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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Os Guardiões de Andrômeda / H. G. Ewers
Os Guardiões de Andrômeda / H. G. Ewers

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Os Guardiões de Andrômeda

 

Quando no planeta Terra tem início o século 25 do calendário cristão, o Império Solar criado por Perry Rhodan transformou-se na maior potência política, econômica e militar da Via Láctea.

1.112 planetas pertencentes a 1.017 sistemas solares são habitados por humanos. 1.220 mundos, além de numerosas luas e estações espaciais espalhadas por todas as partes da Galáxia foram transformados em bases do comércio ou da frota solar. Com a inclusão do grupo estelar aberto Presépio na constelação de câncer e a exploração das Plêiades, pertencentes à constelação do Touro, formou-se um império compacto, que a frota solar atravessa com rapidez e protege facilmente.

Nestas condições não é de admirar que Perry Rhodan entre, em agosto do ano de 2.400, na nova nave-capitânea, a Crest II, para dedicar-se à solução dum velho problema: a busca do planeta Kahalo, cuja posição na concentração central da Via Láctea nunca pôde ser determinada de forma exata.

As buscas não são coroadas de êxito. A Crest penetra no campo de ação dum gigantesco transmissor solar — e é arremessada para o abismo intergaláctico, indo parar num sistema solar artificial situado a 900.000 anos-luz da Terra.

Os mundos deste sistema são armadilhas mortais, mas assim mesmo os homens que se encontram na Crest sempre conseguem escapar. Até parece que o regresso ò Galáxia de origem é apenas uma questão de tempo...

Mas Os Guardiões de Andrômeda estragam os planos dos terranos!

 

                                                      

 

O Dull movimentou ligeiramente a blindagem até então rígida da concha do tempo, e o efeito produzido pelo movimento poderia dar a impressão de que milhares e milhares de minúsculas partículas de pó estavam executando uma dança louca e sem sentido.

O ser de quatro braços, enfiado num conjunto verde-escuro, parou abruptamente. A cabeça semi-esférica que assentava no tronco girou que nem uma torre de canhão. Três olhos vermelhos muito brilhantes olhavam fixamente para o lugar em que surgira um movimento em meio ao cinza apagado do solo estéril.

O Dull colocou a concha do tempo na posição de repouso. Pôs-se a observar. Um sentimento de alegria surgiu em seus centros de consciência periféricos e alógicos. Será que aquele monstro de quatro braços não desconfiava de que um mundo morto nem sempre era um mundo sem vida...?

O ar tremeu ao lado do “monstro”. Um pequeno vulto de pêlos cinzentos “formou-se” e pôs à mostra um dente roedor que emitia um brilho amarelento.

— Alguém está pensando por aqui...! — cochichou a pequena criatura.

— Que insolência! — O “monstro” bateu no chão com uma das pernas muito grossas, e as pedras que ficaram embaixo do pé foram transformadas em pó. — O senhor acha que não sou um ser pensante?

O Dull divertia-se a valer.

O dente roedor do ser peludo desapareceu.

— O fato é que você faz de conta que não sabe pensar, seu cabeça de vento...

— Queira tratar-me de Tolot e de senhor! — O ser de quatro braços fungou de raiva. Como todo halutense, detestava ser chamado de você. Esse tratamento era privilégio de uns poucos amigos halutenses. Esse rato de um dente era a única criatura que não obedecia às regras ditadas pelas boas maneiras. Infelizmente não conseguia intimidar Gucky. Afinal, esse rato era um bom telecineta...

— É isso aí, cabeça de vento! Seja bem bonzinho! — De repente Gucky mudou de assunto. — Quem me dera que soubesse quem ou o que está se divertindo conosco!

Aquilo já começava a cansar o Dull. Para seu gosto as criaturas que estava observando possuíam pouca fantasia. Repetiam-se constantemente. O Dull poderia recolher-se novamente à sua concha do tempo, mas como raramente saía da mesma, resolveu espantar os seres que o perturbavam, mais ou menos da mesma forma que uma criatura humana espanta um mosquito. O Dull não possuía membros materiais. Em vez disso usou um pequenino impulso da sexta dimensão.

O efeito correspondeu à expectativa. No lugar em que pouco antes tinham estado o halutense Icho Tolot e Gucky, o rato-castor, não havia mais nada.

Não demorou, e Gucky rematerializou junto à cratera recém-formada, enquanto lá embaixo, a uns cinqüenta metros de profundidade, soava uma estrondosa gargalhada. O impacto do corpo do halutense fez tremer o chão.

O Dull estremeceu. Estava intrigado. Afinal, não poderia saber que para um halutense as coisas só começam a tomar-se interessantes no ponto em que qualquer outra criatura acreditaria ter chegado o fim de sua vida.

Os pêlos da nuca de Gucky arrepiaram-se num repentino sentimento de pavor. Sabia perfeitamente que naquele bloco de pedra lixado pela chuva e pelo vento há pouco só houvera uma fina camada de pó. Mas naquele momento viu um bloco esverdeado de formato indefinido.

No mesmo instante Gucky pôs em ação sua energia telecinética — e no instante seguinte viu-se sentado na rocha onde pouco antes estivera a coisa verde. Esta não estava mais lá.

Pelo menos não no plano temporal de Gucky. O Dull preferira fechar sua concha do tempo, e a energia telecinética desenvolvida por Gucky enrolara-se que nem uma corda em torno da concha, arrastando o rato-castor atrás de si.

Icho Tolot ainda estava rindo. Com um salto enorme saiu da cratera e foi parar bem à frente de Gucky.

Gucky estremeceu. Mas logo voltou a controlar-se e atirou o halutense telecineticamente para dentro da cratera.

— Seu pateta! — piou em tom estridente.

Quando Tolot voltou para cima, sedento de vingança, Gucky já tinha desmaterializado.

— Uma coisa dessas a gente deveria ter dado há uma semana ao drung, para ser usada como brinquedo! — resmungou o halutense.

Lançou mais um olhar para dentro da cratera e saiu caminhando ruidosamente em direção à gigantesca esfera de aço terconite que se destacava contra o fundo cinzento formado pela superfície desse mundo antiqüíssimo que nem uma estrela que se realça contra o céu escuro. O rugido uniforme, que crescia lentamente, indicava que os reatores das unidades energéticas tinham sido preparados para a decolagem, conforme mandavam as normas.

Icho Tolot apressou o passo...

 

— Meus nervos não agüentam mais, Perry! Acredite se quiser, mas essa coisa verde estava lá e ao mesmo tempo não estava.

Gucky estava sentado sobre os joelhos de Rhodan e fitava o Administrador Geral do Império Solar com os olhos arregalados de susto.

Perry Rhodan estendeu a mão e num gesto distraído acariciou Gucky atrás das orelhas. O homem mais poderoso da Humanidade parecia cansado, cansado e velho, apesar do ativador celular que lhe garantia a imortalidade relativa. Mas o que ele passara nos últimos dois meses era demais até mesmo para um homem transbordante de energia como ele.

— Deixe para lá, Gucky. Dê-se por feliz por ter escapado são e salvo. Devemos acostumar-se a separar o essencial do não essencial, pois do contrário viveremos pisando no mesmo lugar. O que importa no momento é que possamos atravessar quanto antes a porta infernal de Gêmeos em sentido contrário. O resto não tem importância.

Gucky parecia encolher para dentro de si mesmo.

— A lembrança do transmissor gigante não me deixa muito feliz, Perry!

Ao lado dele um estômago de elefante parecia roncar. Melbar Kasom acabara de pigarrear.

— Será que este anãozinho está com medo, senhor? — perguntou a voz abafada do especialista ertrusiano da USO.

Rhodan levantou a mão, porque notou que Gucky estava prestes a despejar uma saraivada de insultos.

— Deixem para lá!

Estas palavras foram proferidas em tom enérgico. Kasom retirou-se com um sorriso embaraçado, enquanto Gucky se teleportava para outro lugar.

Perry Rhodan levantou. Ouvira a batida da pesada escotilha blindada da sala de comando e imaginava quem estava chegando para ocupar seu lugar durante a decolagem da Crest II.

Atlan empalideceu. Ficou parado alguns segundos à frente da escotilha da sala de comando que acabara de fechar-se e fitou Rhodan com o rosto tenso. Finalmente um sorriso irônico apareceu em seus lábios.

— Olá, bárbaro! Tudo pronto para morrer?

Deu uma risada, mas era uma risada rouca e forçada. Notava-se que era apenas uma tentativa desesperada de espantar o próprio medo.

— Não vamos iludir-nos! — disse Rhodan. — Ao abandonar um lugar relativamente tranqüilo e dirigir-nos a Quinta arriscamos tudo. Ninguém sabe o que nos espera por lá. Mas se um dia quisermos voltar teremos de assumir certos riscos.

— Voltar...! — Atlan suspirou.

— Bem que gostaria que pudéssemos ir para a frente! — Rhodan ergueu os punhos.

Foi um gesto involuntário, mas o mesmo exprimia tudo que pudesse ser dito por meio de palavras.

Atlan limitou-se a acenar com a cabeça. Depois disso ficou contemplando a atividade quase totalmente silenciosa no interior do saláo que servia de sala de comando da Crest II, nave-capitânea da frota solar, que era um veículo espacial de 1.500 metros de diâmetro.

Atlan lembrou-se de que há uma semana todos estes homens que executavam tranqüilamente os trabalhos preparatórios da decolagem, que exigiam uma dose elevada de responsabilidade, eram verdadeiros feixes de nervos fustigados pela dor, que estavam atingindo o limite da resistência física e psíquica — tal qual acontecera com ele mesmo e com Perry Rhodan... Seria inútil registrar os nomes daqueles que tinham sido vitimados pela astúcia do drung, um dos proscritos da nebulosa de Andrômeda. Mas bem por dentro o lorde-almirante se aborrecia bastante porque fora justamente Icho Tolot que pusera um basta na atividade do drung, motivo por que os terranos lhe deviam a salvação.

O drung estava morto...

Sem que Atlan o percebesse, o Dr. Hong Kao, matemático-chefe da Crest II, aproximou-se atendendo a um sinal de Rhodan. O chinês baixinho, que sempre apresentava um delicado aspecto de boneco com seus cabelos negros muito lisos, pôs-se a esperar depois de ter feito uma ligeira mesura.

Perry Rhodan fitou-o demoradamente.

— Já conseguiu alguma coisa, Kao?

— Os dados ainda não são suficientes, senhor. Afinal, o computador positrônico só poderia mesmo fornecer suposições, se não introduzimos um volume suficiente de dados básicos no mesmo.

— Está bem, Kao. Qual é o número de suposições que o computador positrônico já admitiu como possíveis?

— Como possíveis...? Pouco mais de dois milhões e meio, senhor. É bem verdade que somente em relação a trinta possibilidades, aproximadamente, o grau de probabilidade é suficientemente elevado para permitir a conclusão de que se trata duma possibilidade real.

— Está vendo? — disse Rhodan, dirigindo-se a Atlan. — Nesta altura não adianta forçar as coisas para encontrar a solução certa.

— Gostaria de ouvir sua opinião pessoal — disse Atlan, dirigindo-se a Kao.

— Acho que não tenho competência para isso...

Atlan fez ouvir uma risada áspera.

— Logo o senhor vem me dizer uma coisa dessas!

Um sorriso profundo apareceu no rosto do matemático.

— Está bem, senhor. Em minha opinião os senhores da ilha mencionados pelo drung ainda existem sob qualquer forma. Se não fosse assim, nem as pontes que levam a Andrômeda, nem os obstáculos colocados nas mesmas preencheriam qualquer finalidade.

Atlan franziu a testa. Perry Rhodan fez um gesto de agradecimento para Kao, e o chinês retirou-se tão discretamente como tinha vindo.

— O que ele quis dizer com isso? — perguntou Atlan. — Sob qualquer forma...

Rhodan deu uma risada.

— Ele lhe deu um chega para lá, meu chapa. Para ele a resposta relevante do computador positrônico identifica-se com sua opinião pessoal, já que costuma dirigir suas perguntas ao mesmo. Se quiser, encare as coisas de outra forma. De qualquer maneira, a resposta de Kao foi altamente filosófica. E claro que os senhores da ilha ainda devem existir sob alguma forma, da mesma forma que continuaremos a existir em nossos valores espirituais e materiais, mesmo quando estivermos mortos. Você compreendeu.

Atlan estava muito sério.

— Quer dizer que não temos certeza de nada, Perry.

— Por enquanto não, Atlan. Mas um dia vamos encontrar a resposta. Quanto a isso não tenha a menor dúvida.

— Os terranos me assustam — disse Atlan. Via-se que estas palavras não tinham sentido irônico. — Por enquanto nem sabemos se um dia sairemos vivos deste inferno, e você já confia no êxito da operação de busca.

— Ao usar o termo nós... — Rhodan falava baixo e em tom enfático — ...não estava aludindo à minha pessoa e à sua, mas à nossa raça. Sei que as buscas prosseguirão, mesmo que não consigamos regressar.

— Muito obrigado — disse Atlan.

— Por quê?

Por você me ter incluído em sua raça, amigo.

 

— Crest II preparada para a decolagem e pronta para entrar em combate, senhor!

O coronel Cart Rudo, um robusto epsalense que comandava a nave-capitânia, transmitiu o comunicado ao Administrador Geral do Império Solar por intermédio do intercomunicador, conforme mandava o regulamento.

Rhodan agradeceu.

— Quando termina o tempo X, coronel?

— Tempo X terminará dentro de seis minutos e trinta e sete segundos, senhor.

— Obrigado! Realizar a decolagem segundo o plano.

Rhodan não prestou muita atenção quando o epsalense repetiu a ordem. A expressão de seus olhos mostrava que seus pensamentos estavam em outro lugar.

Realmente estavam.

Fazia quase dois meses que a Crest II, diante duma informação fornecida por Icho Tolot, resolvera dirigir-se ao grande hexágono de sóis situado nas proximidades do centro galáctico, a fim de descobrir qual fora o destino da nave desaparecida Omaron e resolver o problema que, nas palavras do halutense, era o maior enigma da Galáxia.

Dois meses...

Neste espaço de tempo os tripulantes da nave-capitânia tinham colhido mais experiências do que o comum dos mortais costuma fazer em toda a vida. Constantemente viam-se à beira da morte — não, de muitas mortes, cada qual mais terrível que a outra!

A seqüência dos acontecimentos apavorantes teve início com o súbito aparecimento do hexágono formado por sóis. A figura estranha e artificial era distorcida a tal ponto pelas influências variáveis das estrelas vizinhas, e as superposições eram tamanhas, que o reconhecimento da simetria praticamente coincidiu no tempo com a ocorrência do perigo máximo.

Quando Rhodan reconheceu o perigo em toda a extensão, já era tarde para voltar atrás. A Crest II foi atingida por um lampejo fulgurante e arrastada com uma aceleração tremenda para o centro do hexágono, que não era outra coisa senão o arco projetado na sexta dimensão dum gigantesco transmissor.

Quando os homens, que tinham ficado inconscientes, recuperaram os sentidos, encontravam-se nas proximidades de dois sóis amarelos em torno dos quais gravitavam oito planetas. Icho Tolot, que despertou quase imediatamente após a rematerialização, batizou o sistema, que sem dúvida era artificial, com o nome de Gêmeos.

Mal haviam despertado novamente para a vida, os homens viram-se novamente arrastados para perto da morte. O planeta Power atraiu a Crest II com uma força irresistível. Os conversores instalados na protuberância circular foram gravemente avariados na queda. Mas a ação de defesa desenvolvida pela Crest II condenou o planeta Power à destruição. O mesmo dissolveu-se, e os humanos mal e mal escaparam à morte.

Quando se viram novamente no espaço, notaram que alguma força inexplicável havia subtraído todas as reservas de líquido encontrados a bordo da nave. A tripulação foi poupada, mas estava ameaçada de morrer de sede, já que de repente os outros planetas ficaram envoltos em campos energéticos.

Nas lutas travadas no planeta Sétimo morreram vinte e quatro homens.

Quem trouxe a salvação foi a Box 8323, uma nave fragmentária pertencente aos aliados conhecidos como posbis, que tinha sido enviada por Reginald Bell. Além de sua tremenda força combativa, a mesma trouxe quantidades enormes de mantimentos e equipamentos, além de quatro voluntários: Geco, o rato-castor, Melbar Kasom, um especialista da USO, o mutante espia chamado Wuriu Sengu e o físico Dr. Reinhard Anficht.

A próxima surpresa desagradável lhes foi proporcionada pelo planeta Quarta. Quando finalmente este obstáculo também foi vencido, apareceu o pavoroso drung, um ser que praticamente consistia de sistemas celulares autônomos e mutáveis, e que dentro de pouco tempo contaminou toda a tripulação da Crest II. Arrogou-se a qualidade de senhor de todos os seres orgânicos que se encontravam a bordo da nave. Derivava seu poder da aplicação ou da simples ameaça de violência no corpo em que estava alojado. Foi somente graças ao metabolismo especial de Icho Tolot que a tripulação pôde ser salva da morte.

Os remanescentes do drung foram destruídos em Sexta.

Dentro de alguns minutos a Crest II decolaria com destino a Quinta, a fim de procurar a misteriosa estação de comando do transmissor solar, inverter sua polarização e abrir caminho para o regresso à galáxia de origem.

Ao que tudo indicava, seria a operação mais perigosa depois que tinham sido transportados para o sistema de Gêmeos, se bem que ninguém era capaz de imaginar que pudessem ter pela frente situações ainda mais apavorantes...

 

— Decolar!

Em meio ao rugido terrível das energias atômicas liberadas, a esfera que formava a Crest II, e que antes parecia uma montanha, ergueu-se do solo cinzento de Sexta. As trilhas energéticas incandescentes despejadas pelos bocais dos jatos, que antes pareciam portões, provocavam a impressão dum pequeno sol muito quente. O cilindro de fogo que saiu rolando em alta velocidade empurrava à sua frente verdadeiras nuvens de cascalho.

Os homens que se encontravam na sala de comando quase não perceberam nada. Em sua maioria nem tinham tempo para contemplar as telas semi-escurecidas, e para os outros o quadro que se oferecia nas mesmas não era nenhuma novidade.

Perry Rhodan estava sentado na poltrona do comodoro, de onde via toda a sala de comando. A mesa de formato estranho que se encontrava à sua frente possuía ligações individuais de intercomunicador e telecomunicador.

Sua esposa, Mory Rhodan-Abro, acomodara-se em uma das poltronas suplementares agrupados em tomo da poltrona. O mesmo acontecia com Melbar Kasom, se bem que este precisava duma poltrona especial, e com Atlan. O sofá destinado a Gucky estava vazio. Certamente o rato-castor estava fazendo das suas em algum lugar da nave.

Pouco antes da decolagem Rhodan cumprimentara a esposa com um ligeiro aceno da cabeça. Quando participavam duma operação, os dois eram apenas companheiros, companheiros duma luta que poderia terminar em algum ponto da eternidade. Seus sentimentos tinham de ficar em segundo plano, já que a responsabilidade pelo império estelar da Humanidade pesava sobre eles.

Rhodan ficou com os olhos semi-cerrados enquanto absorvia as impressões transmitidas pela decolagem do supergigante, como o uivo infernal dos conjuntos energéticos, as vibrações que sacudiam o corpo esférico, as luzes de controle que piscavam e as mensagens transmitidas pelo intercomunicador.

A Crest II estava penetrando no espaço.

No mesmo instante parecia mais calma, e à medida que a velocidade aumentavam diminuíam os ruídos dos propulsores, até que chegou o momento em que os impulsos expelidos pelos jatos-propulsores deixaram de ser ouvidos no interior da nave. Só restava um trovejar surdo vindo do interior da nave.

Perry Rhodan levantou da poltrona e acompanhou atentamente a rota que Cart Rudo estava seguindo. No momento Quinta ficava do lado oposto do centro de gravidade do sistema. Sem dúvida o caminho mais curto seria aquele que passava pelo interior do círculo, entre a órbita planetária e os sóis situados no centro, mas por lá haveria perigos desconhecidos à sua espera. Por isso o epsalense colocou a nave numa rota externa que iria dar no quinto planeta.

Rhodan passou os olhos pelo diagrama permanente de rastreamento que se encontrava sobre seu console. Ficou satisfeito ao registrar a linha que indicava a rota da Box 8323. A nave fragmentária seguia a Crest II a grande distância. Sua tarefa consistia em proteger os humanos contra qualquer ataque de surpresa. Rhodan podia ficar tranqüilo. A máquina de destruição dos posbis merecia toda confiança. Na época em que os humanos e os posbis ainda eram inimigos ferrenhos, ele mesmo tivera várias vezes a experiência dolorosa da força dos robôs biopositrônicos. Agora, que o erro trágico duma raça de robôs mal conduzida tinha sido afastado, os posbis tinham deixado de ser perigosos — a não ser para quem os atacasse.

O intercomunicador emitiu o sinal de chamada. No mesmo instante a placa de sinalização acendeu-se.

— Perry Rhodan respondeu.

— Aqui fala o coronel Rudo, senhor — disse a voz saída do alto-falante. — Acabamos de fazer a detecção ótica de Quinta. Quer que faça uma projeção em sua tela, senhor?

— Obrigado, coronel. Irei aí.

Rhodan desligou e levantou-se. Enquanto se dirigia ao console do comandante, que ficava um tanto distante, Icho Tolot, o halutense, apareceu de repente ao seu lado.

— Rhodan, permita que pergunte se pretendem atravessar o campo defensivo de Quinta da mesma forma que fizeram com o de Sexta.

Um sorriso amável apareceu no rosto de Perry Rhodan. Já estava acostumado a não julgar as inteligências estranhas pelo aspecto exterior. Com os quatro braços e o par de robustas pernas de salto, além da cabeça semi-esférica, o halutense tinha o aspecto dum monstro, mas Rhodan percebera há tempo que podia ser tudo, menos isso. Seu caráter era mais equilibrado que o da maior parte dos humanos. Além disso, era muito inteligente e bastante humano nos seus atos e pensamentos. As aventuras mortais para ele pareciam ser uma brincadeira, o que não era de admirar. Além de serem gigantes de 3,50 metros de altura e dois metros e meio de largura nos ombros, com pernas curtas e robustas cujas juntas eram especialmente feitas para dar saltos, os halutenses eram dotados dum metabolismo imortal, capaz de transformar a criatura normalmente consistente de sangue e carne numa figura mais dura que o aço terconite, por um simples ato de vontade do indivíduo.

— A primeira coisa que temos que fazer é verificar se o drung mentiu ou não, Tolot.

— Não se preocupe! — resmungou o halutense em tom zangado. — Ele não mentiu. Isso seria bastante ilógico, pois quando nos deu esta informação, o drung exercia um controle irrestrito sobre nós. Era ao menos o que acreditava. Queria que fôssemos para Quinta, a fim de garantir sua volta para Andrômeda.

— Assim mesmo olharemos primeiro para agir depois! — disse uma voz áspera atrás deles.

Era Atlan, que acabara de aproximar-se dos dois seres tão diferentes.

Rhodan sorriu em silêncio. Sabia que o tom violento em que fora proferida a observação de Atlan tinha sua origem na desconfiança que o arcônida sentia pelo halutense, desde o momento em que os dois tinham travado conhecimento. Em certa época, há dez mil anos, Atlan e sua frota estavam combatendo os piores inimigos do império arcônida, os respiradores de metano. Na oportunidade os arcônidas entraram em luta com os halutenses, que tinham sido levados pela sede de aventura a matar o tempo, combatendo do lado dos respiradores de metano, e causaram grandes perdas entre os robôs de Árcon. Rhodan não compartilhava a desconfiança do amigo. Tinha certeza de que as intenções do halutense eram honestas, embora o mesmo só os apoiasse para viver algumas aventuras.

Apesar disso concordou com Atlan.

