Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


TENTADA PELO DESEJO / Carole Mortiner
TENTADA PELO DESEJO / Carole Mortiner

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

- Faça uma pose, Suzanne!

Por trás dos óculos escuros, Suzan­ne olhou, aborrecida, para a madrasta. Será que Celeste não se cansava nunca de tentar chamar a atenção? Duas mulheres jovens e bonitas já eram coisa bastante rara na­quele hotel frequentado pela gente mais rica e tradicional de Londres; não precisavam ficar se exibindo em pleno salão para serem notadas. Além do mais, não tinha sido dela a idéia de virem de Manchester gastar os últimos centavos ali, à caça de um milionário.

— Tire essa expressão do rosto, garota!

Suzanne não gostava de ser chamada assim. Provocou.

— Que expressão?

— Que expressão!? — Celeste repetiu, debochada. — Essa cara de enterro que você vem fazendo a semana inteira. Até parece que é você que tem que se casar com um velho rico.

— Ninguém aqui tem que se casar com ninguém. Celeste deixou a máquina fotográfica de lado, os olhos azuis brilhavam de raiva.

— Ah, não? Quanto a você não sei, querida, mas eu não pretendo passar o resto da vida na miséria. Se seu pai não tivesse jogado fora todo o nosso dinheiro...

 

 

 

 

Aquele não era o melhor lugar para começar uma dis­cussão, mas Suzanne não podia ouvir calada. Seus lábios tremiam de ódio e nervosismo.

— Meu pai gastou tudo o que tinha com você, e é assim que agradece? Nunca entendi mesmo o que ele viu numa mulher tão egoísta.

— Agora chega! — a outra quase gritou.

As pessoas já começavam a olhar para elas, e Suzanne sabia que quando Celeste perdia a paciência era capaz de esquecer a pose e Fazer um escândalo.

— Está bem, desculpe o meu comentário. Estou cansada. Acho que a gente devia se separar um pouco, para respirar. Seis dias juntas, o tempo todo, é demais.

Celeste não era fácil de convencer.

— Cansada! Não sei de quê. Rodeada de luxo, tendo do bom e do melhor. Cansada! Mas concordo que estamos jun­tas mais tempo do que posso aguentar. Já estou ficando enjoada de olhar para sua cara. Você me bota doente.

— Aqui não é hora nem lugar de discutir, Celeste. Vou para o meu quarto. Esta tarde você pode tomar seu chá sozinha.

— Ah, muito obrigada. Estou muito feliz por ter a sua permissão — Celeste respondeu com arrogância.

Enquanto o elevador subia até o sexto andar, Suzanne pro­metia a si mesma que, daquele momento em diante, iria apro­veitar aquela viagem, como se Celeste não estivesse lá. Para começar, sairia sozinha. Queria conhecer tanta coisa em Lon­dres! Mas a madrasta só estava interessada no hotel e na piscina — onde circulavam homens com altas contas bancárias.

Casamento não estava nos planos de Suzanne. E, certa­mente, nunca um casamento por interesse. Ela sonhava com um príncipe encantado alto, forte, elegante, moreno e com lindos olhos negros. Alguém especial, que despertasse nela todas aquelas sensações românticas que Celeste cha­mava de tolices sentimentais.

Entrou no quarto, imaginando quando o homem de seus sonhos apareceria e sentiu remorsos ao se lembrar de Ro-bert. Pobre Robert! Tinha ficado tão triste quando lhe disse que ia viajar. Mas de qualquer forma, aquela separação, mesmo que curta, era boa para os dois. Talvez ele se con­vencesse de que ela nunca poderia gostar dele do jeito que queria. Era um bom amigo, uma ótima companhia, mas seus beijos não a faziam vibrar.

De repente, começou a rir dos próprios pensamentos. Que imaginação! E que garota pretenciosa! Sabia que não era bo­nita, nem nunca seria. Tinha um tipo até comum: loira, cabelos pelos ombros, rosto oval. Só os olhos, muito verdes e amen­doados, chamavam a atenção. Mas que homem se casaria com ela, só pelos seus belos olhos? Robert, talvez. O problema é que ele não tinha nada do seu príncipe encantado. Não era alto, nem um pouco sofisticado, nem muito culto. Também não tinha a idade certa, imaginava alguém pelo menos uns cinco anos mais velho do que ela. Ainda por cima, era claro, de olhos azuis e cabelos castanhos. Não. Robert não servia para ela. Precisava de alguém muito mais experiente e seguro.

Suspirou fundo. Será que Celeste também tinha sonhos assim? Duvidava muito. A madrasta, sim, era uma mulher bonita, mas só usava a beleza para atrair dinheiro. Quando conheceu o pai de Suzanne, tinha vinte e dois anos, e ele, quarenta. Poucas semanas depois, estavam casados e co­meçaram os problemas. A primeira coisa que fez foi afastar a enteada, mandá-la para um colégio interno. Suzanne só via o pai nas férias e não gostava do que via. Ele andava cada vez mais abatido, e ela chegou a desconfiar de que, além de gastar tudo que tinha, Celeste também não era uma esposa muito fiel.

Nunca soube de toda a verdade, mas depois de seis anos de casamento, quando o pai morreu num acidente de auto­móvel, estava arruinado. Apesar da dor, para Suzanne foi mais fácil suportar o golpe. Saiu do colégio com todo o futuro planejado: entrar para a faculdade e depois lecionar anatomia e psicologia. Mas a situação de Celeste era mais complicada. Não estava preparada para ser uma viúva pobre. Agora, pre­tendia dar um grande golpe: queria um marido rico de verdade e que, mais do que dinheiro, pudesse lhe dar status.

Ninguém ficou mais surpresa do que Suzanne, quando Celeste a convidou para viajar. As duas na verdade mal se conheciam. Mas a perspectiva de trocar por algum tempo o quartinho mal decorado onde vivia por um dos hotéis mais luxuosos de Londres foi irresistível. Não perguntou

onde a madrasta tinha arranjado o dinheiro para aquela extravagância, nem por que estava disposta a gastar a me­tade com ela. Mas compreendeu tudo, quando Celeste exigiu que, em troca da viagem, ela devia concordar em dizer que estava ali com a madrasta para tratamento de saúde, aliás, a aparência delicada de Suzanne ajudava a alimentar essa mentira. Celeste certamente devia achar que uma jovem mulher tão preocupada com o bem-estar da enteada des­pertaria mais simpatia e menos desconfiança. Não queria parecer a caçadora de fortunas que realmente era.

Suzanne não podia negar que a outra tinha pelo menos uma qualidade: era perseverante. Por isso, esperava que conseguisse fisgar seu milionário rapidamente. Mas os dias passavam e muitos possíveis candidatos já tinham apare­cido, o dinheiro sumia e Celeste não dava o menor sinal de interesse. Parecia estar esperando por um alguém especial,

Enquanto isso, infernizava a vida de Suzanne com exigên­cias tolas. Como, por exemplo, suas roupas. Escolheu a dedo o guarda-roupa, só aprovando o que fosse de boa qualidade, mas que não chamasse demais a atenção. Suzanne tinha que parecer a enteada de uma viúva rica, sem lhe fazer concor­rência. Também não permitia que se afastasse dela, e ulti­mamente tinha enfiado na cabeça que Suzanne estava fler­tando com um dos garçons do hotel, um italiano simpático e tímido, chamado Cario, O rapaz realmente fazia questão de servir Suzanne, mas apenas porque ela o tratava com delica­deza, sem aquela frieza arrogante dos outros hóspedes.

Passar um dia que fosse longe de Celeste ia ser, sem dúvida, um alívio. Pretendia começar a aproveitar agora mesmo. Vestiu o biquini e desceu para a piscina. Já eram quase cinco da tarde e havia pouca gente por lá. A maioria das pessoas costumava subir àquela hora e só descer para o jantar. Suzanne conhecia muito bem essa rotina e já estava cansada. A partir de agora, não seguiria mais nenhuma daquelas regras idiotas. Nadou o tempo que quis, foi se trocar e, em vez de um jantar formal, no grande salão, tomou um lanche rápido numa lanchonete.

Poucos dias depois, já estava bem bronzeada e nada ar­rependida de ter vindo com Celeste. Foi numa tarde dessas, quando descansava ao sol na piscina quase vazia, que sua vida começou a mudar.

— Desculpe, signorina. Está sozinha?

A voz era profunda e, quando abriu os olhos, viu na sua frente o homem de seus sonhos: alto, moreno, olhar pene-trante e uma boca sensual. Devia ter entre trinta e trinta e cinco anos, um pouco mais velho do que o príncipe en­cantado que imaginava, mas todo o resto era perfeito. Tinha uma elegância sofisticada que a deixou encantada.

De pé, a seu lado, o desconhecido não parecia perceber a forte impressão que lhe causava.

— A signorina é inglesa, não é?

— Como adivinhou? — murmurou.

— Com essa cor de cabelo e esse jeito independente, só podia ser inglesa ou americana. E que outra mulher ficaria tão à vontade na presença de um veneziano perigoso como eu? — brincou.

Veneziano! Sim, era perfeito.

Ele fez uma reverência, que em outro homem Suzanne teria achado antipática, mas nele era um charme.

— Vidal Martino, às suas ordens, signorina,

— Suzanne Hammond.

— Estou honrado em conhecê-la. Está aqui sozinha? — perguntou pela segunda vez.

— Estou sozinha aqui na piscina, mas não no hotel. Minha madrasta foi se arrumar para o jantar.

Ele sorriu, sem tirar os olhos dela.

— Espero que não seja nenhuma madrasta bruxa, feito noa contos de fada,

Suzanne pegou a toalha e começou a se enxugar, agora se sentindo à vontade, como se o conhecesse há muito tempo.

— Oh, não. Não exatamente. Embora não sejamos gran­des amigas.

Ele puxou uma cadeira e sentou-se a seu lado:

— Cheguei esta tarde, você é a primeira pessoa interessante que vejo aqui. Por isso, vai desculpar minha curiosi­dade. Mora com sua madrasta?

— Não, estou apenas passando as férias com Celeste. Quase não nos víamos, desde que meu pai morreu, há três anos. — Riu, nervosa. — Desculpe, não quero aborrecê-lo com a história da minha família.

— Mas não me aborrece. Estava apenas interessado em saber por que uma pessoa tão jovem como você está hospedada num hotel tradicional como este. Pensei que os jovens prefe­rissem hotéis modernos, com dança, música, essas coisas.

— Mas o mesmo se aplica a você, signore! Vidal Martino balançou os ombros musculosos.

— Acontece que sou um Martino e todos esperam que me hospede exatamente num lugar assim. Vou ficar aqui só uma noite. Acabei de chegar do Palácio Martino — ex­plicou, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

— Um palácio?! Você não é um conde ou coisa pare­cida, é?

Seria sorte demais, se ele fosse. Não podia imaginar que um nobre se interessasse por ela. A não ser, é lógico, que ele fosse um daqueles condes falidos que frequentam lugares de luxo para manter as aparências e arranjar uma mulher rica. Olhou bem para Vidal. Não, esse homem certamente não é pobre, pensou. Havia arrogância e porte em todo seu corpo maravilhoso.

— Eu, signorina Hammond? Infelizmente, um meio-irmão não herda títulos. Cesare Martino, esse é o conde. E gostaria muito de não vê-lo por muitos anos.

— Não gosta de seu irmão?

— E muito difícil gostar ou não gostar de Cesare. Ele é como uma rocha, e ninguém pode sentir nenhum tipo de emoção por uma rocha. Mas não vamos falar de coisas de­sagradáveis. Não quer nadar mais um pouco?

Suzanne ainda estava confusa com aquela conversa ines­perada. Não podia imaginar ninguém mais charmoso e agra­dável do que Vidal. Portanto, o tal conde devia ser um velho implicante e injusto com o irmão. Olhou para o relógio.

— Já está ficando tarde. Preciso subir e trocar de roupa para o jantar.

— Vai jantar aqui no hotel

— Hoje não. Esta noite, quero conhecer um lugar dife­rente. Um restaurante pequeno, talvez. Parecem aconche­gantes e isso me agrada. Entende?

— Oh, é lógico. E permitiria que eu a acompanhasse? Também quero conhecer algo novo.

Suzanne ficou surpresa. Certamente, um homem como ele devia ter coisa melhor para fazer, em vez de ficar com ela.

Signorina Hammond?

— Sim, sr. Martino, é lógico que pode ir comigo. Mas não vou a nenhum lugar muito animado.

— Acredite, já tive agitação demais nessas últimas se­manas. Vou gostar muito de jantar tranquilamente com uma linda companhia. Veneza é muito cansativa.

— Não mais do que Londres.

— Talvez não. Mas se você pretende trabalhar e conhecer a vida noturna ao mesmo tempo... Infelizmente, eu fiz os dois.

— Você... você trabalha?

Com aquele corpo atlético, é lógico que não devia passar o dia sem fazer nada, mas também não parecia o tipo de homem que trabalha atrás de uma mesa o dia todo.

Vidal Martino deu uma gargalhada alta.

— Cesare diria que não, mas eu diria que sim. Meu irmão tem muitos negócios no mundo inteiro. Eu administro o escritório de Londres, tomo as decisões finais e depois tenho que enfrentá-lo, se algo der errado.

— Você mora na Inglaterra?

Suzanne já estava fantasiando em vê-lo depois que dei­xasse o hotel. Era uma tola. Só porque iam sair juntos esta noite, não significava que teriam outros encontros. Mas era o que queria! Oh, sim, ela queria.

— Só seis meses no ano. — De repente, ele ficou sério e pareceu preocupado. — Por favor, desculpe-me. Acabo de me lembrar de que tenho um compromisso ao qual não posso faltar. Fiquei com você e não percebi o tempo passar. Não podemos jantar juntos, mas quer se encontrar comigo mais tarde, para um drinque?

— Você não precisa se encontrar comigo, se não puder. Não quero atrapalhar seus planos.

Mas ela queria! Vidal Martino era um sonho e ela não podia perdê-lo. Ele apertou firmemente suas mãos.

— Tenho que ir, Suzanne Hammond. Realmente, não posso faltar a esse compromisso. Por favor, preciso vê-la mais tarde. Estarei de volta lá pelas dez e meia, no máximo. E muito tarde para você?

— Oh, não, é lógico que não. Raramente me deito antes da meia-noite.

— Então, posso voltar mais tarde?

— Por favor.

Riu, tímida, percebendo que ele ainda estava segurando suas mãos. Parecia incrível ter conhecido aquele homem há apenas uma hora, e mais incrível ainda ele querer vê-la novamente. De repente, ele a soltou e saiu, apressado.

— Vejo você mais tarde, signorina Hammond. Quer dizer, Suzanne.

— Está bem, Vidal.

Pegou a toalha e entrou, distraída, no hotel.

Agora, o importante não era mais jantar e sim rever Vidal. Tomou um banho demorado e ficou indecisa: seria melhor vestir alguma coisa sofisticada ou algo que deixasse seu cabelo mais loiro? Finalmente, escolheu uma roupa so­fisticada. Queria que seus dezenove anos parecessem expe­rientes perto dos trinta e poucos de Vidal Martino.

Seu cabelo era outro problema. Escovou-o bem, para que o ondulado ficasse largo e natural. Caprichou na maquilagem e, quando se olhou no espelho, viu que estava com o que Robert chamaria de "aparência adulta". Robert! Tinha se esquecido dele completamente desde que conheceu Vidal Martino.

Celeste entrou sem bater, interrompendo seus pensamentos.

— Bem, bem, bem. Pode-se saber para quem está se ar­rumando toda? — perguntou, mexendo no cabelo.

Suzanne afastou-se.

— O que você quer dizer com isso?

— Para que essa roupa, querida? Tem um encontro com algum dos garçons? Cario, talvez?

— Não seja tola — respondeu, pegando a bolsa para sair. — Só me arrumei para jantar, nada mais.

— Verdade? Não sabia que era preciso tudo isso para jantar.

— Você está querendo dizer que sou mentirosa?

— Claro que não, Suzanne. Para quem você se vestiu?

— Para ninguém — respondeu, agressiva. — Eu só quis mudar um pouco. Você tem alguma coisa contra?

— Oh, não. Só espero que não alimente nenhuma idéia sobre seu futuro. Deixei isso bem claro, antes de vir para cá. É a minha fortuna que está em jogo. Já se esqueceu?

— Como posso esquecer seus planos tão indignos?

— Espero. E acho que minha fortuna acaba de chegar.

— E mesmo?

— Sim. Mas não pense que já se livrou de mim. — Olhou para a enteada, com desconfiança. — Agora vamos descer.

Celeste não voltou a implicar com Suzanne. Devia ter encontrado mesmo seu milionário. Estava tão contente que chegou a ser quase agradável. Celeste normalmente ria de Suzanne, nunca com Suzanne.

— Você não vai acreditar — disse, depois de tomar o café —-, mas amei muito o seu pai. Do meu jeito, é lógico.

— Não era o que parecia.

— Você quer dizer que não fiz seu pai feliz?

— Não acho que possa dizer isso com honestidade. Que amor é esse que afasta um pai da única filha?

— Eu disse do meu jeito, Suzanne. Você não estava in­cluída nisso. Crianças nunca entraram nos meus planos.

— Mas será que esse homem rico não vai querer filhos?

— Talvez seja um mal necessário — disse Celeste, abor­recida. — Só um para satisfazer a vaidade masculina.

Suzanne olhou em volta, curiosa. O único homem à vista que tinha uma remota possibilidade de ser a vítima esco­lhida por Celeste estava sentado perto da porta da sala de jantar. Apesar de um pouco gordo, era elegante e transpi­rava prosperidade. A cabeça estava quase toda branca, devia andar aí pelos 60 anos. Será que Celeste teria coragem de se casar com um homem daquela idade?

Mas por que não? O pai de Suzanne era 18 anos mais velho. Qual o problema do segundo marido ser uns anos mais velho? Talvez Celeste até preferisse assim. Só ficaria viúva e rica mais depressa. Olhou para a madrasta. Se seu pai amou tanto aquela mulher, é por que ela não devia ser tão ruim assim.

— Qual o problema agora? — Celeste perguntou, impa­ciente. — Não me diga que ficou chocada com o que falei sobre filhos. Querida, oh, querida Suzanne, você tem que ser mais resistente, se quiser sobreviver neste mundo cruel. O mundo é muito agressivo e você também tem que ser.

— Não estou chocada, só preocupada.

Celeste riu. Como era bonita! E como estava atraente com aquele vestido vermelho!

— Preocupada com o quê? Suzanne sacudiu os ombros.

— Eu estava... estava apenas olhando para ver se acho o homem... você sabe... o homem que você... — calou-se, meio confusa.

— O homem que será meu marido — completou Celeste — E quem você acha que é?

— Bem, eu... — Suzanne olhou para o homem de cabelo grisalho e Celeste acompanhou seu olhar.

— Ele não, Suzanne. — Caiu na gargalhada. — Confie um pouco mais no meu bom gosto.

— Então, quem?

— Oh, ele não está aqui, querida. Teve outro compromisso essa noite, mas eu o verei amanhã. Ele é totalmente fas­cinante, Suzanne.

— Mas, quem é, Celeste? Não faça suspense!

— Você está interessada, não é? Bem, seu nome é Vidal Martino.

 

— Vidal Martino? — Suzanne pergun­tou, assustada. - Um nome maravilhoso, não é? Acho que Celeste Mar­tino soa muito bem!

Suzanne ficou atordoada. Oh, meu Deus! Não Vidal Mar­tino! Por que não podia ser qualquer outro homem? E Ce­leste disse que tinha um encontro com ele no dia seguinte. Se Vidal a conheceu depois de já ter conhecido Celeste, por que lhe deu tanta esperança? Suzanne não conseguiu es­conder seu desapontamento e Celeste a olhou, preocupada.

— Você está bem? Está tão pálida!

— Oh, eu... eu estou bem. Senti uma tonteira passageira, mas já estou ótima.

Como podia se sentir bem se, de repente, seu coração tinha sido destruído? Há mais ou menos uma hora, tinha se apaixonado pela primeira vez na vida, mas agora uma simples palavra arruinara tudo. Se Celeste planejava se casar com Vidal Martino, com certeza conseguiria.

— Está muito quente aqui. Por que você não vai até o jardim?

— Sim, sim! — concordou, levantando-se, apressada.

— Está muito abafado. Volto logo.

Celeste se acomodou confortavelmente na cadeira.

— Aproveite seu tempo, querida. Vou ficar aqui, fazendo uma horinha. Talvez Vidal volte mais cedo.

— Oh, entendo. — Suzanne tinha que sair de lá, tinha que ficar sozinha para organizar seus pensamentos.

O jardim era bem mais fresco do que a sala de jantar, embora o hotel tivesse ar-condicionado em todos os cômodos. 0 perfume daquelas flores era suave, e já havia ido lá muitas vezes, nos últimos dias. Mas naquela noite, tudo lhe parecia horrível. Meu Deus! Pela primeira vez, achava alguém de quem gostava, e ele já estava destinado a Celeste! Sabia que não podia competir com a beleza da madrasta. Tinha amado apenas dois homens em sua vida, e os dois preferiram Celeste. O primeiro foi seu pai e, agora, Vidal Martino.

Quando Suzanne percebeu que Vidal estava atravessando o jardim em sua direção, sentiu-se irritada e ao mesmo tempo excitada.

— Suzanne! — Pegou suas mãos, puxando-a para perto dele. — Por que não estava me esperando na sala de estar? A sorte é que reconheci seu cabelo, brilhando ao luar.

— E que minha madrasta estava lá.

— Você não quer se encontrar comigo na frente dela, não é? Bem, acho que deve ter ido para o quarto, porque não há mais ninguém lá, agora.

— Você teve uma noite agradável? — Suzanne perguntou.

— Minha noite foi igual a de quem vai visitar uma avó. Quando a mãe de Cesare se casou com nosso pai, minha avó veio morar na Inglaterra e, apesar de estarmos sempre lhe fazendo visitas, ela vive reclamando que a abandonamos. Não percebe que seria melhor para todos nós se ficasse no Palácio. Mas, não quero aborrecê-la com minha família. Po­demos entrar e tomar aquele drinque agora?

Por que não? Suzanne tinha que aproveitar ao máximo esse encontro.

— Adoraria.

— Ótimo. Então vamos.

Como ele tinha dito, o salão estava deserto e o bar tam­bém. Pegaram as bebidas e escolheram uma mesa.

— Então, fale-me um pouco sobre você, Suzanne.

— Bem, não há muita coisa a falar sobre mim. Sou uma estudante que pretende ser professora.

— Parece que há um excesso de professores na Inglaterra, atualmente.

— É, talvez seja uma carreira sem muito futuro.

— Você mora sozinha? — Vidal lhe ofereceu um cigarro. ~ Moro num quarto pequeno.

— E tem namorado?

Suzanne notou sua grande curiosidade.

— Eu tenho amigos. Apenas amigos.

— Mas um deles deve sentir algo mais sério por você.

— Não tenho compromisso com ninguém.

— Estou feliz em ouvir isso. Suzanne sorriu.

— Mas você não é... Quer dizer, não tem... — Parou, um pouco confusa.

— Uma esposa? Acha que sou velho demais para conti­nuar solteiro?

Suzanne olhou, espantada. Certamente, não era sua idade que a preocupava e sim Celeste, a beleza de Celeste.

