Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SEDUZIDO POR SEU AMOR ESQUECIDO / Maya Banks
SEDUZIDO POR SEU AMOR ESQUECIDO / Maya Banks

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

SEDUZIDO POR SEU AMOR ESQUECIDO

 

Rafael de Luca esteve em situações piores antes e não tinha a menor duvida de que ainda seria pior no futuro. Mas essas pessoas jamais saberiam que não guardava nem uma só lembrança de nenhuma delas.

Contemplou o concorrido salão de baile com mal-humorada resignação enquanto bebia a sorvos um insípido vinho. A cabeça pulsava com tal força que sentia vontade de vomitar.

—Rafe, já aguentou o bastante —murmurou Devon Carter— Ninguém suspeita de nada.

Rafael se girou para olhar a seus três amigos: Devon, Ryan Beardsley e Cameron Hollingsworth cobrindo protetoramente suas costas. Assim tinha sido desde a faculdade, quando não eram mais que uns jovens decididos a se destacar no mundo dos negócios.

Tnham ido vê-lo no hospital, sendo já vítima desse enorme buraco negro na memória. Mas não se compadeceram dele. Ao contrário. Comportaram-se como uns autênticos bastardos e sempre lhes estaria agradecido por isso.

—Aparentemente eu nunca saio cedo de uma festa —observou Rafe.

—E a quem importa o que pensa fazer? —bufou Cam— É sua festa. Diga a eles que…

—São importantes sócios de negócios, Cam —Ryan elevou uma mão— Necessitamos seu dinheiro.

—Quem necessita uma equipe de segurança com vocês três perto? —brincou Rafael, agradecido por ter em quem confiar. Ninguém mais sabia sobre sua perda de memória.

—O homem que se aproxima é Quenton Ramsey Terceiro—sussurrou Devon ao ouvido de seu amigo— Sua esposa se chama Marcy. Já aceitou participar da Moon Island.

Rafael assentiu e se afastou ligeiramente do amparo de seus três amigos para saudar com um cálido sorriso ao casal que se aproximava. Junto a seus sócios tinha localizado o lugar perfeito para um complexo de férias: uma diminuta ilha em frente à baía de Galveston, no Texas. As terras lhe pertenciam e quão único teriam que fazer era construir o hotel e manter os investidores contentes.

—Quenton, Marcy, que alegria vê-los de novo. Marcy, permita-me dizer como está linda está esta noite. Quenton é um homem afortunado.

As bochechas da mulher se ruborizaram enquanto Rafael beijava sua mão.

Assentiu com educação e fingiu interesse no casal, embora sua nuca começava a picar. Tinha a cabeça inclinada, como se estivesse atento a cada palavra que lhe diziam, embora seu olhar vagasse pelo salão procurando a causa da inquietação que sentia.

Ao princípio lhe passou despercebido, mas rapidamente chamou sua atenção uma mulher que estava de pé ao outro lado do salão e que o brocava com o olhar.

Rafael não estava seguro de por que se sentia atraído por ela. Por regra general as preferia altas, de longas pernas e loiras. Derretia-se ante os olhos azuis e a pele pálida. Entretanto, aquela mulher era pequenina, inclusive apesar dos saltos, e sua pele era de um suave tom oliváceo. O rosto estava emoldurado por um sedoso matagal de negros cachos que chegavam até os ombros e seus olhos eram da mesma cor.

Nunca a viu antes em sua vida. Ou sim?

Amaldiçoou o buraco negro de sua memória. Não recordava nada das semanas anteriores ao

acidente que sofreu quatro meses atrás e tinha lacunas de outros períodos. Amnésia seletiva. Seu médico tinha sugerido a existência de algum motivo psicológico e Rafael não tinha gostado da insinuação. Ele não estava louco.

Sim, recordava Dev, Cam e Ryan. Cada instante da última década, os anos na faculdade, os êxitos nos negócios. Recordava a maioria das pessoas que trabalhavam para ele, embora não a todas, o qual provocava não poucas tensões no escritório, sobretudo quando tentava fechar um negócio milionário.

Naqueles momentos não recordava quem era a metade de seus investidores e, a essas alturas, não podia permitir-se perder a nenhum.

A mulher não afastava o olhar dele. Quanto mais o olhava, mais frio se tornava seu olhar e mais se fechava a mão em torno da pequena bolsa.

—Me desculpem —murmurou ele aos Ramsey, encaminhando-se para a misteriosa jovem.

Sua equipe de segurança o seguiu de perto. A mulher não fingiu acanhamento e não afastou o olhar um só instante. Tinha o queixo elevado em um gesto desafiante.

—Desculpe, conhecemo-nos? —perguntou Rafael com uma voz terna que normalmente resultava muito eficaz com as mulheres.

O mais provável era que dissesse que não, ou que mentisse descaradamente e tentasse o convencer de que passaram uma noite maravilhosa na cama. O qual era do todo impossível porque ela não era seu tipo.

Mas a mulher não fez nada do que ele esperou que fizesse. E ao levantar a vista para seu rosto, o que viu foi ira.

—Se nos conhecemos? —sussurrou— Bastardo!

Antes que ele pudesse assimilar a reação da jovem, recebeu um murro que o fez cambalear para trás enquanto levava uma mão ao nariz.

—Filho da…

Não teve tempo de lhe perguntar se tinha ficado louca, pois um de seus guardas se interpôs entre eles e, em meio da confusão, empurrou-a a um lado fazendo que caísse ao chão. A mulher levou imediatamente uma mão às dobras do vestido.

E então ele viu. O tecido tinha ocultado a curvatura de sua barriga, ocultou a gravidez.

—Não! —rugiu Rafael— Está grávida.

Os guardas deram um passo atrás e olharam perplexos a seu chefe, enquanto a mulher ficava apressadamente em pé. Saíam faíscas de seus olhos enquanto corria pelo corredor, golpeando ruidosamente o chão de mármore com os saltos.

Rafael olhava fixamente a figura que fugia, muito surpreso para fazer ou dizer nada. O último olhar que lhe tinha dirigido não foi de ira nem de raiva. O que tinha visto era dor, e lágrimas. Feriu a essa mulher, mas não sabia como nem por que.

E a seguiu pelo corredor. Atravessou correndo o vestíbulo do hotel e, ao chegar às escadas que conduziam à rua, viu um par de sapatos que resplandecia.

Agachou-se e recolheu as sandálias. Uma mulher grávida não deveria usar uns saltos tão altos. Por que demônios saiu correndo? Parecia procurar um confronto, mas à primeira oportunidade tinha fugido.

—Que demônios aconteceu, Rafe? —perguntou Cam ao alcançá-lo.

Toda a equipe de segurança, junto com Cam, Ryan e Devon o tinha seguido até a rua e nesse momento o rodeavam com gesto de preocupação.

Rafael deixou escapar um suspiro de frustração antes de jogar o par de sandálias às mãos de Ramon, o chefe de segurança.

—Encontrem a proprietária destes sapatos.

—E o que quer que faça com ela quando a encontrar? —perguntou Ramon.

—Não tem que fazer nada —Rafael sacudiu a cabeça— Só me informe. Eu me encarregarei.

—Eu não gosto disso, Rafe —anunciou Ryan— Existe a possibilidade de que tenha vazado para a imprensa sobre sua perda de memória.

—Certo —Rafael assentiu lentamente— Entretanto, há algo nela que me perturba.

—A reconheceu? —Cam arqueou as sobrancelhas— A conhece?

—Não sei —Rafael franziu o cenho— Mas vou averiguar.

    

Bryony Morgan saiu da ducha, envolveu os cabelos em uma toalha e vestiu um robe. Nem sequer a água quente tinha conseguido acalmá-la.

“Conhecemo-nos?”.

A pergunta ressoou uma e outra vez em sua cabeça até que sentiu vontade de jogar algum objeto… preferivelmente contra esse homem.

Como pôde ser tão estúpida? Ela não perdia a cabeça por um cara atrativo. Mostrou-se imune a homens de grande encanto.

Mas assim que Rafael de Luca tinha aparecido em sua ilha, rendeu-se ante ele. Sem lutar. Sem resistir. Possuiu tudo. Era a perfeição trajada em terno. Um traje que tinha conseguido desembaraçá-lo e, quando partiu da ilha, seu piloto particular nem sequer foi capaz de reconhecê-lo.

Tinha passado de ser uma pessoa sóbria e empertigada a converter-se em alguém relaxado, tranquilo e descansado… Em uma pessoa apaixonada.

A repentina corrente de dor que a invadiu ante a lembrança a obrigou a fechar os olhos.

Era evidente que não se apaixonou. Tinha chegado, visto e vencido. Ela foi muito ingênua para ver os verdadeiros motivos.

Entretanto, suas mentiras e traição não iam sair de graça. Faria o que tivesse que fazer, mas não ia deixá-lo construir nas terras que ela mesma o tinha vendido.

Tinha necessitado de toda sua coragem para enfrenta-lo na festa aquela noite, mas assim que soube que o motivo da mesma era reunir aos potenciais investidores para o projeto que pretendia destroçar suas terras, tinha decidido enfrentá-lo, ali mesmo, diante de todos, o desafiando a mentir quando todos os assistentes conheciam seus planos.

Com o que não tinha contado era com que negasse sequer conhecê-la. Embora, que melhor estratégia que a de fazê-la parecer uma idiota comum? Ou uma espécie de ativista maluca contra o progresso.

Se não se acalmasse, a tensão ia disparar.

Havia serviço de quarto nesse hotel? Morria de fome. Esfregou a barriga e se esforçou por libertar-se de toda ira e estresse.

Obrigou-se a relaxar enquanto se penteava e secava os cabelos.

Estava a ponto de terminar quando alguém golpeou sua porta com força.

—Comida. Por fim —murmurou enquanto desligava o secador.

Correu à porta e a abriu. Entretanto, não havia nenhum carrinho com comida. Nenhum empregado do hotel. Ante ela estava Rafael, com suas sandálias pendurando em uma mão.

Bryony deu um passo atrás e tentou fechar a porta, mas ele adiantou um pé, evitando-o.

Indômito, como sempre, abriu caminho ao interior do aposento e parou ante ela. Bryony odiava a pequena e vulnerável que se sentia, embora durante um tempo a encantou sentir-se protegida quando se aconchegava contra seu corpo.

—Parta ou chamo o segurança —grunhiu.

—Faça isso—respondeu ele com calma— Mas dado que sou o dono deste hotel, talvez te custe um pouquinho fazer que me expulsem daqui.

—Pois chamarei a polícia. Seja quem for, não pode entrar à força no meu quarto.

—Vim para te devolver seus sapatos. Isso me converte em um criminoso?

—Ande, Rafael! Deixa dos seus joguinhos. Apanhei você, sério. Dei-me conta assim que me olhou hoje. Embora deva admitir que o “Nos conhecemos” foi um toque de mestre. Muito.

Teve que fazer verdadeiros esforços para não lhe soltar outro murro.

—Sabe o que? Jamais o tomei por um covarde. Brincou comigo. Comportei-me como uma monumental idiota. Mas o fato de que enfrentou o confronto me deixa doente.

Golpeou-o no peito com um dedo e ignorou a expressão de estupor em seu rosto.

—Porque saiba que sairá bem com essa. Embora me custe cada centavo que tenho, lutarei contra você. Tínhamos um acordo verbal, e vai cumpri-lo.

Cruzou os braços, tão furiosa que tinha vontade de chutá-lo.

   —E bem? Pensava que não voltaria a me ver jamais? Pensava que me esconderia em algum buraco ao descobrir que não me amava e que só se deitou comigo para que aceitasse te vender as terras? Pois não poderia estar mais equivocado.

Rafael reagiu como se o tivesse golpeado de novo. Seu rosto empalideceu e o olhar se tornou gélido.

—Insinua que você e eu dormimos juntos? —perguntou ele em um sussurro— Nem sequer sei como se chama.

Não deveria sentir-se magoada. Fazia tempo que era consciente de por que a escolheu, seduziu e mentiu. E não podia lhe jogar toda a culpa. Deixou isso muito fácil para ele.

Entretanto, o fato de que estivesse ali de pé, negando sequer conhecer seu nome, tinha-lhe provocado uma ferida no coração impossível de curar.

—Deveria partir —lhe indicou com a maior calma que pôde.

Rafael inclinou a cabeça enquanto a estudava com atenção. E, para desespero de Bryony, estendeu uma mão e enxugou uma lágrima que rolava por sua bochecha.

—Está magoada.

Pelo amor de Deus, esse cara era imbecil. Rezou para que seu bebê herdasse o cérebro de sua mãe e esteve a ponto de soltar uma gargalhada, mas o que surgiu foi um soluço sufocado.

—Fora daqui.

Mas tomou o rosto entre as mãos e a olhou aos olhos. E de novo lhe enxugou as lágrimas em um gesto surpreendentemente terno.

—Não podemos ter dormindo juntos. Além de não ser meu tipo, não esqueceria algo assim.

Bryony o olhou boquiaberta e desistiu de tentar fazê-lo partir. Ela que iria.

Ajustando o robe, saiu ao corredor antes que ele a agarrasse pelo pulso.

—Pelo amor de Deus, não tento machucá-la.

Rafael a empurrou ao interior do quarto, fechou a porta e a olhou furioso.

—Já me machucou —murmurou ela entre dentes.

—É evidente que sente que eu a machuquei —ele a olhou com uma mistura de ternura e confusão— E te peço perdão por isso, mas teria que me lembrar de você e do que se supõe que fizemos para poder te oferecer uma compensação.

—Compensação? —ela o olhou, perplexa ante a diferença entre o Rafael de Luca pelo qual se apaixonou e o tipo que tinha em frente. Abriu o robe o suficiente para mostrar a barriga que se marcava sob a camisola de seda—Faz que me apaixone por você. Seduziu-me. Disse que me ama. Conseguiu que firmasse os papéis para te vender umas terras que pertenceram a minha família há um século. Mentiu sobre nossa relação e seus planos para essas terras. E, se por acaso não bastasse com isso, ainda por cima teve que me deixar grávida.

Rafael empalideceu. Deu um passo à frente e, pela primeira vez, pareceu o suficientemente atemorizante como para que ela desse um passo atrás e se apoiasse contra a mesa.

—Está me dizendo que dormimos juntos e que sou o pai de seu bebê?

—Está me dizendo que não o fizemos? Insinua que imaginei as semanas que passamos juntos? Atreve-se a negar que me abandonou sem dizer nada e sem olhar para trás?

—Não lembro de você —anunciou Rafael com voz rouca— Não recordo nada de você. De nós. Disso —assinalou a barriga de Bryony.

—Não o recorda…

—Sofri um… acidente — ele deslizou uma mão pelos cabelos— Se o que diz é verdade, devemos ter nos conhecido durante o período em que em minha mente está completamente em branco.

 

Rafael viu como o rosto da jovem empalidecia. Soltou um palavrão e a agarrou pelos braços, sentindo-a frouxa e tremente.

—Sente-se antes que caia —disse secamente. Conduziu-a até a cama e ela se sentou, segurando-se à borda do colchão.

—Espera que acredite que sofre de amnésia? —ela o olhou espantada— É o melhor que pode inventar?

Rafael fez uma careta, pois ele mesmo sentia algo parecido a ideia da amnésia.

—Não pretendo te enfurecer, mas como se chama? Encontro-me em desvantagem.

—Fala a sério —Bryony suspirou e passou uma mão pelos cabelos— Me chamo Bryony Morgan.

—Bom, Bryony, parece que você e eu temos muito do que falar.

—Amnésia —ela voltou a olhá-lo fixamente— De verdade pensa seguir com essa história?

—Acha que eu gosto que uma mulher me lance um murro em público e assegure estar grávida de meu filho quando, pelo que sei, é a primeira vez que nos vemos? Ponha-se em meu lugar. Se um homem ao que não viu jamais aparecesse e te dissesse as coisas que você me disse, não suspeitaria algo?

—Isto é uma loucura —murmurou Bryony.

—Escuta, posso te provar o que me aconteceu. Posso te mostrar meu relatório médico e o diagnóstico. Não lembro de você, Bryony. Sinto muito ter que dizer isso, mas é a verdade. Só conto com sua palavra de que entre nós houve algo.

—Sim, e não esqueçamos que não sou seu tipo.

Rafael teve um sobressalto. Tinha que lembrar-se desse comentário!

—Eu gostaria que me contasse isso tudo desde o começo. Conte-me onde e por que nos conhecemos. Possivelmente algo do que me disser refresque minha memória.

Alguém bateu na porta.

—Espera a alguém a estas horas? —perguntou ele.

—O serviço de quarto. Estou morrendo de fome. Não comi o dia todo.

Bryony ajustou o robe e foi abrir a porta. Segundos depois, um garçom apareceu empurrando um carrinho com as bandejas tampadas.

—Sinto muito —se desculpou ela quando estiveram de novo a sós— Não esperava visita e só pedi comida para um.

Ele elevou uma sobrancelha. Ali havia comida para um pequeno regimento.

—Sente-se e relaxe. Podemos falar enquanto come.

Bryony se acomodou na pequena poltrona junto à cama e estendeu a mão para um prato.

Rafael aproveitou para estudar o rosto da mulher que tinha esquecido.

Era linda, não podia negá-lo, embora não era o tipo de mulher com o qual se sentia atraído. Ele preferia mulheres doces e, segundo seus amigos, submissas.

Era consciente de que isso o fazia parecer um imbecil, mas não podia negar o fato de que gostava das mulheres um pouco mais obedientes. Que tivesse se apaixonado pela antítese das mulheres com as que tinha saído nos últimos cinco anos, era fascinante.

Aceitava o fato de que podia ter-se sentido atraído por ela, inclusive ter-se deitado com ela, mas apaixonar-se? Em umas poucas semanas?

As mulheres tendiam a ser criaturas emotivas e entrava dentro do possível que acreditou que ele estava apaixonado. Certamente, a dor e a traição não pareciam fingidos.

E logo estava a gravidez. Certamente o faria parecer um completo bastardo, mas seria imbecil não pedir um teste de paternidade. Afinal de contas, estava dentro do possível que tivesse inventado tudo após averiguar sobre sua perda de memória.

Sentiu a repentina necessidade de ligar para seu advogado para perguntar quem assinou o contrato de venda das terras que tinha adquirido. Não tinha visto os papéis antes do acidente, para isso pagava a outras pessoas, e uma vez finalizado o contrato, não havia motivo para olhar para trás… exceto nessa ocasião.

—No que pensa? —perguntou ela.

—Que isto é uma enorme confusão que…

—Para mim quer dizer. —murmurou Bryony— O que não entendo é por que é tão mau para você. É imensamente rico. Não está grávido e não vendeu umas terras que pertenceram a sua família durante gerações a um homem que vai destroçá-las para construir um complexo turístico.

A dor que refletia a voz da jovem produziu em Rafael uma incômoda sensação no peito. Algo parecido a um sentimento de culpa, mas, por que deveria sentir-se culpado?

—Como nos conhecemos? —perguntou— Preciso saber de tudo.

—A primeira vez que o vi usava um terno, sapatos que custavam mais que minha casa, e óculos de sol. Irritou-me muito não poder ver seus olhos e me neguei a falar com você, qté que o tirou.

—E onde aconteceu tudo isso?

—Na ilha Moon. Perguntava por uma faixa de terra na primeira linha de praia, e por seu dono. E eu era a proprietária e imaginei que era um cara vestido com planos para construir na ilha e salvar à população local de uma vida de pobreza.

—Não estava à venda? —ele franziu o cenho— Devia estar à venda. Não teria sabido nada desse lugar se não fosse assim.

—Estava —Bryony assentiu— Eu… eu precisava vendê-la. Minha avó e eu não podíamos pagar os impostos. Mas estávamos de acordo em que não a venderíamos a um construtor.

Interrompeu-se, claramente incômoda com as revelações que lhe fez.

—Enfim, o tomei por um desses caras empertigados e te enviei ao outro extremo da ilha.

Ele a olhou furioso e, pela primeira vez, nos lábios da jovem apareceu um sorriso.

—Estava tão zangado que voltou para minha casa e esmurrou a porta. Exigiu saber a que demônios estava jogando e disse que não agia como alguém desesperada por vender um pedaço de terra.

—Isso sim parece próprio de mim —admitiu ele.

—Expliquei que não estava interessada em vende-la a você e quando falei da promessa feita a minha avó de que só venderíamos a alguém disposto a assinar um compromisso de não utilizá-la com fins comerciais, pediu-me que lhe apresentasse isso.

Um incômodo comichão se instalou na nuca de Rafael. Aquilo não era próprio dele. Ele não entrava no terreno pessoal. Todo mundo tinha um preço. Teria se limitado a seguir aumentando a oferta.

—O resto parecia bastante embaraçoso —seguiu ela— Apresentei você a Mamaw. Deram-se às maravilhas. Ela te convidou para jantar e depois demos um passeio pela praia. Beijou-me, e eu te devolvi o beijo. Acompanhou-me a minha casa e ficamos de nos ver no dia seguinte.

—E assim foi?

—Certamente —sussurrou Bryony— E ao seguinte, e ao outro. Levou-me três dias conseguir que você tirasse esse traje.

Ele elevou uma sobrancelha e a olhou fixamente.

—Céus! —a jovem se ruborizou violentamente e cobriu a boca com a mão— Não queria dizer isso. Usava esse traje por todo canto, inclusive à praia. De modo que o levei às compras. Compramos roupa de praia.

—Roupa de praia? —aquilo começava a soar como um pesadelo.

—Calças curtas, camisetas —ela assentiu— Chinelos.

Possivelmente o médico estivesse certo e tinha perdido a memória de propósito. Chinelos? Olhou seus muito caros sapatos de couro e tentou imaginar-se com chinelos.

—E eu vesti essa roupa de praia…

—Certamente. Também comprou trajes de banho. Nunca tinha conhecido a alguém que viajasse a uma ilha sem traje de banho. Depois te levei a meu lugar preferido da praia.

Até esse momento o relato daquelas semanas era tão diferente dele mesmo que lhe parecia estar escutando a história de outra pessoa.

—E quanto durou essa relação que diz que mantivemos? —grunhiu.

—Quatro semanas —respondeu ela com calma— Quatro maravilhosas semanas. Passamos todos os dias juntos. Depois da primeira semana abandonou seu quarto de hotel e se instalou em minha casa. Em minha cama. Fazíamos o amor com as janelas abertas para ouvir o mar.

—Entendo.

—Não acredita em mim.

—Bryony —começou Rafael com muito tato— Me parece muito difícil. Perdi um mês de minha vida e o que me conta soa tão incomum em mim que me custa acreditar.

—Compreendo que não seja fácil —ela apertou os trementes lábios— Mas tente ver sob meu ponto de vista. Imagina que a pessoa pela qual estava apaixonado, e que pensava estava apaixonada por você, de repente não te recorda. Imagina as dúvidas ao descobrir que tudo o que te contou era mentira, e que te fez uma promessa que não ia manter. Como se sentiria?

—Sentiria-me muito aborrecido —respondeu ele.

—Sim, isso o descreve bastante bem —Bryony ficou de pé— Escuta, isto não tem sentido. Estou muito cansada e acredito que deveria partir.

—Quer que vá embora? —Rafael se levantou de um salto— Depois de me soltar esta história, depois de me anunciar que vou ser pai, espera que eu parta sem mais?

—Já o fez uma vez —respondeu com voz cansada.

—Como demônios pode assegurá-lo? Como sabe o que fiz ou deixei de fazer se nem sequer eu sei? Diz que me amava e que eu te amava. Acabo de te dizer que não recordo nada. Por que diz que te abandonei, que te traí? Sofri um acidente. Qual foi o último dia que me viu? O que fizemos? Disse que a abandonava?

—Foi o dia depois de fechar o trato —ela estava muito pálida— Disse que devia retornar a Nova Iorque. Uma emergência. Disse que não levaria mais de um ou dois dias. Disse que voltaria e que falaríamos sobre o que faríamos com as terras.

—E que dia foi isso? A data, Bryony, quero a data exata.

—Em três de junho.

—O dia do acidente.

Ela o olhou espantada e levou uma mão à boca. Parecia a ponto de desvanecer-se e ele a apanhou pela cintura, obrigando-a a sentar-se a seu lado.

—Como? O que aconteceu? —ela não resistiu e se limitou a olhá-lo fixamente.

—Meu avião particuloar se chocou sobre Kentucky —explicou ele— Não recordo grande coisa. Despertei em um hospital sem saber como tinha chegado ali.

—E não recorda nada? —insistiu ela.

—Só esqueci essas quatro semanas, embora tenha alguma ou outra lacuna.

—De modo que se esqueceu de mim… —Bryony soltou uma amarga gargalhada.

—Sei que é desagradável ouvir isso—ele suspirou— Talvez não lembre de você, Bryony, mas não sou nenhum bastardo. Não me satisfaz ver como se sente ferida.

—Tentei te ligar —continuou ela— Ao princípio esperei. Inventei para mim um monte de desculpas. Que a emergência tinha sido grave, que estava muito ocupado. Mas quando tentei ligar para o número que me deu, ninguém me permitiu falar com você.

