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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


REBELDE E ARDENTE / Katheríne Ranson
REBELDE E ARDENTE / Katheríne Ranson

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

REBELDE E ARDENTE

 

Para fugir do pai rico e autoritário, Vanessa Hamilton programou uma bucólica volta à natureza - viajar de canoa no meio da selva. Ela só queria muita paz e tranqüilidade para pensar. Mas ao bater os olhos em Rory McGee, o guia da excursão, percebeu que seu futuro, subitamente, teria outro rumo. Como viver agora sem o amor ardente e inesgotável de Rory? Forte, másculo e corajoso, ele simbolizava tudo o que ela queria num homem, com exceção de um detalhe inquietante: tinha o mesmo temperamento dominador de seu pai e ela não queria sofrer de novo. Além do mais, tremia só em imaginar qual seria a reação de Rory ao descobrir quem ela era realmente.

 

Vanessa Hamilton colocou os óculos escuros no alto da cabeça e olhou a seu redor, examinando a cidadezinha onde estava. Do outro lado da rua havia um posto de gasolina com uma bomba e um armazém e subindo a rua, a algumas centenas de metros dali, um motel. Pelos veículos parados diante da entrada, em sua maioria pick-ups e carros com tração nas quatro rodas, via-se que a clientela era composta principalmente de esportistas. Não havia nenhum conhecido.

Vanessa suspirou e voltou a olhar para o restaurante a sua esquerda. As janelas estavam cheias de anúncios de cerveja em neon indicando que lá também a clientela era principalmente de pescadores e caçadores. Mas, afinal, o que mais se poderia esperar aqui nos confins do Maine? Aquilo não era exatamente Beacon Hill, o bairro mais elegante de Boston, de onde Vanessa havia saído há três horas disposta a esquecer por algum tempo seus amigos ricos e a cidade de Boston.

Dois dias antes, quando Brian Jacobs quebrou o tornozelo e teve de desistir da viagem programada para descer o rio Allagash de canoa, Vanessa decidiu aproveitar a oportunidade. Aquilo era exatamente o que ela estava precisando - duas semanas longe de Boston e de um pai dominador. E, assim, lá foi ela para o Maine, levando uma mochila cheia de jeans, suéteres e repelente de insetos.

Vanessa sorriu ao lembrar das elegantes roupas de griffe que costumava usar. Quem olhasse para ela hoje, jamais diria que era a filha única do rico industrial Jack Hamilton. Ela estava parecendo uma típica turista de classe média, e era assim que pretendia continuar. Nas próximas duas semanas, Vanessa queria esquecer sua riqueza e encontrar tempo para pensar e relaxar. Ela achou que no Maine, longe de seus amigos ricos e de seu pai, poderia decidir sobre seu futuro. Sabia que não queria voltar para Boston e continuar fazendo as mesmas coisas que fizera até então, morando na luxuosa mansão de Beacon Hill, trabalhando na empresa do pai por um salário exorbitante para não fazer nada.

Mas, antes de tudo, precisava encontrar seu guia. Ela jamais tentaria fazer sozinha uma viagem de duas semanas por um rio que atravessava a mata, mas Brian asseguroulhe que já tinha contratado um guia no Maine para descer com ela o Allagash. Olhou mais uma vez para a tira de papel que Brian lhe dera, onde estava escrito a mão: Rory McGee, East Nelson, Maine.

Brian havia combinado encontrar esse Rory McGee no restaurante Bearcat, em East Nelson. Vanessa olhou mais uma vez para o restaurante e sentiu um friozinho no estômago. Qual seria a reação do guia quando, no lugar de Brian Jacobs, lhe aparecesse uma mulher? Bem que ela havia tentado avisá-lo de que estava tomando o lugar de Brian, mas McGee estivera numa excursão com um grupo até o dia anterior. Vanessa então arrumou a mochila e foi para o Maine, sem pensar mais no assunto.

Decidida, Vanessa ergueu o queixo e olhou para a porta do restaurante. Ele que ficasse chateado, pois ela iria descer o rio de qualquer maneira. Desde que Brian lhe falara da excursão, ela tinha se sentido atraída pela excitação e o desafio da aventura: E, além do mais, estava cansada de ver seu pai constantemente dizendo-lhe o que fazer com sua vida. Se o tal de Rory McGee criasse caso, ela sorriria e ouviria suas reclamações, e, então, calmamente, o convenceria de que ele não tinha motivos para se preocupar - uma mulher poderia sair-se tão bem numa viagem de canoa quanto um homem.

Respirando fundo, Vanessa abriu a porta do Bearcat e entrou. Devido ao sol forte lá de fora, mal conseguia enxergar dentro do restaurante, mas aos poucos seus olhos foram se acostumando à penumbra e ela começou a olhar a sua volta.

Logo viu que aquele era o ponto de reunião de homens. Havia mesas quadradas e redondas, com cadeiras confortáveis arrumadas em torno delas. O bar pegava toda a parede do fundo, e homens de calças jeans e camisas quadriculadas sentados junto ao balcão conversavam e riam, bebendo cerveja gelada. Num canto, um toca-discos automático tocava uma música country, enquanto suas luzes de neon piscavam ao ritmo da música.

Vanessa ficou parada junto à porta e sentiu-se invadida pelo calor do ambiente. O barulho das pessoas conversando era às vezes interrompido por gritos ou gargalhadas, e no ar havia uma sensação de camaradagem. No entanto, como ela continuasse lá parada, o ambiente caiu subitamente num profundo silêncio. Todos os olhos estavam pregados nela, todas as cabeças voltadas em sua direção. Levantou um pouco o queixo ao ver que estava sendo examinada, sentindo os olhos dos homens descerem por seu corpo, até os pés, e depois voltarem, parando nos seios generosos.

Se recuasse agora, pensou Vanessa, jamais desceria o Allagash. Sabia que Rory McGee estava ali e não queria que ele a visse fugir com o rabo entre as pernas. Respirou fundo mais uma vez e dirigiu-se ao bar. O garçom olhava para ela, de braços cruzados, com o quadril encostado no balcão.

- Por gentileza - disse ela. - Você poderia me ajudar?

O garçom inclinou-se para a frente, sorrindo.

- Farei o possível, senhorita.

- Estou procurando por Rory McGee - disse ela, sorrindo. - Sabe, por acaso, se ele está aqui?

Ouviu-se um som de risos.

- Bem, eu estou! Será que sirvo? - disse um dos homens, batendo com a mão no balcão e sorrindo de orelha a orelha. - Mas como é que o Rory pode ter tanta sorte?

O sorriso de Vanessa desapareceu e seu rosto ficou vermelho, mas ela procurou ignorar as piadinhas, mantendo os olhos fixos no garçom.

- E então? Ele está aqui? - perguntou, tentando manter a calma.

- Rory? Claro que está. Basta procurar o cara mais alto, mais simples e mais beberrão daqui, e encontrará Rory.

Vanessa engoliu em seco e passou os olhos pelos homens do bar. Todos eram altos e pareciam simples. Eram homens grandes, rudes, com a barba por fazer, e todos com os olhos fixos nela. Começou a sentir uma certa apreensão, pensando se aquela viagem súbita ao Maine tinha realmente sido uma boa idéia. Afinal de contas, o que ela sabia sobre esse tal de Rory McGee? Brian havia dito que McGee conhecia o Allagash como a palma da mão, mas será que isso seria o suficiente para torná-lo um homem de confiança?

O friozinho no estômago voltou com força total. Ela agora podia ouvir as palavras do pai: "Eu disse que você não conseguiria, Vanessa. As matas do Maine não são lugar para uma moça como você. Você precisa de civilização

- dinheiro, roupas de seda, boa comida, boa cama, e não um saco de dormir no chão frio da mata".

Ouviu então outra voz, vinda de trás dela; era baixa e profunda, diferente da voz de seu pai.

- Está procurando por mim?

com o susto, voltou-se bruscamente e deu de cara com um peito másculo, largo.

- Oh! Não. Eu... quero dizer. - Ela gaguejava, enquanto seus olhos subiam pelos botões da camisa de flanela, passando pelos ombros largos e depois pela barba negra, subindo pelo nariz reto, até chegarem aos olhos alegres do homem. Eram olhos cinzentos, da cor de tempestade no mar. Só que não estavam agitados; eles riam, formando rugas nos cantos.

Por um momento, ela ficou sem saber o que dizer, e só então entendeu o que ele disse.

- Ah, quer dizer que você é... - Vanessa ficou olhando para ele, com a cabeça inclinada para trás, para poder olhá-lo nos olhos.

- Sou eu mesmo, Rory McGee, às suas ordens. Vanessa não conseguia desgrudar os olhos dele. Ela não sabia o que esperava encontrar, mas não era nada daquilo. O homem que estava a sua frente era alto e musculoso e aquela barba e bigode negros davam-lhe uma aparência quase perigosa, logo desfeita por seus olhos alegres. Sua voz de timbre baixo, educada e civilizada, também contrastava com seu aspecto de homem do mato.

A presença dele era tão marcante que Vanessa perdeu completamente o fôlego. Atordoada, segurou na beirada do balcão, tentando recuperar-se, e forçou um sorriso para fingir que tudo estava bem.

Mas não estava. Por alguma estranha razão, aquele homem a tinha perturbado muito. Ele a deixava literalmente sem fôlego, e Vanessa não conseguia descobrir a razão. Ele era alto, é verdade, e aquela barba preta dava-lhe uma aparência de homem das cavernas, mas isso não explicava totalmente o efeito. Vanessa achou que tinha algo a ver com carisma, ele tinha um certo magnetismo, algo que acelerava seu pulso e deixava a sua respiração irregular.

Ela procurou tirar da mente aqueles pensamentos irracionais. "Que carisma que nada", pensou. Ele apenas a assustou, foi só isso. E, agora, os homens do bar estavam novamente rindo, brincando com Rory, mexendo com ele, perguntando-lhe se ele não sabia como tratar uma dama.

- Que é que há, Rory? - gritou um deles. - Se você não sabe o que fazer com ela, deixe comigo!

Constrangida, Vanessa olhou para Rory e viu que ele estava agüentando a brincadeira em silêncio. Em seguida, segurou-a pelo braço e levou-a para a porta.

- Venha - disse em voz baixa. - Vamos sair daqui, senão não poderemos conversar em paz.

Ela deixou que ele a levasse até a porta, aliviada por deixar o Bearcat e sua ruidosa clientela. Ele segurou a porta para que ela passasse e saiu em seguida. Diante do sol forte, Vanessa apertou os olhos e levantou a mão para descer os óculos do alto da cabeça, mas a mão forte e bronzeada de Rory impediu-a.

- Não faça isso - disse ele, com suavidade. - Quero ver seus olhos.

Assustada, voltou-se bruscamente, levantando o rosto para olhá-lo, e mais uma vez sentiu aquela perturbação estranha. Mas o que ele tinha de diferente? Seria aquela barba escura, contrastando com seus olhos gentis e risonhos? Ela não sabia. A única coisa que sabia era que continuava pregada na calçada, com a cabeça inclinada para trás, sentindo-se perdida naqueles olhos cinzentos. Subitamente, ela não estava mais em East Nelson, no Maine, parada diante do restaurante Bearcat, e sim, afogando-se naqueles olhos cinzentos como uma tempestade, flutuando sem rumo, ao lado daquele homem estranho, que a deixava hipnotizada.

Ele olhou para ela e sorriu, mexendo a cabeça.

- Olhos verdes - disse ele. - Eu achei que eram verdes mesmo, mas não dava para ver, pois o Bearcat estava muito escuro.

Vanessa sentiu que ficava novamente vermelha, e desviou os olhos dos dele.

- Sim. Eu tenho os olhos de minha mãe.

- E o cabelo também? - perguntou ele segurando entre os dedos uma mecha dourada.

Ela respirou fundo antes de responder.

- Sim. Meus olhos e meu cabelo são iguais aos de minha mãe.

- Ela deve ser uma mulher muito bonita.

- Ela era - respondeu Vanessa, dando um suspiro e virando a cabeça para o outro lado, dizendo a si mesma que aquilo tudo era uma loucura. Ficou olhando para a bomba de gasolina do outro lado da rua, sentindo a brisa agitar seu cabelo e percebendo também que os olhos de Rory continuavam fixos nela.

- Por que estava me procurando? - perguntou ele.

- Ou será que eu morri e você é um anjo que desceu do céu?

- Não - respondeu Vanessa, voltando-se para ele com um sorriso -, você não morreu.

- Mas, se tivesse morrido, certamente estaria no céu

- disse ele, abrindo um largo sorriso.

- Mas nós não estamos no céu. - Ela forçou um tom irônico. - Estamos em East Nelson, no Maine, e eu sou Vanessa Hamilton. Posso assegurar-lhe que não sou nenhum anjo.

- Isso é discutível, mas muito prazer em conhecê-la, srta. Hamilton.

- Por favor, me chame de Vanessa.

- Vanessa. - Ele a acariciou com os olhos. - É um nome rico, como se você fosse uma patrícia da Roma antiga.

- Oh, não - respondeu apressadamente, desviando os olhos dos dele. - Eu não tenho nada de rica, sou apenas uma moça de classe média, que trabalha e vive em Boston.

Nem ela mesma sabia por que tinha mentido. Que diferença poderia fazer se Rory conhecesse o nível social dela? De súbito entendeu por que havia feito aquilo: não queria que nada referente a sua posição social atrapalhasse seu caminho nas próximas duas semanas. No Maine, ela queria ser apenas Vanessa Hamilton, pois já estava cansada de ser a linda e rica filha de Jack Hamilton. Ela queria ser julgada pelo que realmente era, e não pelo dinheiro de seu pai. Rory começou a andar e ela o acompanhou.

- Então, por que estava me procurando, Vanessa Hamilton? O que pode um pobre guia do Maine, como eu, fazer por você?

- Você pode ajudar-me a descer o Allagash.

- Acho que não - disse ele sacudindo a cabeça. Eu já estou contratado para o resto do verão.

- Ah, pode sim. Brian Jacobs não poderá vir porque quebrou o tornozelo, e eu vim no lugar dele.

Rory parou de andar e ficou olhando para ela.

- O quê?

- Eu disse que Brian Jacobs, com quem você ia descer o rio amanhã, quebrou o tornozelo, e portanto não vem mais. Assim sendo, eu vim em seu lugar. - Enfiou a mão no bolso e tirou um cheque. - Aqui está seu pagamento, que pode ser sacado no banco local.

- Oh, não, espere um pouco. Você está falando sério?

- Estou sim, sr. McGee.

Rindo, Vanessa olhou para ele, esperando que ele também risse, mas os olhos dele ficaram muito sérios. O cinza tornou-se escuro e inexpressivo. Ao responder, ele mexeu a cabeça e olhou para ela com frieza.

- Então, receio que tenha feito a viagem à toa, srta. Hamilton. Você não poderá vir comigo.

- Mas... mas isso é um absurdo! - Fez um gesto, indicando o cheque que tinha nas mãos. - Veja! Eu paguei exatamente o que Brian lhe devia, e meu dinheiro é tão bom quanto o dele.

Sem dizer uma palavra, ele rasgou o cheque em dois e o devolveu a ela.

- Fique com o seu dinheiro, srta. Hamilton. Você não virá comigo.

Duas manchas vermelhas apareceram nas faces de Vanessa e ela lutou para conservar a calma.

- Eu não estou entendendo, sr. McGee.

- Então, deixe-me explicar-lhe - disse com frieza, segurando-a pelo braço e fazendo-a caminhar a seu lado, em direção ao motel. - A viagem pelo Allagash é muito árdua. Quando eu combino levar alguém, devo ter a certeza de que esta pessoa agüentará a viagem. Quando falei com Brian Jacobs há uns dois meses, ele me disse que tinha considerável experiência em canoagem e em excursões pela mata. E foi por isso que eu concordei em levá-lo comigo. Agora, você, que é uma novata...

- Como é que você sabe?

- Eu sei que é. - Os olhos dele percorreram o corpo dela com ar de desaprovação, observando os jeans e a camisa xadrez novinhos em folha.

- Mas como?

- Intuição masculina - respondeu sarcasticamente.

- Diga-me srta. Hamilton, já andou alguma vez de canoa?

- Já!

- Onde? No acampamento? Quando era uma bandeirante de doze anos de idade?

- E daí? As canoas de lá não são tão boas quanto as suas?

- Elas são boas para serem usadas por crianças num lago tranqüilo, num acampamento, o que não se compara com a experiência de descer um rio que atravessa a mata, numa viagem de duas semanas.

- Oh! - Vanessa cerrou os punhos, numa atitude de impotência. - Você não tem jeito!

- Você acha? Por acaso, faz alguma idéia do que é essa viagem, srta. Hamilton?

- Ora, eu... - Desviou o olhar, sentindo vontade de dar-lhe um chute, de tão zangada que estava. - Olhe, eu sei que esta viagem não é brincadeira, mas isso não me assusta. Eu estou aqui pelo desafio. Canoagem não é uma atividade só para homens, você sabe disso.

- E o que me diz do transporte da embarcação por terra, srta. Hamilton? E quando chegarmos às águas realmente agitadas, com as ondas entrando na canoa, e nós tivermos que baldear água o mais rápido possível e remar ao mesmo tempo? E os insetos, srta. Hamilton? Já foi atacada por mosquitos e moscas enquanto carregava uma mochila de vinte e cinco quilos nas costas? O que acontecerá se você quiser tomar banho e não houver uma banheira à vista? E quando você quiser uma boa refeição quentinha e tiver que se virar com comida congelada?

Vanessa estava soltando agulhas pelos olhos.

- E daí, sr. McGee? Acha que uma mulher não pode agüentar isso tão bem quanto um homem?

- Em seu caso, acho que não. O que vejo é uma novata de Boston, cheia de grandes idéias. Mas acontece, srta. Hamilton, que eu sou responsável pela segurança de meus clientes, e prefiro trabalhar com pessoas que possam cuidar de si mesmas até um certo ponto.

- Eu posso cuidar de mim mesma! - exclamou Vanessa, segurando os braços junto ao corpo, com as faces em fogo.

Suas palavras ecoaram na rua deserta. Os lábios de Rory curvaram-se num meio sorriso, mas logo seu rosto voltou a ficar impassível.

- Muito bem, srta. Hamilton, então vejamos se pode mesmo. Quais as remadas que você conhece?

- Remadas? Quais? - perguntou, umedecendo os lábios.

- Está bem, então vejamos outra questão. O que você deve fazer se a canoa emborcar?

- Ficar junto com a canoa e não largar dela.

- Foi um bom chute ou ensinaram-lhe isso quando era bandeirante?

- Você não tem jeito mesmo! - disse ela, apertando os olhos. - Não pode me dar ao menos um voto de confiança?

- Veja, srta. Hamilton, eu só estou tentando descobrir se você tem algum conhecimento básico de canoagem. Agora é que é a hora de descobrir isso, e não quando estivermos em águas agitadas e você levantar as mãos em pânico.

- Eu não sou tão idiota, sr. McGee. Além do mais, quem disse que eu entraria em pânico? Ao que parece, você é um daqueles machistas arrogantes que acham que as mulheres são totalmente indefesas!

- Ao que parece, você é uma daquelas feministas arrogantes que acham que podem fazer qualquer coisa.

- E eu posso mesmo, ora bolas! - exclamou Vanessa. - Basta você me dar uma oportunidade!

- Está certo, srta. Hamilton. Vamos prosseguir com o teste. Que suprimentos você levaria?

Ela ficou olhando para ele, tentando adivinhar se a pergunta era maliciosa.

- Suprimentos? Bem, eu trouxe roupas...

- Que tipo de roupas?

- Jeans, camisetas, camisas de manga comprida e suéteres. - Levantando a sobrancelha, observou: - nenhum vestido de festa, sr. McGee.

- E o que mais, srta. Hamilton?

- Repelente de insetos, um saco de dormir, sabonete e um esfregão.

- E o que mais?

- Minha escova de dentes, droga! Um chapéu, um maio, filtro solar. O que mais você quer saber? Brian disse que você levaria a comida, a barraca e os apetrechos de cozinha, e por isso eu não me preocupei com essa parte.

- Está certo, é isso mesmo. Agora... eu só tenho uma barraca, srta. Hamilton. Acha que deveria cedê-la a você e dormir ao relento?

- É claro que não.

- Então, pretende dormir comigo, é isso? Sentindo-se embaraçada, Vanessa continuou parada, olhando para ele. Uma parte dela observava como o vento agitava o cabelo dele e como seus olhos brilhavam para ela, enquanto a outra parte tinha vontade de agarrá-lo pelos ombros e sacudi-lo.

- Bem, eu... eu não sei...

- Então acho bom começar a pensar, Vanessa Hamilton. Somos um homem e uma mulher que vão passar duas semanas no mato. Sozinhos. Sem ninguém a quilômetros de distância. Dormindo juntos, comendo juntos, viajando juntos. Pense nisso tudo, Vanessa Hamilton, e no que isso significa.

Ela sentiu o rosto ficar quente com as insinuações dele, mas recusou-se a desviar seu olhar. com obstinação, agüentou firme e lançou-lhe um olhar frio.

- O que está dizendo, sr. McGee? - perguntou calmamente. - Que quer fazer mais do que dormir comigo?

Ele pestanejou por um momento, e então examinou-a da cabeça aos pés.

- O que estou dizendo, srta. Hamilton, é que eu sou um homem e você uma mulher, e nós estaremos sozinhos. Muita coisa poderia acontecer por lá. Muita coisa acontecerá, e eu não sei se você está preparada para isso.

- Por que você não me dá uma chance e assim ficará, sabendo?

Ele respirou fundo, soltou o ar lentamente e levantou os olhos para o céu, que estava azul e sem nuvens. Atrás do motel, os pinheiros erguiam-se como sentinelas verdes, tentando alcançar o azul do céu com seus galhos silenciosos.

Rory suspirou profundamente mais uma vez e voltou a olhar para Vanessa.

- Partiremos amanhã - disse ele. - De madrugada. Ela concordou, sentindo-se animada. Isso significava que ele a levaria?

- Uma pessoa nos levará ao ponto de partida e nos apanhará na chegada. Começaremos pelo rio Penobscot, atravessaremos alguns lagos até chegarmos ao Allagash, pelo qual desceremos até chegarmos a Fort Kent, onde terminará nossa viagem. Levaremos aproximadamente duas semanas fazendo uma viagem de lazer, parando para pescar e para observar a vida animal, mas que ainda assim será bastante árdua. - Deu uma olhada de lado para ela. - Acha que conseguirá?

Vanessa sentiu o estômago revirar de nervosismo, mas não podia deixar transparecer nada, ou ele não a levaria.

- Eu conseguirei. Dê-me alguns dias e eu serei uma profissional.

Os olhos dele se apertaram, mas ele concordou lentamente.

- É melhor que consiga, Vanessa Hamilton. É melhor que consiga...

 

O sol ainda estava apontando no horizonte quando a pick-up saiu na manhã seguinte. Vanessa estava sentada entre Gus, o motorista, e Rory McGee, e ia com os ombros encolhidos para não ficar esbarrando em Rory. Ela sentia sua presença forte na cabine do veículo. Dele emanava um aroma que era uma mistura de fumo de cachimbo, que ele carregava no bolso da camisa, e sabonete, e que contrastava fortemente com o cheiro de Gus, aparentemente sem tomar banho há umas duas semanas.

Ao passar sobre um calombo na estrada, a pick-up balançou e Vanessa encostou mais uma vez na coxa e no ombro de Rory, e imediatamente sentiu uma corrente elétrica passar por seu corpo. Ela reagiu como se tivesse se queimado, recuando rapidamente, sentindo o pulso disparar. Rory parecia nem notá-la, conversando com Gus enquanto enchia seu cachimbo.

- Tem um sujeito em New Hampshire - dizia ele que faz umas canoas de casca de vidoeiro, as mais lindas que já vi.

- É sério? - perguntou Gus. - De casca de vidoeiro?

- É sim, totalmente feita a mão. Ele usa um canivete recurvado e faz tudo a mão. Elas são lindas, Gus. Qualquer dia vou comprar uma para mim.

- Pelo que vejo, você continua usando a velha canoa Grumman - disse Gus, dando uma cusparada de fumo de rolo pela janela.

- É, ela está muito usada, mas continua boa. De vez em quando eu arrumo os amassados e dou uma demão de tinta, e ela continua navegando.

Gus deu umas palmadinhas na direção, dizendo:

- Que nem minha velha Nellie aqui.

Rory resmungou concordando e acendeu o cachimbo. Quando o fumo ficou em brasa, recostou-se, satisfeito. Vanessa inalou o aroma do fumo e reteve a respiração para prolongar o prazer. Já que ela ia passar duas semanas em companhia de um fumante de cachimbo, dava graças a Deus que ele usasse um fumo agradável. Se tivesse que passar mais dez minutos com Gus e seu horroroso fumo de mascar, achava que iria gritar.

- Você não está levando coisas demais para duas pessoas, Rory? - perguntou Gus, depois de algum tempo, dando uma olhada em Vanessa.

- São as mesmas coisas de sempre, Gus.

- Eu sei, mas das outras vezes você levava homens. Vanessa sentiu a cor subir-lhe às faces, mas continuou

a olhar para frente.

- com uma mulher é a mesma coisa, Gus. A srta. Hamilton levará sua parte, como faria um homem.

Vanessa lançou-lhe um olhar de gratidão, recebendo como resposta um olhar zombeteiro. Retraindo-se, ela olhou feio para ele. Durante alguns momentos, olhos verdes lutaram com cinzentos, em seguida ela voltou a olhar para a frente, apertando as mãos sobre os joelhos, louca da vida.

"É claro que eu levarei minha parte", pensou. "Você verá, sr. Rory McGee! "

O sol brilhava por entre os galhos dos pinheiros quando eles pararam ao lado da estrada de terra.

- Bem, chegamos, Vanessa - disse Rory calmamente.

- Se quiser mudar de idéia é bom dizer agora, antes de Gus ir embora.

- Nem me ocorreu mudar de idéia, sr. McGee - respondeu, levantando o queixo, cruzando o olhar com o dele. - Estou pronta, como sempre estarei.

- É disso que eu tenho medo - disse ele, disfarçando um sorriso.

Vanessa apertou os lábios, numa demonstração de mau humor e ele desceu do carro sorrindo. Ela deslizou pelo banco e desceu também, seguindo-o até a parte traseira da pickup, onde ele já estava descarregando os pacotes.

- Eu posso descarregar os pacotes, sr. McGee. Por que não cuida da canoa?

- Até que é uma boa idéia, Vanessa Hamilton - disse ele sorrindo, e ela se controlou para não rir.

Enquanto descarregava a pick-up, Vanessa tentava analisar o estranho efeito que Rory exercia sobre ela. Ficava completamente desequilibrada ao lado dele, zangada num momento, rindo no instante seguinte. No entanto, uma coisa era certa: as próximas duas semanas prometiam ser interessantes. Ela só gostaria que Rory não fosse tão perturbadoramente másculo, pois sentir-se fisicamente atraída por seu guia, só complicaria tudo. Pretendia manter as relações entre eles estritamente formais, uma vez que estava no Maine para assumir o controle de sua vida, e não para se envolver num romance de duas semanas com um homem do mato.

- Tudo pronto, Rory? - perguntou Gus quando a canoa já estava no chão.

- Tudo pronto, Gus. Nós o veremos daqui a duas semanas em Fort Kent.

Gus dirigiu-se a Vanessa.

- Tem certeza de que quer fazer esta viagem, Madame? As coisas podem ficar muito difíceis no rio, você sabe.

Vanessa sorriu com frieza.

- Eu tenho certeza sim, Gus. Mas, obrigada por perguntar.

Balançando a cabeça, como se não concordasse muito com a decisão de Vanessa, ele entrou no carro e deu a partida.

- Tudo bem, Rory. Até daqui a duas semanas.

A pick-up saiu pela estrada levantando uma nuvem de poeira. Vanessa começou a tossir e virou-se de costas para a estrada, fechando os olhos para que a poeira não a incomodasse. Sentindo um aperto no estômago diante da idéia de passar duas semanas no mato, teve vontade de sair correndo pela estrada atrás de Gus, ir para East Nelson, e de lá diretamente para Boston.

Agora que ela estava aqui, começou a pensar no que fazia. Em casa, em Boston, uma viagem de duas semanas de canoa parecia a melhor saída, mas agora ela já não tinha tanta certeza disso. Será que agüentaria a viagem? Olhando para Rory, ficou apreensiva; afinal, o que estava fazendo aqui, no meio do mato, com um homem que nem conhecia? Podia acontecer qualquer coisa...

Mordendo o lábio, enfiou as mãos nos bolsos das calças, querendo parecer corajosa, mas Rory estava sorrindo pelas suas costas.

- Está mudando de idéia, Vanessa Hamilton? - perguntou suavemente.

Ela virou-se bruscamente, com o cabelo dourado caindo em cascata sobre seus ombros.

- Claro que não!

- Está bem - disse, encolhendo os ombros e continuando a sorrir. - Então, vamos embora.

Vanessa ficou olhando para a bagagem que estava espalhada pelo chão. Eram quatro volumes: a mochila dela, a mochila de Rory, um pacote com os utensílios de cozinha e uma geladeira com comida congelada para uma semana, conservada em gelo seco. Além disso, havia os remos. Na véspera, Rory tinha levado mais de meia hora para escolher um tamanho certo de remo para ela, e Vanessa não dera qualquer palpite, para não dar a impressão de que para ela qualquer remo serviria. com sua maneira calma e paciente, ele explicou-lhe tudo sobre os diferentes comprimentos de remos e como eles influíam na remada.

E, finalmente, havia a canoa - uma embarcação de dezessete pés, feita de alumínio, e que estava no chão esperando para ser levada para a água, que ficava a um quilômetro e meio dali. Olhando para tudo aquilo, Vanessa ficou desanimada. Como duas pessoas iriam conseguir carregar tudo aquilo por um quilômetro e meio?