— Naturalmente vamos dar uma boa olhada em Quinta antes de fazer qualquer coisa. Mas já está na hora de você deixar de lado a desconfiança que tem por Tolot. Não se esqueça de que, se não fosse ele, você nem estaria em condições de desconfiar de qualquer coisa.

Atlan ficou em silêncio. Não disse nada, mesmo quando se dirigiu ao console do comandante ao lado de Rhodan e Tolot e passou a examinar a ampliação setorial projetada na tela.

A primeira impressão levá-los-ia a acreditar que Quinta era uma esfera de água. Mas eles já sabiam que não era bem assim. Era bem verdade que Quinta podia ser classificado entre os mundos aquáticos, mas o quinto planeta em tamanho do sistema Gêmeos sempre possuía seu continente. As massas de terra cobriam o pólo norte à maneira dum chapéu. Mesmo a essa distância os homens distinguiram a construção redonda típica que abrigava a usina destinada a alimentar o campo defensivo energético. Doze edifícios semi-esféricos, cada um com pelo menos cem metros de altura, estavam dispostos num círculo de quatro mil metros de diâmetros. Exatamente no centro deste círculo erguia-se uma torre metálica de quinhentos metros de altura e cinqüenta de espessura, na qual se viam numerosas antenas esféricas. Essas antenas irradiavam a energia destinada ao campo defensivo que apresentava um brilho esverdeado.

Era tudo exatamente igual ao que tinham encontrado em Sexta.

Mas, perceberam Atlan e Rhodan quase ao mesmo tempo, não era isso que importava. O importante era o que acontecia depois.

 

— Coronel Rudo!

A voz de Rhodan soava como gelo.

O robusto epsalense encolheu-se instintivamente.

— Pois não, senhor...

— Abandone a órbita. Fique em posição de espera sobre a usina de energia! Fez uma ligeira pausa e acrescentou: — Ligue-me com a sala de rádio.

Dali a um segundo a tela do intercomunicador acendeu-se e um rosto largo cor de café encimado por uma cabeleira crespa negro-azulada apareceu na mesma. Era o major Kinser Wholey, chefe da sala de rádio. Wholey fez a apresentação e, numa atitude de expectativa, exibiu sua bela dentadura.

— O canal em código com a Box 8323 ainda está funcionando, Wholey?

— Sim senhor! — Wholey olhou para um painel de controle. — Canal em código funcionando, senhor.

— Ligue-me com a sala de comando da Box.

O major manipulou os comandos com uma rapidez incrível. Levou menos de um segundo para que a tela mostrasse o símbolo de um dos quatro comandantes da nave dos posbis.

— Crest II, Rhodan chamando Box 8323. Favor responder!

— Box 8323 falando, senhor. Estamos na escuta.

— Reduza a velocidade e entre numa órbita ampla em torno de Quinta. Permaneça numa órbita natural, mas mantenha as máquinas preparadas para partir a qualquer momento. Darão cobertura à nossa ação. Entendido, Box 8323?

— Entendido, senhor. Ordem será cumprida.

Rhodan desligou. As fórmulas de cortesia eram desconhecidas dos robôs posbis. Sempre diriam somente o essencial, da mesma forma que só pediam o essencial para instruí-los. Rhodan esperou até que os rastreadores indicassem a mudança de rumo da nave fragmentária e chamou Gucky pelo sistema geral de intercomunicação.

Mal o chamado tinha sido iniciado, duas figuras pequenas materializaram ao lado de Rhodan. Eram Gucky e Geco, os dois ratos-castores que graças às suas paracapacidades eram os melhores mutantes de Rhodan.

— Ah, quer dizer que andou bisbilhotando de novo, tenente Gucky? — perguntou Rhodan em tom sarcástico, mas nem esperou a resposta. — Prestem atenção os dois — prosseguiu. — Afinal vieram juntos. Estão vendo a usina energética à margem do oceano?

Gucky fez um gesto de pouco caso.

— Já estamos cansados de ver, Chefe. É igual à que desligamos em Sexta. Acho que aqui também conseguiremos.

— Muito bem. — Rhodan estava com o rosto sério. Se fosse teleportador, ele mesmo faria o que precisava ser feito. A idéia de constantemente ter de expor ao perigo um ser como Gucky, um dos melhores amigos que encontrara em toda a vida, não lhe agradava nem um pouco. — Faço questão de ressaltar que não estou dando uma ordem. Apenas vou formular uma pergunta. Vocês estariam dispostos a inutilizar os projetores de campo energético da usina?

— Por que tantas formalidades, Chefe? — piou Gucky. — Afinal, também quero voltar para casa, e se não saltar para lá nunca conseguirei. Para que servem todas essas perguntas?

Para casa! — pensou Rhodan. — Em que lugar Gucky se sentiria em casa? Seu mundo de origem, o planeta Vagabundo, deixara de existir há muito tempo...

— Você deveria cuidar melhor dos seus pensamentos, Chefe! — piou o rato-castor em tom triunfante. — Especialmente quando se trata de pensamentos tolos como os que acaba de ter. Onde poderia estar em casa senão na Terra?

Rhodan pigarreou. Parecia embaraçado.

— Queira desculpar, baixinho. Mas não temos tempo para conversas inúteis. Quero que façam lá embaixo o mesmo trabalho que já fizeram em Sexta. Peço-lhes que tenham cuidado. E prestem atenção para não provocar destruições desnecessárias. Como sabem, estamos à procura da estação de ajustamento do transmissor solar. Ela tem que estar lá, e se for avariada...

Não completou a frase, nem seria necessária. Na Crest II todo mundo sabia quais seriam as conseqüências. Não havia ninguém que estivesse familiarizado com os detalhes do funcionamento do gigantesco transmissor, ninguém poderia corrigir o defeito se qualquer parte do transmissor, por menor que fosse, deixasse de funcionar.

— Estaremos preparados. E, Perry... em mim você pode confiar. Já deveria saber disso.

Rhodan acariciou os pêlos sedosos da nuca de Gucky. Era apenas um gesto, mas o mesmo mostrava que também havia uma forte ligação emocional entre os dois seres.

No mesmo instante Rhodan deu as costas a Gucky. Seu rosto perdera a expressão suave, passara a ser todo ele vontade corporificada. Ele mesmo encarregou-se de fazer uma ligação com a sala de artilharia.

— Major Wiffert! — respondeu alguém.

Rhodan respirou profundamente.

— Prepare três bombas gravitacionais para serem lançadas assim que receba ordem para isso, Wiffert! Assim que eu lhe der ordem, o senhor irradiará as três bombas simultaneamente — repito, simultaneamente — para um ponto do campo defensivo do inimigo. Entendido?

— Sim senhor! — Wiffert hesitou. O primeiro oficial de artilharia não era nada pródigo com suas palavras. Mas finalmente conseguiu completar sua resposta conforme mandava o regulamento. — Manter três bombas gravitacionais preparadas para lançar a qualquer momento. Ao comando, irradiá-las ao mesmo tempo. Entendido, senhor.

Rhodan acenou com a cabeça. Estava com o rosto sério.

— Não deve haver nenhum erro. Avise o coronel Rudo assim que as bombas estejam preparadas.

— Não quer que formemos um comando de desembarque, senhor? Estava pensando no capitão Redhorse.

— Não, Rudo. Desta vez ficaremos juntos. Assim que os campos defensivos forem extintos, pousaremos perto da usina, adotando todas as precauções. Só devemos arriscar uma ação-relâmpago se os ratos-castores estiverem em perigo.

A luz do intercomunicador começou a piscar.

— Centro de artilharia — disse o coronel Rudo depois de lançar um olhar para o número indicado no quadro. A seguir fez a ligação.

— Major Wiffert falando. Três bombas gravitacionais preparadas para serem irradiadas e ajustadas sobre o alvo, senhor.

Rhodan ouvira a mensagem. Inclinou-se sobre o microfone.

— Irradiação das bombas dentro de dois minutos, Wiffert. Atenção... Iniciando contagem. Entendido?

— Entendido, senhor. Rhodan olhou para os ratos-castores. Viu que não havia necessidade de fornecer instruções aos mesmos. Os dois olhavam fixamente para a tela. No momento em que a força concentrada das bombas gravitacionais atingisse o alvo, teleportariam. Usavam o mesmo equipamento que tinham levado durante a missão desempenhada contra a estação energética de Sexta.

Com o rosto impassível, Rhodan pediu que fizessem mais uma ligação com a Box 8323. O símbolo do mesmo comandante apareceu na tela. Na sala de comando da nave fragmentária havia quatro comandantes ao todo, que atuavam como uma unidade, embora dividissem as tarefas entre si.

— Que dizem seus rastreadores?

— Nada de estranho, senhor.

— Muito bem! Vou repetir o que já foi dito. Os senhores não intervirão nos acontecimentos que se desenrolarem em Quinta enquanto não houver um perigo imediato para a Crest II. Cabe-lhes exclusivamente dar-nos cobertura para o lado do espaço. Se houver algum ataque, seja lá de que espécie for, os senhores se defenderão com todos os meios, de tal forma que, se possível, a Crest II não seja perturbada na tarefa propriamente dita que terá de executar.

— Ordem entendida e armazenada, senhor. Quando Rhodan desligou, faltavam quarenta e cinco segundos para que a ação tivesse início. Sentiu que havia pingos de suor em sua testa, mas de resto era a calma em pessoa. Virou-se para Gucky, com um sorriso nos lábios.

— Façam um trabalho bem feito, baixinho. Mas não se esqueçam de vocês mesmos. Não gostaria de fazer a viagem de regresso sem vocês.

— Está bem, Chefe! — piou Gucky, indignado. — Não nos perturbe.

O sorriso desapareceu do rosto de Rhodan. Segurou com ambas as mãos o encosto da poltrona de Rudo e olhou para Atlan. Meu Deus! Por quanta coisa já tinham passado juntos.

Não notou que o coronel Rudo estava aumentando a capacidade de recepção do intercomunicador. Em compensação ouviu perfeitamente a voz do primeiro oficial de artilharia.

— Três campos espirais no alvo estabelecido. Fogo!

Rhodan inclinou o corpo.

Era perfeitamente correto designar uma bomba gravitacional como um campo espiral. Era bem verdade que, quanto ao aspecto exterior, o artefato representava uma figura materialmente estável, isto enquanto permanecia em repouso, segundo costumavam dizer os especialistas. Na verdade era apenas o envoltório duma concentração de energia que se projetava na quinta dimensão, e que ficava armazenada em sua própria estrutura. Com a detonação esta estrutura “abria-se” numa direção previamente determinada, mais precisamente, na direção para a qual tinha sido ajustado o dispositivo de radiação. As energias da quinta dimensão eram irradiadas sob a forma dum campo espiral de velocidade igual à da luz, arremessando o alvo para fora do conjunto espácio-temporal da quarta dimensão, a não ser que o mesmo estivesse protegido por campos defensivos neutralizadores.

Naquele momento três campos espirais dessa espécie estavam atingindo, uma vez irradiados, o ponto visado do campo defensivo de Quinta.

Perry Rhodan prendeu a respiração enquanto observava como numa área muito limitada o campo energético esverdeado que envolvia o planeta assumiu uma coloração azulada. Naquela área a estrutura energética da quinta dimensão era neutralizada pela energia emanada dos campos espirais. Com isso o campo tornava-se permeável aos teleportadores. Era ao menos o que Rhodan esperava.

Rhodan virou a cabeça e notou que o lugar em que pouco antes Gucky e Geco estavam de mãos dadas tinha ficado vazio. Só se viu um ligeiro torvelinho no ar, que indicava que um vácuo subitamente formado estava sendo preenchido.

Rhodan ficou mais alguns segundos com o corpo tenso. Era possível que a experiência não fosse bem sucedida; nesse caso os teleportadores voltariam ao ponto de partida. Rhodan não esperava que isso acontecesse, pois o fenômeno acarretaria terríveis sofrimentos para os ratos-castores. Assim mesmo agarrou-se instintivamente a essa hipótese, pois ninguém sabia o que aconteceria com os ratos-castores lá embaixo, caso conseguissem atravessar o campo defensivo. Mas esta reação instintiva desapareceu assim que Rhodan teve certeza de que o lugar antes ocupado por Gucky e Geco continuaria vazio.

Os dois já deviam estar em Quinta.

Vivos ou mortos...

 

Foi quase fácil demais.

Gucky saltou com os olhos fechados. Quando voltou a abri-los, ele e Geco caíam em velocidade alucinante em direção à superfície do planeta.

Gucky apertou a mão de Geco. O gesto significava o seguinte: Vou teleportar os dois; basta que você me dê um apoio.

Os ratos-castores voltaram a materializar.

Isso aconteceu fora do círculo formado pelos edifícios semi-esféricos, numa planície ondulada, parcialmente coberta por capim baixo. Imediatamente os dois ratos-castores deixaram-se cair no chão.

A cúpula mais próxima ficava a cerca de dois quilômetros. A uns quatro quilômetros a torre de aço esguia subia para o ar parado. Era uma torre exatamente igual à de Sexta.

— Por enquanto não se vê nenhum robô.

Gucky emitiu um grunhido de desprezo.

— Sua sábia observação é fora de propósito. Afinal, teleportamos para cá e ainda nos encontramos bem longe das instalações.

— Pode ser — respondeu Geco em tom nervoso. — Mas acho que não devemos excluir a possibilidade de os robôs das diversas estações planetárias se comunicarem entre si. Neste caso quem está em Quinta sabe perfeitamente o que significa a mudança de cor do campo energético.

— E daí? Se necessário, teleportaremos de novo, desta vez diretamente para a cúpula de comando da torre.

— O que estamos esperando?

— Talvez seja porque desde o início contei com a possibilidade que você acaba de insinuar — disse Gucky em tom arrogante. — Estou interessado em saber se desta vez a reação dos robôs é diferente.

— Você nem sabe se por aqui existem robôs.

— Sei, sim! — disse Gucky e apontou para a construção circular, de cuja sombra se desprendia um objeto achatado, em forma de disco, que vinha na sua direção.

Ainda não se distinguiam os detalhes, mas não parecia tratar-se duma máquina voadora, pois nesse caso o objeto certamente se deslocaria em velocidade mais elevada. Deslizava junto ao solo. Depois de algum tempo os ratos-castores viram ao mesmo tempo que se tratava dum veículo de superfície que corria sobre uma única roda.

— Quer que entorte a roda? — perguntou Geco.

— Não viemos para brincar! — disse Gucky em tom de repreensão. Mas logo se lembrou que ele mesmo já fora um praticante apaixonado da arte de brincar quando já era bem mais velho que Geco. — Está bem — disse em tom condescendente. — Mas tome cuidado para não revelar muita coisa a nosso respeito.

O disco já se tinha aproximado a mil metros. De repente a máquina emitiu um lampejo, e um raio escaldante atingiu o chão atrás deles. Mas o mesmo ficava pelo menos cem metros ao lado. Ao que tudo indicava, o robô ainda não conhecia sua posição exata.

Mas isso poderia mudar muito depressa.

Realmente houve uma mudança — a favor dos ratos-castores. O segundo raio térmico subiu ao céu, provocando um ligeiro lampejo na face interna do campo energético. O disco reluzente avançou mais alguns metros aos solavancos e desapareceu numa depressão. Logo em seguida o raio duma explosão revelou que a mesma tivera um fim pouco glorioso. O mecanismo não fora capaz de reagir convenientemente à intervenção de Geco. Por isso o canhão energético continuara a disparar, mesmo depois de o disco ter penetrado no chão. Evidentemente isso produziu um represamento de energia no interior do canhão, além dum superaquecimento do revestimento do robô.

— Se não tiverem coisa melhor que isso... — observou Geco.

— Eles têm — respondeu Gucky em tom seco.

No mesmo instante segurou a mão de Geco e teleportou com ele para a sala de comando instalada na torre.

Assim que rematerializaram viram um furacão de fogo que se abatia sobre a planície. Os fios da barba de Geco tremeram.

— O que é isso?

— Sim, o que é isso, seu sabidão? — esbravejou Gucky. — Reagimos exatamente pela forma que os robôs previram. Enquanto estávamos admirando seu desempenho artístico, não vimos os foguetes que se aproximavam em vôo baixo. Por pouco não nos pegam.

— Aqui também estamos na armadilha — disse Geco.

Gucky compreendeu. Era claro. Se há pouco os cálculos dos robôs tinham sido corretos, os mesmos também poderiam ter previsto a teleportação para a cúpula de comando e tomado suas providências.

Mais uma vez segurou a mão de Geco.

Pôs-se a farejar o ar. Mas quem deu o alarme foram os ouvidos. Um chiado leve, que normalmente Gucky não teria notado, enchia o ar.

— Vamos para o telhado! — ordenou Gucky.

O telhado era muito liso. Os ratos-castores tiveram de usar suas forças telecinéticas para segurar-se no mesmo.

— O que houve? — fungou Geco, nervoso.

— Gás — limitou-se Gucky a responder. Apontou para as antenas esféricas simetricamente dispostas, que pareciam abóboras espetadas em varas compridas e vibravam sob o influxo constante da energia. A torre estava inteiramente coberta por essas antenas. Eram elas que forneciam a energia que alimentava o campo defensivo verde. Era necessário destruí-las, pois do contrário não seria possível descer em Quinta.

— Vamos trabalhar, Geco!

Depois da operação desenvolvida em Sexta, os ratos-castores já sabiam que bastaria entortar os cabos das antenas para provocar o colapso do campo defensivo. Usaram suas forças telecinéticas, sem esquecer que era com elas que tinham de segurar-se no telhado.

Três ou quatro antenas esféricas já tinham sido dobradas para baixo, quando os dois ratos-castores saltaram como se estivessem obedecendo a uma voz de comando.

No mesmo instante caíram — e desapareceram.

Gucky apareceu perto de uma das doze construções esféricas que limitavam a área de quatro quilômetros de diâmetro em que tinha sido construída a usina de energia. A queda não foi nada suave e Gucky pôs-se a choramingar. Não foi por causa do impacto no chão, mas em virtude das queimaduras que sofrerá nas partes do corpo que tinham ficado em contacto com a cúpula de comando da torre.

“A cúpula de vidro foi aquecida”, pensou.

Mas no mesmo instante teve que defender sua pele. Uma fresta abriu-se repentinamente na construção abobadada. Robôs em forma de aranha começaram a sair da mesma. Não eram muito grandes, mas sua massa certamente poderia tornar-se perigosa, mesmo que não possuísse armas energéticas.

O medo deu novas forças a Gucky. Com uma violenta intervenção telecinética arremessou os robôs-aranha, que tinham cinqüenta centímetros de altura, de encontro à parede. Em sua maioria ficaram deitados, mas novas levas iam saindo da fresta.

Enquanto se defendia, Gucky tentou alcançar Geco com seus impulsos mentais.

Suas tentativas não foram bem sucedidas.

A preocupação com o companheiro era mais forte que o medo. Com um desesperado salto de teleportação voltou à cúpula de comando, não sem antes fechar o capacete pressurizado.

Antes que pudesse sondar o ambiente, sentiu-se envolvido por tentáculos de aço que ameaçaram esmagá-lo. Gucky teleportou-se para longe do perigoso robô esférico, cujos tentáculos agitaram-se no ar por alguns segundos. Gucky aproveitou o momento de surpresa. Antes que o robô pudesse lançar mais um ataque, seus tentáculos ficaram contorcidos, foram arrancados ou imobilizados.

Gucky sabia perfeitamente que risco estava assumindo ao começar novamente a entortar as antenas da torre. Trabalhava febrilmente com suas forças telecinéticas. Antes que tivesse avariado metade das antenas, o campo defensivo tremeu e apagou-se.

O espanto foi completo, quando Geco materializou de repente, mas logo foi substituído pela raiva.

— Por que não se anunciou telepaticamente? — perguntou Gucky.

Geco exibiu o dente roedor.

— Não pude, grande mestre. Depois que caí da esfera aquecida, teleportei para dentro duma coluna de robôs que se preparava para o ataque. Não tive tempo para defender-me com a telecinesia. Fui obrigado a saltar — e isso novamente às cegas. — Num gesto de lamentação levantou a pata esquerda, na qual se via um corte sangrento. — Fui parar nas entranhas dum robô e saí ferido. Ainda bem que era um robô grande, mas a idéia de que eu poderia ter materializado no interior dum reator atômico me dá calafrios.

— Não se preocupe! — escarneceu Gucky num acesso de humor negro. — Se isso acontecer, você não sentirá nada.

— Você é um sádico!

Gucky soltou uma risada estridente. Mas logo ficou calado.

— Às vezes chego a pensar que também tenho nervos. Não importa! Continue.

— O robô nem notou minha presença. Tinha cobertura transparente. Provavelmente era usado no transporte de seres vivos. Enquanto o tanquezinho rolava em direção à torre, destruí as antenas. O que me diz?

— Destruí a outra metade, meu filho — respondeu Gucky, que parecia ofendido. — Olhe só esta esfera...

Não conseguiu prosseguir, pois neste momento seu telecomunicador de pulso deu o sinal de chamada. Gucky respondeu.

— Rhodan falando! — disse uma voz fraca saída do minúsculo receptor. — Onde vocês se meteram? Gucky? Desta vez foi bastante demorado.

— Por aqui está tudo numa boa — respondeu Gucky. Por um instante voltou a ouvir a voz de Rhodan, mas logo prosseguiu em tom indignado: — O quê? Você quer que eu me desacostume de usar a linguagem de Bell? Santo Deus! Pois eu pensava que você se desse por satisfeito se pudesse ter o gordo a seu lado.

— Nada disso, Gucky. Até pelo contrário. Estou satisfeito porque pelo menos desta vez Bell ficou em casa. Mas deixe para lá. Acha que podemos pousar perto da torre?

Gucky olhou pela cúpula de vidro.

— As coisas por aqui estão tal qual estavam em Sexta, depois que desligamos as antenas. Acredito que a usina energética tenha interrompido automaticamente suas funções. Os robôs desapareceram. Podem descer com a Crest II. Mas tenham cuidado. Esta bem?

Gucky desligou com um pio zangado.

— O que foi que o Chefe disse? — perguntou Geco.

Os fios da barba de Gucky tremiam nervosamente.

— Disse que a Crest não é tão sensível como um rato-castor. Mas ele que tente teleportar com a nave!

Ao que parecia, a idéia divertia o rato-castor, pois o mesmo pôs inteiramente à mostra o dente roedor.

Um rugido e uma série de trovões desceram do céu. Um monstro com mil e quinhentos metros de diâmetro, feito de aço terconite e energia concentrada, começou a descer.

 

A grande sala de comando estava em silêncio.

Os homens tinham concluído suas tarefas — ao menos por enquanto. Estavam sentados em suas poltronas anatômicas levantadas, à frente dos instrumentos que segundo antes ainda estavam manipulando com gestos rápidos, e contemplavam em silêncio a paisagem na qual se levantavam os edifícios construídos por seres desconhecidos.

Os microfones externos estavam funcionando normalmente, mas assim mesmo o silêncio era completo — um silêncio capaz de fazer congelar o sangue, um silêncio impregnado de perigos. A tela em que eram projetadas as imagens colhidas por uma das sondas enviadas ao planeta mostrava uma área sobre a qual o ar tremeluzia, e que no primeiro instante parecia coberta de chumbo liquefeito. Mas não era chumbo. Era o oceano do planeta Quinta, que parecia grudado, imóvel, à única superfície de terra daquele mundo.

Perry Rhodan ouviu um ruído ligeiro vindo de trás. Virou a cabeça e um sorriso tenso surgiu em seus lábios.

— Missão cumprida, Chefe! — anunciou Gucky. Soltou a mão de Geco e saiu caminhando pesadamente em direção ao sofá, apoiando-se na cauda.

— Por hoje chega, Perry. Outros que metam o nariz lá fora.

— Muito obrigado, Gucky!

