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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Planeta Criança / Carlos Cunha
Planeta Criança / Carlos Cunha

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Planeta Criança

(contos infantis)

 

 

PREFÁCIO

Por ter publicado, durante vários anos, uma grande quantidade de textos e contos do gênero em vários sites da Internet fiquei bastante conhecido como um autor de contos licenciosos, o que é uma verdade e ao mesmo tempo também uma inverdade. Sempre que escrevo as primeiras palavras de um trabalho eu quase nunca sei se a estória que eu estou criando será dirigida as crianças ou ao público adulto e a única certeza que tenho é que estou colocando minha alma na criação. Na tentativa de inverter essa imagem, ou a ideia que alguns leitores tem do Poeta Sem Limites, foi que criei o site “Planeta Criança” – espaço exclusivo para as alminhas inocentes e suas mamães, onde são encontrados, além dos meus contos infantis, trabalhos de diversos grandes autores do gênero, imagens deliciosas para a diversão de seus filhos e inúmeros vídeos para complementar o lazer e a educação infantil – e estou lançando esta primeira coletânea de contos infantis com o mesmo nome.

                                                                                                           Carlos Cunha

 

 

A Corujinha Feliz

Todos conheciam e gostavam muito da Marilda.
Ela morava em um nicho que havia na madeira que formava a estrutura da velha e alta torre da igreja.
Gordinha e bonachona, ela tinha as bochechas salientes e o corpo arredondado. Por ele ser coberto de penas rajadas, a impressão que se tinha de sua fofura era muito maior.
Suas pernas fininhas e frágeis tinham na ponta duas garras com unhas muito compridas e bem cuidadas. Ela as aparava, lixava e, se não bastasse, trocava a cor do esmalte que usava toda a semana.
Muito vaidosa e asseada, ela tomava diariamente um demorado banho no chafariz da praça, junto com os pombos e os passarinhos.
Ela era e se comportava de maneira muito diferente de todos os outros animais de sua espécie.
Como todos eles, ela tinha a visão muito sensível e seus olhos eram frágeis na claridade.
Isso não fazia com que ela dormisse de dia e que ficasse acordada durante a noite olhando pra lua que nem lobisomem.
Adorava viver intensamente e estar sempre cercada de atenções.
Na noite estava sempre sozinha, quieta e sorumbática, agarrada a um galho.
Durante o dia a vida era diferente, sempre alegre e animada. Nele os animais brincavam e se divertiam com muita intensidade.
Não, ela não podia ser como as outras. Arranjara um óculos de lentes negras e assim podia ficar acordada o dia todo sem que a luz do sol a incomodasse e a fizesse sofrer.
Todo dia você encontra a Marilda conversando, paquerando e brincando com os outros animais. Ela é uma corujinha diferente. Dorme de noite e durante o dia está sempre cheia de vida e alegria.

  

Ovo de Dragão

Sentada no velho sofá marrom, de couro surrado, estava a vovó Gertrudes. Ela tinha as mãos sobre as pernas e contava estórias que encantavam o seu neto e seus amiguinhos.
Esparramados em sua frente, de pernas cruzadas sobre o tapete azul e grosso da sala, estavam meia dúzia de meninos. Eles ouviam atentos, com os olhos brilhando e interessados, ela contar coisas bonitas sobre os animais.
A velhinha tinha os olhos vivos, atrás de um óculo de lente grossa e aro de ouro, que eram ternos e cheios de carinho. Eles nada perdiam do que se passava no semblante daquelas crianças que tanto amava.
Falava com palavras e de maneira que enchia a imaginação delas de fantasia. Adorava contar estórias para elas e ver como tanta inocência era sujeita a ser modelada. Encantava a eles com os seus relatos e ao mesmo tempo se sentia encantada com a reação deles ao que falava:

- Vovó, bicho nasce que nem gente. Ele cresce na barriga da mãe?

- Quase todos filho, ela respondia. Tem alguns que crescem dentro de um ovo.

- Mas não é só passarinho, galinha e pata que bota ovo?

- Não é não. Quase todos os peixinhos e também outros animais põe ovos. O lagarto, a cobra, o jacaré. Até dragão bota ovo sabia?

- Mas vovó, todo mundo sabe que dragão não existe. Que a gente só vê eles em desenho animado e em estória de gibi.

- Existe dragão sim menino, ela falava de maneira convincente. Eu vou contar pra vocês uma história que aconteceu com um homem que foi até a terra que eles moram. Era um moço muito bonito e valente que...

E as crianças ficavam de novo atentas e interessadas nas palavras que a vovó falava.
Ela conseguia prender a atenção deles, e fazer com que acreditassem em suas fantasias, sempre que lhe contava as suas estórias.
Quando ela terminou o seu relato imaginário que glorificava a valentia do herói, a beleza de uma donzela e que falava de uma terra bem longe, onde nela existiam os mais fantásticos personagens, falou:

- Bem, agora chega de estórias. Vamos lá pra cozinha tomar um copo de leite gelado e comer um pedaço de bolo de chocolate que eu fiz pra vocês.

