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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SEDUÇÃO PERFEITA / Penny Jordan
SEDUÇÃO PERFEITA / Penny Jordan

 

 

                                                                                                                                   

 

 

 

 

 

 

A família Crighton significou escândalo e desgosto para Bobbie Miller - e ela quer vingança. Tudo o que tem a fazer é seduzir o atraente Luke Crighton para descobrir todos os segredos do clã e afundá-lo em escândalos! Mas a sedução perfeita vai por água abaixo quando Bobbie cai na própria armadilha.

 

 

 

 

Joss foi o primeiro a vê-la. Ele estava voltando da casa de sua tia avó Ruth no Largo da Igreja e ela estava no cemi­tério da igreja observando as lápides, com a cabeça debru­çada sobre uma delas e com seus cabelos louros e cachea­dos cobrindo-lhe o rosto. Ele pisou em um graveto, fazen­do-a perceber sua presença pelo ruído. Foi quando ela le­vantou o rosto e Joss ficou parado, olhando para ela para­lisado.

Ela era alta, bem mais alta que ele; tinha no mínimo um metro e oitenta.

— Uns centímetros a mais — ela murmurou consigo mesma, achando graça enquanto observava a maneira com que ele avaliava sua altura — e aí creio que você es­taria mais ou menos certo. Acho que ninguém gosta de imaginar que uma mulher possa ter mais de um metro e oitenta. Você pode dizer que tem um metro e setenta e oito e tudo bem, dizem até que você tem sorte de ser alta. Ago­ra, diga que tem um metro e oitenta e um, chegando a oi­tenta e dois, e vão achar que você é uma aberração. Afinal de contas, que tipo de mulher em seu juízo perfeito se per­mite crescer a ponto de ficar mais alta que a maioria dos caras normais?

— Eu não acho que você seja alta demais — Joss dis­se-lhe em tom galante, ajeitando os ombros e olhando dentro dos olhos dela como se fosse um homem feito, e não um menino de dez anos.

E que olhos tinha ela, com certeza o azul mais profun­do e escuro que Joss jamais vira antes. Ele nunca vira nin­guém como ela antes.

Ela o observou seriamente por um segundo, antes que sua boca se curvasse em um sorriso que causou em Joss um frio na barriga, e lhe disse:

— Nossa, é muita gentileza sua, mas acho que sei o que você está realmente pensando... Que deve ser meio difícil para uma mulher alta deste jeito arrumar um rapaz mais alto. Bem... É, você está certo. — Ela deu-lhe outro sorri­so estonteante. — E se você conhecer algum...

— Eu conheço — Joss disse rapidamente, já demons­trando protegê-la bravamente, já determinado a não dei­xar que ninguém, nem mesmo ela própria, ousasse cri­ticá-la ou considerá-la algo menos que simplesmente per­feita. Enquanto a olhava, seus olhos espelhavam a inten­sidade e urgência de sua primeira paixonite de pré-adolescente.

Ela hesitou, especulando. Não queria magoá-lo, mas ao mesmo tempo tomava cuidado para evitar qualquer envolvimento que a desviasse do real motivo pelo qual esta­va lá.

Haslewich podia não ser um ponto turístico oficial como Chester, mas ela estava determinada a visitar o lo­cal e não tinha visto as ruínas do castelo e do muro da cidade ainda, nem as salinas recém-reformadas que ha­viam sido abertas ao público recentemente como atração turística, que dirá o resto dos pontos históricos do local. Até agora, na verdade, só dera uma olhada no jardim da igreja.

— Eu tenho dois primos — ela ouviu Joss dizer-lhe.

Bem, não são exatamente primos — ele reconheceu. — São primos de segundo e até de terceiro grau, não sei di­reito. A tia Ruth sabe. Mas, então, James tem um metro e oitenta e dois, e o Luke é ainda mais alto, e tem o Alistair e o Niall e o Kit e o Saul também, eu acho, apesar de ele ser meio velho...

— Nossa estou realmente impressionada — Bobbie o interrompeu delicadamente.

— Posso apresentá-los a você a qualquer momento — Joss ofereceu, cheio de entusiasmo. — Quer dizer, se você for ficar por aqui um tempo. Ele deixou a questão no ar.

— Bem, isso depende. Você sabe nossa, me desculpe, mas não sei seu nome ainda. Meu nome é Roberta, mas todos me chamam de Bobbie — ela disse a ele enquanto pensava com seus botões que não tinha tempo a perder com este tipo de coisa, mas ele era tão simpático, e com certeza não passava dos dez ou onze anos de idade. Den­tro de uns dez a 15 anos ele seria dinamite pura. Ficou imaginando como seriam seus primos.

— Bobbie... Gostei do seu apelido — disse ele. Ela es­condeu seu sorriso ao sentir pelo olhar que o garoto lan­çou que, qualquer que fosse seu apelido, seu comentário seria igualmente positivo. — Meu nome é Joss — ele acrescentou —, Joss Crighton.

Joss Crighton. Isto mudava tudo. Cílios grossos co­briam seus olhos.

— Muito bem, Joss Crighton, talvez eu e você possa­mos ir a um diner* e nos conhecermos um pouquinho me­lhor, e aí você me conta tudo sobre esses seus primos. Eles também são da família Crighton? — perguntou ela ca­sualmente.

— São, sim — ele concordou. — Mas bem, é uma lon­ga história.

— Mal posso esperar para ouvir. Adoro longas histó­rias, são as minhas favoritas — ela garantiu, solenemente.

Enquanto ele caminhava ao lado dela, acompanhando o passo de suas pernas elegantemente longas e femininas, Joss mal podia conter os olhares de admiração.

Ela estava usando calças de cor creme, camiseta na mesma cor e um casaco caramelo por cima; seus cabelos loiros caíam-lhe pelos ombros em ondas encorpadas e be­las agora que ela levantara a cabeça. Joss podia sentir seu coração quase explodindo de orgulho e prazer enquanto ele a conduzia pela praça em direção a uma das muitas e lindas ruas estreitas ao redor.

— Nossa, isto é de verdade mesmo? — Ela perguntou quando passaram por uma série de construções elisabetanas de alvenaria com vigas de madeira, agrupadas de modo a se apoiarem umas nas outras.

 

*   Diner ê um tipo de restaurante pré-fabricado tipicamente americano. (N. do Trad.)

 

— Sim, foram construídas durante o reinado de Elizabeth I — disse Joss, cheio de importância. — A estru­tura principal de vigas de madeira é preenchida com ga­lhos e cal. Meio como uma mistura de palha, barro e ou­tras coisas.

— Hum-hum — respondeu Bobbie, evitando dizer a ele que tinha estudado a história da Inglaterra antes de redirecionar seus talentos para um campo mais moderno e financeiramente compensador.

— Na verdade, não temos diners neste país — Joss a informou educadamente —, mas existe um... um lugar logo ali...

Bobbie disfarçou a graça que estava achando naquilo. Sem dúvida ele a levaria para o McDonald's local. Mas quando ele lhe mostrou um bar bem sofisticado e elegan­te, logo viu que não seria o caso. Ela hesitou um pouco, olhando com preocupação para Joss, que evidentemente não chegava sequer perto da maioridade, e para o aviso na entrada, que estipulava que bebidas alcoólicas não eram permitidas a menores de 18 anos. Ela não queria ferir sua dignidade, mas ao mesmo tempo não lhe agradava a pos­sibilidade de ser convidada a se retirar por estar acompa­nhada de um menor.

— Eu posso entrar, contanto que não peça nenhuma be­bida alcoólica. Conheço os donos — ele explicou enquan­to abria a porta para ela. Ao mesmo tempo, ele cruzou os dedos pelas costas enquanto calculava de cabeça o que poderia comprar com o que lhe restava do dinheiro da se­mana para o ônibus e para os gastos pessoais, ou seja, tudo o que ele tinha no bolso; e pensando se Minnie Cooke, a dona do bar, deixaria que ele pagasse parte da conta de­pois. O irmão de Minnie, Guy, era sócio da mãe de Joss no antiquário. Ela reconheceu o garoto assim que ele entrou no bar, suas sobrancelhas se arqueando levemente ao ver Joss e a acompanhante.

— Sim, Joss? — perguntou ela, cautelosamente.

— Eu bem nós gostaríamos de uma bebida e algo para comer — disse ele com firmeza, acrescentando em segui­da, com um tom de voz bem menos confiante: — Minnie, será que eu posso dar uma palavrinha com você?

— Escute, por que você não me deixa convidá-lo? — Bobbie ofereceu, imaginando seu dilema. Ele estava em uma idade em que qualquer tipo de humilhação em públi­co, por menor que fosse, toma proporções enormes, e a úl­tima coisa que ela queria era magoá-lo ou esnobá-lo. Mas Minnie Cooke também a percebera a situação e pegou a deixa.

— Por que vocês não escolhem uma mesa? Eu vou mandar alguém para tomar nota de seu pedido. Depois cuidamos da conta.

Fosse quem fosse a acompanhante dele, era certamente uma mulher extremamente bonita, Minnie reconheceu en­quanto mandava uma de suas várias sobrinhas atendê-los à mesa. Provavelmente era uma convidada que estava se hospedando com a família. Olivia, prima de Joss, era ca­sada com um americano, não era?

— Jade — disse à sobrinha com firmeza —, vá atender a mesa quatro.

— Eu quero uma água Perrier com limão e gelo — dis­se logo Bobbie a Jade. — Nada para comer.

— Eu quero o mesmo. — Joss mal podia esconder seu alívio ao ouvir o pedido de Bobbie, irradiando sua satisfa­ção para ela do outro lado da mesa.

— Então — ela voltou ao assunto depois que Jade lhes trouxe as bebidas. — Esses seus primos. — Ela pôs o co­tovelo na mesa, apoiou o queixo na mão e sorriu para ele.

Joss estava completamente encantado. Sentiu um forte nó na garganta e a mesma sensação indescritível que sem­pre lhe ocorria quando observava os filhotes de texugo ou de raposa sair pela primeira vez para brincar à noite na primavera, sob a vigilância de suas mães. Como eles ela também atingia suas emoções de uma maneira que ele simplesmente não tinha palavras para descrever.

Sentindo-se culpada, Bobbie mordiscou o lábio infe­rior. Ela realmente não devia estar fazendo isso. Ele era tão jovem e tão vulnerável. Lembrou a si mesma que ela estava lá com um propósito. Não podia se desviar da tare­fa que aceitara, muito menos por...

— Imagino que, pela altura, eles devem praticar espor­tes, não? — ela gracejou para Joss, afastando os pensa­mentos indesejados.

— Não — disse ele, sério. Não conseguia tirar os olhos dela; jamais vira alguém que fosse nem de longe parecido com ela. Não podia existir ninguém como ela. Ela era úni­ca, maravilhosa e perfeita, e com certeza bem diferente de suas irmãs gêmeas ou das outras moças que conhecia. Claro que Bobbie era mais velha que elas; ele não sabia sua idade exata, mas parecia ter uns vinte e poucos.

— Luke e James são barristers*— ele a disse. — Quer dizer, eles são... — Ele tentou pensar no termo usado nos Estados Unidos ao perceber subitamente que ela não de­via estar entendendo bem o que era exatamente um bar­rister.

Mas, ao que parecia, ela sabia sim, pois assentiu com a cabeça e disse firmemente:

— Sim, eu sei... Advogados, huh. Nossa. Acho que preferia que eles fossem mesmo esportistas — ela confes­sou, torcendo o nariz.

— Bem, de certa forma, eles são — Joss lhe garantiu. — James jogou rúgbi na escola, e Luke também. Além disso, Luke ganhou um Oxford Blue** na categoria remo — ele explicou.

 

*   Na Inglaterra há dois tipos de advogados: os solicitors, que têm por função aconselhar, orientar e, em geral, não têm acesso aos tribunais; e os barristers, que são os que preparam e atuam nos litígios em tribunal (N. do T..).

** Prémio do comité da Universidade de Oxford (N. do T.).

 

— Remo — Bobbie deu um jeito de esconder seu sor­riso. Quando estava fazendo seu mestrado, tinha uns caras de Oxbridge trabalhando com ela. — E você tem certeza que eles são tão altos quanto você diz? — ela brincou, fin­gindo-se de séria. Joss fez que sim com a cabeça.

— E são mesmo seus primos?

— Sim, primos em terceiro grau, eu acho.

— Primos em terceiro grau nossa... Acho melhor você me explicar o que é isso — ela o persuadiu, silenciando mentalmente a insolente voz interna que exigia saber por que ela estava fazendo aquela pergunta se havia uma série de primos de terceiro e até quarto grau em sua própria fa­mília.

— Bem, não sei exatamente o que quer dizer — Joss iniciou —, mas tudo começou com o bisavô Josiah. Ele veio de Chester com a esposa para montar seu próprio es­critório de advocacia aqui em Haslewich por causa de uma briga entre ele e o pai mais os irmãos em Chester. Por isso. os Crighton daqui de Haslewich são separados dos Crighton de Chester, mas ainda somos parentes. Luke, Ja­mes e suas irmãs, Alison e Rachel, e também Alistair, Niall e Kit são todos do ramo de Chester. O pai de Luke, Henry, e o irmão, Laurence, são barristers também, ou ao menos já foram. Ambos estão aposentados; Luke é conse­lheiro da coroa. É o que o vovô quer que Max seja, mas não estou certo...

— Epa, espere aí... Espere aí — Bobbie riu. — Quem é seu avô e quem é Max? É tudo muito confuso — ela ba­lançou a cabeça.

— Não seria — Joss lhe assegurou com grande audácia — se você os conhecesse.

— Conhecê-los? — Os densos olhos azuis de Bobbie se abriram de curiosidade. — Bem, é uma ideia, mas...

— Nós... minhas irmãs gêmeas estão dando uma festa neste fim de semana para comemorar seus aniversários de 18 anos — Joss apressou-se em dizer. — Será no Grosvenor... um hotel em Chester. Você podia ir e conhecer to­dos eles...

— Eu podia ir... — Bobbie franziu a testa, — Bem, Joss, é muita gentileza sua, mas eu não acho que...

— Você poderia ir como minha convidada — disse Joss. — Meus pais deixaram... Eu posso levar uma amiga. Não haverá problema...

Uma amiga, talvez, admitiu Bobbie, mas ela tinha suas dúvidas se os pais dele esperariam uma amiga de 26 anos de idade que eles não conheciam, especialmente se... Joss a estava observando... Esperando, com um olhar pidão e cheio de esperança, e ela não tinha coragem de decepcio­ná-lo, e de mais a mais... Não se olha os dentes de cavalo dado.

— Então lá eu conheceria esses seus primos — respon­deu ela, fingindo considerar a questão.

Joss fez que sim com a cabeça.

— E você acha que ele vai gostar de mim, o Luke? Não foi este que você disse ser o mais alto de todos?

— É... bem... — De repente Joss corou, incapaz de olhá-la nos olhos.

— O que foi? — perguntou ela. — Ele não gosta de louras?

— Sim, sim, gosta, Joss lhe garantiu fervorosamen­te, logo parecendo tão mortificado que ela teve de fazer um grande esforço para não cair na gargalhada.

— Ah... Ele gosta de louras, mas não das muito altas, como eu, é isso? — ela sondou delicadamente. — Ele é do tipo que prefere as pequenininhas, para combinar com o tamanho do seu próprio cérebro. Pobre rapaz, não tem culpa de ter mau gosto. Então imagino que eu deva me concentrar em James, certo? Tudo bem — disse ela a Joss com um sorriso afável. — Garotas da minha altura aca­bam aprendendo a não ser muito exigentes.

— James é muito legal — Joss lhe garantiu.

— Mas Luke é o primeirão, certo?

Joss parou sensatamente por um instante antes de falar.

— James é mais tranquilo que Luke. Ele não... Luke sempre percebe tudo, mesmo quando a gente pensa que não, daí ele...

— Ele mostra que está sabendo, certo? — Bobbie aju­dou-o com sagacidade. — Imagino que ele seja do tipo dominador, um controlador. — Ela torceu o nariz lindamente desenhado, a boca se curvando em um sorriso leve­mente cínico. — Tenho para mim que, dentre os dois, eu vou gostar mais do James e...

— Não, não vai não — Joss sentiu tentado a dizê-lo. — Sabe, as garotas costumam gostar mais do Luke — ele ex­plicou cuidadosamente para acrescentar depois: — Olivia, que é minha prima mesmo, e é casada com um ameri­cano, diz que Luke é uma personificação de primeira li­nha do homem alto e belo, com indicações sutis de uma intensa sexualidade, e que não é surpresa para ela que te­nha tantas mulheres a seus pés.

— Soa bem impressionante — murmurou Bobbie, fe­chando a cara.

Joss olhou para ela sem saber bem o que dizer antes de oferecer, solícito:

— Olivia diz que ele seria bem mais feliz se fosse me­nos sexy ou menos inteligente. Enquanto digeria o comen­tário antes de responder algo, Bobbie refletiu consigo mesma que Olivia, fosse ela quem fosse, provavelmente ficaria embaraçada ao saber que o que ela disse, obviamente em uma conversa entre adultos, havia chegado aos ouvidos atentos de Joss.

— Beleza e inteligência! — Ela expressou sua admira­ção com um tom de voz sarcástico. — Parece que vou en­frentar muita competição. Quem sabe não seria melhor eu me concentrar no outro?

Joss considerou a questão.

— Bem, se você for comigo à festa de aniversário das gêmeas vai poder ver os dois — sugeriu, triunfante.

Por um momento, Bobbie hesitou, deixando que sua gentileza e honestidade natas obscurecessem a determina­ção que a trouxera de tão longe. Não era justo usar Joss, que era tão inocente e sem malícia, em uma situação que poderia se tornar bem complicada, mas se ela não o fizes­se... Seu convite inesperado lhe oferecia um atalho que era um presente bastante generoso do destino para que ela se permitisse ignorar, além do que...

— Você ainda pretende ir, não é? — Joss a pressionou, cheio de ansiedade. — Ainda?

— Bem, eu gostaria muito — Bobbie concordou —, mas você tem certeza que sua família não...

— Mamãe já disse que eu posso levar amigos, e vai ha­ver um bufe, não será um jantar formal, haverá bastante comida e... — Joss estava quase tropeçando nas palavras em seu afã de pronunciá-las, enquanto Bobbie o escutava com o queixo a mão, escondendo um sorrisinho triste. Ele era realmente muito jovem.

— E a festa vai ser em um hotel em Chester...?

— Sim o Grosvenor, você vai gostar — Joss lhe garan­tiu. — Parte dele pertence ao duque. — Franziu a testa de repente. Tinha uma vaga ideia da série de complicadas providências no sentido de acomodar todos os convidados no trem para Chester, e caiu em si que não seria nada ga­lante nem gentil sugerir que sua convidada fosse para o hotel sozinha, mas por outro lado...

— Bem... Eu não sei onde você está hospedada — ele começou, como homem feito.

— Está tudo bem — Bobbie respondeu, entendendo logo seu dilema. — Sei onde fica o Grosvenor, e posso ir sozinha. — Não precisava dizer que estava hospedada no próprio hotel, apesar de que a pequena mentira, que não fazia parte de seu caráter normalmente expansivo, pesa­va-lhe a consciência.

— Bem, então eu posso encontrá-la na recepção — Joss ofereceu. — Mamãe quer que cheguemos cedo, e a coisa não começa antes das oito, então posso encontrar com você se quiser.

— Às oito horas está ótimo para mim — Bobbie afir­mou. Haviam ambos terminado suas bebidas. Joss discre­tamente enfiou a mão no bolso, procurando dinheiro; com sorte teria o dinheiro exato para pagar a conta.

— Então, até sábado — Bobbie lhe disse enquanto eles se despediam do lado de fora do bar.

— Até sábado — Joss concordou e então corou ao per­guntar a ela, ansioso: — Você vai estar lá, não vai?

— Pode apostar que sim — Bobbie prometeu. Bobbie voltou para onde havia estacionado seu carro alugado, ponderando consigo mesma. Parecia que o desti­no estava do seu lado. Apertou o passo após ver as horas no relógio e calcular o tempo que levaria para voltar ao hotel; havia prometido fazer uma ligação.

 

— James, posso falar com você um minuto?

James levantou os olhos enquanto o irmão mais velho entrava em sua sala. James automaticamente atrairia a dis­creta atenção e admiração das mulheres que o vissem na companhia de qualquer pessoa. Um metro e oitenta dois, corpo forte, ombros largos de ex-jogador de rúgbi; tinha uma beleza de menino acentuada pelo sorriso caloroso e aberto e pelos cabelos castanhos, grossos e macios que lhe caíam sobre a testa. Parecia mais jovem que seus 32 anos; era o tipo de homem que as mulheres, por instinto, sabiam ser bom para com os animais, as crianças e as velhinhas, nas quais inspirava um sentimento maternal

Nenhuma mulher de menos de 40 anos em seu juízo perfeito, e poucas de mais idade, sentiam qualquer coisa de maternal por Luke.

— Às vezes me pergunto porque sempre que penso em Luke a primeira palavra que me vêm à cabeça é luxúria... — Olivia disse certa vez a James, melancolicamente. Ja­mes simplesmente balançou a cabeça. Sem dúvida que Luke, com seus quase um metro e oitenta e quatro e om­bros ainda mais largos que os dele, mais o típico perfil dos Crighton, com aquele nariz forte e maxilar ainda mais for­te (os quais, por alguma razão, ele não havia herdado nem de longe) combinados com o cabelo castanho-escuro, quase negro, e os olhos cinzentos, provocavam nas mu­lheres o tipo de efeito somente comparável à ingestão inesperada de uma bebida alcoólica das mais fortes. Pri­meiro era o choque do inesperado poder que o álcool exer­ce sobre o sistema nervoso, e depois vinha a letal combi­nação de vertigem e euforia, mais uma perigosa perda de senso lógico e autocontrole. E era uma pena que, ao invés de aproveitar o efeito que causava no sexo oposto, Luke claramente desdenhava furiosamente de tudo isto — e, diga-se, das mulheres que reagiam aos seus atributos fí­sicos.

— Eu queria ter uma palavrinha com você sobre o caso Marshall antes de ir para Bruxelas.

— Você não se esqueceu que temos o evento de Haslewich no Grosvenor neste fim-de-semana, esqueceu? — perguntou James.

Luke balançou a cabeça ao se aproximar da mesa do ir­mão. Ambos eram advogados qualificados que trabalha­vam no mesmo escritório de conselheiros da coroa, como o pai e o tio fizeram antes, mas Luke era o mais velho, tendo sido nomeado conselheiro do coroa um ano antes, um dos mais jovens conselheiros do país, um fato do qual seu pai não perdeu tempo em se vangloriar com o primo, Ben Crighton, em Haslewich. Henry e Ben eram de uma geração que não tinha nada a ver com a antiga rixa que dividira a família Crighton, mas ainda continuavam com a sutil rivalidade entre parentes que fora iniciada por seus pais, para grande irritação de Luke.

Ele tinha coisas mais importantes para se preocupar do que superar o primo, Max Crighton, e não tinha a menor vontade de vestir a camisa da competição entre eles, por mais que Max demonstrasse o contrário.

— Não esqueci, não — reconheceu —, apesar de que não posso dizer que esteja ansioso por isso.

— Hummm... Bem, com certeza não vai ser chato — comentou James. — Max está vindo de Londres com a es­posa.

— Hummm... — foi o único comentário de Luke.

— Ele está se dando muito bem em todos os sentidos — James continuou. — Mas também, ele é muito bem re­lacionado, É difícil encontrar um escritório de conselhei­ros melhor do que o que ele...

— Ele é bem relacionado? — Luke interrompeu seca­mente, enfatizando a palavra "ele". — Pois para mim a sua súbita ascensão aos altos escalões de um dos escritó­rios de conselheiros mais prestigiados de Londres se deve mais aos esforços do sogro do que ao próprio Max.

— Você nunca gostou dele, não é? — perguntou James ao irmão.

— Não, nunca — Luke concordou, e acrescentou fria­mente: — É difícil acreditar que ele seja filho de Jon. Se o pai dele fosse o David

— Aquilo foi muito esquisito, não foi? — disse James.

— A maneira como David simplesmente levantou e foi embora daquele jeito, após o infarto, desaparecendo...

— Olha... Eu ousaria dizer que ele deve ter tido suas razões — Luke comentou casualmente. Tinha ouvido cer­tos rumores sobre David, nenhum deles jamais confirma­do. Sentia, contudo, que, apesar dos esforços árduos e me­ticulosos de Jon no sentido de localizar o irmão, ele estava quase aliviado de não tê-lo encontrado.

Na opinião de Luke, Jon sempre fora o melhor dentre os dois, apesar de o pai deles sempre ter demonstrado explicitamente sua preferência por David. Agora as filhas gêmeas de Jon e Jenny estavam completando 18 anos. Meu Deus, aquilo o fazia sentir-se velho. Ele tinha quase o dobro da idade delas e, como a tia-avó Alice já lhe dis­sera enfaticamente na última vez que se encontraram, estlava chegando a uma idade na qual não seria mais visto como um partido disponível e sim um misantropo desa­gradável. Ele sabia que era tido, em geral, como altivo e desdenhoso; que tinha fama de ser muito arrogante, cheio de si e que não dava bola para as mulheres que lhe joga­vam charme; que achavam que era invulnerável a paixões.

Não era bem assim. Havia se apaixonado antes, e muito profundamente, ao menos assim pensou na época, mas ela se casou com outro, do que viria a se arrepender. Ela ad­mitiu isso a ele quando veio se encontrar com Luke, lágri­mas escorrendo de seus olhos enquanto confessava que seu casamento estava acabado e que precisava da ajuda dele para encontrar um bom advogado para tratar do di­vórcio.

— Você já pensou bem sobre o que vai perder com isto? — ele perguntou a ela, seriamente.

— Claro que sim — respondeu ela, passando os dedos trémulos pelo cabelo enquanto continuava, em prantos. — Mas você acha mesmo que essas coisas teriam alguma importância? A fortuna dele, sua posição, que isso signi­fica alguma coisa quando se é tão infeliz?

— Você se casou com ele — ele a lembrou secamente.

— Sim — ela concordou, a boca tremendo tanto quan­to as mãos. — Quando eu tinha 18 anos achava que o ama­va. Com 18 anos a pessoa pode se convencer de qualquer coisa em que queira acreditar. Ele parecia tão...

— Tão rico — ele completou. Ela olhou para ele, magoada.

— Eu não parei para pensar. Ele me tirou o chão. Na época, pensei que você jamais deveria ter-me deixado partir — disse ela, com a voz baixa.

Ele parou por um momento antes de responder, no mesmo tom;

— Que eu me lembre, eu não tinha muita escolha na­quelas circunstâncias. Você me disse que amava a ele e não a mim.

— Eu estava mentindo — sussurrou ela, com a voz rouca. — Eu amava você muito, muito mesmo, mas...

— Mas você o amava mais — ele completou, cinica­mente.

— Sim — ela concordou, com lágrimas nos olhos —, ou ao menos pensei que amava. Por favor, Luke, me ajude — implorou ela. — Não sei mais para quem apelar.

— Procure este homem — é um advogado de família de primeira linha — disse ele de maneira brusca, escre­vendo um nome e um endereço em um pedaço de papel e entregando sem olhar para ela. Isso acontecera seis sema­nas antes. Ele não teve noticias dela desde então, mas não conseguia parar de pensar nela, de lembrar... Ela tinha 18 anos e ele, 22; toda Eva, toda mulher, provocando-o, zom­bando e rindo dele, que era incapaz de disfarçar o que sen­tia por ela. Tinha sido sua primeira experiência verdadeiramente intensa de amor e atração física. E a última. Ele tinha esta determinação. Mulher nenhuma iria fazê-lo passar por aquilo de novo; aquela dor, aquela raiva de si mesmo, a pura intensidade de suas emoções que só levou à destruição de seu orgulho e à humilhação de vê-la ir em­bora com outro homem. Mulher nenhuma... fosse quem fosse.

Ah, sim, ele tinha olhado nos olhos de Fenella quando ela estava sentada à sua frente, e imaginou em que ela estaria pensando. Seu marido, a despeito de sua posição e fortuna, ou talvez devido a elas, não era o tipo de homem que uma mulher sonhasse ter como amante. Era descrito pela maioria das pessoas que tentavam ser diplomáticas e generosas como um homem amigo dos homens. Gordo, grosseiro, cabeça-dura, um tradicionalista que dizia aber­tamente que, para ele, lugar de mulher era em casa. Ele estava se aproximando dos 50, então era compreensível que Fenella preferisse um acordo de divórcio generoso e a oportunidade de encontrar um homem mais compatível e atraente, Luke reconheceu cinicamente. Só que este ho­mem com certeza não seria ele.

 

Jenny estava dando o toque final na cobertura decorati­va do bolo de aniversário das gêmeas quando Joss entrou de repente. Como já era de se esperar, Louise havia anun­ciado antes, naquele seu típico tom autoritário, que não queriam que o bolo fosse decorado com flores e outras coisas bobas e sem graça.

— O que você quer, então? — perguntou Jenny, leve­mente exasperada. Ambas as garotas estavam para entrar na universidade no começo do outono, e apesar de saber que iam sentir saudades, como chegara a comentar melan­colicamente com Jon, haveriam certas vantagens em sua partida. Começavam a faltar-lhe argumentos para lidar com as constantes violações do que Jenny considerava um horário de chegar em casa bastante razoável e até mesmo generoso demais durante o período letivo. Além disso, se­ria ótimo poder abrir seu armário sem ser surpreendida pela falta da peça exata que estava pensando em usar, a qual seria certamente encontrada encardida e jogada no chão do quarto das gêmeas.

— Algo sério e com significado — respondeu Louise à pergunta irônica da mãe. Lançou um olhar de soberba ao pai, que zombou dela:

— Ah, você quer dizer algo como aquele bolo do Pernalonga pelo qual você nos perturbou?

— Isso faz anos — ela protestou, dando-lhe as costas enquanto informava à mãe: — Não. O que nós queremos é algo que mostre o que Katie e eu planejamos fazer de nossas vidas.

— Ah, você está falando de uma réplica do carro de sua mãe com o tanque de gasolina vazio e a placa do carro ar­ranhada — Jon sugeriu.

— Não, não é disso que estou falando — disse Louise ao pai com frieza, e acrescentou: Não fui eu quem arra­nhou a placa do carro, e quanto à gasolina... Você sabe qual o preço real da gasolina?

— Tenho uma boa noção, sim — disse Jon candida­mente, fazendo Jenny lembrar-lhe que estavam se afas­tando do assunto em questão.

— Ah, mãe, você sabe algo que faça referência ao direito. — No final, sem conseguir mais ajuda de nenhuma das filhas, Jenny optou por um grande bolo confeitado com uma imagem da balança da justiça.

— Mãe — Joss chamou, largando sua mochila da escola no chão antes de ir direto para a geladeira e abrir a porta.

— Joss, o jantar estará pronto em meia hora — Jenny o lembrou com firmeza, e acrescentou: — Você está atrasa­do. Onde esteve?

— Mãe, você sabe que me disse que eu podia convidar alguém para a festa no sábado, não é? — Joss refrescou sua memória, ignorando a pergunta.

— Sim, eu sei que disse — Jenny concordou, cautelosa —, mas...

Jon anunciou que reservara especialmente para a oca­sião uma grande suíte no Grosvenor de modo que as garo­tas e Jenny pudessem trocar de roupa, sem ter de se preo­cupar em não amassar os vestidos durante a viagem até o hotel, e também para que pudessem descansar antes de viajar de volta para casa. Agora Jenny, que planejava fa­zer com que Joss fosse dormir bem antes do fim da festa, pensou se teriam de providenciar acomodação para o con­vidado de Joss também.

— Você sabe que vamos passar a noite no Grosvenor, Joss? — ela avisou ao filho. — Não sei se seu amigo...

— Está tudo certo. Eu... eu combinei de encontrá-la por lá mesmo — disse Joss, apressadamente.

— Bem, neste caso... — Jenny concordou, aliviada. Havia um monte de coisas que ela ainda tinha que fazer e, como sempre, Louise começou de repente a criar problemas em relação ao que usaria na festa, dizendo que jamais quis usar um vestido e que preferia mesmo era usar calças.

— Mãe, em relação à minha amiga... — Joss começou, animado.

Mas Jenny balançou a cabeça e lhe disse, impaciente:

— Agora não, Joss, por favor. Tenho mil e uma coisas para fazer e você precisa começar o seu dever de casa an­tes de jantar.

— Mas, mãe — Joss protestou.

— Dever de casa! — Jenny ordenou com firmeza, e acrescentou: — E quando chegar lá em cima diga ao Jack que ele ainda não me deu seu uniforme de educação física, e se ele quiser que esteja limpo para a aula de amanhã...

— Eu vou dizer — Joss concordou, passando pela co­zinha e se dirigindo às escadas para chegar ao quarto gran­de e confortavelmente mobiliado que ele dividia com o primo Jack, que estava morando com eles desde que seus pais se separaram e David, seu pai, desapareceu.

A mãe de Jack, Tânia, após um longo período de reabi­litação em um centro de tratamento especial para pessoas com desordens alimentares, estava agora morando com seus pais no litoral do sul. Ainda não totalmente recupera­da dos anos em que sofreu de bulimia, ela pediu a Jenny e Jon para que Jack, seu filho, continuasse morando com eles.

Jenny aceitou de bom grado. No período em que esteve com eles, Jack se tornou quase outro filho, os laços de san­gue entre ele e seus próprios filhos se estreitaram; seus pais eram gêmeos e todos, mas principalmente Jack, sentiam que era melhor para ele continuar neste ambiente es­tável e familiar do que ser deslocado para morar no sul com a mãe e os avós maternos.

Apesar da diferença de idade de apenas dois anos entre Jack, de 12 para 13 anose Joss, de dez, Jack já tinha entra­do na puberdade e Joss ainda não. Os dois garotos se da­vam bem, mas Jack já era quase um adolescente a cami­nho da fase adulta, ao passo que Joss ainda era um menino e, apesar de serem meninos, nenhum dos dois se sentia muito inclinado a trocar confidências. Como Jack estava entretido com revistas esportivas quando Joss entrou no quarto, o garoto mais novo não viu qualquer razão para contar de seu encontro com Bobbie ou informar que a ti­nha convidado para a festa das irmãs.

Dono de um temperamento feliz, com tendência a re­solver as coisas de maneira lógica e pouca inclinação a fi­car remoendo problemas, Joss simplesmente não pensou que seus pais talvez não viessem a encarar com muita tranquilidade a descoberta que sua "amiga" e convidada para a festa não era uma criança de dez anos, mas sim, uma mulher de 26.

Mas Bobbie pensou nisso, como admitiu com tristeza durante o telefonema para casa, combinado de forma sub-reptícia para um horário no qual pudesse falar com a irmã sem que ninguém as ouvisse.

— É o acesso perfeito à família, e bem no cerne, Sam — Bobbie admitiu, um tanto relutante. — Não pude acre­ditar quando ele se apresentou como Joss Crighton.

— E quantos anos você disse que o garoto tinha? — Samantha Miller perguntou à irmã.

— Não tenho certeza, algo entre dez ou onze anos de idade. Ele é uma gracinha com enormes olhos castanhos e cabelo espesso.

— Parece mesmo demais — Samantha comentou com entusiasmo.

Bobbie riu.

— Ah, mas ele é!

— E você diz que ele a convidou para a festa de aniver­sário de 18 anos das irmãs?

— Hummm...

— O que mais você descobriu? Você...

— Não, ainda não — Bobbie interrompeu a irmã rapi­damente. — Não tínhamos privacidade o bastante para que eu o interrogasse mais profundamente, correndo o ris­co de sermos ouvidos. Não quero que suspeitem de nós.

— Interrogar, gostei disso — disse Samantha com um tom cruel na voz.

— Como estão as coisas em casa? — perguntou Bob­bie, a voz repentinamente mostrando traços de tensão e ansiedade. — Como está mamãe?

— Ela não faz a menor ideia — Samantha garantiu —, apesar de que devo dizer que estou me saindo muito bem na função de disfarçar evidências. Nos primeiros dias após sua partida ela ficou maluca, me perguntava se eu sa­bia onde você estava, se havia algum homem... Pobre ma­mãe, ela fica tão desesperada para que ao menos uma de nós consiga um casamento.

— O que você disse a ela? — perguntou Bobbie.

— Eu disse que você mencionou algo sobre precisar mudar de ares agora que você não está mais saindo com Nat.

— Ah, obrigada. Então agora ela vai achar que estou sofrendo de dor de cotovelo — disse Bobbie, indignada, à irmã.

— E melhor que ela pensar nisso do que imaginar a verdade. Quando será esta festa, aliás? Não temos muito tempo, não se...

— Não, eu sei. É no sábado, no Grosvenor de Chester onde, por sorte, estou hospedada. Será a oportunidade perfeita, não só para extrair o máximo de informação pos­sível de Joss, mas também para observar a família como um todo.

— Você acha que você-sabe-quem estará lá? — per­guntou Samantha, a voz ficando tensa de repente, endure­cendo de hostilidade e raiva.

— Eu não sei.

— Quando penso no que eles fizeram, em toda a infeli­cidade que causaram...

— Eu sei, eu sei... — Bobbie parou e então disse: — Olha, Sam, é melhor desligar agora. Eu ligo para você de­pois da festa para dizer o que consegui descobrir.

Ela estava quase pondo o fone no gancho quando lem­brou de algo que havia esquecido de dizer à irmã.

— Eu quase ia esquecendo — apressou-se em acres­centar. — Você nunca vai imaginar o que... — Rindo com melancolia, ela começou a contar a Samantha as descri­ções e revelações que Joss tinha feito sobre os primos de Chester.

— O quê? O primo Luke parece um verdadeiro primata — respondeu Samantha de imediato, sem papas na língua.

— Do tipo que gosta de bonequinhas louras lindinhas e sem cérebro para usar como um band-aid nos seus defei­tos patéticos. Pessoalmente, sempre preferi julgar um ho­mem pelo tamanho e calor do seu coração, não...

— Sam... — Bobbie avisou a irmã, rindo.

— O quê? Ah! Mas que ideia! Eu quis dizer tamanho no sentido de altura e não... — Samantha reagiu, com sua dignidade ferida, para logo depois cair na gargalhada. — Bem, boa sorte com o primo Luke — ela zombou da irmã antes de desligar. — Ele parece o par perfeito para você, Bobbie, tudo o que sempre quis em um homem.

— Mas não é — Bobbie concordou, cheia de ironia. Após recolocar o fone no gancho, ela caminhou até a janela e ficou olhando para o nada através do vidro. Não foi um capricho ou impulso repentino que a havia trazido à Inglaterra, a Chester, a Haslewich, mas sim uma busca que fazia parte de sua vida e da de sua irmã gêmea tam­bém, desde que alcançaram uma idade em que podiam en­tender a vida da mãe.

