele e pensou que ele argumentaria. Parecendo reprimir o impulso, porém, ele deu uma mordida no pão suíço e se espreguiçou apoiado sobre os cotovelos, cruzando as pernas diante do corpo.

— Isso é bom — ele refletiu, fechando os olhos e respirando fundo.

Olhar para ele era tão agradável que ela se sentiu alegre mais uma vez.

— Hmmm — ela murmurou. — Você realmente conhece os lugares certos, embora eu não consiga imaginar que seria igual­mente atraente à noite.

O sorriso dele foi irônico. Ele não abriu os olhos.

— Se está sugerindo que trago minhas namoradas aqui para uns amassos, você está errada.

— Eu não sugeriria algo assim — disse ela de forma lenta, sabendo que era exatamente o que havia feito. — Mas, já que mencionou...

— Venho aqui sozinho. Minhas namoradas preferem mais conforto.

— Então, não é casado.

— Não.

— Dirige há muito tempo?

— Desde os 16 anos.

— Quer dizer... — Ela fez um gesto em direção à limusine, li­geiramente desconcertada por Dallas ter parado de comer e estar olhando para ela. Ela se sentia vulnerável ao seu olhar. Vulnerá­vel... e quase como se estivesse sendo fisicamente tocada. Dedos longos e tranqüilizantes sobre seu rosto, seus lábios. A palma con­tra o cordão sensível na lateral do pescoço.

— Ah, isso — disse Dallas. Paige levou um minuto para se lembrar de que tinha lhe perguntado sobre seu emprego. — Não, não há muito tempo. Mas está se revelando uma aventura. Um jeito de conhecer pessoas interessantes.

— Fale sobre elas... As outras pessoas que tem conduzido. Ele inspirou fundo e se sentou reto novamente.

— Acho que deveríamos nos concentrar em comer. Você tem outro compromisso em vinte minutos.

Diante do lembrete, ela franziu o nariz. Ele parecia hipnoti­zado com o gesto.

— Você tem sardas.

— Ora, ora. Elas deveriam estar cobertas.

— Por quê?

— Para fazer com que eu pareça mais velha.

— Quantos anos tem, aliás? — Os olhos dele estavam dan­çando novamente. — Trinta e três? Trinta e quatro?

Uma risada rouca explodiu na garganta dela.

— Não sei se devo me sentir emocionada ou ofendida. Te­nho 29.

— Imagine só — disse ele com falso assombro.

Ela disparou um olhar sufocante para ele e espetou um pe­daço de melão com o garfo. Eles comeram em silêncio por um momento. Paige não podia deixar de refletir sobre como se sentia confortável. Havia algo totalmente sem pressa em Dallas, algo em sua maneira relaxada que a deixava à vontade. Ela sabia que ele estava sendo pago pelo seu tempo, mas ela não se importava. Mes­mo tomada pelo seu valor nominal, a solicitude dele era boa para sua paz de espírito.

Como ele havia previsto, ela fez um trabalho respeitável com a comida que ele havia servido. Foi de forma relutante que ela tomou o que restava da limonada.

— Acho que terminei. — Quando começou a juntar os pra­tos, a mão forte que ela admirara momentos antes disparou à frente para salvar o camarão solitário que permanecia no seu prato. Quando ele 6 mergulhou no molho e o enfiou na boca, piscou. Paige achou que derreteria. Para controlar a sensação, ela se esforçou mais na limpeza do seu piquenique improvisa­do. Mas Dallas retirou os pratos de sua mão, insistindo que ele mesmo fizesse aquele trabalho, enquanto ela se levantava, en­direitava a saia e vestia seu blazer. Feito isso, ela pegou o paletó dele, sacudiu-o e o pendurou no braço enquanto o observava caminhar até uma lata de lixo enferrujada e executar uma gra­ciosa cesta.

— Nada mal — ela provocou. — Diga que é um jogador de basquete na baixa temporada.

— Baixa temporada? Mas a temporada não terminou.

— Não?

— Não. — Ele pegou o paletó que ela segurava e o vestiu. — As finais ainda estão acontecendo. Se eu fosse torcedor dos Knicks, estaria dando pulos na quadra, rezando por uma chance de enfrentar os Lakers nas finais. — Ele colocou a mão de leve na cintura dela e a guiou na direção do carro.

— Você conseguiria? — perguntou ela num tom sussurrado. Ao olhar para cima, ela viu as sobrancelhas arqueadas dele e um ar divertido que elas davam à sua expressão.

— Conseguiria. Conseguiria, sim.

As quatro horas seguintes, com uma parada a cada uma de­las, foram ainda mais exaustivas para Paige do que as anteriores, pois havia uma agitação nela que tornava a paciência algo escasso. No geral, ela ficou feliz com a maneira como se portou; certamen­te, tinha de estar satisfeita com a recepção que tivera em cada uma das galerias que visitara.

Porém, os melhores momentos ocorriam quando ela retor­nava ao carro. Dallas era seu anjo da guarda, conduzindo-a para o carro com cuidado, assegurando-se do seu conforto antes que partissem. Ele estava preocupado com sua fadiga e, propositada­mente, optava por trajetos alternativos a fim de prolongar o des­locamento de uma parada a outra, sentindo que ela apreciaria o descanso, o que era verdade. Ela gostava de seus olhares freqüen­tes pelo espelho, sentindo-se estranhamente protegida. Aprecia­va sua conversa intermitente, que diminuía de intensidade tão logo ele sentia que ela precisava de um momento de paz. Gostou do sorvete que ele colocou em sua mão quando ela estava quase definhando.

Cada vez mais, à medida que a tarde chegava ao fim, ela se via tendo uma reação positiva em relação a ele. Bastava ele se aproximar, e ela sentia um formigamento por dentro. E isso acontecia antes que ele tocasse seu braço ou pegasse sua mão. Em frente a uma das galerias, o salto do sapato ficou preso numa grade da calçada; ele estava lá para segurá-la quando ela se dese­quilibrou, e ela se apoiou em seu corpo por um longo e precioso momento.

Ele poderia ser seu chofer, mas, de alguma forma, parecia mais um amigo. Era como se partilhassem uma compreensão da experiência penosa do dia, trocando olhares irônicos quando um dono de galeria a cumprimentava efusivamente. Talvez eles tivessem sido conspiradores, fugindo para o parque para almo­çar, tomando sorvete coberto de chocolate escondidos, por trás da proteção do vidro escuro da limusine.

Ela estava de fato atraída fisicamente por ele? Ela tentou negar, colocando a culpa do fluxo de calor em suas veias no cli­ma do dia. Tentou atribuir sua atividade hormonal ao poder da sugestão; tendo passado várias horas na noite anterior na com­panhia de duas mulheres devassas como Marjory Goodwin e Carolyn Pook, seria compreensível se um pouco do desejo per­desse intensidade.

Desejo? Paige Mattheson nunca conhecera o desejo antes. Não era virgem, embora sua única experiência com um homem, um companheiro de profissão chamado Tyler Walsh, tão jovem quanto ela à época, tivesse terminado com uma total falta de sa­tisfação de sua parte. Ela nunca se sentira inclinada a tentar nova­mente. Mas, por outro lado, nunca havia sentido, mesmo naquela primeira vez, o tipo de excitação que sentia agora. Era como se partes ocultas do seu ser tivessem ganhado vida repentinamente, como se a pulsação do seu corpo exigisse que ela reconhecesse aquelas áreas até então ignoradas.

As palavras de Marjory retornaram à sua mente e, pela pri­meira vez, Paige imaginou como seria ter um caso ardente, que fizesse bombear o sangue e derreter os ossos. Seria bom para a alma? Ela imaginou...

— A srta. Goodwin disse que estaria esperando na porta do prédio às 8h — Dallas anunciou quando dobrou na Third Avenue, então, lançou um olhar intenso para o rosto de Paige pelo retrovi­sor. — Tem certeza de que pode lidar com isso?

— O pior já passou — respondeu ela baixinho. — Margie vai querer um relatório completo. Tenho mais um compromisso amanhã de manhã e, então — disse ela, suspirando —, irei para casa.

— Vai pegar a ponte aérea para Boston?

— Não, eu, bem, tenho medo de voar. Foi uma das condições quando concordei em vir à cidade. Felix me levou no outro dia. Acho que me levará de volta amanhã.

Dallas não disse nada quando parou diante de uma estrutura moderna com fachada de vidro fumê. Marjory saiu quase simul­taneamente, pulando para o assento traseiro com um suspiro de alívio.

— Está quente! — ela exclamou enquanto se instalava no in­terior fresco da limusine. — Quer dizer, não é que tudo não tenha ar-condicionado, mas tenho entrado e saído o dia todo, e a troca constante é enervante. — Remexendo a bolsa volumosa, ela pegou uma pequenina caixa para comprimidos, enfiou duas aspirinas na boca e engoliu.

Paige estremeceu.

— Consegue tomar isso sem água?

— Como não temos água e estou com uma dor de cabeça de matar, sim. — Ela direcionou a voz para Dallas. — Fiz reservas no World Trade Center.

Ele assentiu e se afastou do meio-fio.

— Nada mal — murmurou Marjory mais baixinho para Paige, inclinando a cabeça na direção de Dallas.

Paige simplesmente sorriu.

— Então, vamos fazer uma extravagância esta noite?

— Achei que devia fazer algo fenomenal depois do que fiz você passar hoje. Está me odiando?

— Tenho que admitir que houve momentos...

— Conte-me. Quero ouvir tudo.

Paige começou a detalhar o seu dia. Marjory a interrompeu regularmente para fazer perguntas, tentando ler nas entrelinhas da conversa dos donos de galerias. Eles chegaram ao destino antes mesmo que Paige tivesse terminado de contar sobre os compro­missos da manhã.

Como era seu dever, Dallas abriu a porta e as ajudou a sair, uma de cada vez. Sua mão estava justamente soltando a de Paige, relutantemente?, quando Marjory falou.

— Dê algumas horas para nós. Devemos estar fortalecidas até lá. — Ela se moveu à frente com sua confiança habitual.

Paige se demorou um minuto para olhar para Dallas.

— Vai comer alguma coisa? — perguntou ela num sussurro. Os lábios dele se contraíram.

— Uma cerveja e um sanduíche parecem estar de muito bom tamanho. Não é exatamente o champanhe e o caviar de vocês, mas vai servir.

— Sinto-me culpada.

— Bobagem. — A mão dele deslizou pelas costas dela e ele lhe deu um leve toque para que seguisse adiante. — Vá e se divirta. Você merece.

Ela estava prestes a dizer que ele também quando viu que Marjory a estava esperando.

— Obrigada — murmurou com um sorriso tímido, depois, seguiu em frente. Marjory logo passou o braço pela curva do seu cotovelo e a puxou à frente.

— O que foi tudo aquilo?

— O quê?

— Sussurros com o seu chofer.

Paige ficou grata pelo fato de a porta giratória tê-las separado momentaneamente. Quando se reuniram novamente, no interior do edifício, seu autocontrole estava intacto.

— Ele é um sujeito legal.

— Fico feliz por isso. Quando a agência ligou esta manhã para dizer que Felix não iria conduzi-la, fiquei um pouco preocu­pada. Eles me asseguraram que esse sujeito era capaz.

— Capaz... e paciente. — Entre outras coisas. — Se nós acha­mos o calor opressivo hoje, pense no que ele deve ter sentido.

— É o trabalho dele. Ele é bem-pago.

— Mesmo assim...

Elas pararam no hall dos elevadores, esperando por um que as levasse tranqüilamente até o 117° andar. Marjory olhou para ela com cautela.

— Estou realmente vendo o que estou vendo?

Paige fez com que sua expressão assumisse um ar de perplexidade.

— O quê?

— Se eu não conhecesse você, acharia que está gostando dele.

— Eu lhe disse. Ele é legal.

— Não. Eu quero dizer gostar do cara. Gostar muito. — Ela enfatizou cada palavra.

Paige manteve a postura.

— Margie, ele é meu motorista.

— Ele também é muito bonito. Você não notou?

— Ele é agradável de se olhar.

— Ahá! Estamos chegando a algum lugar.

— Ei, espere um minuto. — Paige fingiu estar irritada. — Acho que não gosto do que você está insinuando.

— Estou insinuando que cada pequena coisa admitida repre­senta uma pequena vitória com você. Honestamente, Paige, você é mulher. Sei que é afetuosa e generosa. Mas, por alguma razão, insiste em sublimar.

O elevador chegou e a conversa foi momentaneamente inter­rompida pela entrada de outras pessoas. Mas Paige não esqueceu o comentário de Marjory. Sentiu-se estranhamente chateada. Só quando estavam sentadas à mesa, com uma vista espetacular da cidade, ela conseguiu prosseguir.

— Como acha que sublimo?

— Você deposita sua paixão no trabalho e não deixa nada para os machos da nossa espécie. Tem alguma coisa contra os homens?

Paige poderia ter ficado mais chateada se não fosse o tom gentil de Marjory.

— Claro que não. .

— Então, por que os evita? Convenhamos. Havia pelo menos uma dúzia de bons partidos na festa ontem à noite, mas você não notou um sequer. Acho que não é da minha conta, e você poderia me mandar calar a boca. Mas eu me importo com você, Paige. Você seria uma esposa maravilhosa e dedicada.

Paige apenas sorriu com sua serenidade característica.

— Talvez. Algum dia. Por enquanto, sou feliz apenas esculpindo.

— Então, ainda não eliminou a possibilidade?

— Casamento? Claro que não. Quando eu encontrar o ho­mem certo, vou me casar. Sou jovem. Não tenho pressa.

Sua absoluta serenidade demonstrou a Marjory que seria inú­til discutir. Marjory respirou fundo, deu um longo gole no Martíni que o garçom acabara de servir e retomou a conversa sobre negócios.

Quando o elevador as levou de volta ao térreo, Paige tinha fi­cado estranhamente irritada. Estava cansada, ansiosa para retor­nar à limusine, que passara a representar um refúgio para todos os contratempos. Como sempre, ver Dallas esperando ao lado do carro provocou uma explosão de energia.

Como o apartamento de Marjory ficava no East Village, não muito longe do World Trade Center, fazia sentido deixá-la pri­meiro. As duas não se veriam novamente até Paige voltar para casa ao meio-dia do dia seguinte. Sua despedida foi pontuada por abraços afetuosos.

— Ligue para mim quando chegar em casa para me contar como foram as coisas com Groeffling — pediu Marjory.

— Ligarei. Obrigada por tudo, Margie. Você fez um excelente trabalho.

— Tenho que ganhar minha comissão, não é? — provocou Margie com um último abraço antes de sair do carro e acenar, enquanto ele partia.

Os pensamentos de Paige não tinham nada a ver com o sujei­to que ela encontraria na manhã seguinte, nem com a comissão de sua agente, enquanto Dallas conduzia a limusine para a parte alta da cidade. Seus pensamentos estavam no próprio Dallas. Ela queria perguntar se ele tinha comprado a cerveja e o sanduíche, mas não encontrou as palavras. Perguntou-se aonde ele iria de­pois que a deixasse, quem ele conduziria no dia seguinte, se ele afetava todas as mulheres daquela forma.

A cabeça dele, coberta de modo formal, era uma silhueta es­cura. Ela teria feito qualquer coisa para saber em que ele pensa­va naquele momento, mas ele parecia tão pouco disposto a falar quanto ela.

Ao passar pelas ruas 23 e 34, e, logo em seguida, pela 55, ela sentiu uma crescente tensão que percorreu seu corpo e se espa­lhou, irradiando-se por todo o seu ser. A limusine circulou no tráfego escasso pela 6a avenida até o Central Park, virou a leste e, depois, para a direção norte novamente. Logo ela se aproximou da Seventies, onde ficava sua pequena casa emprestada.

Quando Dallas dobrou na sua rua, ela se mexeu no assento. Ela queria algo... não ousava expressar em palavras... sentia uma curiosidade, um calor...

Ele colocou o carro numa vaga, desligou o motor e ficou parado por um momento, enquanto Paige prendia a respiração. Quando ele abriu a porta lentamente e saiu, ela mordeu o lábio inferior. Segurando a bolsa firmemente, esperou enquanto ele abria a porta. Se a mão dele apertou a dela com mais firmeza que de costume, ela achou que fosse sua imaginação. No entanto, ela não estava imaginando sua respiração acelerada e o nó no seu estômago. Isso era real, bem como o fato de que ele não soltou a mão dela enquanto caminharam lentamente em direção à escada.

O brilho das luzes da rua perdeu a intensidade quando eles desceram os degraus. Quando pararam no pequeno vão diante da porta da frente, Paige soltou a mão da dele para que pudesse pegar a chave na bolsa. Com a cabeça curvada, fechou os dedos em volta do metal duro e hesitou. Queria dizer alguma coisa, fazer alguma coisa...

Um dedo indicador forte tocou a pele dela, embaixo de seu queixo, a fim de levantar sua cabeça gentilmente. Dallas estava olhando para ela. Seu corpo alto e forte estava a apenas um sopro de distância. Ela não conseguia distinguir a expressão dele, mas seu toque continha a inequívoca tensão que ela acha­va ter sido apenas dela. Quando ele baixou a cabeça, ela não se moveu.

Os lábios dele roçaram os dela uma vez, depois, outra. Ela sabia que ele estava lhe dando tempo para protestar, para recusá-lo, colocá-lo no seu lugar. Mas ela não conseguiu fazer nada a não ser ficar diante dele, extasiada com o prazer do seu to­que. Os olhos dela se fecharam; ela flutuava. Ele ia devagar, bem devagar, dando o mais suave dos beijos em seus lábios, até que eles se abriram por vontade própria, num misto de curiosidade e desejo.

Só então ele aprofundou o beijo. Só então Paige descobriu o que era um beijo de verdade. Era quente. Era delicioso. Era uma carícia úmida que marcava um caminho de fogo pela sua corrente sangüínea. Era cada vez mais ávido, provocando um desejo cada vez maior. Era excitante, forte e, a seu modo, amedrontador.

Atordoada pela intensidade do prazer que sentia, ela se afas­tou para olhar para ele. As sombras mantinham sua expressão um mistério, mas os sons da cidade não conseguiam abafar a leve irregularidade da respiração dele.

— Está com a chave? — murmurou ele de forma rouca. Ela assentiu com a cabeça e a retirou da bolsa. Ele a pegou, girou-a na fechadura e abriu a porta.

Paige continuou a examinar o contorno das suas feições, meio temerosa por acreditar que um homem pudesse fazê-la se sentir tão... tão feminina. Não um homem. Aquele homem. Um homem que ela conhecia havia menos de um dia, que era quase um estra­nho para ela por todas as medidas sensatas. Ele era o motorista... o motorista dela. Mas isso não importava. Nada importava, a não ser o fato que de ele parecia ter a chave para destravar sentimentos que ela temia que estivessem congelados.

Virando-se para ela, ele deslizou os dedos para sua nuca e acariciou a linha do seu maxilar com o polegar. Seu toque foi li­geiramente abrasivo, transmitindo masculinidade da forma mais gentil. Quando ele a beijou dessa vez, os lábios dela estavam aber­tos e à espera.

Ela nunca conhecera tamanho deleite; não havia possibilida­de de ela se afastar dele. O instinto a guiava... ou era o próprio Dallas? Ela só sabia que o que estava acontecendo, a reação que sentia, era a mais natural, a coisa mais excitante que já havia vivenciado. Os lábios dela cederam aos dele, depois, exigiram. Até mesmo sua língua encontrou novo propósito ao se enroscar com a dele.

O corpo de Dallas estremeceu, e ele levantou a cabeça.

— Devo entrar? — perguntou com uma voz profunda.

Um choque de excitação ricocheteou no corpo dela diante das suas palavras, do seu tom. Ela não conseguiu falar, simples­mente assentiu com a cabeça.

— Tem certeza?

Mais uma vez, ela assentiu. Ela não tinha ilusões. Dallas não queria nada mais do que ela, alguns momentos de prazer. A di­ferença era que, enquanto isso certamente não era nenhuma no­vidade para ele, era algo novo para ela. Ela queria saber aonde o calor que sentia por dentro a levaria. Se a noite terminasse em fracasso, ela não tinha nada a perder. Iria embora no dia seguinte, não veria Dallas novamente. Se, por outro lado, a noite culminas­se no êxtase sobre o qual ela apenas ouvira falar, teria lembranças e a certeza de que era uma mulher em todos os sentidos da pala­vra. Se fosse o caso, Dallas não teria idéia do verdadeiro serviço que prestara naquele dia.

Passando o braço pelas suas costas, ele a conduziu para den­tro do apartamento e fechou a porta com o pé. Então, ele a vi­rou de frente para ele e, tomando o rosto dela em suas grandes mãos, beijou-a profundamente. Todas as reentrâncias da sua boca foram tocadas e exploradas. Os joelhos dela tremiam tão violentamente que ela poderia ter caído se não tivesse enroscado os braços em volta do pescoço dele. Mas houve uma descoberta naquilo também: os ombros dele eram largos e fortes como pare­ciam; seu pescoço, quente e firme; o cabelo na nuca era encaracolado, suave e incrivelmente sedutor ao toque.

Ele soltou o rosto dela, jogou o quepe no sofá e, envolvendo-a com os braços, apertou o corpo dela contra o dele. Sentindo toda a sua força pela primeira vez, ela poderia ter ficado intimidada, não fosse a emoção da excitação que a proximidade trazia.

Os braços dele se soltaram, e ele correu as mãos pelas costas dela. A cabeça dele mergulhou. Ele enterrou o rosto no pescoço dela enquanto retirava gentilmente seu casaco e o deixava cair ao lado do corpo. Quando as mãos dele se moveram sobre ela nova­mente, a seda de sua blusa foi um conduto sensual. Os dedos dele percorreram sua espinha, depois, se moveram pela cintura, com os polegares preparando o caminho, incendiando-a enquanto su­biam lentamente pelas suas costelas.

Ela sentiu o inchaço dos seios momentos antes de ele os co­brir, e não conseguiu sufocar a respiração entrecortada que saiu dos seus lábios quando os dedos dele moldaram seu volume e massagearam gentilmente.

— Shh — sussurrou ele, prendendo seus lábios com os dele enquanto os polegares se concentravam nos mamilos firmes que forçavam o tecido. Ele acariciou de um lado para o outro. Paige ofegou em busca de ar. Todo o seu corpo parecia em cha­mas, como se suas veias fossem pavios carregando uma cente­lha dos lugares que ele tocava a todos os pontos do seu corpo. Ela não tinha sonhado que podia ser assim, tão clamoroso, tão exaustivo. Ela não tinha ousado sonhar. Mas, agora, ela sabia. E queria mais. Mais daquele êxtase fenomenal que o toque de Dallas provocava.

A respiração dele estava tão irregular quanto a dela quando ele afastou a boca. Com a testa repousada contra a dela, ele abriu cuidadosamente os botões de sua blusa. Ela não tinha certeza se conseguia respirar, tão grande era a sensação de expectativa, de excitação, de apreensão. Ela esperou que algo em seu interior a si­lenciasse, morresse, mas nada ocorreu. Quando a blusa dela estava completamente aberta e as mãos dele retiraram a seda de seus ombros, ela se sentiu mais inflamada do que nunca.

O sentimento apenas se intensificou quando ele começou a acariciar sua pele. Seu pescoço, suas costas, suas costelas; cada centímetro foi coberto sucessivamente pelas mãos dele. Sua boca se abriu amplamente ante a dele, recebendo-o com um abandono que poderia tê-la atordoado se ela não estivesse consciente. Mas ela só sabia que o que sentia era correto e bom, devastadoramente saudável.

Minutos depois, ele já tinha deslizado os dedos sob as finas alças de sua roupa íntima e as descera pelos braços, baixando o sutiã e a saia até o quadril, deixando o torso dela desnudo ao olhar dele. A única luz no recinto era a da rua, passando através das diáfanas cortinas. Era suficiente. Ele a manteve afastada por um minuto para admirar o que descobrira, mas a descoberta foi basicamente de Paige. Ela deveria ter ficado tímida com o exame flagrante da sua nudez; nenhum homem jamais a examinara com tamanho detalhamento. Mas o que ela sentia era orgulho e desejo. Ela ficou parada o máximo que pôde.

— Toque em mim — ela sussurrou. Até mesmo a voz dela pa­recia estranha, seu tom rouco, uma novidade para seus ouvidos, mas inteiramente de acordo com o momento. — Por favor.

Ele não precisou de mais incentivo. As mãos dele estavam quentes junto à sua pele, explorando suas curvas com uma avidez sem freios.

— Você é muito bonita — disse ele, com os dedos menos fir­mes que antes.

Paige agarrou os ombros dele em busca de apoio, não os soltando nem mesmo quando ele se ajoelhou para livrar o res­to do seu corpo das amarras que pareceram tão repentinamen­te restritivas. Saia, roupa íntima, meias de náilon; cada peça foi colocada de lado. Quando ela estava completamente nua, ele se sentou sobre os calcanhares, com as mãos colocadas por trás das pernas dela, para olhá-la novamente. Ele não conseguia acredi­tar que a excitação dela fora alimentada apenas pelo seu olhar, mas era verdade. Outra descoberta. Ela quase quis parar naquele momento, apenas para poder se lembrar eternamente da incrível sensação de ser idolatrada em toda a sua glória por um homem. Porque ele realmente a idolatrava. Seus olhos, sua expressão, sua postura subserviente... ela se sentia desejada, preciosa, poderosa a seu modo.

Mas não era o suficiente. Ela tomou consciência do nó aper­tado que se formara na parte inferior da sua barriga e sabia que, por mais glorioso que aquele momento fosse, ainda havia mais a ser descoberto. Ela estava embarcando numa viagem com um estranho, e adorando cada minuto.

Podia-se ouvir Dallas engolir em seco; depois, as mãos dele desceram lentamente pelas pernas dela. Ele envolveu os tornoze­los e começou a subir novamente pelas canelas, mas seu olhar se moveu mais rápido, indo repousar no ápice escuro das coxas dela. As mãos dele passaram aos joelhos, que começaram a oscilar com uma instabilidade constrangedora. A reação não passou desper­cebida por ele. Com um olhar repentino para o rosto dela, como se tivesse esquecido momentaneamente essa parte, ele se levantou e começou a se despir rapidamente.

Paige assistiu, hipnotizada, à medida que cada palmo de seu corpo se revelava. Com a retirada do paletó, da gravata e da ca­misa, ela viu que seu peito era firme, ligeiramente peludo, de um jeito erótico, que canalizou seus olhos para o cinto que ele estava desafivelando. Ele soltou o fecho da calça, baixou o zíper, soltou tudo do quadril enquanto tirava os sapatos. Depois, ficou diante dela, tão despido e excitado quanto ela, e, mais uma vez, ela ficou estupefata com a excitação provocada simplesmente pelo olhar.

Mas Dallas havia passado desse ponto. Ele a tomou nos bra­ços e comprimiu o corpo disponível dela contra o dele. Peito com peito, barriga com barriga, coxa com coxa, eles se deliciaram com o contato íntimo. Paige gemeu. Dallas suspirou. Envolvendo os braços nas costas um do outro, eles se agarravam firmemente, como se quisessem preservar aquilo que poderia ser passageiro.

Então, Paige foi sendo conduzida até o tapete felpudo, e Dallas assomou sobre ela. Ele a beijou, acariciou-a com um fervor que poderia ter sido contagioso se ela já não estivesse totalmen­te aflita. Carícias preliminares eram desnecessárias; o dia, em si, tinha sido uma longa sessão de provocação. Ela estava prestes a explodir mesmo quando sentiu seu primeiro toque mais intenso. Seu único pensamento de precaução foi de natureza bem prática.

— Dallas — sussurrou ela de forma urgente. — Eu não... Eu não tenho nada...

Com os braços tremendo, ele parou à beira da penetração.

— Ai, meu Deus.

— Desculpe. Desculpe. Mas eu não pretendia...

— Shh. — Ele a beijou de leve e começou a se afastar lentamente.

Paige ficou agitada de repente, imaginando que sua única oportunidade para a glória final lhe estava sendo negada por sua própria praticidade. Ela agarrou os ombros dele, forçando-o de volta.

— Está tudo bem... Eu arriscarei... Acho que é seguro.

— Calma, querida. Tenho alguma coisa.

Sentando-se sobre os calcanhares, ele pegou a calça, remexeu em um dos bolsos, encontrou um preservativo e o colocou. De­pois, como se estivesse hipnotizado pela visão dela aberta e à sua espera, ele demorou mais um minuto. Deslizando as mãos pelas pernas dela acima, ele a tocou suavemente, girando os polegares em círculos cada vez mais amplos que revelaram muito claramen­te a disposição dela para ele.

— Por favor! Agora! — disse ela em voz alta. Movendo-se à frente, ele apoiou as mãos sob os braços dela,

curvou as costas e impeliu para cima, proporcionando a Paige tamanha felicidade que ela pensou que morreria de prazer. Ela se sentia preenchida e realizada, mas só até ele começar a se mover de forma mais constante; depois, o desejo dela saiu de um plano e passou para o seguinte. Um olhar maravilhado deu brilho às suas feições. Ela estava tão surpresa com sua própria sexualidade quanto com a miríade de sensações extáticas que a forma masculina podia gerar. A excitação aumentou, deixando-lhe pouco controle. Varrida por um turbilhão vertiginoso de paixão, ela girava sem parar, cada vez mais alto, até ficar sus­pensa por um longe e pulsante momento antes de finalmen­te explodir numa série de espasmos que a deixaram ofegante, agarrada a Dallas, sussurrando seu nome em um fantástico es­tado de estupefação.

Com o lento retorno da consciência, ela percebeu que ele ain­da estava dentro dela, tão duro e volumoso como antes. Ela abriu os olhos e o viu sorrir suavemente acima dela.

— Você não...

— Não atingi o orgasmo. Eu sei. Estava distraído observando você. Era algo a ser contemplado.

Ela comprimiu os olhos e virou o rosto de lado dando um gemido. Mas os lábios de Dallas salpicavam beijos calorosos em seu rosto, depois, no nariz e na boca.

— Não fique constrangida — disse ele baixinho, com a voz ex­tremamente gentil, de forma irregular. — Você não tem idéia de como é excitante para um homem testemunhar o prazer que dá a uma mulher. Quanto a isso, eu não tinha idéia. Então, era de se es­perar que fosse eu quem devesse estar constrangido. Eu não sabia. Faz com que tudo fique ainda mais maravilhoso. Não compreende?

Pensando por um momento, ela compreendeu. Em seguida, viu que ele tinha dito o que ela precisava ouvir. Porém, não esta­va muito preparada para as palavras seguintes ou para o brilho nos seus olhos que nem mesmo a penumbra do recinto podia ocultar.

— Além do mais, torna a parte seguinte um desafio maior.

— Desafio? — sussurrou ela

— A-hã. Agora, quero ver se consigo fazer com que aconteça novamente.

— Ai, Dallas... Não sei... Eu me sinto...

— Cansada? É por isso que estamos descansando neste mo­mento. Você vai ter a segunda rodada. Espere só.

Ela não tinha esperado a primeira, e ainda estava maravi­lhada com sua incomparável alegria. Segunda rodada? Se não ocorresse, ela estaria no paraíso mesmo assim. Havia conseguido. Afinal de contas, não tinha nada de errado com ela! Que Tyler e suas mãos ineptas de muitos anos atrás fossem para o inferno. Que fossem para o inferno todos aqueles que a haviam chamado de gélida.

— Quero satisfazê-lo, Dallas — sussurrou ela. — Diga-me o que fazer.

— Você me satisfaz. Não precisa de orientação.

— Mas quero que sinta o que senti. Quero ver também. — Ela se comprimiu em volta dele e descobriu, para sua surpresa, que não estava tão esgotada quanto pensara. Senti-lo bem no fundo dela lançou formigamentos pelas suas veias. Quando ele retirou lentamente e retornou mais uma vez, ela ofegou, surpresa.

— Está bom?

A presunção dele foi merecida.

— Ah, sim — ela sussurrou.

Ele começou a se mover de forma constante; a seguir, com ve­locidade crescente. Ela sentiu seus braços tremerem. As mãos dela começaram a mapear, vacilantes, o enrijecimento do corpo dele. À medida que o fogo aumentava, ele fechou os olhos, mas ela não viu nada além disso, pois seus próprios olhos tinham se fechado sob a força da paixão renovada.

Dessa vez, eles ascenderam juntos, ofegando sucessivamente, beijando-se loucamente até precisarem de todo o ar para acompa­nhar o crescente delírio.

Momentos antes de atingir aquele ápice recém-descoberto, ela gritou o nome dele:

— Dallas!

— Jesse — disse ele de modo arfante e rouco. — Meu... pri­meiro nome... é Jesse.

Ela não teve a oportunidade de dizê-lo. Quando ele deu um gemido profundo e a investida final, onda após onda de êxtase explodiu sobre ela, coincidindo perfeitamente com o clímax rui­doso que balançou o grande corpo dele.

Parecia que tinha se passado uma eternidade até que um de­les pudesse pensar, respirar. Dallas desabou sobre ela, deslizan­do, em seguida, seu corpo molhado para o lado. Deixou um dos braços sem energia atravessado na sua cintura e uma das pernas disposta de forma letárgica entre as dela. Comprimiu os lábios no seu ombro desnudo e os deixou lá, como se não tivesse nem força nem vontade de movê-los.

Paige se sentia fraca, totalmente esgotada. Ela também estava inacreditavelmente satisfeita. De olhos fechados, baixou a cabeça para repousar no cabelo de Dallas. Seus lábios se curvaram num largo sorriso. Sem pretender, ela adormeceu.

Várias horas depois, Dallas a acordou com um leve beijo. Ela abriu os olhos lentamente. Só depois de um momento de deso­rientação, ela se lembrou de onde estava, com quem estava, o que eles tinham feito juntos. Então, não havendo nada que pudesse fazer, seus lábios se abriram naquele mesmo largo sorriso.

— Você parece satisfeita consigo mesma.

Ele deveria saber, ela pensou. Muito suavemente, ela disse:

— Estou.

— Devo pensar que tudo foi... satisfatório?

Seus olhos, então, se encontraram e, em vez de encontrar uma expressão presunçosa no rosto dele, ela viu um brilho de incerteza.

— Foi — ela se apressou a lhe assegurar.

— Sem dúvidas? Sem arrependimentos? Afinal de contas, eu sou seu... chofer.

— Todos os choferes são amantes tão maravilhosos?

— Não sei. Nunca fiz amor com um chofer.

A incerteza dele parecia ter diminuído. Ele inclinou a cabeça e começou a mordiscar sua orelha. A umidade do toque foi infi­nitamente prazerosa. Ela deslizou os dedos pelos cabelos dele, se deliciando na vitalidade dos fios ruivos.

A voz dele saiu abafada no lóbulo da orelha quando ele falou:

— Faz isso com freqüência?

— Não.

— Você parecia... atordoada.

Ela sabia exatamente a que ele estava se referindo. Não tinha nada a ver com o fato de ele ser chofer e tudo a ver com o prazer que ela sentira.

— Eu estava.

— Por quê?

— Eu... Foi tão forte.

— Você nunca sentiu nada assim antes?

Ela hesitou por um minuto, depois, sussurrou:

— Não.

Dallas parecia estar mais do que contente com sua respos­ta simples. Um rosnado surdo emergiu de sua garganta, com sua respiração causando pruridos no ombro dela, onde estavam os lábios dele. Ele parecia disposto a explorar e experimentar, algo para o qual nenhum dos dois havia tido nem tempo nem paciência antes.

Paige descobriu rapidamente o prazer disso também. A boca de Dallas se deslocou lentamente, não deixando um centímetro sem ser tocado. Às vezes, ela ficava constrangida, mas o ardor crescente logo superava tal emoção, e também as palavras ritma­das de incentivo e elogio que Dallas lhe ofereceu generosamente durante todo o percurso. Se o calor aumentou lentamente, não foi menos severo quando finalmente a atingiu. E o prazer que ela encontrou foi ainda mais intenso.

Foi um ciclo que se repetiu por toda a noite. Eles fizeram amor, dormiram, depois, acordaram e fizeram amor novamente. Para Paige, foi uma descoberta após a outra. Ela descobriu manei­ras de fazer amor que nunca imaginara. Descobriu que sua pró­pria participação, na verdade, sua iniciativa foi não só desejável para Dallas como infinitamente gratificante para ela mesma. Em algum momento, ele a conduziu escada acima para a suavidade acolchoada da cama, onde, de forma notável, seus corpos encon­traram nova força.

O último pensamento que ela teve quando voltou a dormir, pouco antes de amanhecer, foi que jamais esqueceria aquela noite.

Fora algo bom. Quando o despertador a arrancou de um sono extremamente profundo, às 9h, ela estava sozinha.

 

Paige sorriu. Ela recordava mais, e seu sorriso aumentava. Com um espreguiçar felino, tomou consciência de uma miríade de músculos desconhecidos e riu baixinho. Respirou fundo e se virou de lado, de frente para aquela metade da cama onde seu amante tinha deitado.

Dallas. Que homem maravilhoso. Ele havia sido gentilmen­te vigoroso, ternamente arrebatador. Sentindo-se irrepreensivelmente animada, ela riu alto, jogou para trás o lençol que a tinha coberto e saiu da cama. Ela havia passado a noite nos braços do chofer. Em tese, era deliciosamente escandaloso, decididamen­te sensual. Na realidade, fora a coisa mais maravilhosa que lhe acontecera.

Sabendo que ia ser apanhada às 10h para o último compro­misso da viagem, ela tomou uma ducha, se vestiu, arrumou a bol­sa e a colocou elegantemente perto da porta da frente, preparando uma xícara de café em seguida. Todo o tempo, seus pensamentos estavam na noite anterior. Ela não tinha arrependimentos, havia feito o que quisera fazer. Agora, podia voltar à sua casa perto do mar, ao estúdio com luz natural que tanto amava e ao seu traba­lho, sabendo, pela primeira vez na vida, que estava completa. Se encontrasse ou não novamente a paixão à qual Dallas lhe apre­sentara, seria grata pela noite que tivera. Por causa dela, podia ter certeza de que, sexualmente, não lhe faltava nada, de qual­quer modo, maneira ou forma. Sabendo disso, concluiu que podia acrescentar uma sensibilidade ainda maior ao seu trabalho. Não podia esperar para esculpir novamente.

Exatamente às 10h, a campainha tocou. Seu som espalhou uma estranha sensação de dúvida. Ela supusera que Felix estaria de volta naquele dia. Mas e se não estivesse? E se fosse Dallas à porta? Como ela reagiria? Como ele reagiria?

Já tendo lavado a xícara de café e verificado que não havia vestígio remanescente de sua presença na casa emprestada, ela foi até a janela. Sim, a limusine estava aguardando. Mas quem a con­duzira até ali?

Aplacando o frio que percorreu sua barriga, ela abriu a porta e descobriu, para seu alívio, ou sua desilusão, que Felix realmen­te retornara.

— Bom dia, srta. Mattheson — disse o pequeno e muito dig­no chofer. — Como está hoje?

— Muito bem, Felix. — Ela deu um último, e talvez tristonho, olhar pelo recinto e suspirou. — Acho que estou pronta.

Já tendo pegado sua mala, Felix abriu caminho para ela pas­sar e fechou a porta com firmeza. Se Paige tinha ouvido o ruído sólido como algo simbólico do fim de um momento muito bre­ve e muito brilhante de sua vida, ela foi rapidamente consolada com o conhecimento que obtivera a partir dele. Sentia-se como uma mulher diferente da que havia saído de Marblehead três dias antes. E, ela raciocinou, provavelmente era melhor que não visse Dallas novamente. Afinal de contas, ele tinha sua vida, qualquer que fosse, e ela, a dela.

Ela não sabia quantas vezes havia repetido essa ladainha du­rante o trajeto até o compromisso, ou com que freqüência pensou nisso durante o próprio encontro. Ela sabia que sua cabeça não estava no rotundo dono de galeria diante dela, ou no punhado de colecionadores que ele tinha convidado para o chá no meio da manhã. Quando ela finalmente saiu de novo para o calor da cidade, seus pensamentos estavam inteiramente direcionados à sua casa.

Isso foi antes de ela avistar Dallas sair do lado da limusine para ficar de pé à sua espera.

Ignorando uma repentina fraqueza nos joelhos, ela seguiu firme em frente. Ele tocou a aba do quepe numa saudação muda, com apenas o azul intenso de seus olhos dando indicação de que tinha havido qualquer coisa além de total formalidade entre eles.

Ela parou à porta do carro que ele havia aberto e deu um sor­riso tímido.

— Eu... não esperava você.

O corpo dela, também não, mas isso não conteve os pulos e saltos que começaram lá dentro. Mais uma vez, ela se maravi­lhou com o efeito que a simples visão daquele homem tinha sobre ela, embora agora houvesse muito mais que sua aparência para estimulá-la. Havia lembranças, imagens mentais de corpos nus emaranhados um no outro, de mãos, lábios e línguas explorando e acariciando, de costas arqueando, quadris se projetando.

— Eu não me esperava também — murmurou Dallas de modo sóbrio.

Por um instante, Paige temeu que ele tivesse sido forçado a um serviço que obviamente não queria. O estômago dela deu um nó.

— Sinto muito — murmurou ela, depois, baixou a cabeça e entrou na limusine.

Dallas entrou depois dela.

— Eu, não. Não foi isso o que eu quis dizer.

— Tudo bem. — Ela forçou um sorriso. — Será muito cha­to para você ir até Marblehead e voltar. Eu não o culpo. — Ela franziu o cenho. — Bem, a menos que eu tenha entendido errado, Felix deveria me levar para casa. Onde ele está?

— Na agência. Eu vou levá-la para casa.

Depois de ter se resignado a não vê-lo novamente, ela não estava certa de como se sentia a respeito da mudança nos planos. Porém, com sua porta sendo firmemente fechada e Dallas se sen­tando no assento do motorista, parecia que ela não tinha escolha.

Ela se recostou e se concentrou nos prédios que passavam, na agitação da vida urbana que estava, finalmente, deixando. Estivera ali por apenas três dias, mas parecia mais tempo. Tanta coisa havia acontecido, grande parte relacionada ao homem à sua frente.

Sem ter muito o que fazer, ela sorriu. Sentia-se bem, cada vez melhor à medida que passaram pelo East River e cruzaram a Triborough Bridge. Ela estava voltando para casa, com suas lem­branças, uma perspectiva ainda mais auspiciosa em relação à vida e ao homem que tinha possibilitado tudo.

Os sentimentos de Dallas eram muito mais confusos. Re­petidas vezes ele se perguntou o que estava planejando. Tinha vencido a aposta, mas não pensara em ligar para Ben para dar a notícia. Quando retornou à sua casa de tijolos avermelhados, a dois quarteirões de onde tinha deixado Paige dormindo extremamente feliz, ele estava tão confuso que não conseguiu fazer nada a não ser tomar uma ducha e se barbear, e, depois, se sentar numa cadeira imaginando o que fazer em seguida. Ele estava certo: Pai­ge era passional até o âmago. Inocente e sem malícia, ela fora uma amante incrível. Longe de deixá-lo frio, como ocorrera com todas as mulheres em seu passado recente, ela o deixara com mais desejo. Ele a tinha conduzido repetidas vezes, encontrado alegrias no ato de amor que ele, apesar de toda a experiência, jamais alcan­çara antes.

