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O TIGRE E A TUMBA / Bonnie Vanak
O TIGRE E A TUMBA / Bonnie Vanak

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Serie Guerreiros do Vento

Livro II

O TIGRE E A TUMBA

 

A única opção que Lady Katherine tem para evitar que seu pai seja injustamente acusado de ladrão é roubar ela mesma o mapa de uma tumba perdida e encontrar o tesouro que se esconde clandestinamente. O que Catherine desconhece é que Ramsés, seu adversário, é um dos homens mais perigosos do deserto; um autêntico sedutor que derrete a qualquer mulher com seu olhar cor âmbar, as carícias de seus lábios e a delicadeza de seus braços. Assim, e apesar de todas suas precauções, a jovem dama sucumbe ao encanto daquele ao que chamam o tigre e se entrega a ele nas areias do deserto. Só depois, ambos descobrirão que suas vidas estavam já predestinadas desde o tempo de seus ancestrais para compartilhar o amor que se professam na mais selvagem das aventuras que possam imaginar...

 

                     Akenaton - Egito 1893

—Ladrões de tumbas!

Aquelas palavras retumbaram na imensa cova de pedra. As paredes se agitaram com uma força estremecedora. O pó milenário parecia tremer ante sua furiosa presença.

Nazim Ramsés bin Seti Sharif dirigiu o olhar aos homens que acabava de surpreender. Quatro homens egípcios com thobes largos como saias e um inglês pálido apartaram a vista do antigo papiro que acabavam de desenterrar. O mapa da mina de ouro, a chave para achar a tumba de Rastau. Durante milênios, a tumba de seu antepassado, que guardava incalculáveis tesouros, tinha sido um segredo sepultado pelo tempo.

Ele era um Guardião dos Séculos, um guerreiro que tinha feito o juramento solene de proteger seus antepassados os reis. Estava acostumado a tomar no café da manhã ladrões de tumbas. E aquela manhã estava morto de fome.

Retirou a cimitarra de sua capa e a brandiu no ar. A luz da tocha refletiu o brilho do aço mortal. Agarrou o extremo de seu turbante azul anil e cobriu o rosto ante seus inimigos. Continuando, levou-se a mão ao coração e logo aos lábios, um ritual Khamsin de honra antes da batalha.

— Sou Nazim Ramsés bin Seti Sharif, Guardião dos Séculos. Soltem as relíquias sagradas imediatamente!

— O que é que está acontecendo aqui?

A autoritária voz de seu xeique, Jabari bin Tarik Hassid, ressonou na tumba. Ramsés percebeu que o ladrão inglês tirava uma pistola e o resto de seus homens desembaiavam suas espadas.

Ouviu-se um disparo. O Guardião se lançou habilmente ao chão com uma cambalhota e ordenou a Jabari que se agachasse. Levantou-se de um salto, deu uma rasteira no homem armado e lhe atirou uma faca. O homem caiu no chão entre gemidos, sujeitando o peito. Ramsés lhe retirou a pistola. Jabari se apoiou na parede, com o rosto crispado pela impressão.

— Atreve-se a agredir a pessoa que jurei proteger!

Depois de lançar um grito uivante, ao que se seguiu o de Jabari, Ramsés foi para cima deles. O inglês se desmaiou, desabando no chão, sendo habilmente esquivado por Ramsés, enquanto seu companheiro se ocupava do restante. Bramando pelo poder que lhe outorgava a justiça, Ramsés sentia que o espírito de seus antepassados fluía em seu interior.

— Que nossos antepassados castiguem aqueles que perturbam seus lugares de descanso sagrados! Aquelas palavras retumbaram na cova como uma profecia maléfica.

De repente uma das cinco resplandecentes tochas se apagou. Os homens, assustados, benzeram-se contra o mau olho.

— Me digam seu nome e suas vidas serão perdoadas, disse Ramsés, assinalando o inglês que estava no chão.

— B…Burrells, balbuciou um dos homens.

Ramsés assentiu com a cabeça.

— Levem-no. Não quero que seu corpo profane este recinto sagrado.

Sem mediar palavras, os ladrões de tumbas levantaram o corpo do inglês ferido e fugiram correndo do lugar.

Jabari dirigiu seu olhar à tocha apagada.

— Juraria que foram nossos antepassados quem a apagou. Ou foi você?

O Guardião não respondeu. Guardou o mapa antigo em seu binish, aproximou-se do sarcófago e se ajoelhou. Cravou a espada no chão e apoiou as mãos em seu punho. Ao inclinar a cabeça, Jabari se uniu a ele. Depois de mostrar seus respeitos com uma oração, os homens ficaram em pé, limpando e embainhando suas espadas. A seguir abandonaram a tumba, assegurando-se de voltar a selar a entrada, e desceram pelo leito do rio seco onde lhes aguardavam suas éguas.

—Disse que esperasse fora, reprovou Ramsés a seu amigo enquanto cavalgavam pela garganta. Como vou proteger sua teimosa pele se não me levar em consideração?

O xeique lhe lançou um olhar feroz, um desses que teria convertido o guerreiro mais valoroso em um saco de nervos.

— Não necessito nenhum guardião, resmungou Jabari.

— Ofende-me. Ramsés subiu a manga direita do binish e a camisa estilo kamis³ até seu musculoso braço superior. Apontou um falcão de cor azul. A marca do clã de Jabari que se tatuou ao ser nomeado Guardião.

— Sua vida depende da minha própria, meu braço direito sempre te protegerá, permanecerei sempre a seu lado para guardar seus passos com minha vida, até o ponto da morte. Juro-o solenemente como Guardião dos Séculos. Enquanto descia as mangas, Ramsés pronunciou o voto que tinha jurado quando alcançou a idade adulta.

A expressão de irritação desapareceu do rosto de Jabari.

— É um voto pelo que me sinto profundamente agradecido, Ramsés.

— Não consigo me acostumar a esse nome, admitiu Ramsés, apesar de que o utilizava com as mulheres nas casas do Cairo. Durante vinte e seis anos tinha sido Nazim. Com seu casamento à vista, se ateve à tradição ancestral dos guardiões e assumiu um novo nome.

— Quando se casar, deixará de ser conhecido como Nazim e levará o nome do faraó que foi o maior guerreiro do Egito. Só quero te preparar para isso, disse Jabari serenamente.

Ramsés espantou uma mosca da crina de seu cavalo enquanto se perguntava que aspecto teria sua noiva. Era uma parenta distante. Filha de um conde inglês e um membro da família real egípcia. Lady Katherine Smithfield se comprometeu com ele em seu nascimento, dezoito anos atrás. Meio samak tal como estavam acostumados a chamar os ingleses. Magra, pálida e fria. Como iria querer a semelhante mulher? Um sentimento de angústia se apoderou silenciosamente dele.

— Vou me casar com uma mulher que é meio inglesa, murmurou.

— Que metade acredita que será a inglesa? Brincou Jabari.

— A metade superior, suponho. As mulheres inglesas são tão frias como o clima de seu país, disse Ramsés, encolhendo os ombros.

— Começam sendo frias, mas a arma do guerreiro do amor aviva lentamente seu núcleo interior, disse Jabari timidamente. Citou um antigo provérbio árabe “A paciência é a chave da liberação…”

—“… e ao final da noite, ouvirá fortes chiados”, terminou Ramsés. Paciência? Com elas o segredo dos cem beijos não é suficiente. Agora é o segredo dos mil beijos.

— O guerreiro do amor jogará sua última semente ao ar no Cairo no próximo mês e se retirará, com a arma esgotada, além de seus lábios, burlou-se dele Jabari. Por que perder tempo com damas inglesas?

— Porque desfruto me deitando com viúvas de ingleses condescendentes que acreditam que os egípcios são muitos estúpidos para dirigir seu país. Os ingleses são todos iguais. Miúdos, como suas mentes e outros… órgãos, gabou-se Ramsés. São ambiciosos e de pouca confiança.

— E o que me diz de seu sogro inglês? Não confia nos ingleses, mas está disposto a mostrar para lorde Smithfield o mapa? Revelar-lhe o lugar da tumba oculta com a mina de ouro?

O hábil giro que tinha feito seu amigo de suas próprias palavras lhe deixou sem fala. Jabari não confiava no conde, apesar de ter concordado associar-se a ele para a exploração da mina de ouro. Os Khamsin necessitavam que lorde Smithfield os avalizasse para adquirir uma equipe e poder extrair o ouro que tanto necessitavam para a educação de seus filhos. Ramsés desejava que seu antepassado não descansasse no mesmo lugar que o ouro.

Ramsés se apressou a tranquilizar a seu xeique.

— Jurará silêncio ou a pagará muito caro, disse ele com gravidade, levando a mão ao punho da cimitarra. Percebeu o olhar de assombro de Jabari e acrescentou. — O conde concordou em assinar um acordo prometendo que jamais revelaria os segredos de nossa tribo. E isso inclui a tumba.

—E sua esposa? Às mulheres adoram falar, franziu o cenho Jabari.

—Ela só sabe que me chamo Nazim. Não tem nem idéia de que seu pai se associou conosco para explorar a mina. Ele prometeu não contar até depois do casamento. Ramsés respirou fundo. — Confio nele.

O xeique grunhiu.

—Eu não. Mas confio em ti, Ramsés.

Aquelas palavras lhe carregaram de responsabilidade.

Jabari tinha autorizado Ramsés a revelar um importante segredo Khamsin, deixando o futuro da tribo nas mãos de sua aliança com o conde. Mas nenhum deles tinha previsto que um ladrão de tumbas inglês pudesse dar com o inestimável mapa. Uma sensação de desassossego se apoderou dele. Seu instinto lhe dizia que Burrells não tinha morrido. Havia olhado nos frios olhos azuis daquele homem e tinha visto o brilho da avareza pelo ouro. Burrells faria algo para encontrar o mapa. A diferença dos guerreiros do vento Khamsin, carecia de honra. Nada o deteria.

Cairo, um mês mais tarde...

Lady Katherine Kalila Smithfield, descendente de gerações de lordes ingleses e membros da realeza egípcia, empreendeu uma missão que lhe outorgava um novo título. O de ladra.

Sua vitima era um egípcio chamado Ramsés em cujo poder estava o mapa de uma mina de ouro que continha uma tumba cheia de tesouros. Com todas as forças que lhe permitia seu diminuto corpo, lady Katherine se abriu passo para seu destino. As ruas do Cairo buliam com a habitual atividade frenética dos muito ricos e os muito desesperados. Cheirando em busca de migalhas, um cão com as costelas marcadas passou como uma flecha atrás das rodas de um gharry (carruagem). Uma dama inglesa que saía de uma loja de antiguidades abriu seu guarda-sol e esquivou a mão suplicante de uma menina cega que mendigava. A Katherine lhe encolheu o coração ao ver a menina. Introduziu a mão em sua bolsa de mão e deixou cair umas moedas no pote de lata da menina. Ao voltar-se para partir, uma mão cheia de imundície lhe segurou as saias. Katherine se inclinou para soltar-se.

—Senhorita, disse-lhe a menina com a voz apagada. Mantenha-se afastada da tumba. Tome cuidado com a maldição.

Olhou fixamente à órfã, com a boca seca como areia.

—Que maldição? Sussurrou ela.

—Todo aquele que entre na tumba para ficar com seus tesouros, morrerá, disse ela em um tom impassível, com seus olhos sem vida olhando à frente.

Katherine agachou e sujeitou a manga em farrapos da menina.

—Por favor, me conte mais. Mas a menina começou a cantar para si mesma, absorta em seu mundo

Com o coração em um punho, Katherine ficou em pé e saiu disparada. Aquela menina não sabia nada. Havia tocado a suave seda de seu vestido e tinha deduzido que era inglesa. Os exploradores ingleses e os ladrões de tumbas eram tão frequentes no Egito como os grãos de areia que percorriam as ruas do Cairo. “Só queria me assustar” Entretanto, Katherine não pôde evitar voltar a cabeça e jogar um olhar por cima do ombro. Seus olhos ansiosos procuraram à menina.

Tinha desaparecido como gotas de água no deserto.

Dominando sua confusão, Katherine saiu disparada. As maldições não eram nada comparadas com a ameaça que se abatia sobre sua cabeça como uma espada pendendo de um fio. Se não conseguisse recuperar o mapa. Foster Burrells e seu sócio, lorde Esteja, fariam uma armadilha a seu pai e lhe incriminariam por ter roubado um amuleto do museu de Giza — “Na prisão do Cairo acontecem coisas, havia-lhe dito Burrells com um sorriso malicioso. Os homens morrem. Quer ver morrer a seu querido pai?”

Katherine se mordeu o lábio. Desejou não haver implorado a seu pai que a levasse ao museu de Giza. Ele tinha organizado uma visita privada ao museu com Burrells, o encarregado do museu, e Esteja, patrono do museu e inspetor geral do Serviço de Antiguidades Egípcias. Um amuleto de ouro da deusa gato egípcia chamou a especial atenção de seu pai. Pediu permissão para examiná-lo e lhe embargou uma profunda pena porque se parecia muito a um que usava sua mãe. Seu pai jurou tê-lo devolvido. Acreditava nele.

Katherine apertou o passo. O majestoso edifício do hotel Shepheard se elevava imponente frente a ela. Através de uma terceira pessoa, havia ficado de encontrar-se no hotel com Ramsés, um criador de puros-sangues árabes, para informar-se da possibilidade de cruzar sua égua com seu garanhão.

Tinha o tempo justo para tomar o habitual chá com suas amigas antes de sua entrevista com Ramsés. Katherine subiu as escadas em direção à varanda. Os turistas estavam sentados em cadeiras de latas, tomando chá quente. Suas conversas entrecortadas lhe crisparam os nervos. A fumaça dos cigarros fazia com que lhe ardesse o nariz. As cabeças dos homens se voltavam a cada passo seu. Os sorrisos se desvaneciam ao ver seu rosto. Apareciam as caretas de desprezo. A cicatriz em sua bochecha esquerda. Sempre olhavam com repugnância. Sempre.

Katherine ocultou sua bochecha com uma mão trêmula. Pensou em seu segundo nome e o significado irônico da Kalila. Jamais nenhum homem a chamaria “querida”. Reprimiu as lágrimas e entrou no vestíbulo. Os candelabros de cristal projetavam uma luz tênue sobre os hóspedes. Colunas esplêndidas rodeavam vasos com fragrantes flores. Sujeitou-se o véu que tinha comprado nos zocos (mercados tradicionais) e a seguir, levou-se a mão ao vestido. Egito em sua mão, Inglaterra em seu corpo. Como suas duas metades, chocavam entre eles. Com o desejo de que o véu ocultasse para sempre sua cicatriz, Katherine subiu as escadas correndo para tirar-lhe.

Ao voltar, quando se dirigia ao salão, encontrou-se com três membros da Incline Pyramid Society sentadas em um divã vermelho. Belas inglesas loiras e rosadas com peles de pêssego e cremosas pensou Katherine com nostalgia. Dois homens que passavam por ali as olharam fascinados. Suas amigas não os advertiram. Com os olhos famintos como meninos observando uma bandeja de bolos, contemplavam absortas a um homem situado no outro extremo da habitação. Atuando com toda a normalidade da que foi capaz Katherine saudou afetuosamente às mulheres e retirou uma cadeira para sentar-se.

As três cabeças se voltaram para ela, pronunciaram lânguidos “olas” e voltaram a concentrar-se no objeto de sua fascinação.

— A quem estão olhando? Perguntou ela, intrigada, enquanto um garçom lhe servia o chá em um conjunto de resplandecente prata.

— Alguém de quem ouvimos falar. RAM. Conhece-lhe por tratar desordens relacionadas com a histeria, respondeu a senhora Hunt com a voz distraída.

— Desordens relacionados com a histeria? Disse Katherine, franzindo o nariz.

— Já sabe, querida. Coisas de mulheres.

Encolhendo os ombros, Katherine levantou seu caderno e começou a ler em voz alta para iniciar sua discussão diária a respeito das pirâmides.

— Quando Napoleão liberou sua batalha ante a Grande Pirâmide, em 1798, destacou o fato de seu imenso tamanho…

— Tamanho, disse arrastando as palavra lady Fitzwilliam, uma jovem viúva. Me disseram que a sua é digna de admiração.

Katherine voltou a tentar.

—Flinders Patrie riscou o mapa do interior da Grande Pirâmide utilizando um tripé fixo de 70 centímetros…

—Indiscutivelmente rígido. Mas setenta centímetros? Disse entre risadinhas a senhora Simmons, cujo marido era um agregado militar.

—É obvio que não, zombou a senhora Hunt, uma mulher bem dotada de peito. É um exagero. Inclusive para um guerreiro do amor.

Katherine pegou um pedaço do sanduíche de pepino e sorveu um pouco de chá. Obstinadamente, prosseguiu com sua leitura.

—O senhor Petrie advertiu que o teto da estadia do rei se apóia em postes cravados na parede…

—Cravados, disse lady Fitzwilliam em tom sonhador.

Katherine fechou o caderno.

—Senhoras, se não quererem conversar sobre as pirâmides, possivelmente deveríamos abordar outro tema.

—O fato de saber abordar é muito importante na doença da histeria, meu médico na Inglaterra sempre o dizia, observou a senhora Hunt.

Médicos. Por fim algo sobre o que ela podia falar.

—Eu adoro a medicina. Nosso médico na Inglaterra me ensinou algumas técnicas de cura quando atendia a arrendatários em nossa propriedade. Inclusive lhe ajudei a retirar uma bala de um paciente ferido em um acidente de caça.

As três cabeças se voltaram para ela, sobressaltadas, para continuarem ignorando-a de novo.

—Meu médico é um férreo partidário do manipulador do doutor George Taylor.

Os olhos de Katherine se abriram.

—O que é um manipulador?

Lady Fitzwilliam dirigiu o olhar para onde estava ela.

—Um aparelho muito útil acionado por vapor. Muito estimulante, mas ruidoso. Vibra e exerce uma excelente massagem na zona feminina.

—Me disseram que RAM cura a necessidade de um manipulador, advertiu a senhora Simmons. Suas pacientes se sentem muito relaxadas depois de submeter-se a seu tratamento. E sem necessidade de fatura.

Lady Fitzwilliam sorriu. Sob o tom de voz.

— Poderia me render a uma das massagens de RAM depois de estar no alto de um camelo toda a manhã. Montar me põe histérica.

— RAM também é um bom cavaleiro, dizem.

As três começaram a rir. Aqueles sugestivos comentários provocaram um acesso de calor em Katherine. Sem encontrar-se muito bem, quis compartilhar sua experiência.

—Sinto falta da minha égua, Jenny. Em Londres estou acostumada sair cada manhã com ela a galopar pela pista em Row. No Egito há poucas possibilidades de sair para montar, suspirou Katherine.

—Depende do tipo de equitação que faça cada um, querida, acrescentou a senhora Hunt sabiamente.

O objeto de sua atenção voltou a cabeça, deixando entrever seus finamente cinzelados traços. Ao vê-lo, Katherine conteve um grito afogado. Seu coração se deteve ante semelhante demonstração de perfeição varonil.

—Diz que se chama RAM? Perguntou ela, incapaz de apartar a vista dele.

—Em realidade se chama Ramsés, retificou lady Fitzwilliam.

Ramsés O mesmo homem a que devia roubar o mapa! Ficou boquiaberta. De repente, as olhadelas e risadinhas das mulheres cobraram sentido. Um homem de semelhante beleza podia fazer com que as mulheres se estremecessem de excitação ante seus tratamentos de histeria.

Cachos escuros com mechas castanhas se sobressaíam de seu turbante azul anil. Uma mandíbula marcada e um firme queixo emolduravam um formoso rosto que constituía uma curiosa mescla de traços europeus e egípcios, uma barba perfeitamente recortada e um bigode não conseguiam ocultar uma boca generosa que parecia estar habituada à risada.

Mas tinha chegado muito cedo. Katherine deve ter comunicado a seu contato, o vendedor de ouro dos zocos, uma hora incorreta. Katherine ficou a pensar rapidamente e idealizou um plano. Despediu-se das mulheres e se dirigiu ao vestíbulo.

Uma mão ossuda lhe sujeitou o pulso. Ao ver um homem miúdo de turbante branco que lhe sorria, Katherine deixou escapar um grito afogado.

— Lady Katherine, disse ele em árabe, você me mandou uma mensagem antes. Estava procurando-a.

— Me largue, Mohammed, ou arruinará meu plano, sussurrou-lhe ela.

Lançou-lhe um olhar lascivo.

— Posso ajudá-la se cooperar comigo, disse e passou a língua viscosa pelos dentes amarelados.

— Não necessito sua ajuda, replicou Katherine, soltando-se de um puxão.

Os olhos do homem quase se fecharam até converter-se em pequenas frestas.

— O sol do deserto queima como o mesmo inferno, mas é o paraíso comparado com o que seu pai sofrerá se não conseguir o mapa. Estarei te vigiando.

Observou aquele homem enquanto abandonava o lugar, reprimindo uma náusea que lhe subia pela garganta e saiu disparada para seu quarto.

Uns minutos mais tarde, voltou a aparecer no piso de baixo. Um véu negro ocultava seu rosto inferior. As dobras de uma abbaya (túnica negra que cobre a cabeça e o corpo das mulheres muçulmanas) negra folgada ocultavam um moedeiro e uma pequena faca atada a seu quadril.

Katherine passou uma nota a um garçom para que entregasse discretamente a Ramsés.

“Sua entrevista te aguarda no salão para fumantes, ao final do corredor”

Escreveu em perfeito árabe. Continuando, situou-se atrás de uma samambaia plantada em um vaso de barro para observar.

Ramsés leu a nota e ficou em pé. Katherine percorreu seu corpo com o olhar, centímetro atrás de perfeito centímetro. Usava uma calça azul anil por dentro de umas botas de couro brando. O casaco, também azul anil e de amplas mangas que cobria suas largas costas, chegava-lhe até as coxas. Uma larga cimitarra e uma faca penduravam de seu cinturão. Irradiava uma estranha aura de confiança e escuro perigo. Sua esperança se afundou com maior rapidez que uma pedra no Nilo. Muito para conseguir o mapa com uma faca. O que era uma pequena faca comparada com o temível pedaço de aço que levava ele? Um calafrio lhe percorreu as costas. O feroz guerreiro tomaria represálias se a descobrisse. Mas tinha que arriscar-se.

Ramsés se aproximou dela com a suavidade do movimento de um gato. O guerreiro a deixou sem respiração, como se lhe arrebatasse o ar que subia por sua garganta. Ao aproximar-se, ela pôde lhe ver os olhos. De um marrom escuro dourado, tão sonhadores e imensos como a lua cheia. Estes examinaram o vestíbulo em atitude crítica e se detiveram perto de seu esconderijo. Os magníficos passos do belo guerreiro e seus ardentes olhos âmbar se pareciam com os de um tigre que tinha visto em sua infância. Mas sua boca tinha uma expressão amável. Confiava em que oferecesse sorrisos em lugar de palavras cruéis.

Uma fragrância especial de cravo persistia a seu passo. Ante sua imponente presença, um sobressalto místico se apoderou dela. O guerreiro parecia pertencer ao antigo Egito do mesmo modo que o mapa que ela procurava. Katherine imaginou que a ascendência de Ramsés dataria da mesma época. Suas amplas costas eram como as dos antigos reis e lhe conferiam um ar de dignidade.

Katherine se armou de valor e percorreu o corredor até chegar à habitação. Girou o pomo da porta e lançou um olhar em seu interior. Ele permanecia de pé junto à diminuta janela com portinhas, de costas a ela. A escassa luz de uma lâmpada projetava sombras que dançavam no tapete. Ela se embriagou só de contemplar sua imagem, que parecia estar examinando a janela, com as mãos entrelaçadas nas costas.

Katherine entrou na habitação, fechou a porta e se aproximou sigilosamente dele. Alertado por sua presença, Ramsés lhe falou por cima do ombro.

— É a mulher que estou procurando?

— Só se você for Ramsés, respondeu Katherine com doçura. Falava o árabe das tribos do deserto, e lhe respondeu em seu mesmo idioma, sentindo-se afortunada por havê-lo estudado.

— Esse sou eu. O que quer de mim? Sua voz era um profundo e penetrante ronrono, uma cadência sedutora que acariciava seus nervos, fazendo-os estremecer de desejo.

— Sim, disse ela em um entrecortado suspiro.

— A nota que me deu o vendedor de ouro dos zocos dizia que me desejava ver pelo serviço dos garanhões, por que tanto segredo?

A seguir sua voz mudou, fazendo-se mais profunda e penetrante.

— Será que o serviço que solicita… não requer cavalos?

As mãos de Katherine estavam empapadas de suor.

— Ouvi que te chamam de guerreiro do amor, espetou ela, pensando rapidamente.

Uma fina fresta de luz entrou na habitação pela janela de portinhas, como o raio de lua sobre o Nilo. Katherine lhe aproximou pelas costas. Demonstrando uma graça selvagem, ele a rodeou. O escuro estrangeiro possuía os movimentos perigosos de um guerreiro. Este se umedeceu os lábios com a língua enquanto a estudava.

— Necessita a este guerreiro? Ronronou ele.

Deslizando-se para ele, Katherine podia sentir seu calor, a força que este irradiava como a aura do sol.

— Sim, respondeu ela brandamente e a seguir, desabou-se ante ele como se desmaiasse. Duas fortes mãos a sujeitaram e antes que pudesse alcançar seu bolso, puseram-na em pé.

— É muito impaciente, murmurou ele. Não tenha pressa, pequena. O amor não entende de pressas. Os beijos tampouco.

Ele aproximou a mão do véu. Ela gritou, presa de pânico.

— Espera! Apaga a luz. Não pode ver meu rosto.

Seu tom de voz revelava certa brutalidade.

— Por que?

Katherine tentou encontrar uma desculpa.

— Não posso me arriscar a que conte a alguém o que faremos.

Ramsés lançou um grunhido, cruzou a habitação e apagou o abajur, deixando a habitação quase às escuras. Ramsés se aproximou de Katherine com porte lânguido. A um suspiro dele, o coração do Katherine triplicou sua cadência.

— Agora tenho algo que te pedir. Beije-me, ordenou-lhe ele.

Teria que lhe seguir a corrente ou do contrário suspeitaria. Katherine tirou o véu e o deixou cair. Apoiando as mãos nos magros quadris de Ramsés, ficou nas pontas dos pés e pressionou seus lábios contra os dele. Ao separar-se, percebeu que algo rangia sob sua palma direita. O mapa!

Ramsés riu.

— Isto não é um beijo, disse-lhe docemente.

Sujeitou-a pelo queixo com sua forte mão e aproximou seu rosto ao dele. Com a outra mão lhe rodeou a cintura e a estreitou fortemente contra ele. Equilibrou-se sobre sua boca, lhe devolvendo seu inocente beijo de menina com o de um homem apaixonado.

Uma sensação de terror lhe percorreu as costas, logo desapareceu com o desejo de seu beijo. Seu forte corpo contra seus peitos. Uma vez esquecido o mapa, Katherine se aferrou a forte amplitude de suas costas, a boca de Ramsés a incitava, provocava-a e ela não pôde a não ser deixar escapar um fraco gemido quando ele a obrigou a abrir os lábios e martirizou sua língua com hábeis estocadas mortais. Aquele tigre dourado a tinha capturado com seu forte abraço e tinha afetado cada nervo de seu corpo trêmulo. Seus sentidos rugiram com vida própria.

Ao lhe passar a mão pelas costas, o tato ardente do guerreiro a queimou através da abbaya. Massageou-lhe a nuca, passou-lhe os dedos pelo cabelo. O belo guerreiro a despojou de sua boca, reclamando-a como dela. Katherine foi arrastada por um torvelinho de sensações, como o vento Khamsin, o mais abrasador do Egito. Seus membros se desfizeram, seu cérebro ficou anulado. A seguir Ramsés lhe acariciou o lado esquerdo do pescoço, massageando delicadamente sua pele, percorrendo sua mandíbula, aproximando-se da cicatriz.

— Não! Grito ela, alarmada pelo simples pensamento de que ele pudesse descobrir sua deformação. Katherine retirou os lábios dos seus, apartando-se como se a tivesse golpeado. Ele a soltou.

— Quem é! Perguntou-lhe ele, dando um passo para trás, com os braços estendidos, como se quisesse voltar a estreitá-la entre seus braços. Tinha os lábios inchados por seu doce e selvagem contato.

— Não sou ninguém, disse ela entre soluços, com a verdade golpeando em seu coração. Katherine deu um passo atrás e pôs seu dedo naqueles lábios que tinham proporcionado tanta doçura a sua vista.

— Adeus, sussurrou ela, sujeitando o véu e escapando.

Saiu correndo do hotel em direção aos zocos, profundamente emocionada pelo poder do beijo de Ramsés. Estava convencida de que o vendedor de ouro que tinha organizado seu encontro conheceria alguém disposto a roubar o mapa em troca de uma boa soma de dinheiro. Katherine sujeitou o véu do rosto enquanto corria, sentindo que escapava de um tigre. Um tigre que a fascinava do mesmo modo que o filhote de tigre que lhe tinha machucado o rosto, condenando-a para sempre a ser objeto das cruéis zombarias dos homens.

— Volte, disse ele com um rouco suspiro.

Estava encantado. Ramsés permaneceu imóvel pelo impacto, conseguiu sair de seu estado de atordoamento e saiu correndo para o vestíbulo. Tinha que descobrir quem era! Olhou freneticamente a seu redor. Buscou-a como um possesso entre a multidão que se amontoava na habitação.

Acelerou-lhe o pulso. Ramsés se passou a língua pelos lábios, sentindo ainda seu sabor a mel. Sua virilidade vibrava e podia ser desatada. Depois de respirar fundo, procurou dominar seus instintos.

O medo à escuridão que sofreu na infância voltou a aflorar quando lhe pediu que apagasse o abajur. Ramsés compreendeu que aquela mulher queria intimidade. Seu beijo inocente lhe tinha assanhado. Aquela mulher tinha muito que aprender. Sorriu maliciosamente, recreando-se na possibilidade de lhe ensinar.

Acreditava estar completamente satisfeito de procurar prazer nos suaves braços das mulheres. Normalmente, esquecia às mulheres logo que abandonava seus leitos. Mas jamais esqueceria aquela mulher. Seu encanto tinha provocado nele um grau de excitação insuportável. Aquele beijo lhe tinha proporcionado umas poucas gotas, insuficientes para saciar sua sede asfixiante. Em lugar disso, tinha-o enlouquecido, fechando sua garganta dolorosamente. Ramsés se sentia como um homem no meio do deserto ao que lhe permitia dar um pequeno gole de um resplandecente oásis antes que se desvanecesse.

Nem sequer tinha conseguido ver seu aspecto! Ramsés fechou os punhos. De repente se lembrou e sorriu. Um brilho de luz brilhou em seus olhos. Seus olhos desprendiam um brilho parecido ao de uma estranha jóia Safira? Esmeralda?

Miúda mulher. Tão diferente das que estavam acostumados a entregar a ele. Ao dia seguinte, naquele mesmo hotel, assinaria seu contrato de casamento, poluindo sua estirpe com sangue inglês. A verdade feria seu orgulho. O tataravô de Ramsés era inglês. Não odiava os ingleses por sua cultura. Menosprezava-os porque ele mesmo era meio inglês. A mente de Ramsés afugentou os pensamentos sobre lady Katherine. Sua mente estava muito obcecada com aquela bela estrangeira. Não se tratava de uma fria mulher inglesa, mas sim de uma mulher egípcia, cálida como as areias banhadas pelo sol.

De um modo ou outro, encontrá-la-ia. Em uma ocasião, brincando, Jabari havia dito que, quando se tratava de conseguir o que queria, Ramsés era tão feroz e implacável como um tigre. Seu amigo estava certo. Não permitiria que aquela dama misteriosa lhe escapasse. Perseguiria até a última mulher do Cairo. Percorreria todas as ruas e becos. Ardia por ela, desejava-a com todas suas forças.

Faria algo para passar uma última noite de paixão com ela antes de assinar o contrato. De todas as formas a acabaria encontrando. E aquela doce boca voltaria a ser dele. Ramsés avistou ao garçom que lhe tinha passado a nota e lhe perguntou se tinha visto aquela mulher.

— Ela… ela saiu do hotel em direção aos zocos, gaguejou o homem.

Ramsés abandonou o Shepheard. O vendedor de ouro do Khan al Khalili que tinha organizado seu encontro lhe daria algumas respostas. Os zocos estavam a umas quantas quadras. Com passo decidido, Ramsés empreendeu a marcha para o exótico mercado ao ar livre do Cairo.

 

O homem que bloqueava seu passo não se movia.

O coração de Katherine começou a pulsar com força. O aroma acre de excrementos de animais e frutas podres impregnava o beco que conduzia ao Khan al Khalili. Estava dividido por especialidades em distintos setores: perfume, ouro e prata, luxuosos tapetes persas, espécies exóticas, roupa. Os becos também estavam acostumados a ser frequentados pelos malfeitores esperando pilhar despreparada a sua presa. Esse atalho lhe tinha parecido seguro até aquele preciso momento.

— Uma mulher sozinha. Aonde vai, preciosa?

— Por favor, me deixe passar.

Ao perceber o fedor a vinho e suor rançoso em forma de nuvem invisível que emanava daquele homem, Katherine enrugou o nariz. O homem alto e pançudo, vestido com um thobe (veste árabe), sorriu, deixando entrever seus dentes podres.

Katherine engoliu saliva e se endireitou tudo o que seu metro e sessenta lhe permitiu. Odiava tanto ser tão baixa! A ira se sobrepôs ao medo. Olhou fixamente ao corpulento homem.

— Me deixe passar. Agora mesmo, pedaço de animal

O fato de que quase fechava os olhos indicava que o insulto o tinha zangado. Katherine apalpou a faca no interior da abbaya.

O homem deu um passo adiante. A Katherine começaram a suar as mãos. Podia lutar contra ele, mas ele era mais alto e mais forte. Ninguém a resgataria. O terror se apoderou de seu coração ao imaginar levando-lhe arrastada, lhe cobrindo a boca com a mão para dissimular seus gritos…

— Deixa passar à dama. Uma voz profunda e autoritária, como a de um tigre, chamou sua atenção. Katherine se voltou para seu salvador em atitude de agradecimento, reprimindo um grito afogado.

Aí estava, com ar de espectador, seu guerreiro de olhos âmbar, como um gato selvagem estudando a sua presa. Suas amplas e musculosas formas irradiavam uma luz dourada no escuro beco. Com as mãos nos quadris. Ramsés se colocou diante dela. O guerreiro se converteu em um grande muro entre ela e o homem. Aquele gesto protetor a enterneceu, ao mesmo tempo que o pânico se apoderou dela. Tinha-a seguido! Mas por que?.

— Do contrário o que me vai fazer? Disse com desdém o homem gordo a Ramsés enquanto reduzia as distâncias.

— Eu nada. Mas isto sim. Ramsés tirou sua larga cimitarra da cintura. Volteou-a no ar seguindo o ritual e levou primeiro mão ao coração, logo aos lábios. Cobriu-se a parte inferior do rosto com o extremo do turbante.

— Importa-se afastar agora? Disse Ramsés em tom amigável. Suponhamos que é um homem de honra. Pode chegar a imaginá-lo verdade?

O homem tirou uma faca e deu um passo adiante. Ramsés assentiu com a cabeça, compreendendo a atitude desafiante do homem.

— Vejo que você gostaria de conhecer o Shukran, disse Ramsés, assinalando a espada em sua mão direita. Chamava a sua arma “obrigado”.

— Obrigado? perguntou-lhe seu assaltante perplexo.

— De nada, respondeu-lhe Ramsés arremetendo contra ele. Ramsés partiu o thobe do homem em dois, rasgando-o da cintura até os pés. Ramsés lhe levantou a saia rasgada com a ponta da espada.

— Você gostaria de perder algo mais? perguntou-lhe de forma muito significativa.

O homem ficou avermelhado e fugiu correndo. Ramsés fez uma reverência formal a Katherine.

— Senhora, a seus pés.

Durante uns minutos ela permaneceu imóvel, muda de assombro, agradeceu-lhe com a cabeça e saiu disparada. Ele não a tinha reconhecido. Ramsés só brincava de homem galante que assiste a uma dama em perigo. Katherine entrou em uma rua buliçosa, repleta de mercadores discutindo com compradores. Tecidos cor turquesa, azul marinho, carmesim e amarelo dispostas sobre barras formavam belos dosséis de cores.

Sem a menor dificuldade, seu salvador acomodou seu passo ao dela, quem ia dando apressadas pernadas. Ramsés tinha retirado o véu. Katherine sentiu que o poder de sua musculosa presença a protegia. Mais tranquila, tentava assimilar o novo giro dos acontecimentos. Parecia estar decidido a segui-la.

Sua voz deixou entrever preocupação.

— Os zocos não é lugar para uma mulher sozinha. Onde está sua escolta?

Ela manteve a cabeça agachada e os olhos cravados no chão, sem atrever-se a olhá-lo nos olhos. As mulheres egípcias eram humildes. Jamais olhavam a um homem nos olhos.

— Não tenho escolta. Mas não vai me acontecer nada.

— Não estou de acordo, disse ele soberbamente. Cairo está repleto de seres repugnantes como o que acaba de encontrar. Se me permitir, escoltar-te-ei eu mesmo. Seu tom indicava que não aceitaria um não por resposta.

— Estou em dívida contigo, sussurrou ela. Embora tenha que admitir que há algo que corrói minha curiosidade. Por que chamas “obrigada” sua espada?, Katherine o olhou com a extremidade do olho.

Seus olhos dourados resplandeceram de júbilo.

— Porque envia a meus inimigos voando ao paraíso. Como eles não são capazes de expressar sua gratidão, o nome de minha espada o faz por eles.

Ela reprimiu uma risada.

— Supõe que terminam ali? E se seu espírito viaja na direção contraria?

— Ah, não acredito. Minha mãe diz que ali todo o espaço está reservado para mim. Até o momento ninguém ousou questionar sua palavra, assim me asseguro que meus inimigos jamais me acompanharão.

A seguir começou a rir. Qualquer lugar com ele, inclusive as vísceras do hades, seria o paraíso.

— Não acredito que vá acontecer. Provavelmente, uma de suas boas ações, como resgatar a uma dama em perigo, faça-te merecedor dos prazeres do paraíso. Possivelmente o solicite para ti.

— Quem sabe, disse ele em voz baixa. A tenra súplica de uma mulher pode enternecer ao mais frio coração de pedra.

Sua voz profunda fazia com que seu corpo se estremecesse de desejo. Sentia-se perturbada por seu poder sobre ela e sua imponente presença. Quanto mais admirava suas amplas costas e seu ar de sereno domínio, mais aturdida se sentia. Aqueles olhos da cor do âmbar indicavam uma aguda inteligência. Katherine se mordeu o lábio.

— Concede-me a honra de seu nome? Eu me chamo Ramsés.

Sobressaltada, levou-se a mão ao rosto.

— Um nome muito bonito, balbuciou ela. Fica muito bem.

— Você acredita! Disse ele, voltando a cabeça para ela.

Katherine ficou a pensar a toda pressa.

— Ramsés o grande, o faraó guerreiro. Que profético seu pai ao escolhê-lo!

Ele deixou escapar uma sonora e intensa gargalhada. Encantou-lhe seu som e se regozijou nas ondas do rumor de sua risada. Absorta em sua conversa, Katherine cruzou a rua sem olhar.

— Cuidado! Gritou ele quando um carro de madeira repleto de tecidos de cores se precipitou a toda velocidade para ela. Ramsés lhe sujeitou os braços e a atraiu para ele. O tato de suas mãos poderosas, inclusive através do abbaya, produziu-lhe calafrios de desejo. Katherine recordou o modo em que lhe tinha acariciado o pescoço com seus fortes dedos.

— Ao parecer terei que me pegar mais a ti, já que tem tendência a te colocar em problemas, declarou ele.

Ela tragou saliva.

— Com esta é a segunda vez que me salva. Obrigado. Outra boa ação que acrescentar a sua lista. Possivelmente a influência de sua mãe não se arraigará e terminará no paraíso.

De repente, Ramsés lhe agarrou a mão. Acariciava-lhe os dedos com lentos e sensuais movimentos.

— Minha experiência com as mulheres me demonstrou que o paraíso também pode encontrar-se na terra, sussurrou ele.

Ela se atreveu a levantar a vista. Ele esboçou um radiante sorriso que anulou seus sentidos. A seguir lhe dedicou uma majestosa reverência, lhe oferecendo a rua como se estivesse pavimenta com ouro.

— Prosseguimos a marcha? Depois de você, bela moça.

Ela o cativava como nenhuma outra mulher. A intuição lhe dizia que tinha encontrado sua misteriosa donzela de olhos de pedras preciosas. Ramsés examinou aquela mulher miúda e de forte caráter que passeava a seu lado. Seus ombros, cobertos por uma abbaya negra, davam-lhe o ar distinto de uma mulher com classe. Sua boca… Reprimiu um sorriso. Possuía o espírito guerreiro de um homem.

Não podia situar seu sotaque, mas sua voz sensual lhe cantava com sua própria melodia. Sua forma de falar era a de uma pessoa com educação. Poucas coisas valorizava mais Ramsés que uma boa educação. Ele tinha aprendido a ler e a escrever com Jabari, posto que tinham compartilhado casa e professores no Cairo durante sua juventude.

Quando a figura miúda e de negro daquela mulher lhe passou por diante, deixando entrever semelhante elegância de movimentos, Ramsés ficou profundamente preocupado. Uma mulher sozinha nos zocos era um alvo perfeito para os vagabundos. A intrépida coragem que tinha demonstrado enfrentando-se a aquele malfeitor provocou sua admiração, por irresponsável que fora seu comportamento.

Agora, enquanto a olhava, andando a seu lado, a Ramsés assaltou sua habitual natureza curiosa. Quem era aquela mulher? Seu comportamento distante a diferenciava das demais mulheres Estaria casada? Nesse caso, para dominar a semelhante mulher, seu marido devia ser uma pessoa muito forte. Sentiu um acesso de ciúmes. Preferia pensar que não tinha marido.

— Onde vive? Está muito longe daqui? Perguntou ele esperando que sua resposta lhe proporcionasse alguma pista a respeito de sua identidade.

— Estou de visita. Não alojamos em um hotel próximo.

— Alojamo-nos, repetiu ele. Seu marido e você?

— Meu pai e eu. Eu não estou casada.

Sentiu que lhe levantava o espírito, ao tempo que crescia sua angústia Que tipo de pessoa permitiria que sua filha percorresse aquelas ruas sozinha? Ramsés se levou a mão ao punho da cimitarra, sentindo que despertava seu instinto de amparo.

— Assim que te apartaste da segurança do amparo de seu pai? Não deveria estar sozinha. Uma mulher sem um marido que a defenda necessita um pai que guie seus passos, repreendeu-lhe com doçura. “Se eu fosse seu marido, jamais te teria fora de minha vista”

— Não necessito nenhum marido que me defenda, permaneceu em silêncio e introduziu a mão no abbaya. Ramsés reparou em suas delicadas mãos, finas como a porcelana. Tirou uma afiada faca de prata. Levantou a adaga habilmente no ar e endireitou as costas.

Ramsés abriu os olhos e cravou o olhar na ponta afiada da arma. Aquela mulher estava armada e tinha adotado a postura de um guerreiro.

— Este é meu melhor amigo. Fazemos companhia um ao outro enquanto compro.

— Um amigo muito útil, sussurrou ele enquanto ela embainhava sua faca de novo e empreendiam a marcha. Este tipo de amigo pode evitar que lhe machuquem. Mas também podem causar problemas, especialmente se é uma mulher.

Um suspiro de indignação fez oscilar o negro véu.

— Acaso acredita que não posso me defender porque sou uma mulher?

— Efetivamente, declarou ele convencido. Ao menos de um homem.

Ela se deteve em seco e cabeceou. Naquele momento, Ramsés desejou poder lhe ver os olhos. Desprenderiam estes brilhos de desejo e paixão?

— Assim não acredita, disse ela em um tom insolente que guardava uma velada ameaça. Antes que pudesse pensar em uma resposta, houve algo que roçou seu binish. Um pouco afiado.

Katherine apontou a Ramsés com sua adaga no flanco. Os lábios de Ramsés formaram um enorme sorriso ante sua rápida e hábil reação. Ramsés não teve tempo de advertir que havia tornado a tirar a adaga. Aquela mulher possuía a astúcia e o sigilo de um homem!

— Admitirá agora que posso me defender dos homens?

Ele se passou o polegar pelo lábio inferior, como se estivesse considerando seu desafio.

— De um malfeitor gordo e débil como o do beco de antes. Possivelmente sim, disse Ramsés. Mas de um guerreiro? Nem pensar. Antes que tivesse tempo para reagir, Ramsés se voltou para ela e dando um giro sobre si mesmo, agarrou-lhe a mão e a forçou brandamente a soltar a faca. Sua pele era cálida e suave. Nada que ver com a porcelana. Mais parecida com as pétalas delicadas de uma flor. Uma pronta e súbita sensação de desejo se apoderou dele.

Ramsés riu entre dentes enquanto lançava a faca no ar e a caçava ao vôo pelo punho. Devolveu a Katherine com uma reverência. Ela deixou escapar um coquete suspiro e guardou a faca.

— Já sei ao que te refere, disse ela. Devo continuar praticando.

Ele se deteve, sujeitando-a pelo braço. Parecia tão ligeira, tão miúda, tão frágil como uma flor de lótus. Aquela mulher possuía a beleza daquela flor, tão delicada e tímida, que se ocultava sob a água pelas noites e desejava a carícia do sol pelas manhãs.

— Minha intenção não era ferir seus sentimentos. Mas deve tomar consciência de quão perigoso é andar sozinha por uma cidade como esta. Há ladrões e homens sem honra dispostos a fazer mal. As mulheres são jóias preciosas, pequenas e devem ser protegidas, não podem valer-se por si mesmas.

— Estou muito acostumada a cuidar de mim mesma, respondeu ela. Existem outras armas além das facas. Armas de fogo.

Ele começou a rir, divertido pelo tom desafiante de sua voz. Miúdo caráter. Cada vez sentia mais desejo.

— A melhor arma das mulheres são as lágrimas, sussurrou ele. Conheço muito poucos homens que saibam defender-se delas.

— Então, eu sou uma mulher indefesa, disse ela com um porte arrogante. Nego-me a chorar e choramingar diante de ninguém. Detesto este tipo de jogos que urdem as mulheres para sair-se com a sua.

— É melhor ocultar nossos sentimentos a outros.

—…para que os inimigos não sejam capazes de descobrir nossos pontos fracos, terminou ela.

Ele se deteve em seco, como se puxassem dele fios invisíveis.

— É exatamente o que ia dizer.

Ela também se deteve.

— Parece que falamos um em boca do outro.

Ramsés experimentou uma estranha sensação de enjôo ao contemplar assombrado aquela mulher. Encontravam-se em um beco estreito e vazio. De repente, era como se o mundo estivesse vazio e só ficassem eles dois, congelados no tempo e espaço. Como se o destino os tivesse feito encontrar-se, como as estrelas distantes programadas para juntar-se no céu negro da meia-noite. Quando ela inclinou a cabeça, lhe ocultando seu rosto, quase ficou sem respiração.

— Meu hotel… não esta muito longe daqui, disse ela com a voz rouca, como se lhe estivesse fazendo uma atrevida proposição. Sua pele era suave como as pétalas da flor de lótus. Um beijo roubado na escuridão.

Seus olhos, da cor de uma estranha pedra preciosa, desprendiam fogo.

Com o mais doce dos gestos, Ramsés estendeu a mão e lhe sujeitou o queixo com sua forte mão. Levantou-a em direção a seus olhos. Duas pedras preciosas lhe devolveram o olhar. Não eram safiras. Nem esmeraldas.

— É você, disse ele em voz baixa, satisfeito ao descobrir que as duas mulheres que lhe tinham cativado eram a mesma. A mesma que me beijou no hotel.

O peito da mulher se inchava e desinflava rapidamente e a seguir, deu um passo atrás. No mais profundo daqueles exóticos olhos de cor esmeralda vislumbrou uma pequena manifestação de desejo e… temor. Seus olhos se moviam freneticamente de um lado a outro, como se ele a tivesse encurralado e ela estivesse procurando um modo de fugir.

Ramsés deu um passo adiante com a intenção de acalmar seus temores. Olhou-lhe como se fosse um predador a ponto de devorar a sua presa.

— Não tenha medo, disse ele com suavidade.

Ela se deteve. Ele lhe tocou a bochecha esquerda, oculta pelo véu, enquanto lhe olhava encantada.

Ramsés sentiu que o poder de seu olhar o apanhava em um torvelinho de arroubo, um lugar mágico em que o mundo unicamente girava para eles. Os lábios de Ramsés se abriram ao recordar seu sabor a mel. Tendeu-lhe a mão. Ela estendeu o braço para ele como se fosse lhe oferecer sua mão, com os dedos abertos, em atitude de total confiança. Ela deu um valente passo adiante.

Completamente encantado, Ramsés se aproximou dela sem lhe importar que se encontrassem em um sítio público; ele, um guerreiro e ela, uma moça. Sem lhe importar que alguém os visse. Desejava sentir o contato de seu corpo esbelto, acariciar seus lábios suaves como o lótus.

Ramsés lhe rodeou a cintura com seu braço. Ele sentiu que suas mãos trêmulas exploravam seu corpo, além da cintura e os quadris, fundindo-o em uma calorosa carícia. O contato de sua pele aturdia sua cabeça e incendiava seu corpo. Precisava ver sua doce boca, acariciar seus lábios brandamente. Aceso, queria possuir sua boca com delicadeza, com mimo antes de desatar sua paixão. Quando estava a ponto de lhe retirar o véu, ela sussurrou. – Não.

— Shhh, disse ele com doçura. Não vou fazer te machucar. Relaxe.

Ramsés advertiu que as mãos da garota interrompiam sua prazerosa exploração. Ramsés fez o gesto de desabotoar seu véu.

— Não! Gritou ela. Ramsés percebeu o medo e o pânico em sua voz e em um segundo plano, uma estranha e profunda dor.

Ramsés a soltou, sem apartar o olhar daquela preciosa íris verdes.

— Sei que o deseja com a mesma intensidade que eu. Soube no hotel, murmurou ele, com a intenção de afugentar seus medos.

— Sua alteza!

Aquele forte e agudo grito o despertou de seu encantamento. Ramsés se voltou, soltando-a, ao ver que um homem com turbante branco e thobe se aproximava correndo para eles. Ao perceber que o homem, com o cenho franzido, tirava uma pistola do bolso, Ramsés se levou a mão à cimitarra. Então notou o suave tato de sua mão, que acariciava a sua.

— Não, Ramsés. Está bem. Ele é… está comigo.

O intruso sorriu, um gesto que não traduzia seus olhos. Este assentiu lentamente, como se aprovasse sua afirmação.

— Assim é, verdade… princesa? Sou seu guarda-costas. Deu-me um bom esquinado. Será melhor que volte com seu pai.

A figura orgulhosa daquela mulher pareceu encolher-se com aquela reprimida. A mulher exalou um suspiro e assentiu com a cabeça.

— Eu gostaria que nos deixasse sozinho, disse aquele homem a Ramsés.

“Não tanto como eu desejaria ver sua cabeça rodar pelo solo” Poderia fazê-lo, muito antes que aquele fantoche arrogante pudesse pegar sua arma e lhe apontar.

— De verdade? Salvei a vida desta mulher em duas ocasiões Que tipo de guerreiro é você ao permitir que uma mulher percorra as ruas sem escolta? Falhou em seu dever. Sua voz deixava entrever o desprezo que sentia por aquele homem.

As bochechas do guarda se acenderam. Ramsés o ignorou e voltou sua atenção à mulher. Uma pedra preciosa. Um tesouro mais valioso que o ouro que permanecia oculto na tumba de seus antigos soberanos. Um tesouro que não deveria deixar-se só para que pudesse ser roubado por outros.

—Não te deixarei nas mãos deste homem a menos que seja o que deseja. E não o farei até que… fulminou o guarda com o olhar, dê-me sua palavra de que permanecerá com ele até que esteja sã e salva resguardada com seu pai.

Aqueles olhos cor esmeralda piscaram e se abriram.

Ramsés lhe sorriu docemente para rebater seu tom severo. Colocou ambas as mãos em seus ombros.

— Confia em mim, faço-o por seu bem, pequena. Não pode continuar andando sozinha por estas ruas. Dá-me sua palavra?

— Sim, sussurro ela. Prometo-lhe.

Lhe apertou brandamente os ombros.

—Bem

— Adeus, Ramsés. Seus belos olhos verdes se iluminaram.

Ele mesmo a podia escoltar no caminho de volta, pensou Ramsés, assegurando-se de que voltava a salvo. Então conheceria formalmente seu pai. Tomariam café em xícaras sem asas. Ouviria sua deliciosa risada uma vez mais. E poderia lhe pedir permissão ao pai para cortejá-la. Seu sonho se deslizou pelo fio afiado de sua cimitarra, para logo prender-se precariamente dele. Levou-se a mão ao punho da espada de novo.

- “Juro como Guardião dos Séculos que darei a minha eterna fidelidade para minha noiva. Manterei meu corpo e espírito puro para ela, me entregando somente a ela” O voto sagrado do compromisso que acabava de recitar partiu o sonho em dois.

— Sim. Agora devo partir, disse ele em voz baixa. Ramsés percebeu que seus olhos se iluminavam ainda mais. Doeu-lhe perceber dor neles.

De repente, aquela mulher restabeleceu sua dignidade. Sua esbelta figura se endireitou com orgulho.

— Jamais esquecerei sua amabilidade. Obrigado de novo. Murmurou ela.

Fazendo um grácil movimento, a mulher se deu a volta para partir. Ele elevou a mão, sujeitou-a pelo ombro e a voltou para ele.

— Adeus, pequeno tesouro, disse-lhe em voz baixa. Que Deus te guarde e proteja seu caminho.

Ela deu a volta de novo, estremecendo-se quando seu guarda-costas a agarrou pelo cotovelo. Ramsés o amaldiçoou entre dentes. Agarrou-lhe o braço e baixou o tom de voz até convertê-lo em um ameaçador grunhido.

—Solta-a. Sua obrigação é guardá-la, não tocá-la. E não a perca de vista. Do contrário, enfrenta-te à ira de um guerreiro do vento Khamsin. Aquelas palavras soaram como uma advertência. O homem empalideceu, mas soltou o cotovelo da garota.

Enquanto observava como partiam, precaveu-se de que a garota não lhe havia dito seu nome. Sentiu que um forte peso lhe oprimia o peito. Queria protegê-la. Guardá-la com um sentimento de posse que jamais tinha sentido por uma mulher. Em seu desejo de lhe possuir, esqueceu-se de proteger quão único podia lhe pôr em perigo. Seu coração.

Era um Guardião dos Séculos. Um guerreiro entregue aos votos sagrados da verdade. Sua honra dependia disso.

Ao ver como aquela mulher partia, sentiu que algo em seu interior se retorcia. A poucas semanas de seu casamento, fez o que jurou que não faria. Tinha entregado seu coração a uma moça de olhos esmeraldas de voz suave e pele de lótus.

Mas a honra estava por cima de tudo. Inclusive por cima de seu coração. Ramsés deu a volta e partiu, deixando seu coração atrás.

Umas quadras mais tarde, sua mente finalmente se liberou do encantamento que a mulher tinha exercido sobre ele. Sentia que algo ia mal. Deteve-se na metade da rua, ignorando a corrente de pedestres que fluía como água por seu lado. Ramsés introduziu a mão no bolso. O mapa que tinha guardado com cuidado aí, protegendo-o com a mesma ferocidade com a que protegia a seu xeique, tinha desaparecido. Golpeou-se a frente com a base da mão. Aquela mulher. Aquelas mãos trêmulas tinham percorrido seu corpo. Tinham-lhe roubado o mapa.

Deixou-se enganar por sua bela boca e seu doce e descarado temperamento. Encontrá-la-ia de novo. Persegui-la-ia e a encontraria. Mas naquela ocasião seria sua boca o que possuiria. Seu corpo se estremeceu de ira. Uma enxurrada de insultos em antigo egípcio saiu de sua boca. Ramsés se levou a mão ao punho da cimitarra e jurou em voz baixa.

— Oh, pequena flor de lótus, não tem nem idéia de com quem te cruzaste. Encontrar-te-ei. E saberá o que é enfrentar-se à ira de um guerreiro do vento Khamsin. Desejará me haver roubado só um beijo. Asseguro-lhe isso.

 

— Conseguiu! perguntou-lhe seu pai.

Landon Burton, o oitavo conde de Smithfield, levantou o olhar de seus passos. Katherine assentiu com a cabeça. Seu corpo perfeitamente esculpido se curvou de alívio. Não muito longe deles, um egípcio gordinho montava guarda, com uma pistola na mão. Mohammed se reuniu com ele enquanto ela fechava a porta do quarto do hotel.

O querido gato persa de Katherine se aproximou sigilosamente. Osíris miou ao tempo que se esfregava contra suas pernas. Seu coração retornou sua cadência normal ao pegá-la nos braços. Os egípcios veneravam aos gatos, considerados guardiães da vida eterna. Para ela, o que estava claro era que a resguardava da dor do mundo, posto que a queria incondicionalmente.

O conde deixou escapar um suspiro.

— É minha culpa, princesa, disse ele, chamando-a por seu apodo de menina. Não teria que ter solicitado examinar o amuleto.

— Ah, o amuleto, ouviu-se uma voz maliciosa procedente da janela.

Katherine deu a volta e viu Foster Burrells sentado em uma cadeira com uma mulher esbelta e exótica em seu colo. Usava a camisa desabotoada até a cintura, deixando entrever uma enorme vendagem na parte central de seu torso. A mulher começou a acariciar o peito do encarregado do museu. Burrells emitiu um gemido de impaciência.

— Agora não, Maia, espetou ele, apartando-a de seu colo e ficando em pé. A garota tinha os olhos de azeviche, o cabelo comprido e negro como a asa de um corvo, e usava um vestido de gaze cor escarlate. Katherine percebeu dois mamilos escuros e apartou o olhar, com as bochechas acesas pela confusão. Burrells deu à mulher um pouco de dinheiro.

— Para o bilhete de trem a Al-Minya. Isto teria que ser suficiente para as próximas semanas.

Seus vermelhos lábios se enrugaram até formar uma sensual careta.

— Amarna é uma aldeia terrível. Por que me fazer vir ao Cairo para logo me devolver?

Burrells lhe sujeitou o queixo.

— Sabia que era insaciável, querida, mas chegou a hora de voltar para casa. Ele deve estar te esperando.

Maia se embainhou em um abbaya escuro e se enrolou um lenço negro ao redor do pescoço. Com movimentos sinuosos, saiu flutuando da habitação. Possuía a graça exótica de uma cobra. Katherine a observou enquanto partia, levantando suas suspeitas. Por que partia a Amarna?

O chantagista introduziu a mão no bolso e tirou um colar com o amuleto de ouro de Bast pendendo de seus dedos. A luz se refletia em seus ricos olhos de esmeralda.

— Jamais cobice antiguidades de museu, Landon. Entre isto e sua história do roubo da múmia de Ramsés, posso te enviar a prisão, disse arrastando as palavras, voltando a guardar o amuleto em seu bolso.

— Eu não roubei a múmia. Comprei-a e a entreguei às autoridades ao descobrir que a tinham roubado de sua tumba em Deir el Bahri. As autoridades acreditarão em minha inocência, disse rotundamente seu pai.

— Ninguém acreditará, não se lorde Esteja atesta que te viu levando o amuleto, disse Burrells desdenhosamente. Deveria ter me vendido a múmia de Ramsés, Landon. Durante três anos, estive esperando que caísse em minhas mãos. E agora é meu.

Seu pai fechou seus penetrantes olhos azuis.

— Meu deus, assim que esta é a razão que há detrás de tudo isto? Vingança?

— Lorde Esteja queria uma múmia real e me ofereceu milhares de libras por ela, respondeu. Eu teria podido viver confortavelmente toda a vida com esta venda. Mas não, você não me quis me vender. Você e seu desprezível sentido de honra. Tinha que entregá-la às autoridades e lhes falar da tumba com todas as múmias reais dentro. Entraram antes que tivesse a oportunidade de encontrar o esconderijo e levar outra múmia. Custou-me dinheiro, Landon. Custou-me muito dinheiro.

Katherine abraçou a Osíris com tanta força que o gato miou em sinal de protesto. Ela soltou o gato e deu o mapa a Burrells.

—Olhe. Aqui tem o mapa e outra tumba para saquear. Agora devolva o amuleto e deixe meu pai em paz.

Seu pai dirigiu o olhar ao papiro enquanto Katherine o entregava ao chantagista. Katherine o olhou com impotência enquanto este passava a mão por seu cabelo negro azeviche.

—O que é o que lhe obrigou a fazer? Perguntou a Burrells. Disse-me que tinha que roubar um artefato a um homem egípcio.

Katherine interveio.

—Papai, sabia que era um mapa, mas me disse que não lhe contará isso.

O encarregado do museu esboçou um diabólico sorriso.

—É um mapa. E um artefato.

O conde disse entre dentes, quase para seus adentros.

—Não pode ser o mesmo mapa.

—Do que está falando, papai? Perguntou-lhe ela com um nó no estômago.

—Nada. Sacudiu a cabeça e fulminou Burrells com o olhar. Deixa que se vá, Burrells. Se não der sinais de vida, a esposa de meu primo se preocupará com sua ausência.

Depois de guardar o papiro no bolso, Burrells levantou o olhar.

—Onde tem que ir?

Katherine vacilou.

—A al-Minya preparar meu casamento.

Ao chantagista lhe tremeram os lábios.

—Ah, sim, claro. O casamento. Vai se casar. A seguir inchou o peito, como se esforçasse para conter a risada.

Desconcertada por aquele estranho comentário, Katherine o examinou com crescente desconcerto.

—Quem é o noivo? perguntou.

—Chama-se Nazim, respondeu ela a seu pesar.

—Muito bem, Nazim. Esta vez o encarregado de museu estalou em gargalhadas. O que lhe resultava tão divertido? Katherine olhou para seu pai. De repente, como uma tormenta de areia, Barrells interrompeu sua risada e seu estado de ânimo se voltou mortalmente grave.

—Não, não pode partir. Ainda não. Ambos irão me acompanhar para encontrar a tumba com o mapa.

—Tem o mapa. Não nos necessita, protestou ela. De repente, Katherine recordou a menina que estava mendigando.

—Ou talvez teme o malefício?

O fato de que o homem empalidecesse respondia a sua pergunta. O conservador se passou a atadura pelo torso e se abotoou a camisa.

—Não vou perder tempo suando no deserto procurando um ouro que possivelmente não exista. A tumba poderia ter sido assaltada há séculos. A maioria das tumbas egípcias foram saqueadas e despojadas de seus tesouros. Maldições. Contos de velhas. Não tenho medo. Mas seus orifícios nasais inchados e seu olhar inquieto não diziam o mesmo.

— Katherine tem que receber instruções de Ahmed, o xamã de seu primo. Tem que passar um tempo no deserto preparando-se para o casamento. Devolva o colar e me deixe partir, ordenou-lhe serenamente seu pai.

O rosto descarnado do encarregado do museu se desfigurou de ira.

—Se não fizerem o que lhes digo, irão para prisão!

O olhar de Katherine alternava entre aqueles dois homens furiosos, um de frente para o outro, como gladiadores.

De repente sentiu um calafrio, como se a tivessem submerso em uma banheira de gelo, que lhe deixou arrepiada. Desesperada para sair daquele beco sem saída, Katherine soltou:

—Possivelmente conte seu plano a Ramsés. Seguro que se enfurecerá muito mais com o fato de querer roubar um tesouro que o eu de ter lhe tenha roubado o mapa.

Em um acesso de ira Burrells disse:

—Se lhe disser uma só palavra, eu…

O terror se apoderou dela quanto este agarrou Osíris pelo pescoço. Burrells rebuscou em seu bolso, tirou uma faca e apontou com ele o pescoço do animal. A expressão de terror no olhar de Katherine alarmou seu pai. Enfurecido, saiu a seu encontro, mas o egípcio que os vigiava tirou rapidamente sua faca e o impediu.

Secou-lhe a boca de pânico. O animal enfurecido bufava e dava arranhões com suas garras afiadas. Katherine correu para Burrells, estendendo os braços para que lhe entregasse o gato.

— Por favor, disse ela choramingando. Só é um gato, por favor, não…

Burrells a olhou friamente nos olhos enquanto lançava Osíris contra a parede. Katherine gritou e saiu em busca do gato, que jazia inerte no chão. Seus dedos trêmulos acariciaram sua suave e branca pelagem.

Burrells ficou olhando-a, com os olhos entreabertos furiosos.

—Tenho um espião muito bem localizado que segue todos os passos de Ramsés. Se lhe contar algo disto a Ramsés, ou a quem quer que seja, matarei seu gato. Seu olhar se deteve no conde. E também seu pai.

Burrells partiu com os egípcios. Ao advertir o rosto pálido de seu pai, Katherine procurou sorrir.

— Princesa, está bem?

— Sim, papai, procurou lhe tranqüilizar.

Franziu o cenho.

—Não se preocupe por mim. Só está tentando te assustar. Farei com que entre em razão. Necessitamos mais tempo. Suspender o casamento por três meses. Quando me reunir com Nazim amanhã para assinar o contrato, direi que ainda não se adaptou à vida no Egito. Que te educaste na Inglaterra e que não sabe nada de sua cultura.

Ela fez uma careta.

—Papai, por que tenho que me casar com esse Nazim?

—O prometi a sua mãe no leito de morte. Satisfaria seu desejo de te ver casada, disse o conde com doçura.

—Que aspecto tem? Implorou-lhe. De que tribo é?

Seu pai vacilou.

—De acordo o contrato de casamento, não posso te contar nada. A tradição diz que quanto menos souber a noiva, menos segredos difundirá antes do casamento. Esta informação só pode ser confiada ao Ahmed. Ele lhe contará. Mas sua mãe me assegurou que eram boas pessoas. São criadores de cavalos, cabras…

—Vai me casar com um pastor de cabras, disse ela com porte cansado. A seguir levou a mão à bochecha onde tinha a cicatriz. De repente, compreendeu tudo. Mamãe queria me casar com este Nazim porque ele não me vai ver até o dia do casamento, verdade?

Seu pai negou com a cabeça, mas seu rosto refletia culpa. Ela conhecia a verdadeira razão pela qual seu pai se mostrava partidário daquele casamento.

Quando seu pai a beijou na bochecha e partiu, o tato de sua boca lhe pareceu frio. Pegou nos braços Osíris e saiu do quarto. Depois de depositá-lo brandamente na cama, acariciou seu pelo. Ele miou melosamente, reconfortando-a. Osíris, como papai, queria-a apesar de seu aspecto físico. Seu noivo misterioso, Nazim, jamais lhe tinha visto o rosto.

Katherine se dirigiu ao espelho. Se Ramsés a tinha beijado daquele modo, não podia ser tão feia. Seu beijo a tinha enfeitiçado, tinha-lhe feito acreditar que o espelho podia refletir beleza. Olhou-se no espelho, estudando sua imagem. Uma boca em forma de arco de cupido. As maçãs do rosto marcadas e aristocráticas. Uma pele suave colorida com o matiz dourado da família de sua mãe. Uns cachos de ébano que lhe caíam até a cintura. Sua frente denotava inteligência e seus olhos eram verdes como um rio de erva.

Então, seu olhar se deteve na cicatriz. Tocou-a, recordando o modo em que o filhote lhe deu uma patada. Um grito retumbou em sua cabeça, um guincho de medo e dor. A marca do tigre estava justo debaixo do olho esquerdo, um corte profundo de cor rosada, do tamanho de seu dedo mindinho.

O beijo do belo Ramsés ardia em seus lábios. Todos e cada um de seus gestos destilavam beleza. Se lhe visse o rosto, voltaria a cabeça com repugnância. Notou que se fazia um nó na garganta. Entre soluços agarrou a escova de prata e a jogou no espelho. Rompeu-se em diminutos pedaços. Como seu coração

 

Tinha um pressentimento. Espreitava-lhe o perigo.

Ao dia seguinte, sentada na varanda do Shepherd, Katherine levantou o véu e tomou um gole do autêntico chá inglês. Vamos, seu pai iria se reunir com Nazim em sua suíte. Vestida com um vestido egípcio e o rosto escondido atrás de um véu, Katherine tinha ficado no corredor para dar um olhar. Um egípcio magro de meia idade, com turbante branco e toga, passou a seu lado, olhou-a e sorriu. Bateu na porta de seu pai e ele emitiu um entusiasmado “Passe”, Nazim tinha defraudado todas suas expectativas. Parecia um pastor de cabras.

Lançou um olhar à rua com cautela, abandonando seu jornal para fixar sua atenção no desfile de nacionalidades que tinha lugar nela. Etíopes escuros como o melaço passavam com roupa de cores vivas sujeita por amplas bandagens. Egípcios com turbantes e thobes até os tornozelos andavam com passo lento. De repente advertiu uma figura que lhe era familiar, vestida com roupa azul anil, que descia pela rua com ar resolvido. Com a graça natural de um caçador, subiu as escadas e se colocou perto de sua mesa.

Ramsés. Ficou paralisada com a xícara nas mãos. Não podia reconhecê-la, já que usava umas sandálias com tiras douradas e um kuftan (túnicas) cor carmim e amarelo, a vestimenta própria da mulher egípcia. Levou-se a mão ao véu que estava acostumada usar para ocultar sua cicatriz dos olhares dos homens. Katherine desejou possuir a suficiente coragem para os ignorar, mas naqueles momentos se enfrentava a uma ameaça muito maior que a de umas quantas olhadas desconsideradas.

Depositou a xícara na mesa e levantou o jornal no ar, ocultando-se atrás dele. Sustentou-o em suas mãos trêmulas enquanto o papel se agitava como se tivesse sido arrastado pelo vento do deserto. Os talões de suas botas retumbaram no terraço, detendo-se a poucos metros dela. Pôde ver que se detinha com a extremidade do olho. Ramsés entreabriu seus fascinantes olhos dourados para inspecionar o terraço. Katherine conseguiu dominar seu medo e tomou uns gole de chá. Afundou a cabeça no jornal.

Ouviu por seus saltos que passava por trás. Sentiu um suor frio na nuca. Ao passar removeu ar, e a Katherine um calafrio percorreu as costas quando este voltou a parar. Uma sombra enorme se levantou sobre a seção de fofocas do teatro inglês. Katherine se aproximou das letras impressas como se de repente sofresse miopia. Podia sentir a descomunal ameaça do guerreiro, punho em mão, depois de dela. Então, a sombra se deslocou pelo papel e desapareceu.

Katherine sentiu o tipo de alívio que sente uma lebre depois de esquivar a um predador que passa diante de sua toca. Fechou os olhos e respirou fundo. Mas pouco depois sua respiração se converteu em um ofego, ao perceber que alguém lhe sujeitava firmemente o antebraço.