—Depois do acidente se teceu uma importante rede de segurança a meu redor. Não queríamos que ninguém soubesse sobre minha perda de memória. Temíamos que os investidores perdessem sua confiança em mim.

—Pois parecia que me tinha me deixado e que não teve coragem de dizer isso em minha cara.

—E por que agora? Por que esperou tanto tempo para vir me enfrentar?

Ela o olhou com desconfiança. Certamente, o sensato teria sido não esperar tanto.

—Não descobri que estava grávida até a décima semana. Mamaw estava doente e passava muito tempo com ela. Não queria desgostá-la lhe contando que suspeitava que nos seduziu e mentido às duas sobre seus planos para as terras. Teria partido seu coração, e não só pelas terras. Ela sabia o quanto eu te amava. Queria me ver feliz.

Rafael se sentia como um autêntico verme.

—Temos que tomar algumas decisões, Bryony.

—Decisões?

—Diz que eu estava apaixonado por você —Rafael a olhou nos olhos— Também diz que está grávida de mim. Há muito que decidir e não o vamos resolver em uma noite.

Ela assentiu.

—Quero que venha comigo.

—E aonde vamos exatamente? —Bryony umedeceu os lábios.

—Se o que diz é verdade, uma grande parte de minha vida e futuro trocou nessa ilha. Você e eu vamos retornar ao lugar onde tudo começou.

Ela o olhou perplexa, como se tivesse esperado que a deixasse abandonada.

—Vamos reviver essas semanas, Bryony. Possivelmente estar ali fará que recorde.

—E se não o faz? —perguntou ela com cautela.

—Então teremos passado bastante tempo nos conhecendo de novo.

 

—Ficou louco? —exclamou Ryan.

Rafael deixou de passear pelo escritório e olhou a seu amigo nos olhos.

—Preferiria não falar de quem perdeu a cabeça —assinalou— Não sou eu quem está procurando a mulher que me enganou com meu irmão.

—Isso foi um golpe baixo —interveio Devon.

Rafael deixou escapar um suspiro. Era verdade. Fosse qual fora o motivo que tivesse Ryan para procurar a sua ex-novia, não merecia esse tratamento.

—Sinto muito, cara. —se desculpou.

—Acredito que os dois estão loucos. Nenhuma mulher merece tantos aborrecimentos. E quanto a você, não sei o que dizer sobre essa loucura de voltar para a ilha Moon. O que espera conseguir?

Queria recuperar a memória. Queria saber por que agiu de maneira tão pouco própria dele.

—Ela diz que nos apaixonamos.

Os outros três o olharam como se acabasse de anunciar que ia fazer voto de castidade.

—Também assegura que o filho que espera é seu —assinalou Devon. — Isso é assegurar muito.

—Falou com seu advogado? —perguntou Ryan— Toda esta situação me deixa nervoso. Não nos fará nenhum bem se sair por aí contando que é um autêntico bastardo ao seduzi-la e abandoná-la antes que se secasse a tinta do contrato.

—Não, ainda não falei com Mario —murmurou Rafael— Não tive tempo.

—E quanto tempo vai levar para buscar a si mesmo? —perguntou Cam.

—Tanto quanto for necessário.

—Eu adoraria seguir aqui —Devon consultou o relógio—, mas tenho um encontro.

—Copeland? —bufou Cam.

Devon fez uma careta em direção a seu amigo.

—O velho continua empenhado em que se case com sua filha se quiser a fusão?

—Sim —Devon suspirou— Ela é um pouco… amalucada e Copeland acredita que eu conseguirei equilibrá-la.

—Pois lhe diga que não há trato —Cam deu de ombros.

—Não está tão mal. É jovem e… exuberante. Há piores mulheres com quem se casar.

—Em outras palavras, deixaria louca a uma pessoa tão inflexível como você —riu Ryan.

Devon dedicou um gesto grosseiro a seu amigo e se dirigiu para a porta.

—Eu também tenho que ir —Cam ficou de pé— Antes de iniciar sua busca, temos que nos encontrar para tomar algo, Rafe.

Ryan não se afastou da janela e se voltou para seu amigo assim que estiveram a sós.

—Ouça, sinto o que disse sobre Kelly —se desculpou Rafael— Ainda não a encontrou?

—Não —Ryan sacudiu a cabeça— Mas o farei.

Rafael não compreendia o empenho de seu amigo em encontrar a sua antiga noiva. Tudo aconteceu durante as quatro semanas perdidas de sua vida. Kelly dormiu com o irmão de Ryan. Ryan a tinha jogado de sua vida e, aparentemente, virou página.

—Não se lembra de Bryony? —perguntou Ryan— Nada absolutamente?

—Não —Rafael tamborilou com uma caneta sobre a escrivaninha.

—E não te parece estranho?

—Pois claro que é estranho —respondeu ele exasperado— Tudo isto é estranho.

—Não acha que se tivesse se apaixonado por essa mulher e passado com ela cada instante do dia durante quatro semanas, não teria ao menos uma leve sensação de déjà vu?

—Entendo seu ponto de vista, Ryan —Rafael soltou a caneta—, e agradeço sua preocupação. Algo aconteceu nessa ilha. Não sei o que é, mas em minha mente há uma enorme brecha e ela está no centro. Tenho que retornar, embora só seja para desmentir sua versão.

—E se o que diz é verdade?

—Então tenho muito tempo a recuperar.

    

Bryony parou frente ao edifício de escritórios e olhou para cima. A moderna arquitetura do arranha-céu resplandecia sob o sol outonal.

A cidade a assustava e fascinava em partes iguais.

Todo mundo parecia ocupado e ninguém parava sequer um segundo. A cidade pulsava com gente, carros, luzes e ruídos. Como podia alguém suportar esse ruído constante?

Mesmo assim, esteve disposta a abraçar essa vida, consciente de que, se ia compartilhar sua vida com Rafael, teria que acostumar-se à cidade.

Uma semente de dúvida crescia a cada respiração que exalava e não podia evitar perguntar-se se não estaria fazendo um ridículo ainda maior que a primeira vez.

—Devo estar louca por confiar nele —murmurou.

Mas se dizia a verdade, se essa história estranha e incrível fosse verdade, então não a tinha traído. Não a tinha abandonado.

—Bryony, verdade?

Ante ela havia dois homens que já tinha visto na festa de Rafael.

—Em efeito, Bryony.

Ambos eram altos. Um deles tinha o cabelo castanho e curto, e lhe sorriu. O outro era loiro com cabelos revoltos, e franzia o cenho enquanto estreitava os azuis olhos.

—Sou Devon Carter, um amigo de Rafael —o sorridente estendeu uma mão— E este é Cameron Hollingsworth.

Cameron seguia escrutinando-a com o olhar, e Bryony o ignorou, concentrando-se em Devon.

—Prazer em conhecê-lo —murmurou ao fim, sem saber muito bem o que dizer.

—Veio para ver Rafe? —perguntou Devon.

Ela assentiu.

—Nós adoraremos te acompanhar.

—Não é necessário —Bryony sacudiu a cabeça— Posso ir sozinha. Não quero causar incômodo.

Cameron lhe dedicou um olhar frio e calculista.

—Não é nenhum aborrecimento—insistiu Devon—Acompanharei você até o elevador.

—Não me acha capaz de encontrar o elevador? —ela franziu o cenho— Ou acaso é um desses amigos intrometidos?

Devon sorriu despreocupadamente e a olhou como se soubesse exatamente como se sentia.

—Então te desejo um bom dia —disse ele ao fim.

Bryony desejou não ter sido tão grosseira.

—Obrigada, prazer em conhecê-lo.

Impregnou sua voz de tanta sinceridade que esteve a ponto de acreditar ela mesma. Devon assentiu, mas Cameron não pareceu impressionado. Os dois amigos entraram em um BMW que os aguardava.

Respirou fundo e atravessou as portas giratórias para entrar no edifício. O vestíbulo era lindo. No centro havia uma grande fonte e parou frente a ela para permitir que o som da água a relaxasse. Sentia falta do mar. Não saía muito frequentemente da ilha e, em meio da grande cidade, só pensava em retornar ao tranquilo lugar no qual tinha crescido.

Formou-lhe um nó na garganta e a dor oprimiu seu peito. Por sua culpa, as terras da família estavam nas mãos de um homem decidido a construir um complexo turístico com campo de golfe e sabe o quê mais.

Mas a ilha Moon era especial. As famílias viviam ali há gerações e todo mundo se conhecia. A metade da ilha se dedicava à pesca ou aos camarões-rosa e a outra metade vivia aposentada após anos trabalhando em Houston ou Dallas.

Entre os residentes havia um acordo não escrito no qual a ilha seguiria sendo um paraíso para quem procurasse uma vida mais tranquila.

Mas tudo isso ia mudar por sua culpa. As escavadoras iriam invadir tudo e, lentamente, o mundo exterior trocaria sua forma de viver.

Bryony mordeu o lábio e se dirigiu para o elevador. Doía-lhe pensar no ingênua e estúpida que foi.

Furiosa, apertou o botão do terceiro andar. Acreditou nele quando tinha assegurado que queria as terras com fins pessoais. Ao assinar os documentos, o nome que tinha aparecido era o seu, não o de nenhuma empresa. Rafael de Luca. E também acreditou quando disse que a amava e que retornaria. Que queria que estivessem juntos.

Sentia-se tão humilhada por sua estupidez que não suportava pensar mais nisso. E ao apresentar-se em Nova Iorque se encontrou com a história da perda de memória. Muito oportuno.

—Por favor, que esteja dizendo a verdade —sussurrou.

Porque, se dizia a verdade, então ao menos não era tão má pessoa.

—Tem hora marcada? —ao sair do elevador, topou-se com um balcão. A recepcionista sorriu.

—Rafael me está esperando —assentiu ela depois de uns segundos de incerteza.

—É você a senhorita Morgan?

Ela assentiu de novo.

—Me siga. O senhor de Luca pediu que a levasse imediatamente a seu escritório. Gosta de um café ou chá? —olhou a enorme barriga— Se o preferir, temos descafeinado.

—Obrigada, estou bem —Bryony sorriu.

—Senhor de Luca, a senhorita Morgan está aqui —a recepcionista abriu uma porta.

—Obrigado, Tamara —Rafael elevou a vista da escrivaninha e ficou em pé.

—Necessitará alguma coisa mais? —perguntou amavelmente Tamara.

—Que ninguém me incomode —Rafael sacudiu a cabeça. A mulher sorriu e partiu, fechando a porta atrás dela.

Bryony olhou para Rafael. Estavam tão perto que podia cheirá-lo, mas não sabia como agir. Não podia manter a pose irada de amante despeitada porque, se não se lembrava dela não podia culpá-lo por comportar-se como se não existisse.

Mas tampouco podia retomar a relação onde a tinham deixado jogando-se em seus braços.

—Antes que isto vá mais longe, há algo que devo fazer —ele suspirou.

—O que? —Bryony franziu o cenho antes de arquear as sobrancelhas ao vê-lo aproximar-se.

Rafael tomou seu rosto entre as mãos em concha e se aproximou ainda mais a ela.

—Tenho que te beijar.

 

Bryony tentou escapar, mas Rafael estava decidido a não deixá-la escapar. Segurou-a pelos ombros e a atraiu bruscamente para si antes de beijá-la apaixonadamente.

Não estava muito seguro do que esperar. Foguetes? A memória milagrosamente recuperada? Imagens das semanas perdidas?

Não aconteceu nada disso. Em troca, o que sim aconteceu o encheu de pânico.

Rafael sentiu que seu corpo despertava. Cada músculo ficou tenso. O desejo e a luxúria se enroscaram ao redor do estômago e ficou dolorosamente duro.

Como lhe correspondia essa mulher! Depois da resistência inicial, fundiu-se contra ele e lhe devolveu o beijo com paixão. Rodeou-lhe o pescoço com os braços moldando suas deliciosas curvas contra seu corpo. Um corpo que pedia a gritos que a tombasse sobre a escrivaninha e saciasse seu desejo.

Mas à medida que a consciência tomava lugar, conteve-se. No que estava pensando? Essa mulher, a que não recordava, estava grávida, embora isso não o impedisse de querer arrancar sua roupa.

Bom, ao menos não poderia deixá-la grávida outra vez…

Que não era seu tipo? Nunca conheceu a uma mulher com a que tivesse tanta química.

Bryony o olhava perplexa com os lábios inchados e o olhar turvo. E Rafael teve que fazer provisão de toda sua capacidade de controle para não terminar o que tinha começado.

—Sinto muito —se desculpou afastando-se dela— Tinha que comprovar.

—Comprovar o que? —ela entreabriu os olhos enquanto cruzava os braços sobre o peito e dava uns impacientes golpezinhos no chão com o pé.

—Se conseguia recordar algo.

—E bem?

—Nada —ele sacudiu a cabeça.

Bryony deu meia volta, disposta a sair do escritório.

—Espera um momento —chamou ele. —Qual é seu problema?

—Qual é meu problema? Pois não tenho nem ideia. Possivelmente eu não gosto de ser maltratada como uma espécie de animal de laboratório.

—Mas…

Antes de que ele pudesse protestar, ela partiu.

Rafael a viu ir embora sem saber se devia ir atrás dela ou não. O que diria quando a alcançasse? Não lamentava o beijo, embora não tivesse significado a cura milagrosa que tinha esperado. Mas sim esclareceu algo importante: não podia aproximar-se dessa mulher sem estalar em chamas, e isso fazia que fosse bastante provável que carregasse a seu filho dentro dela.

Retornou ao escritório e pegou o telefone. Segundos mais tarde, Ramon respondeu.

—A senhorita Morgan acaba de abandonar meu escritório. Faça que chegue bem ao hotel.

    

Bryony saiu à rua. As lágrimas lhe ardiam nos olhos.

Tinha esperado ver algum rastro do Rafael de Luca pelo qual se apaixonou. Possivelmente também tinha esperado que o beijo despertasse… algo.

O vento fresco revolveu seus cabelos enquanto olhava rua abaixo, sem saber muito bem que direção tomar. Fazia mais frio que antes e começou a tiritar.

Ainda havia bastante luz para retornar caminhando ao hotel. O beijo de Rafe a tinha deixado acalorada e a enfurecia que se mostrou tão frio.

Havia-se sentido como… um brinquedo. Como se não fosse mais que um artigo para o divertir.

E certamente era isso o que tinha sido desde o começo.

Ao parar ante uma faixa de pedestres, um homem tropeçou com ela violentamente.

—Ei! —Bryony se voltou assustada.

O homem murmurou uma desculpa enquanto o semáforo ficava verde. Não foi consciente do puxão no outro braço até que foi muito tarde.

A bolsa se deslizou pelo braço que quase foi arrancado do ombro enquanto o ladrão punha-se a correr.

Instintivamente, Bryony agarrou a alça da bolsa, puxando-a.

O ladrão a empurrou com força, a fazendo cair ao chão. O golpe foi muito forte, mas a alça da bolsa se manteve firmemente enrolada ao redor de seu pulso.

O ladrão puxou com força, arrastando-a vários metros antes de soltar um rugido de raiva e lhe desferir uma bofetada com o dorso da mão. Bryony percebeu um brilho prateado.

O pânico se apossou dela ao reconhecer a navalha que se aproximava de seu corpo. Entretanto, o atacante cortou a alça e em uns segundos desapareceu, fundindo-se com a multidão enquanto ela ficava jogada no chão.

—Está bem, senhora? —alguém se ajoelhou a seu lado.

Ela se virou, muito aturdida para responder. Um carro negro freou, parando frente a ela e um homem corpulento correu em seu auxílio.

—Senhorita Morgan, encontra-se bem? —perguntou apressadamente.

—Como… como sabe meu nome?

—O senhor de Luca me enviou.

—Como ele soube o que aconteceu?

—Pediu-me que me assegurasse de que chegasse sã e salva ao hotel. Não a alcancei a tempo para levá-la de carro e a estava procurando.

—Entendo.

—Pode ficar de pé? —perguntou ele.

Bryony assentiu lentamente. Ao menos o tentaria. Enquanto o homem a ajudava a levantar-se, segurou a barriga, preocupada se por acaso o bebê tinha sofrido algum dano.

—Dói? —perguntou ele.

—Não sei —respondeu ela tremente— Talvez não seja mais que o susto. A queda…

—Levarei-a imediatamente ao hospital. O senhor de Luca se reunirá ali conosco.

Bryony não protestou ao ser empurrada ao assento traseiro do carro. O homem se sentou a seu lado e ordenou ao condutor que arrancasse.

—Dói algo? —perguntou.

—Não acredito. Só estou alterada.

—Vai ter um bom hematoma no olho.

—Obrigada —murmurou— Por sua ajuda. Chegou no momento justo.

—Não, não é verdade —o rosto do homem se enrugou em uma careta de raiva— Se tivesse chegado um segundo antes, não a teria machucado.

—Mesmo assim, obrigada. Carregava uma navalha.

Ao recordar, começou a respirar agitadamente. Subiu-lhe um calafrio pela coluna até os ombros e começou a tremer descontroladamente.

—Nem sequer sei seu nome —continuou com voz débil.

—Ramon —ele a olhou com preocupação— Sou o chefe de segurança do senhor de Luca.

—Meu nome é Bryony —se apresentou ela antes de recordar que ele já conhecia seu nome.

—Quase chegamos, Bryony —a tranquilizou.

O carro parou e a porta se abriu. Ramon a ajudou a sair e os recebeu um auxiliar de emergência, que os aguardava com uma cadeira de rodas.

Surpreendida pela rapidez com que foi atendida, contemplou boquiaberta como duas enfermeiras a deitavam em uma cama e começavam a examiná-la.

Ramon ficou a seu lado sem perder detalhe dos movimentos da equipe médica.

—O senhor de Luca é benfeitor deste hospital —murmurou, como se compreendesse o atordoamento da jovem— Ligou para informá-los de sua chegada.

—O obstetra virá em seguida —anunciou uma enfermeira— Examinará ao bebê.

     Bryony assentiu e murmurou um agradecimento. Acabava de fechar os olhos quando a porta se abriu de repente.

—Está bem? —perguntou angustiado Rafael— Está ferida? Dói algo? —respirou fundo e passou a mão pelos cabelos— O… bebê?

Antes que ela pudesse responder, ele notou seu olho e seu rosto se enfureceu. Instintivamente lhe tocou o rosto antes de voltar-se para Ramon.

—O que aconteceu?

—Estou bem —interveio Bryony, mas Rafael já não prestava atenção a ela.

—Rafael…

Ele seguia bombardeando ao chefe de segurança com perguntas e teve que puxá-lo pela manga para recuperar sua atenção.

—Estou bem, sério. Ramon apareceu bem a tempo. Cuidou-me muito bem.

—Não deveria tê-la deixado partir do escritório —Rafe rangeu os dentes— Estava alterada e não deveria ter saído à rua. Pensava que Ramon te levaria ao hotel.

—Comecei a andar —ela deu de ombros— Ele não me alcançou até depois de…

—O médico já veio? —Rafael aproximou uma cadeira e se sentou a seu lado— O que disse do bebê? Esse bastardo a feriu em alguma outra parte?

Ela sacudiu a cabeça e pestanejou perplexa. Aquele era um Rafael totalmente desconhecido.

—A enfermeira disse que o obstetra de plantão viria logo me examinar e assegurar-se de que o bebê está bem. E não, não me feriu em nenhuma outra parte.

—Não pode caminhar pelas ruas de Nova Iorque sozinha —Rafael tomou sua mão— Nem sequer eu gosto que se aloje nesse hotel.

—Mas se é seu —Bryony sorriu divertida— Está dizendo que não é um lugar seguro?

—Preferiria que ficasse comigo, para estar seguro de que não te acontece nada.

—O que está dizendo? —ela franziu o cenho.

—Escuta, de todos os modos íamos juntos à ilha Moon em uns dias. O lógico seria que ficasse comigo até então. Nos dará mais tempo para… nos conhecer.

Possivelmente não a recordava, mas seus instintos protetores despertaram e certamente estava preocupado pelo bebê e sua mãe.

Ao menos era um começo, não?

—De acordo —aceitou Bryony— Me alojarei em sua casa até que saiamos para a ilha.

 

Se permitisse, Rafael a teria levado nos braços até o apartamento de cobertura. E protestou com raiva até que ela girou os olhos e o informou que estava bem e que a ninguém se levava nos braços por causa de um olho arroxeado.

A visão do olho só serviu para enfurecê-lo ainda mais. Bryony era pequena e a ideia de que alguém a machucou… e ainda por cima grávida… Felizmente, o médico tinha assegurado que o bebê estava bem.

—Gostaria que eu providenciasse algo para jantar? —perguntou após acomodá-la sobre o divã.

—Obrigada, eu adoraria —respondeu ela enquanto reclinava a cabeça.

—Deve estar cansada —ele franziu o cenho ao ver o gesto que apareceu no rosto da jovem.

—Tive dois dias muito duros —Bryony assentiu.

Rafael se sentiu culpado. Certamente não lhe tinha facilitado as coisas. Mas imediatamente sentiu uma profunda irritação. Por que teria que sentir-se culpado? Não era capaz de recordar nada. Cada noite ia à cama com a esperança de que à manhã seguinte as lembranças tivessem retornado e não tivesse que perguntar-se se tinha feito algo tão estúpido como seduzir e apaixonar-se por uma mulher em quatro semanas. Não, não deveria sentir-se culpado. Nada do acontecido foi culpa dele. Exceto o fato de tê-la alterado fazendo que fugisse de seu escritório.

Enquanto pegava o telefone, observou-a atentamente do outro extremo da sala. Parecia ter adormecido e se perguntou se devia despertá-la para jantar.

O olhar se deslizou até a barriga e imediatamente decidiu que não podia consentir que pulasse uma refeição.

—Gostaria de beber algo enquanto esperamos? —Rafael se sentou em uma cadeira junto ao sofá.

—Tem algum suco? —Bryony abriu preguiçosamente os olhos— Estou um pouco enjoada.

—E por que não disse nada até agora?

—Porque o único que desejava era me sentar e descansar um pouco —ela deu de ombros— Todas essas pessoas a meu redor me deixaram nervosa.

Rafael se dirigiu à cozinha e procurou na geladeira um suco de laranja.

Sentou-se no sofá junto a ela e lhe entregou um copo com o suco. Bryony bebeu com ânsia a metade.

—Obrigada. Com isso bastará.

—Acontece frequentemente ou se deve às emoções do dia? —perguntou ele com receio.

—Sempre estou à beira da hipoglicemia. E de vez em quando meu nível de açúcar baixa muito. A gravidez também o alterou e devo comer frequentemente para não desmaiar.

—E o que aconteceria se desmaiasse enquanto está sozinha? —Rafael soltou um palavrão.

—Estou bem, Rafe —insistiu ela— Minha avó é diabética. Sei como agir em caso de subidas ou descidas de açúcar.

A abreviatura de seu nome, que só utilizavam os amigos mais íntimos, escapou dos lábios de Bryony como se a tivesse utilizado milhares de vezes. E a Rafael pareceu que soava… bem.

Por que não conseguia recordar? Se de verdade manteve uma relação com essa mulher e se, tal e como ela afirmou, uniram-se sentimentalmente, por que a tinha apagado de sua memória?

Bryony levantou a vista e seus olhares se fundiram. Algo nesses olhos fez que Rafael sentisse uma opressão no peito. Parecia cansada e frágil. Parecia necessitar… consolo.

—Rafe, levou minha bolsa —anunciou ela.

Ele assentiu. A polícia tinha ido ao hospital para tomar declaração.

—Não pensei… tudo aconteceu tão depressa, e logo no hospital… —levantou uma mão em um gesto de desespero que só seriu para que Rafe sentisse mais vontade de consolá-la.

—O que a preocupa, Bryony?

—Tenho que anular os cartões de crédito. Deus meu, certamente já esvaziou minhas contas. Também carregava a carteira de motorista. Como vou voltar para casa?

Quanto mais falava, mais se alterava e Rafael a rodeou torpemente com um braço.

—Não se preocupe. Tem os números de telefone aos que deve ligar?

Ela sacudiu a cabeça antes de apoiá-la sobre seu ombro.

—Se tiver um computador, posso procurá-los na internet.

—Se tenho um computador… —ele bufou— Sempre estou conectado a internet.

—Na ilha não —ela levantou a cabeça e o olhou aos olhos.

—Isso é impossível —ele franziu o cenho— Jamais teria desaparecido do mapa de qualquer jeito.

—Não perdeu o contato —esclareceu Bryony— Mas frequentemente fazia suas chamadas, ou respondia os e-mails, pela manhã ou na última hora da noite. Durante o dia deixava o BlackBerry em minha casa enquanto íamos explorar a ilha.

—Vê? Por isso me custa tanto aceitar a história que conta —Rafael suspirou— Eu jamais faria algo assim. Não é próprio de mim.

Bryony fez um gesto de desagrado e se separou dele. Em um intento de dissimular a sensação de desconforto que se instalou, Rafe se levantou e foi em busca do notebook. Esteve um longo momento lhe dando as costas para recuperar-se e evitar a tentação de desculpar-se.

Ao fim retornou até o sofá e colocou o computador a seu lado sobre uma almofada.

