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Arquivo x - FRAUDE
Arquivo x - FRAUDE

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Arquivo X

FRAUDE

 

Ninguém é normal em Gibsonton, Flórida, Estados Unidos. Um tem três braços, outro mal ultrapassa um metro de altura. O homem-crocodilo é casado com a mulher barbada; o faquir, com o homem tatuado; e os gêmeos siameses partilham o mesmo par de pernas. Mas nada disso é motivo para os horríveis assassinatos que começaram a dizimar esse povo de circo...

 

Era uma noite como aquelas que aparecem nos filmes de terror. Nuvens negras circundavam a lua, branca como um esqueleto. Grandes árvores tropicais lançavam longas sombras, iluminadas pelo luar.

Em algum lugar havia uma coruja piando e um cachorro uivava sem parar.

Mas os dois meninos, sozinhos no meio da noite, não estavam com medo. Tinham apenas 7 e 5 anos. Sentiam a mais completa segurança, brincando na piscina do fundo do quintal. E não viram a criatura que se arrastava silenciosamente, indo na direção deles.

A criatura tinha cabeça e corpo de homem. Mas o corpo era coberto de escamas como as dos peixes, da cabeça aos pés, como um monstro marinho saído de um pesadelo. Os meninos continuavam brincando na água, rindo e gritando de alegria, enquanto a criatura se aproximava cada vez mais.

Sem fazer nenhum barulho o monstro entrou na água, em uma das extremidades da piscina. Invisível como um submarino, foi na direção dos meninos.

Então, com um rugido horroroso, explodiu na superfície da água.

Os meninos não tinham chance alguma de escapar.

A única coisa que podiam fazer era gritar.

Mas irromperam na mais estrondosa gargalhada.

— Papai, pode parar com isso! — disse o mais jovem.

— Eu sabia que era você o tempo todo, papai — declarou o mais velho.

— Sabia é? — perguntou Jerald Glazebrook. — Pois bem, agora eu peguei vocês!

Glazebrook agarrou Robert, seu filho mais velho, e começou a lutar com ele na água.

— Pára, papai! — gritou Robert, enquanto brincava de lutar com o pai, dentro da piscina.

Lionel, o menino mais novo, decidiu entrar na brincadeira. E pulou nas costas do pai, agarrando-o pelo pescoço.

— Ei! Dois contra um não vale — disse Glazebrook. Mas deixou que a brincadeira continuasse durante mais alguns minutos.

Finalmente afastou de si os dois meninos.

— Já chega, rapazes — pediu ele. — O velho já não agüenta mais. Estou fora de forma desde que comecei a viajar. Tenho de dar espetáculos demais, e não me sobra tempo para os exercícios.

— Estou feliz por vê-lo de volta em casa, papai — disse Robert.

— Também fico contente que tenha voltado — disse Lionel.

— Viu muita coisa estranha na sua viagem desta vez? — perguntou Robert.

— Vou ter o inverno inteiro para poder contar-lhes tudo — respondeu Glazebrook. — Mas, agora, sua mãe quer que vocês se preparem para ir dormir.

Sorrindo, ele tirou os dois meninos da piscina, um de cada vez. Deu um tapinha de brincadeira no traseiro de cada um e ficou observando-os enquanto corriam para dentro de casa.

E espreguiçou-se. As escamas molhadas reluziam sob a luz do luar.

Ele olhou para a água. Talvez pudesse nadar um pouco. Seria bom para começar a voltar à velha forma.

Glazebrook parecia um monstro marinho, mas não nadava como uma criatura da água. De fato, era bastante desajeitado dentro da piscina, mas mergulhou assim mesmo. Depois de ter dado umas dez voltas já estava quase sem fôlego e resolveu que era o bastante para aquela noite. No dia seguinte talvez conseguisse chegar a dar quinze voltas. Por enquanto, ficaria boiando de costas, desfrutando a água fresca e a noite enluarada. Gostava muito de viajar mas, na verdade, nenhum lugar do mundo era tão agradável quanto seu próprio lar.

Ele pensou na van estacionada na entrada da garagem de sua casa. A pintura dos painéis laterais mostrava seu nome artístico, O HOMEM CROCODILO, além de um desenho alegremente colorido de Glazebrook com a fantasia que usava no trabalho. Embaixo do desenho, estavam escritas duas perguntas: SERÁ QUE É UM ANIMAL? OU SERIA UM MONSTRO?

Glazebrook suspirou de felicidade. Seria bom descansar do trabalho por algum tempo. Ninguém merecia mais um descanso do que ele.

Ouviu baixinho o cachorro que uivava ao longe. Deixando-se tomar pelo sono, disse a si mesmo que teria de conversar com seus vizinhos. Tinham de parar com aquela mania de manter o cachorro preso durante a noite.

Então Glazebrook ouviu outro barulho. Alguma coisa caindo na água, no outro extremo da piscina.

Será que os meninos tinham voltado? Ele tinha de ensinar aos dois que já era tarde, e que deviam ir dormir.

Glazebrook ergueu a cabeça para ver os dois, mas não enxergou coisa alguma.

Ele achou que eram os meninos. Estavam tentando aproximar-se para apanhá-lo de surpresa. Mas ele é que haveria de surpreender quando voltassem à superfície.

Já dava para ver uma imagem pálida embaixo d'água.

Mas não tinha a forma de dois meninos. Nem de um.

Era...

Ele não sabia o que era aquilo.

A única coisa que via era uma espécie de bolha. Conseguia ver uma mancha mais ou menos do tamanho de uma bola de praia. E nadava na direção dele, com tamanha rapidez que ele nem podia acreditar.

— Que diabo seria isso? — resmungou ele, afastando-se para a lateral da piscina.

Mas não conseguiu nadar com a rapidez necessária.

A bolha pulou sobre ele como uma bala de canhão e o atingiu bem na barriga.

Glazebrook dobrou o corpo, com uma dor horrível, e afundou na água.

Fazendo um esforço desesperado, ele estendeu o corpo, cuspindo e tossindo forte.

A bolha o atingiu de novo. Ele gritou. Era como se aquela coisa estivesse tentando quebrá-lo em dois.

Ele se agarrou à lateral da piscina e tentou erguer o corpo para sair da água.

Deu um gemido agonizante quando recebeu um violento golpe nas costas. A agonia tomou conta do seu corpo.

Desesperado, ainda agarrado à lateral da piscina, ele virou a cabeça e olhou para a água.

Viu seu próprio sangue espalhando-se na piscina.

Foi a última coisa que Jerald Glazebook, o Homem Crocodilo, viu na vida.

 

Você até parece um pescador que conseguiu agarrar um peixe dos grandes — disse a agente especial Dana Scully ao agente especial Fox Mulder. Mulder sorriu e Scully preparou-se para a reação. Ela sabia exatamente o que fazia o seu parceiro sorrir daquele jeito. Casos envolvendo coisas estranhas. Coisas que fariam a maior parte dos agentes do FBI manter toda a distância possível.

— Dê uma olhadinha nisto — pediu Mulder.

Ele apanhou uma foto de sua mesa desarrumada e a entregou a Scully.

Ela olhou bem para a foto.

E ficou boquiaberta. Finalmente, falou:

— Não me diga! Até que enfim você conseguiu. Deu um jeito de tirar uma foto dos seus misteriosos alienígenas.

— Não — disse Mulder. — Isto é um ser humano.

— Meu Deus! O que aconteceu com ele? — perguntou Scully. — Como foi que seu corpo ficou coberto de... de escamas desse jeito?

— Não aconteceu coisa alguma... Isto é, exceto ter nascido — respondeu Mulder. — Veja isto. Dê uma olhada no resto dele.

Mulder mostrou outra foto a Scully.

A segunda fotografia mostrava o homem de corpo inteiro. As escamas o cobriam da cabeça aos pés.

— Ele teve uma doença rara, ainda na infância — explicou Mulder. — Chama-se ictiose. A camada exterior da pele vai ficando cada vez mais seca e acaba se desprendendo. Algo parecido com a casca do tronco de uma árvore. No entanto, a aparência é mesmo de escamas de peixe.

— É uma doença letal? — perguntou Scully.

— Nada disso — respondeu Mulder. — Na verdade, nem ao menos causa dor. O único sofrimento é ver a reação das outras pessoas. Em geral, quem sofre dessa doença vive uma vida isolada dos outros.

— É verdade — disse Scully. — As pessoas costumam ser muito cruéis com aqueles que têm aparência diferente.

— A começar pelo nome que eles recebem: aberrações — completou Mulder.

— Pois é. Paus e pedras machucam a gente... mas certas palavras machucam ainda mais — concordou Scully.

— Apesar de tudo, este homem, Jerald Glazebrook, conseguiu tirar proveito de sua doença — disse Mulder. — Escolheu até um nome interessante: O Homem Crocodilo. Com esse slogan ele conseguiu ganhar bastante dinheiro em circos e parques de diversões, chegando a acumular uma fortuna razoável. Não foi morto por paus e pedras, nem por nomes agressivos.

— O que foi que o matou? — perguntou Scully.

— Bem que eu gostaria de saber — respondeu Mulder. E mostrou à parceira mais uma foto. — Por acaso gostaria de sugerir alguma coisa?

Scully olhou bem para a foto. O corpo de Glazebrook estava virado de barriga para baixo, ao lado de uma piscina. Scully forçou a vista para enxergar melhor o ferimento aberto que se via na parte baixa das costas do homem.

— É um buraco de forma ovalada — observou Scully. — Parece ter uns dez centímetros de diâmetro. Não consigo imaginar que tipo de coisa faria um buraco desses. Teria sido algum tipo de arma?

— Não — respondeu Mulder.

— Ele tinha algum outro ferimento? — perguntou Scully. Mulder balançou a cabeça negativamente e disse:

— O resto do corpo dele não foi tocado.

— Parece-me um mistério e tanto — disse Scully. — Os policiais locais vão ter bastante trabalho com essa história.

— E nós também — completou Mulder. Ele abriu uma pasta de documentos e tirou de dentro um maço de fotografias, acrescentando: — Dê uma olhada neste material.

Scully olhou para a primeira das fotos. Era de uma mulher de meia-idade, com um ferimento nas costas bastante parecido com o de Glazebrook. A foto seguinte era de um rapaz grandalhão. O ferimento que ele apresentava ficava bem na metade do corpo.

Mulder forneceu a Scully todas as informações de que dispunha até então.

— Registraram-se nada menos do que quarenta e sete desses ataques nos últimos vinte e oito anos, em várias partes do país. O primeiro caso foi registrado em Oregon, e os últimos cinco na Flórida. O espaço de tempo entre um ataque e outro pode ser de apenas um dia, e em alguns casos chega a seis anos. As vítimas são de todas as raças e idades, tanto homens como mulheres. Ninguém tem pista alguma de qual teria sido o motivo de todas essas mortes.

— Talvez seja algum tipo de ritual religioso — sugeriu Scully. — Afinal de contas, existe uma infinidade de cultos muito estranhos por aí.

— Negativo — respondeu Mulder. — Não há culto algum que pratique esse tipo de sacrifício.

— Poderia ser obra de um serial killer? — perguntou Scully, apanhando a última das fotos.

— É pouco provável — descartou Mulder. — Se fosse assassinato em série, o nível de violência teria aumentado muito em tão longo espaço de tempo. E estes crimes não mostram esse tipo de comportamento. — Mulder colocou as fotos de volta na pasta de documentos, e então perguntou: — Por acaso tem mais alguma idéia sobre este novo caso, Scully?

Ela havia apanhado uma foto que mostrava o rosto do Homem Crocodilo. E disse:

— Mulder, já imaginou se tivesse de passar a vida inteira com essa aparência? Como teria ele conseguido isso?

— Infelizmente acho que é um pouco tarde para perguntarmos a ele — disse Mulder. — Mas você ainda tem chance de descobrir.

— O que está querendo me dizer? — perguntou Scully.

— Jerald Glazebrook tinha muitos amigos — respondeu Mulder. — Vamos ter oportunidade de falar com eles no enterro, amanhã. Estamos de partida para Fort Lauderdale. Vamos alugar um carro lá para chegarmos até Gibsonton.

— Flórida? — perguntou Scully. — Suponho que Gibsonton é a cidade onde a vítima morava.

— Aposto que você vai gostar do lugar — disse Mulder, sorrindo. — É uma cidade cheia de surpresas.

 

Mulder e Scully chegaram na hora em que iam começar os funerais. Tomaram os dois únicos assentos que ainda estavam vazios, nas fileiras de cadeiras dobráveis montadas para os amigos e parentes do morto. O ministro começou a ler uma passagem da Bíblia, em pé sobre o púlpito montado ao lado do caixão. Era um homem baixo e franzino, mas sua voz era profunda e poderosa:

— "O Senhor é meu pastor: nada me faltará. Em verdes pastagens Ele faz com que eu repouse! Ele me conduz para as águas do repouso, e para minha alma Ele traz nova vida! É por caminhos justos que Ele me guia, em direção ao seu próprio Nome. Mesmo passando pelos vales de sombras da morte...”

Scully fez um grande esforço para disfarçar o bocejo. Tinha-se levantado antes do raiar do dia, para poder apanhar o avião e chegar até ali a tempo. Sentada sob o ardente sol da Flórida, ela tinha de lutar muito para manter-se acordada.

Então o ministro virou a página da Bíblia... com o pé descalço. O homem não tinha braços por baixo de sua batina negra.

De repente, Scully sentiu que estava bem acordada.

— "... eu nada tenho a temer, pois Tu estás perto, junto comigo. Teu bastão de comando e teu cajado de apoio, são eles que podem me dar consolo!" — leu o ministro. Ele ergueu os olhos do livro santo e continuou: — Estamos reunidos aqui hoje para lamentar o falecimento de Jerald Glazebrook, marido e pai amoroso, homem de muitos amigos, artista dedicado...

Scully acompanhou o olhar do ministro na direção das cadeiras onde se encontravam os familiares do falecido.

Os dois meninos estavam usando terno escuro. Pareciam estar tentando demonstrar frieza, mas seus lábios tremiam. A mãe estava vestida de negro e tinha um véu sobre o rosto. Mas o véu não era longo o bastante para cobrir toda a sua longa barba vermelha.

Scully cutucou Mulder com o cotovelo e perguntou, sussurrando:

— Você vê o que eu estou vendo?

Ele fez que sim com um movimento de cabeça, e ambos olharam para o restante dos presentes.

Duas filas de cadeiras atrás de onde eles estavam, havia uma mulher que pesava, no mínimo, duzentos quilos. Ela certamente teria ocupado duas cadeiras de uma vez, mas o homem que estava a seu lado era magro como um esqueleto.

Ao lado dos dois agentes estava um homem de meia-idade. Enquanto ouvia as palavras do ministro, ele tomou um longo trago de um frasco de metal. Então colocou-o de volta no bolso do casaco. Mas o casaco não era realmente dele. Os olhos de Scully se arregalaram quando ela viu que o casaco pertencia a um garotinho sem cabeça, que nascia de um prolongamento da barriga do homem.

— Nós sentimos a sua perda e nos recordamos da admiração e do respeito que ele inspirava em todos os seus colegas artistas — continuou o ministro.

Scully ouviu murmúrios e suspiros na fileira de trás. Virou-se e viu várias crianças que ocupavam todas as cadeiras dessa fileira. Mas, quando focalizou a vista, percebeu que aquelas pessoas não eram crianças.

Um homenzinho percebeu que ela estava olhando. Sorriu e acenou para ela com sua mão pequenina. Ela deu um sorriso amarelo.

Scully percebeu que Mulder a estava cutucando. Virou o rosto e acompanhou o olhar dele. Foi levantando a vista até olhar para o rosto de um gigante que estava sentado a cinco cadeiras de distância.

Scully e Mulder entreolharam-se.

— Por acaso não se sente meio deslocada aqui? — perguntou Mulder.

— E como! — respondeu Scully, sussurrando. — Eu me sinto como uma verdadeira aberr...

Mulder colocou o dedo sobre os lábios dela.

— Não diga essa palavra — interrompeu ele. — Nem ao menos pense nela. É termo cujo uso está proibido nesse meio.

Eles voltaram sua atenção para o ministro, que continuou: — Embora Jerry fosse um contorcionista de renome internacional, existe um tipo de caixa da qual nenhum de nós consegue escapar...

Naquele momento o caixão do defunto começou a tremer.

O ministro parou no meio da frase. Arregalou os olhos para o caixão, enquanto toda a platéia murmurava, admirada.

— Diga-me que não estou vendo isso — pediu Scully.

— Eu gostaria de saber o que estamos vendo — disse Mulder, enquanto o caixão tremia ainda mais violentamente.

Alguém que estava mais atrás deu um grito horrível.

Um homem alto e gordo, que usava uniforme de policial, caminhou na direção do caixão. Colocou as mãos enormes sobre a tampa, impedindo que o caixão caísse. E cerrou as sobrancelhas.

— Venham até aqui. Ajudem-me com isso — gritou ele para algumas pessoas que estavam na frente.

Agarrando firme, eles levantaram o caixão e o colocaram no chão, a alguns metros de distância.

Então todos conseguiram ver o que estava fazendo o caixão tremer. A plataforma que servira de apoio ao caixão estava curvada para cima.

— Um terremoto na Flórida? — perguntou Scully.

— É um terremoto humano — disse Mulder, quando se abriu um buraco no chão e apareceu a cabeça achatada de um homem.

