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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SEXO DE PAPEL / Fábio Frohwein
SEXO DE PAPEL / Fábio Frohwein

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

Contos eróticos com personagens consagrados da Literatura Brasileira

 

 

De uma página perdida d’O Guarany

 

          Nem o dia tinha totalmente acordado, Isabel e Cecília já abriam passagem pelos arbustos da Serra dos Órgãos, a caminho do rio Paquequer para o banho matutino. Do céu, tingido pelas inúmeras nuvens de um branco feito algodão, descia uma cerração densa e fresca que tornava a manhã mais fria do que de costume. Havia uma atmosfera de mistério na floresta. Por todos os cantos, irrompiam os cantos dos pássaros, o ruído de algum bicho menos identificável, o farfalhar das folhas seduzidas pelo toque do vento, mas, não obstante a complexidade da sinfonia da natureza, era impossível localizar ao certo cada som, cada barulho fundido à névoa compacta que se espargia pela serra, o que fazia com que as duas moças se movimentassem por entre as árvores com o máximo de cautela possível.           Ao alto, notando a mínima nota do quebrar de um graveto por um dos delicados pezinhos, Peri prontamente descerrou as pálpebras e, num átimo, já pulava de sua cabana, instalada numa frondosa copa de árvore em frente à janela do quarto de Cecília. Com extrema agilidade, o selvagem lançou-se tal qual uma cobra no bote, agarrando-se num imenso cipó que o conduziu à árvore seguinte. Após a arriscada manobra, Peri, de um único salto, desceu ao chão e dirigiu-se a ponto alto de terra, uma espécie de morro, que ficava uns quatro ou cinco metros de onde as moças tinham por hábito se banhar, lugar que havia cuidadosamente escolhido para melhor proteger a sua senhora de algum perigo que pudesse ameaçá-la. E lá ficou em sua posição característica de sentinela, atento ao menor rumor.           Isabel e Cecília, ao finalmente avistarem o leito do rio Paquequer, quase oculto pela neblina, buscaram inicialmente as moitas que cotidianamente eram usadas por elas para a muda de roupa. Ali, trocavam os longos e pesados vestidos pelos trajes de banho improvisados por D. Lauriana. Entretanto, como o dia estava completamente tomado pela cerração, as moças demoravam para encontrar o esconderijo natural. Desejando evitar a delonga, pois dentre em breve teriam de subir para o desjejum, Ceci decidiu trocar-se onde mesmo estava. Tinha consciência da presença de seu guardião. Além do mais, com aquela cortina compacta de névoa, ninguém, por mais perto que se encontrasse, não conseguiria ver coisa alguma.           Virando-se de costas para Isabel, Cecília pediu para que ela desfizesse o nó que amarrava a parte de trás do vestido. Tomou as pontas do cordão e foi livrando, paulatinamente, os ombros da prima, como se saboreasse cada palmo de pele desvelado. Isabel sentia uma grande admiração pela beleza sublime de Ceci, sentimento que, às vezes, transcendia os limites da admiração, chegando a beirar as raias da inveja. Sabia disso e, quando percebia o seu coração contaminado momentaneamente por tal impureza, tentava se controlar, tentava se contentar com aquilo que tinha e que havia sido ofertado generosamente pelas graças do bom Deus. Mas como gostaria de poder tocar o seus próprios cabelos, o seu rosto, a sua pele e sentir neles a mesma maciez que sentia ao tanger por vezes sem querer os cabelos, o rosto e a pele de Cecília. Como gostaria de desfrutar, pelo menos, de saber que o venerável D. Álvaro de Sá ardia de paixão por ela. Até a própria dedicação de Peri, de quem não suportava a simples presença, até a sua própria dedicação causava-lhe inveja em certos instantes.           Com a mente levada por tais pensamentos, Isabel se demorava nos nós do vestido de Cecília. Sem nem sequer notar, ao simples favor lhe solicitado, passava a acrescentar leves carinhos. Uma vez despido por completo o corpo do prima, sua derme rosada mostrou-se salpicada por arrepios. Vendo isso, uma ardência se propagou pela coluna de Isabel, sensação que foi, aos poucos, embriagando inexoravelmente a sua alma.           — Tu estás tão bonita hoje!           — Obrigada, minha prima. E tu estás tão carinhosa… o que há contigo?           Cecília voltou-se para Isabel, passando-lhe os dedos delicadamente pela face e, logo em seguida, abraçando-a. Ao sentir os seios da prima nus e comprimidos contra os seus, por sobre o colete, começou a experimentar um sentimento agradável, que fazia brotar prazer de cada poro. Uma tonteira se apoderou de sua mente. Os pulmões se descompassaram. Sua respiração estava acelerada. Era como se estivesse sofrendo uma crise de falta de ar.           — O que tens tu, Isabel?           Afastando o rosto, Cecília sondou a prima no fundo dos olhos. Isabel sorriu meio desconcertada, como se tivesse tido a impressão que, por um momento, seus pensamentos puderam ser lidos por Cecília.           — Nada, minha prima. E que tu estás tão linda hoje…           — Ora, mas isso tu já disseste. Hum… estás me escondendo algo? Olha, não gosto que guardes segredos para mim!           Novamente, as duas se abraçaram. A respiração de Cecília, que disseminava o hálito quente nos lóbulos de Isabel, causou-lhe um sem número de arrepios. Por segundos, permaneceram assim juntas, quando, enfim, Ceci resvalou os lábios pelo rosto da prima, finalizando com um pequeno beijo perto de seus lábios. Isabel, excitada com as bocas tão próximas, arriscou-se a selá-las num beijo mais íntimo, ao que Cecília respondeu com um certo pudor, enrubescendo a face. Isabel temeu a reação:           — Desculpa, minha prima. Eu te ofendi?           — E por que teria?           — O beijo…           — Não há nada de mais num beijo entre duas pessoas que se gostam… a menos…           — A menos…           — A menos que tu não gostes de mim.           — Ora, mas como tu podes supor isso, Cecília? Eu gosto de ti, gosto muito de ti. Mas é que eu achei que tu não tivesses gostado, tivesses te ofendido…           — Não é isso… é que nunca tinha beijado alguém dessa maneira. Só isso. Talvez, com o tempo, eu me habitue.           Reanimada com a explicação, Isabel retornou aos lábios de Cecília. Agora, entregava-se total ao fogo que queimava em suas carnes. Assim, o beijo, reiniciado ainda com certo comedimento, com certo temor, tornou-se mais ensandecido, mais ardente, rompendo as amarras do medo do prazer.           Um tanto quanto acanhada, Cecília livrou-se do restante das roupas brancas, de maneira à prima poder lhe acariciar melhor. Isabel, então, deslizou as mãos pelas suas coxas lisas e levou-as até as nádegas. Com o contato, Ceci soprou um suspiro no ouvido da prima. Apesar de constrangida, a excitação imperava em seu corpo, demovia qualquer consciência de transgressão que lhe pudesse atravessar a mente.           De repente, um sensível estalo se ouviu pelas redondezas. As moças, por um breve intervalo, estancaram os movimentos. Perscrutaram ao redor, mas julgaram se tratar de um ruído normal da floresta. Cecília estendeu o vestido sobre a relva. Deitou o seu corpo nu e convidativo. Como num acordo tácito, Isabel despiu-se numa dança morosamente luxuriosa. Os bicos dos seios estavam entumecidos. A pele transbordava sensualidade. Seus olhos brilhavam frente à maravilhosa imagem da prima nua e repousada languidamente no chão.           As moças uniram-se num abraço sôfrego. Ofegavam. Alisavam-se mutuamente. Sufocada pelo tamanho prazer, Isabel sugou um após o outro os mamilos de Cecília, que já não conseguia mais abafar os gemidos. A prima, então, resvalou a língua pela sua barriga alva e espasmada pelo ritmo frenético da respiração até chegar no seu ventre. Um forte cheiro de sexo entranhou-lhe as narinas, enlouquecendo-a ainda mais. Isabel colocou o rosto por entre as coxas de Cecília e, com a língua a avançar através de seus loiros e cerrados pelos, atingiu o sexo úmido e quente. Ceci contraía e descontraía descompassadamente todos os músculos do corpo. Por vezes, sentia como se algo dentro de si estivesse a ponto de explodir. A visão se turvava. Tato e olfato confundiam-se em uma coisa só.           Novamente, um ruído se sobressaltou à calmaria da manhã. Dessa vez, mais forte e próximo. Assustadas as moças congelaram de medo. Cecília levantou-se.           — Peri?! Peri, és tu?!           Um vulto avançou na neblina.           — Sim, minha senhora.           — O que fazes aí? Alguém se aproxima?           — Não, minha senhora.           — Então, venha cá, meu amigo.           Com o pedido, Isabel vez menção de se esconder, ao que Cecília a prendeu entre os braços. Surgindo a massa esbranquiçada de cerração, Peri se aproximou timidamente. Ao ver as moças nuas, cobriu as vistas.           — Dispa-te, Peri.           — Minha senhora… o que pretendes?           — Dispa-te já! Não ouviste a minha ordem? Por um acaso, desobedeces a tua senhora?           Desajeitado, o selvagem retirou suas parcas vestes. O membro rijo e descomunal saltou para fora, fazendo aumentar o seu desconcerto e a excitação das moças. Sem mais palavras, Cecília tomou o pênis de Peri em sua boca. Degustava-o extasiada centímetro por centímetro com sua língua irrequieta. O selvagem, ainda que em muito se esforçasse por prosseguir com o semblante impassível, como um sinal de respeito aos desvarios incompreensíveis de sua senhora, já não mais se continha em si, tal era o prazer que se expandia imperiosamente em seu íntimo. A simples contemplação de Ceci lhe sorvendo deliciosamente, da glande à base do sexo, somada ao frenesi de Isabel que, posicionada sob a prima, assaltava seu sexo com a língua incansável, era o bastante para lhe tirar roucos vagidos.           Por um longo tempo, os três se mantiveram desse modo. Seus gemidos de prazer confundiam-se numa voz uníssona. O odor de sexo parecia se disseminar pela extensão da floresta. Libertando Peri de sua fome insaciável, Cecília conduziu o membro do indígena para as nádegas morenas da prima. Naquele momento, a repulsa de Isabel ao índio fazia-se motivo para experimentar uma verdadeira atração por ele. Era como se, além do corpo, sua alma fosse violentada. Uma dor lancinante revolveu suas entranhas. Sentia como se estivesse sendo rasgada por dentro. Com extrema dificuldade, o selvagem invadiu totalmente seu ânus virginal. Apesar do descomunal sofrimento, desfazia-se num prazer orgasmático.           Com a cena, Cecília se tocava com descontrolada lascívia. Passou a estimular o clitóris já inchado. Brincava com os pequenos lábios, beliscando-os de leve, o que a fazia ficar mais úmida ainda. Masturbava-se com indescritível prazer, excitada com a vista adorável de seu escravo e de sua prima se possuindo famintamente, até quando, não resistindo mais, se apossou de novo do sexo de Peri. Ao sentir seu ânus dolorosamente preenchido pelo membro quente e duro, Ceci desfaleceu num intenso orgasmo juntamente com o indígena. Isabel, logo em seguida, estimulada com o êxtase da prima, também gozou, perdendo os sentidos.           Durante um considerável tempo, os três deixaram-se estar jogados sobre a relva, acobertados pelo sigilo baço da neblina. Somente mais tarde, foram despertar com a voz alta e retumbante de D. Antônio, que, preocupado com a demora da filha e da sobrinha, descia do burgo dos Marizes à procura das duas.