Ele deveria ter deixado assim. Mas não conseguia. Tinha apa­nhado o telefone não menos que três vezes antes de finalmente fa­zer o que ele sabia que devia fazer. Precisava ver Paige novamente, descobrir onde ela morava, passar apenas aquele pouquinho de tempo extra com ela. Havia algo nela que ia além do interesse de uma noite e, por mais que ele se ressentisse, não tinha como negar sua fascinação.

A agência fora tão agradável ao atender seu pedido de levar Paige para casa naquele dia quanto tinha sido quando ele encon­trou um jeito de conduzi-la pela cidade. O fato de o dono da agên­cia ser um velho conhecido seu não tinha sido problema. Nem o fato de Jesse Dallas ser respeitado na comunidade da mídia, talvez não tão vistoso ou poderoso como outros colegas, mas respeitado de qualquer forma.

O que Jesse não compreendia era por que ele estava perse­guindo uma mulher daquela forma. Ele nunca tinha corrido atrás das mulheres. Ele as usava e as descartava. Então, por que estava ali, disfarçado de chofer? E o que ele esperava que acontecesse quando eles finalmente chegassem a Marblehead, na casa de praia que aquela mulher tanto amava?

Um sorriso seco brincou nos cantos de sua boca. Ah, ele sabia o que queria que acontecesse. Mesmo naquele instante, ele sentia um aperto revelador na virilha. Nossa, ele estava dolorido! Ele havia usado o corpo, ou seu corpo o tinha usado?, de formas ins­piradas e inspiradoras naquela noite. Ela tinha feito isso com ele. Paige Mattheson. Frigida? Nem de longe! Ele não sabia quanto a ela, mas, com dor e tudo, ele estava pronto para mais uma rodada naquele mesmo instante.

Ousando dar uma olhada no espelho retrovisor, ele viu que a cabeça dela repousava no encosto. Seus olhos estavam fechados. A expressão dela era serena, quase perturbadora em sua beleza. Ele se perguntou se ela também estava pensando em seu ato de amor, mas não tinha coragem para perguntar. Não tinha cora­gem? Desde quando ele não tinha coragem de se expressar diante de uma mulher? Patife era como muitos o chamavam quando ele revelava sua grosseira personalidade. Talvez ele fosse um patife. Certamente, era um solitário, um homem que prezava sua inde­pendência. Tinha um bom emprego, o qual exigia todas as suas horas de vigília desde o momento em que começava uma missão até a conclusão.

Felizmente, ele estava nos momentos de repouso. Caso con­trário, nunca teria conseguido ir atrás de Paige dessa forma.

Ele franziu o cenho diante da sua escolha de palavras. E o ciclo de equívocos começou novamente.

Por mais de duas horas, eles se deslocaram em relativo silên­cio. Estavam se aproximando de Hartford, a metade do caminho, quando Dallas finalmente falou.

— Está com fome?

Paige levantou a cabeça e olhou em volta. Ela estava tão imer­sa em seus pensamentos que não tinha registrado o trajeto do car­ro como normalmente faria.

— Um pouco — respondeu baixinho.

— Existe um lugar maravilhoso no Civic Center. Comida mediterrânea. Interessada?

— Muito. — Na verdade, a fome era secundária. Ela estava se perguntando se Dallas falaria com ela novamente. Almoçar num restaurante mediterrâneo no Civic Center parecia promissor.

Claramente familiarizado com a cidade, Dallas sabia a exata saída a tomar e o caminho a seguir depois dali. Paige não ficou nada surpresa quando, em vez de deixá-la na frente do restauran­te como Felix talvez tivesse feito, ele foi para o grande estaciona­mento adjacente ao centro e estacionou.

Ela não via Dallas como seu chofer. Quando ele jogou o quepe no assento e a ajudou a sair; era seu acompanhante. Seu acompa­nhante alto, bonito e sexy de tirar o fôlego. Quando ele pegou sua mão, pareceu a coisa mais natural do mundo. Sem palavras, ele confirmou que a noite anterior não tinha sido um sonho, como ela havia começado a se perguntar durante o silencioso trajeto para o norte.

Ele se conduziu com desenvoltura, falando em tom sereno com o maitre, apontando na direção da mesa que queria, uma mesa tranqüila, perto de uma palmeira em um vaso. Quando se sentaram, Paige se sentia extremamente feliz, embora um pouco tímida. Ela esperou que ele falasse, o que ele fez apenas depois de pedir uma garrafa de vinho, que ela reconheceu como sendo mui­to fino. Ocorreu-lhe que a agência poderia não gostar.

— É por minha conta — disse ele baixinho, considerando uma questão de orgulho que ela soubesse que ele não era nenhum parasita. Apesar do que ele tinha dito tão alegremente quando ela se oferecera para pagar os refrigerantes na véspera, ele se recusara a cobrar a agência por qualquer coisa, muito menos pelo seu tem­po. Além da questão do orgulho, ele se sentia menos... desonesto agindo assim.

— Eu estava me perguntando sobre isso — respondeu ela su­avemente, com um ar de provocação nos olhos que ele agora per­cebia serem os mais lindos, cor de jade. Perguntou-se por que não os notara antes e percebeu que estivera distraído com... outros aspectos da intrigante mulher à sua frente.

Por longos momentos, ele simplesmente fitou aqueles olhos, tentando compreender por que o fascinavam tanto. Eram tímidos, sem serem recatados, quentes, sem serem sugestivos. Ele se viu decididamente satisfeito fitando aquelas profundezas. Foi esse mesmo contentamento que despertou um certo incômodo nele.

— Como se sente? — perguntou ele.

— Bem.

— Sem... arrependimentos na manhã seguinte?

— Já é tarde.

A timidez que ela sentira estava se esvaindo lentamente, como uma neblina sob o sol, deixando um brilho de alegria no seu rosto. Ela percebeu que era ele quem estava sem jeito. Perceber isso o tornava ainda mais amável.

— Sabe o que quero dizer.

— Sim. E não, não tenho arrependimentos. O sorriso meigo dela sustentou a afirmação.

— Está surpresa por eu estar aqui?

— Um pouco. Não esperava vê-lo novamente.

— Queria me ver?

— Não tinha certeza.

Se ele esperava desconcertá-la com seu jeito direto, estava fra­cassando. Apesar de suas palavras, ela parecia muito segura. E não parecia perturbada com a arrogância que ele sabia existir em suas perguntas.

— O que estava pensando? — ele interrogou, incitado pelo ego mais que por qualquer outra coisa.

— Estava pensando que, mesmo que não o visse novamente, eu me lembraria de nossa noite. Foi muito especial.

— Fico feliz por ouvir isso. Mas não devia ter esperado que eu viesse hoje. Não sou confiável quanto a isso.

— Não estava esperando. Apenas imaginando.

— Não estava esperando? Nem um pouquinho? Ela baixou os olhos e reprimiu um sorriso.

— Acho que estou danificando sua armadura.

— Claro que não. Bem, talvez um pouco. Todo homem gosta de pensar que, uma vez que tenha tido uma mulher, ela mal pode esperar para vê-lo novamente.

Ela levantou a cabeça e olhou para ele. Seu rosto não continha presunção, mas profundo controle do momento.

— Foi isso o que fez... me teve?

O rosto dele queimou. E ele achava que ele era direto!

— Bem, eufemisticamente falando, eu acho. Alguns homens se sentem possessivos em relação às mulheres com quem fazem amor.

— Você se sente?

— Não. Não acredito em laços desse tipo.

— Não tem nada a temer de mim — disse ela.

A total sinceridade por parte dela o deteve mais uma vez. Por um instante, ele se perguntou se talvez Ben estivesse certo. Havia diversos tipos de paixão. Paige parecia tão calma, tão segura de si naquele instante que ele teve que se forçar a lembrar como ela estivera na noite anterior.

— Não acredita em laços?

— Não preciso pertencer a alguém... — Ela levantou os olhos e parou de falar quando o garçom trouxe o vinho e cumpriu o ritual de praxe ao tirar a rolha, servir uma prova para Dallas e, em seguida, com sua aprovação, encher as taças. Quando Dallas prontamente fez o pedido para ele e para Paige, ela condescendeu. Era suficientemente segura de sua individualidade para não se sentir ameaçada por seu gesto de dominação.

— Um brinde — disse ele, levantando a taça tão logo o gar­çom se fora. — A nós.

Olhando fundo nos seus olhos, Paige assentiu mais uma vez e tomou um gole do vinho. Como se reagia a um brinde? Concordar era sugerir algum tipo de futura relação, mas ela não tinha pretensão quanto a isso. Discordar, por outro lado, era grosseiro. E talvez uma mentira. Embora ela não tivesse planos quanto ao futuro de Dallas, não podia eliminar a possibilidade de que eles se vissem de vez em quando.

— O que você estava dizendo? — perguntou ele de forma ar­rastada, largando o copo, colocando os antebraços sobre a mesa e entrelaçando os dedos.

Embora, como sempre, Paige fosse afetada por sua proximi­dade, ela não se intimidava com seu tom sarcástico.

— Eu estava dizendo — ela recomeçou no mesmo tom suave — que gosto da minha vida como ela é. Gosto de viver sozinha. Gosto da minha independência.

— Mas gostou da noite passada, não gostou?

— Eu disse que sim. Isso não quer dizer que preciso disso esta noite. Não sou uma parasita, Dallas...

— Jesse — sussurrou ele, e parou. — Diga.

O sussurro dele agitou dentro dela todas aquelas coisas que sentira no dia anterior. Onde o seu jeito abrupto não conseguia mexer com ela, sua suavidade o fazia.

— Jesse — sussurrou ela em retribuição, baixou os olhos de forma acanhada e riu. — Acho que sempre pensarei em você como Dallas. Jesse parece... estranho.

— Estranho como em pessoal? íntimo? Sempre se lembrará de mim como seu chofer?

— Mas eu não penso isso — ela se apressou a argumen­tar, sabendo que era verdade. Embora tivesse dito as palavras em sua cabeça, até mesmo as expressado para Marjory, ela ja­mais acreditara nelas de coração, não no mais verdadeiro dos sentidos, certamente não de forma condescendente. Para ela, a ocupação de Dallas tinha sido acidental, e mais que um tanto envolta em mistério, dadas as suas boas maneiras sociais. Sen­tado à sua frente como estava, usando seu terno azul-marinho sob medida e bem à vontade num restaurante tão caro quanto aquele, ele poderia ser um advogado, corretor da Bolsa ou um playboy que herdara milhões. Talvez fosse isso, ela refletiu. Tal­vez ele trabalhasse como chofer por diversão. Mas diversão... sofrendo com o tédio e o calor daquele jeito? Claro, o resul­tado valera a pena. Talvez ele tivesse simplesmente planejado uma nova maneira de atacar a cena dos solteiros, garantindo para si mulheres com dinheiro ainda por cima. Aí estava um pensamento que realmente a incomodava. Fazia com que ela se sentisse usada. Suja.

— Faz isso com freqüência? — ela se ouviu perguntar. A ne­cessidade de saber foi repentinamente muito grande.

— Fazer o quê?

— Conquistar mulheres dessa forma?

Pela primeira vez naquela tarde, ela parecia se divertir.

— Quer dizer se seduzo minhas passageiras com freqüência? — Quando ela assentiu de forma hesitante, o sorriso dele aumen­tou. — Não. Foi a primeira vez.

— Por que fez isso?

— É uma pergunta ingênua. — Mesmo quando disse, ele se sentiu um pouquinho culpado. Por um lado, havia a questão do engano. Por outro, havia a aposta que tinha feito com Ben. Mas nenhum desses fatos tocava na raiz do problema. — A atração existiu desde o começo — disse ele mais baixinho.

— Isso... o incomodou?

— Deveria?

Ela deu de ombros, sem ter muita certeza de aonde queria chegar.

— Não sei.

— Veja, Paige — disse ele, sentindo uma necessidade re­pentina de tranquilizá-la —, a atração que sinto por você é tão natural quanto a que sente por mim. Não, não costumo con­quistar mulheres dessa forma, mas não lamento que as coisas te­nham acontecido como aconteceram. Você é uma amante muito especial.

Foi a vez de Paige corar, o que ela fez com inocência incomum. Mas estava satisfeita. Nunca ousara pensar que algum homem pudesse dizer que ela era o que Dallas acabara de falar. Atordoou sua cabeça.

— Que bonito — murmurou ele, roçando o dorso dos dedos no seu rosto.

— O quê? — sussurrou ela.

— Seu rubor. Não consegui vê-lo ontem à noite no escuro. Estava corada também?

O rubor se tornou ainda mais intenso. Quando ele ficava as­sim, com a voz gentil e irregular, ela formigava por dentro.

— Às vezes.

— Certamente, houve outros homens.

— Claro.

— Muitos?

— Um.

— Apenas um? — Ele não conseguiu conter a surpresa, em­bora ajudasse a explicar o assombro que vira em seu rosto vá­rias vezes durante a noite. — Por que, Paige? Você é uma mulher bonita. Obviamente, tem os sentimentos corretos nos momentos devidos.

— Não foi sempre assim.

— O que quer dizer?

Ela o examinou com olhos gentis, plenamente ciente das intimidades que haviam tido. Mais uma parecia estar por vir. Ela não via sentido em ser evasiva, e não tinha nada do que se envergo­nhar agora que ele sabia.

— Houve um artista, muito tempo atrás. Ele achou que eu fosse frígida. Eu nunca tive muita certeza... até a noite passada.

Se o ego de Dallas tinha sido abalado, as palavras dela o co­locaram em terreno firme. Era uma idéia estonteante, que ele havia conseguido arrancar dela o que nenhum outro homem conseguira.

— Não é de se admirar que você pareça tão satisfeita consigo mesma.

— Estou. — Ali, com Dallas, ela se sentia completamente fe­minina. Era uma nova imagem de si. Ela gostava disso.

— Então... — Dallas franziu o cenho, tentando juntar as pe­ças do quebra-cabeça — você evitou os homens ao longo dos anos por medo?

— Ah, não. Eu simplesmente não estava interessada. — Dian­te do estreitamento dos olhos dele, ela saiu em sua própria defe­sa. — Não estava. De verdade. Minha vida é muito agitada por causa do meu trabalho. Não é como se eu tivesse consciência de nenhum grande vazio. Quanto a isso, não estou ciente de nenhum agora. A noite passada me ensinou algo a respeito de mim, mas não mudará necessariamente a maneira como vivo.

— Não quer ter um marido... nem filhos?

— Sem dúvida. Mas não tenho pressa. Por que está olhando para mim dessa forma? Não sou fora do comum nos dias de hoje.

— Você é fora do comum — declarou Dallas, girando o vinho na taça e, depois, dando cabo dele. Quando largou a taça, olhou nos olhos dela. — Ainda não tenho certeza de que acredito. Você tem um tipo de autossuficiência notável. Não consigo me lembrar de ter conhecido alguém tão segura de si.

— Ah, tenho meus momentos de insegurança.

— Quando?

— Quando estou esculpindo. Ou melhor, quando termino. Posso adorar o que fiz. Afinal de contas, existe um pouquinho de mim em tudo que faço. Infelizmente, quase sempre, depois, tenho que mandar a peça para uma galeria ou outra. É como se despir para o mundo. Não fico tão segura até receber a notícia de Margie de que a peça foi bem recebida.

— Ahá! Então, você realmente se importa com o que pensam de você?

— Não de mim. Do meu trabalho. Eu seria menos humana se não o fizesse.

— Mas você disse que não se importava se vendesse...

— Vender é uma coisa, e não me importo com isso. Mas... — Ela lutou para encontrar as palavras a fim de expressar o que sen­tia. — Esculpir é criar. É pegar algo aparentemente sem forma e transformá-lo num objeto com significado. Se o meu significado não é transmitido, eu me sinto massacrada.

— Já aconteceu?

— Várias vezes.

— O que faz então? Ela sorriu.

— Eu deixo argila à mão. É terapêutico. Várias horas batendo-a no banco, dando-lhe forma e, depois, batendo até formar uma grande bola redonda resolvem o problema.

— Um pequeno ataque de raiva, não é?

— Pode-se dizer que sim.

— E, então, se sente melhor?

— Então, tenho coragem para ligar de volta para Margie. Ela é maravilhosa para consolar. A essa altura, ela já conseguiu trans­ferir a peça para outra galeria. Suponho que deva ser como ter um filho. Você deposita suor e lágrimas na educação dele e, então, o despacha para o mundo e descobre que ele encontrou um nicho que não é correto. Coisas desse tipo podem ser remediadas, em­bora seja bastante doloroso até que isso ocorra.

Dallas estava balançando a cabeça, suspirando fundo.

— Você, provavelmente, ficaria arrasada como mãe quando outra criança xingasse seu filho.

— Tenho certeza de que sim.

— E isso não a desanima de ter filhos?

Ele não estava apenas puxando conversa. Paige sentia que ha­via sentimento profundo em suas palavras. Ela se perguntava de onde vinha seu traço de pessimismo. Por alguma razão, ela não conseguia perguntar.

— Não estou desanimada. Meu trabalho é basicamente forte. Com freqüência, é simplesmente uma questão de achar o lugar certo para ele. Suponho que o mesmo valha para os filhos. Você incute neles certos valores, constrói certos aspectos positivos. Se você fizer corretamente, eles encontram seu lugar, independen­temente das provações pelas quais possam passar para chegar lá.

— Foi o que aconteceu com você?

— Não. Eu tive sorte. A vida tem sido boa o tempo todo comi­go. Mas já vi outras pessoas que passaram por momentos difíceis. Elas sobreviveram.

Ela estava pensando, mais especificamente, em um de seus irmãos. Ela sempre o considerara o mais criativo dos três irmãos, mas, de alguma forma, ele fora direcionado para a carreira ma­temática, na qual sua criatividade estagnara. Ele passara de uma empresa de alta tecnologia para outra, e ficara cada vez mais tris­te, até que finalmente parará de correr riscos e fora contratado para desenvolver programas de computador para um novo fabri­cante de software. Embora sua renda não fosse nada comparada ao que era antes, ele finalmente estava feliz.

— Conte-me sobre você, Paige — Dallas pediu suavemente.

— Não é o que estou fazendo?

— Não. Quero dizer sobre como era quando criança. Como é sua família. Como teve tanta sorte.

A chegada do almoço deu a Paige vários minutos para orde­nar seus pensamentos. Só depois que eles provaram e aprovaram a salada de pato frio ela falou:

— Cresci em Connecticut.

— Em que parte?

— Westport.

— Ahh. Isso diz muita coisa.

Ela sabia que sim, razão pela qual não costumava dar essa informação. Ela não sabia bem por que o fizera agora, só sabia que alguma coisa no olhar intenso de Dallas não permitiria senão a completa verdade.

— Sim. Esta é uma das coisas em que tive sorte. Meu pai foi... é... um executivo de banco. Nós crescemos...

— Nós?

— Tenho três irmãos, mais velhos. — Quando Dallas assentiu com a cabeça, ela prosseguiu. — Nós crescemos com muitas das coisas que as outras pessoas nunca têm. Não apenas coisas materiais, mas boa saúde... e amor.

— Os seus pais ainda moram em Westport? — Ela assentiu. — Vocês se vêem com freqüência?

— Muita.

— Eles estavam na festa na outra noite?

— Não. Eu não os queria lá. — Ela moveu um tomate em volta do prato. — Eu... Exibições assim são difíceis para mim. Eu prefe­riria ver meus pais em momentos mais relaxados.

— Difíceis para você? Você parecia ter total controle. — Quando a cabeça dela se levantou e ela o observou de modo estranho, Dallas percebeu seu erro. Pelo que ela sabia, ele não estava na festa. — O que eu quero dizer é que você sempre parece tão fria e segura de si. Não consigo imaginá-la tendo problemas em qualquer lugar.

Dessa vez, o olhar dela foi ligeiramente repreensivo.

— Você, mais do que ninguém, deveria saber disso. Se não fosse por você, ontem, talvez eu não tivesse conseguido.

— Você teria conseguido — disse ele de modo áspero, suavi­zando o tom em seguida. — Mas foi divertido, não foi?

Ela sorriu timidamente e assentiu. Tinha sido divertido; um piquenique no parque, conversa gentil, a companhia. Também, claro, havia a noite anterior. A lembrança mexeu com ela quando olhou nos faiscantes olhos azuis à sua frente. Ela se sentiu sedu­zida, atraída. De repente, quis esticar o braço e tocá-lo, aquele rosto magro e ligeiramente obscurecido, aquela boca. Ela respirou fundo, depois, soltou um longo e irregular suspiro, e finalmente sorriu.

— Você é inspirador, Dallas. Alguém já lhe disse isso?

Dallas repetiu aquelas palavras várias vezes na mente durante o resto do trajeto. Não apenas as palavras, mas a expressão que as acompanhou. Ele estava lançando seu olhar demolidor, e ela simplesmente absorvera, respirara fundo e sorrira. O mestre es­tava escorregando, e isso era tudo. Como era de se esperar, ela já deveria tê-lo convidado para passar a noite.

Mas não tinha. Na verdade, ela parecia perfeitamente satisfeita com a certeza de que a noite anterior havia acontecido e estava ter­minada. Ele tinha que acreditar que ela ainda o queria. Havia a in­constância da sua respiração, o leve tremor da pulsação no pescoço.

Mas ela estava no controle. Controle frio e firme. E ele? Ele a queria, mais do que nunca. Talvez fosse o desafio que o atraísse.

Sim, era uma desculpa suficiente para tentar seduzi-la uma segun­da vez. Tão logo chegassem à sua casa, de frente para a praia, ele simplesmente a tomaria nos braços e ela derreteria. Ele sabia disso.

Seria fácil demais. Rápido demais. Não, para Paige, ele teria que pensar numa abordagem mais engenhosa. Afinal de contas, onde estaria a diversão se não fosse assim?

O feitiço virou contra o feiticeiro. Sentado sozinho na enorme limusine estacionada no acostamento da estrada, Dallas olhava, melancólico, para o horizonte que escurecia. Ele estava retesado como um fio, tão frustrado como se tivesse sido amarrado sem esperança de fuga. Ele tinha errado o cálculo em algum momen­to. Tentando compreender o que havia acontecido, ele reviu os acontecimentos das horas passadas.

Depois de sair do restaurante, eles retornaram à rodovia. A conversa fora intermitente e leve. Paige estava tão calma e con­trolada como sempre, mais ainda à medida que se aproximavam de casa. Fora como se ela se aproximasse de Shangri-la. Ela ha­via relaxado completamente, tirando os sapatos e se esticando no banco. Quando eles finalmente saíram da rodovia, ela baixara a janela e inspirara fundo o fresco ar marinho.

Se ele achara Paige bonita antes, não a tinha visto em casa. Ela ficava mais feliz a cada minuto, quase como se fosse uma criança vendo o oceano pela primeira vez. Suas bochechas fica­ram rosadas. Seus olhos brilharam. Quando ela levantara o braço e retirara os grampos dos cabelos, deixando-os cair graciosamen­te pelas costas, parecia aquela criança... mas inteiramente mulher. Ele ajustara o retrovisor para vê-la mais facilmente. Ela estava deslumbrante.

Ele mal tinha parado a longa limusine quando ela calçara os sapatos e saíra do carro. Ela, então, ficara parada, com os ombros para trás, a cabeça erguida para a brisa. Ela inspirara uma vez, e outra. Depois, como se estivesse fortificada pelo remédio mais poderoso do mundo, ela se virará para ele com o mais brilhante dos sorrisos.

— Maravilhoso, não é? — dissera, mas não lhe dera tempo de responder, pois percorrera o caminho de seixos e entrara em casa antes que ele mal tivesse saído do carro.

Após abrir o porta-malas e retirar a bagagem, ele reservara um minuto para admirar a casa que ela adorava. Ele tivera que admitir, era magnífica. Contemporânea e se estendendo sobre sua própria minipenínsula, ela combinava pedra e telhas para criar um efeito distintamente natural. Com um telhado inclinado, mo­via-se em direção ao mar. Mesmo antes de entrar na grande sala de estar aberta, ele tinha adivinhado o que encontraria. Vidraças de frente para o mar. Paredes e paredes de vidro. Sala de estar, sala de jantar, cozinha, quartos; ela fizera um tour completo com ele, apreciando ela mesma cada minuto. O orgulho dela não tinha limites, mais evidente no estúdio, que ficava em uma das alas.

— Você mesma a construiu? — ele perguntara, sentindo que a casa era ela, completamente. Ajustava-se a ela perfeitamente.

— Ah, não. Eu também tive sorte aqui. O sujeito que a cons­truiu, arquiteto, estava se mudando para o sul. Ele tinha colocado à venda exatamente no dia em que vim procurar. As casas são ven­didas rapidamente aqui, principalmente as de frente para o mar.

Quanto tempo eles haviam ficado naquela sala de estar, lan­çando seus olhares por cima do deque castigado pelo tempo em direção ao mar, Dallas não sabia. As ondas o tinham hipnotizado quase tanto quanto haviam hipnotizado Paige, de pé a seu lado. Quase, mas não totalmente. Ele estava ciente de cada respiração dela, da maneira como seus lábios se curvavam num sorriso so­nhador, do modo como seu coração batia.

Ele a tomara nos braços então e a beijara, com toda a ternura que ela inspirava. E a ternura se transformara em desejo, como ele soubera que aconteceria. Os lábios dela estavam quentes e úmi­dos, seu corpo arqueava em direção ao dele.

Só quando ele sentira sua total rendição, quando as mãos dela haviam começado a vagar pelas costas dele num convite silencioso, quando os lábios dela haviam começado a exigir por si só, a contivera.

— Tenha cuidado — sussurrara ele. Dando um beijo final na sua testa, ele se virará e saíra.

Ela o desejara, tal como ele sabia que desejaria. E a menos que ela realmente fosse dura como pedra, teria muito sobre o que pensar naquela noite. Infelizmente, Dallas, também. Ele nào con­tara com o efeito que a atitude dele teria sobre seu próprio corpo.

Desceu do carro, deu a volta para encostar no capo e olhar o mar. O ar estava refrescante, a brisa da noite era um alívio para sua pele febril. O farfalhar do capim alto atrás dele acalmava. A arrebentação embalava. Ele podia ver por que estava tão ansioso por retornar. O que ele não via era o que ele estava prestes a fazer a respeito da permanente dor.

Então, ele endireitou o corpo e soube o que faria. Voltaria para Nova York, devolveria a limusine idiota, ligaria aleatoria­mente para um dos nomes no seu caderninho preto e esqueceria que Paige Mattheson existia.

Talvez ele até ligasse para Ben e se vangloriasse. Afinal de contas, ele tinha vencido a aposta, não tinha?

Como os acontecimentos se desenrolaram, a única coisa que ele fez foi devolver a limusine. Quando chegou em casa, estava completamente exausto. Vagando de cômodo em cômodo, ele se sentia estranho, deslocado. Corria os dedos pelas coisas enquan­to caminhava; o encosto do longo sofá de couro na sala de estar, o grosso corrimão de carvalho que levava ao andar de cima, as estantes que cobriam tanto o quarto quanto o gabinete de leitura no segundo andar, a extremidade da mesa de metal na sua sala de trabalho no terceiro. Ele fitou distraidamente os dois monitores de TV em cima da mesa, depois, a guia que alimentava o filme de uma tela para outra. Eram suas ferramentas de trabalho. Ele as conhecia tão intimamente quanto conhecia qualquer mulher, e Deus sabia que ele passava muito mais tempo com elas.

Por que, então, ele se sentia intranquilo? Como era de se esperar, ele deveria estar bem à vontade e satisfeito. A máquina Kem era sua melhor amiga, a coisa mais próxima que tinha de uma amante de longo prazo. Havia perdido o interesse por ela também? Por que ela parecia repentinamente tão fria e pouco atraente? Era simplesmente porque ele não estava trabalhando, porque não havia filme passando pelos labirintos de uma tela à outra?

Sem sequer se importar em ligar a secretária eletrônica e checar as mensagens, ele refez seus passos até o andar de baixo, serviu-se de uma boa dose de uísque escocês e afundou no sofá.

Quando se deu conta, era de manhã. Final da manhã. O copo vazio estava no chão, ao lado. Seus músculos estavam dormen-tes devido ao confinamento no sofá a noite toda. Ele se sentou, apoiou os cotovelos nos joelhos afastados e enterrou o rosto nas mãos. Sua cabeça doía. Seu pescoço estava duro. Ele se sentia as­sim quando trabalhava sem parar com um prazo apertado, só que, naquela manhã, ele não tinha usado seu tempo produzindo nada. Absolutamente nada.

Uma olhada no relógio de pulso revelou que era quase meio--dia. Levantou-se do sofá, entrou na cozinha, serviu-se de um copo de leite gelado e o bebeu, encostado no balcão. Uma sirene de polícia soou ao longe. Franzindo o cenho, ele imaginou seu destino, o que encontraria quando chegasse lá. Invasão de domicílio? Roubo? Talvez um pequeno assassinato? Deprimente.

Colocando o copo na pia de modo pouco gentil, ele subiu até a sala de trabalho no terceiro andar, ligou a secretária eletrônica e descobriu que seu agente tinha ligado no dia anterior. Urgente, ele dissera. Dando um suspiro, Dallas discou o número. A secretária o transferiu.

— John?

— Já estava na hora de você retornar!

— Acabei de ouvir o recado. — Ele não estava a fim de discu­tir. — O que há?

— Wagner ligou. Ele quer que você edite o filme que ele fez na Nicarágua.

— Não sabia que ele estava fazendo nada na Nicarágua.

— Nem ele. Foi coisa de última hora. Ele achou que não con­seguiria entrar no país. Quando o visto finalmente foi concedido, ele pegou as câmeras e a equipe e correu.

— Legal.

— E então? Vai fazer?

— Não.

— Por que não?

— Estou de férias.

— Ora, Jesse. É uma grande oportunidade. Estamos falando de coisa quente.

— Estou de férias.

— Você está aí, não está? Quanto tempo poderia levar: uma semana, talvez duas? Você tira suas férias depois.

— Eu quero agora.

— A grana é boa.

— A grana foi boa no filme sobre prisões que acabei de ter­minar, razão pela qual não preciso trabalhar por algum tempo.

— Ei, onde está sua ambição? Wagner é o melhor, e ele quer você.

Dallas correu uma das mãos pelo cabelo já desgrenhado e suspirou.

— Em outra ocasião, está bem, John? — respondeu, cansado. — Não posso agora. Seria muito pior aceitar o trabalho e fazê-lo mal do que simplesmente explicar que o momento não é apro­priado. Wagner compreenderá. Você resolverá bem a situação. A diplomacia é sua especialidade.

— Hmm. Graças a você, eu pratico bastante. Tem certeza de que não vai repensar? É uma boa.

— Tenho certeza.

— Você está bem?

— Claro.

— Você parece para baixo.

— Não. Apenas cansado. Nada que um descanso de algumas semanas não cure.

Descanso de algumas semanas. Ele pensou nisso enquanto desligava o telefone. Ele, realmente precisava descansar durante algumas semanas. Não ali. A cidade era tão sossegada quanto um exército de formigas.

Ele poderia voar até Gaspé, uma cidade localizada no nordes­te da província canadense de Quebec. A pequena pousada onde tinha ficado dois anos antes era suficientemente tranqüila. Chata, mas tranqüila. Ou para as Rochosas. Era claro que não haveria como esquiar naquela época do ano. O Caribe? Mas estaria quen­te como o inferno.

Naquele instante, ele soube que poderia citar uma centena de lugares e encontrar algo errado em cada um deles. Havia um lugar, porém, que o interessava. Seria calmo e refrescante, devi­do à constante brisa do oceano. Seria interessante, sem dúvida, estimulante. Ele poderia ter todo o tempo do mundo, saciar sua curiosidade, arrancá-la de sua pele de uma vez por todas.

Sem mais considerações, ele desceu, se barbeou e tomou uma ducha. Depois, retirou sua mochila e a encheu com as roupas de que precisaria. Sua dor de cabeça tinha passado milagrosamente, bem como a rigidez de seus membros. Na verdade, ele se sentia notavelmente cheio de energia.

Em menos de uma hora, ele estava a caminho do norte.

 

Estacionando o carro na entrada da ampla casa, Dallas saiu, se esticou, respirou fundo o ar salgado, tal como Paige fizera quando eles haviam chegado ali quase 24 horas antes. Era o final da tarde, ainda estava quente, embora a brisa fosse um alívio aco-lhedor para o calor que ele tinha deixado na cidade.

Ele começou a percorrer o caminho da frente, depois, mu­dou de idéia e tomou um caminho mais curto, que contornava a casa em direção ao mar. O barulho da arrebentação o atraía. Ele passou por pequenos arbustos e árvores que haviam resistido mi­lagrosamente às forças do litoral. Num pequeno muro de pedra, ele parou. Mais adiante dele estava um morro. Além do morro, o mar. Por longos momentos, ele ficou olhando, sentindo-se mais refrescado a cada minuto.

Então, olhou em direção ao alto deque que se estendia à sua esquerda e prendeu a respiração. Paige estava lá, tão absorta em seus pensamentos que não percebera sua presença.

Tinha sido um dia peculiar para ela. Levantara cedo e ca­minhara pela praia, sentindo-se estranhamente incerta quanto ao que queria fazer. Ela sabia o que deveria fazer: deveria come­çar a trabalhar numa peça estupenda, a primeira a ser enviada a uma das galerias que tinha visitado. Ela já havia enviado men­sagens de agradecimento, na noite anterior, quando não tinha conseguido dormir, àqueles que haviam exibido seus trabalhos. Mas, à luz da manhã, ela ainda se sentia agitada, incapaz de sossegar. Talvez precisasse de um dia para relaxar, disse a si mesma.

Então, ela avistou uma pedra na praia. Pegou-a, virou-a na mão, examinou-a, decifrou seu sentimentos. E ela soube o que queria fazer. Era algo pessoal, algo que nunca venderia. Mas, tra­balhando nela o dia todo como tinha feito, ela se sentia mais em paz do que se sentira desde... desde que Dallas tinha ido embora.

Fascinado, Dallas ficou olhando para ela. Ela usava uma blu­sa vermelha, com um nó na cintura, e short branco. Seu cabelo voava com a brisa. Com os braços em volta da cintura, ela parecia estar num mundo particular, um mundo que compartilhava com sua casa e com o mar.

Pela primeira vez, ele parou para refletir que estava interfe­rindo. Ela era uma mulher solitária. Poderia não querê-lo ali.

Mas as necessidades dele, no momento, eram grandes demais para permitir que se virasse e fosse embora, como havia feito na véspera. Ele precisava vê-la. Queria abraçá-la.

No seu primeiro movimento em direção aos degraus de ma­deira que levavam do oceano ao deque, Paige olhou em volta de repente. Com o coração em disparada, viu Dallas girar o corpo a partir do pequeno muro de pedra até um ponto situado a meio ca­minho da escada. Percorreu de forma audaz o resto do caminho, diminuindo o ritmo apenas quando chegou ao deque, parando somente quando ficou perto dela.

Ele tentou julgar a reação dela pela sua expressão. Com os olhos arregalados, ela estava surpresa, como obviamente ficaria uma mulher que descobrisse um homem repentina e inesperada­mente caminhando até seu deque. Ela estava insegura, a maneira como mordia o lábio inferior atestava isso. E vulnerável, estava estampado em todo o seu rosto.

A vulnerabilidade era algo que ele não tinha visto nela antes e exercia um estranho efeito sobre ele. Em vez de tomá-la nos bra­ços e retomar imediatamente do ponto onde tinha interrompido no dia anterior, ele levou uma das mãos ao seu rosto e acariciou sua maciez com o polegar. Ela parecia repentinamente como porcelana, frágil, delicada, mas de modo algum fria e intocável. Em vez disso, ela inspirava ternura e um ar de proteção que o teria atordoado se ele não estivesse tão arrebatado pelo feitiço que ela lançava.

— Oi — disse ele baixinho.

Ela sorriu, ainda insegura. Não tinha esperado seu retorno. Havia suposto, após o dia anterior, que ele partira para sempre. Não sabia o que esperar agora, sabia apenas que, em algum lugar bem no fundo, ela estava satisfeita por vê-lo.

Ele pigarreou e lançou um olhar para sua camisa e seu jeans.

— Eu, bem, achei melhor ir em casa me trocar. Um terno não é apropriado para o mar.

Ela riu, um riso baixo que foi quase um sussurro, e baixou os olhos. O jeans dele estava limpo, mas gasto, bem justo no quadril. A camisa, bem-engomada, era de lã escocesa e tinha os dois botões de cima abertos. Com os braços à mostra abaixo das mangas curtas, sua pele era firme, ligeiramente peluda, exsudan-do calor.

— Você parece estar bem agora — sussurrou ela, descobrindo que estava ficando sem ar.

— Eu me sinto melhor. — Ele mantinha o polegar ocupado no rosto dela enquanto tocava gentilmente com os outros dedos nos seus cabelos. — Você estava tão bonita parada aqui. Uma lin­da estátua.

Os olhos dela se encontraram então com os dele com uma mensagem que ia além das palavras.

— Não sou estátua.

— Eu sei — murmurou ele de forma trêmula, depois, baixou a cabeça e abriu a boca sobre a dela. O quadril dele ma! a tocou a princípio, mas deslizou de leve quando, de olhos fechados, ele saboreou o fato de estar finalmente ali. Ela parecia irreal, pre­ciosa demais para ele. Ele sabia que deveria se conter. Sabia que não deveria ter ido até ali. Apenas a magoaria, como tinha feito com muitas mulheres no passado. Mas nenhuma delas o seduzira como Paige fizera com sua autoconfiança, sua postura, a vulnera­bilidade que tinha passado através do verniz naquele curto perío­do de tempo. Ele sabia que deveria ir embora, mas não conseguia. Ele precisava demais dela.

Só quando sentiu os lábios dela se abrirem para os dele, a beijou plenamente e, mesmo então, foi com um cuidado que re­presentava uma novidade. O gosto dela era quente e doce, muito especial. E ela retribuiu seu beijo com o mesmo cuidado. Havia uma suavidade nela, seus lábios, sua língua, as reentrâncias inter­nas, úmidas, da sua boca, que a tornava diferente, e ele se sentiu inseguro com a responsabilidade que assumira.

Ele se afastou e descobriu que os olhos dela estavam fechados. Ela parecia estar em transe, com uma expressão onírica. Ele con­tornou seus lábios com a ponta da língua. Quando sua língua saiu para se encontrar com a dele, ele ofegou. Abraçando-a fortemente junto ao seu corpo, ele enterrou o rosto no seu cabelo.

— Paige... Paige... — disse ele com a voz áspera, sabendo que, por toda a gentileza que ela inspirasse, tinha de tê-la na­quele momento. As mãos dele vagaram de forma ampla e cons­tante, explorando seus ombros, suas costas, seu quadril e suas coxas, antes de retornar ao seu traseiro e comprimir seu qua­dril ao dele. — Preciso de você, Paige. É loucura, mas preciso de você!

Ela balançou a cabeça afirmativamente, enquanto suas mãos apertavam os músculos das costas dele. Ela não conseguia pensar além do momento, além do estado celestial de prazer que Dallas criara. Ela estava em sintonia com seu próprio corpo, e todos os seus sentidos ansiavam por ele. Só agora ela admitia quanto estivera perturbada na noite anterior, quando ele a beijara tão sedutoramente e, depois, se fora. A frustração sexual era novidade para ela; que não tinha certeza de ter gostado.

Mas Dallas estava ali naquele momento, prometendo a mes­ma felicidade que lhe demonstrara naquela noite em Nova York. Mas ela sabia tão pouco sobre ele! Ele a excitaria novamente, par­tindo em seguida antes de lhe trazer a realização pela qual seu corpo ansiava?

Com as mãos nos ombros dele, ela o afastou.

— Dallas, não comece se... se...

Ele viu o medo em seus olhos, e isso amoleceu suas entranhas.

— Não farei isso, amor — murmurou ele, alisando o seu ca­belo para trás a partir do rosto. — Não irei embora. É isso que a preocupa? — Quando ela assentiu, ele a trouxe de volta ao seu abraço. Os membros dele tremiam sob a autorrestrição que ele impôs. Sua respiração estava quente no cabelo dela. — Desculpe-me pela noite passada. Fui um patife. Se for algum consolo, fi­quei muito incomodado durante todo o caminho até Nova York. Deveria ter dado meia-volta antes de chegar à rodovia, mas sou burro às vezes. Realmente burro. — Mantendo-a afastada, ele en­volveu seu rosto com as mãos. A voz dele foi mais que um sussur­ro. — Tão especial. Muito especial.

Ele a beijou suavemente, depois, levantou a cabeça para ob­servar o lento movimento das mãos no pescoço dela. Elas se mo­viam cada vez mais para baixo, tremendo levemente, os dedos se deslocando aos poucos sob as saliências abertas da blusa dela, deslizando ainda mais para baixo. O volume dos seios o inflamou, mas ele continuou até alcançar a protuberância em suas costelas e soltá-la. Colocou o tecido macio para os lados, abrindo cada vez mais, até que os seios desnudos estivessem expostos ao seu olhar. Prendendo a respiração, ele a tocou; primeiro, os cremosos con­tornos externos e o fundo macio, depois, os mamilos, retesados e enrugados. Ele roçou os polegares sobre eles, observou-os se enri­jecerem mais, enquanto a respiração dela acelerava. Um pequeno som saiu de sua garganta, e ele levantou os olhos para observar seu olhar de desejo.

— Você me quer? — murmurou ele, precisando ouvir as palavras.

— Ah, sim.

Abandonando seus seios de repente, ele tomou sua mão na dele. Dessa vez, a voz dele saiu como um resmungo:

— Acho que não consigo provocar e brincar. Vamos.

Ela não precisou perguntar onde ele a estava levando. Ela sa­bia, e queria ir. Sua pulsação acelerou quando ela se deixou levar pela sala de estar, pelo longo corredor e para o quarto. Então, ele a tomou nos braços e a beijou ardentemente.

A blusa dela se tornou uma presa fácil de seus dedos saque­adores, caindo ao chão, já esquecida. Ele afundou na cama e a colocou entre os seus joelhos, enquanto seus lábios se concentra­ram em um dos seios com tal precisão que ela gritou, num prazer atordoado. Era uma sensação boa, com a boca dele sugando-a en­quanto as mãos deslizavam avidamente pelas suas costas. A ponta de sua língua se atirou contra o mamilo, enquanto os dentes se fecharam gentilmente e puxaram. Uma onda de calor chamuscou seu corpo e se assentou em seu útero, e ela agarrou os ombros dele para se manter ereta. Quando ele tomou seu outro mamilo entre o polegar e o indicador e o girou, ela abafou um gemido no cabelo dele.

De repente, o tempo era essencial. As mãos de Dallas estavam no seu short, puxando-o, e também sua calcinha, quadril abaixo. Continuou a beijar seus seios enquanto se ocupava cegamente dos botões da própria camisa, depois, o cinto, mudando Paige de po­sição para que se deitasse sobre a cama, o tempo suficiente para ele retirar as roupas. Depois, voltou, para ficar ao lado dela, sobre ela, dentro dela, impelindo com vigor.

Paige acolheu a força. Precisava dela, se não fosse por outra ra­zão, ao menos para se assegurar de que não estava sonhando. Gos­tava dela, se esforçava para alcançá-la, via a bola de fogo por den­tro arder, crescer, explodir. Longos estremecimentos orgásmicos a balançaram então. Ela ofegou, soltou gritos descontrolados como forma de liberação. Segundos depois, Dallas enrijeceu e gemeu, ofegando em busca de ar de forma tão descontrolada quanto ela.