Primeiro saiu um chumaço de cabelos longos e loiros. Depois um rosto selvagem, com os olhos mais maldosos que Scully já havia visto em toda sua vida.

Por baixo da cabeça apareceu um torso sem camisa. E logo depois o restante do corpo, usando calças de couro preto.

Finalmente o homem por inteiro surgiu diante deles, trazendo nas mãos um cravo de estrada de ferro e uma marreta.

— Permitam que eu me apresente — disse ele. — Meu nome é Dr. Blockhead. Realizo feitos físicos destemidos e inacreditáveis.

Ele foi recebido por sussurros irritados da platéia.

Mas o Dr. Blockhead resolveu ignorar aquela reação. E continuou:

— Eu não conhecia pessoalmente o falecido, de maneira que não vou fazer discurso algum a respeito dele, embora tenha certeza de que se tratava de um sujeito muito bondoso e tudo o mais. Mas sou um grande admirador do trabalho dele e quero apresentar aqui a minha homenagem póstuma. Em outras palavras, vou enfiar este cravo de estrada de ferro no meu peito e bater com a marreta!

Sem dizer mais nada, o homem selvagem empurrou a ponta do cravo no peito e bateu forte com a marreta.

Scully fez que ia se levantar da cadeira. Mas Mulder impediu-a.

— Fique observando — disse ele. — Esse sujeito é ótimo. Muito bom mesmo.

O Dr. Blockhead parecia muito orgulhoso do seu feito. Nem se deu ao trabalho de olhar para o fio de sangue que descia pelo seu peito.

— Oh, meu Deus! Parece que furei meu coração — disse ele. — Que homem desajeitado eu sou...

E não disse mais nada. O xerife adiantou-se e o agarrou com força pelo braço, rosnando:

— O que está tentando fazer, seu hippie?

— Cai fora, Hamilton! — respondeu o Dr. Blockhead, sacudindo violentamente o corpo para livrar-se do xerife.

Tomado de surpresa, o policial perdeu o equilíbrio e foi lançado para a frente. Tropeçou no caixão e caiu por cima. E acabou mostrando uma expressão de surpresa, atirado no meio das flores.

Enquanto isso, as outras pessoas que estavam mais perto correram para agarrar o Dr. Blockhead, Enquanto o homem tentava soltar-se, as outras pessoas da platéia levantaram-se para ver melhor o que estava acontecendo.

Mulder e Scully foram os dois únicos que permaneceram sentados.

Scully balançou a cabeça em sinal de desaprovação diante de uma cena tão estranha.

Mulder limitou-se a sorrir.

 

Confesso ter ficado surpresa ao ver que o xerife não deu ordem de prisão ao Dr. Blockhead por comportamento desordeiro — disse Scully. — Pois eu acho que as pessoas podem comportar-se da maneira mais estranha do mundo sem problema algum aqui em Gibsonton — disse Mulder.

— Pelo que vi até agora, parece que você tem razão — comentou Scully.

Já se havia passado uma hora desde a confusão no cemitério. O corpo de Jerald Glazebrook finalmente havia sido colocado em sua sepultura. Scully e Mulder estavam esperando pelo xerife. Tinham marcado um encontro ali mesmo na cidade, no Restaurante dos Três Picadeiros.

O xerife apareceu cinco minutos depois de os dois agentes terem chegado. E juntou-se a eles na mesa onde estavam.

— O que acharam do nosso restaurante? — perguntou o xerife.

— Ainda não tivemos chance de dar uma olhada no cardápio... mas a atmosfera nos parece interessante — respondeu Mulder.

— É verdade — disse Scully. — Confesso que tenho até vontade de pedir pipoca ou algodão doce.

O restaurante parecia mesmo um circo. Havia pôsteres em todas as paredes e um trapézio pendurado no teto, em forma de lona de circo. Também se viam fotos de animais e pessoas, em tamanho natural, e tão realistas como se o espetáculo estivesse por começar.

— Parece que o circo é uma coisa bastante popular aqui em Gibsonton — disse Mulder.

— De fato — respondeu o xerife.

— Por acaso Jerald Glazebrook tinha algo a ver com o circo? — perguntou Mulder.

— Tinha sim — respondeu o xerife.

— Mas o material que eu tenho a respeito da morte dele diz que Jerald Glazebrook era um "artista" — disse Mulder.

— Jerry era um artista... um grande artista — afirmou o xerife, com tristeza no olhar. — Foi o maior contorcionista que já houve no mundo, depois do grande Houdini. Deveria ter sido um dos maiores astros de Las Vegas. E também deveria ter sido uma sensação na televisão. Mas os problemas de sua pele o mantinham apenas em espetáculos marginais. Viajava por todo o país trabalhando em circos e parques de diversões.

— Eu nem imaginava que ainda existissem tantos espetáculos desse tipo espalhados pelo país — disse Scully.

— Na verdade não são muitos — explicou o xerife. — São apenas alguns circos e parques de diversões que ainda conseguem sobreviver nos dias atuais.

— Durante a cerimônia de sepultamento, no cemitério, eu tive a impressão de que Glazebrook não era o único que se dedicava a esse tipo de espetáculo — disse Mulder.

— Bem, a maior parte dos artistas daqui da cidade já está aposentada — explicou o xerife. — Muito embora algumas das pessoas ainda continuem insistindo em fazer algum tipo de show em circo ou em parques de diversões.

— E por que isso? — perguntou Scully.

O xerife encolheu os ombros e respondeu:

— Quem mora em Pittsburgh trabalha em usinas siderúrgicas. E quem mora aqui trabalha em circo.

— Mas deve haver uma razão para isso — insistiu Scully.

— Claro que sim, e você poderá encontrá-la se voltar uns setenta anos no tempo — respondeu o xerife. — Esta cidade foi fundada na década de 20 por artistas que trabalhavam no Maior Espetáculo da Terra, de Barnum and Bailey. Este era o lugar onde eles passavam os meses de inverno, que é a época de férias de quem trabalha em circo. Apesar de estarem em férias, no entanto, eles gostavam de ficar juntos.

Scully voltou-se para Mulder e disse:

— Acho que já temos uma pista para continuar nossa investigação. Os assassinatos ocorreram em todas as partes do país. Alguém que trabalha em circo ou em parque de diversões poderia ser o responsável. E tudo ainda teria maior sentido se o assassino fosse uma dessas pessoas que fazem shows marginais. É provável que o indivíduo deformado se irrite por causa do modo como é tratado pelos outros. Pode ficar suficientemente ofendido a ponto de matar. — Scully fez uma breve pausa, como se estivesse esperando sua tese ser digerida pelos outros. Depois, continuou: — Outra coisa: os últimos cinco assassinatos ocorreram na Flórida, onde o artista responsável poderia estar aposentado, depois de ter ficado sem trabalho.

Antes que Mulder pudesse dizer qualquer coisa, o xerife interrompeu:

— Espere um pouco, moça. Não estou muito bem informado sobre os assassinatos de que a senhora está falando, mas conheço muito bem os artistas que moram na cidade. Para nós, eles são pessoas muito especiais. De fato, são as pessoas mais amáveis que já vimos. Talvez sejam diferentes por fora. Mas o que importa é o que têm por dentro, e não sua aparência física.

— É isso que sempre se diz sobre os responsáveis por assassinatos em massa... até que eles sejam descobertos e presos — argumentou Scully. — Até mesmo os seus familiares e amigos mais chegados pensam que são pessoas perfeitamente normais. Portanto, se o senhor acha que os artistas que moram aqui são pessoas normais, também deve admitir que poderiam ser capazes de cometer os crimes mais horríveis.

— Permita que eu lhe diga uma coisa — disse o xerife com visível irritação. — Quem vem de fora tem muito maior dificuldade em aceitar os defeitos físicos dos nossos artistas do que eles próprios.

— Não quero que pense que estou sendo cruel, xerife — desculpou-se Scully. — Viemos até aqui para tentar agarrar um assassino cruel. Não importa se se trata de uma pessoa deformada como o Homem Elefante... ou de alguém tão normal como a garçonete.

A garçonete acabara de se aproximar da mesa. Era uma loira atraente, com um corpo muito bonito. Ela sorriu e disse:

— Olá, xerife. O que vai ser? O de sempre?

— Pode ser, Sal — respondeu o xerife.

Sal virou-se para anotar o pedido de Scully. Scully viu o outro lado do rosto dela.

Na verdade, agora estava olhando para um rapaz bonito, de ombros largos, um bigode muito bem aparado e cabelos castanhos e curtos.

— E para a moça, o que vai ser? — perguntou Sal. Scully engoliu em seco e respondeu:

— Café, por favor.

— E qual o seu pedido, cavalheiro? — perguntou Sal a Mulder, olhando para ele com o seu lado "feminino".

Mas Mulder parecia mais interessado no cardápio.

— O que é isso? — perguntou ele, apontando para o papel.

— Um Barnum Burgert — perguntou Sal de volta. — E um hambúrguer de carne com uma fatia de mortadela em cima.

— Não estou falando do sanduíche — disse Mulder. — Quero saber do desenho que aparece ao lado.

Scully olhou para seu cardápio, decorado com desenhos de famosos artistas de shows marginais. Ao lado do Barnum Burger estava a imagem de uma das mais estranhas criaturas que ela já havia visto. A parte superior do corpo era quase humana, com uma cabeça murcha, dentes virados para fora e mãos em forma de garras. A parte inferior do corpo parecia um rabo de peixe.

— Desculpe, cavalheiro, mas não servimos isso — disse Sal. — É só parte da decoração.

— Que pena — disse Mulder. — Então acho que também vou tomar só um café.

Quando Sal se afastou levando os pedidos, Mulder voltou-se para o xerife e disse:

— Os desenhos do cardápio foram assinados por Hepcat Helm. Por acaso é o nome de algum artista da cidade?

— Na verdade é — respondeu o xerife. — O local de trabalho dele fica bem atrás da delegacia.

— Eu gostaria de conversar com ele — pediu Mulder.

Scully tornou a olhar para o cardápio. E entendeu tudo. Mulder e o artista iriam poder conversar bastante, pois um era mais estranho do que o outro.

Então ela ouviu a resposta do xerife:

— Claro que posso levá-lo até lá. Mas é preciso que fique sabendo que esse homem é um verdadeiro monstro.

 

Primeiro, o xerife apertou o botão da campainha da oficina de Hepcat Helm, que ficava no porão de uma casa. Depois bateu na porta.

— Não há ninguém em casa — disse Scully.

— Não é isso — disse o xerife. — Na verdade ele não está nos escutando. Ouça o barulho das caixas acústicas lá dentro.

Scully podia ouvir o som forte da música heavy metal que tocava lá dentro.

O som abafado da música transformou-se em uma explosão de barulho bruto quando o xerife empurrou a porta e a abriu.

Scully e Mulder o seguiram para dentro do porão.

O xerife tinha razão quando fizera sua advertência a respeito de monstros. Havia monstros por toda parte ali dentro.

Monstros com cabeça em forma de balão e língua de serpente. Monstros com globos oculares saltando do crânio. Monstros carregando pessoas penduradas nas mandíbulas. Monstros de todos os tipos e tamanhos, das mais assustadoras formas, com aparência incrivelmente real, dezenas de quadros com as mais absurdas figuras.

Hepcat Helm estava trabalhando duro na sua mais recente e monstruosa obra, quando o xerife gritou seu nome, mais forte do que a música estridente.

Hepcat deixou de lado o pincel e baixou de vez o volume do seu aparelho de som.

Sorriu para os visitantes, mostrando os dentes amarelados e desalinhados. Não era exatamente um monstro. Tampouco parecia ser um artista. Em sua camiseta de malha bastante suja, calças jeans manchadas de tinta e avental negro, ele parecia mais um mecânico que trabalhava com graxa e carros muito sujos. Olhando ao redor, Scully viu ferramentas de construção entre os objetos utilizados para pintura, assim como mapas e plantas de construções entre os quadros.

— Quem são os figurões, xerife? — perguntou Hepcat.

— São os agentes Scully e Mulder, do FBI — respondeu o xerife. Voltando-se para Scully e Mulder, ele disse: — Este é Hepcat Helm. Ele é dono de um circo dos horrores.

Uma expressão de dor tomou conta do rosto de Hepcat. E ele disse:

— Cara, quantas vezes tenho de lhe pedir que não fale assim? Não use esse nome! Não se trata de um parque de diversões qualquer, como os outros que há por aí. Quando as pessoas passam pelo meu show, elas não se divertem, mas simplesmente morrem de medo. Não é uma casa de diversões. É um verdadeiro Tabernáculo do Terror.

O xerife encolheu os ombros e disse:

— É uma casa de diversões.

— Não vou argumentar mais com você — disse Hepcat. E voltou-se para Mulder e Scully, dizendo: — O nosso querido xerife aqui não tem nenhum senso de apreciação artística.

— Dá para ver isso — disse Mulder, com voz bastante calma. — Mas não se preocupe, os artistas são sempre incompreendidos. — Quando o olhar de Hepcat também se acalmou, Mulder tirou do bolso o cardápio do restaurante e disse: — Estive admirando esta amostra de seu trabalho. Achei muito eficiente.

— Achei que foi um bom trabalho — concordou Hepcat.

— Reconheci a maior parte das famosas figuras que estão aqui — continuou Mulder. — Mas quem é esta?

— É a Sereia de Fiji — respondeu Hepcat.

— Então é isso o que representa essa coisa? — disse o xerife. — Eu jamais teria adivinhado.

— É porque não faz pesquisas como eu faço — disse Hepcat. — Esta imagem é absolutamente autêntica. Copiei de um pôster antigo que encontrei. É uma perfeita cópia da Sereia de Fiji.

— E o que é a Sereia de Fiji? — perguntou Scully.

— A Sereia de Fiji é... Bem, é a Sereia de Fiji — respondeu Hepcat. Parecia surpreso por Scully não saber do que se tratava.

— É uma das mais famosas figuras do mundo dos espetáculos marginais — explicou o xerife. — A mais perfeita das fraudes que Barnum inventou em toda a sua vida.

— Barnum dizia que era uma sereia de verdade — disse Hepcat.

— Mas, quando as pessoas compravam os ingressos e iam ver, só encontravam um macaco costurado ao rabo de um grande peixe.

— Um macaco? — perguntou Mulder. De repente ele pareceu muito interessado.

— Um macaco morto... todo ressecado — respondeu Hepcat.

— Ficou tão feio que Barnum teve de admitir que não passava de uma fraude — disse o xerife.

— Imagino que esse tenha sido o fim da Sereia de Fiji — disse Scully. — Foi estrela por um dia e, no outro, caiu no esquecimento. É uma pena, mas isso é o que acontece no mundo dos espetáculos.

— Não foi bem assim — disse o xerife. — A Sereia de Fiji foi a principal atração durante bastante tempo. Barnum simplesmente mudou a maneira de atrair o público para a Sereia. Começou a chamá-la de "a maior fraude do mundo".

— Barnum era um gênio — disse Hepcat. — Fez com que as pessoas ficassem tentando adivinhar onde terminava a verdade e onde começava a mentira. Quando afirmou que a Sereia de Fiji era uma fraude, fez com que as multidões corressem para conferir pessoalmente. Na verdade, talvez Barnum tivesse mudado sua história só para atrair as atenções para a Sereia. Talvez ela não fosse uma fraude. Talvez fosse...

Mulder terminou o pensamento por ele:

— Talvez a Sereia de Fiji fosse real. Scully só conseguiu sorrir. E disse:

— Mulder, você deveria ter nascido há cem anos. Barnum poderia ter usado você para vender ingressos. Não, eu retiro o que disse. Ele poderia fazer com que você comprasse todos os ingressos.

Mulder não deu atenção. Já havia se voltado para o xerife.

— Precisamos encontrar um lugar onde possamos nos hospedar — disse ele. — Tem alguma sugestão?

— Só há um hotel na cidade — respondeu o xerife. — É o Big Top Motor Inn. Na verdade, é uma combinação de motel com acampamento para trailers. Muita gente que trabalha em circo costuma se hospedar lá. Mas é um lugar bastante simples.

— Não tem problema — disse Mulder. — Não pretendemos passar muito tempo nos quartos. Vamos ter de investigar algumas pistas — ele tirou várias fotos do bolso e mostrou-as a Scully e ao xerife, dizendo: — Estão vendo estas marcas? Foram encontradas em vários locais onde ocorreram crimes recentes. Ninguém ainda foi capaz de identificá-las. Mas um especialista sugeriu que elas poderiam ser de símios.

— De símios? — perguntou o xerife. — Quer dizer, um bicho parecido com macaco, certo?

— Refere-se a qualquer criatura parecida com macaco — explicou Mulder. — Mas, nesse caso, parece referir-se especificamente a um macaco.

— Por acaso acha que a Sereia de Fiji anda viajando pelo país, cometendo assassinatos? — perguntou o xerife, balançando a cabeça, incrédulo. — Não vai me dizer que imagina...

— O senhor ainda não conhece meu parceiro, xerife — disse Scully. — Por acaso já ouviu falar do dado estatístico que transformou Barnum em milionário?

— Que dado seria esse? — perguntou o xerife.

— Sobre o tipo de pessoa que nasce a cada minuto — disse Scully.

 

A essa altura Scully não se surpreendia mais com qualquer coisa que pudesse ver em Gibsonton. Nem mesmo com o gerente geral do Big Top Motor Inn. Ela nem sequer piscou quando o homem se levantou de trás do balcão do escritório do hotel para falar com eles. Tinha apenas um metro de altura.

Aos seus pés estava o seu cachorro. Era do tamanho de um rato grande.

