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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PROFANAÇÃO / Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins
PROFANAÇÃO / Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

PROFANAÇÃO

 

“Ouvi, vinda do santuário, uma grande voz, dizendo aos sete anjos: Ide, e derramai pela terra as sete taças da cólera de Deus. Saiu, pois, o primeiro anjo e derramou a sua taça pela terra, e, aos homens portadores da marca da besta e adoradores da sua imagem, sobrevieram úlceras malignas e perniciosas.”

                                                           Apocalipse 16.1-2

 

Rayford Steele teve um sono agitado e despertou enrolado num cobertor áspero de lã, com os joelhos encostados no peito e as mãos fechadas sob o queixo. Ele saltou da cama de lona e pôs a cabeça para fora de seu minúsculo dormitório improvisado perto de Mizpe Ramon, no deserto do Neguev.

Os raios de sol tinham um brilho sinistro alaranjado. Mas, em breve, eles se tornariam fortes e amarelos, batendo nas pedras e na areia. Ao meio-dia, a temperatura ultrapassaria 37°C - outro dia típico dos Estados Unidos Carpathianos.

Envolvido na missão mais arriscada de sua vida, Rayford deixara seu destino a cargo de Deus e ao milagre da tecnologia. Não havia como esconder uma pista de decolagem improvisada no meio do deserto e, muito menos, deixá-la fora do alcance das câmeras estratosféricas da Comunidade Global. Ridiculamente vulneráveis Rayford e seu grupo de pilotos obstinados - que chegavam a dezenas, vindos de todas as partes do mundo - estavam à mercê do mais audacioso estratagema que alguém já imaginara.

Seu companheiro na toca do inimigo deixara evidências no banco de dados da Comunidade Global de que o trabalho em Mizpe Ramon fazia parte do treinamento da CG. Enquanto o pessoal do Serviço de Segurança e Inteligência da CG estivesse acreditando na "grande mentira no céu", Rayford e seus companheiros do Comando Tribulação, agora com um número maior de membros, continuariam a missão à qual ele deu o nome de Operação Águia. O nome foi inspirado na profecia de Apocalipse 12.14: "... e foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para que voasse até ao deserto, ao seu lugar, aí onde é sustentada durante um tempo, tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente."

O Dr. Tsion Ben-Judá, mentor espiritual do Comando Tribulação, ensinou que a "mulher" representava o povo escolhido de Deus; as "duas asas" representavam a terra e o ar; "seu lugar", Petra - a cidade de pedra; "um tempo" era equivalente a um ano, portanto "um tempo, tempos, e metade de um tempo" representavam três anos e meio; e a "serpente" representava o Anticristo.

O Comando Tribulação acreditava que o Anticristo e seus lacaios estavam prestes a atacar os israelenses seguidores de Cristo e que, quando estes fugissem, Rayford e o grupo de crentes organizado por ele atuariam como agentes de resgate.

Ele vestiu uma camisa cáqui e uma bermuda e saiu à procura de Albie, o segundo homem na hierarquia. Os ajudantes - recrutados via Internet por Chloe, filha de Rayford, diretamente da casa secreta em Chicago - haviam concluído a pista de pouso recentemente. Eles trabalharam em turnos; alguns foram treinados a preparar roteiros de vôo pelas mesmas pessoas que os selecionaram e comprovaram ter visto o selo dos crentes nas suas testas, ao passo que outros cuidavam dos equipamentos pesados ou trabalhavam como operários.

- Aqui, chefe - disse Albie, ao ver Rayford passando por filas e filas de helicópteros, jatos e até mesmo aviões monomotores posicionados longe da pista. - Primeira missão cumprida.

O homenzinho de pela escura, ex-comerciante do mercado negro, cujo apelido foi dado por ter nascido na cidade de Al Basrah, usava uma farda de subcomandante da CG, e tinha atrás de si um jovem grandalhão que, conforme Rayford imaginou, era da Califórnia.

- George Sebastian - disse o rapaz alto e loiro, estendendo a mão.

- Rayf....

- Eu sei quem o senhor é - disse George. - Acho que todos aqui sabem.

- Espero que ninguém de fora saiba - disse Rayford. - Então, foi você que Albie escolheu para chefiar os pilotos de helicóptero?

- Bem... ele... hã... pediu que eu me referisse a ele como comandante Elbaz, mas minha resposta é sim.

- Por que ele foi escolhido? - Rayford perguntou a Albie.

- Tem experiência. É esperto. Sabe manejar helicópteros.

- Por mim, tudo bem. Eu gostaria de ter tempo para conhecê-lo melhor, George, mas...

- Quero falar mais um minuto com o senhor, capitão Steele...

Rayford consultou seu relógio e pediu:

- Acompanhe-nos, George.

Eles se dirigiram à extremidade sul da nova pista de decolagem. Rayford mantinha os olhos e os ouvidos atentos a qualquer inimigo vindo de cima.

- Vou ser rápido, senhor. É que eu gosto de contar a todo mundo como foi que aquilo aconteceu comigo.

- Aquilo o quê?

- O senhor sabe.

Rayford adorava ouvir essas histórias. Mas havia lugar e tempo para tudo, mas não ali.

- Não foi nada tão dramático, capitão. Tive um instrutor de helicóptero chamado Jeremy Murphy, que sempre me falava que Jesus viria para levar os cristãos para o céu. Eu pensava, é claro, que ele fosse maluco, e cheguei a metê-lo em encrenca dizendo que ele estava fazendo proselitismo no emprego. Mas ele não desistiu. Era um bom instrutor. Mas eu achava que uma coisa nada tinha a ver com a outra. Eu adorava a vida, era recém-casado... o senhor sabe como é.

- Claro.

- Ele me convidou a ir à igreja. Nunca fui. Foi, então, que chegou o grande dia. Milhões de pessoas desapareceram no mundo inteiro. Achando-me muito esperto, tentei ligar para ele a fim de saber se a aula daquele dia estava cancelada por causa do caos em que tudo se encontrava. Mais tarde, naquela noite, alguém encontrou as roupas dele em cima de uma cadeira diante do aparelho de TV.

Rayford parou e analisou o rosto de George. Ele gostaria de ouvir mais, porém o relógio corria rápido.

- Você não demorou muito para entender, não é verdade?

- Fiquei assustado. Achei que tive sorte por não ter morrido. Orei para lembrar o nome da igreja dele. E lembrei, mas não havia quase ninguém lá. Encontrei algumas pessoas que sabiam o que estava acontecendo, e elas me disseram o mesmo que Murphy dizia e oraram por mim. Sou convertido desde aquela época. Minha esposa também.

- Minha história é muito parecida com a sua - disse Rayford. - Quando eu tiver tempo, vou contá-la a você. Mas...

- Senhor - disse o jovem -, preciso de mais um minuto.

- Não quero ser grosseiro, filho, mas...

- Você precisa ouvi-lo capitão - disse Albie.

Rayford suspirou.

George apontou para a outra extremidade da pista e informou:

- Eu trouxe amostras da carga que está para chegar assim que a pista ficar pronta para recebê-Ia.

- Carga?

- Armas.

- Não existem armas à venda.

- Estas não custaram nada, senhor.

- Mesmo assim...

- Nossa base foi treinada para combate - disse George. Quando Carpathia ordenou que as nações destruíssem 90% de seus armamentos e enviassem os 10% restantes a ele, imagine o que aconteceu.

- Os Estados Unidos contribuíram com o maior número de armas - disse Rayford.

- Mas nós retivemos uma grande quantidade.

- Quantas você tem?

- Talvez mais do que o senhor necessita. Quer ver as amostras?

 

Sentado no banco de passageiro da van alugada, David Hassid trabalhava em seu laptop movido a energia solar. Leah Rose dirigia o veículo. Atrás dela estavam Hannah Palemoon e Mac McCullum. Abdullah Smith preferiu viajar deitado no terceiro banco. Eles passaram a noite escondidos atrás de uma rocha, distante cerca de dois quilômetros e meio da estrada principal, no meio do caminho entre o Aeroporto da Ressurreição de Amã, na Jordânia, e Mizpe Ramon.

A última coisa que eles queriam era comprometer a Operação Águia frente à CG.

David descobriu na Internet que ele, Hannah, Mac e Abdullah ainda estavam sendo dados como mortos no acidente aéreo em Tel-Aviv no dia anterior; mas o pessoal do Serviço de Segurança e Inteligência estava vasculhando os escombros.

- Quanto tempo vai levar para eles descobrirem que fugimos? - perguntou Hannah.

Mac sacudiu a cabeça e comentou:

- Espero que eles imaginem que não sobrou nada de nós. Estou orando para que encontrem pedaços de sapatos ou outra coisa que convença aquela gente de que se trata de roupas.

- Não consigo contatar Chang - resmungou David, mais irado do que deixava transparecer.

- O rapaz deve estar muito ocupado - disse Mac.

- Não por tanto tempo assim. Ele sabe que preciso ter certeza de que está tudo certo.

- A preocupação não vai nos levar a lugar algum - disse Mac. - Veja só o Smitty.

David olhou para trás. Abdullah dormia profundamente, Hannah e Leah, que se haviam entrosado rapidamente, estavam planejando montar um centro móvel de primeiros socorros na pista de decolagem.

- Vamos todos voltar para os Estados Unidos quando a operação terminar - disse Leah.

- Eu não - disse David, sentindo imediatamente todos os olhares fixos nele,

- Vou para Petra, antes que outras pessoas cheguem lá. Aquele lugar vai precisar de um centro tecnológico. Chang e eu já instalamos um satélite em órbita geossíncrona sobre ele. O telefone de David vibrou em seu cinto, e ele o pegou.

- Ei - disse alguém -, você sabe onde me encontro, porque estou dentro da programação.

- Você não precisa conversar em código, Buck. Não existe nada mais seguro do que estes telefones.

- É a força do hábito. Ouça, alguém não compareceu ao local combinado.

- Diga quem é Buck. Se havia alguma coisa para nos comprometer, isso já aconteceu.

- Hattie.

- Ela estava com Leah, em Tel-Aviv. Em seguida, deveria...

- Eu sei, David - disse Buck. - Ela deveria encontrar-se comigo na madrugada de hoje em Jerusalém.

- O velhinho está aí? Ele está bem?

- Morrendo de medo, mas está.

- Diga-lhe que estamos com ele em pensamento.

- Não quero ofendê-lo, David, mas ele sabe disso. O grande problema é Hattie.

- Ela recebeu um codinome, certo?

- David! Podemos deixar de lado o óbvio e lidar com o problema? Hattie deveria estar aqui, mas não tenho notícias dela. Não posso sair à procura dela. Avise a todos que, se alguém souber notícias daquela moça, ela deve ligar para mim.

- Ela é muito importante para sua missão aí?

- Não - respondeu Buck -, mas, se não soubermos onde ela está, vamos nos sentir vulneráveis.

- Pela lista da CG, ela está morta, assim como nós.

- Pode ser que a CG queira que a gente pense que eles acreditaram nisso.

- Aguarde um instante -- disse David, virando-se para Leah. - O que Hattie deveria fazer depois que vocês duas se separaram?

- Disfarçar-se de israelense, misturar-se no meio do povo em Tel-Aviv, seguir para Jerusalém, encontrar-se com Buck e ficar de olho para saber se o pessoal de Carpathia reconheceu Buck ou o Dr. Rosenzweig.

- E depois?

- Ficar incógnita em Jerusalém, até que tudo explodisse lá, e depois voltar a Tel-Aviv. Alguém da Operação deveria pegá-la e levá-la de volta a Chicago, enquanto toda a atenção estivesse concentrada em Jerusalém.

David voltou a falar ao telefone:

- Talvez ela tenha ficado assustada demais em Tel-Aviv e não tenha ido para Jerusalém.

- Ela precisa me dar notícias, David. Vou ter de acalmar Chaim aqui por algum tempo; portanto avise todo mundo, está bem?

 

Alguns minutos após a meia-noite, horário de Chicago, o Dr. Tsion Ben-Judá ajoelhou-se diante de sua enorme mesa no Edifício Strong e orou por Chaim. A confiança do ex-rabino na habilidade de seu ex-mentor de ser um novo Moisés era tão grande quanto a do próprio Chaim. Apesar de ter aprendido muito bem as lições, e com rapidez, Rosenzweig partira dos Estados Unidos Norte-americanos demonstrando visível resistência à missão que lhe fora designada.

A oração de Tsion foi interrompida por um sinal fraco vindo de seu computador, que só podia ser acionado por um punhado de pessoas ao redor do mundo que conheciam o código de acesso. Ele se levantou com dificuldade e examinou a tela.

"Dr. Ben-Judá, espero que o senhor esteja aí", dizia a mensagem de Chang Wong, o adolescente que David deixara em seu lugar sede da Comunidade Global em Nova Babilônia.

"Estou desesperado."

Tsion deu um suspiro e colocou a cadeira no lugar. Sentou-se e começou a digitar:

"Estou aqui, meu jovem irmão. Sei que você deve estar se sentindo muito sozinho, mas não se desespere. O Senhor está com você. Ele mandará seus anjos para cuidarem de você. Você tem muito que fazer como homem-chave, para todas as atividades do Comando Tribulação no mundo inteiro. Sim, talvez seja pedir muito de alguém tão jovem, em anos de vida e de fé, mas todos nós temos de cumprir nossa missão. Diga-me o que posso fazer para animá-lo, a fim de que você volte ao seu trabalho."

"Eu quero me matar."

"Chang! Você não precisa sentir tanto remorso, a menos que tenha prejudicado nossa missão de propósito. Se você cometeu algum erro, diga qual foi, para que possamos dar um jeito. Você tem satélites para manipular e monitorar. Tem registros para tomar conta, caso o inimigo resolva verificar nossas operações e nomes falsos. Estamos apenas começando. Portanto, não desanime. Você é capaz de fazer isso."

A mensagem de Chang prosseguiu:

"Estou em meu quarto, no palácio, com tudo em ordem, da maneira como o Sr. Hassid e eu planejamos. Meus esquemas passam por um sistema tão complexo que não há condições de eles serem decodificados. Eu poderia dar fim à minha vida neste momento, sem comprometer o Comando Tribulação."

"Pare com isso, Chang! Nós necessitamos de você. Você precisa estar em seu posto para ajustar os bancos de dados, dependendo do que vamos encontrar pela frente. Agora, responda-me rápido, por favor: Qual é o problema?"

"O problema é o espelho, Dr. Ben-Judá! Pensei que poderia superar isso! Pensei que a marca que me forçaram a aceitar seria uma vantagem. Mas ela zomba de mim, e eu a detesto! Quero pegar uma lâmina e arrancá-la de minha testa, depois cortar os pulsos e deixar que Deus decida a minha sorte."

"Deus já decidiu, meu amigo. De acordo com nossos irmãos, você tem o selo de Deus na testa. Você não aceitou a marca do Anticristo, nem vai adorá-lo."

"Mas eu tenho estudado suas mensagens, doutor! A marca da besta traz condenação, e a Bíblia diz que não podemos ter o selo e a marca!"

"A Bíblia diz que não podemos aceitar as duas."

"Mas os heróis, os mártires e os corajosos aceitaram a morte por amor à verdade! O senhor disse que o crente verdadeiro receberia a bênção e a coragem para persistir na fé diante da guilhotina."

"E você não resistiu? Deus não mente. Eu tenho dito aos crentes que eles não podem perder o selo que Deus lhes deu, e que eles não precisam se preocupar com suas fraquezas humanas. Deus lhes dará paz e coragem para aceitarem seu destino."

"Isso prova que eu estou perdido! Eu não tenho essa paz nem essa coragem! Resisti, sim, mas não falei de Deus. Chorei como um bebê. Meu pai diz que chorei de medo por causa da agulha. Quando ficou claro que eles iam fazer aquilo comigo, eu quis morrer por minha fé! Eu havia planejado resistir até o fim, apesar de saber que meu pai descobriria que minha irmã se converteu e que ele a entregaria também. No momento em que eles me pegaram, eu estava preparado para dizer não, para dizer que era crente em Cristo."

Tsion afundou-se na cadeira. Seria verdade? Deus não teria dado a Chang o poder de resistir até a morte? E, se não deu, seria ele um falso crente?

"Faça-me um favor", 'Tsion digitou lentamente. "Não tome nenhuma decisão precipitada durante as próximas 24 horas. Nós precisamos de você, e deve haver uma explicação. Não quero passar por cima disso, porque confesso que esta história também me deixou intrigado. Você poderia permanecer em seu posto e lutar contra a tentação até eu ter uma resposta para lhe dar?"

Tsion manteve os olhos fixos na tela por alguns minutos, preocupado. Talvez fosse tarde demais.

 

Rayford prendeu a respiração quando viu o que George Sebastian já devia ter mostrado a Albie.

- Não somos soldados - disse Rayford. - Somos pilotos.

- Com isto aqui também podemos ser soldados - disse George. - Mas a decisão é sua.

- Eu gostaria que a decisão fosse minha - disse Albie. - Se o exército de Carpathia não é nosso inimigo, não imagino quem mais pode ser...

George entregou a Rayford uma arma com mais de 1,20m de comprimento, pesando uns 15 quilos, e que tinha um bipod [suporte bípede] embutido. Rayford mal conseguiu erguê-la horizontalmente.

- Segure-a abaixo do nariz - disse George.

- Eu não vou segurá-la - disse Rayford. - Que tipo de munição esta coisa usa?

- Calibre 50, capitão - respondeu George, retirando um pente de balas com quatro projéteis de 15 centímetros - Eles pesam quase 150 gramas, cada um, e têm um alcance de seis quilômetros.

- Ora!

- Eu não poderia mentir para o senhor. O disparo tem a velocidade de 900 metros por segundo, mas leva sete segundos para atingir um alvo a três quilômetros de distância, dependendo da desaceleração, do vento, essas coisas.

- Não se pode esperar esse tipo de precisão...

- Há registro de que um sujeito acertou cinco disparos num alvo a 900 metros de distância, deixando um espaço de sete centímetros entre cada um. A uma distância de 1.800 metros, é possível fazer o projétil atravessar um cilindro de aço de uma polegada.

- O coice deve ser...

- Violento. E o som? Sem um protetor de ouvidos, a pessoa corre o risco de prejudicar a audição. Quer fazer uma tentativa?

- De jeito nenhum. Não posso imaginar uma utilidade para estas monstruosidades. E não quero produzir um som que alerte a CG, antes que a brincadeira comece.

George comprimiu os lábios e sacudiu a cabeça.

- Eu deveria ter conversado com o senhor antes. Despachei uma centena dessas armas para cá com toda a munição necessária, algumas com pontas explosivas - disse ele a Rayford.

- Posso saber do que se trata?

- Um dispositivo dentro dela faz a cápsula separar-se, ao bater em material macio.

- Carne, por exemplo?

George assentiu.

Rayford sacudiu a cabeça e afirmou:

- Meus pilotos jamais seriam capazes de manejar essas armas lá de cima, e isso seria essencial.

Albie disse:

- Podemos guardá-las. Nunca se sabe...

- O senhor quer ver a outra? - perguntou George.

- Se for igual esta, não - respondeu Rayford.

- Não é - George recolocou a arma calibre 50 no compartimento de carga. -Esta outra foi projetada para ser manejada de aviões ou veículos terrestres - ele disse, exibindo um rifle leve e entregando-o a Rayford. - Está sem munição.

- Então, como...?

- Ela é chamada de DEW, isto é, arma de energia direcionada. A uma distância de uns 800 metros, você pode disparar um feixe concentrado de ondas que penetra na roupa e aquece o suor da pele a uma temperatura de 55°C em dois segundos.

- E o que ela faz com as vísceras humanas?

- Nada. Não é letal.

Rayford devolveu a arma a George.

- Impressionante - ele disse. - Gostei. Meu problema é que não tenho tropas de combate. E, mesmo que as tivesse, não seríamos páreo para a CG.

George deu de ombros e finalizou:

- Se o senhor precisar estarão aqui.

 

Se as perspectivas daquele dia não tivessem sido tão sombrias, e se Buck não estivesse tão preocupado com o paradeiro de Hattie, ele teria rido ao ver a figura do Dr. Rosenzweig. Quando Buck bateu à porta de seu quarto, no Hotel Rei David, Chaim estava trajando um calção largo de pugilista, camiseta sem mangas e sandálias que deveriam ser usadas com o manto marrom.

- Cameron, meu amigo, perdoe-me. Entre, entre.

Buck estava acostumado com a aparência normal de Rosenzweig: um homem perto dos 70 anos, magro, miúdo, bem barbeado, tez pálida para um israelense, olhos castanhos e tufos de cabelos brancos que faziam lembrar as fotografias de Albert Einstein. Normalmente, o condecorado estadista e ganhador do Prêmio Nobel usava óculos sem aro, malhas grossas de lã, calças largas e sapatos confortáveis. Agora, Buck não conseguia acostumar-se a ver seu velho amigo com pele bronzeada, cabelos curtos e morenos, barbicha e bigode, lentes de contato marrons e queixo saliente, produzido por um minúsculo aparelho colocado nos dentes do fundo.

O Dr. Rosenzweig acomodou-se numa cadeira, onde ele havia deixado sua Bíblia e dois comentários, que viajaram escondidos em sua mala, no vôo que partiu dos Estados Unidos Norte-americanos. Um copo com água pela metade estava sobre a mesinha de cabeceira perto dele. Seu manto largo, com capuz, semelhante aos usados pelos monges, estava estendido sobre a cama.

- Por que você ainda não se vestiu, irmão?

Suspirando, o ancião respondeu:

- Ainda não estou preparado para usar esta roupa, Cameron. Não estou preparado para a missão - disse Chaim, com voz um pouco diferente, em razão do aparelho na boca e da fratura em sua mandíbula.

Buck dirigiu-se ao closet e encontrou um roupão do hotel.

- Vista isto por enquanto - ele disse. - Ainda temos duas horas pela frente.

O Dr. Rosenzweig demonstrou gratidão por Buck ajudá-lo a vestir o roupão de veludo branco, um número maior que o seu manequim. O contraste entre sua nova tonalidade de pele e o roupão comprido, enrolado em seus pés quando ele voltou a sentar-se, continuaram a deixá-lo com uma aparência cômica.

Chaim abaixou a cabeça e olhou para o nome do hotel bordado no bolso superior do roupão.

- Rei David - ele comentou. - Você não acha que neste roupão deveria estar bordado "Patriarca Moisés"?

Buck sorriu. Ele não podia imaginar a pressão que seu amigo estava sofrendo.

- Deus estará com você, meu amigo.

De repente, Rosenzweig estremeceu e começou a escorregar da cadeira, até ajoelhar-se diante dela.

- Oh, Deus, oh, Deus! - ele orou, tirando as sandálias e empurrando-as para o lado.

Buck foi compelido a se ajoelhar também, sentindo uma emoção tão grande que não conseguia falar. Antes de fechar os olhos, ele avistou os primeiros raios de sol entre as cortinas, iluminando o quarto. Ele tirou os sapatos, cobriu o rosto com as mãos e prostrou-se.

A voz de Chaim era fraca ao se perguntar: Quem sou eu para libertar os filhos de Israel?

Apesar do calor do dia, Buck tiritava de frio. Uma força estranha lhe dizia para responder à pergunta de Chaim. Mas quem era ele para falar em nome de Deus? Ele havia absorvido os ensinamentos do Dr. Ben-Judá e o ouvira aconselhar Chaim sobre o chamado de ser um novo Moisés. Mas não imaginou que aquele diálogo ficara gravado em sua mente.

Um profundo silêncio tomou conta do quarto. Buck abriu os olhos por um instante antes de fechá-los com força novamente. A claridade no quarto era tão forte que ele continuou a enxergar a tonalidade alaranjada dos raios de sol, mesmo depois de ter fechado os olhos, A pergunta de Chaim pairava no ar. O homem chorava alto,

- Deus estará com você - Buck sussurrou, e Chaim parou de chorar. - E este será o sinal de que foi Deus quem o enviou: Depois de libertar o povo, você servirá a Ele.

O ancião disse:

- Quando eu chegar diante dos filhos de Israel e lhes disser: "O Deus dos seus antepassados me enviou a vocês", e eles me perguntarem: "Qual é o nome dele?", que lhes direi?

Buck pressionou as têmporas com os dedos.

- O mesmo que Deus disse a Moisés: "Eu Sou o que Sou". Você deverá dizer aos filhos de Israel: "Eu Sou me enviou a vocês. O Senhor, o Deus dos seus antepassados, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacó, me enviou a vocês. Esse é o meu nome para sempre, nome pelo qual serei lembrado de geração em geração. O Senhor, o Deus dos seus antepassados, viu tudo o que tem sido feito a vocês e os tirará da opressão para uma terra de segurança e refúgio." Eles ouvirão a sua voz, e você se dirigirá ao rei deste mundo e lhe dirá: "O Senhor veio ao meu encontro. Agora, por favor, deixe-nos adentrar o deserto, para oferecermos sacrifícios ao Senhor nosso Deus." Mas o rei não os deixará sair, portanto Deus estenderá sua mão e ferirá aqueles que se opuserem a você.

- E se eles não acreditarem em mim nem quiserem me ouvir? - perguntou Chaim, com voz tão fraca que Buck mal conseguiu ouvi-lo. - E se eles disserem: "O Senhor não apareceu a você"?

Buck virou-se de costas e sentou-se, sentindo-se repentinamente frustrado e impaciente com Chaim. Sem conseguir raciocinar, Buck virou-se para o ancião, com os olhos irradiando a mesma cor que iluminava o quarto. Ele nunca se sentira tão próximo de Deus desde o dia em que presenciou a conversa do Dr. Ben-Judá com Eli e Moisés diante do Muro das Lamentações.

- Estenda a mão e pegue a água - ele disse, sentindo-se repentinamente aquinhoado com autoridade. Chaim olhou firme para ele.

- Cameron, eu nunca soube que você falava o idioma hebraico.

Buck sabia que não era momento de contestar, apesar de não conhecer o hebraico. Ele estava pensando e falando em inglês.

- A água - ele disse.

Chaim continuou a fitá-lo. Em seguida, pegou o copo com água. A água transformou-se em sangue, e Chaim colocou o copo na mesinha com tanta força que o líquido espirrou nas costas de sua mão.

Buck disse:

- Isto é para que eles acreditem que o Senhor Deus apareceu a você. Agora, pegue a água novamente.

Chaim estendeu a mão timidamente para pegar o copo. Quando ele o tocou, o sangue transformou-se em água, até mesmo o sangue que havia espirrado em sua mão.

- Agora, vire a sua mão em direção ao servo de Deus - disse Buck.

Chaim pousou o copo na mesinha e obedeceu a Buck, com ar de indagação no rosto. E Buck ficou paralisado, incapaz sequer de movimentar os lábios.

- Cameron, você está bem?

Buck não conseguiu responder. Estava zonzo por ter parado de respirar. Ele tentou fazer um sinal a Chaim com os olhos, mas o homem parecia aterrorizado. Chaim levou a mão de encontro ao peito, como se estivesse com medo do poder que ela possuía, e Buck caiu no chão, ofegando, apoiado nas palmas das mãos. Quando conseguiu recuperar a respiração, ele disse:

- Se eles não acreditarem em você nem derem atenção ao primeiro sinal miraculoso, acreditarão neste último.

- Cameron! Sinto muito! Eu...

Buck, porém, prosseguiu:

- E se ainda não acreditarem nestes dois sinais nem lhe derem ouvidos, tire um pouco de água do rio e derrame-a em terra seca. Quando você derramar essa água em terra seca, ela se transformará em sangue.

Buck voltou a se sentar, com as mãos sobre as pernas, exausto. Chaim disse:

- Nunca fui eloqüente, mesmo agora, depois que Deus falou comigo. Sou pesado de boca e pesado de língua.

- Quem deu boca ao homem? - Buck perguntou. - Quem fez o mudo, o surdo, o cego ou o que enxerga? Não foi o Senhor? Agora, vá, e Ele estará com você e lhe ensinará o que dizer.

Chaim virou-se novamente e se ajoelhou diante da cadeira.

Oh, meu Senhor - ele clamou -, não existe outra pessoa para ser enviada em meu lugar?

Buck conhecia a história. Mas não havia nenhum Arão. Tsion estava na casa secreta, achando-se incapaz de ajudar a conduzir o povo pessoalmente. O único outro membro do Comando Tribulação com sangue judeu, apesar de ter sido criado na Polônia, era David Hassid. Mas ele tinha outras habilidades e foi encarregado de outra missão. De qualquer forma, não haveria tempo para providenciar um disfarce para ele. Se David aparecesse subitamente em público, comprometeria os outros que foram dados como mortos no acidente aéreo - pelo menos por enquanto.

Buck aguardou que Deus lhe desse uma resposta para ser transmitida a Chaim, mas nada aconteceu.

 

Pouco antes das 9 horas, e faltando cerca de uma hora para chegar a Mizpe Ramon pelo lado leste, David pediu a Leah que saísse da pista.

- Peço desculpas a todos - ele disse -, mas recebi uma informação de Tsion que vocês precisam ouvir, e tenho de enviar uma mensagem a Chang. É muito difícil fazer isso com esta coisa pulando em meu colo.

- É melhor escondermos a van - disse Mac. - Estamos nos expondo demais.

Leah olhou no espelho retrovisor, acionou a tração nas quatro rodas e rodou em direção à areia. Abdullah sentou-se, atou o cinto de segurança e disse:

- Pensei que fosse o fim do mundo.

- Engraçadinho! - disse Mac.

Leah parou a van a alguns quilômetros da estrada, à sombra de um pequeno rochedo e de duas árvores altas e secas. David desceu da van, colocou o computador no banco e inclinou o corpo para manipulá-lo. Os outros aproximaram-se para ouvi-lo ler a cópia que Tsion enviara de seu diálogo virtual com Chang.

- Isto não está me cheirando bem - disse Abdullah. - O que vamos fazer?

- Eu daria uma bronca nesse rapaz - disse Mac.

- É o que eu estou pensando em fazer - disse David.

- Alguém precisa pôr Rayford a par da situação enquanto estou trabalhando aqui.

- Eu cuido disso - disse Mac, abrindo seu telefone celular.

David escreveu:

Você teve tempo para interromper o Dr. Ben-Judá, mas não teve tempo para conversar com seu superior imediato? Está pensando que isso é um jogo, Chang? O que aconteceu com o sujeito "esperto e sabichão" que ia cuidar de tudo enquanto dormia? Ninguém está achando que você não deve refletir nem sentir certa angústia espiritual. Mas é melhor reconhecer o fato de que aceitou essa missão.

O importante, Chang, é que você não tem tempo para isso neste momento. Muitas pessoas estão dependendo de você, e o sucesso desta operação de vida ou morte está em suas mãos. Prejudicar a si próprio só por imaginar que Deus não poderia permitir que alguma coisa acontecesse seria a atitude mais egoísta que você poderia ter.

Assim que eu acabar de transmitir esta mensagem, quero que me responda imediatamente se ainda permanece em seu posto. Se você não responder rapidamente, serei forçado a dar início aos códigos que destruirão seus programas e tudo o que deixei aí dentro, sobre o que lhe dei explicação. Você sabe que não podemos correr o risco de você se matar e deixar evidências de que existia alguma coisa errada.

Precisamos conhecer os planos de Suhail Akbar sobre as investigações do acidente aéreo. Você precisa entrar nos arquivos de Sandra para conhecer a agenda de Carpathia. E, se ele fizer alguma reunião em qualquer lugar ao qual você possa ter acesso, envie a transmissão direto a Chicago, a Mizpe Ramon e a mim. Quero saber onde está o 216, quem é o piloto e se está sendo usado para Carpathia reunir-se com seu pessoal.

Preste atenção, Chang. Você escreveu uma coisa ao Dr. Ben-Judá que me fez pensar em algo que você me disse sobre essa história das duas marcas. Sei que você não fez de propósito, embora quisesse fazer-me pensar que se acostumou com isso e que seria melhor ver "o lado bom", conforme me disse. Mas não é tão fácil assim, já que todos nós somos novatos no assunto e parece haver alguma coisa que não combina com o que Deus diz. O Dr. Ben-Judá é o especialista, e você o deixou desnorteado. Portanto, não pretendo ter uma resposta para você. Evidentemente, existe alguma coisa errada, e não culpo você por querer descobrir como Deus o vê agora.

Não tenho dúvida alguma de que nada pode separá-lo de Deus e de seu amor. Mas você não terá paz enquanto não tiver certeza do que realmente aconteceu naquela manhã. Agora, vou explicar mais uma vez: Sua prioridade não é essa. O mais importante para você é terminar as tarefas que relacionei acima e certificar-se de que todos nós estamos seguros e que ainda não fomos detectados. A última notícia que temos é de que Carpathia faria uma aparição pública em Jerusalém, às 11 horas - horário dos Estados Unidos Carpathianos.

Assim que você tiver certeza de que tudo está sob controle e que podemos ir em frente, tente coordenar o que vou relacionar a seguir. Sei que é uma tarefa difícil, mas programei uma seqüência de caracteres que poderiam permitir acesso a um equipamento de vigilância que não instalei. É possível que exista um registro - um vídeo, um áudio, ou os dois - do que se passou naquele dia. O problema é que o Edifício D era uma área de manutenção que a chefia raramente visitava, ou nunca visitou. Eu não me preocupei em instalar escutas clandestinas lá. Mas, pelo que sei, já existia alguma coisa desse tipo instalada.

Você me disse pessoalmente, e o Dr. Ben-Judá confirmou instantes atrás, que você estava tentando eliminar a marca e até mesmo preparado para contar a verdade no momento em que recebeu uma "picada". Entendi que foi quando eles lhe aplicaram a marca. Talvez seja isto o que você quer dizer. Mas não é assim que a maioria das pessoas se refere à aplicação da tatuagem e à inserção do chip. Não sei. Talvez eu esteja começando a entender. Mas pode ser que tenha ocorrido alguma coisa mais. Você nunca me contou o que aconteceu desde o momento em que entrou no porão do Edifício D até chegar a meu escritório. Você se lembra? E, se não se lembra, por que não se lembra?

Portanto, antes de tudo, confirme para mim que você continua realizando seu trabalho. Forneça todas as informações de que necessitamos. Depois, tente lembrar-se do que aconteceu no Edifício D. Responda-me assim que terminar de ler esta mensagem.

 

David transmitiu a mensagem e permitiu que Mac a lesse antes de partirem para Mizpe Ramon. Mac assentiu com a cabeça.

- Quanto tempo você vai lhe dar? - ele perguntou. David encolheu os ombros, respondendo:

- Não muito, mas não quero prejudicar o sistema, caso ele tenha se ausentado para ir ao banheiro.

Minutos depois que eles retornaram à estrada, David recebeu a resposta de Chang:

"Cumprindo ordens. Sr. Hassid, acho que a marca foi aplicada no porão do palácio. As plantas do local mostram que o Edifício D fica a cerca de um quilômetro daqui. Eu não me lembro de ter estado lá. E, quando eu disse "picada", estava me referindo ao anestésico que me injetaram antes da aplicação da marca. Acho que isso também foi feito no palácio."

 

Rayford animou-se ao saber que os quatro do Quasi Two e Leah já estavam perto de Mizpe Ramon. Ele contou a Mac sobre as armas que George Sebastian despachara por avião.

- Smitty vai querer ver essas armas - disse Mac. - Ele foi combatente antes de pilotar aviões de caça, você deve saber.

Rayford ignorava esse pormenor e ouviu Abdullah resmungando ao fundo, exigindo saber do que eles estavam falando.

- É melhor você tomar conta daquele camelo ali, homem do deserto - disse Mac a Abdullah.

- Tome cuidado, cowboy do Texas - disse Abdullah. - Vou descobrir alguns podres sobre você e atormentar seus ancestrais.

- Aguarde um instante, Ray - disse Mac. - Smitty, você devia dizer meus descendentes. Meus ancestrais estão mortos.

- Melhor ainda. Vou fazer todos eles se revolverem no túmulo.

- Albie é um sujeito que também sabe lidar com armas - disse Rayford. - Mas já estou bem servido. De qualquer forma, preciso dele e de Abdullah no ar.

Rayford alegrou-se ao saber dos planos de Leah e Hannah, mas não disse nada quando David mencionou que queria chegar a Petra antes de todos. Ao fundo, ele ouviu Hassid dizer:

- Deixe que eu mesmo conto a ele, Mac.

Enquanto refletia sobre o assunto, Rayford achou que fazia sentido a idéia de David preparar o lugar em Petra para Chaim e para os crentes israelenses. Ele perguntou a Mac se alguém conhecia os planos mais recentes de Carpathia. Mac o pôs a par dos problemas com Chang.

- Eu preciso saber o mais rápido possível - disse Rayford - O desfile, ou outro nome qualquer que você queira dar a ele, a profanação e o ataque bem que poderiam acontecer durante esta semana.

 

Buck carregava consigo a identificação de cabo Jack Jensen, das Forças Pacificadoras da CG, mas estava usando trajes civis e confiava em seu novo estilo de cabelo e na cor dos olhos, sem mencionar a cicatriz profunda no rosto, para despistar qualquer um que tentasse reconhecê-lo. Ele e Chaim saíram de carro do Hotel Rei Davi, às 9h30, e rodaram no meio do trânsito congestionado rumo à Cidade Velha até o ponto em que deveriam seguir a pé. O manto de Chaim estava preso na cintura por uma corda trançada; a barra arrastava-se pelo chão e escondia seus pés, deixando a impressão de que ele estava deslizando.

Em breve eles se misturariam ao povo, à beira da Via Dolorosa, por onde Carpathia passaria uma hora antes do meio-dia. Buck admirou-se ao ver tanta gente mesmo depois que a população ao redor do mundo foi reduzida. A cidade ainda mostrava resíduos do terremoto que destruíra um décimo dela, mas nada conseguia deter os oportunistas. Em cada esquina, os vendedores ambulantes exibiam lembranças de Carpathia, inclusive palmas verdadeiras e de plástico, para serem atiradas diante dele quando ele fizesse a entrada triunfal, conforme o povo dizia.

Aparentemente, o pacifista Nicolae Carpathia deixara de existir. Comboios de tanques blindados, caminhões militares, caças e bombardeiros em carroçarias de caminhões, e até mesmo mísseis, desfilavam pelas ruas. Buck sabia que esses veículos e equipamentos congestionariam as ruas estreitas da Cidade Velha, mas eles infiltravam-se em qualquer lugar.

Buck mantinha os olhos atentos à procura de Hattie e a mão perto do telefone, mas já havia perdido as esperanças de encontrar uma explicação plausível para o desaparecimento dela. Buck tentava não pensar no pior. Mas achava que seria fácil para Hattie entrar em contato com ele ou com qualquer outro membro do Comando Tribulação.

Chaim caminhava penosamente a seu lado, com o corpo curvado, as mãos enfiadas nas dobras do manto marrom e a cabeça quase calva escondida debaixo do capuz. Ele não havia pronunciado uma só palavra desde a experiência no quarto do hotel. Limitara-se a trocar o roupão do hotel pelo manto de flanela semelhante ao dos mendigos e a calçar as sandálias.

Parecia que a cidade estava com um número reduzido de soldados das Forças Pacificadoras, locais e internacionais. Muitas vitrinas estavam fechadas com tábuas, e qualquer veículo servia como táxi, mesmo os particulares em mau estado. Em uma ou outra loja de eletrodomésticos aberta, os aparelhos de TV estavam ligados no último volume. Os transeuntes se aglomeravam diante deles e suspiravam.

Buck cutucou Chaim no ombro e fez um gesto com a cabeça em direção a um desses lugares. Eles se misturaram ao povo para ver o replay do acidente com o Quasi Two, os técnicos com luvas de borracha recolhendo resíduos no meio dos escombros e os melancólicos pronunciamentos do Potentado Carpathia, do Reverendíssimo Pai Leon Fortunato, do Supremo Comandante, Walter Moon, e, por último, do Diretor do Serviço de Segurança e Inteligência, Suhail Akbar.

- "Lamentavelmente", dizia este último, "embora as investigações continuem, não temos condições de confirmar a evidência de corpos humanos. É possível que os quatro leais patriotas da Comunidade Global tenham-se evaporado no impacto desta tragédia. O pessoal da área médica nos informou que eles devem ter morrido sem nenhum sofrimento. Assim que as mortes forem confirmadas, serão feitas preces ao potentado ressurreto, em favor de suas almas eternas, e apresentaremos nossos pêsames a seus familiares."

O âncora disse, com voz pesarosa, que investigações posteriores revelaram um erro da parte do capitão Mac McCullum, e que o chefe de cargas de Nova Babilônia advertira a tripulação sobre um problema de peso e equilíbrio na carga, insistindo que não levantassem vôo.

Buck sabia que, em seguida, presenciaria uma cena pavorosa. Mas, por ter sentido a presença de Deus no Hotel Rei Davi, agora ele estava cheio de coragem. Não sabia como ele e Chaim fariam para evitar que fossem descobertos ou o que aconteceria no momento em que Carpathia iniciasse seu ato terrível. Buck gostaria de notar alguma evidência de que a confiança de Chaim era a mesma de quando eles estavam ajoelhados no hotel.

 

David e os outros da van ouviam as conclusões de Suhail Akbar pelo rádio, enquanto Leah seguia as indicações e se aproximava da pista de pouso nos arredores de Mizpe Ramon. David ficou comovido diante do choque e da tristeza na voz de Tiffany, sua assistente, quando ela foi entrevistada para falar dele. David gostaria de contar a ela que estava bem, mas temia que alguém já pudesse estar suspeitando disso.

Ele abraçou Rayford, apertou a mão de Albie e apresentou Hannah a todos. Enquanto o restante do grupo tomava conhecimento dos planos que dependiam totalmente do imprevisível Carpathia, David foi encaminhado ao dormitório de Rayford, onde arrumou um lugar na mesa e instalou seu computador para monitorar o trabalho de Chang Wong, que tentava acompanhar os passos do potentado.

O jovem havia logrado êxito em obter uma cópia do mais recente itinerário de Carpathia. Ele indicava uma reunião cujos participantes eram NC, LF, WM, SA e LH, no FX, às 10 horas.

"Eu sei que a reunião é agora", escreveu Chang, "mas não sei de quem são as iniciais que aparecem depois das quatro que conhecemos. Pode me ajudar?"

"Eu também não sei quem é LH", respondeu David, "mas, vamos lá, espertinho. Pela fonética, FX é o Fênix. Ponha-me em contato com aquele avião."

"Fiz um download da entrevista coletiva de Akbar. Você quer vê-la antes?"

"Prioridades, homem! A entrevista coletiva foi divulgada no mundo inteiro."

David procurou os fones de ouvido em sua sacola e já estava colocando-os no momento em que Chang fez a conexão com o Fênix. Ele sentiu o ambiente dentro do avião com os motores desligados, e Chang transmitiu uma inserção na tela onde aparecia a lista de substitutos para David, Mac e Abdullah.

"A. Figueroa para seu lugar", escreveu Chang. "Você o conhece? Aparentemente, eles não vão substituir a enfermeira Palemoon. Continuo sem saber quem é LH."

- Não hã necessidade de nos alongarmos na reunião com Hut - A voz era de Carpathia. - Mande buscá-lo.

- Imediatamente, Excelência - disse Moon. - Leon... hã...o Reverendo Fortunato gostaria de colocá-lo a par da imagem e do animal.

- Eu o vi há poucos minutos. Onde ele está?

- No banheiro, senhor. Sentiu um mal-estar.

- Qual é o problema?

- Não sei.

- Ele estava sentado aqui minutos atrás, Walter.

- Contorcendo-se.

- Por quê?

- Sinto muito, senhor. Eu...

- Você pode descobrir o que ele tem? E peça a Akbar e Hut que entrem imediatamente.

David ouviu Moon falando em um walkie-talkie, ordenando a alguém que "permita a entrada de Akbar e Hut a bordo. E peça ao comissário de bordo que verifique o que está acontecendo com o Reverendo Fortunato."

- E daí?

- Fortunato. Privada de primeira classe.

Ao fundo, David ouviu a gargalhada de Carpathia. 

- Uma descrição perfeita, Sr. Moon! - ele disse.

- Eu não queria ofender ninguém, senhor. Estou apenas...

- Podemos prosseguir, Walter? Se Fortunato não puder vir até aqui, diga-me o que ele ia me contar a respeito da imagem e do animal.

- Ele não me contou nada, meu senhor, mas parecia muito eufórico.

- Até o momento de sentir um mal-estar e ir ao banheiro.

- Exatamente.

Após alguns segundos de silêncio, Carpathia berrou:

- Walter, diga a Suhail que, se ele não chegar aqui com aquele seu novo funcionário dentro de 30 segundos...

- Supremo Potentado Carpathia, senhor, apresentando-se o Diretor de Inteligência e Segurança, Suhail Akbar, do Paquistão, e o Chefe dos Monitores de Moral da Comunidade Global, Loren Hut, do Canadá.

Akbar disse:

- Perdoe-me pela demora, Potentado, mas...

- Sentem-se os dois. Diretor Akbar, onde você encontrou esse espécime tão alto, e por que ele não continuou a ser peão de rodeio em Calgary?

David notou que Carpathia pronunciou o nome da cidade enfatizando a segunda sílaba, da mesma forma que os habitantes de lá.

- Prefiro domar dissidentes - disse o jovem. Carpathia riu e disse:

- Eu não estava falando com você, chefe Hut, mas...

- Desculpe-me.

-...você foi salvo por sua resposta. Já tem tudo o que necessita?

- Sim, senhor.

- Sim, Potentado - corrigiu Carpathia. - Não diga apenas senhor quando se dirigir a seu...

- É claro, Excelência, meu senhor, Potentado. Já fui informado disso. Eu não me expressei bem.

- Você teria coragem de zombar de mim?

- Não, senhor! Potentado!

- Eu lhe fiz uma pergunta.

- Eu não zombaria...

- A pergunta é se você já tem tudo o que necessita, imbecil! Francamente, diretor Akbar, este indivíduo é o melhor que temos?

- Ele é um sujeito bem preparado, Excelência, mas está muito constrangido em sua presença para exibir a lealdade que lhe tem demonstrado.

- Verdade?

- Sim, senhor, Potentado. Sou e sempre fui leal ao senhor.

- E você costuma me adorar?

- Sempre que posso.

Carpathia deu uma risadinha e continuou:

- Todos os monitores da moral estão armados, Hut?

- Aqui em Israel, sim, estão. E, em todos os outros lugares, eles estarão armados até o fim da próxima semana.

- Qual o motivo da demora?

- A quantidade é muito grande. Mas temos as armas. Elas vão chegar até eles. É apenas uma questão de tempo.

- Sua prioridade máxima é aqui, Hut. Você entende?

- Certamente.

- E, depois, deve fornecer armas a todas as suas tropas.

- Sim.

- Qual é a proporção entre homens e mulheres?

- Cerca de 60/40%, Excelência.

- Cerca de quanto?

- Para ser exato, 58/42 %.

- Excelente. Leon! Você voltou!

- Perdoe-me, meu senhor.

- Sente-se, por favor. Quero que conheça...

- Prefiro ficar em pé, se o senhor não se importar, Excelência. Já conheço o Sr. Hut. É um moço de grande talento.

- Sim, bem, estou feliz por você considerá-lo assim. Vou decidir até o fim da próxima semana, depois de saber se ele cumpriu ou não a sua tarefa. E estou interessado em saber como ele vai lidar com os incorrigíveis daqui.

- Daqui de Israel, senhor, Potentado? - perguntou Hut.

- "Daqui" só pode ser de Israel.

- Não posso imaginar alguém daqui causando problemas ao senhor. Mas se houver...

David ouviu Carpathia inspirar o ar com força.

- Está bem! - ele disse entre os dentes. - Diga-me, Hut, o que você tem reservado para aqueles que tiverem o descaramento de opor-se a mim na Cidade Santa?

- Eles serão presos imediatamente!

- Errado! - berrou Carpathia. - Você respondeu errado! Akbar, eu juro que se você não...

David ouviu Akbar cochichando alguma coisa. Em seguida, Loren Hut disse, com tom de sinceridade na voz:

- Eu mandaria matá-los, Potentado. No ato. Ou eu mesmo os mataria!

- E como faria isso?

- Provavelmente atiraria neles.

- Onde?

- Na rua. Em público. Na frente de todo mundo.

- Quero saber em que parte do corpo.

- Em que parte do corpo?

- Onde você atiraria neles? - Agora Carpathia falava rapidamente, como se estivesse salivando, saboreando só em pensar na cena.

- No coração ou na cabeça, Potentado. Um tiro certeiro para matar de vez.

- Sim! Não! Qual é o poder de fogo de sua arma?

- Minha? Estou portando uma arma semi-automática com um pente de nove projéteis.

- Use todos!

- Todos?

- Comece pelas mãos. Primeiro uma, e, quando o indivíduo a segurar com força, você atinge a outra. Quando ele começar a gritar, pular e tentar fugir, atire num dos pés, depois no outro.

- Entendi.

- Entendeu? Enquanto ele estiver gemendo no chão e os outros saírem correndo de medo, ainda vão restar cinco disparos, certo?

- Certo - respondeu Hut, com voz aterrorizada.

- Nos dois joelhos, em cada ombro. Quero que tudo seja muito doloroso. Faça com que ele mude de idéia, Hut. Obrigue-o a dizer que me ama e que está arrependido de ter feito oposição a mim. E você sabe o que fazer com o último disparo.

- No coração?

- Comum demais! Que falta de imaginação! - David ouviu o assento de couro ranger e imaginou que Carpathia estivesse encenando como fazer. - Encoste o cano quente da arma na testa dele, bem no lugar onde a marca deveria estar. E pergunte se ele está preparado para prometer lealdade a mim. E, mesmo que o sujeito grite aos céus dizendo que viu uma luz, você deve aplicar uma marca nele. Este será o único disparo que ele não vai ouvir nem sentir. E depois?

- E depois?

- O que você vai fazer, Hut? Tendo uma vítima morta a seus pés, com nove tiros no corpo, você não vai querer deixar o cadáver na rua.

- Não, vou pedir que o levem embora.

- Para a guilhotina!

- Senhor? Potentado?

- O preço da deslealdade é a cabeça, Hut!

- Mas a pessoa já está...

- Está morta, é claro. Mas o mundo conhece muito bem a escolha e a conseqüência, meu amigo. Morto ou não, o cidadão desleal deve ter a cabeça decepada.

- Tudo bem.

- Você sabia, Hut, que, quando uma vítima é decapitada viva, o coração continua a bater por mais de meia hora?

Aparentemente, Hut estava aturdido demais, incapaz de falar.

- É verdade. Está comprovado clinicamente. Bem, nós não seríamos capazes de fazer um teste com a vítima que você perfurou a tiros, certo?

- Certo.

- Mas um dia vamos ter essa oportunidade. Não vejo a hora de esse dia chegar. E você?

- Eu não.

- Não? Espero que não seja medroso demais para sua função, filho.

- Não sou medroso. Vou atirar nos sujeitos maus e cortar a cabeça deles, mas não vou precisar checar as outras vítimas para saber se...

- Não vai? Eu vou! Estamos falando de vida e morte, Hut! Não existe nada mais puro! Eu vim para dar vida! Mas, e quanto àquele que optar por ser leal a outro? Bem, ele optou por morrer. O que mais poderia ser tão claro, tão evidente?

- Eu entendi, Potentado.

- Entendeu?

- Acho que sim.

- Você entendeu.

- Sim.

- Agora vá. Você tem uma semana atarefada pela frente. Esteja preparado.

David, arrepiado e enojado, rabiscou uma anotação para si mesmo. Parecia que Carpathia queria saborear esse assunto por dias. Ele ouviu Carpathia pedir a Moon que saísse com Akbar e Hut, dizendo que queria ficar a sós com Fortunato.

- Vocês nos dão licença por alguns instantes? - ele disse aos outros, aparentemente conduzindo-os para fora.

Em seguida, voltou a falar:

- Leon, você não concorda comigo que medo é uma forma de adoração?

- Em seu caso, certamente, Excelência. O temor de nosso deus é o princípio da sabedoria.

- Gostei. É bíblico, não?

- Sim, meu senhor.

- Sente-se, Leon, por favor!

- Eu gostaria, mas... bem, está certo. Leon deu um gemido ao sentar-se.

- O que houve, meu amigo? Algum problema com a comida?

- Não, perdoe-me, mas...

Carpathia deu uma risadinha e garantiu:

- Um amigo verdadeiro tem a liberdade de coçar-se diante do potentado ressurreto.

- Sinto muito, Excelência.

- Não há por que desculpar-se. Você está se sentindo mal por causa de suas coeiras no quadril?

- Receio que seja mais que isso, senhor. Mas prefiro não...

- Então, conte-me sobre o que você conseguiu.

- O animal está pronto.

- Você tem a liberdade de dar a ele o nome que quiser, Leon.

- O porco.

- Ah, ouvi dizer que ele é muito maior que um porco. Um porcão! Uma espécie de javali! Um animal enorme, feio demais, malcheiroso, que ronca alto.

- Sim, senhor.

- Mal posso esperar para vê-lo.

- Assim que o senhor desejar.

- Bem, não vai demorar muito para eu montar nele, certo?

- Certo, Excelência. Mas o senhor corre o risco de escorregar dele.

- Escorregar dele?

- Arrumei uma sela para o senhor, Excelência.

- Não diga, Leon! Uma sela para um porco?

- Para o maior porco que já vi.

- Eu não esperava isso! Como você conseguiu?

- O povo sente-se feliz por servi-lo, Potentado.

- Precisa ser bem larga.

- Receio que o senhor terá de sentar-se nela com as pernas muito separadas uma da outra.

- Parece que você é que está querendo sentar-se assim, Leon. Levante-se, se preferir. Vamos lá! Quer se coçar? Vá em frente.

- Sinto muito, Excelência.

- Você está se mexendo no lugar como se fosse um colegial em seu primeiro baile!

- Perdoe-me, prefiro voltar ao...

- Então vá, homem. O que houve? Uma picada de inseto? Uma coceira que o está perturbando demais?

- Eu gostaria que fosse isso, Excelência. Além de coçar, dói muito. Quando coço o lugar, dói mais ainda. Estou me sentindo péssimo.

- Você deve ter sido picado por algum inseto.

- Talvez. Com licença.

- Vá.

- Eu gostaria de lhe contar sobre a imagem.

- Quero continuar a ouvi-lo, mas não posso vê-lo nesta agonia.

- Vou retornar logo para lhe contar tudo.

David balançou a cabeça de um lado para o outro. Como ele gostaria de ver o que se passava ali! Mas a cena em sua mente também era boa. Carpathia pediu a alguém que chamasse Moon. Em seguida, pediu a Moon que lhe trouxesse aquele traje.

Moon contou-lhe que a caravana para a corte de Pilatos sairia dentro de dez minutos.

- O Reverendo Fortunato detalhou os locais para o senhor? - ele perguntou.

- Não. Parece que ele não está se sentindo bem.

- Até agora? Bem, vamos sair da corte de Pilatos em direção à rua. No trajeto, Viv Ivins irá a seu encontro como se fosse sua mãe. - David ouviu alguém remexendo papéis. Devia ser um mapa, ele imaginou. - Neste ponto, aparecerá uma jovem que enxugará seu rosto. Depois de duas paradas, o senhor vai exortar as mulheres de Jerusalém. E, em seguida, depois do Gólgota, o senhor voltará a ver Viv Ivins, encenando o papel de sua mãe. Depois, o senhor seguirá para o Túmulo do Jardim.

David ouviu um som como se fosse um assobio, mas não podia imaginar Moon fazendo aquilo diante de Carpathia. Finalmente, Nicolae disse:

- Tudo bem, corte tudo pela metade. Esta parte aqui, aquela com Viv, aquela com a jovem, a exortação às mulheres, esta aqui e a última com Viv.

- Posso perguntar...

- O importante é a encenação, Walter. Metade disto nunca aconteceu.

- Nós não sabíamos. Pela tradição...

- Essas coisas nunca aconteceram. Acredite em mim. Eu sei.

- O senhor vai querer trocar de roupa agora?

- Assim que Leon sair do... ah, Leon! Está se sentindo melhor?

- Infelizmente, não.

- Mas o que está havendo?

- Prefiro não falar disso com o senhor.

- Que bobagem! Foi picada de inseto?

- Acho que não, senhor. Mas é grande, dolorido e está infeccionado.

- É onde estou pensando?

- Sim. - Fortunato parecia desolado.

- Pobre homem! Uma ferida no...

- Sim. Oh, ai... no traseiro.

Carpathia parecia estar contendo o riso. - Você precisa me contar a respeito da imagem.

- Está a caminho, senhor. Eu esperava que o senhor tivesse notado.

- Notado o quê?

- Minha marca.

- Deixe-me ver! Na mão! Sensacional! Dois-um-seis! Excelente! Obrigado, meu amigo. Dói?

- Não sei dizer. Por causa do... hã...

- Sim, bem...

- De qualquer forma, vou mostrar ao senhor a imagem escolhida. Tem o tamanho de um homem, é dourada e linda. Depois que recebi a marca da lealdade, ajoelhei-me diante dela e a adorei.

- Eu o abençôo, Leon. E que você seja curado rapidamente.

 

Hattie ajoelhou-se no quarto do hotel em Tel-Aviv, agradecendo a Deus tudo o que aprendera com Tsion Ben-Judá em tão pouco tempo. Agradeceu ter encontrado Leah, Chaim e, principalmente, Buck, que conheceu antes de se converter. Agradeceu a Deus a vida de Rayford, a primeira pessoa que lhe falou de Cristo. E agradeceu a vida de Albie, que, por um motivo ou outro, se preocupava muito com ela.

Enquanto orava, ela teve a certeza de que havia mais alguém naquele quarto. Justamente ela, que sempre verificava tudo antes de trancar a porta. Não poderia haver ninguém ali. Porém, o som das palavras que lhe chegaram aos ouvidos fizeram-na abaixar o rosto até encostá-lo no chão, como se ela estivesse dormindo profundamente. De repente, uma mão a tocou, fazendo-a estremecer. E uma voz disse:

- Ó filha, tu és muito amada por Deus. Atenta para as palavras que te vou dizer e levanta-te, porque te sou enviado.

Hattie lera a história do Dr. Ben-Judá quando alguém lhe falou em sonho. Ela se levantou, tremendo. A voz prosseguiu:

- Não temas, porque, desde o primeiro dia em que te humilhaste perante o teu Deus, as tuas palavras foram ouvidas. E por causa das tuas palavras é que eu vim.

- Posso saber quem está falando comigo? - Hattie conseguiu dizer.

- Sou Miguel.

Hattie estava assustada demais para encontrar palavras que pudessem ser ditas naquele momento.

- O que tens a dizer-me?

- Vim para fazer-te entender o que há de suceder nos últimos dias.

Hattie sentiu-se tão privilegiada que não conseguia dizer nada. E Miguel complementou:

- Ó filha muito amada, não temas! Paz seja contigo; sê forte; sim, sê forte! Não aceites a blasfêmia do demônio e de seu falso profeta. Se fores sábia, resplandecerás como o fulgor do firmamento. E aqueles que conduzirem muitos à justiça resplandecerão como as estrelas sempre e eternamente. Muitos serão purificados, embranquecidos e provados; mas os perversos procederão perversamente, e nenhum deles entenderá; mas os sábios entenderão.

Hattie sentou-se, respirando com dificuldade. Ela entendeu a mensagem. Deveria falar abertamente contra as mentiras do Anticristo. Hattie orou para que Deus lhe desse coragem, porque tinha apenas uma vaga idéia do que aconteceria. Sem conseguir dormir, ela perguntou a Deus se não teria havido algum engano.

- Por que eu? - ela indagou. - Existem tantas pessoas mais velhas na fé e mais bem preparadas para realizar esta missão...

Hattie dirigiu-se a seu computador e digitou um e-mail para o Dr. Tsion Ben-Judá, relatando o incidente inteiro. Programou para que a mensagem fosse enviada depois que ela tivesse a oportunidade de confrontar Carpathia no dia seguinte, talvez ao longo da Via Dolorosa. Foi assim que ela Concluiu a sua mensagem:

Talvez eu devesse ter conversado antes com o senhor, em vez de programar o envio desta mensagem após o fato. Mas sinto-me no dever de exercitar minha fé e acredito em Deus. Depois de olhar para o que escrevi, parece que as palavras não são minhas. Sei que não mereço isto, da mesma forma que não mereço o amor e o perdão de Deus.

Talvez seja tudo uma bobagem e nada vai acontecer. Se eu recuar de medo, é porque as palavras não vieram de Deus e vou interceptar esta mensagem antes que ela chegue às suas mãos. Mas, se for recebida pelo senhor, entendo que só voltarei a vê-lo no céu. Amo o senhor e todos os outros, em Cristo.

Sua irmã,

Hattie Durham

 

Rayford reuniu as tropas na pista de decolagem. Apresentou os quatro "mortos" e explicou a função de cada um.

- O subcomandante Elbaz - ele disse referindo-se a Albie - conduzirá o Sr. Hassid a Petra, onde ele começará a instalar o centro de comunicações. Por ter sangue judeu, o Sr. Hassid planeja fazer companhia aos crentes que forem deslocados para lá.

Alguém levantou a mão. Era um africano. Ele quis saber:

- E ao Sr. Hassid que devemos agradecer a bênção de estarmos aqui hoje?

- E a outros também - disse Rayford. - Mas é importante dizer que, se a CG não pensasse que esta operação foi feita em benefício dela, a esta altura já teríamos sido bombardeados.

Outra pessoa perguntou:

- Existe alguma possibilidade concreta de que esta operação venha a dar certo?

- Estamos em terra de ninguém - respondeu Rayford. - Assim que os israelenses fugitivos forem seguidos até aqui, todos saberão o que estamos fazendo. Conforme é do conhecimento de vocês, todos os que estiverem em perfeitas condições de saúde caminharão. Mas será uma longa jornada, e a CG poderá subjugá-los rapidamente. Acreditamos que Deus os protegerá. Os anciãos, as crianças pequenas e os debilitados necessitarão ser transportados. Vocês os reconhecerão pelo selo dos crentes na testa e, provavelmente, pelo medo estampado em suas faces. Qualquer pessoa que chegar aqui deverá ser imediatamente transportada, por helicóptero, a Petra. Alguns desses helicópteros têm capacidade para acomodar muitas pessoas, portanto devem voar lotados. Petra fica a cerca de 80 quilômetros a sudeste daqui. Todos vocês terão um itinerário de vôo.

- É como se fosse o vôo da morte - gritou alguém.

- Do ponto de vista humano, sim - disse Rayford. - Mas somos as asas da águia.

- A cooperativa não pediu alimentos nem roupas - disse um deles. - Como essa gente sobreviverá?

- Alguém deseja falar sobre este assunto? - perguntou Rayford.

Várias pessoas começaram a falar, uma após outra, explicando que Deus proveria maná e água, e que as roupas não ficariam gastas pelo uso. Finalmente, Rayford levantou a mão e disse:

- Há uma coisa que não sabemos: os horários. Está programado para Carpathia entrar na Via Dolorosa às 11 horas. O itinerário terminará no Túmulo do Jardim. Não sabemos se ele falará de lá ou se seguirá para o templo. Ouvimos dizer que a imagem vencedora do potentado já foi escolhida e transportada ao Monte do Templo, onde o povo já está se aglomerando para adorá-la e receber a marca da lealdade.

- Ou melhor, da besta!

- Claro. E muitos vão querer receber essa marca na presença de Carpathia. Quando ele souber que o povo o aguarda, vai querer estar lá.

- Seu pessoal já está posicionado nos lugares estratégicos, capitão Steele?

- Pelo que sei, sim. A única pessoa que ainda não se apresentou não é importante para a operação, a menos que ela tenha nos comprometido.

- Quando Carpathia será confrontado?

- Pode ser que um de nossos homens o confronte antes que ele entre no templo. Quem sabe? O povo pode confrontá-lo, assumindo o risco, é claro. Lembrem-se de que em Jerusalém não há apenas judeus crentes, gentios crentes e incrédulos. Há também judeus ortodoxos, que não aceitam Jesus como o Messias, mas que também nunca aceitaram a divindade de Carpathia. Eles poderão confrontá-lo e se recusar a aceitar a marca. E, é claro, há um grande número de indecisos.

- Eles vão se decidir logo, certo?

- É bem provável - respondeu Rayford. - E muitos tomarão a decisão errada. Sem Cristo, eles sucumbirão de medo, principalmente quando virem as conseqüências que poderão sofrer caso se oponham a Carpathia. Muito bem, é chegada a hora de as tropas de transporte seguirem para Israel. No momento oportuno, prestem ajuda a quem necessitar.

- E se formos barrados?

- É um risco que correrão - disse Rayford.

- Vou dizer a eles que estou indo receber a marca da lealdade.

- Isso é uma mentira - gritou alguém.

- Eu não tenho problema em mentir para o bando de Carpathia!

- Eu tenho!

Rayford voltou a levantar a mão para acalmá-los.

- Façam o que Deus lhes ordenar - ele disse. - Estamos dependendo dele para proteger seu povo escolhido e aqueles que aqui se encontram para ajudá-los.

 

Buck encontrou um lugar privilegiado de onde podia avistar a corte de Pilatos, atrás de vários milhares de pessoas entusiasmadas. O ancião Rosenzweig parecia estar à procura de ar para respirar, sem produzir nenhum som. Gotas de suor começaram a aparecer em sua testa. Buck imaginou que, graças ao bom trabalho de Zeke, o suor não afetaria o tom de pele falso de Chaim. Não se tratava de uma simples maquiagem.

Chaim continuava calado desde que eles saíram do hotel, mesmo quando Buck lhe perguntava se estava bem. Em todas as vezes, ele limitou-se a encolher os ombros ou a movimentar a cabeça afirmativamente.

- Diga-me, por favor, se existe algum problema.

Chaim concordou com a cabeça e ar de desolação, desviando o olhar.

- Deus estará com você.

Ele voltou a movimentar a cabeça. Buck notou que Chaim estava tremendo. Será que eles escolheram o Moisés errado? Será que Tsion se enganara? O próprio Tsion apresentara-se muito melhor, 'falando em público durante muitos anos como rabino e erudito. Chaim tinha sido brilhante e fluente em seu campo de trabalho. Mas como esperar que aquele ancião pequenino, trêmulo e de voz fraca - e agora aparentemente sem voz - fosse capaz de repreender o Anticristo, ajuntar o que restou de Israel e lutar contra as forças do mal? Buck perguntou a si mesmo se ele próprio teria sido uma escolha melhor. Apesar da indumentária cômica de Chaim, ele parecia não ter sido notado pelo povo. Como poderia comandar um grupo tão grande?

Antes, Buck estava preocupado com o que deveria dizer ou fazer, caso alguém das Forças Pacificadoras da CG ou dos Monitores de Moral exigisse ver sua marca da lealdade. Mas os caminhões com alto-falantes percorriam as ruas, anunciando que todos os cidadãos "devem mostrar a marca de lealdade ao potentado ressurreto. Por que abrir mão desta obrigação indolor e emocionante enquanto Sua Excelência estiver aqui?"

Muitas pessoas no meio do povo já haviam recebido a marca, é claro, mas outras conversavam entre si para saber onde se localizava o centro de administração da marca de lealdade mais próximo.

- Vou receber a minha hoje, no Monte do Templo - disse uma mulher, sendo imitada por várias outras.

Buck ficou admirado diante do número de homens e mulheres que carregavam crianças pequenas no colo e acenavam com palmas de plástico. Alguém estava distribuindo folhas de papel com a letra do hino "Salve Carpathia". Quando o povo começou a cantar espontaneamente, algumas pessoas entenderam que Carpathia havia aparecido e começaram a aplaudi-lo.

Finalmente, Buck avistou um desfile de carros que acompanhava os tanques da CG com luzes pisca-pisca ligadas. Entre os tanques, havia três imensos veículos pretos. Quando o comboio parou, iniciou-se um aplauso ensurdecedor. Do primeiro veículo, desceram autoridades locais e regionais, seguidas pelo Reverendíssimo Pai Leon Fortunato, trajando pomposos trajes clericais. Buck viu o homem endireitar o manto na parte da frente e alisá-lo lentamente na parte de trás. Ele caminhava com a mão esquerda um pouco abaixo do quadril, tentando disfarçar enquanto massageava um local aparentemente sensível.

Do segundo veículo, desceu a chefia da CG, inclusive Akbar e Moon, e, logo a seguir, Viv Ivins, que recebeu aplausos e acenos. Depois de caminhar uns cem metros, ela parou no meio de alguns homens que vestiam ternos pretos. Seus cabelos brancos e rosto pálido pareciam estar apoiados em cima de uma coluna azul-celeste, ou seja, um elegante costume feito sob medida para sua figura baixa e matronal. Ela , caminhou de cabeça erguida até um pequeno púlpito com microfone e levantou as duas mãos pedindo silêncio.

Todos os olhos estavam cravados no terceiro veículo, cujas portas continuavam fechadas. O motorista montava guarda diante da porta traseira esquerda e Akbar, na porta traseira direita, com a mão na maçaneta. Buck notou que, enquanto a atenção se voltava para Viv Ivins, Leon voltou a passar os dedos na mesma região do corpo. Ele não parou, mesmo quando a Sra. Ivins o apresentou como "nosso líder espiritual do Carpathianismo internacional, o Reverendo Fortunato!"

Leon abafou os aplausos com a mão livre e pediu a todos que o acompanhassem no cântico. No início, ele conduziu o cântico com as duas mãos. Buck imaginou que alguém no meio da multidão deveria ter percebido que agora ele conduzia o cântico com a mão direita e se coçava com a esquerda.

 

                        Salve Carpathia, nosso rei ressurreto e senhor;

                        Salve Carpathia, dono do mundo e nosso governador!

                        Todos nós o adoraremos eternamente;

                        Ele é o nosso Nicolae, nosso amado dirigente.

                        Salve Carpathia, nosso rei ressurreto e senhor!

 

Buck achou que chamaria a atenção por não acompanhar o cântico, mas Chaim parecia não se importar com o que poderiam pensar dele. Abaixou a cabeça e olhou para o chão. Quando Leon insistiu com o povo para "repetir o hino enquanto saudamos o objeto de nossa adoração", a multidão começou a aplaudir e a acenar enquanto cantava. Buck, que tinha facilidade para trocar palavras, mudou a letra do hino e cantou:

 

                        Abaixo Carpathia, seu farsante, velhaco e indecente;

                        Abaixo Carpathia, que pensa enganar toda gente!

                        Vou espernear e lutar até você morrer;

                        E no lago de fogo e enxofre você vai arder.

                        Abaixo Carpathia, seu farsante, velhaco e indecente!

 

Finalmente, Suhail Akbar abriu a porta do carro com um gesto floreado e de profunda reverência, e Carpathia desceu. O povo prendeu a respiração e, em seguida, irrompeu em aplausos diante daquele homem irradiando juventude. Ele trajava sandálias de ouro e um reluzente manto branco, amarrado na cintura por um cinto de prata que parecia ter brilho próprio. Quando os guarda-costas, de óculos escuros e terno preto, com as mãos postas em sinal de adoração, formaram um meio-círculo atrás dele, Nicolae fechou os olhos e, com ar de quem tinha sido beatificado, levantou o rosto em direção às nuvens e abriu os braços, como se estivesse ansioso por abraçar a todos de uma só vez.

Buck olhou de relance para Chaim, que fitava o Anticristo a distância, com os olhos semicerrados e um misto de tristeza e repulsa no rosto. Assim que os veículos se afastaram discretamente, um caminhão militar camuflado, coberto de lona, parou a cerca de seis metros de Carpathia. Buck viu Fortunato ajoelhar-se, enfiar a mão por baixo do manto e coçar com força o tornozelo.

Dois guardas das Forças Pacificadoras da CG, uniformizados, desceram uma rampa do caminhão; em seguida, um deles entrou na carroçaria do caminhão enquanto o outro puxava uma corda. Com um pouco de esforço, os dois guardas retiraram de dentro um monstruoso porco cor-de-rosa, que, apesar de seu tamanho descomunal, desceu a rampa sem problemas, virou-se lentamente e encarou Carpathia. O animal, que estava visivelmente drogado, reagiu de maneira apática diante do tumulto.

Uma tira de couro preto com uma almofada achatada e redonda, também de couro, que chegava a cobrir os estribos, estava amarrada ao redor do corpo do animal. Carpathia aproximou-se e segurou a cara carnuda do porco com as duas mãos, olhando para a multidão por cima do ombro. Agora, o povo estava rindo e aplaudindo freneticamente. Um dos guardas entregou a Carpathia uma corda com um laço, que o próprio Nicolae se encarregou de passar ao redor do pescoço do porco.

Segurando com uma das mãos a corda e a barra do manto que ele levantara até o joelho, e firmando a outra no ombro do guarda, Nicolae colocou o pé esquerdo no estribo, levantou a perna direita e montou no porco. Depois, desvencilhou-se do guarda, arrumou o manto sobre as pernas, segurou a corda com as duas mãos e olhou novamente para o povo, Aguardando a reação. O porco não se mexeu debaixo do peso de Nicolae; nem mesmo quando ele puxou a corda e apertou o laço ao redor do pescoço do animal. Depois de esticar as pernas e encostar os pés no chão para equilibrar-se, ele se virou lentamente para o outro lado e acenou para a multidão exultante.

- Eu não entendi! - exclamou um homem na frente de Buck, falando com sotaque alemão. - O que ele está fazendo?

- Colocando todas as religiões em seus devidos lugares, Friedrich! - respondeu sua esposa sem desgrudar os olhos da cena. - Até mesmo o Cristianismo. Principalmente o Cristianismo.