Ele murmurou seu nome de modo descontínuo e desabou sobre ela:

— Paige... Paige... como é bom estar com você...

Ela não conseguiu fazer nada além de sorrir. Embora, na última vez, tivesse se enchido de alegria simplesmente por atin­gir aquele pináculo explosivo, dessa vez, teve igual prazer no de Dallas. Saber que ele a queria o suficiente para voltar, saber que tinha conseguido satisfazê-lo novamente, foi outro motivo de or­gulho para ela, que correu as mãos pelo corpo úmido dele e exibiu seu orgulho de forma radiante.

— Estou esmagando você — disse ele. — Ai, acho que não consigo me mover.

— Não faça isso. Estou bem.

Mas ele se forçou a ficar de lado, virando a cabeça para se deleitar com a satisfação dela. Os sons da respiração difícil deles encheram o ar, diminuindo gradativamente até coincidir com o barulho rítmico da arrebentação além da porta corrediça aberta. Ele mexeu a cabeça no travesseiro e percebeu que não era linho sob a orelha.

— Nem mesmo puxamos a colcha. Nossa, não conseguia pensar direito. — Não naquele momento. Mas, agora, ele conse­guia. Apoiou-se sobre um dos cotovelos. — Ai, meu Deus.

Paige levantou a cabeça. Seus olhos estavam cheios de preocupação.

— O que é?

— Ai, meu Deus. Paige, não conseguia pensar direito. Foi tão rápido. Não usei nada...

Ela, então, agarrou seu ombro, massageando gentilmente o músculo tenso.

— Tudo bem, Dallas — disse ela baixinho. — Vai dar tudo certo.

Ele a olhou de modo estranho, não tinha previsto a necessidade.

— Então, como pode estar tudo bem? Se eu engravidar você...

— Nós nos preocuparemos com isso depois. Eu disse na outra noite: o período é bom para mim.

Ele franziu o cenho.

— Realmente acha que o método da tabela funciona? Que in­genuidade! — Ele enfiou uma das mãos no cabelo e afundou na cama. — Que burrice. Faço coisas surpreendentes quando estou com você. Droga. Se eu não quisesse você tanto...

— Dallas...

— É Jesse, droga! Não sou mais seu chofer.

Reunindo seu autocontrole, Paige se sentou tranqüilamente na cama.

— O que você é?

Ele uniu as sobrancelhas.

— Seu amante! Ou não tinha notado? Ela o olhou firme.

— O que você é?

Ele olhou para ela com raiva, depois, se levantou e pegou o jeans.

— Do que está falando?

— Estou falando de você, Jesse. Quero saber quem você é, o que faz, por que está aqui.

Dando um puxão impaciente, ele fechou o zíper do jeans.

— Quer saber? Realmente quer saber?

— Quero.

Ele rangeu os dentes.

— Bem, claro que não sou chofer!

— Acho que sabia disso — declarou ela calmamente. — Ago­ra, me diga o que não sei.

— Estava na festa naquela noite.

Pela primeira vez, a serenidade dela vacilou. Não estava certa do que tinha esperado que ele dissesse, mas não era aquilo.

— Na minha exposição?

— Sim. Na sua exposição. Eu estava lá com todos os outros, arrastado por um amigo meu, um advogado caro que arruma clientes em eventos como esses.

— Entendo — disse ela de modo suave e baixou a cabeça, a qual se ergueu repentinamente quando ele explodiu.

— Não, não entende! Estávamos parados, nós dois, beben­do o champanhe que seu anfitrião ofereceu tão generosamente, e estávamos examinando você. Meu amigo tinha ouvido boatos.

— Ela estremeceu, mas ele prosseguiu. — Eu lhe disse que eles estavam equivocados. Fizemos uma aposta.

Paige engoliu em seco. Suas entranhas tremiam de um jei­to sem nenhuma relação com a paixão que conhecera momentos antes.

— Uma aposta? — perguntou ela, com a voz fraca.

Dallas tinha ido longe demais para recuar. Não que estivesse pensando em fazê-lo no momento. Estava com raiva das emoções que Paige gerava. Prosseguiu com o intuito de magoar.

— Apostamos que eu conseguiria transar com você. Parece que ganhei.

Ele não se sentia vencedor. Sentia-se um verme. Sem conse­guir ficar por mais um minuto no quarto, ele girou nos calcanha­res e saiu rapidamente.

Paige tremeu toda. Arrastou-se com movimentos espasmódicos até a extremidade da cama, se esforçou para pegar a blusa, depois, a segurou junto aos seios e se balançou lentamente para a frente e para trás. Olhou para a porta e, em seguida, para o chão. Inspirou várias vezes de modo profundo e trêmulo.

Lá fora, no deque, Dallas não estava em melhor estado. Ele se odiava. Odiava-a por fazer isso. Não, ele corrigiu, ele não a odia­va. Era como ele se sentia que ele odiava. Terno. Possessivo. E de­sejando aplacar o sofrimento que causara.

Ela não tinha pedido por ele. Nenhuma vez ela fora a seduto­ra. Estava feliz com sua vida. Quem era ele para bagunçá-la? Ah, certo, ele lhe ensinara algo sobre si. Ela sabia agora que era capaz da paixão verdadeira. Então, o que ela deveria fazer com isso?

Curvando-se, ele apoiou as mãos no parapeito de madeira. O mar parecia tempestuoso, ou seria simplesmente um reflexo da turbulência dentro dele mesmo? Ele não sabia o que fazer, se devia ir ou ficar, pedir perdão ou esquecer que tinha dito uma única palavra. A coisa mais sensata a fazer agora era sair da vida dela. Ela o esqueceria. Encontraria alguém suficientemente afetuoso, carinhoso, homem o suficiente para lhe dar o amor que ela merecia. Ele não podia. O amor não fazia parte do seu vocabulário. Ele não queria a responsabilidade de uma esposa, muito menos de filhos. Se ela estivesse grávida, ele não sabia o que faria!

Por um longo tempo, ele ficou parado, remoendo. O ar esfriou com o pôr do sol, mas ele acolheu com alegria o frio no seu peito nu, como um lembrete do ser de coração frio que ele era. Eles estavam todos certos: ele era um patife. Em todos os sentidos da palavra.

Ele pulou quando sentiu a mão tocar seu ombro e se virou, encontrando Paige com sua camisa. Ela havia se vestido, dessa vez, usando um suéter de gola arredondada e meias altas com o short. Seu rosto estava pálido. Ele pegou a camisa, vestiu-a, ga­nhando tempo enquanto fechava cuidadosamente os quatro bo­tões de baixo.

— Depois do que fiz, pensei que ficaria satisfeita se eu pegas­se pneumonia.

— Não ficaria.

— Deveria. Sou um grosseiro. Você merece alguém melhor.

— Não estou procurando alguém. E você não poderia pegar pneumonia. Está bastante quente, e você é bem forte.

A beneficência dela o corroía. Ele segurou os ombros dela, tentado a sacudi-la para que tivesse um pouco de juízo. Ela deveria gritar com ele, mandá-lo embora. Mas ela não o fez. E ele não po­deria sacudi-la, não quando se sentia repentinamente tão cansado.

— Paige — disse ele, suspirando baixinho —, nada do que eu disse chateou você?

— Claro que me chateou. Sou humana. Ninguém gosta de se sentir por baixo.

Ele estremeceu.

— Meu Deus, não use essa expressão. — Os dedos dele afun­daram nos ombros dela. — Não foi assim. Eu juro. Pode ter co­meçado como uma aposta, mas eu jamais teria feito a aposta se você não tivesse me atraído desde o começo. Aposta ou não, eu provavelmente teria ido atrás de você. Foi o ar de desafio da apos­ta que me fez passar por seu chofer. Geralmente, sou mais direto.

— Tenho certeza de que sim.

— Droga, como pode ser tão calma? Grite comigo, Paige! Diga que sou um idiota!

— Não é o meu jeito. Claro que, se você insistir em um acesso de raiva, eu poderia dar um, fraquinho. Devo tentar? — Os can­tos da sua boca estavam se contraindo. Ela estava se esforçando para não sorrir. Sim, Dallas a magoara, mas não era seu desejo levar adiante. Era como se ela sentisse que um demônio interior o estivesse devorando, que ele não queria ser assim, que não tinha de ser assim. E, apesar de tudo, ele realmente fazia com que ela se sentisse mulher. Não podia criticar isso.

Ele franziu o cenho para ela, fechou os olhos e balançou a cabeça e, então, a envolveu gentilmente nos braços e a segurou junto ao corpo. Ele sentiu-a prender a respiração e resistir por um instante, mas apenas por um instante. Aos poucos, ela relaxou. O leve tremor que passou pelo seu corpo sugeriu que ela esta­va mais sensível do que deixava transparecer. Mais uma vez, ele disse a si mesmo para ir embora, mas seus braços se recusaram a ouvir. Eles simplesmente a abraçaram mais forte, balançando-a gentilmente.

— Paige, Paige, Paige. O que vou fazer com você? Você é uma tola por agüentar alguém como eu.

— Não estou "agüentando" você. Você está simplesmente... aqui.

— Dá no mesmo. Não quero magoá-la, realmente não quero, só que não tenho muita experiência com gentileza.

Ela afastou a cabeça e olhou para ele.

— O que você faz, Jesse, quando não está se disfarçando de chofer?

Ele sorriu. Era bom abraçá-la assim, com a paixão consuma­da, simplesmente... juntos. Ele não conseguia se lembrar de ja­mais ter feito algo assim.

— Sou editor de filmes.

— De longa-metragem?

— Documentários, basicamente.

— Está sem trabalho?

— Pode-se dizer que sim. Estou de férias. Quando trabalho, é muito intenso. Terminei um há uma semana e preciso de um descanso.

— O que terminou?

— Um documentário sobre reforma penitenciária. Bastante deprimente, considerando-se a quantidade de filme que tive de cortar a fim de manter o tom que o produtor queria.

— Não há muita reforma, não é?

As feições dele se contraíram. Ele se concentrou, sem ver, na costura do seu suéter.

— Não é muita coisa. Quer dizer, eles estão trabalhando nis­so, mas é como tentar vedar um vazamento de um metro com um palito. As condições nas prisões do país estão aterrorizantes e pioram.

— Estão melhores que em muitos outros países.

— Isso não é desculpa. Estamos nos Estados Unidos. Nós nos orgulhamos de ser progressistas. Devo lhe dizer que o que aquele filme mostra foi desanimador.

— Acha que o produto final é enganoso?

— Não. Enganoso, não. Contou a verdade. Talvez não toda a verdade — ele olhou para ela —, mas, por outro lado, muitos ae nós somos culpados disso de vez em quando. — Ele suspirou. — Nunca menti para você, Paige. Quer dizer, quando me perguntou sobre o fato de eu dirigir e tudo mais, nunca menti.

— Eu sei — disse ela baixinho. — Não se preocupe com isso. Você me contou toda a verdade agora, não contou?

Era a chance dele. Afastando-a um pouco, ele esfregou a parte superior dos seus braços por um minuto. Depois, os sol­tou e comprimiu as palmas no parapeito de madeira atrás do corpo. Havia uma impetuosidade subjacente à tranqüilidade do seu tom.

— Sou um solitário, Paige. Não quero que você ou qualquer outra mulher entre em minha vida. Não se pode esperar que eu me doe. Não tenho isso dentro de mim. Por mais que fiquemos juntos, um dia, vou embora. Não posso prometer nada.

Numa explosão de raiva atípica, ela inclinou o queixo para cima.

— Pensei que tivesse dito que não queria nada. Não estava prestando atenção? Ou simplesmente considerou minhas pala­vras tolice feminina? Bem, eu estava falando sério, Dallas. Não estou pedindo nada de você. Não pedi para você me conduzir por Nova York nem me beijar na porta de casa. — Ela levantou uma das mãos para evitar uma resposta. — Eu sei, eu sei. Eu retribuí o beijo, mas apenas aceitei o que foi oferecido. Não pedi nada. Nunca pedi. Nunca pedirei. Tenho meu orgulho também. E mi­nha casa, minha vida, minha carreira. Sou perfeitamente capaz de tomar conta de mim, com ou sem você!

Lançando as mãos ao ar, ela deu meia-volta, murmurando:

— De todos os egoístas... — Então, ela parou e se virou nova­mente, com os cabelos ao vento. — E, se estiver tão preocupado com exigências que eu possa fazer, por que não entra naquela limusine grotesca — ela apontou para a frente da casa com a mão trêmula — e volta correndo para Nova York? — Ela balançou a cabeça e começou a murmurar novamente — Deus, eu nunca vi nada assim. Deve ser a insanidade urbana. Por que pessoas da cidade acham que a vida gira ao redor delas? Existe mais vida além de você, Jesse Dallas. — Ela o fitou por um minuto e, então, com um olhar exasperado, caminhou para o outro lado do deque e olhou o mar que escurecia.

Jesse foi mansamente até o seu lado.

— Não sabia que conseguia fazer isso.

— Fazer o quê?

— Soltar-se.

— Agora, sabe.

— Hmmm. Sei.

— E não faço com freqüência — ela alertou, se acalmando quase milagrosamente. Ela havia explodido e estava terminado. Era tudo. — Você viu um show raro.

— Então, o valorizarei ainda mais.

Sentindo-se como se fosse ela mesma novamente, lançou um olhar de esguelha para ele.

— Está com fome?

— De onde veio isso?

— Não como desde as 10h.

— Viu o que acontece quando não tem um chofer para tomar conta de você?

— Sempre faço assim. Um misto de café da manhã e almoço às 10h, jantar às 18h. Duas refeições. Muito saudável.

Ele arqueou uma das sobrancelhas.

— Será? Você dever estar faminta.

— Tenho linguado fresco na geladeira. Pensei em grelhar com manteiga de limão. Parece bom?

— Está me convidando para jantar?

— A menos que tenha outros planos. Você mencionou que tinha amigos na área

— Eles moram em Gloucester e não sabem que estou aqui.

— Você iria surpreendê-los também? O tom presunçoso dela o irritou.

— Eu não tinha sequer pensado neles — disse ele. — Vim ver você. Sabe disso.

— Se for o caso, por que não fica para jantar comigo?

— Eu preferiria levá-la para jantar.

— Está com medo da minha comida? Sou muito boa.

— Tenho certeza de que sim. Mas não vim aqui para colocá-la para trabalhar.

Eles estavam de volta à estaca zero.

— Por que realmente veio, Jesse? — perguntou ela, esquecen­do a provocação. Até mesmo a luz que obscurecia não conseguiu esconder a premência em seu rosto.

Ele respirou fundo, depois, expirou lentamente e levantou os olhos ao céu.

— Não sei bem. — Seu olhar voltou ao nível anterior. — Pre­cisava ver você, estar com você. Precisava de férias de... — ele ges­ticulou vagamente na direção sul — de tudo isso. Foi um impulso, eu imagino. Droga, não sei por que vim!

— Quer passar a noite?

— Claro que quero passar a noite!

— Você é bom com as mãos?

Ele olhou incredulamente para ela por um minuto, engatan­do a marcha repentinamente logo em seguida.

— Você sabe que sou bom com as mãos.

Sem se impressionar com a insinuação, ela prosseguiu:

— Sabe consertar coisas?

A fala arrastada retrocedeu.

— Depende do que seja.

— Tábuas de madeira. Várias das tábuas de baixo perto da praia estão soltas. Várias outras precisam ser substituídas. Tam­bém tem uma torneira que pinga na cozinha, e a porta do banhei­ro emperra.

— Você precisa de um faz-tudo.

— Se eu tivesse um, não estaria pedindo a você, estaria?

— Não.

— Bem? Pode ser útil enquanto trabalho amanhã?

— Vai trabalhar? Esperava que pudéssemos passear de carro pela costa, talvez parar num lugarzinho para comer lagosta...

— Vou trabalhar. É você quem está de férias, não eu.

— Só trabalho e nenhum divertimento...

— Quer o linguado? Não ficará fresco por muito tempo e...

— Você está faminta. Eu sei. Tudo bem. Asse o seu maldito linguado. — Ele a observou cruzar o deque. — Mas comerei essa lagosta com você um dia. — Ele falou mais alto quando ela desa­pareceu pelo vão da porta. — Não pode esculpir pedra o tempo todo...!

Eles comeram na mesa laqueada da sala de jantar, sentados confortavelmente em poltronas contemporâneas de frente um para o outro. Não foi um jantar altamente romântico; não havia velas nem flores frescas. Mas foi agradável, civilizado. Quando Jesse quis saber mais sobre Marblehead, Paige o satisfez. Por sua vez, quando ela quis ouvir mais sobre o seu trabalho, ele se abriu.

— É um trabalho solitário, cheio de pressão. Mas é fascinan­te. Desafiador.

— Como entrou nele?

— Na verdade, eu era fotógrafo. Logo após o ensino médio. Estava fazendo trabalho freelance para sustentar o hábito, mas não tinha dinheiro suficiente para a faculdade, então, decidi trabalhar por alguns anos. Acho que me saí bem. Um número suficiente das minhas fotos foi comprado pela Associated Press para que eles fi­nalmente me contratassem. A partir daí, as coisas pareciam não parar. — Ele suspirou. — Eu queria ver o mundo. Certamente queria. Todos os lugares interessantes: o Irã, a Rodésia (atual Zimbábue), o Vietnã, as Filipinas. Eu era jovem e cheio de energia. A qualquer lugar aonde os outros fotógrafos não queriam ir, eu ia.

— Deve ter sido muito bom em termos culturais.

— Para dizer o mínimo. Ah, havia paradas agradáveis du­rante o percurso. Eu vi a maior parte da Europa e lugares neste país que nunca tinha visto. Porém, na maior parte das vezes, eu fui enviado a lugares problemáticos. Bom em termos culturais? É um jeito de definir. Pobreza, esqualidez, repressão, revolução. É apavorante o que acontece no mundo.

— Eu diria que você deve ter ficado esgotado depois de algum tempo.

— Fiquei, embora, à época, tenha me recusado a admitir. Dis­se a mim mesmo que simplesmente era hora de voltar aos estudos.

— Faculdade?

— Sim. Tinha economizado dinheiro suficiente, e, embora sempre tivesse sido um leitor ávido, algo dentro de mim insistia numa educação formal.

— O que foi... esse algo?

Ele pensou um pouco antes de responder.

— Orgulho, acho. Vim do nada, mas queria ser tão bom, se não melhor do que os outros, e uma graduação parecia um passo nessa direção.

— Com quantos anos você estava?

— Vinte e sete, e muito mais velho que a maioria dos meus colegas de turma, posso lhe dizer. Se eu não fosse tão determi­nado, acho que teria abandonado após o primeiro semestre. Foi difícil voltar enferrujado.

— Mas você conseguiu.

— A-hã. E descobri a edição de filmes no caminho. — Os pensamentos dele voltaram no tempo, e ele sorriu. — Tive um professor fantástico. Um sujeito muito brilhante. Um verdadeiro gênio. Nós nos demos bem desde o começo. Ele arrumou meu primeiro emprego.

— Ele deve estar orgulhoso por você ter continuado no ramo. O sorriso desapareceu.

— Ele morreu. Teve um ataque cardíaco um dia e... — ele estalou os dedos — se foi.

— Sinto muito. Jesse deu de ombros.

— Foi assim. De qualquer forma, ele deixou seu legado. E mi­nha carreira alçou voo.

Ouvindo-o falar, examinando as cambiantes expressões em seu rosto, Paige viu que Jesse era um especialista em negar a dor. Ela imaginou que ele gostasse muito daquele professor, mas dizer que sentia falta dele teria sido reconhecer a dor da sua morte. Jesse era duro; as coisas que tinha visto no seu tempo de fotógrafo de­viam tê-lo preparado bem demais, ela refletiu.

— Que outros filmes que você editou? — perguntou ela, es­perando acender seu entusiasmo novamente. Sua estratégia não funcionou muito bem.

Ele franziu a testa de modo divertido.

— Vamos ver. Houve um documentário sobre abuso infantil, um sobre pornografia infantil. Fiz algo maravilhoso sobre suicí­dio. E os idosos... narrar sua situação difícil numa sociedade que defende a juventude foi interessante. Depois, houve algo sobre corrupção política que subiu à cabeça de muita gente.

— Se foi algo como Follow the Leader, posso imaginar.

Você viu Follow the Leader7.

— Sim. No inverno passado.

— O que achou?

— Foi extremamente interessante. Fascinante como um bom filme de terror, ainda mais aterrorizante porque não era. Achei que foi bem feito. Totalmente eficaz.

— Obrigado.

Os olhos dela se arregalaram.

— Foi seu? — Ela sorriu de prazer ao descobrir como ele era talentoso. — Minha nossa, e se eu tivesse dito que era terrível?

— Se tivesse sido sua, opinião honesta, eu teria aceitado.

— Você aceita bastante coisa, não é mesmo?

— Que escolha eu tenho?

Ela sabia que ele tinha razão, de certa maneira. Não se podia lutar contra o que não se podia mudar. Mas ela lamentou ver a tri-vialidade que suas palavras sugeriam. Havia algo chamado senti­mento; sentir-se feliz ou triste, aliviado ou decepcionado. Dallas tinha sentimento; ela sabia que sim. O leve sorriso que surgiu nos lábios dele quando agradeceu por ela elogiar Follow the Leader lhe disse que ele havia ficado satisfeito.

Concentrando-se em outros sentimentos que ela sabia que existiam, ele retornou à enumeração que tinha lhe dado do seu trabalho. Ela ouvira o sarcasmo em sua voz.

— Tem escolha quanto aos filmes em que trabalha?

— Sempre posso dizer não.

— Você pareceu cínico antes. Fica deprimido quando traba­lha em filmes como esse?

— O que me deprime é que as condições expostas nesses fil­mes existem. O trabalho em si é maravilhoso. Gosto do que faço.

— Você falou da pressão. Onde ela entra?

— O produtor pode querer uma coisa e o diretor pode ter outra. Tenho que me virar para tentar agradar os dois e produzir alguma coisa que não pareça que foi editada. É pior com longas-metragens, tecnicamente falando. Entre efeitos especiais e mo­mentos em que o espectador tem que ser levado a acreditar que algo aconteceu e realmente não...

— Como o quê? — Encantada, Paige apoiou o cotovelo sobre a mesa, colocando o queixo sobre a palma da mão.

Pela primeira vez durante a conversa, os olhos de Paige brilharam.

— Como quando a heroína está balançando num desfiladeiro, pendurada num cipó. Na verdade, ela não está. Ela será mostrada impulsionando para trás para pular com o cipó na mão, prendendo a respiração, com uma aparência aterrorizada. Depois, o quadro mudará para um companheiro ou um perse­guidor. Quando a platéia vê a heroína novamente, ela está caindo num monte, segura, mas trêmula, no outro lado do desfiladeiro.

— Isso é sujeira.

— É freqüentemente assim que funciona.

— Como pode agüentar ir ao cinema, sabendo que tudo pro­vavelmente foi feito na sala de edição? Não é uma desilusão?

Ele sorriu.

— Não necessariamente. Faço o que o resto da platéia faz: decido acreditar. Aí está a diversão. Pegue a música. Você tem essa linda garota cantando uma balada romântica. Ela está trans­pirando amor, raiva ou dor de cotovelo. Você sabe muito bem que é apenas uma canção, mas acredita que ela está sofrendo. Você também sabe que ela treinou cantar a canção assim mil vezes e que cantará assim mil vezes mais. E que, se uma canção for triste, a próxima, provavelmente, será alegre.

— Não é possível que ela esteja cantando de coração?

— Provavelmente, não. E ela, certamente, não está cantando para você como parece.

— Acho que você gostaria que estivesse — disse Paige com um sorriso ousado no rosto.

— Eu? Está brincando? Eu, não!

— Não tenho tanta certeza — ela refletiu, se levantando para recolher os pratos. Enquanto caminhava para a cozinha, ela acrescentou um tom de provocação à sua voz: — Acho que talvez gostasse de ter uma mulher tão apaixonada por você que abriria o coração e a alma desse modo.

Ela ouviu um resmungo baixo. Foi tudo. Sorrindo para si, ela decidiu que poderia ser bom para ele ter uma mulher assim. Ele lhe parecia ser um homem que estava sozinho havia muito tempo, que tinha visto demais o lado sombrio da vida. Ele estava cer­to quando dissera que precisava de um descanso de tudo aquilo. Talvez alguns dias ali na sua casa de praia pudessem melhorar sua perspectiva.

Quando ela retornou com uma bandeja com café e fatias grandes de torta de mirtilo, empinou a cabeça na direção do deque. Jesse pegou rapidamente a bandeja, e ela foi na frente. Mo­mentos depois, eles estavam sentados à pequena mesa do deque, abrigados da brisa do mar pela ampla sacada. A luz da varanda atrás deles lançava um brilho quente. A lua cheia fazia o resto. Ao fundo, a arrebentação fazia a serenata.

Jesse recostou-se na cadeira e inspirou fundo.

— É maravilhoso aqui.

— Relaxante?

— Sim.

— Como se fossem férias?

Em vez de concordar pela segunda vez, ele se viu olhando para ela.

— Você gosta de morar sozinha. O fato de eu estar aqui não vai tirar sua independência?

— Será uma novidade. Além do mais, você não ficará por muito tempo.

O olhar dele se estreitou.

— Como você sabe?

— Você já me disse que chegará um dia em que partirá.

— E se esse dia chegar mais tarde e não mais cedo?

— Então... será uma experiência. Se o pior acontecer, e você me irritar, eu o mando embora.

Ele se inclinou à frente e falou com uma voz muito baixa e bastante sóbria:

— Percebe o que está fazendo, Paige? Está me convidando a passar minhas férias aqui.

— Não estou convidando. Você apareceu e parece gostar do lugar. Estou simplesmente dizendo que pode ficar, se quiser. Não sou tão egoísta a ponto de não poder dividir por um tempinho. É um lugar grande.

— Você é generosa.

— Para que servem os amigos?

— Somos amantes, Paige. Você não se esqueceu disso, esqueceu? Ela falou mais suavemente:

— Não.

— E, se eu ficar aqui, não vou dormir no quarto de hóspedes.

— Não esperava que dormisse.

Então, ele se recostou. Tinha uma expressão preocupada.

— Por que está fazendo isso?

— Oferecendo minha casa?

— E você própria...

— Porque gosto de você. Tem de haver outra razão?

— Normalmente, existe.

— Ah, veja bem — disse ela, suspirando —, eu poderia ficar melindrada novamente, mas uma demonstração de alegria por dia é tudo o que posso conseguir. O fato é que você é bem-vindo para ficar aqui se quiser. Se não quiser, pode ir embora. A decisão é sua. Não há problema.

Pelo que pareceu uma eternidade para Paige, ele ponderou as palavras dela. Quando ela não conseguia mais agüentar o silêncio dele, escarneceu:

— Qual é o problema, Jesse? Está com medo dos meus senti­mentos ou dos seus?

— Não estou com medo.

— Então, por que o dilema? Não há condições atreladas à mi­nha proposta. É pegar ou largar.

— Você é esperta.

— Você, também.

— O que significa que talvez possamos realmente sobreviver em presença mútua por mais de um dia. Nunca vivi com nin­guém antes.

— Não está vivendo comigo. Está apenas... se hospedando na minha casa.

— E você está jogando com as palavras.

Ela suspirou novamente, dessa vez, de fadiga.

— Talvez sim. Mas não mais. Pretendo comer minha torta, beber meu café, limpar a bagunça da cozinha e, depois, me sentar com um livro. Tudo bem?

Jesse não pôde deixar de sorrir diante da interrogação que ela colocou no final, como se estivesse pedindo sua permissão, quando ele sabia muito bem que ela faria o que quisesse. Era, na verdade, sua casa, sua vida.

Sim, ela poderia comer sua torta, beber seu café, limpar a ba­gunça na cozinha e, depois, se sentar com um livro. E sim, ele ficaria por um tempo, se não fosse por outra razão, ao menos para provar para eles dois que poderia lidar com a situação e, depois, ir embora, como prometera.

 

Foi Jesse quem se sentou com um livro, mas na manhã se­guinte, e ele não estava lendo. Estava olhando por cima do deque, pensando na noite anterior. Apesar de toda a indiferen­ça que ela demonstrava às vezes, Paige estivera tão apaixonada como sempre na cama. Fora como se o seu lado mais suave vies­se à tona então, mais suave e mais selvagem. Para uma mulher que nunca conhecera a plenitude do ato de amor, ela era uma maravilha. Compensando o tempo perdido, talvez. Talvez sim­plesmente inebriada pelas novas descobertas. O que quer que fosse, ele estava satisfeito. Então, ficou ali sentado, sem vontade de ir embora.

Ah, sim, ele tinha começado a trabalhar nas tarefas que ela havia sugerido. No começo daquela manhã, bom, parecia cedo para ele, visto que tinha sido logo depois de ele ter acordado, em­bora Paige estivesse no estúdio havia horas, eles tinham ido à ci­dade comprar as ferramentas e os materiais de que ele precisava. Ele sorriu, lembrando-se da discussão que haviam tido antes de saírem.

— Eu dirijo — ela anunciou, tirando as chaves do carro do gancho.

— Não. Não vou deixar uma mulher me conduzir. Eu dirijo.

— Desculpe. Aquela limusine pode ter sido boa para a cidade, mas não serei vista nela por aqui. Além do mais, não haveria lugar para estacionar. Ela é grande demais.

— Eu dirijo — ele insistiu, tomando seu braço e arrastando-a para fora de casa.

— No meu carro, então — ela resmungou, comprimindo as chaves na mão dele.

Ele as colocou prontamente no bolso e retirou as suas. No caminho na frente da casa, momentos depois, ela fincou o pé. E o encarou. Depois, lançou um olhar sarcástico de esguelha para ele.

— Nada de limusine. Engraçadinho.

— A limusine foi devolvida na outra noite. Eu tenho meu pró­prio carro.

— Estou vendo. Nada mal para um MG. Um pouco velho, talvez, mas nada mal.

— Velho, não. De época. Ela deu de ombros.

— Se você diz.

— Você criticaria a Vitória?

— Ai, Senhor, ele tem nome.

— Claro que tem. E não aceito que seja utilizado em vão.

— Deveria ter me contado que veio no seu próprio carro.

— Mas, por outro lado, não estaríamos aqui parados, dis­cutindo. Adoro quando você fica chateada. As suas sardas sobressaem.

Ela o encarou e finalmente lançou as mãos ao ar num gesto de impotência.

— Você é impossível.

— A-hã. É o que tenho tentado dizer a você. Ora, pensei que você tivesse trabalho para fazer. Se não terminarmos esses servicinhos... Preste atenção, realmente posso ir sozinho.

— Você não sabe o caminho. Mostrarei dessa vez e, da próxi­ma, você vai sozinho.

— Como vivi sem você? — ele murmurou de forma irônica enquanto a empurrava para dentro do MG.

Eles pararam na loja de ferragens, no depósito de madeira, no supermercado e no cais. Felizmente, ela só discutiu momentanea­mente quando ele insistiu em pagar tudo que eles compraram. Ele não seria bancado por uma mulher, tinha opinião firme quanto a isso. Ela devia ter sentido.

Diante da insistência de Paige, eles fizeram outra parada. Jesse tinha dito que estaria mais que disposto a assumir a responsabi­lidade pelo controle de natalidade. Ela não confiava nele, ela pro­vocou, com os olhos brilhando. Então, deixando-o à espera, por escolha própria, no carro, ela correu para consultar o médico.

Pelo menos ela estaria protegida, ele refletiu. Ele não se im­portava com a maneira como fosse, mas a queria segura. Gravidez indesejada tinha posição de destaque na sua lista de proibições. Havia crianças demais nascidas de pais que não tinham vonta­de ou capacidade de lhes dar aquilo de que precisavam. Ele sabia tudo sobre isso. Sabia muito bem.

Frustrado com o rumo dos seus pensamentos, ele ficou de pé no deque e se esticou, indo em seguida, por impulso, para o es­túdio de Paige. Ele o tinha visto apenas uma vez, quando ela lhe proporcionara um tour da casa. Ele queria vê-lo novamente agora.

A porta estava aberta. Ele parou na soleira, como se tivesse sido impedido por um portão invisível. Aquele cômodo, como os outros no lado da casa que dava para o mar, era completamen­te banhado por luz natural. As paredes externas eram de vidro.

Num dia de verão como aquele, as portas corrediças ficavam abertas, permitindo que a brisa entrasse através das grandes telas. Embora houvesse ar-condicionado central na casa, Jesse suspei­tou de que Paige raramente o usava. Ela não precisava. O mar era mais que suficiente.

Não foi o ar fresco do recinto que o manteve imóvel. Foi a atmosfera emocional. Havia uma serenidade ali, uma sensação de paz! O olhar dele vagou pelo cômodo, passando por ferramentas e matérias-primas, bancadas, pedestais, uma mesa ampla. Alguns cartazes eventuais, bem-emoldurados, estavam pendurados em paredes de gesso branco. Um grande quadro de avisos contendo diversos desenhos e bilhetes presos por tachinhas pairava acima da mesa.

Porém, inevitavelmente, o olhar dele foi repousar sobre Paige. Ela estava sentada num banco na outra extremidade do recinto. Um pedaço grande de estopa cobria completamente seu colo. So­bre ele estava um pedaço de madeira, preso de forma segura no espaço entre suas coxas. Ela estava usando um protetor para o rosto, uma peça de plástico claro que vinha do topo da cabeça e se estendia além do queixo. Em uma das mãos ela segurava um malho, e, na outra, uma goiva. Colocando o malho e a goiva para trabalhar a madeira, ela martelou suave e ritmicamente. Após alguns momentos, parou, levantou a peça para examinar o que tinha feito, colocou-a novamente sobre o colo, virando-a de leve, e começou a martelar novamente.

Tão absorta estava em seu trabalho, tão claramente contente, que ele não conseguiu incomodá-la. Ele se virou e estava prestes a sair quando ela o avistou e deslocou a máscara para o topo da cabeça.

— Não vá.

— Não queria incomodá-la.

— Você não incomoda. Afinal de contas, preciso de um descanso.

— Em que está trabalhando? — Ele não arredou pé da porta. Parecia que estaria invadindo uma propriedade se o fizesse.

Ela olhou para a madeira no colo e passou a mão sobre ela.

— É o primeiro de um grupo de maçaricos, uma espécie de ave.

— Um grupo. Hmmm, você realmente tinha vários grupos de outros tipos de coisas na sua exposição, não tinha?

— Então, você viu alguma coisa além de mim naquela noite — ela provocou. Ele simplesmente arqueou as sobrancelhas e in­clinou a cabeça para o lado em sinal de confirmação. Ela hesitou por apenas um minuto. — O que achou?

— Seu trabalho é bonito. Cheio de sentimento. Foi uma das razões para eu me convencer de que você não era... bem, você sabe.

— Sei — admitiu ela baixinho. — Jesse?

— Hmm?

Os olhos dela brilharam.

— Você pode entrar.

— Entrar? Ah, claro. — O portão invisível se abriu. Ele deu vários passos à frente. Ainda se sentia como um intruso inva­dindo um mundo muito particular e sereno, mas ela havia feito o convite, e a paz de tudo aquilo era boa demais para se deixar escapar. Enfiando as mãos nos bolsos do jeans, ele se balançou para trás nos calcanhares descalços e deu uma rápida observada pela sala. — É um bom lugar para trabalhar. Muito brilhante... agradável.

Ela seguiu a trilha do seu olhar.

— Na verdade, é o quarto principal. Ou era. Mas, desde a primeira vez em que vi a casa, este quarto me passou a idéia de um estúdio ideal. É amplo, tem muito espaço para trabalhar. O armário é grande o suficiente para se andar nele e maravilhoso para guardar meus materiais. E o banheiro fornece toda a água corrente de que preciso. — Ela olhou na direção da akova em questão. — Retirei a porta para que ele se tornasse parte do re­cinto. — O banheiro em si era enorme e multifacetado. O que estava aberto naquele instante continha duas pias e abundante espaço de bancada. A banheira, a ducha e o lavatório ficavam atrás de portas separadas.

Jesse começou a se movimentar silenciosamente em volta do recinto, examinando mais de perto aquelas coisas que ele vislum­brara da porta. Ele parou na bancada, acima da qual estava sobre­posta uma variedade de ferramentas difícil de se imaginar.

— Você utiliza todas elas?

— Em um momento ou outro.

— Elas se parecem.

Esticando o braço, ele passou a mão por uma fila arrumada de objetos de metal.

— São limas. Cada uma é um pouco diferente da outra. Quando se trata de um trabalho delicado numa peça, as pequenas diferenças são essenciais.

Ele passou para um grupo do que pareciam ser tiras de pano.

— Abrasivos — ela explicou antes que ele pudesse perguntar. — Podem ser conservadas largas ou cortadas mais finas. Eu as uso para alisar e dar acabamento quando estou trabalhando com madeira.

— Pensei que usasse lixa.

— De vez em quando. Mas essas tiras são mais sensíveis, mais delicadas.

Assentindo com a cabeça, ele se afastou da bancada e se apro­ximou dela. Seu olhar estava sobre o colo dela.

— Que tipo de madeira é essa?

Ela levantou o pedaço toscamente talhado e o girou aos poucos.

— Nogueira.

— Os outros maçaricos serão de nogueira também?

— A-hã. Porém, cada um será ligeiramente diferente. Nunca dois pedaços de madeira, ou pedra, são idênticos. Por essa razão, nenhuma peça é inteiramente previsível.

Refletindo sobre as palavras dela, ele olhou para trás em di­reção à mesa.

— Você faz esboços antes?

— Sim. Vá olhar. Os maçaricos estão bem em cima.

Ele caminhou até a mesa e examinou os desenhos. Numa única folha grande havia aves sozinhas, depois, grupos. Longe de serem detalhadas, elas estavam apenas esboçadas.

— Muito bonito. Leve.

— É o que almejo. Os maçaricos sempre parecem pequenos diabinhos correndo pela areia. Gostaria de captar um pouco des­se movimento.

— Imobilizado?

— Claro. Está tudo no formato da ave, sua atitude, a disposi­ção das patas.

Ele assentiu, intrigado.

— Sobre o que vai montá-los?

— Areia, espero. A cola é algo maravilhoso para a imobilização de pequenos grãos.

— Deve ser muito eficaz. — Ele retornou até ela. — A maioria das coisas em exibição na outra noite era maior. Está mudando seu estilo?

— Apenas variando. Gostaria que os maçaricos tivessem o tamanho natural.

— Mas não em detalhes exatos.

Nenhuma de suas peças era plenamente realista; ele desco­brira isso na exposição. Era a interpretação que ela dava a objetos aparentemente comuns que tornava seu trabalho único.

— Não. É a forma geral que eu desejo, uma fluidez para real­çar a sensação de movimento. O olho segue as linhas, as curvas, as mudanças de tom e cor. É o ritmo desse movimento ocular que dá vida à peça. — Ela parou, pensando alto: — Talvez eu misture dois pássaros. Não tenho certeza. Depende da reação da madeira.

— Então, você improvisa?

— Sim. A espontaneidade pode ser algo empolgante.

— Então, você nem sempre sabe o que vai fazer quando começa?

— Tenho vagas idéias. Mas preciso ser flexível. Todo pedaço de madeira e de pedra tem falhas. Se eu, de repente, encontrar uma irregularidade, tenho que contornar. Compensar, por assim dizer.

Jesse deu um passo para trás para encostar na bancada e cru­zou os braços sobre o peito.

— Você às vezes depara com um problema e tem que destruir tudo?

— De vez em quando. Felizmente, as piores falhas geralmen­te aparecem nos estágios iniciais. Seria de partir o coração fazer todo o trabalho e, no final, descobrir que a peça não tem resistên­cia a ponto de nada poder ser feito.

— Posso imaginar. — Ele se viu examinando a máscara em cima da cabeça dela. Puxava seu cabelo para trás de modo que, mesmo no trabalho, ela ficava bonita. — Você sempre usa o escu­do de plástico quando trabalha?

— Neste estágio da peça, sim. Seria muito fácil ser atingida por lascas de madeira voando na minha direção. Quando passo do estágio de esboço e moldagem, não é necessário. O trabalho de acabamento é mais seguro. Pelo menos com a madeira. Quando se trata de pedra e estou usando broca manual para o refino, há muita poeira. Se a situação estiver muito ruim, tenho que usar um respirador. — Ela olhou à volta. — Esta é uma das razões pelas quais este cômodo é tão perfeito. A ventilação é maravilhosa.

Jesse absorveu tudo, enquanto seu olhar voltava repetidas vezes para Paige. Ela parecia tão... contente, sentada ali emba­lando seu trabalho. Parecia inteiramente disposta a responder a suas perguntas, e havia mais que ele queria fazer. Mas ela preci­sava trabalhar. Por mais que ele quisesse que ela desse o dia por encerrado e passassem o resto do tempo juntos, não podia pedii' isso. Ele sabia quanto ela não gostava de interrupções quando es­tava trabalhando e não queria correr o risco de ser o alvo de seu ressentimento.

Com as boas intenções intactas, ele endireitou o corpo e es­tava caminhando na direção da porta quando uma pequena peça de pedra atraiu sua atenção. Ela repousava sobre uma das mesas de trabalho auxiliares em um dos lados do cômodo. Ele parou, pegou, ficou olhando para ela.

— O que é isso?

— É... apenas algo que eu estava experimentando — disse ela um pouco rápido demais.

Era um pouco maior que a mão dele, mais comprida do que larga ou alta. Uma das partes superiores tinha sido talhada; foi essa porção que prendeu sua atenção. Ele a examinou com cui­dado, olhou para sua mão e, depois, novamente para a pedra. Ele os via claramente, dois dedos, com um terceiro a caminho. Eram dedos de homem.

Imaginando quando ela havia começado a fazer a peça, po­rém, meio receoso de perguntar, ele largou a pedra e saiu pensati-vo do estúdio. Com os pés descalços, deslocou-se silenciosamente pela casa, atravessou o deque e desceu a escada de madeira até a praia. A maré estava alta. Ele contornou sua extremidade rendi-lhada, seguindo caminho sobre as pedras e as algas marinhas, passando por aleatórios grupos de rochas. Quando chegou a uma pedra grande e arredondada, repousou nela.

Foi onde Paige o encontrou, momentos depois.

— Achei que pudesse estar aqui — disse ela, aproximando-se com hesitação considerável. — Posso... posso ficar aqui com você?

O olhar que esquadrinhou as feições dela transmitiu muito mais intensidade do que o encolher de ombros que ele deu.

— É sua praia.

— Não vou incomodá-lo se preferir ficar sozinho. — Quando ele deu de ombros pela segunda vez, ela desviou os olhos. — Que­ria explicar — disse ela baixinho, olhando na direção do horizon­te. — Era... sua mão.

— Imaginei.

— Comecei ontem.

— Por quê?

Foi a vez dela dar de ombros. Olhou para os seixos sob os pés.

— Não sei. Estava andando aqui fora e vi a pedra. A visão simplesmente veio.

— É assim que acontece?

— Nem sempre. Às vezes, tenho uma idéia e passo meses bus­cando a peça correta para talhar. — Os olhos dela se iluminaram. — Outras vezes, a própria peça produz a idéia. É como...