Bobbie voltou para a cama, taciturna. Pensou que tinha de achar algo adequado para usar nesta festa. Já tinha sido difícil demais partir sem que sua mãe lhe perguntasse o que ia fazer e sem se preocupar em pôr qualquer tipo de roupa mais formal na mala; já sabia que, passando do me­tro e oitenta, comprar roupas prontas nem sempre era uma opção.

Na pequena cidade da Nova Inglaterra, onde Bobbie e a irmã cresceram, as pessoas estavam acostumadas à sua altura; afinal de contas, era uma característica de família. O pai tinha um metro e oitenta e cinco e os avós eram altos também, bem como seus parentes espalhados pela região. Os antepassados da família de Stephen Miller reme­tiam a uma das famílias de romeiros que fundaram a Nova Inglaterra e, devido às suas origens, não foi fácil para sua mãe ser aceita por eles... Bobbie conferiu ferozmente os pensamentos. Como Sam bem disse a ela antes de deixar os Estados Unidos, já era hora de fazer justiça, de virar a mesa, e uma certa pessoa ver o que tinha a perder por seu orgulho e crueldade, e seu próprio senso mesquinho de re­lutância e desconforto precisava ser severamente contido.

 

— Jenny, querida, eu lamento muitíssimo, mas acho que não poderei comparecer à festa no sábado.

— Ah, tia Ruth — Jenny protestou ao telefone. — Mas o que houve?

— Não houve nada — Ruth assegurou à esposa de seu sobrinho-neto com toda ênfase. — É porque a babá de Olivia e Caspar os deixou na mão na última hora, então eu me ofereci para tomar conta de Amélia para eles. Acho que eles não saíram nenhuma noite sequer desde que Amélia chegou oito meses atrás.

— Não saíram mesmo — Jenny concordou. — Jon ten­tou persuadir Olivia para não voltar correndo para o traba­lho, mas você sabe como ela é conscienciosa, ela insistiu. Ao menos durante as férias de verão, Caspar ficou em casa para tomar conta dela.

— Hummm... Eu sei que ela está começando a ficar um pouco ansiosa, pois eles ainda não conseguiram arrumar outra babá.

— Pobre menina, deve ser muito difícil para ela. Eu sei do quanto ela gosta de seu trabalho, mas eu teria odiado ter de deixar alguém cuidar de meus filhos, principalmente se ainda fossem bebês. Quando ouço estas histórias de mulheres abrindo mão de seus bebês, costumo pensar... Eu sei que isto é algo que eu jamais me permitiria fazer. Ruth, você ainda está aí? — perguntou ela ansiosamente pelo fone.

— Ainda estou aqui, sim — respondeu Ruth vividamente, e acrescentou: — O que você diz está muito certo, Jenny, mas acontece que algumas mulheres simplesmente não têm outra opção.

— Não, eu sei disso — Jenny concordou, pescando o leve tom de crítica na voz de Ruth.

Ela teve muita sorte no casamento e com o marido, Jen­ny reconheceu enquanto punha o fone de volta no gancho.

— Você parece muito pensativa — Jon comentou ao entrar no quarto onde Jenny tinha acabado de arrumar al­gumas roupas em valises quando o telefone tocou. — Al­gum problema?

— Não exatamente. Ruth só deu uma ligada. Ela não vai poder ir à festa. Ofereceu-se para tomar conta de Amé­lia para Olivia e Caspar. Parece que a babá com quem contavam os deixou na mão. Acho que eu a deixei um tan­to irritada.

— Você? — Jon lançou um olhar carinhoso à esposa e tomou-a nos braços. — Duvido muito, meu amor. Você tem uma natureza gentil demais para irritar quem quer que seja.

— Hummm... creio que generalizei demais em um co­mentário hipotético — disse ela, e contou o que havia acontecido.

— Ah, bem, você sabe como a tia Ruth tem trabalhado para levantar fundos para uma nova creche.

— Sim — concordou Jenny. — É uma ideia muito ino­vadora. Ruth está determinada em fazer desta creche algo bem diferente das de antigamente, quando moças solteiras eram literalmente banidas da sociedade se engravidas­sem, e os funcionários das creches tentavam persuadi-las a entregar os bebês para adoção após dar à luz.

— Para ser justo, naquela época se acreditava que era melhor para estas crianças que fossem adotadas — Jon observou, imparcial.

— Hummm... eu sei disto. Mas acho que simplesmente não consigo deixar de pensar que se você não tivesse ca­sado comigo quando...

— Eu sei — disse Jon gentilmente, abraçando-a mais forte — e eu também sei que você está se dedicando tanto quanto Ruth para levantar dinheiro para esta creche. Até porque você me convenceu a doar dinheiro também.

— Bem, é de fato uma boa causa — protestou Jenny. — Nós compramos a casa e o terreno, e tão logo os quar­tinhos estiverem prontos, poderemos oferecer às moças e a seus bebês um ambiente protegido.

— Posso descer com estas valises? — perguntou Jon, lembrando-a. — Você disse que queria chegar cedo em Grosvenor.

— É, eu sei — ela olhou para o telefone de relance. — Ainda não liguei para Queensmead hoje e...

— Papai está bem — Jon garantiu com firmeza. — Max e Madeleine estão com ele, lembra?

A sedução perfeita

— Eu sei — respondeu Jenny, preocupada —, mas você sabe como Max é impaciente.

— Eu sei, mas Madeleine vai cuidar bem de papai. Você sabe como ela gosta dele.

— E ele, dela. Não é uma ironia que a única mulher que ele realmente aprove não tenha nenhum parentesco de sangue com ele?

— Isto é porque Madeleine é o estereótipo perfeito do que papai acredita ser a mulher ideal — respondeu Jon se­camente.

— Ela é uma pessoa adorável — Jenny reagiu. — Gen­til, simpática, generosa e...

— Vulnerável? — sugeriu Jon. Olharam-se em silên­cio. — Eu devo admitir que fiquei surpreso quando a co­nhecemos após Max anunciar que iam se casar.

— Hummm... eu também. Fico pensando se ele teria casado com ela tão rapidamente se seu pai não fosse quem é — Jon especulou cinicamente.

— Ah, Jon, não diga uma coisa dessas — Jenny protes­tou. — Ela o ama tanto.

— Ama demais, talvez? — perguntou Jon. — Ela pare­ce tão feliz.

— Ela está feliz porque Max está feliz, e Max está feliz porque agora está conseguindo o que quer. Se ele conti­nuará feliz, são outros quinhentos.

Trocaram olhares mais uma vez. Max podia ser filho deles, mas em termos de temperamento e aparência sem­pre pareceu mais com o tio David do que com o pai ou a mãe, por mais que lhes doesse admitir isso. Jenny sabia que Max era um homem egoísta e egocêntrico, e brutalmente determinado em tudo que se propunha fazer.

 

Sete e meia. Bobbie deu uma olhada de onde estava, discretamente posicionada no saguão do hotel. Havia se enfiado em um canto escuro, para poder ver todos que en­travam no hotel sem que a notassem, o que não era tão fá­cil, levando em conta sua altura e seus cabelos coloridos e abundantes.

Ela já tinha visto Joss chegar com outro garoto um pou­co mais velho que ele e um casal que parecia ser seus pais. O cabelo de Joss estava penteado para trás, e a formalida­de das roupas o fazia parecer mais novo, ao invés de mais velho. Ela riu consigo mesma,

Agora os primeiros convidados estavam começando a se reunir no saguão, um grupo alegre e animado que abrangia várias gerações. Pelo modo que se cumprimentavam, todos pareciam se conhecer. Os pais de Joss chega­ram, a mãe parecia bem elegante em um vestido que Bob­bie, após judiciosa e competente análise, concluiu ser um Armani. Reconheceu que era um vestido muito bonito, cujo tecido cor de creme movia-se elegantemente sobre o corpo de Jenny.

Os diamantes em suas orelhas e ao redor do pescoço eram evidentemente verdadeiros e, a julgar pelo local que escolheram para comemorar o aniversário das filhas e pela aparência dos convidados, a família Crighton não passava por nenhum problema financeiro. Mas, também, ela já sabia disso, não sabia? Já sabia tudo sobre seu orgu­lho e arrogância, sua crença de serem de alguma maneira superiores a qualquer pessoa, e com certeza melhor que... Ela franziu a testa quando percebeu a chegada de uma nova leva de convidados. Por incrível que pareça, não foi a altura imponente do homem que caminhava tão convictamente que chamou sua atenção, mas sim a atmosfera, a aura de energia meticulosamente controlada e a impaciên­cia que lhe parecia inerente.

— Luke — ela ouviu o pai de Joss exclamar enquanto se aproximava para recebê-lo com um sorriso e um aperto de mãos — e James — ele acrescentou calorosamente en­quanto se voltava para o homem que vinha logo atrás.

Luke e James. É claro que ela soube de imediato quem ele era, reconheceu Bobbie, sem perceber a colocação e o uso capcioso do singular "ele", ao invés do plural "eles".

Ele era mesmo tão alto quando Joss lhe dissera, ela admitiu, e quanto ao resto... com certeza era um homem de ótima aparência, extremamente carismático e máscu­lo, mas ela também percebeu uma certa dureza e arro­gância... Havia nele uma frieza que, para ela, encobria o apelo de sua estonteante beleza. Era um exemplo vivo do efeito do excesso, como um perfume forte que acaba sendo asfixiante ao invés de atraente. Ao invés de afro­disíaco, um corta-tesão, concluiu com desprezo.

Mas a lourinha de aspecto frágil pendurada em seu bra­ço obviamente não concordaria com Bobbie. Eia o olhava fixamente em adoração e era extremamente possessiva,

Bobbie percebeu enquanto Luke se virava para apresentá-la aos pais de Joss. Olhando um pouco melhor, percebia-se que ela não era tão jovem quanto seu jovial vestido de seda parecia sugerir. Provavelmente, já entrara nos 30, Bobbie imaginou, e valia-se de sua aparência delicada para dar impressão de ser um pouco mais jovem. É claro que ele devia gostar deste tipo de mulher. A raiva que Bobbie sentia por ele aumentou.

Luke estava tendo grande dificuldade em não deixar que sua voz entregasse a impaciência que sentia ao apre­sentar Fenella a Jon e Jenny. Ele ainda estava furioso pelo modo com que ela conseguiu ser convidada para a festa, deliberadamente enrolando James para que ele achasse que o irmão a havia convidado, fazendo com que a in­cluísse na lista como sua acompanhante, quando na ver­dade,..

— O que ela está fazendo aqui? — perguntou ele meia hora antes quando, como combinado, James parou para apanhá-lo e Luke viu Fenella sentada discretamente no banco de trás do carro de James.

— Ela me ligou pedindo para apanhá-la — James o in­formou, parecendo aborrecido e desconfortável quando Luke lhe disse sucintamente que tinha sido enganado e que de modo algum teria a intenção de convidar Fenella.

— Ah, mas ela disse — ele começou, mas Luke o cor­tou logo.

— Eu não estou nem aí para o que ela disse, James — ele reagiu, irritado. — Estou lhe dizendo que ela enrolou você e que com toda certeza eu não a convidei para vir conosco. Sabe lá Deus como ela soube desta festa, para co­meço de conversa.

— Ah, acho que é culpa minha — James confessou. — Eu esbarrei com ela na cidade quando você estava em Bruxelas e começamos a conversar, então mencionei a festa. Ela disse que sabia de tudo e que você iria levá-la à festa e... — James parecia incomodado. — Eu sei que você e ela, eu pensei, bem...

— Você sabe que eu e ela o quê? — Luke o questionou, espumando, respondendo a si mesmo em seguida: — Nós namoramos durante um tempo há muitos anos, sim, há muitos anos — ele ressaltou. — Ela me procurou para pe­dir conselhos sobre divórcio e este foi o único tipo de contato que tive com ela desde o casamento, e não tenho a menor intenção de que passe disso. Ela é uma cobra, Ja­mes — Luke avisou o irmão mais novo. — Escute o que eu estou lhe dizendo.

Realmente, ela era uma cobra, e por mais furioso que ele estivesse, ela se agarrou a ele como se fosse hera. Apenas as regras de boas maneiras e uma tendência bem típica dos homens de não querer criar uma cena impe­diram que Luke tirasse o braço dela do dele e a largasse sozinha.

— Fenella o que é isso? — comentou Jon discretamen­te com Jenny depois que Luke e ela saíram de seu campo de visão. — Não era com ela que Luke namorava...

— Hummm, acho que sim — concordou Jenny.

— Achei que ela fosse casada com Sir Peter Longton — disse Jon.

— Ela é — confirmou Jenny. — Ou pelo menos era. Parece que eles vão se divorciar.

— Bem tenho cá minhas dúvidas se Luke vai ficar feliz com isso!

Jenny lançou um olhar inquisitivo ao marido.

— Você acha que não? Mas eles estão aqui juntos.

— Com certeza estão ambos aqui, mas se você obser­var a expressão corporal de Luke, eles na verdade não es­tão juntos — Jon a informou. — E se ela está esperando que Luke se mostre tão maleável quanto era quando mais jovem, tenho para mim que vai quebrar a cara.

Enquanto Jon e Jenny conduziam gentilmente os con­vidados para o recinto privado onde aconteceria a festa, Joss começou a perscrutar a portaria ansiosamente. Eram oito horas.

— Joss — Jenny chamou quando viu o filho mais novo andando para lá e para cá na entrada.

— Não vou demorar — disse Joss, a excitação dando lugar à decepção enquanto ele procurava mais uma vez por sua nova amiga.

Jenny franziu o cenho. Havia quase esquecido que Joss lhe dissera que queria convidar alguém.

— Vamos, mamãe — Louise chamou. Jenny lançou um olhar duvidoso a Joss. Afinal de contas, ele tinha ape­nas dez anos de idade, mas o saguão do Grosvenor era um local seguro o bastante para que ele pudesse esperar por sua amiga por alguns minutos enquanto ela conferia se es­tava tudo em ordem no local da festa.

Bobbie esperou até que Jon e Jenny se fossem antes de levantar e discretamente se dirigir para onde Joss se encontrava ansiosamente esperando, perto da entrada prin­cipal do hotel. Ela o tocou levemente no braço, fazendo-o dar um pulo e virar-se, sua expressão de ansiedade deu lu­gar à alegria ao vê-la.

— Você está aqui. Pensei que tivesse mudado de ideia.

— Não, não mudei de ideia — Bobbie afirmou. Ele era tão gentil e aberto, tão... tão jovem e vulnerável; as lições que a vida lhe ensinava agora ficaram impregnadas para sempre em sua personalidade. Será que ela, em sã cons­ciência, realmente queria...

— Vamos lá — Joss a apressou. — É por aqui.

Não era função dela se responsabilizar pelas emoções de Joss, lembrou a si mesma severamente enquanto se voltava para acompanhá-lo. Ela estava lá com um objetivo diferente, um objetivo muito diferente, o que a lembra­va que...

Enquanto Joss abria a porta dupla e dava um passo para trás para que ela entrasse primeiro no recinto amplo e bem-decorado, ela se voltou para ele e comentou:

— Nossa, como isso aqui está cheio. Acho que sua fa­mília inteira deve estar aqui.

— Quase — concordou Joss, seus olhos adquirindo um tom sombrio quando ele completou: — A minha tia-avó Ruth não veio.

— Tia-avó Ruth — Bobbie maravilhou-se após uma pausa de um segundo, durante a qual ela manteve os olhos no recinto elegantemente decorado com cortinas e abun­dantes buques de flores naturais. Ela própria tinha jeito com essas coisas, e sabia bem que primeiro era preciso tempo e habilidade para conceber a ideia da decoração, para então realizar tudo de modo a parecer natural. — Pa­rece que ela é meio difícil. Acho que não é muito fã de festas...

— Mas ela viria — Joss informou-a — só que teve de ficar com a filha de Olivia e Caspar. Olha eles ali — disse ele a Bobbie, indicando o casal que estava conver­sando com os pais de Joss. A mulher tinha mais ou menos a sua idade, pensou Bobbie. O homem a seu lado era um pouquinho mais velho. Ela estava vestida com estilo, o cabelo magnificamente cortado no estilo joãozinho. Bobbie observou-a detidamente antes de se dirigir de novo a Joss.

— Eu queria muito que tia Ruth estivesse aqui — disse Joss. — Queria que você a conhecesse.

Mais uma vez, Bobbie achou mais fácil observar o am­biente ao redor do que encarar os olhos de Joss.

— Bem, eu também gostaria de conhecê-la — respon­deu ela suavemente. — Acho que vamos ter de tentar ar­rumar algo para bebêr antes de continuar.

— Meu Deus! — exclamou ela, sua atenção subita­mente foi tomada pelo homem do outro lado da sala, en­costado na parede de maneira descontraída. Ela percebeu que "bonito" simplesmente não era o termo para descre­vê-lo; se um homem pudesse ser considerado "bonito" sem perder nem um pouco de seu puro magnetismo ani­mal, então esse homem era ele.

Do cabelo escuro brilhante e bem tratado aos sapatos de festa, ele sintetizava em si tudo o que havia de mais masculino e atraente. Daria um ótimo astro de cinema, pensou Bobbie, um destruidor de corações à moda antiga.

— Quem é ele?

— Aquele é Max — disse Joss com um tom de voz de­sanimado, e acrescentou com relutância: — Ele é meu ir­mão.

Seu irmão. Agora Bobbie estava mesmo surpresa. Ela observou o rosto de Joss e viu que seus olhos ficaram li­geiramente sombrios ao observar o sujeito belo e alto, en­costado na parede de modo tão negligente.

— Então, por que ele não foi mencionado entre os ho­mens disponíveis de sua família? — perguntou Bobbie, com tristeza.

— Porque ele não está disponível, foi por isso — res­pondeu Joss na mesma voz desanimada. — Max é ca­sado.

— Ah, entendi. — Bobbie olhou de um lado a outro do recinto, procurando em vão identificar a mulher que seria a escolha de um homem daqueles, a versão feminina dele mesmo. Estonteante, de uma beleza quase teatral e dotada do mesmo carisma que ele tinha de sobra.

— Aquela ali é Madeleine, esposa dele — Joss a mos­trou, evidentemente imaginando o que ela estaria fazendo e logo acrescentando de modo quase defensivo: — Ela é legal. Eu gosto dela.

— Tenho certeza que ela é — Bobbie concordou seria­mente enquanto ela avaliava o rosto comum e o corpo li­geiramente troncudo, chegando a uma conclusão: Max ti­nha de ser total e completamente apaixonado por ela, ou então teria de haver outra razão igualmente poderosa e de­terminante para ele ter se casado com ela. Bobbie achava que sabia qual das duas opções era a correta.

— Por que não contratamos alguém para investigar para nós antes de fazermos algo? — Bobbie sugeriu a Samantha quando discutiram o assunto pela primeira vez. Estava meio constrangida, ciente de como se sentiria des­confortável de se meter na vida dos outros, mas a resposta da irmã foi uma veemente negativa.

— Não podemos... não podemos correr o risco de en­volver outra pessoa nisto — disse ela à irmã. — Nós mes­mas temos de fazer tudo.

— Você quer dizer que eu terei de fazer — replicou Bobbie, sentida. — Afinal de contas, você não pode simplesmeate partir para a Europa. Não agora que está no meio do seu mestrado.

— Não, não posso — concordou Samantha alegremen­te, para então adicionar, zombando: — Você devia ter ido comigo quando fiquei viajando por dois anos. A gente tem que fazer isso, Bobbie — ela continuou, dizendo en­tão mais seriamente: — Lembra de todos aqueles anos no passado quando dizíamos que tínhamos de fazer isto?

— Sim, eu lembro — concordou Bobbie. Como ela po­deria ter esquecido do juramento que ela e Sam tinham feito quando crianças? — É que odeio esta sensação de es­tarmos fazendo algo clandestino... espiando...

— Nós fazendo algo clandestino? — Sam gritou, amar­ga.

Bobbie baixou os olhos em direção a Joss.

— Onde estão suas irmãs? — perguntou ela, puxando assunto.

— Bem ali — respondeu ele, mostrando as gêmeas idênticas que conversavam em pé com o que parecia ser um grande grupo de amigos. Bobbie observou com prazer que estavam usando roupas e cortes de cabelo completamente diferentes, mas ainda assim não tinha como deixar de perceber os rostos idênticos.

— Meu Deus, quem é aquela com Joss? — Jenny se surpreendeu ao ver o filho mais novo pela primeira vez desde que entrou no salão de festas.

— Com certeza não é difícil deixar de perceber sua pre­sença, não é? — Olivia riu enquanto também observava a estranha combinação de Joss, tão jovenzinho, e a mulher deslumbrante que estava com ele.

— Ela me lembra uma leoa — murmurou Jenny —, toda dourada e poderosa. Onde será que Joss a conheceu?

— Acho que eu sei — disse Jon, após certificar-se do que estava ocupando a atenção de sua esposa. — Minnie Cooke tem um bar e comentou que Joss esteve por lá um dia desses com uma americana alta.

— Americana, hein... então acho melhor eu ir até lá e dar um alô... é uma conterrânea e tudo mais...

— Caspar — Olivia avisou, acrescentando com firme­za — iremos juntos.

Em se tratando de família, esta era uma daquelas que davam a impressão de proteger os seus, refletiu Bobbie ci­nicamente enquanto registrava o interesse que começava a despertar em alguns dos homens adultos da família de Joss.

Max já havia ajeitado os ombros antes encostados de maneira desleixada na parede e estava dando uma confe­rida nela, como quem não queria nada. Luke, espreitando por cima da cabeça loura de sua acompanhante, lançou um olhar escrutinador em direção a ela. Jenny parecia francamente pasma e agora Olivia e Caspar vinham a re­boque, olhando bem na direção dela e de Joss.

Bobbie respirou fundo e então contou até dez antes de assumir o papel para o qual estava lá.

— Olá — Olivia sorriu calorosamente, estendendo a mão em direção a Bobbie. — Você deve ser amiga de Joss.

— Espero que sim — respondeu Bobbie de maneira igualmente calorosa, apertando a mão de Olivia firme­mente enquanto se apresentava.

— Bobbie Miller. Meu nome é Roberta, Bobbie é como me chamam.

— Eu sou Olivia Johnson, prima de Joss, e este é Cas­par, meu marido.

Quando Caspar estava voltando com as bebidas que Olivia lhe pedira que pegasse, Olivia já tinha extraído de Bobbie a informação que ela terminara seus estudos é es­tava dando um tempo para "curtir" a Europa antes de vol­tar para casa para trabalhar no escritório de advocacia do pai.

— Então seu pai é advogado... que coincidência. Em nossa família, os Crighton, quase todo mundo trabalha na área jurídica, de um jeito ou de outro.

— Papai era advogado — Bobbie a informou cuidado­samente. — No momento ele está no congresso.

— Então o que exatamente a trouxe a Haslewich? — Caspar perguntou animado, entregando uma bebida a Bobbie. — A cidade não deve fazer parte do roteiro turís­tico.

— Não — concordou Bobbie. — Acho que me interes­sei pelo lugar quando estava em Chester e ouvi uma pes­soa falando sobre Haslewich. Então pensei que seria uma boa ideia pegar o carro e vir até aqui dar uma olhada. Foi quando conheci Joss.

— Ela estava no jardim da igreja — disse Joss.

— É um tanto assustador ver aquelas lápides tão anti­gas — Bobbie o interrompeu... — Acho que sua família deve estar aqui há séculos.

— Na verdade, não — respondeu Olivia. — A família Crighton tem suas origens em Chester, mas um ramo da família se distanciou após um racha no começo do século. No que diz respeito às nossas raízes em Haslewich, pode­mos até ser considerados novatos.

Então ela perguntou, aprofundando a conversa:

— Você está pensando em ficar mais tempo na região?

— Eu não ia ficar, mas como me dei ao luxo de me hos­pedar no Grosvenor antes de perceber como era caro, en­tão acho que vou procurar um trabalho temporário para fazer um dinheirinho antes de seguir em frente.

Olivia escutava com curiosidade enquanto via a ex­pressão triste de Bobbie. Então franziu o cenho ao olhar para o relógio no pulso e disse a Caspar:

— Acho que vou dar uma ligada para a tia Ruth parai saber se está tudo bem. Nossa babá avisou na última hora que não poderia porque a mãe dela não está muito bem. Como agora voltei a trabalhar no escritório da família e Caspar retorna à universidade na semana que vem, estamos procurando desesperadamente uma pessoa para ficar no lugar dela. Você não entende nada de tomar conta de crianças, entende...? — disse Olivia, em tom de brinca­deira.

Bobbie respirou fundo.

— Bem, entendo sim — respondeu com leveza. — Passei o último ano do segundo grau e quase todas as mi­nhas férias de faculdade trabalhando em... em uma creche especial de lá...

— É mesmo? — Olivia olhou para ela, perscrutando-a, e perguntou: — Se você estiver falando sério sobre arru­mar um emprego temporário, talvez, possamos nos encontrar e conversar sobre isso.

— Claro — concordou Bobbie, calorosamente.

— Entrarei em contato — Olivia prometeu enquanto se apressou para fazer a ligação.

— Uau, vai ser demais se você ficar — Joss se entu­siasmou.

— Bem, isso quem vai decidir é Olivia — Bobbie o avisou. — Não sou uma babá qualificada e...

— Mas posso lhe dizer que ela realmente gostou de você, e Caspar também — Joss a interrompeu, muito ani­mado.

— Bem, acho que também gostei deles — concordou Bobbie, sinceramente. Mas sua consciência começava a lhe causar problemas.

Os planos que ela e Sam tinham feito pareciam perfei­tamente lógicos em casa, nos Estados Unidos, mas ago­ra... Ela gostara de Olivia e de Caspar, e quanto a Joss... Ela franziu a testa quando olhou para baixo e viu que ele tinha uma expressão aborrecida no rosto. Uma rápida olhada pelo salão mostrou o porquê disso: Max estava ca­minhando, cheio de decisão, em direção a eles.

— Muito bem, pequeno Joss, quem é ela exatamente?

— Bobbie simpatizou ainda mais com Joss ao perceber que a ponta de suas orelhas queimavam e ficavam verme­lhas com o ar de superioridade do irmão.

— Olá, eu sou Bobbie — ela se apresentou, calma­mente.

As sobrancelhas escuras se levantaram.

— Uma americana... Ah, meu caro Joss, o velho vai querer conversar muito com você. Nosso avô, lamento di­zer, tem verdadeira aversão a americanos — disse ele a Bobbie.

Bobbie notou que Joss estava miseravelmente enver­gonhado.

— Tudo bem — respondeu ela serenamente. — Meu avô também é assim em relação a vocês, ingleses.

Max lançou-lhe um olhar arguto.

— Tomara que você não tenha herdado essa aberração — sugeriu ele, delicadamente.

— Quem disse que é uma aberração? — respondeu Bobbie e teve a satisfação de ver o efeito extraordinário daquela beleza impressionante ser ofuscada pela expres­são antipática em seus olhos. Não era de espantar que Joss desconfiasse tanto dele.

— Ah, Max, você está aí. Eu...

— Ah, pelo amor de Deus, Maddie, você precisa me seguir o tempo todo como se fosse um cão idiota? — disse Max, irritado, ao voltar-se para a esposa.

Bobbie ficou com pena da mulher quando viu seu rosto corar profundamente. Joss estava mordendo a própria bo­checha e Bobbie teve de conter o impulso de dizer a Max exatamente o que achava de sua arrogância e crueldade.

— Seu marido e eu estávamos falando de nossos res­pectivos avôs — Bobbie informou Madeleine com um sorriso genuinamente simpático.

— Ah, entendo. — Ela tinha uma voz tímida e hesitan­te e uma atitude bastante insegura, Bobbie foi percebendo à medida que Madeleine continuou a falar. — É uma pena que Ben não esteja aqui esta noite. Ele sofreu uma queda alguns anos atrás que o deixou com um reumatismo muito doloroso na articulação da perna, os médicos até disseram que ele devia ter substituído o osso.

O alívio varreu do rosto de Madeleine a tensão e a an­siedade. Pobrezinha, era óbvio que vivia com medo, apa­vorada com a possibilidade de perder o marido. Ela não precisava disso, concluiu Bobbie. A única coisa que ele tinha era uma beleza superficial, como uma cobertura ma­ravilhosa de um bolo repulsivo.

Mas ela não queria rifar Max por completo, reconhe­ceu. Ele poderia se mostrar uma valiosa fonte de infor­mação.

Quer dizer então que seu avô tinha aversão a america­nos, não é? Ele não era o único membro da família Crigh-ton que pensava assim, como ela tinha razões para saber muito bem.

 

Duas horas depois, Bobbie estava totalmente entretida por Saul, com quem esteve conversando confortável e ale­gremente havia uns vinte minutos, e reconheceu, cheia de culpa, que fazia mais de meia hora que não via Joss, mas que estava se divertindo.

Foi Olivia quem a apresentou a Saul e este explicou a ela, com tristeza, que ele no momento estava na lista negra de Louise.

— Ela queria ser minha acompanhante nesta noite, mas, como eu disse a ela, sou um homem divorciado de trinta e tantos anos, e além de tudo seu primo, ou seja, não se pode dizer que sou o par certo para ela.

— O que naturalmente o torna mais atraente aos olhos dela — concordou Bobbie, brincando. — Vamos lá, ad­mita — ela tentou persuadi-lo, jocosamente. — Deve ser uma boa massagem no seu ego ter uma menina lindíssima de 18 anos de idade loucamente apaixonada por você.

— Muito de vez em quando, é, sim — concordou Saul, baixando a guarda —, mas no resto do tempo, para ser bem sincero, é na verdade terrível, pois só mostra como estou ficando velho.

— Eu preciso procurar o Joss — disse Bobbie a Saul. Era tão frustrante ter a oportunidade de conhecer e se mis­turar à família de modo tão direto e ao mesmo tempo sen­tir um bloqueio de perguntar aquilo que ela realmente queria saber, caso eles se perguntassem a que ela se pro­punha.

— A última vez que o vi ele estava falando com Luke. Ele parou quando viu a expressão de Bobbie.

— Você não gosta de Luke? Você é minoria — ele as­segurou. — A maioria das pessoas do seu sexo parecem achá-lo extremamente atraente.

— Mas eu não sou a maioria das mulheres — Bobbie informou-o com firmeza.

— Não, você não é. — concordou Saul delicadamente. Sorrindo para ele, Bobbie balançou a cabeça e deu meia-volta. Havia visto Joss do outro lado do salão e, como Saul disse, estava conversando com Luke. Bobbie come­çou a caminhar em direção a eles.

A noite não conseguira melhorar o humor de Luke. Fenella mostrou-se tão pegajosa e possessiva quanto ele te­mia, sutilmente dando um jeito de criar na família dele a impressão de que estariam envolvidos romanticamente e tornando impossível para ele rejeitar suas insinuações sem criar um escândalo.

Mas ele não tinha nenhuma intenção de deixá-la conti­nuar com isso. Antes de se despedirem naquela noite, não deixaria a menor dúvida de que o passado era passado e que não havia lugar para ela, ao lado dele, nem no presen­te nem no futuro, de forma alguma.

— Ah, estou hospedada no Grosvenor — ele a ouviu dizer suavemente para uma de suas tias, dando um olhar amoroso de soslaio enquanto confidenciava: — Luke achou que era o melhor, dadas as circunstâncias. Afinal de contas, oficialmente eu ainda estou casada. Ela parou en­quanto Luke observava a cabeça de sua tia balançando sabiamente.

Ignorando Fenella, ele voltou-se para Joss e brincou:

— Então, onde foi que você achou a zagueira, Joss?

Bobbie, que estava logo perto, trincou os dentes, ultra­jada. É claro que já estava acostumada a comentários so­bre sua altura, mas jamais ouvira na vida alguém se referir a ela de forma tão grosseira.

Ao ver a cara de Joss, Luke xingou a si mesmo entre dentes. Não era justo que ele descontasse em Joss sua irri­tação com o comportamento manipulador de Fenella, mesmo havendo alguma coisa na beleza suntuosa, quase de rainha, da desconhecida que ele havia trazido à festa, que lhe arrepiou os pêlos da parte de trás do pescoço de modo inconfundivelmente atávico. Talvez fosse algo na­quela massa de cabelos gloriosamente encorpados e cor de mel, ou talvez fosse a maneira com que ela carregava a própria altura e seu ainda mais impressionante corpo. Tal­vez fosse apenas algo em seus modos, ou talvez a razão se encontrasse mais perto de casa, dentro de sua própria consciência emocional de algo que, de alguma forma, não podia dispensar.

Ela podia não ser do tipo que saía procurando briga por aí, mas com certeza não ia correr desta em particular, de­cidiu Bobbie enquanto ignorava a tentação de fingir que não ouviu o comentário de Luke e simplesmente ir para outro lado. Ao invés disso, ela caminhou, toda emproada, para onde Joss estava, concedendo-lhe a dádiva de um sorriso multiluminoso e dando um jeito de colocar o corpo em um ângulo no qual podia olhar Luke Crighton bem no olho... ou melhor, quase bem no olho. Joss não mentira sobre a altura dele e era estranhamente desconcertante ser forçada a levantar o queixo para fazer frente a seu olhar indiferente.

— Você só pode ser o Luke — disse Bobbie, tomando a iniciativa antes que Joss pudesse apresentá-los.

— É mesmo? — perguntou Luke a ela secamente. — Imagino por que você acha isso.

— Ah, não, eu não achei — disse Bobbie em tom irônico. —Eu o reconheci por causa da descrição de Joss... ou melhor, pela descrição de sua fixação com determinado tipo de mulher-acessório. Eu não tenho muito com que me preocupar com isso — disse ela com uma voz dócil. — Dizem que é uma fase na vida do homem que passa quan­do ele amadurece.

Do canto do olho, Bobbie podia ver Joss olhando para Luke e para ela com preocupação. Realmente não era jus­to da parte dela envolvê-lo, reconheceu.

— Vamos, Joss — ela o convidou com um tom traves­so na voz. — Parece que estão servindo o bufe e uma ga­rota do meu tamanho precisa comer para valer.

Joss pareceu aliviado de ouvir o tom bem-humorado em sua voz, mas uma olhada no rosto carrancudo de Luke avisava que ela não o havia enrolado e que ele com certeza não deixaria passar ou ignorar seu comentário sobre a acompanhante.

— Bem, acho que podemos tirar Luke de nossa lista — disse Bobbie a Joss com tristeza enquanto se dirigiam ao bufe.

— Na verdade, Fenella não é namorada dele — Joss a informou prontamente. — Eu ouvi James dizer ao papai que Luke estava furioso com ele por que ele deixou Fenel­la enganá-lo de modo a fazer com que fosse convidada como acompanhante de Luke. Ela e Luke namoraram muito tempo atrás, mas ela se casou com outro, apesar de James ter dito que ela iria se divorciar.

Bobbie percebeu que isto explicava porque Luke esta­va tão ansioso para se distanciar abertamente de qualquer tipo de relação íntima com ela, ao menos até que o divór­cio ocorresse de fato. Um homem na sua posição não gos­taria de nenhum indício de escândalo que pudesse afetar sua reputação.

Ficou imediatamente, óbvio para ela que Luke tinha aquele tipo específico de arrogância e orgulho masculi­nos, os quais ela sempre considerou irritante e repulsivo. Homens do tipo "dominador classe A" nunca lhe atraíram na vida. Preferia homens como aqueles de quem cresceu perto, homens gentis cuja força jazia em sua capacidade de ser afáveis e compassivos, de ter emoções.

Katie e Louise optaram por um arranjo informal de me­sas redondas para oito pessoas para o bufe, sem lugares marcados, e Joss e Bobbie haviam acabado de se acomo­dar em uma destas, seus pratos satisfatoriamente servidos de generosas porções das iguarias de dar água na boca, quando Olivia e Caspar juntaram-se a eles.

Bobbie se divertia ao observar o joguinho de troca de olhares entre Saul e Louise e concluiu que Saul estava en­ganando a si mesmo se achava que Louise iria se dar por vencida em seu intuito de conquistá-lo. Bobbie sorriu para eles calorosamente enquanto se sentavam.

Ao contrário de Luke, aí estavam dois parentes de Joss de quem ela realmente gostou.

— Espero que vocês não se importem que nos junte­mos a vocês — comentou Olivia —, mas ouvir sua voz fez Caspar ficar com saudades da terrinha.

— Nada disso — Caspar negou. — Não que não seja bom ouvir o familiar sotaque americano — ele acrescen­tou, voltando-se para Bobbie.

— Ele é um advogado típico da Filadélfia — disse Olivia a Bobbie, fazendo uma cara irônica.

Caspar fez que não com a cabeça e as informou que era agora um professor acadêmico, e não um advogado.

— Talvez tecnicamente falando, mas você tem diplo­ma de advogado e é isto que você ensina.

— Honestamente, você talvez pense que, vindo de uma família que é mais ou menos obcecada por direito, eu fos­se me rebelar e escolher um marido que fizesse algo dife­rente — Olivia reclamou de brincadeira com Bobbie, fa­zendo Caspar rir e passar a mão em seus cabelos sedosos e curtos. — Bem, ter a mesma carreira nos faz sempre ter assunto e, ao contrário de outros casais, nunca vamos po­der reclamar que a carreira do outro é sem graça.

— Eu diria, pelo seu sotaque, que você é da Nova In­glaterra — disse Caspar a Bobbie.

— Pois está certo — Bobbie confirmou com um sorri­so. — Sou nascida e criada em uma cidadezinha ao norte de Boston, mas desde que meu pai se envolveu em política minha família passa boa parte do tempo em Washing­ton.

— Você vem de família grande? — perguntou Olivia.

— Em parte — respondeu Bobbie cautelosamente. — Do lado do meu pai.

— Vocês se importam se nos juntarmos a vocês? — Bobbie ficou tensa ao levantar os olhos e ver Luke e Fe­nella do outro lado da mesa.

— Não, claro que não — respondeu Olivia quando a pequena pausa que se seguiu após o pedido de Luke se es­tendera um pouquinho demais.

Para evitar qualquer tipo de contato visual com ele, Bobbie voltou-se para Joss e disse como estava gostando do bufe.

— Este salmão está delicioso — disse ela a Olivia e co­meu mais uma garfada.

— Salmão... — Fenella fez um gesto de desdém com os ombros. — É terrivelmente calórico. Só como peixe branco e é claro que só pode ser grelhado. Algumas pes­soas não fazem ideia da quantidade de calorias que acres­centam à comida simplesmente por não cozinhar da ma­neira certa. Você ganhou um pouquinho de peso, Olivia. Seu número agora deve ser o que... 40? — comentou Fe­nella, avaliando Olivia com os olhos.