E as crianças para lá se dirigiram em festa pra comer o bolo da vovó.

 

A Sarandonga

Muita gente fala que a sarandonga é um bicho muito feio. Só porque ela tem a pele verde, grossa e seca, seus olhos são grandões e os dentes afiados e pontudos é que falam isso dela.
Ela não tem pernas e quando quer ir em algum lugar encaixa a cabeça no corpo, que nem tartaruga, e vai rolando até lá.
Baixinha e gorducha - a sarandonga só tem alguns centímetros - ela parece uma laranja grandona de casca verde.
Quem acha a sarandonga feia é porque não olha o próprio coração. Ela pode ser até esquisita, mas o coração dela é muito mais bonito do que o de toda essa gente.
Todo bicho da mata gosta dela e diz pra ela que não precisa se esconder que bicho não faz maldade. Por isso quando não tem gente lá ela passeia, rolando de lá pra cá, muito feliz.
Ela também gosta dos bichos e passa o tempo todo brincando com eles, mas quando aparece gente lá na mata ela e os bichos saem correndo.
O tatu, a paca, o veado e muitos outros bichos se escondem de medo do caçador. Os passarinhos voam pra longe porque sabem que querem por eles na gaiola e que tem até moleque com estilingue que joga pedra neles só de maldade.
As vezes a sarandonga tem vontade de aparecer pra gente, mas pensa bem e acha que é melhor continuar se escondendo de quem, mata os seus amigos e tira a liberdade dos passarinhos da mata.

 

O ratão Paçoca

Lá no esgoto que leva as águas, que são usadas no armazém, até o rio é uma verdadeira cidade. Suas paredes estão cheias de buracos, que são as tocas feitas pelos ratos que moram lá.
Eles andam de lá pra cá pela água, sobem pelas paredes, pulam, brincam e fazem uma verdadeira festa. Levam uma vida de ratos felizes, pois não falta nada para eles.
É só sair do esgoto, entrar por um buraco qualquer no armazém, que lá dentro é uma fartura, de restos pelo chão, que eles são todos gordos e bem alimentados.

 

Se o dono do armazém tampa um buraco, os ratos abrem outro e esse é o único trabalho que eles tem para conseguirem um montão de comida.
A toca mais bem cuidada e arrumadinha dali é a que mora a dona Ratazana. Muito gorda e brincalhona ela é uma viúva, o seu marido era um rato que morreu preso numa ratoeira, que vive em sua toca com a sua filha uma ratinha muito bonita e dengosa chamada Belinda.
Todos os ratos dali querem namorar a filha dela, mas a dona Ratazana não deixa e fala pra eles:

- Minha filha não vai namorar qualquer rato não. Ela é uma ratinha muito bonita e vai se casar com um rato muito importante. Esteja dito.

Outro morador dali é o ratão Paçoca.
Ele é grandão, tem o tamanho de um gato pequeno e é um rato vadio.
Seus bigodes de rato estão sempre aparados.
Usa uma camiseta amarela, shorts de atleta e a ratinha Belinda acha ele um rato muito bonito e charmoso.
Ele também acha bonita aquela ratinha de olhos grandes, muito faceira e que usa brinquinhos de pedras azuis na orelha.
Tem muita vontade de namorar a ratinha Belinda, mas a dona Ratazana nunca vai deixar porque ele não é um rato importante.

O dono do armazém achou uma solução pra acabar com os ratos que vivem furando os sacos de milho e roendo a sua mercadoria.
Arrumou um gato malhado, que gosta de caçar ratos, e trouxe ele pra morar ali. É um gato gorducho e preguiçoso que vive dormindo em cima das sacas, mas quando um rato aparece ele acorda e se o rato não corre ele nhoc... Engole o coitado.
A dona Ratazana, desde que aquele gato anda por ali, vive pensando preocupada com a sua filha.
"Essa minha ratinha está ficando muito magrinha. Se continuar desse jeito, com esse gato por ai, nenhum rato importante vai querer casar com ela.

O ratão Paçoca resolveu a situação.
Além de um rato grande e forte ele é muito esperto e ficou escondido, espiando o gato até que ele dormisse.
Quando ele começou a roncar, e o ratão Paçoca percebeu que ele dormia um sono pesado, foi devagarzinho por trás dele e deu uma mordida bem forte em seu rabo.

Todo mundo sabe que mordida de rato deixa doente e ele teve de ir pro hospital de gato pra se tratar. Quando sarou ficou com medo e não voltou mais pro armazém.
O ratão Paçoca ficou sendo um rato importante, por causa do que fez, e a dona Ratazana deixou ele namorar com a ratinha Belinda.
Os dois se casaram, tiveram um monte de ratinhos e, como na história do principe e da princesa, mesmo sendo só um casal de ratos viveram felizes para sempre.

