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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PEQUENU EM VIAGEM / Dick Laan
PEQUENU EM VIAGEM / Dick Laan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

       Certamente já sabes quem é Pequenu.

       Não sabes?

       Então, antes de mais nada e num instantinho, vou contar-te quem é Pequenu.

       Pequenu é um homenzinho tão pequenino, tão pequenino, que não chega a ser maior que o dedo mais pequenino de uma das tuas mãozinhas.

       Pequenu é também muito, muito velhinho; tão velho, que até ele próprio já nem sabe quantos anos tem.

       Pequenu vive numa casa, na cidade, mas não como a tua...

       Pudera, não!?... Pequenu vive lá num buraquinho muito pequenino de ratos, por detrás do armário onde se guarda a comida, em companhia de mais cinco ratinhos.

       Pequenu sabe falar com todos os animais e percebe muito bem o que eles dizem.

       Mas Pequenu... como tem muito medo das pessoas... quase nunca as pessoas o véem.

       Só eu, que este livro escrevi para ti, recebo por momentos a visita do Pequenu, e então Pequenu conta-me as suas histórias.

       Desta maneira, eu escrevi neste livro as histórias que Pequenu me contou, para que tu as possas ler.

       E queres saber quem são os maiores amigos do Pequenu?...

       Os ratinhos Cinzentinho, Fuçopreto, Comilão, Olho-de-conta, e Finório; o gato Bigodes, a aranha Prateada, o cãozinho Brincalhão, o peixe Douradinho, e o moscardo Zumbidor.

 

 

 

 

No dia 5 de Dezembro Festeja-se, na Holanda, o dia de S.      Nicolau. Porém, umas semanas antes, começa a preparação desta Festa para as crianças pequenas.

Os pais educam os filhos na crença de que S. Nicolau, com os seus criados (Pedros Negros), chega à Holanda por harco, vindo de Espanha, e montado num cavalo branco após o desembarque.

É neste cavalo branco que percorre as ruas da cidade em cortejo.

  1. Nicolau, sempre acompanhado de seus criados, passeia pelos telhados das casas, presenteia, através das chaminés, os meninos bem-comportados, e castiga os mal comportados, ofertando-lhes uma varinha de junco. que os pais aplicarão...

Nestas semanas, as crianças começam a colocar os seus sapatos nas chaminés, e, então, S. Nicolau principia por dar pequenos presentes ou castigos, colocando-os nos sapatinhos postos nas chaminés.

O castigo máximo da tradição é o encerramento da criança dentro do saco de Pedro Negro, que a levará para Espanha.

No dia 5 de Dezembro, dia do nascimento de S. Nicolau, é o auge da festa, e então, crianças e adultos trocam entre si bons presentes, e letras de chocolate com as iniciais dos nomes próprios, sendo cada um destes presentes acompanhado de uma poesia alusiva.

É uma festa extraordinàriamente alegre.

Na realidade, S. Nicolau Foi um bispo do século IV, da cidade de Mira, na Ásia Menor.

Ignora-se a origem desta lenda, e a razão por que a mesma lenda insiste na vinda de S. Nicolau da Espanha.

 

                                             PEQUENU E PEDRO NEGRO

       Pequenu estava justamente bem instalado no seu buraquinho, por detrás do armário da comida, quando ouviu cantar na sala.

       Pequenu ficou cheio de curiosidade, e espreitou ràpidamente pelo buraquinho para dentro da sala.

       E... Pequenu, então, viu a Mãe, sentada ao piano, as crianças de pé junto à chaminé, e o Pai, sentado à mesa, lendo o jornal.

       De repente a Mãe começou a tocar piano, e a Menina e o Menino começaram a cantar o melhor que sabiam.

       Cantavam assim:

 

Ó meu bom S. Nicolauzinho,

Deita qualquer coisa no meu barruzinho...

Põe qualquer coisa no meu sapatinho

Muito obrigado, meu S. Nicolauzinho?

 

       E, em seguida, cantaram também:

 

A noite de S. Nicolau chegou,

A noite para todos de encantar;

Olhem o luar que brilha entre as árvores...

Amiguinhos, parem de brincar...

 

       Pequenu estava gostando imenso, e muito baixinho deu palmas de contente, mas não com força, pois os Pais e as crianças não deviam ouvi-lo...

       Mas o que será isto?... Pequenu abriu os olhos de espanto.

       A porta da sala então abriu-se muito devagarinho, muito devagarinho... só um bocadito... e Pequenu viu uma mão muito negra, muito negra... e esta atirar para dentro da sala muitos rebuçados e guloseimas.

       - Muito obrigado, S. Nicolau! - disseram a uma voz os Meninos.

       E de novo a mesma mão muito negra apareceu, fazendo voar pela sala, novamente, mais guloseimas.

       «Oh! quem me dera a mim» pensou Pequenu «que um delicioso rebuçadinho rolasse até ao meu buraquinho.”

       Mas nada disto aconteceu, e em seguida as crianças cantaram esta canção:

 

Pedro Negro, por favor,

(Oh, rapazes, que alegria!...)

Deita-nos mais rebuçados,

Sempre assim em cada dia.

 

       E quando esta canção terminou, a Mãe, voltando-se para as crianças, ordenou:

       - Agora vamos para a cama.

       - Poderemos, por um instantinho, pôr o sapatinho na chaminé?... - perguntou o rapazinho.

       - Está bem - autorizou a Mãe -; mas então terão que pôr no vosso sapatinho qualquer coisa para o cavalo de S. Nicolau.

       Neste momento, Pequenu viu que as crianças saíram da sala correndo e foram buscar os seus sapatinhos.

       Quando regressaram à sala, Pequenu viu que a Menina foi pôr o seu sapato na chaminé, metendo-lhe dentro um bom pedaço de pão, e que o Menino encheu o seu com feno; e nesta altura, a Menina, olhando para o alto da chaminé, disse:

       - Querido s. Nicolauzinho, dá=me, para as minhas bonecas, uma cozinha pequenina, por favor.

       - E eu, muito desejava ter um com boio eléctrico. - -pediu apressadamente o Menino.

       - Agora vamos para a cama - disse a Mãe, saindo com as crianças da sala.

       Pequenu deitou uma vez mais uma olha dela para os sapatinhos que estavam junto da chaminé, e então... viu, cheio de espanto, três sapatinhos!

       De repente Pequenu desatou a rir, pois Pequenu lembrou-se de ter visto o Menino, sorrateiramente, colocar mais outro sapatinho na chaminé.

       «Que espertalhão!» ficou pensando Pequenu, «agora este menino espera que o S.   Nicolau lhe vá meter em cada sapato qualquer lembrança...”

       Olha! olha! o que é aquilo que está ao pé daquele sapato? E sabes o que ele viu... Um rebuçado! E este rebuçado não tinha sido visto pelos dois meninos.

       «Se eu pudesse apanhar este rebuçadinho...” desejou Pequenu «que bom que isto seria!...»

       Mas... Pequenu não podia sair do seu buraquinho, porque o pai ainda estava na sala.

       Mas... quem vem aí agora?... Bigodes,

o gatinho da casa!

       - Psst, psst... - chamou muito baixinho

o Pequenu - psst, Bigodes... venha cá um instantinho...

       Bigodes dirigiu-se para o buraquinho, e perguntou:

       - Que há de novo?

       - Vês aquele rebuçado, Bigodes, debaixo da chaminé?...

       - Vejo - respondeu o Bigodes -; e que queres que eu faça com ele?

       Pequenu então respondeu-lhe:

       - Bigodes, com a tua patinha atira-o para mim... Gostava muito de o ter, sabes?

       - Pois sim, Pequenu - disse o Bigodes.

       E o Bigodes, deslizando cuidadosamente até ao rebuçado, deu-lhe uma patada tão grande, que-zás! - lá voou o rebuçado pelo ar... e foi cair... exactamente no sapato do Menino!...

       - Ai! ai! ai! agora lá se foi o rebuçado... - suspirou o Pequenu.

       Pequenu esperou até que os pais se fossem deitar, e então, saindo do buraquinho a rastejar apressadamente, deslizou pelo tapete até ao sapatinho.

       Então, Pequenu subiu para dentro do sapatinho, e procurou no feno o desejado rebuçado.

       Mas, justamente quando ele estava sentado dentro do sapatinho, teve um tremendo susto!

       Que algazarra é esta na chaminé!?... Que barulheira!...

       Pequenu ficou branco como a cal da parede!

       E sabes o que aconteceu?... Pela chaminé abaixo, deslizando, apareceram duas pernas negras, e a seguir lá apareceu Pedro Negro!

Sim:       mesmo, mesmo, Pedro Negro!!!

       Pequenu escondeu-se depressa, muito depressa, no meio do feno e ouviu Pedro Negro dizer:

       - Ah, ah!... Isto é deveras gentil destas crianças: lembraram-se do cavalinho de S. Nicolau, e ofereceram=lhe tão bom feno, e ainda um bocadinho de pao!... Como o cavalo vai gostar!... Mas que vem a ser isto!?... Nesta casa há só duas crianças, e vejo aqui três sapatos!...

       E então, por momentos, Pedro Negro ficou muito pensativo.

       - Como pode ser isto!?

       Mas, de repente, Pedro Negro desatou às gargalhadas...

       - Já descobri, já sei... - disse Pedro Negro - agora já sei: o rapazinho pôs dois sapatos em vez de um!... Este menino julga que me pode enganar... Ah, ah, ah! espera aí, meu Menino!...

       E sabes o que Pedro Negro fez?...

       Com a sua grande mão preta, primeira= mente tirou o pao do sapato da Menina, e meteu dentro dele uma bonequinha de chocolate, e, a seguir, tirou o feno do sapato do Menino, e colocou lá dentro um pequenino automóvel, também de chocolate; e depois... Ai, ai, ai! que grande medo o Pequenu apanhou... lá veio a grande mão negra meter-se dentro do feno, no meio do qual Pequenu se encontrava... e agarrou no feno, com o Pequenu dentro dele!

       - Socorro! socorro! - gritou o Pequenu.

       - Cautela! Cuidado! Querido Pedro Negro, estou aqui dentro! Eu, Pequenu, estou aqui no feno!...

       Pedro Negro ficou tão espantado, que disse muito zangado:

       - Que fazes aqui no feno do cavalo, tu, homenzinho pequenino e esquisito!?

       E então sucedeu uma coisa horrível!... Pedro Negro, sem mais nem menos, meteu o Pequenu dentro do seu saco!

       Ai, ai! Como estava assustado o pobre Pequenu! E como era escuro lá dentro daquele saco!...

       - Deixa=me sair daqui! deixa-me sair! - gritava o Pequenu. Mas Pedro Negro não lhe respondeu, e atou o saco com toda a sua força!

       E agora queres saber o que mais fez o Pedro Negro?...

       Meteu no outro sapato do Menino uma varinha de junco! E, a seguir, Pedro Negro subiu com o saco às costas pela chaminé, com Pequenu lá dentro, ao encontro de S.    Nicolau, que o esperava no telhado, junto do seu cavalo branco.

 

                                             PEQUENU E S. NICOLAU

       Bum! bum! bum! Pequenu rolava constantemente de um lado para o outro dentro do saco.

       «Para onde me levará este Pedro Negro?» pensava Pequenu.

       Mas de repente lembrou-se... Mal o cavalo de S. Nicolau fosse comer o feno, bem poderia engolir Pequenu...

       Ai! ai! Como Pequenu tremia de medo!

       - Pedro Negro! Pedro Negro! Por favor, tira-me daqui! - implorava Pequenu.

       Mas Pedro Negro nada ouvia, e o pobre Pequenu lá continuava a balançar naquele saco repugnante!

       Bum! E neste momento Pedro Negro pousou o saco no chão, e o Pequenu, muito quietinho, ficou à espera do que iria acon= tecer.

       Lá se abriu o saco... uma mão preta entrou... e agarrando o Pequenu, tirou=o para fora do saco!

       Então... então Pequenu viu S. Nicolau, simplesmente diante dos seus olhos e sentado a uma mesa. E Pequenu?... Pequenu estava de pé em cima da mesa, mesmo diante de S. Nicolau!

       - Mas, Pedro - indagou s. Nicolau -, o que me trazes aí?

       - Isto é o Pequenu, S. Nicolau - respondeu Pedro Negro -, que estava escondido no feno que encontrei no sapatinho do Menino.

       - Querido s. Nicolau - balbuciou o Pequenu -, eu somente queria procurar um rebuçado que caiu no feno, e nesta altura o mau do Pedro Negro meteu-me no saco e trouxe-me consigo!

       Agora foi altura de S. Nicolau se fartar de rir, e perguntar:

       - Olha lá, Pequenu, apanhaste um grande susto, não?...

       - Mas que grande susto, S. Nicolau! - disse o Pequenu. - E eu que tanto queria voltar para a Casa Grande...

       - Isso arranja-se, Pequenu, pois amanhã hei-de ver-te, porque é o meu dia de anos, e então, como eu vou visitar os meninos da Casa Grande, irás também comigo.

       - Que bom que isso vai ser, S. Nicolau! - disse o Pequenu.

- E os meninos vão receber um lindo presente?...

  1. Nicolau fez uma cara muito séria e respondeu:

       - Primeiro temos que ver no Grande Livro se os meninos se comportaram bem

Pedro - exclamou S. Nicolau -, dá-me cá o Grande Livro.

       E nesta altura Pequenu viu Pedro Negro tirar de um armário um livro muito grosso! muito grande, muito grande! e ir colocá-lo em frente de S. Nicolau, em cima da mesa.

       Então, S. Nicolau abriu o livro e voltou muitas folhas; e ao fim de alguns momentos, disse:

       - Sim, aqui está a página do Menino da Casa Grande. - E S. Nicolau começou a ler.

       Pequenu, com todo o cuidado, foi-se aproximando cada vez mais do Grande Livro, até lhe poder deitar uma olhadela.

       - Esta menina - observou S. Nicolau - tem sido muito obediente, pois foi todas as noites para a cama quando a mandaram; sempre arrumou muito bem os seus brinquedos; comeu tudo que lhe puseram no prato; e quando a Mãe lhe pedia alguma coisa, não duvidava, fazia-o o mais depressa possível!

       - Sim - disse Pequenu -, ela é sempre muita boazinha e carinhosa, e o que ela mais deseja é uma cozinha para bonecas, S. Nicolau!

       - Uma cozinha para bonecas?! - exclamou S. Nicolau - isso é um grande presente! Mas já que ela é tão obediente e simpática, vou-lhe fazer a vontade.

       E nisto, S. Nicolau escreveu qualquer coisa num papelinho e entregou-o a Pedro Negro.

       - E agora - continuou S. Nicolau - vou ver o que o Grande Livro diz do Menino.

E virando uma só página do Grande Livro, começou a ler.

       - Hum... hum... hum... hum... - murmurou pausadamente S. Nicolau - eu leio aqui que este menino tem feito a sua partidinha de vez em quando... Cá está.. Mauzinho para a irmã... E aqui: «voltou para casa com um rasgão na blusa.» E mais: «não se foi deitar quando o mandaram.» Sim, pois é... - e S. Nicolau, olhando na sua frente com tristeza, continuou a ler.

       Pequenu reparou na mágoa de S. Nicolau, e então ficou seriamente a pensar que o Menino, por causa do seu mau comportamento, era capaz de ficar sem presente...

       Passado um bocadinho, Pequenu disse timidamente:

       - ó S. Nicolau, posso fazer-lhe uma pergunta?...

       Mas como S. Nicolau estava muito entretido a ler, não ouviu a pergunta de Pequenu.

       - S. Nicolau! - repetiu Pequenu um bocado mais alto. Mas S. Nicolau continuava a não ouvir.

       E queres saber o que o Pequenu então fez?...

       Deu um puxãozinho muito pequenino, na barba branca do querido S. Nicolau!...

       - Ah! o que é isto!?... - S. Nicolau estava assustado - quem puxou pela minha barba?

       - Fui eu, o Pequenu, S. Nicolau; chamei por si duas vezes, e não me respondeu... Eu só lhe queria dizer que o Menino deseja muito ter um comboio eléctrico.

  1. Nicolau franziu a cara e disse com ar muito contrariado:

       - Sim, mas o livro diz que este menino nem sempre tem sido obediente!...

       Pequenu ficou muito desanimado, e disse:

       - Querido S. Nicolau, mesmo assim, dê o comboio ao Menino, porque, apesar de tudo, muitas vezes tem sido obediente e bonzinho... Ainda na semana passada deu um bocadinho do seu bolo ao Brincalhão e ao Bigodes; e quando outro dia um menino muito pequenino caiu, na rua, ajudou=o a levantar-se e limpou=o. Nem calcula como eu gostava que desse um comboio ao Menino!

       - Bem - concordou S. Nicolau -; vamos lá os dois ver brinquedos que ainda temos...

       E levando Pequenu pela mão, os dois saíram por uma porta.

       E sabes tu então o que viu o Pequenu?.

       Uma sala muito, muito grande... tão grande como nunca tinha visto... e toda cheia de brinquedos!... Comboios, automóveis, aviões, bolas de futebol, garagens... e bonecas, casas para bonecas, cozinhinhas, berços, carrinhos, cordas para saltar... caixas para construção de casas e pontes... Tudo isto e muitas coisas mais!

       Por todo o comprimento das paredes viam-se livros - livros com histórias muito bonitas -, e grandes caixotes com letras de chocolate, guloseimas, e grandes barricas cheias de rebuçados. E por toda esta sala andavam de um lado para o outro muitos Pedros Negros, que embrulhavam os presentes que iriam receber todos os meninos bem-comportados.

       Pequenu ficou de boca aberta, pois nunca na sua vida tinha visto tantos brinquedos, nem tantas guloseimas!

  1. Nicolau chamou um dos Pedros Negros, e disse-lhe:

       - Pedro, faz favor embrulha uma cozinha muito bonita para bonecas e um bom comboio eléctrico, para a Menina e o Menino da Casa Grande.

       - Muito bem, S. Nicolau - respondeu o Pedro Negro.

       E sabes tu o que aconteceu no dia seguinte?...

  1. Nicolau montou no seu lindo cavalo branco e disse a Pequenu que o acompanhasse!

       Trupe... trupe... trupe... trupe... lá ia S.  Nicolau com o Pequenu; e Pedro Negro seguia-os a pé, levando às costas um grande saco, muito grande.

       Uma vez chegados à Casa Grande, S.  Nicolau ordenou a Pedro Negro:

       - Pedro, vai pôr na chaminé estes presentes e leva o Pequenu contigo.

       - Adeus, Pequenu - disse S. Nicolau.

       E Pequenu, apertando a mão a S. Nicolau, respondeu-lhe:

       - Muito obrigado, S. Nicolau, por ter sido tão meu amiguinho e por ter dado à Menina a cozinha, e o comboio ao Menino. Estou tão contente!...

       Pedro Negro pegou em Pequenu e subiu com ele ao telhado, junto da chaminé. E então... bum-bum-bum!... lá desceram eles pela chaminé abaixo, e o Pequenu novamente se encontrou na sala da Casa Grande.

       Que grande alegria Pequenu sentia por estar outra vez em casa!

       - Adeus, Pedro Negro! - exclamou Pequenu - adeus!

       E nisto, Pedro Negro meteu a mão no saco, tirou lá de dentro a cozinha e o comboio, e foi colocá-los debaixo da chaminé, e então... então, Pedro Negro, metendo outra vez a mão no saco, tirou de lá de dentro uma mão-cheia de rebuçados, que foi colocar muito junto do buraquinho dos ratos, atrás do armário da comida.

       Que contente estava o Pequenu com aqueles rebuçados! e que satisfeitos também ficaram os ratinhos! E então... então, fizeram juntos uma grande festa...

       E que foi que se passou na manhã seguinte?...

       Que alegria, que risadas, que barulho se ouviu então, na sala da Casa Grande!...

       Pequenu correu muito depressa para saber o que se passava, e viu então os Meninos a dançarem, muito contentes, à volta da linda cozinha de bonecas e do bonito comboio eléctrico que S. Nicolau lhes ofereceu.

 

                           PEQUENU E A COZINHA DAS BONECAS

       Pequenu notou um grande silêncio na sala e por isso não pôde deixar de ir até lá, para ver o que se passava.

       - Hum... hum... - disse o Pequenu - parece que não está ninguém aqui...

       Mas, vendo bem, reparou que a Menina lá estava a um canto, muito entretida com a sua cozinha de bonecas, tendo à sua volta todas as bonecas, a quem dava, uma por uma, colherzinhas de papa quente.

       Miau=miau... Lá se abriu a porta, e o Bigodes entrou na sala.

       - Bigodes - chamou a Menina -, queres um poucochinho desta deliciosa papa?

       Bigodes não se fez rogado.

       Nisto, lá entrou a Mãe.

       - Ainda estás, a esta hora, a brincar com a tua cozinha de bonecas?! - perguntou a Mãe? - já são horas de te deitares.

       - Posso deixar aqui a minha cozinha, minha Mãe? - perguntou a Menina.

       - Por esta vez, vá lá... - respondeu a mãe.

       Pequenu estava cheio de curiosidade de ver a cozinha da Menina; e quando os Pais se foram deitar, Pequenu chamou muito depressa todos os ratinhos para, juntos, irem ver a cozinha das bonecas.

       - Oh!... olhem para isto: o fogão ainda está aceso!... - exclamou o Pequenu. - e se nós fôssemos fazer uns fritos?...

       - Bravo! bravo! bravo! - gritaram os ratinhos, dando pulos de contentes.

       - Que coisa formidável! - exclamou o Comilão. - E eu que tanto gosto dum fritozinho!

Pequenu pôs-se a procurar, entre muitos tachos e panelinhas, se havia uma frigideira, e... lá estava uma!... ali, junto de uma linda panelinha muito brilhante com a sua tampa... lá estava a frigideira!

       Mas quando o Pequenu quis pegar na frigideira, viu que a tampa daquela panelinha muito brilhante, muito bonita, mexia ligeiramente...

       Tlim! tlim! tlim! tlim! Tlim!... fazia a tampa sem que ninguém lhe mexesse, o que deveras assustou Pequenu, a ponto de lhe fazer dar um salto para trás.

       - O que é que tens, pequenu? - perguntou o Finório.

       - Estás a ver aquela tampa ali?... Porque é que ela está a mexer?... - respondeu amedrontado o Pequenu.

       E a tampa continuava... tlim! tlim! tlim! tlim!...

       Então Pequenu, com todo o cuidado, aproximou-se da panelinha...

       Tlim! tlim! tlim... de repente, aparece por debaixo da tampa uma perninha fininha e comprida...

       Pequenu agora já sabia o que era: e o mais depressa que pôde levantou a tampinha da panelinha...

       E quem estava lá dentro, na panelinha?...

       Prateada, a aranha pequenina!

       - Mas... como é que vieste aqui parar? - perguntou Pequenu.

       - Deixa-me lá! Que susto apanhei!...suspirou a Prateada. - Eu só queria olhar para dentro da panelinha, mas de repente - zás! - a tampa caiu, e fiquei fechada dentro da panela. Como te agradeço teres tirado a tampa, Pequenu! eu não conseguia levantá-la o bastante para sair cá para fora!

       - Pronto; agora vamos tratar dos fritos - ordenou Pequenu.