— Hiram B. Nutt às suas ordens — apressou-se o homenzinho, Com uma voz bastante grave. — Presumo que vocês queiram um quarto. Permitam que eu sugira a nossa suíte nupcial. É adorável, e está por um precinho bastante convidativo.

— Precisamos de dois quartos separados, mas perto um do outro - esclareceu Mulder. — A srta. Scully e eu somos colegas de profissão.

— Acho que posso acomodá-los a contento — disse Nutt. — Temos dois trailers vagos, lado a lado.

— Pois está ótimo — concordou Mulder. Depois olhou bem para Nutt e perguntou: — Diga-me, você já trabalhou muito em circo durante sua vida?

Nutt esticou o corpo para o máximo que sua altura lhe permitia e perguntou de volta:

— O senhor poderia me dizer por que imagina que eu tenha ido ao circo, ou que tenha sido escravo de um deles?

— Desculpe-me — disse Mulder. — É que muitas pessoas que moram nesta cidade já trabalharam em circo. Então eu pensei...

Nutt suspirou e soprou irritado, emendando:

— Pensou que, por eu ser de estatura muito baixa, a única coisa que poderia fazer seria trabalhar em circo. Em outras palavras, bastou dar uma olhadinha para mim para pensar que sabe de tudo a meu respeito.

— Bem, eu... — Mulder começou a se desculpar. Mas Nutt ainda não havia terminado.

— O senhor nunca imaginou que uma pessoa da minha estatura poderia ter um curso superior de administração hoteleira — o homenzinho apontou para um diploma que havia na parede e continuou: — E jamais pensaria que um homem pequeno como eu poderia ter trabalhado em alguns dos melhores hotéis do país. E como gerente, não como os carregadores ou moleques de recados que usam aqueles uniformes ridículos!

— Ouça, eu não queria... — Mulder tentou começar de novo. Mas Nutt ainda não estava disposto a parar.

— Não. Aos seus olhos, uma pessoa diminuta como eu jamais poderia ser um respeitável homem de negócios, mas apenas um... um palhaço!

Mulder finalmente conseguiu dizer:

— Eu não tive intenção alguma de ofendê-lo.

— Ofender? Por que eu haveria de estar ofendido? — perguntou Nutt. — Afinal, é da natureza humana fazer julgamentos apressados a respeito das pessoas com base na sua aparência. Ora, na verdade eu fiz a mesma coisa com o senhor.

— Fez mesmo? — perguntou Mulder. — E qual foi a conclusão a que chegou?

— Bem, ao ver seu rosto de norte-americano puro, sua expressão séria e sua gravata sem graça, cheguei à conclusão de que o senhor trabalha para o governo. Na verdade, achei que devia ser um agente do FBI.

— É mesmo? — perguntou Mulder.

— Espero que o senhor entenda onde estou querendo chegar — disse Nutt. — Minha intenção é demonstrar como é idiota olhar para o tipo de uma pessoa em vez de vê-la como ser humano.

— Mas eu sou agente do FBI — disse Mulder, mostrando seu distintivo a Nutt.

Fez-se o mais completo silêncio. Por fim, Nutt disse:

— Assine o livro de registro, por favor.

Mulder apanhou uma caneta que havia sobre o balcão, assinou o livro de registro e entregou a caneta a Scully.

— Também é agente do FBI? — perguntou-lhe Nutt.

— Sim — respondeu ela.

— Mas é uma mulher — disse Nutt, com um tom de surpresa.

— Talvez não tenha percebido, mas o mundo está cheio de coisas incomuns — disse Scully, devolvendo a caneta a Nutt.

Sem dizer mais uma palavra, Nutt bateu na campainha do balcão.

Quando apareceu o carregador, Scully o reconheceu.

Ela o havia visto durante o enterro. Ou melhor, havia visto os dois no funeral. O carregador era o homem de meia-idade que tinha o corpo de um menino sem cabeça preso à sua barriga.

Seu frasco de metal não estava à vista. Mas, a julgar pela maneira como o homem andava, parecia que ele havia esvaziado e enchido o frasco diversas vezes.

— Lanny vai levar as malas de vocês e mostrar-lhes onde ficam seus quartos — disse Nutt.

— Por aqui — disse Lanny, com voz pastosa.

Ele apanhou as malas, ergueu o corpo e saiu cambaleando pela porta.

Mulder e Scully caminhavam ao lado dele, acompanhando seus passos inseguros na direção dos trailers.

— Diga-me, você já trabalhou muito em circo durante sua vida? - perguntou Mulder.

Scully pensou em desculpar-se pela pergunta indelicada de Mulder. A irritação de Nutt havia sido suficiente para um dia.

Mas antes que ela pudesse abrir a boca, Lanny respondeu, com a voz cheia de orgulho:

— Passei a maior parte de minha vida no palco. Eu era a atração principal.

— Não se incomodava pelo modo como as pessoas olhavam para você? — perguntou Scully.

— Foi o melhor trabalho que já tive — respondeu Lanny com firmeza. — A única coisa que eu precisava fazer era ficar parado lá. De vez em quando eu dizia: "Senhoras e senhores, apresento-lhes meu irmão Leonard. Desculpem... ele é muito tímido" — enquanto falava, Lanny apontava para o pequeno corpo unido ao seu.

— Acredito que seu show fosse importante nessa época — disse Mulder.

— Foi um tempo de muitas risadas, eu lhe garanto. Boas gargalhadas — disse Lanny, lembrando-se dos seus dias de glória.

— Por que abandonou a carreira? — perguntou Mulder. Lanny fez uma careta e explicou:

— O sr. Nutt, nosso estimado gerente geral, me convenceu a deixar tudo. Ele me disse que era errado eu ganhar a vida exibindo minha deformidade física. Então, eu abandonei a vida de circo para salvar minha dignidade. Agora carrego a bagagem dos outros.

Dizendo isso, ele colocou as malas no chão e limpou o suor do rosto com um lenço. Depois de uma breve pausa, entregou as chaves a Mulder e disse:

— Os trailers de vocês estão ali na frente.

Lanny ia apanhar as malas de novo quando Mulder o interrompeu:

— Pode deixar. Nós mesmos podemos carregá-las.

— Ora, muito obrigado — agradeceu Lanny, apertando a mão de Mulder. E acrescentou: — Boa noite, durmam bem, e não deixem que as pulgas piquem vocês... Não estou querendo dizer que temos pulgas por aqui. Eu só queria dizer que... Bem, que...

— Que as Sereias de Fiji mordem... — sugeriu Mulder.

— Isso mesmo! — confirmou Lanny. Aí ele cerrou as sobrancelhas e perguntou: — Sereias de Fiji?

Mas desistiu. Aquilo era demais para ele. Virou-se e foi embora cambaleando, com o frasco de metal na mão.

Mulder ficou observando enquanto ele se afastava e depois olhou para a própria mão.

— O que foi que aconteceu? — perguntou Scully. Mulder mostrou a ela uma cédula de um dólar e disse:

— Lanny colocou isto na minha mão, como gorjeta.

— Diga, Mulder, que negócio é esse de Sereia de Fiji? — perguntou Scully. — Não está falando sério, está?

— Toda investigação a respeito de assassinatos precisa de uma lista de suspeitos, Scully — disse ele. — Temos de ficar de olhos bem abertos para qualquer pessoa ou coisa fora do comum. Não podemos eliminar qualquer possibilidade.

— Concordo — disse Scully. — Só há um problema.

— E qual é? — perguntou Mulder.

— Nesta cidade, sua lista de suspeitos vai acabar ficando do tamanho de uma lista telefônica.

 

Naquela noite Mulder foi acometido de horríveis pesadelos. Ele passou praticamente a noite toda virando-se na cama dura que havia em seu trailer. Scully, no outro, também teve pesadelos. Mas Hepcat Helm teve um pesadelo muito pior do que os deles dois combinados.

E Hepcat nem estava dormindo.

As altas horas da noite eram o período em que Hepcat mais gostava de trabalhar. Naquela noite em particular ele estava em seu estúdio, dando os retoques finais em um espelho para a casa dos horrores.

Ele se afastou para admirar o trabalho que acabara de fazer. No espelho, seu reflexo mais parecia a imagem de uma longa e retorcida serpente.

"Perfeito" — disse ele consigo mesmo. — "Isso vai dar aos meus clientes o que eles merecem com o dinheiro que gastam!" Então, seus olhos se arregalaram.

Ao lado de sua imagem no vidro apareceu outra figura retorcida. Também era longa e pálida, cheia de curvas horríveis.

— Que diabo... — resmungou ele.

Virou-se de uma vez, com raiva por alguém ter entrado em seu estúdio sem permissão.

Mas nem a pior e mais distorcida imagem que acabara de ver no espelho poderia tê-lo preparado para a horrorosa visão que aparecia diante de seus olhos.

— Nããããooo! — gritou ele, levantando as mãos diante do corpo para defender-se.

Mas de nada adiantaram as mãos. Elas não bastavam como proteção contra a horrível força que se lançou sobre ele.

Craaack! A parte de trás de sua cabeça bateu violentamente contra o espelho, estilhaçando o vidro em milhares de pedaços.

O pesadelo de Hepcat Helm não terminou com o despertar... mas sim com o sono interminável.

Mulder acordou ao amanhecer com o pesadelo ainda na memória.

Decidiu sair para correr um pouco. Queria exercitar-se para transpirar bastante, e buscava suor quente, não suor frio. Queria clarear bem os pensamentos.

Mas quando chegou ao lado de fora se sentiu como se estivesse de volta aos pesadelos. Todo o acampamento estava envolto por uma neblina bastante densa. Mesmo assim, ele começou a correr. Estava claro que a neblina iria desaparecer assim que o sol esquentasse um pouco.

O nevoeiro ainda estava bastante espesso quando ele chegou à cabeceira de uma ponte, depois de correr uns seis quilômetros. Mulder fez uma pausa. Deveria atravessar a ponte ou voltar para o acampamento?

Ele já havia corrido bastante. Parou e ficou olhando para o rio, quase sem fôlego, respirando o mais fundo que conseguia. Foi, então, que viu uma coisa que o fez prender a respiração.

Apareceu uma cabeça na superfície da água. Era a cabeça de um homem careca que trazia um peixe preso nos dentes.

Mulder ficou observando enquanto o homem saía do rio e subia pela margem.

Seu corpo molhado era tão desprovido de pêlos como sua cabeça. Toda a sua pele estava coberta de tatuagens azuis, vermelhas e verdes.

Era a imagem de um homem que parecia ter saído de um pesadelo. E o pesadelo foi ficando pior, enquanto o homem, agachado na margem do rio, começou a comer o peixe ainda vivo.

Mulder começou a andar sorrateiramente sobre a ponte.

O homem tinha uma audição tão aguçada quanto a de um gato. Ainda mastigando o peixe, ele levantou a cabeça e olhou na direção de onde vinha o leve barulho feito pelos passos de Mulder.

Então, o estranho indivíduo saiu em disparada. Era baixo e gordo, mas corria tão bem quanto um animal selvagem.

Mesmo que estivesse descansado, Mulder não o teria conseguido alcançar. Exausto depois de sua longa corrida, ele desistiu da perseguição apenas uns cem metros depois. Sem fôlego, ele se limitou a observar enquanto o homem desaparecia no meio do nevoeiro.

"Café" — resmungou Mulder consigo mesmo. — "Tenho de tomar café. Tenho de despertar de uma vez por todas.”

Scully foi despertada naquela manhã por alguém que batia forte na porta de seu trailer. Resmungando, ela se sentou na cama. Esperou um minuto, confiante em que a pessoa desistiria e iria embora. Mas o visitante bateu com mais força ainda.

Ela apanhou o penhoar, vestiu e foi abrir a porta.

Lanny estava parado diante dela.

— Desculpe, moça — disse ele. — Mas o xerife... Ele quer falar com a senhora.

— Sim, claro — disse Scully.

Talvez por causa dos pesadelos que ela havia tido durante a noite , não conseguia tirar os olhos do pequeno corpo unido ao de Lanny.

Ela sabia que não devia ficar olhando daquele jeito para a deformidade do coitado, mas seus olhos pareciam estar sendo atraídos por um imã.

Foi a primeira vez que ela de fato teve chance de olhar cuidadosamente para a estranha criatura unida à barriga de Lanny. Viu que, embora aquele corpo não tivesse uma cabeça completamente formada, tinha uma espécie de protuberância que se destacava no meio dos dois ombros. Naquela protuberância podiam se ver aberturas que poderiam ter olhos e ouvidos. Mas ela não conseguia ver o restante do pequeno corpo. Estava vestindo uma jaqueta que combinava com a de Lanny, exceto pelo fato de as mangas estarem presas por alfinetes. Scully supôs que o pequeno corpo não fosse dotado de braços.

Ela se esforçou para não olhar mais para aquela coisa e ergueu os olhos para o rosto de Lanny. Para sua surpresa, o homem estava completamente sóbrio.

— Houve mais um assassinato — disse Lanny.

 

Uma hora depois, Scully estava ajoelhada ao lado do cadáver de Hepcat Helm. O xerife estava em pé ao lado dela, observando-a trabalhar. Mulder estava examinando o restante do estúdio onde Hepcat trabalhava.

Scully era formada em Medicina, além de ter conhecimentos em ciência. Mas o ferimento que havia na parte intermediária do corpo de Hepcat a deixava confusa.

— Parece ser o mesmo tipo de ferimento que matou Jerald Glazebrook — disse ela ao xerife. — Isso significa que provavelmente o responsável pelo assassinato tenha sido a mesma pessoa. Além disso, não sabemos mais coisa alguma.

— Não concordo — disse Mulder, aproximando-se dos dois. — Agora nós contamos com uma pista que podemos seguir.

— A que tipo de pista se refere? — perguntou Scully.

— Uma pista de sangue.

— Eu sei que o corpo está coberto de sangue — disse Scully —, mas não vejo o que podemos deduzir disso, a não ser talvez que Hepcat tenha morrido em conseqüência de uma violenta hemorragia.

Então ela viu o desenho feito em sangue, que havia no chão, ao lado do cadáver de Hepcat.

Era um desenho da imagem da Sereia de Fiji.

— É isso que está querendo nos dizer, Mulder? — perguntou ela com dúvida na voz. — Acho que seria mais apropriado deixar de lado essa sua teoria maluca.

— É um desenho muito interessante — disse Mulder. — Mas estou pensando em uma coisa bem diferente.

Ele apontou para as marcas de sangue seco que saíam de onde estava o corpo e se dirigiam para uma janela que ficava na parte de trás do estúdio do artista assassinado.

— Dê uma olhadela para aquela janela — apontou Mulder. Scully viu que a parte de dentro da janela estava coberta de sangue.

— Então, parece que o assassino abriu a janela para poder fugir por ela — conjecturou Scully. — E o que isso nos fornece, além de um pouco mais do sangue de Hepcat?

— Não estou falando daquela janela — disse Mulder. — Observe bem a janela menor que há na parte de cima. Acho que foi por aquela que o assassino entrou aqui.

Scully ergueu-se sobre as pontas dos pés.

A princípio, não conseguiu enxergar coisa alguma. Depois, disse:

— Aquela mancha que aparece do lado de fora do vidro parece ter sido feita com sangue.

— Eu ficaria surpreso se não fosse — disse Mulder. — O assassino deixou aquela mancha no momento em que entrou.

— Mas como poderia haver sangue antes do assassinato? Isso não tem sent... — foi então que Scully entendeu onde Mulder pretendia chegar. E ela disse: — Ah, estou entendendo. O sangue que está do lado de fora da janela não é de Hepcat. É do assassino.

Mulder sorriu e disse:

— Vamos ter de colher uma amostra e mandar analisar.

— Podemos descobrir qual é o tipo de sangue aqui mesmo, no laboratório do hospital local — sugeriu Scully. — E isso permitirá reduzir a lista de suspeitos. Mas só um exame de DNA poderá apontar o assassino. Para esse tipo de exame, vamos ter de mandar uma amostra do sangue para Atlanta. Talvez a resposta demore várias semanas. O processo é bastante demorado e complicado... Além disso, eles têm milhares de pedidos na fila.

— Talvez não demore muito até que o assassino aja de novo — disse Mulder. — Parece que ele está acelerando suas turbinas. O espaço de tempo entre os crimes está sendo reduzido. Alguma coisa o está fazendo ficar desesperado.

— Talvez ele se sinta ameaçado por estarmos aqui — sugeriu Scully.

— Talvez sim, talvez não — disse Mulder. — É muito difícil saber isso, especialmente levando em consideração que nada nesses crimes faz muito sentido.

— Essa é uma grande verdade, agente Mulder — disse o xerife. Ele vinha acompanhando toda a conversa e acrescentou: — Uma coisa me intriga: por que o assassino não entrou pela porta, que não estava trancada? Além disso, é praticamente impossível uma pessoa conseguir passar por aquela janela tão pequena. O criminoso teria de ser uma mistura de acrobata e contorcionista para poder entrar por ali.

— Certo — disse Mulder, que sorriu para o xerife, acrescentando: — Poderia dizer que ele é uma pessoa de circo.

— Ou alguém que fugiu de um manicômio — respondeu o xerife.

— Vejamos: quem é que nós conhecemos que é ao mesmo tempo talentoso e louco? — perguntou Scully.

Os olhos dela encontraram-se com os de Mulder, e ele deu a ela um sinal quase invisível, com um sutil movimento da cabeça.

