Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


REINO DO DESERTO / Carol Marinelli
REINO DO DESERTO / Carol Marinelli

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

REINO DO DESERTO

 

                   A CASA REAL DE KAREDES

Há muitos anos havia duas ilhas mediterrâneas que formavam um Reino, o Reino do Adamas, mas uma amarga luta familiar dividiu o Reino e as ilhas começaram a governar-se de maneira separada. A família grega Karedes reinava em Aristo enquanto que os sheiks Al’Farisi governavam as terras desérticas da Calista.

Quando o Rei do Aristo faleceu, se descobriu que Stefania, uma filha considerada ilegítima até então, era a herdeira ao trono!

O sheik da Calista, Zakari, seduziu-a para que se casasse com ele e poder obter o poder absoluto sobre os dois Reinos, mas ficou assombrado ao conhecer a sua pureza e sucumbiu ante o amor. Atualmente Aristo e Calista estão governados sob o espírito da esperança e a prosperidade.

Entretanto, uma sombra se abate ainda sobre a família real da Calista. Quando eram meninos, três dos irmãos do Rei Zakari foram seqüestrados por uns piratas. Dois retornaram são e salvos, mas o menor foi arrastado pelo mar e, embora seu corpo não tenha sido encontrado, foi dado como morto. Durante a coroação da Rainha Stefania de Aristo, esta quase sofre um desmaio ao conhecer o então príncipe Xavian do Qusay, um reino vizinho. Tem cicatrizes nos pulsos, idênticas às do Aarif e Kaliq, príncipes de Calista. É um jovem que não conhece seu passado, só seu futuro como Rei!

O que passará quando Xavian, o Rei do Qusay, descobrir que está vivendo uma vida que não lhe corresponde? E quem ocupará o trono quando a verdade vier à tona?

 

 

Layla não fechou os olhos enquanto as donzelas a cobriam com o véu. Olhou-se no espelho enquanto seu pronunciado decote, suas pálidas pernas e as delicadas tatuagens de henna desapareciam sob o vestido dourado. Depois contemplou como sua larga juba escura, seu rosto maquiado e seus lábios carnudos também desapareciam, até que o único que ficou ao descoberto foram seus olhos.

Uns olhos que piscavam com nervosismo ao precaver-se de que, quando lhe retirassem o véu, não sentiria alívio algum. Não estaria em sua casa, no palácio do Haydar, onde poderia relaxar-se. Não, quando lhe retirassem o véu estaria ante seu novo marido, no deserto do Qusay, em sua noite de bodas.

O Rei Xavian Al’Ramiz, o homem ao que estava prometida desde sua infância, tinha decidido cumprir com seu compromisso depois de muitos anos e convertê-la em sua esposa.

Ele a tinha feito esperar e, o que era mais importante para a Layla, tinha feito esperar a seu país.

Layla era a mais velha de sete irmãs. Sua mãe havia falecido tentando ter um herdeiro, Layla tinha escutado os gemidos de raiva cada vez que sua mãe dava luz a uma menina, pois os habitantes do Haydar se mostravam resistentes ante a idéia de ser governados por uma mulher.

Seu pai tinha sido muito inteligente. Muitos anos atrás tinha feito um pacto com o Rei do Qusay, cujo matrimônio tinha produzido um único herdeiro: quando este alcançasse a maioria de idade, sua filha mais velha se casaria com ele. Xavian tranqüilizaria ao povo do Haydar e, é obvio, teriam um filho que algum dia governaria ambas às terras.

Posto que as bodas não haviam sido celebradas, depois da morte de seu pai Layla se converteu em rainha. Os anciões queriam que governasse só no nome, para poder aconselhá-la e manter o povo a salvo, mas ela pretendia tomar seu papel a sério. Tinha decidido reafirmar-se, negando-se a assinar qualquer decreto com o que não estivesse de acordo.

E quanto a seu compromisso matrimonial, Xavian tinha estado muito ocupado com sua vida de solteiro, embora também ele tinha tido que mudar depois da morte de seus pais; mas Layla tinha amadurecido muito esperando que se decidisse a contrair matrimônio. Ela tinha governado sua terra a sua maneira, e a responsabilidade havia a tornado mais sábia. Xavian tinha esperado muito para exigir que fosse cordata e entregasse tudo docilmente a um homem que não tinha interesse algum em seu reino, nem nela como esposa.

A recente morte dos pais do Xavian tinha provocado uma reavaliação urgente da situação, e o príncipe playboy tinha retornado da Europa para ocupar o trono do Qusay. Layla sabia que era um líder nato e que governava a seu povo em tempos difíceis. Nunca tinham se falado. Ela só o tinha visto uma vez de longe, mas tinha ouvido falar de seu comportamento decadente. Nos últimos tempos se dedicou a segui-lo de perto e escutava seus discursos, eloqüentes e autoritários. Já não era o príncipe Xavian, e sim um verdadeiro rei.

E um rei necessitava uma esposa. Era um assunto de Estado.

Layla era consciente disso e, entretanto, tinha visto como o homem que algum dia seria seu marido vivia sua vida de forma libertina, o qual havia ficado ciumenta em lugar de zangada. Ciumenta pelo fato de que estivesse bem visto que Xavian tivesse amantes, e que vivera livre e despreocupadamente enquanto ela o esperava.

Layla tinha vinte e seis anos.

E aquela noite, por fim, era sua vez.

Aquela noite, independentemente de que era por um matrimônio de compromisso, e embora fossem passar separados a maior parte de suas vidas, aquela noite, ele a levaria ao deserto do Qusay.

Essa noite se encontraria com seu marido… de repente, alegrou-se de levar o véu, porque se tinha ruborizado. Essa noite, o Rei Xavian Al'Ramiz do Qusay se converteria em seu amante.

Seu único amante.

Curiosamente, ela desejava que ele fosse um pouco menos arrumado, que o rosto que tinha visto nos periódicos, na televisão e em internet não fosse tão atrativo. Tinha observado atentamente sua imagem, inclusive parando as seqüências e contendo o fôlego quando parecia que a olhava com seus olhos negros. Sem dúvida, seu aspecto era o de um membro da realeza. Seu nariz romano, suas maçãs do rosto pronunciadas e seu espesso cabelo escuro. Provinha de uma importante linhagem.

Além disso, mostrava segurança em si mesmo, ela o tinha observado de longe, quando tinham coincidido nas mesmas festas. Layla, oculta debaixo de um véu, tinha observado a seu futuro esposo, confiando em que aqueles olhos negros a descobrissem, que lhe dedicasse um sorriso ou qualquer gesto que indicasse curiosidade por sua futura esposa.

Xavian não lhe tinha dedicado nada.

Menos que nada. No ano anterior, tinha permanecido a seu lado durante a coroação da Rainha Stefania do Aristo e, simplesmente, tinha-a ignorado.

A lembrança do desprezo que tinha mostrado aquele dia, e do evidente aborrecimento que sentia ante a união vindoura, seguia humilhando a Layla.

—Majestade —ela fechou os olhos com impaciência quando Imran, um de seus conselheiros, entrou na habitação aproveitando que já estava coberta pelo véu para lhe dar alguns detalhes de última hora, e para lhe pedir instruções antes de que sua rainha tirasse uma semana livre e deixasse seus deveres oficiais.

—E necessitamos que assine de maneira urgente a proposta retificada da mina de safira…

Era o dia de suas bodas!

Entretanto, o dever era prioritário e, como rainha do Haydar, ela tinha muitos deveres. Um séquito a tinha acompanhado ao Qusay para as bodas; uma equipe de conselheiros, as donzelas e Baja, sua donzela pessoal.

Os conselheiros e os respeitáveis anciões tinham mostrado sua contrariedade do primeiro dia que a rainha tinha dado sua opinião e se negou a continuar com a maneira antiquada e tradicional de fazer as coisas, mas apesar da falta de apoios Layla continuou impondo-se e lhes recordando que como era a rainha, as decisões finais cabiam a ela…

Resultava exaustivo estar continuamente revisando cifras e textos, sabendo que sua equipe estava sempre à espreita de um momento de debilidade para poder introduzir um documento sem que ela se precavesse, ou esperando a que passasse uma cláusula… Eles desejavam que Haydar permanecesse como sempre, em lugar de aproveitar as grandes oportunidades que a riqueza da terra oferecia a seu povo.

—Tudo isto pode esperar! —Layla fulminou ao Imran com o olhar—. Hoje não assinarei nada. Tudo pode esperar a que retorne.

—Têm que começar as perfurações…

—Começarão a minha volta! —exclamou Layla—. Quando tiver lido a emenda e se der minha aprovação —apesar de suas duras palavras, as lágrimas apareciam a seus olhos pintados. Umas lágrimas que não queria que Imran visse, assim que se voltou para a janela para contemplar o mar do Qusay.

Era o dia de suas bodas!

Não tinha direito a ser nada mais que uma mulher durante um dia e uma noite?

Ao parecer não!

—Também temos que falar sobre a possibilidade de estender a visita do Rei ao Haydar… — Imran não dava trégua.

—Não podemos falar até que me tenha casado - respondeu Layla lhe dando as costas—. Agora, se me permite que continue com minhas bodas, logo poderei centrar minha atenção de novo no Haydar —ao ver que não partia, Layla continuou—. Permite que lhe repita isso: nada, insisto «nada», pode ser aprovado em mim ausência.

—É obvio —respondeu Imran—. Embora claro está, se fosse urgente, confiaria no comitê de anciões…

—Imran —se voltou para ele com um olhar firme e sem lágrimas nos olhos—. Terei sempre o computador à mão e, se por algum motivo não pudessem contatar comigo através desse meio, tomará um helicóptero e virá ver-me no deserto.

—Tinha pensado que Sua Majestade preferiria que não a incomodassem — disse Imran.

—Já lhe hei isso dito em outras ocasiões: nunca confie em que pode me adivinhar o pensamento.

—É obvio, Majestade.

E partiu e, embora só faltava um momento para suas bodas, o nó de tensão que tinha no estômago se devia ao Imran.

—Respira —disse Baja com amabilidade.

Baja, sua querida Baja, a mulher que permanecia em silencio durante as reuniões mas que escutava tudo. Baja, a que via as lágrimas que ela derramava algumas noites. Baja, a única pessoa que compreendia verdadeiramente o peso que carregava diariamente sobre seus ombros.

—Aproveitará o tempo que eu esteja fora para fazer algo… —suspiro Layla.

—Seria uma estupidez —disse Baja—. Suas ordens foram muito claras.

—Eles distorcem minhas palavras.

—Então as escreva.

Layla estava muito agradecida a Baja e por sua inteligência e sua paciência, e confiava nela quase plenamente.

Quase…, porque tinha aprendido fazia muito tempo que a única pessoa em quem podia confiar era nela mesma.

—Farei-o.

—Bom, primeiro tem que te casar —disse Baja.

Guiaram-na através do palácio do Qusay, por seus corredores cobertos com retratos de antepassados. Resultava mais singelo concentrar-se em um quadro da parede, nas amplas portas que se foram abrindo, ou no som de seus véus ao caminhar, que tentar assimilar que tão somente um momento depois estaria ao lado do Xavian.

O calor do deserto a golpeou nada mais sair ao exterior. Guiaram-na por um caminho branco e entre cuidados jardins. Um verdadeiro oásis. Os pássaros revoavam nas árvores, movendo as asas tão depressa como Layla movia as pestanas enquanto esperava a seu prometido.

A cerimônia seria curta. A semana seguinte, tal e como era tradição no Haydar, quando já lhe tivessem retirado os véus por ser uma mulher casada, receberiam aos dignatários e aos governadores em um ato formal, mas esse dia só estariam o juiz e os anciões mais respeitados de ambas as terras, que exerceriam de testemunhas.

Layla esperava à sombra de uma laranjeira, escutando o som contínuo das fontes.

Ele a tinha feito esperar dez anos, assim que o que importavam dez minutos mais?

Ofereceram-lhe uma cadeira, mas a rechaçou. Permaneceu de pé, zangada. Era possível que aquele homem deixasse mais claro o pouco que a respeitava?

Ela desejava caminhar.

Desejava lhe dar as costas às tradições, exigir um meio de transporte e lhe dizer a ele onde podia meter-se seu acordo matrimonial.

—O rei chegará em seguida.

Layla se olhou as mãos e viu que tinha os punhos apertados. Teve que pisar forte para não dar a volta e partir; que apertar os lábios sob o véu para evitar dizer algo do que poderia arrepender-se e que prejudicaria a seu povo.

—Possivelmente Sua Majestade deveria sentar… — lhe ofereceram a cadeira uma vez mais. Um dos juízes já se sentou e estava abanando-se. «Poderiam tirar algumas bebidas», pensou Layla, «ou cortar algumas laranjas para que pudessem refrescar-se enquanto decidem o que se deve fazer quando um rei se nega a aparecer em suas próprias bodas».

Aquela obrigação era um calvário.

Estar de pé. Sentir vergonha.

Esperar.

Layla o fazia por seu povo. Seguiria adiante com aquele matrimônio se isso era o que ditava a tradição, mas enquanto permanecia ali de pé, a ponto de deprimir-se e negando-se a sentar-se, prometeu-se que ele pagaria por seu comportamento ofensivo.

Se Xavian pensava que podia tratá-la tão mal, se pensava que ela obedeceria docilmente suas ordens, estava muito equivocado.

O rei Xavian deveria ter investigado um pouco mais. Deveria saber que atrás daquele véu se ocultava uma mulher forte e orgulhosa.

Que atrás daquela multidão de conselheiros havia uma governante que era forte; muito forte segundo alguns.

Essa noite lhe diria claramente o que pensava a respeito de seu comportamento. «Não tem nem idéia do que lhe espera», pensou Layla com um pequeno sorriso de satisfação. Mas logo desapareceu…

Enquanto isso continuava fazendo-a esperar.

 

Rei Xavian leu a carta outra vez.

Era uma de muitas que tinha recebido lhe dando parabéns pelas bodas.

Era do Rei Zakari de Calista; dava-lhe parabéns e lhe dizia que esperava saudá-lo pessoalmente a semana seguinte na recepção oficial.

Era a terceira carta que recebia dele.

A primeira tinha sido para lhe dar os pêsames pela morte de seus pais e convidá-lo a passar uns dias no palácio de Calista.

Xavian não tinha respondido. Tinha queimado a carta.

Depois tinha recebido outra em que Zakari lhe agradecia o presente que o povo do Qusay tinha enviado pelo nascimento de seu filho, o príncipe Zafir.

Xavian tampouco tinha respondido, mas tinha guardado a carta alguns dias, tirando-a para lê-la uma e outra vez, até que ao final decidiu atirá-la ao fogo.

E agora a terceira.

«Não há nada indecoroso nela», pensou Xavian enquanto a lia por enésima vez. Não sabia o que era o que procurava naquelas palavras. Recebia dezenas de cartas como aquela; entretanto, com essa não podia evitar tentar ler entre linhas…

Sua prometida o estava esperando e ele sabia que era imperdoável que chegasse tão tarde, mas continuou refletindo sobre a carta.

Era uma carta formal do rei Zakari de Calista e de sua esposa, rainha Stefania de Aristo. Seu matrimônio tinha reunificado o reino de Adamas. «Então por que Zakari tinha decidido escrever com papel do reino de Calista, em lugar de empregar o papel com o emblema de Adamas?», perguntava-se Xavian. Olhou o brasão, passou um dedo sobre o emblema, e não pôde compreender por que lhe preocupava, mas assim era.

Estava preocupado desde o dia da coroação da rainha Stefania, desde que esta o havia olhado nos olhos e ele tinha notado sua surpresa…

«Não, não era surpresa», disse-se Xavian. Stefania tinha estado a ponto de chorar enquanto falava com ele, até que seu marido se precaveu de que havia um problema e, com cuidado, tirou-a dali. Resultou que estava grávida e assim se explicou tudo. Mas não era assim.

Porque o problema de sua alma tinha começado antes de que Stefania o saudasse… Ele tinha passado pela fila de felicitações, exercendo seu papel de rei. O coração tinha começado a lhe pulsar muito depressa, esse pulsado que despertava pelas noites, e que sentia nesse mesmo instante.

Embora não podia aceitá-lo como tal, era produto do medo.

—Tudo está preparado, Majestade.

Xavian não se voltou quando Akmal, o visir, entrou na habitação e lhe falou.

—Sua prometida o espera.

Ele podia reconhecer um ligeiro tom de inquietação na voz do Akmal, depois de tudo, sua prometida, rainha Layla do Haydar, levava um momento esperando-o. Tudo estava preparado para que começasse a cerimônia e o noivo não tinha aparecido. Akmal se tinha dirigido de novo à câmara real para assegurar-se de que não lhe tinha acontecido nada e o tinha encontrado tal e como estava a última vez, de pé, junto à janela, sujeitando uma carta na mão e contemplando o mar.

—Irei em seguida.

—Majestade, sugiro-lhe que…

—Ouviste o que disse?

Xavian se voltou, furioso, lhe recordando a seu ajudante quem era o rei. Vestido com o uniforme militar do Qusay, o peito decorado com medalhas, as pernas cobertas por umas botas de couro negro, a espada embainhada em uma lateral e o cordão dourado sujeitando seu kufiya, a presença do Xavian era imponente. Era um homem alto, forte e de ombros largos; não necessitava medalhas nem espadas para impor respeito.

—A noiva pode esperar até que eu esteja preparado.

Akmal sabia que não devia discutir assim fez uma pequena reverência e partiu.

Outra vez sozinho, Xavian continuou contemplando o mar.

Sabia que ela podia esperar.

Tinha esperado muitos anos a que chegasse esse dia. Estava prometido com ela desde a infância, e deveriam haver-se casado dez anos atrás, mas ele tinha eleito não fazê-lo para desfrutar de sua liberdade.

Entretanto, aquilo tinha terminado.

Xavian saiu ao terraço e desejou que tivesse vistas ao deserto e não ao mar. Ao deserto, onde encontrava a paz. Ao deserto, onde essa noite levaria a sua esposa.

A mera idéia o aborrecia.

Da morte de seus pais em um acidente de avião, seus conselheiros tinham trabalhado contra o tempo. Sua vida de playboy estava a ponto de terminar. Era um rei, e os reis não viviam como príncipes. Os reis se casavam e tinham herdeiros, e tinha chegado o momento de que fizesse o mesmo. Depois de três meses de luto, as bodas que tinha estado atrasando deviam celebrar-se.

Dadas as circunstâncias fariam uma pequena cerimônia. Era inapropriado realizar uma grande celebração depois de uma perda tão importante. Ao dia seguinte se informaria ao povo de que o rei se casou, e ele se retiraria ao deserto com sua esposa antes de celebrar a recepção oficial. Depois de outro período se celebraria a coroação, e então o povo o festejaria. Possivelmente uma dupla celebração? Os conselheiros tinham insinuado que nove meses depois das bodas estaria bem que houvesse um príncipe em caminho.

Akmal lhe tinha aconselhado de se abster de manter encontros sexuais uma semana antes das bodas para assegurar-se de que sua semente fora abundante e potente. Era um conselho que ele tinha ignorado.

Sempre era abundante!

Aquilo não era mais que um matrimônio de conveniência. Haydar tratava de seguir adiante sob o governo de uma mulher, e a presença forte e ocasional do Xavian ajudaria a guiar ao país.

É obvio, teria uma amante. Ou várias, possivelmente.

Não tinha intenção de dormir sozinho pelas noites.

A inquietação que sentia não era devida aos nervos provocados pelas bodas, e não era o orgulho o que fazia que negasse que se sentia inquieto. Muito antes de que se anunciasse as bodas, muito antes de que seus pais morressem, sentia certa inquietação na alma.

Um problema que não era capaz de definir.

Quando olhava a carta procurando alguma pista que provavelmente era inexistente, pensava que estava voltando-se louco.

Às vezes despertava pelas noites com o coração acelerado. Sim uma bela mulher estava a seu lado na cama, e se levantava e se vestia; ou a enviava à habitação das amantes. Não era assim como gostava de estar.

Tinha o coração acelerado e lhe custava respirar enquanto contemplava o mar. Sentia nausea, como se estivesse afogando-se. Notava que o suor se formava em sua frente, e como se seu corpo estivesse se balançando com as ondas. Igual a outras vezes, ardiam-lhe as cicatrizes que tinha nos pulsos. Percorreu o extenso mar com o olhar sem saber o que era que procurava, e depois olhou a outro lado, desejando que se acalmasse seu coração e aquela loucura terminasse. Tratou de consolar-se com a idéia de que logo estaria no deserto.

Acabaria com as bodas, levaria a sua esposa ao deserto, consumaria o matrimônio e, ao dia seguinte, poderia passear… Poderia deixar-se levar pelo coração da terra que governava e tentar encontrar a paz.

Um pouco mais animado, entrou de novo na habitação com a carta na mão. deteve-se frente a uma vela e observou como o papel cor nata se enrugava enquanto as chamas consumiam o brasão da Calista. Depois, atirou-o à antiga chaminé, igual a tinha feito com o resto das cartas, e se dirigiu a suas bodas.

Quando abriu a porta. Akmal esteve a ponto de cair para o interior da habitação. Xavian se deteve para lhe jogar um olhar reprovador ao visir e atravessou o palácio caminhando com segurança.

Ao chegar aos jardins, o comitê de anciões ficou em pé para recebê-lo.

Sua prometida não se voltou, estava de pé, vestida com uma túnica dourada e a cabeça coberta pelos véus. Quando Xavian se aproximou dela, baixou o olhar ao chão.

Ele não esperava encontrar-se com aquilo!

Haydar era um lugar estrito com as tradições. As mulheres permaneciam cobertas até depois das bodas. Apesar das generosas capas de tecido, não se dissimulava a forma arredondada de seu corpo.

«Que bom», pensou Xavian. Uma amante gorda e inexperiente para fecundar. É que suas obrigações não tinham fim?

Como concessão aos tempos modernos, os anciões do Haydar tinham aceito que pudessem fazer-se fotos para anunciar que a cerimônia se celebrou. Embora não era momento de grandes celebrações, a união era uma boa notícia para os povos do Haydar e do Qusay.

O juiz perguntou a Layla se seria uma esposa fiel, se serviria a seu marido, se lhe daria filhos e se cuidaria dele e de seus descendentes.

Ela assentiu e falou com um tom muito suave.

De novo, o juiz lhe perguntou.

E ela voltou a dizer que sim.

Repetiu-se uma terceira vez, e Xavian se fixou em que ela pestanejava, embora não o olhou.

—Farei-o.

Logo chegou a vez dele. Cuidaria dela e a manteria? Foi tudo o que lhe perguntaram, e só uma vez.

Um rei não tinha que repetir as coisas.

—Sim.

Ela levantou a vista e seus olhares se encontraram. Xavian notou que se acalmava ligeiramente. Seus olhos eram claros, brilhantes e muito bonitos… Possivelmente pudesse lhe pedir que os mantive-se abertos toda a noite!

Tudo terminou ao cabo de uns instantes. Seus olhares se encontraram durante menos de um segundo; entretanto, a imagem tinha sido captada e pela manhã daria a volta ao mundo. O Rei Xavian Al’Ramiz do Qusay e também do Haydar, e sua esposa, Rainha Layla Al’Ramiz do Haydar, e também do Qusay.

A tão esperada união era oficial.

—Sairemos para o deserto dentro de uma hora… —se dirigiu a sua esposa pela primeira vez—. Posso confiar em que meus ajudantes estão sendo de utilidade?

Ela não respondeu. Só assentiu com a cabeça sem deixar de olhar ao chão.

—Necessita algo? —tentou lhe dar conversação, mas só conseguiu que ela respondesse com um movimento de cabeça.

Layla se negava a olhá-lo com seus bonitos olhos de cor violeta, e Xavian suspirou irritado.

—Ver-te-ei dentro de uma hora.

“Está claro que será uma noite muito pouco interessante”, pensou enquanto se dirigia a seus aposentos, fazendo que suas passadas ressonassem sobre o chão de mármore polido.

 

—Não vou ficar um mês ali! —Xavian franziu o cenho enquanto Akmal o ajudava a tirar o uniforme militar e a colocar a túnica do deserto para preparar-se para sua lua de mel—. Só aceitei passar no Haydar uma semana.

—Compreendo-o, senhor, mas nossos conselheiros simplesmente respondem ante o que ouviram da gente… —tragou saliva—. A rainha estava revisando o que ia publicar na imprensa e pediu que…

—O que? —Xavian voltou a cabeça e deixou de olhar-se no espelho—. Por que tem que preocupá-la com esses detalhes?

—Ela pediu para vê-lo —disse Akmal—. Também pediu que ficasse um mês em sua terra… Opina que aos habitantes do Haydar gostariam de ver o novo rei na nova residência durante um tempo, para que tenham a sensação de que também está aí para eles. Haydar necessita esta união, senhor…

Xavian não estava nada impressionado. Uma semana no deserto era necessária. Uma semana, com sua nova esposa pelas noites e passeando durante o dia. Depois retornariam e teria lugar uma recepção oficial para celebrar o enlace. Continuando, tinha aceito passar uma semana no Haydar para tranqüilizar ao povo. Ali saudaria formalmente aos habitantes de seu novo reino, assinaria os documentos necessários e, além das aparições formais e das noites ocasionais que passaria junto a sua esposa durante seu período fértil, poderia continuar com seu trabalho.

No Haydar havia certo clima de tensão e Xavian sabia. A mulher dócil e pouco falante com a que se casou não era capaz de conseguir que seus assessores a respeitassem, e muito menos seu povo. Em troca, ele era um homem duro. Às vezes tinha muita pressão por parte de seu comitê de anciões, já que estes eram resistentes às mudanças, mas ele era um governante estrito e desempenhava seu papel com segurança. Ele nunca duvidava, nunca se questionava se tinha razão. Sim, escutava a seus assessores, refletia, mas sempre tomava suas decisões, e uma vez tomadas, não havia quem as trocasse.

Ninguém se atrevia a fazê-lo. «Ser rei deve ser um inferno!», pensou Xavian com um sorriso.

—Duas semanas…

Akmal franziu o cenho com preocupação, posto que já tinha falado com a rainha.

—Lhe diga que estou disposto a estar em seu país duas semanas…

—Acredito que seria melhor estar um mês no Haydar…

Ouviu-se uma voz doce na habitação e Akmal e o ajudante ficaram surpreendidos ao ver que Layla entrava, sem que a houvessem convidado, nos aposentos do rei.

—Não pode estar aqui… — Akmal se apressou a cruzar a habitação para tirá-la dali, mas seus olhos azuis o detiveram.

—Faça o favor de me chamar «Majestade»… — disse detrás do véu.

Akmal fez uma reverência. O pobre homem se debatia entre seguir o protocolo e proteger a seu senhor. Xavian não estava zangado, mas sim desfrutava e sorria ligeiramente enquanto Akmal tratava de acalmar a ambos.

—Majestade, estava a ponto de ir vê-la para informar a decisão do rei.

—Que aborrecido — disse ela. Já não olhava ao Akmal, a não ser ao Xavian, e deixou de sorrir—. Que aborrecido é um matrimônio que tenha que falar mediante conselheiros. Deve informar ao rei de que, por desgraça, neste assunto a rainha não pode aceitar. A gente do Haydar precisa ver que o novo rei exerce seu papel com gosto e quer ajudá-los, e com uma visita breve não conseguirá apaziguá-los.