Como que em resposta a seus pensamentos, Rory falou:

- Eu carrego a canoa e você leva sua mochila e a geladeira, depois voltaremos para apanhar o resto do equipamento. Está bem assim?

Ela encolheu os ombros, dizendo:

- Está bem, mas...

- Mas...

Vanessa hesitou, passando a língua sobre os lábios antes de falar.

- Eu pensei que o homem que carregava a canoa não fazia mais nada. Quero dizer, eu não deveria levar o resto sozinha?

- Se fôssemos três ou quatro, seria assim. Mas, sendo apenas dois, seria muita grosseria minha obrigá-la a fazer duas ou três viagens para carregar tudo sozinha, enquanto eu ficava sentado esperando, não acha?

- É... de fato...

- Eu penso assim, Vanessa. Esta viagem deve ser divertida para nós dois; não é uma competição para ver quem ganha. Eu não quero vê-la tão esgotada no primeiro dia a ponto de você não achar graça em mais nada. É para isso que você está me pagando: para fazer uma viagem divertida pelo rio.

- Eu só não quero ser tratada de maneira diferente porque sou mulher.

- Não se preocupe com isso, Hamilton, você não terá um tratamento especial. Mas eu também não vou dificultar as coisas para você só porque é mulher. Terá sua cota de trabalho a fazer, não mais que isso. Certo?

- Certo. - Ela não pôde deixar de sorrir para ele. Ele respondeu com um sorriso que iluminou seus olhos,

deixando-o ainda mais atraente. Vanessa sentiu um aperto no estômago e virou-se rapidamente, passando a mexer nos pacotes. Ao erguer sua mochila, notou que suas mãos estavam tremendo. Respirou fundo para se acalmar, explicando para si mesma que o nervosismo era devido ao começo da viagem, não tendo absolutamente nada a ver com Rory McGee e seu charme estonteante. Nada mesmo.

Enquanto Rory colocava a canoa emborcada sobre a cabeça, Vanessa ajeitou as áleas da mochila nos ombros, pegou a geladeira e começou a andar ao lado dele.

- Vá na frente, Vanessa - disse ele. - E avise-me onde devo pisar.

Vanessa passou à frente dele, e assim foram até o rio. Rory, acostumado àquele tipo de trabalho, não estava nem arfando, mas os braços e os ombros de Vanessa doíam e estavam cansados. Chegando à beira do rio, ela sentou-se sobre uma pedra e começou a revirar a mochila, procurando o repelente de insetos.

- Os mosquitos atacam quando a gente menos espera - disse Rory. - Você deveria ter passado o repelente antes.

- Suponho que foi isso que você fez - respondeu Vanessa, tentando intimidá-lo com o olhar.

Mas ele nem se perturbou, apenas, sorriu.

- Eu passei o meu ainda em East Nelson, antes de entrar na pick-up de Gus.

Vanessa sentiu-se como uma criança que tinha acabado de levar um sermão do pai, mas apenas apertou os lábios e concordou.

- Da próxima vez, eu já sei.

- É só o que eu peço, Vanessa. Esta viagem fica bem mais fácil quando a gente faz o que deve ser feito. Se você ficasse mais um pouco de tempo sem o repelente, os insetos a deixariam louca, e eu teria que agüentar suas queixas.

- E quem é que está se queixando?

- Agora não me venha com este ar de arrogância. Apenas aceite meu conselho como é oferecido.

- Como? - perguntou, inclinando a cabeça e olhando nos olhos dele. Sentiu mais um puxão no estômago quando ele sorriu.

- Na base da amizade.

Ela suspirou e virou rapidamente a cabeça. Era um absurdo que Rory pudesse deixá-la sem fôlego toda vez que a olhava daquele jeito. Ele tinha alguma coisa de diferente nos olhos, algo que a atraia, fazendo-a tremer de ansiedade.

- Quando você estiver pronta, voltaremos para apanhar o resto da carga.

- Eu já estou pronta.

Voltaram caminhando lado a lado, sem conversar. A tranqüilidade do mato, com tantos sons diferentes, enchia os ouvidos de Vanessa, acostumados ao barulho da cidade. Se ela se concentrasse, poderia ouvir o vento soprando por entre os galhos dos pinheiros, suas agulhas estalando debaixo dos pés, o canto dos pássaros que voavam de galho em galho.

Além disso, havia os aromas: o cheiro penetrante dos pinheiros, misturado ao de fumo que emanava do bobo de Rory. Vanessa torceu o nariz para o cheiro do repelente que exalava dela, e então concentrou-se no que via. Até onde os olhos alcançavam, só se viam o céu azul e o verde das árvores, indo do verde mais escuro da floresta ao mais claro das bétulas iluminadas pelo sol, com seus espectrais troncos brancos.

Ela inspirou profundamente, inalando o odor fresco de terra molhada pela chuva e olhou para Rory.

- É lindo tudo isso. Eu quase não percebi quando passei antes por aqui.

- Às vezes, as pessoas que vêm das cidades grandes levam um ou dois dias para sentir a paz daqui. Há um ou dois meses, levei comigo dois homens de Nova Iorque que estavam tão esgotados pela pressão de seu trabalho que só conseguiram relaxar no segundo dia de viagem. Nós havíamos acampado cedo, eles ficaram sentados em volta da fogueira, com uma caneca de café nas mãos, olhando para as árvores em redor e para o céu. Estavam tão relaxados que nem compreendiam aquilo tudo; só conseguiam ficar sentados olhando. - Rory deu um sorriso calmo, gostoso.

- Quando a noite chegou, um deles inspirou profundamente e deixou o ar sair lentamente, levantou-se e disse que iria dormir. Dormiu doze horas seguidas.

- Você não o acordou de manhã?

- Para quê? O homem estava pagando para ter paz e sossego, e era o que ele estava tendo. Ele não tinha um horário, como na cidade. Aquela viagem foi uma das melhores de que me lembro. Aqueles dois homens mudaram completamente. Quando foram embora, suas rugas haviam desaparecido, eles estavam rindo e relaxados. É por isso que eu amo meu trabalho, srta. Hamilton. Acho que posso contribuir para a saúde psíquica de uma pessoa muito mais que qualquer psiquiatra.

Vanessa concordou, sorrindo, mas ela estava pensando na forma como Rory a chamava pelo sobrenome. Ele tinha maneiras gentis e suaves, que pareciam quase antiquadas. E, de repente, ela não tinha mais medo dele. Algo lhe dizia que podia confiar naquele homem, que ele jamais lhe faria mal. Na verdade, ele a protegeria, pois mostrava uma autoconfiança que lhe permitiria cuidar de si mesmo e de quem estivesse sob sua guarda.

Chegando ao lugar em que estava a carga, Rory pegou a barraca e as provisões de alimentos, Vanessa colocou nas costas a mochila dele, e os dois puseram-se novamente a caminho.

- Não há pressa quando se está no mato - disse Rory, enquanto caminhavam a passos lentos, porém firmes.

- Tudo aqui é relaxante. Esta calma penetrará em seus ossos, Vanessa, e você verá que em um ou dois dias todas as suas preocupações desaparecerão e você só terá tempo para pensar em sua sobrevivência. Dormirá melhor do que jamais dormiu em toda sua vida e seu apetite dobrará, com a vantagem de não fazê-la engordar, pois você estará em constante atividade.

- Parece um paraíso.

- É como se fosse. É por isso que eu volto aqui ano após ano.

- Você não tem vontade de usufruir tudo isso sozinho? Não se cansa das pessoas depois de algum tempo?

- Não - disse ele, sacudindo a cabeça. - Eu gosto de gente. Aliás, quem trabalha de guia tem que gostar de gente. Você tem que saber conviver com as manias e fobias das pessoas, mas acho que, em sua maioria, elas são decentes. De vez em quando, encontro uma pessoa de difícil convivência, mas isso é muito raro. Geralmente são boas, simpáticas e corretas, e fazem questão de não prejudicar o meio ambiente; elas querem apenas usufruir da natureza.

- E isso é muito importante para você?

- Para mim, isto é tudo. - Então ele sorriu e lançoulhe um olhar maroto. - Bem, chega de falar nisso. Por que você veio aqui? Deve ter um motivo.

Vanessa andava com a cabeça baixa, pensando no que iria responder.

- Acho que simplesmente eu precisava sair um pouco. Você falou daqueles homens de Nova Iorque e da pressão sob a qual viviam devido ao seu trabalho. Bem, meu trabalho não é tão importante, mas eu também sinto a mesma pressão. Ela está me consumindo. - Fez uma pausa, percebendo que estava séria demais, e então suavizou suas palavras com um sorriso. - Quando eu soube que Brian não poderia fazer a viagem, aproveitei a oportunidade.

- Neste caso, isto aqui é uma fuga para você? Ela pensou um minuto e respondeu:

- Sim, acho que é. - "Uma fuga e um tempo para pensar no futuro", pensou Vanessa. A idéia era fugir do pai, que queria mantê-la submissa e planejar sua vida. Fugir de seus amigos ricos, que pareciam satisfeitos com suas vidinhas, preocupados apenas com futilidades. Eles tinham dinheiro e todos os bens materiais que desejavam, mas lhes faltava algo que Vanessa ansiava: um objetivo na vida. Eles vagavam de um lado para outro, de festa em festa, de Acapulco a São Francisco e a St. Moritz, sem nada em suas vidas que lhes servisse de âncora, que desse sentido a seu dia-a-dia.

Vanessa, por outro lado, queria sentir-se realizada, vencer por seu próprio esforço. Ela ganhava um salário incrivelmente alto trabalhando no departamento de relações públicas da empresa do pai. Ia a festas de gala, inaugurações de filiais, mas desejava muito mais que isso. Primeiro, tinha que se libertar do domínio paterno e aprender a caminhar sozinha. Por isso tinha vindo ao Maine, para definir e traçar um caminho que a levasse ao objetivo tão desejado. Vanessa sorriu com ironia. Seus pensamentos podiam parecer melodramáticos, mas ela estava procurando dar sentido a sua vida. Estranho que tivesse que vir aos confins do Maine para tentar encontrá-lo.

- Você está muito calada, Vanessa Hamilton - comentou Rory.

- Acho que a paz já está penetrando nestes meus velhos ossos, sr. McGee - disse ela, sorrindo. - Eu estou pensando, e acho isso muito bom.

- Então, ficarei calado para deixá-la pensar.

- Não, eu não quis dizer isso. Gosto de conversar com você, de ouvi-lo falar. É que você me fez pensar e eu gostei.

- Um bom guia sabe quando deve falar e quando deve ficar calado. Deixe-me conhecê-la melhor, e daqui a um ou dois dias já saberei exatamente quando você quer conversar e quando quer pensar.

- Mas como você vai me conhecer assim?

- Oh... - Deu um suspiro e sorriu para si mesmo.

- Eu aprendi a conhecer as pessoas. No fundo, somos todos muito parecidos. Todos nós temos as mesmas necessidades básicas, os mesmos desejos. O segredo consiste em esperar e observar as pessoas, mas aprende-se mais depressa se pudermos conversar com elas.

Vanessa franziu a testa, lembrando-se de seus amigos de Boston.

- Você acha mesmo que somos todos parecidos? Eu conheço algumas pessoas que são muito... vazias. Elas não têm um objetivo na vida, querem apenas se divertir. Pelo menos, é o que me parece.

- Todos nós temos alguns desejos em comum. Todos precisamos de um lugar seguro para viver, ter o que comer, e depois disso é que saímos procurando outras coisas, algo que seja a meta de nossas vidas.

- Mas, e essas pessoas que eu conheço, que só pensam em gastar dinheiro e se divertir?

- Eu diria que são pessoas desorientadas. Elas pensam que a felicidade está nos bens materiais, quando na verdade vem de dentro de nós. É algo que não se pode comprar, sendo preciso lutar muito para conseguir. Mas eu continuo achando que se você trouxesse essas pessoas aqui para o Maine, e as deixasse passar algumas semanas num destes rios, elas revelariam muita coisa boa. E aposto que, se todos nós sentássemos em volta de uma fogueira, elas acabariam admitindo que estão procurando um sentido para suas vidas. Mais cedo ou mais tarde, todas acabariam falando de seus sonhos e seus fracassos. É como eu digo, Vanessa: todos nós, no fundo, somos iguais.

Vanessa não estava muito convencida, mas como eles tinham acabado de chegar ao rio, não dava mais para pensar no assunto, pois precisavam colocar a canoa na água e carregá-la com o equipamento.

- Preste atenção em como se deve colocar a carga, Vanessa. Eu deixarei tudo no meio, mas muito bem distribuído, para que a canoa fique equilibrada na água. Deixarei os bancos da proa e da popa vazios para que possamos nos sentar ou ajoelhar quando estivermos remando. É muito importante que você aprenda isso tudo, pois se me acontecesse alguma coisa, você teria que nos levar a Fort Kent.

Só então Vanessa sentiu o peso da responsabilidade que estava assumindo. Eles estavam sozinhos no meio da mata, com algumas poucas provisões. E se Rory quebrasse uma perna? Não haveria ninguém a quem pedir ajuda, nenhum telefone, nenhuma cidade por perto. Teria mesmo sido uma boa idéia sair de Boston e embrenhar-se na mata com um estranho só para planejar seu futuro?

Quando a canoa já estava totalmente carregada, Rory colocou-a perpendicular à margem e segurou-a para que Vanessa pudesse subir e tomar seu logar na proa. Em seguida, ele também subiu e sentou-se na popa.

- Muito bem, Vanessa. É isso aí!

Ela mergulhou o remo na água do rio e puxou-o, sentindo que a canoa começava a andar. De repente, sentiu toda a excitação de estar flutuando sobre a água e ver que a embarcação estava entrando na correnteza num ritmo uniforme.

Eles haviam partido! "Que Deus nos acompanhe", pediu Vanessa numa prece, e então concentrou-se no trabalho de remar.

 

Eles remaram até o meio-dia, quando fizeram uma breve parada para comer uns sanduíches e descansar um pouco antes de prosseguir viagem. Vanessa pouco reparou na paisagem, pois estava muito preocupada em remar, mas no meio da tarde já havia pegado o jeito, e a dor nos ombros e braços quase não a incomodava mais.

- Há um bom lugar para acampar logo ali adiante, Vanessa. - disse Rory. - Que tal pararmos por hoje e acamparmos?

- Acho que é a melhor idéia que você teve hoje respondeu Vanessa, gritando para trás e ouvindo a risada dele em resposta.

Depois de descer da canoa, ela ficou com os olhos pregados em Rory, que estava desembarcando as provisões, observando como seus músculos ondulavam por baixo da camisa azul e sentiu mais uma vez aquela curiosa agitação no estômago. Quando ele roçou nela ao passar, carregando as coisas para o acampamento, ela sentiu um arrepio no braço em que ele havia tocado. Ela não entendia como ele podia ficar tão indiferente, quando a simples presença dele a deixava perturbada. Sentindo uma súbita raiva, seguiu Rory até o local em que iriam acampar e começou a desempacotar a comida.

- Vou fazer a comida - anunciou rispídamente. Se você acender o fogo.

Os olhos de Rory brilharam ao olhar para ela.

- com muito prazer, Vanessa. Eu sou ótimo para esquentar as coisas.

Ela corou e virou rapidamente para o outro lado, imaginando se ele tinha dito aquilo com segundas intenções. Bobagem, pensou, ele estava apenas tentando manter uma conversação com ela, sem qualquer duplo sentido em suas palavras inofensivas. Mas, antes que ela mesma percebesse, estava respondendo para ele. - Então, não sei por que você me deixa tão fria, sr. McGee.

- Deixo, é? Seu rosto está bem vermelho, e eu não acho que seja de remar o dia inteiro.

- Está queimado de sol.

Depois de examiná-la minuciosamente, comentou:

- Se for, está desbotando rápido demais, pois você já está pálida de novo.

Vanessa sentiu a cor voltar-lhe às faces no mesmo instante e desviou rapidamente o rosto, enquanto Rory ria às suas costas.

- Eu vou buscar lenha para a fogueira, depois vou amarrar a canoa e montar a barraca. Acha que poderá aprontar o jantar até eu terminar isso tudo?

- Fique tranqüilo, que o jantar estará pronto.

- Espero que sim - disse Rory, sorrindo. - Eu não gostaria de pensar que estou aqui no meio do mato com uma Completa novata.

Ela jogou a cabeça para trás, lançando-lhe um olhar de menosprezo.

- Se você é tão medroso, deveria ter trazido uma arma para proteger-se dos ursos.

- Não é dos ursos que eu tenho medo, Vanessa Hamilton. Deles, a gente pode fugir.

- Então, do que você tem medo?

- De ter me metido numa viagem de duas semanas com uma mulher que não tem a menor noção sobre a vida na selva.

Vanessa levantou-se e colocou as mãos nos quadris.

- Eu hoje cumpri a minha tarefa na canoa direitinho, Rory McGee, e não venha me dizer que não. E eu não me queixei uma vez sequer. E, se você acender esta droga de fogueira, o jantar ficará pronto a tempo.

Ele levantou as mãos, como se fosse para se proteger das palavras dela.

- Está bem, está bem. Não precisa ficar nervosa.

- Então não fique me irritando.

- Eu lhe disse que era bom para esquentar as coisas

- disse ele, abrindo um largo sorriso e com um brilho no olhar.

Sem saber o que responder, Vanessa virou-se e começou a remexer no pacote, procurando as batatas e o forninho refletor. Pretendia fazer batatas assadas, bifes grelhados e um bom café bem forte.

Uma hora depois, o jantar estava pronto. O aroma do café que se espalhava no ar, misturado ao cheirinho da carne grelhada, aumentou ainda mais o apetite dos dois, que praticamente avançaram na comida, sem conversar, até esvaziarem os pratos. Então, Rory esticou as pernas, recostou-se na árvore e começou a tomar seu café.

- Esta é a melhor hora do dia - disse, olhando para o rio. - A gente reconhece que todo aquele trabalho duro valeu a pena.

Vanessa ficou olhando para ele e admirando seu físico: os músculos das coxas, os ombros largos, a pele bronzeada e o peito peludo exposto pela camisa desabotoada. Subitamente, teve vontade de passar a mão por aqueles pêlos enrolados e sentir a textura daquela pele bronzeada do peito. Assustada por tais pensamentos, tomou rapidamente um gole decafé, que desceu errado e fez com que ela engasgasse. Enquanto tossia, Rory ajudou-a dando-lhe um tapa nas costas.

- Está bem, sr. McGee - disse, depois de ter se recuperado. - Pode tirar as mãos de cima de mim agora.

- Prezada srta. Hamilton, o dia que eu puser minhas mãos em você, aí sim, poderá ficar preocupada. Mas o que eu fiz foi apenas dar-lhe um tapa nas costas para passar o seu engasgo.

O que estaria ele insinuando? Que no futuro pretendia abordá-la? E o que ela faria se ele tentasse? Ele era um homem tão grande, que seria impossível lutar com ele e talvez ela nem quisesse tentar.

Alarmada com esses pensamentos, continuou a tomar seu café sem olhar mais para ele. Surpreendeu-se ao perceber que suas mãos estavam tremendo e seu coração batendo com muita força. Aquele homem emanava uma força que a fascinava, que a atraía, como se ela fosse um ímã e ele um campo de força, e aquilo era algo que jamais havia acontecido com ela.

No entanto, Vanessa sabia que precisava resistir. Rory era um homem muito seguro de si, provavelmente as mulheres viviam correndo atrás dele e ela não pretendia darlhe a satisfação de ser mais uma conquista fácil. Além do mais, ela não tinha a menor intenção de se envolver com outro homem de gênio forte - já bastava seu pai -, e por isso faria o possível para resistir àquela tentação. Quando aquelas duas semanas terminassem, ela deixaria Rory McGee para trás e nunca mais se lembraria dele.

- Você está perdida em pensamentos, Vanessa - disse Rory, interrompendo seus sonhos.

Ela levantou os olhos e em seguida voltou a olhar para o café.

- Acho que sim, sr. McGee.

- Meu nome é Rory. Você não consegue me chamar assim?

Ela sacudiu a cabeça, dizendo:

- Se você não se importar, prefiro chamá-lo de McGee.

- Para mim, está bem - respondeu ele, encolhendo os ombros.

Em seguida Rory apontou em direção do rio, onde o sol estava se pondo por trás dos pinheiros, lançando raios dourados por entre os galhos.

- Lindo, não é? - perguntou ele.

De repente, um som estranho, vindo de longe, fez Vanessa dar um salto.

- O que foi isso?

- É o grito do mergulhão-do-norte - disse Rory, sorrindo. - Eles começam a piar a esta hora da noite. Você logo se acostumará. Daqui a pouco você estará achando que é o som mais lindo da terra.

- Parece o grito de um louco - disse Vanessa, estremecendo.

Em pouco tempo, o sol desapareceu no horizonte e tudo ficou envolto pelas sombras. A fogueira estalou, as labaredas subiram pelo ar e Vanessa sentiu um arrepio.

- Vou buscar um agasalho - disse ela, levantando-se. - Quer que traga um para você também?

- Não, obrigado. Estou bem assim.

- Você não sente frio?

- Isso não é nada. Você vai ver o que é frio amanhã cedinho.

- Amanhã cedinho eu pretendo estar dormindo.

- Então, se eu me levantar, tentarei não fazer barulho para não acordá-la.

Concordando com um aceno de cabeça, Vanessa foi até a barraca. Lá chegando, viu que Rory já havia arrumado os sacos de dormir, um ao lado do outro, quase sem nenhum espaço entre eles, e sentiu-se nervosa em pensar que dentro em pouco os dois estariam dormindo ali. Pegou rapidamente o agasalho e voltou para perto da fogueira, mas ficou fora do círculo de luz, observando Rory, que estava tranqüilamente fumando seu cachimbo. Os olhos dele eram

meigos, mas seu corpo irradiava uma força e uma resistência assustadoras. E se ela fosse levada pelo seu charme envolvente? Vanessa passara seus vinte e seis anos lutando contra a dominação do pai, e não pretendia passar o resto da sua vida lutando contra um homem como Rory McGee. Ela deve ter feito algum barulho, pois ele voltou-se e perguntou:

- Pegou seu agasalho?

- Sim, agora estou melhor - respondeu, aproximando-se dele e sentando-se.

Ele continuou a fumar seu cachimbo, com os olhos fixos nas chamas da fogueira.

- Diga-me uma coisa, McGee - disse Vanessa, após alguns minutos. - Você não fica entediado de ficar aqui?

- Entediado? - Meneou a cabeça. - Nunca. Eu aqui, me sinto em paz, ouvindo o murmúrio do rio e o canto dos mergulhões no meio da noite.

Ele espreguiçou-se e Vanessa sentiu sua atenção atraída para as costas largas dele, os músculos dos braços e do peito, que saltavam embaixo da camisa. Sentindo que sua respiração estava novamente irregular, esforçou-se para se controlar, mas seu coração continuava disparado.

- Tem gente - continuou Rory - que não agüenta ficar sozinha. Essas pessoas não têm conteúdo, não têm uma força básica à qual se apegar, e o silêncio as deixa loucas.

Vanessa concordou com um aceno de cabeça, mas continuou olhando para as chamas, embora estivesse totalmente consciente da presença dele. De repente, teve uma grande vontade de virar-se para Rory, parar de fingir que não se sentia atraída por ele e dizer-lhe que o desejava.

Não! gritou uma voz dentro de seu cérebro. Isso era um absurdo. Ela não desejava Rory McGee, não queria saber de nada com ele. O que ela desejava era aquela incrível paz e quietude, uma chance para arrumar suas idéias, e não envolver-se num romance de curta duração. Levantando os olhos para o céu, viu as estrelas que cintilavam como diamantes sobre um veludo negro. Do lado dela, Rory apontou para o céu.

- Viu aquela estrela cadente, Vanessa? Você pode ficar horas aqui vendo estrelas cadentes. Se fizer um pedido, ele se realizará amanhã de manhã.

Vanessa sorriu e continuou a olhar o céu com expressão sonhadora. Ele, então, perguntou-lhe com uma voz quente e macia:

- Fez o pedido, Vanessa?

- Não há nada que eu queira pedir, McGee.

- Nada? Nem mesmo amor?

Aquelas palavras flutuaram no ar da noite, envolvendo-a, roçando sua pele. Amor? Olhando fixamente para o fogo, lembrou-se do único homem que havia amado na vida

- Tony Carlotto. Ela o conhecera na faculdade, onde ele tinha uma bolsa de estudos integral, e foi um caso de amor à primeira vista. Mas foi num feriado, quando ela o levou para casa para conhecer seu pai, que Vanessa começou a sentir o alcance do poder de Jack Hamilton. Ele trancou-se no escritório com Tony e uma hora depois o rapaz saiu, fez as malas e voltou para a faculdade. Quando ela foi procurá-lo no quarto dele, teve uma grande decepção ao ver que ele não queria mais saber dela. Pelo jeito, seu pai havia sido bastante convincente ao mostrar-lhe que sua linda e rica filha não teria qualquer futuro com um pobre filho de imigrantes italianos.

Ela terminou aquele semestre num grande desânimo, e, ao voltar para Boston, recebeu de presente do pai um carro Mercedes esporte, zero quilômetros. Como se fosse para compensar o que ele havia feito com Tony. Ela odiou o carro pelo que ele significava, e em menos de um mês vendeu-o e comprou um Volkswagen usado, numa afronta aberta a seu pai. Sua grande satisfação era ver o desânimo estampado no rosto dele ao ver aquela charanga estacionada na frente da mansão.

Aquela foi a única vez em que ela desafiou o pai. Acabou esquecendo Tony, e a dor que sentira passou a ser apenas uma vaga lembrança. Vanessa sabia que o amor era algo a que ela não teria direito, pois, enquanto seu pai vivesse, imporia sua vontade sobre ela, escolhendo inclusive um homem com quem ela se casaria.

Vanessa estremeceu ao pensar nisso, sabendo que tinha vindo ao Maine exatamente para tentar evitar que aquilo acontecesse com ela. No entanto, lá estava ela reagindo a esse homem da mesma maneira que reagira a Tony Carlotto; e acabou sorrindo ironicamente ao imaginar-se levando Rory consigo para casa. Jack Hamilton o faria em pedaços com uma só mão.

Mas, olhando para Rory, Vanessa achou que talvez aquele fosse um homem capaz de enfrentar seu pai dominador. Jack Hamilton poderia tentar persuadi-lo a não ver mais sua filha, mas ela achava que a personalidade de Rory era suficientemente forte para resistir à pressão de seu pai.

- Você está sorrindo, Vanessa. Assustada, Vanessa olhou para ele.

- É uma piada particular.

- Espero que não seja comigo.

- Não. É com meu pai.

- Seu pai?

- Pois é. Meu pai e eu nem sempre pensamos da mesma maneira, McGee. Ele às vezes é... - Fez uma pausa e depois continuou - muito duro.

- Entendo. Talvez, em parte ele seja responsável por sua fuga.

Espantada com a percepção dele, Vanessa olhou para o outro lado e procurou refugiar-se no café, que já estava frio a esta altura.

- Deixe-me esquentar o café para você -disse Rory, pegando a caneca de Vanessa. Ela encolheu-se ao sentir a mão dele encostar na dela, mas logo sentiu-se envolvida por uma onda de satisfação.

Por alguns segundos eles ficaram se olhando, olhos nos olhos, em seguida Rory levantou-se e foi até a fogueira, onde estava o bule com o café quente. Vanessa ficou olhando para ele, fascinada com seu porte atlético e másculo. Quando ele voltou, ela abaixou os olhos.

- Aqui está seu café, Vanessa - disse, estendendo-lhe a caneca.

Quando ela olhou novamente para ele, criou-se uma tensão no ar. Como que hipnotizada, ficou olhando para aqueles olhos prateados, sem se mexer, até que finalmente pegou a caneca com mãos trêmulas e começou a tomar o café. Encolhida dentro do agasalho, sua mente estava cheia de emoções conflitantes, mas seu corpo ficou tenso ao sentir que Rory se sentou a seu lado. Subitamente, nada mais existia além de Rory McGee; nem céu, nem estrelas, nem o barulho do rio, nem o grito do mergulhão-do-norte. Todos os sentidos de Vanessa estavam concentrados na figura de Rory McGee, que estava sentado, enchendo o cachimbo de fumo.

Vanessa estava admirada por ele ficar indiferente enquanto ela estava tão perturbada por sua proximidade. Como ele podia ficar tão calmo, enchendo aquele maldito cachimbo, enquanto ela ansiava ser tocada por ele? Sentindo uma súbita irritação, levantou-se e foi até a beira do rio. Precisava libertar-se dele, quebrar aquele encanto que a envolvia cada vez mais.

Porém, logo em seguida, ouviu o barulho de folhas secas e percebeu que ele estava atrás dela. Ela sentia sua presença tão forte como se ele a tivesse tomado nos braços.

- Eu queria ficar sozinha, McGee - Sua voz mostrava irritação.

- Queria mesmo? - perguntou Rory, com ternura.

- Algo me diz que você queria que eu viesse atrás de você.

Vanessa sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo, pois aquela voz melada e aveludada parecia acariciá-la. Cruzou os braços em torno do próprio corpo.

- Mas que absurdo! Se eu quisesse ficar com você, teria ficado ao lado da fogueira.

Ele ficou em silêncio por um momento, e depois começou a andar.

- Então, eu me enganei, Vanessa. Deixarei você sozinha. - E, assim dizendo, voltou para junto da fogueira.

- Droga! - resmungou ela, dando um chute num toco de madeira podre. Como era boba! Por que não admitia que queria ficar com ele? Por que estava revoltada contra ele? Levantando os olhos para o céu, viu outra estrela cadente. Lembrando-se das palavras de Rory, apertou os olhos e fez um pedido:

- Estrela cadente, dê-me o que eu quero.

Então abriu os olhos em direção ao céu. Mas, o que ela queria? Nem ela mesma sabia. Nervosa, deu mais um chute no toco e voltou para junto da fogueira. Rory estava sentado no chão, encostado numa tora de madeira, olhando fixamente para o fogo.