- E o que o porco tem a ver com isso?

- O Cristianismo tem raízes judaicas - ela disse, sem olhar para o marido. - O que poderia ser mais ofensivo a um judeu do que um animal cuja carne ele é proibido de comer?

O homem encolheu os ombros, e a mulher virou-se para ele, comentando:

- Uma atitude sutil - ela disse.

- É o que eu estou pensando! Achei que ele deveria ter mais classe.

- Ora - ela disse -, cada um define classe da maneira que deseja.

 

O espetáculo foi transmitido ao mundo inteiro pelo rádio, pela TV e pela Internet. David acompanhou-o em seu computador, enquanto Albie o conduzia de helicóptero a Petra. A insolência de Carpathia não devia ter causado surpresa a David, mas as lembranças de infância e seus laços de sangue com Israel provocaram-lhe dor de cabeça. A cicatriz no couro cabeludo de David começou a incomodá-lo, mas ele não se atreveu a coçá-la. Ao passar a palma da mão sobre a região, ele se lembrou de quando Hannah lhe fez curativos e, por conseqüência, lembrou-se do que estava fazendo quando havia desmaiado: procurando por sua noiva logo após a ressurreição de Carpathia. O sofrimento pela perda de Annie voltou a atormentá-lo. Ele a veria novamente em menos de três anos e meio. Mas essa idéia fazia com que a segunda metade da Tribulação parecesse mais longa ainda. Se ele permanecesse em Petra, o tempo também demoraria a passar até o momento de voltar a ver Hannah.

David sentia uma ponta de inveja de Buck Williams e seu casamento. Ele aguardava o momento de conhecer Chloe, o cérebro que existia por trás da Cooperativa de Mercadorias. Além de criar um mercado clandestino onde os crentes poderiam comprar e vender depois que o comércio mundial ficasse restrito aos regulamentos de Carpathia, ela também foi uma peça muito importante quando recrutou o pessoal para a Operação Águia, mesmo sem conhecer qualquer uma daquelas pessoas. Atrás do banco de Albie, dentro de uma geladeira improvisada, havia alimento suficiente para David até o dia em que os israelenses fugitivos fossem ao seu encontro. Talvez Deus lhe enviasse maná antes que eles chegassem. David esperava que o fato de carregar comida não evidenciasse falta de fé.

Chloe Williams providenciara o embarque de computadores da mais alta tecnologia, vindos de várias partes do mundo. Eles também estavam no compartimento de cargas. David não tinha idéia de quanto tempo ele e Albie levariam para descarregar tudo. Ele analisou o esboço de uma planta aérea e imaginou onde se instalaria e onde viveria.

- Com certeza, este lugar não tem condições de abrigar todos os crentes de Israel - ele disse.

- É verdade - disse Albie. - Pelos nossos cálculos, um milhão de pessoas necessitarão de abrigo. Petra poderá acomodar cerca de um quarto desse número.

- O que você planeja fazer com o restante dos fugitivos?

- Expandir os limites de Petra, só isso. A cooperativa tem barracas para todos.

- E eles estarão protegidos? Quero dizer, fora de Petra? Albie balançou negativamente a cabeça, enquanto respondia:

- Não sabemos quase nada, irmão. Esta é uma missão de fé.

 

Pouco depois das três horas da madrugada, em Chicago, Tsion estava deitado de costas na cama de seu escritório, com as mãos atrás da cabeça. Ele tentava dormir enquanto assistia à transmissão, na tela de seu computador. Ao ouvir vozes na área comum do edifício, ele saiu do quarto e avistou Chloe, com Kenny no colo, vendo TV.

- Você acredita nisso? - ele perguntou.

- Aquedita! - disse Kenny.

Chloe pediu silêncio, apertou os lábios e disse:

- Eu gostaria de estar lá.

- Você deveria contentar-se com o que Deus lhe permitiu realizar, Chloe. Cada relatório que recebo diz que tudo está funcionando como um relógio.

- Eu sei. E aprendi o que as pessoas que não se conhecem podem fazer quando têm objetivos comuns.

Tsion sentou-se no chão, comentando:

- Neste momento, os veículos devem estar a caminho.

- Estão - ela disse. - E esta é uma das partes mais arriscadas. Não tivemos tempo de colocar os emblemas da CG nos veículos.

- Deus é quem sabe - disse Tsion.

- Gott! - disse Kenny. [N.T.: Gott tem som semelhante à palavra inglesa God, que significa Deus].

- Gott é Deus em alemão - disse Tsion.

- Duvido que Kenny seja bilíngüe - disse Chloe -, mas parece que Buck é. Nunca estudou outra língua e agora está falando hebraico sem nem sequer ter estudado esse idioma.

 

Ficou claro para Buck que Carpathia decidira que só faria um pronunciamento ao público quando chegasse ao Túmulo do Jardim ou ao Monte do Templo. Ao longo de toda a Via Dolorosa, ele confundiu muita gente ao deixar de passar por lugares tradicionais. Mas o povo continuava a cantar e a aplaudir. Chaim caminhava cada vez mais devagar, e Buck começou a se preocupar com sua saúde.

O porco drogado demonstrava estar cada vez mais fraco, e a multidão entusiasmada achou graça quando o animal curvou-se para a frente e dobrou os joelhos, quase derrubando Carpathia de cabeça no chão. E a multidão continuou a rir quando os guardas correram para ajudar Carpathia a descer do porco. Ele simulou uma arma com o polegar e o indicador e fingiu atirar no animal. Em seguida, passou o dedo pelo pescoço no sentido horizontal, como se estivesse fazendo referência ao que aconteceria com o porco.

Agora, Nicolae caminhava com passos largos. O veículo militar voltou a aparecer enquanto meia dúzia de guardas esforçava-se para fazer o porco levantar-se e entrar na carroçaria do caminhão. O potentado saiu da área da estação rodoviária central em direção ao Calvário, e Buck limitou-se a acompanhá-lo com o olhar. Ele estava agradecido por não ter havido nenhuma zombaria quanto à crucificação. Mas ainda sentia-se enojado ao ver Carpathia em pé na beira do Monte, com os braços abertos como se estivesse abraçando o mundo.

De repente, Fortunato parou ao lado de seu patrão e tentou imitar aquele gesto. Não demorou muito para ele desistir e voltar a coçar o quadril e o tornozelo. Algumas pessoas da multidão começaram também a coçar-se.

- Eis o cordeiro que tira o pecado do mundo! - gritou Fortunato.

Buck rangeu os dentes e desviou o olhar, notando agora que a respiração de Chaim estava ofegante. O céu escureceu, e o povo encolheu-se à procura de abrigo.

- Os que forem leais ao soberano ressurreto não precisarão sair daqui! - disse Fortunato. - Recebi poderes do alto para invocar fogo sobre os inimigos do rei deste mundo. Que os leais a ele se declarem!

O sangue de Buck gelou nas veias. Enquanto milhares de pessoas saltavam, gritavam e acenavam, ele continuou firme como uma rocha, temendo que alguém notasse sua oposição a Carpathia. Com os braços cruzados diante do corpo, Chaim encarava Fortunato, como se estivesse desafiando o homem a invocar fogo sobre ele.

- Hoje vocês terão a oportunidade de adorar a imagem de seu deus! - gritou Fortunato, mas ele só podia ser visto quando um relâmpago riscava o céu. Buck notou expressões de êxtase no rosto do povo. - Mas neste instante vocês têm a oportunidade de adorá-lo pessoalmente! Toda a glória seja dada àquele que ama todos vocês!

Milhares se ajoelharam e se curvaram diante de Nicolae, que continuava com os braços abertos, saboreando a adoração.

- Quantos desejam receber a marca da lealdade hoje mesmo no Monte do Templo? - implorou Fortunato, agora coçando-se em três lugares, inclusive no estômago.

Buck olhava para a deplorável imagem do bajulador de Carpathia, perguntando a si mesmo se seria descoberto e morto pelo homem cujo poder vinha das profundezas do inferno.

Os que estavam ajoelhados levantaram-se para acenar, confirmando assim sua lealdade ao líder do Carpathianismo, aceitando a marca à sombra de sua imagem. Aquilo pelo menos fez com que Buck e Chaim não ficassem expostos demais.

- Meu senhor, o verdadeiro deus deste mundo, concedeu-me o poder de saber o que se passa no coração de vocês! - exclamou Fortunato.

O povo saltava e acenava cada vez mais.

- Não é verdade - murmurou Chaim. - Buck curvou o corpo para ouvi-lo melhor. - Carpathia, o Anticristo, Satanás, não é onisciente. Não pode transmitir a seu Falso Profeta o que ele próprio não sabe.

Buck virou-se para Chaim com os olhos semicerrados. Então era isso? Era essa a oposição? Era esse o Moisés enfrentando o Faraó? Buck fez um gesto para que Chaim gritasse, dissesse isso bem claro. Mas Chaim desviou o olhar.

- Eu sei que o coração de vocês é enganoso! - disse Fortunato entre um estrondo e outro de trovão, coçando o corpo a cada clarão de relâmpago. - Vocês não poderão se opor ao olho que tudo vê, de seu deus ou de seu servo!

O hino a Carpathia voltou a ser entoado espontaneamente, mas Buck não teve coragem de cantá-lo com as palavras que inventou.

De repente, a multidão mergulhou em profundo silêncio, e os trovões diminuíram, ouvindo-se apenas estrondos abafados vindos de longe. Fortunato continuava a vigiar, com olhos penetrantes, a imensa multidão, sem parar de se coçar.

Carpathia manteve sua pose por vários minutos. Todos os olhares se voltaram para a base do Gólgota, de onde veio uma voz alta e aguda. O povo correu e rodeou uma mulher que apontava para Carpathia e Fortunato.

- Mentirosos! - ela gritou. - Blasfemos! Anticristo! Falso Profeta! Ai daquele que ocupar o lugar de Jesus Cristo de Nazaré, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo! Você não prevalecerá contra o Deus dos céus!

Buck estava atônito. Era Hattie! Chaim ajoelhou-se, cruzou as mãos diante do rosto e orou: Deus, poupa a vida de Hattie!

- Eu já disse! - esbravejou Fortunato.

- Sua língua demoníaca é vã, vazia! - gritou Hattie. Ela afastou o dedo indicador que estava apontado para os dois e levantou-o em direção ao céu. - E Ele é minha testemunha. Existe um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, que é Cristo Jesus, homem!

Fortunato apontou para ela, e uma bola de fogo desceu do céu escuro, iluminando toda a área. Hattie irrompeu em chamas. A multidão caiu ao chão, gritando de medo enquanto ela continuava a ser consumida por poderosas labaredas que queimavam suas roupas e seus cabelos, envolvendo todo o seu corpo. Enquanto ela parecia derreter-se pelas chamas implacáveis, as nuvens começaram a se dissipar, os relâmpagos e os trovões cessaram e o sol reapareceu.

Uma brisa leve fez Hattie cair para a frente como se fosse uma estátua. O povo olhava boquiaberto, vendo-a reduzir-se a cinzas. Sua silhueta manchava o chão. Quando o fogo se extinguiu e a fumaça desapareceu no ar, o que restou de Hattie foi levado pelo vento.

Fortunato chamou a atenção para si, dizendo:

- Vocês não devem maravilhar-se diante do que lhes digo. Todo poder me foi dado no céu e na terra!

Carpathia desceu cautelosamente do Lugar da Caveira, e a multidão o acompanhou em silêncio. Quando passavam pelas cinzas ainda quentes, algumas pessoas cuspiam e outras as chutavam.

Buck sentiu uma tristeza profunda ao se lembrar do momento em que conheceu Hattie e de quando a apresentou a Carpathia. Ele se virou e segurou Chaim pelo ombro, ajudando-o a se levantar.

- Poderia ter acontecido com você - disse Buck entre os dentes. - Ou comigo! Não devíamos ter deixado tanta responsabilidade sobre os ombros de Hattie!

Ele marchou em direção ao Túmulo do Jardim, sem se importar se Chaim acompanhava-lhe os passos. Se Rosenzweig não aceitasse o manto, apesar de ter-se convertido antes de Hattie, talvez Buck fosse chamado pára substituí-lo. Buck não sabia o que Carpathia ou Fortunato tinham reservado para o túmulo. Mas agora, se fosse necessário, seria ele quem confrontaria o Anticristo.

 

Rayford nunca se sentira tão motivado e útil desde o dia em que se converteu. Enquanto supervisionava o avanço das tropas da Operação Águia, ele se mantinha atento ao que Carpathia estava engendrando. Tudo ficaria claro quando Chaim se revelasse e enviasse os crentes remanescentes ao refúgio. Esta seria a deixa para ele começar a vigiar o retorno a Mizpe Ramon e o transporte aéreo para o lugar seguro.

Mas, por ora, seu telefone mostrava que havia vários recados Primeiro, ele ligou para Chloe.

- O que foi aquilo? - ela perguntou. - Ficou claro que Fortunato acertou em alguém, mas eles não mostraram a pessoa! Foi Chaim?

- Não sei - respondeu Rayford. - Ligo para você depois. David relatou a mesma coisa pouco antes de Rayford falar com Mac e Abdullah.

Vou ligar para Buck - ele disse a Mac e Abdullah. Mas Buck não atendeu.

 

David passou a hora seguinte instalando-se perto de um "lugar alto", local que fora usado séculos antes pelos pagãos, quando estes faziam sacrifícios a seus deuses, acreditando que seriam aceitos por estarem o mais perto possível do céu. Ele estava completamente sozinho. Albie retornou assim que descarregou o helicóptero. David não sabia quanto tempo demoraria para a chegada de um milhão de pessoas. Até aquele momento, ele conseguira ver apenas do alto a deslumbrante obra-prima de pedra vermelha de uma cidade cavada numa rocha. Não podia imaginar como ela seria vista de perto quando ele tivesse tempo para explorá-la.

Ninguém sabia o que acontecera com Fortunato e a multidão no Calvário, e os olhares fortuitos de David na tela do computador simplesmente mostravam o povo dirigindo-se ao Túmulo do Jardim. De repente, ele ouviu um sinal e ficou imóvel naquele lugar mergulhado em completo silêncio. Alguém estava tentando entrar em contato com ele pelo computador. David saiu de uma caverna que ele havia improvisado como seus aposentos, aproximou-se do computador e sentou-se com as pernas cruzadas diante dele. O noticiário enfadonho procedente de Jerusalém reproduzia cena após cena. Os comentaristas preenchiam o tempo entre um evento e outro, mas nenhum deles detalhava o que tinha acontecido no último local visitado por Carpathia. David acessou o site codificado da Operação Águia, porém não encontrou nenhuma novidade.

Após um novo sinal, ele acionou os botões para ler a mensagem de Chang Wong, diretamente de seu apartamento, no palácio em Nova Babilônia.

"Encontrei o que eu queria!", Chang havia escrito. "Estou enviando o arquivo para que você comemore comigo."

 

O supremo comandante Walter Moon sentia-se visivelmente desconfortável diante da multidão, principalmente por causa do grande número de pessoas que se acotovelava ao redor do Túmulo do Jardim. Um microfone e um sistema de som foram rapidamente instalados, e ele leu, nervosamente, algumas anotações. Buck tinha sido um dos primeiros a chegar, mas perdera Chaim de vista.

A atitude do povo havia mudado. A expectativa festiva e a ansiedade deram lugar a um ambiente sinistro, embora ninguém se sentisse livre para se afastar dali. Eles presenciaram o poder concedido a Leon Fortunato, e, certamente, ninguém queria dar a impressão de estar fugindo do compromisso de receber a marca da lealdade.

- Obrigado por estarem conosco hoje - Moon começou a dizer. - Conforme vocês já devem saber, sou Walter Moon, o supremo comandante da Comunidade Global, e estou ocupando temporariamente o lugar do Reverendíssimo Pai Fortunato, enquanto ele prepara o ambiente para o pronunciamento do potentado Nicolae Carpathia, no Monte do Templo, daqui a uma hora.

- Ele está bem? - gritou alguém.

- Ah, está melhor do que nunca - disse Moon - a julgar por seu desempenho no Gólgota.

Aparentemente, Moon pensou que aquela frase provocaria risos. Ao ver que o povo continuou sério, ele voltou a se concentrar em suas anotações.

Buck ligou para Chang e perguntou:

- Nossos telefones são seguros, Sr. Wong? Precisamos ter certeza.

- Sim, Sr. Williams. Acabei de avisar ao Sr. Hassid pelo computador que...

- Sinto muito, garoto, mas não tenho tempo agora. Verifique com o pessoal da área médica para saber o que está havendo com Fortunato.

- Como?

- O que você não entendeu?

- Ouvi dizer que o senhor está bem, mas imaginei que deveria estar no meio daquele desfile em Jerusalém. É lá que Carpathia e Fortunato estão em companhia de...

- Fortunato desapareceu, e dizem que ele foi cuidar dos preparativos.

- Tenho tudo aqui. - disse Chang. Buck ouviu-o, digitando alguma coisa.

- Deu certo, Sr. Williams - ele disse. - Encontrei o seguinte: "Confidencial, Ultra-Secreto, apenas para conhecimento da diretoria... Reverendíssimo, blá, blá, blá, sob os cuidados de um cirurgião na unidade móvel principal de Jerusalém, blá, blá, blá." Ah, aqui está. "Diagnóstico preliminar indica erupções na pele em forma de várias borbulhas purulentas, levando a crer que se trata de carbúnculo." É só isso que tenho por enquanto.

 

Tsion estava preocupado com Chloe. Com tantas coisas na mente, ela devia estar sofrendo uma pressão enorme. Mas parecia absorta demais. Sem dúvida, ela temia que Buck estivesse envolvido em mais uma situação perigosa. Mas, se Tsion tivesse de adivinhar, diria que o fato de Chloe encontrar-se distante do campo de batalha a deixava frustrada. Todos os membros do Comando Tribulação, em várias ocasiões, tentaram convencê-la de que ela era uma peça-chave do grupo e que poucas pessoas de qualquer lugar do mundo seriam capazes de fazer seu trabalho. Mas ela era uma moça de ação. Queria estar no meio da luta. Tsion gostaria de poder dissuadi-la.

Ele gostou de ter-se livrado, pelo menos por um pouco, de sua cama desconfortável. Kenny adormeceu enquanto ele e Chloe acompanhavam o maçante noticiário procedente de Jerusalém, aguardando o fiasco a caminho do Túmulo do Jardim. Chloe tentou levantar-se do sofá com a criança nos braços e olhou para Tsion com ar de quem precisava de ajuda. Ele estendeu a mão e puxou-a do sofá. Enquanto ela levava Kenny para o berço, Tsion imaginou ter ouvido um som vindo de seu escritório. Seria Chang novamente?

Ele foi até lá e encontrou uma mensagem digitada dois dias antes e programada pelo remetente para ser enviada automaticamente. Dizia o seguinte.

 

                       Dr. Ben-Judá,

            Por favor, repasse esta mensagem a meus irmãos e irmãs em Cristo, para meus velhos e novos amigos. Não sei como explicar, mas acredito que fui chamada por Deus para arriscar minha vida pela causa. Evidentemente, não era o que eu estava buscando, e espero que todos vocês saibam que não me considero uma pessoa especial.

            Ajoelhei-me para orar no quarto do hotel em Tel-Aviv...

 

E seu coração, Tsion reconheceu que não se tratava de um caso de simples imaginação de uma recém-convertida. Ele se curvou e leu a mensagem na tela. Com um soluço na garganta, ele se dirigiu ao local onde Chloe assistia ao final do breve discurso de Walter Moon.

- Enviei uma mensagem a seu computador que você precisa ler imediatamente - ele disse, sabendo que sua voz trêmula a assustara.

- É sobre Buck? - ela perguntou. Ele negou com a cabeça.

- Chaim?

- Não - ele respondeu. - Por favor, acorde os outros. Precisamos orar. É melhor você ligar para Cameron.

 

David não fez caso do sinal indicando que havia uma mensagem de Tsion. Imaginou que o assunto poderia esperar enquanto verificava o arquivo enviado por Chang. O jovem não só havia reunido as gravações das escutas clandestinas no palácio, iniciada em seu apartamento naquela manhã específica, mas também incluíra uma tradução, quando necessário, do chinês para o inglês. Posteriormente, David examinaria a fita com Ming para saber se a tradução estava correta. Chang começava com fatos dos quais ele tinha apenas "uma vaga lembrança antes da tal anestesia. Você deve saber que eles não usaram essa coisa".

David sabia. Mas sabia o mesmo que Chang sobre o que realmente se passara naquela manhã. A montagem das gravações feita por Chang começava com o áudio de mais uma discussão acalorada entre ele e o pai. A Sra. Wong tentava em vão tranqüilizar o marido e o filho.

- Você vai ser um dos primeiros a receber a marca da lealdade! - Este foi o início do diálogo, em chinês com legenda em inglês. O Sr. Wong falava firme entre os dentes com o garoto.

- Não vou! Você é leal a Carpathia. Eu não sou!

- Não fale tamanha heresia para mim, rapaz! Minha família é leal ao governo internacional, como sempre fui aos meus superiores. E agora sabemos que o potentado é o filho de deus!

- Ele não é! Eu sei que não é! Ele é o filho de Satanás!     

David ouviu o som de um tapa e de alguém caindo no chão.

"Fui eu que caí", escreveu Chang.

- Você viu o homem ressuscitar! Vai adorá-lo como eu vou fazer!

- Jamais!

Em seguida, alguém fechou uma porta com força e o telefone tocou.

- Sr. Moon! Filho meu estar maluco. Diz não querer a marca, mas estar com medo da agulha. Senhor conseguir tranqüilizante?

- Consegui Sr. Wong, mas é injetável.

- Injetável?

- Sim. Injeção.

- Sim! Sim! Posso fazer.

- O senhor sabe aplicar injeção? - perguntou Moon.

- Como?

- Sabe aplicar injeção?

- Sim. O senhor traz!

Eles desligaram, e, aparentemente, o Sr. Wong voltou para perto da porta do quarto onde Chang se trancara.

- Você deve estar pronto em dez minutos!

- Eu não vou!

- Vai, sim. Se não for, terá de se haver comigo!

- Estou dizendo que não vou. Não quero trabalhar aqui. Quero voltar para casa.

- Não!

- Quero falar com minha mãe.

- Está bem! Sua mãe vai colocar um pouco de juízo em sua cabeça. Alguns minutos depois, uma leve batida na porta.

- Mãe?

- Sim. - A porta foi aberta. - Filho, você precisa fazer o que seu pai diz. Não podemos sobreviver neste novo mundo sem demonstrar lealdade ao líder.

- Mas eu não acredito nele, mãe. Ming também não acredita.

Um longo silêncio.

- Ela não acredita, mãe.

- Ela me contou. Temo pela vida dela. Não posso contar a seu pai.

- Eu concordo com ela, mãe.

- Você também é judaísta?

- Sou, e vou dizer isso a meu pai, se ele me obrigar a receber a marca.

- Oh, Chang, não faça isso. Vou perder meus dois filhos!

- Mãe, você também precisa ler o que o rabino Ben-Judá escreve! Pelo menos dê uma olhada. Por favor!

- Talvez, mas você não pode contrariar seu pai hoje. Aceite a marca. Se você estiver certo, o seu Deus vai perdoá-lo.

- A coisa não é bem assim. Eu já me decidi.

O Sr. Wong retornou.

- Vamos. O Sr. Moon está esperando.

- Hoje não - suplicou a Sra. Wong. - Deixe Chang pensar mais um pouco.

- Não há mais tempo para pensar. Ele vai envergonhar a família.

- Não! Não vou! Você não pode me obrigar.

Silêncio. A Sra. Wong voltou a falar:

- Por favor, marido.

- Está bem. Vou dizer ao Sr. Moon que não será hoje.

- Obrigado, pai.

- Mas tem de ser logo.

Obrigada por sua paciência, marido.

Aparentemente, o pai e a mãe saíram. Pouco depois, a porta foi aberta.

- Pai?

- Você vai pensar no assunto?

- Já pensei muito.

A cama rangeu. Ouve-se a voz de Chang:

- Pai, eu... ai! Não! O que você está fazendo? O que é isso?

- Vai ajudá-lo a relaxar. Agora descanse um pouco.

- Eu não preciso descansar! O que você fez?

- Viu? Você não tem tanto medo de agulha! Não doeu.

- Mas o que foi que você fez?

- Vai ajudá-lo a ficar mais calmo.

- Eu estou calmo.

- Agora descanse. A porta foi fechada.

- Quanto tempo levar, Sr. Moon?

- Só um pouco. Se esperarmos muito tempo, ele não vai poder andar sozinho.

- Está bem. O senhor ajuda. Eles retornaram.

- Chang?

- Hum?

- Você vem conosco?

- Quem?

- Sr. Moon e eu.

- Quem?

- Você conhece o Sr. Moon.

- Não, eu...

- Ora, vamos.

- Eu não... vou... aceitar... a... mmm...

- Vai sim.

- Não, eu não...

O som continuou com os dois homens incentivando Chang a caminhar com eles. Chang resmungava em chinês e em inglês, dizendo que não queria.

"Agora, preste atenção nisto", escreveu Chang. "A câmera instalada para vigiar o corredor capta a imagem de que eles estão quase me carregando, e veja o que estou fazendo! O sinal da cruz! Não sei de onde tirei essa idéia! E veja! Aqui! Estou apontando para o céu! Sei que é impossível provar o que estou fazendo, porque aquela coisa que me deram me fez esquecer até da conversa com minha mãe. E não sei que palavras estou tentando formar, mas acho que queria dizer que era crente!

Pelas câmeras instaladas em vários ângulos desde o corredor até o Edifício D, David viu Walter Moon e o Sr. Wong cutucando Chang para que ele andasse. Num determinado ponto, um terceiro homem veio ao encontro deles, carregando uma máquina fotográfica. O rapaz chorava, apontava e tentava formar palavras. Moon garantiu ao fotógrafo e a alguns curiosos que o rapaz estava "muito bem. Tratava-se apenas de uma pequena reação a um medicamento".

O fato mais surpreendente foi que havia mesmo uma câmera de vigilância no Edifício D. No momento em que lá chegou, Chang estava inconsciente, de olhos fechados, resmungando, gemendo.

- Tire o boné - disse o pai. - Cabelo macio.

Uma mulher, aparentando ser filipina, ligou o aparelho.

- Este jovem está bem? - ela perguntou.

- Está ótimo - disse Moon. - Qual é o código de região para os Estados Unidos Asiáticos?

- Trinta - respondeu a mulher, ajustando o dispositivo para inserir a marca.

- Receio que eu possa me complicar com essa...

- Você sabe quem eu sou?

- Claro.

- Estou ordenando que você faça seu trabalho.

- Sim, senhor.

A mulher limpou a testa de Chang com um pedacinho de pano e pressionou o mecanismo sobre a pele do rapaz, produzindo um estalido alto.

- Obrigado - disse Moon. - Agora, deixe esta sala pronta para receber, dentro de uma hora, as pessoas que estão na fila.

A mulher saiu, e o Sr. Wong e o Sr. Moon revezaram-se para obrigar Chang a continuar sentado.

- O efeito desaparece quase tão rápido quanto começa - disse Moon.

- Arrume os cabelos - disse o Sr. Wong, batendo de leve nas faces de Chang. - Você vai tirar fotografia.

O fotógrafo usou uma câmera digital para fotografar Chang. O rapaz voltou ao normal, e o pai segurou a máquina diante de seu rosto.

- Aqui está! - disse o Sr. Wong. - Veja o novo funcionário, o primeiro a receber a marca!

Chang cambaleou e se afastou, esticando o braço, tentando pegar a máquina fotográfica e enxergar a foto. Seus ombros curvaram-se, e ele olhou para o pai, com ar inexpressivo. Quando o Sr. Wong e o Sr. Moon o ajudaram a se levantar, ele disse:

- Onde está meu boné?

Ele colocou o boné na cabeça e ficou em pé até recobrar o equilíbrio. Em seguida, disse alguma coisa em chinês, dirigindo-se ao pai.

"Eu disse: 'O que você fez?'", Chang escreveu.

- Um dia você vai me agradecer - disse o Sr. Wong.

- Agora vamos para outro lugar. Relaxe até a hora da entrevista.

"Lembro-me muito pouco da discussão no apartamento e de quando meu pai me aplicou a injeção", escreveu Chang.

"Tenho uma vaga lembrança do flash da máquina fotográfica e de ter-me zangado com meu pai. Depois disso, só me lembro de ter ficado sentado por um pouco de tempo numa sala, com Moon e meu pai. Aos poucos, comecei a me dar conta de que tinha recebido ã marca da lealdade. Eu queria matar os dois. Mas sentia-me também constrangido, preocupado com o que você poderia pensar disso. Permaneci assim durante a primeira parte de nossa reunião. Mas, de repente, decidi ser durão e tentar fazer você enxergar as vantagens. Você já sabe, embora na época eu não soubesse que a reunião em seu escritório também tinha sido gravada. Posso enviar a gravação caso você necessite. Chegamos ao fim deste arquivo."

David endireitou o corpo e percebeu que suas pernas estavam dormentes. Ele tombou a cabeça para trás a fim de aliviar a tensão no pescoço. Naquele momento, Chang devia estar ocupado, monitorando o Túmulo do Jardim. David clicou na mensagem que havia sido enviada por Tsion.

 

O celular de Buck vibrou em seu bolso, mas ele não olhou para ver de quem era a ligação. Estava preparado para assumir o lugar de Chaim, se fosse o caso, mas aquilo seria uma tolice. Por certo, o escolhido deveria ser um crente israelense. Talvez a ligação fosse de Chaim, perdido no meio da multidão.

Buck enfiou a mão no bolso e desligou o telefone. Que Chaim encontrasse o caminho por conta própria... Já havia decorrido muito tempo para o homem aceitar seu papel. Ninguém lhe disse que seria fácil. Nada mais era fácil. Porém o chamado de Deus não era difícil de ser reconhecido. E estava claro que a chamada era para Chaim. Se Hattie teve coragem para fazer o que fez, mesmo sabendo que não sobreviveria, como qualquer um deles poderia fugir do dever?

Carpathia, que permanecera atrás de uma cortina perto do túmulo, saiu, sorriu e abriu os braços para o povo. Os aplausos agora foram menos animados. Não havia mais gritos, nem acenos ou pessoas ajoelhadas. Parecia que quase todos queriam subir ao Monte do Templo e entrar na fila para receber a marca. Com essa atitude, eles ficariam livres do destino daquela mulher "maluca" no Monte Calvário.

- Eu jamais fui sepultado! - anunciou Carpathia. - Fiquei em câmara ardente por três dias para que o mundo inteiro visse. Dizem que alguém ressuscitou neste lugar. Mas onde está ele? Vocês o viram alguma vez? Se ele era Deus, por que não continua aqui? Algumas pessoas fizeram vocês acreditarem que ele estava por trás dos desaparecimentos que enfraqueceram nosso mundo. Que tipo de Deus faria aquilo? E essas mesmas pessoas fizeram vocês acreditarem que sou a antítese desse Ser grandioso! Mas vocês me viram ressuscitar sem ajuda de ninguém! Estou aqui no meio de vocês, o deus na terra, depois de assumir meu lugar por direito. Aceito a devoção de vocês.

Ele fez uma mesura, e o povo voltou a aplaudi-lo.

Moon postou-se diante do microfone e leu suas anotações:

- Ele ressuscitou!

- Ele ressuscitou verdadeiramente! - murmurou o povo.

- Vamos, vamos - disse Moon, sorrindo com nervosismo. - Repitam com mais ânimo. Ele ressuscitou!

- Ele ressuscitou verdadeiramente! - gritou o povo. Algumas pessoas aplaudiram. A ovação foi aumentando gradativamente, até que Moon levantou a mão, pedindo silêncio.

- Estamos providenciando para que vocês tenham a oportunidade de adorar seu potentado e sua imagem no Monte do Templo, e lá poderão manifestar sua eterna devoção, aceitando a marca da lealdade. Não demorem. Não protelem. Estejam preparados para dizer a seus descendentes que Sua Excelência estava presente no dia em que vocês firmaram seu compromisso.

Falando agora suavemente e deixando transparecer que havia pensado na frase seguinte naquele exato momento, mas lendo-a em suas anotações, Moon complementou:

- E lembrem-se de que nem a marca da lealdade nem a adoração à imagem são opcionais.

Um helicóptero apareceu no céu e desceu no lugar certo para pegar Carpathia e o restante das autoridades e levá-los ao Monte do Templo. Buck continuava sem ver Chaim desde que o deixara perto do Gólgota. A multidão dispersou-se rapidamente, e muitos correram em direção ao centro de aplicação da marca da lealdade.

 

Sem conseguir falar com Buck, Rayford ligou para Tsion.

- Então foi Hattie a vítima daquilo que aconteceu no Calvário? - ele perguntou.

- É o que estamos deduzindo, depois de juntarmos as peças, Rayford. Estamos sofrendo e orando. Mas estamos também atônitos diante da maneira como Deus falou com ela.

Rayford conhecia Hattie havia anos. E, certa ocasião, pôs seu casamento em risco por causa dela. Ele pediu para falar com Chloe. A princípio, nem Rayford nem a filha conseguiram dizer nada. Finalmente, ele tomou a iniciativa:

- Parece que faz uma eternidade que nós a conhecemos.

- Você acha que ela conseguiu alguma coisa, papai?

- Não me cabe dizer. Ela obedeceu a Deus. Isso parece claro.

- O que aquele sujeito estava querendo mostrar?

- Não sei. Talvez quisesse mostrar sua autoridade caso alguém no meio da multidão ainda estivesse indeciso.

- Para que o povo visse o que acontece com quem se opõe a Carpathia - disse Chloe. - Não entendo a razão disso tudo. Todos aqui estão boquiabertos.

Rayford tentou afastar um pensamento que lhe ocorreu, mas não conseguiu.

- Chloe, você está com inveja?

- De Hattie?

- Sim.

- Claro que estou. Mais do que você imagina.

Depois de uma pausa, ele perguntou:

- Kenny está bem?

- Está dormindo. - Ela hesitou um pouco e perguntou: - Papai, você acha que sou covarde?

- Não. Eu sei como você se sente. Pelo menos, penso que sei. A maioria das pessoas a considera uma heroína, filha.

- A questão não é essa. Não estou com inveja por causa disso.

- Por que, então?

- Ela estava lá, papai! Na linha de frente. Trabalhando.

- E você está...

- Eu sei. Da próxima vez, quero que você me escale para trabalhar fora daqui, papai.

- Vamos ver. Você tem notícias de Buck?

- Não consegui falar com ele.

- Nem eu. Acho que ele e Chaim estão tomando muito cuidado.

Eu gostaria que ele ligasse dando notícias, papai.

 

Buck aguardou o povo afastar-se do Túmulo do Jardim, sem se importar com o fato de estar parecendo suspeito. Ele olhou detidamente para o horizonte, pensando na explicação que daria, caso não voltasse a encontrar Chaim. Buck esqueceu se do que estava tentando provar ou deduzir quando o deixou abandonado à própria sorte. Evidentemente, ele continuava frustrado com Chaim. Mas o que poderia esperar de um ancião que havia sofrido tanto? Chaim não queria aquela missão.

Buck caminhou a esmo por entre as oliveiras, atraindo olhares fortuitos dos guardas. Ele se lembrou de seu primeiro encontro com o Dr. Rosenzweig. Já o conhecia de nome havia anos. Ele não costumava fazer amizade com pessoas entrevistadas, principalmente com uma celebridade como Chaim. Mas os dois tiveram uma grande aproximação.

O sol estava quente naquela tarde. O jardim continuava a ser um lugar lindo! Não fora atingido pelo terremoto. Um guarda armado, totalmente imóvel como se fosse uma estátua, postava-se na entrada do túmulo.

- Posso? - perguntou Buck. O guarda nem sequer olhou para ele. - Posso entrar por alguns instantes?

Nenhuma resposta.

Buck meneou a cabeça e entrou como que dizendo: "Se você quiser impedir-me, que o faça."

O guarda continuou imóvel. Buck entrou no sepulcro e sentiu a frieza do lugar. A luz indireta que vinha da entrada lançava um tênue brilho sobre o local onde as roupas de Cristo teriam sido deixadas. Buck se perguntou por que Carpathia e seu pessoal haviam deixado aquele lugar intacto.

Ele ergueu a cabeça com rapidez, quando Chaim entrou sorrateiramente. Buck queria dizer alguma coisa, desculpar-se. Mas o homem estava chorando baixinho, e Buck não quis intrometer-se. Chaim ajoelhou-se diante da pedra onde a luz brilhava, cobriu o rosto com as mãos e soluçou. Buck encostou-se na parede do outro lado e curvou a cabeça. Um nó formou-se em sua garganta. Será que Chaim estaria suplicando coragem para levar adiante sua missão? Ele parecia pequenino e frágil dentro daquele manto enorme. Parecia tão subjugado que mal conseguia suportar o sofrimento.

Buck ouviu um suspiro vindo do lado de fora e, em seguida, som de passos. A silhueta do guarda na entrada do sepulcro quase cobriu a claridade que vinha da luz.

- Só precisamos de mais um instante, por favor - disse Buck.

Mas o guarda não arredou pé.

- Se você não se importar, sairemos dentro de um minuto. Você fala inglês? Peço que nos dê licença...

O guarda sussurrou:

- Por que buscais o vivo entre os mortos? Não vos atemorizeis, porque sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. Ele ressuscitou, não está mais aqui.

Chaim endireitou o corpo, olhou enviesado para Buck, sob a luz fraca, e disse:

- Você - disse Buck ao guarda. - Você é... Você é um...

O guarda voltou a falar:

- Disse o Senhor a Moisés: Assim abençoareis os filhos de Israel; dir-lhes-eis: O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz. Assim, porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei.

- Obrigado, Senhor! - disse Chaim com voz estridente.

Buck arregalou os olhos para o guarda.

- Você é um...

- Sou Anis.

- Anis!

O guarda deu um passo atrás e saiu. Buck o seguiu, mas ele havia desaparecido. Chaim foi ao encontro de Buck, protegendo os olhos da claridade. Ele agarrou o braço do amigo e puxou-o até uma loja de artigos para presentes. Uma jovem olhou-os com expressão de quem estava prestes a fechar a loja. Buck custou a acreditar que um estabelecimento daquele tipo tivesse autorização da CG para funcionar.

Chaim parecia saber exatamente o que estava procurando. Ele pegou uma réplica pequena e barata do recipiente no qual foram encontrados os Rolos do Mar Morto nas cavernas de Qumran. Ele o mostrou à jovem e olhou para Buck, que enfiou a mão no bolso à procura de dinheiro.

- Dois nicks - ela disse.

Buck pagou a conta, e Chaim abriu o pacote assim que saiu da loja. Jogou fora a caixa e o pequenino rolo impresso e colocou no bolso do manto o vaso de barro - que tinha o tamanho da palma de sua mão - e a minúscula tampa. De repente, passou a andar com passos rápidos e firmes, conduzindo Buck ao local onde a multidão havia estado. Agora o Gólgota estava deserto.

Chaim dirigiu-se ao local onde Hattie tinha sido sacrificada. Ele se ajoelhou diante das cinzas de Hattie, pegou um punhado do que delas havia restado, derramou-o dentro do vaso e recolocou a tampa.

Em seguida, guardou o vaso no bolso do manto e levantou-se.

- Venha, Cameron. Vamos para o Monte do Templo.

 

David Hassid contemplava, aturdido, a região desolada e erma do "lugar alto", em Petra. Embora as religiões pagãs da Antigüidade tivessem usado aqueles locais para apresentar sacrifícios a seus deuses, num ato desesperado de conseguir seus favores, tudo o que David queria era expressar sua gratidão a Deus pelas bênçãos recebidas. Nenhuma palavra, nenhum ato ou sacrifício poderiam fazê-lo receber aquilo que Deus lhe oferecera gratuitamente.

Diante de si, ele só via céu, nuvens, vales e, de vez em quando, um pássaro à procura de uma presa. Evidentemente, aquele seria o refúgio ideal para os remanescentes de Israel, para aqueles que reconheceram que Jesus era o Messias tão aguardado, tão anunciado pelos profetas. E seria ele que daria os toques finais ao grande amor de Deus por seu povo escolhido.

Mas o próprio campo de especialidade de David, com seus instrumentos e maravilhas da tecnologia, instigava-o a manifestar, naquele exato momento, todo o seu júbilo diante da santidade do plano de Deus. Ele havia sentido uma necessidade desesperada de conhecer a verdade sobre Chang. Mas, agora, a notícia a respeito de Hattie Durham o deixara abalado. E aqui estava uma breve mensagem, laboriosamente captada do celular de Buck, dizendo que ele precisava monitorar as atividades no Monte do Templo. Havia ainda uma mensagem de Tsion, comunicando que enviaria uma explicação final sobre o próximo evento do calendário profético - a profanação do Santo dos Santos pelo Anticristo.

Bem. Aquilo não era novidade, e Tsion já mencionara esse evento antes. Mas se o rabino sentia necessidade de esclarecer e cristalizar o assunto para seu bilhão de leitores, quem era David para argumentar? A mensagem, de acordo com o anunciado via Internet, seria enviada naquela noite. As pessoas que mais se beneficiariam com o ensinamento de Tsion poderiam estar voando no dia seguinte para salvar a vida.

David acionou o sistema que mostrava a cobertura feita pela CNNCG sobre as atividades no Monte do Templo e dividiu a tela ao meio, conectando a outra metade a um antigo monitor de vídeo que vigiava o Muro das Lamentações durante 24 horas por dia. Ele estava convencido de que a câmera lá instalada havia sido esquecida. Causou-lhe espanto ela ainda estar funcionando, embora a fidelidade das imagens tivesse sido comprometida pelos anos.

David queria instalar seus transmissores em lugares estratégicos para melhorar a comunicação sem fio que ele planejara para Petra. Mas havia outra mensagem urgente de Chang:

Tenho me sentido fortalecido, animado, motivado. O Dr. Ben-Judá concorda que a gravação me isenta de qualquer culpa, mas ele teme que Carpathia e seus asseclas sejam tão torpes a ponto de ter a idéia de dopar os crentes declarados e forçá-los a aceitarem a marca, o que seria uma catástrofe.

Sei que você está atarefado, mas achei que gostaria de saber: Interceptei uma transmissão privada entre Moon e o chefe que comanda as Forças Pacificadoras e os Monitores de Moral em Jerusalém. Aparentemente, Walter assustou-se diante da mudança de atitude da multidão quando ocorreu o martírio da dissidente e diante do repentino mistério sobre a saúde de Leon Fortunato. Sem avisar Carpathia, ele ordenou que o pessoal armado fosse o primeiro a receber a marca da lealdade. Se você ainda não verificou, faça uma conexão com o Monte do Templo e veja o caos.

 

Então, era por isso que Buck tanto insistira em que Chang usasse seu telefone a fim de transmitir uma mensagem para o computador de David. A transmissão oficial da CNNCG mostrava os âncoras vibrando de entusiasmo.

"Vejam as centenas e centenas de veículos militares estacionados em fila nos arredores da Cidade Velha. Mesmo que estivessem rodando, eles congestionariam as ruas estreitas que dão acesso ao Monte do Templo - eles noticiavam. - Mas a maioria está sem motorista. Calculamos que haja apenas um guarda das Forças Pacificadoras uniformizado para tomar conta de cada quatro ou cinco veículos. Recebemos informação de que os guardas que foram designados para vigiar os veículos já receberam a marca da lealdade. O restante está a caminho, servindo de exemplo patriótico aos cidadãos civis. Na verdade, no momento em que a multidão acompanhou o suntuoso desfile do Potentado Carpathia, ao longo da Via Dolorosa e por alguns lugares conhecidos como Estações da Cruz da extinta religião cristã, o centro de aplicação da marca da lealdade já estava lotado de guardas das Forças Pacificadoras e de Monitores de Moral.

"Muitos cidadãos demonstram certo descontentamento acerca da demora, mas a chefia da Comunidade Global, inclusive Sua Excelência, parecem estar vibrando de alegria. Aqui está uma cena do Monte do Templo, para onde dezenas de milhares de funcionários da CG se dirigem ruidosamente, a fim de receberem a marca. Os civis, pacientes em sua maioria, aguardam sua vez em filas que se estendem do lado externo dos muros da cidade.

"Esta é nossa repórter, Anika Janssen, que se misturou aos civis nas longas filas."

A repórter alta e loira demonstrava domínio, ou pelo menos conhecimento rudimentar, de vários idiomas, ao dirigir-se aos cidadãos em suas línguas nativas. Na maioria das vezes, ela perguntava se eles entendiam inglês, para que não houvesse necessidade de serem inseridas legendas na tela pelos tradutores.

- O que vocês estão achando disto tudo? - ela perguntou a um casal dos Estados Unidos Africanos que denotava muito entusiasmo.

- É emocionante - respondeu o homem. - Mas confesso que esperávamos ser os primeiros da fila, e não os últimos.

A esposa do homem concordou com a cabeça, aparentando não estar disposta a falar. Porém, quando a Srta. Janssen colocou o microfone diante do rosto dela, a mulher resolveu manifestar sua opinião.

- Sinceramente, acredito que as autoridades deveriam insistir em que os soldados abrissem caminho para nós. Eles foram designados para trabalhar aqui. A maioria de nós veio de muito longe. Não quero criticar o potentado ressurreto nem culpar aqueles que tiveram o privilégio de ser transportados e chegar primeiro. Mas isso não me parece justo.

Outros entrevistados demonstraram a mesma atitude, embora a maioria parecesse preocupada, ou talvez temerosa, de queixar-se publicamente.

- Ah, que grande privilégio! - disse Anika Janssen. - Aqui está a Sra. Viv Ivins, uma pessoa muito chegada ao potentado organizando as filas, por assim dizer. Ela está cumprimentando as pessoas, agradecendo a paciência de todos. Vamos ver se conseguimos uma palavra dela.

Para David, parecia que Viv Ivins havia-se colocado numa posição de onde poderia ser notada pelos operadores de câmera.

- Estou muito impressionada com a paciência destes cidadãos leais - ela disse. - Sua Excelência está emocionado diante da ansiedade de seus funcionários, que desejam ser exemplos de lealdade para todos.

- Apesar de haver uma visível e notória guilhot...

- Que preferimos chamar de "instrumento de imposição à lealdade" - corrigiu a Sra. Ivins, com um sorriso gelado. - Claro que ela representa a gravidade de uma decisão equivocada. Digo com toda a sinceridade, Anika, que os relatórios de nosso serviço de inteligência indicaram que poderíamos enfrentar mais oposição aqui, neste berço tradicional de várias religiões obsoletas. No entanto, ouso afirmar que, com exceção de alguns lunáticos, tais como os representantes dos judaístas, que não desistem de desafiar o poder e a autoridade de nosso Reverendíssimo Pai do Carpathianismo, os oponentes obstinados aprenderam a manter silêncio.

- E, por falar no Reverendo Fortunato, madame, que notícias a senhora tem a nos dar sobre ele? Esperávamos vê-lo aqui.

- Ah, ele está muito bem e agradece seu interesse. Ele teve um mal-estar por causa do tempo, mas envia a todos as suas saudações e espera retornar amanhã, completamente revigorado, para a bênção do templo que será feita pelo potentado.

- Bênção do templo?

- Ah, sim. Acreditamos que o lindo templo foi construído com as melhores intenções de honrar a Deus, embora os povos antigos não soubessem que erraram o alvo de sua devoção. Eles tinham a intenção de servir ao único e verdadeiro Deus. Mas, em sua ignorância, foram iludidos e escolheram a divindade errada para adorar. Sabemos, evidentemente, que nosso potentado ressurreto é o verdadeiro deus, acima de todos os outros, e que seu justo lugar é numa casa construída para aquele que se assenta acima dos céus. Ao transformá-la em sua casa de adoração, ele lhe conferirá credibilidade e autenticidade, e ela será a verdadeira casa de deus.

- Além dos judaístas e de seu imenso número de seguidores pela Internet...

- O que é um exagero, é claro.

- Claro. Mas, além dessa facção, vocês também esperam oposição dos judeus renitentes, que não são nem cristãos nem Carpathianos?

- Excelente pergunta, Anika. Você fez o dever de casa. Isto serve para desmentir aqueles que dizem que a CNNCG não passa de um mero joguete nas mãos do potentado.

- Obrigada, mas e quanto à oposição?

- Bem. Fomos levados a acreditar que ela existe e estamos preparados para enfrentá-la. Mas estou confiante de que o poder divino demonstrado poucas horas atrás, acompanhado do enorme entusiasmo por parte do pessoal da CG e destes milhares de peregrinos, abafou de vez qualquer foco de resistência.

- Mas e se os judaís...

- Você já viu a imagem do potentado, Anika? O próprio Reverendo Fortunato fez a seleção, e a vencedora é deslumbrante.

- Ainda não a vi, mas espero... ah, acabam de me avisar que nossas câmeras estão focalizando a estátua do potentado. Vamos para lá.

 

Quando Buck chegou à área em volta do Monte do Templo - agora dominada pelo brilho do próprio templo -, a multidão era tão grande que ele e Chaim resolveram andar com passos lentos e observar, sem atrair a atenção de ninguém apesar dos trajes do ancião. Buck olhou à procura de outros dissidentes e surpreendeu-se ao ver que muitos judeus ortodoxos receberam permissão para ficar diante do Muro das Lamentações. Ele não pôde se aproximar para ver se alguém ali tinha o selo dos crentes na testa, mas imaginou que aqueles homens piedosos estavam preparados para se opor à profanação de um modo muito mais aberto do que simplesmente apresentar-se com suas vestimentas religiosas e reunir-se para orar diante do Muro.

O restante do Monte havia-se transformado num eficiente sistema de trabalho em conjunto. Dezenas e dezenas de Carpathianos fiéis, ou pelo menos temerosos, eram conduzidos em filas aos postos onde eles eram registrados, catalogados, posicionados e, finalmente, marcados. A maioria recebeu a marca na testa, mas muitos preferiram recebê-la nas costas da mão direita.

Diferentemente do que Buck presenciara na Grécia, aqui não se cogitava que alguém da fila fosse capaz de recusar a marca. No meio de todos aqueles postos, havia uma reluzente guilhotina com dois operadores sentados pacientemente ao lado dela. Com o propósito de atemorizar os indecisos, via-se, a uns três metros atrás da guilhotina, uma espécie de moldura com uma cortina pendurada, aparentemente destinada a ocultar, discretamente, o corpo do decapitado, depois de ser ouvido o terrível som.

Imediatamente após receber a marca e posar para fotografia, o povo era conduzido por uma passagem estreita até a escada do lado leste do novo templo, onde a imagem vencedora de Carpathia foi colocada. O templo em si, uma réplica fulgurante do santuário construído por Salomão, para a adoração a Deus, seguia os mesmos moldes do original, mas era simples externamente, contrastando com a extravagância de seu interior revestido de madeira de cedro e oliveira, com enfeites de ouro, prata e latão.

A imagem de Carpathia parecia ser maior que a vida, mas o que Buck ouvira dizer sobre ela confirmava que se tratava de uma cópia exata do próprio Anticristo. Atrás dela viam-se dois pilares do lado de fora da entrada do templo, e Buck avistou, na área do pórtico, uma plataforma, aparentemente recém-fabricada, feita de madeira e pintada de ouro.

- Carpathia não omitiu nenhum detalhe - disse Chaim a Buck. - Aquilo parece ser uma réplica do local onde Salomão e o perverso Antíoco, o protótipo do Anticristo, apresentavam-se para falar ao povo em tempos passados.

Muitas pessoas suspiravam e se ajoelhavam ao primeiro vislumbre da estátua de ouro, cujo contorno reluzia pela incidência dos raios do sol. Diferentemente das outras filas formadas para a aplicação da marca, esta movia-se muito mais rápido. Uma dúzia de pessoas por vez subia, apressadamente, a escada e se ajoelhava - chorando, reverenciando, orando, cantando, adorando a imagem de seu deus.

A revolta de Chaim era idêntica à de Buck. O ancião parecia mais resoluto que antes. Seu procedimento, porém, deixara de evidenciar autoridade ou promessa. Chaim continuava a andar com passos hesitantes. Buck não tinha idéia de como Chaim se sentia ou como seu amigo saberia qual era o momento de revelar-se como inimigo de Carpathia. Quanto mais Buck olhava para o povo, menos conseguia conter-se. Ele sabia que aquelas pessoas diante de seus olhos - todas elas - estavam optando por Satanás e pelo inferno. Sabia também que não poderia fazer nada para dissuadi-las, e que aquela escolha seria definitiva.

Buck calculou que levaria horas para o pessoal da CG abrir caminho para os cidadãos comuns. Ele encontrou um local onde Chaim poderia descansar e lhe perguntou se queria comer alguma coisa.

- Por mais estranho que possa parecer, minha resposta é não - disse Chaim. - Coma você. Eu não vou conseguir.

Buck retirou uma barra de cereais do fundo do bolso e mostrou-a a Chaim.

- Tem certeza de que não quer? - ele perguntou. Chaim confirmou com um movimento de cabeça, e Buck comeu a barra de cereais. Ele não conseguia apreciar nada, vendo aqueles milhares de pessoas na fila, ansiosas por selar sua sentença. Depois de engolir o último pedaço, ele observou cuidadosamente a área, à procura de um vendedor de água. Uma nuvem cobriu repentinamente o sol, e a temperatura caiu. Como que obedecendo a um comando, a conversa parou e a multidão colossal fixou o olhar na imagem, que parecia balançar para a frente e para trás. Mas Buck estava convencido de que se tratava de uma ilusão.

Contudo, a voz que veio de dentro dela não era ilusão. Até mesmo os rabinos diante do Muro das Lamentações pararam de orar e começaram a caminhar. Mas Buck notou que eles não entraram na fila para adorar a estátua.

- Esta multidão não é unânime em sua dedicação a mim! - bradou a imagem.

Homens adultos caíram com o rosto no chão, chorando.

- Eu sou o criador do céu e da terra, o deus de toda a criação. Eu era, não era e voltei a ser! Curvem-se diante de seu deus!

Até mesmo o pessoal que trabalhava na aplicação da marca ficou aterrorizado.

Buck preocupou-se, temendo que ele e Chaim ficassem expostos demais. Embora o ancião devesse estar tão assustado quanto ele, nenhum dos dois ajoelhou-se diante da aparição do mal. Buck olhou disfarçadamente ao redor, para saber se havia outros crentes, e ficou atônito ao avistar filas e mais filas deles contornando a multidão. Alguns trajavam fardas de serviço; muitos poderiam ser facilmente confundidos com o pessoal da CG. Eles deviam fazer parte da Operação Águia! Deviam ter entrado em Jerusalém e, ao tomarem conhecimento do atraso da programação, caminharam a esmo até o Monte do Templo, preparados para ajudar a retirar os crentes.

Buck queria fazer-lhes um sinal, acenar, aproximar-se, abraçar seus irmãos e irmãs. Mas até que ponto Deus estenderia sua proteção? O Comando Tribulação acreditava que Chaim deveria estar dotado de poderes sobrenaturais. Porém, outros crentes corajosos foram martirizados por causa de sua fé e coragem.

- A escolha que vocês estão fazendo hoje - vociferou a imagem de ouro - é entre a vida e a morte! Acautelem-se, vocês que resistem à revelação de seu deus vivo e verdadeiro, que ressuscitou dos mortos! Vocês, que são tão tolos a ponto de apegar-se a mitologias ultrapassadas e impotentes, rompam com as cadeias do passado, ou certamente morrerão! Esta é a voz de seu rei soberano e ressurreto!

O sol reapareceu, o povo levantou-se lentamente e um número cada vez maior de turistas e peregrinos entrou nas filas. Buck achava que os indecisos deveriam ouvir os dois lados. Mas, quando olhou para Chaim, viu uma expressão de passividade em seu rosto.

Como se tivesse lido os pensamentos de Buck, Chaim disse:

- Eles sabem o lado que devem escolher. Nenhum ser humano pode duvidar de que existe um abismo imenso entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, entre a verdade e a hipocrisia. Esta é a batalha dos séculos entre o céu e o inferno. Não existe outra opção, e nenhum homem honesto, nenhuma mulher honesta pode afirmar o contrário.

Chaim sabia resumir a história, mas sua voz continuava fraca e monótona, com aquele sotaque hebreu, que fazia Buck lembrar-se dos comediantes judeus, dos contadores de histórias ou dos eruditos tímidos. Evidentemente, o Dr. Rosenzweig encaixava-se na categoria dos eruditos tímidos. Buck queria ter fé para acreditar que aquele homenzinho - tão esforçado, tão simpático - poderia seduzir a imaginação, os corações e as mentes das pessoas indecisas.

Mas aquele não era o chamado de Chaim. Ele deveria confrontar o Anticristo - o maligno, a serpente, aquele velho dragão, o demônio. Ele deveria ficar frente a frente com Carpathia e instruir os remanescentes de Israel, fazendo-os entender que era chegada a hora de fugir para as montanhas. Apesar de todo aquele disfarce, a quem Chaim enganaria? Ele havia sido amigo pessoal de Carpathia, tempos antes de Nicolae tornar-se líder da Comunidade Global. Chaim assassinara aquele homem! Será que não seria reconhecido imediatamente, só pela sua voz?

Buck gostaria de saber se ele próprio não estaria acreditando que tudo aquilo não passava de uma insensatez. Se houvesse realmente um milhão de crentes messiânicos em Israel, certamente estariam desarmados. Carpathia não estava disposto a deixá-los partir! Ele possuía um exército de mais de cem mil homens armados entre Monitores de Moral e soldados fardados das Forças Pacificadoras.

Seu arsenal composto de caminhões, tanques, mísseis, lançadores de foguetes, canhões, rifles e revólveres estava à vista diante do público. Buck encolheu os ombros. Somente Deus poderia destruir tudo aquilo. Portanto, o processo era simples: Ou você acredita ou não acredita.

Havia muito tempo que Buck optara por acreditar, e esforçou-se para conter um sorriso. Ao lado dele, aparentemente calmo mas nem um pouco confortável, estava o mais improvável líder de um milhão de pessoas. Buck mal podia esperar para ver como Deus agiria.

Naquele momento, milhares de funcionários da CG já haviam recebido a marca da lealdade e congestionavam a área, comemorando. Seus superiores imediatos ordenaram que retornassem a seus postos e veículos. De repente, o Monte do Templo voltou a ficar animado. Homens e mulheres, com ares de gerentes de médio escalão, formaram um círculo diante dos centros de aplicação, avisando, por meio de megafones, aos que acabaram de receber a marca que sua obrigação espiritual para o dia estava ainda pela metade.

- A adoração à imagem não é opcional! - eles gritaram. - Seu trabalho só terminará quando vocês se ajoelharem diante da imagem de seu senhor, a imagem viva, que respira e fala.

Aparentemente, ninguém tinha a intenção de livrar-se da obrigação. Quase todos eram jovens e estavam empolgados, entusiasmados com seu trabalho. Eles presenciaram as manifestações de poder. Viram o potentado. Sabiam que a apropriação do templo de Jerusalém por Nicolae era o mesmo que instalar residência na mesquita da Cúpula da Rocha, ou mudar-se para o local que um dia abrigou a Basílica de São Pedro, em Roma. Com isso, Nicolae passaria a ser, de uma vez por todas, o verdadeiro deus de tudo e de todos. E, se ainda restava um último suspiro aos que compunham a resistência patética e enfraquecida, se eles ainda acreditavam que havia um ser mais alto que Sua Excelência, onde estariam? Será que ousariam revelar sua verdadeira lealdade diante de fatos tão aterradores?

Agora, a multidão barulhenta voltou a acalmar-se. Os megafones foram desligados. As atividades na fila cessaram. Carpathia apareceu com seu manto branco, sandálias douradas e cinto reluzente, sorrindo, postando-se um degrau acima de sua imagem, com os braços abertos. O silêncio deu lugar a um vozerio ensurdecedor. Será que ele falaria? Tocaria em seus adoradores? Algumas pessoas deviam ter pensado a mesma coisa. As que estavam ajoelhadas nos degraus levantaram-se lentamente e começaram a ir ao encontro de Carpathia.

Ele as deteve com um gesto e fez um sinal com a cabeça em direção à fila que se formara diante do centro de aplicação da marca.

Imediatamente, os membros da mais alta hierarquia militar apresentaram-se com toda a pompa, trajando farda de gala, luvas brancas, dragonas largas e botões tão reluzentes quanto seus sapatos de couro. O imponente pelotão, composto de duas dúzias de homens e mulheres, marchou de cabeça erguida até o início da fila. Depois de receberem a ordem de descansar, eles tiraram os quepes.

Um a um, eles se submeteram orgulhosamente à aplicação da marca da lealdade na testa. Vários pediram que o número de suas regiões fosse gravado em formato grande e escuro, para ser visto de longe.

Enquanto os últimos desse pelotão recebiam a marca, o povo alvoroçou-se novamente quando 12 membros do Supremo Gabinete perfilaram-se na área da plataforma. Os três últimos desse contingente eram Suhail Akbar, Walter Moon e Viv Ivins. Enquanto os militares se ajoelhavam nos degraus do templo, adorando Carpathia e sua imagem, os membros do gabinete também receberam a marca e se dirigiram ao local de adoração.

Carpathia, com expressão de benevolência, continuou no mesmo lugar, ao lado e um pouco acima da estátua, gesticulando diante daquelas humildes demonstrações de lealdade. A multidão aplaudiu quando o Sr. Akbar virou-se para mostrar o enorme 42 que tomava conta de sua testa bronzeada. Em seguida, o Sr. Moon exibiu o seu -6. Viv Ivins, a última da fila, optou por ajoelhar-se no chão enquanto recebia a marca. Depois, levantou-se lentamente e virou-se. Buck não conseguiu ver o número que foi posto em sua testa, mas sabia que sua naturalidade romena fazia parte dos Estados Unidos Carpathianos e que seu número discreto deveria ser 216.

Os membros do Supremo Gabinete enfileiraram-se solenemente na escada do templo assim que os militares saíram. Eles subiram os degraus de joelhos e abraçaram os pés da estátua, com os ombros tremendo de emoção. Carpathia observou cada um e os dispensou, colocando a mão aberta sobre suas cabeças.

Apenas Viv Ivins continuou na base da escada. O povo prendeu a respiração quando ela tirou os sapatos com gestos delicados, levantou a barra da saia e começou a subir os degraus da escada de joelhos, de modo lento e desajeitado. Sua meia desfiou ao primeiro contato com o mármore, mas o povo suspirou, solidarizando-se encantado com sua disposição de humilhar-se publicamente.

Quando, finalmente, chegou ao antepenúltimo degrau, ela abraçou a estátua rapidamente. Em seguida, subiu os degraus restantes e prostrou-se diante de Nicolae, beijando-lhe os pés. Ele ergueu o rosto para o céu como se aquela fosse a maior homenagem que poderia receber. Quando ele fez menção de ajudá-la a se levantar, ela segurou suas mãos e as beijou. Depois, enfiou a mão no bolso e pegou um frasco, que Buck imaginou ser de perfume, e derramou o conteúdo sobre os pés de Nicolae.

Mais uma vez, Carpathia simulou um olhar de humildade e encolheu os ombros para a multidão. Finalmente, após ter ajudado Viv Ivins a se levantar, deixando-a um degrau abaixo dele, Nicolae virou-a de frente para o povo e pousou as mãos nos ombros da sua admiradora. Quando os aplausos cessaram, Nicolae comunicou:

- Vou acompanhar pessoalmente, de um lugar seguro e privilegiado, a noite inteira, se for necessário, até que o último devotado cidadão de Jerusalém receba a marca da lealdade e adore minha imagem. E amanhã, ao meio-dia, subirei ao meu trono, em minha nova casa. Darei início às novas cerimônias, e vocês verão novamente a "amiga" que me acompanhou, sempre que possível, durante a jornada de hoje. E vocês serão conduzidos à adoração pelo Reverendíssimo Pai do Carpathianismo.

Nicolae acenou para todos os lados despedindo-se, e as filas recomeçaram sua caminhada em direção aos centros de aplicação da marca.

- Estou cansado - disse Buck. - Não seria melhor voltarmos ao hotel para descansar e orar, preparando-nos para amanhã?

Chaim negou com a cabeça.

- Vá você, meu amigo. Sinto que o Senhor deseja que eu fique.

- Aqui? Chaim assentiu.

- Vou ficar com você - disse Buck.

- Não, você precisa descansar.

- Quanto tempo você vai ficar aqui?

- Até o momento do confronto.

Buck sacudiu a cabeça e aproximou-se de Chaim.

- Será antes ou depois da profanação? - Buck perguntou.

- Deus ainda não me revelou.

- Chaim, não posso abandoná-lo. E se alguma coisa acontecer a você?

O ancião dispensou-o com um gesto.

- Não posso, Chaim! Se eu deixá-lo a noite inteira aqui, jamais me perdoarei.

- O que pode acontecer?

- Tudo. Se você ficar aqui até que a última marca seja aplicada, todos verão que você não a recebeu. Tenho motivos para pensar que Carpathia ficará vigiando, conforme ele disse. Ele não tem mais necessidade de dormir, Chaim. Vai ficar sabendo.

- De qualquer jeito, ele vai ficar sabendo, Cameron. Agora vá. Eu insisto.

- Preciso conversar com nosso pessoal. Isto é uma loucura.

- Como assim? Cameron, você acredita que Deus me escolheu para esta missão?

- Claro, mas...

- Ele está dizendo para eu ficar e preparar-me. Sozinho. Buck pegou seu celular e tentou pedir:

- Deixe-me apenas...

- Vou assumir total responsabilidade pelas conseqüências. Minha inspiração está dentro do bolso. A jovem que exemplificou o supremo ato de obediência encorajou-me certa vez, embora fosse mais neófita do que eu, em assuntos referentes a Deus. Você deve voltar para o hotel, descansar e orar por mim.

- Deus lhe disse isso também? Chaim sorriu tristemente e confessou:

- Não com todas as letras, mas eu estou lhe dizendo que vá.

Buck estava perdido. Deveria fingir afastar-se dali e ficar vigiando de algum lugar? Ele já havia feito isso antes. Foi ali perto, no lugar onde ele viu as duas testemunhas ressuscitarem e subirem ao céu.

- Vejo que sua mente está girando, Buck. Faça o que estou dizendo. Se for verdade que fui incumbido desta missão, a ordem deve ter vindo acompanhada de um pouco de responsabilidade de liderança.

- Liderança apenas para um milhão de pessoas.

- E você não está incluído?

- Não sou judeu messiânico, doutor. Não faço parte dos remanescentes de Israel.

- Mas certamente deve obedecer àquele que é responsável por tantas pessoas.

- Não estou acompanhando sua lógica.

- Ah, Cameron! Se tudo isto tivesse lógica, o que eu estaria fazendo aqui? Olhe para mim! Um velho, um cientista. Eu deveria estar sentado numa cadeira de balanço. Mas aqui estou, um estranho para mim mesmo, tentando dizer a Deus que Ele cometeu um erro. Mas Ele não vai me ouvir. Ele é mais obstinado do que eu. Ele usa os simples para confundir os sábios. Os caminhos dele não são os nossos caminhos.

A completa falta de lógica de sua escolha força-me a ser relutante em aceitar a verdade. Estou pronto? Não. Estou disposto? Talvez. Depois desta noite, devo seguir em frente, querendo ou não. Se acredito que Ele irá adiante de mim? Preciso acreditar.

Para Buck, parecia que ele e Chaim estavam sozinhos no meio de um mar de gente. Buck bateu o pé com força no chão.

- Chaim, eu...

- Cameron, eu gostaria que você me chamasse de Miquéias.

- Miquéias?

- Sim.

- Não estou entendendo.

- Eu não seria tão tolo a ponto de chamar-me de Moisés. E não vou revelar meu nome verdadeiro a Nicolae, a menos que esta seja a vontade de Deus.

- Você vai dizer a ele que é Miquéias? E por que não Tobias Rogoff? Zeke providenciou os documentos e...

- Pense um pouco e você entenderá.

- Eu não devo mais portar minha identidade falsa? Você tem um novo nome para mim?

- Você não vai precisar de um nome.

- Você parece muito certo disto.

- É verdade.

- Então não devo portar nenhuma identidade?

- Seus documentos dizem que você é Jack Jensen. Se alguém os conferir, vai saber que você faz parte das Forças Pacificadoras. Como vai explicar que um cabo da CG está colaborando com o líder da oposição?

- Quer dizer que devo andar sem documentos e, se eles me perguntarem quem sou, serei acusado de andar à toa.

- Vou identificá-lo como meu assistente, e isto será suficiente para eles.

Buck olhou para o outro lado e revelou:

- Eu gostava mais quando você era menos seguro de si.

- Cameron, você é um sujeito errante nesta vida. Todos nós o somos. Somos estrangeiros neste mundo, sem teto para morar.

Buck enfiou as mãos nos bolsos. Ele não podia acreditar. O ancião o persuadira. Deixaria seu velho amigo sozinho durante a noite com o inimigo. O que estaria havendo com ele?

- Miquéias? - foi o que Buck conseguiu dizer.

- Vá - disse Chaim. - Converse com seus companheiros e com sua família. E pense em meu novo nome. Você entenderá.

 

O sol de fim de tarde formava lindas e interessantes sombras na deslumbrante arquitetura de Petra. David encontrou uma malha de lã e colocou-a sobre os ombros, enquanto descia do lugar alto pagão para uma das cidades mais extraordinárias que já foi construída.

As várias edificações compostas de túmulos, santuários e locais de reuniões haviam sido esculpidas milênios antes no impressionante arenito vermelho. Apesar de sua história primitiva ser grandemente especulativa, o local transformou-se em atração turística no século XIX. David se perguntava como os novos habitantes desse lugar estranho fariam para conseguir acomodações confortáveis na rocha sólida. Tsion havia ensinado que Deus prometera que enviaria alimento do céu e que as roupas não se gastariam. Mas o que eles usariam para substituir o material de isolamento, as paredes internas e outros confortos da vida moderna?

O local era extenso. Muitas de suas famosas edificações - o tesouro do faraó, o anfiteatro de 5.000 lugares, os vários túmulos - eram interligadas por um sistema de desfiladeiros e canais represados e redirecionados pelas diversas civilizações que habitaram a área.

Por ter chegado de helicóptero, David teve de descer a pé até o nível principal, para encontrar a única passagem estreita que dava acesso ao interior. Com paredes de pedras de cerca de cem metros de altura ladeando uma trilha que, em determinados pontos, tinha pouco mais de dois metros de largura, não era de admirar que a maioria dos turistas fizesse o percurso montada em camelo, jumento ou cavalo. A Operação Águia transportaria a maioria do pessoal de helicóptero, porque um número tão grande de israelenses fugitivos - um milhão - não resistiria se tivesse de atravessar a pé a passagem estreita de cerca de um quilômetro e meio de extensão.

Agora David entendia por que, há milhares de anos, a cidade havia sido um perfeito lugar de defesa. Tsion ensinou que os edomitas, habitantes do local nos tempos de Moisés, não permitiram que os israelitas o atravessassem. Porém, com a alta tecnologia do mundo moderno, somente um , milagre poderia proteger de um ataque aéreo os inocentes desarmados. David concluiu que, sem a mão de Deus, aquele lugar seria ideal para uma emboscada, e não para refúgio.

O conforto pessoal deixara de existir na vida de David. De agora em diante, não haveria momentos de lazer. Até o dia do Glorioso Aparecimento, aquele seria o lugar de ação, onde os milagres seriam a ordem do dia. O povo de David habitaria essa cidade, e eles seriam preservados de enfermidade e morte, protegidos contra os inimigos até o dia em que o Messias os libertasse. Se para testemunhar isso fosse necessário dormir em cima de uma pedra, este seria um preço pequeno a ser pago.

David certificou-se de que seu laptop havia armazenado energia solar suficiente para permanecer em funcionamento durante a noite na caverna. Na solidão do topo do único mundo que ele agora conhecia, lendo a mensagem de Tsion sobre o que o Anticristo supostamente faria, monitorando as notícias veiculadas ao estilo carpathiano, e comunicando-se com seus companheiros, David sentia que esses eram seus únicos elos com a humanidade.

Dentro de 24 horas, ele esperava ter a companhia de um número tão grande de pessoas que seria difícil saber como agir. Embora a área fosse extensa, a acomodação de um milhão de pessoas ao redor da grande cidade de pedra era um problema que só Deus poderia resolver. David aprendera a não duvidar nem questionar; apenas observar e constatar.

 

Depois de conversar com seus companheiros e fazer o possível para explicar como pôde deixar o Dr. Rosenzweig sozinho, Buck passou aquela noite no Hotel Rei Davi, vendo TV, com a Bíblia de Chaim diante de si. Ele leu o livro de Miquéias, traçando paralelos entre a Jerusalém da época do profeta e a Jerusalém de sua época, e notou a referência a Moisés.

Evidentemente, o livro tratava de uma lúgubre promessa do julgamento de Deus. Mas Buck não era teólogo para decifrar o que tudo isso significava para Chaim. As profecias pareciam tratar mais da primeira vinda de Cristo do que do Arrebatamento ou do Glorioso Aparecimento. Mas, talvez, Chaim estivesse planejando usar algumas palavras e frases do livro, no momento de enfrentar Carpathia. Os noticiários da TV exibiam cenas dos eventos do dia.