— Poderia nos fazer o favor de levar as amostras de sangue ao laboratório, xerife? — perguntou ela. — Temos de fazer uma visitinha a uma certa pessoa.

— Aquele ali é um sujeito doido — disse Scully a Mulder.

Bem alto, acima dos dois, um homem estava pendurado na ponta de uma corda, na extremidade superior de um mastro de bandeira, Todo amarrado em uma camisa-de-força, ele se balançava na ponta da corda como um peixe no anzol, tentando se libertar.

No chão, lá embaixo, havia água fervendo em um enorme caldeirão negro, erguido em cima de uma pequena fogueira.

Uma polia automática baixava lentamente o homem na direção do caldeirão de água fervente.

Se as coisas continuassem como estavam indo, poucos minutos depois ele acabaria sendo cozido como uma lagosta viva.

O homem estava a apenas alguns centímetros de distância da água fervente quando conseguiu se livrar da camisa-de-força, tirá-la pela cabeça e atirá-la ao chão.

Então, deu um salto para virar o corpo para cima e agarrou a corda com as mãos. Segurando-se com firmeza, ele ergueu os pés e desamarrou a corda que dava a volta em seus tornozelos.

Saltou triunfalmente para o chão e tirou um cronômetro que tinha no bolso da calça. Foi apenas então que notou a presença de Scully e Mulder.

— Não me aplaudem? — perguntou o Dr. Blockhead. — Quantas pessoas vocês conhecem no mundo inteiro que são capazes de se livrar de uma camisa-de-força em menos de três minutos?

— Felizmente, nenhuma — respondeu Scully.

— Pelo que estou vendo vocês não têm nenhum senso de apreciação artística — disse o Dr. Blockhead, aparentemente irritado.

— Pelo contrário — contestou Mulder. — Nós assistimos ao seu pequeno espetáculo ontem, durante o enterro. Aquele foi um truque e tanto, com o cravo de estrada de ferro.

O Dr. Blockhead arregalou os olhos para Mulder, declarando:

— O Dr. Blockhead não realiza espetáculos valendo-se de truques.

— Pois eu pensei que se tratasse de um truque — desculpou-se Mulder. — Na verdade, parece que me enganei. E isso prova que, algumas vezes, não podemos acreditar nem nos próprios olhos.

— Muito bem, vamos ver se consigo transformá-lo em um crente fervoroso — desafiou o Dr. Blockhead. Caminhou na direção de uma mesa sobre a qual viam-se dezenas de objetos de metal brilhante. Pareciam todos bastante afiados.

— O Dr. Blockhead realiza muitos feitos ainda mais estonteantes do que aquele que vocês testemunharam no cemitério — anunciou o artista. — Feitos que confundem a mente. Feitos que desafiam a mais agonizante das dores.

Ele apanhou um par de ameaçadores alfinetes de chapéu, cuja parte de trás era decorada com pequenas caveiras de metal brilhante. Olhou para os alfinetes e balançou a cabeça, dizendo:

— Não são suficientes. Não servem para convencer uma audiência de suspeitos agentes do FBI. Preciso de alguma coisa um pouco mais impressionante — colocou os alfinetes sobre a mesa e apanhou um martelo e um prego exageradamente longo. E disse: —Agora está perfeito! Olhem bem de perto. Não pisquem, nem virem os olhos para o outro lado. Espero que não tenham comido nada recentemente.

Bem devagar ele enfiou o longo prego em sua narina direita. Quando |á não dava para enfiar mais fundo, bateu no prego com o martelo.

Scully rangeu os dentes. Não queria dar ao Dr. Blockhead o prazer de ver que ela estava tremendo.

— Você deve ser uma daquelas raras pessoas cujos terminais nervosos não transmitem dor — disse a moça calmamente.

O Dr. Blockhead sorriu para ela, com o prego enfiado no nariz.

— Isso mesmo — disse ele. — Continue repetindo isso a si mesma. Ainda sorrindo, ele colocou o martelo sobre a mesa e apanhou um alicate. Agarrou a cabeça do prego com o alicate e começou a puxar.

— Alguma vez realizou esse tru... digo, esse ato na frente de alguma outra pessoa? — perguntou Mulder.

O Dr. Blockhead fez uma pausa com o prego a meio caminho para fora do seu nariz.

— Eu digo às pessoas que me assistem que, se forem suficientemente estúpidas para realizar este truque, acabarão com um buraco no lugar onde deveria ficar o seu cérebro de galinha. Mas, já que vocês dois são agentes federais, podem tentar se quiserem.

— Obrigada, mas não, obrigada — disse Scully.

— Decisão acertada — disse o Dr. Blockhead. — Deixem isso para os profissionais.

Ele tornou a prender a cabeça do prego com o alicate. Mas, antes que pudesse puxar de novo, Mulder deu um passo à frente e perguntou:

— Posso puxar?

— A vontade — respondeu o Dr. Blockhead, colocando o alicate na palma da mão de Mulder.

Sentindo o peso do alicate na mão, Mulder perguntou:

— Poderia me dizer exatamente como uma pessoa se torna um cabeça-dura profissional como você?

— Fiz meu primeiro treinamento quando ainda era criança, no Iêmen — explicou o Dr. Blockhead. — Depois disso, comecei a viajar pelo mundo, estudando com grandes mestres de controle do corpo físico. Tive oportunidade de estudar com mestres de ioga, com faquires, suamis e outros que conhecem todos os segredos dessa arte primitiva.

— Então acho que posso fazer isto! — disse Mulder, dando um forte e repentino puxão no prego com o alicate.

O prego saiu com facilidade. Sua ponta estava manchada de sangue.

— Muito bem — disse o Dr. Blockhead sorrindo. — Eu acho até que poderia usá-lo como meu assistente, se um dia você decidisse mudar de profissão. Claro que seria muito melhor se sua parceira quisesse ser minha assistente. As platéias adoram as moças bonitas... quando elas têm estômago forte — voltou-se para Scully e disse: — Desculpe se a fiz sentir-se mal. Mas, na verdade, foi você quem pediu.

— Não se preocupe comigo — disse Scully, esperando que seu rosto não estivesse verde. — No fundo eu acho que devo agradecer por ter visto o seu pequeno espetáculo. Depois do que assisti aqui, acho que nada mais vai me impressionar.

— Verdade mesmo? — perguntou o Dr. Blockhead. — Será que não devemos fazer mais um pequeno teste?

Antes que Scully pudesse responder, o Dr. Blockhead fez o que disse que faria.

 

“Juro que não estou vendo isso", Scully tentou dizer a si mesma.

Mas ela precisava acreditar nos seus próprios olhos.

Primeiro, o Dr. Blockhead foi até o grande caldeirão preto.

Então, deu uma violenta batida no metal com seu martelo.

A cabeça de um homem apareceu na superfície da água fervente.

Era uma cabeça totalmente careca. E, quando o homem se levantou de dentro do caldeirão, apareceu seu corpo igualmente destituído de pêlos, e coberto de tatuagens.

O homem ficou parado diante deles, molhado, com uma pequena tanga de pano e um enorme sorriso no rosto.

— Senhoras e senhores... Ou devo dizer, agente do FBI e agente do FBI, apresento-lhes Conundrum — anunciou o Dr. Blockhead.

Scully viu o queixo de Mulder cair, como se ele estivesse vendo um pesadelo ganhar vida.

O Dr. Blockhead não poderia parecer mais satisfeito. Fez de tudo, menos agradecer os aplausos que não ouvia. Ele se sentia mais satisfeito em ver a platéia chocada do que batendo palmas.

— Qual é o problema? — perguntou ele. — Por acaso nunca viram um homem sair debaixo d'água?

Mulder engoliu em seco e disse:

— Na verdade, eu já vi sim. Vi esse mesmo sujeito lá no rio hoje pela manhã. E estava comendo um peixe vivo.

Agora foi o Dr. Blockhead quem ficou chocado. Mais do que chocado: ele ficou com raiva. Irritado, disse:

— Já cansei de proibi-lo de continuar fazendo isso. Os aperitivos que come nos intervalos dos espetáculos estragam seu apetite.

— Eu posso estar enganado — disse Mulder. — Talvez tenha sido outro sujeito careca, de corpo tatuado, que vi hoje lá na beira do rio...

— Por acaso este homem, este... — começou Scully a perguntar para o Dr. Blockhead. Mas ela fez uma pausa e perguntou: — Como é mesmo o nome dele?

Mulder deu a resposta antes que o Dr. Blockhead pudesse falar:

— Conundrum.

— Bem, o sr. Conundrum também pratica a arte de controle físico? — perguntou Scully.

— Na verdade não — respondeu o Dr. Blockhead. — Ensinei a ele alguns truques dos mais simples, como ficar submerso em água fervente. Mas ele tem uma especialidade diferente. Na linguagem do circo, Conundrum é uma monstruosidade.

— Uma monstruosidade? — perguntou Scully.

— Sim, ele come animais vivos — explicou Mulder.

— Come qualquer coisa que lhe derem ou encontrar — disse o Dr. Blockhead. — Animais mortos, pedras, lâmpadas, rolhas, cabos de bateria, frutas silvestres...

— E que tal carne humana? — perguntou Scully. E não estava falando com o Dr. Blockhead. Estava dirigindo sua pergunta ao próprio Conundrum.

Ele respondeu com um sorriso atravessado. E, em seguida, explodiu na maior gargalhada.

— Conundrum não responde a perguntas — informou o Dr. Blockhead, de cara fechada. — Ele é uma indagação. E um quebra-cabeça ambulante, um mistério enlouquecedor. Quando as pessoas assistem ao seu famoso espetáculo do Homem Piranha, perguntam-se a si mesmas como ele consegue realizar coisas tão inumanas... e por quê?

— E uma boa pergunta — disse Scully.

— Sim — resmungou Mulder. — Acho que vamos ter de pensar muito nisso.

O rosto do Dr. Blockhead foi iluminado por um sorriso. E ele disse:

— Mas onde estão os meus modos? Que péssimo anfitrião sou. Permitam que lhes ofereça um pequeno aperitivo, por sinal delicioso.

Ele apanhou uma jarra, tirou a tampa e a apresentou a Scully.

— Por acaso isso aí é o que estou pensando? — perguntou ela.

— É a maior variedade de grilos vivos que o dinheiro pode comprar — disse o Dr. Blockhead. — E foram todos capturados muito recentemente. Se não acreditar em mim, leia a data de validade que está impressa no rótulo...

— Eu acredito — disse Scully, ainda olhando para o conteúdo da jarra.

Ela enfiou a mão lá dentro e tirou um dos grilos. Então o colocou na boca e mastigou. Depois sorriu para o Dr. Blockhead, dizendo:

— Muito obrigada pelo aperitivo.

Olhou bem para o homem, deu um grande sorriso e afastou-se.

— Essa Scully — disse Mulder balançando a cabeça — é uma mulher cheia de surpresas.

Ele estendeu a mão para dar adeus ao Dr. Blockhead e a Conundrum. E apressou o passo para alcançar Scully. Quando chegou ao lado dela, disse:

— Faça o favor de me lembrar que nunca devo desafiar você para nada. Pelo que acabo de ver você não pára diante de coisa alguma quando resolve vencer um argumento, não é mesmo?

Em resposta, Scully colocou a mão atrás da orelha de Mulder. Com um sorriso, ela tirou de lá um grilo vivo.

— Este é um antigo truque de prestidigitação que meu tio me ensinou — disse ela. — Ele era apenas um mágico amador. Mas mesmo assim era muito melhor do que aqueles dois engraçadinhos. — Como Mulder não respondia, ela perguntou: — São apenas truques que eles pregam, não é mesmo? Isto é, aquelas coisas que o Dr. Blockhead faz com seu corpo não podem ser verdade. E também não é verdadeira a tal água fervente em que Conundrum fica mergulhado. Aquilo devia ser algum tipo de máquina que cria o efeito de água quente. E o sr. Conundrum devia ter um tanque de oxigênio escondido lá embaixo.

— Provavelmente — disse Mulder.

— Provavelmente? — perguntou Scully incrédula. — Eu diria que é isso com certeza.

— Eu sei que seu cérebro não aceita essas coisas de jeito algum... mas não existe nada que se possa considerar 100% certo no circo, Scully — afirmou Mulder. — É a mesma coisa que uma cebola. No meio das fraudes, você tem de ir tirando uma camada depois da outra para poder chegar até a verdade. No fim, acaba ficando com... nada.

— Fraude ou não, o cadáver ensangüentado de Hepcat Helm foi a coisa mais real que vi hoje — disse Scully.

— Também era bastante real o sangue do assassino que encontramos na cena do crime — disse Mulder. — E igualmente real era o sangue que estava na ponta do prego que arranquei do nariz do Dr. Blockhead. E este aqui também é real... — Mulder estendeu o braço para a frente e tirou do ar um longo prego... que estava com uma mancha de sangue seco na ponta. Então, disse a Scully: — Todo mundo tem um tio que é mágico amador...

 

Talvez este prego nos permita agarrar o tal Dr. Blockhead — disse Mulder. — Vamos ver se o sangue que está aqui combina com o que encontramos na janela do estúdio de Hepcat. Vou levar agora mesmo ao laboratório.

— Não vai servir como prova definitiva — recordou Scully. — Só vai ser possível determinar o tipo de sangue.

— Vai ser mais do que temos contra ele por enquanto — disse Mulder. — Ou seja, exatamente nada.

Ele embrulhou o prego com todo o cuidado em um lenço limpo e enfiou no bolso.

— Você vai comigo? — perguntou a Scully.

— Não. É melhor você ir sozinho — respondeu Scully. — Quero fazer algumas pesquisas também. Na verdade, este ambiente de circo é bastante estranho para mim. Preciso descobrir algumas coisas a respeito. Ou seja, quero me orientar melhor.

— De que maneira? — perguntou Mulder.

— Eu vi um museu do circo que fica na rua principal — lembrou-se Scully. — Acho que vou começar por lá.

— Boa idéia — disse Mulder. — Poderemos nos encontrar de novo à noite no seu trailer.

Mulder saiu com o carro alugado para se dirigir ao laboratório, enquanto Scully saía a pé do estacionamento de trailers chamado Big Top Motor Inn.

Enquanto ela caminhava diante da fileira de trailers estacionados, passou diante de uma pirâmide humana de acrobatas, na frente de um homem que atirava facas em outro e de um grupo de pessoas muito pequenas que ensaiavam como entrar e sair de um minúsculo automóvel. Cada um dos grupos pelos quais passou parou por um instante o que estava fazendo para observá-la passar.

Aconteceu a mesma coisa quando ela foi andando pela Main Street. Um homem enorme e muito forte, que carregava uma montanha de sacolas cheias de compras do supermercado, parou para rir para ela. A mulher que ia atrás dele, e que carregava uma sacola de compras em cada uma das três mãos, fez a mesma coisa. E também o homem que tinha uma única perna que saía da parte central do seu corpo.

"Então é assim que a pessoa se sente quando é diferente", pensou Scully. "De fato, não é fácil.”

Ela sentiu uma onda de alívio invadindo-a quando finalmente chegou ao museu. Queria entrar o mais depressa possível e desaparecer da vista daquelas pessoas.

Do lado de fora, o museu parecia uma loja de cidadezinha do interior bastante desorganizada. Uma placa enorme, colocada por cima da porta, dizia: CASA DAS COISAS ESTRANHAS.

Havia uma caixa para doações pendurada na porta. Scully leu o aviso que havia ali: ENTRADA FRANCA PARA ABERRAÇÕES! TODOS OS OUTROS, POR FAVOR, DEIXEM UMA DOAÇÃO.

"Será que me consideram uma aberração aqui em Gibsonton?", se perguntou. Por via das dúvidas, tirou do bolso um par de notas de um dólar e as enfiou na caixa de doações.

Ouviu o barulho de um pequeno sino e a porta foi aberta por um homem alto, de idade avançada, que usava um terno preto dos mais baratos.

— Bem-vinda ao meu museu — disse o homem. — Tem alguma pergunta que eu possa responder?

Scully, óbvio, não fez a primeira pergunta que lhe veio à cabeça.

O que teria acontecido com o rosto daquele homem?

Teria ele nascido daquele jeito, com o rosto escorrido como se fosse feito de cera derretida? Ou seria aquilo o resultado de alguma doença estranha ou de um horrível acidente?

"Mas é exatamente esse tipo de pergunta que se deve evitar nesta cidade", pensou Scully.

— Muito obrigada — respondeu ela. — Talvez eu tenha chance de lhe fazer algumas perguntas. Por enquanto, quero dar uma olhada em algumas coisas que estão expostas aqui.

— A vontade... E eu serei o seu guia — disse o velho.

Ele a levou até uma parede cheia de velhas fotos em preto-e-branco, muitas das quais pareciam ser da época da virada do século.

Enquanto Scully olhava as fotografias, o homem ia dizendo os nomes das pessoas mostradas.

— Este é o Príncipe Randian, o Torso Humano. E aqui está Frank Lentini, o Homem de Três Pernas. Aqui temos os gêmeos Tocci, que nasceram com o corpo unido, mas tinham um par de pernas. E aqui chegamos a Chang e Eng, os primeiros e originais Irmãos Siameses.

Na frente da fotografia em tamanho natural de Chang e Eng, encontrava-se uma mesa com um monte de panfletos. O velho entregou um deles a Scully dizendo:

— Por favor, leia quando tiver um tempinho. É um pequeno texto que eu mesmo escrevi.

Scully leu o título do panfleto: "A fascinante história verdadeira dos Irmãos Siameses originais".