— Será...? Devo confessar que realmente não sei — respondeu Olivia tranquilamente. — Desde o nascimento de Amélia a última coisa com que minha mente tem se ocupado é com meu peso, apesar de que, ao menos antes de engravidar, eu achava que estava um pouquinho magra demais. Contudo, para ser honesta, tenho que reconhecer que ando tirando vantagem do fato de que, como estou amamentando, não só posso como devo comer bem.

— Amamentando...? — disse Fenella, com uma voz li­geiramente engasgada, os olhos quase saltando. — Ah, mas claro... — Seus olhos percorreram o corpo de curvas generosamente femininas de Olivia de modo traiçoeiro, depois mordiscou o lábio e olhou em outra direção. — Quando eu tive Crispin ninguém conseguiu me convencer a alimentá-lo por mim mesma. Acho que não sou do tipo maternal. — Deu uma risadinha aguda, com uma expres­são nos olhos que fez Olivia sentir compaixão e pena pelo tal Crispin.

A atmosfera tranquila de calorosa camaradagem desa­pareceu da mesa com a chegada de Luke e Fenella, sendo substituída por um clima de reserva e ligeira tensão. Quando olhou ao redor da mesa, Bobbie soube que não era só ela que sentia isso. A boca de Caspar contraiu-se enquanto ele ouvia os comentários de Fenella. Olivia parecia querer responder com mais determinação do que o fizera, mas estava se controlando.

— Ah, Luke, você sabe que eu não quero bebêr vinho protestou— Fenella, mas mesmo assim tomou um peque­no gole da taça e lançou um olhar sedutor para Luke com seus cílios expressivos e perguntou, fazendo charme: — Você não quer me deixar alta, não é? — e olhou para ele de maneira a dar a entender algo.

Bobbie quase engasgou com a comida ao ouvir Caspar murmurar, irritado, entre dentes:

— Não se ele tiver o mínimo de bom senso. — Teve então de lutar para conter sua felicidade ao ver o olhar áci­do que Luke dirigiu a Fenella.

— E uma pena que tia Ruth não tenha vindo — Joss lamentou, indiferente ao melodrama adulto que se desen­rolava ao seu redor. — Salmão é o prato favorito dela, também — informou a Bobbie, que abaixou o garfo sem tocar na comida nele contida.

— Sim, você precisa conhecer Ruth antes de partir da região — disse Olivia calorosamente. — Se você de fato estiver interessada em saber mais sobre a família, Ruth é a melhor pessoa para você conversar.

Bobbie percebeu que Luke franziu o cenho ao olhar para ela.

— Existe alguma razão em particular que a faça interessar-se por nossa família? — perguntou ele a Bobbie.

— Nenhuma razão especial — respondeu Bobbie calmamente, incapaz de resistir desafio. — Existe alguma razão especial pela qual eu não possa me interessar?

Fenella, evidentemente não gostando nada de dividir a atenção de Luke com quem quer que fosse, lançou um olhar sinistro a Bobbie e se inclinou na mesa entre os dois, colocando a mão de maneira possessiva no braço de Luke e exigindo:

— Vamos dançar, Luke. Costumávamos dançar tão bem antigamente — disse a ele, com uma voz ronronante.

— É mesmo? — Luke fez uma careta. — Devo confes­sar que não me lembro.

— Bem... nós temos que falar com Saul e o pessoal dele, querido — interveio Olivia rapidamente, empurrando a cadeira para trás enquanto falava.

— Certo. Também tenho que ir cedo — disse Bobbie a Joss. — Mas antes de ir, preciso agradecer aos seus pais.

Ela também se levantou. Não queria testemunhar a cena que podia sentir que estava para acontecer quando todos deixaram Luke e Fenella na mesa. Pelo canto do olho, Bobbie pôde ver Fenella contrariada, fazendo bico.

— Xiiiii... coitado do Luke — comentou Olivia quan­do já não poderia mais ser ouvida.

— Parece claro que ele já a achou atraente um dia — Bobbie não resistiu a observar, como quem não quer nada.

— Bem, sim — concordou Olivia —, mas ele era muito, muito jovem, apenas 22 anos de idade, e acho que se desiludiu bem rápido. Você parece não gostar muito de Luke — disse Olivia, com sua discrição de advogada.

— Não muito — concordou Bobbie, descontraidamente.

— Lamento que Luke tenha lhe chamado de zagueira — disse Joss a Bobbie suavemente, cinco minutos após ela ter se despedido de Olivia e Caspar.

— Bem, é uma espécie de elogio — respondeu Bobbie irônicamente. — Suponho que um zagueiro ganhe muito mais dinheiro do que eu jamais poderei fazer em vida. Olha, estou vendo seus pais ali. — Ela direcionou a aten­ção de Joss à brecha entre os convidados que dançavam na pista por onde se via os pais.

— Queria que você não tivesse de ir embora — Joss lamentou enquanto ela se dirigia a Jenny e Jon. — Mas você ainda vai ficar aqui por um tempo, não vai? — per­guntou ele, com seu rosto se iluminando novamente.

— Por um tempo — concordou Bobbie cautelosa­mente.

Havia coisas que ela tinha de fazer, informações que precisava levantar, e seria melhor que tratasse disso longe de Joss e de seus jovens olhos argutos.

— Obrigado por me deixar ser penetra em sua festa — disse Bobbie ao abordar os pais de Joss.

— Você não é penetra — objetou Joss, indignado. — Eu a convidei.

Jenny riu.

— Você é muito bem-vinda — garantiu a Bobbie, ca­lorosamente. — Só espero que Joss não tenha tomado muito seu tempo nem lhe perturbado — disse ela, bagunçando os cabelos de Joss, sorrindo para ele amorosamente e dando-lhe um rápido abraço logo em seguida.

— De modo algum — respondeu Bobbie. — Eu adorei conversar com ele e saber tudo sobre a família Crighton.

Tinha sido uma longa noite, reconheceu Bobbie, exausta, ao chegar ao santuário de seu quarto de hotel e trancar a porta. Foi até o banheiro, tirou a roupa e prepa­rou um banho.

Meia hora depois, achou que já tinha ficado por tempo suficiente entregue ao delicioso banho naquela enorme banheira de estilo eduardiano. Além do que, tinha uma úl­tima coisa que precisava fazer antes de finalmente ir para a cama. Ligou para o número e esperou até ouvir aquela voz familiar e tão parecida com a dela.

— Podemos falar? Não pude esperar até domingo para falar com você — perguntou, em tom conspiratório.

— Sim — foi a resposta. — Eles acabaram de sair. Ok, vamos lá. O que você descobriu?

— Nada demais, só que certos membros da família Crighton são inacreditavelmente antipáticos e arrogantes.

— Você precisou viajar até a Inglaterra para descobrir isso? — Samantha questionou, cinicamente. — Achei que nós já...

— É, eu sei. Desculpe — disse Bobbie. — É só que... Não tenho certeza se o que planejamos é de fato uma boa ideia, Sam. Hoje, falando com Olivia e Caspar, eu...

— E quem são Olivia e Caspar?

— A prima de Joss e seu marido. Ele é americano da Filadélfia e...

— Ei, você faz ideia de quanto vai custar esta ligação? Eu sabia que devia ter ido aí eu mesma. Seu problema é que você é tão coração de manteiga e sentimental que vai achar desculpas para o próprio demônio. Bobbie, você sabe que o médico... o que aconteceu no ano passado... talvez não tenhamos muito tempo e...

— O doutor Fraser disse que ela estava cem por cento recuperada — bradou Bobbie, mas sabia que, por baixo de seu protesto, sua voz traía ansiedade e medo.

— É, eu sei — concordou Samantha. — Mas nós temos que resolver isso, Bobbie. Temos que fazer isso. Só queria poder estar aí

— Mas não pode, não se quiser completar seu mestrado e você vai completá-lo.

— Eu sei... eu sei. Então vamos lá, o que você conse­guiu descobrir?

— Nada demais. De acordo com Joss e Olivia, a tia Ruth é a pessoa mais indicada para me contar a história da família.

— Tia Ruth? — Houve uma longa pausa e então a voz de Samantha ficou ligeiramente mais fraca e rouca. — Tia Ruth, ok. E então... então você vai conversar com ela?

— Não sei, Sam. — A voz de Bobbie adquiriu um tom preocupado. — Para ser honesta, simplesmente não acho que ela seja a pessoa certa.

Houve uma longa pausa antes de ouvir Samantha dizer:

— Bem, acho que você deve estar certa.

Após terminar a ligação, Bobbie serviu-se de um copo de água Perrier do mini-bar e caminhou descalça até a ja­nela. O robe de banho do hotel era, para sua surpresa, um pouquinho comprido demais para ela, e certamente gran­de demais também, e suspeitava que tivesse sido provi­denciado especialmente para ela pela arrumadeira de olhos de águia, a qual devia ter percebido como era mais alta que o normal. Muitos sinais para ela observar.

Era reconfortante usar algo tão obviamente grande; fa­zia com que se sentisse frágil e delicada, pensou Bobbie com melancolia. Ouviu alguém bater na porta e franziu a testa.

Foi abrir. Sua boca formou um círculo quando ela ex­clamou um "ah" de surpresa ao ver Luke Crighton no cor­redor, segurando seu xale.

— Você esqueceu isto lá embaixo — disse ele.

— É deixei — concordou Bobbie com um tom distan­te, dirigindo-lhe um olhar gelado e acrescentando: — Mas não era necessário você se incomodar de vir aqui me de­volver. Eu podia ter apanhado amanhã de manhã.

— Tenho certeza que sim, mas Jenny estava ansiosa para lhe devolver o xale — disse ele, suavemente.

Estava bem longe da porta, longe demais para que ela o alcançasse e pegasse o xale, o que a fez sair do quarto para o corredor, que felizmente estava vazio. Ela estendeu a mão para pegar o xale, tendo tomado antes o cuidado de deixar a porta travada. A última coisa que queria no mo­mento era ser trancada do lado de fora usando apenas um robe atoalhado, menos ainda com alguém como Luke Crighton testemunhando seu possível constrangimento.

— Meu xale — ela pediu ao se aproximar dele, que a pegou completamente desprevenida quando habilidosa­mente segurou com uma de suas mãos as duas mãos dela por detrás de suas costas; enquanto com seu braço livre a forçou a uma paródia de abraço íntimo.

Instintivamente Bobbie tentou se libertar, retorcendo o corpo contra a pressão daquele corpo musculoso e duro e da firmeza de sua mão segurando seus pulsos, ao mesmo tempo em que tentava libertar a própria perna para levan­tar o joelho e atingi-lo na parte mais vulnerável do corpo. Não funcionou; ele deixou que sua perna livre se movi­mentasse, mas só para poder tirar vantagem do movimen­to de acomodação para prender a perna dela entre as suas próprias ao mesmo tempo em que a empurrou contra a pa­rede do corredor e inclinou a cabeça ern direção à dela.

— Não ouse ah, não ouse — Bobbie grunhiu, indigna­da, os olhos piscando furiosamente ao ver os dele brilhan­do e demonstrando como se divertia com aquilo.

— Ah, não? — ele zombou, sussurrando as palavras contra sua boca. — O que vai fazer para me deter?

— Isto — disse ela, muito irritada, trincando os dentes para dar uma forte mordida na boca que pairava perto da sua, mas ao invés de ver nos olhos de Luke o desprazer e a contrariedade que esperava, ele na verdade parecia estar rindo.

Bobbie olhou para ele cheia de ódio e indignação, mas a furiosa investida que chegou perto de completar tornou-se um abafado engasgo de inesperado assombro ao vê-lo levantar a mão que se apoiava na parede ao lado dela em direção ao seu rosto. Ele então friccionou levemente seus lábios entreabertos com o polegar e introduziu um dedo entre seus dentes até encostar-se à língua.

Sua pele tinha um gosto ligeiramente salgado e total­mente masculino. Ela tremeu uma vez de puro choque, e de novo, sentindo... Sentindo o quê? Ela tentou perguntar a si mesma em meio à confusão que lhe tomou o cérebro e os sentidos.

— Chupa — ela ouviu Luke sussurrar-lhe suavemente. — É sexy...

— Luke — Bobbie pensou reconhecer aquela vozinha feminina tão aguda, mas quando tentou virar a cabeça para olhar para o corredor, Luke a deteve, bloqueando sua visão ao cobrir sua boca com a dele.

— Luke — a voz estava agora mais próxima e mais aguda. Com certeza era a voz de Fenella. Bobbie tentou mais uma vez se livrar do domínio do corpo de Luke sobre o seu. Ele realmente sabia beijar, reconheceu, estonteada. Desde os tempos de suas primeiras paqueras no segundo grau que ela não se sentia tão rápida e gloriosamente afetada por um simples beijo... talvez nem mesmo naquela época isso tivesse acontecido, admitiu para si mesma.

— Luke, como você pode fazer isso comigo? — Fenel­la guinchou, fazendo Bobbie sentir que ela estava a pou­cos centímetros de sua orelha. — Você sabe o quanto eu amo você...

— Não sei de nada disso — respondeu Luke de modo intimidador ao finalmente afastar sua boca da de Bobbie e voltando sua atenção a Fenella. Ele ainda não a havia sol­tado, contudo, Bobbie percebeu, e para ser honesta consi­go mesma, ela não tinha certeza se seria uma boa ideia forçar para se soltar dele agora, pois suas pernas ficaram desconcertantemente sem apoio. Quanto ao olhar de Luke quando ele finalmente afastou aboca da sua... Bobbie sen­tiu o estômago revirar.

— Não é possível que você prefira ela a mim! — pro­testou Fenella, ultrajada.

— Não só posso como prefiro — respondeu Luke. En­tão, ignorando Fenella, ele voltou-se a Bobbie com uma voz bem audível que transparecia que ele estava se diver­tindo: — Eu sei que você tem esta fantasia de fazer amor em locais públicos, mas acho que teremos mais conforto no seu quarto... com privacidade.

E, antes que Bobbie pudesse detê-lo, ele empurrou a porta aberta e rapidamente entrou com ela. Ele fechou a porta firmemente atrás de si e depois a trancou quase antes de Bobbie conseguir respirar.

Quando conseguiu se recompor, ela estava tão furiosa que mal podia achar palavras para expressar.

— Que diabo você pensa que está fazendo? — pergun­tou ela enquanto se livrava de seus braços e o encarava, rezando para que ele atribuísse a perceptível tremedeira à raiva e não aos efeitos causados pelo beijo.

— Será que não está bem óbvio? — perguntou ele com um distanciamento cínico.

— Você me usou para se livrar de Fenella — Bobbie o acusou. Ela balançou a cabeça e afastou as pesadas mechas de cabelo que lhe cobriam o rosto. — Se você não a quer, por que simplesmente não diz isso a ela? Meu Deus, que tipo de homem é você para vir até aqui deliberadamente e me usar, me manipular, planejar...

— Não planejei nada deliberadamente — Luke a inter­rompeu suavemente. — Simplesmente aproveitei a situa­ção, tirei vantagem da oportunidade oferecida pelas cir­cunstâncias quando vi Fenella no corredor caminhando em nossa direção.

— Você resolveu me agarrar à força para parecer que nós dois estamos envolvidos em algum tipo de caso ou algo assim... como se estivéssemos... Não foi só o mo­mento que você aproveitou — ela o repreendeu furiosa­mente — e se você pensa...

— Fique calma — ele a aconselhou.

— Ficar calma! Você me agarra à força, grosseiramen­te... Força-me a entrar no quarto com você e depois...

— Você está em total segurança — ele interrompeu com uma voz inalterada, e acrescentou com desprezo: — Para começo de conversa, você não é meu tipo.

Não era seu tipo! Os olhos de Bobbie emitiram sinais de tempestade iminente, e das grandes.

— Fico aliviada de ouvir isto — disse ela, entre dentes, e completou decididamente —, pois você com certeza não ó o meu.

— Você está exagerando — ela ouviu Luke dizer, sa­cudindo os ombros como quem não se importa.

Exagerando? Bobbie mal podia acreditar no que estava ouvindo.

— Você me beijou — ela sibilou. Para sua irritação, ele acabou rindo.

— Ah, pare com isso — ele falou lentamente à medida que não parava de rir. — Não é possível que eu seja o primeiro a ter feito isto.

— Não — concordou Bobbie, irada. Ela simplesmente não conseguia acreditar naquilo; a arrogância dele a dei­xava quase sem fôlego. — Mas com certeza você foi o pri­meiro a fazer isto contra a minha vontade. Primeiro e últi­mo! — disse ela enfaticamente. As risadas dele ainda ecoavam em sua memória, causando-lhe um ímpeto de retaliar abertamente, por isso ela acrescentou, só para ga­rantir: — Para mim é ultrajante ser beijada por um homem do qual eu não gosto.

Por um momento ela finalmente achou que tinha ga­nhado dele, mas teve de admitir, do alto de seu um metro e oitenta e poucos centímetros, que não ganhar era uma experiência nova para ela, da qual sem dúvida não tinha gostado nada. Foi então que, para seu espanto ouviu a resposta lenta e arrastada.

— Não? Puxa, você me enganou. Então você preferiria ser beijada por quem? — perguntou ele antes que ela fosse capaz de reagir à dimensão daquele insulto declarado. — Posso dar meu palpite? — perguntou ele suavemente. — Eu a vi olhando para o Max hoje. Você sabe que ele é ca­sado, não é?

— Sei, sim, muito obrigada por informar — respondeu Bobbie, sem se incomodar de perder tempo negando as acusações dele. Ao invés disso, disse em um tom de voz corrosivamente dócil: — Por que será que todos parecem ansiosos para me informar que Max é casado?

— Você sabe perfeitamente bem porque — disse ele, curto e grosso. — Max é um homem extremamente preda­tório, altamente libidinoso, casado com uma mulher que o aborrece por razões evidentemente alheias a qualquer ím­peto da parte dele em levá-la para a cama. Já você, por sua vez, possui aquela qualidade peculiar que faz com que Max se sinta inclinado a levá-la para a cama, e levá-la para a cama é tudo o que ele fará, a não ser, é claro, que você por um acaso tenha na sua árvore de família alguns juizes de primeira linha e nobres, além de uns dois milio­nários.

— Não sei de nada disso — respondeu Bobbie de ma­neira concisa, corrigindo mentalmente, para seu próprio bem, que ao menos não tinha nobres na família, mas resis­tiu firmemente à tentação de dizer tais palavras. — Eu quero que você saia — disse ela rapidamente, apontando a porta com o olhar.

— Ainda não — respondeu ele docilmente.

Bobbie ficou completamente atônita.

— Eu posso ligar para a recepção e pedir que tirem você daqui à força, se for necessário — disse ela.

Ele riu mais uma vez.

— Eu acho que nesta cidade e neste hotel meu crédito e reputação são mais altos que os seus. — Levantou uma de suas sobrancelhas escuras. — Afinal de contas, o que se sabe de você a não ser que mantém uma amizade muito duvidosa com Joss?

— Fenella deve ser maluca de querer se envolver com você — Bobbie disparou, indicando sem querer o fato de que o passado dele havia sido tema de conversas naquela noite. — E se ela está tão desesperada para agarrar você — disse ela asperamente — não é vê-lo me beijando que vai fazer com que desista.

— Não — concordou ele espertamente —, mas tenho esperança de que ficar sabendo que eu passei a noite com você consiga este efeito.

Passar a noite com ela? A boca de Bobbie abriu e fe­chou de novo, engolindo o ar e encarando-o em um misto de fúria e fascinação enquanto ele a observava recuar, uma de suas sobrancelhas ironicamente levantadas, como se... como se ele estivesse quase esperando... saboreando a ideia de que ela o desafiasse. Bem, ela não o desapon­taria.

— Você não vai passar a noite neste quarto, no meu quarto — ela enfatizou, dando pausas cuidadosas entre uma palavra e outra.

— Não? Então me expulse — respondeu Luke, dando de ombros com uma expressão de tédio.

Expulsá-lo. Ela podia ser alta, mas, ao comparar não só a altura do corpo dele, como a força dos músculos com as dela, Bobbie entendeu que qualquer tentativa de usar a força para expulsá-lo do quarto resultaria em um fracasso humilhante.

— Ok, muito bem respondeu Bobbie calmamente, mudando de tática. - Se você não vai sair, eu simplesmente vou me transferir para outro quarto.

— Lamento dizer que será impossível — disse Luke balançando a cabeça. - O hotel está lotado. Soube disso quando Fenella disse que havia reservado um quarto de: casal para nós, mas se você por um acaso quiser tentar...

- Bobbie pensou rápido. Ela sabia muito bem que des­pertaria curiosidade e interesse se tentasse mudar de quarto, especialmente com Luke ocupando o seu de maneira tão pouco discreta.

— Isto é ridículo — disse ela finalmente. — Se Fenella não vai desistir após ver você me beijar, então o que o leva a crer que ela vá desistir por você passar a noite comigo? Afinal de contas, se ela se presta a querer um homem que beija outra em público, é mais que provável que se preste também a continuar querendo mesmo após ele... ele ter certas intimidades com... com ela.

Irritada consigo mesma por vacilar um pouquinho, ela não tinha ideia de por que raios ela se sentia tão envergo­nhada de usar a palavra "sexo" ao invés do eufemismo "intimidade" na frente de um homem como Luke Crighton, um homem do qual ela não só não gostava como cada vez gostava menos ainda.

— Porque — Luke explicou pacientemente — ainda que esteja pronta a se submeter a tudo isto, ela sabe perfeitamente que eu não estou. — Como Bobbie parecia per­plexa, ele explicou melhor. — Eu não saio dormindo com mulheres por aí, e Fenella sabe disso, e não tenho "intimidades" — ele enfatizou a palavra que ela havia usado, zombando dela — com uma mulher, a não ser que eu te­nha a intenção de me envolver em uma relação séria. Em outras palavras, minha amiga americana, Fenella sabe que, se eu passar a noite com você, é porque eu quero tor­ná-la uma parte séria e permanente de minha vida.

Bobbie engoliu em seco enquanto olhava para ele. Não era comum que a pegassem desprevenida ou dando um passo em falso, ou ainda que um ser do sexo masculino dissesse algo que a surpreendesse. Mas desta vez... desta vez... por que... Por que, em nome dos céus, tinha de ser ele o primeiro a conseguir isto, o único homem que já en­contrara na vida que pensava como ela a respeito da im­portância da intimidade sexual, um homem que queria que o sexo fosse parte de uma relação verdadeiramente compromissada?

Ela deu uma olhada rápida em direção a ele, em parte achando que ele estava se divertindo à custa dela, mas no momento em que olhou para o rosto dele percebeu que ele estava mesmo falando sério.

— Espero que não esteja tentando sugerir que, ao en­trar à força no meu quarto e declarar sua intenção de pas­sar a noite comigo, você espere que eu o ache um homem honesto — ela gracejou de modo irreverente para encobrir o que estava realmente sentindo.

— Você não acredita em casamento? — perguntou ele, inesperadamente. — Você é uma destas mulheres moder­nas que gostam de pensar que os homens são um item supérfluo dentre as suas necessidades, a ponto de abrir mão do prazer e da intimidade que o ato de gerar uma criança deveria implicar, optando por métodos de concepção mais clínicos e neutros?

Devia haver algo de errado com ela. Devia ser algum tipo de vírus, pensou Bobbie. Não podia haver outra justi­ficativa para o súbito calor que lhe tomou o corpo inteiro, a sensação enervante de fraqueza e o frio na espinha e o choque que sentiu.

— Meus planos de concepção de meus futuros filhos não são da sua conta — ela conseguiu replicar com altivez enquanto lutava para controlar a tonteira que a acometeu.

Ela tinha que fazê-lo sair do quarto, e rápido, decidiu fervorosamente, mas não lhe vinha à cabeça nada mais convincente para dizer, a não ser um "você não pode dor­mir aqui" com a voz já denotando pânico.

— Não — concordou ele inesperadamente enquanto olhava para a cama. — Não posso, e imagino que você também não. — Lançou um olhar depreciativo à cama de tamanho padrão. — Se eu tiver de dormir numa cama de brinquedo destas vou acordar com cãimbra e dor nas cos­tas, para dizer o mínimo.

Bobbie sabia exatamente do que ele estava falando. Em casa ela tinha camas apropriadas, camas grandes e espaçosas nas quais a pessoa podia se espreguiçar confortavelmente, além de ter espaço de sobra para...

Uma expressão de pasmo tomou conta de seu rosto, os olhos se abriam à medida que ela absorvia a imagem men­tal que se materializou tão perigosamente do nada: dois corpos se enlaçando no conforto de sua cama de amplas proporções, os belos lençóis de algodão amassados ao en­volver os corpos, o corpo protegido de modo aconchegan­te pelo corpo maior, mais pesado e volumoso do homem deitado a seu lado, com uma perna possessivamente sobre o corpo dela e um braço a envolvendo. Pouco se podia ver de suas feições, mas ela podia visualizar a extensão e os músculos das costas largas e bronzeadas, bem como o co­meço da sensual curva formada entre o fim das costas e o começo das nádegas. Mas é claro que ela sabia perfeitamente como era o rosto dele, assim como também conhe­cia o gosto, a sensação e o cheiro dele... antes do amor e depois...

Com certeza estava doente, Bobbie concluiu quando afinal conseguiu fechar os olhos e afastar da mente aquela visão tão impressionantemente real. Por que outra razão ela estaria se imaginando na cama com Luke Crighton? E não era qualquer cama, por favor, mas a sua própria cama, lá na sua linda casinha de tábuas em uma das ruas mais calmas de sua cidadezinha na Nova Inglaterra.

— Você não pode ficar aqui — repetiu ela. Seu corpo tremeu ao ouvir um leve tom de rouquidão na voz.

— É, acho que não posso — ela ouviu Luke concordar. Havia um tom estranho na voz dele também, mas quando olhou para ele, notou que prestava atenção na cama. Para seu alívio, ele começou a caminhar em direção à porta, mas, antes de abri-la, parou para se voltar a e dizer: — A propósito, como foi exatamente que você conheceu o pe­queno Joss?

— Eu esbarrei nele por acidente em Haslewich — disse Bobbie a ele, sinceramente.

— Hummm, foi o que ele disse — comentou Luke. — Parece que no cemitério da igreja. Ele disse que você es­tava olhando as lápides

Bobbie pôde sentir o coração disparar e a adrenalina correr em suas veias enquanto reagia à consciência do pe­rigo.

— Sim, eu estava — concordou cuidadosamente.

— Procurando algum em particular? — Luke questio­nou.

— Só estava olhando — respondeu Bobbie. — Sou americana e para mim é novidade ver lápides com datas tão antigas.

— De acordo com Joss, você estava na parte moderna do cemitério quando ele a viu.

— Estava mesmo? Não me lembro — Bobbie mentiu desinteressadamente, abaixando a cabeça de modo que seu cabelo caiu para a frente e protegeu sua expressão da visão dele. — Terminou o interrogatório? — perguntou ela com doçura corrosiva na voz. — Eu gostaria de dormir um pouco

— Seria preciso que você fosse acusada ou testemunha de algum tipo de crime para que eu a interrogasse — disse Luke a ela, suavemente. — Por isso, imagino o que você tem em mente para deixar escapar este ato falho, e por quê.

— Nem uma coisa nem outra — Bobbie mentiu enfati­camente enquanto ele abria a porta e a atravessava, mas, apesar da convicção com que ela proclamou sua negativa, por alguma razão ela teve a desconfortável sensação de que ele não acreditou nela. Ah, que se dane esse cara, ele era a última complicação que ela precisava no momento, a última mesmo.

 

Bobbie acordou com o som de alguém batendo discreta­mente em sua porta. Fosse quem fosse, graças aos céus não poderia ser Luke Crighton, já que discrição e aquele homem eram dois pólos definitivamente incompatíveis.

O garçom do outro lado da porta aguardava com uma mesa de café da manhã completo para dois, com direito a um Buck's Fizz* fresquinho, e se recusou a ouvir Bobbie, que insistia em dizer que não havia feito aquele pedido tão opulento, indicando uma noite intensa e de abrir o apetite pela manhã.

— Tenho certeza de que foi feito um pedido para entre­gar este café da manhã aqui — informou ele.

— Mas não é possível — Bobbie começou a negar, mas depois mudou de ideia. Um pensamento sinistro lhe ocor­reu antes de ela perguntar cautelosamente: — Quem fez o pedido?

— Lamento dizer que não sei — desculpou-se o gar­çom, mas Bobbie tinha suas suspeitas.

Sem dúvida era mais um dos pequenos truques de Luke Crighton para convencer Fenella que ele tinha passado a noite com ela, apesar de Bobbie não conseguir entender como ele achava que a outra descobriria que tinha manda­do servir café para dois em seu quarto. A não ser que Fe­nella fosse do tipo que fica checando este tipo de coisa. Talvez fosse mesmo. Bobbie fez uma cara azeda antes de avaliar as iguarias que lhe foram enviadas. Buck's Fizz... Café forte era o seu vício matinal de sempre. Por alguma razão, nunca se vira como o tipo de mulher que bebia Buck's Fizz no café da manhã, e achava que Luke Crighton também sabia que não fazia o estilo dela.

Procurou por um copo de modo afobado e tomou um gole. O suco de laranja havia sido espremido há pouco e estava com um cheiro ótimo. O espumante estava bem ge­lado, causando-lhe calafrios de prazer.

Se ela estivesse compartilhando aquele banquete com um amante, teria suas dúvidas se as guloseimas a fariam mesmo deixar o calor de sua cama, ou o calor do corpo dele.

Ao levar o copo aos lábios para tomar mais um segun­do e insubordinado gole, sua mente trouxe de volta, de forma desconcertante, a mesma imagem perturbadora de Luke que lhe ocorreu na noite anterior.

As bolhas do espumante a deixaram um tanto confusa, o que só lhe provou como era perigoso bebêr álcool de es­tômago vazio pela manhã, disse severamente a si mesma, colocando o copo de volta na bandeja, com firmeza. Uma hora depois, após consumir duas xícaras de café forte e al­gumas torradas de pão integral, estava na

 

* Buck's Fizz, drinque feito com suco de laranja e espumante. (N. do T.)

 

recepção do hotel, trajando confortáveis calças de cor creme e uma deli­cada blusa de tricô.

Não estava na Inglaterra para ficar perdendo tempo deitada na cama e bebêndo espumante, lembrou a si mes­ma com determinação, e com certeza não estava ali para se permitir divagar em imagens mentais malucas de desnorteantes e temerárias cenas íntimas com um homem que ela tinha boas razões para saber que jamais seria seu par-ceiro naquele tipo de jogo amoroso erótico de corpos en­trelaçados. Ela caminhou resolutamente até a recepção e perguntou ao atendente se havia alguma mensagem para ela.                                                                          

Ele lhe entregou, sorrindo, dois bilhetes selados. Franziu um pouco o cenho ao perceber que não reconhecia a letra de nenhum dos bilhetes e abriu o primeiro deles. Deixou o papel cair no balcão como se tivesse queimado os dedos quando leu a mensagem que dizia: "Obrigado pela noite de ontem, você foi maravilhosa. Mal posso esperar até hoje à noite. Luke."

Quando o atendente pegou a mensagem e a devolveu discretamente, Bobbie percebeu que agora ela não era mais a única a ter lido aquela mensagem ultrajante.,

Ele realmente acreditava em levar a representação a sé­rio, ela reconheceu, irada, enquanto enfiava o bilhete no bolso e começava a se afastar da recepção.

Abriu o outro envelope. Seu conteúdo também era inesperado, mas em um sentido bem diverso da men­sagem no bilhete de Luke. Tinha a assinatura de Olivia e dizia: "Tentei alcançá-la antes de sair, mas infelizmente não consegui. Existe algo que eu gostaria de conversar com você após nosso bate-papo de ontem à noite e imagino que poderíamos nos encontrar para almoçar juntas hoje. Se for possível, poderíamos nos encontrar aí no restaurante do hotel à uma da tarde? Olivia"

Pensativa e preocupada, Bobbie mordeu o lábio infe­rior. É claro que ela sabia sobre o que Olivia desejava con­versar; sabia também como Sam se sentiria se ela desper­diçasse uma oportunidade de ouro como esta. Trabalhar para Olivia lhe daria uma boa chance de colocar em ação seu plano — ou melhor, o plano de Sam. Sem dúvida que Olivia seria um contato valioso, mas tinha gostado tanto dela na noite anterior... de sua companhia e da de seu marido que...

Lembrou a si mesma que não só nada tinha a perder em escutar o que Olivia tinha a dizer como tinha muito a ga­nhar, não só pelo almoço! Não, não se ela descartasse seu senso de honestidade e, é claro, o respeito de Olivia e a amizade que esta começava a nutrir por ela...

— Vai ficar para o almoço? — perguntou a recepcio­nista quando Bobbie lhe deu a chave do quarto.

— Vou sim, eu vou almoçar com... uma amiga, à uma da tarde, aqui no restaurante — disse Bobbie. Tinha tomado sua decisão ali.

Ao caminhar para fora do hotel e ser coberta pelo bri­lho do sol, pensou se Joss e sua família já estariam no ca­minho de volta para Haslewich. Joss. Era estranho pensar que ele e Max eram irmãos.

Ela passou uma hora vagando pela cidade, parando aqui e ali para consultar seu guia para turistas e admirar as construções antigas da cidade. Deteve-se um pouco mais do lado de fora do castelo do que já fizera em qualquer outro lugar, e mais tempo ainda do lado de fora da cons­trução de frente para o rio com uma placa discreta onde se lia "Crighton, Crighton e Crighton".

Algo lhe chamou a atenção ao se mexer na janela de cima; ela procurou, mas não viu nada e continuou a caminhar. Com certeza não havia ninguém trabalhando nos escritórios em um domingo.

Passou meia hora vagando de maneira preguiçosa pe­las ruas estreitas, aparentemente sem propósito definido, mas tendo planejado antes todo o trajeto, até que chegou a seu real destino.

A catedral de Chester fora construída especificamente para abrigar um monastério, só mais tarde se tornaria uma igreja, mas, por mais fascinante que fosse a história da construção, Bobbie não tinha tempo para seguir os demais turistas em direção às antigas criptas abobadadas. Foi direto para o cemitério.

Não levou muito tempo para achar o que procurava. Em Chester, os Crighton foram homens fundamentais para a lei por muitas e muitas gerações, como deixava cla­ro o mausoléu no qual escolheram enterrar seus mortos.

Bobbie olhou para ele com emoções díspares. Alguns dos nomes inscritos no quadro de mármore afixado em um canto estavam tão apagados que era quase impossível ler; outros estavam bem mais claros, mais recentes. Um tanto insegura, procurou um nome até achar.

— Ele era meu bisavô — disse a voz familiar e indese­jável atrás dela.

Bobbie quis dizer "eu sei" e ainda completar que tinha sido sua desaprovação ao casamento do filho mais novo que o levou a estabelecer o ramo dos Crighton de Hasle-wich, mas é claro que ela não disse nada disso. Ao invés disso, disse simplesmente, tão correta e tranquilamente quanto possível:

— Luke, o que você está fazendo aqui?

— Eu acho que seria mais apropriado que esta pergunta viesse de mim para você — respondeu ele secamente. — Para uma jovem você parece ter desenvolvido um pendor um tanto mórbido pela visitação de cemitérios, primeiro em Haslewich e agora aqui em Chester.

— É uma maneira interessante de saber mais sobre as famílias que viveram na região — Bobbie retornou neutramente, acrescendo em um tom mais desafiador — e com certeza não é crime.

— Não, a não ser que você esteja planejando exumar algum dos corpos, não é? — concordou Luke, dando um passo à frente de modo a ficar ao lado dela, mas ainda assim Bobbie não olhou diretamente para ele. — Então seu interesse na história local é o que lhe traz aqui. História local como um todo ou alguma família local em particu­lar? — perguntou ele de maneira incisiva.

— Eu estava dando uma olhada na catedral — disse Bobbie a ele, balançando os ombros de maneira casual. Peguei a direção errada e vim parar aqui. Este mausoléu me chamou a atenção e vim aqui para ver...

— E, por uma enorme coincidência, descobriu que é o; mausoléu dos Crighton — Luke completou para ela. — Você está mentindo — ele a confrontou asperamente e acrescentou antes que ela pudesse dizer algo —, e não perca seu tempo de jurar em falso para negar. Eu a observava e vi quando parou do lado de fora do escritório. Você não parou aqui por acaso.

— Estava me observando? Está dizendo que me se­guiu, me espionou — Bobbie explodiu de raiva. — Na mi­nha terra temos leis contra esse tipo de... de assédio... contra esse tipo de pervertido — continuou, furiosa, com os lábios contraídos e os olhos soltando faíscas.

— Realmente, bem, cada um de nós tem seu próprio ponto de vista sobre o que constitui violação de privacidade ou não. Eu não sei que tipo de jogo você está jogando ou procurando, mas, acredite no que lhe digo, eu pretendo descobrir — ele a avisou, fazendo uma cara feia — e quando eu descobrir...

— Você vai fazer o que... usar seus poderes judiciais para me jogar atrás das grades? Acho que não vai dar... — disse Bobbie, zombando dele.— Se eu fosse você, em vez de me perseguir e se preocupar comigo, eu pesquisaria a árvore genealógica da família para ver se há algum histó­rico de paranóia porque, cara, vou lhe dizer, você de­monstra sofrer disso — disse Bobbie, ainda mais fulmi­nante, rezando para que ele achasse que o rubor que lhe tomava o rosto e sua agitação eram por causa da raiva que estava sentindo, não por causa da sensação de culpa e ter­ror que sentia e que a estava deixando enjoada.

— Dá para ver que você é daquelas que acreditam que o ataque é a melhor forma de defesa — respondeu Luke, secamente. — Não sou um garoto da idade de Joss para se deixar seduzir e enganar por uma cabeça cheia de cachos loiros e um par de olhos azuis, sabe — disse ele com um tom de voz áspero.

— Não — concordou Bobbie sarcasticamente. — A não ser que os cachos loiros e os olhos azuis venham em­balados em um metro e meio, e tragam de brinde um sor­riso afetado. — Ela prendeu a respiração ao ver surgir nele uma raiva que lhe escureceu a pele e fez com que cer­rasse os lábios.

— Estamos mudando de assunto — respondeu ele su­cintamente, mas quando ela começou a exalar o ar preso, soltando um suspiro de alívio, logo percebeu que ele esta­va no ataque de novo, — Você ainda não explicou por que o mausoléu da minha família atraiu sua atenção — disse ele.

— Simplesmente reconheci o nome — Bobbie mentiu. — Chamou minha atenção e eu vim até aqui para dar uma olhada e...

— É preciso passar por quatro outras famílias antes de chegar aqui. — Suas sobrancelhas se levantaram, enfati­zando o cinismo em sua voz quando ele observou: — Algo fez você escolher esta direção.

— Sou mulher — disse Bobbie a ele, docilmente. — Nunca escolho o que é mais óbvio.