 

 

A noite das máscaras

(de Dom Casmurro, romance de Machado de Assis)

 

          Em frente à penteadeira, Capitu terminava de prender o coque com as presilhas. Metodicamente, conferiu as mangas. Retificou algumas dobras amassadas. Com demasiada lentidão se ergueu. Toda manhã, ao se preparar para o cotidiano, tinha a sensação de comungar da árdua obrigação do mártir Atlas.           Entretanto, ao sair dos aposentos, um acontecimento inusitado a surpreendeu ainda no corredor. Em sua direção, vinha a criada com um envelope vermelho em punho.           — Senhora, encontrei essa carta enfiada por baixo da porta.           — Uma carta… assim tão cedo? De quem será? Que estranho… não tem remetente…           Intrigada, Capitu rasgou a beirada do envelope.           — Ora! É um convite, um convite para uma festa! – Sorriu. – Onde está Bentinho?           — O senhor ainda está no gabinete. Trabalha desde cedo.           — Vás chamá-lo. Digas-lhe que eu o aguardo para o café com uma surpresa.           Afastando-se da empregada, Capitu dobrou a carta e introduziu-a num dos bolsos do aveludado vestido. À mesa, releu novamente o texto do convite e ficou a tentar adivinhar quem poderia ser o anônimo remetente. Delongou-se por minutos num prazeroso jogo de especulações. Por fim, pousou o envelope sobre a toalha branca. “Aposto que foi Escobar...”, concluiu, “… uma festa no Alto da Boa Vista? Ele é mesmo adorável!”.

