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Os Salvadores da Crest / Clark Darlton
Os Salvadores da Crest / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Os Salvadores da Crest

 

Pelos padrões cósmicos, os humanos do planeta Terra são principiantes no palco galáctico. Apesar disso Perry Rhodan e seus leais companheiros conseguiram transformar o Império Solar da Humanidade, até o ano 2.400, no maior fator de poder político, econômico e militar da Via Láctea.

Existem 1.112 planetas e 1.017 sistemas solares colonizados pelos humanos. Outros 1.220 mundos, além de numerosas luas e estações espaciais espalhadas por vários setores da Galáxia, são utilizados como bases do comércio solar ou da frota do Império Solar. Com a inclusão do grupo estelar do Presépio na constelação do Câncer e a exploração das Plêiades, situada na constelação do Touro, surgiu um Império compacto, fácil de proteger pela Frota Solar, que pode atravessá-lo num espaço de tempo muito curto. Nestas condições não é de admirar que em agosto de 2.400 Perry Rhodan suba a bordo da Crest II, a nova nave-capitânea de sua frota, para dedicar-se a um velho problema: a busca do planeta Kahalo, cuja posição exata no interior da concentração central da Via Láctea nunca pôde ser determinada. Durante as buscas, a Crest encontra o hexágono de sóis, entra no campo de ação dum gigantesco transmissor — e é atirada no abismo intergaláctico, indo parar num sistema solar artificial, situado a 900.000 anos-luz da Terra.

Os homens que se encontram a bordo da Crest enfrentam uma situação extremamente possível. O regresso à Terra parece impossível... Mas os que continuam na Galáxia não permanecem inativos. Os Salvadores da Crest preparam-se para o salto através do transmissor solar!

 

                                                  

 

Sete Homens e uma criatura não-humana estavam sentados em torno da mesa alongada. Uma luz suave, mas muito forte brilhava no teto. Além dos rostos, iluminava os documentos em papel plastificado, dos quais se viam enormes pilhas à frente de cada pessoa.

Era uma sala grande, escassamente mobiliada. Só havia a mesa, algumas cadeiras dispostas em torno da mesma e várias telas presas a uma das paredes. As janelas altas e largas deixavam à vista uma metrópole distante e um gigantesco porto espacial. Em cima do quadro estendia-se um céu esverdeado, limpo e sem nuvens. O sol, cujos raios penetravam na sala, também era verde. Sua luz produzia reflexos fantasmagóricos nos rostos dos homens.

Os sete homens eram:

Reginald Bell, Marechal de Estado e Chefe da Frota Terrana de Reconhecimento; O Marechal Solar Allan D. Mercant, Chefe da Segurança Galáctica; O substituto do Comandante da Frota, Marechal Solar Julian Tifflor; Melbar Kasom, Especialista da USO nascido em Ertrus e Coronel de profissão; Wuriu Sengu, um mutante japonês, conhecido como o espia; o professor Dr. Arno Kalup, o especialista mais importante na área de propulsores de espaçonaves; e o Almirante Onton Hagehet, comandante da base de Opposite.

A criatura não-humana era um rato-castor, mais precisamente Geco, um indivíduo que não era nenhum desconhecido. Pequeno e encolhido, parecia meio perdido entre Reginald Bell e Allan D. Mercant. Fazia questão de que sua presença não deixasse de ser notada.

O assunto em pauta na reunião que estava sendo realizada no planeta Opposite era bastante sério.

A nave-capitânea do Império Solar estava completamente desaparecida há dias, e havia razões para suspeitar que ela e seus tripulantes estavam enfrentando as maiores dificuldades. A Dauntu, um couraçado da USO, tivera oportunidade de observar que a Crest II, com Rhodan, sua esposa Mory e o Lorde-Almirante Atlan a bordo penetrara no misterioso hexágono de sóis situado no centro da Via Láctea e se dissolvera em meio a um fenômeno luminoso. Esta observação fora introduzida no centro de computação Natã, instalado na Lua terrana, juntamente com outros dados, para que ele os interpretasse.

Bell fez mais um resumo.

— Natã deixou fora de dúvida que temos uma chance. Se não fosse assim, não estaríamos reunidos aqui. Todos, com exceção do Almirante Hagehet, estão informados sobre a interpretação. Farei uma ligeira repetição do que aconteceu e do resultado a que chegou Natã.

— Durante as operações destinadas a localizar o misterioso planeta Kahalo, que por enquanto se revelaram infrutíferas, Rhodan descobriu no centro da Via Láctea a estranha conjunção de estrelas que dali em diante passou a ser designada como o hexágono de sóis. Apesar dos propulsores que funcionavam em sentido contrário, a Crest II foi atraída irresistivelmente pela tremenda gravitação, ou seja lá o que for, em direção ao centro dos seis sóis, onde desapareceu em meio a estranhos fenômenos luminosos. A Dauntu teve muita dificuldade em escapar ao mesmo destino. Retornou e fez um relato dos acontecimentos.

— Os dados fornecidos eram escassos, mas foram suficientes para que Natã fizesse algumas constatações e talvez até apurasse certos fatos. A data do desaparecimento foi o dia 15 de agosto de 2.400. No dia 17 do mesmo mês de agosto a Dauntu chegou a Opposite. No mesmo dia interrogamos Natã. O supercérebro biopositrônico afirma que os seis sóis são simplesmente um gigantesco transmissor de matéria, que age a uma distância incrível. Natã ainda concluiu que qualquer objeto transportado por meio de forma tão precisa forçosamente há de rematerializar numa estação receptora conjugada. Nem mesmo Natã soube dizer de que forma se realiza esta rematerialização. O cérebro simplesmente formulou uma conjetura. Em sua opinião deve existir um transmissor solar parecido, que desempenha as funções de estação receptora. Por isso mesmo Natã acha altamente provável que uma expedição de resgate rematerializaria sã e salva no mesmo ponto em que se verificou a rematerialização da Crest II.

— Assim que o resultado chegou às nossas mãos, o plasma central do Mundo dos Cem Sóis nos ofereceu seu auxílio. No mesmo instante uma nave fragmentária completamente equipada partiu do porto espacial daquele mundo, em direção a Opposite. De acordo com as mensagens recebidas, esta nave deverá chegar ainda hoje. Veremos qual é a opinião do plasma e dos posbis. Uma coisa é certa. Ambos são aliados em que podemos confiar; talvez sejam os melhores que temos.

Alguém pigarreou fortemente. Geco percebeu que todo mundo o fitava com uma expressão de curiosidade e sentiu-se bastante embaraçado. Sorriu exibindo o dente roedor. Naquele momento não havia nada que o distinguisse de Gucky, seu grande modelo. Bell sorriu.

— É claro que tudo que acaba de ser dito não se aplica aos presentes — disse Bell em tom paternal para tranqüilizar o rato-castor. — Não há necessidade de ressaltar que podemos confiar nos ilts. — Seu rosto voltou a assumir uma expressão séria. — Assim que a nave fragmentária pousar neste planeta, concluiremos os preparativos. Ninguém sabe quais são os planos do plasma e dos posbis. Quer dizer que a única coisa que podemos fazer no momento é esperar.

— Já perdemos muito tempo — disse Allan D. Mercant com a voz tranqüila. — Em hipótese alguma devemos permitir que se repita aquilo que conseguimos superar nos últimos decênios. O Império Solar levou mais de sete decênios para recuperar-se do choque provocado pelo desaparecimento de Rhodan.

— Com exceção de algumas pessoas bem informadas, ninguém sabe o que aconteceu — disse Bell para tranqüilizá-lo.

Melbar Kasom, o gigantesco ertrusiano, fez um movimento cauteloso. Parecia não confiar em sua poltrona especial e dava a impressão de ter medo que a mesma quebrasse com seu enorme peso.

— Vivo me recriminando — confessou. — Sou o chefe da guarda pessoal de Mory Rhodan-Abro. Não deveria ter permitido que ela acompanhasse Rhodan neste vôo e...

— O que poderia ter feito? — perguntou Bell em tom sarcástico.

Melbar Kasom fez um gesto triste. Bell tinha razão. Realmente não havia nada que ele pudesse ter feito. Afinal, não podia proibir Rhodan de levar sua esposa.

Julian Tifflor olhou para o teto. Dava a impressão de estar à procura duma resposta à pergunta sobre o que realmente tinha acontecido com a Crest II. Por enquanto tudo se baseava somente em suposições. Um transmissor de matéria formado por seis sóis! Era uma idéia fantástica e inconcebível, na qual dificilmente se poderia acreditar. Quem poderia ter construído um transmissor como este? Sem dúvida não tinham sido os arcônidas ou seus antepassados.

Quem mais poderia ter sido?

Será que na Via Láctea existia uma raça capaz disso, com a qual os homens ainda não se haviam encontrado? Parecia quase impossível. Mas devia ser isso mesmo, a não ser que...

Sim, devia ser isso mesmo!

Quando a idéia atravessou sua mente que nem um relâmpago, Julian Tifflor estremeceu. Fitou os homens que o olhavam sem compreender nada. Afinal, não podiam saber por que Tifflor se assustara tanto.

— O que houve com o senhor, Tifflor? — perguntou Allan D. Mercant.

— Se os seis sóis realmente formam um transmissor, este só pode ter sido construído por alguém com quem nunca nos encontramos, no qual nunca ouvimos falar e a respeito do qual ninguém sabe nada. Em outras palavras, o transmissor foi construído por seres inteligentes que não estão radicados em nossa Via Láctea.

Bell acenou a cabeça com uma ostensiva indiferença.

— E até bem provável que seja assim — disse com a maior calma. — Natã afirma a mesma coisa. Mas isso não altera o fato de estarmos em apuros — e Rhodan com seus companheiros certamente também. Se aquilo realmente é um transmissor, então transporta a matéria ao ponto de destino sem perda de tempo. O caminho de volta também seria percorrido sem perda de tempo. Acontece que a Crest II ainda não voltou. Acho que isso prova que a nave está em dificuldades.

Julian Tifflor voltou a recostar-se na poltrona. Talvez esperasse uma reação diferente à idéia sensacional que acabara de ter. Mas o fato de terem dado, talvez pela primeira vez, com a pista de inteligências intergalácticas, não parecia emocionar ninguém.

O Almirante Hagehet fez um gesto para Bell e levantou-se. Caminhou para a parede em que ficavam as numerosas telas e comprimiu um botão que ficava em baixo duma lâmpada que se acendera há alguns segundos.

O rosto dum oficial apareceu na tela correspondente.

— Que houve, Hargery?

— Uma notícia importante, senhor.

— Vá falando.

— A nave fragmentária que está sendo esperada acaba de entrar em contacto pelo rádio com o porto espacial. Pede permissão para pousar.

— Pois dê a permissão.

— Isto já foi feito, senhor. Só quis informá-lo.

— Está bem, Hargery. Providencie tudo que for necessário. Estarei aí dentro de dez minutos. Desligo.

A tela apagou-se e escureceu. O almirante Hagehet voltou ao seu lugar. Esperou que Bell fizesse uso da palavra.

— Até que enfim chegou a hora. Logo saberemos mais alguma coisa. — Dirigindo-se ao almirante, prosseguiu: — Vá andando; iremos depois.

— Por que resolveu mandá-lo embora? — perguntou Mercant com um ligeiro tom de recriminação na voz. — Poderíamos ir com ele.

— Não convém — disse Bell. — Certa vez assisti ao pouso duma nave fragmentária. E um espetáculo que prefiro não ver mais. Alguma coisa se desprendeu do casco da nave e quase me caiu na cabeça. Sabe lá como são estas naves?

 

As fragmentárias realmente eram naves terríveis.

A que se encontrava no campo de pouso era um cubo irregular com cerca de dois quilômetros de aresta. Havia saliências assimétricas em seu casco, cúpulas redondas, estranhas antenas e inúmeras escotilhas. Os geradores montados no interior da nave produziam um imenso campo antigravitacional, que fazia com que a massa tremenda ficasse suspensa apenas alguns centímetros acima do solo. Se não fosse isso, o peso da nave provavelmente afundaria o solo.

Quando Bell e seus companheiros estavam chegando ao porto espacial, algumas escotilhas se abriam na nave fragmentária. Alguns posbis saíram pelas mesmas.

Esses posbis eram bem diferentes dos antigos robôs posbis. O plasma central realizara algumas modificações com os mesmos e passara a cobri-los com um revestimento de plástico. Em seu aspecto exterior apresentavam certa semelhança com os seres humanos, embora tivessem dois metros e meio de altura. Além disso, não possuíam dois braços, mas quatro

O cérebro não sofrera nenhuma modificação. O complemento biológico tornava os robôs capazes de pensar individualmente, muito embora este pensamento tivesse limites bem definidos. Como de costume, a comunicação entre estes seres e os terranos era feita por meio de pequenos aparelhos portáteis, os chamados conversores de símbolos, que transformavam os impulsos verbais dos posbis em sons humanos, e vice-versa.

Um grupo de três posbis veio bem na direção de Bell e seus companheiros. O almirante Hagehet já se juntara novamente a eles. Ao que tudo indicava, o robô que ia no centro era o chefe do grupo, pois parou bem em frente de Bell e baixou os olhos para ele numa expressão compenetrada. Esperava que alguém lhe dirigisse a palavra.

Geco, que se sentia um tanto assustado diante das enormes figuras, preferiu ficar um pouco mais afastado.

— Sejam bem-vindos em Hondro — principiou Bell, apontando com a mão direita para a nave fragmentária. — Vejo que o plasma do Mundo dos Cem Sóis cumpriu sua palavra.

— Pediu-me que transmitisse seus cumprimentos aos terranos — respondeu o posbi. — Viemos para ajudá-los, da mesma forma que fomos ajudados por vocês no passado. Sou o comandante da Box-8323. Meu nome é P-1. Meus companheiros se chamam P-2 e P-3. Trouxemos um plano. Gostaria de expô-lo assim que vocês estiverem dispostos a ouvir-nos. Trata-se dum plano que não coloca em risco mais nenhum terrano.

O plano dos posbis e do plasma central era simples e fantástico ao mesmo tempo.

A Box-8323 era uma das naves mais modernas do Mundo dos Cem Sóis. P-l apresentara-se como comandante da mesma, mas na verdade era apenas o poder executório. Na realidade os comandantes eram quatro cérebros de plasma, dispostos em forma de retângulo na sala de controle. Estes cérebros forneciam as instruções, que eram recebidas e re-transmitidas por P-l.

Uma vez devidamente equipado, a nave fragmentária penetraria, sem tripulantes humanos, no hexágono de sóis, nas mesmas condições da Crest. Caso os seis sóis realmente fossem uma estação de transmissor automática, a nave fragmentária seria transportada pela mesma. Segundo a previsão de Natã, materializaria no mesmo lugar que a Crest.

Dessa forma a Box-8323 apareceria nas proximidades da Crest.

Neste ponto Allan D. Mercant fez uso da palavra.

— Conversei com o Dr. Kalup. Somos ambos de opinião que é perfeitamente possível que a Crest esteja enfrentando algum problema técnico. Portanto, se a nave fragmentária se encontrar com ela isso nem de longe significa que a Crest esteja salva, a não ser que a Box-8323 leve todas as peças sobressalentes necessárias para fazer uma reforma geral dos propulsores da nave terrana. Além disso, teria de levar água e mantimentos. Em resumo: a nave fragmentária terá de levar tudo de que duas mil pessoas precisam para manter-se vivas. Quanto ao aspecto técnico, o Dr. Kalup poderá explicar melhor que eu. Por favor, doutor.

Kalup, um homem pesado e corpulento, continuou sentado. Tinha bochechas flácidas com veias azuis e poderia parecer tudo, menos um gênio. Mas era o maior cientista que o planeta Terra já tinha produzido. Como portava um ativador celular, possuía a imortalidade relativa, tal qual acontecia com quase todas as pessoas importantes do Império Solar. Não aparentava mais de cinqüenta anos.

— Se Natã não se enganou, — disse — e costumamos partir do pressuposto de que o centro de computação positrônico nunca erra, a Crest entrou num transmissor de matéria de dimensões gigantescas. Seja qual for o lugar para o qual a nave tenha sido transportada, o choque da transição deve ter sido tão violento que temos de contar com a ocorrência de danos graves. E isto não somente no organismo humano, mas principalmente nos equipamentos mecânicos. Todo mundo sabe que o sistema de propulsão linear é muito sensível. Uma reforma geral com os meios de bordo é praticamente impossível, a não ser que exista um conversor para fazer a troca. Quer dizer que a Box-8323 deverá levar uma oficina completa, pois só assim poderá ajudar a Crest. Mas o sistema de propulsão não é a única parte que corre perigo. Qualquer aparelhagem pode ter quebrado. Por isso a Box deverá levar todas as peças essenciais, para possibilitar o conserto da Crest. Caso isto não seja possível, Rhodan e seus companheiros deverão tentar voltar na Box. Isto, por sua vez, depende da distância entre nossa Galáxia e a posição atual da Crest. Segundo os cálculos do computador positrônico Natã, o transmissor — se é que se trata dum conjunto dessa espécie — foi construído para o transporte a grande distância. Talvez mesmo para a distância que nos separa de Andrômeda.

Finalmente Bell pigarreou. Sua voz soava insegura e entrecortada.

— Até Andrômeda — acho que é uma hipótese inteiramente fantástica. Quem poderia ter concebido e construído uma estação de transmissor desse tamanho?

— Nem mesmo Natã sabe dizer qual é a idade do hexágono de sóis — observou Mercant. — Pode ter alguns decênios, mas também é possível que sua idade chegue a vários milênios. Talvez seus construtores nem existam mais. Mas acho que é inútil discutir sobre quem construiu a estação. Devemos procurar um meio de ajudar Rhodan. E para isso não basta enviar a Box através do transmissor.

Neste ponto P-l voltou a fazer uso da palavra. O robô também continuou sentado, mas mesmo assim era tão alto que superava todos — todos menos Melbar Kasom.

— Já pensamos nisso — disse com sua voz mecânica, que só se tornou compreensível por meio da máquina tradutora. — Estava previsto que a Box-8323 penetraria no desconhecido somente com sua tripulação de dois mil robôs posbis a bordo. Restaria saber então de que maneira os que ficassem para trás ficariam sabendo que a nave fragmentária chegou ao destino.

— Estou curioso para saber qual foi a idéia do plasma central — disse Bell.

— Pois foi uma idéia muito boa — respondeu P-l em tom seco. — Antes de mais nada, permitam uma pergunta. No planeta Opposite existe algum cruzador da classe estado, que possa ser dispensado?

Bell olhou para o almirante Hagehet. O comandante da base de Opposite sorriu. Parecia inseguro.

— O que quer dizer com dispensar? Naturalmente há cruzadores da classe dos cem metros estacionados em Hondro. Se necessário, poderemos dispensar um deles. Resta saber que utilidade poderia ter uma nave tão pequena numa operação dessa envergadura.

— Quer dizer que é possível colocar à nossa disposição uma nave desse tipo?

Bell encarregou-se de responder.

— Naturalmente, P-l. Será que você poderia ter a gentileza de explicar o que pretendem fazer com o cruzador?

O posbi acenou com a cabeça.

— É para isso que estou aqui, senhor. É sabido que o raio de autonomia dum sistema de propulsão linear é de trezentos mil anos-luz, no máximo. Em outras palavras, o mesmo não pode percorrer mais de seiscentos mil anos-luz ao todo. Depois disso tanto a nave como o propulsor podem ser transformados em sucata: estão inutilizados. Para a operação que temos em vista precisamos duma nave nova, com propulsores novos. Suponho que os senhores disponham de uma.

Bell notou o olhar de Hagehet e confirmou com um gesto.

— Excelente — prosseguiu o robô. — Logo compreenderão por que isto é tão importante. O cruzador deve ser completamente esvaziado. Todas as aparelhagens e instalações devem ser retiradas, para criar mais lugar. Precisamos de lugar para mil bombas de Árcon.

— O quê...?

Bell fitou o robô com uma expressão de perplexidade. Mil bombas de Árcon... Era inacreditável! Mil bombas de Árcon bastavam para destruir mil planetas. Mil bombas de Árcon...

Bell abanou a cabeça.

— Já não compreendo mais nada — confessou.

Mercant e Kalup mantiveram-se em silêncio. Fitaram P-l com uma expressão de curiosidade. Esperavam uma explicação.

O robô não se fez de rogado.

— Segundo o plano, a Box-8323 deverá recolher o cruzador a bordo. Juntamente com as mil bombas. E altamente improvável que as bombas sejam detonadas ou inutilizadas pela transmissão de matéria. Deverão chegar ao destino juntamente com o cruzador e a nave fragmentária, seja lá onde fica esse destino. Assim que a Crest tenha sido localizada, a Box-8323 colocará o cruzador no espaço e o fará seguir em direção à Via Láctea.

— Em direção à Via Láctea? — Bell parecia espantado. — Quer dizer que em sua opinião a Crest não se encontra mais em nossa Galáxia?

— Temos certeza quase absoluta, senhor. — O robô não perdeu mais tempo com fatos que em sua opinião não tinham a menor importância. — Com uma vida média de seiscentos mil anos-luz, o cruzador percorrerá um trecho enorme, mas nem assim chegará à Via Láctea. Mas mesmo que as mil bombas sejam detonadas simultaneamente num ponto situado exatamente entre nós e Andrômeda, os senhores estarão em condições de detectar o raio, já que o mesmo se propaga instantaneamente pelo hiperespaço.

Mercant respirou aliviado. Kalup fez um gesto elogioso.

— Ah — limitou-se Bell a dizer.

— Trouxemos um detonador especial — prosseguiu P-l. — Durante o vôo o cruzador terá de retornar a espaços regulares ao universo einsteiniano, para evitar o desgaste prematuro das máquinas. Assim que sair do espaço linear pela última vez, quando o computador positrônico chegar à conclusão de que os propulsores estão gastos a ponto de não permitir mais uma penetração no espaço linear, o mesmo computador detonará as bombas.

— É um plano formidável — reconheceu Kalup sem demonstrar a menor inveja. — Isso nunca me teria ocorrido. Acho que uma detonação como esta seria percebida a um milhão de anos-luz.

— Até mesmo a olho nu — asseverou P-l e acrescentou: — É bem verdade que neste caso a luz levaria um milhão de anos para nos atingir. Mas como a detonação ocorrerá na quinta dimensão, as tremendas ondas de choque atingirão quase no mesmo instante suas estações de escuta. Pelo menos as que ficam na periferia da Via Láctea. Por isso é importante que todas estas estações se preparem para o acontecimento. Depois que a Box-8323 decolar, os rastreadores deverão ficar permanentemente guarnecidos. Quando o raio atravessar a quinta dimensão, vocês saberão que encontramos a Crest.

— O plasma central pensou em tudo — disse Julian Tifflor. — O almirante Hagehet mandará preparar imediatamente o cruzador da classe estado de que vocês precisam. As bombas terão de ser trazidas da Terra. Acho que o senhor Bell poderá cuidar disso.