Aí não estava. Ramsés se sentiu decepcionado depois de inspecionar a varanda. Vacilou, sabendo que sua presa o tinha evitado, sabendo que devia dirigir-se à suíte do conde para assinar o contrato de casamento. O advogado dos Khamsin já devia estar ali.

Ao menos o mapa roubado era uma falsificação. Indicava a localização de uma cova que os guardiões usavam para ir meditar. Ramsés era resistente a revelar o verdadeiro mapa até que o casamento estivesse selado. Se seu futuro sogro soubesse um pouco de antiguidades, teria percebido que o tom vegetal do mapa era muito vivo, que não estava gasto pelo passar dos séculos. Mas o conde assinou o acordo de confidencialidade e ao lhe mostrar o mapa, dois dias atrás acreditou que era o verdadeiro e ficou de reunir-se com ele para assinar o contrato de casamento.

Poucas pessoas tinham sobrevivido ao calor da meia tarde no terraço. Ramsés dirigiu o rosto ao sol, regozijando-se no calor. Não sentia estranhava que seus antepassados rendessem tributo a Atem, o deus do sol. Como iria poder viver alguém sem o globo de ouro que extraía a vida do chão? Lançou um olhar a seu redor. Uns poucos anciões tomavam chá na varanda. Mas uma mulher vestida com um kuftan de seda lia o jornal em uma mesa próxima. Frente a ela, uma xícara e um prato. Ramsés farejou no ar. Não se tratava do forte café árabe, mas sim de algo muito mais suave. Uma mulher sozinha, tomando o chá da meia tarde.

Uma aristocrata. Uma princesa. Com o rosto velado e cativantes olhos verdes? Ramsés inalou no ar. Ah, sim. Seu aroma, mirra. Aproximou-se mais, examinando com atenção aquela mulher enquanto sua própria sombra se refletia em seu jornal, para logo deslocar-se no chão enquanto se afastava.

Esperou a que aquela tensa figura relaxasse. Então se equilibrou sobre seu braço, capturando-o bruscamente.

—Desculpe, disse educadamente em árabe, Conheço-a?

—Não, disse ela com um grito afogado.

Sem deixar de lhe sujeitar o braço, Ramsés dobrou a ponta de seu jornal periódico com a mão que ficou livre. Duas belas pedras preciosas verdes tão redondas como o pires de sua xícara lhe deram as boas vindas.

Ofereceu-lhe um sorriso carente de humor.

—Ah, acredito que está completamente equivocada, minha princesa de olhos verdes.

O terror fez presa em seu coração com os mesmos dedos firmes que sujeitavam seu braço coberto de seda. Aqueles dedos tinham muita força. Katherine imaginou lhe retorcendo as bochechas para que abrisse a boca, forçando-a a dizer a verdade.

—Agora, princesa, rogo-lhe que me acompanhe. Faz um dia fabuloso para dar um passeio, sobre tudo para você, que está desfrutando do sol.

Não teve mais remédio que lhe obedecer, posto que a pôs em pé de um puxão. O jornal caiu ao chão, derrubando a delicada xícara chinesa. Ramsés continuou sujeitando-a com força enquanto se levantava. Espremeu-a contra ele, fechando firmemente seus dedos poderosos ao redor de seu braço. Aquele homem desprendia ondas de cravo e ira que Katherine…

Tinha o corpo paralisado. Ramsés a forçou a descer as escadas, obrigando-a a entrar apressadamente na cidade. O silêncio de Ramsés a assustou tanto ou mais que a força com que a sujeitava. Ao chegar ao mesmo beco em que tinha tentado beijá-la, arrastou-a a um de seus cantos.

Abandonou-a sem muitas contemplações contra a parede e a imobilizou colocando suas enormes mãos em seus ombros. Seu corpo começou a tremer ao tempo que seus belos olhos cor âmbar se escureciam de ira. Ele era um feroz guerreiro que não deteria sua busca até que ela implorasse por sua alma. Ou muito pior.

— Quem te envia? O vendedor de ouro núbio dos zocos?

Aquela pergunta lhe desconcertou. Pensou que lhe perguntaria pelo mapa. Katherine apartou o olhar daquele belo rosto, cujos penetrantes olhos poderiam conseguir uma confissão de seus lábios.

— Me olhe Quem te enviou? Perguntou ele.

— Enviou? Perguntou ela, deixando escapar uma risada. Ninguém me enviou. Não tenho nem idéia do que me está perguntando. Fixou o olhar em um montão de lixo pulverizado no escuro beco.

Sentiu que a mão do homem sujeitava seu queixo, voltando seu rosto para ele. Katherine fixou o olhar na leve curva de seu rosto. Levantou a vista até chegar a sua escura barba recortada. A fria escuridão de seu rosto, seus lábios franzidos, seus olhos entreabertos e as fossas nasais inchadas fizeram com que se estremecesse de terror.

O que iria fazer com ela?

— Roubou-me. Não tolero que ninguém me arrebate o que é meu. Fechou os dedos da mão esquerda em seu ombro. Assim que vou perguntar de novo Quem te enviou para que roubasse o mapa? E onde está? Grunhiu ele.

Os dentes de Katherine começaram a bater. Ramsés não era um simples idiota ao que se podia enganar, era um homem inteligente com uma implacável obstinação de guerreiro na busca de seus objetivos. Ela passou a língua pelos lábios, decidida a ater-se estritamente aos fatos.

— Eu não tenho seu mapa. Endireitou as costas em um intento desesperado por armar-se de valor e o olhou diretamente nos olhos.

Aqueles olhos dourados relampejavam de ira.

— Não acredito, bramou ele.

Ela se voltou os bolsos de seu kuftan.

— Não o tenho vê?

— Isto não demonstra nada.

— Estou te dizendo a verdade. Não levo o mapa. Registre-me você mesmo, disse-lhe ela provocadoramente.

Os olhos de Ramsés mudaram de expressão. Acenderam-se com avidez.

— Possivelmente deveria te registrar para me assegurar.

Ramsés lhe deu a volta bruscamente e passou seu braço musculoso pela cintura, pressionando seu corpo contra o seu. O corpo de Katherine apoiado contra a sólida parede de Ramsés. Com a mão que ficava livre, Ramsés empreendeu sua implacável busca. Sua brutalidade e arrojo a surpreendeu tanto como os sentimentos que despertou nela. Não era o modo de tocar impessoal de um homem procurando o valioso mapa de um tesouro. Era a intima carícia de um homem que pretendia excitar até o último nervo de seu corpo. Carícias lentas, deliberadas, percorriam a seda que cobria seus quadris, seu ventre, detendo-se justo debaixo de seus peitos.

Ao situar suas mãos calejadas de guerreiro sobre seus peitos, com firmes e seguras carícias, Katherine teve que reprimir um gemido. Aquele movimento demonstrava quem tinha o controle, que aquele homem sabia exatamente o que teria que fazer para inflamar seu corpo. Ela se mordeu os lábios trêmulas enquanto seu quente fôlego fazia cócegas na orelha. O tom afiado como o aço de sua voz tinha um deixe malicioso.

— Não… vejo que não leva nada. Deveria continuar a exploração?

A resposta veio em uma só palavra, pronunciada apenas sem fôlego.

— Sim.

— Parece-me que não. Ele riu gravemente, soltando-a, voltando sua cara para ele. Ela levantou o olhar sentindo que aquele homem conseguiria fazer desaparecer o halo de fealdade que rodeava seu rosto. Estava convencida de que um homem que podia fazer com que seu corpo tremesse de desejo possuía poderes especiais.

— Confesse, princesa Onde esta o mapa?

Katherine fixou o olhar no brilhante cabelo de Ramsés, sua pele bronzeada, sua boca risonha, agora franzida pela espera. Cativada por sua beleza, Katherine estendeu a mão e sujeitou uma longa mecha clareada pelo sol entre os dedos. A primeira reação de Ramsés foi afastar-se dela sobressaltado, com o cenho franzido, enquanto ela retinha o cabelo entre o polegar e o índice, fascinada por seus reflexos claros. Ela o contemplava absorta, tão extasiada como quando o filhote de tigre a cativou com sua deslumbrante beleza.

Ao advertir sua capitulação. Ramsés deixou de exercer pressão em seus ombros. O desejo resplandecia em seus olhos dourados do mesmo modo que quando a quis beijar. O instinto lhe dizia que tinha que aproveitar aquela oportunidade. Ramsés a sujeitava com menos força. Recordou o que o médico lhe havia dito sobre o ponto mais vulnerável do homem.

Katherine levantou a perna. Com todas suas forças, a cravou no meio das pernas. “Sinto muito, Ramsés. Mas tinha que fazê-lo”

O resultado foi imediato e doloroso. Ramsés lançou um bramido, soltou-a e se dobrou em dois. Ela saiu correndo. Ele alargou as mãos, agarrando um pedaço de kuftan de seda. Katherine se agitou para liberar-se da poderosa pressão que puxava de suas costas, presa nas enormes mandíbulas de um tigre. Sem deter-se para avaliar o dano, fugiu. Continuando, ouviu-se uma enxurrada de palavras insultantes.

Katherine entrou nas ruas, tentando recuperar a respiração. Deu voltas em ziguezague em direção à segurança dos buliçosos zocos. Dobrou pela rua Al Az Har e se refugiou no coração do Khan al Khalili. Apartando a turistas que conversavam e compradores que contemplavam as paradas de especiarias, deixou atrás os postos de vendedores de perfume, cujos aromas enjoativos lhe davam náuseas, enquanto ela dava baforada de ar. Deteve-se uns instantes e conseguiu liberar-se, retorcendo-se, do kuftan rasgado e o jogou em um lado. debaixo dele usava uma camiseta e uma calça de seda. Katherine arrancou o véu e o guardou no bolso enquanto se perdia na segurança da multidão. Sentia como se fugisse do mesmo deus do som e por um momento, sentiu-se tentada a voltar para aqueles braços que a tinham acariciado com tanta sensual paixão.

Sua presa tinha evitado sua captura uma vez mais.

Ignorando a dor aguda em sua entre perna, Ramsés abriu passo entre a multidão de mulheres vestidas de negro, homens conversando e turistas impressionados nos zocos. Quando chegou ao setor dos vendedores de ouro, localizou o posto do núbio que tinha organizado seu encontro com a princesa. Ao avistar o homem, que se encontrava sentado incrustando metal em um colar, Ramsés foi às nuvens. O núbio tentou escapar. Ramsés saltou por cima do posto e com apenas dois passos, apanhou-o puxando seu colar. Ele deixou escapar um grunhido.

— Enganou-me, vendedor de ouro. No hotel não havia ninguém interessado nos garanhões Khamsin, só uma ladra. Quem é ela e onde está o mapa?

— Eu não sei nada, disse ele, assustado. O homem negou com a cabeça como se sofresse uma paralisia. Por favor, por favor, me solte.

— Quem me convocou? Perguntou Ramsés, levantando seus pés por cima do chão, como se não pesasse mais que o colar de sua mesa.

— Por favor, não posso dizer… não sei.

Sem deixar de sujeitar o vendedor, Ramsés tirou a cimitarra e passou seu fio por diante dos olhos do homem.

— Possivelmente necessite algo que te persuada. Obterá isto te fazer falar?

No reflexo do aço resplandecente, Ramsés viu que os olhos do homem se abriam aterrorizados. Ramsés deu a volta ao vendedor de ouro, sujeitando a espada a um suspiro de sua garganta.

— O único que sei é que aqui veio um homem perguntando por um vendedor de ouro que pagasse bem. O homem ao que representava me ia vender ouro no futuro. Disse-me que me daria um extra se fizesse um favor, disse ele entre gritos.

— De que nacionalidade era o homem que viu?

— Egípcio.

— Disse que conseguiria esse ouro prezado dos Khamsin? Ramsés lhe aproximou a espada.

— Não o fez, juro-lhe! Mas alguns vendedores de outro ouviram o falar do ouro Khamsin. Ninguém se atreve a buscá-lo, porque o deserto é grande e um lugar hostil. Além disso, está a maldição.

Ramsés estudou o vendedor. De ouro, seus lábios trêmulos, seus enormes olhos castanhos e o brilhante suor em suas sobrancelhas. Dizia a verdade, posto que aquele simples vendedor não poderia ter urdido um plano tão sofisticado e elaborado. Era uma peça mais. Depois de lhe dar uma sacudida, embainhou a espada e lhe fez uma advertência.

Me escute bem, vendedor de ouro. Se fosse você, recolheria todo seu ouro e iria a outro lugar, porque se volto a ver você por aqui em minha vida, possivelmente não me sinta tão caridoso como hoje.

Ramsés deu meia volta e partiu. Enquanto se abria passo entre a multidão, lembrou-se da bela ladra. Podia conseguir a confissão de qualquer inimigo sem contemplações. Mas uma mulher? Ao chegar à idade adulta, os guerreiros Khamsin faziam o juramente de proteger e defender às mulheres. Deixou escapar um suspiro, sentindo-se frustrado.

Se tivesse continuado seu terno assalto, Ramsés teria conseguido respostas. Teria conseguido a chave para desentranhar os segredos a respeito do por que roubou o mapa. Só que aquela chave ameaçava abrir a jaula do irrefreável desejo que sempre acompanhava seus passos.

O delicioso perfume de mirra, seus luminosos olhos verdes e aqueles suaves ombros sob suas mãos lhe tinham feito perder a cabeça. Ela o tinha incitado com suas lascivas curvas e feroz espírito. Punha-lhe furioso, desconcertava-o. Nenhuma mulher o tinha feito sentir-se assim. Ele fazia sentir assim às mulheres, as fazia rogar e suplicar. Agora tinham trocado os papéis. Seu desejo se converteu em uma besta imunda que se agitava para sair de sua jaula. Teve que recorrer a todo seu controle para manter à besta a raia. Mas agora tinha que assinar o contrato de casamento e voltar para casa. Seu xeique o necessitava. Elizabeth estava grávida de nove meses e Jabari estava muito inquieto. Encontraria a sua pequena ladra. E quando o fizesse, Ramsés sabia que teria que dominar à besta, independentemente do muito que esta pedisse para sair. O simples contato de seus suaves lábios podia abrir a jaula. Que o céu os ajudasse a ambos se isso ocorria.

Horas mais tarde, Katherine retornou ao hotel, convencida de ter esquivado a Ramsés. Dirigiu-se à suíte de seu pai e se deixou cair em uma cadeira. O conde saiu de seu dormitório, documentos em mão. Aproximou-se imediatamente dela e ficou agachado a seu lado.

— Princesa onde estava? Disse para estar fora umas quantas horas, não todo o dia.

— Estava fazendo turismo, papai. Katharine deteve o olhar nos documentos que levava seu pai na mão e fez uma careta. É isso o contrato de meu casamento?

Ele dobrou os papéis e os guardou no bolso de seu colete.

— Carinho, descobri algo sobre o verdadeiro nome de seu noivo. Tenho o pressentimento de que o mapa que Burrells há… Seu pai apertou a mandíbula e lançou um olhar à habitação. Assinei um acordo prometendo não revelar nenhuma informação, mas possivelmente deveria lhe dizer isso.

Ouviu-se um firme e autoritário golpe na porta. O conde se dirigiu à porta e a abriu bruscamente. George Sanders, conde de Esteja, entrou no quarto acompanhado por dois policiais. A Katherine deu um tombo o coração.

— Rogo-lhe que me desculpe, senhor, mas o Serviço Egípcio de Antiguidades tem uma ordem de prisão por furto no Museu de Giza. O agente que lia a ordem parecia incômodo.

— Lamento ter que fazer isto, Landon, a um semelhante. Mas posso te assegurar que lhe tratarão bem. Nos acompanhe discretamente e não faremos um escândalo.

Seu pai se curvou.

— Deixe que recolha minhas coisas.

— Alguém as recolherá por ti, disse Esteja resolutamente.

— Vou contigo, gritou Katherine

Seu pai parecia estar ultrapassado. Estava preocupado por ela, não por si mesmo. O conde a beijou na frente.

— Não princesa. Vá para a casa de seu primo. Trata-se de uma ordem. Ahmed te protegerá. Não se preocupe. Encontrarei a maneira de solucionar isto.

Lorde Esteja e os dois policiais o algemaram e empreenderam o caminho. Katherine começou a dar voltas pelo quarto, presa da preocupação. Poucos minutos depois se abriu a porta. Foster Burrells entrou com toda tranquilidade na estadia, sua figura desajeitada embainhada em um traje marrom e o cabelo branco penteado para trás.

— O que tenho que fazer para que o deixem em liberdade? Perguntou ela sem ânimo. Sabem que tenho que ir para casa de minha primo em Al-Minya ou do contrário suspeitarão que algo vai mal.

— Já o tinha previsto. Vai ao deserto te reunir com esse chamán. Só que passará um tempo em uma parte distinta do deserto. Quatro de meus homens se encontrarão contigo na mina de ouro. Eu me encontrarei com vós um mês mais tarde e será melhor que para então tenha encontrado o ouro.

— Um mês! Katherine ficou boquiaberta. Necessito mais tempo. Meu primo espera que passe tempo com ele… não posso escapar e o que ocorrerá se não encontrar a tumba?

Seus frios olhos azuis se detiveram bruscamente nela.

— Um mês, Katherine. Encontre um modo de fazê-lo.

— Me deixe ver o mapa, pediu-lhe ela.

Burrells vacilou, finalmente concordando. Katherine estudou o mapa e o devolveu.

— Não dá muita informação a respeito da localização da tumba. Poderia estar em qualquer lugar do interior da mina. Você escavou com antecedência. Levará um tempo escavar na rocha. Com apenas quatro homens, necessitarei no mínimo dois meses, rezou para que ele entrasse em razão.

Ele enrugou a frente.

— De acordo. Dar-te-ei dois meses.

Katherine se sentiu aliviada.

— E quando tivermos encontrado o ouro?

— Lorde Esteja retirará todos os cargos e encontrará o amuleto no museu. O encarregado do museu entreabriu os olhos. Não esqueça. Não diga a ninguém. A prisão do Cairo é um lugar perigoso. Muitos homens não duvidariam em esfaquear a um prisioneiro por dinheiro. Encontra o ouro e deixaremos em liberdade a seu pai. Se diz a alguém, morrerá.

Burrells sorriu. Seus finos lábios, parecidos com facas, curvaram-se para cima, e abandonou a habitação com o mesmo sigilo com o que tinha entrado.

 

Os gritos do parto eram ensurdecedores.

—Pode fazê-lo, disse Ramsés com voz alentadora.

—Simplesmente, não posso suportar. Por que tem que ser assim?

—É desejo de Deus que as mulheres sofram com o parto. Não deve questioná-lo, respondeu-lhe Ramsés.

—Eu questiono o que me dá a vontade!

—Olhe a sua esposa. Miúdo exemplo está dando para ela, repreendeu-lhe Ramsés.

Jabari bin Tarik Hassid, o grande xeique dos guerreiros do vento Khamsin, empalideceu para ouvir outro grito procedente da tenda em que tinha lugar o parto. Os dois guerreiros se encontravam sentados fora da tenda. Jabari se negava a mover-se dali e as mulheres que atendiam a Elizabeth se negavam a lhe deixar passar. Aquele líder e temível guerreiro tinha o rosto pálido de preocupação, e afundou a cabeça nos braços

—Vamos, disse Ramsés, situando a mão delicadamente no ombro de seu xeique. — vamos ver os cavalos. Eu gostaria de passar um pouco de tempo com Fayla antes de partir para profundo deserto.

Jabari levantou a vista, com o rosto iluminado pela curiosidade.

—Por que?

—Quando Kareem volte para o acampamento do sul, vou devolvê-la para que criem com ela. Ramsés deixou escapar um suspiro. Odiava ter que abandonar a sua querida égua, mas sabia que tinha que conservar sua linhagem de sangue.

Chegaram aos limites do acampamento. Jabari não deixava de lançar olhares de preocupação à tenda onde se desenvolvia o parto.

—Elizabeth estará bem, asseguro-lhe Ramsés. Logo terá um menino forte e são.

—Tinha que ter levado ela ao hospital do Cairo, disse inquieto, Jabari.

Ramsés abriu os olhos.

—Queria Elizabeth parir em um hospital?

—Não, era eu quem queria. Mas ela insistiu em fazê-lo aqui.

—Essa é sua Elizabeth, riu Ramsés, admirando a coragem e a obcecação de Elizabeth de ater-se à tradição. — Os costumes da tribo devem ser levados até o final, aprender a ordenhar cabras, fazer iogurte, tecer roupa…

Um guincho ressoou no acampamento. Ao ouvi-lo, Jabari ficou lívido como o leite de camelo.

—E dar a luz em tendas negras.

—Tenho que ir a seu lado.

Jabari se deu a volta. Ramsés o voltou brandamente em direção aos estábulos dos animais.

—Sua tia e Badra estão com ela, disse Ramsés rotundamente.

—Elizabeth não esperava sair de contas tão logo. Ela queria que estivesse aqui sua avó. Oxalá meu avô não levou Jana para visitar os parentes.

No ano passado, Elizabeth e Jabari haviam trazido a avó doente de Elizabeth ao Egito, quem se encontrava em um sanatório de Nova York tratando-se de tuberculose. Jana, na fase inicial de sua enfermidade, melhorou com ar fresco e boa dieta. Ela e Nkose, o avô de Jabari, encontravam-se visitando uns parentes de Jana da tribo dos Al-Hajid.

—Elizabeth estará bem. É jovem e forte.

Jabari cravou o olhar no chão, com a expressão séria.

—Está sofrendo terríveis dores e eu não posso fazer nada para ajudá-la.

Ele apertou o ombro do xeique, desejando poder fazer algo para aliviar sua angústia. Possivelmente uma brincadeira.

—O momento para ajudá-la era a nove meses atrás, sugeriu, lhe piscando os olhos.

Jabari o fulminou com o olhar.

—Para ti é fácil brincar. O amor de sua vida não está sofrendo agonias. Você nem sequer ama sua noiva. Sua esposa jamais significará para ti nem a metade do que Elizabeth significa para mim.

Ramsés deu um passo atrás, fugindo do golpe verbal. Recordou-se que seu melhor amigo não acreditava no que acabava de dizer.

Repôs-se à dor e esboçou o sorriso que estava acostumado a sair quando o mundo se derrubava em seu interior. Só que naquela ocasião lhe saiu mais torcida do habitual.

—Sim, assentiu ele. Caso-me com uma mulher a que não amo. E quando ela dê a luz, exigirei saber por que demora tanto.

Pretendia ser uma brincadeira, mas suas palavras estavam cheias de amargura. Ramsés se mordeu a língua, lamentando ter deixado entrever seus sentimentos.

Alcançaram o campo de matagais em que pastavam os cavalos. Um jovem guerreiro cuidava de uma égua a certa distância. Saudou-os com a mão. Ramsés devolveu a saudação a Kareem e assobiou a Fayla, que se aproximou trotando. Acariciou-lhe o focinho amorosamente, desejando que as pessoas se parecessem mais aos cavalos; leais e fiéis. E sem o dom da fala.

Sentiu a pressão de uma firme mão em seus ombros.

—Ramsés, disse Jabari com a voz trêmula. Lamento profundamente. Não disse a sério. Foi muito descortês por minha parte.

—Não precisa se desculpar, Jabari. Constatou um fato. Nada mais.

Iria se casar com uma mulher a que não amava. Como desejava que a dor que rodeava e capturava seu coração se acalmasse. Só um pouco.

—Um fato que me entristece. Quero que seja feliz.

Ramsés ficou frente a seu xeique. Encolheu os ombros com impotência.

—Minha felicidade importa menos que o fato de terminar de uma vez por todas com a vergonha que meu pai carregou desde o dia que seu pai foi assassinado. Devo restituir sua honra pessoal com este casamento.

Ao recordar o modo em que o pai de Jabari, Tarik, foi assassinado no assalto a uma caravana, lhe revolveram as vísceras. Quando isso ocorreu, seu pai, o Guardião de Tarik, encontrava-se no Cairo. Seti caiu em desgraça, posto que tinha fracassado no ataque ao proteger a seu xeique.

Jabari deixou escapar um suspiro.

—Seti não pode culpar-se pela morte de meu pai. O fato de que meu pai morrera não foi culpa de Seti.

Ramsés sentiu que lhe saía no peito a emoção.

—Sei, mas meu pai não pode perdoar-se. Apóia este casamento. Vê-o como outra oportunidade para cumprir o juramento que um dia fez. Se não me casar com lady Katherine, romperei seu juramento. Devo render honra a meu pai.

Jabari situou ambas as mãos nos ombros de Ramsés. Parecia estar verdadeiramente aflito.

—Você já rendeu honra a seu pai. Não conheço outro guerreiro Khamsin mais honrado que você, Ramsés. É o guerreiro mais valente de todos meus homens. Lutaria contra uma legião de demônios se só tivesse um homem a meu lado… você.

Calou-se, parecendo lutar com suas emoções. Apertou-lhe com mais força.

—Estou orgulhoso e me sinto honrado de que seja meu guardião, mas o título do qual me sinto mais orgulhoso é o de amigo. Um homem ao que chama amigo tem uma honra que se leva consigo à tumba.

Ramsés sorriu, esta vez de verdade.

—Está ficando muito sentimental.

—O momento para me pôr sentimental era nove meses atrás, respondeu-lhe Jabari, com um sorriso ainda maior que o de Ramsés.

Ele começou a rir.

—Te conhecendo, não passará muito tempo depois de que o bebê nasça para que encha o ventre da Elizabeth com outro.

Jabari assentiu com a cabeça.

—Agrada-me voltar a verte sorrir, meu amigo. Estive muito preocupado por ti.

Ramsés adotou um porte arrogante ao tempo que se livrava das mãos de Jabari.

—Por que? Não teve suficientes assuntos com os que ocupar sua mente ultimamente?

—Conheço-te, Ramsés. Há algo que te preocupa profundamente. Algo aconteceu no Cairo.

Jabari, como sempre, lia ele com a mesma facilidade com que interpretava as estrelas no firmamento noturno. Ramsés se enfrentava ao dilema de confessar tudo a seu melhor amigo e obedecer ao instinto de manter a boca fechada.

—Trata-se de uma mulher, verdade?

Ramsés deu meia volta, decidido a negar, mas então advertiu o aspecto preocupado de Jabari. Resignado, deixou escapar um suspiro e assentiu com a cabeça.

—Ah, o que imaginava.

—Teria tirado de mim antes ou depois.

Assinalou o chão e os dois homens se sentaram com as pernas cruzadas.

Ramsés recolheu uma pedra e a passou entre os dedos. Mantiveram-se em cordial silêncio durante uns instantes, escutando os bufos dos cavalos atrás deles e o som do vento do deserto ao roçar a areia.

—Dir-te-ia como se chama, só que não sei, disse-lhe finalmente Ramsés. Ante o olhar inquisidor de Jabari, Ramsés relatou a história. Uma vez terminado, seu amigo entreabriu seus olhos escuros.

—Para quem acredita que trabalha?

—Possivelmente para os Al-Hajid, atreveu-se aventurar Ramsés, olhando fixamente a seu amigo. O tio de Elizabeth dirigia a tribo, mas apesar dos laços familiares e a paz entre sua gente, Ramsés continuava sem confiar neles. As duas tribos tinham sido inimigas durante muitos anos.

Jabari esfregou o queixo.

—Não consigo ver claramente. Se assim fosse, teria que ser uma banda de renegados, posto que Nahid mantém um férreo controle de sua gente.

—Quem mais poderia ser? Ninguém mais conhece sua existência.

—À exceção daquele ladrão de tumbas que feriu.

—Teria que havê-lo atravessado com minha espada, murmurou Ramsés, tirando sua faca. Cravou-a na areia.

Jabari lhe sujeitou a mão.

—Deixa a faca e os lamentos a um lado, meu amigo. Tenho o pressentimento de que voltará a se encontrar com essa inteligente mulher. Deus tem estranhas formas de dispor do destino dos homens.

Ramsés sorriu arrependido enquanto embainhava a faca.

—Esperemos que Deus disponha meu destino de forma favorável.

Ouviram que Kareem os chamava e ficaram em pé, retirando o pó dos binisk. O guerreiro Khamsin, de apenas dezessete anos, fazia poucos meses que estava entre eles. Vivia no acampamento do sul, onde os Khamsin criavam seus cavalos árabes. Seu rosto se iluminou de entusiasmo. Deteve-se, inclinou-se para frente impulsionado pelo impacto e expressou suas respeitosas saudações. Continuando, sorriu. Ramsés devolveu o sorriso. Gostava de Kareem, quem o seguia como um leal filhote e sempre lhe bombardeava com perguntas. Ramsés prometeu ao pai de Kareem que cuidaria do menino.

—Ramsés, como me alegro de verte de novo! Fale-me do Cairo foi emocionante? Viu muitas moças bonitas?

Ele sorriu a Kareem entusiasmado.

—Assim foi, admitiu laconicamente, pensando na bela ladra de olhos verdes.

—Me disseram que até a última mulher do Cairo reclama a atenção de Ramsés, o guerreiro do amor. Inclusive aquelas que se dedicam profissionalmente a agradar a um homem em todos os sentidos. Contaram-me que fazem algo com os pés.

Pés? De onde tirava semelhantes idéias? Ramsés dedicou a Kareem o sorriso indulgente de um homem enfastiado agradando a um menino fascinado.

—Ah, sim, as mulheres dos pés. Ramsés se encontrou com umas quantas, Jabari lhe piscou os olhos o olho a seu amigo.

Ramsés franziu o cenho.

—As mulheres da cidade não podem competir com a beleza de nossas mulheres, Kareem. Uma mulher Khamsin é como os raios de Atem, enquanto que as mulheres do Cairo não são mais que velas. Verá quando chegar o momento de encontrar esposa.

Kareem pareceu ficar ligeiramente ciumento e a seguir, disse com desdém:

—Tenho uma amante, sabe, na Amarna. Mais bela que o céu do crepúsculo. Diz que sou o melhor amante que teve jamais.

Ramsés lançou um olhar a Jabari, divertido pela postura afetada do jovem.

—Deve ser uma garota encantadora, Kareem.

—E o que me diz de sua noiva, Ramsés? É bela?

Nem sequer pôde forçar-se a assentir com a cabeça. Não a veria até o casamento. Seria mais feia que o traseiro de um camelo?

Jabari deve ter percebido a preocupação em seu rosto, posto que apoiou sua mão no ombro do Ramsés.

—Estou seguro de que sua noiva é uma mulher muito atrativa.

Kareem sorriu com ar de suficiência.

—Me disseram que as mulheres inglesas são altas e ossudas, embora algumas são belas. Ao menos as que não são miúdas e delicadas como lady Katherine. Mas suponho que te corresponde casar com uma mulher inglesa, posto que não é egípcio de tudo.

Aquele insulto impactou nele com a mesma força de um murro na mandíbula. Ramsés retrocedeu, atônito pelo fato de Kareem se atrever a mencionar suas raízes. Revolveu-lhe o estômago, como costumava acontecer quando era criança e seus irmãos lhe chamavam mestiço. A diferença da maioria de guerreiros Khamsin, que se casavam com membros de sua mesma tribo, sua família se aderia ao velho costume de casar os guardiães com parentes distantes procedentes de distintas culturas, entre elas a inglesa ou a italiana.

Jabari advertiu a consternação de seu rosto. O xeique se sentia molesto.

—A família de Ramsés descende dos mais ilustres guerreiros Khamsin. Sua linha de descendência é da gerações de guardiães. Lady Katherine também pertence a uma família honorável. Só o melhor corresponde a meu guardião, o guerreiro mais valoroso que a tribo jamais conheceu. Não tolerarei que insulte meu amigo, disse ele em voz baixa, cheia de ira.

Kareem empalideceu.

—Sinto muito, Ramsés. Não era minha intenção te insultar, balbuciou ele. Parecia verdadeiramente envergonhado.

Ramsés forçou um sorriso.

—Não disse com má intenção, apressou-se a dizer ele. Por que não vai reparar as pontas de meus utensílios de guerra?

Kareem assentiu com a cabeça, com os olhos abertos como pratos.

—Será uma honra para mim. Farei agora mesmo!. O menino se inclinou para diante e saiu correndo.

Observou-o enquanto partia, algo triste.

—Alguma vez fui assim jovem? Murmurou.

—Faz um tempo. E foi igual de inoportuno.

Ramsés sorriu

—Kareem amadurecerá. Visitará seu pai uma vez que tenha terminado minha reclusão no profundo deserto.

Jabari franziu o cenho.

—Por que vai encerrar-te? Por que razão vai jurar fidelidade agora a sua noiva, que o casamento foi suspenso?

—Queb acredita que, posto que tenho mais do que me lamentar que qualquer outro guardião Khamsin, necessito mais tempo para me arrepender, brincou ele.

Em realidade, precisava fazer o juramente antes de voltar-se louco. A notícia de que Lady Katherine não se adaptou ao Egito tinha deixado ele profundamente preocupado. Ramsés imaginava uma inglesa consentida acostumada a serventes e riquezas. Como uma mulher assim iria assimilar o modo de vida Khamsin?

—Eu gostaria que te levasse a alguém para que investigasse a mina quando empreender seu recolhimento.

—Não posso fazê-lo. Necessito solidão para o tradicional período de jejum, penitência, meditação e …

—Celibato. A seu amigo lhe iluminaram seus escuros olhos. Eu mesmo faria a viagem só para presenciar semelhante acontecimento.

Ramsés franziu o cenho.

—Acredita-me capaz de perder o controle e romper meu juramento?

—Um juramento não deveria durar três meses. Aposto que não voltará sem te haver deitado ao menos uma vez com uma mulher.

—Uma aposta muito fácil. Tem todas as de perder. Ramsés sorriu, esfregando as mãos. E que apostamos?

Jabari levantou uma sobrancelha, considerando-o.

—Se perder, cederei a próxima cria da melhor de minhas éguas. Se perde…

Ramsés advertiu um brilho malicioso em seus olhos.

—Não, Jabari… não…

—Não tão curto como o meu. Mas… o xeique levantou no ar uma mecha do cabelo de Ramsés. Justo em cima dos ombros.

—Pois isso só é um pouco mais comprido que o teu, protestou ele.

—Sei, disse Jabari com um sorriso de suficiência.

Deixou escapar um suspiro.

—Não me dá medo perder. Nessa parte do deserto só há jims.

—Conheço-te, meu amigo, conheço-te. Encontrará a uma com o que poderá se deitar. E eu deixarei de perder um magnífico potro. Jabari lhe piscou os olhos, mas Ramsés tinha o estranho pressentimento de que, naquela ocasião, possivelmente seu amigo não se equivocava.

—Ramsés? Deixa de rondar por aqui fora e entre para ver meu filho.

Um pouco indeciso, Ramsés retirou a portinhola e entrou na tenda do parto. Tinha acompanhado a Jabari justo até o momento do nascimento.

Entrou na ponta dos pés e parou, temeroso de invadir sua intimidade. Uma Elizabeth com aspecto cansado, ao mesmo tempo radiante, estava tombada em uma cama, coberta por uma fina manta com listras enquanto embalava a um diminuto fardo. Jabari estava sentado a seu lado, com a mão no ombro de sua esposa, olhando com adoração ao fardo.

Jabari levantou a vista, lhe fazendo gestos com a mão para que entrar. Ramsés se dirigiu com cuidado para ele. Aproximou-se da cama, temeroso de importunar, mas desejoso de ver o bebê.

—Olhe, Elizabeth levantou a manta, deixando ao descoberto seu bebê. É o primeiro em vê-lo. Jabari insistiu.

Ramsés se sentiu profundamente comovido. A tradição ditava que aquele privilégio era do avô de Jabari, sobre tudo tratando do primogênito do xeique.

—Obrigado, disse ele em um fio de voz. O fato de que me honrem com este privilégio significa muito par mim.

—Você gostaria de sustentá-lo entre seus braços? Elizabeth passou seu filho a Ramsés, lhe dando instruções de manter sua cabecinha no alto.

Aquele pequeno fardo parecia ar em seus braços, tão delicado e diminuto. Ramsés baixou a vista e observou admirado o rosto avermelhado do bebê, sua diminuta cabeça polvilhada com finos cabelos. O milagre de uma nova vida o superava. Acariciou delicadamente a bochecha do bebê. Maravilhado por sua suavidade. O menino abriu os olhos sonolento.

—Tem seus olhos, comentou Ramsés, sorrindo a Elizabeth.

—Todos os bebês têm os olhos azuis ao nascer, disse Elizabeth. Levou-se a mão a seu comprido cabelo loiro. Acredito que terá os olhos de seu pai e a cor de meu cabelo.

O sorriso do Ramsés se intensificou.

—Pergunto-me se teria herdado algo mais de seu pai. A seguir colocou o bebê sobre a cama e o cobriu com a manta. Suas enormes mãos lhe pareceram torpes comparadas com as delicadas mãos do recém-nascido.

—O que está fazendo? Perguntou-lhe Elizabeth divertida.

—Comprovando se é filho de seu pai, respondeu misteriosamente Ramsés. Com supremo cuidado, desatou a fralda do bebê e estudou o lugar. O objeto de sua atenção se levantou subitamente e deixou escapar um jorro de quente líquido amarelo em sua cara.

Jabari e Elizabeth estalaram em risadas. Ramsés sorriu resignadamente.

—É filho de seu pai, sem lugar a dúvidas.

Limpou-se o rosto com o trapo que lhe ofereceu Jabari. O xeique recuperou seu filho, lhe atando habilmente a fralda e sustentando-o entre seus braços com facilidade.

—É, não tenha a menor duvida, disse Jabari cheio de orgulho.

—Com Jabari não podia ser de outro modo, disse Elizabeth, lançando a seu marido um olhar de adoração tão intensa como a que tinha dado a seu filho. Nem eu tampouco…

Os olhares de amor que intercambiaram Jabari e Elizabeth desconcertaram Ramsés. Estava interrompendo sua intimidade, um dos momentos mais memoráveis que jamais iriam compartilhar, o nascimento de seu primeiro filho.

Ao pensar que entre sua esposa e ele jamais se criaria aquele vínculo especial, a Ramsés doeu o coração. Seu futuro estava forjado com uma mulher que não lhe amava.

Jabari o olhou espectador. Ramsés esclareceu garganta e sorriu envergonhado.

—Quase me esqueço. Desculpem-me, ultimamente ando um pouco avoado.

Ramsés elevou a mão e a posou brandamente sobre a frente do recém-nascido.

—Filho primogênito de Jabari, como Guardião dos Séculos, confio-te meu amparo e o amparo de minha saga. Meu primogênito te defenderá até a morte. Meu filho guardará sua vida com a sua própria. Este é um voto solene.

Dirigiu a mão ao cinturão em busca de sua faca e abriu a palma. O corte foi limpo, estreito e vertical. Limpou a faca com uma faixa de seda amarrada ao cinturão, devolveu a faca a seu sítio e limpou sua mão de sangue com o trapo.

Advertiu o rosto gélido de Elizabeth.

—Me desculpe, Elizabeth. Esqueci que não está de tudo familiarizada com nossas tradições. Não era minha intenção te enjoar. Mas isto significa que daria minha vida por seu filho, do mesmo modo que o faria por seu pai. Além de por ti. Do mesmo modo que meu primogênito o fará quando eu não esteja.

Ela conseguiu esboçar um trêmulo sorriso.

—Tem uma enorme tarefa a suas costas, Ramsés, do mesmo modo que seu filho, se o bebê se parecer em algo a seu pai. Temerário, em perigo sem pensá-lo…

Jabari franziu o cenho enquanto Ramsés estalava em sonoras gargalhadas.

—Parabéns. Que tenha muitos filhos belos e fortes.

Logo olhou a Jabari seriamente.

—Logo partirei para deserto profundo. Mas quero que saiba algo. Em minha ausência, o amparo de meu pai se estende a ti e a sua família.

O rosto de Jabari estava cheio de emoção.

—Trata-se de um escudo que levarei com orgulho, disse ele com gravidade. Ficou em pé e abraçou Ramsés. Obrigado, por tudo o que faz por mim e minha família.

Ao sair da tenda, Ramsés lançou um olhar ao redor. Muita gente, ante a notícia do nascimento do filho do xeique se amontoou ante a tenda; seus rostos refletiam felicidade. O nascimento de um bebê era um acontecimento para qualquer casal Khamsin, mas para o xeique era uma ocasião especial. Por muito que Ramsés quisesse a Jabari e Elizabeth, sentiu uma tristeza profunda pelo fato de não poder experimentar a felicidade daquele momento. No dia seguinte juraria um voto de fidelidade a uma mulher que não amava. Duvidava poder querê-la jamais.

Tinha chegado o momento.

Formando um amplo círculo no lugar cerimonioso secreto dos Khamsin no deserto Arábico, reuniram-se na rochosa e cinzenta areia. Gotas de suor caíam pelas costas de Ramsés, umedecendo sua calça azul anil. O sol golpeava contra seus ombros nus.

De pé, no centro do círculo, respirava fundo. Do mesmo modo que o ritual com o que se marcou o símbolo do clã de Jabari em seu braço, temia aquela cerimônia. Não pela dor física, posto que esse dia iria ter outra tatuagem, se não pelo fato de que juraria a promessa de fidelidade a sua noiva . À mulher que não amava, mas juraria lhe ser fiel e protegê-la com sua vida.

Uma tumba de pedra recobria seu coração. Com as palavras que pronunciaria, selaria a tumba. Preferia a dor física à dolorosa agonia que se livrava em seu peito.

Jabari, Queb, o chamán da tribo, e os Majli, o conselho dos anciões Khamsin, rodeavam-lhe. Nenhuma mulher estava presente naquele solene ritual de homens. Sentiu-se intranquilo até que seu olhar se cruzou com o de seu amigo. Jabari lhe piscou os olhos o olho tranquilizadoramente. Ramsés reprimiu um sorriso e se relaxou.

Concentrando-se na respiração, observou seu pai aproximando-se dele. A seus cinquenta anos, a força não lhe tinha abandonado e seus excelentes reflexos não se viram diminuídos. Seu nariz orgulhoso, a mandíbula finamente cinzelada eram verdadeiros reflexos de Ramsés. O cabelo escuro e abundante deixava entrever alguns fios brancos.

Mas o forte contraste era o porte de Seti. Depois da morte de Tarik, suas fortes costas se curvaram. Seu porte real que fazia de seu homônimo, um rei do Egito, desapareceu. Seu pai arrastava os pés como um fraco ancião.

Aquele dia, advertiu rastros de sua antiga e arrogante segurança. Ramsés esperava que seu pai recuperasse a dignidade perdida. Ansiava ver seus olhos âmbar transbordar vida de novo.

—Meu filho, fruto de minhas vísceras, Guardião do amanhã. Seti contemplou a Ramsés com orgulho.

—Meu pai, de vida, Guardião do Passado, respondeu Ramsés com a saudação tradicional de um guardião a seu pai antes que começasse a sagrada cerimônia.

—Está preparado para jurar o voto matrimonial? Perguntou-lhe Seti.

Ramsés não pôde pronunciar seu consentimento. Assentiu com a cabeça. As emoções estavam a flor de pele. Ele as manteve a raia. Endireitou as costas e ouviu como a tumba se fechava ao redor de seu coração enquanto recitava o voto sagrado do compromisso ante as testemunhas ali congregadas.

—Juro como Guardião dos Séculos entregar a mim mesmo assim como minha eterna fidelidade a minha noiva. Manterei meu corpo e espírito puro para ela, me entregando unicamente a ela. Protegê-la-ei durante o resto de minha vida e guardarei sua vida com a minha.

Queb, o chamán da tribo, deu um passo adiante. Suas mãos trêmulas se elevaram ante Ramsés em um gesto místico enquanto recitava a bênção consagrada pela larga tradição.

—Que o Udat, o vigilante Olho de Horus, outorgue-te seu poder de amparo para guardar a sua companheira. Do mesmo modo que o sagrado Min te conceda fertilidade para muitos filhos que prossigam depois de ti.

Queb limpou o antebraço superior esquerdo de Ramsés com uma loção. Agarrou a faca cerimonial, com seu punho de marfim resplandecendo sob o sol brilhante, e a levantou para o céu, pronunciando orações em egípcio antigo. O ancião chamán entregou então a Seti. Ramsés olhou à frente e se preparou para receber a tatuagem. Uma vez finalizado, Queb limpou a ferida. Seti limpou a espada, a entregou a Queb e deu um passo atrás.

—Hoje outro Guardião dos Séculos jurou o voto sagrado e continuará a tradição para as gerações vindouras.

Os homens ali reunidos exclamaram uma sonora ovação. Ramsés avermelhou de orgulho. Baixou a vista e lançou um olhar a seu braço. Seus grossos músculos levavam agora uma marca em que o Olho do Horus se enroscava ao redor de Keb, o coração. Os dois hieróglifos se achavam separados por uma linha larga, parecida com uma lança, com borlas nas pontas. Min.

—Meu filho, hoje restabeleceu minha honra e o de meu clã. Sinto-me profundamente orgulhoso de ti e do magnífico trabalho que tem feito protegendo a vida de nosso xeique. Estou convencido de que cumprirá com a tarefa de estender o mesmo amparo a sua esposa.

Seu peito se encheu de sorte. Ramsés sorriu.

—Obrigado pai. Meu dever será sempre honrar a nossa saga como Guardião dos Séculos.

—Do mesmo modo que seus filhos depois de ti, disse Seti. Aqueles olhos envelhecidos da cor do âmbar. Espero que seja pai de não menos de uma dúzia de meninos com seu mesmo cabelo. Era uma velha piada familiar. Seti, pai de cinco filhos, tinha o cabelo mais curto que seu filho.

—Para cumprir com esta tarefa, deveria deixar me crescer isso até passados os joelhos, respondeu Ramsés, ocultando sua dor depois de um amplo sorriso. “Se me deitasse com minha ladra de olhos esmeralda. Seria o pai orgulho de mais filhos que as estrelas”

Jabari deu um passo adiante e lhe estendeu um abraço.

—Parabéns. Levantou o braço de Ramsés e lançou um olhar à tatuagem. Bom trabalho, Seti. Tem bom pulso. É tão bom como quando Queb lhe tatuou o falcão a seu filho.

O velho espírito de Ramsés voltou. O ancião chamán estava meio cego.

—Sempre será melhor meu pai que Queb, brincou ele. Do contrário teria uma tatuagem na qual o Olho de Horus se pareceria mais ao traseiro de um asno.

Depois de lançar um olhar ao chamán, já a distância, Jabari replicou.

—Ou chicote de Min seria muito curto e flácido, disse ele piscando o olho. Um sinal pouco prometedor para sua noiva.

“Noiva”. Forçou um sorriso, mas lhe doía mais o coração que a marca que tinha tatuado no braço.

—Logo entrará, meu filho, no deserto. Leve toda minha sabedoria contigo, disse Seti.

—Quando voltar, devolver-lhe-ei isso, respondeu Ramsés.

—Ramsés, disse elevando o tom de voz, cheio de incerteza. A tarefa que tem ante ti não é nada fácil. O sagrado retiro espiritual põe a prova a capacidade de resistência e a fortaleza de muitos guardiões. O juramento que tem feito de um período de abstinência antes do casamento, preparar-te-á para sua esposa.

—Além de te arrepender ante Deus de todas suas faltas no passado. De repente o chamán voltou a aparecer. Seus olhos reumáticos lançaram a Ramsés um olhar severo. Ramsés notou calor em seu corpo.

—Não tenho muitas, murmurou ele.

—Não é isso o que ouvi que suas proezas com suas amantes no Cairo, respondeu-lhe Queb. As mulheres…

Ramsés não pode evitar protestar.

—Eu gosto muito das mulheres, do mesmo modo que eu a elas. Despediu-se de sua amante, uma bela mulher que vivia em Amarna, a umas horas a cavalo.

—Muito. Franziu o cenho. Recorda, Ramsés, que agora em diante pertencem ao passado. Quando se casar, deve ser fiel. Queb estreitou a mão direita de Ramsés. Seu totem sagrado te mostrará o caminho de seu destino. O tigre é feroz e valoroso, mas se sente atraído pelo perigo. Tome cuidado com isto.

—Não te falharei, Queb, nem a ti tampouco, pai, prometeu Ramsés. Cumprirei o voto de honrar a minha noiva. Meu corpo, meu espírito, permanecerá puro para ela, disse-lhe, olhando-o nos olhos.

Os olhos da cor do âmbar de Seti resplandeceram de orgulho. A Ramsés comoveu profundamente comprovar que seu pai tinha recuperado seu porte majestoso.

—Sinto-me tremendamente orgulhoso de ti, meu filho.

A expressão no olhar de seu pai fez desaparecer sua dor. Faria honra ao voto que tinha feito de respeitar a sua noiva e se casaria com ela. Apesar de seus receios pessoais. Passasse o que fosse, levaria adiante seu juramente sagrado e honraria seu pai.

Um guerreiro de olhos dourados envolvia sua pequena e vacilante mão na sua, enorme, e a arrastava até o interior de uma tenda negra. Equilibrava-se sobre ela, afundando-a na cama com suas mãos poderosas.

—Confessa, ordenava-lhe sua grave voz. Diga-me quem é. Seus lábios sensuais se aproximavam, cada vez mais perto quase a um suspiro de sua boca. Seu véu se foi levantando até que ele o arrancou de um puxão. Ramsés a beijaria até perder a consciência e todos seus segredos seriam desvelados. Então lhe revelaria o grande secreto… enquanto lhe olhava a cicatriz.

Katherine despertou sobressaltada. A escuridão a rodeou.

A fraca luz da lua, que entrava por um buraco no teto, rasgava a impenetrável escuridão. Inclinou a cabeça e não se encontrou com o teto familiar da habitação de hotel, se não com uma enorme rocha. Então se lembrou. Uma cova, nas profundidades do deserto Arábico.

—Minha filha do deserto O que te passa?

Do outro extremo da cova ressonou a voz tranquilizadora de Ahmed, o chamán de seu primo. Katherine ouviu o entrechocar de feixes e a seguir o suave resplendor de uma vela encheu a pequena cova. O rosto envelhecido de Ahmed apareceu na cabeceira de sua cama. Conheceu-o a primeira vez que visitou o Egito à idade de cinco anos. Jamais perdeu seu ar misterioso ou seu caráter afetuoso.

—Um pesadelo. Nada mais. Lamento ter te incomodado.

Sentou-se na beirada da cama com a vela na mão.

—Você não me incomoda. Não estava dormindo. Estava meditando.

—Tenho a impressão de que passas a noite cordado para me vigiar.

Dirigiu o olhar à entrada da cova. Em seu exterior se achavam acampados os quatro egípcios que trabalhavam para Burrells. Eles temiam mais ao poderoso chamán que a uma pistola carregada.

Ele permaneceu em silêncio, mas examinou sua bochecha esquerda.

—Lembra-te de quando o filhote de tigre te fez isto?.

A dor lhe revolveu as vísceras.

—Como ia esquecer? Lembro-me cada vez que me olhou no espelho.

Ahmed lhe acariciou a cicatriz cuidadosamente com o dedo.

—Faz muito tempo. O tigre deixou sua marca em sua pele, filha do deserto. Esta marca é seu destino. O tigre pode te reclamar como dele, pequena. Esse dia está perto. Não deve ter medo a não ser confiar nele. Ele te brindará com seu amparo, guardará sua vida com maior ferocidade que a sua própria e te protegerá de qualquer perigo.

Aquelas palavras críticas a assustaram um pouco. Ahmed a observava em silêncio com seus olhos escuros.

—Não necessito nenhum protetor. Posso cuidar de mim mesma, declarou ela. Papai me ensinou a utilizar o arco.

Ahmed sorriu.

—É uma verdadeira filha do deserto.

—Se o fosse, não viveria assim. O primo Jamal insistiu em que tivesse uma estadia confortável, disse Katherine, ironicamente. Tinham disposto duas enormes camas dobradiças para ela e Ahmed. Na entrada traseira da cova havia uma mesa dobradiça e duas cadeiras. Uns tapetes persas se achavam pulverizados pelo chão de areia. Contava com uma montanha de provisões; desde comida seca a montões de lençóis limpos. Mais luxos dos que disporia quando se casasse com Nazim.

—Ahmed, Quando vai me falar de meu marido?

—Logo, disse-lhe ele.

Ela exalou um suspiro.

—Por que tudo deve permanecer em segredo?

—Esse é o costume.

—Um costume que evita que as mulheres fujam quando descobrem que vão se casar com uma família de pastores de cabras fedorentos e sem caráter, lamentou-se ela.

Sua risada divertida retumbou nas paredes da cova.

—O que te faz tanta graça?

—O modo em que descreve seu marido é do mais divertido. Já verá quão equivocada está. A expressão de seu rosto se tornou grave. Katherine, dispõe de informação que eles necessitam. Seus conhecimentos de medicina e as artes herbais lhes serão muito úteis.

—Tudo o que tenho feito foi atender a pacientes quando o doutor visitava os arrendatários de nosso imóvel. Não posso ajudá-los muito.

—Possivelmente isto mude em um futuro muito próximo. Confia em mim. Por isso respeita a este casamento, não tem nada que temer.

Forçou um sorriso que ocultava seus verdadeiros sentimentos. Tinha muito que temer. Passaria de cavalgar em Rotten Row e tomar o chá da tarde a montar camelos e beber leite de cabra.

Ahmed, como sempre, percebeu sua inquietação.

—Não se preocupe. Ensinar-te-ei as tradições do povo de seu noivo, apesar de que tivesse desejado que seu pai te tivesse enviado ao Egito muito antes.

—Papai não podia voltar. Não depois que perdemos a mamãe por uma febre em sua última visita ao Cairo. Estava muito afetado. Só me casa com esse pastor de cabras para cumprir uma promessa que lhe fez no leito de morte.

—Trata-se de uma promessa sagrada. Vou-te dizer uma coisa, pequena. É mais egípcia do que imagina. Durante muito tempo, negaste esta parte de ti mesma, mas não pode se ocultar dela. O homem com o que vai se casar também tem uma dura batalha interior. Luta contra si mesmo. Contigo a seu lado, as duas metades que lutam em seu interior se converterão em um todo.

Katherine reprimiu um bocejo.

—Fala em código, Ahmed.

Ele esboçou outro sorriso misterioso.

—Volta para a cama, Katherine. Eu te protegerei. Não te abandonarei.

Enquanto ficava cômoda na cama e fechava os olhos, a Katherine pareceu lhe ouvir dizer em voz baixa: — Até que outro deva reclamar meu lugar.

 

Uns dias depois de empreender sua viagem, Ramsés chegou a seu destino. As areias douradas se estendiam formando umas dunas. Umas cadeias de pequenas colinas rochosas se perfilavam do norte ao sul, coroadas por umas reluzentes rochas negras. Ramsés deixou pendurando as rédeas de seu camelo e se assegurou de que o alforje estivesse bem ajustado.

Estendeu uma manta na crista de uma pequena duna e se desenrolou o turbante da cabeça. Ramsés se preparou para levar a cabo um antigo ritual. Tirou sabão de sua bolsa e foi procurar água a um poço próximo. Do mesmo modo que outros guardiões que tinham empreendido a travessia pré matrimonial no deserto profundo, barbeou-se em honra a seus antepassados. Na antiguidade, os egípcios consideravam as barbas anti-higiênicas.

Ramsés se despojou das armas e se sentou, endireitou as costas e apoiou as mãos nos joelhos. Ouviu o som de sua própria respiração. O profundo silêncio do deserto. Deixou que a energia do deserto penetrasse em seu coração.

Deixou que sua alma se impregnasse da tranquilidade das dunas. Permitiu que seu coração dançasse ao som da música das areias movediças.

Depois de respirar fundo, percebeu o aroma do calor das areias virgens. O sol o envolvia, fundia-o em seu ardente abraço e provocava gotas de suor que lhe caíam pela têmpora.

Tão sozinho. Deixou que seu espírito se derramasse nas areias como jorro de água. Sentiu a completa desolação do deserto desdobrar-se ante ele, lhe despojando de tudo até deixar sua alma nua, lhe forçando a mostrá-lo tudo ante seu criados. Enquanto continuava meditando, Ramsés notou que algo se deslizava pela extremidade do olho.

Deixou que o vento secasse as lágrimas que lhe caíam pelas bochechas.

Depois de dois dias de meditação, procurou a cova. Ramsés se vestiu, empacotou suas coisas e empreendeu o caminho para o sul.

Tempo atrás, seus antepassados descobriram uma seção de montanha oca perto da mina. Designaram-na cova sagrada e escavaram nela uma segunda saída. Após a utilizarem como lugar de meditação secreta para aqueles guerreiros que acabavam de jurar os votos matrimoniais.

O lance do deserto Arábico, no que se encontrava a cova e a mina, achava-se a metade de caminho entre o Nilo e a costa do mar Vermelho. Rochas negras e recortadas e vários afloramentos de pequenas colinas seccionavam um uadi, uma zona ampla e plaina de areias douradas criada por um rio antigo. No pé das montanhas havia alguns poços. A atmosfera era inóspita, dura e implacável para aqueles que cometiam enganos. Restos de antigos assentamentos se dispersavam pelo uadi, cujos antigos ocupantes tinham desaparecido da memória tempo atrás.

Ramsés viu alguns camelos na entrada da cova. Quatro enormes tendas brancas tinham sido erguidas na areia. Desceu de um salto de seu camelo e ocultou seus arreios atrás das rochas. Aproximou-se sigilosamente, deslizando-se por entre as rochas. Quando esteve o suficientemente perto, deslizou-se pela areia atrás dos borde recortados de uma rocha.

Quatro homens vestidos com compridos thobes riam enquanto se passavam uma garrafa. Distinguiu as cimitarras penduradas em suas cinturas. Armados, mas ao menos sem pistolas. O vento do deserto soprava em sua direção. Cheirou no ar. Estavam ébrios, ou logo estariam, a julgar pelo aroma enjoativo de álcool que transportava o ar. Desapareceram no interior da cova.

Uma sensação de deliciosa antecipação encheu o espírito do guerreiro. Tinha estado esperando isto e estava preparado para repartir justiça aos possíveis ladrões de tumbas. Ramsés recordou o rifle que tinha amarrado a seu camelo e franziu o cenho. Os homens de honra lutavam com espadas. Sujeitou fortemente o punho da cimitarra, preparado para expulsá-los do lugar.

Um guincho distraiu sua atenção. Ramsés levantou a vista, horrorizado ao ver uma mulher fugindo da cova. A luz do sol resplandecia nas dobras de sua camisa e calça azul marinho. Fugia dos quatro homens que corriam atrás dela.

Começou a tremer de ira quando um deles a agarrou pela manga. A mulher deu a volta e deu uma bofetada no rosto de seu assaltante, a seguir lhe deu um patada e conseguiu soltar-se. Ramsés sentiu admiração por seu espírito guerreiro ao tempo que sentia preocupação. Ramsés se passou o extremo do turbante pelo rosto, sujeitou a espada com a mão esquerda e efetuou o tradicional gesto de levar a mão ao coração e logo aos lábios antes de empreender a batalha.

Outro grito de terror soou no ar quando dois dos homens a apanharam, tombando-a no chão. Ramsés se equilibrou sobre eles, sujeitando a arma em uma postura estudada e deixando escapar o grito de guerra Khamsin. Um grito selvagem retumbou no silencioso calor. Enquanto se aproximava deles a toda velocidade, os homens soltaram à mulher e tiraram suas largas e afiadas espadas. Enquanto se equilibravam sobre ele, ele os atacou com a ferocidade de seu totem. O tigre se despertou.

Metal contra metal. Ramsés dava voltas, evitava os golpes e as estocadas. Lutou como um frenético selvagem. Quatro contra um. Uma pequena provocação. Sua espada golpeou o braço de um homem e se ouviu um grito atroz. “Poderia fazer com os olhos fechados!. De novo, deixou escapar o grito aterrador que sua tribo estive acostumada utilizar na batalha.

—Conheço esse grito de guerra! É um guerreiro Khamsin!

Os homens se afastaram um pouco. Um deles deu um passo adiante. O homem sorriu, deixando entrever duas fileiras de dentes amarelados.

—Um guerreiro Khamsin, hoje acrescentarei um verdadeiro guerreiro do vento à lista de homens aos que matei! Disse com desdém.

—Muito me temo que não, replicou Ramsés.

Quando se dispunha a carregar contra eles, um deles jogou-lhe areia nos olhos, cegando-o. Ramsés se cambaleou. Começaram-lhe a chorar os olhos. Deu uma estocada com a espada, dando no alvo. O homem gritou. Outro deles deu uma patada a Ramsés nos rins. Ramsés lançou um grunhido de dor e conseguiu não cair ao chão. Piscou, procurando abrir os olhos e voltou a arremeter contra eles. Uma espada lhe rasgou a calça. Ele a ignorou e deu a volta. De novo uma espada lhe roçou o peito. Uma sensação de calor percorreu seu corpo. Uma patada muito bem dada lhe tombou no chão.

Ele se levantou com dificuldade, sem poder ver. Estavam zombando dele, jogando com ele e a ira tinha substituído a serenidade que requeria a batalha. Ao equilibrar-se sobre ele, Ramsés voltou a dar uma estocada. Sua cimitarra se cravou fundo. A seguir ouviu um grito. Esforçando-se por ver, viu um homem que corria em direção a uma tenda, com um objeto comprido e metálico na mão.

Ouviu-se o estalo de um disparo no ar. Cortou-lhe a respiração ao sentiu uma dor intensa no ombro direito. Instintivamente caiu para trás, reprimindo gritos de agonia e surpresa. Forçando seus olhos a ver, viu que seu assaltante se adiantava um passo para apontar com a pistola. Ramsés se agachou rodou para diante e lhe fez a rasteira a um dos assaltantes enquanto este se levantava de um salto. Sentiu que algo duro lhe golpeava na têmpora e lhe começaram a zumbir os ouvidos. Conseguiu evitar deprimir-se por pura força de vontade enquanto se desabava na areia, caindo de joelhos, com a espada na mão esquerda.

Os homens se equilibraram imediatamente sobre ele como chacais sobre carniça. Ofegando, despojaram-lhe de sua cimitarra e o imobilizaram no chão, impedindo que o ar chegasse aos pulmões. O homem ferido lhe sujeitava o braço à costas. Ramsés se mordeu o lábio, sofrendo a asfixiante agonia da ferida de bala. Ramsés estava tão indefeso como uma presa sedada. Tentou respirar e de recuperar o controle. O medo paralisou seus sentidos do mesmo modo que a ira. Não mais enganos. Não os podia permitir.

—Lhe dispare e termina com ele. Dói-me a ferida, disse o homem gravemente ferido.

—Me ocorre algo melhor. Sujeita o com força sem te mover, disse a voz serenamente enquanto um pé afundava seu pulso esquerdo na areia quente. Grãos diminutos se cravaram em sua mão. Ramsés lutou.

—Isto é o que fazemos à escória do deserto. Cortamo-los em pedacinhos até que só ficam restos para os abutres.

Tinha o rosto anguloso e afiado, suas facções eram como as bordas de uma pirâmide, mas a diferença destas estruturas, aquele homem não possuía honra. O homem levantou a cimitarra de Ramsés e a volteou no ar. Um sorriso desumano fez aparecer em seu rosto mais curvas afiadas. A espada fendeu o ar com um zumbido, partindo em dois o coração de Ramsés. Sua querida espada, sua amiga. Agora nas mãos de outro, convertida em sua inimizade.

Quando o homem se inclinou, obrigando a Ramsés a estender a mão direita, este não sentiu medo, só uma ira desenfreada. Apontava para os montículos negros das montanhas rochosas. Ramsés se mordeu o lábio, fazendo-se forte para suportar a dor. Sua mão direita. O braço com o que dirigia a espada. O braço com o que tinha jurado defender a Jabari. A cabeça lhe dava voltas mas se forçou a acalmar-se e idear um plano.

Enquanto rogava para reunir forças, ouviu o grito. Retumbou em seus ouvidos como o som do vento do deserto açoitando a planície. Ressonou na areia em um grito selvagem que lhe recordou o grito de guerra de sua tribo. Ramsés voltou a cabeça para a cova e presenciou uma cena tão incrível que acreditou que era uma alucinação provocada pelo golpe na cabeça.

A mulher. Ela levava um arco no peito. Ramsés fechou os olhos, temeroso de abri-los e descobrir que era uma ilusão que ele mesmo tinha provocado para reunir a coragem suficiente antes do inevitável.

Algo assobiou no ar. A seguir se ouviu um alarido. A pressão desapareceu de suas pernas e o alvo do arco caiu na areia. Era o momento. Centrou sua atenção no homem sentado em seu peito, que procurava sua pistola para apontar à mulher.

Sua mão se fechou com força em um punho que golpeou diretamente nos rins. Seu captor deu um bufo, retirando-se. Ramsés se fez com sua pistola e disparou. O homem caiu como pedra na areia. O homem ferido que lhe sustentava a mão ficou em pé e fugiu como se uma horda de demônios, recém saídos do inferno, pisasse-lhe os calcanhares. O torturador que sustentava sua cimitarra logo que teve tempo de elevá-la quando Ramsés rodou debaixo dele, levantou a arma por cima do esterno e lhe disparou. O homem caiu no chão com uma expressão de surpresa no rosto. Ramsés ficou em pé e disparou ao homem ferido. Caiu dando um grito afogado de assombro. Um disparo nas costas. Não era muito honrado, mas não tinha outra alternativa.

Quando seu corpo compreendeu que tudo tinha terminado suas pernas cederam. Deixou cair a pistola enquanto se despojava de seu turbante e atava a sua ferida no ombro. Sentiu que o calor alagava seu braço como escuro vinho. A dor se apoderou de seu ombro, corroendo-o. Estava muito fraco para conter o fluxo do sangue que se derramava. Ramsés tinha sofrido suficientes feridas em batalha e tinha atendido suficientes homens feridos para saber que aquela ferida seria mortal se não recebia imediata ajuda médica.

Desabou-se na areia, lutando para não perder o conhecimento. Um leve sorriso curvou seus lábios. Morrer por uma simples ferida de bala! Não era uma morte honrada. Nenhuma vitória de guerreiro para ele, nenhuma glória, nenhuma história a respeito de sua coragem ao redor das fogueiras crepitantes na noite. Jazeu convexo sem ânimo durante um minuto, lamentando o inevitável. Chorou a perda do que nunca teve. Jamais seria o pai de um guardião que continuasse sua estirpe. E em sua mente retumbava uma voz suave e musical.

“Provavelmente uma de suas boas ações, como resgatar a uma dama em perigo, faça-te merecedor dos prazeres do paraíso”

“Hoje descobrirei do que se trata” Sentiu uma dor intensa quase tão agonizante como o de suas feridas, com apenas pensar que jamais a voltaria a ver. Possivelmente na outra vida.

Só queria sucumbir à dor e enjôo que o reclamavam e abandonar seu espírito. Mas sua natureza se opunha. Não morreria como um cão. Era um guerreiro Khamsin do vento. Ramsés quis ficar em pé e se desabou. Um grito afogado chamou sua atenção. Através de seus olhos entrecerrados pôde ver aquela mulher. Suas doces mãos lhe sustentaram a nuca e lhe levantaram a cabeça. Ramsés se sentia agradecido de que o tato das suaves mãos da mulher fosse o último que iria sentir.

—Oh, não, gritou ela. Os lábios de Ramsés se curvaram formando um fraco sorriso. Semelhante voz sedosa seria o último que ouviria. Obrigou-se a abrir os olhos.

Sentindo que o sangue de sua vida saía a fervuras, olhou absorto aquele par de luminosos olhos verdes. Um sorriso forçado se desenhou em seus lábios. Morreria com uma visão encantadora despedindo deste mundo para lhe levar a próximo.

—Olá, minha querida trombadinha. O único que peço é que não deixe meu corpo aqui para que o devorem os abutres, que receba uma sepultura de guerreiro. Então deixou que a escuridão que o envolvia o levasse com ele.

 

Katherine se repôs da impressão enquanto sustentava a cabeça de Ramsés com suas mãos. Areia tão fina como talco salpicava suas pálidas e perfeitamente barbeadas bochechas. Ela apoiou brandamente sua cabeça no chão. Apressou-se a entrar na cova e voltou correndo para Ramsés, cobrindo-o com uma grossa manta e pressionando um trapo dobrado em sua ferida sangrando. Ao ouvir uns passos, Katherine se deu a volta. Seus ombros se curvaram de alívio.

—Ahmed! Necessito sua ajuda, rápido!

Ahmed, que Deus o bem diga, não perdeu tempo pedindo explicações. Retirou a manta de Ramsés, desatou-lhe a roupa e a tirou. Ahmed tirou sua faca e lhe cortou a camisa. Katherine se estremeceu ao ver a horrível ferida de bala.

—Tudo isto é minha culpa, disse ela com a voz trêmula. Se te tivesse acompanhado a meditar, tal como me pediu… Ele os atacou só para me proteger. Sei que tudo isto é minha culpa

—Não te culpe. Se quiser lhe salvar, deve me ajudar. Ahmed olhou a seu redor e viu a fogueira. Tirou a faca. Aqui tem, leve isto e corte as ataduras. Traga água, sal e sabão e lhe limpe as feridas.

O medo a dotou de velocidade enquanto voltava para a cova. Katherine cortou em tiras seus lençóis de algodão egípcio com a faca. Ao voltar, Ahmed tinha recolhido outra faca da areia e a tinha passado pela fogueira para esterilizá-la. Katherine tinha a boca seca.

Katherine se ajoelhou ao lado de Ramsés. Estava semi consciente e respirava com dificuldade. Apesar da atadura na ferida, o sangue emanava em um constante fluxo, tingindo o chão.

Não havia falecido. Mas ela desejava que o tivesse feito, posto que temia que o que Ahmed teria que fazer para lhe salvar a vida seria terrível.

Depois de lavar as mãos, orvalhou a ferida com água salgada. Ele se agitou e gemeu. A Katherine tremiam as mãos ao lhe lavar o ombro, esfregando-o com sabão e enxaguando-o.

—A bala continua incrustada em sua carne. Se não se a tirar, morrerá sangrado, disse Ahmed com tom alentador, lhe oferecendo a faca.

—Não posso, disse ela, presa pelo pânico, lhe devolvendo a faca.

—Eu não sei fazê-lo. Você já fez antes.

—Eu não! O médico!

—Eu lhe sujeitarei enquanto você o faz. Ahmed se sentou escarranchado sobre a cintura de Ramsés, exercendo pressão sobre seu peito e braços.

A faca se abateu sobre sua ferida, fazendo com que o calor ardesse em sua mão. Ela lançou a Ahmed um olhar suplicante.

—Não posso fazê-lo.

Dirigiu-lhe um sorriso tranquilizador.

—Deve fazê-lo. Do contrário morrerá.

Katherine baixou a vista e observou Ramsés, cada vez mais pálido pela perda de sangue. Se ele morria, parte dela morreria. Respirou fundo e empreendeu a tarefa.