Acanhada, ela deixou as palavras no ar.

— Como o quê?

Como ela ainda hesitava, Jesse sorriu suavemente e balançou a cabeça como meio de persuadi-la a prosseguir. Ela recomeçou, com um tímido murmúrio:

— É como se a pedra falasse comigo. — O rosto dela ficou rosado. Ela sabia que, provavelmente, parecia muito esotérica, mas queria desesperadamente compartilhar seus sentimentos com Jesse. Como se tivesse... um segredo apenas esperando, es­perando lá dentro. Ela abaixou a voz até um quase murmúrio: — O segredo é freqüentemente muito especial, muito particular. Há momentos em que hesito esculpi-la, quase sentindo como se estivesse traindo algo que a pedra não quisesse que fosse revelado.

— Então, por que você o faz? — perguntou ele gentilmente.

— Não sei. Compulsão, talvez. Talvez pela satisfação de pro­var que o que vi estava lá. Talvez apenas porque esteja lá e seja bonito demais para manter escondido.

— Minha mão está aqui na vida real. Por que reproduzi-la em pedra?

— Porque ela é bonita. E... porque existe algo a ser dito pela continuidade da natureza.

Ele esticou o braço então e, enrascando os dedos em volta do pescoço dela, a levou mais para perto. Ele deslizou o braço em volta de seus ombros, puxando-a para baixo para se sentar ao lado dele na pedra.

— Isso quer dizer que você esculpiria outras partes do meu corpo?

— Seria um desafio.

A respiração dele roçou em sua testa.

— Para mim, também. Não sei se conseguiria aceitar isso... suas mãos sobre mim assim.

— Minhas mãos estariam sobre a pedra.

— Sim, e a pedra seria como um boneco de vodu. Eu sentiria tudo.

Ela sorriu.

— E se eu ficasse simplesmente com algo inocente, como seus ombros?

— Você esculpiria os ombros? Uuh!

— Depois... o torso. — Ela tocou o peito dele, desceu a mão até sua cintura. — Está bem em forma.

— Você está ficando mais quente. Eu, também. Ela viu a direção dos seus pensamentos.

— Jesse Dallas, eu não esculpiria isso!

— Por que não? Michelangelo fez isso inúmeras vezes.

— Foi você quem falou em bonecos de vodu. Como se sentiria se eu fizesse o que está sugerindo?

— Tal como pedra. Bastante... duro.

Dando um risinho, ela se virou para ele e enterrou o rosto na sua camisa. Ele tinha começado a acariciar suas costas gentilmen­te. Era uma sensação boa.

— Esta é uma das razões pelas quais eu não faria.

— E a outra?

Ela inclinou a cabeça para trás e viu seu olhar.

— Alguns segredos realmente são particulares demais. Al­guns eu simplesmente não quero dividir.

Ele soltou um rosnado profundo, como se estivesse sentindo dor, e a girou de onde estava sentada até que ela parasse entre seus joelhos, o corpo esguio arqueado, os braços circundando as costas dele.

Os lábios dela eram suaves e macios. Incapaz de resistir àque­le convite silencioso, ele dirigiu os próprios lábios num beijo cheio de magia. Pelo menos Paige achou que era magia, porque repenti­na e plenamente cada um de seus sentidos ganhou vida.

Igualmente afetado, Jesse afundou os dedos no seu traseiro e a comprimiu intimamente ao seu quadril.

— O que acha disso? — perguntou ele com a voz arrastada.

— Tal como pedra. Bastante... duro.

Ele riu, um riso profundo e estrondoso. Ela não o ouvia rir com freqüência, certamente não assim. Era um som bom, um som saudável, cheio de prazer e alegria. Fazia com que ela se sen­tisse muito feliz por ele estar ali.

Quando ele baixou a boca para murmurar no seu ouvido, a voz saiu mais áspera do que nunca:

— Que tal se entrarmos e experimentarmos aquele brinque­do que o médico nos deu esta manhã?

— Estou trabalhando — ela argumentou, sabendo muito bem que não esculpiria mais, sabendo muito bem que não queria mais esculpir.

— Darei a você muita coisa para trabalhar. Pode tocar tudo. Você sabe, memorizar formas, texturas e...

— Entendi a idéia. Mas é melhor nos apressarmos, ou você terá que me carregar até a casa. Minhas pernas não funcionam muito bem sob esse tipo de tensão. — A tensão da qual ela falava tinha um efeito poderoso. Os seios dela já estavam intumescendo contra a firmeza do peito dele. Suas costelas sentiam cada respira­ção dele. Ela não podia deixar de reagir à lenta ondulação do seu quadril. Suas entranhas estavam se derretendo.

Antes que ela pudesse fazer algo mais que prender a respira­ção, Jesse a levantou, girando, e a tomou nos braços.

— Ei! — Ela se contorceu. — Ainda não estou incapacitada! Ele sorriu.

— É o meu machismo vindo à tona. Entregue-se a mim.

Ela entregou tudo, mas a entrega estava longe de ser unilate­ral, visto que ele foi um amante generoso, como sempre.

Muito depois, depois de terem tomado uma ducha, se vestido e jantado vieiras sauté, brócolis e batatas frescos, eles se senta­ram na sala de estar para ler. Paige não conseguia se lembrar de ter passado uma noite mais relaxada. Não estava fazendo nada que não faria normalmente, mas era diferente. Sentia-se calorosa e satisfeita, e se perguntou se tinha alguma coisa a ver com o ho­mem sentado na extremidade do sofá, ocupado com um livro que escolhera em sua estante. Como era incrivelmente agradável ter Jesse por perto!

Ela gostava de lhe contar sobre o seu trabalho, expressando sentimentos que sempre guardara. Gostava das brincadeiras que se insinuavam com facilidade entre eles, até mesmo as de natureza sexual, algo tão novo para ela, porém, tão divertido. Ela gostava do jeito como ele a abraçava, a maneira como a tocara com extrema ternura uma vez. Fosse de forma gentil e protetora, ou selvagem e ávida, ele fazia com que ela sentisse ser a única mulher do mundo.

Era claro que não era verdade. Ele tivera outras mulheres an­tes e as teria novamente. Ela sabia disso; aceitava isso. Mas, quan­do ele se dava, ele o fazia plenamente. E estava se dando para ela naquele momento. E se ele fosse embora um dia? Ela simplesmen­te retornaria à vida que tinha antes e seria mais completa devido ao que ela e Jesse haviam vivido. Ela era uma mulher de sorte, muita sorte. A vida continuava a lhe tratar bem.

As duas semanas seguintes foram incrivelmente maravilho­sas. Tendo vivido tanto tempo sozinha, Paige estava admirada com o fato de ter se adaptado tão facilmente a ter Jesse por perto. Ele tomava conta de tudo na casa, liberando-a para trabalhar de modo que eles pudessem ter mais tempo juntos.

Comiam fora com freqüência, devido à insistência de Jesse e à custa dele, e ele continuava a pagar toda a comida que entrava na casa. Paige provocou dizendo que ele a estava comprando para que ela permitisse que ele assistisse às finais de basquete na televi­são, mas ela sabia que o orgulho dele não permitiria outra atitude.

Eles foram na direção sul até Boston, para o norte até as exó­ticas cidadezinhas costeiras do Maine. Viram um filme numa noite, alugaram um barco e foram velejar na outra. Até compa­receram a uma festa de um dos amigos de Paige, na qual Jesse se enturmou sem problemas e se divertiu bastante. Paige se sentiu particularmente feliz naquela noite, feliz, orgulhosa e completa.

Mas os momentos que ela mais apreciava eram aqueles em que ela e Jesse ficavam sozinhos em casa, sentados juntos na sala de estar ou no deque, freqüentemente ao pôr do sol, quando o céu ficava cor de anil e o mar refletia tons dourados brilhantes vindos do oeste.

Eram os momentos em que eles conversavam, quando ela po­dia satisfazer sua curiosidade sobre o homem que tinha se encai­xado em sua vida com tamanha facilidade. Ela queria saber mais sobre o seu trabalho e ouvia, fascinada, enquanto ele relatava pe­quenas histórias e aventuras.

Ele era meio cínico. Ela descobrira isso logo no início, e essa tendência surgia com regularidade durante as sessões de relatos. Porém, cada vez mais, à medida que os dias passavam, ela tomava consciência de que ele não dissera nada sobre sua família ou sua infância. E começou a estranhar. Era natural que, uma noite no deque, ela lhe perguntasse diretamente:

— Fale de sua família, Jesse.

Ele olhou para ela de repente e, então, reprimiu o que parecia ser crítica. Mas não falou, simplesmente ficou olhando para a ou­tra extremidade do deque.

— Você nunca a menciona. — Ela usou de persuasão no seu tom mais gentil. — Quero saber como foi sua adolescência.

— Por quê?

— Estou curiosa. — Quando ele disparou um olhar sufocante na sua direção, ela se recusou a se deixar intimidar. — Ponha a culpa no artista que existe em mim. Estou sempre olhando sob a superfície das coisas. Deus sabe que já falei o bastante sobre mim. Quer dizer, você ouviu todas as histórias sobre a minha infância, viu como vivo o dia a dia, conheceu meus amigos. É justo que me dê uma idéia da sua vida.

— Pensei que estivesse fazendo isso — disse ele friamente, e, pela primeira vez, Paige sentiu uma pontada de apreensão.

Ele fora desapaixonado antes quando se sentiu na obrigação de convencê-la de que não tinha nada a lhe oferecer a não ser um dia de cada vez. Naquele momento, aquilo não a chateara. Agora, chateava. Ela se importava com ele, se importava profundamente. E quanto mais ele resistia a falar de si, mais ela queria saber.

— Você me deixa ver o Jesse adulto — ela argumentou com suavidade. — Você me fala sobre o seu trabalho. Mas é como se do ensino médio para trás não houvesse nada. Bom, deve haver algu­ma coisa. Uma pessoa não completa 18 anos de repente, sem viver os anos anteriores. — Quando ela viu que ele permanecia calado, se levantou e fez um sinal dispensando-o da obrigação. — Tudo bem, não precisa me contar. Deve ser algum segredo. Ou isso ou você está com vergonha...

Ela havia começado a caminhar na direção da casa quando ele agarrou seu pulso e o segurou firmemente.

— Não é segredo. E não estou com vergonha. Só que... é algo difícil sobre o qual falar, entende?

A frieza na voz dele tinha diminuído. Paige se deixou arras­tar para a espreguiçadeira ao seu lado. O espaço estava apertado, mas ela gostou da proximidade. Era como se ele precisasse disso naquele momento em particular, e a necessidade dele era uma de­claração em si.

— Eu não tive exatamente a sua vida.

— Tudo bem. Eu disse que tive sorte. Onde você cresceu?

— No lado pobre da cidade.

— Qual cidade?

— Delaware. Nos arredores de Wilmington. Minha mãe era prostituta. Meu pai não estava lá para vigiar. Havia apenas meu irmão mais velho, meio-irmão, na verdade, e eu. Ele foi embora assim que conseguiu, e, então, eu fiquei sozinho.

Paige lutou para conter sua consternação.

— Sua mãe deve ter estado presente às vezes.

— Por que "deve"? — perguntou ele, com o cinismo se trans­formando em pura amargura. — No que se refere a ela, me trazer ao mundo foi o bastante. Ela falava sem parar. Dizia que odiou estar grávida, como seu trabalho de parto tinha sido extenso e difícil. Nove meses foram tudo o que ela me deu. Na sua visão, este era o sacrifício supremo.

— Mas, quando você era criança, alguém teve de tomar conta de você.

— Alguém tomou. Não sei quem, mas alguém tomou. Quan­do tinha idade suficiente para me lembrar, eu estava sendo passa­do de uma pessoa a outra que tomava conta de mim. Minha mãe surgia de vez em quando para pagar a conta, de má vontade, mas ficava mais que satisfeita por ir embora novamente. Eu tirava sua independência. Ela me disse isso mais de uma vez.

— Seu pai não fez nada?

— Como você é inocente, Paige. Acha que um pai tem que se importar. Bom, ele, não. E os meus, não... nenhum dos dois. Meu pai estava em algum lugar cuidando da vida dele. Nunca o conheci.

— Ai, Jesse, sinto muito...

— Não preciso da sua pena — disse ele, irritado. — Eu sobrevivi.

— Como? O que aconteceu?

— Foi um grande alívio para minha mãe quando eu tive ida­de suficiente para ir para a escola. Menos babás para pagar. Ela esbanjava uma vez por ano e comprava roupas para mim. É claro que não importava que houvesse buracos no joelho no Natal ou que, em abril, as calças tivessem encurtado em vários centímetros. Ela sentia que estava sendo generosa. De vez em quando, eu ganhava roupas usadas dos vizinhos. Elas também tinham bura­cos nos joelhos, mas pelo menos serviam.

Ele parou e mudou a posição dos braços em volta do corpo dela; ela suspeitou de que ele tinha esquecido momentaneamente sua presença.

— Quando eu tinha 10 anos, ganhei uma jaqueta que adorei. Ela a encontrou numa liquidação. Era uma jaqueta de inverno, for­rada, com pele de animal. Eu enfiava minhas mãos por dentro do zíper, dizia às outras crianças que era para mantê-las aquecidas, o que fazia sentido, já que eu não tinha luvas, mas era a pele que eu adorava. Tão macia e quente! Eu dormia com aquela jaqueta ao meu lado, virada pelo avesso. Era meu ursinho de pelúcia, meu cobertor de segurança. Eu imaginava estar num mundo completa­mente cercado por aquela pele. — Ele suspirou de modo profundo e inconstante. Depois, com um piscar de olhos, voltou ao presente. — Não sei por que estou lhe contando isso — ele resmungou, mas não a soltou. — Você deve achar que sou louco. Um menino de 10 anos abraçando uma jaqueta pelo avesso para dormir...

— É o que ela dizia? Que era loucura?

— A palavra que ela usava era infantil, mas só começou com isso quando a jaqueta ficou pequena demais e ela quis jogá-la fora. Eu chorei. Realmente chorei por causa de uma jaqueta ridícula.

— Não era ridícula. Representava algo do qual você precisava.

— Era uma jaqueta, pelo amor de Deus, uma pequena jaqueta barata! Que tipo de criança tem um caso de amor com uma jaque­ta? Em todo caso, eu criei uma confusão tão grande que ela não só a tirou de mim e a queimou, mas providenciou para que o forro da próxima jaqueta não fosse de pele. Era uma coisa abrasiva de lã. Eu odiei a jaqueta. E odiei minha mãe.

— Não odiou de verdade.

— Realmente odiei — declarou ele com tamanha calma que Paige quase acreditou. — Ela tornou minha vida infeliz. Era como se ela tivesse que me punir constantemente pela minha existência. Eu me sentia completamente sozinho no mundo.

— Mas você teve seu irmão, pelo menos por um tempo. Isso não ajudou?

— Foi uma situação diferente para o meu irmão. O pai dele pode nunca ter estado por perto, mas pelo menos enviava presen­tes de tempos em tempos e dinheiro para as roupas. Brian podia sonhar que alguém se importava. Eu não tive nem mesmo esse luxo.

Mais uma vez, Paige quis dizer quanto sentia, porém, não querendo aborrecê-lo, ela se calou. Seu coração sofreu pelo garotinho que nunca conhecera o amor, pelo homem que tinha se pro­tegido contra esse tipo de vulnerabilidade. Ela esfregou o rosto no seu ombro e apertou o braço em volta da cintura dele, desejando lhe dar nada menos do que aquilo que ele nunca tivera. Mas ela não era sua mãe, e não podia compensar o que ele tinha perdido. E ainda havia mais coisas que ela queria saber.

— Como foi durante sua adolescência?

— Melhor. Meu irmão já havia ido embora, mas eu tinha idade suficiente para tomar conta de mim, então, pelo menos não havia estranhos me dando ordens. Ia para a escola com uma chave no bolso. Voltava e encontrava a casa vazia. Quando fica­va com fome, eu catava o que podia estar na geladeira. Minha mãe passava na hora do jantar e, depois, novamente no raiar do dia. Ela estava sempre dormindo quando eu acordava de manhã, então, não era um grande problema quando ela não ia para casa alguns dias. Quando entrei para o ensino médio, eu era alvo de inveja de todos os alunos. Eu era livre e independente, tal como eles queriam ser. — Ele riu com desdém. — Eles não sabiam de nada.

— Você foi um bom aluno?

O riso de desdém foi seco dessa vez.

— Não exatamente. Eu não lidava bem com a questão da autoridade. Ainda não lido, por isso, meu trabalho me convém. Aceito trabalhos quando quero. Quando não quero, me finjo de morto.

— Mas você trabalha por prazer.

— Este é o objetivo. Este em particular pelo menos. Mas faço minhas tentativas. Acredite em mim. — Ele respirou fundo e seus braços afrouxaram. — Não vejo meus parentes há anos, e não ligo. Então, agora, você ouviu a tal história. Fascinante, não?

O que Paige sentia naquele exato momento não era fasci­nação. Era frustração. Ela queria que ele continuasse a abraçá-la. Ela também queria abraçá-lo. Mas o momento estava se esvaindo.

— Ajuda a explicar muitas coisas — disse ela baixinho.

Os braços dele se soltaram completamente até que ele estives­se segurando as laterais da espreguiçadeira.

— Que coisas?

— Sua visão de mundo. É dura, sabia?

— Você está certa. É dura! — disse ele em alta voz, arrastando o braço de baixo dela e se levantando rapidamente. — O mundo lá fora é cruel. — Ele caminhou até a ponta do deque.

Atrás dele, Paige ergueu o corpo e se sentou.

— Você disse isso antes, mas eu não concordo com você.

— Por que deveria? Você teve vida fácil. Não esteve doente aos 12 anos, lutando para limpar a sujeira que fez quando vomi­tou o chão todo! — Ele girou o corpo. Todos os músculos estavam tensos. — Tem alguma idéia do que é isso, Paige? Você está ar­dendo de febre, o corpo inteiro tremendo, está apavorado porque se sente como se estivesse morrendo... e se sente culpado, culpado de tudo!

Ela se levantou rapidamente e foi até ele.

— Não, Jesse, nunca tive essa experiência, mas isso não quer dizer que não consigo imaginar como deve ter sido terrível. Mas não precisa ser assim. Sua situação foi única...

— Uma ova que foi! Vi coisas parecidas várias vezes no meu trabalho!

— Tudo bem. Não foi única. Foi unilateral. Existe outro lado, o lado que vi, o lado que você pode facilmente ter agora se quiser.

O tom dele ficou áspero.

— De que está falando?

— Felicidade. Segurança, calor, conforto. Só porque não teve essas coisas quando criança não quer dizer que não serão suas se quiser. Você optou pelo papel do cínico, escolheu ver o lado negati­vo da vida. Você se cercou dele, quase como se quisesse se conven­cer de que não há sentido em se arriscar em busca de outra coisa. E é aí que eu discordo. Todas aquelas coisas boas estão lá fora, junto com as más. É uma questão de ambição. Enquanto você diz que o mundo é um lugar ordinário, você se satisfaz ao viver com as migalhas. Por outro lado, se ousar lutar por algo melhor, talvez se surpreenda com o fato de que esse algo melhor possa ser alcançado.

Jesse a fitou com os olhos alterados de raiva.

— Não acredito nessa conversa. Tornou-se uma pregadora agora, Paige, fazendo sermão? Ou uma psicóloga determinada a corrigir minha visão errada?

— Não.

— Então, o que é? — resmungou ele, com as mãos em forma de punhos ao lado do corpo. — Qual é o sentido de tudo isso? Aqui estou eu, lhe dizendo coisas que nunca contei a ninguém, e você as usa contra mim.

— Não estou usando nada contra você — ela argumentou, tentando manter a voz firme. Ele estava escapulindo, escapulindo. Ela se sentia impotente e incapaz. — Estou dizendo que sinto mui­to por você ter convivido com essa situação durante todos esses anos, mas que as cicatrizes não desaparecerão a menos que as vire para o sol.

Ele passou a mão pelo cabelo.

— Que Deus me poupe da mente poética, porque eu posso muito bem viver sem ela.

— Então, é melhor você ir embora — declarou ela baixinho —, porque eu não vou mudar. Sabe que existem muitas pessoas que têm tudo, mas se mantêm infelizes imaginando se vai durar? Elas se enchem de paranóia e desconfiança. Têm medo de gastar um centavo, com receio de que algo vá acontecer com o resto de sua riqueza. Bem — disse ela com raiva —, talvez seja a escolha delas, mas não é a minha. Eu me recuso a ficar sentada me preocupando que, um dia, algo terrível possa acontecer. As probabilidades estão contra mim. Ninguém passa pela vida sem um pouco de sofrimen­to. Mas minha escolha é ser positiva. É o único modo de viver.

Como Jesse continuou a fitá-la na escuridão que já os cercava, ela o pressionou:

— Bem, você não tem uma resposta?

— Acho que você cobriu quase todos os pontos — disse ele entre os dentes.

Se tinha sido seu desejo impressioná-lo com o que dissera, parecia que ela não obtivera sucesso. Mas, por outro lado, ela não era psicóloga, e, mesmo que fosse, sentia que levaria dias, meses para ajudá-lo a trabalhar sua raiva. Porque era raiva. Mascarada por trás de cinismo, talvez expressa em amargura, mas era raiva mesmo assim. Raiva da mãe que não se importava, do pai que não estava presente, do irmão que tinha um pouco mais e aproveitara a primeira oportunidade de cair fora, do mundo que permitira que tudo acontecesse.

Ele não compreendia tanta coisa da vida que ela quis chorar por ele. E, depois disso, ela refletiu, choraria por si mesma. Por­que estava se apaixonando por ele. E parecia não ter jeito.

Sabendo que as lágrimas não fariam bem a nenhum dos dois, ela se virou para ir embora. Os ombros dela estavam curvados, os membros, exaustos.

— Vou entrar — murmurou ela, triste, enquanto caminhava na direção da casa.

Não esperava que ele a seguisse, e ele não o fez.

Durante um tempo muito longo, ela ficou deitada na cama com um livro fechado, desejando que ele voltasse para discutir, mesmo que não fosse por outra razão a não ser lhe dar mais uma chance. Mas ele não o fez. Era um homem sozinho no mundo por opção. Todo o tempo, ele lhe dissera o que esperar; ela não tinha idéia então de como poderia ser difícil aceitar isso.

Era muito tarde quando ele finalmente foi para a cama. Paige ainda estava acordada, se perguntando se ele iria, se talvez se­guiria a sugestão que dera despreocupadamente de que partisse. Quando ouviu o farfalhar de roupas, ela prendeu a respiração. Ele poderia fazer as malas, e ela não teria ninguém para culpar a não ser ela mesma. As duas últimas semanas tinham sido quase idílicas; ela deveria ter partido muito bem sozinha.

Momentos depois, ele entrou debaixo das cobertas, e ela se sentiu fraca, apesar do alívio. Ah, ele iria embora em algum mo­mento; ela estava certa disso. Porém, cada dia a mais deveria ser apreciado. Ela ainda não estava pronta para perdê-lo.

Jesse ficou deitado em silêncio por um tempo, olhando para o teto. Ele a estava magoando. Sabia que o faria, mas não conseguia evitar. Também sabia que deveria ir embora, mas isso, de certa forma, também parecia impossível. Ele era egoísta, querendo mais um dia, sempre mais um dia. Ele ficava atordoado de continuar a achar a companhia dela agradável; com exceção, claro, da conversa que tinham acabado de ter. Mesmo naquele momen­to, ele não sabia ao certo como aquela conversa havia saído do controle. Mesmo naquele momento, ele não sabia ao certo como lhe contara todas aquelas coisas. Talvez tivesse sido porque ela perguntara, ou porque ela tivesse dividido tanto de sua vida com ele. Talvez, apenas talvez, ele precisasse colocar para fora depois de viver por tanto tempo com tudo guardado. Por que, então, ele sentia um fardo ainda maior sobre os ombros? Se estava contando com o fato de ela simplesmente ouvir e aceitar, mais uma vez, ele tinha se enganado. Pensando bem, ela havia feito algo parecido na noite em que o tinha convencido a permanecer ali. Tinha se esquivado de seus argumentos simplistas, como até ele sabia que eram de modo confiante, falando francamente com ele, expres­sando suas opiniões com eloqüência. Ela não era de concordar com tudo, nem de longe, e o modo como conseguia, calma e tranqüilamente, inserir seus sentimentos pessoais numa conversa o fascinava. Como sempre, ela parecia muito segura de si. Era o su­ficiente para deixar um homem admirado.

Virando a cabeça no travesseiro, ele viu que os olhos dela estavam abertos. Olhando para ele com... medo? Ele começou a ficar ansioso.

— Paige? — sussurrou ele. Ela piscou. — Você está bem? — Ela balançou a cabeça duas vezes. — Em que está pensando?

Ela não disse nada por um minuto e, quando o fez, foi num sussurro que mal se pôde ouvir:

— Estou sentindo frio.

Ele gemeu e se virou para ela.

— Venha aqui. — Passando o braço sob o seu corpo, ele a puxou para o seu calor. Ela estava tão nua quanto ele e, ele sentia, igualmente indisposta a fazer amor. Era necessário algo mais de­pois do que eles tinham passado. Intimidade. Intimidade simples e reconfortante.

Ele a ouviu suspirar e a sentiu se aninhar cada vez mais nele. Ela repousou um dos braços sobre suas costelas e colocou a mão entre seu corpo e o lençol. Estranhamente, ele não se importou com o suave aprisionamento, nem com o cabelo dela cobrindo seu peito, nem com o leve peso da perna dela sobre a dele. Em vez disso, ele achou tudo reconfortante.

A última imagem que passou rapidamente por sua mente an­tes de ele adormecer foi da jaqueta macia que tinha sido sua única amiga havia muito tempo.

 

Quando eles acordaram na manhã seguinte, nem Jesse nem Paige fizeram menção à conversa da noite anterior. Num acordo não expresso em palavras, eles retomaram o modelo que tinham estabelecido nas duas últimas semanas. Paige passou a manhã trabalhando, parando para tomar o café da manhã com Jesse às 10h, antes de retornar ao estúdio para esculpir até o meio da tarde. Ele fez as tarefas programadas, depois, relaxou, sentando-se com um livro, vez ou outra se deitando no deque ao sol.

Aparentemente, tudo continuava do mesmo jeito. Eles con­versavam gentilmente, sorriam, brincavam. Cada dia novo trazia algo diferente para se admirar; Paige se viu cada vez mais encan­tada com Jesse e, como ele não fez menção de voltar a Nova York, ela supôs que pelo menos não estava entediado.

Mas havia algo mais agora, algo que tinha fincado raízes na­quela conversa de partir o coração que eles haviam tido e fora uma pequena ondulação num mar outrora tranqüilo. Era sutil, muito sutil, uma leve tensão velada que aparecia de tempos em tempos num olhar, fosse ele rápido ou intenso. Da parte de Jesse, vinha de um esforço para compreender exatamente o que havia em Paige que o mantinha ali. Da parte dela, originava-se de uma tentativa de lidar com seu crescente amor.

Cada vez mais, Jesse se via na praia, mergulhado em pensa­mentos, atirando seixos na água, um tanto frustrado. Ele nun­ca conhecera uma mulher como Paige, tão equilibrada e pouco exigente. Porém, essas mesmas qualidades, ele descobriu, podiam exigir de forma inacreditável.

Cada vez mais, Paige se via olhando às cegas para o trabalho em seu colo, vendo imagens variadas do rosto de Jesse. Às ve­zes, ele estava calmo e absorto, e a inteligência estava marcada em suas feições. Às vezes, ele estava com raiva, e seus olhos ficavam escuros como o azul da meia-noite, o cavalete do nariz revelava tensão, seus lábios murchavam. Às vezes, ele era gentil, e seu olhar a venerava, e a preocupação dele com o bem-estar dela não tinha limites. E, às vezes, ele era vulnerável.

A última situação não acontecia com freqüência. Ele parecia estar eternamente em guarda, como se tivesse se arrependido de ter lhe contado sobre sua infância e não quisesse cometer o mesmo erro duas vezes. Ela percebeu que ele se via como uma pessoa forte, autossuficiente e que realmente havia ficado envergonhado com a demonstração de emoção que deixara escapar naquela noite.

De uma coisa Paige tinha cada vez mais certeza, à medida que os dias passavam: Jesse Dallas, apesar de todas as alegações em contrário, era um homem sensível. Tal como ele previra as necessidades dela naquele longo e quente dia de Nova York, ele continuava a fazê-lo ali. Ele se materializava atrás dela no estúdio exatamente quando seus ombros estavam começando a doer e os massageava em silêncio até que sua energia retornasse. Quando sentia que ela estava cansada, sugeria que ela fosse para a cama cedo. Ele sabia exatamente quando ela havia se cansado de uma ou de outra atividade.

Era sensível também quanto ao que ele próprio sentia, em­bora se esforçasse para negar. No entanto, Paige via a umidade nos olhos dele quando lia um livro de não ficção particularmente tocante, e ela sabia a dor que ele sentia pelos desvalidos do mun­do. Ela viu o modo como ele se afeiçoou aos habitantes locais, demonstrando preocupação após conversar com o pescador que tinha quebrado a perna e fora relegado à função de cuidar do cais. Viu como ele parou para fazer cestas com um grupo de crianças numa quadra de basquete. Numa dessas ocasiões, ele até correu pela quadra com uma criança de 6 anos nos braços, que se deli­ciou, deixando-a enterrar a bola para o falso dissabor dos seus oponentes. E ela via a maneira como ele a procurava, buscando conforto de tempos em tempos.

Para um homem supostamente duro e insensível, ele tinha uma capacidade notável de calor humano. Paige se perguntou se ele sempre fora assim ou se as últimas semanas tinham fei­to alguma coisa para liberar o que estivera adormecido todo o tempo. Ela sabia que ele sempre fora gentil com ela. Ah, sim, eles discutiam às vezes, e ele franzia o cenho, vociferava e dizia coisas que magoavam. Mas, no rastro de tais incidentes, ele era cada vez mais solícito e carinhoso. Se ela não soubesse que não era o caso, poderia suspeitar de que ele estava se apaixonando por ela.

No entanto, ela sabia que não. Mais precisamente, ela sabia que seria uma tola se visse alguma coisa no seu lado mais mei­go. Ele tinha estabelecido os termos no começo: nada de ligações, sem promessas, sem futuro. Ela havia concordado; ela realmen­te concordara. Afinal de contas, tinha ficado sozinha por vários anos e gostava da sua vida. A única coisa que não podia afastar da mente era o calafrio diante da idéia, da certeza, de que ele, um dia, partiria.

Não ficou mais fácil com o passar do tempo. Apesar da in­tensa concentração que parecia absorver cada vez mais as horas particulares de Jesse, havia poucos momentos compartilhados, momentos em que parecia que eles tinham sido feitos um para o outro, momentos quando sua separação inevitável parecia absurda.

Numa certa manhã de um dia em que chuviscava, quando as atividades externas tiveram de ser suspensas, Paige se empoleirou num banco de cozinha, conversando com a mãe ao telefone. Ela havia lhe falado sobre Jesse na semana anterior: que o conhecera em Nova York e que ele estava passando as férias em sua casa. Quando sua mãe lhe perguntou detalhes sobre ele, como as mães de famílias unidas costumam fazer, Paige respondeu às que achou que eram pertinentes e ignorou habilmente o restante.

Do jeito como estavam as coisas, sua mãe sabia que Paige gostava dele; o simples fato de ele estar lá era prova disso. Paige nunca tinha namorado nenhum homem por muito tempo ou com muito interesse, muito menos havia convidado algum para parti­lhar de sua casa. Laura Mattheson sabia que sua filha gostava de viver onde vivia, como vivia. Ela também sabia que, aos 29 anos de idade, Paige tinha o direito de viver com um homem se assim decidisse e, embora pudesse se preocupar com o futuro de sua única filha, não poderia interferir muito.

Então, foi nesse dia em particular que elas conversaram não sobre Jesse ou sobre os sentimentos de Paige por ele, mas sobre o torneio anual de golfe, prestes a acontecer, ponto alto do verão do pai de Paige.

— Papai está preparado?

— Ele tem passado todas as tardes das últimas duas sema­nas no campo de golfe. Espero que esteja preparado. Engraçado, quando ele estava trabalhando em tempo integral na cidade, eu sonhava com o dia em que ele se aposentaria e teríamos mais tem­po juntos. — Ela suspirou, melancólica, na linha telefônica. — Bem, ele está semiaposentado agora e ainda fica fora o dia todo. Parece que uma mulher nunca consegue vencer.

— Não me venha com essa, mamãe — disse Paige com um sorriso, levantando os olhos e vendo Jesse se encostar no arco da cozinha. Ela deu um largo sorriso de boas-vindas. — A senhora nunca foi de ficar sem fazer nada por muito tempo. Ainda joga bridge duas vezes por semana, não joga?

— Claro. A propósito, as meninas mandam lembranças. A filha de Elisabeth teve outro bebê. Uma menina desta vez, já lhe contei?

— Não, não contou — Paige respondeu, lançando um olhar travesso na direção de Jesse, que tinha abandonado seu posto e estava indo para o balcão onde ela repousava o cotovelo. — Quan­tos netos Lis tem agora?

Havia uma competição entre as amigas do bridge para ver quem tinha mais netos. Por um tempo, Laura quase implorara à filha para ajudá-la, entre os três irmãos de Paige, o placar dos Mattheson estava em cinco, mas ela havia muito sabia que tal pe­dido caía em ouvidos moucos.

— Sete — Laura resmungou. — Ainda não chegou aos oito de Vivie, mas está chegando lá.

— Vivie tem cinco filhos — respondeu Paige. — Parece uma clara vantagem. Não se deveria estabelecer o sistema de handicap, como se faz no golfe? — Quando Jesse arqueou as sobrancelhas, questionando o teor da conversa, ela simplesmente piscou para ele. Aquela conversa, em particular, ele não precisava ouvir; na verdade, ela o deixaria muito nervoso.

— Handicaps! — A voz de Laura ficou animada, como se re­almente estivesse pensando na possibilidade. — Não é má idéia.

Terei que mencionar para as meninas. Falei da reunião do clube de jardinagem que tivemos no outro dia?

— Não...

Jesse estava enroscando um cacho do cabelo de Paige no dedo, dando ligeiros puxões. Não era com o puxão que ela se importava, era com o modo como o polegar dele roçava em seu pescoço. E "se importar" não era realmente a expressão. Era mais uma questão de se distrair.

— Foi maravilhosa! — Laura prosseguiu, sem se dar conta da distração momentânea da filha. — O sujeito que falou conosco é um dos primeiros criadores de íris do país.

— Criadores de íris — Paige repetiu.

Jesse tinha puxado seu cabelo para o lado e, curvando-se em volta dela, estava mordiscando sua nuca. Os lábios dele estavam quentes, a umidade de sua língua refrescava por onde o ar então passava. Ela tremeu, tentando se concentrar no que sua mãe dizia.

— Ele apresentou as íris híbridas mais incríveis. Trouxe sli­des e o máximo de plantas que pôde. Elas eram bonitas. Coral, limão e...

Paige inspirou, depois, mordeu o lábio inferior para conter o prazer quando a boca de Jesse deslizou para sua clavícula. Os dedos dele estavam preparando o caminho, abrindo a blusa dela, roçando sua pele de uma maneira sedutora, para dizer o mínimo.

— Textura aveludada, além de ser maior e mais colorida — Laura continuou. — Infelizmente, as coisas mais recentes que ele fez só irão florescer daqui a três anos. Contei ao seu pai sobre elas, e ele disse que ligaria para o sujeito. Estamos pensando em ampliar a estufa e...

O braço livre de Paige se curvou então em volta das costas largas de Jesse. A blusa dela estava aberta, misteriosamente desabotoada, e os lábios de Jesse estavam em seu seio, incendiando sua carne, que intumescia. Momentos depois, a língua dele aplicou uma doce umidade sobre seu mamilo com efeito devastador. Ela fechou os olhos e deixou a cabeça pender para trás. A mão que agarrava o telefone parecia conter a única força do corpo dela. A voz de sua mãe chegou até ela de longe.

— Já liguei para os fornecedores e...

Estufa... fornecedores... Através de uma névoa, Paige perce­beu que tinha perdido alguma coisa. Agarrando o ombro de Jesse para mantê-lo afastado, ela baixou a cabeça e abafou o fone no pescoço.

— Por favor, Jesse — sussurrou freneticamente. — Não con­sigo acompanhar o que ela está dizendo! — Colocando o fone no­vamente na boca, ela conseguiu soltar um ligeiramente trêmulo "A-hã" no que pensou ser um momento apropriado.

Jesse sorriu e colocou a mão entre suas pernas. Ela as compri­miu, conseguindo apenas aumentar a sensação escaldante.

— Não que não fossem bem-recomendados — sua mãe pros­seguiu, animada —, mas o salmão tinha espinhas e seu pai achou que os hors douevres não foram suficientes. Então, dessa vez, vamos experimentar o pessoal da Geórgia. Ela tem se desman­chado em elogios quanto a eles, e eu realmente quero que a festa seja um sucesso. — Ela parou, depois, prosseguiu, aparentemen­te sem perceber a mudança na respiração de Paige. — Acha que conseguirá vir, querida? Todo mundo quer vê-la, e eu adoraria poder exibi-la.

Uma resposta. Sua mãe queria uma resposta. Paige tentou se lembrar da pergunta, mas era difícil com a mão de Jesse a acari­ciando daquela maneira. Alguma coisa sobre uma festa, ela pen­sou, mas quando?

Agarrando um punhado do cabelo de Jesse, ela deu um pu­xão de repente. Por mais que adorasse o que ele estava fazendo, ela precisava de uma pausa longa o bastante para terminar a conversa e desligar o telefone.

Atordoados como estavam seus sentidos pelo desejo arden­te, ela julgou mal a força que tinha utilizado. Jesse deu um gri­to. Paige se sobressaltou num pedido de desculpas silencioso. E Laura Mattheson finalmente suspeitou de que algo estivesse acontecendo.

— Paige, querida, o que foi isso? — perguntou com cautela.

— Isso? Ah, bem, foi Jesse, mamãe. Ele está tendo problema com alguma coisa. Acho melhor eu lhe dar uma ajuda. Posso ligar de volta outra hora? Mande lembranças ao papai, está bem?

— Claro... para os dois pedidos — disse Laura, parecendo aceitar a explicação e a partida apressada de Paige. — Cuide-se, querida. Eu amo você.

— Eu amo você também, mamãe — disse Paige, mais baixi­nho, sentindo-se estranhamente sensível pelo fato de Jesse ouvir aquelas palavras. Grupos de bridge, clubes de jardinagem e forne­cedores eram uma coisa. Mas aquelas últimas palavras representa­vam, de forma resumida, tudo de que ele necessitara e nunca tivera.

Esticando o corpo à frente para recolocar o fone no gancho, ela foi atrapalhada pela compressão do rosto de Jesse contra o seu peito. Ela se perguntou se elas as tinham chateado, aquelas pala­vras e, querendo consolá-lo, ela começou a afagar seu cabelo.

— O que sua mãe tinha a dizer?

A voz dele estava abafada, o tom, quase indistinguível.

— Não sei — murmurou ela. — Não consegui me concentrar porque um certo sujeito sexy estava fazendo amor comigo. Por outro lado — ela fingiu fazer uma carranca —, pode ter sido a ligação ruim. O tempo está terrível...

Sua provocação foi interrompida por um gemido profundo acompanhado por mãos afundando em seu traseiro, tirando-a do banco perto do qual Jesse estava. O que ele pretendia fazer, po­rém, foi adiado pelo toque do telefone.

— De novo, não — resmungou ele.

— Ainda. Ela provavelmente esqueceu alguma coisa muito urgente. — Paige pegou o fone, esperando que sua mãe estivesse do outro lado da linha. — Alô? — disse num tom melódico.

— É da residência dos Mattheson? — perguntou uma voz masculina que ela não reconheceu.

Ela endireitou o corpo, colocando a mão no braço de Jesse.

— Sim.

— Aqui é Benjamim Waite. Sou amigo de Jesse Dallas. Ela reconheceu o nome. De verdade.

— Sim?

— Fui informado que poderia encontrá-lo aí. Ela parou.

— Poderia.

Por questão de orgulho, ela não tinha intenção de facilitar as coisas.

— Ele está, hã, disponível? Ela hesitou.

— Está.

— Pode chamá-lo ao telefone? Ela esperou.

— Talvez.

Ela estava começando a se sentir satisfeita consigo mesma. A idéia daquela aposta e a presunção machista por trás dela a desa­fiou a uma certa forma de retaliação.

— Hã... Poderia chamá-lo?

Dessa vez, ela o deixou esperar por cinco segundos completos.

— Se disser "Por favor".

Jesse, que estivera observando o colóquio unilateral com um olhar enigmático, pôs seu ouvido junto ao dela na esperança de reconhecer uma voz. O que ele ouviu foi uma longa pausa, depois, um indulgente "Por favor" numa voz que, realmente, ele conhecia bem. Dando um risinho, ele pegou o fone de Paige.

— A mulher não gostou muito da nossa aposta, Ben — ele começou a falar, sem preliminares, enquanto seus olhos estavam sobre Paige. — Acho que ela ficou ofendida.

Paige levantou as duas sobrancelhas e apontou para si num gesto inocente querendo dizer "Quem? Eu?". Ela, então, passou as mãos pelo seu pescoço e, na ponta dos pés, roçou a ponta da língua no seu ouvido desocupado. Sua retaliação tinha apenas começado.

— Pelo que parece, não tão ofendida que não o tenha per­doado — comentou Ben sem se dar conta do tremor que sa­cudiu seu amigo. — Ou ela o está mantendo refém aí? Cara, estava começando a estranhar quando não recebi notícias suas. Ninguém atendeu em sua casa, com exceção daquela sua secretária eletrônica idiota. Sei sua mensagem de cor. Liguei tantas vezes!

— Comovente, Ben — murmurou Jesse. Quando Paige mor­deu seu lóbulo de leve, ele pigarreou. — Ligou para John?

O agente dele era a única pessoa que sabia onde ele estava. Eles conversaram ao telefone várias vezes nas últimas semanas; embora Jesse não estivesse disposto a trabalhar, ele queria manter suas opções abertas.

— Liguei, e ele não estava muito a fim de me passar o número.

— Privacidade. Faz com que ele se sinta importante.

Se havia um timbre rouco na voz de Jesse, não tinha qualquer coisa a ver com o sarcasmo de suas palavras. Paige tinha baixado as mãos e estava traçando grandes círculos no seu peito. Quando ele lhe lançou um olhar de alerta, ela simplesmente mudou de tá­tica, usando os polegares estrategicamente colocados em pontos centrais para fazer os traçados.

— Seja o que for, falando da nossa aposta, vejo que você ganhou.

— É — disse Jesse, embora, mais uma vez, ele tivesse duvi­dado. Vencer implicava dominação. Porém, naquele momento, Paige parecia ter todo o controle.

— Mas você perdeu as finais.

— Tudo bem. Tinha coisa melhor para fazer.

Se ele não podia derrotá-la, teria que se juntar a ela. Passando a mão em volta do seu corpo, ele correu os dedos lentamente pela sua espinha abaixo. Ela se inclinou à frente e deu um beijo de boca aberta no maxilar recém-barbeado dele enquanto as mãos dela iniciaram sua própria descida.