— Será feito — prometeu Bell. — Além disso, providenciarei para que as estações da USO sejam informadas. Enviarei naves-correio, para evitar alguma pane. Se meu senso de orientação não me engana, o Mundo dos Cem Sóis fica aproximadamente na direção de Andrômeda. E o hexágono de sóis, embora colocado no centro da Galáxia, fica na mesma direção. E uma estranha coincidência, não é mesmo? De qualquer maneira enviarei uma nave-correio à estação Einstein. Caso ocorra uma explosão, esta oferecerá condições melhores para registrá-la.

— Natã provavelmente confirmaria seu raciocínio — conjeturou Julian Tifflor.

O almirante Hagehet levantou-se.

— Minha presença ainda é necessária, senhores?

— Providencie o cruzador especial, almirante — disse Bell. — Já sabe o que os posbis querem. Retire tudo que está dentro da nave. Mande fazer uma ligação de hiper-rádio com a Terra e avise-me assim que a mesma tenha sido completada. Além disso, prepare cinqüenta naves-correio, uma delas equipada com um sistema de propulsão em condições de atingir o Mundo dos Cem Sóis.

— Entendido, senhor.

O almirante Hagehet retirou-se.

O Mundo dos Cem Sóis ficava a quase trezentos mil anos-luz dos limites da Via Láctea, mais precisamente, a duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e doze anos-luz. A distância até a galáxia mais próxima, a nebulosa de Andrômeda, era cinco vezes maior. E um milhão e meio de anos-luz representavam um obstáculo insuperável para as espaçonaves de que se dispunha.

Havia várias teorias sobre como vencer esse trecho, conhecido como o grande abismo. Poder-se-ia usar um couraçado da classe império, retirando tudo que existia em seu interior, com exceção dos propulsores. Nesse caso seria perfeitamente possível colocar na esfera de mil e quinhentos metros de diâmetro uma nave da classe stardust, de oitocentos metros. Com esta se procederia de forma semelhante, abrigando em seu interior um cruzador da classe solar. Dessa forma seria possível atingir Andrômeda. Bastaria mudar de nave a cada quinhentos mil quilômetros, abandonando a que já estivesse gasta. O regresso seria feito com unidades cada vez menores, de tal forma que se chegasse à Terra numa nave-girino.

Mas isso não passava de teoria pura, que não passaria pelo teste da prática.

De repente ficou-se sabendo que existia um misterioso transmissor solar, que colocava em primeiro plano o tema Andrômeda, que de repente passava a despertar um interesse extraordinário. O avanço para o desconhecido transformara-se numa necessidade, pois era o único meio de salvar Rhodan. Se Natã não estivesse enganado, Rhodan encontrava-se pelo menos a meio caminho da nebulosa de Andrômeda.

Mas era possível que Natã estivesse errado.

Afinal, um centro de computação positrônico também poderia cometer um engano.

Nesse caso teria sido tudo em vão — salvo a experiência com a Box-8323. Realmente, onde quer que estivesse a Crest, a nave fragmentária percorreria o mesmo caminho e a encontraria. Feito isso, enviaria um mensageiro: o cruzador com mil bombas de Árcon a bordo.

O posbi P-l levantou-se.

— Se não tiverem nenhuma objeção, gostaria de supervisionar os preparativos. Já conhecem nosso plano e suponho que gostariam de discuti-lo mais um pouco. Caso tenham alguma pergunta, podem entrar em contacto comigo pelo rádio. Além disso, permanecerei à sua disposição para um contacto pessoal. Seria conveniente que a Box-8323 decolasse dentro de uma semana, tempo terrano.

— Até lá estará tudo pronto; não há problema — garantiu Bell. — Pode retirar-se, P-l.

O robô despediu-se com um gesto e saiu.

Julian Tifflor olhou para a porta fechada.

— Não posso deixar de reconhecer que o plasma central possui muita criatividade. Acho que até possui mais que qualquer um de nós. Quem teria tido essa idéia?

Bell levantou-se e passou a caminhar nervosamente de um lado para outro. Notava-se que havia alguma coisa que o deixava deprimido, mas ninguém perguntou o que era. Esperaram que ele mesmo resolvesse falar.

— Quanto a isso não existe a menor dúvida. O plasma tem idéias. E os posbis são nossos amigos e aliados. Podemos confiar neles. Mas não são humanos. Desenvolvem um pensamento lógico, mas não sei se têm sentimentos.

— Acho que podemos confiar neles — disse Melbar Kasom em defesa dos robôs. — Farão tudo que estiver ao seu alcance.

— Quanto a isso não tenho a menor dúvida.

— Bell parou e foi olhando para seus interlocutores, um atrás do outro. — Mas para eles Rhodan não é tão importante como é para nós. Quero que me compreendam bem. Não duvido de que os robôs façam todos os esforços possíveis para encontrar Rhodan e os outros. Mas para eles isso não é tão urgente como é para nós. Mas de outro lado não podemos esquecer um fato incontestável. Para eles a própria existência não significa muita coisa. É possível que arrisquem mais que nós. Resta saber se eles o farão no momento em que isso se tornar necessário.

— Tenho certeza que sim — observou Mercant.

Bell acenou com a cabeça.

— Neste caso está tudo bem. Só queria falar sobre isso.

Voltou a sentar.

No mesmo instante o rato-castor Geco levantou-se. Era tão pequeno que ninguém o notava e por isso subiu numa cadeira. Todos o viam. Mas ainda não bastava. Saltou resolutamente para cima da mesa, caminhou para o centro da mesma, apoiou as mãos nos quadris e fitou os outros com uma expressão de triunfo.

— O que você quer? — perguntou Bell, espantado, recordando os tempos em que o grande modelo de Geco, o rato-castor Gucky, costumava fazer das suas com ele. Os dois se pareciam muito, mas até então Geco sempre preferira não ficar muito atrevido. Afinal de contas, não passava dum simples rato-castor, enquanto Gucky...

Mas era preferível não falar nisso na presença de Geco.

Geco olhou para Bell.

— O que eu quero? Manifestar minha opinião sobre o assunto em pauta. Que mais poderia ser? Afinal, não foi só Rhodan que desapareceu; Gucky também. Sinto-me responsável pela sua salvação. É possível que alguém dos presentes tenha boa memória. Neste caso deve estar lembrado que em certa oportunidade salvei Rhodan. Já faz setenta anos, mas para mim foi há sete semanas. Na oportunidade parti de Marte e depois de muitas aventuras e ações arrojadas encontrei Rhodan, que estava desaparecido. Melbar Kasom participou da operação. Não é verdade, Melbar? — O ertrusiano acenou com a cabeça. Era claro que se lembrava. Geco desempenhara um papel esquisito, mas não se podia negar que fora ele que tinha localizado Rhodan. — Pois então. Por que não iria conseguir desta vez, se naquela oportunidade para mim foi brincadeira?

— Ora essa, brincadeira...! — Mercant ficou com os olhos semi-cerrados contemplando Geco como se fosse um simples objeto de estudo. — Se fosse você, não abriria tanto a boca. Será que você quer insinuar que pretende acompanhar os posbis no vôo para o desconhecido? Neste caso só posso dizer que você enlouqueceu, Geco.

— Tanto faz que eu tenha enlouquecido ou não. Quero ir com os posbis. E hei de encontrar Gucky — e naturalmente também Rhodan, Mory e os outros desaparecidos. Vamos apostar?

Bell soltou um gemido.

— Todo rato-castor tem uma predileção especial pelas apostas — e, por incrível que pareça, eles quase sempre ganham. Até hoje perdi todas as apostas. Mas esta é uma aposta que eu gostaria mesmo de perder. Está bem, anão. Vamos apostar. O quê?

— Que encontrarei Rhodan e o trarei de volta à Terra são e salvo.

— Evidentemente. Quero saber o que vamos apostar. Meu chapéu contra seu dente roedor?

— Se eu ganhar, a administração do Império Solar providenciará para que eu seja designado oficialmente como substituto de Gucky.

Bell recostou-se na poltrona. Fitou Geco com uma expressão furiosa.

— Que aposta idiota! O que é isso? Representante de Gucky...?

— Seria apenas uma formalidade — piou Geco, caminhando pela mesa. — Para mim é simplesmente uma questão de prestígio. Só isto.

— Só isto? — Bell fitou-o com uma expressão pensativo. De repente acenou com a cabeça. — Está bem. Vamos fazer a aposta. Mas você há de convir que a decisão final sobre se você deve ser nomeado oficialmente representante de Gucky terá de ficar por conta de Rhodan.

— Está bem. — Geco passou a caminhar orgulhosamente de um lado para o outro. — Irei nesse calhambeque chamado Box-8323. Acompanharei os posbis. Cuidarei para que esses robôs não relaxem no trabalho. Se tentarem enferrujar, eu os porei a trabalhar. Vou...

— Um momento! — interrompeu Bell em tom enérgico. — Você não vai fazer nada disso. Afinal, os posbis vieram por sua livre e espontânea vontade. Não temos o direito de lhes dar ordens. Se você obtiver nossa permissão para acompanhá-los, será como convidado deles. Entendido?

— Se é assim, como poderei ganhar minha aposta?

— Isso é problema seu. Não quero problemas com os robôs, e muito menos com o plasma central. Se não prometer que vai andar na linha, sua aventurazinha cairá na água, Geco.

— Bell tem razão — disse Mercant. — Já ouviu falar nas normas diplomáticas que devem ser observadas entre aliados, Geco?

O rato-castor fez uma careta.

— Só mesmo os humanos podem perder tempo com ninharias deste tipo — disse em tom furioso. Mas finalmente acenou com a cabeça. — Está bem. Cedo à força bruta. Se quiserem saber minha opinião, isso não passa de chantagem. Quer dizer que posso ir com eles?

— Pode.

— Mas você não vai sozinho — disse Melbar Kasom.

Ninguém mais se lembrou de Geco. Todo mundo fitou Kasom, entre curioso e espantado.

— O que quis dizer com isso?

— Acompanharei Geco — respondeu o agente especial da USO. — Também tenho meus motivos para isso. Geco sente-se responsável por Gucky e eu por Mory Rhodan-Abro. Tenho a obrigação de procurá-la e encontrá-la. Se Geco tem permissão para acompanhar os posbis, também tenho. Alguma objeção?

Bell foi meneando a cabeça.

— É claro que não, Melbar. Se Geco acha que tem mais direito que os outros, o senhor também tem. Por mim pode ir. Mas não me volte sem Rhodan!

— Está bem. Pode ir conosco — piou Geco em tom generoso, aproximou-se de Kasom e deu-lhe uma palmadinha no enorme peito.

— Na minha opinião — disse Kalup em meio ao silêncio — da excursão deveria participar um bom técnico e cientista.

Mercant sobressaltou-se.

— Nada disso, Kalup! O senhor vai ficar aqui!

— Alguém disse que serei eu? Só aventei a possibilidade de que talvez haja necessidade dum técnico. Ninguém sabe o que aconteceu com a Crest, e ninguém há de negar que em certas situações o ser humano não pode ser substituído por robôs. O físico Dr. Reinhard Anficht seria o homem indicado para acompanhar Geco e Melbar. Alguma objeção?

— Anficht? — Bell olhou demoradamente para Kalup. — É aquele sujeito alto com cara de cavalo? Em certa época houve um cômico do cinema francês...

— Isto mesmo. E Anficht. O senhor o conhece?

— Quem não conhece este grandalhão? Quando mostra os dentes, a gente pensa logo num velho matungo. Era como se costumava chamar os cavalos que não serviam para mais nada. Mas dizem que é um homem muito competente. Se não me engano, ainda é jovem. Não deve ter mais de trinta ou trinta e cinco anos.

— Acha que há algum inconveniente em que ele participe da expedição?

— Eu não tenho — respondeu Bell. — Resta saber se ele tem.

Wuriu Sengu, o mutante, ainda não dissera nada. Mantivera-se em silêncio, escutando. Levantou-se com um gesto tímido, levantou a mão e logo voltou a afundar na poltrona.

— Que houve, Sengu? — perguntou Bell.

O japonês, que era um homem baixo e robusto, tinha uma voz relativamente aguda. Por isso parecia ainda mais tímido ao dizer:

— O três é um número bonito, mas acho que no presente caso o quatro ficaria melhor. Gostaria de acompanhar Melbar, o Dr. Anficht e Geco, caso não haja inconveniente.

Bell bateu com a mão aberta na mesa.

— Se continuar assim, daqui a pouco teremos um verdadeiro comando. Mais alguém quer dar o salto para a nebulosa de Andrômeda?

Ninguém mais se manifestou.

 

A semana passou muito depressa, mas também parecia arrastar-se numa lentidão incrível.

O planeta Opposite ficava a mais de quarenta e oito mil anos-luz da Terra e era o terceiro que circulava em torno do sol verde Whilor. Tratava-se dum mundo quente e seco, no qual havia pouca água. Quase toda a superfície estava coberta por gigantescos pampas, desertos pedregosos e bacias sedimentares de areia do tamanho dum continente terrano. A gravitação era de 0,86 gravos, o ar era límpido e rarefeito, mas continha uma quantidade razoável de oxigênio. O tempo de rotação do planeta era de quatorze horas e meia. Como Opposite era uma base terrana, nele se observava o tempo-padrão do Império Solar.

Quase doze dias, tempo local, se passaram até que a Box-8323 estivesse preparada para decolar no porto espacial de Hondro.

As bombas de Árcon solicitadas à Terra só levaram cinco dias para chegar. As mesmas foram recolhidas pelo cruzador da classe estado. Este cruzador foi batizado com o nome de Signal, que dava uma perfeita idéia da tarefa que lhe caberia na operação.

Os posbis instalaram os detonadores de desgaste. Depois disso o cruzador foi colocado no gigantesco compartimento de carga da nave fragmentária, numa posição tal que bastaria um simples impulso de comando para que saísse da eclusa e desse partida automaticamente. Os dados sobre a rota estavam armazenados no computador de navegação. Onde quer que estivesse a Box-8323, a Signal começaria a deslocar-se imediatamente em direção à Via Láctea e só pararia quando os propulsores não agüentassem mais.

Quando isso acontecesse, o cruzador explodiria, juntamente com as mil bombas de Árcon.

Melbar Kasom, que fora designado por Bel para comandar os quatro voluntários, passava praticamente dia e noite no interior da nave fragmentaria, para familiarizar-se com a mesma. Afinal, o volume da nave chegava a oito quilômetros cúbicos. A tripulação de dois mil robôs posbis parecia perdida em seu interior. Isto sem falar nos quatro voluntários.

Para Geco as coisas eram mais fáceis. Já teleportava tão bem quanto seu mestre Gucky, o que o deixava bastante orgulhoso. Saltava de uma parte da nave fragmentária para outra e procurava gravar na memória as distâncias, para não correr o risco de ir parar num lugar em que não queria. Às vezes levava Wuriu Sengu ou Melbar.

O Dr. Reinhard Anficht não se perturbava com nada, nem mesmo com as brincadeiras ocasionais do rato-castor, que não podia se conformar de que pudesse haver um homem tão alto e magro. Aparentemente fleumático, controlava constantemente as peças sobressalentes para a Crest, que já tinham sido colocadas na nave, fazia anotações cuidadosas em sua agenda e conferia repetidamente as listas. Não se abalava com nada. Nem mesmo com Geco, conforme já foi dito.

No dia 28 de agosto do ano dois mil e quatrocentos do calendário terrano, P-l anunciou que a nave fragmentária estava pronta para decolar. Todos os robôs que ocupavam cargos de oficial estavam perfilados no campo de pouso. Os quatro voluntários ficaram do lado direito.

Julian Tifflor, Mercant e Bell receberam o aviso.

Tifflor fez um ligeiro discurso, desejando boa sorte, muito sucesso e um breve regresso à tripulação da Box-8323.

P-l respondeu com a voz tilintante que nunca voltariam sem Perry Rhodan e seus companheiros.

— Fora de forma! — ordenou finalmente, e os robôs marcharam pelo passadiço largo, em direção à escotilha principal da nave fragmentária. Melbar, o Dr. Anficht, Wuriu e Geco despediram-se dos amigos e seguiram os robôs.

A escotilha fechou-se atrás deles.

— Pronto — disse Melbar em tom sarcástico.

— Daqui em diante a coragem e a inteligência não adiantam muito. Tudo depende da sorte.

— Os tolos costumam ser favorecidos pela sorte — disse o Dr. Anficht em tom professoral, esforçando-se para assumir um ar solene. — Se encararmos a coisa do ponto-de-vista psicológico, chegaremos à conclusão de que estou numa situação melhor que os senhores, inclusive o pequeno Geco.

— Não compreendo, doutor. O que quer dizer mesmo?

— Sengu é praticamente imortal, pois possui um ativador celular. Ninguém sabe qual é a idade que um rato-castor costuma atingir. Até já se comenta por aí que esta espécie chega aos mil anos. Os ertrusianos também vivem muito tempo. Quanto a mim, sou um simples mortal. De qualquer maneira, não demorarei muito a partir daqui para outra. Pouco importa que seja agora ou daqui a alguns anos. Em resumo: Para mim a morte não é tão apavorante, e por isso mesmo estou numa situação melhor.

Geco emitiu um som triste. Seguia os outros a alguns passos de distância.

— Que filosofia, meu chapa! — queixou-se.

Encontraram-se com um posbi. O corredor era bastante largo para permitir a passagem de todos, mas assim mesmo o robô encostou-se delicadamente à parede para dar-lhes passagem. Como não carregava nenhum conversor de símbolos, não entabularam conversa com ele. Nem todos os posbis costumavam usar a máquina tradutora.

— Vou dormir algumas horas — disse Wuriu, o espia. — Não quero perder o momento da passagem pelo transmissor solar.

— Infelizmente o senhor terá uma decepção — disse Melbar, parando de repente. — Caramba! Quase que me esqueço. É pena, mas o senhor não assistirá à transição. Os robôs médicos nos aplicarão a chamada narcose de supercongelamento. A mesma endurecerá as células de nosso organismo, tornando-as insensíveis a qualquer tipo de choque. O: médicos galácticos, os aras, recomendaram este procedimento. Desta forma superaremos a transição, haja o que houver, e acordaremos assim que rematerializarmos no destino.

Wuriu e o Dr. Anficht pareciam preocupados.

— Quer dizer que iremos ao desconhecido em estado de inconsciência? — perguntou o técnico, esticando as palavras mais que de costume, — Não estou gostando nem um pouco.

— Nem eu — confessou Melbar. — Mas não temos alternativa, a não ser que queiramos deixar de considerar um fator de segurança.

— Está bem. Perderemos a grande oportunidade porque estaremos dormindo — observou Geco em tom insolente. — A brilhante idéia de sermos colocados no gelo não foi minha.

Saíram andando de novo.

Wuriu e o Dr. Anficht dirigiram-se ao camarote que ocupavam em conjunto. Geco pedira e obtivera uma cabine individual. Despediu-se de Melbar com uma continência pouco formal e desapareceu.

Melbar dirigiu-se à sala de comando da nave fragmentária.

A mesma era grande e imponente como o resto da nave. Uma sala gigantesca, quase quadrada, abrigava todos os equipamentos de comando, além dos quatro cérebros de plasma. Pelo menos trinta robôs deslocavam-se de um lado para outro em silêncio absoluto e numa segurança que quase parecia de sonâmbulo. As áreas adjacentes da nave fragmentária apareciam com toda nitidez em telas retangulares. Havia uma abundância perturbadora de controles e instrumentos. Era tudo bem diferente duma nave terrana. Em comparação com a sala de comando da nave fragmentária, até mesmo as salas de comando dos gigantescos veículos esféricos da classe Império pareciam pequenas.

Um dos robôs veio ao seu encontro. Era P-l, conforme se via dum pequeno crachá preso ao seu peito.

— Quer assistir à decolagem? Faça o favor de sentar ali, se bem que não sentirá nada. Nossos campos antigravitacionais funcionam muito bem.

— Obrigado.

Melbar acomodou-se numa poltrona larga e confortável, que estava meio afundada no chão bem à frente duma série de telas de imagem. P-l não lhe deu mais atenção. Transmitia suas ordens na língua dos posbis. Só numa emergência os cérebros de plasma assumiriam diretamente o controle e a pilotagem da nave.

Melbar viu a cidade de Hondro numa das telas. A mesma penetrava profundamente nas estepes que se estendiam para o norte. O verde declinado do céu de Opposite cobria o cenário.

De repente a cidade, o porto espacial, os edifícios e as numerosas naves estacionadas no campo de pouso foram descendo. Só o céu continuou no mesmo lugar. Mudava constantemente de cor, passando progressivamente para o violeta escuro e o negro. As estrelas começaram a brilhar.

A nave fragmentária encontrava-se no espaço.

Melbar realmente não sentira absolutamente nada. Teve a impressão de estar assistindo a um filme de vídeo na sala de espetáculos dum cinema.

Em outras telas Opposite foi-se arredondando, assumindo o formato dum planeta no espaço, até transformar-se numa estrela esverdeada, que logo foi engolida pelo sol, que penetrava lateralmente no campo de imagem.

P-l abandonou o posto de controle e voltou a aproximar-se de Melbar.

— Levaremos pouco menos de vinte horas, tempo terrano, para atingir a posição prevista. Ainda estamos esperando o destacamento da frota que nos acompanhará. Como devemos viajar juntos, não há possibilidade de reduzir ainda mais o tempo de vôo.

Melbar acenou lentamente com a cabeça. De tão impaciente que se sentia, quase chegara a esquecer as naves que deveriam acompanhá-los. Queria ter certeza de que o processo de desmaterialização no interior do transmissor solar fosse observado e registrado atentamente.

Levantou-se.

— Está bem, P-l. Queira ter a gentileza de mandar acordar-me quando faltarem cinco horas para chegarmos ao destino. Permita que lhe diga que nunca me senti tão seguro numa espaçonave.

P-l fez uma ligeira mesura. Tinha uns trinta centímetros mais que Melbar, que na Terra era considerado um gigante.

— Obrigado, senhor.

Melbar retirou-se e saiu caminhando pelos corredores e atravessando os elevadores antigravitacionais. Não se apressou.

Por enquanto não estava perdendo nada.

 

O cruzador ligeiro Ruhr teria de percorrer a maior parte do trajeto, ou seja, os trezentos mil anos-luz de distância até o Mundo dos Cem Sóis.

Tratava-se duma nave esférica de cem metros de diâmetro. Seus construtores não tinham dado tanto valor ao poder do fogo. Concentraram-se principalmente na velocidade e na durabilidade do sistema de propulsão, para o qual podia ser admitido com toda segurança um tempo de vida de seiscentos mil anos-luz. Dessa forma a Ruhr era a nave-correio ideal.

O comandante Blacky Ehlers sabia perfeitamente qual era a missão que teria de cumprir. Devia atingir e colocar em estado de prontidão o Mundo dos Cem Sóis, ou melhor, a estação espacial Einstein, instalada nas proximidades.

A Ruhr estava viajando há quatro dias.

Já se chegara a um ponto em que a Galáxia podia ser vista de um relance, e a cada hora de vôo linear a mesma encolhia mais. O espaço cósmico tornara-se vazio. Não havia nenhuma estrela que perturbasse o vôo da Ruhr. A nave dava saltos de cinco mil anos-luz, e depois de cada salto retornava por uma hora ao espaço normal, onde se arrastava à velocidade da luz, a fim de dar um descanso aos propulsores. Conforme ensinava a experiência, era este o melhor meio de prolongar a vida útil das máquinas.