— Tenho trinta e dois anos e sou solteiríssimo. Sou muito mais velho do que você?

— Não devia perguntar a idade de uma mulher, Vidal! — Suzanne o repreendeu.

— Eu sei, mas você não é uma mulher. Isto é, você não é... Oh, meu Deus! O que eu quero dizer é que você é uma jovem bonita, que não tem razão para esconder a idade.

— Ah! Por um momento, você me preocupou. Tenho de-zenove anos.

— Está sozinha desde os dezesseis?

— Na verdade, estou sozinha há muito mais tempo. Papai e minha madrasta viveram fora do país vários anos, en­quanto eu ficava no colégio.

— Bom, pelo menos disso eu não posso me queixar. Cesare sempre cuidou de mim. Eu tinha quinze anos quando papai morreu, e Cesare foi obrigado a arcar com as responsabi-lidades de ser o chefe da casa. Só sinto por não ter sido sempre uma criança bem-comportada.

— Acredito nisso! — Suzanne concordou. Ele ainda tinha um olhar de criança impulsiva. — E o que a mulher de Cesare achava?

Ele pareceu divertido com a pergunta.

— Cesare não é casado. Muitas mulheres já tentaram, mas, até hoje, nenhuma conseguiu. Como já lhe disse, é difícil amar uma rocha. Mas tenho certeza de que um dia ele se apaixonará. Afinal, é um veneziano e somos uma raça bastante romântica. Cesare não pode ser diferente. Espero estar por perto quando isso acontecer. Acho que gostaria de vê-lo apaixonado, sofrendo por alguém.

— Isso não é coisa que se diga de um irmão.

— Não é mesmo, mas quando você o conhecer, vai me dar razão.

— Não acho que um dia chegarei a conhecê-lo.

Mal tinha acabado de falar, quando um homem entrou no bar, olhou-os fixamente e veio caminhando na direção deles. A medida que se aproximava, Vidal ia perdendo seu ar de superioridade aristocrática.

— Prepare-se, Suzanne. Esse dia acaba de chegar. Suzanne olhava para o homem, sem acreditar. É lógico

que não podia ser o conde Cesare Martino! Era muito jovem! Aquele cabelo escuro, brilhante, e aqueles olhos cinzentos não pareciam de um italiano, ainda que sua pele fosse mo­rena. Que aparência atraente!

— Cesare! — Vidal Martino disse, com firmeza, confir­mando as suspeitas dela. — Não esperava vê-lo esta noite.

Por um momento, os olhos do conde pararam em Suzanne, como se não tivesse ouvido o irmão.

— Pois é, mas está vendo! — disse finalmente, com voz rouca,

— O que está insinuando? — O rosto de Vidal ficou corado de ódio.

Suzanne comparou os dois homens e achou que havia pouca semelhança entre eles, exceto, talvez, no físico. Ambos tinham cabelos negros, o conde possuía belos dentes brancos, contrastando com a pele morena. Mas ambos pareciam po­derosos. A diferença de idade não devia ser maior do que seis ou sete anos. O conde tinha um ar distinto que lhe dava a aparência de mais velho.

— Apenas quis dizer que, como você está ocupado, é lógico que não me esperava. Não vai nos apresentar, Vidal? — perguntou, sentando-se ao lado de Suzanne.

— Suzanne, meu irmão, o conde Cesare Martino — Vidal disse, mal-humorado. Suzanne tornou a perceber a mágoa e o ressentimento que Vidal sentia pelo irmão. — Cesare, esta é a signorina Hammond, signorina Suzanne Hammond.

O conde segurou firmemente a mão dela e a beijou, com

lábios frios.

Signorina Hammond? — perguntou, atencioso.

— Sim,

— Só estou perguntando porque fui informado de que a signora Hammond estava hospedada aqui.

— Talvez seja a madrasta de Suzanne — Vidal inter­rompeu. — E o que está fazendo aqui esta noite, Cesare?

— Sem dúvida, o mesmo que você: visitando uma avó obstinada e teimosa. Quando ela me disse que você tinha estado lá, achei conveniente vê-lo antes de partir. Como só chegou esta tarde, pensei que pudesse estar sozinho. Mas percebo que perdi meu tempo. — Novamente, aqueles olhos cinzentos pousaram em Suzanne.

— Se está se referindo a mim, signore, está muito enga­nado. Não pretendo prender seu irmão por mais tempo — Suzanne disse friamente.

— Se pretende ou não, isso não diz respeito a ele — Vidal falou, irritado. — Não sou mais uma criança, Cesare. Seria melhor se você se lembrasse disso.

O conde levantou-se, agressivo.

— E você devia se lembrar, Vidal, de que o encontro com Grant era parte importante do meu plano para expansão na América. Se tivesse me procurado assim que chegou, em vez de... em vez de ficar namorando essa criança, ainda poderíamos ter salvo alguma coisa. Agora, Leroy Grant cancelou mais um contrato conosco. — Inclinou a cabeça na direção de Suzanne: — Signorina Hammond. — Depois, virou-se para o irmão: — Vejo você no escritório, amanhã, Vidal.

Realmente, ele era muito grosseiro, e Suzanne o olhou, nervosa, enquanto se afastava. Sentiu as mãos tremerem. Então, aquele era o conde Martino? Vidal estava certo: o homem era puro granito. Quando olhou para o amigo, ficou surpresa com sua aparência: estava pálido.

— Vidal, você não deve se aborrecer tanto assim com seu irmão. Tenho certeza de que, amanhã, ele já terá es­quecido tudo isso.

Ele deu um sorriso amarelo.

— Cesare não esquece nada. Mas não estou preocupado com ele. Grant já tinha decidido não assinar o contrato, antes mesmo de eu fazer a oferta. Foi a grosseria que ele fez com você que achei imperdoável. Ele a ofendeu não é?

— Talvez — Suzanne admitiu —, mas isso não é importante. Pelo menos, não o suficiente para estragar nossa noite.

— Para mim, é. Ele não teria falado assim com uma italiana. Cesare não aceita o tipo de liberdade que as in­glesas têm.

— Já imaginava. Ele não é tão velho como eu pensei...

— Você não o acha atraente, acha? — Vidal perguntou, meio desconfiado.

— Quem, eu? Não, é lógico que não. Que coisa mais absurda!

— Não tão absurda, se você considerar certas vantagens, como a de não saber como tudo isso é atraente para uma mulher. Cesare, tem trinta e sete anos, só cinco mais do que eu, mas às vezes ele me trata como se eu fosse criança.

— Não se preocupe, Vidal. Ele não me aborreceu tanto assim. Para onde você vai me levar, agora?

— Perdoe-me, Suzanne. Você precisa entender. Cesare sempre consegue tudo o que quer e tenho medo de que atrapalhe a minha vida com alguma mulher.

— Agora você está sendo tolo. Ouviu ele me chamar de criança. É óbvio que não gosta de mim.

— Talvez sim, talvez não. Mas isso não tem importância, desde que você também não goste dele.

— Bem, eu não gosto — Suzanne disse, impaciente. — E acho que essa conversa não tem sentido. Daqui a pouco você vai para o seu quarto e talvez nunca mais nos vejamos.

— Ela realmente já não sabia se devia continuar se encon­trando com ele. Vidal Martino podia ser encantador, mas o ciúme que sentia do irmão, mesmo nas menores coisas, era sinal de uma grande insegurança.

— Pode ter certeza de que me verá novamente, Suzanne. Vamos nos ver sempre. Você vai ficar muito tempo em Londres?

— Até quando Celeste quiser.

— Está certo. Então, posso lhe telefonar nos próximos dias? Não posso lhe dizer o dia exato. Cesare vai fazer de tudo para recuperar o contrato com Grant, por isso, prova­velmente ficarei muito ocupado.

— Eu não gostaria de causar nenhum problema entre o conde e você.

— Por favor, eu gostaria muito de vê-la novamente. Seja sincera: Você também quer, não é?

— Bem, sim, mas...

— Então, está combinado.

Suzanne não podia acreditar que aquele homem fasci­nante ainda estava interessado nela. Mas, por que continuar preocupada com atitude do conde, se o próprio Vidal já tinha esquecido todo o incidente?

— E agora, vamos dar um passeio no jardim? — Vidal segurou o braço dela.

Sabia que, se aceitasse esse convite, estaria aceitando, também, o beijo que, com certeza, ele lhe daria. Mas por que não? Se estava de férias em Londres, por que não aceitar o beijo de um veneziano romântico?

— Eu adoraria.

O jardim estava mais bonito do que nunca e o perfume das flores muito mais delicioso. Parecia um sonho, e Suzanne sabia que a magia era causada pela presença de Vidal Martino. Será que todo aquele encanto era o começo de um amor puro e sincero? O que sentiria, se, de repente, Vidal a beijasse?

— Seu cabelo é lindo, Suzanne — ele disse, baixinho, no seu ouvido, abraçando-a fortemente. Suzanne mal podia acreditar que estava nos braços do homem dos seus sonhos.

— Você está tremendo — Vidal murmurou. — Assusto você?

— Não!

— Ah! — Vidal sorriu. — Então, quer dizer que eu a excito?

— Vidal! — Suzanne disse, num tom de reprovação.

— Ficou envergonhada, não é? Não é vergonha nenhuma sentir prazer físico. Eu estou sentindo esse prazer, mas não tenho vergonha de admitir isso.

— Mas você é homem!

— E só homens têm o direito de sentir prazer? Suzanne, seus estudos devem ter-lhe ensinado alguma coisa mais.

— Não sou nenhuma ingênua! E que não gosto de con­versar sobre isso.

— Por que não? As vezes, o diálogo pode ser tão excitante como a ação. Mas, não quero aborrecê-la. Nunca perca essa ingenuidade, Suzanne. É um dos lados mais fascinantes do seu charme.

— Às vezes, tenho que ser mulher, Vidal — Suzanne disse, com o rosto vermelho. Nenhum inglês jamais tinha falado com ela daquela maneira.

— Ser uma mulher não significa, necessariamente, perder a ingenuidade. Você é maravilhosa desse jeito: jovem e sensual.

— Obrigada. — Sorriu. — Acho que esse foi o elogio mais gentil que já recebi.

Vidal abraçou-a mais forte e beijou-a carinhosamente. Su­zanne nunca tinha experimentado tal sensação. Nunca tinha sentido tanto prazer com nenhum outro homem. Só podia haver uma explicação: estava apaixonada por Vidal Martino.

— Você é maravilhosa, maravilhosa! Mas agora precisa­mos ir. Telefono para marcarmos outro encontro, quer?

O brilho dos olhos de Suzanne foi o suficiente para per­ceber que ela queria.

Ele acompanhou-a até o elevador e beijou sua mão. Era mais do que maravilhoso: era perfeito, tudo que Suzanne sempre desejou em um homem!

Entrou no quarto, alegre como há muito tempo não se sentia. Mas Celeste estragou tudo, entrando sem bater e com uma cara tão irritada que a assustou.

— Onde ele está, Suzanne? Escondido no banheiro?

— Onde está quem? Do que você está falando? Quem poderia estar no meu quarto a essa hora da noite?

— Não se faça de inocente! Não comigo! Eu vi você. Eu vi você lá fora, no jardim.

— Você... você me viu? — Oh, Deus! Celeste nunca a perdoaria.

— Então, estava no jardim com seu namorado, não é?

— Namorado?

— Sim, namorado. O que mais ele pode ser? Era Cario, não era? Como pôde fazer isso, Suzanne? — Celeste sentou-se na beira da cama. — Você conhece minha posição aqui. Sabe como é importante impormos respeito. Um escândalo, agora, assus­taria a família Martino. Se minha enteada se envolver com garçons, ficarei desmoralizada. Como pôde fazer isso? Como?

Suzanne sentiu um grande alívio. Celeste não tinha re­conhecido Vidal!

— Você acha mesmo que eu estava com Carlo?!

— Com quem mais poderia ser? Você pode sair com quem quiser quando estiver em casa, em Manchester. Mas aqui, não. Não vou permitir isso. Se Vidal Martino souber desse seu namoro, meus planos estarão arruinados.

— Vidal Martino?

— Sim, Vidal Martino! — disse, agressiva. — Por isso, acabe já com esse namoro. Entendeu?

— Celeste, você não pode...

— Eu posso, Suzanne! Se não acabar com esse namoro, voltará, imediatamente, para aquele barracão que chama de casa. Está claro? — Celeste foi até a porta. — Diga ao seu querido namorado que está tudo acabado!

Bateu a porta do quarto ao sair. Quem Celeste pensava que era? Com que direito dava ordens? Suzanne andava de um lado para outro, furiosa. A madrasta devia ter visto os dois da janela do quarto. A escuridão não deixou que reconhecesse Vidal, mas o cabelo loiro de Suzanne se destacava, mesmo no escuro. Ainda assim, havia alguma coisa muito estranha naquela história: Celeste agia como se Vidal já fosse propriedade dela, e ele agia como se nunca a tivesse visto. Aquilo não fazia sentido.

Custou a dormir e acordou de mau humor. A outra já estava terminando o café, quando apareceu. Sorriu, como se nada tivesse acontecido.

— Que vestido bonito!

— Foi você quem comprou. — Suzanne comentou, sen­tando-se à mesa.

— Não precisa ser tão agressiva. Tudo o que eu disse na noite passada foi para o seu próprio bem. O meu casa­mento vai beneficiar você também.

— Por quê? Por que vou ficar livre da sua presença de uma vez por todas? Se soubesse que ia ser tão desagradável, não teria vindo.

— Ninguém forçou você a vir, Suzanne. Na realidade, o luxo a_ atraiu, não é?

— E verdade. Não me importo em admitir isso. Mas já me arrependi, porque é impossível conviver com você.

— É uma pena; eu estava quase gostando de você. Sabe, as vezes, se parece muito com seu pai.

— Deixe meu pai fora disso!

— Está certo, Suzanne. Nós nunca nos demos bem, mes­mo. Talvez pelo fato de eu ter eliminado você da minha vida. Bem, agora já é tarde — Celeste levantou-se. — Esta manhã, vou ver Vidal. Talvez fique fora o dia todo. Não se esqueça de falar com aquele garçom.

— Falarei com quem eu quiser, quando eu quiser. — Olhou para Celeste, desafiadora.

— Não com o meu dinheiro.

Suzanne, de repente, perdeu o apetite. Levantou-se e foi para a piscina, tentar esquecer seus problemas.

Cario, o garçom, trouxe-lhe o refresco de limão que havia pedido.

— Srta. Hammond — disse, nervoso —, alguém a está chamando na recepção, alguém muito importante. Não seria conveniente que a senhorita fosse vê-lo assim, de biquini.

Suzanne ficou surpresa: normalmente, o empregado de um hotel requintado não falava daquele jeito.

— Quem é. Carlo?

O rapaz estava embaraçado, e quando isso acontecia misturava palavras em italiano e ficava mais envergonhado ainda. Desde o começo, Suzanne notou o esforço que fazia para se sair bem naquele emprego e por isso tratava-o com a maior simpatia.

— É o sr. Martino? — perguntou, entusiasmada. — É ele que está esperando por mim na recepção?

— Si, si. Mas, srta. Hammond...

Suzanne não quis ouvir mais nada. Correu para o hotel, agitada. Mas ficou gelada, quando reconheceu o homem que estava esperando.

— Conde Martino!

 

Cesare foi até Suzanne, com aquele ar dominador e altivo. Curvou-se e beijou sua mão:

— Srta. Hammond, parece surpresa. O garçom não lhe disse que queria vê-la?

Vê-la? Mas, por quê? Se na noite passada havia sido tão grosseiro e indelicado, o que queria com ela agora? Mais insultos, com certeza.

— Eu... eu pensei que você fosse... — Suzanne estava

muito confusa.

— Você pensou que fosse Vidal. Mas o garçom não ex­plicou que era Cesare Martino, e não Vidal?

Suzanne mexeu no cabelo, com mãos trêmulas. Oh, por que não ouviu tudo o que Cario tinha para dizer?

— Ele deve ter explicado. Mas falou muito depressa e em italiano. Não entendi direito. Desculpe.

— Mas todos os empregados, mesmo os estrangeiros, são contratados para falar apenas em inglês.

— Oh, por favor, não fique nervoso. Ele devia estar an­sioso, porque o senhor é um conde. Talvez por isso tenha dito que eu não estava vestida adequadamente.

De repente, o conde ficou furioso.

— Ele fez o quê? Um garçom disse a uma hóspede do meu hotel que ela não estava devidamente vestida? Não, não pode ser!

— Seu hotel, conde Martino? E o dono deste hotel?

— Exatamente. Sou o dono deste e de muitos outros, espalhados pela Europa e América. Infelizmente, na Amé­rica não tenho tantos hotéis como gostaria. Por isso, o con­trato com Grant era tão importante para mim. Mas, não tem problema, não vim aqui para discutir negócios. Na ver­dade, estou aqui para pedir desculpas pelo meu comporta­mento, ontem à noite. Podia estar aborrecido com Vidal, mas minha atitude com você foi imperdoável.

— Não precisa se desculpar — Suzanne disse, rapida­mente. — Eu entendo.

Estava desorientada. Será que Celeste sabia da família de Vidal quando decidiu vir para Londres, para esse hotel em particular? Tinha quase certeza que sim. Por isso, a madrasta parecia estar esperando por alguém em especial. Devia saber que mais cedo ou mais tarde, Vidal Martino apareceria. Mas, se tinha todas essas informações, o mais natural é que esti­vesse de olho em Cesare, um homem atraente que, além de dinheiro, tinha também o mais importante, um título. Então, por que estava aparentemente interessada em Vidal Martino? Era tudo um mistério para Suzanne, um grande mistério. Cesare interrompeu seus pensamentos.

— Aceita minhas desculpas?

— Claro. Não há mesmo nenhum problema.

O conde olhou em volta e sugeriu que se sentassem numa das enormes poltronas do saguão. Só então Suzanne se lem­brou de que estava de biquini, e morreu de vergonha. Devia ter ouvido Cario! Bem, agora era tarde demais.

— Já conhecia Londres?

— Não.

— E está gostando?

— Ainda não vi muita coisa. — Há quanto tempo está aqui?

— Há uma semana — respondeu, sem acreditar no que estava acontecendo: um conde, um aristocrata veneziano, conversando com ela!

— Pensei que tinha vindo fazer turismo.

— E vim. Mas, infelizmente, minha madrasta não gosta de visitar praças e monumentos. Acha muito cansativo.

— E você se sente na obrigação de fazer companhia a ela, o tempo todo?

Suzanne sorriu.

— Céus, não! Celeste não precisa de mim. Nem agora nem quando...

Percebeu que estava falando demais. Não devia dizer cer­tas coisas àquele homem: afinal, era o irmão de Vidal.

— Sim?

— Nada, nada importante. Estarei livre para visitar Lon­dres nos próximos dias.

— Pois então, você me dará a honra de me deixar ser o seu guia. Há vários lugares que um turista deve visitar — Cesare olhou para o rosto surpreso de Suzanne. — Há vários lugares interessantes para conhecer, como alguns restaurantes e lojas. Não posso permitir que vá embora sem ver tudo isso.

— Não se preocupe, não pretendo perder nada disso. Ce­leste, minha madrasta, achará alguma distração para os próximos dias e, então, poderei fazer o que quiser.

— Está recusando o meu convite? Suzanne não sabia o que fazer.

— Não quis dizer isso. Sei que só fez esse convite por educação.

— Não, não foi.

— Mas eu... eu mal o conheço. Não posso pedir a um estranho...

— Mas não sou um estranho. Fomos apresentados formal­mente, ontem à noite. Caso contrário, não estaria aqui, agora. Vidal nos apresentou, lembra-se? Você ainda recusa meu con­vite? Garanto que vai ser um prazer lhe mostrar as belezas da cidade. Mas se o irmão de Vidal não é bastante bom...

— Conde Martino! — Suzanne estava realmente ofendida. — Eu não disse nada disso. Não sinto nada pelo senhor, além de respeito. Inclusive por Vidal. Eu o encontrei ontem, pela primeira vez também.

Se Suzanne pensou que tinha conseguido ofender Cesare, estava muito enganada; naqueles olhos não havia nenhuma gota de emoção.

— Você se encontrou com ele aqui, no hotel?

— Sim, na piscina.

— Não conhecia Vidal, antes disso?

— Como já disse, signore, eu o vi pela primeira vez ontem. — Suzanne tinha a sensação de conhecer Vidal há muito tempo.

— Vocês pareciam muito... amigos, quando cheguei.

— E mesmo? — perguntou friamente. Esse homem era muito arrogante para o seu gosto. — Seu irmão é uma pessoa fácil de fazer amizade.

— Não tenho dúvida. Você sabia que Vidal é noivo?

— Noivo?

— Um compromisso dessa natureza é considerado quase um casamento, em Veneza. Percebi que você não sabia. Talvez, Vidal não se sentisse na obrigação de mencionar isso, porque ainda não é oficial. Um acordo feito há muitos anos entre duas famílias, entende? Está para ser anunciado nos próximos dias.

— Por que está me dizendo isso? Cesare balançou os ombros musculosos.

— Pensei que talvez tivesse algum interesse para você. Os olhos verdes de Suzanne brilharam de raiva.

— Pois não devia pensar isso, signore — disse, tentando controlar o nervosismo. — E sei que não veio aqui com a intenção de se desculpar. Seria a última coisa que passaria pela sua cabeça!

Tinha vontade de sair correndo dali. Mas essa devia ser a reação da maioria das pessoas diante da superioridade arrogante daquele homem. Custasse o que custasse, não ia lhe dar o gostinho de parecer assustada. Essa satisfação o conde não teria.

— Então, por que acha que vim até aqui? — Cesare perguntou, indiferente.

— Para falar sobre Vidal.

— Você é muito convencida, srta. Hammond.

— Absolutamente, conde. Aliás, não faço a menor idéia de por que acha que sou uma ameaça aos planos bárbaros que tem para seu irmão.

— Que planos bárbaros?

— O casamento planejado.

— Assuntos de família não são da sua conta, mocinha. Como ele era arrogante! Suzanne tinha que ridicularizá-lo

de alguma maneira.

— O que faço com meu tempo e a minha vida também não é da sua conta.

Como sempre, Cesare não demonstrou nenhuma reação.

— Meu convite ainda está de pé. Cheguei a pensar que estava mudando o alvo do seu charme: trocando Vidal por melhores perspectivas.

Suzanne sentiu seu sangue ferver.

— E lógico que não! Como poderia fazer isso, se Vidal não é e nunca foi meu? E mesmo que fosse, nunca pensaria em você como substituto.

— Ah! Quer dizer que condes não são o seu tipo ideal?

— O que quis dizer dessa vez? O conde sorriu.

— Perdoe-me. Por um momento, pensei que estava in­teressada em mim, não em Vidal.

— Como é convencido!

— Em absoluto. Conheço muito bem o poder do dinheiro, e a recepcionista me disse, ontem à noite, que você lhe fez perguntas a meu respeito. Logo, deduzi que estava usando Vidal para se aproximar de mim.

— Oh, naturalmente — Suzanne disse, com ironia. — Vai me desculpar, conde Martino, mas tenho que ir para o meu quarto.

