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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PROMESSAS DO AMANHÃ / Sandra Brown
PROMESSAS DO AMANHÃ / Sandra Brown

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

 

Em um lotado vôo para Washington, a repórter Keely Preston foi tomada de uma irresistível atração pelo deputado Dax Devereaux. Depois desse dia, nada mais seria igual.

Dax e Keely iriam participar de uma assembléia sobre alguns soldados que desapareceram na guerra do Vietnã.

Mark, o grande amor de adolescência e marido de Keely, era um dos desaparecidos... e a vida dela estava sem rumo desde então.

Quando Dax apareceu e lhe ofereceu a possibilidade de um novo futuro, Keely hesitou entre viver a felicidade nos braços daquele homem e continuar honrando seu passado.

Mas o destino cobrou uma definição, e Keely soube que chegara a hora de ser novamente feliz.

 

 

 

 

O vôo 124 da American Airlines, de Nova Orleans para Washington, D.C., apresentava problemas. Pelo menos essa era a impressão de Keely Preston, que tinha as mãos frias e suadas apertadas no colo. Ansiosa e tensa, ela olhava pela janela toda vez que um relâmpago iluminava o céu.

A primeira classe era bem mais confortável do que a econômica, sem dúvida, e esse era o único motivo pelo qual preferia viajar ali.

— Srta. Preston.

Keely pulou do assento e virou o rosto para a aeromoça que se inclinava solicitamente sobre a poltrona vaga no corredor.

— Gostaria de algo para beber?

Keely afastou algumas mechas do cabelo cor de mel do rosto e tentou sorrir com lábios rígidos.

— Não, muito obrigada.

— Uma bebida pode ajudá-la a se acalmar. Percebi que está um pouco nervosa com a tempestade. Eu lhe asseguro que está tudo bem.

Olhando para as mãos cerradas, Keely sorriu.

— Estou bem. De verdade. — Ela voltou a olhar para a aeromoça e sorriu com mais convicção. — Obrigada pela preocupação.

— Se precisar de alguma coisa, não hesite em me chamar — falou a aeromoça com seu sorriso profissional. — Devemos sair da tempestade nos próximos minutos e pousaremos em Washington dentro de uma hora.

— Obrigada — respondeu Keely, obrigando-se a relaxar na poltrona macia e confortável. Depois fechou os olhos para bloquear a ferocidade da tempestade.

O homem sentado do outro lado do corredor admirou a demonstração de coragem de Keely, mesmo sabendo que ela estava apavorada. Na verdade, tinha admirado tudo naquela mulher desde que a vira embarcar rio avião, poucos minutos depois dele. Ela possuía cabelos admiráveis, pareciam ser macios e estavam casualmente penteados. Ele detestava penteados da moda, copiados de atrizes ou de mulheres famosas. Os cabelos da mulher tinham um caimento perfeito e lhe tocavam os ombros cada vez que ela virava a cabeça para os lados. Eram bem-cuidados e limpos e, com certeza, cheiravam a flores.

E o corpo! Não havia como não notar a figura esbelta e curvilínea quando ela passou pelo corredor e sentou-se uma poltrona à frente dele, do outro lado do corredor. Estava usando um twinset verde-oliva, que terminava sobre a cintura fina. A saia preta aderia às coxas firmes e se alargava ligeiramente até terminar, na altura dos joelhos. Ele percebeu que as pernas também eram perfeitas quando ela se esticou para colocar a frasqueira e o sobretudo no compartimento acima da poltrona. Além disso, pôde ver-lhe o perfil, bem como o contorno dos seios fartos, mas não enormes.

Aos olhos de qualquer observador, ele estava entretido com a papelada que tirara da pasta logo após a decolagem, entretanto ele não conseguia tirar os olhos da mulher. Ela pedira filé mignon para o jantar, mas comera apenas três garfadas. Uma flor de brócolos, nada de pão nem sobremesa. Para beber, meia taça de vinho rose e uma xícara de café com creme.

Ele lera alguns dos documentos oficiais depois do jantar e guardara-os em seguida na pasta de couro. Tentou ler a Times, mas continuava a olhar para a mulher, distraindo-se seguidamente da leitura. Sendo assim, escutara a conversa dela com a aeromoça. Naquele momento, ele já abdicara de qualquer intenção de ler, e não fazia nada para disfarçar sua curiosidade.

Logo em seguida, o avião chocou-se contra uma bolsa de ar e desceu de repente. Para um viajante acostumado, não era motivo de pânico. A mulher endireitou-se na cadeira e olhou para os lados, prestes a entrar em desespero. Seus olhos estavam arregalados de medo.

Antes que pudesse pensar, obedecendo a um comando subconsciente que não parou para analisar, ele atravessou o corredor e sentou-se ao lado dela, tomando-lhe as mãos geladas.

— Está tudo bem. Não precisa se preocupar. É só um pouco de turbulência. Procure manter a calma. — Os dois pareciam ser os únicos dois passageiros da primeira classe a perceber a súbita, e logo corrigida, perda de altitude. A tripulação continuava trabalhando com tranqüilidade. Os outros passageiros, poucos àquela hora da noite, dormiam ou estavam preocupados demais para notar que o belo homem saíra de seu lugar para confortar a mulher em pânico.

As mãos quentes e másculas que seguravam as suas eram tão bonitas que Keely as olhou por alguns momentos antes de voltar os olhos para o rosto do homem. Estava bastante próximo do dela, mas a pequena distância não lhe causou desconforto.

— Sinto muito — ela disse. Por que estava se desculpando? — Estou bem. Não se preocupe. E que...

A rouquidão de sua voz a chocou. Onde estavam os tons melodiosos que costumavam caracterizar sua fala? E por que gaguejava feito uma idiota? Quem mais agia como uma tonta em um avião a não ser uma mulher neurótica e histérica? E por que não puxava suas mãos para longe das dele?

Em vez disso, Keely olhou para os olhos negros contornados por cílios fartos e moldados por espessas sobrancelhas. Havia uma pequena cicatriz abaixo do olho esquerdo. O nariz era fino e perfeitamente esculpido. Os lábios, grandes e carnudos, verdadeiramente sensuais. O maxilar e o queixo, masculinos, escapavam da austeridade devido a uma pequena covinha na face direita, perto da boca intrigante.

— Afinal, para que servem os amigos? — perguntou ele, oferecendo um sorriso deslumbrante e confiante, que se tornara sua marca registrada e a maldição de seus inimigos.

Quem você acha que está enganando?, ele perguntou a si mesmo. Não se sentia um amigo. Os relâmpagos que eletrizavam a atmosfera fora do avião não eram nada se comparados ao raio que o acertara no coração quando pusera os olhos pela primeira vez no rosto daquela mulher.

Verdes. Os olhos dela eram verdes. Grandes, íntegros, e extremamente brilhantes. Os traços evidenciavam feminilidade e maturidade, e a pele tinha um tom de pêssego que ficaria um lindo dourado no verão. Para completar, a maquiagem suave ressaltava sua beleza.

O nariz, perfeito. A boca... Ah, meu Deus, a boca... Os lábios macios se destacavam com o brilho labial. Ela usava pequenas argolas de ouro nas orelhas. Uma fina corrente de ouro enfeitava-lhe o pescoço. Mas o melhor de tudo é que não havia nenhum tipo de anel nas mãos que ele segurava.

O corpo dela tremia ligeiramente e, por um momento insano, ele desejou saber como seria ter aquele corpo sob o seu, tremendo de prazer. O pensamento o envergonhou, mas ao mesmo tempo o encantou. Era óbvio que ela não esperava esse tipo de reação de um homem. O desejo apareceu apenas na mente dele, mas não havia como negar. E não era apenas desejo carnal. Ele sentiu-se compelido a abraçá-la. Não para dominar, mas sim para proteger, para impregná-la com sua força. Era uma emoção única e masculina, e jamais sentira o mesmo por qualquer outra mulher.

Um pouco da voracidade de seus pensamentos deve ter transparecido, pois Keely tentou evitar o contato das mãos. Relutante, ele as soltou.

— Sou Dax Devereaux — disse ele, tentando minar o constrangimento que de repente surgira entre ambos.

— Sim, eu sei — respondeu Keely, com um sorriso nervoso. — Quero dizer, agora o estou reconhecendo. É um prazer conhecê-lo, deputado Devereaux. Eu sou Keely Preston.

Ele apertou os olhos e a fitou, concentrado.

— Keely Preston. Keely Preston. Onde escutei esse nome. Eu a conheço?

— Só se costuma dirigir em Nova Orleans. Sou repórter de trânsito da rádio KDIX e transmito as notícias nas horas de rush, vendo a cidade de cima de um helicóptero.

Ele bateu na testa com a palma da mão.

— É claro! Keely Preston! Bem, é uma honra conhecer uma celebridade.

A risada dela o encantou. Era uma risada baixa, discreta e melodiosa. O rosto adorável já não mostrava mais sinais de tensão.

— Eu, celebridade?

— Claro que sim! — Ele inclinou-se para a frente com ares conspiratórios. — Conheço pessoas que jamais se atreveriam a sair de casa para o trabalho sem orientação superior. — Dax franziu as sobrancelhas e a olhou sem esconder a perplexidade. — Perdoe-me por fazer tal observação, mas se você voa todos os dias, por quê...

— Por que eu estava com medo alguns minutos atrás? — Ela virou a cabeça e olhou pela janela mais uma vez. O pior da tempestade já havia passado, mas alguns relâmpagos ainda iluminavam o horizonte. — Sei que é tolice. Não é o ato de voar. Como você mesmo disse, eu vôo todos os dias. Acho que foi a tempestade que me assustou. — Era uma desculpa esfarrapada até para seus próprios ouvidos. Não queria nem imaginar como estaria soando ridícula para Dax Devereaux.

Por que simplesmente não lhe explicava? Por que não lhe dizia que Preston era seu sobrenome profissional, que tinha outro? Por que não lhe contava que às vezes tinha medo de voar, e que seu trabalho diário no helicóptero fazia parte de uma terapia auto-imposta para superar o problema?

Por experiência, Keely sabia que os homens, sobretudo os solteiros e atraentes, ficavam constrangidos quando ela lhes contava sua situação. Para poupar a si mesma e a Dax Devereaux de algo mais constrangedor, ela decidiu manter-se convicta com a resposta dada, e ele pareceu satisfeito com a explicação.

— Você será o próximo senador da Louisiana? — perguntou ela, para mudar de assunto.

Dax riu e virou a cabeça para o lado quase como um garoto. Ela viu alguns fios brancos entre os cabelos pretos, espessos e bonitos.

— Se meus oponentes permitirem... O que você acha? — A pergunta foi direta.

— Eu diria que suas chances são grandes — respondeu Keely com sinceridade. — Seu registro como deputado é excelente.

Dax Devereaux se tornara conhecido no Estado onde ela nascera, era famoso como o político dos trabalhadores. Era comum encontrá-lo de calça jeans e camiseta, conversando com pescadores, fazendeiros ou operários de fábricas. Alguns adversários o criticavam por suas táticas e o acusavam de desleal. Os que o apoiavam o reverenciavam. Em todos os casos, ele mantinha o povo informado de suas atividades, e nenhuma pessoa em seu distrito congressional desconhecia a identidade de seu representante.

— Você não acha que sou um "oportunista, constantemente instigando controvérsias para ganho pessoal? — perguntou ele, citando uma crítica recente.

— Bem, você deve admitir que não é nada mal ter um nome como Devereaux quando se pretende concorrer a um cargo público no Estado da Louisiana.

. — E se meu tataravô tivesse sido um ilustre creole francês? Não sei se meu nome ajuda ou se é um obstáculo. Você viu como eles se comportam como bárbaros algumas vezes? Um dos meus antepassados escandalizou a família ao se casar com uma garota americana após a derrota de Jackson pelos britânicos. E uma ovelha negra da família até colaborou com os ianques quando o Exército da União ocupou Nova Orleans durante a Guerra Civil. Ela estava rindo.

— Está certo. Você vem de uma família de traidores e criminosos. — Keely o olhou com curiosidade. — Acho que esse seria o sonho de qualquer jornalista.

— E mesmo? — perguntou Dax, notando o repentino constrangimento dela diante de suas últimas palavras.

— O que estou querendo dizer é que seu nome e seu sobrenome começam com a letra d e terminam com x. Certamente um bom publicitário faria maravilhas com essa combinação durante uma campanha. Além disso, você tem sua juventude e... sua beleza a seu favor. Mais ou menos como John Kennedy.

— Ah, mas o Sr. Kennedy tinha a Sra. Kennedy. Eu não tenho uma bela e elegante esposa.

Keely sabia disso. Todos sabiam. Os adversários de Dax adoravam comentar seu celibato. Alguns o consideravam um solteiro bonitão e uma verdadeira negação quando se tratava de política.

Keely baixou os olhos para seu colo. Seu joelho estava tão próximo do de Dax que ela podia sentir o tecido contra sua meia. Não afastou a perna e, em vez disso, levantou o rosto e deparou-se com olhos que a estudavam atentamente.

— Eu não tenho nenhuma candidata a esposa.

— Não? — perguntou ela, engolindo em seco. A pergunta foi pouco mais de um sussurro.

— Não. O tumulto que se formara no peito de Keely enquanto ela o olhava não diminuiria tão cedo. Durante anos esse sentimento fora abafado, afastado. E agora, na primeira oportunidade, ele florescia em enormes proporções, expandindo seu peito, preenchendo todo seu corpo. Mas antes de se deixar envolver por aquela doce inquietação, ela foi surpreendida por uma reprimenda.

— Vejo que vocês se conheceram — disse a aeromoça, parando ao lado de Dax. — Aceita algo, Srta. Preston? Deputado Devereaux?

— Quer um brandy? — perguntou ele, que não tirara os olhos de Keely por um só minuto.

Ela tentou falar e, como não conseguiu, apenas balançou a cabeça.

— Dois brandies — disse ele, virando-se para a aeromoça.

Keely aproveitou o momento para se recompor. Passou a língua nos lábios, piscou várias vezes, respirou fundo algumas vezes e alisou a saia com as mãos úmidas. A perna dele continuava no mesmo lugar. Talvez um pouco mais próxima. Quanto Dax media? Não tivera tempo de observá-lo quando ele aparecera de repente ao seu lado, pegando-lhe as mãos.

— Keely?

Ela olhou para o rosto sério.

— Se eu concorrer ao Senado, você vai votar em mim? — Os dois caíram na risada, e a tensão se dissipou. Os brandies foram servidos, e Keely tentou tomar um gole. Não gostava da bebida, mas não deixou transparecer.

— Conte-me sobre seu trabalho. Deve ser engraçado e excitante — falou Dax.

— Parece muito mais glamouroso do que verdadeiramente é. Mas eu gosto.

— Você já se cansou de ser bombardeada pelo público em busca de autógrafos?

— Lembre-se, eu trabalho numa rádio. As pessoas não me reconhecem com tanta freqüência.

Entretanto, se eu fizer uma aparição em público para a estação de rádio, acho que terei um certo tratamento VIP.

— Talvez você devesse aparecer mais para o público.

— Eu não gostaria de trabalhar na televisão?

Não, obrigada! — exclamou ela. — Eu deixo as câmaras para a minha amiga Nicole.

— Nicole?... Qual é o sobrenome dela?

— Nicole Castleman. Ela é âncora do jornal do meio-dia na rede de televisão que divide o edifício com a minha estação de rádio.

— Eu sei. Eu assisti a ela quando estive em Nova Orleans. Loira?

— Sim. Os homens nunca se esquecem de Nicole — disse Keely sem o menor rancor. — Nós somos amigas há anos. Ela se diverte com a popularidade. Quando saímos juntas, é Nicole quem recebe toda a atenção.

— Duvido — foi a resposta dele.

Quando Keely olhou para ele, viu que Dax falava sério, e depressa desviou o olhar.

— Eu não trocaria de emprego.

— Deve ser um trabalho bastante árduo. Não interfere em sua vida pessoal? Em sua família?

Havia uma pergunta oculta, mas Keely preferiu ignorá-la.

— Eu tento conciliar — respondeu ela, sorrindo.

O assunto terminou ali.

A luz que indica que os cintos de segurança deviam ser afivelados acendeu, e a aeromoça foi buscar os copos deles. O piloto anunciou a descida no aeroporto nacional. Eles ouviram as condições climáticas na cidade, ambos sem prestar atenção. Um não olhava para o outro, mas também não era necessário. Um tinha consciência da proximidade do outro.

A mão dele estava apoiada no descanso de braço que separava as poltronas. Era forte, com dedos longos e coberta com uma fina penugem de fios escuros. Uma mão bonita. Dax usava um anel de ouro com um brasão no dedo mínimo. Seu relógio redondo com pulseira imitando couro de crocodilo era muito elegante, com algarismos romanos. Mostrava apenas a hora. Não havia calendário, alarme, cronômetro, luz, nada. Apenas os dois ponteiros marcando a hora. Ela adorou o relógio.

Levando em consideração a profissão dele, era de se esperar que se vestisse em estilo conservador, mas Dax Devereaux usava calças caqui, camisa branca, paletó azul-marinho e uma gravata com um nó muito bem-feito.

Havia algo de errado naquele homem? Até então Keely não percebera nada.

Dax também olhava para suas mãos. Na realidade, estava calculando a distância entre seus dedos e a extensão de perna abaixo deles. Keely tinha as pernas cruzadas, e a posição lhe permitia uma bela visão das coxas envolvidas pela meia de seda. Um pedacinho de seda aparecia pela barra da saia. O coração dele disparou. Seria a anágua?

Ele se repreendeu por permitir que seus pensamentos tomassem esse rumo. Não eram justos e o estavam deixando constrangido.

— Quanto tempo pretende ficar em Washington?

— Eu... Eu não sei. Depende de... várias coisas.

— E onde você se hospedará?

Keely sentiu um calafrio, a conversa estava ficando perigosa demais. Dax chegava cada vez mais perto. Está bem, era um homem muito atraente e interessante, mas aquela história tinha que terminar ali, antes mesmo de começar.

— Não sei. Vou procurar um hotel assim que chegar ao aeroporto.

Dax percebeu que era mentira no instante em que ela desviou os olhos verdes e também pelo tom de voz, mas não a culpava. Keely estava apenas sendo precavida. E ele sabia que a encontraria.

— Foi um prazer, Keely. — Dax sorriu e estendeu-lhe a mão. Ela aceitou e apertou-a, e ficou maravilhada com a covinha na face dele.

— Obrigada por ter me ajudado — agradeceu ela com um lindo sorriso, que atraiu o olhar de Dax para aqueles lindos lábios.

— Tchau — disse ele, levantando-se e voltando para sua poltrona.

— Tchau. Dax se acomodou e juntou seus pertences para se preparar para o pouso, alguns minutos depois. Keely olhava para a frente do avião, ou pela janela, mas tinha total consciência da presença dele na poltrona de trás.

Quando o 727 parou, ela ficou sentada por mais alguns instantes antes de se levantar e pegar suas coisas no compartimento de bagagens. Manteve o olhar bem longe de Devereaux, mas, pelo canto dos olhos, pôde perceber que ele estava vestindo um sobretudo. Keely decidiu não vestir o seu, pois Dax poderia se oferecer para ajudá-la, e tudo que ela menos queria naquele momento era mais um contato com o belo deputado.

Keely pegou a bolsa e a frasqueira, ajeitou o sobretudo no braço e preparou-se para sair pelo corredor.

Dax deixou que ela passasse na sua frente.

— Você tem malas? — perguntou ele.

— Sim. E você?

— Não. Dessa vez estou viajando sem nada.

— Ah. — Não havia mais o que dizer. Ela caminhou pelo corredor que conectava a aeronave ao terminal e seguiu com passos acelerados. Isso era ridículo! Por que não o esperava para que caminhassem lado a lado, conversando amigavelmente? Ele estava logo atrás. Por que não falava com ela? Os dois agiam como se fossem adolescentes. Mas era melhor assim. Quanto mais discretos, melhor. E era mais seguro.

Keely entrou no saguão do aeroporto. Assim que passou pela porta, uma série de repórteres com câmaras e microfones se aproximava. A curiosidade fez com que ela se virasse.

Dax foi imediatamente rodeado pelos jornalistas com seus flashes. Ele sorria e respondia às perguntas com simpatia, enquanto comentava o tempo horrível de Washington. Quando um repórter mais insistente fez uma pergunta que ela não conseguiu ouvir, o deputado olhou para cima e a viu. Seu sorriso foi quase apologético. Keely acenou, então se virou I dirigiu-se para a esteira de bagagem.

Depois de pegar sua mala, ela saiu do aeroporto e parou na calçada para esperar um táxi. O motorista estava colocando a bagagem no porta-malas quando um outro veículo parou logo atrás.

Dax abriu a porta e desceu do táxi. Ele respirava com dificuldade, como se houvesse corrido. A noite estava fria.

— Keely... — Dax parecia desconcertado, impaciente e ansioso. — Keely, eu ainda não quero me despedir de você. Aceita tomar um café comigo?

— Dax...

— Eu sei. Sou um estranho. E você não é do tipo que aceita tomar um café com um homem que acabou de conhecer. Não quero que meu convite a insulte. Eu apenas... — Ele passou a mão pelos cabelos despenteados pelo vento. A gola do sobretudo estava levantada, protegendo-lhe a nuca e parte das orelhas. — Diabos! — resmungou ele, enfiando as mãos nos bolsos enquanto observava o tráfego congestionado. Depois olhou de novo para Keely. — Eu só quero passar mais um tempo com você, para nos conheceremos melhor. Não é tão tarde assim. Vamos tomar um café. Por favor.

Como alguém podia resistir àquele sorriso encantador?

— Sinto muito, Dax. Não posso ir com você.

Eles nem prestavam atenção nas buzinas e gritos dos motoristas irritados com o congestionamento provocado pelos dois táxis.

— Você vai se encontrar com outra pessoa?

— Não.

— Está muito cansada?

— Não, é que...

— Fale.

— Eu não posso. — Ela mordeu o lábio, constrangida.

— Eu não posso não é resposta, Keely. — Ele sorriu de maneira bela e terna. — A minha companhia a desagrada?

— Não! — exclamou ela. A veemência da resposta aumentou o sorriso de Dax e deixou-a morta de vergonha.

Keely desviou o olhar, fixando-o no trânsito. As luzes do aeroporto brilhavam sob a suave neblina que começava a cair.

— Dax, não posso ir com você por um único motivo. — A voz dela saiu tão baixa que Dax teve de se aproximar para conseguir escutar o restante. — Eu sou casada.

 

Dax jogou a cabeça para trás como se houvesse sido acertado por um soco, e era exatamente assim que se sentia. Ele olhou para Keely, que fitava o concreto sob seus pés, sem a menor coragem de encará-lo.

— Casada? — Era impensável, horrível. Keely levantou o rosto e o encarou.

— Sim — ela respondeu sem o menor sinal de emoção na voz.

— Mas...

— Adeus, Dax. — Ela abriu a porta do táxi e entrou. — Capital Hilton, por favor — disse, ignorando a hostilidade do motorista por ter esperado tanto tempo.

O automóvel se afastou da multidão e seguiu tranqüilamente o fluxo do trânsito. Keely nem percebeu, mas tinha as mãos no rosto, e os dedos médios pressionavam o centro de sua testa que latejava de dor.

Finalmente chegara o dia que ela temera durante tantos anos. Conhecera um homem a 37.000 pés de altura, em um avião. Um homem que tornava sua situação ainda mais insustentável.

Keely Preston Williams tinha sido casada durante doze anos, mas fora esposa por apenas três semanas. Ela e Mark Williams tinham sido namorados desde a adolescência. Ele era o famoso atleta da pequena e pacata cidade onde viviam, no Mississipi. Ela fazia parte do grupo de torcida. O ano era 1969. Drogas, bebidas fortes e liberdade sexual ainda não haviam chegado às escolas da parte rural do sul do país. A comunidade na qual ambos haviam crescido mantinha sua ingenuidade. Futebol regional, grandes piqueniques e eventos da igreja ainda eram a moda.

Depois da formatura, Keely e Mark entraram na faculdade do Estado do Mississipi. Mark continuou envolvido com os esportes e, como resultado da pesada carga horária e dos longos treinos de futebol, acabou repetindo o primeiro semestre.

A Guerra do Vietnã ainda era uma ameaça para qualquer homem jovem, e Mark infelizmente tornou-se uma das vítimas. Assim que a junta de recrutamento recebeu notificação de suas notas, ele foi convocado. Duas semanas depois, estava a caminho do campo de batalha.

Fora Keely quem insistira para que se casassem logo que souberam que ele iria representar os Estados Unidos na guerra. Ela o pressionou, chorou, implorou, ameaçou até conseguir convencê-lo. Por fim, Mark aceitou, e eles convidaram os pais para encontrá-los na igreja. Estavam casados.

Foram passar o final de semana em Nova Orleans, depois voltaram para casa e aproveitaram as duas semanas antes da partida de Mark na casa dos pais dele. Depois de três meses em Fort Polk, Louisiana, ele foi enviado para Fort Wolters, no Texas. Tinha sido selecionado para iniciar o treinamento como piloto de helicóptero.

Os quarenta e cinco dias destinados a treinamento se transformaram em apenas quinze dias. Antes de ir para a guerra, entretanto, ele recebeu uma licença para passar alguns dias com a esposa. O casamento fora consumado com paixão suave e limitada, mas ainda havia algo de muito puro nos abraços calorosos que eles trocaram antes da partida de Mark para o outro lado do mundo, para um inferno com o qual ele não teria sonhado nem em seus piores pesadelos.

Keely continuou a ir à faculdade e arrumou um emprego depois das aulas para ajudar no custeio de suas despesas. A noite, escrevia longas e carinhosas cartas para o marido. Recebia algumas mensagens esporadicamente; às vezes, ficava semanas a fio sem ter notícias do marido. De vez em quando, porém, chegavam duas ou três ao mesmo tempo. Keely lia e relia as cartas, deliciando-se com cada palavra de amor. Depois, mais nada.

Durante semanas, um mês, ela não tivera nenhuma notícia de Mark, tampouco os pais dele. Então recebeu a visita de um oficial de Fort Polk. Tinham visto o helicóptero de Mark caindo, mas seu paradeiro e condições eram desconhecidos. Ele não tinha sido relatado como morto. Seu corpo não fora encontrado em meio aos destroços. Não fora levado como prisioneiro de guerra. Simplesmente desaparecera.

E desde aquele dia, Keely Williams nunca mais recebera notícias do marido. Ele era um dos homens de uma lista de 2600 classificados como Desaparecidos em Ação no Sudeste da Ásia.

Nos anos que se seguiram, Keely se mantivera ativa, fazendo o possível para manter os DASA na mente do povo. Ela e outras esposas em circunstâncias semelhantes tinham organizado um grupo de ação chamado PROOF. Na maioria das vezes, Keely agia como oradora do grupo.

Ela se inclinou na poltrona empoeirada do táxi e ficou admirando a paisagem de Washington. Doze anos. Estava melhor agora do que quando soubera do desaparecimento de Mark?

Mergulhando em um miasma de desilusão e depressão, ela conseguira se formar em jornalismo. Pegara seu diploma e mudara-se para Nova Orleans, onde logo conseguiu um emprego de coordenadora de revisão. Trabalhara ali por sete anos, e, aos poucos, foi se firmando como repórter. Era escalada para cobrir eventos tão sem importância que suas histórias ficavam enterradas no meio do jornal.

Pelas fontes de informação jornalísticas, Keely ficou sabendo que um redator de uma estação de rádio pedira demissão de repente, devido a um problema interno. Na hora do almoço, ela foi até a estação e usou todo seu charme para convencer o diretor a contratá-la. No dia seguinte, começou em seu novo emprego. O trabalho a agradava, era mais dinâmico do que as histórias sem graça que tinha de escrever antes.

Conheceu Nicole Castleman em uma lanchonete quando as duas foram pegar o mesmo vidro de catchup. A partir de então se tornaram amigas inseparáveis, e quando alguém sugeriu que colocassem uma mulher com voz sensual no helicóptero de trânsito, Nicole sugeriu Keely.

Ela escutou a proposta com um misto de terror e incredulidade. Jamais falara em um microfone na vida e precisaria entrar em um helicóptero todos os dias! A idéia a aterrorizou. Mark! O helicóptero dele fora visto caindo no meio de um incêndio e explodira. Mas não encontraram nenhum corpo. Como conseguiria aceitar tal proposta?

Mas Keely percebeu que o emprego era uma forma de manter viva a lembrança de Mark, e forçou-se a enfrentar o medo de entrar em aeronaves. Keely Preston detestava admitir medo de qualquer coisa. Sua amizade com Nicole Castleman fortalecera-se com o tempo, não havia segredos entre as duas, e elas tinham liberdade de conversar sobre qualquer assunto. Na noite anterior, Nicole ficara sentada na cama de Keely enquanto ela fazia a mala. Tentara convencer a amiga a desistir da viagem, a se esquecer daquela missão.

— Você já se martirizou demais, Keely. Por Deus! Essa dedicação a causas perdidas é sua única característica ruim — ela gritou, ajudando-a a escolher as roupas.

— Nicole, nós já conversamos tantas vezes sobre esse assunto desde que nos conhecemos que até já perdi a conta. Devemos gravar essa conversa e escutá-la todas as vezes que tocarmos no assunto, para poupar tempo e fôlego.

— O sarcasmo não combina com você, Keely, por isso esqueça a história do gravador. Você sabe que tenho razão. Todas as vezes que se encontra com aquelas viúvas você fica deprimida por várias semanas. — Ela se inclinou para trás, apoiando seu corpo invejável na cabeceira da cama. Nicole era uma mulher muito bonita, loira de olhos azuis. Para completar, um sorriso angelical em lábios de querubim capazes de proferir uma série de obscenidades dignas de intimidar o mais valente dos marinheiros.

— Eu preciso fazer isso, Nicole. Elas me pediram para ser a oradora, pois sou a mais qualificada, e eu lhes prometi que iria. Além do mais, acredito no que estou fazendo. Não só por mim, mas pelas outras famílias. Se o Congresso votar declarando nossos homens como mortos, a família das vítimas deixará de receber a indenização do exército. Não posso me omitir em um assunto tão sério.

— Keely, eu sei que, no começo, quando a PROOF foi organizada, você tinha fortes motivos para juntar-se a essas mulheres. Mas quando essa história terá fim? Quando os prisioneiros de guerra foram soltos e Mark não estava entre eles, você ficou doente. Eu sou testemunha de que você passou por momentos muito difíceis. Quanto tempo pretende sofrer ainda?

— Quanto for necessário. Até que eu tenha alguma notícia sobre o meu marido.

— E se nunca souber de nada?

— Nesse caso, você terá a grande satisfação de me falar "eu não lhe disse?" Devo levar essa blusa branca ou a cinzenta para usar com o tailleur azul-marinho?

— Cinzenta e marinho. Que maravilha! — Nicole resmungou exasperada. — A branca, é claro. Fica um pouco mais alegre.

Keely agora estava em Washington para encarar um subcomitê do Congresso em nome das esposas e famílias dos DASA. Sua missão era pedir que a proposta de considerar os homens como legalmente mortos fosse esquecida.

Quando encarasse os deputados, qual seria seu argumento? O argumento das outras? O de Mark? Ou o do homem que conhecera aquela noite? O que dissera, timidamente, "Eu só quero passar mais um tempo com você, para nos conheceremos melhor". E para quem ela respondera: "Eu sou casada".

— Hilton — disse o motorista, tenso. Só então Keely percebeu que já haviam chegado ao hotel.

— Obrigada. Ela pagou a corrida, levou a mala até a recepção e perguntou pela reserva que fizera algumas semanas antes. Sem pensar, Keely assinou seu sobrenome de solteira, depois, lembrando-se da missão, adicionou Williams.

O quarto era frio e impessoal, como a maioria dos hotéis das grandes cidades. Como fora o quarto onde ela e Mark haviam passado a lua-de-mel. Keely quase não se lembrava, as recordações do tempo de casados eram poucas. Lembrava-se de Mark como herói do futebol, como orador da formatura da escola e como seu parceiro no baile.

Durante as duas semanas em que tinham morado juntos, na casa dos pais dele, Mark se mostrara nervoso e envergonhado por tê-la dormindo em seu quarto. Na primeira noite, ela se apertara no estreito colchão para abraçar e beijá-lo. Ele se esquivara, lembrando-a com sussurros que seus pais estavam dormindo do outro lado da parede. Na noite seguinte, Mark deu alguma desculpa para seus pais e levou-a para um passeio. Foram até o lago e, depois de estacionar o carro, pularam para o banco de trás. Para Keely, não houvera nenhum romantismo naquela noite, nem nas que se seguiram.

No quarto frio, ela tirou o sobretudo e jogou-o na poltrona. Em seguida, ligou o som e o aquecedor. Depois começou a desfazer a mala, alisando as dobras de cada peça de roupa antes de dependurá-las. Estava quase pronta quando o telefone na mesinha-de-cabeceira tocou.

— Alô?

— Keely, aqui quem fala é Betty Allway. Estou telefonando para saber se você chegou bem.

Betty era dez anos mais velha que Keely e tinha três filhos. Seu marido estava desaparecido havia catorze anos, mas ela se recusava a perder as esperanças. Como Keely, ela não aceitaria a decisão legal de ter seu marido declarado morto. As duas tinham se conhecido alguns anos atrás e, desde então, trabalhavam juntas nos comitês da PROOF. Às vezes trocavam cartas. E como sempre, Keely se inspirava na coragem e determinação da outra mulher.

— Olá, Betty. Como vai? E as crianças?

— Estamos ótimos. Como foi a viagem de Nova

Orleans? Agradável?

A imagem de Dax Devereaux surgiu imediatamente na mente de Keely, e seu coração disparou.

— Sim. Sem grandes acontecimentos. — Mentirosa, ela se reprimiu.

— Você está ansiosa?

— Não mais do que quando tenho que enfrentar um grupo de deputados carrancudos.

Betty deu uma sonora risada.

— Eles não podem ser tão intimidadores quanto o general Vanderslice. Você já passou por situações bem piores e sabe que todas nós confiamos em você.

— Tentarei não desapontá-las.

— Se o resultado não for o esperado, Keely, não será culpa sua. A que horas nos encontraremos amanhã cedo?

Elas combinaram de se encontrar no café da manhã e de lá partir para a sala de conferências na Câmara dos Deputados.

Keely colocou o fone no gancho e tentou ignorar o súbito desânimo que a acometeu. Então começou a despir-se, considerando a hipótese de tomar um demorado banho de banheira para relaxar. Estava de calcinha e sutiã quando o telefone tocou de novo. De certo era Betty, que se esquecera de algum detalhe.

— Alô.

— Você não usa aliança. Ela engasgou e apertou a blusa que segurava contra o corpo, como se fosse um escudo, como se Dax pudesse vê-la. Sem firmeza para ficar em pé, ela sentou-se na cama, precisando de apoio.

— C-como você me achou?

— Eu coloquei a CIA à sua procura.

— A...

— Calma, calma — disse ele, rindo. — Você não sabe brincar? Na verdade, meu táxi seguiu o seu até o hotel.

Keely não disse nada. Aquele homem a deixava desarmada, sem reação. Estava tremendo, enrolando o fio do telefone nos dedos, temendo pelo momento em que teria de desligar e não escutaria mais aquela deliciosa voz.

— Você não fez comentário algum sobre a minha observação — disse ele para quebrar o silêncio que começava a causar um desconforto.

— Como? Ah, você está se referindo ao fato de eu não usar aliança? Sim, eu uso aliança, mas não quando sei que minhas mãos vão transpirar, o que acontece quando eu vôo.

— Ah... Bem, então você não pode me culpar por ter chegado a uma conclusão errada, mesmo que cheia de esperanças. Pode? — insistiu Dax.

- Não, não posso culpar um homem por se precipitar em suas conclusões. Eu deveria ter lhe dito antes que era casada.

Novo silêncio entre eles, dessa vez mais tenso do que o anterior.

— Você não jantou no avião, portanto, deve estar com fome. Por que não saímos para comer alguma coisa?

— Dax!

— Está bem. Sinto muito. É que a perseverança está no meu sangue. Novamente o silêncio.

— Eu não posso sair com você, Dax. Por favor, tente compreender. Você compreende, não é? — De repente, era vital que ele o fizesse.

— Sim, infelizmente eu entendo, Keely — respondeu ele, depois de um breve suspiro.

— Bem... — O que mais dizer em uma situação como aquela? Foi um prazer conhecê-lo? Até qualquer hora? Boa sorte na disputa ao Senado? — Boa noite — falou Keely, o que não era tão definitivo quanto um adeus.

— Boa noite.

Assim que recolocou o fone no gancho, Keely deu um longo e pesado suspiro. Podia quase escutar Nicole berrando em seu ouvido, "Você perdeu completamente a sanidade?"

Se as discussões com Nicole a respeito do envolvimento de Keely na PROOF já eram constantes, não se podia compará-las às intermináveis conversas sobre sua vida amorosa, ou melhor, a falta de uma.

Nicole adorava homens. E eles a adoravam. Ela os tratava com a mesma displicência com a qual se usa uma caixa de lenços de papel, usava e descartava-os quase diariamente. Mas quando estava com alguém era para valer. Seus namorados tinham os mais variados tipos, tamanhos e raças. E Nicole adorava a todos.

Portanto, a fidelidade de Keely pelo marido desaparecido havia doze anos estava além da compreensão de Nicole.

— Meu Deus, Keely! Doze anos vivendo com um homem já seria terrível, mas doze anos vivendo com a lembrança de um homem é demais para mim.

— Ele é o meu marido — respondeu Keely, com paciência.

— Se seu marido voltar algum dia para casa, o que duvido que aconteça, você acha que conseguirão recomeçar de onde pararam? Por favor, Keely. Você é uma mulher inteligente. Pense no que ele passou. Mark jamais seria a mesma pessoa. E você também não é mais aquela animadora de torcida, minha amiga.

— Obrigada —- disse Keely ríspida.

— Não é uma crítica, mas sim um elogio. Você é uma mulher, Keely. Uma mulher bonita que precisa de homens. Eu posso lhe emprestar um dos meus.

Keely riu, apesar da irritação.

— Não, muito obrigada. Não consigo pensar em nenhum dos seus ex-namorados com interesse. Charles, quem sabe. — Ela lançou um olhar malicioso para a amiga.

— Charles? Ele não é um dos "meus homens".

— Não?

— Não!

— Ele está apaixonado por você, Nicole.

— Apaixonado! Ele nunca tentou me levar para a cama. Tudo que ele quer é me irritar, e consegue.

— Você está querendo dizer que Charles não realiza todos os seus desejos?

— Não estamos falando sobre mim e Charles — interrompeu Nicole exasperada. — E a sua vida amorosa que está em jogo.

— Está bem. — Keely colocou as mãos na cintura e encarou Nicole. — Imaginemos que eu conheça um homem. Você acredita que um homem se contentaria em me levar ao cinema ou para jantar sem querer algum tipo de envolvimento maior?

— Não. Você é bonita, inteligente e sensual. Ele a levaria para a cama na primeira oportunidade.

— É exatamente aonde eu queria chegar. Eu sou casada com outro homem, Nicole. Portanto, fim de caso. Fim de amizade. Voltamos ao ponto inicial.

— Não necessariamente. Você poderia ir para a cama com ele e poderia até se apaixonar. E quem sabe não gostaria de ver Mark declarado...

— Pare, Nicole! — A advertência nos olhos de Keely silenciaram qualquer tipo de argumento.

Nicole baixou os olhos e estudou suas unhas bem-cuidadas. Depois olhou arrependida para a amiga.

— Sinto muito. Acho que fui longe demais. — Ela aproximou-se de Keely e deu-lhe um caloroso abraço. — Eu só faço isso porque gosto muito de você.

— Eu sei. Eu também a adoro. Só que nós nunca chegaremos a um acordo sobre esse assunto, portanto, vamos esquecê-lo.

— Está bem. Mas ainda acho que alguns momentos de prazer com um homem não lhe fariam mal algum.

Se Nicole soubesse que Keely recusara um convite para tomar um café com Dax Devereaux, um dos solteiros mais cobiçados do país, ela sem dúvida a estrangularia.

Keely caminhou vagarosamente e acendeu a lâmpada fluorescente no banheiro. Um banho quente relaxaria a tensão que contraía todos os músculos de seu corpo. Depois se deitaria na cama e estudaria 1 os tópicos para a palestra do dia seguinte.

O banho fora delicioso, e Keely estava se sentindo uma nova mulher quando colocou o roupão felpudo e enrolou a toalha na cabeça.

Assim que acendeu a luz do abajur, ela escutou uma suave batida na porta. Com o cuidado característico de uma mulher que mora sozinha, Keely caminhou até a porta e verificou a tranca.

— Pois não? — perguntou ela, abrindo um pouco a porta.

— Serviço de quarto. Keely encostou a cabeça na madeira e tentou acalmar seus batimentos cardíacos. Sentiu a boca seca, o que a impedia de responder.

— Você enlouqueceu? — ela perguntou com a voz rouca alguns minutos depois.

— Acho que sim — respondeu Dax. — Eu nunca cometi uma insanidade desse tipo, mas... Posso entrar?

— Não.

— Keely, sua reputação, sem falar na minha e na minha campanha, irá para o espaço se alguém aparecer aqui no corredor e nos vir conversando. Então acho melhor você abrir a porta e me deixar entrar. Tenho uma coisa para você.

Algo no fundo de sua mente lhe disse que Dax não iria embora enquanto não a visse. Keely soltou a tranca e abriu a porta. Ele vestia uma calça jeans, uma camisa branca por fora da calça e usava um boné azul.

— O que está fazendo aqui? — perguntou ela, apoiando-se na porta.

— Eu moro aqui — disse Dax, passando ao lado dela para colocar a bandeja em cima da mesa.

— Mora aqui?

— Sim. No último andar. E muito caro para um homem solteiro manter uma casa aqui em Washington. Então tenho alguns quartos reservados neste hotel.

— É por isso que me seguiu. Você vinha para cá de qualquer jeito — provocou ela.

— Eu a teria seguido de qualquer maneira. — O tom de Dax não era provocador.

Keely se mexeu constrangida e olhou para a bandeja.

— O que trouxe?

— Serviço de quarto — disse ele, levantando a tampa de sobre o prato, com um belo sorriso. —

Eu nunca minto.

Até aquele momento, Keely havia se esquecido da toalha enrolada na cabeça, do roupão e dos pés descalços. A vergonha tornou-se evidente nas bochechas rosadas.

— Volto daqui um instante — disse ela, seguindo na direção do banheiro.

— Você está ótima — falou Dax, e segurou-lhe o braço.

Se ele não a houvesse tocado, jamais teria percebido.

O calor daqueles dedos contra seu pulso fez com que o sangue de Keely fervilhasse em suas veias. Ela parou, mas não se atreveu a fitá-lo. A alegre risada foi diminuindo até desaparecer.

Diante da ligeira pressão no pulso, Keely se virou para encará-lo. Seus olhos revelavam apreensão e culpa, os de Dax, súplica. Aos poucos, os dois foram se inclinando até que a mão dele tocou-lhe o rosto. O polegar acariciou-lhe o lábio. Olhos negros procuravam e adoraram cada traço das feições delicadas. Keely, contra sua própria vontade, baixou as pálpebras sobre os olhos cheios de lágrimas.

Hesitante, Dax roçou seus lábios nos dela. Um forte calor percorreu-lhe o corpo todo. Keely soltou a respiração através dos lábios entreabertos em Um suave suspiro. Encantado, ele não conseguia tirar os olhos daquela boca sensual e provocante, dos olhos incrivelmente frágeis rodeados de cílios fartos, e acabou sucumbindo à tentação. O beijo foi inevitável.

Seguindo seus instintos, Keely se aproximou. Corpos se tocaram, afastaram-se, reataram o contato, fundiram-se. Depois um desejo primitivo os envolveu. O cuidado foi esquecido, barreiras foram traspassadas, e o fluxo de tensão sexual que vinha aumentando desde o primeiro encontro se libertou das garras da consciência e da proibição.

Ele a abraçou com maior intensidade à medida que suas bocas se fundiam. Braços fortes, porém gentis, seguravam-na com firmeza, deixando-a atordoada. Keely afagou-lhe as costas e apoiou as mãos no cinto de Dax. Depois recomeçou as carícias, incapaz de se controlar.

A toalha se soltou de sua cabeça e caiu no chão. Os cabelos molhados foram capturados pelos dedos de Dax, que a manteve imóvel enquanto o beijo se aprofundava.

A boca dele se movimentava sobre a dela, deliciando-se em cada nuança, saboreando seus perfumes e sabores. A língua quente deslizou sobre o lábio inferior, antes de mergulhar repetidamente na boca acolhedora de Keely. O beijo foi se tornando cada vez mais provocante, sensual, feroz, e eles não puderam mais ignorar. Os dois se afastaram, tamanho o impacto.

Uma lágrima escorreu pelo rosto de Keely, que levou as mãos trêmulas à boca. Dax segurou-lhe os ombros, procurando-lhe os olhos, pedindo por um pouco de compreensão. Ela se soltou e foi para o outro lado do quarto, até a janela. Inclinou-se contra a vidraça e apertou os olhos com vergonha, chorando sem parar.

Dax não a seguiu e sentou-se na cadeira. Apoiou os cotovelos nos joelhos e enterrou o rosto nas mãos.

Algum tempo depois, ele esfregou o rosto e olhou para a mulher, que continuava a chorar como um bebê desamparado.

— Keely, por favor, não chore. Sinto muito. Eu não deveria ter vindo aqui. Jurei para mim mesmo que não encostaria um só dedo em você...

— Não se culpe — disse ela. Sua voz era pouco mais do que um sussurro. — Eu é que não deveria ter permitido sua entrada. Mas eu quis que você entrasse.

Dax, sempre sentado na cadeira, olhava para os pés quando ela se virou.

— Dax, eu não fui honesta com você. Preciso lhe J falar sobre a minha vida, sobre mim. Há coisas que j você precisa saber e só então poderá me entender.

— Não precisa me dizer nada — falou ele, olhando para ela. — Eu sei tudo sobre a sua vida. Sou um dos deputados para o qual você apelará amanhã.

 

Keely não teria se espantado mais se ele tivesse tirado uma arma do bolso e ameaçado matá-la. Impossibilitada de falar, ela ficou imóvel, olhando para Dax.

— É impossível — sussurrou Keely.

O único movimento de Dax foi balançar a cabeça de um lado para o outro.

—Mas seu nome não está na lista. Semanas atrás, eu recebi uma lista com o nome dos deputados que estariam presentes. Não me lembro de ter visto o seu. — Keely fazia o possível para se manter calma, para recolocar seus pensamentos no lugar.

— O deputado Haley, do Colorado, foi convocado na semana passada para se apresentar em outro comitê. Minha comissão constituinte achou que seria uma boa idéia eu substituí-lo.

Keely continuava na frente da janela. Inconscientemente, ela apertou o nó de seu roupão e se afastou. Depois caminhou até a cama, mas parou antes de chegar. Cruzou os braços e virou-se para encarar o deputado.