O imediato entrou na sala de comando. O capitão Ernst Schiller parecia um pouco tímido, mas quem o conhecesse melhor sabia que era um oficial resoluto e arrojado, em quem se podia confirmar. Freqüentara a mesma escola de Ehlers e os dois se conheciam desde a infância.

Rudolf Zahn estava sentado junto à mesa da navegação, perto dos controles do piloto. Ao ouvir o capitão Schiller entrar, o jovem tenente virou a cabeça.

— Ah, vejo que o revezamento do chefe está chegando. E eu?

O major Ehlers levantou-se para dar lugar ao capitão Schiller. Dirigiu-se a Zahn e deu-lhe uma palmadinha no ombro.

— Não venha me dizer que já está cansado de olhar para a Via Láctea, Rudi.

Costumava tratar o subalterno de você. Podia permitir-se essa liberdade pois, por incrível que pudesse parecer, o tenente Zahn e Ehlers eram amigos de infância. O acaso os reunira na mesma nave, muito embora Schiller fizesse questão de insinuar constantemente que na verdade não se tratava dum acaso, já que tudo fora intencional.

— Já estou cansado de ver isso — disse o tenente Zahn, olhando para as telas. — Desde a infância tive vontade de contemplar este quadro.

Ehlers voltou para perto de Schiller, levando os registros que Zahn fizera no livro de bordo. — Aqui está, Ernst. Siga estes dados. Uma hora de vôo normal, e depois a entrada no espaço linear. Os rastreadores não detectaram qualquer obstáculo nos próximos vinte mil anos-luz. E uma sensação estranha estar no espaço completamente vazio.

Schiller não respondeu. Contemplou a tela de proa, na qual já se distinguia perfeitamente a nebulosa de Andrômeda. Viam-se duas manchas luminosas perto da mesma. Tratava-se de imensas concentrações de sóis, que ficavam a milhares ou até dezenas de milhares de anos-luz de Andrômeda. Não havia nada no meio além do espaço vazio, da distância infinita, do grande abismo. Nunca ninguém conseguira superar esse abismo.

Acontece que em certa época já fora superado...

— Como serão eles? — perguntou Schiller em tom pensativo. — Quem serão? Será que nos encontraremos com eles?

— Eles quem? — perguntou Zahn.

— Os desconhecidos que construíam o transmissor solar.

Ehlers fez um gesto nervoso.

— Isso não passa de especulação. Não acredito que estes sóis sejam um transmissor de matéria. Se forem, em hipótese alguma poderão superar a distância que nos separa da nebulosa de Andrômeda.

— Ninguém afirmou isso! — Schiller abandonou a atitude reservada que lhe era peculiar, o que era bastante raro. — Blacky, você sabe perfeitamente do que se andou dizendo em Hondro. Posso garantir que prestei muita atenção. Reginald Bell defende a opinião de que entre nossa galáxia e a nebulosa de Andrômeda existe aquilo que se poderia chamar de estações intermediárias. E naturalmente outros transmissores. Devo confessar que é apenas uma suposição, mas uma suposição bastante plausível.

— Uma ponte para a outra Galáxia... — O major Ehler meneava a cabeça. — Parece fantástico. Isto me traz à lembrança o homem do século vinte, para o qual o vôo para a Lua ainda parecia uma utopia. Um dos meus antepassados tinha exatamente o mesmo nome que eu. Era conhecido de Helmut Honourmountain, um sábio e pesquisador muito conhecido. Meu antepassado era do tipo que costumava ser chamado de sonhador. Vivia sonhando com a conquista do espaço por meio de foguetes e até chegou a escrever romances sobre isso. Alguns desses romances falavam no vôo para Andrômeda. E agora vem o melhor.

— Somos todos ouvidos — observou Zahn, que não parecia muito interessado nos antepassados do comandante.

— Ainda tenho cópias dos velhos livros. Não se trata dos originais, mas duma edição em fascículos. Imaginem! Foram escritos há mais de quinhentos anos, e ainda continuam a ser uma utopia.

— Continuam a ser? — Schiller parecia incrédulo. — Será que você realmente acredita nisso?

— Acredito! Afinal, ainda não chegamos a Andrômeda.

— É verdade. Mas aquele seu antepassado não poderia prever o caminho que tomaria a evolução da Humanidade. Os hipersaltos, o sistema de propulsão linear, mil planetas por nós colonizados...

— Tudo isso já existiu — ao menos na fantasia de algumas pessoas do século vinte. Naquela época já havia indivíduos em cuja mente o futuro estava gravado de forma tão viva que chegaram a descrevê-lo. Zombaram deles, mas se vivessem hoje ficariam admirados porque seus prognósticos foram muito tímidos e modestos. Só Andrômeda... Bem, Andrômeda continua a ser uma utopia.

A porta abriu-se. Um homem de cabelos escuros, que trajava um conjunto verde, entrou na sala de comando. Não usava insígnias e achou desnecessário fazer continência para os oficiais. Limitou-se a cumprimentá-los com um gesto amável e sentou numa poltrona desocupada.

— É uma bela região — disse, apontando para as telas. — Se nossa água acabar por aqui, morreremos de sede.

— Você tem nervos de aço, Esse — observou Ehlers com um sorriso.

Esse Bredney era o técnico-chefe da Ruhr e também mantinha relações de amizade com o comandante e os oficiais mais graduados. Fazia vários anos que trabalhavam juntos na nave-correio. Bredney era considerado um dos especialistas mais competentes em propulsores. Costumava-se afirmar, com certo exagero, que era capaz de construir um propulsor aproveitável com latas vazias.

— Tenho, sim, Blacky. Se não tivesse, não estaria na mesma canoa que você. Andar de um lado para o outro entre os sóis da Galáxia não é problema. Se a gente ficar preso por ali, basta enviar uma hipermensagem, e o resgate está a caminho. Mas aqui as coisas são diferentes. Nem mesmo as hiperondas atingem o sol mais próximo. A que distância estamos da Via Láctea?

— Duzentos mil anos-luz, Esse.

Bredney não respondeu. Contemplava as telas sem dizer uma palavra. Atrás de sua testa desenvolvia-se um trabalho intenso. Era a primeira vez que se encontrava numa nave que penetrava no grande abismo.

— Acordem-me quando chegar minha vez — disse Ehlers depois de algum tempo e saiu caminhando em direção à porta. Quando chegou lá, virou-se e acrescentou: — Ou se acontecer alguma coisa.

Depois que a porta se fechou, Schiller disse:

— O que poderia acontecer...?

Dali a vinte horas já tinham percorrido mais vinte mil anos-luz. A Via Láctea encolhera de forma quase imperceptível e a nebulosa de Andrômeda parecia um pouco maior. De resto continuava tudo na mesma.

O tenente Zahn, que tinha dormido algumas horas, voltou ao seu lugar. Ehlers revezou Schiller. Bredney já estava dormindo.

Zahn examinou as telas dos rastreadores, que continuavam ligados. Modificava constantemente a regulagem da intensidade e da distância. De repente levantou-se, foi para perto de Ehlers e apontou para a grande tela frontal.

— Há alguma coisa por ali — disse em tom indiferente. — Parece estar bem encostado à margem direita de Andrômeda, mas fica a apenas três mil anos-luz daqui.

A Ruhr deslocava-se à velocidade da luz. Dali a dez minutos seria ligado novamente o propulsor linear.

O major Ehlers olhou atentamente para a tela.

— Não vejo nada.

— Deste jeito você nem poderia ver, mas os rastreadores registraram. Trata-se duma porção de matéria sólida; não é muito grande. Numa distância tão grande não posso ter muita certeza. Diria que a uma densidade normal, seria um objeto de um quilômetro de diâmetro, no máximo.

— Um asteróide? — Ehlers abanou a cabeça, num gesto de espanto. — Como é que ele poderia ter vindo parar aqui?

— Não afirmei que é um asteróide. Talvez seja uma nave.

— Uma nave? Aqui? Você só pode estar louco.

Zahn voltou ao seu lugar.

— Quer as coordenadas? Ou vamos ignorar o... o corpo estranho?

Ehlers hesitou um pouco. Sua tarefa era chegar o mais depressa possível à estação Einstein. Não podia permitir que nada o atrasasse, para não colocar em risco o êxito da missão. Dali a dois dias a Box-8323 decolaria de Opposite. Até lá Einstein deveria estar informado. Se prosseguisse normalmente, a Ruhr chegaria lá dentro de vinte horas.

Quer dizer que havia tempo.

— Quero as coordenadas, Rudi. Vamos dar uma olhada.

Zahn entregou-lhe uma folha de plástico.

— Aqui está. Eu sabia que o senhor não passaria sem...

Saíram do espaço linear a pouco menos de cinco minutos-luz do objeto detectado e corrigiram a rota de acordo com os instrumentos. Ainda não se via nada nas telas.

O capitão Schiller e o Dr. Bredney entraram na sala de comando.

Ninguém disse uma palavra.

Quatro minutos se passaram.

Cinco.

— Ali está! — disse Zahn em meio ao silêncio. — Uma nave!

Era difícil avaliar o tamanho do objeto, porque não havia nenhuma base de comparação. Sua extensão só pôde ser calculada quando os dados relativos à distância apareceram nas telas dos rastreadores.

Tratava-se dum cilindro de extremidades achatadas, com cerca de duzentos metros de espessura e mil de comprimento. Não possuía antenas externas e, ao que parecia, também não tinha propulsores.

— O que é isso? — perguntou Bredney em tom de espanto. — Não venham me dizer que é uma nave!

— Um meteoro eu sei que não é! — resmungou Ehlers, também espantado. — Muito menos um planeta. É um objeto artificial. Os instrumentos registram a presença de ligas metálicas, entre elas algumas desconhecidas. Vamos deixar de lado as especulações vãs e passar aos fatos. Os dados, Rudi!

Zahn leu os dados fornecidos pelo rastreador.

— Velocidade relativa ao movimento da Via Láctea... zero vírgula nove luz. Rota... — Hesitou um pouco, olhou melhor e prosseguiu: — De BZ-38-13 para OH-98-01. É...!

— É o quê?

Ehlers deu um salto para perto dos mapas estelares. Com um movimento seguro tirou da gaveta o maior dos mapas globais, abriu-o e passou a examiná-lo demoradamente. Ninguém o perturbou. Finalmente voltou a guardar o mapa e disse:

— Devemos partir do pressuposto de que a rota desta nave — ou seja lá o que for aquilo — nunca mudou. Ou será que alguém acredita que aquilo não é um monte de destroços, mas um veículo espacial tripulado?

Ninguém acreditava nisso. O cilindro parecia velho e sem vida.

— Muito bem. Neste caso sua rota continua inalterada desde o começo e revela o ponto de origem. E também o destino. Pelas indicações do mapa, não vem de Andrômeda nem de nossa Galáxia, mas de outra Galáxia que fica a três milhões de anos-luz. A rota só passa entre nossa Galáxia e Andrômeda por acaso, como se fosse um navio que passasse pelo estreito que separa duas ilhas.

— Será que é mesmo uma nave destroçada...? — perguntou Schiller de repente.

Todos olhavam as telas sem dizer uma palavra.

A Ruhr aproximou-se do objeto e passou a voar a seu lado, mantendo praticamente a mesma velocidade. Aparentemente as duas naves mantinham-se imóveis no espaço infinito. O casco do cilindro realmente parecia muito velho. Em alguns lugares viam-se cicatrizes profundas, algumas delas irregulares como se tivessem sido provocadas por impactos de bombas, enquanto outras tinham a forma de sulcos prolongados, lembrando as marcas de tiros de raspão.

Não se via o menor sinal de vida no objeto estranho.

De repente o major Blacky Ehlers entesou-se. Olhou para o relógio de bordo.

— Vou dar uma olhada e tirar algumas fotografias — disse. — Uma oportunidade como esta não aparece nunca mais. Uma nave vinda de outra galáxia. E logo uma nave destroçada.

— Tomara que seja mesmo uma nave destroçada — observou Schiller em tom desconfiado.

— Esse, quer ir comigo?

O técnico não tirava os olhos da tela.

— Bem que gostaria, Blacky, mas não devemos esquecer as ordens que nos foram dadas. Dizem que devemos dirigir-nos a Einstein o mais depressa possível, evitando qualquer demora.

— Vamos chegar em tempo a Einstein — disse Ehlers afastando a objeção. Via-se que nada seria capaz de demovê-lo de sua intenção. — Não posso deixar passar uma oportunidade como esta.

— Está bem. Irei com você.

— Ernst, assuma o comando. Rudi irá comigo. Mantenham-se nas proximidades da nave desconhecida. Se notarem algo de extraordinário, ou se Esse e eu não estivermos de volta dentro de uma hora, mandem alguém atrás de nós. Se as pessoas que forem atrás de nós também não voltarem, destruam a nave desconhecida. Entendido?

— Você está louco e...

— Cale a boca, Ernst! Isto foi uma ordem. Entendido?

O capitão Schiller enfrentou o olhar severo do comandante, mas sentia-se inseguro. Finalmente confirmou com um aceno de cabeça.

— Entendido, chefe. Você deve saber por que dá uma ordem dessas.

— É claro que sei! — Dirigindo-se ao técnico, disse: — Vamos, Esse. Prepare os trajes espaciais. Não se esqueça das armas. Não acredito que venhamos precisar delas, mas as mesmas sempre nos dão um sentimento de segurança. Espere por mim na eclusa D daqui a cinco minutos.

Bredney retirou-se sem fazer qualquer comentário. Dirigindo-se aos outros, Ehlers disse:

— Manteremos contacto pelo rádio. Se este contacto for interrompido, vocês deverão agir imediatamente. Mandem três ou quatro pessoas atrás de nós. Com armas. Entendido?

— Pode contar conosco — disse Zahn.

O cilindro encontrava-se a apenas duzentos metros da Ruhr. Parecia estar completamente imóvel entre as manchas leitosas que representavam as galáxias distantes. A nebulosa de Andrômeda ficava atrás dela. O casco, que se tornara áspero, não refletia a luz dos bilhões de sóis da Galáxia.

— O aspecto não é nada convidativo — disse Bredney para dentro do microfone.

Encontravam-se no interior da eclusa D, cuja escotilha já estava aberta. O grande abismo com seus mistérios e perigos estendia-se à frente deles. Em baixo deles, a apenas um passo de distância, estendia-se o nada, que abrangia milhões e milhões de anos-luz em distância — ou profundidade. Em cima deles também. O em cima e em baixo resultavam exclusivamente da posição das duas naves. Tratava-se duma concepção instintiva; somente isto.

— Vamos andando — disse Bredney em tom deprimido.

Empurraram-se e saíram flutuando devagar. A Ruhr foi ficando para trás e de repente tiveram a impressão de que acabavam de abandonar um abrigo seguro para mergulhar na incerteza e no perigo.

O cilindro foi-se aproximando.

Só agora deram-se conta do tamanho da nave desconhecida. Era uma figura gigantesca feita dum metal desconhecido, de diâmetro enorme e com um comprimento que parecia estender-se ao infinito. Não havia nenhuma irregularidade no casco, com exceção das cicatrizes cósmicas.

Ehlers pousou com os pés na frente e sentiu uma gravitação reduzida que o mantinha preso à nave. Bredney atingiu o cilindro a uns dez metros do lugar em que estava Ehlers. Segurava uma arma energética pesada.

— O perigo de ficarmos à deriva é insignificante, Esse. Este cilindro possui uma força gravitacional própria bem apreciável; talvez haja campos gravitacionais ligados. Acho que podemos arriscar pequenos saltos. Vamos dar uma olhada por aí.

Schiller e Zahn, que continuavam no interior da Ruhr, entendiam cada palavra trocada entre os dois homens. Mas dali a pouco não os viam mais, já que Ehlers e Bredney desapareceram atrás da misteriosa nave destroçada.

Foi onde encontraram a escotilha.

Era a única escotilha que existia no casco. Era retangular, com dez por doze metros de lado. Em seu interior havia uma escotilha menor.

Esta última escotilha estava aberta.

Atrás dela ficava uma sala escura.

Ehlers ligou o farol de seu capacete.

— Não se trata dum compartimento de carga nem dum corredor. — O major deu um passo para a frente e esperou que Bredney o acompanhasse.

— É muito pequeno para ser um compartimento de carga, e muito curto e largo para ser um corredor. Vocês estão gravando o som?

— O gravador está ligado — asseverou Schiller.

— Esse está fazendo filmagens — prosseguiu Ehlers. Esforçava-se para parecer calmo e indiferente, mas na verdade quase chegava a tremer de tão nervoso que estava. — O ar que havia no interior desta nave deve ter escapado, já que as portas estão abertas. Encontramo-nos num corredor comprido e estreito, que leva da proa à popa. Hã portas de ambos os lados do mesmo, algumas abertas, outras fechadas.

O comandante e seu técnico preferiram não perder tempo com os recintos completamente vazios que ficavam atrás das portas. Tratava-se de camarotes vazios e pouco acolhedores, que pareciam não servir para nada. O corredor principal, bastante largo, atravessava a nave em sentido longitudinal, mas tinha menos de um quilômetro de comprimento.

Graças à gravitação reduzida, os dois conseguiram avançar rapidamente e logo atingiram a parte dianteira da nave. O corredor terminava numa parede metálica, que parecia bastante espessa. Havia uma tampa redonda embutida na mesma. À direita da tampa viam-se três rodas giratórias, nas quais estavam gravados sinais incompreensíveis.

— Até parece um cofre — observou Ehlers com a voz insegura.

— É possível que estes sinais sejam números

— conjeturou Bredney. — Seria um conjunto de algarismos com um milhão de combinações possíveis, Como poderemos descobrir a combinação certa?

Ehlers aproximou-se das rodinhas. Seus olhos penetrantes tinham visto os sinais de desgaste quase imperceptíveis nos sinais, mas este dado não servia para muita coisa. Só serviria se soubesse quantos dedos possuíam os construtores da nave. Um ser humano pegaria uma roda com um botão no centro com três dedos: polegar, indicador e médio.

Acontece que o botão só apresentava duas áreas de desgaste.

Será que os desconhecidos possuíam menos de cinco dedos?

Neste caso o número correto seria aquele que ficava exatamente no centro, em cima dos números desgastados.

Ehlers expôs sua teoria a Bredney.

O técnico fez um gesto de elogio.

— Parece que você é muito entendido nestas coisas, Blacky. No velho planeta Terra nenhum cofre seria capaz de resistir a você. Vamos tentar. Gostaria de saber o que há atrás desta tampa. Talvez seja a sala de comando. Mas não entendo por que a tampa está fechada, quando, ao que tudo indica, a nave foi abandonada voluntariamente.

— Por aqui existe muita coisa que eu não compreendo — confessou o comandante. — Se a nave foi abandonada voluntariamente, por que não fecharam a escotilha externa conforme mandam as regras? Afinal, houve tempo para trancar a sala de comando. Sabe qual é a impressão que eu tenho? Que isto não passa duma armadilha muito bem camuflada.

— Tolice! Para quem poderia ter sido colocada a armadilha? A chance de que alguém pudesse encontrar esta nave é praticamente igual a zero. O fato de a termos encontrado foi obra dum acaso inacreditável. Todavia, minha impressão é quase igual à sua. Mas não consigo compreender por que a tenho.

— Talvez encontremos a resposta atrás disso. — Ehlers apontou para a escotilha fechada. — Vamos tentar para ver se a combinação que você encontrou é correta.

Aproximou-se cautelosamente das três rodas e segurou o botão da primeira entre os dedos polegar e indicador. Girou-a sem a menor dificuldade. Dali a pouco os sinais que ficavam no centro coincidiam exatamente com o entalhe feito na escotilha propriamente dita. — Pronto, a primeira roda está em posição. Com as outras não deverá ser muito mais difícil. Esse, faça-me um favor. Fique quieto com sua arma, senão a mesma pode disparar. Não acredito que haja alguém a bordo.

— É melhor prevenir que curar — resmungou Bredney e voltou a travar a arma. Manteve o dedo polegar perto da trava. — Tenho uma sensação esquisita e não consigo livrar-me dela...

Ehlers também tinha uma sensação esquisita, se bem que de natureza diferente. Para ele não havia dúvida de que se encontravam numa nave destroçada e abandonada, que descrevia uma estranha rota pelo espaço intergaláctico, sem origem nem destino. Mas se a rota era correta e se a velocidade atual era pretendida, a nave teria de viajar oito milhões de anos para chegar ao destino. O que poderia haver atrás disso?

A segunda roda foi colocada em posição.

Ehlers segurou a terceira e última roda. Sem fazer o menor ruído, a escotilha abriu-se para dentro.

Um enorme pavilhão estendeu-se à sua frente. Tinha cerca de cento e cinqüenta metros de comprimento e a mesma largura. Havia degraus largos, que desciam pelo menos cinqüenta metros.

No centro a sala estava completamente vazia, mas as paredes de ambos os lados estavam cheias de instrumentos, máquinas, painéis de controle e telas. O teto era abaulado, escuro... e não estava vazio.

Era preenchido por uma tela enorme, que indicava a posição da nave. Uma linha pontilhada mostrava a rota já percorrida, que levava em linha reta para uma galáxia, passando entre a Via Láctea e a nebulosa de Andrômeda. A nave era representada por um ponto verde, ao lado da qual flutuava uma mancha arredondada de contornos pouco nítidos — a Ruhr.

— Que coisa fantástica...! — cochichou Bredney. A arma que segurava na mão tremia ligeiramente. Estava apontada para o chão. — E a antiga sala de comando. Uma coisa gigantesca.

Ehlers não disse uma palavra. Limitou-se a acenar com a cabeça. Estava com os olhos entreabertos, como se quisesse enxergar melhor, se bem que era bastante claro. A luz artificial vinha de milhares de fontes ocultas e estava uniformemente espalhada por toda parte. O piso era de metal, liso, frio e sem qualquer revestimento.

Não se notava nenhuma avaria. As lâmpadas coloridas que ficavam em cima dos painéis de controle e dentro dos mesmos estavam acesas: algumas constantemente, outras de forma intermitente e rítmica. As escalas com seus esquisitos ponteiros estavam funcionando. Algumas telas menores mostravam outras partes da nave, recintos vazios, o corredor em diversos pontos, a eclusa de ar e os propulsores.

— Não se trata duma nave destroçada — disse Blacky Ehlers depois de algum tempo.

Bredney fitou-o com uma expressão de espanto.

— Não é uma nave destroçada? O que mais poderia ser? Onde está a tripulação? Por que a escotilha externa estava aberta?

Ehlers não respondeu. Foi descendo lentamente pelos degraus. Bredney seguiu-o em atitude hesitante. A observação do comandante deixara-o visivelmente perturbado. Num movimento automático, o polegar da mão direita aproximou-se da trava de sua arma.

Quando atingiu o último degrau, Ehlers parou. Depois de algum tempo prosseguiu, em direção à parede em que ficavam as telas.

— Se quisermos descobrir alguma coisa, terá de ser aqui — disse. — Sempre que uma raça inteligente desenvolve o princípio da televisão, isto é feito em condições e para finalidades quase idênticas às nossas. Você já deve saber disso, Esse. Quer dizer que poderemos lidar com o equipamento. Esta nave tem quase um quilômetro de comprimento. Por que perder tempo, andando de um lado para outro, se podemos ver tudo sem sair daqui?