Saiu quase correndo, na direção da escada, sem esperar res­posta, e sem se lembrar de que estava hospedada no sexto andar. Subiu o primeiro lance e parou, ofegante. Que atrevi­mento! Como ele ousava vir aqui, tentar arruinar algo que tinha começado tão maravilhosamente? Primeiro Celeste e, agora, ele. Por que tinham que estragar um sonho de amor tão lindo?

Que mulher, em seu estado normal, preferiria um homem tão bruto e arrogante como aquele? Celeste, claro. Ficou ainda mais irritada. Na pressa de fugir, tinha esquecido de esclarecer o mais importante: a mulher que perguntou por ele era a madrasta, não ela. O conde devia ter confundido senhorita com senhora Hammond. Aliás, toda aquela his­tória era uma grande confusão e ela se sentia feito uma peteca, jogada de um lado para o outro. Quando Celeste voltasse, iriam ter uma conversinha.

Agora, o melhor que podia fazer era sair para aproveitar um pouco aquela viagem tumultuada. Mudou de roupa, al­moçou num pequeno restaurante italiano e passou o resto da tarde explorando a cidade. Já começava a escurecer, quando percebeu que tinha andado várias horas, sem des­tino, e não fazia a menor idéia de onde estava nem qual era o caminho de volta. Perdida em Londres, feito uma caipira que nunca tinha visto uma cidade grande!

Ia perguntar ao velho da banca de jornal, quando sentiu que seguravam seu braço com firmeza. Pela autoridade do gesto, sabia que era o conde, antes mesmo de olhar.

— Tire as mãos de mim! O que pensa que está fazendo?

— Pensei que estava ajudando uma moça perdida. Mas parece que estava enganado.

Cesare virou as costas e foi embora. Suzanne correu

atrás dele.

— Oh, por favor, desculpe. Não queria ser grosseira, mas o senhor me assustou aparecendo daquela maneira.

— Não devia se afastar tanto do hotel. Ainda não co­nhece Londres e é perigoso uma mulher andar sozinha em certos bairros.

— Não preciso de nenhuma companhia. Já sou bastante grande para tomar conta de mim mesma.

— Pois não parece.

— Está certo. — Suzanne suspirou. — Admito que estava perdida. Mas como me encontrou? Não diga que me seguiu.

— Mais ou menos. Estava indo para um encontro de negócios, quando a vi, saindo do restaurante. Seu cabelo é inconfundível, sabe?

— Mas isso foi há horas! Andou atrás de mim esse

tempo todo?

Suzanne estava muito curiosa O arrogante conde Martino seguindo uma pobre plebeia pelas ruas de Londres! Por quê?

— A distância. Queria ter certeza de que não se perderia. Mas se perdeu!

Suzanne suspirou novamente.

— Isso pode acontecer com qualquer um. O que quer que eu faça. Peça desculpas por ter me perdido?

— Claro que não. Agora, vamos voltar para o hotel e espero que não saia mais sozinha. Há guias no hotel que são pagos para acompanhar os hóspedes.

— Muito obrigada, conde Martino. Foi muito gentil de sua parte ter me ajudado —- Suzanne disse, assim que chegaram.

— Você não vai mais sair sozinha?

— Não, já que acha melhor.

— Eu acho. Até logo, srta. Hammond.

— Oh, conde! Não, esqueça, não é nada importante.

— Agora você já começou. Nunca deixe uma frase pelo meio.

— Verdade? Mesmo se for imprudente continuar? — E no seu caso, é imprudente?

— Não tenho muita certeza. Simplesmente, queria que soubesse que foi minha madrasta quem perguntou por você, não eu.

— Eu sei. Obrigado por lembrar o meu... erro.

— Não acredita em mim, não é?

— É importante que eu acredite?

— Para mim, é. Pode pensar o que quiser de mim, mas não sou mentirosa.

— O que eu quiser? Por que pensaria alguma coisa sobre você? Nós só nos encontramos ontem, pela primeira vez!

— Parece muito tempo... muito tempo.

— Estou contente por ter causado uma impressão tão forte. — Cesare foi irônico.

— Diga-me, conde. Sempre tenta prevenir as mulheres contra seu irmão.

— Tento o quê, srta. Hammond?

— Prevenir as mulheres contra seu irmão. Vidal tem o hábito de fazer amizades desaconselháveis? Desaconselhá­veis do seu ponto de vista, quero dizer.

— O comportamento de meu irmão, aconselhável ou não, não tem nada a ver com seu caso, srta. Hammond. Já avisei a respeito do noivado de Vidal, mas se você insiste em con­tinuar a vê-lo, não tenho nada mais a fazer.

— Mas não aprova.

— Não posso fazer nada em tais circunstâncias.

— Que circunstâncias? Seu irmão pode estar noivo, e, mesmo assim, sentir atração por outra mulher.

— Não quero mais discutir esse assunto.

— Acho que está certo. Vidal é suficientemente adulto para tomar suas próprias decisões.

— Já que pretende continuar a vê-lo, não há mais nada a dizer.

Suzanne não tinha intenção de continuar vendo Vidal, agora que sabia que era comprometido, mas não ia dizer a Cesare. Embora só estivesse noivo, raramente os noivados eram des­manchados na Itália, principalmente pelo homem. Além disso, só se conheciam há um dia, e apesar de Suzanne achá-lo muito atraente, não queria causar nenhum problema entre Vidal e a família, pelo menos, não mais do que já tinha causado.

Entrou no hotel, pensativa. Cario estava passando pela recepção

— Srta. Hammond, perdoe-me por ter sido rude esta ma­nhã. Não foi minha intenção.

— Eu sei, Cario. Quando soube quem estava me cha­mando, percebi que você estava certo quanto à minha roupa.

— A senhorita ficou aborrecida com o meu atrevimento?

— No início, fiquei um pouco surpresa. Mas, como já disse, logo entendi sua intenção. O conde lhe disse alguma coisa, depois de eu ter-me encontrado com ele? — perguntou, em voz baixa.

— O senhor conde não foi muito gentil... — respondeu, meio sem jeito.

— O que foi que ele disse? — Suzanne ficou nervosa.

— Bem... Este hotel é dele, signorina. E não posso ser atrevido com nenhum hóspede.

— Você não foi atrevido, Cario. Só estava tentando me ajudar. Eu é que fui tola em não ouvir o que tinha para falar. Mas, agora, percebo como estava ridícula, só de bi­quini, ao lado do conde, vestido tão formalmente. Cario sorriu.

— Fico contente por não estar zangada, srta. Hammond, embora o conde...

— Não se preocupe com o conde, Cario.

Suzanne se virou e viu Celeste entrando no hotel. Quis se afastar de Cario, para evitar uma futura discussão com a ma­drasta, mas o sr. David Brewster, o gerente, cortou seu caminho.

— Srta. Hammond, espero que tenha aceitado as descul­pas de Cario. Ele sempre foi educado, atencioso e gentil com os hóspedes. Não posso entender sua atitude com a senhorita. Principalmente, se o conde é seu amigo pessoal!

— Oh, mas ele não é — Suzanne disse, notando a apro­ximação de Celeste. — O conde não é meu amigo. O que ele disse, para lhe dar essa impressão?

— Suzanne, você está aborrecendo o sr. Brewster, querida?

— Certamente que não, sra. Hammond. Eu só estava perguntando...

— O sr. Brewster estava perguntando se estamos gos­tando da nossa estada — Suzanne interrompeu. — E eu justamente lhe dizia que passamos momentos maravilhosos.

O gerente olhou, assustado.

— Oh, mas eu...

— Não estamos, Celeste?

— Claro que sim — Celeste respondeu, desconfiada.

— Obrigado, sra. Hammond. Agora, se me derem licença...

— Certamente, Que homem gentil! — Celeste disse, assim que ele se afastou. — É pena que não tenha dinheiro.

— Oh, é mesmo? Você não sabe pensar em outra coisa?

— Em que outras coisas eu poderia pensar?

— Muitas. Mas é claro que não iria se interessar.

— Provavelmente não. Vamos até o terraço tomar alguma coisa gelada?

— Teve um dia agradável? — Suzanne perguntou, quando já estavam tomando seus drinques.

— Não tente mudar de assunto. Vi você com aquele rapaz na recepção.

— Não sei sobre o que está falando.

— Não se faça de inocente comigo, querida! Eu lhe disse para não se encontrar mais com ele.

— Não tem nenhuma razão para pensar que Cario sig­nifica mais do que um simples empregado para mim.

— Bem, já fiz contato com Vidal Martino. Por isso, você vai ter que se comportar melhor, daqui por diante.

— O que quer dizer com fiz contato? Você já não o conhecia? Pensei que tinha dito que tinham um encontro, hoje...

— E tivemos. Mas a iniciativa foi minha. — Celeste pa­recia satisfeita consigo mesma.

— Então, foi você que se apresentou a ele! — Suzanne começou a perceber que talvez tivesse julgado mal Vidal.

— Não foi nada tão vulgar assim, Suzanne. Nós nos en­contramos... por acaso.

— E o acaso foi planejado por você. Bem, onde foi? Eu a vi saindo essa manhã com ele. Ou, pelo menos, pensei que fosse ele — corrigiu rapidamente.

— Alto, moreno e elegante?

— E — concordou, suspirando.

— Então era Vidal. Ele é tão charmoso, Suzanne, e muito atencioso.

— Onde você foi?

— Ele me levou para almoçar num restaurante muito especial.

— Você realmente gosta dele?

— É absolutamente fascinante. E muito bonito. Suzanne tentou disfarçar o ciúme:

— Acha que vai conseguir atraí-lo?

— Vidal? Oh, tenho certeza de que, se quiser, eu consigo. Não, ele não será problema. Poderia até dizer que já esta gostando de mim.

— Então qual é o problema? — O conde Cesare Martino.

— O conde? O que... quem é o conde Cesare Martino? Celeste olhou para as unhas bem pintadas:

— Ele é o meu homem, Suzanne. E não é tão fácil de levar como o irmão.

— Mas eu... eu pensei... não entendo. Eu pensei que Vidal...

— Oh, não. Bem que eu preferia que Vidal tivesse o dinheiro e o título. Mas, infelizmente, é o irmão sério que tem tudo isso.

— Mas, e quanto a Vidal?

— Charmoso, mas completamente inconveniente. É o con­de Cesare Martino que eu quero como marido. E vou usar Vidal para chegar até ele.

 

Naquela noite, Suzanne jantou com um apetite que espantou a madrasta. Celeste não estava interessada em Vidal! Era o conde que queria! O mundo lhe parecia novamente maravilhoso. Tudo era maravilhoso. — O jantar estava uma delícia! — Sorriu.

— Notei que você gostou. Espero que não esteja cele­brando nossa separação antes da hora. Eu lhe disse que não vai ser fácil impressionar o conde.

— E como é que Vidal entra nessa história? Celeste tomou um gole de café, antes de responder.

— Simples: quero que me apresente ao irmão.

— Por que você mesma não se apresenta?

— É óbvio, querida. Uma apresentação formal do irmão mais moço é muito mais respeitável. Não se esqueça de que o homem é um nobre. O problema é que Vidal não parece ser muito apegado ao velho, por isso, vou ter que usar todo o meu charme... com os dois.

— Acha que o conde é um velho? — Suzanne se divertia com aquela conversa. Celeste nem desconfiava de como es­tava errada. Afinal, Cesare era apenas seis anos mais velho do que ela!

— Deve ser.

— Você não o conhece?

— O conde não é um homem muito fácil de conhecer. A única coisa que sei, e que me interessa, é que ele é podre de rico e solteiro.

— Como descobriu isso?

— Há seis meses, fui a uma festa e Vidal Martino também estava lá. Não cheguei a falar com ele, mas fiz perguntas. Foi aí que soube da existência de seu irmão.

— Depois disso, você resolveu se hospedar no hotel do conde, com a esperança de encontrá-lo. Muito astuciosa! — Os planos de Celeste estavam bem claros agora.

— Na esperança, não. Tenho certeza de que ele vem aqui. Só espero que não demore mais do que uma semana para aparecer. O dinheiro está no fim. Mas, como você sabia que esse hotel pertencia ao conde?

Suzanne engoliu em seco, percebendo que tinha se traído.

— Eu... eu acho que alguém deve ter mencionado isso.

— Verdade? E quem será que mencionou? Cario, talvez? Se você andou falando sobre mim... — Celeste parou, atraída por alguma coisa atrás de Suzanne. — Olhe para aquilo! Que aparência fantástica! Pensei que Vidal fosse atraente, mas perto daquele homem não passa de um sujeitinho in­significante. Dê uma olhada, Suzanne. Não é magnífico?

Suzanne estava com medo de se virar. Só podia ser uma pessoa! Estava certa: era mesmo o conde Martino! David Brews-ter, todo solícito, puxava uma cadeira para a acompanhante de Cesare: uma morena alta, de cabelos longos, usando um elegante vestido azul. Parecia ser mais ou menos da idade dele.

Suzanne virou-se rapidamente, antes que ele a visse.

— Acho muito arrogante para o meu gosto. E a mulher também.

— Oh, ela não tem um pingo de sensibilidade. É puro gelo. — Celeste continuou a observar o casal. — Mas ele é totalmente diferente. Tem sangue nas veias, dá para perceber isso só de olhar. Aposto que é muito romântico e um grande amante.

— Celeste. — Suzanne não gostava de falar sobre o conde. O que será que ela vai dizer, quando souber quem ele é? Será divertido ver sua reação. — Você não deve falar sobre os outros dessa maneira,

— Não seja tão puritana! Tenho certeza de que ele não é um marido fiel.

— Ele não é casado com ela! — Suzanne disse, com convicção, e mordeu a língua. Já tinha falado demais, outra vez. Será que não aprendia a ficar com a boca fechada?

— O que fez você pensar assim — Celeste olhou nova­mente para o casal. — Mas pode estar certa — murmurou, pensativa. — Eles não têm jeito de gente casada. Talvez ela seja sua noiva ou sua amante.

— Talvez. Bem, você está pronta? Acho que devemos ir para a sala de estar e tomar um drinque.

— Ainda não. Quero olhar para ele um pouco mais. Será que está hospedado aqui. O gerente o trata como se fosse alguém muito especial. Talvez, um parente do conde.

— Pode ser.

— Você acha?

— Como posso saber, Celeste? Você é a única que parece saber tudo sobre essa família. Nunca tinha ouvido falar nada sobre essa gente, até ontem. — No fundo, Suzanne preferia nunca ter conhecido nenhum dos dois.

Celeste nem ouvia; toda a sua atenção estava concentrada naquele homem.

— Ele já nos notou — disse entusiasmada.

— Ele, ele já notou?

— Hum-hum... — sorria na direção da mesa de Cesare.

— Oh, pare com isso, Celeste! O pobre homem nem deve saber por que você o olha tanto.

— Que combinação curiosa: pele morena e olhos cinzen­tos! Acho que é estrangeiro. Está olhando novamente, Su­zanne! — Seus olhos brilhavam.

— Vamos embora, Celeste. Já terminamos o jantar. Não podemos ficar sentadas aqui para sempre.

— Ele pediu desculpas e está vindo para cá! Você con­segue acreditar?

Sim, Suzanne podia acreditar nisso. O conde era muito educado para ignorá-la, depois de terem sido apresentados formalmente. Mas não queria que ele se aproximasse agora. Celeste ficaria furiosa quando soubesse que já conhecia os dois Martino, especialmente o conde.

Mas agora era tarde. Cesare já estava junto delas e pa­recia realmente magnífico naquele traje a rigor.

— Srta. Hammond, signora... É um prazer muito grande conhecer sua amiga, Suzanne.

Ela estava desesperada; tinha chegado o momento da verdade e precisava apresentar os dois.

— Celeste é minha madrasta, signore.

— Perdoe-me, sra. Hammond, não parece ter idade para ser madrasta de alguém.

Celeste sorriu.

— Obrigada.

Novamente, o conde olhou para Suzanne.

— Você não vai nos apresentar?

Maldito homem! Ele estava gostando disso. Devia saber que não tinha dito nada a Celeste sobre seus encontros.

— Minha madrasta, Celeste Hammond. Celeste, este é... — hesitou, mas finalmente completou: — Este é o conde Cesare Martino.

A outra teve dificuldade para esconder o susto.

— Conde Martino?

— E isso mesmo — Suzanne disse, friamente. — O irmão de Vidal.

— Oh, sim. Vocês duas conhecem meu irmão, não é? Vidal me disse que as encontrou aqui no hotel. Estão gos­tando de Londres?

Celeste conseguiu se controlar e voltar ao estado normal.

— Estamos gostando muito, obrigada. Aceita tomar um café conosco?

O conde balançou a cabeça.

— Impossível, sinto muito. Já deixei minha convidada sozinha por muito tempo. Foi um prazer conhecê-la, sra. Hammond.

— Por favor, trate-me de Celeste.

— Obrigado. Também espero que me chame de Cesare. Agora, preciso voltar. Será que poderia vê-la amanhã?

— Eu adoraria.

— Muito bem. — O conde curvou-se. — Boa noite, Suzanne. Agora, ela ia ter que aguentar a fúria de Celeste. Não era a primeira vez que se arrependia de ter ido a Londres. Exceto, é lógico, pelo fato de ter encontrado Vidal. Nunca tinha conhecido ninguém como Vidal, mas, também, nin­guém como o conde.

— Você é muito espertinha, hein? Com quem estava no jardim, ontem à noite? — Celeste estava uma fera.

— Com Vidal, é lógico.

— Não entendo por que o conde pareceu tão simpático com você. Ele a chamou de Suzanne.

— Nós nos encontramos ontem. Eu mal o conheço.

— Mas conhece Vidal bem melhor, não é?

— Talvez.

— Sua puritanazinha hipócrita. Conheceu os homens on­tem e já está íntima. Até arrastou um deles para o jardim! Eu vi vocês dois se beijando.

— Você não entende, Celeste. Eu só...

— Eu sei muito bem o que você fez aqui, feito uma qualquer.

— Pare, Celeste! Eu não fiz nada disso. Gostei dele e...

— E tem certeza de que ele também gostou de você! Como é ingênua, fácil de impressionar! Acha mesmo que um homem sofisticado como Vidal pode se interessar por uma tola?

— Deixe-me sozinha! Por que tem que ser tão cruel e me dizer essas coisas?

— Porque você está comprometendo todos os meus planos.

— Mas você foi apresentada ao conde, não foi?

— Fui, mas não queria que fosse através de você. Agora, o conde deve achar que também sou uma coitada. O que mais ele podia pensar de alguém que se envolve dessa ma­neira com o irmão?

Suzanne levantou-se, com as lágrimas escorrendo dos olhos verdes.

— Você é um monstro, Celeste! Vou me embora daqui.

— Faça isso mesmo. Corra e se esconda. Estou muito nervosa para falar civilizadamente com você.

Suzanne correu e o conde a seguiu com o olhar. Ela não se importou com ninguém e foi, mais uma vez, se refugiar no jardim. Cesare tinha provocado aquela situação de pro­pósito e ela o odiava por isso.

— Suzanne!

Teve um sobressalto e enxugou as lágrimas rapidamente. Mas não respondeu e continuou de costas para o conde.

— Suzanne! Por que está chorando?

— Eu não lhe dei o direito de me chamar de Suzanne — respondeu, com os olhos cheios de lágrimas outra vez.

— Não, não me deu. Mas por que está chorando?

— Não estou chorando. — Enxugou as lágrimas. — Não agora.

— Mas estava. Sua madrasta foi muito rude?

— Como esperava que ela reagisse? Sabia muito bem o que estava fazendo, quando me forçou a apresentá-los.

— E o que eu fiz?

— Você deixou Celeste muito zangada.

— E isso fez você chorar? Está me parecendo que é uma garota rica muito mimada.

— Uma... uma o quê?

— Por que a surpresa? Não pode ser tão pobre, se está hospedada nesse hotel luxuoso.

Suzanne balançou a cabeça.

— Está errado, conde. Não sou rica.

— Não? Então, além de um título, também quer dinheiro? Você é ambiciosa!

— E você, conde, é um grosseirão. Realmente acha que quero conquistá-lo, não é? Pois não quero. Quanto mais não seja, porque sei perfeitamente que não tenho nada que possa interessar a um homem da sua posição. Além disso, ser uma condessa não me atrai nem um pouco.

Ele riu.

— Eu não estava falando sobre casamento. Você não pre­cisa necessariamente ser minha esposa para conseguir meu dinheiro. Só o fato de ser minha amante já lhe daria um certo prestígio.

— Por quê? Outras mulheres já se consideraram privi­legiadas, só por dormir na sua cama?

— Talvez.

— Por acaso, está me oferecendo esse papel em sua vida?

— E se estivesse, qual seria sua resposta?

Com que direito ele lhe falava dessa maneira? Sua aman­te! Até Celeste, que estava lutando por ele, se sentiria ofen­dida com uma proposta assim.

O conde se aproximou, quase encostando o corpo no dela.

— Você é uma garota muito bonita, Suzanne. Qual o homem que não desejaria ter o seu corpo? Eu pergunto novamente: qual seria sua resposta?

Ela o encarou, séria.

— Minha resposta seria não. Não, não e não! Não estou interessada em ser amante de ninguém.

— Oh, preferiria, então, ser minha esposa.

— Não, não preferiria. Talvez seja um choque, mas fique sabendo que não gosto nem um pouco de você.

— E se eu provar o contrário? — perguntou, malicioso. Suzanne se afastou, suspeitando das intenções dele.

— Não se aproxime.

As mãos de Cesare seguraram Suzanne com firmeza. De­vagar, os lábios dele foram se aproximando, e ela sentiu a sua respiração morna.

— Diga que não gosta de mim, Suzanne. Diga!

— Eu... eu... eu não posso!

Imediatamente, ele a soltou, deixando-a desorientada.

— Não fique zangada, Suzanne, foi só um teste. Tenho certeza de que meu irmão recebeu muito mais do que isso, ontem à noite. Mas você não é indiferente comigo, nem com nenhum homem que tenha uma certa experiência com mu­lheres. E capaz de se apaixonar muito facilmente.

Suzanne estava furiosa.

— Não estou apaixonada, signore. Foi apenas uma ex­periência nova. Nunca estive no jardim de um hotel com um conde veneziano. Que experiência! Mas eu não reco­mendaria isso todos os dias. Por que não volta para sua amante e tenta explicar-lhe o que estava fazendo comigo, nos últimos dez minutos?

— Não preciso explicar nada a Elena.

Oh, então é por isso que está atrás de uma nova aman­te. Excesso de compreensão deve ser muito cansativo.

— Elena não é minha amante, é minha prima.

— Que bom para você.

— Você é muito insolente!

— Bem, eu gosto disso! Depois de tudo que me acusou, até que é bom ser chamada de insolente. Não vim aqui para ser insultada por ninguém. Eu...

— Srta. Hammond! Srta. Suzanne Hammond!

A voz do porteiro fez com que Suzanne parasse de falar. Correu em direção ao homem, ignorando totalmente o conde.

— Srta. Hammond?

— Sim, sou eu. Tem algum recado para mim? — Com certeza, devia ser de Vidal.

— O sr. Martino está no telefone, srta. Hammond. Ele insistiu para chamá-la. A senhorita vai atender?

— É lógico. Eu...

— A srta. Hammond irá daqui a pouco, peça ao meu irmão para esperar. — Ò conde interrompeu e se virou para ela. — Você. se lembra do que me prometeu essa manhã?