- Pelo jeito, você quer novamente a minha companhia; é isso, Hamilton?

Ela ficou olhando para ele por algum tempo, e em seguida serviu-se de mais um pouco de café.

- Não é bem isso, McGee. Não tenha mania de grandeza. Eu só queria mais um pouco de café.

Ele olhou para ela com vontade de rir.

- Você não dá o braço a torcer, não é? Cismou que tem de ser dura como aço, não sei por quê.

Ela levantou ligeiramente o queixo e olhou-o nos olhos.

- Eu sou dura como aço, McGee. Ele riu sacudindo a cabeça.

- Nestes próximos dias você terá a chance de me mostrar como você é dura, Hamilton. Então não comece a contar vantagem antes do tempo.

- Tem alguma queixa de mim até agora, McGee?

- De jeito nenhum. Você até que cozinha bem. Só falta perder um pouco desse mau humor.

- Isso faz parte de meu contrato de duas semanas com você, McGee? A mulher tem de ser doce, meiga e sensual para você levá-la numa viagem pelo Allagash?

Ah! - Ele deu um suspiro e ficou observando-a à luz da fogueira. - Doce, meiga e sensual. Ajudaria muito, Hamilton, mas como parece que você não é nada disso, vou ver o que posso fazer nessas duas semanas.

Sentindo-se embaraçada, Vanessa deu-lhe as costas e tomou um longo gole de café. Por mais absurdo que parecesse, tinha vontade de chorar, mas logo reagiu. Quem é que estava se importando com o que Rory pensava dela? Afinal, ele era apenas um caipira analfabeto. O pai dela podia comprar e vender um homem como ele uma dezena de vezes e ainda sobraria muito dinheiro.

McGee levantou-se e começou a apagar o fogo.

- Hora de ir para a cama - disse. - Está cansada?

- Bem, acho que é melhor eu estar, pois você já está apagando o fogo.

Dirigindo-se para a barraca, Rory disse sorrindo:

- Acho melhor fazermos uma trégua enquanto dormimos, ou será que eu devo dormir de frente para você, para não ser apunhalado pelas costas?

- Durma do jeito que quiser, McGee. Eu estou pouco me importando com você, acordado ou dormindo.

Ele entrou primeiro e ficou segurando a aba da porta para que Vanessa entrasse. Ela hesitou por alguns segundos, e acabou entrando, ficando imediatamente perturbada pelo cheiro almiscarado que emanava dele. No pequeno espaço da barraca, Rory parecia ainda maior, mais másculo. Abaixando-se, Vanessa perguntou:

- Como é que a gente vai dormir?

- Pode ser juntos ou separados, como você quiser. Para mim não faz diferença - disse ele rindo.

- Não foi isso que eu quis dizer - retrucou Vanessa, corando e virando o rosto. - Eu queria saber qual era o meu saco de dormir.

- Pode escolher o que você quiser. Eu durmo em qualquer lugar.

Ela deu uma olhada para trás e ficou espantada ao ver que ele estava desabotoando e tirando a camisa, mas quando ele abriu a braguilha da calça, ela arregalou os olhos e virou a cabeça, sentindo-se embaraçada.

- O que você está fazendo? - perguntou indignada.

- Tirando a roupa, madame. Por quê? Acha estranho ver um homem se aprontando para ir para a cama?

Ela não sabia o que responder. Se dissesse não, ele acharia que ela era uma mulher fácil. Se dissesse sim, acharia que ela não tinha nenhuma experiência com homens, o que realmente era verdade, mas ela não queria que ele soubesse. Assim sendo, sem dizer nada, entrou no saco de dormir e fechou os olhos, percebendo que Rory continuava a se mexer.

- Boa noite, princesa - disse ele, com ternura. Ela abriu os olhos e olhou para o teto da barraca, sem

saber como responder. Finalmente, voltou-se e olhou diretamente para o rosto sorridente dele.

- Boa noite. - E virou para o outro lado, fingindo dormir.

Em poucos minutos, pela respiração regular de Rory, ela percebeu que ele já estava dormindo, e foi preciso que se passasse mais uma hora para que ela fechasse os olhos e dormisse, sonhando com um certo caipira barbudo.

 

No dia seguinte, Vanessa acordou logo que amanheceu. Abrindo os olhos com dificuldade, remexeu-se dentro do saco de dormir, e por alguns momentos tentou lembrarse de onde estava. Então, tudo lhe veio à mente: estava no Maine, com Rory McGee. Não era à toa que estava dolorida e gelada. Em Boston, jamais acordara assim, pois tinha uma enorme cama de dossel, com um lindo cortinado de renda e um colchão macio, e seu quarto ficava constantemente aquecido por um sistema de calefação central.

Virando a cabeça de lado, ficou observando Rory McGee. Ele estava com o peito e os braços nus, o que evidenciava os pêlos escuros e os músculos esculturais. Olhando para ele, Vanessa achou-o parecido com uma estátua grega. Seu corpo era perfeito, um belo exemplar do sexo masculino. Teve uma súbita vontade de estender a mão e acariciar-lhe o peito peludo, os braços musculosos e sentir o calor de seu corpo, mas, resistindo ao impulso, levantou os olhos para o rosto dele e teve um choque ao deparar com um par de olhos cinzentos.

- bom dia, princesa - murmurou ele. - Está gostando do que vê?

Sentindo um calor subir-lhe ao rosto, virou-se abruptamente e ficou deitada de costas, olhando para o teto.

- Não tenho a menor idéia do que está falando, McGee.

- Não, é? - Ele bocejou demoradamente e se espreguiçou. - Eu estava falando do jeito com que você estava olhando para o meu corpo.

Vanessa puxou o saco de dormir até o queixo.

- Que besteira! Eu não tenho o menor interesse pelo seu corpo.

- Isso é confortador. Eu detestaria ter que passar as próximas duas semanas me desviando das suas investidas.

- Você é muito convencido, não é, McGee? - disse ela, lançando-lhe um olhar altivo.

- Nem um pouco. Quando eu acordei, você estava me olhando como se eu fosse o último homem na face da terra. - Deu um sorriso maldoso. - Você devia ter visto seus olhos, Vanessa Hamilton, eles estavam até babando.

Ela levantou uma sobrancelha e ficou olhando para ele com frieza.

- Você está confundindo as coisas, sr. McGee. Olhos não babam.

- Mas os seus estavam, srta. Hamilton.

Ela virou de costas para ele e forçou um bocejo.

- Eu realmente não quero mais conversar, sr. McGee, pois vou dormir mais um pouco. Por favor, procure não fazer barulho para não me acordar.

- Procurarei fazer minhas abluções matinais no maior silêncio possível.

- Faça o favor - disse ela, fechando os olhos. Rory sentou-se e saiu do saco de dormir.

- Você sempre tem que ter a última palavra, não é, Hamilton?

Ela suspirou exageradamente.

- Eu já disse que quero voltar a dormir. Poderia fazer o favor de sair da barraca e me dar um pouco de sossego?

Rory vestiu as calças jeans e ficou parado, olhando para ela, com a camisa azul na mão.

- Já estou saindo - disse.

- Que emocionante - disse ela, sorrindo com indiferença e afundando-se mais ainda no saco de dormir.

Mas, depois que ele saiu, ela não conseguiu mais dormir. Por que Rory a deixava tão nervosa, tão agressiva? Provavelmente, devia-se ao fato de mal ter escapado de um homem dominador em Boston, para cair nas garras de um outro aqui no Maine. Quando é que ela teria permissão para experimentar as próprias asas? Ela só queria uma chance para poder provar do que era capaz. Em casa, seu pai havia caído na gargalhada quando ela lhe contou que iria fazer essa viagem ao Maine.

- Você? Passar duas semanas no mato, no Maine? Jamais conseguirá, Vanessa. No terceiro dia você estará de volta, toda dolorida e acabada.

Vanessa teve vontade de chorar ao lembrar das palavras do pai. Ele jamais acreditou nela, jamais achou que ela pudesse fazer alguma coisa por si própria. E foi por isso que ele lhe deu aquele emprego no departamento de relações públicas da empresa. Desde que ela terminara o curso superior, ele lhe dizia que ela não tinha capacidade para vencer sozinha na vida.

Que tola tinha sido! Acreditou no que ele disse, acomodou-se na elegante mansão de Boston, onde cuidou de seu amor-próprio ferido, e deixou que ele a forçasse a aceitar o luxuoso emprego que lhe ofereceu.

- Bem, agora chega! - exclamou em voz alta, sentando-se repentinamente. Seu pai e aquele detestável Rory McGee iriam ver o que era bom. Os dois estavam prontos a pensar o pior dela, mas ela lhes mostraria. Estava determinada a fazer aquela viagem até o fim e não ser mais motivo de chacota de seu pai nem de Rory.

Ao sair de dentro do saco de dormir, sentiu que estava com o corpo todo dolorido, resultado das atividades do dia anterior. Pegou a toalha, pasta e escova de dentes e saiu da barraca, sentindo o impacto do ar gelado da manhã. Rory não estava à vista e ela calculou que ele deveria estar vagando pelo mato.

Chegando à beira do rio, parou abruptamente. Rory estava ali ao lado, despido da cintura para cima, lavando o peito e os braços, de costas para ela. Vanessa não conseguia desgrudar os olhos dele, e, enquanto ficava lá parada, ele começou a cantar, com uma voz profunda e agradável. Ao sair da barraca, ela estava com raiva dele, mas agora não pôde deixar de sorrir, e foi assim que ele a surpreendeu ao virar-se.

- bom dia mais uma vez, princesa. Espero não tê-la acordado.

- Eu não consegui mais dormir - admitiu. Porém acrescentou em tom irônico: - Mas, mesmo que tivesse conseguido, essa sua cantoria teria me acordado. - Baixou os olhos para o seu peito, que ele enxugava com uma toalha. Havia alguma coisa que a atraia naquele peito musculoso e peludo. - Não está sentindo frio? - perguntou, levantando novamente os olhos para o rosto dele.

- Não, eu estou acostumado. É revigorante. - Os olhos dele brilharam com malícia. - Você deveria tirar a roupa e tomar um banho no rio, pois iria se sentir uma nova pessoa.

Vanessa nem conseguia encará-lo.

- Não, hoje não. Quem sabe, amanhã, se eu dormir até mais tarde.

- Bem, se você não tomar banho amanhã, eu mesmo a jogarei na água.

Ela acabou sorrindo.

- Então, eu certamente tomarei um banho amanhã. Ele inclinou a cabeça para o lado e seu sorriso desapareceu.

- Você sabe que pode confiar em mim, Vanessa. Eu não avançarei em você, nem mesmo a seguirei até o rio para ficar olhando.

Ela mordeu o lábio, envergonhada por ter tido aqueles pensamentos.

- Bem, eu... - Respirou fundo e olhou para ele. Obrigada, McGee. Acho que tenho sido um tanto suscetível com você.

- Mas isso é natural. Você é uma mulher que está aqui sozinha com um homem estranho, e é normal que fique um tanto desconfiada. Talvez agora entenda porque eu não estava disposto a levá-la comigo nesta viagem. Eu sabia que não ia ser fácil para você.

- Acho que para você também não está sendo fácil. Seria muito mais divertido se estivesse com um grupo de homens. Vocês iriam pescar e contar casos em volta da fogueira, à noite. - Olhou-o por debaixo dos cílios. - Obri gada por ter me trazido, McGee. Foi muito importante para mim.

Ele colocou a mão no ombro dela e sorriu afetuosamente.

- Chega de desculpas e explicações por hoje. E o nosso café?

- Boa idéia. Quer que eu prepare?

- Claro. Esta é sua tarefa, Hamilton. Enquanto isso, eu vou enrolar os sacos de dormir, desmontar a barraca e carregar a canoa.

Em poucos minutos, o cheirinho de bacon frito espalhava-se pelo ar. Vanessa também tinha preparado ovos mexidos e café, e os dois sentaram-se sobre um tronco caído e comeram como se estivessem sem comer há dias.

- Mmm - disse Vanessa, entre duas garfadas. - Como isso é bom.

- Você realmente cozinha muito bem, Vanessa. Neste ponto, eu não posso me queixar.

- E que queixas você tem de mim? - perguntou numa atitude defensiva.

Ele acabou de mastigar para responder.

- Principalmente sua atitude, Hamilton. Você é briguenta demais. Qual é o problema? Você tem alguma coisa contra os homens?

Duas manchas vermelhas surgiram em seu rosto, e ela ficou olhando para o prato que tinha no colo.

- Não, eu não tenho nada contra os homens. Só que...

- Só que o quê?

Ela fez um gesto de desânimo com os braços.

- É que eu queria tanto me sair bem, e você só fica rindo de mim.

- Se eu fico rindo de você, Vanessa, é só de brincadeira, tentando deixá-la mais descontraída, mais relaxada. Que diabo, você está aqui para se divertir, e não para ser testada!

Vanessa ficou olhando para o prato, totalmente sem apetite agora. Aquela viagem era na verdade um teste para ela, mas para que Rory entendesse isso seria preciso que lhe contasse toda a história de sua vida, e não estava disposta a fazê-lo. Ela estava ali para esquecer de tudo, pelo menos por duas semanas.

- Pensando de novo? - perguntou Rory. Ela assentiu, sem dizer nada.

- Às vezes, pensamos demais, Vanessa. Você devia tentar esquecer o que a trouxe aqui e simplesmente relaxar e aproveitar.

Ela respirou fundo, levantou-se e disse, sorrindo:

- Eu tentarei, McGee. Mas não sei se vai dar certo.

- Vai dar certo, sim - disse ele, levantando-se e entregando-lhe o prato. - Eu garanto.

- Se não der, terei meu dinheiro de volta? - perguntou rindo.

Ele ficou muito sério ao responder.

- com juros, Vanessa Hamilton. com juros.

Ela desviou os olhos rapidamente, sentindo o coração acelerar e voltar aquela sensação estranha no estômago. Lavou a louça e guardou-a no pacote dos utensílios de cozinha, sentindo o tempo todo que Rory não tirava os olho dela, mas sem ter coragem de olhá-lo. Ele era perturbador demais, masculino demais, e a deixava sem fôlego, com uma sensação estranha, da qual ela não sabia se gostava ou não. A única coisa que ela sabia era que aquilo era algo novo e excitante que ela nunca mais tinha experimentado desde Tony Carlotto.

Ao pensar em Tony, levantou-se abruptamente. Era ridículo pensar em Tony e Rory em termos iguais, comparálos. Ela havia amado Tony, apaixonara-se por ele à primeira vista, ao passo que não podia suportar Rory. Bem, talvez não fosse tanto assim, ele era um bom sujeito, mas ela decididamente não estava interessada nele como homem.

- Está pronta, Vanessa?

- Estou, McGee.

- Então, vamos indo. Temos que remar um bocado para chegarmos ao lago Chesuncook.

Duas horas mais tarde, depois de passarem por uma curva do rio, viram surgir a sua frente a imensa vastidão do lago, tendo à direita o monte Katahdin, com mil e seiscentos metros de altura.

Vanessa parou de remar e ficou quieta, olhando para aquela extensão de quilômetros e quilômetros de água calma, azul, contornada por pinheiros.

- Meu Deus, que coisa maravilhosa! - disse.

- É a terra de Deus. Todos os lagos aqui são tranqüilos como este. Você verá muitos mais antes de chegarmos a Fort Kent.

Remaram por mais algumas horas, sem jamais se afastarem da margem para não serem apanhados pelos ventos, até chegarem a um lugar próprio para acampar, onde cresciam majestosos bordos, cedros e pinheiros.

Depois de colocarem a canoa na praia, montaram acampamento e, em menos de uma hora, já tinham acabado de jantar. E foi neste meio-tempo que a brisa parou e os mosquitos atacaram.

Nervosa de tanto se coçar e se bater, Vanessa levantou-se e começou a agitar os braços a sua frente. Rory suspirou e levantou-se também.

- vou provocar um pouco de fumaça, pois ela espantará os insetos por algum tempo.

Ele colocou lenha úmida na fogueira e sentou-se ao lado da fumaça. Vanessa passou mais um pouco de repelente, mas de nada adiantou. Ela estava exausta, seus braços doíam depois de passar sete horas remando, precisava de algumas horas de sono, só que não sabia se iria agüentar o abafamento da barraca e os mosquitos.

- Estou exausta, Rory - disse finalmente. - vou tentar dormir um pouco.

Sem o vento, a barraca estava um forno e, apesar dos pernilongos não poderem entrar por causa da tela, os mosquitos-pólvora, por serem muito pequenos, entravam facilmente e passaram a atacar Vanessa. Virando-se de um lado para outro dentro do saco de dormir e coçando-se como uma louca, ela não agüentou por muito tempo e saiu.

Rory continuava sentado junto à fogueira, fumando seu cachimbo, e Vanessa sentou-se do lado oposto ao dele.

- Estes mosquitos são infernais - disse ela. - Como foi que eu nem reparei neles na noite passada?

- É que ontem à noite estava ventando, e hoje o ar está parado. Tendo vento, eles não incomodam.

- Como é que você agüenta, McGee? Eles não deixam você louco?

- Eu já estou acostumado com eles, Vanessa - disse sorrindo, com o cachimbo na boca. - E o cachimbo também ajuda. Quer experimentar?

- Não, obrigada. - Ela riu e sacudiu a cabeça. Ainda não cheguei a esse ponto. Dê-me mais alguns dias.

Ele se levantou, colocou mais lenha na fogueira e voltou a sentar-se, esticando as pernas. Involuntariamente, Vanessa passou o olhar para as pernas dele, para aqueles músculos fortes encobertos pelo jeans desbotado, e teve que admitir que se sentia fortemente atraída por ele. Pela primeira vez permitiu-se imaginar como seria ficar em seus braços, ser beijada por ele, como seria o toque daquela barba e bigode sobre sua pele sensível. Sentiu um arrepio e procurou tirar aquelas idéias da cabeça, uma vez que era altamente improvável que ela um dia acabasse nos braços de Rory.

Sorrindo para si mesma, concluiu que era muito mais provável que ela o levasse à loucura antes que as duas semanas terminassem.

- Assim é que eu gosto de ver, princesa - disse Rory, do outro lado da fogueira. - Você está sorrindo.

Assustada, ela olhou para ele e em seguida desviou o olhar.

- Pois é... é que eu... eu me lembrei de uma coisa engraçada.

- Pode me contar o que é?

Ela sacudiu a cabeça e enfiou as mãos nos bolsos.

- Acho que vou dar uma volta.

- É melhor eu ir com você - disse Rory, levantando-se. - Não teria cabimento você se perder em sua segunda noite de viagem.

Ela quis protestar, mas alguma coisa a impediu. Dentro dela havia duas partes em conflito - uma que queria ficar o mais longe possível de Rory e outra que ansiava por sua presença.

Caminharam até a beira do rio no mais completo silêncio, o que para Vanessa foi um tormento. A presença dele perturbava-a demais, e por mais cuidado que ela tomasse acabava sempre batendo com o corpo no dele a cada curva do caminho, o que lhe dava a sensação de que seu coração saltaria pela boca. Ali, na escuridão, ela se sentia duas vezes mais vulnerável que no acampamento, e Rory parecia três vezes mais másculo, exalando um odor almiscarado, que mexia com os seus sentidos e lhe provocava uma doce ansiedade.

Mas ansiedade por quê? Recusando-se a procurar uma resposta, decidiu tirar esses pensamentos da cabeça e chutou uma pedra que estava no caminho. Ao longe, o rio parecia um fio de prata, banhado pelo luar, e o murmúrio das águas eram como uma música na noite. Vanessa estendeu os braços para o céu, olhando para as estrelas que cintilavam para ela.

- Você está inquieta - disse Rory, em voz baixa. Espantada com a percepção dele, encolheu os ombros.

- Acho que estou mesmo. Estou cansada, mas não consigo dormir. Alguma coisa... alguma coisa não está bem.

- Eu tenho um santo remédio para isso.

- Não vá me dizer que é alguma antiga erva usada pelos índios que você encontrou no meio do mato? - perguntou Vanessa, em tom de zombaria.

- Não, mas funciona como se fosse. - Sorrindo, apontou para o rio. - Natação.

- Natação?

- Por que não? Está calor, a água está fresca e os malditos mosquitos não atacam se a gente ficar debaixo d'água.

- Aproximou-se dela, olhando-a nos olhos. - E liberta uma parte dessa energia reprimida que não a deixa dormir.

Uma corrente de excitação percorreu o corpo de Vanessa e pareceu estalar no ar entre os dois. Ela entendeu que ele estava se referindo à energia sexual reprimida, o que fez com que seu coração acelerasse e seu rosto ficasse em fogo. Por algum tempo ela continuou como que hipnotizada por ele. Virou-se, então, abruptamente para o outro lado.

- Eu... eu teria que vestir um maio.

- Para quê? - A voz dele era baixa e acariciante.

Ela olhou novamente para ele, sentindo uma onda de excitação e, quando falou, sua voz também era baixa e sedutora.

- Bem, eu não posso nadar nua, não é mesmo?

- Por que não? - Ele a olhou de cima a baixo. Ninguém ficaria sabendo. Estamos sozinhos aqui e podemos fazer o que bem entendermos.

Ela sentiu uma pulsação erótica no âmago de sua feminilidade, roubando-lhe o fôlego, fazendo-a umedecer os lábios. Os olhos dele ficaram pregados em sua boca, e ela sentiu uma vontade louca de beijá-lo com toda a paixão que aquela noite quente inspirava.

Sem tirar os olhos dos dele, começou a desabotoar lentamente a blusa. Ele respirou fundo e ela virou-se de costas, tirando a blusa e o sutiã, deixando-os cair ao chão. Ela podia sentir seus mamilos ficando enrijecidos no ar úmido da noite e os olhos de Rory devorando-a.

Movida pela excitação que sentia, desabotoou a calça jeans, desceu-a e finalmente tirou também o biquíni. Jogou a cabeça para trás, deixando que o cabelo descesse pelas costas como uma cascata de ouro e ergueu os braços em direção à lua.

Pelo canto dos olhos, viu que Rory havia se aproximado e estava começando a desabotoar a camisa. Virando-se para ele, ficou olhando fascinada enquanto ele tirava toda a roupa, até ficar totalmente nu. Tinha que admitir que era realmente um belo espécime de homem, com tudo no lugar e uma musculatura que parecia esculpida em mármore.

Sentindo a tensão sexual aumentar, Vanessa jogou o cabelo para trás e entrou correndo na água para esfriar um pouco a cabeça, sendo seguida por Rory. Parou e deixou que ele se deliciasse em olhá-la, sentindo o sangue pulsar em suas veias, mais erótica do que jamais estivera em sua vida.

A tensão aumentou enquanto ficaram parados se olhando. Rory sacudiu ligeiramente a cabeça e, antes de afastar-se, disse numa voz rouca e baixa:

- Ainda não, Vanessa Hamilton, mas não vai demorar.

Vanessa sentiu um sufoco e mergulhou, ficando dentro da água até Rory se vestir e voltar para o acampamento. Só então teve coragem de sair e se vestir, tremendo de emoção.

Ela ainda estava trêmula quando entrou na barraca e encontrou Rory deitado por cima do saco de dormir, sem calças e sem camisa, apenas de cueca. Procurando não fazer barulho, entrou no saco de dormir e virou-se para o outro lado.

A única coisa que ela ouvia era a respiração dele. Sabia que ele não estava dormindo, que estava pensando no que haviam feito no rio, e a única coisa que ela podia fazer era morder os lábios para não gemer, demonstrando seu desejo. Vanessa sentia seu pulso latejar e o centro de sua feminilidade pulsar, mas ele não fez qualquer tentativa.

com os olhos bem abertos, Vanessa ficou olhando para a parede da barraca, enquanto as palavras dele ecoavam incessantemente em sua cabeça:

- Ainda não, Vanessa Hamilton, mas não vai demorar...

 

Na manhã seguinte, Vanessa não conseguia olhar nos olhos de Rory. Ao acordar, encontrou-o deitado sobre o saco de dormir, olhando para ela e, no mesmo instante, veiolhe à mente tudo que havia acontecido no rio na noite anterior. Sentindo uma mistura de euforia e acanhamento que a deixava com as faces coradas e o coração disparado, saiu de dentro do saco de dormir, com intenção de deixar o mais rápido possível a barraca. Mas Rory tinha outras idéias e, sentando-se, sorriu para ela.

- bom dia, princesa. Dormiu bem?

- Dormi - respondeu, balançando a cabeça para cima e para baixo vigorosamente. - Muito bem.

- Olhou-o furtivamente e viu que ele estava rindo.

- Pois sim. Eu ouvi você se virar a noite inteira, de um lado para outro, assim como eu.

Ela simplesmente não sabia o que fazer, como escapar dos olhos astutos de Rory. Decidiu que o melhor era sair da barraca.

- vou fazer o café - disse, enquanto saía correndo, ouvindo a risada marota de Rory.

Ele a deixava nervosa, mas fazia seu coração bater mais acelerado. Ao pegar os utensílios de cozinha, notou que suas mãos estavam tremendo e, zangada consigo mesma, largou tudo e levantou-se bruscamente. Ela tinha que pôr um fim naquela bobagem, não podia ficar de cabeça virada por um caipira do Maine. O que ele tinha feito na noite anterior foi...

Franzindo a testa, mordeu o lábio inferior, preocupada. O que tinha acontecido na noite anterior? Teria perdido o juízo? Jamais, em sua vida, tinha tirado a roupa na frente de um homem, daquele jeito, e nem nadado nua com alguém.

Lembrou-se do erotismo que a invadiu na noite anterior e percebeu que faria a mesma coisa sempre que tivesse oportunidade. Quando ela estava em companhia de Rory, suas pernas ficavam bambas e sua mente se fechava, recusando-se a raciocinar. Na presença dele, algo de primitivo acontecia com ela, passava a ser dominada pelo próprio corpo, e o fato de estar sozinha com ele no meio do mato só aumentava o fogo. Não estava agora na elegante Boston, cercada de todo o conforto proporcionado por seu pai. Estava livre, livre para fazer o que bem entendesse e ficou extremamente chocada ao perceber que o que ela queria mesmo era Rory McGee.

Ao ouvir um barulho vindo da barraca, voltou-se e viu Rory, que acabara de sair, parado ao lado da abertura, com o peito nu exposto ao ar frio da manhã. com o coração disparado, não conseguiu tirar os olhos dele, apreciando mais uma vez a beleza do seu físico.

Ficaram parados, olhando um para o outro, como que hipnotizados. Naquele instante, Vanessa percebeu que Rory sentia a mesma coisa que ela, que aquela atração tão forte era recíproca.

Prendendo a respiração, Vanessa olhou para o outro lado, quebrando o encanto. Estava trêmula, olhando para o lago, mas todas as fibras de seu corpo estavam sintonizadas na aproximação de Rory.

- vou acender o fogo para você - disse ele, parando atrás dela.

- Obrigada - respondeu sem se atrever a olhá-lo, mas, logo em seguida, algo mais forte fez com que ela se voltasse.

com um sorrido nos lábios, ele a examinava atentamente, e Vanessa, sentindo mais uma vez aquela sensação estranha no estômago, baixou o olhar e deu um passo para trás.

- Você não disse que ia acender o fogo? - Passou a língua pelos lábios com nervosismo e viu que ele acom panhou atentamente aquele movimento. Um arrepio percorreu-lhe o corpo e ela sentiu os seios incharem, provocando uma dor gostosa, uma necessidade de ser tocada.

- Acho que já acendi um fogo. - A voz dele era baixa e rouca.

Por um momento, ela achou que iria se jogar nos braços dele, mas virou-se abruptamente e correu para a barraca.

Lá dentro abraçou o próprio corpo, mordeu o lábio e apertou os olhos, tentando sufocar o desejo que sentia. O fogo da paixão queimava-a por dentro, sentia-se como uma massa que estava derretendo, pronta para ser consumida por Rory McGee.

Tentando acalmar-se, Vanessa respirou fundo, endireitou os ombros e disse a si mesma para deixar de ser boba. Em seguida, saiu da barraca e foi preparar, o café. Rory estava de cócoras diante do fogo.

- Agora você já pode preparar o café - disse, sorrindo.

Aliviada por ver que a tensão estava desfeita, Vanessa também sorriu.

- Então, com licença. Agora pode sair da cozinha.

- Está bem - disse, levantando-se. - Enquanto você cozinha, vou desarmar a barraca.

O resto da manhã foi passado num espírito de camaradagem. Depois de tomarem café, colocaram tudo na canoa e seguiram viagem.

O lago estava sereno e a superfície lisa refletia as árvores próximas das margens. Eles já estavam pedalando há algumas horas quando Rory quebrou o silêncio.

- Logo ali adiante fica a lagoa da Lama, e teremos que transportar a canoa por terra até Umbazookus.

Vanessa concordou com um aceno de cabeça, sentindo-se bastante animada, pois seria o primeiro transporte de canoa por terra, numa distância de três quilômetros, segundo Rory.

No final, o transporte acabou sendo uma coisa bastante cansativa, pois foi uma caminhada de três quilômetros na lama. Primeiro, Rory levou a canoa nos ombros e Vanessa um dos pacotes, depois voltaram para pegar o resto.

Três horas depois o trabalho estava terminado e Vanessa largou-se no chão, exausta e dolorida. Deitada sobre a relva, olhava para o céu e estava tão cansada que nem queria conversar.

- Cansada? - perguntou Rory.

- Exausta.

- Quer mudar de idéia sobre a viagem pelo Allagash? Ela suspirou e sentou-se.

- Não, nada disso.

- Então, vamos colocar a canoa dentro da água. Desanimada, Vanessa acompanhou-o a ajudou-o no

que foi necessário, e eles partiram novamente. Quatro horas depois, ela tinha a impressão de que, se desse mais uma remada, seu braço cairia.

- Vamos acampar ali adiante - gritou ele. - O lugar é muito bom.