"O ratão Paçoca é um rato grande e valente, mas até um rato pequeno e fraquinho pode ser muito perigoso para uma criança.
Quando ela anda descalça, brinca em uma enchente ou é mordida pelo rato pode pegar uma doença chamada leptospirose. É uma doença contagiosa e um cachorrinho quando focinha o rastro de um rato é afetado por ela e pode morder a criança e deixar ela doente.
Se você estiver brincando em um lugar e ver que lá tem um rato não chega perto dele não.
Avisa o papai e vai brincar em outro lugar, pois se ele te morder você vai ficar muito doente".

 

Não Deixe Faltar Flores no Vaso da Vovó

Só quem tem uma vovó, sabe o quanto vem a ser doce a boa velhinha.
Ela conta estórias fascinantes de heróis, princesas e dragões.
Tem sempre um pote cheio de doce, bala, puxa-puxa e caramelo.
Encobre as travessuras do netinho. Quanto mais peralta e esperto ele é, mais gosta dele a vovó.

- Vó, bicho de goiaba caga açuca?

- Quanta bobagem menino, de onde você tirou isso? 

 

- A senhora lembra que falou pra mim presta atenção nas coisa e procurá sabe porque delas se como são?


- Goiaba que a mãe compra no mercado tem gosto de casca, é ruim. Goiaba verde da dor de barriga e a senhora tem de faze chá caseiro pra mim toma e sara a dor.

 
- Agora, goiaba bichada é gostosa e docinha. Então, bicho de goiaba caga açuca, né?

- Há, há, há, há... a velhinha da uma estridente e sonora gargalhada e pensa toda orgulhosa.

"Tão pequenininho e tão esperto, só fala bobagem mais está sempre querendo saber o porque das coisas. Tem um grande futuro essa criança."

Vó é sempre assim, compreensiva, tolerante e vive encantada com o jeito dos netos.
E você, é um bom netinho. Senta no colo da sua vovó e enche de beijos molhados o seu rosto cansado. Fala pra ela que gosta dela e que ela é a melhor vovó do mundo?
De flores para ela, não é caro, é baratinho.
Tem roseira e pé de camélia ali no quintal do vizinho.
Toda vó tem um vasinho delicado e pequenino.
E se ele está vazio é ingratidão e maldade do netinho.
Criança que gosta da vovó, nunca deixa o seu vaso de flores vazio.

 

"Vovó, nos adoramos você"

 

Quem Nasceu Primeiro, o Ovo ou a Pata?

Tem um grande rio em que eu costumo passar horas na sua margem, conversando comigo mesmo em meus pensamentos.
Nesses devaneios sempre surgem indagações filosóficas profundas, que tornam as perguntas de Sócrates, Platão e outros grandes filósofos, coisas banais e sem importância.
Teve um dia em que eu estava sentado na beira de um barranco, com o pé dentro d água, olhando alguns patos selvagens que nadavam em círculo, dentro de um ritmo calmo e compassado lá no meio do rio. Foi nessa hora que surgiu uma grande dúvida para mim.
"Como, só de olhar, a gente pode saber que um pato é pato, ou se ele não é pato, é uma pata?"
Procurei por muito tempo por uma resposta, mas como eu não entendo nada de pato me foi impossível encontra-la.

 

Vocês perceberam que eu sou um grande filósofo e quanto são profundas as minhas preocupações?
Só que eu também tenho o meu lado prático e sempre encontro respostas inteligentes para as minhas dúvidas.
"Só de olhar é difícil, eu pensei, mas se a gente pega um pato pelas pernas, segura ele de cabeça pra baixo e olha se ele tem pindem, fica fácil. Se o pato tiver pindem é que de fato o pato é pato, mas se ele não tiver pindem é porque o pato é uma pata"
Viram o quanto eu sou inteligente e com que facilidade eu encontro respostas para problemas de difícil solução?

Teve uma hora em que um pato abandonou a formação circular em que os patos nadavam e foi para um banco de areia próximo, sentou-se bem no centro dele, onde permaneceu por todo o tempo em que eu fiquei ali.
No outro dia, quando eu lá voltei, vi que o pato estava sentado no mesmo lugar.
"Será que esse pato é um pato filósofo, eu pensei. Estará ele pensando nos problemas existenciais dos patos, indagando a si mesmo quem é que foi que nasceu primeiro, o ovo ou a pata?"

Todos os dias daquela semana eu lá estive, e sempre encontrei os patos nadando como se bailassem sobre a água. Só aquele pato estava sempre sentado quieto, dando a impressão que passava ali as suas horas a meditar.
No sábado, quando eu lá cheguei, eu vi que o pato não estava mais no banco de areia.
Sentei-me perto da margem e pouco tempo depois surgiu um pato, a alguns metros de mim, caminhando pomposamente. Era o mesmo pato que eu vira o tempo todo lá sentado.
Pela primeira vez eu soube diferenciar, só de olhar, um pato de uma pata.
Seu andar pomposo era acompanhado por três patinhos feios, que caminhavam desengonçados atrás dela os seus primeiros passos.
Aquele pato que eu vira sentado durante horas em um banco de areia, era uma pata que chocava pacientemente os seus ovos.