A raiva encobriu sua vergonha. - Muito bem, deputado Devereaux, você se armou com um arsenal de respostas, não é? — perguntou ela, mostrando seu escárnio. — Pelo visto, meu discurso cautelosamente redigido sobre como ainda temos a esperança de que nossos maridos estejam vivos de nada adiantará.

— Keely...

— Não tenha tanto orgulho de si mesmo. Diga-me, você sempre complica tanto a situação em cada questão política quando quer que seja votada à sua maneira?

— Pare com isso! — gritou ele. — Eu não sabia quem você era até chegar em meu quarto. Eu tinha uma série de papéis para ler, para me familiarizar com o assunto e me preparar para amanhã. Por acaso, eu li que a oradora da PROOF seria a Sra. Keely Williams. Quantas Keelys você conhece? Quando fui até a recepção e descobri que havia uma Keely Preston Williams hospedada no quarto setecentos e catorze, imaginei que só poderia ser você. Juro que não sabia de nada até então.

— Mas quando descobriu, você não perdeu seu tempo em descer para ver o quão sinceras são essas pobres viúvas. — Ela cobriu o rosto com as mãos, furiosa por não conseguir conter as lágrimas.

— O fato de eu ter vindo até aqui, de eu a ter beijado não tem nada a ver com o que acontecerá amanhã, nem com o desfecho dessa assembléia!

— Não mesmo?

— Não! — Dax tinha se levantado e a olhava de frente, tão irritado e atormentado quanto ela. Ao ver a dor nas feições de Keely, ele respirou fundo e procurou se acalmar. — Não.

Ela se virou e abraçou o corpo, temendo que, se não se recompusesse fisicamente, seu espírito se estilhaçaria. Se em algum momento se vira dividida entre decisões, entre lealdades, a interferência de Dax Devereaux em sua vida contribuíra apenas para aumentar esse dilema.

— Você jamais compreenderia — murmurou ela. Dax queria aconchegá-la em seus braços, garantir-lhe que tudo correria bem, mas não se atreveu a dar um passo. A melancolia que via na postura dela indicava toda a confusão que a atormentava. Era melhor que Keely se decidisse sozinha.

— Talvez eu consiga entender. Por que não me conta?

Ela o encarou novamente, seus olhos verdes acusadores.

— Não para o deputado Devereaux, e sim para Dax.

Keely sentou-se na beirada da cama, tensa, os ombros curvados. Ele voltou para a cadeira. Sem nenhum gesto dramático ou inflexão de voz, ela lhe resumiu sua breve história com Mark Williams, seu desaparecimento, bem como as conseqüências.

— Não sou viúva nem divorciada. Sou casada, mas não tenho marido, filhos ou um lar. Vivo como uma mulher solteira, mas não sou.

Ela parou de falar, e Dax respeitou o silêncio.

— Você já pensou na hipótese de se libertar? — perguntou ele, momentos depois.

— Sua intenção é declarar aqueles soldados, incluindo Mark, como mortos, não é? — A pergunta foi direta, causando um certo espanto no deputado. — Não, essa hipótese nunca me passou pela cabeça. Apesar de escutar conselhos contrários, eu permaneci fiel ao meu marido e à crença de que ele continua vivo. Supondo que um dia Mark volte para casa, eu pretendo estar lá para recebê-lo. Não haveria mais ninguém para acolhê-lo. O pai dele morreu quando recebeu a notícia do desaparecimento do filho. A mãe está em uma casa de repouso. Ela não tem mais condições de viver sozinha. A tristeza...

Keely pressionou a testa com a ponta dos dedos.

— O dinheiro de Mark vai para a conta dela. Eu não fico com nada. Dax, ela e as viúvas que têm filhos precisam desse dinheiro. Se esses homens forem considerados mortos...

Ela levantou o rosto, desafiador, encarando-o.

— Você vai ouvir meu discurso amanhã, não vai?

— Sim, amanhã — respondeu Dax, levantando-se, tão aborrecido quanto ela.

Sem mais nenhuma palavra, ele caminhou até a porta e abriu-a.

— Não se esqueça de comer — disse Dax, virando-se e apontando a bandeja. — Boa noite, Keely. — Então ele se foi.

Keely ficou parada no meio do quarto subitamente vazio, olhando para a porta fechada. Um desespero que não sentia havia muito tempo envolveu-a como um manto. Sentia-se desolada e sozinha, muito sozinha.

E apesar de tudo queria experimentar novamente a força dos braços de Dax e a pressão dos lábios dele contra os seus.

A análise crítica de sua imagem no espelho determinou que ela estava muito bem. Talvez não devesse ter escutado os conselhos de Nicole e trazido a blusa cinzenta. Tinha uma gola simples e uma faixa que amarrava no pescoço. A branca que vestia era de alcinhas e revelava parte de seu colo. Bem, agora era tarde demais. Talvez esse toque de feminilidade aliviasse a seriedade do tailleur azul-marinho.

Sapatos e bolsa também azuis, além do sobretudo caramelo, complementavam o figurino. Keely colocou a pasta de couro embaixo do braço e pegou o elevador até o térreo para encontrar Betty Allway. — Você está linda como sempre — comentou Betty, com uma pontada de inveja combinada com a grande admiração que sentia por Keely. — Como consegue ficar tão em forma morando em Nova Orleans, a capital mundial da comida? Eu engordaria uns cem quilos por mês.

O bom humor de Betty era contagiante. Keely falou sobre seu trabalho e perguntou sobre as crianças. A mulher contou-lhe uma história animada sobre cada um dos filhos.

— O mais novo tinha apenas quatro meses quando soubemos do desaparecimento de Bill. Ele nunca viu o pai. Agora esse bebê joga basquete no time da escola.

Um toque de tristeza surgiu nos olhos sempre alegres, e Keely cobriu a mão da amiga com a sua.

— Não é fácil aceitar, não é? Aprendemos a conviver com a perda, mas acho que jamais realmente a aceitaremos.

— Eu não posso e não consigo aceitar. Até ter uma confirmação da morte de Bill, continuarei acreditando que ele está vivo. — Betty bebeu um gole de café. — A propósito, podemos ter um problema logo mais. O deputado Parker, presidente do subcomitê, telefonou-me esta manhã.

— É mesmo? — perguntou Keely, com o máximo de casualidade, pois já imaginava o que escutaria.

— Um dos deputados, cuja ajuda seria muito importante para nós, foi convocado para atender um outro compromisso. E foi substituído por um tal de Daxton Devereaux, da Louisiana. Você o conhece?

— Todo mundo na Louisiana conhece Dax Devereaux— disse ela, esquivando-se de uma resposta direta. — Você acha que ele será um oponente?

Betty olhava preocupada para sua xícara enquanto o garçom a enchia de café.

— Não sei. Pelo que escutei por aí, ele tem grandes ambições políticas. É um provável candidato para o Senado nas próximas eleições.

— Isso não significa nada. Ele pode ficar ao nosso lado para ganhar um ponto a seu favor.

— E a política econômica dele?

— Não sei bem quais são os métodos do deputado.

— Ouvi dizer que ele é a favor da redução de impostos e que é fanático por diminuir as despesas governamentais. É algo que me preocupa bastante.

— Não vamos nos preocupar precipitadamente. Há todo o júri, um total de dez homens. É cedo demais para nos considerarmos derrotadas. — Keely tentou injetar uma certa indiferença em sua voz.

— Jamais! — exclamou Betty, rindo. Seus olhos cinzentos encontraram os de Keely. — Sei que não é justo, Keely, mas dependemos muito de você para discursar em nosso nome.

— Eu sei, e é por isso que vou dar o melhor de mim.

O que Betty pensaria se soubesse que ela beijara Dax Devereaux na noite anterior com tanto desejo? Só de se lembrar daqueles momentos, ela ficava vermelha.

— Vamos indo? Não vamos lhes dar a satisfação de chegar atrasadas — disse Keely. — As outras nos encontrarão lá.

Elas assinaram a conta e saíram do hotel. Não chovia mais, mas havia um vento frio e cortante. Um táxi parou, e o motorista lutou contra o tráfego matinal para deixá-las na Câmara dos Deputados. Keely jamais temera, algo quanto temia encontrar Dax. Sua noite fora terrível, pois sonhara com Mark, o que sempre a aborrecia. Esses sonhos tinham começado quando ele saíra do Vietnã. E mesmo quando fora declarado desaparecido, ele continuava a desempenhar papéis importantes nesses sonhos.

Com o passar dos anos, entretanto, os sonhos haviam diminuído e se tornado mais nebulosos. Quando ele invadia o subconsciente de Keely, era um Mark ainda jovem, um garoto de dezenove anos de idade. Agora, se estivesse vivo, seria um homem maduro. E como estaria fisicamente? Ela não fazia a menor idéia, e isso a atormentava. O homem com o qual estava ligada pelo sobrenome e pelos sagrados votos do matrimônio poderia não ser reconhecido se eles se encontrassem por acaso na rua.

— Keely? — chamou Betty, tirando-a do mundo dos sonhos.

— Está na hora? Eu estava revendo meu discurso. Quando começara a mentir? Desde que conhecera Dax. Desde que conversara com ele, que rira com ele, que o tocara e o beijara. Desde que admitiu para si mesma, pela primeira vez em anos, que queria a experiência física de amar um homem.

Encontraram mais três mulheres nos corredores da Câmara. Elas também lutavam fervorosamente para que seus maridos não fossem considerados mortos. Keely as conhecia, e cumprimentou-as com ternura.

Um segurança chamou-as para entrarem na sala onde seria a audiência. Keely sentou-se diante de uma mesa com um microfone, Betty acomodou-se ao lado, e as outras, atrás.

Com calma, Keely tirou suas anotações da pasta, ajeitou a bolsa em cima da mesa, tudo para evitar um possível encontro com Dax, embora achasse que ele ainda não havia chegado. Assistentes, repórteres e os outros membros do comitê entraram, cumprimentando-se, conversando, lendo jornais.

Um jovem foi ajudá-la a tirar o sobretudo e, quando Keely o agradecia pela gentileza, ela viu Dax entrando na sala.

Os olhares se encontraram e assim ficaram. Nenhum dos dois tinha forças para lutar contra a forte atração, e se renderam graciosamente ao luxo de se fitarem. Por um instante, Keely e Dax se deleitaram com a presença um do outro, esquecidos de todos os presentes. Ela viu sua ânsia espelhada no rosto do deputado. Durante a noite agitada, quando acordava de seus sonhos, era nos braços de Dax que queria estar. Os sussurros de conforto que imaginara ter escutado não vinham dos lábios de seu marido, mas sim da linda boca de Dax. Foram os olhos dele, escuros e insondáveis, que lhe haviam aquecido a alma.

O magnetismo entre ambos só foi quebrado quando um deputado atravessou a sala para cumprimentar Dax. Keely voltou a atenção para a papelada, ajeitou a saia, sentou-se e fingiu estar lendo o texto que preparara. Como suportaria passar por tudo isso?

Alguns minutos depois, a audiência começou. O deputado Parker, de Michigan, presidente da assembléia, fez o discurso de abertura e apresentou cada um dos membros do subcomitê às representantes do PROOF. Quando chegou a vez de Dax Devereaux, Betty deu uma suave cotovelada no braço de Keely, que não entendeu direito a intenção daquele gesto.

Dax era o membro mais jovem do comitê, além de ser o mais bonito. Mas era amigo ou inimigo? Havia onze deputados presentes, e a maioria tinha a vantagem de um homem. Dax fazia parte dessa maioria.

O deputado Parker ajeitou os óculos de leitura no nariz e olhou para Keely.

— Sra. Williams, gostaríamos de escutar a declaração que preparou em nome da PROOF. Por favor.

— Obrigada, deputado Parker.

Ela se dirigiu aos membros do comitê, da imprensa, depois com uma voz calma, em seu sotaque sulista, Keely apresentou o caso em nome da PROOF. Não leu nenhuma de suas numerosas anotações, nem fez citação alguma. Falou como se estivesse conversando, com convicção e em nível pessoal, como se estivesse se dirigindo particularmente a cada um dos deputados.

— Nossa maior esperança é que os senhores, como estimados e conhecidos representantes do povo americano, aceitem o nosso pedido de manter os DASA vivos até que consigamos provar o contrário — concluiu Keely.

Nenhum deles se mexeu por um instante, impressionados pela .grande quantidade de fatos, e a apresentação poderosa, porém sem nenhum traço de drama. Depois de alguns momentos, todos começaram a se mexer, cansados de ficar sentados por tanto tempo. Betty sussurrou um contente "parabéns", o que foi repetido pelas outras mulheres.

— Muito obrigado, Sra. Williams — disse o deputado Parker. — Algum dos senhores gostaria de fazer comentários para uma possível discussão? — perguntou ele aos colegas. .

Durante a hora seguinte, Keely e as mulheres de seu grupo responderam às perguntas e também fizeram outras. Ganhava-se por um lado, perdia-se por outro, mas a maioria dos membros do comitê parecia simpatizar, se não concordar, com as lobistas.

Keely tentou manter seus olhos distantes de Dax, mas era algo quase impossível. Ele não contribuiu em momento algum com a discussão, apenas ouvia atentamente todos os comentários.

Um dos deputados mostrava-se bastante hostil, o deputado Walsh, de Iowa. Suas perguntas eram agressivas, e ele fazia suas observações, que considerava válidas, com uma atitude de condescendência.

— Sra. Williams... — Ele se dirigiu a Keely com a voz entediada e beirando o deboche. — Perdoe-me a sinceridade, mas sua aparência não denota exatamente pobreza. A maioria de vocês, que é casada com membros da DASA, ou mãe, recomeçou suas vidas. Vocês não se sentem culpadas por estar sugando um dinheiro que o governo federal poderia estar usando de outra maneira?

Controlando-se, Keely engoliu uma resposta que diria ao deputado qual era sua opinião a respeito dele e de seu mandato. Mas achou de bom tom não provocá-lo.

— Duvido que alguma de nós sinta-se culpada por aceitar o pagamento por um trabalho realizado. Nossos maridos ou filhos teoricamente ainda estão a serviço deste país. Portanto, devem ser pagos como todos os outros soldados.

— Sra. Williams...

— Posso terminar? — perguntou Keely com frieza.

— Há muito mais envolvido nessa história do que apenas dinheiro. Se nossos DASA forem declarados mortos, qualquer medida do governo e do exército para nos manter informadas será imediatamente esquecida. Não podemos permitir que isso aconteça enquanto houver a menor chance de que todos esses homens continuem vivos, como prisioneiros ou tentando sobreviver em algum lugar.

O deputado, pomposo e hipócrita, recostou-se na cadeira e cruzou os braços sobre sua enorme barriga.

— Com toda sinceridade, realmente acredita que seu marido, ou qualquer um desses homens, esteja vivo? — Antes que ela pudesse responder, Walsh virou-se para Dax. — Deputado Devereaux, não escutamos a sua opinião. Você serviu no Vietnã, não é?

Os olhos surpresos de Keely se voltaram para Dax, e ela se espantou ao ver que ele a olhava.

— Sim.

Ela não tinha a menor idéia de que Dax era veterano de guerra.

— Em que cargo? — insistiu o deputado. Todos na sala olhavam para Dax.

— Fui capitão da marinha.

— Por quanto tempo ficou no Vietnã?

— Três anos.

— Eu imagino que um capitão da marinha testemunhe uma série de acontecimentos — comentou o deputado com sarcasmo. — Baseando sua resposta em suas experiências durante a guerra, você poderia dizer que existe a possibilidade de esses homens estarem vivos?

Dax apoiou os braços na mesa e estudou os presentes por vários momentos antes de dizer qualquer coisa.

— A Guerra no Vietnã quebrou todas as regras de guerra. Eu jamais sonhei com a possibilidade de ver crianças caminhando em meio a soldados, sendo obrigadas a puxar pinos de granadas, mas fui testemunha desse absurdo. Também não imaginei que homens seriam capazes de matar seus companheiros, o que também aconteceu, tamanha a quantidade de drogas que tomavam para aliviar as dores. Durante uma batalha, eu me machuquei superficialmente. Um civil vietnamita me deu um copo de água e cuidou do meu ferimento antes que o médico chegasse. Na manhã seguinte, ele foi esquartejado a poucos metros de onde eu dormia. — Dax olhou com frieza para o deputado esnobe. — Em uma guerra tudo é possível, deputado Walsh. Essa é a única maneira que encontrei para responder à sua pergunta.

Ninguém parecia respirar na sala. Lágrimas encheram os olhos de Keely assim que ela escutou o deputado Parker suspender a assembléia para o almoço.

As pessoas juntavam seus pertences enquanto conversavam e riam, em uma vã tentativa de aliviar o clima pesado causado pelas palavras pesadas de Dax Devereaux.

Todas as mulheres da PROOF cumprimentaram Keely com calorosos abraços pelo excelente desempenho diante dos deputados. Ela vestiu seu sobretudo e ajeitou os papéis na pasta. Fez um grande esforço para não olhar para Dax, que estava rodeado de constituintes e repórteres.

— Keely, muito obrigada, minha querida — disse Betty, abraçando-a. — Você foi maravilhosa. Não sei se tivemos êxito, mas demos nossa melhor tacada.

— Ainda não acabou, Betty. Duvido que o deputado Walsh tenha terminado. Acho que a elocução de D... do deputado Devereaux o irritou e o colocou ainda mais contra nós.

— Aquele imbecil! — exclamou Betty, olhando para a multidão de repórteres que tentava entrevistá-lo. Em vão. — Ele está fazendo de tudo para que seu nome apareça em todos os canais de televisão. Acho que, se o compararem a Dax Devereaux, ele será visto como um tolo. Aliás, essa é a minha opinião sobre esse homem. — Ela estudou a sala e viu que Dax estava sendo entrevistado. — Você já viu homem mais lindo? — sussurrou para Keely.

— Quem? — perguntou ela, fingindo ignorância mesmo com o coração acelerado. — Ah, você está falando do deputado Devereaux? Acho que ele tem um grande carisma. Mas você não foi a primeira nem a única mulher no país a notar essa qualidade.

— Acredito que ele irá longe, pelo menos com o voto das mulheres. Quem resistiria àquela co-vinha? E o que ele disse...

— Com licença, Sra. Williams.

As duas se viraram e se depararam com um senhor de meia-idade vestindo um terno de tweed que poderia ter sido mais bem passado. Seus cabelos estavam despenteados, e ele usava um par de óculos bastante fora de moda.

— Pois não?

— Sou Al Van Dorf, da Associated Press.

— Olá, Sr. Van Dorf — respondeu Betty.

— Pelo que entendi, vocês duas são as representantes da PROOF. Gostaria de convidá-las para almoçar. Seria ótimo se vocês me concedessem uma entrevista.

— Keely? — perguntou Betty, deixando a decisão nas mãos da colega. O repórter não parecia agressivo nem impetuoso, e seu ligeiro nervosismo agradou a Keely.

— Por mim, tudo bem.

— Obrigada. Aqui está o nome do restaurante. Já fiz as reservas. Podemos nos encontrar daqui a meia hora? Assim teremos tempo suficiente para chegar até lá.

— Está bem. Nós estaremos no restaurante no horário combinado.

Ele se despediu das mulheres e se afastou no mesmo instante em que um repórter de televisão apareceu para lhes fazer algumas perguntas. Betty deu alguns passos para trás, deixando as câmaras e luzes apenas para Keely.

Quando a entrevista terminou, elas se despediram das outras mulheres, responderam mais algumas perguntas e seguiram pelos gigantes corredores da Câmara dos Deputados em direção à saída.

Bem depressa, elas chamaram um táxi e foram para o restaurante. Keely aproveitou os poucos minutos para pentear os cabelos e passar batom, e Betty retocou o pó. Estavam um pouco atrasadas quando o motorista estacionou na frente do restaurante. As duas entraram apressadas e foram levadas pelo maitre até a mesa, antes mesmo de se identificarem.

Keely quase tropeçou no carpete quando viu Dax sentado à mesa. Van Dorf, os deputados Parker e Walsh se levantaram quando elas se aproximaram. Betty parecia tão espantada quando Keely.

— Sra. Allway, Sra. Williams, estou contente por terem vindo. — A voz do repórter agora era bem mais firme e segura do que na Câmara dos Deputados. O que acontecera com toda aquela timidez? — Sei que já conhecem esses homens, mas permitam-me reapresentá-los. Deputado Walsh, de Iowa, deputado Parker, de Michigan, e deputado Devereaux, da Louisiana.

Elas apertaram a mão de cada um dos deputados.

— E um prazer conhecê-la, Sra. Allway — disse Dax. Quando os dedos dele se fecharam ao redor das mãos de Keely, ela se atreveu a olhar para o deputado e esperou que ninguém notasse o desejo estampado nos olhos de ambos. — Que bom revê-la, Sra. Williams —disse ele, surpreendendo-a.

 

— Olá, deputado — respondeu Keely, esforçando-se ao máximo para ocultar seu espanto.

— Vocês se conhecem? — O deputado Parker fez a pergunta que todos tinham em mente.

Keely sabia que os olhos de Betty estavam arregalados, e que não acreditava no que ouvia, mas ela não se atreveu a olhar para a amiga.

— Sim — respondeu Dax com naturalidade. — Nós viemos para Washington no mesmo vôo. — Sra. Williams. — Ele se afastou para que Keely se sentasse entre ele e o deputado Parker. Aproveitando a gentileza de Devereaux, o deputado Walsh puxou a cadeira para Betty, que se acomodou entre ele e Van Dorf.

Keely admirou a segurança de Dax ao lidar com a situação, e o achou perigosamente honesto. O que os outros deputados pensariam? Será que ficaram perturbados por saber que ela e Devereaux já se conheciam? Pelo visto não. Parker já estudava o cardápio através de seus óculos. Walsh cumprimentava um colega em outra mesa. Só Betty parecia abalada. Keely percebeu o tremor de suas mãos quando ela bebeu um gole de água.

Dax ajudou-a a tirar o sobretudo enquanto perguntava a Van Dorf sobre um recente escândalo bancário que o repórter cobrira.

— Alguém se incomoda se eu fumar? — perguntou Van Dorf depois que o garçom anotou os pedidos de bebida. Sem esperar uma resposta, acendeu um cigarro sem filtro. Depois colocou seu gravador no meio da mesa, ligou-o e começou a falar. — Achei que poderia ser útil se fizéssemos uma reunião mais informal, longe da Câmara. O assunto em questão envolve dinheiro, política, relações exteriores, o exército e emoções humanas. Acho que todos conseguem entender por que eu o considero uma matéria tão importante para os jornais. Vocês serão condescendentes comigo?

— Todos sabem o que eu penso a respeito — resmungou Walsh.

— Sempre podemos contar com a sua opinião sobre qualquer assunto, deputado — disse Van Dorf.

O representante de Iowa não entendeu a alfinetada.

Os olhos do repórter, que tinham olhado com tanta humildade para Keely e Betty uma hora antes, agora brilhavam, penetrantes, por trás de seus óculos. Será que mudara de personalidade? Ela notou que fora ludibriada, como muitas das vítimas daquele homem.

Keely pegou o guardanapo de linho dobrado sobre o prato e ajeitou-o em seu colo. Dax fazia o mesmo, e deixou-a sem ar ao lhe apertar a mão por debaixo da toalha. Quando ele apoiou os braços na mesa, sua expressão não revelou nada de diferente. Keely torceu para que seu rubor fosse encarado como resultado da piada que Walsh acabara de contar.

—Salada Caesar — disse ela quando o garçom voltou para anotar os pedidos. Dax pediu um sanduíche de filé.

— Uma salada não é o suficiente para uma jovem em fase de crescimento — brincou ele.

— É por isso que não como muito no almoço. Não quero crescer.

— Você nunca come direito.

— Eu comi... — Keely quase deixou escapar que comera a metade de um dos quatro sanduíches que ele lhe levara no quarto, mas viu que Van Dorf a observava. Parecia uma raposa prestando atenção na conversa dos dois, mas fingindo displicência. — Na verdade, meu apetite não é grande — ela concluiu.

Como Betty falava com Walsh e Parker, nada mais natural do que a conversa entre eles. Mas Dax também se deu conta do interesse do repórter.

— Al, você continua jogando tênis quando não está caçando uma boa reportagem? — perguntou ele.

Dax era extremamente hábil em atingir a vulnerabilidade das pessoas. Van Dorf começou a lhe contar sobre sua última partida, da qual saíra vitorioso. Keely imaginou o que o homem pensaria se soubesse que sua perna cruzada roçava a panturrilha do deputado por debaixo da mesa.

Durante a refeição, a conversa limitou-se a amenidades, ninguém tocou no assunto que os reunira ali. Mas depois do café, Van Dorf trocou a fita de seu gravador e acendeu mais um de seus fedidos cigarros.

— Você acredita que seu marido ainda está vivo, Sra. Allway?

Betty quase cuspiu o gole de café que acabara de tomar, tamanha sua surpresa.

— Eu... Eu... Não... Por quê...

— Este não é o tópico da audiência, Sr. Van Dorf — interveio Keely em favor da mulher. — Nossa principal meta, mais do que saber se nossos maridos estão vivos, é cuidar para que os canais que possam confirmar ou negar as mortes continuem abertos. E ao mesmo tempo, permitir que essas famílias recebam o dinheiro que lhes cabe por direito.

— Qual é a sua opinião a respeito, Sra. Allway? — insistiu Van Dorf.

— A mesma de Keely — respondeu ela, já recomposta.

— Estou curioso para saber qual é o ponto de vista do exército — falou Parker. — Você tem alguma idéia da posição deles, Sra. Williams?

— Da última vez que nos reunimos com o pessoal do exército, eles estavam do nosso lado. Espero que não tenham mudado de idéia.

— É, minha querida... — começou Walsh, esparramado em sua cadeira.

— Por favor, não me chame de "minha querida", deputado Walsh — disse Keely com firmeza.

— Eu lhe garanto que não tive a menor intenção de ofendê-la — falou ele, um tanto quanto estupefato.

— Claro que teve. Sua opinião sobre nós é clara e evidente. Você nos considera um grupo de mulheres histéricas que ocupam seu valioso tempo. Pergunto-me qual seria seu comportamento se o grupo fosse formado apenas por homens. Você lhes daria mais credibilidade? Eu lhe asseguro que há vários homens em nossa organização, deputado. Pais, irmãos e filhos, e eles estão tão preocupados e decididos quanto nós, mas têm uma certa dificuldade em tratar de um assunto tão emotivo em público. Por esse motivo, as mulheres estão mais empenhadas.

Houve um breve silêncio na mesa.

— Não me agradaria saber que qualquer pessoa participante deste ou de qualquer outro comitê se deixa levar por qualquer tipo de preconceito — disse o deputado Parker, lançando um olhar penetrante para Walsh.

— Bem, eu certamente não quis ofender ninguém e não gostaria de ser acusado de chauvinista. Sinto muito, Sra. Williams.

— Desculpas aceitas — falou Keely sem perder a firmeza. — E eu também lhe peço desculpas por ter interrompido sua linha de pensamento. Qual era o seu comentário?

E assim a conversa continuou. Eles trocaram idéias e discutiram-nas. Van Dorf não escondia a curiosidade, e seus olhos se movimentavam pela mesa com a rapidez de uma bala ricocheteando. O gravador também não parou. Pouco depois, quando a conta chegou, ele assinou-a e se levantou de repente.

— Acho que está na hora de voltarmos. Muito obrigado por terem aceitado o convite para almoçar. O segurança chamará táxis para nós.

— Acho que vou caminhar alguns quarteirões — disse Parker. — Sra. Allway, quer que eu a ajude a vestir o sobretudo?

— Sim, obrigada — disse ela, acompanhando-o em seguida até a porta.

— Devereaux, quer dividir o táxi comigo? — perguntou Walsh.

— Obrigado, mas preciso passar no meu escritório. Acho melhor eu ir sozinho.

— Então, se não se importar, vou pegar o primeiro táxi.

— Claro que não.

Pouco depois, o deputado partiu. Van Dorf foi comprar cigarros, permitindo, assim, alguns momentos de privacidade a Keely e Dax.

— Não posso me esquecer de nunca provocá-la — ele sussurrou perto da orelha de Keely enquanto segurava o sobretudo para que ela vestisse. — Você tem garras afiadas.

— Aquele homem é um ignorante — disse. — E ridículo! Não consigo imaginá-lo em um cargo congressional. E assustador.

— Você esteve ótima. — A mão de Dax permaneceu na cintura dela. Apenas um observador casual notaria que ele a acompanhava na qualidade de cavalheiro. Um observador mais atento, entretanto, encararia o toque como uma carícia.

— Por que lhes contou que já nos conhecíamos? — perguntou Keely.

— Para seu conhecimento, Van Dorf é impiedoso. Tenha cuidado com ele, Keely. Ele é um lobo fantasiado de cordeiro.

— Eu prefiro encará-lo como uma raposa, e não como um lobo. Ele fez com que Betty e eu acreditássemos que seríamos suas únicas convidadas para o almoço. Esqueceu de comentar que você e os outros deputados também estariam presentes. Foi um convite ingênuo, mas na verdade, era uma armadilha.

— Que canalha! Eu tenho vontade de enfiar aquele gravador na boca dele! Ou em algum lugar ainda mais apropriado.

Keely não conseguiu evitar a risada.

— Não posso me esquecer de nunca provocá-lo — brincou ela. Dax sorriu, aumentando sua covinha — Sua herança creole está transparecendo.

— E mesmo? Sinto muito.

— Não sinta. É uma característica atraente.

— Você acha?

Ela olhou nervosamente para os lados. Betty e o deputado Parker aguardavam os táxis prometidos. Van Dorf xingava a máquina de cigarros que prendera seu dinheiro, mas não lhe entregara os cigarros. Walsh tinha ido embora.

— Por que contou que nos conhecemos a noite passada?

— Essa foi sua primeira pergunta, não foi? Sabe, quando estou perto de você, eu preciso me esforçar para manter a mente... Deixe para lá. Achei melhor contar para eles, no caso de alguém ter nos visto conversando ontem à noite. E se depois fingíssemos que não nos conhecíamos, a curiosidade das pessoas aumentaria ainda mais. Falar a verdade é sempre a melhor política.

— E se alguém o viu entrar no meu quarto?

— Nesse caso, a melhor política seria uma mentira — disse ele, bem-humorado.

— Você é mesmo um político.

— Como você está? Conseguiu dormir a noite passada?

Keely desejou que Dax não a olhasse com tanta preocupação. Os olhos dele estudavam-lhe as feições com grande interesse, causando-lhe uma onda de calor no corpo. Por que meu coração não sossega?, pensou ela. Os batimentos eram tão acelerados que o deputado não pôde deixar de notar.

— Não, não dormi muito bem. Na verdade quase nada.

— Eu assumo a responsabilidade. — Não precisa.

— Precisa sim — insistiu Dax. — Eu não a deveria ter aborrecido. E não negue que eu a aborreci. Quando você me contou que era casada, no aeroporto, a atitude mais sensata seria deixá-la em paz.

— Seria?

— Não seria?

Tomados por uma força invisível e inexplicável, eles sentiram que se aproximavam um do outro. Dax sentia o sangue borbulhando em suas veias. A ponta de seus dedos latejava, ansiando por tocá-la. A cicatriz que havia sob seu olho tremeu. Vivamente, ele se lembrou da deliciosa sensação dos lábios macios dela.

Keely passou a língua pelos lábios, e Dax acompanhou o movimento.

— Sim — respondeu ela, sem fôlego. — Provavelmente teria sido melhor.

— Keely?

— Sim? — Ela virou-se para Betty, sentindo-se culpada. — O táxi chegou?

Betty olhou as bochechas vermelhas, percebeu a respiração agitada da amiga e franziu a testa.

As duas se despediram de Dax e de Van Dorf, que reclamava seu dinheiro ao gerente do restaurante, e também de Parker.

Quando estavam acomodadas no assento do automóvel, Keely se pôs a brincar com a alça de sua bolsa.

— Você não precisa me contar nada, mas devo lhe confessar que estou curiosa — disse Betty.

— Sobre o quê? — perguntou Keely, tentando fingir indiferença, embora soubesse que não conseguiria enganar ninguém. Muito menos a si mesma.

— Ora, Keely. Hoje de manhã, quando eu lhe perguntei sobre o deputado Devereaux, você teve uma grande oportunidade de me contar que o conhecera ontem à noite.

— Não achei que fosse importante.

Betty pegou a mão suada de Keely e segurou-a

até que ela a olhasse.

— As mulheres costumam ser mais sensíveis do que os homens. Por sorte, acho que ninguém mais na mesa percebeu a eletricidade que havia entre vocês dois cada vez que se olhavam. Não estou sendo intrometida, e sei que não tenho nada a ver corri sua vida pessoal, Keely. De forma alguma pense que a estou censurando. Estou só lhe advertindo para ter cuidado. Não tome nenhuma atitude passível de críticas, que poderá comprometer sua reputação e integridade, sem contar sua atuação na PROOF.

— Eu jamais faria algo tão estúpido, Betty. Não se preocupe.

— Eu sei que não. Posso parecer velha e antiquada, mas sou uma mulher que não vê o marido há mais de catorze anos. Um homem com o charme de Dax Devereaux é capaz de tentar até uma santa.

Keely desviou os olhos da amiga, focalizando o monumento de Washington que apontava para o céu como um dedo acusatório.

— Eu sei o que está querendo dizer.

A sessão vespertina da audição foi tomada pelo discurso árduo, rotineiro e monótono de um general do exército. Ele leu muitas declarações de várias divisões militares. Os nomes e posições eram impressionantes, mas os documentos de nada serviam para esclarecer o assunto. O general repreendeu o deputado Parker quando ele tentou chegar a uma conclusão definitiva. Algum tempo depois, quando a sessão foi encerrada, todos suspiraram aliviados.

Keely perdeu Dax de vista quando ele saiu da sala. Ela e as outras mulheres da PROOF combinaram de se encontrar no restaurante Le Lion d'Or para um jantar.

— Nós merecemos uma boa refeição depois de agüentar o general Adams por mais de duas horas

— comentou Betty.

Cada uma foi para seu quarto quando chegaram ao Hilton. Keely não estava tão empolgada com a noite quanto deveria estar. Mesmo depois de um banho, de se maquiar e de colocar seu vestido estilo chinês de crepe de seda verde, ela continuava sem o menor entusiasmo com o compromisso. Entretanto, ao encontrar Betty no saguão do hotel, sua expressão estava alegre.

A refeição estava espetacular, e a atmosfera serena. De comum acordo, as mulheres decidiram não conversar sobre a audição ou especular seu resultado. Discutiram moda, o último escândalo de Hollywood, filhos, penteados, filmes, livros e, como não podia deixar de ser, dietas. E riram bastante, sabendo qual seria o comentário do deputado Walsh se as visse em um restaurante tão caro.

Keely conversou alegremente, comeu e bebeu, mas quando chegou ao hotel, tudo que mais queria era tirar a roupa e jogar-se na cama.

Durante toda a noite ela lutara contra as lembranças de Dax. Dax no avião, segurando-lhe as mãos, tentando tranqüilizá-la. Dax aparecendo à sua porta e trazendo-lhe o jantar. Depois sua mente concentrou-se nos momentos de paixão nos braços daquele homem encantador.

Ela fechou a porta quando entrou no quarto e jogou o sobretudo e a bolsa na cadeira.

— O que estou fazendo? — perguntou ela, irritada, olhando sua imagem no espelho. — Você está se torturando, Keely.

Suas pernas pareciam de chumbo, tamanho seu cansaço. Depois de lavar o rosto, escovar os dentes e passar seus cremes, ela se deitou feliz da vida.

— Alô? — Seria Dax?

— Olá! Como está tudo por aí?

— Nicole! — Ela engoliu a decepção ao escutar a voz da amiga.

— Você me parece cansada.

— E mesmo? Além de não ter dormido muito bem a noite passada, meu dia não foi nada fácil. Aquela Câmara dos Deputados parece ter paredes que vão se fechando quando se está lá dentro. E por aí, tudo bem?

— Sim. Charles me convenceu a ir jantar com dois patrocinadores hoje. Você precisava ter visto a esposa deles. Pareciam chefes da Liga de Senhoras de Cabelos Roxos e de Casacos de Pele. Um h-o-r-r-o-r!

Charles Hepburn era um dos vendedores de maior sucesso da televisão. Vendia mais tempo de comerciais para clientes locais do que todos os outros vendedores juntos. Seu comportamento quieto e silencioso atraía patrocinadores poderosos mesmo antes de ele lhes apresentar o projeto todo.

— Nicole, você não me engana. Você o adora!

— Ele é legal — suspirou ela. — Quando não se tem mais ninguém para sair ou nada mais para fazer.

Keely riu apesar de seu péssimo humor. Nicole tinha o dom de alegrar até o mais terrível dos dias, e não se permitia jamais entrar em depressão.

— Todos os jornais daqui estão dizendo que Dax Devereaux faz parte do subcomitê. Eu não sabia, e você?

— Não até chegar a Washington.

— E então?

— E então, o quê?

— Ora, Keely. Você vai me obrigar a arrancar as informações? Você o conheceu?

— Sim.

— E?

— E o quê?

— Ora, não se faça de tonta — disse Nicole. — O que achou de Devereaux?

— Nós apenas nos cumprimentamos rapidamente, Nicole.

— Pelo amor de Deus, Keely! Você sabe que ele é o solteiro mais cobiçado dos Estados Unidos. E se você o conheceu, deve ter percebido. Eu adoraria conhecê-lo melhor...

— Nicole! Quando você o conheceu?

— Na verdade, nós ainda não nos conhecemos. Uma vez eu o encontrei em uma festa. Estava acompanhado de Madeline Robins. Sabe, aquela que se casou com um velho que morreu, convenientemente, depois de seis meses, deixando-lhe toda sua fortuna. A mansão em Guardem District, a plantação de algodão no Mississipi e uma frota de navios.

Keely sentiu um aperto no peito. Dax e Madeline Robins? Ficou surpresa ao perceber quanto lhe doeu imaginar Dax com a linda e alegre viúva que era conhecida por sua beleza estonteante.

— Você ainda está aí? — perguntou Nicole quando não escutou nenhuma resposta.

— S-sim. Estou apenas cansada, Nicole. Muito obrigada pelo telefonema, mas realmente preciso dormir.

— Querida, você está bem? Você me parece estranha. Está tudo realmente bem por aí? — Nicole deixara o tom jovial de lado, e a preocupação em sua voz era evidente.

— Sim. Está tudo bem. De verdade. Eu não quero aborrecê-la com os assuntos da PROOF.

— Mas é por isso que você está aí, não é? E você sabe a minha opinião a respeito, por isso não vou falar mais nada.

— Obrigada.

— Não seria nada mau se você saísse um pouco para se divertir enquanto está aí. Vá ao cinema ou a um bar e procure conhecer pessoas interessantes.

— Boa noite — disse Keely, sorrindo.

— Boa noite. Durma bem. E se precisar, telefone-me a qualquer hora.

Sem mais nenhuma palavra, Keely desligou. Em seguida, deitou a cabeça no travesseiro e não se lembrou de mais nada até a manhã do dia seguinte.

Quando o telefone tocou de novo, ela não percebeu, a princípio, que várias horas haviam se passado. Procurando o aparelho no escuro, Keely finalmente o encontrou, mas errou a orelha duas vezes antes de conseguir atender direito.

— Alô?

— Bom dia.

Ela abriu os olhos no ato. Que maneira deliciosa de ser acordada: com a voz de um homem. Com a voz daquele homem.

— Já é de manhã? — ela perguntou, com as palavras abafadas pelo travesseiro.

— Eu a acordei?

— Não — respondeu Keely, bocejando. — Eu acordei para atender ao telefone.

— Bom saber que você já acorda com esse bom

humor.

— Acho que ainda é cedo demais para meu bom

humor. Que horas são?

— Sete.

Vir ando-se na cama, Keely confirmou o horário,

olhando para o despertador.

— Ah, meu Deus! Eu dormi demais!

— E qual é o problema? A audição só começa às dez. Ainda há tempo.

— Eu sei. É que estou acostumada a acordar muito cedo para trabalhar e me sinto culpada quando durmo demais.

— A que horas você costuma acordar?

— Às cinco.

— Cinco! Por quê?

— Porque tenho que estar no helicóptero às seis e meia. Sou repórter do trânsito, lembra?

— Eu só telefonei porque não consegui me despedir de você ontem à tarde. Uma montanha de papéis me aguardava no escritório e, além disso, eu sabia que não poderíamos ficar sozinhos.

— Saí para jantar com as outras mulheres do grupo. — E ele, com quem jantara? — Cheguei exausta ao hotel, nem me lembro de ter deitado na cama.

— Você precisava descansar. Hoje será mais um dia tenso.

— Eu sei.

Houve um silêncio, e várias palavras ficaram entre eles, implorando para serem proferidas.

— Bem, então nos veremos mais tarde — Dax falou por fim. Não era bem o que queria dizer, mas...

— Está bem. — Era o melhor que seu cérebro podia fazer?, perguntou-se Keely.

— Tchau.

— Tchau.

— Keely?

— Sim?

— Enquanto estiver sentada atrás daquela mesa hoje, saiba que, dentro daquela sala, há pelo menos um homem que gostaria de estar abraçado com você.

O telefone ficou mudo em seguida.

 

A audição durou mais um dia e meio. A PROOF encontrou um aliado em um soldado que tinha voltado para casa após a soltura dos presos de guerra. Em um discurso comovente, o soldado relatara como ele e seus companheiros de guerra nunca tinham perdido a esperança e a fé em seu país. Mesmo quando haviam sido submetidos aos piores ultrajes, os quais descreveu à audiência, ele e os outros presos nunca tinham acreditado que seriam abandonados e esquecidos.

Keely e as outras mulheres do grupo celebraram a pequena vitória, mas a alegria durou pouco. Um representante do Ministério da Economia testemunhou sobre a exorbitante quantia de dinheiro que os contribuintes tinham de pagar para manter os salários daqueles homens desaparecidos e possivelmente mortos. O deputado Walsh e alguns outros assentiam sabiamente ao escutar o relatório financeiro. Keely torceu para que a barriga dele começasse a doer na mesma proporção de seu tamanho. Durante as intermináveis horas de confinamento naquela sala, Keely evitou qualquer tipo de contato com Dax, por acidente ou de propósito.

Ele, pelo visto, também chegara à conclusão de que um contato seria prejudicial, pois não fez nenhum tipo de tentativa de aproximação.

Os dois pareciam estranhos, inconscientes da presença um do outro, mas por trás daquela aparência havia uma realidade chocante. Várias vezes, Keely sentiu os olhos de Dax observando-a. Lembrando-se da conversa matinal ao telefone, ela enrubesceu da cabeça aos pés, tendo ou não encontrado os olhos do belo deputado.

Os hábitos de Dax já estavam se tornando bastante familiares. Os elegantes nós de suas gravatas quase nunca permaneciam no lugar por mais de uma hora. Impacientes, dedos inquietos brincavam com o nó até soltá-lo. Depois abriam o primeiro botão da camisa, revelando seu pescoço forte e bronzeado.

Dax estava encostado na cadeira com o cotovelo apoiado. Seu queixo descansava na mão direita, cujo dedo indicador alisava a pequena cicatriz logo abaixo de seu olho.

Dax escutava com atenção, observava quase sem piscar e fazia anotações com rabiscos rápidos.

Ele olhou para Keely.

Mais uma vez, aquele olhar foi tão sedutor e violento que, corajosamente, ela o encarou. Sua respiração tornou-se ofegante, o suor umedeceu-lhe as mãos e seu estômago parecia formar uma bola de neve. Os olhos de Dax lhe diziam que seus pensamentos estavam tão concentrados no discurso do orador quanto os dela.

O dedo em seu rosto se ergueu ligeiramente em um silencioso cumprimento. O movimento foi sutil, perceptivo apenas para a pessoa a quem se dirigia. Keely o percebeu e o reconheceu esboçando o início de um sorriso. A mensagem dizia bem mais do que um simples olá. Dizia: Gostaria de poder conversar com você. Preferia não estar aqui agora, fazendo o que estamos fazendo. Preferia... Tantas coisas impossíveis.

No terceiro dia, ao meio-dia, depois de liberar todos para o almoço, o deputado Parker recomendou que tirassem a tarde e o dia seguinte para descansar. — Nós passamos três dias seguidos discutindo, portanto, acho que precisamos de um tempo para pensar em todas as informações que nos foram apresentadas, ordenar nossas opiniões, fazer nossas próprias pesquisas e esclarecer os pontos obscuros antes de uma discussão final.

Quando todos concordaram com a sugestão, ele bateu o martelo, e a audição do comitê foi adiada.

— Essa pausa foi mais do que providencial — comentou Betty. — Preciso de um dia para cuidar dos cabelos e fazer as unhas. Além disso, estou quase sem dinheiro. E você, Keely, o que pretende fazer à tarde? Que tal irmos ao shopping?

— Obrigada pelo convite, Betty. Se você não se importar, prefiro ficar no hotel. Acho que vou ler um pouco e aproveitar para dormir.

Betty riu e alisou o braço da amiga.

— Então me despeço aqui. Vamos jantar juntas?

— Claro — respondeu Keely, depois de pensar por alguns instantes. — Telefone-me quando voltar para o hotel.

Betty virou-se e saiu andando, mas não antes de olhar preocupada para Keely, que sentiu que alguém tocava em seu ombro.

Dax estava ali, com um belo e grande sorriso.

— Sra. Williams — disse depressa. — Não tivemos a oportunidade de conversar desde o dia em que almoçamos. Espero que não esteja achando a audição muito maçante.

— Na verdade, não, deputado Devereaux. Eu esperava que o ritmo fosse esse. Acho que é um ponto a nosso favor, pois, dessa forma, vocês podem pensar direito no assunto.

Ele assentiu mostrando grande concentração, como se ela estivesse expondo algo extremamente importante. Em seguida, Dax deu um passo para a frente, cruzou os braços e ficou analisando suas unhas.

— Como você está? De verdade? — perguntou ele, baixo o suficiente para que ninguém mais os escutasse.

— Bem.

— Preciso ir a uma festa na Embaixada da França hoje à noite. Se eu quiser, posso levar uma acompanhante. Você gostaria de...

O convite ficou no ar, mas Keely entendeu perfeitamente.

— Não, Dax. Você sabe que não seria uma boa idéia.

— Sim, eu sei — murmurou ele, com expressão tão soturna quanto se estivessem discutindo os DASA. — Bem, vamos torcer para que todos saiam contentes, Sra. Williams — disse ele em bom-tom, e estendeu a mão para que Keely a apertasse.

Os olhos e as mãos dos dois se encontraram e, por um segundo, todo o mundo pareceu não existir. Mas logo a realidade voltou.

— Olá, deputado — chamou Al Van Dorf. — Será que você poderia falar um pouco a respeito da proliferação dos armamentos que foi comentada na audição?

— Claro. Divirta-se, Sra. Williams — disse ele polidamente.