Ramsés gritou de agonia. Retorceu-se, mas Ahmed o sujeitava com força. Katherine se concentrou na tarefa de lhe tirar a bala e a seguir, limpou-lhe a ferida. O sangue lhe corria por seus dedos.

Ela tampou a ferida com uma atadura, mas esta se tingiu de sangue em seguida. Ahmed agarrou a faca, limpou-a e se agachou ao lado da fogueira para esquentá-la.

—Depressa! Suplicou-lhe ela. Não posso deter a hemorragia.

Ele tirou a folha acesa e a entregou a ela para cauterizar a ferida. Katherine apertou a mandíbula e dirigiu a faca à ferida de Ramsés enquanto Ahmed o sujeitava. Ramsés gritou, agitou-se e para seu imenso alívio, perdeu o conhecimento.

Através de um véu de lágrimas, viu que a hemorragia se deteve. Soltando a faca, fez-se a um lado.

Ahmed assentiu com a cabeça.

—Fez bem, Katherine.

Katherine lhe limpou delicadamente a ferida e a seguir, limpou-se as mãos. Depois de lhe enfaixar o ombro algo, ocupou-se do resto de suas feridas, examinando sua coxa, rasgando a perna da calça. Ahmed seguiu a direção de seu olhar.

—Tire-lhe a calças e o limpa, sugeriu-lhe com delicadeza.

Tirar-lhe a calça daquele homem? Katherine sentiu que um calor lhe percorria o corpo do peito até o nascimento do cabelo.

—Um minuto, resmungou ela entre dentes. A ferida não era profunda. Katherine o cobriu delicadamente com a manta.

O xamã franziu o cenho.

—Perdeu muito sangue. Mas sobreviverá, a diferença dos que se tiveram que ver as caras com ele. Dirigiu a vista aos corpos que jaziam no chão. Seus olhos negros se abriram, advertindo uma flecha cravada no peito de um homem. Seu olhar se deteve no arco que jazia na areia.

—Vejo que recebeu um pouco de ajuda, comentou ele.

Ela se encolheu os ombros, mostrando preocupação por ele e evitando suas perguntas.

—Tenho que levá-lo para dentro, Ahmed. Ajude-me.

Katherine estendeu a manta ao lado de Ramsés. Com toda a delicadeza da que foram capazes, fizeram-no rodam até tombá-lo em cima dela. A seguir ficaram em pé, cada um sustentando uma ponta.

Era como levantar uma manta cheia de mármore. Aquele homem era feito de ferro. Katherine resfolegou enquanto tentavam levar Ramsés para dentro.

—Deixa-o aqui enquanto eu preparo a cama, disse a Ahmed. Ela estendeu vários lençóis limpos e tombou a Ramsés em cima. Katherine lhe tirou as botas de pele branda e as meias.

Ahmed olhou a Ramsés.

—Atende-o você, Katherine. Eu devo partir …vou enterrar os outros antes que os animais do deserto vá até eles. Não devemos deixar rastro deles

.Partiu dando grandes pernadas, deixando-a com a dúvida de que se referia a predadores humanos.

Tentando recuperar o fôlego, ela se tombou na cama, olhando-o fixamente. Tinha tirado anos de cima barbeando-se. Agora seu rosto revelava seu queixo partido. Apesar da masculinidade de sua finamente cinzelada mandíbula, tinha uma aparência juvenil, tão ameaçadora como um adorável gatinho.

Ao advertir a velha tatuagem em sua mão esquerda, Katherine soube o terrível engano que seria julgar aquele guerreiro vulnerável. Inclusive inconsciente, possuía uma aura de musculoso poder. Recordou a enganosa aparência do filhote de tigre. Um Ramsés barbeado podia demonstrar-se igual de perigoso. Ela se levou a mão trêmula à cicatriz.

Katherine se concentrou em questões mais práticas. Colocou para Ramsés um travesseiro de plumas debaixo da cabeça e lhe mediu o pulso. O tato de seu pescoço era quente e seu pulso débil mas firme.

Retirou uma cadeira e se colocou a seu lado, observando-o enquanto Ahmed retornava. Este começou a conduzir objetos ao interior da cova. Os olhos de Katherine se detiveram nele enquanto colocava uma pistola e quatro rifles engordurados em uma esquina, cobrindo-os com um tecido. A seguir trouxe a sela de um camelo, umas enormes bolsas de tecido e um rifle. Ela supôs que eram de Ramsés. Ahmed comprovou o pulso de Ramsés. Cobrindo-o de novo com a manta, inclinou-se e se levantou o forte braço esquerdo com a estranha tatuagem.

O xamã contemplou a tatuagem completamente encantado. A seguir examinou a tatuagem de cor azul com um falcão no outro braço de Ramsés. Ahmed assentiu e se dirigiu à mesa. Para a surpresa de Katherine, começou a introduzir suas coisas em duas bolsas pequenas.

—O que está fazendo? Gritou ela.

Lançou-lhe um olhar sereno.

—Vou em busca de ajuda.

Katherine olhou a Ramsés que permanecia imóvel e pálido. Se seu primo enviasse ajuda, arriscaria a vida de seu pai. Corroída pelas dúvidas, mordeu-se o lábio.

—Não está aqui procurando artefatos, verdade, minha menina!

—Não, disse ela deixando escapar um sonoro suspiro de alívio. Não posso te explicar o que ocorre.

Ahmed a olhou.

—Colocaste-te em uma boa confusão.

—Não lhe posso contar isso. Por favor, não me obrigue a fazê-lo, implorou-lhe ela.

—Sei quem é, disse ele serenamente. Seus olhos escuros a escrutinaram. É um guerreiro do vento Khamsin. Este é seu deserto.

Katherine se esfregou as doloridas têmporas. Um guerreiro do deserto protegendo uma tumba cheia de tesouros a assustava, mas não a assustava nem a metade que o que lhe ocorreria se Burrells voltasse e encontrasse que tinha desaparecido. Poria a vida de seu pai em perigo.

—Devo informar a sua gente o que lhe ocorreu.

Cheia de inquietação, ela negou com a cabeça.

—Por favor, não diga a ninguém! Não posso ter a uma tribo de guerreiros enfurecidos aqui! Dê-me ao menos dois meses! Então terá se recuperado. Devo ficar aqui. Alguém… vai vir me buscar.

Ele assentiu com a cabeça.

—Como quiser. Contar-lhes-ei o que aconteceu e que o guerreiro está a salvo. Não lhes direi que você está aqui. Os homens estão enterrados. Nada indica que estiveram aqui. Levarei seus camelos.

O medo de Katherine se intensificou quando ele ficou em pé, levantando-a com ele e lhe deu dois beijos nas bochechas.

—Se assegure de lhe limpar a ferida na coxa para que não se infecte. Depois, utilize mel para matar os germes. Agora devo parir, filha do deserto.

—Ahmed, não pode me deixar aqui só com ele! Dedicou-lhe um enigmático sorriso. Não tenha medo. Estará segura. Vi seu kismet. Confia em mim.

Katherine sorriu nervosa.

—Suponho que terei que esperar a que volte para que me ensine os costumes da tribo de meu marido.

Ele riu entre dentes.

—Aprenderá. Ahmed recolheu suas bolsas e partiu.

Katherine olhou a Ramsés. O mel em sua coxa selaria a ferida e evitaria que se infectasse de bactérias. Só um minuto depois se fez um novelo na outra cama. Precisava descansar. Sentia-se tão cansada.

 

Levantou-se no dia seguinte à alvorada.

Katherine despertou sobressaltada, lutando durante um minuto para recordar o que lhe rodeava. A luz entrava na cova da entrada traseira Ramsés! Acendeu o abajur e foi correndo para ele. Estava imerso no sonho profundo da inconsciência.

Preocupada, murmurou algo com voz tranquilizadora e lhe passou a mão pela frente avermelhada. Ao retirar a mão estava empapada de suor. Amaldiçoou-se por ser muito apreensiva para limpar sua ferida na coxa. A febre indicava que a infecção se estendeu.

Retirou-lhe a manta e examinou seu corpo, procurando lhe ver do mesmo modo que o faria um médico. Tentou-o. Um escuro e fino pêlo polvilhava seu firme e amplo peito. As gotas de suor refulgiam em sua pele dourada. Katherine situou o abajur na cadeira ao lado da cama. Dois cortes se estendiam por seu ventre e por seu peito. Não sangravam, mas eram de um vermelho inflamado. Seus olhos se deslocaram mais abaixo. Sua calça de algodão azul anil ocultavam a ferida na coxa. Para inspecioná-la, teria que tirar-lhe

“Imagina que é um homem e este é seu paciente. A única diferença é seu sexo!”

Ao recordar o bate-papo no harém de sua prima, tranquilizou-se a si mesma. Ramsés provavelmente usava tanga. Aquilo lhe deu confiança. Desatou as fitas atadas aos tornozelos da calça. Depois de respirar fundo, Katherine lhe desabotoou o cordão da cintura, puxou a calça e a tirou.

Nenhuma tanga. Sentiu que se ruborizava de pudor. Suas partes mais intima estavam expostas diante sela, seu corpo nu ante seus olhos escrutinadores.

Era um homem muito belo. Seu amplo peito se estreitava até formar uma cintura e uns quadris estreitos. Tinha as pernas escuras, musculosas e recobertas com um fino e escuro pêlo. Seus quadris eram fortes e retos. Katherine fez uma careta ao ver os hematomas escureciam seu estômago e suas pernas. De repente, deteve seu olhar na zona entre suas pernas.

Tragou saliva, Katherine jamais tinha visto um homem nu, mas tinha ouvido falar no harém de sua prima Jamal que definia a um homem de “tamanho”, como estavam acostumados a chamar as mulheres.

Não cabia a menor duvida de que Ramsés era um homem de tamanho. Fascinada, contemplou a longitude que me sobressaía de um ninho de escuro e encaracolado pêlo. Lembrou-se do modo em que as mulheres aborrecidas se inventavam nomes para as partes privadas dos homens, as comparavam com objetos normais e correntes. Aqueles nomes lhe passaram fugazmente pela cabeça.

O cetro potente do rei, a lança imensa do guerreiro, o grosso fruto da paixão, a imensa palmeira, a poderosa serpente da noite. Ou, como uma mulher havia dito entre risadas, a pequena uva enrugada.

Katherine sentiu que lhe acendiam as bochechas ao voltar a fixar o olhar ali, apartou-a de novo para voltar a olhar. Não era um pepino. Não, parecia-se mais a um cogumelo de comprimento longo. Muito comprido. De algum modo, tinha a sensação de que Ramsés não gostaria nada que comparasse seu membro viril com um cogumelo.

Pepino. Será, todas as metáforas resultavam inapropriadas para um guerreiro orgulhoso que a tinha salvado com sua espada de aço. Guerreiro. Sim. A lança de um guerreiro. A descrição adequada a semelhante orgulhoso e valoroso guerreiro.

Um leve sorriso curvou os lábios de Katherine enquanto contemplava Ramsés.

—Ramsés, se não te importar, vou cobrir sua lança poderosa com o fim de não ofender seu pudor e poder curar sua ferida.

Katherine estendeu a calça em cima de dito objeto e se concentrou na limpeza de sua ferida. De vez enquando lançava uma olhadinha a sua lança e sorria. Era, sem lugar a dúvidas, o término adequado.

Durante três dias, Katherine cuidou de Ramsés, lhe aplicando cataplasmas frescos, limpando-o com uma esponja, mantendo-o limpo e lhe trocando as vendagens e os lençóis da cama. Três dias a beira do abismo, preocupada porque seu espírito terminasse rendendo-se e falecesse.

Seu sonho febril era inquieto, intermitente e às vezes gritava desvairando. Tinha calafrios apesar dos lençóis que ela amontoava em cima dele e os empapava de suor. Em uma ocasião lhe agarrou pelo braço e abriu os olhos, brilhantes pela febre, e lhe perguntou com a voz rouca:

—Onde está ela? Devo encontrá-la! Então se desabou na cama antes que ela pudesse dizer uma palavra.

A febre finalmente cessou no quarto dia. Ela passou por seu lado ao voltar de pendurar a roupa limpa, vendo que tinha os olhos fechados pensou que estaria dormindo. De costas a ele, ela agarrou seu livro de ervas medicinais e começou a ler.

Uma tosse seca e convulsiva interrompeu sua leitura.

Os ombros de Katherine se esticaram de alegria. Agarrou o véu negro que estava pendurado no pescoço e o atou. Voltou-se para ver os olhos dourados de Ramsés contemplando-a.

—Graças a Deus, está acordado e vivo. Ela se ajoelhou a seu lado e lhe pôs a mão na frente. Frio, mas já não úmido. Esboçou um radiante sorriso atrás do véu.

—Quanto tempo estive doente?

—Três dias. Teve muita febre por causa de uma infecção. Temi… te perder. Ela lançou um olhar ao cataplasma. O sangue enegrecido formava um sedimento ao redor da larga e feia cicatriz. Mas estava se curando. Seu lábio inferior tremeu de alívio.

Ele levantou ligeiramente a cabeça e a olhou com olhos escrutinadores. Seus olhos dourados continuavam frágeis pela febre.

—Sonhei que uma bela ladra com as mãos suaves como pétalas de lótus me resgatava. Acariciou a mão com as pontas dos dedos de sua mão direita. Vejo que estava certo.

Katherine apartou o olhar enquanto lhe trocava o cataplasma, angustiada pelo tom amargo de sua voz. Era um homem orgulhoso e lhe incomodava estar tão indefeso, especialmente diante daquela mulher que lhe tinha roubado. Katherine se concentrou em assuntos mais práticos.

—Deve ter fome.

Ramsés apartou o olhar.

—Cheiro a mau, vai me cozinhar para comer, pequena trombadinha? Acaso me salvaste para me marinar e depois me comer?

A angústia deu passo ao aborrecimento.

—São ervas para fechar sua ferida. Estou convencida de que não serviria para um bom jantar. Romper-me-ia vários dentes com sua dura pele.

Katherine se mordeu o lábio. O fato de discutir com não fazia bem. Ramsés estava fraco e na pior posição para um forte guerreiro.

—Trarei- algo de comer, disse ela em um tom mais amável. Há um pouco de sopa.

Ramsés a olhou com desconfiança, mas assentiu com a cabeça.

—Obrigado, disse ele em um tom de voz apenas audível, agachando a cabeça. Ao advertir a palidez de seu rosto, em contraposição com a imaculada brancura do travesseiro, lhe encolheu o coração.

—Dói-te muito? Katherine tomou a mão esquerda. Sua enorme e ampla mão tinha um tato áspero e frio. Ela acariciou docemente o pêlo escuro que polvilhava suas costas.

Os olhos de Ramsés seguiram o percurso do polegar.

—Não é nada, pôde dizer ele, com seus olhos âmbar escurecendo-se por uma dor cuja existência ele se negava a reconhecer.

—Prepararei algo, disse ela docemente, procurando tranquilizá-lo. Apertava a mandíbula enquanto desviava o olhar.

—Posso aguentar, declarou ele com os dentes apertados.

Ela acendeu a fogueira perto e aproximou uma panela de metal, cheia de ervas e água. Continuando, removeu energicamente a panela com seu remédio para a febre. Katherine lançou um olhar furtivo a Ramsés. Tinha o rosto crispado de dor e fechava os olhos. Estava lutando contra a dor, aquele guerreiro valente.

Katherine acrescentou uma dose de raiz de valeriana, uma erva sedativa que servia como calmante.

Empilhando uns quantos travesseiros sob suas costas, Katherine lhe ajudou a incorporar-se na cama. Aproximou-lhe uma xícara com o remédio aos lábios. Ramsés franziu o nariz.

—Que é isto? Não cheira a sopa.

—São ervas para acautelar a febre. Primeiro a medicina, logo a comida.

Ele franziu o lábio inferior fazendo uma careta, como se fosse um menino.

—Não. Não provarei nenhuma de suas estranhas beberagens mágicas.

—Sim, fá-lo-á. Não vou cuidar de ti outra vez se tiver febre, disse ela severamente, sujeitando a xícara em seus lábios e fazendo tomar um gole. Crispou-lhe o rosto como se lhe tivesse obrigado a beber azeite de castor.

—Isto cheira e tem sabor de esterco de camelo!

—Fará bem. Agora deixa de te comportar como um menino e beba isso

Os lábios de Ramsés se curvaram formando um provocador sorriso.

—Me obrigue.

Homens! Eram como bebês. Devolveu-lhe o sorriso e lhe disse em tom agradável:

—Muito bem. Katherine lhe apertou o nariz com os dedos como se fossem palitos. Ao abrir a boca para respirar, lhe introduziu a medicina na boca, lhe fechando a mandíbula e lhe fazendo cócegas na garganta. Ele tragou fortemente.

—Assim é como meu primo xamã administra a medicina às cabras doentes. Sabia que algum dia me seria útil, disse ela orgulhosa.

—Cabras doentes, balbuciou de indignação. Compara-me com uma cabra doente?

Katherine inclinou a cabeça, considerando aquela idéia.

—Não, acredito que te parece mais ao filho de três anos de minha prima quando tem que ir-se à cama.

Ela depositou a xícara na mesa e lhe deu uns tapinhas no ombro bom.

—Deixa de te queixar. Ou mudou de opinião ao que se refere à sopa? Ela foi procurar a terrina, que desprendia um tentador e delicioso aroma de espécies, vegetais e carne seca. Ramsés cheirou e olhou com avidez o prato.

—Não voltarei a me queixar, disse ele com a voz zangada.

—Bem. Começou a lhe dar a sopa quente. Seu rosto perdeu o olhar irascível e se converteu em puro prazer.

—Está deliciosa. Doce.

—É pela raiz de Angélica. Amadureci a sopa com ela porque é uma erva muito boa para a febre. Voltou a lhe aproximar a colher aos lábios.

Ele sorveu, sem apartar os olhos dourados de seu rosto.

—Tem que saber muito de ervas para as utilizar para cozinhar.

Katherine se encolheu os ombros.

—Tenho alguns conhecimentos. Alegro-me de ter podido lhes dar um bom uso.

Uma vez ele teve terminado, limpou-lhe o queixo. Ela o observou com olho crítico.

—Tornou-te a crescer a barba. Por que se barbeou?

Ramsés não respondeu. Olhou-a com semelhante intensidade que ela começou a desejar que voltasse a entregar-se ao sonho. Continuando, ele alargou a mão e roçou a borda do véu com as pontas dos dedos.

—Por que usa isto?

Katherine se separou de seu tato ameaçador e tentou encontrar uma desculpa.

—Eu sou uma mulher e você é um homem, e se trata de uma tradição de minha tribo. As mulheres quase nunca tiram o véu ante os homens. Tão estranho te parece?

—Não como tradição. Mas às vezes as pessoas utilizam as tradições como escudos para esconder segredos, observou ele. Aqueles claros olhos dourados a atravessaram. Katherine sentiu que lhe acendiam as bochechas atrás do véu. Inclusive prostrado em uma cama, aquele homem possuía um agudo instinto que tudo o advertia.

Ela ficou a pensar rapidamente.

—Percebi que você também ocultava seu rosto com um véu antes de assaltar os homens. Assim que se poderia dizer o mesmo de ti. Suas mulheres também usam véus?

Esticaram-lhe os músculos da mandíbula.

—Nossos guerreiros sempre se cobrem com um véu antes de entrar em batalha. Nossas identidades, especialmente a de nossos xeiques, devem permanecer ocultas. Nossas mulheres não têm nada que ocultar. Deixam seu rosto ao descoberto.

Um sorriso cínico curvou seus lábios.

—Pode dizer você o mesmo, pequena ladra?

Katherine o fulminou com o olhar, desejando verter a sopa em sua cabeça.

—Atua como se fosse seu inimigo. Se assim fosse por que me incomodaria em te salvar a vida?

Por um momento pareceu envergonhar-se.

—Salvaste-me a vida e me sinto muito agradecido por isso, disse ele em voz baixa.

—Você salvou a minha, recordou-lhe, aflorando nela um sentimento de culpa ao recordar o modo em que ele tinha saído em sua defesa.

—Tinha previsto me ocupar daqueles homens. Você simplesmente me obrigou a atuar com maior presteza. Sabia que o mapa os levaria até esta cova.

—Esta cova? De repente, compreendeu-o tudo. O mapa era falso!

—Realmente me acredita tão estúpido para andar em uma cidade tão perigosa com um mapa tão valioso? Ramsés entreabriu os olhos. Assim que o fez. Por que outro motivo estaria aqui agora?

Katherine permaneceu em silêncio. O silêncio lhe oferecia um melhor amparo que a verdade.

—Fiz uma pergunta.

Inclusive da posição de desvantagem do leito de doente, sua voz desprendia uma serena autoridade. Katherine entrelaçou os dedos da mão.

—Trouxeram-me até aqui para encontrar a mina. Conheço bem o deserto. Não posso dizer nada mais.

Ele continuou com o olhar fixo nela, apesar de que lhe tremiam as pálpebras. A raiz de valeriana estava começando a surtir efeito.

—Agora deveria descansar, disse-lhe ela.

—Como me tirou a bala?

Katherine olhou aos olhos.

—Já não se lembra? Eu mesma te operei.

Ramsés assentiu com a cabeça.

—Perfeito

Ela sentiu que lhe tremia o lábio inferior.

—Não queria te fazer dano.

Suavizou-lhe a expressão. Ramsés lhe roçou levemente a mão.

—Os guerreiros Khamsin foram adestrados para suportar a dor.

A dor o estava torturando no dedo do pé, não o que ela tinha feito. Katherine estava impressionada por sua autodisciplina. Ramsés moveu o ombro direito e fez um gesto de dor.

—Não se mova, ordenou-lhe Katherine. Ela cruzou a habitação, depositou os pratos na mesa e agarrou o arco, examinando sua flecha. Necessitava carne fresca para que pudesse recuperar as forças. Hoje sairei a caçar em busca de verdadeira comida. Nada de sopa nem rações secas. Possivelmente uma lebre seria suficiente.

O olhar de incredulidade em seu rosto a incomodou.

—Você sabe caçar?

—Sim, espetou ela ofendida, possivelmente não tenha sabido me defender devidamente de quatro assaltantes, mas acredito que posso me ocupar das temidas lebre do deserto Arábico.

—Uma mulher que caça, disse ele maravilhado, acomodando-se nos travesseiros. Possui muitas virtudes.Curas, sabe de ervas, cozinha, agora também caça… e… rouba.

Ele ficou calado ao ver que Katherine lhe apontava com a mola de suspensão. Ela a devolveu à mesa com um suspiro de pesar.

—Posso caçar uma lebre sem problemas, mas gostaria de saber pôr em prática meus conhecimentos com aqueles homens. Teria evitado isto, murmurou ela.

Ele disse brandamente.

—Fez suficiente. Salvou-me a vida.

—Mais ou menos. Você salvou a ti mesmo. Minha mola de suspensão só deu a um homem. E eu corri ao interior da cova como uma covarde antes de atacá-los. Tremia-lhe o lábio inferior atrás do véu com o que se ocultava.

—Às mulheres as deve proteger, e elas não devem atuar como guerreiros. Se tivesse tentado se enfrentar a eles quando não estavam distraídos comigo, aqueles quatro homens lhe teriam feito mal.

Lançou-lhe um olhar.

—Eles não estavam a sua altura. Eu diria que quatro contra um é justo para semelhante poderoso guerreiro.

Ramsés sorriu com pesar ante semelhante elogio, acomodando-se nos travesseiros.

—Agora não sou tão forte, disse ele exalando um suspiro. Sou tão fraco como um bebê

—É obvio que está fraco. Feriram-lhe e esteve muito doente. Mas recuperará as forças, disse-lhe ela com tom de esperança.

—Eu gostaria das recuperar agora mesmo, protestou ele.

Katherine conteve um sorriso. Que típico de um homem! Odiava estar prostrado em uma cama. Seu maior desafio seria mantê-lo ocupado e evitar que fizesse esforços excessivos.

—Se descansar o suficiente, não demorará muito em te pôr em pé.

—Teria que recuperar as forças antes que mais homens venham a te reclamar, respondeu Ramsés com o que ela supôs que seria seu grunhido protetor. Porque alguém mais está por vir, estou certo, verdade?

Katherine se encolheu os ombros para não ter que revelar informação sem faltar à verdade ao mesmo tempo.

—Os homens… se supunha que tinham que estar aqui durante dois meses. Alguém virá por eles depois de um tempo.

—Que estranho contar só com quatro homens. O deserto está repleto de perigos, como os guerreiros que não andam com jogos com os que entram em suas terras sem autorização, observou Ramsés.

—Quatro homens armados e com reservas de munição, corrigiu-lhe ela. Mostravam-se bem arrogantes a respeito de sua capacidade de fazer frente a um ataque, se isso fosse necessário.

—Onde guardam as armas?

Ela não disse nada, mas dirigiu o olhar à esquina em que Ahmed tinha escondido os rifles. Um leve sorriso de satisfação apareceu em seus lábios.

—Sei utilizar uma arma de fogo, afirmou ela, cruzando-se os braços.

—Isso é o que me disse nos zocos. Mas não saberá utilizar uma destas. As mulheres não deveriam utilizar armas de fogo.

Sua arrogância a irritava.

—Quem te pôs ao mando?

—Eu sempre estou ao mando. Sou um Guardião dos Séculos, entregue à defesa e o amparo.

Pronunciou isto lentamente, endireitando suas amplas costas com dignidade, apesar de seu estado de debilidade. Katherine tinha o estranho pressentimento de que não devia subestimar aquele homem. Não havia tornado a fazer referência a sua traição, mas estava presente do mesmo modo que o tecido que separava as tendas. Uma vez que Ramsés recuperasse as forças, O que lhe faria? Castigá-la-ia por ter roubado o mapa? Torturá-la-ia para conseguir respostas? Katherine recordou suas grandes mãos percorrendo seu corpo e conteve um calafrio de prazer. Algumas formas de tortura podiam fazer mais dano que outras. Enquanto permanecesse fraco, poderia controlá-lo. Mas Katherine suspeitava que Ramsés se recuperaria mais rápido do que ela queria.

De momento permanecia vulnerável, nu na cama. Recuperou a confiança em si mesmo. Ele dirigiu a vista para seu peito nu e franziu o sobrecenho.

—Onde está minha roupa?

“Vá por Deus. E depois falam de manter sua vulnerabilidade” Katherine apartou o olhar. É obvio que ia precaver-se de sua nudez.

—Tive que lhe tirar. Lavei-a e lhe devolverei… quando estiver o suficientemente bem para te levantar da cama.

—Mas não estou completamente nu. Noto que algo me cobre. Ramsés levantou o lençol e jogou um olhar em seu interior. Arqueou as sobrancelhas. Uma tanga?

—Tive que utilizar… muito tecido, admitiu ela, sentindo que se ruborizava de pés a cabeça enquanto ele ria entre dentes.

—Já vejo, disse ele em tom de brincadeira. Sinto muito ter reduzido seus jogos de lençol. Fez um bom trabalho.

—Tive que praticar muito. Não encontrava o tamanho adequado devido à dimensão de sua lança de guerreiro, confessou ela para logo dar-se conta, horrorizada, pelo que havia dito.

—Lança de guerreiro! Gritou ele com grande alvoroço.

—“Poderosa serpente da noite” não me pareceu adequado, balbuciou ela com as bochechas inflamadas.

Ele jogou a cabeça para trás e começou a rir. Katherine não podia sair de seu assombro. Agradeceu pelo véu que ocultava seu rosto.

—Vou recolher a roupa. Se necessitar algo, grite, gaguejou ela e saiu correndo ao exterior, acompanhada por uma réstia de gargalhadas.

Logo que saiu da cova, Ramsés retirou os lençóis. Lançou um olhar à tanga de roupa e fez um gesto de negação com a cabeça, ainda rindo entre dentes. Sua imensa lança de guerreiro. Ramsés se sentiu tão orgulhoso como um garanhão ante semelhante elogio.

Então se acalmou, sentindo-se culpado por havê-la feito sentir incômoda. Tinha-lhe salvado a vida. E ele continuava sem saber seu nome! Bom, aquela situação iria mudar logo. Logo que ele saísse da cama.

Apertou os dentes, sentindo a dor dos hematomas e da ferida de bala. A dor era suportável, apesar de que ainda se sentia fraco. Mas não podia suportar nem um só minuto mais na cama!

Recorrendo a todas suas forças se recostou e logo ficou em pé. Ramsés aguentou a respiração, quase sem fôlego. Possivelmente a bela ladra estava certa. Deveria ficar na cama. Ramsés sentiu uma pressão familiar no baixo ventre e deixou escapar um gemido. Não, tinha coisas das que ocupar-se no exterior. Ela não continuaria cuidando dele como se fosse um bebê. Ramsés baixou a vista para a tanga e voltou a rir. Com a mão esquerda, arrancou-se a parte de tecido.

Completamente nu, agarrou o lençol e o enrolou ao redor da cintura por pudor. Lutando contra os enjôos, avançou com passo vacilante e saiu ao exterior. Poucos minutos mais tarde voltava e se deixava cair com gratidão em uma cadeira junto à mesa. Ajustou-se o lençol à cintura torpemente com a mão esquerda. A Ramsés lhe crispou o rosto de dor. Retirou-se a vendagem e lançou um olhar à ferida, admirando o grande trabalho realizado. Um corte vermelho com mau aspecto se estendia justo debaixo de seu ombro. Graças a Deus o bandido não tinha boa pontaria. Ramsés se estremeceu com apenas pensar que seu agressor poderia lhe haver dado perfeitamente no coração.

Sua enfermeira retornou, carregando vários lençóis dobrados. Ramsés deu um coice, sentindo-se culpado, e logo esboçou um sorriso, desiludido. Ela depositou os lençóis na mesa e franziu o cenho.

—O que está fazendo? Volte para a cama agora mesmo, repreendeu-lhe.

—Não até que me diga uma coisa, disse ele.

—O que? Ela fez um fardo com os lençóis da cama e o deixou a um lado, estendendo as pontas. Cheiravam a sol e ele se deu conta do muito que sentia falta do ar livre.

—Seu nome.

A princesa de olhos verdes deixou de alisar os lençóis e levantou a vista, olhando-o com seus enormes olhos. Parecia assustada.

—Meu nome? Levou-se a mão à bochecha esquerda.

—Sim, seu nome, repetiu com a voz firme.

—É… Parecia estar procurando uma resposta. Então respondeu. Kalila.

Ele estudou seus olhos, cravados no chão pelo lógico sobressalto ante sua interrogação. Ramsés decidiu muar de tática e comprovar se a adulando, poderia lhe fazer desvelar seus segredos.

—É um nome muito bonito, disse ele com suavidade, advertindo que seus olhos se abriam. Era um nome muito bonito, devia admitir e fazia justiça a sua beleza.

Kalila pareceu ficar tensa enquanto continuava fazendo a cama, mas não respondeu. Ramsés voltou sua cansada cabeça à esquerda e ficou olhando-a. Advertiu uma figura formosa sob suas calças folgadas. A camiseta amarela não conseguia ocultar as curvas arredondadas de seus bem formados peitos. O cabelo lhe caía até a cintura formando uma espessa cascata de cachos de ébano. Passar os dedos por seus cabelos seria como acariciar seda.

Mas seu rosto… se mantinha oculto, um mistério. O véu unicamente revelava dois enormes olhos verdes emoldurados por largas e escuras pestanas, sobrancelhas finamente arqueadas e uma frente levemente coberta por mechas negras como o azeviche. Sua graça e natural gesto, seus delicados gestos e uma voz doce e musical contrastavam fortemente com seus comentários mordazes, inteligência e auto-suficiência. E sua forma de proceder enganosa e calculadora. Kalila. Tinha escapado de suas garras em duas ocasiões. Agora ele estava apanhado em sua guarida, mas aquilo ia mudar, prometeu-se a si mesmo. Recuperaria-se e encontraria as respostas que procurava.

Ramsés surrupiaria a verdade de seus lábios ocultos e conseguiria desvelar todos seus segredos. Sua princesa misteriosa era tão exótica como uma jóia, tão fragrante como a mirra e tão grácil como uma gazela. Contudo, um ar etéreo rodeava seus delicados ombros, uma nuvem de irreal misticismo que ameaçava desvanecer-se com uma baforada de fumaça.

—É como um sonho, disse ele em voz baixa.

—Um sonho? Ela afastou o olhar de sua tarefa.

A Ramsés lhe fechavam as pálpebras de cansaço.

—Sim, posto que seja tão frágil e delicada, temo que se desvaneça logo que fechar os olhos, escapando de novo de minhas garras e fique outra vez só com meus sonhos, balbuciou ele.

—Seus temores são sem sentido. Sou tão sólida como a rocha desta cova. Prometo-te, Ramsés, que não te abandonarei. Não enquanto estiver doente.

O cansaço se apoderou dele ao mesmo tempo que a necessidade de sono fazia com que lhe fechassem as pálpebras. Ramsés notou uma leve pressão em seu ombro esquerdo.

—Vamos, Ramsés, volte para a cama. Se dormir na mesa, lamentará.

Ele se levantou com grande dificuldade, apoiando seu peso em sua esbelta figura. Não podia confiar nela, mas até que ficasse forte, necessitava sua ajuda. Sujeitou-lhe a cintura enquanto se metia na cama. Kalila o cobriu com uma manta e apoiou sua cabeça no travesseiro.

—Doce sonhos, Ramsés. Durma bem.

Ele se forçou a abrir os olhos para contemplar as profundidades de seus olhos verdes enquanto ela se inclinava a seu lado.

—Continuará aqui quando despertar? Ou é uma feiticeira que se desvanecerá assim que dormir? E roubará algo mais da mina?

“Como meu coração”, pensou ele.

Ela posou seus dedos delicadamente em suas pestanas, as obrigando a fechar-se.

—Não tema nada, Ramsés. Não vais perder-me tão facilmente. Estou aqui para cuidar de ti. Para dar, não para tirar. Agora durma.

Tranquilo, deixou-se levar pelo sono, mas não sem antes notar a suavidade de seus lábios de seda roçando suas bochechas.

 

Ao anoitecer, Katherine saiu para caçar.

Levando consigo o arco, andou pelas rochas negras que se escondiam na montanha. Plantas amarelas e verdes, arbusto e árvores se estendiam pela zona, um lugar perfeito para pequenos animais de caça. As lebres gostavam de comer durante o momento mais frio do dia. Situando-se em uma rocha para esperar, presenciou como o deserto cobrava vida. Um reluzente escaravelho negro se afundava na areia. Tirando a cabeça de entre uma rocha, um lagarto amarelo esverdeado com a cauda de puas olhou fixamente ao escaravelho, para logo desaparecer nas sombras.

Ramsés dormiu toda a tarde. Quando despertasse, Katherine queria surpreendê-lo com o saboroso aroma de carne fresca assada. Demonstrar-lhe que uma mulher podia caçar tão bem como um homem.

Descansou o arco nos joelhos e exalou um suspiro. O sol poente projetava reflexos de vermelho carmim, violeta e rosa no céu. Katherine fixou o olhar no mar de areia, sentindo que a paz e a tranquilidade acalmavam sua alma. Ela levou a mão à bochecha, compreendendo que jamais poderia permanecer descoberta.

Fechando os olhos, recordou o momento em que lhe machucaram a bochecha, oito anos atrás. O tigre a tinha fascinado com sua graça exótica, perambulando em sua jaula na casa de sua prima. O filhote era um presente de seu pai, que colecionava gatos selvagens de todo o mundo. Intrigada, aproximou-se da jaula, sem compreender que seu modo de andar inquieto indicava perigo. O único que queria era acariciar seu suave pêlo, tocar suas ricas cores douradas e suas listras de ébano. Ao aproximar o rosto das grades o tigre a atacou, lhe deixando a marca de sua garra na bochecha. Ela gritou e chamou a seu pai, mas o dano já aparecia.

Um diminuto movimento chamou sua atenção. Katherine agarrou o arco e ficou agachada. Um brilho cinza. A flecha se soltou com um som afiado e aterrissou na lebre. Esta se estremeceu e morreu. Triunfante, desceu as rochas engatinhando e foi reclamar seu prêmio.

Enquanto recolhia pelas patas o animal morto, assaltou-lhe um sombrio pensamento. Ela afirmava saber usar um arco e poder caçar. Mas Ramsés, com seus cativantes olhos de tigre e suas instintivas habilidades para a caça, era um predador muito mais mortal. Devia vigiá-lo e ter especial cuidado para evitar que aquelas garras afiadas lhe partissem o coração em dois. Atraída por Ramsés, do mesmo modo que pela jaula anos atrás. Katherine se perguntava se aquele tigre deixaria impressa uma marca muito major em seu coração.

Um delicioso aroma a carne assada despertou Ramsés. estirou-se e bocejou, piscando ante a fogueira crepitante. Sentia-se desorientado e inclusive mais cansado que quando foi dormir. E muito faminto. À medida que despertava, o aroma de comida o voltava mais louco. Respirou fundo e se esfregou os olhos com o punho esquerdo.

—Deus, despertou. Bem a tempo para comer. A voz alegre e suave de Kalila lhe deu boas-vindas. Ela acendeu o abajur e seu resplendor dourado projetou sombras nas paredes.

—Acredito que deveria se levantar e andar um pouco, se tiver força suficiente. Estar deitado tanto tempo esgota os músculos das costas e debilita os pulmões. Cravou o olhar no chão com aspecto envergonhado. De repente, adotou uma atitude mais enérgica.

—Ajudar-te-ei. Se puser isto nos tornozelos, tudo o que tem que fazer é levantar as pernas.

Ela apartou a manta, sentou-se na cama, a seus pés, e lhe vestiu a calça deslizando-a pelos tornozelos, lhe lançando um olhar inquisidor. Ramsés amaldiçoou sua debilidade. Era um guerreiro Khamsin do vento. Um homem que podia dar morte a seus inimigos com um único golpe de espada. E nem sequer podia se vestir sozinho. Ramsés dobrou os joelhos e deixou que lhe vestisse a calça. Apertou os dentes e se deslocou lentamente, sentindo que o suor lhe empapava a frente enquanto levantava os quadris. Atou-lhe a calça aos tornozelos enquanto ele os sujeitava à cintura. Kalila continuou sentada a seus pés, lhe roçando levemente com as pontas dos dedos. Ramsés se deleitou no tato dos suaves dedos com sua pele. Seu estômago emitiu um sonoro e brusco grunhido.

—Agora coloque isto. Faz frio. Não quero que pegue um resfriado.

Kalila lhe estendeu uma camisa que ele mesmo havia trazido. Ramsés a pôs por dentro, deu-se a volta e se sentou, com o rosto crispado de dor pela ferida do ombro. Descansou um minuto, com o olhar fixo no objeto de roupa e a seguir lançou um olhar ao ombro.

—Eu te ajudarei. Levanta o braço esquerdo.

Ele deixou escapar um suspiro e obedeceu. Deixou que a camisa deslizasse pela cabeça sem dificuldade. Mas seu braço direito estava pendurado sem forças a um lado. Baixou o olhar para o ombro e logo levantou para ela, com as sobrancelhas elevadas em atitude interrogativa.

—Isto não vai funcionar. Negou com a cabeça e fechou os olhos enquanto lhe tirava a camisa. Tenho uma idéia muito melhor. Pode levantar o braço? Só um pouco?

Ramsés deu um suspiro.

—Claro que posso. Tentou. A dor se fendia nele com a precisão de uma faca. Gotas de suor começaram a percorrer sua frente. Lançou um grunhido. Passou a manga pelo braço direito. Ele levantou o braço esquerdo enquanto lhe vestia a camisa com cuidado.

Kalila se dispunha a lhe passar o braço pela cintura. Ramsés lhe apartou a mão com brusca impaciência.

—Posso fazê-lo eu mesmo, espetou ele. Acaso tem que me encher de cuidados como se fosse um menino?

Kalila o observou atentamente. Ele se esforçava para ficar em pé, envergonhado por sua brutalidade e por ter que admitir que necessitava ajuda. Ramsés se aproximou da mesa e se desabou na cadeira. Ela se ajoelhou ao lado da fogueira, serviu-lhe o guisado em uma baixela de prata. Levantando o garfo, examinou-o detalhadamente. Geralmente, só utilizava talheres nos jantares de negócios no Shepheard. vê-los na cova sagrada se fazia tão estranho como ver camas, mesas e cadeiras. A vida de uma princesa parecia requerer muito mais luxos que as simples necessidades de um guerreiro do deserto, pensou ele divertido.

Ele ficou olhando o prato, com o estômago rugindo de fome. Mas ela continuou se ocupando do fogo. Finalmente depois de uns minutos, ela levantou o olhar, com os olhos entrecerrados de assombro.

—Por que não come?

—Estou te esperando, Você não come?

Kalila se serviu um prato e o levou a mesa. Começou a comer em silêncio, levantando o véu com a mão. Seus olhos se detiveram no prato enquanto mordiscava sua comida.

Ele apartou os pedaços grossos de carne e vegetais no prato, recolheu-os com o garfo e os levou a boca. Ramsés mastigou lentamente. Tinha sabor de néctar. Continuou comendo, sem deixar de observá-la. Com as costas direita e os ombros rígidos, ela mantinha o olhar cravado no chão, sem atrever-se a cruzá-la com a sua. De repente se engasgou com deliciosa comida. Ramsés baixou o garfo e tragou.

—Kalila. Sinto ter sido tão brusco. Teve que lutar contra seu orgulho. Não… estou acostumado a me sentir tão indefeso.

Finalmente, ela levantou o olhar. Tinha os olhos umedecidos.

—Esta bem. Estou segura de que é difícil. Provavelmente é melhor que faça tudo o que possa só e me peça ajuda quando necessitar.

Ramsés comeu um pouco mais daquele delicioso guisado, deixando escapar suspiros de prazer.

—A carne fresca é lebre?

Ela elevou a cabeça, com um pouco de orgulho na voz.

—Cacei-a eu mesma esta tarde.

—Te dá bem isso de caçar com o arco.

O elogio relaxou seus ombros enquanto assentia com a cabeça. Então, um brilho malicioso brilhou em seus olhos verdes.

—Não o matei como arco.

—Não? Ele se reclinou um minuto.

—Não. Lancei-lhe um malefício e o espírito da lebre abandonou seu corpo. Disse-lhe que necessitava carne fresca. Esteve mais que disposta a cooperar.

—Quase acreditei, resmungou ele. Havia algo mágico naquela mulher, a mesma possuía a habilidade de lhe confundir a cabeça e logo desaparecer no ar. Mastigou outro bocado e engoliu.

—Como aprende uma mulher a usar o arco com a mesma habilidade que um homem?

Ela cravou uma parte de carne com o garfo.

—Aprendendo de um homem. Meu pai me ensinou. Acredito que ele se sentia culpado pelo acidente e me ensinou.

—Acidente? Que acidente?

Para sua surpresa, ela se levou a mão à bochecha esquerda, logo se tocou o nariz como se comprovasse seu véu.

—Ah… nada. Não foi nada mais que um pequeno acidente.

Ela mentiu. Ramsés a observou enquanto inclinava a cabeça. Tinha interrogado a muitos homens e conhecia os sinais. Por que ocultava ela seu rosto? Não podia ser por pura modéstia.

—É sua mãe quem te deu esses olhos tão formosos como duas pedras preciosas?

Ela se voltou a tocar o rosto.

—Sim. Meu pai a conheceu em Alexandria. Morreu uns anos atrás, respondeu ela cortante.

—Lamento, disse ele com delicadeza. Assim vive com seu pai.

Kalila se encolheu de ombros.

—Se persistir na idéia de me fazer perguntas, vai esfriar a comida.

Ele reprimiu um divertido sorriso. Ela se tinha dado conta, sua pequena trombadinha.

—Que me diz de ti, Ramsés? Onde esta seu lar?

Muito ardilosa, lhe dando a volta à pergunta.

—Na areia, disse ele sucintamente.

—Ah. Você e sua tribo se ocultam nela como serpentes?

Levantando a cabeça, ele examinou seus cintilantes olhos verdes.

—Como sabe que tenho uma tribo?

Ela apartou seu olhar de olhos verdes.

—É evidente que pertence a uma tribo. Sua… roupa. Seu turbante e toga…

—Nossa gente o chama binish.

—Binish. Não resulta muito difícil adivinhar que é o guerreiro de uma tribo pelo modo como luta e sua atitude protetora.

—Aos nossos guerreiros lhes ensinam proteger e guardar às mulheres. Apesar de existirem mulheres que utilizam isso em sua conveniência, respondeu ele, um aviso de que ele a tinha protegido nos zocos e ela o tinha utilizado para lhe roubar o mapa.

—Há mulheres que não tem alternativa. Sua voz parecia estar à beira das lágrimas. Ramsés se armou de valor. Kalila era uma mulher inteligente e a compaixão suavizaria sua determinação de conservar seus segredos.

—Deus nos entregou a sabedoria para lutar com as circunstâncias que nos são dadas. Devemos estar atentos aos conselhos para escolher o caminho correto a seguir. O modo mais singelo não é sempre o mais correto.

Duas esferas de frio gelo verde resplandeceram em seus olhos.

—É muito fácil julgar o que não conhece… ou compreende.

Ramsés se inclinou para diante, deixando na mesa o garfo.

—Então, me explique. Quero compreender.

Logo que Ramsés fez aquele movimento, ela retrocedeu. Ele não queria ser desagradável, mas ela agachou o queixo. Ramsés não podia ser tão duro com ela como o era com um homem. Aquilo requeria um tratamento mais delicado. Tinha tempo para tirar as respostas daqueles lábios que permaneciam ocultos.

O silêncio caiu entre ambos quando ele terminou de comer, limpou-se a boca e olhou a seu redor com interesse.

—Mudou para o interior da cova porque os homens estavam acampando fora?

Ela assentiu lentamente com a cabeça.

—Ahmed pensou que seria o melhor depois… bom, ele disse que a cova era sagrada. Teve essa sensação enquanto nos aproximávamos e a corroborou quando viu a réstia de alhos. Então soubemos que alguém tinha vivido nela.

—O alho é um antigo dissuasivo contra os escorpiões, disse ele, distraidamente. Por que ficou sozinha com os homens se lhe assustavam?

Ela cravou o olhar no chão.

—Meu xamã queria que fosse com ele para meditar… pensei que seria suficientemente seguro porque eles partiram… então os ouvi fora, bebendo e naquele momento foi quando eles vieram e…

A ira se concentrou em seu estômago ao escutar sua voz trêmula. Um xamã ancião representava um amparo escasso contra assassinos como aqueles que ele tinha derrotado. A quem lhe ocorria deixá-la só com aqueles homens? Eles eram o tipo de pessoas que ele esperava encontrar procurando a mina. Mas Kalila possuía uma comovedora inocência. Se assim era, alguém tinha que havê-la obrigado a tomar partido naquela situação tão perigosa e imprevisível. Mas por que?

—Jamais teria que ter ficado sozinha com eles. Aqueles homens não tinham escrúpulos, a pior espécime de chacais do deserto, disse ele, procurando controlar sua ira. Ele advertiu sua expressão de alarme e suavizou seu comentário com um sorriso.

Ela alargou a mão por cima da mesa e tocou a dele.

—Os enfrentou sem a ajuda de ninguém, sem te importar o perigo. Você me salvou. Por que me salvou, depois do que… eu te fiz?

Acariciou-lhe a mão que descansava sobre sua mão direita com o polegar esquerdo.

—Preciosa, jóias como você deveriam ser protegidas, murmurou ele, mostrando seus sentimentos.

Ela desceu o olhar e lhe soltou a mão. Ramsés moveu deliberadamente o ombro direito mordendo o lábio. A dor lhe recordava a tatuagem e seu voto. Ele percorreu as curvas de seu formoso corpo com o olhar e perjurou para si mesmo. O que lhe havia dito o xeique? Que mulheres iria encontrar em um deserto habitado por jinns?

Belas trombadinhas de olhos verdes. Sua mão esquerda se apressou a acariciar seu cabelo, estremecendo-se com apenas imaginar o sorriso de Jabari ao aproximar a faca dos longos cachos de Ramsés e…

Não. Não perderia o controle. Só porque estava sozinho com a única mulher que ameaçava soltar a besta de sua jaula… não violaria o voto.

Ramsés estendeu sua mão esquerda sobre a mesa, olhando seus dedos. Flexionou-os. Continuando, lançou-lhe uma olhe penetrante.

—Kalila. Por que vai atrás do ouro? Aquela pergunta saiu disparada como uma flecha. Direta. Autoritária.

Seus olhos verdes evitaram os seus. Outro sinal de mentira ou desconforto. Ramsés se inclinou para diante.

—Eu não disse que estava atrás dele, respondeu ela.

—Mas o está.

—Você também.

—Estou aqui par render honra ao sagrado costume da meditação.

—E se te dissesse que estou aqui pela mesma razão?

—Você e eu sabemos que não é verdade, disse ele em voz baixa.

Ela fechou os olhos.

—Ah, se?

Ele assinalou a cova.

—É evidente que decifrou os hieróglifos. Esta é a cova representada no mapa que me roubou. Essa é a razão pela qual está aqui.

—As coisas não sempre são o que parecem. Você tampouco está aqui para rezar no deserto!

Seu tom deixava entrever ira. Ramsés se deu conta de que tinha ido muito longe. Teria suficiente tempo para descobri-lo. Mudou de tática e suavizou seu interrogatório por completo.

—Não é muito usual que uma mulher saiba desfrutar do deserto profundo. Uma vez mais, é uma mulher única.

Seus olhos verdes brilharam de vida. Kalila deixou escapar um suspiro e retirou seu prato.

—Eu adoro este lugar. Há algo tranquilizador no deserto. É honesto, selvagem e não mente, engana, rouba ou menospreza. Pode despir sua alma e descobrir quem é de verdade.

Ele estudou seus olhos resplandecentes, entrevendo nostalgia neles.

—O deserto requer honestidade. É um grande espaço no qual ninguém pode deixar nua sua alma até que não fique nada mais que a faísca divina que a criou. Ramsés se perguntou se ela advertiria o duplo significado de sua afirmação. Honestidade. Esperava poder evocar algo nela.

Agora pôde advertir um sorriso sob o véu, posto que se enrugaram as comissuras de seus belos olhos.

—Sim, isto é o que disse Ahmed.

—Onde se encontra seu xamã agora?

Seus olhos esmeralda se nublaram.

—Disse que tinha que partir.

Ramsés sabia que os xamãs iam e vinham com o vento, assim que sua resposta lhe satisfez. Então, fez a única pergunta que tinha atormentado sua mente desde que a conheceu.

—Encontrou-se comigo no Shepheard para roubar o mapa? E se é assim, por que não pegou quando te beijei? Teve a oportunidade.

Ela cravou o olhar no prato e começou a jogar com a comida, deixando-a de lado.

—Kalila por que? Perguntou-lhe ele em um tom severo que exigia respostas.

—Jamais… tinham me beijado antes. Quando me beijou… Não podia pensar, quero dizer, foi tão… fiquei sem respiração. Jamais me havia sentido assim em minha vida.

Comovido por seu acanhamento, a Ramsés pareceu que lhe acendiam as bochechas ocultas atrás do véu. Seu torpe beijo não tinha sido um engano. Ramsés se tinha precavido de que não tinha experiência. Kalila tinha um ar de inocência embaciado pela gravidade de seu delito.

Lançou-lhe um olhar. Ele sorriu docemente.

—Beijar foi uma experiência muito prazerosa.

—Não tinha nem idéia de que um beijo tivesse… semelhante poder confessou-lhe ela, brincando com o garfo. Deveria ter percebido. Logo que te vi, orgulhoso como um tigre, tinha o porte e o espírito de um guerreiro.

Um tigre? Ramsés sentiu que um calafrio percorria seu corpo, como se um vento frio entrasse na cova. A pesar da dor aguda que sentia no ombro esquerdo, advertiu que seu corpo ficava rígido de orgulho.

—Sou um guerreiro Khamsin do vento.

De repente aqueles belos olhos verdes se abriram. Ele sentiu um arrebatamento de satisfação masculina pelo respeito que se respirava no ambiente.

—Ouvi falar dos famosos guerreiros Khamsin e o modo em que governam as areias do deserto. Não me surpreende saber que é um deles. Luta com a mesma ferocidade.

Ela baixou o olhar.

—Embora imagine que haverá muitas mulheres que lhe dirão estas coisas, disse ela examinando suas mãos. Ele também observou suas mãos, suaves e delicadas como uma flor de lótus.

—Sim, o admitiu, não querendo parecer ostentoso. Mas ninguém tão eloquente como você.

Ela levantou, trouxe uma jarra de água com duas xícaras e se serviu. Ramsés aceitou a sua com um gesto de agradecimento com a cabeça e bebeu gostosamente. Kalila o olhou com aqueles olhos extraordinários.

—Suponho que haverá muitas mulheres que… beijem-lhe.

Ramsés apoiou o braço esquerdo na mesa, sentindo-se incômodo com o giro que tinha dado a conversa.

—Umas quantas, reconheceu ele.

—Costuma beijar as mulheres de sua tribo?

De sua tribo? Com apenas pensá-lo, Ramsés caiu para trás com uma careta no rosto.

—As mulheres de minha tribo são honradas e jamais as perseguiria com nenhuma… ah… intenção.

—Ah. Enrolou-se uma mecha de seu cabelo ao redor do dedo e brincou com ele, pensando no que acabava de dizer. Assim beija as mulheres na cidade?

Ele se movia intranquilo na cadeira.

—Sim.

—Muitas mulheres? Sua voz estava cheia de curiosidade infantil. Kalila parecia intrigada, como uma menina que quer saber de um tema tabu.

Ele começou a sentir-se incômodo. Começaram-lhe a assaltar os protestos de Queb.

—Não tantas, protestou ele.

—Mas às que beija Onde o faz? Acaso todas elas lhe seguem até habitações escuras e lhe beijam?

Ramsés advertiu o tom de brincadeira em sua voz. Lançou-lhe um largo e profundo olhar antes de responder.

—Em seus quartos.

—Seus quartos?

Ramsés a olhou amavelmente.

—Em seus quartos.

—Seus quartos? Ah! de repente, um brilho de luz resplandeceu em seus olhos. Cravou o olhar no chão.

—Então, não só as beija.

—Não, disse ele com doçura. É muito mais que isso.

Agora sabia que ela não era mais que uma moça inocente. Seu peito se inchava e desinflava com sua respiração. Ela se esfregou suas pequenas e delicadas mãos. Ficou olhando seus esbeltos dedos, tão hábeis em seu cuidado, em sustentar seu pescoço enquanto colocava o travesseiro. Como acariciariam os músculos de suas costas enquanto faziam o amor? Ela aceitou seu beijo e tinha demonstrado o desejo profundamente enraizado de um homem. Mas ela tinha correspondido a seu beijo. Baixo aquele aspecto virginal (e ela era sem lugar a dúvidas virgem) ardia um fogo tão intenso como o calor do deserto.

—Essas mulheres, você gostava de beijar mais que a mim? Perguntou-lhe em um tom de voz tão fraco que apenas a podia escutar.

Um incomodo e inesperado raio de desejo estalou nele. Seu beijo lhe tinha excitado de um modo que jamais tinha conseguido nenhuma mulher. Ramsés percebeu uma frágil esperança piscar em seus olhos.

—Seu beijo me cativou, admitiu-o, alargando a mão para acariciar suas suaves pontas dos dedos.

—Mas todas aquelas mulheres, você fez coisas… em seus quartos. Ela desviou o olhar. Voltou-o a olhar. Prefere o que faz com elas, verdade?

Ramsés se passou a língua pelo lábio inferior, sentindo que aumentava a temperatura, a pesar do frio da noite. Ele se levou a mão à testa. Voltava a ter febre? Que coisas lhe perguntava! De repente, ele desejou que tivessem uma conversa mais singela e menos comprometedora durante o jantar, como o melhor modo de cozinhar.

Com seus graciosos movimentos, sua bela e esbelta figura e seus formosos olhos faiscantes, como se não pudesse dar conta Kalila do modo como o excitava? Se por acaso não bastasse com o modo em que seu corpo o tentava, agora suas perguntas suscitavam deliciosas imagens em sua cabeça. Ramsés se moveu incômodo na cadeira. Ele podia lhe ensinar semelhantes prazeres, começando com… seus olhos se detiveram nas suaves curvas de seus peitos. Suas formas eram perfeitas, redondas e deliciosas. O frio ar tinha provocado uma reação natural, já que os mamilos estavam duros como duas pérolas que tinha visto nas lojas dos zocos. Aqueles mamilos arredondados apareciam sob sua fina camisa. Ramsés sentiu um puxão familiar no baixo ventre.

Recordando seu voto, reprimiu um profundo grunhido. Mas não podia evitar imaginar suas sacudidas de prazer enquanto lhe tirava a camisa com a mesma doçura com a que tinha lhe ajudado a vestir-se, deixando ao descoberto seus peitos nus ante seu olhar faminto. Ramsés fechou os olhos, pensando em seus delicados suspiros enquanto dirigia a boca a uma pérola deliciosa, fazendo-a choramingar de prazer enquanto gritava seu nome.

—Pode me servir… mais água, por favor? Perguntou ele com voz rouca.

Encheu-lhe o copo. Satisfeito com aquela distração, bebeu um pouco mais. Ao menos agora podia pensar com normalidade e ela deixaria de perguntar…

—Ramsés? Não respondeu minha pergunta. Prefere o que faz com as outras mulheres. Verdade?

Ela não se renderia. A honestidade era seu forte.

—Sim, disse ele com voz baixa.

Observou sua reação. A tristeza turvou seu verde olhar. Levou-se a mão distraidamente à bochecha esquerda e logo a apartou. Ele se perguntou se ela teria entendido que preferia a aquelas mulheres a ela. Aquilo lhe deu a oportunidade de pensar.

—O que faço com elas, acrescentou ele observando-a. Não o que são. Elas me importam muito pouco.

Suas sobrancelhas formaram um v.

—O que quer dizer?

Procurou as palavras que ia dizer com cuidado.

—Há certos… prazeres que um homem procura em uma mulher. Mas isso não quer dizer que vá além do físico.

—Pode uma mulher experimentar estes prazeres do mesmo modo que um homem?

Ele respirou fundo. Tentou dominar sua ativa imaginação, torturado pelos prazeres que lhe poderia ensinar.

—É como nosso beijo no hotel. Senti que você respondia Provocou algo em ti?

Agachando a cabeça, ela o olhou através de suas largas e negras pestanas.

—Sim, admitiu ela, assim foi.

—Não te envergonhe disso, disse-lhe com doçura. De fato, eu me sentiria feliz se assim fosse.

—De verdade? Ela o olhou, presa pela excitação.

—Sim. Ramsés deslizou a mão pela mesa e lhe acariciou os dedos. Para um homem não é suficiente experimentar prazer. A mulher também deve responder. Um homem sempre deve conseguir que assim seja.

—Acredito que estou começando a compreender. Os peitos perfeitamente moldados de Kalila se agitaram quando esta elevou seus compridos e esbeltos braços para estendê-los languidamente. Era um simples movimento, mas provocou nele um incontrolável desejo.

Deliberadamente, ele moveu o braço direito para impedir a crescente dureza entre suas pernas. Aquela mulher o estava deixando louco e nem sequer se dava conta! Ramsés conteve um grito de dor. Lançou um olhar a seu baixo ventre. Sua “lança do guerreiro”, como ela o tinha chamado, dava-lhe as boas-vindas, como se fosse um velho amigo, saudando-o.

Ramsés se separou da mesa.

—Acredito que… preciso ir lá fora… durante um minuto. Para tomar ar fresco.

—É obvio, assentiu ela com a cabeça, sem precaver-se de que a verdadeira razão pela qual precisava tomar ar fresco era ela Como podia uma mulher ser tão inconsciente de seu atrativo? Ramsés sacudiu a cabeça. Todas as mulheres com as que se deitou utilizavam o poder de sua sensualidade. Ela atuava como se discutissem preços de camelo, não sexo. Estava maravilhado. Jamais tinha conhecido a uma mulher tão inocente sobre seu efeito nos homens.

Com grande esforço, ficou em pé e voltou as costas. Ramsés limpou o suor da testa e baixou o olhar. Sua lança de guerreiro aparecia no exterior, lhe indicando o caminho como a varinha de zahorí que Queb utilizava para encontrar água.

—Será melhor que se abrigue. A noite é muito fria!

—Muito bem, espetou ele enquanto se afastava.

Noite. Não podia dormir.

Ramsés dava voltas na cama, estremecendo-se pela dor no ombro. Tinha-lhe dado uma poção para dormir. O orgulho lhe tinha feito decliná-la. Permanecia deitado na escuridão, ouvindo a respiração regular e constante de Kalila.

Quem era ela? Uma princesa de alta fila e importância que alguém tinha utilizado para conseguir o acesso à mina secreta dos Khamsin? Quem lhe tinha obrigado a roubar o mapa? Esse ladrão de tumbas chamado Burrells? Como poderia saber aquele homem que Ramsés se encontrava no Cairo? Seus pensamentos se detiveram no vendedor de ouro. O vendedor de ouro disse que outros vendedores de ouro conheciam a existência da mina. Possivelmente Kalila lhe tinha roubado o mapa por ordem dele.

Então recordou haver-se encontrado com seu sogro e lhe mostrado o mapa. Um calafrio lhe percorreu o corpo Poderia ela ser sua noiva?

Ramsés desprezou aquele pensamento com a mesma rapidez com que apareceu. Por agora, Kalila parecia egípcia, com seus copiosos peitos, cintura esbelta, quadris arredondados, espessa cabeleira negra e pele escura. Sua noiva devia ser mais branca que o leite e magra como um alfinete.

Descobriria. De momento, havia uma questão mais imediata que o atormentava. O que ocultava detrás daquele véu?

Ramsés sabia o suficiente sobre as mulheres para dar-se conta de que a vaidade ocultava seu rosto, não a modéstia. Ramsés não era idiota. Não depois de ela ter visto seu corpo nu. Não, ela guardava um segredo. Ocultava sua identidade.

Tinha que descobrir seu aspecto. Sigilosamente, jogou os lençóis a um lado e se incorporou. Suas pupilas se acostumaram à escuridão da cova. A luz da lua chapeada resplandecia na entrada traseira. Suficiente para iluminar seu caminho.

Uns minutos mais tarde ficou em pé. Com o peito descoberto, aproximou-se sigilosamente às velas. Acendeu uma delas. Seu tênue resplendor dançava na cova. Ela dormia placidamente. Ele suspeitava que fosse a primeira vez que dormia de verdade em dias, posto que o mais provável fosse que tenha ficado acordada as últimas noites cuidando dele.

A decência lhe dizia que apagasse a vela e deixasse sua dignidade intacta. Ver seu rosto não lhe proporcionaria respostas. Sentiu culpa. Ramsés se desfez dela. A curiosidade impulsiva podia com ele.

Com grande cuidado, aproximou-se de seu leito. Kalila permanecia feita um novelo em um lado. Dormia tão placidamente como uma criança. Suas largas e espessas pestanas roçavam o véu, que se inchava e desinflava com a suave força de sua respiração.

Depositando a vela no chão, Ramsés se ajoelhou, assanhado pela visão dela enquanto dormia. Com cuidado, levantou o véu de seu rosto. Uma boca em forma de coração lhe deu boas vindas, tão carnudas como os lábios que ele recordava ter beijado. O lábio inferior se elevava prometedor. De sua suave e arredondada bochecha direita sobressaía a maçã do rosto, sugerindo sua linhagem aristocrática. A ponta de seu nariz arrebitado se elevava no ar. Seu cabelo alvoroçado, um matagal de cachos de seda, caía por seus ombros esbeltos.

Ramsés se umedeceu os lábios, contemplando sua beleza. Estava maravilhado por sua pele de seda, o úmido frescor de sua juventude. Perguntava-se por que ocultava seu rosto. Não podia ser para reprimir seu desejo, posto que ele estivesse muito fraco para desatar qualquer desejo masculino. Então, ela deixou escapar um delicado suspiro em seus sonhos e se voltou, deixando ao descoberto sua bochecha esquerda.

A luz da vela pôs ao descoberto uma profunda cicatriz em sua bochecha esquerda. Ele se tornou atrás uns instantes, impressionado e logo voltou a aproximar-se dela. Um corte amplo, como se um animal tivesse rasgado sua delicada pele com uma precisão aterradora. Automaticamente, ele dirigiu a vista a seu peito, cheio de feridas e marcas de velhas feridas de guerra.

—Oh, querida flor de lótus, é esta a razão pela qual te oculta atrás de um véu, te protegendo assim de todos o que zombam de ti? Como desejaria que se mostrasse nua ante mim. Assim poderia te demonstrar toda a beleza que vejo quando contemplo seu rosto, sussurrou ele com solenidade.

Ramsés sentiu seu coração se encolher de tristeza. Conhecia muito bem as crueldades que devia ter passado. Cicatrizes como aquela a desonravam, enquanto que as suas eram símbolos de respeito e honra.

Olhou a marca com ternura. Desejava beijá-la e aliviar a dor que ainda lhe causava anos depois de recebê-la. Ramsés a beijou na frente.

—Felizes sonhos, pequena trombadinha. Não revelarei seu segredo. Mas descobrirei quem te mandou encontrar a tumba.

Apagou a vela de um sopro, substituiu-a e voltou para a cama. Enquanto fechava os olhos, prometeu-se que não a pressionaria para que revelasse sua identidade. Mas utilizaria todos os meios a seu alcance para descobrir quem a tinha enviado.

Qualquer meio inclusive a sedução? Aquela pergunta assaltou a sua mente sonolenta. Seu beijo a tinha enfeitiçado. Assim o tinha confessado ela. Se o beijo a fazia vulnerável, o que podia conseguir se a seduzisse? Revelaria todos seus segredos se deitasse com ela? Se o fizesse, romperia seu voto de fidelidade a sua noiva.

Permaneceu acordado durante um bom momento, pensando em lady Katherine e seu voto de permanecer celibatário por ela e Kalila, a mulher com suficiente poder de sedução para obrigá-lo a romper sua determinação.

 

Ramsés lançou um grunhido ao tentar levantar o braço. Os guerreiros Khamsin estavam adestrados para suportar a dor. O vento agitou as dobras de seu binish azul anil. Os músculos inativos durante semanas protestaram pela força exercida contra eles.

Ele flexionou o braço, dobrando o cotovelo acima e abaixo muito lentamente. Então, levantou o braço direito para o céu. Ramsés trouxe para sua memória imagens de seu homônimo na tribo, o feroz vento Khamsin e se concentrou, utilizando o método de respiração utilizado na meditação para controlar a dor.

Cada dia tinha mais força. Receoso das intenções de Kalila manteve-o em segredo. Em lugar de ofender-se por sua insistência de cuidar dele até que recuperar as forças, aproveitou-se disso. Tinham alcançado um incômodo acordo de vida. Ela caçava e preparava o jantar cada noite. Ele a comia. Ele a bombardeava com perguntas. Ela as esquivava habilmente. Ela tratava de lhe surrupiar informação a respeito da propriedade de minas de ouro dos tempos faraônicos de sua tribo. Ele as evitava fazendo perguntas a respeito de suas origens. O jogo de gato e camundongo devia terminar. Tinha que conseguir arrancar as respostas de sua pequena boca franzida. Mas Como?

Distraidamente, Ramsés se arranhou a cabeça. Tirou-se o turbante, posto que a tarefa de enrolar-lhe na cabeça tinha demonstrado ser muito extenuante. Tinha o cabelo enredado e precisava lavá-lo. O pêlo escuro escurecia sua mandíbula. Também tinha que barbear-se.

Com parcimônia, Ramsés empreendeu o caminho, entoando uma canção elevando o tom. Ao sair da cova se encontrou com Kalila, quem examinava o punho de sua cimitarra e cuja ponta ameaçava perigosamente a sua perna. A canção se apagou em seus lábios.

Instintivamente, ele fez uma chamada de advertência. Quando Kalila se voltou para ele dando um grito de assombro, a ponta da espada lhe roçou a panturrilha. Ela olhou assombrada sua calça de seda rasgada. Uma pequena mancha de cor vermelha escarlate tingiu o tecido amarelo. Ramsés se aproximou dela correndo, agarrou a espada e a embainhou. Ajoelhou-se e lhe examinou a perna, lhe apartando o tecido do joelho. Aliviado, percebeu que se trava de uma ferida leve. Tirando bandagem do cinturão, enrolou-a no corte. Estava furioso. A cimitarra podia cortar seda no ar. Kalila podia ter recebido uma ferida mortal.

—O que estava fazendo com minha cimitarra? Espetou-o.

Ela o olhou fixamente, com o cenho franzido.

—Só queria vê-la. Tem um punho precioso.

Ramsés lhe lançou um olhar de incredulidade. Sua querida Shukran, que tinha talhado as cabeças de miseráveis inimigos, tinha-lhe salvado a vida e lhe tinha sido entregue através de uma sucessiva ascendência de guardiães.

—Preciosa? É a arma de um guerreiro, disse ele, tentando dominar seu gênio. Trata-se de uma espada de honra e valor, não é uma bagatela!

Depois de lhe retirar a atadura, examinou a ferida, que já tinha deixado de sangrar. Seu mau gênio se esfumou logo que advertiu a bela curva de sua perna. Uma idéia perversa lhe veio à cabeça.

—Acredito que viverá. Mas requer atenção imediata, declarou ele com seriedade. Ao lhe piscar os olhos lhe informou sobre a verdadeira natureza de sua ferida. Devo prestar assistência agora mesmo.

Ela protestou, mas ele a ignorou. Ramsés foi procurar água, sal e outra atadura. Ele levantou a perna ferida e a apoiou em uma rocha próxima.

Kalila o olhou com os olhos quase fechados.

—O que está fazendo?

—Shh! Ordenou-lhe ele, utilizando sua faca para cortar as ataduras. Tenho muita experiência… atendendo feridas como esta. Estive em muitas batalhas e enfaixei muitas feridas.

Depois de introduzir a atadura na água, acrescentou sal. Ela se afastou.

—Ramsés, não é nada mais que um arranhão, não é necessário que… Ai! Voltou a gritar enquanto ele lavava a ferida.

—Um momento, um momento, repreendeu-a. Tenho que acautelar a infecção.

Ela revirou os olhos, como se implorasse ajuda ao céu.

—Seus métodos de cura deixam muito a desejar.

—Isso é o que sempre me diz Jabari, disse ele, sorrindo. Ramsés se dispunha a lhe enrolar a atadura na perna, quando se deteve. E agora, algo para nos assegurar de que se curará logo e não sofrerá muita dor. Ramsés lhe beijou na panturrilha. Sua suave pele como as pétalas do lótus entrou em contato com seus lábios. Ele deixou escapar um suspiro e levantou a vista para ela. Agora se encontra melhor? Perguntou-lhe com voz rouca.

A paixão dançava em seus olhos, obscurecendo seus olhos verdes esmeralda e tornando-os cinzentos. O maldito véu se inflava à medida que sua respiração se tornava entrecortada. Ela tentou apartar a panturrilha, mas ele a sujeitava firmemente. Ramsés decidiu continuar demonstrando suas habilidades médicas e voltou a lhe beijar na perna.