       Então Pequenu pegou num bocado de farinha, juntou=lhe um pouco de leite, e começou a mexer até ficar uma papinha fina. A seguir, Pequenu pôs a frigideira ao lume, deitou=lhe um pedaço de manteiga, e, quando esta começou a ferver, deitou na frigideira uma colherinha da papa fina.

       Chhhhhhh.. chhhhhhh... chhhhhhh... Era este o barulho que a manteiga e a papinha, juntas, faziam na frigideira.

       Pequenu, quando reparou que a parte de baixo do frito já estava pronta, pegou com as suas mãozinhas na frigideira, pelo cabo, e... houpe! - atirou com o frito ao ar, e este, voltando-se no ar, foi cair na frigideira com a parte já passada para cima.

       Que espertalhão, este Pequenu!...

       Chhhhhhh... chhhhhhh... chhhhhhh... ouviu-se então de novo.

       - Depressa! - gritou Pequenu para o Olho-de-conta - depressa! espalha um pouco de açúcar por cima do frito.

       Tape... tape... tape... Lá vem o Brincalhão meter o nariz...

       - Hum... que bem que isto cheira!... - exclamou o Brincalhão.

       - Atenção, Brincalhão.... - gritou então Pequenu. - um... dois... três! houpe! - e Pequenu atirou com o frito ao ar, e o Brincalhão, de um salto e com a boca aberta... pronto: foi uma vez um frito! - Eh lá! eh lá! isso não vai assim, Brincalhão! - reprovou o Pequenu; - tu agora já comeste o teu frito, por isso vou fazer um para o Finório.

Chhhhhhh... chhhhhhh... chhhhhhh... Cantou novamente a papinha na frigideira.

       - Pronto! - gritou Pequenu. - Finório, toma lá! -e... houpe!... lá voou novamente um frito pelo ar.

       Finório apanhou o frito com as suas patinhas e começou logo a saboreá-lo!

       - Agora outro, para o Olho-de-conta! - disse o Pequenu.

       E assim, fez para todos os ratinhos um delicioso frito.

       - Para quem é agora este frito? - perguntou o Pequenu.

       - Para mim! - gritou o Bigodes; - miau, miau, eu também gosto.

       Bigodes veio ter à sala porque o cheiro dos fritos chegou ao seu focinho.

       Pequenu fazia agora girar a frigideira à volta da mão, e então... então, uma coisa horrível aconteceu!...

       A frigideira fugiu das mãozinhas de Pequenu e foi cair - trás! - mesmo por cima da lamparina de álcool do fogão!

       Pequenu deu um salto ainda para apanhar a frigideira, mas já chegou tarde, porque a lamparina tombou e verteu o álcool, começando a arder, e a correr na direcção de Pequenu...

       Ui! ui! Ui! Como o Pequenu corria!... e as chamas do álcool cada vez mais perto do Pequenu!...

       - Socorro! socorro! socorro! Depressa, depressa! socorro! senão temos a casa a arder!

       Houpe! Lá saltou o Bigodes para cima da mesa, e-zás! - deu uma formidável patada numa jarra de flores.

       A jarra voltou-se...

       Gluque... gluque... gluque... E a água da jarra ia correndo da mesa para o chão.

       - Andem, andem depressa, ratinhos! ajudem! Pegue cada um na sua panela, encham-na de água, e atirem-na para as chamas, para acabar com o fogo!

       Então foi uma grande correria. Todos os ratinhos atiravam água para o fogo; mas Brincalhão e o Bigodes fizeram o melhor serviço de todos, porque com as suas patas lançavam a água para dentro da cozinha das bonecas.

       Chhhhh... chhhhh... chhhhh... fizeram as chamazinhas, e - bravo! Bravo! - lá se apagaram!

       A água tinha felizmente acabado com o fogo.

       Pequenu estava cheio de calor!

       Mas como a cozinha estava agora suja!... Tão suja, que lhe dava vontade de chorar...

       - Ai! ai! ai! que triste vai ficar amanhã a Menina ao ver tudo isto neste estado!. E o que iremos agora fazer?... - lamentava-se Pequenu.

       - Tenho uma ideia! - disse o Brincalhão; - espera só um momentinho... - e a correr saiu pela porta fora.

       Pequenu, os ratinhos e o Bigodes, muito admirados, olharam uns para os outros.

       O que irá fazer o Brincalhão?...

       Nisto Brincalhão voltou a toda a pressa; e que trazia na boca?... um grande pano de cozinha!...

       Que bela ideia!...

       Então, Bigodes e Brincalhão pegaram cada um por uma ponta do pano, e fizeram-no passar várias vezes por cima das manchas de água, de tal maneira que tudo desapareceu, e tudo novamente ficou seco.

       E o que fizeram Pequenu e os ratinhos?...

       Os ratinhos pegaram nos seus rabinhos e com eles começaram a esfregar, a esfregar, a esfregar, todas as panelinhas, até que estas brilhassem novamente, como um espelho.

       Pequenu colocava as panelinhas limpas nos seus lugares; e quando tudo, tudo, estava bem arrumadinho, disse:

       - Como estou contente por tudo isto acabar tão bem!... Não me parece que a Menina, amanhã, possa notar a mais pequena coisa do que aqui se passou esta noite...

 

                             PEQUENU E O COMBOIO ELÉ'CTRICO

       - Olha, Olho-de-conta, queres ver uma coisa? vem cá depressa! - exclamou o Pequenu.

       Olho-de-conta foi ter com Pequenu a correr. Pequenu encontrava-se junto do buraquinho dos ratos.

       - Não achas lindo?...

       E Pequenu indicou um canto da sala, onde o Pai, a Menina e o Menino estavam sentados no chão.

       - O que é que estão a fazer, Pequenu? - perguntou Olho-de-conta.

       - Não vês?... Estão a formar o comboio eléctrico que o S. Nicolau deu ao Menino. Olha, todos aqueles bocadinhos que brilham são os carris, e aquela casinha, acolá, é a estação.

       - Olha!... Mas não!... O Menino tem um túnel!...

       - ó Pequenu, o que é um túnel? - perguntou Olho-de-conta.

       - Um túnel é um buraco numa montanha, por onde passa o comboio - explicou Pequenu.

       E então Olho-de-conta viu o Menino colocar sobre os carris uma pequenina mon= tanha de latão pintada, com um buraco, que dava passagem ao comboio.

       Nesta altura o Pai pôs em cima dos carris a máquina e ligou-lhe a primeira carruagem.

       Depois o Pai carregou num botãozinho, e... pouca terra! pouca terra! pouca terra!... Lá começou o comboio a andar... E deslizando pelos carris, passou pela estação, e depois atravessou o túnel.

       As crianças batiam palmas de contentes, e exclamavam:

       - Ai que bonito! ai que bonito!

       Estavam encantadas só porque o comboio, so'zinho, dava voltas... muitas voltas!.

       Nisto, o Pai deixou o Menino carregar no botãozinho, e então o comboio começou a andar ainda mais depressa.

       Pequenu não se cansava de admirar o comboio.

       - Isto é o brinquedo mais bonito que vi na minha vida! - disse Pequenu. - Quem me dera poder vê-lo de muito pertinho!...

       Mas isto era impossível para o Pequenu, pois o Pai e o Menino dariam com ele.

       Mas sabes o que foi uma grande sorte?...

       Quando o Pai e o Menino se foram embora, deixaram na sala tudo como estava...

       Pequenu saiu então do seu buraquinho e correu para o comboio.

       Béu! béu! béu! béu!... Lá vem com todo o descanso Brincalhão, na companhia de Bigodes, porque também queriam ver.

       - Que me dizem vocês a este lindo comboio? - perguntou entusiasmado Pequenu ao Bigodes e ao Brincalhão.

       Brincalhão com o seu focinhito farejou, farejou, a estação, e o Bigodes cheirou o túnel.

       - Querem que eu carregue no botãozinho?... - perguntou Pequenu.

       - Sim! sim! - gritou Brincalhão.

       E então Pequenu, com todo o cuidado, carregou com as suas mãozinhas no botão, exactamente como o Pai tinha feito, e, pouca terra! pouca terra! pouca terra!... lá começou o comboio a andar.

       - Viva! viva! - gritou muito alto Pequenu.

       Como isto andava bem!...

       O comboio passava pela estação, a seguir atravessava o túnel, e então, sobre os carris... pouca terra! pouca terra! pouca terra!... o comboio entrou e saiu da ponte.

       Que bem que isto ia! Que bem que isto ia!

       O comboio chegava agora à estação...

       Pequenu carregou muito depressa com as mãozinhas no botão, e... o comboio parou!

       - Olho-de-conta! Fuçopreto! Cinzentinho! Finório! Comilão! querem andar de comboio?... - perguntou o Pequenu.

       - Sim! Sim! Sim! Sim! Sim! - responderam ao mesmo tempo, e contentes, os cinco ratinhos.

       - Entrem! - convidou o Pequenu com ar de cerimónia.

       - Finório, tu vais para a primeira carruagem; Olho-de-conta na segunda; Fuçopreto na terceira; Cinzentinho na quarta; e Comilão na quinta, isto é, na última carruagem. - E Pequenu, com uma cara muito importante, perguntou: - Para onde é que os Senhores Ratinhos desejam ir?

       E saltitando vinha a aproximar-se.

       Mas... o que será isto agora?...

       De repente, o comboio começou a andar muito depressa, muito mais depressa... pouca terra! pouca terra! pouca terra! pouca terra! pouca terra!...

       O que estava a acontecer? Sim, sabes o que era?... Este mauzão do Cracrá estava a carregar com o bico no botão, e cada vez com mais força!

       - Alto! alto! alto! alto! Mais devagar, mais devagar! - gritava Pequenu.

       Mas o comboio cada vez andava mais depressa! parecia que voava, ao passar pela estação, pelo túnel e pela ponte...

       Os ratinhos começavam a estar cheios de medo, e agarravam-se aos bancos das carruagens; e Pequenu fazia o que podia para não cair da máquina.

       Flupe! Flupe!... o comboio voava novamente pela estação, e, flupe! flupe! passava pelo Brincalhão e pelo Bigodes.

       Tchum! para dentro do túnel, e, rrrutze! novamente para fora...

       Ai! ai! ai! que medo tinha o Pequenu!...

       - Crá-crá-crá-crá! -grasnou Cracrá; e, todo assustado, Cracrá fugiu a voar.

       Flupe!... corria mais uma vez o comboio pela estação.

       - Depressa! depressa! - ordenava Pequenu. - Brincalhão, carrega no botãozinho!

       Mas Brincalhão sabia lá onde estava o botão!...

       E o comboio, com Pequenu e os ratinhos lá dentro, continuava a dar voltas, a dar voltas... passando pelo túnel... passando pela estação... passando pela ponte... sem parar!...

       Bigodes estava com tanto medo que até tapou os olhos com as patinhas, para não ver nada!

       E então... e então... aconteceu!...

       O comboio entrou no túnel como uma flecha, saiu do túnel, e na curva... bundeldebum-bum-bum!... saiu dos carris, e o Pequenu foi atirado pelo ar!

       - Acudam! acudam! acudam! - gritava o pobre Pequenu. E cheio de medo, fechou os olhos.

       Hupe! e Brincalhão, dando um grande salto, apanhou Pequenu no ar, com a boca! Então, a seguir, muito devagarinho, pôs Pequenu no chão.

       Que grande susto Pequenu apanhou!

       E os ratinhos?... Esses também caíram do comboio, mas felizmente nenhum deles se magoou muito.

       E aquele lindo comboio eléctrico lá estava agora, numa grande confusão, todo caído, com as rodas para o ar, fora dos carris!...

       «Como o Menino vai ficar triste ao ver isto!...» lamentava-se Pequenu. - Vamos lá! Bigodes, Brincalhão, ratinhos! isto não pode ficar assim.

       Todos nós vamos pôr as coisas em ordem e colocar tudo novamente sobre os carris.

       E então Pequenu, com a ajuda de todos os animaizinhos, pôs o comboio outra vez de pé e em cima dos carris; primeiro a máquina e depois as carruagens.

       Crá-crá-crá!... ouviu-se novamente.

       Lá estava o mauzão do Cracrá outra vez, a grasnar ao pé da janela:

       - Subam, meus Senhores! Vamos andar mais uma vez!

       - Ponha-se a andar, seu mauzão! - exclamou muito zangado o Pequenu.

       Béu! béu!....... ladrava o Brincalhão, ao mesmo tempo que corria para Cracrá.

       Béu! béu! béu!... e Cracrá, nesta altura, achou melhor ir-se embora...

       E o Pequenu?...

       Já não tinha mais vontade de andar de comboio, e disse para os ratinhos:

       - Venham daí comigo. Voltemos já para o nosso buraquinho, e lá vamos fazer por esquecer tão grande susto.

 

                                                   PEQUENU E O BORDADO

       Pequenu começou a estranhar tão grande silêncio na sala grande, e, como era curioso, foi espreitar através do seu buraquinho, para saber o que se passava.

       Sim... Lá estava sentada a Mãe a costurar num pano, o Menino lia num livro de gravuras, e a Menina estudava num livro de escola.

       A Mãe então disse à Menina:

       - Já acabaste o bordado que tens de fazer para a escola?

       A Menina levantou a cabeça e, assustada, respondeu:

       - Ah! Mãe... Esqueceu-me completamente!

       E dum pulo correu para o cestinho da costura, onde estava o seu bordado.

       Pegou no pano, sentou-se novamente na cadeira, e começou a trabalhar no bordado o mais depressa que podia.

       Pequenu ia seguindo o trabalho da Menina, e podia bem ver como ela bordava; com um fio vermelho fazia cruzinhas pequeninas no pano e formava assim bonequinhos muito engraçados.

       - Este bordado... Tu não acabas o trabalho esta noite! - disse a Mãe à Menina. - Falta-te ainda uma barra inteira, e daqui a quinze minutos são horas de ires para a cama.

       - Mas que maçada foi o meu esquecimento! - disse a Menina: - a professora tanto nos disse que acabássemos o trabalho para amanhã. Deixas-me deitar um bocadinho mais tarde?...

       - Nada disso! - respondeu a Mãe; - isso não pode ser, porque as crianças que se deitam tarde começam a ser maus alunos na escola. A culpa é tua... não te esquecesses do teu dever.

       Que cara tão triste tinha agora a Menina!

       Pequenu notou que a Menina estava quase a chorar...

       Passado um quarto de hora, a Mãe ordenou:

       - Meus filhos, vamos para a cama. - E disse para a Menina: - Podes levantar-te amanhã mais cedo, e então acabas o paninho.

       - Deixa-mo acabar agora, Mãe! - suplicou a Menina.

       - Não! não! - disse a Mãe. - Arrumem isso tudo depressa, e... um... dois... três... já deitar!

       O Menino fechou o livro, e a Menina, com uma cara muito triste, arrumou o paninho no cesto da costura; e a seguir os dois meninos beijaram a Mãe e a correr sairam da sala e foram para os seus quartos.

       Pequenu tudo ouviu e tudo viu, mas não podia esquecer-se da tristeza da Menina, só porque não tinha podido acabar o seu bordado para a escola.

       Quando na sala já não estava ninguém, Pequenu correu para o cesto da costura e com ambas as suas mãozinhas abriu o cestinho e tirou de lá o pano.

       Pequenu viu um fiozinho vermelho pendurado do pano e agarrou-o com a mão... Mas...

       - Ai, ai! - gritou Pequenu muito alto, enquanto olhava para a sua mãozinha.

       O que foi isto agora?

       Pequenu não tinha visto uma agulha enfiada no fio vermelho e tinha-se picado; e agora... lá apareciam umas gotinhas de sangue no dedinho...

       Pequenu estava muito admirado a olhar, e....... então, as gotinhas de sangue caíram do seu dedinho em cima do bordado da Menina!

       - Ai! ai! ai! - choramingou o Pequenu - agora estraguei o lindo pano da Menina, e o culpado sou eu!... Fuçopreto! - chamou Pequenu - vem cá depressa ajudar-me!

       Rrrrrrrt... lá estava já o Fuçopreto...

       - O que há de novo? - perguntou o ratinho.

       - ó Fuçopreto - disse o Pequenu -, olha para isto! estraguei o lindo bordado da Menina!... Que hei-de fazer agora?

       Fuçopreto olhou para o bordado manchado, coçou com a patinha o seu nariz, e com ar de sabichão disse:

       - Sabes, Pequenu, o que temos a fazer? é lavar o pano; e então o sangue há=de sair.

       - Mas como podemos lavar o pano? onde temos água? - perguntou Pequenu.

       Pequenu ficou pensativo, e exclamou de repente:

       - Fuçopreto, já sei!

       E então queres saber o que Pequenu fez?...

       Pequenu subiu com o pano para cima da mesa onde estava a nadar o peixe Douradinho no seu aquário.

-Douradinho-chamou Pequenu:

- podes fazer-me o favor de lavares este bordado, que eu manchei com sangue?...

       - Com todo prazer, meu caro Pequenu! - respondeu o Douradinho. - Deita o bordado aqui para dentro.

       Um... dois... três!... plump! - e Pequenu e Fuçopreto atiraram para dentro do aquário com o bordado.

       A seguir, Douradinho pegou no bordado com a sua boquinha e pôs-se a nadar, a nadar, de um lado para outro, da direita para a esquerda, de cima para baixo, até que o pano... ficou limpo de nodoazinhas.

       Pequenu deu pulos de contente.

       - Meu querido Douradinho, quanto te agradeço por teres lavado tão lindamente o bordado!

       Douradinho nadou para cima da água com o pano na boca, e Pequenu e o ratinho, que se encontravam na borda do aquário, pegaram no pano e começaram a puxá-lo para fora da água.

       Mas o pano estava cheio de água, e por isso muito pesado, e Pequenu e Fuçopreto fartavam-se de puxar...

       Pequenu puxava, puxava, mas de repente... plump!... lá caiu Pequenu dentro do aquário, de cabeça para baixo, e com o pano na mão!...

       Bluberde... bluberde.......... Pequenu, este pobre Pequenu, cada vez se afundava mais com o pano!

       - Acudam! acudam! - gritou Fuçopreto.

-Acuda, Cinzentinho! acuda, Comilão! acuda, Finório! Pequenu vai afogar-se! Depressa! depressa!

       Rrrrrrrt... rrrrrrrt... rrrrrrrt... Os ratinhos vieram a correr.

       Blub... blub... blub... e o pobre Pequenu lá estava no fundo do aquário...

       Hup! hup! hup! hup!... Os ratinhos saltaram muito depressa para a borda do aquário.

       - Como vamos tirar Pequenu lá de dentro!?... - gritavam aflitos os ratinhos.

       E sabes então o que Douradinho tinha feito?...

       Douradinho, ao ver Pequenu a afogar-se, deu um mergulho para o fundo e com uns empurrõezinhos conseguiu colocar Pequenu em cima do paninho.

       Então Douradinho pegou com a sua boca numa ponta do bordado, nadou para cima, e gritou:

       - Finório, pega nesta ponta! - e foi o que Finório fez.

       A seguir Douradinho mergulhou novamente para o fundo, agarrou na outra ponta, deu=a ao Cinzentinho, e as outras duas pontas a outros dois ratinhos.

-Agora muito cuidado! Quando eu contar um... dois... três!» vocês puxam todos ao mesmo tempo - ordenou Douradinho. Douradinho, então, contou muito depressa:

- Um... dois... três!

E os ratinhos puxaram, e puxaram, e...

       Viva! viva! Lá começou o Pequenu a subir, em cima do pano, muito devagarinho, como um peixe apanhado na rede...

       E então, Finório avisou:

       - Muito cuidado! Vamos dar todos, mas ao mesmo tempo, um puxão muito grande. Um... dois... três!

       E finalmente... lá saiu da água o pano, trazendo o Pequenu.

       ... Este era o barulho que Pequenu fazia ao deitar pela boca a água que tinha engolido!

       - Pequenu! Pequenu! - gritavam os ratinhos, muito assustados. - Pequenu, estás afogado?

       - Puffff... - tornou a fazer o Pequenu; e então, os seus olhinhos abriram-se, e muito admirado olhava à sua volta.

       - Ah, sempre julguei que me afogasse... - disse Pequenu num repente.

       - Viva! viva! - gritavam os ratinhos; - Pequenu está salvo! viva! viva!...

       E quando Douradinho viu que o Pequenu, finalmente, estava salvo, começou (tão contente estava) a dar voltas sobre voltas, e a dar a dar com o seu rabinho, enquanto Pequenu, muito depressa, se foi enxugar.

       - Ratinhos! - gritou Pequenu - precisamos de enxugar este bordado, ouviram?

       E o que fizeram aqueles espertos ratinhos?...

       Primeiro, dobraram o mais que puderam o bordado, e depois, Finório e Cinzentinho pegaram por uma ponta e Brincalhão e Fuçopreto pela outra ponta. Depois, Finório e Cinzentinho puseram-se a torcer o bordado para a direita, e Brincalhão e Fuçopreto para a esquerda... E torceram e torceram... tanto torceram, que toda a água do bordado desapareceu!

       No fim disto acabado, sacudiram muitas vezes o pano pelo ar, até ficar completamente seco.

       Mas... quem vem a descer do candeeiro, por um grande fio?...

       Prateada, a aranha.

       - Prateada! - exclamou Pequenu - tu que fazes teias tão bonitas, serás capaz de acabar este bordado da Menina?...

       - Ora essa! isso é o que eu sei fazer melhor! - respondeu a Prateada.

       Então o Pequenu deu à Prateada os lindos fios vermelhos do bordado.

       Prateada começou logo a trabalhar. E fazia passar os fiozinhos tão bem, tão bem, pelo pano, como se fosse a própria Menina a bordar!

       E os ratinhos que faziam?...

       Os ratinhos roíam as pontas dos fiozinhos que era preciso cortar.

       E que foi que se passou, quando tudo ficou pronto?...

       Pequenu carregou o bordado às costas, e subiu muito depressa pela escada até ao quarto de dormir da Menina...

       E quando Pequenu chegou ao quarto, foi pôr, muito direitinho, o bordado em cima da cadeira que estava junto da cama da Menina.

       E que foi que aconteceu, na manhã seguinte, quando a Menina acordou?...

       Abriu os olhos, muito admirada!

       Ali estava o bordado, ao pé da sua cama, completamente pronto!

       - Mãe! Mãe! - gritou a Menina - venha ver isto! O bordado está pronto, todo, todo pronto!... Como a professora vai ficar con= tente!

       - Teria sido um anãozinho quem fez isto?...

       Pequenu não pôde deixar de se rir um pouco ao ouvir a Menina dizer isto...

 

                         PEQUENU E O ANELZINHO DE PEDRA VERMELHA

       Um certo dia Pequenu ouviu a Menina exclamar muito aflita:

       - ó mãe, mãe! quer ver o que acon= teceu?...

       - O que foi, minha filha!? - perguntou a mãe.

       - Perdi aquela pedrazinha vermelha, tão bonita, do anel que a mãe me deu no dia dos meus anos!

       - Que pouca sorte! - disse a Mãe. - Tu já procuraste bem? Não terá caído em qualquer canto da casa?...

       - Já procurei por toda a parte, minha mãe - e Pequenu viu que a Menina ao dizer isto tinha os olhos cheios de lágrimas.

       Neste momento Pequenu estava sentado diante do seu buraquinho, por trás do armário da comida, e pôde ouvir muito bem tudo o que a Mãe e a Menina diziam.