— Obrigada. Até logo. Sr. Van Dorf. — Ela se despediu e deixou os dois homens a sós. Pernas pesadas a levaram para fora do salão. Alguns minutos depois, Keely conseguiu parar um táxi na Pensilvânia Avenue. Teria sido melhor se tivesse aceitado o convite de Betty para ir ao shopping, pois qualquer coisa seria melhor do que ficar sozinha em um quarto de hotel, pensando em coisas que jamais aconteceriam.

Keely deitou-se na cama logo que chegou e só acordou horas depois, quando escutou Betty batendo à porta. Elas decidiram ficar no hotel e jantar lá mesmo por causa do tempo ruim.

— Comprei um tailleur novo — comentou Betty, quando seguiam para o elevador. — Por que não vem até o meu quarto para vê-lo? Hoje vai passar um lindo filme antigo na televisão, com Robert Taylor e Bárbara Stanwyck. Você provavelmente não se lembra deles.

— Claro que lembro! — respondeu Keely, rindo. — Você não se importa com a companhia? — Ela não queria voltar para o quarto, pois não conseguiria dormir tão cedo.

— Seria ótimo se você ficasse. Vamos pedir uma garrafa de vinho — disse Betty com o entusiasmo de uma adolescente.

Várias horas depois, Keely estava se sentindo um pouco zonza devido às taças de vinho e ao filme sentimental e romântico. Ela e Betty tinham se divertido como colegiais. Saiu do quarto e seguiu pelo corredor do hotel bocejando sem parar.

A porta do elevador se abriu. Keely arregalou os olhos e ficou sóbria no instante em que viu Dax apoiado na parede de metal. A expressão de tranqüilidade transformou-se em seriedade, como se houvesse sido reprimido por um sargento intolerante. Ele segurava o sobretudo nos ombros com a ponta dos dedos.

— Está subindo? — perguntou ele, com um sorriso.

— Não, descendo.

— Venha dar uma volta comigo — convidou Dax. — Ninguém pode nos culpar por termos nos encontrado por acaso dentro do elevador do hotel em que estamos hospedados — disse ele, notando que Keely hesitava. —• Além disso, o que poderia acontecer dentro de um elevador? — Os olhos dela baixaram no mesmo instante. — Estou brincando. Entre.

Keely entrou no elevador, e a porta se fechou atrás dela, encarcerando-os em um mundo solitário, separando-os de tudo e de todos em um universo único.

— Como foi a festa? — perguntou ela, depois de respirar fundo.

— Barulhenta, lotada e cheia de fumaça.

— Deve ter sido divertida.

Dax não prestara nem um pouco de atenção na festa. Na verdade, não se lembrava de muita coisa. A experiência não fora das mais agradáveis. Ele comera os canapés, imaginando o tempo todo quais seriam os pratos prediletos de Keely, desejando estar dividindo um misto-quente e um balde de pipoca com ela na frente da televisão, diante de uma lareira quentinha, ou na cama...

Talvez ele houvesse bebido um pouco além da conta, imaginando se ela preferia vinho tinto ou branco. Enquanto escutava a voz estridente e irritante da esposa de um diplomata, Dax ficou pensando na boca de Keely, brilhando com a gloriosa cor do vinho tinto. Imaginou-se beijando aqueles lábios maravilhosos.

Os outros homens na festa não tinham parado de falar um só instante na secretária de um senador, que já saíra com quase todos os homens de Capitol Hill. Naquela noite ela usava um vestido vermelho extremamente justo que realçava as curvas perfeitas, porém que beirava a vulgaridade. Apenas uma semana antes os comentários de Dax teriam sido tão criativos quanto os dos companheiros, mas aquela noite tudo lhe parecia obsceno e estúpido. Seus pensamentos se voltavam para uma figura bem mais elegante, feminina e delicada. Curvilínea, mas sem beirar o exagero. Tangível, mas ao mesmo tempo intangível. — Você chegou em casa — disse ela. O elevador chegara ao último andar, e a porta se abrira. Ao longo do corredor estavam os aposentos de Dax, frios e impessoais. A única fonte de calor na qual ele encontrava conforto naquela noite estava bem diante de seus olhos, dentro do elevador.

— Onde você estava? — perguntou ele.

— No quarto de Betty. Nós assistimos a um filme antigo e bebemos uma garrafa de vinho.

— Tinto ou branco?

Ela fechou os olhos como se estivesse saboreando a safra.

— Tinto — sussurrou Keely. Ela arregalou os olhos ao escutar um gemido angustiado. Dax apertou o botão do sétimo andar, que se acendeu quando as portas se fecharam. — O que você...

— Vou com você até o seu andar — disse ele, explicando-se.

— Você não deveria fazer isso.

— Não precisa me lembrar.

— Sinto muito — disse ela, baixando os olhos diante da mágoa causada pelo tom severo.

— Desculpe-me, Keely. Não estou bravo com você. Estou bravo com...

— Eu sei — interrompeu ela depressa. Quanto menos fosse dito, melhor.

O elevador parou no sétimo andar e a porta se abriu, mas, antes que Keely pudesse sair, ele apertou mais um botão. Ela não viu qual era, mas não fazia a menor diferença. A porta se fechou de novo.

— Dax...

— Vou apanhá-la amanhã cedo na frente do hotel. Às dez horas. Vista uma roupa casual.

— Eu não posso — disse ela, balançando a cabeça.

— Não pode se vestir casualmente? — provocou Dax.

Pela primeira vez ela reviu o sorriso familiar, aquele que ressaltava a linda covinha.

— Eu não posso me encontrar com você.

— Claro que pode.

Mais uma vez, o elevador parou, a porta se abriu, e os dois se surpreenderam ao encontrar um casal de meia-idade do lado de fora. Eles tinham quase se esquecido de que não eram as únicas pessoas no mundo.

— Boa noite — cumprimentou Dax. — Para que andar vocês vão?

— Terceiro — respondeu o homem.

Dax apertou o botão e encostou-se na parede, como se fosse apenas mais um passageiro do elevador.

— De onde vocês são? — perguntou ele.

— Do Novo México. Las Crases — respondeu ele. A mulher ficou olhando para o sobretudo de Dax,

que estava no chão. Depois levantou os olhos para Keely, que sorriu sem graça. Ela apertou o braço do marido como se estivesse procurando proteção daqueles tipos excêntricos das cidades grandes.

— Há uma excelente universidade em Las Crases — disse Dax.

— A do Estado do Novo México — disse o homem orgulhoso.

— Exatamente!

O elevador parou no terceiro andar, e o casal saiu.

— Divirtam-se em Washington — falou Dax. A porta se fechou em seguida. — Agora, Keely, como eu estava dizendo...

— Não, era eu quem estava falando que não vou a lugar algum com você, Dax.

— Nós teremos o dia todo livre, Keely. Ficar enclausurado dentro daquela sala tem me deixado muito nervoso e acho que você também.

De fato Dax estava certo. Keely tinha as faces rosadas de constrangimento e devido ao excesso de vinho. As pupilas estavam dilatadas e brilhantes, e os cabelos ligeiramente despenteados. Ela nunca estivera mais bonita, mais sensual.

Dax olhou para os lábios dela, que tinham se entreaberto ligeiramente com a intenção de discutir, mas os argumentos se calaram. Mesmo sem o artifício do brilho labial, a boca sedutora brilhava, incitando-o a tomá-la nos braços e beijá-la até que ambos perdessem o fôlego.

— Por que não podemos ser amigos e passar algumas horas juntos? — Eles não eram amigos, nem nunca seriam, e ambos tinham plena consciência do fato.

Os dois fitaram-se por alguns momentos. Dessa vez, quando a porta se abriu no sétimo andar, Dax pressionou o botão que a manteria aberta.

— Dez horas.

— E se alguém nos vir juntos? Van Dorf...

As objeções dela nada significavam. Não havia a menor dúvida de que Keely iria encontrá-lo no horário combinado no dia seguinte.

— Ninguém nos verá. Estou com o carro de um amigo. É um Datsun prateado. Vou ficar dando voltas no quarteirão até você aparecer. Não demonstre medo nem aja como se estivesse fazendo algo errado. Só abra a porta e entre.

— Dax...

— Boa noite. — Ele colocou o indicador nos lábios e soprou-lhe um beijo. Dax não queria sair de perto dela, mas achou melhor soltar o botão antes que fosse tarde demais.

Durante alguns segundos, Keely ficou olhando para a porta fechada do elevador, mas sem realmente vê-la, sem ver nada. De volta ao quarto, seu dilema sobre qual roupa vestiria no dia seguinte apenas começou.

Keely sentiu-se bem vestida com calça de lã cinzenta e uma malha de gola alta preta. Por cima, vestiu um blazer de lã também preto e calçou botas de veludo que manteriam seus pés aquecidos, uma vez que o tempo estava chuvoso e úmido, sem querer abrir espaço para a chegada da primavera. Não fazia a menor idéia para onde Dax a levaria, portanto, queria estar preparada para qualquer eventualidade. Às cinco para as dez, ela pegou seu sobretudo e saiu do quarto.

Com o coração disparado, cheio de culpa, ela atravessou o lotado saguão do hotel. Ao atravessar a porta giratória, Keely logo avistou o Datsun prateado parado do outro lado da rua. Abrindo a porta contra o forte vento, ela verificou se era realmente Dax atrás do volante e entrou. Os dois caíram na risada assim que ela se acomodou no assento de couro, e depois partiram.

— Bom dia — disse ele, aproveitando-se do farol vermelho para olhar para Keely.

— Bom dia.

— Você é muito pontual.

— A pontualidade é uma das minhas virtudes. Quantas vezes você deu a volta no quarteirão?

— Três. A impaciência é uma das minhas virtudes. — Eles riram de novo, consumidos pela alegria dos momentos a sós que estavam apenas começando.

— Aonde vamos? — perguntou ela assim que o farol ficou verde.

— Ao monte Vernon.

— Monte Vernon! — Keely olhou para as nuvens ameaçadoras no céu. — Hoje? Quem seria louco a ponto de ir até o museu em um dia como o de hoje?

Ele parou em mais um semáforo antes de responder. Virando-se para Keely, Dax apertou-lhe o nariz.

— Ninguém. É por isso que vamos lá.

— Não é à toa que você é candidato ao senado, deputado Devereaux. Você é brilhante!

— Algumas vezes sou tão esperto que fico até assustado — brincou ele.

Keely não o importunou enquanto ele dirigia pelo trânsito da Constitutional Avenue em direção ao Lincoln Memorial. Ela dobrou o sobretudo e colocou-o no chão, junto com sua bolsa. Depois ligou o rádio e escolheu uma estação que tocava músicas tranqüilas.

Eles atravessaram o rio Potomac pela ponte Arlington Memorial no sentido da propriedade de George Washington. Os bosques que rodeavam a estrada ainda mostravam os resquícios do inverno.

— Essa região estará linda daqui algumas semanas, quando folhas começarem a nascer — comentou Keely.

— Sim. Eu adoro a minha cidade quando as árvores começam a florescer. Temos azáleas por todos os lados, que ficam lindas quando estão floridas. Nós contratamos um jardineiro que cuida apenas delas.

— Nós?

— É que eu ainda considero a casa principal como sendo dos meus pais. Alguns anos atrás, eles se mudaram para uma casa menor do outro lado da nossa propriedade. Na verdade, eles disseram que se mudaram para meu pai não ter de ficar subindo a escada, mas acho que na realidade foi para que eu me sentisse sozinho naquela casa e encontrasse logo uma esposa.

— E por que isso não aconteceu?

— Eu ainda não encontrei alguém com quem quisesse dividir minha vida — disse ele, tirando os olhos da estrada por alguns instantes para olhar para Keely. -— Mas quando encontrar essa mulher, eu moverei céus e terras para levá-la para casa comigo.

Ela respirou fundo e cerrou os punhos contra as laterais do corpo, no intuito de manter a calma.

— Como é a sua casa?

— Os Devereaux tinham uma casa bem antiga, mas ela foi praticamente destruída durante a guerra. Demoramos até 1912 para recuperar nossas perdas e construir outra casa. Eu a adoro, mas não vou descrevê-la. Quero que você a veja algum dia.

— Fica em Baton Rouge?

— Cinqüenta quilômetros depois.

— A propriedade é muito grande?

— O suficiente para se ganhar dinheiro e criar alguns cavalos.

— Você está se esquivando das minhas perguntas? Não estou ouvindo as respostas certas, Sr. Devereaux, e acredito que seja um talento que você aperfeiçoa com seus repórteres.

— Você me desmascarou — brincou ele. Keely não insistiu no assunto, e também não

pediu mais informações. Era evidente que a riqueza da família o constrangia. Fora assunto de vários editoriais em diversas revistas.

O restante da viagem transcorreu era silêncio. Quando Dax estacionou, havia apenas alguns poucos carros parados. Normalmente, as filas de ônibus eram intermináveis, mas naquele dia somente um estava parado em meio aos carros.

— Viu? Eu não disse que seríamos os únicos? — brincou ele, pegando seu sobretudo e saindo do carro.

Em seguida, Dax caminhou até o outro lado e ajudou-a a vestir seu sobretudo. Então, de braços dados, eles seguiram até o portão.

A senhora vestida com trajes coloniais espantou-se com os visitantes.

— Vocês não escolheram o melhor dia para conhecer o local, mas espero que não chova e que possam conhecer a parte externa. Nossa programação no inverno costuma ser flexível. Há um grupo esperando para subir para a casa agora, vocês podem ir com eles. Um guia logo irá juntar-se a vocês.

— Obrigado — respondeu Dax com um sorriso cativante. — Eu preferia ter vindo em um dia de verão, mas hoje era o único dia que minha irmã podia vir.

— Você enlouqueceu? — perguntou ela, já longe da mulher.

Dax não respondeu, pois estava ocupado em tirar o guarda-chuva de dentro do sobretudo. Ele apertou um botão e o abriu com um grande estalo.

— Você realmente acha que as pessoas vão acreditar que sou sua irmã? — perguntou ela, parando no caminho de pedras que seguia até a casa.

Segurando o guarda-chuva para protegê-los da garoa, Dax virou-se para Keely.

— Não, acho que não. É melhor praticarmos — disse ele, entregando-lhe o guarda-chuva.

— Minha irmã! — exclamou Dax, segurando-a pelos ombros. — Você se transformou em uma linda mulher! — Depois ele baixou a cabeça e deu-lhe um beijo na boca. — Deixe-me vê-la melhor!

Surpresa com a atuação dele, Keely ficou imóvel enquanto Dax lhe abria o sobretudo.

— Eu jamais imaginei que você fosse crescer tanto. Envergonhada, Keely entreabriu os lábios para

protestar, mas não conseguiu falar nada, pois Dax logo continuou com seu teatro.

— Você fica bem com qualquer cor, sabia? — Ele tocou-lhe as faces coradas. — Você está linda de preto é também estava bem naquele tom de verde que usava no avião. — A voz de Dax baixou e tornou-se mais rouca. — Você fica linda de amarelo. Existe alguma cor do arco-íris que não ressalte seus olhos, a cor de sua pele ou o brilho dos seus cabelos?

Ele acariciou-lhe a curva do maxilar com o polegar. Keely sabia que sua expressão era de choque, mas não teve coragem de lhe pedir que se afastasse naquele momento de tanta diversão.

Dax não deveria tocar-lhe os lábios sob nenhuma hipótese. Era um gesto íntimo demais que destruiria todo o teatro fraternal. Mas mesmo que sua mente objetasse, seus lábios obedeceram ao desejo de Dax e se entreabriram ligeiramente.

Sem conseguir controlar seus impulsos, Dax foi inclinando a cabeça, até que um grupo de pessoas se aproximou atrás deles, e ele forçosamente se afastou.

— Vamos, querida irmã — disse, pegando o guarda-chuva e seguindo os turistas que aguardavam na base da subida onde a residência estadual se localizava.

Depois de alguns minutos, uma guia apareceu e os conduziu colina acima. Por sorte, o discurso foi alegre e divertido, nada convencional, como de costume. Como os outros no grupo, Keely e Dax escutavam com atenção. Subiram a escada, olharam os quartos, comentavam os lugares que mais lhes agradavam.

Quando a visita oficial terminou, eles foram convidados a conhecer a parte externa. Alguns seguiram para a cozinha e para a sala de jantar. Keely e Dax caminharam até uma pequena construção que abrigava alguns objetos pessoais dos Washington.

— Você já pensou que, se for eleito presidente, duzentos anos depois, milhares de pessoas estarão visitando sua casa e olhando seu aparelho de barbear? — brincou Keely.

— Eu uso um aparelho descartável, mas não me deixe esquecer de limpar a dentadura. — Eles riram, e Dax abraçou-a com espontaneidade.

Em seguida aproximaram-se da tumba onde os Washington estavam enterrados.

— Você já ouviu falar que Washington se apaixonou pela esposa de um amigo?

— Verdade?

— Sim. E o que comentam por aí.

— Que triste.

— Talvez não — contestou Dax. — O amor que ele nutria por essa mulher pode ter sido muito especial.

— Sim, talvez. — Por que ela sentia vontade de chorar?

— De certo isso não muda em nada o que ele fez pelo nosso país.

— Creio que hoje em dia não. Naquela época, porém, teria sido um grande escândalo.

— Acho que você tem razão.

Eles se afastaram do túmulo e voltaram para o complexo principal do museu. Dax sugeriu que fossem comer alguma coisa antes de partirem.

— O restaurante daqui não é dos piores. E o melhor é que não precisamos fazer reservas — disse ele, abrindo a porta do salão praticamente vazio.

Mesas e cadeiras estavam dispostas em fileiras ao longo do chão de madeira. Cada janela era enfeitada por cortinas brancas franzidas. Candelabros de prata com velas brancas adornavam cada mesa e lançavam um brilho singelo no papel de parede.

Apenas três das mesas em estilo colonial estavam ocupadas. Chamas brilhavam na lareira, e Dax escolheu uma mesa perto dela e também de uma janela que dava vista para o jardim perfeitamente cuidado. A garçonete entregou-lhes o cardápio e sugeriu que pedissem um chowder de mexilhões.

Depois de se deleitarem com a sopa, ele chamou mais uma vez a atendente.

— Gostaríamos de uma sobremesa. O que você sugere?

— As tortas caseiras são nossa especialidade. Temos de cereja, maçã e peca.

— Que maravilha! Dois pedaços de torta de cereja.

— Não, eu quero de peca — interveio Keely.

— Você não pode vir até a casa de George Washington e não comer torta de cereja. É antiamericano — brincou Dax.

— Peca, por favor — disse ela, sorrindo.

— Está certo — resmungou Dax. — Também queremos duas bolas de sorvete de baunilha em cada pedaço.

— Eu quero chantilly na minha.

— Quem está fazendo o pedido, você ou eu? Keely e a garçonete riram da indignação de Dax.

— Você nem me perguntou o que eu queria. Prefiro chantilly.

— Aceita café? — perguntou ele, fingindo frustração.

— Chá — provocou Keely.

— Creme? — perguntou a garçonete?

— Não.

— Sim. — As duas respostas foram simultâneas.

— Ela acha que tem liberdade de escolha.

— Eu gosto de ver casamentos em que cada uma das partes é considerada um indivíduo — comentou a garçonete, retirando-se em seguida.

Keely ficou olhando para a mão esquerda, apoiada em cima da mesa. Foi um erro natural. Lá estava a aliança dourada envolvendo-lhe o dedo. Dax pegou a mão dela.

— A jovem achou que nós somos casados — disse ele com calma. — Desde que não nos reconheça, ela pode pensar assim. Então acho que não há problema em ficarmos de mãos dadas.

— Acho que não — respondeu Keely, retribuindo a pressão.

Os dois ficaram olhando para o fogo que crepitava, depois para a chuva que caía monotonamente. A água no vidro das janelas obscurecia o cenário, suavizava os ângulos severos do mundo, diminuía a claridade da vida real, permitindo-lhes fingir que, por alguns momentos, viviam em uma realidade única. E como não conseguiam se conter, fitaram-se longamente.

O calor aconchegante do restaurante os envolvia como um casulo. O barulho da louça e prataria na cozinha não superava as mensagens silenciosas que ambos se transmitiam. O movimento das outras pessoas ou dos garçons não os distraía nem por um momento.

— Acabei de notar que tem as orelhas furadas. Doeu?

— Você nem imagina quanto.

— Você jamais seria uma boa política, Srta. Preston. Você é muito direta.

Srta. Preston. Não Sra. Williams. Naquele momento, com Dax, ela era a Srta. Preston.

— Como conseguiu essa cicatriz debaixo do seu olho?

— Dá para ver? Vou fazer uma plástica.

— Não se atreva! E... — Keely quase disse linda, mas se conteve por medo de ele se ofender com o comentário feminino. — Ela lhe dá um ar jovial.

— Eu sou espadachim. Na verdade, houve um Devereaux que se envolveu com os Laffites.

— Já posso imaginá-lo lutando como um pirata.

— Acho que vou fazer um piercing na sobrancelha. Aliás, mais de um. É muito mais... jovial.

Os dois ainda estavam rindo quando a garçonete colocou a conta na mesa.

— Quer mais alguma coisa? — perguntou ele, assim que terminaram de comer.

— Você enlouqueceu? Não estou nem conseguindo respirar!

— Quer apostar uma corrida até o carro para queimar essas calorias?

— Vamos deixar para outra vez — respondeu Keely, estendendo os braços para que ele lhe vestisse o sobretudo. Depois saíram do aconchego do restaurante para o frio do lado de fora. A chuva começava a aumentar.

Esperaram alguns minutos para o motor esquentar, e, logo em seguida, os dois seguiam pela estrada.

— Nossa! A chuva está muito forte — comentou Keely, preocupada, alguns quilômetros depois. Mesmo com a rápida e insistente cadência do limpador de pára-brisa, a estrada às vezes sumia diante de uma parede de água.

— E uma loucura dirigir em um tempo desses. Acho que... — Sua voz sumiu enquanto ele olhava através da janela embaçada. Foi apertando lentamente o breque até o carro parar no acostamento.

— Vamos esperar a chuva diminuir um pouco.

 

Dax estacionou sob um velho carvalho, e vários carros haviam feito o mesmo. O silêncio era quase completo, não fosse o barulho ensurdecedor da chuva. A música do rádio parou de repente. O limpador de pára-brisas interrompeu seu ritmo agitado. O motor não vibrava mais. Apenas a chuva persistia. Dax relaxou no assento e lhe tocou o ombro.

— Você está quentinha? Quer seu sobretudo?

— Não, o aquecedor deixou o carro bem aconchegante. Pelo menos até agora.

— Se ficar com frio é só me falar. Eu posso pegar seu sobretudo ou deixar o motor ligado por alguns momentos. — A mão dele deslizou pelo braço de Keely e segurou-lhe a mão. — Sua mão está congelada!

— Eu sei. Eu nunca consigo esquentá-las.

— Coloque-as nos bolsos.

— Não adianta.

— Então coloque-as nos meus bolsos — provocou Dax

— E como você esquentará as suas mãos? — Ela não resistiu à brincadeira.

— Vou pensar em alguma coisa — respondeu ele com os olhos brilhantes, alinhando seus dedos com os de Keely. Estudou o contraste de suas mãos com a delicada fragilidade das dela. Depois as levantou e beijou-lhe a ponta dos dedos.

— Se eu tivesse de conhecer, acidentalmente, a esposa de um DASA em um avião, por que ela se pareceria com você? Por que tinha de ser você? — A boca de Dax agora se movimentava pela palma da mão de Keely, beijando-a, passando-a em seu rosto.

— Você não deveria dizer...

— Shh. Se não posso fazer mais nada, pelo menos deixe-me falar. — A ponta de sua língua quente umedeceu-lhe ligeiramente o centro da mão, interrompendo-lhe a respiração. — Mas se você não se parecesse com você, duvido que eu teria atravessado o corredor do avião para tentar acalmá-la, não é mesmo?

Keely não sabia o que responder, e também não tinha condições de falar. Dax deslizava a língua entre a base de seus dedos, lentamente, provocando-a. Era um gesto bastante sensual, além de excitante. Ele levou a mão de Keely até sua boca e olhou para ela.

O ar dentro do carro exalava os aromas da paixão. A respiração de ambos criava um véu de umidade na parte interna dos vidros, cada som se amplificava com o silêncio. Quando Dax se aproximou dela, o farfalhar de sua roupa lembrou-a de folhas movimentando-se com a brisa de outono. Cada visão era exaltada. Ele podia quase contar cada cílio que lhe embelezava os olhos. Os lábios 1 dela se movimentavam a cada respiração. Era uma boca bonita, e quisera prová-la desde o primeiro momento que a vira.

Keely não se lembrava de ter se sentido tão ! bem em toda sua vida, nem tão indefesa. Parecia estar flutuando, mas uma forte pressão fazia com que a parte inferior de seu corpo ardesse de desejo. Junto com essa sensação vinha uma força tão intensa que quase aniquilava seus músculos. Todo seu corpo emanava vida, e ela não sabia como lidar com essas novas sensações.

Sem perceber, Keely esticou o braço e se viu afastando uma mecha de cabelos negros da testa dele. Depois seu dedo tocou a cicatriz logo abaixo de seus olhos.

Apenas seu nome, proferido com a reverência de uma oração, pairava entre os dois antes que os lábios de Dax se aproximassem dos dela. Se houvesse fechado os olhos, Keely jamais saberia que tinham se tocado, tamanha a suavidade do contato.

Entretanto, ela mantivera os olhos abertos e agora via que Dax se afastava. Uma grande decepção a envolveu, pois queria conhecer o calor e a urgência daquela boca sensual. Ele lhe dissera que a impaciência era uma de suas qualidades negativas, e Keely se viu desesperada por uma demonstração dessa impaciência.

Dax não queria estragar o momento, nem tirar vantagem do bom humor que os envolvia. Levou as mãos dela para baixo de seu suéter, pressionando-as contra sua pele quente.

— Aqueça suas mãos em mim. — Dax baixou o suéter e segurou-lhe o rosto entre as mãos. Com cuidado, desceu os dedos pelo rosto rubro. A ponta de sua língua encontrou-lhe os lábios e os explorou com uma serenidade sensual. Depois começou a explorar cada pedaço da boca de Keely, investigando-a, penetrando em lugares que, quando descobertos, faziam com que ela se aproximasse.

A língua dele se afastou, a dela foi atrás. Tentando-o, Keely entreabriu os lábios de Dax, que se abriram para recebê-la. Dax se surpreendeu com a inexperiência dela, com os movimentos tímidos e recatados. Entretanto, aceitou os gestos até que eles se tornaram mais intensos, mais seguros.

Afastando-se por um instante a fim de recuperar o fôlego, ele mordiscou-lhe a orelha.

— Jamais tenha medo de mim, Keely. — Dax encarara aquela timidez como uma precaução.

— Eu sei. Não é isso. E que... Eu tenho medo de não saber... Eu era muito nova e faz tanto tempo...

— Isso a torna muito mais dócil. Não se preocupe, pois aprenderá com o tempo. Nós vamos aprender juntos.

Seus lábios continuaram a provocação, e ele prendeu a argola dourada que lhe enfeitava a orelha com os dentes. Os dois riram baixinho. Logo a risada de Keely transformou-se em gemidos de prazer, e ela se arrepiou toda quando Dax aprofundou a exploração em sua orelha.

— Está com frio?

— Não — sussurrou Keely.

— Se estiver, é só falar.

— Pode deixar. — Frio? Ela nunca sentiria frio perto de Dax. Jamais acreditara que um homem pudesse ser tão sensível aos desejos de uma mulher. Ele parecia adivinhar e antecipar cada desejo carnal de Keely. Não era apressado nem desesperado. Seus movimentos eram lentos, experientes e destinados a proporcionar prazer.

As palpitações cada vez mais fortes em seu peito começaram a assustá-la. Keely achava que não conseguiria mais respirar por muito tempo. Suas mãos subiam e desciam por baixo do suéter dele, procurando por um apoio antes que perdesse o controle de tudo.

Dax beijou-a novamente, e, dessa vez, o beijo foi mais intenso-, permeado por carícias. Ele afagou-lhe o pescoço, a linha do colo. E quando foi abraçá-la, seus braços lhe roçaram os seios.

Meu Deus, ajude-me, Dax pediu em silêncio. Não permita que eu a toque. Se isso acontecer, nunca mais a deixarei sair de perto de mim.

Ele sentiu a reação quase imperceptível. A respiração rápida e suave de Keely lhe resvalava a boca como macias bolas de algodão. Mordiscando-lhe o lábio inferior, Dax continuou com seus beijos. Respondendo com a mesma intensidade àquele fervor que os envolvia, Keely murmurou algo incompreensível e entregou-se às mãos dele.

Seduzido pela resposta tão calorosa, todas as boas intenções de Dax foram por água abaixo, e suas mãos aumentaram a intensidade da exploração. Os gemidos de prazer de ambos ecoavam no silêncio do carro. Lentamente, Keely relaxou e permitiu uma exploração maior. Inclinou-se no assento do carro e entrelaçou os dedos nos cabelos dele, puxando-o mais para perto.

Dax a afagava com carinho, alisando-lhe todas as partes do corpo, ensinando-a a conhecer cada uma de suas carícias. Fechou os olhos e visualizou o que tocava, a textura, a cor. Era uma agonia não ver, mas uma maravilha imaginar. Quando ele passou a mão na parte lateral do corpo de Keely e roçou-lhe os seios, os mamilos se intumesceram, exigindo mais atenção.

— Você é tão linda — murmurou Dax, pressionando o rosto entre os seios de Keely, deliciando-se com a fragrância. Ele continuou a tocá-la com as mãos, prosseguindo com aquele suave tormento. — Sua pele é tão macia.

— Ah, Dax... — sussurrou ela, empurrando-o pelo ombro. Dax bateu a cabeça no teto do carro ao se levantar.

— Eu a machuquei? — perguntou ele alarmado. Não, de jeito nenhum. Não era dor que sentia.

Mark a havia tocado ali, mas não provocara uma reação nem um pouco parecida com o prazer que sentira pelas mãos de Dax. Jamais sentira uma onda de prazer tão intensa a ponto de abrir um portão de desejo que ela não conseguia conter. A princípio se deixou levar, mas agora Keely estava assustada. Apavorada, na verdade.

Dax notou o medo no rosto dela e culpou-se por ter sido o responsável.

— Sinto muito, Keely. Eu queria apenas tocá-la e beijá-la.

Keely olhava pela janela do carro, envolvida em uma grande tristeza, quando ele deu a partida. Minutos depois, eles já estavam de volta à estrada.

A chuva diminuíra consideravelmente, agora era apenas uma leve garoa. O limpador de pára-brisas ia de um lado para o outro, e era o único som audível no automóvel. Ao acionar o motor, o rádio também ligara, mas Dax desligara-o em seguida. Chegando à cidade, ele amaldiçoou o trânsito da hora do rush.

Na frente do hotel, Dax parou o carro e olhou para Keely durante alguns minutos. Sentiu o coração se apertar em seu peito quando viu as lágrimas ameaçando escorrer pelo rosto dela.

— Keely...

— Foi um lindo dia, Dax. Sinto muito... Não foi o fato de ter me tocado que me assustou, mas sim eu não querer que você parasse.

Antes que ele pudesse falar algo, Keely abriu a porta e saiu correndo até o hotel.

Ela estava deitada debaixo das cobertas, apenas de calcinha e sutiã. Não sabia ao certo quanto tempo se passara desde que entrara no quarto, tirara as roupas, deixando-as jogadas no chão, e se enfiara no falso santuário de sua cama. Convencida de que um pouco de descanso seria a melhor solução, Keely tentou dormir, mas o sono não chegava.

Sua mente não lhe permitia fugir do turbilhão de indecisão e culpa; culpa por trair Mark, se não em atos, certamente em pensamentos, culpa por deixar que Dax a acariciasse com tanta intimidade. Ele a desprezaria depois daquele dia e Keely não podia culpá-lo.

Seu coração quase disparou quando ela escutou uma leve batida na porta. Quem seria? Colocara o aviso de Não Perturbe na porta e tirara o telefone do gancho. Mas quem quer que estivesse do outro lado da porta certamente desconsiderara seu pedido de privacidade.

Ela se levantou, caminhou até a porta e espiou pelo olho mágico. Viu um funcionário do hotel parado no corredor.

— Pois não?

— Sra. Williams?

— Sim.

— A senhora está bem? Sou o Sr. Bartelli, subgerente do hotel. A Sra. Allway tentou contatá-la e não conseguiu. Ela está muito preocupada, e pediu que eu viesse até aqui. A senhora está bem?

— Sim, Sr. Bar... Bartelli. Eu só queria descansar sem ser perturbada, por isso tirei o telefone do gancho. Diga à Sra. Allway que estou bem e que nos encontraremos amanhã cedo. — Keely poderia ter se oferecido para telefonar para a amiga, mas não tinha a menor vontade de falar com alguém.

— Muito bem. Tem certeza de que não precisa de nada?

— Pode ficar tranqüilo, eu estou bem.

— Boa noite, Sra. Williams. Peço desculpas por tê-la incomodado.

— Boa noite. — Pelo olho mágico, Keely viu a figura distorcida do homem desaparecer.

Como já estava em pé, antes de voltar para a cama decidiu tomar um banho e, assim, sentiu que relaxara e aliviara os músculos tensos. Sentindo-se lânguida e aquecida, ela olhou sua imagem no espelho assim que saiu do chuveiro. Sua pele estava rosada da água quente. Seus mamilos rígidos pronunciavam-se em seu corpo. Keely levantou a mão e tocou de leve o círculo róseo, lembrando-se das carícias enlouquecedoras de Dax. Um calor insuportável tomou conta de seu corpo. Envergonhada com sua própria necessidade física, Keely voltou para a cama e enrolou-se nas cobertas. Nunca sua cama lhe parecera tão vazia. Rendendo-se a uma fantasia imatura, ela abraçou o travesseiro, apertando-o, passando a mão pelo tecido macio, desejando que fosse a pele quente e vibrante de Dax, desejando que proferisse as palavras de um amante. Mas suas necessidades não foram satisfeitas, e a dor em seu coração falou mais alto. Keely cedeu às lágrimas.

Na manhã seguinte, ela sentia-se um pouco melhor, ou pelo menos mais determinada. Brincara com fogo, e não tinha mais ninguém para culpar, além de si mesma, por ter se queimado. Quantas vezes já tinha dito a Nicole que não valia a pena se envolver com os homens, pois o final era sempre o mesmo: um desastre. Keely não escutara a própria voz de sua consciência no que se relacionava a Dax Devereaux. Lamentava não poder telefonar para a amiga em Nova Orleans e dizer-lhe que sua teoria estava certa, mas nem Nicole, nem ninguém, saberia de seu breve envolvimento com Dax. E também, o que havia para contar? Tudo terminara antes mesmo de começar.

Seu vestido marrom não combinava exatamente com sua postura rígida, mas ela conseguiu se convencer do contrário. Keely prendeu o cabelo em um coque na nuca e dispensou qualquer tipo de acessório. Não queria parecer feminina, muito menos vulnerável.

Telefonara logo cedo para Betty Allway, e combinaram de se encontrar para irem juntas para a Câmara dos Deputados, como de costume. Assim que chegaram Keely entrou na sala do subcomitê com as costas eretas e o queixo erguido, e não olhou para nenhum lado. Sentou-se em sua cadeira e concentrou-se nas notas borradas diante de seus olhos.

Quando o deputado Parker entrou na sala e deu início à audiência, Keely levantou os olhos. Não olhou de forma alguma na direção de Dax, mas sabia que ele estava lá. Podia vê-lo com o canto dos olhos, paletó cinzento, camisa azul-clara e uma gravata azul com detalhes em outra cor. Decidida a não fraquejar, ela manteve-se concentrada no discurso do deputado.

— Hoje vamos escutar mais uma exposição do exército. O coronel Hamilton lera um documento descrevendo as várias tentativas das forças armadas de procurar os DASA. Coronel Hamilton, por favor.

Durante duas horas, o militar aproveitou-se de sua posição e leu cada linha do documento em um tom monótono e cansativo. Se Keely não estivesse tão empenhada em manter a concentração, ela provavelmente teria dormido. Várias vezes os roncos do deputado Walsh se sobrepuseram ao tom constante de Hamilton.

Keely estudou suas cutículas, a parte lascada da mesa, a teia de aranha no lustre, mas não olhou nem uma vez na direção de Dax. Betty se mexia sem parar, irritada.

— Estou contente por ele ser tão chato. Esse discurso poderia realmente estragar nosso caso: se ele fosse um pouco interessante e as pessoas; estivessem prestando atenção — sussurrou ela.

Sem saber como responder, Keely apenas sorriu. JO que a amiga pensaria se descobrisse que ela era uma traidora?

Poucos minutos antes do meio-dia, o coronel Hamilton finalmente fez seus últimos comentários. O deputado Parker bateu o martelo para ganhar a atenção de todos e olhou para Keely.

— Há mais alguma coisa que queira dizer antes de interrompermos a audição, Sra. Williams?

Keely não esperava essa gentileza e, nervosamente, umedeceu os lábios com a ponta da língua. Endireitou-se na cadeira e respirou fundo antes de falar.

— Dissemos tudo que era necessário. Falando por todos nós, eu não posso acreditar que os senhores, como representantes do povo americano, atrever-se-iam á apresentar uma declaração na qual constasse a morte de qualquer um de nossos cidadãos, quando a prova dessa morte não existisse. É verdade — continuou ela. — Poderíamos economizar alguns dólares, mas quanto vale a vida de um homem? Há como se avaliar algo tão valioso? Pessoalmente, acredito que alguns desses homens podem estar vivos, mas, se não estiverem, suas famílias não merecem ser honradas e recompensadas pelo sofrimento que suportaram? Se o Congresso declarar esses homens como mortos, e parar de ajudar suas famílias, então os Estados Unidos terão expulsado seus filhos da maneira mais cruel possível.

O deputado sorriu para ela em sinal de aprovação, e os outros membros a aplaudiram fervorosamente. Depois olhou para as duas mesas laterais, como se desafiasse alguém a contestá-la. Como ninguém o fez, ele bateu o martelo.

— A assembléia está adiada até as duas e meia, quando nos reuniremos para apresentar nossa decisão. Os membros do subcomitê, por favor, façam um lanche rápido e estejam de volta a uma e quarenta e cinco para discutirmos. — O martelo desceu de novo, e todos foram dispensados.

Keely foi rodeada por fotógrafos e repórteres. Respondeu algumas perguntas, evitou outras e, metodicamente, foi trilhando seu caminho até a porta. Quando se viu livre, ela se desculpou com alguns mais insistentes e entrou no toalete feminino. Betty seguiu-a.

— Você esteve maravilhosa, Keely. Obrigada. — A mulher a abraçou com carinho, mas quando se afastou, espantou-se com o abatimento da amiga. — Aconteceu alguma coisa? Você está pálida como um fantasma.

— Não, estou bem, Betty. — Ninguém acreditaria se a visse respirando fundo. — Aquela sala tão lotada, cheia de luzes e flashes me deixou um pouco tonta. Não gosto de ser o foco das atenções.

— Então tire esse ar lindo e tragicamente heróico de seu rosto. — Quando os lábios de Keely não demonstraram o menor indício de sorriso, Betty ficou preocupada.

— Vou sair na frente e tentar despistá-los. Depois nos encontraremos na escadaria. Demore quanto quiser. — A porta, ela se virou para a amiga. — Acho que ganhamos.

Pela primeira vez, Keely retribuiu o sorriso.

— Eu também acho que ganhamos.

Assim que Betty saiu, Keely jogou-se em uma cadeira e cobriu o rosto pálido com as mãos. Estavam chegando ao fim. Todos a aclamavam, e ela não merecia nada daquilo. Eu não mereço, eu não mereço, repetia sua mente. Sabendo que não podia ficar ali por muito tempo, ela se levantou e caminhou até a pia, onde lavou as mãos, penteou os cabelos e reaplicou o batom, o que realçou ainda mais sua palidez.

Então pegou sua bolsa e seu sobretudo e saiu para o corredor vazio. Estava olhando para um lado e, quando se virou para o outro, Keely quase deu um grito ao ver Dax aproximando-se com um lindo sorriso nos lábios.

— O que está fazendo aqui? — perguntou ela, observando a silhueta de Betty no final do corredor.

— Eu trabalho aqui — respondeu ele. Keely tentou continuar andando, mas Dax segurou-lhe o braço.

— Não tenho a menor intenção de ser rude, mas quero conversar com você. — Ele soltou o braço de Keely, que não se mexeu. — Eu tentei lhe telefonar a noite toda, mas seu telefone estava fora do gancho. Então telefonei para a recepção e pedi para alguém ir até o seu quarto. O Sr. Bartelli me disse que tinha ido até seu quarto e que estava tudo bem, mas que você queria ficar sozinha.

— É verdade, eu queria... Quero.

— Pelo visto isso será difícil por aqui.

— Dax...

— Shh. Lá vem o xereta do Van Dorf. Você vai para Nova Orleans no vôo das oito e cinqüenta?

— Sim.

— Ótimo. Então conversaremos no avião. — Dax levantou a voz. — Eu diria que o comitê está do lado da PROOF, Sra. Williams. Olá, Al. Por que não está almoçando com seus queridos colegas da imprensa.

— Porque aqui está muito mais interessante — respondeu ele com um de seus sorrisos maliciosos. — Sra. Williams, foi muito loquaz, como de costume. Realmente acredita em tudo que disse?

Surpresa com a ousadia da pergunta, ela não conteve a irritação.

— Claro que sim!

— Está certo. Foi apenas uma pergunta. A propósito, eu tentei entrar em contato com a senhora ontem e não consegui. O porteiro do hotel disse que havia saído de manhã em um carro esporte prateado.

Keely resistiu à vontade de olhar para Dax.

— É verdade. Fui fazer um passeio com um amigo.

— Ontem não era o melhor dia para fazer um j passeio, não é?

— Não, não era.

— Mas foi mesmo assim. Imagino que não queira me dizer o nome de seu amigo.

— Não, Sr. Van Dorf, eu não vou lhe dizer qual é o nome do meu amigo. Não é da sua conta.

Van Dorf alisou o queixo enquanto olhava para ela. Keely sustentou o olhar desafiador e esperou que ele não notasse os batimentos acelerados de seu coração. Então ele se virou para Dax.

— Você também sumiu, deputado. Não é engraçado vocês dois estarem juntos, como agora, e ontem terem desaparecido?

— Eu diria que foi uma vergonha eu não ter estado disponível para lhe conceder uma entrevista ontem, Al. Você sabe que eu nunca perco a oportunidade de fazer um pouco de publicidade. — O sorriso de Dax era tão genuíno que ela quase acreditou naquelas palavras. Até que ponto se podia confiar nele?

— Se me derem licença, cavalheiros, vou almoçar, pois a Sra. Allway está me esperando. — Sem mais nenhuma palavra, Keely passou por eles e saiu andando com firmeza, forçando-se a não correr.

Não foi surpresa quando, horas depois, o deputado Parker anunciou para os ansiosos membros da PROOF que, por enquanto, os DASA não seriam declarados mortos, e suas famílias continuariam a receber o dinheiro do governo. Ele agradeceu a todos pelo tempo gasto e terminou a audição.

Todos ficaram reunidos na sala durante um certo tempo, comemorando a vitória. Membros da PROOF abraçavam Betty e Keely sem parar. Jornalistas apertavam-lhes as mãos em sinal de respeito. Os membros do comitê a favor daquelas mulheres vieram parabenizar Keely pessoalmente pela vitória.

Do outro lado da sala, ela notou o olhar de Dax em sua direção e levantou os olhos para encontrá-lo. A curiosidade de Van Dorf servira de advertência para os dois, e ele não se atreveria a conversar novamente com Keely em público, era perigoso demais. Dax a cumprimentou em silêncio com o olhar, e seus olhos a congratulavam pela força e coragem e mostravam todo o orgulho que Dax sentia.

Antes de se virar, ele movimentou ligeiramente a cabeça, como se quisesse dizer, "até depois", mas isso não aconteceria. Após tomar um lanche rápido, Keely voltou para o hotel, arrumou as malas e mandou-as para o aeroporto.

Depois telefonou para a companhia aérea e mudou seu vôo para um mais cedo. Ela e Dax não tinham feito nada do que pudessem se envergonhar ainda. Dessa vez, Keely escapara sã e salva, o que aumentou ainda mais sua resolução de não se envolver com nenhum homem até que soubesse o que realmente acontecera com seu marido.

— Eu ainda sou uma mulher casada — repetia ela para si mesma, várias vezes.

Betty ficou desapontada ao saber que Keely partiria antes do previsto.

— Achei que pudéssemos sair todas juntas para comemorar. As outras também partem amanhã.

— Sinto muito, Betty, mas realmente preciso voltar. A estação de rádio não gostou muito quando pedi esses dias de folga. — Não era verdade. Seu chefe tinha muito orgulho de seu trabalho à frente da PROOF e jamais a repreendera pelas faltas relacionadas ao caso. — Eu já telefonei para eles e disse que voltaria ao trabalho amanhã mesmo. Brinde por mim.

— Com certeza. — Betty riu. — Cuide-se, Keely. Você não faz idéia de quanto lhe somos agradecidas. Nenhuma de nós teria discursado tão bem. Muito obrigada, querida.

Keely pegou um táxi e foi direto para o aeroporto. Tinha a mente centrada em Dax, e no que ele faria quando soubesse que ela não estaria no mesmo vôo. Será que ficaria preocupado? Irritado? Bravo? Perguntaria qual vôo a Sra. Keely Williams tinha tomado? Ou a trataria como Keely Preston?

Do que se trataria a conversa? Ele não lhe parecera bravo, como naquele fim de tarde que a deixara no hotel. O que teria a lhe dizer essa noite? Não fazia a menor diferença, nada mudaria as circunstâncias.

Keely apertou o cinto de segurança antes de o avião decolar. Recusou o jantar e abaixou o banco, fingindo dormir para evitar ser interrompida toda hora pela aeromoça.

O vôo foi tranqüilo. Não houve turbulência. E também ninguém para segurar sua mão.

 

— Por que não quer vir conosco? — Eu já lhe disse, Nicole. Não estou com vontade.

— Não é motivo.

— Não estar com vontade de ir a um lugar é um motivo bastante plausível.

— Estou cansada dessa sua conversa fiada.

— Então me deixe em paz — gritou Keely, colocando as mãos na mesa e empurrando a cadeira para trás. Levantando-se, ela caminhou até a janela e olhou para a rua. O dia estava nublado, em perfeita sintonia com seu humor. Keely vinha evitando uma conversa mais séria com Nicole havia alguns dias, mas pelo visto não havia mais como adiá-la.

Estavam em seu escritório na rádio, que na verdade era um cubículo no final de um longo corredor na parte de trás do edifício. Havia duas pequenas mesas, e Keely dividia a sala com o DJ que trabalhava da meia-noite às seis. Nunca o encontrara, conhecia-o apenas pela fotografia dele com uma loira falsa, na qual se lia: Foi legal, Cindy. Podia-se dizer que era uma grande honra aquela foto estar em cima da mesa.