— Sobre não ver mais Vidal? E claro que me lembro.

— Então, espero que tenha uma boa noite.

Suzanne hesitou por uns minutos, antes de correr para o telefone.

— Vidal?

— Sim. Meu irmão estava aborrecendo você?

— Não.

— Ótimo. Eu lhe disse que telefonaria, não é? Você não acreditou?

— Não, não acreditei.

— Porque eu saí com sua madrasta hoje. Mas, é perfei­tamente óbvio que Celeste está interessada em Cesare. Você está com ciúme, querida?

— Claro que não! Não foi por causa de Celeste que eu duvidei de você. Se saiu ou não com ela, isso não me interessa.

— Então por quê? Oh, não me diga. Foi Cesare. Ele lhe falou sobre meu noivado?

— É, falou.

— Eu sabia. Mas não estou noivo e nem pretendo ficar. Cesare é muito intrometido. Quando você o viu?

— Ele não foi trabalhar hoje e nós nos encontramos aqui no hotel. Ele pensou que fosse melhor que eu soubesse.

— Ele não tem esse direito! Já sou um homem, não posso ser tratado dessa maneira. Ele lhe disse mais alguma coisa?

— Não — Suzanne mentiu.

— Vou ter uma conversa com ele. Quando posso vê-la,

Suzanne?

— Tem certeza de que deve me ver, Vidal? Cesare disse...

— Cesare! Esqueça-o, querida. E desde quando você o chama de Cesare?

— Desde que ele foi apresentado a Celeste, insistiu para que nós o chamássemos assim.

— Entendo. Então, Celeste conseguiu finalmente seu ob-jetivo? E o que Cesare achou da sua madrasta? Ficou im­pressionado com ela.

— Não faço a menor idéia. Aparentemente, não teve ne­nhuma reação.

— Eu o conheço. Posso vê-la amanhã?

— Se você quiser. Mas acho que seu irmão também vai se encontrar com Celeste, amanhã.

— Ótimo. Podemos nos encontrar todos juntos.

— Vidal! Você acha que isso é sensato?

— Suzanne, não se preocupe. Estou ansioso para vê-la. Você também quer?

— Você sabe que sim, mas...

— Sem mas, Suzanne. Deixe Cesare comigo.

No dia seguinte, Suzanne passou a manhã toda ansiosa pela chegada dele. Celeste quase não falou com ela e, depois do almoço, desceram juntas para o saguão.

A madrasta também estava impaciente com a demora de Cesare, olhando toda hora para o relógio.

— Talvez eles não venham. Estou surpresa por Cesare e Vidal terem dito que vinham juntos. Eles não parecem ser grandes amigos.

— Você percebeu isso? Celeste sorriu.

— Era impossível não perceber. Vidal se comporta como uma criança, quando alguém fala sobre Cesare. Ele estava insuportável ontem. — Olhou para o relógio pela milésima vez. — São quase três horas!

— Não se preocupe, o conde disse que vinha vê-la hoje e ele parece ser um homem de palavra. Provavelmente, estão no escritório.

— Ele é maravilhoso, não é, Suzanne? Que figura impressionante.

— Você gosta?

— Quem não gostaria? Muito arrogante, mas maravilho-so. Não entendo por que ele ainda não é casado ou, pelo menos, noivo.

Suzanne também gostaria de saber a mesma coisa. Vidal disse que o irmão tinha trinta e sete anos. Na Itália, um homem dessa idade já é casado.

— Chegaram, Suzanne — Celeste murmurou. — Não são os homens mais elegantes que você já viu?

Certamente que eram.

— Não fizemos vocês esperarem muito, não é? — Cesare se desculpou.

— Não, Suzanne e eu estávamos apenas descansando. Pra­zer em vê-lo novamente, Vidal. E em vê-lo também, Cesare.

Vidal mal respondeu ao cumprimento. Estava ansioso para falar com Suzanne.

— Não me olhe assim tão apreensiva, querida, ou vou pensar que não está feliz em me ver.

— Mas eu estou, você sabe que estou.

— Então, posso lhe dar um beijo?

Olhou, assustada, para o conde, que a observava. Ora, ele não tinha nada com isso! Aproximou-se e beijou Vidal. Cesare continuava observando, com ar de reprovação.

— Vidal! Você se esqueceu de que este é um lugar público!

— Preocupe-se apenas com você, Cesare. Suzanne só es­tava me cumprimentando.

— Eu percebi.

Suzanne olhou para os dois irmãos, perfeitamente ciente da discussão que havia causado.

Celeste sorriu, quebrando a tensão que aumentava.

— Não fique zangado, Cesare. Suzanne só ficou um pouco

entusiasmada com esse encontro. Cesare ainda estava nervoso.

— Tem razão, ela é muito jovem.

— O que vamos fazer hoje? — Suzanne perguntou, de­cidida a não se importar com aquela vigilância ostensiva.

— O que você gostaria de fazer?

— Talvez vocês queiram visitar alguns lugares turísticos

— o conde interrompeu. — Você parece estar com vontade de conhecer a cidade, Suzanne. Você também, Celeste.

— Bem, eu... sim, acho que quero — ela concordou sem entusiasmo. — Realmente, ainda não tivemos oportunidade de ver quase nada. Sabe, Suzanne não está muito bem.

O conde olhou para ela, preocupado.

— Você esta doente?

— Bem, não exatamente...

— Ela estava com uma forte gripe. Tem uma saúde delicada.

— Realmente? Então, seria melhor que fôssemos sozi­nhos, Celeste.

— Somos perfeitamente capazes de fazer nossos próprios planos, Cesare. Se Suzanne quiser sair, eu a levarei. Sozinho

— Vidal disse, azedo.

— Isso não está certo, Vidal, e você sabe. Suzanne é muito inocente e você não serve para ser seu guia.

— Na Inglaterra, não precisamos de guias — Celeste lembrou.

— Mas não é só por isso, Celeste. Estava pensando na reputação de Suzanne, quando disse que não seria correto que ela fosse vista sozinha com Vidal.

— E quanto à minha reputação?

— É diferente. Você já foi casada, enquanto que Suzanne é uma garota muito jovem, e não tem pai.

— Entendo. — Celeste não estava muito satisfeita. — Muito bem, Cesare, vamos todos juntos, então.

Suzanne e Vidal não tiveram escolha e saíram atrás deles. Cesare sugeriu irem a pé até o Castelo de Buckingham, que ficava perto do hotel. E deu um jeitinho de ficar ao lado de Suzanne.

— Você não vai mais falar comigo.

Falar com o conde era a última coisa que queria fazer! Olhou para Celeste e Vidal, que conversavam, animados.

— Sobre o que gostaria de falar, conde?

— Você parece tão formal, Suzanne. Seria muito difícil dizer Cesare?

Na verdade, Suzanne ainda estava magoada com o com­portamento dele.

— Será que não podemos esquecer nossos desentendi­mentos, pelo menos por uma tarde, querida?

— Não me chame assim.

— Querida? Mas por que não? Você não se importa quan­do Vidal usa o mesmo tratamento.

— E diferente.

— Não sei por quê. Conheço você há tanto tempo quanto ele. Aliás, acho que conheço mais do que ele, fisicamente.

— Não, não conhece! Eu também estava de biquini, quan­do conheci Vidal!

— Não é bom para uma garota da sua idade ficar na companhia de uma mulher tão mais velha e sofisticada, sem a proteção de um homem. Pode acabar se envolvendo demais com homens errados, especialmente os do tipo de Vidal.

— E do seu.

— E do meu — concordou. — Você é totalmente livre para escolher entre nós dois. Sua madrasta não lhe ensinou como agir?

Por que ele insistia em achar que ela também estava fazendo um jogo de sedução?

— Não me olhe tão indignada. Suzanne. Sei perfeita­mente como as mulheres inglesas ignoram certas regras de comportamento.

— Como assim? -— falou em voz baixa, para que Celeste e Vidal não pudessem ouvir.

— Sei muito bem como vocês desprezam certos valores.

O juramento do casamento não significa nada para vocês, e os filhos, menos ainda.

— Eu não entendo você. Nunca fiz nada dessas coisas.

— Até agora. Mas ainda tem muito tempo para cometer muitos pecados.

— Por que você odeia tanto as inglesas? O que lhe fizemos?

— Você, pessoalmente, não fez nada. Mas tive algumas experiências duras. Minha própria mãe era inglesa. E ela não hesitou em abandonar meu pai e eu por um amor mais jovem, um garoto de vinte anos. Nessa época, ela tinha trinta anos. Depois disso, aprendi a não confiar em nenhuma inglesa.

 

Suzanne estava apreensiva com aquela histó­ria. Devia ser mesmo terrível para um me­nino descobrir uma coisa dessas da mãe. Entendia agora o motivo da arrogância amarga do conde. Mas não podia julgar todas as mulheres por uma mulher.

— Sinto muito. Mas as inglesas não são todas iguais. Não é justo pensar assim.

— Justo! E foi justo abandonar um homem apaixonado e uma criança de três anos?

— Ela era apenas uma mulher...

— Cesare! Você vai me chamar de Cesare!

— Está certo, Cesare. Mas o fato de sua mãe ter agido mal não significa que todas nós somos capazes disso. De qualquer maneira, seu pai não demorou muito para se casar novamente. Vidal não é muito mais novo do que você.

— Minha mãe morreu logo depois de nos abandonar. Por isso, não havia mais motivo para ele não se casar nova­mente. E, dessa vez, com uma mulher veneziana, como devia ter sido a primeira.

Não perceberam Vidal se aproximar e Suzanne se assus­tou quando ele a abraçou, possessivo.

— Querida, sobre o que vocês estão falando? Suzanne percebeu que não queria que ele a abraçasse.

— Nada de importante.

— Mas vocês parecem tão concentrados! Não vai me dizer?

— Não há nada para dizer — o irmão respondeu, impa­ciente. — Estávamos apenas admirando a paisagem.

— Ah, sei. — Vidal franziu a testa. — Cesare acha que esta é a cidade mais bonita do mundo. Depois de Veneza, é lógico.

— Talvez ele esteja certo — Suzanne concordou.

— Precisamos conversar um pouco, querida. Suzanne sabia que isso era apenas um pretexto para

separá-la do irmão, e ficou irritada. Por um momento, de­sejou estar longe dali. Sozinha com Cesare. Nos braços de Cesare. Mas que coisas absurdas estava pensando! O conde tinha pensado nela seriamente.

O Palácio de Buckingham era lindo, muito mais bonito do que Suzanne imaginava. Cesare explicava as coisas mais importantes para ela. Vidal e Celeste não pareciam muito interessados.

De repente, Suzanne riu, percebendo a ironia da situação.

— Não seria mais lógico se eu estivesse lhe mostrando as belezas de Londres? Afinal, é o meu país.

— Acontece que também sou um pouco inglês. Além disso, você nunca tinha visitado Londres, não é?

— É verdade. Moro no norte, há muitos anos.   .

— Vidal me disse que você vivia num colégio.

— É isso mesmo. — Suzanne estava surpresa por Cesare já saber tanta coisa sobre ela.

— Estudando o corpo humano. Como pode tremer nos braços de um homem, se esteve estudando o corpo humano esse tempo todo? Foi o meu prazer que a assustou?

— Prazer? — Suzanne olhou em volta, com medo de que alguém ouvisse a conversa.

Cesare não tirava os olhos dela.

— Não me diga que você não consegue conversar com um homem que se sente excitado por você?

Suzanne estava envergonhada. E lógico que ela já havia conversado sobre essas coisas no colégio, mas clinicamente. Entretanto, tinha que admitir que ele também a excitava.

— Eu sei que você consegue. Não sou o primeiro homem a reagir diante do seu corpo e da sua beleza. Tenho certeza de que Vidal já sentiu o mesmo por você.

Quando Suzanne ia lhe dar uma resposta agressiva, Ce­leste se aproximou e segurou o braço dele, com intimidade.

— Você poderia conversar um pouco comigo, Cesare? Po­bre Vidal, está morrendo de ciúme.

— Não há motivo para isso. Suzanne e eu já terminamos nossa conversa.

Vidal abraçou-a novamente.

— A conversa com meu irmão estava interessante? Interessante! Aquela conversa nunca seria interessante.

E o ressentimento de Vidal cada vez a incomodava mais.

— Seu irmão conhece muito bem a história e os lugares de Londres.

— Ele tem que conhecer: afinal, de certa forma, pertence a este país.

— Ele me disse.

— Espero que você não pense que eu tenha tanto conhe­cimento quanto ele. A Inglaterra não significa, para mim, o mesmo que significa para Cesare.

Suzanne e Celeste estavam exaustas quando chegaram ao hotel, apesar de os dois Martino continuarem com a mes­ma vitalidade e o mesmo ânimo do começo da tarde.

Além do Palácio de Buckingham, o conde também lhes mostrou a Torre de Londres. Suzanne adorou visitar e co­nhecer esses lugares, mas sabia que, para Celeste e Vidal. a tarde tinha sido aborrecida.

Depois do jantar, tomaram um café e foram para a sala de estar do hotel. O conde e Celeste resolveram jantar na cidade.

— Por que vocês não moram juntos, no mesmo aparta­mento? — perguntou a Vidal.

— Por que deveríamos morar juntos? Eu já tenho 32 anos, não preciso mais de babá.

— Desculpe, não quis ofendê-lo. Eu... — ficou sem jeito.

— Entendo, estava apenas brincando. Cesare está fazen­do uma visita de rotina a todos os seus hotéis; por isso, é mais fácil que se hospede nos próprios hotéis.

— Você também faz esse tipo de serviço?

— As vezes. Mas Cesare prefere fazer isso pessoalmente, para ter certeza de que seus negócios estão indo bem.

— Então, ele vai voltar logo para Veneza?

— Isso depende de como estiverem as coisas com sua madrasta.

— Você acha que Celeste poderia impressioná-lo tanto assim?

— Eles estão juntos agora, não estão?

Vidal estava certo. Esse encontro poderia ser perigoso. Cesare chegou a convidá-los mas Vidal recusou o convite na mesma hora.

— Amanhã, voltarei a trabalhar, querida. Vai sentir mi­nha falta?

Suzanne sorriu, tímida.

— Eu mal o conheço.

— Às vezes, não é preciso uma convivência muito grande para duas pessoas se sentirem atraídas. E nós nos sentimos atraídos, não é?

— Atraídos?

— Claro. Amanhã à noite, vamos ao teatro. Às sete horas está bom para você?

Suzanne sorriu.

— E se não estiver? — brincou. — Eu posso ter outros planos para amanhã.

— Nesse caso, eu lhe pediria para cancelar.

— Você é insolente, Vidal! A possibilidade de lhe dizer não nunca lhe passou pela cabeça, não é?

— Agora, você está me aborrecendo. Então quer dizer que não vai sair comigo?

Suzanne não queria discutir.

— É lógico que sim. Eu apenas... Imediatamente. Vidal mudou de atitude.

— Eu sabia que você não ia me decepcionar, Suzanne. Só estava me castigando por ser insolente, não é?

— Talvez. Vocês dois são muito arrogantes.

— Dois? Ah, você quer dizer Cesare? Parece que meu irmão ocupa os seus pensamentos o tempo todo. Pensei que tinha dito que ele não era interessante.

— Não é! — Suzanne já estava cansada do ciúme bobo de Vidal. — Você está imaginando coisas erradas sobre seu irmão e eu. Se continuar com essas acusações, vou embora!

— Você não faria isso!

— Claro que faria!

Vidal se levantou, irritado.

— Então, vou resolver o seu problema. Eu mesmo vou embora. Posso vir buscá-la amanhã, às sete?

— Sim.

— Muito bem.

— Vidal, nós estamos brigando?

— Pela primeira vez, estamos. Espero que não seja a primeira de muitas outras discussões. De qualquer forma, preciso ir embora agora. Amanhã, não posso me atrasar. Vamos, levo você até o elevador.

— Acho que primeiro vou terminar o meu café, se não se importa.

— Você não quer ir comigo até o jardim, antes de subir? Suzanne sabia que ele queria beijá-la. Mas, embora Vidal

fosse o homem dos seus sonhos, não aceitou o convite. — Essa noite, não.

— Ainda está zangada comigo, não é? Eu compreendo. — Beijou a mão dela. — Até amanhã.

Vidal saiu, decepcionado. Suzanne também se sentia assim. Por que tinha recusado se ele era elegante e atraente, tudo que ela sempre sonhou? Não, a verdade é que os beijos de Vidal significavam para ela o mesmo que os de Robert: quase nada.

Acabou o café e foi para o jardim. Estava muito confusa.

— Suzanne?

Aquela voz! Nunca poderia esquecer aquela voz. Virou-se devagar e olhou para o conde. Esta era a segunda noite que se encontravam, por acaso, no jardim.

— Conde Martino?

— Você insiste em manter essa formalidade entre nós, Su­zanne, mas não vou mais me aborrecer com isso. Vidal já foi?

— Infelizmente, sim.

— Não seja agressiva, querida. Estou apenas tentando conversar com você.

— Onde está Celeste? Tenho certeza de que ela gostaria de ouvir isso.

— E você, não?

— Não.

— Por que esse desprezo todo? Reconheço que fui rude, no nosso primeiro encontro, mas já lhe pedi desculpas.

Suzanne olhou para os olhos atraentes do conde. — Mas logo em seguida voltou a me insultar.

— Eu fiz isso?

— Você sabe que sim. — Afastou-se, admirando um can­teiro de rosas. — Você disse que eu estava querendo con­quistar você por causa do seu dinheiro.

— E é por isso que me despreza?

— E você acredita em mim, agora?

— Acredito. Eu apenas troquei as pessoas. Suzanne olhou, espantada.

— Você... Você sabe.

— Sobre Celeste é lógico.

— Como vocês são presunçosos!

— Vidal também.

— Também.

O conde se preocupou.

— O que ele fez para você? Não foi atencioso? E por isso que está sozinha, aqui no jardim? Eu não queria que você ficasse sozinha com meu irmão, mas pensei que estaria se­gura com ele aqui, no hotel.

Suzanne virou-se, tensa.

— Desde quando você toma conta de mim?

— Desde o dia em que você me olhou com esses olhos verdes.

— Desde quê?

— É isso mesmo. Vidal ofendeu você?

— Não — Suzanne gaguejou. — Onde está Celeste?

— Não sei. Talvez no quarto. Já faz uma hora que não a vejo.

— Oh!

— Você parece surpresa! Eu não devia ter saído com ela, mas com você — Cesare disse, carinhoso.

— Eu...

— Nunca pensou que eu seria capaz de falar assim com você? Eu também não. Acho que é melhor ir embora, agora.

— Está certo.

Cesare se curvou mais uma vez.

— Boa noite.

— Boa noite.

No dia seguinte, Celeste se levantou cedo e foi ao salão de beleza, fazer o cabelo e as unhas. Suzanne ficou aliviada de não ter a madrasta por perto. Ainda estava surpresa com a atitude de Cesare, na noite anterior. Será que ele estava real­mente interessado nela? Na certa por isso não gostava da amizade dela com Vidal. Mas, não, quanta fantasia! Cesare Martino não gostava dessa amizade, simplesmente porque ti­nha outros planos para o irmão, planos que não a incluíam. Riu dos próprios pensamentos. É lógico que não podia ser incluída no futuro de Vidal: Cesare queria para ele um casa­mento mais lucrativo, financeiramente. Seu interesse por Su­zanne era só uma tentativa para tirá-la do caminho de Vidal.

Olhou, assustada, para Cesare Martino, de pé a seu lado no saguão. Nunca o tinha visto assim, de roupa esporte. Parecia muito mais moço.

—Você estava rindo sozinha e, embora fique linda quando sorri, gostaria de saber o porquê dessa alegria.

— Estava pensando em você.

— Em mim? — perguntou, surpreso. — Mas o que eu fiz? Suzanne sorriu novamente.

— Você não fez nada. Só imaginava o que pensava de mim.

— Se quer mesmo saber, não aprovo nem um pouco a vida que leva. Celeste já me falou que você insiste em morar num quartinho apertado, na mesma desordem que seus ami­gos de escola, e que não quer aceitar ajuda dela. Deve gostar muito desses seus amigos. Ou, pelo menos de um deles.

Mulherzinha inteligente e diabólica! Já tinha começado a encher a cabeça de Cesare com a versão da madrasta boazinha preocupada com a enteada desmiolada.

— Então, não aprova.

— Não, não aprovo. É tolice sua recusar ajuda por or­gulho. — Ele olhou para o seu corpo magro. — Você é de­licada, muito frágil, para sobreviver nessas condições.

— Sinto desapontá-lo, conde... Cesare — lembrou-se da exigência feita no dia anterior —, mas eu sou tão resistente como um par de sapatos velhos.

— Como o quê? Suzanne riu.

— E um velho ditado. Quer dizer que eu sou tão resistente

como o couro.

— Que charmoso!

— Mas é verdade — ela insistiu.

Atravessaram o saguão, enquanto conversavam, e só agora Suzanne percebia que estavam na porta do hotel, diante de um carro esporte. Cesare acabava de abrir a porta para ela entrar.

— Para onde está me levando?

— Vamos passar o dia fora. Ande, entre. Não estou se­questrando você.

Suzanne obedeceu. Nunca tinha andado num carro es­porte daqueles antes. O conde começou a dirigir e ela o olhava, curiosa, quase fascinada. Parecia diferente naquela manhã, mais amável e carinhoso.

— Há algo errado? — Cesare perguntou.

— Não, nada. Por quê?

— Porque você não tira os olhos de mim! Posso saber

por quê?

— Oh. eu... — Estava confusa. — Não sei. Talvez porque você está diferente, hoje.

— Diferente como?

— É difícil explicar. Acho... acho que é a roupa.

— Minha roupa? Mas estou vestido como você!

— Mas é a primeira vez que o vejo assim.

— Certo, quanto à minha aparência. Celeste não ia gostar nem um pouquinho. Mas não estamos no hotel. E Celeste não vai ficar sabendo. Ela vai sair o dia todo.

— Como você sabe? Cesare sorriu

— Tenho minhas fontes de informação. — Olhou para o cabelo esvoaçante de Suzanne: — Quer que levante a capota do carro?

— Oh, não. Adoro essa sensação de liberdade que o sol e o vento me dão.

— Ótimo.

— Para onde está me levando? — Suzanne perguntou, pela segunda vez.

— Já ouviu falar de New Forest? E muito bonito lá, nessa época do ano.

— Sim, já ouvi falar. E para onde vamos? O conde a olhou, rapidamente.

— Quer ir?

— Adoraria. Dizem que é uma espécie de reserva, com muitos animais.

— Muitos.

— Gosta de lugares assim? Nunca pensei...

— Mas eu gosto. Você também, não é?

Suzanne estava completamente surpresa com Cesare. Fa­lava com ela como se fossem velhos amigos.

— Pensei que nossos gostos fossem totalmente opostos.

— Verdade? Então, por que convidaria justamente você para sair comigo?

— Tem certeza de que não me convidou só porque não tinha nada para fazer?

— Eu tenho muitas outras coisas que poderia estar fa­zendo nesse momento.

— Então, por que não está fazendo uma delas?

— Porque não queria trabalhar hoje.

— E você me escolheu para ajudá-lo a passar o dia. Eu só sinto por Celeste não estar disponível.