Parou à frente da maior das telas, que era retangular, com cerca de cinco metros de largura por três e meio de altura. A superfície leitosa estava fortemente abaulada para fora. Embaixo dela havia vários botões de regulagem.

— Só falta encontrar o botão certo — resmungou Bredney em tom desconfiado. — Você não vai ter sorte sempre.

— São apenas cinco botões. Não precisamos de muita sorte...

Ehlers girou o primeiro botão, e a enorme tela iluminou-se. Dentro de alguns segundos empalideceu mais um pouco e mostrou os contornos pouco nítidos dum recinto desconhecido. A câmara certamente fora instalada no teto, pois via-se o recinto de cima. Era impossível avaliar o tamanho do mesmo, por falta duma base de comparação.

Aos poucos a imagem foi-se tornando mais nítida.

Logo se viu por que a tela estava abaulada para fora. A mesma certamente era feita por milhares de camadas superpostas, muito finas, cada uma das quais fornecia uma imagem diferente — cada uma delas tirada por outra câmara. Cada uma das imagens só se distinguia da outra por uma diferença insignificante no ângulo da objetiva. Como todas as camadas eram perfeitamente transparentes, obtinha-se um quadro tridimensional perfeito.

O recinto desconhecido devia ficar para o lado da popa, ou em nível inferior ao do corredor. Parecia tratar-se dum gigantesco depósito. Mas em vez de estar repleto de aparelhos ou materiais, via-se nele uma série de boxes quadrados, separados por paredes. No centro da sala havia um corredor que ia de ponta a ponta, e do qual se atingiam todos os boxes.

No interior dos boxes estava depositada uma massa que à primeira vista se assemelhava ao barro. Nem sempre era marrom; às vezes a cor ia entrando no amarelado ou no esverdeado. Mas não se podia ver se o material era sempre o mesmo. Seria barro?

— Que é isso? — perguntou Bredney em tom de espanto.

Ehlers recuou alguns passos e olhou demoradamente para a tela. Rugas profundas surgiram em sua testa.

— Não sei, mas começo a desconfiar. Acho que não temos alternativa senão ir a essa sala. Se minha suposição for correta, dentro em breve haverá uma revolução de conceitos em certos círculos. Mas é uma loucura, uma loucura rematada! Todavia, é bastante provável que seja isso mesmo.

Bredney não fez outras perguntas, pois sabia que seria inútil. Ehlers só falava quando achava que devia falar. Quando achasse que estava na hora, diria mais alguma coisa.

— Onde poderemos encontrar esta sala? Ehlers olhou para o relógio.

— Ainda temos uma hora. Vamos andando. Talvez nem precisemos pedir prorrogação.

Voltou a desligar a tela. Antes de voltar para os degraus e subir à escotilha, examinou os outros controles e instrumentos. Dedicou um interesse todo especial a uma tela de imagem instalada em cima duma série de escalas.

Bredney inclinou-se para a frente a fim de enxergar melhor.

— Diria que é uma espécie de mira — disse em tom pensativo. — Uma mira para a fixação da rota, para ser mais precisa. Algo semelhante à tela instalada no teto. A única diferença é que aqui as proporções não são as mesmas. Temos uma linha vermelha, que liga o ponto de partida e de destino. Este ponto verde é a nave. Até agora percorreu menos de metade do trajeto previsto. Interessante é a subdivisão da tela por meio duma série de traços finos. Ainda dá para notar que o destino foi fixado antes da partida da nave. Conclui-se que a nave está desempenhando uma missão bem definida...

— ...o que basta para provar que não se trata duma nave destroçada! — concluiu Ehlers. — E uma nave automática. Quando chegar à galáxia desconhecida que fica a quatro milhões de anos-luz daqui, acontecerá alguma coisa. Ainda não sei o que é, mas é possível que daqui a pouco tenhamos uma indicação a este respeito. Já disse que tenho uma idéia. Precisamos dar um jeito de encontrar a sala com os boxes.

Subiram pelos degraus e fecharam cuidadosamente a escotilha.

O corredor parecia estender-se ao infinito, mas conseguiram avançar rapidamente. Viram-se novamente diante duma parede. Também desta vez havia uma passagem redonda com a mesma combinação de algarismos.

Atrás da parede ficavam as salas de máquinas, que também estavam situadas em nível bem mais baixo que o do corredor. Havia enormes blocos de metal ligeiramente afundados no chão, que neste lugar vibrava levemente. Os propulsores não estavam parados. Como a nave se deslocava a velocidade inferior à da luz, não havia necessidade duma força de empuxo. As máquinas só funcionavam para manter a nave na rota. Os gigantescos campos gravitacionais das galáxias vizinhas não poderiam exercer qualquer influência sobre a mesma. Além disso, os rastreadores provavelmente detectariam no devido tempo eventuais obstáculos que se interpusessem na trajetória da nave, para que esta pudesse desviar-se dos mesmos.

— Você tem razão — disse Bredney. — Isto aqui pode ser tudo, menos uma nave destroçada. Mas gostaria de saber por que a escotilha de entrada estava aberta.

— Acho que alguém entrou na nave antes de nós — respondeu Ehlers. — Este alguém abriu a escotilha externa e, quando foi embora, deixou-a aberta. É só.

É apenas uma suposição, — pensou Bredney. — Mas parece plausível. Restava saber quem era este alguém...

Fizeram uma ronda pela sala de máquinas e descobriram uma porta em baixo da escada, para o lado da popa. Mais uma vez viram três rodas giratórias, cuja combinação não parecia ser nenhum segredo. Ao que parecia, estas rodas eram apenas o meio de abrir e fechar portas usado pelos desconhecidos.

A escotilha abriu-se.

Atrás da mesma ficava a sala com os boxes.

O corredor que havia no centro da mesma era mais largo do que parecera na tela. Havia outro detalhe que só notaram agora.

Os boxes não eram áreas de depósito abertas, mas recipientes hermeticamente fechados, cujas paredes eram feitas dum material transparente. Se o espaço disponível tivesse sido bem aproveitado, os recipientes poderiam penetrar uns trinta ou quarenta metros no chão.

A retração da luz provava que as paredes transparentes eram muito grossas, e sem dúvida também resistentes.

Atrás delas estava depositada a misteriosa substância.

Os dois homens foram caminhando de um box para outro. A substância misteriosa subia apenas de um metro a metro e meio acima do nível do corredor. Em cima dela estendia-se o envoltório transparente de formato cúbico. Bem em cima, sob o teto, estava colado um olho gigantesco formado por milhares de câmaras. Parecia um olho de mosca multi-facetado e grandemente ampliado.

Em geral a substância parecia seca, mas às vezes dava a impressão de estar úmida ou até lamacenta. Realmente tinha o aspecto do barro.

Ehlers ficou parado e acenou com a cabeça.

— É barro! — disse, dando a impressão de que adivinhara o pensamento de Bredney. — Esta nave está transportando terra pelo espaço intergaláctico. Já está disposto a acreditar que enlouquecemos?

O técnico sacudiu a cabeça.

— Não estamos loucos coisa alguma, Blacky, tanto que não estamos cegos. Limitamo-nos a registrar os fatos. Se há algum louco nesta história, é a pessoa que construiu esta nave. Mas não acredito que esta pessoa esteja ou tivesse estado louca. Enviar para o espaço um volume destes, só de terra. Onde já se viu? Isso nunca. Talvez nem seja terra.

— Pelos meus cálculos, devem ser quinhentos recipientes. Acho que não há inconveniente em quebrarmos um deles. Que acha?

— Se não há ninguém a bordo, certamente existe algum dispositivo de segurança que nos impedirá de fazermos isso. E como quebraríamos o vidro — se é que se trata de vidro?

— Na minha opinião não é vidro. Tente com a arma energética. Preciso saber o que há nestas caixas. Enquanto isso sairei andando por aí, para descobrir o que há embaixo desta sala. Mais adiante há outra escotilha. Vamos continuar em contacto.

— Não poderia esperar por mim?

— Não podemos perder tempo, Esse. Cada minuto é precioso. Por isso devemos dividir o trabalho. Você abrirá um box, enquanto eu dou uma olhada lá embaixo. Tenha cuidado. Tenho a impressão de que este "vidro" é mais resistente que arconite e aço. Se minha suposição for correta, só pode ser.

Foi caminhando para a frente, deixando Bredney a sós. Este segurava firmemente a arma e não sabia como defender-se contra o pânico que de repente ameaçava tomar conta dele.

Abrir um box com a arma energética...?

Teria de proteger-se contra os feixes energéticos refletidos, que poderiam representar um perigo para ele. Como não havia nenhum lugar em que pudesse abrigar-se, a única alternativa seria fazer incidir os raios num ângulo de aproximadamente quarenta e cinco graus. Os raios refletidos não teriam força para danificar outro box.

Bredney entrou em posição e destravou a arma. Comprimiu o botão de acionamento vermelho, e um feixe energético ofuscante atingiu a parede de vidro de um dos boxes, atrás do qual se via uma massa marrom-acinzentada. Conforme se esperara, os feixes foram refletidos no mesmo ângulo, atingindo outro box situado do lado oposto do corredor, onde eram novamente refletidos e levados adiante. Acabavam perdendo-se no espaço.

Bredney esforçou-se para manter a arma bem quieta, a fim de concentrar todas as energias num ponto. Demorou nada menos de um minuto até que os primeiros pingos de material derretido caíssem lenta e pesadamente ao chão.

Dali a mais um minuto só tinha sido fundada uma camada de alguns milímetros. Bredney tirou o dedo do botão de acionamento e esperou que o local de impacto esfriasse um pouco. Examinou-o. Depois de dois minutos um raio normal teria penetrado pelo menos dois ou três centímetros no aço, e talvez uns cinco milímetros no arconite.

O "vidro" não ficava nada a dever ao material mais resistente que os terranos conheciam.

— Blacky, você me ouve?

— Ouço-o muito bem. Já conseguiu alguma coisa?

— Este negócio é muito duro. Se as paredes tiverem dez centímetros de espessura, demorarei trinta minutos.

— Pois continue. Descobri outra sala, que tem apenas três metros de altura. Fica logo atrás da sala dos recipientes. Acho que já sei qual é a tarefa que esta nave está cumprindo. Mas vamos deixar as explicações para depois.

Bredney acenou instintivamente com a cabeça. Já imaginava como seriam estas explicações. Voltou ao lugar em que estivera antes e continuou a disparar contra o box.

Enquanto isso Ehlers encontrava-se na sala de baixo.

A mesma era bem mais curta e estreita que a sala em que estavam os recipientes cujo conteúdo era desconhecido. Além disso, nela não havia recipientes, mas uma instalação técnica que Ehlers se pôs a estudar calmamente. Não era difícil adivinhar sua finalidade.

A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi a tela estreita e alongada, igual à que vira na sala de comando. Nessa tela o trajeto através do espaço intergaláctico também estava assinalado por uma linha vermelha. Na extremidade dessa linha vermelha, que correspondia à periferia da galáxia situada a quatro milhões de anos-luz, havia um receptor de impulsos. Ao menos Ehlers não conseguia imaginar que o contacto que ficava no fim da linha pudesse ser outra coisa. Assim que a nave, ou melhor, o ponto verde que representava a mesma, atingisse o fim da linha, o contacto eletrônico formado por um ponto vermelho seria acionado. Assim que os dois impulsos de comando entrassem em contacto, um novo impulso seria liberado.

Ehlers procurou descobrir o que aconteceria depois disso. Acompanhou o fio que partia do contacto e descobriu que o mesmo dava num quadro de comando automático, onde os fios se dividiam, levando a uma série de objetos esféricos, que pareciam ser de metal maciço. Esses objetos estavam divididos em espaços regulares junto à parede externa. Essa disposição reforçava as suspeitas de Ehlers. Mas ele quis ter certeza.

Em qualquer traje espacial havia uma bolsa especial com ferramentas. Entre estas ferramentas havia uma chave de fendas regulável. Nas esferas havia uma série de parafusos de três fendas. Ehlers pôs-se a desparafusá-los. Em ligeiras palavras explicou a Schiller, que continuava na nave, e a Bredney o que estava fazendo.

— Já conseguiu avançar mais um pouco?

— Dois centímetros. Isto é incrivelmente duro.

— Tem de ser — respondeu Ehlers em tom seco.

Não foi difícil soltar os parafusos. O revestimento metálico das esferas não era muito espesso; só tinha alguns centímetros. Ehlers conseguiu retirá-lo.

Do lado de dentro havia um objeto com explosivo diretamente preso ao envoltório.

Ehlers apenas adivinhou que se tratava de explosivo, mas se realmente era assim, isso combinava com a teoria por ele elaborada. Aliás, só faltava mesmo uma porção de explosivo para completar a mesma.

Portanto, aquilo só podia ser explosivo.

Voltou a colocar o envoltório em torno do objeto oval e levantou-se.

— Estou subindo, Esse. Não precisa descer.

— Só consegui fundir três centímetros, Blacky.

— Vou ajudar para apressar as coisas. Quando atingiu a porta, Ehlers teve uma idéia.

Parou e virou a cabeça. Olhou para o teto.

Este reproduzia o desenho da sala que ficava em cima. Havia ali quinhentos recipientes, cujo fundo penetrava na câmara com os explosivos. E o fundo dos recipientes era a resposta à última indagação de Ehlers.

Bredney quase concluíra o trabalho. Quando Ehlers apareceu, só faltavam alguns centímetros. Com duas armas disparando ao mesmo tempo foi bem mais rápido. Os pingos de material derretido endureciam no vácuo antes de atingir o chão. Os vapores resultantes do processo de fusão desapareceram imediatamente.

Finalmente surgiu um buraco na parede de vidro.

Depois disso aconteceu uma coisa espantosa.

De repente a substância marrom-acinzentada, que parecia morta, dava a impressão de ter despertado para a vida. As camadas superiores levantaram-se como que tangidas pela tempestade e foram saindo pelo buraco. Era bem verdade que do lado de fora não havia mais vento, e a gravitação bastante reduzida fez com que os blocos e grãos de vários tamanhos descessem lentamente.

— Nestes recipientes existe ar — disse Ehlers. Sua voz não revelava a menor surpresa. — O ar exala, carregando parte da terra.

— Quer dizer que é mesmo terra! — constatou Bredney.

— É claro que sim. Não existe nutriente melhor para as bactérias ou outros germes vivos. A temperatura no interior dos recipientes fica bem abaixo do ponto de congelamento. Os seres unicelulares não se multiplicam, mas também não morrem. Encontram-se em estado de hibernação profunda, isto há três milhões de anos. Só despertarão para uma nova vida quando forem aquecidos pelos raios de algum sol.

— Então é isso — disse Bredney em tom pensativo. Fitou Ehlers. — Era o que você acreditava ou até sabia desde o início?

— Apenas acreditava. Só tive certeza depois de visitar a sala que fica embaixo desta. — Ehlers olhou para o relógio. — Não podemos demorar mais; não temos tempo. Vamos levar uma amostra desta terra e tratar de voltar para a Ruhr. Quando chegarmos lá, explicarei tudo.

Pegaram alguns sacos de plástico que traziam no bolso e encheram-no com o material, que estava completamente seco. Se aquela porção de terra continha alguma umidade, esta se evaporara no vácuo.

Finalmente abandonaram a misteriosa nave e voltaram para bordo da Ruhr, onde estavam sendo aguardados com muita curiosidade. O tenente Zahn estava calculando novamente a rota que os levaria ao Mundo dos Cem Sóis. Schiller pôs em funcionamento o gravador de som.

Ehlers enviou as duas amostras com a estranha terra ao laboratório, para que fossem analisadas. Antes que os resultados das análises pudessem confirmar suas suspeitas, a Ruhr partiu. Zahn calculara a rota da nave desconhecida, determinando suas posições nas próximas semanas e meses. Seria fácil encontrá-la, caso isso se tornasse necessário ou conveniente.

— Vamos, fale logo — disse Schiller em tom animado, depois que a imagem da "nave destroçada" desapareceu da tela. — As insinuações feitas por você e as conversas que tiveram deixaram-me curioso. Quer dizer que nos recipientes havia terra? E bactérias? Para que poderia servir isso?

Ehlers acomodou-se na poltrona que ficava à frente dos controles. Olhou para as telas panorâmicas. À sua esquerda via-se uma mancha confusa, que era a galáxia da qual tinha vindo a nave desconhecida. A tela central mostrava Andrômeda, luminosa e muito nítida. A direita havia uma figura pequena, situada a quatro milhões de anos-luz. Eram bilhões de sóis flutuando no infinito e reunidos numa cintilante mancha luminosa. Era para lá que se dirigia a estranha nave cilíndrica.

— A mira automática prova que não se trata duma nave destroçada. Nunca se previu uma tripulação para esta nave. Nela tudo funciona automaticamente, e o destino foi armazenado no computador antes da partida, há mais de três milhões de anos. No momento em que a nave cilíndrica — que na verdade é apenas um casco cheio de controles, propulsores e uma aparelhagem especial — atingir a extremidade da galáxia à qual se destina, o que pelos meus cálculos deverá acontecer dentro de quatro e meio milhões de anos, o ponto verde estabelecerá um contacto na superfície automática. Possivelmente este contacto também será estabelecido em virtude do aumento da intensidade luminosa — ou por ambos os motivos. Quando isso acontecer, o veículo cilíndrico explodirá.

Todos ficaram pasmados.

— Vai o quê? — perguntou Bredney depois de algum tempo. — Explodir? Por quê? Ninguém iria fazer uma nave percorrer um trecho de sete milhões de anos-luz para destruí-la.

— Pensei que já soubesse que nave é esta — disse Ehlers com um sorriso irônico. Parecia divertir-se aguçando a curiosidade do amigo. — Vai explodir e cair aos pedaços. Encontrei os explosivos e examinei sua disposição no interior da nave. Foram colocados de tal maneira que somente o casco se abrirá. A sala com os recipientes de vidro ficará praticamente à mostra. Estes recipientes têm cerca de quarenta metros de comprimentos e estão bem cheios de terra. Trata-se de espécies diferentes de terra, e portanto também de germes diferentes. É bem verdade que a camada de terra não é de quarenta metros, mas de vinte. Na parte inferior de cada recipiente existe um sistema completo de propulsão espacial. Além disso, está equipado com equipamento de renovação de ar, de umidificação — e uma carga explosiva.

— Uma carga explosiva?

— Isso mesmo, Esse. Os recipientes de vidro são miniaturas de espaçonave, que se tornam independentes no momento em que a nave cilíndrica explodir. Afastar-se-ão para todos os lados. Um sistema de pilotagem automática escolhe para cada um um sol e o respectivo planeta. O recipiente de vidro pousa no planeta. Assim que tocar o solo, o propulsor é desligado e a carga explosiva é detonada, destruindo o box. Durante o processo aquilo que chamamos de vidro se desmanchará e a terra é liberada. É aquecida pelo sol e as bactérias são despertadas. Continuam seu ciclo vital, multiplicam-se — e transformam-se nos habitantes primitivos dum mundo que até então talvez tenha sido estéril. Dentro de mais um ou dois bilhões de anos algum habitante inteligente deste mesmo mundo talvez anuncie que inclina humildemente a cabeça diante daquele que o criou do pó e da terra. E nem desconfiará de que chegou bem perto da verdade.

Ehlers ficou calado e houve um silêncio prolongado na sala de comando da Ruhr. O chamado de intercomunicador vindo do laboratório interrompeu o silêncio. Os resultados das análises confirmavam as suspeitas do major.

O material examinado consistia em terra com um elevado teor de minerais, na qual viviam milhares de espécies de seres unicelulares. Tratava-se de bactérias desconhecidas, que logo se teve a cautela de isolar. O major Ehlers mandou que o laboratório voltasse a congelar as mesmas e as guardasse em refrigeradores. Era possível que as novas análises a serem realizadas na Terra fornecessem dados preciosos.

— Quer dizer que é uma nave de sementeira — disse Bredney, que não parava de sacudir a cabeça. — Quem foi que a enviou?

— Essa pergunta provavelmente nunca poderá ser respondida — disse Ehlers em tom sério. — Quando a nave decolou, o homem ainda não tinha aparecido na Terra. Até mesmo os velhos arcônidas dessa época provavelmente se assemelhavam mais a certos tipos de macacos. Se uma destas naves-sementeiras, conforme você diz, já entrou na Via Láctea e detonou, isso deve ter acontecido há mais de dois bilhões de anos. Logicamente deve-se admitir que neste caso o remetente foi outro que não aquele que fez partir o cilindro que acabamos de visitar. Provavelmente nunca saberemos.

— A Ruhr entrou na rota — disse o tenente Zahn. — Dentro de trinta segundos entraremos no espaço linear.

Bredney fitou-o com uma expressão contrariada.

— Será que você não tem outros problemas, Rudi?

O navegador sacudiu a cabeça.

— Não tenho, não.

Voltou a olhar para a tela, onde Andrômeda aparecia somente alguns centímetros à direita da interseção da linha horizontal e vertical. No lugar em que os dois traços finos da tela de mira se encontravam devia ficar o Mundo dos Cem Sóis.

E a estação espacial Einstein.

 

Ao acordar, Melbar Kasom ficou algum tempo sem saber onde estava. Viu-se num ambiente novo e estranho. Mas logo se lembrou de que se encontrava a bordo duma nave fragmentária dos posbis.

O zumbido repetiu-se até que Kasom se levantasse e comprimisse o botão do intercomunicador que ficava ao lado da porta. A tela que ficava em cima desse botão iluminou-se imediatamente e o rosto dum robô apareceu na mesma.

— Senhor, deveremos atingir o transmissor solar dentro de cinco horas. Encontramo-nos a cinqüenta minutos-luz do mesmo. O comandante está à sua espera na sala de comando.

— Já vou — respondeu Melbar e voltou a comprimir o botão.

A tela apagou-se.

Melbar mudou de roupa, depois de tomar um chuveiro na cabine de banho provisoriamente instalada. Finalmente acordou O Dr. Anficht e Wuriu Sengu.

— Não quero perder o espetáculo do hexágono de sóis. Além disso, os posbis médicos logo quererão iniciar seus preparativos. Para ser franco, não me sinto muito bem com isso.

— Nem nós — respondeu o Dr. Anficht em tom contrariado.

Dali a alguns minutos Geco materializou. Teleportara simplesmente de seu camarote.

— Não vão levar-me? — perguntou em tom compenetrado.

— Certamente iríamos buscá-lo. — Melbar abaixou-se e mal e mal conseguiu acariciar a cabeça do rato-castor. — Afinal, o que seríamos sem você?

— Pois é! — disse Geco, acenando com a cabeça.

Parecia muito satisfeito.

Quando chegaram à sala de comando, P-l, o comandante, já estava à sua espera.

— O momento decisivo se aproxima — disse com a voz metálica. Ao que parecia, seu conversor de símbolos precisava duma reforma. — Estão vendo o transmissor solar nesta tela?

No primeiro instante não viram muita coisa. Nas proximidades do centro da Via Láctea as estrelas ficavam mais perto uma da outra que em qualquer outro lugar. Mal se distinguiam as constelações, que já sofriam uma deformação com a mudança de posição de algumas horas-luz.