— Tenho certeza de que a vida deles foi realmente fascinante — disse ela. — Mas a morte deles também teve o mesmo fascínio?

— Por que pergunta isso? — indagou o velho.

— Vim até aqui para investigar a morte de um... de uma pessoa muito especial — disse Scully. — Qualquer coisa que eu ficar sabendo sobre os artistas de espetáculos marginais pode ser bastante útil.

— Bem, pois eu posso garantir que a morte de Chang e Eng foi realmente muito fascinante — explicou o velho. — Em uma fria manhã de Janeiro de 1874, Eng despertou e percebeu que o irmão havia morrido durante a noite. Algumas horas depois, o próprio Eng também partiu deste Vale de Lágrimas.

— Muito interessante — disse Scully, educadamente. Mas havia uma nota de interrogação em sua voz.

— Pelo que vejo a senhora não entendeu coisa alguma — disse o velho. — A morte dos dois nada teve de fascinante. De especial interesse seria a idéia de Eng deitado na cama sozinho — o homem apoiou a mão sobre o ombro de Scully e sua voz tornou-se áspera. — Ele sabia que a outra metade de seu corpo estava morta. E que a outra metade tinha de acompanhá-la. Nada mais podia fazer senão ficar ali esperando chegar a hora de sua própria morte.

O velho tirou a mão do ombro dela. E Scully disse:

— É fascinante mesmo. Mas, diga-me, qual foi a causa oficial da morte?

— Chang morreu de hemorragia cerebral.

— E Eng? — perguntou Scully.

— De medo — respondeu o velho.

Scully sentiu um arrepio por todo o corpo. E decidiu mudar de assunto.

— O senhor tem alguma informação a respeito de artistas que fazem espetáculos de cabeça-dura e monstruosidades?

— Esta é uma coleção histórica de curiosidades humanas — respondeu o velho. — Os cabeças-duras são profissionais altamente especializados.

— Mais ou menos como os mágicos? — perguntou Scully.

— Bem, como os engolidores de espadas.

— E as monstruosidades? — perguntou Scully.

— Esses não são especializados. Tampouco os considero curiosidades. Eles são apenas... desagradáveis. Nem ao menos podemos considerá-los gafes.

— Gafes? — indagou Scully. O velho apontou para outra fotografia e Scully perguntou: — É outro tipo de gêmeos siameses?

A foto mostrava os corpos de dois homens unidos na altura da cintura e com um par de pernas.

— Parece que tem muito o que aprender aqui, moça — disse o velho com um sorriso. — Olhe bem para os rostos dos dois. Suas características são completamente diferentes. Os gêmeos siameses são sempre idênticos. Estes cavalheiros são fraudes. Eles são o que chamamos de gafes.

Scully olhou atentamente para as fotos e fez um sinal com a cabeça concordando:

— Agora estou entendendo — disse ela. — Na verdade são duas pessoas e uma delas está com as pernas enroladas na cintura do outro.

As calças largas escondem isso. Diga-me, esse tipo de fraude é muito comum nos espetáculos marginais?

— Devo dizer que são muitos os casos fraudulentos que se tornaram famosos.

— Como a Sereia de Fiji? — perguntou Scully.

A única resposta do homem do museu foi uma risada disfarçada. Depois de uma pequena pausa, Scully pediu:

— Eu apreciaria muito que me falasse alguma coisa a respeito da Sereia. Poderia ser importante para a investigação que estou realizando aqui na cidade.

— Se você está interessada em informações sobre a morte do Homem Crocodilo, talvez eu tenha alguma coisa aqui que seria de seu interesse — disse o velho entregando a Scully outro panfleto.

Na capa estava estampado o título "A vida exótica de Jim-Jim, o menino de cara de cachorro". Ela mostrava a fotografia de um garoto cujo rosto estava completamente coberto por longos cabelos negros.

— Que ligação tem isso com o assassinato de Glazebrook? — perguntou Scully.

O velho voltou a sorrir e disse:

— Talvez tenha algo a ver. Talvez não. Acho que você vai ter de descobrir por si mesma, moça.

— Obrigada... — disse Scully, colocando o panfleto no bolso. — Fico-lhe muito agradecida mesmo por toda a ajuda que me deu.

O homem olhou bastante sério para Scully. Mordeu o lábio, como se estivesse tentando decidir se dizia ou não alguma coisa. Então, aproximou dela o seu rosto que parecia feito de cera derretida e disse, quase sussurrando:

— Se você quer realmente compreender como ocorreu esse crime, tenho algo aqui que deveria ver.

— O que é? — perguntou Scully.

— Venha comigo — disse o velho.

Ele levou Scully na direção de uma porta que havia na parte de trás do museu.

— Tive recentemente a oportunidade de adquirir uma peça de exibição autêntica de P. T. Barnum — explicou. — Não estou mostrando essa peça a todos que visitam meu museu. Apenas àqueles que realmente a desejam ver e que têm sangue frio suficiente para olhar. Barnum chamava essa peça de O Grande Desconhecido. Diga-me: você acha mesmo que teria estômago suficiente para olhar?

— Por acaso ajudaria a resolver o mistério que estou investigando? — perguntou Scully.

— Eu lhe dou minha palavra que sim — respondeu o homem.

— Então abra a porta — ordenou Scully.

— Primeiro, eu preciso pedir-lhe dois favores — disse o velho.

— Pode pedir. Quais são eles? — perguntou Scully.

— Gostaria que não comentasse com ninguém o que vai ver aqui — disse ele.

— Nem mesmo com o meu parceiro? — perguntou Scully.

O velho fez silêncio durante alguns instantes, enquanto pensava, depois, concordou:

— Bem, talvez possa contar ao seu parceiro. Mas a ninguém mais.

— Tem minha promessa — disse Scully. — E qual é o segundo favor?

— Uma doação extra de vinte dólares... para me ajudar a pagar o custo da peça — disse o homem.

Scully colocou a cédula de vinte dólares na mão dele.

O homem embolsou o dinheiro, tirou o ferrolho da porta e abriu.

Scully entrou o mais depressa que pôde.

No mesmo instante em que ela entrava, a porta fechava-se atrás dela.

E Scully ouviu o ferrolho sendo trancado do lado de fora.

Ela se viu trancada lá dentro com o Grande Desconhecido, fosse quem fosse ou o que fosse.

 

Scully olhou em volta. Estava trancada em um aposento bastante pequeno, sem janelas, iluminado apenas por uma lâmpada fraca. As paredes eram de concreto, cheias de rachaduras, cobertas pela umidade, como se estivessem transpirando. O ar era frio e úmido.

"Este lugar mais parece uma sepultura", pensou ela. E sentiu um calafrio.

Havia apenas um objeto naquela salinha: um velho baú de madeira, com buracos redondos nas laterais, para a entrada de ar. Pesadas correntes prendiam o baú ao chão de concreto.

"Bem, pelo menos não é um caixão de defunto", pensou Scully. "Aqueles buracos significam que há alguma coisa lá dentro que precisa respirar.”

Ela notou que o pesado cadeado do baú não estava trancado.

"Parece que estou com sorte", pensou ela ao se ajoelhar ao lado da caixa. E retirou o cadeado do lugar.

Fez uma pausa. Olhou bem para a tampa e respirou fundo. Fez o maior esforço possível para relaxar os nervos tensos. Então, lentamente e com todo o cuidado, ela ergueu a tampa do baú, que rangeu bastante alto.

Ela estava pronta para tudo... Isto é, tudo menos aquilo.

Viu-se olhando para dentro de um baú vazio.

Naquele momento, uma brilhante luz fluorescente vermelha acendeu na parede. Iluminava um letreiro que dizia: SAÍDA.

No clarão vermelho do letreiro, Scully viu o contorno de uma porta. E fez uma careta.

Aquele museu lhe dera de fato uma excelente amostra do que era o mundo do circo.

Ela havia sido enganada.

Quando Mulder se aproximou do trailer de Scully, naquela noite, seus nervos de repente ficaram rígidos.

Debaixo do trailer vinha o barulho de alguém que parecia estar tentando sair apressado, respirando com dificuldade. Mulder ficou congelado como uma estátua. Não gostava de carregar uma arma mas, naquele momento, sentia-se feliz por estar com seu revólver.

De arma em punho, Mulder abaixou-se, apoiado nas mãos e nos joelhos. E começou a engatinhar por baixo do trailer.

E de repente viu-se cara a cara com Hiram Nutt, que vinha engatinhando para fora. Ambos levantaram-se quase de um salto.

— Por acaso a agente Scully sabe que o senhor estava embaixo de seu trailer? — perguntou Mulder.

— Eu estava apenas consertando o encanamento — respondeu Nutt. Naquele momento, Scully abriu a porta do trailer.

— Sr. Nutt — disse ela. — Muito obrigada. A pia está funcionando direitinho agora.

Nutt olhou para Mulder com um ar de triunfo e se afastou.

— Posso saber o que está fazendo de arma na mão, Mulder? — perguntou Scully.

— Apenas examinando para ver se precisa de graxa — respondeu ele. E tornou a colocar o revólver no coldre embaixo do braço. Rapidamente ele mudou de assunto. — Por acaso descobriu alguma coisa interessante no museu?

— Poderia dizer que sim — respondeu Scully. Ela segurou a porta do trailer aberta para que Mulder pudesse entrar. Depois de entrar também, ela perguntou: — E os testes de laboratório? O que nos revelaram?

— O sangue que encontramos na janela combina com o sangue que estava na ponta do prego — explicou Mulder. — Mas ambos eram do tipo "O" positivo, que é o tipo de sangue mais comum que existe. Eu aproveitei para investigar o histórico do Dr. Blockhead. Seu nome verdadeiro é Jeffrey Swaim. Ele não veio do Iêmen, mas sim de Milwaukee. E, na verdade, não tem o direito de ser chamado de doutor.

— Por acaso ele tem alguma passagem pela polícia? — perguntou Scully.

— Nada além de algumas dezenas de multas de trânsito — respondeu Mulder. — Mas com a ajuda do xerife Hamilton, eu fiz uma investigação nas fichas de alguns dos velhos artistas que moram por aqui. Todo mundo está limpo na polícia.

— Para dizer a verdade, eu também aproveitei para fazer uma pequena investigação — disse Scully. — Estava só procurando aproveitar O tempo disponível esta tarde.

— E quem foi que você investigou? — perguntou Mulder. Scully abriu uma pasta de documentos e começou a ler:

— Um órfão foi descoberto nas florestas selvagens da Albânia em 1933. Ele era muito hábil na caça de seu próprio alimento, mas não sabia dizer uma palavra sequer, limitando-se a dar alguns grunhidos animalescos e ininteligíveis...

— Interessante — interrompeu Mulder. — Mas o que tem isso a ver com...

— Continue ouvindo, porque vai ficar ainda mais interessante — disse Scully. E prosseguiu na leitura: — Ele foi trazido para este país e passou a ser exibido ao público em uma jaula trancada. O menino aterrorizava o público com sua ferocidade e devorava pedaços inteiros de carne crua. Um dia, conseguiu fugir do circo. Desapareceu de vista, até o dia em que reapareceu bem aqui em Gibsonton. Nesta cidade, por mais estranho que possa parecer, ele se dedicou a uma carreira de oficial da lei. Mostrou ser bastante capaz nessa atividade... e há mais de quinze anos vem sendo reeleito para o cargo de xerife.

— Você está me dizendo que se trata do xerife Hamilton? — perguntou Mulder.

— Estou dizendo que, antes de se transformar no xerife Hamilton, ele era... Jim-Jim, o menino de cara de cachorro.

De dentro da pasta Scully tirou o panfleto que havia recebido do homem do museu. Mulder arregalou os olhos para a fotografia do garoto na capa do folheto.

— É difícil de acreditar — resmungou ele.

— Pois acredite se quiser... — disse Scully. — Aliás, este deveria ser o slogan desta cidade.

Mulder suspirou fundo e disse:

— Depois dessa acho que devemos incluir o próprio xerife Hamilton em nossa lista.

— Era só o que nos faltava: mais um suspeito — disse Scully.

— Vamos fazer uma visitinha de surpresa ao nosso querido xerife — disse Mulder. — Quem sabe ele possa nos ajudar a desenterrar alguma coisa...

— Odeio pensar em uma coisa dessas — comentou Scully.

Uma hora mais tarde, as palavras de Scully pareciam transformar-se em perseguição. Ela estava agachada ao lado de Mulder junto aos arbustos que havia no quintal da casa do xerife Hamilton.

O xerife, cuja enorme e ameaçadora silhueta era iluminada pelo brilho intenso do luar, estava trabalhando duro, abrindo um buraco no quintal. Depois de algum tempo ele parou, deixando cair a pá, e limpou a testa com as costas da mão. Então curvou-se para a frente e enfiou o braço através do buraco que acabara de abrir.

Scully olhou inquisitivamente para Mulder.

Mulder balançou a cabeça. Ele tampouco podia adivinhar o que o xerife havia retirado do buraco.

Mas não havia dúvidas quanto ao que o xerife estava agora apanhando do meio da grama. Sob o luar, brilhou a lâmina de uma longa faca.

O xerife fez um corte no objeto que havia tirado do buraco e depois o esfregou nas mãos.

Por fim ele tornou a se curvar para a frente e devolveu o objeto ao buraco, colocando terra por cima.

Ficou em pé, olhando direto para a lua cheia por alguns momentos. Então voltou-se e caminhou para dentro de casa.

— Juro que não quero dizer o que estou pensando — sussurrou Scully. — Isto é, meu pensamento não é exatamente científico. Por outro lado, durante vários séculos têm sido registrados relatos... E esta é uma noite de lua cheia.

— É verdade, mas temos de ter muito cuidado — sussurrou Mulder. — Só porque o xerife Hamilton tinha uma cabeleira exageradamente comprida, não quer dizer que ele seja um...

— Concordo — disse Scully. — Não seria justo dizer que sua aflição o esteja fazendo comportar-se de um modo anormal. Seria o mesmo que considerar uma pessoa culpada de um crime com base apenas na cor de sua pele...

— Certo — concordou Mulder.

— Certo — repetiu Scully.

— No entanto... — disse Mulder.

— No entanto... — repetiu Scully.

— Bom, está na hora de descobrirmos a verdade — afirmou Mulder. Ele engatinhou pelo quintal, apoiando-se nas mãos e nos joelhos.

Scully o acompanhou.

Com as mãos nuas, Mulder reabriu o buraco que o xerife acabara de cobrir de terra. Depois de alguns momentos, ele disse:

— Peguei. Agora, só preciso puxar para fora e... E parou de falar no meio da frase.

Ele e Scully viram-se iluminados por uma luz muito forte, que praticamente os cegava.

Quando a vista dos dois se acostumou à claridade, viram o xerife em pé ao lado deles com uma enorme pistola calibre na mão.

— Posso saber o que vocês dois estão fazendo? — rosnou ele. Mulder levantou no ar o objeto que havia encontrado no buraco:

um pedaço de batata crua.

— Estávamos exumando sua batata... — foi a única coisa que ele conseguiu dizer.

— E seria demais perguntar por quê? — tornou o xerife.

Era uma boa pergunta. Mas não era muito fácil encontrar uma resposta convincente.

Scully fez uma primeira tentativa.

— Xerife, como todos nós sabemos, muitos criminosos responsáveis por assassinatos em série se declaram fascinados pelo trabalho policial. Alguns deles até pertencem aos quadros policiais das cidades onde moram. Assim, consideramos uma parte normal do nosso trabalho...

— Arrancar batatas do chão? — perguntou o xerife. Mulder tentou uma abordagem diferente.

— Xerife, descobrimos que você foi o famoso menino da cara de cachorro.

Ele entregou o panfleto ao xerife e esperou pela reação do policial. O xerife Hamilton olhou bem para a fotografia. Então deu uma risada amarela.

— Puxa, como eu era magrinho naquela época... — disse ele.

— Então era mesmo o senhor? — perguntou Scully.

— Oh, claro que sim — respondeu o xerife Hamilton, ainda sorrindo.

— Passei a primeira metade da minha vida como Jim-Jim. Aí, um dia, descobri um ponto de calvície na parte de cima de minha cabeça. Percebi que não estava perdendo apenas os meus cabelos, mas estava perdendo toda a minha carreira. Não demorou muito para que toda a cabeleira desaparecesse. Mas ainda me resta muito pêlo no corpo. Por isso é que nunca vou à praia...

— Mas isso não explica a batata enterrada — insistiu Scully.

— Bem, a explicação é meio embaraçosa... — disse o xerife. — Acontece que eu... eu tenho verrugas na mão.

— Isso ainda não basta para explicar a batata enterrada — insistiu também Mulder.

— Por acaso vocês não sabem? — perguntou o xerife com uma expressão de surpresa no rosto. — Para acabar com as verrugas, o melhor remédio é esfregar uma batata crua nas mãos. Depois a batata deve ser enterrada em noite de lua cheia.

— Ah, claro que sim... — disse Mulder.

— Certo — disse Scully. — Acho que isso nem me havia passado pela cabeça.

— E, por falar nisso, como vai indo a investigação? — perguntou o xerife. — Depois de alguns momentos de um pesado silêncio, disse:

— Não vai indo muito bem, não é?

— Na verdade, estamos esperando que alguma coisa aconteça a qualquer momento — disse Mulder.

— E vai acontecer, queiramos ou não — acrescentou Scully.