— Eu não a convidaria, mesmo se estivesse disponível. Cesare e Suzanne ficaram um bom tempo calados.

— Depois de todas as acusações que fez ontem sobre mim e Vidal, não acha que esse nosso passeio é um pouco impróprio?

— Talvez.

— Você ainda acha que nós somos imaturos?

— Não, eu...

— Oh, Cesare! Olhe! Não são adoráveis?

Durante alguns minutos, ficaram admirando um grupo de potros andando ao lado das mães.

— Oh, Cesare! — Suzanne repetiu. — Que lindos!

Ele diminuiu a velocidade do carro, para que Suzanne pudesse ver melhor as éguas e seus potrinhos.

— São muito bonitos. E livres. Nasceram selvagens e devem continuar assim.

— Concordo com você.

— Concorda?

Suzanne olhou para Cesare.

— Claro que sim. Você deve pensar que eu sinto prazer em discordar de você, não é, conde?

— Você me surpreende. Há alguns minutos, me chamou de Cesare tão delicadamente.

— Acha? — Suzanne ficou sem jeito.

— Acho. E ficaria muito contente se continuasse a me chamar dessa forma.

Acelerou e ela se virou para trás, olhando os potros. Mais adiante havia outro grupo. Já tinha ouvido faiar dos pôneis de New Forest, mas não pensou que existissem tantos. Pas­savam por lugares maravilhosos, e o conde estava muito atencioso e amável com ela.

— Com fome? — ele perguntou.

— Muita.

Cesare dirigiu por mais uns cinco minutos e parou numa área gramada.

— Aqui está bom?

Suzanne olhou em volta: era um lugar deserto.

— Bom para quê?

Cesare desceu do carro e abriu a porta para Suzanne.

— Para o nosso piquenique.

 

-Piquenique? — Suzanne não conse­guiu esconder o espanto. Cesare abriu o porta-malas e pegou a cesta:

— Pode pegar a caixa de bebidas, por favor? Suzanne começou a segui-lo. O lugar que ele finalmente

escolheu parecia perfeito. Estendeu uma toalha na grama e Suzanne se sentou, admirando as enormes árvores que os rodeavam.

— O que há aqui? — apontou para a caixa de bebidas.

— Vinho. Mas não precisa beber, se não quiser.

— Por que acha que não vou querer?

— Não sei. E que estou fazendo tudo de acordo com os meus gostos. Escolhi este lugar porque encontro paz aqui. Gosto também de ver a completa liberdade dos animais, principalmente dos cavalos,

— Também gosto disso. — Suzanne se encostou numa árvore, admirando o azul do céu. — É lindo aqui. Não pensei que existisse um lugar como esse tão perto de Londres.

Cesare abriu uma garrafa.

— Nunca tinha viajado antes? Suzanne sorriu.

— O único lugar que conheço é Manchester.

— Mas Celeste disse que já conhece a América e muitos países da Europa. Você não a acompanhou em suas viagens com seu pai?

— Não — respondeu rapidamente, concentrada na cesta.

Havia carne em conserva, frango, carne de vaca, de porco, salada mista, queijo e frutas frescas.

— Você estava na escola, suponho. Não é bom atrapalhar a educação de uma criança. — Cesare tomou um gole de vinho.

— Eu não ficava sempre no colégio.

— Seu frango está bom? — apontou para o prato dela.

— Delicioso!

Comeram, silenciosamente, enquanto apreciavam um grupo de cavalos que pastava por perto. Depois que termi­naram a refeição, Suzanne se deitou, meio sonolenta.

— Adorei o dia de hoje — disse de repente, espantando-se com a sinceridade de suas palavras.

Cesare se deitou ao lado dela.

— O dia ainda não terminou.

Olhou para ele, percebendo como estavam perto um do outro. Poderia, facilmente, encostar a cabeça no braço dele. Mas não queria! É lógico que não! Cesare Martino não sig­nificava nada para ela.

— Já deve ser tarde. Pode me dizer que horas são, por favor?

— Quase três. Você não tem um relógio de pulso?

— Tenho, quero dizer, tinha. Infelizmente, esqueci de tirá-lo antes de entrar na piscina. E, como não era a prova d'água...

— Era um relógio muito caro?

— Oh, não — Suzanne sorriu —, não valia nada... — parou de repente. — Não era muito caro. Vivo quebrando todos os relógios que compro! — Tinha quase arrumado os planos de Celeste.

Cesare observava insistentemente. Estavam tão juntos que Suzanne podia analisar todas as nuances de cores dos olhos dele.

E ele se aproximava cada vez mais. Tudo parecia acon­tecer em câmara lenta, como um sonho. De repente, ela estava em seus braços musculosos, ele acariciava os cabelos macios. Lentamente, os lábios se encontraram num beijo ardente e apaixonado.

— Você é muito atraente, querida. — Cesare murmurou, beijando-a várias vezes no rosto.

— Verdade? — murmurou, totalmente vencida pelos carinhos.

— Seus olhos verdes conseguem seduzir qualquer homem. Você é doce, muito doce — beijou-a mais uma vez —, tão doce que nem consigo acreditar. Diga, querida: se eu lhe pedir para ficar comigo a noite inteira, você fica?

Suzanne olhou-o querendo dizer sim a todos os seus pe­didos. Agora sabia que este era o homem com quem sonhara a vida toda. Era o homem de seus sonhos! O conde Cesare Martino! E ela o amava.

Mas não era tola! Afastou-se, antes de perder a cabeça. Ele a queria apenas por uma noite. Aquilo não era um sonho, mas um pesadelo. Como podia ter-se apaixonado por ele? Até há poucos minutos atrás, estava interessada em Vidal, mas, agora, tudo mudara. Nunca conseguiria sentir o mesmo carinho por Vidal novamente.

Dizer sim a Cesare seria sua perdição. Jamais esqueceria seus beijos quentes, mas aqueles poucos momentos de pai­xão eram tudo que podia acontecer entre eles. Tentou falar com frieza:

— Tenho que ir, vou sair às sete horas.

— Com Vidal?

— Sim, com Vidal. Você tem alguma objeção? Cesare se levantou.

— Tenho muitas, mas agora não é hora de falar sobre isso. Vamos, não quero que se atrase.

Já na estrada, ficaram em silêncio durante uns dez minutos.

— Você gostaria que lhe pedisse desculpas? — Cesare perguntou, inquieto.

Sua impaciência aumentou por não obter nenhuma resposta.

— Suzanne?

— Não.

— Então, o que você quer?

— Nada.

Continuou calada. Não estava zangada com Cesare, mas com ela mesma. Por que foi se apaixonar por um estranho? Como pôde amar um homem que nem conhecia direito? Era inacreditável!

Finalmente, chegaram ao hotel. Suzanne estava tentando se convencer de que era muito impetuosa e de que, na rea­lidade, tudo não passara de uma empolgação que esqueceria em poucas horas.

O conde abriu a porta do carro para ela.

— Espero que goste do encontro com meu irmão.

— Obrigada. Obrigada pelo passeio de hoje.

— Você é muito educada.

— Oh, mas eu gostei! Pelo menos...

— Pelo menos da primeira parte — Cesare complemen­tou. — Não vou enganá-la. Gostei muito e espero que o nosso passeio se repita qualquer dia desses.

— Não tenho muita certeza disso.

Não deveria ficar tão impressionada com os beijos e a sinceridade de Cesare! Entraram na recepção.

— Suzanne!

Oh, Deus! Quando se virou para encarar Vidal, viu que ele estava com Celeste. Os dois pareciam furiosos. Sorriu.

— Vidal! Você chegou muito cedo.

— Sim, cheguei..— Seus olhos estavam desconfiados. — Consegui terminar meu trabalho mais cedo do que esperava. Pensei que pudesse ficar mais tempo com você, não sabia que estava com meu irmão. — Olhou com desprezo para Cesare.

— E eu não sabia que Suzanne tinha que lhe pedir per­missão para sair do hotel — falou o conde.

— Eu não disse isso. Acontece que ela tem um encontro comigo.

— Ah, sim, esta noite — Cesare concordou. — Mas, du­rante o dia, Suzanne não tinha nenhum compromisso. Além disso, acho que você estava bem acompanhado com Celeste.

— Não é esse o problema — Vidal insistiu. — Onde esteve, Suzanne?

Ela não sabia o que fazer.

— Eu... nós...

— Espero que me perdoem — Cesare interrompeu —, vou para minha suíte. Acho que o que fizemos hoje não lhe diz respeito, Vidal, mas se Suzanne quiser contar, o pro­blema é dela.

— Nós fomos passear — Suzanne respondeu, desafiadora.

— Mas, onde? — Celeste perguntou. — Você saiu sem dizer nada a ninguém.

— Não havia ninguém aqui.

— Podia ter deixado um bilhete na recepção. Não pen­sou nisso?

— Não, não pensei! Já tenho dezenove anos e não tenho obrigação de dizer onde vou. Agora, se me dão licença, tam­bém vou para o meu quarto.

— Para o seu quarto? — Celeste perguntou.

— Sim, para o meu próprio quarto! O que está insinuando?

— Eu também gostaria de saber — Vidal disse olhando para Suzanne.

— O que você quer dizer, Vida!?

— Depois de sair com Cesare, o que quer que eu pense?

— Pense o que quiser! Agora vou para o meu quarto e quero ficar sozinha.

— Mas eu... nós vamos ao teatro, hoje.

— Não vou mais sair com você. Por que não convida Celeste? Vocês parecem ter muito em comum, tenho certeza de que vão se dar muito bem.

Suzanne foi para o elevador, furiosa. Como se atreviam a pensar mal dela? Entrou no quarto e, depois de fechar a porta, levou um grande susto.

— Oh! Como você entrou aqui?

O conde estava sentado na poltrona, sorrindo.

— Tenho a chave do seu quarto.

— Como conseguiu?

— Este é o meu hotel, lembra-se? Não é muito difícil conseguir a chave que eu quiser. — Cesare observava os movimentos agitados de Suzanne. — E eu queria a chave do seu quarto, já há muito tempo.

— Você... você queria? Isso não é muito ético.

Cesare continuou sorrindo:

— Ética é algo que não existe no nosso relacionamento. Como você não respondeu ao convite que lhe fiz esta tarde, vim aqui buscar a minha resposta.

— Você...

— Certamente, não esperava que eu fosse esquecer o convite. Oh, não, Suzanne, eu não faria isso. Depois que a deixei com Celeste e Vidal, vim para o seu quarto. Estou contente por não ter demorado muito tempo.

— Muito tempo? — Suzanne repetiu. — Não sei quais são suas intenções, mas minha resposta é não. Pensei que já soubesse disso.

— As mulheres são famosas por mudarem de opinião muito rapidamente.

— Eu nunca fiz isso. E quero que saiba que já estou farta de ver você criar situações embaraçosas e depois tirar o corpo fora.

— Eu faço isso? — Cesare parecia sem jeito diante da recusa dela.

— Você sabe que sim — disse, enquanto penteava o ca­belo. — Já fez isso uma vez e agora fez novamente. E sempre me deixa sozinha nessas situações.

— E como agiu diante de Celeste e Vidal?

— Eu os deixei sozinhos e vim para cá.

— Você os deixou sãos e salvos?

— Acho que não. Pareciam decepcionados. Cesare riu.

— Tenho certeza de que ficaram. — levantou-se. — Bem, agora que já é capaz de se defender sozinha, e que eu já tive minha resposta, vou deixar que passe uma noite agra­dável com Vidal.

— Você estava me dando uma lição de defesa pessoal?

— Talvez.

— Guarde suas lições para você. Outra coisa, não vou sair com Vidal hoje à noite. Aliás, não vou sair com ele nunca mais.

— Por causa do nosso dia?

— Não. Porque não aguento mais o comportamento in­tolerável dele. Agora, se você sair do meu quarto, vou tomar um banho. Por favor, devolva a chave à recepcionista. E nunca mais volte aqui. — Suzanne estava muito nervosa.

— Você realmente pediu a minha chave à recepcionista?

— Entre outras — Cesare tirou um molho de chaves do bolso.

— Oh! Eu sou uma entre muitas outras. Imagino que a de Celeste também esteja aí.

— Por que acha isso?

— Por que não achar? — respondeu, petulante. — Você disse que a minha era uma de muitas outras, então, por que a de Celeste não estaria incluída também?

— Peguei todas estas para ninguém perceber que é só em você que estou interessado. Não desejo sua madrasta —- disse, aproximando-se. — E você que quero. Nunca se esqueça disso!

— Eu... eu... eu não sei de nada.

— Mas tem que saber. Foi por isso que eu a assustei. Esta tarde, você...

— Por favor! Não fale sobre esta tarde. Eu... eu...

— Você fica sem jeito, não é? Esta tarde, você se afastou de mim porque estava assustada. Eu entendi e não falei nada.

— Então, está procurando uma esposa? — Suzanne riu.

— Bem, não me inclua em seus planos. Não quero ser esposa de ninguém, nem mesmo se insistir em ficar com a chave do meu quarto.

Cesare mostrou a chave:

— Esta? Eu a peguei para entrar só hoje. Na próxima vez, você vai me convidar para vir aqui.

— Não acha que faria isso, não é? Fique sabendo que jamais farei.

Cesare se aproximou, segurando seu braço.

— Tem certeza? Não foi essa a impressão que tive, hoje à tarde.

Suzanne olhava para seus lábios, que exigiam uma res­posta afirmativa.

— Eu a quero muito, querida — suspirou, antes de bei­já-la com a mesma paixão de antes.

Correspondeu ao beijo sem constrangimento. Afinal, ago­ra tinha certeza absoluta de que o amava.

Depois de beijá-la, ele a abraçou, sentindo o perfume de seus cabelos.

— Querida, você é...

— Bem, Suzanne, agora entendo por que disse que vinha para o seu próprio quarto. — Celeste estava parada atrás dela. — Só esqueceu de dizer que Cesare estaria aqui.

A madrasta parecia muito à vontade, apesar de ter in­terrompido um momento tão íntimo.

— Como foi capaz de convidar um homem desconhecido para entrar no seu quarto, só por causa de dinheiro?

— Suzanne não me convidou, Celeste — Cesare disse, demonstrando total controle da situação.

— Não acredito que você tenha entrado aqui, sem ter sido convidado. Conheço Suzanne há muito tempo, não se esqueça.

— O que está dizendo, Celeste? — Suzanne estava ner­vosa. O que Celeste tentava fazer com ela agora?

A outra deu uma gargalhada:

— Não se finja de inocente! Antes não tivesse concordado em trazê-la aqui. Esta não é a primeira vez que tenho que interferir em situações como esta, Cesare. Minha enteada tem o hábito de convidar homens para seu quarto. Você deve saber porquê, não é?

Suzanne ficava cada vez mais assustada. O que estava acontecendo? Que loucura era aquela?

— Você está errada. Celeste, totalmente errada. Não sei por que está dizendo tantas mentiras.

Olhou para Cesare, em busca de ajuda, mas eleja tinha voltado a ser o conde Martino. Como pôde mudar tão rapidamente?

— Cesare!

— Não vamos continuar fingindo, Suzanne. Tenho que dizer a ele por que você está aqui. Realmente, Suzanne é doente, mas ficou assim por causa de um caso infeliz que teve com um homem casado. Esse homem chegou até a abandonar a esposa, mas Suzanne não conseguiu arcar com as responsabilidades. Foi aí que pensei em trazê-la aqui, para que pudesse se recuperar.

— É mentira — Suzanne gritou —, é mentira. Você não pode acreditar nela, Cesare. Nunca tive caso com um homem casado, nunca tive caso com homem nenhum.

— Você não precisa proclamar sua inocência dessa ma­neira. Sua atitude de hoje só podia partir de uma mulher totalmente sem moral. Fico contente por entender o meu ponto de vista. — Celeste virou-se para Cesare. — Suzanne tem a idéia ridícula de se casar com um homem rico.

— Eu não disse que entendo o seu ponto de vista — Cesare cortou. — Talvez ela tivesse conseguido realizar esse sonho, se você não entrasse sem bater.

— Você se deixaria enganar? Suzanne é apenas uma criança!

— Mas que criança!

Celeste foi em direção à porta, quando percebeu que a discussão não estava correndo como havia planejado. Depois do choque que levou quando viu Suzanne nos braços do conde, até esqueceu de que tinha ido lá só para avisar que iria com Vidal ao teatro.

— Está errado, Cesare. Bati na porta, mas vocês estavam muito... ocupados para ouvir.

Cesare balançou a cabeça, afirmativamente:

— Realmente, nós estávamos ocupados.

— Nós não estávamos ocupados coisa nenhuma — Su­zanne interrompeu.

— Não? Bem, deixe-me dizer que tive a nítida impressão de que estavam.

— Estão sendo ridículos. Vocês dois estão discutindo sobre mim, como se eu fosse um objeto. Não sei por que está mentindo, Celeste... ou melhor, eu sei por quê — não podia dizer na frente do conde que a madrasta estava interessada em seu dinheiro —, mas não se preocupe. Não vou contar nada a Cesare. Antes tivesse ficado em Manchester, onde conheço os costumes e as pessoas com quem convivo.

— Lá você pode ter casos com homens casados que nada lhe acontece, não é?

— Ela está mentindo — gritou. — Acredite em mim, Cesare. Ela está mentindo.

Ele sorriu:

— Vocês estão dando muita importância a isso. Não per­guntei sobre virgindade quando beijei Suzanne. Foi um bei­jo, nada mais. E se quiser beijá-la novamente, não há nada que possa me impedir, Celeste.

— Oh, mas...

— Pare! O fato de você ter jantado comigo só uma noite não lhe dá o direito de interferir na minha vida.. — ele gritou.

— Mas, eu...

— Você não vai interferir novamente, Celeste! Virou-se para Suzanne, com o molho de chaves na mão:

— Lembre-se do que eu falei sobre isso.

Pôs a chave do quarto dela em cima da mesa e saiu.

— Bem — Celeste explodiu —, que homem frio! Como pude escolhê-lo para meu marido? Que machão insolente!

— Você lhe deu motivo para...

— Que motivo? Não é decente ir ao quarto de alguém às seis da tarde.

Suzanne sorriu:

— E às onze da noite, é decente?

— Não seja irônica! Como você pôde lhe dar a chave do seu quarto? Se quer ter uma aventura com um homem, pelo menos escolha uma hora mais apropriada.

— Eu não lhe dei a chave.

— Então, como a conseguiu? Não, não responda. Não quero ouvir mais nada. Você já arruinou todas as minhas chances em relação a ele.

— E você fez o mesmo comigo, inventando aquelas mentiras.

— Eu sei. Mas você não tem experiência suficiente para dominar alguém como ele. Aliás, você tem mais experiência do que eu pensava. O que esteve fazendo nos últimos três anos para conseguir manejar um homem como Cesare Mar-tino? Ele não é um jovem imaturo. E a deseja, não é Suzanne.

— Quanto tempo ficou no meu quarto, antes que eu no­tasse sua presença?

— Tempo suficiente para descobrir muita coisa. Bem, se me der licença, preciso me arrumar para sair com Vidal. Acho que você perdeu sua chance com ele também.

— Você sabe preparar tudo direitinho, não?

— Você mesma rejeitou Vidal. — Celeste arrumou os cabelos. — Os meus planos com Cesare também estão ar­ruinados. Levei seis meses para conseguir o dinheiro dessas férias e, na primeira vez que encontro vocês dois juntos, jogo tudo pela janela. Pelo menos, ainda tenho Vidal — riu de si mesma. — Ele faz mais o meu tipo e é tão rico como o irmão.

— Vidal? — Suzanne estava atordoada.

— Temos mais ou menos a mesma idade, apreciamos as mesmas coisas, e, o mais importante, ele gosta de mim.

— Você nunca vai mudar mesmo, Celeste!

— Não se preocupe. Se Cesare realmente gostar de você, ele voltará.

Suzanne se deitou depois de Celeste ter saído do quarto. Ela estava certa, Cesare tinha que voltar. Deixou bem claro que a queria, até Celeste percebeu! Mas tinha certeza de uma coisa: nunca se casaria com Cesare só para ganhar aquele jogo de sedução.

 

Quando Suzanne estava tomando o café da manhã, a recepcionista se aproximou:

— Srta. Hammond?

— Sim?

— Tenho um pacote para você. Há um cartão junto.

— Obrigada.

O que seria aquilo? Desembrulhou o pacote com uma enorme curiosidade. Era um relógio de pulso de ouro! Ab­solutamente maravilhoso! Suzanne nunca tinha visto um relógio tão delicado e caro.

Ainda surpresa, tirou o cartão de dentro do envelope: "Estarei contando os minutos até vê-la novamente. Espero que você também."

Não havia assinatura, mas não era necessário. Só Cesare lhe daria um relógio tão caro. Mas não podia aceitar. Foi até a recepção.

— Por favor — pediu à recepcionista —, pode me dizer onde o conde Martino está?

— Sinto muito, mas o conde não está, srta. Hammond. Devia estar trabalhando.

— Sabe a que horas ele volta?

— Acho que não entendeu. Quero dizer que o conde viajou.

— Viajou? — Suzanne não conseguiu esconder o desapontamento.

— Sinto muito, srta. Hammond. Talvez ele volte dentro de alguns dias — a recepcionista disse, tentando consolá-la.

— Talvez?

— Sim, talvez.

— Entendo — Suzanne forçou um sorriso. — Obrigada. Foi para o jardim, desiludida. Para onde ele teria ido? Viajou a negócios ou por divertimento? Bem, não tinha direito de interrogá-lo.

Suzanne estava pensando em voltar para casa mas, agora, não podia, não sem dizer adeus a Cesare. E também não podia ficar. Celeste não precisava mais dela e não tinhar dinheiro para pagar sua própria conta. A idéia de voltar para casa a entristecia.

— Bom dia, Suzanne. — A madrasta parecia confiante e bem-disposta como sempre.

— Bom dia, já tomei meu café da manhã. Se é que uma xícara de café preto pode ser considerada um desjejum.

— Esta não é uma manhã maravilhosa? — Celeste sorriu.

— Você acha?

— Oh, acho. Anime-se, Suzanne. Ainda está aborrecida com o que aconteceu ontem?

— Não tenho direito de me aborrecer, não é? Você quer que eu vá embora?

— Embora? Por que eu ia querer que você fosse embora? Pensei que gostasse daqui.

— Eu gosto. Mas... acho que você não quer mais que eu fique, agora que seus planos com Cesare estão arruinados.

— Oh, Cesare! Desde o nosso primeiro jantar, eu já sabia que não ia dar certo. Se soubesse como ele era, nem teria vindo até aqui. Pensei que fosse um homem idoso, que pu­desse se impressionar com as atenções de uma jovem se-nhora. Mas é apenas seis anos mais velho do que eu!

— Mas você o achava atraente.

— Ainda acho. Apesar de sua arrogância e de seu cinismo, ele é fascinante. Mas, em poucos dias, enjoei dele. Não sou suficientemente inteligente para o senhor conde.

— Nem eu — Suzanne confessou.

— Deus! Como você está arrasada! — Celeste pegou o estojo que estava na mão de Suzanne. — Um presente?

— Vou devolver.

— Oh, entendo. Abriu o estojo.

— Oh, que lindo! — Colocou o relógio no pulso, admi-raiido-o. — De Cesare?