Rhodan virou a cabeça para o capitão Don Redhorse, um homem impetuoso, de 1,90 metro de altura, que era chefe do comando de desembarque da Crest II e descendente dos belicosos índios cheiene.

— Tudo pronto, capitão?

Havia uma expressão de arrojo nos olhos de Redhorse.

— Sempre estou, senhor. Podemos partir?

— Daqui a um minuto.

Rhodan pediu uma ligação de intercomunicador com o chefe do comando de robôs. O rosto sempre sorridente do capitão Kagato apareceu na tela.

— Faça sair o primeiro e o segundo grupo de robôs, capitão.

— Sim senhor.

Rhodan desligou e esperou trinta segundos. Ouviu o primeiro ruído vindo de fora, depois que a Crest II descera do céu, rugindo fortemente. Eram as pisadas rítmicas dos robôs. As primeiras figuras de dois metros de altura apareceram nas telas. Foram avançando a passos cadenciados, formando um cordão pouco compacto entorno da torre e da eclusa pela qual deveria sair o comando de desembarque. Os braços com armas foram girados. Finalmente as figuras permaneceram quietas e imóveis como se fossem estátuas de aço.

— Já podemos sair, capitão — disse Rhodan com um sorriso profundo, dirigindo-se a Redhorse.

 

Saíram da Crest II em blindados voadores.

Perry Rhodan e Atlan estavam sentados na cúpula de plástico blindado da CT-1, um dos blindados do comando equipados com numerosos dispositivos positrônicos de combate.

O capitão Kagato tinha de estar em toda parte para cumprir sua tarefa, pois os robôs de guerra por ele comandados eram solicitados em toda parte. Por isso foi obrigado a usar a central voadora de comunicação, uma gazela fortemente blindada e equipada com aparelhos de comunicação de todos os tipos. As gazelas eram naves de reconhecimento em forma de disco, capazes de viajar no espaço, mas a que Kagato estava ocupando não possuía sistema de propulsão que permitisse viajar a velocidade superior à da luz.

O comandante Rudo ficou na Crest II. Cabia-lhe antes de mais nada cuidar da segurança da nave, o que era uma das tarefas mais importantes. Sem a nave não teriam possibilidade de voltar. Seu imediato, o tenente Brent Huise, foi destacado para a realização de missões voadoras a partir da nave. As naves auxiliares conhecidas como girinos, bem como as gazelas, estavam submetidas ao seu comando.

Gucky e Geco mantiveram contacto telepático ininterrupto com Perry Rhodan e só deveriam intervir numa emergência grave, da mesma forma que Ivã Ivanovitch Goratchim, o mutante de duas cabeças.

Um carro blindado voador foi colocado à disposição de Icho Tolot, a pedido do mesmo. Tolot era um halutense de mil anos, que não se prestava para a atuação no âmbito duma organização militar firmemente estruturada. Era um individualista. Mas Rhodan sabia que, se precisassem dele, poderiam confiar em sua habilidade.

De início Mory Rhodan-Abro apenas queria acompanhar o marido. Só mesmo a ordem de Rhodan, que era a ordem dum chefe militar, pudera levá-la a permanecer na Crest II. Perry Rhodan sabia perfeitamente por que agia assim. Sabia perfeitamente que as pessoas que ocupavam as posições mais importantes na nave eram altamente capacitadas, mas tinha suas dúvidas de que fossem capazes de, além de comandar a nave, tomar decisões coerentes segundo exigia a situação de cada momento, e de que possuíssem a necessária autoridade de agir conforme procederia o Administrador Geral numa situação idêntica. Além disso, deveria haver uma pessoa que, caso acontecesse alguma coisa a Rhodan, pudesse voltar à Terra e não fosse somente uma cabeça inteligente, mas também um símbolo. E essa pessoa era Mory. Por melhor que Reginald Bell e Julian Tifflor pudessem conduzir a humanidade terrana, os mesmos nunca poderiam garantir a permanência dos plofosenses no Império Solar. Mory Rhodan-Abro podia, já que desempenhava as funções de Chefe Suprema de Plofos.

Esta providência mostrava melhor que qualquer coisa que Perry Rhodan previa que a ação em Quinta fosse cercada de grandes riscos.

As pessoas mais importantes mantiveram contacto permanente pelo radiofone. Em última análise, as ligações convergiam para CT-1.

Naquele momento Rhodan estava falando com o Dr. Reinhard Anficht.

Tratava-se dum físico muito inteligente com rosto de cavalo, que penetrara juntamente com o Dr. Spencer Holfing, físico-chefe da Crest II, e sob a proteção dum comando de robôs na torre das antenas da usina energética construída em círculo.

Anficht ouvia Rhodan com a boca entreaberta. Os dentes compridos e amarelados lembravam uma dentadura de cavalo.

Rhodan concluiu e o físico acenou com a cabeça.

— Naturalmente continuaremos a procurar, senhor, mas gostaria que tivesse uma visão realística da situação. Aqui em cima, na cúpula de comando, é tudo igual a Sexta. Por isso é de supor que por aqui também não haja nenhum comando do transmissor.

Rhodan sorriu por causa da recriminação que as palavras de Anficht encerravam.

— Justamente porque tenho uma visão realística da situação o senhor terá que partir do pressuposto de que o comando está escondido na torre. O senhor sabe perfeitamente que, se também não conseguirmos encontrar o comando em Quinta, certamente teremos falhado aos olhos dos senhores da ilha, que provavelmente não estarão dispostos a ser clementes, abandonado as regras. Trata-se dum programa genial, mas totalmente insensível e incorruptível, que faz vir à lembrança o enigma galáctico, que há tempos nos colocou na pista do imortal do planeta Peregrino. Continue a procurar, doutor!

— Sim senhor!

— Quer apostar que ele nem imagina... — Atlan apontou para a pequena tela do radiofone, que começava a escurecer — ... como o enigma galáctico parecia complicado a você. Afinal, nasceu numa época diferente. No fundo você naquela oportunidade não passava dum homem primitivo.

— Muito obrigado pelo elogio! — resmungou Rhodan.

Não fez outros comentários sobre a observação de Atlan, embora soubesse que o mesmo atingira o ponto crítico do problema. Fez uma ligação com Redhorse.

— Quero seu relatório, capitão! — pediu.

Um sorriso de desprezo apareceu no rosto de Redhorse.

— Só se for o relatório dum passeio. Queira perdoar, senhor! Ocupar sem a menor resistência duas das construções abobadadas e abrir o portão que dá para o norte realmente não passa dum passeio. A propósito. Minhas sondas de reconhecimento identificaram uma cidade situada oitenta quilômetros ao norte-noroeste. Parece estar vazia e em ruínas.

— Ainda há de chegar o dia... — Rhodan estava falando com a voz dura, em tom de recriminação. — ... em que o senhor e outros homens do seu tipo acabem reconhecendo que o objetivo que os soldados do Império devem ter em vista não pode ser a destruição do inimigo. — Pigarreou. — Peça ao capitão Kagato que lhe envie um destacamento de robôs, que deverá ocupar imediatamente os pontos estratégicos situados nas proximidades da cidade e dentro dela. Entre em contacto comigo quando estiver na cidade — ou quando descobrir que não consegue entrar. Desligo.

Com o rosto tenso viu as nuvens de poeira que levantavam e assentavam repentinamente fora do anel formado pelas construções abobadadas. Eram os blindados que se levantavam do solo. Dali a quatro segundos quatro plataformas antigravitacionais ocupadas até o último lugar passaram pela CT-1. As mesmas estavam armadas com canhões desintegradores pesados e guarnecidas por robôs de guerra.

— Você não deveria recriminar tanto um homem como Redhorse, amigo — disse Atlan em voz baixa. — Afinal, foram treinados para lutar e também devem pensar com a própria cabeça.

— Acontece que eles pensam muito pequeno — respondeu Rhodan. — Tentarei introduzir as necessárias modificações no currículo de instrução. Nunca podemos excluir a possibilidade de que pessoas como estas se encontrem a sós com indivíduos pertencentes a uma raça inteligente desconhecida. E um encontro como este costuma ser decisivo.

— Esta bem. Mandei que o piloto nos levasse a uma das construções abobadadas que já foram ocupadas — disse Atlan, mudando de assunto.

— Quer dizer que adivinhou minhas intenções?

— Foi fácil, Perry. Por que haveríamos de pegar um veículo relativamente lento como um blindado voador, se não queríamos dar uma busca nas imediações?

Perry Rhodan acenou com a cabeça. Seus pensamentos já estavam no interior da cúpula.

Será que por ali descobririam o segredo do sistema de Gêmeos?

 

Don Redhorse ficou bastante invejoso ao ver às plataformas antigravitacionais do grupo de robôs passar em alta velocidade por cima de seu comando. Virou a cabeça para o tenente Orson e fitou o rosto indiferente e satisfeito com uma expressão de contrariedade. Imaginava por que haviam escolhido Orsy Orson para ser seu ajudante. Em questão de gênio era o extremo oposto de Redhorse. Este era de opinião que pessoas como Orson só podiam servir atrás das linhas de combate, pois não se importavam com nada enquanto estavam passando bem.

— Faça o favor de puxar o coldre mais para a frente, tenente! — fungou Redhorse. — Acha que se as coisas ficarem sérias o senhor terá tempo para apalpar o traseiro à procura da arma?

— Muito obrigado, senhor! — disse Orson e puxou o coldre um pouco para a frente. Depois passou a mão pelos cabelos brancos e olhou para a frente, onde as primeiras silhuetas da cidade que acabara de ser localizada se destacavam contra o céu claro. — Não acredito que por ali ainda exista um lugar aconchegante, senhor.

O dedo de Redhorse tamborilou uma marcha militar sobre a pequena placa do computador que se encontrava à sua frente. Teve de fazer um grande esforço para não perder o autocontrole.

— Lembre-se de que não estamos num passeio, tenente! — disse sua voz profunda, vinda do fundo da garganta.

— Ora! — Orson fingiu-se de espantado. — Neste caso ouvi mal quando o ouvi falar com o Chefe. Queira desculpar, senhor.

De repente Redhorse deu uma risada.

— Muito obrigado pela dica, meu jovem. Acho que já está na hora de entrarmos em contacto com os robôs.

Orson acenou com a cabeça e ativou o respectivo canal de telecomunicação.

— Blindado de comando do grupo de desembarque chamando grupo de robôs cidade X. Favor responder!

A tela iluminou-se e mostrou a fotografia grande-angular de parte do centro da cidade — ou do que já fora o centro da cidade.

Orson e Redhorse viram montes de entulho cobertos de vegetação, ruas cheias de fendas e pedaços de muros adernados e meio afundados.

— A cidade foi tomada e está firmemente em nossas mãos — disse a voz monótona dum robô. — Não tivemos contacto com o inimigo, senhor. Nenhuma situação de perigo, inclusive nas imediações da cidade. Quais são as ordens, senhor?

Redhorse tirou o microfone da mão de Orson.

— Chefe do destacamento de desembarque chamando grupo de robôs cidade X. Mantenham suas posições e aguardem a chegada do grupo de blindados IA. Desligo.

Redhorse ligou a faixa de comando de sua divisão.

— Chamando blindados do grupo IA. Unam- se à coluna em marcha. Os veículos T-12 e-T-13 assumirão a proteção dos flancos, mantendo-se em altitude de observação. T-14 e T-15 se unirão ao C-12, formando a vanguarda juntamente com o blindado de comando. Atravessaremos a cidade pelo caminho mais rápido. Oportunamente daremos novas instruções. Desligo.

Enquanto a coluna composta de um total de trinta veículos se dispunha em fila de dois e os veículos T-12 e T-13 se afastavam, cada um para um lado, T-14 e T-15 aproximaram-se em alta velocidade e adaptaram sua marcha à do blindado de comando, que estava saltando à velocidade máxima por cima das primeiras ruínas e sobrevoava a cidade a vinte metros de altura.

Orson voltou a entrar em contacto com as sondas de reconhecimento.

— Quero transmitir uma informação, senhor! — disse, dirigindo-se a Redhorse.

Imediatamente o capitão interrompeu seus cálculos.

— O que houve?

— As sondas de reconhecimento detectaram outra cidade em ruínas situada a apenas vinte quilômetros ao nordeste, senhor.

Redhorse não perdeu tempo. Deu ordem para que o robô que estava no comando do grupo deixasse um planador com a respectiva tripulação na cidade X, e contornasse com as tropas restantes a outra cidade, que por enquanto passou a ser designada como cidade Y. Depois disso mandou que um grupo tomasse a direção nordeste antes de atingir a cidade X e avançasse em direção à cidade Y.

O grupo de vanguarda tomou a mesma direção.

Era claro que para os blindados voadores vinte quilômetros não eram uma grande distância. No entanto, as plataformas antigravitacionais que levavam os grupos de robôs chegariam antes deles à cidade Y. Isso deixou Redhorse um tanto aborrecido, mas o mesmo teve bastante bom-senso para reconhecer que a segurança de seus homens vinha em primeiro lugar.

Chegou o momento em que ficou satisfeito por ter agido assim.

Quando o pequeno grupo de vanguarda ainda se encontrava a três quilômetros da cidade, o cenário fantasmagórico foi iluminado por raios fulgurantes. Estes raios não vinham do céu, mas corriam entre as ruínas e os montes de entulho.

Dali a pouco o ruído das descargas atingiu o grupo de vanguarda.

— Grupo de robôs cidade Y falando — disse a mesma voz monótona. — Acabamos de ter o primeiro contacto com o inimigo, senhor. Robôs inimigos de diversos tipos atacam em pequenos grupos as unidades que protegem nossos flancos. O primeiro ataque foi rechaçado. Perdas de nosso lado: três robôs. Perdas do inimigo: dezenove robôs. Mandei que nossos robôs avançassem em linha cerrada, senhor.

— Obrigado — respondeu Redhorse. Seus olhos brilhavam. — Vasculhem a cidade trecho após trecho. Se houver novos contactos com o inimigo atirem de preferência com os canhões. Atacaremos em cunha e meia-lua.

Atacar em cunha e meia-lua significava o seguinte: Os blindados voadores seriam dispostos em meia-luz para fazer o cerco, enquanto o grupo de vanguarda avançaria em cunha para dentro da cidade. O capitão Redhorse transmitiu as respectivas instruções ao seu grupo e informou Perry Rhodan. Este deu ordem para que em hipótese alguma fossem arriscadas vidas humanas e garantiu que dentro de um minuto duas gazelas da Crest II estariam no local. Um tanto impaciente, esperou que os veículos de seu grupo se dispusessem em semicírculo de ambos os lados do grupo de vanguarda. Em seguida avançou para a cidade juntamente com os dois blindados que o acompanhavam.

Estava tudo em silêncio. Só de vez em quando ouvia-se um tiro vindo do lado em que estava o grupo de robôs.

Mas antes que o grupo de vanguarda avançasse cem metros pelas ruínas, o mesmo foi recebido por um fogo violento disparado por armas energéticas de calibre médio. Os campos defensivos dos blindados tornaram-se incandescentes, mas agüentaram a carga.

O capitão Redhorse deu ordem para que suas unidades respondessem ao fogo.

Até parecia que estava num estande de tiro. Um robô inimigo atrás do outro desmanchava-se numa nuvem incandescente.

Mas de repente um fogo azul envolveu o blindado de comando.

Redhorse e Orson mal e mal conseguiram segurar-se para não ser arremessados para fora das poltronas. Ao que tudo indicava, o blindado acabara de bater numa muralha feita de energia pura!

— Desvio de dez metros para a direita. Depois avanço em ângulo reto! — ordenou Redhorse ao piloto de CT-2 e aos comandantes dos dois blindados que o acompanhavam.

A tática foi bem sucedida. Quando CT-2 voltou a seguir para a frente e começou a acelerar, muralha de fogo arrebentou. O capitão Redhorse distinguiu a posição de artilharia do inimigo. A mesma era formada por uma cúpula blindada móvel equipada com três canhões, que despejavam línguas de fogo azulado.

Os blindados voadores começaram a disparar ininterruptamente. A cúpula de artilharia tomou-se incandescente e explodiu, derramando peças de metal em fogo sobre os blindados. No mesmo instante bandos de robôs em forma de aranha começaram a cercar o pequeno grupo de vanguarda. Não tinham a menor chance contra os canhões dos veículos blindados, mas seu número era tão grande que não se podia excluir a possibilidade de alguns deles atingirem os campos defensivos dos veículos. E se depois disso se auto-explodissem...

O capitão Redhorse lembrou-se das instruções que Rhodan lhe tinha dado e deu ordem de retirada. Disparando ininterruptamente, os blindados foram planando para trás, para fora da cidade. Mantiveram exatamente a mesma velocidade dos robôs-aranha, para poderem aproveitar integralmente seu poder de fogo superior sem expor-se a perigo.

Quando Redhorse esteve a ponto de dar ordem de avançarem de novo, já que os atacantes tinham sido reduzidos a uns poucos exemplares, o blindado que se encontrava à esquerda de CT-2 foi atingido por uma salva de raios azuis. O campo defensivo extinguiu-se e as esteiras produziram o ruído desagradável ao atingir a carlinga de CT-2.

No mesmo instante Redhorse encostou seu blindado ao que acabara de ser avariado. Dessa forma o veículo atingido ficou protegido. Quando o terceiro blindado também se aproximou, o perigo parecia ter sido afastado.

Mas o fogo disparado por inúmeras torres de canhões era cada vez mais intenso. As mesmas certamente tinham ficado de reserva. No momento em que anunciaram que o campo defensivo de seu veículo estava sendo solicitado a cem por cento de sua capacidade, o capitão Redhorse no seu íntimo conformou-se de que iria morrer.

De repente um forte solavanco sacudiu os dois blindados voadores que estavam pousados no chão. Entulhos e destroços chamejantes choveram sobre eles, e em meio à chuva Redhorse viu o brilho de pelo menos uma dezena de bolas incandescentes. Seguiu-se um estrondo ensurdecedor e um chiado infernal.

A incandescência azul apagou-se.

O capitão Redhorse sabia o que significava isso. As gazelas cujo envio fora anunciado acabavam de intervir na luta final.

— Ainda escapamos bem, não é? — disse com um sorriso, dirigindo-se a Orson. Quando notou a expressão embaraçada no rosto do mesmo, fitou-o com uma expressão de incredulidade. — Foi a primeira batalha de que participou?

Orson acenou com a cabeça. Estava com o rosto muito vermelho.

Redhorse deu uma estrondosa gargalhada. Mas interrompeu-se de repente.

— Não se preocupe, meu jovem. Comigo foi a mesma coisa. Jogue fora as cuecas, se estiverem cheias.

Até que agüentou muito bem o batismo de fogo, pensou.

O que se seguiu para ele era uma simples rotina. Entrou em contacto com as gazelas e comandou a operação de vasculhamento da cidade. Depois de quinze minutos tudo tinha terminado.

No momento em que o capitão Redhorse pretendia transmitir seu relato a Rhodan, Orson, que ocupara seu lugar, transmitiu uma notícia alarmante.

— Não temos mais notícia das sondas de reconhecimento, senhor.

Redhorse assobiou entre os dentes.

— Quer dizer que aquilo que enfrentamos foi apenas o começo!

Completou a ligação com CT-1.

 

— Tivemos o primeiro contacto com o inimigo... — A voz do capitão Redhorse parecia mais grave que de costume. — ...Sargento Ganter morto em combate, tenente Worrobs sofreu ferimentos leves, T-14 imobilizada, está sendo rebocada, dezessete robôs de guerra postos fora de ação. O inimigo perdeu cento e oito robôs de guerra, vinte e quatro cúpulas de canhões móveis e um disco voador. Nossas sondas de reconhecimento do quadrante NNW-34893-06 não dão notícias. Fim.

— Obrigado, capitão! — respondeu Rhodan com a voz tensa. Vira morrer milhares de seres humanos em sua longa vida, mas a perda duma pessoa sempre o deixava abalado. — Reúna seu grupo ao norte da cidade Y onde serão recolhidos, juntamente com os robôs, pela C-7, que ficará sob o comando do senhor, para procurar descobrir o paradeiro das sondas de reconhecimento. Não tenha a menor contemplação pelos robôs inimigos, mas faça o possível para não danificar os edifícios. Fim.

Com o rosto impassível, Rhodan fez uma ligação com a Crest II. A voz retumbante do coronel Rudo respondeu ao chamado.

— Atenção para o novo plano! — disse Rhodan. — A partir deste momento dois terços das naves auxiliares e três quartos das gazelas sairão armados para fazer vôos de reconhecimento em todo o continente. — Fez um relato dos primeiros contactos com o inimigo e concluiu: — O que mais me interessa é conhecer a força da resistência. Acredito que a mesma aumente para o lado norte. Verifique este ponto. Mande romper qualquer tipo de resistência, pois só estamos lutando contra robôs, mas evite qualquer risco para nossos homens. O capitão Kagato será instruído para tripular as naves por grupos de robôs que serão usados como tropas de desembarque. Quero que a C-8 seja destacada para meu uso. Os mutantes continuarão a ser mantidos em reserva. Os ratos-castores, Goratchim e Sengu serão colocados numa nave-girino preparada para decolar. Fim.

— Parece que a situação está chegando ao ponto culminante — disse Atlan em tom irônico.

— Era o que eu queria, arcônida — disse Rhodan.

Quando acabou de dar suas instruções a Kagato, a C-8 já estava parada à frente da cúpula, e o major Jury Sedenko, imediato da Crest II, apresentou-se a Rhodan como comandante da nave auxiliar.

Dali a um minuto Rhodan e Atlan estavam sentados nas poltronas de reserva da sala de comando.

— Suba a dez mil metros! — ordenou Rhodan.

Os propulsores da nave auxiliar trovejaram enquanto a mesma se desprendia do chão e subia ao céu de Quinta que nem um fantasma de fogo.

— A primeira vez que saí do Sistema Solar foi numa nave pequena como esta — lembrou Rhodan — Faz quase quatrocentos e trinta anos...

— Atingimos posição indicada, senhor! — anunciou Sedenko.

— Siga em direção ao pólo norte, mantendo a mesma altitude, major. Ponha os rastreadores a funcionar, a plena potência.

— É estranho — prosseguiu Rhodan em suas reflexões. — Naquela época os problemas se apresentavam sob um ângulo bem diferente. A solução parecia ser relativamente simples. Mas hoje... hoje prevalece a opinião de que nenhuma raça pode resolver todos os problemas sozinha. Alcançamos algumas vitórias e sofremos muitas derrotas, mas tudo isso foi apenas o começo. Andrômeda...!. Seria o alvo definitivo, ou seria apenas mais uma etapa duma caminhada para o infinito?

— Que há, pequeno bárbaro? Está pensando nos senhores da ilha? Acha que seremos capazes de resolver o enigma? Não se tem a impressão de que o ponto que alcançamos representa o fim da longa caminhada?

Rhodan quis responder, mas a voz áspera de Sedenko se fez ouvir.

— Violenta batalha com troca de tiros no norte-nordeste, senhor. Parece que um destacamento de desembarque está lutando contra um grupo de robôs inimigos.

Sem dizer uma palavra Rhodan examinou a interpretação dos resultados fornecidos pelos rastreadores. Segundo estes resultados, lá embaixo uma nave-girino fizera sair robôs para vasculhar mais uma cidade em ruínas. Os robôs estavam encontrando uma resistência violenta, e naquele momento os canhões das naves auxiliares começavam a ajustar suas miras para o inimigo. Ao que tudo indicava, o grupo que estava combatendo seria capaz de resolver a situação.

— Vamos prosseguir em nossa rota! — decidiu.

Mas no mesmo instante sentiu-se ofuscado e fechou os olhos.

Uma bola vermelho-alaranjada com bordas vermelhas surgiu embaixo deles, um pouco à esquerda. Era o campo defensivo da outra nave auxiliar.