       Como Pequenu estava com pena daquela querida Menina!... E começou logo a procurar, a ver se a pedrinha vermelha estaria perto do buraquinho.

       Pequenu procurou, tornou a procurar... olhou, tornou a olhar... e nada da pedrinha vermelha!

       Quando Pequenu ficou sózinho na sala pensou:

       «E se eu fosse dar uma boa vista de olhos pela sala?... Vou meter o nariz em todos os cantinhos, e, quem sabe?... talvez encontre a pedrinha vermelha.»

       E Pequenu procurou por toda a sala, espreitou por todos os cantinhos; até foi ver debaixo dos armários... por toda a parte; mas não encontrou a pedrinha!

       «Espera aí...» pensou Pequenu, «é capaz de estar atrás do fogão de sala...”

       E Pequenu correu para o fogão. E que viu lá ele?... Sim: estava ali qualquer coisa vermelha!

       - Viva! - gritou Pequenu - isto é com certeza a pedrinha da Menina! - e muito, muito depressa, correu para aquela coisinha vermelha que brilhava.

       Mas como Pequenu estava enganado!. A coisinha vermelha que ele viu a brilhar não era a pedrinha; era uma pequenina conta de um colar...

       Mas que pena que isto foi!... E Pequenu, todo zangado, atirou para muito longe com a conta do colar.

       Mas... que teremos mais agora?...

       A porta abriu-se... e quem entrou na sala?... A Mãe!

       «Valha=me Deus!» pensou Pequenu, «ou me escondo muito depressa, ou então serei visto!» E, muito aflito, Pequenu olhou à sua volta.

       O buraquinho dos ratos estava muito longe, lá para o outro canto da sala...

       Mas o que viu Pequenu de repente?...

       A portinha do fogão de sala, que por felicidade estava um poucochinho aberta!

E-zás! - Pequenu de um salto atirou-se para dentro do fogão e foi cair dentro da gaveta da cinza.

       Ainda bem que era Verão, e por isso o fogão estava apagado, porque no Inverno Pequenu não se poderia meter lá dentro.

       Pequenu agora podia espreitar por um buraquinho para a sala, e então viu a Mãe a falar com dois homens.

       Mas que esquisitos homens eram aqueles! tão esquisitos como Pequenu nunca tinha visto...

       Vestiam calças brancas e casacos brancos... Brrrrr! mas que sujos eles estavam, com grandes nódoas negras nos fatos brancos e com a cara toda preta!

       Não, isto não eram homens com quem se pudesse falar, numa sala tão linda e tão bonita...

       Um dos homens trazia uma grande corda e na ponta da corda estava presa uma grande bola de ferro, e o outro homem trazia uma vassoura.

       Mas o que é que estes homens vão fazer com estas coisas!?...

       Pequenu já não percebia nada...

       Então o homem da corda disse para o companheiro:

       - Eu vou subir para o telhado e tu ficas aqui em baixo.

       Agora é que Pequenu ainda percebia menos!

       - Subir para o telhado?! subir para o telhado?! O que vai aquele homem fazer com aquela corda e aquela bola para o telhado!?...

       E quem pensas tu que eram estes homens?...

       Eram os limpa-chaminés, que vinham fazer a limpeza à chaminé.

       Mas como Pequenu não sabia o que eram limpa=chaminés, deixou-se ficar muito quietinho na gaveta das cinzas, à espera que a Mãe e o outro limpa-chaminés se fossem embora, para então, o mais depressa que pudesse, voltar para o seu buraquinho.

       O limpa=chaminés que tinha subido para o telhado meteu a bola de ferro com a vassoura na chaminé e fê-las descer por meio da corda.

       Mas... Ai! ai! ai! ai! o que vem a ser isto!? E Pequenu ouviu bunque! bunque!... bum! bum! na chaminé, e... pluf... pluf... lá caiu no fogão uma grande e preta nuvem de fuligem; e esta nuvem foi encher a gaveta das cinzas, e, num repente, Pequenu ficou sem ver nada: tudo à sua volta ficou escuro como a noite! Pluf... pluf... pluf... lá caiu ainda mais fuligem.

       Como este pobre Pequenu estava aflito, sem poder respirar!... A fuligem cada vez era mais alta na gaveta das cinzas e Pequenu já estava enterrado até ao pescoço.

       Mas... que mais iria agora acontecer?...

       O limpa-chaminés que estava na sala dirigiu-se para o fogão, e abriu o mais que pôde a sua portinha... E então... (coitado do Pequenu, que grande susto...) então o limpa-chaminés pegou na gaveta das cinzas e tirou-a para fora com tudo que ela tinha dentro...

       «Pobre de mim! agora ele vai=me ver...» pensou o Pequenu. Mas o limpa=chaminés levou a gaveta consigo para fora da sala, atravessou a cozinha, saiu pela porta de serviço, e, abrindo a lata do lixo-zás! - o limpa-chaminés despejou a gaveta da cinza, e-pluf! -Pequenu e a fuligem lá rolaram para dentro da lata do lixo!...

       Ai! ai! o pobre do Pequenu metido no caixote do lixo!...

       Pequenu, o mais ràpidamente que pôde, a gatinhar, levantou-se, e, trepando para fora da lata, atirou-se para o chão.

       Béu! béu! béu! E a correr e a ladrar lá vem o Brincalhão!...

       Béu! béu! béu! béu! Mas que zangado estava o Brincalhão! tão zangado que até mostrava os dentes!...

       - Que é que estás aqui a fazer, coisa feia e pequenina? - ladrava Brincalhão; - salta já para fora do jardim, quando não... levas uma dentada!

       - Brincalhão! olha lá, Brincalhão! - gritou assustado o Pequenu - sou eu... sou o Pequenu! Então não me conheces?!.

       E Brincalhão ficou a olhar para o Pequenu de boca aberta, tão admirado estava!

       - Mas... és tu, Pequenu?!... Estás todo preto!... Muito... mas muito mais preto que o Pedro Negro!... - e então o Brincalhão fartou-se de rir. - Oh! oh! oh! Pequenu ah! ah! ah!... Estás completamente preto!... Sim, agora bem vejo... as tuas calcinhas, o teu casaquinho, a tua carinha e o teu gorro bicudinho... tudo está preto, tudo está cheio de fuligem! Oh! oh! oh!

       E que cara tão triste fazia o pobre do Pequenu!...

       - Que hei=de fazer, Brincalhão?... como vou agora tirar todo este preto? como poderei ficar novamente limpo?... Ai de mim, Brincalhão! o que devo fazer?...

       - Não te aflijas, deixa isso comigo - disse o Brincalhão.

       E queres saber o que o Brincalhão fez?...

       Brincalhão pôs-se muito juntinho ao lado do Pequenu, e disse:

       - Agora, Pequenu, começas a andar à volta muito devagarinho...

       Pequenu não estava a perceber nada, mas não levou muito tempo a compreender o que se estava a passar...

       Mas então... que é que estava a fazer este engraçado do Brincalhão?...

       Começou a dar a dar com o rabinho, para um lado e para o outro, muito depressa, e a bater com ele no Pequenu como um batedor de tapetes: e assim toda a fuligem caía do corpo do Pequenu... E o rabinho a dar a dar, e o Pequenu a virar a virar... Brincalhão só parou quando viu o Pequenu completamente limpo.

       E então Pequenu subiu para as costas do Brincalhão, e o Brincalhão levou Pequenu a correr para dentro da Casa Grande.

       Felizmente não encontraram ninguém; e na sala grande também não estava ninguém.

       E o Pequenu foi logo, logo, para o seu buraquinho de ratos.

       Lá estavam sentados Fuçopreto, o Finório e o Cinzentinho, muito juntinhos os três, a verem com muita atenção qualquer coisa...

       O que viu então Pequenu?... Que é que segurava na sua patinha aquele Fuçopreto?...

       A... linda... pedrinha vermelha da Menina!

       - Onde achaste isso, Fuçopreto? - perguntou Pequenu.

       - Foi mesmo, mesmo aqui, ao pé do nosso buraquinho, Pequenu; atrás da perna do armário da comida.

       Que satisfeito estava agora o Pequenu!...

       - Psst, psst, Brincalhão - chamou Pequenu -, ainda estás aí na sala?... Olha, és capaz de levar esta pedrinha na tua boca e ires pô=la no prato da Menina?...

       - Então não sou, Pequenu! - disse o Brincalhão.

       E râpidamente pegou na pedrinha vermelha com a boca, e, saltando para uma cadeira, deixou cair a linda pedrinha vermelha no prato da Menina.

       Quando o Pai e a Mãe e a Menina foram para a mesa, Pequenu ouviu dizer:

       - Mãe! mãe! Olha para isto!... Cá está a minha pedrinha vermelha! Oh! como estou contente!...

       E sabes tu quem também estava muito contente?... O Pequenu!

 

                             PEQUENU E O PUDIM DE GELATINA

       Pequenu estava muito ocupado em encher o seu pequenino cachimbo, para com todo o sossego dar umas fumadelas lá no seu buraquinho de ratos.

       Mas, de repente, que é que ouviu o Pequenu?..

       Pequenu teve que escutar com toda a atenção para saber de que se tratava.

       Lá fora do buraquinho estavam sentados o Fuçopreto e o Finório.

       Fuçopreto dizia então para o Finório:

       - Sabes tu, Finório, o que foi que eu vi?... Vi a Mãe a fazer umas bolachinhas deliciosas, e também vi a Mãe a fazer um grande pudim de gelatina, vermelho...

       - Huuum! - exclamou Finório. - E tu sabes onde a Mãe guardou as bolachinhas?.

       - Ai não, não hei-de saber!... - respondeu Fuçopreto. - A Mãe guardou as bolachinhas na lata do pão, e a lata ficou um bocadinho aberta, porque as bolachas ainda estavam um pouco quentes.

- Ena! esplêndido!... - disse Finório.- Então podemos comê-las à nossa vontade!

       - Já me tinha lembrado disso - respondeu Fuçopreto. - Mas, olha lá, não vás dizer nada ao Pequenu, porque ele com certeza não vai gostar nada disso.

       Pequenu, lá no seu buraquinho, tinha ouvido toda esta conversa dos dois ratinhos; e muito zangado, pensou:

       «Esperem lá, seus velhacos!... Hei-de-vos ensinar a não mexer naquilo que é dos outros!»

       Então Pequenu saiu do seu buraquinho, fingindo que nada tinha ouvido.

       - Olá, Fuçopreto! Viva lá, Finório!disse o Pequenu. - O que vão vocês fazer?

       - Eu sei lá! - disse o Finório; - daqui a pouco vamos dar um passeiozinho - e ao dizer isto piscou o seu olhinho para Fuço

preto.

       - Ah, voces vão passear?... - disse Pequenu. - Tem graça! eu também vou dar uma voltinha...

       Agora saberás que era domingo, e que o Pai, a Mãe e os Meninos tinham saído, e por isso em casa não estava ninguém.

       Por essa razão Pequenu andava sem qualquer receio por toda a casa. E assim Pequenu saiu apressadamente da sala e correu pelo corredor fora até à cozinha.

       Na cozinha Pequenu subiu para cima da mesa, e então... sim, sim! lá estava, num grande prato redondo, um pudim muito bonito de gelatina, vermelho!

       Assim... um pudim muito lisinho, redondo, com lindos desenhos...

       Pequenu até conseguia ver um pouco através do belo pudim vermelho!

       Por cima da mesa da cozinha havia uma prateleira, e nesta prateleira estava a lata do pão. Pequenu subiu muito depressa até à prateleira e dirigiu-se para a lata do pão... E era verdade: a tampa lá estava um poucochinho aberta.

       Pequenu olhou, viu as bolachinhas, e - um... dois... três!... - lá saltou para dentro da lata.

       Mas... o que estava agora a fazer o Pequenu?...

       Pequenu pegou numa bolachinha, tirou-lhe um bocadinho, e então... com o bocadinho na mão, este esquisito Pequenu saltou da lata para cima da prateleira.

       E que pensas tu agora que o Pequenu fez com o bocadinho da bolacha?...

       Pequenu foi com este bocadinho até junto de um frasco que também estava na prateleira, e neste frasquinho estava escrito MOSTArda - Tu sabes o que é, hem? aquela coisa castanha, que tanto faz arder a tua língua quando a provas...

       Pequenu espalhou um pouco de mostarda na bolachinha, e a correr voltou para a lata do pão e colocou o bocadinho da bolacha em cima das outras bolachas. E então, Pequenu escondeu-se num cantinho da lata, por trás das bolachinhas, e... ficou à espera...

       Tripíde... tripíde... trip, trip,....... lá se ouviram as patinhas de Fuçopreto e Finório, que se aproximavam.

       Houpe! - lá saltou Fuçopreto para dentro da lata do pão, e-houpe! - Finório fez o mesmo.

       - Eia! -exclamou Fuçopreto - olha=me para estas belas bolachinhas, Finório!

       E deu uma dentada na bolachinha que estava em cima. Mas... que aconteceu agora?... Oh! Ai!... ai!... oh! oh!... - gritou Fuçopreto. - Oh! oh! oh! Finório... a minha língua está a arder!... Oh! oh! oh! que porcaria de bolachas que a Mãe fez desta vez!

       Oh! oh! oh!... e Fuçopreto dava saltos, com a dor, dentro da lata do pão.

       Finório estava espantado...

       - Mas que é que tu tens, Fuçopreto!? que se passa contigo!?

       Mas, de repente-como Finório ficou assustado!... -, alguém lhe agarrou no rabinho... e desatou a puxar, a puxar por ele com toda a força... ao mesmo tempo que uma voz muito zangada resmungava:

       - Quando os ratinhos são velhacos e se portam desta maneira, tudo acaba sempre mal!

       Ai! ai! ai! que medo tinha o Finório!...

       - Largue-me! largue=me, por favor! Nunca mais farei outra; deixe-me voltar para o meu buraquinho!

       E então Pequenu largou o rabinho de Finório (pois era mesmo Pequenu quem tinha falado com voz de resmungão), errrrrt-rrrrrt=rrrrrt- lá fugiram os ratinhos assustados.

       E Pequenu ria-se até fartar, e dizia lá para consigo:

       «Acabou-se. Estes dois não tornarão a cair noutra.»

       Pequenu então lembrou-se que eram horas de voltar para o seu buraquinho. Muito depressa, muito depressa, desceu da lata do pão, e mais depressa ainda, correu pela prateleira fora... mas... lá aconteceu uma coisa horrível!... Como isto sucedeu é que o Pequenu nunca chegou a compreender: repentinamente, um saquinho com açúcar tombou contra ele dando-lhe um forte empurrão, que... o fez escorregar e...

       - Ai! ai! ai! - gritou o Pequenu; e perdendo o equilíbrio, caiu da prateleira abaixo.

       Pequenu ia caindo, caindo, caindo... e de repente - pluf! - lá estava Pequenu em cima... do lindo pudim de gelatina vermelho! e então, ficou todo enterrado até à cintura!...

       Como o pobre Pequenu se esforçava para se desenterrar! mas quanto mais se mexia mais se afundava no pudim...

       Ai! como o Pequenu estava aflito! e como mexia os bracinhos e as perninhas com toda a força! mas tudo em vão, pois, cada vez mais e muito devagarinho, ia desaparecendo dentro do pudim.

       - Socorro! socorro! socorro! - gritava o Pequenu - por favor, acudam-me!

       Mas nem os ratinhos, nem o Bigodes, nem o Brincalhão, podiam ouvi-lo!...

       Agora Pequenu já estava enterrado até ao queixo... e então... então... desapareceu completamente dentro do pudim!

       Felizmente, o buraquinho que Pequenu fez no pudim ao afundar-se ficou aberto, e por isso Pequenu podia respirar.

«Ai de mim! suspirou Pequenu; não faltará muito que a Mãe chegue e leve o pudim, comigo lá dentro, para a sala... E ao pô-lo em cima da mesa vão dar comigo!...»

       Mas o que é que Pequenu estava agora a ver mexer, com muito cuidado, à volta de uma chávena de chá que estava na mesa?... Dois olhinhos pequeninos e muito pretos... um focinho em bico acinzentado. duas orelhinhas pretas...

       E quem julgas tu que era?... Era... o Cinzentinho!

       Cinzentinho admirava o lindo pudim vermelho, e então pensou:

       «Hi=hi=hi=hi! que esquisito pudim este!... posso ver através dele e parece de vidro vermelho!... Mas que vejo eu lá dentro!?... Parece-me um homenzinho muito pequenino e vermelho...» e Cinzentinho, muito devagar, aproximou-se. «Mas que é isto? que som é este?» E Cinzentinho, para melhor ouvir, ficou parado.

       - Socorro! socorro! socorro! - ouvia agora Cinzentinh o muito distintamente.

       «Esta agora!... pensou Cinzentinho; parece a voz do Pequenu... Mas então aquele homenzinho vermelho que está ali dentro do pudim, é... é o próprio Pequenu !”

       - Socorro! socorro! socorro! - gritou novamente Pequenu.

       E-rrrrrt-rrrrrt-rrrrrt-e o mais depressa que pôde, Cinzentinho correu para dentro da sala e gritou:

       - Acudam! Pequenu caiu dentro do pudim! Pequenu caiu dentro do pudim! Socorro! Acudam! acudam! Depressa, depressa! temos que o tirar de lá!

       - Onde, onde, onde?... - perguntavam os ratinhos - onde está o pudim?

       E entretanto Bigodes e Brincalhão apareceram.

       - Está na cozinha! - exclamou Cinzen= tinho.

       E - rrrrrt--rrrrrt-rrrrrt - todos os ratinhos, com Bigodes e Brincalhão, correram direitos à cozinha, saltaram para cima da mesa, e... sim... quando estavam todos à volta do pudim, viram mesmo lá no meio o pobre do Pequenu!

       Bigodes estendeu a sua pata e quis metê-la dentro do buraquinho do pudim para assim tirar de lá o Pequenu, mas não conseguia chegar lá!

E os ratinhos?...

       Estes não faziam outra coisa que não fosse correr à volta do pudim, pois não sabiam como ajudar o Pequenu.

       Mas, num repente, Brincalhão exclamou:

       - Já sei! já sei... Fuçopreto tens de me ajudar.

       E sabes tu o que este esperto do Brin= calhão fez?...

       Pegou no rabinho do Fuçopreto pela boca, levantou=o o mais que pôde, e foi metê-lo pelo buraco do pudim, sempre a segurá-lo pela boca...

       Pequenu, então, agarrou-se às patinhas da frente do Fuçopreto e, desta forma - um... dois... três!... houp! - Brincalhão puxou para cima Fuçopreto, e o Pequenu lá veio também para fora do pudim.

       - Viva! viva! viva! - gritaram todos.

       Mas, meu Deus! em que estado estava o Pequenu!... Da cabeça até aos pés coberto de pudim vermelho! E então todos eles não puderam deixar de se rir ao verem Pequenu todo pegagento... O seu gorrozinho e a blusa cheios de gelatina...

       Nisto, Bigodes perguntou:

       - Pequenu, tu querias provar um pouco do pudim, e foste cair lá dentro, hem?

       Ao que Pequenu respondeu:

       - Agora estás-me a sair um grande maçador, Bigodes, pois sabes muito bem que eu não sou nenhum guloso!

       - Olhem lá, vocês sabem o que devemos fazer?... - disse o Brincalhão - vamos todos lamber o Pequenu até que ele fique completamente limpo.

       E - lambe, lambe, lambe - Brincalhão ia passando a língua pelo casaquinho do Pequenu.

       - Que rica coisa que isto é! - exclamou Brincalhão.

       E todos, mas cada um por sua vez, lamberam o Pequenu.

       Depois voltaram, a correr, para a sala, e o Pequenu, com os ratinhos atrás dele, enfiou-se pelo buraquinho, indo todos descansar de tantos e tantos trabalhos...

 

                                         PEQUENU E A TEMPESTADE

       O tempo estava lindo e o sol, entrando pela janela, aquecia bastante a Casa Grande.

       Mas isto era muito natural, pois era Verão, e o Pequenu lá no buraquinho dos ratos estava cheio de calor.

       Nesta altura Pequenu estava completamente sózinho na Casa Grande; o Pai, a Mãe e os Meninos estavam na praia, e só por isso Pequenu estava bastante maçado.

       Por esta razão, lembrou-se de dar o seu passeiozinho. Primeiro atravessou a sala, depois passou pelo corredor e subiu a escada, e a seguir outra escada ainda, que o levou ao sótão.

       «Olha! olha!» pensou Pequenu «a janela do sótão está aberta! a Mãe esqueceu-se de a fechar!»

       « Sabes o que deves fazer...” pensou ainda Pequenu «vais fechar a janelinha.»

       E se melhor o pensou, melhor o fez... Subiu pelo escadote acima...

       Mas coitadinho dele!... Como é que o Pequenu, tão pequenino, poderia fechar uma janela tão pesada? E pondo-se nos bicos dos seus pe'zinhos, Pequenu, lá no cimo do esca dote, pôde justamente olhar através da janela; e então sentiu um grande desejo de sair por aquela janelinha e subir ao telhado.

       Mas o Pequenu foi muito estúpido... pois é muito perigoso andar nos telhados.

       E agora, ouve lá tu muito bem o que se vai passar...

       Com as suas mãozinhas, Pequenu agarrou-se com toda a força na beira do parapeito da janela e içou-se até ficar sentado.

       Pequenu podia, olhando para baixo, ver toda a rua.

       Mas não contente com o que tinha feito, Pequenu fez uma coisa ainda mais estúpida:

saiu para fora da janela e trepou pelo telhado até chegar à chaminé!...

       Pequenu podia agora ver ainda muito mais... Via toda a cidade, as casas... e lá ao longe, os campos e as quintas, com os seus cavalos e as suas vacas.

       Como tudo lhe parecia agora tão pequenino!... as pessoas pareciam bonequinhos...

       Ru... ruru... ru... ouvia Pequenu. E... quem estava na borda da chaminé?... Papá pombo.

       - Bons dias, papá Pombo! - disse Pequenu. - Que me dizes a isto tudo? eu aqui tão alto, sentado a este belo solzinho...

       Tchupe! - e papá Pombo, a voar, saiu da chaminé e veio sentar-se ao lado de Pequenu.

       - Pequenu, Pequenu! - disse papá Pombo - como podes tu fazer uma coisa destas?! Subir ao telhado... não tarda nada que caias daqui para baixo!

       - Tu tens cada uma, papá Pombo! - e Pequenu riu a bandeiras despregadas. - Eu tenho todo o cuidado.

       Mas papá Pombo, muito zangado, respondeu:

       - Não quero saber nada disso, vou levar-te já lá para baixo.

       - Mas eu não quero! eu quero ficar aqui muito mais tempo, aqui ao sol, a gozar este belo sol e esta rica vista!

       - Tu o que és és um grande estúpido, muito estúpido mesmo, Pequenu, e como não posso perder muito mais tempo contigo... Olha, passa bem... vou continuar o meu voo!

       E papá Pombo, com cara de poucos amigos, lá se foi a voar.

       - Papá Pombo! - exclamou Pequenu - olha, dá saudades minhas à mamã Pombo e aos teus filhinhos!

       - Eu lhes contarei como tu és tão esperto! - respondeu papá Pombo. E lá desapareceu sem olhar para trás.

       E Pequenu ficou a acenar-lhe com a sua mãozinha..