—Se tiver algum problema para cancelar seus cartões, ou pedir novos, diga-me e darei meu endereço para que os entreguem aqui.

—E quanto a minha carteira de motorista? —perguntou ela um pouco tensa— Como voltarei para casa?

—Eu te levarei para casa, Bryony. Não pode ligar para sua avó para que te envie por fax uma cópia de sua certidão de nascimento? Acredito que serve como identificação para voar.

—Não poderíamos ir em seu avião? Oh… suponho… sinto muito —se interrompeu envergonhada.

—Tenho mais de um —respondeu ele secamente.

—E por que não usar algum? Seria mais fácil viajar sem identificação em um jato particular.

—Digamos que desenvolvi uma repentina fobia por aviões pequenos.

—Devo te parecer muito insensível —ela franziu o cenho— É que toda esta viagem foi um desastre desde o começo.

—Sim, suponho que para você foi. —murmurou ele.

Rafael se sentou a seu lado. Não gostava da sensação de insegurança que tinha com respeito a ela. Mas, se estava zangado, era consigo mesmo.

Se Bryony dizia a verdade, ele colocou sua vida de pernas para o ar.

Pouco a pouco crescia a inquietante sensação de que tudo era verdade, por estranho e improvável que parecesse, e, se era assim, teria que decidir que demônios ia fazer com essa mulher a que supostamente amava, e com o filho que carregava. Seu filho.

 

—Isto me recorda as noites que passávamos em casa —declarou Bryony enquanto tomava outra porção de fruto do mar.

Rafael parou com o garfo no ar, resignado ao ouvir algo mais de seu inabitual comportamento. Mas ela não continuou, como se intuísse o incômodo que o fazia sentir.

—E o que costumávamos fazer? —esforçou-se por parecer despreocupadamente interessado.

—Costumávamos nos sentar no terraço com as pernas cruzadas enquanto jantávamos o que eu tinha preparado. Depois, eu apoiava a cabeça em seu colo e você me acariciava os cabelos enquanto ouvíamos o mar e olhávamos as estrelas.

A voz de Bryony se converteu em um sussurro.

—E então entrávamos em casa e fazíamos amor.

O tom sonhador de sua voz afetou Rafael. Ficou duro ante as imagens que ela desenhava em sua mente. De repente lhe resultou muito fácil imaginá-la deitada contra ele, pele contra pele, agarrando-se a ele enquanto ambos alcançavam o topo.

Uma parte dele queria acabar com tudo aquilo. Queria levá-la à cama, praticar sexo com ela até que esquecessem seus nomes. Seu corpo o desejava com ânsia, mas sua mente o pontuava de imbecil.

Quisesse-o ou não, entre eles havia química. Possivelmente tinha perdido o bom senso em seus braços. Possivelmente lhe tinha feito promessas ao calor da excitação.

Necessitava sua colaboração. Necessitava que o negócio saísse bem. Havia muitos investidores envolvidos e o dinheiro já havia trocado de mãos. Aproximava-se a data limite para a construção e quão último desejava era que ela começasse a fazer ruído.

Bryony o olhava com atenção. De modo que ele fez o mesmo e a examinou atentamente, ficando enfeitiçado por seus olhos negros, atraído pelos delicados traços de seu rosto. Morria por deslizar os dedos desde esses maçãs do rosto até os suaves lábios.

Sentiu-se assim ao conhecê-la? A lógica lhe dizia que sim. Como poderia sua reação ser diferente a da primeira vez?

—Por que me olha assim? —perguntou ela.

—Possivelmente porque te acho linda.

—Pensava que não era seu tipo.

—O que disse era que não era meu tipo habitual.

—Não —Bryony fez uma careta— Suas palavras exatas foram: “Não é meu tipo”.

—Não me importa o que disse —grunhiu ele— O que quis dizer era que não é o tipo de mulher com quem saio habitualmente.

—Quer dizer com quem transa habitualmente? —debochou ela— Porque isso foi o que fizemos, sabe? Um montão de vezes. De fato, a não ser que seja o melhor ator do mundo e finja não só a ereção, mas também o orgasmo, eu diria que, ou não lembrava que não sou seu tipo, ou não é muito crítico com respeito às mulheres com as que se deita. Uma mulher pode fingir atração sexual —continuou ela— Mas, os homens? Não é fácil fingir atração por uma mulher se o pênis não colaborar.

—Céu santo —murmurou ele— Acredito que já deixamos bastante claro que me sinto sexualmente atraído por você. Seja o que for que pensei no passado sobre minhas preferências quanto a mulheres, é evidente que não se aplica a você.

—De modo que está disposto a admitir que transou comigo e que o bebê é seu?

—Sim —resmungou ele— Estou disposto a admitir a possibilidade, mas não sou tão estúpido para acreditar nisso até que recupere a memória, ou tenha o teste de DNA.

—Me basta que admita a possibilidade —ela fez uma careta.

—Sempre foi tão… encantadora comigo quando estávamos juntos?

—O que quer dizer com isso? —ela arqueou uma sobrancelha.

—Só que me lembro de gostar das mulheres um pouco mais…

—Estúpidas? —provocou-o— Fracas? Insípidas? Submissas? —continuou ela— Ou possivelmente simplesmente prefere as que se limitam a assentir e a dizer “sim, senhor”, a cada um de seus caprichos.

Bryony deixou o garfo a um lado e levantou o olhar para ele. Os olhos estavam alagados em lágrimas e em Rafael formou um nó na garganta. Não pretendia magoá-la de novo.

—Tem a menor ideia de quão difícil é isto para mim? —perguntou ela com voz tensa— Tem a menor ideia do que me custa vê-lo de novo e não poder te tocar, te abraçar ou te beijar? Vim para enfrentar a um homem que me traiu da pior das maneiras. Queria terminar com você para sempre. Mas então vem e me conta essa história da perda de memória e, o que se supõe que devo fazer? Agora devo ter em conta a possibilidade de que não mentiu, mas estou morta de medo se por acaso me equivoco ao acreditar em você. Outra vez.

Ele a olhou petrificado e com uma incômoda sensação no peito.

—Não posso partir sem mais depois de tê-lo acusado precisamente de me fazer isso. E uma parte de mim se pergunta, e se está dizendo a verdade? E se amanhã recupera a memória e recorda que a ama? E se não foi mais que um horrível mal entendido e podemos retornar a nossa vida na ilha?

Empurrou o prato a um lado e fez um evidente esforço por controlar-se.

     —Mas, e se eu tiver razão? —sussurrou— E se ao ficar estou fazendo ainda mais o ridículo que quando acreditei em todas suas mentiras? Tenho que pensar no bebê.

Antes de refletir sobre o que deveria dizer ou fazer, Rafael estendeu uma mão para ela. Parecia impossível não tocá-la, não lhe oferecer consolo.

Tomou-a em seus braços e se reclinou no sofá. Durante uns instantes ela se mostrou tensa e calada. Aspirou o aroma de seus cabelos e sentiu uma pontada de desilusão ao não despertar nenhuma lembrança. Não se supunha que o olfato era o catalisador mais poderoso?

Bryony relaxou pouco a pouco, apoiando uma mão contra o peito de Rafael e a bochecha contra seu ombro.

Ele inclinou a cabeça e se deteve um instante antes de lhe acariciar os cabelos com os lábios. Pareceu-lhe um gesto muito natural, apesar de que a ternura não era um de seus traços de identidade. Entretanto, a necessidade de lhe mostrar seu lado mais terno se converteu em uma dor física.

—Sinto muito. —murmurou. Não desejava vê-la ferida. Rafael ficou sentado com a cabeça de Bryony apoiada em seu ombro, rodeando-a com um braço e com a outra mão afundada nos sedosos cachos. Contemplou a ondulada juba estendida sobre seu peito e sentiu a barriga contra o flanco.

De verdade era dele? E, se fosse, por que não estava fugindo em direção contrária?

Não é que fosse alérgico ao compromisso. Bom, ao melhor um pouco, mas não sofreu nenhum trauma no passado que o tornou suspicaz. E tampouco era nenhum mentecapto temeroso de que uma mulher o fizesse sofrer.

Nunca se comprometeu com ninguém porque… Não estava muito seguro de por que. Os homens estavam acostumados a carecer do controle em suas relações. Já não podiam tomar decisões só para eles, e ele estava acostumado a tomar decisões sem consultar ninguém.

Não era o proprietário de sua empresa por acaso, nem tampouco era casualidade que se associou com seus três amigos. O trabalho lhe tomava muito tempo, um tempo do que não disporia se tivesse que preocupar-se com retornar para casa cada noite.

Gostava de partir em viajem a qualquer momento. Gostava das reuniões de negócios. E embora não tivesse muito tempo livre, gostava de divertir-se. Estava acostumado a sair com Ryan, Devon e Cam ao menos uma vez ao ano para jogar golfe, e frequentemente iam tomar algumas bebidas e outras atividades só disponíveis para homens sem companheira.

Em resumidas contas, não conheceu à mulher que o fizesse desejar renunciar a tudo aquilo. E certamente não imaginava a si mesmo conhecendo-a e renunciando a sua vida em quatro semanas. Seria uma decisão tomada ao longo dos anos.

Mas por outro lado…

Algo se moveu em seu interior ao contemplar a mulher que descansava confiante contra ele. Sentiu um novo desejo, um desejo que normalmente o aterraria, que deveria aterrorizá-lo.

Sentiu o desejo de recordar todas aquelas coisas que o havia descrito porque, de repente, pareciam muito atrativas.

 

—Rafael, Rafael! Acorda! Corre!

—O que acontece? —Rafael despertou sobressaltado—É o bebê? Dói algo?

Ela franziu o cenho antes de sacudir a cabeça e sorrir como se estivesse alienada.

—Então, por que demônios grita? —ele esfregou os olhos e consultou a hora— Pelo amor de Deus, é muito cedo!

—Está nevando!

Agarrou sua mão e o puxou. Os lençóis se deslizaram de seu corpo e ambos ficaram paralisados. E então recordou que dormia nu e, pior ainda, que seu pênis estava fazendo ato de presença de uma maneira muito pouco sutil.

—Sinto muito —se desculpou Bryony— Descerei sozinha.

—Espera um momento —Rafael saltou da cama com o lençol enrolado ao redor da cintura— Alguma vez viu nevar?

Ela sacudiu a cabeça.

—Fala a sério?

—Vivo em uma ilha frente à costa do Texas —Bryony assentiu— Não vemos muita neve ali.

—Mas não é a primeira vez que viaja. Alguma vez esteve em um lugar onde nevasse?

—Não saio muito da ilha —ela deu de ombros.

Bryony jogou um olhar carregado de ansiedade para a janela, como se temesse que a neve fose desaparecer de um momento a outro.

—Me dê cinco minutos —Rafael suspirou— Me visto e te acompanho.

Supôs que, dado que era a primeira experiência de Bryony com a neve, certamente não usaria roupa adequada e pegou um cachecol e um gorro.

Vestiu-se e quando saiu do dormitório encontrou Bryony colada à janela as sala.

—Toma —grunhiu ele— Se vai sair aí fora, precisará abrigar-se.

Ela se voltou e olhou fixamente o cachecol e o gorro que lhe oferecia. Estendeu uma mão, mas lhe colocou o cachecol ao redor do pescoço e a puxou.

—Certamente nem sequer sabe prender isso. — murmurou. — Depois de lhe colocar o cachecol, colocou o gorro e deu um passo atrás. Estava… muito bonita.

—Sua neve espera.

Bryony saiu ao pequeno pátio interno do edifício, surpreendida de que não houvesse ninguém mais. Assim que um dos flocos aterrissou sobre seu nariz, voltou o rosto para o céu e começou a rir com as mãos estendidas e girando em círculos.

Depois de formar uma bola de neve se voltou para Rafael com um travesso sorriso no rosto.

—Nem se… —ele a olhou desconfiado.

Mas antes de poder terminar a frase, a bola de neve se chocou contra seu rosto.

Olhou-a furioso, mas ela se limitou a rir enquanto formava uma segunda bola.

—Nem pensar! —rugiu Rafael.

Bryony se levantou disposta a um segundo lançamento, mas uma bola de neve a golpeou no rosto e se deslizou por sua nuca lhe provocando um calafrio.

—Já vejo que não pôde resistir —lhe dedicou um sorriso zombador.

—Resistir a que?

—A brincar. Quem pode resistir à neve?

—Não estava brincando —grunhiu ele—Estava me vingando. E agora, vamos. Já viu a neve. Deveríamos retornar. Aqui faz frio.

—Não me diga! Está nevando —respondeu ela— Se supõe que deve fazer frio.

Ignorando o gesto de exasperação de Rafael, lançou-lhe outra bola. Ele a esquivou e lhe dedicou um olhar que fez com que ela procurasse refúgio, não sem antes receber uma bola justo entre os olhos.

—Para ser alguém que não brinca na neve, lança muito bem as bolas —murmurou.

Quando ele se agachou para recolher mais neve, ela se aproveitou e o golpeou no traseiro.

—Espero que seja consciente de que isto é a guerra —declarou Rafael.

—Claro, claro —ela girou os olhos— Já consegui que abandonasse essa atitude prepotente uma vez, e voltarei a fazê-lo.

Rafael se aproximou de Bryony com expressão decidida.

—OH, OH —murmurou ela enquanto recuava.

Não havia muito lugar para fugir no pequeno pátio interno, a não ser que tentasse entrar de novo no edifício, e decidiu enfrentá-lo.

A toda pressa começou a lhe lançar punhados de neve que ele esquivava entre palavrões antes de lançar um suspiro de resignação e fazer o mesmo com ela.

—Me rendo! —uivou Bryony ao fim, elevando as mãos.

—E por que será que não acredito? —perguntou ele enquanto a olhava com desconfiança.

—Você ganhou —dedicou a ele seu sorriso mais inocente e elevou as mãos— Estou congelando.

Rafael deixou cair a bola de neve que tinha preparada e se aproximou de Bryony, agarrando-a pelos ombros. Olhou-a de cima a baixo.

Suspirou ante a injustiça da situação. O amor de sua vida a olhava como a uma estranha.

—Deveríamos entrar —Rafael franziu o cenho— Não trouxe nada de roupa para o frio?

Ela sacudiu a cabeça com gesto pesaroso.

—Então terá que ir às compras.

—Não precisa —de novo sacudiu a cabeça— Logo retornaremos à ilha Moon e ali ainda faz muito bom tempo.

—E enquanto isso ficará congelada. Ao menos necessitará um casaco. Tem alguma preferência? Pele? Couro?

—Só um casaco. Nada exótico.

—Cuidarei disso.

—Faz o que ela queira se encolheu de ombros.

—Quando o porteiro me disse que estava aqui fora brincando com a neve, perguntei se o verdadeiro Rafael tinha sido abduzido por uns alienígenas.

Bryony e Rafael se viraram e viram Devon Carter apoiado contra um poste.

—Muito engraçado —murmurou Rafael— O que faz aqui? —tomou Bryony pela mão.

—Só queria ver como estavam —Devon arqueou uma sobrancelha— Ouvi dizer que ontem houve animação.

Bryony fez uma careta e levou a mão livre ao hematoma que já tinha esquecido.

—Como pode ver, está bem —declarou Rafael— E agora, se nos desculpar, vamos subir.

—Em realidade vim para vê-lo —Devon sorriu— Ela me parece muito capaz de se cuidar.

Bryony pigarreou. Devon não estava preocupado por ela, mas sim por Rafael ficar preso em suas garras.

—Vou subir, assim você podem conversar tranquilamente.

Depois de saudar com a mão a Devon, Bryony correu para o elevador.

—Por que tudo isto? —Rafael se voltou para seu amigo com o cenho franzido.

—Só queria ver como estava —Devon deu de ombros — nos últimos dois dias lhe aconteceram muitas coisas e queria saber se começava a recordar algo.

—Vamos para dentro —Rafael fez uma careta de desagrado—, aqui faz frio.

Os dois amigos entraram na cafeteria do vestíbulo principal.

—Tudo vai bem. Não quero que se preocupe, nem que comece a conspirar para me proteger.

—Embora ache que sua ideia de voar a essa ilha é uma estupidez? —Devon suspirou.

—Sobretudo por isso.

—De verdade acredita que é boa ideia partir com essa mulher que afirma estar grávida de você? Parece-me que o mais sensato seria chamar a seu advogado, solicitar um teste de paternidade e se manter à margem até ter os resultados.

—Acredito que já a magoei bastante —Rafael sacudiu a cabeça— Como vou reparar um erro se meu advogado a leva ao esgotamento enquanto esperamos saber se vou ser pai?

—Me parece que já decidiu que diz a verdade —Devon soltou um suspiro.

—Não sei qual é a verdade. Minha cabeça me diz que não pode ser verdade. Que a ideia de me apaixonar loucamente dela em umas semanas é absurda.

—Mas…?

—Mas meu coração grita que há algo entre nós. Quando estou perto dela, quando a toco… me converto em outra pessoa. Percebo a convicção em sua voz quando me conta como fazíamos amor junto ao mar, e acredito. Quero acreditar nela.

—De modo acredita nela —Devon soltou um assobio.

—Minha mente diz que é uma mentirosa —Rafael conteve a respiração.

—Mas seu coração?

Rafael suspirou porque sabia aonde queria chegar seu amigo. Ele sempre se guiava pelo coração, embora a lógica o aconselhasse o contrário. E jamais se equivocou.

—Meu coração me diz que não mente.

 

—Encontra-te o bastante bem para viajar? —perguntou Rafael durante o jantar.

—Rafael, estou bem —Bryony levantou a vista do delicioso filé que estava devorando.

—Possivelmente deveria ir ver um obstetra antes de partir.

—Se te faz sentir melhor, irei ver meu médico assim que retornemos à ilha, mas certamente posso viajar. Embora se tiver algum assunto que tratar aqui, posso adiantá-lo.

—Iremos juntos —Rafael franziu o cenho— É importante que retornemos sobre nossos passos e repitamos o que fizemos em minha anterior visita à ilha. Possivelmente a familiaridade consiga que recupere a memória.

—O que te disse o médico?

Rafael se mostrou visivelmente incômodo. Apesar de compartilhar uma mesa isolada do resto dos comensais, olhou a seu redor, temeroso de que alguém pudesse os ouvir.

—Acredita que há uma razão psicológica por trás de tudo —franziu os lábios— Se tão feliz era e tão apaixonado estava, por que desejar esquecê-lo? Não tem sentido.

Ela foi incapaz de reprimir um sobressalto.

—Não pretendia te ferir —se apressou a esclarecer ele— É que há muitas coisas que não compreendo. Quero retornar porque quero encontrar a pessoa que perdi ali. O homem ao que diz amar, e que te amava, é um completo estranho para mim.

—Aparentemente, ambos o somos —sussurrou ela— Possivelmente não exista. Possivelmente o imaginei.

—Mas o que não imaginamos é a esse bebê —Rafael baixou à vista à barriga, oculta atrás da mesa— Ele ou ela é real, a única coisa real de toda esta situação.

—O bebê não é a única realidade. Meu amor por você era real. Nega poder ser essa pessoa. E se supõe que, se de repente recuperar a memória e seu amor por mim, devo esquecer sem mais todo este rechaço.

Bryony baixou a vista e entrelaçou as mãos antes de inclinar-se para diante.

—Me diga, Rafael, a que homem devo acreditar? Ao homem que me diz que não sou seu tipo e que não poderia ter me amado, ou ao amante que passou cada noite em meus braços enquanto estivemos na ilha? Não importa o que recorde amanhã, ou ao dia seguinte, sempre saberei que uma parte de você se rebela ante a mera possibilidade de estar comigo.

—Bryony, eu… —estendeu as mãos em um gesto desesperado.

—Não o faça, Rafael —ela sacudiu a cabeça— Não o piore pretendendo dizer que não quis falar isso. Ao menos nisso foi sincero. Mas não esqueça que não é a única vítima em todo este assunto.

—Sinto-o seriamente —respondeu ele com evidente sinceridade—Estou me comportando como um bastardo egoísta. Sei o que está sofrendo e que nada disto é fácil para você. Perdoe-me.

Rafael tomou sua mão.

Bryony sentiu uma opressão no peito e teve que conter-se para não jogar-se em seus braços. Desejava sussurrar seu amor ao ouvido. Desejava suplicar que não a abandonasse jamais. Mas o único que podia fazer era olhá-lo com desesperada frustração.

—E o que acontece se não recuperar a memória jamais?

—Não sei —respondeu Rafael.

Bryony se reclinou na cadeira e soltou sua mão.

—O que colocou na mala? —perguntou forçando um sorriso.

—Ainda não a fiz —ele pareceu confuso ante a mudança de assunto.

—Partimos amanhã pela manhã e não sabe quanto tempo ficará ausente. Vai deixar tudo até a última hora?

—Não sabia o que levar —ele fez uma careta— Disse algo sobre chinelos e trajes de banho.

—Bom, agora faz muito frio para banhar-se. Faz bom tempo, mas a água está fria.

Rafael se voltou para a orquestra que tocava e logo a olhou.

—Me conte, Bryony, alguma vez dançamos?

Surpreendida, ela só pôde sacudir a cabeça.

—Então te proponho que dance comigo agora —ficou em pé e lhe ofereceu uma mão.

Enfeitiçada por seu tom de voz, tomou a mão e deixou que a conduzisse à pista de dança.

     Bryony fechou os olhos e suspirou enquanto se colava a ele. O calor de seu corpo a abraçava e seu aroma lhe acariciava o nariz. Respirando profundamente, guardou a essência no mais profundo de seu ser.

Como sentiu saudades! Inclusive nos momentos em que o odiou, quando imaginou o pior dele, tinha permanecido acordada na cama recordando as noites em que fizeram amor embalados pela música das ondas do mar.

Durante uns instantes, Bryony se abandonou a sua fantasia.

Levantou a vista para ele enquanto Rafael colocava sua mão entre seus corpos e lhe acariciava o pulso.

—É um interessante dilema, Bryony.

—Dilema? —ela arqueou as sobrancelhas.

Bryony inclinou a cabeça inquisitivamente.

—Juro que não a recordo. Olho você e fico em branco. Mas quando a tenho perto, quando te toco… —sua voz se converteu em apenas um sussurro— Me sinto como se…

—Como se o que? —ela sentiu um calafrio na coluna.

Rafael parecia perplexo, como se procurasse as palavras adequadas. Mas ao final suspirou e lhe acariciou todo o corpo com o olhar.

—Encaixássemos —se limitou a responder.

Ela sentiu que o pulso acelerava e a esperança alagava suas veias. Não sabia se o abraçava ou beijava, de modo que se limitou a sorrir com tal paixão que as bochechas doíam.

—É incrível que algo tão simples possa te fazer tão feliz —murmurou ele.

—É que encaixamos —assentiu Bryony enquanto tomava seu rosto entre as mãos em concha.

Rafael segurou sua nuca com uma mão, abraçou-a pela cintura com o braço livre e a içou até que seus lábios estiveram à mesma altura.

Era como se nunca tivessem se separado. Beijou-a como tinha feito em tantas ocasiões, só que… havia algo diferente que ela não conseguia decifrar. Algo mais profundo, mais emotivo.

Bryony suspirou contra seus lábios com uma mescla de tristeza e felicidade. Quando por fim Rafael se afastou, olhou-a com olhos escuros enquanto seu corpo se estremecia contra ela e deslizava uma mão até sua bochecha para acariciá-la.

—Uma parte de mim lembra-se de você, Bryony. Uma parte de mim se sente como se tivesse retornado para casa cada vez que te beijo. Isso tem que significar algo.

—Encontraremos o caminho de volta, Rafe. Não te deixarei partir de qualquer jeito. Não te deixarei partir sem lutar. Conseguirei que lembre. Não só por sua felicidade, mas também pela minha também.

—Fascina-me, Bryony. E começo a compreender porque caí rendido diante de você.

—Vamos conseguir. —respondeu ela com convicção— Juntos faremos que retorne.

 

O voo de volta a Houston foi para Bryony muito melhor que o de ida a Nova Iorque.

—Tenho o carro estacionado aqui —insistiu Bryony ao chegar a Houston— Por que não podemos usá-lo?

—Iríamos mais cômodos se me deixasse organizar a viagem. —respondeu ele.

—E o que vou fazer sem meu carro? Fará-nos falta na ilha.

—De acordo —suspirou Rafael enquanto recolhiam a bagagem— Iremos em seu carro, mas não vai conduzir. Já passou todo o sai viajando.

—Onde está o maldito estacionamento? —exclamou ele depois de um bom momento empurrando o carrinho com as malas—Em Galveston?

—Terá que andar um pouco —admitiu ela— Uma vez ali, tomaremos o elevador ao último piso.

—Por que estacionou no telhado?

—Comecei a dar voltas —ela deu de ombros—, e de repente estava no telhado.

Ao fim chegaram ao elevador e pouco depois estavam junto ao carro.

—Que demônios…!

Ela o olhou perplexa.

—Isso é seu carro? —perguntou ele.

—Alguma coisa errada? —ela contemplou seu Mini Cooper e assentiu.

—Espera que caibamos a bagagem e eu, nessa lata?