— Foguetes leves com carga explosiva de fusão — registrou Sedenko em voz alta. — Projéteis de superfície. — Assobiou entre os dentes. — Mais duas baterias de foguetes começam a disparar. Identifiquei o alvo, senhor. Posso mandar abrir fogo?

— Abrir fogo contra o alvo identificado! — ordenou Rhodan.

Olhou atentamente para a nave-girino que começava a levantar-se do solo, e que ainda não tinha feito um único disparo contra as posições de foguetes. Provavelmente lá embaixo não era possível fazer a localização com a necessária precisão, pois naquele momento as primeiras trilhas energéticas estavam saindo delas. No mesmo instante as salvas da C-8 atingiram as posições inimigas. Disparando num ritmo monótono, os canhões térmicos e os desintegradores lançavam a destruição.

A luta não durou mais de trinta segundos do primeiro ataque de foguetes.

Rhodan entrou em contacto com o comandante da outra nave auxiliar.

— O senhor, Redhorse...? — perguntou em tom de espanto.

Os cabelos negro-azulado do capitão se tinham espalhado pela testa.

— Sim senhor. Foi nesta área que desapareceram minhas sondas de reconhecimento.

— O senhor já sabe por quê. — disse Rhodan comum sorriso. — Sofreu perdas?

— Perdemos todos os robôs de guerra da C-7, senhor — respondeu Redhorse em tom azedo.

Provavelmente estava notando que sempre tinha sido justamente ele que anunciava as perdas ao Chefe.

— Com a perda dos robôs podemos conformar-nos — disse Rhodan em tom tranqüilizador. Mas havia outra coisa que o deixava preocupado. — Anote as novas instruções. Procure descobrir o paradeiro de Icho Tolot. Saiu com um único carro voador, e acho que nem mesmo seu metabolismo é capaz de protegê-lo contra um foguete de fusão.

— Estou realmente preocupado com seu grande amigo — disse depois de desligar.

Atlan não fez caso da ligeira ironia que havia nestas palavras.

— Eu também, bárbaro. Você pode achar que eu sou um pessimista, Perry, mas tenho um pressentimento de que daqui a pouco dependeremos mais uma vez exclusivamente do metabolismo de Tolot.

— Nada disso! — Rhodan não tirou os olhos da tela frontal. — Quase chego a achar que você é um otimista.

Um ruído regular veio do console de comando. No mesmo instante Perry Rhodan colocou-se ao lado de Sedenko, que ouvia a mensagem codificada que estava sendo recebida.

— É um pedido de socorro da C-12, senhor. Está sendo puxada para a superfície por um campo de tração, enquanto baterias de foguetes pesados estão disparando contra a unidade. O campo defensivo está sobrecarregado.

— Solicite a posição! — disse Rhodan em tom decidido. — Faça imediatamente a respectiva mudança de rota. — Dirigiu-se ao rádio-operador, que já parecia estar preparado, pois Rhodan viu que estava ativando o canal que os ligava à Crest II. Por uma fração de segundo sentiu uma onda de orgulho por seus homens.

— Já conseguiu entrar em contacto com o coronel Rudo?

O rádio-operador levantou-se de um salto e entregou-lhe o microfone preso a um braço em espiral.

— Coronel Rudo, senhor...!

Rhodan segurou o microfone.

— Rhodan falando! Parta imediatamente. Use os meios necessários para dar cobertura à C-12. O senhor também deve ter recebido o pedido de socorro, não recebeu...?

— Recebi, sim senhor! — disse a voz retumbante do epsalense. — A Crest II já está partindo. Daqui a pouco estaremos aí.

— Muito obrigado. Quem está no comando da C-12?

— O capitão Henderson, senhor.

Rhodan devolveu o microfone ao rádio-operador. Parecia um pouco mais aliviado.

— Bem, Henderson saberá agüentar-se!

No mesmo instante a C-8 foi sacudida por um forte solavanco. Rhodan caiu de encontro à poltrona do comandante, segurou-se com uma das mãos e mal e mal conseguiu estender a mão para agarrar Atlan e evitar que o mesmo fosse arremessado contra um painel de chaves saliente.

— O campo de tração, senhor! — gritou Sedenko.

— Não vamos resistir ao mesmo! — respondeu Rhodan.

Teve de gritar, porque as máquinas da C-8 estavam trabalhando a toda força para escapar ao campo de tração. Sedenko usou a chave de emergência para desligá-las.

— Vamos deixar que nos puxem para baixo — explicou Rhodan. — Depois atiraremos com todas as armas de que dispomos.

O major Sedenko limitou-se a acenar com a cabeça. Não havia tempo para confirmar formalmente o recebimento da ordem. Pelo menos vinte bolhas energéticas cintilantes apareceram no horizonte. Sobre elas flutuava um ponto verde muito luminoso, que se deslocava numa rota que teria de aproximá-lo cada vez mais das bolhas energéticas.

Rhodan sabia o que eram essas bolhas. Tratava-se das posições de foguetes do inimigo, cujos campos defensivos pareciam não ter a menor dificuldade em resistir ao fogo desesperado da C-12.

Sedenko também compreendeu. No mesmo instante em que apareceram as bolhas, transmitiu as primeiras ordens para a sala de artilharia da nave auxiliar.

As trilhas energéticas despejadas pelas salvas de artilharia saíram com pequenos intervalos de todas as armas da C-8, atingiam as posições inimigas — e não produziam o menor efeito. As bolhas energéticas só se iluminaram de forma quase imperceptível! Em compensação os rastreadores anunciaram a aproximação dos primeiros foguetes. Metade dos canhões energéticos teve de ser usada para defender o veículo contra os mesmos. As bolas de fogo das explosões atômicas surgiram a alguns quilômetros da nave auxiliar. Eram cada vez mais numerosas, e Perry Rhodan imaginava que poderiam representar um perigo para a C-8 se o campo de tração continuasse a puxá-la para mais perto.

— Apoiar o campo de tração com nossos propulsores! — ordenou com o rosto pálido.

Sedenko virou a cabeça. Havia uma expressão de espanto em seu rosto. Mas logo compreendeu.

A C-8 acelerou e dobrou a velocidade. Numa questão de segundos sobrevoou as bolhas energéticas e foi para além das mesmas. Mas o resultado esperado por Rhodan não se verificou. O campo de tração voltou a atuar, puxando a C-8 de volta.

Perry Rhodan olhou para a tela dos rastreadores. Viu a C-12, gravemente avariada, descer cambaleante.

Onde estava o coronel Rudo?

Até parecia que alguém queria dar uma resposta a esta pergunta. Um raio ofuscante surgiu entre as bolhas energéticas. De início parecia um fenômeno luminoso inofensivo, mas logo surgiu uma gigantesca bolha feita de gases, poeira e destroços incandescentes, engolindo as bolhas energéticas das posições inimigas. Ao desaparecer, só deixou para trás uma cratera borbulhante.

A Crest II disparara uma única vez — e forçara a decisão numa fração de segundo.

Perry Rhodan não estava olhando mais para o local da destruição. Observou nas telas o pouso inseguro da C-12, cujos campos defensivos ainda estavam sendo agitados por tormentas energéticas, Rhodan preferiu não entrar em contacto com Henderson, que naquele momento devia concentrar todas as atenções na operação de pouso. Deu ordem para que Sedenko pousasse ao lado da C-12 e mandou formar uma equipe de resgate que socorreria a nave auxiliar avariada.

Dali a três minutos subia correndo pela rampa da C-12, que esfriava lentamente. Estava acompanhado por Atlan e pelos robôs médicos da C-8. No revestimento exterior da nave auxiliar viam-se grandes manchas com uma coloração azul. Eram os lugares em que as energias liberadas pela explosão dos foguetes atômicos tinham rompido o campo defensivo. Mas não se notava nenhuma deformação. Mas Rhodan só se tranqüilizou quando viu que nenhum dos tripulantes da C-12 estava ferido, com exceção de algumas contusões e escoriações.

— Como conseguiu fazer isso? — perguntou, assim que entrou na sala de comando, dirigindo-se a Sven Henderson, um homem louro muito robusto, que chefiava o comando de caça da Crest II.

Em torno dos olhos de Henderson formaram-se inúmeras ruguinhas em meio à pele que antes parecia uma peça de couro curtido.

— Foi uma espécie de sexto sentido, senhor. Sei que isto pode parecer uma mentira de caçador, mas o fato é que assim que entrou em ação o campo de tração mandei colocar os homens com os trajes espaciais fechados no interior dos tanques de água cheios, com exceção dos ocupantes da sala de comando. E aqui o efeito dos abalos não é tão pronunciado.

— Nos tanques de água...? — exclamou Atlan em tom de incredulidade. Mas logo deu uma risada. — Receio que ainda não esteja compreendendo muito bem os terranos. Quando a gente acha que não têm mais nenhuma saída, as idéias mais malucas aparecem em sua cabeça.

— Foi uma excelente idéia, que nunca me teria ocorrido — disse Rhodan, apertando a mão do capitão com um gesto efusivo.

— Bem, — disse Henderson, um tanto embaraçado — se não fosse a intervenção da nave-capitânea, minha idéia não teria adiantado muito.

Rhodan confirmou com um gesto.

— Acho que daqui em diante teremos de abrir caminho para o norte com a Crest.

Virou-se, dando a impressão de que pretendia sair da sala de comando, mas não foi longe.

Um tremendo abalo arremessou-o através da sala de comando, de encontro a Atlan. Os dois caíram sobre Henderson. Rhodan ficou deitado por um instante, imóvel. Mas ao registrar uma pausa nos abalos, levantou-se de um salto e empurrou a chave de decolagem de emergência para baixo. Os propulsores rugiram, impelindo a nave para a atmosfera.

Rhodan olhou para as telas dos rastreadores e viu ondulações convulsivas percorrer a planície. Ligou o telecomunicador para a faixa geral de emergência e deu ordem para que todas as tropas desembarcadas partissem imediatamente em socorro dos veículos avariados. A C-12 atingiu a altitude de cento e oitenta quilômetros, de onde já se tinha uma visão da faixa de terra que ficava entre sua posição e o oceano. Rhodan estremeceu.

Uma gigantesca vaga espumejante cobriu a costa íngreme do continente, que em certos lugares tinha mais de duzentos metros de altura, e enormes montanhas de espuma se levantavam no meio do deserto de água, dando a impressão de que Quinta queria despejar seu oceano no vazio do espaço.

Ficou mais tranqüilizado ao ouvir sem muita atenção as notícias sobre os barcos auxiliares e as gazelas que tinham saído da nave. Nenhum dos veículos tinha sofrido avarias graves, e todos recolhiam em alta velocidade as tripulações dos blindados e carros voadores que tinham sido destruídos.

Estava mesmo na hora.

Um grito saído de muitas bocas ressoou pela sala de comando quando um raio energético vermelho-alaranjado precipitou-se espaço a fora, partindo do lugar em que devia ficar o pólo norte do planeta.

Perry Rhodan parecia petrificado.

— Power! — Não pôde dizer mais que isso.

Será que Quinta teria o mesmo destino do planeta Power? Será que este mundo aquático também se dissolveria, para irradiar sua massa transformada em energia em direção a algum lugar situado entre os dois sóis...?

 

Os homens ficaram calados. Mas o súbito silêncio era um sinal de pavor, tanto quanto os gritos que tinham dado há pouco.

Perry Rhodan também sentiu que o medo ameaçava estrangulá-lo. Sabia que, se Quinta se desmanchasse, os homens que estavam perdidos nesse setor nunca mais conseguiriam regressar ao seu mundo.

Juntamente com Quinta fatalmente haveria de desmanchar-se a estação de ajustamento. E ainda não tinham encontrado sinal desse aparelho, que representava a chave do regresso.

Mas apesar do desespero que sentia, Perry Rhodan não perdeu nem um único dos tão preciosos segundos. Obrigou-se a ficar calmo e usou a faixa de emergência, que todos ouviam, para transmitir com a voz fria, na qual não se notava a menor insegurança, suas ordens lógicas e bem pensadas.

As pessoas voltaram a controlar-se.

Cinco minutos depois do momento em que se registrou o primeiro tremor os barcos auxiliares e as gazelas, depois de cumprir sua missão de resgate, reuniram-se em determinado ponto do continente, formaram os chamados grupos de reentrada e seguiram a Crest II, que corria em alta velocidade em direção ao pólo norte.

Perry Rhodan e Atlan já se encontravam novamente a bordo da Crest II. A nave deslocava-se a pequena altura em direção ao lugar em que o raio energético vermelho-alaranjado saía da região polar para desaparecer entre os sóis gêmeos, onde estava sendo formada uma tremenda concentração de energia.

A extensa planície estava transformada numa massa amorfa ondulante, na qual as fendas surgiam e desapareciam ininterruptamente. Nuvens de poeira cobriam o solo como se fossem uma muralha e as telas de popa mostravam esguichos de espumas agitadas, que por vezes chegavam até a ionosfera.

As palavras do major Wiffert, saídas dum alto-falante, pareciam uma voz de fantasma em meio ao silêncio reinante na sala de comando. O primeiro oficial de artilharia queria saber se podia abrir fogo contra um objeto ainda indefinido, que se deslocava em movimentos ondulantes na extremidade superior do mar de poeira, ao que tudo indicava em direção à Crest II.

Perry Rhodan mandou que esperasse. Enquanto ainda refletia sobre o que poderia ser aquilo, a voz estridente de Gucky se fez ouvir.

— Espere aí, Chefe! Não mande atirar!

— É Tolot...? — Rhodan fitou o rato-castor com a segurança estampada no rosto.

— Sim, é este pateta! — A voz de Gucky ainda soava desagradável de tão estridente que era. Não consegue levantar seu carro voador, porque os geradores antigravitacionais estão avariados.

— Use um raio de tração! — ordenou Rhodan, dirigindo-se ao epsalense. — Traga o carro para cá. — Fez uma pausa. — Graças a Deus! — cochichou.

— Sala de rastreamento! — disse uma voz saída do alto-falante. — Major Notami falando. Estamos constatando claramente as emanações energéticas produzidas por usinas geradoras de grande potência. Vêm da direção em que fica a saída do raio energético, na região polar norte.

Perry Rhodan foi saindo. Atlan seguiu-o. Os dois correram para a sala de rastreamento. Quando estavam atravessando a escotilha blindada, os passos retumbantes de Icho Tolot vieram ao seu encontro.

— Faça o favor de acompanhar-nos, Tolot! Estas palavras foram dirigidas a uma pessoa que Rhodan acreditara já estivesse morta.

 

— Não existe nenhuma dúvida, senhor — informou o major Enrico Notami assim que Rhodan entrou na sala. — Salvo um pequeno desvio, estas energias são idênticas às que foram liberadas pelo transmissor hexagonal galatocêntrico antes que nossa nave fosse transportada ao sistema de Gêmeos.

— E as quantidades liberadas? — perguntou Atlan.

— São um pouco menores, senhor. Infelizmente não posso fornecer dados mais precisos, já que durante a passagem pelo transmissor hexagonal os instrumentos falharam, motivo por que não temos base de comparação.

Que nem um quadro caleidoscópico de terror, a viagem tresloucada em direção à concentração energética do hexágono solar situado em sua galáxia passou diante dos olhos de Perry Rhodan. A constelação hexagonal tinha uma semelhança acentuada com as seis pirâmides de Kahalo, que seguiam o mesmo modelo. Acontece que na primeira estação da estrada para Andrômeda a energia do transmissor não era fornecida por pirâmides, mas por gigantescos sóis.

O que poderia significar a entrada em funcionamento da usina geradora de Quinta...?

— Encontrava-me nas proximidades do pólo, quando tudo começou. — A voz de Icho Tolot era barulhenta que nem uma velha sereia de navio. O halutense sacudia o corpo, coisa que nunca fazia à toa. — Se quiser saber minha opinião, senhor, — prosseguiu, dirigindo-se a Rhodan — acho que neste portão infernal está sendo reunida a energia necessária para trazer de volta alguma coisa.

— O que poderia ser trazido de volta? — perguntou Notami apressadamente — um pouco apressadamente demais, para o gosto de Rhodan.

— Talvez seja o planeta Power... — Icho Tolot sacudiu os ombros, num gesto tipicamente humano.

— Afinal, esta massa tremenda deve estar em algum lugar.

— Major Notami! — Rhodan fitou o encarregado-chefe do rastreamento.

— Pois não, senhor...!

— Não nos atormente mais. Diga logo qual é sua opinião. O senhor tem uma, não tem?

— É apenas uma suposição, senhor... — principiou Notami em tom hesitante.

Rhodan afastou a objeção com um gesto que não admitia contradita.

— Estou lembrado... — A voz de Notami tinha um tom grave, dando a impressão de que a lembrança dos momentos de pavor pelos quais tinha passado ameaçava tomar conta dele — ...tenho a impressão de que por ocasião de nossa entrada no transmissor hexagonal o fluxo energético corria era sentido contrário.

— O senhor não tinha ficado inconsciente? — perguntou Atlan em tom de incredulidade.

— Não... não sei se posso afirmar que estivesse consciente. Vejo diante de mim a figura vaga dum instrumento. Talvez fosse apenas uma alucinação provocada pelo choque. Acabo de dizer que...

— Isso não é impossível — objetou Rhodan — Mas acho que é pouco provável. Não queria falar sobre isso — prosseguiu depois de ligeira pausa — mas é possível que aquilo que um dos tripulantes me confiou numa conversa a sós possa esclarecer alguma coisa sobre o caráter extraordinário do choque de transmissão que todo mundo sofreu. Os nomes não importam. O fato é que a pessoa se lembra de, durante a rigidez provocada pelo choque, ter desligado um robô de reparos que se encontrava a quatrocentos metros, em linha reta, do lugar em que o homem foi surpreendido pelo choque e em que se encontrava quando voltou a despertar no sistema de Gêmeos. Mandei verificar, senhores. A lembrança foi correta...

O rosto de Notami assumiu uma coloração esverdeada.

— Só quero ressaltar — prosseguiu Rhodan — a possibilidade da coincidência destas lembranças com a realidade. Gostaria de saber, major, se o fluxo energético realmente está correndo em sentido inverso ao que o senhor tem na lembrança.

— Sim senhor.

— Quer dizer que eu tenho razão! — disse a voz retumbante do halutense. — Alguma coisa vem na direção deste portão infernal.

— Isso é uma loucura! — exclamou Atlan. — Uma verdadeira loucura. Se não tivéssemos seguido a opinião de Tolot, não teríamos passado pelo que passamos — e pela coisa bem pior que talvez tenhamos pela frente.

Um sorriso sombrio apareceu no rosto de Tolot. Quem não estivesse familiarizado com sua fisionomia não seria capaz de identificar a contração do gosto do halutense com um sorriso. — Pelo que estou lembrado, existe um velho provérbio que diz: Per áspera ad astra!

— Trata-se dum provérbio terrano! — disse Atlan em tom de recriminação. — Aprendi-o com os antigos romanos. Seu sentido é mais ou menos o seguinte: Atravessar a noite para encontrar a luz.

— Pois é isso, meu amigo!

A expressão do rosto de Rhodan parecia mais dura que de costume. Mas por uma fração de segundo notou-se um brilho em seus olhos, um brilho que fez com que todos o fitassem com uma expressão de fascínio.

A impressão acabou no momento em que os rastreadores automáticos deram o alarme. O major Notami correu para junto do aparelho que fazia a interpretação dos dados. Rhodan ficou sem saber se devia esperar um pouco, ou se seria preferível dirigir-se imediatamente à sala de comando.

O intercomunicador livrou-o da decisão. O rosto do coronel Rudo apareceu na tela.

— Alarme geral da Box 8323, senhor. O senhor sabe...

— Ainda não, coronel. — Rhodan parecia petrificado. — Dê também o alerta espacial na Crest. Um momento. Acho que Notami já recebeu os resultados do rastreamento.

— Apenas os resultados parciais, senhor. — Notami fungava de tão nervoso que estava. — A concentração de energia entre os dois sóis está gerando um monstro negro. Parece ser uma espaçonave. E que nave!

— O senhor está soltando sua veia poética — escarneceu Atlan sem demonstrar o menor senso de humor. — O que diz o traçador de silhuetas?

Depois de orientar-se por um instante, encontrou a tela que estava procurando. Tratava-se de uma entre uma dezena de telas de projeção de silhuetas que mostravam o centro da concentração de energia.

Não pôde deixar de dar razão a Notami.

Com uma lentidão incrível, uma espaçonave negra foi saindo da bola de fogo que tremia convulsamente entre os dois sóis gêmeos.

Depois que se desprendeu da concentração de energia, assumiu a forma dum lápis voador.

— Comprimento cerca de mil metros, diâmetro somente cem metros — leu o major Notami nas escalas do computador positrônico acoplado com os rastreadores.

— Notami tem razão!

Atlan estava perplexo. O velhíssimo arcônida parecia próximo ao esgotamento psíquico. Mas finalmente sorriu como se tivesse adivinhado os pensamentos de Rhodan.

— Não se preocupe, bárbaro, não vou cair. Acontece que já não tenho a audácia dos terranos.

Rhodan não respondeu a observação de Atlan.

— Sabe o que eu acho, arcônida? O lápis voador pertence a este sistema. Alguém que não conhecemos chamou alguém que também não conhecemos para ajudá-lo em alguma coisa que não compreendemos. Virou-se abruptamente e dirigiu-se ao intercomunicador.

— Quanto tempo levaremos para chegar ao pólo? — perguntou quando o rosto de Rudo apareceu na tela.

— Cinco minutos, senhor. Sugiro que não nos aproximemos a menos de cinco quilômetros do raio vermelho-alaranjado. Se houver uma súbita expansão, o mesmo poderá arrastar a Crest.

— De acordo, coronel. Mantenha a nave nas proximidades da superfície.

Assim que o rosto de Cart Rudo empalideceu na tela, os rastreadores automáticos voltaram a dar o alarme. Desta vez bastou um olhar para que Notami soubesse do que se tratava.

— Fortes descargas de energia entre o centro de concentração de Gêmeos e o anel planetário, senhor.

Desta vez Rhodan não perdeu tempo. Correu o mais depressa que podia o pequeno trecho que o separava da sala de comando.

O coronel Rudo já estava à sua espera.

— Mais um alarme dos posbis, senhor. Estão sendo atacados pelo lápis.

 

Perry Rhodan sentou em uma das poltronas embutidas e observou a ampliação que o epsalense tinha feito.

Prendeu a respiração enquanto via os primeiros disparos das baterias de costado do lápis. Frentes de raios verdes-pálidos corriam em rápida seqüência para a nave fragmentária dos posbis e pareciam devorar a figura gigantesca e assimétrica quando a atingiam e sua luminosidade crescia ao infinito.

Mas não era tão fácil dar cabo duma nave fragmentária.

Pelo menos quarenta canhões conversores de grande calibre dos posbis irradiaram igual número de projéteis de milhares de gigatons de potência. O lápis foi engolido por um sol radiante. Exatamente por vinte longos segundos o sol permaneceu imóvel no espaço. Depois disso os contornos do lápis voltaram a destacar-se nitidamente no mesmo.

No primeiro instante tinha-se a impressão de que a nave em forma de lápis saíra completamente intacta do inferno energético. Mas logo o diagrama da rota revelou que a mesma gingava de forma irregular.

Outra salva de projéteis de conversão foi despejada sobre a nave muito fina. Desta vez os atacantes perderam o sentimento de auto-segurança. Não permaneceram imóveis. Preferiram acelerar para sair da área de destruição. Só conseguiram em parte. A popa foi arrastada com tamanha violência que normalmente se teria quebrado. O lápis girou vertiginosamente em torno do próprio eixo e afastou-se em alta velocidade.

Antes que os posbis pudessem disparar outra salva atrás dele, a nave mudou de tática. Lançou um ataque frontal.