       Mas que é isto!? Onde se meteu o Sol?... Tem graça! escondeu-se atrás daquela grande nuvem preta!

       Nisto, uma forte rajada de vento ia atirando do telhado abaixo Pequenu, o que muito o assustou; e então-zás!...

       E adivinha tu o que sucedeu...

       A forte rajada de vento fechou a janelinha do sótão!

       E Pequenu lá estava em cima do telhado, tão so'zinho, sem poder entrar na Casa Grande, pois com a janela fechada era-lhe impossível voltar para casa!

       E queres saber o que ainda foi pior?... As nuvens grandes e pretas tornavam-se cada vez maiores, e o Sol estava completamente encoberto e a cada momento escurecia mais.

       Pequenu estava um pouco amedron= tado

       Zetze! zetze! lá ziguezagueou um raio pelo céu, e-ratatá! bum! bum! aí estava um trovão!

       - Oh! oh ! - gritou assustadíssimo o Pequenu - era o que me faltava agora... uma trovoada destas e eu sem saber como hei-de entrar em casa!

       Zetze! ratatá! bum! bum! novamente um detestável raio seguido por um grande trovão!...

       Então Pequenu gatinhou até muito junto da chaminé... Zetze! ratatatbumbum! - e cada vez estava mais escuro...

       - Ai! ai! quem me mandou a mim subir para o telhado!... Porque não segui eu os conselhos de papá Pombo?! - choramingava Pequenu.

       - Huiii! huiii! huiii! novamente uma forte rajada ia atirando Pequenu pelo ar. Pim! - e uma gota de água foi cair mesmo em cima do narizinho de Pequenu.

       Pequenu ficou todo arrepiado.

       Pim! - outra gota de água que caiu, e a seguir começou a chover cada vez mais...

       Zetze ratatá-bu m! - outro trovão!

       Pequenu estava agora agarrado com uma mão à chaminé e a outra ao topo do telhado.

       Huiii! huiii! huiii, meu Deus! como o vento soprava e a chuva fustigava o pobre Pequenu...

       Huiii! Houpe! - esta rajada agora foi tão forte que o Pequenu caiu para o lado.

       Huiii! Houpe! Huiii! Houpe! - e mais, e cada vez mais; e...

       - Socorro! socorro! socorro! - gritava Pequenu.

       E sabes o que tinha acontecido! Pequenu estava já sem forças para se segurar, e a chuva, tornando o telhado muito escorregadio, fez deslizar Pequenu pelas telhas abaixo.

       - Socorro! socorro! socorro! - continuava a gritar o Pequenu.

       Mas nada podia fazer parar Pequenu, que cada vez deslizava mais depressa, até que - plufe! - foi cair dentro da caleira do telhado.

       A caleira estava cheia de água da chuva e esta água corria pela conduta abaixo.

       - Gurgle... gurgle... - fazia a água da conduta; e Pequenu, levado pela água da caleira, estava já perto da conduta!

       Gurgle... gurgle... gurgle... borbulhava a água da conduta; e Pequenu tentava agarrar-se a qualquer coisa... mas a água corria com muita força!

       Gurgle... gurgle... gurgle... e Pequenu flutuava na direcção daquele buraco preto da conduta...

       Zetze - zetze - ratatá - bum! - ouviu-se novamente o trovão!

Huiii! huiii! huiii!... uivava o vento... Pim-Pim-Pim... cantava a chuva. E então Pequenu estava mesmo à beirinha do buraco preto, e-flupe! - Pequenu tapou os olhos com as suas mãozinhas... e lá foi tragado pela água, conduta fora, desaparecendo...

       Gurgle... gurgle... gurgle... gurgle cantava a água sem parar!

       Pequenu já não sabia em que terra estava; só sentia que se afundava, que tudo era muito escuro à sua volta... E de repente, Pequenu sentiu um baque, e... lá estava Pequenu numa grande caixa!

       A água dançava às voltas em remoinhos, e Pequenu lá ia arrastado pela água.

       Agora já nada lhe interessava; ora chocava com uma parede dura, ora flutuava no meio da água.

       Mas a água lá o ia arrastando sempre por aqueles escuros corredores...

       E assim Pequenu foi parar a um grande cano muito escuro que seguia por baixo da rua. -Pequenu sabia lá onde estava! nem tão-pouco o que lhe estava sucedendo!... Mas repentinamente alguém agarrou na blusinha de Pequenu e disse:

       - Lá te ias afogando, hem?

       - Quem és tu? - perguntou Pequenu. - Eu não te conheço!

       - Sou o rato da água, o Pelopardo; e ainda bem que te encontrei aqui a flu tuar!

       - Mas, olha lá, onde estou eu? - perguntou Pequenu.

       - Estás no grande colector das águas, que corre debaixo das ruas da cidade; e neste momento estás sentado num montezinho de areia dentro do colector - disse Pelopardo.

       - Como é que tu me conheces, Pelopardo? - perguntou Pequenu.

       - Ora essa! - disse Pelopardo - tenho-te visto muitas vezes junto da Casa Grande! o que não percebo é como vieste aqui parar.

       E então Pequenu começou a contar como tinha tido tão pouco juízo em trepar para o telhado, como o vento, a trovoada e a chuva o fizeram deslizar pelo telhado abaixo, até à caleira, e a seguir pela conduta abaixo.

       - E o resto não o sei! - disse Pequenu.

       - Bem, bem - disse Pelopardo. - Sabes? toda esta água atirou=te para o grande colector debaixo da rua da cidade, e se não te apanho aqui ias parar ao grande canal, fora da cidade...

       - Olha lá, Pequenu, olha ali para trás! - e Pequenu olhou.

       E imagina tu o que ele viu... Muito, muito, mas muito lá no fundo, Pequenu viu uma pálida luzinha muito redonda.

       - Que luz é aquela? - perguntou Pequenu.

       - É o fim do colector onde agora estás, e é lá que começa o grande canal - respon= deu Pelopardo.

       - Olha lá, Pelopardo, como vou sair daqui? - perguntou Pequenu.

       - Eu sei lá! - disse Pelopardo. - Deixa-me pensar um bocado. Tão depressa não o poderei saber!

       E Pelopardo torcia com as suas mãozinhas os seus compridos bigodes, pondo-se a pensar...

 

                                     PEQUENU E O BARCO DE CAROA

       Pequenu lá continuava em cima daquele montinho de areia, dentro daquele comprido colector debaixo da rua.

       Estava muito molhado e sentia muito frio...

- Pelopardo - chamou Pequenu - como hei=de sair daqui?...

       - Já te disse que não sei! ainda não o descobri - respondeu Pelopardo, o rato de água. - Sabes, Pequenu, tu podes subir para as minhas costas, mas, como eu quando nado só tenho o focinho de fora, ficarás debaixo de água...

       Oh! oh! como aquele Pequenu suspirava e se sentia triste! E como estava tão arrependido de ter sido tão insensato!

       Mas de repente Pelopardo exclamou:

       -Olha, Pequenu! olha o que vem ali a flutuar!

       Pequenu olhou para dentro daquele grande colector, mas era tudo tão escuro que não conseguia ver nada.

       Pelopardo podia ver muito melhor que Pequenu, porque estes canos escuros eram a sua casa, e-plombe! plombe!-Pelopardo saltou para a água e começou a nadar con= tra a corrente.

       Pequenu ficou à espera... E olhou, olhou... e... Sim, lá vinha Pelopardo a nadar com qualquer coisa a brilhar, presa pelos dentes.

       Uma vez chegado ao pé de Pequenu, Pelopardo atirou muito depressa a coisa brilhante para cima do montinho de areia.

       E sabes o que era? Era uma latinha de folha com água pelo meio.

       - O que queres tu que faça com isto? - perguntou Pequenu.

       - Ora bem - disse Pelopardo - deitamos a água da latinha fora, e tu, Pequenu, metes=te lá dentro, e desta forma navegas para fora deste colector.

       - Formidável! - gritou Pequenu satisfeitíssimo. - Depressa, vamos deitar a água fora!

       E então Pequenu, pegando no seu gorrozinho, como se fosse um balde, começou a tirar a água da latinha. Quando esvaziaram a água, Pequenu sentou-se dentro dela, e Pelopardo, com o seu focinho, deu um empurrão à latinha, de forma que esta entrasse bem na água, e... viva! - lá começou a flutuar a latinha, levada pela corrente, com o Pequenu lá dentro, na direcção do grande canal. Mas-ai!-a latinha não seguia pelo meio do colector, mas sim raspando pela parede...- Caramba! como a latinha ia toda inclinada! ...

       - Pelopardo! Pelopardo! - gritou Pequenu - isto vai muito mal! Depressa, vem ajudar-me, porque a latinha vai virar-se!

       Plombe, plombe... lá saltou Pelopardo para dentro da água, e ràpidamente conse= guiu alcançar Pequenu. E então, Pelopardo empurrou a latinha para o meio do colec= tor, e, seguindo a latinha, lá foi colector fora para evitar que ela fosse novamente de encontro à parede.

       Pequenu podia agora avistar melhor o grande canal porque estava mais claro.

       Mas de repente... Suuufff-lá entrou a latinha pelo grande canal dentro...

       - Até à vista, Pequenu - gritou Pelopardo. - Adeus. Boa viagem!

       - Adeus, amigo Pelopardo! Muito obri= gado por tudo quanto fizestes por mim - respondeu Pequenu.

       Felizmente já não chovia e a trovoada tinha-se ido embora; o sol voltava a brilhar pâlidamente.

       Só o vento continuava a soprar muito forte. E aquele vento lá ia empurrando a latinha com Pequenu lá dentro, para o meio do canal grande.

       Mas Pequenu não se importava nada em dar um passeiozinho de barco, pois era a primeira vez que o fazia. Pequenu conseguia justamente ver por cima da borda da latinha, e então reparou que estava já bastante afastado da cidade.

       E que bem que este vento o ia empurrando tão ràpidamente pelo canal fora!

       «Espera aí... lá ao longe estou a ver um lindo barquinho à vela... Sabes o que vais fazer?» pensou Pequenu «é uma viagenzinha divertida, esta que vais fazer, pois sempre irás ver outras coisas diferentes das coisas da Casa Grande!»

       Puuuff! Puuuff! Puuuff! Puuuff! - ouviu Pequenu atrás de si...

       «Que barulho é este!?» e apressadamente olhou para trás.

       E... o que viu ele?...

       Lá vinha um rebocador a puxar por mais três barcos.

       Puuuff! Puuuff! Puuuff! Puuuff!-Apre! como este rebocador anda depressa e que grandes ondas ele vai fazendo!

       Pequenu estava seguramente assustado!

       Puuuff! Puuuff! Puuuff! Puuuff! - Lá aparecia agora mesmo na sua frente o grande barco, que vinha mesmo direitinho a Pequenu; um barco cheio de couves brancas e verdes.

       «Oh! oh! daqui a pouco este barco vai passar por cima de mim! Que será que me vai acontecer agora?» pensou Pequenu cheio de medo.

       Puuuff! Puuuff! Puuuff! Puuuff! - como aquele barco se aproximava tão depressa do Pequenu!

       «Depressa, muito depressa! tenho que me desviar dele!» pensou Pequenu. E aflitivamente remava na água com as suas pequeninas mãos.

       Puuuff! Puuuff! Puuuff! Puuuff! - E aquele barco muito grande estava mesmo, mesmo, ao pé de Pequenu! E então... então o grande barco, a arfar, passou mesmo rente à pequena latinha, e Pequenu suspirou de alívio.

       - Safa! - exclamou Pequenu - escapei mesmo por um triz!

       Mas... ai! ai! ai! logo atrás vem uma onda muito grande, e a latinha, com Pequenu lá dentro, balouçava perigosamente! E o pobre do Pequenu foi atirado de cabeça para o chão!

       E novamente outra grande onda veio, e outra, e outra...

       Pequenu com ambas as mãozinhas agarrava-se o mais que podia ao bordo da latinha. E então... sabes o que aconteceu?...

       Lá veio mais uma vez uma onda muito grande, muito grande, e... esta onda cobriu completamente Pequenu e a latinha!.

       - Socorro! socorro! socorro! - conseguiu gritar Pequenu.

       E então... então, tudo ficou muito escuro!...

       Pequenu e a latinha desapareceram dentro da água...

«Ai de mim! Agora é que me vou afogar!» pensou Pequenu. E cheio de medo começou a dar a dar com os bracinhos e as perninhas na água.

       Mas que é isto agora?... Qualquer coisa lhe passou pela cara, e Pequenu agarrou-se a ela...

       E então... Mas que vem a ser isto?...

       Pequenu estava agarrado a uma corda presa a um dos barcos...

       E sabes tu o que Pequenu fez?...

       Com todo o cuidado trepou pela corda até sair fora da água, e depois subiu, subiu, até chegar ao barco.

       Como Pequenu estava contente! Mas... ai! ai! Lá apareceu o capitão do barco...

       «Deus queira que este capitão não me tenha visto!» pensou Pequenu, ao mesmo tempo que olhou ràpidamente para todos os lados, à procura onde esconder-se.

       Ah! lá está um grande rolo de corda! E Pequenu, então, rastejando o mais depressa que podia, meteu-se dentro do rolo.

       Ali, o capitão com certeza não daria com ele...

 

                              PEQUENU E A LANTERNA

       Gluque-gluque-gluque - gluque - isto era

o barulho que a água fazia de encontro ao casco do barco, e Pequenu, lá no seu lugar= zinho dentro do rolo, ouvia muito bem este barulho.

       Tape-tape-tape-tape... alguém se aproximava, e Pequenu espreitou para ver quem era.

       Esta agora!... - Lá vinha um moço da câmara, mesmo direitinho para o sítio onde estava Pequenu, certamente para vir bus= car o rolo da corda. Mas quando o criado pegasse no rolo da corda, Pequenu seria descoberto, ali escondido, e isso é que Pequenu de maneira nenhuma desejava.

       Pequenu olhou à sua volta... ah!... e

viu então uma grande lanterna, uma lanterna de bordo; uma destas lanternas grandes, quadradas, com uma portinha de lado...

E o que era ainda melhor... a portinha estava um poucochinho aberta... E -um, dois, três! - Pequenu, o mais depressa que pôde - zás! - enfiou-se dentro da lanterna.

       Que belo lugar! ali ninguém o encontraria...

       Entretanto Pequenu estava deveras cansado, e não durou muito tempo que os seus olhinhos se fechassem, caindo num sono profundo. Quando, passado algum tempo, Pequenu acordou, reparou que começava a anoitecer. Mas, de repente, Pequenu, depois de ter aberto muitas vezes a sua boquinha, cheio de soninho, ficou com ela toda escancarada, assustadíssimo... porque... Que é que estava a acontecer?...

       Uma grande mão, sem mais nem menos, pegou na lanterna onde Pequenu estava e levantou-a; e então... (mas que coisa horrível!) o criado colocou a lanterna sobre um banco ... E Pequenu, lá num cantinho da lanterna, encolhia-se o mais que podia!

       O    que iria agora acontecer?...

       E sabes o que fez o criado?...

       Com as suas grandes mãos abriu completamente a portinha da lanterna... e então... então, o criado acendeu um fósforo!

       Pequenu lá no seu cantinho fez-se tão pequenino como um grão de areia, e o

criado, porque olhava atentamente para a chama da lanterna, não deu com Pequenu. Mas que medo tinha o Pequenu de ser descoberto... E nisto, a grande mão fechou a portinha da lanterna.

       «Uf!... uf!» suspirou Pequenu aliviado. graças a Deus que ainda não me descobriram ! »

       Mas... o que é isto agora?...

       O    moço da câmara pegou na lanterna e afastou-se.

       «O que irá este homem fazer com esta lanterna?» pensou Pequenu. «Se calhar vai pô=la numa cabine, ou junto do leme! ... Ou então vai--se pôr a ler o jornal à luz da lanterna. »

       Mas o que aconteceu foi bem diferente, uma coisa que pregou um grande susto a Pequenu!... O que fez então o moço da câmara?

       Atou a lanterna a uma corda e começou a içá-la até ao topo de um mastro.

       Como balouçava e era sacudida aquela lanterna! De tal forma que Pequenu tinha que se agarrar muito bem para não rolar de um lado para o outro. E cada vez a lanterna subia mais alto, mais alto, até ao mais alto do mastro... E lá ficou pendurada, com Pequenu dentro dela...

       E sabes tu qual a razão por que o moço da câmara içou a lanterna lá para a ponta do mastro?...

       Estava a anoitecer, e, quando é noite, os barcos precisam de uma luz para serem vistos uns pelos outros, mas nada disto aquele pequeno e pobre Pequenu sabia.

       Zete-zete-zete - balouçava a lanterna suavemente.

       Pequenu começava a sentir o seu estomagozinho e não se via nada feliz...

       Zete=zete-zete...

       «Pfuu!...» gemia o Pequenu; «que aflição e que calor tenho cá dentro! »

       Pequenu cada vez sentia mais calor, e com o seu pequeno lencinho não parava de limpar a testa...

       Pfuuu!=pfuuu!-pfuuu!...

       E sabes tu qual a razão por que Pequenu tinha tanto calor?...

       Por causa da chama acesa na lanterna!

       «Vou tentar uma coisa! vou abrir um pouco a portinha da lanterna. »

       E a lanterna balouçava cada vez com mais força-zete-zete-zete-a tal ponto que Pequenu teve de se arrastar com grandes dificuldades até à portinha da lanterna...

       Zete=zete-zete - Pequenu tinha que se segurar com muito cuidado para não tocar na chama, senão Pequenu ficaria muito queimado!...

       Zete-zete-zete - finalmente, Pequenu agarrou com as duas mãozinhas a portinha da lanterna e começou a empurrá-la.

       Zete=zete=zete...

       Pequenu empurrava, empurrava, e empurrava, e... zás!-a portinha da lanterna abriu-se num repente...

       - Socorro! - gritou Pequenu agarrado à portinha da lanterna e pendurado no ar.

       Zete=zete=zete...

       Pequenu continuava agarrado à portinha da lanterna balouçando de um lado para o outro ... Tentou subir para dentro da lanterna mas no conseguiu ...

       Zete-zete-zete...

       Como Pequenu estava cansado!... Tão cansado que já não tinha forças para se aguentar. E então... então o... Pequenu cerrou os olhinhos, e, largando as mãozi....... caiu da lanterna lá no topo do mastro!

       Mas... que é isto agora?...

       Quando Pequenu vinha pelo ar a cair, sentiu que tocava num pano muito inclinado, e então - ruff-ruff - Pequenu começou a deslizar para baixo, e depois... e depois Pequenu foi atirado novamente pelo ar, e-pluff!-lá se encontrava Pequenu sentado, entre muitas coisas grandes e redondas...

       Agora tudo era para Pequenu muito escuro, não via nada.

       «Mas que esquisita coisa!...» pensou Pequenu. «parece que só tenho folhas à minha volta!...»

       E queres saber o que aconteceu?...

       Quando Pequenu caiu, lá de muito alto do mastro, foi exactamente cair sobre a grande vela do barco. Esta vela estava cheia pelo vento e muito inclinada, e Pequenu escorregou por ela abaixo, como se estivesse a brincar num jardim de crianças, deslizando num escorregadouro, e então foi cair mesmo em cima de um monte de couves verdes... Lembras-te?... - era aquele barco grande de couves para o qual Pequenu subiu por uma corda!

       E agora, lá estava o Pequenu entalado entre as folhas de uma grande couve verde!

       «Ai! ai! Como vou sair daqui?» pensou Pequenu.

       Mas Pequenu, com tantos trabalhos passados, sentia-se tão cansado, tão cansado, que os seus olhinhos começaram a fechar-se; e Pequenu adormeceu profundamente, mesmo ali, entre as folhas da grande couve verde...

 

                     PEQUENU E AS JOVENS LAGARTAS

       Pum! pum! pum!-que barulheira é esta?

       Pequenu acordou e esfregou com as mãos os seus olhinhos.

       «Onde estou eu? Ah, sim, já sei: estou no barco e deitado no meio das folhas da couve verde.»

       Cuidadosamente, Pequenu olhou em volta.

       «Felizmente que já é dia», pensou Pequenu; «o que tenho é de arranjar maneira de sair daqui antes que dêem comigo. »

       Pequenu subiu pela folha de couve acima... a seguir, por uma outra couve... por outra ainda... passando assim, de couve em couve, até chegar ao topo daquele monte de couves.

       E que viu então Pequenu?...

       Muito se assustou Pequenu! pois queres saber o que ele viu?...

       O    barco estava encostado a um muro e o capitão e os seus ajudantes estavam ocupados a atirar as couves para outros homens que estavam em terra, e estes homens, por sua vez, arrumavam as couves em grandes camiões.

       Pequenu lançou um rápido olhar a ver como poderia descer lá de cima, mas o monte de couves era tão grande, tão grande, que levaria muito tempo a Pequenu para chegar lá em baixo.

       - Houpe! - gritavam os homens cada vez que atiravam uma couve para os homens do camiã.

       «Que é que eu vou fazer agora? que é que eu vou fazer agora?» pensava Pequenu; «onde vou eu esconder-me agora?...»

- Houpe!-houpe!-houpe!-houpe! - ouvia Pequenu gritar; e-flupe-flupe-flupe-lá voavam as couves pelo ar...

       Com que velocidade aqueles homens trabalhavam!

       « Se não me escondo depressa » pensou Pequenu, «vão já dar comigo.»

       Houpe!-houpe !-houpe! - gritavam novamente os homens; e-flupe=flupe-flupecontinuavam voando as couves pelo ar ...

       Então Pequenu, de repente, viu muito ao pé de si uma couve muito grande, com grandes e lindas folhas, e entre estas folhas descobriu um pequeno buraquinho, onde ele podia caber ao certo.

       Tão rápido como pensou, Pequenu meteu-se naquele buraquinho e cobriu-se muito bem com as folhas da couve.

       E foi mesmo a tempo que Pequenu se escondeu no buraquinho da couve, porque imediatamente um dos homens pegou na couve, e-houpe!-lá voou a couve e

o Pequenu...

       E - pum! - um homem do camião apanhou a couve e atirou-a para cima das outras couves que já estavam no camião.

       «Ai! ai!» gritou Pequenu cheio de medo, «ai! ai! que dor tenho numa perna!»

       - O camião está cheio! - gritou um dos homens.

       - Está bem - disse o capitão. - Sigam para a fábrica.

       « Para a fábrica... » pensou Pequenu lá para si, «para quê para a fábrica!?...»

       E então Pequenu ouviu um dos homens dizer:

       - Lá na fábrica, metam todas estas couves na máquina grande, para que fiquem bem cortadas em tiras, e em seguida ponham=nas nas latas de conserva.

       Pequenu estava branco de susto!

       «Oh! oh!...» gemia Pequenu «não tarda nada que eu também vá parar à máquina, e então cortam-me em pedacinhos!... Que é que eu vou fazer? que é que eu vou fazer? tenho que sair já desta couve e deste camião!»

       Mas... que é isto agora? Pequenu não conseguia sair para fora da couve, pois a sua perna direita estava entalada...

       Pequenu puxou, puxou, mas nada conseguia...

       Pequenu estava seriamente aflito, e não havia ninguém que viesse ajudar este infeliz Pequenu...

Crrrete-Crrrete-Crrrete-Crrrete...