 

A festa de aniversário da menininha

Em cima do guarda roupa havia dezena de caixas, empilhadas uma sobre as outras, quase chegando ao teto. Todas tinham brinquedos e algumas foram parar ali um dia depois de uma festa de aniversário ou em qualquer outra data especial em que as crianças ganharam presentes e logo depois se esqueceram deles, pois era tanto brinquedos que elas tinham que muitos eram esquecidos logo depois de ganharem.
Num canto do quarto, sobre uma mesa bem baixinha, tinha uma pequena televisão onde elas conectavam o seu play estation ou assistiam suas fitas com desenhos animados que tanto gostavam.
No canto oposto se encontrava uma caixa enorme que era cheia com uma variedade de bichinhos de pelúcia - nela tinha ursinhos, girafas, cachorrinhos, bambi, elefante, uma infinidade de animaizinhos curiosos, criados para a alegria infantil por mentes que amavam as crianças, um mais lindo que o outro - de todos os tamanhos, e colocado sentado sobre ela um enorme urso, cor de caramelo, que era tão grande quanto as crianças que ali moravam.
As duas camas do beliche que elas dormiam, por mais que a mãe deles as arrumasse, eram umas parafernálias de brinquedos de todo tipo espalhados sobre elas. Peças de lego, do auto-rama que vivia desmontado e fora da caixa com os carrinhos jogados, com as rodas para cima, debaixo da cama. A bagunça imperava sobre elas, o que era natural por serem de crianças ativas e cheias de vida.
Ao lado da cama de baixo, onde dormia uma linda menininha, tinha um pequenino berço azul para a sua boneca dormir quando ela ia deitar.
Esse era o quarto de duas adoráveis crianças brasileiras que freqüentavam uma escola japonesa e nela passavam o dia inteirinho aprendendo, se exercitando, desenvolvendo as suas habilidades e se preparando para a vida que quando voltavam para casa estavam esgotadas com a energia gasta em tantas atividades que tinham nela.
Seus pais trabalhavam o dia todo, em fábricas do Japão, e quando chegavam em casa estavam sempre muito cansados. Eles e as crianças, que tinham um horário bastante rígido, costumavam dormir bem cedo para acordarem bem dispostos logo que o dia clareasse.
Colocavam as crianças pra dormir, apagavam as luzes e pouco depois o silêncio era total, pois todos ali tinham o sono pesado e dormiam até que o dia amanhecesse.
Numa sexta feira - no sábado a menininha que ali morava ia fazer aniversário - logo que todos estavam dormindo a boneca abriu os olhos, prestou atenção no silêncio e falou para o grande urso de pelúcia:

- Todo mundo está dormindo, eu acho que já podemos começar a preparar a festa.

- É, estão dormindo sim. Então vamos preparar tudo e depois nós acordamos as crianças.

As caixas sobre o guarda roupa se abriram sozinhas e de dentro delas os brinquedos, que nelas estavam guardados, pularam saltitantes para o chão do quarto. Os animaizinhos de pelúcia também saíram da caixa grande e vieram ajudar. Todos os brinquedos criaram vida para ajudar na preparação da festa.
Pegaram o aparelho de TV e o colocaram no chão para colocar a mezinha, que tinha sob ele, no centro do quarto. Levaram-na até lá e arrumaram sobre ela os objetos que tiraram de um kit de cozinha que a menininha adorava brincar com ele - facas, colheres, garfos e pratinhos bem pequenos de plástico que continham doces e guloseimas do mesmo material - e no centro dela colocaram um lindo bolo enfeitado que tinha no mesmo kit.
Um dos brinquedos abriu uma das gavetas do guarda roupa e tirou dela um pacote contendo alguns balões coloridos, que tinham sobrado da última festa que houvera na casa, e distribuiu-os para os outros brinquedos que começaram a enchê-los.
Quando a mesa ficou preparada e os balões foram pendurados, a vela do bolo de plástico acendeu-se sozinha e os brinquedos começaram a festa.

As crianças acordaram e ficaram maravilhadas quando viram os seus brinquedos com vida, no centro do quarto, todos cantando parabéns pra você. Pularam da cama e foram participar da festa.
Os brinquedos deram para as crianças uma festa surpresa alegre e cheia de sonhos deixando encantados os seus corações cheios de pureza.
Elas viveram horas de encantamento e magia e brincaram com os brinquedos vivos quase até o dia amanhecer.
Pouco antes que o dia clareasse as crianças, esgotadas por terem brincado e se divertido por toda a madrugada, dormiram felizes e calmas, como anjos, no chão do quarto entre os seus brinquedos. O grande urso de pelúcia falou então para os outros brinquedos:

- Agora eu e a boneca, que somos os maiores, vamos colocar as crianças na cama e vocês arrumam toda essa bagunça que fizemos para que os pais delas não a vejam e fiquem zangados com elas.

Quando as crianças estavam de volta em suas camas e o quarto todo arrumado da maneira em que se encontrava quando todos foram dormir, o grande urso ajeitou-se em seu canto, a boneca voltou a deitar-se em seu pequenino berço azul e todos os brinquedos voltaram para as suas caixas. O silêncio voltou então a dominar naquela casa em que as crianças moravam.