Ela remou estoicamente os quinhentos metros que os separavam do local escolhido e ainda ajudou-o a montar acampamento. Enquanto Vanessa estava um molambo dolorida, exausta, despenteada, Rory continuava belo e fresco como quando tinham começado a viagem. Aquilo não era justo, pensou, e nem sabia se chegaria a se recuperar.

Depois da barraca armada e o fogo aceso, Vanessa deitou-se no chão e ficou inerte, olhando para o céu. Rory sorriu para ela, enquanto fazia o café.

- O que você está precisando é de um banho revigorante no rio.

- O que eu preciso é de uma cama de pluma no Plaza.

- Nós estamos a algumas centenas de quilômetros de Boston, Vanessa. É melhor você ficar com o banho no rio.

com um grande esforço, ela levantou-se e foi até a barraca para vestir o maio e seguir o conselho de Rory. Talvez um banho ajudasse a reavivá-la.

Na barraca, vestiu um maio vermelho que realçava todas as curvas de seu corpo, que sempre atraía a atenção dos homens, e ficou pensando no efeito que teria sobre Rory. Colocando uma toalha no ombro, saiu ansiosa para ver a reação dele.

Rory estava perto da fogueira, tomando seu café e ficou olhando para Vanessa enquanto ela entrava na água, depois de ter deixado a toalha na relva. Sentiu um arrepio de excitação percorrer-lhe o corpo ao ver que ele não tirava os olhos dela, mas também não fazia menção de se mover. Vanessa mergulhou na água fria e levantou-se rindo e puxando o cabelo para trás - aquilo era realmente muito bom! Mergulhou mais uma vez e ao levantar-se, viu que Rory estava parado na margem, usando apenas um jeans cortado.

- Vem nadar comigo, McGee? - perguntou rindo.

- vou. - Ele entrou na água, mergulhando de cabeça e saindo perto de Vanessa.

Ela olhou para ele por alguns segundos, passou a mão pelo cabelo e mergulhou novamente, sentindo que seus poderes femininos estavam voltando. Ela podia fazer o que bem entendesse com aquele homem. Em poucos minutos ele estaria comendo da mão dela.

De repente, Vanessa levou um susto, pois uma grande mão segurou-a pelo quadril, tirando-a de dentro da água.

Quando ela entendeu o que estava acontecendo, viu-se no colo de Rory, olhando-o nos olhos, e sentindo o corpo queimar nos pontos em que encostava nele.

Ela já não era aquela Vanessa Hamilton, de Boston, tão segura de si. Estava sozinha, no meio do mato, em companhia de um homem barbudo que mais parecia um urso, e cujos olhos penetravam nos seus.

Ele a colocou no chão e segurou-a pela cintura. Vanessa ficou só esperando para ver qual seria o próximo passo, pois sabia que faria tudo que ele quisesse. Ela estava totalmente à mercê dele.

Sentindo-se trêmula, olhou mais uma vez para aqueles olhos cinzentos, prestando atenção nas mãos que a seguravam pela cintura. Aos poucos, sentiu que a mão direita dele subia, passando pelas costelas, e parando com o polegar na base do seio. Em seguida, ele fez a mesma coisa com a mão esquerda e parou.

Sentindo uma enorme tensão, com os olhos pregados nos dele, ela lutava para controlar o desejo que percorria seu corpo. Todos os seus sentidos pareciam centralizados em seus seios, esperando que aquelas mãos grandes os acariciassem e, depois de baixar seu maio, sentissem toda a sua suavidade.

Mas ele não fez nada, ficou apenas parado, olhandoa, como se quisesse hipnotizá-la. Ela se sentia como um passarinho atraído por uma serpente, incapaz de se mover, de quebrar o feitiço que a envolvia. Ele então levantou a mão e tocou delicadamente em seus lábios.

- Beije-me, Vanessa - murmurou, com a voz baixa e rouca, enquanto a apertava contra seu corpo.

Ela se sentiu desfalecer de encontro àquele corpo rijo e compreendeu que não tinha defesa contra aquele homem

- o que ele mandasse, ela faria. Levantando a cabeça, passou os braços em torno dos ombros dele e o beijou.

No mesmo instante, sentiu o desejo invadir-lhe as veias, e encaixou mais ainda seu corpo no de Rory. Fechando os olhos, puxou a cabeça dele e abriu os lábios diante da pressão que ele fazia com a língua. Quando suas línguas se encontraram, um forte arrepio percorreu o corpo de Vanessa e ela sentiu as pernas ficarem fracas.

Tinha a impressão de estar solta no espaço, de que seus músculos não mais funcionavam e que apenas Rory sustentava seu corpo, pois suas pernas não mais a seguravam. Mais um arrepio percorreu-lhe o corpo quando ele a segurou pelos quadris e a apertou com força contra si, fazendo-a sentir com maior intensidade o volume do seu membro enrijecido, que mostrava quanto ele a desejava.

Num movimento sensual dos quadris para frente e para trás, Rory esfregou seu membro contra o ventre de Vanessa, enquanto seus dedos entravam para dentro de seu maio, apertando-lhe as nádegas, e seus lábios saboreavam a pele de seu pescoço, deixando-a enlouquecida de desejo.

Gemendo, Vanessa desceu as mãos pelas costas dele, e ele voltou a beijá-la na boca. Mas aquilo não bastava, ela queria mais, queria sentir seu corpo nu contra o dele, queria que as mãos, os lábios e a língua dele percorressem todas as partes de seu corpo. Não conseguindo mais se conter, enfiou as mãos por dentro dos jeans dele e apertou-lhe as nádegas firmes. Ela sentiu que os dedos de Rory estavam tentando abrir caminho entre suas pernas. Atordoada, quase se sentiu desfalecer, enquanto as mãos firmes dele a apoiavam, e seus dedos entravam por dentro do maio, chegando ao centro umedecido de seu corpo. Arqueando o corpo, ela sentiu que ele enfiava a coxa musculosa entre suas pernas, abrindo-as, enquanto seus dedos a penetravam, acariciavam, provocando-lhe um prazer que jamais havia sentido.

Vanessa voltou a deslizar as mãos pelas costas dele, enfiando-as no cabelo e puxando sua cabeça ao seu encontro, enquanto ele se deliciava beijando-lhe os mamilos. O prazer invadia seu corpo em ondas tão doces e intensas que ela tinha a impressão de que iria explodir.

De repente, tudo acabou. A viagem ao mundo do êxtase chegou ao fim quando Rory a soltou e recolocou seu maio no devido lugar. Ele a beijou levemente na boca, pegou-a no colo e saiu da água, levando-a para a barraca. Lá chegando, colocou-a gentilmente sobre o saco de dormir.

- Agora você precisa dormir - murmurou, começando a tirar-lhe o maio que estava molhado.

Confusa com tudo o que havia acontecido, assustada com a intensidade daquilo tudo, Vanessa sentou-se e segurou-lhe as mãos.

- Pode deixar - murmurou. - Eu posso me trocar sozinha.

Sorrindo, ele abaixou uma das áleas.

- Depois do que acabamos de fazer, acho que tenho o direito de despi-la.

Ela sentiu o rosto em fogo e virou-o para o outro lado.

- Eu... eu não sei... como pude deixar... que você...

- Deixar que eu o quê, princesa?

Ela fechou os olhos, com receio do que via nos dele e com medo de sua própria reação passional aquele estranho.

- Me tocasse - sussurrou.

- Eu quero tocá-la mais ainda - murmurou. Baixando a outra alça, puxou o maio para baixo, desnudando-lhe os seios, depois os quadris, e descendo-o pelas pernas. Mas não agora. Agora você deve descansar, pois trabalhou muito hoje. Durma, Vanessa, o tempo que quiser.

Vanessa não conseguia manter os olhos abertos, não conseguia ficar olhando para aquele homem que havia escravizado seu corpo. Suas pálpebras desceram e ela adormeceu. Nada mais existia, só o profundo vazio do descanso.

Quando acordou, estava escuro. Continuou deitada, e, ao lembrar-se de tudo que lhe havia acontecido, olhou para o lado e viu que Rory estava acordado, com as mãos cruzadas embaixo da cabeça, olhando para o teto. Ele olhou para ela e sorriu.

- Até que enfim você acordou.

Ela assentiu e continuou a olhar para ele com seriedade. Vanessa sabia que o que havia acontecido entre eles era especial. Apesar de altamente erótico, não era apenas sexo

- a delicadeza com a qual ele a carregara para a barraca e a deitara tinha demonstrado isso. Mas por quê? Ele poderia ter feito amor com ela, poderia ter tirado seu maio e feito o que bem entendesse com ela. E por que não fez?

- O que é que você está pensando? - perguntou ele.

- Que eu não consigo entender você. Ele sorriu e apoiou-se sobre o cotovelo.

- Eu não passo de um homem comum, Vanessa. Não há nada de misterioso a meu respeito.

Ela sacudiu a cabeça, recusando-se a acreditar nele. Se ele não tivesse algo de extraordinário, ela não ficaria assim, deitada nua diante dele.

- Já esteve apaixonada, Vanessa? - perguntou ele, deixando-a confusa.

- Uma vez só.

- Recentemente?

- Não. Já faz cinco anos; eu ainda estava na faculdade.

- O que aconteceu?

Ela virou a cabeça e olhou para o teto.

- Meu pai interferiu e... afugentou o homem que eu amava.

- Ah, então está explicado.

- O que está explicado? - Ela voltou a olhar para ele.

- Porque você tem tanto medo.

Ela levantou-se, vestiu rapidamente a calcinha, o sutiã, a camiseta e as calças jeans, e jogou o cabelo para trás, numa atitude de desafio.

- Eu não tenho medo. De onde você tirou isso?

Ele sorriu, com os olhos cheios de ternura.

- Você está com medo, Vanessa. Você está com tanto medo que precisa cobrir-se diante de mim.

- Eu não estou acostumada a andar nua diante de um homem - disse, levantando o queixo.

- Então este será o meu objetivo - disse suavemente, segurando sua mão. - Fazer com que você fique à vontade comigo, mesmo estando sem roupa.

Ela puxou a mão, confusa e assustada, sem querer admitir que estava com medo.

- Eu não sei do que você está falando.

- Fale-me de você. O que faz em Boston? Onde mora? Quem são seus amigos?

Ela ficou olhando para o chão, mordendo o lábio. Por alguma razão que nem ela mesma sabia explicar, Vanessa não podia contar-lhe a verdade. Por que ele não a deixava em paz para que ela pudesse esquecer tudo?

- Eu trabalho em relações públicas - disse, em tom casual. - Na empresa de meu pai. Tenho um bom lugar para morar, e meus amigos são... - Encolheu os ombros.

- Eles são meus amigos, só isso.

- Você não me disse absolutamente nada. Vanessa voltou-se para olhá-lo.

- Como não? Eu lhe disse muita coisa. Ele a olhou longamente e depois sentou-se.

- Está com fome, Vanessa? São quase nove horas. Posso preparar alguma coisa para você comer.

- Eu aceito, pois, para falar a verdade, estou morrendo de fome - disse ela, aliviada por ter mudado para um assunto seguro.

Rory puxou-a para fora da barraca e levou-a até a fogueira que estava quase apagada.

- vou colocar mais lenha na fogueira - disse ele. Fique sentada e relaxe.

- Não, eu mesma vou preparar um lanche para mim. Quer alguma coisa?

Ele virou-se para ela e olhou em seus olhos, acenando com a cabeça.

- Sim, eu quero alguma coisa.

Vanessa sabia que ele não estava falando de comida. Desviando rapidamente o olhar, ela se ajoelhou e começou a remexer na geladeira. Percebeu que Rory continuava sem se mexer, na mesma posição, olhando para ela.

- Eu quero fazer amor com você todos os dias, de manhã e à noite - disse ele em voz baixa. - Eu quero tocar em você, sentir seu cheiro, seu gosto, todos os dias em que estivermos juntos.

Sentindo um tremor, Vanessa desviou o olhar. Por um momento, eles ficaram em silêncio, em seguida ele se afastou para buscar mais lenha. Sem conseguir parar de tremer, ela ficou olhando para o fogo que se extinguia.

"Deus do céu", pensou, "é ú que eu também quero... "

 

No dia seguinte eles navegaram em águas mais agitadas, pois estava ventando muito. Foi uma luta para atravessar o lago. Eles tiveram que baldear água e remar ao mesmo tempo. Por volta das três da tarde, Vanessa estava exausta e, ao virar a cabeça para olhar Rory, constatou que ele não estava absolutamente cansado.

- Rory, não estou agüentando mais - gritou Vanessa por cima do ombro.

- Está bem. Tem um lugar para acampar logo ali adiante.

Mais aliviada diante da perspectiva de logo descansar, ela continuou a remar e baldear água da canoa, que estava sendo jogada pelas ondas, enquanto pesadas nuvens negras se aproximavam deles, vindas do outro lado do lago.

- Vamos ter uma tempestade - gritou Rory.

Vanessa concordou com um aceno de cabeça e continuou a remar. Ao chegarem à margem, grossos pingos de chuva já estavam começando a cair.

- Temos que nos mexer - gritou Rory, lutando contra o vento. - Você acaba de descarregar a canoa enquanto eu monto a barraca.

Vanessa trabalhou com a maior eficiência, enquanto a chuva caía pesadamente, encharcando tudo. Quando terminou de montar a barraca, Rory fez sinal para que Vanessa trouxesse os pacotes para dentro, enquanto ele ia prender a canoa. Quando os dois estavam terminando as tarefas, o céu realmente se abriu e a chuva passou a fustigalos furiosamente. Eles entraram correndo na barraca, rindo de alívio, enquanto olhavam para suas roupas ensopadas.

- Ainda bem que paramos aqui, McGee.

- Pois é. As tempestades por aqui surgem com grande rapidez. Se ainda estivéssemos na canoa, estaríamos em sérios apuros.

Vanessa abriu a mochila e tirou de dentro dela um par de calças jeans. Voltou-se então para Rory.

- Você vai ficar olhando? - perguntou sorrindo e inclinando a cabeça. - Ou vai bancar o cavalheiro e virar de costas enquanto eu troco de roupa?

Os olhos dele brilharam de malícia.

- Já se esqueceu de ontem à noite, Hamilton? Eu a vi nua em pêlo, então, por que todo este acanhamento?

Ela abaixou os olhos, constrangida.

- Ontem à noite foi ontem à noite. Hoje é um outro dia.

- Está bem, eu ficarei de costas enquanto você se troca. - Dizendo isso, cruzou os braços e virou-se.

Rapidamente ela tirou a camisa e as calças, que estavam coladas ao seu corpo de tão encharcadas, e em alguns segundos já estava vestida com roupas secas. Levantou a cabeça e viu que Rory estava ajoelhado, olhando para ela, com um ligeiro sorriso nos lábios.

- Você é uma mulher muito bonita, Vanessa Hamilton. Por que tem tanto medo de que eu veja a sua beleza?

Ela desviou rapidamente os olhos, sentindo o rosto afogueado. Deveria estar zangada por ele ter faltado com a palavra e ter ficado observando enquanto ela se trocava, mas não estava. Quando levantou as mãos para fechar os últimos botões da camisa, ele a segurou.

- Deixe-a aberta - murmurou Rory, com os olhos fixos nela, enquanto passava a mão direita em torno de seu pescoço, acariciando com o polegar a reentrância da garganta. Vanessa engoliu em seco, mas não se mexeu. Ficou olhando enquanto a cabeça dele descia em sua direção e a mão pressionava a parte posterior de seu pescoço, puxando-a para mais perto, tudo desaparecendo em seguida num doce beijo.

Ela se sentiu como uma flor desabrochando. Seus lábios se abriram suavemente e uma sensação deliciosa invadiu-a enquanto ele a tomava nos braços. Seus olhos se fecharam e seu cérebro não parava de repetir: que delícia... que delícia...

Enquanto os lábios dele a acariciavam e exploravam sua doçura, ela passou os braços por suas costas e começou a acariciá-lo.

Vanessa sentiu um arrepio ao ouvi-lo gemer de desejo. Os lábios de Rory deixaram de ser meigos, tornando-se insistentes, devorando-a, penetrando com a língua em sua boca num movimento rítmico, como se tentasse extrair seu néctar com voracidade.

Vanessa sentiu uma onda de desejo invadir seu corpo e gemeu baixinho enquanto o beijava. Ele desceu as mãos até seus quadris, puxando-a com força, fazendo-a sentir seu membro enrijecido, e, esfregando-se contra ela, mostroulhe quanto a desejava.

- McGee - sussurrou ela. - Eu quero que você me ame. Eu quero ser sua, toda sua.

Enquanto ele a beijava no pescoço, ela desabotoou-lhe a camisa, passou as mãos por seu peito peludo, e, quando já ia abrir o cinto, parou, jogou a cabeça para trás e olhouo nos olhos.

- Você está todo molhado. É melhor tirar as calças para não pegar um esfriado.

- Tire para mim, Vanessa. Eu gosto tanto quando você toca em mim...

Ela ficou corada, mas sorriu e passou a abrir-lhe as calças, primeiro o cinto, depois o botão e finalmente o zíper.

Enquanto isso, Rory abaixou a cabeça e começou a mordiscar-lhe a pele logo abaixo da orelha, produzindo-lhe uma sensação que acabou de vez com sua inibição. Ela enfiou a mão nas calças dele e encontrou a rigidez de seu órgão viril. Rory prendeu a respiração, abraçou-a com mais força e devorou-a com os lábios e a língua num beijo ardente. Ela apertou a mão em torno do membro enrijecido e sentiu que ele ficou louco. No mesmo instante, ele enfiou as mãos por baixo de sua camisa puxando de lado o sutiã e apalpando-lhe os seios, apertando e esfregando os mamilos entre o polegar e o indicador;

Vanessa deixou a cabeça cair para trás, com o cabelo dourado descendo-lhe em cascata pelas costas, e entregou-se totalmente à onda de prazer que a invadiu. Suas mãos percorriam o corpo dele por todos os lados, sentindo a textura firme da sua pele e a maciez dos pêlos de seu peito.

Mas, de repente, ele segurou suas mãos, impedindo-a de continuar a acariciá-lo, e inclinou-se para trás, olhando-a nos olhos e mantendo-a a distância.

- É isso que você quer, Vanessa? - perguntou com suavidade. - Você quer dormir comigo todas as noites? Fazer amor comigo todas as manhãs?

Perplexa diante dessas perguntas, olhouo com olhos carregados de desejo.

- Sim, é claro que eu quero, McGee. Por favor, não pare agora - sussurrou.

Mas ele balançou a cabeça levemente.

- Ainda não. Ainda não chegou a hora. Sentindo todo o desejo desmoronar, Vanessa puxou as

mãos, soltando-se dele, e virou o rosto para o outro lado.

- Você tem um jeito estranho de seduzir uma mulher, McGee - disse, com amargura. - Eu prefiro quando você não fala.

Ao ouvir a risada dele, voltou-se, fulminando-o com os olhos.

- Você está rindo! Ah, seu desgraçado, você está rindo de mim!

Os olhos dele brilharam e os dentes brancos apareceram num sorriso. Sentando-se no chão, acabou de tirar as calças, pegou um par seco na mochila e vestiu-se lentamente, olhando para Vanessa divertido. Em seguida, tirou a camisa molhada, mas não procurou pegar outra seca.

Vanessa sentiu que estava arfando como se tivesse corrido. Suas faces estavam em fogo e seus punhos cerrados. Tremendo de raiva e humilhação, viu-o estender a mão para acariciar-lhe o rosto.

- É que ainda é muito cedo, Vanessa. É sexo demais e afeto de menos.

Ela o olhou espantada.

- Afeto? - perguntou com incredulidade. - Afeto? - Afeto, ternura. Talvez até amor.

Sentindo-se constrangida, abaixou os olhos para o chão. De repente, percebeu como a chuva e o vento estavam fustigando a barraca, e como ela a tudo resistia. Vanessa continuou a olhar fixamente para o chão, pensando no tempo, sem conseguir entender o que Rory havia acabado de dizer. Olhou para ele solenemente.

- Você é um homem esquisito, McGee. Um homem muito esquisito.

Ele percorreu a face de Vanessa com a ponta do dedo, parando no canto da boca, e a olhou com olhos aveludados.

- Eu não sou muito esquisito, Vanessa Hamilton. Mas o que está acontecendo entre nós pode ser muito especial e eu quero que continue assim. Eu não quero estragar as coisas, transformando-as em sexo comum.

Ela umedeceu os lábios e viu que ele acompanhava o movimento com os olhos. Ela sabia que ele a queria, mas preferia esperar. Por quanto tempo? O que teria que acontecer para que ele achasse que havia chegado a hora de fazer amor com ela?

Vanessa respirou fundo, soltou lentamente o ar e enfiou as mãos nos bolsos. Inclinando a cabeça lateralmente, sorriu para ele.

- Está bem, McGee, seja como você quiser. Agora, tratemos de problemas mais sérios: o que vamos comer?

- Eu sugiro um pouco daquela deliciosa comida seca que você não precisa esquentar, acompanhada de água para empurrar tudo para baixo. Amanhã, se ainda estiver chovendo, farei uma cobertura de lona para que a gente possa acender um fogo e preparar alguma coisa quente.

Remexendo no pacote, Vanessa achou algumas barras de chocolate e deu uma a Rory, dizendo:

- Isso sustenta você até amanhã de manhã?

- Ah, é um verdadeiro banquete.

Sentados dentro da barraca, comeram ouvindo o barulho da chuva que não diminuía. Vanessa abraçou as próprias pernas e apoiou o queixo sobre os joelhos, enquanto observava Rory, que estava terminando de comer.

- Você faz isso o verão inteiro? - perguntou.

- Já faz dez anos que eu faço isso, e adoro. O Allagash e o St. John representam o paraíso para mim.

- E o que você faz o resto do ano?

- Estudo - disse ele, sorrindo.

- Estuda? Você está estudando?

- Eu sei que estou velho para isso, mas é o que estou fazendo. Este será o meu último ano; terei então o meu grau de dr. e estarei pronto para enfrentar o mundo.

Vanessa olhou para ele perplexa, e começou a vê-lo de uma maneira completamente diferente. Até então achara que Rory não passava de um caipira e só agora percebeu como tinha sido tola. A gramática dele era perfeita, as palavras eram pronunciadas com facilidade e precisão. Se estivesse de terno, passaria perfeitamente por alguém de Boston, sem a barba, é claro...

- Eu a surpreendi, não foi, Hamilton? Você até perdeu a fala, e é a primeira vez que isso acontece.

Ela levantou o queixo antes de responder.

- Eu estava pensando que, com um terno e a barba feita, você passaria por um bostoniano.

- E eu sou. É lá que vivo e estudo.

- Você? Em Boston?

- Eu estudo em Harvard, Vanessa.

- Harvard... - repetiu admirada. Em seguida, jogou a cabeça para trás e caiu na gargalhada. - Harvard! Isso é perfeito, McGee! Você não vê? Você é de Boston, eu sou de Boston...

Ele sacudiu a cabeça.

- Eu não sou de Boston. Eu nasci mesmo no Maine, só que tive a sorte de entrar em boas escolas.

- E o que você está estudando? - Levantou a mão.

- Não não me diga. Deixe-me adivinhar. - Franziu a testa e fingiu que estava pensando. - Aerodinâmica - disse finalmente.

- Não. Nem passou perto.

- Física.

- Não.

- Economia.

- Está cada vez mais frio, Hamilton. Pense na natureza.

- Natureza. Natureza... - repetiu, franzindo a testa. - Hum... - seu rosto se iluminou. - Você vai ser guarda-florestal! Um dos poucos guardas-florestais com Ph. no mundo.

- Desta vez você passou bem perto.

- É mesmo? Eu acertei?

- Quase. vou ser engenheiro florestal. É a única profissão no mundo que pode me dar a oportunidade para preservar as reservas florestais e ajudar a defender o meio ambiente.

- Engenheiro florestal - repetiu Vanessa, lentamente, como se estivesse saboreando as palavras. Sorriu e apoiou o queixo sobre os joelhos. - Já tem um emprego em vista?

- Não. Provavelmente, trabalharei para algum órgão do governo. Ou, quem sabe, alguma fundação privada. Esticou as longas pernas e suspirou com satisfação. - Tanto faz onde vou trabalhar, pois nunca vou ganhar muito dinheiro.

- Você não se importa com isso? - Olhou-o com curiosidade, pois estava acostumada com seu pai, que avaliava o sucesso de um homem pela sua conta bancária.

- Nem um pouco. Eu nunca fui rico, e nem saberia o que fazer com muito dinheiro, se tivesse. Provavelmente acabaria torrando-o em campanhas para salvar filhotes de foca ou para acabar com a prospecção de petróleo em altomar.

Vanessa estremeceu, pois a prospecção de petróleo em alto-mar era atualmente um dos maiores interesses de seu pai, que demonstrava muita ganância ao falar no assunto.

- Mas, por quê, Vanessa? O dinheiro é muito importante para você?

Ela abaixou os olhos e forçou um sorriso.

- Não, não é. Eu... eu nunca me preocupei com ele.

- Quer dizer que sua família está bem de vida? Ela mordeu o lábio e depois sacudiu a cabeça.

- Mais ou menos.

Por que mentia de novo? perguntou a si mesma. Por que não podia contar-lhe a verdade sobre seu pai e seus milhões? Porque provavelmente ele pensaria que ela era frívola como seus amigos, que procurava divertir-se de maneira excêntrica: numa semana, era a Riviera e, na seguinte, as matas do Maine. E isso, na verdade, não era nada impossível, pois ela tinha muitos amigos que andavam pobremente vestidos, mas gastavam milhares de dólares em maconha e cocaína. Andavam em carros velhos só para desgostar seus pais, mas passavam um mês em Acapulco, divertindo-se em orgias sexuais, gastando dinheiro a rodo, como se ele nada significasse para eles. E não significava mesmo. Por isso não queria contar a Rory quem era, para que ele não pensasse que ela era desse tipo.

Fechando os olhos, apoiou a face sobre os joelhos. Tinha a certeza de que não poderia contar-lhe nada agora. Deixaria que ele a conhecesse primeiro, depois lhe contaria a verdade aos poucos.

- Um tostão por seus pensamentos, Vanessa. Ela levantou a cabeça e olhou para Rory.

- Meus pensamentos? Eles não valem tanto.

- Para mim valem. Eu daria qualquer coisa no mundo para saber o que se passa por trás desses olhos verdes. Você me provoca com seu corpo, mas não me deixa penetrar em sua mente. Você não divide nada do que é seu comigo. Por quê, Vanessa?

- Talvez seja porque eu não tenho nada de valor para dividir com você. Eu... - Fez uma pausa, pensando no que iria dizer, e continuou: - Eu estou inacabada, McGee. Meu corpo é de mulher, mas a minha mente é infantil. Continuo morando na casa de meu pai, recebendo dinheiro dele, deixando que ele me force a fazer o que ele quer... - Puxou a mão, que Rory estava segurando, e seus olhos ficaram frios.

- Eu sou mesmo uma boba! Eu devia ter saído de casa há muito tempo! E por que não fiz isso até hoje? - Fez uma pausa e depois olhou para Rory. - Sabe o que eu quero fazer? Quero ser assistente social. E sabe o que ele acha disso?

Rory sacudiu a cabeça negativamente.

- Que é uma besteira. É isso que ele diz: que a coisa que mais quero no mundo é simplesmente uma besteira.

- Você deve fazer o que quer, Vanessa. Não ligue para ele; ele é apenas um homem.

- Você acha que ele é apenas um homem? - Ela riu com amargura, sacudindo a cabeça. - Você não conhece meu pai, Rory McGee. Ele acabaria com você em menos de quinze minutos. Ah, não, McGee. O grande Jack não é apenas um homem.

- Eu gostaria de conhecê-lo um dia, Vanessa. Gostaria muito. Quem sabe se eu não seria um osso muito duro de roer?

Vanessa sentiu-se invadida por uma estranha alegria. Talvez Rory fosse o homem capaz de arrasar o Grande Jack. Pensando nisso, sorriu.

- Em que está pensando agora? - perguntou ele.

- Estava apenas imaginando a cena. Seria muito engraçado!

Rory sorriu, e puxou-a para seus braços.

- Sabe o que estou com vontade de fazer agora, Vanessa Hamilton?

- Não - respondeu, sacudindo a cabeça.

- Namorar. Daquele jeito antigo e gostoso. Ela riu com prazer.

- Namorar? Quer dizer que as pessoas ainda fazem isso? Eu pensei que até os garotos estivessem fazendo coisas mais adultas nos dias de hoje.

Ele acariciou-lhe a testa, afastando uma mecha de cabelo dourado, em seguida beijou-lhe as pálpebras. Seus lábios percorreram todo o rosto de Vanessa, passando pela têmpora e indo acabar na orelha, o que a fez rir e dar-lhe um abraço apertado.

- Isso, Vanessa - sussurrou ele no ouvido dela. Eu gosto tanto quando você me abraça assim e ri. Você é tão macia, tão gostosa, e... - Respirou fundo e continuou:

- Hum, você tem cheiro de mel, de flores no orvalho da manhã, de rosas. Você tem o frescor da primavera e a excitação do outono.

Ela abriu os olhos, sentindo um arrepio percorrer-lhe o corpo.

- E você é um poeta, McGee. Ninguém jamais me disse coisas tão bonitas. Eu adorei.

Ele passou a beijá-la no pescoço, enquanto suas mãos desciam por suas costas, indo parar nos quadris.

- Lembra-se de quando eu a toquei no lago?

- Acha que poderia esquecer? - respondeu Vanessa rindo.

- Eu nunca toquei em nada tão macio em minha vida. Você, por dentro, parece ser feita de veludo, Vanessa. Úmida e quente, prontinha para mim.

Ela fechou os olhos e apertou o braço em torno do pescoço dele.

- Você sabe mesmo excitar uma mulher, McGee. Sua voz ondulava enquanto ela sentia uma onda de desejo percorrer-lhe o corpo. Mais do que qualquer coisa no mundo, ela queria que ele a tocasse naquele lugar novamente. Estava louca por aquele toque, mas as mãos dele não saíam de seus quadris.