 

          Naquela manhã, a floresta ainda se encontrava bastante arrasada, em virtude das últimas chuvas que tinham castigado o Rio de Janeiro. Havia um cheiro forte de terra revolvida. Galhos e molhos de plantas se acumulavam em pontos esporádicos do Andaraí.           Atingindo a calçada, Escobar limpou as solas dos sapatos do barro. Na rua, passava uma carruagem. Um homem meio calvo, com óculos, barba e bigodes de pontas torcidas lhe acenou de dentro. Escobar respondeu-lhe educadamente, apesar de não o conhecer de fato. Após o transporte avançar ruidosamente, atravessou a pista de paralelepípedos. Tomou a direção de casa.           Na varanda, encontrou o criado. Vendo o patrão adentrar o portão de grossas grades, o rapaz gesticulou. Escobar notou-lhe algo vermelho na mão esquerda.           — Chegou uma carta para o senhor.           Escobar pegou o envelope. Verificou dos dois lados. Constatou que não estava assinado. Com cuidado, descolou o papel.           — Um convite… para uma festa no Alto da Boa Vista. – Riu jovialmente. – Ah! Deve ter sido Capitu. No Alto da Boa Vista? Não foi lá onde eles passaram a lua de mel?           O empregado trejeitou com os ombros.           — Sim, deve ter sido Capitu. Há dias, reclamava que nunca mais voltaram lá.           Sacando o relógio da algibeira, Escobar deu-lhe corda. Conferiu as horas.           — Bom, de qualquer forma, a festa é à noite. Eu tenho ainda muito tempo para decidir se aceito ou não o convite.

 

          Após uma descida bem acidentada, o tílburi parou. Bentinho separou as cortinas e perscrutou o exterior. Abriu a porta. Afundou as botinas no solo enlameado. No semblante, havia um ar de estranhamento. Uma grade alta lacrava um terreno baldio à sua frente.           — Cocheiro, estás certo de que é aqui?           — Sim, meu senhor. Pelo menos, esse é endereço que está escrito no cartão.           Enfadada, Capitu pôs as luvas e saltou.           — Pode haver uma outra entrada. Por que não a procuramos?           Ao fundo, relinchos cresceram acompanhados de um facho de luz. Em minutos, irrompia dentre as trevas uma carruagem, de onde apearam dois sujeitos pálidos.           — Boa noite, senhores… – Antecipou-se Bentinho, buscando contato.           — Tens o convite? – Um dos homens perguntou de maneira brusca.           — Como? – Admirou-se com a sequidão dos tratos.           — Tens o convite?           — Sim, tenho o convite.           — Então, mostre-nos agora.           Bentinho entregou-o aos indivíduos, que logo destrancaram o imenso portão.           — Por gentileza… – Fizeram uma vênia.           O casal, então, fez menção de retornar ao tílburi, ao que um dos homens reagiu:           — O único transporte que entra nessas terras é esta carruagem. Podeis dispensar o vosso cocheiro.           — E como depois voltaremos para casa, meu caro?           — Não te preocupes, senhor. Ele se encarregará disso.           Capitu fitou o marido e esboçou um sorriso. Pediu-lhe num sussurro que aceitasse as condições em nome do entretenimento dos dois, uma vez que há muito já não se divertiam Os dois deram as mãos e seguiram para a carruagem.           Depois de várias curvas e declives, avistou-se uma construção fartamente iluminada. Ao saltar, Capitu contemplou extasiada o inacreditável casarão que se lhe apresentou. Bentinho tomou-lhe o braço e conduziu-a na escadaria. Adentraram a casa.           No saguão, deram com a pintura de um homem. Óculos e uma barba acrescida ao bigode cujas pontas faziam-se tais como vírgulas sob o nariz. Um outro par de empregados os recebeu. Dessa feita, contudo, um homem e uma mulher.           Bentinho livrou-se da cartola. Capitu retirou a capa. Cada qual foi direcionado para uma porta específica, na companhia do recepcionista de mesmo sexo. Segundo o que lhes foi informado, teriam que trocar as vestes por fantasias e máscaras, para ficarem mais adequados à ocasião. O casal, então, se separou. Momentos depois apareciam Escobar e Sancha, sua esposa.

 

          Por entre as trevas, a máscara amarela caminhava pelo corredor. À frente, bem ao fundo, um fiapo de luz desenhava trechos do chão. Ao se aproximar da gênese luminosa, um som de vários instrumentos aumentou de intensidade. Na rota da música, deslocou-se até esbarrar numa porta. Por meio do tato, encontrou a maçaneta e girou-a lentamente. Entrou numa vasta sala, onde uma pequena multidão se aglomerava em grupos distintos.           Vislumbrando o ambiente demasiadamente iluminado por incontáveis castiçais, a máscara arrojou os olhos, como se não pudesse crer no que estivesse vendo. Assustada, deu para trás, na intenção de voltar para o corredor. Uma máscara corpulenta barrou a porta.           — Deixe-me sair! – Esforçava-se por ser ouvida na balbúrdia.           — Impossível. Sairás daqui, somente quando Ele julgar o momento certo.           — Ele? Quem é Ele?           — O Anfitrião. – Cruzou os braços. – Agora, vá. Carpe diem. Tudo o que vês aqui está ao teu inteiro dispor. Aqui, tu poderás realizar as tuas fantasias mais secretas.           A máscara amarela meteu-se no centro do burburinho. Estupefata com as cenas a que assistia, movimentava-se tal qual um animal acuado. Desviava-se de convivas que vinham saudá-lo. Estudava a disposição das pessoas, dos móveis, dos objetos. Paulatinamente, foi se acostumando ao ambiente, de maneira a só então depois de minutos poder distinguir as pessoas e os fatos.           No andar de cima, um jirau de madeira sustentado por vigas de ferro galvanizado, uma máscara rosa, cujos braços e pernas estavam atados numa mesma corda, pendia nua de uma armação similar a uma forca. Os pelos pubianos, muito crescidos e crespos, cobriam negramente o sexo até o ânus arroxeado e contrastavam com as nádegas marmóreas, salpicadas de manchas vermelhas, hematomas, possivelmente em virtude da prática sado-masoquista que se desenvolvia com o parceiro musculoso.           Ainda no segundo pavimento, uma máscara verde, sentada numa engenhoca excêntrica, se comprazia com penas de ganso que roçavam constantemente o seu clitóris, escondido por baixo dos pelos grandes e loiros, levadas em movimento circular pela engrenagem de onde brotavam e manipuladas através de pedais, enquanto uma máscara marrom se masturbava e lhe lambia os seios de bicos entumecidos.           Mais acima, ao lado de um dos lustres, duas máscaras vermelhas, suspensas por um trapézio preso ao teto, se balançavam, uma com as coxas apoiadas nos ombros da outra, de maneira a vagina e boca se encaixarem perfeitamente, num sexo oral sôfrego e indissolúvel. Deitadas num divã, uma máscara preta introduzia seu membro descabido no ânus apertado de uma máscara laranja, que urrava ensandecidamente. Por trás de uma cortina branca, a um dos cantos mais escondidos, duas silhuetas se possuíam com frenesi.           No centro da sala, um amálgama de cabeças, mãos, pernas, pés, dedos, bocas, coxas, braços, línguas, tórax e costas se esfregavam, se alisavam, em trejeitos alternados e descompassados. Dezenas de máscaras, reunidas num complexo arco-íris, fundiam-se em um só corpo cujos músculos e membros se retorciam de espasmos orgasmáticos.           Uma máscara roxa sentava-se e erguia-se cadenciada sobre o pênis do parceiro.           Ao lado, um pênis rijo foi masturbado até expelir um jato de sêmen.           Cinco máscaras verdes lambiam suas vaginas entre si com voracidade.           Uma máscara azul e obesa introduzia um enorme cilindro de madeira em seu ânus, ao mesmo tempo em que chupava e tinha o seu pênis chupado por outras.           Espalhados pelo cenário, dedos friccionavam clitóris umedecidos.           Três máscaras, entrançadas em triângulo, ritmavam os seus corpos suados.           Com pernas e braços amparados na mesa de jacarandá, a máscara lilás era penetrada por outra na vagina, posicionada sob o seu corpo, e simultaneamente empinava a bunda, abrindo ao máximo suas nádegas, de modo a uma máscara vinho poder invadir totalmente suas entranhas.           Atônita perante esse painel de inacreditável luxúria, a máscara amarela tentou buscar uma saída. Sondava as paredes que conseguia alcançar. Chegou a tomar a escada para investigar se não poderia haver uma porta no pavimento superior. E, em meio ao seu nervosismo, uma máscara vermelha aproximou-se e travou-lhe do braço.           — Procuras algo?           — Algo e alguém…           — Pois aqui não encontrarás alguém. Vês? – Indicou a sala em sua amplidão. – Aqui, só há máscaras. Todas podem ser qualquer uma. Não há diferenças entre elas. Aliás, a única diferença está no que tu imaginas. – Apontou para um cortina ao término do jirau. – Vem… não precisas ter medo.