—Majestade —Akmal começou a transmitir suas palavras—, a rainha diz…

—Silêncio! —espetou Xavian a seu visir—. Deixe-nos.

Enquanto Akmal e o ajudante saíam da habitação, Xavian se aproximou de Layla. Ela não se moveu, e nem pestanejou. Só lhe viam os olhos, e essa vez não baixou o olhar quando ele se aproximou.

—Considerei sua petição —disse Xavian—. E posto que tomo a sério meus novos deveres…

—Tão a sério que nem sequer te incomodaste em chegar a tempo a suas bodas!

Como se atrevia?

Ela não devia questioná-lo, não devia mostrar que se precaveu do atraso. Deveria estar orgulhosa de que o rei do Qusay era seu marido e, em lugar disso, recebia-o com queixa e exigências.

—Tinha meus motivos para chegar tarde —não tinha por que lhe contar seus motivos, nem lhe dar explicações.

Nunca tinha tido que dar uma explicação; suas decisões, sua palavra, sua presença sempre tinham bastado. Seriamente acreditava que ia ficar ali a lhe contar seus motivos?

Ela estava esperando uma explicação.

Xavian pôs um triste sorriso. Possivelmente deveria contar-lhe e observar como reagia quando descobrisse que seu novo marido às vezes pensava que se estava voltando louco. Que às vezes as cicatrizes de seus pulsos lhe ardiam de maneira que pensava que ia abrir-se sobre a pele. Que às vezes, quando estava tranqüilamente sentado, poderia jurar que ouvia rir a um menino. Ele podia imaginar sua cara de susto, sobre tudo quando lhe dissesse que acreditava que o menino era ele!

—Fez-me esperar quase uma hora — insistiu Layla sem deixar de olhá-lo— sem me oferecer nenhuma explicação. E pretende que acredite que toma a sério suas obrigações… o de hoje era uma obrigação! —ela apertou os lábios sob o véu—. E a desempenhou muito mal.

—Silêncio!

Estendeu a mão como se fora lhe dar uma bofetada.

Nesse momento, Xavian, que nunca tinha pego nem pegaria a uma mulher, precaveu-se de que a raiva que o invadia ia dirigida contra si mesmo.

Esse dia tinha desempenhado suas funções de maneira incorreta. E tinha chegado tarde. Raramente, admitia-o, mas para ser um bom governante às vezes era necessário. E por isso, em lugar de lhe dar uma bofetada, fez algo estranho.

—Não o fiz por ti. Não o fiz para que me esperasse, nem para evitar minhas responsabilidades ou me mofar de nosso matrimônio… — não podia acreditar que estivesse falando dessa maneira, que estivesse dando explicações—. Me chegou uma carta. Deveria havê-la deixado para depois, sabia que poderia me distrair — tragou saliva antes de continuar—. E assim foi.

—Estou segura de que tem muitas coisas em que pensar —admitiu ela—. Eu também senti falta de meus pais hoje, mas sua perda é mais recente. Aceito suas desculpas.

Ele não se desculpou, ou sim? Teria que dizer «o sinto» para formular uma desculpa?

Xavian continuou.

—Se o povo quer passar mais tempo com o novo rei, conceder-te-ei um mês. É obvio, a gente do Qusay também quererá mais tempo com sua nova rainha. Sugiro que depois de nossa estadia no deserto, passemos uma semana aqui, em lugar de dirigirmos diretamente ao Haydar depois da recepção formal.

O que estava fazendo? Falava devagar, entretanto sua mente funcionava muito depressa. Estava-se comprometendo a passar seis semanas com ela. Uma no deserto, outra no Qusay e um mês no Haydar. Seis semanas com ela… Seis semanas quando deveriam ter sido duas. Seis semanas com aquela mulher que o tinha desafiado. Seis semanas com uma mulher que não tinha baixado a vista, e que se atrevia a lhe sustentar o olhar enquanto respondia com um tom de voz suave.

—Será uma honra para mim passar algum tempo perto do povo do Qusay.

—Bem —disse Xavian.

Ela seguia olhando-o e Xavian esteve tentado a retirar o véu que cobria a sua esposa para ver a mulher com quem dormiria durante as seguintes semanas. Mas, é obvio, não o fez. Abriu a porta e, uma vez mais, Akmal esteve a ponto de cair dentro da habitação.

—Suponho que o ouviste —disse Xavian—. Ficaremos no Qusay uma semana depois da recepção. Logo, a Rainha e eu passaremos um mês no Haydar. Pode anunciar essa informação junto com a foto das bodas.

Layla assentiu e saiu da habitação. Na porta, deteve-se para dirigir-se ao Akmal.

—Me traga a nota de imprensa quando estiver redigida para que dê minha aprovação — se voltou um instante para Xavian—. Eu gosto de revisar as notas de imprensa pessoalmente, estou segura de que você faz o mesmo.

            Xavian seguia ressentido quando o helicóptero levantou vôo para levá-los ao deserto. Como havia se atrevido Layla a entrar em seus aposentos para manifestar suas exigências? Como se atrevia a lhe dizer o que era inteligente fazer? Como se atrevia a lhe falar como se fosse seu igual? Ele era o rei do Qusay… O rei de um país rico e próspero que produzia petróleo e esmeraldas, uma terra onde o povo florescia sob uma potente liderança. Era Haydar o que necessitava uma potente liderança para tirá-los da Idade Média! Era Layla a que necessitava a ele para acalmar sua inquietação.

Estava molesto consigo mesmo por lhe haver devotado uma explicação, por comprometer-se com ela. Ele não queria uma esposa, e certamente não queria ter a alguém perto continuamente.

Já tinha bastante lutando com sua própria companhia.

E ele não se desculpou!

Sentia-se tentado a lhe dar um tapinha no ombro e dizer-lhe.

A areia dourada que se estendia em baixo do helicóptero não conseguia acalmá-lo. Estava decidido a recordar a Layla qual era o seu lugar. Baja, a donzela pessoal, acompanhava-os e ele notou a sua expressão de desaprovação quando agarrou a mão de sua esposa, surpreendendo-se ao sentir seus delicados dedos. Pela primeira vez, tinha vontade de descobrir o que se escondia sob véu que cobria aquela mulher.

—Aguarda-nos um festim —disse Xavian, sorrindo para si ao ver que ela pestanejava abaixando a vista—. E quando tivermos comido, outro festim nos espera.

O pessoal da residência do deserto saiu para recebê-los e desenrolou um largo tapete do helicóptero até a grande tenda. É obvio havia mais empregados do que o normal, porque não só era uma lua de mel, mas também o serviço de Layla estava ali para receber ao casal real.

Normalmente. Xavian ia ao deserto para estar sozinho. Bom, ocasionalmente se reunia ali com uma amante, mas aquele era um lugar de retiro e não estava seguro de como se sentiria compartilhando-o. E devia compartilhá-lo, ao menos nessa ocasião.

Estava casado.

Das paredes das tendas e dos tetos dos corredores tinham penduradas pequenos sinos para que o casal recém casado se inteirasse de quando se aproximavam os serventes e seu som se escutava enquanto eles entravam na morada do deserto. O aroma de incenso impregnava o ambiente, os tapetes persas estavam cobertos de pétalas. A sala principal estava decorada de maneira tradicional, os tapetes adornavam as paredes da tenda e os sofás baixos estavam cobertos de coloridos almofadões e colchas de veludo. Também havia alguns instrumentos musicais, e espelhos antigos que refletiam a luz tênue das velas e as lamparinas. Havia uma mesa baixa com pratos e copos de ouro com pedras preciosas. Os pratos estavam servidos e seu aspecto era delicioso, e um músico ambientava o lugar com uma doce melodia.

Era perfeito. Então por que ela não fazia nenhum comentário?

Possivelmente estava afligida? Possivelmente lhe preocupava que a residência real do deserto do Haydar parecesse pouca coisa comparada com tanto esplendor? Ou possivelmente estava preocupada porque devia tirar o véu ante seu marido?

Xavian observou em silêncio enquanto Baja ajudava a Layla a tirar as múltiplas capas douradas que cobriam seu corpo. Continha a respiração com antecipação, precavendo-se de quão mau tinha julgado a silhueta que pouco a pouco foram desvelando. Era um corpo feminino e arredondado. Ele se aproximou devagar, contemplando-a. Depois de tudo, aquela noite não estaria tão mal. Ela usava um vestido dourado com pedraria que realçava sua figura. Sua tez era incrivelmente pálida. Nos tornozelos lhe tinham desenhado umas flores com henna, e subiam por suas pernas provocando que ele as percorresse com o olhar. Mas Xavian não teve tempo das contemplar, posto que Baja estava retirando o véu que cobria o rosto de Layla e, durante um instante, sentiu-se perdido enquanto descobriam a sua esposa.

Era incrivelmente bela.

Muito mais do que tinha imaginado.

Sua juba negra, espessa e frisada caía sobre seus ombros, emoldurando o delicado rosto. Suas bochechas estavam ligeiramente rosadas; os lábios, carnudos e tentadores, tremiam ligeiramente como amostra de seu nervosismo. Era tão encantadora, delicada e feminina que Xavian se perguntou se não teria interpretado mal suas duras palavras. Estava seguro de haver interpretado mal, porque daqueles lábios só podiam sair palavras doces.

Lhe ofereceu a mão para guiá-la até a mesa, mas ela não a aceitou.

—Eu gostaria de jogar uma olhada aos arredores.

—É obvio —disse Xavian—. Lhe mostrarei isso —mas ela já estava avançando por sua morada.

Layla se voltou para Baja.

—Onde está meu computador?

Enquanto a donzela se desculpava pelo descuido, Xavian decidiu que já tinha tido o bastante.

—É sua lua de mel, não pretenderá trabalhar?

—É? —ela se voltou e Xavian não pôde evitar fixar-se em seus lábios.

Uns lábios carnudos que desejava alimentar com a fruta que havia sobre a mesa para depois beijar os de maneira apaixonada.

—Não acreditei que fôssemos passar toda a semana nos conhecendo… —sorriu—. Tinha entendido que queria passar um tempo no deserto.

—É obvio, passar meus dias no deserto —disse Xavian—. Está bem que passe algum tempo com a natureza e que lhe peça seu sábio conselho.

—E eu tenho que te acompanhar? —perguntou com o cenho franzido— Estarei encantada…

—Não! —Xavian teve que esforçar-se para não ser desagradável—. Esse tempo o dedico à reflexão, a sós.

—Já vejo — ela assentiu, para agradecer-lhe e se voltou para Baixa.

—Nesse caso, quero meu computador.

—O helicóptero já partiu — disse um servente, e depois acrescentou—. Majestade.

—Bem — Layla fulminou ao servente com o olhar—. Então chegará logo ao palácio e poderá voltar imediatamente com meu computador. Depois de tudo… — dedicou um sorriso ao Xavian—, não pretenderão que esteja todo o dia aqui sem fazer nada enquanto meu marido reflete no deserto. Tenho um país que governar.

Ela sabia que estava sendo desagradável, mas esse era seu plano. Não queria revelar seus verdadeiros sentimentos porque, além de nervosa, estava aterrorizada. Tinha passado nervosa todo o dia, nos jardins do palácio, enquanto passavam os minutos e seu prometido não aparecia. Ele não queria contrair aquele matrimônio e sua demora lhe tinha demonstrado a pouca consideração que tinha para ela.

Tudo isso havia pensado enquanto esperava nos jardins do palácio, mas quando apareceu o que seria seu futuro esposo, seu aborrecimento foi substituído por um forte temor. Ela sabia que ele era muito atrativo, conhecia a reputação que tinha com as mulheres, e quando anunciaram suas bodas, havia-se posto nervosa, igual a teria feito qualquer outra mulher, ante a idéia de perder sua virgindade com o que se supunha era um amante formidável.

E então, ele havia se posto a seu lado. E sua presença, mesclada com o aroma masculino que desprendia seu corpo, tinha provocado que sua raiva fora substituída pela inquietação do que aconteceria depois do matrimônio. E esse momento estava a ponto de ocorrer!

Ela atravessou o dormitório e, ao ver a enorme cama, sentiu um nó na garganta e olhou a outro lado. Abriu uma cortina e contemplou o banheiro onde a preparariam para que se apresentasse ante ele. Havia espelhos por todos os lados, uma grande banheira no centro, flanqueada por tamboretes de onde ensaboariam as donzelas.

—Você gostaria que te mostrasse os jardins agora? —seu sarcasmo fez que Layla sorrisse de verdade pela primeira vez.

—Contemplei sua esplêndida areia enquanto aterrissávamos —respondeu com humor enquanto Baja franzia o cenho por não ter captado a brincadeira—. Deve custar muito trabalho mantê-la tão bem.

—Horas e horas de restelo! —disse Xavian.

Layla sentiu vontade de rir, mas se conteve. Não era o momento de baixar o guarda, era ela quem tinha que marcar quem mandava.

Não importava que ele fora o homem mais atrativo e sensual que tinha visto em sua vida, não importava que aquele fora o homem com o que compartilharia seu corpo e sua cama, e não importava que ela desejasse sair correndo ao vê-lo. Era muito importante que mantive-se o controle e deixasse claro quais eram suas intenções desde o começo.

Possivelmente o povo pensasse que era uma rainha passiva, mas se Xavian acreditava que ia aceitar tudo sem pigarrear, devia inteirar-se de que sua esposa tinha opinião própria!

—Vamos comer —Xavian interrompeu suas reflexões com essa ordem—. Nos espera nosso festim de bodas.

Layla se sentou junto à mesa baixa, de joelhos. Uma donzela serviu suco em duas taças douradas. Layla sabia o que era. Uma bebida de mel mesclado com vinte amêndoas moídas e cem pinhões para aumentar a excitação. A essa estranha mescla acrescentavam sementes de papoula moída para ajudar a desinibição. E teriam que tomar-lhe cada noite enquanto estivessem no deserto. Ela permitiu que lhe desse de beber a potente mescla que prometia sua completa excitação, e teve que esforçar-se para tragar o líquido pegajoso que o vertia depressa. Muito depressa para sua tensa garganta. Lhe derramou um pouco pelo queixo, e limpou as gotas com o dedo. Posto que devia beber-se até a última gota, chupou-se os dedos e, ao agarrar a taça para lhe dar de beber ao Xavian, precaveu-se de que estava tremendo. Não queria fazê-lo.

Não queria lhe dar de beber para alimentar sua excitação.

Ele era muito masculino.

E logo o agradeceria. Logo agradeceria que o homem que seria seu único amante e o pai de seus filhos, os futuros herdeiros do Haydar, tivesse um físico excelente.

Só tinha que passar aquela noite, ver um homem nu pela primeira vez, desempenhar seu dever como esposa, e assim, algum dia, nada daquilo lhe pareceria estranho.

Inclinou a taça e verteu o líquido devagar na boca do Xavian. Observou-o tragar, notando-se nos lábios que logo estariam posados sobre os seus e temendo a pressão daquele corpo contra o dela.

Baja lhe tinha contado por cima que era o que podia esperar, e lhe tinha prometido que lhe contaria mais quando a preparasse.

Ele terminou a poção e ela permaneceu a seu lado.

Como era o correto.

O festim das bodas tinha sido preparado com muito cuidado. A diferença do magnífico banquete com o que se serviriam as mesas durante a recepção formal, a comida daquele dia tinha sido escolhida para que o casal não se enchesse muito e seus sentidos se mantivessem alerta. O menu consistia em doces e frutas suculentas que lhes dariam energia e favoreceriam a fertilidade, e que deviam comer-se com os dedos.

Não mantiveram conversação alguma, simplesmente se olhavam enquanto se davam de comer um ao outro. Em uma ocasião, ele se inclinou para diante, tanto que ela pôde sentir o calor de sua pele enquanto lhe retirava o cabelo para que pudesse comer a fruta, e ela sentiu um nó no estômago pensando no que aconteceria depois. Ele inalou seu aroma e ela, ao sentir sua respiração contra o pescoço, ficou nervosa, pensando que aquela noite descobriria o segredo, a recompensa, a resposta que tanto tinha procurado durante as noites solitárias.

Layla observou como Xavian partia uma granada e lhe oferecia a metade. Os grãos adoçaram seu paladar. Depois, bebeu um pouco de chá de hortelã para refrescar a boca e viu que ele percorria seu corpo com o olhar, posando-o sobre seus peitos e fazendo que ficassem turgentes. Então ele a olhou e viu que se ruborizou. Olhou-a nos olhos e ela ficou sem respiração. Era como se tivesse a língua dormente, muito pesada para poder umedecer os lábios com ela. E desejava que ele a beijasse na boca, desfrutar de seu sabor, e não unicamente do da fruta.

Xavian se precaveu de que ela estava preparada.

Chegou o momento e Layla desejou ter podido ficar um momento mais na mesa. Que ele a tivesse beijado, que a noite não tivesse sido tão formal, que estivessem a sós. Seu estranho atrativo, seu aroma, a maneira em que a olhava, tinham conseguido que o desejo se apoderasse dela. Mas Baja a acompanhou para lhe dar um banho enquanto Xavian se dirigia à cama. Nunca havia sentido tanto pavor, mas jamais tinha estado tão excitada.

Por um lado desejava fugir pelo deserto, mas também desejava que chegasse o momento. No banheiro, as donzelas a assearam e a lubrificaram com azeites essenciais. No Haydar, tinham-lhe adornado o corpo com henna. Além das flores dos tornozelos e as mãos, no ventre lhe tinham pintado uma mariposa. Ela se estremecia ao pensar em que Xavian podia beijá-la nessa zona…

Mas Baja lhe dizia que esperasse algo diferente.

Contou-lhe que o melhor que esperasse a beijava em alguma ocasião, mas que o rei se ocuparia de tudo. Ela se levantaria a camisola. junto à cama haveria mais azeite e, com um pouco de sorte, o rei o utilizaria. Se não, como a água do banho tinha grande quantidade de azeite, seu corpo estaria suave e preparado.

Baja lhe assegurou que não lhes levaria muito tempo. Dois ou três empurrões bastariam para lhe tirar a virgindade. E posto que o rei não se teria protegido, tinha comido bem e estaria embriagado pelo aroma dos azeites nos que se banhou, terminaria logo.

Mas Layla queria mais… mais do que tinha visto à mesa.

—Posso acariciá-lo? —perguntou.

Era uma mulher perfeccionista, boa em tudo e, de repente, também queria ser uma boa amante para seu marido. Mas Baja riu, e inclusive as donzelas soltaram uma risadinha. Elas sabiam tudo sobre o rei Xavian e de sua interminável lista de mulheres. Baja tinha um primo que trabalhava no palácio do Qusay e sabia que havia amantes que estavam esperando para ver o rei assim que retornasse.

A Layla só a necessitava por um motivo. Não devia preocupar-se com esse tipo de coisas!

—Suas amantes já se ocuparão disso —Baja tratava de tranqüilizá-la, mas suas palavras caíram como pedradas sobre o corpo de Layla.

Um sentimento de ciúmes se apoderou dela. Ciúmes para as desconhecidas que se ocupariam das necessidades mais íntimas de seu marido.

—Não se preocupe, Majestade —continuou Baja, chamando-a por seu tratamento, como sempre fazia diante das donzelas —. Só terá que sofrer seus cuidados um par de vezes ao mês, até que fique grávida, e depois poderá descansar durante ao menos um ano.

Colocaram-lhe uma camisola sobre seu corpo azeitado, escovaram-lhe o cabelo e lhe pintaram os lábios antes de dá-la por terminada.

Layla abriu as cortinas e entrou em seus aposentos.

A habitação estava iluminada por velas e lâmpadas de azeite. A música seguia soando na área principal da tenda, rompendo o silêncio do deserto. Sua melodia sedutora estava destinada a lhe facilitar o caminho até seus braços.

Ele estava na cama, nu, sob o lençol de seda que cobria a parte inferior de seu corpo. Seu torso e seus braços musculosos estavam ao descoberto. Em seus pulsos se viam umas cicatrizes escuras. Ao princípio, Layla pensou que também o tinham pintado com henna, mas logo confirmou que eram cicatrizes. Deixou de lhe olhar as mãos e o olhou aos olhos, observando como a expressão arrogante de seu rosto se suavizava um pingo enquanto ela se aproximava.

Durante um instante, desejou ser sua amante, e não sua esposa.

O azeite fazia que o tecido da camisola se pegasse a seu corpo enquanto subia à cama junto a ele.

—Não fique nervosa.

—Não estou —disse Layla, tremendo.

Ele a beijou. Ela notou a pressão de seus lábios sobre a boca e como introduzia a língua em seu interior, tentou beijá-lo também, movendo a boca igual a ele.

Nunca tinha beijado a ninguém e desejaria ter mais experiência, sentia-se envergonhada por sua inocência. Não era capaz de desfrutar do beijo, só podia sentir seu membro ereto lhe pressionando a coxa, e seu tamanho fez que se sentisse ligeiramente enjoada. Confiava em que empregasse o azeite como lubrificante.

Ela levantou a camisola.

—Não há pressa —disse ele, jogando a cabeça para trás. Queria seguir beijando-a para que se relaxasse. Para que, ao menos, tentasse desfrutar de sua obrigação conjugal.

—Preferiria que terminasse quanto antes —disse ela.

«Assim, eu também», pensou Xavian, enquanto se perguntava se ficaria muito mal chamasse uma amante em sua lua de mel.

Adorava o sexo. Nunca tinha suficiente e sempre estava preparado, mas a mulher altiva que se colocou em sua cama não tinha nada que ver com a mulher sensual a que tinha alimentado e preparado. Sinceramente, se esse era seu desejo, o também queria que terminasse!

Era um homem considerado. Colocou os dedos no líquido dourado que havia junto à cama e lhe melou a pele rosada. Ao sentir o calor de seu entre perna, excitou-se ainda mais.

Layla viu que seu membro crescia ainda mais e sentiu um nó na garganta. Notava que ele tinha a mão «ali», e ao ver sua grande ereção, esteve a ponto de enjoar-se. Ele viu que estava olhando-o e notou essa mescla de terror e fascinação. Com o dedo, acariciou-lhe o sexo e se deteve sobre seus clitóris.

Ela desejou fechar as pernas. Não lhe parecia bem que ele a acariciasse ali.

—Agora, você me lubrificará de azeite gostava de acariciá-la, gostava de sentir a umidade de seu corpo nos dedos.

Layla podia sentir a pressão que ele exercia em sua entre perna e que fazia que sentisse uma revoada no estômago, enquanto colocava os dedos no azeite.

Baja não lhe tinha advertido a respeito daquilo. Ela não queria lhe tocar o membro, mas pensou que possivelmente ajudaria a que depois tudo resultasse mais fácil, obrigou-se a fazê-lo, tomou um pouco de azeite e o lubrificou sobre seu corpo, olhando para outro lado para não fixar-se em suas impressionantes proporções. Mas involuntariamente voltou a posar o olhar nele. Era muito diferente de como esperava. Sob seus dedos, a pele era suave como o veludo.

—Mais…

Ele seguia acariciando-a. E não gostava das estranhas sensações que estava experimentando. Queria ter mais controle, assim terminaria com aquela diversão. Estava no momento mais fértil. As bodas foram organizadas em função de seu ciclo menstrual. Sua maneira de reagir ante ele a incomodava. Era o momento de ser valente, de que aquilo terminasse, de recuperar a cabeça.

—Agora —retirou a mão do Xavian de entre suas pernas e se tombou—. Faz-o agora.

Xavian estava cansado de seus jogos. Tinha notado que ela se relaxou um instante; entretanto, resistia a desfrutar de suas carícias.

Uma lástima, porque era uma mulher muito bela. E poderia beijar maravilhosamente se aprendesse, e conhecer o prazer se o permitisse.

—Tire a camisola —disse Xavian.

Ela obedeceu e separou as pernas.

Xavian estava nervoso.

Pela primeira vez, sentia um pingo de temor enquanto empurrava brandamente sobre a entrada do corpo de uma mulher. Fixou-se em seu corpo para manter-se excitado e inclinou a cabeça para lhe lamber um peito. Entretanto, não obteve resposta alguma por parte dela.

Layla estava aterrorizada mas não podia demonstrá-lo. Nunca poderia lhe mostrar a ninguém seus temores íntimos. Era uma rainha: sempre segura de si mesma.

Xavian aproximou o rosto ao dela e notou as lágrimas em sua bochecha. Estava a ponto de penetrá-la e sabia que ela queria que aquilo terminasse quanto antes, que apesar de suas lágrimas silenciosas, tinha que fazê-lo, e estava zangado.

Zangado porque ela se negava a tentar desfrutá-lo, zangado por suas maneiras de mártir, zangado porque o tivesse apressado para que terminasse quando ele queria beijá-la e lhe agradar.

Uma estranha ternura se apoderou dele no último momento. Não eram suas lágrimas salgadas as que o tinham comovido, nem sua beleza a que fez que se questionasse seu dever. Era ela.

Essa imagem dela que tinha visto na mesa e, durante um instante, em sua cama.

Mas mais que isso, era a mulher que tinha entrado em sua habitação para lhe dizer que deveria havê-lo feito melhor a que o intrigava. Ela tinha insistido em conseguir o melhor dele e o estava disposto a dar-lhe.

Aquela mulher estava nervosa e Xavian se sentia culpado.

Ela tinha tido que esperar para casar-se com ele.

É obvio, não podia ser de outra maneira. Ele devia tomar a uma mulher virgem como esposa.

Devido a sua negativa a comprometer-se durante anos, lhe tinha negado esse prazer. Tinham-lhe negado o bem-estar e o consolo. Isso era o que o sexo significava para o Xavian. Um maneira de escapar, uma forma de viver o momento.

Ele podia oferecer-lhe agora, se ela o permitisse.

Tinha imaginado um futuro diferente, um futuro que também poderia ser dela se quiser aceitá-lo. Um lugar para ambos. Ele desejava que Layla também o visse, que se desaparecesse o dever e a conformidade, que o consolo que ele estava encontrando essa noite também o encontrasse ela.

—Não tem por que ser assim —titubeou ele antes de provar suas lágrimas com os lábios—. Não tem por que ser um dever —a beijou na bochecha e tentou lhe oferecer consolo, mas ela apartou a cara.

—Suas amantes podem deitar-se contigo —disse Layla—. Deixa que elas sejam quem lhe diga quão maravilhoso é…, eu só quero terminar.

—Por que ia me encontrar com uma amante? —sussurrou-lhe Xavian ao ouvido.

—Porque isso é o que fará… Eu estarei no Haydar, você estará aqui…

Assim estava ciumenta. Xavian sorriu de maneira triunfal; entretanto, ao pensar em suas palavras se precaveu de um detalhe.

A mulher que jazia a seu lado estava no mesmo nível dele.

E não só pelo fato de que era uma rainha. Desafiava-o e, curiosamente, ele queria algo mais dela.

Toda ela, possivelmente?

—Para que vamos querer ter amantes se nos satisfizermos um ao outro? —retirou-se de entre suas pernas, com uma mão lhe acariciava o traseiro e com a outra um de seus seios. Então, aproximou a cabeça a seu mamilo e o mordiscou—. Temos uma frota de aviões a nossa disposição… —a olhou—. E sempre existe o telefone.

Ela riu ao imaginar-se lhe sussurrando por telefone da cama, surpreendida pela excitação que lhe produzia pensar nos jogos que podiam jogar, e no fato de que pudessem construir suas próprias vidas, e de que os costumes antigos não tinham por que continuar.