Mas finalmente, bem aos poucos, Melbar conseguiu distinguir seis sóis com as mesmas características, que se encontravam no mesmo plano, plano este do qual a Box-8323 se aproximava, vinda obliquamente de cima. Tratava-se de gigantes azuis. Como estavam muito próximo, não se percebia sua disposição simétrica. Entre os seis sóis brilhavam outros, mas estes ficavam a uma distância maior.

A nave fragmentária seguia diretamente para o centro do hexágono.

A distância entre aquele lugar e o planeta Terra era de exatamente cinqüenta mil, oitocentos e dezesseis anos-luz.

As outras telas mostravam as naves-escolta, que agiram conforme fora combinado, reunindo-se e retirando-se aos poucos. Tinham recebido ordem para observar o desaparecimento da nave fragmentária e tirar fotografias de diversos ângulos. As comunicações pelo rádio tinham sido interrompidas em virtude das emanações energéticas dos seis sóis e das tempestades gravitacionais provocadas pelas mesmas. Os rastreadores hiperenergéticos também deixaram de funcionar.

— É um fenômeno que não encontra igual na Galáxia — disse P-l.

— E ainda por cima um fenômeno artificial — respondeu Melbar. — Receio que ainda tenhamos algumas surpresas pela frente, P-l.

— Devemos contar com isso. — O robô dirigiu-se aos cérebros de plasma e comprimiu algumas teclas embutidas no revestimento metálico dos mesmos. — Daqui a quatro horas os cérebros assumirão o comando total.

As três horas que se seguiram foram-se arrastando com uma lentidão martirizante. Os seis sóis só apareciam na tela de visão global. Como cada um deles ficava a cinco horas-luz do outro, tornava-se impossível abrangê-los com um só olhar. Já não havia a menor dúvida de que não se tratava duma constelação.

Depois de algum tempo pediram a Melbar e seus três companheiros que se dirigissem aos camarotes.

Estava na hora.

A Box-8323 caía em velocidade cada vez maior em direção ao centro do hexágono formado pelos sóis.

Os robôs médicos apareceram e tomaram as providências finais para proteger a vida de seus passageiros contra o choque de transição que tinham pela frente.

O centro de gravitação invisível dos seis sóis estava a apenas alguns minutos-luz, quando as células do organismo dos três homens e do rato-castor começaram a endurecer.

A nave fragmentária Box-8323 precipitou-se com a tripulação de dois mil robôs e quatro seres vivos que estavam clinicamente mortos para dentro da energia concentrada do transmissor solar.

A frota espacial encarregada de observar o fenômeno registrou um lampejo ofuscante, seguido dum tremendo abalo estrutural.

Foi só.

A Box-8323 acabara de desaparecer sem deixar o menor vestígio.

 

Vista a olho nu, a galáxia de origem parecia ser do tamanho dum cartão postal. Distinguia-se perfeitamente o aumento da espessura da lente solar verificado no centro.

A nebulosa de Andrômeda, que ficava do outro lado, parecia bem maior. Tinha quatro vezes o tamanho da Via Láctea, porque estava bem mais próxima. Seu formato era semelhante ao da Via Láctea, apenas parecia mais alongada. Perto da nebulosa viam-se duas pequenas manchas luminosas, que formavam o recife de Andrômeda.

A distância que os separava da Via Láctea era de novecentos mil anos-luz.

De outro lado, encontravam-se a perto de seiscentos mil anos-luz de Andrômeda.

Havia dois sóis parados na terrível solidão do espaço intergaláctico. Ficavam a apenas cinco milhões de quilômetros um do outro e sete planetas de tamanhos diferentes gravitavam em torno deles. O estranho era que todos os sete planetas percorriam uma órbita situada a oitenta milhões de quilômetros do centro de gravidade das estrelas-mãe e ficavam no mesmo plano. Além disso, seus eixos ficavam em posição perpendicular em relação ao plano da órbita, motivo por que neles não existiam as estações do ano.

Notava-se à primeira vista que aquilo só podia ser um sistema solar artificial.

O sistema de Gêmeos, nome que lhe foi dado pelos astronautas, já tinha recebido um substituto para o oitavo planeta, que fora destruído. Um corpo de dimensões reduzidas circulava em torno dos dois sóis a uma distância de cem milhões de quilômetros. Era pequeno em relação aos planetas, pois era redondo e seu diâmetro não ultrapassava mil e quinhentos metros.

Tratava-se da Crest II, nave-capitânea dos terranos.

Estava com os propulsores desligados e deslocava-se em queda livre em torno dos dois sóis, mais devagar que os sete planetas. Parecia não haver tripulantes a bordo.

Era uma nave morta, um esquife voador.

Um esquife para mais de dois mil seres humanos.

Fazia mais de cinco dias que não havia uma gota de água na Crest. Ao ser destruído, o planeta Power levou consigo toda a água armazenada na Crest. Pouco importava que se encontrasse em conservas, em tanques ou nos alimentos, as forças desconhecidas a tinham localizado e provocaram sua evaporação.

O ar ressequido dos condicionadores de ar encarregou-se do resto. As gargantas e a pele dos tripulantes secaram rapidamente. Seus corpos perderam toda a umidade, e com o tempo também a capacidade de resistência.

Um após o outro foram mergulhando num estado de profunda inconsciência.

Não havia ninguém que pilotasse a Crest. Nem era necessária, pois a nave circularia eternamente em torno dos dois sóis. Não havia perigo de cair num deles ou ser arrancada da órbita por um dos planetas.

Só havia uma criatura acordada a bordo.

Era o halutense Icho Tolot.

Há horas o mesmo caminhava incessantemente pela gigantesca nave, cuidando das pessoas exaustas, que dormiam profundamente. Colocava as mãos frias na testa das pessoas que pareciam mortas, para proporcionar-lhes algum alívio.

Apesar de tudo, Icho Tolot podia ter as mãos frias.

Tinha três metros e meio de altura e dois e meio de largura. Era um verdadeiro gigante de formas humanóides. Todavia, possuía quatro braços robustos e seis dedos em cada mão. Os pés que formavam o fim das pernas da grossura dum tronco também possuíam seis dedos. Sua pele era muito negra e tinha aspecto de couro.

O interior de seu corpo também era diferente do dos humanos. Os halutenses possuíam dois corações. Um deles podia ser completamente desligado; servia de órgão de reserva utilizado nos momentos de esforço extraordinário. O metabolismo podia ser controlado pelo cérebro. Por isso para o halutense não havia nenhum problema em modificar à vontade a estrutura das células de seu organismo. Praticamente a mesma coisa acontecia com a absorção de alimentos. Os halutenses estavam em condições de ingerir e digerir qualquer material. A conversão de materiais realizada em seu estômago fazia com que seus corpos gigantescos sempre recebessem as energias de que precisavam.

Por isso mesmo era capaz de arranjar água para seu uso. Infelizmente não podia cedê-la. Mas podia usá-la para refrigerar seu corpo a tal ponto que as mãos pareciam de gelo.

Os halutenses eram praticamente invulneráveis. Podiam modificar as estruturas das células de seu organismo, fazendo com que as mesmas ficassem duras que nem aço. Além disso, estavam em condições de absorver ou refletir os campos energéticos de quinta dimensão emitidos por um mutante.

Em condições gravitacionais normais um halutense podia correr com uma velocidade incrível, apesar das duas toneladas que seu corpo pesava. Percorria com a maior facilidade cento e vinte quilômetros por hora. Em seu mundo desconhecido Icho Tolot suportava constantemente uma gravitação de três vírgula seis gravos.

A cabeça de Tolot, que tinha formato semi-esférico, assentava diretamente nos gigantescos ombros. Não havia sinal visível de pescoço. As juntas de ligação permitiam giros rápidos da cabeça para todos os lados. Da mesma forma que possuía dois corações, também tinha dois cérebros.

O cérebro normal controlava os movimentos motores e recebia as percepções sensoriais. Já o chamado cérebro programador desempenhava tarefas bem diferentes. Tratava-se dum verdadeiro computador orgânico incrivelmente compacto. Os halutenses usavam este cérebro para planejar, pensar e calcular. Sua capacidade excedia a dos melhores computadores positrônicos terranos, pois trabalhava muito mais depressa. Na memória microssensível estavam armazenados todos os dados que tinham algum valor para o halutense, que podia dispor deles a qualquer momento.

Icho Tolot tinha três olhos. Dois deles ficavam dos lados do crânio, e o outro em cima deles, bem no centro. Permitiam um ângulo visual extremamente amplo, atingindo praticamente todas as direções. As orelhas quase irreconhecíveis eram redondas e podiam ser encostadas ao crânio. Ficavam pouco acima dos olhos laterais. O nariz era achatado, e as narinas podiam ser fechadas à vontade. A boca era larga e os lábios muito estreitos. Os dentes eram tão duros que o halutense podia triturar com a maior facilidade rochas e até mesmo metais, para conduzi-los ao estômago conversor.

Icho Tolot aproximou-se de outro camarote, mas hesitou um pouco antes de entrar. Finalmente abriu a porta e voltou a fechá-la atrás de si.

Perry Rhodan e sua esposa Mory estavam deitados numa cama larga. Ambos estavam inconscientes.

O halutense aproximou-se desajeitadamente e ajoelhou ao lado da cama. Fitou os rostos com uma expressão que quase chegava a ser carinhosa e pôs-se a massagear ligeiramente as testas. Refrigerou as mãos a tal ponto que até pareciam gelo seco.

Depois de algum tempo Rhodan abriu os olhos. Levou quase dez segundos para reconhecer Tolot. Um sorriso fugaz passou por seus lábios. Finalmente fez um grande esforço para virar a cabeça e olhou para Mory.

Mory Rhodan-Abro estava ainda mais pálida que de costume. Os cabelos ruivos formavam um contraste encantador com a pele branca. Estava bem estendida na cama. A respiração era lenta e pouco profunda.

— Está viva — disse Tolot em voz baixa. — Calma; o senhor precisa ficar deitado. Todo movimento consome energias, e o senhor tem de economizar as mesmas. Sei que o socorro está a caminho. Se não fosse assim, o Universo desmoronaria. — Sorriu como quem sabe mais que os outros. — Conheço os terranos. Conheço-os há mil anos.

— E os outros?

A voz de Rhodan era rouca e entrecortada. Fazia mais de cinco dias que nem uma gota de líquido passava por seus lábios, com exceção das débeis tentativas de regeneração realizadas pelo laboratório. Em virtude disso o organismo estava tão debilitado que não conseguia absorver mais nenhum alimento.

— Estão todos dormindo. Os mutantes estão em condições piores que os outros. Seu metabolismo é mais fraco. Gucky está inconsciente há dois dias. Apliquei-lhe algumas injeções.

Rhodan voltou a fechar os olhos.

— Acha que realmente existe uma chance de recebermos socorro?

— É bastante provável, Rhodan. O desaparecimento da Crest foi notado. Certamente ficaram preocupados. Os terranos possuem o computador positrônico mais potente da Galáxia. Com base nos dados disponíveis, o mesmo certamente chegará à conclusão de que desaparecemos num gigantesco transmissor de matéria. Além disso, certamente calculará que a energia de seis sóis deve ser suficiente para transportar um objeto como a Crest a uma distância de mais de quinhentos mil anos-luz. É perfeitamente lógico que dessa forma tenhamos saído da Via Láctea, provavelmente em direção a outra galáxia. Andrômeda é a mais próxima. Natã sabe disso. Tenho certeza de que o cérebro recomendará que outra nave seja enviada ao transmissor. Se fizerem isso, essa nave deverá aparecer por aqui.

Rhodan abriu os olhos e fitou Tolot.

— Talvez o senhor tenha razão, Tolot. Mas se alguém quiser vir em nosso auxílio, ele deverá vir logo. Daqui a dois dias será tarde.

— A única coisa que podemos fazer é esperar. Não estou em condições de manobrar a Crest, e além disso seria inútil. Talvez os propulsores ainda agüentassem a distância até a nebulosa de Andrômeda, mas uma vez lá dependeríamos do auxílio dos outros e estaríamos indefesos diante de todos os perigos. Não há possibilidade de vencermos os novecentos mil anos-luz que nos separam da Via Láctea. É como acabo de dizer: sozinho não posso fazer nada. Só nos resta esperar.

— Esperar... — Rhodan voltara a fechar os olhos. Seus lábios estavam rachados e ressequidos. — Sempre esperar. Cuide de Mory, Tolot. É mais fraca que eu. Prometa que cuidará dela, enquanto... enquanto for necessário.

— Não há necessidade de prometer, pois isso é uma coisa natural. Procure dormir, Rhodan. Desligue a mente e relaxe. O socorro não deve demorar. Tenho certeza.

Esperou que a respiração de Rhodan ficasse mais tranqüila. Depois levantou-se e saiu em silêncio.

Prosseguiu em sua ronda inútil.

Gucky, o rato-castor, não fazia o menor movimento. Jazia na cama, todo encolhido. Mantinha os joelhos dobrados e o rosto descansava nos braços.

Tolot inclinou-se sobre ele e pôs-se a escutar com as orelhas levantadas.

Ainda se ouviam as batidas do coração, mas as mesmas eram muito fracas. Gucky estava vivo, mas não demoraria, e o organismo debilitado perderia a luta contra a morte.

Tolot prosseguiu em sua companhia e depois de uma hora chegou à sala de comando da Crest.

O enorme recinto estava vazio e abandonado. Não havia ninguém junto aos controles, mas as telas continuavam acesas e os dispositivos automáticos de correção zumbiam a melodia de sempre. Um campo energético compacto protegia a nave. Ninguém poderia fazer-lhe nada. Os detectores estavam funcionando, bem como os rastreadores estruturais.

Tolot acomodou-se na poltrona do comandante. O lugar costumava ser ocupado por um gigantesco epsalense, o coronel Cart Rudo. Apesar disso a poltrona era muito apertada para o halutense.

Contemplou as telas.

Havia os dois sóis amarelos, chamados Gêmeos. Além disso, viu alguns dos planetas, envoltos em campos energéticos verde-claros, sob os quais não se via quase nada da superfície.

Fora disso o espaço estava vazio.

Não se via uma única estrela; apenas as manchas apagadas das galáxias distantes produziam impressões luminosas nas telas de imagem. A Crest estava parada no grande nada, bem no centro do temível abismo que separava as galáxias.

O cérebro programador de Tolot estava funcionando.

Não mentira para Rhodan. Tinha plena certeza de que o socorro estava a caminho. Qualquer inteligência lógica chegaria a esta conclusão, desde que conhecesse os terranos. Se demorava tanto, só podia ser porque não queriam precipitar nada, mas preferiam considerar todos os fatores. Estavam decididos a arriscar uma única tentativa, que devia ter uma chance de cem por cento.

Os pensamentos de Tolot foram interrompidos por um zumbido.

Nos últimos dias tivera tempo de sobra para estudar os controles da Crest, a fim de ser capaz de manipulá-los caso isso se tornasse necessário.

O rastreador estrutural acabara de emitir um sinal.

Alguma coisa acabara de sair da quinta dimensão e retornara ao universo einsteiniano. Tratava-se duma transição comum, ou duma rematerialização.

Tolot não tirava os olhos das telas. Um dos rastreadores mostrava os contornos duma porção de matéria de formato irregular, que se afastava dos dois sóis a uma velocidade aproximadamente igual à da luz e desacelerava lentamente. Finalmente mudou de rota de maneira a ter de cruzar á órbita dos sete planetas.

A porção de matéria não dava a impressão de ser uma nave.

Tolot levantou-se e saiu da sala de comande.

Saiu correndo pelos corredores, deixou-se cair nos elevadores antigravitacionais e finalmente chegou ao destino.

Entrou no camarote e sentou perto da cama.

Pôs-se a despertar Gucky do sono profundo em que o mesmo estava mergulhado.

 

Que nem um fantasma chamejante, a Box-8323 rematerializou em meio aos campos energéticos dos sóis amarelos do sistema de Gêmeos.

Os posbis nem sentiram o tremendo choque da transição que acompanhava a rematerialização. Só viram o hexágono de sóis desaparecer das telas, e um novo quadro surgir nas mesmas. A rota da nave fragmentária levava a um dos dois sóis.

Logo foi mudada e a velocidade foi reduzida.

Só depois disso os computadores de navegação começaram a calcular a posição.

Quando acordou, Melbar Kasom teve a impressão de ter dormido apenas um minuto. Na verdade permanecera quase uma hora em estado de narcose. Não demorou a recuperar as forças. Correu para o camarote do Dr. Anficht e de Sengu. Os dois estavam saindo da cama. Os robôs médicos dos posbis retiraram-se em silêncio.

Geco acordou dali a cinco minutos.

Os quatro dirigiram-se à sala de comando.

P-l abriu-lhes passagem, sem tirar os olhos da enorme tela frontal.

— Dois sóis e sete planetas formando um sistema artificial. É a estação receptora do transmissor solar. Se a Crest seguiu pelo mesmo caminho, deve estar por perto. Os rastreadores estão funcionando a toda força. Certamente não demoraremos a encontrar a nave perdida.

— Se é que ainda está aqui — disse Kasom em tom de dúvida.

— De qualquer maneira encontraremos uma pista e vamos segui-la. Já demos o primeiro passo, repetindo a experiência. O resto virá depois.

Kasom não respondeu. Olhava para as telas com tamanha atenção que até dava a impressão de que poderia encontrar a Crest por lá. Naturalmente não encontrou, embora a nave se encontrasse a apenas vinte milhões de quilômetros.

Os sóis amarelos ficaram para trás. A nave fragmentária deslocava-se no plano em que ficava a órbita dos sete planetas e aproximava-se da mesma. Finalmente atravessou-a e adaptou sua velocidade às condições gravitacionais do sistema, transformando-se em outro planeta dos dois sóis.

De repente Geco, que se mantivera quieto num canto da sala de comando, em atitude de expectativa, aproximou-se de Kasom. Segurou a mão do ertrusiano e ficou satisfeito ao ver que conseguia alcançá-la.

— Aconteceu alguma coisa, pequeno?

— Impulsos! Impulsos mentais. Não vêm de você, nem de Sengu ou do doutor. Desculpem, mas preciso ir ao meu camarote. Gostaria que fossem também.

Dito isso, desmaterializou. O Dr. Anficht ficou olhando todo perplexo para o lugar em que estivera Geco.

— O que houve com ele? — perguntou em tom seco.

— Geco acaba de captar impulsos mentais. Resolveu ir ao camarote, para concentrar-se melhor. Se os impulsos não provêm de nós, só podem vir da Crest. Acho que conseguimos.

— Vamos esperar — observou Sengu em tom desconfiado. — Ele não pediu que fôssemos atrás dele?

— Isso não tem pressa. Se este rato-castor realmente conseguir contacto com a Crest, só demoraremos alguns segundos para saber. Afinal, para que serve a teleportação?

Antes que alguém pudesse responder, surgiu o redemoinho típico da rematerialização. Geco foi saindo do nada e agitava nervosamente os braços.

— É Gucky! Consegui um contacto bem fraco com ele. Não respondeu ao meu chamado, mas pediu socorro. Parece estar doente, quase morto. Os impulsos eram fracos e confusos. Precisamos agir imediatamente. Vamos ao rastreamento, Melbar! Posso indicar a direção aproximada, mas não a distância. Compare minha detecção com os registros dos rastreadores. Assim deve ser possível encontrar a Crest.

P-l, que ouvira tudo, dirigiu-se aos controles situados à sua direita e ligou-os. O campo de visão projetado nas telas ampliou-se e o ângulo sofreu um deslocamento.

Finalmente foi recebido o primeiro eco.

Uma esfera foi projetada na tela do rastreador.

Imediatamente foram realizados os cálculos, e estes revelaram que o diâmetro da esfera era de um quilômetro e meio.

A Box-8323 acabara de encontrar a Crest.

Imediatamente foi posto em execução o programa previamente estabelecido.

Antes de mais nada, o cruzador especial Signal foi colocado fora da nave. Melbar Kasom e o Dr. Anficht executaram a difícil manobra com o auxílio de alguns posbis. As grandes escotilhas do hangar abriram-se, deixando livre o caminho. O sistema de propulsão automático da Signal deu partida. A nave elevou-se do piso metálico e foi deslizando lentamente em direção à gigantesca escotilha. Uma vez no espaço, orientou-se.

Finalmente saiu em disparada.

Levou apenas alguns segundos para desaparecer e perder-se na imensidão infinita do espaço cósmico. Dentro de alguns minutos mergulharia no espaço linear. A cada trinta mil anos-luz sairia temporariamente para o Universo normal, a fim de esfriar os propulsores sobrecarregados.

Correria em direção à Via Láctea, até que as máquinas e o material estivessem completamente gastos.

Depois disso explodiria com as mil bombas de Árcon que levava a bordo, gerando a nova mais gigantesca que já tinha aparecido.

Isso se tudo corresse segundo os planos.

Enquanto isso a Box-8323 voava em direção à Crest.

Mais uma vez Geco conseguiu estabelecer contacto com Gucky.

— Estamos a caminho, Gucky. Logo estaremos aí. O que aconteceu?

Os impulsos mentais de Gucky eram fracos e difíceis de compreender.

— Não temos água. Tragam água.

Geco informou Kasom. O agente sacudiu a cabeça.

— Água? Não compreendo. O que será que Gucky quer dizer com isso? Na Crest deve haver água suficiente para duas mil pessoas se banharem.

Finalmente a nave-capitânia terrana apareceu nas telas.

Vista de fora, parecia estar em perfeito estado. Conforme mostrou um refletor especial, até mesmo o campo energético continuava intacto. P-1 fez parar a nave fragmentária. Esta deslocava-se exatamente à mesma velocidade da Crest. A distância entre as duas naves estava reduzida a alguns quilômetros.

— Enquanto o campo defensivo não for desligado, nada poderemos fazer. — P-l apontou para o equipamento de rádio. — Quer tentar entrar em contacto com o comandante?

Kasom confirmou com um gesto. Não sabia que no interior do anel planetário as comunicações pelo rádio seriam impossíveis. No lugar em que se encontravam as interferências não eram muito fortes.

Chamou três vezes e ligou a recepção. Se as telas da outra nave estivessem ligadas, a nave fragmentária deveria aparecer nitidamente nas mesmas.

O receptor só transmitiu os ruídos fracos das interferências.

Finalmente ouviram uma voz. Era muito forte, chegando a ser retumbante. Kasom apressou-se em reduzir o volume, para entender o que estava sendo dito.

— ... Crest. Nave-capitânia terrana Crest. Compreendo-o perfeitamente.

— É o comandante, coronel Rudo?

— Não. Aqui fala Icho Tolot, o halutense. Houve uma catástrofe, mas por enquanto nenhum oficial-comandante morreu.

— Como vai Rhodan? Nosso rato-castor conseguiu estabelecer um ligeiro contacto telepático com Gucky. Estão com falta de água potável?

— Rhodan está exausto, e sua esposa também. Faz cinco dias que não temos uma gota de água. Traga alguma, o mais depressa que puder. E envie socorros médicos. Como conseguiram encontrar-nos?

— Depois explicarei. Desligue o campo energético, para que possamos enviar barcos. Irei pessoalmente.

— Está bem. Ande depressa.

Kasom desligou. Geco estava a seu lado.