 

          Num lugar mais reservado da mansão, duas máscaras, preta e vermelha, perambulavam pelas trevas sem nem sequer dar conta uma da presença da outra. Distanciando-se das extremidades opostas do corredor, deslocaram-se até um ponto em comum, quando enfim se esbarraram. Os olhos então se fixaram mutuamente. Os lábios desenharam sorrisos de contentamento. Ambas as máscaras colaram-se num abraço, aparentando reconhecer-se.           — Oh… finalmente… pensei que nunca fosse te encontrar nesse labirinto infernal! – A máscara preta fez menção de se desvendar, ao que foi impedida pelo interlocutor.           — Não… hoje nós somos apenas máscaras, meu amor… apenas máscaras…           O par tateou pelas paredes e entrou na primeira porta que encontrou. Estava agora num estreito gabinete mobiliado somente com três estantes repletas de livros, uma escrivaninha e um sofá de braços roliços. As máscaras se demoraram num beijo ardente, despindo-se pouco a pouco. No chão, peças de roupa ficaram amontoadas.           A máscara vermelha tomou a preta nos braços e a depositou de bruços sobre o braço do sofá. Descobriu sua nuca, separando cuidadosamente os compridos cachos do cabelo. Com o hálito abrasador, soprou-lhe as espáduas. Instantaneamente, a derme se eriçou num arrepio. A pele perolada das costas foi vagarosamente explorada pela língua, que, impiedosa, não deixava escapar um único trecho às suas ondulações, feito uma serpente ao se deslocar traiçoeiramente em direção à sua vítima.           Atingindo as nádegas, a máscara vermelha passou a roçar as bordas do ânus com seus lábios. Espasmos musculares. Suspiros quebraram o silêncio. A máscara preta tentou virar-se de frente para o parceiro, mas foi detida nos punhos. Seu coração disparou de excitação. Arfou regozijada, ao sentir o ânus invadido pela língua quente, que forçava passagem por entre as suas entranhas. Em seguida, dedos passaram a boliná-la, deixando-a completamente umedecida. Quase sucumbiu ao prazer, quando seu clitóris começou a ser friccionado, num vai e vem tresloucado. A máscara preta, inflamada de prazer, suplicou para ser penetrada. O parceiro, entretanto, negou-se aos rogos. Prosseguiu em seu jogo sedutor, até levá-la ao primeiro orgasmo com sua boca.           Em seguida, mantendo-a ainda de bruços, invadiu com o pênis inchado sua vagina já muito lubrificada com o gozo. A máscara preta se contorcia, jogava a cabeça para trás, rebolava sôfrega no membro do amante, que, agressivamente, enrolou duas longas madeixas suas nas mãos e simulou cavalgar num potro selvagem. Urros de prazer. Ranger de dentes. O odor de sexo tornava-se dominante no ambiente.           Gozando pela segunda vez, a máscara preta foi atirada ao sofá, caindo voltada para cima. Já não tinha mais consciência do que lhe acontecia. Quase perdia os sentidos. Sentiu que ia desfalecer, ao ser novamente penetrada. As bocas tornaram ao beijo. Dessa vez, mais ávidas de prazer. Línguas se atacavam. Dentes, por vezes, se chocavam entre si. A máscara vermelha retirou seu pênis encharcado de líquidos vaginais e, apoiando os tornozelos da parceira nos ombros, violentou-a impaciente no ânus, sem ceder sequer um instante ao seu desespero de dor. A máscara preta chorava. Esforçava-se debalde por se libertar daquela posição. E, muito embora tivesse a sensação de estar sendo dilacerada, muito embora não suportasse tamanho sofrimento em suas carnes, gozou pela terceira e última vez num orgasmo tão violento, que acabou por desmaiar.