Pelo menos agora a morte de Hattie não estava sendo encoberta, como no momento da transmissão ao vivo. Apesar de não ter sido identificada - a morte de uma mulher que eles já consideravam morta devia ser um enigma para a CG - ficou claro que ela morreu por sua coragem de falar contra o soberano desta terra.

A CG não relatou o fato dessa maneira, é claro, mas enalteceu o evento, utilizando-o como exemplo vivo da divindade proclamada por Carpathia e da confirmação de que ele transferira a Fortunato poderes espirituais para fazer milagres.

Buck estava exausto, quase a ponto de adormecer. Mas continuava a olhar para o teto, no escuro, ansioso por voltar ao Monte do Templo assim que o dia começasse a clarear. Ele relembrou a insistência do amigo em ser chamado de Miquéias e não de Chaim. Os nomes pairavam em sua mente. E ele adormeceu.

 

No meio da tarde, em Chicago, o Dr. Tsion Ben-Judá imprimiu a mensagem que planejava enviar pelo site mais popular na época. Ele pediu a Ming e Chloe que a revisassem. Elas se sentaram e leram juntas.

 

            Aos meus queridos santos da Tribulação, crentes em Jesus Cristo, o Messias e nosso Senhor e Salvador, e aos curiosos, indecisos e inimigos de nossa fé:

            Agora tornou-se evidente que Nicolae Carpathia, aquele que se autodenomina rei deste mundo, e a quem identifiquei (com a autoridade das Sagradas Escrituras) como Anticristo, planejou um ato que a Bíblia chama de profanação do templo. Ele conta com a ajuda de seu Falso Profeta Leon Fortunato, a quem foi concedido o audacioso título de Reverendíssimo Pai do Carpathianismo.

            Da mesma forma que ocorre com cada conspiração e esquema que o Anticristo acredita ser produto de sua mente criativa, esse evento também foi profetizado na infalível Palavra de Deus. O profeta Daniel, do Antigo Testamento, escreveu que, neste período da História, o "rei fará o que bem entender. Ele se exaltará e se engrandecerá acima de todos os deuses e dirá coisas jamais ouvidas contra o Deus dos deuses" (Daniel 11.36 -NVI).

            O profeta também disse que "muitos países cairão", mas Edom é um daqueles que "ficarão livres da sua mão" (Daniel 11.41 - NVI). É lá, meus amigos, que se localiza Petra. Infelizmente, "o Egito não escapará, pois esse rei terá o controle dos tesouros de ouro e de prata e de todas as riquezas do Egito; os líbios e os núbios [etíopes] a ele se submeterão" (Daniel 11.42-43 - NVI).

            O Anticristo já começou a cumprir a profecia de que ele "partirá para destruir e aniquilar muito povo". Felizmente, um dia "ele chegará ao seu fim, e ninguém o socorrerá" (Daniel 11.44-45 - NVI).

            A profecia também diz que o grande arcanjo Miguel se levantará "naquela ocasião". Ele é mencionado como "o grande príncipe que protege o seu povo", referindo-se aos remanescentes de Israel, aqueles judeus que, como eu passaram a acreditar que Jesus é o Messias. Louvado seja Deus, porque Daniel também prediz que, "naquela ocasião o seu povo, todo aquele cujo nome está escrito no livro, será liberto" (Daniel 12.1 - NVI).

            Pelas minhas mensagens anteriores, vocês já ficaram sabendo que o livro ao qual o profeta se refere é o Livro da Vida do Cordeiro, no qual estão escritos os nomes daqueles que creram em Cristo como seu Salvador.

            Embora eu não possa ser mais específico neste momento, em razão da divina experiência que uma mui amada companheira nossa sofreu dias atrás, creio que Miguel, o arcanjo, está vigiando e que a libertação se aproxima.

            O próprio Jesus referiu-se às profecias de Daniel quando advertiu sobre o "abominável da desolação... no lugar santo" (Mateus 24.15). Acredito que Ele estava falando da profanação planejada pelo Anticristo.

            Muitas pessoas estavam confusas, antes do arrebatamento da igreja, e acreditaram que era a esse evento que Paulo se referiu, em sua Segunda Epístola aos Tessalonicenses, quando menciona: "quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele" (2 Tessalonicenses 2.1 -NVI). Podemos nos regozijar, porque agora ficou claro que Paulo estava falando do Glorioso Aparecimento. Paulo escreve: "Não deixem que ninguém os engane de modo algum. Antes daquele dia virá a apostasia e, então, será revelado o homem do pecado, o filho da perdição. Este se opõe e se exalta acima de tudo o que se chama Deus ou é objeto de adoração, chegando até a assentar-se no santuário de Deus, proclamando que ele mesmo é Deus" (2 Tessalonicenses 2.3-4-NVI).

            Nossa esperança está depositada na promessa de que "será revelado o perverso, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca e destruirá pela manifestação de sua vinda. A vinda desse perverso é segundo a ação de Satanás, com todo o poder, com sinais e com maravilhas enganadoras. Ele fará uso de todas as formas de engano da injustiça para os que estão perecendo, porquanto rejeitaram o amor à verdade que os poderia salvar" (2 Tessalonicenses 2.8-10 - NVI).

            Agora que a verdade está tão clara, nós nos perguntamos, com certa freqüência, por que razão ainda existem pessoas que não aceitam a Cristo. É por causa do próprio engano! Conforme Paulo diz acima, as pessoas não acolheram o amor da verdade. Ele diz: "Por essa razão Deus lhes envia um poder sedutor, a fim de que creiam na mentira, e sejam condenados todos os que não creram na verdade, mas tiveram prazer na injustiça" (2 Tessalonicenses 2.11-12 - NVI). Vocês são capazes de imaginar? Há pessoas que conhecem a verdade, sabem que seu futuro é tenebroso, e, mesmo assim, continuam a ter prazer na injustiça! Se você for uma dessas pessoas, aqui vai um aviso: Por causa de sua rebelião, Deus pode ter endurecido de tal forma o seu coração que você não poderá mudar de idéia, mesmo que este seja o seu desejo.

            Agora, se o texto a seguir não for uma descrição dos dois que estão roubando as almas de todos os homens e mulheres, não tenho outra explicação para dar: "...e adoraram o dragão porque deu a sua autoridade à besta; também adoraram a besta, dizendo: Quem é semelhante à besta? Quem pode pelejar contra ela? Foi-lhe dada uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias e autoridade para agir quarenta e dois meses; e abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para lhe difamar o nome e difamar o tabernáculo, a saber, os que habitam no céu. Foi-lhe dado também que pelejasse contra os santos e os vencesse. Deu-se-lhe ainda autoridade sobre cada tribo, povo, língua e nação; e adorá-la-ão todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo" (Apocalipse 13.4-8).

            O que poderia ser mais claro? Se você está em Cristo, terá salvação eterna, a despeito de tudo o que teremos de suportar nestes próximos três anos e meio. Se ainda não se decidiu, faço um apelo para que você se decida enquanto ainda tem condições. O fato de Deus ter endurecido o coração de muitas pessoas - uma verdade na qual não conseguíamos acreditar tempos atrás - demonstra claramente o perigo de adiar a entrega de sua vida a Cristo.

            Oro a Deus para que um dia Ele me conceda o privilégio de falar pessoalmente aos crentes de Israel, que em breve serão conduzidos ao lugar seguro, fora do alcance das mãos perniciosas do Anticristo. Irmãos e irmãs no Senhor, oro para que os eventos finais deste período da Tribulação, que agora chega à sua metade, sejam esclarecedores e anunciem o tempo que ainda nos resta antes do Glorioso Aparecimento.

                                   Seu irmão em Cristo, Tsion Ben-Judá

 

Tsion ficou intrigado com a atitude das duas jovens senhoras. Elas haviam terminado a leitura, mas, em vez de manifestarem sua opinião, estavam cochichando entre si. Ele limpou a garganta e olhou para seu relógio.

- Ming teve uma idéia maravilhosa, Tsion - disse Chloe. - Ela acha que Chang tem condições de piratear a transmissão da CNNCG e levar seus ensinamentos ao ar, em resposta à próxima mensagem de Nicolae ao mundo.

- O quê? Colocar o texto de minha mensagem na tela da TV?

- Não - respondeu Ming. - Você. Ao vivo. Você poderia debater cada ponto.

- Mas como?

- Vou verificar com Chang.    A câmera pequena acima de seu monitor, Tsion, aquela que você usa agora apenas para projetar sua imagem ao Comando Tribulação quando o pessoal está fora de Chicago, também poderia ser usada para uma transmissão pela TV.

- Você acha que podemos correr o risco de dar uma pista de onde nós estamos?

- Teríamos de trabalhar para evitar isso, é claro.

- Essa missão não é da competência do Dr. Rosenzweig? - disse Tsion. - Não é ele quem vai contra-atacar o Anticristo?

- Provavelmente, sim - disse Chloe. - De qualquer forma, o confronto entre os dois será transmitido ao mundo inteiro.

- Então, para que eu seria necessário?

- Assim que se iniciarem os vôos a Petra, Nicolae vai falar contra você e contra nós, os judaístas, conforme ele nos chama. Será igual a uma brincadeira de pega-pega. Quando Chaim não estiver mais lá para se opor a Nicolae, você debaterá com ele, usando a rede de TV, de propriedade do próprio Nicolae - disse Ming.

Tsion aceitou o manuscrito de volta, em silêncio, e acionou a tecla de transmissão da mensagem.

- Gosto de sua maneira de pensar, Sra. Toy - ele disse.

- Eu também - complementou Chloe. - Eu só gostaria que você tivesse mencionado o nome de Hattie, ou tivesse dito que ela foi membro do Comando Tribulação.

- Eu não quis deixar transparecer que temos pessoal naquela área, embora esteja certo de que a CG imagine isso.

- Mesmo assim, Tsion - disse Chloe -, você mencionou o nome de Petra.

O rabino cobriu a boca com a mão e confirmou, assustado:

- É mesmo! Eu mencionei!

- Eu ia fazer esse comentário antes de você transmitir a mensagem - disse Chloe.

- Foi por isso que pedi que você a revisasse.

- Sinto muito, Tsion. Achei que você tinha motivos para isso.

- A culpa não é sua - ele disse, desabando na cadeira. - Onde eu estava com a cabeça?

 

Rayford arregalou os olhos quando o dia começou a clarear. Ele havia tomado uma decisão sobre o assunto que o atormentara a noite inteira. Leah e Hannah tinham abastecido e aprontado a unidade médica móvel. Portanto, Leah poderia fazer um trabalho duplo, isto é, acompanhar a chegada e a saída dos israelenses. Isso significava que Rayford não precisaria ficar em Mizpe Ramon. Seria um piloto a mais para transportar o povo de helicóptero.

Ele se vestiu rapidamente e encontrou a pista de decolagem em plena atividade. O sol começava a despontar no horizonte, e Rayford se deu conta de que, em breve, ele e seus companheiros começariam a contagem regressiva para o fim, o verdadeiro fim - o Glorioso Aparecimento e o Reinado de Mil Anos.

            Evidentemente, muitas coisas ainda teriam de acontecer. Mas o ritmo acelerado das últimas semanas abriria caminho para as preciosas calmarias entre os julgamentos finais de Deus antes da Batalha do Armagedom. Em seguida, o ritmo voltaria a acelerar-se. Como ele gostaria de ter pelo menos um pouco de descanso entre um momento e outro de perigo!...

Rayford empurrou os cabelos para trás e colocou o quepe de piloto. Os próximos dias determinariam se ele ou seus queridos sobreviveriam até o fim.

Buck regulou a água do chuveiro para que ela ficasse o mais quente possível, mas o Hotel Rei Davi devia ter instalado uma espécie de controle da temperatura. Após alguns minutos, a água tornou-se tépida e, depois, fria. Em razão da falta de pessoal e de energia, não poderia haver desperdícios.

Buck pôs apenas um pouco de dinheiro no bolso para completar o tanque de combustível do carro. Seguindo o conselho de Chaim, ele deixou a carteira e a identidade no quarto do hotel. Foi mais difícil encontrar lugar para estacionar do que no dia anterior, e ele teve de andar uns 800 metros a pé até chegar às ruas que se encontravam cercadas dos dois lados por viaturas vazias, usadas para transportar militares.

Embora fosse cedo, o Monte do Templo estava começando a lotar. Os telões eram visíveis de todos os pontos, e, enquanto aguardavam as festividades do meio-dia, as pessoas passavam o tempo vendo as imagens levadas ao ar pela CG e acenando quando se viam na tela.

Para grande alívio de Buck, Chaim estava a vista, perto do local onde as duas testemunhas tinham se revezado - uma sentava, enquanto a outra pregava. Buck caminhou apressado até lá. Chaim estava sentado no chão, com os braços passados ao redor dos joelhos, olhando para o céu.

- Bom dia, Chaim.

O homem não respondeu.

- Sinto muito - Buck complementou rapidamente. - Miquéias.

Chaim deu um sorriso amarelo e virou-se para ele.

- Cameron, meu amigo.

- Você comeu alguma coisa?

- Continuo satisfeito - respondeu Chaim.

- Extraordinário.

- Deus é bom.

- E Ele lhe deu coragem, força, poder? - insistiu Buck.

- Estou pronto.

Chaim não parecia pronto. Na verdade, parecia mais cansado que no dia anterior.

- Você dormiu? - Buck perguntou.

- Não. Mas descansei.

- Como isso funciona?

- Não há nada melhor que descansar no Senhor - disse Chaim, como se tivesse feito isso a vida inteira.

- E o que vai acontecer agora? - Buck quis saber. - Qual é o plano?

- Deus o revelará. Ele me mostra apenas o que necessito saber e quando preciso sabê-lo.

- Excelente.

- Notei sarcasmo, Cameron.

- Desculpe-me. Sou uma espécie de planejador de seu trabalho e realizador de seus planos.

Chaim apoiou-se na mão de Buck e se levantou com dificuldade. Gemeu quando suas articulações estalaram.

- Mas este não é meu plano nem meu trabalho, você entende - ele disse.

- Acho que sim. Vamos ficar aqui esperando?

- Oh, não, Cameron. Eu também não vou ter paciência de aguardar até o meio-dia.

- E se Carpathia não aparecer até lá?

- Um rebuliço vai obrigá-lo a aparecer.

Buck achou a observação intrigante, mas aquele homem frágil e idoso não aparentava ser capaz de provocar um rebuliço. Estaria Chaim esperando que Buck fizesse alguma coisa? Sem nenhum documento no bolso? Sem a marca? Buck estava disposto, mas ainda não sabia qual seria a reação de Chaim.

- Quando eles pararam de aplicar a marca? - Buck perguntou.

- Ainda não pararam. Veja as duas filas continuam ali, mas um dos postos parece estar prestes a fechar, apesar do grande número de pessoas aguardando. Você não notou nada esta manhã, Cameron?

- O que eu poderia ter notado?

- A diferença entre hoje e ontem. Buck olhou ao redor e observou:

- A multidão está maior e chegou mais cedo. Os veículos militares continuam cercando a Cidade Velha. Mas por que eles estão fechando o posto se ainda há pessoas aguardando? E por que eles não terminaram ontem à noite? Apareceu mais gente?

- Que belo jornalista você é!

- Está bem. O que eu perdi?

- Você mesmo disse. Os veículos continuam lá.

- E daí? É uma demonstração de força. Carpathia deve estar esperando oposição hoje.

- Eles não iriam embora para ter de voltar depois - disse Chaim. - Você acha que os soldados dormiram nesses caminhões? Não. Eles têm acomodações, centros, lugares para ficar.

- Está bem...

- Quantos soldados você viu nos caminhões hoje?

- Para ser honesto, Chaim, isto é, Miquéias, eu estava preocupado com seu bem-estar, querendo saber se você continuava aqui. Passei muito rápido por eles e não prestei atenção.

- É claro que não prestou. Veja. Agora eles estão conduzindo o que restou daquela fila para o único posto que continua aberto.

- Suponho que você saiba por quê.

- Claro - disse Chaim.

- E você nem sequer é jornalista. Vamos, diga-me.

- Eles encerraram aquela fila pelo mesmo motivo pelo qual há, hoje, no Monte do Templo, mais gente do povo do que funcionários da CG.

Buck virou-se, olhou ao redor e exclamou, admirado:

- Claro. Onde eles estão?

- Eles estão sofrendo. Em breve estarão nas mesmas condições que o pobre Sr. Fortunato, cujo sofrimento, a esta altura, deve ser terrível. Como o nosso Deus foi engenhoso quando plantou na cabeça de alguém a brilhante idéia de colocar na primeira fila, e em primeiro lugar, os funcionários da CG! Eles receberam a marca da besta. Depois, adoraram a imagem da besta. E agora são vítimas do que diz Apocalipse 16.1-2.

- A praga das úlceras! - sussurrou Buck.

Chaim olhou para ele com ar de aprovação e um sorriso de boca fechada. Em seguida, afastou-se de Buck e dirigiu-se a uma área aberta. Buck tropeçou e quase caiu de susto ao ouvir os sons fortes e profundos que partiram da garganta do homenzinho. A voz de Chaim era tão alta que todos pararam para olhar. Buck teve de tampar os ouvidos. Chaim gritava a plenos pulmões:

- "Ouvi, vinda do santuário, uma grande voz, dizendo aos sete anjos: Ide, e derramai pela terra as sete taças da cólera de Deus. Saiu, pois, o primeiro anjo e derramou a sua taça pela terra, e, aos homens portadores da marca da besta e adoradores da sua imagem, sobrevieram úlceras malignas e perniciosas."

Os milhares de pessoas que andavam a esmo por ali quase caíram de costas diante da voz penetrante, e Buck assustou-se com a postura de Chaim. Ele tinha o corpo ereto e parecia mais alto; seu peito arfava quando ele inalava ar entre uma frase e outra. Seus olhos estavam flamejantes, as mandíbulas cerradas, e ele gesticulava com as mãos fechadas.

Os curiosos começaram a aglomerar-se em volta do ancião de manto marrom.

- O quê? - perguntou alguém. - O que você está dizendo?

- Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça! Certamente o Deus do céu julgou o pecado do homem, e aqueles que receberam a marca da besta e adoraram sua imagem não terão descanso algum!

- Velho maluco! - gritou alguém. - Você vai ser morto!

- Vamos ver sua cabeça rolando antes que você perceba, seu velho! - gritou outro.

Como se fosse possível, Chaim gritou mais alto ainda. Ele não necessitava de amplificadores de som, porque era óbvio que todos ali o ouviam. Ele continuava:

- Que ninguém se atreva a enfrentar o escolhido de Deus! O povo ria e zombava:

- Você é o escolhido? Onde está o seu Deus? Será que ele pode fazer o que o nosso potentado ressurreto faz? Você quer que desça fogo do céu para transformá-lo num monte de cinzas?

- Eu exijo uma audiência com o maligno! - reclamava Chaim. - Ele precisa prestar contas ao único e verdadeiro Deus, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó! Que ele não se atreva a tocar nos remanescentes de Israel, pessoas que acreditam no Deus Altíssimo e em seu Filho, o Messias, Jesus de Nazaré!

- É melhor você...

- Silêncio! - bradou Chaim, e sua voz ecoou nos muros, deixando a multidão boquiaberta.

Três jovens armados e fardados, entre eles uma moça, apareceram.

- Seus documentos, senhor - ela disse.

- Eu não tenho documentos nem preciso deles. Estou aqui sob a autoridade do Criador do céu e da terra.

- Não vejo nada em sua testa. Deixe-me ver sua mão. Chaim lhe mostrou as costas de sua mão direita, dizendo:

- Contemple a mão do servo de Deus.

A moça levantou o rifle e cutucou o braço de Chaim, tentando conduzi-lo à fila da aplicação da marca. Ele não se mexeu.

- Vamos, o senhor deve estar bêbado ou mal nutrido. Evite problemas para nós dois. Receba a marca.

- E depois adorar a imagem de Carpathia?

Ela lançou-lhe um olhar fulminante e apontou-lhe a arma.

- Refira-se a ele como Sua Excelência, Sua Divindade ou potentado ressurreto.

- Vou me referir a ele como Satanás encarnado!

Ela engatilhou a arma e encostou o cano no peito de Chaim. Buck deu um passo à frente, temendo o disparo e temendo ver seu caro amigo tombar no chão. Mas a moça não se moveu, nem sequer piscou. Chaim olhou para os companheiros dela.

- Quando vocês receberam a marca? - ele perguntou. Ambos ergueram as armas.

- Fomos os últimos - disse um deles.

- E vocês adoraram a imagem?

- Claro.

- Vocês também vão sofrer. As úlceras já começaram a aparecer no corpo de vocês.

Os homens se entreolharam.

- Senti uma coisa estranha na parte interna do meu antebraço. Veja - disse um deles.

O outro disse:

- E você vai parar? Temos de atirar neste homem, e é o que vou fazer.

- Atire nele! - gritou uma mulher. - O que há de errado com seu supervisor?

Ambos olharam para ela com ar de seriedade. Um deles disse a Chaim:

- Senhor estamos pedindo que entre na fila para receber a marca. Obedeça, ou vai ter de arcar com as conseqüências.

- Ainda não é chegada a hora de meu martírio, jovem. Quando o momento chegar, curvar-me-ei orgulhosamente diante da lâmina, adorando o Deus do céu. Mas agora, a menos que você queira ficar paralisado, vai ter de dizer aquele a quem você adora que exijo ter uma audiência com ele.

Um deles se afastou e falou num walkie-talkie.

- Eu sei, senhor. Mas a cabo Riehl está incapacitada e... - O quê?

- Ele a paralisou, senhor, e...

- Como?

- Não sabemos! Ele está exigindo...

- Atire para matar!

O jovem encolheu os ombros, e ambos apontaram os rifles para Chaim.

- Dê-me isto aqui! - disse Chaim, agarrando o walkie-talkie.

Então, ele apertou o botão e bradou:

- Seja você quem for, diga a esse tal de potentado que Miquéias exige ter uma audiência com ele.

- Como você conseguiu esse rádio? - perguntou a voz.

- Diga a ele que venha ao meu encontro. Eu e meu assistente estamos no centro do Monte do Templo, ao lado de três guardas em estado catatônico.

- Eu o estou avisando de que...

Chaim desligou o walkie-talkie. Em questão de segundos, meia dúzia de guardas, dois à paisana, avançaram empunhando armas.

- O senhor não pode exigir uma reunião com o potentado Carpathia - disse um deles.

- Posso, sim! - gritou Chaim. E os seis olharam para seus colegas paralisados.

- Bem, senhor, qual é o seu nome?

- Pode me chamar de Miquéias.

- Está bem, Sr. Miquéias. O potentado está no Knesset, onde foram instalados seus aposentos em Jerusalém. O senhor poderia nos acompanhar até lá e pedir...

- Estou exigindo que a reunião com ele seja aqui. E diga-lhe que, se ele se recusar, mais gente sofrerá e morrerá. Estou preparado para lançar novamente as pragas invocadas do céu pelas duas testemunhas! Diga a ele que traga seu pessoal médico para tratar das úlceras e carbúnculos de vocês com a água que se transformou em sangue.

 

David não sabia ao certo que horas eram quando um ruído de equipamento pesado o acordou. Ele percebeu imediatamente do que se tratava. Achou estranho o Dr. Ben-Judá ter mencionado Petra em sua mensagem ao mundo inteiro, e não havia dúvida de que o inimigo havia monitorado o site.

Na escuridão da madrugada, David arrastou-se até o lugar alto. A iluminação produzida pelas estrelas não era suficiente. Sem conseguir enxergar o lugar por onde passava, ele esfolou as canelas, machucou os pés e caiu várias vezes, arranhando as mãos e os braços nas pedras. Depois de acostumar os olhos à escuridão, ele viu que, abaixo do lugar onde estava, havia tanques e artilharia da CG, que formavam um semicírculo e cercavam a área. Embora houvesse apenas um ou outro farol aceso, David constatou que eles haviam fechado a entrada principal para veículos e pedestres, e cercado os locais onde os helicópteros lançariam os mantimentos e provisões. David acreditava que Deus prometera proteger os filhos de Israel que fugiriam da ira do Anticristo. Mas o que aconteceria com os voluntários que os ajudariam? Como eles escapariam de um inimigo que já havia tomado conta da área? Como Tsion pôde cometer aquela tolice? David ligou para Rayford, mas não obteve resposta. Tentou falar com Albie.

 

Tsion estava desolado. Andava de um lado para o outro, com a mão na boca, orando silenciosamente. Ming e Chloe tentaram consolá-lo, dizendo que Deus era soberano. Mas Tsion não se conformava por ter feito aquilo. Ele deixou a TV ligada, temendo ouvir a notícia do massacre, assim que os vôos que partiriam de Jerusalém iniciassem sua viagem.

Finalmente, Tsion sentou-se no braço do sofá diante da TV. O jovem alto e gordo, a quem, estranhamente, eles chamavam de Pequeno Zeke - filho do Grande Zeke, recentemente martirizado - chegou com um bloco de anotações na mão.

- Quer ver o que estou pensando em fazer com Ming? - ele perguntou. - Sei que é difícil encontrar um disfarce para uma... mulher... asiática, mas vou dar um jeito para que ela fique parecida com um homem. Tenho uma fotografia do irmão dela. Com um bom corte de cabelo, roupas certas e mais algumas coisas...

- Perdoe-me, Z, mas...

- Ah, eu já disse a ela que não tenho a intenção de ofendê-la. Ela é magrinha e pequena, e não estou dizendo que se pareça com um homem. Na verdade, ela é bonita, atraente e muito feminina.

- Estou muito preocupado, Z. Sinto muito. Cometi um erro terrível e estou orando para que...

- Eu sei - disse Zeke. - Foi por isso que vim até aqui. Eu estava trabalhando na identidade de Ming, mas pensei que um pouco de conversa poderia fazer o senhor desligar os...

- Desligar meus pensamentos do outro lado do mundo, para onde nossos irmãos e irmãs estão se dirigindo?

- Obrigado, mas não vejo como. A CG vai ficar de tocaia para pegá-los. Zeke colocou o bloco no sofá e acomodou seu corpanzil no chão.

- O senhor é o homem da Bíblia - ele disse -, mas alguma coisa nessa história parece ter lógica para mim. - Lógica? É muito difícil. - Quero dizer que deve haver um motivo, só isso. - Para eu ser humilhado, talvez; mas esse é o preço. Eu nunca me achei perfeito. Oro constantemente por minhas mensagens, e Deus sabe que jamais eu teria a intenção de...

- É o que eu quero dizer, doutor. Deus deve ter desejado que isso acontecesse.

- Ah, eu não...

- O senhor mesmo disse que ora por essas coisas. Acho que isso não torna suas mensagens iguais à Bíblia. Mas Deus não permitiria que um homem como o senhor atrapalhasse os planos dele com um erro, certo?

Tsion não sabia o que pensar. Aquele jovem inculto lhe estava apresentando uma nova visão do fato.

- Talvez eu tenha superestimado a mim mesmo - ponderou Tsion.

- Talvez. O senhor parece ser uma pessoa simples quando escreve para um bilhão de pessoas. Por que não se orgulha de ter tantos leitores?

- Porque não é assim que eu penso, Z. A simplicidade é um grande privilégio.

- Está vendo? O senhor poderia ficar orgulhoso de ter uma igreja virtual tão grande, mas não fica. Então também não deve pensar que é importante demais para atrapalhar os planos de Deus.

- É claro que eu cometo erros - disse Tsion.

- Ah, sim, mas vamos lá. O senhor acha que Deus vai dizer: "Eu tinha planejado tudo isso muito bem até que esse tal Ben-Judá se metesse e bagunçasse tudo"?

Tsion não pôde conter o riso.

- Acho que Ele pode anular a bobagem que fiz - respondeu.

- Eu também acho. O senhor sempre diz que Ele é grande demais.

- Bem, obrigado, Z. Isto me faz pensar que...

- Mas a coisa não pára aí - disse Zeke. - Ainda acho que Deus deve ter tido um motivo para deixar o senhor fazer o que fez.

- Por ora, estou apenas tentando aceitar que Deus pode consertar meu erro.

- Espere para ver, doutor. Aposto que o senhor vai descobrir que a CG não mordeu a isca. Eles podem ter achado que tudo não passava de uma pista falsa. Ou eles vão pensar que descobriram a América e vão querer tirar vantagem disso. Aí, a coisa vai explodir na cara deles.

 

Naquela manhã, Rayford assustou-se ao ver Albie e George Sebastian, conhecido como Grande George, tirando dos engradados vários exemplares dos dois tipos de armas que este último mandara despachar.

- O que vocês estão fazendo, Albie?

- Seu telefone não está funcionando?

Rayford enfiou a mão no bolso e pegou seu celular.

- Droga! - ele disse. - Eu o usei muito ontem.

Ele retirou do celular a bateria carregada a luz solar, prendeu-a do lado de fora do bolso da camisa, onde o sol poderia recarregá-la, e colocou uma nova bateria no lugar. Foi quando ele descobriu que havia recebido várias chamadas.

- Vou poupar seu tempo - disse Albie - e contar do que se tratavam as ligações que Hassid e eu fizemos para você.

 

- Para trás, todos.

O recém-chegado ao Monte do Templo era um homem alto, vestido à paisana, de porte atlético e cabelos escuros. O volume sob sua jaqueta deixava transparecer o contorno de uma arma.

- Quem é você? - ele perguntou a Buck, enquanto o restante dos Monitores de Moral e soldados das Forças Pacificadoras, inclusive os três que haviam ficado paralisados, recuavam.

Buck imaginava que estivesse preparado para tudo, mas enfiou a mão no bolso como se fosse pegar a identidade. Em seguida, apontou para Chaim.

- Estou com ele. E você quem é?

- Meu nome é Loren Hut. Sou chefe dos Monitores de Moral da Comunidade Global. O potentado está na linha para falar com o encrenqueiro. - Ele olhou para Chaim, provocando risos na multidão. - Parece que meus homens não conseguiram dominar um velho demente. Esse velho deve ser você.

Chaim resolveu falar:

- Diga a seu patrão que só converso com ele pessoalmente.

- Não é possível, Sr...

- Miquéias.

- O melhor que o senhor tem a fazer é conversar com ele por telefone, Sr. Miquéias. Não estou me sentindo bem esta manhã, e o senhor está brincando com a sorte.

- Não está se sentindo bem, Sr. Hut?

- O senhor quer falar com Sua Excelência ou... Chaim olhou para o outro lado, sacudindo a cabeça.

Hut franziu a testa e falou ao telefone:

- Alarme falso. Apresente minhas desculpas ao potentado... Bem, é claro, vou conversar com ele, mas não quero fazê-lo perder tempo... bom-dia, senhor. Sim... não sei... Vou me inteirar do assunto... bem, sim, pois não... O senhor quer que eu faça isso? Eu... sim, eu sei, mas ele não representa nenhuma ameaça... sim, senhor. Nove projéteis na arma... se é assim que o senhor deseja... Eu não estou discordando, apenas acho que ele é um homem frágil... Pois não... Positivo, o senhor pode contar comigo.

Hut fechou o telefone com força e praguejou:

- Você - ele disse a Buck -, mantenha distância. Fique feliz por eu deixá-lo fora disto. E vocês aí... - ele fez um gesto em direção ao povo - afastem-se!

Apenas alguns obedeceram.

- Não vão dizer depois que eu não avisei!

- As feridas estão começando a aparecer em você, moço? - perguntou Chaim.

- Cale a boca! Você vai morrer.

- Isto não é da sua conta, filho.

- É, sim. Agora fique quieto! Cabo Riehl, você está bem?

- Um pouco zonza - ela disse secamente. - O que você deseja?

- Encontre uma das equipes de filmagem da CG e mande-a vir até aqui. O potentado quer que eu faça nove furos neste sujeito e quer assistir.

- Eu também - disse a cabo, marchando em retirada.

- Sr. Hut - disse Chaim -, o senhor acha que tem condições de cumprir seu dever? O senhor está piorando a cada minuto.

Hut curvou-se e coçou com força o estômago e o abdômen.

- Eu não preciso estar 100% em forma para matar um homem à queima-roupa - ele disse.

- Isso não vai acontecer.

- O senhor pensa que vai me paralisar?

- Nunca sei como Deus agirá. - Mas eu sei como o senhor agirá. Vai ficar se contorcendo, gemendo e implorando para viver.

- Minha vida não me pertence. Se for da vontade de Deus, talvez Ele faça isso. Mas, como tenho outras responsabilidades, inclusive conversar pessoalmente com o covarde que insiste em fazer pouco caso de mim, Deus poupará minha vida.

A cabo Riehl retornou acompanhada de um homem de turbante e uma câmera no ombro. Atrás dele vinha uma mulher negra e baixa, com um microfone na mão.

- O que vamos fazer? - ela perguntou, com sotaque britânico.

- Avise-me quando a câmera estiver ligada - disse Hut. - É para Sua Excelência.

- Ao vivo ou gravado?

- Que importa! Eu só quero que você me avise!

- Muito bem! Aguarde um minuto! - Ela passou a falar em um rádio pequeno. - Sim! Para o próprio Carpathia. Um momento. - Ela se virou para Hut. - A central quer saber qual é o seu nível de autoridade.

Hut praguejou novamente e coçou o abdômen, depois os ombros.

- Hut! - ele disse. - MMCG! Vamos lá!

- Está bem - disse a mulher, posicionando-se diante da câmera. - Aqui fala Bernadette Rice ao vivo, do Monte do Templo em Jerusalém, onde vamos presenciar uma execução por ordem pessoal de Sua Excelência Nicolae Carpathia. Atrás de mim, Loren Hut, o novo chefe dos Monitores de Moral da Comunidade Global, administrará a sentença a um homem conhecido apenas como Miquéias, que se recusou a aceitar a marca da lealdade e resistiu à prisão.

Quando as pessoas de outras áreas do Monte do Templo viram pelos telões o que ia acontecer, correram e cercaram o local onde estavam Chaim, Buck e Hut.

 

- Não deixem Kenny ver isto! - gritou Zeke. - Mas venham rápido as duas!

Passava da meia-noite em Chicago, e Tsion havia escorregado do braço do sofá e sentado na almofada, com os ombros curvados para a frente, olhando a tela por entre os dedos.

Deus, por favor... - ele orou.

- Lá está Buck! - disse Chloe, apontando.

Tsion achou que Buck parecia estranho, com ar distraído e as mãos nos bolsos.

O chefe dos Monitores de Moral da CG tirou a pistola do coldre, parou para se coçar com a mão esquerda e o cotovelo direito e preparou a arma. Em seguida, afastou uma perna da outra e segurou a arma com as duas mãos, apontando para as mãos de Chaim, que estavam cruzadas diante dele. O ângulo em que Hut se encontrava não permitiria que o projétil atravessasse as mãos de Chaim sem atingi-lo no corpo.

O estampido do primeiro disparo fez Buck saltar de lado e a multidão recuar de medo. Chaim não se moveu, apenas estremeceu um pouco diante do ruído do disparo. Hut fixou o olhar, sem acreditar no que via: As mãos de Chaim permaneciam intactas. Hut moveu-se para o lado oposto, apontando mais uma vez para elas. O povo se dispersou. BUM! O projétil passou a alguns centímetros do alvo.

Hut, agora coçando-se por todo o corpo até os joelhos, mirou o pé de Chaim e atirou. Nada! Nem sequer um furo no manto! Hut levantou a barra do manto com a mão esquerda e atirou no outro pé. Gemendo de agonia e, aparentemente, de medo, Hut coçou-se com a mão livre, encostou o cano da arma num dos joelhos de Chaim, e depois no outro. Os disparos produziram apenas barulho.

O povo começou a rir e a zombar.

- Isto é uma piada! - disse um homem. - Uma palhaçada! Ele não tem pontaria!

- Não tenho pontaria? - gritou Hut, virando-se para o engraçadinho. - Você quer ter uma prova?

Ele disparou o sétimo projétil no peito do homem. A vítima caiu de costas e bateu a cabeça no chão, espirrando partes do crânio esfacelado no microfone da repórter.

O povo correu à procura de abrigo, e Bernadette Rice ficou fora do foco da câmera. Loren Hut atirou no ombro esquerdo de Chaim a uma distância de 15 centímetros, depois encostou a arma na testa do ancião. Chaim olhou com simpatia para Hut, que tremia e tinha o rosto desfigurado, e tapou os ouvidos. O cano da arma deixou apenas um leve sinal na pele de Chaim. O projétil não causou dano algum.

Hut jogou a arma longe e passou os braços ao redor de uma árvore, esfregando o corpo no tronco para aliviar a coceira. Ele gritou agoniado e se virou para chamar a cabo Riehl. Em seguida, pegou o rifle da mão da moça e o apontou para o próprio queixo. Chaim aproximou-se dele calmamente.

- Não há necessidade de fazer isso, Sr. Hut - ele disse. - A morte que o senhor escolheu só virá no devido tempo. Abaixe essa arma e vá chamar Carpathia para mim.

Hut jogou o rifle no chão e se afastou, cambaleando. Buck já estava ouvindo barulho de helicópteros se aproximando. Dois deles pousaram, e a multidão - que fugira à procura de abrigo - retornou cautelosamente, evitando olhar para o corpo do homem que fora morto e que permanecia no meio de uma poça de sangue.

Carpathia era o único civil dos dois helicópteros. Ele trajava terno preto com finas listras brancas, camisa branca e gravata vermelha. Sete soldados das Forças Pacificadoras formaram um semicírculo atrás dele, com as armas apontadas para Chaim, enquanto ele caminhava em direção a Chaim e a Buck.

Nicolae sorriu para o povo e virou-se para ser focalizado pelo operador de câmeras da CNNCG. Bernadette continuava tremendo, abaixada no chão.

- Continue com a câmera ligada, filho - ele disse. - Como você se chama?

- R...R...Rashid.

- Fique exatamente aqui, R... R... Rashid, para que o mundo possa ver o que acontece com quem ousa ridicularizar minha autoridade.

Carpathia aproximou-se de Chaim e fitou-o a um metro de distância, com os braços cruzados.

- Você é velho demais para ser Tsion Ben-Judá. E diz que se chama Miquéias. - Nicolae empinou a cabeça e olhou de esguelha para Buck, que temeu ser reconhecido por ele. - E este aqui, quem é?

- Meu assistente - respondeu Chaim.

- Ele não tem nome?

- Ele tem nome.

- Posso saber qual é?

- Não é necessário.

- Você é um idiota querendo me ofender, não? - Carpathia virou-se para um guarda e apontou para Buck com a cabeça.

- Tire esse sujeito daqui. A marca ou a guilhotina. Buck fez menção de resistir. O guarda, que parecia petrificado, pigarreou.

- Venha comigo, por favor, senhor - ele disse.

Buck fez um movimento negativo com a cabeça. O guarda olhou com ar de súplica para Carpathia, que não fez caso dele. De repente, o guarda caiu no chão, contorcendo-se, coçando o corpo inteiro.

- Está bem - disse Carpathia. - Tenho de admitir que quase todo o meu pessoal está sofrendo esta manhã.

- Provavelmente todos - disse Chaim. - Se alguém não estiver, é melhor você verificar a autenticidade da marca.

- Como você conseguiu fazer isso?

- Não fui eu. Foi Deus.

- Você está olhando para o rosto de deus - disse Carpathia.

- De jeito nenhum - disse Chaim. - Eu temo a Deus. Não temo você.

 

Rayford abriu um mapa topográfico em cima do capô de um caminhão.

- Mac e Smitty também devem ver isto - ele disse. Albie ligou para os dois.

Grande George debruçou-se sobre o mapa.

- Existe algum lugar nos arredores de Petra para a gente se esconder? - perguntou.

Rayford movimentou a cabeça negativamente, contestando:

- Não sei. A área que vemos no papel é muito diferente da que podemos ver de cima. Sei que você está muito entusiasmado, mas não me sinto preparado para matar qualquer pessoa.

- Com todo o respeito, capitão - disse George -, mas eles vão matar nossa gente. Talvez o senhor ainda mude de idéia.

- Estamos aqui para levar o povo a um lugar seguro, não para matar o inimigo.

Albie fechou o telefone com força e perguntou:

- E se matar o inimigo for o único jeito de levar os israelenses a um lugar seguro?

- Essa é uma tarefa que está a cargo de Deus.

- Concordo - disse Albie. - Pelo menos é isto o que o Dr. Ben-Judá diz. Mas eu detestaria perder um irmão ou irmã. E, se estas armas forem necessárias, eu diria que devemos usá-las.

 

Buck jamais esqueceria um só detalhe daquele encontro macabro, que o mundo inteiro estava presenciando.

- Então, Miquéias - disse Carpathia, apoiando o peso do corpo nos dois pés - o que é necessário para você fazer desaparecer essa mágica que incapacitou meu pessoal?

- Não existe mágica nenhuma - disse Chaim, com um tom de voz que Buck nunca ouvira. - É o julgamento do Deus Todo-Poderoso.

- Muito bem - disse Carpathia, sorrindo com indulgência. - O que o Deus Todo-Poderoso deseja em troca para acabar com este... - neste ponto ele fez um sinal de aspas com os dedos - julgamento?

Chaim sacudiu a cabeça.

- Vamos, Miquéias. Se você pode negociar em nome de Deus, certamente terá uma resposta para mim!

- Aqueles que receberam a sua marca e adoraram a sua imagem sofrerão.

Carpathia aproximou-se de Chaim. O sorriso em seu rosto havia desaparecido.

- Não me venha dizer que meu mui amado povo não deve aceitar a marca da lealdade nem me adorar!

- Eles sabem quais são as conseqüências. E já estão presenciando essas conseqüências aqui.

Rashid começou a movimentar a câmera para captar as imagens de vários funcionários da CG gemendo de dor.

- Não faça isso! - murmurou Carpathia entre os dentes, agarrando Rashid pelo ombro e o empurrando para trás. Em seguida, virou-se para Chaim e disse:

- Se alguém recusar minha marca, eu mesmo me encarregarei de matá-lo!

- Então - disse Chaim -, a escolha é viver com um sofrimento atroz ou morrer em suas mãos.

- O que você deseja?

- Você vai levar em frente seu plano para o templo - disse Chaim -, mas muitas pessoas se oporão a ele.

- Por conta e risco delas.

- Muitas pessoas já decidiram ficar contra você e se entregaram ao único e verdadeiro Deus e a seu Filho, o Messias.

- Elas pagarão com a própria vida.

- Você perguntou o que eu desejava.

- E você está propondo que essa gente se levante contra mim? Nunca!

Rashid caiu de joelhos no chão, tremendo. Carpathia lançou-lhe um olhar enfurecido.

- Levante-se!

- Não posso!

- Vejo o 42 em sua testa, Rashid! Você não precisa ter medo!

- Eu não estou com medo, Excelência! Estou sentindo dores horríveis!

- Droga! Coloque a câmera sobre um tripé e cuide de suas feridas!

Chaim mostrou-se calmo e continuou:

- Só aqui nesta área há um milhão de pessoas escolhidas por Deus que já optaram por crer no Messias. Elas preferem morrer a receber sua marca.

- Então elas vão morrer!

- Você precisa permitir que elas fujam deste lugar antes de derramar sua vingança sobre seus inimigos.

- Nunca!

- O preço a ser pago pela teimosia está em suas mãos. As feridas dolorosas que estão atacando seus seguidores serão um dos menores problemas que você vai enfrentar.

Buck olhou para os locais onde antes havia filas para aplicação da marca, agora transformados em tendas improvisadas para atendimento médico. O pessoal formara outras filas, aguardando em completo sofrimento. Algumas pessoas amparavam os amigos, mas, em seguida, caíam no chão por não suportarem a própria dor.

Bernadette afastou-se dali, arrastando-se pelo chão. Rashid foi conduzido a uma das tendas. Todos os guardas que acompanhavam Nicolae cambaleavam. Um dos helicópteros parou de funcionar, e o piloto desceu Contorcendo-se de dor. O piloto do outro helicóptero debruçou-se sobre os controles.

Os civis, que foram os últimos a receber a marca e a adorar a imagem, tentavam sair correndo do Monte do Templo, mas cambaleavam e caíam, em razão das feridas que apareciam por todo o seu corpo.

Chaim disse:

- Sua única esperança de evitar que desça a próxima praga terrível do céu é permitir que os israelenses que crêem no Messias saiam daqui.

Agora, o próprio Carpathia parecia abalado.

- E qual será a próxima praga? - ele perguntou.

- Você saberá no momento oportuno - respondeu Chaim. - mas eu lhe digo uma coisa: Será pior do que esta que tanto sofrimento trouxe a seu pessoal. Quero um copo d'água.

Carpathia olhou ao redor e pediu a um civil que trouxesse uma garrafa d'água para Miquéias. Chaim continuava com os olhos fixos em Carpathia, enquanto os dois aguardavam.

- Você não passa de um velho com sede dentro desse manto enorme.

- Não estou com sede.

- Então, por que...

- Você verá.

- Mal posso esperar.

O homem voltou correndo com a água. Entregou a garrafa a Carpathia, que a passou às mãos de Chaim. O ancião levantou-a com as duas mãos e examinou o conteúdo.

- Mesmo que eu quisesse, não poderia beber isto - ele disse.

- O que há de errado? - perguntou Nicolae.

- Veja você mesmo.

Chaim afastou um pouco a garrafa do rosto. O vasilhame escureceu, chegando a ficar quase preto, e a água transformou-se em sangue.

- Droga! - exclamou Carpathia. - De novo? Você não sabe o que aconteceu com seus dois companheiros no Muro das Lamentações?

- Todas as vantagens que você consegue são concedidas pela mão de Deus e são temporárias.

Nicolae olhou para trás e viu a tragédia que acontecia no Monte do Templo. Quase todos se contorciam de dor. Ele se virou para Chaim e ordenou:

- Quero meu povo curado e minha água pura.

- Você sabe qual é o preço.

- Seja mais específico.

- Os judeus israelenses que passaram a acreditar que Jesus é o Messias devem conseguir permissão para sair daqui antes que qualquer um deles seja punido por não ter recebido a sua marca. E os judeus ortodoxos piedosos devem receber permissão para se dirigirem a um lugar onde possam realizar seus cultos depois que você profanar o templo deles.

- Os judeus ortodoxos não concordam com você, e, mesmo assim, você fala em nome deles?

- Eu me reservo o direito de continuar tentando convencê-los.

- E vai levá-los a Petra com os judaístas?

- Eu proporia Masada como o lugar ideal para eles se reunirem. Todos os que eu conseguir convencer irão ao nosso encontro.

- Em Petra.

- Eu não disse onde.

- Nós já sabemos, seu bobo, e nem sequer precisamos usar de muita inteligência.

- Você está pisando em terreno perigoso quando chama de bobo aquele que recebeu o poder de transformar sua água em sangue.

Carpathia gritou a plenos pulmões:

- Eu preciso da ajuda de pessoas leais, que ainda não tenham recebido a marca ou adorado minha imagem!

Alguns civis correram ao encontro dele.

- Acompanhem-me até o Knesset. Obedeçam-me, e eu os recompensarei.

 

David explorou o local de um lado a outro, tentando avaliar a extensão da presença da CG em Petra. Havia um número incontável de veículos e armas, mas o pessoal aparentava ter problemas. A maioria estava deitada no chão ou nas carroçarias dos caminhões, sendo amparada pelos companheiros que ainda tinham condições de ajudar. Ele ligou para Albie a fim de contar a novidade.

 

Rayford dirigiu-se para o leste, a caminho de Petra, num veículo que transportava três exemplares das armas que George despachara para Mizpe Ramon. Albie e Mac seguiram em veículos idênticos, transportando o mesmo tipo de armas. George e Abdullah, num quarto veículo, levavam as DEWs (arma de energia direcionada). Rayford esperava encontrar um lugar para se instalar e, por meio das informações de David Hassid, saber quantos veículos ele, Albie e Mac pode-riam destruir com as armas de calibre 50.

Se os relatórios de David fossem precisos, não haveria necessidade de matar ninguém da CG. Enquanto os inimigos estivessem fugindo, George e Abdullah se aproximariam o máximo que pudessem e tentariam superaquecer a pele deles, agravando ainda mais suas feridas. A maior preocupação de Rayford, depois de evitar assassinatos acidentais, era saber como eles cinco voltariam a Mizpe Ramon, a tempo de transportar os primeiros fugitivos de Israel para Petra.

 

Buck acompanhou Chaim ao templo, onde, em questão de 20 minutos, os civis sem a marca da besta instalaram com muita presteza as câmeras de TV e deixaram tudo pronto, aparentemente seguindo instruções escritas às pressas.

De onde ele e Chaim estavam, Buck avistou outros civis subindo o Monte do Templo. Alguns retiravam os mortos em carrinhos, outros dirigiam o povo a lugares específicos, conhecidos como "festividades do templo", ou às filas de pronto-socorro. Havia ainda aqueles que seguiam para as lendas a fim de substituir os médicos e enfermeiros da CG impossibilitados de ajudar em razão de suas feridas.

- Ore por mim - disse Chaim.

- Por quê? Para quê? Carpathia ainda não está aqui.

Chaim levantou-se e começou a falar, novamente com voz forte e poderosa:

- Cidadãos! Ouçam-me! Vocês que não receberam a marca da lealdade! Talvez ainda haja tempo de optarem pelo único e verdadeiro Deus vivo! Embora o rei maligno deste mundo prometa paz, não há paz! Embora ele prometa benevolência e prosperidade, vejam o mundo em que vocês estão vivendo! Todos os que receberam a marca antes de vocês e adoraram a imagem do homem do pecado estão sofrendo por causa de feridas no corpo. Se vocês o seguirem, terão o mesmo destino. Vocês já devem estar sabendo que o mundo foi dividido. Nicolae Carpathia é o oponente de Deus e deseja a destruição de vocês, sejam quais forem as mentiras que ele profere. O Deus que os criou ama vocês. Seu Filho que morreu por seus pecados retomará para estabelecer seu reino aqui na terra em menos de três anos e meio. E, mesmo que vocês já o tenham rejeitado inúmeras vezes, podem recebê-lo agora.

- Vocês nasceram em pecado e separados de Deus. Mas a Bíblia diz que Deus não deseja que nenhuma alma pereça, mas que todos se arrependam. Efésios 2.8-9 diz que nada do que fizermos nos levará a ser salvos. A salvação é um dom de Deus, não vem das obras, para que ninguém se glorie. O único preço por nossos pecados foi pago pela morte de Jesus Cristo na cruz. Porque, apesar de ter vivido no mundo como homem, Ele é Deus, e sua morte teve o poder de nos purifi­car de todo pecado. João 1.12 diz que "a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome". O que você deve fazer para receber a Cristo? Simplesmente diga a Deus que reconhece ser um pecador e que necessita dele. Aceite a dádiva da salvação, acredite que Cristo ressuscitou, e diga isto. Para muitos, já é tarde demais. Eu suplico que vocês recebam a Cristo imediatamente!

 

Escondido nas rochas no alto de Petra, David Hassid ten­tava comunicar-se com Rayford e seus companheiros que se encontravam a pouco mais de três quilômetros de distância. Eles estavam tão bem escondidos que David não conseguia enxergá-los, embora imaginasse ter visto vestígios de poeira ao sul do povoado de Wadi Musa, a leste de Petra. Eles conseguiram conversar simultaneamente, e Rayford contou-lhe que George e Abdullah estavam tentando aproximar-se quanto possível para usarem as armas de energia direcio-nada. David não podia vê-los nem mesmo do lugar privilegiado em que se encontrava.

- Podemos avistar o equipamento logístico da CG de três diferentes locais - relatou Rayford. - Alguém está manuse­ando aquelas armas?

- Daqui não vejo ninguém - disse David, sussurrando por não saber se sua voz poderia ser ouvida lá embaixo, na encosta da montanha. - Eles devem estar aguardando uma ordem de Jerusalém dizendo que os israelenses estão a caminho.

- É difícil saber a localização do pessoal - disse Rayford.

- Os primeiros seis ou sete veículos à minha direita, e bem à sua esquerda - disse David -, parecem estar vazios. Uns poucos soldados ainda conseguem andar e, aparentemente, cuidam dos outros que estão abaixo de mim ou à minha esquerda.

- Fique escondido - interrompeu Mac. - É difícil focalizar o alvo com estas armas. No início, acho que vamos errar mais alvos do que acertar.

- Não exagerem no tiroteio - disse David. - Estou instalado numa pequena caverna. Assim que terminarmos de conversar, vou ficar incomunicável por alguns instantes.

- Cada um de nós vai disparar dois tiros com as armas grandes - disse Rayford. - Depois que você ouvir o sexto tiro, saia e tente falar conosco novamente. Vamos tentar dirigir o pessoal para sua esquerda e tomar alguns veículos deles. Se conseguirmos pegar os soldados enquanto eles estiverem correndo, George e Smitty vão desgraçar a vida deles.

- Eles já estão desgraçados - disse David. - Mas entendi o seu recado. Se eles acharem que ficando aqui serão mortos, vão começar a caminhar de volta a Israel! Vou desligar.

David escondeu-se na caverna e ficou aguardando o primeiro estampido.

 

Rayford tentava lembrar-se de tudo o que George lhe dis­sera sobre armas de calibre 50. Ele colocou uma ao lado da outra na carroçaria do caminhão. As armas estavam carrega­das. Mac já estava pronto, a pouco menos de 50 metros de distância. Eles atirariam naquela ordem e depois começariam outra sequência de tiros. Cada um deles se guiaria pelos telescópios de alta precisão, a fim de preparar-se para o segundo tiro. Seis disparos seriam perfeitos para começar, pensou Rayford, porque num determinado ponto os soldados da CG não saberiam se o tiroteio cessara ou se eles pre­cisariam rezar para sobreviver. Rayford só queria destruir os armamentos e os veículos da CG, pôr os soldados para correr e desencorajar qualquer esperança de atacar os israelenses de surpresa.

George lhe dissera que era impossível calcular a velocidade do vento entre a arma e o alvo. E que, portanto, eles teriam de mirar alguns metros acima, levando-se em conta o efeito da gravidade, se estivessem a mais de três quilômetros de distância, e que não esperassem exatidão se estivessem a mais de 20 ou 30 metros de distância. Rayford receava que um disparo malfeito pudesse matar alguém, inclusive David.

Ele se deitou de bruços na carroçaria do caminhão, fez os ajustes finais na arma e apontou-a para o último veículo à sua esquerda. Se ele errasse o alvo, o projétil serviria pelo menos para assustar os soldados. Se também errasse o alvo ao atirar no veículo ao lado, ele ainda teria a chance de acertar os seguintes, com a vantagem de não atingir nenhum soldado.

Com o dedo no gatilho, Rayford encostou firmemente a coronha da arma no ombro direito. O telescópio indicava que ele estava mirando 12 metros acima do alvo. Pouco antes de apertar o gatilho, ele se lembrou de permanecer com os olhos abertos - embora isso não fizesse diferença na trajetória do projétil. Apenas os amadores atiravam com os olhos fechados.

Ao pensar nos olhos, Rayford lembrou-se dos ouvidos e dos constantes avisos de George para que eles fossem prote­gidos contra o barulho dos disparos. Que risco ele ia correr de ficar surdo! Rayford rolou de lado, arrancou uma parte da barra da camisa e rasgou-a em dois pedaços, usando-os para tapar os ouvidos. Enquanto ele voltava a se posicionar, na esperança de não ter perdido o alvo, seu celular vibrou.

Era Albie.

- Você vai ou não vai ser o primeiro a atirar? - inquiriu Albie.

- Já vou. Quase me esqueci dos protetores de ouvidos.

- Oh, homem! Obrigado por me lembrar!

- Dez segundos.

- Dê-me 30 - disse Albie. - Os tiros devem ser disparados um atrás do outro, mas preciso dar um jeito de tapar meus   ouvidos. Avise Mac, está certo?

Rayford ligou para Mac. - Mais meio minuto para tapar­mos os ouvidos.

- Repita!

- Você se lembrou dos protetores de ouvidos?

- Espere um instante. Deixe-me tirar esta coisa dos ouvi­dos! O que você disse?

- Mais alguns segundos. Pronto?

- Pronto, chefe. Vamos começar.

Rayford olhou para seu relógio e se ajeitou no lugar. Qual seria o barulho do estampido? O coice daquela arma seria forte demais? As histórias haviam-se transformado em lendas. Essas armas eram usadas por muita gente. Deveria ser interessante atirar com elas, só isso. Ele engatilharia a arma e se posicionaria, observando através do telescópio para ver o local que o projétil atingiria.

Foi como se ele não tivesse protegido os ouvidos. Se seus olhos estivessem abertos no momento de acionar o gatilho, teriam se fechado instintivamente quando ele sentiu o coice da coronha no ombro. Ele escorregou de bruços para trás e só parou quando suas botas bateram com força na cabina do caminhão. A explosão foi tão violenta e o calor produzido pelo projétil de 15 centímetros foi tão intenso que Rayford ficou atordoado, com os ouvidos zunindo, a cabeça latejando e as mãos trêmulas.

A arma voou para a frente por ter encontrado resistência em seu ombro, e as pernas do cavalete de apoio escorrega­ram até a beira da carroçaria do caminhão e caíram no chão. Rayford devia contar de 1.001 a 1.007 enquanto estivesse olhando pelo telescópio, mas só conseguiu gemer, enquanto ouvia uma espécie de eco. Seus ouvidos ainda não haviam voltado ao normal.

Sua outra arma havia despencado do cavalete de apoio e tombado de lado, e Rayford ficou feliz por ela não ter caído do caminhão. Albie deveria esperar três segundos após o disparo de Rayford, e Mac outros três segundos após o disparo de Albie. Rayford ouviu o estampido da arma de Albie e calculou que tinha quatro segundos para posicionar a segunda arma e ainda ver o ponto que seu primeiro projétil conseguira alcançar.

Ele a segurou com força, mas o telescópio parecia estar torto, e a arma de Mac disparou logo depois da de Albie. Rayford deveria atirar novamente, dentro de alguns segun­dos. Porém, ele tentava desesperadamente ver o ponto que seu primeiro projétil atingira e, ao mesmo tempo, alinhar a segunda arma. Todo o seu corpo doía, resistindo à possibi-lidade de passar pela mesma experiência anterior.

Ao avistar uma enorme fumaça rosada, Rayford supôs que houvesse atingido a face da pedra acima dos veículos. Ele mirou um pouco mais abaixo e à direita e apertou o gatilho. O coice da arma o atirou novamente para trás.

Rayford sabia que havia fechado os olhos no momento daquele disparo, mas uma nuvem de areia e de fumaça preta indicou-lhe que os três primeiros disparos - o dele, o de Albie e o de Mac - tinham atingido um ponto acima do alvo, um ponto abaixo do alvo e, felizmente, o alvo. O segundo disparo de Rayford provocou uma chuva de centelhas e poeira avermelhada. O de Albie produziu som de metal retorcido, e o de Mac ainda parecia estar no ar.

Àquela altura, George e Abdullah deviam estar disparando as armas de energia direcionada. Mas pelo fato de não usarem projéteis, as DEW emitiam apenas um estalido, impossível de ser captado pela audição de Rayford. Ele tirou o protetor dos ouvidos, rastejou-se até a segunda arma e retirou o telescópio. Em seguida, sentou-se e tentou averiguar os resultados. Sem ter onde ficar apoiada, a lente possante movimentava-se demais. Rayford ajoelhou-se, fixou-a na lateral da carroçaria do caminhão e analisou detida e lentamente o local até conseguir posicionar-se. Não havia ninguém da CG à vista.

Três veículos da esquerda explodiram e foram parar dentro de uma cratera aberta na parede de pedra, cerca de seis metros acima. O quinto e o sexto tanques blindados pare­ciam ter explodido, quando bateram de encontro à parede, tendo sido atingidos por um disparo que deveria ter sido direcionado para um determinado ponto entre eles. O veículo seguinte estava em chamas. Havia duas valas profundas na areia e outra cratera na face da rocha.

David ligou para Rayford.

- Caramba! - ele disse. - Se vocês derem outra sequência de tiros, poderemos ir embora para casa sem nenhum problema!

- Nem pensar - disse Rayford. - Nunca mais quero fazer isto.

- Parecia a Quarta Guerra Mundial, homem! O pessoal da CG fugiu ao ouvir a primeira explosão, e, no momento em que olhei para baixo, eles já estavam quase do outro lado. Muitos deles choramingavam com medo de morrer, e alguns fugiram pelo deserto. As armas de energia direcionada devem ter funcionado, porque logo em seguida aqueles caras começaram a rolar na areia. Agora, alguns estão voltando para os caminhões, portanto acho que vocês vão precisar recomeçar o tiroteio.

Rayford curvou os ombros e gemeu. E recarregou as armas.

 

O desespero de Tsion só acalmou quando faltavam alguns minutos para as quatro horas da manhã, em Chicago. Ele ficou mais aliviado quando recebeu o relatório sobre o ataque à CG.

"Eles sabiam onde nós estávamos, portanto nós também sabíamos onde eles estavam", escreveu David. "Em breve, a área poderá receber os remanescentes fugitivos de Israel."

Tsion sabia que deveria dormir. Sabia também que o res-tante da segunda metade da Tribulação não seria tão agitado assim. Conforme ele mesmo dissera várias vezes ao exausto Rayford, haveria tempo para descansar e respirar entre a quebra do pacto de Carpathia e a Batalha do Armagedom. Se eles conseguissem manter as forças e o domínio da situação naquele momento, poderiam resistir.

Tsion ligou a TV para saber notícias sobre a praga das úlceras que tomara conta do mundo. Até os repórteres da TV estavam sofrendo, e um canal especial resolveu dedicar todo o seu tempo à orientação do povo. Embora a visita do poten-tado ao templo marcada para o meio-dia, horário carpathiano, estivesse programada para ser levada ao ar em seguida, Tsion sintonizou um canal auxiliar para ouvir os comentários a respeito dos acontecimentos. O ritmo da praga enviada por Deus diminuíra um pouco, e a Comunidade Global tentava atenuar seus efeitos.

 

Em Nova Babilônia, Chang temia ser descoberto se o pessoal percebesse que ele era o único dali que não foi acometido pelas feridas. Seu chefe lhe enviara um e-mail perguntando como ele estava, e Chang sugeriu que seria melhor ficar em seu apartamento por alguns dias. O chefe lhe conce­deu permissão, desde que Chang tomasse as providências necessárias para que a encarregada dos serviços médicos do palácio aparecesse ao vivo no canal especial para orientar o tratamento.

Chang foi capaz de fazer isso sem sair de seu apartamento. Ele acompanhou o noticiário, sem se esquecer de que às 13 horas, horário do palácio, Nicolae entraria no templo.

A Dra. Consuela Conchita, com olheiras profundas e parecendo esforçar-se para ficar em pé, orientava o povo no tratamento das próprias feridas.

"A verdade é que até o presente momento não fomos capazes de apresentar um diagnóstico específico para esta epidemia", ela disse. "O problema começa como se fosse uma irritação na pele, com mais frequência nas áreas cober­tas por roupas, e alastra-se para o rosto e para as mãos.

"Nos estágios iniciais da doença, os sintomas vão se acentuando em forma de violenta coceira, que em breve se transforma em ferida semelhante a um furúnculo ou a um carbúnculo. A maior parte desse tipo de doença apresenta infecções agudas causadas por estafilococo. Porém, a que estamos enfrentando no momento não reagiu ao tratamento convencional. Embora o estafilococo seja encontrado natu­ralmente nessas feridas por estar em constante contato com nossa pele, outros tipos de bactérias ainda não determinadas agravam ainda mais essas erupções, dificultando o trata­mento.

"Apesar de não aparentarem ameaça à vida, essas feridas necessitam ser cuidadosamente controladas para evitar que se transformem em abcessos com alto grau de infecção. Descartamos qualquer relação entre as feridas e os métodos usados para administrar a marca da lealdade. Embora as feri­das pareçam ter acometido apenas as pessoas que receberam a marca, a relação não passa de pura coincidência.

            "Esses tipos de problemas cutâneos podem transformar-se em feridas permanentes. Portanto, é importante manter limpas as áreas afetadas e usar qualquer medicamento contra manifestações pruriginosas que possa auxiliar no tratamento. Os antibióticos ainda não provaram eficácia para conter a infecção, mas são também recomendados.

"Usem roupas folgadas para permitir uma boa ventilação da pele. Evitem drogas intravenosas e invistam em um bom sabonete antibacteriano. Usem compressas quentes ou frias, a que for melhor para aliviar o desconforto. Febre e fadiga são os dois efeitos colaterais mais comuns."

Chang não sabia se estava sugestionado ou se tudo não passava de um medo irracional. Mas, ao sentir uma coceira na canela, ele saltou da cadeira e levantou a perna da calça. Não havia nada visível, porém ele foi forçado a coçar o local, que ficou vermelho. Haveria alguma coisa mais grave? Ele disse a si mesmo que não deveria ser nada. Apesar de ter a marca de Carpathia, aquilo não foi opção sua. E ele nunca adorou e jamais adoraria a imagem de Nicolae, e muito menos o próprio Nicolae.

 

Buck mal pôde acreditar quando dezenas de civis sem a marca se aproximaram de Chaim e pediram para orar com ele.

- Vocês devem saber que poderão pagar com a própria vida - Chaim lhes disse. - Este não é um compromisso qualquer.

As pessoas ajoelharam-se diante dele, acompanhando sua oração. O selo de Deus tornou-se visível na testa delas.

- Os que são judeus - disse Chaim - ouçam com muita atenção. Deus lhes preparou um lugar especial para se refugiarem. Quando os planos de retaliação de Carpathia atingirem seu ponto máximo, prestem atenção a meu aviso e saiam da cidade em direção ao sul. Os voluntários os con­duzirão a Mizpe Ramon, no Neguev. Meu assistente aqui lhes dirá como reconhecê-los, porque existe uma coisa que podemos ver e que nosso inimigo não pode. Se vocês não conseguirem transporte, dirijam-se a pé ao Monte das Olivei­ras, onde, da mesma forma que em Mizpe Ramon, serão conduzidos de helicóptero a Petra, a antiga cidade árabe localizada no sudoeste da Jordânia. Lá, Deus prometeu nos proteger até o Glorioso Aparecimento de Jesus, quando Ele estabelecer seu reino de mil anos na terra.

Perto do meio-dia, os homens que estavam diante do Muro das Lamentações dirigiram-se ao templo. Eles tinham ar circunspecto e não estavam nem um pouco felizes. Muitos trajavam roupas tradicionais judaicas e ficaram em pé atrás da multidão que cercava Chaim. Eles ouviram atentamente, mas não se aproximaram nem falaram nada. Vários olhavam por cima do ombro para o templo e para os monitores, apa­rentemente para certificar-se de que não estavam perdendo nenhum detalhe.

Chaim terminou a conversa com os novos crentes. Assim que todos começaram a se dispersar lentamente, ele fez um gesto para os que vieram do Muro das Lamentações.

- Homens piedosos de Israel - ele disse -, eu sei quem os senhores são. Continuam a não aceitar que Jesus, filho de José de Nazaré, é o Messias prometido, porém também não aceitam que Nicolae Carpathia é Deus. Eu os exorto para que se limitem a ouvir quando um homem penetrar no Santo dos Santos e profaná-lo em seu nome. Eu falarei sobre passagens das Escrituras que profetizaram este próprio evento. Depois, pedirei sua compreensão mais uma vez enquanto busco refú­gio para os senhores em Masada, onde apresentarei a prova de que Jesus Cristo é o Messias dos judeus.

Os homens franziram a testa e murmuraram entre si.

- Cavalheiros! - gritou Chaim com autoridade. - Eu só lhes peço um pouco de atenção. O que os senhores farão com estas informações é de inteira responsabilidade de cada um. Sem a proteção de Deus, os senhores correrão o risco de morrer por se oporem ao rei deste mundo, e a profanação deste santo lugar os encherá de ira.

Buck sentiu seu celular vibrar e viu que a ligação era de Chang.

- Fale rápido - ele disse.

- Você está sabendo da ideia de minha irmã de inter­romper a transmissão de Carpathia e substituí-la pela fala do Dr. Ben-Judá?

- Chloe me contou. Você pode fazer a mesma coisa com Chaim?

- Só se você me ajudar.

- De que você necessita?

- Uma câmera e um microfone.

- Onde posso conseguir isso?

- Você está aí, Williams. Eu não. É claro que Carpathia terá câmeras no templo e vai querer que o mundo inteiro veja o que ele fará lá. Pelo programa que tenho, ele falará depois, mas não sei dizer se será fora ou dentro do templo. Se você puder pegar uma câmera e um microfone enquanto ele estiver dentro do templo, poderei colocar Rosenzweig no lugar de Carpathia, e ele só vai saber depois que alguém o avisar.

- Gostei da idéia.

- Eu também - disse Chang. - Mas, se ele discursar do lado de fora, vai ver o que estamos fazendo.

- Temos de aproveitar a chance. E aqui vem ele. Chaim acha que ele vai falar do lado de fora, em cima de uma réplica do alpendre de Salomão. Ele providenciou um séquito de civis a seu redor, que carregam um trono enorme, e alguns estão arrastando aquele porco desde ontem. Carpathia disse a eles: "Vocês serão recompensados. Em breve o mundo saberá, sem sombra de dúvida, que eu sou deus."

- Não há ninguém da chefia da CG com ele?

- Há, sim. Vejo Fortunato, Moon e alguns outros, mas eles estão com um aspecto horrível. Não vão poder ajudá-lo.

- Deve haver algumas câmeras sem operadores por aí, já que todo o pessoal está sofrendo com as feridas.

- Estou vendo algumas sobre tripés, apontadas para o templo.

- Você pode pegar uma?

- Quem vai me impedir?

- Então vá. Só preciso saber o número que está atrás da câmera, na parte superior esquerda. Ela precisa ter um moni­tor e um microfone encaixados.

- Aguarde um instante.

Buck hesitou quando Carpathia parou perto deles, seguido por Fortunato, Moon, Ivins e outros asseclas com ar de supe­rioridade, pálidos e desfigurados. Os judeus piedosos viraram-se e o encararam. Nicolae apontou para Chaim.

- Depois eu cuido de você - ele disse. - Essa mágica sua é temporária, e o que aconteceu com seus dois companheiros malucos no Muro das Lamentações também acontecerá com você. E quanto a vocês - ele complementou, gesticulando em direção aos homens, com semblante irado -, vão se arrepender do dia em que Israel virou as costas para mim. Um pacto de paz só é bom se as duas partes mantiverem a palavra.

- Uuuuh! - vaiou um deles, sendo seguido pelos outros. - Como você ousa blasfemar contra o nosso Deus?

Apareceram mais alguns, levantando os braços com as mãos fechadas.

Carpathia virou-se para o templo e voltou a olhar para eles.

- O Deus de vocês? - ele disse. - Onde ele está? Lá dentro? Devo entrar para ver? Se ele estiver lá e não me receber, de­verei tremer de medo? Ele vai me fazer cair morto no chão?

- Tomara que Ele faça isso! - gritou um rabino.

Carpathia olhou firme para os homens.

- Vocês vão se arrepender do dia em que resolveram ficar contra mim - ele ameaçou. - Não vai demorar muito para que recebam minha marca ou morram na guilhotina.

Ele subiu com passos firmes a escadaria do templo, mas seus asseclas tiveram de se ajudar mutuamente para acom­panhá-lo. Os judeus piedosos os acompanharam, andando a alguns passos atrás. Carpathia e seus asseclas, acom­panhados de um contingente de cidadãos leais, passaram pelos pilares e entraram na área do pórtico, mas os judeus permaneceram do lado de fora, balançando o corpo para a frente e para trás, curvando-se, clamando a Deus.

Com o telefone no ouvido, Buck correu até o local onde havia uma câmera e um microfone abandonados. Um pequeno monitor e os fones de ouvidos estavam pendura­dos abaixo da câmera, presos entre duas pernas do tripé. O monitor ostentava o logotipo da rede mundial e mostrava Carpathia entrando no templo. O operador de câmera devia ter sido contratado recentemente, porque ele se atrapalhou para fazer a abertura correta da lente.

- Consegui - disse Buck a Chang, lendo os números.

- Ótimo! É sem fio! Coloque-a o mais perto que você puder de Chaim e encaixe o microfone no suporte embaixo da lente.

Buck teve dificuldade para lidar com o tripé. As rodas estavam travadas, e, por ter de trabalhar apenas com uma mão, ele quase perdeu o equilíbrio. Disse a Chang que ligaria depois para ele e voltou a lidar com as rodas do tripé.

Nesse ínterim, Chaim voltou a provocar Carpathia.

- Se você é Deus - ele bradou em tom afrontoso -, por que não cura o Reverendíssimo Pai ou a mulher tão ligada a você? Onde estão todos os seus líderes militares e os outros membros de seu gabinete?

A atenção do povo desviou-se de Chaim e voltou a concentrar-se na entrada do templo. A tática de Chaim funcionou. Carpathia reapareceu. Grande parte dos judeus piedosos desceu apressadamente os degraus, bloqueando a visão que Nicolae tinha da câmera, agora diante de Chaim. Buck receou que aquilo deixasse transparecer que eles estavam com medo do potentado.

- Onde estão seus leais seguidores - prosseguiu Chaim -, aqueles que receberam sua marca maldita e adoraram você e sua imagem? O corpo coberto de chagas é o preço que a pessoa paga por adorá-lo. E você ainda diz que é Deus?...

Buck imaginou que Nicolae estivesse meramente tentando intimidar o ancião com o olhar. O Chaim Rosenzweig que Buck conhecia não teria suportado aquele tipo de guerra psi­cológica, mas Miquéias - o novo Moisés - manteve os olhos fixos em Carpathia por tanto tempo, sem sequer piscar, que Nicolae lhe deu as costas.