— Diga que ela está ensinando você a esculpir. Ele pigarreou novamente.

— Não exatamente.

— Então, ela é uma cozinheira maravilhosa.

As mãos dela alcançaram a fivela de seu cinto. Ele se sentia como manteiga numa frigideira quente.

— Tem certeza de que está se sentindo bem?

— Eu, me sentindo bem? — ele ecoou num tom um tanto estrangulado. Tendo soltado a fivela da sua correia, Paige desceu o zíper e estava prestes a invadir sua cueca. — Ah, estou bem. Muito bem.

Ele fechou os olhos e balançou, esquecendo-se completamen­te de que devia fazer sua parte das carícias. Ele agarrou o quadril de Paige, mas apenas para se apoiar. Sua circulação acelerou; seus músculos se contraíram. Era sempre assim, esse desejo instantâ­neo. A proximidade de Paige era um potente afrodisíaco. Ou isso, ou ele a tinha ensinado bem demais, refletiu num momento de lucidez. Mas Ben tinha dito outra coisa.

— Hã?

— Ah, esqueça. Por que tenho a sensação de que estou inter­rompendo alguma coisa?

Ben foi um pouco mais astuto do que a mãe de Paige tinha sido, mas ele era homem, e conhecia Jesse bem. Jesse sorriu e reu­niu a energia para produzir a frase mais longa da conversa até aquele momento. Obviamente, sua voz não saiu uniforme; sua respiração tinha se tornado suspeitamente entrecortada.

— Você vai interromper se... ficar falando por muito mais tempo. A menos, é claro, que... tenha prazer em ouvir os sons de...

— De jeito nenhum — Ben se apressou a declarar. Já era su­ficientemente ruim que Jesse conseguisse qualquer mulher que quisesse, mas jogar na cara? — Estou indo. Mas é bom saber que você está bem. Tem alguma idéia de quando voltará?

— Hã... Não posso responder isso no momento.

Ele caiu na gargalhada, sabendo que era uma escolha entre isso ou gritar. A situação era realmente ridícula. Como Paige es­perava que ele pensasse direito quando o estava esfregando da­quela maneira, ele não sabia. Mas, por outro lado, ela o tinha de volta, não tinha? Ele precisava dar o que ela queria. Quando che­gou o momento, sua risada foi tanto de orgulho e prazer quanto qualquer outra coisa.

— Ouço você muito bem — Ben anunciou. — Preste atenção, Jess, vá com calma. Você não é mais criança.

— Obrigado — disse Jesse gemendo, mas o gemido foi dire­cionado a Paige, que tinha ficado de joelhos e estava prestes a... — Tenho que ir. Falo com você mais tarde. Tchau.

Daquele dia em diante, aquilo se tornou uma piada entre eles. Quando um estava ao telefone, o outro assumia o papel de pertur­bar. Era como se nenhum dos dois quisesse as interrupções que os fizessem lembrar do mundo lá fora.

Muitos dos seus momentos mais suaves ocorreram na praia. Quando o sol estava forte, eles brincavam na arrebentação, jogan­do água e se esquivando um do outro, se separando e se encon­trando novamente na crista de uma onda. Paige descobriu que Jesse era não só um excelente nadador, mas também, por acaso, claro, fez maravilhas com a pequenina sunga outrora sem for­ma que ele usava. Seu corpo, ligeiramente bronzeado quando ela o conheceu, tinha adquirido um profundo tom dourado com o tempo que passara ao sol. Seu cabelo ruivo tinha ficado mais cla­ro; os pelos dos seus braços, das suas pernas e do seu peito ti­nham ficado brilhantes. Ele era a personificação da saúde e fonte de constante atração para Paige.

Certa tarde, ela ficou num banco de areia, observando Jesse nadar lentamente para longe da orla, se virar e nadar de volta. Os braços formavam um arco de graciosa força, e a luz do sol cinti-lava em sua pele molhada. Quando ele se virou para nadar no­vamente na direção do oceano, ela foi acometida por uma idéia. Atravessando a praia rapidamente e subindo os degraus até a casa, retornou a tempo de vê-lo emergir das ondas. Levando a câmera ao olho, tirou uma foto, depois, outra, quando ele se aproximou.

— O que está fazendo? — perguntou ele, pegando a toalha da areia enquanto avançava na sua direção.

Clique. Passando. Clique.

— Capturando Poseidon.

— Poseidon, é?

— É.

Clique. Da cintura para cima. Passando. Clique. Cabeça e ombros.

— Este é outro de seus talentos?

— Talentos? Não sei. — Clique. Cabeça apenas. Ele estava exatamente diante dela. Ela abaixou a câmera e viu seu olhar. O cabelo dele pingava na testa. Sua pele reluzia. — Sou conhecida por fotografar coisas que quero esculpir. Estou surpresa por não ter pensado nisso antes.

Ele enxugou o rosto, depois, o cabelo.

— Ora, Paige. Você não está pensando em fazer isso de novo, está?

— Esculpir você? Por que não?

A toalha fazia vaivém no seu pescoço.

— Porque meu corpo é algo particular, lembra-se? E, além do mais, eu pensei que estivesse trabalhando em outra coisa.

Tendo terminado o conjunto de maçaricos, ela, de fato, co­meçara a trabalhar numa nova peça. Era de calcário, e ela não ti­nha certeza do que era, uma nova experiência para ela, mas certa compulsão fazia com que continuasse trabalhando. Ela estava nos estágios iniciais e tão fascinada quanto confusa com a forma que estava tomando.

— Estou, razão pela qual poderia ser bom tirar fotos suas. Quando eu for fazer alguma coisa com elas, você pode não estar por perto. O que eu usaria como modelo então?

O olhar de Jesse endureceu. Ele a estava esquadrinhando, ela sabia, tentando ver se existia alguma emoção sob sua explicação bem-formulada. Ela mantinha a expressão suave, mas, quando ele se virou em silêncio e começou a caminhar na direção da escada, ela teve a nítida sensação de que o tempo estava passando.

Bem no fundo, ela queria aquelas fotos. Para esculpir a partir delas, talvez. Para apreciar, sem dúvida. Era apenas uma questão de dias até que ele partisse. Todos os sinais apontavam naquela direção.

Em alguns aspectos, ela se sentia como se estivesse prestes a sucumbir. Não estava grávida; sabia disso havia quase dez dias. Tinha tido um pouco de medo de que lesse fosse embora assim que soubesse. O fato de ele não ter feito isso era como um peque­no presente, doloroso em sua efemeridade, mas, mesmo assim, precioso.

Desejando apenas saborear o presente enquanto durasse, ela colocou a câmera no ombro e o seguiu escada acima.

Paige continuou a fotografar Jesse e, por mais que ele protes­tasse dizendo que preferia estar do outro lado da lente, ele satisfez seus desejos. Parecia algo pequeno comparado com tantas coisas maiores na sua cabeça.

A cada dia que passava, ele ficava mais rabugento. Era ver­dade que ele estava sentindo a comichão de finalmente traba­lhar; nunca tinha tirado férias tão longas como aquelas. Mas, realmente, o que o incomodava era o fato de que ele se sentia tão à vontade. Estar com Paige dia e noite evocava emoções com as quais ele não tinha vontade de lidar, nem habilidade para tal.

Paige estava consciente de que ele, agora, tinha um contato mais próximo com seu agente. Ela sentia sua impaciência. Quan­do ele começou a passar cada vez mais tempo na praia, ela respei­tou sua necessidade de solidão e o deixou em paz.

Várias vezes ela largou seu trabalho e foi até a parede de vi­dro do estúdio para avistar seu cabelo ruivo, sua cabeça baixa en­quanto caminhava pela areia. E ela sabia que o que podia fazer era tornar tudo o mais acolhedor, reconfortante e afetuoso que pudesse para ele, quando retornasse.

Embora ela tivesse o luxo de seu trabalho mantê-la ocupa­da, a ocupação parecia, na maioria das vezes, se limitar apenas às suas mãos, outra razão pela qual sua nova peça era um mistério. Seus pensamentos ainda estavam em Jesse. E, embora ela dissesse a si mesma que o tempo que passava sozinha era bom para ela, que seria melhor se habituar à solidão novamente, isso foi mais difícil do que jamais sonhara.

Quando a sétima semana se aproximou, as coisas ficaram tensas entre eles. Os momentos mais amenos eram escassos. O inevitável parecia pairar sobre eles.

Era sábado. Como tentava fazer sempre que não estava com o prazo apertado, Paige ficou longe do estúdio. Foi dormir tarde com Jesse e preparou uma vigorosa combinação de café da manhã e almoço. Eles tinham ido até as pequenas lojas de artesanato em Rockport e retornado. O silêncio dominara o trajeto.

Quando Jesse sugeriu que eles saíssem para jantar em um dos restaurantes locais mais elegantes, Paige teve uma premonição do que estava por vir. Quando, elegantemente vestidos naquela noite, conversaram mais com o garçom do que um com o outro, ela soube.

Eles tinham retornado para casa e estavam tomando conha­que na sala de estar quando ela finalmente pegou o touro pelos chifres.

— Quando você vai embora? — perguntou baixinho.

Ela levantou os olhos após um intenso exame do líquido âm­bar no seu copo. Não havia nem surpresa nem confusão em seu rosto.

— Amanhã. — Ele continuou olhando para ela. — Vou co­meçar a trabalhar num novo filme na segunda-feira.

Paige se perguntou quanto tempo fazia que ele sabia, mas es­tava ciente de que uma demonstração de indignação só estragaria suas últimas horas juntos. Ela assentiu com a cabeça.

— Sobre... hã, sobre o que é?

— Sobre a CIA.

— Nossa!

Ele deu de ombros.

— A CIA pode ser bastante deprimente, mas, é verdade, acho que será mais fácil de aceitar. O produtor quer algo que seja como uma aventura. Talvez seja até divertido.

Ela sorriu.

— Estou contente.

Quando ela esticou o braço e tocou o seu ombro, ela deslizou pela curta distância no sofá até repousar contra o corpo dele.

— Você está muito bonita esta noite — disse ele com a voz rouca que ela passara a conhecer tão bem, mas da qual tinha sen­tido falta nos últimos dias.

Ela colocou a mão na coxa dele e brincou com o vinco de sua calça.

— Você, também.

— Bonita?

— Bonito.

— Ah, assim fica melhor. — Colocando o copo na mesa pró­xima, ele tocou as pérolas aninhadas no decote do seu vestido de seda azul.

— Muito bonitas. Você foi feita para usar pérolas, eu já disse isso?

A pele dela aqueceu quando ele a tocou, e ela foi repentina­mente tomada pelo ímpeto de se lançar nos seus braços e abraçá-lo até que passasse o dia seguinte. Mais um dia era o que ela queria. Depois, outro. E mais outro. Deixá-lo partir seria a coisa mais difícil que ela já havia feito, mas, amando-o como amava, ela sabia que não tinha escolha. Ele era livre, um adulto. Ela não po­dia prendê-lo contra sua vontade. E, evidentemente, sua vontade era voltar para Nova York.

— Você vai ficar bem? — perguntou ele, parecendo subita­mente menos seguro de si do que ela já percebera. Onde outrora ela teria dado uma resposta indignada, dizendo alguma coisa no sentido de que morava sozinha havia anos e podia muito bem fazê-lo novamente, ficou impressionada com a preocupação dele e respondeu tendo-a em mente.

— Claro. Vou ficar bem. Você consertou tudo que precisava ser consertado, então, a casa não vai desabar na minha cabeça. Talvez possa até trabalhar um pouco — ela acrescentou.

— Você tem trabalhado.

— Não tanto quanto de costume. Você é uma distração, ou não tinha notado?

— Então, é bom que eu esteja indo embora — declarou ele, agarrando-se à desculpa como se ela aliviasse sua culpa.

Ela inclinou a cabeça para trás e olhou para ele.

— Sentirei sua falta, Jesse.

Os olhos dele entristeceram, sua voz ficou mais rouca. Mas ele não a afastou nem se levantou zangado. Em vez disso, os dedos dele apertaram o seu ombro e ele a abraçou mais firmemente.

— Não diga isso. Eu disse que esse dia chegaria. Nunca plane­jei ficar tanto tempo assim.

— Eu sei. Por que ficou?

— Foi... bom — disse ele mais suavemente. — Você não é ruim como companheira de quarto.

Ela viu seu olhar suavizar e soube então que, se eles tivessem mais uma noite, seria uma noite para ser lembrada. Colocando seu próprio copo no chão, ela levou sua mão ao rosto dele, contornan­do cada um dos traços que ela gravara de forma indelével tanto em película quanto em sua mente. Sobrancelhas bem-formadas, pequenas rugas nos cantos daqueles olhos azuis penetrantes, o rosto magro ligeiramente áspero por causa da barba que começa­ra a crescer no instante em que ele se barbeara, um maxilar forte e firme... que ela podia tocar eternamente e nunca se cansar.

— Você também não é... ruim como companheiro de quarto — sussurrou ela. — Estou surpresa por como foi fácil.

O olhar dele a estava tocando tal como a mão dela o estava to­cando. A luz nos olhos dele era quente, triste, intensa. Agarrando os dedos dela, ele os levou até os lábios dele, colocando um após o outro em sua boca, sugando suavemente cada um. Em vez de um gesto de sedução estudada, pareceu ser um gesto de necessidade, a qual Paige estava mais que disposta a satisfazer. Com os dedos úmidos devido aos seus lábios, ela tocou seu rosto, depois, se in­clinou para cima e soprou de leve as listras antes de molhá-las novamente com sua própria língua. Ela lhe daria qualquer coisa de que ele precisasse aquela noite. Era disso que consistia o amor, e ela se fartava dele.

Ele a beijou então, elevando seus lábios até os dela. O que sua boca fazia, a dela repetia. A umidade do beijo apenas fortalecia o elo.

Jesse pressionou seu longo dedo nos pulsantes lábios dela.

— Eu cuido dos copos. Por que não vai para o banheiro? Eu vou logo depois.

— Vamos fazer aqui — sussurrou ela, relutante em deixá-lo por um minuto.

Mas ele estava retirando os braços dela do seu pescoço e se colocando de pé. Ele se ajoelhou para pegar seu copo e olhou para ela.

— Vamos fazer do modo correto — disse ele com a voz rouca.

— Com bastante tempo e cuidado. Para o que tenho em mente, este sofá não é o lugar.

A promessa nos olhos dele fez o sangue dela acelerar em cor­rente de calor pelas suas veias. Ela observou quando Jesse se le­vantou, se abaixou e fez com que ela se pusesse de pé.

— O banheiro? — ele lembrou, com um sorriso maroto nos lábios.

— O banheiro — murmurou ela, desejando que seus joelhos a levassem para lá.

Momentos depois, ela estava diante da caixa de remédios aber­ta e com o pequeno estojo de plástico na mão. A bruma da paixão se dissipara, e ela fixou mais o olhar. Lentamente, ela o abriu, e olhou para o disco de borracha no interior do estojo. Fechando os olhos, ela lutou para calcular o número de dias passados. Um lam­pejo de excitação disparou por seu corpo, acompanhado por uma repentina e intensa determinação que refletia uma necessidade tão grande quanto qualquer outra que ela conhecera. Ela abriu os olhos para olhar mais uma vez para o disco e, então, com cuidado, de mansinho, fechou a tampa e recolocou o estojo na prateleira.

A caixa de remédios se fechou. Por um minuto, ela ficou exa­minando sua imagem no espelho. Colocou a mão no estômago e a deslocou devagar para baixo sobre a seda do vestido. O tremor do seu corpo se intensificou, mas havia mais que paixão por detrás dele. Sabendo exatamente o que estava fazendo, ela se virou e saiu do banheiro.

Jesse estava no quarto, olhando para o oceano. Ao ouvir o suave farfalhar do vestido, ele se virou. O olhar nos olhos dele era de acalorada expectativa que se acumulara mesmo nos breves momentos que ele tinha passado à sua espera. Sua gravata estava desamarrada e pendia em cada lado da ponta do colarinho de sua camisa. Ele tinha desabotoado os dois botões de cima.

Ela ficou feliz por ele ainda estar vestido. Queria despi-lo. Queria, lenta e cuidadosamente, retirar suas camadas exteriores, esculpi-lo e moldá-lo, marcar para sempre nele a lembrança de quem ela era e o que o tempo que passaram juntos tinha signifi­cado para ela.

Cobrindo a pequena distância entre eles, ela deu um abraço frouxo em seu pescoço.

— Você parece um deus parado aí — murmurou ela, sorrin­do. — Um deus muito bonito, feito de pedra, que precisa do toque de um mortal para trazê-lo à vida.

— Você vai me tocar? — murmurou ele, fascinado demais com o olhar de adoração no rosto dela para pensar seriamente em sua causa e se rebelar. Ou talvez ele realmente soubesse qual era a causa, mas não se importasse. Naquela noite, ele poderia ser guloso. Partiria pela manhã.

— Ah, sim — murmurou ela junto ao seu maxilar. As pálpebras dela baixaram e, por um longo momento, ela simplesmente saboreou o perfume almiscarado que era apenas dele. — Hmmm. — Ela inspirou fundo. — Tão bom.

Ela roçou os lábios de um lado para o outro na pele dele. Sua leve aspereza intensificava as sensações. Movendo os lábios sua­vemente sobre o seu corpo, ela passou as mãos embaixo dos om­bros do seu blazer e empurrou o tecido para trás, descobrindo seus braços. Percorrendo mais uma vez com os dedos aqueles dois membros fortes, ela, em seguida, foi se ocupar lentamente dos botões da camisa dele. A expectativa acelerou sua respiração, e ela se deliciava com a premência que sentia mesmo quando continha sua pressa. Cada etapa era algo bonito. Ela apreciava cada uma delas.

Quando a camisa dele estava aberta, ela comprimiu o rosto na sua carne quente e entremeada de pelos. As mãos dela mapearam as protuberâncias dos músculos, sentindo o tremor do corpo dele, absorvendo-o com os lábios.

— Meu Deus — murmurou ele. — Acho que não vou conse­guir agüentar isso.

— Vai agüentar — murmurou ela com confiança, mas ela co­meçou a retirar a camisa de seus ombros. — Você agüentará isso, e mais. Você adora. Confesse.

— Eu adoro, eu adoro — foi o cântico rouco dele enquanto suas mãos conduziam a cabeça dela em seu deslocamento ator-mentadoramente lento. A sensação dos lábios dela sobre sua carne era como fogo. O pequeno toque da sua língua não ajudou muito a apagar a chama. Ele mudou de posição num esforço para firmar as pernas, mas parecia uma batalha perdida.

Nu da cintura para cima, ele se submeteu à manipulação sensual dela, enquanto sua boca estava ocupada saboreando e provocando cada centímetro do tórax dele e as mãos nas costas dele eram as de uma escultora. A exploração tátil tomou conta dela em feixes de músculos, penetrando em cavidades mais sua­ves. Ele tinha certeza de que ela havia identificado separadamente cada uma de suas vértebras antes de finalmente lhe conceder um descanso do esforço constante do desejo que ameaçava entrar em violenta erupção.

— Como se sente? — perguntou ela junto aos seus lábios mais uma vez.

— Estou morrendo — disse ele. — Morrendo. Como pode fazer isso comigo, Paige?

— Como posso não fazer? — foi sua resposta murmurada, e ele compreendeu e concordou, contendo o ímpeto de jogá-la ao chão e possuí-la instantaneamente.

Paige não teria nada a ver com "instantaneamente". Deter­minando o ritmo como estava, ela queria que tudo durasse. Se o próprio corpo dela ansiava pela liberação, o que ele fazia de modo vociferante, ela só tinha de pensar na noite do dia seguinte e na noite em seguida, e estaria no controle mais uma vez. Daquela noite, ela se lembraria, de todos os pequenos e atormentadoramente lindos momentos dela. Tinha decidido isso. Então, assim seria.

Os beijos deles refletiam a dualidade do seu desejo, oscilando da suavidade para o arrebatamento e, novamente, para a suavi­dade, vacilando entre as necessidades do corpo e as da mente. Os lábios acariciavam, os dentes mordiscavam, as línguas reparavam o dano para alimentar o desejo em seguida. O ar foi cortado por pequenos gemidos. De cuja garganta procediam, Paige não sabia nem se importava. A atração, a fascinação, o fogo eram compar­tilhados; isso parecia ser tudo que importava.

Fechando os olhos e comprimindo a testa no queixo de Jesse, Paige deu vários suspiros longos e descontrolados.

— Qual é o problema? — ele provocou. — Está com dificul­dade de respirar?

— Não, não. Apenas tentando manter o ritmo.

— Da respiração... ou do ato do amor?

— Os dois — murmurou ela, sabendo da verdade de sua confissão. As mãos dela pareciam estar coladas nos ombros dele, como se quisessem permanecer ali para sempre. Era claro que o apoio era uma dádiva para os seus joelhos trêmulos.

— Eu poderia ajudá-la — disse ele com a voz rouca. — Sou especialista em tirar minhas calças.

— Tenho certeza de que sim — disse ela com a voz arrastada —, mas posso dar um jeito, obrigada.

As mãos dela já tinham se deslocado para a fivela do cinto dele. Ela imaginou que estava manejando uma nova ferramenta no processo de esculpir, ainda tentando descobrir a superfície da pedra na qual trabalhava. O cinto estava desafivelado. Os dedos dela roçaram a pele firme da barriga dele, e soltar o botão de suas calças foi mais fácil quando ele inspirou o ar. Botão aberto, zíper ainda levantado, ela parou, roçou a bochecha contra o seu peito, girou a língua em volta de uma das aréolas escuras. O mamilo ficou ereto; ela se regozijou com seu êxito, depois, prosseguiu com a ponta da língua. A tática teve efeito contrário quando ela se viu tremendo em contato com a retesada protuberância.

— Rápido... rápido... — disse Jesse, arqueando o quadril con­tra sua mão.

Mas ela não quis ir rápido. Não conseguia. Se aquela noite era para durar um longo tempo, ela precisava fazê-la durar para sem­pre. E, uma vez que uma camada tinha sido removida da pedra, ela não podia ser recolocada. Ela queria apreciar plenamente cada nova faceta à medida que fosse revelada.

Ao som da arrebentação, o zíper de Jesse desceu lentamente. Ela deslizou as mãos para dentro da abertura, depois, se ajoelhou para retirar a calça do quadril. Nisso ele a ajudou, retirando o mocassim para que pudesse se livrar tanto da calça quanto das meias. Quando ele ficou diante dela apenas de cueca, ela ficou de cócoras para olhar para ele. Ele tinha feito o mesmo com ela naquela primeira noite. Só agora ela podia avaliar o que ele havia sentido então, uma percepção da beleza tão intensa que as mãos dela tremeram ao pensar em tocá-la. Ela se sentiu reverenciada com o poder dele. Aos seus olhos, Jesse era a perfeição.

Ela firmou os dedos curvando-os em volta dos tornozelos dele, deslocou-os para cima, cobrindo as vigorosas e fortes pan-turrilhas. As mãos dela eriçavam os pelos enquanto se moviam, pelos que exemplificavam a masculinidade de um jeito simples, porém, excitante. Os joelhos dele pareciam mais grossos, como se estivessem bloqueados pela ânsia. Os músculos em forma de corda sobressaíam nas coxas, rígidos ao toque, ficando cada vez mais rígidos, como se fossem mármore vivo, rico e firme.

— Você é uma obra de arte — disse ela pausadamente. — Nós, escultores, achamos que temos talento, mas não é nada com­parado ao Dele.

— Religião agora — foi o leve gemido acima dela. — Ai, meu Deus.

Mas não era tanto crítica quanto pura agonia.

— Paciência — murmurou ela enquanto deslizava as mãos para o dorso de suas coxas fortes e com textura. Quando ela se inclinou à frente para enterrar o rosto na perna dele, ele agarrou seus cabelos.

— Acabou, querida! Eu a quero nua!

— Eu... nua?

Ela estava tão arrebatada pelo que tinha descoberto sob as roupas dele que seu pensamento ainda não tinha chegado a esse ponto.

— É assim que se faz normalmente — disse Jesse, agarrando-a sob os braços e pondo-a de pé. Quando ele começou a manuse­ar apressadamente o zíper nas costas do vestido dela, ela se afas­tou. Dessa vez, ela decidiu que ia fazer aquilo. Antes, ele sempre o fazia, ou eles retiravam as roupas ao mesmo tempo. Dessa vez seria diferente. Dessa vez, Jesse saberia exatamente quanto ela ha­via deixado de ser a mulher inocente e quase virgem com que ele tinha feito amor semanas antes.

Não houve nada aparentemente sedutor quando ela abaixou o zíper do vestido, o retirou dos ombros e o deixou cair formando um monte aos seus pés. Os olhos dela não provocaram. Seu qua­dril não se remexeu. Em vez disso, sua conduta foi de convicção e amor e, apesar desses dois sentimentos, da mais leve chama de medo. Ela precisava agradar a criatura divina que adorava, e não havia autocontrole que pudesse ocultar tal necessidade.

Com o coração martelando, ela retirou a calcinha. Com as mãos tremendo, ela levou a mão às costas para soltar a presilha do sutiã, o retirou dos seios e deixou cair o pequeno pedaço de pano ao chão. Com os olhos sobre os dele enquanto ele acompa­nhava tudo de perto, ela enrolou a meia-calça e a retirou pelos pés. Quando estava inteiramente nua, ela esperou um sinal de sua aprovação. Por mais que tivessem feito amor tantas vezes, ela sempre precisava disso. Sem ela, sua determinação não significa­va nada.

Ele comprimiu os lábios. Sua clavícula sobressaía acima de seus músculos tensos. Os olhos dele vasculharam sua silhueta com uma lentidão que ela pensava que estava além dele naquele momento. Só quando ele olhou para ela com olhos ardentes foi que se sentiu livre mais uma vez. Sem dizer uma única palavra, ele transmitiu sua própria adoração e segurou sua mão quando ela o levou em direção à cama.

Com um movimento rápido do pulso dela, a colcha foi revi­rada. Com um segundo movimento, o cobertor e o lençol de cima se juntaram a ela, formando um pequeno monte ao pé da cama. Jesse livrou-se de sua cueca esticada, por um momento, atordo­ando Paige com seu ardor. Retomando o controle, ela o puxou para baixo, prosseguindo com a mesma sensualidade inocente com que se despira.

Ela se esticou sobre ele, deixando que seu corpo participasse de uma exploração da vigorosa silhueta dele. Ela subiu e desceu com o pé pela sua perna. A barriga dela se familiarizou com a firmeza da dele. As mãos dela percorreram das suas costelas até a concavidade sob os braços, finalmente se apoiando no lençol enquanto ele se levantava para encontrar seus lábios com os dela.

Foi um beijo que ficou ainda mais quente com a forma íntima de seus corpos. Os seios dela subiam e desciam com cada respira­ção, os mamilos roçaram contra os dele até que cada poro e cada terminação nervosa tivesse se incendiado. Chamuscada, ela se afastou. Havia trabalho a ser feito; a fina moldagem, o polimento e o acabamento que terminariam numa alegre conflagração para os dois.

Abrindo bem as pernas, ela se ajoelhou sobre ele por um mi­nuto. Os olhos dele tinham as pálpebras pesadas e estavam enfu­maçados, os lábios, ligeiramente entreabertos para ajudar a fatigante tarefa de seus pulmões.

— Paige... — ele alertou, com os dedos afundando na carne acima de seus cotovelos.

Ele estava no limite das forças, que era exatamente onde ela queria que ele estivesse. Ele saberia o que era quase enlouquecer de desejo. Saberia o que era ser venerado. Saberia, de uma vez por todas, que não havia outra mulher, mulher alguma no mundo para ele. E saberia quanto ela o amava, gostasse ele disso ou não!

O que ocorreu então foi algo que Paige nunca poderia ter conscientemente ensaiado. Levada pelo amor que tinha de ex­pressar, ela tocou e saboreou cada centímetro do corpo dele, des­cobrindo uma parte mais preciosa que a outra, tratando cada uma com febril reverência. Ele se contorcia, se esforçando em busca da liberação quando ela finalmente se levantou e se abaixou so­bre ele. Naquele momento, sem desfazer sua ligação em qualquer ponto, ele revirou seus corpos e assumiu a posição de domínio.

Era apenas uma posição, mas o domínio era dos dois. Quem impulsionava mais o outro, quem tinha o maior prazer era algo que nenhum deles podia determinar, mesmo quando alcançaram o ápice e iniciaram uma impetuosa escalada em direção ao se­guinte. Paige soube, muito mais tarde, quando nenhum dos dois conseguia mover um único membro, que ela, de fato, havia en­contrado o segredo daquela pedra. Por mais duro que Jesse fos­se por fora, por dentro, era cheio de amor. Ele o expressava por meio do corpo, como Paige fazia com o dela. Ele o murmurava em pensamentos interruptos enquanto o frenesi da paixão removia aquela última fina camada que protegia sua alma.

— Sim... ah, amor... vá... devagar... eu sou seu... coração...! Ele nunca teria admitido se ela o confrontasse, então, ela não o fez. Porém, na manhã seguinte, quando ele arrumou seus per­tences de forma determinada e os levou para o carro, saber que, por um curtíssimo período, ele a amara plenamente era uma es­pécie de conforto.

— Cuide-se — disse ele baixinho, parando apenas para lan­çar um último olhar pungente para ela antes de entrar no carro e partir.

Realmente, ela se cuidaria, já que agora tinha um segredo próprio. Com uma convicção estranha, mas muito real, ela sabia que estava grávida.

 

A primeira coisa que Paige fez após a partida de Jesse foi pegar uma enorme quantidade de argila do local de armazenagem, elevá-la bem acima da cabeça e socá-la impiedosamente contra a superfície da bancada. Repetiu o procedimento várias vezes, gol­peando a argila seguidamente com os punhos antes de levantá-la e abaixá-la ruidosamente mais uma vez. Só quando seus braços ficaram cansados com o esforço, ela parou e afundou no ban­co próximo. Seu corpo estava exausto, mas seu coração estava pesado como pedra. Quando ela finalmente reuniu vontade para se mexer, vagou até a praia, onde ficou sentada por várias horas. Ficou olhando o mar, escolhendo uma onda distante, seguindo-a até a beira. Olhou para o céu e imaginou se o azul poderia ser tão vital enquanto seu estado melancólico representava um peso de chumbo. Ela vasculhou a areia em busca das pegadas de Jes­se, mas, se houvera evidência de sua presença outrora, a maré a desfizera.

Quando o calor do sol começou a pinicar sua pele, ela volta para casa, perambulando sem rumo de um cômodo ao outro. O silêncio perfurava seus ouvidos. O vazio preenchia sua visão. Ela se sentiu repentina e estranhamente sozinha... e foi ficando fu­riosa. Sua vida era boa, muito boa antes de ele ter entrado nela! Ela adorava o silêncio, apreciava a solidão. Não precisava de ninguém, muito menos de um homem, para animar seu dia. Mas isso havia mudado... graças a Jesse Dallas!

De volta ao estúdio mais uma vez, ela manuseou a argila por mais algum tempo, elevando-a bem alto, abaixando-a com força, amassando-a implacavelmente com as mãos. Se isso era um aces­so de raiva, ela estava adorando cada minuto. Adorando... odian­do... sofrendo por dentro como se uma parte vital dela tivesse sido cortada e presa num espeto.

Quando a exaustão chegou, ela deu as costas para o estúdio e, seguindo até a sala de estar, desabou no sofá. Cochilou; acordou. O tempo tinha pouco significado. Ela ficou deitada, indolente, no deque. Caminhou até a praia outra vez. O sol tinha começado a se pôr no oeste quando ela percebeu que não comia desde o café da manhã. Com pouco entusiasmo, conseguiu engolir metade de um sanduíche e um copo de leite, mas o sanduíche poderia ter sido grude, e o leite, água suja.

Pegando o livro cuja leitura iniciara vários dias antes, sentou-se no sofá e tentou ler, mas seu estômago continuava a revirar e, não muito tempo depois, ela buscou alívio na cama, no doce es­quecimento do sono. Ele a evitou por várias horas. Ela se virou de um lado para o outro, depois, se levantou e trocou os lençóis. De jeito nenhum se obrigaria a sentir o cheiro dele novamente. Já era suficientemente ruim o fato de que podia vê-lo, uma visão sempre presente onde quer que ela fosse. Maldito fosse ele! Maldito fosse o coração vulnerável dela!

Já era tarde da noite quando ela finalmente adormeceu. Quando acordou na manhã seguinte, sentiu-se vagamente de­sorientada. Grogue, piscou e se virou de lado. A outra metade da cama estava perfeitamente arrumada, o travesseiro, tão fofo como na noite anterior. Lenta e inevitavelmente, a realidade se instalou. Ela ainda estava deitada de lado e tinha os punhos cer­rados junto à boca. Sua pulsação se alterou, como se algo estivesse oprimindo seu coração, apertando, torcendo e provocando a mais martirizante dor.

Então, ela começou a chorar.

As lágrimas escorriam de seus olhos de forma abundante e rápida. Leves soluços cheios de sentimento escaparam de seus lábios. Ela enroscou o corpo até formar uma bola, abraçando o travesseiro em busca de conforto, e chorou. E chorou. Tudo o que ela havia feito no dia anterior tinha sido pela frustração, raiva, solidão que sentira; agora, era pela tristeza.

Ela amava Jesse Dallas de todo o coração. E ele se fora. Não tinha ligado para ela na noite anterior; ela não esperara que ele li­gasse. A separação tinha sido consumada e honestamente correta. Ela simplesmente teria de se adaptar.

Enxugando as lágrimas, sentou-se de pernas cruzadas sobre a cama. À medida que os minutos passaram, sua cabeça desanu­viou. Embora seus membros ainda tremessem, ela sabia que logo se acalmariam.

A determinação foi um antídoto, se espalhando lentamente pelas veias, lhe dando força. Ela se adaptaria. Ah, sim, retomaria sua vida como era antes de ele entrar nela. Ela esculpiria. Comeria, dormiria, caminharia, leria, veria os amigos de tempos em tem­pos. Esqueceria que Jesse Dallas tinha existido... não, não, ela não faria isso. Ela o amava; sempre o amaria. E, além do mais, embora ainda fosse microscópico, havia o bebê dele. Não, ela não o esque­ceria. Não queria esquecê-lo. O que eles tinham compartilhado havia sido bonito demais para ser expresso em palavras. Aquelas lembranças, juntamente com seu próprio instinto maternal, asse­gurariam que o filho deles nasceria e seria criado com amor.

Colocando a mão na parte inferior do abdômen, ela a obser­vou ali, repousada. Um milagre? O amor era o milagre. Ter um filho que personificasse aquele amor seria sua salvação.

Ela endireitou o corpo e levantou a cabeça. Depois, lentamen­te, seus lábios se curvaram no mais suave e sereno dos sorrisos, e ela estava pronta para enfrentar o futuro mais uma vez.

Não foi fácil no começo. Paige passou pelas etapas da vida normal, fazendo todas as coisas que tinha feito antes. Mas estava cada vez mais atordoada com a falta que sentia de Jesse. A casa não parecia a mesma. Faltava algo nos passeios que ela dava. As noites eram ensurdecedoramente silenciosas. E, claro, havia os desejos. Bastava ela imaginá-lo diante dela e seu corpo começava a formigar. O formigamento passava a um tremor e, então, para um ardente desejo. Ela sentia desejo, droga, ela sentia desejo. E não havia nada que pudesse fazer!

Jesse Dallas, soubesse ou não, tinha rompido a tranqüilida­de de sua existência, encontrando buracos que ela não sabia que existiam, necessidades de que ela se orgulhava não ser depen­dente. Se eram falhas, ela não podia criticá-las. Sempre agindo como a escultora, ela ia ter que contorná-las, usá-las em seu benefício. Era um projeto desafiador. Jesse tinha acrescentado uma nova dimensão à sua vida; custaria cada parte mínima de sua habilidade e de sua determinação para compensar sua perda.

Havia momentos em que ela ficava com raiva, frustrada ou magoada, mas tais momentos se tornaram raros, cada um me­nos intenso que o anterior. Ao final do primeiro mês, ela estava confortavelmente de volta à rotina que estabelecera antes de sua fatídica viagem a Nova York.

O trabalho era seu maior consolo, e ela se jogava nele de cor­po e alma. A peça que tinha iniciado antes da partida de Jesse tomou forma como uma criança nos primeiros estágios do de­senvolvimento uterino. Apavorava-lhe, às vezes, o fato de tê-la começado mesmo antes de decidir ter um bebê. Ela se pergunta­va se isso refletia um instinto maternal que, subconscientemen-te, abrigara por algum tempo, ou se a feminilidade que desabrochara com a mão carinhosa de Jesse a tinha gerado. Qualquer que fosse o caso, ela sentia grande prazer em esculpir a pequena forma fetal. Havia uma liquidez em sua forma sugestiva de sua suspensão em líquido amniótico, mas também havia um dua­lismo em pequeninos traços; pálpebras, ouvidos, boca. Dedos das mãos e dos pés reais surgiram da massa circular tal como os dedos de Jesse brotaram da pedra que ela pegara na praia. Em­bora aqueles dedos que ela havia esculpido fossem masculinos, os que ela esculpia agora continham a fragilidade, a inocência do ser ainda não nascido. Quando terminou a peça, ela se viu inteiramente apaixonada por ela. Mas uma mãe criava um fi­lho para deixá-lo partir um dia, não era? Foi com relutância e enorme disciplina que ela, com carinho, encaixotou a pedra e a despachou para Nova York.

Começou a trabalhar numa segunda peça, uma dançarina talhada em um pedaço de teixo que ela deixara envelhecer em seu depósito durante o tempo apropriado. Enquanto esculpia com cuidado e com a devida concentração, o calor de agosto diminuía e setembro chegava.

Sua gravidez era um fato agora. Não precisava da con­firmação de um médico, tão firme tinha sido sua convicção desde o começo. Mesmo que esse não tivesse sido o caso, ela não poderia ter deixado de notar o volume dos seios, o apare­cimento de pequenas varizes, as primeiras mudanças sutis em seu corpo.

Sua alegria foi mitigada apenas pelo terrível mal-estar que se instalou logo em seguida, um enjôo que estava longe de se li­mitar às manhãs e a impedia de reter grande parte do que inge­ria. Nesse momento, ela visitou sua médica, que lhe assegurou que ela estava com boa saúde e que era perfeitamente normal o que lhe ocorria para uma mulher com seis semanas de gra­videz. Quando ela receitou um remédio para controlar o enjôo, Paige recusou, optando, em vez disso, por seguir sua sugestão de comer pequenas quantidades de alimentos de fácil digestão, a intervalos freqüentes, durante o dia. Isso ajudou um pouco, embora ela ainda tivesse momentos ruins quando não desejava nada mais que a mão forte e afetuosa de Jesse apoiando-a em sua agonia. Mas ele não estava lá. Ela não tinha recebido nenhuma notícia dele. E precisava ser forte, se não pelo seu próprio bem, pelo da criança que carregava. Quando continuou a perder peso e ligou, alarmada, para a médica, esta desfez suas preocupações dando um risinho, dizendo-lhe que logo, logo ela reclamaria do contrário. Tendo sido assegurada disso, Paige achou mais fácil aceitar o mal-estar.

Mais de uma vez ela foi grata à natureza da sua profissão, que lhe permitia fazer pausas quando necessário, deitar e descansar quando se sentia cansada, como ela fazia cada vez mais. Isso tam­bém a médica alertara que ocorreria, então, ela não se opôs, e se viu tirando sonecas regulares todas as tardes.

Geralmente, ela passava as noites no sofá, enterrada em um dos livros que comprara sobre gravidez e parto. Nesses momen­tos, ficava mais entusiasmada do que nunca; entusiasmada e orgulhosa, um pouquinho apavorada e, ocasionalmente, triste.

Queria que Jesse estivesse dividindo aquilo com ela. Milagres ti­nham sido inexistentes na vida dele; ela lamentava saber que ele estava deixando passar um agora. Saber que uma criança estava crescendo dentro dela, que um dia seria um ser vivo para abra­çar, nutrir e amar era algo verdadeiramente maravilhoso. Por mais que ele pudesse declarar que não queria um filho, ela estava profundamente convicta de que, mesmo contra a vontade, ele o amaria. Era, afinal de contas, um filho do seu sangue. Este era o pensamento que lhe dava mais conforto durante as noites que pareciam tão longas.

No fim de setembro, Paige fez as malas e partiu para Connecticut. Estava ansiosa para ver a família. A festa magnífica que Laura Mattheson estava planejando desde junho deu até mes­mo aos seus irmãos uma desculpa para voltar para casa. Quando um pai chegava vigoroso e saudável aos 70 anos, era realmente razão para se comemorar.

A mãe de Paige sabia que Jesse tinha ido embora. E foi extre­mamente gentil e apoiou Paige nos momentos em que ela ligou deprimida. Paige ainda não tinha dito uma única palavra sobre a gravidez. Havia pensado bastante sobre como dar a notícia. Não que seus pais não fossem se sentir alegres com a perspectiva de outro neto, mas... Paige não era casada. Por esta razão, a notícia de sua gravidez poderia desconcertá-los. Não querendo que nada prejudicasse a comemoração tão planejada, ela sabia que teria que escolher o momento com cuidado. Embora seus irmãos e suas famílias fossem partir no dia seguinte, após a festa, Paige tinha pensado em ficar um pouco mais. Era quando ela esperava que surgisse um momento oportuno.

Não foi bem assim que aconteceu.

Ela chegou em Westport na sexta à tarde, e a festa estava pla­nejada para sábado à noite. Sua mãe estava na porta para encon­trá-Ia, elegantemente vestida e penteada como sempre, com uma empolgação a mais nos olhos.

— Paige! — Com um sorriso largo, ela estendeu os braços e deu um abraço afetuoso na filha, que Paige retribuiu com uma força que surpreendeu as duas. Foi só naquele momento que Paige percebeu quanto tinha sentido falta do calor do contato humano.

Soltando os braços de modo relutante, Paige se afastou para a inevitável inspeção de sua mãe. Ela havia se vestido com mais apuro que nunca, escolhendo suéter e calças em tons coorde­nados de lavanda, colocando maquiagem para contrapor a ma-greza do seu rosto e as concavidades sob os olhos, ondulando o cabelo do modo mais suave possível em volta das têmporas e das bochechas.

Seus esforços tinham sido em vão, mas também o olhar de mãe era perspicaz por natureza.

— Você parece cansada — disse Laura. Seu tom baixo ecoou a preocupação em seus olhos.

— A senhora está maravilhosa. Gostei da cor.

Laura tocou o cabelo, mas a tentativa de Paige de escapar não foi bem-sucedida.

— Não está se sentindo bem?

— Estou bem.

— Você ainda está chateada com a partida daquele cara.

— O nome dele é Jesse, e estou... bem, me acostumando com a idéia.

Passando o braço em volta dos ombros da filha, Laura a con­duziu até a cozinha. Mas os olhos dela permaneciam fixos no ros­to de Paige.

— Este será um bom período de férias para você, então. Espe­ro que tenha trazido bastante coisa. Pensei que poderíamos fazer compras em algum dia da próxima semana. Quer dizer, se você quiser. — O cenho dela ficou franzido. — Tem certeza de que não está contraindo alguma doença?

Estava mais para expandir do que para contrair.

— Tenho certeza. Papai está em casa?