— Você podia ter me enganado — respondeu ele seca­mente, antes de elucidar. — Elas não são muito mais óbvias que Max, e ontem à noite você não tirou os olhos dele.

— Ele é um homem muito bem apessoado — Bobbie soltou em um tom casual.

— Ele também é um homem que tem uma esposa — Luke a lembrou mais uma vez, enfaticamente.

Bobbie fez uma careta ao olhar para o relógio. Meio-dia e meia. Tinha de voltar se queria encontrar Olivia na hora marcada.

— Tenho de ir embora — disse a ele. — Marquei um almoço com uma pessoa.

Luke franziu a testa.

— Com Max? — ele atiçou.

— Descubra por si mesmo, senhor advogado — ela provocou, imensamente aliviada por ele ter parado de questioná-la sobre o interesse no mausoléu. Ao caminhar para longe dele, reconheceu que tinha sido um choque ter­rível para ela escutar a voz dele e perceber que estava logo atrás de si, e mais terrível ainda foi quando ele disse que a tinha visto do lado de fora dos escritórios. Ela estava tão certa que ele faria alguma coisa para detê-la que teve de olhar para trás ao chegar na saída para se certificar onde ele estaria.

Ele estava de costas para ela, em frente à sepultura da família. Ela ficou observando enquanto ele subitamente se ajoelhou e começou a tirar as ervas daninhas que nasceram na grama macia ao redor do túmulo com muito cuidado, quase com carinho, com tanta concentração que era, como se ela nem existisse.

Tocada, virou-se e começou a caminhar rapidamente na direção de onde viera. Ainda tinha dez minutos ao che­gar no Grosvenor, por isso foi até o quarto para se ajeitar um pouquinho e escovar o cabelo. Quando desceu, Olivia já estava esperando por ela na portaria.

— Ah, que bom — exclamou ela ao ver Bobbie. — Es­tava começando a achar que você não viria.

— Eu passei a manhã observando a catedral — Bobbie explicou — e retornei um pouquinho depois do planejado. No seu bilhete você disse que queria conversar sobre algo comigo.

— Sim — Olivia concordou enquanto se dirigiam ao restaurante do hotel, naturalmente um lugar bastante po­pular na hora do almoço de domingo, como Bobbie pôde perceber ao ver como estava cheio. Mesmo assim, o mâitre as recebeu calorosamente e as conduziu à mesa.

— É mais uma proposta que quero lhe fazer do que um assunto que eu tenha a discutir — Olivia confessou quan­do já estavam acomodadas e com os menus nas mãos. — Comentei com você na noite de ontem sobre os problemas que Caspar e eu temos enfrentado para conseguir uma babá para Amélia, e você disse que tinha alguma experiência com crianças.

— Sim — respondeu Bobbie cuidadosamente, sentin­do o que estava por vir. — Você disse que Caspar estava fazendo o papel de dono-de-casa durante as férias de ve­rão.

— Isso mesmo — concordou Olivia. — Mas agora que o início do ano letivo está se aproximando ele precisa pa­rar para trabalhar na preparação das aulas. Ruth é maravilhosa e sempre nos ajuda quando pode, mas não é justo que se espere dela que faça mais do que cuidar de Amélia para nós uma vez ou outra.

— É verdade, imagino que na idade dela... — Bobbie começou, mas Olivia fez que não com a cabeça.

— Não, pelo amor de Deus, não tem nada a ver com a idade dela. Ruth já está com seus setenta e poucos anos, mas parece pelo menos uns dez anos mais nova, e no que diz respeito à mente e à disposição, com certeza ela ganha de mim. E é maravilhosa com crianças. É mesmo uma, pena que ela nunca tenha tido filhos.

— Algumas mulheres não são muito maternais — Bobbie sugeriu, falando baixo.

— Algumas não são — concordou Olivia enquanto o garçom tomava nota dos pedidos e recolhia os menus mas Ruth é, com certeza. É uma pena que não tenha se casado.

— Talvez ela nunca tenha encontrado alguém que lhe desse o bastante para compensar o fato de perder o direito ao sobrenome Crighton — Bobbie deu seu palpite. Pôde ver que Olivia a olhava intrigada.

— É verdade que alguns homens da família vêem a si mesmos como algo vindo apenas um pouquinho depois de Deus. Eles se acham maiores do que todo mundo, mas Ruth nunca pensou desta maneira. Não, acho que o fato de ela jamais ter se casado tem mais a ver com a morte do noivo, que era piloto combatente, na Segunda Guerra Apesar de que, de acordo com Caspar — Olivia fez uma pausa, franziu a testa e então continuou, sem completar a frase. — Joss é louco por ela, que o acha a melhor coisa do mundo.

— Porque ele é menino... homem — Bobbie sondou, indiferente.

— Não, porque ele é o Joss — disse Olivia com firme­za. — Parece que nós lhe pintamos uma imagem meio de­sagradável de Ruth. Não sei como. Ela é realmente a pes­soa mais maravilhosa... carinhosa compreensiva... e muito sábia ao modo dela. — Balançou a cabeça levemente. — Eu estou me desviando do assunto. — Ela sorriu para o garçom que lhes trouxe a comida e esperou que ele se re­tirasse para continuar, calmamente. — Caspar e eu estive­mos pensando, já que você comentou que pretende ficar na região por enquanto, se você poderia considerar a hipó­tese de trabalhar para nós, meio expediente, tomando conta de Amélia para que Caspar possa trabalhar. Não precisa se preocupar de ser deixada sozinha com ela, pois Caspar estará sempre em casa.

Bobbie baixou o garfo, a comida ainda intocada.

— Eu não sei o que dizer... Eu não tenho experiência, na verdade...

— Mas você disse na festa de Katie e Louise que já tra­balhou em uma creche nas férias — Olivia a relembrou.

Bobbie fez que sim com a cabeça.

— Sim — admitiu lentamente —, mas eu lidava com crianças que precisavam de cuidados especiais, crianças mais velhas que precisavam da ajuda de pessoas treinadas especialmente para tal — ela enfatizou. — Eu, nós... eu ficava lá levando e trazendo coisas, na verdade.

O modo com que Olivia a observava a fez sentir-se levemente constrangida, e ela pensou agora que não devia ter mencionado o trabalho voluntário que fizera quando adolescente, seguindo a tradição da família que tornou para ela a vontade de ajudar pessoas necessitadas algo natural e instintivo.                                                  

— Não há muitas crianças pequenas entre nossos fami­liares próximos — ela sentiu que devia frisar para Olívia — e eu estaria mentindo para você se dissesse que tenho a mais remota ideia de como cuidar sozinha de uma criança pequena.

— Mas você não terá que fazer isso, ao menos não sozinha — Olivia lhe garantiu prontamente. — Como eu disse, Caspar estará lá e eu lhe digo que Caspar sabe trocar fraldas e dar mamadeira muito bem, melhor que eu mes­ma, para falar a verdade — ela admitiu, melancolicamen­te. — Mas também, ele é o tipo do pai "babão com muito orgulho". Não, tudo o que você vai precisar fazer é estar lá para que Caspar possa trabalhar em paz. Acho até que na maior parte do tempo vai ser maçante para você. Ela não faz muito mais do que comer e dormir, apesar de Cas­par estar convencido de que ela já está dando sinais de ter herdado sua inteligência.

Ambas riram.

— Eu... por quanto tempo você precisaria de mim? — perguntou Bobbie, hesitante. Não era, afinal de contas, o que ela havia planejado, e com certeza limitaria sua liber­dade, mas sem dúvida nenhuma também iria colocá-la em uma posição extremamente vantajosa em se tratando de...

— Quatro semanas, talvez seis — disse Olivia, espe­rançosa.

— Eu realmente não estou certa se sou a pessoa indicada — Bobbie foi evasiva, seus temores emocionais vindo à tona.

— Você é sim — Olivia garantiu com convicção. — Eu sei que parece tolo de minha parte dizer isso, sobretu­do porque sou advogada — acrescentou melancolicamen­te —, mas eu senti, desde o momento em que nos conhe­cemos, que... — Ela fez uma pausa e olhou para Bobbie com ironia. — Não sou normalmente dada a declarações ousadas ou discursos vagos sobre instinto e coisas do tipo, mas tudo o que posso dizer é que me senti instantanea­mente à vontade e confortável com você, quase como se fosse da família. Sei que Amélia vai sentir o mesmo, e Caspar concorda comigo.

— Fico muito lisonjeada — Bobbie admitiu, tocada, enquanto sentia seus olhos se turvarem com lágrimas de emoção. — Não sei se posso corresponder a essas expec­tativas...

— Claro que pode — proclamou Olivia, animada. — Veja, se você achar melhor, por que não fazemos um acor­do de uma semana de experiência para ambas as partes? Isso nos daria a opção de voltar atrás sem problemas se assim resolvermos. Você disse que precisava fazer algum dinheiro — Olivia a relembrou.

Sim, ela percebeu que havia dito isso e que, sem dúvida alguma, tinha muito a ganhar aceitando o trabalho que Olivia lhe ofereceu tão inesperadamente, além do fato de que teria agora uma razão totalmente legítima para permanecer na região.

— Eu... escute, posso pensar no assunto e responder amanha ? — ela pediu a Olivia.

— Hoje à noite — Olivia retrucou.

— Hoje à noite — concordou Bobbie, sorrindo.

— Otimo... agora, só mais uma coisa — disse Olivia empurrando sua cadeira para trás. — Você me dá licença por um momento?

— É claro — respondeu Bobbie. É claro que Olivia ia telefonar para Caspar para lhe contar como tinha sido a entrevista, ela concluiu. Cinco minutos depois, contudo, quando Olivia retornou desmanchando-se em sorrisos e carregando algo enrolado em cobertores, Bobbie viu que seu palpite estava errado.

— Apresento-lhe seu futuro encargo — Olivia anun­ciou, colocando o bebê nos braços de Bobbie sem nenhu­ma cerimônia.

Por apenas um segundo, sua primeira reação foi de re­jeição... de jogá-la para longe, mas o bebê abriu os olhos e o coração de Bobbie foi tomado por um espasmo de re­conhecimento ao ver as delicadas feições da menina. O instinto foi mais forte e logo ela estava segurando Amélia nos braços com o maior cuidado, arrulhando tolices para ela, sentindo seu delicioso hálito de bebê e se apaixonan­do perdida e desesperadamente por ela.

Não seria difícil saber se ela poderia tomar conta do bebê de Olivia e Caspar, admitiu emocionada; difícil seria conseguir largar de Amélia!

— Ela é linda — disse Bobbie a Olivia e sua voz saiu rouca.

Olivia sorriu para ela um sorriso de mãe satisfeita.

— Nós também achamos, com certeza — disse ela —, apesar de haver bem poucos ruivos na nossa família, e quanto aos olhos...

— Tem qualquer coisa a ver com a combinação entre os genes claros e escuros — Bobbie explicou distraidamente. — Parece que às vezes resulta nessa combinação específica de cabelos ruivos-escuros e olhos azul-esverdeados.

— Sim, a tia Ruth disse a mesma coisa — concordou Olivia, feliz. — Ah, veja, Luke está vindo aí — e então se levantou e acenou para ele antes que Bobbie pudesse dizer ou fazer qualquer coisa.

Enquanto esperavam que ele chegasse até onde elas es­tavam por entre as mesas do restaurante lotado, Olivia confidenciou a Bobbie:

— Ao menos parece que ele se livrou de Fenella. Teve um momento em que comecei a pensar que ela iria conse­guir dar um jeito de tê-lo de volta. Aquela mulher é uma verdadeira praga e Luke é tão bom de coração. Sabe — acrescentou timidamente — desconfio que vocês dois têm mais afinidade do que gostariam de transparecer às pes­soas, não? — Ela então explicou. — Eu vi que ele deixou um bilhete para você quando fui deixar o meu. Deu para reconhecer pela caligrafia.

Bobbie sentiu um aperto no coração. Isto era algo que ela não tinha previsto, não tinha se preparado para lidar com aquela situação.

— Olivia, você não entendeu — ela começou a pro­testar.

Mas Olivia simplesmente lhe lançou um sorriso traves­so e balançou a cabeça, dizendo:

— Você não precisa explicar nada a mim. Eu ainda me lembro como é estar apaixonada pela primeira vez.

Estar apaixonada! Aquilo era terrível! Medonho! Mas antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, Luke che­gou até elas.

— Luke — exclamou Olivia carinhosamente enquanto ele se inclinava para beijá-la no rosto antes de pegar uma cadeira. Bobbie viu as sobrancelhas dele se levantarem ao ver que ela estava com Amélia nos braços.                  

— Tudo bem. Sua afilhada está em muito boas mãos — Olivia brincou com ele, antes de acrescentar —, tão boas que estamos na verdade tentando convencer Bobbie a continuar com ela nos braços.

— Ahn? — Luke questionou, olhando de Bobbie para Olivia de maneira sombria.

— Sim — Olivia continuou com tranquilidade, alheia à corrente de hostilidade e repúdio que emanava de Luke para ela, e da qual Bobbie tinha plena consciência,

— Caspar e eu perguntamos a Bobbie se ela estaria dis­posta a ficar na região por mais algumas semanas toman­do conta de Amélia para que Caspar possa trabalhar na preparação das aulas do novo ano letivo.

— Eu achei que você já tinha uma babá profissional — respondeu Luke, dando ênfese à palavra "profissional".

— Nós tínhamos — concordou Olivia.

— Bem, eu tenho de ir — disse Bobbie, ficando de pé para devolver o bebê à mãe, mas antes que pudesse fazer isto, Luke pôs-se também de pé e tirou Amélia de seus braços com firmeza, ficando tão próximo a ela que Bob­bie pôde sentir o cheiro de sua pele... e de seu corpo.

O bebê riu e emitiu sons de puro deleite para ele, for­mando um enorme sorriso em sua boca.

— Dá para ver que ela gosta de rapazes — disse Olivia, rindo carinhosamente e ficando de pé também.

— Eu ligo para você mais tarde... lá pelas sete — disse ela a Bobbie enquanto caminhava em direção à saída. En­tão Olivia inesperadamente deu um rápido abraço em Bobbie. — Ah, por favor, não diga não — ela pediu. — Eu sei que você vai ser perfeita, aliás, esqueci de dizer, você pode morar conosco se achar conveniente. Você te­ria seu próprio quarto e banheiro, mas se preferir não ficar lá, também está tudo certo.

Bobbie tinha chegado apenas até os elevadores que da­vam acesso aos andares superiores quando ouviu Luke chamando-a pelo nome com enérgica firmeza. Deu meia-volta, contendo o ímpeto infantil de fingir que não o havia escutado e entrar no elevador que acabara de chegar.

Quando ele disse "quero falar com você", ao invés de intimidá-la, como ela suspeitava ser a intenção, fez com que ela se empinasse, tirando o máximo proveito da pró­pria altura e fazendo uma figura impressionante que não combinava muito bem com certos homens de ego vulne­rável que conhecia. Contudo, era óbvio que Luke não es­tava exatamente impressionado. Por isso, ela ainda teve que empinar o queixo um pouquinho mais para poder olhá-lo nos olhos.

— Por que você me fez pensar que ia almoçar com Max? — perguntou ele, sem preâmbulo.

— Eu fiz você pensar? — indagou Bobbie secamente.

— Você sabe o que eu quero dizer — ele devolveu curto e grosso. — Você estava perfeitamente ciente de que eu estava pensando e não desfez a impressão que dei­xou.

— É mesmo? — perguntou Bobbie com uma voz me­lodiosa, percebendo logo após que eles estavam começan­do a atrair o interesse e a atenção de um pequeno grupo de pessoas que esperava para entrar no elevador. Bobbie dis­se então a ele, calma e gentilmente: — Quem eu escolho ou deixo de escolher para almoçar comigo não é da sua conta.

— Max é um homem casado — ele lembrou de modo incisivo.

— Você fica dizendo isso, mas, até onde eu sei, eu mesma posso ser casada, não? — Bobbie retaliou.

— O quê? — Ela ficou chocada a ponto de sentir-se fi­sicamente fraca e tonta com o modo com que ele a olhou, deu um passo à frente e agarrou seu braço, puxando-a para perto dele em uma parte pouco iluminada do corredor, de modo que ninguém mais os ouvisse.

— Você é casada? — ela o ouviu perguntar.

— Não — Bobbie admitiu, trémula. Tinha ouvido falar de pessoas que ficavam fracas de medo ou mesmo de ner­voso, mas sentir esta intensa fraqueza física simplesmente por causa da maneira como um homem a olhava... Veio-lhe à mente uma frase que escutou uma amiga usar certa vez: "Ele me deixa literalmente fraca de desejo", ela disse. Fraca de desejo, ela, por um homem que ela definitivamente detestava. Nunca. Impossível. Ela devia estar imaginando coisas, confundindo as bolas.

— Você pretende aceitar este trabalho que Olivia lhe ofereceu? — ela ouviu Luke perguntar abruptamente.

— Eu não sei, não decidi nada ainda. Por que você está me fazendo todas essas perguntas? — perguntou ela, na defensiva, desejando que sua voz não soasse vulnerável e sem fôlego, e que seu coração não disparasse de maneira denunciadora.

Ele já tinha soltado o braço agora, mas ainda estava bem próximo dela e, para sua decepção, ela podia até sen­tir o corpo reagir à proximidade do dele. Graças a Deus ela estava usando uma jaqueta, pois simplesmente não te­ria como disfarçar seus mamilos eriçados nem atribuí-los a uma mudança súbita de temperatura. Se Luke os perce­besse, saberia de imediato o que estava se passando.

Ele ainda não tinha respondido à pergunta dela, mas ao olhar para ele, já a caminho do elevador, Luke disse aspe­ramente a ela:

— Bem, digamos que vou seguir a mesma linha de in­vestigação de quando perguntei a você se era dada a visitação de túmulos.

Bobbie sentiu a tensão nervosa que começava a remoer em seu estômago.

— Escute — disse ela — isto foi só uma coincidência.

— Foi o que você disse antes — respondeu ele —, mas confesso que não me convenceu.

— O que você está tentando sugerir? — perguntou Bobbie, esperando que ele não percebesse como a estava deixando nervosa e culpada.

— Nada — respondeu ele, mas antes que ela pudesse soltar um suspiro de alívio, ele completou — ainda. Digamos apenas que estou de olho em você.

— Você devia ficar de olho em Fenella, não em mim — Bobbie o aconselhou e se afastou dele, dirigindo-se ao saguão como uma flecha. Ela apertou o botão para chamar o elevador e sentiu-se tensa quando ele a seguiu e pôs a mão na porta, impedindo que se fechasse.

— Eu suspeito que, em comparação a você, qualquer indício de perigo que Fenella possa representar se torne mínimo — ele devolveu.

— É esta a sua opinião qualificada de barrister! Bobbie satirizou com um tom petulante.

— Não, é minha intuição de homem — respondeu ele cinicamente.

Ela tirou a mão dele da porta, que se fechou antes que Bobbie saísse com alguma resposta à altura.

Uma vez dentro do relativo santuário de seu quarto, com a porta trancada e o ferrolho passado, Bobbie pegou o telefone e ligou para o número da casa dos pais na Nova Inglaterra, cruzando os dedos para que a irmã atendesse, não a mãe. Felizmente, Sam atendeu.

— Sam?

— Sim, sou eu mesma — afirmou a irmã gêmea, sem necessidade, e acrescentou: — Sua voz parece estranha. Tem alguma coisa errada?

— Nããããão — Bobbie negou, sem convencer, e per­guntou então, com ansiedade: — Como vão as coisas por aí?

A mãe delas tinha sido aconselhada por um ginecolo­gista a fazer uma histerectomia algum tempo atrás, e como resultado disto ou por ela ter chegado aos cinquenta, nos meses subsequentes à operação ela veio a sofrer crises estranhas e preocupantes de depressão. Agora ela já tinha passado pelo pior, e insistiu com o marido e as filhas que não deviam se preocupar, nem mimá-la e tratá-la como boba, mas os três sabiam e viam claramente a triste­za sombria em seus olhos e a expressão peculiar em sua boca quando achava que ninguém estava olhando para ela.

— Mais ou menos — respondeu Samantha, cuidadosa. — O pessoal ainda está em Washington, mas deve voltar amanhã. Falei com papai ontem à noite e ele disse que am­bos vão ficar muito contentes de voltar para casa. Acho que ele está pensando em não se candidatar nas próximas eleições. Ele acha que pode ser muito estressante para a mamãe.

— Ah, Sam! — protestou Bobbie.

— Eu sei — a gêmea mais velha demonstrou que pen­sava como ela, e perguntou: — Como você está se saindo?

— Eu eu não sei bem — disse Bobbie, hesitante. — Você se lembra que contei sobre a festa para a qual fui convidada? Bem, uma das convidadas e membro da famí­lia me convidou para almoçar hoje e me perguntou se eu gostaria de trabalhar temporariamente com eles, cuidando de sua filhinha, mas...

Ela parou de falar quando a irmã falou, animada:

— Uau! Isto é maravilhoso, bem o tipo de brecha que precisamos. Você vai poder...

— Sam. Não estou muito certa se eu... eu gosto de Olivia — ela tentou explicar de modo hesitante à irmã, que de repente ficou ameaçadoramente quieta. Bobbie desejava que a irmã estivesse com ela nos últimos dias. — Ela é tão verdadeira... tão gentil, e eu sinto que...

— Você gosta dela? — perguntou Samantha de modo incisivo. — Bobbie, Roberta, você esqueceu o que ela é... quem eles são — ela insistiu, persistente —, o que eles fi­zeram?

— Não... claro que não. É só que... odeio ser falsa as­sim, Sam, e...

— Isso não é hora de ter coração mole — disse Saman­tha à irmã, com firmeza. — Olha, tenho de desligar, me ligue amanhã.

 

Após recolocar o fone no gancho, Samantha ficou olhando a estrada vazia lá fora pela janela da sala de estar dos pais. A mansão solidamente construída na Nova In­glaterra era um dos melhores exemplos das últimas construções do século XVIII na região. Tinha sido origi­nalmente erguida por um dos ancestrais de seus pais e pas­saria, no devido momento, a ser de Tom, seu irmão, que no momento estava em Harvard. Mas não era a ideia de o irmão mais novo acabar herdando a casa na qual ela e Bobbie haviam crescido que lhe fazia franzir a testa. "Eu sabia que devia ter ido à Inglaterra", sussurrou en­tre dentes. "Bobbie nunca teve muito estômago para jogar sujo."

Foi ela quem traçou todo o plano que estavam agora pondo em ação, era ela a força motriz por trás de tudo e, ao contrário de Bobbie, era ela que sabia que jamais teria caído na armadilha de "gostar" deste malditos e detestá­veis Crighton. As gêmeas criaram o hábito de ligar para eles quando se depararam inadvertidamente com o segre­do que a mãe achava tão vergonhoso e que não quis que elas soubessem de nada. Quem acabou respondendo às perguntas foi o avô. E por mais que fossem adultos e sou­bessem da história havia muitos anos, a mãe não gostava de falar sobre isso ou escutar qualquer menção ao assunto, pois tudo aquilo ainda a magoava muito, ainda mais, Sa­mantha pensava, se considerar suas origens moralistas e conservadoras. Não que saber a verdade fizesse o pai amar menos a mãe, nem elas, mas ainda lhe doía vê-la tão vulnerável.

— Não é justo. Por que mamãe tem de ser a única a so­frer? — perguntou Samantha a Bobbie. — Não foi culpa dela. Nós devíamos fazê-los pagar por isso.

— Mas como poderíamos? — perguntou Bobbie a ela.

— Eu vou pensar em uma maneira — Samantha ga­rantiu.

E assim ela fez ou ao menos achava ter feito até Bobbie começar a ficar de coração mole. Se ao menos ela não es­tivesse presa às aulas da faculdade e à tese de mestrado na época em que Bobbie viajou... Ainda assim, não havia sentido em se arrepender agora; ela só tinha que fazer com que Bobbie não se deixasse enfraquecer ainda mais.

 

Em Chester, Bobbie estava andando de um lado para o outro em seu quarto, sentindo-se infeliz. Ela simplesmente não tinha a teimosia, a determinação inveterada a qual­quer causa que abraçasse; não tinha a força da irmã, sabia, disto. Não que se importasse menos com a mãe. Era só que... "Reconheça", ela disse a si mesma com severidade, "você é uma covarde. Você simplesmente não tolera qual­quer tipo de luta ou confronto. Você é como um gato es­caldado", zombou de si própria. Mas do que ela tinha tan­to medo? De ver a amizade e a cordialidade nos olhos de Olivia e Joss se transformar em desgosto e desdém quan­do descobrissem como ela fora sorrateira e desonesta ou de ver a vitória de Luke quando todas as suas suspeitas contra ela se confirmassem?

 

Quando Olivia ligou algumas horas depois, como havia combinado, Bobbie respirou fundo e pediu mentalmente com fervor que estivesse fazendo a coisa certa ao confir­mar que estava disposta a aceitar o trabalho.

— Você aceita! Ah, mas isso é maravilhoso! — Olivia entusiasmou-se e acrescentou: — Eu tive tanto medo que você não aceitasse! — Bobbie mordiscou o lábio e rezou para que Olivia nunca tivesse de desejar que ela não tives­se aceitado enquanto a escutava explicar os detalhes de seu acordo.

— Ah, e não se preocupe com o transporte — disse ela a Bobbie. — Nós providenciaremos um carro para você, que com certeza vai precisar de um, pois moramos num local bem isolado.

Bem, ao menos isto resolvia o problema de como justi­ficar o fato de poder pagar pelo aluguel de um carro, Bob­bie reconheceu enquanto Olivia explicava que ela teria uma quantidade generosa de horas livres, além de poder usar o carro para suas necessidades pessoais.

Foi feito um acordo que Olivia a apanharia no hotel pela manhã, mas a despeito do entusiasmo da outra, Bobbie não se surpreendeu em descobrir que sua mão estava trêmula e seu estômago revirava de náusea e apreensão quando finalmente pôs o fone de volta no gancho.

Entretanto, havia pelo menos um ponto vantajoso em sair de Chester: tornar improvável um novo encontro com Luke Crighton.

— Eu disse a Joss que você devia vir trabalhar para nós — Olivia a informara. — Ele ficou empolgadíssimo!

Bobbie passou o resto da noite fazendo as malas e ten­tando ignorar a vozinha triste de sua consciência. Afinal de contas, como ela poderia encarar sua irmã gêmea se ti­vesse se recusado a aproveitar uma oportunidade destas? E, podendo escolher, preferia muito mais se confrontar: com a própria consciência do que enfrentar a ira de Sam.

— Aqui estamos, sãs e salvas em casa! — Olivia anun­ciou com um sorriso enquanto dirigia entre os pilares do portão em direção à linda construção de tijolos e teto bai­xo que era sua casa, a qual, ela já comentara com Bobbie, fora originalmente um conjunto de três casinhas de lavra­dores.

— As casinhas foram a leilão junto com dois padoques* logo antes de nos casarmos. Foi Luke quem nos deu a dica sobre o leilão. Ele sabia que era exatamente o tipo de lugar que estávamos procurando; algo grande o bastan­te para uma família e com um bom pedaço de terra, mas nada caro ou grande demais. Nos primeiros seis meses o local era completamente inabitável e ainda estávamos virtualmente atolados com operários e decoradores e tudo o mais quando Amélia nasceu.

— Parece maravilhoso — Bobbie entusiasmou-se, ao olhar as janelas caprichosamente pintadas e o aspecto sua­vemente plácido dos tijolos velhos.

— Vamos lá — Olivia chamou ao parar o carro. — Va­mos entrar. Caspar está louco para que você chegue logo.

— Espero que eu não vá decepcioná-la — Bobbie hesitou. — Eu... eu realmente não sei muita coisa sobre bebês ou crianças pequenas.

— Nem eu, até ter Amélia — Olivia confessou anima­damente. — Ela gostou de você — acrescentou em um tom caloroso. — É algo que dá para notar e, francamente, considero isso mais importante que uma longa lista de re­ferências. Hummm... Estou surpresa de Caspar não ter vindo recebê-la.

Bobbie seguiu Olivia, hesitando um pouco, não em di­reção à linda porta pintada da frente das casinhas de lavra­dores agora amalgamadas, mas dando a volta até o outro lado da casa, passando por um portão e um quintal cerca­do por muros para chegar ao que Bobbie pensou tratar-se de uma porta dos fundos.

Bobbie ouviu Olivia exclamar quando a seguiu até a cozinha:

— Ruth! Eu não sabia que você estava aqui! — Bobbie acompanhou o olhar de Olivia e viu uma mulher elegan temente vestida e atraente em sua serenidade, com os cabelos ainda escuros e bem arrumados que a faziam parecer ter bem menos que a idade que Bobbie sabia que tinha.

Se as roupas e o corpo delgado e flexível de Ruth pareciam elegantes, a pose na qual se encontrava no chão onde estava evidentemente brincando com a filhinha de Olivia, com certeza não era. O corpo negligentemente es­parramado e o som caloroso da gargalhada desinibida pa­reciam mais de uma garota no final da adolescência que a

 

* Padoques: Pequeno campo onde se guardam cavalos. (N. do T.)

 

de uma mulher tão madura, concluiu Bobbie, sentindo corpo enrijecer ligeiramente em uma mistura de cautela e desdém velado enquanto Ruth se arrastou até seus pés ainda rindo e dizendo:

— Caspar teve de sair para um encontro urgente. Ele me ligou e perguntou se eu podia vir para cá.

— Ah, Ruth, nós lhe solicitamos bem mais do que o razoável — Olivia desculpou-se enquanto abraçava calorosamente a tia-avó —, mas eu prometo que isso está acabando. Esta é Bobbie. Ela vai tomar conta de Amélia para nós por algumas semanas para nos dar tempo de achar uma babá fixa.

Se o comportamento e a linguagem corporal de Ruth pareciam surpreendentemente joviais, a extraordinária sabedoria e gentileza em seus olhos mostravam algo to­talmente diferente, reconheceu Bobbie, balançada pelo inesperado das emoções que lhe tomaram quando Ruth, lhe estendeu a mão. Seu primeiro instinto foi o de dar um passo para trás para evitar qualquer tipo de contato físico com ela. Mas sua mãe tinha uma postura bem à moda antiga no que dizia respeito às boas maneiras das crianças e Bobbie se viu estendendo a mão também, auto­maticamente.

O aperto de mão de Ruth era firme, mas feminino, seus ossos da mão eram belos e delicados. Bobbie tentou olhar para outro lado e piscar freneticamente para evitar que um surto de lágrimas em seus olhos lhe entregasse. Aquela mão de formas elegantes e dedos longos, com sua pele de toque macio e delicado como uma rosa inglesa era quase insuportavelmente familiar.

— Eu estava ansiosa para conhecê-la — ouviu Ruth di­zer amigavelmente antes de continuar. — Joss fez uma descrição verbal deveras intrigante de você.

— Imagino que ele tenha dito que sou uma gigante — disse Bobbie, sorrindo para ela, fazendo piada de sua altu­ra como uma maneira de se refugiar das emoções caóticas que a fustigavam.

— Não, na verdade, não — Ruth negou. — Ele me dis­se que você gosta de ler lápides e que tinha a altura perfei­ta para Luke.

Bobbie percebeu, para seu próprio desalento, que esta­va ficando corada.

— Ele também disse que era americana e que gostava de você — Ruth acrescentou com mais um sorriso, tacita­mente ignorando o embaraço de Bobbie.

Americana e ele gostava dela, ou americana, mas ele gostava dela, perguntou-se Bobbie enquanto sua timidez diminuía, de modo que não pôde se deter e acabou perguntando secamente:

— Entendo. Isto significa que normalmente as duas coisas não são compatíveis?

Ruth levantou as sobrancelhas, seus belos olhos obser­vando o rosto de Bobbie atentamente. Sem dúvida aquela americana era uma jovem bela e cheia de vida. Ruth podia ver inteligência, bem como orgulho em sua expressão, mas o que achava mais intrigante era o toque de incerteza e a atitude defensiva que também percebia nela.

— Ah, querida — interrompeu Olivia, com um tom de lamento na voz. — imagino que isso queira dizer que Joss andou lhe contando certas histórias sobre como certos membros da família Crighton foram antiamericanos no passado. Ainda me lembro de como fiquei chocada quan­do Caspar me disse que ouvira falar nisso, mas, agora é tudo parte do passado, Bobbie — ela assegurou. — Se é que já existiu de fato.

— Houve um certo ressentimento e ciúme dos homens desta região quando as forças americanas se instalaram aqui durante a Segunda Guerra Mundial — Ruth comple­tou calmamente —, mas isso já faz muito tempo e acredito que qualquer animosidade que tenha existido foi muito exagerada. Quem conta um conto aumenta um ponto, sabe como é.

— Hummm... Parece que o tio Jon acha que foi seu pai quem começou com toda esta história de antiamericanismo — comentou Olivia. — Qualquer coisa sobre uma dis­cussão que ele teve com alguma autoridade do lado americano...                                                                    

Bobbie se perguntou se estaria sendo excessivamente sensível ao pensar que Ruth demorou um pouquinho de­mais para responder, e que sua voz não estava tão natural, estava um tanto mais grave do que antes de responder.

— Também pode muito bem ser o caso. Seu bisavô ti­nha opiniões próprias sobre as coisas. Era muito resoluto quanto a elas, e com certeza não ficou muito feliz com o modo pelo qual o ministério se apropriou de terras devido à guerra, principalmente quando se tratava das terras dele. Acho que ele teve algumas discussões e conflitos triviais por acreditar que ainda tinha direito de caminhar no que considerava ser sua própria terra enquanto as autoridades consideravam que ele estava entrando no que havia se transformado em propriedade militar.

Olivia riu e disse a Bobbie, curvando-se para pegar a filhinha que começava a dar sinais de querer atenção:

— Bem, pode ficar descansada, Bobbie, os americanos são mais que bem-vindos nesta casa. — E voltou-se para Ruth, que tinha começado a ajeitar e desamarrotar a saia. — Você vai ficar para o jantar, não vai?

— Gostaria de poder, mas o casamento dos Simmonds é nesse final de semana, e eu prometi a eles que ajudaria hoje com as flores na igreja — respondeu Ruth, afastan­do-se de Olivia e dizendo para Bobbie, com um sorriso gentil: — Adorei conhecê-la. Talvez Olivia possa levá-la para me visitar antes de você partir.

— Levá-la para visitar... quanta formalidade! — Olivia fez uma careta. Sem esperar pela resposta de Bobbie, Ruth voltou-se para a bisneta, seus olhos acesos de ternu­ra e amor enquanto ela se ajoelhava para beijá-la.

— Ruth é maravilhosa com crianças — disse Olivia a Bobbie dez minutos depois de Ruth ter saído com o carro.

— Sim sim, deu para perceber isso — Bobbie concor­dou com uma voz monocórdia. O dia de repente tinha azedado para ela. Estava no começo daquilo que prometia ser uma dor de cabeça das bravas, e pela primeira vez desde sua chegada à Inglaterra, sentiu tanta falta de sua irmã gêmea, queria tanto tê-la por perto que chegava a doer.

— Bobbie, o que foi? Você está se sentindo bem? —, perguntou Olivia ansiosamente. — Você não ficou chateada com o que estávamos falando sobre os americanos, não é? Toquei no assunto sem pensar. É só que você vai conhecer o vovô em breve e, bem, dependendo do humor, dele e do quanto sua perna esteja doendo, ele pode ser bastante... descortês. Lamento dizer que ele parou no tempo, e seus pontos de vista são muito limitados. Você não vai acreditar que ele e Ruth são irmãos. Ela é tão moderna, de pensamento tão progressista. Eu sei que vovô é mais velho que ela, mas às vezes parece que ele está preso no pas­sado, ao passo que Ruth...

— Dá para ver que você a tem em alta consideração — comentou Bobbie abruptamente. Olivia olhou para ela com atenção.

— Sim... sim, tenho mesmo — ela concordou, muito séria. — Sabe... Bem, vamos simplesmente dizer que, se não fosse por Ruth, tenho sérias dúvidas se eu e Caspar estaríamos juntos hoje, e com certeza não teríamos você, não é, minha coisinha maravilhosa, preciosa e levada — disse ela, sorrindo e abraçando a filha, que dava risadas de bebê.

— Em muitos sentidos, Ruth e a esposa de Jon, Jenny, foram as verdadeiras figuras maternas da minha vida, foi a elas que eu procurei sempre que precisei de ajuda e con­selhos e, sim, elas me ajudaram a me definir como mu­lher. Minha mãe, Tânia, sofreu muito com uma... uma de­sordem alimentar. Tanto que, na verdade, mesmo agora que ela está se recuperando, ainda precisa de ajuda.

— Ah, eu lamento muito — Bobbie condoeu-se com uma compaixão genuína, não só por Olivia, mas também pela mãe, mesmo sem conhecê-la.

— É, eu também — concordou Olivia —, e esta é ape­nas uma das razões pelas quais eu estou tão determinada a dar uma educação totalmente diferente para a jovem madame aqui.

— E seu pai? — perguntou Bobbie, hesitante.

— Sabe-se lá — respondeu Olivia, secamente. — Ele ele desapareceu pouco depois de minha mãe ficar doente. Estava se recuperando de um infarto em uma clínica de repouso e simplesmente foi embora. Nós tentamos encon­trá-lo, mas...

— E você nunca mais ouviu falar dele? — perguntou Bobbie, chocada.

— Recebemos dois cartões-postais, um da Itália e outro da América do Sul, mas ainda não conseguimos loca­lizá-lo — disse Olivia, dando de ombros. — A medida que Amélia for crescendo, Jenny e Jon serão os avós por parte de mãe e Ruth... Espero que Ruth seja sempre uma pessoa especial para Amélia, e que ela possa contar com Ruth como contei quando era criança e como Joss conta hoje em dia. Ela tem a convicção que, dentre todos nós, será Joss quem concretizará as ambições de vovô, e ela provavelmente está certa. Mas veja, Joss tem um longo caminho a percorrer antes de conseguir chegar ao nível profissional de Luke — Olivia observou, sorrindo.        

— Sim, eu posso imaginar — concordou Bobbie, com uma expressão fechada no rosto. — Ele deve ser um pro­motor impiedoso.

— Promotor! — Olivia ficou olhando para ela. — Ah, mas Luke é especializado em defesa, ele não lhe disse? É este o seu forte.

— E a quem ele defende? — Bobbie resmungou cinicamente, tentando não denotar seu desconforto. — Estupradores e assassinos?

Viu pela expressão de Olivia que tinha ido longe de­mais e amaldiçoou a incontida impulsividade da própria língua.

— Desculpe — disse, cheia de culpa. — É só que...

— Tudo bem — Olivia garantiu a ela. — Você não tem de me explicar nada. Caspar e eu tivemos algumas brigas horrendas na nossa época de namoro.