De manhã cedo, ainda deitada sob os lençóis, á mãe da criança comentou com o pai delas:

- Eu tive uma noite agitada meu bem. Um sono incomodado por ruídos estranhos como se estivesse havendo uma festa bem longe daqui com o barulho dela nos alcançando.

- O meu sono também foi agitado meu amor, é só o nosso cansaço que é muito grande. A gente trabalha tanto nesta terra, e passa por tanta tensão, que até pra dormir não se consegue ter um relaxamento adequado. Vamos aproveitar que é fim de semana e vamos descansar bastante.

Quando foram para a cozinha e se sentaram para tomar o café da manhã, as crianças saíram de seu quarto, deram um beijo de bom dia em seus pais, e a menininha falou para eles:

- Papai, mamãe. Eu tive um sonho tão legal. Sonhei que tinha uma festa lá no meu quarto e que todos os meus brinquedos estavam nela, vivos e cantando parabéns pra você. Foi a festa de aniversário mais linda do mundo.

- Eu também sonhei a mesma coisa hoje, o irmãozinho dela falou cheio de alegria.

O pai olhou encantado para aquelas crianças doces - a Sofia e o Carlinhos - que eram seus filhos e pensou: "Quanta doçura e imaginação tem essas crianças e como há união entre elas. Até os sonhos que elas tem são os mesmos e os dividem entre si".
O grande urso de pelúcia que via a família toda através da porta do quarto, que as crianças tinham deixado aberta, falou baixinho para a boneca ao mesmo tempo em que piscava para ela:

- Não te falei que eles iam pensar que a festa foi um sonho. Elas são crianças que merecem sonhar sonhos maravilhosos e viver as fantasias e os sonhos belos.

 

Elefanta ou Elefoa ?

Esse era o nome da orgulhosa mamãe que passeava pela grama do parque.Toda charmosa,em seu passo militar, ela tinha as faces resplandecentes de vaidade por ter o filhote enroscado em seu rabo acompanhando-a com muito garbo. Fabíola era uma elefanta feliz.
Na beira do lago as famílias estavam sentadas em torno de toalhas coloridas que, estendidas sobre o verde da grama, eram cobertas por bolos, pasteis, limonada e muito vinho.
Os pais que lá estavam olhavam encantados para Fabíola. Estavam maravilhados com aquele animal que fazia os seus filhos vibrarem através de gritos e expressões radiantes de felicidade febril.

- Papai,olha uma elefoa... olha mamãe!

- Não é elefoa,meu filho, que se fala. O certo é elefanta.

 

- Mas papai...

Começou a dizer o menino quando, junto com ele, todos se calaram repentinamente.
Os olhos dele, e os das outras pessoas que estavam no parque, encheram-se de terror com o que viram.
O único som ouvido, nesse momento, foi o estalo do cadeado trancado pelo homem que surgiu trajando um velho conjunto de cor azul desbotado, com grandes botões de lata já sem brilho; nos pés ele trazia um, também já velho, par de botas amarelas.
Ele prendeu uma corrente pesada e grossa na perna de Fabíola e levou-a de volta para a sua casa, o circo, que ficava do outro lado do parque e da qual ela havia fugido.
Assim que ele foi embora, levando consigo os belos animais, mil palavras dominaram o silêncio que havia imperado naqueles momentos já esquecidos. Elas eram confusas e indecifráveis, por serem pronunciadas por bocas cheias e gulosas.
Todos voltaram á rotina de seu feriado enquanto a pobre Fabíola voltava a ser somente um triste animal de circo preso em seu cercado.

ELEFANTA = a fêmea do elefante.

ELEFOA = termo usado popularmente, mas a forma errada de se designar a fêmea do elefante.

 

Dona Josefa e Seus Amigos

Dona Josefa é uma velhinha muito doce que vive em uma casa pobre e humilde, descansando cheia de felicidade.
Dizem as más línguas, que ela é uma velha meio caduca, só que eu não concordo com isso.
Sempre com os seus cabelos brancos ajeitados e vestindo a sua saia rendada, do mesmo modelo da que usava em sua mocidade, ela é um encanto de pessoa. O seu olhar brilhante está sempre cheio de candura e sabedoria quando ela canta canções do passado e quando conversa com seus amigos.

 