Pequenu olhou surpreendido ao ouvir este barulho, e... que viu ele de repente mesmo ao pé de si?...

       Uma cabecinha muito verde e pequenina, com uma boca muito grande e dois olhos negros; e aquela boca mordiscava, mordiscava sem parar nas folhas das couves, comendo-as ...

       - Olha lá - exclamou Pequenu -, quem és tu?

       E então uma voz muito fraquinha respondeu:

       - Eu sou uma jovem lagartinha, e daqui a uns tempos serei transformada em borboleta; chamam-me a Branquinha da couve.

       - Ah sim?... - respondeu Pequenu. - Mas fica sabendo que esta couve não tardará nada que uma grande máquina a corte toda inteirinha em tiras!

       Nisto o camião arrancou e começou a andar, e então... então uma coisa muito desagradável aconteceu, pois, de repente, o camião deu um grande solavanco, e então... houpe!-lá rolou a grande couve verde, e... ai! ai!-o pobre do Pequenu não podia adi vinhar o que iria suceder...

       Rommelde=bommelde=bommel... a couve rolava e Pequenu rolava também, uma vez de cabeça para baixo, outra vez de cabeça para cima, que-ai! ai!-já estava toda tonta, e então... ....... Pequenu sentiu um grande choque, e a couve, com o Pequenu, caiu do camião para o meio da estrada!

       - Ui! ui! - gritou Pequenu... - «Oh! oh! a minha pobre cabecinha e as minhas ricas pernas!... Oh! como me dói todo o corpinho!...»

       Mas sabes o que foi uma grande sorte?...

       O    homem do camião não viu cair a couve, e por isso a couve ficou na beira da estrada enquanto o camião se afastava...

       Mas agora tu és capaz de pensar que o Pequenu ia sair da couve o mais depressa possível (e Pequenu bem o desejava...), mas... como poderia Pequenu fazer isso se a sua perninha continuava entalada entre as folhas da couve!?...

Crrrete-Crrrete-Crrrete-Crrrete-Crrrete... ouvia Pequenu a toda a sua volta, e isto nada mais era do que o barulho que as lagartinhas faziam a roer as couves.

       Pequenu estava muito longe de esperar isto.

       As lagartinhas roíam tão apressadamente a couve em volta da perninha do Pequenu, que não levou mais que uns cinco minutinhos que Pequenu livrasse a sua perninha.

       - Viva! - gritou Pequenu todo contente - que bom estar novamente livre! Muito obrigado, minhas queridas lagartinhas, muito obrigado!

       E, muito depressa, Pequenu saltou para a estrada.

       Zzzete!-uma coisa grande e preta passou como uma seta, e Pequenu caiu de pernas para o ar...

       Logo a seguir uma grande nuvem de pó cobriu Pequenu...

       Ai! ai! Pequenu assustou-se tanto com isto, que, a gatinhar, foi esconder-se por trás de uma grande árvore.

       E sabes o que foi que assustou tanto o Pequenu?...

       Foi um automóvel muito grande, que tinha passado pelo Pequenu muito depressa, muito depressa, deixando atrás de si a grande nuvem de pó.

 

                           PEQUENU, SALTÃO, A CASTANHINHA, E A LEITUGA

       Pequenu estava sentado no meio da relva alta e olhava para a estrada... E, sabes? era uma estrada muito comprida, muito comprida, que atravessava campos muito grandes.

       De cada lado da estrada havia um canal, muito estreito e profundo.

       «Ora bem», pensou Pequenu, «não posso ficar sentado aqui desta maneira, toda a vida! O melhor é ir dar uma voltinha.»

       Precisamente no momento em que Pequenu pisou com os seus pezinhos a estrada... que foi que passou por Pequenu como uma bala?... Zzzzete!... Zzzzete!...

       Duas motocicletas, a toda a velocidade...

       Os olhinhos de Pequenu ficaram cegos de pó, e Pequenu teve que os esfregar com as suas mãozinhas para os limpar da poeira.

       E, mal tinha acabado de limpar os seus olhinhos - Zzzete! -, lá passou outra vez um grande automóvel, que também deixou atrás de si outra grande nuvem de pó.

       E o automóvel passou tão perto, tão perto do Pequenu, que, uma vez mais, Pequenu rolou pelo chão fora!

       Estas coisas sucedem nas grandes estradas, e Pequenu resolveu voltar para a relva alta; e por isso pôs-se a gatinhar.

       «Que vou eu fazer agora para sair daqui?...» suspirou Pequenu; «para a estrada já não tenho coragem de ir, pois ali andam os automóveis e as motocicletas, e pela relva... é tão alta... que mal posso andar!»

       E o triste do Pequenu, sem saber que fazer, sentou-se outra vez, muito desanimado, na relva, encostado ao caule muito forte de uma margarida.

       O sol aquecia-o lindamente, e a margarida por cima da sua cabecinha servia-lhe de guarda-sol.

       - Tchipe=tchipe-tchipe... Para onde estás tu a olhar dessa maneira? - perguntou uma vozinha muito esganiçada.

       Pequenu voltou-se, surpreendido.

       - Quem é que está para aí a falar? - perguntou Pequenu.

       - Tchipe=tchipe-tchipe... Então tu não me vês, Pequenu?... Tchipe=tchipe-tchipe... estou mesmo poisado por cima da margarida debaixo da qual tu gozaste uma grande soneca.

       Pequenu, muito espantado, olhou para cima... e que viu ele então?...

       Um bichinho verde, com pernas muito, muito compridas...

       - Ora viva!-exclamou Pequenu. - Mas quem és tu?

       - Eu? Sou o Saltão, o gafanhoto; e tu és com certeza o Pequenu!

       - Sim, é verdade, eu sou o Pequenu; mas como é que tu sabes isso?

       - Tchipe-tchipe-tchipe... Ora essa! todos os animais sabem isso, Pequenu! Quase todos te conhecem, e os que não te conhecem ouvem os outros animais falar de ti.

       - Essa agora é que eu não sabia! - respondeu Pequenu muito admirado. - Olha lá, Saltão, o que é aquela coisa amarelada lá ao longe?

       - Então tu não sabes? São as dunas; e atrás daquelas dunas é o mar!-explicou Saltão. -Tu nunca foste lá, Pequenu?

       - Nunca - disse Pequenu. - E nem imaginas, Saltão, como eu gostaria de ver isso tudo! mas o caminho é tão comprido! ..

       - Ouve lá uma coisa: sabes o que nós vamos fazer?... - exclamou o Saltão - vou levar-te nas minhas costas até lá; queres?

       - Mas isso é impossível! eu sou um bocado pesado... - respondeu Pequenu.

       Então, de repente, este engraçado do Saltão deu um grande salto...

       - Queres saber, Pequenu? tenho outra ideia... Espera aí um bocado. Eu volto já com a aranha, a Castanhinha.

       E a saltitar, Saltão desapareceu.

       Zzzete! Zzzete! Zzzete! - passavam os automóveis e as motocicletas pela estrada ao lado de Pequenu...

       «Que grande sorte que eu tive em encontrar o Saltão! se não fosse ele, eu nunca mais sairia daqui!» pensou o Pequenu.

       Plufe!-lá caiu qualquer coisa, mesmo, mesmo ao pé do Pequenu...

       - Pronto! cá estou eu outra vez-exclamou Saltão. - E vê lá tu quem eu trago aqui nas minhas costas...

       E sabes o que Pequenu viu então?... Nas costas do Saltão estava uma aranhinha castanha, muito engraçadinha, muito engraçadinha!

       - Ora viva, seu Pequenu! - disse a Castanhinha. - Eu sou a Castanhinha, uma prima da aranha Prateada, e estou aqui porque o Saltão me foi buscar para te dar uma ajudazinha.

       - Mas, querida Castanhinha, e meu caro Saltão - exclamou desanimado o Pequenu -, vocês também, tão pequeninos, como me podem ajudar?... isso é impossível!

       Então Saltão desatou a rir, e disse:

       - Lembrei-me de uma coisa formidável! A Castanhinha sabe fazer uns fios lindos e muito fortes, e... Olha lá, Pequenu: vês ali aquela bonita e grande leituga?...

       Pequenu olhou, e... lá estava uma bola peluda, linda, grande, e muito branca, toda feita de algodãozinho.

       Tu conheces esta planta, não é verdade?...

       Tu já viste muitas vezes esta planta na relva, e estou certo de que já a apanhaste; e então, nessa altura, não paraste de assoprar, até que, desfeita em flocozinhos de algodão, desaparecesse no ar.

Bem:     uma bola peluda, assim bonita, lá estava na relva, com todos os seus flocozinhos de algodão.

       Mas Pequenu nada percebia do que iria acontecer...

       E então, Saltão, muito baixinho, segredou qualquer coisa a Pequenu.

       - Mas como!? - exclamou Pequenu - isso não pode ser! Nem sequer há vento!...

       - Pela tarde, ele virá - disse Saltão -, esta tarde vai soprar muito vento. Disso, nós, os animais, bem percebemos.

       Mas Pequenu, ainda sem acreditar, disse:

       - Bem; vamos lá ver isso.

       E sabes o que aconteceu então?...

       Pequenu sentou-se debaixo da bola peluda, e a Castanhinha atou a cada flocozinho da bola um fio e passou cada um dos fios, pela outra ponta, em volta da cintura do Pequenu.

       Castanhinha fazia isto tão ràpidamente, que, uma meia horazinha mais tarde, todos aqueles pequeninos flocos estavam ligados por um fiozinho ao Pequenu.

       - Agora é só esperar pelo vento - disse Saltão -, e o vento não tardará nada.

       E assim foi: uma meia horazinha depois lá veio um pouco de vento... E aquele vento cada vez soprava com mais força! ...

       A bola peluda, então, começou a baloiçar muito, e, de repente, lá veio uma rajada de vento tão forte que desprendeu as bolas peludas das suas hastes, às quais estavam fixas, e... lá voou Pequenu para o ar, pendurado a todas aquelas bolinhas como se fosse transportado por um balãozinho (que tu muito bem conheces...).

       - Muito obrigado aos dois!

       Mas este agradecimento já não o puderam ouvir nem o Saltão nem a Castanhinha, pois Pequenu já ia lá muito alto, voando com grande velocidade pelo ar fora...

       Cá em baixo, sentados no topo de uma alta espiga de erva, Saltão e Castanhinha, pondo uma das suas perninhas por cima dos olhos, para melhor verem, seguiam no ar o seu amigo Pequenu, e assim se conservaram até que Pequenu lhes parecia um pontinho negro muito pequenino, muito pequenino... E depois, quase de repente, aquele pontinho negro desapareceu por completo! ...

 

                                       O     VOO DE PEQUENU

       Pequenu lá ia voando pelos ares! ... Enquanto tudo se esteve preparando, Pequenu não tinha sentido qualquer receio.

       Aquela Castanhinha tinha feito tudo tão bem! e tinha fixado as bolas peludas aos fios compridos e atado estes fios à volta do Pequenu de tal forma, que tudo estava perfeitinho e seguro. Isto mesmo foi a opinião tanto de Pequenu como de Saltão.

       Mas, quando o vento começou a soprar com mais força, Pequenu começou a sentir, mesmo assim, um certo receio.

       E quando Saltão se lembrou, uma vez, de abanar as bolinhas peludas para as experimentar, Pequenu, por uns instantes, ficou amedrontado, e pensou no que lhe poderia suceder caso aqueles fiozinhos se partissem ...

       Para dizer a verdade, Pequenu não sentia grande vontade de ir voar com estas bolinhas; mas, quando aquela grande rajada de vento veio e Saltão começou a sacudir as bolinhas com toda a força... então, sim... então Pequenu, repentinamente, sentiu um choque, e...

       - Oh! oh!.. . - ainda conseguiu gritar; porque então, logo a seguir, sentiu que o puxavam para cima.

       - Viva! viva! - gritavam Saltão e Castanhinha. E Pequenu pôde ver que os dois lhe diziam adeus com as perninhas.

       Mas Saltão e Castanhinha iam-se tornando cada vez mais pequeninos, e então

então Pequenu deixou de os ver...

       E o vento lá ia atirando Pequenu e as suas bolinhas, para mais alto, mais alto... E os automóveis e as motocicletas e as pessoas cada vez iam ficando mais pequeninos!...

       Pequenu ainda não se habituara a olhar lá para baixo; mas, como era muito curioso, sempre quis ver o que se passava...

       O que era aquilo tão branco, lá naquele prado?...

       Pequenu firmou melhor a vista... E então... então viu muito bem...

       «Ora esta!» exclamou Pequenu, «lá está a Tia Penabranca, a galinha, com todos os seus irmãozinhos! .. .»-e o Pequenu acenou, acenou, para a Tia Penabranca. Mas esta e os irmãozinhos naturalmente não podiam ver o Pequenu.

       Clepe-clepe=clepe=clepe... - mas que barulho é este agora?...

       Quem passava mesmo por cima do Pequenu, a voar?...

       - Boa tarde, Sr. e Sra. Cegonha! - gritou muito alto Pequenu.

       Mas também as cegonhas não ouviram Pequenu...

       «Mas que grande pena!» pensava Pequenu. «Mas o que é isto!?... estou tão alto aqui no ar!... Olha! olha! agora vejo a torre de uma igrejinha!... E... olha, olha! parece uma aldeiazinha... Oh! oh! como estas casinhas são pequeninas! E aquelas coisinhas que mexem no chão com certeza são pessoas que andam a passear... E aqueles montinhos amarelados, tão bonitos, por trás da aldeia, devem ser as dunas...»

       Que coisa maravilhosa! Como Pequenu podia ver tanta coisa e tão longe, lá de cima!

       E o vento cada vez levava Pequenu para mais longe, mais longe... E cada vez mais alto, mais alto...

       Mas que via então agora, mesmo por trás das dunas?...

       Uma coisa muito grande! Tão grande! ... e azul, com pequenas riscas brancas por cima... E parecia mesmo que esta coisa tocava nas dunas...

       «O que será isto?...» pensou Pequenu. «Sim, mas que será isto!?...»

       E então... então... Pequenu lembrou-se de repente.

       Sim: tinha que ser isso mesmo... E, cheiinho de medo, abriu os olhos ... porque... Sabes o que era esta coisa muito grande e azul?...

       Era o mar!

       E sabes tu porque é que o Pequenu estava com tanto medo?...

       Porque o vento ia atirando as bolinhas peludas, com Pequenu, mesmo, mesmo direitinhas para aquele grande mar!

       - Oh! oh!. .. - gritou Pequenu - que é que eu vou fazer agora!?... Eu quero descer já lá para baixo, quando não, vou cair mesmo no mar!

       Mas ninguém podia ajudar o pobre Pequenu, lá em cima, no ar... A não ser um bichinho muito pequenino, que ouviu os gritos do Pequenu...

       Zum-zum-zum-zum-aquele bichinho pequenino voou o mais depressa que pôde até Pequenu... E sabes quem era esse bichinho?...

       Era o moscardo Zumbidor...

       - Pequenu, Pequenu, não tenhas medo. Eu vou-te ajudar! - exclamou Zumbidor.

       - Ainda bem, Zumbidor! - exclamou o Pequenu; - que feliz que eu estou por te ver aqui!...

       - Pequenu! - exclamou novamente Zumbidor - eu vou num instantinho chamar a vespa Agulhinha, pois esta é capaz de te ajudar.

       E Zumbidor, a voar, a voar, afastou-se...

       - Zumbidor, vê lá se voltas depressa! - ainda gritou Pequenu.

       E as bolinhas peludas, com Pequenu, lá continuavam a voar... E agora já estavam mesmo em cima da torre da igrejinha da aldeia... e Pequenu quase lhe tocou: de tal forma que o galo do cata=vento que está sempre no topo das torres das igrejas, lhe fez um aceno com a sua cabecinha...

       (...mas isto agora não deve ser nada verdade, porque um galo de ferro não pode acenar com a cabeça...)

       Não é?...

       Zaam=zaam-zaam=zaam-ouviu-se novamente um zumbido pelo ar, e Pequenu viu então Zumbidor ao lado da Agulhinha.

       - Olá, Pequenu! cá estou eu! - exclamou a vespa Agulhinha. - Queres saber o que vou fazer? vou roer um por um os fiozi= nhos das bolinhas, e desta forma começarás a descer aos poucos lá para baixo para a terra.

       - Isso é óptimo! - respondeu o Pequenu. - Mas vê lá, faz isso com todo o cuidado, minha querida Agulhinha!

       E então Agulhinha começou a roer um fiozinho, e depois outro fiozinho, e depois outro... e outro... e-flup-flup-flup-lá se soltavam as bolinhas peludas, subindo pelo ar fora... e Pequenu ia descendo, descendo... e cada vez estava mais baixo.

       Agora Pequenu já estava quase em cima das dunas...

       - Depressa, Agulhinha! depressa! só mais uns fiozinhos! - gritava Pequenu.

       E-flup=flup=flup - mais bolinhas se iam soltando.

       E agora... agora Pequenu desceu muito lentamente, como se estivesse dependurado num autêntico pára-quedas.

       - Viva! viva! - gritaram, todos contentes, Zumbidor e Agulhinha. - Vais cair mesmo, mesmo no meio das dunas!

       E realmente Pequenu estava cada vez mais perto do chão... A um metro agora... e agora a meio metro...

       - Ai! ai! - gritou Pequenu.

       - Que foi que aconteceu!? que há!? - perguntaram Zumbidor e Agulhinha; e de repente perderam de vista Pequenu.

       - Pequenu! Pequenu! onde estás tu!? - gritavam os dois.

       - A... a... aqui! - ouviu-se a voz de Pequenu - aqui... debaixo de um espinheiro... Agulhinha, vem ajudar-me! vem roer o resto dos fiozinhos!

       Agulhinha, sempre muito pronta, depressa voou com Zumbidor, e foi meter-se debaixo do espinheiro. E foram dar com Pequenu sentado na areia...

       - Porque estás tu a gritar? estás magoado?... - perguntou Zumbidor.

       - Estou, estou. Vim parar aqui em cima de uns picos do espinheiro, e estou todo picado!

       Agu lhinha, muito desembaraçada, roeu todos os fiozinhos que restavam, e Pequenu, então, pôde novamente andar.

       - Bem, agora temos de voltar ao nosso próprio trabalho - declarou Zumbidor.

       - Adeus, Pequenu. Vê lá se te divertes aí nas dunas.

       E os dois desapareceram então a voar.

       Pequenu ficou sentado ainda por uns momentos debaixo do espinheiro, e pensou:

       «Que é que eu vou fazer agora?»

       Mas que iria fazer agora?... Pequenu não sabia. E estava tão cansado de tanto voar, que os seus olhinhos se fecharam... E adormeceu...

 

                                 PEQUENU VÊ O MAR

       Com as mãozinhas cruzadas por detrás da sua pequenina cabeça, Pequenu dormiu, dormiu... até muito tarde da manhã seguinte.

       Os raios do Sol já há bastante tempo que atravessavam o espinheiro e tocavam na carinha de Pequenu; mas isso nada o incomodava, pois Pequenu dormia, dormia...

       Pequenu tinha ficado muito cansado por tamanha viagem e tamanho voo!

       Agora, nas dunas, tudo era sossego; somente alguns passarinhos saltitavam de um lado para o outro, e também uns escaravelhos rastejavam pela areia.

       Tampinhadoiro era um escaravelho muito bonito! Nas suas costas tinha duas asas pretas e doiradas; pareciam mesmo duas tampinhas, e por isso os outros escaravelhos lhe chamavam Tampinhadoiro.

       Nisto, Tampinhadoiro viu Pequenu deitado debaixo do espinheiro.

       Olha que esta... » pensou Tampinhadoiro, « que homenzinho tão pequenino e esquisito está ali a dormir!...

       E então Tampinhadoiro atirou-lhe, com uma das suas perninhas, alguns grãozinhos de areia, que foram cair mesmo em cheio no nariz do Pequenu.

       Ahhh... ahhh... tchim! Ahtchim!espirrou o Pequenu. E Tampinhadoiro fartava-se de rir ao ver a esquisita cara que Pequenu fazia quando aqueles grãozinhos de areia lhe caíam sobre o narizinho.

       E Tampinhadoiro atirou outra vez com grãozinhos de areia ao nariz do Pequenu, e então Pequenu, cheio de susto, levou as mãos ao nariz.

       «Que vem a ser isto!?» pensou Pequenu.

       E então Pequenu exclamou:

       - Vê lá se acabas com essa brincadeira, meu Zumbidor!

       Agora Tampinhadoiro ainda ria com mais gosto... E-zás!-atirou novamente com areia para o Pequenu.

       - Mau, mau! mau, mau... - exclamou Pequenu; e tentou levantar-se.

       Mas... que aconteceu então?... Pequenu, ao tentar levantar-se, escorregou pela areia abaixo, e... quem rolava também com Pequenu?... Tampinhadoiro!

       - Ui! ui! - gritava assustado Tampinhadoiro, e agitava as suas patinhas voltadas para o ar.

       Mas... já era tarde de mais... Tampinhadoiro rolava de montinho em montinho de areia, até-pumba!-ir chocar com Pequenu. E... agarrando-se muito depressa a uma perninha do Pequenu - rrrrrt - escorregavam agora os dois pela duna abaixo...

       Uma vez chegados lá a baixo, Pequenu gritou muito zangado:

       - Larga-me! larga-me já!

       E Tampinhadoiro num abrir e fechar de olhos assim o fez. E foi depois sentar-se mesmo em frente do Pequenu, a quem disse:

       - Agora o senhor faz favor de me dizer quem é.

       - Eu?... Eu sou o Pequenu da Casa Grande - respondeu Pequenu. - Estou em viagem porque quis ver o mar. E agora diz-me lá tu quem és, sim?

       - Eu sou o Tampinhadoiro, e a minha casa é aqui nas dunas.

       - Ah! - disse Pequenu - isso agora é óptimo, pois tu com certeza vais-me dizer se estou perto do mar...

       - Estás sim, mesmo muito perto - disse Tampinhadoiro. - Basta subires ao cimo desta duna para veres o mar.

       - Isso é formidável! - exclamou Pequenu todo contente. - Vou já começar a subir a duna!

       Agora ficas tu sabendo que até ao cimo da duna era uma grande caminhada, era muito longe! E havia um grande pedaço onde nada crescia, nem sequer a mais pequenina planta!

       E Pequenu lá ia rastejando por cima disto tudo.

       Mas... que aconteceu agora de repente?...

       No momento em que Pequenu estava quase, quase a chegar lá ao cimo, dois meninos passaram correndo pelo topo da duna, e então... então, um grande bocado de areia soltou-se e começou a deslizar... e Pequenu ficou todo coberto de areia! Lá se foi Pequenu!... desaparecido debaixo daquela areia, não se via dele nem sequer a pontinha do seu narizinho!

       - Ai! ai! - gemeu Pequenu - daqui nunca mais saio!

       E Pequenu chorava amarguradamente.

       Queres saber uma coisa?...

       Não é nada agradável ficar enterrado na areia.

       Mas felizmente alguém tinha visto o que se tinha passado... Tampinhadoiro!

       E Tampinhadoiro, cheio de pressa, começou com as suas patinhas a cavar na areia... E a areia voava para todos os lados. Mas este esperto do Tampinhadoiro era sõmente um escaravelho muito pequenino... e muita areia cobria o pobre do Pequenu...