 

Conundrum ouviu um grunhido baixo. A princípio ele pensou que fosse seu estômago, pois estava sempre roncando. De fato, tinha feito aquele barulho a vida inteira, desde que ele se conhecia como monstruosidade. Nem mesmo os mais deliciosos repastos, digamos, uma gorda rã viva, ou uma lata cheia de minhocas, ou ainda uma barulhenta galinha com suas penas crocantes, conseguiam silenciar seu estômago durante muito tempo.

Naquela noite, no entanto, não era seu estômago que fazia aquele barulho.

Iluminado pela luz pálida do luar, ele viu o minúsculo cachorro de Hiram Nutt olhando para ele e rosnando.

Conundrum olhou de volta para o cachorrinho... e lambeu os beiços.

No entanto, por algum tempo Conundrum fez o possível para conter a fome que o consumia por dentro.

Tentou lembrar-se do que o Dr. Blockhead lhe havia dito a respeito de comer nos intervalos dos espetáculos. Era ruim, ruim, ruim.

Procurou recordar-se de que o Dr. Blockhead o havia mandado fazer uma coisa naquela noite. Importante, importante, importante.

Mas seu estômago não o deixava em paz e continuava a fazer barulho. Era um barulho cada vez mais alto. No fim, o ronco do estômago afogou todos os pensamentos, menos a deliciosa idéia de pêlos, ossos, globos oculares e sangue, e mais uma pequenina cauda enrolada como sobremesa.

O cachorrinho viu a gota de saliva que caía da boca de Conundrum. E parou de grunhir. Ganiu, virou sobre as patas e saiu correndo.

Rosnando de fome, Conundrum correu atrás do animalzinho. Não se preocupava com o fato de ter de correr atrás da comida. Aliás, até gostava disso. O exercício aumentava-lhe mais ainda o apetite.

Conundrum era rápido. Mas o cachorrinho era mais rápido ainda... e não precisava correr para muito longe. Em instantes chegou à porta do escritório do Big Top Motor Inn e arranhou forte na parte de baixo.

Um instante depois, a porta se abria.

E Hiram B. Nutt saiu com uma cara irritada. Olhou com nojo para o homem tatuado que estava agachado diante de sua porta.

Sentindo-se protegido atrás de seu dono, o cachorrinho começou a latir de maneira desafiadora.

— Quantas vezes eu tenho de repetir? — disse Nutt. — Commodore é meu animal de estimação... não é para você comer. Se tentar fazer isso mais uma vez eu expulsarei você e o Dr. Blockhead do trailer.

Conundrum levantou-se, com a cabeça abaixada, envergonhado. Por que ele continuava agindo daquele jeito? Por que não ouvia de uma vez por todas os conselhos do maior e mais esperto homem que havia no mundo, o Dr. Blockhead?

Infelizmente, nada havia na natureza de Conundrum que lhe permitisse encontrar as respostas para essas perguntas. Mesmo intimidado pela presença de Nutt, ele continuava lançando olhares esfomeados para o cachorrinho.

— Afinal de contas, o que é que você está fazendo aqui fora a esta hora da noite? — perguntou Nutt. — Eu imagino que até um cabeça-dura como o Dr. Blockhead seria suficientemente sensato para manter você preso à noite.

Conundrum sentiu-se bastante satisfeito. Finalmente estava diante de uma pergunta que era capaz de responder.

Enfiou a mão por trás do pano que trazia amarrado à cintura. Um pedaço de papel estava preso à tanga por dois dos alfinetes de cabeça de caveira do Dr. Blockhead. Ele puxou o bilhete e o entregou a Nutt.

Nutt leu-o e disse:

— Está bem. Agora pode voltar para o seu trailer... antes que se meta a morder mais do que consegue engolir.

Mas Conundrum continuou ali parado com os olhos arregalados para as mãos de Nutt.

Depois de uma breve pausa, Nutt disse:

— Eu sei o que você quer. Aposto que o Dr. Blockhead prometeu que eu lhe daria os alfinetes como recompensa. Pois bem: só porque está sendo tão guloso, não vou lhe dar nenhum alfinete. Vai ter de encontrar alguma outra coisa para o seu lanche da meia-noite.

Nutt bateu a porta na cara desapontada de Conundrum. Olhou para o cheque que tinha na mão e balançou a cabeça. E perguntou ao cachorrinho:

— Diga-me, Commodore: como é que os hóspedes mais estranhos são os que sempre pagam o aluguel adiantado?

Como se quisesse responder, o minúsculo animal começou a uivar, com os olhos fixos na porta.

Nutt suspirou fundo.

Ele ainda está lá fora, não é? Na verdade, esse sujeito é que deveria ser transformado em comida de cachorro...

Nutt levantou-se e virou para a porta, gritando:

— Estou avisando pela última vez: tenho uma arma devidamente registrada! E estou apenas esperando por uma boa razão para dar alguns tiros com ela!

Commodore parou de uivar. Em vez disso, passou a latir de modo bastante feroz.

— Que diabo está acontecendo? — resmungou Nutt. Foi até a porta e olhou pela vigia. Mas antes que pudesse ver o que havia lá fora, alguma coisa o agarrou pelo tornozelo.

Ele olhou para baixo. Uma pequenina mão havia passado pela portinhola que servia de entrada para o cachorro. A mão era forte e tentou puxar a perna de Nutt para o lado de fora.

— Nãããooo! — gritou ele. Agarrando-se ao chão com as duas mãos, conseguiu livrar-se da mão que o segurava.

Caiu de costas no chão, meio tonto.

Levantou a cabeça e viu alguma coisa que entrava atrás da mão pela portinhola do cachorro.

Algo o fez gritar de novo.

E de novo. E uma vez mais.

Até que seus gritos foram desaparecendo... ficando apenas o barulho do cachorrinho Commodore, que chorava no meio da noite.

Scully despertou com as batidas insistentes na porta de seu trailer. Recusou-se a abrir os olhos na esperança de que o barulho das batidas parasse.

Ela estava tão cansada! O sono estava tão bom! Então, ela ouviu uma voz que gritava:

— Acorde! Acorde, por favor!

— Está bem, está bem. Já vou! — gritou ela de volta. Bocejando, levantou-se da cama, acendeu a luz, vestiu o penhoar e abriu a porta.

Viu Lanny do lado de fora. Tinha o rosto mais pálido do que a morte, iluminado apenas pela luz que vinha de dentro do trailer.

— Não dava para esperar até o dia amanhecer? — perguntou Scully, esfregando os olhos.

— Desculpe, senhorita. Desculpe, desculpe — repetiu Lanny. E sua voz ficou fora de controle: — Mas ele está morto. Está morto!

— Acalme-se, por favor, Lanny — disse Scully. — Agora, com muita calma, diga-me: quem está morto?

— Meu melhor amigo — respondeu Lanny. — O sr. Nutt! Eu o encontrei. Ele estava...

Lanny não conseguiu continuar falando. A única coisa que conseguiu fazer foi sacudir a cabeça, dominado pelo choque. Scully estava bem acordada agora.

— Espere aqui, até que eu me vista — pediu ela. Fechou a porta e vestiu-se em dois minutos exatos. Aí foi juntar-se a Lanny, que a esperava diante da porta do trailer.

— Vamos — disse ela. — Mostre-me onde o encontrou.

— Talvez eu não devesse fazer isso — disse Lanny. — Talvez fosse melhor se a senhora não visse aquilo. É um espetáculo horrível. Horrível, horrível, horrí...

— Não se preocupe comigo — disse Scully. — Estou acostumada a ver coisas desse tipo. Afinal, é parte do meu trabalho.

— Mas aposto que nunca viu uma coisa dessas, moça — insistiu Lanny. — Se tivesse visto, nunca mais iria querer olhar outra vez para o corpo de um homem morto.

 

Scully agachou-se diante da porta, bem na frente da portinhola do cachorro. Queria olhar bem de perto para as manchas de sangue que havia na portinhola. Atrás dela, o xerife Hamilton disse:

— Lanny disse que a porta estava trancada quando ele chegou aqui. Teve de usar a chave para poder abrir e entrar. Todas as janelas estão fechadas e trancadas pelo lado de dentro. O único meio de entrar seria pela portinhola do cachorro. O que poderia ter entrado por aí, exceto um cachorro? Ou talvez um gato?

Então Mulder disse:

— Scully, venha até aqui.

Ele estava ajoelhado ao lado do cadáver de Nutt. Scully teve todo o cuidado para não pisar nas marcas de sangue que havia entre o cadáver e a porta.

— Não sei que tipo de pessoa poderia passar por aquela portinhola do cachorro, mas dê uma olhada nisto — disse Mulder.

Ele ergueu o braço de Nutt para que Scully visse a palma da mão do defunto.

Havia um alfinete cravado nela.

Um alfinete cuja cabeça era uma pequena caveira.

— Por acaso se recorda de onde vimos este tipo de alfinete? — perguntou Mulder.

— E acha que eu conseguiria esquecer? — disse Scully. — Se aquele sujeito conseguia enfiar cravos no peito e escapar de camisas-de-força, quem sabe o que mais conseguiria fazer? Talvez tenhamos finalmente uma boa pista a seguir neste caso.

Mulder concordava com ela.

— Talvez sim. Seja como for... — um barulho muito alto de repente encobriu o som da voz dele.

Lanny estivera o tempo todo parado diante da porta, observando o trabalho dos investigadores e tomando longos tragos de seu frasco de metal. Sem mais nem menos, tinha começado a bater com toda a força na parede.

— Ele era meu único amigo! — gritava ele. — Era como um verdadeiro irmão para mim.

Scully correu na direção dele para tentar acalmá-lo, mas o xerife foi mais rápido do que ela.

Agarrou Lanny por trás, passando os braços em torno da barriga de Lanny.

— Ei, fique frio, meu rapaz — disse o xerife. — Se continuar com isso, vai acabar se machucando.

— E daí? — resmungou Lanny.

— E daí nada — disse o xerife. — Mas se não tiver cuidado, pode acabar me machucando também... Portanto, pare com isso — o xerife olhou para Mulder e Scully e explicou: — De vez em quando ele fica desse jeito. Quase sempre eu o faço dormir na cadeia até que volte a se acalmar. E aí ele passa bem alguns dias... até começar tudo de novo.

— Pode ficar tomando conta de Lanny — disse Mulder. — Enquanto isso iremos buscar o Dr. Blockhead... ou melhor, Jeffrey Swaim.

— Certo — concordou o xerife, arrastando Lanny para fora. O homem não oferecia resistência. Seu corpo tinha ficado flácido. Lágrimas corriam pelo seu rosto.

Mulder viu que Scully balançava a cabeça enquanto observava o cadáver.

— O que foi que aconteceu? — perguntou ele. — Por acaso encontrou alguma coisa que me passou despercebida?

— Na verdade não — respondeu Scully. — Só que tenho tido tantos pesadelos ultimamente que chego quase a esperar que os crimes sejam mais... — ela fez uma pausa, procurando encontrar a palavra certa.

— Horripilantes? — sugeriu Mulder.

— Bem, acho que sim... — admitiu ela.

Mulder deu um sorriso maldoso e disse:

— Você não deveria estar esperando que este caso fosse corriqueiro, Scully. Especialmente quando o nosso principal suspeito é um verdadeiro cabeça-dura.

— Talvez ele esteja confortavelmente deitado em sua cama, como qualquer cidadão comum — disse Scully.

— Reclamações, reclamações... — disse Mulder, batendo à porta do trailer do Dr. Blockhead. — Será que não consegue se acostumar à idéia de que as pessoas daqui são iguais a todo mundo?

— Pode entrar... a porta está aberta — gritou o Dr. Blockhead. Scully e Mulder entraram no trailer.

O Dr. Blockhead estava deitado na cama. Uma cama de pregos.

Scully engoliu em seco. Respirou profundamente, mostrou seu distintivo e começou a dizer:

— Sr. Swaim. Somos agentes federais. Estamos aqui para interrogá-lo. Por favor, fique ciente de que tem o direito de...

— Vocês vão ter de esperar um pouco — disse o Dr. Blockhead. — Como podem ver, estou meio ocupado neste momento — ele ergueu as duas mãos. Em ambas estava segurando linhas de pesca. As linhas estavam presas a alguns anzóis, que estavam firmemente enfiados em seu peito. Ele puxou as linhas com força e disse: — Isso pode lhes dar uma idéia de como uma truta se sente quando é fisgada.

— Sr. Swaim — Scully recomeçou. Mas fez uma pausa para perguntar. — Isto não dói?

— Na verdade é uma variação de um ritual indígena da Dança do Sol — respondeu o Dr. Blockhead. — Eu fico pendurado por estes anzóis e a dor se torna tão insuportável que eu tenho de abandonar meu corpo.

— Abandonar seu corpo? — perguntou Scully. E trocou olhares com Mulder, fazendo uma nova pergunta ao Dr. Blockhead: — E para onde vai?

— Não vou a parte alguma — respondeu Blockhead. — Você não está entendendo. É só um modo de libertar minha mente. Ou, como dizem alguns, libertar minha alma.

— Odeio ter de interferir em sua liberdade, sr. Swaim — insistiu Scully —, mas estamos aqui para detê-lo. Queremos interrogá-lo a respeito de vários assassinatos recentes.

— Eu me recuso a responder qualquer pergunta antes de falar com meu advogado — afirmou o Dr. Blockhead.

— E quem é seu advogado? — perguntou Mulder.

— Eu represento a mim mesmo — declarou o Dr. Blockhead. Isso foi o suficiente para Scully.

Com uma das mãos ela tirou do bolso um par de algemas. Com a outra derrubou o Dr. Blockhead de sua cama de pregos.

Scully tinha tamanha prática que conseguiria algemar um suspeito mesmo que estivesse adormecida. Fez com que o Dr. Blockhead se virasse e colocou as algemas em seus pulsos atrás de suas costas.

— O que lhe dá o direito de fazer isso? — rosnou ele.

— Eu já não lhe disse que somos agentes federais? — perguntou ela trancando bem as algemas.

— E eu já não lhe disse que sou um artista especializado em fugas? — respondeu o Dr. Blockhead.

— O quê...? — Scully olhou para os próprios pulsos. "Como foi que essas algemas vieram parar aqui?”

Ela nem teve chance de fazer a pergunta ao sorridente Dr. Blockhead.

Ele a empurrou violentamente para o lado e correu porta afora.

Scully caiu em cima de Mulder, que vinha para ajudá-la.

Mulder caiu para trás batendo contra a beirada da cama de pregos. E acabou caindo por cima dos pregos.

— Mulder! — gritou Scully. Ele permaneceu imóvel.

Scully abaixou os braços para puxá-lo para cima.

Antes que suas mãos o tocassem, Mulder levantou-se da cama de pregos e ficou em pé. Mas teve de tirar o paletó para poder fazer isso. O casaco ficou enroscado nos pregos.

— Não existe tecido melhor do que tweed — disse Mulder. — O vendedor me disse que este casaco me protegeria da chuva e do frio. Mas não disse nada a respeito de pregos...

— Você está bem? — perguntou Scully, suspirando aliviada.

— Esta cama parece ser mais confortável do que a do trailer — respondeu Mulder. — E você, está bem?

Scully fez uma careta. E levantou os pulsos algemados. Mulder apanhou a chave e abriu as algemas.

Foram os dois para a porta aberta do trailer e olharam para a escuridão.

— Blockhead conseguiu fugir — disse Mulder.

— Já foi difícil agarrá-lo aqui dentro — disse Scully. — Alcançá-lo aí do lado de fora vai ser virtualmente impossível. Se ele consegue realmente sair de seu corpo, quem sabe o que mais será capaz de fazer?

Naquele momento a figura de um homem bastante alto materializou-se no meio das sombras e aproximou-se do trailer.

— Vejam o que eu fisguei — disse o xerife Hamilton. Ele estava segurando alguns fios de náilon nas mãos e deu um puxão forte.

— Ai! — gritou o Dr. Blockhead.

 

Jamais conseguirá me manter preso nesta cadeia! — declarou irritado o Dr. Blockhead. — Isso é o que nós vamos ver — desafiou o xerife Hamilton. — Estamos acostumados a manter todos os tipos de prisioneiros aqui na cadeia de Gibsonton. Você não é o primeiro especialista em fugas que conservamos atrás das grades.

O xerife estava segurando firmemente o Dr. Blockhead pelo braço. Mulder e Scully, de armas em punho, acompanhavam de perto a caminhada para dentro da cadeia. Era um lugar bastante pequeno. As celas ficavam bem ao lado da mesa do xerife.

— Não é disso que estou falando — disse o Dr. Blockhead. — Estou dizendo que sou inocente. Todo o caso de vocês está baseado em meras coincidências. Não passa de uma grande fraude.

— Fraude? — perguntou Scully. — Verdade mesmo? Pois você deve saber, já que é o especialista nisso...

O Dr. Blockhead encolheu os ombros e disse:

— Na verdade, talvez eu até venha a agradecer vocês quando tudo isso acabar. Vou aparecer no 60 Minutos como vítima de um erro de identidade. Vai ser uma publicidade excelente para o meu show.

— Por falar em provas, por acaso isto pertence a você? — perguntou Mulder.

Ele mostrou ao Dr. Blockhead um saquinho de plástico transparente. Dentro estava o alfinete com cabeça de caveira que havia sido encontrado cravado na palma da mão de Hiram Nutt.

— Embora eu seja um indivíduo extraordinário, ainda sou um cidadão dos Estados Unidos — disse o Dr. Blockhead. — E a Quinta Emenda da nossa Constituição diz claramente que eu não preciso dizer nada que possa vir a me incriminar.