Teve dias, já há muito tempo, em que Dona. Josefa foi uma moça muito bonita e sedutora. Foi uma época de sua vida em que ela deixou muito moço elegante de coração partido.
Moça séria e de fina educação ela conheceu um moço educado, por ele se apaixonou, com ele se casou e conheceu a felicidade por mais de quarenta anos. Só que um dia o moço ficou velho e teve de ir pro céu.
Ela passou a viver da lembrança do grande amor que tivera. Sabia que, pela bondade do homem a quem amara, ele havia se tornado um anjo.
Para não se sentir sozinha ela cercou-se de amigos.
Com eles conversa, horas e horas, todos os dias e lhes fala de suas saudades e dos momentos felizes que teve quando era moça.
Ela é uma velhinha cheia de doçura e sabedoria que tem o coração cheio de amor e de bons sentimentos, os quais ela cultivou durante toda a sua vida.
E ainda a quem ache que essa senhora maravilhosa é uma velha maluca.
É muito injusto pensar isso de Dona. Josefa só porque ela ama de verdade os seus amigos, os trata como gente e a eles ela da nome de gente.
Tem no Alfredo o seu melhor amigo. Um amigo que sempre lhe foi fiel e prestativo. O tempo todo ao seu lado ele está sempre atento ao que ela diz.
É um lindo e enorme cão labrador, que tem as orelhas caídas e os pelos sedosos da cor de caramelo.
Também há as suas velhas amigas, a Francisca e a Juvência.
Duas tartarugas, tão ou talvez mais velhas do que ela, que são também importantes em sua vida e muito amada por ela.
Outro grande amigo é o seu gato, o Damião.
Ele está sempre ronronando a seus pés e vive trazendo para casa os seus amigos, os gatos vadios.
Dna. Josefa os trata com carinho e chama cada um por um nome de gente, Horácio, Benjamim, Teodoro...
Muitos amigos também visitam a Dona. Josefa todos os dias.
São os pombos e os passarinhos que não deixam de frequentar o quintal de terra batida de sua casa, que ela salpica de farelo de pão e de milho.
Os mais íntimos vem comer em sua mão e ela os chama pelo nome carinhosamente, Alaor, Pedrinho, João Carlos...
O mais travesso de seus amigos é o Serafim, o seu papagaio. Todo o tempo feliz e brincalhão, ele está sempre zombando carinhosamente de Dona. Josefa e tornando sua vida sempre alegre.
Ela lhe conta lindas histórias com ele sempre atento e repetindo o que ela diz.

Por ela ser doce e carinhosa com os animais, tratar bem deles, com eles conversar e dar a eles nome de gente, tem gente que diz que Dona. Josefa é uma velha maluca.
Maluco, em minha opinião é gente que gosta de gente não porque gente é gente, mas por ser ela gente que não respeita e muito menos gosta de gente.

 

A Menininha e a Centopeia

Ela se chamava Cristina, mas era conhecida por todos como Tininha.
Era uma menininha muito doce e carinhosa, tinha sempre um lindo sorriso de dente falho na carinha cheia de sardas e as tranças grossas sempre bem feitas por sua mãe.
De todas as crianças que ela conhecia era a única que não tinha um cachorrinho, um gato ou qualquer outro animal de estimação.
Como acontece com toda criança ela sonhava em ter um, só que seus pais moravam em um apartamento muito pequeno e por isso ela não podia ter.
Uma tarde ela passeava com a sua mãe e quando elas passavam em frente a uma loja de animais a Tininha falou:

 

- Vamos entrar na loja mamãe e ver os bichinhos.

- Você não perde a mania de querer ter algum animal, né filha. Está cansada de saber que o nosso apartamento é muito pequeno e que é proibido ter animais de estimação lá no prédio que a gente mora.

- Eu sei mãe, só quero ver os animaizinhos. Vamos entrar só um pouquinho, por favor.

A mãe olhou para o rostinho inocente da filha e sem poder negar o que ela lhe pedia resolveu fazer o que ela queria e entraram na loja.
Lá dentro os olhos da menininha brilhavam enquanto ela olhava todos aqueles animais que nela tinha. Eram lindos filhotes de cães de várias raças, coelhos, tartarugas, ratinhos brancos, peixinhos.
Tinha uma infinidade de bichos maravilhosos e a menininha passeava encantada entre eles quando sua atenção foi chamada por uma caixa de vidro que tinha no centro da loja. Aproximou-se dela e viu que nela tinha um animalzinho que nunca tinha visto. Era uma centopéia.

- Olha mamãe que bichinho mais lindo, a menininha falou maravilhada. Ele é engraçadinho e tem um montão de perninhas. Eu queria tanto ter um.

- Você sabe muito bem que lá no apartamento não tem espaço e que é proibido ter animais lá.

- Não pode ter gato, cachorro e outros bichos assim. Esse aqui vai ficar numa caixinha no meu quarto e não vai fazer sujeira nem barulho pra incomodar ninguém. Compra ele pra mim, vai mãe, que eu prometo cuidar dele direitinho e nunca mais desobedecer à senhora.

A mãe viu nessa hora, na voz e nos olhos da filha, tanto desejo de possuir aquele animalzinho que não resistiu e comprou a centopeia pra ela.

Algum tempo depois, num dia muito bonito e ensolarado, a mãe da Tininha falou pra ela:

- O dia hoje está maravilhoso minha filha. Vai calçar um par de tênis que a gente vai até um parque passear.

- Oba, que legal. Eu vou levar a centopeia com a gente, posso?

- Pode, mas vai colocar logo os tênis pra gente sair. E não demora.

- Ta bom mãe, a menininha respondeu e subiu correndo a escada que levava até o seu quarto.

Quando chegou lá ela foi até a caixinha de vidro e falou pra centopéia:

- Eu e a mamãe vamos passear lá no parque e ela me deixou levar você.