Enquanto Bobbie olhava para ela, Olivia acrescentou, de maneira esclarecedora:

— Acho que Fenella não foi muito discreta em expres­sar seus sentimentos ao descobrir de vocês dois. Não que­ro me meter — declarou firmemente. — Mas digamos que parece bem óbvio que tem algo latente entre vocês dois, e minha experiência diz que, quando algo fica latente, aca­ba deixando rastros — Olivia concluiu, mais suavemente. Bobbie nada disse. Como poderia? Estava ocupada de­mais tentando resolver a última complicação de sua vida. Duvidava que Luke fosse ficar satisfeito de saber que ao menos um membro de sua família parecia achar que eles formavam um casal. Bem, ele só podia culpar a si mesmo, e por mais desagradável que achasse estar ligada romanticamente a ele, ao menos ela estaria logo saindo daquela situação, e dele.

Mas por enquanto ela se viu em uma situação difícil. Ou ela deixava Olivia continuar pensando que havia algum tipo de romance entre ela e Luke ou dizia a ela que não havia e a deixava pensar que havia apenas passado a noite com ele. Bobbie reconheceu que, dentre as duas op­ções, a segunda era certamente a mais intragável e, além disso, suspeitava que Luke acharia muito mais difícil ex­plicar como saiu de um suposto romance do que como dis­pensou um caso de uma noite só, e se ficasse ocupado com isso certamente teria menos tempo para alimentar suas suspeitas quanto a ela. Na verdade, quanto mais Bobbie pensava sobre isso, mais vantagens via em permitir que prosseguissem na lorota de se atraírem um pelo outro. Para começar, ela poderia demonstrar mais abertamente sua curiosidade pela família de Luke do que seria de se esperar de uma simples babá, e além disso... Bem, ela re­conheceu que não seria humana se não gostasse da ideia de ver Luke trocando as bolas e desconfortável, e ela certamente sabia como ele se sentiria com a ideia de tê-la como "namorada".

Então outra ideia lhe ocorreu.

— Espero que você não tenha me oferecido este traba­lho devido... devido a eu e Luke — perguntou ela a Olivia desconfortavelmente.

— Certamente que não — Olivia garantiu imediatamente. — Não, Caspar e eu já tínhamos conversado sobre o assunto na noite da festa. O que me lembra algo, você pode segurar Amélia um pouco, por favor, enquanto ligo para Caspar para saber a que horas ele vai chegar?

Deixada a sós com a nova incumbência, Bobbie sorriu para o bebê de olhos curiosos e redondos que a observava, apreciando o calor e a suavidade de tê-la em seus braços, e começou a falar com ela, instintivamente. Quando Olivia voltou, Amélia estava sorrindo largamente nos braços de Bobbie, que por sua vez...

Olivia acreditava que algumas mulheres tinham um instinto maternal natural, e Bobbie, soubesse disto ou não certamente era uma delas.

 

Vinte e quatro horas depois, até Bobbie ficou surpresa com a facilidade com que se encaixou na rotina da casa. Caspar e Olivia a tratavam mais como uma amiga do que como empregada, e Amélia...

Ela era deliciosa, Bobbie disse alegre e sinceramente a um sorridente Caspar. Deliciosa, deleitável e certamente o bebê de oito meses mais esperto e inteligente de todos os tempos.

— Você é quase tão coruja quanto Luke — Olivia ra­lhou de brincadeira com ela mais tarde naquele dia. — Ele com certeza é o padrinho mais babão que existe.

— E uma escolha bem melhor do que Saul — disse Caspar, e acrescentou secamente: — Ele estaria bem mais interessado em ficar de olho na mãe de Amélia que no bebê.

— Caspar! — Olivia o censurou. — Saul é primo de meu pai — ela explicou a Bobbie. — Talvez você o tenha conhecido na festa.

— Era a ele que Louise tentava impressionar tão deses-peradamente — Caspar explicou —, mas ela está perden­do tempo, pois Saul...

— Caspar... — Olivia o avisou um pouquinho mais ri­gidamente desta vez. — Saul é velho demais para Louise — explicou. — Ele já entrou nos 30 e Louise tem só 18 anos.

— Além disso, ele está se divorciando, tem três filhos e ainda é meio apaixonado por você — Caspar acrescen­tou.

— Saul nunca foi apaixonado por mim — Olivia negou firmemente. — Ele pode já ter pensado... sentido Ah, eu lenho certeza que Bobbie não quer ouvir a história de nos­sa família — disse ela ao marido e então continuou a ex­plicar a Bobbie. — Quando adolescente, eu tinha uma cer­ta queda por Saul. Assim, ele de casamento desfeito e eu afastada de Caspar, Saul foi um ombro amigo no qual eu me lamentava. A ex-esposa dele é americana, aliás. Na verdade é bem irônico, dada a insistência de vovô em seu antiamericanismo, que nós dois tenhamos nos casado no meio do Atlântico.

— Se você me perguntar, eu diria que boa parte da an­tipatia de seu avô pelos americanos nasceu do misterioso relacionamento de Ruth com um major do exército — Caspar conjeturou.

—Caspar, por favor — Olivia objetou, ainda mais severamente desta vez, e Bobbie não fez perguntas por uma questão de boas maneiras. Olivia mudou o assunto diplo­maticamente e começou a falar sobre como Haslewich se tornou uma cidade. Seu entusiasmo era contagiante, mas ela admitia o seu conhecimento era limitado.

— Se você realmente quiser saber mais sobre a história; da família, deve conversar com Ruth. O que me faz lem­brar que estou com uns livros que ela na emprestou e te­nho de devolvê-los. Você poderia devolvê-los para mim amanhã, Bobbie, quando sair com Amélia?

— Sim, claro.

— Eu poderia levá-los, afinal de contas ela mora a cin­co minutos do meu escritório, mas estarei no tribunal em Chester amanhã e talvez pelo resto da semana também. Ah, Cas, antes que eu me esqueça, fomos todos chamados para almoçar em Queensmead neste domingo. Parece que Max está em casa e vovô fez uma convocação. Você tam­bém está incluída — disse ela a Bobbie, e acrescentou: — Não que esta vá ser uma ocasião particularmente relaxante, não com Max por perto.

— Dá até para achar que o casamento o teria deixado mais afável — Caspar resmungou.

— A única coisa que poderia deixar Max mais afável seria uma dose cavalar de humildade, e certamente não se­ria Madeleine a lhe prescrever esta dose, já que ela o ido­latra.

— Hummm já reparei. Não dá para dizer que seja uma base saudável para um casamento. As pessoas não têm como deixar de suspeitar de seus motivos para casar com ela...

— Pobre Madeleine — Olivia interrompeu. — Lamen­to tanto por ela. Ela não trabalha e está pronta a se dedicar a Max e aos filhos, quando vierem. É uma pessoa adorá­vel, de um grande coração. — Voltou-se para Olivia. — Apesar de não ser comum Luke aparecer quando sabe que Max estará presente, acho que o veremos em Queensmead neste domingo — disse, com um sorriso irreverente.

Felizmente Olivia os distraiu, liberando Bobbie da ne­cessidade de responder algo, apesar de que ela estava des-confortavelmente consciente de que a recusa em corrigir Olivia, quando se referiu ao suposto caso entre ela e Luke, a fazia correr o risco de se enrolar em uma situação instá­vel. No entanto disse a si mesma que a responsabilidade de dizer à prima exatamente por que ele havia invadido seu quarto era de Luke, não dela.

Estava novamente pensando em Luke, no dia seguinte, ao empurrar Amélia em seu carrinho pela linda praça da cidade sob o sol, em direção à casa de Ruth, para devolver os livros. Era um mistério insofismável para ela que aque­le homem — o tipo de homem que ela normalmente descartaria com o mesmo tipo de desdém politicamente correto com o qual teria evitado um conservador raivoso em­pedernido declamando suas opiniões em uma festa em Washington — pudesse ter tamanho impacto nela, atin­gindo o nível mais profundo de seu "eu" emocional e físi­co, especialmente quando havia tantas coisas mais impor­tantes com que se preocupar. Devia pensar tanto nele por­que o detestava daquela forma, concluiu apressadamente, mas a tendência analítica, altamente perseverante e a fran­queza brutal de sua personalidade, herdadas do pai através de seus antepassados puritanos, recusava-se a deixá-la sair disto assim tão fácil. Se ela o detestava tanto, como podia ele causar um efeito em seu corpo e em seus desejos femininos, daqueles do tipo que não lhe ocorria desde os tempos de escola no segundo grau?

Então ela era tão vulnerável quanto qualquer outra ao tipo de energia sexual crua que Luke sem dúvida exalava. E daí? Sabia de mulheres equilibradas e razoáveis que ficaram cegas por causa do Brad Pitt, e só admitiam isso após pelo menos meia garrafa de um bom vinho na privacidade de bares escuros e reservados.

Talvez por estar pensando em Luke e, portanto, desfiando seus pensamentos e suspeitas, decidiu passar com Amélia pela calçada da igreja, em vez de atravessar direto pela praça.

Passou por um dos lados da praça e pelo portão da igreja perto da casa de Ruth. Todos os bancos já estavam cheios, principalmente de moradores mais idosos, Bobbie percebeu ao sorrir de volta àqueles que faziam comentarios elogiosos sobre Amélia. Da calçada podia ver o jar­dim da igreja, e não resistiu à tentação de visitá-lo uma segunda vez.

Amélia fazia os ruídos típicos de um bebê feliz enquan­to ela tentava apanhar um punhado de flores selvagens es­palhadas pela grama. Foi quando Bobbie sentiu-se como se estivesse saindo de si mesma ao ouvir alguém chamar seu nome.

Ao olhar em volta, viu Ruth se aproximando. Como carregava um recipiente para flores vazio, logo explicou que tinha ido fazer os arranjos de flores na igreja.

— Estávamos indo vê-la — Bobbie a informou rapida­mente. — Olivia me pediu que devolvesse alguns livros que tomou emprestado de você e eu pensei em dar uma passada pela igreja — disse, um tanto desconfortável.

Mas, para seu alívio, Ruth não parecia compartilhar das mesmas reservas que Luke fazia a seu comportamen­to, pois respondeu simplesmente:

— Sim, tem algo fascinante nas igrejas velhas. Pare­cem sempre guardar um ar de paz e tranquilidade. Pode­mos pegar um atalho por aqui — acrescentou, indicando a direção do cemitério da igreja.

— Foi aqui que conheci Joss — Bobbie puxou conver­sa enquanto seguiam pelo caminho que serpenteava por entre lápides.

— Sim, eu sei — respondeu Ruth. — Ele sempre vem aqui. Jon e Jenny perderam seu primeiro bebê. Ele está en­terrado aqui e Joss sempre vem trazer flores e conversar com ele. Ele é desse tipo de garoto.

— Sim, é mesmo — concordou Bobbie, subitamente sentindo um bolo na garganta e as lágrimas surgindo. Sem pensar no que dizia, murmurou com a voz embar­gada: — Deve ser a pior coisa... perder uma criança... um bebê.

Houve um longo silêncio antes que Ruth respondesse. Quando o fez, Bobbie pôde ouvir a tensão em sua voz en quanto respondia:

— É, é mesmo... Chegamos — disse, a voz voltando ao normal, indicando um pequeno portão na cerca que separava o cemitério da igreja e sua propriedade. — Vamos, por aqui.

A casa de Ruth tinha tudo o que Bobbie esperava, além de outras coisas que jamais previu. A mobília antiga, os tapetes persas, o cheiro de limpeza e de flores, as relíquias de família e as fotos. Ela sabia que tudo estaria ali, mas as outras coisas... Uma coleção cuidadosamente escolhida e arrumada de pedras polidas e seixos sem valor material, a não ser pelo fato que alguém — provavelmente Joss — as achou e poliu com carinho para presenteá-la; brinquedos de criança adequados para sobrinhos e sobrinhas de diferentes idades, um livro de arranjos florais modernos, ou­tro de arrojada ficção e várias biografias políticas, as quais Bobbie jamais imaginou encontrar na biblioteca de uma solteirona morando em um fim-de-mundo no inte­rior.

Também se via nas prateleiras algumas cópias bem usadas das novelas de Jane Austen, além de vários volu­mes encadernados de poesia. Amélia estava adorando estar na companhia de sua tia-bisavó e Bobbie admirou o modo prático e confiante com que Ruth trocou a menina, cobrindo seu rostinho de beijos ao terminar. Com raiva de si mesma devido à reação emotiva, teve de virar a cabeça para esconder as lágrimas ao ver a ternura entre as duas. Bobbie também tinha tias-bisavós, mas nenhuma delas como Ruth.

— Seria interessante ver se essa jovem senhorita vai seguir a tradição da família e escolher uma carreira jurídi­ca — Ruth comentou ao levantar, olhando novamente para Bobbie.

Bobbie respirou fundo. Ali estava sua chance. Ela tremeu nas bases, mas Sam não teria recuado, nem ela deve­ria fazê-lo.

— Joss me contou um pouco da história de sua família. Ele disse que o ramo de Haslewich foi iniciado por al­guém de Chester que rompeu com a própria família...

— Sim. Josiah era o mais jovem de três filhos. Ele bri­gou com o pai por causa da esposa que escolhera para ca­sar e foi deserdado. Então ele começou com o próprio escritório de advocacia aqui em Haslewich. Acho que, devi­do às razões por trás do rompimento, sempre houve uma nítida rivalidade entre os dois ramos, particularmente do nosso lado, pelo que pude observar. — Ela sorriu de ma­neira amigável para Bobbie e perguntou: — Você tem ir­mãos ou irmãs?

Bobbie hesitou antes de responder.

— Tenho um irmão e uma irmã — disse cuidadosa­mente, mantendo a voz tão neutra quanto podia. — Na verdade, eu e minha irmã somos gêmeas. O nome dela é Samantha.

— Gêmeas — Ruth levantou a sobrancelha. — Que coincidência. Claro que você já sabe que há muitos gêmeos na nossa família... — O coração de Bobbie começou a bater um pouquinho mais forte ao escutar Ruth falar do nível de ocorrência de gêmeos na família Crighton. Mas ela também estava nitidamente interessada em ouvir falar dos pais de Bobbie.

— Olivia comentou que seu pai é político...

— Sim, ele é — Bobbie confirmou, sentindo-se pres­sionada a continuar ao ver que Ruth esperava paciente­mente. — A família de meu pai é da Nova Inglaterra, foi onde eu e Sam crescemos. Mas ele e minha mãe passam muito tempo em Washington.

— Sua mãe trabalha fora?

— Não no momento, não. — Bobbie mordeu o lábio ao ouvir a concisão em sua própria voz. — Ela... nós minha mãe não tem passado muito bem ultimamente. E nós... meu meu pai... Não, ela não trabalha fora.

Ruth olhou para sua jovem convidada de maneira pen­sativa, sentindo não apenas a relutância de Bobbie em fa­lar de sua família, especialmente da mãe, mas também sua preocupação e angústia não declaradas sobre a saúde da mãe, lembrando como se sentiu ao perder o própria mãe, o único apoio em uma família dominada pelo pai e por seus preconceitos, os quais foram largamente preservados e continuados pelo o irmão.

— Dá para ver que você se preocupa muito com sua mãe — disse Ruth simpática e delicadamente. — Se você ficar sem jeito de usar o telefone de Olivia para ligar para casa, explique a ela a situação e tenho certeza que ficará feliz se você usar. Se ela se importar, o que duvido muito, então você pode ficar à vontade para vir aqui e usar meu telefone sempre que quiser. — Quando Bobbie ficou olhando para ela, Ruth acrescentou rapidamente: — Eu sei o que é se separar de alguém que se ama. Sei como é ficar preocupada com a pessoa, imaginar todo tipo de coi­sas horríveis acontecendo quando não se está perto para ajudar.

— Minha mãe passou por uma cirurgia muito séria no ano passado e ainda não se recuperou completamente.

Bobbie engoliu as lágrimas que sentiu no fundo da gar­ganta. O que acontecera com ela?

A natureza da doença da mãe, a mudança que fez de uma pessoa positiva, calorosa e feliz a alguém que podia fi­car às vezes tão para baixo, chocou e assustou a todos. Foi considerado um segredo de família que todos instintiva e automaticamente optaram por encobrir para proteger não apenas a mãe, mas o pai também. Normalmente discutir a saúde da mãe com alguém que não fosse da família seria para Bobbie tão impensável quanto sair andando pelada pelas ruas de sua cidade natal. E agora, sentindo que havia não só quebrado uma regra secreta, mas também traído a mãe, custou a entender por que tocara no assunto e jamais se perdoaria por isso.

— Preciso ir — disse a Ruth, levantando-se e pegando Amélia. — Caspar logo estará de volta e ficará pensando onde nós estamos.

— Espero vê-la neste domingo — disse Ruth enquanto a acompanhava até a porta. Então, para espanto de Bobbie, quando ela se virou para ir embora, Ruth tocou-a le­vemente no braço. — Tente não permitir que a preocupa­ção natural com sua mãe a deixe com medo em excesso. Tenho certeza que se houvesse algo que você devesse saber, sua irmã lhe diria. É fácil para mim falar, eu sei, mas já tive sua idade antes e sei como é... se preocupar com alguém amado.

Enquanto falava ela olhou para Amélia e disse de modo inconsequente:

— Bebês parecem sempre tão vulneráveis...

— Talvez por que de fato sejam — respondeu Bobbie sumariamente. — Afinal de contas, eles não têm controle sobre como são tratados, não é? Eles dependem dos adul­tos para tudo. Proteção, alimentação, amor!

A cabeça de Bobbie doía quando ela chegou na casa de Olivia e Caspar. Aquela noite teria uma folga e pretendia ir de carro até Chester, basicamente para ir ao Grosvenor conferir se havia algum recado para ela. Na verdade, que­ria mesmo era ligar para a irmã.

A recepcionista do Grosvenor lembrou dela e a saudou com um sorriso caloroso. Não havia mensagens, mas Bobbie não estava esperando por nenhuma. Felizmente, a recepção estava vazia quando ela foi usar o telefone pú­blico.

Samantha respondeu à ligação tão rapidamente que Bobbie achou que ela estava impacientemente à espera.

Após lhe passar o número do telefone público, Bobbie es­perou o retorno, olhando para o saguão e sentindo um frio na espinha ao ver Luke do outro lado do recinto, de pé na entrada do restaurante. Por sorte ele não a tinha visto. Quando o telefone tocou, rezou para que não visse, ten­tando ser o mais discreta possível. Ele estava falando com outro homem e ela cruzou os dedos para que fossem jantar no restaurante.

Ao saber do encontro de família no domingo, Samant­ha disse, cheia de excitação, que aquele seria o momento perfeito para Bobbie levantar e falar tudo o que haviam ensaiado. Insistia que a hora da retribuição havia chegado.

— Eu sei — concordou Bobbie prontamente — mas...

— Sem mas nem meio mas — Samantha foi enfática, mas logo Bobbie a ouviu dizer: — Eu amo você, Bo-bo... — Bo-bo era seu apelido de infância. Sentiu seus olhos começarem a transbordar e ficou entre lágrimas e risos ao ouvir a irmã chamá-la assim agora.

— Eu também amo você, Sam — respondeu, tocada, a voz rouca de emoção enquanto ela soprava um beijo pelo telefone antes de pôr o fone de volta no gancho e murmu­rar — Ah, Sam, sinto tanto sua falta — antes de começar a se voltar para o outro lado.

Bobbie ficou tensa e apreensiva ao ouvir Luke dizer ci­nicamente por sobre seu ombro:

— Joss, Max e agora Sam... Você é mesmo generosa em compartilhar seus favores, não?

Sem acreditar no que estava ouvindo, Bobbie devol­veu, furiosa:

— Para seu governo, Sam é... muito, muito especial para mim.

— Realmente. — Luke apertou os olhos ao dirigir-se a ela. — Você me surpreende. Da maneira que você me res­pondeu, não parecia que houvesse ninguém especial na sua vida, que dirá muito especial.

Bobbie sentiu o rosto esquentar ao sibilar sua resposta e se dirigir com determinação à saída.

— Eu não respondi a você. Você arrancou isso de mim.

— Ela empurrou a porta e chegou à rua, agradecendo ao sentir o ar frio da noite em seu rosto que ardia e por ter deixado Luke para trás com seus comentários cheios de farpas. Só que, como logo descobriu, ela não o tinha deixado para trás. Olhou para ele com raiva antes de exigir:

— Vá embora. Pare de me seguir.

— Eu não estou seguindo e nem arranquei nada de você, como disse.

— Arrancou, sim — Bobbie insistiu, sentindo o calor voltar ao seu rosto ao perceber que estavam atraindo o olhar curioso das pessoas que estavam entrando no hotel. Rapidamente e por instinto, ela buscou a proteção de um trecho de sombra entre dois edifícios. — Você me agarrou e me... e me atacou — Bobbie acusou Luke furiosamente enquanto ele a seguia para a sombra, ignorando a voz in­terna que lhe avisou que a linguagem que estava usando era perigosamente próxima da agressão deliberada, além de não ser totalmente verdade.

— Ataquei você? Eu não fiz isso — Luke negou, irado. — Eu beijei você, sim, a não ser que não se possa mencionar sua reação...

— Aquilo foi um acaso infeliz, um erro. Eu pensando em outra pessoa — Bobbie defendeu-se rapidamente. — Jamais aconteceria novamente.

— Não? — Luke a desafiou suavemente.

— Não — respondeu Bobbie, mas ela sabia que sua voz carecia de convicção e olhou de modo apreensivo para um ponto atrás de Luke, desesperada para se livrar dele e da situação que ajudara a criar, antes que ocorresse um dano maior a seu ego ou credibilidade. — Escute tenho que ir. O último ônibus para Haslewich sai...

— O último ônibus.

Bobbie pôde ver que ele estava franzindo a testa

— Certamente Olivia ofereceu um carro para você usar...

— Ofereceu, sim, mas como eu estava vindo a Chester por motivos pessoais e Olivia tinha de usar o carro essa noite, achei que não seria justo usá-lo.

— Então você é uma tola — Luke ralhou com ela. Nenhuma mulher deveria correr o risco de ter de esperar pelo ônibus sozinha tarde da noite hoje em dia, a não ser que seja preciso. Eu a levo para casa.

Bobbie tentou protestar, mas ele se recusou a ouvir a alegação de que estava segura, dizendo que já viu casos de ataque a jovens viajando sozinhas e não correria o risco de deixá-la engrossar a lista.

— Eu tenho mais de um metro e oitenta e não sou vulnerável — Bobbie afirmou.

— Você é mulher — disse Luke em um tom monocórdio —, e quanto a não ser vulnerável... altura não tem nada a ver com isto. Para a mulher, ser tão alta deve ser...

— Deve ser o quê? — respondeu Bobbie, furiosa. — Deve repelir os homens? Pode ser que você não goste, mas posso lhe jurar que...

Estavam agora na praça. Luke segurava o braço dela enquanto discutiam e, espertamente, conduzia a situação sem que ela percebesse.

— Estacionei aqui — disse ele sem deixá-la ir, acres­centando com o mesmo tom casual: — Não faço ideia do que você ia me jurar, mas eu posso jurar que, apesar de qualquer mulher com problemas com o próprio corpo aca­bar afastando os homens, a ideia de me contorcer para me encaixar a uma mulher muito menor que eu na hora de fa­zer amor é algo de que realmente não gosto. Na verdade, é muito mais excitante me encaixar fisicamente com uma mulher que se encaixa ao meu corpo.

Bobbie sentiu seu rosto queimar ainda mais, em uma chocante mistura de decepção e excitação sexual cuja existência parecia engasgá-la.

— Joss disse que você gosta de loirinhas burras — re­plicou debilmente.

— Joss cometeu o mesmo erro de tantas outras pessoas — disse Luke secamente. — São as loirinhas burras que preferem a mim, não o contrário.

Chegaram ao carro dele, um BMW grande e espaçoso, Bobbie ficou aliviada de ver. Por mais ligeiro que o carro de Olivia fosse, ela tinha de se curvar para dirigir e ficava com as costas doendo. Ao se pôr perto dela, desativando o alarme e preparando-se para abrir a porta do acompanhan­te para ela, ele disse suavemente:

— Sou advogado por treinamento e por hábito e seria ilógico da minha parte preferir uma parceira sexual com quem a mínima forma de prazer sexual fosse fisicamente incômoda.

Quando viu que Bobbie o fitava confusa e de cara fe­chada, Luke diminuiu a distância entre eles. Pôs as mãos na cintura dela e trouxe firmemente aquele corpo femini­no para junto do seu, de modo a encostarem a coxa e o torso um no outro.

Bobbie respirou fundo em sinal de protesto, pronta para começar um furioso ataque verbal, mas parou quan­do o próprio ato de prender a respiração lhe trouxe exatamente a aguda consciência do que Luke quis dizer.

— Viu? — sussurrou ele, segurando-a com mais força. — Se eu fosse beijá-la agora, não seriam apenas as nossas bocas que se encaixariam num contato físico sensual, certo?

Ao sentir que começava a tremer, Bobbie não teve cer­teza se sua reação se devia a raiva ou... ou o quê? Não era por sentir o corpo de Luke, por certo... não era excitação física por causa ele.

— Se isso for algum tipo de brincadeira... — ela come­çou, cautelosamente, enquanto tentava se afastar dele.

— Não é brincadeira — respondeu Luke assustadora­mente. — Brincadeira nenhuma — repetiu em um tom bem mais suave enquanto inclinava a cabeça em direção a ela e suas mãos começavam a percorrer carinhosamente as curvas de suas costas, aproximando-a ainda mais de seiu próprio corpo de modo a... Bobbie prendeu a respiração com a sensação do corpo de Luke contra o seu, ativando uma perigosa transformação física dentro e fora dela. Já tinha sentido atração antes na vida, sabia perfeitamente bem como estas coisas podiam ser ilusórias e vazias, mas aquela sensação... aquela emoção, que a chocava e subju­gava, era intensa demais para ser a mesma coisa. Era mais, muito mais, mais que a sensação do corpo de Luke contra o dela e pulsação primitiva de desejo que acelerava por dentro, mais que a atmosfera carregada de sexualidade e calor e necessidade que ela sentia luzir dentro de si, tão forte que se tornava quase palpável e perceptível as­sim como ela queria tocar e provar de Luke.

Todas essas emoções, por mais fortes que fossem, por mais chocantes e indesejadas que fossem para ela, eram passíveis de análise e explicação; a causa delas poderia ser descoberta e, uma vez descoberta, tais emoções poderiam ser dispensadas. Mas não havia uma razão, uma forma de analisar ou entender, que dirá negar ou dispensar o choque da coesão emocional que sentiu quando Luke trouxe para perto de si; a noção desconcertante de que, de alguma forma, ela havia descoberto aquele lugar fantástico e especial, aquela pessoa fantástica e especial que a fazia sentir-se em casa, a compreensão de que, de um jeito ou de outro, Luke alcançou o âmago de seu ser, e que de­vido a ele... toda sua vida mudaria para sempre.

Bobbie sempre achou que um dia se apaixonaria pro­funda e perdidamente. Esperava que, quando isso acontecesse, seu amor fosse correspondido; que juntos ela e seu amado formassem um casal bem unido que um dia se ex­pandiria para incluir os filhos que esperava ter, mas nunca lhe ocorrera que o amor pudesse ser assim; que, de uma hora para outra, ela conheceria o homem de sua vida e sa­beria então que seu amor por ele jamais poderia ser des­truído.

— Luke — Quando ela sussurrou seu nome, ele cobriu sua boca com a dele, abarcou seu rosto com as mãos, dei­xando-a imóvel com o beijo. Ele afagou a delicada curva da bochecha com o polegar enquanto acariciava a boca com a dele.

Para Bobbie, parecia a coisa mais natural do mundo reagir abertamente a ele, corresponder ao abraço, abrir sua boca para ele e receber sua língua com um suave mur­múrio de desejo.

Ela reconheceu que até suas bocas se encaixavam bem enquanto ronronava de prazer e arqueava o pescoço ao to­que firme de sua mão, sentindo seu pulso acelerar e seu corpo tencionar, seus mamilos enrijecendo sob a roupa... A pressa de se juntar mais ainda a ele tornou-se forte de­mais para resistir.

— Luke... — Quando começou a afastar a boca da dele, sussurrou seu nome em tom de protesto, abrindo os olhos com relutância, as pupilas dilatadas de paixão e com uma expressão como se aquilo tudo a tivesse deixado suave­mente drogada ao pegar o braço dele na intenção de guiar sua mão da garganta aos seus seios. Então, abruptamente, ela percebeu o que estava fazendo e com quem. Como se estivesse saindo de um transe, o corpo se enrijeceu e ela gritou "não"!

— Não — concordou Luke sucintamente e recuou tam­bém. Ele parecia quase tão chocado quanto ela, Bobbie percebeu, mas isso era impossível. Não havia como ele estar sentindo a mesma confusão emocional que ela o mesmo golpe angustiado de reconhecimento e desejo, tão forte que a deixou se sentindo fisicamente fraca e cambaleante, além do pânico e da necessidade autoprotetora de acabar com aquilo, negar a existência de tais sentimentos lembrando a si mesma que ele era um homem para ser tratado, na melhor das hipóteses, com cautela e, na pior dal hipóteses, como alguém que poderia se tornar um de seus maiores antagonistas. E sim, ela tinha quase entendido errado o olhar de choque que achou ter visto nos olhos dele. Reconheceu dolorosamente agora que olhava para ele e viu a dureza de sua boca contraída e a maneira fria com que olhava.                                                            

— Você não devia ter feito isso — disse ela, trémula.

— Por quê? — perguntou de maneira irônica. — Pol causa de Sam, seja ele quem for?

Por um momento Bobbie simplesmente olhou para ele e então disse com calma, antes de começar a caminhar para longe dele:                                                        

— Sam não é ele, é ela, e é minha irmã, irmã gêmea - enfatizou.                                                                

— Aonde você pensa que vai? — desafiou-a enquanto bloqueava deliberadamente a passagem.

— Pegar um ônibus.

— Já lhe disse, eu levo você.

Bobbie divertiu-se por um momento com a ideia de não só desafiá-lo mas também empurrá-lo para passar, mas quando seus olhos encontraram os dele, percebeu que se­ria tolice tentar isso. Era uma sensação estranha a de sentir-se tão femininamente vulnerável e desprovida de for­ça, já que perdera a conta dos homens que lhe disseram, uns de brincadeira, outros nem tanto, que não queriam co­nhecer seu lado mau, sugerindo que, alta daquele jeito, ela deveria ser menos mulher no sentido emocional que as mulheres mais baixas.

Confrontando Luke face a face, era certo que ela perde­ria, reconheceu, e ele certamente não tinha medo de seu lado mau. Em silêncio, ela deu a volta e caminhou de vol­ta ao carro.

— Então Sam é sua irmã gêmea — Luke comentou quando estavam dentro do carro. — E o resto sua família?

— Por que o súbito interesse na minha família? — per­guntou Bobbie.

— Talvez porque eu esteja curioso em saber a razão do seu interesse na minha.

Bobbie mordeu o lábio.

— Eu tenho um irmão. Meus pais são vivos e meu avô por parte de mãe também. E, apesar de meus pais serem filhos únicos, os pais deles vêm de famílias grandes, por­tanto temos muitos tios-avôs e tias-avós, além de muitos primos em segundo e terceiro graus.

— Gêmeos costumam ser bem próximos — Luke co­mentou. — Você e sua irmã são?

— Sim — respondeu Bobbie sucintamente.

— Você deve sentir falta dela.

— Sinto, sim.

— Presume-se que ela não pôde vir com você.

— Não, não pôde — respondeu Bobbie em um tom de voz que indicava que ela não queria responder mais ne­nhuma pergunta, mas Luke recusou-se a aceitar a indica­ção.

— E por quê? — ele pressionou.

— Ela tinha outros compromissos — respondeu Bobbie, reprimindo-se, virando a cabeça para olhar para a es­curidão do lado de fora da janela, sinalizando mais uma vez que não queria que ele continuasse com as perguntas. Sua irmã não era um assunto que desejasse discutir com ele.

— Outros compromissos. O que quer dizer isso? Ela é casada tem outra família?

— Não, ela não é casada nem tem outra família. Se você quer saber, ela está no meio de um mestrado e foi por isso que... — Bobbie parou.

— Foi por isso que o quê? — perguntou Luke suave­mente.

— Foi por isso que eu tive de vir sozinha — respondeu Bobbie, perturbada pela facilidade com que quase se en­tregou.

— Teve que — Luke repetiu, incisivamente. — Certa­mente que a viagem poderia ter sido adiada após sua irmã terminar o mestrado, ou pelo menos até as férias.

— Talvez pudesse — concordou Bobbie. — Acontece que eu queria vir para a Europa.

— Sem a irmã gêmea, apesar de ter acabado de me di­zer como vocês são próximas e o quanto sente saudade dela? O que exatamente você está fazendo aqui em Haslewich, Bobbie, e por que todo esse interesse na minha fa­mília?                                                

— O que é que você quer dizer exatamente? — pergun­tou ela. — Estou em Haslewich porque estou trabalhando para Olivia, e quanto ao meu interesse em sua família... — ela fez uma pausa.

— Sim — Luke a encorajou, com uma expressão zan­gada.

— Apenas me interessei, só isso — Bobbie mentiu debilmente, dando de ombros. — Não é contra a lei, é?

Para seu alívio estavam quase em Haslewich; mais dez minutos e ela estaria sã e salva de volta à casa de Olivia.

— Isso depende — respondeu Luke ao pegar a estrada que levava até Olivia — do que você está realmente fa­zendo aqui. Eu sei que está mentindo, Bobbie — disse ele, parando o carro e olhando para ela. — O que não sei ainda é por que está mentindo e o que está tentando esconder... o que você está realmente fazendo aqui, mas eu juro que pretendo descobrir...

Bobbie saiu do carro e bateu a porta com força.

— Aquele não era o carro de Luke? — perguntou Olivia quando Bobbie entrou.

— E, nós nos encontramos em Chester e ele me deu uma carona.

— Ah, mas por que ele não entrou? — Ao olhar para o rosto de Bobbie, perguntou delicadamente: — Ah, queri­da, vocês brigaram, não é?

Para sua própria consternação, Bobbie sofreu a indig­nidade de sentir os olhos se encherem de lágrimas. Se havia algo tolo para uma mulher de um metro e oitenta, era chorar em público.

— Ah, Bobbie, não se preocupe — Olivia tentou acal­má-la enquanto a abraçou rápida e firmemente. — Tenho certeza que vocês vão se acertar.

— Eu não quero me acertar com ele — disse Bobbie com despeito, fungando. — Eu o odeio.

— Ah, querida — Olivia mostrou compaixão. — Foi tão ruim assim?

— Isso, detone essas ervas daninhas — Bobbie ouviu Ruth dizer com uma voz divertida no dia seguinte, ao en­contrá-la arrancando com vontade as ervas daninhas dos canteiros de Olivia enquanto Amélia dormia perto, tran­quilamente no carrinho.

Encardida, com o cabelo desgrenhado e sentindo muito calor, Bobbie não tinha ouvido Ruth chegar e quando se voltou em sua direção, soltou um "ah" de surpresa.

— Eu costumava fazer a mesma coisa quando meu pai ou meu irmão eram particularmente machistas e difíceis — Ruth confidenciou a Bobbie enquanto caminhava pela grama em direção a ela. — Acho que dei vazão aos senti­mentos menos carinhosos que já nutri calada, o que na­quela época era uma coisa das menos aceitáveis.

Ao ver o modo com que Bobbie a fitava, explicou gentilmente:

— Sabe. eu cresci numa época em que era obrigada a aceitar o que os pais, principalmente o pai, achavam melhor. A palavra do pai era lei. Minha mãe era o tipo de es­posa tradicional e meu pai, severo e autocrático, muito de­cidido nos pontos de vista e opiniões.

Seu rosto adquiriu uma expressão um tanto perturbada.

— Em muitos sentidos, nossas vidas foram extrema­mente reprimidas e limitadas, pois assim que deixamos de ser necessárias fomos privadas, num estalar de dedos, do breve gosto de liberdade que nos foi dado durante a guer­ra, quando precisavam do nosso trabalho, apesar de eu achar que havia uma certa segurança em saber o que se esperava de nós,

— Eu sei que Luke pode parecer meio autocrático e se­vero às vezes. Como todos nós, Luke também sofreu por ser vítima da necessidade imperativa da família de se pro­var digno de ser um Crighton. É uma deficiência que tem sido passada de geração a geração, de pai para filho, já que as virtudes e os feitos dos antigos Crighton são exaltados desde a mais tenra infância, de modo que a criança já cresce sabendo ser seu dever provar-se digna de seguir os mesmos passos.

— Felizmente, as coisas estão mudando. Os filhos de Jon, apesar de determinados a fazer carreira jurídica, são flexíveis e têm senso de independência, de amor-próprio, acreditam em si mesmos. Espero que isso os liberte das expectativas que controlaram as gerações anteriores. Ti­rando Max, que infelizmente saiu diferente... Talvez o ca­samento com Madeleine o mude. Espero que sim, pelo bem dela.

— Por que está me dizendo isso — perguntou Bobbie, hesitante.

— Por quê? — Ruth inclinou a cabeça para o lado e observou Bobbie por um momento. — Talvez por gostar de você e odiar vê-la tão infeliz. Luke talvez não seja perfei­to, mas acredito que é possível que ele, sob o estímulo adequado, diminua bastante o empecilho que é ser um Crighton. Nem sempre é fácil dizer por que nos atraímos tão instantaneamente por uma pessoa e não por outra. Na verdade, é muito difícil para a maioria de nós aceitar, que dirá admitir, que temos tais sentimentos, que somos capa­zes de reações emocionais tão instantâneas e ilógicas. Por que eu simpatizo com você, Bobbie, não sei dizer. Tudo o que sei dizer é que simpatizo, do mesmo modo que, dentre todos os meus sobrinhos-netos, Joss e essa jovem senho­rita ocupam um lugar especial no meu coração. Não é que eu ame menos os outros, é só que eu amo esses dois umi pouquinho mais. Como vai sua mãe, aliás?

A mão de Bobbie puxou no vazio quando a erva que tentava arrancar lhe escapou entre os dedos e o braço fez um solavanco para trás. Ainda bem que não dava para Ruth ver seu rosto quando respondeu com uma voz engas­gada:

— Eu... ela não está muito bem. O... o médico sugeriu que fizesse análise — Bobbie explicou, relutante.

— Não é de análise que mamãe precisa — disse Samantha passionalmente ao contar a Bobbie as últimas no­tícias da família. — É de...

— Eu sei, Sam, mas não podemos dar isso a ela. Nin­guém pode.

— Talvez não, mas ao menos podemos ter a satisfação de saber que eles não saíram ilesos depois do que fizeram, que serão punidos também.