—Deixa de protestar —o repreendeu com doçura— O carro tem bagageiro e estou segura de que tenho cordas elásticas em algum lugar.

Depois de encher o porta-malas, empilharam o resto da bagagem na parte traseira do carro.

—Pronto —exclamou Bryony triunfalmente— E nem sequer precisamos das cordas.

Bryony fez uma careta ao vê-lo encaixar as pernas no reduzido espaço. Os joelhos ficaram aprisionados contra o painel e Rafael parecia de tudo, menos cômodo.

—Sinto muito —murmurou ela enquanto se acomodava no assento do condutor— Não pensei nisso. Nunca alguém com as pernas tão longas subiu no meu carro.

—E como pensou transportar ao bebê depois que nascesse?

—Em uma cadeirinha para carro, é óbvio —respondeu ela enquanto saíam do estacionamento.

—E você acha que a cadeirinha entrará neste carro? E embora conseguisse colocá-la, se sofrer um acidente, é pouco provável que sobreviva algum dos dois.

—É o que tenho, Rafael. Não posso fazer grande coisa. E agora, vamos mudar de assunto.

—Quanto durará o trajeto?

—Uma hora até Galveston —ela suspirou— Depois ficará meia hora de balsa até a ilha Moon. De modo que em duas horas, se não haver problemas de tráfego, chegaremos.

Meia hora mais tarde estavam completamente presos na rodovia. Bryony soltou uma praga e Rafael se moveu inquieto no assento.

—Já sei o que vai dizer — se apressou ela quando Rafael se voltou para olhá-la— Deveríamos ter deixado meu carro no aeroporto. Os engarrafamentos são uma triste realidade em Houston.

—Em realidade ia dizer que, felizmente, fui ao banheiro antes de abandonar o aeroporto —ele sorriu.

—Pois agradeça por não estar incomodado —Bryony suspirou.

—Quer que eu conduza? —Rafael arqueou uma sobrancelha.

—Não poderia conduzir com os joelhos esmagados contra o queixo —ela sacudiu a cabeça.

—Me conte o que faz em sua vida —quis saber ele— me refiro a trabalho. Disse que se encarregou de sua avó, mas não tenho claro se a ocupa todo o tempo.

—Não —Bryony sorriu— Mamaw ainda se vale por si mesma. Em realidade nos cuidamos mutuamente. Quanto a mim, faço de tudo um pouco. Sou a garota para tudo da ilha.

Ele a olhou com curiosidade.

—Se precisa pôr título a meu trabalho, basicamente sou uma consultora.

—Agora conseguiu despertar minha curiosidade. Exatamente o que faz?

—Um dia por semana me ocupo da correspondência do prefeito. É um homem idoso e não se sai bem com computadores e internet.

—E esse cara conseguiu que votassem nele?

—Nossa ilha é bastante tolerante com os velhos costumes —Bryony riu— Apesar de dispor de todas as comodidades modernas, como internet, televisão a cabo e demais, uma elevada percentagem da população é muito feliz sem tecnologia.

—Sinto calafrios só de te ouvir —Rafael sacudiu a cabeça— Como pode alguém ser feliz vivendo na Idade Média?

—Por favor! Assim que consegui te afastar do BlackBerry e do notebook, divertiu-se muitíssimo. Passou uma semana inteira sem usá-los. Uma semana!

—Sem dúvida todo um recorde —murmurou ele.

—Olhe! Os carros se movem.

Bryony arrancou, desejava desesperadamente reviver as semanas compartilhadas com Rafael na ilha, percorrer com ele todos os passos que tinham dado anteriormente.

Desejava que recordasse porque, se não o fazia, nada voltaria a ser igual entre eles. Rafael resistia à ideia de ter estado com ela e sua única esperança era que recordasse e…

E então, tal e como lhe disse a noite anterior, teria que viver o resto de sua vida sabendo que uma parte dele rechaçava a ideia de que foram amantes.

—No que pensa?

—Em nada especial —mentiu ela.

—Então não merece a pena pensar.

—Estou nervosa, Rafael —admitiu por fim.

Mordeu o lábio perguntando-se se não deveria fechar a boca. Sempre fora sincera e jamais recuava ante a verdade, por incômoda que fosse. Estava convencida de que se as pessoas falassem mais de seus problemas, não haveria tantos problemas.

A Rafael, o antigo Rafael, não o tinha incomodado que dissesse o que pensava e desfrutaram de longas conversas nas quais lhe confessou seus pensamentos.

Mas nesses momentos sentia reservas ante tanta sinceridade. E odiava essa sensação de insegurança.

—Por que está nervosa? —perguntou ele com delicadeza.

—Por você. Por mim. Por nós. E se não funcionar? Tenho a sensação de que é minha única oportunidade e que se não recuperar a memória, o terei perdido.

—Independentemente de se recuperar a memória ou não, tem o bebê. Não vou desaparecer só porque não lembro os detalhes de sua concepção.

—Fala como se já tivesse aceitado que seja seu.

—Reconheço a possibilidade de que seja assim —ele deu de ombros— E, até que alguém me demonstre o contrário, decidi pensar nele como em meu filho.

—Obrigada —Bryony sentiu uma opressão no peito— De momento me basta. Até que esclareçamos o resto, basta-me com que aceite a nosso bebê.

—E a você.

Ela o olhou um instante antes de devolver sua atenção à estrada.

—Certamente, há algo entre nós —Rafael afastou a mão da nuca de Bryony— Se aceitar que podemos ter gerado um filho, terei que aceitar que fomos amantes.

—Isso espero —respondeu ela.

—Me diga uma coisa, Bryony, ainda me ama?

—Isso não é justo —sussurrou ela— Não pode esperar que me justifique ante você quando existe a possibilidade de que jamais recuperemos o que tivemos. Não pode esperar que admita amar a um homem que me considera uma completa estranha.

—Estranha não —a corrigiu ele— Reconheci que é evidente que houve algo entre nós.

—Algo, mas não tudo —a voz dela refletia dor— Não me pergunte isso, Rafael, não até que não lembre de mim. E então, pergunte-me isso.

—De acordo —lhe acariciou a bochecha— Quando chegar o momento, perguntarei isso.

 

Depois do que pareceu uma eternidade, Bryony embarcou com o carro na balsa. Para surpresa de Rafael, ela abriu a porta e desceu do carro.

—Aonde vai?

—Venha, Rafe —Bryony apareceu ao interior do carro— Há um pôr-do-sol maravilhoso.

Saiu do carro e estirou as doloridas pernas. Respirou profundamente e desfrutou do ar salgado. A brisa revolveu seus cabelos, mas a sentiu cálida apesar do frescor da noite.

Em sua impaciência, Bryony o agarrou pela mão e o puxou para o convés, onde outras pessoas se congregavam. Alguns tinham optado por permanecer nos carros, mas outros, como Bryony, apareciam pelo corrimão para contemplar a explosão dourada no horizonte. Rosas, roxos e azuis se mesclavam com o ouro e se estendiam pelo céu que parecia respirar fogo.

—Não acha lindo?

—Certamente —Rafael olhou a Bryony e assentiu.

—Você não vê muitos pôr de sol.

—E o que acha que significa isso?

—Uma vez disse que estava muito ocupado para vê-los—ela deu de ombros— Normalmente trabalhava até tarde e sempre às pressas. De modo que me empenhei em te mostrar tantos como pude. E vou ter que fazê-lo outra vez. Olhe! Golfinhos!

Rafael olhou para onde ela assinalava e viu vários exemplares arquear-se e desaparecer sob a água.

—Costumam acompanhar a balsa. —lhe explicou ela.

—Olhe-os outra vez! —Rafael se viu apanhado pela emoção do momento.

Bryony sorriu e o agarrou pelo braço com ternura. Parecia um gesto muito natural e, muito colados um ao outro, contemplaram os golfinhos.

Rafael sacudiu a cabeça ante o absurdo da situação. Estava em uma balsa, sem telefone nem conexão a internet. Deixou o BlackBerry no carro e, sobretudo, estava vendo uns golfinhos brincar, de mãos dadas com a mãe de seu filho.

Tinha ouvido falar das experiências próximas à morte e de como podiam transformar a uma pessoa, mas aparentemente sua transformação começou antes do acidente.

Acariciou o braço de Bryony com o dorso da mão antes de beijá-la suavemente no topo da cabeça. Depois suspirou. Tinha que admitir que gostava da perspectiva de passar uns dias com ela na ilha. E não era somente por seu desejo de recuperar a memória.

Ela o abraçou com força pela cintura. Foi um abraço quente, nada sexual. Reconfortante. Por estranho que parecesse, sentia-se cômodo a seu lado. Uma completa estranha. Alguém a quem não recordava ter visto em sua vida.

Abraçou-a com força e afundou o rosto entre os fragrantes cachos negros. E então deslizou uma mão até a arredondada barriga.

Ela ficou rígida durante uns instantes e voltou lentamente o rosto para ele.

Rafael seguiu explorando a barriga. Algo que só pôde definir como mágico alagou seu coração, provocando uma opressão no peito.

Era seu filho.

De algum jeito, soube.

Ia ser pai.

A consciência o aturdiu e, ao mesmo tempo, maravilhou-o. Não tinha planejado ser pai, ao contrário, era extremamente cuidadoso em suas relações sexuais, quase neurótico ante a possibilidade de uma gravidez não desejada.

Descuidou-se de propósito com Bryony? Tinha considerado a possibilidade de gerar um filho com ela? Ela considerou essa possibilidade?

Franziu o cenho ao recordar a explosão de ira da jovem ao afirmar que não lhe tinha bastado enganá-la e abandoná-la, mas sim também teve que deixá-la grávida. Não parecia a reação típica de uma mulher que desejasse ter um filho.

Era evidente que nenhum dos dois o planejou, mas também não era como se esforçassem muito por evitá-lo.

Beijou-a nos lábios e ela sorriu, aconchegando-se contra ele. Depois suspirou e se afastou.

—Estamos quase chegando. Deveríamos retornar ao carro.

Bryony acendeu as luzes do carro e iniciou o trajeto para sua casa. Ao ver vários carros estacionados na estrada próxima a sua rua, franziu o cenho.

O coração lhe começou a pulsar com força. Algo teria acontecido com Mamaw?

Um dos carros era o do prefeito. Que fazia ali?

Estacionou frente à porta e desligou o motor. Sua avó saiu ao alpendre seguida pelo prefeito Daniels, que franzia o cenho, e o xerife Taylor, que não parecia muito mais contente.

—Mamaw, vai tudo bem? —Bryony saiu do carro— Está bem?

—Querida, estou bem, sinto tê-la assustado. O prefeito e o xerife queriam me fazer algumas perguntas —a mulher olhou para Rafael— Todos queremos fazê-las.

—E não podia esperar? —Bryony franziu o cenho enquanto olhava ao prefeito— Viajamos durante todo o dia e estivemos congestionados na interestadual.

O prefeito começou a agitar um dedo, como fazia sempre que ficava nervoso e o xerife apoiou uma mão em seu ombro.

—Calma, Rupert, dê-lhe a oportunidade de explicar-se.

—Explicar o que? —exigiu saber Bryony.

—Explicar por que chegou ontem à ilha uma balsa carregada de material de construção, e por que estão preparados para começar a construir um complexo hoteleiro nas terras que vendeu ao Tricorp Invesment —respondeu o prefeito, agitando o dedo para Bryony.

—Deve ser um engano, prefeito —ela sacudiu a cabeça obstinadamente— Estive toda a semana em Nova Iorque para esclarecer esta confusão. Se a construção estivesse programada, Rafael teria me dito. Além disso, eu não vendi a Tricorp, vendi a Rafael.

—Não houve nenhum engano, Bry —o xerife fez um gesto de desgosto— Eu mesmo falei com os homens. Pedi-lhes as permissões. Tudo é legal, inclusive me mostraram as plantas. Toda essa faixa de praia vai se converter em um complexo de férias com seu heliporto.

Bryony se voltou boquiaberta para Rafael.

—Rafael? —perguntou angustiada, sem mal poder respirar.

 

Rafael soltou uma praga enquanto enfrentava a quatro olhares acusadores, embora o de Bryony fosse bem mais confuso, em seu rosto se refletia dor e estupor.

—Me escute bem —começou o prefeito dando um passo à frente.

Rafael olhou com dureza ao homem, que recuou.

—Este é um assunto entre Bryony e eu —proclamou— E tal e como disse, estamos cansados da longa viagem. Ela está grávida e esgotada. Não penso ficar aqui de pé na rua a discutir com vocês.

—Mas… —o prefeito se voltou para o xerife— Silas? Vai permitir que se livre disto?

—Não está fazendo nada ilegal, Rupert —o xerife suspirou e ajustou o chapéu—Talvez não seja ético, mas não é ilegal. É o dono da terra. Pode fazer o que quiser.

—Rafael? Você aprovou isto? É verdade que vão iniciar a construção? —perguntou Bryony com um fio de voz.

—Falaremos em privado —respondeu ele com voz tensa.

—Quer que fique, Bry? —perguntou o xerife.

Bryony esfregou a têmpora com uma mão, como se não soubesse o que responder. Seu olhar refletia dor e um profundo cansaço, como se tivesse perdido toda a energia.

Rafael se aproximou dela e a abraçou pela cintura.

—Falaremos lá dentro —insistiu.

—Ficará aqui —após olhá-lo inquisitivamente, Bryony se dirigiu aos outros dois homens.

—E quanto à construção? —perguntou Rupert muito agitado— O que se supõe que vou dizer a todo mundo? Não fui eu quem vendeu essa terra a um estranho, mas aconteceu comigo à frente. Jamais serei reeleito se souberem que essa ilha foi à deriva durante meu mandato.

—Rupert, se cale —interveio a avó do Bryony— Minha neta já está o bastante alterada para que a chateie com sua carreira política.

—Venha, Rupert. Não serve de nada ficar aqui na rua. Já teremos tempo de esclarecer amanhã —assentiu Silas enquanto empurrava ao outro homem para seu carro.

As duas mulheres se abraçaram.

—Me alegro de que tenha retornado. Preocupo-me muito quando viaja, sobretudo a Nova Iorque.

Mamaw abraçou Rafael e lhe deu uma palmada na bochecha.

—Bem-vindo, jovenzinho. Alegra-me que encontrou o caminho de volta.

E com isso se dirigiu por um caminho de pedra para o pátio adjacente.

—Ficará bem? —perguntou Rafael— Não deveríamos acompanhá-la a sua casa?

—Vive aqui ao lado —Bryony suspirou— A uns passos de minha porta.

—Entendo. Sinto muito.

—Sim, já sei que não o recorda.

Entretanto, o tom de voz carecia da paciência e compreensão que tinha demonstrado até esse momento.

Demônios. Tempo atrás teria assegurado que, tratando-se de negócios, não tinha consciência. Negócios eram negócios. Nada pessoal. Mas de repente… era muito pessoal.

—Vamos —disse ela— Temos que levar a bagagem para dentro.

—Entre você —Rafael apoiou uma mão em seu braço—Eu trarei as malas.

Bryony deu de ombros e entrou em sua casa, deixando Rafael na rua.

De modo que foi ali onde passou tantos dias com suas noites. Ali onde sua vida, supostamente, sofreu uma drástica mudança. Entretanto, não sentiu nada especial.

Teve que fazer duas viagens para levar toda a bagagem. Ao entrar, olhou a seu redor, tentando perceber alguma sensação desse lugar ao que Bryony chamava lar. Refletia completamente sua personalidade: ensolarado, alegre e um pouco desorganizado.

Ela olhava pela janela, lhe dando as costas com os braços cruzados.

—Sabia sobre a construção? Deu a ordem para que começasse? —perguntou.

—Quer que minta, Bryony? —ele suspirou— Pois não o farei. Sim, ordenei que começasse a construção. E teria começado muito antes se não fosse por meu acidente. Meus investidores estão impacientes e querem ver algum progresso em troca de seu dinheiro.

—Me prometeu! —exclamou ela.

Rafael passou as mãos pelos cabelos, desejando mudar tudo.

—Sabe que não o recordo —respondeu— Pelo que sei, comprei a terra, fechei o contrato e adquiri o direito a fazer o que quisesse com a propriedade. No contrato não figura nada que me indique que uso devo lhe dar. Jamais teria assinado algo assim.

Por que não conseguia recordar? Estava seguro de não ter-lhe feito nenhuma promessa. Ia contra toda lógica. Como ia comprar uma terra e prometer não construir nela?

Aproximou-se de Bryony e apoiou uma mão em seu ombro. Ela deu um sobressalto e levantou o ombro para afastar-se, mas ele não o permitiu.

—Bryony, repito uma vez mais que não pretendia te magoar. Não recordo nada. Diz que te fiz uma promessa, mas não tenho nenhuma prova disso. A única prova de que disponho é o contrato de venda com sua assinatura ao pé dos documentos.

Ela o olhou com os olhos alagados em lágrimas.

—Desde o começo deixei claro que não te venderia a propriedade a não ser que me prometesse que não construiria nela a grande escala. Olhou-me nos olhos e me prometeu que não estava dentro de seus planos. E mentiu para mim, Rafael. Já tinha aos investidores, os planos e uma agenda planejada. Acaba de dizer que seu acidente atrasou o começo da construção.

Rafael sabia que um dos dois mentia, e não queria ser ele. Mas tampouco que fora ela.

—Maldita seja, Bryony, nego-me a me sentir culpado por algo que não recordo.

—Deveríamos dormir um pouco —respondeu ela— Não serve de muito discutir quando os dois estamos tão cansados, e eu tão alterada. Mostrarei o quarto de hóspedes.

Rafael respirou fundo, sentindo-se como um idiota pelo que estava a ponto de dizer.

—Paralisarei temporalmente as obras até que esclareçamos coisas entre nós e eu recupere a memória.

Bryony piscou perplexa. Aparentemente, era o último que esperava ouvir dele.

—Sério?

—Faria-o esta mesma noite, mas não haverá ninguém lá —assentiu ele— Manhã me apresentarei e me assegurarei de que não se faça nada até que eu dê a ordem.

Bryony se lançou em seus braços e o abraçou com tanta força que lhe custava respirar.

—Cada vez que acredito que me traiu, faz algo para que mude de ideia —sussurrou— Cada vez que penso que perdi o Rafael pelo qual me apaixonei, faz algo para que saiba que continua aí.

Rafael não estava seguro de gostar de ouvir isso. Fazia que parecesse uma espécie de doutor Jekyll e míster Hyde. Demônios, possivelmente havia se tornado louco.

Ryan, Dev e Cam o matariam.

 

—O que diz que fez?

Rafael afastou o telefone da orelha e deu um salto ante a enxurrada de impropérios.

—Vou para a ilha. Vamos todos —exclamou Devon — Isto é justo o que eu temia que ocorresse. As obras devem começar imediatamente.

Rafael passeava junto ao pequeno penhasco sobre o mar enquanto Bryony esperava no carro. Os operários não se mostraram muito contentes ao saber que as obras se paralisariam, até que Rafael lhes prometeu pagar o salário completo durante a espera.

—Não movam o traseiro de Nova Iorque —respondeu a seu amigo— Não necessito três babás. Fiz o correto, Devon. Até saber que demônios prometi ou deixei de prometer, ou o que aconteceu na primeira vez que vim aqui, o correto é esperar.

—E desde quando se preocupa pelo correto? —perguntou Devon— Estamos falando de negócios. Custe o que custar, terá que seguir adiante.

—E o que sabe você deste contrato, Devon? O que é que não está me contando?

—Escuta —respondeu seu amigo depois de um prolongado silêncio—, não sei o que aconteceu ai. O que sei é que antes de partir de Nova Iorque disse que voltaria com um contrato de venda e que se importava um nada de como iria consegui-lo.

Rafael se dirigiu de retorno ao carro e viu Bryony apoiada contra a porta.

—Pois de momento não vou trocar de opinião —continuou tranquilamente a conversação— Assumo toda a responsabilidade.

—É obvio que a assume —exclamou Devon irritado— Todos fizemos sacrifícios, Rafael. Com este complexo de férias e a fusão com os hotéis Copeland, estamos a ponto de ser muito ricos. Seremos a maior empresa de férias de luxo do mundo.

Rafael suspirou. Era consciente dos sacrifícios feitos por todos. Devon inclusive ia casar com a filha de Copeland para consolidar o trato. Estavam a ponto de conseguir tudo aquilo que tinham desejado.

—Confie em mim, Dev. Dê-me um pouco de tempo. Solucionarei isso, sempre o faço.

—Uma semana, Rafe —respondeu seu amigo após emitir um prolongado suspiro— Se dentro de uma semana não começarem as obras, irei ai com Ryan e Cam.

Rafael desligou o telefone e o guardou no bolso. Suspirou e se aproximou do carro de Bryony. Devia estar cansada, como ele, mal tinha dormido.

Devia concentrar-se em recuperar a memória e esclarecer sua relação com Bryony Morgan.

—Vai tudo bem? —perguntou ela olhando-o de soslaio.

—Sim —Rafael arrancou o carro.

—Gostaria de tomar o café da manhã?

Ele emitiu uma espécie de grunhido. Não pareceu um “não”, de modo que tomou por um “sim”.

—Prepararei seu café da manhã favorito.

—Meu favorito? —ele a olhou de esguelha.

—Ovos Benedict.

—Isso é —murmurou Rafael— Suponho que já lhe disse isso.

—Sim.

Pelo gesto áspero, era mais que evidente que Rafael não gostava de falar. Gostava de madrugar, mas a sua avó nem tanto e sempre a acusava de estar muito animada pelas manhãs, e mais de uma vez lhe disse que se calasse e a deixasse em paz.

—Obrigada.

Ele inclinou a cabeça.

—Pelo que fez. Significa muito, não só para mim, também para as pessoas da ilha.

—Deve compreender que se trata só de uma solução temporária —ele parecia incômodo— Não posso suspendê-lo indefinidamente. Há muitas pessoas que dependem de mim e que me confiaram seu dinheiro.

—Mas compreenderá que jamais teria vendido a terra a você se não me tivesse feito essa promessa —respondeu ela— O resultado seria o mesmo.

—Não falemos mais disso por agora —Rafael suspirou e lhe apertou a mão—Não há uma solução simples, recuperando ou não a memória.

Pela primeira vez ela considerou seu ponto de vista. Se havia dito a verdade, não lhe devia ter resultado nada fácil anular a operação.

Por muito que tivesse mentido para ela anteriormente, nesses momentos se comportava honoravelmente, e lhe ia sair muito caro.

—Compreendo que não é fácil para você —Bryony o beijou brandamente na bochecha—, e aprecio o gesto. Recebi a chamada do xerife e do prefeito.

—Estão zangados cm você? —perguntou ele.

—Acreditam que sou jovem e ingênua —ela suspirou—Estão muito ocupados lamentando-o por mim por ter sido enganada por um sedutor.

—É sua terra —respondeu Rafael irritado— Não pode permitir que outros a obriguem a mantê-la porque não querem mudar suas vidas.

—Cresci aqui —Bryony deu de ombros— Me consideram um membro de sua família. E a família não se trai. Muitos acham que fiz exatamente isso, e possivelmente tenham razão. Sabia que se você e eu continuássemos juntos, não ficaria aqui. Sabia que teria que me mudar à cidade por seus negócios. E naqueles momentos não me importou.

Rafael estacionou o carro no caminho de entrada da casa e desligou o motor.

—Ou seja, estava disposta a abandonar tudo por estar comigo.

—Sim —respondeu ela— É a verdade. E não isso digo para te fazer se sentir culpado.

—Não sei o que dizer.

—Não digamos nada —Bryony sorriu— Tomemos o café da manhã. Morro de fome. Depois iremos comprar para você algumas coisas e possivelmente logo nos sentaremos no terraço a desfrutar do dia.

De repente, e depois de que o dia não iniciou muito bem, Rafael se sentiu animado ante os planos que tinham pela frente.

 

Bryony arrastou Rafael de loja em loja, o obrigando a provar roupa mais informal, como uns jeans, que se ajustavam à perfeição ao arredondado traseiro e as musculosas pernas. E uma simples camiseta fazia ressaltar os impressionantes músculos de seu torso.

Rafael saiu do provador com gesto incômodo. Estava descalço.

Bryony se encontrou babando por um homem descalço e com jeans. E não era a única.

—Minha mãe! —exclamou Stella Jones— Querida, belo exemplar tem aí. Não me interprete mal, mas não vi a ninguém preencher uns jeans assim.

Bryony brocou a vendedora com o olhar, mas teve que admitir que tinha razão.

—Contente? —perguntou Rafael com amargura enquanto elevava as mãos.

—Certamente —murmurou Bryony— Eu e todas as mulheres desta ilha.

—Incluo alguma outra calça como esse? —Stella riu.

—E mais camisetas. Montões de camisetas. Uma branca, e possivelmente outra vermelha.

—O verde tampouco iria nada mal com esses olhos e cabelos escuros —aconselhou a mulher.

—Enquanto vocês o decidem, vou me trocar —Rafael girou os olhos.

—Não! —exclamou Bryony— Fique assim vestido. Assim estará mais cômodo.

—E outros também —murmurou Stella enquanto escolhia mais roupa.