— Vou saltar para lá — disse com sua voz fina, que naquele momento parecia muito resoluta. — Saltarei assim que o campo energético tenha sido desligado. Quer que leve água?

— Seria bom. Pelo menos o suficiente para que Gucky possa recuperar-se. E Mory também.

Mory naturalmente foi a primeira preocupação de Kasom, pois era responsável pela segurança dela. Lançou um olhar para as telas.

— O halutense já desligou o campo, Geco.

O rato-castor já tinha desaparecido. Teleportara para os depósitos de mantimentos da nave fragmentária e pedira que lhe dessem um recipiente com água fresca. Segurou-o com ambas as mãos e saltou de volta para a sala de comando, a fim de fazer a localização visual da Crest.

Finalmente teleportou.

Materializou bem no centro da nave-capitânia, no interior da sala de comando. O gigante Icho Tolot já estava à sua espera. Pegou o recipiente de água, mas não esperara que Geco fosse tão decidido. Depois dum movimento abrupto o recipiente mudou novamente de mão.

— Onde está Gucky? Esta água é para ele.

— Mas Rhodan...

— Os mutantes são mais fracos. Especialmente Gucky. Sei perfeitamente quanto tempo um rato-castor sobrevive sem água. O limite de resistência já foi ultrapassado. Onde posso encontrá-lo?

Tolot explicou a posição dos camarotes.

— Está bem. Cuidarei de Gucky, Rhodan, Mory e Atlan. Providencie para que os barcos enviados pela nave fragmentária sejam recebidos na eclusa à medida que chegarem. Trazem água, medicamentos e robôs médicos.

Antes que o halutense pudesse dar uma resposta, Geco desapareceu.

Tolot sacudiu a cabeça, enquanto manipulava os controles que serviam para abrir as escotilhas dos gigantescos hangares.

— Todos os ratos-castores se parecem. Pensando bem, é uma raça formidável. Se seu mundo não tivesse sido destruído e se o caráter deles fosse diferente, poderiam perfeitamente ter-se transformado nos principais concorrentes dos terranos na luta pelo domínio da Galáxia.

Geco já encontrara Gucky.

Lá estava seu grande modelo, totalmente exausto e fraco demais para levantar-se. Fitou-o com os olhos bem abertos.

— Quer dizer que conseguiram...?

— Você achava que iríamos abandoná-lo? — Geco fez um gesto grandioso e encheu um caneco com água. — Por favor, beba devagar. Temos bastante, mas seu corpo está seco e deve habituar-se à umidade. Daqui a pouco chegarão os posbis com os medicamentos.

— Cuide de Rhodan, Geco.

— Logo estarei de volta.

O rato-castor desmaterializou. Também forneceu o líquido refrescante a Rhodan e sua esposa. Depois ficou saltando de um camarote para outro, desenvolvendo uma atividade incessante, até que os primeiros robôs médicos entrassem em atividade.

Dali a cinco horas a tripulação da Crest estava novamente em forma.

Quando Rhodan entrou na sala de comando ao lado de Atlan, notou que Icho Tolot estava parado à frente dos controles, perto do coronel Cart Rudo. Mais aos fundos Gucky conversava com um rato-castor tão parecido com ele que se poderia confundir os dois. Só podia ser Geco.

Rhodan foi para perto deles.

— Obrigado, Geco. Você nos prestou um grande serviço. Gucky me informou que foi você que nos localizou e trouxe os primeiros socorros.

— Foi uma coisa natural — piou Geco em tom emocionado. — Qualquer um que estivesse no meu lugar teria feito a mesma coisa.

— Era a resposta que eu esperava ouvir. — Rhodan inclinou-se e acariciou o pêlo de Geco. — De qualquer maneira fico-lhe muito grato.

Voltou para perto dos outros.

Os dois sóis tinham diminuído nas telas. Os sete planetas eram apenas pontinhos luminosos, que dificilmente seriam notados num céu estrelado normal. Mas no grande vazio sua presença era percebida ao primeiro relance de olhos.

A Crest continuava a afastar-se do perigoso sistema de Gêmeos, dirigindo-se para o espaço intercósmico.

Icho Tolot estava falando.

— Depois que conversei com os outros cientistas e vi confirmada minha opinião, — dizia — já não pode haver a menor dúvida de que o sistema de Gêmeos representa uma espécie de prova. O sistema é uma armadilha mortal para quem não sabe lidar com os problemas propositadamente criados. Diria que se trata dum processo de seleção. Qualquer criatura que encontrar o transmissor solar só poderá chegar a Andrômeda se for julgada merecedora disso.

— Isso é apenas uma suposição? — perguntou Rhodan. — Ou será que a opinião que acaba de manifestar encontra apoio em algum fato?

— É claro que basicamente se trata duma suposição, mas assim mesmo tenho certeza de que minha opinião é correta. Os cientistas pensam como eu, bem como os principais sábios dos posbis. O sistema de Gêmeos representa uma prova. Ainda não fomos aprovados de vez, e acho que no momento nem deveríamos tentar a aprovação. Em hipótese alguma devemos arriscar-nos a penetrar na nebulosa de Andrômeda sem estarmos preparados. Por lá existem raças poderosas. O transmissor solar é a melhor prova disso. Acho que devemos tentar voltar à nossa Galáxia.

— Isso é fácil de dizer, Tolot. — Rhodan olhou para as telas. Os dois sóis estavam tão próximos um do outro que pareciam ser um único sol. — Será que o senhor sugere que devemos simplesmente penetrar no centro de condensação de Gêmeos?

— Sem dúvida seremos obrigados a fazer isso mesmo, mas não o faremos "simplesmente". Antes disso devem ser tomadas certas providências. A polarização do transmissor solar tem de ser invertida.

— A polarização tem de ser invertida?

— Exatamente. A polarização tem de ser invertida. E aposto qualquer coisa que a estação de polarização fica em um dos sete planetas. Resta saber em qual deles. Além disso, temos outro problema. Será que conseguiremos atravessar os campos energéticos dos planetas, que recentemente passaram para o verde?

— Acho que devemos tentar.

Tolot sacudiu a cabeça.

— Será que o senhor quer arriscar novamente a Crest?

Rhodan acenou lentamente com a cabeça.

— O senhor tem razão, Tolot. Avançaremos passo a passo. Que planeta sugere?

Tolot refletiu por um instante.

— Devemos evitar um eventual encontro com inteligências desconhecidas. Sem dúvida as mesmas existem neste sistema, nem que desempenhem apenas as funções de vigias do transmissor e de seu equipamento. A escolha que vou fazer é arbitrária, mas reduz a possibilidade de nos encontrarmos com os vigias. Devemos optar pelo segundo maior planeta, chamado Sexta.

— Sexta? — Rhodan fitou seus fiéis colaboradores um após o outro. — A distância média entre Sexta e o sol também é de oitenta milhões de quilômetros, seu tempo de rotação em torno do eixo polar vertical é de trinta horas e há um campo defensivo verde-claro em torno dele. E possível que ali realmente se encontre aquilo que estamos procurando.

— Ao contrário do que acontecia antes, os campos defensivos são transparentes — observou Cart Rudo. — Se as aparências não enganam, Sexta é um planeta antigo, mas apesar disso existe água no mesmo. A gravitação chega perto de dois gravos. Foi só o que pudemos constatar.

— Existem emanações de energia?

— Existem, mas não sabemos se as mesmas se destinam exclusivamente à criação do campo defensivo, ou se preenchem outra finalidade.

— Quer dizer que existe uma estação. — Rhodan pôs-se a refletir. Finalmente olhou para Tolot. — Quer dizer que em sua opinião devemos tentar o pouso em Sexta?

— Sim senhor. Não temos alternativa. Se a polarização do transmissor solar não for invertida, não haverá possibilidade de regressarmos à Via Láctea. Precisamos encontrá-lo. E inverter a polarização.

Neste meio-tempo o coronel Melbar Kasom, o Dr. Anficht e Wuriu Sengu também tinham vindo para bordo da Crest. A nave fragmentária mantinha contato pelo rádio com a nave-capitânia.

O coronel Rudo informou P-l sobre o plano de Rhodan. A resposta do posbi foi a seguinte:

— Já cumprimos nossa tarefa, mas não tentaremos voltar à nossa Galáxia sozinhos. Ficaremos perto dos senhores. Cobriremos sua retaguarda, se desejarem. Mesmo que consigam pousar em Sexta, permaneceremos por enquanto no espaço. Estão de acordo?

Rhodan estava de acordo.

— Muito bem — disse Tolot. — Vamos ao ataque.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Só daqui a dez horas. A tripulação ainda está muito fraca. Deve estar em perfeita forma quando nos defrontarmos com os perigos desconhecidos. Aproveitaremos o tempo que nos resta para examinar melhor o campo defensivo. Precisamos descobrir se e como é possível atravessá-lo. É transparente. O campo energético alaranjado que cercava o planeta parecia um espelho e produzia o mesmo efeito. Desde o momento em que destruímos a estação principal, todos os campos defensivos se tornaram verdes. Certamente seus efeitos também serão diferentes, mas isto é uma coisa que só a prática pode revelar.

— O senhor deseja um prazo de dez horas para recuperar-se — disse Melbar Kasom com a voz tranqüila. — Nós já estamos descansados. Wuriu Sengu e o Dr. Anficht também. Peço permissão para testar o campo defensivo.

Rhodan fitou demoradamente o agente especial da USO.

— Como pretende fazer isso?

— O campo energético provavelmente apresenta características da quinta dimensão. Temos de enfrentá-lo no mesmo plano. Talvez seja possível com uma gazela.

— Em vôo linear?

— Sim senhor.

Rhodan lançou um olhar indagador para Tolot. Este disse em tom decidido:

— De minha parte concordaria. Tentar não pode fazer mal. Pelo menos saberemos a quantas andamos e a pausa de descanso terá sido bem aproveitada.

— Irei com vocês! — Geco escorregou do sofá para o chão. Estivera sentado no mesmo ao lado de Gucky. — Irei com Kasom.

— Você fica aqui — disse Rhodan em tom enérgico. — É bem possível que Kasom de repente se veja em dificuldades. Neste caso precisaremos duma pessoa competente para tirá-lo do aperto. Acho que você compreende, não compreende?

Geco compreendeu. Voltou para perto de Gucky.

A Crest descreveu uma curva ampla e voltou para o sistema de Gêmeos, desenvolvendo um décimo da velocidade da luz. A nave fragmentária Box-8323 mantinha sempre a mesma distância. O tamanho dos sóis aumentava rapidamente, e dentro de pouco tempo os planetas puderam ser identificados.

Sexta era o segundo em tamanho.

Nas telas de amplificação via-se perfeitamente a superfície do planeta.

Sexta não possuía oceanos. As superfícies de solo firme eram cobertas por montanhas nuas e planícies nas quais a vegetação era muito escassa. De vez em quando um rio ou um pequeno lago quebrava a monotonia da paisagem primitiva. Não se via o menor sinal da presença de habitantes ou animais. Como a Crest vinha do espaço intercósmico e o tempo de rotação do planeta era de trinta horas, a outra face do mesmo por enquanto permaneceu oculta aos olhos do observador. Mas não havia motivo para supor que fosse muito diferente da face visível.

A Crest reduziu ainda mais a velocidade e entrou numa órbita em torno dos sóis. A nave parecia imóvel a meio milhão de quilômetros de Sexta, mas na verdade acompanhava o movimento de translação do planeta em torno do misterioso centro de energia concentrada. As comunicações de rádio com a nave fragmentária sofriam fortes interferências, mas ainda não se haviam tornado impossíveis.

Melbar Kasom dirigiu-se ao hangar. Colocou um traje espacial e entrou na gazela, uma nave de reconhecimento muito versátil em forma de disco. Há tempos as gazelas possuíam o mesmo sistema de propulsão linear usado em outras naves, mas seu raio de ação era menor que o da Crest e de outros couraçados espaciais.

Kasom preferiu voar sozinho durante o ataque ao campo energético desconhecido. Tinha plena consciência do perigo que espontaneamente estava enfrentando, mas não queria arriscar a vida de mais ninguém.

Só a sua.

A atmosfera no interior da gazela era respirável, mas Kasom preferiu fechar o capacete espacial. Os microfones externos ficaram ligados, para que pudesse ouvir as transmissões da Crest. A resposta era dada pelo transmissor do capacete.

— Pronto?

Foi a voz de Cart Rudo.

— Pronto, coronel.

— Neste caso tem permissão para decolar. Boa sorte.

Bem que preciso, — pensou Kasom num assomo de sarcasmo. — Até que preciso muito.

A gazela deslizou levemente para fora do hangar e passou a deslocar-se em queda livre em direção ao planeta Sexta. O campo defensivo brilhava num verde-claro. Parecia um sino protetor que envolvesse o mundo gigantesco. Kasom mudou de intenção. Tentaria romper o campo primeiro com o sistema de propulsão comum. Afinal, era possível que o mesmo nem ficasse na quinta dimensão.

O mundo desconhecido foi-se aproximando. A esquerda de Kasom via-se o brilho da distante Via Láctea, e à sua direita o de Andrômeda. Os sóis amarelos ficavam mais à frente. Alguns detalhes da superfície batida pelas intempéries tornaram-se visíveis. A chuva e os fortes ventos tinham achatado os cumes das montanhas, que davam a impressão de terem sido lavadas.

Kasom reduziu a velocidade e certificou-se de que o campo energético de sua nave estava ligado. O mesmo reduziria bastante a força dum eventual impacto.

Realmente houve um impacto.

O campo energético verde produziu o efeito dum obstáculo sólido. A gazela parou abruptamente, sem que o campo defensivo fosse comprimido um centímetro sequer.

— Não adianta — comunicou aos amigos que se encontravam na Crest. — Preciso tentar de outra forma.

— Tenha cuidado. — Foi a voz de Rhodan, acompanhada de interferências. — Um impacto durante o vôo linear pode acarretar a destruição da gazela.

— É um risco que tenho de assumir — disse Kasom em tom resoluto e saiu para o espaço intercósmico acelerando ao máximo, a fim de tomar impulso. — Não tenho alternativa. Se não tentarmos, nunca saberemos como pousar em Sexta.

Passou em alta velocidade junto à Crest e só mudou de direção quando já se encontrava a alguns minutos-luz da mesma. Manteve a nave acelerada e dali a alguns segundos entrou no espaço linear. A visão turvou-se um pouco, mas assim mesmo foi possível distinguir Sexta e os sóis.

A Crest parecia escorregar ao lado dele e o planeta aproximou-se rapidamente. O campo energético estendia-se ameaçadoramente à sua frente, preenchendo todo o campo de visão.

Desta vez não houve um impacto direto.

A gazela atingiu o campo energético e deslizou em sentido oblíquo. Sempre no espaço linear, a nave de reconhecimento passou por Sexta. Finalmente Kasom conseguiu freá-la e retornar ao universo einsteiniano.

— Não adianta — comentou. — O senhor viu.

— Volte, Kasom — ordenou Rhodan. — Precisamos inventar outra coisa.

Kasom esteve a ponto de formular uma objeção e fazer mais uma tentativa, mas não obteve permissão para isso. Resignou-se e voltou à Crest.

— Não vejo um método melhor — disse mais tarde a Rhodan, depois de ter exposto suas impressões. — O campo fica na quinta dimensão. Só pode ser rompido com os mesmos recursos.

Gucky, que continuava no sofá, ao lado de Geco, levantou-se de um salto. Caminhou com as pernas bem afastadas para perto dos controles e plantou-se à frente de Kasom.

— Ah, é? — disse. — Quer dizer que o campo fica na quinta dimensão? O que vêm a ser os mesmos recursos a que acaba de aludir o ilustre agente da USO?

— Vários — retrucou Kasom. — Campos de tensão, campos energéticos alternativos, o espaço linear... a escolha não é nada pequena.

— Quem sabe se não pode ser o campo energético dum teleportador e telecineta?

Kasom fitou Gucky.

— Inclusive isso, se o resto falhar. Receio que ainda tenhamos de recorrer a você.

Rhodan olhou para o sofá.

— Não será necessário — disse com uma tremenda calma. — Acho que alguém decidiu por nós.

Todos olharam para o sofá. Geco tinha desaparecido.

 

A estação do Mundo dos Cem Sóis era um supergigante da classe império especialmente adaptado. A gigantesca esfera espacial era do mesmo tamanho da Crest e estava ancorada a campos energéticos a trezentos mil anos-luz da Via Láctea. A distância que separava a estação do Mundo dos Cem Sóis era variável e não ultrapassava alguns anos-luz.

Fazia dois dias que o cruzador especial Ruhr estava estacionado no hangar da estação Einstein. Os tripulantes eram hóspedes da estação. O major Ehlers recebera ordem de voltar à Via Láctea assim que a explosão do cruzador Signal tivesse sido registrada.

Ninguém sabia quando isso iria acontecer.

Em muitas partes o casco da antiga nave tinha sido substituído por paredes de vidro especial. As mesmas deixavam livre a visão para a imensidão do grande abismo e para as duas galáxias mais próximas. Naquele lugar a Via Láctea ainda era uma figura dominante. Ocupava grande parte do campo de visão. Perto dela a nebulosa de Andrômeda não passava duma pequena mancha luminosa, que ficava a mais de um milhão de anos-luz e por enquanto era inatingível para o homem.

Ehlers e Schiller contemplaram o deserto de tempo e espaço. Na visão direta o espetáculo era bem mais impressionante que aquele oferecido na tela. Tinha-se a impressão de que somente um passo separava o homem da eternidade.

— Quando será que vai acontecer? Se é que realmente acontece.

Ehlers hesitou.

— Ninguém sabe. É possível que a Signal já esteja a caminho, mas talvez continue guardada no hangar da nave fragmentária. Até é possível que já tenha explodido.

— Tomara que não — respondeu Schiller. — Neste caso nossa vinda para cá teria sido inútil. Além disso, não devemos esquecer que nossos rastreadores estruturais ficam sempre ligados. Sem dúvida teriam registrado o abalo.

— Provavelmente. Nesta estação leva-se uma vida muito boa, mas nem por isso invejo as pessoas que trabalham aqui. Ficam presas num planeta artificial de um quilômetro e meio de diâmetro, a centenas de milhares de anos-luz da Terra. A distância é tão grande que nem mesmo nossas ondas de hiper-rádio conseguem superá-la. As pessoas que vivem aqui estão isoladas; dependem exclusivamente das naves-correio que de vez em quando aparecem nesta área. Realmente não invejo estas pessoas. Quando muito, admiro-as.

Quando o capitão Schiller estava prestes a responder, o alarme se fez ouvir nos corredores periféricos.

Imediatamente as janelas de visão externa se fecharam. Chapas de aço arconite saíram do teto e cobriram as paredes de vidro. Luzes acenderam-se.

Ehlers segurou Schiller pela manga do uniforme.

— Vamos para a sala de comando. Gostaria de saber o que significa isso.

Schiller saiu correndo lentamente para seguir seu comandante.

— Deve ser um treino — fungou. — Afinal, não estamos num navio de excursão, mas numa espécie de nave de guerra.

— Tomara — exclamou Ehlers, respirando com dificuldade e saltando para dentro dum elevador antigravitacional.

 

Uma nave corria pelo nada.

Tinha apenas cem metros de comprimento e não levava nenhuma tripulação. A popa apontava para Andrômeda, enquanto a proa estava dirigida para a Via Láctea, que já se encontrava bem mais próxima.

Quinhentos mil anos-luz já tinham sido percorridos.

Uma pausa no universo einsteiniano.

Quinhentos e trinta mil anos-luz.

Outra pausa.

O centro de computação positrônica registrou a fadiga do material dos propulsores, que progredia rapidamente. Poderia haver mais um período de salto, talvez dois. Mas certamente não haveria o terceiro.

Os propulsores esfriaram. O material recuperou-se.

Em torno da nave só havia o nada — vazio e sem vida. O espaço infinito, que chegava aos confins do tempo. A nave até parecia uma partícula de pó suspensa entre Marte e Terra. Era uma comparação aproximadamente exata.

Quinhentos e sessenta mil anos-luz.

O material ainda estava agüentando. Por enquanto não havia necessidade de detonar as mil bombas. O centro de computação positrônica fez com que os dispositivos automáticos realizassem medições. Tinham passado ao lado da estação Einstein, mas isso não tinha muita importância. O lampejo na quinta dimensão seria registrado a mais de duzentos mil anos-luz de distância. Até mesmo na Via Láctea seria detectado por meio de instrumentos altamente sensíveis.

Percorrido mais um trecho em vôo linear, já não havia a menor dúvida de que a resistência dos propulsores tinha chegado ao fim. Assim que a nave voltasse a penetrar no semi-espaço, as bombas teriam de ser detonadas.

O centro de computação positrônica fez os últimos preparativos.

Os relês batiam e os contactos se fechavam em todos os setores da nave condenada à morte. A ordem de suicídio foi transmitida ao dispositivo de detonação.

A Signal preparava-se para a última operação que iria desempenhar. O cruzador não tinha percorrido mais que quinhentos e noventa mil anos-luz. Mergulhou pela última vez no semi-espaço.

Cada minuto representava um ano-luz!

Dois anos-luz por minuto...

Três...

Finalmente foi alcançada a marca dos seiscentos mil anos-luz.

O centro de computação positrônica acionou o detonador.

Mil bombas de Árcon explodiram.

No lugar em que pouco antes estivera um cruzador de repente não existia mais nada — nem espaço, nem matéria, nem tempo. Uma descarga energética de proporções inimagináveis rompeu todas as estruturas que mantinham unidas as diversas componentes. Uma fresta surgiu no nada, mas não havia ninguém que pudesse olhar pela mesma. Se houvesse, este alguém teria lançado um olhar para a eternidade, para o passado e o futuro ao mesmo tempo. Já não havia limites entre as dimensões do tempo; elas se tinham fundido.

A fresta foi-se fechando aos poucos.

Mas a dobra propriamente dita na estrutura espácio-temporal foi-se deslocando para todos os lados, que nem um sem número de rachaduras numa esfera de vidro. Este deslocamento foi feito à velocidade incrível de milhares de anos-luz por segundo, mas seu tempo de vida era limitado. Depois de alguns minutos o espaço e o tempo voltaram a estabilizar-se, opondo resistência à dobra.

Esta foi detida.

E juntamente com ela a luz que a acompanhava — o lampejo produzido pela formidável detonação.

O equilíbrio foi restabelecido. O espaço readquiriu sua estabilidade e o tempo se ordenou. O futuro desapareceu atrás do véu das estruturas, voltando a ficar invisível. O mesmo aconteceu com o passado.

Só ficou o presente.

 

— Os rastreadores estruturais! — O comandante da estação Einstein parecia perplexo e deprimido ao transmitir a informação ao major Blacky Ehlers. — Todos se queimaram. Estão inutilizados. Naturalmente podem ser reparados, mas isso leva algum tempo. Ainda bem que nossas aparelhagens fizeram o registro completo do fenômeno. Registraram tanto o visual como os volumes de energia captados. Acha que é suficiente?

Ehlers fez que sim.

— Quer dizer que não existe dúvida de que foram as mil bombas da Signal?

Não.

Ehlers respirou aliviado.

— Quer dizer que já temos certeza de que a nave fragmentária encontrou a Crest. — Passou a dirigir-se ao imediato, que estava de pé ao seu lado.