—Meu dever é te satisfazer, Layla — introduziu seu mamilo na boca e sugou com força até que ela se retorceu de prazer—. E, apesar de minha atuação anterior, sim tomo a sério meus deveres… Não quererá ir pelo mau caminho…

—O mau caminho?

—Se não estar à altura que deveria estar um marido… —disse Xavian, deslizando a língua por seu corpo até chegar ao desenho da mariposa e sentindo a suave curvatura de seu ventre na bochecha.

Layla se precaveu de que lhe atribuía os mesmos direitos que tinha-o. Ela sabia que isso acontecia. Sua irmã Noor estava casada com um príncipe impotente e ela tinha permissão para ter um amante de maneira discreta… Era diferente, porque sua irmã era princesa e ela era a rainha, mas por que ia necessitar um amante?

Xavian começou a acariciá-la de novo enquanto lhe beijava o ventre, tocando com as mãos e a boca o que tinha direito a desfrutar, transportando-a a um novo mundo, compartilhando com ela o segredo de que aquele era seu direito. E então, moveu a cabeça para baixo e beijou uma mariposa diferente. Nesse momento soube que ela era sua.

Como gostava das mulheres.

Como gostava de sentir que se voltavam loucas sob suas mãos. Mas nunca havia sentido tanto prazer como quando o cinismo da Layla se derretia sob seus lábios. Acariciou-lhe o clitóris com a língua e notou como lhe tremiam as coxas. Para ouvir que gemia, soube que estava preparada. Mas primeiro queria conseguir que o beijasse, assim posou os lábios sobre os dela e, essa vez, Layla o beijou.

Ela introduziu a língua em sua boca e lhe mordiscou o lábio. Depois, o beijou de maneira apaixonada e enterrou os dedos em seu cabelo. Pressionou seu corpo contra o dela, quase esquecendo-se de sua inocência, porque Layla estava desesperada para que a possuísse. Layla soluçou quando ele a penetrou, e apavorado por sua própria ferocidade, temendo ter sido muito brusco, levantou a cabeça, viu suas lágrimas e controlou a si mesmo… Mas Layla estava desatada sob seu corpo, como se fosse livre. Como se ele a tivesse liberado, porque ela o beijava na bochecha e o sujeitava para que a penetrasse. Primeiro devagar, e depois cada vez mais depressa. E com cada movimento, ela desejava mais.

—Terminou… — Baja tinha estado passeando de um lado a outro mas para ouvir gemer a sua senhora se sentou com as donzelas, orgulhosa de sua rainha e alegrando-se de que aquela noite tivesse terminado para ela. Mas os gemidos continuaram, e as donzelas permaneceram sentadas com a cabeça agachada—. Logo terá terminado…

            Layla desejava que aquilo não terminasse nunca.

            Apesar de que lhe tinham contado o que podia esperar, ela tinha sonhado como poderia ser aquela noite, mas nada se ajustava à idéia que se tinha feito! Xavian a tinha transladado a um lugar onde podia ser ela mesma, uma pessoa melhor, uma verdadeira mulher. E a abraçava enquanto a possuía, e com cada movimento lhe provocava uma sensação diferente, mas sobre tudo, fazia que se sentisse segura. Ardiam-lhe as coxas, sentia tensão no estômago e notava a bochecha do Xavian junto à sua. Quão único ouvia era sua respiração enquanto ele se movia devagar. Ela arqueou os quadris para que a penetrasse mais depressa, mas ele não se deixou levar. Se acaso, começou a mover-se mais devagar ainda, enquanto lhe suplicava com os movimentos de seu corpo.

Nada mais penetrá-la, Layla havia sentido uma queimação. Entretanto, enquanto se movia devagar, notava uma dor diferente. Pronunciou seu nome, suplicando. Logo que reconhecia sua própria voz, aquele soluço, aquele gemido que provinha de seus lábios. Cravou os dedos em suas costas, lhe pedindo que se movesse ao mesmo ritmo que ela, entretanto, não obedeceu. Ela se estremeceu e ele a penetrou com mais força ao ver que se desfazia sob seu corpo. Xavian queria reunir-se com ela, mas a chegada ao clímax era maravilhosa. O ar parecia mais limpo, os sons mais vividos, as cores mais brilhantes. Ele desejava permanecer ali, encontrar a resposta do que aconteceria se ficasse, se aventurasse a um lugar desconhecido…

A beijou nos lábios e a olhou aos olhos, lhe mostrando uma maneira diferente.

—Assim é como poderia ser.

Ela acreditava que seu corpo estava esgotado, mas não era certo. Ele a abraçou e começou a lhe beijar as pálpebras, a boca, o rosto, as orelhas enquanto a penetrava ao ritmo que ela arqueava os quadris. Ela gemia e suplicava porque sentia que estava ao limite mas não se atrevia a aventurar-se. Xavian já tinha passado a fronteira e se movia muito depressa. De repente, ficou quieto e derramou sua essência. Ela se estremeceu com força e começou a sacudir o corpo enquanto ele se esvaziava em seu interior. Então, o acariciou devagar, fazendo que voltasse para a realidade e experimentasse uma quietude que não tinha experimentado nunca.

Enquanto seus corpos se esfriavam e a beijava para lhe dar a bem-vinda ao mundo real, repetiu:

—Assim é como poderia ser.

 

Xavian dormiu logo.

Inclusive dormindo, permanecia alerta. Atento aos sonhos que o invadiam e tratando de evitá-los. Era muito orgulhoso para permitir que suas amantes notassem sua tensão, e por isso lhes pedia que partissem em seguida. Mas não era tão fácil pedir-lhe a sua esposa na noite de núpcias.

Ele tinha decidido permanecer acordado. Ia dormir de dia, no deserto, em um lugar protegido que conhecia bem. Entretanto, pela primeira vez em muitas noites e, certamente, pela primeira vez com uma mulher em sua cama, o sonho se apoderou dele.

Percebia seu aroma e sentia seu quente corpo a seu lado, mas havia algo mais. Sua maneira de fazer amor tinha tido o efeito de um bálsamo. Nunca se havia sentido tão satisfeito e, embora a tinha abraçado e sua intenção não era mais que dormitar1, ficou-se profundamente adormecido.

Ouvia o som de uns sinos e se encontrava em um palácio.

Não era seu palácio. Seria o palácio do Haydar? Não, ao ver as fotos das paredes soube que aquilo não era um sonho, a não ser uma lembrança.

Podia ouvir o som desinibido de uma risada, e provinha de um menino que se parecia com ele.

Havia um passarinho!

Um passarinho de cor cinza prata que tinha entrado no palácio e provocava o caos.

Ele corria e ria enquanto o perseguia pelos corredores.

Uma sensação de júbilo se apoderava dele enquanto as donzelas tratavam de encurralar ao pássaro com as vassouras. Mas o pássaro batia as asas e saía voando, como que burlando-se deles. O menino ria a gargalhadas, com uma alegria que provocava que se esquentasse o sangue que corria por suas veias, e que normalmente fluía gelado.

 

Dormitar1 – tirar um cochilo

 

Uma alegria genuína, como a que nunca tinha conhecido.

Nesse momento era capaz de senti-la.

Apesar de que o estavam arreganhando.

Recordava o oco que tinha deixado seu dente de leite e que mostrava ao sorrir.

Também o rosto que reconhecia como o de sua mãe quando lhe pedia que saísse dali.

Adorava aquele sonho, adorava esse lugar, esse palácio onde os meninos ainda riam.

Gostava de sentir os dedos de Layla sobre seus ombros, o sussurro de sua respiração nas costas enquanto sonhava.

Havia uma praia. Água, diversão e a liberdade do imenso mar. As carícias dos dedos de Layla sobre sua bochecha… Então, a inocência terminou. O mundo seguro daquele menino terminou quando enfrentou ao medo pela primeira vez. Um medo real que o invadiu por dentro e lhe roubou a juventude em questão de segundos.

Havia sangue na água. Tinha o coração acelerado e desejava retornar ao mundo real. Estava preso em um sonho e queria despertar, porque logo os lençóis ficariam empapados em suor e sabia que estava a ponto de gritar.

Devia despertar antes que ela presenciasse a realidade. Mas não lhe deu tempo: um grito invadiu o silêncio da noite, seu corpo estava rígido, seu coração pulsava de forma acelerada, e então sentiu algo inesperado.

O pesadelo lhe resultava muito conhecido. O que era inesperado era o consolo de seu abraço, sentir os lábios de Layla sobre a nuca e a estranha sensação de calma que lhe proporcionava.

Graças aos sinos Layla tinha ouvido que Baja e as donzelas se retiravam aos aposentos dos serventes e sabia que já estavam a sós de verdade.

O matrimônio se consumou.

Tinham completado o dever.

Layla nunca tinha compartilhado a cama e, embora estava cansada, era muito consciente do homem que tinha a seu lado.

Lhe tinha dado as costas ao ficar dormido. Ela ouvia o som de sua respiração e também o do vento do deserto.

Cada deserto tinha um canto diferente e, aquela noite, o deserto do Qusay cantava com força enquanto ela tentava dormir.

Xavian era verdadeiramente atrativo.

Inclusive dormindo, de costas a ela e na escuridão, podia sentir sua estranha beleza. Graças a ele se tornou mais valente. Porque não resistia quando sentia a chamada. Estirou a mão e lhe acariciou as costas.

Desejava lhe dar a volta e abraçá-lo, mas ele estava profundamente dormido e não se moveu ao sentir suas carícias.

Assim não era tão valente.

Acariciou-lhe o braço e depois o pulso, sentiu a cicatriz sob seus dedos. Então notou que ele se movia e retirou a mão, consciente de que o tinha importunado.

A partir daí, começou a tormenta.

Seu temor foi tão imediato que, durante um momento, Layla pensou que tinha acontecido algo de verdade. Um fogo, um terremoto, ou um ladrão. Ao ver que ficava tenso e que respirava de forma acelerada, esperava que saltasse da cama e que a ameaça se fizesse patente.

Todo isso aconteceu em segundos, e quando gritou, ela compreendeu tudo.

O medo era real, a ameaça estava presente, mas só para o Xavian.

Precaveu-se de que estava tendo um pesadelo e sabia que ele não quereria que ela o presenciasse. Sabia que o correto seria dar a volta e fingir que estava profundamente dormindo, que seu grito não a tinha despertado e que continuava dormindo quando ele se sentasse na cama e acendesse a luz, mas mesmo assim, abraçou-o.

Não falou com ele, só o abraçou e o beijou nas costas com delicadeza. Sujeitou-o entre seus braços até que seu coração começou a pulsar mais devagar, até que se acalmou sua respiração. Então, Layla compreendeu que não só tinha ao Xavian entre seus braços, mas também seu segredo.

Um segredo do que não devia falar.

Um segredo que pertenceria unicamente ao Xavian, até que ele decidisse compartilhá-lo.

 

Pela manhã, Xavian não podia olhá-la aos olhos.

Sua dor de cabeça melhoraria tomando um café, mas se sentia envergonhado e não gostava dessa sensação.

Quando as donzelas entraram para preparar a habitação para o café da manhã, ele olhou a Layla e viu que esta se ruborizava quando acenderam as luzes e se sentava para que lhe arrumassem os travesseiros. Depois lhes colocaram uma bandeja sobre as pernas cheia de fruta, iogurte, doces, café, chá e leite adocicado. Ele estava seguro de que ela se envergonhava de que ele tivesse gritado, mas se surpreendeu ao ver que quando partiram as donzelas Layla se cobriu a boca com a mão e soltou uma risadinha.

—Banharam-me, vestiram-me… —disse ao recordar que estava nua sob os lençóis —. Eu não gosto que entrem aqui.

Tampouco gostava.

Ela se ruborizou de novo, mas por um motivo diferente. Ele retirou a bandeja, levantou-se da cama e se colocou nu diante dela.

—O que gosta de comer?

Ela franziu para ouvir sua pergunta.

—Bolachas.

—E para beber?

—Leite adocicado.

Ela o observou enquanto colocava uma toalha na cintura, tomava a jarra do leite, a do café e as taças da bandeja e as punha sobre a mesinha de noite. Tomou a bandeja de bolachas e colocou os pratos sobre a cama e, provavelmente pela primeira vez em sua vida, o rei retirou a bandeja.

Levou-a para fora e ela escutou o som dos sinos enquanto percorria o corredor. Depois Xavian retornou, tirou-se a toalha e se meteu de novo na cama.

Ela sabia o que aconteceria depois.

De novo, ouviram-se os sinos. Era Baja que corria a ver o que acontecia.

—Não queremos que nos incomodem —disse ele.

Baja ficou em silêncio um instante e partiu.

—Este é nosso espaço —disse Layla, olhando ao Xavian aos olhos.

E ele se sentiu tremendamente agradecido pelo fato de que não lhe tivesse feito nenhuma pergunta a respeito do que tinha acontecido a noite anterior. Agradecido porque ela o tivesse aceitado sem mais.

—Assim tem seis irmãs?

Ele estava deitado de frente, bebendo café. Layla estava sentada na cama bebendo leite adoçado com mel e comendo bolachas. Xavian passou muito tempo tomando o café da manhã, só estando com ela e lhe contando histórias que nunca tinha compartilhado com ninguém, porque realmente não tinha ninguém com quem fazê-lo. Histórias como a do Akmal escutando detrás da porta. Histórias estúpidas, possivelmente. Histórias que nunca lhe tinham parecido importantes, e que de repente o eram.

—E se dão bem?

—Às vezes —riu Layla—. Mas nunca todas de uma vez! —ela se fixou em que tinha franzido o cenho com confusão—. Sempre falo com um par delas e não com outras duas, mas sempre nos preocupamos umas com as outras… Provavelmente agora estejam todas preocupadas comigo.

—Por que?

—Porque estou aqui… É obvio, não têm por que preocupar-se. Já sabem que será um bom marido e me dará herdeiros —sorriu e o olhou aos olhos—. Não é necessário que se preocupem.

Xavian estava surpreso. Ela rompia todos os moldes.

Desafiava-o, satisfazia-o… e lhe oferecia algo do que apenas podia desfrutar de rei: conversação.

Uma conversação sincera que não podia ser anulada pelo status. Uma mente e uma voz que não podia calar nenhum título.

Ele nunca tinha imaginado que sua esposa, sua obrigação como rei, contribuiria-lhe com algo assim.

É obvio, ser rei era uma honra, mas sempre lhe haviam dito como devia sentir-se, quem era e como devia comportar-se.

Entretanto, a noite anterior havia sentido que o tinham escolhido por ser ele mesmo.

E ela tinha querido mais. Mas Xavian não estava seguro de poder oferecer algo que desconhecia.

A si mesmo.

—Te teria gostado de ter irmãos?

Ele negou com a cabeça.

—Não tem sentido desejar algo que não se pode mudar. Em qualquer caso, tenho três primos. De pequenos jogávamos juntos. São como irmãos.

—Um deles é Kareef? —perguntou Layla, porque sabia algo a respeito de seus primos—. O vê muito?

—Está ocupado governando Quais. Falamos ocasionalmente.

—E o do meio?

—Rafiq. É empresário, sempre está trabalhando e viajando — Layla se fixou em que tragava saliva—. Ao Tahir não o vejo — continuou antes que ela perguntasse para poder trocar o tema—. Leva fora algum tempo…

—Então não são como irmãos — disse Layla—. Ou ao menos, não irmãos próximos.

—Como já te hei dito, não se pode sentir falta do que não se conhece.

—Eu não posso imaginar não poder falar com minhas irmãs — sussurrou ela—. É obvio, há coisas que não me atreveria a lhes contar… Baja sabe algumas…

—Como qual?

Ela negou com a cabeça, mas lhe picava a curiosidade.

—O que sabe Baja que não possa lhe contar a suas irmãs?

—Nada.

—Me conte…

—Não.

—Pode fazê-lo…

—Não posso.

—Poderia.

Layla duvidou um momento, seus sentimentos eram muito volúveis para compartilhá-los, inclusive com o homem que era seu marido. Assim que lhe ofereceu uma semente, uma que confiava que ele tratasse com cuidado. Só uma pequena semente, em lugar do vasto jardim de sua mente.

Uma pequena semente sobre como, de adolescente, tinha sonhado com um príncipe. Xavian a beijou na bochecha e se desculpou por havê-la feito esperar tanto.

E assim, pouco a pouco, apesar de suas próprias regras, ela começou a confiar nele.

 

Layla não pediu seu computador, e tampouco Xavian saiu a passear ao deserto.

O mundo podia esperar, porque tinham estabelecido novas prioridades.

Não importavam os motivos pelos que se casaram; seus pais, embora sem dar-se conta, tinham razão.

Já não só era um assunto oficial.

No início, Baja temia por sua rainha por causa daquele bruto que se impôs a ela. Tinha retirado as sementes de papoula de seu elixir noturno, tinha reduzido a quantidade de pinhões, mas o potente efeito das primeiras bebidas não terminava de passar. Layla estava como enfeitiçada, inclusive um par de manhãs depois, enquanto a banhavam, não falou de outra coisa que não Xavian.

—É maravilhoso, Baja… — disse Layla enquanto uma donzela lhe lavava o cabelo—. Falamos sobre algo.

—O que lhe conta? —perguntou Baja.

—Muitas coisas — admitiu Layla—. É meu marido. Sem dúvida poderei lhe confiar algo, não?

—Eu terminarei… — Baja agarrou a jarra de água que tinha a donzela e lhe pediu que partisse. Enquanto vertia a água sobre o cabelo da Layla acrescentou—: Já sabe que me preocupo com ti.

—Sei — disse Layla enquanto Baja lhe enxaguava o cabelo.

—Sempre é tão cuidadosa…

—Sou — respondeu Layla entre dentes.

—É obvio que o é…

Pobre Baja…, pensou Layla. Tentava escolher suas palavras com cuidado. Apesar de que a tinha criado depois da morte de sua mãe e podia dirigir-se a ela como nenhuma outra pessoa poderia dirigir-se à rainha, devia tomar cuidado com o que dizia.

—Mas ele é o governador de outro reino. Seu coração pertence ao povo do Qusay — disse Baja—. Sempre será sua prioridade.

—Como deve ser — disse Layla, pensando em que ela também daria sempre prioridade a seu povo.

—Lutaste muito para chegar a governar, Layla — disse a donzela enquanto lhe aplicava óleo ao cabelo—. Se o rei soubesse o exaustivo que te resulta… — fez uma pausa—. Quererá te ajudar.

—Não vou entregar lhe meu reino…

—É obvio que não. As minas de safira são abundantes, e conhece o bem que pode fazer.

Layla fechou os olhos.

Sabia o que Baja estava insinuando. Haydar tinha muito potencial e o sonho da Layla era ver como prosperava seu país, explorá-lo com cuidado, construir hospitais e escolas. Xavian teria os mesmos sonhos que ela?

—Xavian é um rei poderoso — comentou Baja—, mas para um rei nunca é suficiente.

—Não vou entregar lhe… — Layla poderia atribuir ao sabão as lágrimas que afloravam em seus olhos—. Mas se ele soubesse o muito que me esgota, o peso que supõe para mim… Compartilhá-lo com meu marido não pode ser…

—Os segredos são as armas dos homens… — a interrompeu Baja—. Guarda-os bem.

Layla não repreendeu a Baja porque, embora não gostasse do que tinha ouvido, valorizava sua opinião e sabia que a mulher falava sem malícia.

Ela desejava o melhor para o povo. Haydar era sua paixão, e ninguém lutaria por seu país do mesmo modo que ela. Muito menos, o rei de outras terras.

Baja tinha razão. Era muito importante que mantivesse o coração separado da cabeça.

Um marido estupendo, um amante sensual, e possivelmente um amigo…, mas não era necessário que Xavian soubesse tudo o que pensava ela.

Enquanto Baja enchia a jarra para lhe enxaguar outra vez o cabelo, abriram-se as cortinas e Layla se fixou em que sua donzela ficava tensa.

Era o rei.

—Me permita — disse ele. Retirou a jarra da mão de Baja e esperou a que esta partisse. Layla se perguntou se teria escutado sua conversação e esperou sentada enquanto lhe vertia a água sobre o cabelo.

—Supõe-se que não deve ver como tomo banho.

—Por que?

—Deveria ver-me só quando estiver bonita.

—Agora está muito bonita — disse Xavian.

Estava farto dos protocolos, das donzelas, e dos serventes que invadiam seu espaço. De Baja, e de que se sentasse em silêncio, vigiando a Layla.

—Estou farto dos serventes — admitiu ele enquanto se despia e se metia na banheira com ela—. Farto de que Baja sempre ande rondando por aqui, e de que o músico toque todas as noites.

Layla riu.

—Às vezes é cansativo.

—Podemos despachá-los.

Layla o olhou assombrada.

—A todos — disse Xavian—. Podemos enviar os de retorno ao palácio.

—E quem me banhará? — soltou uma risadinha, mas Xavian lhe respondeu com as mãos.

—Quem cozinhará?

—Nós.

—Não se… — sozinha com ele, sem Baja para tranqüilizá-la… Ele era muito perigoso, uma ameaça para seus princípios. Layla não sabia o que fazer, assim continuou banhando-o enquanto ele fazia o mesmo com ela —. Lhes diremos que sejam mais discretos —lhe jogou água pelos ombros—. Eu estou acostumada a ter gente ao redor. Deveria ter seis irmãs! —notou que se relaxava sob suas mãos e conseguiu que se risse com as histórias de quando eram pequenas e dos problemas que causavam às donzelas.

De repente, também começou a lhe contar histórias.

—Eu recordo ir ver meus primos. Sempre estavam discutindo e brigando. Só riam às vezes… Depois, retornava ao palácio, e então sentia falta de não ter irmãos — disse Xavian, franzindo o cenho ao dar-se conta de suas palavras e retificou—. Sentia falta de ter irmãos.

—Assim que se pode sentir falta do que não se teve! —disse Layla com um sorriso—. E na escola? —pergunto—. Todo mundo queria fazer-se amigo do futuro rei?

—Aprendia em casa — a olhou aos olhos e se justificou com ela—. Sim, sentia-me sozinho.

Falava com tanta sinceridade que, pouco a pouco, ela também foi confiando nele. Inclusive lhe contou sobre Noor, porque logo iriam ao Haydar e toda a família sabia. Ele nem sequer arqueou uma sobrancelha e sua resposta surpreendeu a Layla.

—São felizes?

—Sim — Layla pestanejou—. Ahmed ama a Noor de muitas maneiras, embora não na maneira íntima de um marido. Tinham que casar-se, estavam prometidos desde meninos.

—Como nós?

—Como nós — assentiu Layla—. É melhor que Ahmed lhe contasse seus segredos. Agora ambos tem uma vida estupenda e o povo está contente.

Xavian ficou pensando no tempo que tinham perdido.

—Possivelmente se nos tivéssemos conhecido antes, se tivéssemos falado…

—Conhecemo-nos — lhe corrigiu Layla—. Eu estive a seu lado durante a coroação de Aristo. Esperava que ao menos reconhecesse a minha presença, mas depois de que passou a rainha… — a humilhante lembrança fez que se ruborizasse—. Me desprezou.

—Eu não…

—Sim — Layla se engasgou ao sentir que a raiva se apoderava dela. Não queria abrir velhas feridas, mas lhe tinha feito mal —. Me transpassou com o olhar.

—Esse dia tinha outras coisas em mente.

—Como o que? O que era tão importante como para não poder sorrir a sua prometida?

Suas mãos já não conseguiam acalmá-la e suas perguntas começavam a ser muito indiscretas.

—O que te passou aqui? — ela tentou trocar de tema e lhe acariciou as cicatrizes das bochehcas com o dedo.

—De pequeno estive doente —respondeu Xavian olhando-as cicatrizes. E embora a água estava temperada, de repente sentiu frio. Recordava o motivo pelo que estava distraído durante a coroação, e como a rainha Stefania tinha posto cara de assombro ao ver suas cicatrizes. De repente, Xavian sentiu a necessidade de lhe explicar a Layla por que as tinha, e era importante que ela acreditasse—. Estive muito doente. Tinha ataques… e tiveram que me atar à cama. Às vezes delirava e me voltava sonâmbulo…

—Ah. E lhe atavam à cama? —acariciou-lhe as cicatrizes com cuidado—. O que te passava?

Ele retirou as mãos do pulso.

—Por que estava tão doente?

—Tem importância?

—Possivelmente —o desafiou Layla. Ao fim e ao cabo ia ter filhos deles e ninguém lhe tinha contado nada a respeito —. O que te passava?

Xavian saiu da banheira, enrolou-se uma toalha à cintura e, pela primeira vez desde que tinham chegado ao deserto, sentiu que necessitava seu próprio espaço. Precisava estar sozinho. As perguntas da Layla o estavam pondo nervoso.

—Hoje vou ao deserto.

Layla não compreendia aquela mudança. Ele a deixou tiritando na água, e confusa. Ela se cobriu com uma toalha e o seguiu até o dormitório, onde ele se vestiu sem ajuda.

—Acreditava que íamos passar tempo juntos…

—Você não quer — comentou Xavian—. Te sugeri que nos despedíssemos do serviço, que tomássemos tempo para nos conhecer, mas se preocupa quem nos preparará a comida…

—Não — disse Layla, convencida de que isso não era o que lhe tinha incomodado. Seu humor tinha trocado como resultado de suas perguntas sobre as cicatrizes—. Não me preocupa a comida…

—Se preocupa quem te banhará…

—Disse que me banharia você…

Ele se tinha vestido com uma túnica branca que refletiria o calor e que acentuava sua tez escura e a barba incipiente. Ela seguia envolta em uma toalha e se negava a permanecer calada.

—Quanto tempo estará…?

Ele soltou uma gargalhada.

—Por que? Se preocupa que te queime o jantar? — a enorme tenda era muito pequena, o olhar de Layla muito intenso e sua presença muito invasiva. Ele precisava sair dali—. Retornarei quando me agradar.

 

O deserto o ajudava. Ali fora, no silêncio, poderia respirar, poderia pensar, embora não quisesse.

De menino tinha aceitado a explicação que sua mãe lhe tinha dado em relação às cicatrizes.

—Estava doente, Xavian — os olhos estavam cheios de lágrimas enquanto tentava responder as perguntas de seu filho—. Foi tão débil… E logo, quando fez sete anos, foi como um milagre. Melhorou pouco a pouco…

Lhe tinha contado coisas sobre sua enfermidade e sobre os ataques, mas sempre ficavam perguntas. De adolescente, a curiosidade lhe tinha feito falar com o doutor do palácio quando foram ensinar-lhe como conduzir um Jipe no deserto.

—Posso conduzir?

—É obvio.

—Dão-me ataques…

—Faz muito tempo que não lhe dão, Xavian — lhe havia dito o doutor—. Já te passou.

Caminhou durante horas e depois se sentou a observar a extensão de areia dourada que governava. Depois, arregaçou a manga da túnica, olhou as cicatrizes e voltou a perguntar-se: quem ataria a um príncipe com uma corda?

Podia sentir a corda. Permaneceu ali sentado, e o deserto era mais paciente que seus pais, porque permitia que perguntasse em lugar de fazê-lo calar.

Ali podia pensar, e refletir.

Depois da morte de seus pais tinha vagado durante dias, pedindo sabedoria para guiar a seu povo.