—Então gosta de mim vestido com jeans? —Rafael sorriu.

—Acredito que a palavra “gostar”, não lhe faz justiça —respondeu ela.

Apesar de que Bryony se prodigalizou em gestos carinhosos durante todo o dia, Rafael não fizera o mesmo, mas nesse momento a abraçou com ternura.

—Também gosto de você com jeans —observou ele com um sorriso torto.

—Sim, claro, mas os meus são largos e com cintura elástica de gestante.

—Pois se ajustam perfeitamente a seu traseiro.

E para ilustrar o comentário, deslizou a mão até esse ponto de sua anatomia.

—A ilha inteira vai mexericar —murmurou Bryony.

—Como se não o estivessem fazendo já —bufou ele— Acredito que toda a população está na rua para nos ver, inclusive para me felicitar por paralisar as obras. E acredito que é um segredo a gritos que o bebê é meu. Sobre o que mais poderiam mexericar?

—Tem razão.

—Por que não retornamos a sua casa e te preparo o almoço? —Rafael a beijou delicadamente.

—No que está pensando? —ela arqueou as sobrancelhas.

—Não sei, mas preparou o café da manhã e me levou de um lugar a outro toda a manhã. O mínimo que posso fazer é te mimar um pouco. Como estão seus pés?

—Os pés estão bem —ela riu comovida—, mas não diria que não a uma massagem.

—Acredito que poderá se conseguir —Rafael lhe dedicou um cálido sorriso.

—Oh, Rafael! —Bryony lhe rodeou o pescoço com os braços— Foi um dia perfeito.

Rafael a olhou com expressão confusa, como se não soubesse como reagir.

—Não sabia que comprar jeans a fizesse tão feliz —brincou.

—Só quando te vejo com eles postos.

—Pois vamos —Rafael lhe deu uma afetuosa palmada no traseiro— Tanta compra abriu meu apetite.

Bryony entrelaçou sua mão com a dele, encantada com a proximidade que se estabeleceu entre eles. Com ou sem lembranças, Rafael mudou desde que desembarcaram na ilha. Parecia-se mais ao homem relaxado e de trato fácil pelo qual se apaixonou.

De retorno a sua casa, Bryony lhe indicou que estacionasse o carro frente à casa de sua avó.

—Quero ver se está bem. Não estou acostumado a deixá-la só tanto tempo.

—É óbvio —Rafael assentiu— Quer que vá a sua casa e prepare a comida?

—Só se for o que você quer. Não me importa que me acompanhe, a não ser que se sinta incômodo. Só falarei com ela alguns minutos. Para me assegurar de que tudo vai bem.

—Então te acompanharei —respondeu ele— Eu gostaria de recuperar a relação com ela. Parecem muito unidas. Passei muito tempo com ela a outra vez?

—Davam-se maravilhosamente bem —Bryony sorriu— Costumava ir vê-la quase todos os dias, embora eu não estivesse. Mimava-a com suas flores preferidas e um montão de bolinhos.

—Parece… agradável —respondeu ele, embora a mera ideia lhe parecia ridícula.

—Fala como se não fosse uma pessoa… agradável.

—Em mais de uma ocasião me aplicaram o qualificativo de bastardo —ele deu de ombros— Sem ir mais longe, esta manhã. Chamaram-me que tudo: desumano, prepotente, ambicioso, filho de uma cadela. Mas, agradável? Não.

—Bom, pois com minha avó se relacionou maravilhosamente e eu te amava por isso —insistiu ela— E comigo também foi maravilhoso. Possivelmente não se relaciona com pessoas apropriadas.

—Talvez tenha razão. — riu ele.

—Deixa de preocupar-se tanto pelo que foi ou não foi —Bryony lhe apertou o braço enquanto sua avó os fazia um gesto com a mão para que fossem a sua casa— Possivelmente fosse o momento da mudança. Aqui podia começar de zero porque ninguém te conhecia.

—Pois eu penso que o segredo está em que é uma mulher especial, Bryony Morgan.

Ela voltou a sorrir enquanto descia do carro e saudava sua avó com a mão.

—Boa tarde —Mamaw segurou a porta de trela para que entrassem.

Abraçou a sua neta e a seguir fez o mesmo com Rafael.

—Vamos, vamos, entrem. Acabo de preparar uma jarra de chá. Trarei uns copos. Sentem-se no alpendre de trás. Faz um dia precioso e o mar está esplêndido.

Bryony levou Rafael ao alpendre, similar ao dele. O corrimão estava repleto de vasos e figurinhas decorativas.

Embora parecesse um pouco caótico, refletia muito bem a personalidade de sua avó. Mamaw não era muito aficionada a jogar nada. Com o tempo sim se desprendia de algumas coisas, mas gostava de colecionar objetos que faziam mais caseira sua casa.

—Isto é precioso —admirou Rafael— Tranquilo e silencioso. Não há muitas extensões particulares de praia como esta. Deve ser incrível ser proprietário de tudo isto.

—Sim, é — Bryony se acomodou em uma das cadeiras e fechou os olhos com o rosto voltado para o sol— Toda a ilha é assim. Por isso somos tão resistentes ao desenvolvimento. Logo a ilha será como qualquer outro lugar de férias, com suas camisetas típicas e as lojas de bugigangas.

—O que eu comprei não foi mais que uma gota comparada com a extensão da ilha. Poderiam ter o melhor de ambos os mundos. A maior parte da ilha permaneceria intacta, um tranquilo oásis, enquanto que uma seção diminuta se desenvolveria para que outros pudessem acessar seu paraíso.

—O certo é que toda essa parte de compartilhar nosso paraíso com outros é, precisamente, o que rechaçamos. Há muitas outras ilhas às que podem ir os turistas. Nós só pedimos que nos deixem tranquilos. Muitas pessoas chegaram aqui após aposentar-se, precisamente porque é um lugar tranquilo.

—Um complexo de férias não arruinaria a integridade da ilha e daria um impulso à economia.

Ela sorriu pacientemente, negando-se a zangar-se e arruinar um dia perfeito. Além disso, irritar Rafael não faria bem a seus propósitos.

—Não necessitamos uma injeção de dinheiro em nossa economia —respondeu com doçura.

—Todo mundo gosta de ganhar mais dinheiro —ele arqueou as sobrancelhas incrédulo.

—Não —Bryony sacudiu a cabeça— Muitos dos aposentados que vivem aqui eram altos executivos. Alguns inclusive eram gerentes de grandes empresas. Têm mais dinheiro de que poderão gastar em sua vida.

—E os outros? E quanto às pessoas que vivem aqui toda sua vida?

—São felizes —ela deu de ombros— Temos pescadores de camarões-rosa de terceira e quarta geração. Temos lojistas locais, restauradores… Basicamente cobrem as necessidades da ilha. Vender lembranças não é uma necessidade. Talvez não tenhamos muito, mas seguimos e frente e somos felizes.

—Certamente este lugar é bastante estranho —observou ele em tom divertido— Me surpreende que não tenham conexão à Internet, televisão a cabo ou antenas de celulares.

—Nos mantemos em dia —respondeu ela— Mas não estamos especialmente interessados em nos destacar. Há algo em nosso estilo de vida, nossa gente e nossa ilha que não se pode descrever, só experimenta. Como fez durante as semanas que esteve aqui.

—E mesmo assim estava disposta a abandonar esta vida. Por mim.

—Sim —assentiu ela depois de um longo silêncio— Dava por certo que teria que fazer algumas mudanças. Valia a pena… você valia a pena.

—Dada sua paixão por esta ilha e seus habitantes, parece-me incrível que me considerasse merecedor de qualquer sacrifício.

—Se menospreza, Rafael. Não acha merecer disso. Não acha que alguém poderia te amar tanto para abandonar algo importante para estar contigo?

Rafael fixou seu olhar no mar, como se não tivesse resposta.

—Talvez que nunca conheci alguém que me tenha em tão alta estima —respondeu.

—De novo se relaciona com as pessoas equivocadas. E certamente sai com mulheres que não são as adequadas.

A malícia no tom de voz fez que ele sorrisse.

—Por que tenho a sensação de que tentei me afastar de você, mas que não o consentiu?

— De forma alguma —ela franziu o cenho— Parecia… —sua expressão se tornou pensativa— Se mostrou muito aberto ao que aconteceu entre nós. E certamente foi você quem me perseguiu.

—Começo a pensar que tenho um gêmeo que sai por aí me substituindo. Sei que não paro de dizer isso, mas esse homem ao que descreve é tão diferente de mim que me parece um completo estranho. Se não soubesse, diria que o acidente foi anterior a minha chegada aqui.

—Tanto te horroriza?

—Não, não disse isso —ele a olhou aos olhos— Não estou envergonhado nem zangado. Pensa em coisas que jamais faria. E agora imagina que alguém te diz que fez todas essas coisas, embora não as recorde. Diria que eles se tornaram loucos, não você.

—De acordo, compreendo-o. Não é que não possa aceitar à pessoa que foi.

— Não entendo —murmurou Rafael— Nem entendo o porquê.

—Talvez quando me viu decidiu que tinha que ser sua, embora custasse sua vida.

—Isso sim o entendo — ele se aproximou de escassos milímetros de sua boca—, porque tenho essa sensação cada vez mais frequentemente.

Bryony cobriu a distância que os separava e o beijou com ternura. Ele respondeu com brincalhões e sedutores beijos nos cantos dos lábios.

—O chá está pronto, mas me parece que não os interessa —riu Mamaw.

—É óbvio que quero seu chá —Bryony se voltou para sua avó— É o melhor do sul.

—E eu gosto? —perguntou Rafael com um tímido sorriso.

—É claro que sim, jovenzinho —Mamaw lhe entregou um copo— Disse que era melhor que todos esses vinhos elegantes que bebia na cidade.

—Bom, pois se o disse, deve ser verdade —Rafael sorriu enquanto tomava um sorvo.

—Sente-se, Mamaw. Viemos vê-la, não para estar aqui sozinhos.

—Bryony me contou que sofreu um acidente de avião —a anciã se sentou em uma cadeira— Deve ter sido muito traumático.

—Não recordo grande coisa do acidente —Rafael assentiu—, embora sim tenho algumas lembranças, sobretudo do alívio que senti ao me saber vivo. Mas o resto está em uma nebulosa, incluindo as semanas anteriores ao acidente, como Bryony contou.

—Sinto muito —Mamaw assentiu— Bryony estava muito magoada. Estava segura de que a tinha enganado, deixando-a grávida.

—Mamaw, não… —Bryony sentiu como o calor subia por sua nuca.

—Não tem importância —Rafael se dirigiu a Bryony— Estou seguro de que ela também estava zangada comigo e não tem por que fingir o contrário.

—Eu gosto dos homens sinceros e diretos —ela assentiu— Acredito que nos daremos bem.

—Isso espero… —ele se interrompeu— Como estava acostumado a chamá-la?

—Ela é Mamaw para todos —Bryony riu.

—Se te parecer mais cômodo, pode me chamar de Laura —a mulher lhe deu uma palmada na perna— Quase ninguém o faz, exceto o prefeito, porque considera que um homem de sua posição não deveria mostrar-se tão familiar.

—Laura vai bem. Um bonito nome para uma bonita dama.

Para regozijo de sua neta, a mulher se ruborizou visivelmente.

—Está bem, Mamaw? Precisa que trazemos alguma coisa? —perguntou Bryony.

—Não, filha, estou bem. Silas veio para me ver e levou minha lista da compra a seu sobrinho, que trabalha agora como entregador na loja de comestíveis.

—Toma o medicamento todos os dias?

—Parece ela a avó e eu a amalucada neta —Mamaw girou os olhos— Desculpa, mas não fui eu a que ficou grávida. Eu sabia tomar a pílula.

—Mamaw!

—Bom, é verdade. —a mulher deu de ombros.

—Por Deus! —grunhiu Bryony— Hoje tem a escopeta carregada. Deveria ter ido para casa.

Rafael teve um ataque de risos até chorar.

—Vocês duas são divertidíssimas.

—De acordo —Bryony se levantou e puxou o braço de Rafael— Já passei bastante vergonha. Está claro que minha avozinha se encontra em plena forma. Vamos para casa, estou morrendo de fome.

Rafael soltou outra gargalhada e se agachou para beijar Mamaw na bochecha.

—Encantado de voltar a te conhecer.

 

—Está cômoda? —perguntou Rafael enquanto lhe afofava o travesseiro das costas.

Ela se reclinou sobre a espreguiçadeira do pátio, sorriu a Rafael e suspirou. O dia era esplêndido, como só podia ser um dia de outono na ilha. Bastante quente, embora sem o opressivo calor e a umidade do verão. O céu brilhava azul e sem uma só nuvem, e o ar, carregado de salitre, fazia cócegas no nariz enquanto o som do mar a embalava.

—Me mima muito —fingiu protestar— Mas, por favor, continue. Não penso me opor.

Rafael se sentou no outro extremo da espreguiçadeira e apoiou os pés de Bryony sobre seu colo. Brincou com a tornozeleira e deslizou um dedo sobre o arco do pé.

—Tem uns pés lindos.

—Pensa que meus pés são bonitos? —ela o olhou com desconfiança.

—Pois sim. Eu gosto. Além disso, tem umas pernas maravilhosas. Um lote muito completo.

Rafael pressionou o arco do pé com o polegar arrancando dela um gemido.

—Ainda continuo te amando, Rafael.

As palavras escaparam de seus lábios. Precisava liberar essa dor de seu coração e, embora jurou a si mesma que não se mostraria vulnerável antes de ter resolvido o problema da amnésia e o tema de sua relação, precisava lhe expressar seus sentimentos.

Os olhos de Rafael se tornaram mais escuros e a mão abandonou toda ternura para atrai-la para ele, sentando-a sobre seu colo e tomando o rosto entre as mãos. Durante um longo momento, acariciou-lhe a bochecha olhando-a nos olhos.

Depois apoiou a testa contra a dela em um gesto surpreendentemente terna enquanto segurava sua mão entre os torsos de ambos.

—Tinha que dizer isso — sussurrou ela— Fui sincera. Não quero te ocultar nada. Você veio. Está fazendo um esforço. O mínimo que posso fazer é me unir a você. Se me continha era por orgulho. Não queria me humilhar nem me mostrar novamente vulnerável a você.

Rafael a beijou com lábios ardentes e exigentes.

Saboreou a limonada que tinha servido com o almoço. Ácida e doce. Lambeu os cantos dos lábios antes de afundar-se dentro de sua boca como se quisesse saborear seu interior.

Sempre que fizeram amor tinha sido um ato deliberado, terno e sedutor. Mas nesses momentos, cada carícia e cada beijo estavam carregados de desespero, como se morresse de vontade por tocá-la ou possuí-la. E ela se entregou a esse novo homem.

—Quero fazer amor com você, Bryony. Quero que saiba que te desejo. Agora mesmo não poderia me importar menos o passado ou o que recorde ou deixe de recordar. Quão único sei é que aqui e agora quero te tocar e te beijar.

Bryony ficou em pé com toda a elegância que lhe permitiam suas trementes pernas. Depois tomou a mão e entrelaçou seus dedos com os dele.

—Eu também te desejo —anunciou— Quanta saudade eu senti, Rafe.

Rafael ficou em pé. Faltava-lhe sua habitual compostura e seu olhar vibrava de desejo.

—Bryony, pode estar segura de que aconteça o que acontecer hoje, e independentemente do que aconteceu antes, o que recorde e o que não, nada disso importará se você se entregar a mim de novo. Agora. Se o fizermos agora, será como começar de novo. Virar a página.

—Gostaria disso — ela esfregou sua bochecha contra a mão de Rafael e fechou os olhos— Sem passado. Só o presente. Você e eu.

Rafael a rodeou com um braço e a empurrou para o interior da casa. Ela o conduziu até o dormitório, ao lugar onde no passado fizeram amor durante horas.

Rafael fechou a porta e Bryony ficou ante ele, repentinamente tímida e insegura. Parecia a primeira vez. Ele parecia diferente. Possivelmente inclusive ela tinha mudado.

De repente teve um ataque de risada.

—Do que ri? —ele a olhou sobressaltado.

—Estava pensando que me sentia como se fosse a primeira vez e que estou muito nervosa, mas então pensei que é ridículo já que estou grávida de seu filho, o vivo exemplo de que não é a primeira vez.

—Em muitos aspectos sim é a primeira vez —Rafael a abraçou— E acredito que deveríamos considerá-lo como tal. Tenho a intenção de me familiarizar de novo com seu corpo. Quero ver e tocar cada milímetro de você. Sem pressas. Quero saborear cada momento, levando-o até o limite da loucura.

Bryony se balançou contra ele, como se tivesse bebido. Rafael a atraiu para si e, com grande delicadeza, empurrou-a para trás até topar com a borda da cama.

Sem dizer uma palavra, começou a lhe desabotoar a blusa, tomando seu tempo, depois do qual deslizou o objeto pelos ombros de Bryony até fazê-la cair ao chão.

—Bonito e delicado —murmurou enquanto deslizava um dedo pelo sutiã— Igual a você. Gosto de você vestida de rosa.

—Não prefere uma sereia vestida de vermelho ou de negro?

—Absolutamente. Eu gosto da doçura do rosa e quão feminino parece em você. Bastante menina.

Agachou a cabeça para beijar a pele que se sobressaía do sutiã e deslizou a boca para baixo, até ficar a escassos milímetros do mamilo.

—Eu gosto de infantilidades.

—É um brincalhão —respondeu ela com voz afogada.

Rafael se agachou e procedeu a lhe desabotoar a calça, deslizando-as para baixo até deixar exposta a barriga.

Para surpresa de Bryony, ajoelhou-se e acariciou a barriga com ambas as mãos antes de depositar sobre ela um delicado beijo.

Foi um instante de deliciosa ternura, e uma imagem que não esqueceria jamais. Esse homem, arrogante e orgulhoso, estava de joelhos prodigalizando-se em cuidados para ela e seu bebê.

Baixou a vista e afundou as mãos nos escuros cabelos de Rafael, que levantou a cabeça para ela. O olhar que lhe dedicou fez seu coração parar.

Segundos depois, continuou deslizando o jeans pelos femininos quadris e pernas, levantando cada pé com sensuais carícias até lhe tirar a peça por completo.

—Combina com renda rosa —murmurou enquanto depositava um beijo sobre a calcinha— Eu gosto. Eu gosto muito.

Bryony sentia que suas pernas tremiam e que milhares de mariposas revoavam em suas veias, ao redor do peito e na garganta.

Não estava obcecada com seu corpo, como acontecia a muitas mulheres grávidas. Em realidade, gostava das novas curvas. Em muitos aspectos, estava melhor. Sua pele resplandecia, os seios tinham crescido e a fascinava a forma de sua avultada barriga.

—É linda —disse ele com voz rouca, como se tivesse lido seu pensamento.

Lentamente ficou em pé, afundou as mãos em seus cabelos e a beijou.

Algo tinha mudado entre eles. Sempre tinham feito amor de maneira despreocupada, divertida e relaxada. Mas o Rafael que tinha ante ela era… diferente. Olhava-a como se estivesse a ponto de devorá-la. Como se a desejasse mais do que tivesse desejado jamais a nenhuma outra mulher.

Nesses momentos não havia nada despreocupado na maneira em que a tocava e Bryony gostou do novo Rafael. Autoritário, e mesmo assim, doce e terno. Reverente.

Segurou possesivamente a nuca com a mão em concha e a atraiu para si para beijá-la de novo. Depois deslizou os lábios até a orelha e lambeu um lóbulo, provocando grandes ondas de desejo que desciam para a pélvis. Os músculos de Bryony se esticaram e suspirou.

Sem que seus lábios abandonassem o pescoço de Bryony, Rafael a levantou no colo, tombando-a sobre a cama e deslizando uma perna entre as femininas coxas.

Depois de beijá-la novamente, retirou-lhe os cabelos da testa em um gesto enternecedor.

Como se não suportasse a ideia de deixar de fazê-lo, beijou-a outra vez antes de afastar-se e, com mãos trementes, proceder a despir-se.

Jogou a um lado a camiseta e começou a descer o zíper do jeans e ela quase gemeu quando se desfez da calça e da cueca com um impaciente puxão.

Era um homem muito sexy. Com um corpo esculpido como se fosse uma pedra preciosa. Músculos tonificados, magro, embora não em excesso.

O olhar de Bryony se deslizou até a virilha e não pôde evitar suspirar de admiração ante a rígida ereção. Impaciente, apoiou-se sobre os cotovelos.

Rafael se colocou escarranchado sobre ela e a empurrou delicadamente contra o colchão antes de deslizar as alças do sutiã por seus ombros até que os seios ficaram livres. Antes de deslizar uma mão sob seu corpo para desabotoar o fechamento e jogar a peça no chão.

Durante um longo momento não fez mais que contemplar seu corpo.

—Estou gravando a fogo sua imagem em minha mente —explicou com voz rouca— Não quero voltar a esquecê-la jamais. Não consigo explicar como pude fazer isso. Que homem poderia esquecer semelhante beleza?

Bryony voltava a sentir mariposas no coração e lhe custava respirar. Quando Rafael não lhe gerava calafrios de prazer com suas carícias, o fazia com suas palavras.

—Me beije —suplicou ela.

—Assim que tirar de você toda a lingerie rosa. —respondeu ele com um sorriso.

Os dedos se deslizaram até os quadris e engancharam na roupa íntima, puxando-a.

Depois se deitou a seu lado e a atraiu para si, provocando um delicioso sobressalto. A dureza encaixava perfeitamente no “V”, entre as pernas de Bryony, cujos seios se oprimiam contra o áspero pelo de seu torso.

E então a beijou enquanto lhe acariciava as costas possesivamente até descansar a mão sobre o traseiro e continuar para a barriga e logo dirigir-se para a úmida e sensível área entre as pernas.

Ela gemeu e arqueou as costas enquanto lhe acariciava seu ponto mais sensível com a ardente e rígida ereção.

Bryony o desejava em seu interior, que fizesse parte dela depois de ter passado tanto tempo sem ele. E se moveu inquieta, agarrando-se a ele, separando mais as pernas.

—Não seja impaciente —Rafael sorriu— Ainda não terminei, querida. Quero que fique de prazer antes de te fazer minha outra vez. Tão louca que grite meu nome quando me deslizar em seu interior.

—Te desejo —sussurrou ela— Te desejo tanto, Rafe. Senti sua falta. Senti falta de te tocar e que me toque.

Rafael se afastou e a olhou com uma expressão muito séria.

—De algum modo eu também tenho a sensação de ter sentido sua falta, Bryony. Não seria tão repentinamente feliz contigo se não nos tivéssemos conhecido antes, se não tivéssemos sido… íntimos. Amantes. Sinto como se tivesse aberto a porta da vida de outra pessoa, porque continua sem me parecer que seja eu, mas, mesmo assim, desejo-o tanto que o saboreio, sinto muito.

Ela o atraiu para si com um beijo, tão comovida por suas palavras que sentia o coração a ponto de explodir.

—Não quero esperar mais. Preciso de você agora, Rafe. Por favor. Entra em mim. Quero te sentir.

Rafael se inclinou sobre ela, permitindo deleitar-se na sensação de ser esmagada sob seu calor, aspirando o masculino aroma, quase saboreando-o.

—Tem certeza que está preparada, Bryony?

Mas inclusive enquanto fazia a pergunta, deslizou um dedo em seu interior e lhe acariciou o clitóris com o polegar.

—Por favor! —ela fechou os olhos e se agarrou a ele. Rafael se colocou e afundou ligeiramente a ponta em seu interior.

—Abre os olhos. Olhe-me, Bryony. Deixe-me vê-la.

Ela abriu os olhos e encontrou seu olhar, escuro e sensual.

Rafael se introduziu um pouco mais em seu interior, a acariciando com fogo. Parecia decidido a fazer que durasse eternamente.

Bryony lhe acariciou o corpo, animando-o a completar o ato.

E ele se inclinou sobre ela até que seus narizes se roçaram e a beijou no preciso instante em que se afundava em seu interior.

Não havia palavras para descrever a sensação que produzia estar de novo com o homem que amava.

Rafael se retirou ligeiramente antes de voltar a investir. Respirou o fôlego de Bryony, e ela o seu, enquanto suas línguas se entrelaçavam.

Ele se deitou sobre ela, mas se apoiou nos braços para que não tivesse que suportar todo seu peso enquanto os quadris oscilavam contra ela.

Era como as ondas do mar, delicadas, mas de intensidade crescente. E ele se mostrava paciente, mais do que tinha sido em sua vida.

—Se estiver te machucando me diga— sussurrou contra sua boca— Ou se peso muito para você.

A modo de resposta, ela o abraçou com força e deslizou uma mão até os glúteos.

—Me diga o que quer que faça. Diga-me como te dar prazer, Bryony.

—Está fazendo isso muito bem —respondeu ela com voz sonhadora— Me sinto flutuar.

Rafael afundou a cabeça em seu delicado pescoço e a mordicou com os lábios até estar seguro de deixar marca.

Ela não tinha experimentado nada parecido desde a adolescência, mas gostou de ficar com uma lembrança de sua posse.