Keely suspirou e fechou os olhos. Quando os,, abriu, desejou que a chuva limpasse um pouco da sujeira da janela, mas isso não aconteceria. Tinha consciência de que a dor que envolvia seu coração também não desapareceria com tanta facilidade. E Nicole não tinha nada a ver com seus problemas para estar sendo tratada daquela forma. Ela virou-se para encarar a amiga, mas continuou parada à janela.

— Sinto muito — ela se desculpou. — Meu humor está péssimo e não é nada justo tratá-la dessa forma.

Nicole sentou-se na ponta da mesa do DJ, empurrando a fotografia de Cindy.

— Realmente não é justo — concordou ela. — Qualquer um que estivesse nos observando acharia que eu sou uma grande inimiga. — Nicole cruzou os braços diante de seus seios fartos e olhou para a amiga com a testa franzida. — Estou morta de curiosidade para saber o que está acontecendo. Quando pretende me contar o que tanto a aflige?

— Nada me aflige — mentiu Keely.

— Então me diga por que está andando de um lado para o outro feito um zumbi desde que voltou de Washington? Conte-me por que está tão abatida e por que não pode confiar na sua melhor amiga?

— Seu brinco é novo?

— Não tente desviar do assunto, Keely Preston — advertiu Nicole. — Quero saber o que aconteceu com você nessa viagem. Você voltou pior do que foi, portanto, saiba que não sairei desta sala enquanto não conversar comigo.

— Pelo visto você se intitulou juíza dos meus sentimentos?

— Sim, pois você precisa de alguém que a impeça de criar um casulo à sua volta. O que está acontecendo, Keely?

Ela deu alguns passos para trás, de volta para a mesa e sentou-se na cadeira. Inclinou a cabeça no tecido que imitava couro e fechou os olhos diante da terrível dor de cabeça que não a deixava em paz.

— Você sabe o que está acontecendo, Nicole. Você mesma diz que eu fico assim toda vez que faço algo para a PROOF.

— Sim, mas dessa vez você teve uma grande vitória. Portanto, deveria estar contente e não arrasada. E não tente negar que está miserável, minha amiga. Você faz Hamlet parecer um comediante.

Keely sorriu, mas a tentativa não se tornou uma alegre risada.

— Eu estou contente com o que conseguimos, mas também estou muito cansada.

— Tente de novo.

— Não estou com vontade de sair, só isso. — Eu. conheci um homem, um homem maravilhoso. Ele me beijou, tocou-me, como nunca fui tocada. Acho que me apaixonei. O que vou fazer agora? Qual seria a reação de Nicole se Keely verbalizasse seus pensamentos?

— Por favor, minha amiga, não faça isso com você mesma. Você precisa sair, divertir-se um pouco. Eu gostaria muito que fosse conosco à recepção de hoje à noite, prometo que não ficaremos muito tempo. Quando você quiser ir embora, nós iremos.

— Eu não quero ir.

— Mas você precisa ir! — enfatizou Nicole exasperada. — Coloque uma roupa bonita, tome um ou dois drinques, dance, viva, Keely! Se você não for conosco, vou ter de agüentar Charles a noite inteira. Você não teria coragem de fazer isso comigo, teria?

Keely então caiu na risada.

— Por que você não dá um pouco de paz para o pobre Charles? Você é louca por ele mas não quer admitir. Está bem, está bem. — Ela levantou a mão para interromper as objeções de Nicole. — Você não vai estar só com Charles. Ele não vai levar um amigo?

— Sim. E, na verdade, ele é tão sem graça quanto Charles. Se eu posso suportá-lo, você também pode. O bom é que você estará em um lugar público, vendo gente, em vez de ficar trancafiada dentro de casa.

—- Onde é e qual é o evento?

— É no hotel Marriott. Algum evento da Liga de Artes. Charles representará a estação de televisão, pois é ele que faz os anúncios da Liga. Passaremos para buscá-la às oito horas.

— Eu ainda não decidi, Nicole.

— Oito horas — insistiu ela. — E pelo amor de Deus, mude o penteado! Eu não gosto quando você faz esses coques. Fica parecendo Jane Eyre.

— Você está tão letrada esta manhã. Primeiro Hamlet, agora Jane Eyre. Por acaso já leu algum dos dois livros?

Nicole riu com naturalidade enquanto seguia até a porta.

— Claro que não! Eu só leio livros pornográficos, para me manter informada — brincou ela, saindo. — Oito horas.

Oito horas. Será que até lá estaria pronta para enfrentar o mundo? Duvidava. Keely acreditara que, assim que voltasse de Washington e retornasse à rotina de trabalho, ela se esqueceria de Dax e de todas as lembranças dele. Doce ilusão... Nada acontecera assim. Quanto mais o tempo passava, mais as recordações do lindo deputado a atormentavam. Cada minuto do dia Keely ficava imaginando o que ele estaria fazendo, com quem estaria, o que estaria vestindo, sentindo e pensando.

Era uma insanidade perpetuar um sonho impossível, mas Keely inúmeras vezes se pegava olhando para o telefone, desejando que tocasse. Em algum canto secreto de sua mente ela desejara que Dax telefonasse, pelo menos para saber por que sumira de repente, por que tinha mudado o vôo.

Aparentemente, esse desinteresse indicava a opinião de Dax a respeito do interlúdio vivido entre eles em Washington. Não passara de um interlúdio e, pelo visto, decepcionante para ele, uma vez que Keely não tinha cedido. Dax Devereaux não precisava perder tempo com uma mulher como ela quando havia várias outras dispostas a recebê-lo de braços abertos.

Nicole tinha razão. Ela estava em uma rua sem saída e precisava se virar e seguir em uma direção diferente. Essa noite Keely faria um grande esforço para voltar ao mundo dos vivos. Olhando para o relógio, percebeu que se atrasara para uma reunião com um patrocinador.

Ela tirou o pó compacto da bolsa e admitiu que sua aparência estava péssima, sua pele estava pálida, os olhos rodeados por olheiras, os cabelos sem vida. Nem mesmo fizera as unhas desde que voltara de Washington.

— Já basta, Keely. Você já se lamentou demais — murmurou ela para seu reflexo no espelho antes de fechar o pó compacto. Antes de ir para a reunião, Keely telefonou para o salão de beleza e marcou um horário para cuidar de sua aparência.

Nada mal, pensou ela, olhando para o resultado das duas horas que passara no cabeleireiro e do tempo que gastara em casa para terminar de se arrumar. Cortara alguns centímetros do cabelo, livrando-se das terríveis pontas duplas, e fizera uma hidratação. Depois fez um coque, simples porém sofisticado, com alguns fios soltos no rosto e na nuca.

No rosto, Keely aplicara uma máscara de aveia, e agora sua pele brilhava. Depois passou a maquiagem e, se o olhar triste de seus olhos não sumira, pelo menos fora disfarçado.

Quando a campainha soou, ela pegou sua bolsa, ajeitou o xale de seda nos ombros e saiu para encontrar seu parceiro.

Como Nicole dissera, não se tratava de um homem interessante, mas mostrou-se extremamente educado ao se apresentar como Roger Patterson, ao lhe abrir a porta do carro. Trabalhava como intermediário entre a Liga de Artes e a mídia. Keely achou que não era a profissão mais adequada para aquele homem, pois era o tipo de pessoa da qual os outros se esqueceriam cinco minutos depois de havê-lo conhecido.

Keely acomodou-se no banco de trás. Roger sentou-se ao lado.

— Você está maravilhosa! — elogiou Nicole, virando-se.

— Como você sabe? — perguntou Keely. — Você nem me viu direito.

— Ora, Keely, você sabe que é uma mulher bonita. E com um pouco de produção...

— Você está muito bonita, Keely — comentou Charles Hepburn, olhando-a pelo espelho retrovisor.

— Olá, Charles. Como vai?

— Muito bem, obrigado.

— Você conheceu Randy? — perguntou Nicole, referindo-se a Roger.

— É Roger — ele corrigiu depressa.

— Ah, desculpe-me, mas sou péssima com nomes.

— Sim, nós nos conhecemos — disse Keely, sorrindo para seu parceiro.

A casa de Keely era um antigo sobrado no Garden District. A área era conhecida por suas belas residências, algumas anteriormente ignoradas, mas que estavam sendo reformadas e transformadas em aconchegantes lares familiares e até luxuosos condomínios.

Charles conduziu-os pela avenida St. Charles até o canal, depois na direção do rio Mississipi até o Marriott. Chegando lá, ele entregou o carro para o manobrista, e todos entraram no hotel. O salão estava repleto de homens de smoking e de mulheres elegantes com seus trajes formais.

— Eu adoro festas desse tipo — disse Nicole.

— Bem, na verdade, eu adoro festas. — Ela olhava para os lados, observando os presentes, o que vestiam e com quem estavam acompanhados.

Eles seguiram para a escada rolante ao lado do bar, quando Nicole parou.

— Madeline Robins está usando seus famosos diamantes. Eles aparecem ainda mais com esse vestido. Com quem... Ah, é Dax Devereaux! Olhe, Keely. Vocês se conheceram em Washington, não é?

O coração de Keely disparou de tal maneira que ela achou que fosse ter um colapso nervoso no meio do salão e até perdeu o passo. Roger segurou-lhe o braço para impedi-la de cair. Ela olhou na direção do olhar de Nicole e quase ficou sem fôlego ao ver os cabelos pretos e brilhantes, com alguns fios brancos nas têmporas, e soube que só podiam ser de um homem.

Quando ela o viu, Dax ria de algum comentário feito pela mulher deslumbrante que estava ao seu lado. Poucos segundos depois, os dois se viram. A reação de espanto dele foi muito parecida com a de Keely. De total surpresa. Seu sorriso desapareceu, ocultando os dentes brancos e brilhantes.

— Você vai falar com ele, Keely? — perguntou Nicole ansiosa.

— N-não — gaguejou Keely, desviando o olhar.

— Ele está com um grupo de pessoas. Talvez eu o cumprimente mais tarde. Além do mais, eu nem o conheço bem. É muito provável que o deputado nem se lembre de mim.

O olhar de Nicole lhe dizia mentirosa, mas ela não tocou no assunto enquanto subiam pela escada rolante. Sob a desculpa de ajeitar seu xale nos ombros, Keely olhou para trás e deparou-se com o olhar de Dax que acompanhava sua subida.

Mais uma vez ela se forçou a afastar os olhos daquele homem e envolveu-se no divertido bate-papo com os amigos. Na chapelaria, Roger a ajudou a tirar o xale, e depois desapareceu em meio aos outros homens que faziam o mesmo.

Charles arregalou os olhos quando tirou a estola de pele dos ombros de Nicole.

— Seus olhos estão vidrados — provocou ela. Nicole usava um vestido deslumbrante de crepe georgette preto. Tinha mangas longas e um generoso decote na frente que ia quase até o umbigo. Na verdade, intimidava mais do que revelava, mas o efeito era devastador. Como de costume, ela estava maravilhosa.

Embora não percebesse, Keely também estava linda. Sua saia de tafetá azul, que ia até os pés, combinava perfeitamente com a blusa perolada que era quase como uma segunda pele. Nos pés, uma sandália delicada complementava o conjunto.

— Escute a música — disse Nicole, embalada pela doce melodia da orquestra. — Vamos dançar, Charles.

— Está bem, mas se você se empolgar e seu vestido sair do lugar, eu a levarei para casa na mesma hora — disse ele, olhando para o generoso decote.

— É mesmo? — desafiou Nicole, puxando-o para a pista de dança.

Keely riu. Adorava Charles Hepburn e sabia que ele era apaixonado por Nicole. Era mais velho, tinha pelo menos quarenta e cinco anos. Cuidava muito bem do corpo, fazendo exercícios diários em uma academia no centro da cidade, e seu físico era de dar inveja a muitos garotões. Era um homem muito educado e gentil. Ela achava que a amiga o trataria um pouco melhor se ele a provocasse de vez em quando.

Por mais que Nicole negasse com veemência, Keely acreditava que ela gostava mais de Charles do que queria admitir. Talvez a figura mais madura e séria dele a assustasse um pouco. Ao observar os dois dançando, Keely desejou que os sentimentos existentes entre eles fossem sinceros e verdadeiros.

Nicole sorria e se movimentava de um modo que o impedia de resistir. A mão dele acariciava-lhe as costas. Keely desejou que os dois parassem de tentar se enganar e admitissem o carinho que um sentia pelo outro.

— Quer dançar? — perguntou Roger, interrompendo seus devaneios. Keely se esquecera dele.

— Agora não, obrigada. Quem sabe mais tarde. Gostaria de beber algo. — Ela não costumava beber, mas ficara muito aborrecida ao ver Dax Devereaux acompanhado da estonteante Madeline Robins.

— Sim, claro. — Roger pareceu aliviado por poder ser útil de alguma maneira. — O que quer?

— Algo bem refrescante. Uma vodca collins.

— Vodca collins. Volto em um instante. — Ele trilhou seu caminho em meio à multidão e logo desapareceu.

Sozinha, Keely procurou uma mesa para quatro pessoas e acomodou-se. Depois sinalizou para Nicole e Charles, que terminavam a dança.

Com copos nas mãos, eles passaram momentos bastante agradáveis durante a hora seguinte. Alguns conhecidos paravam para cumprimentá-los, outros chegavam para conhecer e ser conhecidos. Nicole era uma celebridade, e Keely ainda não conseguia se acostumar com a idéia de que as pessoas também a viam assim. Muitas vezes, a pessoa a quem era apresentada ficava encantada ao reconhecer a voz do rádio.

As estrelas da sociedade prestigiavam aquela festa, e alguns artistas cujas peças de teatro estavam em cartaz na cidade também tinham sido convidados. Era um grupo glamouroso e excitante. A comida servida à americana estava deliciosa, e a música também não podia ser ignorada.

Por uma coincidência do destino, Keely percebeu que a mesa onde Dax e Madeline estavam com mais três casais não ficava longe da sua. Durante alguns momentos, Keely ficou observando os dois interagindo. Dax lhe servia bebidas. Madeline dava garfadas no prato dele, e então ele lhe empurrava as mãos, sorridente. Ela beijou-lhe a face. Ele ajudou-a a encontrar um brinco perdido. Eles dançaram e sussurraram. Dax beijou-a de leve na boca.

Keely pediu licença e caminhou até o toalete, onde ficou por muito tempo. Quando voltou, Nicole e Charles haviam desaparecido, e Roger se levantara para conversar com alguém. Ela bebeu um gole de seu drinque, tentando se ocupar.

— Você se diverte em deixar os homens esperando por você nos aeroportos?

O copo quase escorregou de suas mãos. Keely o colocou na mesa e virou-se. Dax estava inclinado sobre sua cadeira com as mãos no encosto.

— Não, eu não estava em um dos meus melhores momentos aquele dia.

— Eu estava. Pelo menos até chegar ao aeroporto e embarcar. Eu viajei sem saber o que havia lhe acontecido.

— Sinto muito — desculpou-se Keely, baixando os olhos.

— Então dance comigo.

— Onde está Madeline?

— Você se importa?

— E você?

Dax deu de ombros e estendeu a mão para ajudá-la a se levantar. Como Keely tinha dançado com Roger, Charles e alguns outros amigos, não haveria problema algum em dançar com o deputado. Ou será que haveria?

O toque de Dax incendiou-lhe a pele, e ela não conseguiria evitar o convite de seus braços acolhe-dores nem se estivesse sob pena de morte. A música era suave, uma gostosa balada. A mão dele lhe pressionava as costas, acariciando-a sem se mexer.

— Sabe qual é minha maior vontade agora? Keely balançou a cabeça para os lados.

— Mordiscar as pedras de suas sandálias.

— Dax! — exclamou ela, enrubescendo.

— Sem dúvida são os sapatos mais lindos que já vi. Acho que sou um grande pedólatra.

— Mas assim você vai arruinar sua carreira profissional.

— Ou realçá-la — disse Dax, rindo. — Sabe que as fantasias sexuais estão na moda. E ultimamente eu me tornei um perito nelas. Quer escutar algumas?

— Não. Eu ficaria muito envergonhada.

— Com certeza — sussurrou ele. — Principalmente por ter um papel de destaque.

— Dax, você não deveria falar comigo dessa maneira.

— Está bem. Sinto muito — desculpou-se ele, respirando fundo e diminuindo ainda mais o pouco espaço entre ambos. — Então pelo menos posso lhe dizer como está bonita hoje?

Keely baixou os olhos, mas levantou-os em seguida. Não conseguia parar de olhar para Dax. Travava uma guerra interna constante com eles.

— Muito obrigada. Você também está muito bem de smoking.

— Quem é o homem? — perguntou ele de repente, guiando-a para a parte mais escura da pista de dança.

— Como?

— O homem que está com você. É alguém que eu deva começar a detestar?

— Não. Nós nos conhecemos hoje. Na verdade, eu vim com Charles e Nicole.

— Que bom. — Dax sorriu, e ela também. Ele apertou-a com mais força, mas alguém só perceberia que havia alguma coisa no ar se reparasse na expressão mesmerizada nos olhos deles.

Keely sentiu pena de todas as outras mulheres no salão que não sabiam o que era estar nos braços de Dax Devereaux. A forte pressão das coxas másculas enviou uma onda de eletricidade por todo o corpo dela.

Ele também exultava por poder tê-la tão perto. Sentiu os seios contra seu peito, deliciando-se com a sensação. Dax ansiava por beijá-la nos seios, por sentir a textura da pele macia contra sua boca, contra sua língua. Seu desejo aumentou ainda mais quando Keely se mexeu, encaixando-se com perfeição entre suas pernas, evocando um ato mais íntimo.

Mas a música não tardou a terminar. Ambos tinham sorrisos melancólicos nos lábios quando ele a acompanhou até a mesa. Keely parou ao avistar Madeline Robins conversando animadamente com Nicole.

Dax forçou-a a prosseguir até que se juntassem ao grupo.

— Aí está você, querido. Fiquei imaginando em que momento você se lembraria com quem veio à festa. — Madeline sorria, mas seus olhos ameaçadores focalizavam Keely.

— Madeline, esta é Keely Williams. Ou Preston, seu nome profissional. Ela está ativamente envolvida com o assunto dos DASA. Nós nos conhecemos alguns dias atrás em Washington. — Dax não demonstrou o menor sinal de emoção, como se não estivesse sentindo a tensão crescente à mesa. — Keely, esta é Madeline Robins.

— Sra. Robins — disse Keely com educação.

— É um prazer conhecê-la — falou Madeline com sua voz treinada para esconder a irritação.

— Sinto muito por seu marido. Nicole estava comentando sobre sua coragem de enfrentar a vida sem saber ao certo se é esposa ou viúva.

Não havia como responder àquele comentário, portanto, Keely ficou quieta.

— Keely, nós ainda não .conhecemos o deputado — interveio Nicole.

— É mesmo — ela concordou, desviando os olhos de Madeline, que dera o braço para Dax. — Sinto muito. Deputado Devereaux, estes são meus amigos Nicole Castleman, Charles Hepburn e Roger...

— Patterson — terminou ele, estendendo a mão.

— Faz tempo que quero conhecê-lo, deputado. Sou um grande admirador de seu trabalho.

— Obrigado, Roger. Pode me chamar de Dax.

Que Deus abençoe Nicole, pensou Keely. Enquanto todos conversavam, ela se manteve calada, tentando acalmar os nervos.

— Telefone-me no final da semana — disse Charles. — Vamos marcar uma reunião para discutir o assunto. Em linhas gerais, quanto mais comerciais você comprar, mais baixa será a taxa por comercial. Se os comerciais passarem durante os noticiários, eles serão mais caros, mas você atingirá um número maior de pessoas.

— Estou perdido — falou Dax. — Vou precisar da opinião de um perito, por isso aceitarei a sua oferta para discutirmos o assunto.

— Será um prazer. E logo chegará a hora de você começar a planejar a sua campanha.

— Eu estou ajudando Dax a se preparar — interveio Madeline, aninhando-se mais contra ele. — Na verdade, já comecei uma campanha de arrecadação de fundos. Vou cuidar de tudo pessoalmente para que Dax seja eleito senador.

Um olhar aborrecido tomou conta momentaneamente dos olhos castanhos, mas ele sorriu.

— Vou precisar de toda ajuda que conseguir. A conversa prosseguiu sobre a recepção, e todos tentaram estimar quanto dinheiro estaria sendo arrecadado pelas diversas obras de arte. Depois falaram sobre o tempo.

— Foi um grande prazer conhecê-la, Sra. Williams — disse Madeline, depois de alguns momentos de silêncio.

— Obrigada. O prazer foi meu — respondeu ela, apenas por educação.

Dax apertou a mão de Roger e de Charles, beijou Nicole no rosto, depois fez o mesmo com Keely. Seus lábios apenas lhe tocaram ligeiramente o rosto, mas os dois estremeceram com as sensações provocadas pelo toque.

— Obrigado pela dança, Sra. Williams — disse Dax. — Foi um prazer encontrá-la em uma atmosfera menos austera do que em Washington. Mais uma vez, meus parabéns pela vitória.

— Você estava do nosso lado, deputado Devereaux? — perguntou ela, desejando que os outros não estivessem ali. Keely só tinha olhos para Dax. A voz dele era o único som que escutava. A profundidade dos olhos escuros era seu firmamento.

— Precisa perguntar? — A covinha em sua face se acentuou com o sorriso, mas rapidamente ele se recompôs e pegou o braço de Madeline.

— Acho que todos que tinham que nos ver já nos viram — murmurou Madeline, e Keely escutou. — Estou pronta para ir embora assim que você quiser.

Keely sentiu um nó na garganta, e nem a bebida que Roger lhe trouxera ajudou a aliviar a terrível sensação. Charles fez algum comentário engraçado, mas ela não conseguiu rir, nem Nicole, que a olhava com seriedade.

Depois de se servirem do bufê de sobremesas, eles decidiram ir embora. Os homens foram até a chapelaria, deixando as duas sozinhas.

— Devereaux é lindo, não é? — perguntou Nicole.

— Sim, ele pode ser considerado um homem lindo.

— Quando eu lhe telefonei em Washington, você me disse que não o conhecia bem.

— É verdade.

— Acha realmente que me engana? Eu os vi dançando, pareciam bastante íntimos para quem não se conhece direito.

— Ele estava apenas sendo educado.

— Ah, bom! E eu sou uma menina de três anos, mas não vamos nos aprofundar nesse assunto agora. O que achou de Madeline Robins?

— Ela é simpática.

— Você é mentirosa, Keely Preston — disse Nicole, aproximando-se da amiga. —Você, como quase todas as mulheres, não gostou dela. Será que o envolvimento de Madeline com o deputado Devereaux é sério?

— Você ainda tem alguma dúvida? — perguntou Keely com amargura. Onde Dax a estaria levando, depois de todos já os terem visto? Para a mansão dela? Para a casa dele em Baton Rouge? Ou para um quarto daquele hotel?

— A atração de Madeline por Devereaux é evidente, mas de alguma forma acho que ele não sente o mesmo.

— Eu me importaria um pouco menos com a vida sentimental dos outros.

Nicole sorriu quando Charles se aproximou e colocou-lhe a estola nas costas. Ao saírem do hotel, Keely ficou contente por não ter mais visto o casal. Tentou não se mostrar incomodada, porém, mais do que nunca, desejou jamais ter aceitado aquele convite. Deveria ter seguido seus instintos e ficado em casa, deixando que seu desejo por Dax Devereaux fosse diminuindo aos poucos. Agora todos seus sentimentos estavam à flor da pele. Portanto, teria de reiniciar todo o processo de recuperação. Só que dessa vez havia um problema a mais. Madeline Robins. Haveria outros?

Keely apertou a mão de Roger, que a acompanhou até a porta de casa, e agradeceu-o pela companhia.

— Espero que tenha se divertido — disse ele ao se despedir.

Dentro de casa, ela soltou a respiração e encostou atrás da porta. Algum tempo depois, acendeu o pequeno abajur na mesinha lateral e caminhou até o sofá. Sentou-se em seguida e tirou as sandálias, preocupada em não estragar as pedras. As palavras de Dax ecoaram em sua mente, fazendo-a enrubescer.

Quando subia a escada, tirando a blusa de dentro da saia, ela escutou a campainha.

Será que esqueci alguma coisa no carro?, foi seu primeiro pensamento.

Ajeitando a blusa novamente, ela voltou até a porta e abriu-a.

— Olá -— disse ele.

— Olá — ela respondeu.

 

Seu primeiro instinto foi o de apagar as luzes da varanda.

— Você acha que estamos sendo observados? — perguntou ele, diante da reação de Keely.

— Não sei. Será possível?

— Estou disposto a correr o risco.

Ela se afastou para deixá-lo entrar. Dax deu alguns passos e ficou analisando a sala bem decorada. Keely tinha orgulho de sua casa. Comprara a propriedade havia três anos em estado lastimável. Depois de uma bela reforma e de uma cuidadosa decoração, a casa se tornara extremamente aconchegante. Havia móveis antigos misturados com modernos, e o mesmo acontecia com os enfeites.

As paredes brancas eram cobertas por quadros com desenhos modernos em molduras também brancas. Verde, azul e cor-de-rosa eram as cores das almofadas no sofá antigo. O efeito era espetacular.

— Eu gostei da sua casa — disse Dax sem se virar. — É parecida com você.

— Tendo cento e sete anos?

— É incrível como as relíquias têm conseguido se conservar — disse ele. — Dax tirou o sobretudo e dependurou-o na chapeleira. Depois virou-se e ficou cara a cara com Keely.

Poderiam ter sido horas, anos, pequenas eternidades, ou apenas segundos, mas esses momentos foram suficientes para os dois comunicarem todo o desejo, saudade e frustração que tinham sofrido desde o último encontro.

A polidez foi deixada de lado, e o que restou foi apenas o desejo sincero que um sentia pelo outro. Não havia ninguém para observá-los, não havia regras, não havia convenções a ser satisfeitas. Naquele momento eram apenas os dois, e eles renderam-se à atração que continuava a envolvê-los, vivendo apenas o presente. .

Dax estendeu lentamente os braços para abraçá-la. Keely levou as mãos até os ombros dele. Os corpos se aproximaram até que estivessem colados um no outro.

Inclinando a cabeça, Dax roçou-lhe os cabelos, a orelha e o pescoço. Seus lábios trilharam um caminho ao longo da delicada linha do maxilar, provocando-a, seguindo pelas sobrancelhas bem-cuidadas, até chegarem aos lábios que ansiavam pela exploração.

— Eu não consigo ficar longe de você. Eu tentei, juro, mas não é possível.

Um segundo depois, os lábios dele se fecharam sobre os de Keely, que se abriram para recebê-lo. Dax a beijou como se ela fosse a energia necessária para sua sobrevivência. Keely se deliciou com aqueles beijos e torceu para que o desejo dele jamais fosse satisfeito.

A língua de Dax lhe provocava os sentidos, primeiro mergulhando profundamente, depois incitando-a com movimentos rápidos e ao mesmo tempo evasivos. A sensual dança das línguas continuou assim durante algum tempo, roubando-lhe o ar, trazendo-a de volta à vida. Todas as células de seu corpo foram despertadas pelo toque daquele homem maravilhoso e pelos suaves gemidos que lhe escapavam da boca. Seus seios ansiavam ser acariciados pelas mãos hábeis de Dax, por sua boca macia, por sua língua quente.

Ele relaxou os braços, apenas o suficiente para aninhar-lhe o rosto entre as mãos e olhar os olhos mareados.

— Por que fez aquilo comigo, Keely? Por que partiu sem se despedir? Você sabe como eu fiquei naquele aeroporto? Cenas horrorosas dos piores pesadelos vieram à minha mente. Por que fez aquilo?

— Dax — sussurrou ela. — Eu achei que seria melhor se nós não nos víssemos de novo. A situação estava ficando fora do controle.

— Sinto muito pelo que aconteceu depois de termos voltado de Monte Vernon. Keely, eu jamais faria algo que a insultasse ou magoasse. Meu Deus! Como queria lhe pedir desculpas! Eu tentei, mas você tirou o telefone do gancho e no dia seguinte não tive oportunidade de falar-lhe.

Durante angustiantes momentos, os dedos dele lhe exploraram as linhas do rosto, alisando-a, comparando texturas.

— Apesar do que os meus adversários dizem, eu tenho princípios morais. Sei que você é esposa de outro homem. Se você fosse minha esposa, eu mataria qualquer homem que se atrevesse a tocá-la. — Dax a envolveu em um caloroso e confortante abraço. — Que Deus me perdoe, mas você não faz idéia de quanto eu a desejo.

— Então peça perdão por mim também, Dax. Não foi necessário um segundo convite. A língua dele contornou-lhe os lábios e tomou-os como uma tocha ardente.

Keely sabia estar escorregando de um mundo real para um contentamento sublime. A boca de Dax a levava para além das fronteiras da consciência e do arrependimento, a um lugar onde ela gostaria de ficar para sempre. Keely se entregou por completo, flutuando em um mar de paixão. Em seus trinta anos, ela nunca conhecera o poder de sedução do toque de um homem. O desejo fervilhava em suas veias, buscando uma saída, eletrizando seus nervos até que eles vibrassem.

— Você é linda — elogiou Dax contra seus lábios. — Eu fiquei morrendo de vontade de beijá-la enquanto estávamos dançando. — Ele beijou-lhe o vale entre os seios de tamanho perfeito, logo acima da linha do sutiã, movimentando a cabeça lentamente, acariciando-a não apenas com a boca mas também com o nariz e o queixo.

A mão dele se fechou ao redor de um dos seios, tratando-o com uma delicada e sensual massagem. A curva do outro foi beijada por lábios entreabertos e por uma língua voluptuosa. Ele foi descendo, descendo, até...

— Keely, Keely. — O nome dela foi um gemido agonizado, em uma voz rouca. Dax apoiou a testa na dela. — Não podemos continuar com isso.

— Eu sei.

— Eu não suporto mais.

— Nem eu.

— E melhor eu ir embora.

— Está bem.

— Você vai acordar às cinco horas? — perguntou ele, tirando o sobretudo do cabide.

— Sim. — Keely tentou sorrir, mas seus lábios tremiam descontroladamente.

— Já está tarde — comentou ele, olhando para seu elegante relógio.

— E você, vai voltar para casa? Para Baton Rouge?

— Não. Ainda tenho alguns assuntos para resolver por aqui amanhã. Quando venho para Nova Orleans, eu fico em Bienville House. Você sabe onde fica?

— Sim, eu sei, mas nunca entrei.

— É um lugar limpo e silencioso.

— Imagino que sim. — Nenhum dos dois estava dizendo o que realmente queria dizer, apenas evitando o momento da despedida.

— E quem mora na outra parte da casa?

— Um casal mais velho. Ele é professor de filosofia em Tulane.

— Você teve sorte em conseguir a parte que... O bom humor de Dax finalmente cedeu espaço à irritação que o consumia, explodindo em um ímpeto violento.

— Diabos! Por que estamos tendo essa conversa fiada?. Não interessa quem mora na outra parte da casa. Só estou falando para manter as mãos longe de você. Na verdade, nem sei o que estou dizendo. Só estou pensando em como seria bom se pudéssemos fazer amor. Nus e livres, e não como dois adolescentes inseguros.

Keely o fitava, sem dizer uma palavra, sem desviar o olhar por um minuto

— Eu quero vê-la nua, Keely, e me deitar nu ao seu lado. Quero acariciar todas as partes do seu corpo, e espero que me acaricie da mesma forma. Quero beijar seus seios e seu ventre e olhar seu rosto enquanto o faço. Quero sentir a maciez de suas pernas.

Keely não pôde evitar um estremecimento e abraçou o próprio corpo.

— Sinto muito se minhas palavras a ofendem, mas é o que estou sentindo, o que senti desde a primeira vez que a vi dentro daquele avião.

A voz dele se levantara em um tom que Keely jamais escutara antes. Dax tinha os punhos cerrados nas laterais do corpo, como se estivesse tentando controlar as rédeas de seu temperamento.

— Não é um sentimento apenas físico. Se fosse o caso, eu poderia satisfazê-lo em qualquer lugar. Porém, é algo que ocupa a minha mente e também meu coração. Poderíamos ser colegas, amigos, mas eu não posso, Keely. Eu não posso estar com você e não tocá-la. Você me entende? Esses encontros clandestinos nos comprometem demais e, falando por mim, nos levarão à insanidade. Será melhor não nos encontrarmos mais. Adeus.

Sem mais uma palavra, Dax abriu a porta e fechou-a depois de sair. Keely ficou imóvel, embora todo seu corpo tremesse.

Ele tem razão. Ele tem razão. Nós sabíamos desde o princípio que isso não daria certo. É melhor assim. É melhor.

Então por que seu rosto estava banhado de lágrimas?

— Agora são oito e dezessete, e nossa maravilhosa Keely Preston vai lhes passar o segundo boletim do dia. Como estão as coisas aí em cima?

Keely usava um microfone pequeno que era preso atrás de sua cabeça.

— Parece que estão bem, Ron — respondeu ela para o DJ da manhã. — A polícia está controlando, o fluxo de carros na via expressa de Pontchartrain na saída de Broad Street. Ainda há uma pista fechada. Todos que estão indo nessa direção devem pensar em seguir por uma rota alternativa. De resto, a manhã está bastante calma.

— Obrigada, querida. Que tal um café mais tarde?

— Não, obrigada, Ron. Estou com a agenda lotada.

— Minha gente, nosso anjo tem um coração de pedra.

Keely desligou seu microfone enquanto o DJ se despedia do público e colocava a música prometida. Todos os dias eles faziam esse teatrinho, e os ouvintes pareciam acreditar. Era comum chegarem cartas de fãs pedindo-lhe para não ser tão fria com o pobre Ron, que evidentemente estava apaixonado. Só que essas pessoas não sabiam que ele era casado, tinha três filhos e morava com relativa tranqüilidade sob seu verdadeiro nome em Metairie.

Ela suspirou, indócil, quando Joe Collins, o veterano piloto do helicóptero, mudou de direção. Como de costume, Keely cerrou os punhos quando a aeronave tocou o solo, afinal de contas seu marido tinha desaparecido em um acidente de helicóptero. Jamais se esqueceria disso.

— Você está bem, meu anjo? — perguntou ele, olhando preocupado para sua passageira.

— Sim. É que não dormi muito. — Era verdade. Depois que Dax se fora, ela sentara no sofá da sala, onde ficara até a hora de se arrumar para ir trabalhar.

— Tem certeza de que é só isso? — insistiu Joe, desligando o motor.

— Sim. Fui a uma recepção ontem à noite com Nicole, e voltamos tarde. Nada mais.

— Você não me convenceu, mas não vou obrigá-la a falar. Até mais tarde.

— Até mais. — Ela desceu do helicóptero, pegou suas coisas e seguiu até seu carro. Pensara em telefonar de manhã cedo e dizer que não estava bem, mas decidiu que seria bem melhor se distrair no trabalho e agir como se nada houvesse acontecido na noite anterior. Era melhor manter-se ocupada do que ficar andando de um lado para o outro em sua casa vazia, pensando em sua vida solitária.

Keely dirigiu tranqüilamente pelas ruas da cidade até chegar ao bairro francês. Aquela hora do dia, as ruas estreitas ficavam cheias de caminhões que descarregavam mercadorias nos pequenos restaurantes e cafés dos arredores. Ela estacionou o carro e caminhou até o edifício onde se localizava o estúdio da KDIX.

A chuva da noite anterior tinha parado, e o sol parecia se firmar, em uma tentativa que Keely achou ofensiva. Não queria nada que iluminasse aquele dia. Estava péssima e queria que o mundo todo soubesse.

Durante um bom tempo ela ficou olhando para fora da janela de sua sala, revivendo os momentos inesquecíveis com Dax, seus beijos, suas carícias, lembrando-se de cada palavra que ele lhe dissera. Acreditara em tudo, por isso tinha a certeza de que nunca mais se veriam. Eles não podiam ser amigos. A química que os envolvia era intensa demais. E todas as vezes que tinham estado juntos eles traíram não apenas Mark, mas também os próprios princípios. Keely não precisava de mais uma complicação em sua vida, e ele também não. Seus adversários teriam assunto de sobra se descobrissem que o deputado Dax Devereaux estava de caso com a esposa de um DASA, ainda mais uma pessoa tão conhecida e engajada no assunto quanto Keely Preston.

Determinada a não ficar chorando pelos cantos, ela sentou-se à frente de sua mesa e respondeu algumas cartas, retornou ligações e conversou bastante com o produtor do programa matinal. Como tinha de cobrir o boletim de trânsito do final do dia, ela costumava sair ao meio-dia e só voltava às três, quando se encontrava com Joe no Superdome.

Keely estava quase pronta para sair quando a porta de seu escritório se abriu e Nicole entrou.

— Graças a Deus que está aqui — disse ela sem fôlego. — Você acabou de salvar minha vida.

— O que aconteceu? — perguntou Keely, rindo diante do evidente alívio da amiga.

— Você será entrevistada ao vivo no noticiário do meio-dia.

— Repita.

— Keely, é sério. Nosso convidado acabou de telefonar dizendo que não poderá comparecer. Se não quiser que nossos espectadores assistam a quinze minutos dos vídeos das minhas férias, você aceitará ser a entrevistada. Conversaremos sobre a PROOF e o que aconteceu em Washington na semana passada. É um assunto atual e interessante. Qual é o problema?

— Nicole, eu aceitaria se fosse qualquer outro dia, mas não estou me sentindo bem hoje. Estou péssima, de verdade.

— Que besteira! Você está linda, como sempre.

— Olhe as minhas olheiras!

— Nada que um pouco de maquiagem não resolva. Além do mais, você não permitiria que suas olheiras me arruinassem, não é mesmo?

— Nicole, eu sei que, se você pensasse direito, encontraria alguém para substituir seu convidado de hoje. Que tal o prefeito? Ele adora aparecer na televisão.

— Ele é um chato! E a sua história é muito boa, Keely. Vá se arrumar. Começaremos a filmar daqui a dez minutos — informou Nicole, olhando para o relógio. — Meu Deus, eu ainda nem olhei o script Vamos. — Ela caminhou até a mesa da amiga e puxou-a para cima.

— Estou com eólica — resmungou Keely.

— Tome um comprimido.

— Este vestido é...

— Lindo.

As duas alcançaram a porta.

— E por que não? — perguntou Keely para si mesma.

— E isso aí — concordou Nicole, puxando-a pelo corredor. Diante do toalete feminino, Nicole parou. — Faça o que for preciso, depois desça. A entrevista será depois da previsão do tempo, por volta de meio-dia e doze, mas vá depressa para poder colocar o microfone. Depois que eu começar com minhas perguntas estúpidas, interrompa-me com uma longa resposta.

Keely entrou no toalete e preocupou-se em retocar a maquiagem. Um pouco de pó, batom e blush. Então penteou os cabelos. O vestido verde sairia bem na televisão.

Já era quase meio-dia. Ela saiu do toalete e desceu a escada em direção, ao estúdio. O luminoso "No Ar" estava aceso, e ela abriu a porta apenas o suficiente para conseguir passar. O estúdio estava escuro, a não ser pelo foco de luz que iluminava a mesa onde Nicole e seu parceiro, um homem jovem, liam as notícias.

Acostumando os olhos à escuridão, ela tomou cuidado para não tropeçar nos fios e cabos espalhados pelo chão. Quando um comercial surgiu no monitor, o diretor tirou o fone da cabeça e aproximou-se dela.

— Olá, minha linda — disse ele. — Permita-me acompanhá-la ao local da entrevista. Quer ser minha amante?

— Só se sua esposa permitir, Randy — disse ela, rindo. — Como estão as coisas?

— Caóticas como -de costume. Muito obrigado pela ajuda. Algumas pessoas não aceitariam dividir o estúdio com Dax Devereaux.

— Dev... — O nome morreu em seus lábios quando ela viu que o deputado já estava acomodado no pequeno sofá e com o microfone.

— Acho que vocês já se conhecem — falou Randy, indicando o assento ao lado de Dax e passando-lhe um microfone. — Cuidado com o vestido.

— Randy, faltam trinta segundos para recomeçarmos — disse um dos câmaras.

— Voltaremos para entrevistá-los depois do próximo intervalo — avisou Randy, deixando-os sozinhos e voltando para detrás de sua câmara.

— Por que não me contou? — sussurrou Keely.

— Eu não sabia de nada — respondeu Dax, ajeitando a gravata.

— Não sabia?

— Não até hoje de manhã. Nicole me telefonou por volta das dez, desculpando-se pela urgência da situação e me pedindo para estar aqui ao meio-dia. Aqui estou.

— Ela nos enganou — resmungou Keely, afastando seu corpo do calor quente que emanava de Dax. — Eu não sabia que você estaria aqui. Ela praticamente me implorou para aceitar fazer a entrevista porque o entrevistado de hoje telefonou avisando que não poderia comparecer. Sinto muito.

— Eu não.

Keely olhou mais uma vez para Dax, mas antes que pudesse responder, as luzes do estúdio se acenderam, iluminando o sofá.

— Olá, querida! — A voz do diretor a saudou da cabina de vidro localizada no piso superior do estúdio. Keely percebeu que estavam exibindo os comerciais. Os câmaras viravam seus equipamentos para eles. — Ops, perdão, deputado. Eu estava falando com Keely.

— Olá, Dave — respondeu ela, acenando para o homem na cabina. Inesperadamente, sua voz reverberou por todo o cenário.

— Vamos testar a voz. Tente de novo, meu anjo.

— Olá, Dave. Aqui fala Keely Preston. Um, dois, três.

— Ótimo, querida. Deputado Devereaux, poderia fazer o mesmo? ,

— Olá, Dave. Como vai o bebê?

— Muito bem. Nossa, da última vez que esteve aqui, minha esposa estava no hospital! Obrigado por ter lembrado. Os dois estão excelentes.

— Que. bom.

— Nicole, será que poderia acomodar seu belo traseiro na cadeira? — perguntou ele, fingindo irritação. — Faltam sessenta segundos para entrarmos no ar.

Nicole fora verificar os cabelos e a maquiagem, e segundos depois apareceu no cenário.

— Nossa! Hoje foi um dia muito corrido. Olá, deputado Devereaux. — Ela ignorou Keely, que percebeu a frustração no rosto da amiga.

— Pode me chamar de Dax, por favor.

— Está bem, mas não durante a entrevista.

— Nicole, a câmara dois é a sua — instruiu Randy. — Quinze segundos.

— Vocês dois estão,prontos? — perguntou Nicole. Sem esperar uma resposta, ela olhou para a câmara, passou a língua nos lábios e sorriu.

— Hoje temos a presença de Keely Preston e do deputado Dax Devereaux na entrevista do nosso jornal — disse ela, assim que as luzes vermelhas se acenderam.

Durante os sete minutos seguintes, Keely e Dax responderam às perguntas de Nicole e fizeram alguns comentários adicionais. A entrevista transcorreu calmamente. Os dois pareciam interessados um no outro apenas devido ao assunto que discutiam.

Em determinado momento, quando ele estava falando com sua voz controlada e convincente, Keely se virou para olhá-lo. Dax usava muito as mãos ao se pronunciar sobre determinado assunto, e ela notou como o gesto já lhe era familiar. Cada comentário que o deputado fazia era conciso, claro e explícito. Ele não economizava palavras quando se tratava do bem-estar de uma pessoa, e alguns poderiam rotulá-lo de entusiasta. Ela o admirava como um homem de fortes convicções.

— Obrigada aos dois — disse Nicole ao encerrar a entrevista e, logo em seguida, o noticiário. Ela se levantou e tirou o microfone da gola de sua camisa. — Não sei nem como agradecê-los por terem deixado.seus compromissos de lado para me ajudar.

— Fico feliz por poder ajudá-la — disse Keely, quase não conseguindo disfarçar sua fúria. — Afinal de contas, para que servem os amigos? — Ela sabia exatamente qual fora a intenção de Nicole ao convidar os dois para participar da entrevista.

Keely negara ter qualquer tipo de interesse pelo deputado quando a amiga tinha tocado no assunto na noite anterior. Mas Nicole não era tonta, e os possíveis relacionamentos entre homens e mulheres eram um assunto que a encantava.

— Com licença — disse Keely. — Preciso ir, pois tenho muito trabalho a fazer. — Com essas palavras, ela passou por Nicole e Dax e saiu do estúdio.

Sem conseguir conter os tremores, ela subiu a escada para o segundo andar e caminhou pelo labirinto de corredores até os confins de seu escritório. Sentou-se na cadeira e cobriu o rosto com as mãos. O destino a colocara diante de Dax mais uma vez. Ela quase já se convencera de que Dax não tinha lugar em sua vida.

Na noite anterior, com raiva e frustrado, ele mesmo chegara a essa conclusão e, mostrando muito mais disciplina do que a própria Keely teria mostrado, Dax dissera que nunca mais a veria. Agora, apenas algumas horas depois, lá estavam os dois juntos novamente, sentados lado a lado no mesmo sofá, respirando o mesmo ar, e fora quase impossível fingir indiferença.

Keely sabia que não poderia ficar enfurnada naquele escritório, alimentando sua tristeza. Quanto mais depressa saísse dali, melhor.

Ela estava tirando seu sobretudo do cabide quando a porta se abriu e Dax entrou, fechando-a em seguida.

Os dois ficaram se olhando por um longo momento, e Keely permaneceu imóvel com a mão no cabide.

— Aonde você vai? — perguntou ele, minutos depois.

Keely vestiu o sobretudo. Seria um gesto de defesa? Sim. Sentia-se exposta e vulnerável, seu coração batia desesperadamente em seu peito.

— Sair. Eu tenho várias horas de folga durante o dia.

— Ah — foi sua única resposta, e ele não se mexeu para permitir-lhe passagem. Meu Deus, como ela é linda, pensou. Na noite passada, todas suas palavras tinham sido sinceras. Seria um grande erro continuarem com aqueles encontros clandestinos. Dax desprezava mentir e se esconder.

Mas não havia como negar o desejo que sentia por Keely, portanto o melhor era eliminar a tentação. Dax entrara nos estúdios de televisão completamente determinado, porém, ao vê-la, toda sua resolução foi por água abaixo.

Sentou-se no sofá e respondeu a todas as perguntas de Nicole de maneira lógica e concisamente, mas só conseguia pensar em ter Keely em seus braços. A proximidade dela o descontrolara durante toda a entrevista. Tinha plena consciência de todos os movimentos que ela fazia, por menor que fossem.

— Eu vim até aqui para lhe dizer que não sabia que você participaria do programa. Fiquei tão surpreso quanto você.

— Eu sei. Isso é coisa da Nicole. Ela deve ter arranjado tudo.

— Por quê? Ela achou que nós dois faríamos um bate-papo interessante?

— Eu duvido que ela nos acharia tão interessantes se não nos tivesse visto dançando juntos na recepção. — Keely desviou o olhar. — Ela... Nicole me fez uma série de perguntas depois. — Sabendo que não teria como escapar daquela conversa, Keely deixou o sobretudo no lugar, colocou a bolsa na mesa e sentou-se.

— Quais perguntas? — indagou ele, acomodando-se na ponta da mesa.

— Perguntou-me sobre você, sobre como foi nosso contato em Washington.

— E o que você respondeu?

— Que nós não nos conhecíamos bem.