- Beije-me, Vanessa - sussurrou ele.

Ela o beijou, sentindo seu corpo ficar em fogo. Então possuída pelo desejo, deixou que suas mãos acariciasem o corpo dele, enquanto suas línguas se encontravam num ritual excitante.

- McGee - suplicou. - Por favor.

Mas ele apenas sorriu, olhando-a nos olhos, e sacudiu a cabeça.

- Ainda não, Vanessa. Ainda não está na hora. Olhando-o, Vanessa sentiu sua feminilidade pulsando

de desejo, suas entranhas queimando. Fechando os olhos, encostou o rosto em seu peito, sem conseguir compreendê-lo. "Se não pode ser agora", pensou, "quando poderá ser? "

 

Nos dias que se seguiram, eles atravessaram lagos, desceram rios, parando para observar enormes alces que bebiam água as suas margens, ouvindo os pássaros e admirando o fantástico vôo dos falcões. Os dias eram passados na água, sempre remando, os músculos trabalhando num ritmo constante, impelindo-os sempre para frente.

Mas à noite, depois da fogueira acesa e de terem terminado o jantar e limpar tudo, só restava conversar. Enquanto fumava seu cachimbo, Rory contava histórias sobre as experiências que havia passado no rio. Vanessa ficava ouvindo, sentada, com o queixo apoiado na mão, prestando muita atenção e, às vezes, caindo na gargalhada.

Ela estava se sentindo realmente muito bem, e este era um sentimento novo para ela. Jamais havia conhecido uma pessoa que a fizesse sentir-se assim - era como se tudo entre ela e o universo estivesse em harmonia. À noite, deitada no saco de dormir, pertinho de Rory, ela ficava olhando para o teto, enquanto tentava decifrar as coisas. O que significava. aquilo tudo? Por que ele ainda não tinha feito amor com ela? Será que ele não a queria?

Mas havia outras perguntas, mais complicadas para responder. Por que a presença de Rory dava-lhe tanta paz? O que ela via de tão especial nele? Por que ficava tão feliz ao acordar pela manhã e ver o rosto dele perto dela, com o cabelo todo despenteado? Por que tinha vontade de cantar?

E rir, então! Ela jamais havia rido tanto em sua vida. De vez em quando, sem motivo algum, um olhava para o outro, e os dois caíam na risada. Ela o abraçava, ele a olhava com ternura, abraçando-a também, e dizia:

- É isso aí, Vanessa. Agora você está chegando lá. Ela não entendia o que ele queria dizer com aquilo e sabia que não adiantava perguntar, pois ele sacudiria a cabeça e diria que não era nada, que não queria dizer nada. Algum significado aquilo deveria ter, mas ela não conseguia descobrir o que era.

Depois de uma semana de viagem pegaram outra chuva forte. Puseram os ponchos e chapéus, mas, naquela altura, já estavam totalmente ensopados. Continuaram a remar, em perfeita harmonia, pois, com o passar do tempo, desenvolveram um ritmo próprio, que os transformou numa dupla perfeita, que fazia a canoa atravessar as águas com facilidade. Vanessa nunca se cansava e, à medida que os dias passavam, sentia-se cada vez melhor. O exercício físico deixava-a relaxada: dormia como uma criança e acordava fresca, pronta para mais um dia.

Enquanto remava no meio da chuva, Vanessa sorriu ao pensar no que seu pai diria se a visse - ele ficaria louco de raiva, pois não gostaria de vê-la fazendo algo que ele achava que ela não seria capaz. Pensando nisso, acabou rindo alto.

- É piada particular, ou posso rir junto? - perguntou Rory.

- Eu estava pensando em meu pai.

- Ainda bem que desta vez você está rindo. Geralmente quando pensa nele, vira uma fera.

Ela virou a cabeça para olhá-lo.

- Eu estava pensando em como ele ficaria surpreso em me ver agora.

- Se você quiser, posso tirar uma fotografia e a mandamos para ele.

- Ah, não adiantaria. Ele é o próprio São Tomé: precisa ver para crer. Ele acharia que estava sendo enganado. Não, o Grande Jack teria que ver isso pessoalmente.

- É assim que você o chama quando está com ele? Grande Jack?

- Deus do céu, não! Pensa que sou louca? Ele arrancaria minha pele e me cozinharia em óleo. Pela frente eu o chamo de papai, e, pelas costas, de Grande Jack.

Uma hora mais tarde, pararam e montaram acampamento. A chuva continuava forte. Quando terminaram tudo que tinham para fazer, entraram correndo na barraca.

- Meu Deus, como é bom estar debaixo de uma barraca - disse Vanessa, tirando o poncho e sacudindo o chapéu molhado, fazendo as minúsculas gotículas dançarem no ar.

Rory também tirou o poncho e o chapéu, largando-os no chão.

- É melhor tirar essas roupas molhadas, Vanessa. Ela virou-se e olhou para ele com interesse.

- E você, McGee? Vai fazer um stríp-tease também?

- Só se você prometer que vai ficar olhando.

Ela fez uma cruz com os dedos e encostou-os nos lábios, dizendo:

- Eu juro.

- Por Deus?

- Por Deus - disse ela, rindo.

Logo caíram na risada, e no momento seguinte estavam se abraçando e se beijando, com os olhos brilhando de felicidade.

- Oh, McGee! O que você tem de diferente?

- Eu? Nada. Eu sou apenas um sujeito comum, que sabe lidar mais ou menos com um remo e uma canoa.

Ela acariciou-lhe o rosto, passando os dedos por sua barba e depois por seus lábios.

- Você não é um sujeito comum, McGee. Você é muito especial.

Ele segurou-lhe a mão, e beijando-lhe a ponta dos dedos, um por um.

- Assim como você - murmurou. - Você também é muito especial.

- Não, eu não sou. Eu sou... - Parou bruscamente, pois já ia dizendo: "Sou apenas uma garota rica e mimada". Respirou fundo e emendou: - Eu não sou especial, Rory. Você é que é. - E o beijou docemente na boca.

Ele a envolveu em seus braços, afagando-lhe as costas.

- Você é, sim, Vanessa. Você é muito, muito especial. - Ele a beijou delicadamente, como se seu beijo fosse um floco de neve que se derretia ao contato dos lábios de Vanessa.

Vanessa fechou os olhos e engoliu em seco, sem conseguir falar. Rory abraçou-a com mais força, apertando-a contra o peito. Lágrimas de felicidade rolaram por suas faces, indo parar na camisa úmida de Rory. Mas ela nem se importou. Nunca se sentira tão feliz em sua vida, e queria que aquilo não terminasse jamais.

Quando Rory se mexeu para afastá-la de seu corpo, ela se agarrou a ele, sacudindo a cabeça.

- Não! Não se mova, Rory McGee. Continue abraçado comigo, fazendo-me sentir segura e feliz. Eu não quero que isso termine. Nunca.

Sorrindo, Rory passou as mãos nas costas dela, para cima e para baixo, apertando-a com mais força, e depois puxou o queixo dela para cima, para que ela o olhasse nos olhos.

- Isso não vai terminar, Vanessa - murmurou. Mesmo que eu tire os meus braços de você, o que existe entre nós continuará. Você ainda não sabe disso?

Sentindo um arrepio ao ouvir essas palavras, Vanessa olhou-o e sacudiira a cabeça.

- Você está tão seguro - disse. - Mas eu tenho medo.

- Medo de quê? - perguntou, tirando-lhe o cabelo do rosto.

- Medo de... de que tudo termine, de que a gente não se veja mais depois que sairmos do Allagash... - Então, desvencilhando-se dos braços dele, virou-se de costas e forçou um tom casual. - Bem, afinal, as coisas boas sempre se acabam, não é mesmo?

De repente, Rory puxou-a bruscamente pelos ombros, fazendo-a ficar frente a frente com ele. Ele estava transfigurado de raiva.

- Que coisa, Vanessa! Nunca mais faça isso!

Ela estava fascinada pela súbita mudança ocorrida nele.

- Isso o quê? - perguntou.

- Mudar desse jeito. Vestir essa sua maldita máscara para que eu não veja a verdadeira Vanessa.

Ela levantou o queixo com altivez, sentindo as faces lhe queimarem.

- Esta é a verdadeira Vanessa, sr. McGee, esta que você está vendo a sua frente. Portanto, dê uma boa olhada e não se esqueça.

Ele sacudiu a cabeça.

- Não, esta é a máscara. A máscara que mostra para o mundo e atrás da qual você se esconde para não ser magoada. Só que ela não funciona, não é, Vanessa? Você contínua se sentindo magoada, não é mesmo? E continua tendo medo, não é mesmo?

com um gesto brusco, ela soltou-se das mãos dele, enquanto seu cabelo se espalhava pelos ombros.

- Medo? Medo de quê? - Ela falava com desdém.

- De que um urso invada o acampamento? Se eu tivesse medo, Rory McGee, não estaria aqui. Eu já estou viajando há uma semana, então me diga: o que você acha? Sou tão boa quanto um homem, ou não sou?

- Sim, Vanessa. Você é tão boa quanto um homem. Mas como mulher... - Ele pegou o poncho e jogou-o sobre o ombro. Na porta da barraca, parou e olhou para Vanessa com desprezo. - Como mulher, Vanessa Hamilton, você é um grande fracasso. - E dizendo isso, saiu da barraca.

Vanessa ficou parada, com os olhos cheios de lágrimas, sentindo-se ultrajada.

- Eu não vou chorar - disse lentamente, pronunciando palavra por palavra. - Droga! Eu não vou chorar! Não vou... - Mas as lágrimas já estavam descendo por seu rosto.

Vanessa estava sentada sobre o saco de dormir, tentando ler um livro quando Rory voltou, uma hora depois. Ela deu uma olhada rápida e voltou à leitura.

- Está molhado demais para você lá fora? - perguntou, fingindo um bocejo enquanto virava a página.

Os olhos cinzentos estavam gelados.

- Pelo menos, está bem mais quente do que aqui dentro.

- Ninguém lhe pediu para voltar.

- Acontece que a barraca é minha, sabia?

Ela sentiu os cantos da boca tremerem. Abaixou a cabeça, encostando o queixo no peito.

- Tem razão. Quer que eu durma lá fora esta noite?

- Você é quem sabe...

Ela parou a encenação e olhou para ele.

- Eu não quero, McGee - disse, com suavidade. Desculpe-me.

O rosto dele foi mudando aos poucos, indo da total frieza até uma quase expressão calorosa. - De que você está se desculpando? - Por ser tão boba, por ter feito o que fiz. - E o que você fez? - Ele inclinou a cabeça e ficou olhando para ela.

Aquilo irritou Vanessa, cujos olhos estavam faiscandO de raiva.

- Agora chega, McGee. Eu já lhe pedi desculpas, e isso basta.

- E se não bastar?

Ela cerrou os punhos, deixando o livro cair, sem perceber.

- Que coisa, McGee! Eu pedi desculpas! Não precisa me fazer rastejar também!

Os lábios de Rory começaram a tremer. Quando Vánessa viu isso, seus lábios começaram a tremer também, e de repente os dois caíram na gargalhada, abraçando-se e beijando-se, enquanto se ajoelhavam no chão da barraca.

- Ei, princesa - murmurou Rory. - Foi assim que tudo começou.

- É. Será que é melhor parar para não brigarmos de novo?

Ele a puxou para mais perto, de modo que o alto da cabeça dela ficou embaixo de seu queixo.

- Não, acho que não. Acho que essa é a melhor maneira de terminar com uma briga.

Vanessa respirou fundo e aproveitou aquele aconchego. Ela não conseguia entender por que, mas Rory deixava-a feliz e serena. Depois de algum tempo, jogando a cabeça para trás, perguntou:

- Está com fome?

- Uma fome de leão.

- Então, vamos comer - disse ela, sorrindo.

O banquete consistiu em sanduíche de pasta de amendoim e chá gelado. Depois que terminaram de comer, continuaram sentados na barraca, ouvindo o barulho da chuva. Rory segurou a mão de Vanessa.

- Está gostoso aqui, não está? - perguntou ele.

- Está sim. Seguro, quentinho.

Ele apertou-lhe a mão, sem dizer nada. Depois de permanecerem por um tempo em silêncio, Vanessa falou:

- Você sabe, McGee, quando eu vim para cá, pensei que iria usar o tempo para arrumar minha vida em casa.

- Ah, é? E você está fazendo isso?

- Não. Simplesmente não dá. É como você disse: fica-se totalmente envolvido na luta pela sobrevivência diária. Só em momentos como este é que se tem a chance de pensar.

- E o que você está pensando?

Ela soltou a mão dele e começou a riscar o chão com a ponta do dedo.

- Estou pensando no que eu quero fazer da minha vida.

- Isso é altamente complicado - disse ele, sorrindo. Ela sorriu também e depois suspirou.

- Eu não faço nada de importante. Eu vou a coquetéis, uso roupas bonitas e procuro adular os clientes de meu pai. Eu acho isso tudo tão inútil, tão sem sentido...

Rory continuava a olhá-la com atenção, mas sem dizer uma palavra, apenas deixando-a falar.

- Eu tenho a impressão de estar sendo constantemente julgada e sempre reprovada. Para mim, o trabalho de relações públicas não é muito importante, mas, dizendo isso, estou condenando todas as pessoas que trabalham nesse ramo, o que não é minha intenção, e nem é justo. É tudo tão complicado!

Rory esfregou a barba, pensativamente.

- Eu não sei, Vanessa, mas acho que você deve começar a questionar as coisas, pois assim acabará chegando às respostas. Respostas que serão suas, de mais ninguém, e que mostrarão o sentido da sua vida. Acho que todos nós temos que fazer isso sozinhos, sem a ajuda de ninguém. Ah, eu não sei explicar o que penso.

- Sabe, sim, Rory! - Vanessa sentou-se, e seus olhos brilharam. - Você está dizendo que não existe uma única explicação para a vida, que cada um de nós deve encontrar suas próprias razões de viver.

- Sim, é isso mesmo. Pelo menos, é assim que eu procuro viver. Tento não julgar as pessoas e ser o melhor que posso, não importa o que eu esteja tentando ser. Esta é uma teoria que dá dignidade a qualquer profissão, a meu ver.

- Como assim?

- Veja, se eu sou um pedreiro, procuro ser o melhor pedreiro. E se sou um pedreiro que gosta de cantar música sertaneja, procuro fazê-lo da melhor maneira que posso. Se tiver um desejo secreto de ir à escola e aprender francês, me esforçarei ao máximo para consegui-lo. É uma questão de pegar todas as suas aspirações e ver até onde você pode chegar, descobrir seus limites.

- E você acha que nós temos limites?

- Claro. Ninguém consegue fazer tudo. É aí que entra a sabedoria. Tenho a impressão de que quando você está velho e já fez tudo o que queria fazer, enfrenta o fato de que existe algo que você não consegue fazer, e o aceita, isto é sabedoria.

- O que você quer fazer, Rory?

Ele pensou um pouco antes de responder.

- Quero continuar a levar as pessoas pelo Allagash, ajudando-as a se divertirem. Quero receber meu grau de Ph. e fazer alguma coisa, qualquer coisa, para salvar o meio ambiente. Quero ler os clássicos, todos eles, desde os filósofos gregos até Hemingway. - Rory virou a cabeça e olhou para Vanessa. - Quero encontrar uma mulher, uma mulher muito especial, e amá-la até o dia de minha morte.

Vanessa sentiu o coração dar um salto, e não conseguiu continuar olhando nos olhos de Rory, para que ele não visse que ela queria ser aquela mulher especial. Pois, naquele exato momento, compreendeu que aquele era o homem que amava. Seu único e verdadeiro amor, o homem por quem ela faria de tudo, até morreria. De repente, todas as suas perguntas foram respondidas com três palavras: Ela o amava. Voltando-se, olhou-o novamente.

- E você? - perguntou ele. - O que quer fazer na vida?

Ela levou quase cinco minutos para formar uma resposta.

- Quero sair da sombra de meu pai e me tornar uma pessoa por mim mesma. Quero sair da casa dele, ir morar sozinha e estudar para ser assistente social. E... - Abaixou os olhos. - Quero um homem, o homem certo. Ele não precisa ser rico, nem famoso, nem bonito. - Sorriu, fazendo uma emenda: - Apesar de que eu não me incomodaria se ele fosse bonito. - Deu uma olhada para Rory e viu que ele estava sorrindo. Sacudiu a cabeça, dobrou os joelhos e apoiou o queixo sobre eles. - Eu não sei o que mais, ainda não pensei.

- Nenhum desejo secreto de escrever um best-seller ou tornar-se uma estrela famosa?

- Quando eu era pequena, eu queria ser a melhor médica do mundo quando crescesse.

- E agora não quer mais?

- Eu descobri que os médicos tinham que fazer operações, e isso acabou com meu sonho.

- Só cirurgiões têm que operar, Vanessa. Você poderia ser oftalmologista.

- É verdade. Ou psiquiatra.

- Ou clinica geral.

- Nós poderíamos continuar com isso por muito tempo, não é mesmo?

Rory inclinou-se e a puxou para seus braços.

- É, mas eu tenho uma idéia melhor.

- Oh? - perguntou rindo. - E que idéia é essa, McGee?

Ele estreitou os olhos, segurou-a pelo queixo e virouLhe o rosto de frente para ele.

- Qualquer dia, Hamilton, eu vou ouvir você me chamar de Rory, e não de McGee. Quando isso acontecer, saberei que consegui atravessar suas reservas e encontrei a verdadeira Vanessa Hamilton.

- Isso é verdade, McGee?

Ele a silenciou com a boca, empurrou-a delicadamente para o chão, deitando-se sobre ela.

Vanessa começou a tremer. Ele ia fazer amor com ela. Aqui e agora. Ela levantou a mão e enfiou os dedos no ca belo dele, puxando-o para baixo, para beijá-lo. A mão dele entrou por debaixo da blusa úmida dela, desabotoou-lhe o sutiã, e afagou-lhe o seio. Ela fechou os olhos e gemeu baixinho, adorando o modo como ele a tocava, o toque da pele dele contra a dela.

- McGee - sussurrou. - Faça amor comigo. Mas ele apenas sentou-se e olhou para ela, com olhos

cheios de ternura e amor, apesar de suas palavras:

- Ainda não, Vanessa. Ainda não...

 

Para Vanessa, os dias passaram a ser manchas formadas de árvores cor de esmeralda sobre o azul brilhante das águas. O sol se refletia nos lagos plácidos e se perdia entre os galhos que passavam sobre suas cabeças enquanto eles desciam o rio. O Allagash transformou-se num rio excitante, pois subitamente começou a correr mais rápido e estava cheio de corredeiras. Rory ficou na popa e dirigia o barco, enquanto Vanessa sentia o coração parar toda vez que as pedras surgiam à frente do barco, para logo desaparecerem ao lado, graças à direção precisa de Rory.

Mas, se os dias eram manchas, as noites ficavam perfeitamente gravadas em sua mente. Ela podia lembrar de cada palavra pronunciada por Rory, cada beijo que lhe dera. Ele estava cada vez mais meigo e atencioso, apenas uma coisa estragava a perfeição das noites de Vanessa-ele ainda não havia feito amor com ela.

Será que havia alguma coisa de errado com ela? Será que ele não a desejava? Lembrou-se de suas palavras: "Como mulher, Vanessa Hamilton, você é um grande fracasso... " e ficou mais preocupada ainda. Sempre soube que era bonita, os homens sempre estiveram a seus pés, mas, depois de Tony Carlotto, nenhum deles conseguiu despertar sua atenção. Ela até achava que nunca mais se apaixonaria. O que não sabia era que o homem certo ainda não havia aparecido.

Enquanto os dias se passavam, começou a achar que Rory nunca faria amor com ela. Talvez ele já tivesse uma namorada, ou, quem sabe, uma noiva... Talvez fosse até casado. Ela havia presumido que ele era solteiro porque não usava aliança, mas quem é que iria se preocupar em usar jóias numa viagem de canoa?

Eles já estavam na metade da segunda semana quando Vanessa decidiu que precisava descobrir a verdade. Não podia continuar daquele jeito, amando um homem que já podia estar comprometido. Estava sentada diante da fogueira, mordendo o lábio, sem saber como faria para abordar o assunto quando Rory notou a indecisão estampada em seu rosto e decidiu ajudá-la.

- Vanessa.

Ela reagiu como se uma bomba tivesse explodido a seu lado.

- O quê! - Ao ver que ele estava rindo, levantou altivamente o queixo. - O que é, McGee?

Ele coçou a barba enquanto a olhava.

- Você está remoendo alguma coisa aí e, se você pudesse se ver, morreria de rir.

- É mesmo? Bem, pelo menos, parece que está servindo para divertir você.

Ele se levantou, foi até o outro lado da fogueira e sentou-se a seu lado. Suspendeu uma mecha de cabelo dela, e deixou-a escorrer por entre seus dedos.

- Tão lindo. Seu cabelo é maravilhoso.

Quando ele falava daquele jeito, ela se sentia indefesa. Toda sua raiva desaparecia, sua pele vibrava, pois a voz dele era como uma carícia.

Ela endireitou-se rapidamente e respirou fundo, pois precisava lutar contra aquela atração. Afinal, ele podia até ter filhos, pelo amor de Deus! Respirando fundo mais uma vez, voltou-se para ele.

- McGee, tem uma coisa que eu quero lhe perguntar.

Num esforço supremo, ele conteve o riso, pigarreou e respondeu.

- Está bem, Vanessa. Pergunte.

O coração dela batia como um tambor. Respirou fundo, passou a língua sobre os lábios e falou rapidamente:

- Rory, preciso saber se você é casado. - Mas saiu como se fosse uma palavra só: "Roryprecisosabersevocêécasado".

Ficou esperando pela resposta, tremendo de ansiedade, quando, horrorizada, percebeu que ele havia jogado a cabeça para trás e estava rindo. Ele estava rindo dela! com o rosto em fogo, Vanessa lançou-lhe um olhar gelado, ficou esperando que ele parasse de rir. e só então falou.

- O que me deixa intrigada, McGee, é o seu senso de humor. Será que minha pergunta é assim tão engraçada? Ou será que eu estou com cara de palhaço? Você poderia me explicar o que está acontecendo?

Sorrindo, ele estendeu o braço e colocou a mão em torno do pescoço dela, massageando-Lhe a nuca.

- Desculpe-me, princesa. Eu não devia ter rido, mas é que vi que você estava ruminando alguma coisa a noite toda. Quando ouvi o absurdo que era, não pude deixar de rir.

- Absurdo? - perguntou, arrancando a mão dele de seu pescoço e jogando o cabelo para trás. - O que há de tão absurdo em minha pergunta? Pelo que sei, você é casado e tem uma porção de filhos, todos esperando por você em Fort Kent, ou em algum outro lugar.

- Mas de onde você tirou essa idéia tão louca? Vanessa não tinha coragem de olhar para ele, muito

menos de falar-lhe sobre seus receios. Mordendo o lábio, pegou um graveto e começou a parti-lo em pedaços.

- Bem... - começou, mas logo parou.

Realmente, não dava para continuar. O que ele iria pensar dela se soubesse que estava preocupada por ele ainda não ter feito amor com ela? Não, ela não podia dizer-lhe.

- Não era por nada, não - acabou por dizer. - Simples curiosidade.

No mesmo instante, o sorriso de Rory desapareceu e os olhos dele tornaram-se selvagens.

- Vanessa, eu já lhe pedi para não fazer isso! Ela fingiu um ar de inocência ao perguntar:

- Fazer o quê, McGee?

- Assumir esse seu ar de superioridade.

Ela arqueou uma sobrancelha e sorriu com frieza.

- Eu realmente não tenho a menor idéia do que você está falando.

Rory segurou-a pelos ombros e em seguida envolveu-a em seus braços, beijando-a com voracidade. com uma das mãos segurou-lhe a cabeça por trás, para que ela não pudesse se soltar.

Mas por que se soltar? Por que tentar resistir a algo que vinha querendo o tempo todo? Suas mãos subiram pelo peito dele e passaram para as costas, apertando-o a seu encontro. Então, lentamente, quase imperceptivelmente, o beijo foi mudando. Aos poucos, a raiva foi cedendo lugar à paixão, e o beijo de Rory estava sendo mais que correspondido. Ele começou a passar as mãos por todo seu corpo, como se não soubesse ao certo onde queria tocá-la, só sabendo que queria senti-la por inteira.

Ele a beijava em todas as partes do rosto, na orelha, no pescoço, como se nada o saciasse, até que finalmente deitou-a no chão, permanecendo a seu lado e enlaçando-a num abraço. Ele estava trêmulo, e, quando Vanessa o olhou nos olhos, viu que ele a desejava. Ele a desejava! Ela também, mais do que qualquer coisa no mundo.

Entregando-se ao êxtase provocado pelo toque das mãos de Rory, Vanessa enfiou as mãos por dentro de sua camisa, passando a acariciar-lhe as costas. Ao mesmo tempo, sentiu que ele abria sua blusa. Fechou os olhos, sabendo que ao primeiro toque da mão dele em seus seios ocorreria um terremoto em seu corpo.

De repente, ele parou. Tremendo de desejo, Vanessa continuou deitada, com os olhos fechados, esperando que ele acariciasse seus seios, sugasse seus mamilos. Mas nada disso aconteceu. Imaginando se havia acontecido algo de errado, abriu os olhos e deparou com os olhos dele, cinzentos, sérios, sem qualquer traço de paixão.

Naquele instante, o seu coração desmoronou. Que droga! De novo, a mesma coisa! com esforço, sentou-se e começou a abotoar a blusa. O silêncio entre eles era tão enervante que ela tinha vontade de gritar. Qual era o problema, afinal? Seria com ela? Ou com ele? Seria ele impotente? Talvez estivesse com alguma doença...

- Qual é o problema, Rory? Por que parou? Colocando a palma da mão no rosto dela, deixou que o polegar percorresse a linha do lábio inferior.

- Porque... porque eu queria uma coisa de você.

- Mas o que queria de mim? Eu não demonstrei que queria você? Não cheguei até a pedir que me amasse?

Ele sorriu com tristeza, sacudiu a cabeça e levantou-se.

- Não tem importância. Deixe pra lá...

Enquanto ele se dirigia para a fogueira, Vanessa sentiu um acesso de raiva. Levantando-se, sacudiu as calças e o alcançou, fazendo com que ele se voltasse.

- Queria o quê? Diga-me! Você não sabe que eu lhe daria qualquer coisa? Qualquer coisa! - Vanessa suspirou profundamente, levantou as mãos e deixou-as cair. - Eu amo você, Rory. Será que não vê? - Seus olhos se encheram de lágrimas. Ela estava fazendo papel de boba, mas isso não tinha importância. Ela precisava falar essas coisas, botá-las para fora. - Eu sei que parece muito difícil a gente se apaixonar por uma pessoa em questão de dias, mas foi o que aconteceu comigo. Eu não pude evitar, e, se Pudesse, não evitaria. - As lágrimas lhe desciam pelo rosto.

Quando terminasse de falar, correria para a barraca, entraria no saco de dormir, cobriria a cabeça e choraria a noite inteira. - Eu o olho, Rory, e vejo uma luz dourada irradiar de você e me envolver. - Soluçou e enxugou as lágrimas com as mãos. - Não é só sexo que eu quero de você, Rory. Eu o amo tanto que chega a doer.

Os soluços aumentaram e ela se virou para correr para a barraca, mas duas mãos firmes a seguraram e a puxaram de volta. Fechando os olhos, Vanessa abraçou-o e continuou a soluçar descontroladamente.

- Oh, Rory - murmurou entre soluços. - Eu o amo tanto.

Atordoada como estava, teve a impressão de que ele a beijava na testa e a acariciava, mas pensou que aquilo fosse alucinação, levando alguns segundos para perceber que era a mais pura realidade.

Abrindo os olhos, olhou para ele, sentindo-se imediatamente inundada por aquela luz dourada. Os olhos dele estavam tão cheios de amor que ela nem tinha coragem de falar, ficava só olhando.

- Era isso que eu estava esperando - murmurou Rory, tirando-lhe o cabelo do rosto. - Que você se tornasse real. Que você me amasse e me chamasse de Rory. Você tem sido tão... distante. Você adquire vida quando nos beijamos, mas sempre guarda alguma coisa, uma parte essencial de você. Eu não queria só seu corpo, Vanessa. Eu queria você toda: seu corpo, sua mente e seu espírito. Eu queria seu amor, pois você tem o meu desde o primeiro dia em que nos vimos em East Nelson.

O que ela sentiu foi algo parecido com uma explosão de fogos de artifício. Cheia de admiração, passou a mão por sua barba, depois subiu até a sobrancelha, terminando por afagar-lhe o cabelo, que estava bem crescido na nuca e em torno das orelhas.

- Você usa barba no inverno? - perguntou repentinamente, interessada nas menores coisas a seu respeito.

- Não, eu tiro a barba assim que volto para Boston. Aqueles grã-finos não gostam de barba.

Ela sorriu, descansando a cabeça sobre seu ombro, sentindo os músculos fortes de seu braço.

- Quanto você pesa?

- Oitenta e cinco quilos.

- Qual é sua altura?

- Um metro e noventa.

Ela deu um passo atrás e o olhou da cabeça aos pés. Puxa vida, que homem bonitão!

- Passei na inspeção? - perguntou ele.

- Acho que sim.

E os dois se abraçaram rindo.

- Ela acha que sim - disse ele, imitando-a e rindo novamente.

Vanessa estava a ponto de explodir de tanta felicidade. Inclinando-se para trás nos braços dele, olhou-o nos olhos.

- Você me ama mesmo? - perguntou, com certa incredulidade.

- Amo sim, Vanessa. Eu a amo muito.

- E você não é casado mesmo?

- Não sou e nunca fui. Estava esperando a mulher certa aparecer, e ela finalmente apareceu, há uns dez dias, em East Nelson, no Maine.

- Você acha que eu sou a mulher certa?

- Positivo.