 

          Meses mais tarde, após a festa no Alto da Boa Vista, Bentinho, ao vasculhar o sótão em busca de algum objeto perdido, encontrou despropositadamente uma máscara vermelha, escondida ao fundo de um velho baú. Com o achado, sua alma se felicitou.           Por instantes, deixou-se subjugar por uma sensação de nostalgia, degustando mentalmente os momentos vivenciados na inesquecível noite. Lembrou-se da mulher mascarada. De cada loucura praticada. Sentiu-se tolo por ter-se julgado na época um adúltero, pois, recordando agora, via que aquela mulher só poderia ser mesmo Capitu, para domar com tanta segurança e destreza o seu corpo, o seu desejo, os seus temores. Pediria a esposa que num dia desses usasse a máscara novamente.           Abdicando do objetivo inicial que o havia levado ao sótão, Bentinho ali permaneceu embriagado de lembranças até que a criada o veio chamar para a refeição noturna. Sua memória funcionava tal como a caixa de Pandora, depois de aberta. Todos os instantes passavam espontaneamente em revista. Via os detalhes com clareza. As cenas. Os gemidos. Os sussurros. Os orgasmos.           De repente, sua consciência interrompeu o deleite das imagens relembradas. Como num rompante, Bentinho passou a tentar forçar sua mente na intenção de reconstituir para si próprio como a máscara houvera parado no baú. Não se lembrava de a ter trazido consigo. Todavia, por não conseguir formular uma boa explicação, resolveu deixar por ora tais reflexões de lado e seguiu para a sala de jantar, não obstante a partir de então começasse a suspeitar de tudo e de todos.

 

 

Memórias do Cárcere

(de Vidas Secas, romance de Graciliano Ramos)

 