A menininha calçou os seus tênis e voltou até a caixinha. Perguntou pra centopeia se estava pronta e ela respondeu:

- Falta quarenta e seis.

Ela sentou-se ao lado da caixinha e ficou esperando. Alguns minutos depois tornou a perguntar:

- E agora, ta pronta?

- Espera, agora só falta trinta e dois.

Enquanto isso a mãe, que enquanto esperava pela filha assistia pela televisão ao programa da Ana Maria Braga, estava ficando impaciente e nervosa com a demora da filha.
Lá no quarto cada vez que a menininha perguntava se estava pronta a centopeia respondia:

- Ainda falta dezoito.
- Já to indo só falta quatro agora.
- Estou colocando o último, já vou.

Finalmente ela disse pra menininha que estava pronta e ela desceu a escada com a caixinha da centopeia nas mãos.
Quando a mãe a viu ralhou com ela:

- Eu devia era não te levar mais pra passear e te deixar de castigo. Não te falei pra colocar os tênis e descer logo pra gente sair. Por que foi que você demorou esse tempo todo?

- Ué, a senhora não falou que eu podia levar a centopeia? Foi por isso que eu demorei.

- E o que é que a centopeia tem a ver com a sua demora?

- Eu coloquei os meus tênis rapidinhos, como a senhora mandou, mas ela teve que calçar cinquenta pares e fiquei esperando. Foi por isso que demorei.

 

A Gata da Madame

Ana Cristina sentiu de repente o seu coração bater mais forte. À noite tinha caído a pouco e ela estava sentada no beiral da janela quando ouviu aquele som que a deixou encantada.
Curiosa por natureza ela pulou no telhado da varanda, que era fácil de alcançar dali de onde estava, e dele passou para o da casa com um outro pulo cheio de agilidade. Foi ali, nessa hora, que viu pela primeira vez o Nestor e na mesma hora soube que estava apaixonada.
Ele era um gato forte e bonito que usava uma calça branca muito elegante, vestia uma camiseta do flamengo e tinha pendurado nas costas, por uma correia de couro, um pequeno violão. Seu miado era melodioso e muito belo.
Na mesma hora ele viu aquela linda gata branca de pelos sedosos e bem escovados, com os seus olhos azuis puxados de siamesa, e foi até perto dela com o seu andar bamboleante que deixava bem claro a sua condição de gato vadio. Perguntou então pra ela:

- Olá doce criatura, estarei eu te incomodando com o meu "miarolar"?

- Não, não está não moço. É que eu fiquei curiosa ao ouvi-lo e vim ver quem "miarolava" com tanta suavidade.

- Se você gosta de música eu vou "miarolar" uma canção e te oferecer.

Dizendo isso ele tirou o pequeno violão das costas, sentou-se em uma das telhas e começou a tocar nas cordas com as suas unhas afiadas.
Ana Cristina ficou ali encantada a olhar ele tocar no pequeno instrumento e "miarolar" uma linda canção romântica.
Naquela hora, naquele telhado, começou um namoro entre eles e nasceu um novo grande amor.

Eles namoraram até bastante tarde naquela noite e quando o Nestor saiu a perambular, pelos telhados da vizinhança, levava consigo um sentimento novo e muito bonito em seu coração. Estava apaixonado por aquela delicada e formosa gata de madame.
Vagou por toda à noite, de manhã roubou seu alimento em uma peixaria que tinha ali nas vizinhanças e quando a noite chegou de novo ele voltou para o telhado da casa da madame.
Eles namoraram todos os dias naquela semana, mas teve um que, numa hora em que eles passeavam pelo jardim da casa, a madame os viu juntos. Ela ficou indignada, por sua linda gata estar ao lado daquele gato vadio, e enxotou o Nestor de lá.

Naquele dia a Ana Cristina não tomou o leite que a madame colocou pra ela e passou ele sentado na janela com muita tristeza nos seus olhos rasgados. No outro foi à mesma coisa e a madame preocupada foi ao mercado comprar o alimento especial para gatos, de que sua gata tanto gostava, mas de nada adiantou.
Ana Cristina passava as suas horas abatida e triste, não comia nada e não saia do beiral da janela onde pensava o tempo todo naquele gato garboso com jeito de malandro. Ela sofria por amor.

Alguns dias depois numa hora em que a madame, sentada em um sofá na sala, olhava cheia de preocupação para a sua gata ela ouviu um miado que também foi ouvido por Ana Cristina. Ela viu que a expressão do rosto da gata mudou imediatamente, se enchendo de felicidade, e ela pulou na mesma hora para o telhado.
A madame saiu para o jardim e de lá viu, sobre o telhado, a sua gata ronronando e roçando o rosto nos pelos do corpo do gato vadio que ela tinha enxotado dali. Falou para si mesma nessa hora:

- Então é isso que está acontecendo com a minha gatinha. Ela se apaixonou por esse gato vadio e essa era a razão da sua tristeza. Bem, eu acho que esse é um problema bem fácil de se resolver.