— Sim. Celeste riu.

— Eu disse que ele voltaria.

— Não penso assim. Acho que é um presente de despedida.

— Ele mandou um cartão?

Mostrou-o a ela. As palavras eram carinhosas, mas é lógico que não voltaria, depois das mentiras que a outra contou. Celeste devolveu o cartão e o relógio.

— Isso não parece uma despedida. Ele está ansioso para revê-la.

— Talvez. Mas eu não estou.

— Se quiser, digo a Cesare que estava brincando. Suzanne sorriu.

— Isso não tem nenhuma importância. Você não pode lhe dizer nada, porque ele não está aqui. A recepcionista disse que viajou por alguns dias.

— Viajou para onde?

— Não tenho idéia.

— Vou chamar Vidal agora e perguntar para onde o irmão foi.

Suzanne segurou seu braço.

— Isso não me interessa. Não quero saber. Fale-me sobre Vidal.

— Ele é maravilhoso — Celeste disse, com um brilho diferente nos olhos. — Fomos jantar num restaurante muito chique, depois do teatro. Que noite deliciosa!

— E você realmente gosta dele? — Estava muito surpresa com a afinidade que existia entre os dois. Mas, pensando bem, eram parecidos em muita coisa: ambos apreciavam bons passeios e uma vida livre, sem muitos compromissos. E acima de tudo, eram pessoas muito superficiais.

— Gosto muito dele. Esta noite, vamos sair novamente. Suzanne, você... você se importa com o nosso relacionamento? Normalmente, dou muita importância à conta bancária dos homens, mas, desta vez, é diferente. Desta vez, eu... eu não sei — parecia confusa. — Acho que é diferente com Vidal.

 

Passaram-se duas semanas. Suzanne não estava dormindo nem comendo direito. Celeste já tinha perguntado a Vidal sobre o paradeiro de Cesare, mas ele parecia não saber, ou não queria contar.

Vidal aproveitou a ausência do irmão para tirar uns dias de férias e sair todas as noites com Celeste. Chegaram a convidar Suzanne para jantar fora, uma noite. A princípio, ela recusou, porém, diante da insistência dos dois, acabou aceitando o convite. Apesar de ter gostado do passeio, passou os dias seguintes sozinha, vagando, pela cidade, olhando as vitrines e alimentando os pássaros nas praças.

Na segunda-feira da terceira semana, chegou atrasada para o jantar e, na pressa, esbarrou numa pessoa que estava parada na sala de jantar.

— Oh, desculpe! Eu não vi... Robert! Abraçou-o, com força.

— Que surpresa agradável! Como você veio parar aqui? Onde está hospedado?

— Vim de trem e cheguei há dois dias. Estou hospedado numa pensão modesta, aqui perto. Sua madrasta disse que você estava sozinha, então eu...

— Celeste? Celeste falou com você?

— Bem, ela acha que você está precisando de um amigo. Suzanne olhou-o, ansiosa.

— Mas, e Patsy? Você sabe como ela fica triste quando você viaja. Lembra-se daquela semana que passamos em Wales?

— Só vou ficar longe dela poucos dias. Além disso, se dá muito bem com a sra. Holmes.

Robert tinha uma gata siamesa chamada Patsy. Quando a achou, tinha apenas um mês e estava perdida na rua. Depois que a pegou, percebeu que tinha uma perna defei­tuosa. Foi então que começou a tratá-la de um modo muito especial, fazendo com que ficasse muito apegada a ele.

No ano anterior, quando Patsy completou um ano, Robert, Suzanne e mais oito colegas foram passar duas semanas em Wales. Porém, depois de uma semana, Robert teve que voltar porque Patsy estava doente de tanta saudade.

— Você tem certeza de que ela ficará bem?

Robert sorriu:

— E lógico que tenho. Ela precisa aprender a ficar longe de mim. Talvez passe a me amar mais depois dessa separação.

— Você é cruel! Sabe como ela o ama!

— Mas, às vezes, é muito possessiva.

— Eu sei. — Não foi só uma vez que Patsy estragou os planos dele. Como uma mulher manhosa, aprendeu a se fingir de doente para prender o dono em casa. Pobre Robert! Sempre acabava ficando, sem saber quando estava real­mente doente e quando fingia.

— Bem, quando você chegou?

— No hotel. Oh, faz uns cinco minutos. Eu estava jus­tamente perguntando por você, quando este cavalheiro...

Suzanne olhou para o homem que estava parado perto da recepção. Cesare! Seus olhos brilharam e sentiu que em­palidecia. Desejou já ter voltado para Manchester.

— Suzanne — o conde disse, delicado —, receio ainda não ter sido apresentado ao seu... amigo. Cesare Martino.

— Robert Thompson.

— Conde Cesare Martino — Suzanne completou.

— Conde?

— Trate-me de Cesare. Seu... amigo — fez novamente aquela pausa, obrigando Suzanne a olhá-lo... — o sr. Thomp­son estava perguntando por você. E eu ia lhe dizer que tinha saído. Celeste me disse que você havia ido ao parque.

— É, verdade, Você também estava perguntando por mim? Cesare levantou os ombros musculosos:

— Não era nada importante. Falo com você numa hora mais... conveniente.

Com um sorriso educado, mas distante, Cesare se retirou.

— Oh, mas... — Suzanne olhou para Robert, segurando a mão dele. — Volto em um minuto, Robert. Não vá embora!

Correu atrás do conde, que já estava subindo as escadas.

— Cesare?

Ele se virou, levantando uma das sobrancelhas.

— Sim?

— Você disse que perguntou por mim. — Suzanne estava sem fôlego.

— É.

— E estou aqui.

— Mas eu também disse que preferia esperar por uma hora mais conveniente. Seu amigo deve estar impaciente.

— Por que você insiste em falar "amigo" dessa maneira? Já é a terceira vez.

— Eu não estava contando. Eu o chamo assim porque suponho que ele seja, apenas, seu amigo, não é?

— Sim, mas...

— Então, você respondeu sua própria pergunta.

— Mas é a maneira como você diz que me incomoda.

— Sinto muito que não goste. Tentarei não falar assim novamente.

Virou-se para continuar subindo as escadas.

— Cesare, por favor!

— Por favor o quê? — Seus olhos tinham um brilho amea­çador. — Você não acha que seja agradável ter uma namo­rada que gosta de outro, não é? Além disso, ele deixou a esposa em casa para vir visitá-la, só porque está sozinha.

Suzanne não conseguia entender:

— Esposa? Que esposa? Cesare estava muito nervoso:

— Não minta para mim, Suzanne. Não prestei atenção na conversa de propósito, mas era impossível deixar de ou­vir. Você não está envergonhada de si mesma? Certamente que não! O primeiro julgamento que fiz de você estava certo. É completamente vulgar, sem nenhuma moral!

Suzanne balançou a cabeça.

— Está enganado. Não entendo sobre o que está falando.

— Minhas conclusões foram perfeitamente claras. Odeio o seu comportamento diante desse homem, não há explica­ção para isso. Agora, se me der licença.

— Oh, mas...

Cesare não voltou a olhar para ela, subindo as escadas apressado.

Suzanne foi ao encontro de Robert. Sobre o que será que ele estava falando? Robert tinha uma esposa? Certamente, Cesare não estava pensando que ele era o tal homem casado de que Celeste falou. É lógico que não, não tinha motivos para pensar assim.

— Tudo bem? — perguntou o amigo.

— O quê? Oh... oh, sim.

— Que homem imponente!

— O conde? Sim... sim, ele é.

— Não sabia que você tinha esse tipo de amizades.

— Não tenho. Celeste quer se casar com ele. ou melhor, queria. Acho que ela mudou de idéia.

— Então, quem é o felizardo agora?

— Não seja cínico, Robert. Vamos para a sala de estar. Você quer tomar chã ou qualquer outra coisa?

— Chá seria melhor.

Sentaram-se numa mesa que dava para a piscina. Su­zanne ainda estava pensando no encontro com Cesare. Fi­caram duas semanas separados e, assim que se encontra­ram, acabaram discutindo.

— Que hotel agradável! — Robert comentou.

— Sim. Pertence ao conde Martino.

— Ele deve ser um homem rico. E lógico que é rico, caso contrário Celeste não o escolheria para marido. Aliás, como ela está?

— Tão charmosa como sempre — a própria Celeste res­pondeu, surpreendendo Robert, que se levantou ao vê-la.

— Estou contente por você ter vindo, Robert. Suzanne já está com uma aparência melhor, embora o mesmo não aconteça com Cesare. Acabei de vê-lo e percebi que está muito zangado.

— Suzanne já me apresentou a ele.

— Oh, então é por isso que ele está tão mal-humorado. — Olhou para Suzanne. — Espero que não fique zangada por eu ter chamado Robert, mas você estava muito triste nos últimos dias, e como, por uma razão inexplicável, gosta tanto da companhia dele...

— Obrigado! — o rapaz disse, sorrindo.

— Foi uma ótima idéia, Celeste.

Suzanne andava assustada com o comportamento da ma­drasta nos últimos dias. Estava mais amável, mais espontânea.

— Pensei muito, antes de chamar Robert, mas agora acho que não fiz bem. Não sabia que Cesare chegava hoje.

— Estou muito contente em ver Robert, realmente muito contente. — Suzanne sorriu para o amigo.

— Meu Deus! Não estou entendendo nada. Pensei que o conde fosse seu amigo, Celeste.

— Eu também pensei. Mas parece que Cesare tem outras ideias. Depois que conheceu Suzanne, passou a me ignorar. Foi então que decidi esquecer o título e pensar, apenas, no dinheiro. — Celeste balançou os ombros.

— Alguém pode explicar o que está acontecendo? — Ro­bert gritou. — Você está tentando me dizer que o conde quer se casar com Suzanne?

Celeste sorriu:

— Não estou tentando lhe dizer nada disso. Casamento nunca foi mencionado.

— Bem, ele não vai ter Suzanne de outra maneira! — Robert estava indignado. — Se tentar propor qualquer coisa, eu o mato!

— Oh, acho que sua ameaça não o assustará.

— Por favor! — Suzanne gritou. — Se o conde vai ficar assustado ou não, não importa, porque Robert não vai amea­çar ninguém. Cesare já deixou bem claro que não sente nada por mim.

— Não é verdade, Suzanne. Vi vocês juntos, naquele dia, e eu...

— Celeste, por favor! Não quero mais falar sobre isso.

— Está certo. Na verdade, estava procurando você para ir jantar fora comigo e com Vidal. Espero que também venha, Robert.

— Obrigado.

— Vai ser um jantar de comemoração. — Celeste estava ansiosa.

— Ah, é?

— Celeste? — Suzanne olhou para a madrasta, surpresa.

— Você não quer dizer... você não...

— Sim. — Seus olhos azuis brilharam ao dar a notícia.

— Vidal me pediu em casamento. Oh, sei que ainda não nos conhecemos direito, por isso vamos esperar mais um pouco. Mas não se preocupe! Estou feliz!

— E eu fico feliz por você — Suzanne disse, sinceramente.

— Estou perdido novamente. Quem é Vidal, além de seu futuro marido?

Celeste olhou para Robert.

— Ele é Vidal Martino.

— Algum parente do conde?

— Irmão.

— O que ele é? Italiano?

— Venezíano. E muito romântico, não é, Suzanne?

— Como posso saber?

— Você deve saber. Já beijou os dois.

— Os dois? — Robert se surpreendeu. Celeste sorriu.

— Não tenho ciúme da sua noite com Vidal. Mas, se acontecer de novo, terei.

— Pensei que já tivesse esquecido isso. Como o conde reagiu ao saber desse casamento?

— Vidal ia contar, mas achou melhor convidá-lo para jantar conosco, hoje. Acho que não vai se opor. Ele gostava de mim, antes. Não foi muito educado, há alguns minutos, mas foi sua culpa — olhou para Robert.

— Minha culpa? O que fiz? Acabei de chegar!

— Exatamente. Ele não esperava encontrar um namorado atrapalhando seus planos.

Suzanne se lembrou do olhar apaixonado de Cesare, na noite em que entrou em seu quarto. Mas, agora, ele estava diferente! Como pôde mudar tão depressa?

— Então, fiz bem em aparecer. — Robert passou o braço em volta dos ombros de Suzanne.

 

Suzanne ficou feliz por Robert estar com ela. Principal­mente à noite, porque Cesare apareceu acompanhado pela tal Elena. Os dois já estavam no restaurante, quando eles chegaram. Celeste fez com que Suzanne se sentasse perto de Cesare, exatamente como havia planejado.

Elena Lindsay puxou conversa muito à vontade.

— Ouvi dizer que quer ser professora, srta. Hammond! — Por favor, pode me chamar de Suzanne — disse ela,

surpresa por Elena ser inglesa. — É verdade, mas ainda não sei se realmente vou fazer carreira.

— Você tem dúvidas — Cesare perguntou.

— Quem sabe o que acontecerá no futuro?

— É, quem sabe?

— Você pode se casar. — Elena olhou sugestivamente para Robert.

Suzanne percebeu o olhar.

— Duvido.

Cesare também olhou para Robert, que conversava com Vidal.

— Você está certa. Ninguém escolhe uma pessoa para amar. Cesare ignorou Suzanne durante todo o jantar e Celeste

e Vidal estavam completamente absorvidos um pelo outro, parecendo mesmo muito apaixonados.

Depois do jantar, todos foram para um clube noturno. Celeste quis dançar com Robert. Vidal convidou Elena e, como não sobrou nenhuma alternativa, Cesare acabou dan­çando com Suzanne.

Não conseguiu se sentir à vontade nos braços dele, que estava frio e distante. Depois de alguns minutos, disse:

— Você está assustada com a escolha de Vidal, não está? — Vidal tem o direito de escolher quem quiser.

— Mas você se sentiu rejeitada. Não foi por isso que foi correndo para os braços do seu antigo amor?

— Não sei sobre o que está falando.

— Robert Thompson.

— Robert? Ele é um amigo, nada mais do que isso.

— Você nega que ele é o homem casado com quem teve um caso?

— Eu nego as duas coisas.

— As duas? — Cesare olhou, confuso. — Não entendi.

— Robert não é casado e eu nunca tive nenhum caso com ele. Nem com qualquer outro.

— Não minta, Suzanne. Eu sei quanto você gostava de Vidal. Admito que não aprovei seu namoro com ele e teria feito qualquer coisa para impedir, mas não esperava que ele preferisse sua madrasta.

— Você teria feito qualquer coisa para me separar de Vidal? Uma terrível suspeita passou pela cabeça dela.

— Cesare, você disse alguma coisa a ele que o fizesse pensar que eu estava interessada em dinheiro e status?

 

-Você acha que fiz isso? Suzanne se lembrou do total controle de Cesare no dia do piquenique. Era como se tivesse planejado aquele encontro, para afastá-la de Vidal. E dera certo!

— Acho. É exatamente o que acho! Foi urna pena seu plano não ter dado totalmente certo. Você nunca poderia imaginar que Vidal acabaria se interessando por Celeste, não é? Bem, estou feliz pelo que aconteceu. Você se acha tão inteligente, tão onipotente! Mas não é! Você não pode dirigir a vida das pessoas.

— Entendo que esteja aborrecida e eu...

— Não estou aborrecida, Cesare — Suzanne sorriu. — Ape­nas estou surpresa por tentar manejar minha vida dessa ma­neira. Nunca acreditei que seu interesse por mim fosse muito sério, mas também não esperava que você fosse tão frio!

Cesare estava nervoso, agora.

— Você é muito atrevida, Suzanne. Ela sorriu novamente.

— Oh, não Cesare. Você que sempre foi atrevido, desde o nosso primeiro beijo. Mas isso não é de espantar: tem muita experiência em matéria de amor, não é? Vidal tinha dito que você era puro granito, eu devia ter acreditado.

— Você discutiu com Vidal sobre mim?

— Oh, não. Foi um comentário sem importância. — Suzanne tirou o braço dele de sua cintura. — Estou com algo que pertence a você, vou devolver amanhã, porque não está comigo, agora.

Cesare franziu a testa.

— Algo que me pertence? Não estou entendendo.

— Não? Então, deixe-me explicar. Não aceito presentes caros de nenhum homem. Você pensou que podia me com­prar com aquele relógio? Vidal nunca faria uma coisa dessas. Você é frio, calculista, arrogante, e não quero mais nada com você! Desculpe.

Suzanne se virou e foi para a mesa, despedir-se de Celeste.

— Ainda é cedo — a madrasta insistiu.

— Nós temos que ir. Eu e Robert vamos nos encontrar com amigos numa discoteca.

— Mas ele não pode se encontrar com esses amigos outra noite?

— Não, tem que ser hoje. Robert só vai ficar aqui mais dois dias.

Pobre Robert! Estava totalmente confuso. Como ele poderia ter amigos em Londres, se não conhecia ninguém lá e essa era sua primeira visita? De qualquer forma, ficou calado.

Cesare já estava sentado, observando-os discretamente.

— Deixe-os em paz, Celeste, são livres e bem crescidinhos para tomarem decisões. Provavelmente, estão cansados da nossa companhia...

— Oh, não...

— Eles querem ficar com pessoas de sua idade. — Cesare acabava de insinuar que Suzanne era uma adolescente imatura.

— Já está pronto, Robert?

Ele tomou o último gole de uísque, antes de se levantar.

— Pronto — concordou.

Os dois se despediram e foram embora. Na rua, Suzanne jogou um casaco preto nas costas, porque as noites ainda estavam muito frias, apesar de ser início de verão.

— Você foi um pouco impulsiva, não foi?

— O quê? Oh, desculpe. Sim... sim, fui. Aquele homem é insuportável.

— Aquele homem? Ah, o conde. Ele é muito convencido.

— Exatamente! É convencido de muitas coisas.

— Principalmente de sua aparência.

Suzanne tentou mudar de assunto.

— Bem, Robert, o que vamos fazer agora?

— Você o ama, não é?

— Como você... — Suzanne suspirou, — É tão óbvio assim?

— Não, não é. Acontece que eu a conheço bem e você não é a mesma Suzanne que deixou Manchester, há três semanas atrás. E está mais amadurecida. E também sou bastante con­vencido para achar que só um homem muito melhor do que eu, como o conde, poderia conseguir essa transformação.

Suzanne o abraçou, com carinho.

— Ele não é melhor do que você, Robert. Você não é cruel, nem frio, nem sarcástico como Cesare. Não consigo entender por que gosto dele. Não tem absolutamente nada do que eu sempre esperei do homem pelo qual me apaixo­naria. Ele, inclusive, costuma me tratar como uma criança!

— Eu e Celeste não a consideramos criança.

Robert e Suzanne estavam andando devagar na margem do rio que refletia as luzes brilhantes da cidade.

— Não digo que ele não me ache atraente. Mas você viu como ele me trata formalmente, não é? — perguntou, meio

indecisa.

— E com muito atrevimento, também. Não, eu concordo

com Celeste. Ele está muito interessado por você. Não gosto

do jeito que a olha.

— Não se preocupe, Robert.

— Quem é Elena? Noiva ou só uma amiga?

— Ela é uma prima, embora eu ache que gostaria de ser

muito mais do que isso.

— Acho que tem razão. — Robert sorriu. — Escute, o que acha de irmos realmente a uma discoteca? Podíamos botar em dia uma porção de assuntos. Você sabia que Eddie e Key ficaram noivos?

— Não! — Suzanne disse, entusiasmada. — Como foi isso? Já marcaram a data do casamento?

Acabaram não indo a uma discoteca, e sim a um bar, onde conversaram até de madrugada. Suzanne estava feliz com a companhia do amigo. Riram, contaram piadas, como se nada tivesse mudado entre eles.

Despediram-se em frente do hotel e combinaram almoçar juntos no dia seguinte.

— Não se preocupe com o conde, Suzanne — Robert a tranquilizou. — Tudo sairá bem.

Suzanne foi deitar morrendo de sono. Deus! Como estava cansada! Tinha sido um longo dia, um longo, longo dia.

— Então Vidal ainda não contou ao irmão? — Suzanne perguntou, espantada.

— Não — disse Celeste, enquanto escolhia um vestido. — Quando estivermos casados, precisarei comprar um mon- te de roupa.

— E quando será isso?

— Oh, não sei. Não precisamos da permissão de Cesare.

— Eu sei, mas...

— Não tenho pressa, Suzanne. — Celeste pôs um vestido de seda verde em frente ao corpo. — O que acha deste.

— Muito chique — Suzanne respondeu, distraída. — Você podia parar com isso um momento e conversar sério?

— Eu pedi para vir fazer compras comigo e não para con­versarmos sério. Sempre cuidei de mim sozinha e pretendo continuar assim. Eu sei que Vidal não é o melhor dos homens.

— Mas, Cesare me disse que Vidal...

— Supostamente tem uma noiva em Veneza — Celeste completou. — Cesare me disse a mesma coisa. Infelizmente para ele, não dei nenhuma importância a esse tal noivado e, aparentemente, Vidal também não.

— Cesare não vai gostar disso. Ele me preveniu seriamente. Celeste deu de ombros:

— E o que pode fazer? Vidal tem seu próprio dinheiro e não depende de Cesare para nada, nem mesmo em relação ao seu emprego. A empresa pertence à família Martino.

— Mas Cesare...

— Oh, maldito Cesare! Pare de falar que Cesare disse isso e disse aquilo! Está parecendo Vidal! Cesare não é oni-potente, sabia?

— Mas é essa a impressão que ele dá.

Celeste a olhou, indiferente.

— Vidal vai lhe contar, quando achar conveniente.

— Vidal sabe... — Suzanne começou novamente — Vidal sabe que você... nós não temos nenhum dinheiro?

Celeste sorriu.

— Sabe. Eu contei a ele, Suzanne. E isso não fez nenhuma diferença.

— Você está dizendo que ele não se importa?

— Por que se importaria? Ele já tem bastante dinheiro. Esta tarde, vamos procurar uma casa.

— Vocês pretendem morar em Londres:

— Não em Londres, mas em algum lugar bem perto. Vidal terá que continuar com suas viagens de negócios. Cesare vol­tará logo para Veneza e ele tem que lhe contar sobre nosso casamento antes de sua partida, ou será tarde demais.

Celeste estava tão ansiosa que nem notou o desaponta­mento de Suzanne. Cesare logo ia voltar para casa e nunca mais o veria!

Aquela notícia estragou sua manhã e, na hora do almoço, estava tão calada e sombria que Robert ficou preocupado.

— O que aconteceu? Celeste ofendeu você?

— Não. Ela está muito diferente. Acho que o amor muda certas pessoas — Suzanne respondeu, com um sorriso tímido.

— Quantas vezes você saiu com Vidal?

— Uma vez ou duas. O que vamos fazer à tarde?

— Mudando de assunto, ê? Bem, acho que já falamos muito sobre os Martino. Exceto... bem, encontrei o conde essa manhã, e ele estava muito estranho.

— Estranho?

— Com um olhar esquisito. Acho que não gosta de mim. Suzanne balançou a cabeça.

— Está enganado. Ele não gosta de mim. Pensa que estou atrás de marido, qualquer marido, desde que seja rico.

Robert deu uma gargalhada.

— Você, uma caçadora de homens? Levei meses para conseguir levá-la a uma lanchonete! Só há uma caçadora de homens na sua família, e nós dois sabemos quem é.