Buck examinou o monitor. Parecia que a última parte não havia sido levada ao ar. A imagem agora mostrava alguém no estúdio de Nova Babilônia anunciando que a CNNCG estava "retornando a Jerusalém, onde Sua Excelência visitará o famoso templo. Em razão da enfermidade que acometeu quase todo o nosso pessoal espalhado pelo mundo inteiro, pedimos sua compreensão, uma vez que a maioria dos técnicos que estão colaborando para que esta transmissão chegue até os senhores é formada por voluntários."

 

David preocupou-se ao notar que os soldados da CG só resolveram fugir de Petra depois de várias sequências de disparos das armas possantes e do uso estratégico das DEWs. Ele estava certo de não ter sido detectado, e agora esperava que a chefia militar do inimigo desistisse de pedir reforço.

Rayford contou-lhe que ele, Albie e Mac estavam bem, a não ser com os ombros doloridos e os ouvidos zunindo. George e Abdullah relataram que fizeram mais alguns disparos com as armas de energia direcionada enquanto os soldados da CG fugiam, passando a uns 500 metros deles.

- Eu não ficarei surpreso - complementou Rayford - se você começar a saudar a chegada de novos residentes no fim da tarde.

Aquele foi o ponto mais próximo em que David esteve de um combate ao vivo, mas a situação não lhe parecia justa. Ele não podia imaginar alguém planejando um ataque enquanto tantas pessoas sofriam com aquelas terríveis feri­das.

Sem saber se Chaim lideraria ou acompanharia a fuga dos israelenses para Petra, David considerou a possibilidade de tomar conta do povo até a chegada do Dr. Rosenzweig. Para David, os primeiros a chegarem deveriam ser atendi­dos prontamente. E ele tentava imaginar onde os primeiros 250 mil começariam a alojar-se. Quando ele voltou ao seu computador para ver o que estava acontecendo no templo, encontrou esta mensagem de Hannah Palemoon:

 

            David, existe uma calmaria aqui, mas não sabemos quanto tempo isto vai durar. Estamos orando para que o pequeno destacamento que atendeu a seu chamado de enfrentar a CG retorne sem problemas e tenha sucesso na empreitada.

            O que estou sentindo não é fácil de descrever, mas entendo que devo tirar esta opressão de meu peito. Além de saber que você ainda sofre a perda do amor de sua vida, e que nenhum de nós deveria pensar num relacionamento durante este período da História, ainda existe o fato de que mal nos conhecemos. Portanto, por favor, não pense que estou escrevendo esta mensagem com base em qualquer tipo de sentimento que um de nós venha a ter pelo outro.

            Somos amigos, não é verdade? E isso não implica obrigações da parte de ninguém. Para o bem de nós dois, preciso dizer isto. Fiquei magoada com sua atitude em relação a mim, quando você decidiu não retornar aos Estados Unidos Norte-americanos no final da Operação Águia. Sei que foi uma decisão complicada de tomar, pois você estava numa grande encruzilhada. Preciso também concordar em que essa deve ter sido a decisão certa.

            Tomei conhecimento do fato pelo pessoal daqui. Aparentemente, você teve uma longa conversa com o capitão Steele, e dizem que a próxima coisa que você vai fazer é apertar a mão de todos, dizer adeus e partir. Meu amigo, meu companheiro, o único com quem eu poderia contar, vai embora. É isso aí.

            Peço-lhe desculpas por dizer isto, mas acho que você não me tem tratado como uma amiga. Eu teria me sentido honrada em ajudá-lo a tomar a decisão ou, pelo menos, ter sido informada sobre ela em particular, se é que você se importa com o que eu penso. Eu poderia fazê-lo feliz desde que você não visse esta enfermeira neurótica só como uma amiga. Se isto for uma loucura e você achar que vou me arrepender de ter enviado esta mensagem, finja que nada aconteceu. E muito obrigada pelas lembranças agradáveis.

                                               No amor de Cristo, Hannah

 

Buck ajustou o foco da câmera em Chaim e aproximou-se o mais que pôde para não ser percebido por alguém que estivesse monitorando a transmissão em Nova Babilônia. Se tudo funcionasse conforme Chang imaginava, o pessoal da CNNCG tiraria Chaim do ar e tentaria localizar e reivindicar a câmera usada ilegalmente.

Buck virou o monitor para que tanto ele como Chaim pudessem vigiar Carpathia e saber quando Chang trocaria as cenas. No momento em que a CNNCG passou a transmitir do interior do templo, ali havia um grande tumulto. Nicolae estava gritando com o voluntário que atuava como assistente do operador de câmeras, que também era voluntário, e a imagem tremeu. Buck apertou os fones contra os ouvidos e ouviu o assistente dizer:

- Sinto muito, Excelência, mas não quero fazer isto.

- Você está me desobedecendo? - perguntou Nicolae rispidamente.

- Eu quero obedecer, senhor, mas...

- Senhor?!

- Santidade! Eu nem sequer deveria estar aqui, e eles não vão me dar atenção.

- Você está falando em meu nome, e, se eles não estiverem fora daqui quando eu aparecer em suas emissoras, o sangue deles será usado para os sacrifícios.

- Oh, senhor... Potentado!

- Vamos, a não ser que você queira ter o mesmo destino deles.

A CNNCG de Nova Babilônia interrompeu, entrando com a seguinte notícia:

"A comitiva de Sua Excelência passou pelo Átrio das Mulheres, onde a Sra. Viv Ivins aguardará. O restante do grupo entrou no Átrio dos Homens e, aparentemente, investiu contra os sacerdotes que se recusam a deixar o templo para que o Potentado Carpathia possa fazer uma peregrinação particular, conforme foi claramente estipulado.

"Na época em que negociou com os muçulmanos, para que eles transferissem a mesquita da Cúpula da Rocha para Nova Babilônia, o potentado deixou bem claro que todas as ativi-dades no templo judaico reconstruído só seriam permitidas mediante sua aprovação. Não é segredo para ninguém que os judeus ortodoxos continuaram com seus rituais e sacrifícios diários em favor de sua fé, mesmo depois que a Fé Mundial Enigma Babilónio foi instituída como única religião interna­cional permitida por lei, com a finalidade de incorporar as doutrinas de todas as crenças. Depois que Sua Excelência ressuscitou, ele passou a ser nosso único objeto de adoração, o que provocou a dissolução da Fé Mundial e o estabeleci­mento do carpathianismo. Mesmo assim, os judeus e uma facção de fundamentalistas cristãos conhecidos como judaís-tas - termo este extraído do nome de seu líder, o Dr. Ben-Judá, que se autoproclamou judeu messiânico - teimam em não reconhecer a divindade de nosso verdadeiro deus vivo.

"Sua Excelência entrará no Santo dos Santos, mas antes disso ele insiste na retirada dos dissidentes. Vamos voltar a transmitir de lá."

- Qualquer um daqui que não acatar minhas ordens rece­berá um tiro mortal - disse Carpathia. - Você está armado e preparado?

- Não! - choramingou o assistente.

- Eu estou armado - disse Walter Moon.

- Você aí - disse Nicolae, apontando para o assistente -, pegue a arma do Sr. Moon e cumpra o seu dever.

Buck tinha os olhos cravados no monitor. Nicolae desviou o olhar da lente da câmera e encarou o voluntário. A câmera foi virada rapidamente para mostrar o homem recusando-se a pegar a arma. Houve um murmúrio, um tiro, um grito - e o homem tombou. A câmera voltou a focalizar Carpathia, que agora segurava a arma.

- Pode mostrá-lo - disse Nicolae, e a câmera focalizou o corpo no chão.

Buck ouviu um ruído pelos fones de ouvido, seguido da voz de Chang.

- É agora - ele disse. Chaim deu um passo atrás para se posicionar, e a luz vermelha da câmera de Buck foi acesa.

- O rei maligno deste mundo, além de querer expulsar os sacerdotes do lugar que eles devem ocupar no templo - disse Chaim -, aparentemente também cometeu um assassinato neste lugar santo.

Buck notou que as palavras que ele ouvia não combinavam com os movimentos da boca de Chaim. O homem estava falando em hebraico, e ele o ouvia em inglês.

Os judeus piedosos que viram a cena pelos monitores de TV fora do templo protestaram, gritando com os braços para o alto e as mãos fechadas. Uma pequena multidão começou a subir a escadaria. Buck notou que muitas dessas pessoas não tinham a marca da lealdade e eram seguidas por outros. Ele olhou para o pequeno monitor abaixo da câmera. A CNNCG estava mostrando a imagem de Chaim, e, pelos fones de ouvido, Buck ouviu um diálogo sobre dificuldades técnicas. Chang interrompeu novamente para tranquilizar Buck.

- Consegui tirar o som dos microfones do pessoal de Nova Babilônia, mas eles estão tentando localizar sua câmera. Vou retornar a transmissão para Carpathia e confundi-los mais um pouco.

- Espere até Chaim concluir seu raciocínio - disse Buck.

- Enquanto Carpathia fala - disse Chaim - vocês poderão ver a pia sagrada onde os sacerdotes lavam as mãos antes de se aproximarem do altar principal. O templo foi criativa­mente construído acima de uma série de canais subterrâneos, onde a gravidade permite constante pressão da água para as várias purificações. Evidentemente, Carpathia nada tem a fazer neste lugar. Mesmo que ele lave as mãos de acordo com os rituais da cerimônia, estará profanando o lugar.

- Mudando! - disse Chang. - E o monitor mostrou Car­pathia fazendo um sinal a seu operador de câmera para que o acompanhasse.

- Estivemos fora do ar por alguns instantes - disse o homem.

- O que você não mostrou?

- Acho que não mostramos o... o senhor sabe...

- O momento em que toquei o sangue?

- Não, Excelência. Devemos retroceder?

- Não! - exclamou Carpathia, como se estivesse enojado. Ele levantou suas mãos vermelhas diante da lente. - Os que me são fiéis compreenderam a mensagem.

Em seguida, ele gritou tão alto que sua voz provocou eco e foi distorcida.

- Qualquer um que ousar interromper minha peregrinação verá seu sangue em meus dedos!

O som dos passos que vinham atrás dele era tão forte que fez o operador de câmera virar-se e a tela foi tomada por um grupo de sacerdotes com trajes cerimoniais que acusa­vam Carpathia.

- Vejam de onde este sangue vem! - gritou Carpathia, e a câmera focalizou os rostos dos sacerdotes, que pararam e empalideceram.

Quando olharam para o local em que o corpo se encon­trava, eles choraram e gritaram:

- Sua maldade não tem limites?

- Vocês são os tais que odeiam deus - esbravejou Carpathia -, que não me consideram deus, um deus reconhecido por todos, mas que não foi aceito por vocês?

Um deles resolveu falar:

- Você não deveria ficar surpreso. Demonstramos lealdade por meio da oferta de sacrifícios diários em seu nome.

- Vocês têm ofertado sacrifícios - disse Carpathia -, mas a outro, como se fosse a mim. Que vantagem é essa, se vocês não oferecem sacrifícios a mim? Nenhum sacrifício voltará a ser feito neste templo, a não ser a mim. Não em meu nome, mas para mim. Agora saiam, ou terão o mesmo destino deste infeliz que foi tolo demais a ponto de não acreditar que fui aquinhoado com a natureza de deus!

- Deus o julgará, demônio!

- Dê-me sua arma novamente, supremo comandante!

- Estamos nos retirando não por medo mas por que você transformou a casa de Deus num campo de carnificina!

- Saiam daqui! Voltarei a minha casa e, se vocês não provarem lealdade a mim até o fim da semana, pagarão o preço com suas cabeças.

Os sacerdotes saíram gritando e ameaçando, e Buck viu quando os colegas deles, que estavam do lado de fora do templo, os cumprimentaram em sinal de solidariedade e incentivo.

- Todos os que amam a Deus, unam-se! - gritou um deles, e os curiosos que estavam por perto repetiram o refrão.

A luz da câmera de Buck voltou a acender, e Chaim recomeçou seu discurso.

- O átrio interno cercado por colunas tem uma escada voltada para o Oriente e dá acesso ao altar principal. Os sacerdotes que reverenciam a Deus marcham ao redor do Átrio dos Sacerdotes e do Lugar Santo com a mão esquerda o mais perto possível do altar. Aquele que pretende pisar de modo indigno o chão sagrado já começou pelo lado oposto, portanto sua mão direita é que ficará o mais perto possível do altar. As Escrituras profetizam que ele não terá nenhuma consideração pelo único e verdadeiro Deus. Os planos que Ele tem para a besta que ridicularizou a Via Dolorosa serão revelados somente quando ele invadir mais ainda o território de Deus.

- Que vergonhoso contraste com o Shekinah, a glória de Deus, que foi visto três vezes, sendo que a última vez foi aqui neste templo! Deus apareceu a Moisés no Monte Sinai, quando os Dez Mandamentos lhe foram entregues. Ele apare­ceu novamente quando Moisés consagrou o Tabernáculo de Deus. E, finalmente, Ele apareceu na consagração do Templo de Salomão, aqui neste mesmo lugar. Se fosse da vontade de Deus, Ele poderia revelar-se hoje mesmo e esmagar com os pés este inimigo maligno. Mas Ele tem um plano eterno, e o Anticristo não passa de um joguete em suas mãos. Embora o Anticristo tenha recebido poder por uns tempos para espalhar terror no mundo inteiro, ele terá um fim amargo que já está estabelecido.

- Ficamos fora do ar mais uma vez, Excelência - relatou o operador de câmera assim que ela foi religada.

- O que você está fazendo errado?

- Nada, Potentado! A luz vermelha de minha câmera simplesmente se apaga, e, por mais que eu tente, ela só volta a acender sem a minha participação.

- Mostre aquilo! Mostre a beleza da construção que foi feita para mim, embora, na época, o arquiteto e os artesãos não soubessem.

A câmera exibiu uma imagem panorâmica da decoração feita em madeira de cipreste e cedro e revestimentos de ouro, prata e bronze.

- Não foi feita nenhuma economia em minha casa! - exultou Nicolae.

Leon Fortunato, aparentemente sentindo-se desprezado, disse alguma coisa que não foi captada pelo microfone.

- Fale, meu amigo! - disse Carpathia, retirando o micro­fone da lapela e colocando-o diante da boca de Fortunato.

- Tu, meu senhor - disse Fortunato com voz rouca, fraca e cansada -, és o espírito bom do mundo e a fonte de todo bem.

 

David Hassid sentou-se no alto de Petra, com o painel solar de seu laptop de frente para o sol e a tela na sombra. Chang era um rapaz surpreendente. Porém o drama que estava sendo levado ao ar pela televisão internacional e pela Inter­net fez David perguntar a si mesmo como Chaim faria para libertar os judeus crentes. Ele gostaria de poder comunicar-se com Chaim para lhe dizer que era chegada a hora de con-vocar todos para fugirem, antes que Carpathia terminasse a profanação do templo e retornasse para se vingar.

Mas David sabia que a programação não era de sua responsabilidade. Deus planejara tudo isso desde o início dos tempos, e somente Ele poderia dar o sinal positivo para Chaim.

As multidões fora do templo pareciam representar grande perigo. Os colaboradores de Carpathia tentavam calar os judeus ortodoxos, mas os que haviam recebido a marca e adorado a imagem mal conseguiam ficar em pé. A crescente oposição a Carpathia parecia estar ganhando confiança, porque os homens mais próximos do potentado e os militares estavam visivelmente incapacitados, sem forças para conter o povo.

Apesar disso, David sabia, Nicolae era um incendiário implacável, que gostava de exibir seu poder temporário. O potentado postou-se diante do véu que encobria o Santo dos Santos e instruiu o operador de câmera para que ficasse atrás dele. David imaginou o que significava para Deus, do céu, e para os povos do mundo inteiro presenciarem o momento em que, com um gesto floreado, Nicolae retirou uma faca comprida da bainha presa ao cinto e rasgou o véu, começando pela parte mais alta até alcançar o chão. Em seguida, ele afastou as duas partes para os lados.

Acima do ombro de Carpathia, que já estava perto do altar de bronze, David conseguiu enxergar o pomposo trono do Anticristo e o porco gigantesco exibido no dia anterior, agora sem a sela e visivelmente agitado. Ele tentava livrar-se das duas cordas que passavam em volta de seu pescoço. Alguns homens leais a Carpathia, e que ainda não haviam recebido a marca, ten­tavam mantê-lo no lugar. Fortunato e Moon posicionaram-se atrás do porco, dando a entender que queriam ser focaliza­dos pela câmera.

De repente, a transmissão foi mudada para a câmera do lado de fora, e David achou que Chang devia ter avisado Buck. Ele direcionou suas lentes para onde estavam os oposi­tores que observavam o drama pelos telões. Muitos caíram de joelhos no chão e rasgaram suas vestes.

A transmissão mudou para o interior do templo, onde o porco guinchava tentando livrar-se das cordas. Carpathia riu e se aproximou dele com a faca. Quando ele avançou, o animal recuou, fazendo o potentado escorregar.

- Você quer brincar? - gritou Carpathia. Ele montou no animal e cutucou o porco com os joelhos.

O porco fez um movimento rápido para endireitar-se e quase derrubou o potentado no chão, mas ele segurou uma das cordas com firmeza, aprumou-se e desferiu um golpe com a faca na garganta do animal.

Enfurecido, o porco atirou Carpathia no chão. O animal agitou-se enquanto Carpathia se levantava com as roupas cobertas de sangue. Os homens seguraram o animal e, aos poucos, ele foi perdendo as forças.

Deixando de lado as regras do ritual, Nicolae recolocou a faca na bainha, abaixou-se e aparou, com as duas mãos, o sangue que jorrava do pescoço do porco agonizante. Antes mesmo de endireitar completamente o corpo, ele jogou o sangue em direção ao altar.

O sangue espirrou nos homens, que gritaram histericamente, tentando proteger-se. No meio de toda aquela confusão, Fortunato e Moon forçaram um sorriso, mas pareciam estar prestes a desmaiar.

Boquiaberto, David se perguntava como alguém poderia levar a sério um homem que, além de afrontar o Senhor Deus, também agia como um bêbado arruaceiro numa festa familiar.

Finalmente, quando o porco parou de se mexer, Nicolae fez menção de estripar o animal. Mas achou que nem ele próprio nem a faca teriam condições de fazer esse serviço.

- Que pena! - ele gritou, provocando risos de seu pessoal e acomodando-se em seu trono. - Eu queria comer porco assado!

Carpathia cansou-se rapidamente daquela tolice.

- Tirem este porco daqui - ele disse - e tragam minha imagem.

Ele se levantou e se dirigiu a uma torneira. A câmera focalizou apenas seu rosto, mas ficou claro que ele se despiu para se lavar.

- A água está fria! - ele gritou, esticando o braço para pegar uma toalha das mãos de um lacaio.

Alguém entregou-lhe o manto, acompanhado da faixa para prendê-lo na cintura, e as sandálias do dia anterior. Ele olhou diretamente para a lente da câmera e afirmou:

- Assim que minha estátua for colocada no lugar, vamos nos dirigir ao alpendre de Salomão, do lado de fora.

Chang voltou a transmissão para Chaim.

- Este não é o homem mais repulsivo que já apareceu na face da terra? - disse Rosenzweig. - Ele não é a antítese de quem ele diz ser? Eu exorto a todos os que estão resistindo ou protelando em aceitar a marca e suplico que a recusem. Evitem a praga das feridas e a morte certa.

David esticou as pernas, ansioso por conversar com alguém sobre o que acabara de presenciar. A pessoa mais indicada que lhe veio à mente foi Hannah.

 

Buck receava que a câmera de TV, de que se tinha apro­priado indevidamente, fosse vista por alguém quando o pequeno contingente de judeus ortodoxos, que colaboraram, sem querer, para ocultá-la de Carpathia e de seus seguidores, se afastou repentinamente dali. Um grupo de cidadãos irados, composto de pessoas que traziam e que não traziam a marca da besta, transformou o Monte do Templo num local tumultuado.

Aparentemente, os leais a Carpathia haviam perdido a paciência por causa das feridas asquerosas que cobriam seus corpos. E o fiasco que Carpathia acabara de perpetrar no templo não servira para acalmar nem sequer seus colaboradores.

Os crentes messiânicos, os novos seguidores de Cristo, os judeus ortodoxos e talvez milhares de indecisos no meio do povo haviam conhecido o novo Carpathia. Parecia que ele aban­donara, de uma vez por todas, qualquer tentativa de persuadir ou de convencer alguém. Queria ser reverenciado, adorado e seguido porque ele era deus, e quem não concordasse com isso morreria. Porém, aqueles que o aceitaram com sinceridade eram os que mais sofriam.

O que mais revoltou o povo e ultrapassou os limites da compreensão humana foi o fato de Carpathia assassinar um homem a sangue-frio diante das câmeras de uma rede de TV internacional, encharcar suas mãos com o sangue do morto, anunciar o fim da cerimônia dos sacrifícios - a não ser aqueles que fossem feitos a ele próprio -, dizer que o templo era sua casa e, além disso, profaná-lo de maneira tão evidente. Homens barbudos gritaram:

- Como ele pôde sacrificar um porco no Santo dos Santos e sapatear sobre seu sangue?

Eles caíram de joelhos no chão, chorando e gemendo. Muitas outras pessoas começaram a afluir em torno das colunas no topo da escada, clamando pelo sangue do próprio Carpathia.

Para Buck, ficou claro que Carpathia conseguira provocar a ira de muita gente. Os homens piedosos acalmaram o povo no momento em que o pequeno contingente de Nicolae, formado por homens em bom estado de saúde, dirigiu-se à estátua de ouro. O vozerio começou a aumentar quando milhares de dissidentes, incapazes de se controlar, tentavam saber qual seria o próximo ato infame.

- Por que prestar culto num altar de bronze? - disse Carpathia, enchendo a tela com seu ar de zombaria. - Se este for verdadeiramente o santo dos santos, todos os supli­cantes devem ter o privilégio de se curvar diante de minha imagem, a qual fala por meio de nosso Reverendíssimo Pai, que tem esse poder quando não estou presente!

Carpathia aguardou a chegada da estátua sem sair do templo. Quando os homens encarregados do transporte daquela imagem a colocaram na posição horizontal para entrar com ela no templo, foram cercados pela multidão enfurecida.

- Até o pessoal da CG está contra isto, Chaim - disse Buck.

Rosenzweig concordou com um movimento de cabeça.

Buck olhou novamente para ele. O homem tinha uma expressão mais do que solene no rosto. Parecia distraído, provavelmente pensando na próxima atitude que tomaria. Pelo que Buck se lembrava de ter ouvido nas conversas e planejamentos do Comando Tribulação, aquela situação era pior do que eles esperavam. Alguma coisa teria de acontecer - e logo!

Quando os manifestantes começaram a acossar os homens que carregavam a estátua, os leais seguidores de Carpathia saíram do templo, empunhando armas. Alguns atiraram para o ar, e a multidão recuou, levantando as mãos fechadas e praguejando. No momento em que os telões mostraram os homens transportando a estátua para o lado ocidental do templo e subindo os degraus que davam acesso ao Santo dos Santos, a multidão não conseguiu conter-se e houve um princípio de motim. Os alvos eram as pessoas que usavam farda da CG e que não faziam parte da multidão conturbada.

A maioria do pessoal fardado estava fraca demais até mesmo para disparar as armas. Mas, quando os mais fortes conseguiram acertar, mortalmente, algumas pessoas, a multidão se rebelou e partiu para o ataque. Barracas que eram usadas para o atendimento médico tombaram, bancos e cadeiras voaram para todos os lados, e a guilhotina foi derrubada e reduzida a pedaços.

Os Monitores de Moral e os soldados das Forças Pacificadoras foram pisoteados e tiveram as armas arrancadas das mãos. Em seguida, os monitores de TV foram derrubados. Por todo o Monte do Templo o povo irado gritava:

- Abaixo Carpathia! Morte ao monstro! Que ele morra e permaneça morto!

Buck puxou Chaim para um lugar seguro e escondeu a câmera surrupiada. Seu monitor mostrava que os gritos chegaram até Carpathia, e ele apareceu diante da câmera, pálido e abalado.

- Estou saindo para acalmar meu povo - ele disse, olhando firme para a lente. - Eles só precisam saber que sou seu deus ressurreto.

Poucos conseguiram ouvi-lo por causa do barulho, mas aqueles que ouviram espalharam a notícia rapidamente. Buck acompanhou os passos de Carpathia de volta à entrada do templo. Ao olhar para cima, ele viu os judeus ortodoxos dirigindo-se à réplica do alpendre de Salomão, que foi rapidamente reduzido a cavacos.

Um grupo de fanáticos localizou a câmera de Buck e, antes que ele tivesse tempo de lhes dizer que estava do outro lado, sua câmera foi esmagada no chão.

Desesperado para ver o que aconteceria diante da entrada do templo, Buck subiu numa árvore e avistou Viv Ivins indo ao encontro de Car­pathia, Alguma coisa mantinha os rebeldes do lado de fora, e Buck imaginou que eles estivessem relutantes em assassinar um homem dentro do templo, a despeito de tudo o que ele fizera ali.

Tentando demonstrar serenidade, Nicolae parecia petrificado, olhando por cima do ombro para localizar o restante de sua comitiva. Ele os avistou, mas, da mesma forma que Fortunato, Moon e muitos outros, o grupo estava reunindo suas últimas forças para permanecer em pé. Carpathia gritou pedindo alguma coisa, e alguém lhe entregou um microfone que foi ligado aos alto-falantes do átrio externo.

Como se fosse um louco escolhendo o método errado para controlar a multidão, Carpathia segurou o microfone com uma das mãos e levantou a outra pedindo atenção.

- Vocês quebraram o pacto! - ele gritou. - Minha promessa de paz para Israel durante sete anos está rescindida! Agora vocês precisam permitir que eu e meus...

O restante de suas palavras foi abafado pelos gritos dos rebeldes. Embora não se atrevessem a entrar no templo, eles se acotovelavam diante da porta, criando uma barreira humana na frente de Carpathia.

De repente, todos se aquieta­ram e começaram a rir, depois a gargalhar, e depois a gritar de satisfação pelo que fizeram. Parecia que eles haviam encurralado um animal inofensivo e agora não sabiam o que fazer com ele.

- Meus irmãos e irmãs da Comunidade Global - prosseguiu Carpathia -, vou providenciar para que suas feridas sejam curadas, e vocês verão que sou eu que vou lhes trazer a paz!

- Você não sairá vivo daqui, farsante! - gritou alguém, seguido por outros.

De repente, naquele início de tarde clara, foi ouvida a voz aguda e penetrante do homenzinho de manto marrom, e todos os olhos e ouvidos viraram-se para ele.

- Ainda não é chegada a hora em que o homem do pecado enfrentará o julgamento, embora esteja claro que ele já se revelou!

O povo murmurava entre si, sem querer desistir de assas­sinar Carpathia.

Chaim caminhou lentamente em direção à multidão, e as pessoas abriram caminho para ele passar, respeitosamente e em silêncio.

- Conforme foi profetizado séculos atrás - prosseguiu Chaim, tomando o rumo da escadaria do templo -, Deus optou por dar liberdade a este demônio por algum tempo. Por mais impotente que este inimigo de suas almas possa parecer hoje, ele continuará a perpetrar o mal contra vocês, de maneira cada vez mais violenta. Assim que voltar a ficar em posição vantajosa, ele se vingará deste abuso contra sua autoridade, e é melhor vocês não estarem aqui quando sua ira for derramada.

- É isso mesmo! - gritou Carpathia. Sua voz parecia fraca comparada ao tom autoritário de Chaim. - Vocês vão se arre­pender do dia em que ousaram...

- Você! - bradou Chaim, apontando para Nicolae. - Você vai permitir a saída do povo escolhido de Deus antes que esta maldição seja eliminada ou terá de enfrentar uma praga pior.

Buck, ainda empoleirado na árvore, ligou para Chang.

- A câmera foi destroçada - ele disse.

- Foi o que imaginei.

- Você está entendendo alguma coisa disso aí?

- A CG está discutindo o assunto. Parece que eles não sabem se Carpathia deseja que a cena seja levada ao ar. Cabeças vão começar a rolar.

- O que Carpathia acabou de dizer? - Buck perguntou. - Eu perdi.

- Alguma coisa sobre ir ao Knesset, onde ele estará à dis­posição para negociar ou responder às perguntas sinceras de seu povo.

- Eles jamais vão deixá-lo sair do...

Mas eles deixaram. A multidão afastou-se e abriu caminho para Nicolae e sua comitiva da mesma forma que fez com Chaim.

- Alguma chance de ouvirmos o que ele vai dizer no Knesset? - perguntou Buck.

- Que eu saiba, não - respondeu Chang. - Você vai até lá?

- Se Chaim for, eu também irei.

- Deixe seu telefone livre. Vou dar um jeito para que o resto de nosso pessoal possa ouvir.

Antes que Buck pudesse descer da árvore, Chaim levantou os braços para atrair a atenção da multidão enfurecida.

- Os que estiverem na Judéia, fujam para os montes. Quem estiver no telhado de sua casa, não desça nem entre em casa para tirar dela coisa alguma. Quem estiver no campo, não volte para pegar suas roupas.

- Para onde devemos fugir? - gritou alguém. - Já revela­mos que o potentado é um farsante sem poder algum!

- Porque Deus assim ordenou!

- E agora vamos ter de acreditar que você é Deus?

- O grande Eu Sou me disse. E o que Ele achar que deve ser, assim será.

            Buck tinha certeza de que ninguém compreendeu nada daquilo, mas Chaim falou com tanta autoridade que o povo se acalmou imediatamente.

- Para onde devemos ir? - perguntou alguém.

- Se vocês crêem que Jesus Cristo é o Messias - respon­deu Chaim -, dirijam-se agora para Petra, pelo caminho de Mizpe Ramon. Se possuírem qualquer tipo de transporte, levem o maior número de pessoas com vocês. Voluntários vindos de todas as partes do mundo também estão aqui para transportá-los a Mizpe Ramon. De lá, vocês seguirão de helicóptero para Petra. Os idosos, os enfermos e os debilitados devem dirigir-se ao Monte das Oliveiras. Lá haverá helicópteros para pegá-los.

- E se não crermos que Jesus Cristo é o Messias?

- Os que têm ouvidos para ouvir, dirijam-se a Masada, onde terão liberdade para adorar a Deus, conforme faziam anteriormente aqui neste templo. Lá, eu apresentarei argu­mentos comprovando que Jesus é o Messias. Não protelem! Não hesitem! Vão já, todos!

Buck surpreendeu-se ao ver muitas pessoas com a marca de Carpathia tentando misturar-se à pequena multidão que se formava rapidamente para sair do Monte do Templo. Ele sabia que elas não poderiam mudar de ideia, pois que já haviam voltado, definitivamente, as costas para Deus. Mas agora aquelas pessoas estavam perdidas. Estavam sem a proteção de Deus e, mesmo assim, se opunham publica­mente ao Anticristo. Se a praga das úlceras fosse suspensa, certamente as forças da CG dariam cabo daquelas pessoas.

Os judeus ortodoxos e os indecisos poderiam dirigir-se a Masada, mas quem já tivesse recebido a marca da besta não poderia entrar lá.

 

Sem conseguir conectar Hannah pelo computador, David redigiu um e-mail e enviou-o pouco antes de assistir aos acontecimentos no Monte do Templo. Uma onda de euforia tomou conta de todo o seu corpo enquanto ele aguardava a chegada da primeira leva de crentes. Ele passara horas instalando os elementos básicos do sistema de computador sem fio e agora não podia fazer nada, a não ser aguardar.

 

Buck não queria perder Chaim de vista, mas não precisou preocupar-se com ele. O Monte do Templo esvaziou-se rapidamente, e agora tudo o que se via ali era uma enorme desordem. Chaim desceu a escadaria do templo e fez um gesto para que Buck o acompanhasse.

Enquanto ambos caminhavam rumo ao Knesset, Jerusalém parecia explodir ao redor deles. Saqueadores quebravam vitrinas das lojas e derrubavam barracas dos ambulantes, espalhando as merca­dorias nas ruas. Baderneiros bêbados cantavam, dançavam e chapinhavam nas bebidas esparramadas pelo chão, ao saírem de bares e boates. Os que sofriam com as feridas gemiam, e muitos tentaram dar fim à própria vida em plena luz do dia.

Nesse ínterim, os judeus crentes, os indecisos e os judeus ortodoxos caminhavam apressados em busca de condução para o Monte das Oliveiras, Masada ou Mizpe Ramon.

Os veículos da Operação Águia chegavam em grande número, sem identificação, a não ser pelos olhares ansiosos dos motoristas incentivando os que tinham o selo de Deus na testa a subirem rapidamente. Ao avistarem Buck e Chaim, os motoristas os cumprimentavam e apontavam para o céu. Por todos os lugares, as pessoas gritavam:

- Ele ressuscitou!

E a resposta vinha em coro:

- Cristo ressuscitou verdadeiramente!

Muitos cantavam.

Buck estava sofrendo de sobrecarga emocional. Chorava a morte de Hattie. Sentia saudades de Chloe e Kenny e temia pela segurança deles. Estava horrorizado e emocionado pelo que acabara de presenciar, sentindo um misto de perplexi­dade e esperança. Ele não esperava que Chaim tivesse de convencer as pessoas a fugirem de Carpathia, porque ambos acreditavam que elas já tivessem isso em mente. E, é claro, ele não fazia idéia do que aconteceria no Knesset.

 

Como piloto comercial, Rayford havia tido sucesso em programar seus vôos. Naquela época, tudo era previsível. Mas nesta missão ele teve de adaptar-se a mudanças repen­tinas, dependendo de como Deus conduziria Chaim. Teria sido muito simples transportar o povo por via terrestre, de Jerusalém a Mizpe Ramon - um percurso de pouco mais de 150 quilômetros -, e depois levá-lo de helicóptero até Petra no sudoeste da Jordânia, distante cerca de 80 quilómetros de Mizpe Ramon. Porém, de repente, Masada e o Monte das Oliveiras foram acrescidos ao itinerário, e era tarefa de Rayford encontrar mais pessoas para realizarem essa missão.

A responsabilidade que ele havia assumido para si era pegar Chaim e Buck assim que todos já estivessem em segurança. O Dr. Rosenzweig insistiu em que eles fossem os últimos a chegar a Petra, da mesma forma que um capitão e seu ime­diato devem ser os últimos a abandonar o navio. Mas Ray­ford só saberia no último minuto onde pegá-los.

 

- Binóculos? - disse Z. - Posso conseguir um melhor que este para você, Chloe. Você quer olhar para cima ou para diante?

- Acho que para diante - respondeu Chloe, bocejando.

- Não preciso de nada específico.

Ela não queria que Zeke soubesse o que se passava em sua mente. Não era por desconfiança do rapaz. Simplesmente ela não queria palpites. Os adultos haviam assistido ao drama no templo, e o vôo para Petra estava começando. Ela decidiu que, assim que soubesse que Buck estava bem, não ficaria mais sentada ali sem fazer nada.  

Algumas semanas antes, Zeke havia apresentado uma idéia interessante. Assim como todo o pessoal, Chloe gostava da maneira como Zeke pensava, embora o linguajar do rapaz pudesse enganar um estranho, que talvez o considerasse pouco inteligente. Ele havia incentivado Chloe a fazer um clone de si mesma via Internet.

- Recrute outras mulheres como você - ele lhe dissera. - Deve haver muitas mães jovens que estão se sentindo fora do combate. Ensine a elas o que você faz e depois mande cada uma trabalhar em sua área ou região. Você não pode fazer todo o seu trabalho sozinha.

A idéia acendera a chama que faltava. Chloe conseguiu, via Internet, manuais e listas de deveres, procedimentos, bancos de dados para cruzar referências - tudo o que uma diretora regional da Cooperativa Internacional de Mercadorias pode­ria necessitar. Ela estava fazendo um trabalho virtual.

Agora, Chloe estava recorrendo ao "homem das mil e uma habilidades", aquele que, da mesma forma que seu pai, tinha feito um inventário de tudo o que havia no Edifício Strong. Contudo, Zeke conseguiu superar Rayford. Ele armazenou no computador uma lista de tudo o que encontrou. Um prédio tão grande como aquele possuía uma infinidade de tesouros.

- Existem binóculos aqui - ele disse. - Alguns são muito possantes, os melhores que existem. Mas, conhecendo você, sei que vai querer o mais possante de todos, estou certo?

- Como sempre, está.

- Logo o dia vai clarear. Você precisa dele agora?

- Se for possível.

- Volto já.

Zeke demorou alguns minutos para localizar o que queria. Seu computador lhe informou onde se encontravam os binóculos, e ele se dirigiu aos elevadores.

Ming voltou para a cama assim que Tsion informou-lhe que Chang tentaria conectar Chicago com a reunião que Chaim e Buck teriam com Carpathia no Knesset.

- Eu preciso dormir - Tsion disse a Chloe -, mas vou ficar de ouvidos atentos ao... a menos que você queira fazer isso.

- Já me cansei do Santo Nick por hoje - ela disse. - Por que você não liga o gravador e aproveita para descansar um pouco?

Tsion fez um movimento afirmativo com a cabeça, como querendo dizer que a idéia dela bateu com a dele.

- Assim, se eu quiser, posso ouvir sem me preocupar, caso eu adormeça.

Zeke retornou com ar de ansiedade, como se mal pudesse esperar para ver a reação de Chloe. Ele lhe entregou uma caixa branca, cujo peso a surpreendeu.

Chloe sentou-se e abriu a caixa, tirando de dentro um telescópio curto e muito pesado, de cerca de 30 centímetros de comprimento. Para retirá-lo, ela precisou usar as duas mãos.

- O quê!? - ela disse. - Ele precisa de um tripé?

- Acho que não - respondeu Zeke. - Mas você vai precisar apoiá-lo em algum lugar. Talvez no parapeito da janela. Quer ajuda?

- Não, obrigada, Zeke. Gostei muito. Quero lidar com ele sozinha. Já passou da hora de você dormir, não?

- Faz tempo que passou.

           

A praga das úlceras provocou tantas baixas no contingente de Carpathia que Buck chegou a imaginar que qualquer pessoa poderia passar pelo serviço de segurança do Knesset e tirar o potentado de lá sem problemas. Fracos, trêmulos e se coçando sem parar, os guardas olharam com desânimo para Buck e Chaim, mal notando a presença deles.

Além de Buck não ser revistado, ninguém se deu ao trabalho de perguntar seu nome. Ele e Chaim foram conduzidos a uma pequena sala de reuniões, onde Nicolae estava sentado, tendo Fortunato à sua direita e Moon à sua esquerda. Fortunato e Moon pareciam refugiados de um campo de quarentena, debruçados sobre a mesa, apoiando a cabeça com as mãos, esforçando-se para manter os olhos abertos.

Assim que a porta foi fechada atrás de Buck, Carpathia disse em tom sarcástico:

- Perdoem-me por não me levantar.

Ele apontou duas cadeiras. Buck sentou-se rapidamente, mas sentiu-se embaraçado ao ver que Chaim continuou em pé.

- Eu represento o único Deus verdadeiro e seu Filho, Jesus, o Cristo - disse o ancião. - Prefiro ficar em pé.

Carpathia parecia tão zangado que mal conseguia falar. Os músculos de sua mandíbula projetaram-se para a frente quando ele rangeu os dentes, fixando os olhos em Chaim de maneira penetrante. Chaim continuou a encará-lo.

- Muito bem - disse Nicolae. - Vou permitir que essa gente fuja para os montes. Quando a praga das feridas desaparecerá? Eu mantive minha palavra no acordo.

- Nós fizemos um acordo? - perguntou Chaim.

- Vamos, vamos! Estamos perdendo tempo! Você disse que suspenderia essa mágica se eu...

- Eu não me lembro de ter dito isso. Eu disse que se você não deixasse o povo partir, sofreria uma praga pior ainda.

- Está bem, eu consinto que eles partam. Agora, você...

- Parece que você não teve escolha.

Carpathia deu um tapa com força na mesa, fazendo seus asseclas pularem de susto.

- Não estamos aqui para fazer jogo de palavras - ele disse. - Quero que as feridas de meu povo sejam curadas! O que eu preciso fazer?

- Não faça nenhuma tentativa de impedir que os crentes israelenses messiânicos se dirijam a Petra.

Carpathia levantou-se e afirmou, querendo mostrar autori­dade:

- Você ainda não notou? Sou o único funcionário da Comunidade Global que não foi atingido pela praga!

Chaim permaneceu calmo e replicou:

- Não foi atingido porque não recebeu a sua marca, embora eu me atreva a dizer que você adora a si mesmo. Nicolae rodeou rapidamente a mesa e abaixou o corpo, ficando com o rosto a alguns centímetros do de Chaim.

- Nossos especialistas da área médica concluíram que não existe nenhuma ligação entre a aplicação da marca da lealdade e...

- Sabe que o seu mau hálito não me causa surpresa?

- Você não tem coragem de retirar a praga por medo de ter o mesmo destino de seus dois companheiros do Muro.

- Se seus especialistas são tão sabidos - disse Chaim -, por que eles não fazem alguma coisa para aliviar as feridas?

Carpathia respirou fundo e se sentou em cima da mesa, de costas para Fortunato e Moon.

- Então, você não veio aqui para negociar? - ele disse.

- Veio aqui para me dizer que estou em suas mãos e que não existe nada que eu possa fazer para aliviar o sofrimento de meu povo?

- Vim aqui para lembrá-lo de que o enredo desta história já está escrito. Eu já o li. Você perdeu.

Carpathia levantou-se novamente e desafiou:

- Se eu não sou deus, desafio o seu a me matar agora. Eu cuspo no rosto dele e o chamo de fracote. Se eu continuar vivo por mais dez segundos, ele e você são dois farsantes.

Chaim sorriu e contestou:

- Que espécie de Deus Ele seria se se sentisse obrigado a agir de acordo com a sua vontade?

Buck gostou imensamente quando viu Carpathia sem argumentos para contestar. Nicolae parecia trêmulo de raiva. Olhou firme para Chaim e sacudiu a cabeça. Atrás dele, Moon bateu de leve no ombro de Fortunato, fazendo o reverendo estremecer.

- Desculpe-me pelo susto - disse Moon, cochichando em seguida alguma coisa com ele.

- Excelência - disse Fortunato com voz rouca -, só uma palavra, por favor.

- O quê? O que.é?

Fortunato levantou-se com dificuldade, cruzou as mãos diante de si e se curvou.

- Por favor, Sua Divindade. Um momento.

Nicolae parecia prestes a explodir de raiva. Ele voltou para trás de sua mesa, fazendo Moon levantar-se. Fortunato disse alguma coisa com voz fraca demais para que Buck pudesse ouvir.

- Suponho que você esteja de acordo, Moon - disse Nicolae. Moon fez um sinal afirmativo com a cabeça, e Fortunato complementou:

- Foi idéia dele.

Moon ficou embasbacado e olhou firme para Leon.

- Vocês dois, saiam daqui. Quero uma reunião, vocês sabem onde, com todo o meu gabinete.

- Não vai ser aqui?

- Não! Eu disse que vocês sabem onde! Estas paredes têm ouvidos!

Os dois saíram em seguida. Carpathia olhou para Buck.

- Este sujeito aqui me deixa nervoso - ele disse. - Ele precisa ficar aqui?

- Precisa.

- Meu povo está suplicando por um pouco de sossego - disse Nicolae. - Reconheço que sou forçado a abrir mão de alguma coisa.

- E o que seria?

Os olhos de Carpathia movimentavam-se rapidamente, como se ele se odiasse pelo que ia dizer.

- Que... eu... preciso... me submeter a você neste momento. Estou preparado para fazer o que for necessário a fim de suspender a praga.

Ele abaixou a cabeça como se estivesse lutando contra uma força invisível.

- Você está sob a autoridade do Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, do Deus criador do céu e da terra. Você permitirá esse êxodo, e, assim que eu souber que o povo sob minha responsabilidade está em segurança, orarei para que Deus suspenda esta aflição.

Buck não ficaria surpreso se visse fumaça desprendendo das orelhas de Carpathia.

- Daqui a quanto tempo? - perguntou Nicolae.

- Trata-se de uma tarefa muito grande - respondeu Chaim.- Eu diria daqui a seis horas.

Carpathia pareceu esperançoso.

- Mas se você tentar pôr a mão sobre um dos escolhidos - advertiu Chaim -, o segundo julgamento será derramado.

- Entendido - disse Carpathia rapidamente.

Em seguida, ele estendeu a mão. Chaim não fez caso desse gesto. Olhou para Buck e saiu da sala.

Buck levantou-se para acompanhá-lo e perguntou a si mesmo se Carpathia os havia reconhecido. Ele evitou encará-lo. Mas quando estava de saída, ouviu Nicolae res­mungar:

- Seus dias estão contados.

Buck assentiu com a cabeça e olhou para o outro lado, confirmando em voz baixa:

- Disso eu tenho certeza.

 

Chloe raspou um quadrado de cerca de sete centímetros na parte inferior da vidraça pintada de preto. Em seguida, colocou uma almofada do sofá sobre o piso de mármore, encostou a lente do telescópio na parte raspada e apoiou o instrumento na moldura da janela. Depois de várias tentativas, ela descobriu uma imagem em meio à neblina da madrugada.

Vários dias antes, ela pensou ter visto alguma coisa no meio da noite. Mas como não teve condições de localizá-la novamente, não contou nada a ninguém. Agora, ela observava detidamente o horizonte, tentando manter firme no lugar o telescópio de alcance incalculável para conservar aquela imagem diante de seus olhos. A imagem era tão ampliada que ela só conseguia enxergar uma área muito pequena a quase um quilômetro de distância.

Evidentemente, o problema era que uma lente como aquela requeria muito mais iluminação para que ela pudesse enxergar alguma coisa. A lente havia sido projetada para focalizar estrelas em noites claras. Chloe só conseguia ver silhuetas escuras de prédios devastados, sem iluminação nenhuma.

Frustrada, ela abaixou o telescópio e tentou enxer­gar a olho nu, ainda que de maneira muito precária, para que pudesse ter uma noção do que vira antes. Um pouco à sua direita e talvez a uns 1.200 metros de distância, um ponto de luz lhe chamou a atenção. Então não foi imaginação. A pergunta era: Como poderia haver luz em uma cidade que o mundo considerava contaminada por radiação? Será que os membros do Comando Tribulação não eram os únicos seres viventes naquele lugar ermo?

Chloe sacudiu a cabeça. Provavelmente, aquela luz era da lâmpada de um poste que continuava ligada à corrente elétri-ca. O telescópio poderia oferecer mais pistas. Sem desviar os olhos do ponto de luz, ela posicionou novamente o aparelho na janela e examinou a área. Depois de um minuto ou dois, ela se deu conta de que focalizara um ponto alto demais e estava vendo as águas lúgubres do Lago Michigan. Mantendo o aparelho no lugar, ela ajustou a lente e olhou no visor.

A imagem pulava e se movimentava, aparecia e desapare­cia. Não era a lâmpada de um poste. Porém, quanto mais ela tentava focalizar, mais dificuldade encontrava. Seu pescoço doía, seus olhos estavam cansados e ela sentia cãibra nos pulsos.

Chloe prendeu tanto a respiração para não se movi­mentar que seu coração começou a bater mais forte. Final­mente, quando ela se preparou para mais uma tentativa, o sol começou a despontar no horizonte. Chloe teria de aguar­dar outra oportunidade.

 

- Monte das Oliveiras? - disse Buck, assim que alcançou Chaim.

- Claro. E depois até Masada, para vermos quantas pessoas conseguimos atrair.

- Eu lhe pergunto: Por que seis horas? Você confia nele?

Chaim olhou firme para Buck e respondeu:

- Se eu confio nele? Claro! Ele estava disposto a concordar.

- Está bem, foi uma pergunta tola. Mas será impossível reunir todo esse pessoal em lugar seguro até o anoitecer.

- Já sabemos que ele vai quebrar o pacto, Cameron. O capítulo 12 do Apocalipse diz claramente que a mulher, ou seja, Israel, recebe duas asas de uma grande águia e voa até o deserto, que é o seu lugar, mas a serpente jorra água de sua boca atrás da mulher, como se fosse um rio. Não há dúvida de que ele voltará a atacar, com ou sem praga. Tsion acredita que o "rio" seja o exército do Anticristo. O mesmo capítulo diz que a terra ajuda a mulher, abrindo a boca e engolindo o rio. Que o Senhor me perdoe, mas quero ver isso. E você?

Buck assentiu com a cabeça. Em seguida, pegou seu tele­fone para ouvir se Chang ainda estava monitorando.

- Você está aí? - ele perguntou.

- Trabalhando na conexão Fênix - respondeu Chang.

- Obrigado. Aquilo foi assombroso.

- Você é o máximo.

- Vou ligar para você quando tudo estiver pronto para você ouvir.

Assim que Buck terminou a conversa com Chang, Chaim perguntou:

- Você sabe o que acontecerá depois que Deus houver destruído o exército do Anticristo, não?

- A sua pergunta se refere a antes ou depois que você der­ramar o segundo julgamento sobre ele?

- Antes que eu derrame o julgamento? Eu sou um simples mensageiro, meu amigo.

- Eu sei.

- A Bíblia diz que o dragão se enfurece contra a mulher e sai para guerrear contra o restante da sua descendência, "os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus". Para mim, a descendência refere-se aos outros judeus crentes ao redor do mundo.

- E o que vamos fazer a esse respeito?

- Eu não tenho idéia - disse Chaim. - Devemos obedecer. Só isso.

 

Rayford estava agitado demais para ficar sentado em Mizpe Ramon aguardando a chegada dos primeiros crentes. Ele se dirigiu ao Monte das Oliveiras e, no caminho, ligou para Tsion, que ainda se encontrava em Chicago. Rayford sentiu-se constrangido quando percebeu, pela voz de Tsion, que o havia acordado. Mas Tsion lhe disse:

- Você nunca é inoportuno, capitão Steele.

- Confesso que estou confuso, Dr. Ben-Judá. Recebi treina­mento militar durante um período de paz. Portanto, esta é a primeira vez que sou responsável por muitas pessoas em meio a uma situação tão perigosa.

- Mas você tem passado por tantas situações semelhantes com o Comando Tribulação!

- Eu sei, mas eu só queria ter certeza de que não verei nenhuma baixa.

- Certamente não temos essa garantia em relação ao nosso grupo - disse Tsion -, não é verdade?

- Isso não me tranquiliza.

- Eu só desejo ser honesto, capitão. Acho que é isso que você quer.

- Eu já disse o que eu quero. Preciso saber se não vou perder ninguém.

- Creio que não perderemos nenhum dos 144.000. Mas a maioria deles está espalhada pelo mundo. Também estou quase certo de que as profecias indicam que Deus protegerá os crentes messiânicos que estão fugindo de Jerusalém. Mas você está perguntando sobre o pessoal sob seu comando.

- Correto.

- Só posso orar e aguardar.

- Estou me comprometendo a não matar o inimigo em emboscada.

- Concordo com isso. Mas você também não vai querer que seu pessoal morra. Não sei até que ponto isso é real. Você não se sentiria justificado diante de uma situação de "tudo ou nada"?

- Se eu tiver de decidir entre um dos meus soldados ou um dos soldados deles? Acho que vou permitir um tiroteio.

- Você sabe, capitão, que o inimigo enfrentará perdas. Conforme dizem os versículos, muitos perecerão nas calamidades que Deus porá no caminho deles.

- Prefiro deixar esse trabalho a cargo dele.

 

Ao constatar que não havia nenhuma resposta de Hannah, David acessou a conexão feita por Chang para que o Comando Tribulação pudesse ouvir o que se passava no Fênix 216. A primeira voz era de Walter Moon:

- Eu devia estar na cama, Excelência. Detesto reclamar, mas gostaria que esta reunião fosse realizada no Knesset. A constante movimentação de um lado para o outro...

- Ora, pare de choramingar, Walter. Entendo seu desconforto. Mas você fala como se estivesse à beira da morte.

- É assim que nos sentimos, meu senhor - disse Leon. - Não sou capaz de...

- Claro que é! Eu fiz uma imposição a esse tal de Miquéias e o obriguei a garantir que essa praga desaparecerá até 21 horas de hoje ou haveria consequências.

- O senhor fez isso? Bem, como...

- Ele teve de agir com cautela comigo.

- Mas eu pensei...

- Este é o problema de vocês, cavalheiros. Às vezes, vocês precisam agir com firmeza e fazer o que deve ser feito. Todos já chegaram?

- Muitos estão sendo tirados do leito - disse Walter -, que é o lugar onde...

- Onde você deveria estar, sim, eu sei. Aqui estão Viv e Suhail. Avisem-me assim que todos chegarem.

- Quanto tempo levará para nos recuperarmos, assim que a praga for suspensa? - perguntou Viv.

- Não sei - respondeu Carpathia. - Mas mesmo que per­sista um pouco de fadiga ou dor, vocês devem lutar e incentivar seu pessoal a fazer o mesmo.

- O Sr. Hut completa o contingente, Potentado.

- Você está com uma aparência horrível, filho - disse Nicolae.

- Eu piorei - disse Hut.

- Posso imaginar. E como vai meu amigo ruim de pontaria?

- Comentário muito engraçado.

- Com licença - disse Nicolae -, mas é a segunda vez consecutiva que você se dirige a mim sem usar nenhum título.

- Perdoe-me, alteza.

David ouviu um movimento e achou que Carpathia se havia levantado.

- Você teria coragem de ser sarcástico comigo?

- Atirei oito vezes no homem à queima-roupa, santíssima divindade! Matei o arruaceiro a pouco mais de meio metro de distância. O senhor poderia ter matado o tal Miquéias.

- Sr. Akbar, dê-me sua arma, por favor.

- Oh, Excelência, será neces...

- Será que todo mundo está planejando desrespeitar-me? Eu tenho balas suficientes para todos vocês e vou dispará-las do cano desta arma.

- Se o senhor podia matar o Sr. Miquéias - disse Hut -, por que não o matou?

- Ah, você homenageia o tal Miquéias com um título, mas se dirige a mim sem nenhuma distinção... não honra o seu potentado ressurreto.

- Você não significa nada para mim, Carpathia.

- Levante-se, rapaz.

- Eu não lhe daria essa satisfação.

BUM!

Gritos e suspiros seguiram-se ao som do corpo tombando.

- Walter, peça aos comissários que o tirem daqui. Quem será o próximo?

Silêncio.

- Alguém aqui gostaria de atirar em mim?

- Não!

- Não, Excelência!

- Por favor, Potentado!

- Não!

- Existe alguém entre vocês que ainda duvide da seriedade deste assunto? Eu quero lembrar-lhes que fiquei morto três dias e ressuscitei! Exigi que vocês ficassem livres dessas feridas, e, apesar de não termos, até o momento, a certeza de que serão curados, acredito que se restabelecerão. Indepen­dente disso, vocês voltarão a ter condições de levar adiante meu plano de guerra.

- Um ataque não traria a praga de volta, Excelência? - Moon perguntou.

- Viv, você está vendo o pessoal que tenho sob meu comando? O Sr. Moon é meu supremo comandante, meu vice-presidente executivo, por assim dizer, e, mesmo assim, quer saber se... - e neste ponto ele imitou Moon com voz chorosa - ...um ataque não traria de volta a praga! Sinceramente, Walter, você me considera um novato no jogo da negociação?

- Não, senhor, eu...

- Faça-me o favor! A maldição será suspensa às 21 horas, e as centenas de milhares de covardes estarão num dos quatro lugares. Alguém sabe? Vamos! Quem sabe?

Suhail respondeu:

- Monte das Oliveiras, a caminho de Mizpe Ramon, Masada ou Petra.

- Excelente! Até que enfim alguém aqui sabe raciocinar! E o que existe de tão peculiar quanto ao fato de tantas pessoa:; estarem em tão poucos lugares? Suhail?

- Elas estão juntas e são alvos fáceis.

- Exatamente. Quero que, às 21h15, Israel inteiro seja declarado território proibido para decolagem de qualquer tipo de aeronave, a não ser as da Comunidade Global.

David ouviu Suhail ligando para seu pessoal.

- E, enquanto você estiver no comando, diretor - disse Carpathia -, estabeleça um toque de recolher em todos os Estados Unidos Carpathianos para o tráfego de veículos civis. Prepare um ataque de retaliação para os estragos que sofre­mos em Petra, hoje cedo. E, enquanto não tivermos provas, diremos que a emboscada foi iniciada pelos judaístas.

- Onde atacaremos, Potentado? - perguntou Akbar.

- Masada, às 21h30. Você não calculou a presença de mais de cem mil pessoas?

- Mas esses de que estamos falando não são judaístas, Excelência.

- São todos convertidos, homem! E esse tal Miquéias vai dirigir uma palestra diante deles! Certamente ele terá seguidores por perto, mas não vai querer colocar todos num único lugar para que possamos atacá-los com facilidade. O que seria necessário para haver matança total?

- Temos poderio de fogo, senhor.

- Nada de prisões na estrada. Nada de avisos. Veículos ilegais serão destruídos imediatamente e aeronaves invaso­ras serão abatidas no ar. Esse local em Mizpe Ramon foi camuflado por eles para dar a idéia de uma base de opera­ções da CG. Vamos usar o local. Se alguém continuar no Monte das Oliveiras depois das 21 horas, vocês saberão como agir.

- Senhor? - disse Moon. - E se o Sr. Miquéias invocar novamente a praga das feridas?

- Se agirmos com presteza, ele verá as consequências.

- E se ele levar adiante a ameaça de transformar a água...

- Basta de "e se", Walter. Você está servindo ao rei do universo, e nós prevaleceremos. Eu ludibriei aquele bruxo e consegui que ele suspendesse sua mágica. Antes que ele se dê conta do erro que cometeu, teremos recuperado nossa vantagem. Podemos eliminar praticamente toda a população de judeus ortodoxos de Jerusalém e atacar os judaístas até que todos sejam exterminados. O ideal seria fazer o próprio Ben-Judá sair de seu esconderijo. E, desta vez, ele não contará com minha hospitalidade.

- E quanto ao pessoal que for para Petra?

Carpathia riu e respondeu com desprezo:

- É ridículo imaginar Petra como lugar de refúgio! É um lugar tão desprotegido quanto Masada. Eles irão a pé e ficarão presos dentro de um caldeirão de pedra. Um ataque aéreo levará apenas minutos. Mas para isso deveremos aguardar até que a última leva deles chegue lá.

- Os judaístas demonstraram grande poder de fogo hoje - disse Akbar.

- O que serve para justificar qualquer tipo de retribuição que julgarmos apropriado. Houve alguma baixa?

- Não há registro de nenhum soldado atingido. Dois estão desaparecidos.

- Desaparecidos em combate?

- Como o senhor desejar.

Uma longa pausa. Em seguida, a voz de Carpathia:

- Desaparecidos em combate.

 

Buck e Chaim sentaram-se debaixo de uma árvore antiga no Monte das Oliveiras, observando a chegada de milhares de pessoas. Após uma hora, os helicópteros da Operação Águia começaram a pousar. Rayford pilotava um dos primeiros helicópteros. Todos saíam lotados, mas não conseguiam dar conta do grande número de pessoas que continuava a chegar.

Enquanto esteve ouvindo a reunião de Carpathia pelo telefone, Buck transmitiu a Chaim, palavra por palavra, tudo o que conseguiu captar. Chaim permaneceu impassível o tempo todo. No final, ele disse:

- Não estou surpreso. Vou orar para que Deus suspenda completamente a praga das úlceras e restabeleça a saúde de todos eles. Quero que todos estejam confiantes, cheios de si, quando tentarem vingar-se de nós. E, quando vier a segunda praga, oro para que Deus a derrame com todo o ímpeto.

- Doutor, não haverá risco de uma catástrofe em Masada?

Rosenzweig meneou a cabeça negativamente e respondeu:

- Não sei, mas acho que não devemos desanimar. Termi­naremos antes das 21 horas e avisaremos os judeus sobre o plano de Carpathia. Eles poderão fugir ou ficar e lutar. Mas espero que sintam a necessidade urgente de aceitarem Cristo. Nós os conduziremos a Petra, da mesma forma que os crentes que receberam o selo de Deus.

 

Rayford sentia-se solitário dentro do helicóptero lotado. A reunião de Carpathia ouvida por ele confirmou seus piores temores. O único local que merecia sua confiança era Petra. E, mesmo ali, ele gostaria de saber quem seria protegido: o povo ou o lugar. Rayford usou seu rádio sigiloso para redirecionar todo o tráfego aéreo diretamente para Petra.

- Nenhuma escala, repito, nenhuma escala em Mizpe Ramon. Os veículos terrestres deixarão seus ocupantes na entrada de Petra. Os que puderem caminhar, seguirão a pé. Os que não puderem, precisarão ser transportados até lá pelo ar. O mesmo deverá acontecer quando a passagem estreita ficar superlotada. Continuem as rotas de ida e volta para o Monte das Oliveiras. E não façam caso do toque de recolher. Fujam ou defendam-se, quando necessário, mas não deixem de pegar nenhuma dessas pessoas.

Rayford fez uma ligação simultânea para Albie, Mac e Abdullah.

- Eu gostaria que estivéssemos raciocinando juntos – ele disse.

Mas cada um estava num lugar diferente; ou voando para Petra ou retornando para pegar outra leva de pessoas.

- Você está reconsiderando sua idéia de não atirar em ninguém lá, chefe? - perguntou Mac.

- Tomara que sim - disse Albie.

Rayford deixou escapar um longo suspiro, enquanto dizia:

- Eu só não quero provocar uma carnificina.

- Entregue-nos armas, Ray - disse Albie. - George tem armamento suficiente para...

- Confirme para mim que George não escutou a conversa no Fênix - disse Rayford.

Rayford disse isso não porque desconfiasse de George, mas porque era muito importante manter sigilo, o que já havia ficado bem claro.

Silêncio.

- Confirme, Albie!

- Ray, você me conhece muito bem. Você disse que ninguém fora do Comando Tribulação poderia ouvir, e assim foi feito.

- Quantos dos nossos pilotos sabem manejar uma arma de calibre 50?

- Nenhum deles, Ray - respondeu Mac. - Isso deveria ser um trabalho para os motoristas. Essas armas são muito peri­gosas para serem usadas no ar. Entregue-nos as DEWs. Se alguém nos parar no solo, tostamos o sujeito na hora.

- Eles estão planejando atirar em nós pelo ar, cavalheiros!

- O único jeito de nos prevenir contra isso, usando as 50, é atirar primeiro - disse Mac. - Vamos ter de mudar a estratégia. É isso que você vai fazer, Ray?

Rayford fez uma pausa.

- Você ainda não disse nada, Abdullah. Está ouvindo?

- Estou, chefe. - Bem?

- Estou mais ou menos, senhor.

- Eu quis dizer: Bem, o que você acha?

- Sobre o quê?

- Smitty! Vamos lá! Estou precisando de conselho.

- Não podemos pilotar e atirar com armas grandes ao mesmo tempo, capitão. Seriam necessários dois pilotos para cada helicóptero. E de que lugar do helicóptero poderíamos atirar com uma arma daquela?

- Ele tem razão - disse Mac. - Como sempre.

- Estou disposto a confiar plenamente em Deus - disse Abdullah. - E, se Ele permitir, vou ficar feliz em usar uma DEW para tostar o inimigo.

Rayford olhou por cima do ombro para os crentes acotovela­dos atrás dele, vendo um misto de medo e esperança no rosto de cada um. Eles não podiam ouvi-lo por causa do barulho do motor e das hélices.

- Muito bem, cavalheiros - ele gritou pelo telefone -, depois que descarregarem seus passageiros, passem por Mizpe Ramon e cada um de vocês pegue um terço das DEWs e as distribuam entre seus respectivos pelotões. Albie, envolva George nessa operação. E o primeiro que chegar lá deverá pegar Leah e Hannah, se elas estiverem prontas. Haverá necessidade de espaço para que elas acomodem todos os seus suprimentos.

- Você acha que a CG vai destruir a pista de pouso e nosso alojamento? - perguntou Albie.

- Provavelmente.

- Para onde levaremos as mulheres?

- Para Masada, por enquanto.

- Você vai distribuir as 50 entre os motoristas, chefe?

- Ainda estou refletindo sobre o assunto, Mac - disse Rayford.

 

David calculou que, depois do discurso de Chaim, no templo, demoraria ainda duas horas para que os primeiros crentes chegassem. Ele ligou para Rayford, querendo saber:

- O que está havendo com nossas enfermeiras? Hannah não respondeu ao meu e-mail. Elas estão bem?

- Devem estar. Você tentou ligar para elas? - inquiriu Rayford.

- Ninguém atendeu.

- Vou verificar.

Rayford contou a David o que estava acontecendo com as armas e com o centro médico.

- Você está precisando de minha ajuda? - perguntou David.

- Você deve ficar aí e coordenar tudo até a chegada de Chaim. E isso poderá demorar dois dias.

- Eu poderia designar um dos primeiros a chegar para fazer a coordenação. Não há nenhum segredo nisso. Como você vai fazer para colocar, sozinho, aquelas armas enormes no helicóptero?

- Vou pedir a ajuda de Leah e Hannah.

- Elas já desmontaram a barraca e empacotaram tudo?

- Acho que sim.

- Você está arrependido de ter construído a pista de decolagem para depois abandoná-la?

- Claro, mas ela foi necessária. Onde mais todos aqueles helicópteros poderiam pousar?

- Já pensou em alguma coisa?

- Para você fazer, David? Não sei. É melhor você ficar aí.

- Se o pessoal que chegar aqui falar hebraico e for confiável, ficarei livre para voltar à pista de decolagem com você e colocar as armas no helicóptero.

- Não tenho certeza se vou usar as 50 - disse Rayford.

- Bem, estou à disposição.

 

No fim daquela tarde, David subiu ao lugar alto e observou detidamente o horizonte. Não conseguiu detectar qualquer coisa, mas ouviu movimento nas rochas abaixo. Ninguém poderia ter chegado a pé antes dos helicópteros.

Ele se ajoelhou e rastejou até a beira da rocha, prendendo a respiração para conseguir ouvir melhor. Seu coração batia muito forte. Ele imaginou ter ouvido passos de duas pessoas, caminhando lentamente.

David pegou a única arma que possuía - seu telefone - e preparou-se para ligar para Rayford. Levantou-se e dirigiu-se para o outro lado. Caminhando com dificuldade pelos pedregulhos, a uns 15 metros abaixo, havia dois soldados das Forças Pacificadoras, aparentemente muito doentes, com as fardas encharcadas de suor. Cada um carregava um rifle de alta potência.

David apertou o botão de discagem rápida para Rayford, e os dois soldados olharam para cima ao mesmo tempo. Antes que David tivesse tempo de encostar o telefone no ouvido, eles se ajoelharam e apontaram as armas para ele.

David jogou o telefone no chão e rastejou rapidamente para se esconder. As pedras pontiagudas machucaram seus joelhos e suas mãos. Os soldados, que deviam ter sido dado como mortos pelos companheiros, estavam reunindo suas últimas forças para atacá-lo. Eles não esperavam encontrar alguém depois do tiroteio das armas calibre 50. Mas agora avançavam com vigor.

David tentou levantar-se, mas descobriu que seu tornozelo havia sofrido uma séria lesão. Ele esperava pular com uma perna só até chegar à caverna, mas se tornaria presa fácil, principalmente por estar desarmado. Ele ouviu os dois se separarem. O som de botas nas rochas vinha de dois lugares, distantes pouco mais de cinco metros um do outro. Se eles o acossassem, David não teria para onde fugir.

Seria um contra dois. Mas David achava que não deveria correr. Pulou com uma perna só até a beira da rocha, pegou um punhado de pedras pontiagudas e afastou-se para atirá-las na cabeça do primeiro que aparecesse.

 

Rayford ouviu seu telefone tocar e viu quem estava cha­mando. De novo. Logo em seguida. David nunca foi tão insistente.

- Steele - ele disse.

Tudo o que Rayford ouviu foi som de botas nas rochas.

- David? Você está me ouvindo? Um grito a distância:

- Deus! Me ajude!

- David?

Outro grito desesperado em hebraico, som de tiros de pelo menos duas armas, uma queda, um gemido e o sussurro rouco de David:

- Deus, por favor!

Líquido espirrando.

 

Deitado de costas, David sentia o corpo anestesiado, sem dor alguma, mesmo no tornozelo machucado. O céu azul sem nuvens tomava conta de todo o seu campo de visão. Seu coração batia rápido e com força, e os pulmões, à procura de oxigênio, faziam seu peito arfar. Embora seus sentidos estivessem adormecidos, ele ouviu sangue esguichando de sua cabeça.

Os soldados curvaram-se sobre seu corpo, mas ele não conseguia movimentar os olhos para focalizá-los. Se ao menos ele estivesse com aparência de morto... mas seu peito não parava de subir e descer. Agora, David só conseguia orar em silêncio. Ele suplicou a Deus que não o deixasse ouvir nem sentir os tiros no momento em que os dois encostaram os canos das armas em seu coração e acionaram o gatilho.

 

O telefone de Rayford continuava aberto, mas, depois dos disparos ensurdecedores, ele só conseguiu ouvir respirações ofegantes. Ele imaginou que alguém devia estar erguendo um corpo e arrastando-o para atirá-lo de cima de uma montanha. Em seguida, o som de passos foi ficando distante até desaparecer.

Além de temer o que encontraria em Petra, Rayford não teria condições de pousar um helicóptero lotado de crentes em um lugar que poderia estar cheio de inimigos à espreita.

Detestando a si mesmo por estar imaginando ter ouvido alguma coisa que significava a morte de David Hassid, Rayford lembrou-se de que precisava dar um jeito para que aquele telefone não caísse em mãos erradas.

 

Leah não compreendeu a atitude de Hannah, mas não se preocupou com isso. Às vezes, ela também não compreendia a si mesma. As duas haviam colocado os últimos suprimentos médicos em caixas de material resistente e de tamanho ideal para serem acomodadas num compartimento de cargas. Agora estavam examinando o computador de Hannah.

- Você tem certeza de que foi Hassid quem ligou?

Hannah assentiu com a cabeça.

- Se você quer falar com ele, por que não...

- Não tenho certeza se quero falar com ele enquanto não receber uma resposta ao meu e-mail. Ele deveria ter escrito alguma coisa para mim. Aí, sim, eu poderia atender a ligação dele. Talvez.

Leah sacudiu a cabeça.

- Mesmo que não tivéssemos apenas esses três anos e meio pela frente, eu diria que a vida é curta demais e que você deveria ligar para ele. David é um rapaz muito atarefado. Talvez não tenha encontrado tempo para responder ao seu e-mail.

- Eu encontrei tempo para escrever.

- Hannah! Não somos nós que estamos instalando uma rede de computadores para atender a milhões de pessoas.

Hannah olhava firme para a tela. Todas as notícias não passavam de propaganda de Carpathia, comentários de sabichões tentando transformar seus atos extravagantes no templo em algo que fizesse sentido. Leah curvou-se para ler a legenda no rodapé da tela.

"Sua Excelência, o potentado, garante cura para as feridas até as 21 horas, horário carpathiano."

- Sou uma idiota - disse Hannah.

- Também acho.

- Pare com isso! Nós mal nos conhecemos.

- Desculpe-me. Por que você é idiota?

Hannah apontou para uma indicação abaixo da legenda, sinalizando que havia um e-mail para ela.

- Aposto que é de David - ela disse.

- Vamos ver - disse Leah.

Antes, porém, que uma delas pudesse acionar a tecla de mudança de tela, os telefones das duas tocaram simultanea­mente.

- A ligação é de Rayford - disse Leah.

- A minha também é dele - disse Hannah. Leah levantou a mão.

- Eu atendo - ela disse. - Centro médico.

- Leah, é Rayford. Vocês estão bem?

- Estamos, mas parece que você ligou para nós duas ao mesmo tempo.

- É verdade. Hannah está aí?

Leah fez um sinal para Hannah ouvir a conversa.  

- Vocês duas já empacotaram tudo e estão prontas para partir?

- Sim - respondeu Leah. - Mas onde...

- Preste atenção. Tenho pouco tempo. Você conhece George?

- Aquele grandalhão? Da Calif...

- Ele mesmo. Designei outra tarefa para ele. George pousará aí dentro de três ou quatro minutos e vai precisar de ajuda para pegar os rifles calibre 50. Smitty vai ao encontro dele logo a seguir.

- Eles não estão transportando passageiros?

- Estão, e precisamos deixar esses passageiros o mais longe possível da pista e dos edifícios.

- Eles não vão para Petra?

- Depois. Não faça perguntas, apenas preste atenção. Quando escurecer, os passageiros vão precisar ficar isola­dos e não poderão ser vistos do alto. Depois que eu pousar rapidamente aí e levantar vôo outra vez, qualquer outra aeronave que estiver sobrevoando Mizpe Ramon será da CG. George e Smitty ficarão protegendo a pista.

- E nós duas ficaremos aqui cuidando de duas levas de passageiros até que alguém venha buscá-los?

- Três levas. Eu também estou transportando mais gente e preciso pegar as armas calibre 50.

- Para onde você vai depois?

- Houve um problema em Petra, e vou precisar que uma de vocês vá comigo. Leah, penso que será você.

- Um momento! - interrompeu Hannah. - Quem mais está em Petra além de David?

- Ainda não levamos ninguém para lá. Quero ter certeza de que a área está segura antes de...

- E por que não estaria? Qual é o problema?

- Não sei ainda, mas...

- Se houvesse algum problema, David teria lhe contado.