—E agora como se encontra? Melhor agora?

—Quase, sussurrou ela. Acredito que… necessito mais cuidados.

E, como sempre gostava de agradar uma dama, Ramsés se dispôs a agradá-la.

Katherine se tinha banhado em muito prazer quando Ramsés a beijou no Shepheard. Agora, enquanto seus lábios de seda percorriam sua perna nua, ela estava submersa naquele acolhedor mar uma vez mais.

O prazer percorreu suas veias quando suas fortes mãos sujeitaram sua panturrilha. Ramsés fazia cócegas na parte traseira do joelho. Ele levantou a cabeça e a olhou com aqueles enormes olhos de tigre, tão sensual e sonolento como um gato ronronando.

Seus quentes e suaves lábios acariciavam insinuante sua perna. Katherine levou o punho à boca para reprimir um gemido. Ao baixar a vista e contemplar sua cabeça escura, sentiu que algo deliciosamente quente e sedoso percorria sua pele.

Ele lambia a perna com lento e deliberado prazer. Naquela ocasião, ela não pôde reprimir um fraco gemido. Aquilo tinha que terminar antes que ele decidisse continuar sua exploração. Como, por exemplo, por debaixo de seu véu. Katherine se mordeu os lábios e lutou por recuperar a razão.

—Ramsés, por favor… não deixe que sua… ela respirou fundo e continuou, lança de guerreiro te domine!

Ele levantou a cabeça, esboçando um malicioso sorriso que indicava que já era muito tarde. Continuando, baixou o olhar ao chão. Contemplando suas mãos, Ramsés as flexionou.

—A todos os homens Khamsin lhes entrega um totem quando são iniciados como guerreiros. É uma… cerimônia sagrada. O xamã da tribo entra em um profundo transe e sussurra o nome do totem a cada guerreiro.

Os lábios do Katherine se abriram de puro prazer e surpresa.

—Ah, sim? Ela se aproximou dele, desejosa de conhecer mais do segredo de Khamsin, Qual é seu totem?

Ele sorriu indolentemente.

—É um segredo. Ramsés pressionou seu dedo em seus lábios velados.

Ela se inclinou para trás, desgostosa.

—Mas… vacilou ele. Suponho que posso lhe dizer, se lhe sussurrar ao ouvido.

Assentindo entusiasmada, Katherine se inclinou para frente. Ramsés lhe sujeitou os ombros e inclinou a cabeça como se esperasse um beijo. Então, apartou-lhe uma grossa mecha de cabelo e aproximou os lábios a sua orelha, lhe fazendo cócegas com seu quente fôlego.

—Um tigre, sussurrou ele.

Katherine retrocedeu, com os olhos abertos de assombro. Em seu peito, o coração palpitava a um ritmo aterrador. O misticismo fez que se sentisse enjoada. As palavras de Ahmed ressonaram em sua aturdida cabeça- “Há muito tempo, o tigre deixou sua marca em sua pele, filha do deserto. Esta marca é seu destino. O tigre pode te reclamar como dele, pequena. Esse dia está perto. Não deve ter medo, a não ser confiar nele. Ele te brindará seu amparo, guardará sua vida com maior ferocidade que a sua própria e te protegerá de qualquer perigo”

Encontrava-se com a orgulhosa besta a raias que ia espreitar a seu coração e capturá-lo como o grande gato da selva com sua presa. Começou a suar. O destino tinha feito com que seus caminhos se cruzassem inclusive no hotel, antes que ela o beijasse. Seus olhos cheios de assombro percorreram uma e outra vez seu rosto poderoso, esculpido com a graça sensual de um gato. Ramsés possuía um encanto elegante que envolvia seu forte corpo musculoso.

Ele a observava com os olhos entrecerrados, como se estivesse avaliando sua reação. Ramsés passou delicadamente os dedos pelo véu. Aquela carícia fez com que seus nervos alterados prendessem fogo e ardessem em um inferno de paixão. Ao tocar sua bochecha esquerda, Katherine saiu das chamas com passo firme, recordando o dano infligido pelos homens no passado.

—Kalila, o que te passa? Por que me olha assim?

—O que… como? Balbuciou ela.

—Como se estivesse com medo de mim. Não tenha medo. O tigre só é meu totem. Não vou tirar as garras e te comer, disse, lhe dedicando um encantador sorriso, que só serviu para incrementar seu medo.

—Um ti… ti… gre gaguejou ela, tentando romper a doce e enjoativa tensão entre eles. A sabedoria do poder, a fortaleza, a coragem e a força ante a adversidade, balbuciou.

—Sim, assentiu ele com a cabeça, lhe lançando um olhar pensativo com seus olhos amarelos como âmbar.

—Atuam sem pensamento nem consideração das conseqüências… terminou ela, olhando-o fixamente.

Ramsés lhe lançou um olhar compungido e se arranhou o queixo.

—Sim, isso é certo. Frequentemente também me recorda o impulsivamente que me entrego à vida, cego e sem pensar nas consequências de meu comportamento.

Ele leu seu olhar de assombro.

—Mas não com as coisas mais importantes da vida.

Ela se passou a língua pelos lábios, perguntando se poderia ler mentes.

—A que te refere? O que diz não tem sentido, Ramsés.

—Mas não no que se refere a dar prazer a uma mulher. Ramsés acariciou sua mão com o polegar. Então, plantou-lhe um beijo na palma da mão. Seus sentidos se voltaram loucos.

—Esquece outros significados de meu totem, murmurou ele, inclinando-se até ela. Quanto mais se aproximava, com seus mortais olhos e graça de tigre, seu corpo poderoso parecia enrolar-se e preparar-se para saltar, com os músculos esticados sob seu corpo bronzeado.

Katherine se inclinou para trás, alarmada pelo abrasado desejo que resplandecia em seus olhos.

—Como? Perguntou ela, tremendo.

—Devoção… e sensualidade, respondeu ele em um rouco sussurro. Ramsés lhe tocou a borda do véu.

—Aqueles, aqueles são os bons, gaguejou ela, cativada pela profunda intensidade de seu hipnótico olhar. Como naquela ocasião com o tigre onde ela adorou sua aparência cativante, lhe suplicando satisfazer cada sensação tateante passando seus dedos por seu quente pêlo, o corpo musculoso e sensual de Ramsés fazia gestos para que se aproximasse. Uma bela melodia de nostalgia enchia seus ouvidos. Aquela canção de sereia continha uma ordem muito diferente. “Toque-me. Prove-me. Beije-me.”

Ramsés aproximou seu rosto. Ela se centrou em seus firmes e sensuais lábios. Seu quente fôlego fazia com que se inchasse seu véu. Ele ia beijá-la. O temor de que suas garras lhe rasgassem o coração se dissolveu em um quente desejo. Um pequeno beijo não podia lhe fazer nenhum dano. Seus lábios desejavam tocar os seus. Katherine abriu a boca esperando o beijo, aquela língua deliciosa incitando-a, lambendo-a…

—E a paixão. Piscou-lhe os olhos brincalhonamente ao mesmo tempo em que lhe tocou a ponta do nariz, pegando-a despreparada. Sob o véu, o lábio inferior se sobressaía pelo desejo frustrado. Uma dor ardente a deixou estranhamente insatisfeita. “Necessito. Quero.” Por que desejava aquele beijo? Beijar aquele homem representava um perigo maior que o de incomodar a um tigre introduzindo um pau em sua jaula.

Ele se levantou de um salto com graça, dirigiu-se ao lugar onde guardava as bolsas e começou a procurar algo nelas.

Seu coração recuperou o pulso habitual. Tigres, totens e presságios. Guerreiros encantadores que faziam com que perdesse a cabeça como se tivesse tomado todo o brandy de seu pai. Ela era uma moderna mulher britânica que devia manter os pés firmes no chão. Katherine, em seu lado egípcio e místico de seu desejo, desejava explorar os mistérios daquele mundo de areias banhadas pelo sol.

Logo se sentiria agradecida a Ramsés por não ter iniciado nenhum jogo amoroso. Apesar de que sua mente aceitava aquele raciocínio, em seu corpo não cessava o estranho e doloroso desejo de algo que não podia identificar.

Não cabia a menor duvida da tristeza que chegava a seus claros olhos verdes. Kalila esperava que a beijasse. A paixão turvava seus encantadores olhos verdes. Sua cabeça se dispôs para facilitar o acesso a sua boca. Semelhante bela e pequena boca franzida. Que lástima não havê-la beijado. Ele se inclinou para trás no último momento, sentindo que o calor de seu desejo o envolvia. O desejo derrubou o véu de seu natural acanhamento. Ela necessitava que lhe surrupiassem com paciência, sua própria excitação ardia o suficiente para provocar a aceitação da verdade.

Contra ele, ela o deixava difícil. Ela tinha escapulido de suas perguntas. Havia rodeado seus intentos de desvelar seus segredos. Ramsés tinha se cansado de jogar com ela e se lançou diretamente a seu pescoço. Ou neste caso, a sua perna.

Ele estava ao mando e maldita fosse, tinha chegado o momento de demonstrar-lhe. Kalila acreditava que podia dominar um guerreiro Khamsin que podia matar as mulheres com um só olhar e com a mesma facilidade. Ela ia descobrir quão equivocada estava.

Se lhe excitasse o suficiente, Kalila não só aceitaria seus lábios febris, mas também lhe imploraria mais. Quando se deu um festim com a suavidade de sua perna, ela tinha ficado tão maleável como a argila em mãos peritas. Seus lábios tinham sido despojados de seu halo de aguda inteligência. Kalila tinha se ruborizado tanto como uma tímida égua coberta por um arrojado garanhão

.As mulheres o encontravam irresistível. Aquele fato jamais tinha alimentado seu ego, posto que aceitava seu aspecto exótico com honesta modéstia, do mesmo modo que aceitava ter recebido com uma força superior. Um sorriso surgia e as mulheres caíam rendidas a seus pés. Ele contava que o mesmo acontecesse com Kalila. Especialmente quando ela visse exatamente o que ele tinha que oferecer. Reprimindo um sorriso, Ramsés continuou procurando entre seus pertences.

Kalila tinha lhe ajudado a curar suas feridas. Se ele mostrasse que poderia lavar o cabelo, ela se ofereceria para fazê-lo. lavar-lhe o cabelo conduziria a outras coisas… então ela baixaria sua natural guarda. Os segredos sairiam de seus suntuosos lábios em corrente.

—O que está fazendo?

—Vou lavar meu cabelo e me barbear. Ele tirou um pequeno espelho, sabão, uma toalha e uma jarra de alabastro. Ramsés a olhou pela extremidade do olho. Ela era inteligente. Não se mostraria muito disposta, disse a si mesmo. Tinha que fingir que lhe irritava sua ajuda.

Ela foi procurar um cubo e o entregou.

—Tente com isto. Será muito mais fácil para ti.

Em lugar de olhar no interior do cubo, Ramsés olhou a ela, encontrando-se em um momento de dúvida. Ela era muito inocente. Entrou naqueles enormes e exóticos olhos, sua doce e lisa testa e percebeu o modo como suas largas pestanas acariciavam suas bochechas quando baixava o olhar. Então, levantou a vista e lhe sustentou o olhar. Não percebeu uma inocência infantil a não ser capacidade de resistência adulta. Era uma ladra. Tinha que lhe ocultar qualquer tipo de informação como fosse.

Dentro do cubo havia uma garrafa de vidro. Desarrolhou-a e cheirou uma fragrância familiar. Os Khamsin a utilizavam para lavar o cabelo. Reprimindo um sorriso de cumplicidade, decidiu brincar.

—Cheira a perfume. Esperas que use isto?

—É xampu? Lançou-lhe um olhar de exasperação. Fiz eu mesma com azeite de sésamo, azeite de corcunda, romeiro e outras ervas e flores. É bom para seu cabelo.

Levou-se a mão esquerda a seus largos cachos fingindo alarme.

—Flores em meu cabelo? Eu não sou uma garota!

Ela se limitou a encolher seus esbeltos ombros. Kalila brincou de correr atrás dele enquanto saía disparado ao exterior. Deixando suas provisões perto de uma rocha plana sob a sombra de uma palmeira, ele se dirigiu ao poço. Kalila apoiou a mão no comprido mastro que sujeitava a polia da corda, observando-o atentamente enquanto tirava água.

Ele verteu água no cubo que descansava ao lado do poço e voltou para a rocha. Kalila foi pisando nos calcanhares como um cachorrinho impaciente. Ela deixou no chão o cubo com o xampu e o olhou timidamente enquanto se despojava de seu binish.

—Consegue sozinho?

Um sutil aviso de que necessitava ajuda. Excelente.

—Obrigado, disse ele.

Kalila se aproximou dele, examinando a ferida enrugada em seu ombro. Franziu o cenho. Já cicatrizou.

O desejo se desatou em suas veias quando suas suaves mãos o tocaram docemente. Ramsés seguiu seu olhar de admiração, que se deteve em sua calça. Assediou-lhe um sentimento de malevolência. Ramsés puxou o cordão.

—Importaria de me ajudar a tirar a calça também? Perguntou em tom zombador.

Kalila se inclinou para trás. Seus olhos se abriram como se uma serpente gigante tivesse aparecido. Ele voltou a sorrir. Bom, considerando o tamanho do que se ocultava depois da calça…

—Não, mmm… estou segura de que pode fazer isso sem mim. Deixar-te-ei sozinho. Voltou-se e esteve a ponto de tropeçar com uma rocha.

Ramsés riu entre dentes. Ela se apressou a pôr distância entre eles tudo o que suas belas pernas o permitiram. Com as mãos cheias de água se salpicou a cara e se ensaboou o queixo. Ramsés foi procurar sua faca e pendurou o espelho em uma rocha próxima. Quando se dispunha a barbear o rosto, seu instinto lhe disse que ela o observava das rochas. Bem. Ramsés limpou o sabão da faca. Planejava lhe fazer uma visita para lhe agradecer seus cuidados.

Um pouco mais tarde, ela o observava das rochas. Preocupada com o fato de que Ramsés fizesse trabalhar muito seu ombro, desculpou sua espionagem como observação clínica para ver como as arrumava.

A observação clínica logo fracassou. Fascinada pela flexibilidade dos músculos de suas costas, observou-o enquanto se barbeava. Ele terminou, enxaguou-se e ficou em pé. Ramsés se inclinou. Desatou a calça pelos tornozelos. De costas a ela, ele se endireitou, puxou o cordão que os sujeitava e deixou que a calça se deslizasse por seus quadris até o chão, depois a jogou de lado.

Magnífico. Percorreu com seus olhos fascinados as linhas do corpo do guerreiro, dos tendões e fortes músculos que enchiam seus ombros e braços até seus magros e estreitos quadris para acabar em suas firmes nádegas. Tinha as extremidades largas e retas. Cada quente e sobressalente músculo e extremidade de carnes apertadas pareciam estar esculpidos por um professor entalhador artesão.

Katherine teve que dar uma baforada de ar e vencer o nó que lhe tinha feito na garganta. A beleza bronzeada e varonil de Ramsés fez com que lhe enchessem os olhos de lágrimas. Ela era uma mulher marcada, uma trombadinha calculadora ante seus olhos âmbar. Seu eu mais íntimo sonhava com que Ramsés a desejasse. A estúpida fantasia de uma mulher só que se isolou do mundo. Como alguém tão perfeito e inteiro como ele ia querer a alguém tão imperfeita e rasgada?

Fechando fortemente os olhos, Katherine conteve um soluço. Refugiou-se no interior da cova, consciente de que devia fazer frente à realidade. De um brusco puxão se arrancou o véu e tirou um espelho que tinha guardado. Nele, a cicatriz se expandia até converter seu rosto em uma máscara grotesca.

Estúpida. Que homem poderia sentir-se atraído por ela? Devolvendo o espelho a seu esconderijo, Katherine derramou umas quantas lágrimas, as secou e respirou fundo. Voltou-se a atar o véu, saiu da cova e se voltou a se ocultar. Ramsés jamais a quereria, mas não ia se negar o prazer de desfrutar de suas esplêndidas formas. Ele estava sentado na rocha lisa, de costas a ela. A espuma formava um atoleiro em seus pés, que absorvia a areia sedenta.

As gotas de água em seu corpo resplandeciam como diminutos diamantes. Ela observou intrigada que Ramsés introduzia a mão em uma jarra de alabastro e começava a lubrificar seu corpo com uma substância pegajosa. Depois de enxaguar-se, levou-se as mãos às grossas mechas de cabelo encaracolado. Ela não podia evitar, sabia que algo estava mau.

Tomar banho parecia simples. Mas lavar o cabelo? Ela o faria. Katherine tragou saliva com apenas pensar em levar a cabo semelhante tarefa com aquele homem nu. Mas se cobrisse as partes íntimas… Ela retornou à cova, agarrou uma garrafa de suco de limão e outra toalha, e se aproximou dele pelas costas dando grandes passos e entoando uma canção para lhe advertir de sua presença.

Aquelas amplas e fortes costas ficaram rígidas. Katherine contemplou fascinada a firme e musculosa extensão de suas costas, salpicada de cicatrizes e marcas de velhas feridas. As marcas de um guerreiro que tinha vivido muitas batalhas e lutado com arrojo.

Aproximando-se dele pelas costas, manteve o olhar fixo no chão e se passou os dedos pelo cabelo.

—Sei que não deseja cheirar como uma garota, mas trabalhei muito na confecção deste xampu. Além disso, não é um perfume, e sim ervas e vou lavar seu cabelo com ele.

Quando ele se ia dar a volta, ela deixou cair a toalha em seu colo para que se cobrisse as partes privadas. Ramsés olhou a toalha com a mesma expressão de desconcerto que quando descobriu a tanga.

—Para que é isto?

Katherine apartou o olhar.

—É importante estar coberto no deserto. Para proteger-se.

—Do que?

Ela mudou o peso de seu corpo ao outro pé.

—De coisas. O sol. Animais. Sim, animais. No deserto habitam muitos animais perigosos.

—Como serpentes? As serpentes só são perigosas se perturbar seu descanso. Não tenha medo de minha serpente, Kalila. Não te fará mal. Está acostumado a levar-se muito bem com as mulheres.

Piscou-lhe os olhos. Ruborizada, foi procurar um cubo de água no poço. Katherine lhe lançou um olhar. Um sorriso malicioso se desenhou no rosto de Ramsés enquanto levava a mão à toalha.

Ela tragou saliva.

—Não será capaz de… fazer…

—Se me puser xampu na cabeça, farei-o, advertiu-lhe ele com uma voz profunda e sedutora.

Carregando o cubo, Katherine se plantou em frente a ele. Ele piscou, com o cenho franzido.

—O xampu é minha melhor receita. Não permitirei que o insulte, e agora vou lavar seu cabelo com ele.

Com um sorriso de cumplicidade, ele se dispôs a levantar a toalha e de repente, justo quando a toalha ameaçava desaparecer, lhe arrojou água. Ramsés gritou.

—A água está fria!

Ela disse com um tom de suficiência.

—Já sei. Katherine foi procurar mais água e voltou sobre seus passos, lhe arrojando água na cabeça. Ramsés balbuciou um pouco indignado. Grossas mechas úmido de seu comprido cabelo castanho lhe caíam sobre a cara. Gotas resplandecentes de água penduravam de suas largas e bicudas pestanas. Parecia um indignado filhote de tigre empapado até os ossos. E era uma imagem adorável.

—Mulher, está tentando me afogar? Bramou ele.

—Ainda não, respondeu ela. Katherine desarrolhou a garrafa de xampu, verteu uma generosa quantidade em seu cabelo molhado e começou a esfregar com vigor. Fecha os olhos, ordenou-lhe ela. Do contrário lhe arderão os olhos.

Ele lançou um grunhido, mas obedeceu. Seus hábeis dedos massagearam o xampu em seu couro cabeludo, criando espuma e exercendo movimentos circulares com os polegares. Ela ensaboou seus largos cachos, esfregando seu pescoço enquanto o fazia, regozijando-se no tato de seus fortes músculos. Um comprido e débil gemido de prazer saiu de seus lábios.

Durante vários minutos, Katherine continuou massageando seu couro cabeludo com xampu. O calor começou a assediar enquanto contemplava o magnífico corpo de Ramsés. A objetividade com que ela tinha cuidado daquele homem durante sua enfermidade tinha desaparecido. Já não podia lhe ver como um paciente impossibilitado. Agora compreendia o que seus cuidados lhe tinham obrigado a desprezar: suas largas extremidades moldadas por músculos e salpicadas com pêlo negro, sua magra e estreita cintura, e as velhas tatuagens nos poderosos músculos de ambos os braços. Apesar da ferida, Ramsés permanecia sentado ante ela com o porte orgulhoso e autoritário de um antigo deus. Ela era um mero mortal comparada com sua beleza dourada. Um tremor assediou seus dedos enquanto se deslizavam por seu cabelo sedoso.

De pé frente a ele, ela verteu água sobre sua cabeça, contemplando os rios de sabão flutuando em seus cinzelados músculos. Um rio de borbulhas se derramava costas abaixo. Seus sentidos se concentraram em um deles, desfrutando da viagem. Deslizou-se com caprichoso abandono pelo pescoço, entreteve-se nos cabelos frisados de seu peito musculoso, ficou pendurando no profundo corte de seu umbigo, onde um triângulo de pêlo se detinha a pouca distância da toalha que ocultava suas partes.

Se a ela lavar seu cabelo lhe produzia calafrios de prazer, o que provocaria nele? Ela advertiu que sua boca se relaxava até formar um amplo e sensual sorriso.

Ao lançar um olhar, ela tragou saliva. Algo debaixo da úmida toalha saiu de repente à superfície, como uma serpente morrendo por liberar-se de uma armadilha. Katherine deu um grito afogado. Seus firmes e sensuais lábios se abriram levemente, como se oferecesse um convite. De repente, os olhos dourados do Ramsés se abriram de repente, encontrando-se com os olhos verdes dela. Ela foi presa de um tremor enquanto o olhava com incredulidade.

—Kalila, sinto ter que fazer… se sentir incômoda, mas não posso ocultar o efeito que seu tato tem em mim, disse ele brandamente. Recolheria mil flores de lótus da superfície do Nilo só por uma carícia das suaves pétalas de sua mão.

A voz rouca de Ramsés a enfeitiçou com o profundo luxo daquela confissão poética. Tragando saliva, ela baixou o olhar timidamente. Nunca antes um homem tinha elogiado suas mãos. O calor percorria suas veias. Mulheres maravilhosas iam a ele em fila quando visitava Cairo…

Aquele pensamento lhe causou um repentino sobressalto, como se lhe tivessem dado uma bofetada. Ramsés. Cairo. Mulheres. O encanto letal que as mulheres encontravam irresistível, que as enfeitiçava e as fazia lhe seguir cegamente a seu quarto.

Furiosa por sua crédula estupidez, Katherine o fulminou com o olhar. Ele inclinou a cabeça com uma expressão de preocupação no rosto.

Demonstraria-lhe que não podia enrolá-la com seu poderoso carisma e seus sussurros sedutores. Que cruel enganá-la fazendo-a acreditar que se sentia atraído por ela!

—Kalila O que te passa?

Katherine foi por outro cubo de água. Arrojou o líquido refrescante diretamente à toalha. Ele balbuciou um pouco indignado e perjurou entre dentes.

—As suaves pétalas de minhas mãos são igualmente efetivas matando serpentes que lavando cabeças, respondeu ela atrevidamente.

A serpente deixou de mover-se. Ela foi buscar mais água, acrescentou umas gotas de limão e a derramou em cima de sua cabeça. Katherine tragou saliva ao ver os reflexos castanhos em seus cachos escuros.

Ramsés interrompeu seus pensamentos quando ele agarrou a toalha ensaboada e a entregou por cima do ombro.

—Importar-te-ia me lavar as costas?

Ela se enfrentava a um delicado dilema. Tinha-lhe lavado a cabeça porque suas feridas lhe dificultavam a tarefa. Aquela petição requeria um maior grau de intimidade. Só o pensamento de tocar sua pele nua a aterrava. Era suficientemente forte para resistir a suas palavras poéticas. Mas percorrer seus firmes músculos com as mãos…

Ele voltou a cabeça até ela. Dois olhos com a força do âmbar a olharam com uma pergunta flutuando nas profundidades de seus olhos. Ramsés apartou o olhar com um gesto de inflamado orgulho.

—Deixa-o correr, Kalila. Obrigado por me lavar a cabeça. É mais que suficiente. Posso cuidar de mim mesmo.

De novo, aquele maldito orgulho. Seu acanhamento se evaporou como a água. Ramsés odiava ter que solicitar ajuda. pedir-lhe ajuda para semelhante tarefa requeria um exercício de humildade. Ao menos para ele.

—Você sozinho não pode chegar à costas, sobre tudo com o ombro ainda sem curar. Katherine disse a si mesma que poderia vê-lo objetivamente como um paciente. Foi buscar água e começou a lhe esfregar as costas com cuidado.

—Kalila, pode esfregar com mais força. Sou um guerreiro. Poderei suportá-lo, brincou ele.

“Você pode, mas eu não estou segura de poder fazê-lo”. Seus cuidados objetivos se transformaram em fascinação logo que seus olhos posaram em sua pele bronzeada pelo sol. Katherine se mordeu o lábio inferior enquanto lhe esfregava as costas. Seus ombros perderam sua rigidez e ele deixou escapar um suspiro de satisfação. A cada novo movimento circular da toalha, sua mão ganhava atrevimento. O contorno de suas costas musculosas mostrava estranhos desenhos de enrugadas cicatrizes, algumas irregulares, outras formando uns restos cortes verticais. Assombrada, ela percorreu as cicatrizes com o dedo.

—Como fez estas marcas? São das batalhas?

—Todas, respondeu ele com arrogante segurança em si mesmo. Uma chama de calor percorreu seu torso inferior. Seu corpo se vangloriava da honra de um guerreiro. Suas amplas costas se esticavam com força enquanto seus dedos trêmulos exploravam suas curvas. Ela imaginou aqueles músculos poderosos em movimento quando Ramsés atacava com sua espada a seus inimigos.

Ao lhe enxaguar o sabão das costas, Katherine reparou em uma cicatriz com os bordos irregulares. Intrigada, esfregou-a. Com uma textura enrugada, parecida com a de sua cicatriz, parecia a mordida de um animal. Acaso teria lutado contra uma besta feroz? Seria também a marca de um tigre? O perguntou ao Ramsés.

Ramsés inclinou a cabeça para trás e pôs-se a rir.

—Trata-se da pior de minhas feridas! A batalha mais feroz de todas, em que lutei!

—E que batalha foi? Ela se aproximou dele, ansiosa por ouvir sua narração de valor e força viril.

—Quando tinha oito anos e briguei com minha irmã. Mordeu-me.

Katherine se se pôs a rir.

—Miúdo guerreiro devia estar feito… para levar a marca de seus dentes. Leva-a orgulhoso…

—Assim é, disse ele, voltando a cabeça para lhe sorrir.

O encanto infantil de seu sorriso contrastava fortemente com a solidez de seu corpo de guerreiro. Seu sorriso adotou um ar mais perigo e cativado. Sedutoras espirais dançavam em seus olhos ambarinos. Suas largas pestanas de ébano piscaram uma vez e a seguir, seu olhar dourado a apanhou com uma intensidade tal que lhe caiu a toalha ao chão.

Com um só olhar, lhe ofereceu um convite. “Se aproxime”, parecia lhe dizer, hipnotizando-a, como se Ramsés fosse um bruxo que envolvia seu corpo com um feitiço de seu encanto magnético. Aturdida, Katherine recordou o poder de seu beijo, a forte capacidade de atração de seus lábios. Um calafrio de sobrenatural desejo percorreu suas costas. Sentia-se atraída pela definida firmeza de sua beleza masculina. Katherine se aproximou dele, muito mais do que tinha feito tempo atrás, quando outra beleza a seduziu com uma intenção mortal. Seu cativante encanto felino a atraía à jaula, só para arranhar seu rosto com suas garras afiadas.

Levando a mão ao véu, recordou sua cicatriz. A marca do tigre. Jamais uma besta ou homem exerceria sua magia nela Acaso não tinha aprendido o suficiente com as garras do tigre? Acaso não tinha estado a ponto de ser mordida por uma cobra? Ela forçou uma fria escuridão em seus olhos.

—Se seque e ponha a roupa. Irei buscar minha escova para te desenredar o cabelo. Acredito que tem forças suficientes para se vestir sozinho.

A suavidade abandonou seu rosto e foi substituída por um olhar de receio, como se Ramsés se convertesse em uma fortaleza de impenetrável pedra. Se sua grosseria lhe tinha doído, não o podia perceber. Ao menos tinha desaparecido aquele sorriso sedutor.

Uns minutos mais tarde, lhe desenredou o cabelo com sua escova de prata. Ramsés fechou os olhos e entoou uma alegre canção sobre o deserto. Tinha uma voz untuosa que posava sobre sua pele como pura seda. Ela sentia que era uma parte tão inata nele como as cicatrizes que levava. Katherine começou a lhe acariciar o cabelo ao ritmo de suas palavras.

—Tem uma voz preciosa, Ramsés. Costuma cantar frequentemente? Perguntou-lhe quando terminou.

—Obrigado. Em minha tribo estamos acostumados cantar canções ao redor da fogueira pelas noites. Também é habitual cantar em longas viagens pelo deserto. Passa o tempo, faz com que passe mais rápido.

Os largos cachos que caíam por suas costas eram grossos como o cetim. Katherine passou seus dedos por eles. Deixando a escova no chão, examinou detalhadamente Ramsés enquanto se plantava em frente dele.

—Também é um costume de sua tribo não cortar o cabelo?

Ele franziu o cenho.

—Sim e não. Nossos guerreiros usam o cabelo comprido. O meu é… algo mais comprido que o de outros.

—Por que o deixa tão comprido?

Ele a olhou firmemente enquanto seus lábios se curvavam formando um sorriso misterioso.

—É um símbolo de virilidade masculina.

—Ah! levou as mãos a suas bochechas inflamadas.

Ramsés riu entre dentes e coçou a cabeça.

—Estou brincando, Kalila. Acredito que comecei uma competição com Jabari para ver quem crescia mais o cabelo. Ganhei eu.

—Quem é Jabari? Seu irmão?

Escureceu-lhe o rosto, como se umas nuvens impedissem o acesso da luz do sol. Por seu aspecto, parecia como se lhe tivesse perguntado por um íntimo segredo. Katherine se umedeceu os lábios e se recordou a si mesma a frágil relação que tinha com aquele homem. Ele não podia confiar nela. Apesar de ter salvado sua vida, via-a como o inimigo por ter roubado o papiro do mapa.

Seus olhos dourados inspecionaram as montanhas escarpadas que os rodeavam. O peito lhe inchava e desinflava como se estivesse tomando uma difícil decisão.

—Jabari me chama assim apesar de não sermos irmãos de sangue. Ele é meu melhor amigo, o xeique de nossa tribo. Eu sou o segundo ao mando e seu Guardião dos Séculos, e jurei protegê-lo e defendê-lo até a morte. Jabari é um guerreiro intrépido na batalha, como todos nossos guerreiros e um forte e sábio líder. Apesar de ser um homem compassivo e bondoso, como eu, não pena daqueles que se cruzam em seu caminho.

Katherine teve a sensação de que Ramsés não lhe dava aquela informação para responder a sua pergunta, e sim para adverti-la dos perigos aos que se enfrentava se levasse o que pertencia aos Khamsin. Era aquilo uma advertência para que deixasse de procurar a tumba? Se assim fosse, ela tinha que arriscar-se. Durante semanas tinha interrompido sua busca para cuidar das feridas de Ramsés. Tinha que recomeçar sua busca e logo… posto que o tempo se escorria como a areia em um relógio de areia. Katherine levantou a vista para ver se Ramsés a estava examinando.

—Estou segura de que todos seus guerreiros são muito valentes, respondeu ela, brincando com uma mecha de cabelo, aliviada de que o véu ocultasse a expressão em seu rosto. O que é um Guardião dos Séculos?

Seus olhos dourados brilharam com uma luz estranha e reverencial. Ele se ergueu e percebeu que seu ar de cautelosa reserva se convertia em orgulhosa dignidade. De novo, ela teve que recordar-se que não era um gato dócil, e sim um tigre feroz que lutava com todas suas forças.

—Os guardiões são guerreiros da antiguidade que ao alcançar a idade adulta juram o voto de defender a seus governantes. Nossa linhagem começa no Antigo o Egito quando o líder Khamsin faz chamar o melhor guerreiro da tribo para que seja sua mão direita. Fez com que todos seus guerreiros se batessem em duelo. Escolheu aquele que derrotou ao xeique Khamsin e após isso todos os primogênitos de minha família se tornaram guardiães.

Fascinada, Katherine ficou agachada a seus pés, como uma criança impaciente para ouvir um conto.

—O guerreiro mais feroz. Alguma vez lutaste contra Jabari para provar que podia lhe derrotar?

As comissuras de seus lábios se franziram maliciosamente. Ela se fez forte para não cair rendida em seu encanto.

—Não, algo assim o desonraria. Entretanto, bati-me em duelo com ele… e lhe deixei ganhar.

—É obvio, além de ser um feroz e valente guerreiro, é uma pessoa muito diplomática, sussurrou ela.

—Nestes momentos fica pouco do guerreiro, respondeu ele, fazendo girar o braço direito. O braço com o que manejo a espada não tem a força de antes.

Katherine ficou comovida com a expressão de angústia em seu rosto.

—Sua força voltará. E, além disso, conta com isto. Ela agarrou suas amplas mãos, sentindo seus fortes dedos calejados. E também conta com a arma mais poderosa: seu cérebro. É mais afiado que qualquer espada e te fará melhor serviço que ela. E seu espírito valente. Do que serve uma espada em mãos de um idiota?

—É muito sábia, disse-lhe em voz baixa. Ele baixou a vista e lhe agarrou as mãos. Seu coração começou a palpitar furioso quando ele começou a acariciá-la com pequenos movimentos circulares.

—Você tem suas próprias armas. São bastante letais e poderiam desarmar a um homem com um suspiro, independentemente das espadas, facas ou armas que usasse.

Suas armas começaram a tremer ante suas firmes carícias, traindo as intensas emoções que provocava seu tato. Katherine apartou as mãos. O mais provável era que o dissesse a todas as mulheres.

Era um homem formoso acostumado a seduzir às mulheres com carícias físicas e verbais.

Procurando uma distração, recolheu a jarra de alabastro e a cheirou. O delicioso aroma a mirra com que ela estava acostumada ungir seu cabelo assaltou seus sentidos. Agarrou um pouco e esfregou aquela grosa substância entre os dedos.

—O que é isto?

Ramsés ficou olhando-a.

—Natrón. Sal. Um conservante natural. Minha gente o utiliza há milênios. Mesclamos com azeite para manter a pele limpa e sã.

—Os homens também? Katherine soltou uma risada, imaginando um círculo de ferozes guerreiros passando-se aquela substância pegajosa e comentando seus maravilhosos efeitos.

Lançou-lhe um olhar de exasperação que interrompeu sua hilaridade.

—Sim, também os homens. Sobre tudo, os guerreiros. Utilizamos o natron para nos desencardir tanto física como mentalmente. Trata-se de uma tradição, transmitida durante gerações, para proteger nossa pele do sol. Utilizavam-no nas mumificações para deter a decomposição.

O sorriso desapareceu de seu rosto.

—Múmias? Orvalha-te com o sal que se utilizava para os cadáveres?

Ramsés franziu o cenho.

—Kalila, é egípcia. Tem que ter ouvido falar do natrón.

Ela esquivou apressadamente aquele comentário.

—Por que a purificação espiritual?

—Para desencardir-se a gente mesmo. Nossos antepassados acreditavam que alguém tinha que se banhar com regularidade porque um corpo sujo atraía aos espíritos malignos. Nossos sacerdotes Khamsin se lavavam várias vezes ao dia. Esta tradição se conservou embora diminuído a um banho diário.

—No deserto?

—Nossa tribo tem uma cova com uma fonte. Os membros de nossa tribo do sul são verdadeiros beduínos, e seus recursos de água são mais limitadas.

—Por que a purificação é tão importante para vocês? Perguntou ela.

—Os guerreiros Khamsin acreditam, como nossos antepassados que a pureza é sagrada. Eleva o ba, a alma das pessoas e se faz agradáveis ante Deus.

—A mesma razão pela qual se fazem abluções antes de orar. Mas esse é um costume muçulmano, não egípcio.

—Assim é. Como nossa gente. Os Khamsin sentem um grande respeito por nossos antepassados honoráveis e por muitas de nossas tradições. Mas só rendemos culto a um Deus verdadeiro, nosso criador. A purificação nos permite nos abrir a sua vontade.

—Assim não pulam nus rendendo culto a réplicas de alabastro de deuses egípcios?

—Pular nu é algo que estamos acostumados a fazer, mas unicamente na privacidade de nossas tendas quando adoramos à beleza do traseiro curvo de nossas esposas.

Piscou-lhe o olho maliciosamente e ela sentiu que lhe inflamavam as bochechas.

—Mas sua tatuagem… é o bastante.

Ramsés se tampou a tatuagem do braço esquerdo com a mão, como se quisesse ocultar a marca.

—Uma tradição transmitida por gerações de guardiães. É um ícone simbólico que sela a aceitação de meu voto.

—Que voto?

Ele fez rodar o natrón entre o polegar e o índice.

—Um voto privado que jurei, respondeu ele com o olhar perdido na segura negrume das montanhas, adquiriu uma atitude distante. Perguntou-se por que razão a menção do voto tinha causado nele semelhante confusão.

—Tenho que atender algumas tarefas, disse ela, sem olhá-lo nos olhos. Possivelmente deveria ficar aqui e fazer exercícios com o braço.

Ele estendeu o braço direito e deixou escapar um lento e felino bocejo. Ela o contemplou fascinada, o modo em que se sobressaíam seus músculos, deixando ao descoberto a rigidez de sua intensamente bronzeada pele.

—Possivelmente seria melhor que descansasse um pouco. O sol está muito alto a esta hora do dia. Os olhos dourados de Ramsés percorreram seu corpo lentamente. Dedicou-lhe um sedutor e diabólico sorriso e deu um tapinha à pedra. Importaria me acompanhar?

Katherine lançou um olhar à rocha e o homem se sentou em cima dela. Seu peito se encolheu à medida que seu desejo ardia em seu interior.

—Faz muito calor, sussurrou ela. Vou para dentro.

Levando a mão a sua lisa testa, protegeu seus olhos do sol.

—O calor é muito intenso. Acompanho-te.

Ela o olhou consternada enquanto saltava da rocha com grácil soltura e a acompanhava ao interior da cova. Uma vez em seu interior, Katherine começou a andar de um lado a outro com seu livro de receitas de ervas, voltando suas páginas. Ela sentiu o quente fôlego de Ramsés em suas bochechas, que se inclinou por cima de seu ombro, examinando com verdadeiro interesse suas notas.

—O que é isto?

—Meu livro de receitas de ervas. Anoto todas as palavras de meu xamã, é uma afeição.

—Receitas úteis. Sua voz tinha um deixe de respeito, que ele fez mais grave para lhe dar um ar sedutor. Não obstante, tenho uma receita muito especial para fazer algo muito mais prazeroso.

Ramsés pressionou seu rígido corpo contra seu traseiro, Katherine se inclinou para diante até golpear a mesa. Uma jarra de vidro se agitou pelo impacto. Ela alargou a mão para evitar que caísse, mas lhe escorregou das mãos e se estrelou contra o chão. Katherine se ajoelhou e começou a recolher os fragmentos pulverizados pelo chão como seus nervos. Ramsés ficou agachado a seu lado, selecionando os fragmentos maiores.

—Tome cuidado, não vás se cortar de novo, advertiu-lhe ele.

Nos limites da cova, ela se sentia presa, como em uma jaula com um enorme predador. Os fortes músculos de suas coxas lhe roçavam enquanto recolhia os cristais quebrados. Cravou-lhe um vidro na mão. A dor se estendeu por sua mão. Ela deu um grito, soltou o vidro e se sujeitou a mão.

—Me deixe ver, ordenou-lhe ele.

—Não, não o faça, protestou ela quando tomou a mão e lhe abriu os dedos um por um. Uma gota minúscula de sangue cobria sua pele. Quando seus lábios se abateram sobre a ferida, ela apartou a mão. Katherine ficou em pé, foi procurar uma vassoura e varreu os vidros para uma esquina, levantando uma nuvem de pó no rosto de Ramsés. Ele ficou em pé, arqueando as sobrancelhas ante a fúria com a que varria.

—Sempre limpa com essa energia?

Sua confusão aumentou quando Ramsés lhe agarrou a mão, retirando brandamente a vassoura que sujeitava com as mãos suadas. Ele a apoiou na mesa. Seu corpo emanava calor ao se aproximar dela. Katherine se fez a um lado, quis afastar-se e tropeçou com a vassoura. Ramsés a agarrou pela cintura. A gravidade ou as circunstâncias os fizeram cair sobre o chão atapetado. Ramsés caiu em cima dela com tanta suavidade que ela chegou a pensar que o tinha feito a propósito.

Seu amplo peito pressionava o torso de Katherine. Ramsés lhe dedicou um sorriso malicioso. Ela tentou liberar-se, mas o peso de seus músculos a tinham imobilizado.

—Encontramo-nos em uma interessante situação. Sua voz rouca acariciou sua sensível pele como seda. Katherine se retorcia, mas Ramsés se negava a ceder terreno. Seus olhos ambarinos adquiriram um olhar escuro e penetrante.

De repente ele se deu uma volta e se sentou, levando-lhe consigo e sentando-a sobre suas coxas abertas.

—Está muito tensa, repreendeu-lhe ele. Ajudar-te-ei a te relaxar.

Suas fortes mãos começaram a massagear habilmente seus rígidos ombros, irradiando calor a sua pele através da fina seda de sua camisa, como se o sol dançasse sobre ela. Ramsés deslizou a camisa de um ombro e fechou seus quentes dedos em sua clavícula. Ela deu um grito afogado de assombro quando suas mãos se deslizaram em seus peitos e começaram a acariciá-los.

Katherine sentia a cabeça dando voltas e lutava para recuperar o fôlego. Suas lentas e suaves carícias turvavam seu sentido comum. Fechou os olhos e se entregou à magia sensual de suas mãos.

—Sabe o muito que me provoca, pequena flor de lótus? Sua pele é mais suave que as pétalas das flores, seu corpo está feito para amar Como apareceu em minha vida? É mais preciosa que o ouro dos faraós. Que estranho intuito te trouxe até o deserto profundo, me enlouquecendo com sua doce inocência? Ele lançou seu quente fôlego no pescoço.

—Eu não queria vir aqui, disse ela entre ofegos, justo quando sua mão se encontrou com um mamilo. Ramsés a incitou até limites insuspeitados. O calor a alagou, convocando-se entre suas pernas. Nenhum homem a tinha feito se sentir assim. Ele era Atem, o deus do Sol, enchendo a escuridão de sua vida com o sol dourado que dissipava as sombras solitárias e os rechaços dos outros homens.

—Mas agora está aqui. Por que veio? Para me arrebatar o coração e capturá-lo do mesmo modo que fez com o mapa? Sussurrou ele, acariciando seus seios. A aspereza de suas mãos calejadas de guerreiro inflamava sua pele com cada carícia.

—Jamais quis roubar o mapa. Eu tinha que… a mina… se não encontrar o ouro que ele…

—Quem? Perguntou-lhe ele docemente

Katherine girou a cabeça e se encontrou com duas órbitas de frio aço que a contemplavam. Não era olhos dourados cheios de paixão, mas sim de intenção. De repente, a consciência golpeou em seu cérebro diminuído pela paixão. Ela apartou suas mãos.

—Ali Baba e seus quarenta ladrões É essa a resposta que anda procurando? Já pode deixar de me seduzir. Não conseguirá mais respostas!

Katherine se retorceu, caindo de costas. Ele a apanhou com o peso de seu corpo em questão de minutos. Ramsés lhe sujeitou os pulsos em cada lado de sua cabeça. Ela tinha descoberto seu estratagema, e a julgar pela ira que endurecia suas feições, não tinha gostado de nada. Um ritmo galopante substituiu a cadência habitual de seu coração. Rodeando suas pernas com as suas, Ramsés as estendeu. Jogo de poder. Ele queria lhe demonstrar sua força superior e lhe demonstrar que podia fazer o que lhe agradasse. Katherine se sentia tão indefesa como as lebres que caçava com o arco.

—Ramsés, me solte. Agora, ordenou-lhe com voz trêmula.

Ele rodou sobre si mesmo e permaneceu a seu lado, aquela maldita expressão de receio substituiu à ternura que ela tinha vislumbrado antes. Katherine reconheceu o olhar de predador que Osíris estava acostumado a ter quando avistava um camundongo que queria capturar. Se Ramsés tivesse uma larga cauda, sacudiria contra o chão enquanto considerava o melhor modo de equilibrar-se sobre ela e vencer.

De repente lhe embargou uma amarga pena. Burrells a tinha ameaçado matando Osíris e a seu pai também. Ela não era um camundongo. Sentiu que a ira se apoderava de seu corpo com a mesma intensidade com que o calor sensual tinha feito minutos atrás. Katherine sacudiu a cabeça para recuperar o sentido comum. Não mais palavras enganadoras ou sorrisos sedutores. Aquele homem era mais perigos que a serpente que tinha estado a ponto de mordê-la. Outro deslize e seu pai morreria. Ela olhou a seu redor, como se Burrells tivesse espiões rondando a cova.

—Se afaste de mim, Ramsés. Eu não sou uma dessas mulheres que pode utilizar e não conseguirá me surrupiar informação deste modo!

Katherine ficou em pé e abandonou a cova furiosa. Fora, deu várias baforadas de ar.

Ramsés só queria lhe surrupiar informação. Por que outra razão ia querer seduzi-la? Com suas feições imperfeitas, não tinha nada que oferecer. Não, ele pronunciava aquelas palavras poéticas e as convertia em gelatina para conseguir o que queria.

Que inteligente. Ele não sentia nada por ela. Suas velhas inseguranças saíram à superfície. Ramsés utilizou sua vulnerabilidade a seu encanto como arma, como se sujeitasse sua cimitarra no pescoço. Katherine quase preferia o fio afiado de sua espada, posto que seria menos doloroso que a agonia que lhe partia o coração.

Ela tinha que pôr distância entre eles. Com suas feridas. Ramsés tinha estado a ponto de distrair a de seu encargo. Mas não o conseguiria com o sensual tato de suas ardentes carícias.

Pela primeira vez, ele tinha fracassado em um simples ato de sedução. Ramsés estudou suas ações. Aquela mulher o desconcertava por completo. Sua inteligência demonstrava que não poderia ganhá-la com os métodos habituais. Um sorriso encantador por aqui, umas quantas palavras aduladoras e as mulheres se rendiam. Mas não Kalila. Ele admirava seu receio ao tempo que o amaldiçoava. A necessidade insatisfeita de seu corpo lhe fervia. De novo, ele tinha introduzido a leva na jaula, ameaçando liberando à besta de seu desejo.

Naquela ocasião, tinha escapado por pouco. A ira de fracassar e não conseguir as respostas de Kalila se rendeu ante a ira de seu desejo insatisfeito. Não mais intentos. Não podia arriscar-se, aquela tortura de aproximar-se de seu suave corpo, saborear a doçura de seus peitos em suas mãos…

Os mesmos dedos inflamados que tinham acariciado seu corpo tocavam a ferida de seu ombro. Cada dia se curava melhor seu corpo, mas empurrava seu coração mais perto de um perigoso precipício. Tinha que encontrar a mina sem Kalila perto.

Ramsés ficou em pé de um salto, recordando a medicação que lhe dava sono. Os Khamsin cultivavam muitas ervas, e as utilizavam tanto para a medicina como condimento. Sua mãe utilizava uma erva para tratar a dor. Tinha um sedativo. Raiz de valeriana. Tinha que haver alguma na cova. Ramsés acendeu a vela e rebuscou entre um montão de caixas cada erva.

Abriu a caixa etiquetada com “raiz de valeriana”, cheirou-a e seu forte aroma lhe fez retroceder. Um pingo no chá que Kalila estava acostumada beber e sumiria no sono como um bebê. Saiu ao exterior disposto a pronunciar uma encantadora desculpa e preparar uma xícara de chá.

—Me perdoe, Kalila. Perdi os estribos me esqueci de sua doce inocência. Por favor, aceite minhas desculpas.

Aquelas palavras, sussurradas com uma íntima cadência, criaram um novo calor que alagou seu corpo. Ela voltou a cabeça, recordando o modo em que a utilizava em seus interesses. Umas linhas de desconfiança apareceram quando Katherine o olhou com receio. Umas sobras se ocultavam sob seus olhos. Seu olhar cauteloso tinha desaparecido, tinha sido substituída por uma expressão iracunda.

Contudo, teria que fazê-lo melhor. Voltou-lhe as costas, lhe dizendo com isso o que pensava de sua desculpa.

Katherine se esticou o corpo quando ele se sentou a seu lado. Ramsés enrolou uma mecha do cabelo dela em um dedo e puxou brandamente.

—Não foi uma interrogação tão terrível, verdade?

—Oh, pelo amor de Deus, espetou ela. Acaso não fica nada de decência? É assim como faz com seus inimigos?

Sua mão capturou seu queixo e a dirigiu para ele, obrigando-a a encontrar-se com seus olhos ambarinos. O polegar de Ramsés acariciou sedutoramente seus nódulos. Katherine conteve um calafrio de prazer e apertou a mandíbula com obstinada determinação.

—Os guerreiros Khamsin têm outros meios para lutar com seus inimigos. Os ferros quentes são muito mais efetivos. Mas eles têm a pele tão dura e áspera como a de um camelo. Nada a ver com a sua.

O ferro quente seria menos mortal que o inferno de seu tato.

Ela ocultou a língua atrás de seus dentes.

Ramsés lhe deu um golpezinho no nariz e sorriu.

—Fazemos as pazes, então? Fiz um chá para compensar meu mau comportamento.

Seu lábio inferior se curvou para cima. Ramsés parecia tão arrependido como um menino depois de confessar ter roubado uns doces. Ele sabia que ela tinha descoberto seus métodos de sedução. Que dano lhe podia fazer uma simples xícara de chá?

Pouco depois, ele percebeu que lhe fechavam os olhos. Afastou a xícara e levantou Kalila nos braços sem dificuldade. Era tão ligeira como o ar. Tombando-a na cama, tirou-lhe as sandálias. Sentado na borda da cama, acariciou-lhe a frente. Impaciente, de um puxão, tirou-lhe o véu que ocultava seu rosto. Kalila se relaxou na inocência do sono. Ramsés sorriu. Gostava de vê-la assim, relaxada e despojada de todas suas defesas, tão vulnerável como uma menina. O desejo se apoderou dele quando acariciou com seu dedo a curva de sua boca. Muito melhor que o ouro, aí jazia um tesouro digno do mais rico faraó. Uma suculenta tentação tendida na cama como um fruto estranho, sua para sua prova mais terna. Ramsés lutou contra o desejo, conseguindo manter sua besta na jaula. Atou-lhe o véu, plantou-lhe um beijo na frente, recolheu suas coisas e partiu.

 

Cobrindo seu rosto com um véu, Ramsés cavalgou nos lombos de seu camelo deixando atrás as ruínas de uma fortaleza romana. As rochas impassíveis, sentinelas do passado, contemplavam-no em indiferente silêncio enquanto ele reconhecia a área. Kalila e os homens tinham procurado uma entrada escavada nas montanhas. Se os chacais que a acompanhavam tivessem algum conhecimento do Antigo Egito, saberiam que seus antepassados escavavam túneis debaixo das montanhas. As galerias verticais ou diagonais, escavadas profundamente no subsolo, preferiam-se antes que os túneis horizontais nas duras montanhas de granito.

Os cascos de seu camelo perturbavam a calma da areia rochosa enquanto ele se introduzia nas profundidades do deserto. Pouco depois, desembarcou do camelo perto de uma rocha disposta em forma piramidal. Ramsés examinou cada uma das pedras e advertiu um diminuto e débil hieróglifo em uma delas. O Udjat, similar à tatuagem de seu braço esquerdo. Um regozijo infantil se apoderou dele. Com o que apreciava à esposa do xeique, jamais tinha entendido a paixão de Elizabeth por desenterrar ruínas antigas. Ramsés se sentia agradecido à equipe arqueológica de Amarna, que tinha levado Elizabeth ao mundo do Jabari, mas desprezava a razão pela qual o tinham feito. Os ossos antigos e as antigas lembranças deviam permanecer enterrados na areia. Ele estava de acordo com o amor de Elizabeth por desentranhar o passado. Um mistério tão antigo como sua mesma linhagem permanecia aí, esperando ser resolvido.

Um grupo de arbusto chamou sua atenção. Pisando com cautela, ficou agachado e viu uma pilha de rochas. Embargou-lhe uma grande emoção quando, entre a areia, viu uma sombra que se abria no chão. A mina de ouro. Começou a apartar as rochas, contente de voltar a fazer trabalhar seus músculos atrofiados.

Uma vez afastadas as pedras, baixou a vista para olhar o túnel. Uma abertura quase vertical se abria na terra poeirenta. Os restos de um antigo muro de pedra reforçavam a entrada. Não havia nenhuma escada. Seus antepassados desciam seus homens, as ferramentas e as cestas por uma corda. Ramsés foi procurar uma pedra e provisões que tinha no camelo. Atando um extremo da corda a uma rocha próxima, deixou-a cair nas profundidades da mina. A seguir tirou o véu, pegou com uma tocha, jogou-se o saco ao ombro esquerdo e sujeitou a corda. Armando-se de valor para entrar na escuridão, controlou sua respiração enquanto descia lentamente pela corda. As paredes se fecharam a seu redor, roçando as pontas ansiosas e dentadas seu binish. Línguas de escuridão lambiam seu corpo. Ramsés tomou uma baforada daquele ar viciado enquanto seus pés trêmulos tomavam contato com o chão sólido. Os raios de sol se refletiam em seus tornozelos. O pó de rocha milenário flutuava preguiçosamente nos raios. Ele levantou a vista sentindo a nostalgia do calor e logo dirigiu o olhar à fria escuridão que se estendia a seu redor. Voltou a tomar ar e se sentiu suficientemente seguro para acender a tocha sem perder a calma.

Uma fumaça acre assaltou seus sentidos, atenuando o aroma rançoso de seu próprio terror. As covas e os espaços escuros e pequenos lhe tinham torturado desde que era menino. A meditação lhe tinha ajudado a controlar seu temor, relegando-o a um pequeno canto de sua cabeça. Fechou os olhos fortemente, respirando fundo, dissipando seus temores com imagens do sol.

Mais calmo, introduziu-se naquela quietude de ébano. Ramsés avançava por pedras tão antigas como o mesmo tempo, os calcanhares de suas botas as esmagava como se fossem cascas secas de escaravelhos. As sombras dançavam na superfície da rocha ao mesmo tempo em que sua tocha acariciava a negrume. Os spots de metal na parede recordavam fantasmagoricamente que aquela tinha sido uma mina de trabalho. Chegou a uma bifurcação. Recordando as sinalizações do corredor correto, estudou as paredes, advertindo uma pequena marca grafite na parede do túnel direito.

As paredes se estreitavam à medida que ele se introduzia no corredor. Ramsés engolia saliva convulsivamente. Deixou que o medo se apoderasse dele e o envolvesse como o frio úmido que lhe impregnava os ossos. O estreito teto do túnel desceu até que a passagem e se estreitou em um ponto e logo se deteve.

Agitando a cabeça, Ramsés depositou a tocha em um spot da parede e tirou duas tochas de sua mala. Acendeu-as e as colocou em outros spots da parede. Tirou um pico de sua bolsa e passou os dedos sobre a rocha, procurando pistas.

Sedação e sedução. Tinha sido vítima de ambos e agora a ira sacudia por completo a sonolência.

O rastro do camelo do Ramsés se sobressaía na areia como bandeiras vermelhas. Katherine estalou a língua a seu dromedário enquanto guiava aquela besta teimosa pelas montanhas e as pedras. Com uma mão sujeitava sua dolorida cabeça. Antes de poder reconhecer o leve e desagradável aroma da valeriana no chá, tinha tomado um bom gole. Invadiu-lhe um sono profundo que não durou muito, posto que Ramsés não tinha administrado a dose suficiente.

Avistou o camelo de Ramsés entre as montanhas da arenosa planície, Katherine obrigou seu camelo a cavalgar rapidamente tendido, algo que fez que seu coração pulsasse com mais força. Ela se deteve, obrigando seu camelo a ajoelhar-se, e desembarcou da rígida cadeira de madeira. O olhar de Katherine seguiu a corda que se deslizava no interior de um tenebroso e escuro buraco, apenas o suficientemente largo para que pudesse passar por ele uma pessoa. Passou-se a língua seca pelos lábios ainda mais secos. Revolveu em sua bolsa em busca de uma vela, acendeu-a e lançou um olhar no buraco.

A intriga a carcomia como uma criança curiosa. O que havia além daquela profundidade? Tinha que sabê-lo. Por lançar uma pequena olhada não passaria nada, pensou Katherine. sujeitou-se à corda e se dispôs a penetrar nas trevas.

Um pequeno desprendimento de pedras, não mais ruidoso que grãos de areia, deixou-o paralisado. Ramsés sabia que se a sólida rocha poderia refletir a expressão de seu rosto, mostraria suas fossas nasais infladas, a mandíbula apertada e o corpo rígido como a pedra. Alguém se aproximava. Ramsés pegou a espada. Lutar naquele espaço reduzido poria a prova suas oxidadas habilidades, além de forçar seu ombro. Mas não tinha nenhuma outra opção apagou as tochas e esperou na escuridão. Um suor frio empapava sua frente. Um ruído ressonava em seus ouvidos e ele se deu conta com assombro de que o que rompia o silêncio seriam os batimentos do coração de seu coração.

Um fino brilho de luz apareceu na esquina. Ramsés adotou a postura do guerreiro. Farejou e não pôde distinguir nada mais que o ranço, a fumaça acre e a fria e úmida escuridão da cova. A luz se deteve, voltou-se e retrocedeu em seu caminho. Ramsés tomou ar e entrou em ação. Nenhum grito de guerra, nenhum rastro velado, só sigilo e silêncio enquanto se lançava a grande velocidade e se equilibrava sobre a silhueta que dava forma a luz da vela. logo que lhe agarrou a cintura com uma mão e situava sua cimitarra contra seu pescoço com a outra, soube. Inclusive antes de advertir o exótico perfume a mirra e seu pânico, soube. Kalila. A tensão se dissipou, sendo substituída pela ira. Ramsés a saltou, arrebatou-lhe a vela e acendeu as tochas. A seguir puxou Kalila e a sujeitou contra seu peito, soltando um grunhido de alívio, ira e frustração.

—Seus intentos de me aplacar acrescentando ervas no chá deixam muito a desejar, pôde dizer ela. Reconheci como resultado de valeriana com apenas prová-lo. Se não queria que te seguisse, por que não se limitou a me dizer isso Não era necessário que me sedasse.

Ela tentou soltar-se, mas ele a mantinha imobilizada contra seu peito. Ramsés a sujeitava como se fosse algo menos sólido que o jornal matutino do Cairo. Katherine se retorcia, lutava e lhe dava chutes em à tíbia.

—Fique quieta, disse-lhe ele com toda tranquilidade, como se não fizesse mais que lhe fazer cócegas.

Ela tentou lhe apontar o pé, mas justo quando seu calcanhar descia, ele conseguiu desviá-lo e este se golpeou contra uma rocha. Katherine conteve um chiado quando sua planta se golpeou contra a dura pedra.

—Vai machucar, disse Ramsés sem alterar-se. Conheço todas suas artimanhas, Kalila. Não vão funcionar.

—Possivelmente é o momento de provar novas, brincou ela.

—Isto é propriedade de minha tribo. Tal como te disse, não tolero que outros me arrebatem o que é meu ou o que pertence a minha gente. Está aqui para voltar a roubar, princesa?

O forte braço que a aprisionava era tão implacável como as paredes da mina. Ante semelhante ameaça, Katherine teve que sobrepor-se ao pânico.

—Vim a ver o que estava fazendo. A pura verdade, pensou ela. Katherine tragou saliva, consciente de que seu coração pulsava três vezes mais rápido de sua cadência habitual. Ela não pertencia aquela cova da antiguidade em que seus antepassados tinham extraído os minerais de suas vísceras com seu suor.

A luz da tocha refletiu o matiz dourado de seus olhos, fazendo-os brilhar como o metal que ambos procuravam. Ramsés lhe deu a volta.

—Ramsés, deixa de me tratar como uma prisioneira. Não tem nenhum direito.

—Ah, não? E o que te dá o direito de entrar em minha propriedade? Sabe o que os Guardiões Khamsin fazem com os intrusos? Katherine ficou sem respiração quando ele sujeitou seus ombros com mais força. Os olhos de Ramsés brilhavam com intenção mortal. O frio úmido da mina impregnou em seus ossos, enquanto que o medo oprimia seu coração. Ele a encurralou contra uma parede sem saída.

Sem esperar uma resposta, ela apoiou o pé na rocha para ter impulso e lhe deu um empurrão. Seu pé escorregou na parede de rocha, desprendendo umas pedras.

O medo se converteu em perplexidade. Uma parede de terra não podia ser tão maleável. A pressão sobre seus ombros cessou e Ramsés a saltou. A expressão de ameaça de Ramsés se converteu em angústia. Ela o contemplou com os olhos abertos enquanto ele baixava a vista ao chão.

—O que foi isto? Perguntou ela. Ele não respondeu, mas se ajoelhou para examinar a parede.

Katherine advertiu um pico no chão. Recolhendo-o, golpeou com força a rocha. A rocha se esmiuçou e caiu no chão. Ela deu um grito afogado ao ver o que o pico tinha deixado ao descoberto, uma parede artificial.

Eles se olharam à luz da tocha. A excitação se apoderou dela.

—Atrás deste muro há algo, sussurrou ela.

Um músculo apareceu na mandíbula apertada de Ramsés.

—Possivelmente

Ela ficou arrepiada. A câmara funerária secreta. Que melhor lugar para ocultar um tesouro que atrás de uma parede falsa em uma velha mina? As tumbas sempre eram saqueadas, por muito inteligentemente que estivessem ocultas. A julgar pelo olhar angustiado de Ramsés, ele também sabia. E odiava que ela também tivesse deduzido.

—Kalila. Será melhor que parta agora.

—Não até que não tenha descoberto o que há atrás desta parede. Não pode me sedar nem me tirar arrastando deste lugar. Pode me ajudar ou ficar parado e observar.

—Se não partir agora, lamentará as consequências.

—Se for agora, lamentarei muito mais que algo que me possa fazer, respondeu ela energicamente. A mão de Ramsés se posou em seu ombro. Katherine se soltou e ficou em pé, examinando uma greta oculta na rocha que indicava a existência da abertura de uma porta. Ela advertiu uma marca diminuta que parecia um olho com uma pestana larga e curvada. Katherine localizou uma fenda que parecia um fecho.

—Acredito que encontrei algo aqui! Passou o fecho. A porta se abriu. Uma vez que abriu por completo, ela se dispôs a entrar.

Ele alargou a mão e lhe sujeitou o braço.

—A tumba está maldita. Aqueles que entrem nela para procurar seus tesouros morrerão. A voz profunda de Ramsés retumbou de maneira inquietante nos ocos da cova, lhe recordando a advertência da menina mendiga no Cairo.

Katherine tragou saliva, contemplando as sombras que a luz da tocha projetava na parede. Seu lado supersticioso egípcio lhe impedia de pôr o pé dentro. Mas até que não conseguisse uma prova do ouro que Burrells queria, seu pai permaneceria na prisão. Pensou no modo em que Burrells tinha estado a ponto de matar Osíris e conteve um soluço.

—Há coisas muito piores que as maldições antigas, sussurrou Katherine.

—Espera!

Ignorando sua advertência, Katherine cruzou a porta. Uma vez dentro, a terra começou a derrubar-se debaixo de seu pé direito. Deixando cair a tocha, gritou, presa pelo pânico, enquanto o chão se vinha abaixo sob seus pés. A tocha lhe escorregou das mãos ao mesmo tempo e de repente, dois braços a sujeitaram pela cintura. Ramsés a puxou com tanta força que ambos caíram para trás.

O coração lhe palpitava furiosamente. Tomou ar. Katherine se separou dele e olhou nos olhos de seu salvador. Seu rosto bronzeado estava insolitamente pálido.

—Disse que esperasse, repreendeu-a com delicadeza.

—Acreditava que era porque queria me ocultar o que havia em seu interior. Não pensei que fosse uma armadilha.

—Nossos antepassados utilizavam armadilhas para capturar os ambiciosos ladrões que tentavam saquear suas riquezas.

Ramsés tremia ligeiramente a voz enquanto contemplava o buraco escuro que tinha estado a ponto de lhe tirar a vida. Ajoelhando-se, ambos apareceram a borda do poço a escuridão se tragou a tocha. Ramsés deixou cair uma pedra em suas escuras e sinistras profundidades de ébano. Katherine escutou e se dispôs a contar. Deixou de contar depois de chega a cem.

—Poderia ter sido eu, disse ela, enquanto um calafrio de terror lhe percorria as costas. Se não me tivesse pegado…

—Mas o fiz. Sempre te agarrarei, Kalila.

O tom de segurança em sua voz a tranquilizou.

Ela lançou um olhar às escuras profundidades da tumba enquanto se levantavam.

—Há algum modo de acessar a tumba sem nos encontrarmos com mais armadilhas?

Seus lábios deixaram escapar um forte bufo.

—Não. Fique aqui. A brutalidade de seu tom indicava que não admitiria um não como resposta.

Mas havia muito em jogo para obedecê-lo. Katherine agarrou outra tocha e esquivou o buraco. Uma mão apareceu de um nada, lhe sujeitando o braço.

—Mulher teimosa, grunhiu ele. Não posso te deixar entrar.

—Vou fazê-lo.

—A risco de sua própria vida?

Ramsés a fez passar para um lado e lhe arrebatou a tocha. Tirou sua cimitarra. Depois de transbordar o buraco, Ramsés brandiu a espada no ar.

—Nossos antepassados utilizavam muitas armadilhas para guardas suas câmaras. O buraco oculto era um deles. Outra de suas favoritas é a porta que se fecha atrás do intruso, deixando-o preso dentro. E também está a famosa armadilha de lançar…

Uma terrifica rajada de ar o interrompeu. Ela o olhou estupefata, enquanto ele se jogava no chão com uma facilidade pasmosa.

—…flechas, terminou ele, ficando em pé. Ramsés examinou as linguetas que tinham ricocheteado contra a parede, esquivando seu corpo pelos cabelos.

—Entra você primeiro, propôs Katherine com a voz trêmula.

Ela se pegou atrás de Ramsés enquanto ele inspecionava a estadia. Cobrindo o buraco com uma laje, colocou uma tocha em um spot da parede. Os olhos curiosos de Katherine percorreram a cova.

—Meu deus, disse ela com voz rouca.

A escuridão se mesclou com uma luz dourada e brilhante. A luz da tocha pôs ao descoberto reflexos tão brilhantes como a luz do sol em um mar cristalino. Mas nenhum mar se estendia ante seus olhos. Só ouro.

Suas mãos começaram a tremer enquanto tentava contar as estátuas, jóias e pratos que se empilhavam ao redor de um enorme sarcófago de pedra retangular. Os rasgos esculpidos de um gatinho de ouro, sentado com porte majestoso no féretro, transmitiam-lhe superioridade. Katherine acariciou com o dedo um escaravelho de ouro com incrustações de lápis azul. Foster Burrells seria capaz de abrir com tiros entre um exército de guerreiros só para conseguir pôr suas mãos avaras em uma estátua. Um calafrio lhe percorreu as costas. Ela não era perita em metalurgia, mas supunha que a câmara oculta continha ao menos um milhão de libras em ouro.

Ramsés se aproximou do sarcófago, prostrando-se ante ele. Apontou com a cimitarra ao chão e apoiou as mãos em seu punho. Inclinou a cabeça e começou a recitar palavras ritualistas pronunciadas no que parecia antigo egípcio. Ela se voltou para trás, sem querer intrometer-se naquele ritual sagrado e íntimo. Teria que demonstrar ela também seu respeito de algum modo? Katherine não queria lhe ofender, nem a ele nem aos espíritos que pudessem habitar no lugar. ajoelhou-se com grande sigilo.

Ramsés terminou suas orações, ficou em pé e embainhou a espada. Voltou a cabeça e se encontrou com Kalila ajoelhada, com a cabeça inclinada e o rosto oculto depois de uma espessa cortina de cachos de seda. Semelhante demonstração de respeito lhe avivou. Estava seguro de que uma mulher que mostrava semelhante reverencia ante a antiguidade não podia ser uma ladra de tumbas. Não, ela só era a peça de um jogo maléfico. Aquele pensamento despertou seu instinto protetor ao mesmo tempo em que seu receio natural. Ela tinha encontrado a tumba. Aquela informação destruiria o lugar de descanso sagrado. Se fosse um homem, sua cimitarra teria terminado com sua vida com implacável precisão. A honra permanecia em sua espada. Ao alcançar a idade adulta, Ramsés tinha jurado proteger às mulheres. Não ficava tinha alternativa que fazê-la prisioneira, voltar com sua gente e deixar que Jabari e o conselho decidissem seu destino. Assustariam Kalila e a convenceriam de que sua pequena e franzida boca mantivesse o segredo. Mas não lhe fariam mal. A mão de Ramsés descansava no punho de sua cimitarra.

A Katherine lhe nublou a vista ante a resplandecente exibição de riquezas que se desdobrava ante eles.

—Ouro. A pele dos deuses, disse ela com voz rouca, ficando em pé.

Ramsés permaneceu imóvel, contemplando-a. Ela se voltou para trás ao perceber os olhos entreabertos de Ramsés, sua boca franzida.

Ela tinha descoberto o segredo de sua tribo. Só ela, além de Ramsés, conhecia a localização exata da tumba. Katherine começou a retroceder, sentindo que o medo se estendia nela em forma de pequenas ondas. Tinha ouvido falar do modo em que os Khamsin tratavam a seus inimigos e da devastação que tinha tido o lugar na escavação de Amarna, em que não tinha ficado rastro algum do sangue de seus oponentes, Al-Hajid, tão somente pergunta a respeito dos homens desaparecidos.

Outra pergunta lhe rondava a cabeça: Deixá-la-ia sair dali com vida? A resposta era muito horrível para contemplá-la. Katherine se afastou de Ramsés, o homem que tinha reduzido a seus assaltantes, que tinha evitado que caísse naquele buraco. O medo provocou um enorme nó em seu estômago. Ela retrocedeu até dar-se contra uma parede. Sua mão suada se encontrou com uma pequena protuberância. Katherine a deixou escapar imediatamente. A porta da estadia começou a fechar com um assobio estremecido. Seus lábios deixaram escapar um grito de terror e pôs-se a correr freneticamente. Duas firmes mãos a sujeitaram pela cintura. Katherine lutou para liberar-se.