Passaram toda a tarde vendo vitrines e, assim que começou a escurecer, Suzanne foi para o hotel. Estava muito cansada porque tinha dormido pouco na noite anterior. Às dez horas, já estava deitada, mas, à meia-noite ainda rolava na cama Levantou-se e foi dar um passeio no jardim. Onde estava Cesare? Não o tinha visto o dia todo. Talvez já tivesse voltado para Veneza Não, Robert disse que se encontrou com ele de manhã!

O hotel estava deserto e havia um silêncio reconfortador no jardim.

— Quem está querendo encontrar? Com seu amante ou com o meu irmão ingênuo?

Suzanne virou-se, sobressaltada.

Precisava me assustar desse jeito.

— Responda minha pergunta, Suzanne.

— Não quero me encontrar com ninguém. Estou apenas respirando um pouco de ar fresco.

— A essa hora da noite?

— Por que não? Acho que essa hora é excelente, princi­palmente quando não se consegue dormir.

Cesare aproximou-se.

— E por que você não consegue dormir?

— Estou com muito calor — resmungou.

— Seu quarto tem ar-condicionado.

— Eu não disse que estava calor no quarto. Eu é que estou com calor.

— Estava pensando nos seus amantes? Suzanne já não aguentava mais os insultos dele.

— Você está deixando sua imaginação ir longe demais! Ou, então, sabe de algo que eu não sei.

— Sei que, por instinto, seu corpo corresponde a carinhos. Essa não parece ser a reação de uma garota inexperiente. Tenho certeza de que, enquanto estava viajando, você achou alguém para distraí-la. E, agora, está com Robert. Deus, você deve mesmo significar muito para ele, a ponto de obri­gá-lo a abandonar a esposa.

— Foi Celeste que pediu para que ele viesse — respondeu, impaciente.

— Só porque estava solitária! Se Robert a ama tanto assim, por que não abandona a mulher, de uma vez?

— Você faria isso?

— Não sei — ele ficou meio sem jeito.

— Você... você não sabe?

— Não, não sei. Pode rir, se quiser.

— Por que eu deveria rir? Cesare sorriu, sarcástico.

— Você não tem motivo para rir, não é? Como acha que tudo isso vai acabar, Suzanne? Vai passar a vida toda apai­xonada por um homem casado? Será que nunca terá coragem de abandoná-lo?

— Você está enganado sobre mim e Robert, Cesare. Não o amo e ele não é casado. Não entendo por que você pensa isso. Celeste estava sendo maldosa quando fez aqueles co­mentários. Não era verdade!

— Quero tanto você, querida, que nem consigo pensar direito. Não faz idéia de como me sinto a seu respeito — Cesare confessou, amargurado.

— O que quer dizer? O que você sente por mim?

— Eu a desejo. Quando me devolveu o presente que lhe dei, pensei que não teria mais nenhuma chance com você. Mas, não! Também deve sentir alguma coisa por mim; caso contrário, não teria correspondido aos meus carinhos como fez tantas vezes. E como poderia fazer agora.

— Você quer me beijar?

— Sim! Mas não quero que me odeie ainda mais.

— Mas eu não vou odiá-lo.

— Oh, Deus! Venha aqui... — Cesare a abraçou, apertado. — Lembre-se foi você que pediu.

Suzanne não queria lembrar de nada, queria apenas sen­tir seu calor, seus beijos. Cesare beijou-a carinhosamente, enquanto acariciava seus cabelos. Enlaçada a ele, Suzanne se entregava inteira àquele momento de amor e ternura.

— Cesare, oh, Cesare...

— Não diga nada, querida.

Abraçavam-se e beijavam-se, entre suspiros apaixonados e ansiosos. Suzanne sabia que nunca amaria outro homem daquela maneira. Cesare acariciava seu corpo, coberto ape­nas com um penhoar.

— Seu corpo é lindo, Suzanne, é perfeito!

— Gesare, eu...

Cesare abafou suas palavras com um beijo profundo.

— Não quero que fale nada, ouça apenas. Sua pele é tão macia quanto seda. Você é... você é infinitamente atraente, meu amor.

— Você também. — Suzanne não acreditava no enorme prazer que sentia ao lado de Cesare.

— Você me dá forças, querida. Quando recebi seu presente de volta, pensei que nunca mais poderíamos nos amar.

— Eu não podia aceitar — Suzanne murmurou.

— Por favor, aceite. — Beijou-a novamente.

— Eu nunca poderia aceitar um presente tão caro assim.

— Nem mesmo se eu lhe pedisse para ser minha amante? Você voltaria comigo para Veneza e moraria numa casa perto do palácio, mais não muito perto, para não se sentir constrangida.

Suzanne olhou bem para o rosto dele, para ter certeza de que não estava brincando.

— O que quer dizer, Cesare?

— Quero que você venha comigo para Veneza. Quero pos- suí-la total e completamente. Você vai amar o meu país. É antigo, mas tem uma beleza inigualável. Eu a levarei à Piazza San Marco, à Basílica e a todos os lugares mais bonitos. Eu a levarei, também ao Lido. Você vai adorar o Lido, tem praias lindíssimas. Talvez, assim, você recupere a saúde.

— Eu...

— Você tem estado doente, eu sei. Mas eu a ajudarei. Suzanne afastou-se de repente.

— Eu não posso fazer o que me pede, Cesare. Eu não posso. Segurou-a mais forte.

— Eu entendo, Suzanne. Oh, Deus! Como eu entendo! Mas eu posso fazer com que você o esqueça. Nos meus bra­ços, você...

— Esquecer quem, Cesare? Sobre o que está falando? Acariciou o cabelo dela.

— Robert Thompson. Vou fazer você esquecê-lo. Só vai pensar em mim, nos lugares maravilhosos que iremos visitar e nas coisas excitantes que vamos fazer.

— Coisas que, é lógico, não provocarão escândalos!

— Claro.

— Muitos homens mais velhos têm amantes jovens, atualmente.

— Como Robert Thompson tem você? Deus! Não faz idéia de como odeio esse seu caso com ele. Você virá comigo? Não vai precisar se preocupar com coisa alguma.

— Até quando? Até você se cansar de mim? Até achar alguma que deseje mais?

— Suzanne! — olhou-a, assustado. — O que está dizendo?

— Que não! Não vou com você!

— Mas por quê? Você não pode continuar com Robert. Ele sempre voltará para a esposa!

— Exatamente como você fará, quando se casar. Cesare, eu acredito em casamento.

Ele estava preocupado e um pouco decepcionado com a atitude dela.

— Acho que não mencionei casamento.

— Realmente, você não mencionou. Não estou pedindo que se case comigo, Cesare. Não estou pedindo nada. Seu julgamento sobre minha moral está totalmente errado.

— Pense, Suzanne. Não seja tão radical na sua decisão. Nós podemos ser felizes juntos.

— Não se ajusta a mim.

— Você prefere a companhia de Robert? O que viu nele? O que a esposa pensa de tudo isso? Ela sabe sobre você?

— Pela última vez: Robert não tem esposa! — Suzanne já estava cansada de repetir a mesma coisa. — Não sei como você pode acreditar nessa história.

— Foi Robert que me disse.

— Não acredito! — Estava atordoada. Robert nunca fa­laria tal mentira. Robert ainda não aceitava o fato dela não o amar, mas não seria capaz de chegar a esse ponto.

— Acredite, se quiser. Eu sei o que ouvi. Então, você não virá comigo?

— Não.

— Nesse caso, não há razão para continuarmos com isso. Desculpe, se eu a ofendi.

— Você não me ofendeu. Já esperava que fizesse uma proposta dessas.

— Boa noite.

— Boa noite.

 

— O que quer dizer com vai embora? — Celeste perguntou. — Você não pode me abandonar!

As duas conversavam depois do almoço.

— Não vou abandonar você, Celeste. Estou apenas indo para casa.

Suzanne tinha tomado essa decisão durante as várias horas que passou acordada durante a noite.

— Não vou deixar você ir.

— Não seja tola. Você não precisa de mim aqui, já tem Vidal.

— Eu e Vidal brigamos.

— O quê? Mas, por quê?

— Foi tudo muito rápido. De qualquer forma, está aca­bado, agora.

— Acabado? Mas... não pode ser! O que aconteceu?

— Oh, esta manhã, ele falou a Cesare que pretendia se casar. E o conde disse que era muito cedo, que Vidal estava cometendo um grande erro em se casar com alguém como eu.

— Mas você já esperava isso!

— Certamente que sim. Mas não esperava que Vidal de­sistisse tão facilmente. — Celeste estava decepcionada. — Não quero me casar com alguém que não pode se libertar nem do próprio irmão.

— Não pensei que a opinião de Cesare pudesse influenciar Vidal tanto assim. Eles não parecem se gostar muito!

— Vidal realmente admira muito o irmão. O ódio que ele sente se tornou apenas um hábito.

— Nunca poderia imaginar isso.

— Bem, vou deixar de lado por algum tempo meus planos de casamento.

— Mas você não pode, Celeste. Eu sei que você o ama!

— Amo! — Celeste sorriu. — Por um momento, pensei que o amava, mas não é verdade.

— Não acredito. Você não pode deixar de amar alguém dessa maneira.

Suzanne sabia o que estava dizendo: ainda amava Cesare, apesar de ele a ter tratado como uma mulher vulgar.

— Posso, sim. Como você acha que sobrevivi todos esses anos? Bem, vou lhe contar: não me envolvendo. Queria saber se ainda era capaz de sentir emoções. Não amo Vidal. Na verdade, gosto do seu jeito de ser. Só isso.

Suzanne sabia que Celeste estava tentando se enganar. Pobre Celeste!

— Se você acha! — concordou.

— Acho — a madrasta respondeu, confiante. — Bem, o que vai fazer? Você vai ver Cesare, mais tarde?

— Já me encontrei com ele. Acho que também está tudo acabado.

— Foi por minha culpa? Eu tentei explicar a ele, mas...

— Ele não quis ouvir, não é? Eu também tentei falar com ele, mas não adiantou nada. Cesare está convencido de que Robert e casado e que eu sou sua amante.

— Ridículo! Não entendo por que pensa isso. Robert! Ele não é o tipo de homem que desperta esses sentimentos.

— Não precisa ser grosseira. Robert é um rapaz adorável.

— Exatamente. Ele nem tem idade suficiente para se casar. Cesare insiste em dizer que foi Robert que contou essa história. Disse que sabia, inclusive, o nome de sua mulher.

— Verdade?

— Patsy, ou algo parecido.

— Patsy? — Suzanne repetiu. — Você disse Patsy?

— Isso mesmo.

Patsy! Cesare pensava que Patsy era a esposa de Robert! Oh, Suzanne não podia acreditar! Era absurdo demais, ri­dículo demais!

 

Cesare pensava que Patsy, uma gata carinhosa, era a esposa de Robert! Devia ter ouvido Ro-bert e ela conversando e tirou conclusões apressadas.

— Suzanne, o que há de errado? Quem é Patsy?

— Patsy é uma gata.

— Uma gata? Não acredito.

— É verdade!

— Mas, como é que Cesare fez uma confusão dessas?

— Foi ura mal-entendido idiota, mas garanto que Patsy não passa de uma gata siamesa. Isso não importa mais, afinal, o interesse de Cesare por mim é apenas físico.

— Eu não acho. Vidal disse...

— Não comece com isso de novo. Não quero saber o que Vidal disse.

— Você está certa. Também não quero saber de mais nada.

— Estou indo embora, Celeste — Suzanne disse, com firmeza.

— Isto é ridículo. Você não pode ir agora! Suzanne se levantou.

— Vou embora com Robert, hoje.

— Não vou deixar você ir!

Você não pode me impedir.

Saiu da sala de jantar para telefonar a Robert e chamá-lo para combinar a viagem para Manchester.

Estava decidida a voltar. Ficou pensando horas antes de tomar tal decisão. Seu coração lhe dizia para aceitar a pro­posta de Cesare; mas sua moral dizia o contrário.

Embora Suzanne se achasse meio antiquada, afinal, ain­da acreditava em casamento, não estava certa de que con­seguiria ter um novo encontro com Cesare sem ceder às suas propostas. Por isso, achava melhor ir embora.

Robert ficou surpreso, quando soube dos planos de Suzanne.

— Fugir?

— E lógico que não! Eu... — Calou-se, percebendo que, no fundo, era isso mesmo que estava fazendo. — Bem, talvez sim. O que mais posso fazer? Voar para Veneza e ter uma vida luxuosa, mas sendo obrigada a me esconder o tempo todo? Não, não quero.

— Acho que está certa. Eu não...

— Suzanne! — Vidal entrou na recepção e interrompeu a conversa.

Desde que ele tinha começado a sair com Celeste, Su­zanne quase não o vira. Como foi imatura em pensar que Vidal podia ser o homem de seus sonhos! Bastou um beijo de Cesare para que caísse na realidade. Nos braços do conde, sentia-se viva, seu corpo se enchia de prazer e desejo. Bem, agora estava tudo acabado. Foi como um sonho feliz, que se desfez rapidamente.

— Você parece aborrecido, Vidal.

— Claro que estou, Celeste arruinou todos os nossos planos!

— Já era de esperar, não acha? Quando falou com Cesare sobre seu noivado, devia estar preparado para esse tipo de problema.

— Mas, eu não... — Vidal olhou para Robert. — Não quero discutir problemas pessoais ern público.

— Não se preocupe — Robert disse —, já estava de saída.

— Não, não estava — Suzanne desmentiu. — É lógico que você não precisa ir embora, Robert. Precisamos combi­nar alguns detalhes.

Ele não se sentia bem sob os olhos arrogantes de Vidal.

— É simples, Suzanne. O trem parte às quatro horas, então, chamo você às três.

— Tem certeza?

— Tenho.

— Está bem, eu o vejo mais tarde.

Assim que ele se afastou, Suzanne olhou zangada para Vidal.

— Agora que já insultou o meu amigo, talvez queira me insultar também.

Vidal estava impaciente.

— Não pretendia ser rude com seu amigo. Não estou bem, hoje. Celeste não quis falar comigo e isso atrapalhou todos os meus planos.

— Atrapalhou todos os seus planos? Como acha que Ce-leste se sente? Ela estava feliz de se casar, mas você a decepcionou inteiramente.

Vidal segurou firme em seus braços.

— Vamos para o jardim, onde não seremos perturbados.

— Sobre o que quer falar, Vidal? Você mudou de idéia sobre o casamento só porque seu irmão não aprovou.

— Você está errada, Suzanne. Eu não mudei de idéia. Já providenciei os papéis há dias.

— Mas Celeste disse que Cesare não aprovou.

— É verdade, mas isso não me preocupa. Já sou bastante crescido para escolher minha própria esposa.

— Então, se eu fosse você, falaria agora com Celeste, E não ouça nenhum outro argumento, decida tudo sozinho. Você sabe como ela é teimosa.

Vidal sorriu.

— Estou aprendendo. Oh, como estou aprendendo...

— Bem, vá em frente. Celeste estava na sala de jantar, há cinco minutos atrás.

— Primeiro, preciso falar com você. Seu amigo, Robert, disse que vai embora. Para onde?

— Para casa.

— Cesare sabe disso?

— Cesare? Por que devia saber?

Suzanne tremia só em pronunciar o nome dele.

— Mas você e Cesare estão... bem, vocês... —Vidal parou, sem encontrar a palavra.

— Eu sei o que quer dizer, Vidal, e está completamente enganado. Cesare e eu não temos nada. Não sei por que pensa isso.

— Foi Cesare que me disse, é lógico. Você sabe por que ele desaprovou o meu casamento com Celeste? Por sua causa.

— Por mirn? O que eu fiz?

— Você disse que não amava Robert Thompson. Então, ele concluiu que estava apaixonada por mim. Eu neguei, mas foi inútil.

— Que ridículo! Por que eu teria que estar apaixonada por alguém? Vocês, homens, são muito orgulhosos e complicados.

— Então, você não está apaixonada por mim?

— É lógico que não! — respondeu, nervosa.

— Não pensei que estivesse. Quando Cesare chegou no hotel, percebi que eu não tinha mais nenhuma chance com você. Foi por isso que me aproximei de Celeste até me apai­xonar por ela. Normalmente, não desisto de uma mulher em favor de outro homem, mas, desta vez, reconheci que era inútil alimentar esperanças. E Celeste e eu parecíamos ter muita coisa em comum...

— Não precisa se desculpar tanto, Vidal. Não amo ninguém; por isso, não tem sentido todo esse problema com Celeste.

— Você não está dizendo a verdade, Suzanne, Está apai­xonada, sim, e eu sei por quem. Cesare deve ser um tolo para não perceber isso.

— Você está enganado. — Era difícil para ela admitir esse amor. — Não estou.

— E ele também a ama. Suzanne olhou-o, espantada.

— Não é verdade. Eu não o amo e ele não me ama. Admito que tivemos uma forte atração, mas foi só isso.

— Não foi só isso — Vidal insistiu. — Foi o ciúme de Cesare que fez com que ele pensasse que estava apaixonada por mim.

— Já disse que está enganado.

— Não acho. No nosso primeiro encontro, eu lhe disse que queria ver Cesare se apaixonar por uma mulher. Mas não esperava que essa mulher fosse você.

— Não sou eu. — Suzanne estava ficando impaciente.

— Parece estranho, mas eu não sinto a alegria que es-perava sentir.

— É simples de explicar, Vidal. Você não odeia seu irmão como pensa.

— Talvez esteja certa. Bem, isso não importa. O impor-tante, agora, é você ver Cesare antes de partir.

— Não. Não temos nada para conversar. E acho que você deve ir procurar Celeste agora.

Vidal se levantou.

— Está certo. Pense, Suzanne. Serei seu padrasto, quando me casar com Celeste. Prometo não ser muito severo.

— Você não será severo, porque não nos encontraremos com frequência. Celeste e eu raramente nos vemos.

Certamente, Suzanne não os acompanharia a nenhum lugar em que houvesse a mais remota possibilidade de en-contrar Cesare.

— As coisas serão diferentes, quando me casar. Serei responsável por você.

— Não seja tolo, Vidal.

— Você vai morar conosco.

— Acho que Celeste não concordará. — Suzanne sorriu. — Já conversamos sobre isso.

— Vocês... vocês já conversaram?

— Sim. Você passará as férias conosco. Nós a deixaremos terminar seus estudos em Manchester, é lógico. Celeste me garantiu que isso será mais certo. Mas, nas férias, queremos você junto de nós.

— Não acha que devia me consultar, antes de planejar minha vida?

— Não foi necessário. Celeste e eu seremos responsáveis por você.

— É um pouco tarde para ela ter sentimentos maternais a meu respeito, não?

— Conheço toda a vida dela, desde que se casou com seu pai. Não escondeu nada de mim. E Celeste reconhece que errou e quer se desculpar por todos os sofrimentos que lhe causou.

— Verdade?

Naquele momento, Celeste apareceu na porta da sala de jantar e Vidal correu para ela.

— Querida!

— Não me chame de querida! Não faz nem meia hora que desmanchamos nosso casamento, e já está atrás de Su­zanne novamente. Eu estava certa sobre você, Vidal. Graças a Deus, percebi a tempo!

— Mas, querida, não é nada disso!

— Estávamos só conversando, Celeste — Suzanne inter­rompeu. — Como sempre, está tirando conclusões erradas. Vidal veio aqui para falar sobre você. Ainda quer se casar. Aliás, nunca desistiu dessa idéia. Agora, quer fazer o favor de deixar ele acabar de falar?

— Vidal? — Celeste perguntou, incerta.

— É verdade, meu amor. O fato de Cesare se opor não tem a menor importância. Ainda mais porque os motivos dele são falsos.

Suzanne interrompeu outra vez.

— Acho que vou entrar, agora. Espero que se entendam. Vidal e Celeste estavam tão absortos, que nem percebe­ram a ausência dela.

A viagem a Manchester tinha sido tranquila e Suzanne se sentiu aliviada quando chegou em casa. Patsy, que ficou ex­tasiada ao rever Robert, seguia o dono a todo lugar que ia.

Era muito bom estar novamente em casa, longe da in­fluência de Cesare. Gostaria de ter pelo menos visto o conde de longe, antes de partir, mas, segundo informações, ele ficaria fora o dia todo, provavelmente no escritório. No fun­do, foi melhor assim. Talvez, se Cesare insistisse mais uma vez para que fosse para Veneza, ela tivesse cedido.

Suzanne demorou bastante para desfazer a mala cheia das roupas elegantes que Celeste comprara para ela em Londres. Eram roupas muito bonitas, que dificilmente usa­ria novamente, sofisticadas demais para usar no colégio ou nos lugares que costumava frequentar.  

A porta de seu quarto estava aberta e durante toda a tarde os colegas entraram e saíram, dando as boas-vindas.

— Daqui a uma hora, todos vão descer para o bar. Você também vai? — Robert perguntou ao entrar.

— É lógico. Não comi nada desde o almoço.

— Deve estar muito cansada, não?

— Olhe para esta gata — Suzanne disse, quando Patsy entrou e deitou em sua cama. — Você é muito mimada.

— Acha que sua madrasta e o jovem Martino vão mesmo se casar?

— Claro. Mas precisamos falar sobre eles?

— Não, se você não quiser.

— Eu não quero.

Foram interrompidos pela chegada da sra. Holmes, uma mulher de mais ou menos cinquenta anos e que era como uma mãe para Suzanne.

— Olá, querida, acabei de chegar.

— Estou vendo — a sra. Holmes sorriu para ela. — E já tem visita.

— Visita?

Suzanne levou um susto quando reconheceu o homem que estava atrás da sra. Holmes. — Cesare! — murmurou.

— Nós... nós nos veremos mais tarde. — Robert pegou Patsy no colo. — Prazer em revê-lo, conde.

Mal deu atenção a Robert, fechando a porta assim que ele saiu.

— Este é o seu quarto?

— É — Suzanne não conseguia controlar o nervosismo. — O que você quer?

— Bem, é lógico que não queria encontrar Robert Thomp­son no seu quarto.

— Por que não? Você mesmo não está aqui, agora?

O que estaria fazendo em Manchester? Deus, ela saíra de Londres havia poucas horas e já estavam juntos nova­mente. Devia ter ido atrás dela na mesma hora em que soube de sua partida. Por quê?

Cesare observava todos os detalhes do quarto, enquanto desabotoava o casaco.

— Por que Thompson estava aqui?

— Tenho certeza de que você é capaz de responder — disse, com frieza.

— Talvez, mas poderia não estar correto. Por que ele estava aqui?

— Ele mora aqui.

— Com você?

— Não. Ele tem um quarto no andar de cima.

— E a esposa?

— Já disse que não é casado!

— E Patsy?

— Você já se encontrou com ela: tem quatro patas e é coberta de pêlos.

— Uma gata? Você está tentando dizer que Patsy é aquela gata?

— Não estou apenas dizendo, estou garantindo. Se não acredita, pergunte a Robert. Ou mesmo a Patsy; ela sempre atende pelo nome. Foi por isso que veio aqui? Para fazer novamente essa pergunta idiota?

— Não viajaria tanto só para lhe fazer perguntas. Você já sabe que Vidal e Celeste vão se casar?

— Sabia.

— Foi por isso que veio embora?