- Eu não consigo falar com ele, só isso - disse Rayford. - Não devemos nos precipi...

- Então, eu vou. Leah poderá ajudar George e Abdullah a conduzir esse pessoal a algum lugar.

- Hannah - disse Rayford -, eu...

- Não tente deixar-me fora disto, capitão Steele. Eu...

- Hannah! Esta é uma operação militar, e sou seu superior. Eu decido o que fazer, e já lhe disse quem vai e quem fica. Entendeu?

- Sim, mas...

- Alguma pergunta?

- Não, mas, bem... acho que acabei de receber notícias de David.

- Defina-se. Recebeu ou não recebeu? Ele ligou?

- Ele me enviou um e-mail.

- Tem certeza?

- Não completamente - disse Leah. - Verifique, Hannah.

Hannah acionou o botão de mudança de tela.

- Sim, é dele!

- Quando foi enviado?

- Há alguns minutos... oh!

- Foi agora ou...?

- Não. Já faz um pouco de tempo.

- Alguma coisa importante? Problemas? Ele está precisando de ajuda?

- Não - respondeu Hannah, lendo a mensagem rapidamente.- Apenas assuntos pessoais.

Leah pousou a mão no ombro de Hannah para transmitir-lhe coragem. A jovem parecia aterrorizada.

- Tudo certo, Hannah? Estamos entendidos?

- Sim, senhor.

- Agora quero falar com Leah, está bem?

Hannah fechou seu telefone com força enquanto lia a mensagem de David.

- Leah - disse Rayford -, não sei o que vamos encontrar em Petra, mas David tentou ligar para mim, e tudo o que ouvi foi som de tiros.

- Oh, não.

- Traga materiais de primeiros socorros, uma maca e tudo o mais que puder.

- Entendi.

- Se tivermos de carregá-lo até o helicóptero, você acha que nós dois poderemos fazer isso sozinhos?

- Preocupe-se com você e não comigo, capitão - ela disse. Em seguida, distanciou-se de Hannah e sussurrou: - E é melhor você começar a preocupar-se com aquele telefone e aqueles computadores.

- Já pensei nisso - disse Rayford. - Esteja lá daqui a alguns minutos.

 

Chang estava examinando o local da coceira em sua perna sob a luz de uma lâmpada, em seu apartamento no palácio de Nova Babilônia, quando Rayford ligou. Depois de um rápido diálogo entre os dois, Chang disse:

- Não se preocupe com aquele telefone. Posso neutralizá-lo daqui.

- Como assim?

Chang começou a digitar enquanto eles conversavam.

- Posso destruir todos os circuitos internos, apagar o chip principal. Na verdade, acabo de fazer isso.

- Agora vamos esperar que eles ainda não o tenham encontrado.

- Ouando o senhor conseguir uma conexão com David - disse Chang -, quero falar com ele.

- Não gostei do que ouvi, Chang.

- Eu sei, mas o senhor não tem certeza se foi tiro mesmo.

- Sei que David estava desarmado.

- Vou verificar os computadores dele.

- Agora? Você pode fazer isso?

- Graças a David, podemos fazer qualquer coisa daqui. Felizmente, eles não têm condições de entrar no programa. Existe um codificador cíclico que só o próprio programa pode decodificar, e ele não está programado para isso.

- Eu não entendo dessas coisas, mas minha preocupação maior é que exista por lá um bando de soldados malucos da CG, que pensem que, se destruíssem todo o equipamento, estariam colaborando com a causa deles.

- Eles estariam colaborando com a causa deles. E se intrometendo em nosso caminho. Mas será que existe por lá um bando deles?

- Como podemos saber?

- Pode ser que, depois do seu ataque, tenha sobrado um ou outro, certo?

- Provavelmente.

- O senhor ouviu a conversa no Fênix - disse Chang. – Há dois desaparecidos.

 

Rayford pousou bem afastado da extremidade sul da pista de Mizpe Ramon e conversou com Mac e Albie pelo rádio, enquanto Hannah e Leah dirigiam-se ao helicóptero com os suprimentos médicos e uma maca.

Hannah começou a conduzir os fugitivos para longe da aeronave, tentando descobrir quem falava inglês e quem falava hebraico, para ajudá-la a traduzir o que os outros diziam. Nesse ínterim, Leah colocou os suprimentos a bordo e aguardou do lado de fora.

- O Sr. Smith está trazendo suas armas - ela cochichou.

Rayford assentiu com a cabeça e pediu a Mac e Albie que transportassem seus passageiros a Wadi Musa, que ficava perto de Petra, dizendo a ambos que tomassem cuidado porque poderiam ser vistos e ouvidos pelos dois soldados suspeitos, em Petra.

- Quando chegarem lá, peçam a seus passageiros que aguardem dentro do helicóptero. Vocês deverão sair e dirigir-se, o mais rápido possível, à entrada da passagem estreita. Não entrem enquanto eu não chegar lá com as armas para vocês.

- Uma pergunta - disse Albie.

- Seja rápido.

- Foi um erro nosso considerar Petra como um lugar de refúgio?

- Albie, tudo o que preciso fazer é preparar o local para os crentes, levá-los para lá e confiar em que Deus cuidará deles.

- E se você encontrar o corpo de Hassid? Rayford hesitou.

- Aí seremos nós ou eles - observou -, e vou dizer uma coisa a vocês: Serão eles.

Quando Rayford saltou do helicóptero, Abdullah já havia saido do depósito de munições e vinha correndo pela areia, em sua direção, com o corpo curvado sob o peso de três rifles calibre 50, que carregava no ombro, e um cinturão enorme de balas atravessado no peito. O outro braço estava afastado do corpo para que ele conseguisse equilibrar-se. Rayford e Leah correram ao seu encontro e o ajudaram a colocar as armas no helicóptero.

- Você está bem, Smitty? Está pronto?

- George está me dando aulas de como derrubar aviões ele disse -, se é assim que se fala.

- Curso para abater aviões. Curso rápido. Abdullah assentiu com a cabeça e comentou:

- Gostei das DEWs, mas vou atirar com estas também. George está pensando em colocá-las apontadas para cima para atingir os aviões do inimigo no ar. Mas estou preocupado com a pontaria.

- Basta acertar um para que o resto fuja.

- Tomara que você esteja certo, capitão. Vou orar por você, e espero que não tenha acontecido nada com o Sr. Hassid. Ele é um homem fantástico!

Rayford também esperava. Ele e Leah subiram a bordo, e, enquanto manobrava o helicóptero, Rayford viu o jordaniano voltando correndo para o local onde George estava se insta­lando para defender a pista de decolagem. Rayford estava exatamente no meio daquilo que queria evitar. Muita gente ia morrer. Uma pessoa talvez já tivesse morrido. O fato de saber que voltaria a ver esses amados mártires - e todos os outros que perdera em tão curto espaço de tempo - pouco lhe servia de consolo. Devia haver um limite para o sofri­mento que um homem é capaz de suportar. Para ele, esse limite já havia sido ultrapassado.

 

Buck ajudou Chaim a subir num dos helicópteros com des­tino a Masada. Quando lá chegaram, eles avistaram deze­nas de milhares de israelenses curiosos subindo os degraus que davam acesso à lendária fortaleza.

Buck tinha recebido notícias incompletas de que teria havido alguns problemas nas decolagens e que os vôos de retorno de Petra para o Monte das Oliveiras atrasariam um pouco. Rayford devia estar muito atarefado e contatando seu pessoal, porque ele não atendeu o telefone nem deu retorno às ligações.

Chang informou que seria melhor Buck aguardar. Ele conversaria pessoalmente com Rayford.

Deveria ser mais ou menos nove horas da manhã em Chicago. Então, Buck resolveu ligar para Chloe enquanto Chaim andava de um lado para o outro atrás dele.

Pouco antes de Chloe atender, Chaim cochichou com Buck:

- Vou começar a falar assim que este lugar estiver lotado.

 

Rayford não conseguia pensar em uma forma de evitar ser descoberto pela CG, quando chegasse a Petra. Três helicópteros pousariam ali, sequencialmente, com diferença de alguns minutos entre eles, seguidos por dezenas de outros.

Rayford considerou a hipótese de redirecionar os outros para Mizpe Ramon, mas temia que Carpathia ordenasse um ataque ali, antes mesmo da suspensão da praga, em retaliação ao tiroteio sobre seus soldados. Receando que a pista de decolagem se transformasse num alvo para os inimigos, ele não queria correr o risco de ter mais de três helicópteros lotados aguardando a partida. Quem poderia saber? Talvez Carpathia ou Akbar fossem suficientemente espertos para retardar o ataque até o dia escurecer.

Tendo de se preocupar apenas com ele próprio e com Leah, Rayford decidiu pousar o helicóptero em Siq, um caminho estreito de acesso a Petra, por onde passavam pedestres e animais. Ele posicionou cuidadosamente a aeronave o mais perto possível do lado de fora dos muros que cercavam a cidade. Mesmo que fosse visto, seria impossível alguém atirar nele de dentro da cidade.

Os soldados inimigos já deviam ter percebido a chegada de estranhos, a menos que estivessem dormindo ou escondidos no fundo de uma caverna.

Mac e Albie correram ao encontro de Rayford. Albie estava ofegante.

- Mac é muito mais velho, mas ainda está em boa forma - ele disse.

- Eu corro todos os dias - disse Mac. - Além do mais, cheguei um passo antes de você.

- Parem um pouco para tomar fôlego - disse Rayford.

- Temos de percorrer mais um quilômetro e meio a pé para entrarmos na cidade. Se não quisermos ser alvo para o inimigo, vamos ter de escalar as pedras, e vocês sabem como estas armas são pesadas.

Rayford entregou um rifle calibre 50 e munição para cada um deles enquanto Leah retirava a caixa de suprimentos do helicóptero.

- A maca? - ela perguntou a Rayford. - Levamos ou deixamos aqui?

- Podemos voltar para pegá-la, se necessário - ele respon­deu, recomendando a Mac e Albie que carregassem as armas na posição vertical, apontadas para o centro de gravidade.

- Assim que entrarmos, vamos nos separar. Se lá houver apenas dois deles, seremos três contra dois. Estou supondo que eles estarão acima de nós, o que lhes dá certa vantagem. Resistam ao impulso de ligar para David.

- Você está sentindo esse impulso? - perguntou Mac.

Rayford assentiu com a cabeça e acrescentou:

- Quero saber o que aconteceu com ele, mesmo que seja o que estou temendo.

- Deixe-me procurá-lo - disse Leah. - Vou esconder minhas coisas do outro lado da passagem estreita. Não sei por que você não trouxe mais um desses rifles.

- Seriam muitos para se carregar - disse Rayford. - De qualquer forma, espero que você esteja atarefada cuidando de um paciente.

- Se ele estiver morto, não vou ter muito que fazer - ela disse.

Mac entregou-lhe uma pistola, dizendo:

- É apenas uma arma .45.

- Vou ficar com ela.

- Você sabe usar essa arma?

- Segurança à esquerda? Mac assentiu com a cabeça.

- Sei muito mais do que o capitão Steele imagina - ela disse.

- Aqui ninguém é melhor do que ninguém - disse Rayford. - Albie, vá na frente. Precisamos nos apressar, mas não gaste toda a sua energia.

Albie ajeitou a calça na cintura, afivelou a cinta e amarrou novamente as botas. Em seguida, levantou a arma, colocou-a na posição vertical, e encostou-a no ombro. Rayford sentiu-se frustrado ao vê-lo afastar-se dali caminhando com passos normais, mas, em seguida, Albie respirou fundo e começou a correr.

Mac seguiu atrás dele, correndo com facilidade. Ray­ford deixou que Leah lhe tomasse a dianteira e surpreendeu-se quando a viu carregando a caixa com suprimentos médicos com uma das mãos, afastando o outro braço do corpo para equilibrar-se, e correndo velozmente. Rayford não teve muito problema para acompanhá-la, mas começou a sentir o peso dos anos, além de dores nas articulações.

Depois de pouco mais de dez minutos, a passagem estreita cercada de muros altos alargou-se deixando à mostra a exuberante visão do Al-Khasneh - o Tesouro -, que serviu para abrigar as riquezas de Faraó, na época do Êxodo.

Em circunstâncias diferentes, Rayford adoraria passar alguns momentos admirando a imponente fachada entalhada na rocha sólida. Mas ele e seu pessoal - sem mencionar os milhões que estavam chegando - não tinham tempo a perder.

Albie parou e curvou-se para recuperar o fôlego. Os demais colocaram suas cargas no chão. Rayford passou adiante do grupo e agachou-se, olhando de longe o imenso local des­campado. Foi, então, que ele percebeu que, acidentalmente ou pela mão de Deus, havia agido de forma correta.

Ele ouviu o som de pelo menos um helicóptero e sabia que os demais deveriam estar-se aproximando. Aquelas aeronaves todas deviam ter assustado a CG, se é que havia alguém ali. Onde mais eles se esconderiam a não ser em uma caverna? Se não partissem para o ataque imediato, teriam seu número de soldados reduzidos e seriam facilmente alvejados.

Rayford virou-se para trás e sussurrou:

- Leah, deixe a caixa de suprimentos médicos aqui, siga à direita e fique o mais escondida que puder. Contorne o local inteiro antes de subir. Se você achar que está muito à vista, procure um lugar para se esconder. Nosso principal objetivo é encontrar David e tirá-lo daqui. Ele costumava ligar-me de um destes lugares altos, onde a recepção é melhor.

- Você tentou ligar para ele novamente? - perguntou Leah.

- Chang já desativou o telefone dele por medida de segurança.

- Segurança de quem? E se ele estiver tentando falar conosco?

- Não podíamos correr esse risco, Leah - disse Rayford. - Albie vai seguir pela esquerda. Mac e eu daremos cober­tura um ao outro e tentaremos ver o que existe logo após os principais monumentos. Todos nós devemos tentar chegar ao lugar mais alto possível sem nos tornar alvo para o inimigo. Se você encontrar David, clique seu rádio duas vezes, e nós a acharemos. Se der de cara com o inimigo, clique sem parar até nos ver. Alguma pergunta?

Leah e Rayford entreolharam-se e sacudiram a cabeça.

Assim que eles saíram daquele desfiladeiro frio e sombrio, e viram a claridade do sol do fim de tarde, Rayford foi tomado por uma sensação de que estava sob a mira do inimigo. Ele já se sentira assim anos antes, em jogos de paintball de fim de semana. A percepção de que o inimigo estava logo acima, à espreita, provocava na pessoa a sensação de que ela podia ser vista sem conseguir ver ninguém.

Agora, Rayford é que devia estar parecendo lento para caminhar, da mesma forma que acontecera com Albie, porque assim que eles chegaram a um lugar mais amplo, Mac passou à frente dele, dirigindo-se à sombra de uma rocha.

Rayford acelerou os passos para alcançá-lo. Eles se ajoelharam ali, ofegantes, e Mac olhou para trás e para cima. Outros dois helicópteros sobrevoaram o local, e, em seguida, Rayford ouviu dois cliques em seu rádio. Ele e Mac entreolharam-se.

- Quem? - perguntou Mac, apenas movimentando os lábios.

Ele curvou-se e olhou para a esquerda, para onde Albie havia seguido.

Rayford olhou para o outro lado e avistou Leah atrás de uma rocha a uns cem metros de distância e a uns 30 metros acima deles. Rayford cutucou Mac com o cotovelo, e ambos olharam para ela. Leah levantou a mão aberta e continuou com os olhos fixos naquilo que acabara de ver. Em seguida, com a mão livre, tirou a automática .45 do cinto, continuando com a mão erguida e o olhar voltado para o mesmo lugar.

Finalmente, ela se virou e olhou para Rayford e Mac. Apontou dois dedos para os olhos, depois apontou com o indicador para cima e para a esquerda dela.

Isso significava que os alvos estavam diretamente acima deles.

- Dois acima de nós? - cochichou Rayford.

Mac assentiu com a cabeça e completou:

- Calculo que ela esteja indicando uns 200 metros acima. Rayford manteve os olhos fixos em Leah enquanto procurava abrigo sob uma rocha pendurada. Mas ela levantou a mão aberta outra vez para detê-lo. De repente, ela virou a mão e fez um gesto com os dedos para que ele se aproximasse.

Rayford hesitou. Leah olhou para ele e confirmou com a cabeça. Depois, olhou para trás e para cima.

Rayford andou alguns passos, agachado, e virou-se para trás. Olhou para a parede de pedra e, em seguida, para Leah, querendo saber se poderia continuar avançando. Ela fez um sinal afirmativo com a cabeça, e ele ouviu mais dois cliques em seu rádio.

Aquilo fez com que ele, Mac e Leah olhassem para o lugar por onde Albie estava subindo. De seu lugar privilegiado, ele fez os mesmos sinais que Leah.

Rayford afastou-se um pouco de Mac, que continuou na mesma posição até avistar dois soldados da CG na beira do precipício, de costas para ele. Ambos estavam fardados e armados, mas pareciam em estado letárgico, acompanhando os helicópteros com o olhar e, ao mesmo tempo, vigiando os vales abaixo.

Rayford fez um sinal a Leah e Albie para que ambos con­tinuassem a caminhar, e outro para que Mac o acompanhasse. Eles passaram entre as paredes de pedra e saíram em um pequeno desfiladeiro onde havia uma trilha que dava acesso a um terreno mais alto. Eles curvaram o corpo e ficaram aguardando num lugar onde não pudessem ser vistos pelos dois soldados que se encontravam bem mais acima deles.

- Eles estão muito distantes de Leah e Albie para conseguirem ouvir os rádios dos dois - cochichou Mac.

Rayford apertou o botão do seu rádio e perguntou a Leah:

- Como podemos ter certeza de que são só dois?

- Não tenho idéia - ela respondeu.

- Eles não estão em serviço - disse Albie. - Estão doentes e aparentemente não têm ninguém para lhes dar ordem. Não estão fazendo nada específico, apenas andando a esmo, aguardando.

- Você diria que não há outros?

- Não tenho tanta certeza a ponto de apostar minha vida - disse Albie.

Mac entrou na conversa, afirmando:

- E exatamente o que estamos fazendo. Apostando a vida. Vá em frente.

- Se tivéssemos de decidir, eu diria que valeria a pena. Mas qual é o motivo da pressa?

- As centenas de pessoas que vão começar a formar fila lá fora - disse Rayford. - E elas devem estar uma hora adiantadas em relação a nós.

Dois cliques interromperam a conversa. Era Leah.

- Na posição em que estou, consigo enxergar uns cem metros adiante, sem ser vista. Posso avançar?

Rayford olhou para Mac, que assentiu com a cabeça.

- Positivo - ele disse. - Clique três vezes quando chegar lá, mas não fale, a menos que tenha certeza de que não será ouvida por eles.

Assim que Rayford disse isso, Leah, com a arma na mão, começou a subir um aclive longo, mas que não era íngreme demais. Os dois soldados da CG viraram-se abruptamente e caminharam para o lado oposto.

- Eles estão indo em sua direção, Albie - disse Rayford.

- Espero que continuem - ele disse.

Em seguida, deitou-se de bruços, retirou o cavalete embutido do rifle e carregou a arma.

- Até que não é má idéia - disse Mac. - Podemos nos instalar aqui.

- Permitimos que Leah subisse até lá sozinha, Mac. Será que ela está sendo usada como isca para nós?

- Não - disse Mac -, a menos que os dois voltem. - Ao vê-la subindo, ele complementou: - Ela vai chegar a uma área plana daqui a 30 minutos. - Mac colocou munição no rifle e se deitou de bruços no chão.

Depois de pouco mais de 20 minutos, um helicóptero aproximou-se, e os dois soldados da CG pararam e olharam para ele, sem tentar esconder-se.    Ambos levantaram as armas simultaneamente e acompanharam a trajetória da aeronave.

- Não se atrevam a fazer nada, seus miseráveis - murmurou Rayford.

Mac posicionou-se à esquerda de Rayford, suspirou fundo e comentou:

- De onde estou, não tenho um bom ângulo. Você conti­nua a vê-los?

Rayford sentou-se, olhou através do telescópio e respondeu:      

- Sim. - Ele apertou o botão de seu rádio. - Está vendo os dois, Albie?

- Estou! Eles têm aquela marca enorme de Carpathia, um pouco acima do olho direito.

- Espere um pouco - disse Rayford. - Talvez eles tenham levado David para algum lugar.

- Perdi os dois de vista - disse Albie.

- Eu também - disse Mac.

- Eu ainda estou vendo os dois - disse Rayford. Clique.

- Diga, Leah.

Ela clicou novamente.

- Eles estão longe - disse Rayford a ela. - O que você conseguiu?

Mac segurou o braço de Rayford e ponderou:

- Talvez ela não possa falar. Pode haver mais alguém com ela.

- Será que fiz uma bobagem e a entreguei? - disse Rayford, arrependido.

- Vou verificar - disse Mac. - Você tem outra arma?

- Uma nove milímetros.

Mac esticou o braço para pegá-la.

- Mas eu continuo a não ter ângulo - disse ele -, e este monstrengo aqui dá muito trabalho para mirar.

Rayford passou o braço por trás do corpo, retirou a arma do cinto e entregou-a a Mac, que se levantou rapidamente e se afastou.

Depois de outros 20 minutos, Leah voltou a falar com Rayford.

- Você não sabe o que eu encontrei - ela disse.

Rayford quase tombou de alívio.

- Você está bem? - perguntou denotando preocupação. Mac ouviu o diálogo e parou no meio do caminho, de,costas para a parede de pedra.

- Estou bem - disse Leah com voz trêmula. - Encontrei o telefone de David.

- Que bom!

- Não é tão bom assim. Há muitas marcas de sangue daqui até a beira do precipício.

Rayford fechou os olhos por alguns segundos.

- É melhor você ficar onde está - disse a Leah.

- Eu preciso saber, Ray. Peço permissão para prosseguir.

- Permissão negada. Aqueles dois estão contornando um rochedo e poderão ver você.

- Ouvi você dizer que eles estão mais perto de Albie.

- Estão, mas você vai ficar muito à vista se eles vierem pelo outro lado.

- Vou arriscar.

- Negativo.

- Vamos, Rayford! Do lugar em que eles estão, não vão conseguir me atingir.

- Leah! Não... saia... daí.

Por mais distante que ela estivesse, Rayford sentiu seu olhar fulminante. Ele queria saber tanto quanto ela se aquela trilha de sangue levava ao corpo de David, principalmente se houvesse alguma chance de encontrá-lo vivo.

- Onde eles estão agora? - ela perguntou.

- Não vou responder. Aguarde minhas ordens. Existe alguma esperança de que ele esteja vivo?

- Se este sangue for dele, não.

- Como você pode saber?

- Você quer saber mesmo?

- Quero sua opinião profissional.

- Há sangue demais aqui, Ray. Se for só de uma pessoa...

- E você acha que é?

- Uma das marcas é de sangue esguichado. Você quer que eu continue? A outra é de hemorragia provocada por ferimento e sem pulsação. E a trilha de sangue que vai até a beira do precipí­cio também é causada por hemorragia.

- Então, a pessoa já estava morta antes de chegar lá.

- Positivo.

- Quero saber se o corpo é de David, Leah.

- Eu também. Diga quando posso prosseguir.

- Aguarde um pouco.

 

Hannah encontrou os crentes israelenses visivelmente mal nutridos. Muitos haviam trazido alimentos, que dividiam com os outros. Todos queriam saber quando seriam trans­portados para Petra. Sem saber ao certo, Hannah lhes disse que isso deveria acontecer naquela mesma noite.

As pessoas andavam de um lado para o outro ou se sentavam para con­versar sobre Carpathia, sobre o que acontecera no templo e no Monte do Templo, naquele dia. Todos estavam eufóricos a respeito da nova aventura. Queriam conhecer Miquéias.

O grande George, que ficara acanhado perante Hannah, e Abdullah, que sempre demonstrava timidez diante de qualquer pessoa, estavam atarefados separando as armas num lugar de onde não podiam ser vistos, nem do alto nem pelos israelenses, porque não queriam causar preocupações desnecessárias àquele povo.

Hannah estava orando por David, por Leah, por Rayford e pela operação inteira. Quando teve um momento de folga, entrou no centro médico e releu o e-mail de David:

 

            Hannah, perdoe-me. O que mais posso dizer? Você está certa. Fui insensível. E pare de se preocupar, imaginando que interpretei mal os seus sentimentos. A verdade é que, no fundo de minha mente, sempre achei que sentiria sua falta. Eu não sabia como me expressar e também não queria ser mal interpretado.

            Não sei por que estamos constrangidos para tocar neste assunto, principalmente agora. Não, nós não nos conhecemos o suficiente para pensar em algo mais que uma amizade. E, evidentemente, ainda sofro muito a perda de Annie. Eu não deveria sequer considerar a idéia de um novo romance, em razão do pouco tempo que temos pela frente.

            Por outro lado, acho compreensível estarmos um pouco embaraçados diante deste assunto porque nós dois - no meu caso, há pouco tempo - estamos "disponíveis". Foi estupidez de minha parte pensar que você não me entenderia. Fizemos amizade com tanta rapidez que talvez eu tenha receado que um sentimento mais pro­fundo se desenvolvesse entre nós com a mesma rapidez. Naturalmente, eu me mostrava cauteloso em relação a isso, e você também devia estar agindo com cuidado.

            Deveríamos ter sido capazes de permitir que nossos laços de amizade crescessem e progredissem, sem supor que houvesse outras consequências. O que mais apre­cio em você, Hannah, é o seu grande amor por Deus. Parece que tudo o que você faz - a bondade que dedica às outras pessoas, sua atitude de serva, seu ânimo e encorajamento durante os períodos sombrios - é uma evidência da obra de Cristo em você. Você é um exem­plo para mim e para qualquer outra pessoa que preste atenção em seus atos.

            Você também está certa ao mencionar que não há necessidade de pessoal médico aqui. Além disso, você não é israelense. Apesar de eu ser judeu por etnia, não sou um israelense puro, embora tenha raízes distan­tes aqui. Independente disso, é quase certo que só nos veremos no céu ou no Reinado dos Mil Anos. Este fato bastaria para que eu investisse tempo em uma despe­dida apropriada, e, se você permitir, gostaria que fosse pelo telefone.

            Com toda a aparelhagem que conseguimos montar, com relação a satélites e tecnologia solar, vai ser muito fácil - e sem custo nenhum - ligar para você nos Estados Unidos. Será como se você estivesse aqui perto, a uns 80 quilômetros de distância. Depois que tivermos resolvido toda essa confusão que causei por abandoná-la sem uma conversa franca, você vai permitir que eu ligue de vez em quando? Sei que a diferença de fusos horários é significativa e que precisaríamos estar no lugar certo e na hora certa. Nós dois estaremos muito atarefados, mas eu gostaria de ligar para você.

            E, por falar em estar atarefados, reconheço que demorei muito tempo para lidar com este assunto. Talvez quando você receber este e-mail já esteja com tantos deveres a cumprir que não terá tempo de lê-lo e, muito menos, de enviar-me uma resposta. A solidão aqui é muito grande, o que não é de surpreender. Portanto, se eu não tiver nada importante para fazer, a não ser aguardar a chegada dos helicópteros, talvez eu lhe telefone para confirmar o recebimento deste e-mail e poupar seu tempo na digitação de uma resposta.

            De qualquer forma, conhecendo você como conheço, sei que compreenderá e me perdoará. Espero continuar a manter contato com você.

            Seu amigo, David

 

Rayford sentia-se um tolo. Ele não era um estrategista mili­tar. Embora seus inimigos estivessem visivelmente fracos e desorientados, ele havia permitido que três dos seus coman­dados ficassem em situação perigosa. Albie não tinha ângulo para atirar e não se atrevia a sair do lugar. Mac estava mal posicionado, apenas com uma arma comum. Leah teve de trocar obediência por paciência; caso contrário, poderia ser morta.

Rayford era o único que tinha ângulo para atirar nos dois soldados da CG. Mas o rifle calibre 50 que segurava era uma maravilha de um só disparo. Além do mais, ele decidira que só mataria alguém se fosse realmente necessário. Ray­ford não sabia se teria coragem ou habilidade para isso.

A arma, porém, possuía tudo de que ele precisava. Ele se deitou no chão, em cima dela, e enquadrou pelo telescópio possante um lugar na rocha por onde seus alvos passariam se continuassem a caminhar na mesma direção. Ele encostou a mão direita no gatilho e colocou a mão esquerda por cima do telescópio para melhor posicioná-lo. E Leah voltara a insistir, tentando obter permissão para se aproximar da beira do precipício.

Sem querer arriscar perder o alvo, Rayford pegou o rádio com a mão esquerda e prendeu-o na boca.

- Negativo. Não ligue para mim. Eu ligo para você - disse ele a Leah.

Ele deixou o rádio cair no chão e agarrou a coronha do rifle com a mão esquerda... esperando... esperando. Os dois soldados da CG haviam parado e se sentado em cima de urna rocha. Rayford ajeitou o rifle até colocá-los sob sua mira. Em seguida, virou a cabeça ligeiramente e avistou Leah aguar­dando.

Os dois estavam de costas para ela. Ela poderia arriscar-se, desde que fosse rápida. Ele pegou o rádio sem deixar de focalizar os alvos. Os dois olharam para cima. Rayford viu o que atraíra a atenção deles. Mais um helicóptero.

- Leah, vá e volte rapidamente. Não precisa reconfirmar; vá.

Rayford soltou o rádio e tentou controlar a respiração.

Os dois soldados tomaram conta de toda a lente, e, mesmo a uma distância de cerca de 200 metros, ele imaginou ter visto feridas no pescoço deles. Ele mirou alguns centímetros acima da cabeça do que estava à direita. Ambos desceram da pedra, apoiaram-se num dos joelhos e apontaram as armas para o helicóptero que vinha em sua direção.

Tratava-se de um helicóptero enorme, usado especialmente para transportar o pessoal do exército dos Estados Unidos norte-americanos - uma aeronave no valor de milhões de nicks e que, sem dúvida, tinha capacidade para acomodar pelo menos duas dúzias de crentes fugitivos de Israel. Da posição em que se encontravam, os dois soldados da CG poderiam, facilmente, abater aquele helicóptero. O som e a fúria da arma de Rayford, fazendo um buraco na rocha acima deles, seriam suficientes para salvar o helicóptero. Mas ele precisava de mais incentivo para correr o risco. A notícia aterradora veio do rádio. A voz era de Leah.

- É David... eles o trucidaram... há pássaros voando em cima do seu corpo.

Os dois da CG pareciam prontos para atirar. Rayford perdeu ligeiramente a mira quando o soldado da esquerda inclinou o corpo na frente do outro. Se ao menos tivesse permitido que David voltasse a Mizpe Ramon, Rayford não estaria metido nessa confusão. Ele se lembrou de ficar com os joelhos dobrados a fim de que, no momento de apertar o gatilho, o retrocesso da arma o fizesse voltar apenas um passo para trás. Mas se esqueceu de proteger os ouvidos. O impacto que ele recebeu no ombro não foi nada em comparação ao barulho.

O estrondo o deixou atordoado e surdo. Sem capacidade para captar nenhum som, Rayford virou a cabeça, voltou a pegar o rifle e olhou através da lente. Ele temia ter compro­metido seriamente seu sistema auditivo, mas a visão não foi afetada. Pelo canto dos olhos, ele viu o helicóptero continuar seu trajeto, sobrevoando o lugar onde os dois soldados caíram imóveis. Uma nuvem de poeira saída da rocha levantava-se atrás deles.

Rayford pegou seu rádio.

- Tomem cuidado! Pode haver outros - ele disse, ciente de que estava falando alto demais. Suas palavras provocaram eco, mas ele não ouvia o que os outros diziam. - Vamos ver o que fizemos.

Albie foi o primeiro a chegar perto dos corpos. Depois apareceram Leah, Mac e, finalmente, Rayford. Ele esperava que Leah desviasse o olhar dos dois corpos; mas ela não o fez. Disse alguma coisa, e Rayford pediu-lhe que repetisse. Ela o segurou pelos ombros forçando-o a encará-la.

- David está em condição pior do que estes dois - Leah gritou, mas ele só entendeu pelos movimentos dos lábios dela.

Se aquilo fosse verdade, ele não queria ver Hassid. Mas sabia que alguém deveria enterrar o corpo.

- Podemos tirá-lo de lá?

Ela sacudiu a cabeça, respondendo:

- Impossível.

- É para lá que estes dois também deveriam ir - disse Mac, ou, pelo menos, foi o que Rayford conseguiu entender.

O projétil havia atravessado a espinha e o coração de um dos soldados e o pescoço do outro antes de abrir um buraco de mais de 50 centímetros na rocha.

Rayford desviou o olhar e tentou controlar-se, com receio de vomitar. Isolado em sua surdez, ele estava tomado por um profundo remorso. Havia matado dois homens. Perdera um companheiro em um lugar que deveria ser um refúgio. Agora, a pista aérea de Mizpe Ramon estava vulnerável, e a entrada de Petra fervilhando de pessoas trazidas de helicópteros e ansiosas por entrar na cidade.

Os joelhos de Rayford começaram a dobrar-se, e ele foi amparado por Mac, que o segurou e disse bem perto de seu rosto:

- Isto é uma guerra! Esses sujeitos assassinaram um companheiro nosso desarmado e teriam matado qualquer um de nós. Eles estavam mirando aquele helicóptero lotado. Você salvou a vida de todos nós, Ray!

Rayford sentiu seu rosto contorcer-se em uma careta. Ele tentava formar palavras para dizer que não poderia permitir que aqueles corpos mutilados continuassem ali quando o pessoal começasse a chegar. Mas não conseguia falar, e Mac já lhe havia tomado a dianteira. Mac disse alguma coisa a Albie, e o valente homenzinho deu um passo à frente, sem hesitação. Em seguida, agachou-se para pegar a primeira vítima. Equilibrando-se com um dos corpos nos braços, ele caminhou uns três metros em direção à beira do precipício e o atirou para baixo. Retornou e fez o mesmo com o outro corpo.

- Assuma o comando, Ray! - disse Mac. - Mande o povo entrar!

Rayford sacudiu a cabeça e entregou o rádio a Mac, apontando para ele.

- Está bem - disse Mac. - Vamos sair juntos daqui.

A descida e a saída foram muito mais fáceis do que quando eles chegaram. Leah permaneceu perto de Rayford, dando a entender que estava preocupada com ele. Antes que o grupo tivesse tempo de se aproximar da passagem estreita, os helicópteros já estavam sobrevoando as montanhas de pedra e pousando para desembarcar os passageiros.

Enquanto os quatro atravessavam Siq - a entrada principal de acesso a Petra -, em direção ao helicóptero de Rayford, formou-se ali uma multidão enorme. Durante o trajeto, Mac passou grande parte do tempo falando pelo rádio. Agora, ele e Albie estavam orientando o povo para que entrasse em Petra por meio dos helicópteros, e não a pé.

Leah ajudou Rayford a colocar o rifle calibre 50, a caixa de suprimentos médicos e a maca no helicóptero. Em seguida, empurrou Rayford para o lado.

- Você não pode pilotar enquanto não voltar a ouvir - ela disse.

- Posso, sim - ele contestou.

- Você está ouvindo novamente?

- Você ouvirá por mim.

Ela encolheu os ombros, enquanto afirmava:

- Bem, tenho certeza de que não sei pilotar.

 

Apesar da pouca idade e do grande sofrimento que sentia, Chang teve maturidade e presença de espírito para divulgar a terrível notícia sobre David Hassid. O Comando Tribula­ção concordou que nem Chaim nem Buck precisariam saber enquanto Chaim não terminasse seu trabalho e chegasse a Petra. Chloe disse que informaria Buck no momento apropriado.

Chang passou as horas seguintes monitorando as atividades do Comando Tribulação. De volta a Mizpe Ramon, Leah tratou dos ouvidos de Rayford, informando a todos que o tempo seria o melhor remédio. Os israelenses que foram deixados em Mizpe Ramon por George, Abdullah e Rayford seriam transportados nos próximos vôos. Rayford acomodou-se com os outros dois no esconderijo onde estavam guardadas as armas calibre 50. Eles não tinham observado nenhuma movimentação da CG.

Leah contou que Hannah ficou tão abalada quando rece­beu a notícia da morte de David que não conseguiu dizer nada. Aparentemente, ela reunira forças para acompanhar Leah no vôo para Masada, com Mac, onde elas voltariam a instalar o centro médico em uma tenda. Nesse ínterim, Chang admirava-se do poder de Deus. Não havia sido noticiada nenhuma falha mecânica, em terra ou no ar, durante o transporte em massa dos crentes.

Quando a noite caiu em Jerusalém, e o mundo parecia aguardar a suspensão da praga das feridas às 21 horas, Chang resolveu levantar-se do lugar e esticar o corpo. Ele se olhou no espelho e agradeceu a Deus o fato de não ter aparecido nenhuma ferida em seu corpo. Até a coceira na perna havia sumido, e ele a atribuiu a uma picada de inseto ou algo psicossomático.

Ele retornou ao seu computador para verificar se havia algum e-mail, desejando que o evento em Masada ainda não tivesse acontecido. Não houve tempo sequer de ser providen­ciado um sistema de alto-falantes, e, muito menos, de Chang ouvir alguma coisa do que se passava ali, a não ser por meio do telefone de Buck.

Chang surpreendeu-se ao ver que havia uma mensagem de sua mãe. Ele a abriu rapidamente. A mensagem estava cheia de erros, mas ela conseguira, a duras penas, compor e transmitir o que desejava. Pelo que ela dizia, também havia conseguido acessar o site de Tsion Ben-Judá.

 

            Papai aborrecido por causa da exibição vergonhosa de Carpathia em Jerusalém. Não saber o que pensar. Quer que eu pergunte você o que você acha. O que você acha? Vou enviar isto antes que ele veja e depois apagar tudo. Você toma cuidado para responder. Carpathia parece ser homem mau, mau, mau. Ben-Judá muito interessante, um profeta. Como ele saber tudo antes? Eu querer saber como mandar mensagem a Ming. Você dizer isto a ela.

                                     Mamãe.

 

Pouco antes das 21 horas, Chaim verificou que a fortaleza de Masada estava lotada de crentes. Buck olhou para baixo e viu mais gente chegando. Ele concordou com Chaim que quase todos já haviam chegado. Buck pousou o braço no ombro do amigo e curvou a cabeça.

Senhor Deus, orou Chaim, dá-me sabedoria para dizer o que desejas que eu diga, e que estas pessoas queridas ouçam o que desejas que elas ouçam.

E, Senhor Deus, complementou Buck, unge a voz do teu servo.

Não havia palco nem iluminação especial. Chaim ficou em pé em cima de um terreno alto e ergueu os braços. Imediatamente o local mergulhou em silêncio, e todos pararam no lugar em que estavam.        

Buck segredou a Chang, pelo telefone:

- Pelo menos grave isto: Vamos deixar a fidelidade do som para mais tarde. O Comando Tribulação inteiro quer ouvir.

- Como estão suas baterias?

- Ainda tenho uma e meia. Deve ser o suficiente.

Chaim falou em hebraico, mas, outra vez, Buck o entendeu perfeitamente.

- Meus amigos - ele começou a dizer com voz forte e mostrando autoridade, porém, conforme Buck temia, sem volume suficiente -, não posso garantir a segurança de vocês esta noite aqui. A presença de vocês os torna inimigos do rei deste mundo e uma ameaça a ele. Quando a praga das úlceras sobre o povo dele for suspensa às 21 horas de hoje, poderá haver retaliação contra vocês.

Buck levantou-se e olhou para os pontos mais distantes da fortaleza e para baixo. Ninguém parecia estar se esforçando para ouvir. Ninguém se movimentava nem falava, a não ser Leah e Hannah, que, em silêncio, arrumavam o pequeno centro médico improvisado. Até aquele momento, ninguém necessitara dos serviços das duas.

- Serei breve em minhas recomendações - disse Chaim -, mas vou pedir a vocês que tomem a decisão que modificará seu destino. Se vocês concordarem comigo e assumirem este compromisso, haverá carros, caminhões e helicópteros para transportá-los para um lugar seguro. Caso contrário, poderão retornar a seus lares e enfrentar a terrível escolha entre a guilhotina ou a marca de lealdade ao homem que hoje se sentou no templo de vocês e se autoproclamou deus. Ele e o homem que profanou a casa de Deus com a morte e o sangue de um suíno, que instalou seu trono e sua estátua no Santo dos Santos, que pôs fim a todos os sacrifícios ao Deus vivo e verdadeiro e quebrou sua promessa de paz para Israel.

- Lamento ter de dizer que muitos de vocês tomarão a decisão errada. Escolherão o pecado em lugar de escolherem a Deus. Escolherão o orgulho, o egoísmo e a vida por medo de morrer. Alguns já rejeitaram a dádiva de Deus tantas vezes que ficaram com o coração endurecido. E, embora tenham se arriscado a comparecer a esta reunião, em sinal de arrependimento, talvez seja tarde demais para que ocorra uma mudança em seu coração. Só Deus o sabe.

- Sabendo quem vocês são e de onde vieram, e sabendo quem eu sou e de onde vim, podemos admitir que temos muitas coisas em comum. Acreditamos que existe um só Deus, criador do universo e preservador da vida; que todas as coisas boas e perfeitas vêm somente dele. Mas vou lhes dizer que os desaparecimentos que assolaram nosso mundo, há três anos e meio, foram obra de seu Filho, o Messias, sobre quem as Escrituras profetizam. E Jesus de Nazaré, o Cristo, cumpriu essas profecias.

Nem um murmúrio nem uma palavra de contestação por parte de todos estes judeus, pensou Buck. Será que este que falava era mesmo Chaim Rosenzweig, o cientista de baixa estatura, fala mansa, comandando uma platéia de dezenas de milhares de pessoas com o simples poder de sua voz, sem a ajuda de alto-falantes, e com a autoridade de sua mensagem?

 

Já havia escurecido completamente em Mizpe Ramon. Por isso, Rayford não conseguia fazer leitura labial quando alguém falava alguma coisa. Felizmente, quando George ou Abdullah falavam de frente para o seu rosto, ele já estava começando a entender.

- Sei que sou novato nestas coisas, capitão - disse George -, mas tenho muitas perguntas na cabeça. Será que existe aqui alguma coisa tão importante que deva ser protegida da CG? Quero dizer, será que estamos com medo de deixar que eles destruam a pista que levamos tanto tempo para construir? E esses alojamentos temporários também não têm valor nenhum. Não seria melhor voltarmos a agir e começarmos a levar mais pessoas para o lugar seguro em vez de deixá-las aqui aguardando um inimigo que poderá não aparecer?

Rayford deitou-se de costas e contemplou o céu cheio de estrelas. Abdullah manifestou sua opinião, e Rayford teve de cutucá-lo para que ele falasse mais alto.

- Eu só estava dizendo, chefe, que concordo com George. Por mais que a gente goste de brincar com essas armas enormes e acertar alguém lá em cima, mesmo que ele mereça, por que desperdiçar balas? Poderemos usar essa munição para proteger nossas tropas em terra ou no ar.

O helicóptero de Rayford era o único que sobrara ali. O de George e o de Abdullah estavam em serviço. O capitão voltou a deitar-se de costas e refletiu sobre o que acabara de ouvir. A verdade era que ele não se importaria se a CG atacasse aquele lugar. Seria perda de tempo. Ele estava esgotado, desolado e necessitando de um pouco de descanso. Se alguém pilotasse seu helicóptero, se Mac assumisse o controle da operação, pelo menos por um pouco de tempo, ele poderia descansar até o dia amanhecer. De qualquer forma, Mac já estava no controle, em razão da impossibili­dade de Rayford, que ele esperava ser apenas temporária.

- Vamos levantar acampamento - ele disse finalmente.

Os outros dois pegaram rapidamente as armas e as car­regaram. Rayford pediu a George que pilotasse o helicóptero. Abdullah deveria pôr Mac a par da situação. Ele se deitou no chão do helicóptero e cobriu o rosto com as mãos. O problema, Rayford disse a si mesmo, era que ele tinha complexo de herói. Sabia que tudo de bom que estava acontecendo em tempos terríveis como aqueles era obra de Deus, e não sua. Mas perder as forças antes do término de uma missão não fazia parte do padrão que ele tinha elaborado para um líder.

Será que Deus permitira que ele se esquecesse de uma coisa tão simples, como colocar protetores de ouvidos, só para deixá-lo fora de ação por um longo tempo, até que suas forças fossem restabelecidas? Ele estava desesperado por ter perdido David e por ter matado dois homens. E tudo isso contribuíra para minar-lhe as forças. Ele nem sequer se deu conta de que estava cochilando.

Mas, de repente, Abdullah o despertou com um toque no braço.

- Perdoe-me, por favor, mas estamos sendo chamados em Masada. O Sr. McCullum acha que há um número muito grande, mas muito grande mesmo, de pessoas que precisam ser transportadas para Petra.

 

Buck sentia-se a ponto de explodir de emoção. Da mesma forma que, anos antes, Tsion Ben-Judá havia proclamado a fé cristã por meio de um programa de TV de âmbito interna­cional, Chaim anunciou, brilhantemente, Jesus como o Mes­sias que os judeus esperaram por tanto tempo.

Enquanto ele mencionava as 109 profecias cumpridas por Jesus, algumas pessoas, no meio da multidão, levantaram-se. Logo todos estavam em pé. Continuavam em silêncio, e ninguém saiu de onde estava. Uma quietude santa tomava conta do lugar.

- Ele é o único que poderia ser o Messias - proclamou Chaim. - Ele também morreu de maneira diferente da de qualquer outro personagem da História. Entregou-se a si mesmo como sacrifício e provou o seu próprio mérito quando Deus o ressuscitou dos mortos. Até mesmo os céticos e os incrédulos têm afirmado que Jesus foi a pessoa mais influente da História.

- Dentre os bilhões e bilhões de pessoas que já passaram por este mundo, Um só está acima de todas as outras, em termos de influência. Por causa dele, e de nenhuma outra pessoa, muito mais escolas, faculdades, hospitais e orfanatos foram fundados. Por causa da sua influência, e não da influência de outra pessoa, mais artes foram criadas, mais músicas foram compostas e mais atos humanitários foram realizados. As grandes enciclopédias internacionais dedi­cam 20 mil palavras para descrevê-lo e para descrever sua influência sobre o mundo. Até mesmo nosso calendário é baseado em seu nascimento. E Ele realizou tudo isso publi­camente, numa obra ministerial que durou apenas três anos e meio!

- Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, o Salvador do mundo e o Messias, disse que edificaria sua igreja e que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela. Séculos após Ele ter sido ridicularizado impiedosamente, perseguido e mar­tirizado, bilhões de pessoas passaram a fazer parte de sua igreja, transformando-a na maior religião do mundo. E quando Ele retornou, conforme prometeu, para levar seus fiéis para o céu, o desaparecimento de tantas pessoas causou o maior impacto já visto neste mundo.

- Segundo as profecias, o Messias deveria nascer de uma virgem em Belém, viver uma vida sem pecado, ser sacri­ficado como o Cordeiro imaculado de Deus, dispor-se a morrer na cruz pelos pecados do mundo, ressuscitar três dias depois, e sentar-se à direita de Deus, o Pai Altíssimo. Jesus cumpriu estas e todas as outras 109 profecias, provando ser o Filho de Deus.

- Esta noite, o Messias chama a todos vocês, como tem leito ao longo dos séculos. Ele é a resposta para a situação em que vocês se encontram. Ele oferece perdão para os seus pecados. Ele pagou o preço em seu lugar. O escritor mais prolífico das Sagradas Escrituras, um judeu, escreveu: "Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação. Porquanto a Escri­tura diz: Todo aquele que nele crê não será confundido. Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo" (Romanos 10.9-13).

- Ao longo dos anos, os céticos têm ridicularizado este apelo dos evangelistas: "Você quer ser salvo esta noite?" E é esta a pergunta que lhes faço neste momento. Não pensem que Deus pode ser enganado. Não se pode zombar dele. Não tomem esta decisão apenas para evitar um confronto com o Anticristo. Vocês precisam ser salvos porque não podem salvar a si mesmos.

- O preço é alto, mas a recompensa é muito maior. Isto poderá custar-lhes a liberdade, a família, a própria cabeça. Talvez não cheguem vivos ao lugar seguro. Mas passarão a eternidade com Deus, adorando o Senhor Jesus, o Cristo, o Messias.

- Se optarem por Cristo, orem comigo: Querido Deus, sou um pecador e estou separado de ti. Creio que Jesus é o Mes­sias e que Ele morreu na cruz para me redimir dos meus pecados. Creio que Ele ressuscitou ao terceiro dia e que, ao receber sua dádiva de amor, receberei também o poder de me tornar filho de Deus, porque creio em seu nome. Obrigado por me ouvires e me salvares. Eu entrego o restante de minha vida a ti.

Por toda a imensa fortaleza histórica - lugar que, conforme diz a lenda, os judeus escolheram para matar seus filhos e a si mesmos, a fim de que não caíssem nas mãos dos romanos - homens e mulheres repetiram a oração em voz alta.

O selo de Deus apareceu na testa de cada uma daquelas pessoas, e milhares e milhares seguiram Chaim, enquanto ele atraves­sava a multidão e descia os degraus, dirigindo-se ao local onde centenas de veículos e helicópteros aguardavam em longas filas. Hannah e Leah, carregando seus equipamentos, seriam umas das primeiras a partir. Buck viu Mac transferir o comando de seu helicóptero a outro piloto para poder ajudar a carregar os suprimentos médicos em um caminhão. Ele se sentou ao volante, enquanto Hannah e Leah condu­ziam cerca de uma dúzia de novos crentes para subirem no caminhão.

Milhares de outras pessoas, com ar de desespero no rosto, afastaram-se correndo e procuraram caronas de volta para Jerusalém.

Buck alcançou Chaim e postou-se ao lado dele, observando os carros, caminhões e helicópteros, que saíam lotados. A respiração de Chaim era pesada, e ele apoiou-se em Buck, como se sua última gota de força estivesse se exaurindo.

- Louvado seja Deus! - ele murmurou. - Louvado seja Deus, louvado seja Deus, louvado seja Deus!

Buck olhou para seu relógio. Faltavam alguns minutos para as 21 horas, e os alto-falantes, instalados nos veículos da CG, já estavam começando a espalhar a notícia também divul­gada pela TV e pela Internet:

"Todo o espaço aéreo de Israel foi declarado, pelo diretor do Serviço de Segurança e Inteligência da Comunidade Global, como zona proibida para qualquer tipo de aeronave. Alertamos a todos os civis: Qualquer aeronave que não seja da CG que sobrevoar o espaço aéreo de Israel correrá o risco de ser abatida.

"O potentado decretou lei marcial e instituiu toque de recolher em Israel para o tráfego de veículos civis. Os transgressores serão presos.

"O toque de recolher foi necessário em razão da gravidade da aflição que tomou conta do pessoal da CG. Apenas alguns funcionários estão em condições de manter a ordem.

"Sua Excelência avisa aos cidadãos que ele suspenderá o efeito da praga às 21 horas e que a população deve comemo­rar com ele quando o dia clarear."

 

Abdullah despertou Rayford novamente. Ele se sentou, ainda sem ouvir nada.

- Seu genro requisitou transporte para ele e o Dr. Rosenzweig, de Masada para Petra, e ele diz que você pediu permissão para levá-los pessoalmente. Este é ainda o seu desejo?

Rayford assentiu com a cabeça, passou a mão no rosto e se sentou. George pousou numa área aberta nos arredores de Masada, e eles aguardaram a partida de todos, menos de Chaim, de Buck e de um homem atrás deles, que trajava um manto semelhante ao de Chaim.

- Quem está vindo ali? - perguntou Rayford, apontando.

- O Dr. Rosenzweig e o Sr. Williams - respondeu Abdullah.

- Não, o outro - disse Rayford.

- Não estou entendendo.

- Quem está com eles?

Rayford viu quando Abdullah e George se entreolharam.

- Não estou vendo mais ninguém - disse Abdullah. Rayford supôs que ele também não conhecesse a outra pessoa.

Mais tarde, quando os veículos da CG começaram a chegar ao local e apenas Buck, Chaim e o outro homem permanece­ram ali, Abdullah desceu do helicóptero e segurou a porta para que ficasse aberta. Chaim caminhava com passos cansados. Buck o segurava pelo braço.

O terceiro homem continuava caminhando um passo atrás dos dois. Quando eles entraram no helicóptero, Rayford achou que Abdullah por pouco não batera a porta em cima do homem desconhecido. Eles se sentaram. George virou-se para trás, e Rayford lhe apresentou Chaim e Buck.

- Apresente seu amigo, Buck - disse Rayford.

Buck sorriu e perguntou:

- Como assim?

- Seu amigo. Apresente seu amigo. Quem é ele?

Rayford fez um gesto em direção ao terceiro homem, que se limitou a olhar para ele. Chaim e Buck olharam para o lugar indicado e, depois, para Rayford.

- E daí? - insistiu Rayford.

- O que não estamos conseguindo enxergar? - perguntou Buck.

Rayford imaginou estar sonhando. Inclinou-se na direção do homem, e o homem inclinou-se em sua direção.

- E então, quem é você? - perguntou Rayford.

- Sou Miguel - ele respondeu. - Estou aqui para restabelecer suas forças e curá-lo.

Rayford retesou o corpo quando Miguel colocou as mãos em concha sobre seus ouvidos. A audição de Rayford foi restabelecida, e ele sentiu uma onda de vida e energia que o fez sentar-se com o corpo ereto.

- Você disse que é Miguel... quero dizer, o Miguel?

Mas o homem já havia desaparecido.

 

Rayford sentia-se 20 anos mais novo e gostaria de estar pilotando seu helicóptero. Mas George estava indo bem. Sentado ao lado dele, Abdullah examinava o céu e a terra com olhar sério e preocupado. Buck dormia profundamente, sentado no banco lateral ao lado de Chaim, com a cabeça tombada para trás e a boca aberta.

- O senhor também deve estar exausto, Dr. Rosenzweig - disse Rayford.

- É a primeira vez que me sinto cansado hoje, e você sabe que passei a maior parte da noite acordado.

- Ouvi dizer. Deus tem permanecido a seu lado, não?

- Capitão, confesso que estou morrendo de fome! Parece que recebi força dos anjos a quem Deus confiou a tarefa de cuidar de mim.

- Você chegou a vê-los?

- Eu? Não. Mas você sabe que a Srta. Durham viu Miguel, o arcanjo.

Rayford assentiu com a cabeça. Não haveria tempo de contar sua história.

- Abdullah! - chamou Rayford, e o jordaniano virou-se. - Quando carregamos o helicóptero, incluímos alimentos?

Abdullah havia aquecido alguma coisa num fogão improvisado, pouco antes de sair de Mizpe Ramon.

- Incluímos! Sim! - Abdullah gritou enfatizando as sílabas.

- Eu voltei a ouvir, Smitty. Fui curado.

- Sério!? - Ele inclinou o corpo para trás e parou de gritar, mas continuou a falar alto por causa do ronco do motor do helicóptero.

- Temos pães sírios quentes, guardados em caixa térmica, e um pouco de molho para umedecer o pão.

- Você está parecendo garçom de um restaurante de luxo.

- Não é assim que se diz?

Chaim inclinou o corpo em direção a Rayford e revelou:

- Para mim, é tão bom quanto leite com mel.

Abdullah desatou o cinto de segurança e se espremeu entre eles, ajoelhando-se para pegar a caixa. Quando ele levantou a tampa, deixou à mostra uma pilha de quase 20 pães sírios de cerca de 25 centímetros de diâmetro, desprendendo fumaça de tão quentes.

O aroma tomou conta do helicóptero e despertou Buck. O grande George esticou o braço, para trás, sem virar o corpo. Rayford colocou dois pães na palma da mão dele.

- Era disto que eu estava falando! - disse George, embora tivesse permanecido calado por uma hora.

Todos enfiaram a mão na caixa para pegar os pães e os levaram diretamente à boca.

Senhor, tu sabes que estamos gratos!, orou Chaim, de boca cheia.

Amém, disseram os outros.

Abdullah ainda estava ajoelhado perto da caixa quando cutucou Rayford e apontou com a cabeça para fora. O céu estava repleto de helicópteros da Operação Águia e de todos os tipos de aeronaves pertencentes à CG. Embaixo, eles avistaram as ruas lotadas de veículos que transportavam os fugitivos, virando esquinas, passando por cima de calçadas e ruas esburacadas. Os veículos da CG os perseguiam com as luzes pisca-pisca ligadas. O pessoal do helicóptero virou-se para olhar.

- Como estamos de combustível? - perguntou Chaim.

- Temos o suficiente para algumas horas de vôo -respondeu George.

- Capitão Steele - disse Chaim -, será que podemos permanecer nesta área para ver de perto o que está acontecendo?

Rayford pediu a George que encontrasse uma altitude razoável, e a aeronave pairou sobre um lugar aberto. Um helicóptero da CG posicionou-se atrás deles, e o piloto os chamou por meio de uma transmissão de alta frequência.

- Helicóptero civil, saia imediatamente do espaço aéreo de Israel.

- Capitão - disse George -, em que frequência eles podem me ouvir?

Rayford lhe disse qual era a frequência e perguntou o que ele tinha em mente.

- Eu só acho que devemos ser corteses, não é mesmo?

- Não hostilize ninguém.

Todos no helicóptero riram, e Rayford se deu conta do absurdo que havia dito. A CG não podia ser mais hostilizada do que já estava sendo.

George mudou para a frequência sugerida por Rayford.

- Helicóptero da CG - ele disse -, aqui fala um civil. Em que local desta cidade tão populosa você planeja deixar cair nossa fuselagem em chamas?

- Civil, você está violando o toque de recolher estabelecido pelo próprio Potentado Carpathia.

- Não reconheço sua autoridade.

- Repito: Carpathia! Sua Excelência!

- Reconheço o nome, CG. Repito: Não reconheço sua autoridade.

Os olhos de Abdullah brilharam, enquanto ele comentava:

- Vocês, americanos, são tão corajosos que chegam a ser loucos.

O rádio voltou a estalar:

- Pela autoridade da Comunidade Global e de seu potentado ressurreto e senhor, Sua Excelência Nicolae Carpathia, você está recebendo ordens para pousar na primeira área disponível e render-se com seus passageiros, sua carga e sua aeronave.

- Não, obrigado - disse George.

- Não se trata de um pedido, civil. Trata-se de uma ordem sancionada pelo potentado.

- Sinto muito, CG, mas estamos trabalhando em uma missão para o verdadeiro Senhor ressurreto e não queremos submeter a vocês nem nossa carga humana nem nossa carga de comestíveis.

- Repita, por favor.

- A parte sobre as pessoas ou sobre os pães sírios?

- O aviso já foi dado, helicóptero civil, estamos armados e preparados para destruir sua aeronave, se você não acatar nossas ordens imediatamente.

- Neste momento?

- Positivo.

- Aguarde um minuto.

- Você está pedindo tempo para acatar nossas ordens?

- Não, eu só preciso de um minuto.

- Você tem 60 segundos.

- Não posso ter um minuto?

- Cinquenta e cinco segundos, civil.

- Quero ter certeza de estar sobrevoando as ruas mais movimentadas daqui, CG, caso eu seja tão vulnerável quanto imagino.

- Só mais 45 segundos. Pouse o helicóptero.

- Estamos comendo e não temos recipientes em que possamos vomitar. Se tivermos de tomar medidas drásticas, poderemos fazer uma grande sujeira aqui.

- Último aviso. Trinta segundos.

- Não vamos ouvir mais nenhum aviso de agora em diante?

- Negativo.

- Nenhum?

- Correto.

- Nem uma palavra?

- Vinte segundos.

- Você disse duas palavras.

Rayford gostaria de saber se George estava tão assustado quanto ele. Evidentemente, o grandalhão acreditava que todos no helicóptero estavam protegidos porque Chaim encontrava-se a bordo, e Rayford tinha razões mais que suficientes para confiar em Deus. Porém, quando viu que o helicóptero da CG retornou a um local onde uma explosão não causaria nenhum dano àquele que atirou, Rayford acreditou que eles seriam atingidos.

- Aperte o cinto, Smitty - ele gritou.

Abdullah sentou-se rapidamente enquanto Rayford segurava a caixa de alimentos. Buck parecia estar tão atento quanto Rayford, mas Chaim tinha uma expressão jocosa no rosto.

- Nós pertencemos a Deus - disse o ancião. - A vontade divina será feita.

 

Mac nunca se divertira tanto desde os tempos de infância quando sua cobra de estimação entrou no quarto de sua irmã. Ele rodava a toda velocidade pelas ruas de Jerusalém com um caminhão lotado de crentes israelenses e duas enfermeiras da América.

A cena o fez lembrar-se dos Keystone Kops - os personagens de uma série cômica da TV americana. - Ninguém seria capaz de obstruir a passagem dos motoristas da Operação Águia. Eles contornavam barricadas, rodavam por cima de pedras, atravessavam escombros do terremoto e passavam pelos veículos das Forças Pacificadoras da CG.

Na época em que Mac era garoto, no Texas, era permitido dirigir veículos agrícolas aos 12 anos de idade. Quando estava na sexta série, ele dirigia tratores, máquinas de colher, caminhonetes e caminhões para recolher lixo. Desta vez, ele estava dirigindo um caminhão novo, especial para transportar pessoas, que fora trazido da França por um voluntário da Cooperativa Internacional de Mercadorias, que retornara para buscar outro daquele veículo.

Aquele caminhão extravagante tinha força e capacidade para ser dirigido, tanto empregando-se o câmbio automático quanto usando-se o câmbio manual. Mac voltaria a pegar o caminhão anterior assim que chegasse a uma estrada livre, ao sul da cidade. Porém, naquele momento, ele se divertia com o caminhão de seis marchas, principalmente por causa da confusão em que estava metido. E mais divertido ainda - embora esta palavra parecesse amena demais para as circunstâncias do momento - era o espetáculo grotesco do pessoal da CG, já curado das feridas, fazendo gestos de pouco caso para o acordo entre Miquéias e Nicolae e tentando impedir a saída de um milhão de pessoas.

Quase todos os veículos da Operação Águia tinham tração nas quatro rodas e contornavam qualquer tipo de obstáculo. Quando a estrada ficou lotada de carros e caminhões parados, os motoristas que vinham atrás manobraram seus veículos e procuraram outras saídas. Os soldados das Forças Pacificadoras da CG e os Monitores de Moral - os primeiros trajando farda e os últimos usando insígnias e cintos cor laranja - tentavam dirigir o trânsito, parar os carros civis, examinar documentos e avisar um a um que eles estavam violando o toque de recolher da lei marcial.

Ninguém lhes dava atenção, e Mac se admirou do poder de Deus. Ele viu muitas armas, mas ouviu poucos disparos. Ninguém obedeceu ao comando de parar, e, quando os veículos da CG bloqueavam o caminho de um carro ou caminhão dos civis, os que estavam atrás davam marcha a ré e passavam pelo outro lado.

Mac gostaria de saber por que a CG não atirava naqueles veículos. Mas ele só saberia quando fosse barrado. Naquele momento, Leah estava pedindo a um israelense, sentado no banco à direita do motorista, que trocasse de lugar com ela para que ela pudesse conversar com Mac.

- O que vamos fazer? - ela perguntou a Mac.

Ele olhou de relance para ela. Leah estava pálida, e seus olhos movimentavam-se rapidamente tentando enxergar tudo o que se passava ali.

- Acho que não vamos ter problemas - ele disse. - Você viu algum dos nossos não conseguir passar?

Ela balançou a cabeça negativamente e apertou o cinto de segurança. Em seguida, colocou as mãos fechadas no colo.

- Sr. McCullum, Hannah gostaria de saber por que nós duas estamos indo para Petra. Lá não haverá necessidade de pessoal da área médica, e nenhuma de nós é israelense.

- Eu também não sou - disse Mac. - Só sei que estamos levando essas pessoas para um novo lar. Chloe providenciou o embarque de materiais de construção e outras coisas mais que precisarão ser processadas. Talvez vocês possam ajudar a coordenar esse trabalho enquanto nós transportamos o restante dos fugitivos. Ainda vai levar um pouco de tempo.

- Está bem.

- Mais algum problema?

- Não, só que...

- Não venha me dizer que seu trabalho não é este. Quero dizer, todos nós devemos fazer aquilo que...

- Não é isso, eu sei. Está tudo bem. Eu só queria dizer que vai ser muito difícil Hannah permanecer em Petra, em razão do que aconteceu. Você sabe.

- Eu estava lá.

- Então, entende o que estou dizendo.

- Peça que ela se sente aqui ao meu lado, por favor.

- Ela mal consegue falar, Sr. McCullum.

- Eu não quero que ela fale. Só quero que ouça.

 

Rayford inclinou-se o mais que pôde para a direita e manteve o olhar fixo no helicóptero da CG, que estava atrás deles. Aparentemente, os inimigos não estavam nem um pouco preocupados com quem ou com o que havia abaixo deles.

- Todos estão com os cintos apertados? - Rayford perguntou. - Preparem-se!

A aeronave que os perseguia estava diretamente alinhada com eles. Não havia probabilidade de erro. Rayford pensou em gritar algumas manobras para George, mas seria em vão. O helicóptero da CG era menor e muito mais ágil. Mesmo que George desviasse do primeiro tiro, o segundo seria apenas uma questão de tempo.

- Eles estão atirando! - berrou Rayford, colocando a cabeça entre os joelhos. Ele tinha visto explosões alaranjadas e rastros brancos, aguardando ouvir em seguida a cabina e os tanques de combustível se espatifando, a rajada de vento frio, a bola de fogo e a queda livre.

Rayford sentiu as balas passarem zunindo entre ele, Buck e Chaim, e as listras brancas e quentes fizeram-no olhar para cima. As balas atravessaram o helicóptero e a pressão do ar empurrou a cabeça de George para a esquerda e a de Abdullah para a direita. Os dois abaixaram involuntariamente a cabeça e taparam os ouvidos. Mas não houve dano algum na traseira nem na dianteira do helicóptero.

Rayford viu quando os disparos foram de encontro à cauda de uma aeronave da CG que passava diante deles, fazendo-a girar no ar e espatifar-se no solo. Ele sentiu um arrepio de frio e se deu conta de que estava agarrado com tanta força no assento que seus dedos quase não podiam se mover.

- Por que você está tão assustado? Você não tem fé? Tenha bom ânimo! Não tenha medo.

Rayford virou-se lentamente e viu novamente Miguel a seu lado.

- Vocês todos o viram desta vez, não? - perguntou Rayford.

- Nós o vimos - respondeu Chaim. - Louvado seja Deus!

- Eu o ouvi - disse Abdullah, virando-se para trás.

Mas Miguel havia desaparecido outra vez.

 

Pelos espelhos retrovisores, Mac viu luzes piscando.

- Você não vai parar, vai? - perguntou Hannah em voz baixa.

- É preciso muito mais do que isso para me parar neste momento.

A viatura da CG atrás dele começou a chamá-lo pelo sistema de alto-falante.

- Eu não quero falar com eles. Quero conversar com você. Você perdeu uma pessoa muito querida hoje?

- Claro. Você não sabia?

- Sim, sabia.

- Então deveria entender.

- Há uma coisa que não entendo, Hannah. Não estou dizendo que uma situação desta seja fácil de ser enfrentada. Mas, por acaso, você viu David trancar-se no quarto e afastar-se dos outros quando perdeu sua noiva? Não, senhora. Sei que você e David eram muito chegados um ao outro, mas você acha que ele gostaria de vê-la assim? Será que terei de lembrar-lhe que Rayford perdeu duas esposas e um filho? Que Tsion perdeu a família inteira? Não estou menosprezando seus sentimentos, não estou dizendo que você não tem motivos para querer ficar longe de Petra. David era meu chefe e meu amigo, e o que aconteceu com ele me tocou muito.

- Eu sei.

- Todos nós vamos precisar de um tempo para chorar a morte dele. E acho que só conseguiremos fazer isso quando voltarmos para os Estados Unidos. Nesse meio-tempo, vamos precisar de você, Hannah. Não podemos nos dar ao luxo de chorar como costumávamos fazer. Existem muitas pessoas dependendo de nós. Talvez não haja nada para você e Leah fazerem em Petra, mas você sabe tanto quanto eu que nenhum de nós que está colaborando tem a segurança garantida. Quem sabe que tipos de problemas vamos encontrar quando tivermos de desembarcar esse povo?

Ela assentiu com a cabeça e avisou:

- Mac... é melhor você se dirigir para o acostamento.

- Como assim?

Ela apontou para a janela dele. Um guarda sentado no banco de passageiro de uma viatura da CG apontava uma submetralhadora para Mac.

 

- Bem - disse George - esta foi a coisa mais fantástica que já vi. Devemos continuar testando nossa sorte ou seguimos para Petra?

- Se você acha que foi sorte - disse Rayford -, talvez...

- Foi só modo de dizer, capitão. Sei muito bem o que aconteceu.

- Vamos ficar aqui e observar - disse Abdullah, esticando o pescoço para localizar o helicóptero que havia atirado neles.

- Não há necessidade de ficarmos no meio de tudo isso - disse Rayford. - Vá para um lugar de onde possamos observar, sem corrermos o risco de receber mais tiros.

 

Chang telefonou para Tsion no início da tarde, horário de Chicago, e o ensinou a fazer uma transmissão ao vivo, pela TV internacional, do lugar em que Tsion se encontrava.

- Quero saber alguns detalhes do local onde seu monitor está instalado. Quando o senhor fica em pé atrás dele consegue ver uma parte do ambiente?

- Sim.

- Peça a alguém que se sente no lugar em que o senhor vai ficar no momento em que falará ao povo e observe o que consegue ver atrás dessa pessoa. É preciso retirar daí qualquer coisa que possa dar alguma pista de onde o senhor se encontra.

Tsion pediu a Ming que se sentasse em sua cadeira diante do teclado e se espremeu entre a parte traseira do monitor e a parede. Na parede oposta havia um relógio que marcava o horário local de onde eles se encontravam.

- Chang - disse Tsion -, vou tirar o relógio de lá para que o fundo seja apenas uma parede, sem qualquer coisa.

- Ótimo. O senhor sabe me dizer qual será a duração de sua mensagem? Ah, espere um pouco, senhor.

- O que é?

- Que tal acertar o relógio pelo horário carpathiano e deixar que o povo fique curioso para saber onde o senhor está?

- Essa é uma idéia interessante.

Ming intrometeu-se na conversa, perguntando:

- Será que eles não vão desconfiar de que esse foi um truque muito evidente, Chang?

- Talvez, se deixarmos o relógio muito à mostra - ele disse. - Coloque-o no canto da cena para que fique um pouco fora do foco. Eles vão pensar que descobriram alguma coisa que esquecemos de retirar.

- Minha mensagem vai ser curta, Chang - disse Tsion. - O suficiente para animar os crentes, antes de você transmitir pelo áudio a mensagem de salvação proferida por Chaim.

- Com licença, Dr. Ben-Judá, mas estou ouvindo alguma coisa pelo meu aparelho instalado no Fênix 216. Por favor, aguarde na linha.

- Veja o que é e ligue para mim depois.

 

Mac levantou um dedo para o soldado da CG como se estivesse pedindo um minuto antes de se dirigir ao acostamento. Ele ligou para Rayford usando o botão de discagem rápida.

- Pedindo permissão para atirar na CG antes que eles atirem em nossos pneus.

- Permissão negada, Mac. Trate apenas de ludibriá-los. Deixe o resto a cargo de Deus.

- Deus pode fazer alguma coisa por meio de sua arma nove milímetros, não?

- Você ainda está com ela?

- Sinto muito.

- Então, não pare - disse Rayford.

- Mesmo com pneu furado?

- Ligue de volta se eles furarem seu pneu.

Mac parou no meio da estrada, ao lado da viatura da CG, mas recusou-se a abrir o vidro. A viatura posicionou-se diante dele. Mac deu marcha a ré e contornou o veículo. A perseguição começou. Assim que a viatura se aproximou,

Mac pisou com força no freio.

- Sinto muito, amigos! - ele gritou. - Eu devia ter avisado para vocês apertarem os cintos!

A viatura parou a alguns centímetros do pára-choque do caminhão de Mac. Os dois da viatura desceram, gritando e mostrando as armas. Mac acelerou, e, assim que os dois entraram novamente na viatura e passaram a perseguido, virou abruptamente para a esquerda, deu meia-volta e ficou atrás deles.

 

Aparentemente, Carpathia continuava a suspeitar da existência de escuta clandestina no Knesset e achou que seu avião seria mais seguro. Chang rastreou uma indicação no audiômetro e constatou que o som era de funcionários preparando a cabina de primeira classe para mais uma reunião. Dois comissários de bordo conversavam em um dialeto

David recomendara. Em seguida, a tradução apareceu em forma de legenda na tela.

- Eles vão mesmo destruir a pista aérea dos rebeldes?

- Parece que a CG vai usá-la para seus aviões. Eles vão limpar o local e livrar-se dos inimigos. Depois vão descer suas tropas até lá e levá-las de caminhão a Petra para chegarem antes dos rebeldes. Eles tentarão... silêncio, eles estão vindo.

- Pois não, Sr. Akbar.

- Paquistanês?

- Não, sinto muito, diretor.

- Fala inglês?

- Inglês, sim.

- Esta será uma pequena reunião apenas com o potentado, o Reverendo Fortunato, o Sr. Moon, a Sra. Ivins e eu.

- Oh! obrigado, senhor. Arrumamos a sala para muitas pessoas.