Desta vez um feixe de raios muito azuis de vinte metros de espessura precipitou-se sobre a nave fragmentária. Quando os raios se apagaram, parte do corpo assimétrico assumira a mesma coloração profundamente azul.

Perry Rhodan ficou preocupado. Mandou fazer uma ligação com a sala de comando da nave dos posbis.

— Rhodan falando. Chamando Box 8323. Qual é a situação da nave?

Mais uma vez a nave negra foi engolida por um sol artificial que parecia tê-la destruído. Mas até parecia ironia. Desta vez os raios azuis saíram até mesmo do interior da bola de fogo.

— Sala de comando da Box 8323 chamando Rhodan. Acelere sua ação, senhor. Por enquanto conseguimos manter-nos, mas não sabemos até quando. O inimigo está usando armas terríveis.

— Vocês também o atingiram.

— Provavelmente não sairá mais do sistema de Gêmeos, senhor. Tentamos manter o front. Não podemos... — A voz interrompeu-se abruptamente.

O alto-falante do conversor de símbolos transmitiu um rangido. Tinha-se a impressão de que um planeta estava se arrebentando. Mas a voz de um dos quatro comandantes logo voltou a soar.

— Atenção! Vou interromper a ligação. Precisamos recorrer à nossa capacidade integral para coordenar a defesa. Fim.

— Chegamos, senhor — anunciou o coronel Rudo no mesmo instante. — Peço permissão para pousar.

— Permissão concedida, coronel.

Perry Rhodan virou a cabeça. Estava com a testa enrugada. Que armas terríveis seriam estas que o inimigo estava usando contra a Box 83231 Rhodan suspirou. No momento não poderia preocupar-se com isso. Enquanto os posbis mantivessem o front no espaço, ele teria tempo para procurar e usar a estação de ajustamento.

Dali em diante não teve necessidade de usar o intercomunicador para transmitir suas ordens. Os mutantes estavam reunidos na sala de comando, fortemente armados e com seus trajes espaciais.

— Gucky, Geco, Goratchim, Sengu!

Os mutantes que acabavam de ser chamados aproximaram-se correndo e ficaram à espera.

— Tolot!

O halutense ficou parado entre Gucky e Geco. Rhodan sorriu.

— Ainda não chegamos a este ponto, Tolot. A C-8 está à nossa espera no hangar. — Pôs-se a refletir. — Bem que poderíamos teleportar para lá. Gucky e Geco! Vão primeiro com Tolot e Goratchim, depois com Sengu e comigo. Destino: hangar da C-8.

Os ratos-castores desapareceram com Tolot e Goratchim. Rhodan virou a cabeça para Melbar Kasom.

— O senhor sabe qual é sua tarefa. — Fez um gesto tranqüilizador para sua esposa. — Agora vamos jogar a cartada decisiva, Mory. Você sabe o que deve fazer se não voltarmos. O senhor também, coronel — concluiu, dirigindo-se a Cart Rudo.

Mory Rhodan-Abro confirmou com um gesto. Parecia conformada e havia um sorriso animador em seu rosto. É uma mulher e companheira formidável, pensou Rhodan. Reprimiu a onda de temor que ameaçava inundá-lo sob a forma dum mau pressentimento. Poderia confiar em Kasom. Ninguém melhor que o ertrusiano, que tinha a força dum urso, para proteger Mory.

Quando os ratos-castores reapareceram, Atlan apareceu de repente.

— É claro que irei com vocês — disse em tom resoluto.

Rhodan não fez nenhuma objeção. Confirmou as palavras de Atlan com um gesto dirigido a Gucky. O mutante mais capaz do Império desapareceu com Sengu e Atlan. Depois disso Rhodan segurou o braço de Geco.

Voltaram a aparecer na sala de comando da C-8.

Desta vez havia robôs finos, de aparência frágil, atrás das poltronas. Tratava-se dum modelo novo. Esses robôs assumiriam a nave, caso a tripulação orgânica fosse posta fora de ação. Rhodan queria estar preparado para qualquer eventualidade. Por isso mesmo os especialistas do comando de desembarque, que eram epsalenses com armas pesadas pendurados aos ombros, já estavam de prontidão nas eclusas.

Mais uma vez a C-8 estava sob o comando do capitão Don Redhorse. Tratava-se dum homem robusto, de cabelos negros, que se espreguiçava em sua poltrona com a flexibilidade dum puma. O brilho imenso dos olhos era o único sinal de que já estava engajado na ação — com todas as fibras de sua mente e do corpo.

Rhodan aproximou-se do telecomunicador, cuja ligação com a Crest II seria mantida ininterruptamente durante a operação que se seguiria.

— Como vão os posbis, coronel?

— Estão se defendendo muito bem, senhor. É uma batalha terrível, mas por enquanto a frente está sendo mantida.

— Tomara que continue a ser mantida por muito tempo — disse Rhodan. Recuou um passo e fez um sinal para Redhorse.

— Vamos partir em direção ao destino, conforme instruções.

O dispositivo sincronizado automático já abrira a porta do hangar, e o campo de catapultagem gravitacional arremessou o corpo esférico da C-8 para o espaço em linha horizontal.

A uma distância de um quilômetro e apenas duzentos e oitenta metros de altura os jatos-propulsores instalados na protuberância equatorial da nave auxiliar começaram a tocar sua música estrondosa.

Na tela frontal o raio energético vermelho-alaranjado crescia em silêncio, com uma rapidez apavorante.

 

Os acontecimentos pareciam desenrolar-se em câmara lenta.

Perry Rhodan não conseguiu resistir a essa impressão, muito embora os cronógrafos de bordo e um relógio de quanta especial provassem que era exatamente o contrário.

Mas afinal, o que é o tempo?

Enquanto para uma mosca efêmera transcorre toda uma vida — o nascimento, o crescimento, a maturidade, a reprodução, o envelhecimento e a morte — para os humanos este mesmo lapso de tempo, que é de apenas um dia, representa tão somente uma pequenina peça do grande mosaico da vida.

No entanto, se aplicarmos os padrões cósmicos o ser humano não passa duma mosca efêmera do Universo, pois para este mesmo Universo alguns milhares e até milhões de anos do ser humano são apenas um dia.

Se fôssemos capazes de retardar o fluxo de nossa vida, cem anos talvez passariam a representar um dia, pois o tempo só se mede pelas alterações que ocorrem dentro de nós e nas coisas que nos cercam. A pessoa que tem uma vida cheia de experiências vive duas vezes, enquanto para aquele que enfrenta o tédio a vida passa como um nada.

No aqui e no agora representado pelo centro dos acontecimentos que se desenrolavam no sistema de Gêmeos, tantos acontecimentos se precipitaram e se comprimiram num minuto, que as pessoas que participavam dos mesmos viveram neste minuto mais que um ocioso vive em sessenta anos. Por isso não era de admirar que para essas pessoas cada minuto parecesse uma eternidade.

 

Os jatos-propulsores estavam funcionando com os bocais virados para cima, mas assim mesmo Don Redhorse teve muita dificuldade em equilibrar a C-8.

O raio energético vermelho-alaranjado ardia nos olhos. Continuava a precipitar-se no centro de concentração entre os sóis gêmeos e dava a impressão de que queria sugar a C-8.

— Meia força atrás! — ordenou Rhodan.

Estava com os olhos semicerrados. Observava a estranha figura que aparecera há cinco minutos e encontrava-se no chão a apenas duzentos metros da C-8. Parecia uma campânula de vidro.

Mas apesar de dar a impressão de ser de vidro, essa campânula não era transparente ao olho humano e nem mesmo aos olhos de Icho Tolot, que possuíam sensibilidade para os raios infravermelhos.

Mas eram transparentes aos olhos de Wuriu Sengu, o mutante espia.

— O que está vendo? — perguntou Rhodan, enquanto Redhorse conseguia fazer recuar a C-8 milímetro após milímetro.

— Um quadro de comando em ferradura. — Sengu pronunciou estas palavras em tom apagado, dando a impressão de que estava numa espécie de transe.

Era um efeito colateral da tremenda concentração.

Perry Rhodan parecia decepcionado. Será que se enganara. Não acreditava nessa hipótese. Não era somente porque a mesma seria mortal, mas também porque um sexto sentido que possuía para situações deste tipo lhe dizia que a estação de regulagem do transmissor de Gêmeos ficava ali mesmo.

Ali, não em qualquer outro lugar...

Uma campânula de setenta metros de altura feita dum material indefinível cobria uma superfície circular de somente cinqüenta metros de diâmetro. O ar tremia em cima dela, e em volta rugia um furacão tão violento que nem mesmo os propulsores duma nave auxiliar seriam capazes de resistir ao mesmo por muito tempo. Ao que parecia, o furacão era causado pela sucção do raio energético vermelho-alaranjado, que se levantava a uns cem ou talvez quinhentos metros de altura — neste ponto os instrumentos falhavam — em meio ao tremor do ar, perdendo-se no espaço entre os dois sóis, onde formava uma gigantesca concentração de energia.

— Não, é aqui mesmo!

Sem querer, Rhodan pronunciara estas palavras em voz alta. Rhodan virou a cabeça. Seu rosto estava rígido que nem uma máscara. Seus olhos segregaram um líquido aquoso, o que era uma peculiaridade dos arcônidas que se revelava sempre que os mesmos estavam exaltados.

— Você parece ter muita certeza, amigo — cochichou. — Tem mesmo?

Rhodan fitou-o com uma expressão séria. Fez um gesto amplo, apontando em primeiro lugar para a nave-lápis reproduzida em imagem ampliada e cercada pelo fogo de artifício de inúmeros projéteis de mil gigatons, e depois para a concentração de energia entre os sóis.

— Esta nave saiu da concentração de energia, e aqui... — fez a mão direita estendida descer pela imagem do raio energético vermelho-alaranjado, até chegar à cúpula — ... aqui nasce a força que cria tudo isso.

— Gigantescas unidades geradoras, senhor! — cochichou Wuriu Sengu.

Rhodan virou-se abruptamente.

— Onde?

O mutante parecia olhar para alguma coisa que ficava bem longe.

— Bem em baixo da cúpula. Nunca vi uma coisa destas. É um quadro perturbador, senhor.

— Não vê nenhuma instalação de regulagem? — perguntou Rhodan em tom curioso.

— Nada, não senhor. Mas... — interrompeu- se, e uma rede fina de pingos de suor cobriu sua testa — ...tudo está ligado de certa forma com a campânula. É muito difícil reconhecer os detalhes. Só vejo o quadro de comando, em forma de ferradura, simples, de construção muito simples...

O mutante espia gemeu. Era capaz de, por meio de seu para-sentido, atravessar a matéria sólida e “enxergar” aquilo que ficava atrás da mesma. Não sabia por que não via outra coisa senão aquele quadro de comando muito simples. Nem imaginava que estava olhando através do mistério, porque nunca acreditaria que o mesmo estivesse no lugar em que estava.

Icho Tolot forneceu a primeira indicação.

— Rhodan, faça o favor de dizer ao seu mutante que não deve procurar enxergar somente aquilo que fica no interior da campânula.

— Não compreendo, Tolot.

— Tenho uma idéia de como deve ser o equipamento de regulagem dum transmissor solar de alcance tão grande. Para o controle propriamente dito o quadro em ferradura deve ser suficiente. Até seria capaz de fazer o controle com uma única chave, Rhodan, desde que a pessoa que manipula o comando tivesse um meio de orientar-se...

A inteligência penetrante de Perry Rhodan não demorou a ligar os fatos.

— Sengu! Verifique a face interna da campânula.

— Vejo que já compreendeu — disse Tolot com um sorriso.

— Fomos uns idiotas! — exclamou Atlan. — E claro que para um transmissor de grande alcance como este é necessário um mapa geral. E o que se presta melhor para a representação do espaço cósmico que uma esfera oca?

— Uma representação, senhor! — A voz de Sengu parecia ainda mais abafada. — Uma representação perfeita do espaço vazio e de duas galáxias: Andrômeda e a Via Láctea.

Rhodan respirava apressadamente.

— Gucky, Geco! Peguem Tolot e Sengu e teleportem para a estação. O senhor acha que conseguirá, Tolot?

— Desde que seus mutantes me coloquem lá dentro...

Gucky soltou uma risada estridente.

— Confessa que sem nossa ajuda não poderá fazer nada.

— Fique quieto, pequeno! — Os lábios de Rhodan eram apenas traços pálidos muito finos.

Gucky abaixou-se instintivamente. Mas Rhodan logo se descontraiu. — Tenha cuidado, pequeno. Prefiro ficar aqui a saber que você por lá...

Sem dizer uma palavra, Gucky segurou o halutense, deixando Sengu por conta de Geco. No mesmo instante os três mutantes e Tolot desapareceram num pequeno redemoinho.

Nesse momento um terceiro sol nasceu no espaço.

A nave dos posbis deixara de existir.

 

Icho Tolot parecia petrificado.

Com o corpo do halutense isso realmente acontecia. Mas seu espírito não perdera nada de sua agilidade e vigilância.

Mas ao ver as representações cósmicas, as recordações armazenadas em seu setor de memória desabaram sobre o colosso que nem uma avalanche. Como se sabe, os halutenses possuem dois cérebros distintos, que funcionam separadamente: o cérebro comum, que dirige a ação motora do corpo e o processamento das percepções, e o cérebro programador, no qual se realizam as operações lógicas. O setor de memória faz parte do cérebro programador. Em seu interior são armazenados os dados que o halutense introduz no mesmo por ato de vontade.

Icho Tolot lembrou-se de que em tempos passados sua raça dominava a Galáxia a partir do planeta Halut. Fazia mais de cinqüenta mil anos. Mas como o setor de armazenamento do cérebro programador dos halutenses era mais aperfeiçoado que o dos computadores positrônicos, os acontecimentos daquela época tinham sido transmitidos de geração a geração sem a menor deformação e com todos os detalhes.

Icho Tolot esforçou-se em vão para comparar sua raça com a dos terranos. Chegou à conclusão de que, se os halutenses e os terranos se tivessem defrontado quando o império halutense estava no auge, a essa altura provavelmente as duas raças já teriam deixado de existir. Mas isso era apenas teoria. Os terranos só passaram a ocupar uma posição importante quando os halutenses já não eram as criaturas indômitas e inflexíveis, possuídas duma sede de aventura praticamente insaciável.

Era bem verdade que os seres humanos já eram conhecidos há vários milênios. Os halutenses vinham acompanhando há tempo a evolução dessa raça, e às vezes se aborreciam, outras vezes se divertiam com a mesma. Mas atualmente os terranos eram apreciados por todos. Eram os seres inteligentes mais amáveis e mais audaciosos que existiam na Galáxia. Era bem verdade que já se fora o tempo em que todo o povo halutense costumava sair em busca de aventuras, mas apesar disso — ou talvez justamente por causa disso — todos acompanhavam com grande interesse a ação dos terranos. Riam ao ver de que forma esta raça relativamente pequena deixava para trás raças bem maiores e mais antigas, e entusiasmavam-se com isso.

Foi nisso e em muitas outras coisas que Icho Tolot pensou durante o segundo em que seu corpo ficou completamente rígido. Pensava nisso porque numa avaliação instantânea da situação seu cérebro programador chegara à conclusão de que nenhuma outra raça se podia comparar aos terranos em questão de inteligência, esperteza, agilidade e bom-senso.

Esta conclusão entrava em conflito marcante com as armadilhas de transmissores montadas pelos senhores da ilha.

Icho Tolot não conseguia imaginar que outra raça que não a terrana tivesse inventado e concretizado este sistema sofisticado de armadilhas com feições de provas. Mas não poderia deixar de conformar-se com os fatos.

O sistema de transmissores — mais precisamente, de transmissores solares — existia há muitas dezenas de milhares de anos, enquanto os terranos só desempenhavam um papel importante na Galáxia de algumas centenas de anos para cá. Além disso, a primeira armadilha já representava um problema quase insolúvel para os terranos.

A mesma coisa acontecia com Icho Tolot, pois sua raça não guardava nenhuma lembrança da época em que tinham sido criados os transmissores solares.

O estado de rigidez do corpo de Icho Tolot durou pouco menos de um segundo. Para Sengu e os dois ratos-castores aquilo que na verdade fora um processo intelectual muito complicado não passara duma ligeira hesitação.

— Como é, Tolot? — perguntou Gucky. — Sabe o que fazer com esta instalação?

Tolot examinou o ambiente. O teto e as paredes da campânula estavam cobertos por uma imagem fiel do espaço vazio e das galáxias Andrômeda e Via Láctea. Tolot não tinha a menor dúvida de que o quadro de comando e a imagem tinham algo em comum. Tratava-se dum sistema de regulagem ótica. Bastaria compreender o mesmo para usar os sóis geminados como transmissor.

A simples idéia de que a movimentação de umas poucas chaves pudesse ser suficiente para controlar e aproveitar dois sóis era uma coisa formidável.

Infelizmente não havia nada que tivesse a menor semelhança com uma chave de comando.

 

— Procure, Sengu! Continue a procurar! — insistiu Tolot.

Sengu mantinha-se imóvel à frente do quadro de comando em ferradura. O suor escorria por seu rosto. Estava gemendo.

— O raio energético! — cochichou Gucky. — Quem sabe se não está impedindo Sengu de fazer pleno uso de suas faculdades?

— Está sentindo alguma coisa?

— Não, Tolot. Eu não. Acontece que não sou capaz de enxergar através de porções de matéria sólida. É possível que o raio energético só afete certas faculdades paranormais.

— Nesse caso seus efeitos seriam casuais.

— Isso é um fraco consolo para pessoas que estão desesperadas. Receio que não temos muito tempo. Você notou o surgimento dum sol artificial em pleno espaço? Acredito que tenha sido a nave fragmentária.

— Vi e cheguei à mesma conclusão. Soubemos desde o início que os posbis não seriam capazes de resistir indefinidamente ao lápis.

— Agora atacará a Crest II.

— Teremos de fazer a regulagem do transmissor antes disso.

— Sengu...!

O mutante descontraiu o corpo. Enxugou o suor da testa, virou a cabeça em fitou Tolot com os olhos chamejantes.

— Os comandos não estão ao nosso alcance. — A voz era rouca e áspera. — Fica em baixo da superfície do quadro. Foi por isso que levei tanto tempo para encontrá-lo.

— Descreva os comandos! — pediu Gucky em tom insistente. — Tentarei acioná-los telecineticamente.

Wuriu Sengu descreveu os detalhes mais importantes. Falava com a voz cansada, dando a impressão de que estava vazio e esgotado.

Gucky fixou os olhos no quadro e concentrou-se.

Não aconteceu nada.

Depois de mais algum tempo Gucky descontraiu-se.

— Sengu deve ter visto uma coisa que nem existe no mundo real, ou então os comandos estão protegidos contra as para-influências. Não consigo absolutamente nada. E ora que não tenho a menor dúvida de que seria capaz de levantar telecineticamente o console inteiro.

— Não faça isso! — disse Tolot. — É possível que com isso só conseguiria destruir as ligações com a unidade geradora que alimenta o transmissor.

Aproximou-se do quadro de comando e colocou as garras de seis dedos sobre o mesmo. Seu traje de combate verde-escuro, que era muito justo e envolvia todo o corpo, parecia esticar-se.

— Demonstração de força do gigante, primeira parte! — disse Gucky com a voz fina.

Tolot resmungou alguma coisa que soava como uma repreensão. Os olhos brilhantes e avermelhados rolaram nas órbitas, e a pele negra com aspecto de couro que cobria a cabeça semi-esférica adquiriu um brilho de aço.

Os mutantes sabiam o que significava isso. O halutense acabara de modificar a estrutura molecular de suas células pela força de sua vontade. Provavelmente seu corpo já se tornara duro que nem aço terconite. Aquela criatura do planeta Halut, que antes parecia um urso, poderia em condições normais esmagar com as mãos um quadro de comando feito com os materiais usados na construção das espaçonaves terranas. Mas parecia impotente diante da peça que se encontrava à sua frente.

Emitiu um som borbulhante e recuou.

Gucky contemplara o halutense com uma expressão de admiração. Sentia-se mais intensamente ligado que nunca ao gigante, mesmo que às vezes o aborrecesse com suas brincadeiras de mau gosto. Naqueles segundos Gucky poderia estar disposto para muita coisa, menos para brincadeiras. E provou que era bom psicólogo.

— Fico me perguntando — disse — por que o Chefe escolheu este pateta para vir conosco. Se fosse Melbar Kasom, ele já teria dado um jeito neste quadro de comando.

Icho Tolot virou-se abruptamente e Gucky fugiu ao perigo com um pequeno salto de teleportação. Tolot deixou cair os braços superiores que estavam estendidos. Sua raiva logo passou. Gucky teve a impressão de que o halutense estava compreendendo sua tática. Apesar disso Tolot resolveu fazer mais uma tentativa. Demorou apenas alguns segundos para que se notasse que desta vez estava mais preparado. Aproximou-se do quadro com as costas arqueadas, bateu com as garras nas paredes laterais e ergueu-se que nem um relâmpago.

Gucky viu uma coisa fantasmagórica passar voando.

De tão assustado que ficou, fez uma teleportação e viu-se ao ar livre, onde estava sendo atingido e arrastado por uma sucção irresistível. Ficou apavorado ao notar que estava sendo sugado pelo raio energético vermelho-alaranjado.

 

Estavam sentados em suas poltronas anatômicas, com os cintos atados, e corriam em direção ao inferno.

Depois da explosão da nave dos posbis, o coronel Cart Rudo entregara ao chefe do destacamento de caça o comando das quatro naves auxiliares que se encontravam nas eclusas do hangar, preparadas para decolar se houvesse alguma emergência.

O capitão Henderson sabia que estava chefiando um comando suicida. Uma vez recebida a ordem de decolar, este homem arrojado perdera toda a agitação juvenil. Era um oficial de vinte e oito anos e estava decidido a sacrificar a vida para proteger a Crest II. Acontece que não era somente sua vida que estava em jogo, mas a de vinte e quatro homens. As naves auxiliares só levavam a tripulação estritamente necessária. Apesar disso o preço que teria de ser pago se houvesse um combate com o lápis negro seria muito elevado.

Naquele momento perguntou-se se seu rosto era tão anguloso e sombrio como o dos três jovens que o fitavam da tela do telecomunicador.

O tenente Orsy Orson não mostrava mais nada do tipo bonachão que Henderson tinha na lembrança. O tenente Finch Eyseman, um idealista que costumava exibir um par de olhos castanhos e sonhadores, com seus vinte e dois anos, era apenas um menino grande com um senso humanitário exagerado, que seus subordinados aproveitavam sem o menor escrúpulo. Era o único entre os comandantes das naves auxiliares que não tinha perdido a capacidade de sorrir. Talvez a perspectiva de morrer por seu ídolo lhe parecesse romântica, mas o que importa isso, pensou Henderson, pois os motivos que impelem as criaturas humanas raramente são idênticos. O tenente Conrad Nosinsky era diferente de Eyseman, muito diferente até. Tratava-se dum robusto rapaz de vinte e um anos, com cabelos escuros. Era um fanático que, se dependesse dele, reduziria a escombros tudo que se opusesse às aspirações dos terranos.

Sven Henderson não tinha a menor dúvida de que todos os comandantes combateriam com a mesma bravura. Mas tinha suas dúvidas de que sua morte produziria algum resultado além dum pouquinho de tempo a mais.

Pôs-se a escutar o rugido dos propulsores e o chiado agudo da atmosfera comprimida e superaquecida, que ao contacto com o casco de aço terconite da nave se transformava numa massa incandescente. Os campos defensivos energéticos estavam desligados. Isso teria eliminado imediatamente qualquer chance que pudessem ter.