Ela pensou um pouco naquilo, mordendo o lábio, e finalmente olhou para ele.

- Tem certeza? - perguntou.

- Absoluta. - Ele inclinou a cabeça de lado - Por quê? Você tem alguma dúvida?

- Não, eu não tenho nenhuma dúvida em relação a você, mas achei que você poderia ter em relação a mim.

Rory deu um suspiro e, abraçado a Vanessa, foi até a fogueira.

- Para uma mulher bonita, você tem dúvidas demais a seu respeito.

- É que eu nunca me senti tão feliz, e estou com medo de que tudo isso acabe.

- Não enquanto eu estiver por perto. - Levantando o queixo de Vanessa, olhou-a com ternura nos olhos. Eu a amo, Vanessa Hamilton. E lhe direi isso duas vezes por dia, até você acreditar.

- Acho que três vezes por dia seria melhor. Ele a tomou nos braços.

- Então serão quatro vezes por dia, pronto.

Seus lábios se encontraram, não com a paixão dos primeiros beijos, mas com tamanha doçura que Vanessa pensou que fosse desmaiar.

- Acho melhor apagar o fogo - sussurrou Rory.

- É, seria bom.

- Aí, a gente vai para a cama.

- Apague o fogo.

com um sorriso malicioso nos lábios, ele jogou terra e água sobre o fogo, e, certificando-se de que estava realmente apagado, levantou-se e passou o braço em torno dos ombros de Vanessa, olhando para o céu escuro.

- O céu está tão limpo que dá para ver todas as estrélas.

Ela concordou, lembrando-se da primeira conversa que haviam tido há alguns dias atrás: "Você viu? Uma estrela cadente. Se você fizer um pedido, ele se realizará amanhã de manhã... E ela tinha ficado olhando para as estrelas, sem saber o que queria. Mas agora era diferente. Ela estava abraçada com Rory, olhando para o céu escuro, quando viu uma estrela cadente, e desta vez ela sabia o que iria pedir: "Ajude Rory a me amar para sempre... "

Ele a olhou e sorriu dizendo:

- Vamos para a cama, Vanessa.

- Sim, vamos.

Caminharam até a barraca em silêncio. O coração de Vanessa estava batendo forte e ela passou a língua nos lábios procurando acalmar-se. Eles iam fazer amor, só isso. Milhões de pessoas faziam isso diariamente, não havia motivo para ficar nervosa. Afinal de contas, era um ato instintivo, não precisava ser aprendido.

Quando Rory colocou os braços em torno dela e puxoua para junto de si, Vanessa deu um pulo.

- Ei! - exclamou ele, rindo. - O que há com você?

- Nada. É que eu me assustei - respondeu ela, soltando-se de seus braços.

Rory entrou na barraca para acender o lampião, levantou a abertura e chamou Vanessa:

- Não vai entrar?

Ela concordou com um aceno de cabeça, forçando uma risada.

- vou sim. Já, já. - Deu meia-volta e ficou de costas para Rory. - Hum, Rory... acho que vou ficar aqui fora mais um pouco. - Bateu uma palma contra outra, respirou fundo, e acenou com a mão dizendo: - Pode deitarse, Rory. Eu entrarei mais tarde.

Rory aproximou-se dela, segurou-a pelos ombros, fazendo-a virar-se e, colocando o dedo embaixo de seu queixo, levantou-lhe a cabeça.

- Vanessa...

- Hein? - disse ela, forçando um sorriso.

- Venha para a barraca comigo.

Quando ele falava daquele jeito, ela entregava os pontos. Vanessa sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo todo, ao mesmo tempo que o calor de um fogo a invadia por dentro. Estendendo a mão, acariciou a barba de Rory, que, por sua vez, levou a sua aos lábios, beijando uma por uma a ponta de seus dedos e, finalmente, a palma da mão, que acariciou com os lábios e com a língua.

Ela sentiu seu corpo invadido pela chama do desejo que se acendeu dentro dela, e entregou-se a ele como se estivesse drogada, incapaz até de raciocinar.

Entraram na barraca, onde o lampião aceso projetava sombras nas paredes. Vanessa olhou fascinada para elas, pensando nesse meio tempo por que ela estava se preocupando com as sombras quando Rory estava a ponto de fazer amor com ela. Não fazia o menor sentido. O que ela tanto queria que acontecesse estava acontecendo, e metade de seu cérebro estava preocupado com as sombras!

- Vanessa.

- Hmmm?

- Eu amo você.

Ela sentiu o coração disparar. Rory puxou-a para o colo e começou a beijá-la, usando seus próprios lábios para umedecer os seus, que estavam secos de nervosismo.

- Está com sede? - murmurou Rory, sem tirar os lábios dos dela.

Ela apenas assentiu com um movimento de cabeça.

- Está com fome? - Agora, os lábios dele já estavam em seu pescoço.

Mais uma vez ela confirmou com um aceno de cabeça e ele passou a beijar-lhe os seios, depois de ter afastado o sutiã de renda. Vanessa puxou a cabeça dele, para trazê-lo mais para perto, enquanto murmurava:

- Sim, Rory... Assim...

No instante seguinte, ela já estava deitada no chão e Rory estava tirando-lhe a roupa, para em seguida ela tirar a dele, e ficar alucinada ao sentir o toque da pele dele contra a sua. Quando ele deitou-se sobre ela, Vanessa prendeu a respiração e fechou os olhos, aproveitando todos os momentos daquela sensação gloriosa.

Depois de acariciar-lhe o corpo todo, Rory afastou suas pernas e deitou-se entre elas, enquanto ela arqueava o corpo para recebê-lo. Vanessa abriu os olhos e olhou diretamente nos olhos de Rory enquanto ele a penetrava.

- Ohhhh! - exclamou ela, sem despregar os olhos dele. - Ohhh, Rory...

- Era isso que você queria, Vanessa? - perguntou ele, com os olhos fixos nos dela.

Ele começou a fazer um movimento para frente e para trás, que provocou em Vanessa uma onda crescente de prazer.

- Era assim que você queria, Vanessa? - perguntou novamente, com uma voz gutural.

Vanessa sentia-se invadida por uma sensação tão doce, como jamais experimentara. Aquele era o momento supremo de sua vida, o momento de maior beleza.

- Vanessa - sussurrou, aumentando-lhe a excitação.

- Era isso que você queria?

Ele gemeu e a apertou em seus braços, num impulso finai de doação e possessão. Foi como uma explosão: tudo ficou escuro, depois claro, depois dourado e finalmente colorido. Vanessa fechou os olhos e respondeu:

- Sim... sim!

 

Os quatro dias que se seguiram foram um verdadeiro Xangrí-lá para Vanessa, que irradiava aquele fulgor especial que só os apaixonados possuem. Remando na canoa, ela via o mundo com novos olhos. As árvores pareciam mais verdes, a água e o céu mais azuis. O aroma dos pinheiros se propagava pelo ar. Tudo parecia mais nítido - o grito do mergulhão-do-norte, o salto da truta ao ser tirada da água quando Rory pescava, o alce que fugia da margem, assustado com a aproximação deles.

Quando cruzavam com outras canoas, ela e Rory acenavam alegremente, mas gostavam mesmo de ficar sozinhos. Eles só precisavam um do outro. Às vezes, encostavam numa margem e faziam amor de maneira passional e insaciável. Torciam para que outras canoas não passassem por perto, para não serem apanhados em flagrante, pois não conseguiam se conter. Era como se estivessem com uma febre no sangue, mas quanto mais remédio tomavam, mais a febre aumentava.

À noite, ficavam sentados abraçados junto à fogueira, conversando até o fogo se extinguir. Depois entravam na barraca, tremendo de desejo, e começavam a se acariciar mutuamente, antecipando momentos de um prazer incrível noite após noite. Ficavam acordados durante horas, um nos braços do outro, trocando caricias, beijos, abraços, e sempre querendo mais. Finalmente, exaustos, acabavam adormecendo, para acordar seis horas mais tarde e fazer amor novamente.

A viagem estava chegando ao fim. No dia seguinte chegariam a Fort Kent, onde Gus os estaria esperando com a pick-up. Vanessa sentiu-se invadida por uma imensa tristeza e, virando-se para Rory, passou a mão pelo seu peito, deixando que os pêlos passassem por entre os dedos. com toda a delicadeza, beijou seus lábios e esperou que ele acordasse. Quando ele abriu os olhos, sorriu e a puxou para lhe dar um beijo.

- Se você não fosse tão gulosa de manhã, eu poderia me levantar e escovar os dentes.

- Eu o amo, com mau hálito e tudo - disse ela, rindo.

- Isso é que é amor - ele esticou a mão e com a ponta dos dedos traçou o contorno dos lábios dela.

Vanessa deitou-se em seu ombro, com uma expressão preocupada.

- É nosso último dia, Rory.

- Mmm - Virando a cabeça, deu-lhe um beijo na testa. - Nos teremos muitos dias juntos.

Vanessa sentiu uma pontada de medo, como se tivesse um pressentimento de que isso não iria acontecer. Ela iria para casa e enfrentaria seu pai para ir morar sozinha, mas algo lhe dizia que as coisas não iam dar certo com Rory. Ele ia voltar a Boston e ficar ocupado com seus cursos, talvez encontrasse até outra mulher...

Fechando os olhos, ela puxou-lhe a cabeça e o beijou com toda força.

- Ei - disse ele, rindo. - O que é isso? Você quase quebrou meu dente!

- É que estou chateada por ser nosso último dia.

- Não é nosso último dia, Vanessa. - Apoiou-se no cotovelo para poder vê-la melhor. - Quantas vezes preciso dizer-lhe isso?

Ela o olhou e sentiu a mesma aflição. Sabia que alguma coisa ia acontecer, aquela felicidade não podia ser eterna. Este tempo de encantamento passado no rio jamais sobreviveria ao ritmo alucinante de Boston. Quando voltasse para casa, Vanessa se envolveria com sua vida, e Rory com a dele, e...

Ela parou de pensar. Não, jamais deixaria de amar Rory, que era tudo no mundo para ela. Mas como ele se sentiria em relação a ela? Quantas coisas ela havia deixado de lhe contar a seu respeito! No começo, foi por medo, mas depois, ela estivera tão ocupada em amá-lo que não quis perder tempo contando-lhe tudo sobre seu pai e seu dinheiro. Tudo isso podia esperar até chegarem em Boston. No momento, ela queria fazer amor com ele, senti-lo dentro dela, proporcionando-lhe um prazer incrível.

Sorrindo, ela afastou seus temores e passou os braços em torno do pescoço dele, puxando-o para mais perto.

- Eu não consigo enjoar de você - murmurou, com os lábios encostados nos dele.

- Eu sinto a mesma coisa, mas nós ainda temos esta noite e amanhã de manhã - disse ele, rindo.

Ela passou a mão pelas costas dele, adorando a textura daquela pele macia e firme ao mesmo tempo.

- Sim -"sussurrou. - Nós ainda temos esta noite.

- E o resto de nossas vidas - murmurou Rory, envolvendo o seio dela com sua mão grande. Primeiro, ele massageou o mamilo com o polegar e, em seguida, baixou a cabeça e o sugou delicadamente, excitando-o mais ainda com a ponta da língua.

Prendendo a respiração, Vanessa fechou os olhos, segurou-lhe a cabeça, arqueando as costas para ficar mais perto dele.

- Oh, Rory. Por favor, não pare nunca.

Ele soltou o mamilo e riu, levantando a cabeça para poder olhá-la.

- Eu não pretendo parar. Pretendo continuar fazendo isso pelo resto de nossas vidas.

- Mesmo quando estivermos velhinhos e de cabelo branco?

Respondendo apenas com um aceno de cabeça, ele desceu a mão pelo ventre dela, indo parar nos pêlos do púbis. Vanessa estremeceu, desejando que ele a tocasse mais intimamente e, assim sendo, abriu as pernas e colocou a mão dele entre elas.

- Toque-me - sussurrou.

- Eu vou fazer muito mais que isso. Muito mais. Seus lábios seguiram o mesmo caminho percorrido por sua mão, passando pelo ventre de Vanessa e indo parar entre suas pernas. Ela sentiu-se varrida por uma onda avassaladora de prazer. Os lábios dele eram ternos e a língua suave. Fechando os olhos, ela arqueou as costas, erguendo-se para ele, segurando seu cabelo, enquanto estremecia de prazer. Ela começou a mexer os quadris num movimento rítmico e sentiu que ele a devorava com os lábios e a língua.

- Oh! Por favor, não pare! Continue... - gemeu ela. Finalmente, Rory levantou a cabeça e ajoelhou-se por cima dela, passando a beijar-lhe o corpo e parando nos seios. com a maior delicadeza, deitou-se sobre ela e a penetrou. Vanessa enlaçou-o com os braços, sentindo o prazer aumentar. Arrebatada pelo êxtase, teve a perfeita noção de que eles dois, naquele momento, eram um único ser.

Mas a paixão logo a levou ao auge do prazer, impedindo-a de raciocinar, deixando-a apenas com uma deliciosa sensação de bem-estar e cansaço. Por alguns minutos, ficaram deitados, entrelaçados, sem dizer nada. Vanessa foi a primeira a falar.

- Você não acha que é maravilhoso, Rory?

- O que é maravilhoso, querida?

- Sexo.

- É maravilhoso quando você está amando.

- É mesmo. Estranho, não é?

Ele tirou-lhe o cabelo da testa e desceu o dedo por sua face.

- Pensando bem, não é tão estranho. Ele gratifica aqueles que amam, transformando-se na mais bela experiência de suas vidas. Para os outros, é apenas uma simulação, um arremedo. Talvez seja até uma espécie de castigo, embora eu não concorde com a teoria de que existe um Deus que castiga.

Vanessa sentiu admiração por Rory. Como ela amava aquele homem! Amava-o em tudo que ele dizia e fazia. Ela queria passar o resto de sua vida ao lado dele, ouvindo-o falar, vendo a vida dele desenrolar-se diante de seus olhos.

- Como é Deus para você, Rory? - perguntou enquanto alisava o seu cabelo.

- Ele é um Deus que ama a todos nós, que perdoa nossos pecados até quando nós mesmos não podemos nos perdoar.

Ela ficou deitada em silêncio, digerindo as palavras dele, e depois falou:

- Eu não acho que meu pai pense em Deus, religião, ou em ser uma boa pessoa.

- Como foi que seu pai entrou nesta estória?

- Eu nem sei. Acho que estava pensando no homem que amo, e acabei me lembrando de outro homem que amo.

- Seu pai?

Ela confirmou com um aceno de cabeça.

- Estranho, não é? Na verdade, eu não gosto de meu pai mas, ao mesmo tempo, eu o amo, com seus defeitos e tudo.

- Talvez por isso seja tão difícil escapar ao seu domínio: por trás de tudo isso, você o ama.

- Talvez seja isso mesmo - disse suspirando. Em seguida, saiu do saco de dormir. - Bem, assim não chegaremos nunca a Fort Kent.

Rory sorriu para ela, dízendo-lhe:

- É assim que você vai me tratar depois de casada? Vai me empurrar para fora da cama todas as manhãs, quando eu quiser continuar deitado, fazendo carinho em você?

- Vanessa olhou para Rory assustada, totalmente indiferente à sua nudez.

- Você quer se casar comigo?

- O que mais nós podemos fazer, princesa? Morar separados e dormir juntos escondidos? - Sacudiu a cabeça. - Eu amo você, Vanessa. Quero compartilhar minha vida com você, todos os dias. - Levantou um pouco o corpo, apoiando-se num cotovelo. - Não é isso que você quer? Não é esta a atitude lógica quando duas pessoas se conhecem e se apaixonam?

com os olhos marejados de lágrimas devido à forte emoção, Vanessa ajoelhou-se ao lado de Rory e colocou as mãos em seus ombros.

- É o que eu mais quero na vida, Rory, mas isso me deixa assustada.

Ele segurou-lhe as mãos e as beijou, uma de cada vez.

- Toda mudança na vida nos assusta, Vanessa. Uma pessoa seria louca se não se preocupasse com algo novo e diferente que fosse acontecer em sua vida. Quando se trata de casamento é pior ainda, pois para qualquer lado que a gente se vire, vê tantos divórcios e tanta infelicidade - Ele se sentou e apertou-lhe as mãos. - Mas o que se pode fazer, Vanessa? Você não fará as coisas por medo de que não dêem certo? A gente tem é que ir em frente, cheio de esperança e força de vontade, sem jamais desistir, a não ser que tudo tenha sido reduzido a cinzas.

Olhando para suas mãos, que Rory estava segurando, Vanessa achou que aquele gesto simbolizava a maneira pela qual ela e Rory enfrentariam o futuro: de mãos dadas. Mas, logo em seguida, sentiu uma ponta de medo: e se acontecesse alguma coisa? Ela não sabia o quê, mas alguma coisa poderia acontecer entre eles. A felicidade que ela estava sentindo parecia um sonho e, assim que eles saíssem do Allagash, a realidade entraria em suas vidas e o idílio terminaria. Como que tentando afastar o medo do futuro, Vanessa abraçou Rory com ardor.

- Oh, Rory. Eu o amo. Eu o amo tanto. Rindo, ele também a abraçou.

- Eu também amo você, Vanessa. E sempre amarei. Ela abaixou os braços e sentou-se.

- Como você pode me amar? Você nem me conhece.

- Pergunte isso a você mesma. Como é que você pode me amar? Você também não sabe quase nada a meu respeito.

Ela mordeu o lábio inferior, nervosa. Ela até que sabia muita coisa sobre Rory. Ele não escondeu nada, não mentiu, enquanto ela...

- Ei - disse Rory. - Que negócio é esse? Você está querendo dizer que não me ama?

- Não, não - disse Vanessa, sacudindo a cabeça com veemência. - Eu o amo muito mais do que pensei que fosse possível amar alguém.

Ele sorriu e olhou para a nudez dela.

- Bem, pelo jeito, consegui o que queria.

- E o que é?

- Você, sem roupa nenhuma, conversando descontraidamente. Houve um tempo em que você não me deixava vê-la sem roupa.

Neste momento, Vanessa sentiu-se totalmente livre, como se nada neste mundo pudesse perturbá-la. Nada iria atrapalhar o relacionamento deles - tinham sido feitos um para o outro. Lançando os braços em torno dele, Vanessa deulhe um abraço apertado e riu de alegria. Que bobagem a dela, ter medo, quando não havia nada a temer.

 

O Grande Jack Hamilton era ainda maior do que Vanessa lembrava. Sentada em seu escritório, olhando para ele, ela queria estar a milhares de quilômetros de distância. Ou, pelo menos, a algumas centenas- no Allagash, com Rory. Quando eles se separaram, ela estava se sentindo forte, capaz de tomar conta de si própria e fazer o que bem entendesse. Mas, agora, sentada no luxuoso escritório de seu pai, enquanto ele repreendia um funcionário por telefone, ela podia sentir sua autodeterminação se dissipando, deixando-a só e assustada.

Do outro lado da grande mesa de mogno, o Grande Jack bateu o telefone e deu um soco na mesa.

- Idiota! - esbravejou. - Custou-me meio milhão de dólares.

Vanessa tentou sorrir com frieza.

- Por que você não o demite, papai?

- De jeito nenhum! vou mantê-lo na equipe e assegurar que ele sinta o peso de minha mão pelo resto da vida. É assim que ele vai me pagar.

Ainda resmungando, mordeu a ponta de um charuto, colocou-o na boca e o acendeu com um isqueiro de prata que estava sobre a mesa. Enquanto isso, observava sua filha.

- Então - disse, depois de ter acendido o charuto e dado umas baforadas. - Quer dizer que você conseguiu ficar lá por duas semanas inteiras. - Tirou o charuto da boca e continuou: - Para mim, é uma surpresa, Vanessa. Não conhecia esta sua faceta.

- Tem muita coisa que você não conhece em mim, papai - disse ela, com suavidade, olhando-o nos olhos e demonstrando uma calma que absolutamente não sentia.

- Então conte-me como foi. O que você fez por lá? Remava o dia inteiro?

Ela sentiu a raiva crescer, mas, como sempre, conteve-se.

- É isso mesmo. Foi muito divertido.

- Divertido! - esbravejou ele. - Desde quando tudo na vida tem que ser divertido?

- Bem, em torno de você nada é, isso eu posso garantir. Você é o próprio puritano.

- Puritano uma ova! - exclamou, tirando o charuto da boca e apagando-o no cinzeiro. - Só existe uma coisa que dá prazer na vida, Vanessa: é o trabalho. Trabalho duro. Por que você acha que eu trabalho catorze horas por dia? Para ganhar dinheiro para você? Nada disso; é para continuar vivo, isso sim. - Deu um tapa na mesa e continuou. - O trabalho é tudo na vida.

- Então por que você não me deixa fazer o que quero? - perguntou com a voz trêmula. Tinha vontade de se encolher num canto, pois seu pai sempre a intimidava.

Ele pegou novamente o charuto e voltou à carga:

- E você, por acaso, sabe o que quer? - Girou a cadeira e olhou para a maravilhosa vista da cidade de Boston, do alto da sua cobertura. - Você ainda é uma criança, Vanessa. Ainda bem que tem a mim para tomar conta de você.

Ela apertou os braços na poltrona com tanta força que suas mãos ficaram brancas.

- O que você acha que eu estive fazendo nestas últimas duas semanas? - gritou. - Você estava lá para tomar conta de mim? Não estava! Eu sou extremamente capaz quando tenho que me arranjar sozinha.

- Passou duas semanas remando num riozinho e acha que isso é tomar conta de si mesma? - Ele inclinou-se para frente, apontando com o dedo para ela. - vou lhe dizer uma coisa, Vanessa Hamilton. Se você passasse um mês sozinha aqui na cidade, voltaria chorando para a casa do papai. - Recostando-se na cadeira, deu mais uma baforada no charuto. - E eu nem sei se a aceitaria de volta, menina. Talvez você se tornasse uma pessoa difícil depois de passar alguns meses na rua.

Vanessa estava tremendo de raiva. -Como foi que minha mãe conseguiu viver cinco anos com você? Como é que ela agüentou você?

- Se você fosse uma mulher, entenderia o que mantém um homem e uma mulher juntos.

Ela se encolheu e olhou para o outro lado. Seus pais não podiam ter sentido o mesmo que ela e Rory. Nunca. Provavelmente foi isso que matou sua mãe - vendo-se presa a um casamento sem amor, achou que seria melhor morrer a viver com aquele homem pelo resto da vida.

Ao pensar nisso, Vanessa sentiu-se invadida por uma profunda tristeza. Como podia enfrentar a idéia de que não tinha havido amor entre seus pais, que ela era meramente o produto de uma relação carnal? Tendo conhecido tanta beleza com Rory, desejou do fundo do coração que seus pais também pudessem ter sentido o mesmo que ela e não praticado o sexo como animais.

O Grande Jack olhou para a filha com um ar de tristeza.

- Oh, Vanessa, meu bem, desculpe-me. Olhando-o, ela sentiu a mesma onda de simpatia que tinha por Rory. Era sempre assim - quando seu pai lhe dava atenção, mesmo que fosse por uns poucos momentos, ela ficava feliz e seu coração se enchia de amor por ele.

- Eu não sei por que fico assim, Vanessa - disse ele, colocando os cotovelos na mesa e passando as mãos pelo cabelo grisalho. - Parece até uma doença. Quando sua mãe era viva, eu me controlava, mas desde que ela morreu... Por que ela tinha que ser tomada pelo câncer? Por quê? Era tão moça e tão bonita!

Vanessa continuou sentada, olhando para o pai, sem conseguir se mexer. O amor que sentia por ele cresceu dentro dela, mas não conseguia dizer nada. Era algo muito escondido, que ela não conseguia demonstrar, e sua única esperança era a de que ele sentisse aquele amor no silêncio que se formara entre eles.

Naquele momento, descobriu o que a fizera viver na casa do pai até então. Rory tinha razão - ela amava o pai, ainda que o temesse. Ela o conhecia profundamente - sua dureza e sua ambição desmedida - mas mesmo assim, apesar de todos os seus defeitos, ela o amava. Talvez fosse exatamente por causa de seus defeitos.

Ela olhou para as próprias mãos, cruzadas no colo e soube que ia levantar-se da cadeira e voltar para casa. Para a casa de seu pai, em Beacon Hill. Para a casa onde estavam suas roupas luxuosas. Para o vazio. Um dia ela sairia de lá. Um dia, mas não agora. Não hoje...

O pai olhou para ela e sorriu.

- Haverá uma recepção no clube de golfe no sábado à noite, para angariar fundos para Harvard. Você irá comigo?

Vanessa ficou pensando se aceitaria ou não. Rory tinha ficado de voltar naquela semana. Disse que lhe telefonaria assim que chegasse, mas ela não sabia quando seria. Por outro lado, lá estava seu pai, esperando por uma resposta. Sentindo-se culpada por não conseguir expressar seu amor por ele, acabou concordando.

- Eu irei. A reunião é muito formal?

- Ponha uma roupa bonita e você deixará todo mundo de queixo caído.

Vanessa levantou-se. Sim, seu pai era assim mesmo. Queria que ela fosse apenas para usá-la como um enfeite no braço, pois não via outra utilidade nela. Chegando à porta, parou e virou-se para ele.

- Não há nada de importante acontecendo por aqui que eu deva saber?

Antes de responder, ele já estava pegando no telefone.

- Não, Vanessa. Nada. Basta você ficar sempre bonita e arrumada por aqui. É só para isso que precisamos de você.

Ela se virou rapidamente, procurando esconder a mágoa que aparecera em seu rosto, mas logo sorriu com ironia para si mesma. O Grande Jack seria incapaz de perceber que a filha tinha ficado magoada, pois ele mal olhava para ela. Aquele homem realmente não tinha sentimentos. Contudo, ela o amava.

Fechando a porta atrás de si, Vanessa endireitou os ombros e atravessou o corredor. Naquele dia não teve coragem de enfrentá-lo, dizendo que queria morar sozinha, mas não ia demorar a resolver aquele problema. Seus passos tornaram-se mais firmes e decididos. Ah, não ia demorar mesmo, disso ela tinha certeza.

Quando Vanessa chegou em casa, a governanta, sra.

Blodgett, disse-lhe que alguém lhe havia telefonado.

- Ele deixou o nome?

- Não foi um homem, srta. Vanessa - disse a governanta com impertinência, virando-se para ir embora.

- Então quem era? - Vanessa perguntou com frieza. Passou vinte anos tendo medo daquela megera e decidiu que seu temor não se justificava mais.

A sra. Blodgett voltou-se, com uma expressão de surpresa estampada no rosto.

- Ela não deixou o nome, srta. eu lhe disse para telefonar mais tarde.

- Da próxima vez, Blodgett - Vanessa sempre a chamou de sra. Blodgett, mas isso também ia acabar -, pergunte o nome da pessoa. Estou esperando um telefonema muito importante. Entendeu o que eu disse? A sra. Blodgett levantou o queixo.

- Entendi! - exclamou. - Essas duas semanas no Maine não lhe fizeram nenhum bem, isso eu garanto! Virou as costas e saiu.

As mãos de Vanessa estavam tremendo, mas era tão obstinada quanto Blodgett. Já era tempo daquela bruxa velha ser colocada em seu lugar.

O telefonema só chegou na sexta-feira. Vanessa tinha vindo do trabalho chateada, desanimada, sentindo muita saudade de Rory e maldizendo o dia em que havia concordado em trabalhar para seu pai. Estava examinando a correspondência na mesa do hall, quando Blodgett apareceu, enxugando as mãos no avental.

- Telefonaram para você, srta. Vanessa.

- Quem foi? - perguntou, ficando animada, e virando-se para Blodgett.

- Foi... - Fez uma pausa, como se não soubesse como explicar. - Um homem - disse finalmente, com ar de reprovação.

O coração de Vanessa deu um salto e, na ansiedade de saber se era Rory, ignorou o jeito de Blodgett.

- Ele deixou o nome?

- Sim, deixou, srta. - Blodgett soltou o avental e espanou algo imaginário da manga. - Ele mandou lhe dizer que Rory telefonou. - Ela pronunciou o nome dele como se fosse algo repulsivo.

O coração de Vanessa deu mais um salto e ela fez a única coisa humanamente possível naquele momento - jogou os braços em torno de Blodgett, beijou-a e saiu dançando com ela pelo hall, rindo sem parar ao ver a expressão assustada da governanta, e abraçando-a como se sua felicidade não tivesse mais fim.

Quando finalmente parou, estava radiante e seus olhos brilhavam como os de uma criança que havia acabado de ganhar seu presente de Natal. Blodgett, com a mão no peito, olhava para Vanessa como se ela tivesse enlouquecido, e depois de algum tempo, falou:

- Suponho que era o telefonema desse... num... tal de Rory que você estava esperando?

- Era sim, Blodgett! Era sim! - exclamou, abraçando-a e beijando-a novamente.

Confusa e com o rosto vermelho, Blodgett deu uns tapinhas no braço de Vanessa. - Bem, estou feliz por você, srta. Muito feliz. Vanessa ainda estava radiante, vendo Blodgett com novos olhos. A mulher que sempre a aterrorizou tinha de repente se tornado mais humana. E tudo porque ela havia se

apaixonado por Rory, que lhe abriu os olhos para as coisas

bonitas da vida.

- Ele disse quando voltaria a telefonar? Ou deixou algum número de telefone?

- Ele não deixou nenhum telefone, mas disse que tentaria ligar amanhã, se pudesse. Disse que amanhã estará muito ocupado, que tem um trabalho a fazer. - Olhou com curiosidade para Vanessa. - Tem uma coisa que ele falou que achei muito estranha.

- O que foi, Blodgett?

- Ele me chamou de sra. Hamilton, como se achasse que eu era a esposa do seu pai! Isso, a meu ver, é um absurdo, srta. É como se ele não soubesse que sua mãe está morta há vinte anos.

A alegria de Vanessa ficou embaçada.

- Ah, sei - murmurou. - Eu acho que ele nem sabe, Blodgett. Nós nunca falamos sobre mamãe.