Tinha estado ali depois da coroação da rainha Stefania de Aristo, tinha ido em busca de paz. Aquele dia não tinha ignorado a Layla de propósito; de fato, tinha tido a intenção de intercambiar com ela umas palavras, conhecer algo a respeito da pessoa com quem ia se casar irremediavelmente, mas a coroação lhe tinha provocado sentimentos estranhos, embora não lembranças.

Sentimentos que Xavian sabia que era melhor evitar. E o tinha tentado.

Tinha ido a Europa, tinha saído de farra, tinha desempenhado o papel de playboy, entretanto, nada acalmava sua inquietação.

Ali sentado, no deserto, desejou poder sossegar sua mente e que houvesse silêncio, mas o vento lhe pedia que escutasse, e a areia dourada se levantava, salpicando-o como se estivesse no mar… Lhe pareceu ouvir a risada de um menino. Era o vento, mas o som era muito similar.

Sentado no deserto experimentava uma estranha sensação de liberdade.

Layla o tinha acalmado, mas também tinha conseguido inquietá-lo.

O fazia sentir algo que não podia descrever, e que o empurrava a questionar-se.

Não permitiria mais perguntas.

Tombou-se e olhou o céu azul… Fechou os olhos para não olhar ao sol e, ao baixar a mão, em lugar de tocar a areia sentiu que seus dedos se introduziam na água fria do mar. sentou-se de repente e se olhou a mão seca, esperando encontrar molhada. Sabia que lhe estava acontecendo outra vez, que a loucura estava apoderando-se dele…

Assim era o governante do Qusay?

Não queria voltar-se louco, não queria pensar, e tampouco queria escutar… Porque tinha medo de obter respostas.

Quando escureceu, Xavian retornou à tenda e se precaveu de que estava pouco iluminada.

A mesa estava servida e as velas acesas, mas Layla não estava esperando-o.

—A rainha estava cansada — lhe explicou com nervosismo uma das serventes. Estava nervosa porque uma boa esposa teria esperado a seu marido—. Se retirou já para a noite.

Xavian não tinha fome e tampouco estava cansado.

Inquieto, entrou no dormitório e viu que ela fingia estar dormida.

—Sei que está acordada.

Layla se encolheu de ombros, mas permaneceu com os olhos fechados.

—Então deveria saber que finjo estar dormindo porque não quero falar contigo.

Sua sinceridade fez que Xavian soltasse uma gargalhada. Então ela abriu os olhos.

—É tarde — disse Layla—. Vejo que é o bastante preparado para saber que o deserto é perigoso pelas noites.

—Estou acostumado ao deserto.

—De noite não, sem comida, sozinho…

Xavian apagou a luz e se meteu na cama com ela, mas não conseguiu descansar.

Fazia pouco tinha falado com o médico do palácio e tinha necessitado muito valor para fazê-lo. Tinha-lhe comentado seus medos e o doutor lhe tinha recomendado que não o comentasse com ninguém, e que as sensações de deja vu, às vezes eram a manifestação leve de um ataque. Tinha-lhe dado umas pastilhas, umas pastilhas pequenas que Xavian tinha aceitado mas que não pensava tomar.

Não confiava naquele doutor.

Claro que a paranóia não era outro sintoma da loucura?

Tombou-se de frente e tentou fechar os olhos.

Não podia confiar nem no Akmal, como ia dizer lhe que às vezes o Rei duvidava de seu próprio estado mental?

—Xavian? —Layla se aproximou dele e o abraçou. Ele a deteve e a retirou de seu lado, zangado ao sentir sua confusão.

Fechou os olhos e tratou de dormir, mas cada vez que dormitava sentia como se estivesse na água, parado no meio do mar. Notava o movimento das ondas sob seu corpo, e o sol queimando sua pele.

Não podia ir-se a nenhum outro lugar, e na tenda não havia aposentos para as mulheres, de forma que não podia jogar a sua mulher.

Ali no deserto, por muito que tentasse que não fora assim, estava-se voltando louco. O medo, um medo intenso que nunca tinha experiente, fez que fora ele quem acariciasse a Layla. Porque estava suave, quente, viva.

—Xavian, o que ocorre?

Ele não pôde responder, porque não sabia, assim sossegou as perguntas com seus lábios.

Layla se tinha assustado ao ver que ele estava fora tanto tempo. Também quando tinha retornado de mau humor e nervoso. E se havia sentido envergonhada quando ele se colocou na cama e a tinha rechaçado. Mas nesse momento, quando ele a beijou deixando-a sem respiração, não sentiu medo. Uma vez mais sentiu o que recentemente tinha descoberto.

Seu corpo, e a deliciosa chama que se prendia quando estavam juntos.

Estava confusa, mas não assustada. Sabia bem que aquele homem, seu marido, necessitava o que ela podia lhe dar.

Lhe levantou a camisola e ela elevou os braços para que o tirasse.

Xavian tinha sabor de sal e a deserto, uma mescla muito masculina. Sua barba incipiente lhe arranhava o rosto, e com os joelhos lhe separava as coxas. Mas ela resistiu. Moveu-se até colocar-se em cima dele, escarranchado, e Xavian não se impressionou.

Ele queria desafogar-se. Tinha-a procurado e…

Não queria fazer o amor devagar. Possivelmente mais tarde.

Mas ela o beijava na boca, no peito, mordia-lhe os bicos do peito e lhe lambia a pele, e tudo colocada sobre seu membro. Ele podia sentir seus peitos sobre o torso e desejava tocar-lhe assim que a retirou para acariciá-la…

E para a Layla foi uma revelação que pudesse ser tão atrevida para negar-se e prolongar o momento. Porque ele tinha começado a acariciá-la. Com uma mão, os peitos; com a outra, a entre perna.

Ela perdeu o ritmo, mas ele a sujeitou pelos quadris e a guiou até a ponta de seu membro para que baixasse depois. Fez-o uma e outra vez, até que ela gemeu seu nome e a penetrou com força até que ficou rendida entre seus braços.

Ele permaneceu convexo na escuridão, escutando o forte vento do deserto.

Podia cheirar os óleos doces com os que Layla tinha lubrificado seu corpo, podia sentir o peso de seus peitos na mão, escutar sua respiração… e possivelmente tinha conseguido seu desejo, sua resposta.

Sim ela ficava a seu lado cada noite, possivelmente dormir resultasse mais fácil. De algum modo, Layla lhe permitia descansar, e sonhar. Então ouviu sua própria voz.

—Por que me ataram com cordas?

Fez-se um comprido silêncio. Xavian sabia que ela não podia responder, mas Layla lhe levantou a mão e ele sentiu seus frios lábios contra a cicatriz. Então se voltou a ouvir sua voz.

—Começo a recordar.

—A recordar o que? —perguntou ela depois de uma pausa.

—Não sei.

Layla só sabia que aquilo era vital e que necessitava toda sua atenção. Sentou-se na cama e acendeu a luz. Quando a luz invadiu a habitação, ela observou que ele ficava sério e se precaveu de quão tola tinha sido… Tinha atuado como se tratasse de um dever, e não como teria atuado uma esposa, e muito menos uma amante. Deveria haver ficado deitada na escuridão, lhe sujeitando a mão, mas já era muito tarde.

—O que é o que começaste a recordar?

—Esquece-o — Xavian se deitou de lado, e dessa vez não foi um gesto de confiança.

—Xavian?

—Durma.

Foi nesse momento quando Layla se precaveu de que o tinha perdido.

 

Ao ver o palácio do helicóptero, Layla ficou sem respiração. Com o sol do meio-dia, brilhava como uma jóia. As pedras semipreciosas que estavam incrustadas nas paredes refletiam a luz e faziam que o palácio parecesse um oásis em metade do deserto.

Ela o tinha visto na sua chegada, mas estava tão nervosa pelas bodas que não se fixou. Além disso, aproximando-se do deserto, o palácio tinha um aspecto muito diferente a quando se aproximaram desde mar… Todo era diferente. Já era uma mulher casada e não precisava levar véu, mas era algo mais que isso. O homem que tinha a seu lado não só tinha despertado sua sexualidade, mas também lhe tinha dado algo mais, algo inesperado, e o amava.

Apesar do reservado que era, amava-o.

—É precioso… — disse Layla.

Xavian só se encolheu de ombros.

Layla nem sequer estava segura de que ele quisesse seu amor. Ela nunca tinha tido uma relação e não tinha nenhuma referência para guiar-se. Sua relação sexual era maravilhosa… Ela se despertou pela manhã com o Xavian beijando-a e, antes de abrir os olhos, já tinha chegado ao orgasmo. Mas enquanto tomavam banho e se vestiam, tinha começado a notar sua distância. O homem que estava sentado ao seu lado era como um livro fechado.

Falavam sobre coisas sem importância. Bom, possivelmente sim fossem importantes, palácios e reinados, só que esse tipo de coisas já não o pareciam.

Olhou a Baja, mas claramente esta não via nenhum problema no comportamento distante do Xavian. Sua donzela lhe havia dito que não esperasse muito mais, mas Layla não podia evitá-lo.

Pelas noites, Xavian saciava seus sonhos mais selvagens e ela desejava não só seu corpo, mas também sua alma. Desde aquela noite não tinham trocado palavras duras, mas após ela Xavian despertava antes do amanhecer e partia ao deserto, para retornar a casa depois de que escurecesse. A cercania que tinham começado a obter se interrompeu de repente.

—A gente já chegou!

Inclusive do céu, Layla viu que o palácio bulia de atividade. Fixou-se nos aviões privados e nos helicópteros, e compreendeu que muitos dignatários e membros da realeza já tinham chegado para assistir à recepção que se celebraria ao dia seguinte; sentia-se aliviada de não ter que recebê-los até então. Tinha estado fora uma semana e nem sequer tinha ligado o computador, nem falado com seus assessores, assim com certeza que tinha muito que fazer!

—Oxalá minhas irmãs chegassem hoje… — se fixou nos jatos e tratou de averiguar sua procedência, mas Xavian não mostrou nenhum interesse.

Depois de aterrissar os levaram a uma zona do palácio afastada de onde se hospedavam os convidados, e Xavian lhe mostrou os arredores. Os frondosos jardins, as portas secretas, os passadiços e o dormitório real que compartilhariam quando Layla estivesse no Qusay. Era impressionante, a cama era tão grande que deveria ter estado no centro, mas foi a banheira no chão o que chamou sua atenção.

—Pode banhar-te e contemplar o mar se o deseja — disse Xavian, abrindo as janelas grandes para lhe mostrar a vista. Ao ver sua cara de terror, acrescentou—: Ninguém pode ver-te.

—E se houver alguém passeando pela praia? —perguntou Layla, e saiu com ele ao balcão.

—Esta baía só podemos utilizá-la nós — lhe explicou Xavian—. Estas escadas são o único acesso que tem. Há outra parte de praia que é de uso exclusivo para o palácio, mas este é só para nós.

Era um lugar maravilhoso. O desenho do palácio proporcionava completa privacidade, essa ala estava orientada de forma que ninguém pudesse vê-los. Inclusive o tráfego marítimo e o aéreo estavam desviados para evitar essa zona do palácio.

—Embora por agora… — Xavian falou ao mesmo tempo em que Layla.

—Temo-me que tenho… — ela sorriu ao ver que estavam falando de uma vez.

—Tenho que trabalhar um pouco. Espero que não seja muito, mas depois de estar toda a semana fora…

—Ia dizer-te o mesmo —admitiu Layla—. Terei que me ocupar de muitas coisas. Seguro que houve muita atividade enquanto estávamos fora.

—Atividade? —Xavian franziu o cenho.

—Não importa.

—Farei que lhe preparem um escritório.

—Já deveria estar preparado — disse Layla—. Pedi a meus empregados que se assegurassem de que tivesse um escritório a minha volta.

E assim era.

O escritório do Xavian tinha uma habitação anexa, que era a que estava acostumado a utilizar seu assistente pessoal, e onde tinham instalado as coisas da Layla. Seu computador, uma montanha de papéis, um vaso com flores de flor-de-laranja e uma jarra de água gelada. Layla abriu a porta que dava ao jardim, mas ao ver que soprava uma forte brisa, fechou-as de novo.

—É bem pequeno — comentou.

—Procurarei algo melhor para a próxima vez que venha ao palácio —respondeu Xavian—. Acredito que meus empregados o têm feito bastante bem para havê-los avisado com tão pouco tempo.

—Sabia com anos de antecipação — respondeu Layla—. Você e seu visir sabiam que a rainha que ia casar trabalhava…

—Suponho que no Haydar haverá um escritório completamente equipado para mim para quando for ao palácio… — perguntou ele com sarcasmo.

—É obvio que sim — disse Layla—. Você emprega um sistema informático diferente ao meu, mas o instalaram para ti. Também há papéis e envelopes com o brasão do Qusay e um selo com seu nome…

—Já vejo — disse Xavian—. Está bem, isto é um pouco pequeno, mas de momento pode trabalhar em meu escritório.

—Não, obrigado. Embora se te parece bem deixarei a porta aberta.

—Assim poderemos nos saudar… — brincou ele, mas Layla tinha outras idéias.

—Não terei tempo para saudações, Xavian. Eu gostaria de terminar meu trabalho o antes possível. Amanhã temos a recepção formal e há muito que fazer.

Era certo.

Depois da semana que tinham passado fora, tinham mil coisas por fazer. Mas ele estava desejando refugiar-se em seu trabalho, esquecer-se da chegada dos convidados e da recepção, e centrar-se no que melhor fazia: governar seu reino.

Akmal, depois de ler os documentos pendentes, tinha marcado ao Xavian a informação relevante e esperava sua resposta enquanto o resto da equipe entrava e saía. Um par de horas mais tarde, ao tempo que se tomava um café, Xavian se fixou em que Layla trabalhava completamente sozinha. Não o compreendia.

Ela havia levado a todo seu pessoal ao Qusay: assessores, donzelas, a Baja… e, entretanto, não se deixava ajudar por ninguém. Ele observou como teclava no computador e como assinava algum documento de vez em quando, e gostou da cara de concentração que punha ao trabalhar.

Não podia deixar de olhá-la.

Tinham uma forma de trabalhar completamente diferente. Layla nunca se movia, trabalhava em silêncio, enquanto que ele o fazia movendo-se continuamente, levantando-se e caminhando de um lado a outro do escritório. Fez uma pausa e se fixou em um helicóptero que começava a aterrissar. Lhe secou a boca.

O trabalho já não era suficiente distração.

Sabia. Logo estariam ali.

Olhou para onde se encontrava Layla e, ao ver que esta não levantava a vista, aproximou-se.

—Posso te fazer uma sugestão?

—Por favor — respondo Layla de maneira educada mas com frieza.

—Akmal, ou algum de meus ajudantes, sempre revisam os documentos e me informam do mais relevante. É obvio, preferiria ter tempo para revisá-lo tudo pessoalmente, mas… — olhou o documento que ela tinha na mão—. Posso? —leu-o por cima—. Aqui Akmal teria ressaltado o fato de que já aceitei que comecem as perfurações para as novas minas de safira — olhou a página outra vez—, e aqui está a data que aprovou para a abertura da nova mina, para fundar o hospital e pagar aos médicos…

Ele desfrutava tratando de ajudá-la e de lhe demonstrar que estava perdendo muito tempo, e que não sempre era necessário fazê-lo tudo pela via mais difícil… Embora em realidade, o que desejava era levá-la ao andar de cima e meter-se com ela na cama.

—Não há nada novo neste documento. Só requer sua assinatura.

—Não — disse Layla—. Aprovei as perfurações para uma nova mina de opala… Os ganhos dessa mina foram destinados a um hospital universitário, para que Haydar comece a formar doutores e não tenham que vir de outros países.

—Compreendo.

—Não, Xavian, não o compreende. Seus assessores lhe escutam… Esta manhã vi como dava ordens e esperava que as cumprissem.

—É obvio.

—Meu país resiste à mudança. Em minha opinião, confiamo-nos muito tempo nas minas de safira para nos manter. Sim, é um país endinheirado, mas está longe de ser auto-suficiente. Eu compro minha roupa em Aristo, os meninos vão estudar no estrangeiro. Sim, temos os melhores médicos porque os financiamos com as minas… E o que aconteceria se as minas deixassem de render?

—Mas têm mineral em abundância.

—Ou se aparecesse uma mina de safiras no Qusay? —perguntou Layla—. Exportamos outros produtos, é obvio, mas eu gostaria que Haydar prosperasse de verdade e que chegasse a ser auto-suficiente… Entretanto, o comitê de anciões e os assessores resistem — passou a mão pela cara—. Assim que me descuido, trocam alguma coisa. E confiam em que não me dê conta desses pequenos detalhes…

—Despede-os.

—Não posso. Meu pai promulgou leis muito complicadas para acalmar ao povo quando viu que não teria um herdeiro. O comitê de anciões tem um peso muito considerável.

—Mas é a rainha — disse Xavian—. É você quem governa, em última instância.

—É obvio — respondeu Layla—. Por isso o comprovo tudo, e por isso permanecerei sentada várias horas mais lendo papéis, embora eles pensam que estou muito cansada para fazê-lo.

Baixou a vista e tratou de continuar lendo. Ele sabia que devia deixá-la trabalhar, e qualquer outro dia o teria feito, mas lá fora seguiam aterrissando helicópteros e «eles» chegariam logo. Xavian preferia estar ali com ela que ficar a sós com seus pensamentos. Acariciou-lhe uma mecha de cabelo.

—Deixa-o por agora, Layla.

—Não posso — disse ela, mordendo o lábio enquanto lhe acariciava a nuca—. Com o tempo chegará a compreender o que ocorre no Haydar… — ela notou que lhe nublava a vista quando lhe levantou o cabelo e lhe beijou a nuca.

Como desejava dar a volta, lhe pedir ajuda, compartilhar sua carga com ele!, mas já tinha acreditado em alguém uma vez: no Ahmed, o marido do Noor, seu cunhado. Um príncipe que carregou com parte da carga até que o comitê de anciões conseguiu apartá-lo, lhe recordando seu segredo e a vergonha que causaria se fosse revelado. «Ahmed era débil», pensou Layla. «Em troca, Xavian é forte».

Ele a beijou de novo e ela desejou deixar de trabalhar, ir-se com ele, ser sua esposa.

—Deixa-o, Layla, seguro que pode esperar…

—Seguro que você também pode esperar — disse ela.

—Esta noite teremos que dormir separados…

Xavian lhe recordou que o costume era que, embora estivessem casados, o casal dormisse separado antes da recepção formal. Começou a lhe acariciar os peitos por cima da roupa e continuou beijando-a no pescoço. Layla notou que lhe umedecia entre as pernas… Desejava apoiar-se contra seu corpo, mas não podia fazê-lo. Não podia ceder ante o prazer, o dever era prioritário.

—Estou tratando de trabalhar, Xavian! — retirou-se de repente.

—Então trabalha — disse ele, e a deixou sozinha com seus apreciados documentos. Não estava acostumado às mulheres com caráter, nem a que rechaçassem suas carícias.

Aproximou-se da janela. O grosso cristal silenciava o ruído dos helicópteros e do movimento da gente pelo jardim… de repente, deixou de pensar no trabalho e na esposa que às vezes não atuava como tal. Ao ver que a rainha Stefania descendia de um helicóptero, lhe gelou o sangue. Como tinha mudado! Já não se vestia de maneira antiquada, como quando se casou com o rei Zakari. Além disso, apesar de que acabava de ter um bebe, ia bem cuidada e elegante. Mas só a olhou um instante… Sua vista se posou na porta do helicóptero e notou que o suor brotava de sua frente. Fechou os punhos e esperou, de repente, viu-o.

O rei Zakari Al’Farisi avançou pela grama e alcançou a sua esposa. Lhe disse algo e ele sorriu e olhou para o palácio, diretamente para a janela onde estava Xavian. Embora sabia que era impossível que alguém o visse de fora. Xavian deu um passo atrás. Sabia que logo entrariam em palácio e notou que lhe acelerava a respiração. O medo que tinha estado espreitando-o durante tanto tempo, tinha-o capturado. Então se voltou e viu a Layla, acalmada e alheia ao que a rodeava.

—Layla!

Ela levantou a vista e ele viu que franzia o cenho. Queria que se aproximasse da janela, lhe mostrar o que acontecia, contar-lhe Então bateram na porta e entrou Akmal. Às vezes, Xavian sentia que vivia em um aquário, luxuosa possivelmente, mas um aquário ao fim e ao cabo.

—Espera a que te dê permissão para entrar! —espetou Xavian.

—Peço-lhe desculpas, Senhor, mas queria informar a Sua Majestade da chegada do rei Zakari de Calista e a rainha Stefania de Aristo.

—Esperamos muitos convidados — respondeu Xavian com voz acalmada, mas algo em seu tom fez que Layla o olhasse e se precavesse de que estava tenso—. Não necessito que me informe da chegada dos convidados. Amanhã os saudaremos durante a recepção.

—Pediram um jantar com Sua Majestade esta noite — disse Akmal—. É obvio, é algo excepcional, mas são os governantes do reino de Adamas.

—Não — respondeu sem mais.

—Possivelmente poderia sugerir que os recebesse esta tarde para tomar um refresco? Têm que retornar a Calista justo depois da recepção. Pediram-me que lhe explique que seu filho, o príncipe Zafir, é muito pequeno para deixá-lo só muito tempo.

—Não — Xavian voltou a responder de maneira direta e pediu ao Akmal que partisse.

—Estaria bem jantar com eles — sugeriu Layla quando ficaram a sós—. Ou passar um momento em sua companhia. Possivelmente possam nos oferecer algum conselho… depois de tudo, também têm que governar dois reinos separados.

—Já dei minha resposta.

—O convite é para os dois — disse Layla—. Eu aceitaria encantada.

—Você seguirá meus desejos — respondeu Xavian—. Em meu palácio, em minha casa, seguirá minhas normas.

—Eu sigo minhas próprias normas, Xavian — se colocou diante dele de maneira desafiante—. Não tente te sair com a tua impondo sua autoridade. Seguro que temos tempo de lhes oferecer uma taça, ao menos.

—Acreditei que tinha que trabalhar — respondeu Xavian—. Deixou claro que está muito ocupada para passar tempo comigo, para me satisfazer. Entretanto, está disposta a passar um momento com uns desconhecidos.

—Te satisfazer! Para isso estou aqui?

—Supõe-se que devemos fazer um herdeiro —disse Xavian—. Estou seguro de que seu povo preferiria que te centrasse em ficar grávida que em fundar um hospital ou em como gastará seus milhões em Haydar —ela estava muito assombrada para responder, assim Xavian continuou—. Sugiro que te centre em suas prioridades, Layla.

E sem mais, saiu dali. Ela pestanejou ao ver que fechava a porta dando uma portada. Não tinha nem idéia de que era o que acontecia. De repente, o mau humor se apoderava dele. Entretanto, negava-se a ir detrás do Xavian, embora isso significasse não voltar a vê-lo até a recepção.

Sentou-se e tratou de concentrar-se em seus documentos, apesar de que lhe tremiam as mãos e tinha o coração acelerado, mas não o conseguiu. Deixou os papéis sobre a mesa e apoiou a cabeça nas mãos. As palavras do Xavian lhe tinham feito mal, e já não sentia confiança nele para compartilhar sua carga, mas havia algo que fazia que lhe encolhesse o coração.

Sabia que algo ia mal.

Fechou os olhos e pensou na última vez que Xavian se comportou assim, quando decidiu ir-se ao deserto de maneira repentina. Estavam dando um banho, falando, rindo, amando-se, compartilhando…

Então, ela levantou a vista e pestanejou. Tinham estado falando do dia da coroação, da noite que ela tinha estado a seu lado e ele nem sequer se fixou nela, da rainha Stefania e do rei Zakari.

Mas não tinha nenhum sentido, como podia ser que os governantes de outro reino, umas pessoas às que logo que conhecia, alterassem-no tanto?

 

Xavian temia aquele dia.

Não despertou, porque não dormiu. Em várias ocasiões havia sentido a tentação de romper a tradição e ir dormir com a Layla, inclusive se tinha aproximado pelo corredor a seu dormitório, mas Baja estava custodiando a porta dos aposentos da rainha, e tinha ficado olhando-o aos olhos durante comprido momento, antes que desse meia volta.

Durante meses tinha temido aquilo. Não as bodas, a não ser a recepção.

Desde o dia em que esperava para felicitar à rainha recém coroada, sabia o que lhe esperava.

Durante esses anos, algumas vezes tinha virado por um corredor equivocado e se sentido confuso ao ver que a porta que esperava encontrar não existia e, além disso, sempre estavam os sonhos.

Sonhos que o tinham inquietado desde que era pequeno, embora não se tratasse de pesadelos propriamente ditos. Xavian nunca tinha montado a cavalo e, entretanto, nos sonhos o fazia, sentindo o movimento do animal e escutando as risadas de seus irmãos.

Sua mãe lhe tinha explicado que sonhava com o que desejava. Com os irmãos que não tinha tido e com os cavalos que lhe tinham proibido.

E isso tinha tido sentido. Até o dia da coroação.

Esse dia, ao olhar ao rei Zakari havia sentido que o medo se apoderava dele. Depois, precaveu-se de que não só era ele quem tinha essa sensação porque, ao saudar a rainha Xavian tinha notado assombro na expressão de seu rosto, e perguntas em seu olhar. Tanto assombro que ela tinha empalidecido e tinha estado a ponto de deprimir-se. Zakari tinha intervindo e a tinha levado dali sem sequer olhar ao Xavian.

Deveria havê-lo esquecido.

Mas então tinham começado as cartas.

E as chamadas de telefone. Às vezes, um convite.

Ele tinha ignorado todas aquelas coisas, mas, essa vez, o dever não lhe deixava mais eleição que enfrentar-se a eles.

Ao Xavian estava acostumado a lhe gostar de estar sozinho e refletir, mas esse dia não queria pensar. Inclusive tinha ido inspecionar o salão de baile onde teria lugar o evento para ocupar seu tempo. Esse dia não suportava estar sozinho. Esse dia lhe resultaria impossível se Layla não estivesse com ele. Precisava tê-la a seu lado por outros motivos que nada tinham que ver com o dever.

Até conhecer a Layla, nunca tinha necessitado nada de verdade. Todos seus desejos se cumpriam de maneira imediata. Entretanto, com ela o desejo permanecia continuamente. Era um desejo diferente, interminável, e que ele não sabia explicar.

Depois de tomar banho e barbear-se, e com muitas horas por diante antes de ver a Layla outra vez, perdeu a paciência quando Akmal se reuniu com ele para repassar alguns detalhes.

—Aqui tem o colar de esmeraldas do Qusay — abriu a caixa para que Xavian o visse —. A rainha o usará esta noite.

Xavian olhou o colar que devia levar a esposa do rei do Qusay em todos os atos oficiais. Era uma clara amostra de riqueza, posto que se tinham eleito as melhores pedras, e devia ser ele quem o desse.

—Eu o levarei a Layla em pessoa.

—Tem que usar esta noite - disse Akmal—. Se está preparando…

—Então o levarei agora.

Olhou ao Akmal como lhe chegando que não discutisse. «Estou cansado das tradições», pensou Xavian enquanto chamava um de seus ajudantes para que o vestisse com a túnica de bodas. "É uma tradição ridícula», pensou enquanto lhe asseguravam o kufiya com uma cinta trancada em ouro. Se já estavam casados, por que tinham que estar separados? Ele era o rei e estabelecia as normas, assim, enquanto se aproximava do dormitório da Layla pelo corredor, decidiu que lhe entregar o presente em pessoa era uma tradição muito melhor.