—Sinto muito, Bryony —grunhiu ele— Não posso… maldita seja —alguns praguejamentos mais precederam ao aumento do ritmo.

Assim que a intensidade trocou, o orgasmo que se esteve formando prazerosamente, escalou até alcançar a proporção de um incêndio no abdômen de Bryony.

Sem saber como controlar a crescente tensão, afundou os dedos nas costas de Rafael e arqueou o corpo até levantar o traseiro do colchão fazendo assim que ele se afundasse mais em seu interior. Ele ficou rígido e se estremeceu contra ela, alcançando o topo enquanto ela ainda procurava o seu às cegas.

Rafael se deitou a um lado e deslizou uma mão entre as pernas de Bryony para acariciar o ardente botão. Depois agachou a cabeça e lambeu um mamilo, acariciando-o com a língua enquanto afundava outro dedo mais dentro dela.

O polegar descrevia círculos sobre o clitóris e os dentes davam pequenos puxões ao mamilo. A seu redor, tudo se tornava impreciso enquanto a crescente tensão saltava pelos ares.

—Rafael!

A liberação foi brusca. Doce. Intensa. Uma das experiências mais impressionantes de sua vida. Agarrada a ele repetiu seu nome uma e outra vez enquanto descia do topo.

Rafael seguiu acariciando-a, embora com mais delicadeza que antes enquanto ela se aconchegava, tremendo, contra ele.

Ainda não era capaz de analisar o acontecido. Entre eles jamais tinha sido assim. Estava… despedaçada, não havia outra maneira de descrevê-lo. Completamente vulnerável ante ele.

Rafael a atraiu para si enquanto os dois procuravam recuperar o fôlego. Suas mãos pareciam estar por toda parte. Acariciavam, tocavam, consolavam. Beijou-lhe os cabelos, a têmpora, a bochecha, e inclusive as pálpebras.

Abraçou-o com todas suas forças, afundou o rosto em seu pescoço e ficou adormecida, tão saciada que não poderia ter-se movido embora o tivesse tentado.

 

Bryony despertou ao sentir uns quentes beijos no ombro e umas possessivas mãos que lhe acariciavam todo o corpo.

—Umm —murmurou estirando-se prazerosamente.

—Menos mal que despertou. Odeio me aproveitar de uma mulher adormecida.

—Com certeza que sim —ela riu.

—Tenho muito pelo que te compensar —Rafael deslizou os lábios até um seio.

—Sério?

Depois de desenhar o contorno do mamilo com a língua, chupou-o delicadamente. Depois levantou a vista e a olhou com um gesto de arrependimento.

—É evidente que, tratando-se de você, não tenho nenhum controle. Queria que fosse bom. Queria que durasse. Não cuidei de você. Suponho que se deve a minhas maneiras de bastardo.

—Se tivesse ficado mais satisfeita—ela girou os olhos e lhe acariciou a bochecha—, teria morrido. Mas eu gostei de te descontrolar um pouco.

—Um pouco? —ele arqueou uma sobrancelha— Não se aproxima nem de longe ao que senti. Não recordo ter perdido assim a cabeça com nenhuma outra mulher. Sempre foi assim entre nós?

—Não —sussurrou ela— Assim não.

—Melhor?

—Decididamente melhor.

—Ah, bom. Começava a me sentir ameaçado por um eu mesmo ao que não recordo.

Ambos estalaram em gargalhadas. Era bom poder brincar sobre um acontecimento que alterou o curso de suas vidas.

—Tenho fome.

—Eu também —Rafael voltou a deslizar os lábios até o seio de Bryony.

—Fome de comida! —ela riu e lhe deu uma palmada no ombro— Que horas são?

—Cedo —ele deu de ombros— Dormimos muito. Deixou-me esgotado.

—Pois comeremos na cama e logo…

—E logo o que? —Rafael arqueou uma sobrancelha e a olhou prazerosamente.

—Depois comeremos a sobremesa. — ela sorriu travessa.

—Nesse caso —ele saltou da cama apressadamente—, fique aqui. Voltarei em seguida.

Bryony se cobriu com a manta e se aconchegou sobre o travesseiro, sorrindo enquanto o via sair nu do dormitório sem sentir o menor sobressalto. Que um homem sentisse tal confiança resultava muito sexy. Suspirou e sorriu sonolenta.

Rafael retornou quinze minutos depois com dois pratos com sanduiches de queijo na chapa e dois copos de limonada.

Ela se sentou na cama salivando ante o aroma do pão torrado e o queijo derretido.

—Isto é perfeito.

—Alegra-me que você goste. Não me ocorreu outra coisa que fosse mais rápida de preparar —Rafael se sentou na cama com as pernas cruzadas diante dela.

Comeram em silêncio enquanto se olhavam fugazmente, desviando o olhar assim que seus olhos se encontravam. Ela estava deslumbrada com esse aspecto desinibido de Rafael e, caso fosse possível, sentia-se ainda mais apaixonada por ele.

Deixou meio sanduiche intacto para beber a limonada e logo esperou pacientemente que ele terminasse de comer.

Em lugar de lhe permitir retirar a bandeja, Bryony o agarrou pelos pulsos antes de dar um empurrão à bandeja, que aterrissou com grande estrondo no chão.

Depois o beijou. Mas não foi um beijo doce e feminino, mas sim uma versão travessa que lhe enviava a mensagem de que ia se divertir com ele.

—Minha mãe! —grunhiu ele.

—Certamente — ela o empurrou fazendo-o cair de costas sobre o colchão.

Os olhos de Rafael brilhavam de excitação enquanto ela se sentava escarranchado sobre ele.

—Acredito que chegou a hora da sobremesa —sorriu Bryony enquanto envolvia a potente ereção com uma mão.

—Minha mãe…

Ela se agachou e deslizou a língua pelo pênis.

—Bryony —sussurrou Rafael arqueando as costas e afundando os dedos nos negros cachos.

O fez sofrer, amando e lambendo cada centímetro. Queria lhe dar tanto prazer como tinha dado a ela. Queria lhe mostrar seu amor, seu coração.

Acomodada entre suas coxas e com os cabelos espalhados sobre seus quadris continuou fazendo amor com ele.

Rafael emitia pequenos sons de apreciação e prazer antes de começar a oscilar os quadris para cima, procurando sua boca. Ao fim foi muito para poder suportar.

Agarrou-lhe os ombros e a obrigou a erguer-se.

Bryony se deslizou para cima até que a ereção se apoiou contra sua barriga e, delicadamente, tomou o membro em uma mão. Instintivamente, procurou seu olhar. Rafael tinha as mãos estendidas para ela e quando as aceitou, a puxou para cima.

—Tome —sussurrou— Ontem te fiz minha de novo. Agora me faça seu.

A voz rouca e profunda resultava do mais sedutora e ela sentiu o comichão das chamas por toda sua pele. Apoiando-se nas mãos de Rafael, ergueu-se e ao mesmo tempo que seus dedos se entrelaçavam, símbolo de sua união, uma das mãos se deslizou para baixo para colocá-lo ante a porta de entrada.

Assim que começou a afundar-se, ele voltou a entrelaçar os dedos com os seus começando a delicada dança da mulher que reinvidica seu homem.

Era a primeira vez que se atrevia a tomar a iniciativa na relação. Sempre tinha sido Rafael quem ostentava o controle e quem preferia o prazer de Bryony ao seu próprio. Mesmo assim, preferia a esse homem que a desejava tão desesperadamente que se esvaziou antes que ela, que se perdeu na paixão até não poder controlar sua resposta.

Rafael lhe soltou as mãos e a acariciou nos quadris de antes cobrir os seios com as mãos em concha, torturando-a enquanto ela se balançava sobre ele.

Com os olhos brilhantes e os lábios firmemente apertados, voltou a deslizar a mão para baixo e afundou o polegar entre ambos os corpos para esfregar brandamente o clitóris.

Bryony se retorceu em espasmos enquanto ele aumentava a intensidade de suas carícias e com a outra mão beliscava os mamilos até deixá-la louca.

As posições mudaram e, embora fosse ela a que estava em cima e tomava a seu prazer, as mãos de Rafael faziam magia localizando todos os pontos sensíveis.

—Goze para mim, Bryony —suplicou— Quero sentir seu coração enquanto goza.

Bryony jogou a cabeça para trás e se estremeceu. Afundou os trementes joelhos no colchão enquanto a tensão se aglutinava em seu estômago e se estendia aos lugares que com tanta perícia lhe estava acariciando. E então estalou.

A força do orgasmo foi dilaceradora e a fez cair para frente, onde ele a aguardava. Apoiou as mãos contra o masculino torso, não querendo parar até que ele também se liberou.

Rafael a segurava, acariciando as mãos enquanto sussurrava seu nome uma e outra vez.

Bryony ouviu um gemido seguido de uma exclamação de prazer e soube que tinha sido ela, embora soava tão distante que lhe parecia impossível ser a fonte desse som.

Quando já lhe acabavam as forças, ele começou a oscilar os quadris para cima, introduzindo-se cada vez mais no tremente corpo.

Depois a rodeou com seus braços e a puxou para baixo até que não ficou nenhum espaço entre ambos os corpos. E com uma última investida, desmoronaram-se.

Bryony era consciente de estar indecorosamente deitada sobre o corpo de Rafael, mas não tinha suficiente força para preocupar-se com isso.

—Não foi incrível? —Rafael acariciou suas costas e a beijou na testa.

—Sim —assentiu ela.

—O que acaba de acontecer, Bryony? Estou seguro de que não foi só sexo. Já tive só sexo anteriormente e isto foi diferente.

—Não —sussurrou ela— Não foi só sexo.

—Então, o que foi?

—Foi amor, Rafael —ela o olhou nos olhos— Amor. Me ama. Eu gostaria de pensar que, embora a mente não o aceite, o coração sabe.

—O que me aterra é que tenha podido esquecer algo assim. Nunca amei ninguém.

—Nenhuma vez?

—Quando criança, amava a meus pais —ele sacudiu a cabeça— E atualmente não os odeio. Simplesmente não penso neles, do mesmo modo que eles não pensam em mim. Eu fui um estorvo para eles e eles não foram mais que as pessoas que me doaram seu DNA. Sei que soa horrível, mas assim foi. Até agora, não tinha amado profundamente a ninguém e quando por fim o faço, o que acontece? Esqueço!

—Possivelmente o fato de se apaixonar te resultou tão traumático que o bloqueou —brincou ela.

—Não posso acreditar que brinque com estas coisas —Rafael franziu o cenho.

—Bom, ou rio ou choro. E chorar me dá dor de cabeça. Além disso, estou convencida de que acabará por recuperar a memória. Acredito que já começou. Não me trata como a uma estranha quando deveria ser para você. Se de verdade me considerasse uma estranha, estaria deitado em minha cama compartilhando comigo seus mais íntimos segredos?

—Certamente não —admitiu ele.

—Iremos passo a passo, Rafe —Bryony o beijou antes de descansar a cabeça sobre seu ombro— Esperemos que cada dia nos aproxime mais ao momento em que recuperará a memória.

—Não acredito merecer sua doçura nem sua paciência, mas estou malditamente agradecido por ambas. —Rafael a abraçou com força e a beijou na testa.

 

Rafael reconheceu o tom de quem o chamava no BlackBerry. Devon ligou para Cam e este ligava para gritar que era um tarado mental que pensava com os testículos.

Soltou um palavrão e tentou resgatar o BlackBerry do bolso da calça sem soltar Bryony, depois do qual apertou o botão para rechaçar a chamada e desligou o telefone.

Seu negócio podia funcionar sem ele durante uns dias. Pagava muito bem a seus empregados para que pensassem com a cabeça e fossem capazes de encarregar-se de qualquer situação.

No passado, a mera ideia teria o tornado louco.

Mas nesses momentos opinava que podia permitir um descanso ocasional.

Possivelmente Bryony estivesse certa e não tivesse que comportar-se sempre do mesmo modo. Mais ainda, estava também certo em que se sacrificaria por seu filho ou filha.

Não queria ser um pai ausente. Não queria ser como seu próprio pai, que achava que sua única obrigação para com a família era contribuir o sustento.

A paternidade era muito mais. Queria ir às partidas de futebol. Queria deixar uma moedinha sob o travesseiro quando caísse um dente e fingir que foi a fada dos Dentes.

Queria ser um bom pai. O melhor possível. Contemplou Bryony, que apoiava a cabeça sobre seu ombro. O sol da manhã iluminava sua pele lhe dando um aspecto translúcido e angelical. Parecia estar em paz. Parecia satisfeita. Parecia… amada.

Em sua mente ressoou um uivo.

De maneira nenhuma estava se apaixonando por essa mulher depois de uns poucos dias.

De verdade não tinham sido mais que uns poucos dias? Não seria, de fato, consequência das semanas que passaram juntos?

Possivelmente ela tivesse razão e de algum modo a recordasse como à mulher escolhida.

Sempre tinha pensado que apaixonar-se seria como ser alcançado por um raio. E aquela estranha felicidade não encaixava com essa ideia. Não podia ser tão… fácil.

Fácil. Isso era. O amor era complicado, não? Estava-o confundindo com o sexo.

Entretanto, Bryony tinha acertado em outra coisa. Não era só sexo. Considerá-lo assim seria como rebaixá-lo de categoria. Uma relação de sexo, como as muitas que tinha desfrutado no passado. Uma rápida transa e despedir-se de uma mulher para passar a seguinte.

Mas nenhuma experiência passada se aproximava sequer ao que sentia por Bryony.

A noite anterior foi como a culminação de algo que esteve esperando sempre. Uma sensação de retornar a casa que o tinha comovido. Havia-se sentido ridiculamente emotivo e com vontades de falar, como um idiota, de seus sentimentos.

Abrir-se a Bryony parecia o mais natural do mundo. Ela tinha sido sempre sincera e ele estava disposto a fazer o mesmo, embora supusesse fazer ou dizer algo que a ferisse.

Ser tão sincero e aberto com uma mulher, ou com qualquer um, provocava-lhe uma sensação estranha. Confiava em Ryan, Dev e Cam, mas jamais falava de intimidades com eles.

Seus pensamentos retornaram à mulher que tinha em seus braços. Certamente, provocava-lhe reações muito estranhas. O fazia desejar fazer coisas estranhas. Coisas que normalmente teriam provocado sua fuga.

Suspirou. Era uma mulher que qualquer homem quereria conservar. Possivelmente se tinha dado conta assim que a conheceu meses atrás. Possivelmente era verdade que um homem sabia imediatamente que a mulher que acabava de conhecer ia mudar sua vida.

Bryony era o tipo de mulher com que alguém se casava. Não o tipo de mulher com a que se deitava para logo abandoná-la. Carregava a palavra “permanente”, escrita na testa.

Era… dela. Não lhe importava não recordá-la, já tinha muitas peças do quebra-cabeça para saber que lhe pertencia. Tinham muitas coisas que solucionar, mas, que casal não as tinha? A gravidez tinha suposto um salto adiante, mas não era nada que não pudessem solucionar.

Quanto mais pensava nisso, mais convencido estava de que era o correto. Bryony. Seu bebê. Ele. Uma família. Teria tudo.

O complexo de férias.

Fez uma careta. O assunto pendia sobre sua cabeça como uma escura nuvem. Era o que se interpunha entre os dois. Ela assegurava que lhe tinha prometido que jamais construiria, o qual não tinha sentido. Não necessitava uma faixa particular de praia para seu uso pessoal.

Tinha que haver algum modo de convencê-la, e ao resto dos habitantes da ilha, de que o complexo não alteraria sua forma de viver.

Ou o conseguia ou teria que enfrentar a seus sócios, e a outros investidores. Perderia muitíssimo dinheiro, mas sobretudo perderia credibilidade, futuros respaldos e sua posição.

E tudo por uma promessa que não recordava ter feito.

Bryony se moveu em seus braços e, antes que abrisse os olhos, beijou-a com ternura.

—Que maneira mais agradável de despertar —ela sorriu.

—Eu estava pensando o mesmo —murmurou ele.

—Que horas são?

—Sete.

—Ainda resta muito tempo —Bryony bocejou e se aconchegou contra ele.

—Para que?

—Para fazer o que gostar. Ou não fazer nada.

—Eu gosto de sua atitude —riu ele.

—Tem alguma ideia do que você gostaria de fazer hoje?

—Pois sim. Eu gostaria que me mostrasse a ilha. Mostre-me por que é tão especial para as pessoas que vivem aqui. Não recordo a última vez que fui a uma praia por prazer.

—Trabalha muito —Bryony franziu o cenho— Seu acidente talvez tenha resultado ser uma bênção se tiver conseguido que baixe o ritmo e reformular sua vida.

—Não estou seguro de que estar a ponto de morrer seja uma boa chamada de atenção.

—Mas, se não tivesse acontecido, pensaria agora como o está fazendo? —o acariciou.

—Não acredito —Rafael suspirou— Possivelmente você seja o motivo pelo qual reorganize minha vida.

—Entendo o que quer dizer. E eu gosto mais que pensar que esteve a ponto de morrer.

Bryony sorriu e o beijou.

—Direi o que vamos fazer. Vá para a ducha enquanto preparo o café da manhã. Depois me banharei e partiremos. Podemos preparar um piquenique e comer na praia.

—Eu tenho uma ideia melhor. Que tal se tomamos banho juntos e depois te ajudo a preparar o café da manhã? Faço um bacon de matar

Ela soltou uma gargalhada e Rafael ficou sem fôlego ante o amor que refletiam seus olhos ao olhá-lo. Ninguém o olhou assim jamais.

—Amo você, Rafe —a expressão de Bryony se tornou séria— Não quero te incomodar, e não espero nada em troca, mas não posso deixar de lhe dizer isso. Olho para você e sai sem mais.

—Eu gosto que o diga —Rafael levou a mão de Bryony ao peito— Isso significa tudo.

Os olhos de Bryony resplandeciam. Eram uns olhos muito expressivos e refletiam à sua perfeição o estado de ânimo. Bastava olhá-los para saber no que estava pensando.

—E quanto essa ducha? —perguntou ela após ficar em pé.

Rafael a contemplou, empenhado em reter em sua memória o aspecto dessa mulher.

Tinha encontrado. Era sua mulher. Seu filho.

—Tem ideia de quão linda é?

—Sei — ela se ruborizou, embora seus olhos se iluminaram, brilhantes como o sol.

—Pois vamos tomar banho. —ele sorriu ante a descarada resposta.

 

     —Fez bem, senhor de Luca —observou Silas Taylor no alpendre da casa de Laura.

A avó de Bryony tinha convidado a todo mundo para tomar chá, limonada e suas famosas bolachas de manteiga de amendoim. E por todo mundo, entendia-se a qualquer que passasse frente a sua casa.

Rafael estava estupefato. Ele estava acostumado a listas de convidados, mas Laura não parecia se importar. Em realidade, quanto mais gente chegava a sua casa, mais contente parecia.

—Meus investidores não estariam de acordo —respondeu secamente ao xerife.

—Já encontrarão outro lugar onde investir seu dinheiro —Silas se encolheu de ombros— Essa gente sempre encontra a alguém disposto a aceitar dinheiro.

Rafael esteve a ponto de começar a rir. Detrás daquilo havia meses de análise financeiras, planos, investidores seduzidos, planos feitos junto com Ryan, Devon e Cam…

—Talvez sim, mas eu perderei toda minha credibilidade e respeito —respondeu ao fim— A próxima vez que procurar seu respaldo, não estarão tão dispostos a me oferecer isso.

—E o que ganhará? —Silas olhou para Bryony, que falava com um pequeno grupo— Me parece que ganhou mais do que perdeu. Pense nisso, menino.

“Menino”. Rafael esteve a ponto de soltar uma gargalhada. Certo que o xerife era mais velho que ele uns trinta anos, mas ninguém o tinha chamado de “menino” desde que era pequeno.

O tempo se esgotava. O BlackBerry estava cheio de mensagens e chamadas perdidas e sua caixa de mensagens estava a ponto de explodir. Logo acabaria a semana e Dev apareceria com Ryan e Cam.

Durante os últimos dias, ignorou tudo o que não era estar com Bryony. Tinham passado o dia caminhando pela praia, cozinhando, rindo, falando de nada e de tudo.

Faziam amor, comiam e voltado a fazer o amor. Sentia uma urgência que não podia explicar, como se tivesse que encaixar toda uma vida em uns poucos dias.

Teria que começar a tomar decisões. Não podia atrasá-lo por mais tempo. Ainda não tinha nem ideia do que ia fazer, mas não podia perder Bryony por culpa de um hotel. Por culpa do dinheiro.

—Gostaria de tomar algo, Rafael? —perguntou a sorridente avó de Bryony.

—Não, obrigado. Estou bem. Não desatenda a seus convidados por mim.

—Estarão bem. Além disso, você também é um convidado. Que tal sua estadia aqui?

Rafael procurou Bryony com o olhar e esta pareceu pressenti-lo, pois levantou a vista para ele e seu rosto se iluminou com um resplandecente sorriso.

—Estou desfrutando muitíssimo. Só sinto não recordar ter estado aqui antes.

—Possivelmente seja melhor que não o recorde…

Depois da enigmática frase, Laura lhe deu umas palmadas no ombro e partiu.

Rafael afundou as mãos nos bolsos e se voltou de frente para o mar. Não era pessoa de esconder-se, mas nesses momentos o estava fazendo. Era como viver em uma bolha. Nada podia afetá-lo, mas o mundo exterior continuava ali, esperando. Quanto mais adiasse o inevitável, mais medo lhe daria.

—Rafael, acontece algo?

A doce voz de Bryony o alcançou ao mesmo tempo que a suave mão o segurava pelo braço.

—Não, só pensava —ele se soltou para abraçá-la pela cintura e atrai-la para si.

—No que?

—No que devo fazer.

—Por que não vamos dar um passeio? —sugeriu ela.

Incapaz de resistir, beijou-a na testa. Amoldava-se muito bem a seu ânimo, do mesmo modo que ele era capaz de antecipar suas reações.

Assim deviam ser os casais após anos de matrimônio, supôs.

O tomou pela mão e o puxou para o caminho de pedras que atravessava o jardim e se dirigia à praia.

Aproximaram-se da borda, cheia de espuma, e Bryony sorriu encantada enquanto davam um salto para trás para evitar que uma onda maior os molhasse.

Em poucos minutos, as casas de Laura e Bryony não foram mais que dois pontos longínquos enquanto se aproximavam das terras que Rafael tinha adquirido.

—Meu pai costumava me trazer aqui —contou ela— Costumava me dizer que não havia nada como possuir uma parte de céu. Ao vendê-la, sinto-me como se o tivesse traído.

Rafael fez uma careta de desgosto, sentindo-se ainda mais culpado por sua atuação em todo o assunto. Pouco importava que se não fosse ele, outra pessoa teria comprado a terra. Bryony já não podia pagar os impostos e, se não surgisse nenhum comprador, ao final a teriam embargado. Em qualquer caso ia deixar de ser dela.

“Mas você tem o poder de devolvê-la” disse-lhe uma voz em seu cérebro.

Era certo. As terras eram delas, não de sua empresa nem de seus sócios. Os investidores tinham sido contatados para construir o complexo de férias.

—Amo você—lhe apertou a mão.

Rafael a olhou sobressaltado ante o espontâneo gesto de afeto.

—Parecia precisar disso —Bryony sorriu.

—E o necessitava —ele a abraçou com força— Não deveria me surpreender que sempre pareça saber o que dizer —respirou fundo— Eu também te amo, Bryony.

—Recuperou a memória? —ela abriu os olhos desmesuradamente.

—Não, mas não importa —Rafael sacudiu a cabeça— Disse que eu te amava. E sei que agora te amo. O que importa é o presente.

Ela assentiu sem dizer uma palavra.

—Toda esta história já não me parece tão delirante —admitiu ele— Não podia aceitar o fato de ter me apaixonado por você em algumas semanas, mas agora mesmo o estou depois de uns poucos dias.

—Está seguro?

Rafael sorriu, embora seu coração se encolhesse ante a expressão de esperança e temor que apareceu nos olhos de Bryony.

—Fui muito tolo —lhe segurou o queixo e a beijou nos lábios— Não tenho experiência alguma em dizer a uma mulher que a amo. Imagino que haverá maneiras mais românticas de fazê-lo, mas não me ocorria nenhuma outra.

—OH, Rafe! —os olhos de Bryony brilhavam cheios de amor e alegria— Sentia tanto medo e insegurança…

—Sinto muito. Não quero que se preocupe. Amo você.

—Eu também te amo —lhe rodeou o pescoço com os braços e o abraçou com força.

Lentamente, Rafael se soltou e a afastou, olhando-a muito sério. Parecia um pouco preocupada ante sua expressão e tentou suavizá-la para que se tranquilizasse. Entretanto, não podia lhe oferecer consolo. Ainda não.

—Amanhã tenho que partir. —anunciou com amargura.

—Por… por que? —Bryony ficou lívida.

—Tenho que retornar para esclarecer coisas com meus sócios e nossos investidores. Evitei este momento o quanto pude, mas já não posso adiá-lo mais. Antes de partir, queria que soubesse como me sinto. Não quero que duvide nem por um instante de que desta vez retornarei.