       Mas Tampinhadoiro não desanimava... Cavou, cavou, com as suas patinhas sem parar, e então... então... Tampinhadoiro, finalmente, pôde ver a pontinha do gorrozinho azul do Pequenu!

       E Tampinhadoiro continuava a cavar, a cavar, cada vez com mais força... E então... então... já começava a ver a carinha do Pequenu a sair da areia...

       - Ainda estás vivo? - perguntou Tampinhadoiro.

       - Ahhh... ahh... tchim! - espirrou Pequenu; e olhando para Tampinhadoiro, exclamou: - Meu querido Tampinhadoiro, como estou tão agradecido por me teres salvo!...

       E Tampinhadoiro, sempre a cavar, a cavar, conseguiu por fim livrar Pequenu de toda aquela montanha de areia.

       - Olha lá, Pequenu, sabes o que vamos fazer agora?.. . - disse Tampinhadoiro - tu, Pequenu, agarras-te à minha perna, e desta forma eu vou puxar-te novamente para o cimo da duna.

       Pequenu assim fez, e deste modo os dois conseguiram chegar ao cimo da duna; e então... então Pequenu viu o mar, ali pertinho...

       Ah... que linda que Pequenu achou toda aquela água tão azul, com as suas ondas tão bonitas! ...

       Duum... duum... duum... duumfaziam as ondas de encontro à areia; e Pequenu, lá no cimo da duna, não se cansava de olhar para o mar.

       Pequenu estava encostado a um molhinho de ervas... Aquela erva alta que cresce nas dunas, sabes?, e olhava, olhava... Até que de repente sentiu alguma coisa a fazer-lhe comichão na sua mãozinha... era Tampinhadoiro.

       - Até à vista, Pequenu - disse Tampinhadoiro. - Adeusinho; eu volto novamente para o espinheiro, porque, queres saber? a minha casa é ali pertinho. Adeus, Pequenu.

       - Adeus, Tampinhadoiro; e, mais uma vez, muito, muito obrigado!

       E alguns momentos depois, Pequenu, ao voltar-se, já não viu Tampinhadoiro.

 

                                   PEQUENU E O CAÇADOR

       Pequenu estava há muito tempo sentado na duna a olhar para o mar... De repente, muito pertinho dele, ouviu barulho, e então... (que grande susto teve Pequenu!...) lá vinha um bicho muito grande, correndo com toda a velocidade, mesmo na direcção do Pequenu! E-houpe!-o bicho, dando um grande salto, passou por cima do Pequenu, e... rrrrrte - lá desapareceu!

       Pequenu, muito assustado, desequilibrou-se e caiu, ficando com as pernas para o ar a espernear!

       « Que grande medo eu tive! Exclamou o Pequenu. «Parecia mesmo o Bigodes! Que grande salto ele deu por cima da minha cabecinha!... Bem, vou dar uma volta para ver se ainda vejo aquele gato. »

       Pequenu levantou-se e caminhou cuidadosamente até à beira da duna; e então olhou, e viu em baixo uma grande cova.

       Sabes? quando estás nas dunas vês muito bem, altos e baixos (como nas montanhas), as alturas e os vales, mas tudo isto em ponto muito mais pequeno... E que pensas tu que Pequenu então viu, naquela cova de duna?...

       Dois engraçados bichinhos castanhos, com outros cinco bichinhos; e todos aqueles animaizinhos tinham orelhas muito compridas e os rabinhos muito curtos... Que animaizinhos eram estes?... Nem mais nem menos que coelhinhos!

       O pai Coelho, a mãe Coelho, e os cinco filhos Coelhinhos. E como eles se divertiam! Corriam para todos os lados, saltavam uns por cima dos outros, e sentavam-se sobre as patinhas traseiras, com as mãozinhas no ar, muito, muito direitinhos; voltavam as cabecinhas para um lado e para o outro e não paravam de brincar.

       Pai e mãe Coelho assistiam a tudo isto e tomavam todo o cuidado para que os seus filhinhos não se afastassem muito, não fossem eles perder-se.

       Sim, para os coelhinhos pode tornar-se perigosa a vida nas dunas, pois às vezes aparece um caçador, isto é, um homem com uma espingarda... e ai dos coelhinhos se eles se descuidam... Então, ouvem pang! pang ! - e pode ser que um coelhinho seja morto a tiro.

       Por isso, pai e mãe Coelho não largam os seus filhinhos um momento da vista.

       Um caçador destes caminha muito silenciosamente e traz um cão consigo.

       E que foi que Pequenu viu agora de repente?...

       Lá em baixo, muito próximo dos coelhinhos, estava um caçador, com uma grande espingarda e o seu cão!

       Como Pequenu ficou aflito!...

       Pequenu olhou para os coelhinhos, viu que estes nada tinham notado, e Pequenu então escondeu-se debaixo de uma rosa das dunas.

       «Ai que grande aflição! Que vou eu fazer para que aquele malvado caçador não mate os coelhinhos!?... Não sei! não sei que fazer!...»

       Pequenu reparou então que o caçador punha a arma no ombro para apontar... Isso fez o caçador muito vagarosamente e com toda a atenção... Zam-zam-zam-zam-ouviu-se um zumbido lá longe ao pé do espinheiro, e Pequenu ficou logo a saber

o que havia de fazer... Pois sabes tu quem se aproximava a zumbir?... a Agulhinha, a vespa.

       - Agulhinha! Agulhinha! Oh! querida Agulhinha... - gritou Pequenu - Depressa! depressa! voa voa, direitinha para o caçador, e prega-lhe uma ferradela na mão, antes que ele dispare a arma!

       Zam-zam-zam-zam !... E Agulhinha voou muito depressa e muito direitinha até ao caçador.

       Pequenu pôs as mãozinhas na boca para não gritar, tanto medo ele sentia, pois o caçador estava quase a disparar...

       Zam-zam-zam-zam... e Agulhinha, sempre a voar, estava agora mesmo ao pé do caçador...

       - Depressa, Agulhinha! depressa! - gritou novamente Pequenu.

       E justamente quando o caçador ia a disparar... zas!-Agulhinha deu uma grande ferradela na mão do caçador...

       - Ai! ai! - gritou o caçador.

       E... puuum!-lá se ouviu um tiro, que, graças à ferradela na mão do caçador, foi um tiro que passou muito longe dos pobres coelhinhos!

       - Béu! béu! béu ! - ladrava o cão do caçador.

       Zam-zam-zam - e Agulhinha, sempre a voar, já estava longe do caçador; e a seguirflup-flup-flup-f lup-os pais e os cinco coelhinhos corriam tanto que até se atropelavam... E um por um desapareceram para dentro da sua toca.

       - Bravo! bravo! - gritou Pequenu. - Isto foi mesmo muito bem feito, Agulhinha! Agora o malvado do caçador já não pode matar os coelhinhos. Muito obrigado, Agulhinha.

       - Béu! béu! béu ! - continuava a ladrar o cão, muito zangado. E dando um grande salto por cima das flores das dunas debaixo das quais Pequenu estava sentado, tentava apanhar com a boca a pobre da Agulhinha.

       Mas queres tu saber?... aquela simpática Agulhinha era muito mais rápida do que o cão do caçador...

       E Agulhinha voou muito depressa, muito alto, cada vez mais alto... tão alto que o cão do caçador não podia lá chegar...

 

                                   PEQUENU E O ESPINHEIRO

       - Béu! béu! - ladrava o cão do caçador, correndo atrás de Agulhinha, que lá no ar cada vez estava mais longe...

       - Adeusinho! - gritou lá de cima Agulhinha. - Estás a ladrar tanto para mim que até te tornas antipático!

       - Béu! béu! béu! - ladrava, cada vez mais zangado, o cão do caçador.

       - Toma lá cuidado! - gritou agora Pequenu - chega=te lá para o lado, que estás quase em cima de mim!

       - Béu! béu! - ladrava o cão, muito admirado. - Quem é que me chama!?

       Então o cão do caçador pôs-se a farejar por baixo do espinheiro, e então... então... deu com o Pequenu muito bem sentado ali.

       - Béu! béu! - continuava o cão a ladrar. - Que espécie de homenzinho és tu!? Que barba tão esquisita que tu tens!...

       Pequenu não achou graça nenhuma ao cão do caçador e áquilo que ele dizia, e ficou muito amuado.

       - Eu não sou nenhum homenzinho esquisito - respondeu Pequenu. - Eu chamo-me Pequenu e já tenho muita idade; mas tu és um cão impertinente, é mesmo isso que és. Diz-me lá o teu nome, anda!

       - O meu nome?... Eu sou o Malhado, por causa desta mancha branca que tenho no focinho. E, queres saber?... sou um autêntico cão de caça! - respondeu o cão.

       - Eh! eh! eh!... Um autêntico cão de caça!... Sabes o que tu és?... és um cão mesmo ruim! mau camarada para os outros animais, e que anda com um caçador a matar os pobres coelhinhos.

       - A isso sou obrigado... - respondeu Malhado. - O meu dono, o caçador, assim me obriga, quando não... não me dá de comer.

       - Sabes o que eu acho?... O teu dono é um mau homem, e tu és um feio cão. E... olha, vai-te embora! põe-te a andar! - declarou Pequenu.

       Mas... que aconteceu agora?... O que fez o Malhado então?...

       Malhado aproximou-se muito do espinheiro, e - Ão! ão! - tentava morder o Pequenu!

       Pequenu, muito assustado, gritou:

       - Sai-me daqui para fora, meu mau animal!

       Mas Malhado estava tão zangado com Pequenu que não lhe fazia a vontade.

       - Espera aí!... - exclamou o Malhado.

       E com o focinho deu um empurrão muito forte a Pequenu, e Pequenu saiu de baixo do espinheiro rolando pela areia aos trambolhões...

       - Pára-me lá com isso! - gritou o Pequenu.

       Mas Malhado não queria ouvir... E com a pata deu outra vez, repentinamente, uma grande sapatada nas costas do Pequenu, e então... (Ah! Mas isto foi horrível!...) então Pequenu rolou, rolou, rolou... - romeldebbumbel - pela alta duna abaixo, na direcção de uma grande cova...

       Felizmente Pequenu conseguiu agarrar-se a umas ervas altas! Mas... Ai! ai!lá vinha o Malhado de novo atrás do Pequenu... E com o focinho empurrou-o outra vez...

       - Pára! pára! - gritava Pequenu.

       Mas de nada lhe servia...

       Malhado continuava a empurrar Pequenu pela duna fora...

       - Béu! béu! - ladrava Malhado, ao mesmo tempo que dava novo empurrão a Pequenu.

       Béu! béu!... outro empurrão, e mais outro ainda... tantos, tantos empurrões Malhado deu a Pequenu, que agora Pequenu estava mesmo lá no fundo da cova grande.

       Aquele pobre Pequenu!... Os seus olhinhos estavam todos cheios de areia!...

       Mas que se passará agora?...

       Porque é que aquele mau do Malhado está a ladrar cada vez com mais força?

       Béu! béu! béu! béu!... como aquele Malhado estava furioso!...

       Pequenu esfregou a areia dos seus olhinhos. E sabes o que Pequenu então viu?...

       Malhado tinha o seu focinho mesmo metido na toca dos coelhinhos! E então... (Ah! mas isto era uma coisa terrível!...) lá começava Malhado a esgaravatar na toca o mais que podia...

       Ai! ai! como Pequenu estava aflito!...

       Não tardará muito que o Malhado, de tanto esgaravatar, consiga apanhar aqueles queridos coelhinhos; e depois é capaz de os levar ao caçador...

       Pequenu tinha que fazer qualquer coisa! Tinha que salvar os coelhinhos! Mas como podia fazê-lo!? como?!...

       E então... então Pequenu viu mesmo ao pé dele um espinheiro.

       E sabes o que foi que o Pequenu fez então?...

       Pequenu escolheu um galho do espinheiro que tinha um pico muito grande e muito aguçado, e repentinamente cortou-o.

(Este galho era quase maior que o próprio Pequenu...) E com ele Pequenu correu direito à toca...

       - Béu! béu! béu! - ladrava Malhado todo excitado.

       A sua cabeça estava já quase toda metida na toca!

       Pequenu estava agora mesmo junto do Malhado... e com o galho bem seguro nas suas mãozinhas, bateu com o espinheiro no cão dando-lhe uma grande picadela.

       Pic! fez o espinheiro na pele do Malhado.

       - Béu! béu! Uuuhh!... - ganiu o Malhado, assustadíssimo, dando um salto para trás.

       «Como é que eu me piquei desta maneira!?...» e Malhado olhou... olhou...

       E sabes o que fez o espertalhão do Pequenu?... correu como uma flecha para dentro da toca dos coelhinhos, levando nas suas mãozinhas o galho do espinheiro.

       - Que grande alívio, Pequenu! Ainda bem que vieste! Estamos cheios de medo daquele cão! - exclamaram os coelhinhos.

       - Não tenham medo! - disse o Pequenu. - Hei-de enxotar aquele maldito cão daqui para fora!

       Mas... sim, a cabeça do Malhado lá apareceu na toca outra vez, e Malhado tinha uma cara bem zangada! Mas que zangada!...

       - Ãoo! - fez Malhado para Pequenu, tentando mordê-lo.

       Pic! fez Pequenu com o espinheiro mesmo no focinho do Malhado.

       - Uuuhh!... - ganiu o Malhado. - Aoo! ãoo! ãoo!

       E o Malhado pretendia abocanhar Pequenu... mas Pequenu picava-o por sua vez...

       E aquilo não parava... Ãoo! béu! - Pic!-Ãoo! - béu! - Pic! - Ãoo! - béu! - Pic...

       O focinho do Malhado já tinha pintas de sangue, e começava mesmo a doer-lhe muito, mas Malhado não conseguiu apanhar Pequenu, nem os coelhinhos...

       Então ouviu-se de repente o caçador assobiar.

       Puuui!... fuuuui!... Repentinamente, Malhado parou de atacar Pequenu e pôs-se a escutar...

       Fuuuui!... fuuuuu!... E Malhado desatou a correr, muito depressa, muito depressa, para junto do caçador.

       - Viva! viva! viva! - gritou Pequenu o mais alto que podia; e com o galho do espinheiro na mão, brandia-o no ar, de contente.

       - Corre, corre, meu Malhado mauzão! vai lá ter com o teu dono!

       E agora também os coelhinhos saíram para fora da toca e começaram a dançar em volta do Pequenu, tão contentes estavam por terem sido salvos por este bom amigo!...

 

                          PEQUENU, OS COELHINHOS, E O MALHADO

       Agora, Pequenu, o pai e a mãe Coelho e os cinco coelhinhos, estavam todos dentro da toca.

       Pai Coelho tirou algumas cenourinhas da sua despensa e ofereceu uma destas doces e deliciosas cenourinhas a Pequenu, por tão corajosamente os ter salvo daquele terrível Malhado!

       Como Pequenu estava agora confortàvelmente instalado, com as suas costinhas de encontro à mãe Coelha e com os coelhinhos todos à sua volta!

       - Ora bem ! - disse pai Coelho, quando as cenourinhas tinham sido comidas. - Eu e a mãe vamos dar uma volta à procura de comida para amanhã, e vocês, meus filhos, ficam aqui ao pé da toca e não passam para além daquele espinheiro, porque é possível que o caçador ainda ande por aí perto.

       - E o que resolves tu, Pequenu? - perguntou mãe Coelha. - Ficas com os pequenos, ou vens connosco?

       - Sabes - disse Pequenu -, não sei bem que fazer, porque o que realmente desejo é ir até ao mar.

       Mas pai Coelho exclamou:

       - Não penses nisso, Pequenu!-Hoje ainda não te vais embora, porque à tardinha, ao pôr do Sol, vamos com todos os coelhos que vivem aqui nas dunas para um campo, e quero que vás connosco.

       - Com todo o prazer! - respondeu Pequenu. - Nesse caso vou sentar-me ali em cima da toca, para apanhar um bocado de sol, e à tardinha então irei com vocês.

       Pequenu assim fez. Foi sentar-se ao solzinho, e não levou muito tempo que não adormecesse.

       Os coelhinhos saltavam, brincando à volta de Pequenu, e repararam às tantas que a carinha do Pequenu estava a ficar queimada com o sol... Pequenu certamente não gostaria, ao acordar, de sentir dores na sua cara, por ter estado tempo de mais ao sol.

       E sabes tu o que os coelhinhos fizeram?...

       Pegaram em molhinhos de relva das dunas e puseram-nos ao alto, em volta de

Pequenu, bem enterrados na areia... E agora Pequenu podia continuar a dormir deliciosamente à sombra.

       Mas o que vem a ser isto?...

       Mesmo ali ao pé, ouviu-se um forte estampido. Houp! houp! todos os coelhinhos por um instante se levantaram sobre as patinhas de trás, de orelhas estendidas.

       Béu! béu! béu ! - Lá está novamente o Malhado... - gritaram os coelhinhos entre si, deveras assustados. E- rrrrte, rrrrte, rrrrte, rrrrte, rrrrte-tão depressa como balas, os cinco entraram para a toca.

       Pequenu, que estava deitado por cima da toca, nada ouviu, e continuou a dormir.

       E os coelhinhos, cheios de medo, entreolhavam-se; e gritaram:

       - Oh! oh!... que vai serdoPequenu!?...

       Mas sabes o que foi uma grande sorte?...

       Malhado não tinha visto Pequenu, pois Pequenu estava bem escondido no meio dos molhinhos da relva.

       Fuuuui! fuuuui! fuuuui!... ouviu-se novamente o caçador a assobiar; mas Malhado fingiu não ouvir...

       - Malhado! - gritou o caçador. - Vem cá!

       - Béu! béu! béu! - ladrou Malhado; e subiu à duna, seguindo o caçador.

       Quando Malhado estava já no cimo da duna, olhou mais uma vez para baixo, e então... o que é que Malhado viu?...

       Lá de cima, Malhado viu entre uns molhinhos de relva das dunas... um gorrozinho azul... e debaixo daquele gorrozinho... Pequenu!

       - Béu! béu! béu! béu! Como Malhado ficou novamente furioso, pois lá estava aquele velhaco do Pequenu, que tanto o tinha picado no focinho com os picos do espinheiro!

       «Espera aí, meu maroto!... »

       Desta vez Pequenu não lhe escaparia...

       Béu! béu! béu! e Malhado desceu a correr pela duna abaixo, na direcção do Pequenu.

       E aquele pobre Pequenu lá continuava a dormir por cima da toca dos coelhinhos, entre os molhinhos da relva...

       E o mauzão do Malhado o que estava agora a pensar?...

       Malhado parou de repente-e... agora muito silenciosamente, ia-se aproximando do Pequenu... pé ante pé... cada vez mais perto... E Pequenu continuava a dormir...

       Malhado estava já muito perto de Pequenu, e...

       - Apanha-me, pai! apanha-me!

       - Ah! ah! ah!

       Malhado não percebia nada disto.

       - Viva! viva!...

       Mas que era isto agora!?...

       Lá vinham quatro crianças, com o seu pai, a correr duna abaixo.

       Uma das crianças deu um salto muito grande - pluf! - escorregando de rabinho pela areia... E que aconteceu então?...

       Uma grande porção de areia deslizou pela duna abaixo e foi bater de encontro ao Pequenu...

       Pequenu desta vez acordou!

O que seria aquilo?...

       Mas antes que Pequenu estivesse bem acordado, Pequenu, junto com a areia, rolou por ali abaixo.

       - Eh lá! - gritou muito assustado Pequenu. Prrrr-a areia entrava-lhe pelo seu narizinho, e-romelde-bumbelde bumbel Pequenu, todo ele cheio de areia, lá ia rolando, rolando, até... plufe! - de repente Pequenu foi cair dentro de um buraco escuro, e pluf!-muita areia caiu ainda por cima dele...

       Pequenu bem queria gritar, mas não podia, pois estava mesmo enterrado na areia.

       Mas, quem tinha visto Pequenu a rolar e o viu ficar ali enterrado na areia...

       Os cinco pequeninos coelhinhos. E estes cinco coelhinhos, com as suas pequeninas patas, puseram-se a escavar... e lá apareceu uma perninha do Pequenu fora da areia... E então os coelhinhos puxaram, puxaram, até que Pequenu saiu todo cá para fora.

       - Ainda bem que está novamente connosco, Sr. Pequenu! - exclamou um dos coelhinhos.-Aquele atrevido do Malhado quase o tinha mordido!

       E Pequenu estava tão contente, tão contente, que deu a cada um dos pequenos coelhinhos um beijo no narizinho!

       E o Malhado?...

       Bem, este apanhou um tal susto com todas aquelas crianças que vinham a correr pela duna abaixo, que, sem olhar para trás e de rabo entre as pernas, correu muito ligeiro para junto do dono.

 

                           PEQUENU E O COELHINHO DA PERNINHA MAGOADA

       Pequenu estava muito lá para dentro da toca dos coelhos, junto dos cinco coelhinhos.

       Um destes coelhinhos, voltando-se para Pequenu, disse:

       - Ao pôr do Sol, vamos todos para o grande campo, ali por trás das dunas, e então lá, vamos fazer os nossos jogos com os outros irmãos coelhos.

       - E vão lá muitos coelhos? - perguntou Pequenu.

       - Pelo menos umas centenas! - respondeu um dos coelhinhos.

- Mas... - perguntou Pequenu - imagina que aparece o caçador com o Malhado o que fazem então vocês?

       - Ora, ora! Nesse caso escondemo-nos numa das tocas dos nossos tios ou tias! - explicou um coelhinho. - O senhor, à tardinha, há-de ver como isso é.

       De repente ouviu-se a voz do pai Coelho, que exclamou:

       - Olhem lá, seus traquinas: porque encheram de areia a entrada da nossa toca? Vamos já limpar isso tudo, e muito depressa!

       - Pai, não fomos nós que fizemos isso ! - protestaram ao mesmo tempo os coelhinhos.

       - Pode ser que estejam a dizer a verdade, mas antes de mais nada limpem a areia; depois falaremos - ordenou pai Coelho.

       Como aqueles cinco coelhinhos se esforçaram para fazer o melhor possível o que o pai mandou!...

       Pai e mãe Coelha tinham trazido deliciosas folhas de alface, e então quiseram ouvir tudo quanto os pequenos coelhinhos tinham a contar.

       Que o Pequenu tinha adormecido... e que aquele velhaco do Malhado tinha querido morder Pequenu... Que apareceram umas crianças a correr pela duna abaixo... que Pequenu tinha ficado debaixo da areia, e que foi cair mesmo, mesmo dentro da toca... e que eles, coelhinhos, o tinham desenterrado da areia...

       Mãe Coelha estava muito assustada ao ouvir toda esta história, e fazia festinhas com a sua pata na carinha do Pequenu...

       Após o jantar, pai Coelho ordenou:

       - Toca a andar! Vamos, mas todos, para

o nosso campo.

       E -houpe-houpe-houpe-houpe- lá saltaram todos, uns atrás dos outros, a caminho do grande campo.

       Pequenu ia muito satisfeito e não se fartava de olhar para todos os lados para ver tudo muito bem.

       Ao longo do campo havia um canalzinho, mas sem água, e Pequenu viu dentro desse canalzinho muito mais que cem bura quinhos redondos. Estes buraquinhos eram as entradas para as toquinhas dos outros coelhos. E então por estes buraquinhos redondos começaram a sair muitos, muitos coelhos e coelhinhos!