— Um erro não conserta o outro, Sam — Bobbie ad­vertiu a irmã gentilmente, mas Sam, como era de esperar, recusou-se a aceitar esse ponto de vista.

Sam jamais acabaria em uma situação como a de Bob­bie. Sam esperava que Bobbie usasse a reunião de família no domingo para revelar sua verdadeira identidade, fazer as acusações que planejaram, envergonhar a pessoa que causou a infelicidade de sua mãe, revelar em público o que eles fizeram.

— Amélia está acordando — disse ela a Ruth, sem ne­cessidade, quando ambas ouviram o bebê soltando suas gargalhadas infantis. — Melhor levá-la para dentro e dar banho nela. Está quase na hora do almoço.

Ruth não foi a única visita inesperada do dia. Joss che­gou depois, à tarde, parecendo feliz e um tantinho emba­raçado ao abraçar o bebê e continuar a contar a Bobbie so­bre a família de lontras que viu brincando no rio quando pedalava por lá.

— Mamãe disse que você vai à casa de vovô no domin­go — disse ele.

— Sim, é verdade — concordou Bobbie com um tom neutro na voz.

— Não ligue se o vovô falar algo sobre você ser ameri­cana— disse Joss seriamente. — Ele não pretende... bem, ele não é... Mamãe diz que muito de sua rabujice se deve à dor na perna.

Bobbie tentou conter o tremor na boca, que denotava a vontade de rir da honestidade de Joss.

Ele ficou lá por quase uma hora, bebendo a limonada caseira feita por Bobbie e comendo os biscoitos que ela havia assado antes para Caspar, que brincou com Olivia, que enfim tinha alguém para assar biscoitos à moda ame­ricana.

— Sabe de uma coisa, Bobbie? — Joss confidenciou ao se levantar para ir embora. — Você se parece muito com uma prima que tenho, só que o cabelo dela é ruivo: a Meg, filha de Saul. Ela tem só quatro anos, mas tia Ruth tam­bém reparou nisso.

Bobbie ficou contente que ninguém mais, além de Joss, estivesse ali para testemunhar como ficara chocada ao ou­vir aquelas palavras. Ainda bem que ele estava entretido demais em terminar seu último biscoito para olhar para ela.

Bobbie lembrava de Saul da festa. Alto, de cabelos es­curos, boa aparência e muito sexy. Caspar lhe disse que Saul já fora apaixonado por Olivia. Tinha agora seus trin­ta e tantos anos, mais de dez anos mais novo que sua mãe. Que ironia que Joss comentasse que, apesar de ela e a filha de Saul serem parecidas, que ela tivesse cabelos ruivos.

— Vejo você no domingo — disse Joss ao sair.

Ah, sim, ela certamente o veria, mas Bobbie duvidava que ele fosse olhar para ela com carinho novamente. Pare­ceu tudo tão simples quando ela e Sam discutiram o as­sunto em casa. Tão fácil. Tão justo e certo. Ela então acha­va que a coisa mais difícil que teria de fazer seria se apro­ximar da família o suficiente para pôr o plano em ação.

— Não é bom buscar um confronto de um para um — Samantha insistiu quando Bobbie sugeriu esta tática.

— Talvez se eu simplesmente explicasse como mamãe se sente, como tudo isto a afetou, como ela precisa saber por que foi tão brutalmente rejeitada.

— Isso não vai dar certo — disse Samantha. — Não faz sentido apelar para os melhores sentimentos de alguém com um senso de compaixão inexistente como o deles. Não! O que temos de fazer é mostrar a eles o que eles são, confrontá-los em público, revelá-los aos próprios familia­res.

Nunca lhe ocorrera que fosse gostar daquela família ao encontrá-la. Bem, ao menos de certos membros, logo emendou, descartando da memória a imagem mental tão detalhada que tinha de Luke. Pessoas que no começo eram apenas nomes para ela agora significavam muito mais. O que se faz quando os fatos levam a uma direção e as emo­ções a outra totalmente diferente? Como se toma uma de­cisão como a que ela tinha de tomar? Não estava acostu­mada a brincar de Deus, uma função que não lhe cabia fa­cilmente, mas também...

— Pense na mamãe... pense no que ela sofreu... em como ela foi magoada — Samantha apelou a ela, e Bobbie só teve de imaginar o rosto da mãe enquanto ela falava para ser tomada pela mesma dor, raiva, mas sem conse­guir deixar de sentir um ressentimento furioso que vinha desde que quando soube de tudo que acontecera.

— Não podemos mudar o que foi feito — seu pai dis­sera gentilmente certa vez a Bobbie quando, na adoles­cência, ela fez um discurso apaixonado sobre a infelicida­de no passado da mãe.

— Mas é tudo tão injusto — Bobbie protestou. — Qua­se que você e mamãe não puderam casar por causa disso.

— Eu sei, eu sei — concordou o pai. — Mas felizmente seu avô tomou tudo mais fácil para nós. Ele usou aquele, tipo especial de charme sulista para persuadir a família. — Deu uma risada. — Certamente foi a primeira vez que vi a tia-avó Emma flertando.

— A tia-avó Emma flertou com o vovô? — ela arrega­lou os olhos. — Eles mesmo assim não queriam que você casasse com a mamãe, não é, papai, apesar de vovô ser rico e mamãe ser filha única?

— Não, não queriam — o pai afirmou, honestamente.

— Mas posso lhe dizer que, quando se ama alguém como eu amo sua mãe, não há força na terra que possa impedir a união. A razão pela qual eu queria que minha família a aceitasse e valorizasse era por saber que era isso o que ela queria. Se fosse por mim, eu teria dado as costas à minha família inteira para ficar com sua mãe.

— Até seus pais?

— Até eles. Não me compreenda mal, Bobbie. Eu os amava muito e tinha muito respeito por eles. Ainda tenho. Mas eu amo sua mãe mais muito, muito mais. Você enten­de, meu bem, o tipo de amor que se tem por aquela pessoa especial na sua vida é tão diferente de todos os outros ti­pos de amor que você já possa ter sentido... Bem, espere e verá.

— Eu não gostaria de me apaixonar por alguém de quem mamãe não gostasse — Bobbie protestou.

Palavras proféticas. Podia imaginar como seus pais, especialmente a mãe, se sentiriam se ela anunciasse que se apaixonou por um Crighton. Que se apaixonou? Bobbie ficou tensa. Caminhou pelo quarto, inquieta. Ela não esta­va apaixonada por Luke

Não era tão tola de se deixar apaixonar por alguém como Luke. Considerava demais seu bem-estar emocio­nal, tinha auto-estima demais e total consciência do que lhe esperava caso se apaixonasse por um homem que não só não a correspondia, mas com quem, mesmo que corres­pondesse, não queria compartilhar sua vida.

Mesmo assim, em vez de ansiar por domingo, sabendo que quando tudo estivesse terminado ela estaria livre para voltar para casa, a salvo do desgaste emocional causado por Luke, que seria então — com o Atlântico a separá-los — apenas uma memória bem distante, reconheceu que es­tava com medo.

Mas é claro que nada podia fazer para evitar que do­mingo chegasse. Nada mesmo!

 

Queensmead era como Bobbie imaginava: uma casa grande e graciosa, com fachada de pedras no estilo do século XVII, drapejada por trepadeiras de glicínias, à qual se chegava por meio de um caminho imponente.

Apesar de Bobbie estar oficialmente apenas compare­cendo a um encontro de família como babá temporária de Amélia, no momento em que entrou na casa, Olivia tirou Amélia de seus braços e disse a Bobbie que se divertisse, pois ela própria iria se divertir mostrando Amélia aos pa­rentes.

A despeito das proporções generosas, a sala de estar es­paçosa estava cheia de gente. Jon e Jenny, que haviam chegado antes deles com as gêmeas, além de Joss e o irmão mais novo de Olivia, solicitaram sua atenção, enquanto Louise e Katie lhe agradeciam pelos broches vintage que ganharam dela de aniversário.

— Tenho de levá-la para conhecer o vovô — disse Olivia enquanto deixava Amélia com Jenny.

— Ben não está nos seus melhores dias, acho — Jenny avisou e acrescentou: — Acho que o fato de Max estar aqui o faz lembrar seu pai, Olivia. Acho que ele pensa que Jon não está se esforçando para encontrar David.

— Papai só será encontrado se quiser — respondeu Olivia. — Só queria que vovô percebesse isso, mas ele sempre fica cego quando o assunto é papai. Às vezes, gos­taria de poder lhe dizer a verdade — declarou, enfatica­mente.

— Duvido que ele acreditaria se você o fizesse. Ele precisa se agarrar à sua fé em David, sua crença nele — disse Jenny, com sabedoria. — Desculpe, Bobbie — disse ela então. — Estamos sendo muito mal-educadas de ficar falando de assuntos de família e ignorando você.

— Bobbie é quase membro da família — Olivia insis­tiu, acrescentando então, tolamente: — E em breve pode se tornar membro oficial.

Enquanto Bobbie protestava sentindo o rosto corar, Jenny olhou para ela com interesse, mas não fez pergun­tas, deixou que Olivia explicasse.

— Não dá. Vocês dois deixaram tudo claro demais para começar a negar agora.

— Olá. Eu estava esperando encontrá-la novamente.

Bobbie voltou-se, agradecida, em direção a Max en­quanto ele caminhava até ela. Sua chegada causou uma bem-vinda interrupção, ainda que fosse óbvio que Olivia não pensasse assim, pois imediatamente anunciou:

— Eu estava indo levar Bobbie para conhecer o vovô, então tenho de pedir licença.

— Você ainda não conheceu meu avô? — perguntou Max a Bobbie, propositalmente ignorando a prima e virando-lhe as costas, tirando-a da conversa. Concentrou-se em Bobbie, dando-lhe o benefício de seu caloroso sorriso de crocodilo e um olhar que lhe percorria de cima a baixo. Detinha-se em seu corpo de um modo que parecia fazer sempre, mas que para Bobbie era constrangedor. Todavia, guardou os pensamentos para si, esperando educadamen­te enquanto Max dava-lhe o braço e dizia.

— Venha comigo, mas deixe-me avisá-la que ele...

— Não gosta de americanos. Eu sei, já me disseram.

— Uma aversão da qual não compartilho — Max ga­rantiu suavemente, com mais um olhar de cima a baixo. — Longe disso.

— Mas sua esposa parece ser britânica — disse Bobbie docilmente, enfatizando a palavra "esposa".

— Sim, bastante — concordou Max suavemente, pa­recendo mais divertido que preocupado por ela lembrar sua condição de casado. — Minha esposa também é pe­quena, rechonchuda e, lamento dizer, normal e morena, ao passo que devo admitir que tenho uma queda por lou­ras de pernas longas, especialmente quando são belas como você.

Sua audácia era inacreditável, Bobbie concluiu, e res­pondeu com firmeza e tranquilidade.

— É mesmo? Infelizmente, não tenho queda por ho­mens casados, sobretudo quando são tão grosseiros com a mulher que escolheram para casar como é seu caso. Com licença — acrescentou, largando o braço dele e começan­do a se afastar. Só que não foi muito longe, pois quando deu meia-volta, para sua consternação, encontrou o cami­nho bloqueado por Luke. Quando ele tinha chegado e por que estava olhando para ela daquele jeito?

— Ah... Luke... — Hesitou com tanta culpa quanto uma criança pega com a mão no biscoito.

— Luke — ouviu Max dizer em uma voz bem mais composta. — Estava apenas levando Bobbie para apre­sentá-la ao vovô.

— É mesmo? Acho que por um caminho bem compri­do, não? — respondeu Luke com calma enquanto Max olhava inocentemente para a sala vazia a que a havia con­duzido, e disse ainda: — Seu avô está na biblioteca com sua esposa.

— Ah, é? Então é por isso que não o achamos — res­pondeu Max alegremente, mas não tentou continuar com eles. Pediu licença e comentou que tinha de falar com o pai, deixando Bobbie com Luke, que estava nitidamente irritado.

— Eu já devia saber — disse Luke fazendo cara feia. — Imagino que seja um caso de identificação, mas deixe-me alertá-la, se você pensa em ter algo além de uma rápi­da passagem pela cama e o prazer discutível de inflar o ego de Max, vai quebrar a cara.

— Então não há muita escolha entre vocês dois, não é? — respondeu Bobbie, sarcasticamente, disfarçando com irreverência o efeito físico que a presença dele causava. Ela viu que tinha ido longe demais quando Luke foi até ela e a pegou pelo pulso com os dentes expostos em um sorriso selvagem que revelava a alta voltagem de sua rai­va, mas antes que ele pudesse dizer ou fazer algo, a cabeça de Olivia apareceu na porta.

— Brigando ainda? Achei que vocês dois já tinham fei­to as pazes. Vocês deviam estar se beijando, não brigan­do...

Ela foi embora quando Caspar a chamou do outro lado, antes que qualquer um dos dois pudesse dizer algo, fazen­do Luke perguntar, furioso:

— Que droga é essa?

— Olivia acha que você e eu... que nós... estamos na­morando — Bobbie informou-o, trêmula.

— Ela o quê?

— Não me culpe. Não fui eu que puxei você para den­tro do meu quarto de hotel e deixei um bilhete na recepção para todos verem — Bobbie lembrou-o, pagando para ver. — Você foi bastante eficaz em fazer Fenella pensar que tínhamos algo. É uma pena que não tenha pensado melhor e percebido que outros poderiam entender a mesma coisa.

— Sei, e é claro que você, sendo quem é, não achou interessante esclarecer as coisas para Olivia.

A raiva e o sarcasmo que gotejavam de suas palavras fez Bobbie encolher, mas ela estava determinada a não deixá-lo perceber o quanto a estava magoando.

— Por que eu deveria fazer o serviço sujo por você? — ela o desafiou audaciosamente.

— Realmente, por que — respondeu ele, contrariado —, quando estar envolvida comigo pode ser muito conve­niente para seus planos escusos...

Ele estava chegando perigosamente perto, demais até, da verdade, o que tirava a tranquilidade de Bobbie, a cul­pa e a ansiedade levando-a a reagir raivosamente:

— Não há vantagem nenhuma, pública ou privada, que me faria querer isso, ou querer você — negou com vee­mência.

— Não! — Luke contradisse-a firmemente. — Não é esta a memória que tenho de certas coisas, longe disso. Na verdade, apesar de eu odiar chamá-la de mentirosa, lem­bro de ao menos duas ocasiões quando você mostrou sen­tir tudo, menos relutância.

Bobbie olhou para ele.

— Se você se refere ao modo como forçou as coisas co­migo... a maneira como me beijou, contra a minha vonta­de,. — Parou, sentindo o rosto corar ao ver o modo como Luke a fitava. — Eu... eu lhe disse antes — protestou, de­fensiva —, eu estava pensando em outra pessoa.

Começou a se encaminhar para a porta semi-aberta, sa­bendo que não estava em terreno seguro, não mesmo, mas não conseguiu resistir a um ato final de desacato.

— Em circunstâncias normais, eu jamais corresponde­ria, como não correspondi... eu estava... — balançou a ca­beça. Qual era o sentido em ficar discutindo com ele? A coisa certa a fazer seria ir para longe dele agora mesmo.

Mas, infelizmente, ela fez isso um pouco tarde demais. O olhar de Luke já estava impiedosamente concentrado nela. Ao medir a distância entre eles e a porta estreita que ele bloqueava, ele agiu. Deteve-a quando tentou passar por ele, aprisionando-a com facilidade em seus braços, a despeito das tentativas de Bobbie se soltar. Fechando a porta com o pé, ele os deixou na semi-escuridão do recin­to e a empurrou contra a porta fechada.

— Você tem mesmo certeza disso? — perguntou ele de forma jocosa.

— Claro que sim! — Bobbie mentiu entre dentes. — E mesmo que não tivesse, violência física não é a minha — disse ela, sarcasticamente. Podia sentir a raiva de Luke ao absorver o impacto de suas palavras iradas. Quanto ele sa­bia sobre ela, afinal de contas?

— Nem eu — ouviu-o dizer secamente e tão contraria­do que não duvidava que ele dizia a verdade. — Mas não gosto de mentirosos — continuou. — Você me correspon­deu quando a beijei.

— Eu correspondi a ser beijada — protestou Bobbie. — Não tinha nada a ver com você. Você foi... eu pensei em outro — ela mentiu mais uma vez.

— É verdade? Bem, vamos conferir isto, então? — Ela percebeu que a voz dele soava tão falsamente suave que ele devia estar mesmo muito, muito furioso, muito mais do que quando a impediu de sair da sala. O pânico que se instalou dentro dela, fazendo-a lutar e tentar se livrar dele não tinha nada a ver com o medo ou horror de pensar em ser beijada ou tocada por ele. Não, o que ela sentia era medo, medo do que ele fosse fazer, de como ela reagiria, ela reconheceu. Mas por mais que se debatesse, não con­seguiria livrar-se dele.

Ela tinha que admitir que aquilo tudo estava minando suas forças e ferindo seu ego bem mais que aquelas mãos fortes em seu pulso poderiam ferir sua pele.

Ele esperou que ela parasse para respirar fundo para soltar seus pulsos de modo a poder usar os braços para abraçá-la com força, com tanta força que ela pôde sentir a firmeza de seu corpo contra o dela, apesar das camadas de roupas que ambos usavam. Tão forte que...

— Olhe para mim, Bobbie — ela o ouviu ordenar, e para sua maior consternação ela o obedeceu, levantando a cabeça para olhar para ele. — Ótimo — disse ele, leve­mente irônico. — Desta vez você sabe exatamente quem sou eu, não é? — E antes que ela pudesse argumentar ou reagir, ele fez o que ela sabia que ele tinha em mente o tempo todo, o que ela sabia que tentaria resistir com cada centelha de força emocional e física. Ele abaixou a cabeça e começou a beijá-la.

Foi um beijo contundente, duro, raivoso, que Bobbie percebeu que deveria deixá-la completamente fria e imó­vel, um beijo de paixão masculina gelada e arrogante, o beijo de um senhor de guerra conquistador em sua vítima cativa. Mesmo assim, no momento que Bobbie sentiu os lábios dele tocarem os seus, percebeu que estava perdida.

Ela ainda estava com raiva, muita raiva, ressentida com o que ele estava fazendo. Ela ainda o rejeitava em sua mente, mas seu corpo e sentidos tinham necessidades e desejos próprios, e para eles o beijo autoritário de Luke nada tinha a ver com o triunfo do macho que sua mente temia, nem com o senso de subjugação que o orgulho fe­minino lutava tanto contra. Não, eles viram e sentiram apenas um senso tóxico de poder e calor; uma explosão doce e amarga de triunfo feminino que ela... eles puderam fazer com que este homem, de quem ela não gostava, e que não gostava dela, precisasse tanto tocá-la, beijá-la e querê-la e, ainda mais revelador, corresponder a ela. E jo­garam desenfreadamente com essas reações, fazendo troça delas, atraindo-as de modo que, sem poder fazer nada para se conter, Bobbie percebeu que o tinha envolvido com seus braços e aberto a boca para aquela língua que a pressionava, que a raiva que a alimentava fazia seu corpo doer e pedir por aquilo, que o barulho grave que Luke produziu em sua garganta enquanto ela sugava sua língua a fez emitir um som felinamente feminino de enorme pra­zer.

Quando sentiu as mãos dele em seu corpo, uma fome aguda e selvagem a tomou, banindo a lógica e a razão, e até mesmo a realidade; eles eram homem e mulher, yin e yang, causa e efeito, duas forças primitivas que, quando combinadas..,

Quando Bobbie sentiu a mão de Luke em seus seios, afastando sua roupa com urgência selvagem para alcançar o calor suave de sua carne, ela murmurou um protesto agudo entrecortado por sua respiração, não porque ele a estava tocando. Ela tremia dos pés à cabeça. A força pura do desejo que havia irrompido de dentro dela, do nada, fez seu corpo doer. Jamais sonhara que o desejo físico pudes­se gerar uma reação tão intensa e imediata, uma urgência tão mordente.

— Luke... — Ela não sabia, e nem queria saber, se es­tava traindo a si mesma ao tirar sua boca da dele, sussur­rando seu nome de modo tão feminino, ao olhar para ele da maneira que olhou, seus olhos irradiando uma mensa­gem de orgulho e desejo intenso. Dava para ver que Luke correspondia por suas pupilas dilatadas, pelo tremor ines­perado do corpo ao ouvir aquela voz rouca dizendo seu nome. Começou então a passar o polegar ao redor dos mamilos dela até Bobbie arfar de prazer e o abraçar mais for­te. Dava para ver isso no som áspero que escapava de seus pulmões enquanto ele sussurrava algo incompreensível e, encostando-se à parede, encaixava-a em suas pernas en­treabertas. Daí, sob a proteção das sombras, tirou as rou­pas que cobriam seus seios e satisfez a necessidade que moía os corpos atormentados ao levar a boca aos mamilos intumescidos e começar a sugá-los ritmicamente.

Foi o som de uma criança gritando no corredor que quebrou o feitiço que os cegou. Então se afastaram, obser­vando-se mutuamente, arfando, confrontando-se como lutadores, não como amantes, o que Bobbie reconheceu, contrariada, enquanto tentava entender o que tinha acon­tecido.

Desprovida da proteção e do calor do corpo de Luke, Bobbie começou a tiritar.

O rosto de Luke escondia-se dela nas sombras. Não que ela quisesse olhar para ele e ver o triunfo altivo que tinha certeza estar em seus olhos. Por mais lamentável que seja, ainda havia aquela crença velada que, enquanto era aceitável para os homens buscar e dar prazer no sexo, para as mulheres o negócio era bem diferente. Bobbie nem sabia de que lado do muro estava. Certamente jamais condenaria uma mulher por admitir que sentia apenas de­sejo sexual e tesão por um homem, mas sendo ela a mu­lher... Afastou a ideia de haver amor em suas emoções.

— Eu odeio você, sabia? — disse ela, enquanto ajeita­va o sutiã. Abriu a porta e a cruzou, abalada, indo para a sala misturar-se aos outros convidados com os pulsos trin­cados, tentando suprimir as emoções, parando apenas ao se dar conta de haver chegado ao ponto mais extremo da sala de estar, não podendo ir além.

— Então você é a americana de quem ouvi falar tanto. — Quando Bobbie virou a cabeça, viu que havia alguém sentado na cadeira perto da janela, um homem de seus 70 anos. Não foi difícil saber que se tratava de Ben Crighton.

— Acho que sim — concordou, cautelosamente.

— Ha! Falaram de mim, não é? Já lhe avisaram! — ex­clamou, com um riso seco.

— Disseram que você não gosta muito dos meus con­terrâneos — disse Bobbie calmamente.

— Eles estiveram aqui durante a guerra. Causaram muitos problemas, magoaram muita gente, viraram a ca­beça das mulheres enquanto seus maridos e namorados estavam combatendo.

Bobbie forçou-se a não responder nada, limitando-se a escutar.

— Você está tomando conta de Amélia, ouvi dizer — Ben comentou rispidamente.

— Por enquanto — respondeu Bobbie.

— Joss me disse que a conheceu no cemitério da igreja, que você estava olhando as lápides, as lápides da nossa fa­mília... Tem interesse em nossa família?

— Vocês formam uma... uma família muito interessan­te — foi tudo o que Bobbie se permitiu dizer.

— Eu a vi conversando com Max hoje.

Bobbie aguardou, esperando que lhe dissessem mais uma vez que Max era um homem casado, mas para sua surpresa, ele não fez qualquer referência ao casamento de Max.

— Ele é a imagem de meu filho, David... sempre foi — disse ele. — Mais parecido com ele que o próprio pai, ir­mão gêmeo, O mesmo caráter...

Bobbie não disse nada. Considerando o que tinha ouvi­do falar de David, duvidava que fosse gostar muito dele.

— No momento ele se encontra no exterior... Bobbie não fazia ideia de por que seria tomada por compaixão por um homem que ela mal conhecia e que, de acordo com o que ela tinha escutado, era um velho tão obstinado, tacanho e cabeça dura quanto possível. Mas, fosse qual fosse a razão, dizer que seu filho David estava no exterior e ponto final, ao invés de simplesmente desa­parecer na noite deixando para sua família o encargo de lidar com o caos provocado por seu desaparecimento era algo sobre o que ela preferiu não dizer nada e continuou calada.

O silêncio entre eles só foi quebrado quando Jenny apareceu de repente ao lado dela, anunciando:

— Bobbie, tem alguém no telefone para você... sua irmã... ela parece meio... — Ela tocou delicadamente no braço dela. — Ela disse que precisa falar com você com urgência. Você pode atender ao telefonema no escritório. Lá você terá privacidade.

Sentiu a boca secar de apreensão. Bobbie seguiu Jenny, dando voltas e serpenteando por entre as muitas pessoas presentes na casa, o coração batendo nervosamente em um ruído surdo enquanto Jenny a conduzia pelo corredor e abria a porta de uma sala pequena e aconchegante que abrigava uma enorme escrivaninha.

A medida que Jenny foi gentilmente abrindo a porta e se retirando, Bobbie caminhou em direção à escrivaninha, pegou o fone e disse então, de maneira um tanto hesitante:

— Sam...

— Bobbie. Graças ao Senhor. Escute, você já disse al­guma coisa?

— Não... não, ainda não. Sam, por que você ligou para cá? E alguma coisa com a mamãe?

— Não, quer dizer, ao menos não no sentido que você está pensando. Ela está bem. Escute, Bobbie, você preci­sar fazer aquilo hoje, confrontá-la de uma vez, mostrar a ela, mostrar a eles.

— Sam — Bobbie protestou — não é tão fácil... Eu...

— Bobbie, você tem que fazer, é por isso que estou li­gando para você. Papai nos pegou e...

— Como é que é?

— Não entre em pânico. Simplesmente escute, pode ser? Ele descobriu que andei ligando para Chester, você sabe como é o papai. Juntou uma coisa com outra e desco­briu tudo. Ele me interrogou como se eu fosse um de seus gorilas do serviço secreto — disse a Bobbie, cheia de in­dignação.

— Ah, Sam, não... — Bobbie teve de sentar-se. Suas pernas, seu corpo inteiro ficaram fracos com o choque e o estresse. Afundou em uma confortável cadeira giratória de couro atrás da escrivaninha e agarrou o fone com força. — O que foi que ele disse?

— Ah, você conhece o papai. Veio com todo aquele papo idealista de que devíamos ser superiores, não deviamos querer fazer as pessoas pagarem por seus erros. Que devíamos simplesmente saber que as pessoas são como são e lamentar por elas serem assim. Disse que nada do que fizéssemos tornaria as coisas mais fáceis para mamãe, e aí o vovô entrou na conversa e disse...

— Vovô? — Bobbie a interrompeu com um suspiro en­gasgado. — Ah, Sam, não... Como foi que vovô desco­briu?

— Ele chegou quando papai estava me passando o maior sabão — confessou Samantha — e é claro que ou­viu tudo. Seja como for, eu disse a eles que agora já era tarde demais para fazer algo e também disse o que você ia fazer e...

Houve um clique agudo na linha telefónica, como se alguém tivesse pegado o fone em outra extensão. Bobbie perguntou à irmã, nervosamente:

— O que foi isto? Alguém entrou aí... o papai, ou

— Não. Não tem ninguém mais aqui — Samantha ga­rantiu à irmã. — Nós não vamos desistir, Bobbie, não agora. Não podemos bancar isso. Temos que fazer com que ela pague.

Bobbie mordeu o lábio. Nunca esteve totalmente de acordo com as ideias da irmã gêmea, mas acabou se dei­xando persuadir e aceitou continuar a tomar parte do pla­no. Sabendo agora que o pai e o avô tinham descoberto o que elas andavam fazendo, pôde perceber o quanto ambos desaprovariam e rejeitariam o esquema criado por Samantha.

— Bobbie — ela ouviu a irmã lhe avisar de modo amedrontador antes de fazer uma pausa. Continuou então di­zendo com amargura na voz: — Olha só, há mais de cinquenta anos, Ruth Crighton fingiu que estava apaixonada por vovô e chegou até mesmo a prometer se casar com ele. Ele acreditou nela, eles eram amantes, até que um belo dia ele recebe um recado, não dela, veja bem, mas do pai dela e através de um oficial de comando, dizendo que Ruth não queria vê-lo novamente. Quando ele telefonou para tentar falar com Ruth, ela disse a ele que era verdade, que não queria mais nada com ele. Nenhuma explicação foi dada,; nenhuma razão, não houve qualquer desculpa e, pior que isso, mil vezes pior, ela jamais disse a ele que já estava carregando seu filho no ventre. Ela simplesmente foi para o outro lado do país, deu à luz a filha de vovô, nossa mãe, em segredo, e depois foi embora... foi embora... abando­nou mamãe completamente, deixando-a para ser dada a quem quisesse uma criança para adotar... como se fosse um filhote de gato indesejado.

— Se vovô não tivesse ido visitar um piloto ferido na­quele mesmo hospital — continuou Sam, do outro lado da linha —, se não tivesse escutado por acaso duas enfermei­ras fofocando sobre um certo bebê Crighton abandonado pela mãe, se não tivesse perguntado para saber mais sobre o assunto, jamais teria sequer tomado conhecimento da existência de mamãe. Quando penso que isso poderia ter acontecido a ela, sinto meu sangue gelar. — Fez uma pau­sa. — Você sabe que vovô passou por maus bocados até conseguir convencer, primeiro, seus superiores nas forças armadas, depois as autoridades britânicas, que ele era pai de mamãe e que tinha o direito de criá-la. Você sabe das provações que ambos sofreram quando ele chegou aqui nos Estados Unidos com ela. Como a família dele a tratou, e a ele também. Você sabe o que fizeram com mamãe, sa­bendo que a própria mãe dela não a quis... que não tinha lhe deixado sequer uma carta... um bilhete... qualquer coi­sa... de modo que mamãe pudesse sentir ter sido amada por ela... que não queria ter se separado dela. É como ma­mãe sempre disse; não é só o fato de jamais ter conhecido a mãe que dói. O que mais dói, mais que tudo, é que Ruth jamais, em tempo algum, quis conhecê-la... o fato de nun­ca ter tentado localizá-la, buscar informações sobre a fi­lha, da maneira mais elementar e primária que fosse, saber o que havia acontecido com ela.

— Naquela época as coisas eram muito difíceis, Sam — disse Bobbie à irmã em um tom de voz contido. — Era o fim da guerra. Os soldados britânicos estavam voltando para casa. Talvez Ruth se sentisse culpada pelo fato de ter se envolvido com um americano. Ela estava noiva de ou­tro e... bem, como diz mamãe, ela não poderia ter tido um pai mais amoroso nem ter sido uma criança mais amada do que foi.

— Ah, sentiu-se tão culpada que abandonou a própria filha? Isso é que é culpa, não é mesmo? — respondeu Samantha a Bobbie, cheia de amargor. — Que pena que ela não se sentiu nem um pouquinho culpada por ter feito o que fez com mamãe. Não se deixe enganar, Bobbie. Te­mos que fazê-la pagar, ela merece pagar. Nós já combina­mos que...

Bobbie estava quase conseguindo convencer a irmã a abandonar o plano quando a porta do escritório se abriu. Chocada, seus olhos se arregalaram quando viu Luke ca­minhando a passos largos em sua direção. Não foi só pelo inesperado da situação que sua presença a deixou sem pa­lavras e virtualmente incapaz de se mexer quando ele arrancou o fone da mão dela e bateu com força no aparelho, encerrando a conversa com Samantha e olhando-a com fú­ria assassina nos olhos.

— Então quer dizer que você vai fazer Ruth pagar, não é? — perguntou ele autoritariamente, contraindo os lábios de raiva e agarrando o braço dela com força, chegando a machucar. — Pois eu acho que não vai, não. Não vai mes­mo. Na verdade, o que eu acho que você vai fazer agora é ir embora.

— Ir embora? — Bobbie protestou com uma vozinha estridente. — Mas...

— Meu Deus, eu estava mesmo certo sobre você o tem­po todo, não é? — disse Luke, excedendo o nervoso pro­testo de Bobbie. — Mas nem eu tinha percebido como o que você iria exigir de Ruth para calar a boca sobre o que sabe do passado dela. — Sua boca se retorceu como se ti­vesse provado algo de gosto amargo. — Chantagem... Para mim, trata-se do crime mais abjeto, inferior e desal­mado de todos, mas suponho que não deveria ficar choca­do. Afinal de contas, não é a primeira vez que me deparo com isto na vida, apesar de que, graças a Deus, o contato mais próximo que já tive com um chantagista foi quando me recusei a aceitar defendê-lo.

— Chantagem! — Bobbie arregalou os olhos, horrori­zada. — Luke. Você entendeu tudo errado... — ela come­çou a se defender, mas parou para recuar, objetando inu­tilmente enquanto ele apertava seu braço com mais força ainda e a forçava a olhar diretamente para ele.

— Não. Foi você quem entendeu tudo errado — ele a contradisse com uma voz neutra — e, se eu fosse você, não perderia meu tempo tentando me convencer do con­trário, Bobbie. Não sou tão bobo assim, sabe. Vamos por aqui.

Para total desolamento de Bobbie, viu que estava sen­do compelida a caminhar, na verdade, quase a correr, en­quanto ele a puxava decididamente para fora da sala, rumo ao corredor, do lado oposto à direção da qual tinha vindo.

— Solte-me o que você está fazendo? Para onde está me levando? — protestou Bobbie, em pânico, enquanto tentava, em vão, soltar-se das mãos fortes de Luke.

— Soltar você? Mas de jeito nenhum. Quanto ao que eu estou fazendo... estou fazendo aquilo que devia ter fei­to desde o começo, desde a primeira vez em que a encon­trei — disse ele de maneira assustadora, parando tão abruptamente em frente a uma porta pequena e quase im­perceptível que Bobbie chegou a colidir com ele.

Quando ele abriu a portinha, Bobbie viu que ela dava para o jardim. Suas pernas tremeram de alívio. Por um ter­rível momento ela chegou a pensar a temer... a se apavo­rar... que ele talvez fosse prendê-la em algum lugar.

— Por aqui — ele indicou, puxando-a com força em direção a um caminho estreito. Tudo o que ela conseguia enxergar depois da cerca viva em frente a eles era o brilho mortiço dos tetos dos carros.

Sem lhe dar qualquer chance de dizer o que fosse, Luke a forçou a entrar em seu carro, usando seu próprio corpo além de seu braço coercitivo, para aprisioná-la entre o carro e si mesmo, enquanto destrancava a porta do acom­panhante.

— Entre aí — disse a ela, curto e grosso.

— Ora, ora, veja só, o que está se passando aqui? Não é difícil imaginar por que vocês dois estejam saindo de maneira tão furtiva. Será que...?

Bobbie sentiu um alívio percorrer o corpo ao reconhe­cer Max, que passeava tranquilamente em direção a eles, mas antes que ela pudesse abrir a boca para pedir ajuda, Luke já a tinha enfiado no banco do carona, batendo a por­ta logo em seguida.

— Roberta não está se sentindo muito bem — ela ouviu Luke dizer a Max, sua voz já distante. — Max, você pode dizer a Olivia para não se preocupar que eu vou cuidar dela, certo? Ah, e peça desculpas a seu avô por mim, tam­bém.

Quando Luke começou a dar a volta paira abrir a porta do motorista, Bobbie tentou abrir a porta ao seu lado para sair e pedir ajuda a Max, que agora já desaparecia em di­reção à casa. Foi quando descobriu que Luke a havia tran­cado lá dentro, ao verificar, quando tentou fazer com que seus dedos trêmulos ativassem o comando de abrir das ja­nelas automáticas, que para fazer isso precisaria da chave da ignição. Daí Luke abriu a porta e deslizou para dentro do carro, ao seu lado, pondo o veículo em movimento já com as portas novamente trancadas, não deixando a Bob­bie qualquer alternativa, a não ser ficar onde estava.

— Você não tem direito de fazer isso — ela afinal con­seguiu dizer enquanto ele manobrava o carro em direção à estrada principal. — Você está me sequestrando, isso é crime e...

— Pois chantagem também é — respondeu Luke de maneira pertinaz —, e quanto a ser sequestrada por mim... nós somos amantes... somos um casal... todos acreditam que somos um casal... esqueceu?

O modo agressivamente raivoso com que Luke estava dirigindo o carro fez Bobbie ser arremessada para trás no banco, chegou mesmo a engasgar com o solavanco, mas nem foi isso que lhe tornou impossível responder ao sar­casmo de Luke. Ela ainda estava em estado de choque por ter sido acusada de querer chantagear Ruth.

— Você não pode fazer isso, Luke — ela o avisou, mas o olhar de soslaio cheio de escárnio que ele lhe dirigiu fez seu coração quase pular de dentro do peito.

— E quem é que vai me deter? — Ele fez troça dela. — A sua cúmplice? — Luke balançou a cabeça e riu sem o menor traço de alegria. — Acho que não... Além do mais, você não me deixou muita opção. Mas quando ouvi o que vocês duas, pequenas asquerosas de sangue frio, estavam planejando, entendi que precisava agir rapidamente para proteger Ruth.

Como o que ele disse incluía três erros, os quais ela precisava urgentemente esclarecer a ele, Bobbie foi força­da a reconhecer que era estranho que ela se detivesse pri­meiro no menos importante deles, e disse a ele, com a voz tremula:

— Nós não somos pequenas e eu lamento que você use esse tipo de linguagem aviltante e discriminativa, particu­larmente quando...

— Ah, por favor — Luke a interrompeu com brutalida­de. — Pelo menos me poupe de seus clamores políticamente corretos. Meu Deus, você é mesmo única, não é? — disse Luke de maneira ofensiva. — Você não tem nem uma partícula de consciência do que estava planejando fa­zer, da dor que estava prestes a causar, e mesmo assim ainda tem a capacidade de vir me censurar por tê-la cha­mado de pequena... como se você fosse realmente o lado ofendido e injuriado na história.

— E é isso mesmo que sou — Bobbie insistiu de modo impetuoso. — E como você ousa falar comigo sobre consciência. Você com certeza pegou deliberadamente o fone para ouvir nossa conversa. Uma conversa particular

— Apenas acidentalmente — disse Luke, curto e gros­so. — Eu queria fazer uma ligação e não tinha a menor ideia de que alguém já estava usando a linha quando pe­guei o fone...

— Sim, e qualquer pessoa normal e decente teria ime­diatamente posto o fone de volta no gancho — Bobbie re­bateu, espertamente — e não continuado a ouvir o que es­tava sendo dito.

— Pelo bem de Ruth, eu não tive outra opção — res­pondeu Luke, amargamente. — E graças a Deus eu fiz isso. Quanto vocês iriam exigir dela nesta chantagem? Não que isso faça diferença, pois seja um centavo ou um milhão de libras, o conceito continua sendo o mesmo.

— Nós não estávamos pensando em fazer chantagem nenhuma com Ruth — Bobbie negou, com raiva. — Você entendeu tudo errado.