Vanessa virou-se e subiu a escada. Havia tanta coisa a contar para Rory. Tanta coisa. Enquanto subia, teve mais uma vez aquele pressentimento inquietante. Os dois estavam de volta a Boston. O que aconteceria agora?

Era uma festa como as outras da alta sociedade de Boston - mesas fartas, cheias de camarão, lagosta e caviar, um bar servido por três garçons, um conjunto tocando música suave ao fundo, enquanto homens e mulheres elegantes riam e conversavam no salão.

Vanessa estava parada à margem da multidão, bebendo vinho branco e lembrando do tempo em que jogava golfe naquele clube. Tentando disfarçar seu tédio, passou os olhos pelo salão, cumprimentando vez ou outra os conhecidos com um sorriso e um aceno de cabeça. Ela não estava com disposição para conversar, preferia ficar de lado, só observando.

Seus olhos detiveram-se em seu pai, que estava conversando com Eleanora Barry, uma das mulheres mais ricas de Boston. Vanessa sabia que, qualquer que fosse o teor da conversa, resultaria em muito dinheiro para os dois, pois eles não perdiam tempo em conversas banais.

Vanessa tomou mais um gole de vinho e continuou a correr os olhos pelo salão. Lá estavam Ellíe Heidler e Amy Croft. E ali, perto do bar...

Seu coração deu um salto e parou na garganta quando ela o viu. Ele tinha a altura de Rory, o corpo de Rory, e de longe era muito parecido com ele. Mas ela logo sossegou, pois aquele homem não tinha barba nem bigode. Achando graça de si mesma por ver Rory em todo homem atraente, Vanessa começou a circular por entre as pessoas. Sabia que estava com ótima aparência. A viagem pelo Allagash deu-lhe um bonito bronzeado e um ar descansado. Seu cabelo estava preso no alto da cabeça, com apenas algumas mechas caídas na testa e sobre as orelhas. Era um penteado feito para dar a impressão de que tinha tomado vento e que o coque poderia desmoronar a qualquer momento. Ela sorriu para si mesma - apesar daquela aparência frágil, nem um furacão conseguiria desmanchar aquele penteado.

Ela estava com um vestido preto, justo, de áleas, franzido na altura dos joelhos, e no pescoço trazia um colar de pérolas. Enquanto atravessava o salão, em direção ao bar, ia mexendo distraidamente nas pérolas, sorrindo para as pessoas que a cumprimentavam.

Em frente ao bar, foi abordada por um homem que abriu os braços num gesto dramático.

- Querida - disse ele, beijando-lhe as faces. - Você está maravilhosa! Foi tomar sol em Palm Springs?

Ela riu suavemente, falando no tom sofisticado próprio de uma herdeira entediada de Boston:

- Não, querido, eu andei desbravando o Maine. O homem jogou a cabeça para trás e caiu na risada.

- O Maine? Comendo feijão em lata e tudo o mais? Vanessa sorriu, sentindo vontade de mandá-lo para o inferno, mas precisava continuar desempenhando seu papel.

- Isso mesmo, Edwin. Comendo feijão em lata e tudo o mais.

Girando sobre os calcanhares, aproximou-se do balcão e colocou sua taça sobre ele, dizendo ao garçon, sem olhá-lo.

- Vinho branco, por favor.

E continuou a olhar para a multidão, batendo as pontas das unhas no balcão.

- Tem certeza de que não prefere cerveja, Vanessa? Combinaria melhor com a imagem de desbravar o Maine.

Assustada, sentiu o coração parar e, voltando-se, deu de cara com Rory. Só que não era Rory - pelo menos, não o Rory que ela conhecia. Ele não tinha barba e estava atrás do balcão, de camisa branca e gravata borboleta, segurando a taça de vinho que ela havia pedido. Inclinando a cabeça de maneira respeitosa, colocou a taça sobre o balcão.

Vanessa levou uma eternidade para falar, e quando o fez, a voz mal saiu.

- Rory!

- O próprio - respondeu ele, inclinando mais uma vez a cabeça.

- Mas, e a sua barba?

- Assim que eu ponho os pés em Boston, eu tiro a barba. - Ele deu uma olhada rápida no salão repleto de pessoas e sorriu secamente. - Acho que eu comentei uma vez com você que os grã-finos não gostam de barbudos. Ele a mediu da cabeça aos pés. - Você está deslumbrante, Vanessa. Não sabia que uma moça simples, de classe média, freqüentasse festas como esta. Eu só posso vir se colocar esta roupa e trabalhar atrás do balcão de um bar.

- Rory, eu posso explicar...

Mas foi interrompida pela voz de seu pai:

- Ah, aqui está ela. Minha bonequinha... Vanessa.

- Passou o braço em torno dela e apertou-a contra si. Eu não disse que ela era uma parada? - E piscou para um dos homens que o acompanhavam. - Ela tem classe. É assim que eu gosto.

Vanessa não dizia nada, ficava apenas olhando para Rory enquanto seu pai a abraçava. Sacudiu ligeiramente a cabeça, mas ele não deu atenção - virou-se e começou a atender outras pessoas.

- com licença. Preciso ir ao toilette - disse ela, livrando-se dos braços do pai e abrindo caminho entre as pessoas.

Chegando à porta, voltou-se e olhou para Rory. Seus olhos se encontraram por uma fração de segundo e ele voltou a atender as outras pessoas. Entrando no toilette, afundou numa poltrona e olhou-se no espelho. Preocupada como estava com o que ele poderia estar pensando, não gostou nada do que viu: ela era uma mulher bonita e tinha todo o aspecto da herdeira rica, desde o rosto até a roupa caríssima.

O que ele iria pensar? Ela não lhe tinha contado nada sobre sua posição social porque estava cansada de ser cortejada pelo seu dinheiro. Queria que ele a aceitasse pelo que ela era e não pelo que possuía. Vanessa sabia que alguma coisa iria acontecer quando ele descobrisse a verdade. E aconteceu - ele estava uma fera.

Endireitou-se na poltrona, arrumou o cabelo e logo recuperou a autoconfiança. Ele não estava bravo, pensou, estava apenas chocado por vê-la, só isso.

O salão estava envolto em fumaça de cigarro, ouvia-se o som de risos, gelo tilintando nos copos, algumas pessoas dançavam. Observando aquela cena, Vanessa teve a impressão de que ela era a única pessoa ali que não estava bêbada ou alta. Isto é, havia só mais uma pessoa de posse total de seus sentidos - Rory McGee. Ele estava no bar, com uma toalha de linho na mão, seguindo Vanessa com os olhos. Ela desviou os olhos dele e encaminhou-se para o terraço, na esperança de que ele a seguisse e ela pudesse explicar-lhe tudo. Aí, tudo ficaria resolvido.

O terraço estava deserto e ela apoiou as mãos na grade, lembrando-se dos momentos felizes que tivera com Rory no Allagash.

- Parece-me que você queria vinho branco - disse uma voz vinda das sombras, atrás dela.

Vanessa virou-se, e lá estava ele - o mesmo Rory, mas bem diferente sem a barba. Ele tinha o queixo quadrado, com uma leve covinha, o que aumentava mais ainda a impressão de força que ele irradiava. Barbeado, ele mais parecia a versão publicitária de um cowboy: forte, saudável e extremamente masculino. Vanessa logo sentiu as pernas bambearem.

- Seu vinho - disse ele, estendendo a taça. - Você o deixou no bar.

- Ah, sim... - Ao pegar a taça, com os dedos trêmulos, tocou na mão dele e prendeu a respiração. - Obrigada, Rury.

Ele fixou os olhos nela e ela teve que desviar o olhar, pois alguma coisa neles a assustava. Mas aquilo era bobagem, pois ela estava com Rory, o homem que ela amava, que a amava...

- Rory, eu ia contar-lhe...

- Ia? E o que você tem para me contar, Vanessa? Alguma coisa sobre suas contas bancárias ou seu "coronel"? Ou, quem sabe, os dois? É dessa vida que você queria fugir para pensar?

- Coronel? Do que você está falando?

- Ah, você não sabe? Bem, está mais do que claro. Ou você é uma moça de classe média que teve a sorte de encontrar um velho rico que a sustenta e com quem você dorme, ou então você é uma moça rica, que vive às próprias custas, mas que dorme com velhos sujos, de qualquer maneira.

- Eu não estou entendendo, Rory. Que negócio é esse de velho rico? - Por mais que ela se esforçasse, não conseguia entender o que ele queria dizer.

- Não me venha com essa, Vanessa. Como foi que ele a chamou? "Minha bonequinha", não foi? E ele disse que você tem classe. Ele gosta de classe, pelo menos é o que ele diz.

Vanessa olhou horrorizada para ele. Ele estava pensando que o pai dela... Rory estava mesmo pensando que o pai dela...

- Oh! - exclamou, atirando o vinho no rosto dele.

- Oh, eu odeio você! - Assim dizendo, desceu correndo a escada e desapareceu na escuridão da noite.

 

Vanessa correu até o estacionamento, com as lágrimas escorrendo pelo rosto, ouvindo ao longe o som dos passos de Rory, que vinha em seu encalço. Enxugando o rosto com as mãos enquanto corria, foi direto para o Rolls-Royce do pai. Deu um dólar ao guarda que estava tomando conta dos carros e pediu-lhe que avisasse a seu pai que tinha levado o carro porque não estava passando bem.

Entrou no automóvel, fechou a porta, e só então pôde respirar. Logo em seguida Rory surgiu ao lado do carro e segurou na maçaneta. com a mão trêmula, Vanessa colocou a chave na ignição e deu a partida.

- Vanessa - gritou Rory. - Abra a porta.

Ela enxugou as lágrimas dos olhos e continuou olhando para frente. Não queria olhar para ele. Estava com ódio dele. Como ele podia ter dito uma coisa daquelas a seu respeito? Como podia pensar aquilo dela?

- Vanessa, por favor, abra. - Rory estava batendo na janela.

Ela olhou furtivamente para ele e viu que estava muito irritado.

- Vanessa, abra esta porta, pelo amor de Deus, e deixe-me falar com você.

- Nós não temos nada para falar, Rory.

- Vanessa, eu percebi que... - Interrompeu a frase e ficou olhando para ela com ar frustrado.

- Eu já entendi. Você percebeu que não me ama mais, é isso? - Ela falou com frieza, terminando a frase que ele deixara inacabada.

- Por Deus, Vanessa. Abra esta maldita porta e deixe-me conversar com você.

Engatando a marcha, Vanessa colocou o carro em movimento, enquanto Rory ia andando ao lado, pedindo-lhe para abrir a porta para que ele pudesse entrar.

- Não temos mais nada para conversar, Rory - disse ela, sentindo-se mais segura. Ela precisava ir embora. Precisava de tempo para pensar.

Rory continuou a correr ao lado do carro, batendo na janela, mas precisou parar quando um táxi veio em sentido contrário, pois as alamedas do clube eram estreitas. Pelo espelho retrovisor, Vanessa o viu entrando no táxi, que logo fez a volta para segui-la.

Na saída do clube, ela teve que ficar esperando o trânsito diminuir para poder entrar na rua. Agora estava mais calma, mais controlada, e não estava mais chorando. Dando uma olhada maliciosa para o táxi, entrou na rua cantando pneus.

- Quero ver se você me pega - murmurou, pisando fundo no acelerador.

Mas o táxi não descolava dela, mesmo depois que começou a atravessar sinais fechados. De repente, percebeu que estava gostando daquilo - aquela corrida maluca pelas ruas de Boston era exatamente o que ela estava precisando para descarregar sua tensão. Olhando pelo espelho retrovisor, viu que o táxi continuava a segui-la e eles já estavam bem perto da casa dela.

Quando chegou diante da rua onde morava, Vanessa parou porque precisava dobrar à esquerda, e havia uma fila de carros na direção oposta. Assim que surgiu uma pequena brecha entre os carros, ela acelerou e entrou, enquanto o táxi em que Rory estava teve que esperar a fila acabar.

Chegando em casa, parou junto ao meio-fio, desceu correndo do carro e subiu pelo arenito, chegando à porta da frente. Seus dedos tremiam enquanto ela tentava enfiar a chave no buraco da fechadura. Olhando para trás, viu que o táxi estava se aproximando.

- Droga! - resmungou. - Mas que droga! - Sua mão tremia tanto que ela não conseguia acertar no buraco da fechadura.

O táxi parou, a porta traseira abriu e Rory saiu como uma bala.

- Ei! - gritou o motorista, colocando a cabeça para fora da janela. - Você precisa me pagar a corrida!

- Espere aí - gritou Rory, enquanto corria. - Eu lhe pago assim que terminar.

Naquele exato momento, a chave entrou na fechadura, a enorme porta se abriu e Vanessa entrou, batendo a porta atrás de si. Tremendo sem parar, encostou-se na porta e, respirando fundo, fechou os olhos. Mas logo os abriu

quando ouviu Rory bater na porta.

- Vanessa! Abra a porta!

Ela mordeu o lábio, sem saber se deveria responder ou ficar calada, esperando que ele fosse embora. Espiando pela janela, viu a luz da varanda da casa em frente se acender.

- Rory - gritou, voltando para a porta. - Vá embora. Eu não quero falar com você.

- Pare com isso, Vanessa. Abra a porta!

- Não!

- Abra! Eu não vou sair daqui enquanto você não abrir esta maldita porta! - gritou, batendo na porta com os punhos cerrados.

Vanessa virou os olhos e encostou-se na porta, sentindo-se derrotada. Ela nem ficou muito espantada ao ver a luz se acender e Blodgett aparecer, vestindo um velho penhoar, com o cabelo todo enrolado em bobbies e trazendo na mão um atiçador de lareira.

- Srta. Vanessa- sussurrou ela, arregalando os olhos. - É um ladrão?

Vanessa precisou segurar o riso. Aquilo era realmente absurdo. Essas coisas aconteciam nos filmes, não na vida real.

- Não, Blodgett. É o homem que eu amo.

As sobrancelhas de Blodgett subiram tanto que quase chegaram à raiz do cabelo.

- Bem, então não sei por que você não o deixa entrar, já que você o ama. Ou será que é uma brincadeira? É esconde-esconde?

Desta vez, Vanessa riu.

- Não, não é uma brincadeira. É que nós tivemos uma briga.

As pancadas na porta aumentaram.

- Vanessa! Eu vou arrombar esta porta! Abra!

- Vá embora, Rory! Eu não quero falar com você.

- Eu vou acampar aqui se for preciso - gritou ele em resposta.

Ela foi mais uma vez até a janela e viu que mais duas casas tinham acendido as luzes.

- Rory, já chega! Saia daqui antes que os vizinhos chamem a polícia.

- Pois que chamem!

- Você vai ser preso por perturbar a paz.

- Por mim, tudo bem.

Vanessa continuou parada, sem saber o que fazer. Ela não podia deixá-lo entrar; não podia! As batidas recomeçaram e ela fechou os olhos, colocando a mão na testa. Sentiu que estava prestes a ter uma violenta dor de cabeça. Pensando bem, por que não deixá-lo entrar? O que ele poderia fazer além de conversar com ela? Poderia lhe dizer que não a amava, que ela não era a mulher que ele pensou que fosse, que era uma mentirosa, uma fingida?

Olhou para Blodgett, que continuava a postos com o atiçador nas mãos e colocou a mão na maçaneta da porta.

Era melhor acabar logo com aquilo. Afinal de contas, ela já sabia que tudo terminaria quando eles voltassem a Boston, que era apenas uma questão de tempo. Criando coragem, abriu uma fresta na porta.

- Vanessa? - perguntou ele.

- Sim, Rory - disse ela, acabando de abrir a porta, e sentindo uma grande calma envolvê-la. Olhou para as casas todas acesas do outro lado da rua e forçou um sorriso zombeteiro: - Espero que meu pai não fique sabendo disso. Os vizinhos devem estar horrorizados... - Olhando para Rory, viu que ele estava realmente diferente sem a barba. Estava até mais bonito.

- Vanessa, precisamos conversar.

Ela concordou com um aceno de cabeça. Ele já estava entrando na casa, quando ouviu o motorista, que estava saindo do carro, gritar:

- Ei! E o meu dinheiro?

- Ah, sim. - disse Rory, tirando a carteira do bolso traseiro da calça. Vanessa também parou para esperar.

O motorista parou ao pé da escada que dava para a varanda, com o boné puxado para trás e uma expressão de indignação no rosto.

- É isso mesmo - disse ele. - Nós rodamos uns trinta quilômetros esta noite.

- Não me venha com essa - disse Vanessa, com ar de desdém. - O clube de golfe fica a uns quinze quilômetros daqui.

- É, mas o taxímetro estava ligado o tempo todo, enquanto o seu apaixonado estava esmurrando a porta.

- Quanto é? - perguntou Rory.

- Vinte e cinco dólares.

Rory começou a contar o dinheiro e Vanessa percebeu que alguma coisa estava errada quando ele começou a contar o dinheiro pela terceira vez. Finalmente, ele disse: - Eu só tenho dezenove dólares.

Com um suspiro exagerado, Vanessa pegou a bolsa na mesa do hall, tirou a carteira e entregou uma nota de dez dólares ao motorista.

- Aqui está, e pode ficar com o troco. - Quando já ia entrando, voltou-se e falou: - Ah, a propósito...

O motorista, que agora sorria com a maior amabilidade, enfiou as notas no bolso e respondeu:

- Pois não, senhora.

- Você dirige muito bem.

- A senhora também. - E voltou para o seu táxi. Em seguida, Vanessa entrou em casa, seguida de Rory,

que fechou a porta atrás de si. Os três ficaram se olhando: Blodgett segurando o atiçador numa atitude agressiva, Vanessa com os olhos pregados em Rory, e este olhando alternadamente para Vanessa e para Blodgett.

Vanessa achou que precisava assumir o controle da situação. Usando sua grande experiência em ocasiões sociais, disse:

- Rory, esta é Blodgett. Blodgett, este é Rory McGee. Imediatamente, Blodgett escondeu o atiçador atrás de

si e acenou com a cabeça num cumprimento formal. Seu gesto foi tão correto que a cena ficou ridícula diante do estado em que Blodgett se encontrava, de penhoar e bobbies. Vanessa precisou controlar-se para não cair na risada.

Rory sorriu para Blodgett e voltou um olhar sério para Vanessa, que logo percebeu que o que ia acontecer não era nada engraçado. Girando sobre os calcanhares, ela se dirigiu para o estúdio.

- Blodgett - disse, por cima do ombro. -É só. Pode voltar para a cama.

- Sim, srta. Vanessa. - E voltou para o seu quarto, no fundo da casa.

Parando na porta do estúdio, com a mão na maçaneta, Vanessa olhou para Rory, que não tinha saído do lugar.

- E então? Você não vai entrar? Ou temos que discutir nossos problemas no hall?

Ele a olhou por algum tempo, finalmente entrou e fechou a porta. Vanessa foi até o bar e serviu-se de conhaque. Rory aproximou-se dela.

- Conhaque? - perguntou Vanessa, num tom esnobe.

- Não, obrigado. Um uísque, se você tiver. Duplo. Vanessa serviu-lhe um uísque e ficou olhando enquanto

ele tomava metade da dose de um gole só. Ele fechou os olhos e comprimiu os lábios, enquanto seu corpo estremecia com o impacto da bebida.

- Parece que você estava precisando disso - disse Vanessa, levantando sua taça e tomando um pequeno gole. Percebeu que suas mãos estavam tremendo, e tratou de disfarçar. Colocando a taça sobre a mesa, cruzou os braços e levantou o queixo, numa atitude de desafio.

- Bem, sobre o que você queria conversar comigo? Rory estreitou os olhos, com ar ameaçador.

- Não comece com isso, Vanessa. Você sabe que eu não tolero quando você faz isso.

- Faço o quê?

- Age como uma borboleta da sociedade. Como se você estivesse vendo o mundo do alto de uma torre de marfim.

- Mas é isso mesmo que eu sou, Rory. Uma borboleta da sociedade. - com um gesto, mostrou o ambiente.

- E isto aqui é minha torre de marfim. Uma mansão, em Beacon Hill.

- Então era isso que você estava escondendo de mim. Por quê? Seu dinheiro é sujo?

- O dinheiro não é meu. É de meu pai.

- É a mesma coisa. - Passou nervosamente as mãos

pelo cabelo e olhou-a nos olhos. - Vanessa, por que não

me contou? Você é casada? Você é amante daquele velho?

Eu não me importo, eu continuo amando e querendo você

do mesmo jeito.

Ela ouviu as palavras dele com um misto de alegria e tristeza - alegria por ele ter dito que a amava e tristeza porque ele achava que ela podia ser uma mulher daquele tipo. Mas a tristeza logo se transformou em raiva.

- Tem certeza de que quer mercadoria suja, Rory?

- perguntou, desviando o olhar e pegando sua taça. Ela não estava mais tremendo, estava furiosamente calma. Queria magoá-lo tanto quanto ele a havia magoado.

- Vanessa - disse Rory, aproximando-se dela e tentando segurá-la pelo braço, mas sendo repelido. - Você pode imaginar como eu me senti ao vê-la naquele clube de elite?

- Você não pode ter ficado mais chocado do que eu ao vê-lo lá também.

- É claro que eu fiquei. Vanessa, eu sou um sujeito que trabalha de guia no verão para arranjar dinheiro para pagar parte da faculdade. Sim, porque a outra parte é paga por uma bolsa de estudos. Eu trabalho de garçom no bar para arrumar um pouco de dinheiro extra. - Ele parou, ofegante. - Portanto, você não pode ter ficado tão surpresa assim por me encontrar lá, pois, afinal, eu estava no lugar certo do balcão: servindo os ricos. Mas com você, a estória é diferente.

- Por que comigo é diferente? O que tem a minha estória de diferente?

- Vanessa, a mulher que eu encontrei no Maine era apenas uma pessoa comum. Ela estava com medo de fazer aquela excursão, mas levantou o queixo e foi fundo, determinada a vencer. Foi por essa mulher que eu me apaixonei, uma mulher agitada, assustada, carente. De vez em quando, aparecia uma outra mulher no lugar dela: uma mulher dura, do tipo "estou-pouco-me-importando", que se escondia atrás de uma fachada, com medo de se mostrar como realmente era. Esta outra mulher me irritava, pois, assim que a mulher verdadeira aparecia, ela ficava com medo e voltava correndo para a concha, tornando-se fria e distante. Totalmente inacessível.

- Então, você se apaixonou por uma ilusão, Rory McGee. Essa não sou eu. - Fez um gesto, mostrando o ambiente. - E é a isto aqui que eu estou acostumada.

- Ah, não, Vanessa. Você não me engana. Esta não é você. Esta é a máscara que você coloca em público.

- E quem está em público? Nós estamos a sós, num estúdio de uma mansão em Beacon Hill. O que tem isso de público?

- Ora, Vanessa, você sabe o que eu estou querendo dizer.

- Acho que não sei, não, Rory. Explique-me. Ele cerrou os punhos, irritado.

- Se você não descer desse seu pedestal, eu mesmo vou tirá-la.

- Ela cruzou os braços e sorriu friamente.

- Ah, é? E Como você faria isso, sr. McGee?

- Ainda não sei, srta. Hamilton, mas pode estar certa de que eu daria um jeito.

Ela notou a segurança na voz dele, a determinação expressa em seu rosto e começou a recuar.

- Rory - disse, e olhou para trás, vendo que estava se aproximando rapidamente da lareira, onde ficaria acuada. - O que pretende fazer? Me bater?

Ele parou e riu, achando graça do que ela havia dito.

- Por Deus, Vanessa, você acha que eu seria capaz de uma coisa dessas?

- Aí está, Rory. Nós não nos conhecemos mesmo. Tem muita coisa que eu não lhe contei e...

Rory cruzou os braços e ficou esperando.

- E o quê?

- E eu não conheço você direito.

- Na semana passada você me conhecia tão bem a ponto de dizer que me amava. - Ele sentou no braço do sofá e continuou com os braços cruzados. - E então? Isso não a preocupa?

Vanessa virou de costas para ele antes de responder.

- Não é isso que está em discussão, Rory.

- E o que é então?

- O que é? - gritou, voltando-se para ele. - O que é? Eu lhe digo o que está em discussão aqui: sua total e completa falta de confiança em mim!

- E como é que eu posso confiar em você, Vanessa? Você vai para o Maine, ficar no meio do mato, e me diz que é uma moça de classe média de Boston. Quando eu tento fazê-la falar sobre sua família e seus amigos, você se recusa. Quando você finalmente me diz que me ama, continua mantendo sua vida em segredo. Por quê? O que você está escondendo de mim? Você tem vergonha deste lugar por algum motivo? Você mora aqui com aquele velho?

A mágoa nos olhos dele só serviu para aumentar a raiva de Vanessa. Como ele se atrevia a acusá-la de ser amante de um velho! Dando novamente as costas para ele, ela lutava para não chorar. Ele jamais deveria saber quanto a magoara, pois ela não pretendia contar-lhe quem era o velho. Se ele a tinha em tão baixo conceito, que fosse para o inferno! Ela passaria sem ele.

- Vanessa, como é que você acha que eu me senti quando a vi parada no bar, onde eu estava servindo como empregado, falando com esnobismo de suas aventuras pelo Maine? E a sua aparência, então? Você parecia uma deusa. Intocável. Você parecia estar acima de todos os mortais daquela festa. E aí, quando aquele velho chegou e passou a mão pela sua cintura, chamando-a de sua bonequinha...

- Ele interrompeu a frase, com o rosto retorcido de dor.

- Oh, Deus, eu poderia tê-lo matado por tratá-la como se você fosse um brinquedinho, incapaz de raciocinar, e que estava lá simplesmente para servir de enfeite.

Vanessa levantou a cabeça e olhou para Rory. Estranho como ele conseguiu captar a atitude de seu pai tão depressa e com tanta precisão. Para o Grande Jack ela era mesmo apenas um enfeite.

Mas a onda de raiva logo voltou. Imagine, Rory achar que ela tinha realmente dormido com um homem que ela não amava - um homem que poderia ser o pai dela! Isso era imperdoável.

- Pois é - disse ela, com frieza. - Suponho que você ficou perturbado por achar que eu estava dormindo com aquele homem.

- Perturbado? Eu fiquei possesso! Eu queria matá-lo...

Ele interrompeu a frase quando a porta se abriu e Jack Hamilton entrou. Rory ficou petrificado, olhando alternadamente para o homem e para Vanessa.

Ela cruzou o olhar com o dele por alguns segundos e sorriu friamente. Agora ele ia saber quem era aquele homem e ela esperava que ele engasgasse com a descoberta. Seria bem feito!

- Rory McGee, quero que conheça Jack Hamilton. Papai, este é Rory McGee. Ele foi o guia que me acompanhou na viagem pelo Allagash.

Ela nem viu o pai estender a mão para cumprimentar Rory, nem ouviu as palavras que ele pronunciou durante o cumprimento. Seus olhos estavam pregados em Rory, que estava simplesmente petrificado, seu rosto a imagem da humilhação.

 

- Vanessa - disse Jack Hamilton, com uma expressão preocupada. - O guarda me disse que você não estava passando bem. O que você tem? - Ele estava confuso e olhava para ela e para Rory sem entender o que estava acontecendo.

- Eu estava com dor de cabeça, papai - disse Vanessa, sem tirar os olhos de Rory.

Em seus olhos cinzentos ele mostrava que reconhecia que a havia acusado injustamente. Vanessa achou que sentiria alegria e triunfo quando isso acontecesse, no entanto, o que ela sentiu foi vergonha. Desviou o olhar, não suportando mais ver a mágoa nos seus olhos. Onde estava o triunfo? Ela pensou que iria se deliciar com a sua humilhação, mas acabou sentindo um ligeiro mal-estar. No final, percebeu que não havia mentido para o pai - ela não estava mesmo passando bem.

- Espero que passe logo, Vanessa - disse-lhe o pai, indo até o bar, onde se serviu de brandy. Levantando a sobrancelha, perguntou: - E por que o sr. McGee está aqui? Foi ele quem lhe trouxe a dor de cabeça, ou veio tirá-la?

Vanessa desviou os olhos dos olhos matreiros do pai.

- O sr. McGee... Rory... veio me entregar uma coisa que eu havia esquecido no Maine. - Forçou um sorriso, sentindo-se aliviada por ter conseguido inventar uma desculpa plausível. - Ele já estava de saída. - Voltando-se para Rory, lançou-lhe um olhar gelado. - Não estava, sr. McGee?

Ele a olhou de tal maneira que por um segundo achou que ele iria contradizê-la. Mas logo em seguida, ela relaxou, pois ele assentiu, com uma fria expressão de civilidade no rosto.

- Sim, estava, Vanessa. - Depois de cumprimentar Jack Hamilton com um aceno de cabeça, dirigiu-se para a porta. Lá chegando, parou e voltou-se para Vanessa. - Você me acompanha até a porta?

Ela se sentiu tentada a recusar, mas seria uma infantilidade. Depois de hesitar, concordou.

- Claro. - E olhando para o pai, disse: - Volto num minuto, papai.

Ouvindo a própria voz, estremeceu. Por que ainda o chamava de papai? Era como se ainda fosse uma criança: jovem, inocente e dependente. Enquanto saía atrás de Rory, decidiu que daquele momento em diante o chamaria de pai. Bateu a porta atrás de si, como ratificando a sua decisão.

Mas logo voltou sua atenção para Rory. Ele continuava a olhá-la com os olhos cheios de remorso, e ela não podia agüentar aquilo. Buscou, como sempre, refúgio na frieza.

- Vanessa - disse ele. - Meu Deus, me desculpe. Eu não sabia. Eu pensei...

- Não quero ouvir nada, Rory - disse secamente, levantando o queixo. Foi até a mesa do hall, pegou sua carteira, de onde tirou uma nota de vinte dólares, e estendeu-a para Rory, dizendo: - Pegue isto. Dá para pagar um táxi até sua casa. Eu... eu suponho que você tenha perdido seu emprego de garçom de bar.