          Fabiano olhou de novo pelas grades da cadeia. A noite havia se empretecido mais. Nenhum sinal de lampião na rua. Um carro de boi passou chiando. Era a única coisa que conseguia quebrar a monotonia.           Dentro da cela, os homens continuavam perto do fogo. Aquela fogueira miserável! Não entendia por que eles ainda teimavam. Um fumaceira desgraçada. Daqui a pouco não vai dar nem pra respirar aqui. A lenha devia estar molhada.           Essas pessoas são estranhas. Gostam de tudo com água. Seu Inácio bota água na cachaça. Bota água no querosene. Bota água em tudo. Fabiano tinha vontade de falar para cidade inteira não comprar mais na bodega de seu Inácio. Contar a verdade. Ele bota água nas coisas, ia dizer.           Mas ia adiantar? As pessoas deviam de saber sim. E mesmo assim ainda compram lá! Diacho de gente. Fabiano levantou e se aproximou das grades. Colou o rosto nas astes de metal. Parece que o vento nem quer entrar aqui. O carcereiro bebia algo numa caneca de barro. Sentiu sede. A água da cachaça veio de novo na sua cabeça.           Se eu não tivesse bebido, não entrava no jogo. Trinta-e-um do capeta. Rapou meus tostões. E nem tinha bebido tanto assim. Um tanto. Três ou quatro dedos. Era cabra forte. Tinha resistência ao álcool. Tinha resistência para tudo. Não senhor, não tinha sido a cachaça não. Era culpa do soldado amarelo.           Fabiano enervou. Socou as grades. Fez um pequeno barulho. Os homens da fogueira param de falar um minuto. O bêbado soltou uma gargalhada. Fabiano olhou à sua volta. O inferno deve de ser assim. Parecia que tudo era contra ele. Que todos ali queriam o seu sofrimento.           Se pudesse, largava fogo em cima deles. Era homem, era valente para tanto. Botassem uma arma na mão dele para ver. Acabava com tudo num sopro. Que nem pestanejava. Mas nunca tinha matado ninguém. De verdade mesmo não. Mas não porque carecesse de coragem. Era porque era bom. Desgostava de praticar mal. Até de brigas fugia.           Fabiano era homem de bem. Acatava as ordens. Nem questionava. Nem fazia melhorias. Era no mando e pronto. Mas seus serviços eram valiosos. Botasse na sua mão uma terrinha seca, sem água… a água de novo.           Por isso, não quis comprar o querosene. Sinhá Vitória e os filhos sofriam com a maldita mistura. O querosene no lampião. Uma fumaça da peste. Os olhos da família pagavam pela esperteza de seu Inácio. Fabiano imaginou sinhá cozinhando. A panela sobre a trempe de pedras. O cheiro da comida se indo pela casa inteira. Os meninos já devem está dormindo.           Impacientou-se. Voltava a sentir raiva. Não está certo prender um pai de família, não senhor. Não fez nada. Só reagiu mesmo à provocação do soldado amarelo. Veja que mole e quente é pé de gente, lembrou-se da resposta. Quis evitar confusão. Era um homem de bem. Mas o outro estava só para complicar. De má fé.           Afastando-se das grades, Fabiano furou a cortina de fumaça. Topou com um pedaço de madeira que queimava na fogueira. Chutou forte. Mostrava sua raiva. O bêbado começou a cantar uma moda. Peste de gente. Não vai calar a boca, não? Os homens reclamavam que Fabiano tinha desmanchado um pedaço da fogueira. Um vozerio se alevantou dentro do xadrez.           Fabiano quase deu com a cabeça na parede, tamanho era o ódio. A dor na hora latejou. Apalpou e sentiu a marca do cabo do facão. Esticou o braço pelas costas, se contorcendo. Sentiu outros sinais de violência. Sua cólera chegava ao limite. Tinha que encontrar uma forma de botar para fora aquele bolo que entalava no seu peito. Soca a parede. Um pedaço do reboco cai em cima do bêbado.           Os homens da fogueira gargalham de novo. Fabiano enlouquece de raiva. Dá vários socos na parede. A confusão enche a cela com a agitação dos presos. O carcereiro vem até as grades.           — Tá nervoso, moço?           Fabiano se encolhe em sinal de respeito.           — Nhô não.           — E tá fazendo barulho é por quê?           — Num fiz nada não senhor…           — Você é besta? E eu num vi?           O carcereiro cutuca Fabiano. Ele repele os seus dedos.           — Ah! O moço é valente é? Eu acabo com essa valentia agora mesmo, filho da puta!           — Minha mãe num é puta não sinhô. A sua é?           Os homens da fogueira e o bêbado saltam risadas exageradas. O carcereiro se enfurece e grita pelo soldado amarelo. Pegando o cacete, a autoridade entra na cela. Parece que aguardava só uma ocasião para exercitar o seu autoritarismo. Exibe um sorriso de zombaria. Dá pequenas pancadas na palma mão. Faz barulho para intimidar Fabiano.           — Vossemecê gosta mesmo de confusão, não é cabra?           — Nhô não.           Na cela, o silêncio. Só se ouvia o ruído da fogueira. O soldado amarelo mandou o carcereiro torcer os braços de Fabiano para trás. Com rapidez, a ordem foi cumprida. A autoridade deu a primeira cacetada no estômago de Fabiano. Um urro de dor. Cuspes de sangue voaram no chão.           Sem dar tempo para Fabiano respirar, o soldado amarelo continuou com as pancadas. Sapecava os peitos, a cara, as coxas, os braços, onde o porrete encontrasse corpo. Sinalizando ao carcereiro, o soldado mandou que desafastasse as pernas de Fabiano. Surrou-lhe nos escrotos e no pênis. Depois de solto, Fabiano caiu no chão. Ainda estava vivo.           — Hoje, vossemecê vai aprender a respeitar as autoridades.           O soldado amarelo trouxe uma mesa pequena para a cela. Arrastou Fabiano para perto dela. Botou-o sentado, encostado nos pés da mesa. Tirou o cinto de couro batido. Abriu a calça. Arriou a cueca. Deixou o membro mole e alongado cair para fora, esfregando-o na cara de Fabiano.           — Chupa.           — Nhô não… – A voz estava abafada. Quase não saía.           — Chupa, miserável! Você não ouviu o que eu falei?!           Ao redor, todos observavam a cena com um olhar de expectativa. O carcereiro apertou o pênis, que já se avolumava por dentro da calça. O soldado amarelo se irritou com a demora de Fabiano. Deu-lhe uma joelhada no queixo. Gotas de sangue foram expelidas.           Humilhado, Fabiano abocanhou com lentidão a glande molenga do soldado. A língua enojada encolhia-se num canto da boca.           — É pra chupar meu pau… que nem rolete de cana de açúcar… só não pode morder.           Fechou os olhos. Talvez, se não visse o que estava acontecendo, fosse mais fácil. Fabiano aos poucos foi obedecendo as imposições do soldado, que exibia uma expressão de satisfação. O membro foi se enrijecendo, crescendo ainda mais. Ocupava agora toda a sua boca. Sentia aquela carne quente e grande forçando os seus lábios. Abria o maxilar para aumentar a passagem. Ás vezes, a glande invadia sua goela. Teve um momento em que engasgou. Inspirou profundamente para pegar ar. Respirou um cheiro insuportável de suor e de sexo, entranhado nos pelos do soldado. Golfou com sofreguidão.           — Ah! Vai vomitar é?! Moço, você vai ver só agora!           Com a ajuda do carcereiro, que já se masturbava excitado, o soldado amarelo despiu Fabiano e o jogou de bruços sobre a mesa. Amarrou seus punhos e seus tornozelos em cada pé da mesa. Os homens da fogueira e o bêbado engoliam a seco. Nos seus rostos, uma mistura de temor e excitação.           Afastando as nádegas de Fabiano, o soldado amarelo mirou-lhe o ânus cabeludo. Os escrotos, amassados pela mesa, se escapuliam junto com tufos de cabelo por entre as pernas. Meteu o polegar saliente por entre as carnes de Fabiano, que imediatamente contraiu todos os músculos.           — Esse fiofó é muito apertado para o meu pau. – A autoridade soltou uma risada sádica. – Vou ter que dar um jeito nele.           Tomou o cacete e escarrou nele. Espalhou o catarro, como se masturbasse um pênis. Apoiou o porrete lubrificado no meio das nádegas de Fabiano. De uma só pancada, meteu um terço em seu ânus. Gritos de dor violentaram o silêncio do cárcere.           Fabiano puxava os braços e as pernas, mas não conseguia se soltar das amarras. O soldado, então, introduziu mais um pedaço do cacete em suas entranhas. Quando notou uma grande resistência, retirou o cilindro de madeira. Estava coberto de sangue e merda.           — Vamos ver agora se já melhorou.           O soldado amarelo examinou o ânus de Fabiano. Enfiou dois dedos inteiros sem dificuldade e depois três. Viu que agora ele estava muito menos fechado. As bordas haviam ficado avermelhadas e tinham se elastecido. Cuspiu na mão. Lubrificou a glande. Introduziu seu membro totalmente duro.           Submisso, tentando conter em vão os urros de sofrimento, Fabiano sentia as estocadas ecoarem por todo seu corpo. Os músculos retesados. As pontas dos dedos das mãos pressionavam as palmas. A dor era insuportável. Desgraça de vida. Por que fazem isso com um pai de família? A imagem da mulher e dos filhos apareceu de repente. Tão viva. Tão real. Como se olhassem mudos o seu flagelo. Por que não fazem nada? Por que não me tiram daqui? Por que ninguém faz nada?           Por que ele não fazia nada? Por que permitia que o violentassem assim? Era forte. Tinha músculos no corpo. Tinha coragem. Já bateu muitos no sertão. Mas era homem de bem. Não gostava de violência. Era pacífico. Que nem o seu Tomás da bolandeira. Isto é, quase igual. Porque seu Tomás era homem de inteligência. O poder da palavra em pessoa.           Seu Tomás da bolandeira. O que ele ia fazer se estivesse aqui? Fabiano forçava a cabeça. Imaginação era coisa complicada e misteriosa para ele. Seu Tomás nem nunca ia estar aqui. Não se mete em confusão. É homem pacífico. Metido lá com seus livros. Tem é muito conhecimento para se meter em jogo e perder dinheiro. Conhece as palavras. Tem falas bonitas. Fabiano invejava o vocabulário de seu Tomás da bolandeira. Se conhecesse melhor as palavras, não sofreria assim.           O soldado amarelo deu uma estocada mais forte. Meteu o pênis até a base. Arrancou Fabiano do silêncio que vinha conseguindo manter. O carcereiro calou seu desespero, enfiando-lhe violentamente o membro avantajado na boca. Roçava os seus lábios em movimentos frenéticos. Olhou o soldado engatado em Fabiano por trás. Viu que o seu rosto se enrugava como num prazer intenso. Quando o ouviu gritando que gozava, encaminhou-se logo para ocupar o seu lugar. Mas, com poucas estocadas, também já ejaculava inevitavelmente.           Saciados, o soldado amarelo e o carcereiro ainda deixaram Fabiano atado à mesa, para que os demais se aproveitassem da ocasião. Uma sofreguidão de membros disputava o seu corpo. Pênis dos mais variados tipos e tamanhos guerreavam entre si, na avidez de sua boca, de suas narinas, de seus ouvidos, de seu ânus. Nessa noite, foi dilacerado por todos os orifícios de que dispunha.           Por fim, quando todos finalmente se satisfizeram, largaram-no a um canto do cárcere, nu, completamente dolorido e sujo de inúmeros suores e sêmen. Em sua mente, a cólera vencia o sentimento de humilhação. Era forte. Cabra de resistência. Suportava todas desgraças da vida. Quando crescessem, seus filhos seriam que nem ele.