—Não, Kalila.

Ela se retorcia, desesperada, até que a porta se fechou com um sinistro rangido. O pânico se estendeu por suas veias.

—Estamos presos!

—Sim e não. Esquece-se de algo. Kalila.

—O que? Devia estar de brincadeira, porque nem sequer a imensa força era suficiente para mover aquela impenetrável lápide de pedra.

—Esta é a tumba de meus antepassados. Os Guardiões Khamsin têm conhecimentos, herdados geração atrás geração da existência de saídas secretas cavadas nas tumbas que nós mesmos construímos. Observe.

Aproximou-se do enorme sarcófago e se ajoelhou com reverência, cruzando os braços em seu peito e inclinando a cabeça. Ramsés pressionou um hieróglifo inscrito na parede ao lado do féretro, abrindo uma porta pequena. Começou a cair areia, formando um atoleiro no chão com um som sibilante.

—Quando a areia se esgotar, a porta se abrirá.

Aquilo não era exatamente o que ela queria.

—Quando?

—Em meia hora, acredito. O ar que fica aqui será suficiente para nos manter vivos durante esse tempo.

—Meia hora! Por que tanto tempo?

—Para que aqueles o suficientemente néscios para ficar encerrados se tomem seu tempo e encontrem a sabedoria, observou ele asperamente.

Ele atuava com tanta tranquilidade que lhe dava vontade de gritar. Tinha os nervos destroçados. Presos no interior de uma tumba? E Ramsés não mostrava sinal algum de aflição. Aproximou-se de uma estátua de Horús e se sentou com as pernas cruzadas a seu lado. Começou a dar tapinhas no chão.

—Sente-se, Kalila. Não vale a pena dar mais voltas, posto que não há nenhuma outra saída.

—Tem que haver outra saída… não pode me fazer esperar outra meia hora! Ela começou a tremer violentamente. A fina seda lhe oferecia escasso amparo contra o frio úmido e o medo que se instaurou em seus ossos.

—Não há. Fez-lhe gestos com o dedo para que se sentasse. Desabando a seu lado, ela se abraçou, balançando-se adiante e atrás. Ramsés exalou um forte suspiro, apoiou as mãos nos joelhos e fechou os olhos. Começou a inspirar e exalar ar seguindo uma cadência regular. Iria meditar? Ali, preso em uma tumba? Ela tentou ter senso de humor, algo para despojar seu corpo daquele terror arrepiante.

—Agradeço estar aqui presa contigo e não com um ladrão de tumbas. Ao menos sei que não me matará para conseguir todo este ouro.

Engano. A brincadeira lhe tinha saído um pouco torcida. Tinha recordado sua traição, posto que suas pálpebras se abriram de par em par. Ramsés lhe lançou o mesmo olhar firme e ardente que antes. Ela se voltou com um calafrio. Mas o que esperava? Para ele, ela era tão culpada como os ladrões de tumbas que tanto desprezava. Um instinto de desculpar o indesculpável se apoderou dela. Katherine lançou um olhar ao aço pendurado em sua cintura. Uma boa razão para tentá-lo.

—Sei o que pensa de mim, Ramsés. Uma ladra. Sei que não tenho direito a estar aqui… sei que este lugar é sagrado para ti. Katherine fixou seu olhar no sarcófago. Mas não tenho nenhuma outra opção.

Levantando-se, ela procurou refúgio no canto mais afastado da cova. Uma sombra se abateu sobre ela. Ramsés lhe bloqueava o caminho com seu forte e impassível corpo.

—Kalila,. Por favor. Quero te mostrar algo.

Ela deixou que sua mão tomasse a sua e a levasse até o sarcófago. Ele permaneceu em silêncio uns instantes, contemplando o ataúde.

—Quero que entenda. Isto é muito mais que um tesouro para mim. Os Khamsin não dão valor algum ao ouro ou o dinheiro. Valorizamos a honra, a coragem, a fidelidade e a tenacidade. Isto, situou a mão no ataúde, é meu legado. Contém a múmia daquele que precedeu meus passos, séculos atrás. Minha linhagem e as tradições que ele estabeleceu valem mais que todo o ouro do Egito. Este é o código que guiou a vida de meu avô, de meu pai e a minha, como a de meus filhos depois de mim. Compreende? Quando os intrusos vêm aqui a levar-se suas riquezas, eles não só saqueiam a tumba, mas também as lembranças sagradas que os guardiões reverenciaram durante séculos.

—Sim, sussurrou ela com a voz quebrada. Compreendo-o Ramsés. Katherine se esforçou para evitar que as lágrimas escaldassem seus olhos e seu pescoço. Compreendo muito mais do que você acredita. Mas não está em minhas mãos. Eu me separaria de tudo isto e jamais olharia atrás, posto que o dinheiro e o ouro não significam nada para mim. Nada!

 

Ele acreditava. Que Deus lhe assistisse, mas assim era. A verdade resplandecia nas profundidades esmeraldas de seus enormes olhos. Tinha aprendido a ler as emoções neles. Crepitavam de ira. Seus enormes luzeiros esmeraldas revelavam surpresa. Umas diminutas linhas enrugavam as comissuras de seus olhos, como quando riam.

Mas jamais tinha visto o brilho das lágrimas como naquele momento. Seus lábios podiam ocultar a verdade, mas aquelas duas belas pedras preciosas não mentiam. Revelavam secretos que seus lábios velados ocultavam.

Kalila não tinha nenhum interesse em roubar o ouro que permanecia ali desde milhares de anos. Outra pessoa a obrigava a estar ali, um pouco tão maligno e perverso como à cobiça dos homens. Ele desejou poder destruir o encantamento que a mantinha presa naquela teia pegajosa de engano.

Com o véu lhe cobrindo o rosto, calça de seda azul anil e camiseta combinando, Kalila tinha um aspecto tão exótico como as princesas da antiguidade. Grossos cachos de ébano. Tão luminosos como o pesado cetim, caíam-lhe por sua esbelta cintura. Seu diminuto corpo não faltava curvas e sua voz melodiosa sussurrava como o som da areia roçando as dunas.

Ele não podia fazê-la sua. Ramsés fechou os dedos em sua tatuagem oculta. Ardia-lhe através do binish, como se tivesse fogo próprio, lhe recordando seu voto de fidelidade.

Se a interrogasse, possivelmente conseguiria algumas respostas. Seria muito melhor que conversassem e não alterar seus nervos destroçados. Quando a porta se fechou atando a cova, teve que reprimir um grito. Só anos de autodisciplina e controle lhe permitiam manter a calma e abandonar o pânico.

—Se o ouro não significa nada para ti por que roubou o mapa?

Ela se desabou no chão, sentando-se com a cabeça afundada em suas mãos trêmulas.

—Não tinha nenhuma outra opção, respondeu com a voz apagada.

Levantou-lhe o queixo com o dedo.

—Sempre há outras opções, disse Ramsés docemente.

—Não sempre. Às vezes temos que fazer coisas contra nossa vontade, inclusive sabendo que não estão bem, em altares de uma razão de força maior.

Suas palavras não tinham sentido.

—As ações malignas só podem proceder do demônio. Nossos antepassados sempre insistiam nisso. Por outro lado, viviam no temor de não suspender o julgamento que há na outra vida.

—Não é a vida eterna o que temo, sussurrou ela, olhando-as mãos.

Tomou a mão, puxou ela enquanto ficava em pé e se aproximou do sarcófago.

—Meus antepassados sim. Olhe.

O féretro tinha o olho encravado de Horús e outras marcas de sua tatuagem. Kalila se aproximou.

—Min é um deus antigo da fertilidade. Ele guardava o deserto Arábico e protegia aos mineiros.

—Por que o leva em sua tatuagem?

—O leb e a Udjat significa que devo me entregar à tarefa de proteger aquela a que entregue meu coração. A marca de Min me outorga fertilidade para ter um filho que seja um Guardião dos Séculos depois de mim, disse ele serenamente. Um filho cuja mãe jamais poderia amar devido a sua cultura. Os antepassados ingleses desonravam sua linhagem. Ele valorizava a herança do Antigo Egito de sua tribo mais que outro guerreiro Khamsin. A cultura Khamsin lhe proporcionava uma balsa salva-vidas na voragem poluída de seu sangue. Mas o matrimônio ia diluir ainda mais o sangue de seu filho.

Ele compartilharia seu couro e teria bebês com sua noiva, mas jamais compartilharia a parte mais profunda dele. Seu coração. Seu leb permaneceria fechado como uma tumba tão poeirenta e antiga como em que se encontravam.

O coração lhe deu um salto. Ficou arrepiada, como se uma corrente de ar frio tivesse entrado na cova. Ramsés tinha um aspecto abatido, enquanto cobria sua antiga tatuagem com a mão.

—Entregar seu coração? Refere a quando casar?

—Sim, disse ele em voz baixa. Não me faça mais pergunta em relação a isto, Kalila. Não quero falar do tema. Sua voz rota tinha um deixe frio como o ferro.

—Eu vou me casar. Com um velho pastor de cabras beduíno, confessou ela. A verdade sepultou seu coração como se alguém a tivesse arrojado nos limites de um sarcófago e tivesse fechado a tampa para sempre.

Ramsés lhe lançou um olhar compreensivo. A tristeza se estampou em seus belos rasgos. Eram duas almas unidas por um destino no qual deviam casar-se com pessoas que não amavam.

—Conhece-o? Disse ele, deixando entrever ciúmes em sua voz.

Ela assentiu com a cabeça, pensando ter visto Nazim.

—Vi-o no hotel quando ia se encontrar com meu pai. Tem o aspecto de um velho pastor de cabras, murmurou ela. Mas não me vou casar com ele, encontrarei um modo. Posso controlar meu destino.

Ramsés torceu a boca com expressão divertida.

—O que ocorre? Não credita? Perguntou-lhe, doída por sua reação.

—Acredito que há uma razão atrás de tudo o que ocorre em nossas vidas. Deus decide nos enviar sinais. Há sinais em todo o deserto, se escolhe as buscar.

Ela pensou na planície rochosa, recortada-las montanhas de granito negro. Aqueles sinais não lhe tinham sido reveladas.

—Acredita nos sinais? No que você acredita?

—Não e sim, disse ela, pensando nisso.

—Todo mundo tem que acreditar em algo, assinalou Ramsés.

—Acredito em me encarregar de meu próprio destino, pronunciaram seus lábios em sinal de tenaz protesto.

—Isso não é sempre possível. Há momentos em que, quando forçamos um caminho na vida, termina bloqueando, disse ele docemente. O destino, então, não pede para seguir um caminho diferente.

—Sonhas tão místico como Ahmed, queixou-se ela. Deixa de me dar lições como se fosse uma menina de cinco anos.

—É teimosa, disse Ramsés, agitando a cabeça. Mas Deus consegue erodir até a pedra mais resistente com a água. Aprenderá que não sempre pode controlar seu destino, pequena.

Aquela pequena reprimenda aumentou sua resolução de querer controlar seu destino.

—Essa teoria não é aplicável ao deserto.

—Ah, mas você está equivocada. As águas das inundações forjaram seu caminho pelas montanhas e criaram o uadi que encerra esta tumba.

Molesta por seu sorriso sabe tudo, ela sabia que tinha razão. Ramsés recordou a Katherine a sensação de impotência que alagava sua vida; eram outros quem a forçavam a cumprir com seus desejos. Controlada por Burrells para roubar um mapa. Inclusive seu pai a obrigava a casar-se com um pastor de cabras beduíno.

“Não se antes puder fazer algo para evitá-lo” Se perdesse sua virgindade, o beduíno a rechaçaria. Aquela nova perspectiva lhe apareceu com a mesma velocidade que uma tormenta do verão.

Ela o ponderou, considerando que seu noivo provavelmente valorizaria sua virgindade do mesmo modo que a seu cavalo. Se perdesse sua virgindade, violaria o contrato de matrimônio. A idéia soava tentadora.

—Não me casarei com ele, afirmou com descaramento. Farei o que for. Cortarei o cabelo. Melhor ainda, privar-lhe-ei de minha virgindade.

As duas sobrancelhas escuras de Ramsés se arquearam. Seus olhos ambarinos a contemplaram com aspecto pensativo.

—Seria capaz de algo assim, Kalila e de envergonhar seu pai?

—Não envergonharia a papai. Ele quer este matrimônio com o mesmo entusiasmo que eu, afirmou fracamente.

Não era certo, posto que o matrimônio era para honrar o desejo no leito de morte de sua mãe. A Katherine lhe fez um nó na garganta ao recordar os alegres olhos verdes de sua mãe, seu suave sorriso e a graça exótica. Seu pai a tinha querido com loucura e não lhe negava nada. Uma vez na tumba, colocou no pescoço o amuleto de Bast para que a protegesse em sua outra vida. O mesmo amuleto que tanto o emocionou quando o viu no Museu de Giza. O amuleto que serviria de prova para encarcerá-lo durante anos se não fizesse o que Burrells lhe ordenava.

Katherine se aproximou do sarcófago, ocultando as lágrimas que ardiam em seus olhos. Uma ilustração de cores mostrava um homem com o cabelo como o ébano com uma túnica branca, seguido por uma figura com uma cabeça de chacal. Ela passou os dedos pela superfície.

—O que é isto?

Ramsés jogou um olhar.

—Anúbis, o deus dos mortos. É o ritual da vida eterna. Meus antepassados são julgados por suas ações no passado. Anúbis os conduz a uma balança para pesar suas ações. Nela se coloca seu coração e se pesa com a pluma de MA’at, a deusa da verdade. Se seu leb pesa menos que a pluma, assim é digno da vida eterna.

Katherine se aproximou da pintura.

—O que ocorreria se julgasse indigno?

—Ammit, o deus da cabeça de crocodilo, devora seu leb e sua morte cai no esquecimento durante toda a eternidade. Ammit é o devorador de mortos.

—O devorador de mortos, sussurrou ela, abraçando-se para reconfortar-se. Katherine jogou um olhar às tenebrosas esquinas da cova. Nelas deviam morar terríveis criaturas, dispostas a sair das sombras em movimento com seus dentes afiados.

Ele assentiu com a cabeça.

—Nesta cena, Horús apresenta os defuntos ao Osíris, o deus da vida depois da morte, quem lhe concede o acesso à outra vida. Thoth, o deus da sabedoria, com a cabeça de Íbis, toma nota de suas ações.

—Por que todo o ouro?

—Os antigos acreditavam que os mortos continuariam com a mesma vida que levavam neste mundo, essa é a razão pela qual se enterravam com suas riquezas.

Ela acariciou o contorno das figuras do sarcófago com o dedo vacilante.

—Lhes extirpavam os órgãos internos e se introduziam em quatro canos. Estes se tampavam com a representação de quatro cabeças: uma humana, outra de um babuíno, um falcão e um chacal, que representavam os quatro espíritos protetores, os quatro filhos de Horús. Também se os extirpava o coração para contrapesá-lo com a pluma da verdade de MA’at . O cérebro era o órgão mais difícil de preservar. Também estava o ritual de lhes abrir a boca para que os mortos pudessem falar.

Katherine se estremeceu. Tanto conversar sobre os mortos tinha terminado por assustá-la.

Lançou um olhar a seu redor para mudar o tema da conversa.

—O que significam estes hieróglifos? Sabe decifrá-los?

Ele a olhou divertido.

—Os guerreiros Khamsin aprendem a ler hieróglifos antes que a ler em árabe. Este, assinalou algo que parecia um pássaro com cabeça humana e braços, é o símbolo do ba. E isto, seu dedo se posou sobre uma cruz com curvado, é um ankh. Simboliza a vida.

—O que é isto? Katherine rodeou o contorno do que parecia um “u” inglês ao reverso com a base plana.

—Isto é muito importante. É k ou a força vital.

—Não o compreendo. Refere-te à alma de uma pessoa.

—Não exatamente. O BA é a alma. O k também forma parte da alma, mas é a força vital, o espírito. Os antigos acreditavam que o k se unia ao corpo uma vez que fosse chamado pela morte. Quando nasce uma pessoa, também o faz seu k. O k espera a que sua alma abandone este mundo e então se reúne com a pessoa para viver em paz para sempre.

Fascinada, examinou os símbolos que deixavam perseverança de sua vida.

—Pode traduzi-los?

Ramsés assentiu, franzindo o sobrecenho. Esboçou um sorriso infantil.

—Faz… muito tempo que não leio hieróglifos. Estou um pouco destreinado. Deteve o dedo indicador nos símbolos e percorreu seu contorno, lendo em voz alta.

—Eu te saúdo, honorável deus glorioso que governa a eternidade. Meu k está limpo, minha alma é pura está preparada para… ele franziu o cenho ao ver um símbolo, e sorriu, que o pão de Eateth dure toda a eternidade. Depois de mim, meu filho vigiará os passos dos honoráveis. Guarda seus passos e julga sua alma com benevolência. Protege-o dos que se tragam as almas dos espíritos.

Ele ficou direito. Um calafrio percorreu suas rígidas costas. Levou-se a mão ao punho da cimitarra, um movimento automático que ela acreditou inconsciente. O gesto de um homem protegendo do perigo.

—Ammit, o devorador de mortos, respondeu ele, desviando o olhar à tumba. Os Khamsin consideravam a alguns humanos devoradores de mortos. São chacais do deserto que em lugar de dormir rondam pela areia procurando uma presa fraca. Estes seres malignos roubam para satisfazer sua cobiça. Devoram as esperanças e sonhos de outros por prazer. Vendem sua própria alma por míseras quantidades e também por ouro.

Ele a olhou fixamente, deixando que se formasse um silêncio entre eles como muro de pedra. Vender sua alma por ouro. Outro aviso do tesouro que refulgia ante eles.

—Como se chamava seu antepassado?

—Rastau. Rastau era um grande Guardião Khamsin que protegia a mina durante o reinado do faraó Tutankamón.

—A mina é muito antiga! A pesar do temor interno, uma estranha excitação se apoderou dela.

—E Rastau a utilizou como tumba. Katherine encolheu os ombros. Mas de onde sai este tesouro? Tinha entendido que os únicos que podiam possuir ouro eram os faraós.

O sorriso de Ramsés lhe pareceu tão crítico como o mistério que lhe rodeava.

—Tinha entendido.

—Se sabia que estava aqui, por que veio? Por que não enviou um exército de guerreiros para que nos liquidassem e detivessem nossa exploração?

—Nós? Repetiu Ramsés. Quem somos nós, Kalila? Para quem trabalha?

Katherine fingiu ignorá-lo encolhendo elegantemente de ombros.

—Os homens que matou poderiam tranquilamente ter sido quarenta em lugar de quatro.

—Duvido-o muito, disse ele serenamente. Quem quer que tenha te enviado não pôde encontrar mais de quatro homens para profanar a tumba, posto que a maldição é bem conhecida por todos. Este deserto está infestado de jinns. Poucos se atrevem a vir até aqui e fazer frente à maldição.

—Mas você está aqui.

Ele enrugou a frente.

—Por uma boa razão, disse Ramsés com receio.

Katherine brincava com a borda de seu véu. Assediou-lhe um terrível pensamento. Ele atuava com tranquilidade ante o fato dela ter descoberto a tumba. Seria porque o segredo permaneceria naquele lugar para sempre com ela?

Possivelmente Ramsés planejava abandonar a tumba quando abrisse a porta. Sozinho. Deixando-a encerrada ali para sempre, só com seus gritos e os sonhos de homens mortos retumbando na solitária escuridão.

—Ramsés, perguntou-lhe lentamente. O que pensa fazer comigo? Sou a única pessoa, além de ti, que conhece a localização da tumba. Não te assusta que esta informação esteja em meu poder?

A luz da tocha refletiu as bolinhas douradas de seus olhos, fazendo-os brilhar com fera intensidade.

—Não tenho medo, Kalila. Porque você não vai a nenhum lado.

Um olhar de determinação, o olhar de caçador, apoderou-se dele. Ramsés se aproximou sigilosamente a ela. Um intenso terror fez com que a adrenalina corresse por suas veias. Não podia escapar dele. Com seu brutal força, podia reduzi-la sem dificuldade.

Katherine começou a se afastar de Ramsés, e fixou sua atenção na única tocha que estava pendurada da parede. Sua única oportunidade. De repente, invadiu-lhe uma estranha sensação de tranquilidade que lhe permitiu pensar. Se a cova sumisse em uma completa escuridão, situá-la-ia em uma situação de vantagem. Ele era alto e forte, mas ela era rápida e inteligente. Possivelmente poderia adiantar-se e alcançar a porta antes que ele.

Seu próximo movimento foi tão imediato que inclusive surpreendeu a ela. Katherine deu um salto adiante e pegou a tocha e se escondeu a toda pressa atrás das estátuas, aparecendo entre o ombro de Isis e o pico de Horús. Ramsés esticou os músculos do rosto.

—Kalila, me dê a tocha. Basta já.

—Se afaste de mim. Advirto-lhe, Ramsés. Não permitirei que me abandone aqui dentro com, com… ela apontou o ataúde, seu parente morto.

Ele retrocedeu, franzindo o sobrecenho. Em sua lisa testa se formou uma fileira de rugas.

—Te abandonar aqui dentro? Disse com voz cheia de incredulidade. Kalila, não diga estupidez. Jamais te abandonaria. Agora sai, seja uma boa garota e me devolva a tocha.

Sua resposta foi retroceder para a parede até que suas costas se chocaram contra a fria pedra. Katherine sustentava a tocha como se fosse realizar um sacrifício. Efetuando um rápido movimento, ela a cravou na areia, sumindo a cova em uma impenetrável escuridão.

A Ramsés assaltaram as lembranças como se fosse uma vingança, zombando dele com suas vozes. Um temor infantil se apoderou dele. De repente já não era um homem adulto, a não ser um guerreiro que tinha tirado a vida de muitos e temido a ninguém. Ramsés se sentia tão indefeso como aquele menino de seis anos que tinha sido amordaçado e abandonado em uma escura cova.

Tentou tudo. Respirar. Fechar os olhos. Nada disso funcionou. Rogos e orações a deus, a seu antepassado. O terror lhe rodeou com seus frios tentáculos, lhe rodeando os braços, lhe paralisando com precisão absoluta. Não podia mover-se, pensar nada. O único que pôde fazer foi permanecer de pé, gelado como uma estátua ali abandonada para render tributo ao antigo Guardião Khamsin.

O ar saía de seus pulmões em entrecortados ofegos. Cada vez tinha as mãos mais frias e suadas. Ouviu um rápido tamborilar e soube que seu coração pulsava com a mesma intensidade com que ele golpeava sua querida darrubuka. Os pensamentos de Kalila se desvaneceram. O único no que podia pensar era em como sair daquela tumba antes de voltar-se completamente louco.

Ouviu-se o ruído de arranhões perto da parede. Ramsés abriu os olhos. De nada servia. Acostumar seus olhos à escuridão não proporcionava nenhum alívio. Naquela prisão de pedra não resplandecia nenhuma luz. Suas fossas nasais emitiam o som do pânico.

Katherine se deslizou pela parede e se deteve, quando um gemido apenas perceptível distraiu seu desespero por fugir. O mesmo que faria um animal apanhado em uma armadilha.

Ramsés. Parecia… Assustado? Aquele poderoso e valente guerreiro, assustado? Ela avançou lentamente pela parede, sem deixar de escutar. Aí, de novo. O som inconfundível de sua respiração entrecortada, como se tentasse desesperadamente dominar, e ocultar, seu medo. Katherine se debatia, indecisa, entre o instinto de escapar e a crescente necessidade de consolá-lo. Possivelmente era um estratagema.

O perspicaz Ramsés fingia medo para desarmá-la, baixar seu guarda. Não, aquilo era ridículo. Ela reconheceu o som do autêntico terror. Quantas vezes durante as últimas semanas tinha descansado em suas garras ao pensar que seu pai morreria na prisão?

Seus temores se dissiparam e foram substituídos pelo impulso de ajudar, do mesmo modo que tinha atendido a Ramsés até que se repôs. Katherine se umedeceu os lábios.

—Ramsés? Gritou ela, vacilante.

Nenhuma resposta. A seguir ouviu algo metade súplica e metade ordem na escuridão que lhe rompeu o coração.

—Não me abandone, Kalila.

Aquelas palavras soavam cansadas, forçadas, como se as dizer tivesse requerido toda sua força. Sua necessidade dela era indisputável. Katherine recordou a Ramsés perguntando com voz nostálgica, quase de menino, enquanto estava deitado na cama, sedado pela valeriana na cova “Continuará aqui quando despertar?”

Deixá-lo sozinho na tumba, com temores que não admitiria, enchia-a de culpa. Havia uma parte de Ramsés que ele mesmo odiava, do mesmo modo que ela. Não todas as cicatrizes eram visíveis no espelho. Ela se encheu de compaixão. Contudo, tinha que assegurar-se de suas intenções.

Quando se dispôs a falar, fez com a voz firme.

—Ramsés, tenho que proteger minha vida. Conheço o segredo de sua tribo. Um segredo que tentará impedir que revele.

—Jamais te faria mal, disse com voz rouca.

—Disse que não iria a nenhum lado. Iria me abandonar aqui dentro até a morte, presa para sempre com esta… múmia.

Ouviu que tomava ar do outro extremo da tumba.

—Disse que não iria a nenhum lado. E não vai fazê-lo. Não sem mim. Devo te levar com minha gente. Sou um Guardião dos Séculos Khamsin, e jurei honrar e proteger às mulheres. Prometo-te por meu juramento como guerreiro e guardião, que não te infligirei nenhum dano.

Voltou a respirar fundo.

—Por favor, disse ele com voz rouca. Confia em mim.

Assaltou-lhe um sentimento de profunda ternura mesclada com frustração. Como ia abandoná-lo assim? Odiava Burrells por envolvê-la em semelhante situação. Inclusive tinha comprometido a seu pai, por ter pegado o amuleto e admirá-lo, lembrando-se de sua mãe.

Ramsés fechou as mãos em punhos. Sentia-se exposto, vulnerável e interiormente amaldiçoava sua situação de debilidade. Um guerreiro Khamsin, o mais valente lutador de sua tribo, derrotado por um medo infantil à escuridão. Ele procurou mover seus membros. Permaneciam completamente paralisados, como se estivessem presos no chão.

Ouviu um rangido perto dele. O medo subiu um degrau. Ramsés agitou as mãos em busca de ar e reprimiu um grito de assombro quando seus dedos se encontraram com algo suave. Ele se apartou e esteve a ponto de cair ao chão.

—Ramsés, disse uma voz suave e tranquilizadora, como seda acariciando seus nervos destroçados. Confio em ti. Agora confia você em mim. Me agarre a mão.

Ele podia sentir sua calidez, que partiu o gelo em seu coração. Ele lutou contra seus medos e alargou a mão na escuridão, confiando nela. Cálida carne viva roçou seus dedos trêmulos e logo uma mão suave como a seda envolveu a sua. Ela deu um passo adiante e aproximou seu corpo ao dele. Ramsés deixou escapar ar enquanto a estreitava entre seus braços, sua salvação. Ele a abraçou como se fosse o sol, acariciando-o com sua luz e calidez. Seu coração deteve sua atroz cadência. Lentamente, a calma foi tomando conta dele. E então, uma voz amarga, cheia de frustração, disse algo em inglês que o deixou gelado.

—Jamais quis que isto acontecesse a ti ou a mim. Não é minha culpa. Odeio as tumbas. Odeio o ouro. Oxalá papai jamais tivesse visto o amuleto de ouro e o tivesse desejado. E não quero me casar. Só quero voltar para casa! Oh, oxalá papai jamais tivesse deixado a Inglaterra nem Smithfield!

 

Smithfield? Inglaterra?

Se a escuridão tinha feito com que seu coração palpitasse ao triplo de sua velocidade habitual, aquelas duas palavras o paralisaram por completo.

Ramsés falava perfeitamente inglês. Ela também.

Aquela mulher que estreitava contra seu peito não era egípcia, nem exótica, nenhuma ladra de tumbas, a não ser sua noiva.

Ramsés tinha a boca mais seca que as areias banhadas pelo sol. Desastradamente, passou-lhe o braço pela cintura. Começaria a rir se não estivesse tão assombrado.

Invadiu-lhe um sentimento de terna posse, anulando todas as demais emoções. Sua noiva. Aquela inglesa desconhecida que pensou que jamais poderia amar. Sua pequena flor de lótus. Sua trombadinha.

A ira se desatou em seu interior. Lorde Smithfield, quem conhecia a existência da lâmina e o mapa e, provavelmente, também a da tumba secreta, obrigou Katherine a roubá-lo por ele. Seu futuro sogro cobiçava um amuleto de ouro e queria mais. As palavras histéricas de Katherine diziam muito.

Não tinha sido a melhor forma de iniciar uma relação, pensou ele com sarcasmo. Podia o conde, com suas vastas riquezas, ter mais cobiça que sentido comum? Pensou em lorde Smithfield, um homem que se parecia muito pouco a sua filha, à exceção do cabelo de ébano. Ramsés pensou que jamais poderia amar uma mulher inglesa porque ela seria formal e autoritária. Mas Katherine não era assim. Embora seu delito indicasse um desprezível traço inglês. Ela tinha roubado a sua gente, do mesmo modo que esses ingleses tinham governado seu país e tinham roubado ao Egito.

Aquele quebra-cabeça começava a ter sentido. Ramsés amaldiçoou em silêncio. Os ombros esbeltos de Katherine se sacudiram. Ele acariciou suas mechas de cetim brandamente, lhe murmurando palavras tranquilizadoras. Ela se aconchegou contra ele. Ele reconheceu sua incansável coragem. Fazia tudo aquilo por seu pai. O que ia fazer com ela? A honra lhe obrigava a casar-se com ela, apesar da traição de seu pai. Uma promessa feita por um Khamsin jamais podia romper-se.

Ela era a única mulher que o rechaçava, desafiava, escapulia dele e o martirizava com sua inteligência, à altura da sua, e de sua inquebrável lealdade familiar. Enquanto recordava sua promessa de protegê-la, aflorou em Ramsés um sentimento de ternura tão penetrante que as paredes da rocha que rodeavam seu coração começaram a esmiuçar-se. Então, recordou a desafiante promessa dela de fugir do casamento perdendo sua virgindade. Uma ira possessiva o escureceu. Nenhum outro homem a possuiria. Mas nenhum voto selava sua união para fazê-lo legal.

Sua mão se enredou em seus largos cachos. Seu corpo pressionado contra o seu, começou a suscitar uma dureza muito diferente. Ramsés sentiu uma necessidade imperiosa de forjar uma terna união com a carne de Katherine. Se ele a reclamasse, ela teria que casar-se com ele. Ele a afastaria daquele pai inglês e traidor e a levaria com sua gente. Uma vez separada de lorde Smithfield, Katherine estaria a salvo. Ele separaria sua enganosa metade inglesa de sua metade egípcia inundando-a em sua cultura egípcia.

Aquela idéia provocou um sorriso em seu rosto. Com palavras de amor, ele conseguiria persuadir Katherine de que devia lhe entregar o que desejava sacrificar para escapar do casamento. Então, casaria com ela. Os maridos tinham mais direitos que os pais.

O corpo de Ramsés se esticou de faminto desejo. Ele a desejava com uma paixão escura e profunda. Enquanto isso, preparava-se para um beijo abrasador que apagaria tudo de sua mente exceto ele.

As palavras de carinho pronunciadas em voz profunda fizeram desaparecer seu rancor. Katherine se relaxou em seu abraço protetor. Acariciava-lhe o cabelo com doçura. Como ia temer a aquele homem? Ele tinha arriscado tudo para lhe salvar a vida. Ramsés não a abandonaria ali dentro com as múmias e as tumbas de pedra. Ela se afundou ainda mais em sua roupa, deixando-se levar por seu rico e especial aroma a sândalo e cravo.

Ela percebeu uma mudança quando ele deixou de lhe acariciar o cabelo. Não mais suaves sussurros. Seus dedos calejados pelo sol, o aço e a batalha lhe sujeitaram o véu e o apartou. Katherine se voltou para trás, temerosa de suas intenções, mas ele aproximou seu corpo ainda mais ao seu lhe rodeando a cintura com o braço. Ramsés se equilibrou sobre sua boca.

No princípio, o tato de seus lábios era agradável, quente e tentador. Então ele atacou, apoderando-se de sua boca com uma fúria animal. Katherine tinha a mente embotada pelo impacto. Ramsés ajustou seu corpo ao dele, fundindo-a em seu abraço implacável e dominante. Repentinos brilhos de ardente desejo dispersaram a escuridão da tumba enquanto sua boca a devorava. Chamas percorriam seu corpo com prazer erótico. Sua língua percorreu o contorno de seu lábio inferior, encontrando e introduzindo-se nele. Ramsés soltou um grunhido em sua boca, mordiscando-a, lhe obrigando a abri-la ainda mais. Katherine lhe rodeou o pescoço com seus braços, entregando-se a suas petições. Ele se apoderou de seu traseiro, massageando-o delicadamente. Quando sua pele lhe roçou o peito, um comichão percorreu seus seios. Queria gritar pela deliciosa sensação do contato com seu corpo musculoso.

Ramsés deixou escapar um grunhido e começou a dar estocadas com a língua. Poderia fazer amor com sua boca no céu aberto, em lugar de clandestinamente, presos naquela cova. Seus dedos se fecharam ao redor dos músculos esculturais de seus ombros. Katherine soltou um gemido em sua boca enquanto ele enredava sua língua com a sua, exortando-a a que o provasse.

O ataque contínuo a sua língua a despojou de qualquer pensamento coerente. Katherine teve que tomar ar para respirar enquanto se desatava nela uma paixão abrasadora. Ela se entregou a ele na impenetrável escuridão, utilizando seus outros sentidos para substituir a falta de visão. O delicioso aroma a espécies, seu sabor ligeiramente salgado misturado com o doce chá que tinha tomado, o tato de suas calejadas mãos lhe inflamando a nuca enquanto ele a sustentava, o som de seus fracos gemidos enquanto ele intensificava os beijos e despertava seu desejo.

Ramsés a estreitou entre seus fortes braços, tombando-a delicadamente na areia. Seus lábios percorreram a coluna de seu pescoço, inflamando sua pele com estalos de calor. Katherine se aferrou a ele como se fosse se afogar. Acariciava-lhe o cabelo, brincava com a espessura de seus cachos, perdida na lembrança de seu outro beijo, em outro momento e em outro lugar.

Durante dias, tinha cuidado daquele homem fraco e impossibilitado. E controlável. Agora ela tinha consciência de seu enorme poder, da sólida força que a mantinha imobilizada contra ele. Katherine se sentia tão indefesa como uma gazela nas garras de um predador, um tigre de olhos dourados que em lugar de castigá-la com suas cruéis garras, o fazia com seus beijos. Ramsés não era um homem de apetite moderado que se conformava com uns quantos beijos castos, a não ser um guerreiro com um apetite voraz e insaciável decidido a possuir cada centímetro de seu ser. O exacerbado desejo de Ramsés sumiu na tormenta de areia. Katherine se entregou por completo a ele enquanto ela se limitava a receber timidamente as carícias insistentes de sua língua com as suas próprias. Ela deixou que tudo desaparecesse a seu redor com exceção do aroma, o contato e o sabor do guerreiro do deserto. Sua voz se esticou de antecipação quando ele se esfregou contra ela, criando uma deliciosa fricção. Permitiria-lhe fazer qualquer coisa e se perguntou se chegaria tão longe, depois de tudo.

Justo quando estava sumida neste pensamento, aconteceu. O ruído da areia caindo no chão cessou. A luz lhe pisquem da tocha da mina alagou a impenetrável escuridão. Ramsés retirou sua boca da sua e baixou o olhar.

Viu-lhe o rosto.

Com um grito de assombro, ela se levou a mão à cicatriz. Ramsés retrocedeu com o olhar assustado. Katherine lhe empurrou o peito e logo que ele se retirou, Kalila ficou em pé com dificuldade, procurando o véu. O véu, o maldito véu onde o tinha jogado? Finalmente o divisou, atirado no chão como se fosse uma flor negra e enrugada. Katherine o recolheu e pôs. Fez-lhe um nó na garganta. As lembranças cravaram suas cruéis garras em seu coração. As expressões de repulsão dos homens ao ver a cicatriz. Ramsés retrocedeu quando a fraca luz se manifestou sua marca. Ela recordou seus beijos apaixonados pela escuridão, posto que sabia que seus lábios jamais voltariam a encontrar-se com os seus.

Ramsés sentiu um nó na garganta ao ver que Katherine procurava desesperadamente seu véu. Ele amaldiçoou para si mesmo. Fechou os punhos, desejando golpear com eles as bocas que zombaram dela. Quem tinha feito semelhante dano a Katherine? Ela era doce, tão suave e tão bela, com suas generosas e sensuais formas e seus deliciosos e carnudos peitos desejosos de ser tocados. Quando a luz penetrou na cripta, lhe olhou o rosto. Tinha a boca franzida, com os lábios abertos e inchados de seus apaixonados beijos. Ao olhar ficou sem respiração. A expressão de encantado prazer destroçou suas defesas. Jamais tinha visto uma mulher tão bela. E de repente sua expressão se encheu de vergonha. Ouviu que seus lábios deixavam escapar um grito. Os homens zombavam dela por sua cicatriz e ele podia ver aquela dor como se sangrasse em frente a ele.

Kalila irradiava tensão. Katherine atuava como um filhotinho maltratado. Ramsés alargou a mão para acariciar sua marca, para reclamá-la como dele. Morria por estreitá-la entre seus braços e lhe beijar a cicatriz de cima abaixo. Mas quando ele se aproximou ela, sua amada, deu-se a volta, lhe dando as costas.

—Por favor, Ramsés. Me deixe reveste um minuto. Por favor.

Depois de tomar ar, Ramsés abandonou a tumba, consciente de que queria ocultar o que ele já tinha visto. Seus músculos se esticaram enquanto a esperava. Finalmente, ela saiu da cripta lívida como um cadáver. Nem sequer se atrevia a olhar Ramsés nos olhos. Apertou-lhe a mão. Sua mão pareceu engolir a sua, como se fosse tão frágil como uma pétala de lótus.

—Vamos, Kalila, disse ele com uma doçura, conduzindo ela a entrada da mina.

Ele subiu primeiro para puxar logo ela e depois a corda. Ao julgar por sua cabeça agachada, ela preferia ter sido abandonada na escuridão protetora da cova. Ramsés deu várias baforadas de ar. Já era noite, mas podia suportar sua escuridão posto que se encontravam em seu querido deserto.

Ramsés olhou Katherine, quem se negava a lhe olhar nos olhos. Sustentou-lhe o queixo com a mão e a voltou para ele.

—Kalila, disse ele.

De igual modo que no Shepheard, Katherine lhe pôs o dedo nos lábios. Ela conteve um soluço que lhe partiu o coração em dois.

—Não, Ramsés. Por favor, não diga nada. Foi glorioso. Não quero manchá-lo, disse ela em um sussurro entrecortado. Ele deu um passo adiante para reconfortá-la, lhe dar um abraço, pronunciar palavras para deter as lágrimas. Ela se apartou, lhe soltando a mão.

—Por favor, me deixe sozinha, disse-lhe ela.

Enquanto se dirigiam para os camelos, o céu do deserto resplandecia com o fogo das estrelas recortadas contra o céu negro da meia-noite, como brilhantes pedras preciosas expostas nos zocos. Banhava-os a pálida luz da lua. Ramsés amarrou seu camelo ao dele e ajudou Katherine a montar na sela. A luz da lua deixava ao descoberto a umidade que brilhava nas profundidades de seus olhos esmeraldas. Seu dedo enxugou uma lágrima que ameaçava cair. Katherine ficou tensa. Tinha comentado que odiava as lágrimas. Interpretaria qualquer gesto para reconfortá-la como compaixão.

Ramsés se colocou atrás dela e rodeou sua cintura com seus braços. Cada vez que ela reprimia um soluço, a ele lhe encolhia o coração. Ele começou a cantar em voz baixa, com a intenção de aliviar sua dor, sabendo que ela necessitava certa intimidade para chorar. Quando algo quente e úmido salpicou sua mão, ele se convenceu que era uma gota de água do claro e seco céu e a ignorou.

muito mais tarde, aquela mesma noite, quando a profunda e regular respiração de Ramsés indicava que dormiu, Katherine saiu da cama. Deixando-se guiar pela luz da lua que penetrava na cova, aproximou-se na ponta dos pés de sua bolsa. Escondido entre seus peitos se encontrava o gatinho de ouro que pegou da cova. Era a prova que necessitava para demonstrar a Foster Burrells que tinha encontrado o ouro. Quando chegasse à cova, o mostraria e este liberaria a seu pai. Introduziu o felino no fundo da bolsa e voltou sigilosamente para a cama.

 

À manhã seguinte, Katherine tomou precauções para evitar encontrar-se com Ramsés. Ele a observava maravilhado enquanto limpava os lençóis no exterior da cova, as golpeando contra as rochas. Ramsés contemplou as lascivas curvas de seu redondo traseiro enquanto ela rebolava pela energia que desprendia. Suas doces e apaixonadas palavras não a convenciam de quão bela era. Só as ações o conseguiriam. Aquela noite. Aquela noite suas ternas palavras e inclusive mais tenras carícias o demonstrariam.

A vergonha pela revelação de sua cicatriz na noite passada se converteu em preocupação pelo estranho comportamento de Ramsés. Não disse nada, mas ela tinha percebido que a olhava fixamente. Ramsés parecia inquieto. Andava pela cova durante o dia. Vagava pela areia como um caçador. Recordava-lhe o tigre que a tinha atacado com precisão. Do mesmo modo que aquele tigre, deixaria Ramsés nela sua marca? Só que naquela ocasião, seria uma marca invisível em seu coração. A noite passada, tinha levantado a garra para arranhá-la quando o rosto lhe crispou de assombro ao descobrir a cicatriz. Se ela não se apartasse tão rapidamente, suas garras teriam ferido seu já doente coração.

Ela se foi à cama logo, murmurando desculpas. Ele a olhava fixamente, como se estivesse faminto. Então, desapareceu o olhar perdido de seu rosto. Ele se deu a volta e partiu.

Voltou pouco depois e ela fingiu dormir. Katherine ouviu que se metia na outra cama. Quando sua respiração constante se expandiu pela cova, ela saiu da cama. Tal como tinha feito todas as noites enquanto ele dormia. Katherine abandonou a cova para tomar um banho.

Ramsés ouviu que partia. Permaneceu na cama, duvidando se a seguia ou não. Finalmente vestiu o binish, calçou as sandálias e saiu sigilosamente da cova. Ouviu ruído de água e seguiu o som até chegar ao poço, onde permaneceu de pé sem dar crédito a seus olhos.

Katherine lavava seus cabelos negros como o azeviche à luz da lua. Sua própria pele se enrugou vendo a água fria banhando sua pele nua. Os olhos de Ramsés percorreram a inclinação de suas costas até chegar a seu belo e curvo traseiro e suas largas e esbeltas extremidades. A luz da lua resplandecia na negra seda de seu cabelo molhado. Seus soberbos ombros se encolheram enquanto se secava o rosto. Ela estava tremendo, percebeu ele consternado. Ramsés se desabotoou o binish e se aproximou dela pelas costas. Seu corpo se esticou para ouvir o rangido das pedras sob seus passos. Ramsés rodeou o corpo trêmulo de Katherine com seu binish. Este cobriu sua total nudez.

—Vêem comigo para dentro e te prepararei algo quente. Se ficar aqui, ficará doente, disse-lhe ele docemente.

Ramsés voltou para a cova, acendeu uma fogueira e aproximou a chaleira de cobre para ferver a água. Tirando as sandálias, cruzou a cova descalço. Foi procurar uma xícara e a seguir, tirou seu darrubuka. Sentando-se em frente à fogueira, começou a golpear a superfície do tambor. Aquele instrumento de forma cônica tinha um emplastro de pele de cabra, e um tecido desfiado emoldurando suas bordas.

Aquela noite precisava tocar o tambor e dissipar a tensão de seu corpo. Ramsés levantou a vista ao ver que Katherine se aproximava. Ela estendeu o binish úmido em uma cadeira e se sentou junto a ele.

—Obrigado, disse ela com voz baixa. Escovou o cabelo, detendo-se em umas quantas ocasiões para aproximar suas mãos às crepitantes chamas. Ele vertia a água fervendo na xícara, removeu-a e a deixou no chão. Sentou-se atrás de Katherine, abriu as pernas e a colocou em seu colo.

—O calor corporal é o melhor modo de manter o calor no deserto, disse ele, pressionando-a contra seu peito. Ela ficou rígida, logo se relaxou e bebeu seu chá.

—Nada como uma boa xícara de chá em uma noite geada, sussurrou ele. Ela expressou seu acordo com um suspiro.

Ramsés colocou a darrubuka no colo de Katherine.

—A darrubuka também consegue esquentar o sangue, acrescentou ele, rodeando-a para golpear sua superfície.

Katherine acariciou a cabeça do tambor, provocando um calafrio nele, ao roçar seus dedos.

—O que é isto? Sua voz melodiosa acariciou seus alterados nervos.

—Meu darrubuka. Um tambor. Os Khamsin o utilizam com distintos fins: celebrações, conselhos de guerra. Eu o utilizo para cantar. Toco frequentemente em casa. Trata-se de uma tradição tribal, tocá-lo ao redor da fogueira.

A tensa rigidez de seu corpo contra o seu criou uma deliciosa tensão. Katherine se levantou, estirando-se. Abraçou-se e contemplou Ramsés, que estava sentado com o torso nu e as pernas cruzadas, sujeitando o tambor entre suas coxas. Ele aproximou o instrumento do fogo.

De repente suas mãos começaram a criar uma cadência rítmica. Ramsés fechou os olhos entregando seu espírito à melodia. Ela fechou as pálpebras enquanto se balançava, deixando-se levar pelo ritmo hipnotizador do tambor. Com cada golpe, ela ouvia o mundo de Ramsés, a areia do deserto que ele considerava seu lar, os ricos secretos das tribos beduínas ocultos naquelas dunas douradas, as batalhas liberadas com proverbial coragem e o amor que ocultava as lojas negras nas que um homem mostrava a uma mulher os segredos da paixão.

—Sua dança é encantadora. A voz de Ramsés a sobressaltou. Ela abriu os olhos. Estava dançando ao redor da fogueira, reagindo de forma natural a emocionante cadência do ritmo do tambor. Pequenas gotas de suor escorregavam por sua têmpora. Ela começou a agitar os braços e os quadris no ar.

Deteve-se em seco, aturdida. Apesar de que tinha visto mulheres dançando dança do ventre no harém de sua prima. Katherine se sentia mais cômoda com as valsas tradicionais inglesas. A dança do ventre lhe parecia muito exótica, muito sensual para seu lado inglês. O que estava fazendo Ramsés com ela? Ele suprimia seu correto e rígido lado inglês e desatava seu lado egípcio do mesmo modo que o ritmo do tambor. Ela já não era meio egípcia. Agora era uma verdadeira filha do deserto, como qualquer noiva beduína.

—Não se detenha, Kalila, seu baile é muito belo. Seus movimentos são muito prazerosos.

—Preferiria te ouvir tocar o tambor, protestou ela.

—Um magnífico instrumento. Sua voz profunda acariciou sua sensível pele. Ramsés acariciava a superfície do tambor como se fosse um amante. A darrubuka se está acostumado a tocar ao redor da fogueira. O calor do fogo dilata a pele do tambor e faz com que a superfície seja mais tensa e se consigam melhores ritmos.

Ramsés a olhou. Um sorriso aparecia em seus sensuais lábios.

—Um homem suficientemente hábil pode extrair ritmos excelentes de muitos objetos com superfícies planas.

As bochechas de Katherine se inflamaram ante o que aquele comentário sugeria. Katherine levantou o queixo e respondeu friamente.

—É fácil gabar-se de saber tocar bem quando o instrumento não opõe nenhuma resistência. Mas alguns não se deixam tocar com tanta facilidade. Independentemente de perto do fogo que estejam.

A paixão crepitava nas bolinhas daquela íris douradas.

—Ah, mas a resistência faz parte da provocação, querida Kalila. Quanto mais resiste algo, mais resolvido estou a conquistá-lo. E minhas mãos extraem vida do objeto, funde-se comigo, posto que eu marco o ritmo, e ao final reage a meu tato e responde com uma nova vida e um ritmo próprio.

Ela apartou o olhar, incapaz de fazer frente a seu penetrante escrutínio. Ramsés a olhava como um tigre que a tivesse capturado e esperasse comer-lhe e de repente lhe assaltou uma maliciosa lembrança, seus quentes lábios lhe lambendo a perna. Suas bochechas se inflamaram.

Voltou sua atenção para aquele homem que dominava o espaço da cova. O olhar nas escuras íris de seus olhos dourados a assustou. Katherine se umedeceu os lábios, de repente consciente de que o calor que enchia a caverna não procedia da fogueira.

—Por favor, me cante uma canção, pediu-lhe ela, precisando aplacar seu nervosismo.

Ramsés se situou ante o tambor, com aspecto pensativo.

—Uma canção, disse ele em voz baixa. Não vai ser uma canção qualquer, Kalila. vai ser uma especial que vou compor. Uma canção para ti, doce flor de lótus do deserto. Ele se levou a mão ao lábio inferior, esfregando-o. Ah, já o tenho, sorriu Ramsés levemente.

Esclareceu-se garganta e começou a golpear em um ritmo lento e constante. O ritmo era sedutor e ela queria dançar a seu som. O calor alagou seu corpo enquanto ele pronunciava as palavras, sem apartar seu olhar dela. A tensão flutuava no ambiente, doce e enjoativo, enquanto ele entoava sua íntima proposta, expedindo as palavras qual terna carícia.

Meu coração só palpita ao doce ritmo do teu.

Enquanto a areia se funde nas dunas douradas.

Enquanto meus lábios acariciam os teus

Deixaremos que nossos corpos se unam como a terra se funde com o céu.

Desata seus desejos mais íntimos.

Me deixe te levar para aquele lugar oculto na dunas de ouro.

E te ensinar tudo o que se tem que saber a respeito da paixão no deserto.

Seus suaves lábios são néctar para minha faminta alma.

Pequeno lótus do deserto que abre suas pétalas.

Ao sol durante o dia, e se afunda no Nilo de noite.

Não se oculte de mim.

Se abra a mim.

Deixe-me aconchegar em sua doçura.

E juntos nos afundaremos na água.

Nos afogando de prazer enquanto nossos corpos se convertem em um.

Ele deixou de cantar e golpear a darrubuka. Katherine sentiu que lhe ia estalar o coração.

Ramsés pôs o tambor de pé, afastado da fogueira. Seus olhos dourados capturaram seu olhar e a mantiveram presa. A canção de Ramsés era uma declaração de intenções. Queria que fossem amantes. Katherine acreditava poder cheirar seu profundo e ardente desejo.

Ramsés abandonou o tambor e ficou em pé. Ela deu um passo atrás presa de uma excitação nervosa que raiava o desejo. Flexionando seu corpo musculoso, ele avançou para ela, espreitando-a como um depredador. Ela retrocedeu até que golpeou as costas com uma rígida rocha. A imensidão das formas de Ramsés a encurralaram na parede enquanto ele apoiava suas mãos a cada lado dela.

—Necessito-te, minha querida Kalila, disse ele brandamente.

Sua voz a envolveu em uma suave carícia. Notou que sua resistência se cambaleava, depois de escutar seu tom de voz hipnótico e profundo. Ramsés se apoderou de uma mecha de cabelo dela. Enrolando-o no dedo, levantou-o no ar, admirando seu brilho.

—Eu adoro tocar seu cabelo. É mais suave que uma nuvem de seda, sussurrou ele.

O pulso de Katherine pulsava a um ritmo enlouquecido, maior que o que ele tinha extraído da darrabuka. O desejo de tocá-lo se mesclava com o medo ao desconhecido. Roçou-lhe a frente com os lábios. Ela posou suas mãos inquietas em seus ombros. Sua tensa e dourada pele estava repleta de músculos. Despertaram nela sentimentos ferozes e ardentes, originando um estranho calor entre suas coxas.

Uma forte mão levantou seu queixo. Ela o olhou nos olhos e em lugar de desejo, percebeu neles uma profunda ternura.

Katherine apartou o olhar, incapaz de suportar a intensidade penetrante de seu olhar.

—Por favor, Ramsés, me deixe em paz, disse ela com a voz quebrada.

Ramsés roçou com o polegar o lugar em que o véu se encontrava com sua bochecha. Apenas chegou a tocá-lo, mas ela se estremeceu. De onde ela iria tirar forças para resistir. Katherine tomou ar.

—O que te passa, Kalila? Acaso me teme? Perguntou-lhe ele com doçura.

—Reagirá como outros.

—O que outros?

—Não é tua culpa. Não posso te culpar.

Ele se aproximou dela. Ramsés lhe apartou uma mecha de cabelo do rosto.

—Fiz algo que te tenha assustado?

—Não, protestou ela fracamente. Não tem a ver com nada do que tenha feito. Trata-se de seu aspecto.

Esticou-lhe um músculo na mandíbula.

—Meu aspecto?

—É perfeito como o deus do Sol, sussurrou ela. A primeira vez que te vi no hotel, não podia apartar meus olhos de ti. E eu sabia que tudo era um sonho, porque um ser tão formoso jamais poderia estar com uma pessoa como eu.

—Kalila, disse ele.

—Alguém tão monstruoso como eu. Ela se liberou de seu protetor abraço. Olhe-me, Ramsés. Contempla minha anomalia. Contempla o que viu na tumba.

Com esta afirmação, ela se retirou o véu.

—Adiante, ocultei-me que ti durante muito tempo. Com este rosto, tenho certeza que não me beijará do mesmo modo que antes!

 

Quando suas suaves mãos retiraram o véu de seu rosto, Ramsés sentiu que lhe encolhia o coração. A coragem e o desespero levaram Katherine a levantar o véu. Em lugar de estimular sua paixão, suas sedutoras palavras a assustaram. Ela pensou que ele atuaria como aqueles que a tinham feito mal. Mas Ramsés deu um grito afogado de assombro. A beleza de seu rosto na tumba empalidecia ante a assombrosa beleza que agora ficava ao descoberto. Acariciou seus lábios com seus dedos, carnudos amadurecidos. As bochechas de Katherine eram redondas e suaves quando ele acariciou sua suave sedosidade. Seu pequeno nariz se inclinava para o céu. Como signo de exclamação de sua beleza, acentuava-a. Ramsés se sentia como se estivesse contemplando uma bela miragem que se desvaneceria ao piscar.

Então, seu olhar se deteve em à cicatriz. O corte branco contrastava com sua pele ligeiramente dourada. Então lhe olhou fixamente nos olhos. Aí se encontrava ele, perdido, afogado em um redemoinho de paixão que o arrastava a um oásis infinito.

—Estou te olhando, Kalila. E o único que vejo é beleza.

Ao alargar a mão para tocar-lhe o rosto, Katherine se apartou.

—Não minta. Não sou um fenômeno da natureza, Ramsés. Sou uma mulher. Sei que sou monstruosa. Mas ao zombe burle de mim, gritou ela.

—Jamais faria algo assim, afirmou ele serenamente. Mas suas feridas eram muito profundas as palavras não funcionavam. Só uma demonstração o faria.

Estreitou Katherine entre seus braços. Sujeitando-lhe o queixo, dirigiu-a para ele. Brandamente, ele pressionou seus lábios contra os dela. Entregando-se a seus lábios de mel, Ramsés sentiu que perdia todo controle. Ele degustou impacientemente sua doçura como um homem faminto desejando uma fruta. Apartando sua gloriosa juba. Ele abriu lentamente seus lábios, procurando uma entrada. Quando ela timidamente devolveu suas carícias com a língua, ele deixou escapar um profundo grunhido e a soltou.

O a cativou com seu olhar de pálpebras cansadas.

—Minha bela Kalila acaso agora acredita? Perguntou com a voz embargada pela paixão.

Ela acreditou. Apesar de seu aspecto, Ramsés acreditava que era bela. O coração de Katherine palpitava de amor por aquele homem, quem encheu de suaves beijos sua cicatriz, sufocando sua ardente vergonha com serena ternura. Ramsés trouxe luz aos cantos mais escuros de sua alma e iluminou a beleza que residia em seu interior. Seus reluzentes olhos da cor do âmbar refletiam a bela mulher que ela sempre quis ser.

Apertou-lhe os ombros.

—Kalila. Não posso te prometer muito. Agora não. Mas posso te prometer o seguinte. Serei seu protetor. Proteger-te-ei sempre e guardarei sua vida com a minha própria. Prometo te manter a salvo do perigo.

Aquela enigmática afirmação a deixou perplexa. Enquanto isso, Ramsés lhe sujeitava o rosto.

—Kalila, disse-lhe brandamente. É tão bela. Desata sua paixão e me deixe te amar como merece ser amada.

Katherine retrocedeu, corroída pelos remorsos. Ela o desejava, mas não podia seguir adiante com aquilo.

—Não, Ramsés. Isto não está bem. Ela lutava contra sua poderosa sensualidade, que a enchia de desejo.

Quando ele a beijou na comissura dos lábios, o roce de suas bochechas lhe abrasou a pele.

—Como vai estar mau, pequena? Você me deseja?

Passou-lhe os dedos pelo cabelo, obrigando-a a inclinar a cabeça para trás enquanto ele se equilibrava sobre seu pescoço, enchendo sua esbelta coluna com delicados beijos. Ela reprimiu um gemido de prazer.

—Não posso fazê-lo.

—Disse que faria algo para perder a virgindade e evitar seu casamento com o beduíno lhe disse ele à orelha. Seus dentes lhe mordiscaram o lóbulo, e a seguir o lambeu delicadamente.

—Assim é. Faria algo para deter meu casamento.

Ramsés se deteve e levantou a cabeça. Em seus olhos se refletia semelhante sentimento de posse que ela se estremeceu.

—Então, me conceda… a honra suprema de ser o primeiro, sussurrou ele.

Antes que pudesse responder, lhe começou a desabotoar a camisa com destreza, deixando-a cair no chão. Seus dedos acariciaram sua pele nua, percorrendo a curva de sua nuca. O tato de Ramsés era tão ardente que sua pele ameaçava incendiar. Ela começou a tremer de desejo.

Katherine pensou em seu encontro com a cobra e seu voto de não voltar a confiar em belas e selvagens criaturas a menos que tivesse a completa certeza de que não a fossem machucar. Compreendeu que Ramsés jamais lhe faria mal. Ela confiava nele e desejava entregar-se a sua paixão.

Ao recordar o corpo ossudo e grosso de Nazim, além do cabelo negro e descabelado que sobressaía de seu turbante, Katherine franziu o nariz. O beduíno não a acendia do mesmo modo que Ramsés. Ela se sentia atraída por Ramsés e o poderoso mistério que tinha noivo desvelar com seus ardentes beijos.

As sombras dançavam no rosto de Ramsés. Seus polegares lhe acariciaram brandamente os lábios, como se procurassem respostas. Quando ele falou, sua voz acariciou sua sensível como um gato ronronando.

—Me demonstre quanto quer que te ame, doce Kalila. Tire a roupa.

Depois de tomar ar, ela o demonstrou despojando-se de suas roupas de seda. O ar acariciava sua pele nua. Cobrindo-os peitos com mãos trêmulas, Katherine se elevava ante ele, rezando para que ele desse seu visto bom.

—Não se oculte, doce Kalila, posto que desejo ver toda sua beleza. Ramsés afastou seus esbeltos pulsos, deixando ao descoberto seus peitos ante seu faminto olhar. Seus olhos ambarinos se encontraram com os verdes dela.

—Se eu sou Atem, Minha Kalila, então é sua beleza o que inflama meu coração, posto que é mais radiante que a luz de mil sóis ardentes.

Beijou-lhe as mãos com semelhante respeito, que ela se sentiu como uma antiga deusa egípcia adorada por uma multidão de fiéis. Mas Katherine não necessitava massas de pessoas que a venerassem. O único precisava era a Ramsés e a aprovação em seus olhos ambarinos.

Ele cobriu sua pele com doces beijos enquanto acariciava a esbelta curva de seu pescoço. Ramsés se deteve, lhe dedicando um sorriso cheio de sedutoras promessas ao mesmo tempo em que tirava a calça. Katherine tragou saliva enquanto seu olhar se detinha na rigidez que se erguia firme e orgulhosa entre suas pernas. Havia-lhe visto nu quando cuidou dele. Mas então era um homem débil e indefeso. Agora não estava débil nem indefeso. “Imensa lança de guerreiro” já não era um término adequado. Era… esplêndida.

Ela se avermelhou por completo, deixando-se vencer pelo acanhamento e sentindo-se tola.

—Ramsés, não sei… como se faz.

Ele a arrastou à cama e lhe fez sentar-se.

—Meu amor, farei eu. Eu te ensinarei como fazê-lo.

O desejo de lhe revelar a verdade residia em seu interior. “É minha. Reclamo-te como minha noiva, doce Katherine. Ninguém mais existirá à exceção de nós dois, noivos um ao outro durante toda a eternidade”. Ramsés desejava abrir a cripta em que residia seu coração. Mas seu instinto lhe dizia que a mantivesse fechada. Tentaria escapar se ele o contasse? Os laços que a uniam a lorde Smithfield eram muito fortes. Quando reclamasse Katherine, aqueles laços se debilitariam. O entusiasmo brilhava em seus olhos esmeraldas. Ele acariciou um de seus peitos com a mão. Seu polegar riscou um círculo ao redor de seu mamilo rosado até fazê-lo endurecer. Katherine ficou vermelha ao mesmo tempo em que a paixão escurecia seus olhos verdes. Sua excitação desatou a besta insaciável que uivava dentro dele.

—Lentamente, disse ele tomando ar, retirando a mão. Iremos muito lentos, minha pequena flor de lótus. Não há nenhuma razão para correr.

Queria que Katherine desatasse a paixão que ele tinha percebido no Shepheard enquanto se beijavam. Seu corpo ficou tenso com apenas pensá-lo. Invadiu-lhe a imperiosa necessidade de fundir seu corpo com o dela, afundar-se em seu intenso e confortável calor. Ramsés tomou ar e se concentrou na tarefa de excitá-la. Porque quando a tomasse, ela tinha que estar completamente preparada para recebê-lo.

Acariciando-lhe os lábios, lhe falou na boca.

—É tão doce, tão inocente. Deixe-me te ensinar a respeito da paixão e de seu corpo.

Suas mãos se deslizaram por sua pele de ardente veludo, deixando um rastro de fogo a seu passo. Continuando, Ramsés as posou em seus redondos quadris, as apertando brandamente.

—O corpo de uma mulher é completamente diferente ao de um homem. Estamos formados de distinto modo, mas estamos feitos para encaixar perfeitamente quando fazemos amor. Disse ele, dirigindo suas mãos a seus quadris. Ela as acariciou e a seguir, percorreu a superfície plana de seu forte estômago.

—São muito mais amplos que seus, murmurou ela em voz alta.

—Assim é como deve ser, disse ele com doçura. Seu corpo está desenhado para trazer ao mundo novas vidas. Há uma razão atrás das belas curvas de seus quadris, querida. Vê como parece, quão belo seu corpo me resulta?

Ramsés lhe apartou o cabelo para beijá-la na nuca.

—Adoro este ponto de seu corpo, parece estar feito para meus lábios.

Seu corpo se alagou de calor. Katherine se sentia torpe, mas o instinto a conduzia a explorar. Com um dedo percorreu seu queixo partido, o contorno de sua mandíbula e logo o deslizou por seu pescoço até chegar à nuca e os ombros. Tocou a ferida retangular em que a bala tinha perfurado sua carne. Katherine posou seus lábios nela e saboreou o leve sabor de sal em sua pele. Só de pensar que Ramsés esteve a ponto de morrer, as lágrimas apareciam em seus olhos. Ramsés lhe acariciou o cabelo e lhe beijou a cicatriz.

Katherine passou a palma de sua mão pelo suave pêlo que cobria seu peito. Tão diferente. Forte, como as rochas que os rodeavam. Firme em lugares nos quais ela era suave.

—Sim, disse ele. Em sussurro. Me toque, Kalila. Acaso não sente curiosidade?

—Sim, confessou ela, percorrendo com suas mãos os fortes e resplandecentes músculos de seus braços e ombros. Semelhante força, entretanto, tocava-a com muita delicadeza. O fogo alagou seu corpo quando lhe acariciou os peitos. Capturando sua boca, Ramsés lhe lambeu o lábio inferior, e logo o mordiscou delicadamente. Katherine deixou escapar um gemido de ardente desejo quando lhe retorceu sensualmente os mamilos. Então desviou o olhar a seu colo, e logo voltou a encontrar-se com seu olhar divertido. Ramsés riu entre dentes.

—Nunca antes tocou um homem, verdade, pequena?

Ramsés conduziu sua mão a palpitante dureza que aparecia entre suas pernas. Ela fechou os dedos ao redor daquela grossura de aço. Como sua cimitarra, embora revestida de veludo, pensou ela vagamente, acariciando sua longitude. Um grito afogado saiu de sua garganta. Apartou-lhe a mão e a beijou nos dedos. Em seus olhos dourados se refletia uma febril intensidade.

—Não mais, doce Kalila, ou do contrário perderei o controle!

Seu olhar ambarino capturou a seu com terno respeito. Como se fosse sua noite de bodas. Katherine desejou ser sua noiva. Ao menos até que o amanhecer os devolvesse à realidade, ela poderia sonhar que aquela noite ele seria dele, para sempre.

Sua noiva. Ele seria o primeiro a tocá-la, em degustar sua doçura. Ramsés desejava Katherine mais do que jamais tinha desejado a mulheres cujos leitos tinha desejado com insaciável abandono. De repente, veio-lhe à cabeça o desejo secreto que pediu quando lhe tatuaram. “Se minha trombadinha de olhos verdes fosse a mãe de meus filhos, teria mais bebês que as estrelas”

Aquele pensamento o alagou de uma ternura possessiva. Contemplou a débil curva de seu abdômen, imaginando-o redondo e com seu filho dentro. Um bebê, concebido com ardente paixão. Ela levaria sua marca.

Sua voz interrompeu seus pensamentos, sobressaltando-o.

—Ramsés, o que acontece? Em que pensa?

—Em ti, respondeu ele sinceramente.

Ela tinha um corpo apropriado para o amor… e para ter meninos. Ramsés a beijou, sentindo que seus lábios se abriam levemente sob a pressão dos seus. Sua sensualidade lhe deslumbrava. Tombando Katherine delicadamente sobre a cama, Ramsés acariciou sua pele de seda, deslizando-se por ela. Quando ele roçou a suave mata de escuros cachos, continuando depois mais abaixo, seu corpo se arqueou contra o seu. Delicadamente, ele introduziu um dedo em sua passagem, regozijando-se em sua umidade. Katherine deixou escapar um gemido quando lhe acariciou a pele.

Um amplo sorriso se desenhou em seu rosto. Oh, sim, ela estava preparada. Estava úmida e tenra para ele. O pensamento de introduzir-se completamente em seu interior o deixava louco de desejo. Ramsés baixou a vista.

—Seu corpo foi feito para receber o meu , pequena Te provoca isto prazer?

—Sim, disse ela, ofegando enquanto ele continuava acariciando-a, incrementando sua excitação.

Pequenos gritos de excitação retumbaram no ar com cada hábil carícia de seus dedos. Enquanto ela se arqueava e elevava seus quadris em resposta a ardente umidade que ele criava, um instinto primitivo e viril lhe exigia tomá-la naquele preciso momento. Ele se deteve, procurando controlar sua respiração. Ramsés dirigiu sua boca a dela e lhe deu um intenso e voraz beijo.

Sofrendo um desejo recém descoberto, Katherine lhe rodeou o pescoço com seus braços e se entregou a ele. Ele deixou escapar um grunhido enquanto suas mãos exploravam os músculos de sua nuca. Suas línguas se uniram em uma dança exótica tão selvagem como a que ela tinha dançado para ele e um calor líquido percorreu seu corpo.

Ele retirou sua boca e deixou um rastro de apaixonados beijos na parte mais sensível de seu pescoço. Katherine choramingava enquanto os lábios de Ramsés dançavam sobre sua pele nua, inflamando-a como se o deus do Sol beijasse sua pele. Seus lábios se posaram em um peito.

Ela sentiu algo quente e deliciosamente suave ao redor de seu mamilo enquanto Ramsés rodeava com a língua e o sugava com força. Katherine soltou um gemido.

—Ramsés, disse ela gemendo. Alguma vez teria imaginado… são estes os prazeres que um homem provoca em uma mulher?

Levantando cabeça, lhe passou a mão pelo cabelo e lhe lançou o fôlego na boca.

—Estes são uns quantos. Tenho muitos mais que te mostrar. Os guerreiros de minha tribo têm um ritual. Chamamos o segredo dos cem beijos.

Ramsés começou a demonstrar-lhe Ele percorreu a ponta de sua língua pela curva de seu lábio inferior. Sujeitando-o entre seus dentes, mordiscou-o. O tigre a tinha apanhado com sua paixão, e ela andava pela jaula por vontade própria. Katherine enredou seus dedos em seus largos cachos de cetim, com a única intenção de fundir-se ainda mais em seu abraço.

—O segredo dos cem beijos é muito conhecido entre os guerreiros, sussurrou ele, beijando-a na comissura dos lábios. É uma demonstração das proezas sexuais de um guerreiro.

Ela deu um grito afogado quando ele lambeu e beijou o vale entre seus peitos com ânsias de posse. Seu tato era ligeiro, seguro e ardente como o sol abrasador. Os dedos de Katherine se fecharam sobre suas costas de mármore enquanto ele a reclamava com a boca. Costelas, ventre, a parte inferior de seus peitos, nada escapava a seus apaixonados beijos, seguidos do movimento circular de sua língua. Ramsés sabia criar um ritmo nas superfícies. Ele a tocava como um tambor, cada golpe se fundia com o ritmo de seu coração, obrigando-a a seguir seu ritmo.

Ela arqueou as costas enquanto lhe lambia o contorno do umbigo, ameaçando descer ainda mais. Katherine pôde conectar as cordas vocais com o pensamento.

—E, ah, qual é o segredo dos cem beijos?

Ele levantou a cabeça e lhe dirigiu um sorriso perigosamente malicioso. O fogo ardia em seus olhos dourados. Suas mãos acariciaram suas suaves coxas, fazendo-as abrir-se. Ramsés ficou contemplando seu sexo com um olhar cheio de intenção que a enchia de júbilo ao mesmo tempo em que a assustava.

—Não tenha medo, pequena flor de lótus, não te farei mal.

Então agachou a cabeça e a introduziu naquele lugar oculto que nenhum homem havia tocado jamais e que reclamaria como seu com o segredo dos cem beijos.