— Foi ao aeroporto pegar Bill, Angie e as crianças. Jason e Annette chegaram ontem à noite. Estão no clube com Todd. Ele mal podia esperar para ver a piscina. Michael e Sheila chegam de carro amanhã de manhã, com as meninas.

Paige levantou os olhos fazendo uma inspeção do grande hall da frente da elegante casa em estilo Tudor.

— Então, é a calmaria antes da tempestade. Laura deu um risinho.

— Pode-se dizer que sim. Mas não nos importaremos nem um pouco com a tempestade. É tranqüilo demais por aqui na maior parte do tempo. É o melhor presente para o seu pai: ter seus filhos aqui conosco. Não é sempre que todos podem vir ao mesmo tempo.

— Esta é uma ocasião muito especial. Ele está ansioso pela festa?

— Está, querida. Venha. Vou preparar chá de mel para nós duas. Isso deve colocar um pouco de cor em seu rosto.

— Tem cor no meu rosto.

— Artificial. Todos os pontos. Talvez você consiga enganai o mundo, mas não consegue me enganar, Paige Mattheson. — Elas estavam na soleira da cozinha. — Quer subir enquanto eu esquento a água? — A voz dela assumiu um tom de provocação. Ela sabia como Paige gostava de conversar depois de ficar longe por um tempo. — Seu quarto está esperando.

Paige sorriu.

— Então, é melhor eu me apressar. Os quartos ficam muito impacientes. — Dando um beijinho rápido no rosto de sua mãe, ela retornou ao hall, pegou a mala e subiu a escada.

O quarto era exatamente o mesmo que ela deixara quando partira para a faculdade, 11 anos antes. Não era o quarto de uma criança, nem de uma adolescente; os quartos dos Mattheson eram decorados com regularidade à medida que os filhos passavam de um estágio para o seguinte. Tendo sido refeito no verão anterior ao seu último ano do ensino médio, o quarto era de uma jovem. Florais fortes dominavam o cômodo em tons de amarelo, verde e branco. Era alegre, mas sofisticado, com mobília rústica francesa e o toque exato de suavidade.

Paige parou na porta, sentindo-se estranhamente melancó­lica. Entrou, largou a bolsa, tocou o encosto da cadeira próxima da penteadeira, depois, se aproximou da cama e roçou a pequena coberta acolchoada com a palma da mão. Colocando um lado do quadril contra a cama, ela baixou lentamente o corpo na super­fície macia.

Ela fora feliz naquele quarto, agora, cheio de lembranças. Aquelas quatro paredes a tinham visto se divertir com brinque­dos quando criança, ir para a escola pela primeira vez, entreter, à tarde, amigas tão pequeninas quanto ela nos dias que antece­diam aqueles em que o trabalho de casa impedia o recreio. Elas tinham ouvido horas de conversa sem sentido quando, como presente de aniversário de 13 anos, seus pais instalaram o telefo­ne da Princesa, que repousava em silêncio agora sobre a mesinha de cabeceira.

Ela sorriu, lembrando-se de suas amigas e das conversas fan­tasiosas que haviam tido. Tinham fofocado, rido e sonhado, so­nhado com maridos e com filhos que teriam e com as coisas que elas fariam de maneira diferente. À época, havia sempre a pretensão de uma reclamação ou outra, mas Paige sabia em seu coração que teria a sorte de dar ao seu filho as mesmas coisas que tivera. Se fosse incapaz de lhe dar um pai, teria simplesmente que com­pensar de outra forma.

Dando um suspiro longo e ligeiramente irregular, ela baixou os olhos em direção às mãos, colocou-as de modo determinado ao lado do corpo e se levantou. Parando apenas para escovar o cabelo e empoar com um pouco mais de cor o rosto, embora sua mãe pudesse perceber o artifício, seu pai e seus irmãos certamen­te seriam ludibriados, ela voltou para baixo.

Laura estava no canto reservado ao café da manhã, próximo à cozinha, mexendo o chá com uma colher, imersa em pensamen­tos. Ao ouvir o som do salto de Paige sobre a cerâmica, ela levan­tou os olhos.

— Millie vem para jantar — disse ela, sentindo-se obrigada a explicar a ausência da empregada. — Ela está louca para ver você, mas queria passar um tempinho em casa, já que não vai tirar o domingo de folga.

— Como ela está?

— Formidável, levando-se em conta o fato de que já tem 65 anos. Na verdade, deu tudo certo. Não preciso dela em tempo in­tegral. Então, quando ela está atacada de artrite, fica em casa. Ela me prometeu, jurou que a artrite vai se comportar pelo menos até domingo. Acho que ela está tão entusiasmada com a festa quanto nós. Ela estará no comando de uma frota e tanto aqui.

Sorrindo, Paige se sentou no lugar que Laura tinha reservado ao lado do dela. O chá estava macerando. Um prato de pasteizinhos, com biscoitos e queijo do lado, aguardava para satisfazê-las.

— Está tudo pronto para amanhã à noite? — perguntou Paige, pegando indiferentemente um biscoito. Ela estava bem ciente do exame minucioso por parte de sua mãe.

— Acho que sim. A tenda vai ser armada no jardim pela manhã. As mesas, as cadeiras e as toalhas de mesa vêm logo em seguida. O florista me prometeu que chegaria às 3h. Os fornece­dores chegam às 5h. Na verdade, não há muita coisa que eu tenha a fazer, a não ser o cabelo e as unhas, e tomar cuidado para as crianças não brincarem com os talheres quando forem colocados nos lugares.

Paige deu um sorriso afetuoso.

— Mal posso esperar para vê-los. Aposto que todos cresceram.

— Hmmm. Todd cresceu. Ele é a criança de 5 anos mais precoce que já vi. — Sua expressão de avó orgulhosa teria sido completa se não fosse pela leve ruga de preocupação entre seus olhos. — Coma um pouco de queijo com biscoito, querida. É brie fresco.

O estômago de Paige embrulhou só de pensar. Ela franziu o nariz e pegou o chá.

— Hã... Acho que não vou querer. Hmmm. Doce. Mel é muito bom, não acha?

Sua mãe não estava pensando em mel, nem era a intenção dela fazê-lo.

— Qual é o problema, Paige? Alguma coisa está acontecendo, e você pode negar quanto quiser, mas não vai me convencer. Você está pálida. Está com olheiras. E perdeu peso. E, se existe uma coisa de que não precisa, é disso.

Largando a xícara lentamente, Paige olhou para a mãe. Foi, provavelmente, seu maior erro, tendo em vista que o olhar de pre­ocupação no rosto de Laura abalou sua decisão e ela foi tomada por uma onda de emoção. Queria esperar pelo fim da festa antes de arriscar dizer algo que pudesse ser perturbador. Mas aquela era sua mãe, e elas sempre tinham sido íntimas. As palavras se­guintes de Laura não ajudaram muito a amenizar seu dilema.

— Ficarei preocupada até você me contar, querida — disse ela baixinho. — Você sabe disso. Imaginarei todos os tipos de coisas horríveis.

— Isso é chantagem — Paige contra-argumentou, forçando um sorriso que não obteve muito resultado.

— É a verdade. Você parece estar doente. Mas tem outra coi­sa. — Ela parou, continuando a olhar para Paige. — Alguma coisa nos seus olhos. Lembro-me do dia em que você voltou da escola com um olhar desses nos olhos. Você havia sido convidada pelo seu professor de Arte para ir a uma exposição no Guggenheim e, por mais entusiasmada que estivesse, estava morta de medo que nós fôssemos contra.

Paige se lembrava. Ela deu um sorriso pesaroso para a mãe.

— Vocês foram.

— Mas só até descobrirmos que a esposa do professor iria junto. Aquele seu professor de Arte era jovem e atraente. Você tinha 16 anos. Não teria sido apropriado você ir com ele sozinho.

Com muito esforço, Paige conseguiu conter o riso histérico que ameaçava transbordar. Se sua mãe tinha achado aquilo inapropriado, ela poderia imaginar qual seria a reação à notícia atu­al. Precisando fazer alguma coisa, ela mordiscou avidamente o biscoito, desejando em seguida que não o tivesse feito, pois seu estômago estava embrulhado.

— O sr. Antone era recém-casado, mãe. Estava apaixonado pela esposa. Só me convidou porque sabia como eu adoraria a exposição. Além do mais, mesmo que a esposa dele não esti­vesse junto, se ele tivesse feito qualquer coisa inapropriada, eu teria sabido como me cuidar. Sabia como andar pela cidade. Teria pegado um táxi até a estação de trem e voltado direto para casa.

A vigilância de Laura estava tão intensa quanto sempre.

— Isso é irrelevante agora. É passado. Só que aquele olhar nos seus olhos o trouxe de volta. É... como se você tivesse algo que estivesse louca para me contar, mas existe aquele... aquele medinho. — Ela colocou a mão sobre a de Paige e a apertou levemente. — Pode me contar, querida. Sou forte. Consigo agüentar. — O leve tom de provocação abrandou seu interrogatório, embora a preocupação em si permanecesse.

Com um leve meio sorriso, Paige olhou para baixo.

— A senhora sempre viu demais. Não é justo, a senhora sabe disso. Toda garota tem direito a alguns segredos.

— Eu conheço você, querida. Isso é mais do que alguns pais podem dizer sobre seus filhos. E eu amava você demais. Ainda amo. — Ela levantou a mão para colocar um cacho escu­ro dos cabelos de Paige atrás da orelha. — É por isso que quero que me diga o que a trouxe aqui com a aparência de quem não consegue segurar nada no estômago, muito menos dormir o suficiente.

Sua escolha de palavras tinha sido puramente por acaso, mas algo no que disse fez com que ela parasse de repente. Ela olhou para o biscoito comido pela metade sobre o pires e novamente para o rosto da filha.

— Acertou — murmurou Paige.

— Você está... grávida?

Apesar da ansiedade que Paige sentiu ao prever a reação de sua mãe, ela não conseguiu conter o leve sorriso que irrompeu em seus lábios.

— Estou.

Os olhos de Laura se arregalaram.

— Grávida?

— Como quem vai ter um bebê. Parece que sim.

Laura endireitou o corpo.

— Não pode estar falando sério, Paige. O que quero dizer — ela começou a engasgar — é que você não é casada.

— Sei disso.

— E está grávida. — Como se quisesse negar, ela balançou a cabeça. Nem um fio de cabelo se moveu. — Pensei que sua geração fosse especialista em não deixar que esse tipo de coisa acontecesse.

— Somos. As técnicas estão todas aí e são muito eficazes. — Ela deu um sorriso afetado. — É quando não as usamos que coisas esquisitas como enjôos matinais aparecem.

— Isso não é hora para ser insolente, Paige — sua mãe a re­preendeu. — Você é uma mulher inteligente. Eu achava que você agia de modo sensato.

— Agi. — Não havia um resquício sequer de insolência em seu sóbrio tom de voz. — Decidi ter um filho.

— Você decidiu? Como poderia fazer isso sozinha? — Ela balançou a cabeça mais lentamente dessa vez. — Acho que não pensou nisso com o devido cuidado.

— Mãe, mesmo se isso fosse verdade, o que não é, não é a questão. A questão é que estou grávida. É um fato. — Ela suspirou e baixou a voz. — Não consigo acreditar que esteja sugerindo que eu reverta a situação.

— Pelo amor de Deus, não! — exclamou Laura, enquanto sua palidez ficava mais marcada. — Não pode matar essa criança. Ela é sua.

Paige sorriu.

— Sim, ela é minha.

— E você a quer, não é?

— Mais do que tudo. Quando penso nela crescendo a cada dia, fico tonta.

— E vomita — Laura se interpôs de modo irônico.

— A médica diz que o enjôo matinal é um bom sinal. Além do mais, vai passar. A senhora deveria saber disso. Teve quatro filhos.

— E um marido. Paige suspirou.

— As coisas não podem ser sempre perfeitas. Tive bastante sorte até agora. Tenho uma carreira, uma casa e bastante amor para dar a uma criança. — Os olhos dela suavizaram de forma quase suplicante. — Realmente quero o bebê, mamãe. É meu. Meu... — a voz dela engasgou — e de Jesse.

— Jesse foi embora — declarou Laura desnecessariamente. — Ele sabe?

— Não.

— Mas você vai contar para ele, não vai? Sem dúvida, ele se casaria com você...

— Não, não vou contar para ele. Não sei dele desde o dia em que partiu. Fui eu que quis o bebê. Nunca discuti o assunto com ele. E não pretendo ligar para ele com expectativas injustas, muito menos de casamento. Não quero nada dele. Não preciso de nada dele... — A voz dela baixou, junto com seu olhar. — Pelo menos não o que se refere ao bebê.

— Mas, Paige... — A cabeça de Laura girou rapidamente ao ouvir uma buzina, e sua expressão ficou preocupada. — Ai, meu Deus, deve ser seu pai. — Ela olhou novamente para Paige de onde estava. — Conversaremos mais sobre isso depois.

Paige agarrou sua mão quando ela se encaminhou à porta. Seus olhos estavam arregalados, sua voz, rápida e premente:

— Não conte ao papai. Ainda não. Não quero que ele se cha­teie antes da festa.

— Ele deveria saber — disse Laura com o tom de leve repre­ensão que usava quando achava que sua filha deveria saber que as coisas não eram daquele jeito.

— Ele vai saber — continuou Paige com a mesma premência — Contarei quando as coisas tiverem se acalmado, no domingo. Por favor, mamãe.

Os lábios de Laura ficaram pálidos enquanto ela refletia so­bre aquilo por um minuto.

— Acho que pode esperar. Não quero chateá-lo também. Tudo bem, será nosso segredo até depois da festa. Mas você terá que lhe contar então. Quanto mais demorar, mais magoado ele ficará.

Implícito nas suas palavras estava o fato de que ela sabia que ele ficaria magoado de qualquer maneira, e Paige se sentia um pouquinho culpada por ter feito alguma coisa para decepcioná--lo. Depois, se controlou. Era adulta e tinha tomado uma decisão consciente, sabendo o que esperar, sentindo-se confiante de que podia lidar com as conseqüências. Culpa era a última coisa que ela deveria sentir, especialmente quando, naquele momento, se sentia levemente enjoada.

Ela conseguiu dar um sorriso fraco e assentiu com a cabeça. Laura ficou olhando para ela por mais um minuto e, depois, aper­tando seu ombro, saiu para dar boas-vindas à tropa que chegava.

Paige precisou de vários minutos para se equilibrar antes de seguir atrás dela.

A reunião foi alegre, ficando ainda mais quando Jason e sua família retornaram do clube, e novamente na manhã seguinte, quando Michael e companhia chegaram. Desse ponto em dian­te, a casa virou um turbilhão perpétuo. Paige se envolveu com as festividades e estava verdadeiramente feliz, apesar dos ocasio­nais olhares preocupados lançados na sua direção por sua mãe. Se ela se sentiu enjoada de vez em quando, a excitação desviou sua mente do desconforto. Tomou cuidado com o que comeu, deter­minada a respeitar seu estômago e evitar o que tinha certeza que causaria repercussões constrangedoras.

Seu pai estava tão emocionado por vê-la que não percebeu aquelas coisas que sua mãe tinha notado desde o começo. Com os filhos e netos reunidos à sua volta, ele estava em estado de glória. Com a chegada de uma multidão de amigos e companheiros de negócios, no sábado à noite, ele ficou esfuziante. Paige partilhou de sua excitação com orgulho próprio. A entusiástica reunião era prova da afabilidade de seu pai e do alto grau de respeito em que era tido.

Em todos os aspectos, a festa foi um estrondoso sucesso. Os fornecedores foram embora à meia-noite, os músicos, à 1h. Eram quase 2h da manhã quando o último dos convidados partiu, qua­se 3h quando os próprios Mattheson finalmente foram para a cama. E era quase meio-dia de domingo quando Laura entrou de mansinho no quarto de Paige, sentou-se na beira da cama e balançou suavemente o ombro de sua filha, que dormia.

— Paige? — sussurrou ela, e elevou a voz um pouco. — Que­rida, é quase meio-dia. — Quando Paige virou a cabeça no tra­vesseiro e suspirou, obviamente ainda dormindo, Laura balançou seu ombro de novo. — Hora de levantar, Paige. Paige?

Abrindo primeiro um olho e, depois, o outro, Paige franziu o cenho e olhou atordoada pelo quarto.

— Mãe — ela finalmente conseguiu dizer, com a garganta seca. Ela gemeu e se virou de lado, puxando firmemente os joe­lhos para cima. — Que horas são?

— Quase meio-dia — Laura repetiu pacientemente. — É me­lhor você levantar logo ou vai perder o brunch completamente.

Paige forçou para abrir mais as pálpebras.

— Brunch? — Gemendo de novo, ela envolveu o abdômen com os braços. Até mesmo a palavra era repugnante. — Como alguém pode pensar em comer depois da noite passada?

Laura sorriu.

— As crianças pediram café da manhã às 8h. Este será o al­moço delas.

— Café da manhã... almoço... como pode fazer isso comigo, mãe?

O sorriso de Laura desapareceu.

— Não está se sentindo bem?

— Não, não, estou bem. Apenas cansada. Que tal se eu dor­mir um pouco mais e me juntar a vocês depois?

— Os meninos vão partir logo. Pensei que quisesse vê-los. Ela desenrolou o corpo e se forçou a ficar sentada. Com o polegar e o indicador, ela tirou os cabelos da testa. Seu estômago revirou; ela engoliu para conter a bílis que subia.

— A senhora está certa. Vou tomar uma ducha e me vestir. Usando o ombro da mãe como alavanca, ela se levantou e entrou aos tropeções no banheiro a tempo de se livrar do pouco da comida que tinha restado da noite no seu estômago. Ela esta­va ofegante, apoiando-se tremulamente sobre o lavatório quando outra mão, mais firme, passou pela sua cintura e ainda outra reti­rou os cabelos do seu rosto.

— Melhor?

Paige apenas conseguiu balançar a cabeça afirmativamente entre suspiros cada vez mais profundos. Ela endireitou o corpo lentamente e cobriu a mão de sua mãe.

— Obrigada.

— Não me agradeça. Eu só gostaria que houvesse alguma coi­sa que eu pudesse fazer por você.

Inclinando-se sobre a pia, Paige jogou água no rosto e boche­chou, secando-se em seguida com a toalha que Laura ofereceu.

— A senhora está aqui, mamãe. Isso basta.

A expressão de Laura era impenetrável, pelo menos para Paige, que ainda se sentia trêmula.

— Vai ficar bem agora?

Equilibrando-se na pia, Paige fez que sim com a cabeça e sorriu como se quisesse comprovar. Seu sorriso devia ter deixado a desejar, já que Laura pareceu longe de estar convencida, mas, quando um distante "Vovó!" ecoou do corredor, seus olhos se arregalaram.

— Opa. É melhor eu pegar Melissa antes que ela entre sem pedir licença. Vai conseguir entrar no chuveiro sozinha?

— Sim, vou conseguir entrar no chuveiro sozinha.

— Tem certeza?

— Mamãe...

— Tudo bem, Paige. Estou indo. — Ela caminhou em direção à porta, balançando a cabeça, claramente desanimada. — Estou indo.

Finalmente sozinha, Paige apoiou as mãos no quadril e deixou pender a cabeça. Ela suspeitara de que não seria fácil, mas uma pequena parte dela havia ousado esperar que sua mãe partilhasse de seu entusiasmo. Laura estava arrasada; isso era óbvio. Paige tinha que acreditar que, com o tempo, ela mudaria de opinião. Talvez seu pai acelerasse ou retardasse o processo; ela só poderia rezar para que fosse a primeira opção. Porque, por mais confian­te que estivesse no caminho que escolhera, ela queria, precisava desesperadamente da aprovação e do apoio daqueles que amava.

No começo da noite de domingo, Paige estava novamente so­zinha em casa com sua mãe. Seu pai tinha ido levar o último de seus irmãos ao aeroporto, deixando um silêncio difuso em con­traste com o intenso barulho e movimentação que haviam predo­minado tão pouco tempo antes.

Por mais que Paige gostasse de ver seus irmãos e suas famílias, e tivesse querido que eles pudessem ficar mais tempo, ela estava exausta. Minutos depois de sua partida, ela adormeceu no sofá do gabinete de leitura, levantando apenas para ir, aos tropeções, para a cama, por causa do pedido de sua mãe, permanecendo lá no mais profundo sono pelo resto da noite.

De manhã, ela se sentia decididamente renovada. O sol estava brilhando num magnífico dia de outono. Usando jeans e um suéter, Paige preparou uma fatia de torrada, serviu-se de um copo de suco e os levou para a área coberta pela sombra do salgueiro que sempre fora seu local favorito no quintal. Deslizando o corpo pelo tronco da árvore, ela começou a mordiscar a torrada. No alto, a brisa murmurava através dos galhos graciosamente chorosos. Ela olhou para sua cobertura verde-claro, respirou fundo e sorriu. O sorriso, porém, congelou quando o som de passos anunciou a aproximação de seu pai. Os olhos dela colidiram com os dele, e ela mordeu o lábio inferior, permitindo que ele se soltasse lentamente do espaço entre seus dentes.

Phillip Mattheson parou a alguns centímetros dela, sem que seu olhar abandonasse o rosto da filha uma única vez. Ele era um homem bonito, com seu vistoso cabelo grisalho elegantemente penteado e sua pele bronzeada e castigada pelo tempo devido às horas no campo de golfe. A calça informal e a jaqueta que usava faziam justiça à sua compleição ainda robusta. Apenas sua boca, disposta numa linha reta, e seus olhos escuros e sombrios indica­vam sua preocupação.

Paige, silenciosamente, retribuiu o olhar, sem se dar conta de que o seu próprio estava cheio de medo. Mas Phillip o viu e amo­leceu. Deu outro passo à frente e se sentou sobre os calcanhares ao seu lado.

— Como está se sentindo? — perguntou ele baixinho.

— Bem. — Ela esperou cautelosamente que ele dissesse algo. Quando não disse nada, mas baixou o olhar até sua barriga, depois, para a grama, ela soube. — Mamãe contou, não foi? — Ele assentiu com a cabeça, com os olhos ainda desviados, e ela prosseguiu. — Eu pedi que ela não contasse. Eu mesma queria contar.

— Quando cheguei em casa ontem à noite, fiquei preocupado ao descobrir que você já tinha ido para a cama. Ela também ficou preocupada. Acho que ela apenas precisava dividir a preocupação.

Os olhos dele se levantaram em direção ao assunto da con­versa. Laura estava atravessando o quintal, carregando duas ca­necas de café.

— Não precisa se preocupar — declarou Paige quando sua mãe veio entregar uma das canecas para Phillip.

Laura, realmente, parecia mais relaxada, como se estivesse aliviada de um grande peso. Paige não conseguiu encontrar em seu coração motivo para ter raiva. Na verdade, tinha inveja de um relacionamento tão íntimo após todos aqueles anos.

— Café, querida? — Laura estendeu a segunda caneca. Quan­do Paige fez uma leve careta de repugnância, Laura sorriu. — Achei que não. — Levando a caneca aos lábios, ela falou junto à borda. — Eu nunca consegui beber café quando estava grávida.

Ela deu um gole.

Grávida. A palavra ecoou alto. Paige lançou um olhar des­confiado para o pai e o viu franzir o cenho para o café. Ela buscou uma distração, mas não conseguia suportar a idéia de suco de la­ranja nem torrada. Passando os dedos pela grama, ela comprimiu a palma contra o solo.

— Desculpe-me se os aborreci — murmurou. — Gostaria de ter feito as coisas da maneira que talvez vocês quisessem, mas não foi assim.

— Por que não? — perguntou seu pai. — Pelo que sua mãe disse, você amava esse... Jesse.

— Amava... amo. Mas um amor unilateral não pode cons­truir um casamento.

— Ele não amava você? Paige puxou o copo.

— Não sei.

Laura se sentou no chão.

— Como pode não saber uma coisa dessas? Ou existe... ou não.

— Não acho que seja tão simples assim — respondeu Paige, expressando os pensamentos que passara os últimos dois meses organizando. — Jesse pode ter me amado de uma forma, mas não conseguia lidar com o conceito de amor. — Ela levantou os olhos suplicantes e encontrou os do pai. — Ele é um homem muito es­pecial, muito sensível, a seu modo. Mas ele não cresceu como nós. Sua mãe se ressentia de sua existência. Seu pai era ausente. Ele foi educado na escola dos golpes duros e está convencido de que esta é a única maneira como pode viver. — Ela suspirou e prosse­guiu, com orgulho: — Ele é muito talentoso, um editor de filmes bem-sucedido.

— Sua mãe me disse. Quanto tempo ele ficou em Marblehead?

— Seis semanas. — Ela previu a reação de seu pai e procurou cortar o mal pela raiz. — Mas não foi um aproveitador. Durante o tempo em que ficou lá, eu não abri minha carteira uma única vez. Ele pagou a comida, os restaurantes, o cinema. Consertou inúmeras coisas que precisavam de reparos na casa, mais uma vez, por conta dele.

— Foi generoso da parte dele — resmungou Phillip, passando da posição de cócoras para o chão, esticando as pernas, cruzando-as nos calcanhares.

Paige sabia que ele estava menos relaxado do que parecia, mas sua principal preocupação estava em defender Jesse.

— Realmente, foi generosidade. Ele não precisava fazer aque­las coisas. Eu estava disposta a deixá-lo ficar, como meu convi­dado. Ele precisava de férias, e eu pensei que minha casa seria o local perfeito. Mas ele deixou claro no começo que pretendia fazer sua parte.

Phillip não parecia impressionado.

— Fazer sua parte, é? Parece que ele a impingiu a você.

— O bebê foi idéia minha, papai. — Ela disparou um olhar para sua mãe. — Eu lhe disse isso. — Quando ela olhou nova­mente para o pai, ele tinha uma expressão crítica. — Decidi sozi­nha que queria essa criança. Sabia que Jesse iria embora. Também sabia que, se tivesse sugerido algo assim, ele teria arrumado as malas e partido naquele exato momento. Então, não o culpe por eu estar grávida. Se alguém tem culpa, sou eu. Se ele descobrisse, provavelmente ficaria tão furioso quanto vocês.

Phillip esticou o braço e apertou o ombro dela de um jeito que deu a Paige sua primeira sensação de consolo.

— Não estou furioso, querida. Estou preocupado. Tem algu­ma idéia do que vai enfrentar? Criar um filho, atualmente, já é di­fícil o bastante em circunstâncias normais. Você está começando com uma nítida desvantagem.

— Pensei em tudo isso, papai, e acho que não será tão ruim. Tenho uma carreira sólida. Na verdade, uma carreira ideal para uma mãe solteira. Trabalho em casa, então, posso organizar mi­nha vida de acordo com a de um filho. Ganho bem...

— Dinheiro não é problema — interrompeu seu pai agitando a mão numa indicação da falta de importância da questão. — Nós ajudaremos você. Você sabe disso.

— Eu realmente sei disso, e é um consolo, mas não preciso. Posso facilmente sustentar meu filho e a mim mesma com o que ganho. Além do mais, vocês já fizeram tanto! Graças a vocês, te­nho ações de primeira linha, participação em vários empreendi­mentos imobiliários, além de um bom fundo fiduciário que posso utilizar em caso de emergência. Tenho uma casa grande e bonita cujo valor apenas aumenta. Vivo numa área segura. Meus vizi­nhos são ricos e têm boa reputação...

— Mas você estará sozinha. — Dessa vez, foi Laura que inter­rompeu. — O aspecto material da educação da criança é apenas uma parte. E a parte emocional? Como explicará para seu filho que ele não tem pai?

Paige respondeu com a mesma tranqüila deliberação:

— Existem lares demais com apenas um dos pais hoje em dia para que isso seja um problema. Com a taxa de divórcio como está, haverá várias outras crianças em circunstâncias semelhan­tes. Quanto ao que vou dizer ao meu filho quando ele tiver idade suficiente para saber, será a verdade: que amei muito o pai dele, que é um homem especial que o teria amado profundamente se estivesse presente.

— Acredita honestamente nisso? — perguntou Phillip de modo cético. — Pelo que você disse, o sujeito não queria ter filhos.

Paige baixou os olhos.

— Era o que ele dizia, mas eu o vi com crianças, e ele é mara­vilhoso. Acho que é a responsabilidade que ele teme, a responsa­bilidade emocional. Ele vê o mundo como um lugar terrível e não quer trazer um filho para esse mundo. Talvez esteja tentando se poupar de algum tipo de dor.

— Como você pode ser tão... tão clemente? — perguntou Laura com a voz entrecortada.

— Clemente, não, mamãe. Não existe nada a perdoar. Jesse falou honestamente sobre seus sentimentos quando nos conhe­cemos. Foi franco desde o começo. Eu é que fui um pouco de­sonesta ao deixar que ele acreditasse que estava usando méto­do contraceptivo. Não, perdoar não é a palavra. Aceitar, talvez. Mas, por outro lado, vocês dois me ensinaram isso. Posso ape­nas fazer o possível. É o que vocês sempre disseram. Não posso bater a cabeça contra a parede se o meu melhor não está perfeito. Tenho que me resignar, aceitar os fatos como são e me orgulhar do que fiz.

A voz dela suavizou, assumindo um tom de súplica.

— É o que quero de vocês agora. Aceitação. Os fatos são — ela levantou um dos dedos — que estou grávida e — levantou um se­gundo dedo — que estou muito feliz com isso. Quero que fiquem satisfeitos também. — Ela olhou de Phillip para Laura, e nova­mente para Phillip. — Quero saber que estarão presentes para partilhar da minha empolgação quando o bebê nascer, que meu filho terá avós que o amam tanto quanto eu. — Sua mão desceu até a barriga num ato instintivamente possessivo. — Porque amo este filho e vou tê-lo e criá-lo, e nada, nada neste mundo pode mudar esses fatos.

Antes que ela pudesse respirar, seu pai a tinha puxado para seus braços.

— Nós não iríamos querer mudá-los, querida — murmurou ele com a voz rouca, dando-lhe um abraço forte. — Temos orgu­lho de você. Sempre tivemos. Sempre teremos.

Paige sentiu os olhos se encherem de lágrimas e comprimiu o rosto no ombro acolhedor dele.

— Obrigada, papai — sussurrou ela. — Precisava disso.

Quando ela finalmente levantou a cabeça foi para procurar sua mãe. Uma metade não era suficiente; ela precisava das duas.

Os olhos de Laura estavam tão úmidos quanto os de Paige, mas seus lábios se curvaram numa tentativa de sorrir.

— Concordo plenamente com seu pai, querida. — Ela incli­nou o queixo para cima. — E, se as senhoras do meu clube de bridge ficarem chocadas, eu as mandarei...

Por mais rebelde que ela tenha se sentido de repente, as pala­vras grosseiras na ponta da língua não conseguiram passar pelos lábios. Ela corou, depois, riu e se inclinou à frente para abraçar Paige. Quando finalmente se afastou, foi para olhar para o rosto da filha com carinho.

— Você sempre foi determinada, Paige. Tenho orgulho disso também. Tenho certeza de que você dará uma mãe maravilhosa. — Para conter a vontade de chorar, ela se fez repentinamente de durona. — Se você quiser alcançar isso, tem que se cuidar, queri­da. Melhor ainda — os seus olhos se iluminaram —, eu tomarei conta de você. Que tal eu voltar com você? Ficarei apenas uma semana, mais ou menos. Posso cozinhar, limpar e segurar sua ca­beça quando você vomitar...

— Mãe! — Paige riu, sentindo-se incrivelmente alegre. — Acredito que isso esteja além do seu dever.

Mas Laura simplesmente endireitou os ombros.

— Fiz ontem e farei novamente. Nada está além do dever quando se refere àqueles que se ama.

Nos dias que se seguiram, Laura cumpriu o que dissera. Embora permitisse que Paige esculpisse, ela não admitiu que ela fizesse qualquer outro trabalho. Para uma mulher que sempre tivera empregada, Laura sentia um prazer surpreendente em cui­dar de todas as necessidades da casa de Paige. Limpou de forma enérgica e cozinhou com habilidade, estocando o freezer com tanta comida que Paige não teria que fazer muita coisa além de ligar o forno de micro-ondas durante os próximos meses.

Embora Paige não estivesse acostumada a tamanha papari-cação, achou que o descanso havia sido benéfico. Se a melhora tinha a ver com o cuidado de sua mãe ou com o fato de os três primeiros meses críticos de gravidez terem passado, ela não sabia. Mas, quando Laura foi embora, Paige estava se sentindo muito melhor do que em várias semanas. Foi bom, porque, mais uma vez, ela estava sozinha.

 

Nas semanas que se seguiram, Paige continuou a ficar física e emocionalmente mais forte. Sem dúvida, ela sentia falta de Jesse, mas tinha aceitado sua ausência e estava redirecionando sua energia para a preparação do nascimento do filho deles.

O filho deles. Ela pensava na criança desse modo. Ficava emocionada por saber que era o filho de Jesse na barriga dela, que ela sempre teria aquela pequena parte dele. Ah, sim, ela sabia que os psicólogos diriam que ela estava amando a criança em vez do homem, mas eles estavam errados. Não havia nada "no lugar de" quanto ao amor que sentia pelo bebê não nascido. Era mais uma questão de "além de". O filho teria seu próprio amor e, depois, um pouco mais.

Ao final do quarto mês, ela estava cheia de energia e escul­pindo loucamente, determinada a suprir as galerias com trabalho suficiente para manter os proprietários satisfeitos durante o perí­odo do nascimento do bebê, quando ela não pretendia trabalhar. Ela, finalmente, contara a Marjory sobre a gravidez, e sorria toda vez em que se lembrava da conversa.

— Você está o quê?

— Estou grávida.

— Deve estar brincando.

— Não.

— Grávida? Não acredito. Paige sorriu.

— É verdade.

— O que é isso, a segunda vinda? Ora, querida. Concepção imaculada não é algo para mortais.

— Não é uma concepção imaculada.

— Então, você está me escondendo algo. Quem é ele?

Por motivos que ela não compreendera no momento, Paige jamais mencionara a presença de Jesse quando Marjory ligava. Agora, ela percebia que havia uma parte dela que desejara que fosse um segredo, outra parte que tinha temido um pouco a ine­vitável provocação de Marjory.

Agora, havia uma razão completamente diferente pela qual ela não contaria a Marjory sobre Jesse. Embora confiasse nela, não queria sobrecarregá-la com o fardo do sigilo. Era um mundo pequeno. A notícia se espalharia muito facilmente. A última coisa que Paige queria era que Jesse soubesse por outras pessoas que seria pai.

— Quem ele é é irrelevante — respondeu Paige gentilmente. — Ele esteve aqui por um tempo, e eu o amei, mas, agora, ele se foi. Eu quis o bebê. Ele não sabe nada a respeito.

Houve um silêncio longo e atípico por parte de Marjory. Quan­do ela finalmente falou foi sobre a recuperação da insensibilidade.

— Você é realmente notável, Paige Mattheson. A fria e desa­paixonada Paige Mattheson. A mulher gélida? — Ela quase en­gasgou de satisfação. — Ainda não consigo acreditar! — Mas ela estava entusiasmada, e Paige estava satisfeita. — Se algum dia eu tivesse esperado ouvir algo estarrecedor a seu respeito, não teria sido isso! Um bebê... meu Deus! Isso é fantástico! Você é cheia de surpresas! — Ela deu um risinho. — Para o seu bem, espero que as estrelas não convirjam na noite do nascimento. Ninguém acreditará em você então!

Paige riu com ela, mas a conversa teve uma importância mui­to mais profunda. Na verdade, o fato da sua gravidez desmentia a imagem da mulher gélida. Haveria aqueles que iriam ficar choca­dos. Mas Paige estava orgulhosa, orgulhosa de estar grávida, or­gulhosa de ter feito algo que queria fazer. Pelos olhos de Marjory, ela havia vislumbrado uma nova imagem de si. A fria e controlada escultora de pedra seria mãe.

Jesse Dallas, claro, não sabia nada disso. Ele só sabia, enquan­to pisava no acelerador, que tinha que ver Paige. Durante quatro meses, ele trabalhara até o limite, rezando para que, um dia, acor­dasse sem a imagem dela diante dos olhos.

Não acontecera. Quando trabalhara ainda mais arduamente, ele só conseguira ver aquela imagem através de uma enxaqueca. A enxaqueca passara; a imagem, não. Mais de uma vez, em deses­pero, ele discara um número de seu caderninho preto. As conse­qüências haviam sido constrangedoras. Ele, finalmente, desistira dessa potencial distração, temendo por sua reputação, se não pela sua sanidade.

Concluíra que era de exorcismo que precisava. Ele pegaria o carro para ver Paige, seria o ser arrogante de sempre, provocaria o que certamente seria raiva por parte dela, afinal de contas, ele não tinha sequer lhe enviado um cartão nos meses em que estivera longe, e, depois, retornaria para Nova York. Ele terminaria tudo com ela. Ah, Senhor, o que ele daria pela liberdade mais uma vez!

Saiu da autoestrada e entrou nas ruas locais das quais se lem­brava tão bem. As árvores estavam sem folhas agora, como determinava o frio de novembro. Embora a neve ainda não tivesse chegado, havia a promessa no ar. Ele iria esquiar, talvez nos Al­pes; ousaria até mesmo, com a imagem de Paige banida de uma vez por todas, arrumar uma coelhinha quente e carinhosa para o prazer noturno.

Os pensamentos sobre coelhinhas saíram de sua mente no instante em que entrou na estrada que serpenteava ao longo da costa. Havia uma beleza árida no mar de inverno com sua tonali­dade de ardósia e as ondas se erguendo na arrebentação. O rugido das ondas encobria o barulho do seu carro, e ele se sentiu repen­tinamente ameaçado. Gostava daquele lugar. Mesmo no inverno, era atraente. Ele queria que fosse um dia chuvoso, frio e proibiti­vo. Mas não era. E ele estava ali. Entrou na pista da garagem de Paige e parou o carro.

A casa parecia exatamente a mesma, misturando-se com a paisagem de inverno tão confortavelmente quanto tinha se des­tacado de modo refrescante no calor do verão. Tentando ignorar a empolgação que corria pelas suas veias, ele enfiou as chaves no bolso da jaqueta, levantou o colarinho e caminhou em direção à casa. Enfiando as mãos nos bolsos para se aquecer, aproximou-se da porta. Por impulso, retirou as chaves, manuseou-as, escolhen­do a que encaixasse na fechadura de Paige. Ele não a tinha devol­vido. Ela teria mudado as fechaduras?

Não. A chave entrou sem dificuldade. Ele a girou, abriu a porta lentamente e olhou do lado de dentro. A serenidade do lugar o envolveu de imediato. Mesmo quando tentou negar seu domínio, ele foi atraído para dentro. Fechando a porta sem fazer barulho, tal como a abrira, ele se virou. A mesma. Era exatamen­te a mesma.

Não se podia ver Paige. Ele percorreu o corredor em direção ao quarto, depois, se virou e seguiu para a outra ala, percebendoque ela muito provavelmente esta ria no estúdio. Ele a surpreende­ria. Talvez a assustasse bastante. Ela deveria ter trocado a fecha­dura. Os homens eram seres irresponsáveis.

Como sempre, a porta do estúdio estava aberta. Jesse dimi­nuiu o passo ao se aproximar, caminhando sorrateiramente, um pouco hesitante. Era como se ele se aproximasse da barreira quase invisível que encontrara quando estivera ali pela primeira vez. E tal como se sentira naquele momento, ele, agora, sentia que estava invadindo. Era insensível de sua parte voltar daquele modo, mas tinha de fazê-lo. Não havia escolha.

Dando os últimos passos com uma determinação tranqüila, ele parou na soleira e, sem poder fazer mais nada, prendeu a res­piração. Ela estava lá, com a cabeça curvada sobre um pedaço de pedra no colo. Ele não viu mais nada além dela. Usando um blusão de moletom grande demais que continha marcas de poeira, um jeans justo nas coxas e nas panturrilhas, ela estava profun­damente concentrada, passando uma fita abrasiva para a frente e para trás na pedra. Não estava usando máscara dessa vez, então, seus cabelos caíam livremente, criando um escudo tremeluzente que escondia dele seus traços.

Ele deu um passo para dentro do aposento, depois, outro. Seus olhos não abandonaram a cabeça curvada dela. Ele entrou mais, lentamente, quase sem fazer barulho. Quase. Mas o piso sob seus pés não foi tão piedoso quanto o carpete externo tinha sido. Ele não havia cruzado mais que metade da distância entre eles quando o salto do seu sapato arranhou o chão.

Paige levantou a cabeça imediatamente. Tinha os olhos ar­regalados em sinal de alerta. Seus lábios se abriram como se ela fosse gritar, mas não saiu som. Ela o fitou, piscou, e o fitou no­vamente. A cor desapareceu de seu rosto. Ela baixou a cabeça, fechou bem os olhos, esfregou o cavalete do nariz, e levantou os olhos novamente, dessa vez, não tanto de medo quanto de incredulidade.

— Jesse? — murmurou ela.

Ele não conseguiu fazer nada mais que balançar a cabeça afirmativamente. Suas cordas vocais pareciam emperradas.

— Você está... aqui? — Ainda aquele sussurro incrédulo. Mais uma vez, ele assentiu.

Os olhos dela se arregalaram ainda mais, e ela engoliu em seco uma vez. Em seguida, numa explosão concisa de movimento, ela pulou do banco para os os braços dele. A pedra que ela estava alisando caiu ao chão sem que eles percebessem, bem como os sacos de areia sobre os quais ela repousava e a grande esteira de estopa.

Jesse não se deu conta de que tinha esticado os braços até que eles a agarraram, envolveram sua silhueta esguia e a levantaram do chão. Pela primeira vez em vários meses, ele se sentia feliz. Fechou os olhos, comprimiu o rosto no cabelo dela e a abraçou tão firmemente que suas mãos se entrecruzaram em suas costas e agarraram os lados opostos de sua cintura. Ele não conseguia acreditar como era maravilhosa a sensação de abraçá-la, tão quente e macia, incrivelmente viva. Não pôde nem mesmo fazer objeção ao seu abraço, que quase o sufocou. Fez com que ele se sentisse... desejado.

— Jesse? — murmurou ela mais uma vez, soltando seu pes­coço e se afastando para que pudesse ver seu rosto. Com grande relutância, ele afrouxou os braços, mas não a largou.

— Sou eu. — Ele deu um sorriso irônico. — Em carne e osso. Ela não captou sua tentativa de ser engraçado.

— Não consigo acreditar! Ah, Jesse! — Os braços dela envol­veram o pescoço dele mais uma vez, apertando com firmeza, com sua respiração tremendo junto ao ouvido dele. — Não consigo acreditar! Pensei que nunca mais o veria!

— Ora, eu alguma vez disse isso?

Foi como se ela não ouvisse sua fala arrastada.

— Meu Deus, que bom vê-lo! — Ela se afastou novamente. — Deixe-me olhar para você.

Ele estava gostando de cada pedacinho de sua empolgação.

— Achei que era o que estava fazendo um segundo atrás. Despreocupadamente, ela baixou os olhos e olhou seu corpo inteiro.

— Você parece tão grande — murmurou ela num estado de quase reverência.

— É a jaqueta. — De camurça, com um grosso forro de pele de carneiro, a jaqueta podia ter realmente aumentado seu tama­nho. Ela afastou para trás a mecha de cabelo ruivo que tinha caído em sua testa e franziu o cenho.

— Você parece cansado. Tem trabalhado demais? Os lábios dele se contraíram.