O rosto de Bryony refletia incerteza e seus olhos se umedeceram. Notava-se que não confiava completamente dele.

—Poderia vir comigo —sugeriu. Estava disposto a qualquer coisa para dissipar seus temores— Só serão uns dias. Sei que você não gosta de estar longe… daqui.

—O que eu não gosto é de estar longe de você, Rafe —o agarrou pelo braço.

—Então venha comigo. Não mentirei, Bryony, não sei se poderei solucioná-lo. Só posso te prometer que o tentarei.

—Confio em você.

Ele a abraçou com força e enterrou o rosto entre seus cabelos. Essa mulher conseguia o fazer desejar ser o homem que ela afirmava que era.

—Virá comigo?

—Sim, Rafe, irei com você.

—Aconteça o que acontecer, Bryony, quero que saiba que te amo e que quero que o nosso relacionamento funcione. Necessito que confie nisso.

—Confio em você, Rafe. Sei que o fará.

Ele sorriu, parte da ansiedade desapareceu. Tinha-lhe inquietado ter que expressar seus sentimentos, mas, depois de fazê-lo, deu-se conta de que teria resultado mais difícil não lhe abrir seu coração.

 

—Alô? —o telefone do Bryony soou no meio da noite.

—Bry, é Silas. Tem que vir ao hospital. É sua avó.

—Mamaw? —Bryony se sentou na cama de um salto— O que aconteceu?

—Sofreu uma de suas quedas de açúcar. Chamou-me, fui procurá-la e a levei a hospital.

—E por que não veio ninguém me avisar? —perguntou ela.

—Porque não havia necessidade de te alarmar. Eu sigo pensando que não é importante, mas a enfermeira insistiu em que te chamasse para que deva assinar alguns papéis.

—É óbvio, irei em seguida.

—Laura está bem? —Rafael, sentado na cama, olhou-a com gesto preocupado.

—Não sei —Bryony fez uma careta— É diabética e nem sempre se cuida. Às vezes não toma a insulina e outras vezes não come quando deveria fazê-lo.

—Te acompanharei —decidiu Rafael saltando da cama.

Vinte minutos mais tarde entravam no vestíbulo do pequeno hospital.

—Como vai? —perguntou angustiada Bryony ao Silas.

—Bom, já a conhece. Está como louca por ter que ficar para passar a noite. Nem sequer queria vir ao hospital. Obriguei-a a beber um pouco de suco de laranja e pareceu recuperar-se, mas pensei que era melhor que lhe desse uma olhada. E agora não fala comigo.

—Onde está? —suspirou sua neta.

—Em observação. Não lhe darão alta até não estarem seguros de que haverá alguém para cuidá-la durante as próximas vinte e quatro horas.

—Nos leve até ela —insistiu Bryony.

Tal e como os advertiu Silas, Mamaw estava de péssimo humor, enquanto o médico tentava fazê-la compreender a importância de não perder nenhuma refeição.

Ao entrar Bryony e Rafe, seu olhar se iluminou, mas se escureceu ao fixá-lo em Silas.

—Mamaw, que susto me deu —Bryony se aproximou da cama e beijou a sua avó.

—Estou bem —a mulher girou os olhos— Qualquer idiota pode vê-lo. Agora que está aqui, me darão alta. Aparentemente acham que precisarei de uma babá.

—Alegra-me ver que está bem, Laura —Rafael se aproximou e a beijou na bochecha.

—Obrigado, jovem —Mamaw sorriu e deu uma palmada na bochecha de Rafael— Sinto os fazer levantar da cama a estas horas. As mulheres grávidas precisam descansar, mas parece que sou a única que se deu conta.

—Doutor, está bem para partir para casa? —perguntou Bryony ao médico.

—Sabe o que fez mal —o homem assentiu— E duvido que sirva de nada lhe pedir que não volte a fazê-lo. Precisará que fiquem de olho nela durante as próximas vinte e quatro horas e medir o açúcar no sangue a cada hora. Que coma bem e se administre a insulina corretamente.

—Não se preocupe —respondeu Bryony com firmeza.

—Poderá partir quando quiser. Demoraremos uns minutos em lhe dar alta.

Mamaw fez um gesto ao médico para que se apressasse antes de fulminar Silas com o olhar. O aludido suspirou e saiu do quarto.

—Quando vai deixar de ser tão dura com ele? —Bryony sacudiu a cabeça exasperada— Está louco por você e você está igualmente louca por ele.

—Quando deixar de me tratar como se não pudesse cuidar de mim mesma —grunhiu a anciã.

—Possivelmente deixe de fazê-lo quando demonstrar que é assim —sua neta elevou as mãos ao ar.

—Não pode culpar a um homem por procurar a segurança da mulher amada —Rafael tomou a mão de Mamaw— Não podemos evitar nos preocupar.

—Suponho —afirmou ela— Acreditava que partiam amanhã pela manhã.

—Rafael terá que ir sem mim —respondeu ela com voz alegre— Você em primeiro. Não te deixarei sozinha depois de ter prometido ao médico que cuidaria da senhora.

—É óbvio —Rafael apoiou uma mão no ombro de Bryony— Com sorte, não terei que ficar muito tempo e poderei retornar em seguida para minhas duas mulheres preferidas.

—Que lisonjeador —espetou Mamaw antes de sorrir— Mas eu gosto. Se Silas fosse assim, certamente já teria aceitado sua proposição de matrimônio.

—Mamaw! —exclamou Bryony— Nunca me disse que se declarou. Por que não aceitou?

—Porque na minha idade, filha, tenho direito a certos privilégios —a outra mulher sorriu— E fazer que meu homem se consuma a fogo lento é um deles. Um homem jamais deve dar por certo que sua mulher o ama. Assegurarei-me de que saiba a sorte que tem.

—É uma mulher muito sábia, Laura —Rafael soltou uma gargalhada—, mas me faça um favor: não demore para perdoar Silas. O pobre deve sentir-se mal.

—Farei isso —respondeu a anciã com gesto irado— Na minha idade não posso esperar muito.

—Ficarei com você em sua casa —Bryony apertou a mão de sua avó.

—Não queria interferir em seus planos —a outra mulher parecia preocupada— Vocêssdois já têm muitos problemas sem que eu acrescente um mais.

—Não supõe nenhuma carga —Rafael levou um dedo aos lábios para fazê-la calar— Estarei de volta antes que se deem conta e então poderemos planejar nosso futuro.

O coração de Bryony pulsou com mais força. Era a primeira vez que falava de um futuro juntos. Havia-lhe dito que a amava, e ela acreditava, mas não estava segura de onde os situava isso. Ainda havia muitos obstáculos por superar.

O fato de que parecesse disposto ao comprometer-se a fazia sentir um grande alívio.

A enfermeira retornou com os papéis da alta de Mamaw e repetiu as instruções do médico. Meia hora depois estavam no carro a caminho de sua casa.

Assim que deitou a sua avó, Bryony retornou à sala, onde Rafael aguardava, e se aconchegou em seus braços desfrutando do grande abraço com o que foi presenteada.

—Grande noite de loucos —observou Rafael.

—Sim —ela se separou— Sinto não poder te acompanhar. Está bem, mas não quero deixá-la sozinha.

—É óbvio que não —assentiu ele—Ligarei para você de Nova Iorque e te informarei dos progressos. Com sorte, estarei de retorno em uns dias. Tenho interesse em resolver este assunto.

—Sério? —ela arqueou uma sobrancelha.

—Sim —Rafael sorriu— Certa dama grávida estará me esperando. Eu diria que isso é um incentivo o bastante importante para agilizar tudo e colocar meu traseiro em um avião.

—Sim, mas, Rafael… desta vez não sofra nenhum acidente.

—Que engraçada —lhe beliscou o nariz— Não tenho nenhuma vontade de bater outra vez. Com uma me basta. Sei a sorte que tenho por estar vivo e penso seguir assim muito tempo.

—Me alegro —ela o abraçou— Porque tenho planos para você e necessitaremos tempo.

—E exatamente de quanto tempo estamos falando?

—Tanto tempo quanto for capaz de me aguentar.

—Pois então falamos de muito tempo.

—Deveria voltar para casa para tomar banho e preparar a bagagem —ela o beijou e se afastou a contra gosto— Deve tomar uma balsa. Chegará a Houston em plena hora do rush.

—De verdade não se importa que leve seu carro?

—A melhor pergunta seria, não sofrerá seu orgulho por conduzi-lo? —Bryony riu.

—Seu carro é perfeito —ele sacudiu a cabeça.

—Sentirei sua falta, Rafe —ela apoiou a testa em seu peito— A ideia de que vá dá pânico, porque não deixo de pensar na última vez que nos despedimos.

—Voltarei, Bryony —assegurou ele— Nem sequer um acidente de avião e minha amnésia conseguiram nos separar a última vez.

—Amo você.

—Eu também te amo —Rafael a beijou— Te ligarei quando chegar a Nova Iorque.

 

—Já era hora de que víssemos aparecer seu traseiro por aqui —saudou secamente Cam, que aguardava Rafael no aeroporto de La Guarda— Devon está zangado desde que partiu e a interrupção das obras não fez mais que piorar tudo. E Copeland lhe tem dado nos nervos com todo esse assunto de casá-lo com sua filha. Ryan esteve obcecado com relatórios de investigadores particulares. Ninguém tem a cabeça em seu lugar. Exceto eu. Está claro que assim que aparece uma mulher acontece um desastre.

—Cam? —perguntou Rafe com cautela enquanto abria a porta do acompanhante.

—O que? —Cam o olhou antes de sentar-se ao volante.

—Fecha o bico.

Cam seguiu grunhindo sobre amigos dos que não se pode confiar e de como nunca mais ia misturar negócios e amizade.

—Bom, e que demônios está acontecendo, Rafael? Dev diz que voltou atrás.

—Não voltei atrás —grunhiu ele—, mas penso que há outras maneiras de levar adiante este negócio sem envolver a propriedade da ilha Moon.

Cam soltou outro palavrão. O tráfego se complicou e, imerso em um profundo silêncio, esquivou carros com grande perícia enquanto Rafael se segurava com todas suas forças.

—E continua sem recordar nada? —perguntou Cam após superar o pior do engarrafamento.

—Não. Nada.

—E mesmo assim acredita nela? Já começou com os testes de paternidade?

—Não me importa o que aconteceu antes —respondeu Rafael com calma— A amo agora.

—E quanto ao complexo de férias? —perguntou CAM.

—Tem que haver alguma solução. Por isso retornei. Temos que dar um jeito, Cam. Meu futuro depende disso.

—Que amável por preocupar-se com seu futuro —murmurou Cam com ironia— Entretanto, não ouvi nada sobre o de outros.

—Isso foi um golpe baixo, cara —espetou Rafael— Se não me importassem Ryan, Dev e você, não estaria aqui. Teria anulado o maldito contrato e mandado os investidores às favas.

—E você se pergunta por que fujo das mulheres.

—Está pensando em passar para o outro lado? —brincou Rafael.

—Sabe ao que me refiro —Cam o fulminou com o olhar— As mulheres são boas para o sexo. Qualquer outra coisa só serve para castrar alguém.

—Estou desejando que chegue o dia em que te farei engolir suas palavras —Rafael riu— Melhor ainda, morro de vontade de conhecer a mulher que vai consegui-lo.

—Escuta, não entendo o que mudou. Faz quatro meses era o rei do mundo. Conseguiu tudo o que desejava. E de repente já não é o que deseja.

—Possivelmente mudou o que desejo —tinham chegado a seu apartamento e Rafael se voltou de frente para Cam— E como demônios sabe que faz quatro meses consegui o que desejava? Não voltei a vê-lo até que despertei na cama do hospital depois do acidente de avião.

—Ligou para mim um dia antes de retornar —Cam sacudiu a cabeça— Não parava de se gabar de ter fechado o contrato esse dia e que ao dia seguinte subiria a um avião a caminho de Nova Iorque. Perguntei se tinha gostado das férias, dado que esteve ali por quatro semanas e me respondeu que mereceu o sacrifício que teve que fazer.

Rafael ficou lívido e não conseguia que o ar entrasse em seus pulmões.

—Rafael? Está bem?

Por sua cabeça passavam as imagens, como se fossem fotos. Os fragmentos de sua memória perdida saíram disparados. Caóticos. A uma velocidade supersônica que o atordoava.

—Rafe, me diga algo. —insistiu Cam.

Conseguiu descer do carro e fez um gesto a Cam para que ele não descesse.

—Estou bem. Quero estar sozinho. Ligarei.

Tirou a bagagem do porta-malas e caminhou como um autômato até a porta do edifício. O porteiro o saudou com um alegre sorriso.

Como um zumbi, entrou no elevador e, torpemente, inseriu o cartão.

Recordou a primeira vez que viu Bryony. Recordou a primeira vez que fizeram amor. Não, amor não, mas sim praticou sexo com ela. O dia em que Bryony tinha assinado o contrato de venda em troca de um cheque. O dia em que se despediu dela.

As portas do elevador se abriram e entrou no apartamento. Deixou a bagagem na entrada e se cambaleou até um dos sofás, tão enojado, tão destroçado que só queria morrer.

Por Deus bendito, Bryony jamais o perdoaria por aquilo.

Ele jamais se perdoaria.

    

—Mamaw, tão terrível seria que construíssem um hotel aqui? —perguntou Bryony sentada junto a sua avó no terraço.

—Está se angustiando —a anciã olhou a sua neta— Tem que decidir o que é o melhor para você. Não está obrigada a agradar a toda a ilha. Se esse hotel se interpuser entre Rafael e você, terá que decidir o que é mais importante: fazer felizes a seu vizinhos ou ser feliz você.

—Estou sendo pouco razoável ao obriga-lo a cumprir uma promessa que me fez? —ela franziu o cenho— Em seu momento pareceu muito simples, mas tem sócios, que, além disso, são seus melhores amigos, e também investidores que contam com ele. Assim ganha a vida. E eu vou pedir que renuncie a tudo porque aqui nos dá medo que mude nossa vida.

—Bom, só você pode responder a essa pergunta —Mamaw assentiu— Tivemos muita sorte durante anos. Ninguém se fixava em nós e Galveston leva todos os turistas. Mas não podemos esperar que dure para sempre. Se Rafael não construir seu complexo de férias, com o tempo outro o fará. Certamente sairemos ganhando se o faz Rafael, pois ao menos ele nos conhece. Se viesse outro, nós não lhe importaríamos absolutamente.

—Não quero que me odeiem —insistiu Bryony com pesar.

—Nem todo mundo te odiará —respondeu sua avó— Rafael te ama. Eu te amo. Quem mais quer que te ame?

—Sabe o que? —de repente, Bryony se sentiu incrivelmente estúpida e se deu uma palmada na testa— Tem razão, Mamaw. Essa terra é minha. Ou o era. Só eu tenho direito a decidir a quem vendê-la e o que se pode fazer com ela. Se outros não quiserem que troque nada aqui, que entrassem em acordo para comprá-la entre todos. Eles não tinham que pagar os impostos e não lhes custava nada me dizer o que podia ou não podia fazer com minhas terras.

—Assim eu gosto! —sua avó riu— Zangue-se e lhes diga que vão tomar vento fresco.

—Mamaw!

—Passa muito tempo se angustiando, querida —a mulher riu ante a expressão horrorizada de sua neta —Primeiro porque partiu. Depois porque acreditava que partiu para sempre. Logo descobriu que estava grávida e voltou a penar por ele. Logo retornou e foi feliz. Não se renda esta vez. Desta vez pode fazer algo.

—Te amo muito — Bryony abraçou a sua avó.

—Eu também te amo, minha menina.

—E não ache que não vou dizer o mesmo com respeito ao Silas e a você.

—Eu me encarrego de Silas —Laura riu— Ele sabe que, cedo ou tarde, cederei e parece contentar-se esperando até que decida deixar de lhe fazer sofrer. Sou velha. Não me prive dessa diversão.

—Não quero viver longe de você. Quero que veja nascer o seu bisneto.

—Age como se não fôssemos voltar a nos ver —a anciã suspirou— Seu Rafael tem dinheiro de sobra. Se ele não pode permitir o luxo de te enviar no avião para que venha me visitar, então, para que serve?

—Tem razão —Bryony sacudiu a cabeça— Estou pondo problemas porque não gosto das mudanças.

—As mudanças são boas —Mamaw lhe apertou a mão— É o que nos mantém jovens e vibrantes.

—Suponho que deveria ligar para Rafael para lhe dizer que pode seguir adiante com o hotel. Certamente o liberará de uma enorme carrega.

—Melhor ainda, por que não vais vê-lo? Algumas coisas é melhor as dizer em pessoa.

—Não posso te deixar. Prometi ao doutor…

—Pelo amor de Deus, estarei bem. Chamarei Silas para que te leve a aeroporto. E, se a faz sentir melhor, farei que Gladys venha me fazer companhia até que retorne Silas.

—Promete-me isso?

—Prometo —respondeu Mamaw com impaciência.

 

Bryony subiu ao táxi e deu ao condutor o endereço de Rafael. Estava nervosa, mais do que tinha estado em toda sua vida.

Rafael não tinha respondido ao telefone nem ao celular, e uma horrível sensação de déjà vu começava a dominá-la, embora tentou não ceder à paranoia.

O táxi parou frente ao edifício de Rafael e ela desceu, pagou ao condutor e ficou olhando a entrada. Tremia.

Um homem a roçou ao passar e ela franziu o cenho. Parecia-lhe familiar. Ryan? Era um dos amigos de Rafael. Ryan Beardsley. Possivelmente lhe abriria a porta.

—Ryan Beardsley? —chamou, acelerando o passo para p alcançar antes que entrasse.

Ryan se voltou com o cenho franzido. Ao vê-la, sua expressão se relaxou, mas não sorriu.

—Não sei se lembra de mim —começou ela.

—É óbvio que lembro —respondeu ele secamente— O que faz aqui?

—Vim para falar com Rafael. Não responde às minhas chamadas. Preciso vê-lo. É sobre o hotel. Queria lhe dizer que está bem, que já não me importa. Não quero que todo este assunto crie problemas a seus amigos ou a seus sócios.

—Veio para lhe dizer tudo isso? —Ryan a olhou como se estivesse louca.

—Sabe se está em casa? —ela assentiu— Soube algo dele? Compreendo que estará muito ocupado, certamente mais que nunca, mas se pudesse vê-lo um minuto…

—Venha comigo —murmurou Ryan— Te levarei a seu apartamento. Devon deve estar lá. Não soubemos nada dele desde que retornou.

Bryony o olhou alarmada.

—Não me olhe assim —a tranquilizou Ryan—. Cam o deixou em sua casa e estava bem. Certamente estará ocupado saindo desta confusão na qual se colocou.

E após segurar Bryony pelo braço, conduziu-a ao interior do edifício.

    

—Que demônios acontece com você? —perguntou Devon.

—Saia de meu apartamento —Rafael abriu um olho e o entreabriu.

—Está bêbado.

—Por isso que sempre digo que você é o mais esperto de meus sócios.

—Importa-se em me dizer por que se embebedou quando deveria estar salvando um negócio que parece decidido a arruinar?

—Não me importa o hotel. Nem você. Nem ninguém.

Rafael estendeu uma mão para a garrafa atirada no chão. A maldita coisa estava vazia. Sentia a boca como se tivesse engolido algodão e lhe doía endemoniadamente a cabeça.

De repente foi arrancado do sofá, arrastado pela sala e jogado a uma das poltronas. Abriu os olhos de novo e viu o rosto de Devon a escassos centímetros do dele.

—Vai me explicar que demônios acontece aqui —exigiu seu amigo— Cam disse que tudo parecia estar bem quando foi pegá-lo. E de repente, deixa de responder ao telefone e quando devo ver como está, encontro-o tão bêbado que nem sequer pode abrir os olhos.

—Sou um bastardo —respondeu ele com voz rouca.

—Sim, isso já sabíamos —Devon soltou um bufo— Nunca se preocupou com esse detalhe.

—Pois possivelmente agora sim me preocupa —Rafael conseguiu ficar em pé e se agarrou à camisa de Devon— Maldito seja, Devon, recordo tudo, de acordo? Cada detalhe, e me deixa tão doente que nem sequer posso pensar nisso.

—De que demônios fala? —Devon entreabriu os olhos— Tão ruim é o que recorda?

—A usei —respondeu ele com calma— Fui ali com a única intenção de fazer o que fosse necessário para conseguir essas terras. E o fiz. Por Deus que o fiz. Seduzi-a. Disse-lhe que a amava. Prometi-lhe tudo o que ela queria ouvir. E assim consegui este contrato. Mas era tudo mentira. Parti sem nenhuma intenção de retornar. Já tinha o que queria.

Um soluço soou junto à porta e Rafael girou bruscamente a cabeça. Ao ver Bryony, branca como a parede, ficou lívido. Ryan a segurava para que não caísse ao chão.

Era um pesadelo. O pior dos pesadelos feito realidade. O que estava fazendo ali?

—Bryony… —soltou a camisa de Devon e se dirigiu para ela.

Bryony deu um passo atrás. Estava tão pálida que parecia a ponto de desmaiar.

—Bryony, por favor, me escute.

Ela sacudiu a cabeça com os lindos olhos alagados em lágrimas.

—Por favor, me deixe em paz —suplicou com apenas um fio de voz— Não diga nada mais. Ouvi tudo.

Dando a volta, correu para o elevador.

—Vá atrás dela—rugiu Rafael a Ryan— Por favor, faça isso por mim. Se assegure de que está bem. Não conhece ninguém aqui. Não quero que lhe aconteça nada.

Ryan soltou uma praga e apertou o botão de chamada do elevador enquanto Devon chamava o porteiro, dando instruções de reter Bryony até que chegasse Ryan.

—E por que não vai você mesmo? —perguntou após desligar o telefone.

—E o que vou dizer a ela? —Rafael se deixou cair na poltrona e escondeu o rosto entre as mãos—Menti para ela. Brinquei com ela. A usei. Tudo o que ela temia que lhe tivesse feito.

—E agora o que? —Devon se sentou no sofá e olhou a seu amigo.

—A amo. E recordar o que lhe fiz, o que senti ao fazê-lo, deixa-me doente. Estou tão envergonhado de como era que nem sequer posso pensar nisso sem sentir vontade de vomitar.

—Mas já não tem por que ser assim —respondeu Devon com calma.

—Isso é o que me repetiu ela até não poder mais —Rafael fechou os olhos e sacudiu a cabeça— Não deixava de me dizer que não tinha por que continuar sendo a pessoa que tinha sido, que as coisas não têm por que seguir sendo como sempre foram.

—Parece uma garota muito inteligente.

—Devon, como pude fazer o que fiz? É a mulher mais linda, carinhosa e generosa que jamais conheci. É tudo o que desejei sempre. Ela e nosso filho. Quero que sejamos uma família. Mas agora não sei se poderá me perdoar alguma vez. E como poderei me perdoar eu mesmo?

—Não tenho a resposta —admitiu Devon— Mas aqui não a encontrará. Se a quiser, vai ter que lutar por ela. Se se render, estará confirmando que continua sendo o mesmo.

—Não posso deixá-la ir. Não sei como vou fazer que o compreenda, mas não posso deixá-la ir. Por tudo o que fiz, por muito bastardo que fui então, já não sou assim. A amo. Quero outra oportunidade. Se me concedesse outra oportunidade, jamais lhe daria motivos para voltar a duvidar de mim.

—Está convencendo à pessoa equivocada —indicou seu amigo— Estou do seu lado, cara, embora seja o maior imbecil de todo a América do Norte. E, aconteça o que acontecer com este assunto do complexo de férias, estarei contigo cem por cento, certo? Já nos ocorrerá algo. E agora vá atrás de sua garota.

 

Bryony saiu transtornada do elevador. As pernas mal a sustentavam e tinha as mãos geladas. Funcionava com o piloto automático e seu cérebro mal respondia.

As palavras de Rafael ressoavam em sua mente.

“A usei”.

“Seduzi-a”.

Cambaleou para a porta onde o zelador lhe bloqueou o caminho e segurou seu braço.

—Senhorita Morgan, se fosse tão amável de esperar aqui…

—Para que? —ela o olhou confusa.

—Espere aqui, por favor.

Ela sacudiu a cabeça e reatou a marcha para a porta, mas ele a segurou de novo.

—Não me toque! —a ira começava a abrir caminho entre a comoção e deu um passo atrás.

Ao fazê-lo, tropeçou com alguém e, ao girar-se encontrou com o robusto humano que tinha Rafael como chefe de segurança.

—Senhorita Morgan, não tinha nem ideia de que estava na cidade —ele franziu o cenho— Deveria ter informado ao senhor de Luca para que eu pudesse ir procurá-la no aeroporto.

O zelador respirou aliviado ante a presença de Ramon e se apressou a retornar a seu posto junto à porta.

—Não vou ficar—esclareceu ela secamente— Em realidade ia de caminho ao aeroporto.

Ramon a olhou perplexo no instante em que aparecia Ryan Beardsley.

—Obrigado, Ramon, já me ocupo da senhorita Morgan.

—Nada disso. —murmurou Bryony enquanto se voltava de novo para a porta.