Os dedos de Katherine sujeitaram os lençóis com força enquanto um calor abrasador alagava seu corpo. Ramsés estava equivocado, posto que seus lábios inquietos e os hábeis movimentos circulares de sua boca a enchiam de deliciosa agonia de um prazer líquido. Estremecendo-se de desejo, ela se retorcia quando ele a lambia, beijava-a e a amava com a língua. Quente veludo roçava sua suavidade feminina, cada vez mais rápido e fogo lhe percorria o corpo enquanto ela agitava os quadris. Katherine deixou escapar um gemido de doce tortura que infligia sua boca selvagem. O prazer era tão intenso, que assim era doloroso.

—Por favor, Ramsés…

Ele levantou a cabeça e riu entre dentes.

—Não resista, doce Kalila. se relaxe deixe que o sol te venere do modo que merece.

Ela era tão ligeira, frágil e delicada. Tão miúda, como um sonho. Ele bebeu ansiosamente da fonte de sua doce inocência. A sede assaltou a sua alma enquanto ele a degustava, tão pura e refrescante como as águas cristalinas de uma fonte borbulhante. A língua de Ramsés percorria sua terna e rosada pele. Ele notou que suas coxas de cetim se elevavam enquanto suas mãos os pressionavam contra a cama. Ainda não. Resolvido a levá-la às cúpulas da paixão antes de reclamar sua completa posse, ele prosseguiu. Sua bela Kalila respondeu a suas sensuais carícias, os doces sucos fluindo como rico e suculento néctar.

A doce intensidade aumentou. O prazer alcançou seu clímax, as palpitações em suas vísceras seguiam o mesmo ritmo que Ramsés tinha golpeado em seu darrubuka. Ela se esticou e seu corpo ficou rígido, como a pele do tambor. O fogo lhe percorria a pele com semelhante intensidade que ela não sabia se poderia suportá-lo. Deu um grito afogado, sentindo as ardentes chama.

—Ramsés, disse, agarrando-o pelas costas. Ah, ah…

Katherine gritou seu nome, retorcendo-se e estremecendo-se pelo inferno que a consumia. Ramsés lhe deu outro beijo tranquilizador, acalmando-se com ela e a seguir levantou a cabeça e lhe deu um beijo em cada coxa aberta. Então de deslizou para cima e a estreitou entre seus braços, beijando-a apaixonadamente. Katherine provou o néctar de seu próprio desejo em seus lábios. Então a cobriu com seu enorme corpo. Ela agradeceu seu peso enquanto lhe estendia os braços por cima de sua cabeça.

Aquele era o momento que tinha estado esperando desde que ela o beijou inocentemente no hotel. Suas vísceras, levadas a um estado de crescente tensão, pediam a gritos sua liberação. Ramsés sentiu o possessivo orgulho de ser o primeiro.

Com a voz rouca, quebrada pela paixão, Ramsés pronunciou os votos da noite de bodas do Guardião em antigo egípcio.

—Minha querida esposa. Não posso esperar para te fazer minha. Meu amor, nos fundimos agora e nos convertamos em um corpo e que nossos espíritos permaneçam juntos durante todo o resto da eternidade.

Apesar de ela não entender o que dizia, Katherine tinha a sensação de que aquelas palavras ritualistas eram algo mais que umas palavras sussurradas no fulgor da paixão. Enquanto Ramsés se situava entre suas coxas abertas, o dedo do terror lhe acariciou as costas. Ela deu um grito afogado ao sentir sua plenitude. Ele se moveu lentamente para adiante, retirando-se dela. Seus dedos se afundaram em seu corpo. Ramsés lhe sussurrou a ordem de que o olhasse. Enquanto ela fixava seu olhar esmeralda no seu ambarino, ele empurrou para adiante. Quando ele transpassou a barreira da inocência, lhe assaltou uma dor penetrante. Ele capturou seu grito com sua boca.

—Relaxe, pequena, sussurrou-lhe na boca. Não se mova. Já passou. Ele a encheu de beijos na bochecha esquerda.

Katherine viu que Ramsés a olhava com terna preocupação. Cresceram-lhe as veias do pescoço e seus músculos se esticaram. Inflaram-lhe as fossas nasais como se estivesse executando um importante esforço físico. A julgar por seu olhar, Katherine compreendeu que para aquilo Ramsés era algo mais que fazer amor. Seu espírito se confundiu com o seu quando seus corpos se uniram. Ela se fundiu nele de tal modo que não sabia dizer quando começava um e terminava o outro. Superada pela intensidade do momento, ela começou a chorar.

Ramsés enxugou uma lágrima que se deslizava pela comissura de seu olho. Um orgulho masculino que a reclamava como própria se mesclava com o medo a lhe fazer dano. Sussurrou-lhe palavras ternas ao ouvido, lambendo docemente a água salgada de suas bochechas. Sua passagem feminina se fechou ao redor dele, revestindo-o de uma umidade ardente. Ele controlava sua respiração, sentia que a besta que levava dentro queria penetrar em seu interior. Mas os dedos de Kalila, que lhe apertavam com força, advertiram-lhe que devia ir devagar.

Em toda sua experiência fazendo amor com mulheres, jamais havia sentido semelhante assustadora ternura mesclada com ardente paixão. Era como se seu leb, seu coração, tivesse abandonado seu corpo e se enredasse com o seu, do mesmo modo que seus corpos. Um instinto primitivo e possessivo lhe dizia que devia formar uma nova vida em seu seio.

Ele se retirou lentamente dela e voltou a introduzir-se. Soltando suas mãos, ele apoiou as suas a cada lado dela. Os músculos de Katherine se relaxaram. Sustentando-lhe o olhar, ele se retirou dela lentamente e logo a penetrou de novo. O tenso calor que ela desprendia era incrível. Katherine elevou os quadris para lhe corresponder com suas inexperientes e instintivas estocadas. A besta, ao fim liberada, na noite, ofegando com o prazer da liberdade sem limites. Poderia tomar Katherine uma e outra vez e jamais saciar sua sede dela.

Quando seus minúsculos músculos se esticaram para encontrar-se com suas fortes estocadas, seus movimentos adquiriram uma nova cadência. Ele aumentou o ritmo, apoderando-se dela com uma necessidade imperiosa.

—Bela companheira de meu coração, disse docemente, em egípcio antigo. Eu sou seu Guardião dos Séculos, e jurei te proteger e te defender até o resto de meus dias. Agora somos um, minha carne se fundiu com a tua. Meu espírito se uniu ao teu para o resto da eternidade. Meu coração se fundiu com o teu. Jamais nada nos separará.

Com um rugido de poder, como o de um tigre encerrado liberado ao fim, Ramsés levantou a cabeça, gritando.

—Kalila, meu amor! Como se a paixão se realizasse e ele a semeasse com sua semente.

 

Jamais tinha experimentado uma satisfação tão completa, um sentimento que o deixasse tão satisfeito e depravado, aliviando sua consciência de guerreiro. Finalmente, tinha encontrado sua fonte de vida, embebido dela e aplacada sua insaciável sede. Ramsés se sentia como se tivesse terminado de percorrer o árido deserto e descobrisse um oásis de eterno frescor.

Sua querida Katherine o deixou tranquilo e satisfeito. Ramsés se retorceu, estirando-se com lânguido prazer, desfrutando do tato de seus músculos poderosos, que recuperavam sua força habitual.

—Agora é minha, Kalila. Jamais te deixarei partir, disse ele, brandamente, em egípcio antigo.

Ele a retirou delicadamente do abraço protetor de seus braços. Ramsés massageou a cabeça, deleitando-se na suavidade de seus largos cachos.

Ela estava destinada a ser dele, em corpo e alma, durante o resto da eternidade, unida a seu coração. Uma dolorosa ternura e um feroz instinto de amparo invadiram seus sentidos. Ele só queria protegê-la do mundo, guardá-la das crueldades e a dor que outros lhe tinham infligido. Se pudesse, ele a guardaria naquela cova, como um precioso amuleto de ouro puro, longe daqueles que lhe tinham feito mal.

Descansando a mão em seu ventre, pensou no modo em que tinham compartilhado seus corpos. Ele tinha beijado a pele de seu ventre com ternura. Como seria o filho de ambos? Um filho varão, é obvio, ele queria um filho que seguisse seus passos e fizesse seu juramente como guardião. Mas uma menina também, uma como Kalila que tivesse seus cativantes olhos verdes. Ele fechou os olhos, e se imaginou a si mesmo lhe contando histórias do deserto, levando à cama e beijando-a na testa.

Não se terminava de decidir a respeito do que preferia. Possivelmente tinha concebido, a ele ou ela, aquela mesma noite. Aquele pensamento o encheu de semelhante ternura que seu coração estava a ponto de estalar. Ele posou a boca na leve inclinação de seu abdômen e começou a cantar.

—Ramsés O que está fazendo?

Katherine parecia divertida.

“Estou cantando a nosso bebê” Ele continuou cantando brandamente sobre sua doce pele.

Ele entregou seu coração a Katherine. Tinha ido ao deserto a desencardir sua alma e preparar seu espírito para o matrimônio. E aí tinha encontrado seu leb, seu coração, oculto em uma cova, como uma pedra preciosa descoberta nas profundidades da terra.

Ele entregaria sua espada para protegê-la e defendê-la. E Katherine poderia utilizar a espada para cortá-lo em pedacinhos, posto que tinha expressado seu desejo de perder de vista a seu noivo. Mas o amaria do mesmo modo que ele quando soubesse que era seu “velho pastor de cabras beduíno”? Sentir-se-ia ela tão apegada à cultura inglesa que rechaçaria a ele e a todo o egípcio?

Ramsés sentiu um profundo pesar. Deixou de cantar, imaginando seus olhos convertidos em gelo verde quando a entregasse a seu povo. Mas não devia pensar nisso aquela noite. Aquela noite era mágica, tecida por sua encantadora flor de lótus. Aquela noite era para os sonhos, para sonhar com o bebê que possivelmente tinham criado. Aquela noite era para o amor, inclusive se tivesse que fingir que ela o compartilhava com ele.

Katherine escutou a bela melodia que seu amante cantava em sua pele. Jamais tinha conhecido a um homem tão viril e masculino e de uma vez tão terno. Seu coração transbordava amor. Ele deteve a canção, fez vibrar a cama e ela apoiou a cabeça em seu peito. Se aconchegou contra ele, escutando os batimentos firmes e constantes de seu coração. Em seu forte e seguro abraço ela podia esquecer todas suas preocupações e temores. Katherine sorriu e agitou as pernas, deixando escapar um leve e involuntário gritou pela dor no meio das pernas.

Ela percebeu que ele se revolvia.

—Continua doendo… quase me esqueço. Não se mova.

Seus lábios deixaram escapar um protesto, mas ele pressionou um dedo neles antes de abandonar o leito. Foi procurar uma terrina de água e um trapo limpo e se ajoelhou a seu lado. Molhou o trapo na água, espremeu-o e lhe abriu as coxas. Impressionada, ela sentiu que uma fria umidade acariciava sua carne enquanto seu amante lhe limpava o sangue com a mão.

—Ramsés, isto é muito… íntimo! protestou ela.

—Shhh, não é. Deixa que cuide de ti. Para minha gente, esta é uma tradição. Só que utilizamos as ervas para acalmar a dor. Mas aqui não disponho das ervas que necessito.

Ramsés interrompeu seus cuidados e se tombou a seu lado, estreitando-a entre seus braços. Beijou-a e começou a cantar delicadamente. A cadência tranquilizadora de sua voz e a força de seus braços protetores lhe deu sono. Ele deixou de cantar, beijou-a no cabelo e ela afundou a cabeça nele.

Seus olhos se fecharam e ante ela apareceram imagens de sua paixão. De repente as imagens mudaram. Converteram-se em imagens escuras.

Uma tumba, sinistra e profunda, reclamava-a.

Katherine se agitava em sonhos, sustentava a tampa do sarcófago enquanto este se fechava ante seu rosto apavorado.

 

Katherine despertou sobressaltada enquanto a tenebrosa tumba que aprisionava seu corpo se rompia em pedaços. Tremendo, esfregou os olhos, sacudindo as teias do pesadelo. Raios de luz rosados entravam na cova. Ela se apoiou nos cotovelos para contemplar Ramsés, desesperada para refugiar-se em seu enorme e sólido corpo. Ele dormia, com o braço esquerdo estendido por cima de sua cabeça, sustentando seu rosto. Aqueles lábios sensuais, que tinham criado rios de prazer, abriam-se levemente enquanto respirava. Katherine deteve o olhar na covinha que partia seu forte queixo. A seguir acariciou sua espessa cabeleira, maravilhada por sua textura aveludada. Parecia tão indefeso e adorável. Os lençóis se enredavam em seus quadris deixando ao descoberto a ampla extensão de seu peito e as cicatrizes ali gravadas. Sobressaía-lhe um pé do lençol. Ela se aconchegou contra sua firme silhueta, desejando afundar-se nele.

Ela o necessitava acordado, para que seus fortes braços rodeassem seu corpo e afastassem o terrível pesadelo de morrer sepultada. De repente lhe ocorreu uma travessura. Katherine saiu da cama e se ajoelhou na borda. Começou a lhe roçar o dedo indicador pelo pé exposto. Ele se deu a volta, grunhindo. Ela franziu o cenho. Voltou a lhe fazer cócegas.

—Desperta, querido. Chegou o momento de levantar-se com minhas cócegas, sussurrou ela.

Ramsés se revolvia e dava chutes, mas ela se inclinou maliciosamente sobre ele e lhe mordeu delicadamente no tornozelo. Ele puxou para um lado os lençóis com uma velocidade pasmosa. Nu, equilibrou-se sobre ela e lhe rodeou a cintura. Ela se sentia cativa nas garras de uma poderosa ave de presa. Quando ele a fez girar por cima de seus joelhos, ela chiou e se retorceu, mas ele a sujeitava com força. Ramsés a golpeou brandamente no traseiro. Katherine ria e se retorcia.

—Me solte! Protestou ela entre risadas.

—Não, até que receba seu castigo por haver me despertado, grunhiu ele, dando outro suave soco. Então ela notou que sua boca lhe plantava um suave beijo no traseiro.

—Ramsés! Disse-lhe ela, entre risadas.

Ele respondeu com outro grunhido e lhe deu uma carinhosa dentada, ao que seguiu o movimento circular de sua língua.

Seus braços a elevaram no ar de novo e a tombaram de barriga para cima na cama. Ramsés procurou seu rosto.

—Agora estou acordado. E tenho fome, mas não de comida, ronronou ele com voz de depredador. As bolinhas douradas de seus olhos se obscureceram. Arqueou as sobrancelhas escuras com picardia com a ameaça velada do prazer.

Estremecendo-se com antecipação, Katherine tentou liberar-se de seu abraço, mas ele se equilibrou sobre ela e se sentou escarranchado em cima dela. Sujeitando-lhe os pulsos por cima da cabeça, cobriu-lhe de beijos o peito, excitando-a com as delicadas carícias de sua língua.

Katherine se derreteu formando um atoleiro de puro desejo.

Ela se retorcia à medida que o prazer aumentava. Seus quadris responderam a sua chamada, movendo-se espasmodicamente ao tempo que ele procurava seus peitos. Ramsés os sugava e mordiscava brandamente, provocando-a com os delicadas lambidas de sua língua. Ela deixou escapar um gemido, ansiosa de que se introduzisse em seu interior. Soltando seus pulsos, lhe massageou os peitos com suaves carícias. Um débil sorriso apareceu em seus lábios ao advertir sua respiração entrecortada. Ramsés estava igualmente excitado.

Acariciou-lhe a curva do pescoço, lhe beijando delicadamente centímetro atrás centímetro, como se a estivesse degustando. Seu tato se converteu em uma dança luminescente que afugentava a escuridão arrepiante de seu pesadelo. Katherine lhe rodeou o pescoço com seus braços, não podendo resistir ao aroma de almíscar de sua paixão, estreitando-o como se fosse uma coluna revestida de mármore e força.

—Ramsés, por favor, não me solte, sussurrou-lhe ela. Os suaves e ardentes beijos se detiveram. Suas mãos lhe sujeitaram o rosto, aproximando-o do dele.

—Que problema há?

Assaltaram-lhe as lembranças do pesadelo. Ela se estremeceu, incapaz de expressar o terror que lhe assediava. As carícias de Ramsés eram tranquilizadoras, como se pudessem dissipar as diabólicas sombras com as ardentes pontas de seus dedos.

—Um pesadelo, pequena?

Katherine assentiu com a cabeça. Ramsés se incorporou, com aspecto preocupado. Os fortes músculos de seus braços saíram à superfície ao flexionar os bíceps, como se tivesse que bater-se em duelo com as forças que habitavam em seu inconsciente. Parecia tão forte, poderoso e protetor que ela acreditava que podia derrotar a seus inimigos com um simples golpe. Então se lembrou. Tocou-lhe o braço com a mão trêmula. Ela era seu inimigo, o mesmo que tinha cometido um delito contra sua gente. Como podia esperar que aquele homem a protegesse?

Ramsés se passou o polegar pelo lábio inferior. Queria possuí-la agora. Seu corpo se estremecia de desejo, mas conteve sua excitação com rígida autodisciplina. Havia assuntos mais importantes. Algo a tinha assustado enquanto dormia. O desejo de protegê-la era tão urgente como a excitação que o devastava. Ramsés flexionou seus poderosos músculos, desejando ter um inimigo físico ao que derrotar. Mas aquilo era muito mais singelo que derrotar aos demônios invisíveis que torturavam Kalila. Ao vê-la tão miúda e frágil, lhe encolhia o coração e queria estreitá-la para não soltá-la jamais. Sua natural tendência a protegê-la entrou em conflito com alguns questionamentos que ficavam por responder. Ele tinha feito o voto de proteger Katherine, mas como ia fazer se ela se negava a revelar a conspiração? Um grunhido de frustração se elevou por sua garganta. Precisava ter tudo sob controle para poder protegê-la e aquilo significava que tinha que encontrar respostas.

Se ganhasse sua confiança, ela possivelmente se abriria. Ramsés passou a mão pelo cabelo, pensativo. Tinha despertado sua sensualidade introduzindo-a nos prazeres que compartilhavam os homens e as mulheres. Possivelmente poderia convencê-la de que podia confiar nele do mesmo modo. Implicitamente. Katherine tinha lhe mostrado a parte mais dolorosa de sua alma lhe mostrando sua cicatriz. Ramsés se perguntou se podia dar um passo mais à frente. Percorreu o contorno dos lábios de Katherine com o dedo indicador.

—Kalila, se deixar que o medo guie suas emoções, paralisar-te-á. Sei por experiência própria, afirmou ele.

—Mas não posso evitar me sentir assim, protestou ela.

—Mas pode controlá-lo. Confia em mim. Sei como fazê-lo. Quer que te ensine?

Ela o olhou de soslaio.

—Eu não sou nenhum guerreiro, Ramsés. Não posso ser tão valente como você.

Ele soltou uma gargalhada que fez com que ela franzisse o cenho.

—Acredita que por ser guerreiro Khamsin, sou valente de nascimento? Ele apartou o olhar e voltou a olhá-la. Respirou fundo e ela teve a sensação de que ia revelar algo de grande importância. Um segredo.

—Kalila, quando estávamos presos na tumba e você apagou a tocha, pedi que não me abandonasse. Fechou os punhos de tal maneira que os nódulos lhe puseram brancos. Se te pedi que não me abandonasse, não foi porque necessitasse seu silêncio a respeito da cova. Fiz porque… porque tinha medo.

Katherine ficou olhando-o, profundamente comovida por seu valor ao lhe revelar algo que tinha que ser de difícil confissão.

—Quando tinha seis anos, fui amordaçado e abandonado na cova secreta de minha tribo que alberga nosso bebedouro. Durante seis horas… junto com o corpo sem vida de um de nossos guerreiros. Quando ao fim pude sair, senti um medo paralisador em todos os espaços escuros e fechados. Sobre tudo nas tumbas.

—Oh, Ramsés! Quem te fez algo tão terrível?

Ele a estudou com os olhos entreabertos, profundamente aliviados de que ela não zombou dele. A ira protetora de sua voz o enterneceu.

—Meu melhor amigo Jabari. Nossa tribo tem uma antiga tradição que rende tributo aos guerreiros que morrem valorosamente e consiste em transladar seus corpos sem vida à cova sagrada para que fiquem em capela ardente durante um dia. Meu povo acredita que o espírito do guerreiro persiste e benze a cova antes de ir-se ao paraíso. A mãe de Jabari estava a ponto de dar a luz. Sempre me gabava de que os Guardiões Khamsin nasciam na cova para receber o poder daqueles capitalistas guerreiros. Jabari me levou até ali e me amordaçou, alegando que necessitava mais poderes especiais e que devia recebê-los diretamente da fonte.

Ela o olhou perplexa.

—Deixou-te sozinho durante seis horas com um cadáver na escuridão? Que crueldade?

Ele encolheu os ombros.

—Não queria me deixar ali, mas se esqueceu de mim ao visitar sua mãe e o novo bebê. Mas o medo me limitava. Os Guardiões Khamsin são adestrados para encerrar-se em covas durante curtos períodos para meditar. Sabia que se não aprendia a controlar meu medo pelas covas, fracassaria em meu dever.

—Como o fez?

Ramsés lhe deu um golpe no nariz, satisfeito com o interesse mostrado.

—Meditação e respiração. Controlando minha respiração, aprendi a dominar o medo. Posso me inundar em um profundo estado de transe meditativo e diminuir a respiração até o ponto de necessitar pouco ar.

—É por isso que te pôs a meditar na tumba?

—Sim. Um azedo sorriso apareceu em seus lábios. Tinha-o completamente controlado até que apagou a tocha.

Ela abriu seus enormes olhos verdes.

—Sinto muito, disse-lhe ela.

—Não se desculpe. Foi uma tática excelente para escapar. Um movimento de guerreiro. Eu teria feito o mesmo, disse ele sorrindo.

Ramsés deu um tapinha no chão.

—Sente-se. Ensinarei você a meditar. Nos minutos seguintes, lhe ensinou a inalar pelos orifícios nasais, escutado o som de seus pulmões enquanto se enchiam e se esvaziavam. A seguir lhe sujeitou seus delicadas pulsos.

—Kalila, disse-lhe brandamente. Quero que prove algo distinto. Não se alarme. Para isso deverá confiar em mim.

A dúvida apareceu em seu rosto. Ela esticou os músculos do pescoço e tragou saliva. Katherine lhe dirigiu um valente sorriso e assentiu com a cabeça. Incapaz de não tocá-la, Ramsés lhe passou a mão pelo cabelo, lhe massageando o couro cabeludo.

—Tem certeza?

De novo assentiu com a cabeça, esta vez com maior firmeza.

Ele pressionou os lábios contra os seus e se voltou para trás. Ramsés foi procurar cinco lenços de seda. Levou-os a cama e deu instruções a Katherine para que se tombasse. Katherine lhe obedeceu. Ramsés posou os dedos sobre suas pálpebras, lhe obrigando a fechá-los. Ele a beijou com ternura e a seguir lhe cobriu os olhos com um lenço e atou o resto dos lenços a seus pulsos. Ramsés atou os lenços pé de metal da cama. Um tremor percorreu seu corpo quando ele repetiu a manobra com seus tornozelos.

—Está bem?

—Bem. Tremia-lhe a voz, mas sorria. Ele vacilou. Possivelmente era muito para ela. Voltou-lhe a perguntar se queria seguir adiante com aquilo. Ela assentiu com a cabeça. Ele reuniu tudo o que necessitava e se dirigiu a ela com tom tranquilizador.

—Os guerreiros Khamsin devem submeter-se a um ritual de iniciação aos treze anos. Uma das provas consiste em confiar em nossos irmãos. Aos iniciados lhes enfaixam os olhos e lhes conduz por um túnel de cimitarras. Devem confiar na mão que os guia ou do contrário terão que ver com suas folhas afiadas, disse ele brandamente enquanto se sentava na cama.

Ela deixou escapar ar. O medo se apoderou de seu coração, apesar de saber que ele só queria ajudar.

—Significa isto que vai brandir a espada em meu rosto?

Sua débil risada dissipou seus temores.

—Tenho algo muito mais prazeroso para ti, sussurrou ele. Abre a boca.

Ela abriu a boca. Algo enrugado e suave se introduziu nela. Ela sentiu que as pontas rugosas de seus dedos roçavam seu lábio inferior.

—Isto prova, querida, é doce como o frescor da chuva, embora amargo comparado com o néctar de seus lábios.

Sua língua examinou aquele estranho objeto, reconhecendo nele uma tâmara. Katherine o comeu. Quando sua língua deixou de lamber os lábios. Ele a roçou com a sua, e logo a retirou de sua boca. Ramsés intensificou o beijo, bebendo dela, lhe impedindo de pensar em nada que não fosse seu implacável poder.

Ele retirou os lábios dela. Sua pele era como suaves pétalas de lótus para suas mãos, que exploraram até a última curva de seu corpo. Um calor ardente se apoderou dele enquanto seu corpo se esticava de desejo por fazê-la sua outra vez. Desejava-a, mas respirou fundo e retomou o controle de si mesmo. Roçando a língua de Katherine com mel, aproximou sua boca da dela. Sua língua provou o contorno de seus lábios. Enquanto estes se abriam provocadoramente, lhe lambeu a língua. Ela a sugou com insistência, degustando-a.

Privada da vista, ela recorreu a seus outros sentidos para explorar. Podia distinguir seu aroma, especiarias e pele de almíscar. O quente fôlego de Ramsés inflamava suas bochechas quando seus lábios lhe roçaram o lóbulo, enquanto lhe sussurrava prometedoras promessas do que planejava fazer. Ramsés se dispôs a demonstrar-lhe e ela deixou escapar um grito afogado. Katherine gemeu quando seus dentes começaram a percorrer a superfície de seu pescoço, lhe buscando o pulso. Ramsés o mordiscava, beijava-o, e o lambia. Continuando, apoderou-se possessivamente de seus peitos, acariciando seus mamilos, esticando-os.

Ela sentiu que suas s mãos abandonavam seu corpo e inclinou a cabeça para escutar seu próximo movimento. Uma gota de mel quente lhe caiu no oco do pescoço. Seus quentes lábios se equilibraram sobre o lugar selando-o com um acalorado beijo. Continuando, seus lábios começaram a retirar o mel efetuando movimentos circulares que fizeram que seu coração palpitasse com força. Outra colherada lhe caiu no ombro. Seguiram carícias com a língua. Katherine se retorcia nas ataduras que a mantinham presa, cheia de ansiosa excitação. Seu corpo se foi esticando de feroz prazer enquanto ele o beijava e lambia, lhe acariciando o mamilo com a língua, sugando-o. Ele percorreu cada centímetro de sua pele com abrasadores beijos e mel quente até que seu corpo pedia sua liberação a gritos e começou a ofegar.

—Por favor, suplicou ela.

—Por favor o que? Quer que me detenha? Perguntou-lhe ele brandamente, acariciando-a o lóbulo da orelha.

Paralisada, lhe sussurrou que continuasse. Uma débil gargalhada acariciou suas orelhas enquanto ele percorria sua perna com a mão e a obrigava a abrir-se com uma carícia. Orvalhando mel no interior de suas coxas, ele começou a retirá-la com lentas e deliberadas lambidas. Katherine se endireitou, desesperada pelo fato de que seu tato e sua boca rondassem o lugar que ela desejava que ele beijasse.

Quando finalmente ele aterrissou em uma das suaves pétalas de seu centro feminino, o prazer estalou dentro dela. Katherine gritou, ansiosa por que a tocasse enquanto seu coração palpitava grosseiramente.

Katherine percebeu nele um escuro e perigoso poder, uma ânsia, uma imperiosa necessidade enquanto a liberava de suas ataduras. Ramsés a tomou em braços e a tombou no chão. Katherine teve que apoiar-se em seus braços posto que seus joelhos ameaçavam dobrar-se.

—Se incline sobre o colchão. Sua voz era suave e tranquilizadora, mas ela advertiu o poder que emanava dele. Katherine vacilou, um raio de medo atravessou seu natural desejo. Ramsés lhe apartou a cabeleira e lhe deu um beijo na nuca.

—Não tenha medo, assegurou-lhe ele enquanto lhe obedecia. Suas mãos se deslizaram por seu traseiro, massageando-o brandamente e logo se introduziram no orifício de seu sexo, acariciando-o. Katherine choramingou de prazer. Ramsés sujeitou seus quadris com força e ela gritou quando ele a investiu com súbita brutalidade. Ele era tão enorme, ardente e palpitante, que esgotava os limites de sua resistência. Rodeando-a com um braço, acariciou seu terno botão. Ela gritou enquanto seus dedos se aferravam aos lençóis. Ramsés e o poder de seu guerreiro dourado, alagava cada poro de seu ser enquanto ele penetrava profundamente nela. Apartando-lhe os cabelos, ele a acariciou no pescoço e mordiscou sua carne fresca como se fosse um tigre reclamando a sua companheira. Assaltou-lhe um sentimento de prazer erótico enquanto ele sugava sua pele.

Os quadris de Ramsés se agitavam com força em seu interior. O colchão amortecia a força de suas fortes investidas. Ela sentiu que as ondas de duro e quente desejo voltaram a alcançar seu clímax e estalavam em êxtase enquanto seus gritos se confundiam com os seus.

Uns minutos mais tarde, seu coração recuperou sua cadência habitual. Ainda com os olhos enfaixados, Katherine permaneceu na cama. A cama se curvou a seu lado e as mãos de Ramsés capturaram seu queixo inclinando-a para cima.

—Confia em mim, Kalila? Compreende agora que jamais te farei mal?

—Sim, disse-lhe ela, insegura de suas intenções.

—Me diga quem está te ameaçando.

Katherine ficou imediatamente de pé, arrancou-se a atadura, empapada em suor.

—Não posso, disse ela entre gemidos. Não posso. Deixe de me perguntar. Deixe de me perguntar!

Uma mescla de decepção e compaixão se refletiu no rosto de Ramsés. O suor resplandecia nas fortes curvas de seus músculos. Ramsés sustentou seu rosto entre suas mãos, a preocupação empanava seus olhos ambarinos, além de alguma outra escura emoção que ela não soube decifrar.

—Kalila, por favor, me diga por que motivo está tão assustada. Sua voz acariciou seus alterados nervos, acalmando-os.

Ela empalideceu. Escuras sombras se congregavam sob seus belos olhos verdes. Ramsés amaldiçoou entre dentes, disposto a agarrar sua cimitarra e dar morte a aqueles que a punham em perigo. Mas não podia fazê-lo. A menos que lhe dissesse quem eram.

—Querida, eu sou seu protetor. Necessito que confie em mim com todo seu ser, mas necessito respostas. Quem está aterrorizando a minha bela Kalila?

—Por favor, disse entre soluços, afastando-o dela. Não mais perguntas. Estou assustada, Ramsés e te necessito.

Sua suave súplica lhe partiu o coração em mil pedaços. Ramsés tragou sua frustração e estreitou Katherine entre seus braços, como se isso pudesse eliminar seus temores.

Ela mordeu o modo em que Burrells tinha ameaçado matando a seu doce Osíris. Faria o mesmo com seu pai. Aquele pensamento cada vez era mais difícil de aguentar e começou a chorar. Katherine afundou a cabeça em seu peito. Uma vez lhe disse em uma buliçosa rua do Cairo que não precisava utilizar lágrimas como mulher. Agora tinha demonstrado ser fraca.

Ele sabia o quanto era orgulhosa e o muito que lhe custava chorar em seus braços. Katherine apoiou a cabeça em seu peito e começou a chorar desconsoladamente. Sem dizer nada, ele continuou acariciando seu espesso e sedoso cabelo, cantando uma bela canção. Ele a amava, era sua Katherine. Os soluços se detiveram dando passo a um suave ataque de soluço. Ramsés foi procurar um pano limpo. Alargando a mão ele acariciou seu cabelo ao mesmo tempo em que enxugava suas lágrimas.

Depois de incorporá-la, Ramsés estreitou Katherine contra seu peito. Com suas suaves mãos ele procurou liberar a tensão de seus esbeltos ombros. Estava convencido de que aquela massagem exerceria sua magia nela. Tombando-a na cama, levantou os lençóis e a beijou nos lábios. Seus suaves dedos acariciaram as pálpebras d Katherine.

—Não mais pesadelos, pequena. Durma que eu te cuidarei.

 

Um véu de tristeza envolvia seu coração. Katherine fechou seu livro de receitas de ervas. Os dias foram passando, cheios de ardente amor e um estranho silêncio. Não lhe fez mais pergunta a respeito do que a atemorizava. Não lhe ofereceu nenhuma resposta. Ramsés era terno e apaixonado, mas não tinha conseguido derrocar a barreira de segredos que os separava. Katherine saiu ao exterior da cova, desejando poder confiar em seu amante. Mas não se atrevia.

Ramsés estava sentado em uma duna à sombra. A seu lado, em um lençol, havia uma cesta com figos secos, um pote de mel e um pedaço de pão plano que ela tinha cozido. Tinha o cenho franzido, concentrado, enquanto esculpia uma bela peça de madeira de oliva.

Ela se sentou, observando em silêncio seus hábeis dedos criar uma escultura do vermelho e pigmentado pedaço. Ele levantou a vista, sorriu e lhe deu bom dia.

Paralisada por seu intenso olhar, lhe tocou os lábios, seguindo o contorno de sua carnosidade, sentindo que a superfície aveludada de seus lábios se abria. Sem deixar de olhá-la, Ramsés abriu a boca. Aquela língua deliciosa rodeou lentamente seu dedo. Então, ele sorriu e lhe ofereceu um figo seco.Mordeu.

—Sabe esculpir?

Ramsés a olhou de soslaio.

—Estou acostumado a esculpir presentes para os amigos e a família. A madeira de oliva é a melhor. Pôs em alto o objeto redondo. Trata-se de uma madeira exótica, que possui uma vida própria, respira como um animal. O desenho da madeira se oculta no interior do coração da árvore. A madeira de oliva é fluída como o Nilo e não menos profunda nem misteriosa.

Sorrindo, ele continuou esculpindo.

—O que está fazendo?

Deu-lhe um golpe no nariz.

—Já o verá. Não seja tão impaciente, pequena flor de lótus. As obras de arte requerem tempo.

Katherine terminou o figo e se lambeu. Ele a observou, deixando a faca no chão. A fome aparecia em seus escuros olhos ambarinos. Um calafrio de antecipação percorreu suas costas.

Ele voltava a desejar. Ela percorreu seu corpo com um longo olhar. Ela também o desejava.

—Praticou sua meditação, Kalila?

Ela assentiu com a cabeça. Ele voltou a lhe dar um golpe no nariz.

—Possivelmente deveríamos te pôr a prova para nos assegurar que está aprendendo as técnicas de respiração corretamente. O brilho de malícia em seu olhar lhe advertiu de que a prova possivelmente implicava algo mais que respirar. Ramsés ficou em pé e a conduziu ao interior da cova.

Sentaram-se na cama e Ramsés deu instruções à mulher para que começasse. Uma vez ela se deixou levar pelas voltas de largas e profundas inalações, ele a inclinou ligeiramente para adiante, lhe tirando a roupa e a seguir, a sua própria. Depois, Ramsés lhe beijou a larga curva do pescoço, deslizando-se até chegar a seu peito. Quando sua boca começou a martirizar seu mamilo até endurecê-lo como uma pérola, sua respiração se acelerou. Ramsés levantou a cabeça e lhe disse brandamente.

—Não, querida Kalila, se concentre. Não interrompa a cadência de sua respiração.

Ela assentiu com a cabeça e começou o ritmo. Seus cachos de cetim se deslizavam pelos dedos de Ramsés, ao introduzi-los na grossa e longa mata de seus cabelos. Ramsés se sentou escarranchado em cima dela e continuou cobrindo sua carne com ardentes e famintos beijos, deleitando-se no sabor salgado de sua pele. Em uma ou duas ocasiões lhe acelerou a respiração, mas ela rapidamente retomou a cadência. Suas mãos se apoderaram de seu redondo traseiro, apertando-o e massageando-o. Os rígidos músculos de Katherine se esticaram enquanto abria as pernas para ele. Ramsés lhe deu a ordem de que se relaxasse e deixasse que ele a amasse. Ele se situou entre suas pernas. O ritmo de sua respiração se transformou em débeis ofegos de prazer ao tempo que ele a provocava, tocava-a e a acariciava. Fracos gemidos surgiram das profundidades de sua garganta. Mas ele não tinha intenção alguma de satisfazer seu prazer.

—Respira, doce flor de lótus, segue o ritmo de sua própria respiração, ordenou-lhe ele.

Enquanto ela cumpria. Ele preparou sua lança de guerreiro em sua entrada. Sua boca desceu à sua em um beijo arrebatador, deixando-a sem respiração quando ele se introduziu nela. Ramsés interrompeu o beijo e lhe dedicou um terno sorriso enquanto seus olhos se abriam de prazer. Ela se abriu a ele como uma tenra flor de lótus dando boas vindas ao sol, recebendo-o com sua cálida umidade. Ramsés se retirou dela para voltar a arremeter, criando uma cadência que concordava com suas profundas inalações. Deliberadamente, ele se colocou de tal forma que seu corpo roçasse com a parte mais sensível do centro feminino. O olhar de Katherine se escureceu e um tom rosa tingiu suas bochechas. Uma veia palpitava grosseiramente em seu pescoço, mas ela continuava dominando sua respiração.

Katherine se concentrou em respirar enquanto um prazer abrasador alagava seu corpo. Enquanto ele se introduzia profundamente nela, as chamas alagaram seu corpo. Seu ardente olhar se deteve no seu enquanto ele entrelaçava seus dedos com os seus. O suor refulgia em sua testa. Os músculos bronzeados de suas costas se congregaram e esticaram quando Ramsés a investiu com profundos e intensos golpes. Aquilo era verdadeira magia, um encantamento que jamais imaginou, um feitiço que ele tecia com cada movimento. O prazer alcançou seu ponto máximo. Katherine se esqueceu de respirar e tal como se a tivessem estilhaçado, estalou em mil pedaços. E ela ouviu que ele gritava seu nome entre gemidos de êxtase, enquanto seu calor se fundia com o seu e sua magia se expandia em mil pontos de sol no interior da cova.

Ele se tombou sobre ela, tentando recuperar a respiração. Ramsés afundou o rosto em seu cabelo e levantou a cabeça. Duas enormes esmeraldas o olharam fixamente. Preocupado pela umidade resplandecente em seus olhos, Ramsés lhe deu um beijo na bochecha.

—Minha pequena flor de lótus, acaso te machuquei?

—Não, Ramsés. Choro de felicidade, disse ela com a voz entrecortada, sorrindo sob uma corrente de lágrimas. Katherine se equilibrou sobre seu pescoço e lhe sujeitando a cabeça, atraiu-o para si mesma para poder lhe dar um beijo. Quando ela o soltou, seus olhos esmeraldas tinham um brilho malicioso.

—Mas não estou do todo segura de haver respirando bem. Talvez devêssemos voltar a tentar.

O sangue ferveu em suas veias ao perceber a esperança em seus olhos. Ramsés se equilibrou sobre os lábios de Katherine com uma fome voraz, disposto a cumprir com seu desejo.

 

No dia seguinte tinha que levá-la com sua gente.

Katherine se aconchegou entre seus braços. Sua beleza irradiava um resplandecente calor na cova. Depois de fechar os olhos, Ramsés recordou que outros iriam vir procurá-la. Tinha que partir no dia seguinte, antes que retornassem aqueles que lhe queriam fazer mal. Sozinho não podia defendê-la contra os homens que desejavam o ouro da tumba. E seu pai? A ira o rasgou por dentro com suas garras afiadas. Ele representava o maior perigo, posto que Katherine se sentiria obrigada a lhe obedecer. Apesar de estar unida a ele pela fusão de seus corpos, tinha que legalizar seu vínculo. Uma vez que se casassem, seu pai não teria nenhum poder sobre ela.

Teria que viajar de dia, mas Katherine era jovem e forte. Tinha muito que aprender para ser uma esposa Khamsin. Ensinaria-lhe. Ramsés pensou nisso. Seria suave, mas inflexível com sua querida Katherine. Ele deixou escapar um suspiro. Ela não iria querer partir tão facilmente. Previa uma briga.

O caráter teimoso de Katherine saiu a reluzir como um garanhão sobre duas patas quando lhe disse que se tinha que ir e a ia levar consigo.

Burrells devia estar a caminho. Gotas de suor percorreram suas costas com apenas pensar na reação do conservador se descobrisse que se partiu. Contrataria alguém para que assassinasse a seu pai. Katherine sabia que devia lhe mostrar o ouro que tinha pegado da tumba para lhe demonstrar que o tinha encontrado.

—Não quero ir, disse ela, levantando o queixo. O único que importava a Ramsés era levar-lhe consigo, e com ela, o segredo da tumba secreta.

Seus olhos se converteram em frias frestas de ouro.

—Devo voltar para meu acampamento e não vou te deixar aqui para que desvele o segredo de minha tribo, aos que roubam aos Khamsin, disse ele. Ela reconheceu aquele tom sereno enfeitado com um deixe de autoridade, mas o ignorou.

—Obrigaria a uma mulher?

Ele lançou um olhar a sua calça de seda vermelha e sua fina camiseta amarela. Rebuscou na bolsa de roupa dela e extraiu uma camisa de algodão, calças e um kuftan azul marinho até o tornozelo com aberturas até a coxa. A seguir extraiu um tecido de algodão.

—Cruzaremos o deserto durante o dia. Terá que se trocar. A fina camiseta é apertada e a usará primeiro para manter o suor perto do corpo, posto que se perder muita umidade, desidratar-te-á. O kuftan escuro absorve o calor do chão e o deixa escapar pela parte superior. O trapo branco é para que o enrole em sua cabeça e a proteja do sol.

—Não vou pôr isto, declarou ela, cruzando os braços.

Ele esboçou um lento sorriso e devolveu a roupa à bolsa. Ela retrocedeu ante o aspecto calculador de seu sorriso. Ramsés deu um passo adiante e tirou sua faca. Ante seu olhar de estupefação, rasgou suas roupas, deixando-a completamente nua.

—Assim é como os guerreiros Khamsin ensinam às mulheres teimosas a obedecer, disse ele em tom de brincadeira, lhe recordando o modo em que lhe tinha feito tragar a medicina. Agora não tem nenhuma outra opção, a menos que queira cavalgar pelo deserto nua. Não o recomendo.

Olhando-o desafiadoramente, ela recolheu a roupa e se vestiu enquanto ele recolhia vários objetos. Ela poderia aguentar até que Burrells chegasse. Ramsés não podia obrigá-la, apesar de ser maior que ela…

Ramsés lhe aproximou.

—Vai vir voluntariamente, Kalila?

—Não penso ir, declarou ela.

Ela deu um chiado enquanto lhe dava as costas e saía da cova. Katherine golpeou suas amplas e impassíveis costas, que parecia impenetrável aos golpes que lhe atirava. Ele era muito mais forte e seus fracos esforços pareciam os protestos impotentes de um camundongo nas garras de um gato. Depois de obrigá-la a ficar em pé, Ramsés lhe enrolou o turbante na cabeça, cobrindo seu rosto com seu extremo e a colocou no camelo.

Ramsés se cobriu o rosto com o extremo de seu turbante, deixando entrever unicamente seus olhos, emoldurados por largas e escuras pestanas e arqueadas sobrancelhas escuras. Aquilo lhe dava uma aparência misteriosa, perigosa e exótica. Ela se perguntou se o véu que ela usava teria o mesmo efeito.

Seus dois frios olhos ambarinos a contemplaram enquanto lhe sujeitava o queixo.

—Vais ficar aqui tranquilamente sentada ou tenho que te atar à cadeira?

Respondeu-lhe com um olhar hostil. Ramsés arqueou as sobrancelhas. Tirou um fino cordão do cinturão e a atou ao redor de sua cintura. Katherine reconheceu sua derrota.

—Não é necessário que me ate, disse ela entre dentes.

Ela corroborou suas palavras com um movimento de cabeça. Ramsés agarrou um lápis de carvão e o espelho de mão de Katherine. Perfilou-se os olhos com o Kohl, fazendo ressaltar seus olhos injetados de âmbar. Agora seus olhos pareciam maiores e inclusive mais brilhantes.

—Fecha os olhos. Ao negar-se, ele exalou um fundo suspiro. Kalila, se não usar Kohl o lamentará. Confia em mim.

Confiar nele? Era um homem do deserto e sabia este tipo de coisas. Ela obedeceu, fechando os olhos. Ramsés perfilou suas pálpebras brandamente com o lápis. Quando lhe disse que os abrisse, lhe sujeitava o espelho. Seus olhos verdes se viam enormes. Parecia tão egípcia como uma antiga princesa.

Ele guardou o espelho e o lápis, subiu ao camelo, situando-se atrás dela e estalou a língua para que o camelo empreendesse o caminho. Amarrado as costas da besta ia o camelo dela, carregado com provisões.

Katherine reprimiu sua ira e frustração e procurou acalmar-se para pensar em um plano. Teriam que parar. E quando o fizesse, ela fugiria. Os restos de uma fortaleza romana permaneciam impassíveis a seu passo.

—Onde vamos? Perguntou ela, esperando que lhe desse alguma pista a respeito de sua situação.

—Até o acampamento de minha tribo, foi sua curta resposta.

Katherine fixou o olhar no chão, procurando memorizar as marcas do camelo para recordar o caminho de volta.

—Fica muito longe?

—Daqui, a uns quantos dias de viagem.

—Dirigimo-nos ao oeste? Perguntou ela esperançada.

—Ao norte.

Sua angústia cresceu. Norte. Não iriam cruzar o deserto a não ser percorrê-lo ao longo. Cinco dias mais com aquele calor? Poderia ela se encarregar da viagem de volta? Nem sequer tinha a certeza de não terminar torrada no primeiro dia de viagem. Resolvida a manter os ânimos altos, permaneceu em silêncio, estudando cada pedra, procurando desesperadamente marcas que as distinguissem.

Depois de cavalgar um tempo, Ramsés executou uma série de manobras. Percorreu uma pequena distância, voltou sobre seus passos até o mesmo lugar e tomou outra rota. A terceira vez que percorreu uma pequena distância desembarcou do cavalo, deixando a Katherine só e montando no camelo dela. Voltou algo mais tarde. Ela o olhou com receio.

—O que está fazendo?

—Eliminando nossos rastros. Agora se alguém tentar nos seguir, verá que o rastro se interrompe. Ele sorriu ante a expressão de decepção em seus olhos. Aquela ação também eliminava os rastros que Katherine podia seguir para encontrar a cova se conseguisse escapar. Claro que ele não ia permitir que algo assim acontecesse, retificou Katherine enquanto ele se montava no camelo e colocava ela firmemente diante dele.

Ramsés entoou uma canção enquanto empreendiam a marcha. Rodeou a cintura de Katherine com o braço. O suave balanço do camelo o acalmava. Deixaram montões de rocha negra atrás enquanto se dirigiam ao norte. O sol os golpeava com seus fortes punhos. Uma hora mais tarde, Ramsés estendeu a mão e a posou no pescoço de Katherine, comprovando seu pulso. Era constante. Excelente. Levantou-lhe o ânimo. Possivelmente a viagem não a afetaria muito. Ramsés deixou descansar sua mão na bela curva de seu pescoço. A grosa veia de seu pescoço palpitava sob as pontas de seus dedos. Ele a sujeitava firmemente pela cintura, roçando a parte inferior de seu peito, deleitando-se com aquela sensação. Agora seu pulso se acelerou.

Ele tragou saliva e retirou a mão. Suficiente calor havia no deserto sem ele para gerar mais. Ele só podia rezar para que ela se demonstrasse tão forte como seu espírito e seguisse a travessia sem muitas dificuldades. Homens muito fortes morriam nela. Ele jurou fazer tudo o que estivesse em suas mãos para protegê-la. Mas sua Katherine possuía uma natureza teimosa. A Ramsés não cabia a menor duvida de que fugiria logo que lhe apresentasse a ocasião.

Katherine sentia dor na garganta de sede quando se detiveram para fazer um breve descanso. Ramsés lhe tinha dado um cantil de pele de cabra cheia de água. Sua idéia era beber o mesmo que ele, mas só bebeu um pouco. O suor empapava sua roupa, mas atentando para as palavras de Ramsés, as capas perto de sua pele ajudavam a manter a transpiração. Katherine fechou os olhos ante o sol cegador.

Conservar água, inclusive naquele calor, era mais importante, posto que necessitava provisões para sua fuga. Apesar de que se detiveram em algumas fontes, não podia garantir que os encontraria. Katherine lançou um olhar às irregulares rochas que os resguardavam, a areia rochosa em que ele tinha tendido uma pequena manta. Ela tinha que escapar e fazer algo para salvar a seu pai.

Viajaram durante três dias, avançando penosamente sob o ardente sol a um passo que teria posto a prova a muitos guerreiros. Katherine não formulou nenhum protesto, sentou-se em silêncio. Ramsés se debatia entre o desejo de chegar a sua casa quanto antes e deter-se frequentemente para que ela pudesse se repor do implacável sol. Quando ela tentou escapar em uma destas paradas, ele decidiu viajar de noite para escapar do calor.

De noite ele estendia um saco de dormir na areia. Ramsés aconchegava seu corpo contra o de Katherine. Intuindo que queria escapar, Ramsés eliminou esse risco utilizando um velho truque de guerreiro Khamsin, atando sua cintura à sua. Durante o dia ele cantava, cantarolava e inclusive lhe contava histórias de sua tribo, pensando que deveria aprender todas essas coisas quando estivessem casados. Katherine não respondia. Ele afiou seus instintos de guerreiro. Ramsés não confiava em sua noiva. Havia outra coisa que lhe preocupava. Katherine começou a mostrar sinais de desidratação, apesar dos numerosos goles de água que tomava. Ramsés advertiu que já não se desculpava para retirar-se às rochas e preservar sua intimidade com a frequência que o fazia antes. De fato, suas viagens às rochas se reduziram a duas vezes por dia. Aquele habitual sintoma de desidratação lhe preocupava. Seu corpo armazenava água em lugar de eliminá-la.

Ele se colocou boca acima, contemplando as resplandecentes estrelas que cobriam o céu. Ramsés lançou um olhar à mulher que tinha ao lado, cuja beleza resplandecia como diamantes e fazia empalidecer as estrelas. Ele fechou os olhos e a estreitou contra seu peito, rodeando-a com seu braço protetor. Levantando o grosso de seu alvoroçado cabelo, deu-lhe um beijo na nuca. Ao dia seguinte a observaria de perto. Muito de perto.

Ao dia seguinte, por volta da meia tarde, Katherine esteve a ponto de cair do camelo. Seu corpo se deslizou sob o forte abraço de seu braço direito. Depois de soltar uma fileira de maldições, Ramsés se deteve e a sentou no chão. Não havia nenhuma sombra, nem um pedacinho de alívio dos raios implacáveis do sol. Comprovou-lhe o pulso. A veia palpitava a muita velocidade para seu gosto. Aquele desfalecimento era razão suficiente para alarmar-se.

Emoldurados pelo véu, seus brilhantes olhos verdes pareciam inchados e apagados. Ele a deixou sentada, com a cabeça apoiada no peito. foi procurar seu cantil de pele de cabra. Ele mediu seu peso e lançou um grunhido. Estava muito cheio.

—Kalila, estiveste bebendo água?

—Um pouco, sussurrou ela. Se não substituísse os fluidos de seu corpo logo, morreria. Verteu água em uma diminuta xícara e o levou aos lábios.

—Beba isto. Agora, ordenou-lhe com a voz firme, mas ela se apartou. Ou os efeitos da desidratação tinham começado a surgir efeito e a confusão tinha feito trinca nela ou era a mesma mulher obstinada de sempre. Ramsés apertou a mandíbula e lhe abriu a boca, introduziu água nela, fechou-a e lhe fez cócegas na garganta. Ela tragou.

Ele olhou a seu redor. O acampamento estava ao menos a dois dias de viagem. Mais perto ficava o acampamento Khamsin do sul no qual sua tribo criava os cavalos. Eles trocavam constantemente sua localização para manter em segredo seus lugares de criação. Só os Khamsin conheciam os sinais secretos que mostravam o caminho. Ele esperava que ela conseguisse chegar antes de perder mais umidade. Ele havia trazido sal, mas tinha se esquecido do açúcar, necessário para restabelecer a balança adequada de fluidos. Deixou escapar uma fileira de maldições, desejando não ter obrigado a sua noiva a abandonar apressadamente a cova.

Ramsés situou as duas mãos em seus ombros. Seus dedos se curvaram em seus frágeis ossos, que agora pareciam inclusive mais delicados.

—Kalila, está desidratada. Seu corpo perdeu fluído que devem ser restabelecidos. Quero que beba toda a água que te seja possível.

Ele voltou a aproximar a água a seus lábios, forçando-a a beber. Seus grandes olhos o olhavam suplicantes. Seu protetor. Seu guardião, entregue à tarefa de vigiá-la. Ele a salvaria, prometeu Ramsés. Percorreu a vista pelo deserto em busca de um montão de pedras em forma de pirâmide, o sinal secreto que os Khamsin tinham deixado atrás de si.

 

Encontrou o acampamento com o característico conjunto de tendas negras pulverizadas na poeirenta areia a umas poucas horas de viagem. A diferença do acampamento principal, com mais de mil guerreiros, aquele era deliberadamente reduzido. Desenhado para sua mobilidade, o acampamento do sul acolhia a trezentos guerreiros. Um círculo de pedras com três paus arqueados assinalava uma fonte. Ovelhas e cabras pastavam na escassa vegetação. Um grupo de meninos que se ocupavam de vigiar o rebanho os olharam assombrados. Uma manada de formosos cavalos árabes, assustados pelos recém-chegados, escoiceou e se dissiparam com graça.

Ramsés não esbanjou palavras enquanto dirigia seu camelo à primeira tenda. Os homens lhe saudaram com gritos, mas ele não lhes emprestava atenção. Ele desceu do dromedário e logo que seu camelo se desabou no chão, levantou Katherine em braços.

—Está desidratada. Necessita sombra e fluidos. Sal e açúcar e tragam toalhas e água limpa, gritou ao primeiro guerreiro que lhes aproximou, reconhecendo a ele como Salah, o pai de Kareem. A expressão alegre de Salah se tornou séria. Conduziu a uma tenda próxima, deixando as portinholas abertas para que a brisa entrasse nela. Ramsés depositou Katherine em um saco de dormir de pele de ovelha. Salah chamou a seu filho e saiu correndo.

Ramsés lhe apoiou a cabeça em um travesseiro e comprovou seu pulso. Continuava sendo muito rápido. Examinou seu corpo. A desidratação combinada com o calor tinham devastado seu corpo. Salah e Kareem entraram correndo na loja com jarras, uma terrina de água e trapos.

—Nós mantemos a mescla a mão no verão, explicou-lhe Kareem. Entregou um copo a Ramsés. Sal e açúcar.

Ramsés lançou um olhar por cima do ombro e assentiu rapidamente com a cabeça. O sorriso do jovem se desvaneceu ao ver Katherine.

—Poderá salvá-la?

—É o que tento fazer.

Katherine abriu os olhos. A confusão empanava seus olhos verdes esmeralda. Seu olhar se deteve em Kareem, que se inclinava sobre ela. O menino se aproximou da garota, aparentemente fascinado.

—Seus olhos são tão verdes como a erva do uadi depois da chuva de inverno, disse Kareem impressionado.

Ramsés soltou um grunhido. Compreendia a curiosidade do menino, mas não havia tempo para consenti-la.

—Preciso lhe baixar a temperatura. Os olhos de Ramsés se encontraram com os de Salah. Baixa as portinholas.

Salah assentiu com a cabeça. Uma vez completada sua ordem, o ancião fez um sinal a seu filho para que saísse da loja. Ramsés tirou o véu e o turbante, e aproximou uma xícara a Katherine. Sustentava-lhe a nuca com uma mão, elevando-lhe.

—Kalila, bebe isto. Está muito desidratada para beber só água.

Ela começou a sorver, engasgou-se e começou a tossir, cuspindo o líquido. Ele verteu mais líquido em sua boca, lhe fechando os lábios e comprovando se ela tragava. Katherine voltou a tossir e o buscou com o olhar extraviado.

—Está asqueroso.

—Como seu remédio para a febre. E agora lhe vai beber isso tudo, disse ele com firmeza.

A mão de Katherine apertou a sua enquanto lhe aproximava a xícara à boca. Naquela ocasião ela bebeu obedientemente, esvaziando o copo, enquanto ele empurrava brandamente sua cabeça. Quando Ramsés começou a lhe tirar a roupa, Katherine resistiu fracamente.

—Kalila, sussurrou ele. Temos que te baixar a temperatura. Não se mova. Já esbanjou muita energia.

Ela se relaxou enquanto ele rasgava seu kuftan e a roupa interior. Uma vez completamente nua, Ramsés molhou o trapo em água e o passou por sua pele. Katherine o observava com o olhar apático e as pálpebras cansadas, sem o brilho habitual de seus olhos.

—Ramsés, estou muito mal. Sinto que a cabeça me vai estalar e me dói o estômago. Sua voz soava frágil e quebradiça, despojada do frescor que a ele tanto gostava.

A seguir lhe passou o trapo pelas pernas.

—Agora está muito débil, mas logo terá suficientes líquidos para restabelecer a balança, sua temperatura baixará e te porá bem.

Dedicou-lhe um sorriso tranquilizador e continuou com seus cuidados. Enquanto ela fechava os olhos, um sentimento de gratidão se apoderou de Ramsés. Ela não pôde ver o modo como sua mão tremia enquanto a limpava. O só pensamento de que ela pudesse morrer no deserto aberto lhe revolvia o estômago. Ramsés tomou ar com a respiração trêmula e enquanto a continuava banhando, deu-lhe um beijo na têmpora.

Algo mais tarde, depois de cobrir a sua noiva com um fino lençol e deixar as portinholas abertas, Ramsés saiu da loja. O guerreiro lançou um olhar ao acampamento Khamsin. Um homem de presença imponente e com fios brancos em sua barba finamente recortada se aproximou dele, acompanhado por uns quantos homens. Ramsés o saudou com um abraço.

—Hassan, disse inclinando a cabeça em sinal de respeito ao comandante do acampamento Khamsin do sul.

—Ramsés. Alegro-me de te ver, mas muito me temo que não está aqui por prazer. Ele o olhou com respeito. Jabari governava os Khamsin mas a autoridade de Ramsés secundava a do xeique.

Ramsés assinalou uma tenda próxima. Os homens se resguardaram sob sua sombra e Ramsés lhes contou sua viagem, evitando à parte em que descobria que Katherine era sua noiva.

—Necessito que alguém se aproxime da cova para comprovar se os ingleses já chegaram. Se não for assim, a pessoa escolhida deverá esperar ali até que o façam. E quando isso ocorrer, quero sabê-lo imediatamente. Digam-lhe que deve observar os homens. São guerreiros? Homens com rifles?

Hassan assentiu com a cabeça, pensativamente. Seu olhar se deteve em Kareem, que falava com outro guerreiro. Ramsés o olhou.

—Kareem se encarregará disso. esteve um pouco inquieto desde que seu pai lhe pediu que voltasse a quatro semanas. Em seu coração de guerreiro ferve o sangue da batalha.

—Então o envie. Espiar os samak afiará sua alma de guerreiro. Diga-lhe sobre a importância desta missão, e conte o modo em que Kalila e eu encontramos a tumba e a necessidade de manter seu descobrimento em segredo.

Hassan lhe lançou um olhar pensativo que se converteu em um sorriso malicioso.

—Ela conhece a localização da tumba? Fará ela de prisioneira como nosso xeique fez com sua esposa?

Contendo um sorriso. Ramsés deixou escapar ar. Hassan acreditava que Ramsés a tinha sequestrado, do mesmo modo que Jabari fez no ano passado com Elizabeth quando a descobriu tentando rouba o Almha sagrado. Ramsés lançou um olhar a seu redor e baixou o tom de voz.

—Kalila é minha noiva. Entretanto, ela… ainda não sabe. Ainda não pode ter acesso a esta informação. Seus olhos se encontraram com os do comandante. Confiou em sua ajuda.

—Farei com que meus homens jurem um voto de silêncio. Entretanto, eles saberão quem é, conscientes de que acaba de fazer o juramente do Guardião. Ele se deteve. Seus olhos brilhavam divertidos. Deveria dispor de tudo para que compartilhem uma tenda? Ou prefere que ela pareça uma convidada?

—Uma convidada. Se assim o desejar, visitarei sua tenda quando me agradar, disse ele arrogante. Hassan riu e lhe deu uma palmada no joelho.

—Kareem será um magnífico espião, acrescentou Ramsés, mudando habilmente de tema. Adotando outra posição, fez um sinal ao menino com a cabeça. Agradava-lhe seu entusiasmo e sua energia, recordava a sua impulsiva juventude.

—Que planos tem, Ramsés?

—Permanecer aqui até que ela se recupere. Kalila tem interesses nessa tumba. Ela me roubou o mapa

Ramsés reparou que Hassan franzia o cenho.

—Mas está sob meu amparo. Deve receber todos os cuidados dos que sejam capazes neste acampamento.

Ramsés disse isto lentamente, com um tom de ironia na voz. O ancião relaxou as feições e assentiu entusiasmado.

—Logo vamos receber a visita de outra dama inglesa. Lady Dolores Fitzwilliam que se dirige aqui para comprar dois potros.

 

Ramsés aceitou um copo de suco de frutas que lhe oferecia a esposa de Assam agradecendo-lhe com um gesto de cabeça bebeu avidamente, limpando-a boca com a palma da mão.

—Vão vir aqui uns ingleses? Disse com expressão de desconcerto. E lhes revelaremos nossa localização secreta?

—Ela insistiu em ver os potros em pessoa. Dois de meus homens irão escoltar ela e sua corte no caminho de ida e volta. Tomarão o caminho mais longo. Um caminho muito longo, disse ele com ar de suficiência. Brilharam-lhe os olhos. Os potros que ela quer comprar são muito especiais. Lady Fiztwilliam prometeu pagar por eles muito mais do normal.

Ramsés sorriu, advertindo um brilho malicioso no olhar do ancião.

—Por que?

—A gente tem quatro patas brancas. O outro é um cavalo pardo.

Ramsés rompeu em gargalhadas. Quatro patas brancas era sinal de mau augúrio, um potro castanho também trazia má sorte. Nenhum egípcio em seu sã julgamento compraria aqueles cavalos.

—É um bom comerciante de cavalos, Hassan e dignifica o nome de nossa tribo, disse-lhe Ramsés sem deixar de rir.

Ele esboçou um sorriso.

—Convencer-lhe-ei de que se está levando uma ganga.

Katherine demorou muito para despertar, exausta. Durante sua convalescença Ramsés despertava continuamente, obrigando-a a tragar fluídos, alternando entre a desagradável mescla salgada e doce, que ela não conseguia reconhecer, e água. Tinha os olhos úmidos e arenosos. Mas pela primeira vez em muitos dias a urgente sede e o calor que a assediavam tinham desaparecido. Lançou um olhar à espaçosa loja. A estrutura se apoiava em vários postes de madeira. Luxuosos tapetes tecidos à mão se estendiam pela areia, cujos motivos vermelhos, azuis e amarelo outorgavam um ar acolhedor à tenda. Apoiando-se nos cotovelos, tocou o tapete que tinha perto da cama.

Lembrando do ouro, examinou a tenda em busca de sua bolsa e a encontrou em cima de uma mesa. Katherine suspirou aliviada. Seu segredo estava a salvo. Estremeceu-se com apenas imaginar a ira de Ramsés se descobrisse o gato de ouro que tinha roubado da tumba.

O interior da tenda estava surpreendentemente fresco. Catherine agradeceu sua sombra. Lançou um olhar a seu redor em busca de sua roupa, cobrindo os peitos com o fino lençol de algodão. Umas quantas mulheres passaram por ali, lhe dirigindo tímidos olhares. Com o rosto ao descoberto, levavam kuftans cor azul anil e lenços azuis à cabeça. Dois homens passaram por diante, levando o mesmo binish azul anil que Ramsés e espadas e facas penduradas de seus cinturões.

Roupa azul anil. Mulheres sem véu. Estava no acampamento dos guerreiros Khamsin do vento. Aquela tribo se gabava de sua temeridade e falta de piedade com seus inimigos. Inimigos como mulheres que roubavam mapas e descobriam suas tumbas repletas de ouro. Seu coração começou a pulsar grosseiramente. Tratar com Ramsés já era o suficientemente perigoso. Mas enfrentar-se a uma tribo inteira de guerreiros? Ramsés tinha se mostrado protetor e carinhoso com ela. Perguntou-se se sua atitude mudaria agora. Teria levado ela até ali para castigá-la, para exigir uma compensação por seu delito?

Katherine se levou os dedos às têmporas. Primeiro tinha que recuperar suas forças. Assumiria as consequências à medida que fossem aparecendo e mais tarde encontraria um modo de escapar.

Dirigiu o olhar ao exterior justo quando um par de botas de pele branca que lhe eram familiares fez sua aparição. Ramsés se descalçou e entrou sigilosamente na estadia. Ajoelhou-se ao lado da cama e posou sua mão em sua testa. As capas de pó da viagem tinham desaparecido de sua roupa e estava limpo.

—Tem muito melhor aspecto, observou ele. E sua temperatura diminuiu. Como se encontra?

—Continuo fraca. E bastante faminta. E… Seus dedos se aferraram ao lençol. Não levo nada em cima.

Ele retirou a mão e ficou agachado, olhando-a pensativamente.

—Comeremos logo. Pedirei às mulheres que lhe consigam roupa limpa para depois do banho.

Ramsés ficou em pé, baixou a portinhola da tenda e partiu. Voltou com um estranho artefato. De uma estranha lona cinza, parecia espantosamente complicado. Ramsés o depositou no chão, estendeu-o e voltou a partir. Ela se incorporou, contemplando-o com curiosidade. Uma verdadeira banheira do deserto! Aquele pensamento lhe levantou o ânimo. Ramsés voltou acompanhado por duas mulheres com cubos de água e tímidos sorrisos. Compridos e ligeiros lenços azuis cobriam suas cabeças e ombros. A delicada malha lhes rodeava o pescoço e caía graças a belos amuletos de prata que penduravam de suas extremidades. Elas arrojaram os cubos de água na banheira, fazendo viagens para buscar água até que a banheira esteve cheia ao meio. As mulheres trouxeram toalhas, sabão e uma garrafa de xampu. Então partiram, despedindo-se educadamente.

A sós com Ramsés. Ela tragou saliva enquanto ele se ajoelhava ao lado da banheira, removendo a água com o dedo.

—Excelente, a temperatura é perfeita.

—Como vai?

—O suficientemente fria. Normalmente, deixam que o sol esquente a água depositada em grandes barris, mas eu pedi que trouxessem a água diretamente do poço.

—Supõe muito trabalho.

—Não lhes importa. Faz parte de nossa idiossincrasia, de nossa hospitalidade.

Katherine sentiu que lhe inflamavam as bochechas.

—Vamos, Kalila, disse ele brandamente, lhe retirando os lençóis.

Ela deixou que o a levantasse, sentindo que lhe dobravam os joelhos, e começou a curvar-se. Ele a levantou imediatamente no braço. Sem dizer uma palavra, Ramsés a depositou na banheira. Katherine exalou um suspiro logo que a água fria entrou em contato com seu corpo. Ela se sentou abraçando os joelhos.

Ele ficou agachado a seu lado e a ela lhe acelerou a respiração. O rosto de Ramsés estava cheio de emoção. Tomou as mãos e as beijou.

—Minha querida Kalila, temi te perder no deserto. Assustou-me terrivelmente.

Ramsés a olhou com semelhante ternura que Katherine sentiu que se fazia um nó na garganta. Continuando, o guerreiro piscou e aquele olhar se desvaneceu, sendo substituída por outra de formal cortesia.

—Vou te deixar sozinha. Uma mulher chegará breve para te ajudar. O jantar será ao entardecer.

Ramsés ficou em pé e saiu dando grandes passos da tenda. Aquele guerreiro tinha semelhante controle de si mesmo e irradiava tanto poder e força que Katherine se perguntou se o brilho que tinha advertido em seus olhos, seria uma ilusão óptica provocada pela luz.

 

Dois dias mais tarde, o passado voltou a atormentá-la.

Chegou com um chapéu brando de palha, saia, camisa parda e falatório desenfreado. Lady Dolores Fitzwilliam e um grupo de oito amigos e serventes, com camelos e baús em abundância. Ramsés lhe disse que iriam receber a visita de um grupo de ingleses que queriam comprar uns potros Khamsin.

Ela se ocultou atrás de seu véu, sentindo-se afortunada por poder preservar sua identidade. Catherine conseguiu evitar a aquela mulher até a última noite, quando os Khamsin organizaram um banquete em honra a Ramsés.

Ramsés se sentou no círculo principal, na posição de maior privilégio, entre Hassan, o comandante Khamsin e lady Fitzwilliam. Katherine se sentou no próximo círculo, observando seu amante enquanto falava com sua amiga. O ciúme lhe revolvia o estômago.

Estenderam grossos e exóticos tapetes na areia para que se sentassem. Uma enorme fonte de comida se estendia ante eles. Katherine observou o outros e seguiu seu exemplo, recolhendo a mescla de comida com a mão esquerda e utilizando o pão plano como cobertura. Saboreou-o. Forte, mas saboroso.

—O que é isto? Perguntou-lhe ao guerreiro que tinha sentado a sua direita.

—Avutarda houbara. Cacei-a esta mesma tarde na caçada em honra a Ramsés. Eu sou Kareem. O menino inclinou a cabeça e sorriu. A barba apenas lhe cobria a mandíbula. Tinha uns quentes olhos castanhos e um ar juvenil e impaciente, como o de um filhote.

O guerreiro começou a gabar-se de sua perícia na hora de caçar uma grande ave, lhe contando extravagantes narrações de suas proezas. Ela fingiu interesse. Não podia apartar os olhos de seu amante. Lady Fitzwilliam e outros comensais do círculo principal escutavam com ouvidos atentos cada sílaba que saía dos lábios de Ramsés, como se a gigantesca estátua de Ramsés II no Luxor se dignasse a falar. Aquele homem irradiava poder. Todos lhe lançavam olhares de admiração, como se o mesmo deus do Sol tivesse descido e estivesse entre eles. Katherine advertiu o tremendo orgulho que sentia a tribo por aquele guerreiro. Tratavam-no como um herói que tinha vindo a visitá-los. E a ele seus elogios pareciam lhe deixar indiferente.

Ela se umedeceu os lábios, com o olhar fixo nas roupas azul anil que ocultavam seus esculpidos músculos, sua grácil forma de sentar-se, com um joelho flexionado e a outro dobrada. Ela nada tinha a ver com tudo aquilo, com toda aquela gente venerando-o.