 

 

Admirável Sítio do Pica-Pau Amarelo Novo

(de O Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro Lobato)

 

          Meio dormindo, meio acordado, Pedrinho passou a mão pelo short do pijama e sentiu uma parte úmida, bem em cima do pênis. Abriu os olhos. Sentou-se devagar, ainda sonolento. Suspendeu intrigado o short junto com a cueca. Nos pelos finos e ralos, havia uma mancha esbranquiçada. Uma coisa pastosa melava seus pentelhos.           Num primeiro momento, julgou ter mijado na cama. Olhou para o lado. Narizinho dormia perto da janela. Com muita cautela, Pedrinho levantou-se e descobriu o colchão para verificar se de fato havia ocorrido o que imaginava.           Movia cada músculo no ardil de uma verdadeira serpente. Temia que a prima ficasse sabendo que ainda na adolescência continuava agindo conforme uma criança. Lembrou-se do tempo em que todas as manhãs era motivo de chacota, quando Narizinho saía cantando aos quatro ventos que ele havia mais uma vez regado fartamente o colchão.           Mas, ao se deparar com o colchão desnudado, Pedrinho não encontrou a característica rodela amarelecida. Por instantes, sentiu-se aliviado. A constatação significava muito mais do que ter se livrado de mais uma possível zombaria por parte da prima. Aquilo o tranqüilizou no íntimo. Num átimo, tornou à sua idade real.           Dentro do short, olhou mais detidamente. Tocou a tal mancha branca. Era meio morna, praticamente na mesma temperatura da urina. Melou o dedo na coisa e aproximou-o do nariz. Um cheiro esquisito lhe invadiu as narinas. Sentiu nojo, limpando o dedo na camisa. Por fim, apalpou a glande. Estava dolorida. Experimentou um outro tipo de temor, o temor do desconhecido.           Narizinho mexeu-se na cama, deixando um travesseiro cair no chão. Com o ruído, Pedrinho assustou-se. Calçou os chinelos. Foi para o banheiro, para poder se analisar melhor, com mais privacidade. Se a prima acordasse e o visse naqueles olhares, logo iria desconfiar. Naquele momento, perguntas seriam mais perturbadoras ainda.           Em frente ao grande espelho de cristal do banheiro, livrou-se completamente do pijama. Tomou o pênis na mão. Achou-o um pouco inchado, anormal. Manuseando-o, notou-lhe uma sensibilidade muito intensa. Estranhou.           Aliás, olhando seu corpo todo no reflexo, também estranhou. Naquela ocasião, achava tudo estranho. Coisas que nunca antes tinha percebido. Os braços longos demais para o restante do corpo. As pernas compridas e finas. Parecia um pernilongo. O tórax magro com as costelas em alto relevo. No rosto, uma espinha rompia a maciez da pele. Sentiu novamente medo. Vestiu-se e desceu para o café da manhã.           Na mesa, encontrou já Narizinho no desjejum com Dona Benta, Visconde de Sabugosa e Emília. Só então notou que se havia demorado no banheiro muito mais do que calculou. Cumprimentou cada um. Naquela manhã, os olhos das pessoas assemelhavam-se a inquisidores. Tinha a sensação de sua alma estar sendo perscrutada no profundo.           — Pedrinho, onde você estava, menino? – Tia Nastácia entrou na sala com um prato de cuscuz.           — O quê? Hã? – Pedrinho mostrava-se abalado com algo.           — É, meu filho… – Dona Benta ajudava a arrumar o prato da mesa. – Nós chamamos você para o café uma porção de vezes.           — Hã? – o garoto nem sequer prestava atenção no que se dizia.           — Puxa, o que você tem hoje, Pedrinho? – O Visconde ajeitou os óculos. – Está tão distraído!           — Nada… nada não. – Pedrinho tentava se recompor. – Nada não. Foi só um pesadelo que eu tive essa noite. – Disfarçava.           Após o café, Pedrinho meteu-se pelas terras da fazenda a fora. Tinha uma vontade inusitada de ficar sozinho. Andava à deriva por entre as goiabeiras, cajuzeiros, numa apatia que nunca havia experimentado. Nem mesmo as frutas maduras que pendiam dos galhos, coloridas e suculentas, atraíam a sua atenção, como outrora.           Quando avaliou que se encontrava seguramente sozinho, sem a mínima chance de topar com alguém, abrigou-se na sombra de um frondoso pé de carambola. Novamente, sentiu desejo de olhar-se. Arriou a bermuda. Deixou-se ficar apreciando aquele seu pênis que lhe causava estranhamento.           De um lado e de outro, observava. Tocava-se. Na palma da mão, comprimiu os escrotos. Uma sensação agradável se propagou dentro de si. A quentura da pele em contato com as partes íntimas deu-lhe certo prazer, ainda que não pudesse nomear o que sentia. Espantosamente, o pênis foi se inflando. Como num passe de mágica, ficou imenso. Não sabia por que, mas a visão do sexo se avantajando trazia-lhe alegria. Como uma espécie de orgulho de si próprio.           Puxou o prepúcio em direção à base do pênis, desvendando a glande arroxeada. Largou-o logo em seguida. Espontaneamente, repetiu mais algumas vezes o gesto. Gostou daquilo. Passou a fazer de maneira reiterada. No início, praticava o ato com morosidade, saboreando o efeito que se desencadeava. Entretanto, paulatinamente foi acelerando, como se dominado por uma sofreguidão.           Um calor queimava no interior de suas carnes. Contraía as pernas. Salivava. Gostava mais e mais da experiência. Gostava de tudo naquele instante. Do vento acariciando sua pele. Do tronco da árvore duro pressionando-lhe as costas. Das cócegas que o capim rasteiro lhe fazia nas nádegas. Do cheiro de mato e orvalho que emanava do lugar. Um feixe de espasmos lhe atravessou a espinha. E, num rasgo de segundos, quando contemplava o sexo, um jato grosso e branco se lançou do pequeno orifício da glande, acompanhado de uma comichão que se prolongou até a raiz dos dentes.           Sem conseguir conter o êxtase, Pedrinho soltou um leve gemido. Imediatamente, uma risada ressoou estrondosa nas proximidades. Atordoado, o garoto lançou as vistas ao redor.           — Quem está aí? – Gritava assustadamente, enquanto se vestia. – É você, Saci? É você? Responda!           Fazendo a sua característica aparição, o Saci surgiu. Entremeadas por baforadas de cachimbo, as gargalhadas ainda soavam.           — Ei, Pedrinho… há, há, há… fazendo besteiras, hein? Há, há, há… que coisa feia… há, há, há… se a dona Benta visse isso, há, há…           O garoto mostrou-se acanhado. As bochechas se tingiram de rosa.           — E você, seu Saci dos diabos?! O que faz aqui olhando o que não deve?           — A natureza é a minha casa. O que você queria então? Você devia fazer essas coisas no banheiro. – A fumaça do cachimbo se esvaia no ar.           — Coisas? Que coisas?           — Ora, Pedrinho! E eu não vi o que você estava fazendo? Tocando punheta assim ao ar livre, e você não queria que eu visse?           — Tocando o quê?           — Punheta. Você não sabe o que é punheta? Punheta era isso que você estava fazendo.           Vendo que o Saci era entendido daquelas coisas, Pedrinho resolveu servir-se dele para obter algumas explicações. Contou-lhe sobre a mancha branca e melada que havia encontrado pela manhã. Falou sobre como passou a se sentir a partir de então, até o momento em que foi flagrado. Depois de ouvir atentamente as confissões de Pedrinho, o Saci, com todo o seu bom humor, saciou suas dúvidas, dizendo que tudo o que ele estava vivenciando agora era muito normal, pois começava a ficar rapaz. E doravante muito mais mudanças e descobertas seriam feitas.           — Mas é que eu nunca conseguiria imaginar que pudesse sair aquela coisa esquisitona de dentro do meu pinto! – Pedrinho ainda prosseguia estupefacto com as revelações. – E do seu? Também sai?           — É claro, Pedrinho! Sai do de todo homem.           — Então, faz, que eu quero ver.           — Ih, Pedrinho… mas assim? Na sua frente? Assim, eu fico com vergonha…           — Então, eu não acredito em você.           — É que um homem não deve fazer essas coisas na frente de outro…           — Você está tentando me enganar!           De tanto que Pedrinho insistiu, o Saci finalmente resolveu atender os seus pedidos. Botou o pênis negro, de glande avermelhada, para fora. Logo quando o viu, Pedrinho ficou espantado com a sua cor e com o seu tamanho sem estar ainda rijo. Desconhecendo a razão, o garoto teve uma ereção instantânea. O Saci então começou a se masturbar, deixando o sexo triplicado de dimensões.           — Puxa, como o seu é diferente! – Pedrinho admirava-se, ao mesmo tempo em que apreciava comprazido a cena. – Posso pegar nele?           — Ih, Pedrinho! Aí você já está pedindo demais, sabe?           — O que é que tem, Saci? Se você quiser, eu deixo você também pegar no meu. – Abaixou o short.           — Olha, no seu eu não quero pegar. Se você quiser pegar no meu, eu deixo. Mas é só dessa vez, hein? E não vá contar isso para ninguém.           Aproximando-se do descomunal pênis do Saci, Pedrinho tocou-o. Percebeu como ele era quente. Aos poucos, foi se apoderando de seu sexo, até que passou a masturbá-lo sozinho. O Saci, meio tímido no princípio, deixou-se tomar pela curiosidade do garoto. No fundo, aprazia-o ser estimulado por ele. Excitava-o a sua inocência. Era como se estivesse consumindo a sua pureza. Quando já não mais se agüentava de prazer, gozou, ejaculando violentamente no rosto de Pedrinho.           — E agora? – O Saci vestia-se. – Acredita em mim?           — Agora sim. Agora acredito.           Uma vez satisfeito, o Saci viu que Pedrinho continuava com ereção. Contudo, não quis masturbá-lo. Teve uma idéia melhor. Já que havia se comprometido a ensinar-lhe os segredos do sexo, julgou que deveria mostrar agora algo diferente. Foi invisível até o estábulo para investigar se estava vazio. Voltou e levou Pedrinho consigo.           No estábulo, o Saci travou as portas e as janelas. Amarrou as quatro patas e a mandíbula de uma jovem égua. Arrumou um toco de madeira, colocando-o perto da traseira do animal.           — Pronto, Pedrinho, sobe aqui. – Indicava o pedaço de tronco.           — Pra que, Saci?           — Vamos, sobe logo, antes que alguém chegue. Eu vou lhe dizer.           Obedecendo, Pedrinho prontamente se posicionou atrás do quadrúpede. O Saci falou-lhe para se masturbar e, quando estivesse com o pênis ereto, penetrasse a égua. O garoto ficou meio reticente, mas, impelido pela curiosidade, acabou por seguir as instruções do Saci. Masturbou-se durante algum tempo. E, embora tivesse ficado excitado, com o sexo latejando, teve dificuldades para encontrar a vagina do animal. Com uma pequena ajuda do professor, Pedrinho, enfim, acertou o caminho.           Guiado pelo instinto, o garoto rapidamente aprendeu a praticar os movimentos do coito. Desengonçado e titubeante, no início. Sôfrego e compassado, posteriormente. Sentia como se o seu pênis estivesse a arder num inexorável incêndio. O Saci, por sua vez, ficou excitado com a visão de Pedrinho engatado na égua e passou a se masturbar. Por minutos, manteve-se observando a iniciação do garoto. O membro negro, desmesurado, tal como um grosso bastão, levado no vai e vem da munheca. Todavia, como atinasse que Pedrinho se delongava demais para gozar, julgou por bem auxiliá-lo.           Escarrando no dedo médio, o Saci lubrificou-o por inteiro e introduziu-o vagarosamente no ânus de Pedrinho, que, absorto nos prazeres com o quadrúpede, nem deu sinal de se importar. As entranhas do garoto eram tão apertadas, que o Saci se esforçava ao máximo para segurar o orgasmo. Uma vez oculto todo o dedo, dedicou-se a uma massagem anal, até que finalmente Pedrinho alcançou o gozo.           Ao se aplacarem as sanhas dos dois, vozes foram ouvidas ao longe. Eram Dona Benta, Visconde, Emília, Narizinho, Tio Barnabé e Tia Nastácia que, preocupados com sumiço de Pedrinho, o procuravam para o almoço. O garoto vestiu-se rapidamente. Tomou uma porta por onde não pudesse ser visto sair do estábulo e voltou à casa grande escondido. Mais tarde, quando todos chegaram, acharam-no tranqüilamente deitado numa das redes da varanda, entretido com um livro de estórias.           — Pedrinho, meu filho, onde você estava? – Dona Benta subiu as escadas segurando as pontas da comprida saia.           Erguendo os olhos das páginas, Pedrinho vislumbrou as pessoas. Impressionante como estavam agora completamente metamorfoseadas. Até então, sua vida ali na fazenda havia sido um faz de conta, uma fantasia, tal como nos contos maravilhosos dos Grimm, de Perraul ou de Andersen, que as estantes da sua avó exibiam. Agora, todavia, se encontrava numa realidade outra, se encontrava diante de um Admirável Sítio do Pica-Pau Amarelo novo.

 

                                                                                Fábio Frohwein  

 

                      

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