Tudo aquilo ia pensando enquanto abria sua porta, sem querer admitir que ela fosse à única pessoa a que desejava ver, e a que precisava ter a seu lado para passar esse dia.

 

Layla estava inundada na água da banheira contemplando o mar depois do vendanal. Tinha a pele suave graças aos óleos e fragrâncias, e o cabelo recolhido sobre a cabeça. Suas donzelas o tinham tudo preparado para prepará-la; entretanto, ela não conseguia relaxar-se.

Tinha assistido a numerosos atos oficiais ao longo de sua vida, muitos para recordá-los, e conhecia bem a sensação de solidão que provocava estar sentada durante um jantar com um assessor a seu lado. Essa noite, entretanto, estaria com o Xavian. Teria a seu marido a seu lado, mas seguiria sentindo-se sozinha.

Ele fazia que se sentisse sozinha.

Xavian não tinha tentado desculpar-se. E se lhe pedia uma desculpa, recordar-lhe-ia que não tinha por que fazê-lo.

Ele tinha prometido mantê-la, e o estava fazendo.

Tinha prometido lhe dar um herdeiro, e certamente o faria se não o tinha feito já.

Layla acariciou o ventre e se perguntou se o milagre já teria tido lugar.

Deveria estar contente, mas não o estava.

Ela não queria ter um herdeiro. Queria um filho para compartilhá-lo com o Xavian. E queria um marido de verdade.

Nesse momento, apareceu ele e ela observou em silêncio como se despedia do serviço e fechava a porta.

Nunca o tinha visto tão atrativo.

Estava recém barbeado e vestia uma túnica negra com a borda de ouro. Seu aspecto era poderoso e assustador, mas ela era muito orgulhosa e estava muito zangada, assim objetou:

—Supõe-se que não deveria estar aqui.

—É uma norma absurda.

—Para ti pode que sim — disse Layla—, mas me parece bem. É agradável poder descansar e preparar-se para a ocasião.

—É ridículo que tenhamos tido que dormir separados…

—Logo passaremos muitas noites juntos — disse Layla, encolhendo-se de ombros.

Xavian desejou meter-se com ela na água e beijá-la na boca.

—Ontem à noite não sentiu falta de mim? —perguntou—. Não ficou acordada pensando em mim?

—É obvio que sim — disse Layla—. Estava tão zangada que permaneci acordada pensando em haver te dado a resposta adequada as suas estúpidas palavras… Tenho que admitir que foi bastante frustrante.

Inclusive um dia como aquele, quando o medo se apoderava de seu coração, ela conseguiu fazê-lo sorrir.

Era sua meia laranja.

Ele se sentou na borda da banheira sem dizer uma palavra. Olhou-a e tirou o presente que tinha para ela.

Layla possuía uma ampla coleção de jóias, e tinha brilhantes peças tão belas que às vezes as jóias a aborreciam. Aquela não. O colar de esmeraldas e diamantes era precioso. As pedras caíam em forma de cascata, como se fosse uma fonte. Mas não era suficiente.

—É assim que vais desculpar-te?

—Parece que não — respondeu ao ouvir seu tom cortante.

—As jóias não me apaziguarão.

—Sinto o que hei dito — nunca tinha pronunciado essas palavras e ela não esperava ouvir as de sua boca.

Layla o olhou confusa.

—Tenho muitas coisas na cabeça.

—Como o que?

Xavian negou com a cabeça.

—Não me vais contar isso.

—Você me contou tudo, Layla? —perguntou Xavian, e viu que ela se ruborizava—. Contaste-me tudo o que te passa pela cabeça?

—Não.

—Por que?

O silêncio se fez interminável e foi Xavian quem acabou interrompendo-o.

—Algum dia o faremos — disse Xavian—. Algum dia, espero que logo, estaremos preparados para compartilhá-lo tudo, mas hoje não. Há coisas que temos que fazer, coisas que terá que solucionar. Peço-te que me perdoe por ontem, que aceite que tenho outros assuntos na cabeça e que saiba que desejo que mudem as coisas para nós. É mais que uma esposa para mim, Layla.

—E você é mais que um marido para mim — admitiu Layla—. E aceito sua desculpa e seu presente.

—A desculpa é de minha parte — disse Xavian—. O presente é da terra. Este colar usaram minha mãe e minha avó, e outras mulheres antes que elas. Há gerações. Usa-o a esposa do rei… — sua voz era tão cativante como o colar que tirou da caixa—. As melhores pedras do Qusay foram esculpidas e polidas para confeccioná-lo. Este colar recorda ao povo as riquezas de nossa terra, que nos nutre com seus estranhos presentes.

Inclinou-se para diante e colocou o colar sobre seu peito. Ela notou o peso frio das pedras sobre sua pele antes que ele o prendesse e o soltasse.

—Esta noite levará o colar do Qusay, esta noite nosso povo presenciará a beleza desta união…

Xavian lhe estava dizendo que se sentia orgulhoso dela, e era o mais perto que Layla tinha estado de obter seu amor.

—Encontraremos uma maneira… — disse ele, e a beijou no ombro devagar—. Quando terminar o dia de hoje continuaremos com nossas vidas, encontraremos a maneira de poder estar juntos em ocasiões… — lhe ensaboou os seios com as mãos. Ela queria apoiar-se nele, que se metesse na banheira com ela. Ele ia vestido com seus melhores ornamentos e ela estava nua, desfrutando de seus beijos e de suas carícias. Estava louca de desejo e não podia deixar de pensar em seu novo futuro. Ele não deixava de beijá-la, e ao sentir sua boca sobre o pescoço, seus sussurros no ouvido e suas mãos nos seios, excitou-se. Então ele ficou em pé e sorriu:

—Não pode me deixar assim…

—Vou reservar-te para mais tarde… Será nossa recompensa quando terminar a recepção.

Ele se fixou em sua beleza, no cabelo que acariciaria aquela mesma noite, no colar que levava ao redor do pescoço, em seus peitos turgentes1… e soube que era sua. Olhou por volta do mar, sentindo-se muito mais forte só vendo-a.

—O que passa comigo, Layla?

Ela não sabia, mas lhe acontecia o mesmo com ele. Xavian conseguia que se sentisse viva e desinibida. Estirou a mão e o acariciou, sentindo seu membro ereto sob os dedos. Adorava esse jogo, e que ele a desejasse.

—Descobri-lo-á mais tarde.

 

Turgente1 – o mesmo que túrgido; dilatado, inchado.

 

Depois de que Xavian havia partido, Layla seguia pensando no que aconteceria depois. Baja lhe falava enquanto a vestia com uma túnica de cor marfim, e as donzelas lhe davam o toque final a seu penteado. E apesar dos intentos que tinham feito, não havia maneira de dissimular suas bochechas ruborizadas. Os olhos lhe brilhavam quando pensava em compartilhar sua vida com o Xavian.

Quando por fim esteve preparada, resultou-lhe emocionante olhar-se no espelho. O colar era deslumbrante, e os pendentes de esmeralda eram preciosos. Tinha chegado o momento de Xavian os apresentar como casal. Ela sentia que seu coração ia estalar de alegria, porque nunca tinha sonhado com algo assim.

Akmal anunciou a chegada do rei e Baja e as donzelas se afastaram quando Xavian entrou nos aposentos.

Ela viu que tragava saliva e que depois sorria.

—Está preciosa.

—E você muito atrativo! —disse Layla—. Tenho um presente para ti — lhe entregou um anel—. É uma safira pouco comum, do Haydar…

—Faz jogo com seus olhos — disse Xavian olhando a pedra.

—Percebi que não leva jóias — Layla tragou saliva—. Se preferir não lhe pôr isso pode guardá-lo…

—Levá-lo-ei com orgulho — contemplou a pedra—. O levou seu avô?

—Nossas tradições são diferentes Xavian. O presente que me deste é de sua terra, seu país, enquanto que este presente é meu. Tem razão, escolheu-se em função dos olhos de sua esposa, mas não, não deve passar a seguinte geração… Pode-lhe levar isso à tumba.

Outras vezes, seus ajudantes de vestuário lhe tinham dado jóias que levavam o brasão, mas nenhum lhe tinha parecido adequado. Esse anel sim.

Ofereceu-lhe o braço e ela o aceitou.

Enquanto avançavam pelos corredores do palácio, ela começou a ficar nervosa.

Era um momento importante para a história. A união dos governantes do Qusay e Haydar.

Layla ouviu que diminuía o ruído que provinha do salão de baile quando anunciaram sua chegada e olhou ao Xavian.

—Nervosa?

—É obvio que não… — mentiu ela, porque essa era sua norma número um: não permitir que alguém visse a tensão que lhe provocava o peso de sua carga. Logo o compartilharia com o Xavian, durante o glorioso mês que tinham por diante. Imaginava um futuro, não só com seu marido, mas também com seu companheiro. Nesse momento se abriram as portas e viu que uma larga fila de gente os esperava para recebê-los. Todos se voltaram para olhá-los e viram, pela primeira vez, à rainha que tinha estado oculta debaixo dos véus.

—Majestades, distintos convidados, por favor, vamos juntos dar a bem-vinda aos noivos, o rei Xavian do Qusay e a rainha Layla do Haydar. Apresento-lhes ao rei e à rainha do Qusay e Haydar.

 

Havia um bom número de dignitários1 e membros da realeza, mas poucos comparados com outras bodas reais.

Primeiro apresentaram aos sucessores imediatos do Xavian, até que Layla desse a luz um herdeiro.

—O príncipe Kareef do Quais — anunciou Akmal, e Kareef fez uma reverência e se dirigiu ao Xavian antes de sorrir a Layla—. É uma honra para mim estar aqui.

Layla sorriu e o saudou também, mas estava fascinada por seus olhos. Eram do mesmo azul que os retratos que penduravam das paredes do palácio, e ele ia vestido com uma túnica preta e dourada, igual à Xavian. De repente se precaveu de que estava conhecendo sua nova família. Xavian pulou a tradição e acrescentou um pouco mais de informação da que Akmal oferecia.

—Meus primos —disse —. Contei a Layla muitas historia…

E seu comentário fez que a ela lhe encolhesse o coração, porque Xavian lhe estava dizendo a sua família, diante de seus próprios olhos, que aquilo era algo mais que um matrimônio de conveniência.

—O sheik Rafiq do Qusay… — continuou Akmal, e outro dos primos se aproximou para saudá-los. Também tinha os olhos azuis, mas tal e como Xavian lhe tinha contado a Layla. Rafiq vestia roupa ocidental a modo de pequena rebelião. Parecia um homem arrogante e seguro de si mesmo; entretanto, por seu sorriso se adivinhava que era muito agradável. A família do Xavian era verdadeiramente interessante…

—Veio Tahir? —perguntou Xavian.

Fez-se uma pequena pausa e Kareef respondeu:

—Não pôde escapar. Envia suas desculpas e te deseja um futuro feliz.

Xavian sabia que não devia ter perguntado por ele, que não deveria ter mencionado a ausência do Tahir, mas sentia verdadeira curiosidade. O primo pequeno era seu favorito, mas se tinha partido do Qusay anos atrás e nunca tinha retornado. Xavian ainda sentia sua falta, e inclusive se preocupava um pouco com ele. Entretanto, não tinha tempo para pensar nisso. A fila era larga e Xavian desejava terminar com aquilo quanto antes. Mesmo assim, recebeu aos convidados com calma e conheceu as irmãs da Layla e aos maridos destas.

 

Dignitários1 – pessoa que exerce um alto cargo ou goza de um titulo proeminente.

Ocasionalmente, apesar de que não queria fazê-lo, dirigia a vista para um casal que não parava de olhá-lo. E desejava dar a volta, sair dali, fugir…, mas como sempre, o protocolo ditava outra coisa.

 

Layla se sentia como em uma nuvem e estava radiante, mas quando terminaram as apresentações dos familiares, notou que Xavian se esticava à medida que avançavam pela fila.

—O rei Zakari e a rainha Stefania de Adamas.

—Majestade… — Layla deixou de sorrir ao ver que Stefania, rainha de Aristo, não a estava olhando. Seus olhos estavam cravados em Xavian enquanto este saudava seu marido. De repente pareceu recordar o protocolo.

—Rainha Layla… É uma honra para nós estar aqui.

E então Layla conheceu rei Zakari. Tendeu-lhe a mão e o olhou aos olhos. Uns olhos que, apesar do sorriso de seu rosto, estavam cheios de preocupação.

—Adamas vos deseja o melhor… — disse Zakari, e ela pôde perceber seu nervosismo.

Xavian continuou avançando pela fila e, quando terminaram com as saudações, guiaram-nos até sua mesa, e todos os presentes esperaram de pé até que o rei e a rainha estiveram sentados.

Xavian estava muito tenso e não fez nenhum intento de dar conversação. Unicamente assentiu uma vez quando Akmal se aproximou e lhe sussurrou algo ao ouvido. Só quando terminaram os discursos e se serviu o banquete, Layla encontrou a oportunidade para falar com o Xavian. Queria saber o que acontecia… E notava que Zakari os estava olhando.

—Vai tudo bem?

—É obvio… — Xavian bebeu um comprido gole de água.

—Ocorre algo.

—Não sei do que está falando.

—O rei Zakari…

—Layla — falou com voz crispada—, não quero te importunar com isso, mas posto que insiste em sabê-lo… Justo quando entrávamos, o sheik Rafiq foi informado que se produziu uma explosão em um armazém na Nova Zelândia. Alguns de seus empregados resultaram feridos — Layla pôs cara de horror, mas dissimulou em seguida—. Compreenderá que tenha tido que partir…

Ela se fixou no sítio vazio que havia ao lado do Kareef…

—Partiu?

—É obvio. Tem que cuidar de seus empregados. Foi uma honra se ficou tanto tempo.

É obvio isso deveria ter explicado tudo.

Ela olhou para a mesa e voltou a ver que a rainha Stefania tinha cara de preocupação. Essa vez Layla esboçou um sorriso, como lhe dizendo que conhecia qual era o problema, que Xavian o tinha explicado, que o compreendia…

Mas por que Stefania não sorria?

E por que Layla se sentia como se não soubesse nada?

 

No salão de baile se viam elegantes vestidos e jóias, havia um banquete e música tradicional de baile. E, entretanto, apesar da promessa que lhe tinha feito Xavian, a noite sobre a que Layla tinha grandes expectativas parecia ter finalizado antes de começar. Simplesmente, tratava-se de um ato formal e Xavian permanecia a seu lado, comportando-se de maneira correta.

Assim era como ela tinha imaginado que seria seu futuro, e não como recentemente tinha sonhado.

O protocolo ditava que os recém casados deviam ser os primeiros em partir, e Akmal lhes tinha avisado de que já tinha chegado o momento. Todos os assistentes ficaram em pé quando se dispunham a sair e, uma vez fora, Layla suspirou. Xavian fez o mesmo, e por fim pareceu relaxar-se.

—Vamos… — disse Xavian—. Vamos à cama — que belas eram aquelas palavras.

Era uma recompensa por seu bom comportamento, e ela permitiu que o a agarrasse pela mão e a guiasse até a escada. A música seguia soando, mas a festa começava a acabar. Para o casal, a noite não tinha feito mais que começar.

—Majestade… — ela notou que Xavian ficava tenso e que ignorava ao Akmal enquanto continuava subindo pela escada—. Majestade, sinto incomodá-lo, mas o rei Zakari e a rainha Stefania solicitaram falar com você.

—Vou à cama - Xavian nem sequer se deu a volta.

—Majestade…

—Não ouviste o que disse? — soltou Xavian—. Me retiro para passar a noite. — Não queria manter essa conversação. Levava toda a noite evitando-a. Evitando-os.

Tinha notado que o rei Zakari tentava que seus olhares se cruzassem, e que a rainha Stefania não deixava de olhá-lo.

—Fizeram uma petição formal.

As palavras do Akmal deveriam havê-lo detido, mas não foi assim.

Xavian os tinha saudado sem olhá-los, tinha-lhes dado a bem-vinda e tinha aceitado suas felicitações sem olhá-los. Mas justo quando pensava que já tudo tinha terminado e que eles retornariam a Calista. Akmal se tinha aproximado com a petição que ele tinha temido em segredo.

—Majestade - Akmal estava muito insistente—. São governantes do reino vizinho. Não posso lhes dizer que declinou sua petição.

—Minha esposa está esgotada…

—Estou bem — disse Layla, negando-se a permitir que Xavian falasse por ela ou a utilizasse como desculpa—. É obvio que deveríamos recebê-los.

As cicatrizes de seus pulsos lhe doíam freqüentemente, e essa noite a dor era aguda. Era como se fossem novas feridas.

Feridas.

Era como se estivessem bombardeando-o com pequenos seixos, e ele notava o suor em sua testa. Não queria que Layla o visse assim.

Que ouvisse notícias como aquela.

—Recebê-los-ei a sós — se voltou para a Layla—. Ver-te-ei à cama. Ao fim me reúno contigo mais tarde…

—Ao fim?

—Não sei quanto tempo demorarei — esclareceu Xavian—. Não quero te incomodar. Não me espere acordada.

Deixou-a ali de pé. Não podia lhe oferecer mais explicações porque tampouco estava seguro do que lhe esperava.

Sentia pavor.

 

—Não tem por que chorar… — Baja a despiu e lhe pôs a camisola—. Seus dias férteis já passaram, pode que esteja grávida. É melhor que seu corpo descanse agora, em lugar de satisfazer suas necessidades cada noite.

—Não o compreende… — soluçou Layla. Ele havia o tornado a fazer. Tinha-lhe dado esperanças e depois…—. Não foi como você me disse. Foi melhor, muito melhor do que nunca teria imaginado…

—Bem — Baja a guiou até a cama—. Me alegro de que foi considerado, mas já é hora de que descanse. Não perca a cabeça… Deve ter a mente limpa para governar. Não pode te deixar levar pelo desejo.

—É meu marido.

—Cujos desejos deve honrar e respeitar… Sem questioná-lo! —disse Baja ao ver que Layla abria a boca para responder—. Embora seja rainha, na cama e em privado, é sua esposa — Baja era a única pessoa que podia falar assim com a Layla e, embora não gostasse de seus comentários, sabia que se preocupava com ela.

—Disse que as coisas seriam diferentes. Que depois da recepção tudo seria diferente.

—E outra vez demonstrou que não era certo — assinalou Baja.

—Estou confusa…

—Os homens fazem esse tipo de coisas. Conseguem que nos derretamos, e isso está muito bem se só acontecer um tempo. Mas uma rainha jamais pode perder a cabeça, e seu coração pertence ao povo. Estas últimas palavras as disseram você, Layla.

—Então não posso amar a meu marido?

—É obvio que pode, mas deve permanecer a salvo e recordar que, acima de tudo, é rei. Seu coração sempre pertencerá a sua gente.

Layla desejava que pertencesse a ela.

 

Ele não queria manter aquela conversa...

Fechou os olhos e se apertou a ponte do nariz. Era um rei, forte e podia enfrentar-se a algo, inclusive à verdade…

Respirou fundo, endireitou as costas e saiu do escritório. Indicou ao Akmal que abrisse a porta e, ao ver que seu visir saía atrás dele, voltou-se.

—Sozinho.

Akmal não se atreveu a replicar. Normalmente presenciava as reuniões com os dignitários estrangeiros, e o rei e a rainha de Adamas eram gente importante e ele queria saber o que acontecia.

O recebimento foi semiformal. Estreitaram-se as mãos, sentaram-se e intercambiaram um par de minutos de conversação formal. Depois, Zakari se esclareceu garganta. Sua esposa, rainha Stefania se esfregava as mãos com nervosismo sobre o regaço.

—Nós gostaríamos de lhes agradecer, a ti e ao povo do Qusay, o presente pelo nascimento de nosso filho — disse Zakari.

—Foi um prazer — respondeu Xavian. Normalmente não tivesse sabido que presente tinham enviado, posto que seus ajudantes se teriam ocupado disso. Mas nesse caso, Xavian tinha enviado uma esmeralda de dezoito quilates para celebrar o nascimento—. Como está seu filho?

—Zafir está bem — Xavian viu que Zakari o olhava fixamente, e para ouvir o nome do menino o interpretou quase como uma confirmação de por que estava ali—. Conhece algo de nossa história? —perguntou Zakari.

—É obvio… Duas ilhas, Aristo e Calista, que se uniram graças a seu matrimônio e agora formam o reino do Adamas. Por isso é um prazer falar em privado com vós. Layla e eu temos muitas esperanças sobre o futuro do Qusay e Haydar, e será interessante falar…

—Referia a minha história familiar — o interrompeu—. Sabe algo a respeito dela?

—Algo — disse Xavian e, ao ver que sua voz era rouca, serve-se um copo de água.

—Minha mãe morreu e meu pai se casou de novo.

—Já.

—Ele já tinha cinco filhos antes de casar-se. Anya, Rainha da Calista, não podia ter filhos, assim que adotou aos cinco…

—Sei — disse Xavian—. Possivelmente poderíamos falar sobre como o povo da Calista…?

—Quando fomos pequenos, meus dois irmãos gêmeos, Aarif e Kaliq, construíram uma balsa. Estavam jogando a que queriam navegar… —Xavian se fixou em que a Rainha Stefania tirava um lenço, e ele permaneceu com a vista cravada na parede que havia atrás do rei Zakari—. Nosso irmão mais jovem. Zafir, que só tinha seis anos, empenhou-se em acompanhá-los na aventura. Era uma tolice que o permitissem, mas os adolescentes às vezes fazem tolices…

—Sinto muito, mas… — Xavian elevou o tom de voz—. Com o devido respeito, é tarde.

—Capturaram-nos uns traficantes de diamantes — as palavras do Zakari eram inquietantes.

Xavian ficou em pé.

—Tenho que te dar a boa noite…

—Estiveram atados pelos pulsos durante dois dias e duas noites — Zakari também ficou em pé—. Zafir conseguiu soltar-se e liberar a seus irmãos. Ao Aarif dispararam no rosto enquanto tentava escapar e caiu à água. Kaliq se atirou a salvá-lo, mas a balsa, com o Zafir a bordo, foi à deriva…

Xavian se negava a ser educado. Atravessou o salão e se voltou zangado quando Zakari se atreveu a detê-lo agarrando-o por braço.

—Por favor, escuta.

—Já ouvi suficiente… — Xavian estava suando; entretanto, sua voz era tranqüila—. Minha esposa está cansada, está-me esperando…

—Ao Zafir nunca voltamos a vê-lo. Procuramo-lo sem parar…

—Sinto sua perda — disse Xavian, mas Zakari não o escutava.

Stefania chorava por trás. Quando Zakari se dispunha a levantar a manga do Xavian, este o deteve.

—Tenho que ir.

—Por favor… — disse Zakari—. Por favor, escuta. Durante a coroação da Stefania ajudou a minha esposa quando se deprimiu. Ela viu as cicatrizes em seu pulso, reconheceu seus olhos… Zafir, eu te reconheço também.

—Basta — Xavian tratou de retirar o pulso, mas não o conseguiu. Era igual de forte que Zakari, mas não era a força o que evitava seu movimento. Tinha chegado o momento de enfrentar-se à verdade…

—São as mesmas cicatrizes que têm meus irmãos… — os olhos do Zakari se encheram de lágrimas ao ver que ele tinha as mesmas cicatrizes que seus irmãos.

—Impossível — disse Xavian—. Como poderia ser? Eu não acabo de aparecer.

—Xavian… — Stefania falo pela primeira vez—. Recorda quando me passei mal na coroação e você me ajudou?

Xavian assentiu. Não resistiu, permaneceu ali e escutou.

—Levou-me algum tempo, mas quando me recuperei, recordei as cicatrizes de seus pulsos e que, ao te olhar aos olhos, reconheci-te. Tem os mesmos olhos que seus irmãos.

Xavian não tinha chorado em sua vida e, é obvio, não chorou enquanto a rainha Stefania falava. Limitou-se a permanecer imóvel enquanto escutava como todo seu mundo se desmoronava.

—Não me atrevia a dizer-lhe ao Zakari. Não me parecia possível que você, o rei do Qusay, fosse seu irmão. Investiguei durante alguns meses. Li sobre ti e sobre sua família. Nos jornais dizia que só havia um herdeiro, que o povo do Qusay estava preocupado porque nunca o viam,e tinha rumores de que era um menino doente.

—Estava doente — disse Xavian—. Tinha ataques. Durante minha infância estive…

—Encontrei um artigo no que dizia que estava a ponto de morrer… Isso foi dois dias depois que Zafir desapareceu. O jornal dizia que uma fonte confiável do palácio havia dito que o povo do Qusay devia preparar-se para receber uma má notícia…

—Eu era um menino delicado.

—Ao dia seguinte, o jornal se retratou. O médico de palácio informou que, embora o jovem príncipe estivesse gravemente doente, esperava-se que se recuperasse completamente. Em poucas horas, um menino que estava a ponto de morrer passava a poder recuperar-se por completo… Não há nenhuma foto do Xavian quando era pequeno, exceto um retrato oficial no que aparece dormindo.

—Não. Muita gente saberia — negou com a cabeça—. Não — estava zangado, zangado porque se sentia confuso. Queria que todo aquilo passasse, mas isso não aconteceria.

—Por favor, sei que isto deve ser muito difícil… — suplicou Stefania.

—Não sabe nada — disse Xavian, e abriu a porta. Ao Akmal faltou pouco para cair dentro da habitação e, a julgar por sua tez pálida, estava claro que o tinha ouvido tudo.

—É verdade?

—É obvio que não, senhor. Tudo é absurdo, uma mentira…

Xavian sabia que Akmal sempre dizia a verdade.

—Sim, houve um tempo em que esteve muito doente. Eu ainda não estava no comitê de anciões, mas falava com eles. O médico estava ao seu lado dia e noite, e pouco a pouco se recuperou. Foi um milagre, estava muito doente…

Akmal olhou ao rei e pestanejou enquanto seu mundo também começava a desmoronar-se.

—Não — é obvio, negava-o porquê ele tampouco podia compreendê-lo—. Como se pudessem substituí-lo… — negou com a cabeça—. Não. Eu estava aqui, saberia… — pestanejou de novo e abriu a boca para dizer algo, mas ficou em silêncio. Zangado. Pela primeira vez, Akmal foi mal educado com a realeza, e assinalou com o dedo aos governantes de Adamas, de maneira acusatória—. É obvio que não é verdade. Mentem. Negam-se a aceitar que Zafir está morto…

—Tudo é verdade — disse Xavian com força, apesar de que todo se desmoronava enquanto admitia a verdade que durante anos tinha tentado esquecer. Olhou os olhos negros de seu irmão e reconheceu seu próprio olhar. Depois, olhou as cicatrizes que tinha nos pulsos e que algumas noites lhe queimavam—. Desde o dia da coroação da Stefania, sei que algo ia mau. Meus pais não queriam que assistisse, e agora compreendo por que.

—Desde quando sabia a verdade? —perguntou Zakari com lágrimas nos olhos.

—Há cinco minutos, mas levava em meu interior algum tempo. Pensava que me estava voltando louco. Ouvia risadas de meninos, lembrança que perseguia um pássaro no palácio…

Pela primeira vez, Zakari esteve a ponto de sorrir.

—Eu também o recordo.