Os reflexos castanhos de seus cachos brilhavam como se tivessem absorvido a luz da luz. Sua graça felina de tigre e seus perfeitos gestos acentuavam cada movimento de seu poderoso corpo. Seus firmes ombros irradiavam orgulho. A graça impregnava todos seus movimentos enquanto ele molhava seu pão plano em molho e o comia. Um calafrio lhe percorreu as costas ao ver como sua língua lambia a comissura de seus lábios. Aquela mesma língua que tinha percorrido até os últimos centímetros de suas curvas e seu corpo com consumada destreza.

Katherine se passou a língua pelos lábios, sentindo uma fome insaciável. Ansiava a pureza dourada e resplandecente dele. Parecia tão refinado e elegante como ela imaginava as cortes do faraó, com seus antepassados de olhos de azeviche. Ela não pertencia a aquele mundo exótico, a aquela gente cujo passado se mesclava intimamente com o presente, como dois amantes fundiam seus corpos por prazer.

As duas partes dela, a egípcia e a inglesa, chocavam em uma cacofonia de confusão. Qual a governava? A parte exótica e misteriosa do Antigo Egito ou a exuberante riqueza da prática Inglaterra? Ela não pertencia a nenhum dos dois, era um navio à deriva em um mar turbulento de angustiosa solidão. Ela só queria jogar a âncora, recolher velas e estabelecer-se em um dos lados. Sua alma e seu coração pertenciam a Ramsés. Em seus fortes braços, ela jamais se moveria empurrada pela incerteza. Ah, como desejava que Ramsés capturasse seu coração e ela o devolvesse envolto no escudo protetor de seu amor. Mas ele não a amava. Como legiões de mulheres antes que ela, só aliviava suas necessidades corporais.

Ao ver o modo como lady Fitzwilliam lhe tocava com a mão e brincava com ele, lhe encolheu o coração. A pele imaculada de Dolores, seus enormes olhos azuis e suas maneiras cativantes tinham feito perder a cabeça a muitos homens. Agora ela dirigia seus sorrisos ao guerreiro do amor. Sua amiga o tinha contemplado com olhos sonhadores no Shepheard. Convenceria Ramsés para que se introduzisse aquela noite em sua tenda e pusesse em prática seu tratamento para histeria? Katherine se levou a mão à bochecha esquerda. Sob o véu, ardia-lhe a cicatriz. Por que ia Ramsés querê-la quando podia possuir a alguém tão formoso e perfeito como Dolores?

Kareem lhe tocou o pulso e imediatamente retirou a mão como se houvesse tocado ferro quente. Katherine observou que seu rosto avermelhava. Bom menino. Parecia tão intrigado a respeito da parte oculta de seu rosto como os outros homens Khamsin. Katherine necessitava um aliado naquele desconhecido acampamento inimigo. Kareem era perfeito para o posto.

Katherine fixou a vista no plano vale de areia e montanhas de afiado granito. Se tivesse que escapar e retroceder, necessitaria um guia. Ela, a hábil caçadora que matava animais com a mesma facilidade com que algumas mulheres usavam perucas, começou a desfazer-se em adulações a respeito das habilidades de Kareem para caçar o jantar. Então começou a lhe fazer ingênuas perguntas de orientação no deserto.

Estava segura de que Kareem lhe podia indicar o caminho de volta à cova.

Ele a observou enquanto falava com Kareem, advertindo sua risada borbulhante, o ciúme se estendeu por seu corpo como corrente de água quente. Ramsés estudou aquela nova emoção com a maior objetividade possível. Jamais uma mulher a tinha desencadeado antes. Podia deitar-se com uma mulher e vê-la nos braços de outro homem minutos mais tarde. Resguardava seu coração e permitia que seu corpo procurasse o prazer sem a interferência de vínculos emocionais.

Mas aquilo não funcionava com Katherine. Existia um vínculo entre eles, estreitado na escuridão, no momento que lhe tinha despojado de sua inocência, tal como lhe correspondia. Ansiava o doce prazer de respirar seu aroma exótico, provar a nata melosa de sua pele.

A seu lado, lady Fitzwilliam se aproximava dele do modo mais grosseiro. Ramsés amaldiçoava em silêncio o comportamento daquela mulher inglesa e se afastava dela.

—Meu Ramsés, deve ter uma arma enorme. Poderia tirá-la e me mostrar. Espetou ela.

Aquela mulher inglesa falava tão mal em árabe que ele se perguntou se o que queria ver era sua cimitarra ou algo muito mais pessoal.

—Muito me temo que não, respondeu ele tão cortesmente como pôde.

Seu olhar se posou em Katherine. Um grito afogado lhe cortou a respiração. A manga lhe tinha subido, deixando ao descoberto um belo lance de pele. Kareem posou a mão em seu pulso enquanto se inclinava para lhe sussurrar algo. Ele apartou a mão imediatamente, mas um fraco grunhido surgiu da garganta de Ramsés. Não toleraria que outro guerreiro tocasse a sua mulher.

O véu despertava uma sedutora intriga nos homens. Os guerreiros Khamsin estavam acostumados a que as mulheres levassem os rostos descobertos. O mistério do território oculto fazia com que os homens se sentissem atraídos por Katherine, como se ela fosse uma saborosa granada fora de seu alcance. Olhares de esguelha se dirigiam a ela com crescente abandono. Muitos pares de olhos contemplavam com admiração o belo balanço de suas curvas. O ritmo natural de seu corpo os chamava a seu lado, como se ela fosse uma darrabuka invisível que desprendia um embriagado ritmo. Os homens a olhavam secretamente, esperando que o vento levantasse o véu e deixasse entrever sua beleza aos pressente. As delicadas curvas de suas maçãs do rosto e seu nariz arrebitado suscitariam suspiros de admiração.

Então ele mostraria com orgulho a cicatriz que ela ocultava, a marca do tigre que a distinguia da infância como pessoa destinada para ele, mantendo-a pura e afastada de outros homens. Ramsés o entendia como um símbolo de honra similar a sua tatuagem. Assinalava que Katherine era de sua propriedade, do mesmo modo que a tatuagem de seu leb, o Udjat e o malho de Min assinalavam que ele era sua exclusiva propriedade.

Ele permitiria que os homens Khamsin contemplassem sua marca e se maravilhassem. Então ele sorriria, consciente de que possuía o que eles jamais poderiam ter. Arrastá-la-ia para sua tenda negra e lhe faria amor apaixonadamente, até que lhe pedisse clemência. Até que os gritos de seu nome informassem todo mundo do qual pertencia.

Voltando-se para Hassan, Ramsés baixou o tom de voz.

—Quando parte Kareem para a cova?

Hassan lhe lançou um olhar inquisitivo.

—Enviá-lo-ei esta mesma noite, se assim o desejar. Contar-lhe-ei como lady Katherine e você descobriram a cova e a importância de descobrir quantos ingleses há aí, posto que devemos proteger o território sagrado dos Khamsin. Parece estar entusiasmado com a idéia de ir.

Reprimindo um sorriso, Ramsés assentiu com a cabeça. Comeu o pão plano, corroído pelo ciúme. Uma doce antecipação lhe percorreu o corpo. Ele a saboreou e olhou o céu anoitecendo. Depois do jantar, depois das canções e os poemas ao redor da fogueira, quando todo mundo se retirasse, a noite seria dela. Para caçar, como fazia seu totem. Ele se aproximaria de sua tenda. Capturá-la-ia entre seus braços e não a deixaria partir até que tivesse satisfeito suas ferozes e profundas ânsias.

Uma brisa constante entrou na tenda negra, cujas portinholas estavam parcialmente abertas, enquanto Katherine jazia nua na cama de pele de ovelha. Acostumada agora aos sons noturnos do deserto, o uivo ocasional dos chacais o sussurro do vento, Katherine não podia dormir. Mais sonoro era o pulsar de seu coração em seu peito. Seu instinto lhe advertiu de uns passos que se aproximavam, antes que a portinhola da loja se abrisse e uma figura silenciosa entrasse nela. Katherine se apoiou nos cotovelos, disposta a gritar, quando uma voz familiar se elevou na escuridão.

—Kalila, assim está sozinha.

—De que outro modo ia ser? Ela não pôde evitar que sua voz trêmula se empanasse de alegria. Ramsés tinha ido a ela, não lady Fitzwilliam, na metade da noite.

—A julgar por seu indecoroso comportamento desta noite, estava convencido de que Kareem compartilharia seu leito.

Um pequeno calafrio percorreu seu corpo. O calafrio se desvaneceu logo que ele se sentou no tapete a seu lado e puxou seu cabelo, atraindo-a para ele. Ramsés introduziu suas fortes mãos em sua cabeleira, posou os lábios em seu pescoço e o mordiscou brandamente, como se o estivesse reclamando. Ela sentiu que o imperioso desejo que emanava do Ramsés se propagava nela em ondas de calor, desafiando o frio da noite.

—O que tem de indecoroso falar com um homem?

—O modo com que o tocava era de tudo inaceitável. Assim. Ramsés alargou o braço posando sua mão em seu braço nu, provocando um estremecimento de excitação mesclada com temor pelo tom rouco de sua voz.

Ela jamais o tinha visto assim, possuído por um instinto primitivo e selvagem. Ramsés sempre tinha sido delicado, inclusive em metade da paixão mais profunda. Agora a delicadeza se desvaneceu. Pela primeira vez pôde ver o feroz guerreiro temido por todos. Ele não necessitava de nenhuma cimitarra para suscitar respeito. A escura promessa do perigo no tom ondulante de sua grave voz era suficiente.

Katherine tragou saliva e se afastou, meio assustada, meio excitada por sua transformação.

Ramsés baixou completamente as portinholas. Acendeu um abajur de azeite situado em uma mesa. Despiu-se apressadamente e flexionou os braços. A tensão se acumulou em seus músculos, como um tigre esperando saltar em cima de sua presa para capturá-la.

—Kalila, vou ficar contigo esta noite.

—Volte para sua tenda, disse ela com altivez, rezando par que não o fizesse.

Respondeu-lhe com uma suave e divertida gargalhada.

—Acredito que não. Sua voz soava fria como o aço.

Ela o desafiou levantando o queixo.

—A julgar pelo modo indecoroso com que lady Fitzwilliam te tocava esta noite, estava convencida de que passaria a noite com ela.

Ramsés rompeu em gargalhadas.

—Ela? Sua voz estava cheia de incredulidade. A expressão no rosto de Ramsés se suavizou. Ninguém mais, Kalila. Nenhuma outra mulher, à exceção de ti, estreitarei entre meus braços esta noite.

Ele ficou em pé e se encolheu os ombros.

—Se quiser que volte para minha tenda…

—Não, disse ela com a voz trêmula. Fique.

Um meio sorriso apareceu em sua boca.

—Se insiste…

Ramsés percorreu seu corpo com o olhar. Seu desejo por Katherine alcançava umas cotas inimagináveis. Uma doce excitação se apoderou dele enquanto acariciava seus lábios com o dedo. Katherine não tinha nem idéia dos prazeres que lhe tinha preparado. Aquela noite a faria gritar só pelo prazer que lhe proporcionaria, e não se deteria até que ela caísse rendida e esgotada em seus braços.

Ramsés levou o abajur à estadia principal da tenda, em que se empilhavam várias selas de camelos, e voltou. Ele a estreitou entre seus braços. Ela se sentia ligeira e etérea como a luz da lua. A luz dourada do abajur dançava nas reluzentes mechas de seu cabelo de ébano. Descendo-a delicadamente ao tapete, Ramsés a apoiou nas robustas cadeiras. Pressionou seus lábios ligeiramente abertos com um dedo.

Seus olhos verdes transbordavam de excitação. Ramsés a levantou sujeitando-a pela curva suave de seu belo traseiro e a colocou de forma mais firme contra as cadeiras de camelo.

—Por que acendeu o abajur? Sussurrou ela.

—Quero contemplar seu rosto enquanto te proporciono prazer.

Ela se estremeceu. Seus brilhantes olhos verdes se abriram quando ele a acariciou no interior de suas coxas, obrigando-as a abrir.

—Ramsés, o que estas…?

—Shhh. Ele voltou a pressionar seus lábios com o dedo.

Ramsés se ajoelhou frente a ela e reclamou sua boca com um forte beijo, enquanto seus dedos se apoderavam de suas mãos. Quando ela abriu a boca para admiti-lo, ele bebeu dela, deleitando-se com que ela recebesse sua língua em sua boca com e mesmo ardor febril. Ramsés começou a tocá-la com selvagem e ardorosa intensidade enquanto lhe correspondia do mesmo modo. Ele deixava escapar grunhidos e lhe mordiscava o peito, sorvendo sua pele. Ela soprava e lhe cravava as unhas nas costas enquanto beijava seu corpo com os lábios ardentes. Ele rugia e afundava seus dentes delicadamente em seu pescoço, em um gesto de domínio e posse própria de um tigre. Foram envolvidos por um torvelinho, tão feroz como os Kahmsin, tão turbulento que Ramsés sentia que o ar a seu redor dava voltas em uma louca voragem parecida com a de uma tempestade de areia. Ao retirar-se dela, a tormenta se acalmou

Ramsés começou a acariciar as suaves pétalas de seu órgão feminino, massageando-o com suaves e ternas carícias. Ele se inclinou sobre ela e ouviu que ofegava ao introduzir nele seu dedo. Sorrindo, Ramsés lhe deu um beijo nos lábios e baixou a vista para contemplar a parte dela que o aguardava com prazer. Depois de contemplar seu rosto, ele se colocou em sua entrada e se introduziu no mais fundo de seu ser. Ela deu um grito afogado ante a investida, enquanto ele cravava os dedos em seus quadris. Ramsés incrementou o ritmo, cobrindo de beijos os lábios de Katherine, seu corpo, inundando-se em seu interior. Ramsés observou com satisfação como seus belos olhos verdes se empanavam de paixão. Rodeou-lhe o pescoço com as mãos, movendo os quadris para corresponder a suas investidas, deixando escapar gemidos pela garganta.

Ramsés sorriu meigamente quando ela se esticou pelo que ele sabia que ia vir. A rendição encheu seus belos olhos verdes. Sua boca em forma de coração se abriu.

O fogo lhe percorreu o corpo enquanto ele se descarregava em seu centro. Seus dedos se cravaram nos firmes músculos de suas costas, lhe rogando que entrasse mais nela. Ela se arqueou contra seu corpo, ansiosa por fundir-se com ele. O calor se concentrava entre suas coxas, palpitando como se cada nervo fosse a darrubuka de Ramsés e ele estivesse golpeando-a. Ela tentou lutar. Não podia. Não queria. O corpo de Katherine se estremeceu ao aproximar-se da liberação. Ela gemeu, jogando a cabeça para trás.

—Faça-o, Kalila. Sua voz acariciou sua sensível pele qual seda. Grita. Grita meu nome. Agora. Grita, pequena.

Não pôde resistir ao firme tom exortativo de sua voz nem a seu próprio e ardente calor. Suas costas se arquearam pela acumulação de prazer que a engolia inteira. Os lábios de Katherine se abriram enquanto ela deixava escapar um longo grito e seu corpo se convulsionava. Ela gritou seu nome em metade da noite silenciosa, à areia indiferente, sem lhe importar que outros o ouvissem, sem lhe importar que as estrelas em sua capa aveludada de escuridão a estivessem escutando. Ela gritou uma e outra vez seu nome, aferrada a ele como se fosse afogar-se.

Semelhante era seu orgulho ao vê-la alcançar o prazer, que Ramsés se deixou arrastar pelo desejo em uma maré de paixão. Nunca antes o fato de que uma mulher se retorcesse de prazer debaixo dele tinha sido tão embriagador. O sangue percorria furiosamente suas veias clamando sua vitória. Ramsés se sentia tão selvagem e depredador como seu totem, caçador na negra noite. Seu poder saiu à superfície, inflamando-o. A paixão envolveu tudo quando ele reclamou a Katherine com uma última e poderosa investida, penetrando em seu útero. Ele jogou a cabeça para trás, tremendo pela força de sua liberação, abriu a boca e deixou que o grito do guerreiro Khamsin se propagasse, forte e alto, pela tenda e o acampamento.

 

Ainda no interior de sua amada, Ramsés permaneceu imóvel. Olhou Katherine, que o observava com os olhos redondos como luas. Suas suaves mãos de lótus se cravaram nos rígidos músculos de seu traseiro.

—Ramsés, sussurrou ela. O que foi isso?

—Isso, disse ele com ironia. Foi um terrível engano.

Ouviram-se uns passos na areia. Umas vozes dando gritos de alarme. Ele distinguiu uma aguda voz feminina que dizia em inglês.

—Céu santo, O que foi isso? Alguém nos ataca?

A correria de guerreiros, o som das cimitarras de metal sendo desembaiadas. Os guerreiros Khamsin estavam treinados para despertar e responder ao grito de um irmão, inclusive em seu sono mais profundo. O ruído de botas se deteve no exterior da loja. Uma voz vacilante pronunciou seu nome.

—Ramsés. Amigo meu toda vai bem?

Aquela delicada pergunta, cuja entonação deixava entrever que Hassan sabia o ocorrido, proporcionou-lhe o tempo suficiente para recuperar-se. Ramsés agachou a cabeça, levantou-a e adotou um firme tom exortativo.

—Assim é. Volta para a cama e comunica a outros que façam o mesmo.

—Muito bem. O comandante dos Kahmsin do sul assentiu, embora pouco depois de que seus passos se afastassem da tenda Ramsés juraria que ouviu que ria entre dentes.

Sem atrever-se a mover até que o último passo tivesse desaparecido, Ramsés inclinou a cabeça e aguçou o ouvido. Finalmente, olhou a Katherine, com seus enormes e expressivos olhos verdes. Ramsés lhe deu um beijo nos lábios e se retirou dela com um grunhido de satisfação e frustração.

Ramsés deu uma volta sobre si mesmo e se tombou a seu lado, lhe acariciando o ventre com a mão, cujos músculos se esticaram ante suas carícias. Ela se voltou para ele.

—O que aconteceu? Por que todo mundo veio à tenda?

Ramsés tomou ar e sacudiu a cabeça. Não sabia se sentia envergonhado ou se ria.

—Porque, pequena, desperta uns sentimentos em mim que jamais tinha experimentado fazendo amor. O som que emiti é o grito de guerra Khamsin.

—Grito de guerra?

—O grito que lançam os guerreiros de minha tribo quando entram em batalha. Utilizamos para nos identificar no ardor da batalha ou como sinal de alarme quando alguém está em apuros. Ramsés estudou as suaves ondulações de suas sedosas bochechas e sua pequena boca franzida, e pressionou o dedo contra seu lábio inferior. Deste modo. Ele voltou a lançar o grito. Elevou-se no ar e se desvaneceu como suave ronroneo entre seus lábios.

—Ah! Assim que isso o que pensa de mim? Vê-me como o inimigo?

Ele percebeu o tom de brincadeira em sua voz e sorriu.

—Não, disse ele com honestidade. Os guerreiros Khamsin não só utilizam este grito para a guerra. Em situações excepcionais, também o utilizamos quando… Ramsés observou o modo em que ela se aconchegava confidencialmente contra ele. Ele percorreu seus lábios com o dedo. Quando nossos corações estão tão repletos de alegria e nos sentimos tão triunfais que não encontramos outro modo de expressar nossas emoções

Disse isto muito lentamente, sem querer precipitar-se, posto que nunca antes tinha pronunciado aquelas palavras. Ramsés tinha que lhe fazer saber os sentimentos que despertava nele. Antes repudiava o fato de casar-se com uma mulher inglesa. Pensou no suave e reconfortante tato de Katherine. Os conhecimentos médicos que tinha adquirido na Inglaterra lhe tinham salvado a vida. O prejuízo tinha embasado sua visão dos britânicos. Não todos eram ladrões de tumbas. Ao menos Katherine quem tinha demonstrado o mesmo respeito pela lápide de seu antepassado que ele. Um peso lhe oprimia o peito. Ramsés reprimiu um sorriso. Seu coração tinha começado a cicatrizar-se das feridas de seu passado.

Katherine se incorporou, agarrou-lhe a mão e a situou em seu peito, onde ele sentiu o palpitar de seu coração.

—Você não é o único, se eu fosse Khamsin, também teria emitido esse grito de guerra. Nunca antes havia me sentido assim.

Ele se sentiu profundamente comovido pelo tom de sua voz. Sua honestidade o enterneceu e seu coração se encheu de alegria. Contudo, seu instinto lhe pedia precaução.

—Refere-se a quando faço o amor contigo. Ele manteve deliberadamente o tom de voz habitual.

—É muito mais que isso, disse ela, enquanto pegava seu lábio inferior com seus dentes e ou mordiscava. É algo muito mais profundo.

Katherine baixou o olhar em um gesto de acanhamento que o cativou e enterneceu.

—Sinto-me como se minha alma se funde com a tua. Como se estivéssemos tão perto que nossos corpos se fundiram com nossos espíritos. Agora somos um.

Ramsés ficou maravilhado pela natural beleza daquela mulher escolhida para converter-se em sua esposa. Por sua coragem e seu espírito, sua paixão e impulso. De repente, Katherine apartou o olhar e ele advertiu a dor que se refletia em suas facções. Tremia-lhe o lábio inferior.

—Sou estúpida, porque como poderia ocorrer algo assim? Provavelmente, muitas outras mulheres lhe dissera isso.

Ele a sujeitou os ombros e a voltou para ele.

—Não, disse ele lentamente. Não, Kalila. Tem razão. É muito mais que fazer amor. Eu sinto o mesmo

Acariciou-lhe a bochecha com a mão trêmula. Ramsés lhe deu de presente um beijo nos lábios.

—A partir de agora me alojarei aqui, pôde dizer ele, finalmente. Será o melhor.

—Mas… protestou ela.

Ele posou a mão em seus lábios.

—Shhh… durmamos. Ramsés ficou em pé, levantou-a em braços, devolveu-a a cama de pele de ovelha e se introduziu nela com Katherine, sentindo o suave cetim de sua pele empapada em suor, enquanto ele se aconchegava contra ela e lhe beijava a bochecha da cicatriz.

 

A vida no acampamento cativou Katherine. Fascinava-lhe a exótica beleza das mulheres e sua habilidade para tecer intrincados motivos de cores em seus teares. As mulheres tinham claros olhares e ingênuos que não deixavam transparecer a dureza do deserto e se deslocavam pelo acampamento com uma elegância natural. Os homens a assustavam um pouco, com as enormes cimitarras e afiadas facas penduradas dos cinturões. Mas a diferença dos homens egípcios na casa de sua prima, os guerreiros Khamsin não consideravam má educação as demonstrações públicas de afeto. Suas duras feições se suavizavam ao saudar suas esposas e não tinham nenhum reparo em agarrar as mão ou lhes dar beijos. Adoravam seu filho com a mesma inquebrável devoção que sentiam por suas esposas. A vida ali era tranquila e serena e ela lamentava não poder compartilhá-la com Ramsés.

Para seu alívio, lady Fitzwilliam só ficou dois dias, depois partiu, levando-se triunfantemente com ela dois potros Khamsin. Hassan e Ramsés romperam em gargalhadas logo que desapareceu sua corte. Tinham-na convencido para que pagasse o dobro do preço original devido à estranha beleza dos potros. Ramsés lhe explicou que eram muito valiosos devido a suas marcas. Katherine riu com eles.

Ela tinha recuperado as forças, mas sentia o estômago revolto. As mulheres Khamsin a tratavam como a uma convidada, mas Katherine não podia aceitá-lo. Ajudava-as a fazer comida, aprendeu a fazer iogurte de leite de cabra e a tecer nos teares de madeira enquanto lhes perguntava coisas a respeito das rotas que tomavam os guerreiros quando viajavam ao sul. Mas elas só lhe ofereciam amáveis sorrisos, nenhuma só resposta.

Katherine observou Ramsés enquanto se sentava graciosamente ao lado da esposa de Hassan, quem mesclava leite com queijo agitando uma bolsa de pele de cabra. O leite na bolsa, suspensa de um arco formado por três largos paus, agitava-se do mesmo modo que seu estômago revolto.

Ramsés se deteve, voltou-se e a contemplou com um sorriso divertido. Muito ardilosa, Katherine. Tinha ouvido ela fazendo perguntas sobre o deserto. Ele sabia o que planejava. Mas não haveria escapatória para ela.

Um súbito grito chamou sua atenção. Ramsés franziu o cenho, fechou os olhos, protegendo-os do sol e dirigiu o olhar a três camelos que se aproximavam do horizonte. Seu coração palpitava de emoção. Ele sorriu, reconhecendo o alvoroço que se formou no acampamento. Tinha esperado e se alegrou de não ter retornado a seu acampamento. Deteve o olhar em Katherine, que parecia turvada pela confusão que se formou a seu redor.

Jabari tinha chegado.

Ele se armou de valor para o que sabia que devia fazer. Tinha chegado o momento. Apesar de que não havia nenhum xamã para fazer a cerimônia, o xeique tinha o poder para fazê-lo em sua ausência.

Ramsés flexionou os músculos e observou Katherine atentamente. “Se prepare, meu amor. Hoje vai ser o dia de nosso casamento”.

Ela ouviu o alvoroço e perguntou às mulheres por que todo mundo saía para receber aos recém chegados.

—Chegou nosso xeique com sua esposa e seu filho recém-nascido, explicou-lhe a mulher, sacudindo as mãos e incorporando-se à multidão.

O xeique. Deus santo. O amigo de Ramsés. Ocorreu-lhe uma idéia. Katherine lançou um olhar ao acampamento deserto. Todo mundo tinha congregado ao redor dos recém chegados. Era uma oportunidade perfeita para fugir.

Katherine ficou em pé e se dirigiu a sua tenda a procura de provisões. Apenas tinha chegado quando uma mão familiar lhe sujeitou o pulso.

—Kalila aonde vai?

Ela tragou saliva.

—A minha tenda.

—Mais tarde. Meu pai chegou com nosso xeique e sua esposa e lhe quero apresentar você. Quando as mulheres se apresentam ante o xeique, devem demonstrar respeito. Não o olhe diretamente nos olhos e se incline ante ele.

O ressentimento revolveu as cinzas de sua rebeldia pelo estrito tom de Ramsés. A multidão ali congregada se apartou em sinal de respeito ante ele, que se dirigiu ao centro da atenção e soltou o cotovelo de Katherine. Ramsés esboçou um amplo sorriso e uma velha versão dele deu um passo adiante e lhe deu um forte abraço. Ramsés devolveu o abraço a seu pai com a mesma intensidade. Seu rosto se encheu de emoção, então, recuperou a compostura.

—Vejo que encontrou algo no deserto profundo, meu filho. Seus olhos ambarinos, muito parecidos com os de Ramsés, resplandeceram ao ver Katherine.

A seu lado havia um homem alto com olhos escuros, rodeando com o braço em atitude protetora a uma bela mulher com kuftan azul anil. Como as demais mulheres Khamsin, usava um comprido lenço enrolado na cabeça, de cujo extremo penduravam belas cascavéis de prata, mas a similitude terminava aí. Seu cabelo da cor do milho se sobressaía do turbante. Os olhos azuis da mulher se encontraram com os seus e lhe ofereceu um agradável sorriso. Katherine a olhou embevecida. Parecia americana ou britânica. A mulher dirigiu o olhar a uma forma pequena, envolta em lençóis, que levava em braços outra mulher Khamsin. Grupos de mulheres se congregavam ao redor do vulto.

Ramsés lhe passou seu braço protetor pelo ombro. O escuro e rígido sorriso em seu rosto lhe advertiu de que planejava algo horripilante. Mas nada a podia preparar para o terrível de suas palavras.

—Pai, Jabari, Elizabeth, me permitam que apresente a lady Katherine Smithfield. Minha noiva.

O olhar de Katherine se deteve nele em sinal de assombro e negação.

—Não! O nome de meu noivo é Nazim!

—Nazim Ramsés bin Seti Sharif, corrigiu-a ele.

Revolveu-lhe o estômago.

—Não pode ser! Vi-lhe batendo na porta do dormitório de meu pai, no dia em que se assinou o contrato matrimonial!

Ramsés franziu o cenho e a seguir sorriu.

—Usava um turbante branco e um thobe branco? Depois que ela assentiu, ele prosseguiu. Viu o advogado dos Khamsin. Chegou ao dormitório de seu pai antes que eu.

Seus brilhantes olhos da cor do âmbar penetraram nos seu com ardente intensidade. Sua postura irradiava triunfo. Tinha o olhar satisfeito do tigre que levava entre seus dentes uma carnuda e saborosa gazela.

Sentia náuseas. Tinha um nó no estômago. Sua noiva. A verdade a golpeou com toda sua força. Ramsés era seu desconhecido noivo beduíno. Tinha-lhe roubado o mapa. Tinha-lhe salvado a vida, tinha dormido com ele… só para evitar o casamento…

Com ele. Katherine se levou a mão a sua cabeça aturdida. Ele sabia, durante todo este tempo. E tinha brincado com ela como se fosse um tigre dando patadas a sua presa indefesa antes de comer-se a de uma dentada. Se de repente ele se passasse a língua lentamente pelos lábios, não lhe tivesse surpreso.

—Katherine, te incline ante o xeique para demonstrar respeito ao líder dos Khamsin, ordenou-lhe severamente Ramsés.

Ela não pôde aguentar-se mais. Uma tremenda convulsão se fez em seu estômago. Katherine retirou o véu, baixou a vista e inclinou a cabeça. Inclinou-se para diante para efetuar uma reverência formal e lhe mostrou seus respeitos vomitando o café da manhã nas botas azuis do xeique dos Khamsin.

Murmúrios de assombro se levantaram na multidão ali reunida. Os olhos de Katherine choravam pela violência das arcadas. Levou-se as mãos trêmulas ao estômago com a intenção de acalmá-lo. Katherine se enxugou o rosto com o lenço e colocou de novo o véu. Endireitou-se, encontrando-se com os olhos escuros do xeique. Ele a olhou larga e atentamente antes de dirigir o olhar a seu calçado.

—Eram novas, disse-se o xeique a si mesmo.

—Tudo isto é Sua culpa. Você fez com que a pobre garota ficasse doente, forçando-a a fazer uma reverência como se fosse um boneco. A jovem esposa do xeique acusou a seu marido.

—Culpa minha? Diga isso a Ramsés. Ele é o único que se empenha em fazer respeitar essa tradição. Tentei detê-la, tal como me pediu, protestou Jabari.

—Katherine se encontra bem? A voz do que já não era seu captor estava impregnada de preocupação

Ela se deu a volta e caiu de joelhos no chão, sofrendo de novo arcadas. Katherine se abraçou o estômago com a intenção de acalmá-lo. Jamais tinha desejado maior intimidade que agora. perguntou-se se dar as costas ao xeique seria considerado de má educação. Em qualquer caso, não era nem a metade de grosseiro do que tinha feito a seus pés.

Ela percebeu que a mão de Ramsés lhe apertava os ombros e logo a ligeira pressão de uma mão feminina que lhe sujeitava o braço.

—Deixe-a em paz. Eu cuidarei dela. Vocês dois bastam para pôr nervosa a uma pessoa. Vamos, Katherine. Elizabeth pediu água e toalhas e a conduziu ao amparo de uma tenda próxima.

Em seu interior, Katherine se deixou cair em um dos tapetes. Tirou o véu e dirigiu suas mãos trêmulas às palpitantes têmporas. Elizabeth agarrou a terrina de água e o trapo que as mulheres Khamsin tinham ido buscar a toda pressa e o passou pelo rosto. O tato da mulher era suave e reconfortante. A seguir lhe serve um copo de água. Com um gesto de agradecimento, Katherine bebeu dele e o devolveu.

Seu estômago sossegou mais que a verdade que sobrevoava com diabólico regozijo em sua cabeça. Uma crueldade irônica com a força de um vento Khamsin. O mesmo homem ao que tinha entregado sua virgindade era o homem destinado a ser seu marido. Ele sabia, disse a si mesma em silêncio Como pôde brincar com seus sentimentos daquele modo, quando ela se entregou em corpo e alma a ele?

Elizabeth tomou sua mão.

—Sinto muito, sussurrou ela. Sinto-me tão envergonhada.

Aquela mulher loira fez um gesto de indiferença com a mão.

—Não se preocupe, Jabari não te cortará a cabeça. Só o faz com os homens que lhe vomitam nas botas.

Ao perceber que Katherine a contemplava com os olhos abertos, ela acrescentou.

—É uma brincadeira.

Um trêmulo sorriso curvou seus lábios.

—Me cortar a cabeça seria uma boa idéia, se com isso pudesse me sentir melhor.

Sustentou-lhe o olhar com seus olhos azuis. Elizabeth examinou seu corpo.

—Quanto tempo faz que se encontra mal?

—Há uns dias. Sobre tudo pela manhã, como agora.

—E sempre padece enjôos?

—Ah, sim, disse Katherine, alegrando-se de que alguém ao fim a compreendesse.

—Sente-se esgotada constantemente? Quer gritar, chorar e não sabe por que?

—Bom, sim. Claro que havia uma razão. Ramsés a tinha prisioneira e a vida de seu pai corria perigo.

—Interessante, sussurrou ela. Katherine não reparou no brilho especulativo de seus olhos. Atrever-me-ia a dizer que não tem apetite. Estão sacrificando uns cordeiros em nossa honra.

O só pensamento de comer lhe revolvia o estômago de novo. Katherine assentiu com a cabeça.

—Então, chá. E pão plano O que te parece?

Ela assentiu com a cabeça. Ao perceber o olhar compassivo no rosto da mulher, sentiu que se tirava um peso de cima.

—Me ocorria o mesmo. Mas se interromperá em um par de meses. Nos quais terá que esperar.

O sorriso da outra mulher fez que voltassem as náuseas. De repente, compreendeu-o. Katherine se abraçou o estômago. Ela culpava de sua enfermidade ao impacto que lhe produziu saber que o amante que ela tinha escolhido para escapar de seu noivo beduíno era seu noivo beduíno.

—Quer dizer…

—Sei o que é o que te passa. O mesmo passou comigo. Espera um bebê.

 

—Um bebê! Enquanto contemplava assombrada a Elizabeth, sentiu que lhe doía mais o estômago.

—Katherine, estou segura. Quanto tempo está doente? Sentiste falta de seu período?

Ela fez um cálculo rápido e soltou um grunhido.

—Está atrasado.

—Bem, já o tem, disse Elizabeth com tranquilidade, como se houvesse resolvido tudo.

—Mas não posso estar grávida! Porque não posso me casar com Ramsés! Espetou ela de repente, como se negando em voz alta pudesse mudar a realidade. Seu filho, concebido com amor naquela escura cova.

—A gravidez faz com que todas suas emoções saiam à superfície. Eu estive a ponto de cortar a cabeça de Jabari em várias ocasiões. E gritava pelas maiores estupidezes.

Elizabeth pôs a mão no ombro de Katherine em sinal de apoio enquanto ela se mordia o lábio inferior. O pensamento de levar um filho de Ramsés a enchia de orgulho e amor, ao mesmo tempo a entristecia.

Mais problemas

—Terá que dizer-lhe disse Elizabeth com ternura.

—Não posso

—Por que?

Sem mediar palavra, Elizabeth lhe tocou a cicatriz.

—Como aconteceu?

Katherine a olhou.

—Foi um filhote de um tigre de minha prima, quando tinha dez anos. Aproximei muito a cabeça à jaula. Era tão bonito só queria acariciá-lo. Como outro tigre ao que se atreveu a aproximar-se. “Seu guerreiro, Ramsés, é uma besta mais mortal”

—Ramsés é o guerreiro mais temível de meu marido, um homem valente e honrado. Defenderia aqueles aos que lhe confiasse até a morte. Não quer se casar com ele?

Katherine vacilou e todas suas inseguranças saíram à superfície. Ele era um magnífico modelo exemplar de homem, com seu corpo escultural, transbordante de força e músculos. Em teoria, Ramsés teria que querer a uma bela noiva que estivesse à altura de seu aspecto.

Ela afundou a cabeça em suas mãos, pensando na faca que se cravaria na pele de seu pai por ordem de Burrells se ela revelasse a verdade. Burrells disse que tinha espiões, possivelmente inclusive ali mesmo. Tinha que lhe levar o ouro que tinha roubado e resgatar a seu pai.

—Desejo me casar com ele com todo meu coração, sussurrou ela. Mas não posso fazê-lo.

—Ama-lhe?

Katherine enxugou as lágrimas que lhe caíam pelas bochechas. “Mais que a minha vida”. Seus lábios esboçaram aquelas palavras sem chegar às pronunciar. Ela as arrumou para assentir temerosamente com a cabeça.

—Mas não sei se vou me encaixar. Sou mais inglesa que egípcia.

—Eu era mais americana que egípcia quando me casei com Jabari, disse Elizabeth com um sorriso irônico. Mas me adaptei. Amo meu marido e terminei amando sua vida. Mas às vezes sinto falta de ter alguém perto de uma cultura similar à minha. Compartilhar coisas, livros…

—Ou uma boa xícara de chá, acrescentou Katherine. Elizabeth sorriu e lhe piscou o olho. Mas devo confessar que não sinto falta de meu espartilho. Nenhum pingo.

A jovem esposa do xeque lhe dirigiu um sorriso cheio de cumplicidade, sem conseguir arrancar uma dela. Superada pela realidade de sua situação, a esperança a derrubou como uma ave morta cai ao chão. Sua primeira obrigação era seu pai, não Ramsés. E se não lhe ajudasse a obter o ouro, ela também seria sua assassina.

Seus olhos a contemplaram compassivamente.

—Há algo mais. Verdade?

Katherine sob o olhar.

—Não posso dizer a ninguém.

Agarrou-lhe a mão. Elizabeth parecia preocupada posto que começou a brincar com uma mecha de seu cabelo loiro. Ela começou a lhe falar em inglês.

—Katherine, acaso alguém te está ameaçando?

Ela desviou o olhar. Aquela pergunta, em inglês e formulada por uma mulher, parecia menos perigosa que em árabe e formulada pelo guerreiro Khamsin ao que tinha roubado o mapa.

—Ahmed nos advertiu que alguém te ameaça.

Ela reagiu assombrada ante as palavras da Elizabeth.

—Ahmed?

A esposa do xeique assentiu.

—Chegou faz umas semanas a nosso acampamento e nos contou o ocorrido. Entretanto, não estava preocupado, disse que Ramsés te protegeria.

Apesar daquele torvelinho de emoções, Katherine experimentou uma leve sensação de alegria.

—Essa foi a razão pela qual me disse que aprenderia da tribo de meu marido. Ahmed sabia que Ramsés era meu noivo. Deixou-me a sós com ele, com meu protetor.

Elizabeth sorriu, e a seguir seu belo rosto se crispou de ira. Ela apertou a mão da Elizabeth.

—Alguém te está ameaçando, Katherine. Essa é a razão pela que deve confiar em Ramsés. Não lhe oculte nada. Ele tem que sabê-lo. Ramsés é o Guardião dos Séculos. Ele jurou o voto sagrado de te proteger. Pode derrotar a qualquer que te esteja assustando.

—Não é isso. Não posso dizer. Se só estivesse em perigo minha vida… mas ele ameaçou fazer mal a meu pai. Mordeu-se a língua, tremendo, compreendendo que tinha falado muito. Falar com a agradável esposa do xeique tinha baixado suas defesas naturais.

A preocupação escureceu os olhos azuis da Elizabeth.

—Katherine. por que está tão assustada? Confia em Ramsés. Um guerreiro Khamsin pode derrotar a algo que teme. São homens de honra que morreriam lutando só para proteger às mulheres que amam. Um leve sorriso apareceu em seus lábios. Sei. Jabari esteve a ponto de perder sua vida por mim do mesmo modo que Ramsés daria sua vida por ti.

Se repente, assaltou-lhe a imagem de Burrells lhe dando golpes com a mesma faca que tinha utilizado para ameaçar Osíris. Katherine apertou os lábios.

—Não é isso. Sei que Ramsés… não o entenderia. Por favor, não conte a Ramsés o que sabe. Por favor, me prometa que não lhe dirá uma palavra a ninguém.

Elizabeth torceu o gesto, mas assentiu com a cabeça.

—Acredito que está cometendo um terrível engano, mas respeitarei seus desejos.

—Obrigado, sussurrou ela.

—Conheço Ramsés. Jamais o admitiria, nem sequer a Jabari seu melhor amigo. Mas o vi em seus olhos. sente-se sozinho. Se oculta atrás de um sorriso e seu poder de feroz guerreiro. Vi o modo em que lhe olha, como um homem profundamente apaixonado. Confie nele. Ambos o merecem.

Katherine apenas podia falar porque enquanto a esposa do xeique se levantava, deixando-a sozinha, lhe fez um nó na garganta.

Sua preocupação pelo estado físico de Katherine se converteu em preocupação por seu próprio bem-estar físico ao ver o amplo sorriso no rosto de seu amigo. O sorriso de Jabari fez com que lhe encolhesse o coração.

Jabari tirou a faca encravada de sua capa e a elevou no ar, admirando seu fio.

Ramsés se encolheu e se apartou.

—Não, Jabari.

—Uma aposta é uma aposta, meu amigo…

—Mas como iria saber que…?

—Bom não sabia? Disse o xeique, arqueando a sobrancelha. Ramsés fixou o olhar na tenda que acolhia Katherine. Finalmente, alargou a mão e sujeitou uma mecha do comprimento cabelo. Deixou escapar um comprido e lento suspiro.

—Você ganha, sussurrou ele.

Os olhos escuros de seu amigo transbordavam regozijo. Deu-lhe uma palmada nas costas.

—Vamos, Ramsés, isto te doerá menos que todas as vezes que curou minhas feridas de guerra.

—Esteve esperando que chegasse este dia, acusou ele, incapaz de apartar o olhar do brilho diabólico da faca.

Jabari riu entre dentes.

—É obvio.

De pé, no exterior da tenda, Katherine contemplava seu noivo enquanto lhe aproximava. Seus cachos de cetim lhe caíam justo por debaixo dos ombros. Parecia abatido. O xeique tinha um aspecto triunfante. Na mão direita levava algo parecido à cauda de um camundongo. Ela entreabriu os olhos e voltou a olhar. O cabelo de Ramsés. Detendo-se em frente à fogueira, o xeique lhe entregou os largos cachos ao guardião com uma inclinação. Ramsés os contemplou com ar taciturno durante uns instantes e os jogou no fogo. Continuando, Ramsés a buscou com o olhar, encontrando-a e dirigindo-se para ela com ar resolvido. Ela se apressou a entrar na tenda, desejando ter uma porta que golpear, mas as laterais estavam abertas e não lhe outorgavam a satisfação da intimidade.

Nem sequer aquele estranho giro dos acontecimentos lhe faria revelar seus segredos. Ramsés devia acreditar que seu pai a tinha obrigado roubar o mapa em seu próprio benefício. Mas como ia confessar lhe a verdade? Corroia-lhe a dúvida. Dizer a verdade a Ramsés poria em perigo a seu pai.

Ramsés entrou na tenda. Resolveu o problema da intimidade baixando as portinholas. Deu-lhe as costas. Duas enormes mãos se posaram em seus ombros. Retorcendo-se como se seu contato queimasse, ela levantou o queixo e fixou o olhar na parede. Quando ele se dispôs a falar, sua voz estava cheia de preocupação. Ela se preparou para ignorá-lo.

Estou preocupado por ti, Katherine. Ultimamente não come bem e agora está doente. É o calor?

Katherine se voltou e o olhou fixamente. Como não podia figurar-lhe depois de todas as vezes que tinham feito amor? Ela conteve o impulso de levar a mão ao abdômen, ainda plano.

—Por que tem que estar doente, depois de descobrir que zombou de mim? Respondeu ela. Sabia durante todo este tempo e me ocultou. Seduziu-me, Ramsés, sabendo que eu era sua noiva!

Suas mãos lhe apertaram levemente os ombros.

—Parecia estar determinada a perder sua virgindade comigo para fugir do casamento. Não podia permitir que outro homem levasse o que era meu, disse ele brandamente.

Seus lábios deixaram escapar um gemido de dor.

—Como pôde jogar comigo desta maneira? Sabia quais eram meus sentimentos por ti! Ela tirou as mãos dele de cima. Poderia dizer quem era em realidade.

—Não quis me arriscar a lhe dizer isso posto que não estava seguro dos motivos pelos quais roubou o mapa e encontrou a tumba. Apertou a mandíbula. Ou de quem te obrigava a fazê-lo.

Ramsés tinha se deitado com ela, sabendo que era sua noiva. Devia tomá-la por uma estúpida impulsiva. Todas as emoções saíram à superfície. Ela entregou seu corpo e seu amor a um guerreiro galhardo que a tinha utilizado em seu próprio interesse.

—Assim que me fez amor sabendo que íamos nos casar? Por que, Ramsés? Para poder mudar de opinião se não fosse suficientemente satisfatório?

Seus lábios esboçaram um meio sorriso. Ramsés lhe agarrou a mão, lhe acariciando a pele com o polegar.

—Você é minha, doce Kalila. Você estava destinada a mim do mesmo modo que eu estava destinado a ti. Agarrou-lhe a mão e a dirigiu a seu braço esquerdo. Esta tatuagem simboliza o que deve ser. Eu pertenço a ti, em corpo e alma, do mesmo modo que você me pertence. Não pode ser de outro modo. Jabari tem autoridade legal para nos casar, Katherine. E vou pedir hoje mesmo.

—Não vai haver nenhum casamento. Não pode me reter aqui, gritou-lhe ela. Não compreende. Há muito em jogo.

—Tem isto algo que ver com suas razões para me roubar o mapa? Ramsés a olhou fixamente, procurando respostas. Tudo isto tem a ver com seu pai ou me equivoco? Ele vai voltar a te buscar, com outros.

Katherine permaneceu em silêncio. Ele alargou a mão e a dirigiu à bochecha dela. Com o polegar lhe acariciou a comissura do olho, aí onde uma lágrima ameaçava fazer sua traidora aparição.

Ela não podia arriscar-se. Não com o espião que vigiava todos os movimentos de Ramsés. Seu silêncio manteria seu pai vivo.

—Deixa-o estar. Falaremos disso mais tarde. Jabari e Elizabeth insistiram em que jantemos a sós com eles esta noite. Agora descansa. Está muito pálida. Sua expressão de preocupação a fez sentir culpado.

—Ramsés, não posso me casar contigo, sussurrou-lhe ela.

Dedicou-lhe um sorriso cheio de arrogância.

—Katherine, vamos nos casar. Esta noite, depois do jantar. Depois de fechar suas pequenas mãos com as suas, enormes, as apertou levemente.

Katherine o observou enquanto partia. Levando a mão ao estômago, começou a pôr em prática a técnica de respiração que Ramsés lhe tinha ensinado para acalmar-se. Percorreu a habitação com o olhar. Um cantil de pele de cabra estava pendurado em um prego de pau. Em uma mesa havia uma terrina de fruta. Foi buscar sua bolsa e introduziu tudo nela, tirando o artefato roubado. Katherine observou a majestosa expressão no rosto dourado do gato. Se os Khamsin descobrissem sua maldade… Ela se estremeceu e o introduziu na bolsa. Ramsés disse que não toleraria que ninguém lhe tirasse o que era dele. Ela imaginou o furioso e doloroso que seria sua reação se descobrisse seu roubo. Mas sem o ouro, seu pai permaneceria preso.

Katherine sabia que tinha que encontrar a cova. Fá-lo-ia cavalgando para o sul. O desespero e o risco lutavam em seu interior. O desespero ganhou. Ela começou a armazenar provisões.

Pouca gente havia ao redor quando Katherine se dirigiu à zona de erva em que os Khamsin guardavam os cavalos árabes. Logo se encontrou com um arbusto de vegetação verde e amarela e uma manada de cavalos pastando. Katherine reparou em uma bela égua de cor negra e brilhante que sacudia a cabeça. Não muito longe havia várias selas e uma brida com focinheira. Uns minutos mais tarde, a dócil égua estava selada e preparada. Katherine se montou nela e começou a cavalgar rumo ao sul, em direção à cova.

Apenas teve tempo de sentir-se aliviada por escapar quando ouviu os grunhidos de homens e de metal contra metal. Katherine deteve o cavalo e apeou. Andando a cegas pelas pedras, Katherine deu a volta a uma rocha e se ocultou atrás dela, observou.

Ramsés e Jabari. Lutando. Ela se levou as mãos à boca, presa pelo pânico. Não, estavam treinando. Unicamente vestidos com calça, os dois homens se agitavam, faziam fitas, agachavam-se e esquivavam golpes, cada um a seu ritmo e com uma elegância única em seu estilo.

Fascinada, ela deu um passo atrás, perguntando-se como poderia esquivá-los. O vento levantava grandes nuvens de pó enquanto os dois homens lutavam. As montanhas recortadas constituíam a cortina de fundo de seu feroz duelo. O implacável e árduo deserto era tão brutal como aqueles dois homens, lutando entre eles em uma selvagem batalha de aço e poder. Lutavam com graça animal, dois enormes depredadores grunhindo com intrépida energia.

Seu olhar percorreu o corpo dos dois homens com o torso nu. Ambos estavam perfeitamente esculpidos. Jabari era mais alto, mas Ramsés possuía uma perigosa elegância felina e uma lutadora determinação que faziam dele um feroz oponente, frente às formas magras e alargadas de Jabari, que lhe permitiam hábeis manobras. Os braços poderosos de seu amante, dotados de firmes e pulcros músculos, que se flexionavam com poderosa força, faziam girar a espada com poética velocidade. Coberto por uma fina capa de suor, seu corpo brilhava à luz do sol. O desejo correu por suas veias enquanto estudava o torso nu de Ramsés.

Fez uma careta a Jabari e lhe apontou com a espada, incitando-o a atacar. Jabari franziu o sobrecenho e fez uma fita. Ramsés o esquivou e levantou os braços no ar, inclinando a cabeça.

—Está perdendo as faculdades devido à idade, senhor?

—Não mais das que te vou fazer perder eu a ti, grunhiu Jabari, sorrindo afavelmente.

Uma graciosidade de movimentos e a malícia infantil de Ramses recordaram a um gato divertindo-se com sua presa, jogando com ela antes de lhe dar a patada final. Ramsés deu uma estocada, um movimento limpo executado com poderosa velocidade que pegou Jabari com a guarda baixa e lhe provocou um corte. Ramsés levantou as sobrancelhas ante o fio de sangue que se deslizava pelo braço de seu xeique.

—Terei que pôr em prática meus conhecimentos médicos de novo. Não posso deixar que sangre até morrer. Elizabeth me cortaria a cabeça!

—Se aproximar algum desses teus remédios a minha ferida, não terá que esperar que minha esposa te corte a cabeça, posto que o farei eu mesmo! Grunhiu Jabari, fazendo girar a espada. Ele se levou a mão ao cinturão de onde tirou uma comprida faca de prata.

—Vejamos o recuperado que está, disse ele, lhe fazendo gestos com a faca.

—Ah, finalmente decidiu levar a sério e deixar de lutar como uma mulher? Disse Ramsés, ficando agachado e olhando-o com os olhos entreabertos. Um malicioso sorriso curvou seus lábios. Ele tirou sua faca. Os dois homens ficaram em círculo, um de frente ao outro. De repente, Jabari saiu correndo e o atacou a uma velocidade surpreendente. Mas Ramsés era igualmente rápido. Ele se equilibrou para adiante, deu uma cambalhota no chão e lhe deu uma rasteira, lhe fazendo tropeçar. Ramsés se levantou de um salto, arrebatou a faca de Jabari e o atacou com a sua, esquivando deliberadamente a parte inferior de seu torso.

Jabari desencapou sua cimitarra, inclinou-se e recuperou sua faca, respirando pesadamente enquanto ria. Devolveu a espada ao cinturão e deu uma forte palmada em Ramsés nas costas.

—Quase recuperou suas velhas faculdades, meu amigo!

—Quase? Ramsés se inclinou, ofegando, e levantou a cabeça, com um sorriso malicioso nos lábios. Aquele sorriso fez com que encolhesse o coração de Katherine. Eu diria que, neste momento, estou em minhas plenas faculdades.

Ela retirou a mão da lareira, provocando um pequeno desprendimento de pedrinhas. Aquele ruído repentino fez com que ambos os homens se voltassem. Katherine ficou paralisada. Olhou Ramsés. E esta vez não pôde evitar estremecer-se ante seu frio olhar.

Katherine! Ramsés teve que controlar sua ira e surpresa ao vê-la. As mulheres tinham acesso proibido aos terrenos de treinamento. Ele levou imediatamente as mãos a sua cabeça descoberta. Ele e Jabari tiraram os turbantes e se sujeitaram o cabelo com correias de pele. O fato de que uma mulher os visse assim fora da intimidade de suas tendas era um ato vergonhoso.

Sujeitava com tanta força o punho da cimitarra que os nódulos lhe puseram brancos. Então, embainhou a espada. Ela usava o tradicional kuftan azul anil das mulheres Khamsin. Katherine se tinha enrolado na cabeça um lenço de franjas azul anil parecido ao que usava Elizabeth. A diferença da esposa de Jabari, ela havia coberto o rosto com o extremo do lenço.

Isto lhe provocou ainda maior desconcerto. Quando iria Katherine reunir suficiente valor para descobrir seu rosto? Como ia adaptar-se a aquele mundo de mulheres sem véu se não via a si mesma como ele o fazia como uma bela mulher que não precisava ocultar-se atrás de uma parte de tecido? O fato de que ela continuasse padecendo uma profunda dor por sua cicatriz lhe enchia de pesar. Ramsés não pôde dissimular sua irritação.

—O que está fazendo aqui? Espetou-o.

—Minha intenção não era… incomodar, gaguejou ela.

A expressão de aflição em seus olhos aplacou seu aborrecimento. Ramsés se dirigiu para ela, sem apartar o olhar, com a mandíbula apertada. Sustentou-lhe o olhar. Ele continuou andando até poder contar todas e cada uma das largas e lustrosas pestanas. Treinar com Jabari lhe tinha posto os nervos a flor de pele. Sentiu que a besta insaciável e feroz golpeava na jaula, pedindo sua liberação.

Uma vez que esteve a um suspiro dela, Katherine estendeu a mão e lhe tocou o ombro direito. Ele retrocedeu assombrado enquanto lhe examinava a ferida de bala. Seu tato era uma carícia de pétalas de flor contra seus doloridos músculos. Duas rugas franziram a frente de Katherine enquanto lhe examinava a ferida.

—A cicatriz se fechou perfeitamente, apesar de ter executado bruscos movimentos. Mas se trata de uma ferida grave. Não force tanto o músculo. Precisa fechar-se bem ou do contrário te fará mais dano.

Olhou-o nos olhos.

—Depois de semelhante esforço, deveria te doer o ombro.

—Posso suportá-lo. Não é nada, declarou ele.

—A dor é o modo que tem nosso corpo de nos dizer que devemos baixar o ritmo, disse ela sem apartar o olhar dele.

De novo, ela tinha razão, posto que sentia uma urgente dor no ombro. Ramsés respirou fundo e olhou a seu xeique. Jabari levantou uma sobrancelha. Advertiu certa confusão nos olhos de seu amigo e quis tranquilizá-lo.

—Sou um guerreiro Khamsin. Conheço os limites de meu corpo, grunhiu ele, estudando a expressão de seu rosto.

Katherine parecia nervosa. Não deixava de olhar para as rochas. Ramsés respirou fundo, reconhecendo o aroma de cavalos. Entreabrindo os olhos, passou por Katherine e fez gestos a seu xeique para que o seguisse. Ela saiu disparada e os alcançou quando rodeavam uma rocha. Os homens a olharam enquanto Ramsés cruzava de braços, exigindo uma explicação a Katherine com o olhar.

Katherine se deteve e acariciou o focinho de Fayla com afeto.

—Seus cavalos são preciosos, disse ela como se aquilo explicasse tudo. Gostaria de dar uma volta com ela

Aqueles enormes olhos esmeraldas brilhavam de astúcia. Ramsés advertiu que o corpo de Katherine estava rígido enquanto examinava Fayla sela e provisões. Teria que haver-se imaginado que Katherine tentaria escapar.

—Proporcionam-nos um bom serviço, disse ele com receio.

—Oh, não. Eu não diria isso “Nos proporcionam um bom serviço” não lhes faz justiça! Criei-me montando os melhores puros sangues e não podem comparar-se com a elegância de seus cavalos.

Jabari se mostrou interessado enquanto Katherine acariciava o focinho da Fayla

—Não são muito altos, mas possuem uma assombrosa capacidade pulmonar que lhes permite percorrer quilômetros. É tão simples reconhecê-los por seus belos rostos. Olhem estas orelhas, sempre alerta!

Katherine assinalou as orelhas da Fayla. A égua levantou as orelhas como se soubesse que estava sendo o objeto da conversa.

—Seus cavalos estão perfeitamente adaptados à vida no deserto.

Os lábios do xeique esboçaram um murmúrio de aprovação. Ramsés observou com desconfiança Katherine, que se tinha colocado com toda tranquilidade ao lado de Fayla. Possivelmente podia convencer ao xeique de que a finalidade de todos aqueles elogios era unicamente conhecer melhor sua querida égua, mas ele a conhecia melhor. O único que queria Katherine era desviar a atenção de sua verdadeira intenção. Ramsés levantou o cantil de pele de cabra, mediu seu peso e o deixou no chão.

—Muito acostumados à vida do deserto e muito úteis para percorrer largos lances de areia, sobre tudo com mulheres que tentam fugir.

Katherine apoiou os pés nos estribos e montou na égua, surpreendendo os dois homens e fazendo-os retroceder ao cravar os calcanhares nos flancos da égua e sair cavalgando em uma nuvem de pó.

Ramsés amaldiçoou entre dentes e dirigiu seu olhar frenético à manada de cavalos que pastava placidamente a suas costas. Dirigiu-se correndo para uma égua, pegou impulso, deu um salto e sujeitando-se em sua crina, montou em seu lombo nu. Cravando os saltos de suas botas em seus flancos, saiu rapidamente atrás de Katherine. Fayla era veloz e ele esporeou ao cavalo para que corresse mais rápido e a alcançasse. Ramsés avistou Katherine. Cavalgava como se fundisse com o cavalo, a mulher e a égua unidas em uma só forma. Seus compridos e negros cachos se elevavam atrás no ar que criava seu passo. Apesar de sua irritação, Ramsés admirou seu graciosidade e hábil estilo. Montava tão bem como qualquer guerreiro Khamsin galopando na batalha. Era como admirar uma bela dançarina agitando-se ao ritmo de uma música invisível.

Katherine ouviu o retumbar dos cascos do cavalo atrás dela. Depois de lançar um rápido olhar por cima do ombro, advertiu a presença de Ramsés, que cada vez estava mais perto. Cavalgava com a poderosa velocidade de seu totem, o tigre. Sua formosa e musculosa silhueta se inclinou sobre o cavalo, sujeitando-o com segurança. Seu coração palpitava freneticamente ao mesmo tempo que ela apertava o passo.

Um estridente e forte assobio cortou o ar. Como se ela tivesse puxado as rédeas, aquele som fez com que a égua diminuísse o passo e se detivera. Katherine não esporeou ao cavalo para que continuasse. Amava aos animais e sabia quando golpeá-los.

Ramsés puxou a crina do cavalo e se deteve em seco, esporeando o cavalo habilmente com os calcanhares. Desceu do cavalo e correu a seu lado.

—Está louca? Fayla está prenha! Poderia ter tropeçado esse machucado! Não a pode forçar. E o teria passado a ti, cavalgando como uma louca com este calor? Ramsés deixou escapar ar e acariciou o focinho trêmulo da égua com ternura. Com mais carinho e afeto que o que tinha demonstrado por ela, pensou amargamente Katherine.

—Desça agora mesmo. Voltará comigo em meu cavalo e eu levarei o passo. Fayla está muito acalorada.

Ela também se estava acalorando. Katherine ignorou sua mão enquanto descia do cavalo. Ele a fulminou com o olhar enquanto tirava a sela de Fayla e a colocava no outro, atando as rédeas de Fayla a seu traseiro. Uma vez que montou ela, ele se colocou atrás, lhe rodeando a cintura com os braços. Cavalgaram em silêncio. Quando ele, finalmente, falou, o tom de preocupação em sua voz a surpreendeu.

—Katherine, não volte fazer algo assim. É muito perigoso O que teria feito se tivesse ficado sem água? Poderia ter morrido.

Ele lhe apertou delicadamente a cintura. Pareceu-lhe ouvir murmurar.

—Morreria se te perdesse, posto que não posso viver sem minha Kalila. Sua atitude protetora fez com que todas as emoções de Kalila saíssem à superfície. Apoiando-se em seu forte corpo Katherine desejou poder confiar nele.

—Ramsés, não o teria feito se não fosse necessário, balbuciou ela, lutando contra uma repentina necessidade de contar-lhe tudo. A histeria empanou seu tom. Não tenho outra opção. Você não deixa de dizer que temos outras opções. Eu não por que não deixa que vá! Não tenho outra opção.

—Kalila, se acalme. Ele deteve o cavalo e a voltou delicadamente para ele. Parecia estar profundamente preocupado.

—Por favor, confia em mim, me conte agora de que modo seu pai está comprometido em tudo isto. Conte-me para que vejamos o que podemos fazer.

O tom tranquilizador de sua voz venceu sua excitação. Seus olhos dourados procuraram os seus, penetrantes e intensos. Se confiasse em Ramsés, o que ocorreria se Burrells descobrisse? Burrells tinha um espião que conhecia todos os movimentos de Ramsés. Uma só palavra ao espião de Burrells e arriscaria a vida de seu pai.

Assaltaram-lhe as lembranças de Osíris. As lágrimas arderam em seus olhos. Tinha estado a ponto de perder seu querido gato, tudo para encontrar o tigre que amava com todo seu coração. Uma angustiosa incerteza partiu seu coração em dois. Finalmente, as lágrimas lhe caíram pelas bochechas.

—Não posso, sussurrou ela. Osíris. Oh, meu pobre Osíris.

O olhar de Ramsés refletia preocupação. Limpou-lhe a comissura do olho com o polegar.

—Osíris? O deus da vida eterna? O que tem que ver o deus egípcio com tudo isto?

Seus lábios trêmulos e velados estiveram a ponto de contar-lhe Katherine os tampou com a mão.

—Por favor. Ramsés. Deixa de me fazer perguntas.

Ele adotou uma atitude de carinhosa preocupação. Beijou-lhe na testa. Quando alcançaram a manada de cavalos árabes, Jabari se tinha esfumado como vento silencioso. Ramsés desceu do cavalo e a ajudou a descer.

—Katherine, meu amor. Vêem. Está muito cansada. Posso vê-lo em seus belos olhos. Levar-te-ei apara tenda para que possa descansar.

Esgotada, ela deixou que a levasse em braços. Sua amabilidade penetrou em sua mente culpada como uma afiada espada. Como reagiria se tirasse o ouro do fundo de sua bolsa?

Katherine não quis nem pensá-lo.

 

Enquanto se sentava no tapete de cores da tenda do xeique, Katherine sentia que lhe encolhia o estômago pelos nervos. Jabari, quem anteriormente lhe tinha recebido com todos os cuidados, fulminava-a com seu penetrante e escuro olhar. Seus olhos de negra obsidiana ameaçavam sua serenidade. Não tinha nem idéia da razão de sua mudança de humor.

Temia descobrir.

O xeique tinha uma presença majestosa com sua barba negra perfeitamente recortada e seu comprido cabelo encaracolado sob o turbante azul anil.

As mãos de Katherine ficaram frias e suadas ao advertir a cimitarra mortal em sua cintura, uma cópia da de Ramsés, mas com o punho de marfim.

Ramsés lançava olhares de desconcerto a seu silencioso amigo, com a mandíbula apertada sob a escura barba. Desde que tinham chegado ao acampamento Khamsin, Ramsés deixou crescer a barba e o cabelo, acentuando suas fortes mandíbulas e maçãs do rosto. Era um aviso de que aquele homem que esteve no interior de seu corpo era virtualmente um estranho. Pertencia a aquela gente de areia e pó do antigo Egito. Ela não.

Irradiava uma aura de força dominante e poder que encobria a graça infantil que ela tinha visto no deserto. Katherine compreendeu que era a aura natural de um homem com muitas responsabilidades neste mundo.

Frente a eles, em uma mesa, havia uma fonte com um guisado de grosso e rico cordeiro que não conseguiu estimular seu apetite. Deu uma dentada no pão plano enquanto Jabari, Ramsés e Elizabeth molhavam pedaços de pão na comida e bebiam chá doce em pequenas xícaras sem asas.

Elizabeth lhe deu uma xícara de chá. Respondeu-lhe com um sorriso, lhe agradecendo o gesto. Ela levantou o véu e deu um gole, sentindo que o calor se expandia em seu estômago revolto.

Elizabeth começou a falar sobre jazidas arqueológicas, como se a tensão que estava no ar não existisse. A esposa do xeique não percebeu o olhar de receio que seu marido lançou a Ramsés. Katherine sentiu que uma chama de calor lhe subia pela garganta e lhe chegava ao rosto. Sentia-se tão indefesa como o cordeiro que tinham sacrificado para o jantar.

—Sabe montar Katherine? Eu jamais me senti cômoda em cima de um cavalo. Ainda não consegui, apesar das tentativas de meu marido para me converter em uma boa amazona. Ela lançou ao xeique um olhar de exasperação, a que ele respondeu com um leve sorriso.

—Ela monta, foi a breve resposta de Ramsés.

Katherine tragou saliva, disposta a devolver o gesto daquela mulher. A atitude de Elizabeth ajudou a romper o gelo. Seguro que ela também podia fazer algo para continuar descongelando o ambiente.

—Na Inglaterra estava acostumada sair a Hyde Park, em Londres, onde a aristocracia costuma montar. Virtualmente, criei-me em um cavalo.

Jabari moveu um pedaço de pão naquela mescla pegajosa de arroz e cordeiro assado e o comeu.

—Para a aristocracia, cavalgar em território Khamsin suporia uma provocação muito mais desafiante que fazê-lo na suave erva de um parque inglês. Observou ele.

—Ou as éguas Khamsin muito selvagens, em comparação com suas dóceis montarias, acrescentou Ramsés, franzindo o sobrecenho a seu xeique.

—Os cavalos ingleses jamais conseguiriam ganhar de nossas éguas em uma corrida, afirmou Jabari.

—Ignora-os, Katherine. Eles acreditam que só os cavalos árabes Khamsin são dignos de sua consideração, comentou Elizabeth.

—É que assim é, disse Ramsés com orgulho. Suas amplas costas se esticaram como se ele mesmo tivesse criado a manada. Nossas éguas pertencem às mais puras linhas de sangue, às melhores famílias. Jamais mesclamos nossas linhas com sangue estrangeiro.

A metade inglesa de Katherine se sentiu ofendida, enquanto ela devolvia a xícara de chá ao chão e o olhava fixamente aos olhos.

—Tenho a impressão de que seus cavalos árabes são muito endogámicos, algo que pode dar lugar a cavalos irascíveis e problemáticos. Se só os criarem com os seus próprios, não conseguirão incorporar traços de qualidade dos outros.

Jabari e Ramsés lhe lançaram o mesmo olhar assustador. Aquela duplicada intensidade lhe provocou um calafrio nas costas. Mas lhe sustentou o olhar.

—Nossos cavalos são elogiados entre as demais famílias reais da Europa por serem os mais rápidos, os mais fortes e os árabes mais temperamentais. Mesclar suas crias só serviria para poluir suas linhas de sangue, disse Ramsés, bruscamente. Bebeu e fez um gesto de desdém com a mão.

—Nada de poluir as linhas de sangue. Eu vejo como reforçar com outros traços dos quais possivelmente carecem seus cavalos.

Elizabeth a olhou admirada.

—As vezes penso isso de nosso filho. Ele é a combinação de duas culturas diferentes. Tarik contará com o melhor de ambas.

A expressão do xeique se suavizou ao olhar a sua esposa.

—Seu cérebro e minha beleza, brincou Jabari.

—Referia-me a uma mescla mais profunda de culturas, disse ela com porte sério. Nossa gente necessitará um xeique com conhecimentos da tecnologia ocidental e suas aptidões de liderança para manter a paz neste mundo de transformação.

O modo em que o chefe Khamsin levantou a mão de sua esposa e roçou seus nódulos com um tenro beijo enterneceu Katherine.

—Tarik terá o melhor, só por ter a ti como mãe, disse ele em voz baixa.

Elizabeth dirigiu a seu marido um sereno sorriso. Katherine desejava compartilhar a mesma cumplicidade com Ramsés, um olhar de ternura, um doce sorriso que dissesse tudo. Ouviu-se um choramingo procedente do canto em que dormia o bebê. Elizabeth ficou em pé, pegou-o nos braços e voltou a sentar com ele. Tranqüilizou seu filho, abriu-se o kuftan e o ocultou discretamente da vista ao colocá-lo contra seu peito. Ouvir Elizabeth arrulhando ao menino a encheu de tristeza. Ela teria que criar seu filho sozinha. Seu filho ou filha se educaria diligentemente para tomar chá, ir a Cambridge e ter engomadas gravatas. Nada de galopar nas planícies poeirentas nem de dormir sob as estrelas. A vida inglesa soava muito apagada em comparação com as emoções exóticas que experimentavam os Khamsin.

—Falemos da mina de ouro. Tem uma história fascinante. Eu adoro conhecer a história dos Khamsin. Você gostaria de conhecer seu segredo, Katherine? Perguntou-lhe alegremente Elizabeth, ignorando as olhadas furiosas que ambos os homens lançavam em sua direção.

A outra mulher lhe piscou o olho com cumplicidade. Elizabeth era totalmente consciente de que seu marido e seu guardião queriam que aquele tema se abordasse com discrição. Naquele momento, a esposa do xeique se converteu em sua aliada.

Katherine sorriu.

—Eu adoraria conhecê-lo.

—Sabe que o faraó Tutankamón o legou aos guerreiros Khamsin por uma razão em concreto?

—Elizabeth. A voz de Jabari se elevou com um tom de advertência. Mas a esposa do xeique agachou a cabeça e arrulhou a seu bebê.

—Muitos egiptólogos acreditam que o rei Tutankamón era o filho da rainha Kiya, a esposa menor de Ajenatón e o faraó

—E?

Elizabeth sorriu sem piedade a seu marido.

—Tutankamón legou a mina aos Khamsin por seu verdadeiro pai. O amante da rainha Kiya, Ranefer, o líder Khamsin.

Katherine esteve a ponto de cair a xícara.

Ramsés esticou um músculo da mandíbula. Seu corpo se estremeceu ante aquela revelação. Havia segredos que Ramsés lhe tinha mantido ocultos. Havia segredos que ocultava a ele. Os segredos cimentavam sua amizade.

—Esta informação não é para uma pessoa de fora da nossa tribo. Elizabeth, disse Jabari, com o rosto crispado de clara desaprovação. Mas Elizabeth reagiu encolhendo os ombros.

—Katherine deixará de ser de fora da nossa tribo quando se casar com Ramsés, assim deixe de montar alvoroço, disse ela.

Jabari irradiava hostilidade. Era uma estranha, não era digna de confiança. Katherine reparou em sua expressão de receio, nos frios olhares que lhe lançava.