- Não há problema. Você conhece aquilo de que cada um gosta. Deixe tudo preparado. E não se esqueça de que a Sra. Ivins adora gelo.

- Agradeço muitíssimo a sua lembrança, senhor. Ela está sempre dizendo: "Mais gelo, por favor." Água para o senhor e para o Sr. Moon, suco para o Sr. Fortunato e...

- Reverendo Fortunato.

- Ah! sim, mil perdões.

- Eu não me importo. Mas você não pode cometer um erro desse na frente de Sua Excelência.

- Nem do Reverendíssimo Pai!

Chang ouviu Suhail Akbar rir, enquanto ordenava:

- Afastem-se assim que todos estiverem acomodados em seus lugares. Chang formatou o programa para gravar e transferiu a transmissão para Chicago.

- Tudo pronto? - ele perguntou.

- Sim - disse Tsion. - Como está meu aspecto?

- O senhor parece assustado.

- Eu não quero parecer assustado.

- Não posso ajudá-lo aí, doutor. Estamos pirateando o único programa que está sendo exibido ao mundo todo. Se alguém estiver vendo TV, ouvindo rádio ou navegando na Internet, vai ver o senhor.

- Isto me deixa mais tranquilo!

- Eu só estava tentando acalmá-lo, senhor.

- Diga quando vou aparecer.

- Já ?

- Estou no ar? - perguntou Tsion. - Sério?

Chang não se atreveu a responder temendo que sua voz pudesse ser rastreada. Ele prendeu a respiração, agradecido por Tsion não ter mencionado seu nome.        

- Saudações a todos - disse Tsion. - É um privilégio, para mim, poder falar ao mundo por meio do milagre da tecnologia. Porém, como não fui convidado para falar aqui, perdoem-me por ser breve, e, por favor, prestem atenção...

Chang entrou na escuta clandestina do Fênix. Parecia que todos já haviam chegado e estavam se acomodando.

- Comandante Moon, peça a alguém que desligue aquela TV. Espere! Quem é aquele sujeito?            

- O senhor sabe quem é, Excelência - disse Leon. - É o tal herege, Tsion Ben-Judá.

- Mais do que herege - disse Carpathia. - Ele está por trás desse Miquéias e é responsável pela praga das feridas. Agora ele está atraindo os judeus ortodoxos para o seu lado. Como ele conseguiu uma rede de TV?

- É a CNNCG, Potentado.

- Então tire esse homem daí! - esbravejou Carpathia.

- Walter!

A TV do Fênix foi desligada, e Carpathia explodiu:

- Tire o homem do ar, seu imbecil. Chame quem quiser, faça o que for preciso! Já superamos a praga e agora vamos parecer uns palhaços, permitindo que o inimigo apareça em nossa rede de TV!

Moon estava falando ao telefone, com a voz trêmula. Chang achava que ele temia que Carpathia o matasse, se Tsion continuasse no ar por mais um minuto. Moon praguejou e exigiu falar com o chefe da transmissão.

- Nada de desculpas! - ele gritou. - Desligue o fio da tomada! Já!

- Dê-me esse telefone! - disse Carpathia. - Corte a transmissão! Corte o sinal!

Parecia que o telefone havia sido atirado longe.

- Ligue a TV! Quero ver!

Moon - Tenho certeza de que, pelo menos, eles desligaram, Excelên...

- Ligue! Droga! Ele continua lá! O que está havendo com vocês? Suhail, venha cá. Aqui!

- Excelência.

- A lei do toque do silêncio é para todos. - Carpathia falava tão depressa, tropeçando nas palavras, que Chang precisou esforçar-se para entender. - Atirem para matar no Monte das Oliveiras, em Masada, em...

- Esses lugares já foram esvaziados, Exce...

- Não me interrompa, Suhail! Quero que sejam destruídos todos os aviões civis e...

- Já sofremos baixas em terra por causa da queda de aviões, senhor...

- Você está me ouvindo? Entende o que estou dizendo? Será que vou ter de executá-lo da mesma maneira que vou executar Walter, se esse Ben-Judá não estiver fora do ar quando eu voltar a olhar para a tela?

Moon gemeu: - O que mais posso fazer, Excelência?

- Morrer!

- Não!

- Suhail, uma arma.

- Por favor, senhor.

- Rápido, Suhail!

Tumulto. BUM! Um grito.

- A outra mão, Walter!

- Por favor!

BUM! Mais gritos. Mais tiros seguidos de gritos. Som de sapatos batendo contra mesas e cadeiras enquanto Moon arrastava-se freneticamente pelo chão, à procura de abrigo - isso foi o que Chang supôs.

Mais uma sequência rápida de tiros, um gemido fraco como o de um bebê aterrorizado, um último tiro e silêncio.

- Você está fazendo a coisa certa, Nicolae - disse Viv Ivins.

- Deveria ter matado todos para começar tudo de novo.

- Obrigado, Viv.

Fortunato: - Eu o adoro, mestre ressurreto.

- Cale a boca, Leon. Suhail, coloque mais munição aqui. Som de arma sendo recarregada.

Fortunato: - Eu me curvo em respeitoso silêncio diante de sua glória. Oh! e pelo privilégio de beijar seu anel.

- Dê-me a arma, Suhail.

- Como o senhor desejar, Excelência, mas vou executar quem o senhor determinar. Sempre obedeci às suas ordens.

- Então faça o que eu digo!

- Peça o que desejar, Potentado.

- Quero todos os rebeldes mortos! Acabe com eles. Destrua seus veículos. Estoure a cabeça deles. E, quanto a Petra, aguarde até termos certeza de que um certo Miquéias chegou lá. Depois, arrase com tudo. Temos o que necessitamos para fazer isso?

- Temos, senhor.

- Nesse meio-tempo, peça a alguém, a qualquer um, que tire... Ben-Judá... do... ar!

- Vou excomungá-lo, divindade - disse Fortunato.

- E você vai morrer se não calar a boca.

- Não vou dizer mais nada, meu senhor. Oh!

- O quê!?

- A água! O gelo!

Chang deu um salto da cadeira e abriu a torneira da pia. Sangue.

 

Mac pisou com força no freio, quando as lanternas traseiras da viatura da CG, que ia à sua frente, se acenderam. De repente, o veículo desapareceu de sua vista. Ao longe, os carros e os caminhões da Operação Águia corriam em disparada. Repentinamente, atrás deles abriu-se um imenso buraco, e as viaturas da CG que os perseguiam mergulharam dentro da fenda.

Mac saltou do caminhão e constatou que seus pneus dianteiros estavam na beira da gigantesca cratera. As luzes dos carros da CG pareciam cada vez menores, à medida que despencavam dentro do buraco.

A abertura na terra tinha mais de cem metros de profundidade, e a idéia anterior de Mac, de rodar atrás da viatura da CG, quase havia se transformado numa fatalidade. Com os joelhos trêmulos, ele subiu no caminhão e rodou lentamente de marcha a ré, à procura de um atalho.

Outra viatura da CG passou voando por ele, e, quando se aproximou da cratera, seus dois ocupantes saltaram e rolaram com as armas sobre o asfalto. A viatura desapareceu na cratera. Os soldados das Forças Pacificadoras levantaram-se lentamente, pegaram suas armas e as apontaram para o caminhão de Mac.

- Abaixem-se! - ele gritou, batendo a cabeça no ombro de Hannah, no momento em que os dois curvaram o corpo para o mesmo lado. Os israelenses que estavam sentados atrás também se abaixaram, batendo uns contra os outros.

O tiroteio que fez Mac fechar os olhos e cobrir a cabeça parou tão rápido quanto começou. Mac endireitou o corpo e desceu do caminhão. Os soldados estavam mortos, estatelados no chão. Não havia mais ninguém por perto. Mac só podia imaginar que eles tivessem sido mortos pelas próprias balas. Mas ele não sabia como isso acontecera. O caminhão da Operação Águia, dirigido por Mac, estava incólume. Seu telefone tocou.

Era Rayford.

- Tsion está no ar neste momento - ele disse.

- Que boa notícia, capitão! Um pouco de entretenimento neste instante será muito bem-vindo.

- Não entendi. Repita.

- Não foi nada importante.

- Onde você está?

- No Grand Canyon.

- Não entendi.

- É bom você não entender.

- Mac, você está bem?

- Ah, sim. A única coisa é que quase mandei meus passageiros para o beleléu. No mais, está tudo bem.

- Como sempre, parece que você tem uma longa história para contar. Você consegue ver o que está acontecendo no ar, sobre Jerusalém?

- Acho que eu estava olhando para outra direção, Ray.

- Então, olhe para cima e preste atenção.

A batalha no ar estava sendo travada um pouco distante de Mac. Porém, mesmo de longe, ele conseguiu assistir à peleja e ouvir o eco dos estrondos provocados pelo tiroteio.

- Eles estão atingindo alguém? - perguntou Mac.

- Só eles mesmos - disse Rayford. - Tome cuidado aí embaixo.

- Eu já estou sabendo!

 

Chang foi tomado por uma sensação agradável que percorria seu corpo, desde os pés até o topo da cabeça. Na tela de seu computador apareciam códigos, mensagens e tentativas frenéticas, que partiam do setor instalado no prédio ao lado, com o objetivo de tirar a CNNCG do ar. Mas nada do que eles faziam dava certo.

Chang esperava que Tsion terminasse logo sua mensagem para poder transmitir, por áudio, a de Chaim. Aquilo levaria o pessoal da CG à loucura. Sem enxergar nada na tela, eles tentariam, de todas as maneiras, desligar o som.

Atento, acompanhando Tsion para saber o momento certo de fazer a transferência, Chang continuava a ouvir a conversa na cabina do Fênix.

Agora, Carpathia estava disparando sua artilharia verbal contra Fortunato:

            - De que vale uma religião se você não é capaz de fazer alguns milagres, Leon?

- Santidade! Ontem eu invoquei fogo do céu sobre seu inimigo!

- Você derreteu uma mulher inofensiva, cuja língua era grande demais.

- Mas o senhor é o objeto de nossa adoração, Excelência! Oro ao senhor para receber sinais e maravilhas!

- Mas eu preciso de um milagre, Reverendo.

- Excelência - interrompeu Akbar -, o senhor pode considerar este telefonema que acabo de receber uma obra milagrosa.

- Enquanto aquele Ben-Judá infernal permanecer no ar, o único milagre é que um de vocês continue vivo. Vamos, conte-me alguma coisa emocionante.

- O senhor se lembra de que, recentemente, perdemos dois prisioneiros na Grécia?

- Dois jovens, sim. Um rapaz e uma moça. Você os encontrou?

- Não, mas, pela investigação superficial que fizemos, em razão da falta de pessoal e de tempo, algumas testemunhas nos contaram que um soldado das Forças Pacificadoras, chamado Jensen, pode estar envolvido no sumiço dos dois.

- Sim, sim, e, embora ele fosse um dos nossos, você perdeu a pista para localizá-lo. Já a encontrou?

- Talvez.

- Odeio esse tipo de resposta!

- Perdão, Excelência. O senhor sabe que esse tal Miquéias e seu assistente geralmente aparecem do nada.

- Não enrole. Por favor! Você está me deixando louco!

- Recebemos informação de que os dois foram vistos no Hotel Rei Davi. Mas, quando todo o nosso pessoal caiu doente, não tivemos tempo de ir atrás deles. Agora já sabemos que quartos eles ocuparam.

- E isso é um milagre?

- Vasculhamos os dois quartos. Em um deles, encontramos uma carteira que parece pertencer a Jensen. A foto, no entanto, não combina com a que temos em nossos arquivos.

- E você acha que ele seria tão tolo a ponto de esquecer sua carteira de identidade? É claro que ele queria nos confundir.

- Estamos comparando as impressões digitais encontradas nos quartos com as do nosso banco de dados.

Os dedos de Chang voaram sobre o teclado. Ele entrou no arquivo do pessoal das Forças Pacificadoras, em questão de segundos, e apagou todos os vestígios de Jack Jensen.

- Suhail, em um quarto de hotel deve haver impressões digitais de pelos menos uma dúzia de pessoas, desde o hóspede mais recente até os funcionários que...

- As impressões digitais predominantes num dos quartos indicam ser de Chaim Rosenzweig.

Carpathia riu, dizendo ironicamente:

- O homem que me assassinou.

- Exatamente.

Ele riu novamente.

- E qual dos dois você acha que é Rosenzweig? O do manto ou o da cicatriz no rosto? - Carpathia perguntou a Suhail.

- Excelência, curiosamente as impressões encontradas no quarto do homem da cicatriz não indicam ser do soldado Jensen. Elas combinam com a de um ex-funcionário de sua inteira confiança.

Chang voltou a entrar no sistema. Segundos depois, o nome Cameron "Buck" Williams, ex-editor-chefe da Comunidade Global, desapareceu de vez do banco de dados.

- Eu não prestei muita atenção ao assistente - disse Carpathia - mas aquela fisionomia não me é estranha.

- Ele foi seu primeiro editor-chefe.

- Plank? De jeito nenhum! Ele está comprovadamente morto.

- O erro foi meu. Seu segundo editor-chefe, mas sua primeira escolha.

- Williams?

- Ele mesmo.

- O assistente de Miquéias não é Cameron Williams, Suhail. Eu o reconheceria. E vou dizer-lhe mais uma coisa. Miquéias não é o Dr. Rosenzweig.

- Com todo o respeito, Excelência, mas hoje em dia é possível fazer milagres com disfarces.

- Talvez ele tenha a mesma estatura, mas e a voz? E a aparência? E o jeito de andar? Não. Essas coisas não podem ser modificadas.

Seguiu-se uma longa pausa.

- De qualquer modo - prosseguiu Carpathia em voz baixa -, eu perdoei publicamente o meu agressor.

- E isso significa que ele está sob a proteção de alguém. De quem?

- De todos.

- Inclusive do senhor?

- Excelente argumento, Suhail.

- O senhor nomeou Walter Moon como supremo comandante. E isso não o livrou do fim que teve.

Chang ouviu os homens rirem. Os sons vindos do fundo indicavam que Viv Ivins estava supervisionando a retirada do corpo de Moon e a limpeza da área.

Chang transferiu a transmissão para Tsion, que encerrou a mensagem com a promessa de viajar a Petra, para falar pessoalmente a seu milhão de "irmãos e irmãs no Messias".

Alguém ligou para Suhail. Chang o ouviu pedir permissão a Carpathia para atender a ligação.

Em seguida, Suhail disse:

- Ben-Judá está vindo para Petra, Excelência.

- Retarde a destruição até a chegada dele.

- E o problema da água que se transformou em sangue é internacional.

- Como assim?

- O Serviço de Inteligência está me dizendo que as águas do mar se transformaram completamente em sangue.

- Que mar?

- Todos. O problema está nos atingindo. Temos um espião em nosso meio.

- Onde?

- No palácio. E, ao que parece, ele tem contato com alguém daqui.

- Como você sabe disto?

- Os arquivos de Jensen e Williams desapareceram de nosso banco de dados central, quando comecei a falar deles aqui.

- Isole esse avião, Suhail. Ninguém sai, ninguém entra.

- Como, senhor?

- Vamos matar o espião, é claro, mas antes precisamos descobrir quem passou a informação. Detector de mentiras para todos. Quantos há aqui?

- Poucos, felizmente. Dois comissários de bordo, eu e Leon.

- Você foi sábio por me deixar de fora e diplomático quando não mencionou o nome de Viv Ivins. Não seja diplomático.

- O senhor quer que ela seja incluída, Excelência? - Sem dúvida.

- Talvez eu mesmo realize o teste - disse Suhail. - E quem vai testar você, Sr. Akbar?

- Na verdade, Excelência, o detector de mentiras tornou-se muito fácil de ser aplicado. Agora usamos um simples programa de computador que detecta mudanças na frequência FM da voz. A pessoa não tem controle sobre ela. Pode até falar em ritmo diferente ou em volume diferente, mas a frequência FM só se modifica sob estresse.

- Será?

- A precisão é nota dez, senhor.

- Inclua-me no teste.

Chang entrou nos arquivos dos funcionários e encontrou um cadastro que relacionava todos os que foram acometidos pelas feridas nos dois últimos dias. Em seguida, salvou tudo o que havia em seu computador num minidisco, dentro de um dos computadores do palácio, e destruiu o disco rígido de seu laptop, apagando tudo o que havia ali.

Criou um disco rígido auxiliar com uma quantidade tão grande de códigos que somente outro computador, trabalhando 24 horas por dia, poderia tentar decifrá-los. Depois, acessou o mini-arquivo e fez um download de tudo o que necessitava. Desligou o laptop da tomada, colocou-o dentro de uma caixa e guardou-o no fundo de um armário. David - a única pessoa deste planeta que poderia detectar alguma coisa no disco rígido - não estava mais vivo.

Na manhã seguinte, Chang estaria pontualmente sentado diante da mesa de seu departamento, pronto para trabalhar. Além de não conseguirem encontrar o espião, eles teriam de investigar, minuciosamente, tentando encontrar o contato do espião no gabinete executivo.

 

George pousou o helicóptero longe da multidão que não parava de chegar a Petra e abriu a porta para receber um pouco de ar fresco. Buck e os outros cochilavam, enquanto levas e mais levas de fugitivos eram despejadas ali. Rayford e Chaim haviam decidido manter a presença de Chaim em segredo, pelo tempo que fosse possível, para não interferir na entrada do povo no lugar seguro.

Alguns resolveram seguir a pé, outros de helicóptero. Quando amanheceu, havia ainda centenas de milhares de pessoas aglomeradas diante de Siq, aguardando ser transportadas para dentro, por meio de helicóptero. Elas cantavam, regozijavam-se e oravam.

Buck desceu do helicóptero e caminhou no meio do povo, vigiando o céu e o horizonte do lado oeste, enquanto ouvia o rádio. As forças armadas da Comunidade Global tinham sido reduzidas, parte nos tiroteios aéreos, que não chegaram a atingir nenhuma aeronave da Operação Águia, parte durante as perseguições em terra, quando os veículos e seus ocupantes caíram na cratera. Esta era tão profunda que as operações de busca foram abandonadas.

A rede de rádio da CNNCG havia voltado ao domínio de Carpathia durante a noite, depois que o discurso de Chaim, em defesa de Jesus como o Messias, foi transmitido ao mundo inteiro, seguido de sua oração de submissão a Cristo. Buck acreditava na predição de Tsion de que haveria um reavivamento mundial durante o período mais dramático da Tribulação. Os noticiários internacionais relatavam tragédia e morte quando as águas dos mares se transformaram em sangue.

Navios, que contavam com equipamentos para tornar potável a água dos oceanos, descobriram que seria impossível converter o sangue em água. Carcaças putrefatas de todas as espécies de vida aquática boiavam na superfície, e as tripulações dos navios morreram intoxicadas, por não conseguirem retornar a terra.

Carpathia anunciou que suas forças de Segurança e Inteligência já haviam descoberto as verdadeiras identidades dos impostores que se diziam representantes dos rebeldes, e que a grande catástrofe marítima havia sido um truque desses embusteiros.

 

A noite havia caído em Chicago, e Chloe descobriu uma forma de se esquivar de assistir ao noticiário enfadonho. Ela pegou seu telescópio e colocou-o numa janela, distante de olhares curiosos. Depois que o céu estava totalmente escuro, ela observou detalhadamente a cidade, a olho nu. O pequenino ponto de luz, que ela havia visto algum tempo atrás, ainda brilhava a pouco menos de um quilômetro de distância.

Chloe acomodou-se cuidadosamente, segurando o telescópio e alinhando-o com o que vira. Depois de muito custo, ela conseguiu focalizar o ponto de luz e firmar a lente no lugar.

Para seu espanto, o ponto de luz estava no nível do chão. As cãibras voltaram, mas ela se forçou a permanecer imóvel para examinar a imagem, até que alguma coisa fizesse sentido a seu cérebro sobrecarregado.

Depois de fazer força para se recordar das várias formas e imagens que já vira, Chloe começou a compreender o que estava avistando. A luz vinha de uma janela no térreo ou no porão de um grande edifício de uns 10 ou 12 pavimentos. E, quanto mais ela olhava, mais convencida ficava de que havia movimento no cômodo. Movimento de gente.

 

Pela manhã, às oito horas, horário do palácio, Chang recebeu uma ordem de seu supervisor para ajudar a monitorar os   relatórios das mortes atribuídas ao problema ocorrido com a água do mar. Para surpresa de todos, os lagos e rios não haviam sido prejudicados.

Na sala grande, onde Chang, com cerca de 30 funcionários, trabalhava diante dos computadores, ele fez. questão de se limitar a resmungar uma resposta que pudesse distrair a atenção de seus colegas. Ele não olhava para ninguém, nem sorria.

Seu chefe, um mexicano alto e ossudo, chamado Aurélio S. Figueroa, era um homem solitário, que tratava seus superiores como reis e rainhas, e seus subordinados como criados.

- Como estamos indo hoje, Wong? - perguntou o Sr. Figueroa, com seu pomo-de-adão pronunciado.

- Tudo bem, senhor.

- Feliz com seu novo trabalho?

- Mais ou menos.

- Você soube da novidade?

- Que novidade?

- Sobre o supremo comandante Moon.

- Não ouvi nada sobre ele.

- Vamos, mestre Wong. Sei que você é peixinho de Carpathia. É claro que sabe muitas coisas.

Chang balançou a cabeça negativamente.

- Moon está morto.

- Morto? Como?

- Recebeu um tiro mortal no avião do potentado.

Chang tentou parecer perplexo e curioso, mas detestava transformar-se em confidente de Figueroa.

- Morto pelo inimigo? - ele perguntou.

- Não! Não seja ingênuo! O pessoal do alto escalão é cercado por seguranças o tempo todo.  

- Então, quem foi?

- Estão desconfiando dos comissários de bordo. - Figueroa aproximou-se de Chang. - Dois indianos.

- Por quê?

- Não poderia ser mais ninguém.

- Mas por que eles?

- E por que não? Você conhece os indianos.

- Não, não conheço.

- Eles têm contato com gente de dentro.

- De dentro de onde?

- Daqui.

- Por quê?

- Você é ingênuo, não?

Chang mordeu a língua. Ele detestava gente idiota, principalmente gente com o dobro de sua idade.

- Não sou tão ingênuo a ponto de não saber qual é o seu primeiro sobrenome.

O olhar de Figueroa tornou-se sombrio.

- O que meu nome tem a ver com esta história, Wong?- perguntou ele.

Chang encolheu os ombros e respondeu:

- Esqueça.

- Você não teria condições de saber.

- Claro que não.

- A menos que tenha bisbilhotado meu arquivo pessoal.

- Como eu faria isso?

- Você não faria. Não sem meu conhecimento. Tudo o que é feito nestes computadores é gravado, você sabe.

- Claro.

- Eu saberia se você estivesse xeretando.

- À vontade.

Figueroa deu um largo sorriso e afirmou:

- Eu confio em você, Wong! Você é amigo de Sua Excelência.

- Meu pai é que é amigo dele.

- Acho que você já sabe que eles solicitaram um programa de computador para detectar mentiras. Eu o instalei hoje de manhã.

- Como eu poderia saber?

Figueroa tocou no ombro de Chang, que se controlou para não estremecer.

- Porque você tem ligações com alguém, meu amigo!

- Não tenho.

- Todos nós vamos passar por uma revista, você sabe. Interrogatório.

- Por quê?

- Eu já disse! Os comissários de bordo indianos têm um contato aqui. Alguém que passou informações para eles.

Chang encolheu os ombros.

- Você quer ser o primeiro ou o último? - perguntou Figueroa.

- Para quê?

- Para ser interrogado.

- Não tenho nada a esconder. Eles podem me interrogar quando quiserem.

- Eles vão revistar seu apartamento, querem ver seu computador pessoal.

- Eu não me importo. O disco rígido está inutilizado. Já faz algum tempo.

- Então você não tem nada com que se preocupar.

- Não estou preocupado.

Figueroa olhou ao redor, como que temendo ser criticado por ter dedicado muita atenção a um funcionário.

- Claro - ele disse. - Você não está preocupado, Wong. Tem ligação com alguém.

Chang sacudiu a cabeça e indagou:

- Quem vai substituir Moon?

- Akbar é muito importante onde está. Fortunato já ocupou essa posição. Talvez a Sra. Ivins, quem sabe? Talvez ninguém. Talvez o próprio Nicolae. Uma coisa é certa, Wong - complementou Figueroa, virando-se para sair -, não serei eu nem você.

- Não tenha tanta certeza - disse Chang, detestando-se por fazer esse tipo de jogo.

Conforme Chang esperava, Figueroa parou e perguntou:

- O que você está dizendo? O que você sabe?

- Nada que mereça algum comentário, senhor - disse Chang. - Tenho de proteger meu contato.

- Você está fazendo graça comigo. Não sabe nada.

- Claro.

- Fale sério. Eu estou falando sério.

- Eu também.

Cinco minutos depois, enquanto Chang estava confrontando os relatórios do mundo inteiro e ajuntando-os para fazer um resumo, Figueroa ligou de seu escritório.

- Você jura que nunca bisbilhotou meus arquivos pessoais?

- Juro.

- Se eu vasculhasse seus computadores, o daqui e o de seu apartamento, eu encontraria algum indício?

- No daqui, sim.

- E no seu computador pessoal?

- Eu já disse. O disco rígido pifou.

- Então, essa história de você saber meu nome completo...

- Foi só um palpite, senhor.

- Quer tentar adivinhar?

- Estou ocupado, senhor.

- Vou lhe dar uma chance.

- Falei só por falar. Não sei.

- Vamos, Wong. Faça uma tentativa. Se você acertar, vou tirar seu nome da lista de interrogatório.

- Como o senhor pode fazer isso?

- Tenho meus recursos.

- Por que o senhor está preocupado em saber se vou ser interrogado?

- Seria perda de tempo, um transtorno, um desgaste inútil.

- Sim, quando a gente é inocente. Nunca ouvi falar dos comissários indianos.

- Minha proposta está em pé.

Chang deu um longo suspiro. Por que havia começado essa brincadeira? E quem acreditaria na palavra de Figueroa?

- Sei que começa com S.

- Todo mundo sabe disso. Está no meu crachá. Talvez seja como o S de Harry S Truman, que não quer dizer nada.

- O senhor usa um ponto depois do S, por isso deve ser abreviação de alguma coisa. Eu só estou tentando adivinhar.

- A menos que esteja mentindo, quando afirma não ter bisbilhotado meu arquivo, aposto cem nicks que você não adivinharia, mesmo depois de dez tentativas.

- Eu só vou fazer uma tentativa.

- Diga.

- Sequoia.

Um longo silêncio. Figueroa proferiu um palavrão.

- Você não tinha condições de descobrir! - disse ele.

- Acertei?

- Acertou e sabe disso. Mas como descobriu? Não é um nome mexicano. Nem espanhol.

- Talvez indiano. Americano indiano.

- Diga-me como descobriu.

- Foi só adivinhação, senhor. Achei que fazia sentido.

 

Como poderia haver luz acesa em Chicago? Será que alguém descobrira que David Hassid implantou sinais de radiação no banco de dados dos computadores da Comunidade Global? Aquilo fez com que Chloe se lembrasse de que ainda não contara a terrível notícia a Buck.

Ela marcou o ponto onde encontrara a janela iluminada, firmou o telescópio e ligou para Buck. Seu coração comoveu-se ao ouvir que ele estava em Petra. E tão animado, depois de um tempo tão longo! Ela deixou que ele contasse as novidades: como Rayford havia sido curado pelo anjo e como ele e os outros que estavam no helicóptero também o tinham visto quando foram protegidos do tiroteio.

Chloe concordava o tempo todo com Buck a respeito dos sinais e maravilhas, dos confrontos com Carpathia, do poder sobrenatural de Chaim, da emoção de entrar clandestinamente na rede de TV para espalhar a verdade. Finalmente, ele percebeu que o entusiasmo denotado pela esposa não era o mesmo que ele sentia.

- Você está bem, querida?

- Tenho más notícias para você, Buck. Dois soldados da CG assassinaram David Hassid, e todos nós concordamos em não dizer nada a você e a Chaim, enquanto o trabalho de vocês não tivesse terminado... Buck? Você está me ouvindo?

- Dê-me um minuto - ele disse.

- Não sei quando papai vai contar a Chaim. Deve ser logo; assim que ele estiver acomodado aí.

- Sim - Buck conseguiu dizer. - Acho que antes disso ele vai querer que todos desçam do helicóptero. Por enquanto, não queremos que o povo veja Chaim.

- Claro.

- Chloe, o que vamos fazer?

- Não sei. O pior ainda está por vir. Antes de dormir, eu penso em cada pessoa que perdemos e não posso deixar de pensar em...

- Quem será o próximo, eu sei. Eu não conhecia David tão bem quanto os outros; mas do ponto de vista prático e logístico...

- Ele era muito importante para nós - disse Chloe. - E o que sabemos a respeito do irmão de Ming?

- David o elogiava, mas ele ainda é um adolescente. E nunca ocupará a mesma posição de David. Nunca terá a mesma facilidade de acesso que David tinha. Detesto falar sobre isso, apenas em termos do que significa para o Comando Tribulação, mas...

- O costume de chorar pelos mortos ficou confuso demais, Buck. Agora tudo é vida ou morte. A cada perda, a sobrevivência torna-se mais difícil para nós. E é natural que a gente pense desta maneira. Eu só queria que você voltasse mais uma vez para cá, são e salvo.

- Será logo - disse Buck. - Seu pai quer fazer uso dos contatos clandestinos de Abdullah para conseguir um avião supersônico com capacidade para umas oito pessoas. As credenciais de Albie continuam intactas, portanto ele poderia nos levar de volta aos Estados Unidos e pegar Tsion para visitar os crentes em Petra.

- Eu gostaria de ir - ela disse.

- Você acabou de dizer que queria que eu voltasse para perto de você.

- Estou precisando de uma babá.

- Não brinque. Todos nós estamos precisando de um pouco de descanso, antes do Armagedom.

- Eu não.

- Do que você está falando?

- Papai prometeu que eu participaria da próxima missão, se todas as bases estivessem cobertas. Entendi que ele queria dizer que deveria haver pessoas suficientes aqui para cuidar de Kenny.

Buck não disse nada.

- Você não aprovou minha idéia.

- Não - ele disse. - Kenny pode ficar sem mim, mas não sem você.

- Não seja tolo.

- Eu, tolo? Veja seu comportamento. Você é a mãe dele.

- E eu fico com toda a responsabilidade.

- Não é disso que estou...

- Já sei. Você é tão importante para o trabalho de linha de frente do Comando Tribulação que eu não posso correr o risco de morrer e deixar você sozinho para tomar conta de Kenny.

Chloe percebeu que Buck estava zangado.

- Não posso acreditar que estou aqui no meio do deserto, discutindo com minha mulher sobre quem vai cuidar de Kenny. Preste atenção: Você não pode vir com Tsion, porque a CG está aguardando a chegada dele aqui para dar início ao ataque aéreo.

- E você acha certo pôr Tsion no meio disso tudo, enquanto bilhões de pessoas dependem dele diariamente.

- Acreditamos que ele estará protegido aqui.

- E eu, não?

- Não sabemos. David não foi.

- Não quero brigar com você por telefone, Buck. Por favor, não dê o assunto por encerrado, enquanto não tivermos uma oportunidade de conversar com calma. E tome cuidado! Eu o amo e não poderia viver sem você.

Chloe desligou o telefone, colocou-o no bolso e foi conversar com Zeke, sem que os outros ouvissem.

- Se eu tivesse de sair daqui para dar um passeio, você vigiaria Kenny, sem mencionar a ninguém que me ausentei?

- A esta hora da noite? Madame, é...

- Por favor, Z. Sou uma mulher adulta e preciso sair daqui. Vou levar meu celular comigo.

- Eu não quero mentir para ninguém.

- Eu não pedi para você mentir. Só peço que não mencione nada, se ninguém perguntar. Não quero deixar o pessoal preocupado.

 

Buck caminhou em direção ao helicóptero. A transferência do povo para dentro de Petra era lenta, mas constante. Ele queria dizer a Rayford que já sabia da morte de David e dar a ele uma chance de passar essa notícia a Chaim.

Porém, distraiu-se enquanto passava pelo meio da multidão entusiasmada, vendo lindas crianças de pele morena, exaustas por causa do vôo e dormindo nos braços dos pais. Que saudades ele sentia de Kenny!

De repente, a multidão ficou em silêncio e o sorriso desapareceu do rosto de todos. A atenção de todas aquelas pessoas foi desviada para o leste, e Buck correu naquela direção para conseguir enxergar alguma coisa.

Do outro lado do deserto, subiam três colunas de poeira que bloqueavam o sol. Os dois veículos da esquerda separaram-se do que estava à direita.

Buck discou para Chang, mas o telefone dele estava temporariamente fora de acesso.

Ele discou para Rayford.

- Chloe já me contou sobre David. Afaste-se dos outros por alguns instantes e conte a Chaim. E o que você pensa sobre o que está vindo aí?

- Abdullah já descobriu - respondeu Rayford. - Os soldados da CG estão vindo por terra. Eles vão se separar para chegarem simultaneamente de três direções diferentes, forçando o povo a entrar na passagem estreita, que não tem espaço para muita gente.

Buck começou a correr em direção ao helicóptero, enquanto conversava com Rayford:

- A notícia sobre David não pode esperar - ele disse. - Todos nós estamos protegidos, ou apenas Chaim tem proteção? E o povo que está diante da entrada?

- Vou trocar de lugar com George e levantar vôo até um ponto de onde eu possa enxergar essas tropas - disse Rayford. - Esteja por perto assim que eu descer. Acho que vamos precisar pegar armas.

- Armas? - disse Buck. - Ouvi falar delas. Estou fora.

- Talvez você mude de idéia quando a CG começar a atirar.

Pode ser, pensou Buck.

 

Chloe saiu sorrateiramente, trajando calça comprida escura e jaqueta preta. Além do telefone, ela carregava uma antiga Luger, que encontrara entre os pertences de Rayford. Depois de examinar cuidadosamente a arma, ela havia descoberto como carregá-la e manuseá-la com segurança. Só não sabia o que aconteceria se houvesse necessidade de atirar. Mas a arma lhe dava uma incrível sensação de segurança.

Sem ouvir qualquer som, ela caminhou por cinco quarteirões, na mais completa escuridão. A cada cruzamento, olhava para a esquerda, imaginando a que distância estaria de seu objetivo. Talvez a uns 800 metros, ela calculou. Em seguida, virou à esquerda e andou mais dois quarteirões, tendo o cuidado de olhar para os dois lados em cada esquina.

 

Rayford levantou vôo com o helicóptero e o manteve suspenso no ar a pouco menos de 300 metros de altura, o suficiente para ter noção do caminho que as Forças de Inteligência e Segurança da Comunidade Global estavam seguindo.

- George - ele disse -, troque de lugar com o Dr.Rosenzweig, por favor.

- O que estamos tentando ver? - perguntou Chaim, assim que se acomodou no banco.

Rayford apontou para o local onde duas fileiras de tanques, caminhões blindados, veículos transportadores de tropas e lançadores de foguete se movimentavam para formar um círculo ao redor da enorme multidão de israelenses.

- Receio que apenas os crentes israelenses estejam protegidos - disse Rayford. - Mas será que estarão protegidos fora dos muros de Petra?

- Capitão, a pergunta deve ser acadêmica. Sem um milagre de Deus, ainda vai demorar horas para que pouco mais da metade desse povo consiga entrar. Quanto tempo ainda falta para aqueles homens nos alcançarem?

- Eles já devem estar dentro do raio de alcance para atirar - disse Rayford. - Em 20 minutos estarão posicionados. Se avançarem assim que as tropas estiverem reunidas, terão condições de lutar corpo a corpo depois de mais uns dez minutos.

- Então, daqui a meia hora...

- No máximo.

- Meu povo não está armado nem preparado para se defender. Estamos dependendo da misericórdia de Deus.

- Eu gostaria que você pedisse a todos os crentes não-israelenses que entrassem em Petra o mais rápido possível - disse Rayford. - Você acha que os israelenses permitiriam que eles passassem à frente deles nas filas para pegar os helicópteros? Será que abririam caminho para os que vão entrar a pé?

- Sem uma justificativa, não. E como encontraríamos tempo para lhes explicar isso?

- A alternativa é que a Operação Águia suspenda o transporte pelo ar e que todos os crentes fisicamente capacitados, com exceção dos israelenses, recebam armas e se preparem para enfrentar o inimigo.

- Vocês não terão nenhuma chance porque estão em número muito menor, Capitão.

- Mas nós lhes poderíamos causar algum dano; e não vamos nos render sem lutar.

- Eu não devo começar a lhe dar conselhos - disse Chaim. - Faça o que deve ser feito. O que Deus está lhe dizendo?

- Que estou sentindo medo como nunca, mas não posso ficar parado e permitir um massacre. Você é capaz de lidar com uma arma, Doutor?

- Perdoe-me, mas não estou aqui para resistir com armas. Minha missão é cuidar deste povo em Petra e preparar o caminho para a visita de Tsion. E, quando ele for embora, eu permanecerei.

Rayford olhou por cima do ombro e gritou:

- George e Abdullah, descubram onde Albie e Mac estão. Contem-lhes a respeito da nossa situação e peçam aos dois que entrem em contato conosco, se possível, assim que estivermos em terra. Preparem-se para carregar as armas e formem um círculo de uns cem metros à frente dos israelenses.

- Pelos meus cálculos, Capitão - disse Abdullah -, se tivermos de cercar esse povo até as paredes dos dois lados da passagem estreita, vamos ter de ficar a uns 50 metros de distância um do outro.

- Eu não disse que vai ser fácil, nem que vai dar certo, Smitty. Aceito sugestões.

- Não tenho nenhuma sugestão.

- Então, reúna nossos homens e diga-lhes que todos da Operação Águia, a partir deste momento, estão em combate. - Rayford virou-se para Chaim e fez sinal para que ele se aproximasse. - Doutor, eu preciso lhe contar o que aconteceu aqui ontem...

 

Nos seus tempos de colégio, na China, Chang era o mais rápido digitador, tanto no idioma chinês quanto no inglês. Agora, sempre que tinha uma oportunidade, ele adaptava um código de digitação rápida a uma janela secundária do computador.

O monitor estava posicionado de maneira a não ficar de frente para a câmera de vigilância, instalada no canto da sala, nem ser visto por seus colegas enquanto estivessem em seus postos de trabalho. Chang também forçou-se a não olhar para o que estava digitando e a prestar atenção ao reflexo na tela, para tomar conta de Figueroa ou de outra pessoa que estivesse passando por ali.

Conforme ele a projetara, a janela secundária exibia todos os itens instalados no computador. Mas ele programou seus códigos de maneira a serem exibidos como se fossem uma série de caracteres estranhos. Se alguém perguntasse, ele atribuiria o problema à tradução do chinês para o inglês ou à própria linguagem do computador. Chang estava montando e formatando um drive independente, ao qual ele teria acesso de qualquer lugar e que duplicaria a capacidade de seu laptop.

 

Chloe olhava o tempo todo para o relógio e perguntava a si mesma se não estaria sendo uma louca. O que esperava encontrar? Será que estava apenas satisfazendo uma curiosidade?

O fato de ter saído sozinha, principalmente à noite, lhe proporcionou uma agradável sensação de liberdade, o que a fez pensar se não seria jovem demais para ter tanta responsabilidade sobre os ombros. Ela era esposa e mãe, chefe de uma cooperativa internacional que, para seus milhões de associados, significava a diferença entre viver e morrer de fome. E, mesmo assim, ainda necessitava deste tipo de aventura? Uma fuga talvez muito mais perigosa do que ela imaginava?

Finalmente, quando ela chegou a uma esquina e olhou para a direita e para a esquerda, alguma coisa a fez parar. Estaria ela vendo a mesma luz que avistara a uns quatro ou cinco quarteirões de distância? Era uma nesga de luz fraca que talvez tivesse parecido colorida em razão de estar Ião longe. Teria ela tido tempo e disposição para saber se calculara certo aquela distância? Claro. Por que, então, estaria ali? Buck não concordava que ela fosse a Petra com Tsion porque temia o ataque aéreo. Talvez seu pai tivesse essa mesma opinião. Aquela deveria ser sua única missão e, evidentemente, as probabilidades eram de que ela não encontraria nada. Porém, mesmo que fosse uma tolice e que tudo não passasse de uma brincadeira de esconde-esconde no escuro, seria melhor do que nada.

Chloe virou à esquerda.

 

Rayford inclinou o helicóptero lateralmente e voou em círculo para descer. Assim que a aeronave tocou o solo, ele avistou Buck correndo em sua direção e fazendo um sinal para que os motores fossem desligados o mais rápido possível.

Os motoristas e os pilotos dos helicópteros desceram de seus veículos e aeronaves, que abarrotavam o local, e correram em sua direção, aguardando instruções e armamento para lutar contra a CG.

O povo, no entanto, parecia não fazer caso do pessoal da Operação Águia e da CG, apesar das nuvens de poeira e dos roncos de motores aproximando-se cada vez mais. Todos tinham os olhos cravados na Siq, a passagem estreita de muros altos que dava acesso a Petra. Rayford pousou rápido demais e não teve tempo de ver o que eles estavam olhando.

Buck aproximou-se do helicóptero, fazendo mais gestos frenéticos para que os motores fossem desligados. Rayford obedeceu e inclinou-se sobre Chaim para abrir a porta.

- Desçam! - disse Buck. - Vocês precisam ver isto!

- Vamos precisar de armas? - gritou Rayford.

Todos desceram do helicóptero.

- Parece que não. Sigam-me. Chaim, você está bem?

- Estou, mas me chame de Miquéias. Vá na frente.

- Será que o povo vai reconhecê-lo? - perguntou Rayford.

- Ninguém está olhando - respondeu Buck.

- Foi o que notei - disse Rayford, seguindo Buck e imaginando que Chaim estivesse caminhando atrás deles, segurando o manto um pouco acima do chão. George e Abdullah os acompanharam.

Buck os conduziu a um aclive e lhes mostrou uma pedra gigantesca com uma superfície plana, de onde eles puderam avistar as centenas de milhares de pessoas.

- Ali - disse Buck -, perto da entrada. Vocês estão vendo?

 

Chloe ficava mais empolgada à medida que caminhava. O contraste entre a luz e a escuridão era cada vez mais acentuado, e ela sabia que havia encontrado o que viu da casa secreta no Edifício Strong. Um pensamento lhe ocorreu: aquilo poderia ser uma luz deixada acesa propositadamente pela companhia de eletricidade.

Porém, quando chegou a um quarteirão e meio de distância da janela, que tinha barras transversais e ficava no nível da rua, Chloe viu a câmera. Ela estava instalada acima da janela, protegida por uma caixa de metal grosso. Chloe não se surpreenderia se a caixa de metal estivesse completamente pichada. Um minúsculo ponto de luz vermelha estava aceso, e a lente, embora ela mal pudesse notá-la, movimentava-se num arco de 180°.

Chloe tinha certeza de que estava muito distante de qualquer fonte de luz para que sua imagem fosse captada por algo parecido com uma velha câmera. Mas ela retardou os passos e começou a andar rente aos edifícios e aos escombros de edifícios, parando todas as vezes que a lente apontava em sua direção. Quando a luz se movimentava para o outro lado, ela corria para se aproximar um pouco mais.

Finalmente, Chloe atravessou a rua e se encostou numa parede. Parou novamente quando viu que a câmera foi direcionada para o seu lado e se aproximou mais ainda quando ficou fora do ângulo de visão. Com muito custo, ela chegou a cerca de um metro do local que podia ser atingido pela luz que vinha da janela, possibilitando assim a iluminação junto à parede, perto dela, do outro lado da rua.

Dentro do cômodo, ela viu apenas um conjunto de lâmpadas fluorescentes no teto, tendo três dos quatro tubos acesos. Quando a câmera se afastou, ela se deu conta de que a claridade das lâmpadas mal alcançava seu braço esquerdo.

Ela ficou imóvel. Talvez a câmera tivesse algum tipo de sensor para movimentos. Mais um giro da câmera. Sem sair do lugar, Chloe fez um leve movimento com o braço. A câmera parou de girar, e a lâmpada foi apagada.

Agora, Chloe só conseguia enxergar o ponto vermelho que continuava parado. Ela imaginou a lente se abrindo para tentar decifrar o que havia no escuro, do outro lado da rua.

Deveria correr? Será que a pessoa que controlava a câmera estaria tão assustada quanto ela? Será que alguém queria pegá-la ou assustá-la, ou simplesmente saber quem estava ali fora? Chloe respirou fundo e, tentando relaxar, esforçou-se para regular os movimentos de seu diafragma. De uma coisa ela sabia: se fosse alguém da CG, certamente David e Chang já teriam descoberto.

Chloe foi até o meio da rua na ponta dos pés e notou uma placa desbotada na parede, mas não conseguiu lê-la por causa da escuridão. Enquanto ela estava ali, a câmera parecia examiná-la. Finalmente, a lâmpada fluorescente foi acesa. Ela não se movimentou, a não ser para erguer os olhos e ler a placa. Era uma espécie de casa de câmbio, o que significava que, atrás das barras transversais da janela, deveria haver um vidro à prova de balas.

Ela enfiou as mãos nos bolsos e, com a direita, segurou o cabo da Luger. A câmera continuava no mesmo lugar. Quando Chloe se aproximou da janela e a lente se movimentou apenas o suficiente para mantê-la centralizada, ela ouviu um fraco rangido, significando que o objetivo era mantê-la constantemente em foco. Em determinado momento, ela deixou de lado a cautela, curvou o corpo e espiou dentro da janela.

Uma voz vinda de um alto-falante foi ouvida:

- Identifique-se e explique sua marca.

 

Um pouco acima das cabeças das pessoas, e diante da multidão, lá estava o homem que Rayford reconheceu ser Miguel. Ele estava vestido à semelhança de Chaim, embora fosse mais alto. Quando ele levantou as duas mãos, um silêncio tão grande tomou conta dos israelenses que todos puderam ouvi-lo, embora ele falasse em tom normal, como se estivesse conversando. Mesmo distante da multidão, Rayford sentia que Miguel falava próximo a seu ouvido.

Se o efeito causado na multidão era o mesmo que envolvia Rayford, todos estavam sentindo a paz divina.

Miguel dizia:

 

            "Não temais, filhos de Abraão. Eu sou o vosso escudo. Não temais, porque Deus ouviu a voz do seu povo. Ele vos diz: 'Eu sou o Deus de Abraão, teu pai. Não temas, porque eu sou contigo; abençoar-te-ei...'

            "Vede, o Senhor vosso Deus colocou esta terra diante de vós: Entrai e tomai posse dela, como vos tem falado o Senhor Deus de vossos pais; não tenhais medo, não desanimeis. Ouvi, ó Israel, hoje vos achegais à peleja contra os vossos inimigos: que não desfaleça o vosso coração; não tenhais medo, não tremais, nem vos aterrorizeis diante deles. Sede fortes e corajosos: não temais, nem vos atemorizeis diante deles, porque o Senhor vosso Deus é quem vai convosco; não vos deixará nem vos desamparará. Paz seja convosco! Não temais! Não morrereis! Não vos desvieis de seguir ao Senhor, mas servi ao Senhor de todo o vosso coração. Deus, o vosso Pai, diz: 'Comereis pão à minha mesa continuamente. Sede fortes e corajosos.' Não temais, pois conosco está um poder maior do que o que está com eles.

            "Não precisareis lutar nesta batalha: preparai-vos, permanecei firmes e vede a salvação do Senhor, ó Judá e Jerusalém, porque o Senhor estará convosco. Deus vos ouvirá e afligirá os inimigos porque eles não temem o nome do Senhor. 'Dizei aos desalentados de coração: Sede fortes, não temais. Eis o vosso Deus. A vingança vem, a retribuição de Deus; Ele vem e vos salvará.'"

 

            Miguel começou a andar no meio do povo, que abriu passagem para ele e o acompanhou com o olhar. Enquanto caminhava, ele continuou a transmitir ânimo.

            "Porque o Senhor vosso Deus vos segurará a mão direita e vos dirá: 'Não temas; eu te ajudarei, povo de Israel.' Assim diz o Senhor e vosso Redentor, o Santo de Israel.

            "Assim diz o Senhor que vos criou, ó Israel: 'Não temas porque eu te remi; chamei-te pelo nome, tu és meu.' Tudo irá bem convosco. Alegrai-vos e regozijai-vos: porque o Senhor fará grandes coisas. Todos os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não temais; bem mais valeis vós do que muitos pardais.

            "O Senhor Deus diz: 'Não temais, porque eu sou o primeiro e o último.' Permanecei firmes, remanescentes de Israel. Não temais! Não temais! Não temais! Não temais!"

 

A multidão começou a repetir, cada vez mais alto, as palavras de Miguel, enquanto ele se foi afastando até ficar de frente para a coluna de poeira do meio do deserto, a qual se aproximava rapidamente. Ele parou e segurou o manto na altura do peito, com o queixo levantado e apontado para o exército do demônio. Atrás dele, a imensa multidão tomou a mesma posição.

Rayford, Buck, Abdullah e Chaim desceram apressados e misturaram-se à multidão atrás de Miguel. Rayford não sabia como os outros se sentiam. Quanto a ele, o medo desaparecera e ele nunca sentira uma paz tão grande no Senhor.

 

Chloe sentiu um aperto na garganta, mas, pelo menos, eles tinham visto o selo em sua testa! Com muito custo, ela conseguiu dizer:

- Se vocês estão vendo o selo, não há necessidade de explicação.

- Identifíque-se.

- O que mais vocês precisam saber para ter certeza de que sou sua irmã em Cristo?

- Como você conseguiu sobreviver à radiação? Você tem alguma proteção sobrenatural?

- Só vou responder quando souber que todos aí são irmãos e irmãs.

- Prove que você não tem traços radiativos e nós a convidaremos a entrar.

- Preciso saber se há algum inimigo entre vocês.

- Somos todos crentes. Não há nenhum carpathianista, ninguém da CG.

- A radiação foi uma artimanha inventada pelos judaístas.

Chloe havia chegado a um ponto do qual não poderia retroceder. Se fornecesse mais uma informação sigilosa ao inimigo, estaria entregando a casa secreta e seus companheiros.

- Com que finalidade?

- Vocês devem imaginar.

- Você está sozinha, irmã?

- Você quer dizer...

- Há alguém com você aqui?

- Não.

Houve um longo silêncio. A câmera permaneceu focada em Chloe, e a luz continuou acesa no cômodo vazio, onde havia um carpete cinza, ralo e surrado, um balcão verde encaixado na parede e três cubículos para transação de moedas, protegidos por vidro e, há muito tempo, sem serem usados.

Num dos cantos afastados, uma porta foi aberta lentamente, de onde saiu um homem negro, descalço, usando calça sem cinto e camiseta branca sem mangas. O homem musculoso, aparentando cerca de 30 anos de idade, atravessou cuidadosamente o carpete e se posicionou debaixo da luz, com olhar cauteloso, sem sorrir, mas também sem ar de reprovação.

Chloe notou esperança, curiosidade e talvez um traço de perplexidade em seus olhos. Com um gesto, ele a chamou para aproximar-se da janela, e Chloe abaixou o rosto até ficar bem perto dela. Um largo sorriso brotou no rosto do homem.

- Seja bem-vinda, irmã! - ele disse, e Chloe viu o selo de Deus em sua testa.

Ele correu até a porta e chamou os outros. Apareceu uma moça negra, aparentando ter mais ou menos a idade de Chloe, trajando bermuda, meias curtas e uma camiseta branca masculina, que parecia grande demais para ela.

Chloe sentiu-se como se estivesse numa jaula do zoológico. Em seguida, vieram duas senhoras latinas, de meía-idade - uma forte e magra, a outra franzina e baixa.

- Você está bem? - perguntou a jovem negra. - Há quanto tempo está andando por aí?

- Há quase uma hora. Mas já havia saído algumas vezes antes. Muitas vezes.

- E você está bem? Chloe sorriu ao responder:

- Estou ótima! Não vou contaminar ninguém!

- Deixe-a entrar!

- Sim, deixe-a entrar!

- Chame Enoque! Ele vai decidir.

 

Rayford notou que, adiante das três fileiras de veículos do exército da CG, vinham vários tanques de guerra sacolejando sobre o terreno irregular e esmagando pedras, cascalhos e areia por onde passavam. Atrás deles, além das nuvens de poeira, vinham os lançadores de mísseis que Rayford vira do alto. Em seguida, vinham os canhões, depois os veículos transportadores de tropas, os caminhões e os jipes com soldados armados, seguidos por carros menores.

Pelos cálculos de Rayford, a velocidade dos veículos era de pouco mais de 50 quilômetros por hora, fazendo-o supor que eles fariam uma parada sincronizada em determinado ponto, de onde todas as armas de seu arsenal estariam a uma distância ideal para matar. Mas, aparentemente, eles não reduziram a marcha quando começaram a se aproximar. Eles estavam investindo contra os civis desarmados.

De repente, Rayford teve um mau pressentimento. Ele havia imaginado que os homens da Operação Águia se limitariam a se posicionar atrás de Miguel, confiando em sua proteção. Mas e se eles agissem com base nas informações anteriores? E se Albie, Mac ou alguém mais lhes tivesse fornecido armas e eles revidassem, ou, pior ainda, iniciassem um tiroteio?

Rayford queria pegar o telefone e o walkie-talkie para avisar seus homens que eles deviam manter a calma, continuar desarmados. Mas, agora, a CG estava perto demais. O barulho ecoava nas paredes de pedra e a nuvem de poeira os cobriu. Apesar disso, nenhum dos lados abriu fogo. Rayford abaixou-se e virou-se, cobrindo os olhos por causa da poeira e olhando para trás por entre os dedos, querendo ter certeza de que nenhum de seus homens iniciaria o tiroteio. Até onde ele conseguia enxergar, os israelenses e as forças da Operação Águia continuavam calmos e firmes, confiando na proteção de Deus.

Rayford teve de conter um sorriso. Por ser apenas um ser humano, ele achava que ia morrer e que estaria no céu dentro de alguns segundos. Seu instinto de sobrevivência, porém, o forçava a se defender. Mas as promessas de Deus ainda soavam em seus ouvidos. Ele meneou a cabeça ao pensar no ego insano de Carpathia. Estava claro que as três fileiras de seu exército haviam sido instruídas para não abrir fogo, a menos que fosse necessário revidar. Eles tencionavam passar por cima dos israelenses para esmagá-los!

Agora, eles estavam a uma distância de 30 metros. Mas Rayford não ouviu nenhum som vindo de trás; nenhum grito. A fúria que saía da boca da serpente iria bater contra uma parede invisível ou seria engolida pela água vinda de algum lugar. Ou, então, os israelenses e seus colaboradores provariam ser tão etéreos, mostrando que as armas de destruição podiam atravessá-los sem lhes causar nenhum dano.

Três metros, e ponto final. De repente, todo o povo de Deus ajoelhou-se e cobriu os ouvidos por causa dos estrondos que ressoavam como se fossem montanhas desabando. Ao redor de todo aquele mar de gente, a pouca distância dos pés dos que estavam na frente, a terra rachou-se formando uma fenda de um quilômetro e meio, isolando a cidade de Petra.

O som da terra desmoronando foi tão alto quanto o som da rachadura. No momento em que os tanques, mísseis, canhões e armamentos explodiam, por causa do pânico ou do impacto, os projéteis subiram verticalmente e caíram sobre todo o exército que foi tragado pela fenda. Fumaça e fogo subiam em grandes golfadas do colossal abismo que parecia alcançar as profundezas do inferno.

O ronco dos motores acelerados dos tanques, cujas esteiras e rodas de aço haviam se derretido no ar, não conseguiu cobrir os gritos das tropas que estavam a segundos de esmagar sua presa e, agora, mergulhavam para a morte.

Rayford e todos ao seu redor, ainda ajoelhados, tiraram as mãos dos ouvidos e esticaram os braços para manter o equilíbrio por causa dos abalos posteriores que os faziam balançar de um lado para o outro. Era como se eles estivessem surfando em solo bambo enquanto, aos poucos, a terra começava a se firmar.

As paredes da fenda juntaram-se como devia ter acontecido com o Mar Vermelho milênios atrás, e o solo rochoso voltou a se normalizar. A poeira assentou-se e uma sensação de tranquilidade tomou conta do povo.

Miguel havia desaparecido. Chaim levantou-se lentamente e dirigiu-se ao povo:

- Enquanto todos estão ajoelhados, não seria esta uma ocasião mais que apropriada para agradecermos ao Deus da criação, ao Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó? Rendamos graças àquele que se assenta acima dos céus, porque acima dele não existe nenhum outro. Agradeçamos àquele que é imutável. Louvado seja o Santo de Israel. Louvado seja o Pai, o Filho e o Espírito Santo!

 

Enoque, um homem também conhecido por Espanhol, apelido este incompatível com suas feições, carregava - vejam só! - uma Bíblia comum, de capa dura, daquelas que são encontradas em hotéis ou bancos de igreja. Trajava uma vestimenta estranha: sapatos caros, sem cordões e sem meias, calça cáqui e camiseta curta. Aquelas pessoas, Chloe concluiu, pareciam ter saqueado um cofre do Exército da Salvação.

Depois de conversar com os outros, Enoque fez um gesto para que Chloe desse a volta e se dirigisse à entrada principal, onde ela aguardou enquanto ele abria um cadeado após outro. Finalmente, a porta interna foi aberta, e Enoque atravessou o estreito saguão para abrir a porta externa.

- Temos pouca comida - ele disse, segurando a porta aberta para falar com Chloe.

- Não estou à procura de comida - ela explicou. - Apenas fiquei curiosa por causa da luz.

- Sempre achamos que éramos os únicos que haviam sobrado na cidade - ele disse. - Instalamos a câmera a título de precaução. Mas há dias em que ela fica desligada para economizar energia.

- Tenho muitas perguntas a fazer - disse Chloe.

- Nós também.

- Receio não poder dizer muita coisa. E vou entender se vocês também não o puderem.

- Não temos nada a esconder - disse Enoque.

- Que lugar é este?

- Aqui era uma casa de câmbio. E contígua ao porão de um antigo prédio comercial que foi abandonado. Pelo fato de haver uma ligação entre a casa e o porão, achamos que seria mais seguro ficarmos a maior parte do tempo escondidos, principalmente porque lá havia um cofre aberto. Não encontramos a combinação do segredo. Por isso, não costumamos fechá-lo completamente. Há algumas pessoas que preferem dormir dentro dele.

Enoque conduziu Chloe à antiga sala de recepção da casa de câmbio, onde os curiosos que a espiaram através da janela agora a cumprimentavam timidamente com olhos atentos. Logo depois da porta e no fundo da sala havia um imenso cofre embutido, do tamanho da parede. Chloe imaginou que, anteriormente, aquele lugar teria sido um banco. Nenhuma casa de câmbio, mesmo em Chicago, necessitaria de um cofre tão grande.

- Quantos moram aqui? - Chloe perguntou.

- A partir de ontem à noite, 31.

- Você está brincando!

Enoque empinou a cabeça, sorriu e perguntou:

- E por que eu brincaria?

- O que vocês estão fazendo aqui? Como chegaram até aqui?

- Bem - ele disse, abrindo uma porta que dava acesso a um cômodo no porão, sustentado por várias colunas de concreto -, tenho certeza de que é isso que nossos amigos e eu queremos perguntar a você.

Ela entrou para conhecer aquelas pessoas de olhar curioso e cansado.

 

Rayford estava falando pelo walkie-talkie com o pessoal da Operação Águia.

- Vamos acelerar nosso trabalho, gente. Quero viagens constantes de helicóptero para levar este povo para dentro de Petra. Os materiais de construção e outras coisas do gênero devem ser levados por ar ou por terra. Acreditamos que Carpathia tenha feito uma enorme bobagem e tenha usado nossa pista aérea de Mizpe Ramon, em vez de destruí-la. Portanto, podemos usá-la para decolagens e voltar para nossos países antes que ele descubra o que aconteceu aqui. Como não sobrou ninguém para contar a história, a esta altura ele deve estar supondo que perdeu o contato pelo rádio. Assim que Miquéias entrar, nossa missão estará cumprida. Adeus e felicidades a todos.

Rayford desligou o walkie-talkie e conversou simultaneamente, por telefone, com os membros do Comando Tribulação, novos e antigos, que estavam no meio do povo.

- Vamos nos aprontar para voltar para casa e pegar Tsion. Ele tem um compromisso agendado para falar aqui.

 

Chloe sentou-se numa cadeira dobrável de metal e se viu cercada por vários pares de olhos arregalados. Eram pessoas dos mais diversos tipos de cultura, com idades que variavam entre 20 e 30 anos. Chloe tinha muitas perguntas a fazer, mas aquelas pessoas insistiram em ser as primeiras a perguntar. Mesmo depois de ter constatado que elas eram crentes verdadeiros, Chloe orou silenciosamente, pedindo que Deus lhe desse paz para que pudesse contar àquelas pessoas a história do Comando Tribulação.

- Nenhum de vocês saiu daqui desde que a cidade foi bombardeada? - ela perguntou.

Todos menearam a cabeça negativamente. Enoque assumiu a palavra:

- No dia em que tivermos certeza de que não haverá problemas, todos nós sairemos para um passeio antes do amanhecer. Agora, conte-nos mais alguma coisa.

Chloe respirou fundo e continuou a falar:

- Você se responsabiliza por todos os que estão aqui, Enoque?

- Verifique nossos selos - ele disse.

Chloe sabia que seria desnecessário. E ela reservou as duas maiores revelações para o final.

- O mentor espiritual de que lhes falei é judeu; um ex-rabino. É o Dr. Tsion Ben-Judá.

O grupo ficou em silêncio. Os semblantes estampavam perplexidade. Alguns sorriram, outros sacudiram a cabeça. Finalmente, um latino perguntou:

- Ben-Judá mora em Chicago?

Ela assentiu com a cabeça e continuou:

- E eu sou Chloe Steele Williams.

Enoque inclinou-se na direção dela, tremendo.

- E nós estamos famintos - ele disse, provocando riso nos outros.

- Estou vendo - ela disse. - Do que vocês estão vivendo?

- De alimentos enlatados e desidratados. Temos economizado na medida do possível, mas eles estão se esgotando muito rapidamente. Se o Dr. Ben-Judá estiver certo quando diz que teremos três anos e meio pela frente, não vamos sobreviver até lá. Você acha que a cooperativa poderia...

- Peça a duas pessoas que me acompanhem. Vou lhes fornecer alimentos suficientes para um mês. Depois, vou descobrir uma forma de vocês contribuírem para a cooperativa e começarem a negociar alimentos e suprimentos. Vários daqueles crentes se apresentaram como voluntários.

- Também queremos viajar - disse Enoque - para ajudar outras pessoas e lhes divulgar a verdade. Estamos ansiosos por uma oportunidade como esta.

- Com o tempo, vamos dar um jeito - disse Chloe. - Agora, contem-me a história de vocês.

 

Antes dos desaparecimentos, Laslos Miklos levava uma vida abastada, como proprietário que era de um lucrativo negócio de mineração de linhito, em Ptolemaïs, na Grécia. Mas quando ele e sua esposa aceitaram a Cristo, suas centenas de caminhões e dezenas de edifícios transformaram-se em disfarces para o trabalho da igreja clandestina na Grécia. Essa igreja se tornou a maior dos Estados Unidos Carpathianos.

Os gregos seguidores de Jesus viviam à beira do perigo. Por uns tempos, porém, Nicolae Carpathia pareceu mais interessado em projetar uma imagem de tranquilidade na região que levava o seu nome do que perseguir os dissidentes. Apesar de toda a precaução de Laslos e de seus companheiros, um dos locais em que eles se reuniam foi descoberto. Alguém os delatou e a maior igreja em número de crentes foi invadida de surpresa. Muitos foram martirizados, e o restante se dispersou.

A esposa de Laslos morreu na guilhotina, da mesma forma que seu pastor e a esposa dele, e dezenas de adultos e vários adolescentes. Pelo fato de não estar presente no dia da invasão à igreja, ele agora vivia tomado por um sentimento de culpa. Será que poderia ter feito alguma coisa? Embora ele ainda sentisse a mão de Deus guiando sua vida, o Senhor se mostrava estranhamente silencioso a respeito dessa culpa que o atormentava. Laslos era o crente mais notório entre os que haviam fugido. Por causa disso, passou imediatamente a viver escondido na região norte da cidade.

Um esconderijo que tivesse qualquer tipo de relação com seus negócios seria facilmente descoberto. Mas ele conhecia um terreno baldio cercado de montanhas de entulho, lixo, cascalho e pedaços de concreto. Com a ajuda de amigos de sua confiança, ele cavou a terra até formar um cômodo com espaço suficiente para colocar alguns canos de água, uma cama estreita de lona e um pequeno aparelho de TV.

Na calada da noite, quando as paredes de terra pareciam sufocá-lo, ele saía às escondidas para conversar com outros crentes desesperados, que, por sua vez, tinham conexões com membros clandestinos da Cooperativa Internacional de Mercadorias, da qual recebiam alimentos e gêneros de primeira necessidade.

Desses rápidos encontros, envoltos em terror, nasceram pequenas reproduções das igrejas clandestinas que, antes, tinham sido muito vibrantes. Laslos e seus amigos compartilhavam entre si tudo o que sabiam a respeito das igrejas que conseguiram sobreviver e trocavam informações preciosas.

Os poucos que tinham computadores sem fio e fonte de energia suficiente faziam download e imprimiam as mensagens diárias de Tsion Ben-Judá e da revista virtual de Buck, A Verdade. Para Laslos, essas mensagens eram mais imprescindíveis do que o alimento e a água.

O viúvo atarracado, de 56 anos, ainda mantinha os músculos fortes como pedra, como eram nos tempos em que fazia trabalho braçal nas minas. Agora ele saía à noite e permanecia fora a maior parte do tempo possível, andando às escondidas nas ruas. O sono durante o dia o ajudava a afastar a sensação de solidão. Por mais de uma vez, ele orou imaginando que acordaria no céu, reunido com sua esposa e outras pessoas queridas.

Certo dia, ao final da manhã, ele foi despertado pelo som de passos no cascalho, acima de seu esconderijo. Em silêncio e da melhor forma que um homem de seu porte e idade teria condições de fazer, Laslos esgueirou-se da cama e andou com as mãos no piso de madeira. Ele se arrastou penosamente até o ponto em que conseguiu pegar sua arma - um revólver velho que nunca fora usado, nem sequer para praticar tiro ao alvo. No entanto, ele estava carregado e -conforme Laslos esperava - funcionando. Apesar de ter sido a vida inteira um homem de paz, ele não teria dúvida em dar um tiro mortal num Monitor de Moral ou num soldado das Forças Pacificadoras da Comunidade Global que ameaçasse a sua vida ou a vida de qualquer outro crente.

O sol lançava raios empoeirados entre as fendas da porta, que ficava no topo do cômodo, e os frágeis degraus da escada de madeira que ele usava para descer e subir. A porta era nivelada com o chão e a parte de cima havia sido camuflada para confundir-se com o cascalho. Em pé, perto da escada, com o pescoço esticado, olhando para a porta, ele engatilhou a arma e prendeu a respiração.

Agora os passos estavam em cima da porta, como se a pessoa conhecesse a sutil diferença entre uma placa de metal disfarçada com pedregulhos colados na superfície e um chão verdadeiro coberto de cascalho solto.

Laslos usou a mão livre para guiar-se e começou a subir lentamente a escada. Apesar das fortes batidas de seu coração, ele tentava ouvir os passos para saber se o intruso estava sozinho. Quando se aproximou da porta, ele olhou através de um pequeno orifício, invisível do outro lado, e viu as botas, o corpo e depois a cabeça de um adolescente com camisa de manga curta, sem farda, sem insígnias e sem arma.

De repente, o rapaz agachou-se, como se estivesse examinando a porta.

- Sr. Miklos! - ele murmurou.

Laslos teve de pensar em inúmeras hipóteses de uma só vez. Se o rapaz fosse espião da CG, ele teria sido encontrado.

Ele poderia fingir-se de ingênuo, abrir a porta para o rapaz e surpreendê-lo com um tiro entre os olhos. Mas se o rapaz fosse crente e tivesse ido até lá por indicação de um amigo de Laslos, o tiro seria um ato de estupidez. De qualquer forma, o rapaz imaginou que Laslos estaria ali; e ele estava. Laslos não poderia arriscar-se a trucidar seu visitante sem motivo.

- Quem está aí? - ele perguntou em voz baixa, em grego.

O rapaz caiu com as mãos no chão, como se estivesse emocionado.

- Oh, Sr. Miklos! - ele disse, em tom de desespero. - Sou Marcel Papadopoulos! Meus pais...

- Silêncio! - interrompeu Laslos, desengatilhando a arma e atirando-a em cima da cama. Ele destravou os cadeados e resmungou, enquanto abria a porta. - Você está sozinho?

- Estou!

- Rápido!

O rapaz desceu rapidamente os degraus. Laslos fechou os cadeados. Quando desceu, viu o rapaz sentado num canto no chão, com as pernas dobradas e os joelhos para cima. Mesmo sob a fraca iluminação do local, o selo era visível em sua testa.

Laslos sentou-se na cama. O revólver não estava mais ali. Como ele pôde ser tão idiota?

- Eu conheci seus pais, claro - ele começou a dizer cautelosamente. - Conheci você também, não?

- Não - respondeu Marcel. - Eu não frequentava a mesma igreja que meus pais frequentavam.

Laslos vira o rapaz com os pais algumas vezes; disto ele tinha certeza.

- Pensa que não percebi quando você pegou meu revólver de brinquedo?

- Oh, senhor! Eu só estava dando uma olhada! - Ele levantou a arma e Laslos arrancou-a de suas mãos. - Parece verdadeiro, Sr. Miklos! É mesmo de brinquedo?

- Claro que não. Como você pode ser tão tolo e conseguir sobreviver andando pelas ruas? Por que você pensou que eu não pegaria outra arma para matá-lo no ato?

- Não sei, senhor. Não pensei nisso.

- Quem o mandou aqui?

- O velho desdentado que tem um carro. Ele diz que se chama K.

- Eu devia torcer o pescoço dele.

- Ele não tem culpa, senhor. Ele me avisou para não vir durante o dia, mas não tenho para onde ir. Há pouca gente da CG aqui porque a maioria foi enviada para Israel. Mas eles estão voltando, e o prazo para receber a marca de Carpathia já expirou. Vi pessoas sendo arrastadas pelas ruas.

- Seus pais não estavam com o pastor Demetrius e...?

- Estavam. Eu também estava. Mas um crente que se infiltrou na CG acusou-me de ser americano e me arrastou para fora, depois me deixou ir embora. Eu contei o nome de meus pais a esse homem e estou orando o tempo todo para que ele tenha conseguido tirá-los de lá. Mas eu sei que, se ele tivesse conseguido, meus pais já teriam me encontrado.

- Ele não conseguiu. Nós sabemos quem ele é, Marcel. Ele também tirou uma jovem de lá.

- Eu conheci essa moça! Alta, cabelos castanho-escuro. Chama-se Georgiana não-sei-de-quê. Mas ela não era de nossa igreja. Conseguiu chegar a um posto da cooperativa. A história dela é parecida com a minha. Como aquele homem fez isso?

Laslos deu um longo suspiro e falou:

- Sinceramente, ele foi um pouco precipitado com você. Usou o nome de outro rapaz...

- Sim, eu lhe disse o único nome que eu ouvi lá dentro. Paulo Ganter.

- Esse falso homem da CG contou às autoridades da prisão que você era Paulo e que o estava enviando de volta aos Estados Unidos Norte-americanos. Mas quando Ganter recebeu a marca da lealdade, sua identidade foi conferida, e eles perceberam rapidamente que alguém havia fugido. Pelo processo de eliminação, eles descobriram o seu nome. O homem da CG também deve ter feito o mesmo com a moça. Vocês não têm a marca que eles podem ver, mas vocês estão marcados para morrer, meus jovens. Felizmente, seu libertador já havia sumido quando a CG percebeu o que ele havia feito.

- Como eu gostaria de agradecer àquele homem! Ele é americano.

- Eu sei - disse Laslos. - Eu o conheço.

- Será que eu poderia mandar um recado para ele?

- Acho que sim.

O rapaz suspirou, curvou os ombros e perguntou

- O que vou fazer agora, Sr. Miklos? Estou sem opções.

- Você está vendo que aqui não há espaço para mais ninguém.

- Nós poderíamos aumentar o cômodo.

- Nós? Não vamos enfiar os pés pelas mãos, filho. Isto aqui não é vida. Você vai precisar de uma nova cara, de uma nova identidade, e de manter-se longe das vistas da CG, a qualquer custo.

 

Rayford incumbiu Leah e Hannah de descobrirem, entre os israelenses, alguns peritos em computador.

- Digam a eles que, tão logo localizem os computadores em Petra, nosso homem em Nova Babilónia fará contato on-line com eles e os instruirá em como entrar na rede e fazer a coisa funcionar.

Rayford, Albie, Mac e George juntaram-se às dezenas de outros pilotos para ajudar no transporte por helicóptero, fazendo vôo após vôo a fim de levar os israelenses para dentro de Petra.

Chaim estava isolado, preparando-se para falar ao povo depois que todos estivessem instalados. Buck assumira temporariamente as tarefas entregues a David: levar para dentro de Petra os materiais de construção e outros suprimentos, para que o trabalho dos construtores e colaboradores pudesse ter início. Os voluntários já estavam entregando cobertores e ajudando o povo a acomodar-se em seus lugares.