— E ela?

— Nicole disse que não acreditava, pois dois estranhos não dançam do jeito que estávamos dançando.

Dax inclinou-se para a frente e capturou-lhe uma das mãos. Seu polegar acariciou-lhe os dedos manicurados.

— E o que mais ela perguntou?

— Se eu o achava lindo.

— Lindo — repetiu ele, aproximando-se. — Agora fiquei interessado. Estou louco para saber qual foi a sua resposta.

A proximidade dos dois era tanta que Keely teve de se afastar para conseguir lhe enxergar o rosto.

— Eu disse que você poderia ser considerado um homem lindo.

— Você disse isso a meu respeito? — O sorriso de Dax era contagiante.

— Em um momento de fraqueza.

Eles riram juntos. O polegar de Dax levantou-se para investigar-lhe o canto dos lábios, acariciando-lhe primeiro o lábio inferior, depois o de cima. Em seguida, afagou-lhe os cabelos, a nuca e foi descendo lentamente.

Quando os lábios dos dois estavam quase se tocando, escutou-se uma batida na porta, que foi como um tiro. Eles ficaram tão assustados que se levantaram no ato, como se já houvessem feito algo de errado. Dax virou-se para a porta no intuito de tentar protegê-la. Aliviados, os dois voltaram ao normal ao ver que era Nicole.

— Pelo amor de Deus! Vocês dois são demais! Não sabem que é de bom-tom trancar a porta quando estão fazendo esse tipo de almoço? — Com as mãos na cintura, ela os repreendeu como uma mãe.

Keely saiu de detrás da mesa e parou ao lado de Dax.

— Nicole, eu seria capaz de estrangulá-la! Por que fez isso?

Sem se importar com a raiva da amiga, ela sentou-se na mesa do DJ, empurrando mais uma vez a fotografia da pobre Cindy.

— Não finja que está brava por terem se reencontrado. Ontem à noite ficou bem claro para mim que existe uma atração incontrolável entre vocês dois. Sendo assim, decidi agir de cupido, só isso — admitiu ela, feliz da vida. — E pelo visto funcionou, levando em consideração o que quase vi quando entrei aqui.

— Nicole! — gritou Keely enrubescida. — Dax... Eu... Quer dizer...

O deputado segurou-lhe uma das mãos e virou-se para Nicole.

— Nicole, aparentemente você percebeu que essa atração mútua começou quando nós dois estávamos em Washington. Foi um acidente. Nenhum de nós planejou nada, apenas aconteceu. E nós dois sabemos que não há como esse relacionamento ir para a frente. Ela é casada. — Dax olhou com tristeza para Keely. — Eu estou concorrendo ao Senado, portanto, ter um caso com uma mulher casada seria a ruína da minha carreira política. Ontem, depois da recepção, nós decidimos não nos ver mais, sozinhos ou em público, se pudermos evitar. Foi por isso que ficamos tão desconcertados ao nos encontrar no estúdio.

— Ontem à noite? — perguntou Nicole, levantando-se. — Depois da festa? Onde?

Dax olhou para Keely, pedindo permissão, e só respondeu quando ela assentiu. — Na casa dela.

— Meu Deus! Alguém o viu indo até lá?

— Por quê? — perguntou Keely, preocupada com a forma com. que a amiga mordia o lábio.

— Bem, eu não fui a única que percebeu a intimidade entre vocês dois durante a dança. É por isso que estou aqui. Achei que vocês deveriam ver a primeira edição do jornal da noite.

Pela primeira vez, os dois notaram o jornal que Nicole segurava dobrado na mão. Ela o entregou para Keely. Com um nó no estômago, ela abriu a página da coluna social e arregalou os olhos. Lá estava a foto dos dois dançando, abraçados com firmeza. O rosto dele estava inclinado, o dela para cima, como uma flor deliciando-se com o sol. O sorriso de ambos era íntimo. Deputado Devereaux e Keely Prestou, esposa de um DASA, dançando calorosamente na recepção da Liga das Artes, no Marriott.

— Inferno! — xingou Dax, jogando o jornal no chão. — Inferno!

Keely cruzou os braços e caminhou até a janela.

— É melhor terem mais cuidado caso não queiram complicar suas vidas — advertiu Nicole. — Dax, tem certeza de que ninguém o viu entrando na casa de Keely?

— Duvido. Eu estacionei o carro em um restaurante em St. Charles e fui andando até lá.

— É mesmo? — perguntou Keely. — Eu não sabia.

— Não. E como acha que cheguei até lá? Eles se aproximaram.

— Na verdade, eu nem parei para pensar. Você simplesmente estava lá. — Ela tirou um fio da jaqueta de Dax. — Você não deveria ter ido até a minha casa àquela hora da noite. Ainda mais a pé.

— Eu sou um homem, lembra?

— Estou falando sério, Dax. Você não passou frio? Ele ajeitou-lhe uma mecha de cabelo fora do lugar.

— Quando fui embora? De jeito nenhum.

— Hei, eu estou aqui! — interveio Nicole.

Os dois se viraram como se realmente houvessem se esquecido da presença dela naquela sala.

— Eu pessoalmente acho que vocês deveriam esquecer o resto do mundo e começar, ou continuar, um romance. Mas se a dignidade vier em primeiro lugar, e acho que é o caso, é melhor que se preparem para as repercussões que essa fotografia causará. Vocês não notaram, mas também há uma história ao lado, dizendo que havia algo além da audiência da PROOF acontecendo em Washington. E a julgar pelas expressões de culpa em seus rostos, acho que essas suposições não são infundadas.

Nicole caminhou até a porta. Dax e Keely estavam atônitos.

— Por favor, lembrem-se de que não sou o inimigo. Sou amiga. E peço desculpas pelo que fiz hoje. Se eu tivesse visto o jornal logo cedo, eu certamente não teria colocado os dois juntos na entrevista. Por outro lado, a entrevista poderia ser uma desculpa para a noite passada. Vocês tinham sido convidados para falar sobre o assunto dos DASA e estavam apenas discutindo alguns detalhes do ocorrido em Washington. Não é muito, mas pode ajudar.

Depois disso, Nicole sumiu. Dax e Keely ficaram olhando para a porta fechada durante um bom tempo. Por fim, eles se olharam.

— Acho que tomaram a decisão por nós — disse ele, esfregando o queixo.

E verdade. Sinto muito, Dax. Eu não estragaria sua candidatura ao Senado por nada neste mundo.

— Eu sei. E sabia exatamente o risco que corria ao convidá-la para dançar ontem à noite. — Ele apontou para o jornal no chão. — Uma foto que vale um milhão de palavras.

— Precisamos cuidar para que eles não tenham mais motivos para escrever sobre nós. Ontem você disse que nós não deveríamos, não poderíamos, nos ver mais, mesmo que.em público. Essa fotografia só serviu para reforçar a decisão. — Keely olhou para ele. — Eu ainda sou casada, Dax.

Ele caminhou até a porta, mas virou-se para Keely antes de abri-la.

— Você ficará bem, não é? E se começarem a lhe telefonar para especular sobre a fotografia?

— Eu direi que nos conhecemos em Washington, que fomos almoçar com um grupo de deputados, um jornalista famoso e mais um membro da PROOF. Direi que o respeito por sua posição em relação ao caso. e que apoio sua candidatura ao Senado. E só.

Dax balançou a cabeça, retardando sua partida o máximo possível.

— Se precisar de mim...

Os olhos dela responderam ao comentário.

Então Dax saiu, deixando-a sozinha com sua dor. Cabisbaixa, Keely foi até sua cadeira e sentou-se, apoiando a cabeça nos braços em cima da mesa.

A campainha do telefone foi uma cruel interrupção ao choro suave.

— Alô?

— Srta. Preston, aqui quem fala é Grady Sears, do Times Picayune.

Ela respirou fundo e apertou o fone.

— Pois não?

 

Aquele foi apenas o primeiro de uma série de telefonemas semelhantes. Os insistentes repórteres ficavam decepcionados com as respostas calmas e firmes de Keely Preston Williams às perguntas insinuantes e comprometedoras que lhe faziam. Quando eles lhe perguntavam se ela e o deputado Devereaux estavam romanticamente envolvidos, Keely ria.

— Tenho certeza de que o deputado Devereaux não gostaria de ter seu nome ligado a uma mulher casada. E velha.

— Faz doze anos que seu marido desapareceu, Sra. Williams, e a senhora não é velha. Além disso, o deputado é conhecido por seus famosos casos de amor.

É mesmo? Quantos foram? Eu sou só mais uma dentre várias?

— Eu não sei nada sobre a vida amorosa do deputado Devereaux.

— E como explica a intimidade com que estavam dançando? — Veio a pergunta desconfiada. — As fotografias não mentem, Sra. Williams.

— Concordo com você, mas elas podem ser mal-interpretadas. O deputado e eu estávamos comemorando uma vitória mútua em Washington. Ele | apoiou a causa da PROOF. Se ele souber se aproveitar disso durante sua campanha, com classe, como fez na pista de dança, não tenho a menor dúvida de que Dax Devereaux será eleito senador.

As últimas palavras foram proferidas com um sorriso reservado. Keely soava como idiota e afetada, mas era melhor assim do que parecer culpada em um complicado caso de amor.

Todos os telefonemas insistiam naquele assunto, mas como ela e Dax não davam motivos para um escândalo, os comentários foram sumindo. Quando Keely pensou que havia despistado todos os curiosos repórteres, ela soube que teria de enfrentar o pior de todos.

Quatro dias depois de ter aparecido no programa de Nicole com Dax, Keely estava chegando a terra firme depois de um terrível dia de trabalho quando percebeu que teria de enfrentar um grande problema.

— Parece-me que você tem companhia — gritou Joe, enquanto pousava o helicóptero.

Keely já tinha visto o automóvel parado ao lado do dela, e viu Al Van Dorf abrir a porta e sair.

— Infelizmente, sim — respondeu ela. Depois de se despedir de Joe, Keely caminhou lentamente até seu carro. Van Dorf estava encostado no capo.

— Eu sempre me pergunto como essas máquinas voam — disse ele, observando o helicóptero se afastar.

— Boa tarde, Sr. Van Dorf. O que o traz a Nova Orleans? Não há mais assunto em Washington? — Vá com calma, Keely, ela se advertiu. Não seria uma atitude sábia tratá-lo com ironia. Portanto, ela suavizou as palavras duras com um gracioso sorriso.

— Digamos que, no momento, há matérias mais interessantes aqui. — Os olhos ferozes brilhavam por detrás dos óculos fora de moda. — Como você e o deputado Devereaux...

Seu olhar de espanto foi digno de um Oscar.

— Eu... Não estou entendendo, Sr. Van Dorf. O deputado Devereaux e eu?

— Por que não vamos tomar um drinque em algum lugar? — sugeriu ele, aproximando-se para segurar-lhe o braço. Keely se afastou com graça, deixando, porém, a mensagem implícita de que não queria ser tocada.

— Não, muito obrigada. Estou indo para casa.

— Bem, então suponho que teremos de conversar aqui mesmo. — Van Dorf enfiou a mão no bolso e tirou uma página de jornal dobrada. Keely soube imediatamente do que se tratava. Ele estudou a fotografia dos dois dançando com um sorriso maldoso no rosto. — Você fotografa muito bem.

— Obrigada — disse ela, sem se intimidar.

— Você diria que o deputado Devereaux fotografa bem? Ele é um homem muito bonito.

— Sim, é mesmo. Muito bonito. — A resposta rápida a surpreendeu.

Van Dorf se mostrava quase irritado por ela não estar indicando nenhum sinal de nervosismo.

— Sobre o que quer conversar comigo, Sr. Van Dorf?

Aquela mulher não era nada fácil. E se tinha decidido tratá-lo com rispidez, ele também o faria.

— Devereaux é tão bom de cama quanto em debates?

Se a pergunta tinha a intenção de chocá-la, o sucesso foi garantido. Durante alguns instantes, Keely não soube como agir.

— Sua insinuação é imperdoável, Sr. Van Dorf, e prefiro ignorá-la.

— Você e Devereaux não são amantes?

— Não.

— Então como explica essa foto?

— Como você a explica? — devolveu ela, furiosa. O choque transformou-se em raiva, e ela quase não conteve a vontade de acertar-lhe um tapa na cara. — As pessoas têm o hábito de dançar juntas. Você acha que o presidente tem um caso com todas as mulheres que dança nas recepções da Casa Branca?

— Sim, concordo que as pessoas estão sempre dançando umas com as outras, mas não com esse ar de encanto.

— O deputado Devereaux é um homem encantador. Eu o acho inteligente, carismático e decidido e admiro-o pela posição que assumiu diante do assunto dos DASA. Respeito a coragem com a qual ele encara as críticas que recebe. Admiração e respeito é tudo que eu sinto pelo deputado Dax Devereaux.

Mentirosa, acusou sua mente, o que a deixou ainda mais determinada a tirar Van Dorf do caminho.

— Sinceramente, não compreendo como o senhor consegue detectar algo de ilícito em uma simples dança. Você considera isso um bom jornalismo?

— Não foi apenas uma simples dança — respondeu ele com frieza. — Eu percebi todos os olhares e sorrisinhos que vocês trocaram em Washington e não pude deixar de perceber que os dois sumiram em um dia de chuva. Minha intuição não me engana.

— Pois dessa vez o enganou — disse ela, rindo com piedade. — Se sua intuição é sua única fonte de informação, acho melhor encontrar outras mais confiáveis. Eu nunca fui amante do deputado Devereaux. — Era verdade — E nunca serei. — Seria mesmo? — E nem pretendo ser. — Isso era uma grande mentira. — Bem, não posso mais ficar aqui. Espero que comece a se basear em informações mais sólidas para escrever suas matérias, Sr. Van Dorf.

Em seguida, Keely caminhou até seu carro, destrancou a porta com mãos trêmulas e entrou.

— O que o deputado Devereaux acha de você?,— perguntou Van Dorf antes que ela fechasse a porta.

— Pergunte a ele.

— Ah, mas não tenha a menor dúvida de que é isso mesmo que vou fazer — disse ele com seu sorriso cruel.

Keely bateu a porta e ligou o motor. Então, controlando a vontade de sair em disparada pelo estacionamento, ela saiu em uma velocidade considerável.

À noite, quando se deitou na cama, ela ainda tremia de ansiedade. O que mais poderia ter dito ao intrometido jornalista? Será que Van Dorf acreditara no que lhe tinha dito? Provavelmente não, mas não teria no que se basear para inventar uma história. Se publicasse uma matéria sugerindo a existência de um caso entre ambos, ninguém lhe daria crédito. Van Dorf não tinha provas nem fatos concretos. Seu material se basearia apenas em suposições.

E claro que ele poderia descobrir que Dax fora até a casa dela depois da recepção da Liga das Artes. Seria quase impossível conseguir convencê-lo de que não acontecera nada, mas era a verdade. Nenhum dos dois tinha motivos para se sentir culpado.

Todos acreditavam que ela e Dax eram amantes. Por que ninguém era capaz de imaginar que o famoso deputado tinha um relacionamento platônico com uma mulher?

Durante os dois últimos dias, todas as conquistas amorosas de Dax estavam sendo noticiadas. Keely negara com veemência que era o próximo nome da lista, mas era o que suspeitava ser. Se houvesse cedido aos encantos dele, seria mais uma de suas conquistas? Mais uma vítima. Não, de jeito nenhum. Mas...

Ela tinha lido uma entrevista de Dax no jornal do dia anterior, na qual ele respondera à pergunta sobre seu envolvimento com Keely Preston da seguinte maneira: "Gostaria que eles tivessem publicado a minha foto dançando com a esposa do representante da Liga dos Estivadores. Seria bem melhor para mim, apesar de a mulher não ser tão encantadora quanto a Sra. Williams".

Lágrimas encheram-lhe os olhos quando Keely olhou para a estante de livros em seu quarto. A fotografia dela e de Mark no dia do casamento estava na terceira prateleira. A noiva tinha duas longas trancas que iam até abaixo da linha de seus seios. O vestido de lã era bem acima do joelho e parecia ridículo com as botas de couro branco. Um vestido tradicional estivera fora de questão por total falta de tempo. Mas tinha realmente se casado daquele jeito?

Seus olhos ardentes olharam para o jovem homem na fotografia. Mark. Onde você está? O que aconteceu? Você está vivo? Meu querido Mark, você era meu querido, doce, gentil, meigo e divertido. Perfeito como primeiro amor.

Na fotografia, Mark tinha os cabelos cortados como os dos Beatles, com franjas longas na testa. Foi pouco antes de ele ter de raspar os cabelos para o exército. A calça e o paletó estavam um pouco justos para seu corpo atlético.

Os dois sorriam como dois tolos, exultantes por terem se casado è ingressado de fato na vida adulta. Pelo menos era o que achavam na época.

Keely sentou-se na cama para olhar o retrato mais de perto. A garota na foto parecia outra pessoa. Não tinha nada a ver com a mulher que Keely Preston Williams era agora. Ela era tão desconhecida para Keely quanto um estranho. A Keely de hoje não podia ser comparada com aquela garota ingênua.

E Mark também não seria o mesmo homem se ainda estivesse vivo. Keely não conseguia imaginar um rosto, uma voz, um sorriso, uma personalidade ao homem que seu marido seria caso voltasse para casa. O garoto da foto já não existia mais, desaparecera. E a garota também não.

Keely se deitou e fechou os olhos. Tentou se lembrar de como era ser tocada e acariciada por Mark, mas só os beijos e carícias de Dax vinham-lhe à mente. Ela não se recordava de quase perder os sentidos quando o marido a beijava. Talvez seu coração disparasse e a palma de suas mãos suassem, mas ela não se lembrava de haver sentido um calor que tomava conta de seus membros, nem a sensação debilitante que a consumia.

Fechando os olhos, Keely criou um amante imaginário. Quando ele chegou, não era um jovem loiro, forte e atlético, mas sim um homem mais velho, moreno, característica herdada dos antepassados franceses creole. Seus movimentos não eram desajeitados e inseguros, mas firmes e experientes. . Não eram mãos trêmulas que lhe acariciavam o corpo, mas mãos talentosas capazes de excitá-la com um simples toque. Elas não seguiam direto para zonas erógenas, mas tocavam-na com reverência por todas as partes de seu corpo. Não existia pressa, nem ganância naquelas carícias.

Seu beijo era profundo, criando um sensual bale com a boca dela. Dentes, lábios e línguas eram instrumentos eróticos que enlouqueciam, roçavam, bebiam e provavam.

Uma boca gostosa murmurou algo contra seus seios antes de explorar a pele macia. Uma língua quente e úmida sugava o mamilo intumescido como se a intenção fosse relaxá-lo, o que obviamente não era.

As mãos insistentes desciam, tocavam e descobriam. Keely acolheu seu amante-fantasma. Ele aceitou o convite, sussurrando palavras dóceis em seu ouvido, louvando e exigindo sua feminilidade.

Juntos eles se movimentaram, dando e recebendo com a mesma intensidade. Keely e seu amante se tornaram um único corpo que respirava palavras de amor.

Contorcendo-se com seu desejo não satisfeito, Keely ergueu os quadris, implorando para que seu amante imaginário a libertasse. O êxtase veio na forma de uma manta quente, aninhando-a momentaneamente até que ela estivesse lutando para encher seus pulmões sem ar.

Lentamente, ela voltou ao normal e abriu os olhos, tentando entender o que lhe acontecera. Ao se dar conta, Keely foi consumida pela vergonha, pois quando suplicara a seu amante, não fora o nome do marido que chamara, mas sim o de Dax Devereaux.

Seu travesseiro absorveu as lágrimas de amargo remorso.

— Quer comer alguns sanduíches na Jackson Square?

Como a maioria das conversas telefônicas com Nicole, essa também começara sem preâmbulos.

— Eu não...

— Tem alguma sugestão melhor? — perguntou Nicole com ligeira rispidez.

— Não.

— Então vamos nos encontrar na porta principal dentro de uma hora.

Desde o dia que Nicole a colocara no programa com Dax, Keely quase não falara com a amiga. De vez em quando trocavam algumas palavras por telefone ou nos corredores do estúdio, mas a camaradagem que sempre existira entre as duas desaparecera. E Keely sentia muita falta da amiga.

Na hora marcada, ela desceu a escada e encontrou Nicole na frente do edifício. Elas caminharam alguns quarteirões a oeste em direção ao centro histórico, um dos lugares favoritos de Keely. Com a catedral de Saint Louis, o Presbitério e o Cabildo de um lado e o Pontalba Building do outro, ela algumas vezes sentia falta de todos os memoráveis eventos que tinham acontecido naquele lugar.

O dia estava ensolarado, e várias aves cantarolavam. As flores começavam a desabrochar, trazendo a promessa de muita beleza. Escolhendo um banco vazio, Nicole enfiou a mão na sacola e pegou um sanduíche para Keely.

— Esse suspense está me matando — disse ela, mordendo o sanduíche de pão integral. — Estou ou não estou?

— O quê?

— Perdoada. — Nicole proferiu a palavra com gentileza e olhou para ela com tanto arrependimento que Keely não conseguiu evitar a risada. Colocando o sanduíche no colo, ela abraçou calorosamente a amiga.

— Sim, você está perdoada. Senti muito a sua falta. Nicole se afastou e lutou contra as lágrimas rebeldes.

— Ainda bem que tudo acabou. Achei que ficaríamos assim o resto da vida.

— Você exagerou, mas naquele momento, aquela era uma das minhas menores preocupações — respondeu Keely. Havia duas semanas que não via Dax. Será que todos os ferimentos já deveriam estar curados? De jeito nenhum. A cada dia que passava, sua saudade aumentava.

— Quer conversar a respeito e me contar o que não entendi?

— E o que você entendeu? — perguntou Keely, olhando para Nicole.

Depois de embrulhar o resto de seu sanduíche no papel celofane, ela abriu uma lata de refrigerante e entregou-a para Keely. Depois abriu mais uma e bebeu um gole;

— Acho que vocês se encontraram em Washington, sentiram uma incontrolável atração um pelo outro, souberam desde o começo que a situação poderia se complicar caso acontecesse um envolvimento maior. Desde então as consciências e libidos de vocês dois estão em constante batalha.

Keely olhou para a estátua de Andrew Jackson sem realmente vê-la.

— Basicamente isso resume a nossa história.

— Keely, por que está se martirizando dessa forma. Se quer ter um caso com ele, tenha. Por mais que seja um deputado, antes de qualquer coisa Dax Devereaux é um homem. E hoje em dia ninguém mais se importa quem dorme com quem. Seja egoísta. Pense um pouco em você.

— Eu também preciso pensar nele.

— Por quê? Ele já é bem crescidinho, e entrou nessa história com os olhos bem abertos. E conhecendo-a, minha cara amiga, eu duvido que você o tenha provocado. Não foi ele o agressor?

— Bem, sim, mas... Eu lhe disse que era casada, mas não recusei... Ele foi...

— Vocês dormiram juntos? — perguntou Nicole. Keely arregalou os olhos.

— Não há nada de mal nisso — antecipou-se Nicole.

— Não — sussurrou Keely.

— É por isso que você está péssima. Do que está tão envergonhada? Não é nada permanente. Durma com Dax e tire-o de sua cabeça. Não é como se você estivesse apaixonada... — Nicole parou de falar e respirou fundo. Colocou a mão no queixo da amiga, obrigou-a a levantar os olhos e viu as lágrimas ameaçando cair.

— Meus Deus, você está apaixonada por ele, por Dax Devereaux. Eu a estimulei a ter um caso sem grandes pretensões e você escolhe logo um deputado prestes a se tornar senador e ainda por cima se apaixona por ele.

Keely se incomodou com o tom severo de Nicole.

— Eu jamais teria um caso com homem algum se não estivesse apaixonada. Eu não sou como você. Não consigo separar sexo de amor. Eu não consigo ir para a cama com a mesma naturalidade que você.

No instante em que terminou de falar, Keely desejou jamais ter aberto a boca. Depressa, ela pegou a mão de Nicole e apertou-a.

— Sinto muito. Eu não teria sido tão rude se não estivesse chateada. Você sabe que eu não a censuro, eu não tenho nada a ver com suas escolhas amorosas.

Nicole caiu na risada.

— Se alguém conhece a minha reputação, esse alguém sou eu. — Ela olhou por alguns momentos para o céu, depois voltou a encarar Keely. — Nunca lhe ocorreu que talvez eu preferisse ser como você?

— Como eu? — perguntou ela incrédula.

— Isso a surpreende? Não sei por quê. Talvez você não perceba como é única. Você tem um objetivo na vida, tem seus próprios valores e padrões de vida. Eles lhe foram ensinados. Você os aprendeu seguindo exemplos. Eu adoraria ser delicada como você. Meu vocabulário é deplorável e sei disso. Meu comportamento é ousado e sei disso. Gostaria de ser uma mulher refinada, de falar calma e gentilmente. Gostaria de ter o respeito que as pessoas têm por você. — Nicole riu mais uma vez. — Mas esse é um sonho bem longe de se tornar realidade.

— Por... Por que você sai com tantos homens?

— Você quer dizer, por que durmo com tantos homens? — A pergunta evidenciara toda sua amargura. — Acho que estou agindo como sempre esperaram que eu agisse. Minha mãe abandonou meu pai quando eu ainda era um bebê. Mas ele sempre fez questão de me lembrar. Todos os dias da minha vida ele sentia prazer em repetir que eu era como ela, uma prostituta, entregue à vida de pecado e imoralidade. — Ela alisou a saia de seda relembrando de seu doloroso passado. — Sabe, eu fiz uma análise de mim mesma. Estou procurando alguém que me ame, esperando encontrar nesse homem o carinho de pai que eu nunca tive. No dia em que lhe pedi um sutiã, meu pai me chamou de vagabunda. É isso que sou. Uma vagabunda refinada, mas ainda assim uma vagabunda.

— Não fale assim de você, Nicole. Você não é nada disso. Seu coração é enorme, bem como sua capacidade de amar. Você só precisa encontrar o caminho certo a seguir. Acho que você tem medo de amar alguém, receando ser rejeitada, como aconteceu com seu pai.

— Nós estávamos falando de você, lembra?

— Mas agora estamos falando de você. Por trás dessa imagem de mulher durona, liberal e independente existe uma mulher insegura e solitária implorando ser amada pelo que é e não pela maravilhosa imagem que projeta. E só um homem sensível perceberá essas qualidades. Talvez Charles Hepburn.

Agora Nicole riu de verdade.

— Falando em rejeição... Eu tentei de tudo para levar Charles para a cama e ele não quis nem saber! Não é que eu não o queira, ele não quer. E isso agora se tornou uma questão de orgulho para mim, um desafio. E Charles é muito sério sobre compromissos.

— Que bom.

— Bem, ele pode esquecer isso se acha que vou deixar todos os meus homens por ele.

As duas ficaram quietas. Nicole chutou uma pedrinha com a ponta de sua sandália.

— Independentemente do que eu lhe tenha dito no passado, saiba que respeito seus ideais.

— E eu invejo sua coragem. Às vezes acho que a moralidade é um pouco de medo de ser censurada.

— O que Dax sente por você, Keely? — perguntou Nicole, umedecendo os lábios carnudos.

— Não sei... Ele me disse coisas que me levaram a crer que... Mas depois... — Ela não terminou de falar.

— Você confia em mim quando digo que entendo um pouco mais de homens do que você? Pois então, acho que Dax está tão envolvido quanto você. Espere, deixe-me terminar — disse ela, vendo que Keely a interromperia. — E não fique brava. Eu fiz uma brincadeira com ele.

Keely sentiu o queixo cair, e Nicole continuou:

— Calma, eu disse para não ficar brava. Naquele momento, eu já desconfiava de que havia algo no ar entre vocês dois. Foi logo depois da entrevista, quando você saiu do estúdio como uma santa ofendida. Eu usei todas as minhas armas de sedução e tentei envolvê-lo. Mas ele nem entrou no jogo fingindo estar interessado. Dax só tinha olhos para a porta por onde você tinha saído.

— Isso não prova nada.

— Não, mas quando eu os vi juntos, ele... Não sei, mas achei que ele queria protegê-la, cuidar de você. E conhecendo a reputação do deputado com as mulheres, posso lhe assegurar que não esperava esse tipo de comportamento. Ele só tinha olhos para você, minha amiga. Tenho certeza de que a história entre você e Dax Devereaux está apenas começando.

— Obrigada pelas palavras, Nicole, mas nossa história acabou antes mesmo de começar.

— E mesmo? Responda-me uma pergunta com toda sinceridade: se tivesse de escolher com quem sair esta noite, quem seria o felizardo? Dax ou Mark?

Keely levantou o rosto como se houvesse levado um tapa.

— Não é justo! Eu não tenho como responder a essa pergunta.

— Você acabou de responder, minha querida.

 

Keely e Nicole riam sem parar quando abriram a porta do edifício. Pareciam duas escolares divertindo-se com alguma fofoca recente. Duas semanas tinham se passado desde o dia do piquenique na Jackson Square. As confidencias que elas trocaram aquele dia as tinha aproximado ainda mais. Agora Nicole conseguira convencê-la a sair para jantar.

— Você acredita? Estou falando sério, você acredita nisso? — perguntou Nicole, rindo tanto que seus olhos estavam cheios de lágrimas. — Quando eu disse... quando eu disse... quando... — Elas foram acometidas por mais um acesso de riso à medida que subiam pelas escadarias.

— Também quero saber o que é tão engraçado — disse Charles Hepburn, caminhando na direção das duas no corredor. Dax Devereaux vinha logo atrás.

A risada pareceu ser sugada do corpo de Keely por um grande vácuo. Ela continuou com a boca aberta, mas nenhum som saía. Não conseguia respirar, tamanha sua surpresa. Dax lhe roubara até as principais funções.

— Ah, Charles. — Nicole foi até ele e envolveu-o com os braços, ainda rindo sem parar. — Você assistiu ao noticiário?

— Não, Dax e eu estávamos terminando a reunião. O que aconteceu?

— Foi um desastre. É bem provável que você perca todos os patrocinadores que conseguiu com tanto cuidado. Mas foi engraçado demais!

A risada dela era contagiosa. Dax sorria. Charles olhava para Nicole como se ela fosse uma criança.

— Conte-nos logo o que aconteceu.

: Está bem — disse ela, endireitando-se e respirando fundo. — Eu estava começando a reportagem sobre ressuscitação cardiopulmonar. Uma série de médicos está fazendo palestras em escolas sobre o assunto. — Nicole lutava para conseguir manter a voz constante e firme. — De qualquer forma, a última coisa que eu disse foi, "Preste muita atenção, pois você pode ajudar a salvar a vida de alguém que ama". Eles rodaram a fita, mas em vez da reportagem foi exibido um comercial de laxante.

Os dois começaram a rir. Nicole se jogava contra Charles como uma boneca de pano. Ele abraçou-a.

— Eu tinha acabado de dizer que iria salvar a vida das pessoas e aparece uma caixa de laxantes na tela. Por favor, Keely, termine para mim, pois não consigo mais falar.

— Bem, eles tiraram o comercial do ar e voltaram para Nicole. Ela ria tanto que não conseguia dizer uma. só palavra. Quando finalmente recuperou o fôlego, em vez de voltar para o script, ela passou o problema para o homem do tempo.

Todos caíram na risada e, por um momento, Keely distraiu-se com a covinha e os dentes brilhantes de Dax.

— O coitado não esperava entrar no ar. Ele não tinha nem vestido o paletó. Por sorte, o microfone já estava conectado. Então ele começou a falar sem parar, todo atrapalhado, sem perceber que estava com um cigarro na boca.

— Foi aí que a história ficou mais engraçada ainda — interveio Nicole. — Tony de certo pensou que ninguém notaria se ele deixasse o cigarro cair casualmente no chão, e nem se lembrou de sua papelada. O cigarro caiu em cima de uma pilha de papéis e começou a queimar. E lá estava ele, batendo o pé no chão, tentando apagar o cigarro e movimentando sua caneta laser para todos os cantos. — Ela fez uma imitação da cena e, mais uma vez, todos riram sem parar.

— As chances de você ser demitida de manhã cedo são muito grandes — disse Charles, já recuperado.

— Duvido. A administração não teria coragem de nos despedir. Foi o noticiário mais espontâneo e divertido dos últimos tempos. Acho até que ganhamos alguns pontos com a audiência.

Enquanto Nicole e Charles discutiam o assunto, Dax e Keely se deleitavam com a visão um do outro. Ela achou que as linhas ao redor dos olhos castanhos estavam mais pronunciadas, como se ele não estivesse dormindo direito. Dax notou os olhos verdes destacados no rosto pálido.

Havia mais cabelos brancos perto das têmporas dele. Os cabelos de Keely estavam brilhantes e certamente cheiravam a flores.

Os lábios dela continuavam sensuais, um pouco mais rosados. O nó da gravata dele era perfeito, como de costume.

— O que você acha, Dax?

Dax e Keely se assustaram com a pergunta de Charles.

— Como? Sinto muito, mas não ouvi a pergunta.

— Você se incomoda se eu convidar Nicole e Keely para jantar conosco?

— Claro que não — respondeu ele, com os olhos brilhando para Keely. — Claro que não me importo. Acho uma excelente idéia. Não que eu não goste da sua companhia, Charles, mas nosso jantar será bem mais interessante se elas aceitarem o convite.

— Eu concordo plenamente. Nicole e Keely enfeitarão nossa mesa. Eu pensei em ir ao Arnold's. O que vocês acham?

— É uma ótima idéia — respondeu Nicole, lançando um olhar para Keely, aconselhando-a a não ousar recusar. — Vocês dois poderiam discutir os comerciais no rádio, Keely. Você entende mais do que Charles sobre o assunto.

— Será um prazer ajudar — respondeu ela. Keely não pudera evitar o encontro acidental, e

Dax mostrava-se contente com a sugestão de Charles para que fossem jantar juntos. Claro, o que mais poderia fazer? Preocupada, ela olhou para o deputado. Entretanto, deparou-se com um olhar acolhe-dor, que demonstrava estar adorando a idéia. Sem abrir a boca, Dax pegou o sobretudo dela e ajudou-a a vesti-lo. Keely virou-se e enfiou os braços nas mangas do casaco, mantendo uma certa distância. Tinha a impressão de que não agüentaria se ele a tocasse.

Dax inclinou-se para a frente até que ela sentisse o peito dele contra suas costas. Em seguida, ele baixou a cabeça para alcançar-lhe o ouvido.

— Algum problema?

A voz de Dax foi como uma carícia, baixa e vibrante, como a música de um violoncelo. Keely virou ligeiramente a cabeça para o lado a fim de olhar para ele. Estavam tão próximos... O perfume cítrico era inebriante. A ponta do queixo dela quase lhe tocava o queixo, com a barba por fazer.

— Não, de forma alguma — respondeu ela, em um sussurro rouco e íntimo.

— Vamos ter que andar um quarteirão até o lugar onde meu carro está estacionado — falou Charles, abraçando Nicole e guiando-a na direção da saída.

— Claro-que não.

Já na rua, caminhando pela calçada estreita e irregular, Dax ofereceu o braço para Keely. Um cavalheiro teria feito o mesmo. Era apenas uma cortesia, pensou ela. Mas será que qualquer outro homem teria feito um gesto tão mundano parecer um jogo erótico?

Com muita discrição, Dax lhe acariciava a ponta do cotovelo, causando-lhe arrepios por todo o corpo, relembrando-a de suas carícias em outras partes do corpo.

No banco de trás do Mercedes de Charles, os dois sentaram-se lado a lado, mas apenas seus joelhos se tocavam. Eles deliciavam-se com a onda de calor que sentiam.

Nicole e Charles conversavam e, de vez em quando, Keely e Dax faziam algum comentário vago, como se quisessem dizer, "Não nos atrapalhem, estamos entretidos pensando em nós".

Charles estacionou bem próximo ao restaurante. Ao entrarem, o maitre cumprimentou a todos pelo nome e acompanhou-os até a mesa reservada em uma das partes mais discretas do local.

Keely se encantava com a ambientação européia do restaurante. Gostava da decoração elegante e de extremo bom gosto, do excelente tratamento, do silêncio do ambiente. Não se escutava nem o barulho de louça e talheres, o que estragaria a atmosfera do restaurante.

Keely tinha apenas olhos para o homem sentado ao seu lado e, sob o pretexto de estarem lendo o cardápio, os dois aproveitavam aqueles minutos para trocarem olhares. Foi uma oportunidade para que os ombros se tocassem, para que o polegar dele lhe acariciasse o indicador. Quando Charles lhes perguntou se já tinham escolhido, nenhum dos dois soube responder. Pouco depois fizeram os pedidos e ficaram contentes por poderem continuar olhando-se.

— Dax e eu passamos a tarde inteira juntos — comentou ele, depois de o garçom ter servido as bebidas.

— E mesmo? — perguntou Nicole. — Você comprou muitas horas na televisão?

Dax colocou os cotovelos na mesa, inclinando-se um pouco para a frente.

— Charles tem um cliente um tanto quanto estúpido. Quanto mais ele tentava me explicar as opções, mais confuso eu ficava. E é tudo tão caro! Isso sem contar os custos de produção.

— É verdade — concordou Charles. — Antes de fazermos um comercial, você precisa ter esse comercial. Se quiser, eu posso lhe indicar algumas excelentes agências.

— Eu estive pensando no assunto e acho que vou contratar uma equipe para cuidar da minha imagem. Eles coordenariam todos os anúncios na mídia. O que você acha? — Era evidente que Dax respeitava a perspicácia profissional de Charles.

— Você se livraria de uma série de responsabilidades tediosas, ganhando tempo para se concentrar em assuntos mais importantes.

O garçom trouxe uma cesta de pãezinhos quentes e cheirosos. A crosta dourada e crocante mantinha o miolo macio. Dax partiu um pedaço, passou um pouco de manteiga e entregou-o a Keely. A ponta dos dedos deles se tocou. O mais simples toque de suas peles os eletrizava. O campo magnético que os rodeava foi interrompido apenas quando o garçom lhes serviu a sopa de cebola.

O restaurante não estava cheio, mas mesmo assim os quatro eram foco de vários olhares curiosos. Eles faziam de tudo para manter a naturalidade, mostrando que não passavam de amigos jantando juntos. Durante toda a refeição, a conversa foi divertida, pontilhada pelos comentários apimentados de Nicole.

— Alguém aceita sobremesa? — perguntou Charles, agindo como anfitrião.

— Estou satisfeita — respondeu Nicole.

— Eu gostaria de uma xícara de café —disse Keely.

— Eu também — disse Dax.

Quando os cafés chegaram, Dax adicionou creme ao de Keely e mexeu-o. A intimidade natural do gesto foi notada pelo outro casal, mas não o olhar caloroso.

— Vamos dar uma volta e depois comer um doce em algum lugar — sugeriu Nicole, enquanto eles vestiam seus sobretudos no hall de entrada do restaurante. — E sabe o que estou com vontade de comer? Beignets no Café du Monde.

— Você quer ir até o Café du Monde? — perguntou Charles.

— Claro. Você não está com vontade de ir até lá?

— Sim. E fácil chegar lá, mas haverá muito trânsito para voltar. Além disso, você não tem tempo. Precisa voltar ao trabalho, ou já se esqueceu?

— Hoje o jornal começará um pouco mais tarde. Charles olhou para Dax e Keely, que estavam parados lado a lado, sem se importar com os planos, desde que pudessem ficar mais tempo juntos.

— Dax? Keely? O que vocês acham?

— Eu não tenho nenhum compromisso — disse ele.

— Nem eu.

Estava combinado. Todos estavam felizes da vida. Poderiam passar a noite juntos e, desde que usassem o trabalho como justificativa, eles poderiam ser vistos publicamente.

— Vamos pela Bourbon Street — disse Nicole, e Charles resmungou. — Deixe de ser preguiçoso!

— Ora, Nicole... Aquela rua é barulhenta, suja, lotada, imoral e decadente.

— Eu sei. Eu adoro a decadência — ela falou, com os olhos azuis brilhando. Nicole deu o braço para Charles e puxou-o para a direção da Bourbon Street.

Eles se misturaram com a multidão na rua, que nem se comparava com a quantidade de gente que ali se aglomerava em feriados. Os sons e aromas da Bourbon Street, em Nova Orleans, eram únicos. O condimentado aroma dos pratos à base de frutos do mar se misturava à umidade do local. Escutava-se jazz por todos os lados. Homens e mulheres parados às portas dos bares abriam-nas para convidar as pessoas a entrar. Na frente de um deles havia um sinal luminoso: Shows de Sexo Explícito Famosos no Mundo Todo.

— Gostaria de saber o que os torna mundialmente famosos.

— Bem, se você está perguntando é porque nunca viu uma apresentação deles — provocou Nicole.

Charles suspirou, dando sinais de cansaço, e puxou-a como se ela fosse uma criança teimosa.

Eles continuaram pela lotada rua até chegarem a uma parte mais sossegada da região. Seguiram pela rua St. Peter, que os levaria até a Jackson Square e ao café.

A rua estava deserta e escura. Caminhando lado a lado, Charles e Nicole iam à frente, passando diante de lojas fechadas, galerias de arte e portões de grade que protegiam alamedas que davam em vilas residenciais.

Dax tirou o braço da cintura de Keely e colocou-o nos ombros.

— Como você andou esse tempo todo.

— Bem. E você?

— Bem.

— Você me parece cansado. Está trabalhando muito?

— Sim. Passei as últimas três semanas em Washington. O calendário congressional está cheio. Estamos tentando organizar todos os negócios antes do final da temporada.

— E mesmo?

— Semana passada fui jantar com o presidente e a primeira-dama na Casa Branca.

— É mesmo?

— Sim — respondeu ele, sorrindo. — A negócios, é claro, mas adorei o convite.

Durante alguns minutos, os dois caminharam em silêncio.

— Eu li o que você disse nos jornais — falou ele.

— Eu também li o que você falou.

— Não acredite em tudo que lê.

— Não? — perguntou Keely, virando-se.

— Não.

— Como o quê, por exemplo?

— Como, por exemplo, o fato de eu achá-la uma mulher extremamente corajosa que está lutando por uma grande causa e que não tenho nenhuma inclinação romântica por você.

— Eu não devo acreditar nisso?

— Na primeira parte sim, na segunda, não. Se você soubesse o tamanho da minha inclinação romântica por você, não estaria andando ao meu lado em uma rua tão escura. Você saberia por que não consegui comer nem dormir direito nesse último mês. Você saberia por que nascem pelo menos dez fios de cabelos brancos novos todos os dias. Espero que seja verdade o que dizem por aí, que cabelos grisalhos inspiram confiança.

Pouco depois, eles chegaram à Jackson Square. Os portões em volta do parque ficavam fechados durante a noite, mas eles caminharam em frente à ponte Pontalba, observando as vitrines das lojas.

— Você passou maus bocados com os repórteres?

— Não foram tantos assim — respondeu ela. — Apenas alguns dias.

— Sinto muito, Keely. Estou acostumado a lidar com a mídia, mas sei que você não está. Gostaria de ter lhe poupado esses momentos.

— Eu sobrevivi. Van Dorf, como sempre...

— Van Dorf! Ele foi procurá-la?

— Sim. Eu o encontrei parado ao lado do meu carro um dia quando desci do helicóptero.

— Aquele imbecil! — esbravejou Dax. — Qualquer dia desses... Ele não a machucou, não é?

— Não — respondeu Keely, divertindo-se com a preocupação. — Ele só fez algumas insinuações desagradáveis.

— Como por exemplo?

Keely baixou os olhos, sem coragem de encará-lo.

— Ele... Ele me fez algumas perguntas sobre você.

— O que ele perguntou? — insistiu Dax. Vermelha, Keely tentou manter o olhar longe do rosto de Dax, mas ele não permitiu. Segurou-lhe o queixo e obrigou-a a olhá-lo.

— O que ele perguntou?

—- Ele me perguntou se você era bom de cama — disse Keely, passando a língua nos lábios.

— O quê?! — Ele a segurou pelos ombros. — Ele teve a coragem de lhe fazer essa pergunta? Se aquele canalha ousar escrever uma só linha a seu respeito...

— Van Dorf não é tão estúpido assim. Ele pode ser grosso e intrometido, mas não é estúpido. Ele sabe que não tem nada para escrever.

— O que você respondeu?

— A verdade. Eu não sei.

Dax tentou conter o sorriso que de repente o ameaçou, mas finalmente cedeu.

— Adivinhe.

— Como assim? — perguntou ela, afastando-se.

— Adivinhe como eu sou na cama.

— Não!

— Ora, Keely. E só uma brincadeira. Vou lhe dar uma dica.

— Eu não quero nenhuma dica. Ignorando-a, Dax inclinou-se e encostou os lábios na orelha dela.

— Ainda não sou famoso, mas estou treinando para ser.

Em seguida, ele levantou o rosto para lhe estudar a reação, enquanto Keely tentava entender as palavras. Depois, lembrando-se da conversa de Nicole e Charles na frente do bar onde passava o show de sexo explícito, ela caiu na risada. Os dois ficaram rindo por alguns instantes, e Dax puxou-a para perto, encostando-lhe a cabeça no peito. Seus dedos acariciavam-lhe os cabelos e a nuca. Lentamente, a risada dos dois foi sumindo e ela levantou a cabeça.

— Você não imagina como estou com vontade de beijá-la. Mas acho que seria demais fazer isso em público, não?

Keely assentiu. Relutante, Dax soltou-a, e eles aceleraram o passo para se juntar ao outro casal que esperava o semáforo mudar de cor. Eles atravessaram a rua e seguiram para o Café du Monde. Com mais de cem anos de idade, o café ainda era um dos pontos mais conhecidos da cidade. Servindo apenas beignets, ou os famosos bolinhos de chuva, feitos com massa frita e cobertos com açúcar, e café, o lugar sempre tinha clientes em suas vinte e quatro horas de funcionamento.

A noite estava fria e úmida, mas eles escolheram uma mesa na varanda coberta, pois queriam ficar perto do rio. As cadeiras eram cromadas e de um verde vivo, de vinil. As mesas eram de fórmica cinza, porém a grande atração do Café du Monde eram seus renomados beignets. Além disso, todos adoravam ficar observando o movimento dos pedestres, motoqueiros, ciclistas e automóveis, em seu movimento incessante pela Jackson Square.

Eles pediram duas porções de beignets, três cafés pretos e um café com leite para Keely. Minutos depois, os beignets foram servidos com as xícaras de café fumegante.

Os quatro literalmente atacaram os bolinhos. Cada mordida esparramava um pouco de açúcar na mesa, e eles se divertiam à beca enquanto comiam. Pareciam ter voltado à infância. Rostos, mãos e roupas também tinham resquícios de açúcar, mas ninguém se importava.

— Vamos dar um passeio à beira do rio — sugeriu Nicole, lançando um olhar sedutor para Charles enquanto lambia seus dedos cheios de açúcar.

— Você precisa voltar para o trabalho.

— Ainda tenho tempo. — Sem esperar que ele consentisse, Nicole se levantou e saiu do café, seguindo na direção do túnel pelo calçadão de madeira, carinhosamente chamado Moonwalk. Postes de luz com pouca iluminação haviam sido estrategicamente dispostos pelo caminho, fornecendo luz suficiente para que eles não caíssem no rio Mississipi, mas não demais para destruir a atmosfera romântica.