—Minha mãe? —recordou o rosto que tinha aparecido em seus sonhos—. Anya…

—Morreu — disse Zakari, e empalideceu ao ver o sofrimento de seu irmão. Durante anos tinha sonhado com aquele encontro, mas nunca tinha imaginado tanto dor—. Nosso pai também.

Xavian estava zangado, e Akmal era o mais próximo.

—É obvio você sabia, todos sabiam!

—Não! Eu não era visir naquela época, e nunca mentiria. Durante muitos anos fiz perguntas, mas sempre me silenciavam, Senhor. Uma noite estávamos convencidos de que o tínhamos perdido… —retificou ao ver que Xavian fechava os olhos—, quer dizer, que tínhamos perdido ao príncipe Xavian. Entretanto, ao dia seguinte o doutor disse que seguia vivo. Semanas mais tarde vi a rainha passeando com você no jardim. Seguia muito débil, em uma cadeira. Era a primeira vez que eu o via desde fazia anos. Sempre estava encerrado, e vê-lo acordado…

—Falava?

—Não — admitiu Akmal—. Esteve em silêncio muito tempo, exceto com seus pais. Pensávamos que os ataque lhe tinham prejudicado o cérebro, mas ficou forte e era muito inteligente. Entretanto, nunca foi um menino feliz…

Sentia saudades?

—Majestade — suplicou Akmal—, isto não pode sair à luz. Pense em como afetará ao povo.

—Olhe como afetou ao nosso — disse Zakari—. E a nossa família. Perdemos um irmão, um filho, um príncipe… Deve retornar com a que gente que o quer, com aqueles que choraram sua perda de forma desnecessária.

Mas Xavian não escutava. Queria respostas, não para ele, a não ser para o verdadeiro Xavian.

—Faz vir ao médico do palácio — ordenou ao Akmal.

O doutor chegou um pouco mais tarde, ajoelhou-se e suplicou piedade para ouvir seus pecados.

—Eram ordens do rei. Eu era seu médico…

—Também é o meu! —Xavian o fulminou com o olhar—. Fui verte porque pensava que estava me voltando louco. Esses sonhos…

—As drogas deveriam havê-los evitado.

—Eram minhas lembranças! —espetou Xavian. Mas não estava pensando em castigá-lo, só queria saber a verdade—. Conta-me tudo.

 

A dor deveria ser algo íntimo. Entretanto, logo todos estariam ali.

Enquanto a Rainha Inas Al'Ramiz passeava aturdida pela praia pensava no que estava a ponto de acontecer…

Assessores.

Câmeras.

Jornalistas.

O conselho de anciões.

E o pior era que fariam perguntas: Quanto tempo tinha estado doente o príncipe? Era por isso que a gente nunca via o Xavian? Abdicaria o rei Saqr Al'Ramiz? Deixaria passo a seu irmão o sheik Yazam, para governar Qusay. Junto a sua esposa, Rihana, que tinha dado a luz a três filhos com os mesmos olhos azuis que Xavian? Mas aí terminavam os parecidos.

Inas odiava em silêncio sua fortaleza. Kareef, o maior, tão forte e enérgico, com seus comportamentos imprudentes. Rafiq, tão mimado, vigoroso e paparicado. E depois Tahir, um menino selvagem e indômito1.

Inas tinha tido que fingir seu sorriso nos atos e reuniões públicas quando Rihana cuidava de sua robusta prole enquanto o pobre Xavian descansava.

OH, Xavian!

Com uma pena inconsolável, Inas se cambaleou enquanto avançava pela praia. Tinha-lhe suplicado ao rei, e ao doutor do palácio, que lhe permitissem uns minutos antes de que o mundo a invadisse.

—Deixem que chore, deixem que lamente, deixem que seja uma mãe e não uma rainha durante um momento.

Ela tinha sujeito a seu pequeno até o amanhecer, até que o tinham tirado dos braços e tinha suplicado que a deixassem algum tempo sozinha, com a condição de que quando retornasse informariam ao assessor do rei, a seus ajudantes, ao serviço de palácio e ao povo.

Da suíte principal se acessava a aquela baía diretamente, e Inas tinha baixado a escada de pedra cega pelas lágrimas. Aquela praia era o único lugar do Qusay onde podia estar sozinha. O helicóptero não tinha permissão para baixar, as câmeras não podiam vê-la. Ali podia ser ela mesma.

 

Indômito1 – indomado; não vencido. Arrogante. Selvagem.

 

Ali podia vagar com o rosto cheio de lágrimas e gritar a um Deus que não a tinha escutado.

—Xavian… — gritou seu nome.

Tinha-o amado tanto que preferiria morrer ali mesmo antes de seguir vivendo sem ele.

Mas era uma rainha.

Permaneceria junto ao rei enquanto este abdicava por não ter podido engendrar um herdeiro. Ou uma vez mais, um porta-voz lhe prometeria ao povo do Qusay que logo seu ventre teria…

Inas vagava pela praia, furiosa com o mar, com o céu, a areia e o sol, tudo o que continuava vivo quando seu filho se foi.

Tinham-lhe advertido que esse dia chegaria. O médico lhe havia dito horas depois do parto que seu filho era muito fraco para sobreviver.

Como mãe que era, Inas se tinha negado a escutar, e tinha passado sete anos cuidando de seu filho doente e o ocultando do olhar voraz dos jornalistas. Os ataques se fizeram mais freqüentes, e Xavian cada vez estava mais deteriorado. É obvio, os rumores a respeito de que o príncipe estava doente e nunca chegaria a ser rei se intensificaram.

Todos foram desmentidos.

O príncipe ficaria melhor. Recuperar-se-ia.

Inas lhe tinha suplicado ao Saqr que confiasse em que, algum dia, Xavian ficaria bem e governaria o reino do Qusay. Ela o tinha cuidado como uma leoa cuidaria de sua cria, mas não tinha sido suficiente.

A morte tinha entrado no palácio aquela noite e levou a seu filho…

Ela desejava sustentá-lo outra vez, desejava que ainda estivesse quente.

Entretanto, tinha que retornar ao palácio e enfrentar-se ao mundo sem o… Mas não o faria.

Não podia.

Entrando no mar, suplicou-lhe que a levasse, se isso significava que poderia reunir-se com o Xavian.

—Sinto sua falta, meu filho! —gritou—. Devolva-me a meu menino… —suplicou, embora sabia que não serviria de nada. Depois de tudo, durante anos tinha suplicado para ter herdeiros saudáveis. Só tinha conseguido ter um filho e acabavam de tirá-lo de seus braços.

Deus não existia.

Sentiu que as ondas a arrastavam e lhe entrou o pânico. Pois então quando se precaveu do que estava fazendo. Era a rainha, tinha que ter esperança e fé. Que lição lhe ensinaria ao povo se permitia que o mar a arrastasse?

—Ana asifa… —resmungou enquanto retornava à borda—. O sinto, sinto-o muito. Por favor, ensine-me o caminho… Me mostre que devo fazer…

E ali estava ele…

Uma sombra na praia, sua pele escura camuflada sobre a areia úmida, suas roupas dispersadas como se fossem algas…

Tinha alucinações.

Não podia ser de outra maneira. Estava alucinando e via seu filho na praia.

Correu para ele. Tornou-se louca a causa da dor. Entretanto, à medida que se aproximava, mais real lhe parecia. Tinha o cabelo negro e encaracolado, como Xavian depois de dar um banho, e as pestanas largas. Ajoelhou-se ante ele e viu o movimento de seu peito. Estava vivo.

Tinha os pulsos ensangüentados, a cara queimada pelo sol e arroxeada, mas apesar das feridas era muito bonito. Quando lhe abriu as pálpebras, viu que tinha os olhos negros e não azuis, como os descendentes da família Al'Ramiz, mas fez caso omisso desse detalhe.

Deus tinha respondido a suas preces. Tinha-lhe mostrado o caminho e lhe tinha enviado a esse menino!

Tomou em braços e correu para o palácio. O tempo era essencial, posto que se aproximava o momento de anunciar a morte do Xavian.

Sabia que aquele menino não era Xavian, mas isso não lhe impediu de ter esperanças e abraçá-lo contra seu peito até que o doutor, que estava preparando o cadáver do Xavian, tirou-lhe ao menino dos braços.

—Xavian… — disse Inas enquanto o doutor o sujeitava.

—Inas… — os olhos do rei se encheram de lágrimas enquanto pedia a sua esposa que entrasse em razão—. Este não é Xavian, é o príncipe Zafir da Calista. Saiu em todos os jornais. Eu mesmo chamei ao rei Ashraf para lhe oferecer as condolências de parte do reino do Qusay — se precaveu de que sua esposa tinha estado absorta em sua própria desgraça e não se inteirou da terrível noticia—. Três dos príncipes se fizeram ao mar e foram capturados pelos piratas. Dois escaparam, mas ao pequeno Zafir ainda não o encontraram. Levam dias buscando-o. Sua mãe está desesperada…

—Rainha Anya não é sua mãe —soltou Inas—. Se casou com o rei e adotou a seus filhos. Como pode ser justo que ela tenha cinco e eu não tenha nenhum? Ela nunca deu a luz, eu sim…

—Inas…

—Quem poderia inteirar-se? —perguntou Inas, porque para ela a solução era muito singela—. O cuidaremos até que fique bem. Será nosso filho e algum dia governará Qusay…

—Nosso filho está morto.

—Não tem por que está-lo. Não te dá conta? É a resposta a minhas preces! Isto tinha que acontecer!

—Inas, por favor… — suplicou o rei—. É um membro da família real de Calista. Se o devolvermos a seu povo, beneficiará a nossa nação. Ter-nos-ão em consideração e forjará…

—Como pode pensar em relações em um momento como este? —estava furiosa.

Deu uma bofetada a seu marido ao ver que este queria lhe arrebatar sua última esperança.

Saqr ficou em pé assombrado e ela o golpeou de novo, não com as mãos, a não ser com palavras que foram diretas a seu orgulhoso coração.

—Seriamente quer que governe Yazam? Está dizendo que quer que esse tirano seja rei do Qusay?

Saqr nunca tinha visto assim a sua esposa. Normalmente era uma mulher dócil e tranqüila, e se estava comportando de uma forma completamente diferente… Mas sobre tudo, esse dia conseguiu que o rei também tivesse esperanças. Não queria abdicar, não queria que o sádico de seu irmão Yazam se convertesse em rei, não queria renunciar a seu direito de nascimento…

Possivelmente essa fora a maneira? Ao melhor Inas estava certa e era assim como devia ser?

—Não tem os olhos azuis… — disse Saqr—. Como explicaremos que não tenha os olhos azuis?

Inas se sentiu aliviada ao ver que, em lugar de rechaçar sua idéia, o rei estava tratando de procurar a maneira de levá-la a cabo.

—Não há nenhuma foto — se apresso a responder—. Na única foto que aparece está dormido…

—Poderíamos fazê-lo? —o rei olhou ao médico, e este negou com a cabeça.

—Eticamente não posso permiti-lo — o doutor Habib lhe tinha posto um conta-gotas ao menino e o tinha envolto em uma manta—. Temos que informar agora mesmo ao palácio de Calista.

Inas apareceu a um lado a seu marido para falar com ele, esquecendo-se das normas. Seu filho tinha morrido, e aquela era a oportunidade de sustentar a um pequeno em braços outra vez, de ser mãe.

—Nesse caso devemos informar ao povo de que seu irmão Yazam será o novo rei — Inas olhou a seu marido e viu que se estremecia. Saqr lhe tinha contado que seu irmão tinha um caráter cruel—. É o que deseja para nosso povo?

—É obvio que não.

—Então lhe diga ao doutor que vai ser assim. Faz que aconteça. E se não o faz por mim, faz pelo povo.

Inas conteve a respiração e começou a tremer. Observou como seu marido, o rei, concedia-lhe seu desejo mais desejado.

—Habib, é o médico da família real —disse o rei— e compreendo que isso te põe em uma situação difícil. Terá que visitar este menino diariamente até que fique bem, e para isso deverá reduzir o tempo que dedica a outros pacientes. É obvio, te compensarei por isso…

Todo mundo tinha escrúpulos, mas quando o rei Saqr mencionou uma cifra, o doutor Habib, que tinha três filhos em um colégio privado europeu e uma esposa a que adorava viajar, começou a duvidar.

—Não posso — respondeu, mas começou a duvidar. Não só pelo dinheiro, também tinha medo de desobedecer ao rei.

—Poderia fazer-se? —perguntou de novo o rei, pálido e suarento.

—Isso acredito —disse o doutor.

— Me diga como.

—A gente sabe que o príncipe está doente. Sim o mantemos oculto durante algum tempo mais, não suscitará suspeita alguma…

—A rumores a respeito da morte do Xavian? —perguntou o rei Saqr, pedindo uma resposta sincera.

—A rumores de que está gravemente doente —disse o doutor Habib —. Como este menino.

—Fala com os assessores — disse o rei—. lhes diga que Xavian precisa cuidados intensivos, mas que confiamos em que com o tempo e a atenção adequada, o príncipe se recuperará.

—E o que faremos com o Xavian? —perguntou o doutor—. O que farei com seu filho? —esperava que Inas começasse a chorar outra vez, mas a rainha estava cuidando de pequeno e lhe curando as feridas dos pulsos, querendo-o como tinha querido a seu próprio filho.

—Ocupar-se-ão dele.

Depois de acomodar ao jovem príncipe no palácio, o doutor Habib foi comprovar seu estado. Nesse momento, o príncipe Zafir abriu os olhos pela primeira vez.

—Ommah? —o menino chamava a sua mãe. Estava confuso e assustado.

—Ommah está aqui, Xavian —disse Inas. O som de sua voz era maravilhoso, embora o pequeno chorasse com mais força.

E finalmente, um par de semanas mais tarde, quando o menino já tinha recuperado peso e tinha melhor aspecto, despertou uma tarde e olhou à rainha. E o futuro do Qusay ficou assegurado.

—Ommah!

A lavagem de cérebro se completou.

 

—Onde está? — perguntou Xavian. As náuseas começavam a apoderar-se dele—, Onde está o verdadeiro Xavian?

—Majestade - Akmal se esfregava as mãos com nervosismo—, é melhor deixá-lo estar…

—E onde descansam seus restos? — perguntou Xavian —. No cemitério real? — estava meio doído —. Quero ir ali… — estalou os dedos —. Akmal, pede um meio de transporte.

O cemitério estava perto do palácio, a pouca distância de carro. Estava fechado e só se abria ao público ocasionalmente. A última vez tinha sido o dia depois do enterro de seus pais e Xavian não tinha nenhuma vontades de retornar, mas era imperativo que fosse.

—Não está ali — o médico estava pálido.

—Então onde está? — Xavian perguntou ao Akmal—. Diga-me onde está.

—Senhor, não sei nada a respeito…

—Akmal diz a verdade — interrompeu o médico—. Ninguém sabe. Foi algo entre seus pais e eu.

—Meus pais? Esses não eram meus pais. Onde está Xavian?

—Pediram-me que me ocupasse de tudo — o doutor estava de joelhos, suplicando que o perdoassem—. Quando morrem os órfãos, leva-os a deserto…

—À fossa comum?

Akmal rompeu de novo o protocolo e lhe pediu ao rei que se calasse, mas Xavian não fez casso.

—Está-me dizendo que o príncipe Xavian foi enterrado em uma fossa comum? Levem-me agora mesmo.

Estava zangado e confuso. E Akmal conduziu até ali. Sentia-se como se fora ele a quem tinham enterrado, e quando chegaram ao cemitério ficou em pé e se olhou a si mesmo, em vida, uma pessoa da que se esqueceram tão facilmente. Um menino que tinha sido enterrado e esquecido.

—Majestade — Akmal lhe suplicou que retornasse ao carro—, deveríamos…

—Encontrar ao Xavian. Receberá seu nome e terá uma tumba no cemitério da família real.

—Não — suplicou Akmal—. Se isto sair à luz, se revelar a verdade, não se dá conta de como afetará a nosso povo? Não só não haverá rei, mas sim além se apagará a bonita lembrança que a gente tem de seus pais. Senhor, com isto morrerá o espírito do Qusay. Devemos manter a mentira. Por favor, suplico que o reconsidere, pense nisso quando estiver mais tranqüilo.

Enquanto retornavam ao palácio, Xavian se deu conta de que devia pensá-lo melhor.

Era o único que podia aceitar.

Passeou pela praia onde o tinham encontrado e compreendeu tudo.

A mancha que tinha visto no horizonte era o mesmo, flutuando à deriva.

O mar que tanto tinha odiado o tinha levado até o Qusay.

Sempre o soube.

Em algum lugar de seu coração se alojou a verdade. Passeou pela praia onde Inas o encontrou aquela manhã… Olhou de volta o vasto mar e se perguntou como tinha sobrevivido. Durante um instante se perguntou se não teria sido mais fácil morrer. Em certo modo, era o que tinha passado. Tinham-lhe arrebatado tudo sobre sua pessoa, sua identidade. Inclusive tinha outra idade. Zakari lhe havia dito sua data de nascimento. Tinha vinte e oito anos, não vinte e nove.

E o verdadeiro Xavian, o menino pelo que chorava nesses momentos, nem sequer era seu irmão.

Tudo o que era, tudo o que sabia, desapareceu.

Xavian, o rei Xavian, o filho do Inas e Saqr… Tudo desapareceu.

Então quem era ele?

Sua infância se evaporou. Cada adulação, cada vez que lhe haviam dito que o queriam… Eram palavras que não foram dedicadas a ele, a não ser a um fantasma.

A gente do Qusay ficaria destroçada. E sua esposa…

Layla era sua esposa? Ela se tinha casado com alguém que não existia.

Xavian sempre tinha acreditado que era seu dever o que o fazia diferente, sempre se tinha mantido distante. Não tinha amigos nem se relacionava socialmente, à exceção de alguma breve visita a seus primos… E já sabia por que.

Durante anos, tinham-lhe lavado o cérebro devagar.

Viu que Layla caminhava pela praia privada. Descalça e de camisola, com a cara torcida de tanto chorar. O sol nascente a iluminava por detrás e o podia ver sua silhueta através do fino tecido.

Haviam feito amor. Mais que isso: tinham encontrado o amor. Pela primeira vez Xavian tinha permitido que uma mulher entrasse em seu coração. E entretanto, via-se obrigado a tirar de sua vida. Se tal e como lhe pedia Akmal, elegia viver aquela mentira, devia fazê-lo sozinho. Não podia carregá-la com o peso que lhe tocava levar a ele.

A verdade arruinaria muitas vidas, incluída a sua, posto que ele queria ser rei. Tinham-no criado para ser rei, e gostava de sê-lo. Lhe dava bem governar e não queria deixar de fazê-lo.

Poderia viver com a mentira?

—Vem a cama, Xavian… — jamais lhe tinha suplicado nada, mas estava assustada. Tinha passado toda a noite sem dormir, caminhando pelo corredor do palácio e escutando os carros passar. Baja a tinha convencido de que retornasse à cama outra vez, mas não tinha conseguido dormir. Tinha saído ao terraço para tomar o ar e tinha visto o Xavian passeando pela praia com a roupa molhada. Inclusive de longe, ela podia ver sua raiva, sua dor, e queria compartilhá-lo—. O que ocorre?

—Não quero falar.

—Pois não fale — disse Layla—. Mas vem a cama.

—Quero estar sozinho.

—Não. Dissemos que falaríamos depois da recepção, que compartilharíamos coisas, que…

—Esse dia pode esperar — disse Xavian—. Akmal está fazendo as malas —ela o sujeitava pelos pulsos e tentava que ele a olhasse aos olhos—. Convidaram a passar uns dias em Calista.

—Isso está bem. Podemos passar uns dias ali…

—Sozinho — a interrompeu Xavian—. Só me convidaram.

—Não…

—Layla… esteve bem, mas ambos sabíamos que isto era um matrimônio de conveniência. Você governa Haydar. Agora existe a possibilidade de que Qusay melhore sua relação com a Calista e Aristo; o reino de Adamas estava fora de nosso alcance e estaria bem que, à larga, nosso povo…

—Mas não será bom para nós.

Só levavam uma semana casados e tinha sido a semana mais feliz de sua vida. Havia-lhe dito que as coisas seriam diferentes, e lhe tinha feito amor uma e outra vez. No dia anterior lhe tinha mostrado que suas vidas podiam ser muito melhores, e nesse momento estava jogando tudo por terra.

—Ontem me prometeu que logo compartilharíamos coisas… —insistiu ela—. Xavian me permita estar a seu lado.

Ele não podia lhe fazer isso. Seria melhor que ela o odiasse, porque logo teria que lhe contar a verdade, ou viver com uma mentira de forma permanente.

Nada podia salvar-se. Simplesmente, não podiam ganhar.

—Por favor, Xavian, não vá sem mim.

—Sabe o que eu gostei de ti, Layla? Sabe o que te faz diferente?

Ela permaneceu em silêncio.

—Suplicar não vai contigo. Preferia quando me tinha na incerteza.

Ele podia ver a silhueta de seu corpo sob a camisola. Seu rosto era belo sem maquiagem, seus seios turgentes e, apesar do que lhe havia dito, aquilo já não era um matrimônio de conveniência. Estava excitado. Desejava tombá-la na areia e lhe fazer amor. Fixou-se em sua boca e lhe acariciou o cabelo. Atraiu-a para si, desejando não ter descoberto a verdade. Teria preferido viver na ignorância e poder desfrutar da Layla.

Ela jogou a cabeça para trás para que o pudesse beijá-la, para que acreditasse que era uma marionete que podia dirigir, que dançaria a seu ritmo… Mas ela era muito melhor que isso, muito mais forte, assim que ele se retirou do baile e soube que tudo tinha terminado.

—Tenho que ir a Calista — disse Xavian—. Sozinho.

E Layla acreditou havê-lo compreendido.

—É algo que beneficiaria só ao povo do Qusay? Algo que você não gostaria de compartilhar com o Haydar?

Ele não respondeu, e Layla decidiu que Baja tinha razão. Para ele era só uma questão de dever, e assim devia ser para ela também.

—Igual a aqui celebramos um ato formal, meu povo espera que façamos o mesmo para eles. Eu não te tenho feito ficar mau; entretanto, pede-me que retorne a casa sem ti… Que me converta em uma recém casada que não leva a seu marido a casa nem sequer por umas noites.

—A gente sabe que é uma questão de política dinástica1.

—Não necessita que o demonstrem tão claramente.

—Diremos que estamos no deserto… Você ficará aqui.

—Aqui?

—Não pode passar algum tempo no deserto até que eu retorne.

 

Dinástica1 – que diz respeito a uma dinastia ou a um governo hereditário.

 

—Não! —ela não retornaria ali sem ele. Não suportaria dormir sozinha na cama onde tinham feito amor, mas não voltaria a suplicar vá a Calista e faça o que tenha que fazer, mas eu não vou permanecer encerrada no palácio fingindo para sempre. Tem uma semana. Se depois escolher não ir comigo ao Haydar, se escolhe me desonrar dessa maneira, não volte a me pedir que me comporte como sua esposa em nada que não tenha que ver com o dever.

Retirou-se de seu lado.

—Soluciona-o, Xavian… Tem uma semana.

 

Ao entrar no palácio de Calista, as lembranças se atropelaram.

Podia escutar a risada de sua mãe, e sua risada de menino enquanto perseguia o passarinho que tinha entrado no palácio. Via-se correndo pelos corredores, abrindo diferentes portas… E mais tarde, nos estábulos, ocultou o rosto contra o pescoço de um garanhão.

—Meus pais me proibiam montar a cavalo — disse Xavian—. Posto que era o único herdeiro devia ser responsável. Um dia os desobedeci e monte o cavalo mais selvagem dos estábulos. Eu o selei sozinho e montei com facilidade. Não compreendia por que sabia fazê-lo…

—Foi como um menino cigano — sorriu Zakari—. Você adorava os cavalos — fez uma pausa—. Tudo isto é teu, Zafir.

—Não me chame assim.

—É Zafir.

—Destroçará a meu povo.

—Não me importa seu povo — disse Zakari—. Qusay roubou a meu irmão e o teve muito tempo. Não me sinto mal por reclamar o que é nosso.

—E o que tem minha esposa? —disse Xavian—. Casou-se com um rei.

—E agora tem um príncipe — Zakari se encolheu de ombros—. Pode ajudá-la…

—Ajudá-la! —Xavian soltou uma gargalhada—. Não necessita minha ajuda. Governa a sua maneira…

—Então a deixa —disse Zakari, como se fora tão singelo—. Todo mundo sabe que não é mais que um acordo, ela continuará governando Haydar, e você pode seguir sendo príncipe. Em qualquer caso — Zakari se encolheu de ombros—, o matrimônio não será legal…

Suas palavras eram como uma punhalada no peito.

—Pode recuperar sua vida. Zafir, a vida que Qusay te negou, a vida que estava preparada para ti. Vem agora, vem comigo — disse Zakari—. É hora de que informe a seus irmãos…

—Não! Ainda não. Eu decidirei quando é o momento.

—Lhe sentiram falta, choraram sua morte…

—Uns dias mais não suporão nenhuma diferença.

Ao menos Zakari reconheceu que isso era verdade.

 

Apesar de suas ousadas palavras, Layla não conseguiu se livrar do desejo.

Tentou odiar ao Xavian.

Cada manhã, quando Baja a banhava, o desenho da mariposa que ele tinha beijado se apagava um pouco mais. Ocupava os dias lendo, passeando pela praia, escrevendo em seu diário… Mas de noite, jogava muitíssimo de menos. Desejava não havê-lo conhecido, porque até então podia dormir. Não conseguia conciliar o sono, pois sentia falta do que tinha compartilhado com ele.

Lhe tinha dado uma semana e, como sempre, ele a estava fazendo esperar.

E lhe tinha dado outro dia porque… Bom, porque tinha que fazê-lo.

Mas quando ao nono dia não recebeu notícias dele, não pôde suportá-lo mais.

Não tinha por que sofrer aquilo, assim chamou Akmal.

—Organiza minha viagem. Informa a meu povo de que retorno ao Haydar.

—Possivelmente um par de dias mais. Majestade…

—Te ocupe de que empacotem minhas coisas —Layla estava furiosa por sua insolente sugestão—. E deixa que tragam meu avião.

—Têm que assinar uns documentos… Se necessitam ambas as assinaturas, e testemunhas…

—Diga-lhe ao rei.

—Não ficará bem…

Ela estava a ponto de lhe pedir que partisse, e de castigá-lo severamente, entretanto, viu que tinha os olhos cheios de lágrimas. Akmal se ajoelhou e lhe suplicou lhe desse mais tempo a seu senhor.

—Tinha que solucionar muitas coisas…

—Como o que? —perguntou ela, porque até que Stefania e Zakari tinham pedido audiência tudo tinha ido bem—. Está ocupado fechando um trato que lhes beneficiará a vós, Akmal, a seu povo.

—Não se trata de pedras preciosas nem de jóias — o visir baixou a cabeça.

Que Akmal fizesse aquela revelação fez que a Layla lhe encolhesse o coração.

—Então o que é? —esclareceu-se garganta—. A que é ao que meu marido tem que enfrentar-se com tanta urgência?

—Parece que seu marido não a está tratando muito bem — disse Akmal com voz tremente—. Para que um rei deixe a sua rainha só tão logo… — seu olhar pedia que o escutasse que lesse entre linhas, que fizesse algo, porque aquilo era mais do que Akmal podia suportar—. Entretanto, acredito que retornará logo, que tudo sairá bem, se pudesse lhe dar um pouco mais de tempo…

Ela temia por seu marido.