— Pode-se dizer que sim.

— Terminou o filme?

— Aquele e um segundo. — Ele parou, observando atenta­mente sua reação. Ela teve de perceber que ele tinha tirado pelo menos alguns dias de folga entre os dois. — Sou um canalha. Não liguei, nem escrevi. Quatro meses se passaram e, agora, te­nho a audácia de aparecer em sua casa. Vamos, diga que sou um desgraçado.

Para sua surpresa, ela apenas sorriu.

— Em tempo. Meu Deus, você está com uma aparência mara­vilhosa, com olhos arriados e tudo!

Ela o abraçou mais uma vez, e, por um instante, Jesse pensou que gostaria de ficar daquele jeito para sempre, com ela agarrada a ele como se ele realmente fosse importante. Ele sabia que era ilusão, e se perguntou por que, de repente, se tornara propenso a tal fantasia, mas outros pensamentos estavam começando a in­terferir; coisas como a sensação dos seios firmes e volumosos dela junto ao seu corpo, como o quadril dela ficava atraente sob suas mãos que agora vagavam, como todo o corpo dela se encaixava perfeitamente com o dele. Ele colocou a ilusão de lado para se concentrar num impulso muito genuíno e primitivo.

— Preciso de você, Paige — disse ele junto ao seu ouvido. — Pode não acreditar nisso, mas não consegui fazer amor com outra mulher desde que parti.

— Isso é uma confissão e tanto.

— É verdade. Eu tentei. Acredite, tentei. Mas não adiantou. Você me arruinou.

— Devo ter feito isso. Algo está definitivamente errado. Você ainda nem me beijou.

Foi ele que se afastou então, com uma expressão cômica no rosto causada pela surpresa.

— Não?

— Nem... uma vezinha.

O olhar dele se direcionou aos lábios dela, examinando-os de modo quase hipnótico. Com os dedos tremendo, ele deslizou as mãos para cima para envolver seu rosto, acariciando-a mes­mo enquanto a mantinha imóvel. Depois, ele deu um suspiro trêmulo que se transformou num gemido, e comprimiu os lábios nos dela.

A impetuosidade dele era exatamente do que Paige precisava. Ela não se importava que ele tivesse ligado para outras mulheres antes de voltar para ela. A única coisa que importava era que ele tinha, de fato, voltado.

O beijo que ela deu em retribuição não foi nem um pouco mais suave que o dele. Depois de meses de ânsia, o desejo ardente era mútuo e explosivo. Lábios famintos se inclinaram e se pren­deram. Línguas ávidas lutaram em busca da umidade adocicada mais além. A respiração acalorada deles se misturava, produzindo gemidos prementes. E, todo o tempo, mãos impacientes agarravam ombros, costas e quadris num reconhecimento cheio de gula.

— Ai, meu Deus — Jesse ofegou. — Meu Deus, eu preciso de você.

— Eu também preciso de você — murmurou Paige, agarrando-se tão firmemente ao seu pescoço que seus braços tremeram.

— Vamos.

Ele desenroscou os braços dela do pescoço, tomou sua mão e começou a atravessar o piso de ladrilhos a passos largos. Ela teve que correr para alcançá-lo, pois ele ia à frente rapidamente em direção à outra ala e ao seu quarto. Quando ele a soltou para tirar o casaco, ela correu para o banheiro, surgindo um minuto depois, e descobriu que ele tinha puxado as cobertas e estava nu da cintura para cima.

Ela retirou o jeans enquanto ele se livrava do dele. Sua blusa de moletom estava justamente passando pela cabeça quando as mãos dele encontraram seus seios. O corpo todo dela estremeceu com o desejo crescente de tal modo que ela pensou que explodiria.

— Rápido — ela ofegou, retirando a calcinha, chutando-a para o lado, e agarrando a cintura da cueca dele. Ele largou os seios a fim de ajudá-la. Em segundos, eles estavam tombando no­vamente na cama, nos braços um do outro. O sussurro dela foi rouco e intenso: — Preciso de você! Meu Deus, Jesse. Preciso de você... dentro...!

Ele, então, entrou, preenchendo o vazio que a tinha corroído por tanto tempo. O gemido que veio da garganta dela expressou um doce e precioso sofrimento, que ele expressou do mesmo jeito.

Eles se envolveram num frenesi, exigindo sem compaixão nem vergonha. Era como se nenhum dos dois pudesse se saciar como se as limitações físicas de seus corpos frustrassem o laço emocional entre eles. Se Paige estava enlouquecida com o amor que sentia, Jesse não estava menos excitado no seu desejo de absorvê-la por inteiro. Os corpos deles se chocavam, pegajosos um contra o outro, com os quadris impelindo em sua busca pela unicidade.

Quando ocorreu, foi simultâneo e de parar o coração. A res­piração de Paige ficou presa na garganta; Jesse soltou um grito rouco. Seus corpos arqueados ficaram suspensos, e se estilhaça­ram em espasmos infinitos que os deixaram tremendo.

Passou-se um longo tempo até que um deles falasse, até que um deles conseguisse retomar o fôlego para produzir um gemido que fosse. Paige se sentia como se tivesse ido ao paraíso e voltado. Nunca na sua vida ela havia se sentido tão... abençoada.

— Ahhhh — murmurou Jesse por fim. Ele comprimiu os lá­bios na sua testa, deixou-os lá enquanto respirava de modo trê­mulo, depois, passou um dos braços sob o seu corpo e a trouxe para o lado dele. — Senti falta de você, querida. Droga, senti falta de você.

Ela compreendeu a relutância dele e isso apenas aumentou sua satisfação. O fato de que ele voltara para ela contra a vontade ex­pressava algo sobre a profundidade do sentimento dele. Era verda­de que talvez o sentimento fosse basicamente físico. Mas era algo.

— Senti falta de você também, Jesse.

Ele respirou fundo uma vez, depois, outra, gemeu e virou o corpo na direção do dela.

— Acho que você é uma bruxa. Você me colocou um feitiço cruel.

— Nada de feitiço. — Ela passou a mão pelo seu peito, ado­rando seu calor úmido, adorando como o pelo dourado-escuro fazia cócegas na palma. — Não posso acreditar — sussurrou ela mais uma vez, espantada. Ela levantou a cabeça a fim de lançar um olhar sério para ele. — Continuo pensando que imaginei você. Ele deu um risinho.

— Se acha que era um fantasma dentro de você agora há pou­co, você realmente se descontrolou.

— Não era fantasma?

— Não.

Sorrindo, ela deitou a cabeça na curva do seu ombro, esfre­gando o rosto na pele mais macia ao lado da axila.

— Estou feliz por você estar aqui.

— Eu também estou. — Os olhos dele seguiram a linha do corpo dela, apreciando-o num ritmo mais lento. Sua mão livre foi logo em seguida, aquecendo novamente a carne cansada de Paige. — Seus seios estão tão volumosos. — Ele contornou uma leve veia azul, surpreso por nunca tê-la notado antes, mas, antes que pudesse perguntar, foi distraído pela ereção instintiva do seu mamilo. Ele afundou a cabeça e beijou a protuberância retesada. — Hmmm. Sempre foi bom conosco — murmurou ele. — Sem­pre é. Dou uma olhada em você e, bum, sobe. E você está sempre pronta.

As palavras dele, emitidas num timbre tão rouco, foram tão excitantes para Paige quanto sua proximidade. Ela se arqueou contra o quadril dele, passando a perna entre as dele. Sua própria umidade em contato com a carne dele, com mais textura, era in­falível para excitá-la. Ela passou a sola do pé pela panturrilha dele até o joelho; depois, na direção oposta.

O movimento atraiu os olhos de Jesse para baixo. Ele pas­sou a mão no quadril dela; depois, na barriga. Sua palma a acari­ciou, deslizando sobre a superfície levemente curvada e ao redor. Estranho, a mão dele se lembrava de uma superfície de marfim perfeitamente plana. Aquele pequeno volume era algo novo. Ele franziu o cenho por um instante, se perguntando se ela havia ga­nhado peso. Se estava sofrendo por ele, decerto o oposto deveria ter acontecido, principalmente porque ela não tinha um apetite muito grande.

Passando os olhos pelo seu corpo, ele viu que seus membros estavam esguios e bem-proporcionados, como sempre. Era ape­nas sua barriga... e seus seios...

Um pensamento horrível o assaltou. Mas... aquilo não teria acontecido. Não poderia ter acontecido. Tinha havido aquele úni­co episódio quando ela poderia ter ficado vulnerável, mas sua menstruação viera depois disso. E dali em diante ela estava prote­gida. Não tinha corrido para o banheiro mesmo dia?

O olhar dele disparou até seu rosto. Os olhos dela estavam fe­chados, os lábios, curvados num meio beijo junto aos dele. Quan­do ele tocou seu rosto, ela sorriu e fez um pequeno barulho. Ele passou os dedos por seu pescoço e desceu até o seio, circundando seu volume obscurecido pelas veias até que ela se contorceu con­tra o corpo dele.

Ele abriu a boca para lhe perguntar à queima-roupa, depois, a fechou. Se ele estivesse imaginando algo que não era verdade, se sentiria um idiota. Mas... havia um modo de ele saber. Um modo infalível.

Seu toque ficou mais carinhoso nos seios dela, e ele se abai­xou mais até que sua boca encontrou a dela. O beijo dele foi deliberadamente sedutor, provocando e induzindo até que sua mão deslizou mais para baixo. Ela gemeu e se abriu para ele, beijando-o também, acariciando com prazer seus braços e a musculatura ondulada das suas costas.

Ele esfregou a barriga dela muito suavemente antes de avan­çar devagar mais para baixo. Os dedos dele eram sedosos, se insi­nuando no seu calor como haviam feito com tanta freqüência no passado, provocando as mesmas arfadas suaves de prazer. Mais fundo eles foram, atormentando suas partes mais sensíveis, indo finalmente mais longe, buscando... Então, eles se foram.

Atordoada e em estado de êxtase, Paige não sentiu o enrijecimento do membro de Jesse. Porém, a perda do toque dele a deixou desolada. Ela abriu os olhos para pedir que ele retornasse e encontrou uma fisionomia mal-humorada que foi um balde de água fria no seu ardor.

— Jesse? — perguntou ela, alarmada, com os olhos arregala­dos. — O que é?

— O seu diafragma. Não está aí. Ela engoliu em seco uma vez.

— Eu sei.

— Onde está?

O coração dela estava martelando, mas ela manteve a voz calma.

— No estojo, na caixa de remédios.

— Por que não está em você?

— Eu... não preciso dele.

Enquanto ela observava, ele deslocou o olhar rapidamente para os seus seios e, depois, para a barriga.

— E aquela corridinha no banheiro alguns minutos atrás? Ela deu um suspiro trêmulo.

— Tinha que ir. — A voz dela se tornou um murmúrio quan­do ela confirmou o que ela sabia que ele já tinha imaginado. — É assim comigo agora.

O maxilar dele se flexionou uma vez e, depois, congelou. Os olhos azuis dele endureceram. Suas narinas bufavam. Depois, ele se levantou, apoiando-se no punho, e inclinou a cabeça para trás.

— Droga! — berrou ele. Quando olhou novamente para ela, sua fúria mal se conteve. — Como aconteceu? Como foi que aconteceu?

— Você conhece os fatos da vida — disse ela baixinho.

— Conheço, mas aquela coisa deveria proteger você. Quer di­zer que somos parte da pequena porcentagem para quem ela não funciona?

— Não. Não é o caso.

— Então, o que é, droga? O que é?

Ela não fez nenhuma tentativa de se esquivar do seu olhar.

— Não usei meu diafragma naquela última noite, Jesse. Sim­ples assim.

— Simples... você não usou... — Ele pairou sobre ela, pren­dendo seus ombros contra a cama. Ela se encolheu, mas só porque acreditava verdadeiramente que ele estava com raiva suficiente para bater nela. — O que deu em você para fazer isso? — ele rugiu, enquanto seus dedos afundavam na carne dela.

O lábio inferior dela tremeu, mas seu tom permaneceu firme:

— Decidi que queria um bebê. Sabia que você estava indo embora. Acreditei, na época, que nunca mais o veria.

— Você decidiu. Você decidiu? E eu sou apenas o garanhão idiota no negócio?

— Não foi assim. Era o seu filho que eu queria. Ele soltou os ombros dela de repente.

— Maravilhoso. Você decidiu que queria ter o meu filho, en­tão, tomou conta de tudo. Não teve a coragem de discutir o as­sunto comigo?

Sentindo-se tão nua em face da hostilidade dele quanto real­mente estava, ela levantou com dificuldade e puxou o lençol.

— Sabia quais eram seus sentimentos. Você os deixou muito claros...

— Ah, não — disse ele em voz alta, pegando o lençol de seus dedos. — Não vai se esconder de mim. Se está com meu filho em sua barriga, tenho o direito de ver tudo.

Num arroubo de raiva, ela o enfrentou.

— Direito? Direito? Você não tem direito. Foi você quem foi embora, sem volta, que deixou quatro meses, quatro meses, se passarem sem dar notícia. — Ela esticou a mão. — Você saiu com outras mulheres, você fez Deus sabe lá o quê durante esse tempo, e nem uma única vez ligou para ver se eu estava bem. — Ela sus­pirou de repente. — Não me fale sobre direitos, Jesse Dallas! Você não tem nenhum sobre a minha vida!

No rastro da sua explosão, ele pareceu ganhar algum controle.

— Isso pode ter sido verdade num momento, Paige — decla­rou ele —, mas você está carregando um filho meu agora. Isso muda as coisas um pouco.

— E como é que muda? Você está livre para ir embora agora, para voltar para aquela vida dura da qual se alimenta. Como mi­nha gravidez muda alguma coisa?

— É meu filho... Ela bateu no peito.

— É meu filho também. E, como sou a única que o quer, as­sumo total responsabilidade.

— Aposto que sim — disse ele com rispidez.

— E o que isso quer dizer exatamente?

— Quer dizer que posso imaginar que planos você tem nes­sa sua mente maquiavélica. Quando ia me contar, Paige? Quan­do fosse tarde demais para um aborto? — Ele sentiu um prazer perverso quando ela se encolheu. — Quando estivesse a ponto de dar à luz e precisasse de alguém para segurar sua mão? Ou ia conseguir uma ordem judicial de repente, exigindo pensão alimentícia?

A mão dela se fechou e formou um punho sobre a barriga. Ela tentou acalmar o tremor de seus membros, mas eles se recusaram a obedecer a seu silencioso comando. Reunindo todo o orgulho, ela levantou o queixo:

— Eu não ia contar absolutamente nada a você. No meu modo de ver, isso era problema meu, unicamente meu. Tinha de­cidido que queria conceber, e o fiz. Não consultei você. Não foi sua escolha. — Ela continuou a falar enquanto se levantava repen­tinamente e dava a volta na cama para ficar a seu lado, olhando furiosa para baixo. — Eu sabia exatamente o que estava fazendo e quais seriam as conseqüências.

— Você não sabe nada sobre conseqüências! Você cresceu isolada num casulo suburbano. Você não tem a mínima...

— Não comece com isso — ela interrompeu, pondo-se, frus­trada, de joelhos. — Estou cansada de ouvir falar do mundo cruel lá fora. Sua visão é distorcida. Alguém já lhe disse isso?

— Que se dane o mundo! — Ele apontou o dedo em direção ao chão. — Estou falando da responsabilidade da criação diária de um filho. Como vai esculpir com uma criança berrando? E se não puder esculpir, como vai alimentá-la? E até mesmo se resolver isso, como vai conseguir dar à criança o que ela precisa? Você é uma mulher. Apenas uma mulher. Uma criança precisa de pai também.

— Eu posso ser apenas uma mulher, mas tenho amor sufi­ciente para suprir o que estiver faltando de um pai sem senti­mentos. Tenho dinheiro suficiente caso trabalhe pelos próximos cinco anos ou não, e me recuso a acreditar que não conseguirei trabalhar. Encare os fatos, Jesse. Mães solteiras já têm se virado há anos.

— É, você sabe como elas se viram bem. Você esqueceu que eu cresci num lar assim.

 

— Vou ignorar esse comentário — declarou ela, e caiu num silêncio mortal.

Ele fez uma careta e um gesto amplo.

— Não quis dizer que você se prostituiria. Sei que não faria isso.

— Bem, obrigada.

O sarcasmo dela foi ignorado, pois Jesse continuou a questionar.

— Estou falando sobre ressentimento. Quando estiver no meio de um trabalho dificil e a criança começar a gritar, você vai lamentar. E só vai piorar. Você vai a Nova York para uma expo­sição, e ficará limitada. Quer namorar, tudo bem, até mesmo um namoro inocente, e a babá liga para cancelar no último minuto. Será o inferno.

Paige deu de ombros.

— Talvez tenha sido para sua mãe, mas não será para mim. Porque eu quero esta criança e já a amo. Não entende? Quando se trata desta criança, não me importo com o meu trabalho. Não me importo com Nova York. Não me importo com namoro. E, além do mais, mesmo que eu realmente precisasse me ausentar, meus pais viriam para cá para ficar com a criança num piscar de olhos.

Jesse se endireitou, soltando as mãos que estavam empoleira-das de forma arrogante nos quadris. Ele pareceu repentinamente inseguro.

— Seus pais? Você contou aos seus pais que está grávida?

— Claro. — Ela franziu o cenho. — Achou que eu não contaria?

— Eles ficaram... com raiva?

— Com raiva? Não. Atordoados, talvez, a princípio, e preo­cupados; depois, entusiasmados. Como vê, Jesse, eles me amam. Minha felicidade é a felicidade deles. — Ela suspirou. — Queria que você pudesse tê-los conhecido. No que se refere a pais, eles são bem diferentes de tudo que você conheceu. Eles se importam, se importam de verdade com todos os aspectos da minha vida. Eles me deram força para enfrentar as coisas da vida, que é uma das razões pela qual a perspectiva de criar uma criança sozinha não me apavora. Além disso, sei que posso dar ao meu filho esse mesmo tipo de força, para que ele possa enfrentar qualquer coisa que aparecer.

Jesse ficou olhando para ela.

— Você é louca. Todos vocês.

— Poderíamos dizer o mesmo sobre você — disse ela baixi­nho. — Você não pode sequer imaginar a alegria de segurar uma criança nos braços, ter o pequenino dedo dela enrascado no seu, tê-la agarrada ao pescoço como se não pudesse viver sem você. Não pode imaginar o orgulho que se sente quando nasce o pri­meiro dente, quando a criança dá os primeiros passos, quando diz "Mamãe" pela primeira vez...

— "A criança"... "A criança"... Tem que fazer com que pareça que tem algum tipo de ser neutro aí dentro?

Havia uma petulância na voz dele que fez Paige sorrir.

— O que queria que eu dissesse? Se eu dissesse "ele", eu seria chamada de machista. Se dissesse "ela", poderia estar equivocada.

Não tendo resposta para aquilo, as sobrancelhas de Jesse baixaram.

— E como sabe de todas essas alegrias? Nunca foi mãe, e você era a mais nova da família.

— Eu não disse saber. Eu disse imaginar. Mas tenho sobri­nhos e sobrinhas, e me lembro de quando eles eram pequenos.

— O filho de outra pessoa é diferente. Você pode devolvê-lo quando passa a ser um incômodo.

— Não devolverei este. Eu o quero. Quero ser mãe.

Jesse murmurou algo ininteligível ao se virar para pegar o jeans.

— Sabe, Paige, eu nunca teria esperado isso de você. — A voz dele vacilou com o movimento quando ele vestiu o jeans com raiva. Ele puxou o zíper e ergueu o corpo. — É realmente muito esquisito. Lembra-se daquele dia em que você insistiu para ir ao médico? Disse que não podia confiar em mim.

Ela não havia pensado naquele dia. Agora, sentia uma leve pontada de culpa.

— Estava apenas brincando.

— Bem, tudo correu em seu benefício, não foi?

— Eu não tinha planejado nada naquela época. Tem que acre­ditar nisso, Jesse.

Ele pegou a camisa do chão.

— Quando você começou a planejar esse pequeno fiasco? — Ele olhou de modo feroz. — Uma semana depois? Ou duas? Ou lhe ocorreu quando chegou sua menstruação e você percebeu que aquela primeira vez não tinha sido suficiente?

Ela falou devagar e de forma decidida:

— Não planejei nada até a última noite. Só... me ocorreu quando estava no banheiro.

— Só lhe ocorreu — ele ridicularizou. — Como o segredo da pedra.

— Não! Eu...

— Se o que está dizendo for verdade — ele interrompeu —, não pode ter tido muita chance de pensar em nada!

— Eu sabia que era certo. Chame de intuição ou do que qui­ser, mas todos os sentidos que eu possuía me diziam que era certo.

Com a camisa aberta, ele passou a mão pelo cabelo.

— Intuição. Ah, por favor.

O desdém em sua voz fora refletido pela repulsa em seu rosto. Mas, antes que Paige pudesse falar para se defender, ele tinha se virado e saído do quarto.

Ela ficou sentada, meio atordoada, paralisada pelo que pa­receu uma eternidade antes de pegar as cobertas e puxá-las. Em seguida, enroscando-se sobre a cama, se esforçou para se acal­mar enquanto a reação se manifestava. Ela tremeu sem controle e sentiu frio até nos ossos. Envolver o pescoço com as cobertas não adiantou. Nem a tentativa de concentrar seus pensamentos no bebê, cuja existência significava tanto para ela.

Ela sofria.

A lembrança de como tinha ficado feliz por ver Jesse, do êxtase que havia sido sua união naquela mesma cama, serviu apenas para aumentar a dor interior. O contraste era completo: do êxtase ao inferno. Ela desejou que ele não tivesse voltado, se pelo menos fosse para ser poupada de sua raiva. Certamente, ele iria embora de novo; dessa vez, para sempre, de fato. Ela preferia se lembrar dele da maneira como ele tinha sido da úl­tima vez, amoroso, se ela ousasse dizer isso, a se lembrar dele como o homem duro e insensível que se revelara na sua fúria de momentos antes.

Fechando os olhos para a tristeza que sentia, ela tentou deter­minar o que tinha acontecido. Era um contratempo. Só isso. Ela prosseguiria com seus planos e faria o melhor que pudesse para tirar Jesse de sua mente. Um contratempo, apenas um contratem­po. Porém, de alguma forma, ela sentia que levaria muito tempo para se recuperar.

Tudo se resumia a uma coisa: seu sonho estava despedaçado! Antes, quando Jesse não sabia de nada sobre o bebê e ela o imagi­nava cuidando de sua vida em Nova York, ela conseguira pensar algumas vezes que, se ele tivesse sabido sobre a criança, poderia ter ficado satisfeito. Ah, era ilusão, completamente prejudicial, totalmente inaceitável. Quanto mais cedo Jesse partisse, melhor.

Ela ficou deitada sem se mexer, ouvindo, imaginando onde ele estava. O casaco dele ainda estava na cadeira, então, ele tinha de estar na casa, a menos que tivesse saído no frio apenas com sua raiva para aquecê-lo. Ela não ouvira nenhuma porta bater, mas também não o tinha ouvido entrar. Naquele momento, ela estava absorta em seu trabalho, uma desculpa bastante plausível. Talvez agora ela tivesse ficado surda por causa da tristeza. Ela localizou um mocassim escuro do outro lado do quarto e percebeu que ele não tinha ido longe. Ah, sim, ele voltaria, e ela sentia que haveria mais coisas desagradáveis antes de ele finalmente partir.

Com um suspiro de cansaço, ela se levantou. Se tivesse de lidar com o seu desdém mais uma vez, precisaria de toda a ajuda que pudesse obter. As roupas dela seriam um começo; pelo menos não se sentiria tão vulnerável.

Sentando-se na beira da cama, vestiu cuidadosamente a blusa de moletom. Seus músculos estavam rijos, tensos e cansados, mas ela sabia que eles simplesmente refletiam a dor que irradiava de seu coração. Levantou uma perna, depois, a outra, e vestiu o je­ans. Ficou de pé apenas durante o segundo necessário para passá-lo sobre o quadril e, então, fraca, afundou novamente na cama. Apoiou-se sobre os braços trêmulos, fechou os olhos e mentalizou energia para os seus membros exaustos.

Foi assim que Jesse a encontrou quando voltou ao quarto. Ele parou de repente, absorvendo a postura de cansaço dela, seus olhos fechados, a leitosa palidez de sua pele. Sua reação foi mais lenta, pois os passos dele tinham sido abafados pelo tapete, mas um sexto sentido a alertou que ele havia retornado, e ela abriu os olhos, enrijecendo.

— Você está bem? — perguntou ele de modo sereno.

— Estou.

Ela baixou o olhar, fechou o zíper do jeans, mas, quando se tratou de abotoar a calça, foi posta penosamente à prova: sua po­sição sentada e os dedos moles conspiraram contra ela.

Jesse observou sua falta de jeito com o cenho franzido.

— Deixe aberto. Você só vai sufocar a criança.

— Eu não vou...

Ele interrompeu sua negação.

— Se não pode nem mesmo cuidar do bem-estar do bebê ago­ra, posso imaginar como será depois.

Paige ficou exasperada.

— Eu me saí muito bem até agora, e me sairei bem no futuro.

— Hmm. — Ele procurou as meias e, depois, os sapatos. — Coloque alguma coisa nos pés. Temos algumas coisas a fazer.

— Que coisas? — perguntou ela, cautelosa.

Ele se sentou na cadeira e calçou uma das meias.

— Testes de sangue. Uma licença. Paige sentiu o sangue sumir do rosto.

— Licença? — murmurou ela.

— Isso mesmo. Vamos nos casar.

— O quê?

Ele botou a outra meia e estava colocando os pés nos sapatos.

— Você ouviu o que eu disse. — Ele se levantou e a observou de modo crítico. — Se quiser trocar de roupa, muito bem. De­veria estar usando roupas mais folgadas. Se não comprou rou­pas para o período de maternidade, pararemos para comprá-las também.

— Espere... apenas... um... minuto. — Ela balançou a cabeça, tentando digerir o que ele tinha dito. — Volte um pouquinho. Vamos nos casar?

— Vamos. — Ele ficou de pé, claramente chateado. — Droga, Paige, você está perdendo tempo...

— Quem vai se casar?

— Eu e você. Agora, mexa-se...

— Não vou me casar com você! — gritou ela, colocando-se de pé e balançando quando uma miríade de luzes brilhantes explodiu diante de seus olhos. Tateando em busca da cama, ela afundou novamente, ofegante, sentindo-se completamente mal. Segundos depois, sua cabeça estava sendo colocada entre os joe­lhos e uma firme mão esfregava seu pescoço.

— Mantenha a cabeça baixa. Vai passar.

— Tonta...

— Eu sei. Você se mexeu rápido demais.

Ela quis dizer que tinha sido ele quem lhe dissera para se me­xer, que a perturbara desde o começo, mas se sentiu fraca demais para emitir uma única palavra. Com a cabeça baixa, o sangue retornou lentamente, e ela se reanimou.

— Você está machucando meu pescoço — murmurou ela. Ele levantou os ombros dela e afastou seus cabelos do rosto.

— Você está suando frio. Deite-se. — Ele saiu da cama então e, sem o apoio dele, ela não teve escolha a não ser obedecer sua ordem. Quando ele retornou, carregava um pano frio e úmido. Sentando-se ao lado de Paige na cama, ele o comprimiu na testa dela, que colocou a mão sobre o pano e fechou os olhos.

— Não vou me casar com você, Jesse.

— Você está carregando meu filho. Vai se casar comigo.

— Não pode me forçar.

— Tem razão. Mas, se recusar, terei que tomar medidas mais drásticas. Assim que a criança nascer, irei ao Tribunal para ob­ter o direito de visita. Na verdade, posso até abrir processo para ter guarda conjunta. É o que, provavelmente, vai acontecer. Você sabe: metade do ano com a mãe, metade com o pai.

Os olhos de Paige estavam abertos agora, arregalados de medo.

— Você não faria isso — sussurrou ela.

— Claro que faria.

— Mas... mas você não quer a criança.

— Continue falando baixo ou realmente vai passar mal.

— Jesse, você não pode estar falando sério sobre tudo isso.

— Por que não?

— Você não quer laços. Não quer esposa. Não quer filhos.

— Mudei de idéia.

— Mas assim? Em dez minutos?

— Parece que você fez o mesmo, embora eu não me lembre de você ter estado no banheiro naquela noite por mais de cinco.

Fechando os olhos novamente, ela virou o rosto.

— Não consigo acreditar que isso esteja acontecendo.

— Vai acreditar logo. Você será minha esposa até o fim da semana.

Sua cabeça girou de volta rapidamente.

— Não! — Diante do seu olhar de alerta, ela baixou a voz. — Não. Você não pode se casar comigo, Jesse. Você não me ama!

— Amar? O que o amor tem a ver com isso?

— É a base da maioria dos casamentos.

— Dê um tempo. A maioria dos casamentos se baseia em conveniência. Um homem deseja que uma mulher cuide de suas necessidades, uma mulher quer que um homem lhe dê segurança. Em alguns casos, pode haver considerações financeiras, porém, com mais freqüência, é pela imagem do casamento que as pessoas se deixam seduzir. Quando a imagem perde o brilho, o divórcio entra em jogo.

— Você é um cínico.

— Acho que você já disse isso antes.

— Bem, é verdade. E suponho que o ponto de conveniência no nosso caso seja o bebê?

— Pensou bem. Sua cabeça deve estar desanuviando. Chateada, ela se virou de lado, afastando-se dele, atirando longe o pano já tépido. Puxando os joelhos para cima, ela cruzou o braço na barriga como se fosse para protegê-la.

— Exatamente o que você deseja fazer, Jesse?

— Ao me casar com você? Pensei que fosse óbvio. — Ele deu um suspiro, se levantou e caminhou até a janela. Ainda não eram 4h da tarde, mas o céu já estava escurecendo. — Se eu tivesse es­colha, jamais teria deixado você engravidar. Mas, já que está feito, quero que meu filho tenha tudo o que eu não tive. Isso quer dizer um lar afetuoso, um monte de roupas e brinquedos, companhei­ros de brincadeiras, a comida mais nutritiva... e, acima de tudo, os dois pais.

Paige virou a cabeça e fitou suas costas.

— Amor, Jesse. É o que você não tinha. Se tivesse tido isso, nenhuma das outras coisas teria feito diferença. Você está muito errado se acha que fui feliz quando criança por causa dos brin­quedos, das roupas ou da comida que tive. Foi o amor dos meus pais que tornou minha vida feliz. — Ela parou. — Então, se não acredita em amor, o que pode oferecer ao nosso filho?

Sem se virar, Jesse deu de ombros. A voz dele ficou repentina­mente mais distante, menos fria, quase... suave.

— Posso estar presente quando ele estiver doente, abraçá-lo quando ele tiver pesadelos. Posso ir às peças da escola, levá-lo para comer batata frita no McDonalds. Posso ler para ele à noite e ensiná-lo a jogar xadrez. Posso balançá-lo nos meus ombros e fazê-lo rir.

Pela primeira vez, desde que seu próprio pesadelo tinha come­çado naquela tarde, Paige se sentiu mais animada. Embora ele não pudesse perceber, Jesse lhe passara uma idéia remota do homem que ela amava. Não apenas isso, embora ele fosse ficar estarrecido se ela o insinuasse, o que ele acabara de descrever se parecia suspeitamente com uma demonstração de amor. De repente, ela se sentiu mais leve, como se um grande peso estivesse saindo do seu coração.

Então, Jesse se virou e metade do peso voltou. A expressão dele estava fechada mais uma vez. Se ele tinha permitido que um pouquinho de calor humano viesse à tona ao pensar no filho, ob­viamente não era sua intenção estender o calor a ela.

— Está pronta para ir? — perguntou ele num tom compatível com sua expressão.

Ela se sentou, mas não fez nenhum movimento para se levan­tar da cama.

— Jesse, acho que você deveria refletir sobre isso. Você pode ter decidido que quer a criança, mas, certamente, não me quer.

— Eu não diria isso — disse ele de modo arrastado, com um propósito inequívoco, mas uma frieza permaneceu em seus olhos, e ela se encheu de pavor.

— Ah, não, Jesse... — suspirou ela, incrédula.

— Ah, sim, Paige. — Ele começou a caminhar para a frente. — Que conveniência maior um homem pode ter do que uma mu­lher bonita à sua disposição? Tem sido extremamente frustrante nesses últimos meses. Acho que você atenderá minhas necessida­des muito bem.

Ela olhou para ele de modo desafiador.

— Não me casarei com você. Arriscarei com o Tribunal. Ele continuou caminhando até chegar à cama.

— Você se casará comigo. E se casará logo. — Ele comprimiu os dois punhos contra os lençóis e colocou o rosto junto ao dela.

Cada um de seus traços estava rijo. Apenas com grande comedimento ela se manteve imóvel, embora seus olhos tenham se arregalado quando ele falou: — Essa criança vai ter os dois pais. — Ele enunciou devagar, como se falasse com uma imbecil: — E eles vão ser marido e mulher. Jesse Dallas. Paige Dallas. — Os olhos dele cintilaram com a mesma determinação de ferro que seu punho cerrado transmitia. — Se tenho que ser responsável por trazer uma criança ao mundo, ela não vai ser bastarda como o seu velho pai!

Vendo Paige completamente sem fala, ele se endireitou aos poucos.

— Agora. — Ele abotoou os punhos da camisa. — Está pronta para ir?

— Ir? — murmurou ela, rouca, pigarreando em seguida. Es­tava atordoada. Ele nunca mencionara qualquer coisa sobre ser ilegítimo! Ou mencionara? Quantas vezes ele se chamara de bas­tardo? Claro, ela havia tomado o termo pelo seu sentido menos literal. — Hã... Eu...

O braço dela foi agarrado, e ela foi posta de pé.

— Iremos à sua médica para fazer exames de sangue. As­sim, posso ter uma boa conversa com ela. Quando é sua próxima consulta?

Ela franziu o cenho e olhou para baixo, se esforçando para pensar com clareza.

— Eu, bem, eu a vi na semana passada. Só vou uma vez ao mês.

— Então, é bom que eu possa vê-la agora. Não quero esperar mais três semanas para obter respostas para as minhas perguntas.

— Jesse, isso é realmente...

— Sapatos, Paige? — Ele arqueou as sobrancelhas e foi pegar os tênis dela. Depois de olhar para eles por um minuto, seguiu para o armário. — Eles não manterão nada aquecido naquele frio lá fora. — Ele trocou os tênis por um par de botas de salto baixo, passou na cômoda para pegar um par de meias de lã compridas e colocou o que tinha reunido nas mãos dela. — Vista-as. Está fi­cando tarde. Tudo vai fechar muito em breve. Temos muito o que fazer antes que isso aconteça. — Seu olhar de alerta se destinava a manter seu protesto sob controle, mas ele não precisava ter se preocupado. Ela estava tomada demais por emoções conflitantes para emitir sequer um som.

Entorpecida, ela calçou as meias; depois, as botas. Elas real­mente protegeriam contara o frio do inverno. Mas e o frio em seu coração? Ela sabia que o remédio para isso seria muito mais difícil de ser encontrado.

 

O casamento foi realizado no sábado seguinte, à tarde, e testemunhado apenas pelos pais de Paige, que tinham chegado na noite anterior e insistido em oferecer aos recém-casados um jantar de comemoração imediatamente após a breve cerimônia civil. In­dependente como era, o instinto de Jesse tinha sido o de ele mes­mo pagar a conta. Prevendo isso, Paige foi firme. Ela havia cedido a praticamente todas as exigências que ele fizera; ficara sentada enquanto Jesse submetia a médica a um interrogatório cerrado, como se ela fosse incapaz de cuidar de si, escolhera obedientemen­te o guarda-roupa completo de maternidade em que ele insistira, fora mandada para cama toda noite bem antes de estar cansada... mas, no tocante aos seus pais, ela se manteve irredutível.

— Meu pai vai querer nos levar para sair depois, Jesse. Por favor, não arrume briga com ele. Sou a única filha dele. Se ele pudesse escolher, estaria me levando ao altar numa cerimônia formal com todos os amigos assistindo. Como isso está fora de questão, ceda pelo menos quanto ao jantar.

— Esse teria sido seu desejo: usar um vestido branco com uma longa cauda, de braços dados com ele, com uma multidão assistindo? — perguntou Jesse friamente.

— Nessas circunstâncias... não. Já será bastante difícil manter as aparências em consideração aos meus pais.

Aquele, na verdade, era seu maior medo. E ela ten­tou, realmente tentou, sorrir e agir como se estivesse satisfeita. Sua mãe, como sempre, percebeu a artimanha. Eles retornaram à casa no final da tarde de sábado, e Paige estava sentada numa cadeira no quarto de hóspedes enquanto Laura terminava de arrumar as malas. Determinada a dar privacidade a Paige e Jesse na noite de núpcias, os Mattheson iriam voltar para Connecticut naquela noite.

Com a mala finalmente fechada, Laura se sentou na beira da cama, de frente para Paige.

— Quero que seja feliz, querida. Tem certeza de que é isso que deseja?

Paige deu um sorriso seco.

— Pensei que tivesse ficado totalmente aliviada — disse ela, mas sem rancor. — Agora, tenho um marido. Deixa tudo... perfeito.

Ela olhou para a aliança cravejada de diamantes que Jesse ha­via colocado em seu dedo durante a cerimônia e a girou.

— Ele tem bom gosto — observou Laura. — É um anel bonito.

— Sim. Acho que está determinado a dizer ao mundo que está fazendo a coisa certa.

— Seu pai gosta dele.

— Por que não gostaria? Ele tem sido o cavalheiro perfeito. — Na verdade, ele dissera e fizera todas as coisas certas. Claro, nem Laura nem Phillip tinham sentido a formalidade da mão de Jesse quando ela se curvara em volta da cintura de Paige. Nem podiam imaginar a diferença do seu beijo cerimonioso em comparação com o calor persuasivo dos beijos que eles tinham dado. — A se­nhora gosta dele, mamãe?

— Sim, gosto. Ele é inteligente e fala bem. Vocês formam um casal bonito. E, embora você possa fazer objeção ao fato de eu dizer isso, acho que ele fez a melhor coisa. Você está carregando o filho dele e tem direito a essa proteção. — Ela levantou a mão quando Paige abriu a boca. — Eu sei. Eu sei. Você é perfeitamente capaz de cuidar de si. Mas, como mãe, tenho que dizer que estou aliviada por você não ter a pressão de arcar com tudo sozinha. — O olhar dela ficou mais preocupado. — Só queria que estivesse feliz com a volta dele.

— Estou feliz o bastante — murmurou Paige, mas sua voz não convencia. Ela não tinha contado à mãe os detalhes de seu encontro com Jesse, simplesmente ligara para dizer que iam se casar.

— Quer conversar sobre o assunto? — perguntou Laura suavemente.

— O assunto?

— Suas preocupações. As coisas não estão exatamente um mar de rosas, estão?

Estranhamente, Paige queria conversar. Ela se sentia tão en­gasgada desde a decisão repentina de Jesse que precisava desesperadamente conversar. Além disso, precisava do apoio da mãe quanto ao fato de que agira corretamente ao concordar com o casamento.

— Não, eu não diria que um mar de rosas seja o termo corre­to — disse ela, triste. — Jesse ficou furioso quando descobriu que eu estava grávida. A última coisa que eu esperava que ele fizesse era propor casamento. Exigir seria mais apropriado, mas é irre­levante agora.

— Ele parece bastante feliz com o bebê agora.

— Ah, sim. O engraçado é que ele mudou de opinião rapida­mente sobre essa questão. Está determinado a dar ao filho tudo que nunca teve, e tenho certeza de que o fará. — Ela se lembrou de como a voz dele tinha se tornado suave quando falara de todas as coisas que faria com a criança. — Eu acho que ele realmente amará nosso filho.

— Mas?

Os olhos que Paige levantou em direção à mãe continham um mundo de arrependimento.

— Se ele um dia me amará é outra história.

— Você acha que ele não a ama?

— Em um momento, eu teria pensado que sim. Houve mo­mentos, quando ele estava aqui, no último verão, em que eu talvez tivesse imaginado que estava apaixonado. Depois, mais uma vez, quando ele me viu no outro dia, estava tão entusiasmado quanto eu. Foi antes de saber do bebê. Não sei se, um dia, ele me perdoará por isso.

A voz de Laura ficou extremamente suave.

— O amor não desaparece, querida. Mesmo que ele esteja com raiva de você agora, se as sementes do amor dele existirem e você cuidar delas de modo adequado, elas florescerão.

— É uma imagem bonita — argumentou Paige com tristeza —, mas pode ser apenas um desejo de que fosse realidade quando se trata de Jesse Dallas. Não se esqueça de que esse homem se alimentou de raiva por bem mais de 35 anos.

— Mas, pelo que você diz, a mãe dele nunca fez a menor ten­tativa de se doar. É aí que as coisas podem ser diferentes agora. Talvez ele apenas precise de um pouco de persuasão. Talvez quei­ra muito amá-la, mas está lutando contra isso. Tudo o que tem a fazer é perseverar. Eu conheço você. Você consegue, quando se propõe a fazer as coisas.

— Eu sei. Só não tenho certeza de que funcionará dessa vez. — Com os olhos cheios de sofrimento, ela envolveu a barriga com os braços. — Jesse é tão... distante quando olha para mim, quando me toca. Posso ter ganhado um pai amoroso para o meu filho, mas um marido amoroso?

Laura parou, examinando cautelosamente o rosto da filha.

— Você poderia ter dito não, Paige. Por que concordou com o casamento?

Paige suspirou e pareceu afundar na cadeira em sinal de der­rota. O olhar que lançou para Laura estava cheio de impotência.

— Eu o amo, mãe. Simples assim.

— Então, fará com que dê certo, querida. Basta insistir. Você fará com que dê certo!

As palavras de sua mãe e o amor que Paige realmente sentia eram suficientes para ela, por enquanto. Jesse vendeu a casa em Nova York, com móveis e tudo, e transferiu o restante de seus pertences para Marblehead. Instalou sua máquina Kem em um dos quartos extras, que ele tinha escolhido como seu local de tra­balho, e se encaixou novamente no cotidiano de Paige, do mesmo modo que tinha feito no verão anterior... com várias exceções no­táveis. O calor se fora. O companheirismo gentil parecia forçado. E, embora eles dividissem a mesma cama, ele não tentou fazer amor com ela. Nem uma única vez.

Paige poderia ter colocado a culpa disso no fato de ele sa­ber de sua condição, mas ele estava lá quando a médica dera sinal verde para o sexo. Até o último mês, ou até que ela se sen­tisse desconfortável demais, a médica tinha dito. Porém, Paige estava apenas no quinto mês e não sentia desconforto físico algum, e, mesmo assim, Jesse a evitava. Ele a estava punindo. Ela estava certa disso. E permitia que ele fizesse as coisas do seu modo. Tudo o que podia fazer era lhe mostrar de maneiras pequenas e sutis, um sorriso aqui, uma refeição especial ali, aquiescência, compreensão, que o amava. Além disso, cabia a ele.

O Natal foi três semanas após o casamento deles, e, embora tivesse sofrido para fazer a sugestão, Jesse foi surpreendentemen­te receptivo à idéia de passar os feriados em Westport. Era claro que ele gostaria de conhecer seus irmãos e suas famílias, e não era bom que todos pudessem se reunir logo depois da festa de setembro? Certamente, ele gostaria de ver os pais dela novamente. Talvez ele até colocasse sua habilidade à prova numa partida de golfe com o pai dela, mas, não, o campo estaria fechado por causa do inverno. E, sim, seria bom ver a casa onde ela crescera.