Os outros seguiram atrás de Nicole, e assim que eles saíram do túnel, ela já tinha selecionado um barco para o curto passeio. Por acordo mútuo, Dax e Keely continuaram caminhando pelo calçadão enquanto aguardavam os amigos. Eles se envolveram com as sombras e a neblina que caía. A iluminação nas duas margens do rio formava reflexos na superfície da água. O que durante o dia não era tão bonito, à noite se transformava em algo mágico.

Dax envolveu-lhe os ombros com seu braço forte, dando-lhe uma sensação de proteção. Ela apoiou a cabeça contra o bíceps musculoso, e fechou os olhos. Podia sentir a respiração dele se aproximando. Delicadamente, Dax assoprou-lhe os cílios e roçou-lhe os lábios.

Agora, depois de tanto tempo sem se encontrarem, os dois se rendiam àquela tortura, realçada pela antecipação, perpetuada pela excitação. Não se podia dizer que era um beijo de verdade, mas sim carícias de bocas ansiando se tocarem com mais volúpia.

Colocando a mão na cabeça dele, sentindo os cabelos macios que tanto quisera tocar, Keely começou a afagá-los. Dax a provocava com sua língua, percorrendo-a pelos lábios sensuais, até que a possuiu com mais intensidade. Ela se entregou ao beijo. Momentos depois, perdidos em um mundo único, os dois se afastaram.

Eles ficaram olhando-se sem parar, agradecendo em silêncio pelos minutos de privacidade que lhes havia sido concedido e tomando liberdades de outra forma proibidas. Cabelos, olhos, narizes, ouvidos e bocas foram observados até que ambos não mais resistiram e se renderam novamente ao desejo, à paixão.

Os lábios se uniram, apagando as dúvidas que lhes ofuscavam a mente. Será que Dax realmente falava sério quando mencionara a admiração e o respeito que sentia por ela? Será que realmente tinha deixado um bando de mulheres desiludidas e com o coração partido? Será que ele amava Madeline? Será que ele sentira a falta dela?

— Meu Deus, Keely — disse ele, terminando o beijo e abraçando-a. — Essas últimas semanas foram terríveis. Eu só conseguia pensar em você.

— Eu fiquei péssima, confusa. Achei que você realmente estivesse sentindo o que disse aos repórteres.

— De jeito nenhum, minha querida. Foram apenas palavras, algo que precisava ser dito.

— Eu também pensei assim, mas você não estava aqui... — Eles se beijaram de novo.

— Eu queria lhe telefonar, mas não tive coragem. Achei que seria melhor se não nos falássemos. Eu só queria sentir suas mãos em mim, em meu corpo. Sim... Ah, que delícia, Keely.

— Dax, o que nós fizemos para causar todo esse tumulto? — perguntou ela.

— Eu adoro estar com você... Muitas pessoas nos viram dançando. Eu nem notei a audiência, só tinha olhos para você, minha querida... Sim, assim mesmo — disse ele, apertando-lhe a mão contra seu peito. — Eu a quero tanto, Keely. Quero fazer amor com você, passar a noite amando-a e depois dormir em seus braços.

 

Os dedos dele acariciavam-lhe os cabelos, e Keely tinha a cabeça encostada em seu peito. Ela não sabia o que dizer. Não havia palavras de conforto para compartilharem, pois estava tão desolada quanto Dax. Será que ele sabia que ela também o desejava com tamanha intensidade?

Keely notou a aproximação do outro casal e enrubesceu. Charles poupou-os de qualquer comentário.

— Sinto muito, mas Nicole precisa voltar para o estúdio e gravar o noticiário da noite. Claro, se vocês quiserem ficar...

— Não — respondeu Dax na mesma hora. — Nós também vamos. — Ele deu a mão para Keely, que abo toou depressa o sobretudo.

Os quatro seguiram em silêncio até a parte da frente da Jackson Square.

— Como o carro de vocês está no estacionamento da KDDÍ, acho melhor acompanharmos Nicole até o trabalho, depois eu pego um táxi de volta para buscar o meu carro — explicou Charles.

— É uma ótima idéia — disse Dax, abraçando a cintura de Keely. — Ao inferno com a minha imagem. Ela parece piorar cada vez que tento melhorá-la. — Ele seguia com passos lentos, de modo que pudesse ter um pouco mais de privacidade com Keely.

— O que Madeline achou de toda a publicidade em torno dos nossos nomes? — perguntou Keely.

— Não sei, não perguntei.

— Você não se importa com a opinião dela?

— Não da maneira que você acha. Ela tem muito dinheiro, é bonita, divertida, e nada mais. Madeline tem algumas características que não me atraem. E possessiva, ciumenta, pegajosa e ambiciosa demais.

— Você e ela... — Keely não conseguiu terminar a pergunta e baixou o queixo, quase o encostando no peito.

— Acho que não seria justo com Madeline, nem com qualquer outra mulher, se eu lhe respondesse uma pergunta dessas — falou Dax, quase um quarteirão depois.

— Sinto muito, Dax. Eu não tinha o menor direito de lhe fazer esse tipo de pergunta. — Keely mordeu o lábios irritada por ter tocado em um assunto tão delicado e íntimo.

— Claro que tinha o direito, portanto, nada de desculpas. Fico contente por você ter perguntado. E bom saber que se importa com esse tipo de coisa. Hoje em dia, é difícil encontrar alguém assim. — Ao chegarem ao edifício da KDIX, ele parou diante do prédio. — Keely, juro que desde que nos conhecemos eu nunca mais estive com outra mulher.

Sentindo uma alegria incontrolável, Keely abraçou-o e fechou os olhos para se deliciar com aquele momento maravilhoso. A idéia de ele estar se relacionando com qualquer outra mulher a desconcertava. Agora tinha o coração inchado dentro do peito, mesmo que injustamente, ao saber que nenhuma mulher tocava aquele corpo perfeito, nem compartilhava da agradável companhia daquele homem encantador.

— Não precisa me dizer isso.

— Mas você está feliz da vida por saber, não está? Era tão transparente assim? Será que Dax já a conhecia a ponto de notar tal característica?

— Sim — respondeu ela com honestidade.

—Não seria justo levar outra mulher para a cama, Keely, quando gostaria que você estivesse deitada do meu lado — disse ele, afagando-lhe os cabelos.

— Dax...

— Eu vim ver se está tudo bem com vocês, não quero me intrometer — provocou Nicole. — Charles foi muito gentil em se oferecer para me levar para casa, então ele ficará aqui até o final do noticiário. Vocês também podem ficar, se quiserem.

— Eu preciso ir para casa — falou Keely. — Já se esqueceu que acordo às cinco?

— E eu acompanharei Keely até o carro — disse Dax. Ele apertou a mão de Charles. — Muito obrigado pela agradável companhia durante a tarde e pelo excelente jantar. Assim que conseguir alguém para cuidar da minha campanha, volto a lhe telefonar.

— A KDDC apreciará nossos negócios. Boa sorte, Dax.

— Obrigado. Boa noite, Nicole.

— Boa noite para vocês — disse Nicole, já entrando pela porta de empregados que levava direto para o estúdio. Charles vinha atrás como se ela fosse uma rainha, e ele um súdito.

— Eles estão apaixonados, não estão? — perguntou Dax assim que os dois se afastaram.

— Sim. Charles tem certeza de seus sentimentos, mas Nicole ainda não.

— Que dupla! Quem diria que eles poderiam se apaixonar!

— Nós não nos apaixonamos por quem queremos — disse ela, sorrindo, mas com a expressão triste.

Dax entendeu muito bem.

— É verdade. Algumas coisas simplesmente acontecem.

Eles desceram a rampa que seguia para o estacionamento. Além do carro de Keely, o único outro carro no estacionamento era um Lincoln marrom.

— É seu?

— Sim.

Terminado o assunto, Dax colocou as mãos nos bolsos dela e empurrou-a de leve para que se apoiasse no carro. Instantes depois, seus lábios se tocaram.

Keely perdeu completamente a noção do tempo diante das exigências da boca de Dax. A névoa os envolvia como um véu etéreo. A maneira sensual como a boca dele a possuía era sua única referência.

Quando, por fim, ele terminou o beijo, foi o suficiente apenas para que seus lábios se tocassem.

— Keely, quer passar o final de semana na minha casa? — Ele fez uma pausa para esperar pela resposta, mas o choque foi tanto que ela não conseguiu dizer nada. Dax se aproveitou daquele momento de fraqueza e continuou a falar.

-----Não quero que meu convite seja mal-interpretado. Eu ficaria muito contente se você conhecesse meus pais.

Foi um convite tão querido, tão irrecusável e desesperado que ela sentiu o coração se partir dentro de seu peito por ter de recusá-lo. Por mais que suas intenções fossem honráveis, Dax sabia tão bem quanto ela o que poderia acontecer se os dois passassem a noite na mesma casa.

— Você acha que é uma boa idéia? — perguntou ela, esquivando-se da recusa direta.

— É uma grande loucura — disse Dax, acariciando-lhe as delicadas linhas da face. — Acho que bater à sua porta no Hilton foi a coisa mais estúpida que já fiz. Convidá-la para passar o final de semana na minha casa é ainda pior. Mas mesmo assim eu a estou convidando.

— Seria um grande prazer conhecer seus pais, mas o que lhes diria a meu respeito. — De repente, Keely parou para pensar quantas mulheres ele já teria levado para os pais conhecerem.

— Vou lhes dizer que você é uma amiga muito querida e especial. Meu pai jogará todo seu charme sulista em você e a minha mãe lhe passará todas suas receitas.

Keely riu e se pôs a brincar com o botão do paletó de Dax.

— Alguém mora com você? Uma governanta ou alguma outra pessoa?

— Ela vai para casa depois do jantar.

— Ah.

Dax continuou segurando-a.

— Keely, eu não espero que mude de idéia durante a breve viagem até a minha casa, nem acredite que vou forçá-la a fazer qualquer coisa. Se se sentir melhor, eu lhe dou um martelo e pregos para você se trancar dentro do seu quarto assim que cair a noite. — Ele sorriu, mas Keely soube que suas palavras eram sérias e sinceras. — Só quero que tenhamos alguns momentos sozinhos. Para conversar e caminhar. Podemos cuidar do jardim, andar a cavalo, ir pescar, namorar, passear de barco, mudar os móveis de lugar...

— Espere! Recapitule.

— Bem, a biblioteca está um pouco desorganizada, a começar pela disposição dos móveis. Acho que...

— Não, antes disso.

— Eu tenho um pequeno lago na propriedade e...

— Antes.

— Vejamos. — Dax apertou os olhos, fingindo se concentrar. — Ah, você está se referindo à parte do namoro. — Os lábios dele se curvaram em um sorriso malicioso que Keely tanto adorava. — Eu só toquei no assunto para ver se você estava prestando atenção. Mas é uma boa idéia, não é?

Keely riu e sentiu-se confortada pelo carinhoso abraço de Dax.

— Você vai?

— Eu não posso — ela respondeu. — Você sabe disso. Eu adoraria poder ir, mas é impossível.

— Eu lhe prometo que serei um grande cavalheiro.

— Eu não me sentirei à vontade, Dax. Ficarei tensa e sei que não nos divertiremos.

— Como sabe se nunca ficamos sozinhos juntos por tanto tempo?

— É uma possibilidade que existe.

— Por favor, Keely — insistiu ele, mas deparou-se com uma negativa. — Pelo menos diga-me que vai pensar. Vou esperar sua resposta até o final da semana. Prometa-me que vai pensar com carinho.

— Está bem — disse ela, olhando para ele. — Prometo que vou pensar no assunto.

Keely passou o dia inteiro pensando no assunto. O dia inteiro. A noite inteira. A semana inteira.

Na quarta-feira, seu humor estava péssimo. Parecia que os motoristas tinham escolhido exatamente aquele dia para cometer todas as imprudências no trânsito. Ela e Joe estavam quase enlouquecendo para conseguir manter os ouvintes bem informados.

— Keely, o que está acontecendo hoje? — perguntou o DJ da tarde depois de ter colocado uma música de Willie Nelson.

— Estou fazendo o melhor que posso, Clark — respondeu ela no microfone. — Tivemos cinco acidentes registrados nos últimos vinte minutos.

— Bem, parece-me que vocês estão sobrevoando a cidade inteira.

— E estamos! Estou ficando enjoada de voar de um lado para o outro. Não tenho como impedir que os acidentes aconteçam.

— Está certo. Sinto muito. Só lhe peço para ser mais concisa.

Keely tirou o microfone do ouvido, e Joe caiu na risada quando a escutou xingar o DJ.

— Que imbecil!

Faltando um minuto para as cinco horas de quinta-feira, seu telefone tocou.

— Alô.

— E então?

— Eu ainda não decidi. Ele desligou.

Às sete e meia da noite do mesmo dia o telefone tocou de novo. Keely estava pensando em sua resposta enquanto comia uma omelete.

— Alô?

— Decidiu?

— Espere até a meia-noite.

Durante toda a noite, Keely ficou ponderando os prós e os contras de seu grande dilema. Dax lhe prometera que não faria nada contra sua vontade, e ela confiava nele. Dax jamais teria coragem de forçá-la a ir à sua cama, mas era em si mesma que Keely não confiava.

Durante as últimas semanas, ela remexera nas fotografias de Mark, escrevera cartas para sua sogra, olhara seus diários escolares, tentando se convencer de que ainda o amava. Mas não conseguia formar outra imagem em sua cabeça além da imagem que via nas fotografias. Ele não era de carne e osso, não era real.

Por quanto tempo se prenderia àquelas lembranças. A possibilidade de Mark estar morto havia muitos anos era grande. Será que valia a pena perder sua vida, sua juventude, seu amor em uma teimosia que ela se convencera ser apenas uma questão de honra e não de amor?

Keely já tinha admitido para si mesma que amava Dax. Não se tratava de paixão de adolescente, mas sim do amor de um homem por uma mulher. Não carregava ilusões idealistas, mas sim toda a dor e sofrimento que caminhavam lado a lado com o verdadeiro amor. Ela e Dax não eram crianças, inocentes, incapazes de enfrentar as injustiças que os acometiam. Se tivessem sorte, eles conseguiriam superá-las.

Pronto. A decisão estava tomada. Keely passaria o final de semana com Dax. Não seria agressiva, nem resistente, e responderia com amor a quaisquer circunstâncias com as quais se deparassem. Ambos saberiam quando chegasse o momento.

Com isso em mente, ela caminhou até o guarda-roupas e começou a escolher as roupas que levaria. Cavalgar, pescar, caminhar, tudo que Dax lhe dissera voltava-lhe à mente enquanto jogava as roupas em cima da cama. Dois dias? Em meia hora, Keely selecionara roupas para passar pelo menos duas semanas fora.

O telefone tocou quando faltavam dez minutos para a meia-noite. Keely arrancou o telefone do gancho, pois não via a hora de lhe contar a novidade.

— Sim, sim, eu vou — disse ela, quase gritando.

— Sinto muito — falou a voz do outro lado do telefone. — É Keely Williams?

A voz lhe soava familiar.

— Sim, sou eu.

— Keely, é Betty.

— Betty! — exclamou ela, envergonhada por ter atendido o telefone como uma adolescente. Como se explicaria para a mulher? Mas por que tinha de se explicar se não devia satisfação alguma a Betty Allway.

— Keely, tenho algumas novidades — disse Betty, com certa tensão na voz.

Aos poucos, a alegria que a envolvia foi sumindo, como uma bexiga se esvaziando. Ela sentou-se na cama e olhou para a fotografia de Mark na estante.

— Sim?

— Vinte e seis homens foram capturados em uma floresta no Camboja. Eles estão em um acampamento da Cruz Vermelha. A Cruz Vermelha notificou nosso exército, que recebeu permissão de ir buscá-los. Eles foram levados para a Alemanha, onde receberam os primeiros cuidados, e amanhã partem para Paris. Nós fomos convidadas para ir até lá.

O silêncio foi longo e palpável. Betty não interferiu nos pensamentos da amiga, deixando-a digerir as novidades e tudo que isso significava.

— Mark... Mark está... — perguntou Keely com a voz trêmula.

— Os nomes ainda não foram divulgados. Na verdade, nem sei se todos já foram identificados. Como você deve imaginar, alguns deles estão delirando devido à desnutrição ou outras doenças. Só sei que são vinte e seis homens.

— Quando recebeu a notícia?

— Cerca de uma hora atrás. O general Vanderslice me telefonou do Pentágono. Eles estão organizando uma delegação dos Estados Unidos para seguir para Paris. O Departamento do Estado, o Congresso, o exército, nós duas, representando a PROOF, e alguns repórteres seguirão em um avião reservado pelo governo. Até descobrirem como esses homens estão, mental e fisicamente, eles ficarão isolados.

— Ah. — Keely olhou para sua mão e surpreendeu-se ao ver que tremia violentamente. O suor começava a lhe esquentar o corpo.

— Você pode ir, Keely? Não sei quanto tempo ficaremos em Paris, mas acredito que pelo menos uns quatro dias.

— Claro que vou. — Keely sabia que estava prestes a chorar. — Betty, você acha que...

— Não sei — respondeu Betty, já sabendo a pergunta. — Eu já me perguntei mais de mil vezes se Bill estará entre eles, mas não há como saber. Eu nem toquei no assunto com meus filhos para não deixá-los esperançosos. Catorze anos é demais para esperar por esse dia e, agora que o dia chegou, estou com medo de saber. Mas preciso me convencer de que ficarei contente por qualquer homem que esteja naquela lista.

— Sim, e eu também — disse Keely, passando a mão pelos cabelos. Todos os músculos de seu corpo tinham se contraído quando Betty lhe contara a novidade, e agora ela sentia dificuldade em relaxar. — Quando partiremos?

— O avião sai da Base Aérea Andrews às dezoito horas de amanhã.

— Amanhã? — Tão depressa? Não teria nem tempo de se preparar mentalmente.

— Sim. Nós vamos nos encontrar na Base Nacional e depois seguiremos para Andrews. Prepare-se para a confusão.

— Bom, até amanhã então. Vou telefonar agora mesmo para a companhia aérea para agendar um vôo até Washington.

— São apenas vinte e seis homens, Keely. Vinte e seis dentre mais de dois mil homens.

As duas estavam pensando em quais seriam as chances de seus maridos estarem vivos.

— Eu sei, Betty. Vou tentar me lembrar disso.

— Até amanhã, querida — disse Betty, antes de desligar. .

Por que elas não estavam dando pulos de alegria? Porque tinham medo, ainda era cedo demais para se alegrar. Keely olhou para as roupas jogadas em cima da sua cama e, quando se lembrou por que estavam ali, ela cruzou os braços sobre o estômago, apertando-o e movimentando-se para a frente e para trás.

Quando o telefone tocou novamente alguns minutos depois, exatamente à meia-noite, Keely não atendeu.

 

Seus músculos latejavam, tamanho seu cansaço. Keely subia e descia os ombros, tentando relaxar. Então fechou os olhos e virou o pescoço para um lado, depois para o outro.

O salão, quente e abafado, estava lotado de gente. Uma nuvem de fumaça de cigarro pairava sob o teto, obscurecendo os lustres de cristal. Aquele dia, o salão de recepções da Embaixada Americana em Paris não se assemelhava em nada a um lugar formal. Homens sem terno, com a barba por fazer e abatidos se reuniam em pequenos grupos para conversar em sussurros.

Repórteres verificavam seus gravadores. Fotógrafos preparavam suas câmaras. As equipes de televisão monitoravam suas baterias com atenção, certificando-se de que teriam energia necessária.

Apenas os militares vestidos com seus sóbrios uniformes mantinham a pose. Eles entravam e saíam sem parar, cumprindo os deveres militares. Keely não achava que o trabalho deles realmente fosse necessário naquele momento, mas pelo menos contribuía para dar a impressão de que tudo não estava tão estagnado quanto parecia.

Ela e Betty, sentadas em um pequeno sofá, aguardavam notícias, qualquer tipo de informação, sobre os homens que tinham sido resgatados. Mas os rumores iam e vinham. E Keely duvidava da veracidade de qualquer coisa que escutava.

Fazia quinze horas, desde que o desfile de automóveis atravessara as ruas de Paris, do aeroporto Charles de Gaulle até a embaixada, que todos estavam sentados naquele salão.

Tudo que poderia ser dito, tanto em particular quanto em público, tinha sido dito. Agora eles tinham de esperar. Ler estava fora de cogitação, pois as palavras não teriam significado algum para ninguém. A visão da Avenue Gabriel, através das grandes janelas, tinha perdido o fascínio. Pensar também era impossível. Então eles ficavam em silêncio, olhando para o nada, rezando inconscientemente. Esperando.

O vôo para Paris fora desgastante. Keely foi entrevistada por vários repórteres, todos querendo conversar com ela. O deputado Parker, que fora convidado para acompanhar a delegação por ter sido presidente na audição em Washington, finalmente fora salvá-la, pedindo que os repórteres lhe dessem um minuto de sossego. Em um gesto paternal, ele deu-lhe um tapinha no ombro e convenceu-a a tentar dormir um pouco.

Mas não havia como dormir diante da presença de outros dois passageiros no avião. Um deles era o deputado Devereaux. O outro era Al Van Dorf.

Keely estava respondendo a um repórter da televisão quando viu Dax entrar no avião. Ela gaguejou para responder, e nem escutou a pergunta seguinte.

Os olhos de Dax encontraram os dela apenas por um instante, mas trocaram uma grande quantidade de informação. Diziam-lhe que ele estava tão desnorteado com a situação quanto ela. Diziam que ele estava dividido entre a esperança de Mark estar entre aqueles homens que tinham sobrevivido no Camboja e entre o que a possível volta daquele homem significaria para os dois. Seus olhos desejavam-lhe alegria, mas Dax gostaria de poder estar compartilhando dessa alegria ao lado de Keely. Eles lhe diziam que não queria estar ali, mas precisava estar ali. Não suportaria ficar esperando pela notícia nos Estados Unidos, queria saber o mais depressa possível se Mark Williams estava naquela lista. Mas a mensagem mais forte que aqueles olhos expressivos lhe enviavam era sua vontade de abraçá-la.

Toda a culpa foi encoberta por um poderoso olhar. Keely não se atreveu a olhar na direção do deputado durante todo o vôo, nem depois de terem chegado ao salão da embaixada, quando foram informados de que dentro de poucos momentos um orador do exército chegaria.

Mesmo estando com muita vontade de olhar e conversar com Dax, os olhos maldosos de Al Van Dorf a impediram. Não queria ser o centro das atenções por estar falando com o belo deputado. Ele a olhava como um cientista que observa uma célula sob a lente de um microscópio. Keely sabia que todos seus movimentos estavam sendo registrados por aquele sujeito. E apesar de todo esse minucioso exame, ele só se aproximara uma vez.

Seus passos rápidos o levaram até o sofá onde ela e Betty estavam. Van Dorf ficou parado na frente de Keely, forçando-a a olhar para ele.

— A senhora está otimista com a possibilidade de seu marido estar entre esses vinte e seis homens? — perguntou ele sem rodeios, dirigindo-se, obviamente, a Keely.

— Estou tentando não ser muito otimista.

— Mas você espera que ele esteja vivo? Keely fuzilou-o com seus olhos verdes.

— Ou o senhor é muito estúpido ou a pergunta não é digna de um repórter como o senhor. De qualquer forma, eu me recuso a responder. — Ela sentiu os olhos surpresos de Betty em sua direção, mas continuou fitando Van Dorf. Por fim, ele baixou os olhos e fez uma anotação em seu bloco, obviamente com a intenção de assustá-la.

— Sr. Van Dorf — interveio Betty —, tanto a Sra. Williams quanto eu estamos muito entre tidas com nossos próprios pensamentos para respondermos às suas perguntas agora. Se nos der licença...

— Só tenho mais uma pergunta para a Sra. Williams — insistiu ele, inclinando o corpo. — A senhora sabia que o deputado Devereaux viria?

— Não. Só soube quando o vi entrando no avião. — A resposta foi honesta.

— E por que acha que ele está aqui? — perguntou ele, sempre com seu costumeiro sorriso maldoso.

Keely sabia que a pergunta tinha a intenção de descompassá-la.

— Pergunte ao deputado Parker, Sr. Van Dorf. Foi ele quem me disse que havia convidado o deputado Devereaux.

— Parece-me estranho ele ter escolhido Devereaux com tantos deputados em Washington — comentou Van Dorf, como se estivesse pensando em voz alta.

— Não é nem um pouco estranho — disse Betty. Estava ao lado da amiga, mesmo não entendendo muito bem o motivo daquele ataque. — Como o senhor sabe, o deputado Devereaux participou do subcomitê, e apoiou a nossa causa. Ele é um veterano da Guerra do Vietnã. Portanto, não consigo imaginar de onde vem todo esse seu espanto por ele estar aqui. Agora por favor, deixe-nos em paz.

Por fim Van Dorf deixou-as sozinhas, mas não antes de lançar um olhar cortante para Keely.

— Obrigada — disse ela, quando o repórter já estava longe.

— O que acontece entre vocês dois? Por que ele continua lhe fazendo perguntas sobre o deputado Devereaux.

— Não sei.

— Tem certeza?

Ela olhou depressa para Betty, mas depois seus olhos se baixaram, cheios de culpa. Por sorte, bem naquela hora, um dos soldados apareceu bem na frente de Betty.

— Sra. Allway?

— Pois não?

— O general Vanderslice quer vê-la em particular. Betty franziu as sobrancelhas e olhou para a amiga, que encolheu os ombros, também surpresa. Ela se levantou em seguida e seguiu o soldado uniformizado pelo salão.

Mais uma hora se passou, e Keely ficou sentada sozinha. De vez em quando olhava rapidamente para Dax, mas seus olhos nunca se demoravam. Ele passou a mão na nuca, tentando aliviar a tensão. Depois tirou o sobretudo e colocou-o em uma cadeira. Desabotoou o paletó. Keely prestava atenção em todos os gestos. Ele a olhou. Teve um acesso de tosse e caminhou até a mesa onde havia água e refrigerantes. Colocou um pouco de refrigerante em um copo, deu alguns goles e depois abandonou o copo na mesa. Mais uma vez, Dax olhou para Keely, depois foi conversar com o deputado Parker. Juntos, eles olharam para a porta pela qual Betty passara com o soldado, depois continuaram conversando. Ele olhou para Keely.

A porta atrás da plataforma se abriu, e dois soldados apareceram. O general Vanderslice veio logo atrás. Nenhum fio dos seus cabelos grisalhos estava fora do lugar, seu uniforme era impecável. Ele percorreu o salão com os olhos, analisando a situação enquanto caminhava até o microfone.

Todos pararam de falar, os olhares se voltaram para a presença imponente do general, que colocou algumas folhas de papel no peitoril.

— Senhoras e senhores, antes de mais nada gostaria de lhes agradecer por toda a paciência. Sei que todos estão ansiosos. Conheço as limitações que essa sala oferece. Sei que não dormem desde que chegaram a Paris. Peço desculpas pelo atraso, que me parece inerente a uma ocasião de tamanha importância. — A fala de Vanderslice era tão precisa quanto sua linguagem corporal.

Ele baixou os olhos para a papelada. Keely olhou para suas mãos apertadas, respirou fundo para tentar acalmar o coração disparado em seu peito. Suas glândulas se recusavam a produzir saliva, e sua língua, quando ela tentou engolir, ficou grudada no céu da boca.

— Quero lhes apresentar um homem. Durante a minha carreira militar, eu já prestei homenagem a homens considerados heróis. Diante de qualquer motivação, esses homens se mostraram extremamente corajosos e possuem um grande valor.

Ele fez uma pausa e respirou fundo. A audiência também respirou fundo.

— William Daniel Allway era major quando foi enviado ao Vietnã, dezesseis anos atrás. Hoje de manhã, ele foi promovido a coronel.

Keely levou os dedos aos lábios para conter o grito de alegria. Bill Allway! O marido de Betty. As lágrimas escorriam sem parar por seu rosto, mas ela nem as notava quando olhou o homem alto e magro, amparado pelo braço da esposa.

O general Vanderslice virou-se para os dois.

— Coronel Allway, Sra. Allway, aproximem-se por favor.

A barulheira que tomou conta do salão foi apenas um pequeno elemento do pandemônio que se instalou. Máquinas fotográficas batiam fotos sem parar. Todos aplaudiam e assobiavam. Muitos, levados pelo entusiasmo do momento, subiram nas cadeiras e começaram a pular. Bill Allway estava sendo acolhido como um verdadeiro herói.

Keely se levantou, aplaudindo sem parar o retorno do marido de sua amiga. De uma coisa estava certa.

Mark Williams não estava entre aqueles homens. Se estivesse, ela teria sido chamada para uma reunião particular, como acontecera com Betty.

Quando a comemoração finalmente começou a se acalmar, Bill Allway aproximou-se do microfone. Estava tão magro que quase definhava. Todos os poucos fios de cabelo que lhe restavam eram brancos. Suas faces estavam pálidas, e havia olheiras profundas ao redor de seus olhos azuis. Mas estava radiante ao lado da esposa.

O general Vanderslice tentou acalmar a euforia da multidão.

— Como a maioria de vocês já sabe, a Sra. Allway encarou a longa ausência do marido com o mesmo espírito indomável que ele demonstrou. Eu sei porque tivemos várias brigas. — Todos riram. — Vocês não imaginam minha alegria quando soube que Bill Allway era um dos homens resgatados e que a Sra. Allway, devido ao envolvimento com a PROOF, estava aqui. O coronel Allway, como líder dos DASA que estão de volta, pediu que tivesse o privilégio de ler o nome desses homens. Por favor, coronel.

Bill e Betty não se largaram por um só minuto, nem quando ele ocupou o lugar de Vanderslice ao microfone. Olhou para a esposa e beijou-lhe os lábios. Mais uma vez a multidão aplaudiu.

Betty estava radiante. O amor estava presente em cada parte de seu corpo, mas principalmente na ternura com a qual ela olhava para o marido.

— E tão bom ver rostos americanos de novo — começou ele com a voz trêmula.

Não importou-se com as lágrimas que lhe escorreram pelo rosto, pois muitos naquele salão choravam copiosamente.

— Sei que todos estão curiosos para saber o que aconteceu, como chegamos até lá, como passamos todos esses anos. Eu lhes prometo que dentro em breve vocês saberão de tudo, nos mínimos detalhes. — Ele sorriu, e sua expressão abatida era de partir o coração. —- Demorarei dias para contar todos os detalhes que, no meu caso, abrangem catorze anos. Como vocês sabem, o exército analisará as informações que lhes passamos antes que se tornem de conhecimento público.

— Assim que identificarmos todos os homens que vieram como. o coronel Allway, nós organizaremos uma conferência para a imprensa — interveio o general Vanderslice. Mas logo deu um passo para trás, deixando que o outro continuasse.

— Os nomes serão lidos em ordem alfabética junto com a cidade do soldado, e a data em que foi dado como desaparecido.

Câmaras de televisão do mundo todo focalizavam Bill e Betty Allway, e a porta pela qual cada soldado passaria.

— Tenente Christopher David Cass, Phoenix, Arizona, 17 de junho de 1969. Tenente George Robert Dickins, Gainesville, Flórida, 23 de abril de 1970.

Cada homem era aplaudido e ovacionado. Keely, como todas as pessoas de dentro daquele salão, explodia de alegria diante de cada soldado resgatado que aparecia. Eles tinham sofrido anos de privação, doenças, fome, tortura e batalha, e agora pareciam temer a luz do dia, as pessoas, as câmaras e a atenção que recebiam. Todos tinham os cabelos cortados e vestiam uniformes novos, mas seus rostos evidenciavam todas as experiências torturantes que tinham passado ao longo de todos aqueles anos.

Quando Bill Allway terminou de ler a lista, havia vinte homens parados na frente do salão.

— Cinco homens não foram apresentados aqui. Dois deles estão seriamente doentes, e preferimos manter os nomes em segredo até que os médicos possam dar um diagnóstico mais acurado.

Ele abraçou a esposa antes de continuar, como se precisasse daquela segurança.

— Não sou um sacerdote, mas se o capelão Weems me permitir, eu gostaria de oferecer uma prece.

Até o mais ardoroso ateu não poderia negar esse pedido. Todos inclinaram a cabeça, a não ser os homens que controlavam suas filmadoras. Um silêncio tomou conta do salão.

— Senhor, é com coração exultante que lhe agradecemos pela vida, por nosso resgate, pela tão sonhada liberdade. Continuaremos orando pelos homens que ainda lutam pela sobrevivência. Eles continuam sem nome e sem identidade, mas o Senhor os conhece. Aqueles de nós que suportaram o inferno sabiam que sua presença poderia ser sentida em todas as partes. Nós que passamos por tantas dificuldades e estamos vivos, rogamos para que possamos viver nossas vidas com honra e à Vossa glória. Amém.

Se antes havia qualquer pessoa contendo a emoção dentro daquele salão, agora não havia mais ninguém. O general Vanderslice aproximou-se do microfone enquanto Bill e Betty desciam da plataforma.

— Eu lhes peço compreensão. Foi sugerido que a conferência da imprensa comece daqui a duas horas neste mesmo salão. Sendo assim, vocês terão tempo para se alimentar, e estes homens poderão organizar suas idéias. Tenho certeza de que todos entendem a confusão e o espanto que eles estão sentindo. A conferência começará -às três horas. Obrigado a todos.

A porta se fechou depois que o último soldado passou. As luzes mais fortes foram apagadas, filmadoras foram guardadas, cigarros foram acesos e sobretudos foram vestidos. O humor alegre e triunfante continuou em todos os rostos à medida que as pessoas se retiravam do salão.

Keely voltou para o sofá e ficou olhando o carpete. Só quando viu um par de sapatos pretos e brilhantes ela se deu conta de onde estava. Aos poucos, levantou o rosto até se deparar com o rosto que tanto amava.

Os olhos escuros lhe pediam perdão, perdão por um sentimento de alívio ao ver que Mark Williams não fazia parte daquela lista de homens resgatados. Os olhos de Keely diziam que ela compreendia aquele alívio, mas seus lábios não conseguiram formar um sorriso.

— Sinto muito. Você acredita em mim? — perguntou ele, baixinho.

— Sim.

Ele enfiou a mão no bolso e olhou por cima da cabeça de Keely, para o quadro de Washington atravessando Delaware.

— O que pretende fazer agora?

Ao abaixar a cabeça, Keely notou uma pequenina mancha de café em sua camisa. Deveria estar horrorosa. Quando fora a última vez que tomara um banho, que dormira, que retocara a maquiagem, que comera? Ela não conseguia se lembrar.

— Não sei. No momento, o que mais quero é tomar um banho e dormir um pouco.

— Foi uma pergunta injusta. Desculpe-me, Keely.

— Não, não foi -— respondeu ela, olhando para cima.

Quase todas as pessoas já tinham saído do salão, mas eles nem se deram conta do fato. A julgar pela expressão de tristeza nos olhos de Keely, Dax soube que ela estava sofrendo. Como gostaria de poder ajudá-la!

Quero abraçá-la, minha querida, oferecer-lhe todo o meu conforto.

— Você vai para o hotel antes da conferência da imprensa?

Dax, eu preciso de você.

— Sim, acho que sim. Você está tão desamparada.

Ele se afastou para que Keely se levantasse e pegasse seus pertences.

— Você pegou tudo?

Eu me sinto desamparada. Preciso da sua força.

— Sim, peguei. As malas já foram levadas para o hotel. Espero que tenham chegado direito.

— Ótimo. Quero abraçá-la.

— Você já sabe em qual hotel vai ficar? Eles tiveram de dividir o grupo pois a maioria dos hotéis está lotada. E a temporada.

Gostaria que você estivesse no meu quarto.

— Vou para o Crillon.

Eu quero ficar com você. Eu sinto muito medo quando você não está perto de mim.

— Eu também.

Que bom, assim posso ficar de olho em você.

— Que bom.

Que bom, não ficaremos longe.

Eles chegaram à frente do edifício onde vários membros da delegação entravam nas limusines. Na verdade, seria bem mais fácil ir andando, pois os hotéis ficavam bem perto dali, mas como a cortesia estava sendo oferecida, ninguém a recusou.

— Há mais um lugar para quem vai para o Crillon — disse um dos funcionários da embaixada. — Sr a. Williams?

Keely se virou para Dax. Não queria deixá-lo.

— E melhor ir para o hotel e aproveitar esse tempo para descansar — disse ele com simpatia, sabendo que teria um ataque se não a tocasse logo.

— Vou esperar. Eu não... Mais uma vez, muito obrigada por sua preocupação, deputado Devereaux. Eu não perderei as esperanças.

Dax soube no mesmo instante pela mudança de tom e de assunto que Van Dorf estava se aproximando. Um rápido olhar para trás serviu para confirmar.

— Estou atrasado. Até logo. — Keely apertou a mão do deputado e entrou na limusine.

Dax ficou parado, olhando na direção que o carro seguia.

— Ela parece aborrecida — comentou Van Dorf, parando ao lado de Dax.

— Você não estaria, Van Dorf? Ela tinha esperança de que o marido estivesse vivo. Além de ele não estar dentre os homens que voltaram, a Sra. Williams não teve notícia alguma.

— Que surpreendente! — comentou Van Dorf com ironia.

— O que o surpreende tanto, Van Dorf?

— Essa preocupação da Sra. Williams com o marido. Dax irritou-se com o comentário.

— Você pode me explicar o motivo. Não estou compreendendo seu raciocínio.

— Ora, deputado. Você é um homem do mundo. Ela é um pedaço de mau caminho. Você realmente acha que uma mulher daquelas pode viver sem um homem por muito tempo? Um mês? Dois? — Ele riu. —- Doze anos então!

O temperamento francês de Dax Devereaux nunca tinha sido tão provocado. Suas mãos se fecharam ao lado do seu corpo, sendo essa a única maneira que ele encontrou para não acertar um soco no rosto de Van Dorf.

— No seu caso, Van Dorf, a ignorância não é uma bênção, mas uma pena. É claro que você não reconhece honra nem decência nas pessoas pois nunca as encontrou em você.

Dax saiu andando, maravilhado com o fato de não ter matado o homem. Van Dorf observou a partida irritada do deputado, sorrindo com ironia.

Keely tomou um banho relaxante antes de se deitar. Acordou uma hora depois com o soar do despertador, sentou-se na cama, sonolenta e atrapalhada. Era bem provável que o pequeno descanso houvesse mais atrapalhado do que ajudado.

Levantando-se da cama, Keely pensou em faltar à conferência da imprensa, mas mudou de idéia imediatamente. Tinha de ir. Seria deselegante se faltasse, e certamente todos comentariam. A começar por Al Van Dorf. Além disso, não tinha falado com Betty e queria muito conhecer Bill.

Keely colocou um vestido tipo camisa com um cinto prateado. O verde realçava o tom de seus olhos, e as mangas longas a manteriam aquecida. Ela penteou os cabelos e nem se importou em secá-los. Sua onda natural era suficiente para o momento, ainda mais com a umidade parisiense.

Chegando à embaixada, ela notou que o salão tinha sido limpo e estava arejado. Uma mesa comprida com uma fileira de microfones fora instalada no lugar do peitoril utilizado pela manhã.

Keely sentou-se na última fileira de cadeiras e graciosamente aceitou as numerosas condolências, garantindo às pessoas que estava muito contente com o retorno daqueles vinte e seis homens.

— Acho que a volta desses homens apenas engrandece os esforços de nosso governo para garantir que os DASA não sejam abandonados. Ainda existe a possibilidade de haver vários outros DASA no Vietnã e no Camboja, lutando pela vida. Espero que esses sobreviventes nos ajudem a encontrar soluções para o problema — explicava Keely.

Ela viu Dax entrar e se acomodar ao lado do deputado Parker perto da janela. Ele movimentou a cabeça indicando que a tinha visto, e Keely sentiu-se fortalecida com esse pequeno gesto.

Conforme o prometido, o general Vanderslice começou a conferência às três horas. Os soldados ocuparam as cadeiras atrás da mesa, deixando o lugar central para Bill Allway. Betty sentou-se em uma cadeira bem atrás do marido.

O questionário teve início e, durante as duas horas seguintes, os homens responderam perguntas feitas em várias línguas. Soube-se que dez deles escaparam juntos de um campo de prisioneiros e, depois, no período de um ano e meio, eles resgataram os outros dezesseis homens. Durante os meses que ficaram juntos, três deles morreram. Os nomes deles foram lidos e relembrados. As histórias que aqueles soldados contavam eram incríveis. Haviam passado por situações absurdas e, quanto mais as pessoas escutavam, mais abaladas ficavam.

Antes de encerrar a conferência, o general Vanderslice anunciou que os homens tinham concordado em conceder uma entrevista na manhã seguinte. Todos se levantaram e aplaudiram os soldados quando eles saíram da sala.

Keely esperou que a multidão se dispersasse antes de sair do lugar. Quando colocava sua capa de chuva, o deputado Parker se aproximou, junto com Dax.

— Sra. Williams, que tal jantar conosco? — ele convidou com educação.

Será que deveria? O deputado não sabia que estaria agindo de acompanhante, mas a presença dele serviria como proteção contra qualquer insinuação ou suspeita.

Keely estava prestes a dar uma resposta afirmativa quando um oficial da marinha os cumprimentou.

— Com licença, Sra. Williams, mas a Sra. Allway quer vê-la. Ela precisa lhe falar sobre os homens que ainda estão no hospital.

Ela sentiu um aperto no coração. Seria mais um tiro no escuro? Ou será que Betty sabia...

— Eu... Estou indo — gaguejou ela. — Sinto muito, mas — desculpou-se ela com os deputados.

— Não precisa se desculpar, Sra. Williams. Talvez haja notícias sobre o seu marido.

Ela evitou os olhos de Dax e acompanhou o oficial da marinha, seguindo pelo corredor até uma pequena sala. A princípio, Keely se impressionou com o silêncio e a calmaria que lhe acariciava os ouvidos. Seu acompanhante a deixou sozinha.

Uma porta se abriu do outro lado do escritório vazio, e Betty e o marido entraram. Por um longo momento, as duas mulheres apenas se olharam, então Keely saiu correndo para abraçar a amiga.

— Estou tão feliz por você, querida Betty. Minha alegria não podia ser maior.

— Keely, Keely — disse ela no ouvido da amiga. — Sinto muito. Eu não deveria estar tão contente.

— Claro que deveria! — exclamou Keely, soltando-se para olhar para o rosto preocupado da mulher mais velha. — Você está exultante. Não há como esconder. — Ela se virou para o homem parado ao lado de Betty. — Olá, Bill. Escutei muito a seu respeito, é um grande prazer conhecê-lo. Bem-vindo.

A princípio, Keely estendeu-lhe a mão, mas, no último momento, sentiu uma grande vontade de abraçá-lo e sentiu os braços magros a envolverem.

— Betty me contou como você lutou pela causa dos DASA. Gostaria que seu marido estivesse conosco.

Keely então se lembrou por que fora chamada. Ela estudou o rosto dos dois, mas não viu nenhum sinal de boas notícias por trás das expressões compassivas.

— Os homens no hospital... — ela deixou a pergunta em aberto.

Betty balançou a cabeça com tristeza e pegou as mãos de Keely.

— Sinto muito, minha querida, mas Mark não está entre os enfermos. Foi por isso que a chamei, para que Bill e eu pudéssemos conversar sozinhos com você. Eu não sabia quais eram suas esperanças, mas queria lhe poupar qualquer falso otimismo.

— Keely.

Ela virou-se para Bill Allway sem realmente enxergá-lo.

— Depois que Betty me falou a respeito de Mark, nós imediatamente perguntamos a todos os resgatados se eles conheciam algum piloto de helicóptero com esse nome. Nós lhes demos a data da queda do helicóptero e alguns detalhes que poderiam ser úteis. Infelizmente, ninguém soube nos informar nada. E claro, ainda restam os soldados que estão hospitalizados.

Confusa, Keely deu as costas para os dois e ficou olhando pela janela a vista de Paris.

— Muito obrigada pela consideração de vocês dois. Levando em conta que faz quase quinze anos que não se vêem, eu me sinto honrada por terem passado algumas horas pensando em mim e em Mark. Obrigada. De verdade.

— Keely...

Incapaz de suportar mais qualquer tipo de compaixão, ela se virou e interrompeu Betty antes que ela pudesse continuar.

— Eu estou bem, não se preocupem. Vocês dois precisam ficar sozinhos. Podem ir. Eu ficarei bem. Na verdade, o deputado Parker me convidou para jantar. — Ela tentou sorrir, mostrando uma suposta alegria.

— Se você tem certeza...

— Sim, eu tenho. Podem ir tranqüilos.

— Está bem. Então até amanhã — despediu-se Bill.

— Até amanhã.

— Boa noite, Keely.

— Boa noite, Betty.

Eles saíram pela mesma porta por onde tinham entrado, deixando-a sozinha. Mais sozinha do que nunca em toda sua vida.

Keely sentiu-se em um turbilhão emocional, e detestava aquela situação de descontrole. Queria estar delirando de alegria pelos Allway, e estava. Mas não conseguia controlar o ciúme que sentia por a sentença de Betty ter chegado ao fim.

E agora? Como seria a vida daqueles dois dali para a frente? Conseguiriam recomeçar do mesmo lugar onde tinham parado catorze anos atrás? Tendo visto o carinho nos olhos deles, Keely achava que teriam um futuro feliz.

Mas e ela e Mark? Como estaria se sentindo se houvesse sido chamada para encontrá-lo, para encontrar um homem que não conhecia, um homem ao qual estava ligada pelos votos do casamento e da lei, mas por quem não sentia mais nenhum tipo de afinidade? Será que, ao vê-lo, todo o amor que achava sentir por ele voltaria? Será que se jogaria nos braços dele? Ou teria medo de acreditar que aquele estranho era seu marido, um estranho que não possuía mais a mesma exuberância da juventude? Betty, por outro lado, já era casada havia muitos anos antes de o marido ser convocado para a guerra. Ela e Mark não tinham tido a mesma oportunidade de convivência.

De repente as paredes do escritório começaram a lhe dar claustrofobia, e ela saiu dali imediatamente, evitando a multidão no final do corredor. Fora da embaixada, ela seguiu pela Champs Elysées. O trânsito do final do dia era o mesmo em todas as grandes cidades. Pedestres lotavam as calçadas. Enquanto acompanhava o fluxo, Keely pensava que, para todas aquelas pessoas, era apenas mais um dia de trabalho. Elas não tinham grandes preocupações.

Na Praça da Concórdia, Keely deparou-se com uma série de turistas e parisienses irritados com a aglomeração de estranhos. Ela parecia não estar ali, pois a linda cidade não a encantava naquele momento. Seus pensamentos estavam em outro lugar.

Keely seguiu até a margem esquerda do Sena. Um dos barcos de jantar partiu enquanto ela atravessava a ponte.