— Escute, Cesare. Se disse que não veio me fazer per­guntas, por que está fazendo tantas? Não, não foi por isso que vim para casa. Há dias já sabia desse casamento. Vidal me disse que você não aprovou.

— Mudei de idéia. E por isso que estou aqui. Eles vão se casar amanhã. E lógico que você vai querer estar pre­sente. Se tivesse visto Celeste antes de partir, ela teria lhe contado tudo isso.

— Eu lhe disse que vinha para casa.

— Acredito.

— Deixei um bilhete.

— Também sei. E melhor arrumar a mala de novo e irmos embora.

— Irmos para onde? — perguntou, confusa.

— Para Londres. Tenho que levá-la ao casamento.

— Posso ir de trem.

— Não seja teimosa, Suzanne. Você pode estar pronta em dez minutos?

— Acho que sim, embora seja ridículo voltar para Londres no mesmo dia em que saí de lá.

— Você é a única culpada. Depois do casamento de Celeste e Vidal, pode continuar hospedada no hotel como minha convidada.

Suzanne ficou corada com os próprios pensamentos. Sabia que ser sua convidada significava passar as noites nos bra­ços do anfitrião. Uma reaproximação agora só iria dificultar mais a separação, que era inevitável.

— Isso não é possível — disse, tentando esconder o seu desejo de aceitar o convite.

— Não há motivo para voltar para cá.

— Não significo nada para você e aqui é a minha casa.

— Dá para notar.

— Isso foi um insulto?

— Não, não foi. O quarto é pequeno, mas muito parecido com você: bonito e simples.

— Não diga!

— Agora, arrume suas coisas e vamos embora. Não quero chegar muito tarde.

— Está bem.

Suzanne começou a juntar a roupa, de qualquer jeito, enquanto Cesare a observava.

— Calma, não estou com tanta pressa assim! — E sentou na única cadeira do quarto.

— Pronto. Só falta me despedir de Robert.

— É necessário?

— Claro.

— Muito bem. — Cesare se levantou e pegou a mala. — Espero lá fora.

A porta do quarto de Robert estava aberta e Patsy, dei­tada na cama. O rapaz pulou da cadeira, quando a viu.

— O que ele queria?

Suzanne explicou tudo rapidamente.

— Ele está me esperando, agora.

— Você tem alguma idéia de quando volta?

— Não, mas não pretendo demorar muito tempo. Como o casamento é amanhã, talvez volte à tarde.

— Eu não acho, querida. Na verdade, acho que você nunca mais voltará aqui.

— Como assim?

— Percebi como ele a olhou, Suzanne. Eu diria que, na primeira oportunidade, ele a levará para a cama; e não a deixará voltar mais.

— Robert! Ele riu.

— Assustada? Mas um pouco excitada também, não é?

— Não seja tolo.

— É melhor você ir. — Abraçou-a e beijou seus lábios, de leve. — Boa sorte, meu amor. Espero que seja muito feliz.

— Isso até parece um adeus.

— Tenho o pressentimento de que isso é realmente um adeus — disse, beijando o rosto dela.

— Você está enganado, Robert.

No entanto, não tinha muita certeza disso. Estava as­sustada. Será que conseguiria deixar Cesare novamente? Já tinha sido muito difícil, na primeira vez: não sabia se teria forças para passar por tudo aquilo uma segunda vez.

Beijou Robert rapidamente e saiu correndo do quarto. De repente, parou. Tinha medo de que o amigo estivesse certo. Talvez tivesse sido mesmo um adeus.

Depois de uma rápida conversa com a sra. Holmes, foi ao encontro do conde, que já a esperava com a porta do carro aberta.

— Tudo em ordem?

— Sim — respondeu, sem olhar diretamente em seus olhos. — Você está muito quieta — Cesare observou, meia

hora depois.

— Não tenho nada a dizer. Cesare sorriu.

— Por que está zangada? Não esperava que eu a esque­cesse facilmente, não é? Não sou desse tipo, você devia saber.

— Eu... eu... eu não sei do que está falando.

— Sim, você sabe. Eu a quero, Suzanne, e quero que diga que irá comigo.

— Não posso... não vou dizer que a idéia não me atrai, porque não seria verdade. Mas não gosto da vida que você planejou para nós dois.

— Pensou seriamente no que estou lhe oferecendo? Uma vida livre de qualquer problema financeiro... Oh, sim, Ce-leste me disse que vocês não têm dinheiro. Ela não escondeu nada, nem a privação por que passou quando era criança, nem o jeito como você se sustentou todos esses anos.

— Pare com isso. Não quero mais ver você depois que chegar ao hotel — Suzanne gritou, desesperada.

— Mas nós não estamos indo para o hotel — Cesare disse, muito calmo.

— Nós... nós não estamos? Por que não?

— Porque não quero ir para lá. Estamos indo para urra casa em Guildford. Conhece?

— Já ouvi falar. Mas por que estamos indo para lá? Cesare respondeu sem rodeio.

— O que acha?

— Você... você está querendo...

— Oh, sim. Estou.

Suzanne tentou se controlar para não chorar. Estava tão assustada que não conseguia pensar direito, tomar nenhuma atitude.

Quando chegaram a Guildford, começou a sentir calor e frio ao mesmo tempo. Suas pernas tremiam, dando-lhe a impressão de que não ia poder ficar de pé. Finalmente,; Cesare parou o carro e pousou o braço no encosto do banco de Suzanne, acariciando seu cabelo loiro e macío.

— Você vai entrar nessa casa comigo e esquecer todo, o resto?

— Sim.

Suzanne sentia-se como se estivesse sonhando. Era mes­mo dela aquela voz que tinha concordado em se tornar aman­te de Cesare?

O conde pegou sua mão e beijou todos os dedos.

— Obrigado, Suzanne.

Quando entraram, uma mulher, de mais ou menos qua­renta e cinco anos, apareceu.

— Senhor Cesare!

— Você preparou tudo, Molly?

— Certamente, senhor. Quer que o acompanhe?

— Não é necessário, obrigado, Molly. Amanhã queremos tomar o café às oito e meia. Vidal vai se casar às onze horas.

— Eu sei, senhor.

— Bem, boa noite, Molly.

— Boa noite, senhor. Madame.

— Está nervosa, querida? — perguntou, enquanto subiam as escadas.

— Você sabe que sim. Não estou acostumada a fazer certas coisas.

— Eu sei. Vamos, Suzanne, ninguém vai machucar você. Abriu a porta, levando-a, gentilmente, para dentro do

quarto.

Suzanne ficou espantada. Havia mais alguém lá. Uma senhora idosa, de uns oitenta anos.

Cesare aproximou-se e beijou a mão branca e enrugada que ela lhe estendeu.

— Vovó — murmurou, confirmando a suspeita de Su­zanne. Segurou a mão de Suzanne e de sua avó ao mesmo tempo. — Vovó, quero que conheça Suzanne. Ela é a futura condessa Martino.

 

- Sei quem ela é, Cesare.

Para surpresa de Suzanne, a velha senhora parecia ser inglesa. Com certeza, mãe da mãe dele, que também era inglesa. Estranho que essa mulher, tão velha e paralítica, aparentasse tanta lucidez.

— Saia, Cesare. Quero conversar um pouco com Suzanne. Cesare beijou sua face.

— Certo, vovó. Mas não demore muito, porque tivemos um dia cansativo.

— Muito bem, Cesare. — Olhou-o, impaciente. — Assim que eu acabar, Suzanne poderá dormir. Eu o verei de manhã.

— Até amanhã, Suzanne. — Beijou seus lábios, gentilmente. Ela sentou-se na cama, conforme a avó de Cesare pediu.

— Eu... eu não sabia que ele estava me trazendo aqui para conhecê-la, senhora... — parou, ao perceber que não sabia o nome dela.

— Você vai me chamar de vovó, como Cesare e Vidal fazem. Você é muito bonita, minha querida.

— Obrigada,

— Pareceu surpresa quando Cesare a apresentou. Está tudo bem entre vocês dois?

Suzanne sorriu.

— Acho que sim. Quero dizer, eu... eu não tenho certeza. A mulher parecia saber de tudo.

— Como sempre, Cesare tem sido arrogante. Ele nem mesmo a pediu em casamento, não é?

— Bem, não, mas...

— Você precisa entendê-lo. Sua arrogância é apenas su­perficial. Tenho certeza de que ainda vai pedir. E qual será sua resposta?

— Minha resposta?

— Você quer se casar com o meu neto?

— Se ele me pedir em casamento...

— Oh, ele vai pedir, quando perceber que ainda não o fez. Eu conheci sua madrasta hoje.

— Celeste?

— Sim. Ela e Vidal vieram pedir minha bênção. Acho que vão ser felizes juntos. Celeste, certamente, vai mantê-lo na linha.

Suzanne já estava mais à vontade. Aquela mulher não era tão severa como parecia.

— Também acho, embora Cesare não aprovasse, no início.

— Foi por sua causa. Ele acreditava que você estava apaixonada pelo irmão. Mas você não seria feliz com Vidal. Cesare será um marido melhor para você.

— Eu...

— Eu sei. — A velha segurou suas mãos, carinhosamente. — Você está confusa com tudo isso. É melhor ir para a cama. Amanhã quero lhe explicar por que Cesare age dessa maneira. Sabe sobre a mãe dele?

— Sim, ele me disse.

— Margaret sempre foi irresponsável. Provavelmente, foi falha minha, eu a mimei muito. Cesare era muito sozinho, quando criança. Tentei ser uma mãe para ele, mas... bem, não estava acostumada com crianças. Margaret foi minha úni­ca filha. Quando Marco, o pai de Cesare, casou-se com a mãe de Vidal, saí do palácio. Pensei que, finalmente, Cesare tinha encontrado alguém que o amasse. E, realmente, isso aconteceu, até a morte de Maria. Ela morreu de parto. Você pode imaginar a decepção que isso causou a uma criança de cinco anos: perder duas mães, que ele amava, tão rapidamente?

— Sim. — Suzanne realmente podia fazer uma idéia.

— Ele teve que amadurecer muito depressa. Cesare, pra­ticamente, não teve infância. Marco me pediu para criar os dois garotos, masVidal sempre foi mais carinhoso e ma-leável do que Cesare. Estou lhe contando essas coisas para você saber que não vai ser muito fácil viver com ele.

— Já percebi isso. A mulher sorriu.

— Bem, estou contente era conversar com você. Vá se deitar, agora. Seu quarto é a segunda porta à direita.

Era um quarto adorável, com vista para o jardim, mas estava muito escuro para notar os detalhes. Havia uma enorme cama, coberta por uma colcha dourada. Os móveis eram brancos e delicados. O carpete alto e macio. Suzanne tomou um banho rápido e foi se deitar.

A futura condessa Martino!

Então, Cesare realmente queria se casar com ela? Ele a amava? Centenas de perguntas a atormentavam e não con-seguia dormir. Assustou-se quando percebeu que a porta do quarto estava se abrindo, devagar.

— Sou eu, Suzanne.

Cesare! Encolheu-se toda na cama, com a respiração ofe-gante. O que ele estava fazendo ali.

Cesare se sentou ao lado dela e acendeu o abajur.

— Querida, só vim dizer que a amo.

— Você... você me ama?

— Muito. Não fui a Manchester por causa do casamento. Fui buscar você porque não podia acreditar que tinha co­ragem de me abandonar, sem dizer adeus.

— Eu tive coragem.

— Eu sei. Por quê?

— Você deve saber.

— Foi pelo que eu lhe disse? Eu errei. Fiquei o tempo. todo testando você. Desculpe-me, mas tudo isso me escla­receu uma dúvida.

— Que dúvida?

— Você também me ama. Quero ouvi-la dizendo isso, Suzanne. Diga, por favor.

— Não posso... não posso lhe dizer nada. Não confio em você. Talvez esteja me testando novamente.

— Oh, Deus. O que eu fiz a você! — Abraçou-a. — Eu a amo, Suzanne. Eu a amo! Não quero testá-la nunca mais.

— Então, por que me testou antes?

— Porque não aprendi a confiar nas pessoas. Preciso de provas todo o tempo. Veja: mesmo agora, não tenho certeza de que me ama. Ainda não me disse isso. Mas não posso viver sem você. Jamais conseguirei esquecê-la.

— Não diga nada, Cesare. Você não tem mais nada a dizer. — Quero que saiba como eu me senti, quando a vi com

Robert Thompson. Mas, mesmo assim, não a esqueci. Con­tinuei insultando-a, pedindo-lhe para ser minha amante. Eu errei. Aliás, nunca deveria ter apresentado você à minha avó como minha futura esposa. Por que você se casaria comigo? Nunca fui gentil!

— Por favor, Cesare, pare de se torturar! — Suzanne implorou, jogando-se nos braços dele. — Eu o amo, eu o quero, eu preciso de você. Quero me casar com você. Você quer se casar comigo?

— É, claro!

— Oh, Cesare! — Suzanne beijou-o apaixonadamente. Pobre Cesare! Sempre foi arrogante e superior, mas agora estava tão vulnerável quanto qualquer pessoa apaixonada.

Cesare abraçava e beijava Suzanne, como se nunca o tivesse feito. Suzanne, por sua vez, entregava-se completa-mente a seus carinhos.

— Meu amor, estou muito feliz — murmurava, enquanto beijava todo o rosto dela. — Você tem certeza de que quer? Eu não a deixarei ir embora nunca mais.

Lágrimas de felicidade corriam pelo rosto de Suzanne.

— Só quero ficar com você... para sempre.

— Então, você ficará. Querida, diga novamente que me ama.

— Eu o amo, eu o amo, eu o amo! — Suzanne gritou. Cesare beijou-lhe a testa.

— Quero ouvir isso todos os minutos do dia.

— Não se preocupe, vai ouvir. Não consigo mais parar

de repetir isso.

— Volte para a cama, meu amor. Você não está devida­mente vestida para receber visitas.

— Para você, eu estou. Não vá, Cesare. Não me deixe.

— Tenho que ir, Suzanne. Vim apenas falar sobre meus sentimentos. Não conseguiria dormir antes de lhe dizer tudo isso. E acho que você também não.

— É verdade. Eu estava totalmente confusa. Sua avó não pareceu muito surpresa, quando você lhe disse que eu vou...

— Que você vai ser minha esposa? Ela não estava sur-presa porque eu já tinha contado tudo sobre você. Tenha conversado com ela desde o nosso primeiro encontro.

— Desde o nosso primeiro encontro? Mas você ainda não

gostava de rnim.

— Gostava, Suzanne. Gostava muito. Mas eu não podia me declarar, porque sabia como estava atraída por Vidal. Se tivesse me declarado, você me desprezaria ainda mais. E foi isso que aconteceu, não foi?

— Acho que sim.

— Está tudo bem, querida. Você tinha muitas razões para isso. Fui um bruto. Mas nunca pensei em conquistá-la só para que se afastasse de Vidal. Eu a queria por amor.

— Você não se importa mais com o casamento de Vidal?

— Eu me importei, no início, por sua causa. Não estava nem pensando na tal noiva dele. Só pensava em você.

— Por falar nisso, não haverá nenhum escândalo?

— Não. Reconheço que exagerei quanto ao casamento de Vidal com Carla. Eu e a mãe dela chegamos a conversar sobre o assunto, mas Vidal sempre se mostrou contrariado. Acho que ele e Celeste vão se dar bem.

— Sua avó também disse isso.

— Celeste tem uma língua muito afiada. Foi muito mal­dosa em inventar aquelas histórias sobre você, mas no fundo acho que não é má. Vidal vai ter muito trabalho para con-

seguir controlá-la,

De repente, Cesare ficou sério.

— Você está certa de que quer se casar com um homem tão mais velho? Dezoito anos é uma grande diferença.

— Eu o amo. Quero me casar com você — Suzanne disse.

decidida.

Amaram-se naquela noite. E continuaram a se amar todos os dias, transformando o início da vida de casados num sonho. Até que ele teve que voltar ao trabalho.

Os três meses de lua-de-mel, viajando pela Europa, foram maravilhosos. Na volta, Suzanne não estava preparada para enfrentar sua nova situação. Cesare se levantava cedo para trabalhar e voltava à noite, bem tarde. Mas sempre achava tempo para se dedicar à esposa. Comprava-lhe presentes e levava-a aos lugares mais lindos de Veneza.

Não foi muito fácil para Suzanne se adaptar ao papel de condessa Martino, mas ele a ajudava em tudo. Quando fi­cavam sozinhos, riam juntos dos erros que ela cometia. Certa manhã, Cesare acordou e, como de costume, deitou

a cabeça no ombro da esposa.

— Bom dia, meu amor. Por que esse ar pensativo tão cedo?

— Estava pensando na nossa vida — Suzanne disse, en­quanto ele a beijava, carinhosamente,

— Bons pensamentos?

— Oh, muito bons.

— Ainda bem.

— O que mais poderia pensar? — Suzanne o beijou — Eu o amo, Cesare. Quero que você também me ame.

— Quando a criada vai nos trazer o café?

— Não antes de ser chamada. Desde aquele dia em que você a repreendeu, nunca mais veio sem ser chamada.

— Ela não tinha o direito de nos interromper. E eu a matarei, se nos interromper agora. — Cesare sorriu.

— Acho que temos que nos levantar, querido. Celeste e

Vidal chegam hoje.

— Oh, Deus! Eu esqueci. A que horas?

— Por volta das duas horas da tarde.

— Esse seu corpinho lindo me alucina. Detesto quando tenho que deixá-lo por um compromisso qualquer, — Cesare se levantou. — Por mim, ficaria o dia todo ao seu lado, mas, infelizmente, isso é impossível. Levante-se, querida, e prepare tudo para receber nossos convidados.

— Você está contente com o bebê deles?

— E lógico que sim. Vidal está excitado feito um garoto, Suzanne observou-o com atenção.

— Nós podíamos... — respirou profundamente e conti­nuou — podíamos ter um bebê também. Você gostaria?

— Já discutimos isso antes, Suzanne. Temos muito tempo para isso. Não estou com pressa.

— Mas, Cesare...

— Não estou com pressa. Suzanne — repetiu, abrindo a porta do quarto.

Suzanne fez um grande esforço para agir com naturalidade na frente de Celeste e Vidal, mas foi impossível continuar se controlando depois que os irmãos foram para o escritório.  

— Bem — Celeste disse —, talvez agora você possa me dizer o que está errado.

— Errado? Por que haveria alguma coisa errada?

— Porque eu a conheço, Suzanne. Talvez não tanto quanto deveria, mas muito mais do que você pensa.

Suzanne sorriu, tentando disfarçar.

— Você está se tornando muito maternal, Celeste. Aliás tenho que dizer que está completamente diferente.

— Vidal e eu ficamos muito felizes com o bebê. Mas você ainda não respondeu minha pergunta.

— Não há nada errado. Cesare e eu somos muito felizes juntos.

— Eu sei disso. Mas, às vezes, seus olhos ficam tristes. Diga o que está acontecendo, Suzanne. Vou tentar ajudá-la.

— Você não entenderia, Celeste,

— Então, há algo errado. É o bebê?

— Não seja tola! Cesare está muito contente com vocês.

— Não quis dizer o meu bebê. Eu me refiro ao seu.

— Meu? — Suzanne disse, assustada. — Mas, eu não estou... — Não aguentou mais e começou a chorar baixinho. — Sim, eu estou! Vou ter um bebê!

Celeste sorriu.

— Sabia que era isso. Pude notar algo diferente em você. O que Cesare disse, quando você contou?

— Eu... eu não contei. Ele se recusa a falar sobre isso.

— Como? Ele ainda não sabe?

— Não quer falar sobre isso. Não sei o que fazer. Como

posso lhe dizer?

— Bem, ele vai acabar sabendo, no máximo, em dois meses. Você não pode esconder!

— Mas ele não quer.

— É um pouco tarde para pensar assim. Tem certeza disso?

Já tentei lhe contar, mas nem mesmo me dá oportunidade.

— Realmente, Suzanne, nós chegamos a discutir sobre isso, quando vocês marcaram o casamento. Cesare achava que uma mulher de dezenove, vinte anos era muito jovem para ser mãe! Fui obrigada a concordar com ele.

— Vocês conversaram sobre isso? Mas por quê?

— Cesare achou necessário. Provavelmente, pensava que você ia se sentir obrigada a ter um bebê, para lhe dar um herdeiro para o título.

— Mas eu quero esse bebê.

— Então diga a ele. Mas quando estiverem sozinhos, sem que ninguém possa interrompê-los. Tenho certeza de que está enganada. Cesare vai gostar muito de ser pai.

— Espero que esteja certa.

Naquela noite, Suzanne tomou banho e preparou-se para contar tudo ao marido. Estava apreensiva. Eles se amavam muito, mas tinha medo de que uma criança não desejada pudesse arruinar esse relacionamento. Não, Celeste estava certa. Ela tinha que lhe contar.

— Você não vai se deitar, Suzanne?

— Oh, sim... sim — gaguejou. — Cesare, eu... eu tenho algo para lhe dizer — falou, enquanto se penteava.

— Venha para a cama, querida. Podemos conversar me­lhor se estivermos abraçados.

— Não, eu... eu prefiro ficar aqui.

— Que mistério! O que você fez? Já gastou todo o seu dinheiro.

— Você sabe que é impossível gastar todo o dinheiro que me dá. Raramente saio de casa.

— Então é isso? Você quer sair mais vezes? É só dizer, Suzanne. Sabe que a levarei onde...

— Não é isso, Cesare — interrompeu, com a voz trêmula. — Eu... eu vou ter um bebê! Não... — Ela não o olhava frente. — Não quero que diga nada. Eu o amo, Cesare. Eu o amo muito. Eu quero esse bebê. Talvez seja um pouco cedo, mas foi minha culpa! — Começou a chorar, desespe-radamente. — Foi minha culpa — repetiu.

Cesare se levantou, sem dizer nada. Oh, Deus! Ele estava nervoso! Agora, o que ia acontecer? Ela o amava tanto!

— Nós vamos ter um filho! — ele disse com a voz cheia de carinho. — Um filho feito com o nosso amor!

— Você... você, não está zangado?

— Zangado? Por que ficaria zangado?

— Pensei que não fosse gostar. — Suzanne estava mais controlada, agora. — Eu... você nunca quis falar sobre isso. Pensei... pensei que talvez...

Cesare levou-a, delicadamente, para a cama, fazendo com que se sentasse a seu lado.

— Vou cuidar de você, meu amor. Acho até que vou acabar mimando-a demais.

— Mas, Cesare,..

— Calma, querida — Cobriu-a com o lençol. — Não se preo­cupe. Você não pode se preocupar com coisa nenhuma. Imagine, pensar que eu não queria um filho! Admito que não conversava com você sobre isso, mas era por amor. Você casou muito jovem, não queria que engravidasse sem estar preparada para isso.

Cesare apagou a luz e envolveu o corpo de Suzanne em seus braços.

— Eu também quero um filho. E, se você está feliz, eu também estou. Mas a culpa não foi só sua. Eu também tive culpa.

— Você?

— Você é muito tentadora. Eu nunca consegui me con­trolar, mesmo nas horas mais inconvenientes.

— Oh, Cesare! — Suzanne riu.

— Vamos, Suzanne. Mostre ao nosso filho como você me ama. Beije-me, meu amor.

— Sim, querido.

 

 

                                                                  Carole Mortimer

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

                                         

O melhor da literatura para todos os gostos e idades