Estar-no-iam chantageando? Os maus humores, os pesadelos…

Não, Xavian era forte.

O que era o que lhe passava?

—Há mudança de planos. Vou a Calista — viu que Akmal abria os olhos assombrado—, sem avisar — e o disse com tanta convicção que o visir assentiu—. Recordar ao rei as conseqüências, o que ocorrerá se não retornar comigo a meu país…

Pela primeira vez desde dias, Akmal teve esperança. Nunca tinha visto o Xavian tão apaixonado por uma mulher. Possivelmente a rainha Layla pudesse ser quem o convencesse. Porque se perdia Qusay, perdê-la-ia também. Rainha do Haydar preferiria estar casada com um Rei!

—Não pode ir ainda — ao ver que ela se dispunha a lhe jogar uma reprimenda, Akmal se armou de valor—. Tem os olhos inchados de chorar, o cabelo despenteado, e eu sei o que gosta ao Xavian…

Ela não disse nada. Ao fim e ao cabo, ambos estavam no mesmo lado, ambos queriam que o mundo fora como tinha sido uns dias atrás.

—Permita que a ajude. Majestade.

E ela assentiu.

«Possivelmente funcione» pensou Akmal enquanto corria de um lado a outro organizando os seus empregados. Chamou à cabeleireira e aos melhores desenhistas. Quando o Rei Xavian visse sua nova esposa, retornaria a casa…

—Ainda não! —disse Baja quando Akmal bateu na porta, mas a rainha fez caso omisso e permitiu que o visir tivesse a última palavra.

—Assim estou bem?

Embora Akmal nunca tinha encontrado o amor, decidiu que não havia nada mais belo que uma mulher apaixonada.

Rainha Layla tinha eleito bem. Sua tez clara ressaltava graças ao vestido negro de seda que se atava a seu corpo. Suas pernas pareciam mais altas graças aos sapatos de salto, e o cabelo recolhido lhe sentava muito bem. Era divina, e certamente o rei tivesse o mesmo impulso que qualquer outro homem. Lhe tirar as presilhas e observar como caía seu cabelo em cascata. Os maçãs do rosto se acentuavam graças ao blush, os olhos os tinha pintados com o Kohl e os lábios, de vermelho.

—Conseguirá que o rei retorne a casa —disse Akmal, para a Layla—. Leve isto — entregou o colar de esmeraldas que Xavian lhe tinha dado a noite da cerimônia oficial—. Significa muito para nosso povo, para a família real. Quando a vir com o posto…

O colar caía entre seus peitos, e Baja também sorriu. Layla era toda uma mulher. Uma mulher vestida para seu marido. Mas agora devia vestir-se para outros, e Baja a ajudou a colocar o véu.

—Estamos preparadas — disse Baja ao Akmal, mas Layla tinha outros planos.

—Não. Baja. A Calista vou sozinha.

—Não sabe o que te encontrará ali… — disse Baja—. Deve permitir que te acompanhe.

—Enfrentarei a ele sozinha —disse Layla—. E se escolher não retornar…

Akmal juntou os olhos um instante. Ele conhecia a verdade, sabia o que ela ia se encontrar.

—Acompanharei-lhe —disse Akmal.

—Ele poderia te despedir — disse Layla—. Pode que fique furioso com minha chegada. Não tem por que te arriscar a perder seu posto.

—Irei com Sua Majestade.

            A viagem durou quatro horas. Ela queria que sua chegada fosse inesperada assim, em lugar de aterrissar no palácio, aterrissaram no aeroporto da Calista, onde um luxuoso carro os recolheu para levá-los até o palácio.

Ela agradecia que Akmal estivesse a seu lado, porque ao entrar se encontraram com certas dificuldades. Foi Akmal quem lhes asseguro que aquela mulher era a rainha Layla e que se dispunha a reunir-se com seu marido, e lhes sugeriu que deixá-la esperando seria de muito má educação.

Ao cabo de um momento abriram as portas e os deixaram passar.

—Pode retornar ao avião —lhe ofereceu Layla—. Xavian não precisa saber que me trouxeste aqui.

—Esperarei-lhe — disse Akmal—. Entre. Conheço vários empregados do rei Zakari, passarei o tempo falando com eles.

Rainha Stefania a recebeu assombrada no salão enquanto uma babá levava ao seu bebê.

—Me perdoe —disse a rainha Stefania—. Estava dando de comer ao pequeno Zafir. Não lhe esperávamos. Zafir não… —deixou de falar e negou com a cabeça—. Xavian não…

—Pode continuar alimentando ao Zafir — disse Layla—. Sinto te interromper.

—Acabo de terminar —disse Stefania—. Xavian não disse que te estiva esperando…

—Xavian não sabe que vim.

—Posso oferecer-lhe um chá ? —olhou à donzela—. Um lanche?

—Só quero falar com meu marido.

—Por favor —disse Stefania—. Não quer te sentar?

—Não, obrigado — Layla nem sequer tirou o véu. Permaneceu ali de pé, forte, desafiante e quase perigosa. Mostrava certa inquietação e Stefania recordou a época de sua vida em que, sem lhe importar quem estivesse presente, dizia o que opinava. Claramente preocupada, Stefania olhou à donzela por precaução.

—Está montando a cavalo — disse Stefania—. Estou segura de que se soubesse que vinha, estaria aqui…

—Quando retornará? —Layla observou que a rainha se passava a mão pelo cabelo com preocupação. Estava envergonhada, e Layla não queria lhe fazer mal, mas se estava fazendo mal a si mesmo.

—Sinto muito, não sei. Possivelmente poderíamos ir dar um passeio pelo jardim?

—Um passeio! Não vim aqui para passear. Vim a ver meu marido. A descobrir por que uma semana depois de nossas bodas decide passar tempo conhecendo sua família em lugar da sua esposa.

—Possivelmente havia coisas que os reis tenham que tratar…

—É uma brincadeira? Ou é que te parece bem? Suponho que deve ser assim… — disse Layla, e Stefania fechou os olhos—. Depois de tudo, só o convidaram a ele. Faço mal em querer ver meu marido?

—É obvio que não…

Stefania recordava como tinha sido sua lua de mel. Zakari lhe havia dito que só era um matrimônio de conveniência, e ela descobriu que o que ele queria era reunir as duas metades do diamante Stefani. Notava a dor na voz de Layla, raiva e confusão, e a reconhecia como se fosse a sua. Tinha apoiado a seu marido naquilo, eram um matrimônio total e o contava com sua opinião em tudo, menos no que se referia a seu irmão perdido. Para o Zakari era singelo: Zafir devia retornar a casa. Entretanto, ela tinha diante uma pequena parte da dor que aquela decisão provocaria. Admirava a Layla por quão valente tinha sido ao entrar em um palácio desconhecido e exigir seus direitos como esposa.

—Quero ver meu marido — insistiu Layla—. Sinto te pôr em maus momentos, mas não irei partir daqui até que o faça — se sentou e Stefania soube que não partiria dali até obter respostas.

—Saiu a montar ao Death antes do amanhecer.

—Death…

—O garanhão. Dissemos-lhe que não era aconselhável, mas nestes momentos não está disposto a escutar a ninguém. Esteve fora desde…

—Não te acredito. Quero que me leve com meu marido.

—Está montando a cavalo —mas o sol se pôs fazia horas. Layla negou com a cabeça.

—Xavian não sabe montar, seus pais o proibiram. Assim não pode estar montando um garanhão.

—Por favor, Layla —lhe suplicou Stefania—. Zakari saiu para buscá-lo. Eu estou ao seu lado, quero que fale com o Xavian…

—Então me levará aos estábulos…

—Não pode sair…

—Não vou buscá-lo… Esperarei a que retorne. Quero vê-lo antes de que o façam seu marido e você, ou de que falem em meu nome…

 

Layla estava muito preocupada.

Tinha anoitecido e ao Xavian podia lhe haver acontecido algo. Esperou junto ao estábulo, passeando de um lado a outro e pensando em quando chegasse o momento de enfrentar-se a ele.

Então o ouviu. Ou ao menos ouviu as pisadas dos cascos de um cavalo. Ao olhar para a porta, viu que era Xavian…

Ele desmontou do cavalo, lavou-lhe as patas e o atou antes de lhe tirar a cadeira, deixando o resto do trabalho a um dos moços de guarda. Na escuridão, Layla se tirou o véu e o observou aproximar-se, perguntando-se como reagiria ao vê-la.

Ele tinha passado todo o dia montando a cavalo, tinha galopado pelo deserto e não tinha encontrado nada, nem paz, nem claridade, só raiva e fúria. Estava farto do Zakari, da Stefania, de que lhe dissessem o que era o que devia fazer.

Ninguém sabia quão farto estava.

—Xavian…

Ele abriu a porta, acendeu a luz e viu a Layla com seu vestido negro e seus saltos. As pernas ao descoberto, o cabelo recolhido e o colar do Qusay ao redor do pescoço.

—Meu avião está esperando no aeroporto.

—E? —passou junto a ela e deixou cair a cadeira de montar.

—Se não retornar comigo ao Qusay, partir-me-ei esta mesma noite ao Haydar.

—Então vai.

—Há alguns documentos que temos que assinar. E coisas das que falar.

—Não tenho nada do que falar e não assino documentos em um estábulo… — se voltou para ela, fixou-se em seus braços e pernas nuas, em seu decote, e o desejo se apoderou dele. Quão único desejava era viver a mentira, deitar-se com ela essa noite e retornar ao que tinham.

Mas viver na mentira não era honrado…

—Xavian?

A ele lhe encolheu o estômago, porque ela nem sequer sabia seu nome.

—Quando estiver decentemente vestida, pode te reunir comigo no palácio e falaremos de negócios.

—Não quero ir ao palácio.

—O que é o que quer? O que é o que quer de mim? Diga-me isso agora.

—O que tínhamos — disse Layla.

Só ele sabia que não podia ser.

—Quer um rei?

—Não! —Layla negou com a cabeça—. Quero a ti, Xavian. É a ti a quem quero.

—A mim? —se ela nem sequer sabia quem era. Fechou a porta do estábulo detrás de si—. Não sabe nada de mim!, Mas o quer tudo. Isto era um acordo e agora decide trocar as normas.

—Decidimos os dois juntos! —gritou Layla—. Quando fizemos amor, quando nos beijamos, quando falamos… Isso não era um acordo…

—Queixa-te de que fui muito agradável contigo?, De que nossa relação sexual era muito boa?

—Está invertendo minhas palavras… Não quero que seja um acordo. Não quero que vivamos vidas separadas. Que tenha amantes, que esteja com outras mulheres. Quero-te só para mim… — Layla tratou de manifestar sua confusão, mas Xavian não podia suportá-lo mais.

—E por isso vem vestida como uma fulana?

—Como preferiria que me vestisse? —perguntou Layla—. Você tem feito isto. Xavian. Eu estava preparada só para ter sexo, mas você queria mais… Tirou a mulher que havia em mim, e agora quer que volte a ser uma virgem dócil e obediente.

—Vai! — gritou —. Retorna ao palácio.

—Não quero retornar! Quero que me faça amor…

—E por que não me disse isso? — disse Xavian, aproximando-se dela enquanto se desabotoava as calças de montar. Ela se fixou em seu membro ereto e, imediatamente, ele a beijou… A tombou no chão, acariciou-lhe o corpo e lhe levantou o vestido. Baixou-lhe a roupa interior e lhe separou as pernas com o joelho… E então, deteve-se.

—Isto é o que quer? — perguntou ele, e sentiu vontades de chorar como nunca antes havia sentido.

—Sabe que não.

Xavian ocultou o rosto em seu pescoço e notou o frio do colar. Séculos de tradição. Podia ficar com tudo aquilo e com a mulher que tinha entre seus braços, se pudesse permanecer em silêncio e não lhe contar a verdade.

—O que é o que quer?

—A ti.

—Não posso ser rei…

Essa vez, quando ouviu o desespero que havia na voz daquele homem, Layla não atuou como uma rainha. Não pediu explicação alguma, mas sim se comportou como uma amante, porque sabia que aquilo era terrível. Sabia que não podia pensar porque se pensava teria que falar.

Ela começou a beijá-lo para atrasar o que viria depois. Sabia que estava doído e assustado, assim que o tirou por última vez do buraco negro no que sucumbia e voltaram a ser os dois de sempre.

—Desejo-te — disse Layla ao senti-lo em seu interior, embora desejava mais. Não queria chegar ao orgasmo porque sabia que terminaria, mas seu corpo estava vivo e ela tratava de controlá-lo. Ele empurrava com força e seu corpo o acolhia, mas tratando de prolongar o momento. Quando ele não agüentou mais, ela o acompanhou. A ferocidade de seu orgasmo não a alarmou, mas permaneceu tremendo enquanto ele se derrubava sobre seu corpo. De algum modo, a intensidade lhe pareceu adequada, porque sabia que seria a última vez.

Aquela paixão, aquele desejo, não podia ser mantido por uma só pessoa, e Layla sabia que Xavian estava a ponto de romper o pacto de silêncio que havia entre ambos.

Depois, ele se comportou de forma muito carinhosa. Beijou-a. Ajudou-a a levantar-se. Ajudou-a vestir-se e lhe sacudiu o pó da roupa. O homem zangado que tinha entrado no estábulo tinha desaparecido. Em seu lugar, parecia esgotado, enfastiado, mas orgulhoso e pela primeira vez desde que o tinha visto, olhou-a aos olhos.

—Há algumas formalidades que tenho que completar. Tenho que retornar ao Qusay durante uns dias e, é obvio, você deve voltar para o Haydar, e… —fez uma pausa, esperando que ela o interrompesse, mas não foi assim. Precaveu-se de que Layla se estava preparando para o que ia dizer lhe—. Se quer continuar casada, retomaremos nosso trato original, mas eu viverei em Calista.

—Calista? — não compreendia nada—. O que quer dizer com se quero continuar casada? Não podemos nos divorciar…

—Não sou o rei Xavian do Qusay. Sou o príncipe desaparecido, Zafir de Calista.

—Não o compreendo - sussurrou Layla—. Xavian…

—Meu nome é Zafir… — corrigiu ele—. O que significa que nosso matrimônio não é válido. O Xavian com o que te casou não existe. Eu nunca fui ele, não sou seu marido.

 

—Buscam-no durante anos…

Achavam-se no palácio de Calista. Layla estava tremendo enquanto bebia um chá para acalmar os nervos que não o fazia nenhum efeito. Stefania lhe havia cobertos os ombros com um xale, e a habitação estava quente, mas não podia deixar de tremer.

No fundo sabia quão devastador aquilo resultava para muita gente; entretanto, não estava preparada para compreendê-lo tudo de repente. Zakari e Stefania a ajudaram a atar os cabos, mas Xavian, ou melhor Zafir, permanecia em silêncio. Ele seguia vestido com a roupa de montar a cavalo e Layla desejava cruzar a habitação, sentar-se com ele e lhe sujeitar a mão enquanto Zakari lhes dava os detalhes. Mas era como se tivesse um escudo invisível ao redor, uma barreira protetora, e ela sabia que quão único podia fazer era escutar, e tentar não pensar na comoção que tinha tido. Inclusive em momentos desesperados, devia pensar primeiro no reino. Zakari continuou:

—Meu pai não economizou em gastos. Embora tudo indicava que devia estar morto, ainda tinha a esperança de encontrá-lo com vida em algum lugar. Contratou detetives, e havia rumores de que tinha sido adotado. Buscaram-no em todos os reinos… —apertou os lábios—. Meu pai incluso falou com o rei do Qusay, e Saqr lhe ofereceu toda sua ajuda…

Voltou-se para seu irmão, que olhava fixamente para diante.

—Lhe sentimos falta, todos os dias. É hora que retorne a casa.

—Como? — perguntou Zafir—. Meu povo ficará destroçado. E o que passará com o povo do Haydar? —olhou a Layla—. Beijou a um rei e se converteu em príncipe…

—O povo do Haydar receberá a…

—Por favor — soltou Zafir—. Não vou ser o consorte da rainha. Não necessito um papel honorário — ficou em pé e se aproximou da janela de onde se via o deserto. Entretanto, aquilo não o ajudou a acalmar-se. Possivelmente algum dia chegasse a sentir-se como em casa. Depois de tudo, no palácio do Qusay nunca tinha tido essa sensação.

—Poderiam nos deixar um momento? —pediu a seu irmão e a sua cunhada, mas quando ficaram a sós, ambos demoraram um momento em falar.

Layla ficou em pé. Estava acostumada a tomar decisões difíceis em pouco tempo, a pensar nas opções, a explorar possibilidades e a tirar rápidas conclusões, mas aquilo era o mais difícil que tinha feito nunca. Ao ver que ele se dispunha a falar, ela fechou os olhos. E ele permaneceu em silêncio até que os abriu de novo.

—Mentirei por ti.

Ele fez uma careta ao ouvir suas palavras, viu que as lágrimas rodavam pelas bochechas da Layla enquanto esta se oferecia a pôr em perigo sua reputação, e às pessoas que amava, para compartilhar aquela mentira com ele. Não ia permitir.

—Não.

—Mentirei… Pode confiar em que nunca revelarei seu segredo.

—Não!

—Akmal tampouco dirá nada. Certamente possa convencer a seu irmão…

—Não! —gritou ele.

Sozinho, possivelmente teria mentido, mas não mentiria com ela.

—Layla… — disse o sem olhá-la—. Farei que o verifiquem, mas se o matrimônio é válido, o que duvido, oferecer-te-ei a anulação.

—Não quero a anulação…

—Casei-me contigo por dever — as palavras do Zafir eram cruéis, mas essa era a única maneira em que podia fazê-lo—. Esse dever já não existe.

—E o que passa com minha honra?

—Estou disposto a dizer que o matrimônio não se consumou. Que descobrimos a verdade sobre minha identidade no dia de nossas bodas e que passamos tempo tratando de decidir o que fazer…

—OH! — Layla ficou em pé —. E eu pensava que estávamos tratando de parar as mentiras… Tola de mim. Você goste ou não, o matrimônio se consumou. Estamos casados.

—Como desejar — Zafir se encolheu de ombros.

—Então virá comigo ao Haydar?

—E terei que te obedecer?

—Terei que te ensinar nossos costumes.

—Me ensinar… — disse com cara de desgosto—. E revisarás meu trabalho?

—Não se… — admitiu Layla.

—E modificará meus discursos? —insistiu Zafir.

—Não — ela estava chorando.

—E depois te recompensarei por me deixar jogar a ser rei me deitando contigo pelas noites?

Não podia ser, não podia aceitar as migalhas.

Ele tinha tido muito poder e gostava tanto como a ela.

—Prefiro ser príncipe.

—A estar comigo?

—Layla, pelo que me recordo, aceitei meu dever sem questionar. Governar era meu futuro, minha paixão. Agora que não é uma opção, a vida de príncipe não soa tão mal. Não terei a carga de todo um país sobre meus ombros, e tenho toda uma família me esperando. Poderei montar a cavalo, jogar pólo…

—Te deitar com mulheres…

—É obvio — confirmou Zafir, mas não podia acreditar-lhe Esses dias tinham terminado para ele. Não gostava da idéia de estar com uma mulher que não fosse Layla—. Serei discreto e, é obvio, agradar-te-ei… E te darei o ansiado herdeiro… —fez contas mentalmente e tinham acontecido duas semanas das bodas, o dia mais fértil do ciclo—. Possivelmente já lhe tenha dado isso.

Ela não disse nada, permaneceu ali enquanto ele chamava a Stefania e ao Zakari, e ao Akmal também. A decisão já tinha sido tomada, só tinha que levá-la a cabo.

—Minha decisão está tomada. Esta noite retornarei ao Qusay. Quero procurar um lugar de descanso digno para o Xavian, mas ninguém tem que inteirar-se de como o enterraram. Uma vez termine com isso, informarei ao povo do que ocorreu.

—Como o dirá? —Layla estava pálida.

—Mediante uma mensagem na televisão — respondeu Zafir —. Nos próximos dias, logo que Xavian descanse no lugar que lhe corresponde, e antes que os rumores comecem a circular. Contatarei com o Kareef e lhe direi que ele é o rei legítimo…

—Eu informarei a meu povo também — disse Layla, pensando no Kareef e na notícia que ia receber —. Depois retornarei ao Haydar…

—Sozinho — lhe recordou Zafir—. Preciso passar um tempo com minha família, mas é obvio te visitarei ao seu devido tempo… — não suportava a idéia de como ia olhá-lo a gente ao vê-lo descer do avião. Estava envergonhado, sentia-se humilhado, mas não permitiria que ela o notasse —. Sinto falta de ser príncipe.

Ela pôs um tenso sorriso.

—Então será príncipe… Como pretende, informarei a meu povo.

—Por favor, faça-o — disse Zafir com frieza—. Agora tenho que partir ao Qusay. Tenho muito que fazer.

—Pode ficar aqui, Layla — lhe ofereceu Stefania ao ver que não lhe sugeria que fosse com ele—. Até que a notícia…

Ela não suportava a idéia de dormir em habitações separadas, de compartilhar o palácio e não a cama, assim assentiu agradecida.

 

Zakari e Stefania eram uns anfitriões estupendos.

Compreenderam que estava chocada e lhe ofereceram levar a comida à habitação. Stefania, amável e simpática, sentou-se em sua cama a manhã do último dia que estava ali, com o pequeno Zafir no meio, sorrindo e movendo as pernas.

Todos iriam voaram ao Qusay. Zakari e Stefania assistiriam ao funeral, enquanto que ela os esperaria no palácio do Qusay. Depois revelariam a verdade.

—Aqui, em Calista, haverá celebrações nas ruas — Layla ainda levava a camisola e tinha os olhos inchados de tanto chorar—. E no Qusay chorarão de pena.

—E no Haydar?

—Não sei —confessou—. Não estão contentes sob meu mandato.

—Aqui passaria o mesmo — admitiu Stefania—, custar-lhes-ia aceitar a uma rainha. Aristo é um lugar mais moderno, mas inclusive ali sei que Zakari ajuda a que me aceitem.

—Com o Zafir a meu lado teria sido muito mais fácil — sussurrou Layla, e se sentiu estranha empregando esse nome. As lágrimas afloraram a seus olhos e Stefania negou com a cabeça.

—Ouvi-lhe falar com o Zakari. Ou é rei ou nada, seu orgulho não permitirá que seja de outra maneira…

Quando o pequeno Zafir começou a chorar foi Layla quem o tomou em braços.

—Sei os problemas que isto vai provocar — disse Stefania—. Sei quão confuso deve ser para o Zafir. Eu me criei como uma menina pobre. Era donzela no palácio quando descobri que, em realidade, era rainha… — franziu o cenho—. Mas é muito pior para o Zafir. Eu, ao menos, conheci minha mãe e seguia tendo minha identidade; algumas coisas seguiam sendo verdade. Em troca, para o Zafir não é assim — olhou a Layla—. Eu não ia contar ao Zakari as minhas suspeitas. Preocupava-me estar equivocada e ter criado falsas esperanças, e também tinha medo pelo Zafir, mas então… — acariciou a bochecha do bebê—, quando ele nasceu, quando vi meu marido sustentando-o em braços e chorando ao pronunciar seu nome, soube que tinha que contar-lhe, Zakari esteve tratando de contatar com ele após. Convidamo-lo há passar uns dias conosco quando morreram seus pais. Zakari queria vê-lo em pessoa, e esperávamos que sua estadia em Calista despertasse lembranças, mas, Xavian, ou melhor, Zafir, não respondeu a nossas cartas. Algo incomum é obvio. Nosso reino é poderoso e Zafir não responder nossas cartas indicava que podia saber algo…

—Acredito que começava a suspeitar.

—Pergunto-me se Inas e Saqr imaginavam a dor que isto provocaria…

—Duvido-o — disse Stefania—. Provavelmente tratavam de não sofrer eles mesmos.

Entretanto, quão único tinham conseguido era que o sofrimento perdurasse. E esse dia se multiplicaria por mil, embora depois terminasse.

 

O funeral pelo Xavian foi breve, mas estava carregado de amor.

Zafir nunca havia sentido muita simpatia pelo Akmal, mas ao ver como aquilo tinha afetado ao visir, fez-se uma idéia do que lhe esperava ao povo do Qusay.

Stefania e Zakari estavam ao seu lado; entretanto, sua presença o fazia sentir ainda mais sozinho.

Xavian foi enterrado com seus pais; Zafir se tinha negado em um princípio, mas seguindo o conselho de seu irmão maior compreendeu que, mais tarde, poderia arrepender-se, assim finalmente o príncipe Xavian descansava onde lhe correspondia.

Zafir viu seu nome, seu passado e seu futuro enterrados.

E depois viu que Layla se aproximava do grupo.

Ia vestida com um traje negro e levava o rosto coberto por um véu negro de encaixe. Ele a teria reconhecido em qualquer lugar. E, além disso, luzia o colar de esmeraldas.

—Não foste convidada.

—Eu também tenho que lhe apresentar meus respeitos — se colocou a seu lado—. Pelo que lembro, Xavian era meu prometido.

Havia sofrimento em cada momento. Essa fratura na alma do Qusay se pulverizaria logo como um terremoto, quebrando os alicerces daquela terra orgulhosa. Ela se tirou o colar que estava segura lhe tinham entregue com amor e o devolveu.

—Entregará ao Kareef.

—Espero que a sua esposa brinde mais felicidade — se fixou em que o tocava o anel que lhe tinha agradado —. Lhe disse isso antes de que o aceitasse: esse anel ira contigo à tumba. Ao menos assim manda a tradição no Haydar. O que faça com essa tradição é tua coisa.

—Layla — Zafir se negava a que o manipulassem—, falas como se tivesse entrado na mina e o tivesse eleito em pessoa. Falas como se o tivesse escolhido para mim. Nem sequer me conhecia quando…

—Correto — disse Layla—. Tive que respeitar a eleição que meus pais fizeram para mim, embora isso significasse lhe entregar meu presente a um homem pelo que não sentia nada, embora me repugnasse… — o olhou, e já não estavam falando da pedra preciosa—. Mesmo assim, lhe teria entregado meu presente. O que meu marido escolha fazer com ele… — tragou saliva para conter as lágrimas—. Estou orgulhosa de ser do Haydar. Quando damos um presente é para sempre… — olhou as esmeraldas que ele tinha na mão—. Que saiba uma coisa... — ele esperava que lhe desse uma bofetada, ou que lhe espetasse cruéis palavras, mas não foi assim—, poderíamos havê-lo solucionado juntos. Quero-te, Zafir.

Mas se ele não se conhecia si mesmo, como podia amá-lo Layla?

—O amor — disse Zafir enquanto sustentava as pedras na mão— não era parte do trato.

—Não — disse Layla. Já não suplicaria mais, e esperava poder deixar de jogar ao menos com o tempo—. Terminemos com este dia e assim poderei retornar ao Haydar…

 

Os carros os levaram de retorno ao palácio e ali os recebeu Akmal.

—Falei com o comitê de anciões. Acreditam que a notícia não deveria ser dada por você, que se eu falar primeiro…

—Eu vou informar ao povo! —insistiu Zafir. Era o último que podia fazer por sua gente, e era o bastante valente para fazê-lo.