No Boulevard Saint-Germain, Keely parou na calçada para aguardar o semáforo abrir. Para desagrado dela, o homem ao seu lado a estava achando encantadora e não parava de lhe falar em francês. Ele chegou mais perto, e quase a derrubou no chão. Quando se recompôs, ela lançou-lhe um olhar irritado, que ele encarou como um sinal positivo.

Determinada, ela atravessou a rua correndo bem na frente de um ônibus e agradeceu ao chegar a salvo do outro lado, tanto de um possível acidente quanto da investida amorosa do francês. Alguns quarteirões depois, Keely começou a sentir-se cansada. Sentou-se em um banco na rua e ficou olhando para o nada. Queria apenas ficar sozinha, tornar-se invisível, evaporar. Estava cansada de tudo aquilo.

Minutos depois, o sujeito apareceu de novo, dessa vez sentando-se ao lado dela. Keely ficou contente com a limitação de seus conhecimentos da língua. O tom do homem era ligeiramente sugestivo. Ela balançou a cabeça de um lado para o outro, torcendo para que ele compreendesse que não estava disponível, que não queria papo, mas de nada adiantou.

Então, outra voz falando em francês, dessa vez alta e ameaçadora, ouviu-se por detrás dela, e o agressor levantou-se no ato, fez um gesto de desculpas com as mãos e saiu andando depressa como se o próprio diabo o estivesse perseguindo.

Keely olhou para trás e viu Dax. Ele não falou nada e sentou-se no banco. O sorriso compreensivo, os olhos negros que comunicavam tanto e a segurança que ele lhe transmitia a emocionaram.

Quando Keely inclinou-se, Dax abriu os braços para acolhê-la e aninhou-a contra seu peito.

 

Mantendo-a em seus braços, ele não tentou interromper a crise de choro de Keely. Sentia os ombros frágeis estremecerem com a força dos soluços e, curvando a cabeça, aspirou o aroma dos sedosos cabelos castanhos. Se pudesse, afastaria dela toda a dor e o sofrimento. Dax não gastou suas energias imaginando o que os outros, passando apressadamente, estariam pensando deles. Todos os seus pensamentos e todo o seu ser se voltavam para aquela mulher. Ela era algo muito precioso em sua vida. Admirava-lhe o temperamento forte, a beleza, os objetivos alcançados e a carreira que fizera para si mesma. E agora, essa inesperada fragilidade despertava uma nova emoção, extremamente poderosa. Sua paixão vinha à tona, e ele se tornava possessivo e protetor. Seria capaz de matar qualquer um que ameaçasse fazê-la sofrer.

Ele a manteve nos braços por muito tempo, mesmo depois das lágrimas terem se esgotado e os soluços se tornarem mais brandos. Qualquer diálogo teria de ser iniciado por ela. O céu sobre suas cabeças escureceu aos poucos, até acolher a escuridão da noite.

Os dois ainda continuavam abraçados quando ela finalmente ergueu a cabeça, procurou limpar a maquiagem que escorrera dos olhos e arrumou os cabelos. Ele não a impediu de se arrumar, ainda que a considerasse igualmente bela quando estava descomposta, pois sabia que suas palavras não seriam bem recebidas.

Naquele momento, ela devia estar aborrecida por ter perdido ò autocontrole e era melhor deixá-la livre. Keely determinaria o rumo e o ritmo dos acontecimentos.

— Quer andar um pouco comigo? — perguntou ela.

Sem nada dizer, ele se ergueu e deu-lhe a mão. Após alguns passos, Keely soltou-se e ele não tentou segurá-la de novo, embora desejasse demonstrar através desse gesto quanto gostaria de protegê-la.

Os dois caminharam sem pressa, calados, detendo-se ocasionalmente diante de alguma vitrine que chamasse a atenção dela. A única forma de comunicação entre eles eram os suspiros, os sorrisos e olhares intensos.

Ele não tinha idéia de quanto haviam caminhado, mas isso não era importante. Só se deu conta de que se passara muito tempo quando a viu parar e sorrir.

— Está com fome?

— Um pouco — respondeu ele, sorrindo.

— Então quero lhe pagar um jantar.

— Onde?

— Você escolhe — determinou ela.

— Está bem. .

O primeiro restaurante no caminho de volta estava muito cheio e barulhento. O segundo servia apenas sanduíches frios, e ela confessou que sua fome era grande e não se satisfaria com pratos frios.

O terceiro lhes pareceu perfeito. O restaurante era tipicamente francês, com toalhas brancas, velas suaves e uma solitária flor em um vaso de vidro no centro de cada uma das mesas. A parte externa, sob o toldo verde, já estava fechada, mas ainda se serviam refeições na sala interna, cujo teto rebaixado criava um ambiente íntimo e aconchegante.

Tão logo o garçom os conduziu até a mesa, Keely pediu licença por um momento.

— Claro.

Dax só se sentou à mesa depois que ela desapareceu no arco que dava acesso à parte dos fundos do restaurante. Quando Keely retornou, havia arrumado os cabelos e passado batom.

— Eu não sabia que você falava francês — comentou ela, pegando uma fatia de pão fresquinho.

— E uma das minhas muitas qualidades — respondeu ele, brincando.

— E o que disse para ele?

— Para o garçom?

— Não, para o homem que me seguiu.

Por um instante, Dax não conseguiu pensar em nada, perturbado com a visão da língua de Keely passeando sobre os lábios perfeitos. Teve dificuldades até de saber sobre o que ela estava falando.

— Bem... acho que... bem, o que eu disse não se encontra em nenhum dicionário. — Sorrindo, ele pegou o cardápio. — O que gostaria de comer?

— Você escolhe, mas adoro coq au vin.

— Então teve sorte, porque eles têm esse prato no menu. Quer uma salada? — Ele a viu acenar afirmativamente com a cabeça. — E uma sopa para iniciar o jantar?

— Acho que não.

O garçom aproximou-se da mesa. Nenhum dos dois notou que o uniforme dele era velho e brilhante de tanto uso. Aliás, não saberiam dizer se era alto ou baixo, loiro ou moreno. Estavam absolutamente concentrados em olhar um para o outro.

— Quer tomar um vinho? — perguntou Dax.

— Não, apenas um café quando terminarmos de jantar.

— Tudo bem.

Calmamente, ele viu que Keely olhava através das cortinas da janela, como se estivesse interessada no trânsito carregado do boulevard.

— Como descobriu onde me encontrar?

Dax gostaria que Keely olhasse para ele. A voz dela parecia fria, distante, e essa apatia o perturbava.

— Encontrei Betty e Bill Allway no vestíbulo. Contaram-me o que vocês haviam discutido e eu achei que talvez... precisasse de alguém ao seu lado. Quando cheguei ao escritório, disseram-me que você acabara de sair. Então, corri como um louco a fim de alcançá-la. Suas pernas são longas... e rápidas.

A tentativa de dar um toque bem-humorado à conversa funcionou, e Keely, além de começar a rir, finalmente voltou-se e o encarou.

— De qualquer forma — continuou ele, encorajado —, só a segui para averiguar se estava tudo bem. Quando vi aquele sujeito perturbando-a, decidi interferir.

— Pois chegou bem na hora.

— Tem certeza de que não o estava encorajando? Talvez minha intromissão tenha destruído um romance promissor.

Como a primeira tentativa de humor funcionara, Dax decidiu seguir nessa linha mais leve de conversa.

Ele teve sucesso mais uma vez, e Keely riu de novo. Aliviado, percebeu que a postura rígida estava começando a ficar mais relaxada.

Quando a salada chegou, os dois estavam conversando com descontração, embora não tocassem no motivo que os levara a Paris ou àquele pequeno bistrô.

— Ele ficará muito ofendido se não tomarmos vinho com seu caprichado jantar. — Dax inclinou-se para dar um tom de cumplicidade às suas palavras. — Lembre-se de que estamos em Paris!

— Cuidado! Está sujando sua gravata com o molho da salada.

— Que desastrado! — Apressadamente, ele limpou o vinagre da gravata e voltou a encará-la. — E o vinho?

Keely olhou para o garçom, que permanecia à espreita da mesa, com uma expressão de expectativa, e teve certeza de que ele compreendia perfeitamente bem o que os dois estavam falando.

— Bem, se acha que ele realmente ficará ofendido...

Ele fez um sinal para o garçom, que se aproximou no instante em que Dax ergueu a mão. A ordem foi dada e aceita em francês, enquanto Keely acompanhava a cena, com um sorriso nos lábios.

O garçom desapareceu sob o arco divisório e voltou para junto da mesa com uma rapidez quase sobrenatural e colocou uma jarra com vinho branco gelado diante dos dois.

— Ele afirmou que este é o vinho da casa, e todos o acham excelente. Pelo menos é o que diz...

Dax tomou um gole do vinho, prestando-se, de maneira exagerada, a todo o ritual dos grandes conhecedores, deixando o líquido tomar conta de sua boca e girando comicamente os olhos. O garçom tentou parecer ofendido, mas achou o desempenho tão divertido que acabou olhando para Keely e rindo, como se ambos estivessem sendo condescendentes com um excêntrico voluntarioso.

Finalmente, Dax engoliu o vinho.

— Excelente! Maravilhoso! — Com um gesto falsamente imperioso, indicou que o garçom enchesse seus copos.

Keely esperou até que o garçom se afastasse da mesa para falar.

— Oh, Dax! Acabei de me lembrar do senador Parker. O que disse a ele?

— Que eu estava com problemas de fuso horário! E pedi-lhe desculpas também em seu nome.

— Obrigada.

A comida estava deliciosa. O ponto de cozimento do frango era perfeito, assim como o das batatas, das vagens e das cenouras. Tão logo terminaram de comer, o garçom retirou os pratos e trouxe a sobremesa. Eram enormes musses de chocolate, .com montanhas de chantilly. Embora fosse uma verdadeira delícia, Keely conseguiu comer apenas metade e deixou que Dax desse conta do restante, o que ele fez com vontade, reclamando que ela acabara com quase todo o creme.

Os dois pediram o café, relaxados após terem bebido todo o vinho. As xícaras foram retiradas por um subordinado do imponente garçom. Quando ficaram a sós, na companhia da vela quase chegando ao fim e da flor que pendia de cansaço, Keely reconheceu que chegara o momento de conversarem a sério.

— Dax... — murmurou ela, tensa. — Embora nunca me faça perguntas, sei que gostaria muito de saber como estou me sentindo.

— Você tem razão em ambos os aspectos. Eu jamais perguntaria, e depende de sua vontade me contar ou não o que sente. Meu único desejo é estar ao seu lado quando precisa de mim.

Keely o fitou com olhos cheios de lágrimas.

— Eu preciso muito de você.

— Então, sou todo seu.

A vontade de Dax era tomar as mãos de Keely entre as suas, mas não se mexeu, pois ela as retirou de cima da mesa.

— Não sei se falarei algo que tenha sentido. Ainda não organizei meus pensamentos e talvez sejam um tanto incoerentes.

— Eu não me importo.

Ela respirou fundo, nitidamente abalada.

— Acho que devo ser uma pessoa muito má. Hoje, fiquei brutalmente decepcionada. Entretanto, minha tristeza não era por causa de Mark, ao descobrir que ele não estava entre aqueles soldados. Era por minha causa!

Desanimada, Keely encostou a cabeça no espaldar da cadeira forrada de couro preto e começou a brincar com a barra da toalha.

— Quando descobri que ele não era nenhum dos vinte e seis homens, só consegui pensar em uma coisa... bastante egoísta. Pensei que meu trabalho ainda não terminara. Ele não estava entre os sobreviventes, e ignoro se encontra-se entre os mortos. Portanto, não dei nenhum passo à frente, continuo estacionaria.

Ela ergueu os olhos a fim de ver se Dax a ouvia, mas não devia ter se preocupado com isso. Ele parecia beber suas palavras.

— E quando aqueles pobres homens enfrentaram uma sala cheia de pessoas... como nós, com tanta coragem, apesar de debilitados, dei-me conta de quanto sou egoísta. Durante toda a tarde, ouvimos seus relatos terríveis, suas experiências particulares. Insistiram que haviam vivido da única forma possível, e isso deve englobar todos os aspectos da existência humana, certo?

Dax permaneceu em silêncio pois sabia que Keely não esperava por uma resposta à sua pergunta.

— Na verdade, o que quero dizer é que todos eles sabiam de muitos americanos que não faziam questão de voltar para casa. E se Mark tem uma vida naquele lugar e prefere não abandoná-la? Talvez exista uma mulher, filhos... Se for assim, viveu com ela vários anos, e essa convivência a torna a legítima esposa... e não eu.

Lutando contra as lágrimas, Keely precisou respirar fundo antes de prosseguir. Dax comoveu-se com aquela demonstração de maturidade.

— Hoje fui obrigada a enfrentar uma verdade irrefutável sobre mim mesma, especialmente depois de ver Bill e Betty, juntos. Não é de Mark que eu realmente sinto falta. Na realidade, ele pode estar mesmo morto. Se sua morte ainda não é oficial, já deixou de existir para mim, há muitos anos. Sinto falta de ser uma mulher casada, entende? Se não fosse por Mark, a quem amei bastante, naquela época, eu talvez vivesse sozinha por muitos anos mais. Ou, se sua morte tivesse sido dada como certa, talvez me casasse. Do modo como tudo aconteceu, não me foi possível escolher.

A expressão de Keely deixava clara sua angústia, mas Dax, com um sorriso sincero, encorajou-a a continuar.

— Acabei me acostumando ao fato de que talvez eu seja uma viúva. O que me deixa transtornada é não saber. O destino me roubou a chance de decidir que direção minha vida vai tomar. — Ela o encarou, como se implorasse por sua compreensão. — Só que eu tenho uma vida e não quero desperdiçá-la!

Durante longos minutos, nenhum dos dois falou. O garçom, sempre alerta, também não se aproximou da mesa. Algo no olhar do homem, que parecia fitar a mulher com uma intensidade perturbadora, algo na maneira de ela corresponder àquele contato visual e a certeza de que ambos estavam completamente alheios a tudo que os cercava o mantiveram a uma distância discreta e respeitadora.

Quando o silêncio se rompeu, foi Dax quem tomou a iniciativa de falar.

— Você está errada, Keely. Suas palavras fazem sentido... e muito. Além disso, tem todo o direito de nutrir alguns pensamentos egoístas. Na verdade, existe em você uma virtude pouco comum, da qual não tem consciência.

— E qual é essa virtude? — perguntou ela, comovida com o olhar caloroso de Dax.

— Você é completamente honesta, consigo mesma e comigo. Poucos de nós temos a determinação para admitir as próprias fraquezas ou mesmo a capacidade de reconhecê-las. Confessou-me um egoísmo, que julgo questionável, pois uma pessoa realmente egoísta jamais se reconheceria como tal.

— Está dizendo isso apenas para que eu me sinta melhor, para me absolver da culpa?

— De maneira alguma.

— Tem certeza?

— Absoluta, e estou tentando, também, ser o mais honesto possível.

Keely suspirou, e Dax pressentiu que era um sinal de quanto ela se sentia aliviada.

— Mas eu fui um pouco incoerente — murmurou ela, procurando sorrir.

Dax percebeu a tentativa de Keely para aliviar a solenidade daquele momento e decidiu cooperar.

— Foi, mas só um pouquinho.

— Ainda tenho sentimentos contraditórios a respeito de... de tudo.

— E provavelmente sempre os terá, Keely.

— E verdade. — A voz de Keely refletia melancolia, e ela voltou a olhar para a rua, através da janela, até criar coragem e voltar a fitar Dax. — Muito obrigada por ser... por ser você.

— Eu não fiz nada.

— Você me ouviu.

— Isso não é muito.

— E o bastante.

Dax tentou disfarçar o quanto se sentia embaraçado diante de um elogio que julgava não merecer.

— Quer mais um café ou... vamos embora?

— Não quero mais nada.

Os dois levantaram-se, e Dax deixou um punhado de notas francesas sobre a mesa. Ao sair, cumprimentou o garçom e conduziu Keely para a rua.

— E agora? — perguntou ele, segurando-a pelo braço. — Quer passear, ir a uma boate ou direto para a cama?

Dax levou alguns instantes para perceber que Keely resistia a seu comando e parecia paralisada na calçada, enquanto os parisienses apressados passavam por eles.

Seus olhares se encontraram, e ele procurou ver algo que desejava desesperadamente encontrar no olhar dela.

— Keely?

Ela não desviou o olhar. Seus olhos se tornaram maiores, mais escuros e mais profundos, dando-lhe a sensação de que estava se afogando em um mar verde e brilhante.

— Eu o quero — murmurou ela, em um fio de voz. — Quero-o todinho para mim.

Dax não chegou a ouvir as palavras, apenas as leu nos lábios trêmulos de Keely.

Ela o viu engolir em seco e empalidecer. Então não a entendera de forma errada! As mãos fortes pousaram sobre seu ombro, e Dax se aproximou ainda mais.

— Você sabe... — Ele quase não conseguia falar, e precisou respirar antes de tentar de novo. — Você não ignora que eu também a quero, mais do que tudo em minha vida, e sentirei ódio de mim mesmo se a convencer a mudar de idéia. Entretanto, sei que está vulnerável neste momento, com as emoções quase fora do controle. Acabamos de partilhar um jantar íntimo, à luz de velas, com um vinho potente e... estamos em Paris, a cidade mais romântica do mundo. Também detestaria se você, algum dia, se lembrasse desta noite e achasse que me aproveitei de sua fraqueza e de seu estado de espírito.

As mãos dele apertaram mais os ombros de Keely, e sua voz assumiu um tom de quase desespero.

— Tem certeza do que quer, Keely? Porque, se formos para um quarto, juntos, você não conseguirá me fazer desistir desta vez. Preciso me certificar de que compreende isso. Tem certeza absoluta?

O romantismo era e, continua a ser, um elemento vivo e presente, como sempre, nas ruas de Paris. Quando Keely ficou na ponta dos pés para beijar Dax, os apressados parisienses se detiveram, por um rápido momento, para aplaudir.

O quarto escolhido por eles ficava em um hotel pequeno, cujos funcionários pertenciam todos a uma mesma família, e que ficava em uma das travessas mais calmas do Boulevard Saint-Germain. Tinha apenas quatro andares, e o segundo consistia em uma série de salas e uma cozinha, que podia ser utilizada pelos hóspedes, desde que seguissem uma série infindável de regras que a dona do hotel explicava, minuciosamente, ao casal que mal disfarçava a impaciência.

Eles foram conduzidos ao terceiro andar, pela escada. O hall de cada piso dava acesso a apenas quatro quartos. Era forrado de madeira escura e com um papel bastante antiquado. Havia imitações de tapetes persas pelo corredor. Tudo estava impecavelmente limpo.

Dax conversava com a proprietária, uma senhora de faces coradas e cabelos brancos presos em um coque no alto da cabeça. De quando em quando ele traduzia para Keely, e contou-lhe que tinham sorte pelo hóspede daquele quarto ter decidido partir no fim da tarde. Afinal era o melhor aposento, situado no canto do prédio, e por esse motivo contava com duas janelas bastante grandes. A amigável senhora lhes mostrou, com calma e muitas minúcias, como abrir e fechar as venezianas e como erguer e baixar as vidraças.

O banheiro também foi aberto, com nítido orgulho, pela proprietária, que voltou a lhes dar uma longa e detalhada explicação sobre o funcionamento das torneiras, do chuveiro, da descarga e sobre os usos do bidê. Corando de vergonha, Keely evitou olhar para Dax, que sorria maliciosamente.

Depois de lhe assegurarem que não precisavam de nenhum travesseiro extra, nem cobertor, café ou vinho, a proprietária finalmente se conformou em deixá-los. Com muita firmeza, recusou a gorjeta que Dax lhe oferecia e fechou a porta, desejando-lhes uma boa noite.

Quando ficaram a sós, a enormidade da decisão que haviam tomado provocou em ambos uma onda de nervosismo e vergonha. Não sabiam para onde olhar, nem sabiam mais o que dizer. Suas mãos pareciam ter se tornado acessórios inúteis.

Incapaz de suportar mais a tensão, Keely tirou o casaco e o dependurou em uma cadeira de balanço que ficava junto a uma das janelas. A almofada era da mesma estampa do papel de parede, assim como a colcha, sobre a qual havia uma manta branca, cuja franja quase tocava o chão muito encerado.

Ela afastou-se do centro do quarto para que Dax chegasse até a cadeira e também colocasse ali o casaco. Aproximando-se de uma ampla cômoda, sobre a qual havia um espelho oval, começou a arrumar os cabelos, enquanto Dax remexia no fecho da janela.

Subitamente, os dois se viraram. Como se houvessem programado se mover com total sincronia, aproximaram-se, buscando um ao outro. Ele ergueu a mão para tocar-lhe o rosto, quando bateram à porta e o som lhes pareceu quase um estrondo.

Dax praticamente deu um salto para abrir a porta. A proprietária, embaraçada, apresentou-lhes um vaso com flores. Disse que havia arrumado o buquê pela manhã, mas se esquecera de colocá-lo no quarto.

Completamente sem graça, ele recebeu o vaso, e ficou junto da porta fechada sem saber o que fazer. Hesitante, olhou para Keely.

— São lindas. Por que não as coloca sobre a cômoda?

— Ótima idéia. — Ele colocou o vaso no lugar indicado e ficou analisando as flores como se fossem uma obra de arte que merecia um longo tempo para ser admirada. — Ficaram muito bonitas sobre a cômoda.

— E mesmo.

O embaraço parecia ter retornado e invadido o quarto. Finalmente, ele rompeu o silêncio.

— Quer... quer usar o banheiro... antes...

— Acho que não... bem, por que você não o usa?

— Sim, claro...

Depois que a porta se fechou, Keely ouviu o som da água jorrando das torneiras. O que Dax estaria fazendo para precisar de tanta água?

Ela olhou à sua volta, ansiosa. O que deveria fazer agora? Despir-se? Enfiar-se debaixo dos lençóis? Deveria tirar toda a roupa ou apenas algumas peças? Céus! Não conseguia acreditar que fosse tão idiota! Tinha trinta anos e não sabia como agir em uma situação tão normal quanto a de ir para a cama com um homem.

Finalmente decidiu tirar apenas algumas peças de roupa. Dessa forma indicaria interesse e não agressividade. Mas... onde colocá-las?

Com o sapato e o cinto nas mãos, procurou um armário, onde colocou os dois em uma prateleira. E agora? Bem, meias-calças eram a peça de roupa menos romântica ou sensual que conhecia, e decidiu livrar-se delas logo.

Subitamente, a água deixou de correr. Em pânico, praticamente arrancou as meias, temendo que Dax entrasse no quarto e a visse retirando-as. Também não considerava nada sensual o ato de tirar aquela peça de roupa! Ela bateu, ruidosamente, a porta do armário quando se abriu a do banheiro.

— É todo seu — disse Dax, indicando a porta aberta e olhando-a com curiosidade.

— Obrigada.

Agarrando a bolsa, Keely passou rapidamente ao lado dele, em direção ao santuário do banheiro. Não havia nenhum sinal da água que Dax só podia ter espalhado por toda a parte. Provavelmente, ele enxugara a pia com uma das toalhas, que parecia bastante úmida, pendurada sobre o varal da cortina do chuveiro.

Sem nenhuma necessidade, lavou as mãos. Sem nenhuma necessidade, escovou os cabelos. Sem precisar, colocou um pouco de perfume. Gostaria de não ter chorado! Seus olhos ainda estavam ligeiramente inchados, mas não havia o que fazer. Respirando fundo, saiu do banheiro e apagou a luz.

Dax já havia apagado a luz central do quarto, deixando aceso apenas o abajur, ao lado da cama. A cama! Os lençóis eram impecavelmente brancos e refletiam um brilho suave na penumbra.

Largando a bolsa na cadeira de balanço, Keely virou-se para Dax e viu que ele se aproximara mais e estava bem perto dela.

Ele era fascinante. Ombros largos, músculos definidos que realçavam um corpo de atleta, um corpo perfeito e másculo.

Era apenas sua imaginação ou a mão dele tremia ao tocar seus cabelos, descer por seu rosto e pousar sobre seus ombros? Ainda mantendo uma certa distância entre os dois, ele a beijou suavemente. Então, as bocas se tocaram, lábios se entreabriram, paixões se acenderam.

— Ah, Keely — murmurou ele, deixando de beijá-la por um segundo. — Eu esperei tanto tempo por este momento e agora mal posso acreditar que esteja acontecendo.

— Está acontecendo — sussurrou ela, sentindo que Dax a apertava mais de encontro ao peito musculoso. — Eu... eu estou nervosa.

— Eu também — declarou ele, rindo junto da nuca de Keely.

— É verdade?

— Sim, eu a quero, quero muito.

Os lábios de Dax se apoderaram dos seus e, subitamente, a solidão que sentira naquela tarde, que sentira por toda a vida, foi consumida pelo calor da boca quente. Todo o medo e a ansiedade desapareceram. Aquele era Dax, a quem desejava com todas as forças de sua alma. Não se tratava de um desempenho apenas, era uma experiência de partilha total. Quando chegasse o momento, saberia exatamente o que fazer.

Com as mãos menos trêmulas, ele abaixou o zíper do vestido. Seus olhos mantinham o contato, refletindo paixão e volúpia.

Peça a peça, as roupas foram descartadas. Sentir a pele macia e quente era a mais deliciosa das sensações. As mãos de Dax descobriam seu corpo, despertando desejos adormecidos que a transportavam para um mundo apenas físico.

Keely nunca imaginara uma posse tão erótica. Seria Dax o único a usar as mãos e os lábios com tanta perícia? O toque dele parecia despertar uma sensualidade única, transformando-a em uma mulher ardente e incapaz de esperar pela consumação de seu desejo.

Finalmente, ele retirou a última peça de roupa, a calcinha de seda que a separava da nudez total. Nenhum dos dois podia mais esperar e, carregando-a como se fosse um tesouro frágil e precioso, deitou-a na cama. Em alguns instantes, ele também se despiu. Se não fosse Dax, o olhar ávido e os movimentos urgentes a teriam atemorizado.

Mas era ele, o homem a quem desejava com igual intensidade e cujo olhar parecia despertar sua volúpia como nunca antes outro homem o fizera.

— Você é tão linda, Keely... — murmurou ele, procurando ajeitar seu corpo sobre o dela.

Então, um gemido quase virginal o assustou.

— O que foi, Keely? Eu a machuquei?

— Não... é tudo tão maravilhoso que... não pare, Dax.

A magia os envolvera. Braços se entrelaçaram. Pernas se colaram. O peito musculoso tocava a maciez dos seios. As bocas se fundiram. Os corpos pareciam cantar um hino glorioso de sensualidade, enquanto os perfumes do amor se mesclavam na penumbra do quarto.

Abalados com a potência daquela paixão, finalmente consumada, os dois permaneceram imóveis e abraçados. Por um longo tempo, ambos saborearam a intimidade morna e úmida de seus corpos ainda unidos, mas agora saciados. A voz dele parecia vir de muito longe, um mero sussurrar ao seu ouvido.

— Agora sei qual é a razão de minha existência, Keely. Esperei toda a vida por este momento. Foi para saborear nossa paixão que vim a este mundo. Foi para estar, agora, em um quarto, com você em meus braços. Entende o que eu quero dizer?

Ela apenas moveu a cabeça em um gesto afirmativo. Compreendia perfeitamente bem o que ele queria dizer, mas era incapaz de emitir qualquer som, porque o milagre daquele momento lhe tirara a voz.

 

— Quanto tempo eu dormi? — perguntou ele, logo que abriu os olhos.

Keely o olhava. Acordar nunca tinha sido tão bom.

— Acho que faz meia hora. Não sei. E que diferença faz? — Os dedos dela lhe acariciavam a face, o nariz perfeitamente formado, os cabelos brancos...

Dax virou-se de lado na cama, apoiando a cabeça na mão.

— Como eu pude dormir?

— Provavelmente porque estava muito cansado — disse ela com malícia, abraçando-o.

— E você não?

— Sim, claro — respondeu Keely, rindo. — Mas eu não poderia ter dormido. — Um dedo provocativo lhe acariciava os lábios, e ela imaginou como conseguiam ser tão firmes, porém tão macios contra seu corpo.

— Posso saber por quê?

— Porque isso nunca me aconteceu antes — comentou Keely, observando a reação dele. — Não assim.

— Não? — perguntou ele, tentando esconder o orgulho.

— Não — disse Keely, balançando a cabeça. Não seria justo compará-lo a Mark. Já dissera a Dax tudo que ele precisava saber.

— Que bom. Eu seria desonesto se dissesse que para mim também não.

As emoções de Keely estavam sensíveis demais para ficarem conversando sobre esse assunto.

— Foi aqui que você se machucou na guerra? — perguntou ela, passando o dedo pela cicatriz na linha do ombro de Dax.

— Sim. Por sorte, foi apenas o pedaço de uma granada que me acertou de raspão.

Ela beijou a cicatriz.

— Ficou feio porque os médicos demoraram alguns dias para chegar, e o ferimento infeccionou.

— Não precisa entrar em maiores detalhes — disse Keely, arrepiando-se. — E esse sinal debaixo do seu olho?

— Meu primo e eu tivemos uma briga quando eu tinha treze anos. — Dax riu diante da decepção dela. — Sinto muito, mas não foi nada mais do que uma simples rixa entre moleques.

— Como ele se atreveu a brigar com você? — O tom sedutor da voz dela chamou-lhe a atenção, e Dax surpreendeu-se quando Keely ajoelhou-se em cima dele. Os cabelos lhe caíam delicadamente no rosto. As partes do corpo perfeito eram realçadas pelas sombras do abajur. Com um ligeiro rubor no rosto, Keely inclinou-se para beijá-lo na boca.

Dax abraçou-a, mas deixou que ela comandasse as carícias. Sua língua foi provando os lábios timidamente, mas aos poucos seus movimentos foram se tornando mais firmes e decididos.

— Keely, isso é maravilhoso — disse ele, sentindo a boca quente lhe sugar a pele. Quase não se escutavam as palavras de Dax.

Ela foi descendo pelo corpo dele até chegar em uma região muito delicada. Só de pensar no que poderia acontecer, Dax se arrepiou inteiro. Keely começou dando-lhe beijinhos na virilha, subindo, descendo, provocando-o, ainda sem tocar no membro ereto. Queria excitá-lo ao máximo.

Prestes a enlouquecer ainda no começo daquela deliciosa brincadeira, Dax puxou-lhe os cabelos, quase machucando-a.

Keely hesitou por um momento, mas logo voltou a beijá-lo.

— Ah...

Sabendo que não agüentaria se ela continuasse com aquelas carícias, Dax virou-se e puxou-a contra si, deixando-a sob seu corpo.

— A visão mais linda que tive de seu rosto foi no instante que você experimentou o prazer total. Brilhe para mim de novo, Keely — falou Dax, olhando-a.

E assim eles recomeçaram todo o ritual de amor.

Os dois partiram logo ao amanhecer. A proprietária, que pelo visto cuidava sozinha do hotel, ficou aborrecida com a rápida partida do casal. Dax não cansou de repetir que o quarto era excelente, mas que outros compromissos os impediam de permanecer por mais tempo. Eles deixaram-na com seu olhar triste ao saírem para a rua.

Paris ainda dormia. As ruas pareciam limpas depois da chuva da noite. Mercadores e vendedores começavam a se preparar para mais um dia de trabalho. O aroma de café fresco e croissants inundava o ar.

Eles pararam em um café que ainda não estava aberto e perguntaram se poderiam fazer uma encomenda para viagem. Como um verdadeiro parisiense, o vendedor resmungou, mas como adorava ver casais felizes, ele cedeu e vendeu-lhes um saco cheio de croissants fumegantes e dois copos com café fresco. Os dois comeram enquanto caminhavam sem pressa.

Eles simplesmente não tocaram no assunto de terem que voltar ao Crillon, apenas sabiam que precisavam ir. Em vez disso, faziam confidencias íntimas e riam. Keely ficava vermelha, e Dax sorria.

— Você me ama tão bem — brincou ele.

— E mesmo?

— Você me ama maravilhosamente bem. Perfeitamente.

Ela baixou os olhos para seu croissant.

— Eu não suportaria saber se você achasse que...

— De jeito algum — interrompeu ele, sabendo o que Keely estava pensando. — Você é muito feminina, Keely, e eu adoro todas as partes de seu corpo. Também adoro sua timidez e sua delicadeza, seu comportamento refinado e elegante. E o fato de você ter se entregado de corpo e alma me encantou ainda mais.

— Dax — murmurou ela com os olhos brilhantes.

— Eu não estou mais agüentando — disse ele, e chamou um táxi.

— O quê?

— Quero beijá-la agora mesmo.

— Ninguém está olhando — desafiou Keely.

— Mas todos olharão se eu a beijar como quero beijá-la.

Dax ajudou-a a entrar no carro, depois disse ao motorista aonde iam.

— Eu lhe pedi para ir pelo caminho mais longo — explicou ele, antes de ceder ao desespero e tomá-la nos braços.

Ele a beijou com desejo e agressividade, como se quisesse deixar sua marca estampada naquela boca. Keely sabia que, de certa forma, ele tentava se convencer de que mesmo não estando em um pequeno quarto, ela lhe pertencia.

— Dax, o motorista — disse ela, sem fôlego, quando conseguiu se soltar.

— Deixe-o encontrar uma namorada também.

— Ela riu e tentou se desvencilhar dos braços fortes, o que o excitou ainda mais.

— Dax! Você percebeu o que está fazendo? — perguntou ela, quando ele enfiou a mão sob seu sobretudo.

— Sim. — Ele acariciou os seios perfeitos por debaixo do vestido. Dax a convencera a não colocar o sutiã. Seu toque desencadeou uma série de reações, e Keely apertou-se contra ele.

A urgência daqueles beijos e a insistência das mãos de Dax acabou com qualquer indício de consciência que ela ainda tivesse. Não sabia precisar se tinham ficado horas ou minutos dentro daquele carro quando finalmente percebeu que o motorista falava algo em francês.

— Dax — murmurou ela, empurrando-o com firmeza. — Ele está falando alguma coisa para você.

O deputado se endireitou no assento e ajeitou suas roupas.

— O Crillon fica no próximo quarteirão.

Dax pagou a corrida e desceu do carro. Depois ofereceu a mão para ajudar Keely a sair. Eles se abraçaram e riram antes de se virarem para seguirem para o hotel.

Keely ficou imóvel.

Os Allway caminhavam na direção dos dois. Eles estavam abraçados e sorriam contentes, mas a expressão de ambos evidenciou todo o espanto quando viram Keely e Dax abraçados quase da mesma maneira.

Os quatro ficaram se olhando no mais profundo silêncio, chocados. Os Allway provavelmente estavam indo tomar o café da manhã em um lugar sossegado, longe dos olhares curiosos dos repórteres. A sessão de entrevistas começaria às dez e de certo eles estavam querendo passar algumas horas sozinhos antes de um dia cansativo.

Vê-los juntos foi mais do que um choque para Keely. Um espasmo incontrolável de culpa acertou-lhe o coração, passando, em seguida, para todas as partes de seu corpo até que ela estivesse consumida pelo sentimento.

Ela tinha traído aqueles amigos. Eles tinham permanecido fiéis aos sagrados votos do casamento, um ao outro, e à convicção de que o outro estava vivo.

Keely traíra seu marido dormindo com outro homem. Sua infidelidade sexual, porém, era apenas uma parte do adultério. Ela tinha se entregado de corpo e alma a Dax, de livre e espontânea vontade. Ninguém a forçara. Não guardara nada para Mark, se um dia ele voltasse para casa. Entregara tudo a Dax, e não sobrara nada para ninguém.

Também traíra a si mesma, acreditando que poderia ignorar qualquer convicção moral que prezava em nome do amor. Seu amor por Dax não justificava a traição a Mark. O amor baseado em traição e ilusão jamais poderia ser abençoado. Ela sabia disso e, até a noite passada, mantivera-se fiel ao princípio. Entretanto, sob a luz do dia e diante de duas pessoas que tinham enfrentado todo o tipo de adversidades, mas que agora estavam juntas, Keely viu que se iludira. O amor nunca era livre.

— Estamos indo tomar café — falou Bill Allway, quebrando o estranho silêncio, do qual Keely nem se dera conta.

— Gostariam de ir? — perguntou Betty, mas sua voz sumiu, e ela não conseguiu nem terminar o convite. Não havia nenhum sinal de condenação nos olhos dela, mas Keely sentia como se houvesse uma letra escarlate em seu peito. A evidência não poderia ser mais comprometedora. Ela e Dax tinham saído de um táxi pouco depois do amanhecer, com as roupas amassadas e os rostos rosados. Que outra conclusão se poderia tirar a não ser a correta? Se a culpa não a consumisse, certamente a vergonha o faria.

— Não, muito obrigada — disse Keely, respondendo pelos dois.

Dax ficou em silêncio, apenas olhando-a.

— Bom, então vamos indo, meu amor — falou Bill. — Betty? — Ele pegou a mão da esposa e puxou-a. Betty ainda olhava para Dax e Keely como se não estivesse acreditando no que via.

— Olhe para mim — pediu Dax quando os outros dois já estavam longe.

— Não — respondeu Keely, afastando-se dele.

— Olhe para mim — ordenou ele, puxando-a pelo braço.

Por fim, Keely obedeceu e deparou-se com a expressão severa e implacável no rosto de Dax.

— Eu sei o que está passando por sua cabeça, Keely — disse ele tenso.

— Você não tem como saber o que estou pensando.

— Sim, tenho. Você está se culpando pelo que aconteceu a noite passada. — Ele agora lhe segurava os ombros. — Ao ver Betty e Bill juntos, você teve uma crise de consciência. Eles são um casal adorável e feliz, Keely, e eu não poderia estar mais feliz pelos dois. Mas o que aconteceu com eles não tem nada a ver com você e Mark.

— Tem tudo a ver — argumentou ela, teimosa. — Betty foi fiel. Eu não.

— Fiel a quem? A um homem do qual você nem se lembra direito? A um homem do qual você provavelmente não terá notícias? — Dax desprezava a crueldade de suas palavras, mas não conseguiria ser amável naquela situação.

— Até ontem, Betty não sabia que seu marido estava vivo. E agora ele está de volta. O mesmo poderia ter acontecido comigo, e Mark estaria de volta, esperando a esposa em casa.

Dax olhou à sua volta, impaciente, como se não suportasse escutar o que ela estava dizendo. A frustração gritava em cada célula de seu corpo. Por fim, ele voltou os olhos para Keely.

— Sim, essa possibilidade existe, mas você há de convir que é muito remota. O que aconteceu entre nós, no entanto, é real, certo. — Sua voz tornou-se mais suave. — Eu a amo, Keely. Eu a amo.

Keely cerrou o punho e levou a mão à boca para suprimir o grito.

— Por favor, Dax, não fale isso agora.

— Eu vou dizer que a amo até você acreditar. Eu a amo, Keely. É tão difícil compreender?

— Não! Não é certo, Dax. Você não percebe? Eu ainda não estou livre para amá-lo. E não será justo amá-lo até que eu saiba que Mark está realmente morto.

Ela deu um passo para trás, afastando-se, temendo que Dax a abraçasse, levando embora toda sua determinação.

— Deixe-me... Deixe-me sozinha, por favor.

Ela se virou para sair correndo e quase derrubou um homem parado à porta do hotel. Entretanto, só quando chegou ao seu quarto e se jogou na cama, chorando sem parar, Keely se deu conta de quem se tratava.

O homem era Al Van Dorf.

Dax andava de um lado para o outro no aeroporto, sem perceber seu nervosismo. Pensar que naquela manhã quase tinha entrado em desespero ao ver Keely sair correndo. Entrou no hotel logo atrás dela, ignorando o comentário sarcástico feito por Van Dorf.

Ele foi direto para seu quarto, pronto para brigar com alguém corajoso o suficiente para enfrentar seu temperamento, não se lembrava de ter se sentido tão irritado e indefeso em toda sua vida.

Durante horas Dax ficou em seu quarto tentando encontrar uma explicação para tudo aquilo que estava acontecendo. Encarando a situação de um ponto de vista objetivo, ele não via um certo e um errado. E não seria nada fácil encontrar uma solução. A decisão envolvia valores morais de Keely, e pelo visto ela não estava conseguindo lidar direito com sua própria consciência.

O telefone tocou, e ele correu para atendê-lo, acreditando que Keely talvez tivesse mudado de idéia.

— Alô?

Era o deputado Parker.

— Eu me rendo — brincou o deputado diante da irritação de Dax.

— Sinto muito. Em que posso ajudá-lo, deputado?

— Estou contente por ter oferecido ajuda, pois preciso que me faça um favor. Eu devo comparecer à coletiva de imprensa, mas também preciso ir até o hospital visitar os feridos, na qualidade de representante da administração. Acho que o presidente não se incomodará se eu pedir que um de seus deputados me substitua em um dos compromissos. Algum problema?

Dax passou a mão nos cabelos. Podia muito bem ir ao hospital, pois não agüentaria passar mais um dia dentro daquele salão abarrotado. Se ficasse lá, certamente pensaria em Keely o tempo todo.

— Sem problemas, deputado. Preciso apenas tomar um banho e me vestir. Preciso saber de alguma coisa antes de ir?

— Um dos soldados faleceu a noite passada, Dax. Ele não suportou os ferimentos e a fraqueza.

— Diabos!

— Pois é. Vou lhe mandar uma pasta com informações a respeito de cada um deles. Quando estiver pronto, telefone para a recepção e peça um carro. Não tenha pressa. Ah, há um avião partindo esta noite.

— Que avião?

— Alguns pediram para voltar para casa, e o Presidente concordou. Portanto, os que estiverem prontos, bem como qualquer membro da delegação, podem partir hoje mesmo.

— A que horas parte o avião?

— Às nove. Do aeroporto Charles de Gaulle. Vou mandar as informações sobre o vôo junto com a pasta dos soldados.

— Obrigado.

— Eu é que agradeço. Dê um abraço por mim nos soldados.

Dax foi para o hospital como substituto. Por Deus, e se não tivesse ido? E se o soldado chamado Gene Cox estivesse dormindo? E se ele fosse o soldado que tinha morrido à noite?

Dax ajeitou seu sobretudo e segurou sua pasta com mais firmeza. A fila para embarque continuava imensa. Ele ignorou os olhares em sua direção. Fingiu que não viu o deputado Parker chamando-o para ficar com seu grupo. Seu olhar percorreu todo o aeroporto até deparar-se com a mulher sentada sozinha do outro lado da sala. A expressão de Keely, desolada, estava refletida no vidro. Decidido, Dax caminhou até ela. Keely percebeu que se aproximava, e seu coração disparou.

— Preciso falar com você — disse ele.

— Não. — Ela não se virou. — Não temos mais nada para conversar.

Dax ajoelhou-se ao lado da cadeira dela.

— Se você quer que todos escutem nossa conversa, tudo bem, mas eu preferiria que fosse em particular. O que prefere?

Ela se virou e encontrou os olhos de Dax. A determinação durou um pouco, mas depois desapareceu.

— Está bem — disse ela, levantando-se e aguardando que Dax a guiasse.

Keely acompanhou-o. Grande parte dos outros passageiros estava cansada demais para notar o súbito desaparecimento dos dois, que foram para a parte mais central do aeroporto. Dax caminhou até uma parte mais isolada, onde havia alguns telefones públicos.

— O que quer? — perguntou Keely assim que pararam.

Dax podia perdoar a frieza com que ela o estava tratando. Perdoaria Keely, pois sabia que dentro de alguns minutos os sentimentos dela seriam diferentes.

— Keely — começou ele com calma —, Mark está morto. Ele está morto desde o dia que o helicóptero caiu quase doze anos atrás.

Não houve manifestações do tumulto emocional que ela certamente deveria estar sentindo. Não houve lágrimas, histeria, olhos arregalados, alegria nem desespero. Nada além dos olhos verdes, sérios e impenetráveis que não revelavam nada.

— Você escutou o que eu disse?

— S-sim. Como... Como você sabe?

Então Dax lhe contou que havia ido até o hospital no lugar do deputado Parker.

— Quando terminei minhas obrigações legais, eu comecei a conversar com os DASA, de veterano em veterano. Para saciar minha curiosidade, eu perguntei a cada um deles quais tinham sido as circunstâncias de seus desaparecimentos. Um deles, um soldado chamado Gene Cox, disse que o helicóptero no qual voava tinha caído, isso foi no mesmo dia que o helicóptero de Mark caiu.

— Eu perguntei a Cox o que tinha acontecido, e ele disse que o helicóptero já estava em chamas quando bateu contra o solo. Ele e o piloto conseguiram sair antes de a aeronave explodir. Eles estavam no meio de uma selva, o piloto quebrou as duas pernas e sofreu bastante antes de morrer uma hora depois. Cox cobriu o corpo dele com algumas folhagens, esperando que os nativos não encontrassem o corpo e... Bem, para que não o encontrassem.

— Então Cox foi capturado e preso no dia seguinte. — Dax pegou as mãos dela e apertou-as contra as suas. — Keely, o nome do piloto era Mark Williams. Era um homem alto com um sotaque sulista.

Dax esperava que ela procurasse a parede como apoio, ou mesmo ele, enquanto assimilava o que acabara de escutar. Tinha pensado em abraçá-la, não como amante, mas sim como amigo, até que ela estivesse pronta para comentar o assunto. Esperava lágrimas, talvez pela vida perdida de um homem tão novo, talvez pela guerra que o sacrificara.

De qualquer forma, a reação que Keely teve foi totalmente inesperada e surpreendente.

Ela puxou suas mãos como se estivesse segurando algo horrível.

— Como pôde, Dax? — perguntou ela, esforçando-se para dizer cada palavra. — A consciência de quem está tentando salvar? A sua ou a minha?

Dax arregalou os olhos sem acreditar no que escutava.

— Por...

Ela deu uma risada sarcástica.

— Não duvido que o soldado Cox tenha lhe contado essa história. Mas acho uma grande coincidência o piloto se chamar Williams e falar com sotaque sulista. Você acha que eu seria tão ingênua a ponto de acreditar nessa história?

Dax não conseguia acreditar no que estava acontecendo e teve de fazer um esforço sobrenatural para controlar seu temperamento intempestivo.

— Eu estou lhe contando a verdade, Keely — disse ele entre dentes cerrados. — Por que eu mentiria sobre algo tão importante?

— Porque eu lhe disse hoje de manhã que não podia ser sua, e que não poderíamos ter uma vida juntos até que eu descobrisse o destino de Mark. Acho que você adequou o nome dele à história que esse soldado lhe contou. Seria perfeito, não? Afinal de contas, você é conhecido por conseguir tudo que quer, não é deputado Devereaux? E acho que está fazendo jus à sua reputação.

Seus orgulhosos antepassados podiam tolerar qualquer coisa, exceto uma mancha no nome da família. E Dax também era assim. E qualquer insinuação a respeito de sua integridade era algo que jamais perdoaria.

Ele endireitou o corpo tenso e a olhou com olhos fuzilantes.

— Está certo, Keely. Acredite no que bem entender e também sacrifique sua vida, nutrindo seu amor por um homem morto. Na verdade, acho que gosta desse martírio que se auto-impôs. Assim você se isola dos outros, não é? Mas saiba que toda a raça humana acha esse tipo de pessoa extremamente tediosa.