— Ernst, providencie para que a tripulação vá para bordo da Ruhr. Partiremos dentro de uma hora. — Esperou que o capitão Schiller se afastasse às pressas. — Vamos. Conte exatamente o que aconteceu, comandante.

Não foi muita coisa, mas foi o suficiente.

Os rastreadores estruturais da estação Einstein tinham captado e registrado as emanações duma formidável descarga energética ocorrida na quinta dimensão. Foi uma descarga tão intensa que nenhum dos aparelhos resistiu ao súbito influxo de energia. Os registros visuais forneceram o quadro que se esperava. Uma nova se formara em pleno espaço, a uns oitenta mil anos-luz da estação e a trezentos mil anos-luz da extremidade da Via Láctea.

Não era uma nova igual a qualquer outra, mas um lampejo na quinta dimensão.

Não havia a menor dúvida. Era a Signal.

Os primeiros cálculos estavam sendo feitos.

A Signal não seguira diretamente para a estação, mas assim mesmo o cruzador parecia ter percorrido quase exatamente seiscentos mil anos-luz antes que a computação positrônica desse a ordem de auto-destruição.

Concluía-se que a nave fragmentária encontrara a Crest a novecentos mil anos-luz da Via Láctea.

Novecentos mil anos-luz percorridos na rota direta para Andrômeda!

— Que coisa incrível! — constatou o comandante da estação com um gemido.

Ehlers acenou com a cabeça. Não parecia nem um pouco abalado.

— Era o que esperávamos — disse com a maior tranqüilidade, mas sua voz revelava o medo do desconhecido. — Todas as previsões se confirmaram. Infelizmente tenho o dever de separar-me imediatamente do senhor, a fim de levar a confirmação às autoridades. Elas precisam saber o que aconteceu. Até é possível que enviem mais uma expedição; não sei. Prepare tudo para que a Ruhr possa decolar.

Uma hora depois dessa palestra a nave-correio estava saindo do hangar da estação. Ficou com a "proa" apontada para a faixa luminosa que representava a Via Láctea. Nas telas de popa a estação diminuía rapidamente, até mergulhar na escuridão do infinito.

— Tomara que os propulsores agüentem — disse Schiller em tom preocupado.

— Se não esquecermos as pausas de refrigeração, agüentarão — disse Ehlers em tom confiante.

— Além disso, suponho que outras naves estejam vindo ao nosso encontro. Manteremos a estação de hiper-rádio constantemente guarnecida. Talvez consigamos comunicar-nos com alguém. Afinal, as ondas de rádio sempre são mais rápidas que nós.

— Pelo menos as ondas de hiper-rádio — corrigiu Schiller com um sorriso.

Esse Bredney e Rudolf Zahl extraíram os dados sobre a rota do computador de navegação. Entregaram a fita de plástico ao comandante.

— Tekumseh se admiraria se pudesse ver isto.

— Quem é Tekumseh? — perguntou Schiller.

— Alguém que se encontra a bordo?

Zahn deu uma risada.

— E um velho cacique indígena do planeta Terra, morto e esquecido há muito tempo. Sempre teve dificuldades em orientar-se em qualquer terreno.

— Na juventude Ehlers também costumava chamar-se de Tekumseh — disse Esse Bredney. — Aborrecia-se quando alguém pronunciava o nome errado. Gostávamos de brincar de índio. O Sander — o primeiro nome era Andi ou Dassi — possuía uma arma energética para criança, com a qual dava choques elétricos nos outros. Quem tinha mais medo disso era Honourmountain.

— Vamos parar com essas infantilidades — resmungou Ehlers, indignado. — Será que não têm outro assunto?

— As recordações da juventude são um tema inesgotável — filosofou Bredney. — Ainda hoje e agora. Nossos antepassados...

— Nave na rota — disse Zahn em meio às palavras do companheiro. — Já podemos acelerar com o empuxo máximo. Vamos lá, Tekumseh!

Embora o acento tônico tivesse sido erroneamente colocado na segunda sílaba, Ehlers reagiu instintivamente.

Empurrou para a frente a alavanca do acelerador.

A nave penetrou em alta velocidade no espaço linear, tomando a direção da distante Via Láctea.

Desta vez Tekumseh não cometeu nenhum engano.

Salto após salto.

Com uma pausa no meio.

A Via Láctea crescia e as pausas tornavam-se cada vez mais longas.

Quando os propulsores da Ruhr estavam próximos ao desgaste total, a sala de rádio captou os primeiros hiperimpulsos.

Era uma nave avançada da Terra que se encontrava a cinqüenta mil anos-luz. O contacto foi estabelecido. Depois de ter recebido todos os dados, a nave avançada também seguiu em direção à Via Láctea.

A Ruhr já não precisava apressar-se tanto. Podia poupar suas máquinas.

Dali a dois dias o major Ehlers apresentou-se a Bell para oferecer seu relatório.

Natã deu início a interpretação dos dados.

 

Geco não teve tempo para refletir.

Enquanto Kasom estava contando sua experiência, teve a idéia de tentar por sua conta. Se pedisse permissão, esta nunca lhe seria dada. Quanto a Gucky...

Bem, seria preferível que por enquanto Gucky não tentasse.

Geco desmaterializou sem que ninguém o notasse e voltou a aparecer na cúpula de observação. Olhou rapidamente em torno.

Não havia ninguém. Estava só. Fechou o capacete espacial.

O campo energético que cercava Sexta emitia um brilho esverdeado. Via-se perfeitamente a superfície do planeta que ficava atrás do mesmo. Geco concentrou-se num planalto nu, sem vegetação — e saltou.

Ele mesmo não sabia exatamente o que poderia acontecer. Afinal, o misterioso campo defensivo interpunha-se entre ele e o ponto de destino. Talvez o deixasse passar, pois em estado de desmaterialização Geco não estava sujeito às leis naturais comuns. Mas era possível que o campo defensivo também não estivesse.

Durante o salto propriamente dito Geco não sentiu nada, mas assim que rematerializou sentiu uma dor quase insuportável em todo o corpo. A dor era tão intensa que Geco ficou inconsciente por alguns segundos.

Quando voltou a abrir os olhos, estava caindo pelo espaço, paralelamente à superfície do planeta Sexta. Em torno dele havia um brilho esverdeado. As duas galáxias enormes estavam quase irreconhecíveis. A luz ofuscante que penetrava em seus olhos era quase insuportável, levando-o a fechá-los instintivamente.

Finalmente a dor diminuiu e Geco compreendeu o que tinha acontecido.

Resvalara no campo defensivo, tal qual acontecera com a gazela.

Fez três teleportações na direção em que estava a Crest até que finalmente a descobriu. Cerrou os dentes — em sentido figurado — e deu mais um salto.

Desta vez prestou atenção para que a Crest ficasse diretamente atrás de suas costas. Desta forma atingira o campo defensivo num ângulo de noventa graus. Não escorregaria mais no mesmo. Só poderia atravessá-lo — ou ser atirado para trás no mesmo ângulo.

E foi esta última hipótese que se verificou.

Desta vez a dor foi incomparavelmente maior. Geco perdeu os sentidos e desmaterializou independentemente de sua vontade. A última impressão que teve foi que alguma coisa o atirava inexoravelmente para a eternidade.

Quando recuperou os sentidos, ouviu vozes.

Abriu os olhos e olhou diretamente para o rosto preocupado de Gucky.

— Aí está ele! — piou Gucky com a voz estridente e exaltada. — Que sujeito atrevido! Você poderia ter-se dado mal, Geco! Acho que deveríamos dar-lhe uma boa sova.

— Bando de ingratos! — Geco fingiu-se de indignado e fez um grande esforço para levantar. A dor continuava a fustigar seu corpo. Voltou a cair para trás com um gemido. Estava deitado num sofá, na sala de comando. Rhodan, Kasom, Tolot e alguns oficiais da Crest o cercavam. Mais ao longe o Dr. Anficht deu um ar sério ao seu rosto de cavalo. — Fiz por vocês...

Gucky exibiu o dente roedor num sorriso amável.

— Não tive a intenção de ofendê-lo, pequeno. Mas pelo menos poderia ter perguntado.

— Era o que deveria ter feito — disse Rhodan, inclinando-se sobre Geco para acariciá-lo. — Como vai? Está melhor?

— Se tivesse perguntado, vocês nunca me teriam dado permissão — disse Geco. — Teriam mandado Gucky saltar. E Gucky é mais importante que eu. Afinal, quem sou? Um dos ratos-castores menos importantes do mundo, um fanfarrão, um convencido, um...

— Chega! — Gucky obrigou Geco a voltar ao sofá. — Essas auto-recriminações deixam a gente completamente arrasada. Estou emocionado! Você não é nenhum convencido, Geco. É um herói. Silêncio! Não me contradiga. Você é um herói. Mas talvez possa contar o que aconteceu lá fora. Acha que é possível?

Geco voltou a levantar-se.

— Já me sinto muito bem — asseverou em tom corajoso. — Tenho certeza de que existe um meio de atravessar este campo defensivo. Não com uma simples teleportação. Mas com uma teleportação e mais alguma coisa, que tem de ser da quinta dimensão. Esta espécie de conjunção de forças deveria ser suficiente.

Rhodan fez um gesto negativo.

— Da teleportação só se pode cogitar em último caso, se os outros meios falharem. Primeiro vamos tentar com os canhões. As respectivas instruções já foram transmitidas ao comando de artilharia. O fogo concentrado de todas as peças deve ser capaz de romper o campo. Se não conseguirmos assim, teremos de inventar outra coisa.

— Tomara que nos ocorra alguma coisa — disse Geco em tom cético e escorregou do sofá para o chão. Foi bastante generoso para permitir que Gucky o apoiasse. Já se sentia como um veterano das primeiras horas.

As telas mostraram um espetáculo duma beleza selvagem. As trilhas energéticas reluzentes de mais de cinqüenta canhões energéticos concentravam-se num só ponto do campo defensivo verde, enquanto a Crest começava a deslocar-se em alta velocidade em direção ao planeta.

O campo defensivo refletiu as energias no mesmo ângulo, sem mostrar qualquer sinal de fadiga. O ataque da Crest resvalava nele.

Só no último instante a nave-capitânea mudou de rumo. Quase chegou a roçar no campo energético. Voltou ao ponto de partida, que desta vez ficava a apenas meio segundo-luz do campo defensivo de Sexta.

— Não adianta — disse Rhodan, decepcionado. — Não consigo compreender por que nem mesmo os canhões conversores conseguem romper este campo.

— Funcionam na quinta dimensão, — disse Icho Tolot — mas provavelmente não são orientados em sentido inverso ao do campo energético. E sem isso eles não se neutralizam ou destroem um ao outro.

— Orientados em sentido inverso? — Rhodan fitou o halutense com uma expressão pensativa.

— Exatamente — confirmou Tolot. — Isso me fez lembrar uma coisa. Espere um pouco antes de lançar novos ataques, senhor. Acho que encontrei uma saída. Peço permissão para discutir o assunto com seus físicos. Ainda não vejo muito claro no assunto, mas acho que com o auxílio de seus colaboradores poderei fazer os cálculos necessários numa questão de minutos. Depois disso...

Nem esperou que Rhodan desse seu consentimento. Antes que alguém pudesse dizer qualquer coisa, desapareceu da sala de comando.

Mais uma vez a Crest mantinha-se em posição estacionaria em relação ao planeta Sexta. Numa distância maior distinguiam-se a olho nu as formas irregulares da Box-8323. A nave fragmentária estava à espera.

— O que será que Tolot vai inventar? — perguntou Atlan, que estava sentado no sofá, entre Geco e Gucky. — Tomara que não nos peça que corramos para dentro do campo com a Crest.

— Não acredito. Ele sabe tão bem quanto nós que isso seria inútil. Vamos aguardar.

Tolot não demorou a voltar. O Dr. Anficht, que saíra da sala de comando em sua companhia, estava com ele. Exibia um sorriso forçado, dando a impressão de que a qualquer momento poderia perder os dentes.

— Talvez consigamos. — principiou Tolot e ficou parado. — Tentarei explicar duma forma bem simples. Temos bombas gravitacionais a bordo, não temos? As mesmas também atuam na quinta dimensão, mas existe uma diferença. Os campos espirais que são capazes de irradiar agem em sentido contrário ao dos campos da quinta dimensão produzidos pelos canhões conversores, e provavelmente também ao dos campos que compõem o campo defensivo verde. Se irradiarmos três dessas bombas em forma de campos espirais que desenvolvem a velocidade da luz e as fizermos detonar num só ponto da superfície do campo defensivo, em nossa opinião neste ponto deverá surgir um campo energético da quinta dimensão orientado em sentido contrário. O planeta dificilmente será destruído. Se não fosse o campo defensivo, esta possibilidade existiria.

Rhodan acenou com a cabeça.

— Parece bastante plausível. Mas suponhamos que dê certo. Será que adianta alguma coisa? O campo defensivo seria neutralizado no máximo por cinco segundos. O senhor realmente acredita que poderíamos ajustar o momento em que a Crest atingisse o campo com tamanha precisão? E será que a abertura daria passagem à Crest?

— Provavelmente não — disse Tolot com um sorriso. — Para dizer a verdade, nem estava pensando na Crest. Tenho outra sugestão. Ficarei com os dois ratos-castores nos ombros e saltaremos no momento exato da explosão. Gucky e Geco terão de estabelecer uma ligação mental para agir em sincronia. Teleportam, levando-me consigo. Seria ridículo se não conseguíssemos passar.

Gucky foi escorregando do sofá para o chão. Levantou os olhos para o gigantesco halutense.

— Isso mesmo — disse em tom de insegurança. Seria ridículo. É claro que conseguiremos passar. Mas como?

— Mais uma pergunta, pequeno — disse Tolot com a maior tranqüilidade. — Tem certeza de que você e Geco conseguirão levar-me numa teleportação simultânea? O peso não é muito grande?

— De forma alguma. Se necessário, levaremos um elefante.

— Está bem. Concorda com a experiência, Rhodan? Os ratos-castores terão de usar trajes espaciais. Eu não preciso, porque poderei fazer as modificações necessárias em minha estrutura celular.

— Não temos alternativa. — Rhodan lançou um olhar interrogativo para Atlan. — Estou de acordo.

Os preparativos não demoraram. No momento em que o centro de artilharia comunicou que as três bombas gravitacionais estavam prontas para serem lançadas, Tolot colocou-se no centro da sala de comando. Os dois ratos-castores ficaram sentados em seus ombros, um de cada lado da enorme cabeça, e deram-se as mãos. Estavam em contacto telepático direto. O corpo de Tolot sofreu uma transformação. Ficou duro que nem aço. Seria capaz de resistir a qualquer impacto, por mais forte que fosse.

— Pronto — disse o halutense em voz baixa. Rhodan acenou com a cabeça e lançou um olhar para o oficial de artilharia, cujo rosto parecia fitá-lo da tela.

— Tudo preparado, major Cero Wiffert?

O major, um homem de estatura baixa, confirmou:

— Tudo preparado, senhor!

— Pois então — Fogo!

As telas mostraram todos os detalhes.

Os campos espirais propriamente ditos eram invisíveis. No entanto, transportaram as bombas para o alvo à velocidade da luz. Com um lampejo ofuscante, as cargas explosivas detonaram todas no mesmo ponto.

Imediatamente o campo verde-claro mudou de cor, passando para o azulado. Mas não desapareceu de vez.

— Já! — gritou Tolot.

No mesmo instante Gucky e Geco entraram em ação. Já se tinham concentrado no ponto azul. Agora saltaram.

Os três desapareceram diante dos homens que se encontravam na sala de comando da Crest.

Atravessaram o campo defensivo de Sexta sem rematerializar. A experiência foi coroada de êxito. A energia neutralizante das três bombas perfurara o campo energético.

Quando as três criaturas ousadas finalmente rematerializaram e puderam enxergar de novo, o campo energético verde estendia-se bem no alto, compacto e sem a menor fresta. Os contornos da Crest só apareciam vagamente atrás dele.

Estavam caindo em direção à superfície de Sexta.

Gucky tentou amortecer a queda, mas só conseguiu quando Geco também interveio com sua capacidade telecinética. Passaram a cair mais devagar e procuraram orientar-se. Lá embaixo viam-se montanhas achatadas, um planalto e um rio.

Teleportaram pelo restante do trajeto. Finalmente viram-se de pé à margem do rio, em meio a um capim ralo. Tolot respirou profundamente e acenou com a cabeça.

— Temos uma atmosfera. Podem abrir os capacetes. E a Crest?

Era impossível comunicar-se com a Crest pelo rádio. O campo defensivo voltara a fechar-se, não deixando passar mais nenhuma onda. Estavam isolados e dependiam exclusivamente dos próprios recursos.

Encontravam-se nas proximidades do equador e a temperatura era suportável. Mais ao norte viam-se as montanhas. Para o sul a planície estendia-se até o horizonte. O rio infiltrou-se na terra em plena planície, pois não havia mares.

— Se quiserem, podem ficar nas minhas costas — disse Tolot com a voz bonachona. — Até dormindo consigo carregar vocês.

— Você é uma lesma — piou Gucky e saltou para o chão. — Primeiro, você é lento demais para o meu gosto, e depois sinto-me satisfeito por ter grama sob os pés. E agora? Onde fica a unidade energética?

— Logo saberemos — respondeu Tolot e tirou dos bolsos os instrumentos especiais. Tratava-se de detectores de energia de alta sensibilidade, que registravam prontamente qualquer emanação, por fraca que fosse.

Montou os instrumentos. Os ratos-castores ajudavam-no, dando conselhos mais ou menos apropriados, que o halutense seguia com uma atitude benévola ou ignorava com um sorriso. Quando os ponteiros se movimentaram, disse:

— Aí está. Temos fortes emanações energéticas vindas do leste. Quer dizer que a estação fica no equador, tal qual em Septim. Vocês têm razão. Vamos teleportar trecho após trecho. Desta forma vamos encontrá-la. Se corrermos, demoraremos demais.

Levaram duas horas para encontrar a estação.

Puseram-se a contemplá-la a uma distância segura.

Ficava num enorme planalto, tão liso que até parecia artificial, e estava cercada por enormes montanhas. O planalto tinha mais de cem quilômetros de diâmetro. Exatamente no centro do planalto viam-se doze edifícios semi-esféricos com mais de cem metros de altura. Estavam dispostos em círculo em torno duma área de mais de quatro quilômetros de diâmetro.

No centro exato do conjunto erguia-se uma torre metálica de quinhentos metros de altura e cinqüenta de espessura. No topo da mesma viam-se numerosas antenas esféricas.

Segundo os instrumentos de Tolot, as emanações energéticas provinham dessas antenas. Portanto, era a torre que criava o campo energético em torno do planeta.

— Pronto! — disse Geco, respirando aliviado.

— Basta uma boa carga explosiva, e a Crest poderá pousar.

Tolot sacudiu a cabeça.

— Não vamos precipitar nada. Não temos nenhuma bomba com tamanha força explosiva, e, além disso, seria uma leviandade destruir a estação. É possível que a mesma exerça funções que mais tarde poderão revelar-se vitais para nós. Temos que desativá-la; é quanto basta. Resta saber se a estação está sendo vigiada, e por quem.

— Quer que salte lá para dentro? — ofereceu Gucky em tom indiferente.

— Será que você está com vontade de morrer?

— Tolot recolheu os instrumentos e guardou-os cuidadosamente. Ajeitou as duas armas energéticas que trazia consigo. Assemelhavam-se a fuzis pesados e eram maiores que os ratos-castores. — Vamos agir sistematicamente. Dependerá das informações que conseguirmos colher a respeito desta estação e das funções que a mesma desempenha se poderemos voltar à Via Láctea ou não. Se possível vamos desativar o campo defensivo, para que a Crest possa descer no planeta. Nossos cientistas devem estar em condições de entrar na estação sem correr o menor risco e realizar suas investigações. Mas tenho certeza de que existe algum tipo de vigilância. Provavelmente também aqui a mesma é exercida por robôs. A primeira coisa que temos de fazer é encontrar um meio de colocá-los fora de ação.

— Se a Crest estivesse aqui, seria bem mais fácil.

— Sei disso. Um momento, Gucky. Fique bem quieto. Vi um movimento lá adiante. Será que já fomos descobertos?

Gucky olhou para a estação, que ficava um pouco abaixo do lugar em que se encontravam. Encontrava-se a cerca de quatro quilômetros.

— Você enxerga muito bem. Não vejo nada.

— Pois eu vejo! — disse Geco em tom de triunfo. — Será que é um robô?

— Que pergunta tola! — resmungou Gucky, indignado. — Não está vendo nenhum robô. Só quer aparecer.

— Como é o robô que você viu? — perguntou Tolot.

Geco formou um grande ovo com os braços.

— Mais ou menos assim, com antenas e esferas ou rodízios embaixo.

Tolot fitou Gucky.

— Foi exatamente o que eu vi. Geco enxerga muito bem.

Muito orgulhoso, Geco atirou a cabeça para trás com tanta força que por pouco não quebrou o pescoço.

— E uma máquina de guerra sobre rolos — disse Tolot. — E vem na nossa direção. Aposto que nossa presença já foi notada. O colapso do campo energético deve ter sido registrado. Vamos preparar-nos para entrar em combate com os vigias.

— Sempre fui um grande combatente — disse Geco em tom fanfarrão.

— Pois eu prefiro um lutador inteligente — disse Tolot para abafar seu entusiasmo. — Com os braços desta vez não conseguiremos nada. Só mesmo com a cabeça e uma boa porção de cérebro dentro dela.

— Pois confie em mim — disse Gucky e sentou numa pedra. Parecia sentir tédio. — Que venha o tal do robô!

Tolot ignorou a fanfarronice dos dois heróis de ópera, pois sabia perfeitamente que, se realmente precisasse, poderia confiar neles.

O robô em forma de ovo veio rolando em alta velocidade pela superfície plana, em direção à colina achatada na qual Tolot e os dois ratos-castores se tinham instalado. Até parecia ser capaz de farejá-los, pois manteve a mesma direção mesmo quando os três amigos se recolheram á uma depressão onde não podiam ser vistos.

— Estou curioso para conhecer o armamento dele — resmungou Tolot. — Se não conseguirmos liquidá-lo com nossas armas energéticas, teremos que teleportar.

O ovo foi-se aproximando. Rolava sobre um par de rodas elásticas, cujo formato se adaptava a todas as irregularidades do terreno. Os canos dos canhões energéticos apontavam em todas as direções. O ovo tinha pelo menos dois metros de altura e três ou quatro metros de diâmetro. Continuava a deslocar-se exatamente na direção do esconderijo ao qual Tolot e os ratos-castores se tinham recolhido.

— Já está na hora de fazermos alguma coisa. — Gucky mexeu nervosamente em sua pequena pistola energética. — Receio não poder fazer muita coisa com isto.

Estejam preparados para teleportar. Não se preocupem comigo. Saberei enfrentar esta coisa. Além disso, os raios energéticos dificilmente afetarão minha estrutura celular em seu estado atual.

Tolot apoiou o cano de uma das suas armas energéticas na borda da depressão em que estavam escondidos e fez pontaria para o ovo combatente que se aproximava. Pelo que pôde constatar, o robô só estava blindado; não possuía campo defensivo.