O xeique concentrou seu frio olhar de gelo nela.

—Tutankamón lançou uma maldição aos intrusos da tumba antes de selá-la. Jabari recalcou a palavra “maldição”.

—À exceção dos Khamsin, todos aqueles que ousarem perturbar a tranquilidade da câmara sagrada serão açoitado pelo espírito de Rastau. Ramsés arrastou as palavras como se fosse o mesmo faraó quem as pronunciasse.

—Isso se o fio de uma espada Khamsin não os apanha primeiro, acrescentou Jabari. Entende-o, Katherine?

Dois pares de olhos, um par negro como o carvão, o outro âmbar como o ouro, contemplaram-na. Katherine tragou saliva e se levou a mão à garganta.

—Por favor, implorou ela, envergonhada por seu tom de voz, mas muito assustada para reprimi-lo. Por que atuam assim?

Ramsés se dirigiu a seu xeique franzindo o cenho, lhe perguntando o mesmo com o olhar. Jabari se desabotoou o binish e procurou algo dentro. Tirou o pequeno gato de outro que tinha roubado da tumba.

O medo se apoderou dela. Tinha a boca seca como a areia.

—Um de meus homens deixou cair sua bolsa enquanto desguarnecia Fayla. Isto caiu no chão, disse com a mandíbula apertada e os lábios franzidos. O xeique entreabriu os olhos até que se converteram em duas diminutas frestas.

—Sua noiva, meu amigo, é uma ladra, disse a Ramsés.

O xeique de olhos negros fulminou com o olhar Katherine. Ela não podia afastar os olhos de seu amante. Seu rosto se crispou de angústia. Ramsés parecia doído, como se lhe tivessem ferido.

Atrás da barba, Ramsés esticou os músculos da mandíbula, enquanto olhava fixamente ao xeique.

—Se Katherine roubou o gato, estou seguro de que tem uma boa razão.

—Como vendê-lo? Seu pai queria associar-se conosco para explorar a mina, Ramsés. Os ingleses são ambiciosos. Do mesmo modo que sua noiva e seu pai.

Ramsés cravou sua furiosa olhem de cor âmbar nos olhos negros de Jabari.

—Não insulte a minha futura esposa, Jabari. Não penso tolerá-lo.

A expressão do xeique relaxou.

—Ramsés, só penso em seu bem. Você não queria este casamento. Via-o em seus olhos, meu amigo. Eu só quero que não lhe façam mal. Seu olhar se deteve em Katherine. Nem que lhe desonrem.

Ramsés assentiu enfaticamente.

—Aprecio sua preocupação, mas se trata de um assunto entre Katherine e eu. Ele se voltou para ela, com certa urgência na voz.

—Por que Katherine? Que razão tem para roubar da tumba?

Havia um tom de dor naquela pergunta. Partia seu coração.

—Não lhe posso dizer isso, sussurrou ela, apertando os punhos.

Um músculo se desatou em sua mandíbula fechada enquanto ele fechava os olhos durante uns minutos. Quando os voltou a abrir, seu olhar dourado ficou duro.

—Quando o fez, Katherine? Quando me pediu que abandonasse a tumba para que pudesse se restabelecer?

—Sim, confessou ela, encolhendo os ombros. Katherine tinha o olhar cravado no chão, cheia de vergoha.

—Este assunto não só corresponde a ti, Ramsés. Também incumbe à tribo. Demonstre-lhe o que fazemos aos ladrões de tumbas. A ordem do xeique a aterrorizou.

Katherine retrocedeu. Tinha visto o doce Ramsés, o amante que a cobria de ternos beijos. O Ramsés apaixonado, cujos dentes mordiscavam seu pescoço quando se uniam como um gato selvagem. Inclusive o vingativo Ramsés que a tinha encurralado no beco do Cairo.

Mas jamais tinha visto o furioso guerreiro Khamsin que estendia seu corpo poderoso e destruía tudo só com seu penetrante olhar. Ramsés se afastou do círculo dando uns passos tirou a cimitarra. Executando uma série de graciosos movimentos, volteou-a no ar. Os olhos assustados de Katherine seguiram todos seus movimentos. Nem sequer uma gota de suor empapou sua frente depois da magnífica e terrível exibição de suas habilidades como guerreiro.

Ramsés se voltou bruscamente. Agarrou um figo da mesa e o lançou no ar. A espada desceu à velocidade da luz, partindo a fruta em dois.

—Isto é o que fazemos aos ladrões de tumbas, observou Jabari satisfeito.

—Não, Jabari, disse ele lentamente, embainhando sua espada. Isto é o que penso fazer a aquele que ameaçou a minha querida Katherine e lhe obrigou a cometer semelhante atrocidade.

Sobressaltada por sua ternura, Katherine o seguiu com o olhar enquanto voltava a tomar assento com ar de dignidade e suas amplas costas retas. Jabari olhou a seu amigo com o semblante sério.

—E que ocorrerá se essa pessoa for lorde Smithfield?

Katherine ficou sem respiração. A ira escureceu o rosto de Ramsés.

—Os ingleses são ambiciosos, admitiu. Possivelmente o conde não queria associar-se a nós, e sim ficar com tudo.

—Se assim for, conhecerá a ponta afiada de uma espada Khamsin, prometeu Jabari.

O horror se apoderou de Katherine. Dirigiu a Elizabeth um olhar suplicante. A outra mulher franziu o cenho, terminou de dar de comer ao bebê e se tampou. Sentou-o direito em seu colo, lhe dando uns golpes nas costas.

—Já basta, Jabari. Está assustando ela, disse ela severamente.

—Elizabeth, trata-se de um assunto muito sério, advertiu-lhe Jabari. O que fez Katherine põe em perigo o futuro de nossa gente.

—Lorde Smithfield conhecerá a localização da tumba e a revelará aos samak. O lugar de descanso sagrado de nossos antepassados se converterá em um centro turístico, grunhiu Ramsés.

—Essa jamais foi minha intenção, protestou Katherine.

Ramsés fixou seu olhar afligido nela.

—Sabe o que fazem os ingleses com as múmias, Katherine? Convertem-nas em espetáculos para curiosos. Sua gente, a riqueza da Inglaterra, compra múmias. Não corpos inteiros. As cabeças, os dedos, os pés são separados e exibidos em suportes de chaminés como troféus!

Katherine se passou as mãos trêmulas pelo ventre.

—Mas eu não sou assim. Jamais faltaria ao respeito com seus antepassados desse modo. Sussurrou ela.

—Como podemos estar seguros disso, se os ingleses são tão ardilosos e traidores como os chacais do deserto? Insistiu Jabari.

—Também é o povo de Ramsés, Jabari, comentou Elizabeth. Como pode insultar seu melhor amigo?

—Elizabeth detenha-se, advertiu-lhe Jabari, franzindo as sobrancelhas. Dirigiu um olhar de aflição a seu guarda.

Mas sua esposa continuou insistindo.

—Jabari, como pode condenar os ingleses quando o avô de seu próprio guardião era inglês?

Os olhos azuis claro de Elizabeth não expressavam nenhuma recriminação, mas Ramsés ficou vermelho. Aquela revelação deixou boquiaberta Katherine. Ramsés era o resultado da mescla de linhas diferentes de sangue, como ela. Então entendeu por que Ramsés se aferrava a sua ascendência egípcia. Era uma tentativa desesperada de negar a parte que odiava dele. De repente compreendeu tudo.

Do mesmo modo que ela lutava com suas duas partes, uma batalha similar se dava no interior de Ramsés. Seu corpo se esticou de orgulho, seus músculos se estenderam na amplitude de seu enorme peito. Embargou-a um instinto de consolo.

—O melhor guerreiro possui os melhores rasgos herdades de sucessivas gerações. Esta é a vantagem de mesclar linhas de sangue, disse Katherine docemente.

Seu olhar estava tão cheio de angústia que o coração lhe encolheu no peito. Ramsés apertou a mandíbula.

—E os inconvenientes são traços que desprezo, como a cobiça que faz com que os ingleses roubem de nossas tumbas sagradas. Desejaria que meus filhos não estivessem poluídos com sangue inglês, comento-lhe inexpressivamente.

Katherine se levou a mão ao ventre no qual crescia seu bebê. Seu filho. Poluído aos olhos de Ramsés por levar sangue inglês. O orgulho lhe impediu de derramar as lágrimas que apareciam nos olhos. Depois de agradecer educadamente Elizabeth, ficou em pé e se dirigiu correndo a sua tenda, desesperada para encontrar uma atmosfera mais cálida que a que acabava de abandonar.

Uma vez chegando a sua tenda, vacilou. A lua chapeada estava baixa no céu escurecido. Permaneceu ali durante uns instantes, contemplando o crepúsculo e respirando o ar puro. Dirigiu-se lentamente aos confins do acampamento. Ao chegar ao redil só havia um menino vigiando as ovelhas. Sorriu-lhe. O menino ocupava seu posto como se cuidasse de ouro em lugar de ovelhas. Ao pensar em seu filho, Katherine apenas pôde respirar.

Ramsés a amava. Mas acreditava que todos os ingleses eram ladrões de tumbas, e, além disso, acreditava que seu pai era um deles. Seu pai era um dos homens mais nobres que jamais tinha conhecido. Venerava a cultura egípcia tanto como a sua própria. Seria capaz de entregar sua vida, igual a Ramsés, por aqueles aos que amava. Ramsés não sabia que a vida de seu pai corria perigo. Acreditava que seu pai era um homem movido pela cobiça que a obrigava a roubar, algo que reforçava seus prejuízos contra os ingleses.

Pensou no modo em que Ramsés tinha abraçado seu pai e soube que o queria tanto como ela a seu. Ramsés era o pai de seu filho. Seu filho merecia um pai. Um guerreiro Khamsin capaz de derrotar dezenas de inimigos com sua cimitarra. Katherine lutou contra suas emoções. Durante todo aquele tempo na cova, lhe tinha falado de confiança e tinha conseguido aplacar seus medos. Encheram-lhe os olhos de lágrimas. Tinha que sabê-lo. Só se lhe contasse a verdade, conseguiria derrubar os muros que se erigiam entre eles. Ramsés era um guerreiro Khamsin com uma força extraordinária. Seguro que poderia lhe ajudar a encontrar o modo de liberar a seu pai.

Katherine compreendeu que devia ter fé e dar um passo adiante. Simplesmente, não podia continuar adiante com aquilo sozinha.

Um camelo que se aproximava chamou sua atenção. Viu que a besta se ajoelhava e dele descia Kareem. O jovem guerreiro se dirigiu para ela com passo decidido. Katherine levou a mão ao ventre, desatando-se nela um desconhecido temor.

—Kareem, me alegro de verte, pôde dizer.

—Lady Katherine. Justo a pessoa que estava procurando.

Tirou a mão com tanta velocidade que não teve tempo para reagir. Sentiu uma forte espetada no pescoço e se sumiu na escuridão.

Ramsés ficou em pé para ir procurar Katherine. Elizabeth entregou Tarik a Jabari. A seguir ficou em pé e sujeitou Ramsés pelo braço com surpreendente força.

—Deixa-a em paz. Como ousa insultá-la? O que te dá esse direito?

—Seu pai é um ladrão de tumbas, replicou Ramsés, sentindo que ficava vermelho de culpa ante o olhar glacial de Elizabeth.

—E Katherine não é mais que uma marionete. Não lhe interessa o ouro. Elizabeth se desabou no chão e se dirigiu a seu marido. Como eu. Se lembra Jabari?

Seu amigo mantinha a mandíbula apertada como um cão de caça ante as súplicas de sua esposa.

—Elizabeth, isto é diferente. Sua intenção não era roubar o Almha. Você queria encontrar o disco pelos antigos remédios inscritos nele, que podiam salvar sua avó. Katherine roubou um valioso artefato de ouro da tumba de antepassado de Ramsés. Não pode comparar os dois casos.

—Sim posso, disse ela obstinadamente.

Ramsés deixou escapar um forte grunhido e apartou a vista, lutando contra sua própria frustração. Seu roubo arrojava uma perigosa luz sobre sua relação. Katherine sabia que ele desprezava os ladrões de tumbas. Que intenção havia atrás daquele furto?

Examinou os olhos entreabertos de Elizabeth, seu pulso resistente. De repente compreendeu. As mulheres estavam acostumadas a falarem entre elas, revelando-se secretos que ocultavam dos homens.

—Elizabeth, o que te contou Katherine?

Jabari voltou sua atenção a sua esposa. Devolveu-lhe o olhar.

—Prometi-lhe não dizer-lhe a ninguém. Eu prometi.

—Elizabeth, se Katherine te deu alguma pista a respeito das razões pelas quais roubou o ouro, temos direito de saber, disse Jabari com delicadeza.

—O único que desejo é ajudá-la, acrescentou Ramsés.

Elizabeth se enrolou uma mecha de cabelo no dedo.

—Não me disse exatamente assim, mas a pessoa que está sob ameaça não é ela, e sim seu pai.

—Ela está protegendo seu pai. Alguém o está pondo em perigo, pensou ele em voz alta.

—Tem que ajudá-la, Ramsés, suplicou-lhe Elizabeth. Ela te necessita. Não é Katherine mais importante que o ouro enterrado em uma tumba embolorada durante milhares de anos? Vai ser sua esposa e a mãe… a mulher de cabelos dourados se mordeu o lábio, lançou um olhar cheio de culpa a seu marido e se levantou, recolhendo apressadamente o jantar.

Ramsés a contemplou pensativamente e logo olhou a Jabari. Não gostava da careta que curvava os lábios do xeique.

—Isso explica por que sua noiva sujou minhas botas. Pelo que se refere a seu cabelo, Ramsés, provavelmente o cortei muito tarde, se é o sinal de virilidade que você afirma que é.

—O que quer dizer, Jabari? Mas o ritmo palpitante de seu coração lhe dizia que já sabia.

O xeique Khamsin levantou seu filho no ar e estalou a língua. A seguir o entregou a Ramsés. Ele sustentou o bebê com crescente assombro, contemplando seu rosto carnudo.

—Lhe faça arrotar você. Precisará praticar.

Tarik lhe sustentou o olhar com seus grandes e escuros olhos enquanto a verdade aflorava nele. Prática. Bebês que arrotavam. Katherine levava um filho dele.

Justo quando tinha aquele pensamento, Tarik arrotou em cima de seu binish. O ar se impregnou de um fedor a leite azedo. Tarik gorjeou. Seguiu-se a alegre risada de seu pai orgulhoso.

—Agora estamos em paz, meu amigo, pelo que fez sua noiva.

Ramsés só podia olhar ao bebê com crescente estupefação. “Oh, Katherine, pensou ele, por que não me contou?” as palavras que tinha pronunciado sobre a linha de sangue poluído de seus filhos lhe atormentaram. De novo, tinha atuado impulsivamente.

Seu bebê. O bebê de ambos pensou enquanto olhava pensativamente Tarik. Passou toda sua vida desprezando seu lado inglês. empenhou-se em reprimi-lo. Mas Katherine fez uma importante observação. Sua mescla de sangue lhe outorgava uma vantagem com a que outros guerreiros jamais contariam. Sua força e astúcia eram resultado disso.

O alegre balbucio de Tarik enquanto seu pai o pegava nos braços e o elevava no ar chamou sua atenção. Como Tarik, seu bebê seria uma mescla perfeita de culturas. A teimosia inglesa e a impulsividade egípcia. Ramsés esboçou um sorriso enquanto tirava o binish e o jogava em Jabari.

—O mínimo poderia fazer é limpá-lo.

Ao sair da tenda, um feroz e terno instinto possessivo se apoderou dele. Queria envolvê-la em um abraço e lhe comunicar sua alegria ante a notícia de seu bebê. Tinha-a ferido no mais profundo de seu ser. Tinha que emendar suas faltas.

Ramsés foi procurar a sua tenda, entrando pelas portinholas. Estava vazia.

Um sinal de alarme despertou nele. Ramsés tomou ar, procurando tranquilizar-se. Não podia ter chegado muito longe. Uns minutos mais tarde percorreu a totalidade do acampamento e não encontrou nem rastro dela. Detectou a presença de um menino jovem que guardava ovelhas nos confins do acampamento. O menino levantou o olhar à medida que Ramsés se aproximava, lhe perguntando se tinha visto partir alguém.

—Kareen esteve aqui e partiu com aquela senhora.

A Ramsés lhe revolveram as vísceras. Aproximou-se do menino e se dirigiu a ele com delicadeza.

—Que senhora?

—A senhora dos belos olhos verdes. Ela estava sentada de uma forma um tanto estranha no camelo, como se estivesse dormindo.

Ficando em pé, Ramsés fixou o olhar no horizonte vazio. Katherine tinha desaparecido, raptada por Kareem.

Tinha-a perdido.

 

Os guerreiros se reuniram em assembléia na areia para discutir o último giro dos acontecimentos. As chamas da fogueira acesa projetavam sombras estranhas e inquietantes nos rostos solenes dos homens. Jabari assumiu sua legítima posição no círculo principal enquanto Ramsés lhes contava o ocorrido. Uma vez terminado, Salah fulminou com o olhar Ramsés.

—Kareem é jovem, mas é um guerreiro. Nego-me a pensar que meu filho raptou a sua noiva. por que iria fazer algo assim? Possivelmente o menino estivesse equivocado. Ou possivelmente sua esposa queria fugir e Kareem quis impedir.

Ramsés lhe devolveu o olhar.

—Se assim fosse, Kareem teria a obrigação de me devolvê-la não de ir-se com ela. O que diz não tem sentido, Salah.

O ancião lhe devolveu o olhar de aço com outro solícito.

—Está preocupado, Ramsés e com razão, posto que lady Katherine esteve muito gravemente afetada pelo calor quando chegou. Esperemos que saiba cuidar se si mesma, posto que o sol do deserto é implacável e ela é muito miúda e delicada.

Uma lembrança assaltou sua mente com fastidiosa insistência. Lady Katherine. Tão miúda e delicada. De repente, a lembrança lhe abordou com o poder de um murro na mandíbula. Umas palavras que Kareem tinha pronunciado tempos atrás. Umas palavras que ele tinha passado por cima, concentrado na ofensa do menino.

“Algumas mulheres inglesas são belas. Ao menos as que são miúdas e delicadas como lady Katherine”

Como sábia Kareem que Katherine era miúda? Não a tinha visto jamais. Nenhum Khamsin a tinha visto. Não até que Ramsés a conheceu.

A menos que… Ramsés voltou sua atenção a Salah, um homem de confiança, junto ao que tinha lutado em muitas batalhas.

—Salah, por que obrigou Kareem a voltar para casa tão cedo?

O ancião parecia envergonhado. Seu olhar se deteve em Jabari, que de repente se paralisou.

—Foi por sua amante em Amarna. Proporcionava-lhe os prazeres das mil e uma noites. Fiz minhas investigações e descobri que Kareem se envolveu no contrabando de bens roubados, posto que ela era a amante de um homem inglês. Aquele homem ganha a vida roubando das tumbas dos mortos.

Salah deu uma palmada contra o chão.

—Adverti Kareem, mas ele insistia em que ela o queria. Disse-me que nada lhe impediria de continuar vendo-a. Esta é a razão pela qual lhe obriguei a voltar para casa.

Quem era aquele homem inglês? Perguntou Ramsés.

—Tinha um nome estranho. Burros ou Borrows…

—Burrells, disse serenamente Ramsés, recordando o ladrão de tumbas que tinha ferido.

Salah abriu seus olhos de par em par.

—Sim, Burrells.

Como se o mosaico de repente tivesse cobrado forma, pôde ver seu desenho ao completo. Burrells tinha pressionado Katherine para que roubasse o mapa. Possivelmente tinha retido como refém a seu pai e a ameaçava ferir-lo. Burrells tinha descoberto a tumba porque um guerreiro Khamsin lhe tinha ocorrido contar-lhe a sua amante…

—Seu filho revelou o segredo da tumba, disse Ramsés com seriedade.

Salah ficou em pé com o rosto crispado de ira.

—Insulta a minha família!

—Sente-se, Salah, ordenou-lhe Jabari, assinalando o chão. A seguir voltou sua atenção a Ramsés. Como pode fazer semelhante afirmação?

Ramsés lhes contou a conexão com Foster Burrells.

—Conversa de amantes. Kareem lhe mencionou que tinha uma amante.

Profundas rugas franziram a frente de Salah.

—Kareem me disse que se encontraria com ela de novo e estariam juntos para sempre, confessou ele, dirigindo a Ramsés seu olhar aflito.

Revolveram-lhe as vísceras. Seu amor se encontrava no deserto com um jovem impulsivo que a exporia a um grave perigo. Ramsés percorreu com o olhar o círculo de sóbrios guerreiros.

—Parto esta noite para detê-lo antes que chegue à cova. Necessito a ajuda de uns quantos guerreiros fortes, posto que não sei que é o que me espera.

Como era de esperar, vários homens, entre eles seu pai, ficaram em pé para prestar seu apoio. Mas quando o xeique Khamsin ficou em pé, Ramsés não pôde sair de seu assombro.

—Jabarí, você não, protestou ele. Não te porei em perigo. Seu lugar está aqui com Elizabeth e seu filho.

—Meu lugar está a seu lado, meu amigo. Ramsés, foi o único que esteve a meu lado quando resgatei Elizabeth ano passado, agora te devolverei o favor e sua lealdade.

Estava a ponto de pôr objeções quando seu pai levantou a mão.

—Jabari tem razão, meu filho. Um favor dever ser devolvido, posto que é uma questão de honra. Olhou ao xeique Khamsin enquanto dizia isto. Os lábios de Jabari se franziram e seus olhos resplandeciam furiosamente. Ramsés compreendeu. A honra pessoal de Jabari. Sua honra como amigo, não como sheik.

—Agradecerei enormemente sua ajuda, senhor, afirmou ele.

Seu amigo se relaxou.

—Sinto-me tremendamente feliz de lhe poder oferecer isso disse ele com idêntica formalidade.

Ramsés assentiu com a cabeça, muito emocionado para poder falar. Seu pai o olhou com ternura lhe sujeitou a manga.

—Não tenha medo, Ramsés. Encontraremo-la.

 

Tinha passado três dias falando, raciocinando e discutindo com Kareem. Do momento em que ela tinha despertado, tudo tinha cuidado. Tinha compartilhado suas provisões com ela, fazia pausa para descansar. Perguntava-lhe a respeito de sua saúde. Mas se negava a escutar suas advertências sobre o perigo que lhes aguardava. Ele não quis escutar a história de Burrells ameaçando-a de assassinar seu pai. Katherine lhe surrupiou informação e descobriu que Kareem se encontrou na cova com Burrells e lorde Esteja. Kareem informou ao encarregado do museu do paradeiro de Katherine e Burrells lhe deu instruções para que voltasse com ela.

Os olhos escuros de Kareem adquiriram um ar sonhador e se desenhou um sorriso na boca ao falar do ouro que daria a ele e a seu amor, Maia, com quem começaria uma nova vida no Cairo. Burrells tinha o único espião do qual ninguém suspeitaria, um guerreiro Khamsin tão doente de amor que trairia a sua tribo por dinheiro.

Largos dedos de rosa, lavanda e ouro acariciavam as areias avermelhadas quando chegaram a cova. Kareem sujeitou firmemente Katherine pelo pulso e a arrastou ao interior da cova.

O leve resplendor de um abajur dispersava a escuridão quando Kareem entrou dando grandes passos em seu interior. Seus olhos se adaptaram à escuridão e ela percebeu a presença de um pequeno grupo de egípcios armados com cimitarras e uma mulher esbelta. Mas quando viu seu pai, sentado, com os olhos enfaixados e as mãos atadas, Katherine se liberou de Kareem e saiu correndo para seu pai.

—Papai! Gritou ela. Um guarda armado franziu o cenho ao perceber que ela corria para seu pai e lhe dava um forte abraço.

—Katherine, sussurrou ele. Graças a Deus que está bem.

—Lady Katherine, disse apaticamente com sua fria voz nasal. Encantado de voltar a ver-te.

Sua alegria se dissipou ao ver o encarregado do museu e lorde Esteja.

—Liberou-o da prisão. Por que? Significa isso que devolveram o amuleto?

—É obvio, respondeu lorde Esteja com brutalidade. Foi absolvido de todos os cargos. Ao ver que não voltava para o Cairo, dispus de tudo para liberar a seu pai. Sabia que se associou aos Khamsin e conheceria a localização da cova.

Katherine não podia sair de seu assombro.

—Voltar para o Cairo? Mas não tinha…

Burrells a interrompeu.

—Sabíamos que sentia falta de seu pai, Katherine. Ela estudou seu rosto com receio. Havia algo que não se encaixava.

Um grito abafado desviou sua atenção de Burrells. Katherine se deu a volta e viu que Kareem saía correndo para Maia. Seus belos olhos amendoados brilhavam como ônix enquanto gritava seu nome. De repente, Katherine compreendeu tudo e sentiu uma dor tão profunda que queria gritar. Soltou seu pai e observou o casal. Aquela beleza exótica abria seus braços a ele se refugiava neles. O jovem casal se beijou com semelhante paixão que ela soube que os sentimentos de Kareem eram verdadeiros, a pesar que suas intenções equivocadas.

Kareem faria algo por amor.

Ao fim os amantes se separaram.

—Senti sua falta, disse Maia, com o rosto impregnado de amor enquanto o estreitava em seus braços. Aquela mulher já não tinha aquele aspecto malévolo ou sedutor, só era uma mulher encantado por seu amante. Muito a seu pesar, os lábios de Katherine esboçaram um sorriso. Ela viu a si mesma com Ramsés ali, mostrando seus sentimentos a todos os pressente.

O afeto que refletia o sorriso do jovem guerreiro enterneceu a Katherine. Ele estendeu a mão para acariciar a bochecha de Maia. Ela a apartou com um gesto de dor. Kareem franziu o cenho e voltou o rosto da garota para ele. Inclusive desde sua posição vantajosa, Kareen pôde ver o hematoma que danificava a maçã do rosto perfeito da garota.

Kareem baixou a mão. Seus lábios se crisparam formando uma careta.

—Quem te fez isto?

Ela não disse nada, mas olhou fugazmente a Burrells. Katherine dirigiu o olhar ao ladrão de tumbas. Ele contemplou a ambos com o olhar gélido e distante. A Katherine lhe acelerou o pulso ao ver a expressão de ira que dirigiu ao jovem casal. Odiava-os. Odiava sua beleza, a bela simplicidade de seu amor. Destrui-la-ia.

—Assim que mentiu, Maia. Ao fim e ao cabo, significa algo para ti. Puta, disse em voz baixa o ladrão de tumbas. Tirou uma pequena pistola do cinturão, situou o dedo no gatilho e apontou para ela.

Um. Dois. O ruído retumbou em seus ouvidos com um estrondo estremecedor, embora nem a metade de ensurdecedor que o grito de angústia que emitiu Kareem. Maia desabou no chão e uma mancha de cor carmesim tingiu sua camisa azul claro.

—Toma, limitou-se a dizer Burrells. Por um momento a dor se refletiu em seu rosto. Logo desapareceu.

—Seu idiota, espetou lorde Esteja, com seu rosto redondo pálido. Por que a matou?

Burrells permaneceu em silêncio. Kareem desabou no chão, tomando à garota nos braços. Seus belos olhos sem vida olhavam o vazio. Seu comprido cabelo, negro como as asas de um corvo, derramou-se nas mãos trêmulas de Kareem enquanto ele estreitava sua cabeça contra seu peito.

—Maia, minha querida Maia, por favor, não me abandone, sussurrou ele, fracamente, mas ela não respondia. Kareem jogou a cabeça para trás e deixou escapar um grito tão esmigalhado que Katherine se levou os dedos às orelhas para deter aquela agonia.

—Ah, por favor, disse Burrells, guardando a pistola. Kareem deu um terno beijo na testa de sua amada. Tombou-a com a mesma delicadeza que uma mãe deita a seu filho para que descanse. Então ficou em pé e seu corpo magro pareceu ganhar em anos e estatura. Seus olhos escuros se entreabriram até converter-se em ferozes frestas. A ferocidade de sua expressão e o modo em que ele desdobrou seu corpo a impressionaram. Burrells tinha cometido um grande engano. Tinha seguido uma perigosa trajetória que o tinha levado a ter que enfrentar-se à ira de um guerreiro Khamsin do vento.

Quando Kareem tirou a cimitarra, a cova se sumiu em um silêncio sepulcral. Levou-se a mão ao coração e logo aos lábios. Um grito ondulante e ensurdecedor, o mesmo que tinha lançado Ramsés quando fizeram amor, expandiu-se pela cova. Esta vez foi proferido com um tom agudo que indicava guerra.

Com a espada no ar, saiu correndo para Burrells. Os cinco egípcios armados tiraram suas cimitarras e protegeram ao ladrão de tumbas com seus corpos. Kareem se inundou em uma dança de aço.

—Vamos, lady Katherine, libere a seu pai e fujam correndo! Kareem gritou enquanto sua espada se chocava contra um de seu atacante. Seus olhares se cruzaram durante um segundo breve. Ela advertiu neles uma dor iracunda e resignada aceitação. Sabia o que lhe esperava.

Freneticamente, tirou a atadura dos olhos de seu pai e lutou com os fortes nós que o amordaçavam. Lançou um olhar a Kareem. Do mais profundo de seu ser, desejou que alguém fosse testemunha do ato de valentia de Kareem para aliviar a dor de seu pai e lhe fazer saber que seu filho demonstrou coragem até o final. Eles se equilibraram sobre ele como chacais, lhe apontando com suas espadas. Uma estocada deu no peito de Kareem. O guerreiro deu um grito afogado e retrocedeu, sujeitando a ferida. Mas ele não soltou sua espada, atirando um golpe atroz a um de seus oponentes. Kareem se cambaleou e caiu no chão. Aarrastou-se até Maia e apoiou a cabeça em seu peito. Os jovens amantes jaziam tombados um ao lado do outro como se dormissem. A Katherine lhe encheu os olhos de lágrimas.

Finalmente, Katherine conseguiu soltar seu pai de suas ataduras. Ele ficou em pé de um salto, agarrando a sua mão e dirigindo-se à entrada. Iriam conseguir, pensava ela freneticamente, quando dois homens foram atrás deles e lhes bloquearam a saída. Ela tragou saliva.

—Agora, lady Katherine, vai mostrar-me onde está a tumba. E será melhor que se apresse, disse Burrells, arrastando as palavras.

Lorde Esteja empalideceu.

—Tudo isto é um absurdo, Foster, espetou ele. Tudo está saindo mal. Disse-me que tudo o que tínhamos que fazer era trazer Landon aqui para que encontrasse a tumba.

—Não exatamente, retificou Burrells. Um sorriso calculador se desenhou em seu rosto. Disse-te isto para que me acompanhasse. Realmente acreditava que ia compartilhar o ouro?

O encarregado do museu apontou com sua pistola ao aristocrata e disparou contra seu peito. Este se desabou sobre a parede da cova com uma expressão de surpresa no rosto.

O terror se apoderou dela quando Burrells se aproximou com a pistola apontando a seu pai e disparou. Seu longo gritou igualou-se ao de Kareem em angústia e uma mancha cor escarlate tingiu a camisa de algodão de seu pai. Lorde Smithfield resfolegou e se desabou no chão, sujeitando a ferida. Burrells a buscou com seu frio olhar enquanto ela lutava para se libertar do homem que a sujeitava pelas costas.

—A tumba, lady Katherine. Me leve a tumba. Ou fique aqui contemplando como sangra seu pai. Quanto antes me mostre onde está o ouro, antes poderá voltar para o Cairo para que o atendam. Você mesma.

 

O grupo de guerreiros cavalgava como alma que leva o diabo. Ao chegar à cova, Ramsés percebeu a presença de um grupo de camelos no exterior da entrada. Burrells e seus homens havia tornado.

Esquecendo sua prudência natural, pela segurança de Katherine, Ramsés desembarcou de seu camelo e tirou sua cimitarra, embora seu amigo lhe adiantou. Jabari desmontou e lhe sujeitou o braço. Seti elevou a mão em sinal de advertência.

—Se acalme filho, se acalme… lhe advertiu seu pai.

Ramsés respirou fundo. Assentiu com a cabeça. O trio se dirigiu para a cova, seguidos pelo resto de guerreiros. Cobriram-se o rosto com véus, tiraram as cimitarras e levaram as mãos ao coração e aos lábios.

Tão sigilosos como se fossem espectros, os homens abriram passo para a cova. Ramsés se obrigou a adaptar-se à escuridão. De pé, nos ocos escuros, viu o lugar em que seu amor lhe tinha salvado a vida. No qual tinham acendido sua fogueira de paixão e amor.

Dois homens permaneciam de pé em círculo, rindo enquanto apontavam a algo. Os homens deram um passo atrás e viu o objeto de suas brincadeiras. A ira se apoderou dele ao ver os corpos que jaziam no chão, um deles com binish azul anil. Desabado contra a parede da cova, o pai de Katherine sujeitava uma ferida. O sangue se derramava pelos dedos de lorde Smithfield. Gravemente ferido, parecia que o homem também perderia a vida.

Nada de sentimentos. Os sentimentos significavam perigo. Não podia perder a cabeça em situação de perigo. Esta vez não. Percebeu que Jabari lhe dava um golpe no braço. Ramsés fez gestos ao xeique e a seu pai para que continuassem adiante. Eles assentiram com a cabeça. Viu-os cruzar, deslizando-se na parede de frente, silenciosos como escorpiões. Ramsés avançou para a luz.

Respirando fundo, brandiu sua espada no ar criando um assobio mortal. Sua voz retumbou na totalidade da cova.

—Se preparem para se reunir com seu criador, sujos cães do deserto!

Ramsés percebeu que seus rostos se crispavam formando um sorriso enquanto desembaiavam as espadas. depois de matar um Khamsin, pensariam que ele seria igualmente fácil de derrotar. Que vantagem lhe davam!

—Pronunciem uma oração, chacais. Hoje irão direto ao inferno!

Enquanto eles carregaram, ele se equilibrou sobre eles, brandindo a espada, fazendo fitas e esquivando golpes. Sentiu que seu corpo se deixava levar de forma natural em uma dança de aço mortal, elegância e grácil. Tudo terminou em questão de minutos. Morreram com expressão de surpresa nos rostos. Ramsés limpou sua espada e foi correndo para Jabari e seu pai, saltando por cima dos corpos.

Reconheceu à garota como a irmã de sua antiga amante, com quem vivia em Amarna. Tinha um nome bonito, recordou contemplando-a com ira e dor. Maia. Ramsés se ajoelhou, comprovou o pulso da garota, apesar de saber que a veia não se moveria. Triste, Ramsés lhe fechou os olhos. Era uma trágica perda. Uma mão puxou seu binish. Kareem tinha o rosto crispado de dor. Seus lábios lívidos se moveram, tentando formar palavras. Kareem piscou enquanto tentava levantar a cabeça. Ramsés se inclinou sobre ele para entender as palavras que sussurrava.

—Lady Katherine. Na tumba. Salvar… então caiu para trás e não pôde dizer mais.

O som dos homens entrando na cova o distraiu. Ramsés levantou a vista e olhou Salah. A cor tinha desaparecido de seu rosto tingido pelo sol. Seus ombros começaram a se agitar como se estivesse contendo suas emoções.

—Seu filho morreu corajosamente. Ramsés teve que lutar contra sua própria dor, mas sabia que devia falar com Salah, que tinha perdido esse dia a um filho querido. De algum modo, devia restaurar a honra daquele homem lhe assegurando que Kareem se redimiu. Enquanto o ancião se ajoelhou para abraçar o corpo sem vida de seu filho, ele se dirigiu a lorde Smithfield. Ao examinar o conde, estremeceu-se. A bala tinha saído de seu corpo, mas tinha perdido muito sangue.

O conde abriu os olhos e olhou Ramsés com o olhar vazio pela dor.

—Se esqueça de mim. Salva a minha filha, guardião Khamsin, disse com voz rouca, ou meu espírito voltará e te perseguirá durante o resto de seus dias.

O coração de Ramsés se paralisou quando o pai de Katherine perdeu o sentido. Sua mão tomou o pulso, aliviado ao encontrá-lo.

Deixando a dois guerreiros ao cargo do conde, Ramsés abandonou a cova e mostrou ao resto o caminho à tumba.

Muito a seu pesar, Katherine guiou Burrells e seus cúmplices pela mina até chegar à entrada da câmara secreta. Quando os atemorizados egípcios se negaram a entrar na tumba, Burrells empurrou um deles. As flechas o acertaram no peito. Burrells se agachou enquanto outros fugiam, embora este lançasse dois disparos com a pistola que fizeram com que os homens pensassem melhor. Ordenou-lhes entrar na tumba de novo.

Ela viu que a atitude dos homens mudou logo que a luz das tochas iluminou o ouro que havia em seu interior. Os olhos redondos de Burrells brilharam de cobiça. Colocou a tocha em um spot pendurado na pare. Arrojando os sacos de ouro no ar, ficou agachado ao lado de uma coluna cheia de tesouros, rebuscando com as mãos trêmulas. Os egípcios se dispuseram a seu redor, ajoelhando-se como suplicante idólatras rendendo tributo em um altar. Katherine foi retrocedendo. Até que seu calcanhar golpeou contra a pedra. Lançou um olhar por cima do ombro e detectou a lápide que cobria o buraco do poço. Os homens continuavam ocupados com o ouro, proferindo exclamações. Katherine se inclinou e tentou fazer empurrar a lápide a um lado. Um buraco escuro se abriu como uma redonda e sombria boca.

Burrells finalmente ficou em pé, dando instruções aos homens para que começassem a levar o ouro. Tão dispostos estavam a acatar a ordem, que um deles tropeçou e esteve a ponto de cair no buraco. Burrells cravou o olhar em Katherine enquanto ela retrocedia para o sarcófago, abraçando-se a si mesma enquanto os homens levavam nas costas sacos de reluzentes tesouros.

Continuando, Burrells se voltou aos quatro homens e estalou os dedos. Burrells ordenou que abrissem o sarcófago enquanto seus dedos se fechavam no braço de Katherine. Os quatro homens lutaram com a lápide, depositando-a no chão. Logo retiraram a tampa e a depositaram contra a parede. Burrells se voltou para ela com um sombrio sorriso nos lábios. O terror se apoderou violentamente dela.

—Disse-me que me libertaria se te ajudava a encontrar o ouro, sussurrou ela.

—Menti, esboçou um sorriso obsceno. Um cacoete que tenho.

—Os Khamsin não permitirão que saia daqui.

—Quando descobrirem já terei vendido o ouro e abandonado o Egito. Sabe por que te mandei para encontrar a tumba? Kareem me disse que iria se casar com Nazim, quero dizer, Ramsés, rompeu em gargalhadas. Que brincadeira foi te enviar para roubar o mapa de seu próprio noivo! Kareem dizia tudo a Maia e ela me contava. Que iria se casar com um guardião Khamsin de nome Nazim Ramsés bin Seti Sharif, mas que iria mudar de nome com seu casamento. O modo como ele utilizava o nome de Ramsés no Cairo para seduzir às mulheres. Que você e seu pai não estavam à par da mudança de nome, sabia tudo a respeito da associação de seu pai com os Khamsin e o modo em que o obrigavam a guardar silêncio a respeito da tumba. Kareem inclusive disse a Maia que Ramsés carregava o mapa constantemente. Então te fiz entrar em cena.

Ela contemplou com crescente horror como se regozijava de seu êxito.

—Essa é a razão pela qual armei uma armadilha para incriminar seu pai, assim roubaria o mapa e o ouro. É um plano perfeito. Se o piolhento te descobrisse roubando a tumba, pensaria que seu ambicioso pai a tinha obrigado a fazê-lo. Procuraria vingança em seu querido pai.

Seu rosto se crispou de ira.

—Odeio a esse bastardo Khamsin. Maia me disse onde estava enterrado o mapa. Quando estava a ponto de consegui-lo, surpreendeu-me na tumba em Ajenatón. Esteve a ponto de me matar.

Katherine se armou de valor.

—Oxalá o tivesse feito, respondeu ela.

Burrells entreabriu os olhos

—Muito tarde. Não sou eu quem vai morrer hoje.

A Katherine começou a dar voltas a cabeça.

—Papai… sussurrou ela.

—Lhe culpará por ter assassinado lorde Esteja. Para quando chegarem os Khamsin, eu já não estarei e acreditarão que seu pai e Esteja se dispararam pelo ouro. Agora, lady Katherine, quero lhe apresentar a alguém.

Katherine se paralisou de terror. Levou-se a mão ao ventre, tinha que lutar por salvar a seu bebê. Aquilo lhe devolveu as forças, Katherine empreendeu golpes contra ele, lhe dando chutes. Ele lançou um grunhido de assombro e lhe retorceu o braço. Ela gritou de dor.

“Meu querido Ramsés, tinha razão aquele dia nos zocos. Não posso me defender de um homem! Se estivesse aqui, meu amor!”

Katherine lutou, golpeando-o com o punho enquanto gritava. Ela se inclinou e lhe mordeu no pulso. Ele grunhiu e lhe deu uma bofetada. Katherine retrocedeu pelo impacto do golpe, mas subiu a cabeça e voltou a lhe morder. Os dentes era uma boa arma.

Ele voltou a esbofeteá-la esta vez com mais força. Ela se cambaleou para trás, caindo no chão. Alguém lhe sujeitou os tornozelos e os atou com uma corda, fazendo o mesmo a seguir com suas mãos. Se repente o viu claro. Estavam-na atando do mesmo modo que os antigos egípcios preparavam um corpo… para enterrá-lo. Ela se retorceu e gritou. Alguém lhe introduziu um pedaço de tecido na boca. Então a levantaram e a levaram para o sarcófago. Seus gritos se apagaram em sua boca quando Katherine compreendeu o que planejavam. Katherine lutou para liberar-se, mas eles a tombaram no sarcófago. Ela sentiu o corpo da múmia sob o seu. O terror se gelou em sua garganta. Iriam enterrá-la a viva junto com Rastau, o antepassado de Ramsés.

—Não, gritou ela com a voz apagada pela mordaça. Por favor, por favor, não me façam isto!

A tampa se deslizou enquanto ela gritava presa pelo terror. O último fino raio de luz se desvaneceu quando ajustava a tampa do sarcófago.

Ela estava presa.

Rodeava-a o azedo aroma da morte e a decadência. Katherine começou a gemer. As lágrimas começaram a brotar de seus olhos. Suas mãos procuraram as cegas o fétreo e voltaram a exercer pressão na tampa. Recordou a advertência da menina no Cairo. “Todo aquele que entre na tumba para ficar com seus tesouros morrerá”. Agora pagaria as últimas consequências de sua maldade.

Sua respiração era entrecortada. Tentou evitar pensar no frio do corpo que jazia sob o seu. Katherine fechou os olhos e dominou seus pensamentos. Pensou em Ramsés e sua respiração se acalmou. Respirava. Se conseguisse alcançar o estado de calma, um estado no qual necessitaria pouco ar, melhoraria suas possibilidades de sobreviver. Quanto mais forte respirasse, mais ar necessitaria. O pânico reduziria sua vida.

Lentamente. Respirar. Inspirar. O sorriso de Ramsés, suas doces carícias, sua doce ternura, ajudavam-lhe a concentrar-se. Devia acalmar-se manter-se viva por ele e seu bebê. Katherine se sentia no limite da consciência. Então se deixou levar, como se inundasse em um quente lago de águas tranquilas.

Katherine sonhou. Ou provavelmente fosse real. Não podia estar segura. Estava fora do sarcófago, de pé na tumba. Uma luz resplandecente iluminava a câmara. Katherine piscou, olhou a seu redor e percebeu que não se encontrava sozinha.

De pé em metade do tesouro de ouro, as estátuas e as jóias, havia um homem de meia estatura. Bem formado, com os braços e ombros bronzeados e musculosos, um torso plano e largo e finas pernas. Usava umas sandálias nos pés. O único que usava em cima era uma saia branca curta rodeada em magros quadris e um grosso colar de ouro e lápis azul no pescoço. Katherine fixou o olhar em seu braço direito, no qual havia um falcão que adornava seus músculos superiores, justo debaixo de um bracelete de ouro. Usava a cabeça barbeada, tão lisa como a superfície de um ovo. Aquele belo estrangeiro tinha algo que lhe era familiar e de repente se deu conta de que se parecia com Ramsés. Um Ramsés calvo. Deu-lhe vontade rir, mas o estranho a contemplava com semelhante intensidade que não se atreveu.

Katherine não se atrevia a romper o silêncio. Seu sonho lhe deu a entender que aquele homem não lhe podia fazer mal, ao fim e ao cabo era uma visão. Invadiu-lhe uma estranha e reconfortante sensação, como se ele fosse um velho amigo. Ou da família.

—Lady Katherine, disse o homem.

—Quem é? De onde saiu?

—Viajei através dos tempos para me encontrar contigo. Sou Rastau, Guardião dos Séculos.

Rastau, o antepassado de Ramsés. Katherine se lambeu seus espectrais lábios, sumida em um estado de nervosismo.

—Me escute, Katherine, me escute bem. Vim para te mostrar o futuro e deve ter em conta, posto que o que está aqui encerrado nesta tumba significa o destino de nosso povo.

A expressão severa de seu rosto se adoçou ele esboçou um sorriso, parecido com a que um tio dedicaria a sua sobrinha.

—De seus filhos.

—Meus filhos?

Levou-se a mão imediatamente ao abdômen.

—Os gêmeos que leva em seu ventre.

Gêmeos? Não sabia o que a surpreendia mais, levar gêmeos ou estar em uma tumba falando com um homem que morreu a milhares de anos.

—É uma múmia de verdade? Perguntou-lhe, procurando não parecer nervosa.

Rastau a esquadrinhou com o olhar de forma similar a Ramsés e ela não pôde evitar um estremecimento. Ele agitou a mão no ar e ela dirigiu o olhar imediatamente para onde o assinalava. Ao lugar que estava o gato de ouro que tinha roubado. Katherine se sentiu terrivelmente envergonhada e agachou a cabeça, convencida de que aquele homem a iria castigar por aquele delito.

—Olhe, disse-lhe em voz baixa.

Sentindo-se obrigada a obedecer aquela voz, ela levantou o queixo. Um extraordinário fenômeno aconteceu. O gatinho se transformou, alargando-se e adquirindo um grosso pêlo branco. Ela contemplou atônita como um belo gato persa com enormes olhos verdes aparecia ante ela, miando.

—Osíris! Gritou ela presa pela alegria, correndo para ele.

—Segue-o, ordenou-lhe Rastau enquanto o gato se estirava com graça, arqueando as costas e se dirigindo silenciosamente à parede.

A rocha sólida se desvaneceu na escuridão e ela seguiu seu querido amigo. Osíris atravessou trotando as neblinas e as sombras, deteve-se, agitando sua larga cauda, e se sentou. Ela se inclinou para agarrá-lo e ele de repente saltou para uma mesa retangular. Katherine se encontrava em uma ampla estadia revestida com painéis de madeira e com as paredes cobertas de livros. Gente jovem vestida com roupa ocidental ia de um lado a outro entre os volumes. Era uma instalação acadêmica, uma universidade britânica.

Sentados à mesa, três jovens consultavam grossos livros. Eram vagamente familiares. Um tinha o cabelo da cor do milho e era de compleição forte. Este levantou a cabeça e procurou com o olhar a uma garota que tinha adiante. Um grito afogado saiu dos lábios de Katherine ao reconhecer aqueles escuros e perturbadores olhos. Tinham a graça de sua mãe e o ar majestoso de seu pai. Tarik na idade adulta.

Ela fixou o olhar na garota de cabelo escuro e o menino que se sentavam juntos. Então a ela lhe deteve o coração e se levou a mão ao peito, cheia de satisfação. O homem tinha o corpo musculoso e se sentava com uma aura de sereno e dominado poder, como seu pai. Ele levantou a vista e sorriu à garota enquanto levantava a cabeça. A mandíbula marcada do menino contrastava com a da garota, redonda, mas seus olhos verdes eram cópias dos seus próprios. Seus gêmeos. Um menino e uma garota. Fez-lhe um nó na garganta da emoção e se encheu de orgulho ao contemplar a seus filhos. Osíris miou de novo e de repente voltou a transformar-se, convertendo-se em um gato de ouro. Das profundidades das sombras, ouviu a voz de Rastau.

—O ouro não é nada mais que metal e não glorifica aos mortos. Utilizem para educar seus filhos e preparar às gerações vindouras para as mudanças do mundo. Com a força da comunidade, a fundação da família, os Khamsin abraçarão o futuro. Não o esqueça jamais.

Katherine se aproximou da mesa, contemplando com ternura a seus filhos, esquecendo-se de tudo exceto o amor que crescia em seu coração para eles.

Na entrada da mina, os guerreiros Khamsin se encontraram com os egípcios carregando seus camelos com o ouro. Enquanto Jabari, Seti e outros tiravam suas cimitarras, o xeique ordenou a Ramsés que resgatasse Katherine. Ramsés se deteve, debatendo-se entre a necessidade de proteger seu líder e a urgência de salvar a sua noiva. Mas Seti brandiu sua espada poderosamente no ar quando um dos egípcios levantou sua cimitarra para atacar Jabari, rugindo com a força de um leão, derrubando seu oponente com uma facilidade pasmosa. Algo no interior de Ramsés se tranquilizou e foi substituído por uma serena paz. Seu pai tinha restituído sua honra aquele dia, protegendo ao chefe Khamsin.

Ramsés continuou adiante e desceu pela corda para introduzir-se na mina. Seguiu as tochas da parede até chegar ao exterior da tumba. Ali esperou, como uma sombra obstinada à rocha. No interior, três homens lançavam gemidos enquanto levantavam pequenas estátuas de ouro, as introduzindo em sacos. Ramsés reconheceu o fino e côncavo rosto do ladrão. Burrells. Conteve sua fúria e esperou pacientemente.

Quando eles estavam profundamente inundados em sua tarefa se equilibrou sobre eles. Burrells conseguiu apartar-se enquanto Ramsés derrubava os homens com sua espada. Os homens morreram procurando suas armas. Voltando-se para o inglês, levantou a espada e lhe atirou um golpe. Burrells gritou de dor e a pistola que estava procurando saiu voando pelos ares, aterrissando perto do buraco aberto. Burrells se cambaleou. A ira de Ramsés se mesclou com o medo. Onde estava Katherine? Ramsés girou sobre seus calcanhares, percorrendo a tumba com seu frenético olhar.

—Procura sua noiva? Está muito cômoda e quentinha. Em boas mãos, por dizê-lo assim, zombou Burrells. O ladrão assinalou com o dedo o sarcófago. A tampa interior estava apoiada contra a parede. O horror se apoderou de Ramsés. O sarcófago de Rastau. Katherine se afogaria e morreria junto com seu filho nonato.

Quando Ramsés levantou sua cimitarra no ar. Burrells se arrastou para a borda do buraco e recuperou a pistola. Disparou com ela, roçando o braço de Ramsés. O guerreiro baixou instintivamente a espada enquanto a dor se expandia por sua pele. O coração lhe gelou no peito.

Enquanto o apontava com a pistola, Burrells se apoiou na parede, movendo a alavanca escondida com o peso de seu corpo. A porta da tumba começou a fechar-se. O ladrão gritou, pegou a tocha e saiu correndo para a porta. Ramsés saiu correndo atrás, equilibrando-se sobre ele e jogando-o no chão com seu peso. A tocha e a pistola saíram voando das mãos de Burrells em direção ao buraco, caindo finalmente nele e sumindo a câmara em uma total escuridão enquanto a porta se fechava.

Ramsés lhe paralisou o coração de terror. O ladrão de tumbas esperneava e se retorcia, lhe dando um murro na mandíbula, escapando. Podia ouvir os ofegos entrecortados do homem, junto com os seus. Não podia pensar nem mover-se. E um frio calafrio lhe percorreu as costas.

Ele ficou em pé com as pernas trêmulas. Muito perto do buraco. Um passo em falso e encontraria a morte, sepultado na escuridão para sempre. O pânico se apoderou dele ao mesmo tempo em que ouvia seu coração palpitar.

Ramsés procurou acalmar-se. Katherine. Tinha que salvá-la. Sepultada em uma lápide. Se ele se entregasse a seus medos, ela morreria. Katherine tinha destruído a lápide de pedra que envolvia seu leb e tinha capturado seu coração com suas miúdas mãos de flor de lótus.

Ela o tinha liberado de seu sarcófago imaginário e o tinha abraçado com a mesma ternura com a que uma mãe embala a seu bebê. Tinha que liberá-la do verdadeiro sarcófago que a aprisionava. A responsabilidade de proteger a sua noiva e seu bebê nonato era mais importante que o terror.

Respirando fundo, Ramsés cruzou as mãos em seu peito. Inclinando a cabeça, pronunciou uma oração em antigo egípcio ao espírito do guardião que tinha precedido seus passos.

—Meu venerado Rastau, Guardião dos Séculos, seu descendente, que leva seu sangue nas veias, comparece ante ti. Meu coração é puro e meu espírito forte. Rogo-lhe isso por minha amada e meu filho nonato. Vigia meus passos para que possa resgatá-los. Desata sua vingança sobre os malvados violaram a santidade de seu lugar de descanso eterno e prejudicando meus seres queridos. Minha vida não significa nada, mas salva a Katherine e nosso bebê. Daria minha vida mil vezes por eles, se com isso tivessem que viver.

A calma se apoderou dele enquanto respirava fundo, com a intenção de relaxar seu corpo. Ao advertir a respiração entrecortada do ladrão, compreendeu que aquele estava igualmente assustado. De repente lhe ocorreu algo. Falou com voz profunda e ensurdecedora.

—Profanaste esta tumba sagrada e perturbou o descanso eterno de meu antepassado, disse em tom solene. Tome cuidado com a maldição. Aqueles que procuram os tesouros da tumba morrerão.

Ouviu que Burrells ficava em pé, arrastando os pés na areia como se estivesse provando a solidez do chão.

—Se cale, gritou ele. Não acredito nas maldições.

Ramsés reuniu toda a coragem da que foi capaz e aguçou os sentidos. Escutou atentamente, acalmando sua respiração, seguindo o som dos ofegos aterrorizados do homem. A poucos passados do buraco, um só engano o entregaria à morte. Tinha que arriscar-se. Ramsés confiava nele. Advertiu o medo que desprendia o homem, o azedo aroma do horror. E então se jogou sobre ele.

Burrells gritou quando o peso de Ramsés caiu sobre ele. Os braços do encarregado do museu se agitaram grosseiramente quando o impacto fez com que caísse de costas, afundando-se no poço. Ouviu-se um forte grito de terror durante vários minutos que se debilitou até converter-se em um débil assobio. E a seguir nada.

Uma quietude se apoderou da tumba. Ele ficou em pé, procurou a cegas a bandagem de seda que lhe rodeava a cintura e a atou no braço que tinha a ferida.

Tropeçando com a fria laje, recorreu a todas suas forças para levantar a tampa. Soprando pela tensão a que se viram submetidos seus músculos, estirou ao máximo. Mas nem sequer sua poderosa força pôde movê-lo.

Ouvindo as fortes pisadas no exterior da câmara, pediu ajuda, dando instruções sobre a alavanca oculta da porta e advertências sobre o buraco. Quando seu pai e Jabari entraram na tumba, com tochas. Ramsés lhes fez gestos para que se aproximassem do sarcófago.

—Me ajudem! Katherine está presa aqui dentro! Gritou ele sem perder tempo, os homens correram a seu lado e lhe ajudaram a deslizar a tampa. À medida que se ia deslizando, ele se inclinava sobre o sarcófago para ver o corpo imóvel e sem cor de sua amada. Katherine jazia sobre a múmia de Rastau como se estivesse nos braços de seu amado. Sua bela boca mostrava seus gretados lábios com uma suja mordaça. As cordas atavam suas mãos e pés do mesmo modo que os corpos antes de iniciar o processo de mumificação.

Tirando sua faca. Ramsés cortou suas ataduras e lhe tirou a mordaça delicadamente. Sua suave pele continuava retendo calor, mas parecia tão perdida e morta como o antigo guardião sepultado com ela. Ramsés se inclinou e a levantou em braços, sentando-a na areia. Sujeitando-lhe a cabeça com uma mão, beijou-a na têmpora. Seu corpo era tão redondo e carnudo. Tão vivo como seu valente espírito e suave como seu tato curativo. Ela tinha sarado suas feridas. Tinha-lhe salvado a vida.

—Ramsés… disse a voz quebrada de Jabari. Sinto muito.

A voz de seu amigo soava a distância. Ramsés rodeou com seus braços a sua amada para lhe dar forças. Ardentes lágrimas apareceram em seus olhos enquanto se balançava com o corpo em seus braços. Uma lágrima caiu na frente de sua amada, deslizando-se até as pestanas que emolduravam suas bochechas. Brilhava como se fosse um diamante.

—Por favor, implorou-lhe com a voz quebrada. Por favor, vive.

Uma espada de aço lhe atravessou o coração. Como podia estar morta? Não a podia perder. Sua Katherine, a guardiã de seu leb. Necessitava-a. Sem seu amor, a vida se apresentava como uma possibilidade fria e amarga. Seu coração voltaria a resguardar-se na tumba de pedra, selado para sempre. O pensamento de que Maia tivesse morrido com Kareem suscitou terrível ciúmes nele, posto que ao menos tinham morrido juntos. Não podia suportar a vida sem Katherine. Sua esposa. A mãe de seu filho. Ou filha.

A visão imprecisa de Ramsés se deteve em seu ventre plano. Teria nascido seu filho com as bochechas carnudas, o nariz pequeno e os braços e as pernas gordinhas? Imaginou a uma menina de cabelos negros como o azeviche e olhos verdes rindo alegremente enquanto ele a levantava no ar. Como podia uma vida recém criada desvanecer-se tão sigilosamente como uma rajada de ar? Tocou o ventre de Katherine.

—Me perdoe pequena. Queria-te tanto. Me perdoe por não lhe haver isso dito, sussurrou Ramsés.

Precisava percorrer até o último centímetro de seu corpo, queimá-lo em sua memória. Ramsés a estreitou entre seus braços. Não podia soltá-la. Ainda não. Um último beijo. Seus lábios sob os seus continuavam retendo calor. Sabia que era inútil, mas Ramsés respirou em sua boca como se pudesse lhe transmitir a força da vida.

Refugiando-se na ilusão de ver crescer a seus filhos, Katherine sentiu que uma força puxava ela com crescente insistência. Um halo de luz lhe empanou a visão, destruindo a estrutura do sonho. Uns fortes braços a rodearam. Apanhada entre o mundo de sonho e o mundo real, ela vacilou, cativada pela visão, mas incapaz de ignorar o instinto que lhe dizia que devia abandonar aquele lugar.

O calor acariciou seus lábios e sentiu uma respiração débil em sua boca. O mundo de sonho se desvaneceu como um fantasma na névoa. A luz entrou em suas pálpebras. Seu cérebro adormecido despertou. Bebeu do ar que enchia seus pulmões e respondeu com sua própria respiração

Ramsés se voltou para trás, recuperando a esperança ao advertir a efusão de ar que foi devolvida a sua boca. Ele aproximou sua boca à sua e começou a introduzir ar em seus pulmões. Agora seu peito se inflava e desinflava.

Uma vez recuperada a respiração, Ramsés lhe acariciou a bochecha. Suas largas pestanas piscaram enquanto ela abria lentamente seus olhos. Seus lábios se franziram quando Katherine tentou sorrir.

—Ramsés, disse fracamente. Ela levantou a mão e lhe tocou os lábios. Foi como o roçar da asa de um anjo. Ele riscou o contorno de seu redondo queixo com o dedo. Ramsés não podia falar, só afundava seu rosto na massa de seu cabelo de cetim.

Ramsés levantou a cabeça e a olhou nos olhos, comprovando seu pulso com a mão. A veia palpitava com vida.

A cor começou a tingir suas pálidas bochechas. Era como ver uma flor de lótus desdobrando suas pétalas ao calor do sol. Situando sua mão no peito de Katherine, sentiu o tranquilizador ritmo da vida. Ramsés voltou a abraçá-la, muito impactado para poder falar. Se tivesse que estar petrificado assim durante milhares de anos, fá-lo-ia, se isso significasse sentir o pulsar de seu coração sob sua mão trêmula.

 

Katherine se incorporou apoiando-se nos cotovelos e contemplou o rosto adormecido de Ramsés. Respirava através dos lábios abertos. Sem poder resistir, penteou para trás o cabelo de seu marido e lhe beijou o lóbulo da orelha.

Encantava-lhe que lhe beijasse ali. E a ela também. Katherine lhe roçou o pescoço com os lábios. Desde que se casaram, fazia deliciosos descobrimentos, explorando as zonas erógenas de seu marido. Tinham passado uma semana isolados em uma tenda separada do acampamento dos Khamsin. Katherine apreciava cada minuto de sua intimidade. Resgatada da morte, tinha que sujeitar a vida com ambas as mãos e não deixá-la escapar jamais.

Cumpriu-se até o último detalhe de sua visão. Seu pai se reuniu com Jabari, Ramsés e o Conselho dos Khamsin. Finalmente, concordaram com a proposta de seu pai. Deixar a mina em paz. O ouro da tumba permaneceria ali como garantia da futura escolaridade dos meninos da tribo.

Impaciente para que Ramsés se levantasse, Katherine levantou os lençóis e contemplou seu firme e redondo traseiro. Katherine beliscou sua pele. Seu marido despertou com um grunhido, sobressaltado. Ele a rodeou com seus braços e fundiu sua boca com a sua em um apaixonado beijo. Seus quentes lábios se equilibraram sobre seu pescoço ao tempo que a lambia sensualmente com sua língua.

Um débil miado interrompeu sua sorte. Ramsés abriu um olho e Osíris subiu à cama, situando-se no alto das pernas de Katherine. O gato branco o observava com seus frios olhos verdes. Ela conteve uma risada enquanto Ramsés franzia o cenho.

—Osíris, deixa de nos olhar. Vá procurar um rato ou perseguir os cães. Ramsés se dirigiu sigilosamente à entrada da tenda, levantando a portinhola. Agora, disse ele severamente.

Com uma rabada de desdém. Osíris saiu da tenda. Ramsés sorriu e voltou para a cama. Fizeram amor larga e lentamente. Depois se fundiram em um abraço, ronronando de satisfação.

—Meu guerreiro do amor, sorriu ela apoiada em seu peito, roçando seu sedoso cabelo com a bochecha.

Ele se endireitou e deixou escapar um profundo grunhido.

—Não me chame assim.

Katherine levantou a cabeça.

—Por que? Acaso alguma outra mulher te chama assim?

Suas bochechas bronzeadas se tingiram de vermelho.

—Como sabe?

—Umas amigas me contaram umas quantas coisas, disse-lhe Katherine, referindo-se ao dia no salão do Shepheard. Ramsés torceu violentamente a boca, como se lutasse para reprimir um sorriso de suficiência viril.

—Parece-te muito divertido, acusou-lhe ela.

Seu corpo se agitou de contida hilaridade.

—Algo a respeito de um manipulador? Perguntou-lhe com sua grave voz. Ramsés estalou em gargalhadas enquanto as lágrimas lhe caíam pelas bochechas. Katherine lhe golpeou em seu forte braço.

—Não zombe da medicina moderna. O doutor Taylor trabalhou larga e duramente para encontrar o modo de remediar a histeria das mulheres, reprovou-lhe ela, apesar de que seu sorriso malicioso não deixava de refletir um tom de reprovação.

—Conheço outros métodos largos e duros que aliviam a histeria, disse ele, lhe plantando um beijo nos lábios. Ramsés levantou a cabeça e sorriu. Deixe que suas amigas tenham seus manipuladores. Você me tem , Katherine. Este guerreiro do amor já não está à espreita. De agora em diante minha arma estará embainhada permanentemente. Em ti, dizia-lhe com um intenso brilho em seus olhos escuros e dourados.

Um delicioso sorriso curvou seus lábios. Katherine acariciou sua perfeita bochecha com uma mão, tremendo de amor por ele. De repente retirou a mão e a dirigiu a sua bochecha danificada. Terríveis dúvidas ameaçavam a confiança em si mesma. Aquele era o último dia oficial de sua reclusão, Ramsés lhe tinha assegurado que sua gente a amaria e ela tinha convencido a desistir do véu. Entretanto, Katherine sentia uma grande inquietação.

Ele percebeu e lhe afastou uma mecha de cabelo do rosto.

—Katherine, disse-lhe brandamente. Teme deixar o rosto descoberto?

—Não sei se poderei fazê-lo, disse-lhe ela.

—Claro que pode, disse-lhe ele alentadoramente.

Katherine se mordeu o lábio.

—Ramsés, não posso fazê-lo. Porque ninguém me verá do mesmo modo que você. O mundo jamais o fará. Sofri as brincadeiras das pessoas porque sou feia.

Ele se incorporou, passando a mão pelo cabelo. A expressão de aflição em seu rosto lhe partiu o coração.

—Meu amor, agora não tem nada que temer.

A dúvida aflorou em seus brilhantes olhos verdes. Ele procurou palavras amáveis e tranquilizadoras que expressassem a intensidade de seu amor.

Seu olhar se deteve em seu longo e esbelto pescoço, tão grácil como um sublime beija flor empreendendo o vôo. E em seus lábios rosados, em forma de arco de cupido, que pediam para ser beijados e devolviam a paixão com paixão. E em seu nariz arrebitado e seus belos e expressivos olhos.

E em sua formosa bochecha esquerda, oculta atrás de sua mão de flor de lótus. Lágrimas cristalinas apareceram em seus olhos de pedras preciosas. Katherine parecia não encontrar palavras. Uma gota de suor resplandecia em sua sobrancelha.

—Me olhe, Ramsés. Olhe bem isto. Quero que veja mim cicatriz de perto. Olhe o danificada que estou. Como pode continuar negando-o? Enquanto dizia aquilo deixou ao descoberto sua repugnante cicatriz. Uma única lágrima se deslizou por sua bochecha esquerda, umedecendo a velha ferida com um reflexo prateado.

Duas cálidas mãos lhe sustentaram o rosto. Seus olhos ambarinos irradiavam amor e ternura.

—Katherine, meu amor. Sempre soube sobre sua cicatriz.

Ela ficou boquiaberta.

—Mas como? Mantive-a oculta!

—Durante o dia seu véu era eficaz. Mas esquece minha natureza. Um tímido sorriso se desenhou em seu rosto. Como meu totem, o tigre, sou bastante curioso. Levantei o véu de seu rosto na primeira noite que me recuperei da febre. E a vi.

—Viu-a? Olhou-o assombrada.

—Sim, meu amor. Ramsés lhe acariciou docemente a cicatriz, a ferida que a tinha feitos sofrer tanto. Amo-te, e nenhuma cicatriz se interporá entre nós, disse ele, levando as mãos ao peito. Contempla este corpo e as marcas de velhas feridas que o invadem. O que são para ti? Agarrou-lhe a mão e a conduziu a seu peito. O pêlo de veludo de Ramsés lhe roçava a palma de sua mão enquanto ele a dirigia de uma a outra cicatriz.

—São marcas de honra, valentia e nobreza, respondeu ela, sem compreender.

—E acredita que sua cicatriz é menos? Ramsés a beijou na bochecha ferida. Quando vejo sua cicatriz, o único que vejo é a beleza que representa. Vejo-te, minha amada. Ao completo. E não te entenderia de outro modo.

A Katherine tremiam os lábios ao mesmo tempo que lhe enchiam os olhos de lágrimas. Mas eram lágrimas de tremendo amor e gratidão para o belo e nobre homem que lhe entregava sua alma e coração. Ele estendeu os dedos de sua mão em seu abdômen e ela se ruborizou pela ternura daquele gesto possessivo. Ramsés a olhou orgulhoso.

—Nossos bebês terão uma mãe formosa. Quero que se pareçam com você. Quero-te, meu amor. Agora faz parte de meu coração e assim será sempre.

Com um sorriso misterioso nos lábios, Ramsés se levantou e extraiu algo de uma colorida bolsa de tecido. Sentando-se, pressionou os lábios contra suas pálpebras, fechando-os. Suas cálidas mãos lhe penduraram uma fina corrente no pescoço.

—Abre os olhos.

Katherine baixou a vista. Pendurando da corrente de prata havia dois corações de madeira, não maiores que uma casca de noz. Belas estrias vermelhas e douradas percorriam a nervura da madeira de oliva. As mãos de Ramsés sustentaram delicadamente o amuleto.

—Este é meu coração e o teu, Kalila, esculpi-o para ti. Queria que meu coração estivesse unido ao teu para sempre.

—Oh, Ramsés. É precioso. Seu coração se estremeceu de amor por aquele terno e amável presente.

—Minha Kalila, tempos atrás jurei não me apaixonar jamais. Acreditava que meu coração estava a salvo, instalado no interior de uma tumba. Até o dia em que me beijou. Roubou-me o coração. Aqui tem meu leb, meu coração, o centro de minha consciência. Entrego-lhe isso livremente para o resto da eternidade, minha querida Kalila.

Ramsés apoiou a cabeça no peito dela. Estreitando o coração de madeira do amuleto, ouviu o ritmo constante de seu coração. O tigre tinha capturado seu coração, mas em lugar de feri-lo com suas garras afiadas, como ela temia, Ramsés o tinha curado.

Muito a seu pesar, levantaram-se da cama e se vestiram. Katherine se enrolou um lenço azul na cabeça e o pescoço, notando os amuletos de prata. Levantando o véu negro, lhe dirigiu um olhar inquisitivo.

—Pode fazê-lo, disse-lhe ele. Estarei a seu lado.

Depois de calçar-se no exterior da tenda, dirigiram-se ao acampamento. Mulheres carregadas com jarras de argila passaram a seu lado e lhes sorriram. Voltas de fumaça se elevavam no ar, lhes assinalando o lugar da fogueira com graça preguiçosa.

Katherine se dispunha a lançar o véu ao fogo quando algo a deteve. Mordeu-se o lábio inferior com crescente angustia. Era muito difícil prescindir da segurança daquela parte de tecido. O véu que a tinha protegido das cruéis zombarias do mundo. Como ia ela a reunir a suficiente coragem para fazê-lo?

Assediada pelas dúvidas, Ramsés lhe agarrou a mão. A seguir a olhou nos olhos. Ela assentiu com a cabeça. Juntos arrojaram o véu ao fogo e contemplaram as chamas famintas devorando o tecido.

Ela tirou um enorme peso de cima enquanto o fogo consumia os restos de sua antiga vida. Katherine se levou a mão ao amuleto de seu colar. Seus lebs. Seu coração e o dele, como gêmeos que albergava seu ventre, unidos para sempre. O coração de Ramsés se enrolava ao redor do seu tão intimamente, que não podia dizer onde começava um e terminava o outro. Tinha resgatado seus corações de uma escura tumba e os tinham plantado em um belo jardim iluminado, regenerando-os com o terno amor que sentiam um pelo outro. E ali, naquele jardim, permaneceria seu coração, enredado com o seu.

 

                                                                                Bonnie Vanak  

 

                      

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