Keely virou-se e saiu andando na direção da área de embarque. Embora seu coração estivesse dizendo o contrário, o orgulho de Dax jamais lhe permitiria chamá-la de volta. Como ela era capaz de acreditar que ele teria coragem de inventar aquela história, ainda mais depois do que haviam vivido na noite anterior? A noite anterior... Ele cobriu o rosto com as mãos, tentando afastar as lembranças dos momentos de alegria, amor, paixão... Era impossível que Keely achasse que...

— Sua mulher fugiu de você?

A voz de Van Dorf trouxe Dax de volta ao presente. Ele virou-se e viu o sorriso que tanto abominava. O repórter estava apoiado na parede próxima aos telefones, com sua arrogância sarcástica.

Dax olhou para o repórter, e seus instintos de guerra falaram mais alto. Antes que o homem percebesse o que estava acontecendo, Dax o empurrou contra a parede e pegou-lhe a gola da camisa. Os óculos de Van Dorf caíram no chão.

— Você fala demais, Van Dorf.

— Eu vi...

— Você não viu nada, não ouviu nada. Nada que possa provar. Se tentar se aproximar de mim mais alguma vez, vou processá-lo por uma quantia tão exorbitante que, mesmo se eu perder, sua reputação como repórter será destruída, e nem um jornal interiorano o aceitará como funcionário. Além disso, vou lhe bater até que me implore para parar. Fui claro, Van Dorf?

Para enfatizar suas palavras, ele apertou-lhe a gola da camisa com mais força, e o homem choramingou, confirmando as suspeitas de Dax. O homem era um covarde.

— Eu lhe fiz uma pergunta, Van Dorf. Fui claro?

— S-sim — gaguejou ele, branco como leite.

— E o que eu disse também vale para a Sra. Williams. Se eu ler alguma nota sobre ela, eu o mato!

Então, com um gesto de desdém, Dax deu as costas para Van Dorf, que ainda lutava para recuperar o fôlego. Ele seguiu para o portão de embarque e ficou na fila, aguardando sua vez de entrar no avião que o levaria de volta aos Estados Unidos.

 

A lua estava do lado direito do avião.

Keely olhava para fora, do lado esquerdo, portanto, a única coisa que enxergava era uma grande escuridão. As estrelas pareciam distantes, as nuvens abaixo do avião assemelhavam-se a um cobertor impenetrável.

— Você está dormindo? — A pergunta a tirou do estupor, e ela se virou para ver Betty Allway inclinando-se sobre a poltrona do corredor. O repórter sentado ao lado de Keely tinha entendido seu silêncio como um sinal de que não queria saber de conversa, e se levantara e passara para o banco de trás, deixando-a sozinha.

— Não.

— Você se importa se eu me sentar um pouco ao seu lado?

— Claro que não — respondeu Keely, tirando seu sobretudo do assento. — Onde está Bill? Dormindo?

— Sim — falou Betty. — Ele fica frustrado por se cansar tão depressa. Preciso cuidar para que ele não exagere quando chegar em casa. Tenho medo de que ele queira recuperar os catorze anos em uma semana. Vou fazer o possível para que isso não aconteça.

Keely respondeu com um caloroso sorriso.

— Você pode ser um pouco possessiva — disse, rindo.

Elas ficaram em silêncio por alguns momentos. Keely não conseguia se esquecer da expressão de espanto de Betty ao vê-la abraçada com Dax naquela manhã. Era estranho que aquela mulher lhe estivesse dirigindo a palavra. Afinal de contas, depois de todo o sofrimento que tinham passado juntas, ela detestaria perder a amizade de uma pessoa que tanto admirava.

— Keely — começou Betty, hesitante. — Não quero me intrometer na sua vida, mas você parece estar precisando de alguém para conversar. E esse o caso?

Keely recostou a cabeça na poltrona e fechou os olhos por alguns momentos antes de responder.

— Os últimos três dias pareceram uma eternidade, e estou exausta. Eu não sei lidar muito bem com o cansaço. — Ela tentou sorrir, mas de nada adiantou.

— Não, Keely, é mais do que isso. E acho que tem muito a ver com Dax Devereaux. — Ela inclinou-se sobre o assento vago entre as duas e pegou a mão da amiga. — Você está apaixonada por ele?

Keely sentiu-se tentada a mentir, a responder com uma veemente negativa. Mas de que adiantaria? Betty os vira juntos em tantas ocasiões que não seria nada difícil encaixar as peças do quebra-cabeça. Também tinha escutado as perguntas indiscretas e provocantes de Al Van Dorf. Ela se virou para a mulher.

— Sim, Betty, eu estou apaixonada por ele — respondeu Keely com sinceridade.

— Eu achei mesmo. Posso ultrapassar as barreiras da curiosidade e perguntar, desde quando?

— Desde a noite em que cheguei a Washington para a audição do subcomitê. Nós nos conhecemos no avião. Eu não sabia que ele fazia parte do comitê, e ele não sabia que Keely Preston e a Sra. Mark Williams eram a mesma pessoa.

— Ah.

— Eu nunca tive a intenção de me apaixonar, simplesmente aconteceu. Nós dois lutamos contra a atração, principalmente eu. Mas...

— Não precisa justificar o amor, Keely. — Ela continuou segurando e acariciando a mão de Keely. — Ele conhece seus sentimentos?

— Não sei. Creio que sim, mas eu... Nós tivemos uma discussão. Ele fez... Deixe para lá. Há vários motivos que impedem nosso relacionamento.

— Por exemplo? Keely a olhou surpresa.

— Em primeiro lugar, o fato de eu ainda ser casada e não saber se meu marido está vivo ou morto. Sua situação mudou, Betty, mas a minha não, esqueceu? — Ela se odiou por ter usado aquele tom tão sarcástico. — Sinto muito — desculpou-se Keely. — Por favor, Betty, desculpe-me. Não sei o que estou dizendo.

— Não precisa se desculpar, Keely. Acho que posso entender o conflito emocional pelo qual está passando. Talvez tenha chegado a hora de você. declarar Mark como morto e se casar com o deputado. — Se a mulher houvesse lhe dito que pularia do avião, Keely não teria ficado tão espantada. Depois de todos os anos lutando com a PROOF, elas jamais desistiriam, portanto ela não acreditou na sugestão de Betty.

— Você não pode estar falando sério.

— Sim, estou.

— Mas...

— Deixe-me fazer uma confissão. Durante todos esses anos, eu me aproveitei de você. Por favor, permita que eu termine de falar — pediu Betty quando viu que a outra a interromperia. — Você fez muito pela nossa causa, era a representante perfeita. Você é uma mulher inteligente, bonita, de sucesso. Você nos deu credibilidade. De certa forma, com Keely Preston como nossa oradora, nós não parecíamos apenas um grupo de mulheres histéricas. Desde nossa última viagem para Washington, entretanto, eu senti uma grande vergonha por encorajá-la, mesmo que sutilmente, a perder sua juventude e amor com a lembrança de Mark. Eu até me lembro de a ter advertido a tomar cuidado com a reputação de Dax.

— Eu nunca fiz algo que não quisesse, Betty.

— Mas agora você tem outra causa pela qual lutar. Se você ama esse homem, e eu sei que ama, caso contrário não estaria martirizando-se tanto, você deveria ficar com ele. Keely, se o comportamento dele for um indício, acho que os sentimentos do deputado não diferem muito dos seus. Ele precisa de você. Ele está vivo, no presente, em carne e osso. Mark não está e poderá nunca estar.

Keely olhou irritada para a amiga.

— Como pode dizer isso? Menos de uma semana atrás você não fazia a menor idéia de que Bill estaria voltando para casa. E agora ele está aqui. Você esperou todos esses anos, e foi fiel. — As lágrimas lhe escorriam pelo rosto.

— Sim. Eu tenho três filhos com os quais me preocupar. Também vivi dez anos maravilhosos com meu Bill, que não são tão fáceis de esquecer quanto algumas semanas. Nós tivemos uma vida juntos. Você e Mark não. Eu não posso obrigá-la a nada, Keely. Só posso dizer que, se você quiser ficar com Dax, fique. Não sacrifique sua felicidade para sempre.

Keely estava balançando a cabeça, sem notar as lágrimas que continuavam a descer.

— Agora é tarde demais, Betty. Eu não concordo sobre deserdar a causa da PROOF depois de tanto tempo, não posso simplesmente abandonar tudo. Há pessoas que precisam de mim. Ainda mais agora com o resgate desses DASA. Temos uma nova esperança, e talvez surjam novos canais de investigação. Mas o destino de Dax e o meu já estava traçado antes de toda essa história começar. Se algum dia existiu amor entre nós, esse amor não existe mais.

Ela olhou para Betty, que nunca tinha visto tanta tristeza e desilusão em um rosto tão jovem.

— Eu sairei dessa depressão assim que chegar em Nova Orleans e voltar a trabalhar.

Keely não fazia a menor idéia de como se enganara. Estava tão cansada com tudo que acontecera em Paris e com as intermináveis entrevistas que dera durante a conexão em Washington que, quando chegou em casa, ela desligou o telefone e dormiu por quase vinte e quatro horas seguidas.

Quando acordou, Keely notou que era quarta-feira de Cinzas. Impossível encontrar um lugar para estacionar o carro. Esperar uma mesa em um restaurante nem pensar. Passear no centro exigia uma certa paciência para desviar de todos os turistas e dos quiosques montados. Em seu atual estado, tudo que menos queria era encontrar tanta gente.

Ela telefonou para o produtor e pediu alguns dias de férias. Depois de receber um sim mal-humorado, Keely arrumou as malas e foi para Mississipi visitar os pais.

Eles logo perceberam o aborrecimento da filha e fizeram de tudo para tentar animá-la. Keely comeu bem, dormiu todas as noites como um anjo e fez vários passeios solitários pela margem do golfo. Uma breve visita quase lhe sugou toda a força que reunira, e ela saiu da instituição com a sensação de que nada mais daria certo em sua vida.

Quando voltou ao trabalho, todos a trataram com alegria, carinho e uma simpatia além do normal. Parecia ter saído do hospital e estar convalescendo.

Nicole, que não suportava qualquer tipo de depressão, afastou-se de Keely, telefonando-lhe apenas de vez em quando. Ela não tocou no nome de Dax Devereaux. Na verdade, uma vez comentara que sua popularidade vinha crescendo devido à participação na causa dos DASA, mas como Keely não continuou o assunto, Nicole entendeu a dica.

Três semanas depois, Nicole se convidou para jantar na casa da amiga.

— Você consegue acreditar? Tenho um sábado livre sem nenhum encontro marcado. Vou jantar na sua casa. Faça aquele espaguete maravilhoso. Com muito queijo.

Keely riu.

— Se tem uma coisa que detesto é um convidada tímido. O que mais você quer?

— Aquela torta de chocolate e peca. Com sorvete.

— Algo mais?

— Fatias de pão francês.

— E o que mais?

— Nada — disse Nicole em seu tom brincalhão.

— Eu levo o vinho.

E cumpriu o prometido. Às sete horas daquela noite Nicole apareceu vestindo calça jeans e camiseta, carregando duas garrafas de vinho debaixo do braço.

— Será uma delícia. Vou comer até não poder mais. Quando não se tem um encontro no sábado à noite, a melhor coisa a fazer é comer até não poder mais. Além disso, ontem não consegui comer nada. Portanto, mereço um banquete.

— Espero que não seja nada sério — disse Keely, levando Nicole para a cozinha.

— Duvido. Foi apenas um mal-estar.

— Espero que não passe mal na minha casa

— brincou Keely.

— Termine de preparar a massa, pois estou morrendo... — A campainha a interrompeu. — Diabos! Quem será? Estou horrorosa e não quero que ninguém me veja assim.

— Não sei quem poderia ser. Não convidei mais ninguém.

— Bem, vou me livrar de quem quer que seja. Não pretendo dividir minha comida com ninguém.

Nicole foi atender a porta, e Keely ficou cuidando do espaguete. Ela não se virou até escutar a amiga chamá-la com uma voz estranha.

— Keely, há um soldado aqui que quer vê-la. — Os olhos azuis refletiam todo seu espanto.

— Um soldado? — perguntou ela, deixando a colher de pau em cima da pia.

Nicole assentiu.

Enxugando as mãos no pano de prato, Keely caminhou até a sala. O soldado estava em pé, nervoso, apertando o quepe nas mãos. Tinha a aparência abatida, resultado da recente doença. Suas mãos e pés pareciam grandes demais para o corpo magro, e as orelhas pareciam enormes com o corte de cabelo militar. Aparentava cerca de trinta anos de idade, apesar de as linhas que lhe circundavam a boca parecerem de um homem mais velho.

— Sou Keely Preston Williams — disse ela, apresentando-se. — Você quer falar comigo?

— Sim, Sra. Williams. Sou o tenente Gene Cox. Ao escutar aquele nome, Keely sentiu como se uma faca estivesse entrando-lhe nas entranhas. Deu um passo para trás e apoiou-se em uma das cadeiras. Seus ouvidos latejavam tanto que ela nem escutou o murmúrio de espanto de Nicole.

— Quer sentar-se? — perguntou ela, tentando se recompor.

O soldado ficou obviamente aborrecido por ter causado aquela reação tão drástica. A cor havia sumido do rosto de Keely, e seus lábios estavam roxos. O homem se acomodou, temendo que, se não o fizesse, ela desmaiasse.

— O que quer falar comigo? — perguntou ela, sentando-se.

O soldado olhou para Nicole, querendo um conselho, e, diante do gesto afirmativo, ele virou seu rosto honesto para Keely.

— Bem, eu a conheço desde Paris. Eu estava no hospital, e todos os dias nós recebíamos informações sobre o que estava acontecendo. Acho que foi o capelão que nos contou sobre a PROOF e todo o resto. — Ele olhou para as mãos, que torciam o quepe. — Tudo aconteceu tão depressa que eu nem sabia quem falava o quê.

— Sinto muito — desculpou-se Keely. — Não tenha pressa. Conte-me com calma por que veio me ver.

— Bem, como eu disse, eu soube de seu trabalho com a PROOF e que você estava em Paris. Desculpe-me, Sra. Williams, mas o deputado Devereaux não lhe contou o que eu contei para ele no hospital? Quando ele saiu do hospital naquele dia, depois de termos chegado à conclusão que eu estava no mesmo helicóptero de seu marido, achei que ele iria direto falar com você.

— Sim, ele veio, mas...

— Nós nos encontramos em Washington a semana passada. Finalmente consegui chegar em casa, pois estava muito doente — disse ele, e baixou os olhos mais uma vez. — Perdoe-me por estar desviando do assunto. Bem, encontrei o deputado em Washington e lhe perguntei como você tinha recebido a notícia. Ele me contou que você não acreditou que era o seu marido que pilotava o helicóptero que caiu. Claro que também não posso ter certeza, mas eu lhe trouxe algo que talvez esclareça as coisas.

Gene enfiou a mão no bolso da calça, e o coração de Keely disparou. Não podia ser possível! Gene Cox retirava uma corrente com uma placa de identificação. Ela a reconheceu imediatamente.

— Mark Williams que conheci estava usando esta corrente. Pouco antes de... de... de morrer, ele me pediu para entregá-la à esposa, caso eu conseguisse voltar. Quando fui capturado, eles pegaram a minha corrente e a dele, mas não ficaram interessados pela de Mark e me devolveram. E ela ficou comigo durante todo esse tempo. Eu não sabia se algum dia teria a oportunidade de encontrá-la para devolver a corrente, mas desejava ardentemente que sim.

Gene passou a medalha para Keely. Ela quase não conseguia fechar os dedos ao redor do objeto metálico, de tanto que tremiam. Ela olhou para a pequena medalha de São Cristóvão junto com a de identificação, que dera para Mark no dia do casamento. Virando-a, leu as palavras que tinha mandado gravar: "Que Deus lhe proteja, meu marido". Seus olhos se encheram de lágrimas.

— E dele, Keely? — perguntou Nicole, em um fio de voz.

Keely apenas assentiu. Não tinha forças para falar.

— Gostaria de poder lhe dizer que seu marido não sofreu, mas ele sofreu. Quebrou as duas pernas em vários lugares e vomitou san... Mas morreu como um herói. Mesmo com dores fortíssimas e o helicóptero prestes a explodir, ele queria saber dos outros. Acho que havia mais três além de nós dois. Eu realmente não consigo me lembrar direito. Só me lembro que tive de lutar como um louco para tirá-lo daquela clareira e escondê-lo na floresta. Quando... Quando descansou, havia uma expressão bastante serena no rosto dele. Mark disse que preferia morrer a voltar aleijado para casa.

— Que besteira...

— Eu concordo, Sra. Williams, mas acho que sei como seu marido se sentia. — Gene respirou fundo. — Faz três anos que minha esposa se casou com outro homem. A semana passada ela foi até Washington me encontrar. Eu quase não a reconheci. E ela também não.

— Sinto muito — disse Keely, olhando-o. Ele se levantou, ligeiramente nervoso.

— Bem, espero ter ajudado em alguma coisa. Sem nenhuma reserva, Keely caminhou até ele e o abraçou com ternura.

— Muito obrigada — sussurrou ela antes de Gene se afastar.

— Fico contente por poder ajudar. Gostaria de ter respostas para todas as outras perguntas. Sabe, algumas vezes achamos que éramos os únicos vinte e seis soldados esquecidos. É horrível pensar que ainda há tantos desaparecidos. Nós não tínhamos a menor idéia. — Ele caminhou até a porta.

— Tenente Cox, tenho mais uma pergunta a lhe fazer.

— Pois não?

— Você mostrou a corrente para o deputado Devereaux?

— Sim.

— E o que ele falou?

Os olhos do soldado se voltaram para Nicole por um instante, depois para Keely.

— Bem... Ele disse que seria melhor se eu a trouxesse pessoalmente para você.

Antes de partir, Gene anotou o telefone de Keely, prometendo que manteria contato, oferecendo-se para ajudar no que fosse necessário na causa da PROOF.

Quando fechou a porta atrás do homem, Keely encostou a testa na porta. A corrente ainda estava em sua mão, e ela a apertou com mais firmeza.

— Sente-se — disse Nicole, puxando-a pelos ombros. Keely se deixou levar e sentou-se rio sofá. — Agora sabe a verdade, Keely. Sinto muito por Mark, mas finalmente você descobriu.

— Sim.

— Sei que pode parecer difícil agora, mas daqui alguns dias você sentirá um grande alívio e poderá continuar com sua vida. — Nicole alisava os cabelos da amiga. — Keely, Dax lhe contou sobre Mark em Paris?

— Sim.

— E você não acreditou? — A incredulidade na voz de Nicole lhe dizia quanto tinha sido estúpida.

— Não! — exclamou ela, levantando-se de repente. — Eu não acreditei nele — gritou angustiada.

— Por que não acreditou em Dax, meu Deus? O que há de errado com você, minha amiga?

— Não sei — respondeu ela, escondendo o rosto com as mãos. — Achei que fosse um truque.

— Truque! Dax Devereaux não precisa de truques.

— Eu sei, eu sei, mas fiquei tão confusa. Era incrível demais, uma grande coincidência, e eu estava me sentindo tão culpada por... — Ela enrubesceu ao se dar conta do deslize.

— Culpada? Por quê? — Quando Keely tentou evitar os olhos de Nicole, ela segurou-lhe o rosto com as mãos. — Por quê?

— Porque nós tínhamos dormido juntos — gritou ela, empurrando Nicole.

— E qual é o problema? — gritou Nicole de volta.

— Qual é o problema? O problema é que eu ainda era casada com Mark. Eu só soube disso depois de ter passado a noite com Dax.

— Ah, não! — gemeu Nicole exasperada. — Não venha me dizer que está se sentindo culpada por ter traído um homem que morreu doze anos atrás!

— Mas eu não sabia...

— Você já me disse isso, e eu não agüento mais escutar! — berrou Nicole. — Você não pode estar pensando, depois de ter vivido como uma virgem durante doze anos, em se entregar a mais um interminável purgatório. Você dormiu com o homem que ama! Seu marido morreu faz doze anos. Quer me explicar qual é o seu pecado?

— Você não entende — disse Keely impaciente.

— Sim, você tem razão, eu não entendo. Você é uma mulher inteligente, bonita e bem-sucedida, e não posso compreender como pode se apegar tanto a esse tipo de culpa. Estou realmente cansada dessa sua autopiedade. Continue alimentando-se de sua miséria até que ela a destrua mais do que já a destruiu. Mas não conte mais comigo. Para mim, basta!

Depois de pegar suas garrafas de vinho na cozinha, Nicole saiu feito um furacão pela porta.

Jogando-se na cama, Keely tentou bloquear as visões, ignorar os sons, apagar as lembranças, mas elas se recusavam a deixá-la em paz. A deserção de Nicole a magoara demais. Depois de ter jogado toda a comida no lixo, ela foi para a cama e chorou até adormecer. Na manha de domingo, cuidou um pouco da casa e replantou algumas flores no jardim. Entretanto, logo ficou sem fazer nada, e assim o dia passou. Nunca se sentiu tão contente ao olhar para o relógio e ver que já era hora de ir dormir.

Mas o sono não veio. Depois de ter relembrado toda a discussão com Nicole, ela começou a se lembrar da manhã em que ela e Dax tinham acordado abraçados.

Antes de saírem do hotel, os dois decidiram que se aproveitariam do banheiro do qual a proprietária do hotel mostrara tanto orgulho.

— Deixe-me celebrá-la — ele sussurrara na banheira de hidromassagem.

— Como você prefere a água? Mais quente ou mais fria?

— Mais quente.

Eles ficaram acariciando-se, ensaboando-se, até que os dois estivessem brancos como dois bonecos de neve. Era um momento único, e nenhum dos dois queria que acabasse.

— Eu preciso fazer a barba — comentara ele, olhando sua imagem no espelho da pia algum tempo depois.

— Com certeza — brincara Keely. — Você está parecendo um pirata.

— O que as pessoas achariam de um deputado barbado?

— Deixe crescer para ver.

— É uma boa idéia. Mas você quer que eu deixe minha barba crescer? Pode pinicar demais...

— Ah, mas nós não nos beijaríamos enquanto ela estivesse crescendo. Quanto tempo demora para a barba crescer? Meses?

— Você ficaria impressionada com a minha virilidade se eu lhe dissesse que demora apenas algumas semanas?

— Não — respondera ela, saindo do banheiro. Dax parou-a à porta e virou-a, depois foi empurrando-a lentamente para a cama até que os dois caíssem.

— Então vou ter de usar outros artifícios para impressioná-la.

E agora ela estava ali, deitada em sua cama, enfrentando momentos terríveis. Será que algum dia conseguiria se esquecer de todos os momentos que vivera com Dax? Aquela fora a noite mais maravilhosa de toda sua vida. A noite que passara com ele não tinha a menor semelhança com as que passara ao lado de Mark. Fora uma paixão furtiva e juvenil.

Ela e Dax tinham se amado sem vergonha nem obstáculos. Keely conhecia seu corpo pelos músculos, pelo cheiro. E ele conhecia cada parte de sua intimidade. Depois daquela noite, ela descobriu o que era amar e ser amada por um homem.

— Eu a amo, Keely — ele dissera.

Keely lembrava-se perfeitamente do rosto de Dax quando ele dissera essas palavras. Por que não se jogara nos braços dele, entregando-se de corpo e alma, implorando-lhe que nunca mais a abandonasse?

Agora era tarde demais. Ela soube no momento em que o olhar severo e implacável de Dax a estudara depois de tê-lo acusado de mentir, de estar usando golpes baixos para se aproximar ainda mais dela. Mesmo que Keely lhe pedisse perdão, Dax jamais voltaria a amá-la. Nicole tinha razão, ela era uma tola. .

Deveria telefonar para Dax? Deveria colocar todos os seus medos.de lado e telefonar-lhe pedindo perdão? Sim!

Keely estava prestes a pegar o telefone quando foi acometida por outro pensamento. Ele sabia que Gene Cox lhe levaria a medalha! O que o soldado dissera? Ele disse que seria melhor que eu a trouxesse pessoalmente para você. Dax sabia, mas não tinha feito nenhum esforço para contatá-la. Sabia que ela estava livre, mas não fora tentar uma reconciliação.

Ela estava livre, mas ele não.

Dax Devereaux ainda concorreria para o Senado. Ela vira a fotografia dele no jornal de domingo ao lado de Madeline Robins. A viúva lhe oferecera uma grande festa depois de seu retorno de Washington.

Enquanto Keely escutava a história de Gene Cox, Dax se divertia com Madeline. Enquanto sua melhor amiga lhe dava as costas, ele dançava com Madeline. Rindo. Festejando.

Dax tinha dito que a amava. Talvez a amasse, mas seria bom se ela entrasse em sua vida naquele momento? Em que isso afetaria sua carreira política? O nome Keely Preston ainda estava na mente das pessoas. Dentro em breve ela teria de anunciar a morte de Mark, mas as pessoas já a tinham visto ao lado do deputado. Eles seriam foco de especulações e de muito falatório.

Dax precisava de pessoas como Madeline em sua vida para ajudá-lo na corrida ao Senado. Portanto, não sobrava espaço para Keely Preston Williams. E ela não via sua vida sem aquele lindo e encantador deputado.

A obrigação e a responsabilidade a forçaram a sair da cama quando o despertador tocou às cinco horas. Ela se vestiu e se maquiou mecanicamente. Bebeu uma xícara de café e saiu correndo de casa em direção ao heliporto.

Era uma manhã de primavera, quente e úmida. Havia nuvens no horizonte onde o sol logo nasceria, mas o céu estava bastante límpido. Minutos depois da chegada de Keely, o helicóptero pousou, descendo do céu como um mosquito gigante.

— Bom dia, Joe — disse ela.

— Bom dia, minha querida — cumprimentou o piloto. — Trouxe alguns doces para nós.

— Obrigada — respondeu Keely, apertando o cinto de segurança.

A manhã foi rotineira. Seu primeiro relatório, às seis e quinze, foi tranqüilo, pois o fluxo de carros ainda era pequeno.

Todavia, durante o segundo boletim, escutou-se uma grande explosão, como o de uma bomba. Depois, o silêncio, indicando que o motor do helicóptero tinha parado.

— Diabos! — blasfemou Joe.

Keely olhou para ele e tentou manter a calma diante da catástrofe que estava prestes a acontecer.

— Joe!

— Keely, o que está acontecendo aí em cima? — perguntou o DJ, mas sua voz não lhe parecia real.

— Joe!!!

— Segure-se, Keely — disse ele resignado. — Estamos descendo.

 

Keely olhou pela janela e notou que o solo e o horizonte se aproximavam em velocidade alarmante. As pás do helicóptero continuavam rodando, mas não se escutava o som do motor. A pequena aeronave girava sem parar, dando a impressão de que o solo subia.

— Não! — gritou Keely desesperada. Quando o helicóptero deu um solavanco para a

frente, ela sentiu o cinto se apertar em seu estômago, mas não forte o suficiente para segurá-la. Ela foi lançada com violência, batendo a cabeça no vidro. De repente, Keely se viu lutando contra uma terrível dor e tontura.

— Ajudem-me! — ela gritou de novo, sem saber se alguém a escutaria ou se realmente estava dizendo as palavras em voz alta. — Não, por favor, não! — Keely tentou abrir os olhos, mas a luz era forte demais, quase a cegava. Nessa luz formou-se uma imagem.

— Mark!

Ela o viu sorrindo exultante. Era o mesmo jovem que tinha conhecido tantos anos atrás. Seus olhos se iluminaram ao vê-la, e seu sorriso continuava jovial.

Mark!, gritou-lhe sua mente, você está vivo! Ele não mostrava sinais de dor. Não era um esqueleto perdido em uma selva do outro lado do mundo. Seu espírito estava bastante vivo naquela esfera à qual Keely fora lançada.

A luz começava a diminuir. A imagem de Mark foi perdendo o foco. Keely queria lhe falar, mas ele apenas acenava. Depois ele se virou e seguiu andando, para o mesmo lugar de onde tinha aparecido. Uma cortina gigante foi se fechando, separando-os. A escuridão aumentava gradativamente, e ela começava a perder a batalha. Queria ir para o lugar quente e iluminado onde Mark estava.

Pouco antes de essa escuridão envolvê-la por completo, Keely percebeu com perfeita clareza que seu coração se entregava a uma grande paz. Naqueles poucos momentos, suspensos entre dois mundos, ela compartilhara, e até mesmo vivenciara a morte de Mark. Agora poderia deixá-lo descansar em paz. Vendo-o contente e bem, ela conseguiu aceitar a partida do marido deste mundo, permitindo-lhe que partisse.

Em paz, com um suspiro rendido, Keely se deixou levar pela escuridão.

— Calma, Srta. Preston. Fique deitada. Tudo está bem. Você está no hospital.

Mãos fortes porém gentis mantinham seus ombros presos à cama, embora ela continuasse tentando levantá-los.

— Arrume a bandagem que se soltou, Patsy. — Enquanto as mãos a seguravam, outras mãos lhe ajeitaram algo na testa. — Ela precisa despertar. Srta. Preston, acorde. Abra os olhos e nos diga olá. Keely tentou obedecer, mas foi quase impossível. Suas pálpebras pesavam como chumbo. Entretanto, as vozes, saídas de uma névoa intensa, eram insistentes, e ela continuou tentando até conseguir ver um sinal de luz.

— Que bom! Olá, Srta. Preston. Nós não achamos que você despertaria tão depressa. Gracie fica chateada quando seus pacientes não conversam com ela.

— E verdade. Fico mesmo. Ainda mais quando o paciente é uma celebridade. Como está se sentindo?

O uniforme branco das enfermeiras lhe ofuscava os olhos. Havia um termômetro debaixo de sua língua. Estavam tirando-lhe a pressão arterial.

Quando..; Onde... Como? As perguntas passeavam por sua mente, brigando com a forte dor. Então Keely se lembrou da queda do helicóptero e apertou as mãos contra a cama.

— Joe — sussurrou ela, não reconhecendo a própria voz. — Joe.

— Ele está bem — garantiu uma das enfermeiras. — O piloto aterrissou o helicóptero do Superdome, como de costume.

— Aterrissou? — As palavras pareciam se revirar em sua boca, tentando encontrar uma saída. — Mas...

— Não se preocupe com isso agora. Depois você será informada dos detalhes. Agora acha que consegue tomar um pouco de suco sem vomitar em cima do lindo vestido que lhe colocamos?

Keely balançou a cabeça dizendo que não, mas a enfermeira colocou o canudo em sua boca e ela bebeu alguns goles antes de adormecer outra vez.

O caminho de volta para recobrar a consciência foi longo e vago. A confusão obscurecia as vezes que Keely acordava, e seu sono foi tão pesado que ela nunca parecia se recuperar. Sabia ter uma agulha enfiada na mão, conectada ao soro, pois toda vez que mexia o braço ela sentia o puxão do esparadrapo.

Seus pais iam e vinham em seus sonhos até conseguir perceber que eles realmente estavam lá. Sua mãe chorava baixinho. Seu pai tinha uma expressão triste e abatida, e beijou-lhe a testa quando ela lhe sorriu em um dos momentos de lucidez.

Uma vez Keely acordou e se lembrou de ter visto um homem loiro, inclinando-se sobre ela. Era um rosto desconhecido mas sorridente.

— Olá — disse ele. — Estou apenas olhando meu trabalho.

Keely o fitou com surpresa.

— Sou o Dr. Walters, mas pode me chamar de David. Sua amiga me telefonou quando soube que você teria de costurar a testa. Sou cirurgião plástico. Você ficará com uma pequena cicatriz na linha do cabelo, mas faço um trabalho tão bom que nem se perceberá a marca.

Ela sorriu.

— Você está se sentindo bem? Precisa de alguma coisa?

Keely movimentou a cabeça para os lados, fechou os olhos e voltou a dormir.

Então, como em um passe de mágica, a névoa desapareceu, e ela despertou de repente. Sua cabeça doía como nunca, mas era compreensível. Uma fraqueza debilitante fazia seus membros tremerem, e as enfermeiras a ajudaram a caminhar um pouco pelo quarto antes de a recolocarem na cama. Keely bebeu quase um copo de suco de maçã e conseguiu mantê-lo no estômago. Por sorte, as enfermeiras lhe tiraram o soro, deixando-lhe uma marca roxa na mão.

Durante o restante do dia, Keely cochilou várias vezes, e seu sono não era mais pesado e drogado. À noite, conseguiu ler as notícias do acidente nos jornais que as enfermeiras tinham guardado. Seu quarto estava cheio de flores.

Um dos cartões não estava assinado, e as enfermeiras queriam saber quem lhe mandara um buquê tão lindo de rosas amarelas. Keely sabia que a falta do cartão não era acidental. Ela pegou uma flor e colocou-a ao seu lado no travesseiro. Seus olhos se encheram de lágrimas.

Na manhã seguinte, Keely se levantou, tomou um banho, vestiu sua própria camisola e aplicou um pouco de maquiagem no rosto pálido. Milagrosamente, uma pequena sacola com seus itens de banho apareceu durante a noite. Perguntou para sua mãe se ela a trouxera, mas a mulher negou.

Os médicos a examinaram e liberaram as visitas. O primeiro a surgir foi o gerente da KDIX, e Keely se alegrou com a preocupação do chefe. Ele lhe trouxe cartões e mensagens do resto da equipe. Joe Collins veio mais tarde. — Obrigada por ter salvado a minha vida — disse Keely, abraçando-o com força. Depois de ter certeza de que ela realmente estava bem, Joe lhe contou os detalhes do acidente.

— Uma pequena partícula bloqueou a linha de combustível, e o motor parou. Por sorte, eu consegui estabilizar o helicóptero e tentei pousar com o que chamam de auto-rotação. As hélices ficam girando por um tempo. Estávamos quase sobre o Superdome quando aconteceu, então... Eu estava ocupado tentando nos manter vivos, mas me preocupava com você, pois havia muito sangue em seu rosto.

— Você salvou a minha vida, Joe.

O piloto pareceu momentaneamente envergonhado, então ela mudou de assunto. Depois de sua partida, Keely adormeceu, e as enfermeiras convenceram os outros visitantes a voltarem mais tarde.

Naquela mesma noite, depois do jantar, Keely assistia à televisão quando escutou uma suave batida na porta.

— Entre — disse.

Nicole e Charles apareceram.

— Keely, eu sinto muito — disse ela, jogando-se nos braços abertos da amiga. — Você fez de propósito para eu pagar pela terrível maneira como a tratei aquele dia? Não gosto nem de me lembrar, mas quando a escutei gritando lá de cima, eu achei que fosse morrer.

— Você escutou?

— Sim, todos escutaram — disse Charles. — Você estava no meio da conversa com o DJ. Infelizmente, ele não reagiu com a habilidade que deveria e não cortou seu microfone.

— Eu nem me dei conta — falou Keely. — Deve ter sido horrível.

— Bem, você se transformou em heroína — brincou Nicole, sabendo que fora perdoada.

— Foi você quem chamou o cirurgião plástico e trouxe minhas coisas de banho?

— Charles e eu.

— Obrigada — respondeu Keely, apertando as mãos de Nicole.

— Sobre aquela noite, Keely...

— E um assunto do passado. Você tinha razão em vários aspectos.

— E outros não eram da minha conta.

— Sim, eram. Você é minha amiga.

— É verdade. — As duas estavam prestes a cair em prantos, mas Charles as salvou da cena emocional.

— Querida, você ainda não contou as novidades a Keely — disse ele com calma.

Keely ficou tão chocada ao escutá-lo chamar Nicole de "querida" que, por um momento, não conseguiu afastar os olhos de Charles.

— Que novidade?

Nicole se virou para ele e sorriu.

— Você está todo orgulhoso, não é?

— Mas é claro.

— Não estou achando nenhum pouco engraçado. Querem me contar o que está acontecendo? — interrompeu Keely. — Qual é a novidade.

— Estou grávida — resmungou Nicole. Keely olhou para a. amiga cabisbaixa que brincava

com os lençóis, depois voltou-se para Charles. Não teria ficado mais espantada se Nicole houvesse lhe informado que decidira ir para um convento.

— Você o quê?

Nicole se levantou da cama e aproximou-se de Keely.

— Você escutou. É isso mesmo. Estou grávida, esperando um bebê. E Charles — disse ela, apontando-o —, é o culpado.

A alegria de Keely foi tão grande que ela começou a rir e a chorar ao mesmo tempo.

— Não posso acreditar — falou ela, enxugando as lágrimas. — Quando...

— Na noite em que saímos para jantar com você e com Dax. Charles me levou para casa, lembra? Eu usei todos meus artifícios femininos e consegui levá-lo para a cama. E agora ele está se vingando!

—Você não está aborrecida, não é minha querida?

— Quem acreditaria em nós dois juntos? — comentou Nicole. =— Você não tem idéia do que é esse homem na cama!

As risadas recomeçaram, e Keely sentiu-se fraca quando conseguiram parar. Charles abraçou Nicole com ternura.

— E vocês permitirão que essa criança nasça sem uma família?

— Ah, Keely — choramingou Nicole, apoiando a cabeça no ombro de Charles.

— Eu conto, querida, pois fui eu que insisti. — Ele beijou-lhe a ponta do nariz. — Nós nos casamos ontem, Keely. Claro que gostaríamos que você pudesse estar conosco, mas achei melhor não esperarmos mais nem um minuto.

Keely sorriu e, mais uma vez, as lágrimas inundaram-lhe os olhos.

— Estou tão feliz por vocês. Sempre achei que foram feitos um para o outro.

— Eu também — concordou Charles. — Nicole, todavia, teve mais dificuldades para aceitar.

— Você é muito persuasivo — murmurou ela, abraçando-o.

— Posso pelo menos beijar o noivo?

— Claro. Será um prazer.

Charles se afastou dos braços possessivos de Nicole e beijou a face de Keely.

— Vou esperá-la lá fora, minha querida. Não tenha pressa. — Em seguida, ele beijou o rosto da esposa e saiu do quarto.

— Nicole, você o ama, não ama? — perguntou Keely, tomando-lhe as mãos. — E o bebê? Você está contente com a gravidez?

— Ah, Keely, estou tão feliz que às vezes acho que vou explodir de felicidade. Não haverá mãe mais cuidadosa e carinhosa do que eu. Essa criança será muito amada. E Charles. Charles... Eu tinha medo de amá-lo, de ser rejeitada. Mas ele me ama, Keely. De verdade. Por mim, e não por... Bem, você sabe... E apesar de toda a minha reputação, de todos os outros homens, ele me ama.

— Eu já sabia, e fico contente que você tenha descoberto esse amor.

— Eu também — disse ela, sorrindo como uma adolescente. Mas o sorriso lhe sumiu dos lábios quando ela olhou para a expressão triste da amiga. — E você, Keely? Como pretende solucionar seus problemas de coração?

— Acho que tudo já foi resolvido por mim. — Eia olhou para as flores amarelas, depois para Nicole. — Quando o helicóptero estava caindo, eu percebi que Mark tinha morrido. Ele pertence ao passado. Dax é o presente, poderia ser o futuro, mas... Eu o amo, Nicole. Eu o amo mais do que tudo na vida. Mas ele jamais me perdoará por não ter acreditado nele.

— Como sabe? Você lhe perguntou?

— Não. Claro que não.

— Então por que não pergunta. Ele está aí fora. Keely arregalou os olhos.

— Ele... Ele...

— Sim, Dax está lá fora. Ele veio junto com a ambulância para o hospital. Dax estava escutando o rádio quando o acidente aconteceu. E não saiu um só minuto daqui desde que você chegou. Keely, volte para a cama!

— Não. — Ela se,descobriu e sentou-se. — Vou até ele.

— Keely, pelo amor de Deus...

— Não — disse ela, afastando as mãos de Nicole. Tinha de ir sozinha até Dax.

Chegando perto da porta, Keely esticou os braços para controlar a tontura. Não cederia de forma alguma. Precisava vê-lo, dizer-lhe que...

A porta era pesada demais, então Nicole a abriu. Com passos silenciosos, ela caminhou lentamente pelo corredor.

Dax estava sentado em uma cadeira com as pernas afastadas, as mãos unidas entre elas e a cabeça baixa. Seu abatimento era evidente. Roupas amassadas, barba por fazer, cabelos despenteados. Mas ele nunca lhe parecera tão lindo. Estava falando com os pais dela, acomodados no sofá em frente.

— Dax.

Ele levantou imediatamente a cabeça e se virou na direção da voz, observando-a caminhar pelo longo corredor.

Em um instante, Dax estava em pé, deixando a revista de seu colo cair no chão. Com passos rápidos, ele caminhou até ela sem desviar o olhar e a abraçou. Abraçou-a com força, como se jamais fosse soltá-la.

O poder daquele abraço lhe tirou o fôlego.

— Ah, Keely... Minha doce Keely.

Eles nem notaram o espetáculo que tinham criado no corredor, mas Nicole, para protegê-los, empurrou-os para dentro do quarto, fechando a porta em seguida. Nenhum dos dois se deu conta de ter saído do lugar.

Dax alisava-lhe os cabelos com dedos trêmulos. Estudava-lhe o rosto ansiosamente, tocando-lhe as feições.

— Tive tanto medo de que algo lhe acontecesse. Eu a estava escutando no rádio, adorando o som de sua voz, morrendo de vontade de vê-la. Então escutei o motor parar. Eu já estive em muitos helicópteros, então soube no ato o que tinha acontecido. Meu coração parou de bater. Achei que fosse perdê-la. Ah, meu Deus, Keely...

— Calma, meu querido — disse ela, confortando-o. — Eu estou aqui. Viva.

Keely enxugou-lhe as lágrimas que lhe ameaçavam escorrer pelo rosto.

— Por que não foi falar comigo quando soube que a medalha de São Cristóvão provaria a morte de Mark?

— Você queria que eu o tivesse feito?

— Sim, eu o queria, mas tinha medo de aceitar a realidade. E achei que você nunca mais fosse querer me ver depois de tudo que lhe disse. Você me perdoa por ter duvidado de você, Dax? Sinto muito.

Agora foi a vez de ele confortá-la.

— Eu fui um tolo, Keely. Eu não deveria ter tocado no assunto da morte de Mark naquele momento, mas estava tão ansioso para que você soubesse... — Ele pegou-lhe o rosto. — Por que não me telefonou quando soube que eu tinha lhe contado a verdade? — perguntou Dax, evidentemente magoado. — Por quê, Keely?

— Porque achei que você jamais me perdoaria por não ter acreditado em suas palavras. Você tem sua carreira política para se preocupar e não precisa de problemas na sua vida nesse momento. Eu vi sua fotografia na coluna social ao lado de Madeline.

— E tudo? — perguntou ele, rindo.

— Porque eu o amo e jamais faria qualquer coisa para magoá-lo.

— Keely. — Ele a abraçou com ternura. — Eu não fui lhe procurar por não saber o que você estava pensando ou sentindo. Achei que pudesse estar sofrendo com a morte de Mark. Eu não queria agir depressa e de maneira impensada, como da última vez.

Keely alisou a gola amassada da camisa dele.

— Não. Eu senti um grande alívio por Mark não ter sofrido todos esses anos de prisão. Quando eu sofri o acidente de helicóptero... Bem, eu me despedi dele, Dax. Ele ficará na minha memória para sempre, mas já morreu faz muito tempo. E me foi concedida uma segunda chance. Não posso perder mais um dia da minha vida.

Então Dax a beijou. Foi um beijo longo, sincero.

— Você precisa ir para a cama — disse ele, afastando-a momentos depois.

Dax ajudou-a a se deitar e cobriu-a com o lençol. —- Keely, quer se casar comigo?

— Você quer?

— Muito.

— Eu sou uma recém-viúva.

— Depois de doze anos? Assim que a morte de Mark for anunciada, as pessoas compreenderão sua vontade de se casar novamente.

— Ah, meu amor... Não estou pensando em mim, mas não quero que nada atrapalhe sua campanha.

Ele beijou-lhe a palma da mão.

— Pode deixar que eu cuido disso. Amanhã, com seu consentimento, vou agendar uma entrevista com a imprensa para anunciar nosso noivado. E Van Dorf será o primeiro da lista.

— Van Dorf! Dax, ele...

— Não se preocupe com Van Dorf. Nós conseguimos nos entender. — Ele beijou-lhe os lábios. — Mas chega de falar dele. Você quer se casar comigo?

— Dax, nossos nomes ainda estão na mente das pessoas.

— Keely. — Ele se inclinou e beijou-a outra vez. — Você é uma jóia rara. Tenho certeza de que meus eleitores a adorarão. E se não votarem em mim por causa da mulher com quem me casei, ou por qualquer outro motivo, então servirei meu país como fazendeiro e empresário. Eu prefiro uma vida a seu lado a um cargo público. Aliás, eu sempre preferirei estar com você.

— Dax... — O nome dele foi um simples sussurro antes de os lábios se unirem em um carinhoso beijo.

— Você acha que pode cuidar da campanha para mim? Quero dizer, sem parar de trabalhar na rádio?

— Você continua sendo político, não? — Keely entrelaçou os dedos nos cabelos dele. — Acho que amá-lo será uma ocupação em tempo integral.

— Gostei disso. — Ele beijou-lhe as pálpebras.

— Dax?

— Sim?

— E Madeline?

— 0 que tem Madeline?

— O que tem Madeline? — repetiu Keely.

— Absolutamente nada, Keely. Nunca houve nada, nem mesmo antes de eu conhecê-la, e nunca haverá. Ela queria um caso, a imprensa queria, mas ninguém consultou, e eu me aproveitei da publicidade que Madeline atraía. Talvez tenha sido um erro, mas agora acabou. Se ela quiser contribuir com a minha campanha, ela poderá fazê-lo.

— Fique comigo esta noite. — A rápida aceitação da explicação de Dax foi uma prova de confiança e amor. Ela esticou o braço e apagou a luz da cama. Ele olhou para a porta. — Não se preocupe, se alguém quiser entrar terá de passar por Nicole, e acho que isso não será possível.

Mesmo com o quarto escuro, Keely enxergou o lindo sorriso. Dax tirou os sapatos e deitou-se ao lado dela. Sem mais nenhuma palavra, bocas se fundiram, experimentando-se, revivendo momentos de amor.

— Dax — ela murmurou, pressionando o corpo dele.

— Ah, meu Deus... Isso não vai dar certo. Preciso ir embora — disse Dax, afastando-se.

— Não — impediu Keely, puxando-lhe a camisa.

— Não podemos fazer amor aqui, Keely. Você precisa descansar, dormir...

— Eu vou descansar e dormir. Só me prometa que não sairá do meu lado.

— Jamais — jurou ele. — Eu a amo, Keely. Nunca vou deixá-la. Nunca.

Dax pressionou a testa contra a dela, e com os batimentos cardíacos fortes e constantes, Keely sentiu seus antigos receios desaparecerem. Seria um novo começo. A dor do passado se fora. O presente resplandecia, e eles ainda podiam esperar pela promessa de um futuro.

 

                                                                                Sandra Brown  

 

                      

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