Rayford estava emocionado com a atitude dos israelenses. Talvez por causa da fé que eles demonstravam ter, talvez por causa dos milagres, talvez por causa da novidade da situação, eles mostravam um espírito de cooperação e camaradagem como Rayford nunca vira. Considerando que eles foram arrancados de sua terra natal, servindo de alvo pelo sistema mundial maligno, ele não teria se surpreendido se visse alguma manifestação de impaciência e raiva.

Rayford encarregou Abdullah de atravessar o deserto, no melhor veículo de tração nas quatro rodas que eles conseguiram encontrar, para ir ao encontro de seu contato que trabalhava na cooperativa e que viera da Jordânia. O contato estava trazendo um jato de grande autonomia de vôo, com espaço para todos os que voltariam para Chicago. Em troca de emprestar seu avião, o contato queria ser deixado em Creta, quando os membros do Comando Tribulação estivessem a caminho dos Estados Unidos, e ser trazido de volta, quando o avião retornasse.

Aquilo deu a Rayford a idéia de que eles deveriam fazer uma escala na Grécia para saber como estavam seus irmãos e irmãs. Mas havia um problema: Albie era o único cujos documentos não levantavam suspeitas. Durante um de seus vôos para dentro de Petra, Rayford ligou para Lukas Miklos.

 

Chang notou em seu monitor a evidência de que sua escuta clandestina no Fênix 216 tinha dado certo. Ele mal podia esperar até o fim do dia para voltar a seu apartamento e ver o que havia sido gravado. Quando mudou a transmissão para a CNNCG, ele ficou sabendo que Carpathia já estava voltando para Nova Babilônia.

Ocultando suas pistas, Chang entrou na programação codificada referente às inspeções de surpresa do pessoal da CG aos computadores particulares dos funcionários. Os códigos eram tão elementares que Chang quase riu alto. Ele descobriu que era o terceiro da lista e que receberia uma visita "casual", por volta das 20 horas naquela noite.

De repente, sua tela piscou. Era Figueroa, chamando-o à sua sala. Por um instante, Chang imaginou ter sido surpreendido usando o computador do escritório para finalidades não-aprovadas. Ele cobriu suas pistas com uma profusão de letras embaralhadas e informou a Figueroa que já estava a caminho.

Chang caminhou apressado até a sala que pertencera a David Hassid. Figueroa havia dado uma nova disposição aos móveis e redecorado a sala inteira, logo após ter-se mudado para lá. Agora, ele se realizava ali, como se fosse o próprio potentado da Comunidade Global.

- Sente-se, Wong - ele disse. - Aceita um charuto?

- Charuto? Por acaso eu tenho cara de fumante? De qualquer forma, não é proibido fumar em todas as dependências deste conjunto?

- Quem manda na sala do diretor é ele - disse Figueroa, acendendo um charuto.

Tiffany, que também havia sido assistente de Hassid, ergueu a cabeça do outro lado do vidro, com ar de reprovação. Sacudindo a cabeça, ela se levantou e bateu a mão com força num interruptor na parede entre sua sala e a de Figueroa. O ventilador foi ligado, levando a fumaça azul em direção ao teto.

- Eu adoro quando ela faz isso - disse o diretor. Mas Chang percebeu que ele estava constrangido.

Figueroa recostou-se em sua cadeira e colocou os pés em cima da mesa, perto de um dos cantos. Aparentemente, ele calculou mal a inclinação do seu corpo, porque, quando tirou o enorme charuto da boca, seu calcanhar escorregou da mesa, fazendo-o perder o equilíbrio. Suas botas bateram com força no chão, e ele quase caiu da cadeira. Nesse ínterim, ele atirou o charuto no chão e saltou da cadeira para não se queimar com a brasa.

Depois de pegar o charuto e limpar o assento da cadeira, ele lambeu o dedo que havia tocado na cinza quente. Chang esforçou-se para manter uma expressão impassível no rosto quando Figueroa ajeitou-se, colocou a ponta úmida do charuto na boca e voltou a se sentar. Ele se recostou na cadeira, mas, pensando duas vezes a respeito de colocar os pés em cima da mesa, resolveu cruzar as pernas.

Esse movimento forçou suas costas para trás mais do que devia. Evidentemente, ele ainda não aprendera a firmar o encosto da cadeira, porque começou a cair para trás, com as pernas cruzadas e os dois pés para o ar.

Figueroa parecia forçar o corpo para a frente, mas, como não conseguiu, tentou dar a entender que esta era a maneira que ele gostava de se sentar. Tirou o charuto da boca e pousou o cotovelo no braço da cadeira, soprando a fumaça para cima, tentando não desviar os olhos de Chang.

- Então - ele começou a dizer.

Mas o esforço para manter a cabeça ereta estava forçando seu pescoço. Ele pendeu a cabeça para trás como se estivesse buscando no teto as palavras que queria dizer. De repente, seu corpo começou a tombar para trás. Ele recolocou rapidamente o charuto na boca, agarrou os braços da cadeira com as duas mãos com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos. Finalmente, conseguiu endireitar-se. Desta vez ele se inclinou para a frente, tomando cuidado para não se desequilibrar novamente.

- Eu, hã, fui precipitado demais quando o isentei de ser interrogado - ele disse.

Chang olhou para ele com ar de adolescente malcriado e mostrou-se admirado:

- O quê? Pensei que o senhor fosse responsável por este departamento.

- Ah! eu sou. Não tenha dúvida. Mas, com certeza, se abrisse uma exceção para alguém, principalmente para um funcionário meu, eu teria de responder por isso - provavelmente ao próprio potentado. Como você sabe, nós costumamos conversar.

- Quer dizer que o senhor voltou atrás com sua palavra.

- Eu não lhe dei minha palavra.

- Não, o senhor só disse que eu não seria interrogado, mas parece que aquilo não significou nada.

- Claro que sim. Mas você vai ter de ficar do meu lado. Fico lhe devendo esta.

- Não é nada tão importante assim. Esqueça.

- Não, quero ser conhecido como um homem de palavra. Eu próprio vou manejar o polígrafo.

- Vai haver um polígrafo?

- Não exatamente. Eu já lhe contei como vai ser.

- Ótimo.

- Você é um bom rapaz, Wong.

- Ah! sim, sou o maior.

- Falo sério, você é um bom moço.

Chang comprimiu os lábios e desviou o olhar, sacudindo a cabeça.

- Estou tentando ser seu amigo - disse Figueroa.

Chang voltou a olhar para ele, perguntando admirado:

- Meu amigo? Por que o senhor quer ser meu amigo?

- Você desperta meu interesse, só isso.

- Ah! não. O senhor não vai dizer que...

- Wong! Sou um homem casado!

- Ainda bem.

- Assim como todo o pessoal daqui, estou intrigado com seus dons e habilidades.

- Que não estão sendo usados enquanto estou sentado aqui.

- Não seja intolerante, Wong. Estou em posição de lhe proporcionar algumas vantagens.

- O senhor não está em posição nem de manter sua palavra.

- Ei, você está sendo grosseiro.

- Vamos - disse Chang. - Qual é o problema? Teria sido grosseria se não fosse verdade.

- Está bem, concordo. É que você está demonstrando insubordinação e não parece entender que, como seu chefe, sou responsável por seu destino.

- O quê? O senhor vai me demitir se eu não for bem comportado?

Figueroa deu três baforadas curtas e, olhando firme para Chang, respondeu:

- Não. Mas posso demiti-lo, se você não me contar como soube meu nome.

- Eu já disse, foi só um palpite.

- Para lhe dizer a verdade - prosseguiu Figueroa, como se Chang não tivesse dito nada -, não consigo imaginar como você ficou sabendo.

- Nem eu. O senhor poderia ter negado, e eu não teria ficado sabendo de nada.

- Está vendo? Este é um tipo de raciocínio que tenho de admirar. Raciocínio intuitivo.

- Mais ou menos.

- Não, e sabe por quê? Comecei a pensar em meu arquivo pessoal e fiquei em dúvida se informei a eles o meu nome inteiro. E sabe o que eu fiz? Sabe? Eu mesmo fui verificar. Não consta lá.

- Agora o senhor já sabe.

- Foi mesmo um palpite seu.

- Que ótimo! Sou alguém importante.

- Você é.

- Posso voltar ao meu trabalho?

- Com uma condição.

- Diga.

- Prometa que não vai contar nada a ninguém que eu disse que seu destino está em minhas mãos ou que eu poderia demiti-lo.

- Já está esquecido.

- Você é um bom rapaz. Conheço seu pai, e você sabe com quem está lidando, e...

- Já está esquecido.

- Você quer ser um líder de projetos, um chefe de turma ou coisa parecida?

- Só quero voltar ao meu trabalho.

- Está certo.

           

- Há três anos e meio, havia uma espécie de igreja aqui - disse Enoque. - Alguns de nós... - ele se virou para o grupo -, quantos vieram à igreja pelo menos uma vez? - Seis pessoas levantaram as mãos. - O restante tinha visto apenas um folheto a respeito deste lugar. Ainda temos alguns, não?

Alguém foi buscar um.

- É bem simples; apenas uma folha de papel dobrada ao meio e impressa nas quatro páginas, em preto-e-branco.

Alguém entregou um folheto a Chloe. Na frente, estava escrito: "O Lugar." Dentro, ela leu: "Jesus ama os exploradores de mulheres, as prostitutas, os débeis mentais, os bêbados, os viciados em jogo, os arruaceiros, as mães solteiras e os filhos sem pai."

A outra página citava aqueles que frequentavam O Lugar. Em sua maioria, eram pessoas que antes pertenciam a uma das classificações mencionadas na página anterior. O texto dizia: "Falamos de Jesus e do que a Bíblia diz sobre Ele e sobre você. Venha como estiver. Endereço e horário no verso."

Chloe leu o verso, onde, além do endereço e horário, havia a seguinte informação: "Alimentos, roupas, abrigo, trabalho e aconselhamento." Ela olhou para Enoque e percebeu que estava com o rosto vermelho. Todos na sala pareciam estar se divertindo.

Enoque pegou o folheto, ficou de frente para o pessoal, e leu a lista dos grupos de pessoas que o folheto citava como sendo amadas por Jesus. Fazia uma pausa após a referência a cada grupo, esperando que alguém se pronunciasse. Todos levantaram a mão, pelo menos uma vez, e alguns a levantaram várias vezes, sempre com um largo sorriso no rosto.

Cuidadosamente, Enoque colocou o folheto de lado, lançou um olhar significativo para Chloe e se levantou. Com os lábios trêmulos e lágrimas escorrendo pelo rosto, ele fez um gesto para o grupo e murmurou:

- Muitos de vocês eram assim.

Eles fizeram um movimento afirmativo com a cabeça e pronunciaram um Amém.

- Mas vocês foram lavados...

- Amém! Aleluia!

- E foram santificados...

- Louvado seja Jesus!

- Foram justificados no nome do Senhor Jesus e pelo Espírito de nosso Deus.

Eles se levantaram com as mãos erguidas, murmurando e cantando:

 

                        Maravilhosa graça, que doce bênção traz!

                        Ela salva um pecador desprezível como eu.

                        Eu estava perdido, fui achado, e agora tenho paz,

                        Andava a esmo pelo mundo. Mas agora, Jesus, sou teu.

 

- Rayford, meu amigo, como vai? - exultou Laslos. - Você não vai acreditar quando eu disser quem está aqui comigo. Cameron está aí?

- No momento, não. Mas quem está aí com você?

Quando Laslos lhe contou, Rayford disse:

- Vou pedir a Buck que telefone para você. Ele estava querendo saber o que aconteceu com o rapaz e a moça.

- Marcel me contou que Georgiana também continua firme. Parece que foi Deus que mandou você me telefonar. Você precisa vir tirar esses dois daqui.

- Não existe mais nenhum lugar seguro, Laslos.

- E a casa secreta? E o rapaz que faz disfarces e falsifica documentos? Aqui, estamos correndo risco de morrer.

Hesitante, Rayford afirmou:

- Vamos fazer uma escala em Creta. Se você pudesse dar um jeito de levá-los até lá...

- Capitão Steele, você não sabe o que aconteceu com os oceanos? Não há mais possibilidade de viajar por mar. Você acha que poderíamos levar os dois ao aeroporto que seu pessoal usou na última vez? Seria arriscado, mas...

- Seria uma armadilha mortal para nós, Laslos. O nosso grupo é grande.

- Deve haver um jeito. Alguém.

- Deixe-me matutar um pouco - disse Rayford.

- Não entendo o que significa "matutar".

- Vou pensar no assunto.

 

Enoque explicou a Chloe:

- Quase todos aqui têm a mesma história. As ruas e esta vizinhança faziam parte de nossa vida. Na infância, a maioria de nós aprendeu alguma coisa sobre religião. Mas nos desviamos muito desse caminho. Mais da metade cumpriu pena na prisão. A linha divisória entre o certo e o errado não existia para nós. Nossa desculpa era que fazíamos tudo isso por questão de sobrevivência.

Grande parte do nosso grupo tinha visto este lugar e sabia que aqui havia alguma coisa de religioso. O que nos surpreendeu foi o tipo de gente que entrava e saía. De todas as cores e nacionalidades, pessoas que conhecíamos. Todos nós lemos o folheto e, embora não admitíssemos na época, você acredita que ele atraiu nossa atenção? Eram coisas muito diretas, palavras que significavam aquilo que nós éramos.

Quando você está no fundo do poço, pensando durante a noite no que vai acontecer quando o dia clarear, você começa a imaginar se ainda existe alguma esperança ou se já foi longe demais. Você se lembra dos tempos de criança, de como era inocente, e começa a se perguntar o que aconteceu com aquela pessoa que existia dentro de você.

Qualquer uma dessas pessoas vai lhe dizer que veio aqui uma ou duas vezes para tentar conseguir alguma coisa de graça, ou que veio com sinceridade e assistiu a uma reunião ou duas. Mas todos nós, mesmo os que nunca vieram -como eu, por exemplo -, estávamos querendo vir. Dizíamos que qualquer dia conheceríamos O Lugar.

O resto você já sabe. Fim do mundo. Pessoas desaparecendo. Todos nós perdemos alguém, e parece que todos deste lugar desapareceram. Você sabe para onde corremos? Para cá. Roupas espalhadas por todos os lados e ninguém para nos contar o que aconteceu. Mas esta igrejinha, apesar de pobre, devia ter algum dinheiro porque eles gravavam tudo o que faziam. Em áudio e em vídeo. E aqui estávamos nós. Duas ou três dúzias de gente da rua, algumas mulheres que perderam os bebês, e, de repente, alguém encontra as fitas e os aparelhos para reproduzi-las. Não demorou muito a conhecermos a verdade. Estava tudo aqui.

A maioria de nós passou a dormir aqui, vendo, ouvindo, estudando e orando para aceitar Jesus. De repente, a Terceira Guerra Mundial. Chicago ficou em chamas. Conseguimos um aparelho de TV e um computador. Primeiro ficamos sabendo que não foi guerra nuclear. Em seguida, disseram que sim. Achamos que íamos morrer por causa da radiação. Não aconteceu nada, mas não tivemos coragem de testar a atmosfera lá fora. Sabíamos que, se fosse mesmo radiação, não estaríamos protegidos dentro de um porão. Mas achamos que seria mais seguro se ficássemos aqui dentro. Até hoje.

 

Rayford ligou para George e perguntou se ele aceitaria uma missão para ser cumprida no caminho de volta a San Diego.

- Pensei que você nunca fosse me pedir nada - disse George.

Rayford fez um resumo da missão e disse:

- Não posso arrumar documentos para você em tão pouco tempo. Mas, se eu conseguir falar com nosso companheiro em Nova Babilônia, você vai ter acesso livre na Grécia. Mesmo que alguém queira checar seus documentos e não encontre nada, você aparecerá no sistema.

- Eu posso inventar uma desculpa qualquer para explicar por que não tenho documentos. Você quer que eu deixe os garotos em Chicago?

- A menos que você esteja preparado para levá-los à Califórnia.

 

Sabendo o que aconteceria naquela noite, Chang não entrou em contato com o Comando Tribulação. Enquanto não recebesse a visita "inesperada" marcada para as 20 horas, ele não poderia providenciar o que Rayford pedira para George Sebastian, nem saber o que aconteceu no Fênix 216. Ele fez questão de demonstrar que estava assistindo ao noticiário da CNNCG e lendo um livro. Mas ficou surpreso diante da forma com que o sujeito entrou em seu apartamento.

Chang achou que o homem destacado por Figueroa - um escandinavo arrogante e de nariz empinado chamado Lars deveria, pelo menos, bater na porta. Mas quando passavam alguns minutos das 20 horas, enquanto Chang assistia à cobertura da chegada de Carpathia e seus assistentes diretos a Nova Babilónia, sendo recebidos entusiasticamente ali, ele ouviu som de chave abrindo sua porta. Ele aumentou o volume da TV e fingiu não ter percebido nada. Simulou estar relaxando, assistindo à TV, lendo, sem pensar em seu Laptop inútil.

A porta foi aberta com violência, e dois soldados das Forças Pacificadoras entraram.

- Sr. Chang Wong? - disse um deles.

- Sou eu - ele disse, levantando-se. - Será que esqueci de trancar a porta?

- Desligue a TV, por favor, e venha até aqui.

- E se eu não for?

- Venha já.

- Obrigado por me fazer sentir em casa dentro de meu apartamento.

- Este apartamento não é seu, Sr. Wong. É de propriedade de Sua Excelência, o potentado, e o senhor trabalha aqui sob as ordens dele.

Chang fez uma encenação para desligar a TV e deixar o livro cair em cima da cadeira. Quando ele se aproximou, os dois abriram caminho e um deles anunciou:

- Este é o Sr. L...

- Lars! - disse Chang, sorrindo e limitando-se a cumprimentar o sujeito. - Como vai, rapaz? Eu o conheço! Trabalhamos no mesmo departamento.

- Precisamos de sua cooperação e de seu silêncio, Sr. Wong - disse o soldado.

- Ah, está bem! Qual é o problema?

           

Os homens das Forças Pacificadoras perguntaram se podiam revistar o apartamento de Chang.

- Para quê? - ele perguntou.

- Rotina - eles responderam.

- Vocês não vão encontrar nenhuma rotina aqui. Estou aprendendo palavras novas em inglês e, no momento, minha favorita é serendipismo, o oposto de rotina. É isto que vocês vão encontrar aqui.

- Que graça! Não precisamos de sua permissão. Só estamos sendo educados.

- Claro. O único mistério aqui é vocês terem usado uma chave-mestra para abrir a minha porta.

Enquanto eles revistavam o apartamento, Lars colocou um laptop de alta potência na mesa da pequena cozinha de Chang.

- Vou lhe fazer algumas perguntas - ele disse.

- Não, não vai.

- Pare de bancar o espertinho - disse Lars. - Meu dever é este.

- As perguntas têm a ver com as informações que alguém do palácio passou para um suposto espião?

Lars empalideceu. Espantado com a pergunta feita por Chang, ele quis saber:

- Você já foi interrogado?

- Não, mas tive uma conversa reservada com outro interlocutor. Mais uma palavra nova. Você gostou?

- Computador! - gritou o outro homem das Forças Pacificadoras. - Parece ser o laptop particular dele.

- Se você tivesse me contado o que estava procurando, eu poderia ter facilitado seu trabalho.

- É o único que você tem?

Chang pensou em fingir que havia outro, mas achou que não deveria exagerar. Mesmo que fosse engraçado ver os dois tentando encontrar um computador que não existia, eles sairiam dali completamente arrasados. Chang fez um sinal afirmativo com a cabeça.

- Traga aqui o que você encontrou - disse Lars ao outro.

- Estou muito feliz por você ter vindo aqui, Lars - disse Chang. - Eu tinha tudo naquele disco rígido. Tudo mesmo. Se você fizer esse projeto voltar a funcionar, talvez não se sinta muito triste por não ter feito o teste que seu chefe mandou.

- Projeto?

- Eu estraguei o disco rígido e já tentei de tudo.

- Tudo o que você sabe.

- Exatamente! É por isso que estou feliz por você ter vindo aqui. Eu devo ter feito alguma bobagem. E, mesmo que seja um problema complicado, sei que você vai ser capaz de resolvê-lo.

- Claro, pode apostar sua vida nisso. Evidentemente, Chang estava apostando sua vida, na certeza de que Lars não conseguiria.

- Eu não quero ficar acordado até muito tarde, Lars.

- Ah! este serviço não vai demorar muito.

- Talvez você queira ligar para o Sr. Figueroa, para que ele faça o que tiver de fazer comigo enquanto você recupera as informações em meu laptop.

- Você está falando sério?

- Ele prometeu.

- Por quê?

- É melhor você perguntar a ele.

- Ele vai fazer as mesmas perguntas que eu, e você vai responder no mesmo microfone.

- Só vou responder se ele fizer o teste. Para você, não vou responder nada.

- Então você vai ser considerado suspeito de espionagem. E você não vai querer isso, seja culpado ou não. Sabe o que aconteceu hoje com os comissários de bordo?

Chang não gostava quando alguém lhe fazia uma pergunta que ele não sabia responder.

- Diga - ordenou a Lars. - Gosto de ficar assustado.

- Foram condenados à morte. Aquilo deixou Chang realmente assustado, e ele perguntou:

- Por quê?

- Subversão. Traição. Eles foram pegos no teste do detector de mentiras. Estavam fornecendo informações a um espião daqui. Enquanto o potentado e seu pessoal conversavam, havia gente aqui agindo contra ele. - Lars entregou um microfone de lapela a Chang. - Coloque isto.

- Para você, não - disse Chang.

- Então para Figueroa.

Chang prendeu o microfone na camisa, orando silenciosamente. O segredo, ele sabia, era como as perguntas seriam formuladas. Em sua mente, um espião era uma pessoa sem cérebro; ele era uma pessoa inteligente. Se as perguntas fossem muito específicas e diretas, ele teria problemas.

- Comece a trabalhar em meu computador, por favor. Eu adoraria recuperar todas aquelas informações.

- Você não faz um back-up de tudo? Chang sacudiu a cabeça.

- Não - ele respondeu. - Você faz?

- Não tanto quanto deveria. Mas você deve saber que, depois de alguns anos, alguma coisa sempre pifa. O disco rígido, a placa de memória ou outro acessório qualquer.

- Acho que tive sorte até agora.

Lars discou um número de telefone, colocou o fone de ouvido e começou a esmiuçar o laptop de Chang.

- Sim, Sr. Figueroa - ele disse. - Estou no apartamento de Chang e ele disse que... ah! então é verdade... Sim. Neste momento estou ajudando o rapaz a resolver um problema com o computador dele... Sim, nós vamos ficar aqui. Obrigado, senhor.

Depois de desligar o telefone, e com os olhos ainda fixos no computador de Chang, Lars resmungou:

- Ele está vindo para cá! Você estragou de vez esta coisa.

- Verdade, Lars? Você já descobriu o problema? Que coisa!

- Já, mas não vou me dar por vencido. Deixe-me tentar uma coisa. - Ele estava fazendo tudo o que podia. - Nada! Pode acreditar em mim, Wong. Se houvesse alguma coisa aqui, eu teria recuperado para você.

- Claro.

- Isto aqui parece ter sido exposto a um eletromagneto de superpotência.

- Nunca ouvi essa palavra.

- Você sabe que o drive é movido a eletricidade e que um ímã pode causar sua destruição completa.

- Sério?

- Ah! sim. É uma coisa simples.

- Para um cérebro como o seu, talvez seja - disse Chang. - Eu só sei apertar alguns botões.

- E preciso conhecer muito mais coisas.

- Acho que sim. Tudo isso é grego para mim.

- Pensei que você fosse uma espécie de gênio - disse Lars.

- Vivendo e aprendendo. Veja só o que fiz com meu computador. Dez gigabytes jogados fora.

- Você devia ter me chamado assim que notou o problema. Deve ter havido algum aviso.

- Ah! sim. Eu vi uma porção de coisas estranhas, mas os laptops são temperamentais, você sabe.

- Só quando não são tratados corretamente. Você costuma desfragmentar, passar o ScanDisk, essas coisas?

- De vez em quando.

- Está claro que não. Acho que não há nada aqui dentro.

- Você não pode me ajudar?

- Se alguém pudesse, esse alguém seria eu. Das duas, uma: Ou existe alguma coisa no drive ou não existe. Neste caso, está claro que não existe.

- Será que eu não acessei um drive diferente ou sei lá o quê?

- Você não poderia ter feito alguma coisa desse tipo por acidente - disse Lars. - Eu poderia fazer isso, mas a gente precisa saber o que está fazendo.

- E eu não sei.

- Claro. Só existe uma coisa que eu posso fazer. Enquanto você estiver sendo submetido ao teste, vou formatar o drive inteiro para que você possa começar tudo de novo.

- Deve ser muito difícil. Complicado.

- Não. É rápido.

- Você faria isso para mim?

- Para que servem os amigos?

 

Antes que o dia começasse a clarear, Chloe entrou sorrateiramente com seus novos amigos no Edifício Strong. Apenas Zeke estava acordado, e ele empalideceu ao ver dois rostos estranhos. Chloe apresentou o rapaz e a moça com muito entusiasmo para que Zeke entendesse que eles eram amigos, para que ele não fosse pegar uma arma imaginando que ela estivesse fingindo alegria.

Depois de ouvir a história, Zeke ofereceu-se para ajudá-los a levar uma grande quantidade de alimentos ao lugar em que eles moravam. Chloe anotou todos os detalhes de que se lembrou e enviou e-mails para o pessoal do Comando Tribulação, antes de desabar na cama e dormir até quase meio-dia.

Ela supôs que seria repreendida por ter-se arriscado tanto. Mas estava tão empolgada que achou que não conseguiria dormir.

 

Chang não se surpreendeu ao ver Figueroa chegar com ares de chefe e lançar-lhe um olhar de autoridade, dando a entender que, na frente de Lars, não deveria haver nenhum sinal de intimidade entre eles dois.

- Esqueçam de mim - disse Lars enquanto levava o laptop de Chang até o sofá e se instalava ali. - Só quero ter certeza de que ele fique pronto para um novo protocolo completo.

Chang imaginou que, com suas mãos desajeitadas, Lars poderia prejudicar seu drive codificado.

Figueroa apontou para uma cadeira e sentou-se na frente de Chang. Depois de dispensar o outro homem das Forças Pacificadoras, ele cochichou:

- Eu não pensei que você fosse me envolver nisto.

- Eu poderia ter deixado escapar alguma coisa - disse Chang. - Poderia ter provado que o senhor não é digno de confiança. Posso dar uma olhada nesse software?

Com ar de aborrecimento, Figueroa virou a tela de frente para Chang e suspirou fundo.

- Novinho em folha. Deve ser muito melhor que aquele enorme hardware antigo.

Chang sabia que nem tudo que havia ali era novo. Ele vira um igual na China e chegou até a manuseá-lo. Depois de fazer uma exibição para inclinar a tela de modo que a luz incidisse sobre ela, ele disse:

- Interessante.

Quando Figueroa aproximou-se mais um pouco, ele complementou.

- Não é mesmo, Sequóia, isto é, Aurélio?

Figueroa retesou-se na cadeira, visivelmente irritado.

- Eu agradeceria se você me chamasse pelo último nome - disse ele.

- E claro, desculpe-me - disse Chang.

Figueroa segurou firme o laptop e tirou um bloco de anotações do bolso.

- Diga seu nome - ele ordenou, fazendo em seguida uma série de perguntas banais e óbvias.

- Hoje é domingo?

- Não.

- O céu é azul?

- Sim.

- Você é homem?

- Sim.

- Trabalha para a Comunidade Global?

- Sou empregado deles, sim.

Figueroa olhou para Chang e perguntou ainda:

- É esta a resposta que você deseja dar?

- Sim.

- Você é leal ao supremo potentado?

Chang fechou os olhos e forçou-se a lembrar que Jesus Cristo era a única pessoa que se encaixava nessa definição.

- Sim - ele respondeu.

- Você já fez alguma coisa que pudesse ser considerada desleal ao supremo potentado?

- Intencionalmente, não.

- Responda sim ou não.

- Não.

- Recebe informações confidenciais de alguém que pertença ao círculo dos homens de confiança do supremo potentado?

- Não.

- O supremo potentado ressuscitou dos mortos e é o deus vivo?

- Sim.

- Sua Excelência Nicolae Carpathia pode contar com sua contínua lealdade, durante o tempo em que você for empregado da Comunidade Global?

Chang hesitou, forçando Figueroa a olhar para ele.

- Entendeu a pergunta? - Figueroa insistiu.

- Claro.

- Então, sua resposta é sim?

- Não. 

- Não comece a fazer jogo comigo, Chang, senão terei de começar tudo de novo.

- Bem, Sr. Figueroa, certamente posso dizer com toda a sinceridade que continuarei a demonstrar a mesma lealdade que tenho demonstrado desde o início ao líder da Comunidade.

- Isso significa sim?

- Significa simplesmente o que é.

- O que ele pensaria disso?

- Provavelmente que você está perdendo o seu tempo e o meu.

- Você não prefere dizer sim para terminarmos logo com isto?

- É a última pergunta?

- Sim.

- Como estou indo até agora?

- Aparentemente, bem - disse Figueroa.

- Então vamos em frente.

- A última resposta poderia parecer evasiva.

- Para quem?

- Para qualquer pessoa que tenha feito a pergunta.

- O senhor tem uma pergunta, Sr. Fig...

- Rapaz, você não pode dar uma resposta direta?

- Eu deveria?

- Droga! - Figueroa pegou o equipamento com força. - Vamos embora, Lars.

- Sim, senhor. O laptop está pronto para funcionar, Chang.

- Encontrou alguma coisa minha aí?

- Não, mas agora você pode recomeçar tudo sem nenhum problema.

- Você não faz idéia do quanto sou grato pelo que fez por mim, Lars.

- Estou às ordens.

 

Era chegada a hora de o pessoal do Comando Tribulação designado para trabalhar na Operação Águia dirigir-se a Mizpe Ramon e pegar o vôo de volta para casa. A massa humana de israelenses estava acampando fora de Petra e, em breve, Chaim seria transportado de helicóptero para um lugar de onde todos o veriam e o ouviriam, tanto de dentro como de fora da cidade.

Rayford, Buck, Mac, Leah, Hannah, Albie e Chaim formaram um círculo, de mãos dadas. Grande George, de San Diego, estava dentro de um helicóptero a uns 50 metros de distância, aguardando para levar Chaim para dentro de Petra e, em seguida, transportar o Comando Tribulação para Mizpe Ramon, onde ele pegaria, sozinho, um avião para a Grécia, depois para Chicago e, finalmente, para San Diego.

- Vamos chamar George para participar conosco - disse Rayford, fazendo um sinal para ele. - Tenho um pressentimento de que vamos vê-lo mais vezes.

George saltou do helicóptero e se aproximou, correndo.

- Miquéias está pronto? - ele perguntou.

- Daqui a um minuto, George - respondeu Rayford.

- Fique aqui conosco.

Quando eles curvaram a cabeça, Rayford contou a todos qual era a missão de George, na Grécia, naquela mesma noite.

- Eu também gostaria de ir - disse Buck. - Mas estou envolvido em outras atividades. Você vai adorar aqueles garotos, George.

- Vamos orar - disse Rayford.

- Um momento, por favor - disse Chaim, soltando-se de Rayford e de Hannah, com quem estava de mãos dadas. Ele tirou de dentro do manto a urna em miniatura contendo as cinzas de Hattie.

- Não adoramos os restos mortais daqueles que partem para estar com Deus antes de nós, e eu gostaria de, um dia, poder atirar estas cinzas ao vento, de um lugar alto aqui de Petra, num ato de adoração ao único e verdadeiro Deus. Acredito que essa seria a vontade de nossa jovem e impetuosa irmã. Antes, porém, quero pedir a você, capitão Steele, que leve isto aos novos irmãos e irmãs de Hattie, na casa secreta, que mostre às pessoas que a conheceram e a amaram muito tempo antes de ela se entregar a Cristo. Depois, traga de volta com Tsion Ben-Judá, e nós nos lembraremos de nossa irmã pela última vez, antes que ele fale aos remanescentes de Israel. E, quando pensamos em David Hassid, gostaríamos de ter um objeto dele por meio do qual pudéssemos nos lembrar de nosso corajoso irmão, que conhecia poucos de nós pessoalmente, mas que muito contribuiu para a causa.

- Eu tenho - disse Leah, exibindo o telefone celular de David.

- Você levaria esse telefone a nossos companheiros em Chicago, para que se lembrem dele, aguardando o dia em que voltaremos a ver esse nosso querido irmão? - disse Chaim.

Leah entregou o telefone a Hannah, dizendo:

- Eu gostaria que a amiga dele o levasse.

Hannah agradeceu-lhe com um abraço.

- E agora - disse Chaim, voltando a segurar a mão de Rayford e de Hannah -, "...aos chamados, amados em Deus Pai e guardados em Jesus Cristo, a misericórdia, a paz e o amor vos sejam multiplicados" (Judas 1-2). "Vós, porém, amados, edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo, guardai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna" (Judas 20-21). "Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém" (Judas 24-25).

 

Depois de ficar sozinho novamente e aguardar alguns minutos, Chang arrastou uma cadeira até a porta, subiu em cima dela e fechou a trava que ele embutira na parte superior para evitar que fosse aberta com outra chave-mestra.

Depois, sentou-se diante de seu laptop e digitou: "Apenas Cristo". Imediatamente apareceu na tela um quadrado com 200 pontinhos. Ele contou: eram 18 fileiras de baixo para cima, 37 da direita para a esquerda. Chang clicou em cima. Uma sequência de 15 dígitos apareceu, e os números foram aumentando a uma média de centenas por segundo. Chang acionou um multiplicador usando como fatores a data e o horário daquele momento, e enviou o produto a uma velocidade espantosa de nove segundos a um número sincronizado.

Após quatro minutos e três alvos móveis e complexos, Chang estava de volta a seu trabalho, conectado com todos os computadores do Comando Tribulação, inclusive os de Petra, e com qualquer coisa que desejasse no palácio e no Fênix 216.

Chang transmitiu centenas de páginas de instruções codificadas para os computadores de Petra, checou os aparelhos para transmissão de informações por telefone, por computadores comuns e até por palmtops, e avisou a todos que estava a postos. Depois, examinou as especificações fornecidas por Rayford a respeito do homem chamado Grande George e criou credenciais da CG para ele no principal banco de dados do palácio.

Com Rayford, Chang havia decidido que seria melhor usar o nome verdadeiro, caso suas impressões digitais ou outros detalhes fossem investigados. George Sebastian, de San Diego, Califórnia, Estados Unidos Norte-americanos, estaria transportando, da Grécia para a América, um prisioneiro adolescente do sexo masculino e uma prisioneira adolescente do sexo feminino.

O piloto voaria num jato de alta velocidade, modelo Rooster Tail de quatro lugares. Viajaria sem documentos, em razão de uma recente missão sigilosa, mas, para efeito de identificação, ele media 1,90 metro de altura, pesava 108 quilos, tinha tez morena, olhos azuis e cabelos loiros. Sua credencial era nível-A, e ele reportava diretamente ao subcomandante Marcus Elbaz. Chang incluiu um código de seis dígitos para que George pudesse memorizá-lo e fornecê-lo, caso fosse necessário.

Segundo o entendimento de Chang, Rayford havia planejado tudo isso com Lukas Miklos, que informaria o Sr. Papadopoulos, o qual, por sua vez, informaria Georgiana Stavros. Lukas ia usar seus contatos e fontes e seria responsável para fazer com que os dois jovens fossem ao encontro de George.

Em seguida, Chang localizou, no Fênix 216, a mais recente gravação, que ele ainda não ouvira e colocou os fones de ouvido.

A escuta captou primeiramente a voz de Akbar.

- Penso que o senhor está gostando do novo piloto, Excelência.

- Tudo o que desejo agora é sair deste país deserto, Suhail. Podemos ir?

- Oh! supremo potentado - disse Fortunato com voz cantada -, Israel não é mais um país deserto. Agora passou a ser verdadeiramente a Terra Santa, porque o senhor foi empossado como o verdadeiro e...

- Leon, por favor! Você repassou a seus serviçais o poder que lhe concedi, não é verdade?

- Sim, meu senhor, mas prefiro não me referir a eles como servi...

- Será que eles, um deles... ou você, por exemplo,... não pode descobrir uma coisa que acabe com esse truque que fez a água do mar se transformar em sangue?

- Bem, senhor, além de ter invocado fogo do céu e de, hã... eu gostaria de pensar que exerci um pequeno papel na cura das feridas, não sei se por influência de minha presença no encontro com o Sr. Miquéias ou...

- Acho, Leon, que você ainda não se deu conta da extensão da tragédia em alto-mar. Ou estou enganado?

- Eu só espero que não seja um problema permanente, Excelência.

- Você espera? Pense, homem! Suhail, o Reverendíssimo sei-lá-o-quê recebeu o boletim expedido pelo gabinete? Ele leu o...

- Sim, senhor, ele consta da lista.

- Leon, leia os boletins! Nossos navios sumiram na água! Nossos biólogos dizem que todos os seres aquáticos já devem estar mortos! Se essa coisa for temporária e amanhã cedo a água estiver cristalina, você acha que todos os peixes vão voltar a viver?

- É o que espero!

- Imbecil - resmungou Carpathia, e Chang supôs que Fortunato não tinha ouvido essa palavra. O potentado costumava assassinar as pessoas a quem ele se referia desta maneira, e, a essa altura, Leon já estaria implorando para não morrer. - Suhail, não podemos tratar de decolar?

- Estamos aguardando a Sra. Ivins, senhor.

- Onde ela está?

- O senhor permite que eu responda à sua pergunta, potentado? - perguntou Leon.

- Claro, desde que saiba onde ela está.

- Ela quis fazer uma última visita ao templo, ser a primeira mulher a entrar na parte principal e conhecer o lugar onde o senhor esteve, adorar sua imagem no Santo dos Santos, sentar-se... no...

- O quê?! Você não está dizendo que ela se atreveria a sentar-se no trono de deus!

- Não, senhor, eu me expressei mal, senhor. Estou certo de que ela queria apenas ver o trono, talvez tocá-lo, tirar uma fotografia.

- E por que você não a acompanhou?

- Ela só quis ser acompanhada de um segurança. Planeja andar sozinha por lá, eu imagino, só para quebrar algumas tradições.

- Gostei da idéia.

- Achei que o senhor gostaria. Ela também achou.

- Descubra se ela está vindo para cá.

- Nesse meio-tempo, potentado - disse Akbar -, recebemos o software para o detector de mentiras.

- Ligue-o imediatamente e comece com os comissários de bordo.

Chang ouviu as vozes amedrontadas dos indianos. Eles responderam com convicção e sinceridade.

- Vocês demonstraram ser inteiramente confiáveis - concluiu Akbar.

Os dois choraram, expressando gratidão.

- Vocês dois, já passaram pelo teste? - perguntou Carpathia, tendo ao fundo o som de pessoas apressando-se para servi-lo.

- Sim, senhor. Obrigado, senhor.

- Tudo bem. - Carpathia parecia cético e desinteressado.

- Teste o piloto, Suhail.

- A Sra. Ivins acaba de chegar à pista de decolagem, senhor.

- Temos tempo. Primeiro o piloto, depois Leon, depois ela. E tenho uma pergunta que quero incluir no teste dela.

O piloto parecia despreocupado, quase entediado, e respondeu rapidamente:

- Ele passou no teste - informou Akbar. - Reverendo Fortunato, o senhor está pronto?

- Não tenho nada a esconder - disse Leon.

Mas quando Akbar lhe perguntou o dia da semana, ele quis saber se a pergunta era capciosa. Suas respostas se tornaram cada vez mais chorosas e pesarosas. Mas, evidentemente, ele também passou no teste.

O avião levantou vôo. Chang ouviu Suhail conversando com a Sra. Ivins.

- Estou entendendo, madame, que a senhora está disposta a ser submetida ao teste da verdade, apenas por uma questão de protocolo.

Ela deu uma risadinha e perguntou preocupada:

- E o que será de mim se descobrirem que fui eu que passei as informações ao espião?

- Por favor, prenda isto na lapela, madame.

- Pronto.

- Diga seu nome.

- Sra. Viv Ivins.

- Hoje é domingo?

- Não, mas eu gostaria de saber se entendi bem a primeira pergunta.

Akbar riu, e prosseguiu:

- O céu é azul?

- Sim.

- A senhora é homem?

- Não.

- Trabalha para a Comunidade Global?

Ela hesitou, mas respondeu:

- Sim.

- Está tudo bem, madame, mas, apenas por curiosidade, por que a senhora hesitou?

- Nunca me considerei empregada da Comunidade Global. Sirvo ao potentado Nicolae Carpathia, como tenho feito a maior parte da vida depois de adulta. Eu trabalharia com ele mesmo que não fosse paga para isso. Mas, sim, faço parte do quadro de funcionários da Comunidade Global.

- A senhora é leal ao supremo potentado?

- Sim.

- Já fez alguma coisa que pudesse ser considerada desleal ao supremo potentado?

- Não.

- A senhora passa informações confidenciais do supremo potentado a alguém no escritório central da CG?

- Não.

- O supremo potentado ressuscitou dos mortos e é o deus vivo?

- Sim.

- Sua Excelência Nicolae Carpathia pode contar com sua contínua lealdade durante o tempo em que a senhora for empregada da Comunidade Global?

- Sim, agora e depois.

- A senhora se sentou no trono de seu templo em Jerusalém, hoje?

- Eu... não.

- Obrigado, Sra. Ivins.

Chang ouviu Akbar desatar o cinto de segurança e se afastar. Mas ficou claro que Viv Ivins o seguiu imediatamente.

- Diretor Akbar, espere, por favor. Antes que você transmita os resultados a Sua Excelência, eu gostaria de trocar algumas palavras com ele.

- Certamente.

 

- Meu senhor - ela disse em voz baixa.

- Sim, minha cara - disse Carpathia.

- Posso ajoelhar-me e beijar sua mão?

- Depende. Como você se saiu no teste?

- Não sei, mas, independentemente dos resultados, respondi tudo com a máxima sinceridade.

- Você mentiu na resposta à minha pergunta?

- Sim, senhor, mas arrependi-me imediatamente e vim pedir-lhe perdão.

Se Carpathia respondeu, Chang não ouviu.

- Eu contei ao Reverendo Fortunato o que pretendia fazer - ela disse -, e ele me aconselhou a não ir.

- Sério? Leon, você fez isso?

- Fiz, senhor.

- Melhor para você! Mas o Reverendíssimo Pai do Carpathianismo não deveria ser o único a saber que é uma grande profanação pretender sentar-se no trono de deus!

- Sinto muitíssimo, Nicolae.

Chang teve a impressão de que ela proferiu o primeiro nome de Carpathia conforme fazia quando ele era criança. Nicolae não disse nada.

- Eu não fiz aquilo como um ato de insubordinação, juro. Simplesmente senti uma ponta de inveja quando o vi sentado lá e quis ter a mesma sensação. Penso que adquiri o direito em razão...

- Adquiriu o direito? De sentar-se no meu trono? De tomar o meu lugar?

- ...de meus anos de serviço, de minha leal devoção, de meu amor por você. Oh! não me demita, meu senhor. Perdoe-me. Por favor! Nicolae!

Chang ouviu-a chorando. Em seguida, a voz de Nicolae:

- Suhail, vamos fazer o teste um no outro.

O choro da Sra. Ivins ficou mais distante porque ela devia ter voltado a seu lugar.

Akbar respondeu com rapidez e confiança. Quando chegou a vez de Carpathia, é claro que as perguntas foram levemente revisadas. Mas Carpathia estava disposto a fazer o teste.

- Diga seu nome - começou Akbar.

- Deus.

- Hoje é domingo?

- Sim.

- O céu é azul?

- Não.

- O senhor é homem?

- Não.

- O senhor serve à Comunidade Global?

- Não.

- O senhor é leal aos cidadãos sob sua autoridade?

- Não.

- O senhor já foi desleal à Comunidade Global?

- Sim.

- O senhor passa informações confidenciais a alguém do escritório central da CG, para que possa prejudicar a eficiência de seu gabinete?

- Não. E eu mataria com as próprias mãos quem fizesse isso.

- O senhor ressuscitou dos mortos e é o deus vivo?

- Sim.

- A Comunidade Global pode contar com sua contínua lealdade, enquanto o senhor for o supremo potentado?

- Não.

- O senhor me deixou perplexo, Excelência.

- E daí?

- Não sei como o senhor consegue fazer isso.

- Fazer o quê? - perguntou Carpathia.

- Todas as suas respostas foram sinceras, embora o senhor tenha brincado comigo quando disse o oposto à verdade.

- A verdade é o que eu digo, Suhail. Eu sou o pai da verdade.

 

No vôo de volta para casa, Buck ligou para Lukas Miklos.

- Imagino que você queira conversar com o jovem que lhe deve a vida, hein, Cameron?

- Quero, sim, Laslos. Lamento que todos os meus recados para você, sobre o que aconteceu naquela noite, tenham sido enviados por meio eletrônico. Não foi possível enviá-los nem mesmo por telefone. Eu gostaria de lhe ter dado pessoalmente o recado de sua esposa, mas...

- Eu entendo, meu amigo - disse Laslos, com a voz trêmula. - Lembro-me de cada detalhe. Eu gostaria de ter ido para o céu com ela.

- Não posso sequer imaginar seu sofrimento - disse Buck. - Mas a igreja necessita de você aí e...

- Ah! Cameron, sinto-me inútil aqui. Não estou livre para ajudar de uma forma mais eficiente. Às vezes, eu gostaria que a CG me encontrasse para poder testemunhar a respeito de Deus antes de ser morto.

Buck queria contra-argumentar, mas o que poderia dizer?

- Somos gratos por você nos ajudar a tirar aqueles adolescentes do país.

- Farei o que puder. Espero ter condições de levá-los ao encontro do piloto. Mas não posso arriscar-me a sair das sombras para conhecê-lo. Vou levar os dois até o lugar mais próximo possível do aeroporto. Agora, fale com o rapaz.

- Alô, senhor! - disse Marcel, e Buck lembrou-se da voz do jovem, do dia em que teve um rápido diálogo com ele.

- Estou muito feliz por voltar a falar com você, filho. Eu não esperava por esta oportunidade.

- Não sei como lhe agradecer, Sr. Williams. Sei que o senhor teve problemas por causa daquilo. Eu o verei em Chicago?

- Certamente.

- O Sr. Miklos me falou muito a seu respeito, a respeito de sua família e de seus amigos. Espero que todos estejam protegidos lá.

- Mais do que você está neste momento, acho. E a moça?

- Georgiana... hã... Stavros - disse Marcel. - Fiquei muito surpreso quando soube que a história dela era igual à minha. Fomos apresentados um ao outro num posto da cooperativa.

- E você conseguiu comunicar-se com ela?

- Está tudo certo. Vamos ao encontro dela na estrada. O Sr. Miklos ficará conosco pelo tempo que puder.

- É uma boa caminhada.

- Ele arrumou uma pessoa para nos levar de carro, pelo menos até a distância de uns três quilômetros do aeroporto. Depois, o piloto, o Sr. Sebastian, é este o nome...?

- Sim.

- Ele vai nos pegar e nos levar como prisioneiros.

- Estaremos orando por vocês todos.

           

Chang ouviu vários minutos de conversa fútil, seguida de um pungente esforço de Viv Ivins, na tentativa de se reconciliar com Nicolae e obter seu perdão. Finalmente, Nicolae chamou Akbar.

- Suhail - ele disse -, não vou substituir o Sr. Moon na função de supremo comandante.

- Entendo.

- A função e o título são redundantes.

- O senhor é quem sabe, Excelência.

- Vou confiar em você cada vez mais e talvez lhe passe responsabilidades da alçada de um supremo comandante.

- Como o senhor desejar.

- Primeira incumbência: Descubra quem está passando informações.

- Eu... nós estamos, senhor... nós já estamos fazendo uma investigação completa no palácio. Mas, conforme o senhor sabe, não encontramos nada no avião...

- Como isso pode fazer sentido? Você me disse que devia haver alguém transmitindo nossas conversas a alguma pessoa que tenha acesso ao banco de dados central.

- Foi o que achei. Estamos vasculhando o escritório central para ver se encontramos alguma falha na segurança de nossos computadores. Mas foi o falecido Sr. Hassid que instalou o sistema. E não havia melhor pessoa no mundo para fazer aquele serviço.

- O substituto dele, o sul-americano...

- Mexicano, senhor. Figueroa.

- Você confia nele?

- Ele tem um currículo excelente. Não é um técnico como foi Hassid, mas é eficiente. Ele está supervisionando o teste, e também será testado, é claro.

- Quero enviar uma mensagem a quem estiver, de dentro do palácio, querendo nos destruir. Quero que a pessoa fique em pânico, que fique na defensiva.

- Estou aberto a qualquer sugestão, potentado.

- Culpe os indianos.

- Como assim, senhor?

- Os comissários de bordo. Incrimine-os por traição.

- Mas com que prova?

- Pela lógica, eles são os únicos que poderiam ter passado informações a nosso respeito, Suhail. O piloto não esteve a bordo durante a maioria de nossas reuniões. Eles estavam.

- Mas eles passaram no teste.

- Quem mais sabe, a não ser você e eu?

- Hã-hã.

- Ninguém mais, estou certo?

- Está.

- Conte a Leon. E a Viv. Depois passe a informação para a mídia. Os dois devem desembarcar algemados em Nova Babilônia. Você tem dois pares de algemas a bordo?

- Tenho, mas...

- Algum problema?

- Estou à sua inteira disposição, senhor, mas existe uma coisa a mais. O espião verá que pegamos as pessoas erradas. Em vez de ficar na defensiva, ele poderá achar que somos oponentes fracos.

- Tanto melhor. Deixe que ele fique superconfiante. Mesmo assim, ele verá o que fazemos com gente que consideramos insubordinada.

- Se forem incriminados, a pena é a morte.

- Oh, Suhail! Se eles descerem desse avião algemados, considere-os culpados. As execuções devem ser levadas a efeito dentro de 48 horas.

- Entendido.

- E a sua consciência, diretor?

- Minha consciência?

- Conhecendo a verdade, você não vai ficar preocupado?

- Não. O senhor é o pai da verdade. Minha consciência está a seu serviço.

Houve uma longa pausa.

- Apesar de tudo, eles são competentes, não? - disse Carpathia. - Estou falando dos comissários de bordo.

- É verdade.

- Não é necessário dizer nada a eles nem algemá-los antes de aterrissarmos. Mas comece a divulgar a notícia. E, depois, precisamos discutir a solução final para os dissidentes israelenses e para os judaístas. Quero ser informado assim que você tiver uma estatística das baixas na Operação Petra.

 

Laslos gostaria de viajar com os dois jovens para a casa secreta na América. Que aventura! Mas como ele justificaria o fato de ter abandonado seus irmãos e irmãs na Grécia? O cerco estava se fechando, e poucos sobreviveriam até o Glorioso Aparecimento. Mas ninguém questionou a oportunidade oferecida aos dois adolescentes.

A idéia de levá-los ao encontro do piloto fez Laslos sentir-se vivo novamente. Mas ele temia o final da brincadeira, quando seu amigo K o levasse de volta a Ptolemaïs. Laslos teria de percorrer a pé os últimos dois quilômetros até seu esconderijo e retornar à sua terrível rotina.

De acordo com o plano, K pegaria o rapaz e Laslos no extremo norte da cidade. Eles rodariam nos arredores da cidade, tentando levar Marcel o mais perto possível da cooperativa, onde ele pegaria seus poucos pertences.

Georgiana Stavros os aguardaria no extremo sul da cidade, fora da estrada que dava acesso ao aeroporto. Cameron Williams e Marcel haviam contado a Laslos que ela era uma moça alta, de cabelos escuros, pele clara demais para uma grega, e era uma jovem bonita. Laslos imaginou que ela devia ser parecida com sua esposa, quando ele a conheceu há mais de 40 anos.

 

Chang notou que o avião de Carpathia parecia estar preparando as manobras de aterrissagem quando Suhail Akbar retornou para conversar com o potentado.

- Ah! diretor - Nicolae começou a dizer -, estamos planejando algo muito especial para quando Ben-Judá chegar a Petra, não é mesmo?

- Senhor, precisamos conversar.

- Responda à minha pergunta, Suhail.

- Sim, claro, mas eu tenho más notícias.

- Eu não quero saber de más notícias! Todos já estavam curados! Tínhamos uma grande quantidade de equipamentos para a ofensiva a Petra. Vocês iam preservar a cidade e atacar os que ainda não tivessem entrado, esperando o momento em que Miquéias e Ben-Judá estivessem lá dentro para destruí-la. O que poderia ter dado errado? Que notícias você recebeu deles?

- Nenhuma. Nosso...

- Absurdo! Eles deveriam nos informar assim que tivessem dominado os rebeldes. O mundo ficaria admirado por termos alcançado sucesso absoluto, sem disparar nenhum tiro, sem registrar nenhuma baixa em nosso pessoal versus a destruição total de meus opositores. O que aconteceu?

- Ainda não temos certeza.

- Você deveria ter enviado 200 oficiais comandantes!

- Mais que isso.

- E nem uma palavra deles até agora?

- Nossas fotografias estratosféricas, tiradas de um avião, mostram nosso pessoal avançando até o ponto de ficar a alguns metros de dominar aproximadamente 500 mil pessoas fora de Petra.

- E uma nuvem de poeira cobriria o inimigo.

- Este era o plano, Excelência.        

- E daí? O velhinho de manto marrom e barba comprida tinha um punhal escondido e revidou?

- Nossos aviões aguardaram a poeira assentar e agora não encontram nenhum indício de nossas tropas.

Carpathia riu.

- Eu gostaria de estar brincando com o senhor, potentado. As fotografias tiradas de grande altitude, dez minutos depois do ataque, mostram a mesma multidão do lado de fora de Petra, e mesmo assim...

- Nada de nossas tropas, sim, você já disse isto. E nossos armamentos? Pelo que você me contou, seria um dos maiores contingentes armados, separados em três divisões. Invencíveis, você disse.

- Sumiram.

- As fotografias podem ser transmitidas para cá?

- Elas estão em seu escritório, aguardando sua chegada, senhor. Mas o pessoal de minha confiança examinou o que vamos ver... ou melhor, o que não vamos ver.

A voz de Carpathia parecia presa na garganta, como se ele estivesse a ponto de explodir e não de falar.

- Quero que os potentados de todas as regiões mundiais estejam a caminho de Nova Babilônia dentro de uma hora -ele disse. - Qualquer um que não estiver em viagem daqui a 60 minutos será substituído. Tome providências imediatas, e, quando você souber a que horas chegará o potentado vindo da região mais longínqua, marque uma reunião de meus assessores diretos com os dez potentados e comigo, para uma hora depois. E quanto a esses judeus? - ele perguntou, falando vagarosamente. - Eles deverão estar todos dentro de Petra assim que forem transportados para lá?

- A verdade é que lá não caberão todos eles. Achamos que Petra ficará lotada e que o restante acampará nas redondezas.

- O que é necessário para arrasar Petra e a área circunvizinha?

- Dois aviões, dois contingentes, dois dispositivos de destruição. Poderíamos lançar um míssil logo a seguir para que a devastação seja completa, embora possa haver uma repetição do que aconteceu anteriormente.

- Ah! Suhail. Um dia você vai entender que não existe esse tipo de coisa. Deixe que os judeus e os judaístas pensem que foram vitoriosos. E não divulgue o fracasso de nossa operação. Nunca mandamos ninguém para lá. As tropas, os veículos e os armamentos nunca existiram.

- E quanto às perguntas de suas famílias?

- As perguntas serão feitas às famílias deles. Exigimos saber onde estão esses soldados e o que fizeram com nossos equipamentos.

- Dezenas de milhares de desertores? Vamos afirmar isso para tanta gente assim?

- Não, Suhail. Melhor ainda. Sugiro que você apareça na TV e diga ao público da CNNCG que o maior contingente militar de todas as épocas encontrou no caminho meio milhão de judeus desarmados e desapareceu em um passe de mágica! Talvez você queira usar um flip chart! Às vezes, você entende tudo; às vezes, não entende nada.

 

- Estou apavorado - disse Marcel a Laslos, quando, no início da noite, eles saíram do esconderijo.

- Não há necessidade disso, filho. Você só está empolgado. Sofreu uma tragédia, como todos nós, mas está tendo uma segunda chance. Se você não estiver protegido no meio do Comando Tribulação, não estará protegido em lugar nenhum.

Eles caminharam os dois quilômetros no escuro, em trilhas de terra, que Laslos aprendeu a conhecer muito bem. Apesar de se ter acostumado a andar a pé porque não podia mais dirigir, em razão das circunstâncias, Laslos sentia a dor e o cansaço provocados pela idade. Marcel andava mais devagar para acompanhar seus passos, e Laslos gostaria de dizer a ele que fosse na frente.

Mas queria sentir-se útil. Fazia parte da fuga, fazia parte do plano. Aqueles preciosos jovens estariam sob sua responsabilidade até o momento de se encontrarem com George Sebastian.

A uns 800 metros de Ptolemaïs, Laslos avistou o pequenino carro branco de K, estacionado distante da estrada que era muito pouco usada. Laslos parou Marcel com um toque no ombro e assobiou, imitando o pio de um pássaro. K pisou no freio, e as lanternas traseiras se acenderam por rápidos instantes.

- Isto significa que não há ninguém por perto - disse Laslos. - Corra até o carro. Vou atrás de você.

Ele sabia que Marcel queria usar suas pernas compridas para correr, e, enquanto se esforçava para andar o mais rápido possível, Laslos gostou de ver o rapaz disparando em direção ao carro. Momentos antes, K havia desligado a luz interna para que, quando a porta fosse aberta, o carro continuasse escuro. Quando Laslos chegou, K estava sentado ao volante, tendo Marcel a seu lado.

Laslos espremeu-se para entrar e sentou-se no apertado banco traseiro, atrás de Marcel. K, um homem calvo e ossudo, era mais velho do que Laslos. Usava um gorro preto de meia e falava com dificuldade por não ter a maioria dos dentes da frente. Ele disse:

- Ele ressuscitou.

- Cristo ressuscitou verdadeiramente - disseram Marcel e Laslos.

K dirigiu o carro cuidadosamente até o início do perímetro urbano e estacionou numa rua escura.

- Você sabe onde está? - Laslos perguntou ao rapaz.

- Acho que sim. A cooperativa fica no porão de uma taverna, a um quarteirão e meio daqui.

- E você sabe qual é a senha?

- Claro. Eles estão com as minhas coisas.

- E eles vão confirmar que a moça...

- Georgiana.

- ... sim, está esperando.

Marcel confirmou com um movimento de cabeça e saltou do carro. Laslos abriu rapidamente o vidro.

- Ei! Não corra - ele disse em voz baixa. O rapaz reduziu a velocidade.

K virou-se para trás, sorriu para Laslos e comentou com ênfase:

- A juventude é assim mesmo.

- Quanto tempo falta para a sorte nos abandonar, K?

K sacudiu a cabeça, e seu sorriso desapareceu enquanto falava:

- Estamos vivendo um dia por vez, Laslos.

- O que vai acontecer se você for pego?

- Será o fim - disse K. - Eles vão querer pôr a marca em mim, mas eu vou dizer para me matarem, porque não quero mais lutar.

Laslos deu um tapinha no ombro do amigo, ao tentar animá-lo:

- Mas você ainda vai fazer muito estrago antes disso, não?

- O mais que eu puder.

Marcel retornou com uma mochila de lona sobre o ombro.

- Algum problema? - Laslos perguntou.

Ele meneou negativamente a cabeça e atirou a mochila no banco traseiro, deixando um pequeno espaço para a moça.

- Ela já deve estar lá, e ninguém me seguiu. Devemos procurar uma pedra pequena em cima de duas outras, a oito quilômetros do aeroporto. Ela vai estar debaixo de um arbusto ali perto. Assim que pararmos, ela nos encontrará.

K contornou a cidade e se dirigiu à estrada do aeroporto. Eles não viram nenhum soldado ou veículo da CG. Mas Laslos, com as mãos cruzadas no colo, sentia a perna direita tremer. Quando eles passaram pela placa que marcava o limite de dez quilômetros, Laslos curvou-se para a frente e olhou o velocímetro.

Alguns minutos depois, Mareei disse:

- Lá estão as pedras!

Os faróis do carro de K iluminaram duas pedras pequenas do lado esquerdo da estrada e outra colocada intencionalmente em cima delas. Ninguém teria percebido se não estivesse procurando. K vigiava pelos espelhos retrovisores, e Laslos virou-se o mais que pôde e olhou para trás.

- Não há ninguém - ele disse.

K dirigiu-se ao acostamento. O pneu dianteiro direito quase encostou nas três pedras. Ele deixou o motor ligado e os faróis acesos, com os olhos atentos aos espelhos retrovisores.

- Vamos, moça - resmungou Laslos. - Não queremos ser vistos.

- Quer que eu vá buscá-la? - perguntou Marcel.

- Ela deveria vir ao nosso encontro, certo?

- Certo.

- Vamos fazer conforme o combinado. Se o plano mudar, não improvise.

K assentiu com a cabeça e determinou:

- Dez segundos. Não quero ficar mais que isso aqui.

- Lá está ela! - disse Marcel.

Georgiana correu até o carro, e Laslos debruçou-se sobre a mochila de Marcel para abrir a porta. Ela estava tremendo. Trajava calça jeans e camiseta branca de mangas curtas e usava um surrado boné vermelho de beisebol, que lhe cobria os olhos. Carregava uma sacola verde-escura pequena, de uns 30 centímetros de comprimento.

- Marcel - ela disse. - Que bom ver você novamente!

- Sim, oi! Vamos embora!

Ela entrou no carro e colocou a sacola entre os pés.

- O senhor deve ser Laslos. Sou Georgiana - disse apertando-lhe o braço. Seus dedos estavam frios. Ela colocou as mãos nos ombros de K. - E este deve ser K.

Marcel levantou a mão e apertou a da moça.

- Que emocionante! - ela disse, esfregando a mão na outra.

- Ele ressuscitou - disse K.

- Amém! - ela disse, com voz esganiçada. - Ele ressuscitou verdadeiramente!

- Isto é tudo o que você trouxe? - perguntou Laslos.

- É tudo o que tenho - ela respondeu, sorrindo. - E tudo de que preciso.

- Aventurar-se pelo mundo com pouca coisa além de seu nome.

- Deus é poderoso - ela disse. - Marcel me contou que o senhor tem uma arma.

- Marcel tem a língua maior que a boca - disse Laslos. - Vocês precisam aprender a falar menos e ouvir mais.

- Sinto muito - ela disse. - Estou falando demais? É que estou empolgada, só isso. Não me sinto assim desde o dia em que o Sr. Williams me libertou.

Marcel assentiu com a cabeça.

- Posso ver a sua arma, Sr. Laslos? - ela perguntou.

- Miklos. Eu não saio de casa com a arma. Não quero machucar ninguém. É para minha segurança, só isso.

- Mas K tem uma arma - ela disse, apertando-lhe novamente os ombros. - Não é mesmo, moço?

K sorriu com timidez, fez um movimento negativo com a cabeça e voltou para a pista.

- Você vê muito TV - disse Laslos. - TV americana, estou certo?

- Não muito. Porque, quando ligo a TV, é só Carpathia, Carpathia, Carpathia.

A perna de Laslos ainda tremia, e suas mãos continuavam cruzadas.

- Vocês estão prontos para agir de acordo com o plano, certo? - ele perguntou.

- Se Marcel estiver, também estou - disse Georgiana. - Foi ele quem me contou. Vamos nos encontrar com esse tal George na estrada, lá perto do aeroporto. Ele vai nos levar como prisioneiros, e o computador vai mostrar que ele está ali para isso.

- Sim, e vocês devem evitar olhar para ele, devem parecer zangados e ir diretamente para o avião com ele. Talvez fosse melhor Marcel usar seu boné, Georgiana, para encobrir os olhos. Você poderia deixar os cabelos caídos no rosto.

Ela continuava a esfregar a mão na outra.

- Acho que não vai servir nele - disse. - E como vamos reconhecer o piloto?

- Ele deve ser o único homem na estrada esperando por vocês - disse Laslos.

- Ele é grandalhão, certo? Um americano?

- Tem quase dois metros de altura e pesa uns 110 quilos - disse Marcel. - Tem cabelos claros, olhos azuis e...

- Vocês vão conhecê-lo - disse Laslos. - Precisamos orar.

- Sim - disse Georgiana. - Por favor.

- Por que você não ora? - perguntou Laslos.

- Estou muito nervosa - ela respondeu.

- Está bem - disse Laslos. - Senhor, somos agradecidos por estes jovens e te pedimos que os acompanhes e os protejas. Nós...

- Lá está ele! - disse Georgiana. - Não é ele?

Um homem jovem e alto caminhava na margem direita da estrada. Usava botas, calça cáqui e uma jaqueta clara com zíper. Seus cabelos eram muito loiros, e o rosto, moreno. Laslos não conseguiu ver a cor dos seus olhos, mas o homem parou e olhou diretamente para o carro, quando K reduziu a velocidade e passou por ele, parando a uns 50 metros adiante.

Marcel fez um gesto para abrir a porta, e Georgiana pegou sua sacola.

- Esperem! - disse Laslos. - Ele está adiantado.

Laslos abaixou o vidro e esticou a cabeça para fora, ciente de que Georgiana estava com a mão dentro da sacola, pronta para sair do carro.

- Sr. Miklos! - gritou o homem, mas Laslos pensou ter ouvido um sotaque europeu.

- Ei, Sr. Sebastian! - gritou Marcel antes que Laslos tivesse tempo de impedi-lo.

Agora, correndo e encurtando a distância entre ele e o carro, o homem gritou:

- Marcel! Georgiana!

- Continue rodando, K - disse Laslos. - Isso não está certo.

- Por quê? - disse Georgiana. - O que não está certo?

- Se for Sebastian - disse Laslos enquanto K voltava lentamente para a estrada -, ele vai continuar correndo.

- Não! - choramingou Georgiana. - Pare!

- Você não vai descer no meio da estrada - disse Laslos.

- K, vá para o acostamento - disse Georgiana com uma súbita autoridade na voz. Ela tirou da sacola uma arma possante com silenciador e encostou-a na têmpora de Laslos. - Eu vou matar você se ele não parar!

- Não pare, K! - gritou Laslos. - Marcel é dos nossos! Eu o conheço!

K parou de acelerar e se dirigiu ao acostamento.

- Pare imediatamente - ela disse. - Estou falando sério. Marcel virou-se para trás e se ajoelhou no banco para ver o rosto da moça. Em seguida, arrancou-lhe o boné e, quando o silenciador foi afastado da cabeça de Laslos, ele viu a testa de Georgiana e a marca da besta.

O assobio do rápido disparo tomou conta do carro, acompanhado do cheiro acre de pólvora, e Marcel foi atirado para trás com tanta força que ficou com o corpo dobrado embaixo do painel. O pára-brisa estava coberto de sangue, e Laslos fez uma careta ao ver o buraco na cabeça do rapaz.

- Pare imediatamente, K! - ela disse, apontando a arma para a nuca dele. O homem empurrou a direção do carro para a frente e para trás, acelerando ao máximo. O pequeno carro sacudiu violentamente, e Laslos bateu o corpo com força na maçaneta antes de seu corpanzil cair por cima da mochila de Marcel, em direção à moça.

Ela atirou no pescoço de K, fazendo-o tombar. O carro perdeu velocidade e rodou em cima de pedregulhos. Laslos passou seus braços fortes ao redor da moça e firmou os pés na porta a seu lado, tentando esmagá-la contra a outra porta. Ele esperava que a arma tivesse caído em algum lugar no momento do impacto. Mas o som de passos de mais de uma pessoa indicava que, em breve, ele estaria no céu com sua esposa.

O carro parou repentinamente, e Laslos e a moça rolaram indo de encontro ao banco de K. Dois outros homens tinham ido ao encontro do falso Sebastian, e todos portavam armas. Um deles abriu com força a porta do lado da moça e a arrastou para fora com uma das mãos. Laslos tentou firmar-se no lugar, mas faltou-lhe equilíbrio. Ele se deitou sobre a mochila de Marcel no banco traseiro, com os braços inertes, ofegando.

- Você está bem, Elena? - perguntou um dos homens. Com ar de repulsa, Laslos viu quando ela assentiu com a cabeça.

- Ele é o único que sobrou - ela disse, encostando a arma na testa de Laslos.

Ele levantou os braços, abriu as mãos em direção ao céu e fechou os olhos.

 

- Estamos com falta de pessoal esta noite, senhor. A autorização impressa é mais rápida do que procurar no computador. O senhor se importa?

- Eu entendo - disse George. - Mas, conforme eu lhe disse, o velho Elbaz me mandou fazer vôos de reconhecimento sobre um território rebelde no Neguev, e todos nós fomos forçados a deixar nossas identidades no quartel-general da unidade. Está tudo no computador.

O funcionário do aeroporto proferiu um palavrão, ao comentar: - Eles nunca imaginam o que essas decisões significam para nós, pobres coitados.

- Eles nunca pensam em nada - disse George. - Sinto muito.

- O que você vai fazer? - perguntou o funcionário, suspirando enquanto batia os dedos em cima do monitor, aguardando a informação. - Ei, e todos aqueles sujeitos que desertaram na Jordânia?

- Eu não fui tentado a isso - disse George. - Foi a coisa mais estranha que já vi.

- Você teve feridas no corpo?

- Quem não teve?

- Aqui está. Tudo bem. Você tem um número para me dizer? Seis dígitos.

- Zero-quatro-zero-três-zero-um.

- Correto. E onde estão seus prisioneiros?

- Detidos na estrada.

- Precisa de um veículo?

- Seria ótimo.

- Você vai voltar em seguida?

- Sim. Vou prendê-los no avião e trazer o veículo de volta para você.

O funcionário atirou-lhe um molho de chaves e apontou para um jipe. George achou que se acostumaria a trabalhar para o Comando Tribulação, se tudo fosse assim tão simples. Talvez não o fosse.

Ele rodou dois quilômetros pela estrada e parou no acostamento. O que ele estaria vendo a distância? Uma moça? Sozinha? Ele acendeu os faróis. Ela estava correndo em sua direção. Gritando.

George desceu do jipe e também gritou:

- Georgiana?

- George?

- Sim!

- Caímos numa emboscada!

Quando a moça se aproximou, George viu que ela estava coberta de sangue. Ele tentou ampará-la.

- O que aconteceu? Onde estão os ou...

A moça tombou em sua direção, passou os braços ao redor da cintura dele e gritou:

- Desarmado!

Dois homens - um, mais ou menos da altura de George -, saíram do meio dos arbustos com armas apontadas para ele. Outro chegou com um jipe, abrindo as portas.

O grandalhão entrou no jipe de George. O outro mantinha a arma apontada para ele, enquanto a moça o algemava e colocava uma venda em seus olhos. Ele pensou em atirar seu corpanzil contra ela; fazê-la pagar pela traição. Mas queria conservar sua força, caso houvesse uma chance de escapar. Eles o empurraram para dentro do jipe e, assim que partiram, George ouviu o outro veículo os seguindo.

- Vamos nos divertir com você, ianque - disse o motorista. - Quando a brincadeira terminar, saberemos tudo o que você sabe.

Isso é o que vamos ver, pensou George - e ele teve vontade de dizer isso ao motorista. Mas já havia feito bobagens suficientes, deixando o avião e suas armas desprotegidos, e aventurando-se desarmado no território inimigo por confiar num plano arriscado, engendrado por irmãos bem-intencionados, mas que eram amadores. Talvez o cavalo já tivesse fugido pela porta aberta do estábulo, conforme dizia o provérbio. Porém, tarde demais ou não, George lembrou-se das lições aprendidas no treinamento. Além de não dizer "Isso é o que vamos ver", ele não abriria a boca. Aqueles homens só saberiam que ele não era mudo se o tivessem ouvido falar com a moça. Se ele não conseguisse fugir, sua próxima palavra seria proferida no céu.

George balançou de um lado para o outro e perdeu o equilíbrio quando o jipe acelerou. Continuou batendo o corpo contra a porta, até quase cair no colo do homem, à sua esquerda. O homem continuava a empurrá-lo para que ele mantivesse o corpo ereto. Ele poderia firmar os pés para não sacolejar muito, mas não se importava de que seus 113 quilos irritassem o inimigo.

- Então, você é George Sebastian, de San Diego - disse o motorista -, um judaísta recrutado recentemente. Com um pouco de informações, você vai ganhar um jantarzinho. E, com um pouco de sorte, verá sua mulher e seu filhinho antes do que imagina. Está com fome?

George não respondeu, nem sequer com um movimento de cabeça.

- Não tem família, talvez?

O homem ao lado de George, menos fluente em inglês, perguntou:

- Você sabe mesmo quem é Elbaz? Porque acho que nós sabemos.

- Nós sabemos! - disse a moça.

Na curva seguinte, George deixou que seu corpo caísse em cima do homem, que o empurrou de volta.

- Sente-se direito, seu grandalhão estúpido!

 

Cochilando sobre o Atlântico, e feliz como nunca por estar voltando para casa, Rayford pensou, a princípio, que o toque do telefone fosse um sonho. E ele gostaria que fosse. O identificador de chamadas mostrou que a ligação procedia do Colorado. Antes que Rayford tivesse tempo de falar, uma voz estranha e nasalada disse:

- Creio que segui suas instruções sobre como ligar para você com segurança. Mas você poderia confirmar, antes que eu prossiga?