Quando o chiado se tornou mais fraco e de repente desapareceu de vez, Henderson teve certeza de que sua nave auxiliar já saíra da atmosfera e naquele momento atravessava o grande abismo — que de certa forma era tão pequeno — e corria para a destruição. O brilho do sol artificial, que era o que restava da nave fragmentária dos posbis, já se tornara mais fraco, mas a esfera de gases que antes estivera concentrada numa área de três quilômetros já devia ter mais de cem mil quilômetros de diâmetro. Lá dentro a nave-lápis devia estar à espera — e à procura.

O capitão Henderson fez um sinal para os três comandantes que o acompanhavam na operação.

— Formar em semicírculo. Não disparem enquanto a nave-lápis não nos descobrir. Façam um trabalho bem feito, rapazes!

 

Perry Rhodan e Atlan viram a bola de gases incandescentes em expansão, que se espalhava rapidamente pela escuridão do espaço.

Ainda não sabiam se era a nave dos posbis ou a nave-lápis que acabara de desmanchar-se, mas acreditavam que fosse a nave fragmentária.

— Entre em contacto com a Box 83231 — dis-se Rhodan pelo telecomunicador, dirigindo-se ao coronel Rudo.

A resposta demorou cinco segundos angustiantes.

— Box 8323 não responde mais, senhor. Devemos supor que a explosão que acaba de ser observada represente o fim da nave fragmentária.

— Obrigado! — Rhodan não disse mais que isso. Viu que Rudo se preparava para dizer mais alguma coisa, mas uma rede de interferências eletromagnéticas crepitou na tela. Não se entendia absolutamente nada.

Rhodan levantou os olhos e viu imediatamente por que a ligação de telecomunicação fora interrompida, mesmo a uma distância tão curta.

O raio energético vermelho-alaranjado expandira-se ainda mais. Seu brilho era mais intenso e ofuscante, e a C-8 voltava a ser arrastada em direção à campânula.

A reação do capitão Redhorse foi automática.

Imprimiu à C-8 um empuxo em sentido contrário, exatamente na medida suficiente para neutralizar a sucção do raio energético. Depois voltou a equilibrar os veículos por meio dos campos antigravitacionais.

Atlan lançou um olhar preocupado para a campânula.

— Parece que as coisas não estão correndo conforme Tolot imaginava, não é mesmo?

Rhodan olhou para o relógio.

— Não faz nem trinta segundos que entraram lá, Atlan! — disse em tom de recriminação. — Você não pode esperar que Tolot ou os mutantes façam milagres.

Atlan nem parecia ouvi-lo. Virara a cabeça e estava prestando atenção aos ruídos transmitidos pelos microfones externos, enquanto fitava atentamente a tela de proa da C-8.

— O que houve?

— Não sei, bárbaro — respondeu Atlan em tom hesitante. — Mas tenho a impressão de que o coronel Rudo acaba de fazer uma tremenda bobagem...

— Procure ser mais claro, arcônida.

— Ouvi o ruído dos jatopropulsores, amigo. Está vendo as quatro trilhas de plasma que o vento está levando lá em cima?

Rhodan olhou na direção em que Atlan estava olhando e empalideceu.

Atlan voltou a olhar para outro lado e tentou falar pelo telecomunicador com o comandante da Crest II, mas as interferências continuavam.

— Que loucura! — Atlan estava nervoso. — Se Rudo mandou alguns barcos auxiliares ao encontro da nave-lápis, ele não deve estar batendo muito bem da bola. E inútil lançar as pequenas naves esféricas contra uma coisa que acaba de destruir uma nave fragmentária.

— Ainda continua sem ligação? — perguntou Rhodan.

Atlan sacudiu a cabeça.

— Faça a C-8 recuar mais um pedaço, capitão! — ordenou Rhodan.

Olhava atentamente para os controles e a tela do telecomunicador. Finalmente, depois de alguns segundos que já poderiam ter trazido a decisão, o rosto do coronel Rudo apareceu na tela, um pouco deformado, mas perfeitamente reconhecível. O epsalense estava olhando para o lado. Ao que parecia, estava falando ao microfone de outro canal.

Atlan acionou furiosamente o sinal.

O coronel Rudo virou-se abruptamente.

— Pois não, senhor.

— Mande voltar imediatamente as naves auxiliares, coronel! — A voz de Atlan parecia zangada.

— Será que quer sacrificar os tripulantes das naves-girino?

— Os posbis também se sacrificaram, senhor — respondeu Rudo com o rosto muito vermelho.

— Precisamos ganhar tempo!

— O lorde-almirante Atlan tem razão! — Perry Rhodan aproximou-se da tela. — Quatro naves auxiliares não podem fazer nada contra a espaçonave negra. Execute a ordem que Atlan acaba de dar, antes que seja tarde!

— Sim senhor. — Via-se que em seu íntimo a idéia de cumprir a ordem repugnava a Rudo, mas o tom da voz de Rhodan deixou claro que a oportunidade não era apropriada para travar discussões.

— Naves auxiliares regressando, senhor — disse dali a alguns segundos com a voz apagada. — Peço...

— Deixe para lá! — respondeu Atlan. — Todo mundo está com os nervos desgastados e suas intenções foram boas, coronel. Mantenha a Crest II preparada para entrar em combate. Quando tivermos de decolar, será tudo questão duma fração de segundo.

— Ele tem razão — disse Atlan em voz baixa, dirigindo-se a Rhodan. — Mas já estou cansado de mandar os melhores homens para a morte, somente porque não podemos deixar de segurar o ferro quente com as mãos.

— Fico-lhe muito grato — disse Rhodan. — Se você não tivesse sido tão atento, muita gente boa teria morrido inutilmente lá em cima.

Apontou para a esfera de gases incandescentes que representava os remanescentes da nave dos posbis.

Atlan colocou a mão no ombro do amigo.

— Vamos mudar de assunto. Precisamos cuidar da estação de comando, senão nunca mais sairemos daqui. Quem dera que alguém voltasse ou entrasse em contacto conosco. Será que não deveríamos fazer uma ligação para lá?

— Teríamos de usar um raio vetor — respondeu Rhodan. — E quem sabe lá o que um impulso de rádio pode fazer com um equipamento tão sensível. Quanto, a Gucky, ele certamente tem outra coisa para fazer que voltar para cá para manter-nos informado sobre o andamento dos trabalhos.

Nem imaginava que naquele momento Gucky não estava em condições de fornecer qualquer informação, mesmo que quisesse...

Sua situação era semelhante à dum nadador que saltou apressadamente na água e só percebe quando já é tarde que se encontrara numa pedra cercada de redemoinhos.

O rato-castor sabia perfeitamente por que tinha teleportado de susto. Mas não sabia por que se assustara. Nem tinha tempo para refletir sobre isso.

Só viu que uma muralha vermelho-alaranjada deslizava a seu lado. Como se deslocava para cima, não para baixo, Gucky concluiu que esta muralha ou sua substância subia muito mais depressa que ele.

Tão perto como estava, a luz deveria tê-lo queimado. Certamente tratava-se dum raio energético que alimentava o transmissor solar de Gêmeos. Mas Gucky não sentia dor nem teve qualquer sensação de calor. Mas sabia que o desfecho da situação só poderia ser mortal, pois estava sendo arrastado em velocidade alucinante através da atmosfera, em direção ao espaço cósmico.

E isto o fez chegar a uma decisão.

Gucky não via a campânula, mas isso não era absolutamente necessário. Concentrou-se sobre a imagem da mesma e de seu interior — e teleportou.

Quando, depois da rematerialização, seus olhos se habituaram ao novo ambiente, Gucky teve a impressão de estar boiando num liquido viscoso e brilhante.

Arrependeu-se por ter sido leviano a ponto de andar com o capacete espacial aberto pelo interior da campânula. Naquela altura o “líquido” opunha resistência às suas tentativas desesperadas de fechar o mesmo.

Não se atrevia a respirar. Como tinha nascido num mundo em que não havia superfícies aquáticas, não estava habituado a mergulhar. Não demorou trinta segundos, e teve a impressão de que iria morrer sufocado. Lutou mais alguns segundos contra o instinto natural, mas finalmente fez um esforço desesperado de aspirar o ar.

O “líquido” brilhante entrou em movimento, penetrou-lhe pelo nariz e pela boca e provocou a sensação de que estava morrendo afogado.

Só depois de algum tempo Gucky deu-se conta de que ainda conseguia respirar. Sua cabeça voltou a funcionar melhor.

Foi quando captou o impulso mental.

Teve a impressão de que este impulso não lhe era desconhecido. Alguém parecia divertir-se com sua situação.

Se havia alguma coisa que o rato-castor natural de Vagabundo não suportava era isso. Ficou furioso e de repente estava de pé. Sabia que aquilo que acreditara ser um líquido viscoso não era nada disso. Na verdade tratava-se dum gás respirável, que parecia ser perfeitamente compatível com seu metabolismo.

Concluiu que não corria um perigo imediato.

Apesar disso chegou à conclusão de que deveria dar o fora quanto antes, não somente porque perigos desconhecidos poderiam estar à sua espreita — naquela altura acreditava estar em condições de enfrentar os mesmos — mas porque no interior da campânula os companheiros que precisavam dele estavam à sua espera.

Mas ainda estava hesitando.

Fizera duas teleportações, e as mesmas sempre o tinham colocado em situação desagradável. Era possível que a terceira colocasse em perigo sua vida. Como poderia saber? Como descobrir se suas suspeitas eram fundadas ou não?

De repente o riso silencioso se fez presente de novo.

Gucky girou em torno do próprio eixo, num esforço de descobrir alguma coisa que pudesse movimentar com suas energias telecinéticas. O tempo estava correndo, e Gucky sabia que o mesmo estaria irremediavelmente perdido enquanto não fizesse nada. Não havia uma possibilidade de provocar o autor invisível do riso?

Gucky logo teve de reconhecer que não poderia atrair o mesmo para fora de sua toca. O ambiente em que se encontrava era aparentemente opaco. Aparentemente, porque não sabia se esta impressão não era provocada pela extensão infinita da massa de gás brilhante.

Mas, disse Gucky de si para si, este ambiente não pode ser infinito, já que no lugar do qual ele tinha vindo o mesmo não existia. Quer dizer que tinha um limite no espaço. Quando suas reflexões estéreis chegaram ao fim, Gucky viu que não tinha alternativa senão fazer mais uma tentativa de voltar para o interior da campânula por meio duma teleportação.

Concentrou-se sobre o quadro que trazia na memória — e saltou.

Quando adaptou os olhos ao ambiente, duvidou de que realmente se tivesse transportado para outro lugar. O gás brilhante continuava a cercá-lo de todos os lados, e não havia nenhum ponto de referência.

Mais uma vez o riso surgiu em seu subconsciente.

— O que houve? — perguntou Gucky.

— Nada — respondeu alguém, e Gucky espantou-se menos com o teor da resposta que com o fato totalmente incompreensível de alguém ter respondido à sua pergunta.

— Pela Via Láctea! — gemeu. — O que estou fazendo aqui, se não houve nada? No lugar de que vim aconteceram muitas coisas. Se não chegar lá logo, você terá de ajustar contas com Perry Rhodan!

— Se eu não quiser, você não voltará para o lugar de onde veio e ninguém saberá onde você está.

Mais uma vez a risada se fez ouvir.

— Onde estou mesmo?

— Bem perto de seu mundo, e a uma eternidade do mesmo. Mas vejo nos seus pensamentos que não está para brincadeiras, como estava da primeira vez que nos encontramos. Abrirei minha concha do tempo para você, no mesmo lugar. O resto ficará por sua conta. Quem sabe se um dia não voltaremos a encontrar-nos?

Gucky quis perguntar o que o ser ou a coisa estranha quis dizer com a expressão concha do tempo, mas de repente não se encontrava mais na prisão brilhante, mas estava sentado sobre um bloco de pedra coberto de poeira e lixado pelas chuvas e pelos ventos de milhões de anos. O cinza monótono dum mundo antiqüíssimo o cercava por toda parte.

De repente Gucky compreendeu quem era aquela criatura e onde estava. Era o mesmo que o tinha feito de bobo antes que a Crest II decolasse, uma coisa que numa fração de segundo aparecera e desaparecera sob a forma duma massa verde sobre o mesmo bloco de pedra em que estava sentado.

Mas não se via sinal da massa verde, nem da cratera em forma de poço.

Gucky virou a cabeça e os pêlos de sua nuca se arrepiaram.

Ali mesmo o casco brilhante da Crest II erguia-se para o céu, destacando-se contra o fundo cinzento de Sexta!

 

O medo do incompreensível passou bem depressa. No tempo em que trabalhara com os terrenos Gucky vira tanta coisa incompreensível que isso já não era capaz de afetar suas faculdades mentais. Sabia que nunca seria possível resolver todos os enigmas do Universo. Tudo aquilo que não podia ajudar a alcançar o objetivo mais próximo tinha que ser deixado para trás.

Mas será que a experiência que ele acabara de ter realmente não tinha nenhuma influência nos esforços de chegar a Andrômeda?

A coisa desconhecida não tinha interferido nos acontecimentos, levando a Crest II para Sexta — ou transferindo Gucky para um tempo em que o supercouraçado ainda se encontrava lá...?

Gucky resolveu descobrir o que tinha acontecido mesmo.

Só havia um meio de conseguir isso: entrar na Crest II e ver o que estava acontecendo. A idéia deixou Gucky um pouco apavorado. Tinha medo de encontrar sua própria imagem por lá. Isso poderia trazer problemas capazes de deixar louca até mesmo uma criatura como ele.

Mas o rato-castor não demoraria a descobrir que tivera medo duma coisa impossível.

Para ele, que era teleportador, não havia a menor dúvida sobre a melhor maneira de percorrer a distância que o separava da Crest II. Teleportou — ou ao menos tentou.

Não chegou a percorrer cem metros.

Teve a impressão de, durante o salto, isto é, quando se encontrava numa dimensão superior, escorregar num obstáculo liso. Bateu fortemente, no chão.

Assim não era possível.

Gucky suspirou e saiu correndo. De início teve a impressão de que estava avançando muito bem, muito embora os ratos-castores não sejam bons corredores. Mas dali a dez minutos viu que a Crest II parecia ter o mesmo tamanho. Começou a desconfiar de que na verdade não tinha percorrido um centímetro que fosse.

Olhou para trás, desesperado.

O bloco de pedra sobre o qual tinha voltado a esta dimensão ou ao tempo em que se encontrava tinha ficado bem para trás. Isso deixou Gucky tão irritado que apesar dos pressentimentos sombrios fez mais uma tentativa de alcançar a nave a pé.

O bloco de pedra ia ficando cada vez mais longe, mas nem por isso Gucky conseguia aproximar-se um centímetro que fosse da nave.

Só então lembrou-se de que possuía o dom da telepatia. Se não fosse possível alcançar Rhodan, cujos dotes, telepáticos eram bastante reduzidos, deveria ser capaz de entrar em contacto com Geco.

Gucky teve de fazer uma tentativa para reconhecer que todos os esforços eram inúteis.

Ficou sentado algum tempo no chão poeirento, refletindo. De repente pôs à mostra o dente roedor. Só podia ser isso! A Crest II era apenas uma miragem, uma alucinação artificialmente provocada. Por que não pensara nisso logo? Se havia um lugar em que a Crest II tinha existência real, era em Quinta.

Como receasse os efeitos dispersivos do raio energético vermelho-alaranjado, Gucky imaginou a Crest II estacionada em Quinta e ativou o setor de seu cérebro que ativava o mecanismo da teleportação.

Esta operação sempre é instantânea, mais ou menos da mesma forma que o transporte dum objeto pelo transmissor de matéria, que afinal se baseia no mesmo princípio, se bem que em comparação ao teleportador natural é um mecanismo bastante rudimentar.

No mesmo instante em que desapareceu de Sexta; Gucky chegou ao destino.

Mas houve um pequeno erro.

Não se encontrava na sala de comando da Crest II, mas numa superfície rochosa parcialmente coberta de líquens.

 

No primeiro instante de pavor, acreditou que, uma vez feita a regulagem do transmissor solar, a nave poderia ter ido embora sem ele. Naquele momento talvez já tivesse saído no transmissor hexagonal situado no centro da Galáxia.

Mas no fundo sabia que não podia ser assim.

Perry Rhodan não o abandonaria, enquanto pudesse ter alguma influência nos acontecimentos. E a Crest II nunca decolaria enquanto Rhodan não desse ordem para isso.

Gucky foi-se acalmando de novo.

Certas coisas a gente tem que aceitar, simplesmente porque não se pode mudá-las. Mas sempre se podia tentar tirar o melhor de cada situação. Era exatamente o que Gucky pretendia fazer.

Olhou para o céu do lado norte. Não viu sinal do raio energético vermelho-alaranjado. Mas isso não era o mais importante. O importante era encontrar a campânula. Gucky foi dando saltos cautelosos de teleportação para o norte. Depois de cada rematerialização olhava atentamente em torno, para ver se descobria a campânula.

Depois do quinto salto, a mesma apareceu bem à sua frente.

Antes de teleportar para dentro da mesma, o rato-castor olhou atentamente em torno. Não viu nada de suspeito. Sentiu-se um pouco mais aliviado, preparou o salto — e viu-se no interior da campânula.

O quadro de comando era o mesmo que ele trazia na lembrança. Estava intacto e não havia nenhuma possibilidade visível de mexer nos controles. Pela primeira vez Gucky teve uma indicação de que se encontrava no passado, pois do contrário muitas coisas seriam diferentes. Não chegara a ver, mas sabia que a segunda tentativa de remover o revestimento impenetrável do quadro de comando devia ter trazido algum resultado. O fato de o quadro de comando não ter sido tocado provava que Tolot ainda não tinha estado lá — e nem Gucky!

Nem Gucky? Pois ele estava lá.

Gucky afastou as reflexões estéreis e pôs-se a trabalhar. Tinha esperança de conseguir alguma coisa e já imaginava a cara de espanto de Icho Tolot quando o mesmo visse que o revestimento tinha sido removido. Isto quase chegou a deixá-lo alegre.

Mas este estado de espírito mudou bem depressa, depois de meia hora de tentativas inúteis de mexer na placa de revestimento.

Bem, então não haveria a surpresa.

Mas — Gucky pôs bem à mostra o dente roedor, o que era sinal de que estava de bom humor — ninguém poderia tirar-lhe uma vantagem. Provaria que estivera ali antes dos outros. Tirou o cronógrafo que trazia consigo, pois tinha a impressão de que se tratava dum objeto de seu equipamento que poderia ser dispensado por algum tempo e colocou-o no chão, bem à vista.

Se Gucky se tivesse dado ao trabalho de olhar para o relógio, pelo menos se teria poupado mais uma decepção.

Quando depois de mais um salto de teleportação apareceu em Sexta, não encontrou mais a Crest II.

 

Gucky ficou bastante perturbado.

Não teve a menor dúvida em saltar para o lugar onde a Crest II estivera pela última vez, fora do seu alcance.

Encontrou buracos enormes, feitos pelas colunas de apoio da nave num raio de mais de mil e quinhentos metros. Também encontrou a superfície vitrificada, resultante da ação dos jatopropulsores — e encontrou a barreira de escombros e poeira que se formara depois que o furacão produzido pela decolagem da nave tinha amainado e que impedia a visão até o horizonte.

Sentiu-se dominado pelo pânico.

A Crest II não se encontrava em quinta — mas também não estava em Sexta.

Gucky teleportou para o lugar em que saíra do ambiente brilhante e viscoso. Encontrou uma cratera em forma de poço com cerca de cinqüenta metros de profundidade — além dos rastros de Tolot e dele mesmo.

Quer dizer que estivera ali enquanto se encontrava em Quinta, procurara identificar os impulsos mentais localizados a bordo da Crest II e escarnecera de Tolot.

Será que uma coisa dessas era possível?

Gucky mergulhou tão profundamente numa série de reflexões vazias que só mesmo a luz que se acendeu de repente conseguiu trazê-lo de volta à realidade.

Levantou os olhos, sobressaltado, e viu o raio energético vermelho-alaranjado que tão bem conhecia desaparecer entre os sóis geminados, formando uma concentração luminosa de energia.

Antes que pudesse criar ânimo para entrar em ação, um terceiro sol, artificial, surgiu no espaço.

Era a nave dos posbis!

Gucky já sabia perfeitamente o que fazer. Voltou a teleportar — e desta vez foi parar exatamente no lugar em que queria — na estação de regulagem do transmissor solar, entre seus companheiros.

Percebeu à primeira vista que a chapa de revestimento do quadro de comando tinha desaparecido. Estava jogada junto à parede, enquanto Tolot, Geco e Sengu estavam inclinados sobre os comandos postos à mostra.

Geco foi o primeiro a notar que ele tinha regressado.

— Meu Deus, Gucky! Onde foi que você se meteu? Já receava o pior.

A reação de Tolot foi bem diferente.

— O senhor atrasou nosso trabalho em pelo menos um minuto e colocou Geco em perigo de vida, Gucky. O que lhe deu na cabeça de desaparecer sem mais aquela? Geco andou à sua procura lá fora e por pouco não foi sugado pelo raio energético.

— Pois eu fui! — afirmou Gucky. Mas percebeu que suas palavras não soavam muito convincentes. Por isso olhou em volta, à procura de seu cronógrafo.

Wuriu Sengu percebeu que Gucky estava procurando alguma coisa. Sorriu e tirou um objeto estreito do bolso externo de seu traje de combate.

— Está à procura do medidor de tempo, Gucky? Está aqui. Você o deixou cair quando saltou às pressas.

Gucky, que chegou a exibir o dente roedor numa expressão de triunfo, voltou a recolhê-lo. Nem sequer tinha uma prova da aventura incrível pela qual tinha passado. Para os outros o aparecimento do cronógrafo era perfeitamente natural.

Nestas condições Gucky achou preferível guardar suas experiências para si mesmo.

Mas não conseguiu inteiramente, pois de repente lembrou-se duma coisa que descobrira em seu subconsciente — pouco importa em que dimensão temporal — ao teleportar para a estação de regulagem.

Tratava-se duma coisa que representava um perigo grave para todos.

 

O estridente grito de alerta de Gucky soou no instante em que Icho Tolot colocava a garra de seis dedos sobre um painel de comando, mais precisamente, sobre o painel que em sua opinião ativaria o suprimento de energia do comando de regulagem.

O grito veio uma fração de segundo depois do momento adequado.

A garra de seis dedos foi atirada de volta com tamanha força que fez o gigante halutense girar em torno do próprio eixo. Depois, como se tivesse sido impelido por uma corda entesada, seu corpo voou por cima do quadro de comando e a cabeça bateu do outro lado contra a face interna da campânula.

Esta ressoou e tremeu, como se tivesse sido atingida por uma bomba.

O corpo pesado de Tolot produziu um baque surdo ao cair no chão.

Os mutantes ficaram paralisados de susto. Enquanto o pavor de Sengu e Geco tinha origem no susto causado pela terrível queda do halutense, o medo de Gucky era causado pelo verdadeiro perigo.

Virou-se devagar, como que em câmara lenta, e olhou para o lugar em que a esfera de terconite da C-8 estava suspenso no ar — ou deveria estar.

A nave auxiliar tinha desaparecido. Até parecia que nunca tivesse existido. Gucky não precisaria de qualquer prova concreta para saber que a mesma coisa tinha acontecido com a Crest II.

Se bem que nada disso era verdade...

Icho Tolot levantou-se quase tão depressa como tinha caído. Era bem verdade que, se ainda estava vivo, devia isso à prévia modificação estrutural de seu corpo. Um ser humano nunca mais se levantaria depois duma queda destas.

Wuriu Sengu foi o primeiro que recuperou o autocontrole. Na verdade, isso acontecia somente porque ainda não era capaz de avaliar toda a extensão da desgraça.

— O que houve com essa chave, Gucky? Você desconfiou de alguma coisa, não desconfiou?