Ela chamou a sua gata que, mesmo com medo de ser repreendida pela madame, desceu do telhado por que era um animal muito obediente. A madame a pegou no colo e afagando os seus pelos branquinhos falou pra ela carinhosamente:

- Quer dizer que o único mal da minha gatinha é o mal de amor. Nisso a gente da um jeito, minha querida.

Olhou então para aquele gato enorme que continuava lá no telhado, cheio de receio, e falou pra ele:

- Parece que você conseguiu ganhar o coração da minha gata, não é seu safado? Desce aqui bichano. Desce que ninguém vai te fazer mal algum.

O Nestor sentiu a bondade que havia na voz da madame e mesmo sentindo medo dela, porque o tinha enxotado dali, ele resolveu descer. A madame se aproximou dele, com a gata em um dos braços, pegou ele no colo e falou:

- Hum... Até que você é um gato bastante bonito. Um bom banho e uma bela escovada vão melhorar muito com você e daí então eu vou deixar você namorar a Ana Cristina.

Quando o Nestor ouviu a madame falar em banho teve vontade de pular do seu braço e fugir, mas não o fez. Como todo gato vadio ele nunca tomava banho, só que sabia que se fugisse ia ficar sem a namorada e resolveu ficar.
A madame tirou dele aquelas roupas, tão esquisitas para um gato usar, e deu um banho bem dado nele, escovou os seus pelos bem escovados, colocou em seu pescoço uma fita igual a que a Ana Cristina tinha no dela e o soltou no jardim, ao lado da gata, dizendo:

- Pronto, agora vocês podem namorar.

Alguns meses depois a madame estava sentada num banco no jardim da sua casa e olhava sorridente para os seus gatos que passeavam pelo telhado. O Nestor tinha perdido aquele andar bamboleante, que marcava a sua vadiagem, e caminhava agora cheio de imponência ao lado da linda gata branca. Atrás deles iam brincando, tropeçando e rolando pelas telhas, quatro lindos gatinhos.
Nas fitas que o Nestor e a Ana Cristina usavam no pescoço a madame tinha prendido, no dia em que os gatinhos nasceram, uma aliança de ouro em cada uma delas.

 

Bicho que Fala

- Paie, eu posso convidar o Serapião pra brincar aqui no quintal comigo?

- Quem é esse Serapião meu filho. Você arrumou algum novo amiguinho que eu não conheço?

- Não é nenhum amiguinho não pai. Serapião é um caraçu - ave de penas negras, muito comum no Japão, conhecido como corvo no Brasil e também lá tido como um pássaro de mau agouro - que eu brinco com ele, todo dia, quando vou pra escola. A mãe deixa eu levar um pedaço de carne e ele já come na minha mão. Ele é legal pai e Serapião fui eu que pus esse nome nele.


- Ai filho... você e sua imaginação. Pode sim, mas eu duvido que ele venha. Ele não vai entender quando você falar pra ele vir.

- Vai sim pai. Eu falo com ele e ele até me responde. Ninguém entende o que caraçu fala, mas toda a vez que ele faz CRAA ta falando alguma coisa. O Serapião faz CRAA pra me dizer bom dia, pra perguntar como eu estou e até pra dizer que gosta de mim. Eu entendo tudo o que ele diz. Ele é um bicho legal pra burro.

“Crianças, como é bonita a vida para eles.
Tanta inocência e tanta imaginação criando belas fantasias. Pena que a gente cresce”, ele pensou.

No sábado, lá pelas dez horas da manhã, o pai do menino saiu no quintal. Tinha dormido até tarde e estava ainda sonolento. Por esse motivo se assustou quando ouviu o barulho de um grasnar estridente.

CRAA, CRAA, CRAA.

Ele olhou para os fios elétricos, que havia em frente a sua casa, e viu um enorme pássaro negro gritando.

CRAA, CRAA,

Sentiu muita raiva, por causa do susto que tinha levado, e falou aos berros com o animal:

- Chô pássaro agourento. Sai, sai. Vai pousar noutro lugar seu bicho feio.

- Paie, você falou que eu podia convidar o Serapião pra vir brincar comigo e agora fica gritando com ele, o menino falou saindo pela porta da cozinha.


- Espera ai Serapião, ele falou se dirigindo ao animal que olhava curioso, pousado no fio elétrico.

Saiu correndo e foi até a cozinha. Quando de lá voltou o menino foi até o meio do quintal e se ajoelhou. Estendeu para o animal sua mãozinha aberta com um pedaço de carne nela.
O animal voou e veio pousar no chão de terra do quintal. Caminhou ressabiado, com o seu andar desengonçado, até onde estava o menino, e o seu bico pegou o pedaço de carne que lhe era dado.
Depois que engoliu a carne o caraçu soltou um estridente CRAA e voou de volta para o fio elétrico.

- Não precisa agradecer Serapião. Toda vez que você vier aqui em casa eu vou te dar um pedaço bem gostoso de carne.

Meu Deus, esse moleque vai acabar me fazendo acreditar que bicho fala, o pai do menino pensou maravilhado.

 

                                                                                Carlos Cunha / o Poeta sem limites

 

 

                      

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