Tolot comprimiu o botão acionador e não o soltou mais.

Os impulsos energéticos saíram numa seqüência fulminante do cano da arma e foram bater na blindagem do robô. Este respondeu imediatamente ao fogo com todas as peças de que dispunha. Mas sua pontaria não foi tão boa quanto a de Tolot, que dentro de cinco segundos pôs fora de ação três canhões do inimigo.

— Não consigo detê-lo. Protejam-se!

Gucky e Geco entreolharam-se. A idéia de fugir, abandonando Tolot, repugnava-lhes. Finalmente acenaram com a cabeça e deram-se as mãos. Mas não teleportaram, mas usaram a telecinesia de forma sincrônica.

O robô em forma de ovo parou abruptamente.

De repente os tiros disparados pelo mesmo bateram num obstáculo invisível. A mesma coisa aconteceu com os tiros disparados por Tolot. Este suspendeu o fogo.

— Vamos mostrar-lhe uma coisa — fungou Gucky em tom nervoso e fez um sinal para Geco. — Um ovo voador vai ser quebrado numa frigideira de pedra.

Tolot imaginava quais eram as intenções dos ratos-castores. Não formulou nenhuma objeção; ficou na expectativa. Não tinha pena do que pudesse acontecer com o robô.

O ovo foi atingido por mãos invisíveis. Eram as forças telecinéticas dos ratos-castores que se uniam, produzindo um efeito duplicado. O ovo ergueu-se do chão e foi subindo lentamente. Subia cada vez mais, até transformar-se num pontinho. Os raios energéticos ofuscantes disparados pelo mesmo formavam um contraste marcante com o céu verde.

— Está na hora. Um pouco para o lado, senão acaba caindo na nossa cabeça... — Gucky transmitia as instruções com a voz trêmula, que deixava perceber a euforia. — Assim está bom, Geco. Vamos lá...!

Os dois soltaram o ovo ao mesmo tempo.

O ponto no céu cresceu rapidamente. O robô continuava a disparar a esmo em todas as direções, mas a única coisa que conseguiu foi que o recuo da arma o fez girar em torno do próprio eixo. Via-se que o guarda da estação não sabia voar.

Bateu com toda força na rocha do planalto e explodiu. A única coisa que sobrou dele foi uma cratera e algumas peças de metal derretido espalhadas numa área de vários quilômetros.

— A telecinese funciona melhor que sua espingarda, Tolot — disse Gucky, cutucando Geco. — Acho que ainda poderemos formar uma boa equipe.

Geco levantou-se e olhou para o lado da estação.

— Já somos — disse em tom orgulhoso. — Lá vem o segundo ovo.

Tolot continuava a segurar uma de suas armas energéticas. Levantou-se.

— Sei perfeitamente do que são capazes — confessou. — Mas não podemos ficar aqui o dia inteiro, esperando que eles nos ataquem um após o outro, para que vocês os façam voar. Precisamos atacar.

— E o que vivo dizendo! — Gucky saltou para a borda da depressão e olhou para a estação. — Vamos saltar para a torre. Lá os guardas não nos pegarão tão depressa. Além disso, não se arriscarão a destruir a estação.

Geco estava de pé, com as pernas afastadas. Acenou fortemente com a cabeça.

— É exatamente o que vamos fazer. Irei na frente, para sondar o terreno. Logo estarei de volta. Esperem.

Antes que alguém pudesse formular uma objeção, Geco desmaterializou. Gucky soltou um suspiro.

— É um sujeito arrojado. E olhe que, cá entre nós, sempre pensei que fosse um fanfarrão. Não é nada disso. Pelo contrário. É um sujeito muito corajoso.

— Tomara que sua coragem não degenere em leviandade.

— Não se preocupe — respondeu Gucky com a voz tranqüila. — Sua coragem não chega a este ponto.

Geco voltou dentro de dois minutos e ofereceu seu relato.

— A torre é bastante confortável. Bem em cima há uma sala de controle coberta, com paredes de vidro. A visão é ampla, para todos os lados, inclusive para baixo. Existe um elevador, que constitui o único acesso. Não para nós, evidentemente. Há lugar de sobra para nós. De lá controlaremos tudo, sem que possam atacar-nos. Vamos logo! O que estão esperando?

A torre situada no centro das instalações realmente era o lugar mais seguro em toda a estação. Além disso, havia uma vantagem incontestável: por enquanto ninguém sabia que estavam ali. Como poderiam ter chegado ao lugar? Certamente os robôs ainda não sabiam que os inimigos eram teleportadores.

Tinham uma visão ampla para todos os lados, inclusive para baixo, conforme dissera Geco. E justamente lá em baixo se reuniam os estranhos robôs para um ataque em massa ao planalto onde certamente supunham estivesse o inimigo.

Também se viam perfeitamente as antenas esféricas. Só agora Tolot notou que sua posição não era arbitrária, pois estavam simetricamente dispostas.

A sala em que se encontrava o halutense e os dois ratos-castores era circular e possuía telhado metálico em forma de abóbada. Havia quadros de comando automáticos junto às paredes. Entre eles viam-se blocos de máquinas e objetos parecidos com isoladores. O elevador estava em cima. Tratava-se duma caixa quadrada equipada com um dispositivo antigravitacional.

— Quem sabe se não basta pôr o centro de comando fora de ação? — sugeriu Gucky, que antes adivinhava do que lia os pensamentos de Tolot.

— Prefiro não danificar as instalações, Gucky. Você acredita que haverá uma possibilidade de inutilizarmos somente as antenas? Talvez isso possa ser feito por meio da telecinesia, ou com alguns tiros energéticos disparados com boa pontaria.

As antenas esféricas subiam obliquamente da estrutura metálica, a intervalos regulares. Estavam apoiadas em barras metálicas móveis, muito finas.

De repente Tolot viu uma dessas barras entortar-se, lentamente, num movimento hesitante. Tinha-se a impressão de que de repente a esfera se tornara pesada demais.

— Pode ser assim? — perguntou Gucky, exibindo o dente roedor.

Tolot fez um gesto de elogio.

— Exatamente! Um instante, preciso verificar os instrumentos. Precisamos ter certeza de que basta entortar as barras. Se necessário, teremos de tirar as esferas dos suportes.

Logo veriam que não seria necessário. Bastava entortar as antenas para fazer desmoronar o campo defensivo que protegia Sexta. Mas no momento tinham outras preocupações. Contrariando todas as expectativas, sua chegada à torre de controle não deixara de ser notada.

— Robôs voadores! — gritou Geco de repente em tom assustado, apontando para baixo. — Olhem só...!

Lá fora, em terreno plano, um confronto com estes robôs poderia ter produzido resultados funestos, mas no lugar em que se encontravam estavam em relativa segurança. Os robôs não estariam dispostos a destruir suas próprias instalações. Foram subindo e descreveram curvas elegantes em torno da cúpula. Pareciam mariposas esvoaçando ao redor duma lâmpada. Tinham o aspecto de pequeninos aviões a jato. O cano duma arma energética saía da proa, mas por enquanto a mesma não estava sendo usada.

— Eles não nos farão nada — disse Tolot depois de observá-los por algum tempo. — Mas não sei. Se perceberam que estamos entortando suas antenas esféricas duma forma misteriosa...

— Vou tentar uma defesa — piou Geco, entusiasmado, e olhou para os robôs. — Prestem atenção!

De repente uma das máquinas voadoras mudou de rumo. Afastou-se do grupo, subiu um pouco e caiu sobre uma das asas. Entrou num mergulho alucinante, atravessou o círculo das outras máquinas voadoras e bateu ruidosamente em uma das inúmeras antenas circulares. Um raio ofuscante saiu da mesma, desaparecendo no céu esverdeado. O robô explodiu e os destroços caíram na estação.

— Excelente — elogiou Gucky. — São destruídos e ainda praticam uma boa ação. Menos uma antena.

As outras máquinas voadoras tiveram o mesmo destino. Seus cérebros positrônicos pareciam incapazes de absorver o fato de que seu mecanismo de leme não lhes obedecia mais. Não encontraram nenhuma explicação lógica e por isso mesmo não esboçaram qualquer reação. Nem se defenderam e foram destruídos.

— Olhem o campo! — gritou Tolot de repente, apontando para o céu.

O verde mostrava uma cintilância nervosa. Em alguns lugares mudou de cor, assumindo tonalidades mais pálidas, e finalmente passou para o azulado. Depois de algum tempo a tonalidade azul também desapareceu.

O campo defensivo estava desmoronando.

Gucky e Geco entortaram mais algumas das antenas. Inúmeros raios saltavam de um lado para outro, entre as antenas esféricas e destas para o céu. Finalmente tornou-se desnecessário interferir nos acontecimentos.

O campo energético apagou-se de vez.

Tolot ligou o rádio e chamou a Crest. A nave respondeu imediatamente.

— Campo defensivo desligado, senhor. Acho que a Crest já pode pousar. Mas convém ter cuidado. A estação está sendo vigiada por robôs. Darei as coordenadas...

— Não é necessário. — A fala de Rhodan era rápida e entrecortada. — Já temos. A Crest acaba de atravessar a área em que ficava o campo defensivo. A Box-8323 permanecerá em órbita. Mantenham-nos informados sobre os robôs que vigiam a estação. Em hipótese alguma devem ter oportunidade para destruir sua própria estação. Evitem que isso aconteça.

Gucky segurou a mão de Geco.

— Fique aqui, Tolot. Saltaremos para baixo e deixaremos os robôs loucos. Talvez consigamos detê-los até a chegada da Crest.

— Tenham cuidado!

— Não se preocupe, grandalhão. Quando um robô começa a admirar-se, sua carreira de combatente chegou ao fim.

Os dois ratos-castores materializaram junto ao pé da torre. Só agora puderam ver a estação em toda sua imensidão. As abóbadas e a torre formavam apenas a parte visível da mesma. As máquinas e unidades energéticas certamente tinham sido instaladas bem no fundo da rocha. Provavelmente levariam vários dias e até semanas para explorar todo o labirinto. E por lá devia haver muitos esconderijos para os robôs.

— Onde estão? — perguntou Geco, soltando a mão de Gucky.

— Quem? Os robôs? Hum, é estranho...

Não se via mais um único robô. Pareciam ter sido tragados pelo solo.

— Ei, vocês aí! — Gucky estremeceu e virou-se abruptamente, mas fora apenas a voz de Tolot transmitida pelo rádio. — Que houve? Estão parados como se alguém os tivesse perdido. Vistos daqui parecem duas pulgas.

— Você que é uma pulga! — resmungou Gucky em tom irritado. Tolot devia enxergar muito bem, pois a torre tinha seus quinhentos metros de altura. — Os robôs desapareceram. Tomara que não resolvam fazer explodir a estação.

— Não acredito, mas não sabemos qual é o trabalho que deverão desempenhar. Façam o favor de procurá-los. Afinal, eles não podem ter-se dissolvido no ar.

— Falar é fácil! — Geco lançou um olhar zangado para a cúpula da torre. Finalmente olhou para os próprios pés. — Vamos tentar lá em baixo?

Teleportaram para uma das construções em forma de abóbada. Não encontraram a entrada, mas recorreram à teleportação para transportar-se para o interior da abóbada.

Notava-se à primeira vista que a maior parte das instalações, completamente desconhecidas dos dois ratos-castores, devia ficar em baixo da superfície. As descidas estendiam-se diante de seus olhos. Não eram degraus, mas superfícies inclinadas. Quer dizer que se podia chegar lá em baixo com veículos comuns. Bem no centro do pavilhão abobadado havia um elevador antigravitacional com uma grande plataforma.

Gucky e Geco acharam preferível usar um dos planos inclinados. Tinham certeza de que no pavilhão que ficava em cima da superfície não havia robôs. Se existissem, os mesmos só poderiam ser encontrados nas instalações subterrâneas.

Seus cálculos não deram certo.

Teleportaram de um pavimento para outro. Encontraram pavilhões gigantescos cheios de máquinas, corredores sem fim que provavelmente levavam às outras cúpulas e ã torre, um gigantesco cérebro positrônico situado bem em baixo da torre, inúmeras câmaras e sempre novos corredores que desciam cada vez mais.

Mas não descobriram um único robô.

De repente as instalações pareciam estar abandonadas.

Quando se viram novamente ao ar livre, junto à torre, Gucky respirou aliviado.

— Nada, Tolot. Nem um único robô. Fugiram, mas não sabemos para onde.

— Subam.

Os dois ratos-castores teleportaram para a sala abobadada situada quinhentos metros acima da estação. Tolot apontou para o alto.

— A Crest pousará dentro de alguns minutos. Fora da estação. Acho que será preferível saltarmos diretamente daqui para a nave. O campo energético não existe mais. Nossa missão foi cumprida.

— Os robôs desaparecidos me deixam preocupado — confessou Gucky, um tanto deprimido. — Não venha me dizer que ficaram com medo.

— Não sabemos nada sobre a tarefa para a qual foram programados. Como sabe, vemos no sistema dos sóis gêmeos uma espécie de armadilha ou campo de provas. Pois bem. Passamos pela prova que tivemos de enfrentar em Sexta, desligando o campo energético.

— Tanta coisa por tão pouco? — Gucky sacudiu a cabeça. — Ninguém me fará acreditar nisso. Esta estação não é um simples gerador destinado a alimentar o campo defensivo dum planeta. É muito mais que isso. Estivemos lá em baixo e vimos parte dela, Tolot. E dum tamanho incrível. Daria para criar um campo energético em torno de todo o sistema solar.

— Ou para alimentar um transmissor solar, não é mesmo?

Gucky fitou o halutense com uma expressão de espanto. Finalmente acenou com a cabeça.

— Sim, também pode ser isso. De acordo. Vamos saltar para a Crest assim que a mesma tenha pousado.

As transmissões pelo rádio mantiveram-nos informados sobre a aproximação da nave. Finalmente a nave esférica apareceu no horizonte e foi-se aproximando lentamente e em pequena altitude da estação. Finalmente a Crest pousou a três quilômetros da torre.

Gucky e Geco voltaram a sentar nos ombros de Tolot e teleportaram para a sala de comando, onde Rhodan e os outros já estavam à sua espera.

Um homem que antes não estivera na sala de comando chamava a atenção. Tinha cerca de um metro e noventa de altura, cabelos lisos e tão brilhantes que quase chegavam a parecer azuis e devia ter seus vinte e sete anos. Em seus olhos escuros brilhava uma expressão que beirava à melancolia, mas além desta via-se o arrojo e a temeridade.

Tratava-se do capitão Don Redhorse, descendente dos índios cheiene e chefe das tropas de desembarque da Crest.

Tolot apresentou um relato ligeiro dos acontecimentos. Redhorse ouvia com muita atenção. Caber-lhe-ia sair da nave com seu comando antes de qualquer outra pessoa, a fim de vasculhar a estação à procura de robôs. Dependeria dele que os que fossem depois pudessem movimentar-se no planeta em segurança, ou que lhes estivessem reservadas algumas surpresas.

Tolot mal tinha concluído seu relatório, quando a porta se abriu abruptamente. Um homem corpulento que envergava uniforme de major passou pela mesma. Devia ter cerca de quarenta e dois anos, possuía uma cabeleira loura muito rala e apresentava veias vermelhas no rosto. A expressão do rosto revelava um caráter colérico.

Precipitou-se em direção a Tolot que nem uma bola de borracha, sem mostrar-se impressionado com o tamanho do mesmo.

— Ei, o senhor! Quantos tiros disparou com suas armas energéticas?

Tolot fitou-o com uma expressão de perplexidade, mas logo abriu o rosto num sorriso largo.

— Foram cerca de sete mil, trezentos e cinqüenta e dois impulsos energéticos. Talvez tenha sido um a mais ou a menos. Por quê?

— Preciso saber — limitou-se o gordo a responder. Dirigindo-se a Gucky, perguntou: — E você, anão. Também andou atirando? Vamos, fale logo! Ou será que perdeu a língua?

Gucky já vira o homem, mas não se lembrava onde. Não havia tempo para uma sondagem telepática. Viu que Rhodan estava sorrindo. Portanto, não precisava levar o caso muito a sério.

Levantou os olhos para o gordo, andou em torno dele e contemplou-o demoradamente de todos os lados. Finalmente aproximou-se de Geco, cutucou-o, apontou com o queixo para o gordo e perguntou:

— Você conhece?

Geco sacudiu a cabeça.

— Como poderia conhecê-lo? Faz pouco tempo que estou na Crest. Ele ainda não se apresentou.

— Pois é — disse Gucky e saltou para o sofá, acomodando-se no mesmo. — Neste caso não é de sua conta que usemos ou deixemos de usar nossas armas energéticas. Boa noite.

— Boa noite — respondeu o gordo instintivamente, mas logo ficou muito vermelho no rosto, fazendo com que Rhodan, que o conhecia, receasse o pior. — Que atrevimento! Sou o major Curt Bernard, chefe do serviço de intendência da Crest. Tenho de prestar contas de cada tiro que é disparado. Portanto, exijo que a tripulação também preste contas. E este o motivo da minha pergunta. Compreendeu?

Gucky abriu os olhos e fitou o major com uma expressão estúpida. Fez um gesto cansado.

— Compreendi:— cochichou.

Depois voltou a fechar os olhos e pôs-se a ronronar gostosamente.

Bernard dirigiu-se a Rhodan. Parecia consternado.

— Senhor, vejo-me obrigado a insistir na minha pergunta. É absolutamente necessário que depois de cada combate o consumo e desgaste do material seja registrado. Não se admitem exceções. Afinal, também exigem que eu...

— Está bem, major. É claro que do seu ponto de vista o senhor tem toda razão. Ouviu, Gucky? Quantos tiros deu?

O rosto de Gucky assumiu uma expressão sofredora.

— Para dizer a verdade, gastei toda minha pólvora. Não posso enfrentar este gordo, embora seja major e se chame Curt Bernard. Afinal, está segurando o lado mais comprido da alavanca e goza das simpatias do comando da nave. Desisto.

— Estou esperando — observou Bernard.

Seu rosto já não estava tão vermelho como antes. Segurava papel e lápis na mão.

— O quê? — perguntou Geco em tom de curiosidade. Gucky parecia ter adormecido.

— As informações. Quantos tiros vocês dispararam?

— Nenhum — respondeu Geco em tom atrevido. — Se soubéssemos que isso lhe daria trabalho, teríamos esvaziados todos os pentes energéticos.

— Pois então — respondeu o chefe do serviço de intendência da Crest em tom de triunfo e pôs o lápis no papel. — Nenhum tiro. É isso. Capitão Redhorse, seus homens já receberam o equipamento. Aguardo suas informações logo após o regresso.

Redhorse acenou tranqüilamente com a cabeça. A idéia de contabilizar cada tiro que disparasse também não lhe parecia agradar.

Gucky acordou.

— Já foi embora? Graças a Deus! Mais uma palavra atrevida, e eu o faria rolar pela nave. Ele pode dar-se por feliz porque fiz de conta que não ouvi quando ele me chamou de anão.

— Você fez? — perguntou Geco em tom de espanto.

Gucky acenou com a cabeça.

— Fiz, sim.

Rhodan fez um sinal para o halutense.

— Acha que podemos enviar o comando especial, Tolot?

— Acho, sim senhor. Não vimos mais nem um único robô. Devem ter-se retirado para o interior da estação. Parece que não receberam ordem de defender a estação até o último. Até se poderia ser levado a supor que a prova consistiu unicamente em desativar o campo defensivo que protegia Sexta.

— Não sou da mesma opinião, Tolot. Acho que a verdadeira prova ainda está pela frente. Será o regresso à Via Láctea — ou o prosseguimento do avanço em direção à nebulosa de Andrômeda. Vamos aguardar as notícias do capitão Redhorse.

O comandante das tropas de desembarque saiu da Crest com vinte homens e três blindados voadores. Os canhões da nave ficaram preparados para dar-lhe cobertura, mas não houve nenhum ataque. A tropa atingiu a primeira construção em forma de cúpula sem ser molestada.

Penetrou na mesma. Rhodan e os oficiais que se encontravam na sala de comando eram informados constantemente pelo rádio sobre o andamento da operação. Os dois ratos-castores estavam sentados no sofá, prontos para entrar em ação. Tolot ficou de pé perto deles.

Mas não aconteceu nada.

Redhorse e os membros de seu comando examinaram à vontade a construção abobadada, penetraram nas profundezas e descobriram uma esteira transportadora que os levou para baixo da torre. Ali dividiram-se em grupos menores e dirigiram-se às outras construções abobadadas.

Dali a quatro horas tiveram certeza. Não havia um único robô na estação. As máquinas de guerra tinham desaparecido completamente, como se nunca tivessem existido.

Rhodan deu ordem para que Redhorse voltasse imediatamente à nave.

— Que acha, coronel Rudo?

O comandante da Crest levantou os ombros enormes.

— Não sei, não senhor. O silêncio assustador que envolve a estação e todo o planeta — não sei mesmo. Não parece natural, senhor. Se quiser saber minha opinião, é um sinal de desastre.

Cart Rudo tinha razão.

O planeta parecia morto. A vista alcançava até o horizonte, onde se erguiam as gigantescas cadeias de montanhas, nuas e sem vegetação. A frente dela estendia-se a planície, lisa e plana que nem uma tábua. No centro da planície a estação com a grande torre e doze construções em forma de abóbada. Não se via o menor movimento. Nem mesmo o vento estava soprando.

— E um quadro aterrador — observou o Dr. Anficht, ligeiramente atordoado. — Dentro de uma hora vai escurecer.

— Hoje todo mundo ficará na nave — decidiu Rhodan depois de refletir um pouco. — Amanhã os cientistas examinarão a estação. Serão protegidos por fortes contingentes armados. Não omitiremos nenhuma cautela, pois não queremos assumir riscos. Precisamos saber para que serve uma estação enorme como esta. Talvez esteja nela a chave que nos abrirá o caminho de volta para a Via Láctea.

— Ou a chave de Andrômeda — disse Tolot com a voz tranqüila.

Rhodan fitou-o, mas não disse uma palavra.

Dali a pouco o sol gêmeo desapareceu atrás da linha do horizonte. Graças â posição de Sexta, os dois sóis, vistos do planeta, ficavam tão perto um do outro que pareciam um único sol — um pouco alongado e ligeiramente deformado.

A noite desceu sobre o mundo desconhecido.

Este mundo irradiava um silêncio mortal. Não muito longe da torre e das doze construções aboba-dadas, a Crest repousava sobre as colunas telescópicas, na expectativa, mas com os canhões preparados para disparar. Os tripulantes estavam dormindo; só os guardas patrulhavam os corredores ou permaneciam em seus postos.

A nave era seu mundo, um mundo que tinham levado consigo para continuar vivos. Era seu lar, que defenderiam contra qualquer inimigo.

Seu verdadeiro lar ficava a quase um milhão de anos-luz, uma partícula de pó em meio à mancha luminosa que costuma ser chamada de Via Láctea.

Ficava a uma distância infinita, fora de seu alcance com os recursos da técnica que conheciam.

Se a estação do planeta Sexta não desse resposta às indagações dos homens...

Mas ela daria uma resposta. Amanhã.

Ou dentro de mil anos...

 

                                                                                            Clark Darlton

 

                      

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