Rayford sentou-se com o corpo ereto.

- Um momento - ele disse, imaginando saber com quem estava falando. Depois de verificar a informação contida no minúsculo visor de cristal líquido, conforme David o instruíra, ele prosseguiu. - Tudo bem. Vá em frente.

- Você está com problemas - disse a voz. - Tem alguém, dentro do palácio de Nova Babilônia, para substituir seu companheiro que morreu?

Rayford hesitou.

- Ei, sou eu - disse a voz.

- Eu, quem?

- Ah! você talvez me conheça como Pinkerton Stephens. Funcionário da CG, no Colorado.

- Eu preciso ter certeza absoluta, Sr. Stephens.

- Conhecido como Steve Plank.

- Diga mais alguma coisa, por favor.

- O nome de seu neto é Kenny Bruce.

- Como você sabe que nosso companheiro morreu?

- Todo mundo sabe, homem. Ele não afundou com outros três, bem na frente de Carpathia?

- Não foi bem assim, Steve.

- Está bem, Capitão. De qualquer forma, o pessoal de Nova Babilônia pensa que ele está morto. Portanto, ele não deve estar lá dentro.

- Temos cobertura lá dentro.

- Ótimo. Então, talvez você já tenha tomado conhecimento.

- Do quê?

- De seu problema. Onde você está? Rayford lhe contou onde estava.

- E você não tem recebido informações atualizadas do palácio?

- Penso que sim.

- Você está sob suspeita.

- A minha pessoa? - perguntou Rayford.

- Na verdade, não é bem assim. Mas isso depende dos codinomes que vocês estão usando. Acabo de receber um boletim, estritamente confidencial, expedido pela alta cúpula do Serviço de Inteligência. E, pela primeira vez, achei que era chegada a hora de atender seu pedido de ser informado.

- Prossiga.

- O codinome que seu amigo - aquele que conheci -, está usando foi descoberto. O Serviço de Inteligência e Segurança está reunindo provas de que o subcomandante Marcus Elbaz é um ex-comerciante do mercado negro de Al Basrah.

- Como?

- A maior parte desta informação partiu da Grécia, Rayford.

- Oh, não. Não me diga que estávamos enganados a respeito do sujeito que mandamos para lá.

- Sebastian? Não, ele é ponta firme. Mas caiu nas mãos deles.

- Oh! não! Comece a me contar tudo de novo.

- Esse tal de Elbaz está pilotando seu avião neste momento, certo? E a aeronave indica claramente que pertence à CG.

- Correto.       

- Os nomes dele e da aeronave aparecem nas telas de todo o pessoal, portanto não...

- Entendi. Não aterrisse como CG nem como Elbaz.

- Você está programado para pousar em Kankakee, certo?

- Isso mesmo. O que aconteceu na Grécia, Steve?

- Vamos com calma. Primeiro, acho que descobri uma maneira de você pousar perto do lugar aonde quer chegar. Você quer voltar a Chicago, correto?

- Positivo.

- Está bem, preste atenção. Fiz um pedido cuja carga está saindo de Maryland, com escala em um campo de aviação auxiliar, onde ficava o aeroporto de Midway. É o lugar mais próximo de Chicago em que eles permitem aterrissar, por causa da radiação, você sabe.

- Certo.

- Você sabe tão bem quanto eu que poderia pousar em Meigs.

- No lago?

- Claro.

- Será que não vamos atrair nenhuma suspeita dos aviões de reconhecimento da CG que detectam calor na estratosfera?

- Não, se o seu contato no palácio mantiver os falsos níveis de radiação em ritmo crescente no banco de dados.

- Pelo que me lembro, este jato é muito grande para pousar em Meigs.

- Você tem o dispositivo de propulsão reversa, não?

- Claro.

- Ele pode ser usado. Mas lá não há ninguém em terra, é claro. Preste atenção, Ray: Se seu contato ainda estiver acompanhando a radiação em Chicago e as informações que a CG tem sobre isso, acho melhor ele fazer um exame mais minucioso ali.

- O que você quer dizer com isso?

- Duvido que alguém mais tenha se preocupado com Chicago nos últimos tempos. Mas, para ter certeza de que eu não estou conduzindo vocês para uma armadilha, examinei aquela área e constatei sinais de movimento e calor nas últimas horas.

- Antes de sairmos de casa a pé, de carro ou de helicóptero, nós sempre avisamos o nosso contato para que ele possa ter ciência de qualquer alteração que venha a ocorrer nos medidores.

- Bem, alguém andou por lá, durante pouco tempo. Mas o tempo suficiente para levantar suspeitas.

- Vamos voltar ao assunto da Grécia, Steve. Sabemos que a falsa identidade de Buck, como Jack Jensen, já era.

- Esta não é a pior parte. Ele libertou dois jovens de um centro de detenção. E um deles, a moça chamada Stavros, foi capturada. Ela não teve culpa; é apenas uma adolescente. Mas, pelo jeito, deu com a língua nos dentes. A história que ela contou bate com as informações que a CG tinha sobre o rapaz que usou o nome de Paulo Ganter. É claro que Ganter continuou lá, e, pelo processo de eliminação, eles descobriram quem fugiu.

O rapaz chama-se Papadopoulos. Os pais dele se recusaram a receber a marca. A CG da Grécia arrumou uma espiã, uma jovem com características semelhantes às de Stavros. Ela começou a fazer perguntas sobre o rapaz até encontrar alguém que aproximou um do outro. Ela contou sua história ao rapaz, uma história muito parecida com a dele. Contou que foi libertada pelo mesmo homem, que ninguém a seguiu, que não tinha ligação com pessoas que poderiam saber que ela não era quem dizia ser e...

- ...levou nosso pessoal a cair numa emboscada.

- Sim. E isso é mau, Rayford.

- Conte-me o resto.

- A CG diz que a emboscada foi rápida. E que o pessoal deles acabou matando um velho, chamado Kronos, um peixe grande, chamado Miklos, e o rapaz.

Com o telefone encostado na orelha, Rayford colocou a mão na cabeça e fechou os olhos, ouvindo apenas o zunido dos motores do jato.

- E Sebastian? - ele perguntou.

- Continua vivo, e bem. Mas a CG está confiante de que vai conseguir dele as informações que quiser, até chegar ao Dr. Ben-Judá. Ele é um ex-militar. Portanto, deve ser mais durão do que eles pensam.

- E ele não sabe muita coisa.

- Era ele quem levaria os jovens até você, certo? Deve ter informações suficientes para comprometer você.

- Tem. Você faz idéia do que aconteceu com a verdadeira Stavros?

- O que eu acho está na cara, agora que eles pegaram um dos seus. Ela foi útil para eles.

- Não devemos imaginar o pior.

- Ah! claro que sim, Rayford. Claro que sim. É o que eu penso.

Plank perguntou a Rayford se havia alguém a bordo, cujo rosto não fosse conhecido da CG.

- Temos três pessoas a bordo que foram dadas como mortas - disse Rayford.

- Alguma delas tem feições de alguém do Oriente Médio?

- Há um jordaniano.

- Perfeito. Ele tem um turbante?

Rayford inclinou o corpo de lado e despertou Abdullah.

- Você tem um turbante ou pode conseguir um? - ele perguntou. Abdullah fez sinal de positivo com o polegar e voltou a dormir.

- A resposta é positiva, Steve.

- Você pode pôr esse sujeito para falar no rádio e fingir que é seu piloto?

- Ele é piloto.

- Perfeito. Estou lhe passando o novo nome dele e um número para vocês poderem abastecer em Maryland. Depois de lá, sua próxima escala deveria ser no Aeroporto da Ressurreição, aqui, no sul de Colorado Springs. Você não virá para cá, é claro.

- Não, mas você vai nos incluir no sistema como se tivéssemos ido.      

- Claro.

- Palavras só não bastam, Steve...

- Ei, um dia destes vou precisar de um lugar para me esconder... se eu viver até lá.

Buck, Hannah, Leah e Mac estavam dormindo. Rayford preferiu contar apenas a Albie aquilo que estava se passando. Haveria tempo suficiente para que Abdullah e Albie trocassem de lugares. Rayford ligou para Chang.

 

Doze horas depois, Chang estava sentado diante de seu terminal, no escritório, grato por ter conseguido dormir, após uma enxurrada de atividades de emergência. Ele gostaria de saber como David conseguia fazer tudo aquilo sozinho. Orou para que Deus o livrasse de tantas responsabilidades ou enviasse alguém para ajudá-lo. Chang não sabia se existiam outros crentes em Nova Babilônia, mas continuava esperançoso. Enquanto acompanhava os terríveis relatórios sobre morte e destruição, nas águas sangrentas dos mares, ele gravava a reunião dos dez potentados regionais com Carpathia, Akbar, Fortunato e Viv Ivins.

As horas de trabalho eram intermináveis, e Chang estava caminhando na corda bamba. Precisava aparentar um comportamento irrepreensível e, ao mesmo tempo, manter uma atitude tipicamente irreverente. David o advertira de que, se ele aparentasse ser mais que competente, alguém poderia supor que fosse verdade. E, por ser novato como colaborador junto ao Comando Tribulação, ele temia que, emocionalmente falando, não fosse capaz de manter o mesmo ritmo.

A morte de David o deixara abalado. Ele não podia imaginar como os outros estavam enfrentando a perda da Srta. Durham e, em seguida, do principal contato deles na Grécia. A situação tendia a piorar cada vez mais. Medo e solidão não deviam fazer parte de seus sentimentos. Ele orou, suplicando a Deus que o mantivesse tranquilo, forte e capaz de levar adiante sua tarefa, apesar do perigo e das tragédias, até o dia em que ele transferisse sua missão para outra pessoa.

 

Em Petra, Chaim sentia-se como se já estivesse no céu. Como Deus foi capaz de tornar tão harmônica a convivência entre um milhão de crentes? Chaim lembrou ao povo que Tsion Ben-Judá prometera vir para lhes falar pessoalmente. Os gritos de alegria foram tantos que ele mal podia aguardar a chegada daquele dia.

- Vocês sabem - ele disse, em tom de voz normal, que, por um verdadeiro milagre, era ouvida por todos os que estavam sob seu comando - que a Palavra de Deus nos diz que viveremos aqui sem sermos molestados. Nossas roupas não se gastarão com o uso. Seremos alimentados, e nossa sede será saciada até que a ira de Deus contra seus inimigos termine. João, o Vidente de Patmos, disse que viu "um mar de vidro, mesclado de fogo, e os vencedores da besta, da sua imagem e do número do seu nome, que se achavam em pé no mar de vidro, tendo harpas de Deus..." (Apocalipse 15.2). Meus amados irmãos, aqueles que João teria visto em sua revelação do céu e que venceram a besta são os que foram martirizados pela besta. A morte é considerada vitória por causa da ressurreição dos santos!

- Cantem comigo o cântico de Moisés, o servo de Deus, e o cântico do Cordeiro que diz: "Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus, Todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei das nações! Quem não temerá e não glorificará o teu nome, ó Senhor? Pois só tu és santo; por isso, todas as nações virão e adorarão diante de ti, porque os teus atos de justiça se fizeram manifestos" (Apocalipse 15.3,4).

João menciona que ouviu o anjo das águas dizer: "Tu és justo, tu que és e que eras [e que hás de ser], o Santo, pois julgaste estas coisas" (Apocalipse 16.5).

E o que aconteceu com nossos inimigos - prosseguiu Chaim -, que derramaram o sangue de santos e de profetas? Deus transformou as águas dos oceanos em sangue, e em breve Ele também transformará as águas dos rios e dos lagos em sangue, dando a eles sangue para beber, porque são dignos disso.

Mas o que nós, o seu povo, comeremos e beberemos aqui neste lugar de refúgio? Alguns olharão ao redor e dirão que se trata de um lugar desolado e árido. Porém, Deus diz que, ao crepúsculo da tarde, comeremos carne, e, pela manhã, nos fartaremos de pão. E saberemos que Ele é o Senhor nosso Deus.

No início daquela noite, um bando enorme de codornizes tomou conta do local, e um milhão de santos alimentou-se delas, assando-as sobre brasas. De manhã, quando se evaporou o orvalho, na superfície do solo rochoso havia flocos finos semelhantes a geada.

- Nós não precisamos perguntar uns aos outros, conforme fizeram os filhos de Israel: "Que é isto?" - disse Chaim. - Porque sabemos quem nos proporcionou alimento em forma de pão. Peguem, comam e vejam. Eles são recheados e doces como wafers feitos com mel. Conforme Moisés disse ao povo: "Isto é o pão que o SENHOR vos dá para vosso alimento" (Êxodo 16.15).

- E o que beberemos? Outra vez, o Deus Todo-Poderoso tem providenciado.

Chaim levantou os braços. Fontes de água fresca e cristalina jorraram das pedras em todos os quadrantes de Petra. Água suficiente para todos.

 

O reabastecimento, em Maryland, transcorreu sem incidentes. Mas Rayford se preocupava com o dia em que não teria mais ninguém para atuar como falso agente da CG. Duas horas depois, ele assumiu o controle da aeronave, para pousar numa pequena pista ao lado do Lago Michigan, perto do que restou do centro da cidade de Chicago. Seus passageiros estavam descansados, mas atônitos diante das notícias relatadas por Steve Plank.

Essas notícias também haviam provocado um efeito devastador na casa secreta. De Nova Babilônia, Chang informou que conseguira encobrir, no computador, os sinais de movimento e calor provocados por Chloe. Se esta providência não tivesse sido tomada, aquilo poderia levantar suspeitas. Por telefone, Tsion contou a Rayford que Chloe estava arrasada por ter sido a responsável.

- Mas ela tem notícias extraordinárias - disse o Dr. Ben-Judá. - E insiste em buscar vocês. Claro que o jovem Wong está acobertando o pouso e o transporte de vocês até aqui.

A aterrissagem foi um teste para as habilidades de Rayford. Quando tocou no solo, o mais próximo possível da água, ele pensou se não teria sido melhor deixar Mac no comando. Mas a propulsão reversa lhe permitiu espaço suficiente, e ele manobrou o jato entre dois edifícios abandonados, onde poderia ser reconhecido da estratosfera apenas por um ângulo e durante poucos segundos por dia.

Os outros passageiros permitiram que Buck descesse na frente para abraçar Chloe. Ela foi até lá dirigindo um Humvee encontrado na garagem do Edifício Strong. Ming a acompanhou para carregar Kenny. Rayford esticou o corpo e observou o encontro deles enquanto os outros cinco desciam do avião e pegavam suas bagagens. As apresentações foram feitas depois que todos estavam protegidos na casa secreta. Eles se ajoelharam, oraram e choraram a perda de seus queridos que morreram por ter arriscado a vida. Rayford mostrou-lhes a urna com as cinzas de Hattie, e Hannah passou de mão em mão o telefone celular de David.

- É claro que não vamos deixar esse tal George abandonado na Grécia, certo?

- Claro que não, Zeke - disse Mac. - Mas precisamos planejar muita coisa em pouco espaço de tempo. E você vai ter tanto trabalho quanto qualquer um de nós.

- Eu conheço algumas pessoas que vão querer ajudar - disse Chloe.

 

O dia de Chang foi recheado de boatos e mexericos feitos por seus colegas de trabalho. Dois comissários indianos do avião de Carpathia foram condenados à morte por passarem informações secretas a um espião em Nova Babilónia. Todos estiveram sob suspeita e foram testados.

O convite geral para todos os funcionários visitarem o novo e deslumbrante escritório do supremo potentado foi suspenso, em razão de seu retorno antecipado de Israel. Mas aqueles que o viram encantaram-se com o teto alto e transparente, dando a impressão de que o escritório subia até o céu. O local foi ampliado. As paredes da sala de reuniões e das salas adjacentes foram demolidas para formar um espaço imenso no qual o rei do mundo poderia relaxar, tratar de negócios ou realizar reuniões. E foi o que ele fez durante o dia inteiro: reunir-se com os potentados das dez regiões mundiais.

Chang dirigiu-se apressadamente a seu apartamento, para ouvir a gravação daquela reunião. Antes, porém, ele examinou as cópias das informações enviadas com uma velocidade espantosa ao mundo inteiro pelo seguro sistema de computadores de Petra. Que emoção inigualável ver os pronunciamentos de Chaim e os relatos dos milagres transmitidos a todas as partes do planeta!

Imediatamente começaram a chegar notícias de que povos de todos os continentes imprimiram essas informações e as passaram adiante, por meios eletrônicos, encorajando as igrejas secretas domiciliares. Muitas pessoas estavam se convertendo. Os indecisos e desiludidos com Carpathia procuravam os crentes, e um reavivamento internacional estava ocorrendo diante dos olhos de Chang.

E Carpathia tinha muitas coisas a tratar em sua reunião de alto nível. Ele acalmou rapidamente as bajulações sobre suas novas conquistas e voltou a falar de assuntos de seu interesse.

- O mundo tem mudado nos últimos dias, cavalheiros - ele disse -, na mesma intensidade em que mudou nos últimos três anos e meio. Por favor, não levantem as mãos, ainda. Conheço todos os seus problemas, mas hoje quero falar dos meus. Sem uma intervenção milagrosa, a catástrofe que atingiu os mares não poderá ser solucionada em breve. Devemos usar de criatividade para resolver esse problema. Mas vocês notaram uma coisa, meus amigos? Para mim, está tudo muito claro. Será que vocês têm a mesma visão que eu? Temos de creditar aos judeus a situação difícil em que nos encontramos.

Sim, aos judeus. Quem foram os últimos a aceitar o carpathianismo? Os judeus. Quem é o novo Moisés deles? Um homem que diz chamar-se Miquéias, mas que acreditamos ser nada mais nada menos que o judeu que me assassinou em vão, o Dr. Chaim Rosenzweig.

Quem são os judaístas? Eles dizem que são seguidores de Jesus; mas seguem Ben-Judá, um judeu. O próprio Jesus era judeu. Essa gente gosta de se referir a mim como o Anticristo. Bem, eu vou ser o antijudeu. E vocês também. Isto é guerra, cavalheiros. E quero que estas minhas determinações sejam cumpridas em todas as dez regiões do mundo.

De minha parte, estou planejando atacar e erradicar os tais crentes em Jesus, que não passam de devotos de Ben-Judá. O próprio Tsion Ben-Judá, que diz ter um bilhão de seguidores, anunciou publicamente algo que provará ser seu erro fatal. Ele aceitou um convite do frágil Miquéias sei-lá-o-quê, o responsável pela praga das úlceras e dos mares de sangue, para falar pessoalmente em Petra, ao milhão de covardes que se recusaram a manifestar lealdade a mim e fugiram como crianças na primeira oportunidade.

- Excelência - disse alguém -, o senhor não poderia detê-los antes que cheguem a Petra?

- Por favor, não me interrompa! Claro que temos condições de dominá-los. Mas eles tornaram nossa tarefa mais fácil e mais econômica. Estão todos num único lugar, e, assim que Ben-Judá cumprir sua promessa, vamos recebê-lo com uma surpresa. Ou duas. Ou três. O diretor do Serviço de Inteligência e Segurança, Suhail Akbar...

- Obrigado, Vossa Divindade - disse Akbar. - Estamos vigiando atentamente as atividades dos judaístas, e, apesar de não termos conduzido os judeus para Petra, eles próprios se confinaram naquela área, poupando-nos esse trabalho. Estamos preparados para enviar dois bombardeiros do tipo caça quando Ben-Judá estiver a caminho, e lançaremos uma bomba de cada aeronave, diretamente sobre Petra, alguns minutos depois de sua chegada. Acreditamos que Ben-Judá já deve estar a uma hora ou duas de Petra. Em seguida, lançaremos um míssil para que a destruição seja total. Esse míssil foi programado para ser lançado de um navio, mas agora será lançado de terra.

Chang foi forçado a rir. O pessoal do Serviço de Inteligência caíra na armadilha do horário quando, na TV, houve uma aparição simulada de Tsion.

Carpathia retomou a palavra:

- Os judaístas provaram ser adoradores de heróis. E agora são dependentes das baboseiras enviadas diariamente, via Internet, por Ben-Judá. E a morte dele vai significar o fim desse aborrecimento para nós. Apesar de estarmos cientes de outros focos de resistência do movimento judaísta, não acreditamos que qualquer outro líder tenha o carisma ou a liderança necessários para lutar contra nossos recursos ilimitados.

Mas não se enganem, meus amigos leais. Há judeus por toda parte do mundo. Será que existe um potentado aqui em condições de afirmar que, em algum lugar de sua região, não existe uma concentração significativa de judeus? Não, claro que não. Tenho uma boa notícia para vocês, algo que os fará esquecer o transtorno desta viagem feita às pressas em razão de meu pedido. Estou abrindo os cofres para este projeto, e nenhum pedido justificável será negado. Esta é uma guerra que vencerei, a qualquer custo.

Mantenham seus centros de aplicação da marca da lealdade e façam uso dos instrumentos de imposição. Porém, a partir de agora, não executem os judeus que forem descobertos sem a marca. Quero que eles sejam presos e sofram. Usem as instalações que vocês já possuem e construam novos centros, tão logo seja possível. Não precisam ser requintados, nem bonitos; apenas seguros. Sejam criativos e troquem ideias entre vocês. Quero que essa gente mude de idéia, ou implore para morrer. Não lhes concedam essa regalia.

Sobrarão poucos judaístas para terem compaixão deles. Estarão sozinhos; tão sozinhos como nunca estiveram, embora dividindo a mesma cela com outros judeus. Não há limites para a degradação que estou pedindo, exigindo da parte de vocês. Nada de roupas, nada de aquecimento central, nada de ar-condicionado, nada de remédios. Apenas comida, o suficiente para mantê-los vivos para mais um dia de sofrimento.

E quero relatórios, cavalheiros. Fotografias, prestações de contas, descrições, gravações. Essa gente vai se arrepender de não ter optado pela guilhotina. Transmitiremos pela TV suas melhores idéias, as mais criativas. Desde os tempos mais remotos possíveis, esses miseráveis têm reivindicado o título de "povo escolhido de Deus". Bem, agora eles sabem quem é o seu deus. Eu os escolhi; tudo bem. E eles não encontrarão nem a morte para se esconder.

Façam seus pedidos para fundos, equipamentos, veículos e armamentos necessários para tirar essa gente da toca. O potentado que demonstrar habilidade para mantê-los vivos pelo maior espaço de tempo, apesar das torturas impostas, será recompensado com o dobro da verba para o orçamento do próximo ano.

Alguma pergunta?

 

George Sebastian planejara se alimentar só depois de ter os dois adolescentes a bordo e estar novamente livre no ar, deixando a Grécia para trás. Agora, claro, a fome era o último de seus problemas, mas a fraqueza também não o ajudaria em nada.

Os gregos, particularmente os assassinos que lhe tinham armado uma emboscada, e, conforme ele imaginava, as pessoas com as quais deveria ter-se encontrado, tinham ajuntado uma boa quantidade de água para uso próprio. A notícia do que havia ocorrido com os mares levara todas as pessoas a correrem para os lagos e rios, a fim de estocar peixes de água doce. Em breve, a água valeria mais do que ouro.

Seus captores estavam bem entrosados - disto ele sabia. Pelos cálculos de George, depois de terem dirigido mais de 40 minutos, em direção ao norte, e outros 20, em direção ao leste, eles rodaram em terra fofa, e ele ouviu som de folhas e galhos de árvores batendo contra o jipe. Parecia que o veículo do qual ele se apropriara continuava a segui-los.

George sentia-se grato por seu treinamento, que incluíra venda nos olhos e simulação de tortura. Naquela época, ele ficava atônito diante da sensação de abandono que tomava conta de sua mente, apesar de saber que estava entre amigos. Estar amarrado e com os olhos vendados, mesmo sabendo que não ia morrer, era uma coisa horrível, doentia e temível. Ele havia aprendido a sentir fome e sede.

Porém, a parte mais angustiante era sentir-se abandonado por muito tempo. Sua mente poderia pregar-lhe uma peça. Ele retrocedeu no tempo, e agora estava na Califórnia, não muito distante de San Diego, não muito distante de casa. Mas suas técnicas para controlar o tempo e seus artifícios para se manter calmo e com o raciocínio perfeito dissiparam-se rapidamente com o passar dos minutos. O recruta jovem, forte e sadio começou a imaginar que haviam decorrido horas.

Ele queria assimilar as lições que aprendera nos treinamentos e usá-las agora. Mas detestava até mesmo lembrar-se daquela experiência. O fato de não dispor de qualquer recurso era a pior parte. George foi considerado um dos soldados mais criativos e inovadores de seu pelotão. Quando eles eram atirados no meio da mata, a 50 quilômetros da base, usando apenas short e botas, ele sempre era o primeiro a voltar. Sabia improvisar, encontrar o caminho baseando-se nas sombras, nas folhagens, na intuição. Sabia como se proteger do sol, evitar andar em círculos - um distúrbio comum a pessoas que perdem o senso de direção.

Mas ser deixado dentro de um quarto escuro, sem ouvir sequer a respiração de outra pessoa, sem ouvir sons abafados, vindos do lado de fora, dos oficiais ou de seus companheiros recrutas, calculando quanto tempo ele aguentaria ali, isso sim tinha sido uma verdadeira tortura. Apesar de conseguir livrar-se rapidamente das cordas que o amarravam, ele não conseguia soltar uma mão da outra. Mas, para ajudar o tempo passar, ele era capaz de se levantar e caminhar, procurando ter uma noção do cômodo, capaz de lembrar-se de canções e poemas, datas de nascimento e ocasiões especiais.

Porém, quando, depois de se terem passado duas horas, ele começava a perder a noção do tempo, George sentia vontade de gritar, dizer a seus companheiros que já era o bastante, que tinha chegado ao seu limite, que era tempo de retornar à situação normal. Mas atitudes como aquelas não eram próprias de pessoas fracas e medrosas? Ele tinha de admitir que queria gritar, berrar, implorar e suplicar, chutar a parede, perguntar se o haviam esquecido ali.

Chegou a sucumbir à tentação de fazer barulho para que, se pelo menos tivesse sido esquecido ali, alguém se lembrasse dele e o libertasse, fingindo que o esquecimento fazia parte do treinamento.

Ele se lembrou do que significava sentir fome, sede e desespero; mas sempre havia aquela segurança contra qualquer perigo. Nas profundezas do torvelinho de sua mente havia a certeza de que aquilo não passava de um treinamento. Não era real. Não havia nenhuma ameaça à sua saúde, à sua vida e à sua mente. Ninguém iria infligir-lhe danos permanentes, ninguém ameaçaria a vida de sua nova noiva, nada aconteceria a seus pais.

Seus superiores haviam treinado os soldados nos princípios básicos da meditação transcendental, que a maioria deles entendia ser destinada a pessoas excêntricas, drogadas e a homens piedosos do Oriente. Contudo, George enxergara algumas vantagens em aprender a raciocinar além de sua consciência, ou pelo menos tentar fazer isso. Mesmo naquela época, mesmo antes de se tornar cristão, ele não queria saber de nada que tivesse relacionamento com qualquer aspecto religioso da meditação. Porém, ele almejava transcender esta vida, alcançar um estágio além de si mesmo, ser capaz de elevar seus sentidos e emoções a um plano onde ele estaria seguro das ameaças que atingem os simples mortais.

Aquilo não funcionou por muito tempo. E, naquele momento, era disso que ele sentia medo. Agora a situação era real. Embora ele controlasse a respiração e dissesse a si mesmo para não pensar em fome e sede, não conseguia afastar essas duas coisas da mente. Quanto mais tentava, mais fome e sede sentia.

Ele foi cutucado durante toda a noite - nenhuma claridade podia ser vista através da venda em seus olhos - pela coronha de um rifle. Quanto mais tentava catalogar o máximo de informações possíveis para se lembrar de tudo, desde o momento em que a moça o fizera cair na armadilha, mais suas emoções deixavam-no envergonhado.

Não, ele não foi responsável pela captura dos adolescentes e das pessoas que os ajudaram. Por ter ficado empolgado com a missão, ele não a tratara como se fosse uma operação militar. O que aconteceu no Neguev foi, pura e simplesmente, uma guerra - exceto quando eles foram cercados por um poder superior e o conflito armado foi reduzido a nada. Sua alma foi reconfortada quando ele viu o que aconteceu com aqueles que desafiaram o poder de Deus. Nosso general é melhor que o general de vocês, ele pensou, portanto, o jogo acabou.

Aquela lembrança quase o fez sorrir. Por que ele devia temer as pessoas que o mantinham preso, se Miguel, o arcanjo, poderia aparecer e fazê-los desmaiar de medo?

Alguém o levantou, e ele ouviu duas portas sendo abertas. Ao ser empurrado para dentro, ele percebeu que havia luz acesa. Mais alguns passos, outra porta, um odor de mofo, um empurrão vindo de trás, degraus levando-o para baixo -mas quantos? Com muito cuidado, ele começou a tatear com os pés, mas foi empurrado novamente. Tentou equilibrar-se, mas não conseguiu.

George não fazia idéia de quantos degraus da escada de madeira ele rolaria. O melhor que pôde fazer foi encostar o queixo no peito, fechar os olhos com força e proteger o peito com os joelhos. Ele contou dois, três, quatro degraus... Depois, sentiu o chão de terra batida. A velocidade com que ele caiu o fez rolar duas vezes. Enquanto rolava, ele esperava bater alguma parte do corpo numa parede.

Quando finalmente parou deitado do lado direito, ele percebeu, pelos sons dos passos, que seus pés estavam de frente para seus captores. George continuou com os joelhos encostados no peito, fingindo que a dor era maior do que a que ele sentia. Gemendo baixinho e sem se mover, ele aguardou até que os passos se aproximassem. Em seguida, com toda a sua força, lançou os dois pés para a frente.

Se ele tivesse visto o homem diante de si, poderia ter quebrado as duas pernas dele. Mas conseguira atingir apenas uma perna. O joelho do homem parecia ter afundado. Ele gritou, voou para o outro lado, e rolou no chão, soltando a arma.

- Idiota! - disse o outro homem, e George ouviu a moça conter o riso.

- Eu vou matá-lo! - gritou o que estava no chão, gemendo e choramingando de dor, enquanto tentava se levantar e engatilhar a arma.

- Pare! - disse o outro. - Ele é a nossa única fonte de informação.

- Bem, ela não precisava ter matado todos os três.

- O que está feito está feito; portanto, não cometa mais uma estupidez.

- Mais uma?

- Você pensa que sou bobo? O que você estava fazendo lá? George sentiu o cano de uma arma em sua nuca.

- Fique quietinho aí, grandalhão. Levante-se.

Alguém o segurou firme pelos pulsos, puxando-o para forçá-lo a se levantar. Ele obedeceu para não machucar os braços e foi levado até uma cadeira onde o fizeram sentar. A impressão era de que apenas dois homens e a moça estavam ali com ele. Som de passos vindos de cima. Ele reduziu o ritmo da respiração para poder ouvir.

O homem de cima estava falando, mas não havia voz de outra pessoa. Ele estava ao telefone, falando sobre o carro, provavelmente com o funcionário que o emprestara a George. Em seguida, disse alguma coisa sobre o avião. George concluiu que seria melhor que eles o matassem ali mesmo. Havia tratado sua missão como se fosse um brinquedo; e, com isso, comprometera todo o Comando Tribulação. E, se aqueles homens tivessem alguma credibilidade, os outros na Grécia deviam estar mortos.

Fumaça de cigarro. Uma baforada em seu rosto. Por favor, ele pensou. Essa gente tinha visto muitos filmes. Talvez a tática de catalogar suas gafes o ajudasse. Alguém se agachou a seu lado. George imaginou que fosse o segundo homem. O outro devia estar atento a qualquer movimento.

- Podemos dificultar ou facilitar as coisas - o homem sussurrou.

George estava a ponto de explodir numa gargalhada. Apertou os lábios com força, mas não pôde deixar de dar uma risadinha. Queria perguntar se eles pretendiam brincar de mocinho e bandido, mas resolveu não dizer nada.

- Sabemos quem você é, Sebastian.

George não conseguiu se conter. Riu alto, sabendo o que o homem diria a seguir.

- Sabemos para quem você trabalha.

Tentar segurar o riso só piorou as coisas, e ele continuou na mesma posição, sacudindo os ombros, lutando para não dar uma gargalhada. Alguém lhe golpeou a boca com as costas da mão, provocando um corte em seu lábio superior ao bater de encontro aos dentes.

George teve uma sensação de alívio quando o corte o fez parar de rir. Ele limpou a boca no ombro da camisa, sentiu gosto de sangue e cuspiu. Pelo menos se livrara de ser morto por não conseguir parar de rir. Quando o homem disse que ia parar com a brincadeira, tentando dar um tom normal à voz com seu sotaque acentuado, George quase riu novamente. Mas seu lábio estava começando a inchar, e ele teve um pressentimento de que a dor que sentia agora seria a menor de todas, depois que tudo tivesse terminado.

- Nós só queremos saber onde poderemos encontrar seus amigos. As informações que você nos prestou estão corretas. Você está livre para ir embora. - É claro que eles o matariam por não ter a marca da lealdade. - Sabemos que estão nos Estados Unidos Carpathianos.

George empinou levemente a cabeça. Ele próprio surpreendeu-se com seu gesto, mas não se importou porque isso daria a entender que estava chocado com o que eles sabiam. Não era segredo que, em breve, Tsion Ben-Judá estaria a caminho de Petra. Portanto, por que eles estavam preocupados com os outros?

- Você deveria ficar surpreso com a quantidade de informações que temos. Rosenzweig não representa ameaça para nós enquanto estiver nas montanhas. Sabemos que seu assistente é Cameron Williams, que transmite ilegalmente material subversivo via Internet - um crime punido com a morte. Sabemos que existe um espião dos judaístas em algum lugar dentro da CG. E o piloto que se disfarçou de oficial da CG abusou demais da sorte. Ele está ligado com outra identidade de Williams, que também se fez passar por funcionário da CG e libertou dois prisioneiros rebeldes. Temos motivos para acreditar que uma ex-agente penitenciária, desertora do PRFB, tem conexão com essa gente.

George gostaria de saber se eles haviam estabelecido alguma ligação entre Ming Toy e Chang Wong. Talvez a constatação ainda demorasse algum tempo, porque ela fora casada e tinha um sobrenome diferente. Mas seria apenas uma questão de tempo, é claro. Chang precisava sair de Nova Babilônia.

O homem pareceu acreditar que George estava surpreso diante de tudo o que ele sabia. Na verdade, o oposto era verdadeiro. Aparentemente, eles nunca estabeleceram uma ligação entre a queda do Quasi Two e o Comando Tribulação, e ninguém sabia que a aeronave estava vazia.

Mais uma baforada em seu rosto.

- Se você nos disser onde devemos procurar, e depois provar que disse a verdade, poderá ir embora para casa.

O mais irônico de tudo era que, mesmo que quisesse, George não tinha condições de entregar o Comando Tribulação. Para sua segurança, Rayford apenas lhe dissera para levar Marcel e Georgiana a Kankakee, Illinois, e que, mais tarde, ele próprio iria a seu encontro lá. George não sabia se os acompanharia até a casa secreta, fosse onde fosse, ou se voaria para sua casa, em San Diego. Isso dependeria da hora da chegada, do clima e de qualquer suspeita por parte da CG.

O homem que estava perto dele tentou a estratégia seguinte do manual de sequestros. Pousou gentilmente a mão no ombro de George e cochichou:

- Nós só precisamos de um local específico. Ninguém vai saber onde conseguimos, você é libertado e todos nós ficamos felizes.

O homem usava tantos clichês que George sentiu vontade de responder com uma cusparada de sangue em seu rosto. Mas havia uma coisa que ele conhecia muito bem: A apatia era mais ofensiva que a resistência. Se ele resistisse, seus captores saberiam como atingi-lo. Se os ignorasse, eles não teriam nada a que se apegar, e o insulto de não serem levados a sério os deixaria furiosos.

Ironicamente, George havia aprendido aquilo com sua esposa. Não se importava quando ela discutia com ele. Mas quando ela desistia e ficava calada, aquilo o enfurecia. A indiferença, ele sabia, era uma estratégia cruel. E ele a empregava agora como vingança. Ele não meneou a cabeça. Não tentou espernear. Não moveu um músculo sequer desde o momento em que demonstrou uma leve surpresa quando o homem disse que o Comando Tribulação se encontrava nos Estados Unidos Carpathianos. O homem não sabia se George estava ouvindo o que ele dizia. Na verdade, ele não estava.

Para evitar responder, mesmo que não fosse verbalmente, George começou a recitar, em silêncio, os livros da Bíblia. Depois, seus versículos favoritos. Depois, seus hinos favoritos.

O grego cutucou-o com a arma, e George não queria que ele pensasse que estava cochilando. Ele levantou a cabeça.

- Bem, e daí, Sebastian? Você está se recusando? Pelo menos diga que sim. Não? Diga que optou por não dizer nada. Você não quer dizer sua patente e número de série? Já sabemos seu nome. Vamos. Nem mesmo isto?

 

Chang monitorava as várias transmissões e sites, enquanto continuava a ouvir a gravação da reunião de Carpathia. O mais alarmante de tudo foi uma lista entregue a Suhail

Akbar, que relacionava todos os funcionários desertores da CG. Chang encontrou o nome de sua irmã e o apagou, mas sabia que poderia ter sido tarde demais. Quantos saberiam que ela era sua irmã? Talvez nem mesmo Akbar. Moon ficou sabendo. E Carpathia também. Chang só esperava que aquele detalhe ficasse abaixo da linha de radar do potentado. O que poderia resultar de tudo isso? Sim, ele parecia ser leal. Chegou a receber a marca. Mas, se fosse investigado, por quanto tempo conseguiria manter seus pais e sua irmã protegidos? Agora não era o momento oportuno. Mas, em breve, ele teria de discutir esse assunto com Rayford Steele. Chang acreditava que, da casa secreta, conseguiria monitorar o palácio e o escritório central da CG.

Na reunião de Carpathia, alguém respondeu, com outra pergunta, à pergunta que ele fez sobre os judeus: - Isto significa que o senhor desistiu de querer ver as gravações de nossas decapitações, feitas em videodiscos?

- Ah, não! Trata-se de um passatempo mais que agradável. Como vocês sabem, eu não preciso mais de alimentação nem de descanso. Sou capaz de manter-me em atividade por tempo ilimitado, enquanto os outros comem e dormem. Um dos benefícios da divindade é ter tempo para se divertir com as loucuras dos oponentes. Às vezes, eu fico sentado horas a fio durante a noite, observando uma cabeça após outra sendo atirada nos cestos. Essas pessoas são tão direitinhas, tão teimosas, tão piedosas! Elas cantam. Elas testemunham. Vocês não adoram esta palavra? Elas testemunham em favor de seu deus e contra mim. Oh, eu me sinto tão mal, sinto tanto ciúme! Mas o que acontece em seguida? De uma altura de cinco metros, cai uma lâmina pesada, reluzente e afiada. Ela leva um sétimo de segundo para chegar ao local demarcado, vocês sabiam? E só leva dois centésimos de segundo para atravessar o pescoço, como se ele nunca tivesse existido naquele corpo.

Eu adoro tudo isso! O único problema, meus caros amigos, é que a guilhotina é muito humana, se é que posso chamá-la assim! Ela é rápida demais para matar os judeus. Por quanto tempo vocês podem infligir sofrimento a um homem ou a uma mulher antes que ele ou ela morra? Eu quero saber! Quero relatórios de vocês descrevendo o maior número possível de provas, tanto visuais como em áudio. E vocês sabem quem eu quero que usem para esses testes.

Para deleite de todos nós, durante o intervalo desta reunião, presenciaremos a execução de dois rebeldes que foram descobertos em plena atividade em meu avião. Continuaremos a procurar o espião que se encontra aqui na sede da CG. Talvez essa pessoa também assista à decapitação e saia correndo da toca para implorar por sua vida.

- Os dois serão executados na guilhotina? - perguntou um dos potentados.

- Sei que vai ser muito rápido - disse Nicolae -, mas não temos muito tempo. E isso fará bem a todos nós.

A maioria concordou e demonstrou grande euforia. Chang estava enojado.

Queria transmitir um pouco dessa sua indignação à sua mãe. Porém, seria muito arriscado porque seu pai ainda continuava leal a Carpathia. Ele mantinha um pouco de esperança em relação aos dois, uma vez que ainda não sabia se seu pai havia decidido receber a marca, em sua região. Enquanto não tivesse condições de convencer sua mãe e de fornecer provas contundentes para seu pai, ele tinha certeza de que seu pai lhe criaria problemas, se soubesse que o filho era subversivo.

 

Rayford convocou uma reunião entre os três membros fundadores do Comando Tribulação, que haviam restado, e Tsion, no escritório do rabino.

- Espero que nossa conversa gire em torno de quem irá a Petra com o Dr. Ben-Judá - disse Chloe.

- Sim - disse Rayford -, entre outras coisas.

Tsion parecia muito pensativo.

- Tudo bem, Doutor?

- Preocupado, confesso - disse o rabino. - Eu não deveria estar surpreso, mas acho que chegamos a uma encruzilhada. Sei que perderemos um número cada vez maior de companheiros, à medida que nos aproximarmos do fim. Mas parece que nossa frágil segurança está por um fio.

- Concordo - disse Rayford. - Sabemos que George só terá condições de informar que estamos em algum lugar de Illinois. Mas não acredito que ele chegue a fazer isso.

- Nem eu - disse Buck. - A CG não vai conseguir extrair nada dele.

- Talvez a vida dele - disse Tsion com um longo suspiro.

- O que vamos fazer a respeito de nossos novos amigos? - indagou Chloe.

- Este é um dos motivos de nossa reunião - disse Rayford.

- A maravilhosa descoberta que você fez destes novos irmãos e irmãs pode ter sido muito empolgante e animadora. Mas sua travessura foi temerária e poderia ter comprometido todos nós.

Chloe lançou-lhe um olhar fulminante, como se preferisse discutir com seu pai e não com o líder do Comando Tribulação.

- Não quero desrespeitá-lo - ela disse -, mas eu desconhecia que tipo de informações essa tal detecção estratosférica poderia transmitir à CG. Nós não deveríamos ter sido informados sobre isso?

- Como poderíamos saber que você se aventuraria a sair por conta própria?

- Da última vez, descobri esta nova casa secreta. E vejam qual foi o resultado.

- Você teve sorte - disse Rayford. - E se houvesse gente da CG aqui? Teríamos perdido você, a casa secreta e talvez o motivo para viver.

- Sinto muito, mas agora encontrei pessoas a quem podemos ajudar e que também podem nos ajudar.

- Você já pensou, Chloe, que eles talvez não quisessem mudar-se para cá, mesmo que isso signifique muito mais segurança e vantagem? Talvez eles não quisessem fazer parte do Comando Tribulação. Até agora eles foram auto-suficientes. Talvez não quisessem trabalhar em missões perigosas, usar nomes falsos, essas coisas.

- Eles querem mudar-se para cá - disse Chloe. - Eles querem ajudar, viajar e receber incumbências. Mas você está certo. Eles querem manter a organização que fundaram. Têm uma boa convivência entre si. Embora queiram contar com a participação do Dr. Ben-Judá, eles têm Enoque como seu pastor e querem que tudo permaneça do jeito que está.

- Então - disse Rayford -, eles querem todos os benefícios do Comando Tribulação, mas nenhuma responsabilidade.

- Eles não vão querer nada de graça - disse Chloe. - Vão trabalhar. Vão viajar. Vão trocar tudo o que puderem por alimentos e gêneros de primeira necessidade, como qualquer outro membro da cooperativa. Eles não pretendem deixar de nos pagar o aluguel de um edifício que não nos pertence.

- Eles fazem questão de não nos dar satisfações?

- Não, eu é que faço questão disso. Existe alguma exigência de que eles sejam subordinados a você?

- Não é bem assim, Chloe. Não temos tempo para discutir pormenores, falta de organização, confusão sobre quem manda e quem não manda.

Tsion levantou a mão e enfatizou:

- Esses nossos irmãos e irmãs são pessoas maravilhosas, capitão Steele. Creio que eles serão muito importantes para nós e que devemos dar um passo por vez. Devemos discutir como as coisas ficarão enquanto você e eu estivermos fora. Eu recomendo não levarmos nenhuma pessoa inexperiente nessa viagem.

Chloe sacudiu a cabeça, enquanto indagava:

- Já está decidido que só irão você e Tsion?

- Não...

- Então, qual é o motivo de uma reunião se...

- O que eu estava dizendo, Chloe, é que Tsion e eu iremos. Mas outros também irão.

- Inclusive eu, espero.

Rayford olhou firme para ela e disse:

- Antes de você arriscar-se a nos expor, eu até poderia ter concordado.

Chloe se levantou e disse, mostrando-se surpresa:

- Eu não posso acreditar. A cooperativa não pode viver sem mim? Buck não pode cuidar de Kenny?

Rayford olhou para Buck, não querendo usar das prerrogativas de pai, tendo o marido de Chloe por perto.

- Vá com calma, Chloe - ele disse. - Embora você seja minha filha, existem regras a seguir.

Buck levantou-se, segurou a mão dela e disse

- Não desista de uma missão tão interessante.

- Não estou à procura de algo interessante - ela disse. - Quero uma missão crucial.

- Que tal a Grécia? - perguntou Rayford.

Chloe sentou-se.

- Vou a Petra, com Tsion. Terei uma nova aparência e um novo nome. Assim que a CG souber que não sou Buck, a atenção deles recairá sobre Tsion. Precisamos de outro piloto. Portanto, Abdullah também irá. Quero que você e Hannah sigam para a Grécia. Vocês são as pessoas menos visadas que temos, pelo menos enquanto soubermos que a CG ainda não desconfia que Hannah e os outros não morreram naquele acidente aéreo. Por serem mulheres, vocês serão as pessoas menos suspeitas e menos ameaçadoras.

- E quem vai nos levar?

- Se toda a logística der certo, Chang enviará um avião da CG para Creta. Vocês duas e Mac se separarão e seguirão para a Grécia, enquanto Tsion, Smitty e eu nos dirigiremos para Petra. Vocês fingirão ser da CG. E, por não terem a marca, essa se tornará uma missão arriscada. Mac dará cobertura a vocês, também fingindo ser da CG. Queremos que, pelo menos, um de vocês consiga saber, junto às autoridades, qual é a situação de Sebastian.

- Quanto tempo demorará para que eles nos descubram?

- Tudo vai depender da eficiência de vocês. Agora precisamos que Zeke nos arrume novas identidades, documentos e caras novas. Menos para você. Acho que ninguém a conhece. Mas como posso confiar uma missão tão importante a alguém que...

- Capitão - disse Chloe -, deixe-me provar minha eficiência.

 

Após ter recebido instruções da casa secreta em Chicago, Chang começou a montar dossiês para todos os que viajariam a Creta, depois para a Grécia ou Petra. No sistema, ele incluiu os dados contendo a altura e o peso de Rayford, uma data de nascimento aproximada, e outras identificações indicando que ele era irmão de Abdullah Smith, também com nome falso. Ambos passariam por egípcios.

Felizmente, Abdullah não se barbeava havia quase duas semanas, e ele transformaria sua barba num cavanhaque, que Zeke tingiria de grisalho. A pele de Rayford seria escurecida quimicamente. Ele deixaria crescer um bigode espesso e escuro, e usaria óculos com lentes pequenas e redondas.

Pelo fato de Hannah ter pele escura, por ser indígena norte-americana, Zeke a transformaria numa indiana de Nova Delhi. Chloe não necessitaria desses artifícios. Apenas receberia um novo nome de origem canadense.

            O problema maior era Mac. Ele seria facilmente reconhecido por ter sido piloto de Carpathia. Portanto, a tonalidade de sua pele foi alterada para eliminar as sardas. A cor de seus cabelos, com tendência para o ruivo, também foi modificada. Ele usaria óculos e receberia um novo nome. Mas precisaria impostar a voz, como comandante da CG, para afastar qualquer funcionário exageradamente zeloso.

"A maior vantagem que vocês têm", Chang escreveu a Rayford, "é a sensível redução dos funcionários da CG ao redor do mundo. 'Nós' estamos tão desfalcados, doentes e agonizando que se tornou praticamente impossível manter um rígido sistema de segurança. Felizmente, em muitas áreas existem veículos sobrando, com exceção de Israel, é claro."

Depois de incluir tudo no computador, Chang ouviu mais um pouco da reunião de Carpathia, enquanto redigia uma mensagem sutil - assim ele esperava - para sua mãe. O problema era que sua mãe não era uma mulher afeita a sutilezas.

- Nossos engenheiros estão trabalhando contra o relógio - dizia Carpathia - na questão da água. Todos os seres que viviam nas águas salgadas dos oceanos estão mortos, é claro. Perdemos centenas de milhares de cidadãos, que talvez nunca sejam encontrados em alto-mar. Os navios têm dificuldade para atravessar o líquido pegajoso e de espessura consistente, e as doenças provocadas por carcaças putrefatas de criaturas marinhas tornaram-se nossa maior preocupação. Sim, pior que as úlceras e os furúnculos. O sofrimento era tanto que as pessoas queriam morrer. A crise da água também está reduzindo sensivelmente o número de cidadãos.

- Santidade - disse alguém -, estamos notando uma tendência alarmante em nossa região. Até aqueles que possuem a marca de lealdade estão começando a protestar contra o senhor. Nós rebatemos as críticas dizendo que esse problema não é de sua responsabilidade. Mas o senhor sabe como são as pessoas, querem sempre culpar alguém. E o senhor passou a ser o alvo para elas.

Antes que Carpathia pudesse responder, Fortunato interferiu, e Chang imaginou que ele tivesse readquirido sua antiga autoridade.

- Isto não será tolerado - ele disse. - Neste instante, eu emito um decreto que deverá ser transmitido aos sacerdotes do carpathianismo de todas as dez regiões do mundo. De hoje em diante, todos os cidadãos serão obrigados a adorar a imagem do supremo potentado, seu verdadeiro e ressurreto senhor, quando se levantarem de manhã, depois da refeição do meio-dia e antes de se deitarem.

- Como vamos fazer cumprir esse decreto? - perguntou alguém.

- Vocês estão vendo? - disse Carpathia. - Que bela inspiração teve o Reverendíssimo Pai do Carpathianismo!

- Mas, senhor, ainda existem muitas pessoas que não receberam a marca de lealdade!

- Elas certamente morrerão! - exclamou Fortunato.

- Reverendo! - disse Carpathia com admiração na voz.

- Tenho dito! - prosseguiu Fortunato. - O tempo das protelações e das desculpas já passou. Recebam a marca de lealdade ao deus deste mundo ou morrerão! Qualquer um que for encontrado sem a marca na testa ou na mão direita terá a oportunidade de recebê-la imediatamente. Se rejeitá-la, será condenado a morrer na guilhotina.

Houve um silêncio, e Chang percebeu que os potentados regionais estavam refletindo sobre as ramificações.

Finalmente Carpathia falou:

- Com uma única exceção honrosa.

- Bem, claro, Excelência - disse Leon. - O senhor não precisará receber sua marca de lealdade!

- Ora, Reverendo! - exclamou Carpathia, visivelmente desapontado. - Você estava indo tão bem até agora!

- Perdoe-me, Vossa Divindade. Qual é a exceção?

- Os judeus! Os judeus, Reverendo Fortunato!

- Claro! - disse Leon. - Conforme o próprio potentado declarou, a lâmina é boa demais para os judeus.

Chang terminou desta maneira a carta dirigida à sua mãe:

 

            Se você e o pai ainda não receberam a marca de lealdade, pergunte como ele se sentiria a respeito de um decreto que ordena que ele a receba imediatamente ou morra. O que esse decreto provocaria no coração e na mente de alguém que preferia ser leal? Será que isso não eliminaria a satisfação que ele sentiria ao prometer lealdade a um líder?

            É isso que vai acontecer, mãe. Logo após terem recebido esta carta, você e ele vão tomar conhecimento. Assim que o potentado regional dos Estados Unidos Asiáticos retornar de Nova Babilônia, o novo decreto entrará em vigor. A época nunca foi tão oportuna para procurar outro objeto de devoção. Talvez seja arriscado agora, mas no final fará a diferença entre a vida eterna e a morte.

 

Rayford nunca duvidara da inteligência ou da capacidade artística de Zeke. Mas o jovem superou-se nos últimos dias. No Edifício Strong, vários membros do Comando Tribulação e de O Lugar admiravam-se das mudanças diárias ocorridas nas fisionomias daqueles que, em breve, partiriam em viagem. Ao olhar-se no espelho, Rayford analisou sua nova aparência, surpreso com a transformação.

- O jovem irmão está indo muito bem, capitão Steele- disse Enoque -, e logo o senhor vai descobrir o que é ser um homem negro.

Depois que o pessoal de O Lugar se mudou para lá, ocupando outro andar, os dois grupos começaram a fazer as refeições juntos e a orar juntos. Enoque prometeu que seu pessoal oraria pela comitiva do Comando Tribulação durante o tempo todo. Então, acrescentou:

- Depois, alguns de nós também desejarão participar dessas viagens. Não necessitaremos de disfarces. Ninguém nos conhece.

Na véspera da viagem, a CNNCG anunciou uma aparição especial do Reverendíssimo Pai do Carpathianismo, Leon Fortunato. Ele tinha uma mensagem ao mundo inteiro que seria transmitida, ao vivo, pela televisão, rádio e Internet, às 12 horas - horário do palácio -, e, de hora em hora, durante 24 horas, para que os povos do mundo inteiro pudessem assisti-la.

Às 3 horas da manhã, em Chicago, a convite de Rayford, todos do Edifício Strong, com exceção dos bebês, reuniram-se na área comum, que ficava perto do elevador, onde havia um aparelho de TV. A divulgação feita pela CG foi desnecessária porque apenas reiterava o que já havia sido anunciado em todas as regiões, com exceção do que viria a acontecer - cuja culpa seria atribuída, desta vez, injustamente, ao inoportuno mas ardiloso espião no palácio.

- Passaremos a transmitir ao vivo do santuário da belíssima Igreja de Carpathia, que se localiza na corte do palácio, aqui em Nova Babilônia, para ouvirmos a palavra do Reverendo Fortunato.

Leon reunira um imenso coro atrás de si. E, quando se colocou diante do púlpito instalado sobre uma pequena plataforma, para que parecesse mais alto, ele ostentava toda a sua elegância, acrescentando imponência às cores roxa, cinza e dourada do manto e das borlas. Sobre sua cabeça havia um chapéu do tipo islâmico, achatado na parte de cima, que lhe cobria todo o cabelo. Esse chapéu parecia incorporar o símbolo sagrado de todas as religiões tradicionais. Mas o efeito de toda essa roupagem deixou-o com a aparência de apresentador de circo.

Ele continuou em pé, fingindo solenidade e dignidade, enquanto o coral cantava "Salve Carpathia". Em seguida, espalhou suas anotações diante de si.

- Cidadãos da Comunidade Global e paroquianos da igreja mundial de nosso senhor ressurreto, Sua Excelência, o Supremo Potentado Nicolae Carpathia... Venho até os senhores nesta hora sob a autoridade de nosso objeto de adoração e com o poder que me foi concedido por ele para lhes fazer uma proclamação sagrada.

Expirou-se o prazo de benevolência para que todos os cidadãos recebam e exibam a marca de lealdade a Nicolae Carpathia. Os centros de aplicação da marca permanecem abertos 24 horas por dia para qualquer pessoa que, por um motivo ou outro, não tenha tido a oportunidade de recebê-la. A partir de agora, quem for visto sem a marca será conduzido diretamente a um centro de aplicação ou terá, como alternativa, o instrumento de imposição.

Além do mais - continuou Fortunato -, todos os cidadãos são obrigados a adorar a imagem de Carpathia três vezes por dia, conforme foi detalhado pelos potentados de cada região. Quem desobedecer, será condenado à pena capital.

Sei que os senhores compartilham meu amor e dedicação ao nosso deus e o louvarão com entusiasmo em cada oportunidade que tiverem. Obrigado por sua cooperação e atenção. E que o Senhor Nicolae Carpathia os abençoe e abençoe a Comunidade Global - finalizou.

 

Fortunato tentou terminar seu discurso com um misto de aceno e saudação, mas, de repente, as luzes da igreja se apagaram. Voltaram a se acender no exato momento em que todos puderam ver os membros do coro passando por cima uns do outros, para fugir, e Fortunato despencando de sua pequena plataforma, tentando levantar-se e tendo de segurar a barra de seu manto para conseguir equilibrar-se. Todos os olhares pareciam estar fixos em alguma coisa no teto, mas, quando a câmera virou-se naquela direção, algo aconteceu com seu operador, e a imagem tremeu e balançou.

Uma legenda apareceu no rodapé da tela: "Por favor, aguardem um instante. Estamos, temporariamente, sem imagem e sem som." Contudo, o interior da igreja era completamente visível. A câmera fixou-se em ângulo inclinado, mostrando apenas a plataforma vazia e o local reservado ao coro também vazio. O som de pessoas precipitando-se para as portas era ouvido por todos.

De repente, superposto na tela, apareceu um rosto tão reluzente que iluminou todo o local onde o aparelho de TV se encontrava. A voz era tão forte que a mulher sentada ao lado de Enoque levantou-se e tirou o som da TV.

Mesmo assim, a voz continuou a ser ouvida.

- Se alguém adora a besta e a sua imagem, e recebe a sua marca na fronte, ou sobre a mão, também esse beberá do vinho da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, e será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e, nem de dia nem de noite, não têm descanso algum os adoradores da besta e da sua imagem, e quem quer que receba a marca do seu nome. "Aqui está a paciência dos santos: aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus" (Apocalipse 14.12). "Bem-aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor" (Apocalipse 14.13].

 

A cena mudou-se para a mesa da âncora da CNNCG, em Nova Babilônia, onde uma mulher disse:

- Pedimos desculpas por esta falha, que deve ser desconsiderada. Voltaremos a transmitir a mensagem do Reverendo Fortunato em sua totalidade.

Desta vez, assim que o vídeo começou a rodar, a mensagem proferida pelo rosto reluzente sobrepujou-a.

A legenda que voltou a aparecer na tela sobre falha na transmissão não conseguiu abafar a voz angelical.

De sua mesa na CNNCG, a âncora informou que a emissora ficaria fora do ar até posterior aviso.

Porém, no instante em que a tela escureceu, a mensagem voltou a ser ouvida. A legenda na tela informava a ocorrência de dificuldades técnicas, mas nada foi capaz de eliminar o rosto reluzente e o pronunciamento em voz alta e vibrante.

 

Chang verificou seu computador, que também mostrava a mensagem repetidas vezes. Ele se afastou do local e ficou debaixo do sol quente. Lá no céu estava a imagem dominadora do anjo de Deus. Chang dobrou os joelhos, ofegando, sem entender como alguém de qualquer lugar do mundo poderia duvidar que Carpathia era o inimigo do único e verdadeiro Deus.

Depois do que estavam vendo, eles só continuariam a duvidar por rebeldia ou obstinação. Chang retornou rapidamente para enviar um e-mail a seus pais, mas descobriu que havia uma resposta para ele.

Seu pai dizer que nós arriscar a vida, viver escondidos ou enfrentar máquinas da morte, para não receber a marca. Ele querer morrer porque forçar você a receber a marca. Eu dizer a ele que você e Ming já receber o selo de Deus. Eu vai ver o site de Ben-Judá. Nós agora ser adoradores de Deus e fugitivos. Você orar por nós.

 

Rayford sabia que seria tolice esperar que seu pessoal descansasse durante o dia antes da viagem no início da noite, no vôo de Chicago a Chipre, e depois até a Jordânia. Mas eles tentaram. A presença dos novos amigos de O Lugar entrando e saindo o dia inteiro - cantando, orando e prestando culto - parecia um prelúdio do céu.

Antes que os viajantes entrassem no Humvee, que seria dirigido por Buck até o local em que o avião se encontrava, o grupo inteiro formou um grande círculo e se ajoelhou para orar.

 

O treinamento de George Sebastian havia sido atirado pela janela. A determinação, as técnicas de meditação e a força de caráter desapareceram dando lugar à fome, sede, solidão e, sim, ao medo. Seu silêncio foi revidado com socos, nenhum deles forte o suficiente para lhe causar danos permanentes, pelo menos até aquele momento. Mas sua testa e nuca foram golpeadas várias vezes com a coronha do rifle, e a dor espalhava-se por todo o crânio.

George havia sido amarrado de um ombro ao outro por alguma coisa parecida com corrente de bicicleta ou de motocicleta. Ele começou a receber um soco atrás do outro, na bochecha e na mandíbula. Os golpes foram tantos que ele sabia que seu rosto jamais seria o mesmo. Tentou várias vezes calcular a velocidade dos socos para poder desviar-se deles. Após algum tempo, ele teve a idéia de fazer o oposto.

Quando percebia a chegada de um golpe, ouvia a respiração do agressor, sentia o movimento do ar, ele levantava o queixo para recebê-lo diretamente. Pouco antes de cair no chão e perder os sentidos, ele percebeu que havia tido sucesso. O sono, sob qualquer forma, supriria a tremenda necessidade que seu corpo sentia de alimento e água.

Eles não conseguiram nenhuma reação de sua parte quando falaram de sua família. George sabia que o fato de falar alguma coisa não serviria para proteger sua família. Se eles soubessem realmente onde estavam sua esposa e filho, ambos já estariam mortos. Agora a vida não tinha mais valor para ele. Já que ele acordaria no céu, não haveria sentido em revelar qualquer coisa.

A força para manter-se em silêncio não viera de dentro, mas de fora. Ele havia entregado a Deus todos os recursos de que pensava dispor. Deitado no chão frio em um canto, sem ter noção do tempo, ele só sabia que seu corpo estava devastado pela fome, e sua garganta ressecada.

Seus captores discutiam entre si:

- Você quer que ele morra? Se ele morrer, eles vão nos matar. Dê um pouco de água a ele. O suficiente para mantê-lo vivo.

As poucas gotas que caíram em seus lábios pareciam ter jorrado de uma fonte, mas ele forçou-se a não engoli-las porque seus captores poderiam pensar que elas seriam suficientes para satisfazê-lo. Ele deixou que a água escorresse fora da boca e aguardou que seus captores lhe entregassem a garrafa.

Agarrando o gargalo com os dentes, ele sugou a água com toda a força, engolindo uma quantidade suficiente para se refrescar, antes que eles a pegassem de volta. Em seguida, eles o colocaram sentado na cadeira e prosseguiram com a tortura.

 

No meio da manhã, Abdullah pousou o avião no que restou do aeroporto de Larnaca, em Chipre. O contato de Albie recomendara o local por ser a pista menos patrulhada dos Estados Unidos Carpathianos. O homem provou ser muito eficiente. E estava esperando por eles com uma aeronave conseguida graças às mágicas produzidas no computador de Chang, que seria pilotada por Mac até a Grécia.

Ele pousaria em uma pista abandonada, que Chang localizara, a cerca de 130 quilômetros a oeste de Ptolemaís. Chang expedira um pedido falso a um funcionário local da CG, solicitando que ele enviasse seis veículos das Forças Pacificadoras para um terreno devastado pelo terremoto, distante cerca de 800 metros de lá. O pedido retornou ao suposto comandante em Nova Babilônia, criado por Chang: "Você está maluco. Só posso conseguir um."

"Cuidado com suas palavras", respondeu o suposto comandante.

"Por enquanto, um será suficiente."

Rayford só começou a se preocupar seriamente quando viu a tensão no rosto de Chloe, no momento em que eles se separaram em Chipre. É claro que seria de estranhar se ela não estivesse apavorada. Ele a queria por perto. Mas as possibilidades ilimitadas da missão deles o preocupavam muito. Chloe, Hannah e Mac voariam para lá, seguiriam de carro a Ptolemaïs, e daí? Começariam a fazer perguntas confiando em suas identidades da CG? Parecia suicídio, mas eles não podiam abandonar George Sebastian enquanto houvesse uma chance de encontrá-lo vivo.

Rayford abraçou a filha com força antes do desembarque, imaginando, com um nó na garganta, se a veria novamente. Chloe portou-se da mesma maneira que se portara com Buck e Kenny, em Chicago. Quando ela se afastou, Rayford achou que não havia dito o suficiente. Na verdade, não havia dito nada.

No vôo rumo a Amã, o amigo de Albie assumiu os controles. Pelo que todos sabiam, ele estava sozinho. Assim que ele pousasse o avião e o escondesse no hangar, Tsion, Rayford e Abdullah sairiam da aeronave e caminhariam pela pista como se tivessem surgido do nada. Quando fossem abordados por alguém - e eles tinham certeza de que o seriam -, Tsion pediria para falar diretamente com Carpathia, propondo tentar pôr fim no problema ocorrido nos mares, desde que ele e dois companheiros anônimos pudessem tomar um helicóptero emprestado para a viagem a Petra.

Tudo o que Rayford podia pensar era que as últimas pessoas não-israelenses que ele enviara para dentro de Petra não haviam saído de lá. Mesmo assim, ele e o pessoal da Operação Águia não foram atingidos pelo ataque do exército de Carpathia. Ele não sabia se aquilo teve a ver com o momento em que o fato aconteceu ou com o local. Ele só não queria prejudicar a sua vida e a de Abdullah, desde que pudesse ajudar. Mas não podia. O risco estava lá, e ambos estavam indo ao encontro dele.

 

Sentado diante do computador, Chang monitorava furtivamente os escritórios de Suhail Akbar e de Nicolae. Agora que as forças de segurança estavam vasculhando o local à procura do espião, Chang precisava ser mais cauteloso do que nunca. Ele vigiava continuamente o escritório de Figueroa e apagava os rastros. E foi bem-sucedido.

A secretária de Akbar informou-o que havia uma chamada do Serviço de Segurança de Amã, dizendo que Tsion Ben-Judá queria falar com Carpathia.

- Transfira a ligação para cá - disse Suhail. Assim que a ligação foi transferida, Suhail pediu para falar com Ben-Judá.

- Como posso saber se o senhor é o verdadeiro Tsion Ben-Judá?

- O senhor não tem condições de saber - respondeu Tsion.

- Os seus funcionários estão afirmando que sou eu. Tenho um pedido a fazer a Carpathia e quero falar diretamente com ele.

- É melhor o senhor dirigir-se a ele de maneira apropriada e formal, Dr. Ben-Judá.

- Será que ele não vai levar em consideração o fato de que em minhas mensagens diárias a um bilhão de pessoas eu me refiro a ele como o Anticristo, o inimigo de Deus, e a Fortunato como seu falso profeta?

- Aguarde um momento.

Suhail pediu à sua secretária que, dali a alguns instantes, transferisse a ligação para o escritório de Carpathia. Assim, ele teria tempo suficiente para chegar lá. Dois minutos depois de Akbar ter chegado ofegante ao escritório de Carpathia, o potentado apertou o botão para falar com Tsion.

- Dr. Ben-Judá! - disse Nicolae, como se estivesse dirigindo-se a um velho amigo.

- Estou solicitando um helicóptero de transporte a Petra para mim e dois companheiros. Não queremos a interferência de ninguém. Em troca, ofereço-me para solicitar a Deus que retire a praga que transformou as águas dos mares em sangue.

- E por que eu deveria considerar essa possibilidade?

- Não há necessidade de eu lhe dizer. Certamente seu pessoal o está informando de que nunca houve um momento de tanta resistência a você no mundo inteiro. Não seria de seu interesse que todos os oceanos passassem a receber o nome de Mar Vermelho.

- Se eu mandar alguém levá-lo a Petra, as águas dos mares vão voltar ao normal?

- Eu não posso fazer promessas em nome de Deus. Eu disse que pediria a Ele.

- Você vai apenas pedir?

- Sim. Ele é quem vai decidir.

- Está bem.

- Nós precisamos apenas de um helicóptero. Não de um piloto.

- Claro. Tudo bem.

Depois que Tsion desligou, Carpathia disse:

- De nada. Suhail, quanto tempo leva a viagem de Amã a Petra, por helicóptero?

- Vou providenciar um que os deixe lá em pouco mais de uma hora.       

- Já está tudo preparado?

- Claro.

- Quero o local arrasado minutos depois da chegada dele. E, após alguns instantes, o míssil deverá ser lançado para que a destruição seja total.

- Eu simplesmente vou dar um tempo suficiente aos bombardeiros para que eles se afastem. Assim que confirmarem visualmente que ele está lá, eles vão lançar as bombas e devastar a área. Em seguida, lançaremos o míssil.

- De onde?

- Ironicamente, de Amã.

- Excelente. Os aviões estão equipados com aparelhos para gravação em videodisco?

- Claro, e com outras coisas.

- Outras coisas?

- Providenciamos para que o senhor possa assistir a tudo ao vivo.

- Você está brincando.

- Haverá um monitor em seu escritório.

- Ooh! Oh, Suhail! Vai ser um divertimento e tanto.

 

Se Rayford não estivesse tão apavorado, ele teria gostado de ver que Tsion era a mesma pessoa, tanto no Edifício Strong quanto sob o sol da Jordânia. Somente Abdullah e Rayford, com seus mantos, tinham a aparência de homens do Oriente Médio. Tsion parecia mais um professor enrugado.

- Quem é o seu piloto? - indagou um guarda da CG. Tsion apontou com a cabeça para Abdullah, e eles foram conduzidos a um helicóptero. Assim que levantaram vôo, Rayford ligou para Chloe.

- Onde você está? - ele perguntou.

- Estamos na estrada, papai, mas alguma coisa está errada. Mac teve de fazer uma ligação direta neste veículo.

- Chang não pediu ao sujeito que deixasse as chaves?

- Parece que não. E você conhece Mac muito bem. Ele vai descer e pegar uma carona com outro veículo da CG, enquanto nós duas vamos rodar felizes de carro pela cidade, tentando passar por emissárias de Nova Babilônia à procura de judaístas.

- Você está preparada?

- Se estou preparada? Por que você não me obrigou a ficar em Chicago com minha família? Que tipo de pai você é?

Rayford sabia que a filha estava brincando, mas não foi capaz de rir.

- Não me faça sentir remorso - ele lhe pediu.

- Não se preocupe, papai. Não vamos sair daqui sem Sebastian.

           

Quando Abdullah se aproximou de Petra, Chaim estava no lugar alto, com 250 mil pessoas, do lado de dentro, e 750 mil, do lado de fora, acenando para o helicóptero. Um enorme espaço plano havia sido preparado como heliporto. O povo cobriu o rosto quando o helicóptero levantou uma nuvem de poeira ao pousar. Assim que o motor foi desligado e a poeira se dissipou, o povo começou a aplaudir e a gritar, enquanto Tsion descia e acenava timidamente.

- Dr. Ben-Judá, nosso mestre e mentor, e homem de Deus! - anunciou Chaim.

Rayford e Abdullah desceram sem ser notados e se sentaram sobre uma laje. Tsion acalmou a multidão e começou a dizer:

- Meus queridos irmãos e irmãs em Cristo, nosso Messias e Salvador e Senhor. Antes de tudo, permitam-me cumprir uma promessa feita a amigos: Vou espalhar aqui as cinzas de uma mártir fiel.

Ele retirou do bolso uma pequenina urna, tirou a tampa e espalhou o conteúdo ao sabor do vento.

- Ela venceu por causa do sangue do Cordeiro e por causa do testemunho que deu, porque não amou sua vida, mas a entregou em favor dele.

Abdullah cutucou Rayford e olhou para cima. Ao longe, vinham dois bombardeiros do tipo caça com os motores zunindo. Após alguns segundos, o povo notou a presença deles e começou a murmurar.

 

Debruçado sobre seu computador em Nova Babilónia, Chang acompanhava as cenas que Carpathia estava vendo, transmitidas da cabina de um dos bombardeiros. Chang fez uma conexão entre o áudio do avião e o aparelho de escuta clandestina que havia no escritório de Carpathia. Tornou-se claro que Leon, Viv, Suhail e a secretária de Carpathia estavam aglomerados, em torno do monitor, no escritório do potentado.

- Alvo em mira, preparar! - disse um dos pilotos. O outro repetiu as mesmas palavras.

- Lá vamos nós! - disse Nicolae com voz aguda. - Lá vamos nós!

 

Tsion levantou as mãos e recomendou:

- Não se distraiam, meus amados, porque confiamos nas promessas verdadeiras do Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. Fomos trazidos a este lugar de refúgio, que não pode ser invadido pelo inimigo de seu Filho.

Ele esperou que o barulho dos roncos dos motores diminuísse enquanto os jatos se distanciavam, fazendo uma curva para voltar.

 

- Sim! - gritou Nicolae. - Façam uma exibição e destruam tudo quando retornarem.

 

Enquanto os jatos retornavam, Tsion disse:

- Vamos nos ajoelhar, curvar a cabeça e harmonizar nossos corações com Deus, confiantes em sua promessa de que "o reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo: o seu reino será um reino eterno, e todos os domínios o servirão e lhe obedecerão" (Daniel 7.27).

Rayford se ajoelhou sem tirar os olhos dos aviões. Quando voltaram com seus motores zunindo, ambos lançaram bombas diretamente no lugar alto, o epicentro de um milhão de almas ajoelhadas.

 

- Ssssim! - gritou Carpathia. - Sim! Sim! Sim! Sim!

 

Pelo que alegrai-vos, ó céus, e vós que neles habitais. Ai dos que habitam na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo.

                                       Apocalipse 12.12.

 

                                                                                Tim LaHaye & Jerry B. Jenkins  

 

                      

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