— Não, não, foi você quem entendeu tudo errado — Luke devolveu, acidamente. — E logo, logo, você vai descobrir como entendeu tudo errado.

Bobbie reparou que estavam tomando a direção de Chester. Estava tremendo por dentro de apreensão e uma sensação doentia de doída desilusão. Por que cargas d'água ela tinha de ser aquela tola tão idealista e romântica? Bobbie admitiu para si mesma que agora realmente não era bem o momento de ficar confrontando o fato que uma parte pequena, feminina, profunda e muito secreta no in­terior de si mesma continuava a nutrir esperanças que, se Luke tivesse de dizer a verdade, acabasse revelando ins­tantaneamente, sem hesitar, que sentia o mesmo que ela, e mais até, acabasse lutando por eles, lutando por ela; amando-a de maneira tão inequívoca e tão completa que ele entenderia de imediato e por inteiro a complexidade de suas emoções. Mas também é claro que Luke não a ama­va, não é? E, para ser honesta consigo mesma, ela já sabia disto antes.

— Aonde você está me levando? — Ela perguntou com firmeza enquanto fechava bem a porta de seus sonhos to­los.

— A um lugar onde você não terá chance de colocar seu plano nojento em ação; onde você não terá chance de fazer nenhum contato com Ruth, um lugar onde eu poderei ficar de olho em você até preparar tudo para que seja enviada para o local de onde veio.

— O que? Mandada de volta? Você não pode fazer isso.

— Ah é? Pois até mesmo aqui neste país nós podemos deportar, e deportamos estrangeiros indesejáveis.

Estrangeiros indesejáveis! Bobbie respirou fundo e de­pois contou até dez antes de dizer, com toda a calma que lhe restava:

— Eu acho ótimo que seu ego gigantesco, seu comple­xo de superioridade e seu senso de justiça lhe dêem a ilu­são de que pode fazer o que lhe der na cabeça, Luke, mas infelizmente para você e felizmente para mim, está tão su­jeito às leis locais quanto eu mesma, e nem mesmo você pode me manter presa à força ou me repatriar à força só por ser o que você quer.

Luke olhou para ela de um jeito que transformou seu sangue em gelo, e lhe deu um aviso.

— Não me provoque. Se for um desafio o que você estava buscando, pode então se dar por satisfeita. A prisão que eu tenho em mente para você pode não ser na delega­cia de Chester, mas vai ser no meu apartamento, e no que diz respeito à sua repatriação, bem, digamos apenas que, tenho certeza que darei um jeito de pensar em alguma ma­neira de a encorajar a querer voltar para o seu país...         .

Bobbie não ousou olhar para ele.

— Você deve ter muita consideração por Ruth para se envolver em toda essa confusão só para defendê-la, não é mesmo? — disse Bobbie, tremendo por dentro.

— Sim, tenho. — Luke concordou com toda a calma. — Mas não faria muita diferença a quem você estivesse tentando chantagear. Minha reação seria a mesma. Se a criação que lhe deram a levam a achar normal esse tipo de comportamento, bem, então faço ideia de por que Ruth chutou seu avô.

Bobbie olhou para ele em silêncio por várias segundos, não porque estivesse chocada a ponto de perder a capaci­dade de formular respostas, e sim por causa da enormida­de e intensidade de sua fúria. Quando ela por fim falou, pontuou sua fala lenta e cuidadosamente com pausas. Lembrando a si mesma que não iria conseguir nada se fi­zesse aquilo que realmente desejava fazer, ou seja, gritar com ele e socar-lhe o peito e forçá-lo a engolir todos os insultos que lhe havia lançado.

— Meu avô e meus pais — começou ela, mas logo teve de parar, pois sua voz havia começado a tremer tanto que sua boca mal conseguia articular as palavras. — Você não serviria para ficar no mesmo ambiente que eles — disse, tocada, quando finalmente conseguiu falar. — Não pode­ria respirar o mesmo ar que eles... nem mesmo existir no mesmo universo.

— Crianças que foram vítimas de abuso costumam de­dicar uma grande lealdade a seus pais. É um fenômeno com o qual assistentes sociais costumam se deparar com muita frequência — disse Luke, bruscamente. — Parece que isto se deve ao fato de esses filhos não terem conheci­do nenhum outro tipo de relação familiar, nenhum relacionamento que fuja a esta regra.

— Os meus pais... na minha família... não existe ne­nhum molestador de crianças — Bobbie negou furiosa­mente. — Você não entende que...

— Eu entendo perfeitamente — Luke a corrigiu sem se alterar. — Afinal de contas, eu ouvi perfeitamente sua irmã lhe dizendo que vocês tinham de fazer Ruth pagar.

— Pagar por abandonar nossa mãe. sim — Bobbie pro­testou —, mas não pagar em termos financeiros. O que nós queríamos dizer era...

— Não perca seu tempo mentindo para mim, Bobbie — Luke a avisou, com toda a frieza enquanto fazia uma manobra difícil na estrada.

Agora já estavam em Chester e Bobbie percebeu, com o coração em frangalhos, que era mesmo bem provável que ele pudesse levar a cabo a ameaça de aprisioná-la em seu apartamento. Mas ela não poderia ser mantida presa para sempre. Mais cedo ou mais tarde ele teria de deixá-la sozinha e quando isso acontecesse...

Começou a planejar furiosamente o que faria. Se as coisas desandassem de vez, tudo o que teria que fazer era , ligar para Sam e... Ficou tensa ao perceber que Luke havia parado o carro. Procurou instintivamente pela porta, mas Luke lançou-lhe um olhar de advertência e disse, suave­mente:

— Se eu fosse você, não perderia meu tempo tentando correr de mim. Eu costumava jogar rúgbi, e posso jurar que, se for necessário, sou bem capaz de machucá-la a ponto de causar sérios danos a esses seus dentes perfeitos e caros.

— Pois meus dentes são meus mesmo, são naturais, muito obrigada, e não são resultado de nenhum tratamen­to cosmético dentário — Bobbie respondeu de maneira pungente, empinando o queixo para ele de modo a fazê-lo saber que ela não estava se sentindo minimamente intimi­dada por suas ameaças. Mesmo assim, ela chegou à con­clusão de que não seria boa ideia correr o risco de se hu­milhar tentando correr dele, já que lembrava muito bem da facilidade com que ele a havia coagido. Além do que, a rua estava vazia, o que significava que não havia ninguém a quem ela pudesse pedir ajuda.

— Você não pode me manter aqui para sempre — ela o avisou dez minutos depois de ele a ter empurrado sem cerimônia para as escadas que levavam à sua espaçosa e ele­gante moradia, logo acima dos escritórios de sua firma. — Para começo de conversa, Olivia vai querer saber o que está se passando. Afinal de contas, ela espera que eu vá trabalhar para ela...

— Eu posso jurar que mantê-la aqui para sempre é a última coisa que me passa pela mente — Luke assegurou a ela sem um traço de gentileza — e quanto a Olivia... Bem, acho que ela vai entender quando eu explicar a ela que nós dois estávamos tão arrebatadoramente apaixona­dos que precisávamos ficar juntos. Da mesma forma, ela também vai entender o porquê de você ter de voltar para casa quando eu e você descobrimos que a nossa... bem, a nossa paixão um pelo outro se desgastou.

Bobbie ficou olhando para ele.

— Você já tinha tudo planejado na cabeça, não é mes­mo? — ela o acusou. —Mas, ainda assim, você entendeu tudo errado.

— Então você continua a alegar inocência. — disse Luke com frieza — Pois tenho certeza que você vai entender se eu disser que simplesmente não está me conven­cendo.

— Não, não estou — Bobbie objetou com humor. — Não existe uma lei neste país que garanta que uma pessoa seja considerada inocente até prova em contrário? Você quer que eu seja culpada, Luke, e é por isso que já me pre-julgou. Você quer pensar o pior de mim. Você quer acre­ditar que eu seja uma, uma...

— Uma chantagista — Luke completou para ela, sem se alterar. — Você condenou a si mesma com suas pró­prias palavras, Bobbie.

— Aquela era uma conversa particular — disse ela, fu­riosa —, aliás, uma conversa que você interpretou de modo totalmente errado. Ruth abandonou minha mãe quando ela tinha menos de dois dias de idade. Você faz alguma ideia do que isto quer dizer? Não, é claro que não. Minha mãe foi rejeitada no nascimento pela própria mãe. Foi total e completamente abandonada. Algo assim dói, e continua a doer pela vida inteira da pessoa...

— E aí você decidiu ferir Ruth também, mas através de sua conta bancária ao invés de emocionalmente — Luke zombou dela, cinicamente.

— Não, isto não é verdade — Bobbie negou incisiva­mente. — Ruth é minha avó — ela o lembrou. — Você com certeza não acha...                                                

— A avó que não a quis, que rejeitou seu avô e sua mãe — Luke alegou, cruelmente. — Em um mundo no qual casos de filhos que matam os pais para ficar com o dinheiro deles não são nada raros, por que eu teria de acreditar que você nutre qualquer sentimento afetuoso por Ruth, por que alguém acreditaria nisto? Na verdade...

— Você quer acreditar no pior em mim — Bobbie la­mentou, muito emocionada. — Você tem se posicionado contra mim, tem suspeitado de mim desde o início.

— E tive boas razões para isso — respondeu Luke, de modo sucinto. — Para falar a verdade, jamais me ocorreu que você pudesse ser uma chantagista prestes a entrar em ação. Mas eu realmente fiquei pensando, ao perceber como você demonstrava interesse por nossa família, se não estaria tramando dar um golpe do mesmo tipo que tentaram com um cliente meu ano passado, ou seja, fazer uma acusação de paternidade não reconhecida contra al­gum membro da família. Mas, felizmente, conseguimos provar que as alegações que ela fazia eram totalmente ir­reais, apesar de que o estresse ao qual meu cliente foi ex­posto fez com que ele começasse a sofrer de ansiedade aguda, além de ter causado um verdadeiro estrago em seu casamento, já que a tal jovem que o acusou alegava ter sido concebida durante os primeiros anos do casamento de seu suposto pai.

— Isso realmente acontece — Bobbie observou.

— Talvez sim, mas do meu ponto de vista isso não jus­tifica de modo algum o caos que pode ocorrer como resul­tado de relacionamentos infelizes.

— O resultado. Você está falando de seres humanos — disse Bobbie, emocionada. — Pessoas com sentimentos... com necessidades, com emoções mas é claro que isso é algo de que você não deve saber nada mesmo, não é? — arremessou as palavras nele furiosamente, como se fos­sem torpedos.

— Ao contrário, eu sei exatamente o que essas coisas significam — Luke corrigiu-a com suavidade. Uma ten­são elétrica pareceu preencher o recinto de repente, tor­nando difícil para Bobbie respirar corretamente. Dava para ela ouvir como sua respiração estava curta e, mais ainda, como a respiração dele estava pesada e irregular, fazendo um contraponto agonizantemente sensual à dela. Pôde notar uma pequena pulsação denunciadora sob a pele de Luke quando ele enrijeceu o maxilar e, como um incêndio florestal que se alastra na madeira seca e desesperadamente sedenta, bastava uma mera expiração ou a mínima inalação para ventilar e espalhar as chamas perigo­sas que Bobbie sentia pularem violentamente dentro de si mesma. Bastaria a menor fagulha para atear fogo na colé­rica conflagração de paixões que haviam compartilhado mais cedo, e para ela, ao referir-se ao acontecido, foi Luke quem acabou soltando esta fagulha.

Olhou para sua boca, sedenta, e não conseguiu desviar o olhar. Pense na mamãe, pense na Sam... pense na manei­ra com que Luke a insultou, a julgou mal... em como ele a magoou, avisou a si mesma, mas não adiantou de nada. O fogo já estava queimando fora de controle e ela foi consu­mida por ele e pelo calor abrasador de sua própria necessidade, uma necessidade que ela sabia, por instinto, que era a mesma que Luke sentia.

— Meu Deus você sabe o que está provocando... o que você está incitando... não sabe? — Luke avisou a ela cruamente, mas mesmo assim continuava a se dirigir a ela, di­minuindo a distância entre os dois, pegando-a com a mes­ma força intensa com que a pegara mais cedo, mas desta vez ambos sabiam que isso nada tinha a ver com querer aprisioná-la ou feri-la. Bobbie nem mesmo tentou escapar ou se mexer. Ao invés disso, simplesmente ficou parada lá observando esperando sabendo...

— Você tem consciência que desta vez eu não vou con­seguir parar, não sabe? — Luke advertiu Bobbie, com a língua mole como se estivesse sob o efeito de alguma substância. — Você sabe o que está para acontecer entre nós dois... o que está destinado a acontecer conosco...

— Você me odeia — Bobbie lembrou-o, numa tentati­va débil de arrastá-los de volta à sanidade e à realidade.

— Sim, é verdade — concordou Luke com um tom de­solado na voz. — Eu odeio você. E odeio a mim mesmo, também. Para falar a verdade, abomino e desprezo a nós dois. A você, e a mim mesmo ainda mais, já que sei o que você é, mas mesmo assim continuo lhe querendo. Queren­do você — ele gemeu, para então dizer de maneira selva­gem: — Deus do céu, se ao menos fosse assim tão sim­ples. Eu não devia ter trazido você até aqui!

— Então me deixe ir embora, ora — disse Bobbie, sim­plesmente. Ela não iria implorar nada a ele, não iria supli­car para ser solta, e além do mais... Era seu orgulho o que a detinha de fazer algo assim, assegurou a si mesma apai­xonadamente. Era só isso, apenas isso. Seu orgulho nada além e, com toda a certeza, não era por causa da necessi­dade atordoante, dolorosa e intensa que a perturbava.

— Eu não posso fazer isso — disse Luke de modo taci­turno. De repente voltou-se para encará-la e acrescentou: — Você sabe disso, e sabe também por que...

— Por causa... por causa de Ruth — Bobbie sussurrou, sentindo a boca subitamente seca, seu coração batendo em golpes pesados e lentos que a fizeram sentir-se sem fôlego e com a cabeça zonza.

Enrijeceu o corpo quando o olhar torturado de Luke pa­rou sobre sua boca. Ele levantou a mão e correu a ponta rija de seus polegares pela carne sensível dos lábios dela, já marcados pelos beijos apaixonados que trocaram em Queensmead, o que fez o corpo todo de Bobbie tremer de prazer erótico; uma reação com a qual ela sabia que Luke já havia se familiarizado.

Seu polegar parou de se mexer, o ar entre eles tão car­regado de tensão mútua que Bobbie mal podia respirar.

— Você sabe o que está fazendo comigo, não sabe? — perguntou Luke rudemente antes de abaixar a cabeça. Por puro instinto, Bobbie tentou proteger-se do que sabia que estava para acontecer e tentou afundar seus dentes no dedo dele, uma atitude defensiva que vinha de seu pânico; só que, ao invés de puxar o dedo de dor, Luke enfiou o dedo ainda mais fundo na boca de Bobbie, acariciando a suave, inchada e belamente reativa carne interna de seus lábios.

— Olhe para mim — Bobbie o ouviu ordenando cruamente. — Olhe para mim e veja só o que você está fazen­do comigo. — Ela lutou contra, mas perdeu o controle e deixou escapulir um suave gemido de prazer atormenta­do. — Olhe para mim, Bobbie.

Indefesa, foi o que ela fez, olhos se arregalando de cho­que ao reconhecer o desejo, a excitação, o prazer aguda­mente masculino que ela via brilhar tão soturnamente nos olhos de Luke. Era impossível para ela desviar o olhar, e impossível também evitar que ele visse sua própria ex­pressão de contraponto feminino à sua excitação.

Entregou-se, debilmente, à necessidade que a subjuga­va, tocou a pele dele com a ponta da língua, deliciando-se com o sabor e a textura antes de sugá-lo com mais força, mais para dentro da boca, chupando o polegar dele com uma urgência e um ritmo que estavam muito longe de se­rem controlados.

Através da calorosa neblina de sua própria paixão, ela pôde ouvir Luke murmurar algo entrecortado entre uma inalação e outra, e então ele estava beijando-a na boca com o tipo de paixão que a levava a reagir de maneira tu­multuosa. Ele passou então os braços em volta dela, bei­jando-a ainda, e a pegou no colo e a carregou para o quarto de dormir.

Bobbie teve uma vaga impressão das belas cores neu­tras e dos tecidos naturais, da cama espaçosa com a cabe­ceira e suporte para os pés feitos de madeira polida, um par de arcas muito masculinas e complementares, o aroma fresco de cedro aquecido pelo de sândalo, como se a roupa de cama suave de tons cremosos tivesse sido guardada em um armário antigo.

Enquanto ele a deitava na cama, Bobbie pôde ver as iniciais entrelaçadas bordadas nos travesseiros, o que era, sem dúvida, legado de algum enxoval carinhosamente preparado por alguma ex-noiva.

— Eu não devia estar fazendo isto. Vai de encontro a tudo que sempre acreditei na vida, tudo o que eu...

— Então pare! Pare agora e me deixe ir embora — Bobbie interrompeu Luke com ferocidade enquanto jazia presa sob o corpo dele, com suas mãos abarcando seu ros­to para olhá-la.

Ele lhe dirigiu um sorriso antagónico.

— É isso mesmo que você quer? — perguntou, ator­mentando-a, levantando uma das mãos para deliberadamente traçar uma linha que ia da concavidade de sua garganta até a região entre os seios. Deus do céu! Ela quase podia ver, que dirá sentir, seus seios inchando e se empinando perversamente, em uma urgente demanda por seu toque, e não só o toque de suas mãos, ela reconheceu enquanto ele inclinava a cabeça e lentamente começava a usar a boca para percorrer o caminho de seu dedo agoniado.

Ela sentiu que começava a tremer violentamente. O odor da pele dele, do cabelo, preencheu-lhe as narinas como algum tipo de sortilégio afrodisíaco.

— Luke... — ela gemeu o nome dele, um som suave e choroso de fêmea, e fechou os olhos, arqueando o corpo, tiritando, doendo, desesperadamente tentando se agarrar ao resto de autocontrole que sentia estar indo embora, le­vando-a junto com todo o ímpeto e perigo de uma ava­lanche.

Sentiu o calor do hálito dele contra sua pele através das roupas e teve de lutar contra a aguda compulsão de escor­regar os dedos entre seus cabelos e trazê-lo mais para per­to do corpo. Ele estava beijando o espaço entre os botões que mantinham sua blusa fechada, empurrando o tecido com a boca enquanto brincava com seu corpo em agonia e suas emoções extraordinariamente atiçadas, tantalizando-a e atormentando-a de forma deliberada.

Mas ela já passara havia muito do ponto onde poderia evocar o orgulho e o bom senso ou mesmo a dignidade para deter o desmoronamento e a chocante rapidez com que decaiu aos domínios sombrios de seus desejos quase violentos, e quando a mão de Luke cobriu-lhe o seio por sobre a roupa, ela soltou um grito de agonia e vontade de que ele a tocasse mais intimamente, para que ele satisfi­zesse a fome, a necessidade que sentia por um contato de pele com pele.

Ela o queria tanto que sequer percebeu o que estava fa­zendo quando começou a arrancar a blusa freneticamente.

— O que, é isso o que você quer? — ela ouviu Luke per­guntar com a voz rouca à medida que sua mão cobria a dela, que apertava o seu corpo contra o dela, aprisionan­do-a, enquanto ela olhava bem fundo nos olhos dele. — Diga, Bobbie — ele insistiu, sem conseguir articular as palavras de maneira normal. — Diga... eu quero ouvir você dizer.

Bobbie lambeu seus lábios secos com a ponta da lín­gua, estremecendo ao sentir as chamas internas que lhe lambiam, fazendo seu corpo inteiro arder.

— Eu quero você, Luke... eu quero que você.

— Sim você quer que eu o quê? — a voz dele soou crua. — Você quer que eu arranque cada peça de roupa do seu corpo e deixe você... nua para mim... para os meus olhos... minhas mãos... minha boca?

Bobbie gemeu, tremendo intensamente, incapaz de pa­rar de reagir aos estímulos, não apenas por causa do que ele estava dizendo e das imagens mentais com as quais ele a enfeitiçava, mas também devido ao que ela via nos olhos dele, à mensagem que ele transmitia de maneira tão ine­quívoca, apesar de ele falando como se estivesse no papel de protagonista e se fazendo de indiferente ao desejo que a consumia. Como se estivesse em pleno controle de si mesmo e dela, quando na verdade ele tinha pouco contro­le sobre si, sobre o que estava acontecendo e sobre sua reação de homem... tão pouco controle quanto ela. E tal­vez fosse por isso que, ao invés de lutar contra ele, agar­rando-se à realidade e resistindo a tudo o que ele lhe ofe­recia, tudo que ela sabia que queria tanto, tudo que ela sa­bia que ele queria tanto, ela o deixou ver em seus olhos exatamente o que estava sentindo, exatamente do que ela estava precisando, o que aquela mistura apaixonada, ex­plosiva e aniquiladora de desejo físico e de fúria estava causando nela.

— Sim. Sim. Eu quero tudo isso e mais, muito mais... mais... — ela admitiu com a voz rouca e selvagem, ceden­do à perigosa emoção de não só acompanhar aquela avalanche veloz, mas também de procurar por ela, aumentan­do sua velocidade, seu poder. Em algum lugar muito, muito abaixo dela, o trauma e a dor a aguardavam, mas naquele momento tudo que lhe importava era a até então desconhecida, chocante e devastadora excitação de ser exposta a tamanho perigo, de tomar parte nisso, de ser co-responsável por isso, de saber, a despeito do que Luke ten­tasse implicar, que tudo o que ela tinha que fazer para levá-lo ajuntar-se a ela em sua descida espontânea rumo à destruição era começar a desabotoar a camisa dele, como estava fazendo agora. Não todos os botões... ainda não só o suficiente para que ela pudesse enfiar as mãos por dentro da camisa de modo a poder acariciar os ossos de seus ombros enquanto a ponta de sua língua explorava a concavidade de sua garganta, para depois subir e acari­nhar seu maxilar.

Ela o ouviu gemer, sentiu até nos pés a reverberação do som grave e atormentado que ele não conseguiu segurar, sabendo que agora ele faria aquilo, agora ele faria exata­mente o que havia ameaçado enquanto ela sentia as mãos que ele estava usando para prendê-la agora arrancando as roupas dela febrilmente, tremendo contra a pele dela en­quanto abria e tirava sua blusa, expondo seus seios à luz do sol do entardecer, deixando-os com uma tonalidade dourada.

— Ah, meu Deus, leite e mel — ela achou que o ouviu murmurar enquanto segurava ambos os seios. Começou então a friccionar seus seios com os polegares até que ela perdeu o controle completamente e só conseguia ouvir a si mesma pedindo o que ela queria, o que ela precisava, ela tinha que sentir o calor, o toque de sua boca em seus seios.

— Assim? — perguntou ele.

Mas ela não conseguiu responder. Tudo o que pôde fa­zer foi segurar a parte de trás da cabeça dele e olhar para seus cabelos negros enquanto ele se abaixava em direção aos seus seios. A pressão da língua dele em seus mamilos enviou-lhe uma sensação de ignição que foi do meio dos seus seios até o centro do ventre. Suas pernas se abriram instintivamente, seu corpo doía e o gemido que lhe esca­pou dos lábios a fez perceber o que estava para acontecer. Luke também sabia. Dava para ela perceber pelo jeito que ele a olhava enquanto relutantemente deixava seu seio para olhá-la no rosto enquanto ele tentava domar sua cau­dalosa tentação.

— Isto não era para estar acontecendo — Bobbie não percebeu que tinha dito essas palavras até sentir as mãos de Luke descendo pelo seu corpo. — Não — ela protes­tou, mas ambos sabiam que a negativa não era para ele ou para seu toque, mas para a sua própria reação às carícias.

— Deixa, deixa, Bobbie — ela o ouviu sussurrar roucamente para ela. — Você sabe que quer. Você sabe que está, pronta para isso.

Ela não deu qualquer resposta em palavras. Não poderia. Ambos estavam tremendo enquanto tiravam as roupas que ainda restavam. Quando o viu olhando para ela, Bob­bie quis desesperadamente poder segurar aquele momen­to, deitar-se orgulhosamente sob seu olhar, toda fêmea. Ela queria ter tempo de submeter o corpo nu de Luke a um escrutínio tão desinibido e erótico quanto o dele no corpo dela. Mas ela não conseguiria. Simplesmente não tinham tempo para isso. Ela não tinha tempo, e a sensação que a engolfou ao ver que ele estava pronto para ela transfor­mou tudo dentro dela em calor líquido.

Sua primeira investida a fez trincar os dentes numa ten­tativa de impedir a si mesma de rangê-los de frustração, de tão lento e cuidadoso que ele foi.

Ela queria que ele se mexesse mais rápido, mais fundo, que cavalgasse a onda do desejo dela por ele à medida que chegava ao ápice, mas então ela esqueceu o que ia dizer... pedir, quando ele começou a golpear uma vez mais, de maneira ágil, profunda, outra vez, e mais outra, e de novo, e quando ela estava começando a pegar o ritmo ele voltou aos movimentos lentos.

Era um tormento, uma tortura, uma sensação insupor­tável como um inferno branco de um prazer tão agudo que ela queria gritar do êxtase mais picante. Mas simplesmen­te não havia tempo. Também quando abriu a boca a onda se quebrou, mandando a ambos para a arrebentação de brancas espumas agitadas e turbulentas das correntes de desejo mútuo.

Ela ouviu Luke gritar, o som de um homem em agonia mortal ou êxtase imortal, e depois, de maneira chocante e tremendo, estava enfim terminado.

Quando Bobbie abriu os olhos, o quarto estava em total escuridão. Precisou de vários segundos para lembrar onde estava e por quê. Havia adormecido tão rápida e profun­damente após tudo, que seu corpo ainda estava curvado, em feminina vulnerabilidade, perto do corpo de Luke. Não que ela pudesse ter se afastado dele se quises­se, ao menos não sem acordá-lo, pois uma coxa masculina muito forte estava jogada sobre seu corpo, ancorando-a à cama e a ele. Apesar de ela não ter se mexido, algo deve ter alertado Luke para o fato de que ela estava acordando, pois de repente sentiu uma mudança no ritmo da respira­ção dele em sua nuca. A mão dele bateu levemente em seu braço nu, e de novo, repousando enfim sobre seu seio. Mi­núsculos tremores inundaram seu corpo, diminutos dardos como alfinetes de prazer emanando da região vulnerá­vel debaixo de sua orelha que ele acariciava tão lenta e deliciosamente com a boca.

— Vire-se — ela o ouviu dizer suavemente. — Quero beijar você direito.

Desta vez a coisa toda se desenvolveu de maneira mais relaxada, as carícias que ele fez em seu corpo e ela no dele, com as mãos e os lábios, foram mais íntimas e pro­longadas, mas o final foi o mesmo: uma explosão de pai­xão quente e branca que os engolfou a ambos, fazendo-os gritar e se agarrar um ao outro enquanto a inundação com­pleta de seu desejo compartilhado lhes tomava por inteiro.

 

Quando Bobbie abriu os olhos novamente já era dia e ela se encontrava sozinha. Como ainda não lhe haviam retor­nado à mente as memórias de intimidade física e unidade que compartilharam e de intimidade emocional e compro­metimento que não compartilharam, fechou os olhos e chorou lágrimas silenciosas de dor e pesar. Dor, pela consternação que sabia que encontraria pela frente, e pe­sar, pela perda, pelo amor natimorto que sabia que sim­plesmente não poderia permitir que existisse e que com certeza não existia para Luke.

As iniciais dele, finamente bordadas e entrelaçadas na roupa de cama chamaram sua atenção. Traçou-a com cui­dado com a ponta do dedo, o mesmo toque gentil e desbra­vador que usara no corpo de Luke na noite anterior. A rou­pa de cama fora bordada muito tempo antes por uma noiva de um Crighton. A noiva de um Crighton! Isto era algo, alguém, que ela jamais seria. Lágrimas quentes queima­ram o fundo de suas pálpebras. Onde estava Luke? Ela não podia deixar que ele a visse daquele jeito e perceber o que estava sentindo.

O que estava sentindo... E o que estava sentindo? Será que realmente tinha de fazer tal pergunta a si mesma? Será que a maneira com que reagiu a ele, na noite passada, ain­da não havia respondido a ela, não a havia forçado a con­frontar a verdade que estava evitando e tentando suprimir virtualmente desde o momento em que se encontraram? Ela estava apaixonada por ele, ela o amava.

Fechou os olhos e engoliu em seco, produzindo um pe­queno som como um borbulho angustiado na garganta. Não, aquilo não, ela não podia, sob hipótese alguma... Onde estava seu orgulho? Seu respeito próprio, seu senso de valor pessoal e autopreservação?

E, também, onde estava Luke?

O apartamento parecia estranhamente vazio. Mas com certeza ele não a teria deixado sozinha para escapar... Não depois do que havia dito ontem. Não depois das ameaças que fez, a fúria que demonstrou.

Cautelosamente, pôs as pernas para fora da cama e, após enrolar o edredom no corpo para cobrir sua nudez, caminhou pisando devagar até a porta do quarto de dormir e a abriu.

— Luke? Nenhuma resposta.

Ficou gelada quando alguém de repente começou a ba­ter na porta demonstrando urgência. Hesitou, pensando se devia ou não responder, mas logo ouviu a voz de Olivia do outro lado da porta.

— Bobbie. Rápido, me deixe entrar.

Quando destrancou a porta, Olivia praticamente se jo­gou dentro do quarto. Bobbie notou que ela estava corada e parecia levemente agitada, como se estivesse excitada, e pareceu nem reparar o estado descomposto de Bobbie ou o fato de estar sozinha.

— Escute, você tem que pôr uma roupa — instruiu-a rapidamente — e, por favor, não perca tempo. Não posso explicar nada agora.

— O quê? — Bobbie começou a se opor, mas Olivia já estava empurrando-a de volta ao quarto.

— Não, não me pergunte — disse Olivia. — Não posso explicar agora. Mas você precisa se apressar. Por favor.

Ainda hesitando, Bobbie perguntou:

— Isso tem... tem algo a ver com Luke?

— Não tem nada a ver com Luke — respondeu Olivia, acrescentando um pouco surpresa ao finalmente perceber que Luke não estava lá: — Onde está ele, a propósito?

— Eu não sei — respondeu Bobbie.

— Bem, lamento, mas não temos tempo de esperar por ele — disse Olivia, determinadamente —, apesar de eu saber que você prova­velmente gostaria de esperar.

Gostaria? Ela? Se Olivia soubesse

— Não tudo bem — respondeu ela de modo trôpego, enquanto ia pegar as roupas que estavam espalhadas pelo quarto, sentindo-se envergonhadamente grata por Olivia não ter entrado no quarto para reparar como elas estavam, jogadas para todos os lados. Enquanto Olivia perambula­va pela sala de estar, Bobbie entrou no chuveiro rapida­mente e se vestiu, depois foi encontrar Olivia, dizendo nervosamente que ela devia estar horrorosa sem maquiagem nenhuma.

— Você está ótima — disse Olivia, balançando a cabe­ça e logo a apressando novamente. — Vamos lá, temos que nos apressar...

— Nos apressar para ir aonde? — Bobbie quis saber, mas Olivia já estava tomando-a pelo braço e impelindo-a em direção à porta de entrada. Sentia-se como um perso­nagem de Alice no País das Maravilhas, Bobbie pensou, perplexa, enquanto Olivia apressava-a em direção às es­cadas e para fora, sob o sol que brilhava.

Onde estava Luke? O que estava se passando? Por que Olivia estava tão impaciente e tão excitada ao mesmo tempo, e o que...?

Bobbie teve seus pensamentos repentinamente inter­rompidos ao ver Ruth parada do outro lado da rua, perto não de seu carro, mas de um grande Rover lustrado.

— Ah, Bobbie... — Ruth deu-lhe um abraço emociona­do tão logo Bobbie se aproximou, de modo que ela pôde ver as lágrimas fazendo seus olhos brilhar. Completamente estupefata com o que estava acontecendo, ela observou Ruth e Olivia trocarem olhares emotivos e significativos.

— Rápido, para dentro do carro, você duas — Olivia orientou, e depois perguntou a Ruth: — Você tem certeza que está em condições de dirigir?

— Tenho certeza — Ruth garantiu a ela, com um sorri­so largo, mas ligeiramente vacilante. Deu-lhe um abraço, dizendo: — Mas não tenho certeza se...

— Tem, sim — Bobbie ouviu Olivia dizer a Ruth com firmeza enquanto se afastava para que Ruth abrisse a por­ta do carro.

— Entre, querida — Ruth pediu a Bobbie.

Querida? O queixo de Bobbie caiu, mas Olivia já esta­va abrindo a porta do acompanhante e empurrando Bob­bie para o assento.

— Não vá correr demais — Olivia avisou a Ruth.

— Alguém poderia me fazer o favor de explicar o que está se passando? — Bobbie suplicou.

— Você vai descobrir já, já — respondeu Olivia, cheia de mistério.

De repente, um pensamento sinistro ocorreu a Bobbie. E se Luke tivesse pedido ajuda a Olivia e a Ruth e elas estavam... O quê? O que poderiam fazer? Além do que, uma olhada no rosto das duas seria o bastante para assegu­rar a Bobbie que, independente do que estivesse aconte­cendo, não tinha nada a ver com o mal-entendido de Luke em relação ao telefonema de Samantha que ele acabou ou­vindo.

Não, independente da razão pela qual se comportavam de modo diferente, estavam entusiasmadas. Bobbie mor­deu o lábio inferior e parou de imediato ao sentir dor num ponto onde ainda havia marcas dos beijos apaixonados da noite anterior. Olivia estava entusiasmada, sim, mas

Ruth...

Ruth estava mais do que meramente entusiasmada. Ja­mais vira a velha senhora se comportar de modo tão emotivo an­tes. E ela a havia chamado de "querida". Ato falho ou...

— Ruth, você pode, por favor, me dizer o que está ha­vendo? — ela pediu mais uma vez.

— Eu não posso — respondeu Ruth. —Você vai ver...

— Colocou a mão na boca e Bobbie pôde ver que seus olhos subitamente começaram a brilhar, cheios de lágri­mas. — Prometi que eu... eu não posso ainda não.

— Prometeu? A quem? — O coração de Bobbie come­çou a bater desconfortavelmente enquanto Ruth lidava com o tráfego e pegava uma auto-estrada. Estavam se di­rigindo a Manchester.

Mal podia pensar agora no que havia acontecido na noite anterior. Como poderia ela encarar Luke novamen­te, sabendo o que ele estaria pensando dela...? Sabendo que estaria se sentindo exultante? Na verdade, ela iria até o fim do mundo para não ter de passar por isso... para não ter de olhar para a cara dele, para seus olhos, e ver em sua expressão que ele sabia de suas fraquezas, de sua vulnera­bilidade, de seu amor por ele. Pois certamente ele agora sabia de tudo sabia o que a fez corresponder a ele... corres­ponder tão apaixonadamente a ele. É claro que para os ho­mens as coisas eram diferentes. Os homens não...

Ficou tensa ao perceber que Ruth estava pegando a es­trada que levava ao aeroporto. Ao aeroporto...? Ruth esta­va mesmo levando-a ao aeroporto para... para fazer o quê? Bobbie nem mesmo estava com o passaporte. O que estava acontecendo, afinal de contas?

Bobbie observou Ruth, franzindo o cenho. Parecia de alguma forma mais jovial, mais suave... e mais vulnerá­vel. Bobbie podia sentir o cheiro da delicada fragrância que estava sempre usando. O cabelo parecia que tinha acabado de ser penteado, as unhas cintilavam, pintadas com um esmalte de tonalidade discreta. Ruth estava sem­pre elegante, mas hoje... Hoje seus trajes casuais em tons cremosos pareciam ter saído de uma butique de luxo, e o formato delicado da saia que usava ressaltava o corpo invejavelmente delgado e jovial que ainda mantinha.

Sim, Bobbie concluiu, surpresa, enquanto via os edifí­cios do aeroporto se aproximando cada vez mais, Ruth es­tava vestida como quem ia a um encontro muito especial: um encontro com um homem!

Mas Ruth não saía com ninguém, pelo menos era o que dizia Olivia, e Bobbie não tinha motivos para duvidar dela.

— Só um pouquinho mais. Por favor, seja paciente, queri... Bobbie — Ruth suplicou.

De novo. Ruth quase a chamou de "querida" de novo. O que estava acontecendo, droga?

Bobbie estava desesperada de vontade de saber, mas Ruth dirigia pelo estacionamento e pediu a Bobbie para tentar encontrar uma vaga.

Nem quando já havia estacionado o carro Ruth concor­dou em dizer a Bobbie o que estava acontecendo. Pediu apenas para que se apressasse em direção ao portão de chegada.

— Vamos lá, não temos muito tempo — disse Ruth.

Bobbie notou que Ruth estava empolgada como uma garotinha. Os anos pareciam tê-la deixado, o que permitiu a Bobbie fazer uma ideia de como teria sido a aparência dela quando ela e seu avô se conheceram. Ela achou até que havia uma semelhança entre os traços de Ruth e os de sua mãe.

Os passageiros do vôo que estava chegando já haviam começado a formar fila no saguão, enquanto Ruth apres­sou Bobbie para que alcançassem logo o portão de chegada. Ruth apertou a mão de Bobbie com tanta força que logo deu para perceber sua tensão e ansiedade.

Bobbie automaticamente começou a observar os passa­geiros que chegavam, exauridos da viagem, e arregalou os olhos de choque ao deparar-se com quatro rostos conheci­dos. O que seus pais, seu avô e sua irmã estavam fazendo ali? Voltou-se instintivamente para Ruth, buscando expli­cação, mas ela não estava em condições de escutá-la, que dirá responder-lhe. Ruth estava concentrada no homem alto, de ombros largos, cabelos grisalhos que caminhava mais rápido que o resto da família. Ao chegar onde Ruth estava, abriu os braços e exclamou, emocionado:

— Ruth... minha pequena Ruthinha...

— Grant... — Bobbie ouviu Ruth gritar, deixando es­capar um soluço contido ao se atirar nos braços abertos de seu avô.

Boquiaberta, Bobbie os viu se abraçar com tanto fervor e entrega como se fossem dois adolescentes, agarrando-se, tocando um no rosto do outro, como se não pudessem acreditar que o outro era real, e então começaram a rir e a chorar e a trocar palavras carinhosas à meia-voz, total­mente alheios ao resto da família e aos olhares estranhos de simpatia e curiosidade que estavam atraindo.

Bobbie sentiu que, enquanto os observava, seus pró­prios olhos se encheram de lágrimas. Era assim que o amor era para ser. Não... Ela mordeu o lábio com mais força, lembrando a si mesma enfaticamente que Luke não a amava, ao passo que seu avô...