— Isso só quer dizer que teremos de gastar o dinheiro que você paga em impostos para metê-lo na cadeia — disse Scully.

— E mais um exemplo do desperdício praticado pelo governo — arrematou o Dr. Blockhead. — Esperem até que eu tenha oportunidade de escrever para o meu congressista. Por acaso ainda não ouviram falar do Contrato com a América?

— Está pensando em mudar de profissão e tornar-se entrevistador na televisão? — perguntou Scully.

— O Dr. Blockhead tem muitos talentos — respondeu ele. — Espere até ver o que eu vou fazer com o seu caso no tribunal — Na verdade, mal posso esperar — disse Scully.

Antes que o Dr. Blockhead pudesse dizer mais alguma coisa, um gemido muito forte veio de uma das celas.

— O que está acontecendo? — perguntou ele. — Agora estão torturando os prisioneiros aqui?

— É Lanny que está preso até ficar sóbrio — explicou o xerife. — Ele estava desmaiado quando o deixei ali. Deve ter despertado e provavelmente está vendo algumas serpentes e elefantes cor-de-rosa. Vai ficar bem assim que passar o efeito da bebida.

Ouviu-se outro gemido, mais forte ainda.

Scully foi até a porta de aço e olhou pela pequena vigia.

— Lanny não vai ficar melhor de sua bebedeira — anunciou ela aos outros. — Parece que houve outro ataque.

Correndo para o lado dela, Mulder e o xerife também olharam pela vigia.

Lanny estava sobre a cama, gemendo, de costas para eles.

Uma fina linha de sangue escorria da cama pelo chão, subindo pela parede até as barras da janela.

— Como poderia alguém ter entrado aí? — resmungou o xerife, procurando pela chave da cela.

— Eu tenho uma forte suspeita de que ninguém entrou — disse Scully. — Acho que alguém saiu dessa cela.

— Scully, o que é que você está dizendo? — perguntou Mulder.

— Na verdade, nem eu mesma sei direito — respondeu Scully. — Foi uma idéia que acabou de me passar pela cabeça. Mas aposto que ficarei sabendo com certeza quando encontrarmos Leonard.

— Leonard? — perguntou Mulder.

— O irmão de Lanny — disse Scully. — Quando estive no museu, vi um pôster que descrevia seu ato.

Naquele momento o xerife abriu a porta da cela. E todos entraram rapidamente.

Scully foi a primeira a chegar ao lado de Lanny. E o fez virar-se sobre a pequena cama da cela. Ele estivera gemendo enquanto dormia e continuava dormindo.

Havia um buraco na parte intermediária de seu corpo, no lugar onde tinha estado o seu irmão gêmeo siamês.

— Oh, meu Deus, alguém removeu o gêmeo! — exclamou o xerife. — Parece que ele foi arrancado dali!

— Não acho que tenha acontecido isso — disse Scully. — Tenho a impressão de que foi o próprio gêmeo quem se separou.

— Mas, Scully, isso é impossível — disse Mulder. — O gêmeo era parte do corpo de Lanny, como um braço ou uma perna.

Quem diria! Era muito estranho para Scully ver Mulder dizendo que alguma coisa era impossível. E era ainda mais estranho ouvi-la discordando.

— Basta olhar para os fatos — disse ela. — Este buraco no corpo de Lanny é idêntico ao buraco que foi encontrado no corpo de todas as outras vítimas. Exceto por uma coisa: Lanny continua vivo... e não está sangrando.

Antes que Mulder pudesse responder, foi o xerife quem falou:

— Se está tentando dizer que esse gêmeo pode sair do corpo dele e andar pela cidade... acho que está tão embriagada quanto ele.

— O senhor mesmo disse que o que importa é "o que existe dentro das pessoas" — disse Scully. — E eu acho que dentro do corpo de Lanny existem órgãos especiais que permitem ao seu gêmeo sair e voltar à vontade.

— Mas, Scully, como é que você pode pensar que o gêmeo siamês dele poderia... — disse Mulder. E ele não conseguiu terminar o que pretendia dizer. Só lhe foi possível balançar a cabeça, incrédulo.

— Mulder, responda-me uma coisa — pediu Scully. — Você acha que uma pessoa que faz uma investigação poderia ser levada por um sonho na direção da solução de um caso?

Mulder só precisou de um momento para pensar na resposta. Depois disse:

— É possível assimilar pistas sem perceber isso com o consciente. Essas pistas podem ficar armazenadas no subconsciente e se manifestarem durante um sonho. Na verdade os sonhos nos contam coisas que nós mesmos não sabemos que sabemos.

— Pois bem, é possível que alguma coisa desse tipo tenha acontecido comigo — disse Scully. — Eu sonhei diversas vezes com Lanny, como se alguma coisa estivesse me dizendo que deveria olhar mais cuidadosamente para ele. Eu sei que parece loucura, mas...

Mulder a fez parar.

— Não se desculpe, Scully. Você está indo muito bem. Na verdade, acho que está indo muito melhor do que eu.

— Bem, não estou muito certa disso... — disse Scully. Naquele momento ouviu-se outro gemido de Lanny. Seus olhos estavam abertos e piscavam sem parar. Scully ficou imaginando se ele teria ouvido a conversa.

— Como... Como foi que eu...? — resmungou Lanny.

— Como foi que você o quê? — perguntou Scully, curvando-se sobre a cama onde ele estava.

As palavras de Lanny eram confusas.

— Como foi que eu o entreguei? Sem... sem entregar a mim mesmo?

— Por que ele está atacando outras pessoas? — perguntou Scully.

— Eu não... Eu não acho que ele sabe que está ferindo as pessoas — respondeu Lanny, fazendo um esforço quase agonizante. — Ele está apenas... procurando por outro irmão.

— Você está sentindo dores, Lanny? — perguntou o xerife.

— Dói sim... Dói muito quando não me sinto desejado — disse Lanny. — Eu sempre... cuidei dele, durante nossa vida inteira. Talvez... seja por esse motivo que...

Lanny enfiou a mão no bolso de dentro do casaco. Tirou de lá um frasco de metal e começou a levantá-lo na direção da boca.

Scully o fez parar antes que o xerife lhe tomasse o frasco.

— Você já bebeu demais, Lanny — disse ela com uma voz suave.

— Bebeu demais... — Lanny concordou vagamente. Seus olhos estavam ficando vidrados.

Antes que ele desmaiasse de novo, Scully perguntou:

— Quanto tempo Leonard consegue sobreviver fora do seu corpo?

— O bastante para... o bastante para... — disse Lanny. Sua voz estava cada vez mais fraca.

Scully o agarrou pelos ombros e o sacudiu de leve perguntando:

— O bastante para fazer o quê, Lanny?

— O bastante para descobrir que não pode fazer coisa alguma para mudar o modo como nasceu — disse Lanny, repentinamente emocionado. Aí, sua voz tornou-se ainda mais fraca: — Mas ele sempre... volta para mim. Afinal, eu sou seu... único irmão.

Sua cabeça tombou.

Scully o segurou pelo pulso. Em seguida, anunciou:

— O pulso dele está fraco.

— Precisamos de uma ambulância — disse Mulder.

— Vou chamar o hospital — disse o xerife Hamilton, correndo para o telefone que estava sobre sua mesa.

Enquanto isso, Scully puxava uma cadeira para perto da janela. Subiu na cadeira e olhou para fora através das grades.

À primeira vista o espaço que havia entre as barras de aço tinha parecido estreito demais. Agora, parecia ser muito largo.

Ela tocou uma das barras. Estava molhada de sangue.

Mulder e o Dr. Blockhead tinham se aproximado da cadeira sobre a qual ela estava.

— Eu poderia processar vocês dois por falsa prisão — disse o Dr. Blockhead com um sorriso triunfante. — Mas um homem do meu desenvolvimento espiritual não se rebaixaria a praticar um ato de mera e desqualificada ganância. — Depois de uma breve pausa, ele perguntou, admirado: — Quer dizer que o gêmeo pode fazer isso? Consegue subir na parede e passar por um espaço reduzido como o das grades?

— Parece que sim — respondeu Scully.

— Meu Deus! — exclamou o Dr. Blockhead. — Eu bem que poderia usar um sujeito como ele no meu show.

— Scully, você é quem é especialista em assuntos médicos — disse Mulder. — Se acha que o gêmeo siamês tem capacidade para separar-se de seu irmão, acredito em você. Mas como uma criatura dessas consegue se movimentar por aí?

— Está perguntando até onde ele conseguiria ir? — perguntou Scully, olhando para a escuridão da noite. — Tudo o que sabemos com certeza é que consegue ir suficientemente longe para matar.

 

Scully e Mulder saíram da cela de arma em punho.

O xerife Hamilton levantou os olhos do telefone quando os dois deixaram a cela.

— A ambulância deve chegar daqui a alguns minutos — anunciou ele. — Espero que chegue a tempo, porque Lanny não está com uma aparência muito boa.

— Fique esperando aqui pelo socorro — pediu Mulder. — Scully e eu vamos dar uma olhada por aí.

Lá fora, Mulder e Scully deram a volta pelo prédio da cadeia, até chegarem ao lado da janela da cela de Lanny.

— Veja — disse Scully, apontando para as marcas de sangue que havia sobre os tijolos da parede. O sangue descia da janela para o chão. — O gêmeo deve ter mãos que funcionam mais ou menos como ventosas. Devem ser curtas e ficar bem perto do seu corpo, embaixo das mangas de sua blusa. As perninhas devem ser muito curtas também. Não é possível vê-las embaixo da blusa. Mas sabemos que ele pode se movimentar com bastante rapidez.

— Você acha possível que suas mãos e pés sangrem? — perguntou Mulder.

— É mais provável que o sangue seja dos órgãos internos do corpo. Dos órgãos que ficam unidos ao corpo de Lanny — disse Scully. — Não consigo sequer imaginar como seriam esses órgãos. Não é o tipo de coisa que ensinam nas escolas de Medicina, entende?

— Acho que tem mais uma coisa que podemos supor a respeito de nosso pequeno amigo — disse Mulder.

— E o que é? — perguntou Scully.

— Leonard tem dentes — respondeu Mulder. — E são afiados como navalhas.

Scully concordou, fazendo um movimento com a cabeça. E acrescentou:

— Sua boca poderia ficar escondida naquele monte de carne que representa sua cabeça. Eu observei algumas dobras entre os ombros que poderiam ser os seus traços faciais.

— Ele deve ter olhos — disse Mulder. — Afinal de contas, Leonard parece saber muito bem para onde quer ir.

— Gostaria que nós soubéssemos para onde ele quer ir... — disse Scully.

— Talvez ele esteja nos dizendo — disse Mulder. — Olhe.

Ele apontou para a calçada. As manchas de sangue brilharam sob o clarão da luz de um poste público.

Eles seguiram as manchas de sangue ao redor da esquina, por uma ruazinha suja, até uma porta bastante grande, que estava entreaberta.

— Que tipo de lugar é este? — perguntou Scully. Não se parecia em nada com tudo o que ela já havia visto. Era menos um prédio do que um labirinto de supostos corredores de madeira espalhados por um enorme terreno baldio.

Mulder empurrou a porta para abri-la de uma vez. Lá dentro, ao lado da porta, havia um interruptor.

— Talvez isto sirva para lançar alguma luz sobre todo este mistério — disse ele. E ligou o interruptor.

Lá fora, o rosto de Scully foi iluminado por um clarão verde.

Acima da porta tinha se acendido um grande luminoso de néon, que anunciava: O TABERNÁCULO DO TERROR.

Outra luz de néon acendeu ao mesmo tempo, iluminando os rostos de um homem, uma mulher e duas crianças, todos gritando.

— É a casa de diversões de Hepcat — disse Scully.

— A diversão está para começar — disse Mulder. E soltou a trava de segurança de sua arma. — Estou ouvindo um barulho que vem lá de dentro. Acho que conseguimos cercar Leonard. Vou atrás dele.

— Vou dar a volta pelos fundos para evitar que ele fuja por lá — disse Scully. — Tenha muito cuidado. Ainda não sabemos direito como ele age, mas sabemos bem o que ele pode fazer.

Mulder balançou a cabeça. Esperou até que Scully saísse. Depois entrou pelo longo e estranho corredor que se abria à sua frente.

Quando chegou ao final dele, viu outro corredor que saía para um lado, como o afluente de um rio. Ao se virar pelo corredor, seu dedo endureceu sobre o gatilho... como se estivesse certo de que Leonard estava à sua espera.

Nada apareceu na sua frente. Seu dedo relaxou. Então, todo o seu corpo ficou rígido quando ele viu alguma coisa pálida que se afastava debaixo de uma luz muito fraca.

Mulder saiu correndo. Mas aquela coisa já estava virando por outra dobra do corredor.

Mulder aumentou a velocidade, correndo atrás daquilo. Virou pela esquina a toda velocidade, mas aquela coisa, que mais parecia um fantasma, já havia desaparecido de vista. Mulder não sabia que tipo de pernas Leonard tinha, mas aquela coisa conseguia correr bastante.

Mulder disparou pelo corredor vazio, dobrou outra esquina e...

Bang!

Mulder viu-se sentado no chão, balançando a cabeça para poder entender o que havia acontecido.

Tinha ido de encontro a uma parede.

Hepcat devia estar morrendo de rir, estivesse ele onde estivesse.

Enquanto isso, Scully tinha entrado na casa de diversões pelos fundos. Caminhando por um corredor, ela também ia de arma em punho.

Dobrou uma esquina e viu-se olhando para a mais completa escuridão. "A lâmpada deve ter queimado", pensou. E Hepcat Helm já não estava ali para trocá-la. O que seria daquele lugar sem ele?

Então ela ouviu um rugido baixo que vinha da escuridão.

"Ah, então o pequeno Leonard também tem voz", pensou ela. Ergueu a arma e caminhou lentamente na direção do som.

O barulho ficou mais forte.

Seu dedo ficou rígido na frente do gatilho.

De repente, explodiu diante de seus olhos o clarão de uma luz.

Uma gigantesca cabeça saltou na sua frente. Uma cabeça com olhos esbugalhados e um sorriso maldoso.

Scully reconheceu aquela cara. Era o rosto de Hepcat Helm.

Ela abaixou a arma ao mesmo tempo que a grande cabeça de plástico se recolhia dentro de um alçapão no chão. O alçapão fechou e o barulho da gargalhada gravada ecoou pelo corredor.

— Ha, ha... Grande piada, Hepcat — resmungou Scully, continuando a caminhar pelo corredor.

No fim do corredor, ela se viu parada diante de uma porta. Com a arma erguida diante do peito, abriu a porta.

Na sua frente apareceu um túnel de metal brilhante, cuja superfície era lisa como a de um espelho. Antes que pudesse descobrir do que se tratava, ela ouviu o barulho de alguém correndo, que vinha da outra extremidade.

— Leonard! Agora eu te peguei! — disse ela em um sussurro, correndo para dentro do túnel. — Ei, que diab... — gritou, quando sentiu seus pés se erguerem no ar.

O tubo de metal estava girando tão rápido como o tambor de uma máquina de lavar. Scully foi violentamente atirada para o lado e caiu de costas, batendo os ombros e a cabeça. Desesperada, tentou recuperar o equilíbrio, ao mesmo tempo que procurava não deixar cair a arma, que poderia salvar sua vida.

Finalmente ela conseguiu se equilibrar e se apoiar sobre as mãos e os joelhos. Centímetro a centímetro ela conseguiu engatinhar até a extremidade do escorregadio túnel e sair dele.

Quando ficou em pé, o túnel parou de girar. Permaneceu parado e brilhante, à espera de sua próxima vítima.

Scully arregalou os olhos para o túnel esperando que sua própria cabeça parasse de girar também.

Então ela ouviu de novo o barulho de alguém que parecia estar correndo. O barulho vinha de alguma parte da casa de diversões.

Scully olhou pelo corredor que se abria à sua frente.

Pareceu-lhe suficientemente seguro, de maneira que ela entrou por ele.

Seu ombro bateu violentamente contra uma parede. Ela tombou para o outro lado e bateu na outra parede. Então o chão desapareceu debaixo de seus pés.

Ela resolveu ficar parada como uma estátua.

"Eu deveria ter adivinhado", disse a si mesma, olhando com mais cuidado para aquele corredor. Notou que o piso era uma esteira rolante. As paredes eram ajustadas à esteira, de maneira que, à primeira vista, nada parecesse estranho para quem olhasse.

— Muito engraçado, Hepcat. Muito engraçado mesmo.

Ela esfregou o ombro. Os arranhões que havia recebido no túnel de metal agora tinham novos arranhões por cima.

Então ela tornou a ouvir o barulho de alguém correndo.

Caminhando com todo o cuidado, com uma das mãos encostada à parede para poder se orientar, ela foi na direção do final do corredor.

Respirou com um pouco mais de tranqüilidade quando virou a esquina e conseguiu pisar de novo sobre o chão firme.

Mas levou um susto e perdeu o fôlego.

Nesse momento ela viu o que estava procurando. Era uma coisa leitosa, próxima do chão.

Mas vinha na direção dela, mais rápido do que ela havia imaginado ser possível.

Mal teve tempo de apontar a arma e disparar. Uma vez. Duas. E mais uma.

Felizmente, ela não podia errar de tão perto.

Mas aquela coisa continuava vindo na direção dela, ao mesmo tempo que as balas iam arrebentando um espelho atrás do outro.