- Suponho que sim. - Ele não se mostrava preocupado.

Ela criou coragem e o olhou novamente. O seu rosto estava sério e o olhar mostrava preocupação. Ela sentiu uma dor no coração, mas reagiu e caminhou os últimos passos que a separavam da porta. Girou a maçaneta, e abriu-a.

- Boa noite, Rory.

- Vanessa...

- Eu disse boa noite! - disse ela, segurando o dinheiro diante dele. Aqui está. Pegue. Você gastou seu último dinheiro naquela corrida maluca de táxi.

- Eu gastaria até o meu último tostão seguindo-a todos os dias de minha vida, se fosse preciso.

Ela fechou os olhos por um instante. Não agüentava aquilo. Seu coração estava se partindo e o homem que amava queria conversar com ela, mas ela não podia. Não podia. Estava magoada e assustada e precisava de tempo para pensar. Precisava descobrir onde tinha errado, o que tinha feito com que sua felicidade com Rory desmoronasse.

- Vanessa, eu preciso conversar com você. Ela o olhou com uma infinita tristeza nos olhos.

- Por favor, Rory, vá embora. Ele hesitou e depois foi até a porta.

- Eu telefono amanhã.

- Olhe aqui, você vai precisar disto - disse ela, estendendo-lhe o dinheiro.

- Eu não preciso de seu dinheiro, Vanessa. Preciso de seu amor. - E, saindo, bateu a porta atrás de si.

Ela encostou-se na porta, com as lágrimas escorrendo dos olhos. Agora podia baixar sua defesa, podia chorar à vontade. Mas, naquele momento, a porta do estúdio se abriu e seu pai apareceu.

- Vanessa, eu gostaria de uma explicação, por favor.

Ela o olhou e sentiu alguma coisa arrebentando por dentro. As lágrimas desapareceram instantaneamente e foram substituídas por um grande sentimento de raiva. Endireitando os ombros, foi ao encontro do pai.

- Sim, pai - disse com raiva contida na voz. - Eu também gostaria de uma explicação.

Entrou no estúdio e bateu a porta. O silêncio era tão intenso que ela podia ouvir o tique-taque do relógio que ficava no canto. Seu pai foi até o bar e serviu-se de mais uma dose de brandy.

- Brandy? - perguntou ele.

- Não, obrigada.

- Um pouco de conhaque, talvez?

- Não.

Ele tomou um pouco de brandy, olhando-a por cima da borda do copo e em seguida sentou-se, colocando-o sobre a mesa.

- Agora me diga: o que está acontecendo?

Ela sabia o que ele queria dizer, mas não pretendia dar-lhe a satisfação de lhe contar. - Acontecendo com quem, pai? - E desde quando você me chama de pai? - Desde hoje à noite.

Ele acenou com a cabeça e cruzou as mãos, apoiando os cotovelos nos braços da poltrona de couro.

- Pelo jeito, você teve um caso com esse tal de McGee. Espero que tenha percebido a tempo o erro que estava cometendo e terminado com tudo.

Como ela queria ter coragem para desafiar seu pai.

Atirar-lhe na cara que amava Rory, que ia se casar com ele.

Mas não podia. O amor que existia entre ela e Rory estava perdido para sempre. Não haveria mais futuro para eles,

não haveria mais estrelas cadentes para fazer pedidos. Levantando o queixo, fitou o pai com olhos gelados.

- O que eu faço, e com quem faço, é problema única e exclusivamente meu, pai. Eu não admito mais que você interfira.

- Interferir? Ele riu. - Minha querida Vanessa, como foi que eu interferi? Fiquei aqui, longe de vocês, enquanto se despediam. Acho até que fui muito discreto.

Ela começou a sentir a raiva sendo substituída pelo cansaço. Aquele homem não tinha mesmo jeito. Era o seu pai, e ela o amava, mas ele não tinha a menor idéia do que ela precisava dele.

Suspirando fundo, Vanessa acomodou-se numa poltrona e começou a apertar a testa.

- Eu estou com uma dor de cabeça de rachar.

Ela não viu a preocupação nos olhos do pai, que se inclinou para frente, como se fosse tocá-la, mas depois mudou de idéia e voltou a reclinar-se na poltrona.

- Por que não toma uma aspirina?

- Só se eu tomar um vidro inteiro.

- Mas isso me parece demais para uma simples dor de cabeça.

Ela não achou graça. Não havia nada para achar graça. Havia, isso sim, muita coisa para chorar. Mas isso podia esperar, uma vez que ela tinha outras coisas para fazer. As lágrimas eram o último item em sua agenda, e ela só permitiria que elas viessem na privacidade de seu quarto.

Vanessa olhou o pai nos olhos.

- Eu vou sair de casa, pai.

Ele levantou as sobrancelhas e pareceu considerar aquilo por alguns segundos.

- Entendo. - Pegando o copo, deu mais um gole.

- Quando?

- Logo - disse, encolhendo os ombros. - Pode ser até amanhã, se eu conseguir, mas o mais provável é que seja na semana que vem, depois que eu tiver arrumado um quarto.

- Você já escolheu o bairro? Eu posso pedir para que nossa imobiliária providenci um lugar adequado para você.

Ela fechou os olhos e recostou a cabeça no espaldar da poltrona. Oh, céus, ele estava fazendo a mesma coisa de novo - assumindo o controle como se ela fosse incapaz de tomar qualquer decisão.

- Eu não preciso da sua ajuda, pai. vou fazer isso sozinha.

- Está certo, eu entendo. - Cruzando novamente as mãos, encostou-as nos lábios enquanto pensava no que iria dizer. - Você continuará na empresa, é claro.

Ela sacudiu a cabeça.

- Não. vou arranjar o emprego que eu quiser, e não aquele que você acha que é melhor para mim.

- Ah. - Ele assentiu, olhando para o teto. Talvez tentasse descobrir o que havia deixado sua filha única revoltada. Olhou-a novamente e sorriu. - E exatamente o que você vai fazer, Vanessa?

Ela apertou os olhos diante da horrível dor de cabeça.

- Não sei. vou me candidatar para uma vaga na faculdade de Assistência Social. Até lá, vou tentar arranjar um emprego numa clínica ou numa associação desse tipo. Quero trabalhar com crianças. Crianças carentes.

- Crianças carentes. E por que você acha que escolheu isso?

- Não tenho a menor idéia. Só sei que é o que quero fazer. - Sorriu com amargura. - Acho que é bem mais válido do que ficar sentada no escritório, toda arrumada, servindo de enfeite.

O pai fez um trejeito com os lábios e inclinou-se para frente.

- Isso me parece uma ambição admirável, Vanessa. Eu lhe desejo uma boa sorte.

Ela ficou espantada.

- Você não está zangado?

- E por que ficaria? Minha filha finalmente criou coragem para me enfrentar e fazer o que quer. Acho que isso merece uma comemoração.

Ela ficou olhando para o pai, admirada.

- O que você quer dizer?

- Simplesmente, estou satisfeito por ver que você resolveu assumir uma posição na vida. Isso é muito bom. Sorriu. - E fica muito melhor para a filha do Grande Jack Hamilton.

Ela sentiu a raiva voltar, esquecendo completamente a dor de cabeça.

- Você agora vai querer me dizer que o tempo todo esteve esperando que eu... - Levantando-se começou a andar de um lado para outro. - Eu Finalmente enfrentei você e agora você quer me tirar a vitória? Você está torcendo os fatos, tentando fazer parecer que era isso mesmo que você queria o tempo todo. - Vanessa cerrou os punhos, louca de vontade de chorar, gritar, atirar coisas pela sala.

Mas, controlando-se, deu um suspiro, fechou os olhos e ficou massageando as têmporas. Que importância tinha aquilo? A única coisa que importava era que ela tinha criado coragem para desafiar o pai. Se era isso que ele queria, não tinha importância.

Abrindo os olhos, olhou novamente para o pai. Ele continuava na poltrona, com os olhos muito tristes. De repente, levantou-se e se aproximou dela.

- Acho que você passou por uns maus bocados, Vanessa. Eu sou um homem duro, e nunca soube como devia agir com você. Sempre a tratei mais como cliente ou funcionária, do que como uma filha querida. Eu tenho a impressão de que você cresceu muito hoje, nesta sala. - Fez uma pausa e continuou. - Mas o crescimento implica em muita dor, Vanessa. Eu gostaria de poder impedir que isso acontecesse, mas não posso. A única coisa que posso fazer é ficar sentado quieto, só observando. E deixar que você saiba que eu a amo muito.

Ele pegou rapidamente o copo de brandy e deu um grande gole. Segurou o copo no ar, examinando-o, como se procurasse por algum defeito.

- Eu só quero que você saiba que estou muito orgulhoso de você, Vanessa. Muito orgulhoso mesmo. - E colocando o copo na mesa, caminhou até a porta. Sem dizer mais nada, abriu a porta e saiu, fechando-a atrás de si.

Vanessa ficou parada, escutando o barulho dos seus passos no corredor. Em seguida, afundou na poltrona e ficou olhando para o desenho do tapete persa. Mas que estranho. Ele a amava e estava orgulhoso dela. Foi isso que ele disse - muito orgulhoso. E durante todos aqueles anos, ela pensou que ele não a amasse.

Continuou olhando para o tapete, aparentemente interessada no seu desenho intrincado. De repente, sua vista ficou turva. O desenho se desmanchou num borrão e Vanessa começou a chorar como se o próprio mundo estivesse morrendo...

Ela encontrou um apartamento no último andar de um prédio de três andares numa rua movimentada de Boston, onde as crianças jogavam taco e gritavam para os carros que passavam. O apartamento era muito quente no verão, e ela calculou que deveria ser gelado no inverno. Tinha um velho aquecimento central, uma geladeira que roncava, um fogão de duas bocas que não funcionava, e um banheiro cuja descarga estava encrencada. Vanessa achou que poderia ter encontrado algo melhor, mas agora ela estava vivendo do dinheiro que tinha no banco - os salários que tinha recebido durante quatro anos e que nunca tinha usado.

Arrumou emprego na secretaria de uma creche. As crianças eram encardidas e suas roupas eram sujas e rasgadas, mas ela as amava. No começo, não tinha muito contato com elas porque seu trabalho era burocrático, mas ela as incentivava a irem até sua mesa para pedir papel e lápis. Além disso, deixava um grande vidro cheio de balas sobre sua mesa, e isso fez com que as crianças se amontoassem em torno dela. Em menos de um mês, ela conhecia todas pelo nome e sentia o coração encher-se de ternura quando conversava com elas. Algumas contavam estórias sobre pais bêbados e mães que as espancavam e Vanessa procurava ser ainda mais carinhosa com elas. Ela, que tinha crescido sentindo a falta de amor materno e paterno, sabia exatamente do que aquelas crianças precisavam. E ela lhes dava muito amor, pois, desde que conhecera Rory, parecia que um reservatório de amor havia se aberto dentro dela e, por mais que jorrasse, sempre continuava cheio.

Mas à noite, em seu pequeno apartamento, ela vivia das lembranças. Ficava sentada numa poltrona com as molas quebradas, lembrando-se daqueles dias maravilhosos no Allagash, e seus olhos se enchiam de lágrimas. Por isso, durante o dia, ela se atirava de cabeça no trabalho, procurando mais serviço, maiores responsabilidades, qualquer coisa para mantê-la ocupada.

Matriculou-se num curso de assistência social e passava as noites estudando, depois das aulas, para não ficar pensando em Rory.

Mas, por mais que ela conseguisse evitar seus pensamentos enquanto estava acordada, não podia de maneira alguma controlar seus sonhos durante a noite. Era como se o seu subconsciente estivesse brincando com ela, apresentando uma série de sonhos coloridos que a acordavam no meio da noite. Ficava deitada na cama estreita, relembrando tudo que tinha acontecido no Allagash e, em seguida, recordava a noite no clube de golfe, revivendo-a noite após noite.

Aos poucos, chegou a uma conclusão: tinha sido uma tola e a culpa era toda dela. Mas o que adiantava agora descobrir o culpado, se tudo estava acabado entre ela e Rory? Não havia esperança para eles. Vanessa já havia percebido isso no Maine, mas preferiu fechar os olhos e torcer para que o amor deles sobrevivesse depois que voltassem a Boston.

Mas isso não aconteceu, nem poderia. Ela já tinha estragado tudo desde o começo, quando mentiu a Rory, dizendo que era uma moça de classe média, mantendo em segredo sua posição social e seu dinheiro.

Agora compreendia que a relação deles não havia sido construída sobre uma base de honestidade e confiança; era, isso sim, uma frágil parede de silêncio, medo e desconfiança. Como ela tinha sido boba!

Será que poderia procurá-lo agora? Naquela noite, quando ele saiu da casa de seu pai, disse que a amava. Mas, será que ainda a amava? Será que ainda a queria ou lhe viraria as costas? Será que eles ainda podiam recomeçar, construir seu amor, desta vez sobre uma base de honestidade, confiança e fé?

Na dúvida quanto às respostas, Vanessa não fazia nada. Todas as manhãs, arrumava-se e ia a pé para o trabalho, onde passava o dia inteiro escrevendo à máquina, telefonando e roubando alguns momentos para brincar com as crianças.

Já estava vivendo sozinha há aproximadamente dois meses, quando seu pai telefonou para a creche.

- Você continua nesse trabalho ridículo? - perguntou.

Ela sorriu. Agora sabia que aquilo era uma brincadeira dele. Por trás daquele jeito cínico e dominador, havia um pai amoroso, e ela estava feliz por saber disso.

- Não é um trabalho ridículo, pai. É até muito interessante. Dez vezes mais interessante que aquele trabalho bobo que eu fazia na sua empresa.

- Bem, não tem importância - resmungou. - Eu estou telefonando para convidá-la para jantar comigo lá em casa, neste fim de semana. Estou com saudades de você. Aquela sala de jantar mais parece um necrotério.

Ela sentiu o coração se encher de ternura por saber que ele sentia saudades dela. Durante tantos anos achou que ele nem notava que ela existia quando eles comiam na suntuosa sala de jantar.

- É claro que vou - respondeu Vanessa, rabiscando uma folha de papel. - Obrigada por me convidar.

- Bem, como me parece que você está conseguindo se virar sozinha, achei melhor fumar o cachimbo da paz com você e convidá-la para jantar comigo de vez em quando. Porque, pelo jeito, você nunca vai me convidar para ir a sua casa.

- E você viria? - disse ela, rindo. - Você ganha mais em um mês do que meus vizinhos ganham em um ano.

- Visitar bairros pobres não faz mal a ninguém. Ela riu de novo.

- Puxa vida, você não vale nada mesmo!

- É isso que eu quero que as pessoas pensem - disse ele, rindo. - Melhora minha imagem como um poderoso homem de negócios.

- Quando você quer que eu vá?

- Domingo, a uma. Primeiro, vamos tomar um aperitivo, depois deixaremos que a velha Blodgett nos sirva com toda a pompa na sala de jantar.

- Ah, e como é que ela está, falando nisso?

- A mesma megera de sempre. A única mulher no mundo que me deixa aterrorizado só de olhar para mim. Juro que assim que ponho os pés em casa, viro um anjo. Ela faz questão disso.

Enquanto Vanessa ria, sua supervisora colocou uma carta sobre sua mesa.

- Agora preciso desligar, pai. Tenho um trabalho a fazer.

- Já está na hora mesmo. Então, até domingo.

- Até domingo, pai. - Desligou o telefone, pegou a carta, e trabalhou firme pelo resto do dia.

O dia estava bastante frio no domingo. O mês de novembro já estava chegando ao fim e as árvores estavam quase sem folhas. Um vento frio cortava as ruas de Boston e os pedestres passavam apressados, segurando seus chapéus ou apertando os sobretudos contra o corpo para se esquentarem. Vanessa estacionou diante da casa do pai, lembrando-se de outra vez em que havia estacionado o carro exatamente naquele mesmo lugar - o dia em que fugira de Rory. Aquilo tinha sido no começo de setembro, numa noite de verão, e ela pensava que tinha o mundo na palma da mão.

Sacudindo a cabeça para afastar os pensamentos tristes, subiu os degraus, chegando à impressionante porta da frente. A maçaneta e a fechadura brilhavam, a casa inteira tinha um aspecto de riqueza. Colocando a chave, abriu a porta e entrou, sentindo o cabelo revirar com uma lufada de vento.

Assim que fechou a porta da frente, a do estúdio se abriu e seu pai apareceu, segurando o charuto em uma das mãos e um copo na outra.

- Está atrasada - disse ele, de mau humor. - Estou entufado de queijo e torradas.

- Deixe espaço para o almoço, papai - disse Vanessa, ficando na ponta dos pés para beijá-lo.

- Ah, agora já é "papai" de novo, é?

- Só quando não estou zangada com você.

Ele esticou o braço, indicando-lhe para entrar no estúdio. A lareira estava acesa e ela foi aquecer as mãos junto ao fogo.

- Então? - disse o pai, enquanto preparava-lhe um aperitivo. - Pelo que eu vejo, você está feliz.

O sorriso dela desapareceu. Pegou seu copo e deu um gole.

- Diante das circunstâncias, eu estou feliz na medida do possível.

- Que circunstâncias?

- O fato de eu viver sozinha.

- Ora, minha filha, se você está sentindo solidão, volte para cá!

Ela sacudiu a cabeça.

- Não, papai. Já estava mais do que na hora de eu sair. Eu estava precisando.

- Hmmm - disse ele, com os olhos fixos no fogo, o charuto preso entre os dentes. Olhou para Vanessa, como se quisesse dizer alguma coisa, em seguida enfiou a mão no bolso, tirando um pedaço de papel.

- Tenho um recado para você. O sujeito passa por aqui todo dia.

Vanessa sentiu o coração parar e depois começar a bater como um tambor dentro do peito. Virando a cabeça, olhou para o pai.

- Quem?

- McGee - disse ele, entregando-lhe o papel.

O nome dele estava rabiscado com letras grandes no papel: "Rory McGee". Logo embaixo, havia um endereço e um número de telefone. E só.

- E então? - A voz do pai chegou a assustá-la. Vanessa amassou o papel e já ia jogá-lo no fogo, quando o pai a impediu.

- Não adianta, Vanessa. Seria um belo gesto dramático, mas eu tenho dúzias de papéis iguais a esse na minha escrivaninha. Ele passa aqui todos os dias e deixa um com Blodgett, que o convida para entrar e tomar chá.

- Chá?

- Chá com limão.

Vanessa não pôde deixar de sorrir. Que coisa mais ridícula, chá com Blodgett. E todos os dias! Balançando a cabeça, acabou guardando o papel no bolso.

O pai a observava com atenção, sentando-se em sua poltrona favorita.

- De vez em quando ele vem conversar comigo também.

Espantada, Vanessa virou-se para olhá-lo. Seu rosto estava queimando. Provavelmente era por causa da lareira acesa.

- É mesmo? Você está falando de Rory?

O pai assentiu, colocou o charuto na boca e deu uma baforada.

- É um rapaz interessante. Vanessa sentou-se lentamente no sofá.

- Você está falando de Rory?

- Pelo amor de Deus, Vanessa. De quem mais eu estaria falando?

Ela enfiou a mão no bolso e ficou mexendo no papel.

- Como está ele? - perguntou, fingindo desinteresse.

- Como era de se esperar, diante das circunstâncias.

- Diante das circunstâncias? - Ela olhou para o pai e pela primeira vez notou as rugas em seu rosto. Precisava visitá-lo mais vezes; ele estava envelhecendo.

- Sim.

Vanessa cerrou os punhos. Como aquele velho conseguia ser tão insuportável!

- Que circunstâncias, pai?

- Ah, agora já é "pai" de novo? - Sorrindo, deu mais uma tragada no charuto.

Respirando fundo para se acalmar, ela inclinou-se para frente no sofá.

- Como ele está? Está bem?

- Não.

Sentiu o coração parar de novo. Droga. Isso sempre acontecia quando se tratava de Rory.

- Qual é o problema? - Seus olhos mostravam preocupação.

- Quer dizer que você está preocupada?

- Claro que estou preocupada! Eu o amo!

- Você tem um jeito muito esquisito de demonstrar seu amor...

Ela abaixou os olhos e alisou a saia escocesa que estava usando. O que podia dizer? Ele estava dizendo a verdade. Era mesmo um jeito muito esquisito de demonstrar amor.

- Como ele está? Você disse que ele não está bem?

- Eu não disse isso. Eu disse que havia um problema. O rapaz está apaixonado por você, mas se recusa a procurá-la. Eu lhe dei o seu endereço mais de dez vezes, dei o telefone de seu trabalho, fiz de tudo para que ele fosse procurá-la, mas ele se recusa.

- Mas se ele diz que me ama...

- Ele está cismado que tem que descobrir se você realmente o ama. - Deu um gole na bebida. - Eu lhe disse para não contar muito com isso.

Vanessa levantou-se como uma bala.

- Você não fez isso!

- Fiz.

- Oh? - Ela sacudia os punhos cerrados diante do pai. - Eu tenho vontade de... de...

- Eu sei. De me matar, ou qualquer outra bobagem dessas.

- Não é bobagem! - exclamou, e foi até a lareira, onde ficou olhando para as chamas e debatendo consigo mesma: ela tinha todas as razões do mundo para estar zangada com o pai. Ela não tinha nenhuma razão. Ela o odiava. Ela o amava. Ele estava tentando destruir a sua felicidade. Ele estava fazendo de tudo para arrumar a situação.

Subitamente, Vanessa percebeu como estava sendo tola. Ela amava Rory de todo coração. E se era verdade que ele a amava...

Mas, e se não fosse? Então, por que ele vinha todos os dias? Porque queria se vingar dela por ter dado o fora nele. Boba. Não quer arranjar outra desculpa para conservar seu orgulho intato? Ela entendeu de repente qual era o problema: era o orgulho que não a deixava aproximar-se de Rory. Estava errada e sabia disso, mas não podia admitir, não podia ceder.

Voltou-se para o pai.

- Ele vem todos os dias? Até no domingo?

- Principalmente no domingo. Vanessa aproximou-se do pai e o beijou.

- Eu amo você, pai.

- "Pai"? Está zangada comigo de novo?

- Não. Mas eu não sou mais criança.

- Tem razão. Não é mesmo. - Olhou para o relógio e se levantou da poltrona. - Ele deve estar chegando. vou subir para tirar um cochilo.

- Você não vai almoçar?

- Eu comi um sanduíche agora há pouco. Usei o almoço como desculpa para trazê-la para cá.

- Você é um farsante, sr. Hamilton.

- Resultado de longos anos de prática. - Quando ele se virou para sair, ela o segurou.

- Pai...

- Hmmm?

- Você gosta de Rory? Quero dizer... Você não acha que ele pode estar interessado no meu dinheiro ou algo assim?

O pai de Vanessa franziu os lábios, ficando pensativo.

- Ele é teimoso como uma mula, quando tem que ser. Ele me enfrentou todas as vezes em que ameacei chamar a polícia. E eu tenho que respeitar isso, Vanessa, pois ele é tão duro e persistente quanto eu. E, olhe que isso não é fácil.

Como Vanessa não dissesse nada, ele encolheu os ombros e continuou:

- Eu não ligo para as idéias tolas que ele tem para a salvação do meio ambiente. Ele tentou até me dissuadir de investir na prospecção de petróleo em alto-mar. - O Grande Jack resmungou. - É bem provável que a gente acabe se enfrentando num tribunal. - Deu um suspiro e continuou. - Rory a ama, e parece que ele sabe o que é bom para você. Ele sabe que debaixo dessa superfície envernizada existe uma mulher carinhosa, amorosa. Agora, respondendo à sua pergunta, sim, eu acho que gosto dele, isto é, até onde posso gostar de um louco que despreza dinheiro.

Vanessa riu e abraçou o pai. Quando a campainha tocou, ela ficou petrificada.

- Agora, deixo tudo em suas mãos, Vanessa. Boa sorte. Espero que tudo dê certo. - E subiu para o seu quarto.

Vanessa ficou sozinha, tensa, e a campainha tocou de novo. Criou coragem, atravessou o hall e abriu a porta.

Rory estava de lado para a porta, com o cabelo jogado para trás pelo vento e a gola do casaco levantada para protegê-lo do frio. Quando ele virou a cabeça e viu que era ela, abriu um largo sorriso.

- Oi.

- Oi - respondeu ela, dando um passo para trás, segurando a porta. - É melhor entrar, McGee. Está muito frio aí fora.

- Boa idéia.

Vanessa fechou a porta atrás dele, sentindo o seu cheiro, uma mistura de fumo de cachimbo e colônia após-barba. Estendendo o braço, encaminhou-o para o estúdio.

- O que você vai tomar? Cherry? Bourbon? Ou, quem sabe, um chá?

Ele riu e sacudiu a cabeça.

- Não, o chá fica reservado para minhas visitas a Blodgett.

- Foi o que eu ouvi dizer. É disso que você gosta, não é? Bourbon?

Ele concordou com um aceno de cabeça e pegou o copo que ela lhe oferecia. Seus dedos se encontraram e os dois ficaram paralisados por alguns segundos, como que enfeitiçados, olhando-se nos olhos. Então, Rory colocou o copo sobre a mesa e Vanessa caiu em seus braços.

- Oh! - Fechando os olhos, ela o abraçou, sentindo aquele corpo adorado novamente em seus braços. - Meu Deus, que saudade eu tive de você!

Ele não parava de beijá-la em todas as partes do rosto

- na boca, na têmpora, nas pálpebras, e murmurava em seu ouvido:

- Vanessa... Vanessa...

Finalmente ela soltou-se de seus braços e colocou a mão em seu rosto, perguntando:

- Você me perdoa?

- Não há nada a perdoar.

Caminhando pela sala e esfregando os braços, como se estivesse sentindo frio, ela continuou:

- Como você pode dizer uma coisa dessas? Eu fui uma "idiota, Rory. Perdoe-me, por favor. Eu o amo tanto.

- É só isso que importa.

- Não. Não é. - Mordeu o lábio, sem saber como começar. Mas ela tinha que dizer-lhe tudo, de qualquer maneira.

- Quando fui para o Maine, Rory, eu queria fugir. Toda a minha vida achei que ninguém me amava. Eu pensava que os homens só gostavam de mim por causa da minha aparência e do meu dinheiro, mas não pelo que eu era. Queria deixar minha posição social em Boston e passar quinze dias sendo apenas eu mesma, Vanessa Hamilton. Não pretendia me apaixonar por você. Para falar a verdade, eu nem gostei de você no começo. Você era duro e um tanto quanto dominador, exatamente como meu pai, e eu tinha ido para o Maine para fugir daquilo tudo. Mas acho que me apaixonei por você à primeira vista, só que me recusava a admitir o fato.

Ela parou de andar pela sala e se aproximou de Rory.

- Você queria que eu lhe contasse sobre minha família, mas eu não podia, porque senão você saberia que eu tinha mentido antes. Fiquei de boca fechada e fui me apaixonando cada vez mais por você. Mais tarde, você me tocou mas não quis fazer amor comigo. O que você queria, Rory?

- Seu amor, Vanessa. Todo esse amor que você guardou durante toda sua vida. Por um momento achei que jamais iria consegui-lo, mas na noite em que eu ia desistir, você se declarou.

- Oh, Rory... Você é tudo que sempre quis, mas eu tinha tanto medo... Pensava que iria fazer papel de boba quando lhe dissesse que o amava.

- Quando isso era tudo que eu queria; que você libertasse todo o amor que tinha preso dentro de si.

- E depois você me viu no clube de golfe... Rory passou a mão pelo cabelo.

- Espero que me perdoe, Vanessa. Quis afundar num buraco quando você me apresentou seu pai.

- Isso não teria acontecido se eu tivesse sido honesta com você desde o princípio. Fui eu que criei essa situação. O que mais você poderia pensar depois que descobriu que eu tinha mentido?

- Então por que você ficou longe de mim todo esse tempo?

- Acho que foi por orgulho. Fiquei tão magoada quando você me acusou de dormir com velhos que jurei que nunca mais o perdoaria. Então o que fiz foi me encolher num canto e curtir minhas feridas. Fui tão boba, Rory. Desperdicei tanto tempo que nós poderíamos ter passado juntos.

Ele a tomou em seus braços.

- Mas de agora em diante nós vamos ficar juntinhos. Fechando os olhos, ela encostou a cabeça em seu peito.

- E por que você não foi me procurar, Rory? Por que ficou esperando que eu viesse atrás de você?

Ele passou a mão pelo cabelo dela.

- Pela mesma razão que eu não queria fazer amor com você: você não estava pronta. Você é quem tinha que dar o primeiro passo. Seria muito fácil procurá-la, tomá-la em meus braços e fazê-la admitir que me amava, mas não seria válido, Vanessa. O amor tem que ser dado de livre e espontânea vontade, sem nenhuma pressão ou chantagem. Assim, esperei para ver se você realmente me amava o suficiente para passar por cima do seu orgulho e jogar tudo para o alto.

- Eu o amo, Rory. - Os olhos de Vanessa estavam marejados de lágrimas.

- Eu sei.

Sentiu então o amor explodir dentro dela, espalhando-se pelo seu corpo, como uma onda de luz dourada. Fechando os olhos, abraçou-o com força, tendo a sensação de que seu amor iria transbordar e inundar o mundo todo. Tinha ido ao Maine para fugir e acabou encontrando tudo o que queria na vida. Toda a beleza do mundo estava exposta diante dela, à sua escolha, e de graça. E, ao mesmo tempo, era algo infinitamente valioso - o dom do amor.

Os seus olhos brilhavam de alegria quando olhou para ele.

- Está com fome, McGee?

- Uma fome de leão, Hamilton.

Ela o pegou pela mão.

- Venha comigo. Conheço uma velha governanta chamada Blodgett que nos servirá como reis.

- Vá em frente.

E eles caminharam em direção ao futuro. E Vanessa sabia - sabia mesmo - que tudo ia dar certo.

 

                                                                                Katheríne Ranson  

 

                      

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