—Por favor — suplicou Akmal—. Não o escutarão. O pânico e o medo se apoderarão deles e não escutarão suas sábias palavras. Por favor. Senhor, permita que eu o comunique, que eu fale com a imprensa. E então, quando necessitarem respostas, você poderá lhes dizer o que vai acontecer… — Akmal tirou um lenço e se soou o nariz—, O que acontecerá? —suplicou.

Zafir se precaveu de que Akmal tinha razão: tentava pensar no futuro, estaria bem que quando a gente necessitasse liderança, fora Zafir quem aparecesse. Que escutassem as palavras do rei embora fosse por uma última vez.

—Faz o anúncio —ordenou Zafir—. Diga à imprensa que eu falarei com a nação antes de pôr-do-sol.

Akmal se voltou para a Layla.

—E a seu povo? —ninguém o admoestou por não dirigir-se a ela com a palavra «majestade»—. O que lhe vai dizer?

—A verdade: que eu sigo sendo a rainha, que meu marido agora é o príncipe Zafir de Calista e que escolheu não ser rei.

—Hei-te dito que não vou ser o consorte da rainha…

—Como deseja — Layla se encolheu de ombros —. Você continua com sua vida principesca; eu vou continuar governando Haydar. Que vá bem.

Ela tinha muita força e dignidade, e Zafir sabia que estaria bem sem ele.

—Terminemos com isto de uma vez — disse Layla —. Quero retornar ao Haydar.

—Para estar com seu povo — Akmal assentiu, mas ela negou com a cabeça e riu.

—Não! É obvio que isso acontecerá, mas acredito que primeiro tenho que cuidar de mim mesma. Possivelmente mereça umas férias. Passar algum tempo com minhas irmãs.

Quando Akmal se desculpou e partiu, Layla se moveu para fazer o mesmo. Não podia fingir integridade por mais tempo. Voltou-se para partir, mas Zafir a agarrou por braço. Havia uma coisa que precisava saber.

—Está grávida? —perguntou—. Por isso necessita umas férias?

—Não ao primeiro e não ao segundo.

Se continuava ali começaria a chorar, e já tinha chorado bastante esses dias.

—Vou escutar a conferência de imprensa e depois prepararei meu discurso…

—Logo irei ao Haydar — Zafir se deu conta de que era ele quem tinha exigido aquela separação e que, entretanto, não suportava vê-la partir—. Dentro de um par de semanas, quando estiver…

—Não será necessário.

—Prometi-te herdeiros…

—E os produzirá — necessitou muita força para acerar-se a ele, lhe sussurrar ao ouvido e olhá-lo aos olhos—. Pensa em mim quando o fizer.

Ele não compreendia nada, assim que ela o explicou.

—Estamos no século vinte e um. Zafir… É possível que Haydar não forme seus próprios médicos, mas tem uns hospitais estupendos… E centros de inseminação artificial.

—Não.

—Sim — disse Layla—. É tudo ou nada.

 

Qusay estava em profundo luto.

Feito-se público o anúncio e os jornalistas se ficaram tão surpreendidos que logo fizeram perguntas. Inclusive o repórter de televisão teve que esforçar-se para continuar falando. E as donzelas que levaram a comida a Layla estavam chorando.

Ela não podia suportar estar mais tempo no palácio e, posto que queria estar perto da gente e ver sua reação antes de informar aos seus, colocou um xale e saiu à rua. As mulheres soluçavam, os homens choravam, e havia uma grande fila fora do cemitério real de cidadãos que queriam apresentar seus respeitos ao príncipe Xavian.

Não havia precedentes.

Os assessores nem sequer ficavam de acordo a respeito de como apresentar ao Zafir, a respeito de que nome deviam empregar… Tinham levado páginas e páginas para tentar escrever o discurso, mas Zafir rechaçou a última oferta que lhe tinham feito.

—Falarei sem guia.

—Tem que dizer…

—Quem? Quem tem que dizer o que? Sou seu rei? Sou Xavian ou sou Zafir dirigindo-se ao povo…? — esperou uma resposta, mas ninguém a deu.

Ao parecer, um rei deposto também tinha que ter bom aspecto, e se encontrou em uma sala onde os cabeleireiros e os estilistas se dedicaram a ele.

Começaram a maquiá-lo para dissimular suas olheiras, ensaboaram-no para barbeá-lo e lhe começaram a fazer a unha, em um momento dado, ele ficou em pé e os tirou de cima.

Por que não podiam vê-lo tal e como estava, destroçado? Por que devia ter bom aspecto se lhes tinha partido o coração? Do que serviria? Despediu-se de todos e permaneceu sentado em silêncio, tratando de esclarecer-se. Depois entrou no banheiro, tirou a maquiagem e se fixou em seu rosto sem barbear e em seus olhos avermelhados.

Tinha-o perdido tudo.

Mas seguia tendo muitas coisas.

Tinha ganhado uma família, irmãos e um título com menos responsabilidade.

E quando pronunciasse o discurso mais difícil de sua vida, sua vida real, a vida do Zafir, continuaria.

Entretanto, tinha perdido a Layla.

Os reis não choravam, mas ele já não era um rei. Mesmo assim se negava a ceder ante as lágrimas que se amontoavam em seus olhos enquanto abria a porta e se precavia, muito tarde, de que era a equivocada. Ouviu a voz da Layla enquanto esta permitia que a maquiassem e se deixava aconselhar por seus assessores.

—Insista na idéia de que embora não é um rei, é príncipe de Calista… Mencione a riqueza de sua terra, os diamantes cor rosa, a riqueza dos genes que seus descendentes trarão para o Haydar, diga que esta união é boa para o povo…

—Direi o que eu queira Imran.

—Majestade…

—Me deixem para que possa pensar —soltou Layla.

—Mas não é um momento habitual…

—Por que se necessita um discurso extraordinário! — respondeu Layla, e Zafir esboçou um sorriso para ouvir sua voz arrogante. Um pequeno sorriso provocado pelo privilégio de conhecê-la de uma maneira diferente —. E poderei prepará-lo melhor se, ao menos por um momento, deixam-me sozinha.

Então ficou sozinha com Baja e Zafir soube que devia partir, porque logo se apresentaria ante o povo. Enquanto fechava a porta, ouviu a voz da Layla outra vez.

Não era a mulher que tinha conhecido, a não ser uma Layla diferente, que não era capaz de reconhecer.

—Não posso fazê-lo. Baja… — Zafir ouviu terror em sua voz.

—Sim pode, Majestade…

—Não posso falar aí fora. Estou tão cansada. Baja…

—O povo será compreensivo.

—Não me preocupa o povo! — soluçou, e Zafir notou que seu coração se paralisava ao perceber sinceridade em sua voz—. Às vezes, Baja, às vezes quero me preocupar comigo. Hoje não só se trata do rei que perderam, ou do trato que não saiu bem, ou de que terão que seguir sofrendo sob o mandato de uma rainha. Também se trata de mim.

—Layla… — suplico Baja, esquecendo do título e abraçando-a—. Sei, melhor que ninguém quão difícil isto é para ti…

Ela tinha medo, e Zafir sentiu vontades de tranqüilizá-la, mas esse já não era seu lugar.

—Não quero… — soluçou Layla.

—Não diga isso — insistiu Baja.

—É a verdade. Amanhã, possivelmente a próxima semana, voltarei a ser forte, mas agora não quero seguir sendo rainha.

—Passará — Implorou Baja—. Recorda que esse sentimento sempre passa. Alguns dias se sente fraca, e depois volta a te sentir forte…

—Esta vez não.

—Sim, esta vez… — insistiu Baja.

—Estou cansada de ser forte… — soluçou Layla—. Cansada de ter que ser forte. Cansada de ser uma mulher dura. De ser rainha…

—Não tem eleição — Baja lhe pôs ruge nas bochechas—. Tem que ser o dobro de forte que qualquer homem para governar Haydar.

Não era certo.

Zafir sabia que com ele a seu lado ela poderia ser tal e como era em realidade.

—Layla! — observou como os rasgos tensos de seu rosto recuperavam a normalidade.

—O que faz aqui? Não é à hora de seu discurso?

—Majestade! —aproximou-se um assessor— Tenho que informá-la…

—Agora não! Hei-te dito que estou ocupada. Hei-te dito que quero estar sozinha.

—É obvio — Imran fez uma pequena reverência—, mas houve um terremoto em Haydar…

Zafir viu que Layla ficava pálida.

—Feriu? Quantos?

—Acabamos de receber a notícia. Ainda não há dados.

—Onde foi? — perguntou Layla—. Na cidade ou nos povos?

—Ainda é cedo… Sinto incomodá-la nestes momentos difíceis.

—Claro que devia me informar. Perdoa minha resposta de antes.

—Uma coisa mais — lhe tendeu uma pasta—. Terá que enviar este documento de volta ao Haydar, o mensageiro está esperando…

—É obvio.

Zafir entreabriu os olhos ao ver que ela tratava de manter a compostura e que lhe tremia a mão ao assinar.

—Sabemos a magnitude do terremoto? —perguntou Zafir ao assessor da Layla.

—Assim que tenha mais informação lhes farei saber isso.

—Majestade — Akmal apareceu alterado—. O que faz? É a hora, as câmaras estão preparadas.

Guiaram ao Zafir pelos corredores do palácio até uma sala. Ele se sentou junto ao escritório, deixando a um lado seus pensamentos, inclusive esquecendo-se da Layla essa última vez que ia dirigir-se à nação como governante. Tinha que fazê-lo bem. Não se tratava dele, tinha que ser mais forte que eles, que guiá-los nesse momento difícil, lhes mostrar o caminho embora ele também estivesse esgotado.

Esse era o trabalho solitário de um rei.

«E de uma rainha…», pensou quando as câmaras o enfocaram—. «Layla também se sentirá assim».

 

—Povo do Qusay — Zafir esclareceu a garganta—, peço sua atenção. Peço-lhes que escutem minhas palavras, que detenham a pena uns momentos para escutar o que tenho que dizer, e confio em poder acalmar seus temores.

Olhou ao Akmal, que estava de pé com cara de pavor. Zafir respirou fundo e falou do mais profundo de seu coração, concedendo o discurso mais importante da história do Qusay.

—O príncipe Xavian descansa com seus pais. Muitos de vós fostes a lhe apresentar seus respeitos hoje. O cemitério real fechará antes do pôr-do-sol, mas estará aberto do amanhecer até o entardecer durante uma semana mais… Compreendemos a necessidade de honrar ao Xavian e possivelmente de perdoar ao rei e à rainha, tal e como eu espero fazer.

Fixou-se em que Akmal tinha os olhos fechados, como se estivesse rezando, e se armou de valor para continuar falando.

—Trataram de ocultar uma morte, esse foi seu pecado. Entretanto, estou seguro de que não era sua intenção mentir ao povo. Quero pensar que não tentavam provocar esta dor, a não ser acautelá-lo. Queriam manter com vida a seu filho, seu futuro governante. Eu não podia compreendê-lo e agora começo a fazê-lo. Porque ao me inteirar, podia escolher… Podia enganar de novo, viver a mentira e lhes economizar esta dor. Mas sei que o povo do Qusay é forte… — Zafir olhou de novo ao Akmal e este assentiu—. Forte, orgulhoso, e prefere a dor da verdade. Sei. As mentiras se estendem como o câncer. Alguém o teria descoberto. Meus irmãos, que choraram minha ausência, já sabem a verdade; minha esposa…

Layla estava em observando desde outra habitação e viu que todo mundo estava cativado enquanto escutava suas palavras tranqüilizadoras.

—Eu lhes teria mentido… — ao ver que Akmal suspirava, pensou que possivelmente havia dito algo indevido, mas precisava contar a verdade—. Povo do Qusay se tivesse pensado que não havia outra maneira de fazê-lo, teria suplicado a meus irmãos que guardassem silêncio, e não o teria contado à rainha de Haydar. Teria-me levado o segredo à tumba. Entretanto, há outro caminho para vós, o caminho adequado, que deveria haver-se tomado anos atrás. Os filhos do Sheik Yazam, Kareef, Rafiq e Tahir, são seus príncipes. Enquanto eu dirijo a vós, o comitê de anciões os está localizando para informá-los da mudança… O príncipe Kareef do Quais será seu rei. Como sabem, é um governante forte e justo, e eu lhe confio ao povo do Qusay.

 

As fotos do Tahir, Rafiq e Kareef apareceram na tela. Zafir saiu da sala e ficou no corredor. Akmal se aproximou dele.

—Obrigado.

—Vai… —disse Zafir—. Me Conte a reação que gerou a notícia. Tem muito trabalho que fazer.

E então viu a Layla. Caminhava com confiança e o olhava enquanto assentia a modo de felicitação.

Acalmada, sofisticada, forte.

Entretanto, ele sabia que não era assim.

Observou que seus ajudantes se colocavam a seu lado, e então. Zafir sentiu o peso da jóia que levava no dedo e notou como um aviso, um pouco parecido ao que notava quando lhe queimavam as cicatrizes. Fixou-se em que Imran olhava a um dos jornalistas e o fazia um pequeno gesto.

Zafir era preparado e sabia o que acontecia. Depois de comprovar um pequeno dado, pediu ao Akmal que fora a procurar o Imran. O assessor se aproximou com o cenho franzido, mas nada comparado com o sorriso escuro que Zafir mostrava em seu rosto, Imran respirou fundo.

—Três vírgula oito. O terremoto do que tanto insistia em informar à Rainha foi que três vírgula oito graus mais ou menos.

—Lhe gosta de estar informada.

—Meus gritos poderiam causar mais dano que esse terremoto — disse Zafir—. Me Deixe ver o documento que assinou Layla.

—Isso é um assunto de Haydar.

—Quer que grite? — perguntou Zafir —. Quer comprovar o dano que poderiam causar meus gritos?

—É obvio que não, mas é um documento privado. Sua Alteza só é um príncipe…

—Sou rei — disse Zafir e, embora deveria haver-lhe dito primeiro a ela, gostou de ouvir-se dizer aquelas palavras —. Sou o Rei Zafir Al’Farisi de Haydar, e seria um idiota se não me entrega esse documento.

O assessor lhe entregou o papel e esperou enquanto Zafir lia o documento. Ao ver que o fazia pedaços, tragou saliva. Então, sem dizer uma palavra, Zafir entrou na habitação onde estava Layla, disposta a enfrentar-se a aquilo sozinha, capaz de fazê-lo, e mais que preparada para isso.

Já não tinha que fazê-lo.

—Me tragam uma cadeira para que possa me sentar junto à rainha.

Ele se precaveu de que ela o olhava surpreendida. Aquele não era o lugar adequado para discutir, mas quando se sentou a seu lado, Layla se dirigiu a ele em voz baixa.

—Preferiria fazer isto sozinha.

—Será mais fácil para sua gente escutar suas palavras comigo a seu lado.

—Como disse em seu discurso, chegou o momento de dizer a verdade. Se for governar sozinha, te economize as visitas ocasionais e sua assistência aos atos importantes. Se for continuar sendo príncipe… — trago saliva—, peço-te que vá de meu lado.

—Não posso.

Layla esteve a ponto de convocar aos assessores, levantar-se e partir em lugar de ficar sentada a escutar a mentira de que o a amava.

Voltou-se e, ao vivo, o povo do Haydar viu que a rainha não se dirigia a eles na tela de televisão, mas sim olhava a seu marido enquanto falava.

—Sentir-me-ei orgulhoso e honrado de governar junto a ti…, orgulhoso de ajudar a governar ao povo do Haydar.

Houve uma pausa e Layla se precaveu de que estavam ao vivo, ruborizou-se, olhou à câmara e começou a falar.

—Povo do Haydar… — começou a dizer, mas as lágrimas não a deixavam continuar.

Era o discurso mais importante da história de seu país e não podia mostrar suas emoções. Entretanto, não podia falar. Quando o silêncio já se fazia muito comprido, encontrou as palavras para continuar. Dirigiu-se à audiência sem titubear, lhe dizendo ao povo que tudo iria bem, que Haydar seria um reino próspero. Seu cérebro confuso tratava de assimilar as palavras do Zafir. Estava muito assustada para acreditar-lhe para confiar em que essa vez o dizia a sério, que não voltaria a trocar de opinião.

—A rainha admite perguntas.

Layla imaginava que seria sobre o Zafir, sobre seu papel, entretanto, um jornalista a surpreendeu.

—Aceitou pospor1 a construção do edifício do novo hospital universitário?

Layla pestanejou e olhou a seus assessores, quem olhava para diante fixamente.

Aassinou o acordo hoje mesmo — continuou o jornalista, e Layla sentiu que começava a desmoronar-se.

Nesse momento, soube o que tinha passado. Porque era o que temia desde muito tempo. Seus assessores tinham esperado um momento de debilidade para saltar sobre ela.

Os anos de trabalho que tinha dedicado ao bem-estar de sua gente se apagaram com um movimento de sua própria caneta.

—Não há nenhum acordo — a voz do Zafir invadiu a sala.

—Zafir… — Layla estirou a mão para que se calasse, porque sabia o que ela tinha feito, mas tomou a mão por debaixo da mesa e a apertou com força. Nesse momento, Layla sentiu que podia confiar nele, e que só tinha que ficar a seu lado.

—Contaram-me que se assinou o atraso do começo das obras — disse o jornalista, e depois acrescentou—: Alteza.

—Sugiro que pergunte a sua fonte de informação que lhe mostre o documento. Não poderá fazê-lo porque não existe.

Sob a mesa, ele soltou a mão da Layla, mas ela seguia sentindo seu calor. Era mais que uma carícia, era um oferecimento de apoio em um momento no que sentia que não podia continuar, quando tudo lhe parecia muito.

Naquele dia tão triste, ela contemplou a possibilidade de que seus sonhos se convertessem em realidade.

—Qual será seu papel? — perguntou outro jornalista —. Viverá entre a Calista e Haydar? Tem algo que lhe dizer ao povo de Haydar?

 

Pospor1 – delongar, adiar.

 

—Hoje é um dia de surpresas — disse Zafir —, tanto para o povo de Qusay como o de Haydar, todo mundo está emocionado, mas amanhã aceitarão a mudança. Qusay tem um novo rei, o rei Kareef, e Haydar…

Fez o mais valente e inesperado. Zafir sorriu.

—Como disse a minha esposa, beijou a um rei e o rei se converteu em príncipe… Mas um príncipe que está orgulhoso de lhes servir da melhor maneira possível. Estarei orgulhoso de lhes servir junto a minha esposa.

 

Quão único ficava por fazer era que Zafir partisse de Qusay. Passeou pelo palácio olhando os quadros de seus antecessores e compreendeu porque nunca havia sentido aquilo como dele.

—Retornará… — lhe assegurou Stefania —. No Qusay sempre será bem-vindo.

—Sei.

—E virá a Calista logo? — Zakari tinha lágrimas nos olhos ao falar com o irmão que tanto tinha procurado. Depois de havê-lo encontrado. Zafir partia de novo.

—É obvio — disse Zafir —. Tenho irmãos que conhecer, uma vida que recuperar, mas de momento devo atender outros assuntos… — olhou a Layla. Parecia tranqüila, mas ele sabia que estava tremendo por dentro —. Não sabemos qual foi à reação em Haydar. É injusto que Layla retorne ali sozinha.

Abraçou o seu irmão e a sua cunhada e beijou ao pequeno Zafir. E, embora lhe resultava difícil despedir-se, sabia que não seria por muito tempo. Não, a parte mais dura de partir aquela noite foi despedir-se de seu visir, um homem que ele tinha considerado petulante, mas que tinha permanecido ao seu lado e se ofereceu a seguir fazendo-o.

—Akmal, aqui lhe precisam — disse Zafir —. Tem que mostrar ao rei Kareef como se fazem as coisas — tirou o colar de esmeraldas e o entregou.

Qusay já não necessitava nada mais dele, assim que subiu no avião real de Haydar, sentou-se junto a sua esposa e viu como as luzes do Qusay se faziam cada vez mais pequenas. Agradecia que Layla permanecesse em silêncio, mas sentia falta da suavidade e o calor de sua mão.

Então se aproximou Baja.

—Majestade, o capitão me pede que o desculpem. Sinto-o seriamente… — Zafir franziu o cenho enquanto Baja se dirigia à rainha, porque a donzela não parecia absolutamente pesarosa —. Há uma dificuldade técnica e não podemos escutar as notícias em Haydar.

—Como vou avaliar a reação de meu povo? —perguntou Layla, e pediu a Baja que se retirasse.

Entretanto, imediatamente desejou chamá-la de novo, porque sem Baja ficava a sós com o Zafir, e não estava segura de querer ouvir a resposta a suas perguntas. Não queria descobrir que tinha um discurso preparado para ganhar seu carinho e poder compartilhar a cama com ela essa noite…

—Estava confuso — disse ele —. Mais confuso do que nenhum homem deveria estar. Não tinha nada, Layla.

—Tem irmãos, um reino no que jogar pólo…

—Mas não tinha minha idade, nem meu nome, nem minha gente, nem meu título… Nem sequer estava seguro de ter uma esposa.

—Estivemos diante de um juiz.

—Esse não era eu.

—Foi você que estava na cama aquela noite —insistiu Layla—. Você, seja qual for seu nome, foi o que se levou muito mais que minha virgindade. Mostrou-me como podia ser, e logo, quando surgiu o primeiro problema, retirou tudo o que me tinha prometido.

—Queria que fosse livre de escolher —disse Zafir, e Layla se deu conta de que era a primeira vez que tinha a possibilidade de fazer uma eleição pessoal.

Tinham-na educado para ser rainha. Esperava-se que se casasse com um homem ao que nunca tinha conhecido, que tivesse herdeiros, que governasse Haydar, mas nunca lhe tinham permitido escolher. E sim, a sua maneira, Zafir lhe tinha devotado uma eleição.

—Não sou o que punha no pacote…

Ele a fez rir, mas a risada se engasgou em sua garganta e se converteu em pranto.

—Não preciso comprovar sua assinatura, nem ler seus discursos. Agora sei que está ao meu lado. Mas te menti, Zafir — tragou saliva.

—Sei — disse —. Ouvi-te falar com Baja sobre como, às vezes, resulta-te um peso muito grande…

—Não é isso. Eu não só queria seu amor e seu corpo, mas também sua sabedoria — ele tomou entre seus braços e lhe disse que já sabia —. Estou cansada de ser forte, mas não é só nisso no que te menti…

—Me conte — disse ele com um sorriso.

—Quando retornamos do deserto, quando foi a Calista, menti-te.

—Não o compreendo.

—Quando me perguntou se estava grávida…

Ele ficou pálido, mas sentia vontades de sorrir.

—Menti-te quando te disse que não…

Ele a beijou e foi maravilhoso, mas não terminava de compreendê-lo.

—E por que me mentiu? Sabia que logo o descobriria. E todo isso da inseminação artificial…

—Nunca entregaria o trono, mas se o perdesse… — lhe resultava difícil explicá-lo —. Ou se esse terremoto tivesse sido forte e esta noite tivesse que me enfrentar ao desastre… Zafir, queria que estivesse seguro do que era o que foi me dar, e que entendesse que isso supõe ter que renunciar a muitas coisas. É tudo ou nada, e queria que o compreendesse. Poderei me enfrentar a algo se de noite posso descansar contigo.

—Assim agora o temos tudo.

O medo, a solidão, o lugar que ele tinha habitado durante anos, desapareceram de seu coração e este pulsou livremente enquanto ela o acariciava com suas palavras.

Ia ter um filho dele.

E enquanto assimilavam a notícia, ele não era o rei, nem o consorte, e Layla não era a rainha. Eram um casal e tinham feito um milagre, não se tratava de questões dinásticas e herdeiros. Estava-se formando uma nova família real, que governaria sabendo o que era o que verdadeiramente importava no mundo.

—Estou nervosa… — admitiu Layla, olhando a tela de televisão. Kareef, o novo governante do Qusay, apareceu ante seus olhos com seus irmãos, Rafiq e Tahir. Também a reação da gente nas ruas. Ela pensou em seu povo e em como a gente se teria tomado a notícia.

—Mudaram tantas coisas.

—Corrigiram-se muitos enganos —disse Zafir enquanto desligava o televisor e as luzes da cabine para preparar-se para a aterrissagem.

Layla tinha o coração acelerado e tratava de imaginar a reação de sua gente. Partiu-se sendo uma rainha, virgem e coberta com os véus, com idéia de unir Haydar com o Qusay, prometendo que retornaria com um rei…

Entretanto, quando Zafir lhe segurou a mão, compreendeu que esse homem era muito melhor que a descrição que aparecia no pacote. E esperava que seu povo o descobrisse logo.

Haydar tinha a seu rei.

Embora possivelmente lhes levasse algum tempo aceitá-lo.

—O que são essas luzes? — Zafir olhou pela janela.

—Provavelmente o palácio — disse Layla, sem lhe seguir o olhar. Estava com os olhos fechados, porque odiava aterrissar.

—Não, na rua… — começou a dizer Zafir, mas ao sentir sua tensão se calou e lhe agarrou a mão quando o avião tocou na terra.

Acenderam-se as luzes da cabine e Baja se aproximou com uma ajudante para maquiá-la.

—Agora não… — disse Layla—. São as duas da madrugada…

—Haverá fotógrafos…

—Então me protejam! —disse Layla—. Não quero que tomem fotografias até que não conheça como reagiu meu povo — ficou em pé —. E graças a uma dificuldade técnica, não fui capaz de ver as notícias, te assegure de que isso não volte a acontecer.

Mas Baja não estava escutando e lhe ordenou à maquiadora que continuasse. Layla estava muito nervosa para voltar a protestar, muito distraída para fixar-se no sorriso secreto de Baja.

Entretanto, Zafir sim o fez.

Olhou a Baja franzindo o cenho, mas esta baixou a vista sem mais e esboçou um sorriso.

Então se abriu a porta e Layla se esqueceu de respirar.

A pista de aterrissagem estava dentro do palácio, mas os gritos que provinham das ruas se ouviam ao longe. As luzes que Zafir tinha visto eram velas. A gente do Haydar tinha saído a recebê-los?

—Viva o rei Zafir de Haydar!

—Viva nossa fiel rainha Layla!

—Queria que fosse uma surpresa… — disse Baja—. A gente te quer Layla, só quer ver-te feliz — se dirigiu ao Zafir—. E a Sua Alteza também o querem…

Era tarde e estava escuro, mas não podiam ir-se à cama.

Haydar queria celebrá-lo e os reis estavam dispostos a fazê-lo.

Subiram a um carro conversível e percorreram as ruas saudando. Haydar nunca tinha sido um lugar tão alegre.

—Estou em casa… — disse Zafir, e suas palavras se perderam entre os gritos da multidão. Layla se aproximou dele, mas havia muito ruído para explicar-lhe.

Durante anos, compridos e solitários anos, tinha estado procurando algo que desconhecia. Paz, felicidade, a si mesmo… E liberdade.

A liberdade que suportava o amor. A liberdade de ser ele mesmo.

Era uma liberdade que não podia encontrar-se em um palácio que não tinha herdado de maneira legítima, e tinham trocado muitas coisas para encontrar a liberdade em uma terra da que tinha sido afastado fazia duas décadas.

—Estou em casa — disse de novo, e essa vez Layla o ouviu.

Não necessitou nenhuma explicação, porque ela também o sentia. Seu povo, sua vida, sua responsabilidade, já não eram uma carga. O amor governava aquela terra.

—Eu também estou em casa — disse Layla —. Meu lar está onde você esteja.

 

                                                                                Carol Marinelli  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

              Biblio"SEBO"