Gucky não respondeu. Olhava com uma expressão de fascínio para Tolot, que apalpava o corpo ora com o direito, ora com o esquerdo dos seus braços mais compridos. Sempre que usava a mão esquerda, tudo parecia normal. Mas quando usava a direita, tinha-se a impressão de que a mesma atravessava tudo que tocava: os dois braços de salto e corrida, que ficavam mais para o lado do peito, o tronco quase oval e as grossas pernas. Mas isso não passava duma ilusão. Na verdade não era a mão que atravessava os sólidos, mas esta não oferecia qualquer resistência às outras partes do corpo. Era como se fosse formada por algum gás que tivesse assumido os contornos da mão.

Finalmente Sengu e Geco também tiveram a atenção despertada para o fenômeno.

— Por que vocês me olham desse jeito? — resmungou o halutense. O fato de que a maneira pela qual tinha sido formulada a pergunta, na qual não dera aos seus interlocutores o tratamento de senhor, representava uma violação grosseira de uma das regras de cortesia halutense, tinha origem em sua perplexidade.

— O que houve com sua mão? — perguntou Geco entre os dentes.

— Não é minha mão — disse Tolot. — Olhe... — fez um movimento rápido para Geco. De início tinha-se a impressão de que iria puxá-lo para perto de si, mas sua mão atravessou o rato-castor, que estava muito assustado. — Parece minha mão, seus movimentos obedecem à minha vontade, mas não passa duma alucinação. E não é tudo. Antes eu era capaz de produzir uma modificação estrutural em meu corpo, por meio do metabolismo. Mas agora minha mão direita é uma exceção.

Wuriu Sengu aproximou-se lentamente do halutense e apalpou cuidadosamente a “mão”, enquanto seus olhos pareciam fazer uma radiografia da mesma.

— Se quiser que eu lhe diga o que isto é, Tolot, só posso afirmar que não é uma coisa material, pois não reconheço nada, absolutamente nada com meus para-sentidos. Mas também não é nenhuma alucinação. — Levantou a direita coberta por uma luva, que acabara de apalpar a mão imaterial de Tolot. Os outros reconheceram uma poeira finíssima nas pontas dos dedos. — Afinal, uma alucinação não pode produzir frio.

— Seja lá o que for, — disse Gucky com uma aparente insensibilidade — não é tão importante que o fato de não estarmos mais no lugar em que deveríamos estar.

Os outros fitaram-no com uma expressão de perplexidade.

— O que quer dizer com isso? — perguntou Sengu.

— Se não acreditam, olhem para fora! — Esperou que o nervosismo passasse e perguntou: — Então! Que dizem?

Tolot, cuja inteligência trabalhava muito depressa, foi o primeiro que compreendeu o que estava acontecendo.

— Não estamos mais no nosso tempo. Não foi o que quis dizer, Gucky?

— Não vejo outra explicação, a não ser que queiramos admitir que a C-8 e a Crest II tenham decolado.

— Isso é pouco provável. Resta saber se soltou aquele grito para prevenir-nos contra isto!

Gucky confirmou com um gesto. Parecia triste.

— Isso mesmo. Quis preveni-los. Infelizmente demorei um pouco para reconhecer o perigo. Mas acho que isso não faz diferença.

— Gucky! — exclamou Sengu em tom severo. — Faça-me o favor! Para mim a situação em que nos encontramos faz muita diferença. Não quer explicar por que teve essa idéia estranha?

— Pois não — respondeu Gucky em tom hesitante. — O que eu tenho para dizer não é nada agradável. Mas terei que estender-me um pouco, senão vocês não compreenderão.

Interrompeu-se e fitou o halutense. De repente Icho Tolot subiu ao teto da campânula, agitando furiosamente os braços, e ficou suspenso no ar como se estivesse pendurado num gancho.

— Isto é porque você designou minha cabeça inteligente com a expressão cérebro de camundongo! — gritou Gucky em tom estridente.

Deixou que o gigante, que continuava a debater-se desesperadamente, ficasse pendurado no teto, é só lhe dedicou um pouquinho de atenção. Em seguida relatou a aventura que tivera com a estranha criatura de Sexta.

— Se tivessem acreditado logo em mim, nada disso teria acontecido — concluiu.

— Mas você não nos disse nada! — protestou Geco.

— É claro que não. Vocês só teriam debochado de mim. — Depois de oferecer essa peça de lógica dos ratos-castores, prosseguiu: — Quando me vi colocado diante deste quadro de comando, numa dimensão do passado, e me esforçava em vão para ativar o comando por via telecinética, meu subconsciente alcançou uma pontinha da verdade. Infelizmente no início não dei maior importância a essa verdade, pois tinha certeza de que Tolot havia removido a chapa de revestimento com a força de seu corpo. Dessa forma o obstáculo teria sido tirado do nosso caminho. Foi só quando Tolot estava aproximando a mão da chave que compreendi que ele removera apenas um obstáculo material, mas não o verdadeiro obstáculo, um obstáculo que foi colocado no intuito exclusivo de proteger o mecanismo de regulagem e aqueles que têm direito de usá-lo. Neste momento não teríamos a menor dificuldade em fazer a regulagem do transmissor solar, mas isso não adiantaria nada, a não ser que possuíssemos um aparelho que funcionasse na mesma base, e que pudesse recolocar-nos na mesma dimensão temporal.

— Quer dizer que Tolot... — principiou Sengu em tom apavorado.

— ...ativou um relê do tempo! — concluiu Gucky com um suspiro resignado.

 

— Gostaria de saber por que não está saindo do lugar!

Atlan franziu a testa enquanto contemplava a ampliação setorial, que mostrava a nave negra destacando-se imóvel contra a esfera da explosão da Box 8323 que ia se desfazendo.

Perry Rhodan olhou para o relógio. Parecia preocupado.

— Ainda bem. Se a nave-lápis resolvesse atacar de repente, não saberia o que fazer. Gostaria de saber o que é feito de Gucky e dos outros.

O capitão Redhorse afastou-se da grande tela panorâmica.

— Nenhuma modificação, senhor.

— Há uma pequena modificação, capitão — disse o jovem tenente que se encontrava a seu lado e fazia a interpretação dos diagramas de rastreamento. — Os rastreadores de matéria não estão chegando à campânula.

Rhodan virou-se abruptamente.

— Por que esperou até agora para dizer isso? Quero ver os diagramas dos últimos cinco minutos, tenente!

Rhodan lançou um ligeiro olhar sobre os mesmos e empalideceu.

— O que houve? — perguntou Atlan.

— Era o que eu gostaria de saber. Aliás, não é bem o que diz o tenente. O rastreador de matéria chega lá perfeitamente. Até atravessa a campânula.

— Não é possível!

— Olhe!

Atlan examinou atentamente os diagramas mais recentes. Depois fitou Rhodan com uma expressão pensativa.

— Alguma coisa não está certa, amigo...

— Como você é inteligente! — observou Rhodan numa ironia mordaz. — Quem sabe se não é capaz de dizer o que está errado? A situação atual só surgiu há trinta segundos. Quem dera que a sucção não fosse tão forte, para que pudéssemos aproximar-nos mais da campânula...

Perry Rhodan passou os dedos pelo Cabelo. Foi baixando a mão, mas sobressaltou-se. A mesma ficou parada a meio caminho.

— Capitão! — Sua voz parecia muito nervosa, o que dificilmente acontecia com ele. — Capitão, verifique imediatamente qual é a força de sucção do raio energético!

O capitão Redhorse sacudiu os ombros, dando a entender que para ele a ordem que Rhodan acabara de dar era incompreensível. O raio energético não tinha sofrido qualquer modificação, e nestas condições não havia motivo para que a força de sucção não fosse a mesma. Apesar disso cumpriu a ordem rápida e cabalmente. Mas logo pôs-se a praguejar num tom borbulhante.

— Perdão, senhor! — disse, assustado. — O raio energético não produz nenhuma sucção. A C-8 está sendo equilibrada automaticamente pelos projetores antigravitacionais. Foi por isso que não notei antes que o suprimento de energia continua nos níveis normais.

Rhodan respirava fortemente.

— Agimos como crianças inexperientes. Em vez de fazer uma interpretação muito cuidadosa dos valores fornecidos pelos instrumentos, só ficamos de olho nas telas óticas. Até parece que num lugar como este a gente pode confiar exclusivamente nos olhos.

— Você já se deu conta de que aquilo que você acaba de informar não significa nada menos que dizer que a campânula e o raio energético desapareceram? — perguntou Atlan em tom enfático.

— Não. A campânula ainda está lá, mas não materialmente. Faço votos de que isso não seja a mesma coisa. Redhorse!

— Pois não, senhor...!

— Entregue o comando a seu substituto. Atlan, o senhor e eu vamos olhar de perto.

O tenente ocupou o lugar do comandante.

— Aproxime a C-8 da campânula, usando somente o campo antigravitacional, Tenente! — ordenou Rhodan. — Quando estiver lá, abra a eclusa secundária para que possamos sair. A seguir chame o coronel Rudo. Diga-lhe que deve trazer a Crest II para perto, deslocando-se rente ao solo e também usando exclusivamente os projetores antigravitacionais. A seguir voltará a recolher a C-8.

— Sim senhor!

— Vamos, Redhorse! — Rhodan examinou as duas armas que trazia consigo com um gesto sobre cujo sentido não podia haver a menor dúvida. — Vamos ver de perto o que está acontecendo lá fora.

 

A pesada escotilha blindada da eclusa secundária quase não produziu nenhum ruído ao deslizar para dentro da parede.

Perry Rhodan, Atlan e o capitão Redhorse atravessaram a fileira dos membros do comando epsalense, que estavam de prontidão.

Rhodan parou pouco antes de chegar à escotilha.

— Quem está no comando?

Um epsalense que para os padrões terranos era extremamente robusto adiantou-se.

— Tenente Afg Moro, senhor.

— Preciso de um dos seus homens, tenente.

— Senhor, eu...

— O senhor não. Terá de aguardar ordens para entrar em ação.

O tenente Moro virou a cabeça.

— Sargento Man Hattra, o senhor acompanhará o Administrador Geral!

Um epsalense com apenas 1,60 metro de altura e quase outro tanto de largura aproximou-se ruidosamente e plantou-se à frente de Perry Rhodan. Usava uniforme de campanha regulamentar, mas estava armado com um desintegrador pesado e uma arma energética que um terrano só conseguiria segurar com as duas mãos. O epsalense levava a arma energética num coldre, enquanto o desintegrador, que não era menos pesado, descansava na curva do cotovelo.

— Sargento Hattra às ordens, senhor!

Certamente o epsalense acreditava que estava falando baixo, mas o capitão Redhorse estremeceu involuntariamente.

Perry Rhodan sorriu.

— Faça o favor de reduzir o volume da voz quando estiver falando com um pobre terrano. Feche o capacete pressurizado e venha conosco.

Rhodan saiu da eclusa. As eclusas secundárias das naves-girino saíam na parte superior da protuberância equatorial, em cujo interior estavam instalados os 18 jatopropulsores. Rhodan caminhou até a extremidade da protuberância, esperou até que os companheiros estivessem a seu lado, ligou o projetar antigravitacional de seu traje e empurrou-se levemente.

Saiu flutuando suave e silenciosamente. Era como se flutuasse no vácuo do espaço, pois o projetar antigravitacional eliminava completamente a força da gravidade. Depois que se tinha afastado vinte metros da C-8, Rhodan reduziu a potência do dispositivo antigravitacional. Foi descendo lentamente, passando pela parede indefinível da campânula — uma campânula que, segundo as indicações do diagrama dos rastreadores, acabara de tornar-se imaterial.

Dali a pouco estavam todos ao pé da campânula.

— Ligar campos individuais! — ordenou Rhodan.

Com o crepitar ligeiro das partículas de pó que se desmanchavam no interior de seus campos defensivos, uma “pele” quase invisível envolveu os homens. O sargento Hattra parecia um toco, uma fortaleza de duas pernas, examinando o terreno com a arma levantada.

Rhodan estendeu a mão. Não encontrou nenhuma resistência. A mesma atravessou a parede da campânula como se a mesma fosse gasosa.

Rhodan olhou para trás.

A nave de sessenta metros de diâmetro continuava suspensa sobre o solo rochoso, sustentada pelos projetores antigravitacionais, com as colunas de apoio encolhidas. O solo ainda era sacudido pelas ondas dos tremores de terra, ondas estas que só conseguiam produzir uma ligeira trepidação do solo. Junto à linha do horizonte, a mais de mil metros de altura, a luz do sol era refletida por uma massa lisa de metal plastificado. Era a Crest II que se aproximava.

Perry Rhodan entrou resolutamente na campânula — e atravessou a parede da mesma.

Parou, estupefato.

Ali mesmo, quatro figuras que tão bem conhecia movimentavam-se embaixo da imagem de duas galáxias. Eram Icho Tolot, Wuriu Sengu e os dois ratos-castores.

— Olá, Gucky!

Não houve o menor movimento. Ou melhor, as quatro figuras continuavam a movimentar-se como se não tivessem ouvido nada. Era uma impressão fantástica e apavorante. Don Redhorse gemeu atrás de Perry Rhodan, que tinha penetrado mais profundamente na campânula.

Rhodan já sabia o que havia com essas figuras. Mas precisava ter certeza absoluta. Aproximou-se de Gucky e tentou segurá-lo.

Sua não atravessou o rato-castor.

— É imaterial, da mesma forma que a campânula — observou Atlan. O arcônida enfiou as duas mãos no quadro de comando. — Aqui estamos e não podemos fazer nada com o grande segredo de Gêmeos. Ou será que você tem uma saída? — perguntou, dirigindo-se a Rhodan.

— Não pense que eu sou capaz de fazer milagres. Não passo duma miserável criatura humana que mal acaba de atingir o limiar da verdadeira sabedoria e não sabe o que fazer com a mesma.

— Pobre bárbaro! — escarneceu Atlan, Mas a expressão de seu rosto não combinava com o tom da voz.

Uma ruga vertical profunda surgiu na testa muito alta que se estendia embaixo da cabeleira prateada. Havia uma expressão de perplexidade nos olhos albinos avermelhados do velhíssimo arcônida.

Redhorse soltou um grito de pavor. Os dois homens viraram-se abruptamente.

Num gesto instintivo, Perry Rhodan levantou a mão direita, que segurava o desintegrador. Foi um movimento instantâneo, mas desnecessário. Mas teve a impressão de que os tentáculos frios do pavor lhe subiam pelas costas.

O capitão Redhorse segurava firmemente a mão direita do corpo imaterial de Tolot. E esta mão era real!

 

Continuava a ser um quadro fantasmagórico.

Redhorse não conseguiu segurar a mão de Tolot por muito tempo, pois a mesma aproximou-se do quadro de comando juntamente com o corpo imaterial do halutense.

Notaram que o revestimento tinha sido removido, e que os comandos propriamente ditos ficavam embaixo do mesmo.

Rhodan descobriu a chapa de revestimento encostada a uma das paredes e imaginou os acontecimentos que se teriam verificado por ali.

— O halutense removeu a chapa de revestimento. Fico me perguntando se ativou um mecanismo de proteção oculto.

— Se não fosse assim, não teria alcançado os comandos — disse Atlan em tom resignado.

Perry Rhodan sacudiu a cabeça. Era entendido em sistemas de comando hiperenergéticos e por isso mesmo conhecia o princípio do mecanismo que se encontrava à sua frente. No momento em que descobriu um estranho campo condutor fluorescente sabia o que tinha de fazer. Este campo estava ligado a uma placa de comando esverdeado.

— É possível que este seja o comando que ativou o dispositivo de proteção. Quem me dera que eu soubesse como neutralizar o mesmo. Atlan deu uma risada nervosa.

— Você acha que isso adiantaria alguma coisa? Tudo que existe por aqui, com exceção da mão de Tolot, é imaterial. Você não pode movimentar uma coisa que não existe realmente.

Perry Rhodan virou o rosto para o arcônida. De repente sorriu, aparentemente sem nenhum motivo.

— E verdade, arcônida. Por aqui tudo é imaterial — com exceção da mão direita de Tolot.

— Quer dizer...? — Atlan respirava fortemente.

— Quer dizer que podemos usar a mão para chamar a atenção de Tolot para o comando que deve ser acionado?

— Isso depois que descobrimos esse comando — disse Rhodan. — De qualquer maneira, já temos uma vantagem. Podemos entrar com a cabeça no aparelho e examinar tudo com o maior cuidado. Acho que é ainda melhor que a faculdade de Sengu. Além disso, o espia não possui nossos conhecimentos técnicos. Seria capaz de nem notar o comando que desativa o mecanismo de segurança.

Atlan compreendeu. Nos minutos que se seguiram os dois puseram-se a procurar apressadamente, enquanto Redhorse e Hattra ficaram parados, julgando-se um tanto inúteis.

— Acho que é isso! — Atlan tirou a cabeça do aparelho e olhou para uma chave de aspecto insignificante, escondida entre as outras para dar a impressão de que tinha uma importância secundária.

Rhodan também se levantou. Examinou atentamente a chave.

— Tem certeza?

— Absoluta! Aqui há um campo condutor que desce e está acoplado com o campo que, segundo acreditamos, ativa o dispositivo de segurança.

— Está bem! — Rhodan, pôs-se a refletir. — Precisamos tentar. E verdade de que tudo depende de que a suposição de que as figuras imaginárias se encontram num lugar equivalente de outra dimensão temporal seja correta.

— Hattra, Redhorse! Venham cá! Os senhores ouviram, mesmo que não tenham entendido. Ajudem-nos a encostar a mão real de Tolot a este botão.

Apontou para o botão que, segundo esperava, seria capaz de, uma vez acionado, trazer de volta a campânula e os quatro seres desaparecidos para a dimensão temporal primitiva.

Fizeram menção de segurar a mão ao mesmo tempo, mas Hattra sacudiu a cabeça.

— Senhor, preciso ficar sozinho com a mão de Tolot, senão não poderei usar toda minha força.

Rhodan confirmou com um gesto e deu um passo para trás.

O epsalense colocou sua mão enorme, que em tamanho nada ficava a dever à do halutense, em torno da direita do halutense. Começou a puxá-la. No início parecia ser fácil. Mas de repente a mão de Tolot fez um movimento abrupto, e Hattra foi atirado para longe que nem uma bola de borracha. Mas continuou com a mão do outro segura na sua. O corpo imaginário de Tolot movimentava-se. Rhodan viu que na dimensão em que se encontrava o corpo do halutense se concentrava num tremendo esforço. Esteve a ponto de soltar um grito de alerta para Hattra, que começava a perder o apoio dos pés, quando o corpo irreal de Tolot começou a descontrair-se. Hattra foi colocado no chão.

— Até que enfim ele compreendeu — disse Atlan em tom de alívio.

O epsalense não teve mais nenhuma dificuldade em levar a mão, do halutense para o comando correto.

O polegar de Icho Tolot ficou parado por uma fração de segundo sobre o botão, mas logo desceu. Via-se perfeitamente que o mesmo estava sendo movimentado.

No mesmo instante ouviu-se um grito de pavor.

O sangue parecia congelar nas veias dos homens, de tão assustados que ficaram. Ficaram mudos e paralisados. Seria inútil fazer qualquer movimento, pois só se via um negrume infinito.

 

Quatro seres vivos viram-se diante dum problema. Como ajudar seus amigos e companheiros, que tinham permanecido em outra dimensão temporal?

Era um halutense, dois ratos-castores e um humano...

— Receio que estejamos condenados à inatividade — disse Wuriu Sengu depois de algum tempo em tom resignado. — A única coisa que posso fazer é continuar a examinar este quadro de comando.

— Se descobrir seu segredo, isso não adiantará nada, nem para nós, nem para a Crest II — disse Geco. — Não temos nenhuma espaçonave que nos permita alcançar, depois da regulagem do transmissor solar, a concentração de energia situada entre os sóis geminados, e os outros já não têm nenhuma estação de regulagem.

— Além disso — disse Gucky — nem Rhodan nem nós seríamos capazes de fugir deste sistema sem levar os outros. Acho que com isto o círculo se fechou.

— Não se fechou coisa alguma — disse Icho Tolot, que Gucky já voltara a colocar em chão firme. — Todos esqueceram um detalhe.

Os companheiros fitaram os três olhos vermelhos do halutense com uma expressão de curiosidade.

— Liguei o dispositivo temporal de segurança. Foi por causa dum lamentável engano. Quem sabe se não deveríamos fazer um esforço de descobrir a segunda chave, partindo do pressuposto de que qualquer aparelho que pode ser ligado também pode ser desligado.

Gucky quis soltar um assobio com o dente roedor solitário, mas não conseguiu.

— Você chegou lá, Tolot. Dali em diante não direi que você é um cabeça de vento, mas uma cabeça inteligente. Mas quem sabe se não quer contar qual dos inúmeros comandos é aquele que desativa o dispositivo de tempo?

— Para que serve Sengu? — resmungou Tolot.

— Isso mesmo. Para que serve o homem que possui olhos de raios X? — escarneceu Geco numa espécie de humor fúnebre.

Sengu abanou lentamente a cabeça.

— Por favor, não baseiem suas esperanças exclusivamente em mim. Não sou nenhum mágico, embora minhas para-capacidades me permitam olhar através duma parede sólida. Terei muito prazer em explicar o que estou vendo, mas não sou nenhum técnico e por isso não sou capaz de compreender tudo.

— Você fez um curso especializado — lembrou Gucky.

Um sorriso triste apareceu no rosto de Sengu.

— Isso me torna capaz de compreender a maior parte dos princípios técnicos conhecidos, meu caro Gucky. Acontece que a técnica utilizada aqui não é conhecida. Logo, meus conhecimentos especializados não adiantam muito. Quem dera que o Chefe estivesse aqui! Ele possui algo mais que os simples conhecimentos: a capacidade de combinar os mesmos conjugada com a fantasia.

— Tolice! — disse Gucky em tom seco. — Isto você também tem.

— Está bem; vou tentar — disse Sengu. — Não tenho outra alternativa, não é mesmo?

— Não temos outra alternativa — retificou Tolot. — Todo mundo terá de fazer um esforço. Sengu, faça o favor de observar e transmitir todos os seus pensamentos, suposições e constatações, para que também possamos processá-los. Se enfrentarmos o problema juntos, haveremos de encontrar a solução. Se necessário, teremos de arriscar algumas experiências.

— Isso não! — gritou Geco em tom apavorado. — Não mesmo! Já estou cheio das suas experiências.

Gucky suspirou fortemente.

— Se você não fosse um novato, meu filho, deveria saber que quase todas as ações levadas a efeito por Rhodan consistiram numa série de experiências arriscadas. Se não tivéssemos assumido constantemente riscos enormes, dificilmente teríamos saído do Sistema Solar. Vamos começar Sengu.

Wuriu Sengu sentou à frente do quadro de comando, com as pernas cruzadas, e parecia mergulhar numa espécie de transe. Os outros ficaram de pé e puseram-se a escutar as palavras que Sengu proferia em voz baixa, tentando concatenar as informações com base nos comandos visíveis para transformá-las num todo sistemático. Era como um mosaico formado por milhares de pedrinhas, com as quais se pretendia compor um quadro de forma desconhecida, mas efeitos conhecidos.

A superioridade do cérebro programador de Tolot logo se fez notar. Este cérebro, com o qual os halutenses planejavam, pensavam e combinavam, possuía uma densidade cerca de dez mil vezes superior à dos computadores positrônicos conhecidos — e sua potência excedia a destes na mesma proporção.

O halutense caminhava em torno do quadro de comando que nem um tigre em torno da presa que acaba de farejar. De vez em quando chegava mais perto, fazia sair os olhos presos às hastes e os balançava junto aos comandos. A cabeça semi-esférica girava ininterruptamente nas juntas do pescoço.

As palavras de Wuriu Sengu saíam de sua boca sem que se notasse qualquer movimento dos lábios. Até parecia que não estavam sendo pronunciadas conscientemente, mas numa espécie de sono. Apesar disso eram precisas e perfeitamente compreensíveis.