Ryan a agarrou assim que pôs um pé na rua e a olhou com doçura. A simpatia que sentiu emanar desse homem fez que os olhos se enchessem de lágrimas.

—Vamos dar uma volta —lhe ofereceu amavelmente—Faz frio e não deveria subir a um táxi sem ter nem ideia de aonde ir. Certamente não reservou hotel, tenho razão?

—Tinha pensado em ficar com Rafael —Bryony sacudiu a cabeça e estalou em pranto.

—Vamos —insistiu ele—, a levarei para minha casa. Não está longe e tenho um quarto livre.

—Quero retornar ao aeroporto —exclamou ela— Não há motivo para que fique aqui.

—De acordo —ele duvidou um instante antes de agarrá-la pelo cotovelo— Te levarei ao aeroporto, mas não te deixarei sozinha até que te veja subir ao avião. Certamente não comeu.

Ela o olhou confusa ante tanta amabilidade.

—Por que faz isto? —perguntou.

—Porque sei como se sente —os olhos de Ryan refletiam dor— Sei o que é descobrir algo sobre alguém que te importa muito. Sei o que é quando alguém mente para você.

—Vou começar a chorar.

—Pode chorar tudo o que quiser. — ele sorriu e assinalou para um carro estacionado— Pelo que ouvi, ganhou o direito a fazê-lo.

 

—Já pode ir —insistiu Bryony junto ao balcão de faturamento de bagagem.

—Ainda te sobra tempo. Vamos comer algo. Está muito pálida e continua tremendo.

—Não acredito que possa comer nada —Bryony apoiou uma mão na barriga.

—Pois então bebe algo. Um suco. Assegurarei-me de que chegue a tempo do embarque.

Ela suspirou. Era muito mais fácil simplesmente ceder à insistência de Ryan, embora não compreendesse tanto empenho. Em um instante esteve sentada em uma mesinha redonda com um enorme copo de suco de laranja em frente.

—Não vai começar a chorar outra vez, não? —perguntou ele ao ver que seus olhos se umedeciam.

—Sinto muito —Bryony respirou entrecortadamente— Foi muito amável e não merece aguentar tudo isto.

—Não tem importância. Entendo.

—Disse que sabia como me sentia —ela falava com um fio de voz— Quem te enganou?

—A mulher com quem ia me casar.

—Certo… —Bryony fez uma careta— É um asco, verdade? Ao menos Rafael nunca me prometeu matrimônio. Sim que o insinuou, mas não chegou tão longe. E o que aconteceu?

—Dormiu com meu irmão umas semanas depois de nos comprometer.

—Sinto muito —disse ela— É asqueroso que as pessoas em quem confiamos nos faça algo assim.

—Isso resume mais ou menos como me sinto —respondeu Ryan com uma gargalhada.

Bryony tomou o suco e deixou o copo sobre a mesa.

—Trarei um pouco de comida. Acha que poderá retê-la?

—Obrigada — os cuidados de Ryan resultavam comovedores— Não tenho fome, mas deveria comer algo.

Minutos depois, Ryan retornou com uma seleção de sanduiches e outro copo de suco de laranja. Assim que Bryony deu a primeira dentada, deu-se conta da fome que tinha.

—O que vai fazer? —Ryan a contemplou com gesto de simpatia.

—Voltar para casa —Bryony fez uma pausa para engolir um pedaço de sanduiche— Ter um filho. Tentar esquecer. Passar a página. Tenho a minha avó e toda a pessoa da ilha. Estarei bem.

—Pergunto-me se isso foi o que fez Kelly —murmurou ele— Passar página.

—Kelly? Seu ex-novia?

Ele assentiu.

—De modo que não ficou? Com seu irmão, queria dizer. Suponho que resultaria muito incômodo nas reuniões familiares.

—Não, não ficou. Não tenho nem ideia de aonde foi.

—Tão melhor, certamente. Se for o tipo de pessoa que se deita com o irmão de seu noivo, não merece nem que pense nela.

Bryony continuava comendo enquanto as palavras de Rafael ressoavam sem parar em sua cabeça.

Tinha-a humilhado. Estava furiosa, mas sobretudo, destroçada. Em duas ocasiões lhe tinha permitido manipulá-la e fazer que o amasse. Pior ainda, apaixonou-se ainda mais profundamente por ele a segunda vez. Inclusive teria estado disposta a lhe conceder o que tinha procurado desde o começo.

Era uma estúpida por acreditar nele e não lhe pedir um acordo por escrito.

E era ainda mais estúpida por amá-lo.

Uma lágrima escorregou por sua bochecha. Apressou-se a enxugá-la, mas, para seu desespero, outra ocupou seu lugar.

—Sinto muito, Bryony, não merece isto —a consolou Ryan— Rafael é meu amigo, mas passou da raia. Sinto que se veja envolvida em todo este assunto.

—Eu também o sinto —ela agachou a cabeça— Não deveria ter vindo a Nova Iorque. Deveria ter acreditado em meu instinto. Utilizou-me para conseguir o que desejava e eu sabia. Se tivesse ficado em minha casa, tudo teria terminado já.

—Tem certeza que o teria superado já?

—Não sei. Possivelmente… certamente não estaria aqui chorando a quilômetros de minha casa.

—Certo —lhe concedeu Ryan enquanto consultava o relógio— É hora de embarcar. Pronta?

O celular de Ryan soou, mas, depois de consultar a tela, rechaçou a chamada.

—Obrigado, Ryan, sério. Não tinha por que ser tão amável. Agradeço-lhe isso.

Ele sorriu e a acompanhou ao controle de segurança.

—Bom, pois até aqui chegamos —respirou fundo.

Acariciou-lhe uma bochecha e, inesperadamente, atraiu-a para si para abraçá-la.

—Se cuide, e também a esse bebê —se despediu com voz rouca.

—Obrigada —Bryony se afastou e lhe dedicou um sorriso.

Endireitando os ombros, passou os controles. Em algumas horas estaria em casa.

 

Rafael se arrastou até a ducha e se fustigou com quinze minutos de água gelada. Tinha tentado localizar Ryan, mas seu amigo não respondia. Tinha que preparar sua defesa. Era o negócio mais importante de sua vida. Nem o hotel nem a fusão com o Copeland. Nem sequer a sociedade com seus amigos.

Bryony e o bebê eram mais importantes que tudo isso. Odiava-se por haver-se comportado como um bastardo frio e calculista. Mas se se dignasse a escutá-lo, se lhe dava outra oportunidade, demonstraria que nada no mundo lhe importava mais que ela.

Saiu da ducha com as ideias claras, congelado e com um firme propósito: recuperá-la.

Depois de vestir-se retornou a sala, e descobriu Devon e Cam recostados nas poltronas.

—Têm um aspecto horrível — observou a caminho da cozinha.

—Olhe quem fala —bufou Cam—, dom Álcool em pessoa. Ninguém te disse que já é muito velho para essas coisas? Bonita maneira de se envenenar.

—Me conte algo que eu não saiba —murmurou Rafael.

—E agora o que? —insistiu Devon.

—Tenho que recuperá-la —respondeu ele— É a mulher que amo. Meu filho. Não posso renunciar a eles por um ridículo projeto de construção.

—Fala a sério… —observou Cam.

—É óbvio que falo a sério —rugiu Rafael— Não sou o mesmo bastardo capaz de qualquer coisa para fechar um contrato. Não sei como me aguentaram durante tanto tempo.

—De acordo —Cam sorriu—, mas não pegue pesado.

—Sabem um pouco de Ryan? Enviei-o atrás dela, mas o filho de cadela não responde o telefone.

—Possivelmente o que não responde são suas chamadas —Devon sacudiu a cabeça.

Aquilo, certamente, não tranquilizou Rafael.

Devon marcou o número no mesmo instante em que as portas do elevador se abriam. Rafael se voltou bruscamente, contendo o fôlego em espera de ver aparecer Bryony. Entretanto o deixou escapar ao ver Ryan… sozinho.

—Onde demônios está Bryony? —rugiu— Passo duas horas te chamando. Onde esteve?

—Escutando os soluços de Bryony —os olhos de Ryan refletiam ira e censura— Espero que esteja contente por ter jogado fora o melhor que te aconteceu na vida.

—Um momento! —interveio Devon— Isso não é da nossa conta, Ryan. Já se mortificou bastante sozinho sem necessidade de que acrescente nada mais.

—Claro, diz isso porque não a ouviu chorar durante duas horas.

—Onde está? —exigiu saber Rafael. A imagem de Bryony chorando lhe provocava uma intensa dor no peito— Preciso vê-la, Ryan. Onde a levou?

—Ao aeroporto.

—Ao aeroporto? Já decolou? Tenho tempo de alcançá-la?

—Certamente já estará voando —Ryan sacudiu a cabeça.

Rafael soltou uma praga antes de chocar um punho contra a parede tentando conter a raiva que rugia em seu interior.

Ao levantar a vista sentiu uma espécie de paz interior. Olhou a seus amigos, seus sócios, e soube que certamente seria o fim de sua relação.

—Tenho que ir atrás dela.

—Certamente —assentiu Devon.

—Vou anular o contrato. Importa-me um nada quanto me custe, embora me custe tudo. Já perdi tudo. Vou devolver-lhe essa maldita terra. Jamais acreditará que a amo se se interpuser entre nós. Tenho que me desfazer dela.

—Estou de acordo —Cam assentiu— É a única maneira de convencê-la de que a ama.

Para surpresa de Rafael, os três amigos assentiram em uníssono.

—Não estão zangados como demônios? Apostamos muito em todo este assunto.

—O que acha de nos deixar falar com os investidores? —perguntou Devon— Você vai atrás de seu mulherzinha. Assente a cabeça. Tenha filhos. Seja asquerosamente feliz. Eu verei o que posso fazer para salvar algo do contrato. Possivelmente encontremos outro lugar onde construir.

—Não sei o que dizer —respondeu Rafael—Devo-lhes muito.

—Ok, bom, pois não pense que não vou cobrar isso. Mais adiante. Depois que fizer as pazes com Bryony —Devon sorriu.

—Necessita que o levem ao aeroporto? —perguntou Ryan.

—Claro, irei comprar minha passagem.

—Não vai levar sequer uma bolsa de mão? —perguntou Cam.

—Nem pensar. Bryony me comprará mais jeans e chinelos quando estiver lá.

—Depois de chutar seu traseiro? —inquiriu Devon.

—Deixarei que me faça o que quiser enquanto me aceite de novo.

—Céu santo —exclamou Cam enojado— Há algo mais patético que isto?

—Aparentemente o amor provoca estes efeitos em um cara —Devon soltou uma gargalhada— Aceita um conselho. Se case por dinheiro e contatos, como eu.

—Acredito que é melhor ainda não casar-se nunca —observou Cam— Te evita um caro divórcio.

—E eu sou o bastardo —Rafael sacudiu a cabeça— Vamos Ryan, tenho que tomar um avião.

    

—Bryony!

A aludida se voltou e viu sua avó saudando do terraço com Silas a seu lado.

Estava a duas horas contemplando a água, só com seus pensamentos. Sabia que Silas e sua avó estavam preocupados. Tinha-lhes dado uma versão abreviada de todo o acontecido, sem entrar em detalhes.

Sabiam que Rafael a tinha humilhado e que construiria em suas terras, algo que Bryony esteve disposta a lhe permitir de todos os modos. De maneira que o resultado teria sido o mesmo, exceto que perdeu ao homem que amava.

Bryony devolveu a saudação com a mão e se girou de novo de volta ao mar. Ainda não estava preparada para enfrentá-los. Estava esgotada e precisava dormir durante um dia inteiro, mas quando fechava os olhos, ouvia de novo as palavras de Rafael.

O celular voltou a soar e, tal e como fez as outras vinte vezes que Rafael ligou, apertou o botão para rechaçar a chamada.

Que mais podia lhe dizer? Que sentia muito? Acaso não tinha pretendido abandoná-la? Esperava que o perdoasse porque tinha esquecido quão idiota era? Como podia estar segura de que não era outro estratagema para conseguir que fechasse o bico?

Se a mantinha calada o tempo necessário, o contrato ficaria selado.

Não gostava da cínica que se tornou. Antes nunca lhe teria ocorrido pensar assim de ninguém, mas Rafael a ensinou muito sobre o mundo dos negócios e até onde eram capazes de chegar algumas pessoas por dinheiro.

Esperava que ganhasse montões de dinheiro com seu hotel, e que isso lhe desse calor pelas noites. Esperava que o compensasse por todos os beijos que ia perder.

A ideia a deprimiu. O dinheiro não era mais que papel. Entretanto, um filho era precioso. O amor era precioso. E ela o tinha devotado a Rafael sem reservas. Que idiota!

Empreendeu a volta para casa de sua avó. Asseguraria a Mamaw que estava bem e partiria a sua casa para, com sorte, dormir até o dia seguinte.

Ao aproximar-se viu Rafael no terraço, mas não havia rastro de Mamaw ou Silas. Como demônios tinha chegado tão rápido? Para que se incomodou sequer? Não reagiu ante sua presença. Não lhe daria essa satisfação.

Passou junto a ele e se dirigiu pelo caminho de pedra para sua própria casa.

—Bryony —chamou ele— Espera, por favor. Temos que falar.

Ela acelerou o passo, consciente de que a seguia. No instante em que abria a porta de sua casa, a mão de Rafael se fechou em torno de seu pulso.

—Por favor, me escute —lhe suplicou— Sei que não mereço nada de você. Mas, escuta. Amo você.

Bryony fechou os olhos ao sentir a intensa dor que a alagava.

—Você não sabe amar —sussurrou— Não tem alma nem coração.

—Não mentirei —ele deu um sobressalto, mas não a soltou— Nem tentarei suavizar o que fiz.

—Pois melhor para você —respondeu ela com amargura— Se sente melhor assim? Deixe-me em paz, Rafael. Já tem o que queria. Se o que quer é a absolvição, procure um padre. Eu não posso te oferecer isso. A terra é sua. Construirá o complexo. Todo mundo ficará contente.

—Você não —observou ele com dor— E eu tampouco.

—Por favor, Rafael —suplicou Bryony— Estou cansada, esgotada. Só quero dormir.

—Amo você, Bryony. E isso não vai mudar. Dorme um pouco. Mas isto não terminou. Não vou te deixar partir. Considera-me desumano? Pois ainda não viu nada.

Acariciou-lhe uma bochecha e deu meia volta para partir para a casa de Mamaw.

Bryony fechou os olhos. A dor no peito resultava insuportável. Tinha vontade de gritar. Tinha vontade de chorar. Mas não pôde fazer nada mais que ficar de pé vendo como o homem que entregou todo seu coração partia.

 

—Já passou uma semana —exclamou Rafael frustrado— E se nega a falar comigo. — Embora renegando o homem que foi, ele não tinha escrúpulos em forçar a situação.

Rafael estava sentado no terraço de Laura, tomando uma cerveja com Silas.

—Tem resistência, filho —o xerife riu— Não posso negar. A maioria dos homens já teria partido a estas alturas. Ainda não me posso acreditar que conseguiu convencer a Laura de que não te assassinasse e até coloca-la do seu lado.

Bryony se refugiou em sua casa sem sair mais que para dar passeios pela praia. A única vez que Rafael a tinha interceptado em um passeio, escapuliu-se e ele decidiu não incomodá-la mais.

—Não vou partir —assegurou Rafael— Não me importa quanto tempo precisar. A amo, e acredito que ela ainda me ama, mas está magoada. Fui um autêntico bastardo. Não a mereço. Sempre me dizia que não tinha por que ser o mesmo homem. Pois, maldita seja, decidi ser outro e quero que ela o veja.

—Por aqui temos um ditado: “Ao grande ou a casa” —Silas apoiou uma mão no ombro de Rafael— Acredito que deve ir em grande. Muito grande.

—No que está pensando? —Rafael franziu o cenho.

—Não é o que eu esteja pensando a não ser o que deveria estar pensando você. Prometeu a Laura e a mim que não vai construir, mas ela sabe? Sabe o resto da ilha? Está perdendo a oportunidade de demonstrar de uma vez por todas que é um homem novo.

—Acredito que te entendo —assentiu Rafael.

—Não, acredito que não. Convoca uma reunião na prefeitura. Eu deixarei cair que vai anunciar algo importante sobre o complexo turístico. As pessoas comparecerão porque quererão fazer-se ouvir. Confia em mim, depois de vinte anos como xerife aqui, sei do que falo.

—Mas não me servirá de nada se Bryony se negar a sair de sua casa —assinalou ele.

—Já se encarregará Laura de que esteja ali. Você se limite a pensar em como se humilhar na frente de todo o mundo —concluiu Silas com um sorriso.

Rafael suspirou. Tinha a sensação de que não ia ser um de seus melhores momentos.

Entretanto, se com isso obtinha que Bryony o escutasse, engoliria seu orgulho.

    

—Ficou louca? —exclamou Bryony— Por que ia querer o ouvir falar de seus planos?

—Bry! Jamais pensei que fosse uma covarde —respondeu Silas exasperado— Todo mundo sabe o que aconteceu e estão contigo.

—Não me importa o que pensem —sussurrou ela— Já estava preparada para ser o objeto de suas iras quando fui a Nova Iorque para dar permissão a Rafael para que seguisse adiante.

—Então, qual é o problema? —perguntou sua avó.

—Não quero vê-lo. Tão difícil é de entender? Têm ideia como dói?

—O melhor que pode fazer é aparecer por ali com a cabeça bem alta. Quanto antes terminar com tudo, melhor. É como um band-aid, o melhor é arrancá-lo de repente.

—De acordo —Bryony suspirou— Irei. Me deixarão assim em paz para que eu me ocupe disto a minha maneira? Sei que se preocupam, mas isto não é fácil para mim.

—Acredito que tudo ficará muito melhor depois de hoje —Mamaw a abraçou— Já o verá.

Bryony não estava tão segura, mas permitiu que a arrastassem até a prefeitura e, quando Silas a levou diretamente à primeira fila, teve que fazer um verdadeiro esforço por não sair correndo.

Estava na primeira fila, a ponto de ouvir como o homem que amava anunciava seus planos para um complexo que seria possível graças a sua própria estupidez.

Com um suspiro se deixou cair em uma das cadeiras, flanqueada a ambos os lados por Mamaw e Silas. Várias pessoas pararam para saudar o Silas e inclusive a olharam com simpatia.

Ao menos ninguém estava gritando com ela por permitir que o forasteiro construísse. Ainda não.

Rupert apareceu pouco depois com um incomum sorriso nos lábios. Não era seu sorriso de político, era um sorriso sincero, encantado. Parecia quase extasiado.

Elevou as mãos para pedir silêncio e franziu o cenho quando não surtiu efeito. A seguir limpou a garganta e pôs mais cara de aborrecimento.

Ao final, Silas ficou em pé e gritou:

—Silêncio todo mundo. O prefeito solicita sua atenção.

Todo mundo ficou em silêncio e Rupert dirigiu a Silas um olhar de contrariedade.

—Temos hoje aqui a Rafael de Luca —se voltou para o auditório e sorriu—, da Tricorp Investment Opportunities, que nos vai falar da propriedade que recentemente adquiriu na ilha. Por favor, prestemos toda nossa atenção.

Rafael subiu ao estrado e Bryony ficou espantada ante sua aparência. Em primeiro lugar, estava vestido com jeans e uma camiseta. Parecia cansado e desarrumado. Levava os cabelos revoltos e não dava a sensação de haver-se barbeado aquela manhã.

Umas escuras sombras emolduravam seus olhos e sua pele tinha um tom cinzento pouco habitual.

Limpou a garganta e jogou uma olhada à congregação antes de pousar os olhos nela.

Parecia… nervoso. Algo impossível em semelhante homem de negócios.

—Vim a esta ilha com um único propósito: comprar a propriedade que Bryony Morgan tinha posto a venda.

Vários insultos murmurados percorreram a sala, mas Rafael continuou imperturbável.

—Ao fazer-se evidente que ela punha uma série de condições para vender a terra, optei por seduzi-la. Basicamente, estava disposto a qualquer coisa para convencê-la de que cumpriria sua vontade, sem ter que pô-lo por escrito.

Mamaw teve que segurar a sua neta para que não saltasse da cadeira.

—Sente-se. Deve escutá-lo. O deixe terminar.

Rafael elevou as mãos para sossegar os irados murmúrios as pessoas antes de pousar seu olhar em Bryony que, lentamente, acomodou-se de novo na cadeira.

—Não me sinto orgulhoso do que fiz, mas assim era eu antes. Parti sem intenção de retornar até o início das obras. Mas meu avião se chocou e perdi a memória do tempo que passei aqui. Agradeço a esse acidente ter trocado minha vida.

Na sala se fez um silêncio sepulcral.

—Retornei com Bryony para tentar recuperar a memória. Mas o que fiz foi me apaixonar pela ilha, e por Bryony. E nesta ocasião de verdade. Ela insistia em que eu não tinha por que seguir sendo a pessoa que fui, que podia trocar e ser a pessoa que queria ser. E tinha razão. Já não quero ser a pessoa que era. Quero ser alguém de quem poder me sentir orgulhoso, alguém de quem ela possa sentir-se orgulhosa. Quero ser o homem ao que Bryony Morgan ama.

Os olhos de Bryony se alagaram de lágrimas e Mamaw lhe apertou a mão.

—Decidi devolver a Bryony suas terras para que faça com elas o que lhe agrade. Quão único eu quero é a ela. E a nosso filho.

Deixou de falar com evidentes mostras de estar fazendo um esforço por conservar a compostura. Seus dedos se agarraram à borda do suporte de livro, mas se notava que tremiam.

A seguir desceu até a primeira fila, detendo-se justo frente a ela e, apoiando um joelho no chão, tomou uma mão, estirando os dedos, que entrelaçou com os seus.

—Te amo, Bryony. Perdoe-me. Case-se comigo. Converta-me em um homem melhor do que era. Passarei o resto de minha vida sendo esse homem para você e nossos filhos.

Um soluço escapou da garganta de Bryony no mesmo instante em que se lançava nos braços de Rafael, enterrando o rosto em seu pescoço e chorando desconsoladamente.

Ele a abraçou com força e estremeceu, a ponto de desmoronar-se também.

Beijou-lhe a orelha, a têmpora, a testa, a cabeça. E logo se afastou, tomando o rosto entre as mãos e cobrindo-o de beijos.

A seu redor se ouviram suspiros e exclamações, inclusive uma ameaça de aplausos, mas Bryony só era consciente daquilo que mais necessitava no mundo: Rafael.

—Me responda, por favor, meu bem —murmurou ele—Não me torture mais. Diga-me que não te perdi para sempre. Posso ser o homem que quer que seja. Dê-me uma oportunidade.

—Já é o homem que quero que seja. — ela o beijou e lhe acariciou o rosto— Te amo, Rafael e sim. Sim me casarei com você.

—Disse que sim! —ele ficou em pé de um salto e a levantou nos braços.

Todo mundo estalou em vivas. Mamaw soluçou indecorosamente e, quando Silas lhe entregou um lenço, assoou o nariz ruidosamente antes de voltar a soluçar.

Lentamente, Rafael depositou Bryony no chão, mas sem deixar de abraçá-la.

—Sinto muito, Bryony. Sinto ter mentido e te ferido. Se pudesse voltar atrás e mudar tudo…

—Alegra-me que não possa fazê-lo —respondeu ela— Ao te ouvir falar há pouco percebi que, se as coisas não tivessem acontecido tal e como ocorreu, você não estaria aqui agora. E o importante é que me ama aqui, agora. E amanhã.

—Te amarei sempre —lhe assegurou ele.

Bryony olhou a seu redor enquanto as pessoas começavam a abandonar o salão de reuniões. Mamaw e Silas partiram discretamente, deixando-os sozinhos.

—O que vamos fazer, Rafe? O que vai fazer? Fui a Nova Iorque para te dizer que podia seguir adiante com a construção do hotel. O que acontecerá se não o faz?

—Ryan, Devon e Cam me apoiam —Rafael suspirou— E você me apoia. Não necessito mais. Suponho que procurarão outro lugar para construir. Em realidade não me importa. Disse-lhes que não ia te perder, nem a meu filho, por dinheiro. Vocês são o mais importante para mim.

—Depois do espetáculo que acaba de oferecer, acredito —brincou ela.

—Estou cansado —admitiu ele— E você também. Por que não voltamos para sua casa, metemo-nos na cama e dormimos? Só posso pensar em te ter novamente em meus braços.

Ela o abraçou com força e fechou os olhos antes de lhe sorrir, sentindo como desaparecia o peso e a dor. Pela primeira vez em dias, o grosso manto da tristeza se dissipou e lhe deixou uma sensação de ligeireza e gloriosa felicidade.

Tomou uma mão e o puxou, conduzindo-o pelo corredor até a porta da rua. Ao sair receberam um banho de sol que apagou toda a escuridão.

Levantou a vista e se encontrou com o escrutinador olhar de Rafael. Seu rosto refletia o amor que sentia por ela, brilhando em seus olhos mais que o próprio sol.

Era um olhar da que jamais se cansaria, nem em um milhão de anos.

—Vamos para casa.

 

                                                                                Maya Banks  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

              Voltar à Página do Autor