— Ah, Grant, você não mudou nada — ela ouviu Ruth dizer, emocionada.

— E nem você — respondeu Grant suavemente en­quanto segurava o rosto de Ruth com as mãos, observando cada detalhe. — Você ainda parece a mesma menina que tenho na memória...

— Ah, Grant — Ruth objetou, balançada. — Não sou mais uma menina. Sou...

— Você é a mulher que eu amo — Grant a interrompeu com a voz firme. — A mulher que eu sempre amei e sem­pre amarei. A mulher que tenho medo de beijar direito aqui, em público, para não fazer vergonha e deixá-la sem graça.

— Ah, Grant!

— Mas é verdade — disse Grant, sem qualquer inibi­ção. — Faz tanto tempo, Ruthinha, e para mim nunca ouve mais ninguém, a não ser você...

— Eu ainda não consigo acreditar que isso esteja acon­tecendo. Que isso não é um sonho — disse Ruth, trêmula.

— Quando Olivia disse que o avô de Bobbie estava no telefone e queria falar comigo, eu não fazia a menor ideia...

— Você nunca saberá como eu tive medo que você desligasse na minha cara — Grant a interrompeu delica­damente. — Mas quando Sam contou o que ela e Bobbie estavam planejando, eu vi que tinha de detê-la e avisá-la.

— Eu reconheci sua voz imediatamente — disse Ruth timidamente —, mas ainda não podia crer...

— Nós já perdemos tantos anos. Não vamos perder mais os anos que nos restam. Não posso me dar a este luxo — disse ela, com bom humor. — Não sou mais jovem.

— Pois para mim, você é — respondeu Ruth. Ela ainda não estava conseguindo assimilar aquilo tudo direito. O choque de lhe chamarem para falar com o avô de Bobbie, para logo após se dar conta que ele era Grant, o seu Grant, para não mencionar as outras revelações que se seguiram ao telefonema, aquilo tudo ainda não havia se apagado. Ela tinha que manter o juramento que fez a Grant de não dizer nada a Bobbie quanto ao que havia acontecido, nem sobre sua chegada com a família ao país, mas aquilo não a fez ficar menos ansiosa por conversar sobre tudo com Bobbie... tudo, mas principalmente sobre Grant e, é claro, sobre sua filha... a filha dela, a mãe de Samantha e Bob­bie.

Mal podia crer em como Grant parecia bem, tão alto e empinado, com seu cabelo grisalho. Ainda esbanjava saú­de e seus olhos eram tão calorosos quanto os dela. E seu cheiro... seu toque seu beijo Ela se sentiu como se fosse uma garotihha novamente, ou mais até... pois desta vez... A única diferença mesmo era o fato de ela não ser uma garotinha, e havia outros fatores, outras pessoas, envolvi­dos em sua relação agora, especialmente...

Olhou nervosamente para trás de Grant e viu aquela mulher de uma beleza estonteante, com seus cabelos ain­da ruivos, de pé, tendo o marido e as filhas ao seu lado, mas ainda assim parecendo destacar-se deles.

Ruth mordeu o lábio. Haviam conversado ao telefone, trocado lágrimas e explicações, mas mesmo assim...

— Sarah Jane — ela chamou gentilmente, e então, um tanto hesitantemente, segurou seus braços.

— Ruth... mãe

— Ah, minha menina querida — Ruth começou a cho­rar, fechando os olhos e sentindo as lágrimas arderem por dentro enquanto tomava a filha crescida nos braços, a fi­lha que segurou pela última vez quando tinha apenas algu­mas horas, ou dias, e podia jurar que ela ainda tinha o mesmo cheiro de bebê de muitos anos antes... um cheiro que Ruth sabia que reconheceria em qualquer uma no meio de mil, de cem mil mulheres.

E ela a chamou de mãe.

— Ah, minha querida — Ruth sussurrou. — Como você pôde pensar que eu não te quis... que eu não te amei. — Segurou o rosto de Sarah Jane comas mãos e olhou bem dentro de seus olhos, e disse, muito emocionada: — Não houve um dia em que eu não tivesse pensado em você... uma só noite na qual eu não tivesse rezado por sua felicidade e bem-estar... na qual eu não tivesse sentido sua falta e chorado por você. Cada aniversário... em cada ani­versário eu ficava pensando onde você estaria, querendo conhecer você, tentando enviar uma mensagem mental de amor. A única razão... a única razão pela qual eu desisti de você foi por acreditar, verdadeiramente, que estava fazen­do o melhor para você.

De pé a poucos metros das duas, Bobbie sentiu lágri­mas brotarem em seus olhos. Seu pai, que estava entre ela e Samantha, tocou levemente o braço de Bobbie e disse baixinho:

— Vamos dar alguns minutos a elas e também...

— Também quero saber o que está acontecendo — Bobbie interrompeu. — Ruth não me disse nada.

— Seu avô pediu para que ela não dissesse — disse ele, e acrescentou secamente: — Acho que ele pensa que você e Sam já tinham feito bastante besteiras e coisas erradas em potencial.

Bobbie abaixou ligeiramente a cabeça ao ouvir o tom de reprovação na voz do pai.

— Tudo bem — concordou ele. — Sam e eu vamos contar o que está acontecendo, mas me deixe pegar uma xícara de café primeiro.

— Vamos ficar esperando aqui — disse Samantha en­quanto chegava mais para perto da irmã gêmea. — E você — disse ela a Bobbie com um tom maldito na voz — po­deria me explicar como foi ficar incomunicável por tanto tempo.

— Depois, Sam — sibilou Bobbie, lançando-lhe um olhar de advertência. Seus sentimentos, seu amor por Luke e a ideia errada que ele fazia dela, a falta de amor por ela, estas eram coisas que ela só discutiria com a irmã, e mesmo assim... Franziu o cenho ao perceber que, pela pri­meira vez, estava vivendo algo que não pensou automaticamente em dividir com Sam. Algo que era tão pessoal que ela... Agora não era hora de começar a pensar sobre Luke ou sobre a noite passada.

— Ainda não faço ideia do que está acontecendo — Bobbie lembrou ao pai quando ele retornou com o café.

— Bem, acho que você ainda está de certa forma em estado de choque — o pai começou —, especialmente sua mãe e seu avô. Parece que foi tudo um grande engano, para todos nós. Ruth nunca teve a intenção de abandonar a filha. Sentiu-se forçada a fazer isso, pois ela sabia que o pai jamais a deixaria ficar com ela; ele sequer sabia que ela estava grávida. A mãe dela percebeu que estava, e a mandou para uma longa visita a uns parentes afastados do seu lado da família, razão pela qual sua mãe nasceu no nordeste.

— Sim, e na verdade vovó nunca deixou de amar vovô — Samantha se intrometeu. — O pai dela disse a ela que vovô já era casado e tinha um filho, e foi por causa disso que ela achou que tinha que terminar com ele. Foi só de­pois de ter terminado com ele que ela descobriu que esta­va grávida, mas ela diz que mesmo que tivesse sabido an­tes, não teria feito qualquer diferença, já que naquela épo­ca não era como hoje em dia que as pessoas se divorciam com facilidade. E de mais a mais, Ruth jamais conseguiria manter a consciência tranquila sabendo que teria destruí­do o casamento de uma mulher e afastado um pai de seu filho.

— Sam, vamos começar do começo — o pai interveio, vendo a confusão de Bobbie.

— Isto foi o começo — Samantha protestou. — Tudo começa na mamãe, mesmo. Ah, Ok — ela concedeu ao ver o olhar que o pai e a irmã lhe dirigiam —, façam como quiserem.

— Quando eu me dei conta que vocês estavam em Cheshire — Bobbie ouviu do pai — imaginei o que vocês estavam arrumando. É claro que eu sei como vocês se sen­tiam por causa da sua mãe, mas fiquei preocupado de vo­cês agirem de cabeça quente e se colocarem numa situa­ção de... Bem, no fim eu resolvi que devia dizer a seu avô o que estava acontecendo.

— Sim, e aí o vovô criou o maior caso e insistiu que eu desse a ele o seu número em Cheshire — disse Samantha, de cara emburrada. — Eu disse que não podia fazer isso, mas você sabe como ele é.

Stephen Miller retomou a história.

— Seu avô ligou para Queensmead quando Sam conse­guiu o número de lá na secretária eletrônica de Olivia e ligou para entrar em contato com você. Olivia atendeu ao telefone e disse a ele que você tinha saído, e perguntou como estava sua mãe, dizendo que você se mostrava mui­to preocupada com ela. Foi quando elas estavam conver­sando que seu avô a ouviu dizer — Ah, Ruth... é o avô de Bobbie no telefone procurando por ela, mas ela saiu...

— Sim, e foi aí que o vovô decidiu... — Samantha in­terrompeu mais uma vez.

— Sam, muito obrigado, mas sou eu quem está contan­do a história agora, lembra? — disse o pai secamente a Sa­mantha, que se sentou de volta na cadeira, lançando um olhar expressivo a Bobbie.

— Bem, ao perceber que Ruth estava na mesma sala que Olivia, seu avô decidiu fazer o que ele disse ser uma das coisas mais apavorantes que já fez na vida. Deci­diu que, em vez de esperar até conseguir falar com você e botar a sua cabeça no lugar, agora que ele sabia o que Sam tinha era mente, devia ao menos avisar a Ruth o que esta­va para acontecer.

— Eu já havia decidido não confrontá-la — Bobbie avisou ao pai, constrangida, lançando um olhar de descul­pas à irmã, e admitiu: — Eu simplesmente não poderia fazer aquilo, Sam. Eu... eu gostei demais dela e... e eu não me sentiria bem, apesar de... — Balançou a cabeça. — Eu simplesmente não conseguiria fazer aquilo.

— Seu avô pediu a Olivia se ela poderia chamar Ruth ao telefone. Acho que ela ficou surpresa, mas acabou cha­mando Ruth...

— Eu mal pude acreditar naquilo, mas Ruth reconhe­ceu a voz do vovô imediatamente — Samantha interrom­peu de novo, muito excitada. — E aí, Ruth, vovó, come­çou a chorar e vovô também, e Olivia teve de tirar o fone da mão de Ruth, mas teve de passar o fone a ela de novo, pois o vovô se recusava a falar com quem quer que fosse, e aí...

— Samantha — o pai avisou severamente antes de vol­tar-se novamente a Bobbie e continuar. — No final, tanto Ruth quanto seu avô perceberam que o que lhes foi dito por todos esses anos, aquilo em que acreditaram um sobre o outro, era pura mentira. Seu avô jamais havia sido casa­do, nem perto disso, que dirá ser pai de uma criança.

O pai delas parecia sério e pensativo.

— Ruth queria desesperadamente ficar com a filha, mas naquela época... — Balançou a cabeça. — Tanto os médicos e enfermeiras no hospital quanto sua mãe disse­ram que ela tinha que se afastar da filha, pelo bem da pró­pria menina, e não permitiram que ela tivesse qualquer contato com ela depois do nascimento.

— Ela nos disse pelo telefone como, meses após o nas­cimento de sua mãe, ela acordava no meio da noite, per­turbada de ver que não estava mais grávida e sem saber por que, até lembrar que já dera à luz e que o bebê tinha ido embora.

Bobbie pôde sentir seus olhos começando a se encher de lágrimas mais uma vez, pois a dureza das revelações que seu pai fazia mexiam com suas emoções. Percebeu que Sam também estava quase chorando.

— O que mamãe disse quando... quando soube... sobre Ruth, sobre a mãe dela? — perguntou Bobbie, a voz sus­surrante. O pai sorriu gentilmente para ela.

— Bem, você pode imaginar o quanto ficou perplexa ao saber, após todos esses anos, que, longe de tê-la rejei­tado, sua mãe na verdade jamais tinha deixado de pensar nela. Provavelmente foi um pouco demais para ela aguen­tar logo de cara. Deixei que seu avô contasse a ela e, bem, algumas lágrimas rolaram e depois... Seja como for, foi Ruth quem tomou a iniciativa de ligar para sua mãe para dizer ela mesma o que sentia, e isto deve ter servido para quebrar o gelo. Após os primeiros trinta minutos, as duas mal conseguiam se afastar do telefone.

— Mal posso acreditar em tantas coisas acontecendo assim — disse Bobbie, balançando a cabeça.

— Hummm... e onde você estava enquanto tudo isso acontecia? — Samantha questionou.

— Com Luke — respondeu Bobbie, simplesmente.

— Foi o que Olivia disse — Samantha replicou, acres­centando depois: — Estou louca para conhecê-la. Ela pa­rece ser muito legal e, é claro, quero conhecer o seu Luke.

— Ele não é... — Por pouco Bobbie conseguiu se conter para não dizer que Luke não era nada dela. — Ele está ocupado no momento.

Agora que já tinha passado pelo choque inicial de saber que tudo aquilo havia acontecido, e apesar de estar feliz pela mãe, infelizmente tinha consciência de que, mais cedo ou mais tarde, teria de contar à família a verdade so­bre ela e Luke. Cedo, pois a última coisa que queria era a vergonha de irem todos felicitá-lo, como se ele estivesse para entrar na família. — Qual é o problema?

Bobbie e Samantha estavam sentadas em sua suíte du­pla no hotel do aeroporto que a família reservou para elas. Seus pais estavam jantando com Jon e Jenny enquanto o avô tinha levado Ruth para jantar a sós com ele.

— Nós temos muito terreno perdido a compensar — Grant informou quando Samantha levantou as sobrance­lhas.

— Parece que o romance de Bobbie não é o único que está acontecendo por aqui — disse Samantha, e acrescen­tou com mordacidade: — Estou começando a me sentir deslocada, já que sou a única sem companhia.

Bobbie forçou-se a dar um sorriso.

— Roberta... — Samantha avisou.

— É Luke — Bobbie reconheceu, incapaz de manter os sentimentos dentro de si mesma.

— Vocês brigaram — Samantha partiu para o ataque. Bobbie balançou a cabeça.

— Não é tão simples assim — disse ela à irmã, e expli­cou de maneira sucinta o que andou acontecendo entre eles dois.

— Ele pensou o quê? — perguntou Samantha, num uivo de fúria, quando Bobbie chegou na parte em que Luke a acusou de querer chantagear Ruth. — Pelo amor de Deus, isso é tão desprovido de fundamento que chega a ser até engraçado. Quando penso nos tempos difíceis que passamos quando crianças, tentando convencer papai e mamãe, e vovô também, que não iríamos nos transfor­mar em um par de aberrações, cercadas por guarda-costas e tão superprotegidas a ponto de não sermos capazes de conhecer a vida no mundo real. Quando penso nos proble­mas causados a nós pelo fato de nossa família ter muito dinheiro... Você chegou a dizer a ele que, longe de querer chantagear alguém, que nós passamos, especialmente você, a infância e a adolescência com medo de acreditar demais em qualquer homem, achando que ele pudesse es­tar mais interessado em pôr as mãos no dinheiro do que no seu corpo? Querida, ele vai ter de rastejar quando desco­brir a verdade — disse Samantha, com evidente satisfa­ção. Bobbie permitiu-se um sorriso.

— Não, Sam — disse ela —, não é assim que vai ser. Luke... bem à parte o fato de que ele não... que ele... Ele pode até me desejar, mas ele não me ama — reconheceu, doloridamente. — E ele é o tipo de homem... bem, só sei que seu orgulho tornaria impossível para ele admitir como nos julgou mal... a mim e ao meu orgulho. Não posso mais olhar na cara dele, Sam, não depois de tudo o que aconte­ceu, não agora que ele já sabe o que sinto por ele. Só que­ria poder... — Fez uma pausa. — Se ao menos não estives­sem todos tão convictos de que nós formamos um casal, eu poderia simplesmente desaparecer de volta para casa e lamber minhas feridas sem ser perturbada... tentar esque­cê-lo. — Franziu a testa de repente e disse: — Sam, quero que você faça uma coisa para mim.

— Não — disse Samantha, com firmeza.

— Eu ainda não lhe disse o que é — Bobbie reclamou.

— Não quero saber. Posso dizer só de olhar para você... pelo modo como você falou, é algo de que não vou gostar — Samantha insistiu.

— Não é nada tão difícil — Bobbie a persuadiu. — Nada que eu não fizesse por você...

Samantha a observava, desconfiada. Bobbie respirou fundo.

— Quero que você finja ser eu — disse à irmã gêmea. Samantha ficou olhando para ela.

— O quê? Mas a família

— Não, não é com eles — Bobbie a corrigiu com impa­ciência. — Quero que você finja que sou eu, diga que o odeia e que nunca mais quer vê-lo na vida.

Samantha soltou um pequeno assovio e depois disse:

— Uau!

— Você pode ser tão horrível quanto quiser — Bobbie a encorajou. — Na verdade, quanto mais horrível, melhor. Quero que você o faça sentir que qualquer ideia que ele possa ter de que eu o queira ou sinta algo por ele é uma ideia errada. O que eu quero é que você o faça me detestar tanto que... que no futuro ele sequer queira falar comigo.

— Nossa, foi tão ruim assim para você? — perguntou Samantha, demonstrando compreensão.

— É a única maneira de deter minhas fraquezas e... mi­nhas esperanças... e evitar até de fazer papel de boba e... — Bobbie fechou os olhos por um momento. — Eu o amo tanto — sussurrou com a voz rouca — que tenho medo do que eu possa vir a fazer se tiver de ficar muito tempo perto dele. Assim... Vou poder dizer a todos que tivemos uma briga e que eu... que eu decidi voltar para casa.

— O pessoal não vai gostar. Eles têm planos de ficar aqui por um mês, talvez mais — Samantha avisou à irmã.

— Eles vão aceitar, especialmente se... bem, mamãe vai entender se souber que estou sofrendo, e aí ela conver­sa com o papai e com o vovô. E aí quando eu tiver ido em­bora...

— Você quer que eu vá ver o tal Luke, fingindo ser você — Samantha completou para ela.

— Você vai fazer isso, não vai? — Bobbie apelou à irmã.

— E para o que é que servem as irmãs gêmeas — res­pondeu Samantha jocosamente.

Bobbie jogou-se nos braços da irmã e se abraçaram com força.

 

Samantha zombou dela impiedosamente quando Bobbie explicou o que havia planejado fazer com o banheiro da pequena casa que comprara sozinha, sem nenhum dinhei­ro da família, apenas com o seu próprio.

— Você quer o quê? — perguntou ela, rindo. — Cara, isto é que é revelação — ela caçoou da irmã quando Bobbie admitiu relutantemente que os espelhos que aca­baram de ser entregues não ficariam em frente aos ar­mários, seriam na verdade postos no banheiro para fazer par com uma antiguidade especial que ficaria sobre a enorme banheira suspensa vitoriana que ela encontrara à venda.

E mesmo quando o banheiro estava enfim pronto, Sa­mantha ainda manteve suas reservas.

— Bem, acho que parece bem... interessante — fez uma concessão, olhando para o antigo castiçal de parede filigranado que decorava as paredes e os castiçais de bron­ze complementares que se achavam em todas as superfí­cies disponíveis. — Mas tem certeza que tomar banho à luz de velas é uma boa idéía? Não vai ficar difícil enxer­gar a sujeira? — zombou, e depois se voltou para a banhaeira. — Bem, acho que cabem duas pessoas facilmente aí dentro — brincou inocentemente, mas Bobbie lhe lan­çou um olhar fulminante.

Até agora, contudo, a banheira só tinha sido usada soli­tariamente e de maneira bem mais mundana do que a tive­ra em mente quando cedeu ao seu anseio romântico e alta­mente sensual por um lugar especial onde ela e seu aman­te, seu bem-amado, pudessem se esconder para fazer amor da maneira que ela sempre fantasiou.

— Todos acham que somos idênticas, não é... — Samantha caçoou após conseguir extrair da irmã a fantasia erótica por trás de seus planos para o banheiro. — Eu, pes­soalmente, escolheria... — Fez uma pausa e então um olhar peculiarmente sonhador e semi-envergonhado tomou-lhe o rosto enquanto ela admitia: — A minha fanta­sia sexual favorita seria fazer amor em alguma floresta es­condida com o som da água correndo por perto, um córre­go ou, de preferência, um rio. Seria na primavera...

— E os esquilos iriam jogar galhos e folhas em vocês por invadirem a privacidade deles, sem falar nos ursos... — Bobbie revirou os olhos de maneira expressiva e am­bas acabaram caindo na gargalhada.

— Ao menos temos algo em comum no que diz respei­to a água, acho — Samantha concluiu quando finalmente pararam de rir.

— Talvez...

— Mas parecia que ela estava definitivamente destina­da a ocupar seu refúgio de fantasia sozinha, reconheceu Bobbie ao subir, cansada, as escadas, dirigindo-se ao ba­nheiro.

Chegara em casa havia três dias e como estava traba­lhando direto, cuidando da correspondência atrasada, fa­zendo algumas compras básicas, limpando a casa, em suma, fazendo toda e qualquer coisa que desviasse sua mente das lembranças de Haslewich e de Luke.

É claro que, nessa altura do campeonato, Sam já devia estar pronta para pôr seu plano em prática. Ele saberia en­tão como havia se enganado sobre ela, sobre eles e, em se tratando do tipo de homem que ele era, sabia que seu exe­crado senso de justiça e fair-play não o deixariam sosse­gar enquanto fizesse a ela aquilo que considerasse uma re­compensa justa por tê-la julgado errôneamente. E ela sa­bia também, e como sabia, que ela simplesmente não su­portaria sua remota bondade e seu remorso, como se la­mentaria, quando ambos sabiam o quanto ela realmente o quis.

Não, por mais gentil que ele fosse, haveria um nível de dor tão intensa quanto o mínimo sopro sobre a pele seria­mente queimada.

Se, por um lado, ela conseguiria aguentar a fúria, o des­dém, a violenta condenação que ele lhe dirigia, a qual es­timulava uma forma de raiva reativa, por outro, não teria como evitar que sua possível compaixão a amolecesse. Foi por isso que pediu que Sam fizesse isso no lugar dela, para que ela dissesse a ele, quando ele começasse a se des­culpar, que era um pouco tarde demais, que não havia mais como consertar o que acontecera e que ela não queria que ele sequer tentasse; que tinha sido divertido jogar de modo a permitir que a química sexual entre eles tomasse conta, mas agora ela estava entediada com aquilo tudo, pronta para buscar novas emoções.

Ah, sim, ela podia ver agora, reconheceu, exausta, en­quanto tirava a roupa e caminhava, nua, em direção ao ba­nheiro. Diminuiu as luzes e, lentamente, como se fosse um ritual, começou a acender as velas que colocara aqui e ali em volta da banheira e nas pequenas mesas com toa­lhas de renda. Sam iria balançar a cabeça e manter-se fir­me, sorrindo cruel para Luke e gargalhando negligente ao fazer pouco de suas próprias emoções e dele, e quando ela tivesse acabado não haveria volta, nem poderia haver, pois Sam desempenharia seu papel com gosto e inspira­ção. Ela saberia exatamente como se equilibrar na linha que separa, por pouco, a mulher de espírito livre da mu­lher vulgar; a mulher de sensualidade hedonista da mulher exageradamente sexual.

As velas tinham uma delicada fragrância floral que aquecia os sentidos, fazendo Bobbie inspirar com gosto. Ela não iria começar a chorar, disse a si mesma com fir­meza enquanto preparava o banho. Afinal de contas, não havia necessidade disso. É claro que era triste que Luke não a amasse, mas um dia... Ela mordeu com força o lábio inferior enquanto lutava contra a dor que lhe cortava. Um pequeno punhado de cristais adicionados à água do banho produziram um delicado tom de azul. À luz de velas, os espelhos antigos lhe devolveram o próprio reflexo; a pele tinha a aparência de um pêssego dourado, aquecido pelo sol e maduro, os cabelos cor de mel sedosos batiam um pouco abaixo dos ombros, os seios eram globos cálidos com mamilos de um rosa dourado, e os suaves cachos en­tre as pernas tinham a mesma cor de mel do cabelo.

Ela parecia parecia uma mulher pronta para fazer amor, Bobbie reconheceu dolorosamente, percorrendo com os dedos a intumescência de um seio, até seus dedos começarem a tremer tanto que ela teve de parar.

Lutando contra as lágrimas, entrou na banheira e dei­tou, colocando a cabeça no travesseiro de banho estrategi­camente posicionado e logo fechando os olhos.

A fita que colocara para tocar antes de entrar no ba­nheiro tinha músicas de Vivaldi, pungentes e evocativas. Uma lágrima escapou de seus olhos cerrados, e depois outra, e sua boca começou a tremer. Enclausurada no san­tuário particular, absorvida em uma profunda sensação de perda e de dor, não ouviu quando destrancaram a porta da frente. Também não ouviu os passos rápidos nas escadas, abafados pelo som da música.

Não tinha o hábito de trancar a porta do banheiro. Para quê? Afinal, morava sozinha. Ainda estava de olhos fe­chados quando abriram a porta, e o que a fez perceber que não estava sozinha foi a respiração apressada de sua vi­sita.

Galvanizada para agir, abriu os olhos e, ao mesmo tem­po, se levantou, à procura de uma toalha, e então parou, imóvel, chocada e sem acreditar no que via ao se olhar bem no fundo dos olhos de Luke.

— Luke? O que você está fazendo aqui? Como você...?

— Que droga você acha que estou fazendo aqui? — ele resmungou grosseiramente e, antes que ela pudesse deíê-lo, pegou-a no colo, ignorando seus gritos e o estrago que o corpo molhado dela estava fazendo no seu terno, igno­rando tudo que não fosse a necessidade de satisfazer a ne­cessidade voraz de sua boca de estar em contato mais pró­ximo possível com a dela.

Isto não era um beijo, pensou Bobbie incoerentemente, isso era... era fome, muita fome, possessão completa. Pôde sentir que correspondia àquele contato, o corpo in­teiro começando a tremer, a doer... a queimar com tanto ardor que não tinha como negar, era uma reação tão autô­noma quanto respirar.

Não sabia bem quem tinha tirado a roupa de Luke; sa­bia apenas que a visão, o odor, a sensação de seu corpo nu, sua pele, sua carne contra a dela, tudo isso causou nela ta­manha explosão de sensações que ela mal conseguiu olhá-lo nos olhos.

Mas, longe de estar chocado, ou pior, de desprezar aquele corpo obviamente receptivo e doendo de vontade do corpo dele, Luke na verdade apertou-a forte e disse, com a voz rouca:

— Tudo bem... tudo bem... eu sinto o mesmo que você. Meu Deus, como eu quero você... eu quero você tanto que...

Ele começou a beijá-la novamente, desta vez não só na boca, mas na garganta, nos seios e na barriga. Sugou sua pele com a boca, causando calafrios violentos nela, que gemia seu nome à medida que ele a abraçava com voraci­dade.

Fizeram amor por toda parte do chão do banheiro. Luke tinha uma necessidade evidente e possessiva de preenchê-la com as investidas agudas e intensas de seu corpo que se encaixava no dela, ambos consumidos por um desejo igualmente forte de ter um ao outro. Obedecen­do a instintos que ela nunca havia experimentado antes, Bobbie o envolveu com as pernas, segurando-o firme­mente com o próprio corpo, mantendo-o lá enquanto ela gritava de desejo por ele, instando-o a possuí-la total e completamente, tão intima e profundamente que seu cor­po guardaria a memória dele para todo o sempre.

O desejo que sentiam um pelo outro era incontrolável, uma força selvagem e indomavelmente primitiva. Fize­ram amor e alcançaram rapidamente o clímax. Ao sentir o jorro quente da semente de Luke dentro de seu corpo, Bobbie teve a certeza de que iria conceber um filho dele, que estava concebendo esta criança, e esta consciência fez seus olhos se encherem de lágrimas de alegria, sen­tindo-se engolfada pela mais linda sensação de compleude.

Tocou o rosto de Luke, os olhos escurecendo enquanto ela levantava a cabeça. Ele gentilmente beijou a palma de sua mão.

— Precisamos conversar — disse ele, baixinho.

Mas Bobbie balançou a cabeça e fechou os olhos, na defensiva, e sussurrou:

— Não. — Ela tinha medo de ouvir o que ele tinha para dizer... ou de descobrir por que ele estava lá tinha medo também, agora que o desejo sedento que tinham um pelo outro já tinha sido saciado, que ele...

— Sim — Luke insistiu, afugentando os pensamentos dela, sua negativa, e perguntando a ela, suavemente: — Por que você não me disse a verdade?

— Eu não achei que você fosse acreditar em mim — respondeu Bobbie, com a voz falhando.

— Ah, Bobbie...

Ela teve de engolir em seco quando olhou para ele e viu que seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— O que você está fazendo aqui, aliás? — perguntou ela, tocada. — Pensei que a esta altura Sam já tivesse dito coisas o suficiente para garantir que... que você tivesse to­das as razões do mundo para me odiar.

Ele sorriu para ela, lançando-lhe um olhar irônico.

— Nada nem ninguém jamais poderia fazer isso. Nem mesmo você, e com certeza sua irmã jamais conseguiria. Você não achou de verdade que conseguiria me enganar, que eu iria achar que Sam era você, não é? — ele pergun­tou de maneira bem direta antes de abaixar a cabeça e len­tamente começar a acariciar seu mamilo exposto, deglu­tindo-o com a língua e depois começando a chupar lenta­mente, fazendo-a contorcer-se toda.

— Como posso me concentrar com você fazendo isso — ela perguntou ronronando — e como você soube que Sam não era eu? Nós conseguimos enganar até a nossa fa­mília quando queremos.

— Como você acha que eu soube? — perguntou Luke, e qando ela começou a olhar para ele de maneira curiosa, el disse, secamente: — Você provoca um efeito físico muito específico em meu corpo, a ponto de chegar a ser até um tanto desconfortável, para não dizer constrange­dor, estar na mesma sala que você, ao passo que Samantha...

— Samantha? — Bobbie pressionou, se preparando para ouvir e levantando a cabeça para olhar dentro dos olhos dele.

— Sua irmã — disse Luke com firmeza — não. Sim, fisicamente, vocês podem parecer iguais, mas meu corpo sabe que vocês não são. Meus sentidos, minhas emoções, meu... meu eu sabe que não são. Meu eu sabe, por exem­plo, que só existe uma Bobbie, apenas uma mulher que me faz sentir desta maneira, que me atrai a ponto de doer... que me...

— Hummm... — Bobbie soltou um gemidinho enquan­to Luke entremeava suas palavras com beijos cada vez mais prolongados, A mão dele abarcava o corpo dela, se­gurando o emaranhado ainda úmido dos pêlos pubianos e acariciando-a delicadamente, sentindo a resposta de seu corpo na forma de tremores de deleite.

— Não devíamos estar fazendo isso — ele murmurou. — Eu estava com tanta pressa de vê-la que qualquer tipo de precaução simplesmente não passou pela minha ca­beça.

— Se eu estiver certa no que estou pensando, será um pouquinho tarde demais para começar a se preocupar com isso agora — disse Bobbie um tanto timidamente.

A expressão nos olhos dele enquanto decodificava suas palavras confusas afastou quaisquer dúvidas com as quais ela tivesse de se preocupar sobre os sentimentos que ele nutria por ela.

— Você quer dizer que acha que... — Ele parou e res­pirou fundo, com as narinas infladas. — Já...?

— Já — Bobbie sussurrou em resposta.

— Se você estiver certa, isso só mostra como combina­mos, como somos a coisa certa um do outro — disse Luke, muito amorosamente. Sua mão ainda cobria o corpo dela e Bobbie mexeu-se levemente, consciente da dor que já crescia dentro dela de novo.

Desta vez fizeram amor bem mais devagar. A luz-de-velas, Bobbie observou seus reflexos no espelho enquanto Luke beijava lenta e completamente cada centímetro de seu corpo. Podiam ser dois amantes da Renascença em al­gum romântico palazzo veneziano. Havia algo quase cruel e perfidamente sensual na forma com que seus cor­pos se moviam em sincronia, na maneira em que combi­navam... Bobbie soltou um suspiro voluptuoso num cala­frio de prazer enquanto a bocade Luke chegava onde sua mão estivera antes.

— Então me diga, quando você soube que me amava? — perguntou Luke meia hora depois, quando já estavam sentados à mesa do café da manhã, usando robes felpudos. Bobbie o observou enquanto ele preparava ovos mexidos para ela.

— Eu sabia que havia algo muito especial e muito pe­rigoso acontecendo da primeira vez que você me beijou — Bobbie reconheceu, observando o rosto dele enquanto devolvia a pergunta. — E você?

— Ah, muito, muito depois disto. — Ele começou a rir, e depois parou com as risadas e continuou, sério. — Eu me apaixonei por você tão logo eu a vi, mas tive certeza naquela noite no meu apartamento.

— Não pude acreditar que você me deixou lá, sozinha e livre para escapar — Bobbie interrompeu.

— Eu precisava de tempo para pensar, para aceitar o fato de que a amava. Talvez, inconscientemente eu qui­sesse que você fugisse, mas ao mesmo tempo queria mantê-la lá, para sempre!

— Como você soube que eu estaria aqui, que iria que­rer vê-lo depois de tudo que você disse e fez... e como conseguiu entrar? — perguntou Bobbie a Luke com curiosidade, após finalmente começarem a voltar à reali­dade.

O fato de Luke ter admitido que se apaixonara por ela à primeira vista fez com que os ovos mexidos que ele aca­bara de preparar esfriassem enquanto ela mostrava a ele como tinha gostado de ouvir isto.

O olhar triste que Luke lhe dirigiu agora a fez engasgar de indignação.

— Samantha lhe contou — ela imaginou, chamando a irmã pelo nome em vez de pelo apelido, numa indicação séria de como encarava uma possível falta de fidelidade de Sam.

— Sim, mas só depois de ter me convencido a dizer o que eu sentia por você — Luke lhe garantiu. Até saber disso, ela foi assustadora em seu desejo de me mostrar o tipo de rato que me considerava, e astuciosa em suas ten­tativas de evitar que eu percebesse o que você sentia, sou­besse onde você estava, apesar de já tê-la avisado que sa­bia que ela não era você.

— Ela não beija nem de longe como você — ele mur­murou de maneira brincalhona e foi até ela, abraçando-a com força ao ver a expressão em seus olhos. Então, disse com a voz sussurrante:

— Ei, vamos lá, você acha que eu quis beijá-la, ou que eu quero beijar alguém que não seja você? E mesmo que eu quisesse, acha que ela teria deixado?

— Nunca imaginei que fosse capaz de sentir tanto ciú­me — disse Bobbie, fechando a cara.

— Nem eu — Luke admitiu. — Tanto ciúme que agora mesmo odeio pensar em ter de dividi-la com quem quer que seja, mesmo com sua irmã gêmea.

— E o nosso bebê? — perguntou Bobbíe.

— Vamos nos casar o mais rápido possível — disse Luke, lançando-lhe um olhar irônico enquanto pergunta­va, penitenciando-se; — Você quer casar comigo, não quer, Bobbie?    

— Sim — concordou ela suavemente. — É uma deci­são muito pessoal do casal optar por casar ou não, algo que só os dois podem saber, mas creio que após ver em minha mãe o efeito de não conhecer a própria mãe, quero ter certeza de fazer de tudo para que estejamos ambos sempre perto de nossos filhos.

— Agora são filhos? — Luke caçoou, com a boca junto à dela. — Você sabe o que isto quer dizer, não sabe?

— O quê? — perguntou Bobbie, tendo a pergunta aba­fado pelo beijo dele.

— Vamos lá para cima que eu lhe mostro — disse Luke, cheio de malícia na voz.

 

Cinco meses depois

— Acreditar em você — Samantha reclamou com Bobbie enquanto elas experimentavam seus vestidos combi­nados. — Eu sou dama de honra da vovó, e você também, aliás, das mais exuberantes — acrescentou, referindo-se à barriguinha protuberante e discretamente encoberta pelo modelo de vestido de cintura alta que ambas usavam. — Você sabe bem que a nossa família lá nos Estados Unidos vai contar os meses nos dedos quando Júnior chegar. — Quando Bobbie riu, Samantha a observou, fascinada.

— Você nem liga, não é? — Samantha se impressionou. — E pensar que você sempre foi a mais conservadora de nós. Se o amor faz isto com você, melhor eu nem expe­rimentar.

— Pois devia — disse Bobbie enfaticamente à irmã. — Eu com certeza recomendo.

Samantha girou os olhos.

— Acho que dois romances e dois casamentos na famí­lia em poucos meses jã são o bastante, não acha?

Bobbie sorriu.

— Acho maravilhoso que vovô e Ruth tenham decidi­do se casar — ela disse à irmã, com um tom sonhador na voz. — Quer dizer, eu sei que estava óbvio o que eles sen­tiam um pelo outro. Luke riu quando me trouxe de volta à Inglaterra. Ele disse que, ao ver os dois juntos, sentiu-se totalmente tímido e antiquado...

Samantha virou os olhos de novo.

— Com certeza não se pode dizer que ele seja tímido na intimidade, não é? — lembrou à irmã, secamente.

Bobbie riu de novo.

— Quem pensaria, 12 meses atrás, que dentro de um ano uma de nós estaria casada com um dos inimigos, que se tornaria uma Crighton? E, ainda mais incrível, que Ruth e vovô teriam se apaixonado de novo, e que se não fosse pela coincidência de Ruth estar lá quando vovô li­gou para Queensmead para falar com você...?

— Não acho que eles nunca deixaram de se amar — respondeu Bobbie sobriamente — e, falando em coinci­dência, vovô diz que são como gêmeos e que isso é de fa­mília!

Ambas riram.

— Sim, e mamãe está realmente adorando tudo isto, não é mesmo? Jamais a vi tão feliz antes!

— Não, nem eu — Samantha concordou e declarou, triunfante: — Viu? No final, o nosso plano funcionou...

— Nosso plano? — Bobbie questionou de maneira cô­mica e correu para abraçar a irmã. — Ah, espero que você encontre logo alguém, Sam. Afinal de contas, o Júnior aqui vai querer ter primos para brincar, sabe — ela avisou à irmã enquanto dava tapinhas na barriga.

— Eu não preciso de um homem para providenciar isso, não nos dias de hoje — Samantha retaliou e acres­centou: — Na verdade, acho que é até uma boa ideia. Eu podia...

— Sam! — Bobbie advertiu a irmã. — Seja lá o que for que você estiver planejando, a resposta é não. Não... e não. Agora, vamos lá, vamos ajeitar esses vestidos. O en­saio para o casamento começa em meia hora e vamos nos atrasar. Daqui a pouco Luke está aqui para nos pegar, e se não nos apressarmos não estaremos prontas...

Começou a observar a irmã de modo apreensivo, en­quanto terminava rapidamente de ajeitar seu vestido de dama-de-honra. Samantha não faria nenhuma bobagem... faria? Faria! Não! Não, claro que não faria.

 

                                                                                Penny Jordan 

 

 

                      

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