       - Como está, tio Tremidinho? - cumprimentaram de repente os cinco coelhinhos, ao verem aproximar-se um grande coelho cinzento.

       - Como tem passado, tia Orelhamacia? Boa tarde, Rabinhopluma! Olá, Fungadorzinho! Olé! olé! olé! - os coelhinhos estavam muito ocupados, pois tinham que cumprimentar toda a gente.

       Houpe!-lá saltou pai Coelho para dentro do campo, e... (ora esta!... mas que coisa formidável!...)

       Formando uma grande roda, lá estavam mais de uns trezentos coelhos e coelhinhos, muito direitos, sentados sobre as patinhas e de orelhas espetadas.

       E que aconteceu agora?...

       Pai Coelho, aos pulinhos, entrou com Pequenu para o meio da roda, e exclamou:

       - Apresento=vos o nosso querido amigo Pequenu, que tanto nos ajudou quando o velhacote do Malhado nos queria matar.

       Então, repentinamente, todos os coelhos bateram com as orelhinhas umas nas outras (como nós, sabes?, batemos palmas), e gritaram:

       - Viva! viva! Longa vida a Pequenu!

       E pai Coelho deu uma volta pela roda com Pequenu, passando por todos os coelhos; e Pequenu ia agradecendo com a cabecinha os vivas de todos aqueles simpáticos coelhinhos.

       Por fim, Pequenu tirou num repente o seu gorrozinho azul da cabeça e começou a acenar com ele para todos os coelhinhos.

       Quando acabaram de dar a volta, Pequenu foi sentar-se na relva para ver o que se iria passar.

       Então, todos riam e brincavam naquele campo; os coelhos brincavam saltando ao eixo, os pequeninos deixavam-se cair e rebolavam-se pelo chão, e ainda outros corriam ao desafio...

       Mas nem todos os coelhos brincavam...

       Havia uns poucos que estavam de guarda, para dar sinal, caso algum caçador ou algum cão, ou outro perigo, se aproximasse.

       Quando o mais velho e o maior dos coelhos ouvia alguma coisa perigosa, levantava-se sobre as patas traseiras e batia com as suas orelhas uma na outra; e então todos os coelhos se punham na mesma posição, muito quietos e muito atentos.

       Quando o perigo passava, continuavam com os seus jogos e as suas brincadeiras.

       Mas de repente o coelho mais velho pôs-se de pé...

       Escutou, escutou, e então... então, bateu muito depressa com as orelhas uma na outra e deu com as patinhas traseiras com muita força no chão, e-rrrrrte=rrrrrrrte-rrrrrrrr - lá correram, voaram, saltaram, fugiram, todos os coelhos e coelhinhos, o mais depressa que podiam, para fora do campo, para o canalzinho; e... houpe--houpe-houpe-houpe-houpe- desapareciam para dentro das suas toquinhas.

       Pequenu olhava muito admirado à sua volta, não percebia nada! O que era aquilo? Porque fugiam todos? Que engraçado era, ver todos aqueles rabinhos brancos às upas pela erva fora! Upa-upa-upa... Pequenu, por todos os lados, só via rabinhos brancos...

       Pequenu estava ainda a rir, quando um dos coelhos passou por ele a toda a pressa e lhe segredou:

       - Cuidado, Pequenu! Vem aí o Malhado!

       Pequenu ficou assustadíssimo, pois Malhado ainda estava muito zangado com ele. E pôs-se nos bicos dos pés para poder ver por cima da erva... Mas era verdade, era: Malhado lá vinha aos saltos!

       Alguns coelhinhos que se atrasaram iam ainda a fugir, mas Malhado felizmente não os conseguiu apanhar (tanto corriam aqueles coelhinhos), e - flupe-flupe-flupe - lá se enfiaram pelas suas toquinhas à beira do canal sem água.

       Mas de repente Pequenu viu uma coisa terrível!... E assustou-se tanto, tanto, que quase ia caindo!... Então que viu Pequenu?...

       Um dos cinco coelhinhos pequeninos tinha-se ferido numa das patinhas e por isso não podia correr... e... Malhado ia mesmo em cima dele!...

       Pequenu ficou pálido de medo.

       «Que vou eu fazer!?... Que hei-de eu fazer agora!?» pensou Pequenu. «Como vou ajudar aquele pobre coelhinho?»

       E de repente... de repente Pequenu teve uma ideia!

       Com toda a pressa Pequenu cortou uma leituga, e, encoberto pela erva, mas com a leituga à vista na sua mãozinha, como se fosse um rabinho de coelho, começou a correr.

       «Deus queira que Malhado veja a leituga a mexer! » pensou Pequenu. « Então Malhado vai pensar: "Ah! ah! ah! ali está mais outro coelho..." E então há-de dirigir-se para cá. »

       - Béu! béu! béu! - ladrava irritado o Malhado, olhando à sua volta.

       E então...

       - Béu! - ladrou mais uma vez Malhado.

- Ali anda mais outro coelho... Espera aí, meu coelhinho! julgas que estás escondido na relva, mas eu bem vejo o teu rabinho!

       E com grandes saltos Malhado correu para ali.

       Pequenu tinha ouvido Malhado ladrar, e, com todo o cuidado, espreitou para saber onde Malhado se encontrava... E, sim, lá vinha o Malhado!

       - Ouve! ouve lá! - gritou Pequenu para o coelhinho da pata ferida - enfia-te depressa na tua toca! Muito depressa!

       Então Pequenu pegou na leituga, e acenou, acenou com ela por cima da erva.

       Béu! béu! e-zás!-Malhado, dando um salto por cima da leituga, agarrou-a com a boca.

       E Pequenu ria, ria a bom rir, ao ver o velhaco do Malhado meter na boca a leituga, julgando ter apanhado o rabinho de um coelho!...

       Mas quando o Malhado ouviu Pequenu a rir, então é que ele ficou furioso!

       - Espera aí, meu Pequenu! Meu espertalhão!... - disse Malhado. - Não tarda nada que não te rasgue um bom bocado dos teus calções!

       Agora Pequenu estava cheio de medo, e começou a procurar qualquer coisa atrás da qual se pudesse esconder.

       «Sim, lá está» pensava ele «uma grande pedra cinzenta. »

       - Malhado! ó Malhado! Olha, olha! ali anda outro coelho - gritou Pequenu.

       Malhado bem olhava para todos os lados, mas não via nada...

       Quando Malhado tornou a olhar para ver Pequenu, Pequenu tinha desaparecido completamente!

       Malhado reparou então na grande pedra cinzenta, e com o seu focinho começou a farejá-la... E... (pois claro!) lá viu uma pontinha de um gorrozinho azul.... Era com certeza Pequenu.

       - Espera lá, meu marotão! - disse Malhado muito furioso. - Até que enfim que te apanhei ! - e Malhado tentou empurrar a pedra com o focinho.

       E então... Béu-béu-béu! Uhhh! uhhh!

       - Ai o meu rico focinho! como me dói o meu focinhozinho!... Oh! oh! Béu-béu-béu! como piquei tanto o meu nariz! - gania então o Malhado.

       E sabes o que aconteceu...

       Aquela grande pedra cinzenta não era afinal nenhuma pedra, mas sim um ouriço do campo.

       Sabes, não sabes?... um daqueles animais cheios de espinhos.

       Quando o ouriço viu Pequenu tão aflito, disse-lhe:

       - Vem cá, Pequenu; senta-te muito depressa aqui atrás de mim!

       E quando, então, o Malhado tentou com o seu focinho empurrar o ouriço, o Pica-Pica (assim se chamava este) picou o focinho de Malhado com os seus espinhos.

       E Malhado apanhou tão grande susto que a ganir, sempre a ganir, fugiu como uma seta:

       «Ai o meu focinhinho!... Ai o meu querido focinhinho!..

       Pequenu estava muito contente porque Malhado fugia, e Pequenu agradeceu muito a Pica-Pica o favor que este lhe fez.

       Então foi ter muito depressa com os coelhinhos, para lhes contar tudo o que tinha acontecido, e os coelhinhos ficaram muito satisfeitos ao voltarem a ver Pequenu.

       Mas o que estava mais contente, entre todos, era o da patinha ferida, que, aproximando-se de Pequenu, exclamou:

       - Nunca mais na minha vida posso esquecê-lo, meu querido amigo Pequenu!

 

                                 PEQUENU E O CAMARINHA

       Na manhã seguinte Pequenu acordou muito cedo, e olhou lá de dentro da toca da família Coelho, onde passou a noite.

       Lá fora da toca o casal Coelho conversava, combinando onde iriam passar aquele dia.

       - Bom dia! - cumprimentou Pequenu.

       - Bom dia, Pequenu! Dormiste bem? - perguntaram, por sua vez, pai e mãe Coelho.

- Deliciosamente! - afirmou Pequenu. - Passei a noite com a minha cabecinha encostada a um dos meninos, e isto foi muito quentinho e muito macio!

       - E que tencionas fazer hoje, Pequenu? - perguntou pai Coelho.

       - Oh! - disse Pequenu - hoje quero ir até ao mar e ali molhar os meus pe'zinhos na água, até me fartar.

       - Bem, isso com certeza nós não faremos, porque os coelhos não gostam nadinha do mar - disse mãe Coelha.

       - Alto lá! esperem aí! Isso não vai assim dessa maneira! - exclamaram agora todos os coelhinhos, que tinham ouvido isto e vinham a correr, uns atrás dos outros, para fora da toca.

       Todos os cinco coelhinhos tocaram amigâvelmente com o seu focinhinho na cara do Pequenu, e mãe Coelha fez a mesma coisa.

       Depois desta simpática despedida, pai Coelho exclamou:

       - Pequenu, agora salta para as minhas costas e agarra-te muito bem às minhas orelhas.

       E-houp! houp! houp!-lá começou a saltar pai Coelho, levando Pequenu às costas, pela duna fora.

       Houp!-e pai Coelho deu um grande salto por cima de um espinheiro... Houp! agora saltou por cima de uma grande cova... Rrrrte-pai Coelho lá ia correndo, duna abaixo, duna acima... E então... então Pequenu viu, mesmo diante de si, o mar. O mar que ele tanto desejava ver e que nunca tinha visto!

       Eia! éia! como aquilo era bonito! Aquela grande água azul, com aquelas ondas tão bonitas!... E como era muito cedo, não estava ali ninguém.

       Então pai Coelho desceu numa corrida a duna, mesmo até à praia.

       - Ora bem - disse pai Coelho -, aqui tens a praia, Pequenu. Eu tenho de voltar depressa para ao pé dos meus, e desejo que te divirtas muito aqui à beira-mar.

       Pequenu agradeceu muito ao pai Coelho, e este voltou então para as dunas, muito depressa, enquanto Pequenu começou a caminhar direito ao mar.

       Isto, mesmo assim, ainda era uma grande caminhada para as perninhas do Pequenu, e Pequenu parava por vezes um instantinho, olhando para uma concha ou para outra coisa qualquer, que nunca tinha visto antes.

       Então, muito râpidamente, tirou os seus sapatos e as suas meiazinhas, para atravessar uma poça de água.

       Depois continuou a andar, até que chegou mesmo, mesmo à beirinha da água... E Pequenu, muito cuidadosamente, entrou dentro do mar. Quando vinha uma onda pequenina Pequenu gostava muito; mas quando a onda era maiorzinha, Pequenu fugia para trás...

       «Eh! eh! lá vem uma onda grande! deixa-me fugir depressa! Uff! agora vamos descansar um pouco» pensou Pequenu.

       E então sentou-se.

       - Acudam-me! acudam-me! Quero voltar para o mar! - pequenu ouviu este apelo tão fracamente, que com grande dificuldade é que o percebeu.

       -Quem está para aí a chamar? - perguntou Pequenu, olhando para todos os lados.

       - Sou eu! Estou nesta poçazinha aqui muito perto de ti! - gritava de novo a vozinha muito fraca.

       Pequenu olhou, tornou a olhar, mas não via nada...

       - Aqui! aqui! - ouviu-se novamente a vozinha;-aqui mesmo ao lado, nesta poçazinha cheia de água.

       Então, sim, então Pequenu descobriu numa pocinha pequenina cheia de água, um esquisito bichinho cinzento, tão grande como uma perninha de Pequenu, mas só com a cabecinha fora de água.

       - Quem és tu? - perguntou Pequenu.

       - Eu sou o Camarinha, o camarão! - respondeu o bichinho. - Uma onda atirou-me para aqui a rolar, vim cair aqui nesta poça de água, e não consigo sair daqui para fora... Fazes-me um favor? Tira-me daqui e deita-me novamente ao mar, Pequenu!

       - Se eu for capaz... - disse Pequenu - farei isso com todo o prazer. Levanta-te um poucochito mais para fora da água.

       E Camarinha, com muita dificuldade, obedeceu ao pedido de Pequenu.

       Então Pequenu, agarrando-lhe pelo rabinho, puxou, puxou... até que Camarinha saiu para fora da água e ficou em cima da areia. Em seguida, sempre agarrado com as mãozinhas, puxou por este, de costas voltadas para o mar, até muito perto da água. Pequenu puxou, puxou o mais que pôde, e tudo isto estava a correr muito bem, até que começou a sentir a água do mar nas suas perninhas... (e Camarinha, muito satisfeito, fartava-se de beber a água do mar!)... Mas Pequenu, sempre de costas para o mar, não viu uma grande onda que se aproximava, uma onda pelo menos umas dez vezes mais alta que Pequenu...

       - Amigo Pequenu, agora já me podes largar, já me desembaraço sozinho. E muito obrigado por me teres salvo - agradeceu Camarinha.

       Pequenu largou Camarinha, e virou-se; e então... então Pequenu viu de repente aquela grande onda muito perto de si...

       Ui! ui!-que grande onda!

       Pequenu começou a correr, a correr, para a praia... mas a onda corria mais que Pequenu, e cada vez estava mais perto dele... E de repente-rrrruuummm!aquela grande onda, toda inteirinha, caiu por cima do pobre Pequenu.

       Pequenu levou tão grande empurrão que caiu aos trambolhões.

       Ai! ai! Pequenu não sabia o que lhe estava a suceder.

       Pequenu rolava, ora com a cabeça na areia, ora de pernas para o ar, com a onda, na direcção da praia. Que grande aflição sentia Pequenu e como estava todo encharcado... Mas o que foi ainda pior foi a onda voltar a rolar, agora para o mar, levando consigo Pequenu! Pequenu não podia levantar-se nem gritar por socorro, e cada vez mais a onda o levava para dentro do mar... Pobre Pequenu! o que será de ti, naquele imenso e grande mar?...

       Mas, que aconteceu agora?...

       Quem estava a agarrar Pequenu pela blusa e a dar-lhe puxões?

       Quem arrastava Pequenu para a praia?

       Pequenu não sabia, pois sentia-se muito mal no meio daquela água toda, e por isso deixava-se arrastar.

       Mas quem pensas tu que assim puxava Pequenu?

       Era o Pinçazinha, o caranguejo.

       Pinçazinha viu num repente Pequenu debaixo de água, e mal viu isto correu muito depressa para Pequenu. Pinçazinha agarrou-se muito bem agarrado à blusinha de Pequenu e, rastejando, puxou-o para fora da água.

       Ai! ai! Finalmente lá chegaram à praia, e Pinçazinha fez uma coisa muito inteligente...

       Pinçazinha puxou Pequenu para cima de um montinho de areia e colocou-o ao sol, para que ele secasse.

       Como o pobre Pequenu se sentia contente!...

       - meu querido Pinçazinha! - exclamou Pequenu - que satisfação eu sinto por me teres salvo!

       - Também eu estou muito contente, Pequenu, mas agora tenho de voltar muito depressa para o mar! Adeus, Pequenu, e seca-te muito bem a este solzinho, antes de ires passear.

       Pinçazinha lá foi novamente para o mar, e Pequenu ficou muito quietinho sentado ao sol, até que se sentiu completamente enxuto.

 

                               PEQUENU E O MONTINHO DE AREIA

       Pequenu tinha ficado muito molhado por causa da água do mar, mas felizmente estava sol, e o sol era muito quentinho. Pequenu subiu um pouco mais acima no montinho de areia e, fazendo um buraquinho, sentou-se. Antes de fazer isto, Pequenu tirou o seu casaquinho e estendeu-o ao sol para secar. Deste montinho de areia Pequenu podia ver muito bem o mar!

       Que grande, que grande mar!

       Tão grande, que Pequenu nem sequer podia ver o outro lado! E como era azul o céu... E tantos pássaros grandes, a voar, ao longo da praia! E também havia alguns pequenos passarinhos, que saltitavam de um lado para outro, mesmo à beirinha da água.

       «Como é bom estar aqui na praia e que bem deitado que eu estou! Olha! lá muito ao longe vai um barco a passar... Aquele barco grande vai com certeza fazer uma grande viagem! »

       E assim, Pequenu, sentado no seu montinho de areia, não fazia outra coisa senão olhar para o mar...

       Mas não era grande esperteza de Pequenu o olhar sõmente lá para longe para o mar...

       E sabes tu porquê?...

       Pequenu devia olhar de vez em quando para o que se passava à sua volta, pois... Que tinha acontecido...

       O mar estava a encher muito devagarinho e cobria cada vez mais a praia...

       Primeiro, o mar começou a bater no montinho de areia onde Pequenu estava sentado, e momentos depois o mar lá passava para além do montinho; e não tardou muito que o mar rodeasse o montinho de areia, e... aquele pequeno Pequenu não dava conta de nada...

       Pequenu continuava a olhar para o céu azul, para as gaivotas, e para as ondas do mar...

       Zufe-zufe-zufe-zufe-faziam as ondinhas do mar sobre a praia-zufe-zufe-zufe... e Pequenu começou a sentir vontade de dormir...

       Zufe-zufe-zufe... zuuuuufe...

       Pequenu tinha adormecido... sobre o montinho de areia.

       Pequenu ao voltar-se para o outro lado deslizou um pouco pelo montinho de areia abaixo, e os seus pezinhos tocaram na água do mar.

       Mas... que novidade é esta agora!... Pequenu, sobressaltado, acordou e subiu muito depressa para o cimo do montinho de areia... E quando chegou lá, o que pensas tu que Pequenu viu...

       Por toda a parte, em volta do seu montinho de areia, só havia água do mar...

       Na sua frente, atrás dele... somente o topo do montinho estava fora de água!

       E o mar subia, subia cada vez mais alto, mais alto, e cada vez mais perto do topo do montinho de areia. Pequenu olhava para a praia, mas a praia estava agora cada vez mais longe.

       Pequenu cada vez percebia menos...

       «Ai! ai!» suspirou Pequenu. «Que vou fazer agora? Daqui nunca mais posso sair, e não tardará nada que o mar esteja tão alto que cobrirá o topo do montinho, e então o que vai ser de mim? Sim, o que será de mim?... »

       Como aquele Pequenu olhava para todos os lados cheio de medo!... Mas, o que era aquilo a flutuar lá no mar?... Uma coisa castanha a flutuar...

       Pequenu pôs as mãozinhas sobre os olhos, e... Sim... agora Pequenu pôde ver o que era... Um bocado de madeira que vinha mesmo direitinho ao montinho de areia.

       «Viva!» gritou Pequenu «talvez possa saltar para a madeira antes que o mar cubra o montinho todo.»

       Mas justamente no momento em que Pequenu ia a agarrar a madeira, veio uma onda e-houpe!-lá se foi a madeira... Mas a seguir veio outra onda e a madeira passou ao lado do montinho de areia sem que Pequenu pudesse agarrá-la.

       Como Pequenu estava assustado e triste!... A tâbuazinha cada vez se afastava mais, e o mar continuava a subir...

       Cheio de medo, Pequenu gritou:

       - Socorro! socorro!

       Mas ninguém podia ouvir aquele pequeno e simpático Pequenu...

       Então, uma coisa muito estranha aconteceu...

       A madeira lá veio outra vez para trás e mesmo na direcção do montinho...

       Parecia mesmo que alguém vinha a empurrar a madeira...

       Pequenu estava tão contente, que até sentia vontade de dançar... Mas isso não podia Pequenu fazer, pois já quase não havia nada do montinho, porque a água já o cobria quase todo!

       Bum!-lá bateu a madeira de encontro à areia do montinho, e-zás! - pequenu saltou para cima dela.

       Zufe!-fazia o mar, e uma grande onda cobriu logo o montinho de areia.

       «Foi mesmo a tempo!» exclamou Pequenu, que em cima da madeira se agarrava com toda a força.

       Mas por que razão esta madeira voltou tão fâcilmente para o montinho? Não sabes?... Bem, Pequenu também não o sabia!...

       Mas... que estava vendo agora Pequenu, à volta da madeira?...

       Uma infinidade de camarões! Pelo menos uns cem e mais cem e mais cem!

       E todos estes camarões tinham empurrado a madeira, para a levarem de novo para o montinho de areia!

       E nesta altura um camarão pôs por um instantinho a cabecinha fora da água, e, com voz muito fraquinha, gritou:

       - Olá, Pequenu!

       E quem pensas tu que era?...

       Naturalmente, o Camarinha!

       - ó Camarinha! - gritou Pequenu - mil e mil vezes obrigado a ti, e também aos teus irmãozinhos e irmãzinhas!

       - Não tens nada que me agradecer, Pequenu - respondeu Camarinha-: - tu também me salvaste...

       E então todos os camarõezinhos se puseram a nadar muito alinhados, todos em fila pelo mar dentro, e Pequenu acenava-lhes com o seu gorrozinho azul.

 

                                             PEQUENU A NAVEGAR

       Pequenu estava a gostar muito de navegar em cima daquele grande bocado de madeira que o vento empurrava docemente.

       Já ia adiantada a manhã, e as roupas do Pequenu, que tanto se tinham encharcado na água do mar, estavam agora, graças ao calor do Sol, completamente secas.

       Pequenu achava graça de olhar para a praia.

       « Tanta gente, tanta gente! » pensava Pequenu. «Mas o que se vê mais são crianças!»

       As pessoas crescidas estavam muito bem sentadas em cadeiras de verga, e as crianças, com as suas pás, faziam bonitas construções na areia e corriam molhando os seus pe'zinhos descalços na água do mar.

       «Que grande quantidade de gente está a nadar e a tomar banho!» pensou Pequenu. «Oxalá que a tábua não me leve para muito perto da praia, porque então eles veem-me. »

       Mas, felizmente, a madeira agora flutuava pelo mar dentro.

       Tchape! tchape! tchape!

       Que grande susto Pequenu apanhou!

       O que era aquele chapinhar, mesmo perto dele?...

       E Pequenu ainda mais se assustou ao ver duas cabeças saírem da água... Aquele tchape, tchape, era o barulho que os braços de dois homens faziam nadando direitinhos para a tábua sobre a qual Pequenu estava.

       Pequenu tentou afastar-se destes homens, remando com os seus bracinhos para assim levar a madeira mais para dentro do mar...

       Tchape! tchape! tchape! e os homens continuavam a nadar...

       Mas, por mais que Pequenu remasse com os seus bracinhos na água, mais os homens se aproximavam de Pequenu...

       Tchape! tchape! tchape! - pequenu cheio de medo olhava à sua volta...

       Como poderia Pequenu escapar!? Para onde poderia ir...

       Não tardaria que os homens o alcançassem, e então Pequenu seria visto...