Automaticamente o cérebro de Scully foi formando as palavras: Casa de diversões... Salão dos espelhos mágicos...

Mas aquilo não tinha graça. Não podia ser considerado uma diversão.

Havia bolhas brancas que vinham na direção dela, partindo de todas as direções. Ela esvaziou a arma, desesperada, enquanto os espelhos iam-se estourando em milhares de pedaços... e uma única bolha que sobrou continuou vindo na direção dela como uma motosserra viva.

Ela se preparou para o pior.

E a bolha parou de correr.

Talvez tivesse sido atingida. Talvez estivesse cansada. Talvez estivesse tão confusa como ela estava.

Não importava. Pelo menos Scully tinha uma nova chance de lutar contra ela agora. Embora não pudesse mais atirar com a arma, poderia usá-la para bater com toda a força naquela coisa.

Ela correu na direção da bolha, com a arma erguida acima da cabeça. Selvagemente ela bateu com o cano do revólver.

Outro espelho estourou e Scully encolheu o corpo em choque.

Então sua boca se abriu para lançar um grito agudo quando um par de mãos segurou seus ombros por trás.

 

Scully, você está bem? — perguntou Mulder. — Ouvi vários tiros. — Scully esperou alguns instantes, até que o coração saísse de sua garganta e voltasse para seu lugar. — Mulder! — gritou ela. — Ninguém lhe disse que não deve assustar as pessoas desse jeito?

— Desculpe, Scully — disse ele. — Acho que pode pôr a culpa na academia do FBI. Eu era um sujeito tão educado antes de entrar para o Bureau...

Então os dois ouviram um barulho que vinha da porta de trás da casa de diversões.

— Essa coisa passou por mim — disse Scully. — E continua aí, livre como um pássaro.

Mulder correu atrás daquele barulho, com Scully logo atrás.

Mas lá fora eles tiveram de parar.

Não dava para ouvir mais nada além do silêncio da noite iluminada pelo luar.

Mulder colocou o dedo na orelha e depois o cruzou sobre os lábios. Apontou para alguns arbustos que havia por perto.

Scully fez um gesto com a cabeça. Ela também tinha ouvido o barulho de alguma coisa se mexendo nas folhas. Tornou a carregar o revólver enquanto caminhava na ponta dos pés em direção aos arbustos.

Mas não foram suficientemente silenciosos.

Do meio dos arbustos apareceu uma pequena forma escura que disparou na direção dos dois.

Ambos levantaram suas armas para atirar.

Mas os dois ficaram parados como estátuas.

O que vinha na direção deles não era a bolha pálida da morte.

Era uma pequenina bola de fúria que latia cheia de ódio.

— É o cachorrinho de Nutt — disse Scully, enquanto seu dedo relaxava sobre o gatilho. — O que estaria ele fazendo aqui?

— Acho que está tentando nos dizer alguma coisa — disse Mulder, baixando a arma.

Ainda latindo, Commodore parou na frente deles. E olhou bem para os dois. Quando nenhum dos dois se moveu, o cachorrinho se virou e foi embora correndo.

Alguns metros depois, ele parou e tornou a olhar para os dois.

— Ei, rapaz. O que está acontecendo? — perguntou Mulder. Latindo ainda mais forte, o cachorrinho correu de volta para eles.

E olhou de novo, como se estivesse implorando. Tornou a se virar, correu, parou e olhou uma vez mais para eles dois.

— Está bem — disse Mulder. — Já entendemos. Está querendo que o sigamos...

Assim que Mulder e Scully foram na sua direção, Commodore começou a correr pela rua a toda velocidade. Os dois agentes o seguiram, correndo o mais depressa que podiam. O cachorrinho só diminuiu a marcha quando percebeu que os dois agentes estavam longe demais. Toda vez que se aproximavam, ele disparava de novo.

— Está indo na direção do estacionamento de trailers — constatou Mulder.

— Ele sabe quem matou seu dono... — disse Scully, quase sem fôlego — ... E tornou a ver a mesma pessoa por lá. Quer que o alcancemos. O cachorrinho deve ter algum parente caçador.

— É o melhor amigo do homem — disse Mulder.

— E o pior inimigo de Leonard — disse Scully.

Quando chegaram ao estacionamento de trailers, Commodore não conseguiu se conter.

Continuou correndo e desapareceu de vista, no meio dos trailers. Os dois o ouviram latindo feroz no meio das sombras. Então, os latidos pararam de repente.

— Acho que ele encontrou Leonard — disse Mulder.

— Ou vice-versa — concluiu Scully.

— Isso nós vamos ter de descobrir — disse Mulder, caminhando na direção das sombras.

— Náo sei se estou muito a fim de descobrir isso — disse Scully, seguindo seu parceiro. Um minuto depois, a única coisa que conseguiu dizer foi: — Oh, pobre animal...

— Leonard deve estar ficando desesperado — disse Mulder.

— Temos de fazê-lo parar — disse Scully, desarmando a trava de segurança de sua arma.

— Gostaria que aquelas nuvens desaparecessem do céu — disse Mulder. — Precisamos de toda luz possível.

Nuvens negras e muito rápidas passavam diante da lua, tornando a noite escura em um momento, clara no outro, como se alguém estivesse brincando com o interruptor da luz.

De repente Mulder saiu correndo atrás de uma pequena forma que se movia entre dois trailers.

Parou de repente, quando chegou perto daquilo.

E deu um passo para trás quando apareceu uma mulher de apenas um metro de altura, que olhou para ele e perguntou:

— Está procurando alguma coisa, bonitão?

A porta de um dos trailers se abriu e apareceu um homenzinho de um metro de altura que ordenou:

— Mabel, acho bom você entrar aqui agora mesmo! — depois que ela obedeceu, o homenzinho disse para Mulder: — E quanto ao senhor, cavalheiro...

E ergueu uma espingarda que parecia ser maior do que ele próprio.

— Ouça, foi apenas um pequeno engano — disse Mulder. Durante um momento ele ficou pensando se "pequeno" seria uma palavra apropriada naquelas circunstâncias.

— Se o encontrar perto de minha mulher outra vez, vai ser o último erro que o senhor cometerá! — ameaçou o homenzinho, batendo a porta do trailer com toda a força.

Quando Mulder voltou para perto de Scully, ela disse:

— Mulder, você não gostaria de estar enfrentando alguma coisa mais fácil de manipular, como os seus homenzinhos verdes de Marte?

— Nesse momento eu me sinto como se estivesse em Marte — disse Mulder.

— Eu tenho me sentido assim desde o momento em que chegamos aqui — disse Scully. — Gibsonton, a terra da fraude circense. Onde todos os baús estão vazios, todas as portas transformam-se em paredes e tudo que vemos é tão falso como a Sereia de Fiji.

— Tudo menos a morte — disse Mulder.

Eles começaram a caminhar de novo pelo estacionamento de trailers. O luar ficou mais fraco e o ar parecia tornar-se mais frio. Então a lua apareceu de novo.

Scully parou e arregalou os olhos.

— Vamos esperar que aquilo não seja o que estou pensando que é... — disse ela.

Havia um homem caído no chão ao lado de um trailer. Suas mãos estavam agarradas à própria barriga. E ele estava parado, tão imóvel como a morte.

— Aquele é o trailer de Blockhead — disse Mulder, correndo ao lado de Scully na direção do homem caído.

— Isso mesmo — disse Scully. — Parece que o doutor encontrou uma coisa mais afiada do que os seus pregos e alfinetes.

— Uma coisa da qual não conseguiu escapar — disse Mulder. — Só espero que ele tenha conseguido sair do corpo primeiro.

 

Antes que Mulder e Scully conseguissem chegar junto do corpo caído, acendeu-se a luz do trailer. A porta abriu-se de um só golpe. — Que diabo é isso? Uma batida no meio da noite? — perguntou o Dr. Blockhead lá de dentro. — É melhor que vocês dois tenham um mandado... ou vão ter de me enfrentar no tribunal.

Scully e Mulder arregalaram os olhos para ele... Depois voltaram-se para o corpo que estava no chão.

Suas tatuagens tornaram-se claras ao clarão da luz que vinha de dentro do trailer.

Então Conundrum gemeu.

— Ele ainda está vivo! — exclamou Scully.

Aquela altura o Dr. Blockhead já estava ao lado dos dois.

— O que aconteceu com ele? — perguntou Blockhead.

— É melhor preparar-se — disse Scully ajoelhando-se ao lado de Conundrum.

A monstruosidade continuava a gemer enquanto Scully removia lentamente as mãos de seu estômago.

— Não vejo ferimento algum — disse ela examinando cuidadosamente a pele tatuada. — Mas ele levou uma pancada aqui e sua barriga parece estar inchada.

— Leonard deve ter ouvido a nossa chegada — disse Mulder. — Talvez tenha decidido fugir antes de causar danos maiores.

— Ainda se soubéssemos que rumo ele tomou... — disse Scully.

Mulder teve uma idéia. Abaixou-se ao lado de Conundrum e sussurrou:

— Você seria capaz de apontar o dedo na direção para onde fugiu essa coisa que atacou você?

Mas Conundrum limitou-se a ficar gemendo e esfregando o estômago.

— Leonard deve ter lhe dado uma pancada e tanto — disse Scully. — O hematoma está preto e azulado.

— Vamos, eu vou colocar uma bolsa de gelo sobre sua pobre barriguinha — disse o Dr. Blockhead ao seu companheiro, enquanto o ajudava a se levantar e caminhar para dentro do trailer.

As nuvens voltaram a cobrir a lua e uma vez mais Scully e Mulder foram deixados sozinhos na escuridão.

— Perdemos a pista dele — disse Scully.

— Leonard poderia estar em qualquer parte — ecoou Mulder.

— Temos de fazer alguma coisa — disse Scully.

— Concordo — respondeu Mulder. — Mas não sei o que poderíamos fazer. Exceto esperar aqui até ouvirmos o próximo grito.

Mas o que ouviram em seguida foi o barulho de um carro.

E viram a luz dos faróis. O carro parou e o xerife Hamilton desceu.

— Tinha certeza de que os iria encontrar aqui — disse ele. — Alguém na cidade viu vocês dois correndo nesta direção.

— Como está Lanny? — perguntou Scully.

O xerife balançou a cabeça e disse com ar apreensivo:

— Lanny está morto.

— Assassinado pelo próprio irmão gêmeo — disse Mulder. — Acho que Leonard se afastou do irmão pela última vez.

Uma vez mais o xerife balançou a cabeça.

— Essa não foi a causa de sua morte. O médico disse que foi o fígado de Lanny que não resistiu. Ele vinha bebendo demais há muito tempo.

— Isso provavelmente explica tudo — disse Mulder.

— Explica o quê? — perguntou o xerife.

— Bem, explica por que os assassinatos foram ficando mais e mais freqüentes nos últimos meses... e especialmente nos últimos dias — disse Mulder. — Leonard deve ter percebido que o estado de Lanny estava ficando mais grave. E deve ter pressentido que morreria também, a menos que encontrasse outra pessoa a quem pudesse ligar-se.

— É isso mesmo — disse Scully, lembrando-se da história que havia ouvido no museu a respeito dos dois Irmãos Siameses originais. — Imagine como deve ser horrível saber que vai morrer a pessoa a quem você está unido. Deve ser uma coisa pavorosa. Sim, porque, afinal de contas, Leonard também é humano. Talvez, eu não estivesse preparada para dizer isso logo que cheguei a este lugar. Mas agora estou vendo as coisas por um prisma diferente.

— Humano ou não, temos de agarrá-lo — disse Mulder. — Ele deve estar desesperado. Aposto que está disposto a atacar qualquer coisa que se mova — ele se voltou para o xerife e disse: — Pode nos ajudar a procurar? Tem algum auxiliar que possa se juntar a nós?

— Então vocês acham mesmo que o gêmeo é o assassino? — perguntou o xerife. — Isto é, antes vocês pensavam que o culpado fosse a Sereia de Fiji...

— Leonard não é uma fraude — disse Mulder com um certo tom de raiva na voz.

O xerife encolheu os ombros.

— Está bem. Vocês é que são do FBI. Eu tenho uma idéia. Não conto com nenhum assistente, mas tenho muitos amigos na cidade. Amigos muito especiais.

— Então vá acordá-los — ordenou Mulder.

— Isso mesmo — disse Scully. — Talvez seja preciso contar com uma "pessoa especial" para encontrar outra.

Ao amanhecer a busca havia terminado.

O gigante, os anões, o homem forte, a mulher gorda, o homem magro, o homem de três pernas, o polvo humano, uma equipe de acrobatas e um grupo de palhaços haviam examinado cada centímetro do estacionamento de trailers. Nada foi encontrado.

O xerife levou a notícia a Scully e Mulder quando os dois estavam vendo o sol nascer. Eles também haviam procurado durante a noite inteira.

— Tem certeza de que era mesmo o gêmeo que vocês viram correndo por aqui? — o xerife perguntou a Scully. — Isto é, talvez vocês tenham visto a Sereia de Fiji e ela tenha saltado para dentro do rio e nadado de volta para a ilha de Fiji — o xerife riu, satisfeito com a própria piada.

— Pois olhe, xerife, nós vimos o gêmeo — respondeu Scully, irritada.

— Calma, Scully — pediu Mulder. — Agora você está entendendo como eu me sinto a maior parte do tempo.

O xerife ficou sério e disse:

— É melhor vocês terem certeza de que se tratava mesmo do gêmeo, se querem mesmo deixar que o nosso amigo ali vá embora.

Um velho e malcuidado Fusca estava estacionado ao lado do trailer do Dr. Blockhead. E o doutor estava carregando o carrinho com todas as suas coisas.

Scully, Mulder e o xerife caminharam até ele.

O Dr. Blockhead deu uma rápida olhada para eles e continuou carregando O carro. Conundrum já estava sentado no banco da frente.

— Por acato está pensando em ir embora? — perguntou Scully.

— E você não estaria... com aquela coisa ainda em liberdade? — tomou o Dr. Blockhead, empurrando sua camisa-de-força para que coubesse no último espaço que ainda restava no porta-malas do carro.

— Leonard provavelmente já deve estar morto — disse Scully. — Ele não poderia ter sobrevivido durante todo este tempo fora de um corpo vivo. E seu irmão está morto.

— Acho que é verdade o que dizem, que não se pode mais voltar ao lar — disse o Dr. Blockhead.

— Estou pensando em fazer uma autópsia no corpo de Lanny — anunciou Scully. — Tenho certeza de que jamais vi coisa alguma que se pareça com a parte de dentro daquele cadáver.

— E pode ter certeza de que nunca verá de novo — disse o Dr. Blockhead.

— O que está querendo dizer com isso? — perguntou Scully.

O rosto sempre irônico do Dr. Blockhead de repente adquiriu um ar de solenidade quando disse:

— A ciência moderna está eliminando todos os sinais de desvios da forma humana. No século 21 a engenharia genética vai fazer muito mais do que a mera eliminação dos gêmeos siameses e das pessoas com pele de crocodilo. Vai tornar praticamente impossível encontrarmos pessoas com peso um pouco fora do normal ou até com o nariz um pouco grande. Já posso ver esse futuro e confesso que fico arrepiado quando penso nisso. O futuro se parece com... ele.

O Dr. Blockhead apontou para Mulder. E acrescentou: — Imagine ter de passar a vida inteira com uma aparência como a dele... Mulder encolheu os ombros e disse:

— É uma tarefa bastante ingrata... Mas alguém tem de realizá-la.

— É por isso que as monstruosidades que se fizeram por si mesmas, como eu e Conundrum, precisam sair por aí para recordar as pessoas — disse o Dr. Blockhead.

— Recordá-las de quê? — perguntou Scully.

— Para recordá-las de que a natureza odeia que tudo seja perfeitamente normal — respondeu o Dr. Blockhead. — Ela não pode ficar muito tempo sem criar algum tipo de monstruosidade. E vocês sabem por quê?

— Não — respondeu Scully. — Por quê?

— Confesso que também não sei — respondeu o Dr. Blockhead. — É um grande mistério. Talvez alguns mistérios nunca devam ser elucidados.

— Isso mesmo. Como o lugar para onde o gêmeo foi — disse o xerife Hamilton.

— Vou deixar que vocês se divirtam com esse pequeno mistério — disse o Dr. Blockhead, sentando-se ao volante de seu Fusca. — Conundrum e eu estamos de partida para Baltimore. Nosso espetáculo começa na próxima terça-feira.

Mulder olhou para dentro do carro.

— Há alguma coisa errada com Conundrum? — perguntou ele ao Dr. Blockhead. — Parece bastante pálido.

— Não sei qual é o problema, não sei o que ele tem — respondeu o Dr. Blockhead. — Passou a noite inteira virando de um lado para o outro na cama. Não me deixou dormir um minuto. Talvez seja este horrível calor daqui da Flórida.

— Espero que não seja nada grave — disse Scully.

Ela foi para o lado direito do carro, onde estava Conundrum. Dobrou o corpo para a frente, diante da janela, para vê-lo melhor.

Conundrum virou o rosto para o lado, de maneira que os dois ficaram cara a cara.

Conundrum arrotou.

— Deve ter sido alguma coisa que comi ontem à noite — disse ele. Scully ficou parada com Mulder e o xerife, olhando o Fusca afastar-se lentamente.

Quando o carro já havia desaparecido de vista, ela se voltou para os outros dois e disse:

— Acho que vou ficar sem o café da manhã hoje. Por algum motivo eu perdi todo o meu apetite.

                                                                               

 

                      

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