De repente Icho Tolot estremeceu.

— Pare!

Wuriu Sengu levantou automaticamente a cabeça.

— O senhor acaba de me dar uma idéia, Sengu. Acho que já sei qual é o comando que controla o fluxo de energia.

Antes que alguém pudesse formular uma objeção, Tolot comprimiu uma barra estreita. No mesmo instante todos os botões, barras e placas de comando se iluminaram.

— Meus parabéns, cabeça inteligente! — exclamou Gucky em tom entusiasmado.

— Pela Via Láctea! — gemeu Geco. — Fiquei tão assustado que quase tive um infarto.

Todos riram. O êxito alcançado por Tolot deixara-os mais confiantes.

— Vamos continuar! — ordenou o halutense.

Todos voltaram a concentrar-se.

Os segundos arrastavam-se preguiçosamente, enquanto a tensão crescia cada vez mais. Especialmente Gucky estava preocupado com os amigos que se encontravam em outra dimensão — na dimensão correta. Mesmo que tivessem sucesso dentro de alguns minutos, não seria tarde quando voltassem à dimensão temporal correta, tarde para antecipar-se ao ataque da nave-lápis?

— Pare! — voltou a ordenar Tolot.

Gucky endireitou o corpo. Estava curioso.

— Encontrou o outro comando de mudança de tempo?

— Não tenho certeza — respondeu o halutense. — Tenho a impressão de ter descoberto o segredo da regulagem do transmissor. — Um dos seus três olhos fitou uma saliência semi-esférica situada entre os outros comandos. — Se conseguíssemos fazer a esfera sair da reentrância em que está presa...

Tolot não chegou a completar a frase. Estupefato, fitou o mais comprido de seus braços direitos, que de repente se movimentou independentemente de sua vontade, e até contra a mesma. Para um halutense acostumado a exercer um domínio completo sobre seu corpo isso deveria ser um choque tremendo.

Gucky viu que o movimento tinha origem na mão imaginária do halutense. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Tolot virou-se abruptamente. O movimento não foi tão rápido como Gucky estava acostumado a ver no halutense.

Alguma coisa estava travando o gigante.

Alguma coisa, concluiu Gucky no mesmo instante, que segurava a mão do halutense que tinha permanecido na dimensão temporal certa.

O corpo de Tolot entesou-se. Dali a pouco toda a força do mesmo seria colocada no braço direito, a fim de sacudir a coisa apavorante vinda de outra dimensão, que procurava segurá-lo.

Mas Gucky logo se recuperou do susto e descobriu a solução do fenômeno.

— Espere aí! — gritou com a voz muito aguda. — Não faça nenhum movimento, Tolot! Deixe o corpo bem descontraído, solte as juntas! Alguém quer orientar-nos.

Ao que parecia, Tolot ainda não se recuperara do choque. Estendeu a mão esquerda em direção à arma energética, mas assim mesmo atendeu ao pedido de Gucky — e alguém que continuava invisível conduziu a mão do halutense para um botão de aspecto insignificante.

Num movimento automático, Tolot baixou o dedo polegar...

 

Icho Tolot continuava jogado no chão, contorcendo-se de dores, enquanto Rhodan, Atlan, Redhorse, Hattra e os três mutantes assistiam a tudo, impotentes.

Finalmente o ruído do último grito cessou, e aconteceu uma coisa que Rhodan tanto esperava. O halutense superou o choque e recuperou o controle de seu metabolismo.

Uma vez submetido novamente à vontade do espírito, o metabolismo de Tolot regenerou com uma rapidez enorme a mão direita. Para os espectadores aquilo até parecia ser obra de fantasmas. Aquilo que pouco antes fora uma figura estendida, deformada, voltou às dimensões normais.

Perry Rhodan sorriu para o halutense.

— Foi duro, não foi? Mas acho que não tínhamos outra possibilidade.

O halutense surpreendeu todos com um sorriso estrondoso.

— O senhor arranjou isso de forma genial, Rhodan! — Voltou a ficar sério e sacudiu-se. — O espírito conduzindo a mão através da mão do espírito. Duas dimensões temporais cooperando.

Um forte estalo fez com que todo mundo se virasse para Hattra.

O robusto epsalense segurava o pulso direito e sorria, embaraçado.

— Perdão! Estava somente consertando o pulso destrancado. Por pouco Tolot não me arranca a mão.

— Agradeça a Gucky. Se não fosse ele, teria arrancado mesmo. Pensou um pouco mais depressa que eu.

Gucky fez um gesto generoso.

— Nada de elogios a esta hora. Não preciso deles. Minha fama...

— Fique quieto, baixinho — disse Atlan, interrompendo a fala de Gucky. — Respeito sua fama, mas no momento estou interessado com a regulagem do transmissor. Como vai isso?

— Tenho a impressão de que encontrei o comando certo — disse Tolot. Voltou a aproximar-se do quadro de comando. Colocou a mão sobre a saliência semi-esférica. No momento em que tocou nela, a esfera foi saindo da reentrância em que estava engastada. Ficou suspensa sobre o quadro de comando, sustentada por uma força misteriosa.

Uma seta luminosa surgiu na face interna da campânula. Apontava para um ponto situado no espaço vazio situado entre as galáxias.

Icho Tolot voltou a estender o braço. A esfera desapareceu em sua mão enorme. Tolot começou a movimentá-la cuidadosamente. A seta luminosa começou a deslizar.

— Que coisa fantástica! — disse Atlan. — E levamos tanto tempo para descobrir isso.

— Procure dirigir a ponta da seta para o centro de nossa galáxia, Tolot! — disse Rhodan depois de lançar um olhar apressado para o relógio. — Estou mesmo admirado porque o inimigo nos deixa em paz. Receio...

Ninguém ouviu o que Perry Rhodan estava receando. Sua voz foi superada pelo zumbido agudo de seu telecomunicador de pulso.

— O alarme! — gritou Gucky.

Ninguém ouviu suas palavras. Perry Rhodan completou imediatamente a ligação com a Crest II. O alarme foi terminando numa espécie de gemido.

— Rhodan falando!

— Coronel Rudo, senhor. A nave-lápis está atacando. Dentro de dois minutos devemos estar ao alcance dos seus tiros.

— Até parece que só estava esperando que colocássemos em funcionamento a estação — observou Atlan.

— Irei até aí! — respondeu Rhodan. — Prepare a nave para a decolagem e o combate.

Dirigiu-se a Tolot.

— Vamos deixá-lo. Gucky, Geco e Sengu ficarão aqui. Se necessário terei de ir para o espaço com a Crest, mesmo sem o senhor. De qualquer maneira, os ratos-castores levá-lo-ão para bordo. Ande depressa!

Tolot concentrou-se ainda mais intensamente no ajustamento.

— Parta logo, Rhodan! — insistiu. — Aqui não demorará muito.

Rhodan não respondeu. Bastou um olhar para que os ratos-castores entrassem em ação. Gucky segurou Rhodan e Hattra, enquanto Geco agarrava Atlan e Redhorse. Como a campânula não possuía entrada, só se podia sair dela por meio da teleportação.

Quando os ratos-castores voltaram sozinhos, os jatopropulsores da Crest II rugiram do lado de fora.

Geco tremia. Encostou-se a Gucky...

 

Perry Rhodan passou os olhos pela sala de comando e ficou satisfeito ao notar que todos estavam a postos.

— Vamos decolar! — disse em tom decidido. — Siga em direção ao inimigo.

Parecia que uma montanha gigantesca se desprendia da superfície de Quinta e estava sendo impelida ao céu pela irrupção dum vulcão. Quanto ao tamanho, a Crest II realmente era uma montanha, uma montanha de mil e quinhentos metros de diâmetro. Mas era também uma montanha que se precipitava para o espaço cósmico com a energia duma irrupção solar, cheia de armas mortíferas — e carregada dos desejos, anseios e esperanças dos seres humanos que se encontravam em seu interior.

E carregada ainda duma vontade indomável de ser mais forte que o inimigo.

Diante da nave-lápis que se aproximava rapidamente, Perry Rhodan ainda teve sangue frio para entrar em contacto com o Dr. Hong Kao pelo radiofone.

— O que diz o computador positrônico sobre o aparecimento desta nave, Kao?

— Chegou à mesma conclusão que eu, senhor. — Kao deu uma risadinha. — Somos de opinião que a nave-lápis pertence a uma esquadrilha de vigilância dos senhores da ilha. Esta gente não é tola, senhor. O planeta Power deve ter saído em algum lugar depois da desmaterialização, e certamente alguém soube tirar suas conclusões em relação aos acontecimentos que se desenrolavam no sistema de Gêmeos...

— E que conclusão! — disse Rhodan em tom de elogio. — Acho que a esta hora o senhor já compreendeu por que não atendi ao pedido dos físicos, que queriam ficar mais um dia em Sexta.

— Ora! — disse Kao. — Quer dizer que já sabia que...

— Seria mais exato dizer que tive um pressentimento, meu caro doutor. Mas vamos terminar por aqui. Não se esqueça de atar os cintos.

Perry Rhodan, que sempre fora conhecido como um homem que sabia transferir sua atividade intelectual instantaneamente de um setor para outro, concentrou-se imediatamente para a luta que era iminente.

Ao que tudo indicava, os seres que se encontravam a bordo da nave-lápis estavam subestimando a capacidade bélica da Crest II. A espaçonave negra recorreu à mesma tática que usara no primeiro confronto com a Box 8323. Virou um dos costados para a Crest II.  Os campos defensivos do supercouraçado foram ativados.

— Qual é a carga dos campos defensivos? — perguntou Rhodan pelo canal de intercomunicação que o punha em contacto com os pontos mais importantes da nave.

— Oitenta e nove por cento, senhor.

— Obrigado. — Rhodan deu uma risada zangada e fez um sinal para Mory, que estava sentada à sua frente. — Temos algo mais a oferecer que os posbis, embora o tamanho da Box fosse maior e ela certamente parecesse mais perigosa.

Mory respondeu alguma coisa, mas sua voz foi abafada pelo rugido dos conversores de energia.

A Crest II acabara de disparar uma bateria de costado contra o inimigo.

Depois foi um nunca acabar de estrondos, rugidos e solavancos. As miras automáticas tinham enquadrado o inimigo e apesar de todas as manobras desviacionistas não o soltavam mais. As armas variadas da Crest II despejaram tremendas massas de energia contra a nave atacante. A arma mais perigosa da nave-capitânea da frota solar continuava a ser o projetor de raios de conversão. Os canhões conversores, copiados dos posbis e aperfeiçoados dos terranos, arremessavam numa questão de segundos milhões de gigatons de energia fulminante contra o inimigo. O que tornava esta arma mais perigosa era que não havia como defender-se contra seus projéteis. Uma vez desmaterializados, corriam praticamente de forma instantânea para o alvo e detonavam no interior dos campos defensivos da nave-lápis.

A espaçonave negra foi sacudida por tremendas explosões. Rhodan esperava que a nave inimiga tivesse sido gravemente avariada durante a luta com a Box 8323, mas viu-se decepcionado. As avarias produzidas pelos posbis deviam ser de pequena extensão, ou então o inimigo havia aproveitado a pausa ligeira para reparar as mesmas.

De qualquer maneira, o fogo da nave-lápis tornou-se ainda mais intenso. Dali a pouco o homem que controlava o suprimento de energia foi obrigado a anunciar que os campos defensivos estavam sendo solicitados em cem por cento de sua capacidade.

Perry Rhodan cerrou os dentes.

— Vamos prosseguir nos ataques, coronel Rudo! Não sairemos daqui enquanto Tolot e os mutantes não voltarem e anunciarem que o ajustamento do transmissor solar foi completado.

 

— Ande mais depressa, Tolot! — insistiu Gucky. O rato-castor tremia de tão nervoso que estava. Imaginava que Rhodan estava tremendo seu combate lá fora.

— Mais depressa não é possível — disse o halutense. — Só consigo mover a esfera bem devagar. Sem dúvida isso acontece porque de outra forma a energia tremenda do transmissor solar poderia escapar ao controle.

Fazia esforços desesperados para girar a esfera, mas esta só cedia milímetro após milímetro.

A ponta da seta luminosa deslocava-se visivelmente em direção à Via Láctea. Esta cintilava numa multidão alucinante de luzes. Cada sinal luminoso parecia ser o símbolo duma estação de transmissor. Parecia haver milhares delas.

O que ressaltava mais nitidamente era o gigantesco transmissor hexagonal situado no centro da Via Láctea, através do qual a Crest II tinha sido arremessada para o inferno do sistema de Gêmeos. Apesar das dimensões reduzidas do símbolo luminoso, a constelação hexagonal característica apareceu no interior do mesmo.

Com uma lentidão incrível — devagar demais — a seta luminosa foi girando na direção desse sinal.

Icho Tolot gemia e fungava, num esforço inútil de fazer a esfera de comando girar mais depressa. Finalmente soltou-a. Estava esgotado. Os braços pendiam molemente junto ao corpo.

— Não agüento mais!

Gucky aproximou-se resolutamente sobre suas pernas curtas.

— Vou continuar!

Fixou os olhos redondos na esfera.

— Espere! — gritou Sengu.

O rato-castor virou a cabeça para o mutante espia. Parecia irritado.

— Não precisamos girar mais a esfera — disse Sengu em tom apressado. — Olhem! A seta luminosa contínua a deslocar-se em direção ao transmissor hexagonal. Acho que Tolot já ultrapassou o ponto em que o comando poderia girar para outra estação. Parece que o resto fica por conta dum mecanismo de ajustamento automático.

— Esperarei até que o ajustamento tenha sido completado! — disse Tolot em tom zangado. — Rhodan confia em nós, e não vamos decepcioná-lo.

Não pôde cumprir suas intenções. Os telecomunicadores voltaram a zumbir no ritmo típico do alarme. Gucky respondeu.

— Rhodan falando! — disse a voz saída de todos os receptores, em meio ao crepitar das interferências. — A Crest só poderá manter-se por mais alguns segundos. Já conseguiram alguma coisa?

— A seta luminosa está girando em direção ao transmissor hexagonal Perry. Parece que só falta um ajustamento final automático. Este funciona sem nossa interferência.

— Voltem imediatamente! — Havia um tom de pavor na voz de Rhodan. — Por aqui é um inferno. Temos que dar o fora quanto antes.

— Estamos indo! — piou Gucky. Agarrou-se ao halutense, enquanto Geco segurava Sengu.

No mesmo instante a campânula ficou vazia.

Só restava uma flecha luminosa que continuava a girar lentamente...

Materializaram num inferno.

As pessoas que se encontravam na sala de comando da Crest II já não estavam em condições de sair de suas poltronas anatômicas para ajudar os mutantes que acabavam de chegar com Tolot. O fogo energético azul saído da proa da nave-lápis não conseguia romper o campo defensivo, mas provocava vibrações tão fortes no mesmo que parte da energia dos neutralizadores foi subtraída automaticamente dos mesmos.

Os neutralizadores de pressão não funcionavam com uma precisão suficiente para compensar todos os solavancos.

Mas Rhodan já tinha tomado suas providências.

Os recém-chegados só ficaram expostos aos incômodos solavancos por uma fração de segundo. Logo foram agarrados pelos robôs que estavam de prontidão e amarrados em leitos anatômicos. Apesar dos esforços que tinha feito no interior da estação de regulagem, Icho Tolot ainda possuía forças suficientes para dispensar o auxílio. Afastou calmamente o robô reservado para ele, virou-se e saiu caminhando em direção a uma poltrona especial que ficava perto de Rhodan.

Fungava ruidosamente.

— Missão cumprida, Rhodan! — ressoou sua voz potente em meio ao barulho. — Fizemos o que estava ao nosso alcance. O ponteiro estava girando em direção ao transmissor hexagonal, quando saímos da estação. Acho que conseguiremos.

Sem dizer uma palavra, Rhodan apontou para o acoplamento do fio do intercomunicador de laringe. A designação não era muito exata. Fosse qual fosse a parte do corpo em que era colocado, o aparelho absorvia as ondas sonoras transmitidas através do esqueleto e conduzia-as ao ouvido do interlocutor, através do esqueleto do mesmo.

Tolot compreendeu e ligou os cabos.

— Muito obrigado, Tolot — disse Rhodan. — Tomara que não seja tarde. Há quarenta segundos o coronel Rudo vem tentando retirar a Crest II da área de ação do raio energético azul. Por enquanto não conseguiu.

— Pois procure defender-se, Rhodan.

— É o que estamos fazendo.

A voz de Rhodan parecia embaraçada. Tolot compreendeu que estava havendo uma prova de força entre as duas naves inimigas, e que nenhuma delas poderia fugir à mesma. Pela primeira vez o halutense sentiu o pavor que experimentamos quando nos defrontamos com um destino do qual já não podemos esquivar-nos.

As salvas da Crest II rugiam num ritmo incessante. Tornaram-se acusticamente perceptíveis em virtude do aumento do barulho dos conversores. Assemelhava-se ao ritmo furioso de milhares de tambores.

De repente outro ruído misturou-se ao inferno acústico.

Até parecia que num concerto infernal executado por milhares de instrumentos repentinamente sobressaísse um deles. Por enquanto ninguém sabia o que significava isso.

Um grito soou nos receptores de intercomunicação.

— O raio energético azul!

Mais tarde ninguém saberia dizer quem soltara esse grito. E nem havia quem estivesse interessado nisso.

Rhodan estava com os olhos presos na imagem filtrada da nave-lápis. Viu que o raio energético azul estava cada vez mais fraco. Até parecia que estava voltando ao lugar de onde viera.

O uivo dos neutralizadores de pressão sobrecarregados cessou abruptamente. A Crest II ficou em repouso. Mas a imagem dá nave-lápis continuava a dançar incessantemente, para um lado e para outro, para cima e para baixo.

Só havia uma explicação. O inimigo, do qual só se conhecia a parte exterior da nave e os armamentos da mesma, devia ter sofrido avarias tão graves que resolvera suspender a luta. Gingando e balançando ininterruptamente, mas desenvolvendo uma velocidade incrível, a espaçonave negra bateu em retirada.

Um grito de alívio saído de inúmeras gargantas ressequidas brindou o fato.

Mas o grito cessou de repente, sendo substituído por um temor paralisante, quando os dois sóis gêmeos começaram a dardejar fogo como se fossem novas.

 

O especialista da USO Melbar Kasom agarrou o canto da mesa com suas garras de ertrusiano e inclinou o tronco para Rhodan.

— Senhor, recomendo encarecidamente colocar toda a tripulação em estado de congelamento narcótico! — disse em tom enfático. — Acredite em mim. A bordo da Box 8323 fizemos excelentes experiências com o processo. O senhor já conhece o tremendo choque de transição provocado pelos transmissores solares.

— Não precisa descrevê-lo — respondeu Rhodan em tom deprimido. Virou a cabeça e fitou os monstros chamejantes que há poucos segundos ainda tinham o aspecto de sóis amarelos normais.

— Trata-se duma precaução, senhor — continuou a insistir Kasom. — Não sabemos quantos choques desse tipo a tripulação é capaz de suportar. O congelamento narcótico garantirá sua integridade psíquica.

Perry Rhodan recostou-se na poltrona e fechou os olhos. A imagem dos dois tripulantes da Omaron, uma nave desaparecida, surgiu com uma tremenda nitidez em seu espírito. Os dois tinham deixado de ser criaturas humanas: estavam reduzidos, a feixes de nervos que soltavam gritos animalescos. Mais tarde ele mesmo verificaria qual era a causa dessa alteração psíquica. Foi quando a Crest II entrou no transmissor hexagonal situado no centro da Galáxia. Um lampejo fulgurante saído da concentração energética que ficava entre os sóis expôs a Crest II e seus tripulantes a um choque gravitacional da quinta dimensão. Ninguém ficou inconsciente, mas todos tiveram um súbito acesso de loucura que os fez correr pela nave, chorando e gritando. Nem mesmo Icho Tolot escapara ao choque vindo de surpresa.

Rhodan não sabia se o ser humano era capaz de acostumar-se a influências psíquicas de grande alcance como esta, se adquiria uma espécie de imunidade para os mesmos, mas sabia que podia acontecer exatamente o contrário.

— Está bem, Kasom. O senhor possui mais experiência neste setor que nós. Dê ordem aos robôs médicos para que submetam toda a tripulação ao processo de congelamento narcótico.

Melbar Kasom parecia mais aliviado.

— Muito obrigado, senhor!

O ertrusiano, um homem gigantesco, que só poderia ser comparado com Tolot, saiu gingando em direção ao quadro de comando central.

Quando, os primeiros robôs médicos apareceram na sala de comando, quando as primeiras seringas pressurizadas começaram a chiar e os tripulantes foram caindo um após o outro em seus leitos anatômicos, quando o ar insuflado pelo equipamento de climatização começou a ficar bem mais frio, Atlan resolveu dirigir a palavra mais uma vez a Rhodan.

— Por que esperou tanto, amigo?

Perry Rhodan fez como se não compreendesse o sentido da pergunta.

— O que quer dizer com isso, arcônida?

Atlan ergueu o tronco enquanto um robô mudava a posição de seu leito anatômico. O rosto do velho arcônida parecia agitado. Os olhos avermelhados encheram-se com o líquido da excitação.

— A mim você não engana, bárbaro. Acha que a transição da Crest não vai correr conforme os planos, não é mesmo?

Um sorriso triste apareceu nos lábios de Rhodan.

— Por que não haveria de correr segundo os planos? Podemos confiar em Tolot e Gucky, e...

Tolot, que já recebera sua injeção, movimentou-se mais uma vez, um tanto atordoado.

— Isso mesmo, Administrador Geral! Pode confiar em mim.

— Você ouviu, arcônida; Até a vista, no transmissor hexagonal!

Uma seringa pressurizada chiou.

Atlan recostou-se e descontraiu o corpo.

— Até a vista, em nosso mundo, bárbaro.

Rhodan teve que deduzir estas últimas palavras dos movimentos dos lábios do amigo. Um robô médico parou à sua frente.

Arriscou mais um olhar para a tela dos hiper-rastreadores, para a figura em forma de lápis que balançava sobre a mesma, para os dois sóis chamejantes e para a concentração de energia formada no centro do transmissor, que parecia despertar para uma atividade alucinante.

Caiu para trás, com o corpo dormente.

 

Os robôs médicos já tinham cumprido sua missão.

Imóveis como estátuas, estavam espalhados por todas as partes da Crest II, pela sala de comando, pelo centro de controle de artilharia, pelas posições dos canhões, pela sala de máquinas — por toda parte em que houvesse humanos ou outros seres orgânicos que precisariam de seu auxílio depois que a nave chegasse ao destino.

Os robôs não tinham nenhum interesse em saber onde ficava esse destino. Tinham tempo, um tempo inconcebível. Em algum tempo e lugar a tripulação da nave sairia da transição, e só então entrariam em ação.

Os sóis continuavam a chamejar.

A concentração energética situada em seu centro de gravidade comum expelia nuvens incandescentes, que ora assumiam a forma dum gigantesco círculo, outras vezes tinham o aspecto dum arco de portão ou dum corpo em espiral.

Dentro de alguns segundos o raio energético vermelho-alaranjado de Quinta atingiu a Crest II com a força dum relâmpago cósmico e envolveu a nave e seus tripulantes num campo de choque da quinta dimensão. Além disso, o raio desempenhou as funções dum cabo, que arrastava a Crest II em velocidade cada vez maior para os sóis.

Os tripulantes da nave não sentiram nada. Era como se estivessem clinicamente mortos. Gucky, o rato-castor, foi o único que em certa oportunidade soltou um grito estridente. Mas uma dose mínima de injeção voltou a imobilizá-lo.

O portão infernal de Quinta crescia com uma velocidade tremenda na tela frontal.

Para onde o mesmo arremessaria a Crest II...?

 

                                                                                            H. G. Ewers  

 

                      

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