       «O melhor será» pensou Pequenu «passar-me para debaixo da madeira. Mas se aqueles dois homens agarram na tábua, então tenho de a largar, e afogo-me com toda a certeza!»

       Tchape! tchape! tchape!

       Mas de repente ouviu-se na praia... Tuu-tuu-tuuuu!

       Pequenu olhou para a praia e viu um homem de fato branco que com uma corneta fazia este barulho ao mesmo tempo que com um braço fazia sinais aos nadadores para voltarem para trás.

       Tuu-tuuu-tuuuu!

       Novamente Pequenu viu o homem do fato branco a fazer sinais, e então... então... Pequenu também viu que os nadadores pararam e começaram a nadar em direcção à praia.

       «Ainda bem!» suspirou Pequenu. «Quase me agarravam!»

       Mas uma grande sombra lá passou então por cima de Pequenu, e, um instante depois, uma grande gaivota poisava na madeira mesmo, mesmo em frente do Pequenu.

       - Olha quem ele é: o Pequenu! - exclamou a gaivota; e com a ponta da sua asa fez uma festa na carinha de Pequenu.

       - Que boa coisa estares também aqui Pequenu!

       - Como sabes tu - perguntou Pequenu - que me chamo Pequenu?

       - Mas, ó Pequenu, todos nós bem o sabemos. Contamos uns aos outros como tu és amável e bonzinho para todos nós. Sim, Pequenu, todos nós, os animais, falamos muito de ti. Mas... diz-me lá Pequenu: por que razão estás aqui em cima desta tábua no meio do mar e tão longe da praia?

       Então Pequenu contou tudo o que se passou com o Camarinha, da maré alta, da tábua, e dos dois homens que tinham nadado tão perto de Pequenu, do homem do fato branco que soprava numa corneta, e dos nadadores que tinham voltado para trás.

       - Ouve lá, gaivota - perguntou Pequenu -, porque é que os dois homens voltaram para trás?

       - Então tu não sabes? ! - respondeu a gaivota. - Aquele homem da corneta é o banheiro, e quando ele toca na corneta os nadadores devem regressar para terra, quando não, podem afogar-se.

       - Ainda bem - disse Pequenu - porque,

se assim não fosse, os dois homens com certeza que me descobriam. Mas olha lá, ó gaivota, importas-te de me levar para terra?...

       - Com certeza que não, Pequenu. Para onde queres que te leve ? - perguntou a gaivota.

       - A mim é-me indiferente - respondeu Pequenu. - Logo que seja pertinho da praia...

       Então a gaivota pegou com o seu bico na blusinha de Pequenu, e voou, voou com ele para a praia, e foi colocá-lo ao pé de umas cadeiras, onde Pequenu se escondeu muito depressa.

       Aquilo era um lugar esplêndido, ali debaixo de uma cadeira da praia. E agora Pequenu podia ver toda a praia e tudo quanto ali se passava.

       Mas como a praia estava cheia de gente!...

       Mas... que era aquilo agora?...

       A cadeira que estava por cima de Pequenu começou a mexer!

       Pequenu, assustado novamente, olhou à sua volta... Oh! oh!... dois homens levantaram a cadeira!...

       Agora esta gente ia dar com Pequenu, e até podiam, sem querer, pisá-lo!

       Tudo isto passou muito depressa pela cabeça de Pequenu, e por isso agarrou-se ràpidamente ao fundo da cadeira, e... Sim, lá foi cadeira e Pequenu para o ar! Oh, como aquele Pequenu baloiçava lá no fundo da cadeira e como lhe doíam as mãozinhas de tanto se agarrar!...

       Mas felizmente para Pequenu os homens poisaram novamente a cadeira sobre a areia.

       « Ai! ai.... » suspirou Pequenu « pouco faltou para me descobrirem! »

       Agora Pequenu olhava novamente para a praia, por debaixo da cadeira de verga.

       «Éia! éia! tanta gente e tantas crianças! Como vou sair daqui sem me verem?

Talvez que ao escurecer eu possa fugir novamente para as dunas, para casa da família Coelho... » pensou Pequenu.

       Entretanto, dois rapazes aproximaram-se e pararam mesmo em frente da cadeira... E então, os dois pegaram rápidamente na cadeira e levaram-na, antes que Pequenu se pudesse agarrar a ela.

       Lá estava outra vez aquele pobre Pequenu sentado no meio da praia, onde toda a gente o poderia ver!

       Muito assustado, Pequenu olhou em volta de si. Para onde havia de ir o mais depressa possível...

       Depressa! depressa, esconde-te!

       Mas para onde... Pequenu olhou para todos os lados...

       Espera!... Está ali um bocado de papel... Depressa, depressa, Pequenu! mete-te debaixo dele!

       Bem. Foi isso mesmo que Pequenu fez, e, o mais depressa que pôde, puxou do papel e cobriu-se com ele; e, muito bem sentado, assim ficou muito quietinho...

 

                         PEQUENU E O PAPEL QUE ENCONTROU NUMA COVINHA DA PRAIA, E QUE SE TRANSFORMOU EM TELEGRAMA

       Pequenu já estava há bastante tempo debaixo do papel, e escutava a conversa entre dois rapazinhos e uma rapariguinha que estavam muito próximos de si.

       Num instantinho espreitou por um cantinho do papel, e viu então três pares de pezinhos todos descalços.

       Cuidadosamente, estendeu um pouco mais a cabecinha e viu que aqueles pezinhos nus eram das crianças que estavam sentadas na areia.

       Mas... que estava a fazer um dos rapazinhos?...

       Segurava na mão uma corda e, de vez em quando, puxava por ela.

       «Porque é que este rapazinho estará a fazer isto?» pensou Pequenu.

       Cheio de curiosidade, Pequenu curvou-se um pouco para diante para ver melhor... e o que pensas tu que ele viu?...

       No fim da corda estava preso um lindo e grande papagaio de papel, um papagaio muito bonito com as cores vermelha e verde.

       Então um dos rapazinhos exclamou:

       - Vamos mandar um papelinho lá para cima? um telegrama?...

       - Vamos, vamos! - gritaram os outros dois.

       - Como vais fazer isso?

       Pequenu também estava muito interessado em ver......... o que fez o rapazinho então?...

       Pegou num papelinho, fez-lhe um pequeno buraco, e enfiou o papel na corda do papagaio. Então, o vento que soprava empurrou o papel pela corda acima, e – rrrt - lá voou o papel até chegar ao papagaio.

       - Viva! viva! - gritaram as crianças.

       - Formidável! Como isto anda tão bem!... Mais outra vez!

       - Aqui! - exclamou a rapariguinha. E dizendo isto, pegou no papel que cobria Pequenu. Então fez-lhe um buraco com o seu dedinho e enfiou-o na corda.

       E Pequenu? Onde estava agora?

       Pequenu já não estava debaixo do papel.

       Nesta altura a rapariguinha deu um empurrãozinho ao papel e - rrrt-rrrt-rrrt-rrrt- lá deslizou o papel pela corda acima...

       - Olhem! olhem ! - gritou a menina - o papel tem um bonequinho pendurado!...

O que vem a ser isto?

       E quem pensas tu que era aquele boneco?

       Pequenu! Pois, era mesmo o Pequenu, que, agarrado ao papel, lá ia subindo para o ar.

       Oh! oh! como aquele pobre Pequenu voava pela corda acima, tão rápido como uma bala! dez... vinte... trinta metros acima da praia!

       Pequenu, Pequenu! Agarra-te com ambas as mãozinhas! agarra-te bem, quando não, haverá desastre, e vais cair lá para baixo sobre a praia!

       Pequenu não tinha coragem de olhar; cada vez estava mais alto, e lá muito longe, debaixo dele, estava a praia com aquela gente toda...

       Mas como aquele Pequenu se agarrava bem!... e ia sempre subindo, sempre subindo, pela corda acima...

       Pequenu, Pequenu! segura-te bem!

       - Vamos baixar o papagaio! - exclamou a menina; - desta forma vamos ver o que é aquele bonequinho pendurado no papel.

       - óptimo! Está bem. - respondeu o rapazinho que segurava na corda; e começou muito depressa a baixar o papagaio.

       Mas que coisas esquisitas fazia aquele papagaio! Ora baloiçava de um lado para o outro, ora dava cambalhotas sobre si mesmo!

       «Oh! oh!... o que me está para acontecer agora?...» gemia Pequenu, que continuava bem agarrado ao papel. «Socorro! socorro ! »

       Como o pobre Pequenu baloiçava tão estranhamente de um lado para o outro! Pobre Pequenu! o papagaio cada vez estava mais baixo...

       - Acudam-me! socorro! - gritava Pequenu. Mas o papagaio continuava a descer, a descer, mesmo para cima das cadeiras de verga. Então o rapazinho deu mais um puxão na corda, e por uns instantes o papagaio subiu um pouco! E Pequenu lá continuava agarrado...

       Novamente o papagaio começou às cambalhotas, já muito pertinho da areia, e novamente o rapazinho deu novo puxão na corda... e então... então, o papagaio finalmente caiu na areia...

       Pequenu caiu também sobre a praia, deslizou um pouco para diante, e... tudo se tornou negro como o carvão à volta de Pequenu... e tudo muito sossegado.

       Pequenu não fazia nenhuma ideia do que tinha acontecido. Apalpou a sua cabecinha... Não, esta estava felizmente bem, e os bracinhos; e podia também mexer as suas perninhas. Felizmente Pequenu não tinha quebrado nada.

       Mas Pequenu tanto se assustou com tudo isto que ficou quieto que nem um ratinho. A rapariga então correu muito depressa

para o sítio onde o papagaio caiu e exclamou:

       - Olhem! Aqui está o papelinho! Mas onde estará o bonequinho que eu vi?...

       - Ora, ora! Não terás tido um sonho?. - exclamou um dos rapazinhos.

 

                                       PEQUENU E A COISA REDONDA

       Ora esta! Que escuridão tão grande... Pequenu não via nada...

       « Onde é que eu vim parar desta vez? » perguntou a si mesmo Pequenu.

       Com todas as cautelas, Pequenu levantou-se e apalpou com as suas mãozinhas pequeninas tudo o que estava à sua volta.

       « Esta agora!... » exclamou Pequenu. « Só sinto por toda a parte areia molhada e pegajenta.... Ai, ai, quem sabe?, talvez esteja metido no meio de um monte de areia, e então nunca mais saio daqui... Que vou fazer agora?»

       Pequenu andou um pouco para a frente... Sim, isso era possível.

       «Que coisa tão estranha!» pensou Pequenu. “É como se andasse num corredor de areia... mas este corredor anda para cima e para baixo... Já sei o que vou fazer:

vou subir por aqui acima. Talvez assim consiga sair daqui. »

       Pequenu começou então a trepar, o que não era nada fácil pois o corredor de areia era muito inclinado. Mas de repente... «Viva!» gritou Pequenu; e que foi que Pequenu viu... Lá muito ao longe, lá no fundo do corredor, Pequenu viu o céu muito azul. Muito depressa, Pequenu continuou a trepar pelo corredor.

       Mas... o que é isto agora?...

       De repente tudo se tornou outra vez escuro, e Pequenu, cheio de medo, levantou a sua cabecinha... E que viu?...

       Lá muito ao fundo do corredor de areia vinha uma coisa grande... redonda... e esta coisa vinha mesmo a rolar na direcção do Pequenu...

       «Oh! ho! mais esta agora!» gritou Pequenu. E com toda a pressa pôs-se novamente a correr para o sítio de onde tinha vindo.

       Mas a coisa grande e redonda rolava, rolava, cada vez mais próxima de Pequenu. Como o pobre Pequenu corria e como tinha calor!...-e de cada vez que olhava para trás notava que a coisa grande e redonda estava cada vez mais perto dele.

       E de repente... lá caiu o pobre Pequenu de barriga para baixo... E a coisa grande, redonda, que rolava, estava mesmo quase em cima dele... Pequenu fechou então os seus olhinhos muito depressa... e então buum !-lá rolou a coisa grande e redonda de encontro a Pequenu! saltou por cima dele, e – rrrrrt - lá se foi embora!

       Pequenu ficou por alguns momentos estendido no chão, e então, cheio de cuidado, levantou-se e pôs-se novamente a andar pelo corredor de areia.

       E que viu Pequenu de repente...

       Lá no fundo do corredor ele via novamente luz...

       Pequenu sentia-se então muito contente! Oh! oh! como aquele Pequenu estava contente!...

       No entanto, o mais depressa que pôde, correu agora, para o fim do corredor de areia, e, quando estava quase a chegar ao fim-buum!-lá apanhou Pequenu um grande empurrão nas costas que o fez cair para a frente, batendo com o seu narizinho na areia... E novamente aquela coisa grande e redonda saltitou por cima de Pequenu e foi para o fundo do corredor de areia... e

-flupe! -desapareceu outra vez.

       Novamente com todo o cuidado, Pequenu arrastou-se um pouco em frente, e então... imaginem o que Pequenu ouviu...

       Pequenu ouviu umas crianças a falar

umas com as outras... e sabes de quem eram aquelas vozes...

       Eram do Menino e da Menina da Casa Grande, onde Pequenu vivia com os cinco pequenos ratinhos...

       Lembras-te ainda?

       Pequenu quis logo aproximar-se das crianças e gatinhou muito depressa até ao fim do corredor, e... Sim, lá viu Pequenu a Menina e, mesmo a seu lado, o Menino, sentado na areia.

       A Menina tinha uma bola na mão.

       E quando Pequenu viu aquela bola, soube de repente o que tinha sido aquela coisa grande redonda no corredor da areia...

       O Menino e a Menina tinham construído um grande monte de areia e, com as suas mãozinhas, tinham escavado corredores muito compridos, e por estes corredores faziam rolar aquela bola de borracha. Era isto a coisa grande e redonda que tanto medo tinha feito a Pequenu.

       Muito devagarinho, Pequenu espreitou para ver se poderia esconder-se em qualquer sítio, e no momento em que Pequenu se dispunha a correr para uma cadeira da praia, a mãe dos meninos aproximou-se.

       - Venham daí, meus filhos! - exclamou a Mãe. - Temos que regressar a casa. Arrumem depressa as vossas coisas nos saquinhos, quando não, perdemos o comboio que nos há-de levar para a cidade.

       «Para a cidade!» pensou Pequenu. « A Mãe e os Meninos voltam para a Casa Grande na cidade... Mas então eu quero ir com eles, quero também voltar para a companhia dos meus queridos ratinhos! »

       Pequenu bem olhou à sua volta, mas não encontrava maneira de ir com a Mãe e as crianças.

       A Menina lá ia a correr, com a sua boneca e a sua bola, para junto da Mãe, e o Menino já lá ia na frente, com a sua pá e o seu pequeno balde.

       Mas... quem viu então Pequenu?...

       O Finório! Lá ia também a correr pela praia fora!...

       - Finório! ó Finório ! - gritou Pequenu. Mas Finório nada ouviu, e ladrando alegremente corria aos saltos, à frente da Mãe e das crianças, a caminho da Casa Grande.

       E então, quando Pequenu viu que Finório não o tinha ouvido, làgrimazinhas encheram os seus pequeninos olhos, chorando Pequenu sem saber o que havia de fazer.

       Aquele infeliz do Pequenu lá estava ele no corredor, sentado no monte de areia, sem ninguém que o ajudasse...

       Então Pequenu resolveu gatinhar cheio de atenção para fora do corredor e, uma vez cá fora, sem que ninguém o visse, correu para debaixo de uma cadeira da praia, e ali se deixou ficar muito quietinho.

       E pensou: « Quando estiver mais escuro meto-me a caminho da aldeia!...»

 

                                     PEQUENU REGRESSA A CASA

       Pequenu lá continuava sentado debaixo da cadeira da praia, e tristemente lançava o olhar sobre a praia e para toda aquela gente que ali estava.

       Dentro em pouco seria noite, pois o Sol estava cada vez mais baixo.

       «O comboio já terá partido?» pensou Pequenu. O comboio no qual deviam agora estar o Pai, a Mãe, as crianças e o Finório!

       Flupe!-lá voou uma porção de areia na direcção de Pequenu.

       Flupe! flupe! flupe ! -e cada vez caía mais areia sobre Pequenu...

       - Eh lá! que é isso!? - gritou Pequenu deveras assustado; e enterrou o seu gorrozinho azul o mais que pôde pela cabeça abaixo, para que a areia não lhe batesse na cara.

       Flupe! flupe! flupe ! - e a areia voava em volta de Pequenu... E não tardou nada que Pequenu ficasse enterrado até à cintura.

       E sabes o que era isto?...

       Um enorme cão estava entretido a escavar uma cova na areia...

       Mas Pequenu não sabia nada disto, pois o seu gorrozinho azul cobria-lhe os olhinhos.

       De repente, isto tudo acabou, e Pequenu, levantando um bocadinho o seu gorrozinho azul, lançou uma olhadela... E então... Que grande medo teve Pequenu... pois Pequenu estava mesmo em frente, mesmo direitinho, muito perto de uma grande boca aberta de um enorme cão castanho!

       - Ão! ão! ão! - ladrava o grande cão castanho, e deitava para Pequenu uma cara de poucos amigos. - Quem és tu, coisa tão esquisita?

       - Eu não sou nenhuma coisa esquisita - respondeu Pequenu. - Quem é esquisito és tu, que me cobriste todo de areia. E além disso fica sabendo que o meu nome é Pequenu, e o que eu preciso é ir o mais depressa possível para a estação.

       - Ão! ão! ão! - dizia o grande cão castanho, muito admirado. - O teu nome não me é desconhecido, e fica sabendo que eu me chamo Olhocastanho.

       - Sim. Eu posso ver que os teus olhos são castanhos - disse Pequenu. - Olha lá uma coisa: não me poderás levar para o comboio?

       - Lá poder, posso - respondeu Olhocastanho. - Ora vem daí.

       E pegando em Pequenu com a sua grande boca mas com todo o cuidado – rrrrrt -, lá se meteu a caminho Olhocastanho... ao longo do mar, pela praia e pelas dunas... através da aldeia... para o comboio.

       Como Olhocastanho corria!...

       Flupe! -lá virou Olhocastanho uma esquina a toda a pressa, e-houpe!-lá saltou uma cancela do comboio...

       Pii! pii! pii!-lá assobiou o comboio... E - poucaterra! poucaterra! poucaterra! - lá saiu o comboio da estação, e por um triz Pequenu não pôde seguir nele!

       Ai! ai! ai! Que cara triste tinha Pequenu! Que iria fazer agora...

       Olhocastanho estava todo ofegante, tão cansado estava aquele Olhocastanho de tanto correr...

       - E agora?... O que vais fazer, Pequenu? - perguntou Olhocastanho.

       - Realmente não sei... - suspirou Pequenu.

       E então Olhocastanho pegou outra vez com a sua bocarra em Pequenu e voltou para trás. Ao chegarem ao meio da aldeia, uma voz muito zangada gritou:

       - Vem cá, Olhocastanho! Onde estiveste todo este tempo metido? Vá já para dentro de casa!

       - E agora, Pequenu ? - exclamou Olhocastanho. - o meu dono... Que vou eu fazer de ti?

       - Olha, larga-me depressa aqui no chão, quando não, as pessoas vão dar comigo ! - exclamou Pequenu.

       Foi isso mesmo que Olhocastanho fez muito depressa. Meteu Pequenu num cantinho junto de uma grande porta de casa, e correu a toda a pressa para o seu dono.

       Lá estava outra vez aquele pobre Pequenu, todo sozinho, em frente da porta de uma casa estranha... E começava a escurecer ainda por cima...

       Pequenu nada mais podia fazer do que deixar-se ficar no seu cantinho muito sossegado.

       De repente escureceu muito, e as pessoas na rua começaram a correr dizendo umas para as outras:

       - Vamos depressa para casa, que vem aí chuva!

       E foi mesmo. Lá começaram fortes rajadas de vento e chuva com toda a força.

       Como o pobre Pequenu estava encharcado!...

       Então veio uma rajada de vento mais forte, e-zás!-lá se abriu a porta onde Pequenu estava encostado, e Pequenu sem mais nem menos rolou para dentro de um corredor...

       Tape-tape-tape-tape - uma rapariguinha aproximou-se a correr, e-bum! -fechou a porta e muito depressa foi para dentro de casa.

       Pequenu estava agora sentado num corredor muito escuro de uma casa desconhecida...

       «Que vou fazer agora?» pensou Pequenu.

-«Apesar de tudo sempre estou melhor nesta casa do que no meio da rua.»

       Pequenu olhou à sua volta, e viu então, no cimo da escada e por debaixo de uma porta, um raio de luz. Pequenu subiu muito silenciosamente a escada e dirigiu-se para a porta de onde saía a luz. A porta estava encostada, e Pequenu, empurrando-a, entrou dentro da sala e pôde ver então um senhor que estava sentado à secretária a escrever.

       Pequenu quis esconder-se, pois, como tu sabes, Pequenu não gosta de ser visto pelas pessoas.

       Mas no momento em que Pequenu se ia esconder debaixo de uma grande cadeira, o senhor que estava na secretária virou-se, e

então...

       - Viva! viva! - gritou de repente Pequenu muito alto; e correu para o senhor.

       E sabes tu quem era este senhor...

       Este senhor foi aquele que escreveu este livro, o único que sabe quem é Pequenu, porque a este senhor Pequenu conta tudo; e então este senhor escreveu tudo isto dentro deste livro.

       E sabes o que aconteceu depois...

       O senhor pegou em Pequenu, pô-lo em cima da secretária, e perguntou a Pequenu:

       - Olha lá, Pequenu: como vieste parar aqui a esta aldeiazinha ao pé do mar?

       Então Pequenu contou tudo ao senhor:

-dos coelhinhos, do Malhado, do Camarinha, do Olhocastanho, do Pinçazinha, e do papagaio de papel.

       E quando Pequenu tinha acabado de contar tudo isto, o senhor disse:

       - Agora, Pequenu, vais beber uma chávena de chá quente e comer uma bolachinha, e a seguir vais dormir.

       E, enfim, foi isso o que aconteceu.

       E sabes o que foi ainda o melhor...

       No dia seguinte, aquele senhor meteu Pequenu dentro da algibeira do seu casaco e levou-o para a Grande Casa na cidade.

       E ali... mesmo ao pé da casa, Pequenu viu o Bigodes, que andava a passear.

       - Bigodes! ó Bigodes! - gritou o Pequenu.

       Que grande alegria sentiu Bigodes, ao ver de novo o seu querido Pequenu...

       Então Pequenu agradeceu muito àquele senhor, trepou para as costas do Bigodes, e - rrrrt-rrrrt-rrrrt - Bigodes entrou a correr para a Casa Grande, atravessou a sala, e foi muito depressa direitinho para o buraco atrás do armário da comida.

       Uma vez ali, Pequenu saltou abaixo das costas do Bigodes para o chão, enfiou-se a toda a pressa pelo buraquinho dentro, e foi ter com os ratinhos.

       E quando todas as pessoas da Casa Grande estavam a dormir, Pequenu sentou-se num banquinho no meio da sala (um banquinho para os pés), e contou então a todos os ratinhos, ao Bigodes, ao Finório, à Prateada, ao Douradinho, e a todos os seus outros amiguinhos, tudo o que se tinha passado na sua tão grande viagem!... 

 

                                                                                Dick Laan 

 

 

                      

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