Paige sentiu apreensão, mais uma vez por causa do fingimen­to. Ter que se comportar como um casal apaixonado diante das pessoas que significavam tanto para ela ia ser difícil. Ah, ela esta­va bem apaixonada. E Jesse?

Com o desenrolar dos acontecimentos, seus temores foram infundados. Por um lado, e ela deveria ter previsto isso, havia tanta confusão numa casa com dez adultos e cinco crianças que mal se notavam Paige e Jesse como casal. Os jovens estavam tão imbuídos do espírito de Natal que seu entusiasmo prevaleceu so­bre todo o resto. Por outro lado, e isso Paige não tinha ousado prever, Jesse fez o papel de marido amoroso com muita facilidade. Segurou a mão dela, pôs o braço em volta de seu ombro, sorriu e deu risadas com ela de um modo que parecia completamente natural.

Ele se deu bem com os irmãos dela também e pareceu à von­tade sem ser condescendente. As esposas deles se afeiçoaram a ele também, cedendo, impotentes, ao seu sutil charme. As crianças estavam mais tímidas a princípio, mas, após a primeira guerra de bola de neve no jardim, os meninos foram conquistados. E Paige nunca se esqueceria de sua conquista de Sami, a filha de 7 anos de Michael. No primeiro dia, ela o observou de longe. No segun­do, começou a se posicionar a seu lado sempre que possível. No terceiro, se aproximou da cadeira na qual ele estava sentado, ficou olhando para ele por um longo tempo e, então, sussurrou, apenas para os seus ouvidos e os de Paige:

— Você tem olhos bonitos. — Ele irrompeu num sorriso e a colocou sobre o seu joelho, o qual se tornou seu poleiro quase constante daquele momento em diante.

Mesmo na privacidade do quarto de Paige, quando ela e Jesse estavam se arrumando para dormir à noite ou se vestindo de ma­nhã, Jesse parecia menos contido.

— Tio Jesse — repetiu ele, sorrindo. — Nunca imaginei o que teria quando me casei com você.

— Está arrependido? — perguntou ela, e ficou satisfeita quando ele confirmou sua suspeita.

— Não. É divertido. São crianças maravilhosas. E gosto de seus pais.

Mesmo assim, ele não tentou fazer amor com Paige, e, embo­ra ela achasse que sua família tinha marcado pontos, sentia que ela própria marcara bem poucos. A viagem de volta para Marblehead foi feita, em grande parte, em silêncio. Quando eles en­traram na casa de frente para o mar novamente, Jesse estava tão distante quanto estivera ultimamente.

O mês de janeiro chegou e Paige entrou no sexto mês de gra­videz. Sua barriga estava bem arredondada, e ela havia ganhado peso, embora não tanto quanto sua médica queria.

— Está comendo de forma adequada, não está? Coisas boas e saudáveis? — perguntou ela na consulta mensal de Paige. Jesse se apressou a responder.

— Ela tem todas essas coisas, mas geralmente deixa metade do que é servido.

A médica lançou um olhar na direção de Paige.

— Não deveria. Você sabe disso. Está comendo por dois.

— Eu sei — disse ela baixinho, intimidada com Jesse senta­do de modo tão agressivo a seu lado. Ela queria que ele a tivesse deixado consultar a médica sozinha, mas, quando ela sugerira, ele simplesmente firmara o maxilar e balançara a cabeça. Ele não confiava nela. Isso era certo. — Eu simplesmente... não estou com tanta fome assim. E me sinto pior quando me empanturro.

— Sem dúvida, não deve se empanturrar, mas deveria tentar comer o suficiente. Talvez devesse fazer quatro ou cinco pequenas refeições por dia.

Paige se encolheu então, e por uma boa causa. Daquele mo­mento em diante, o próprio Jesse a presenteou com as quatro ou cinco refeições e ficava por perto enquanto ela lutava para en­golir. Ela tentou fazer o possível, tanto para comer quanto para agradecer por sua proteção, porém, cada vez mais, aquele com­portamento a sufocava, especialmente porque carecia do calor que ela desejava.

Por fim, quando ela simplesmente não conseguia dar outra garfada, eles discutiam.

— Não consigo, Jesse.

— É pela criança. O filho que você tanto queria. Se matá-lo de fome, não será bom para nenhum de nós dois.

— Então, coma você por ele — vociferou ela, com os olhos faiscando. Custou muito para irritá-la, mas a constante distância de Jesse tinha começado a deixá-la totalmente confusa.

— O fato de eu comer não vai adiantar nada, senão, pode acreditar, eu faria. Já estou fazendo o que posso para me certificar de que seja tudo saudável, o que é muito mais do que você está fazendo. Você se recusa a tirar cochilos durante o dia. Mal dorme à noite.

— Como pode saber disso? Você dorme como um bebê!

— Eu sei. Acredite em mim, eu sei. Sua agitação na cama me acorda, e posso sentir pela sua respiração que não está dormindo.

— Se eu o estou incomodando — ela alfinetou —, experimen­te outro quarto. — Ela estava tentando irritá-lo, mas não obteve êxito. Jesse simplesmente se afastou dela. E estava de volta ao seu lugar na cama naquela noite.

Ela concluiu que ele estava fazendo um joguinho. Era parte do seu castigo. A preocupação pelo bem-estar da criança que ela carregava não tinha limites, mas o contraste entre isso e sua pre­ocupação pelo bem-estar emocional dela era dramático. Às vezes, ele passava por um cômodo e mal olhava para ela. A conversa entre eles era escassa, tornando as refeições um horror para Paige, maior que o esforço para se alimentar. Quando ele aparecia às 21h e lhe dizia para ir para a cama, ela ia, pelo menos para fugir do abismo sempre presente entre eles.

Assim que podia, após fazer a mudança de suas coisas, Jesse pegava um trabalho de edição e passava horas hibernado com sua máquina, saindo apenas para cuidar das necessidades dela rela­cionadas à criança. Paige, por outro lado, esculpia pouco, ficando com demasiada freqüência a olhar para uma pedra sem a mínima idéia do que esculpir ou por onde começar. Se ela havia esperado encontrar salvação no trabalho, ele a decepcionara também. Ela podia apenas rezar para que, assim que o bebê nascesse, a inspi­ração retornasse.

Durante aquelas noites que eles realmente passaram juntos na sala de estar, Jesse ficou preocupado, examinando os livros sobre bebês que ela havia comprado, ou um daqueles que ele pró­prio tinha adquirido. Ele parecia estar adotando uma abordagem disciplinada não apenas em relação à gravidez e ao parto, mas à criação em si, desejando conhecer todos os fatos, todas as possibilidades, todas as recomendações.

Às vezes, ela descobria o olhar dele vagando em sua direção, os olhos se assentando em sua barriga ou seus calcanhares apoia­dos na mesinha de centro. Nesses momentos, ela sentia seu cora­ção se animar com a esperança de que talvez ele amolecesse, mas, logo que ele captava seu olhar esperançoso, afastava os olhos para o outro lado.

Era assim constantemente na cama também. Ela acordava de manhã, grogue por causa do sono superficial e agitado, e via o braço dele em volta da sua cintura e a mão dele em sua barriga. O último fato não era incomum: ele sentia o movimento do bebê, mas seu toque nunca resvalava para o lado sexual. Esses toques, no começo da manhã, eram diferentes, como se fosse a carne dela que ele quisesse. Porém, mal ela cobria sua mão, ele a retirava. Uma vez, ela até mesmo acordou com um carinho mais ardente; ele estava acariciando seus seios enquanto enterrava os lábios em seu pescoço. Dessa vez, ela teve cuidado, prendendo a respiração, com medo de se virar ou reagir, a fim de não irritá-lo. Ela precisa­va tanto dele! Sua gravidez não tinha ajudado muito a entorpecer essa ânsia. Mas ela devia ficar insaciada. Os dedos dele vagaram, ficaram mais audazes... depois, se retiraram de repente, e ele ro­lou para o outro lado da cama. Ela não teria como saber se ele a tinha procurado durante o sono; se tivesse sido o caso, talvez ela pudesse ter tido a esperança de que uma parte subconsciente dele a desejasse, precisasse dela tanto quanto ela, conscientemente, de­sejava e precisava dele. Mas a indiferença dele na manhã seguinte frustrou suas esperanças.

Ele estava escarnecendo dela, atormentando-a. Cheia de de­sejo, ela rangia os dentes e tentava ser grata pelas suas carícias passageiras, mas ficava aparente que, independentemente do que o corpo sentia ou fazia, a mente dele estava fortemente determi­nada contra ela. Ela começou, nos longos períodos de inatividade, quando suas mãos pareciam não conseguir encontrar o caminho com um cinzel ou uma lima, a imaginar como seria o futuro. Não era um quadro bonito. Ela via dias se transformando em semanas, meses, anos durante os quais ela e Jesse teriam um lar e um filho, viveriam um casamento de fachada sem nenhum sentimento. Ela se perguntava se ele um dia faria amor com ela novamente, se ele procuraria outras mulheres como tinha feito quando voltara para Nova York. Ela achava que não podia suportar isso, e se viu sofrendo com os pensamentos de um eventual divórcio... mas só até ela se lembrar da ameaça dele. Guarda conjunta. Seu filho longe dela por meio ano. Isso a destruiria. Era ruim o bastante que Jesse rejeitasse o amor que ela tentava lhe dar, mas, se ele fosse lhe negar a única válvula de escape que teria, ela achava que morreria.

Em fevereiro, Paige estava começando a se sentir pesada. Sua barriga começava a esticar à sua frente, sinal certeiro de um menino, consenso do grupo de bridge de sua mãe. E havia mo­mentos, a médica dizia que eles eram perfeitamente normais, em que ela sentia contrações e sua barriga ficava dura como pedra. Ela curvava a mão sob ela em busca de apoio e prosseguia com o que estava fazendo. Inevitavelmente, Jesse estava a seu lado num minuto.

— Sente-se, Paige. Dê uma chance para que passe.

— O fato de eu fazer o jantar não vai doer.

— Você não precisa levar uma vida dura. Não estamos na Idade das Trevas, quando as mulheres trabalhavam nos cam­pos, se acocoravam para dar à luz, se levantavam e voltavam ao trabalho.

Se ele tivesse falado com preocupação, ela teria dado ouvidos. Mas seu tom uniforme indicava outra coisa. Em sinal de desafio, ela continuava o que estava fazendo até que o espasmo passasse e, então, se assentava, apática, numa cadeira. De modo inevitá­vel também, ele a repreendia por sua falta de preocupação com o bebê. Um dia, quando ele fez isso, ela reagiu com uma grosseria atípica. Profundamente deprimida e exasperada, ela sentiu que tinha começado a balançar na perigosa corda bamba sobre a qual caminhava.

— Largue do meu pé, Jesse. Eu me sairia muito melhor se você me deixasse em paz.

— Se eu deixasse você em paz, só Deus sabe o que você faria com o meu filho.

— Isso não é justo. Eu estava indo muito bem até você aparecer.

— Isso foi antes de o bebê começar a exigir cuidados. É muito fácil se sair muito bem quando não há nada a fazer. Agora, porém, você tem que comer direito e prestar atenção para não exagerar nas coisas.

— Exagerar nas coisas? Você não me deixa fazer nada! — Ela abaixou a voz, sentindo-se perigosamente prestes a chorar, e falou como se fosse para si: — Acho que estou enlouquecendo. Sinto--me confinada e frustrada. Tem estado tão frio que não posso ir a lugar algum, e, agora, fico ansiando pela consulta com cada mé­dico como se fosse uma festa.

A médica não se sentiu bem assim quando viu Paige várias semanas depois. Ao concluir o exame, ela permaneceu ao lado de Paige para conversar com ela baixinho enquanto Jesse saiu para a antessala.

— Tem alguma coisa incomodando você, Paige?

— Incomodando?

— Você está se arrastando. Parece exausta. Sua pressão arte­rial subiu. E ainda não está ganhando peso como deveria.

Os olhos de Paige se arregalaram de medo.

— Tem algo errado? Com o bebê? A médica deu um sorriso afável.

— Não, não. O bebê parece bem. Sua pulsação está boa e for­te. Ele parece estar crescendo bem, mas acho que ele está ganhan­do seu peso quilo por quilo de você.

— Tudo bem. Posso me dar o luxo de ficar mais magra.

— Não, não pode. Minha preocupação é tanto com o bebê quanto com a mãe. E você não parece feliz. Pelo menos não do jeito que estava no começo da gravidez.

Paige franziu o nariz e tentou dar pouca importância às observações.

— Ah, tenho certeza de que é apenas impaciência. Nove me­ses parecem um tempo tão longo às vezes.

— É verdade. Mas... seja como for, não achei que você se inti­midaria com a pressão.

— Não estou me intimidando.

— É o que parece para mim. — Ela deu um suspiro e falou com suprema gentileza: — Posso estar indo além dos meus li­mites aqui, Paige, mas, como disse, minha preocupação é tanto com você quanto com o bebê. Não sou cega nem surda. Falando de mulher para mulher, posso ver a tensão entre você e seu ma­rido. E sei que o casamento só ocorreu muito depois da gravidez. Se quiser conversar, e acho que lhe faria bem, eu ficaria feliz em escutar.

Paige olhou para o outro lado. Depois, fechou os olhos e deu um suspiro fatigado.

— Acho que não adiantará. Jesse quer o bebê. É a mim que ele não quer.

— Não é o que eu vejo. Vejo um homem que está genuina­mente preocupado com os dois. Ah, talvez ele exagere um pouco, mas acho que seus sentimentos são verdadeiros.

— Poderia ter me enganado.

— Você não está olhando de modo tão objetivo quanto eu. Tem que perceber que um homem fica em seu estado mais deses­perado quando sua esposa está grávida. — Quando Paige abriu a boca para discordar, a médica prosseguiu rapidamente: — Você está fazendo todo o trabalho. Ele se sente de fora. Alguns homens têm que compensar tentando fazer o melhor para tomar o con­trole da situação.

— Ele conseguiu.

— Claro que não, já que sua saúde deixa um pouco a desejar. E, se você não fizer alguma coisa para melhorar isso, o bebê pode ficar em perigo em algum momento. Sabe de uma coisa, Paige, sou maravilhosa para dar conselhos como esse, mas não sou psi­cóloga. Conheço vários bons se estiver interessada.

Ah, sim, ela estaria interessada. Qualquer coisa para romper a barreira que Jesse tinha criado. Mas ela duvidava que ele aceita­ria aquilo. Não estava nem mesmo disposto a admitir que existia um problema! Por todos os sinais aparentes, ele parecia satisfeito com o status quo.

— Ah... bem, deixe-me discutir com Jesse — murmurou ela, du­vidando que o faria, mas precisando, de algum modo, acalmar a mé­dica. — Se decidirmos ir em frente, eu ligarei para obter a indicação.

— Vai ligar?

Paige assentiu. Pelo olhar da médica, porém, ela sabia que não a tinha enganado por um único minuto.

— E vai tentar se cuidar melhor? Comer bem? Descansar bas­tante? Manter-se calma? Vai ter que organizar as coisas antes do nascimento do pequenino. Não será mais fácil depois.

— Eu sei — murmurou Paige, sentindo-se mais desanimada que nunca.

Após deixar o consultório, ela pensou bastante sobre a suges­tão da médica de que ela e Jesse consultassem um psicólogo. Mas ela sabia o que estava errado; não havia mistério. Ele se recusava a dividir sua vida com ela, como tinha feito. Ressentia-se dela. Estava com raiva. Essa mesma raiva anularia a possibilidade de aconselhamento. E o pior de tudo era que... ela nem mesmo ousava perguntar.

Ela queria saber o que tinha acontecido com a mulher auto-confiante que ela havia sido vários meses atrás. Quanto a isso, Paige mal se reconhecia. Seu entusiasmo pela vida tinha desapa­recido, bem como o otimismo, a determinação. Ela tentara rom­per a barreira de Jesse durante os primeiros meses do casamento. Tentara ser paciente e compreensível, demonstrar o amor que não ousava expressar em palavras, sabendo que ele certamente riria na sua cara. Por fim, desistiu. Estava cansada demais, deprimida demais para tanto esforço.

Era um lado dela que nunca tinha visto antes. Era verdade que Jesse havia arrancado sua aparência fria para revelar a mulher apaixonada por baixo, mas, quando ele fora mais longe, como es­tava fazendo nas últimas semanas, atingira as falhas. Uma após a outra. Fraquezas que Paige não sabia que existiam. E, por mais enojada que estivesse consigo, ela não sabia a quem recorrer. Para os seus pais, para a médica, para quaisquer amigos que encon­trasse por acaso, ela conseguia vestir uma máscara aceitável. Afi­nal de contas, ela havia feito a própria cama; agora, tinha que dor­mir nela. Porém, sozinha mais uma vez, ela estava esgotada. Nada parecia importar... nada, a não ser o bebê. E, embora ela fizesse o possível para comer e dormir bem, nunca era o suficiente. Parecia que estava decepcionando o bebê também.

Jesse se mantinha ocupado, terminando um trabalho, come­çando outro, com o objetivo expresso de ter tempo livre após o nascimento do bebê. Paige deveria ter ficado aliviada com sua postura nobre, mas não estava. Por várias horas, ela ficava senta­da sozinha com um livro no colo, sentindo-se solitária, desejan­do desesperadamente ter companhia. Quando ficava frustrada e começava a andar de um lado para o outro no quarto, ela parava com uma dor aguda no quadril, o bebê estava pressionando um nervo, a médica dissera, ou uma onda de tontura. Então, ela se sentava novamente, sem energia e sem ânimo. Quando finalmen­te ouvia Jesse sair da sala de trabalho, ela começava a tremer, não de prazer, mas de apreensão.

Numa tarde do começo de março, ela não conseguiu agüen­tar mais. Jesse havia saído para comprar comida, insistindo para que ela tirasse uma soneca enquanto ele estivesse fora. Mas ela não queria cochilar, e tinha certeza de que, se ficasse sentada em casa sozinha por um minuto a mais, enlouqueceria.

Vestindo um blusão de lã elegante, botas e seu grande casaco de inverno, ela foi para a garagem. Não conseguia se lembrar da úl­tima vez em que tinha dirigido seu carro. Jesse era inflexível quan­to a levá-la a todos os lugares. Mas, durante todo o tempo, a médica lhe dissera que ela podia dirigir, e sua intenção era fazê-lo agora.

Sentar-se atrás do volante se tornou seu primeiro maior obs­táculo. Da última vez em que se sentara no banco do motorista, estava muito mais magra. Resmungando, inclinou-se à frente, deu um puxão na alavanca e deslocou o assento para trás, de­pois, afagou a barriga e suspirou. Estendeu o cinto de segurança e deixou que ele voltasse ao lugar, temendo que fizesse mais mal que bem ao bebê. Tirou o carro de ré da garagem com cuidado, entrou na pista e engatou a marcha. Foi quando enfrentou seu segundo obstáculo.

Aonde ir. Se fosse para Marblehead, havia grandes chances de que pudesse passar por Jesse no caminho. Ele tentaria fazê-la voltar, e ela não voltaria! Simplesmente não voltaria! Precisava daqueles poucos minutos de liberdade tanto quanto de qualquer outra coisa. Escolhendo sua única outra opção, ela se afastou do centro de Marblehead e pegou a estrada ao longo da costa.

Momentos depois, começou a sentir calor com o casaco e tentou tirá-lo. Mas suas roupas volumosas a atrapalharam, en­tão, ela desistiu e simplesmente baixou a janela. O ar estava revigorante, mas estava mais ameno que nas últimas semanas. Seus pensamentos aceleraram em direção ao 1° de maio, data provável do nascimento do bebê, e ela se imaginou empurrando um car­rinho, respirando o ar quente do oceano mais uma vez, admi­rando o renascimento da natureza enquanto exibia sua cria com orgulho.

Sem se dar conta, ela estava na estrada para Boston. Sim, ela sentia vontade de ir para lá. Talvez estacionasse e caminhasse ao longo da Newbury Street, talvez até passeasse pelas lojas, exami­nando as roupas que compraria quando voltasse à sua velha for­ma novamente. Ficaria fora por várias horas, talvez mais, e, se Jesse ficasse preocupado, problema dele. Ele merecia, por ter ban­cado o autoritário. Que ele cozinhasse em fogo lento, tal como ela estava cozinhando desde o dia em que ele reaparecera de modo tão grosseiro em sua vida.

Seu terceiro obstáculo, porém, foi sua própria fadiga. Ela começou a senti-la nos arredores da cidade, quando o tráfego aumentou e ficou cada vez pior. Parada no sinal, ela conseguiu finalmente tirar o casaco, mas sentiu pouco alívio quando ele re­pousou embolado no assento a seu lado.

Quando tinha ficado tão fraca? As mulheres grávidas não de­veriam ser dotadas de algum tipo de força divina? Ela começou a suar e, quando seus membros começaram a tremer, ela pensou no que tinha comido naquele dia. Café da manhã, um lanche no meio da manhã, almoço; todas as refeições tinham sido leves, mas ela não tinha comido menos que o normal. Isso não dizia muito; possivelmente, explicava seu tremor.

Seguindo a rampa sobre a North Station e saindo na Storrow Drive, ela dirigiu até chegar na saída da Arlington Street, deter­minada a estacionar e entrar no primeiro café que encontrasse.

Não conseguiu. Em algum lugar do Jardim Público, com o pé no acelerador e as mãos no volante, ela desmaiou.

Retornando para casa com várias sacolas de comida e um li­vro para Paige, Jesse foi direto para a cozinha guardar a comida. Ficou agradecido por ela ter aceitado sua sugestão e estar dor­mindo. Que inferno, mas tinha sido difícil lidar com ela ultima­mente! Uma mudança e tanto da mulher controlada e calma que ele conhecera no verão anterior, mas, por outro lado, ela estava grávida, passando por bons bocados. Que bom que ele tinha vol­tado naquele momento; não era possível imaginar como ela teria se virado sozinha!

Colocou um pacote de leite na prateleira da geladeira, correu a mão pela superfície úmida e, franzindo o cenho, pensou no fu­turo. Imaginou o que aconteceria quando o bebê nascesse, se as coisas se descontrairiam entre Paige e ele. Era verdade que eles teriam a criança como um fator de diversão, mas ainda havia a questão do relacionamento.

Ele tinha sido duro com ela. Sabia disso. Então, talvez ele fos­se tão culpado quanto ela. Era verdade que ela o tinha enganado ao ficar grávida, mas ela não tinha pedido que ele se casasse com ela, ou que ele tomasse conta dela como tinha feito nos últimos meses. Ele havia ficado com raiva. Ainda estava. Sentiu-se mani­pulado a fazer algo que tinha jurado que não queria.

E, contudo... havia momentos em que imaginava que talvez pudesse realmente dar certo. Ele tinha visto a família dela, teste­munhado o calor humano em primeira mão, e ousara sonhar que, um dia, ele e Paige pudessem ter aquilo também. Ah, ele queria o bebê. Nunca teria acreditado quanto. E, era verdade, queria Paige também. Mas queria aquela outra Paige, aquela que ela havia sido antes, tão independente que toda demonstração de afeto por par­te dela era um presente especial.

Ela fora afetuosa. Ele se lembrava de cada gesto. Poderia ter jurado que ela o amava... até recentemente. Ultimamente, ela não tinha ligado muito para nada. Ultimamente, ela estava sem autoconfiança, sem direção, perdendo interesse até mesmo em esculpir. Ultimamente, ela se esquivava toda vez que ele en­trava no quarto. Ele tinha feito isso com ela? Ele a pressionara demais?

Ela não tinha como saber que muitas das horas na sua sala de trabalho ele passava pensando, imaginando, se preocupando. Ela não tinha como saber que ele se sentia culpado das coisas que gos­taria que pudessem ser diferentes, que a tensão entre eles estava lhe causando sofrimento também.

Porque, na verdade, estava. Ele estava confuso. E apavorado. Apavorado de tentar pegar algo que significaria o mundo para ele, apavorado de correr esse risco e, depois, de alguma forma, em algum momento, perder. Por vários anos, tinha parecido melhor seguir seu próprio caminho.

O bebê tinha mudado tudo aquilo. Ele estava comprometido, num sentido. Não, ele estava comprometido num sentido muito maior. Paige era sua esposa. Estavam legalmente casados... por insistência dele. Talvez fosse uma das coisas que o inquietavam.

Se ela tivesse ido até ele por sua livre vontade, talvez ele se sentisse mais confiante quanto a ela.

Havia noites em que ele desejava tocá-la, noites quando a to­cara, e, depois, recuara. Ele era um covarde. Então, o que faria a respeito? Deus, ele não sabia!

Cansado, ele guardou o resto da comida, dobrou as sacolas vazias e as guardou, pegou o livro em seguida e foi ver como Paige estava. Na porta do quarto, ele parou. A cama estava vazia, tão lisa e arrumada quanto naquela manhã.

— Paige? — Talvez ela estivesse no banheiro. Ele caminhou até a porta. — Paige? — Nada de Paige. Ele se virou, refez seus passos, chamando o nome dela em cada uma das portas, não ouvindo nada em resposta. Ele vasculhou cada cômodo daque­le lado da casa e, depois, caminhou para o outro lado. — Paige! Onde está você?

O estúdio dela estava vazio, tal como a sala de trabalho dele e o quarto de hóspedes.

— Droga, onde está você? — ele resmungou para si enquanto voltou correndo para a sala de estar e olhou em direção ao deque. Não havia sinal dela em nenhuma parte. Com raiva, ele abriu a porta de vidro e saiu, cruzou o deque em seguida e foi rapida­mente em direção à praia. Não havia mais neve, mas estava frio. Ignorando o frio que sentia, ele olhou primeiro numa direção e, depois, na outra, e correu pela areia. — Paige! Paige! — A voz dele prendeu e foi engolida por um vento que parecia ter tanta raiva quanto ele. Ele parou, cobriu a boca e gritou — Paige! — Como não houve resposta, ele correu até que o rochedo o fez parar, de­pois, se virou e caminhou na outra direção a passos largos. — Droga, Paige! Paiiige!

Minutos depois, ele concluiu que ela não estava na praia. Su­biu a escada de volta, passou pela casa e entrou na garagem.

— Drooooga! — Ela saíra de carro.

Retornou à cozinha para apanhar as chaves e o casaco, pegou seu próprio carro e seguiu para a cidade. Durante todo o traje­to, ele estava com a cabeça fervendo; ele resmungou em voz alta como se Paige estivesse sentada no banco do passageiro.

— Que tolice! Droga, você poderia ter me dito que queria sair! Eu teria levado você! E daí se não tiver o descanso de que precisa? E daí se pegar pneumonia? E daí se matar o bebê? Tudo bem, seja egoísta se quiser! Mas, pelo amor de Deus, não me abandone!

Nas duas horas seguintes, ele esquadrinhou não só Marblehead, mas também Salem e Beverly, vasculhando todas as suas lojas favoritas, mesmo as que ela visitava com menos freqü­ência. Quando quase todas as lojas tinham fechado, ele foi para casa, procurando o carro dela com tanta atenção que quase bateu na traseira de um.

Quando chegou em casa, eram quase 6h e estava escuro. Ele saiu correndo do carro para verificar a garagem e xingou de for­ma veemente quando viu que permanecia vazia. Mas havia um toque de pânico no seu tom de voz agora, e ele entrou às pressas em casa e foi para o telefone.

Por algum milagre, conseguiu manter a voz calma quando ligou para cada um dos amigos dela na área. Paige tinha saído para dirigir e, por acaso, havia parado lá? Ele perguntou vezes sem fim. Mas não adiantou. Ninguém a tinha visto. Ninguém sa­bia dela. Pela primeira vez, ele percebeu como ela se tornara uma eremita nas últimas semanas, e se perguntou se a culpa era da sua condição ou dele. Ele não a tinha incentivado a ver os amigos. O que ele tinha dito quando ela parecia agitada? Tire uma soneca. Vai fazer bem a você.

Fora culpa dele, droga. Culpa dele!

Mas a autorreprovação teria que esperar! Agitado agora, ele tentou pensar onde ela poderia ter ido. Ela estava suficientemente deprimida para voltar correndo para a casa dos pais? Uma olhada rápida na sua cômoda revelou que ela não tinha levado roupas para passar a noite, e sua mala estava no armário.

À medida que os minutos passavam, ele amaldiçoava sua im­potência. Imagens passageiras começaram a assombrá-lo, ima­gens dela saindo sem outro objetivo na cabeça que não fosse fugir. Ele não a culpava. Maldita teimosia dele! Se ela se sentia isolada, ele tinha feito tudo sozinho. Paige tinha todo o direito de odiá-lo pela maneira como ele se comportara. Ele poderia ter demonstra­do um pouco mais de compaixão pelo que ela sentia. Poderia ter tentado conversar com ela, expressar seus sentimentos e mostrar sua frustração, sua raiva e seu medo.

A frustração e a raiva estavam esquecidas agora. Apenas o medo permanecia, e aumentava cada vez mais, enquanto ele lu­tava para decidir o que fazer. Ele não percebeu que estava suando até passar a mão pelo cabelo e descobrir que estava úmido. Tentou pensar com clareza, se manter calmo, mas ficava mais difícil com o passar das horas. Ela havia pegado o carro, então, ele não podia suspeitar de ato criminoso. Mas e se o pneu tivesse furado, ou a gasolina, acabado, ou... ou...

Fazendo a única coisa que havia a ser feita, ele pegou o te­lefone para ligar para a polícia. Mal tinha discado o número, a campainha tocou. Colocou o telefone de volta no gancho e correu para a porta. Talvez ela tivesse esquecido a chave. Talvez estivesse cansada demais para colocá-la na fechadura.

Mas não era o dedo de Paige que estava prestes a tocar a cam­painha pela segunda vez. Era exatamente um dos homens para quem ele estava prestes a ligar.

— Sr. Dallas?

O coração dele parecia que tinha parado, e sua vida tinha sido suspensa.

— Sim? — perguntou ele com um leve suspiro.

— Estávamos tentando contatá-lo. Primeiro, ninguém aten­deu. Depois, a linha estava ocupada. Então, pensei que eu...

— O que foi, policial?

— Sua esposa. Infelizmente, ela sofreu um acidente...

 

Nunca na vida Jesse tinha ficado tão apavorado. Ele se sentia como se seu mundo estivesse para se estilhaçar, como se ele pudesse apenas colocar os braços em volta dele, pudesse mantê-lo inteiro. Mas os seus braços eram inúteis; não havia nada a agarrar. Ele tinha que tentar agarrar aquele mundo, tentar pegá-lo...

Recusando a carona do policial para Boston, ele dirigiu seu próprio carro num ritmo vertiginoso, ultrapassando os sinais vermelhos sempre que possível na sua pressa de chegar até Paige.

O policial tinha dito que ela estava bem, mas o que ele sabia? Ela havia desmaiado ao volante e tinha batido a cabeça quando o carro se chocara contra um poste. Concussão? Traumatismo cra­niano? Coágulo no cérebro?

Jesse estava tremendo todo quando chegou à sala de emer­gência. Mas Paige já tinha dado entrada, então, ele teve que amar­gar a espera por um elevador e a subida até o sexto andar antes de finalmente partir em disparada na direção do balcão. A enfer­meira de plantão estava no telefone, mas Jesse estava aterrorizado demais para esperar com educação.

— Desculpe-me, mas minha esposa acabou de dar entrada. — A enfermeira continuou a conversa, embora o tivesse visto. — Dallas. Paige Dallas. Poderia me dizer onde ela está? Acabei de saber sobre seu acidente. Preciso vê-la.

— Sr. Dallas?

A cabeça de Jesse levantou rapidamente quando um médico residente se aproximou de trás do balcão e estendeu a mão.

— Sou o dr. Bassle. Sua esposa está sob meus cuidados.

A mão de Jesse que apertou a do médico estava mole e fria, sua voz, pouco mais que uma arfada de medo.

— Como ela está? O médico sorriu.

— Ela vai se recuperar. Apenas uma leve concussão. Mas ela está muito fraca. Suponho que essa gravidez tenha sido difícil para ela.

— Gravidez... — murmurou Jesse.

Em seu pânico por causa de Paige, ele nem tinha pensado no bebê. Quando levantou os olhos apavorados, o médico ainda estava sorrindo.

— O bebê está bem. É claro que não pretende aparecer ante­cipadamente. Porém, eu gostaria de manter sua esposa aqui para repouso e observação.

— Uma concussão leve?

— Foi tudo. Demos alguns pontos, e ela está propensa a ter uma boa dor de cabeça por um tempo, mas não há sinais de pro­blemas mais graves.

Jesse respirou, aliviado.

— Graças a Deus — sussurrou ele. — Posso vê-la agora?

— Claro. Quarto 604. Ela estava tremendo muito, então, lhe demos um leve sedativo, para o bem do bebê acima de tudo, mas não queremos que ela durma muito. A enfermeira irá ao seu quar­to de cinco em cinco minutos para se certificar de que ela está bem.

— Obrigado. — Jesse já estava indo. — Quarto 604?

O médico assentiu com a cabeça, fazendo um gesto amplo em direção ao corredor.

Jesse levou um minuto para achar o quarto, depois, parou para retomar o fôlego e acalmar sua pulsação acelerada antes de entrar.

Os olhos dela estavam fechados, seu rosto, assustadoramente pálido. Havia um pequeno pedaço de gaze na testa. Ele se aproxi­mou em silêncio, flexionando os dedos ao lado do corpo. Queria tocá-la. Deus, ele tinha que tocá-la. Tinha que saber que ela estava bem. Tinha que lhe dizer que lamentava. Tinha que lhe dizer que ele... que ele...

Levando a mão até o seu rosto, ele a tocou de leve. Estava fria, muito fria. Estaria tão fria assim? Ele queria sair correndo para perguntar ao médico, mas não podia suportar a idéia de sair do lado dela.

Ele puxou uma cadeira para junto da cama, tomou sua mão nas dele e a levou aos lábios. Ele rezaria para que ela ficasse boa. Rezaria para que ela voltasse a ser a mulher que tinha conquis­tado seu coração. Droga, ela não tinha o direito de fazer isso com ele! Não tinha o direito de derrubar todas as defesas que ele havia construído e, depois, simplesmente... simplesmente ir embora!

Quando ela respirou fundo, ele congelou. Lentamente, ela gi­rou a cabeça; mais lentamente ainda, abriu os olhos. Pareceu que tinha levado um minuto para se concentrar, e, então, seus olhos se arregalaram.

— Jesse? — ela mal pronunciou as palavras.

— Está tudo bem, querida. Eu estou aqui.

Ela engoliu em seco, e sua calma momentânea pareceu se esfacelar. Seu murmúrio foi trêmulo.

— Eu... Eu sinto muito, Jesse... Ai, meu Deus, eu não queria fazer isso...

— Shhh.

Ele respirou junto aos dedos dela, que agarraram os dele com uma força surpreendente.

— Eu não queria... — Os olhos dela se encheram de lágrimas. — Eu não... Eu sinto muito...

As lágrimas estavam descendo pelo rosto dela, e as partes in­ternas de Jesse reviraram. Ele nunca a tinha visto chorar. Nem uma única vez ela chorara durante o que devia ter sido um mês inteiro de inferno para ela. Mas, naquele momento, chorou, e ele percebeu toda a extensão do que tinha feito.

Mudando de posição para se sentar na cama, ele a tomou muito gentilmente nos braços.

— Shhhh. Não chore, querida. Pelo amor de Deus, não cho­re. — Ele tentou ser terno, abraçando-a, mas seus braços aperta­ram de desejo. Ele enterrou o rosto nos cabelos dela, ciente de que sua própria respiração saía ofegante. — Não suporto vê-la chorar, Paige. Preciso da sua força. Sem ela, não sou nada.

Por causa dos seus soluços, ela mal conseguia ouvir o que ele estava dizendo.

— Ahhh... Jesse... Eu deveria ter prestado atenção... Eu sinto muito... Eu sinto muito...

— Por favor, querida, não chore. Não chore. — Ele esfregou as costas dela, apavorado com a escassez que fazia um contraste tão grande com o volume da frente. — Sou eu que sinto muito. Eu afastei você. É minha culpa. A culpa é toda minha.

Ele continuou a acariciá-la, a inspirar o aroma doce dos seus cabelos, a senti-la quente e mole em seus braços como ele pensara que ela poderia nunca estar novamente. Paige tentou controlar as lágrimas, mas elas continuavam a fluir como se viessem de uma represa que tinha explodido. A proximidade de Jesse, seu toque, tão maravilhosamente doce, apenas aumentaram a torrente.

— Shhhh. Está tudo bem. Shhhh. — Jesse fechou os olhos e soube que tinha recebido um presente. Paige estava bem. Estava ali. Ela o estava abraçando. Enfiando o rosto mais fundo no pes­coço dela, ele gemeu. — Meu Deus, eu... amo você...

Paige retomou a respiração com um soluço, sem ter certeza se ela apenas imaginara seu sussurro rouco porque queria muito ouvir aquelas palavras. Ela escondeu os olhos nos ombros dele, agarrou seus braços e puxou para trás. Os olhos dela continham incerteza, descrença, esperança.

— O que você disse? — perguntou ela, vacilante, em seguida, levantando os braços, estupefata, para tocar os pequenos córregos úmidos no seu rosto.

— Estraguei tudo, Paige — ele conseguiu dizer. O olhar dele estava enevoado, e ele só queria enterrar o rosto nela até se recom­por. Mas havia tanto a ser dito, e, como ela já havia visto as lágri­mas dele... — Eu sei que fiz você passar o diabo nesses meses, mas também sofri hoje. — Ele deu um suspiro trêmulo. — Tem sido difícil para mim... aceitar tudo isso, porque... é contrário a tudo que pensei que queria na vida. Mas, quando estava correndo por aí, apavorado, sem saber onde você estava ou se estava machucada ou mesmo viva, percebi que o que pensei que queria não servirá mais. Eu pensava que o verdadeiro inferno da vida seria amar e perder, e me recusei a ser vulnerável. Com você, não consegui evitar. Fugi no último verão porque estava apavorado, mas não consegui ficar longe. Acho que compensei negando o que sentia, resistindo, me esforçando para matar o que achava que podia me ferir. O verdadeiro inferno de tudo é que eu sofria de qualquer maneira. O pensamento de que tinha perdido você hoje, antes de ter dado a esse amor uma chance, quase me matou.

248  Barbara Delinsky

Ele parou para limpar as lágrimas do rosto dela, ciente do espanto no seu rosto.

— Sei que não tenho o direito de lhe pedir isso. Você deve me odiar por tudo que fiz. Mas... — A voz dele enterneceu, ainda trê­mula. — Mas gostaria de outra chance, Paige. Gostaria de outra chance para mostrar o quanto eu... eu amo você. Talvez, com o tempo, você pudesse... pudesse me amar novamente?

— Eu o amo.

O coração de Jesse deu voltas. Não foi tanto pelas pequenas palavras, mas pela maneira como ela as pronunciara que ele fora às nuvens. Elas foram ditas calmamente, objetivamente, com a mesma autoconfiança que o tinha cativado desde o começo.

— Você me ama?

Ela assentiu, repentinamente imbuída de uma força que su­perava quaisquer efeitos do sedativo.

— O amor não é algo que começa e para, Jesse. Está aí. Não desaparece. Mesmo que você não voltasse depois de ir embora em agosto, eu continuaria amando você. — Os olhos dela ficaram úmidos novamente. — Para mim, o inferno estava em amar você e, dia após dia, ter que enfrentar sua indiferença. Sinto muito por não ter dito que queria um bebê...

Ele deteve as palavras dela com seu longo dedo.

— Shhh. Talvez você estivesse certa quanto a isso. Eu jamais teria consentido na época. Mas, certamente, forçou a questão, e eu quero muito esse bebê.

— E quando ele estiver irrequieto, chorar e perturbar seu trabalho? E quando tivermos planos de sair e a babá cancelar no último minuto? E quando quisermos fugir de tudo por alguns dias?

— Quando ele estiver irrequieto, eu o embalarei para dormir. Quando a babá cancelar, nós chamaremos outra. Quando qui­sermos fugir de tudo, iremos a Westport. Você tinha as respostas todo o tempo. Sou eu quem sempre vê o lado escuro. E não estou dizendo que posso mudar da noite para o dia. Os temores de toda uma vida não são fáceis de apagar. Mas vou tentar. Que se dane, Paige, vou tentar. E, se estiver disposta a me ajudar...

O olhar de alegria no rosto dela levou a disposição um passo adiante. Ela o abraçou, comprimiu seu rosto recém-corado contra o peito de Jesse, enquanto os braços dele completaram o círculo.

Foi assim que a enfermeira os encontrou quando enfiou a ca­beça no quarto alguns minutos depois. Sorrindo de satisfação por sua paciente estar melhorando, ela saiu de fininho.

Oito semanas depois, Paige e Jesse estavam na mesma posi­ção. Era uma cama diferente, um hospital diferente, uma ocasião diferente, mas o abraço deles não era menos apertado, e seus co­rações não continham menos alegria.

— Ela é linda, Paige. Como você.

— Um pouco vermelha e enrugada, não acha?

— Não. Viu aqueles dedinhos?

— A-hã. Todos os dez.

— Meu Deus, eles são uma gracinha. Acho que ela sente cóce­gas. Quando eu toco a sola dos pés dela, seus dedos se enroscam.

— É instinto.

— E sua boca... Já viu alguma coisa tão meiga? Toda rosa e franzida...

— É meiguinha, não é?

— Ela é, certamente, uma vencedora. Liguei para os seus pais. Eles estão loucos de felicidade!

— Ahh, eu sabia que eles ficariam.

— Mal podem esperar para ligar para seus irmãos. Também liguei para Sandy, Frank, Tom, Margie e Ben, que, por falar nisso, disse que não consegue vencer quando aposta comigo. Ele apos­tou num menino.

— Pobre Ben. Disse a ele como você se esforçou?

— Claro. Se não tivesse sido por mim, você nunca teria sabi­do quando parar de respirar fundo e começar a ofegar.

— Hmmm. As mulheres são bastante impotentes em situa­ções como essa.

— Tudo bem, tudo bem. Então, você poderia ter se virado. Mas eu é que teria me sentido impotente se tivesse ficado do lado de fora, andando de um lado para o outro. Ainda não consigo acreditar. Quando o topo da cabeça dela apareceu...

— Acho que você viu mais que eu. Terá que me contar tudo a respeito em algum momento.

Fitando os olhos adoráveis de Paige, Jesse balançou a cabeça, maravilhado.

— Nossa filha tem um grande futuro. Ela é uma menina de sorte.

— Nós temos sorte. Isso apavora você?

— Um pouco. Nunca sonhei que poderia ser tão feliz. Obri­gado, Paige.

— Eu que agradeço a você, Jesse.

Naquele exato momento, o berço onde sua filha estava foi trazido por uma enfermeira radiante. A criança estava fazendo com que ela própria e suas necessidades fossem conhecidas. Jesse e Paige olharam na direção dela, depois, se entreolharam e riram de prazer. Jesse deu um beijo afetuoso na testa de Paige, se levan­tou para pegar a filha e a entregou à mãe.

 

 

                                                                  Barbara Delinsky

 

 

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